De oE MEMORIAS Pa. ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA CLASSE DE SCIENCIAS MATHEMATICAS, PHYSICAS E NATURAES Nisi utile est quod facimus, stulta est gloria NOVA SERIE—TOMO IL, PARTE IL LISBOA NA TYPOGRAPHIA DA MESMA ACADEMIA “asa INDICE DAS MATERIAS QUE SE CONTÉM NO TOMO II PARTE If DA NOVA SERIE DAS MEMORIAS DA CLASSE DE SCIENCIAS MATHEMATICAS, PHYSICAS E NATURAES DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA Memoria sobre algumas particularidades dos ossos do carpo e do me- tacarpo — apresentada á Academia Real das Sciencias de Lisboa — pelo Dr. Thomaz de Carvalho. Terrenos anthraciferos e carboniferos. — Memorias sobre as minas de carvão de pedra de S. Pedro da Cova, do Cabo Mondego e do dis- tricto de Leiria — por Carlos Ribeiro. Minas metallicas de Portugal. — Memorias sobre as minas de chumbo de S. Miguel d'Ache, de Segura, do Castello da Ribeira das Cal- deiras e sobre o grande filão metallifero, que passa ao nascente de Albergaria a velha e Oliveira d’Azemeis — por Carlos Ribeiro. As chuvas em Lisboa — Trabalho apresentado á Academia—por Joa- quim Antonio da Silva. Noticia dos trabalhos magneticos executados no Observatorio Metcoro- logico do Infante D. Luiz na Escóla Polytechnica — apresentada á Academia Real das Sciencias — por Joaquim Antonio da Silva. Anatomia pathologica e symptomatologia da febre amarella em Lis- boa no anno de 1857 — Memoria apresentada á Academia Real das Sciencias — pelo Dr. Pedro Francisco da Costa Alvarenga. Sull’ elettricità atmosferica — Memoria scritta da Luigi Palmieri, co- roada pela Academia na Sessão solemne de 20 de fevereiro de 1859. Des caracteres zoologiques des mammiferes dans leurs rapports avec les fonctions de locomotion — par M. Pucheran. MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO APRESENTADA A’ ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA DR. THOMAZ DE CARVALHO SOCIO EFFECTIVO DA MESMA ACADEMIA. MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO APRESENTADA A” ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA, PELO DR. THOMAZ DE CARVALHO, SOCIO EFFECTIVO DA MESMA ACADEMIA. INTRODUCCAO. L Gateno compoz um livro admiravel sobre a anatomia da mão. Parece impossivel, que em materia da mais complicada e difficil es- tructura, no tempo em que floreceu este fecundissimo engenho, se podesse escrever com tanta perspicacia e minuciosa exactidão. Pasmam os conhecimentos especiaes que possuia Galeno sobre tão vasto argu- mento; e cresce a nossa admiração se nos lembrarmos das immensas dificuldades com que havia de luctar para fazer uma exposição rigo- ‘rosa de partes e tecidos, que a sciencia até então não ensinára a dis- tinguir. Todos os medicos, desde as primeiras éras da sciencia, convinham na utilidade do estudo da anatomia, como base fundamental da arte de curar. Á cirurgia, já em tempos do medico de Pergamo extremamen- te adiantada e segura dos seus destinos, como nos convencem as ope- rações audaciosas e brilhantes que se praticavam, reconhecia a falta das noções anatomicas como unico embaraço ao seu desenvolvimento. Os medicos gregos, desde Herophilo, que deixou nome immortal na com- 1x 4 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES posição da fabrica humana, fizeram esforcos notaveis afim de penetra- rem na organisação da magestosa machina, cujos desconcertos tempo- rarios lhes incumbia entender e reparar, Entretanto, por maiores que fossem as fadigas de engenhos taes como Hippocrates e Aristoteles, que tanto contribuiram para o adiantamento das sciencias physicas no an- tigo mundo, a anatomia permaneceu no berco, d'onde só devia levan- tar-se com a regeneração das lettras, pelos fins da idade media. Os medicos de Roma, de origem grega pela maior parte (como em Portugal forâm estrangeiros nos. primeiros seculos da monarchia), trouxeram da terra patria os rudimentos da sciencia anatomica, que apesar de esmerada cultura não chegou a produzir consideraveis re- sultados. Roma viveu pouco e mal. Creados antes para as conquistas da guerra que para as do entendimento, 08 seus indomaveis filhos pou- co adiantaram ou desenvolveram nas sciencias. Em medicina podiamos, sem grande risco, prescindir dos subsidios da arte romana, se não fos- sem de grande recurso para à interpretação da sciencia antiga. Entretanto Galeno estendeu o poderoso influxo da sua vasta in- telligencia e do seu subtilissimo engenho sobre tantos pontos da arte de curar, que sería uma deploravel perda se náo tivessem chegado até nós os seus admiraveis livros, verdadeira encyclopedia antiga de me- dicina. Por isso tambem não deve surprehender-nos a influencia despoti- ca que as suas theorias exerceram: quasi até aos nossos dias. Chegou a ponto que a mesma liberdade de analyse e interpretação que elle se permittira a respeito de seus predecessores, e muito especialmente de Hippocrates, a quem, apesar dos elogios merecidos e votados por to- da a antiguidade, trata por vezes com rigor acrimonioso, essa liber- dade, dizemos, de discussão e exame não era consentida por aquelles que nas obras de Galeno achavam a ultima solução de todos os pro- blemas da arte e da sciencia. IL. Tristissima phase, que de seculos paralysou a marcha do espi- rito humano, habituando-o á inercia das proprias faculdades, que tan- to importa a abdicação da authoridade da intelligencia. O que nas scien~ cias moraes, na consciencia da humanidade fora capaz de produzir a fé, com a mesma intensidade veio a reflectir-se nas sciencias de ob- servaçäo; isto é, a cega obediencia ao dogma acceito e escripto. Era uma doutrina absoluta em toda a encyclopedia. O principio, que sub- jugava a intelligencia do homem, e a fazia curvar ás verdades reves DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 5 ladas, dominava exclusivamente os phenomenos do mundo exterior. A relacio logica era evidente e manifesta. Se o methodo theologico con- duzia seguramente á illuminação dos problemas da vida racional, e os resolvia em conformidade da maior ventura da especie, sería absurdo procurar numa philosophia contraditoria a solução dos factos exter- nos, cuja obscuridade não tinham podido dissipar nem as velhas theo- gonias, nem os esforços constantes dos seculos passados. O mundo era já velho, quando a fé o tomou asi, para lhe arrancar os mysterios que obstinadamente encerrava aos olhos da humanidade. A redempção não viera sómente libertar o homem mas o mundo, um e outro com iguaes privilegios, emanação da providencia eterna. O que pois era a fé nas divinas lettras e os prodigios que operava, era nas sciencias a autho- ridade, e a mesma influencia devia ter. Concebem-se as consequencias fataes d'esta doutrina absoluta. O seu logico rigor tinha de forçosamente cair em excessos deploraveis. A consciencia do homem estivesse embora satisfeita, e adormecesse tranquilla no berço do novo dogma, a razão reluctava contra os fer- ros que lhe langavam, e se por um lado achava commoda aquella quie- tação sobre a incerteza dos destinos humanos, por outro insurgia-se e procurava levar a luz da sua interior essencia aos phenomenos que em vão pretendia dominar a authoridade. Havia nesta doutrina um grande erro de raciocinio. Se os alicer- ces della procediam de origem divina, o edificio era do homem, a tra- ça puramente humana. Nada por conseguinte nelle que não estivesse sujeito á razão, que não fosse dos seus dominios. Como tudo que se modifica e consome, assim era perescivel e modificavel, e uma vez estabelecido este direito imprescriptivel da razão sobre tudo, que o mes- mo é que reconhecer a illuminação do mundo exterior e interior pela razão eterna, a grande revolução estava consummada, a reforma era imminente. m. Escusado é descrever, nem foi o nosso intento, a luminosa phase com que abriu o seu curso o moderno mundo. Luthero e Descartes são os grandes precursores de todos os desenvolvimentos e progressos que tem feito as sciencias desde a reformacio. Em medicina tão poderosa foi a influencia das theorias de Ga- leno, que se porventura desappareceram completamente dos livros actuaes, facil éainda achar os vestigios dellas nas crenças medicas do vulgo. Dominou exclusivamente a doutrina Galenica durante a deca- 6 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES dencia, em toda a idade media e principios da restauração, para só- mente expirar de todo em nossos dias. Quando se attenta reflectida- mente neste predominio de tantos seculos, náo podemos deixar de ve- nerar aquelle grande vulto, que por tantos tempos impoz a authori- dade do seu nome em todas as cousas medicas. No decurso desta me- moria e ainda numa parte das menos importantes da materia, vere- mos como homens de alto engenho e subida intelligencia se curvaram cegamente ás opiniões do medico de Pergamo. Iv. E agora será tanto mais para nos surprehender similhante sujei- cáo, quando náo está provado que dissecasse Galeno cadaveres huma- nos. Nem das suas obras, nem dos contemporaneos se deprehende, que este grande medico soubesse mais que a anatomia comparada, ou a anatomia dos animaes. Entretanto as dissecações em seu tempo e nos anteriores, posto que não communs, parece não terem sido raras. E nem só a anatomia morta, senão a anatomia viva. Tertulliano affirma que Herophilo, um dos primeiros anatomicos gregos, dissecará muitos homens vivos; e se repugna a asserção de tão acreditado auctor, os costumes gregos, e a censura de Galeno sobre tão abominavel curiosi- dade, faz-nos pensar, que assim como eram votadas á morte as crean- gas que os supremos magistrados achavam defeituosas, houvesse almas tão deshumanas, a quem não offendesse aquella detestavel crueldade. É certo que as vivisecções esclarecem a anatomia. Os tecidos não apresentam o mesmo aspecto, nem a mesma estructura, nem teem as mesmas propriedades no vivo e no morto. Mas dessa idéa até a dissec- cio do homem vivo vai uma distancia infinita, que todas as conside- rações moraes nos recommendam de respeitar. E além de immoral inu- til. Celso já dizia que similhante pratica era cruel e va, el erudele et supervacaneum ; e Galeno ainda com mais forca se alevanta contra ella nas seguintes memoraveis palavras : Impia igitur el inutilis ¿sta latro- cinantis medici curiositas, quam vetant religio, eb pictas, maior in fe- ris, quam in hominibus. i a Por esta mesma citação se vé que as dissecções não eram raras, e custa em verdade a crer que não conhecesse Galeno a anatomia hu- 1 Vesalio e Berengario foram accusados em tempos muito posteriores de similhan- te crueldade. Vesalio mesmo, em consequencia de um facto desses, que lhe attribui- ram, teve de fazer uma peregrinação á Terra Santa, para evitar 08 supplicios da in- quisição. DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 7 mana. Entretanto, o que em quasi toda a anatomia póde ser verdade, não o foi de certo em osteologia. Este estudo já anteriormente a Ga- leno estava feito, e não podiam faltar em seu tempo as ossadas hu- manas, conservadas expressamente por medicos curiosos. Os hebreus guardavam com piedade os ossos de seus maiores, e os levavam com- sigo quando se expatriavam. Assim foram levados para Sichem os os- sos de Joseph, morto no Egypto, terra tão frequentada pelos medicos da Grecia. Ossa quoque Joseph que tulerant fili Israel de Egypto, sepelierunt in Sichem. (Josue 24, 23). Falla-se na historia de um ce- lebre esqueleto de bronze, conservado na Bibliotheca de Alexandria, notavel pela sua escrupulosa exactidão. Claro está que para se dar nelle a perfeição afiançada pelos historiadores preciso foi que houvesse sido modelado por um esqueleto natural. Depois as proprias expressões de Galeno, posto que muitas vezes se refiram aos ossos de animaes, cla- ramente denunciam um conhecimento perfeito da osteologia humana. Além de que, sendo a incineração dos cadaveres o modo mais frequente de render as ultimas homenagens aos mortos, é mais que improvavel que um medico curioso não procurasse nos ossos, que restavam da- quella operação, os conhecimentos de fórma e estructura, que de outra mancira não podia adquirir. Emfim as noções de pathologia antiga so- bre fracturas e luxações não nos parecem deixar duvida alguma sobre a noticia exacta que os medicos gregos e romanos possuiam da os- teologia. De Galeno até á restauração das lettras a osteologia não avançou. Oribazo na sua anatomia não fez mais que resumir as obras daquelle grande medico. E° necessario chegar a Vesalio para ver como a osteo- logia é tratada com novidade, precisão e consciencia. Este excellente anatomico não poz o escalpello n'uma região que não adiantasse a sua anatomia, e a não esclarecesse. Delle até Winslow, e sobre tudo Ber- tin, a osteologia nada progrediu ; e os modernos, afóra algumas pe- quenas correcções, póde dizer-se que lhes são inferiores. ne Vo , Galeno parece haver conhecido perfeitamente a anatomia osteolo- gica da máo. Numera os ossos do carpo, distribue-os em duas series, limita com exactidão as suas relações. Os seus usos e a sua utilidade ninguem até hoje com mais eserupulo e talento descreveu. No meta- carpo conta apenas quatro ossos, doutrina corrente em seu tempo, e acceita por todos os anatomicos da restauração. Como veremos no de- 8 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES curso desta memoria, esta opinião não é admittida pelos modernos ape- sar das razões que parecem fundamental-a. Na antiguidade mesmo foi combatida por mui distinctos cirurgiões. Mas Galeno não descreveu os ossos do carpo de modo a poderem ser perfeitamente distinguidos, o que prova a insufficiencia dos conhecimentos de então, insufficiencia ainda mais reconhecida. pelo texto de Celso, habilissimo cirurgião dos principios da epocha imperatoria, no que se refere ao numero dos os- sos do carpo, e que adiante citaremos. Vesalio, que dos anatomicos da restauração foi aquelle que mais minuciosamente tratou desta parte da anatomia, não diz os caracteres de distincção dos ossos do carpo entre si, nem dos do metacarpo, e menos ainda os caracteres differenciaes dos ossos da mão esquerda é da direita. Quem uma vez estudou anatomia, quem sobre tudo foi obri- gado a explical-a, não pôde deixar de reconhecer os embaraços e dif- ficuldades, com que luctou para distinguir aquelles caracteres, e con- serval-os na memoria. Todos os authores até Bertin e Gavart deram pouca importancia a esta parte do esqueleto, e dos modernos, se exce- ptuarmos Cruveillier, nenhum trata da osteologia da mão com a gra- vidade e consciencia que ella reclama. Por um habito adquirido nos cursos de anatomia, nos gabinetes de preparações, nas lições dos de- monstradores, os alumnos chegam a distinguir com certa facilidade e elegancia os ossos entre si, differencando com celeridade os da mão es- querda e da direita. Passado tempo comtudo estas noções perdem-se em consequencia da multiplicidade e heterogeneidade dos caracteres, difficeis e quasi impossiveis de conservar na memoria, eo que julgava conhecer exactamente a osteologia da mão acha-se ignorando os pri- meiros rudimentos della. Não se pense pelo que dizemos, que procuramos dar a esta parte da esqueletologia uma transcendencia que realmente não tem. Entre- tanto em anatomia descriptiva, com o rigor a que tem sido levada nestes ultimos tempos, parece-nos que nenhuma noção deve ser posta de lado, que possa concorrer para o seu aperfeiçoamento e facilidade do seu estudo. Assim o entenderam Bertin e Gavart nos tratados de osteologia, que serão sempre consultados com proveito por todos os que quizerem ter uma idéa perfeita desta parte da anatomia. Como veremos, porêm, estes notaveis anatomicos não resolveram todos os problemas, e apesar das suas minuciosas descripções, ainda nelles se podem observar faltas e erros, que importa corrigir por uma obser- vação mais severa O diligente. Foram estas idéas, corroboradas no curso de anatomia, que fize- DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 9 mos no anno lectivo de 1854 a 1855, que nos moveram a um estu- do mais detido e particularisado da esqueletologia da mão, o qual ain- da mais nos confirmou na insufficiencia dos conhecimentos actuaes, € das descripções dos auctores para uma noticia perfeita e completa da- quella parte da anatomia. CAPITULO I. NOMENCLATURA E SYNONIMIA DOS OSSOS DO CARPO. Os antigos não nomeavam designadamente cada um dos ossos do carpo, palavra grega, pela qual eram conhecidos todos sem distincção alguma. Pouco importa a sua significação na lingua de Hippocrates. Os latinos chamavam-lhe brachiale, como se póde ver em Celso; os ara- bes rasetta, segundo Andreas Laurentius. A denominação de Celso foi adoptada por todos os anatomicos da restauração. Os modernos seguem a nomenclatura grega. Monro chama-lhe summa manus. Como não houvesse nomes especiaes para cada um dos ossos do carpo resultava uma confusão nas descripções, que já Riolan censura- va, sem todavia lhe dar remedio. Assim uns começavam a descrever estes pequenos ossos pela serie antibrachial, outros pela metacarpiana. Alguns principiavam pelo lado radial, outros pelo cubital, designan- do-os pelos numeros de primeiro, segundo, etc. Se exceptuarmos o pisiforme, que, pela singularidade da sua collocação, parece ter attra- hido mais particularmente a attenção dos anatomicos, nenhum dos ou- tros se encontra nomeado especialmente. A este respeito diz Vesalio que os antigos professores chamavam ao pisiforme o Recto ; porque, pensa elle, mais se achava este osso no sentido longitudinal dos ten- dóes, do que no transversal a elles : caque ratione sursum deorsumque magis, quam in latera protuberare debuit. E' este o primeiro vestigio de nomenclatura que se encontra na historia d'estes ossos. O proprio já citado Vesalio diz ma sua minuciosa descripção, ex ipsorum qua or- dinantur serie, nomina, non ab re, mponemus. Para obviar ao inconveniente notado pelos anatomicos, Miguel Liser no Culter Anatomicus, especie de manual de preparações, que foi’ publicado em 1665, e depois transcripto na Bibliotheca Mangettica, propoz uma nomenclatura destes ossos do carpo, tirada principalmente da sua conformação. Cum propriis nominibus ista ossa carent, diz elle ; e depois continua : Pollici subjacet cubiformi simile, sed valde inaequa- libus lateribus, trapesoides rectius diceres. Indici seye, Medius pro 10 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES fundamento os omnium in carpo maximum et crassissimum, in postica parte capitulum obtinens. Annulari et minimo substat os unciforme, quia interius in manu unci in modum est incurvatum. Huic adjacet in latere externo aliud ossiculum cujus latera quatuor triangula conficiunt, cunciforme dici posset, cui iterum adhacret minus adhuc ossiculum, pisi sativi magnitudine, parte ca quae priori objicitur depressum, Sex illa ossa ordine recensito connectendu. Bina adhuc supersunt OSSA, Quorum alterum kotuloides appello, ob sinum quo capitulum maximi ossis rece- pit, alterum lunatum nomino. Tal foi a reforma de Lyserus, adoptada por todos os anatomicos posteriores que della tiveram conhecimento. Ainda assim Heister, dis- tincto cirurgião, limita-se a dizer na sua anatomia: * Sunt qui carpi ossiculis nomina imponunt. Por esta citação Heister parece pôr em du- vida a importancia da innovação de Lyser. Este exemplo, porém, não foi seguido. Entretanto é para notar como os anatomicos foram suc- cessivamente corrompendo a primitiva nomenclatura, sendo evidente pela comparação facil de fazer agora, como antes se copiaram, do que leram no auctor que primeiro a propoz. E note-se que não faço exce- pção. O proprio Verdier, unico que encontrei citando a obra de Ly- serus no livro e. capitulo correspondentes á transcripção que acima se fez, esse mesmo a não leu, pois de outro modo não chamaria trapesio ao que Lyserus chama trapesoide, e vice-versa. Portal, tão versado na litteratura medica, e que n'uma nota 4 anatomia de Lieutaud critica a nomenclatura de Lyserus, achando-a defeituosa por dar uma falsa idea dos ossos do carpo, Portal các no mesmo defeito de' Verdier. Pomos em face uma da outra a primitiva nomenclatura e actual para se conhecerem as diferenças. Actual. De Lyserus. Scafoide. Kotuloide. Semilunar. Lunado, ou lunar. Piramidal. : Cuneiforme. Pisiforme. Pisi sativi magnitudine. Trapesio. Trapesoide. Tra pesoide. Tra pesio. i Grande osso. Omnium in carpo maximum. Unciforme. Os unciforme. 1 Heister, editio quarta Veneta. DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 11 Lieutaud, levado por idéas similhantes ás de Portal, propoz-se re- formar a nomenclatura de Lyserus, partindo da situação e usos dos ossos do carpo. Assim, diz Lieutaud, quando se consideram todas es- tas peças reunidas, é facil notar que correspondem aos dois ossos do antebraço, ao pollex, e aos ossos do metacarpo ; e que um só está fóra da serie; por conseguinte notavel por sua posição, que a ella não póde referir-se. A primeira serie, não tendo senão tres peças, apresenta uma longa face articular, que corresponde ao radio e ao cubito. A cavidade articular do radio recebe os dois primeiros ossos do carpo. Por este motivo os chamaremos radiaes; e em razão da sua desigualdade serão distinguidos em grande e pequeno. O terceiro osso do carpo corres- ponde ao cubito, sem lhe tocar todavia por causa da cartilagem inter- articular : dar-lhe-hemos o nome de cubital. Deixaremos o de pisifor- me ao que fica fóra da serie. Os quatro ossos que compõem a segun- da serie correspondem a todos os dedos. Como se vê, Lieutaud, pretendendo reformar a nomenclatura de Lyserus, veio a cair no defeito, que este auctor se propoz remediar. Era voltar á anatomia antiga e da restauração. Depois, Lieutaud par- tiu de um principio falso, e que não abrangia todas as consequencias do seu pensamento de reformação. Se para a primeira serie os ossos correspondiam ao cubito e ao radio (e já della eliminamos o pisifor- me), os da segunda não correspondiam especialmente, exclusivamente a este ou áquelle osso do metacarpo, e por isso tambem elle deixa n'uma ambiguidade deploravel a nomenclatura que lhes devia caber. Era o mesmo, que distinguindo a primeira da segunda serie, e toman- do um ponto de partida, designar os ossos pela simples numeração. Para chegar a este futil resultado, não valia, em verdade, a pena pro- por similhante reforma. Por isso tambem ella não foi adoptada por nenhum dos anatomicos seus contemporancos, caindo logo em com- pleto esquecimento. Escrevemos acima os nomes vulgares, mais seguidos nos cursos e auctores modernos de anatomia. A sua synonimia será exposta, quan- do descrevermos cada um delles em especial, não nos parecendo que tenha importancia a razão porque alguns modificaram as denomina- ções de Lyserus, que todavia convém saber, para a intelligencia dos livros que tratam de osteologia. 12 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES CAPITULO II. NUMERO DOS 05505 DO CARPO, O dr. Broc na sua anatomia traz as seguintes engenhosas consi- derações sobre o numero dos ossos do membro superior, cuja primi- tiva idéa se encontra já em Galeno. A mão, diz elle, separa-se por tal fórma, do que rigorosamente bastaria para as suas funcções, que o mais atilado espirito não poderia, supponho eu, imaginar a maneira da sua conformação. Quem poderia inventar um carpo, 05 oito 08808 que o compõem, o modo por que estão collocados, a disposição das suas articulações, o genero de movimentos que executam ? Quem seria ca- paz de prever que ao carpo segue 0 metacarpo, composto de cinco 0s- sos, etc., etc. O espirito que preside ás sciencias e artes mecanicas não ousaria abalancar-se a tanto. Observemos todavia que os ossos do braco, cujo numero augmenta successivamente ao passo que os consi- deramos mais perto da extremidade inferior do membro, correspon- dem exactamente aos termos da progressão arithmetica 1, 2. 3, 4, 5. O braço com effeito tem um só 0850, O antebraço dois, a serie supe- rior do carpo tres, a inferior quatro, e metacarpo, de que os dedos são por assim dizer o prolongamento 5. (O pisiforme está fóra da serie, e por isso não entra nestas considerações). E' esta progressão unifor- memente ascendente que torna 0 membro cada vez mais largo da sua extremidade superior para a inferior : o humero com effeito tem me- nos espaço de um lado ao outro que os dois ossos do antebraço, estes menos que o carpo, e estes ainda menos que o metacarpo. D'ahi vem que o membro visto por diante ou por traz representa um longo trian- gulo com o vertice superior, em quanto visto de lado fórma outro triangulo, mas de vertice inferior. Ha pois em cada uma das extre- midades do membro o vertice de um triangulo e a base de outro (sic ). A progressão ascendente 1, 2, 3, ete., estabelece uma passagem tão insensivel quanto póde ser entre o volume dos ossos superiores e in- feriores, visto que em numeros inteiros não ha menor diferença que a unidade. Mas deixando estas considerações, cujo valor póde ser contestavel em anatomica pratica, é para admirar que muitos antigos, e entre el- les homens illustradissimos, como Celso, não tivessem uma idéa se- gura sobre o numero dos pequenos ossos do carpo. Este auctor expri- me-se a respeito delles do seguinte modo: J manu vero prima pal- DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 13 mæ pars ex multis minutisque ossibus constat, quorum numerus incer- tus est. Cumpre indagar qual fosse a razáo de similhante ignorancia, que de certo náo procedia da pouca curiosidade de parte de varões tão es- clarecidos como aquelle nobilissimo engenho. Se attendermos ás diffi- culdades com que luctavam para fazerem algumas dissecções, e ao es- tudo a que se davam da ‘anatomia comparada, não nos parece difficil explicar aquelle notavel facto na historia dos pequenos ossos do carpo. Com effeito, observa-se, em anatomia comparada, que os ossos do carpo podem existir em numero variavel nos differentes animaes. As- sim, uns teem mais de oito, outros menos. E o que a anatomia com- parada demonstra na serie zoologica, as anomalias confirmam em ana- tomia humana. Cumpre aqui reflectir, que ha uma certa relação entre o numero destes ossos, e os do metacarpo e dedos, que todavia não é constante, como já nota Mekel; porque se por um lado o numero delles, mesmo os da primeira serie, é muitas vezes superior ao dos dedos nos casos em que estes existem em pequena quantidade, por outro muitos ani- maes teem mais ossos metacarpicos do que o homem, e o dos dedos nunca o excede. Nenhum animal tem mais de cinco dedos. Assim, sendo o numero dos ossos do carpo nos animaes em ge- ral de cinco a onze, não admirará que Celso por comparação achasse incerto o numero delles no homem. Já Galeno não caíu na mesma ignorancia, o que mais ainda nos confirma na opinião de que este grande homem não aprendeu a anatomia unicamente nos animaes. Mais outro facto ainda denuncia a anatomia comparada, digno de ser exarado neste capitulo. Ha uma tendencia constante na primeira serie dos ossos do carpo nos animaes para a reducção, observando-se o contrario, isto é, uma tendencia para a multiplicação, na segunda se rie. Por esta tendencia se podem explicar as anomalias encontradas no numero dos, ossos do carpo humano. Thomás Bartholini examinou um individuo que tinha dez ossos no carpo direito, posto não ter senão oito no esquerdo, Este auctor não explica sobre qual serie recaia essa multiplicação, sendo mais que provavel que fosse sobre a segunda, con- forme as leis expostas da osteologia comparada. Mekel diz, que algu- mas vezes existe entre o grande osso e o trapesoide um nono osso, analogia notavel com o que se observa nos macacos, que parece re- sultar da divisão do trapesoide. Será por ventura aquelle a que se re- fere Galeno, quando falla de um osso supranumerario no carpo? Em opposição, existia uma anomalia rara no Jardim das plantas 14 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES e era a de um esqueleto de negro, que em ambas as máos ssos do carpo, estando confundidos o pyramidal duccáo do numero normal, e por isso suc- de Paris, náo tinha senáo sete O e semilunar. Aqui houve re cedeu na primeira serie. Assim os ossos do carpo podem variar entre sete e dez, por ano- malias de reducção ou multiplicação. Todavia o seu numero normal é de oito, dispostos em duas series superior e inferior. CAPITULO HI. NOMES E NUMERO DOS 08508 DO METACARPO. Os ossos do metacarpo, apesar de distinctos, não teem momes es- peciaes. São conhecidos pela simples collocação relativa de uns aos ou- tros. Assim-diz-se primeiro, segundo, terceiro, etc. Quanto ao numero precisamos, antes de o fixar, de expor uma celebre questão que em diversas epochas tem occupado os anatomicos, e ultimamente surgiu com grande reforço de argumentos nos archivos de Mekel em 1826. Não podémos haver a memoria de Bluff, citada por Daremberg, mas por uma nota deste eruditissimo escriptor temos uma idéa perfeita da sua argumentação. Bluff pergunta se ha quatro ou cinco ossos no metacarpo ? Como ão é nova, debatia-se antes de Galeno, agitou-se na disse, a questão n ção, e como vemos reapparece hoje com apparencias epocha da reforma de não estar decidida. Julgamos conveniente por conseguinte procurar-lhe uma solução; sendo para surprehender o silencio que os anatomicos modernos, ain- da os mais noticiosos, guardam sobre ella. Em nossos tempos esta questão pode ter interesse unicamente por: ser um ponto contestavel de anatomia; entre os antigos porém ella es- tava ligada a outra mais alta e importante, que deu motivo a duas theorias, cujos chefes foram Aristoteles e Anaxagoras. A. excellencia da organisação da mão, o ser exclusiva ao homem, as maravilhas que elle emprehende e executa por seu artifício, fizeram crer a uns que o homem era um animal sapientissimo porque possuia esse instrumento admiravel, outros pelo contrario entenderam, que sendo elle creado com intelligencia diversa dos animaes, por isso a natureza lhe conce- dera tão aperfeiçoados orgãos. Anaxagoras hominem, quia manus ha- bet, animal esse sapientissimum ; sed Aristoteles, homini, quia ut ani- mal sapientissimum, manus datas fuisse judicavit. DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO, 15 E' a eterna discussão do espiritualismo e do materialismo a de- bater-se no estreito campo de uma questão de anatomia. Mas a mão é o pollex, porque sem este dedo opponente a mão deixa de existir. E por isso Aristoteles diz si manus non esset, apprehensio non esset, ita si pollex deesset, apprehensio non esset. Discutida desta maneira a mão, analysada, posta em theoria, ob- servada a differenga do primeiro osso do grande dedo, era natural a questão do primeiro metacarpico. A auctoridade de Aristoteles, im- mensa em toda a antiguidade, e durante a idade media, não foi toda- via sufficiente para a decidir por uma vez. Em tempos de Galeno ella existia ainda, e debatia-se da mesma fórma, ficando sempre indecisa; e o grande talento deste medico illustre nem convenceu os seus con- temporaneos, que se apegavam á doutrina de Aristoteles, nem os mo- dernos que ainda geralmente seguem a opinião do grande philosopho. De um lado e de outro os nomes são auctorisados, e gosam de reputação incontestavel. Se Aristoteles, Eudemo, Ruffus, Celso, que, segundo Riolan, não eram obscuros anatomicos, quibus non obscuri no- minis Anatomici suffragantur, se estes notaveis anatomicos, digo, fo- ram de opinião, que o primeiro osso da palma era um metacarpico, Galeno e o proprio Riolan, e quasi todos os anatomicos da restaura- ção, até á Academia de Cirurgia, pouco mais ou menos, pensaram e escreveram o contrario. Assim não ha de ser pela auctoridade, mas pela razão que havemos: de chegar á verdade, porque é preciso confes- sar, que a maior, parte dos auctores seguiram antes neste ponto a dou- trina corrente em seu tempo, do que se deram a estudal-a e a escla- recel-a. Aqui achámos convenientissimas as palavras. de Daremberg a respeito de Bluff, que para apoiar a opinião de Galeno cita um certo numero de auctores de anatomia: diz Daremberg: Eu poderia aug- mentar a sua lista, e fazer tambem uma e táo longa como essa de auctores de opinião opposta ; mas em que adiantaria isto a questão, se assim uns como outros não expõem os motivos da sua preferencia ? Examinemos pois as razões antigas e modernas. Eudemo partindo da perfeita analogia da mão e do pé entendeu que o metacarpo e metatarso eram igualmente compostos de cinco os- sos, € que o pollegar e grande dedo do pé apenas tinham duas pha- langes. Celso, segue-o, quando diz: tunc ex altera parte quinque ossa recte ad digitos tendentia palmam explent. Mas Galeno levanta-se con- tra essa asserção de Eudemo, chamando erro á analogia que este ana- tomico encontrava na mão e no pé, Assim, pergunta Galeno, corres- ponderd o metacarpo ao metatarso, ou differird nm alguma cousa? A 16 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES similhanca, quanto a mim, nao me parece completa. De um lado e de outro a primeira phalange de cada um dos dedos é precedida de um osso, mas no pé, em que todos os dedos estão collocados na mesma or- dem, o numero dos ossos do metatarso com razão iguala o numero dos dedos. Agora, como na mão o pollex occupa uma situação particular, e se acha separado, quanto ser póde, dos dedos, desviando-se logo ao nivel da sua articulação com o carpo, o metacarpo com razão é com- posto sómente de quatro 08508. Bem se reconhece a futilidade desta razão de Galeno, e por isso tambem elle continúa: o pollex evidentemente é formado por tres ossos como o demonstram as articulações e os movimentos; e posto que isto assim seja (note-se a concessão a Eudemo) rem por isso a analogia é menos manifesta. Digamos, todavia, que esta analogia não era bem clara para Ga- Jeno, posto elle affirmar o contrario, e ainda com mais pertinacia a respeito dos ossos do tarso, asseverando que náo apresenta nenhuma difficuldade. O tarso, continúa, compõe-se de quatro ossos, sendo este numero duplo no carpo, visto estar disposto em duas series. Como ob- serva Daremberg, apesar do que diz Galeno, separando o astragalo, o calcaneo, e o escaphoide do numero dos ossos do tarso, a analogia en- tre o tarso e o carpo é impossivel. Riolan segue os passos de Galeno, como fizeram os anatomicos da decadencia e da reforma, mas é de notar a censura que faz a Ve- salio e a Columbo, por não participarem da mesma opinião. Mirorque nostros sagaces anatomicos, Vesalium et Columbum, in eundem errorem lapsos primum os pollicis ad metacarpium referentes : quia, inquit Fe- salius, tota sua forma metacarpii ossibus respondet, ct cadem articula- tionis especie committitur. Addit Platerus palmam cum aliis constitue- re, nec phalangem digitis maioris ut in reliquis efformare. Ora o mes- mo Riolan accrescenta as seguintes razões á doutrina de Aristoteles e de Plater : tanto pertence ao metacarpo, que se articula com o carpo (et brachiali jungitur), e nem faça objecção a sua maior mobilidade, quando o quinto osso tem manifesto e notavel movimento (manifestum motum habeat). Accrescentemos agora as outras razões de Vesalio que Riolan ca- lou, e não são para desprezar. Diz Vesalio que se deve collocar o pri- meiro osso entre os metacarpicos, porque não é um osso livre como as phalanges, € mais com elles do que com estas se assemelha: quod non ut prima reliquorum digitorum ossa nudum exeratur, sed quodammodo postbrachialis ossium ritu lateat; vulgusque ob id pollicem duobus tan- DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 17 4 tum donari ossibus existimet ; quodque primum pollicis os tota ipsius for- ma postbrachialis ossibus multo magis, quam primis aliorum digitorum ossibus respondeat. E notemos que todos estés argumentos subsistem ainda contra Galeno. Entretanto a opinião de Riolan, como já dissemos, foi adopta- da por quasi todos os auctores até aos’ modernos, que de repente vol- taram á doutrina antiga sem nova discussão. Assim bastará nomear Andreas Laurentius‘, Carolus Stefanus?, Ambrosio Pareu ?, Thomás Bartholini*, Monro, Vinslow, Bertin, para vermos de quáo distinctos nomes esta opinião se auctorisava. Observemos agora a transição. Philippus Verhein na sua anato- mia publicada em 1734 exprime-se da seguinte maneira : Metacarpus habet ossa quatuor (quinque si primum pollicis annumeres) oblonga, gra- cilia et fistulosa. Assim Verhein achava que tantas razões havia para admittir uma doutrina como outra. Na edição de anatomia de Palfin, dada por Petit, e na breve e exacta descripçäo dos ossos, diz `o auctor que os do metacarpo são quatro. Não parece entretanto convencido da verdade. A opinião con- traria está-lhe pesando na consciencia, até que a final, quando tra- ta do pollex, declara-se partidario de Aristoteles. Kme parait, diz elle, que ceux des anciens, qui comptaient cet os au nombre de ceux du me- tacarpe avaient raison de le faire. Mas Plenk é ainda mais positivo. Compositio, assim se exprime, ex quinque ossthus lengitudinalibus. Unum est metacarpi pollicis (como se quizesse bem insinuar a sua opinião), quatuor sunt ossa metacarpi digitorum. Como em todas as occasides em que systemas oppostos e absolu- tos se acham em presença, ha sempre uma opimão intermedia, mo- derada, que julga poder ligal-os e fundil-os, aproximando as razões que a ambos favorecem, assim nesta velha questão do primeiro metacar- pico se encontra uma tentativa de fusão das duas doutrinas em Eduar- do Sandifort que escreveu em 1785. O metacarpo póde dividir-se, diz elle, em metacarpo do pollex, e metacarpo dos dedos. Metacarpus pol- licis et digitorum.. Se adoptassemos a divisão de Sandifort, é claro que sendo o pollex um appendice differente dos outros dedos, a sua estru- 1 Quatuor tantum ossibus constat. 2 De dissectione partium corporis humani 1545. 3 Veu qu'il a mouvement manifeste et est conjoint par diarthrose, et au contraire de ceux du metacarpe les quels sont liez par synarthrose seulement. á A este anatomico comtudo não repugna a collocação do primeiro osso entre os me- tacarpicos ; porque, diz elle, aliis quinque, qui primum pollicis inter hace numerant. MEM. DA ACAD, — 1." CLASSE — T. I, P. Il. 3 18 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES ctura devia variar, e não admiraria que todos os ossos que o com- põem, posto que analogos aos dos outros dedos, delles se diflerencassem em diversas das suas condições. Estava neste ponto a questão, e desvanecida, por assim dizer, da memoria dos modernos, quando em 1826 Bluff, nos archivos de Me- kel a discutiu de novo, inclinando-se para a doutrina de Galeno. As suas ideas não parece terem feito impressão sobre os anatomicos con- temporaneos, em cujos livros não encontramos vestigios della, a não ser em Duchesne, que a proposito da faradisação dos musculos da mão a recorda ligeiramente. Ahi está como Daremberg se exprime a res- peito da nota de Bluff. « Além da razão já enunciada por Galeno, Bluff invoca a fórma geral do osso (primeiro: metacarpico), a disposição dos ligamentos lateraes internos, eda membrana capsular, e emfim o mo- do comparativo das inserçõos tendinosas nos dedos e no pollex. E cer- to que estes motivos sáo apparentemente plausiveis, mas náo decisivos, porque derivam de circumstancias accessorias, secundarias ou contin- gentes. O analogismo do pé e da mão, pelo menos no homem, a ana- tomia comparada, a fórma do osso apesar do que diz Bluff, parecem- me contrariar. a opinião de Galeno. Accrescentemos que o metacarpo no homem e nos animaes analogos tem por fim apresentar uma su- perficie extensa e resistente aos corpos que os dedos devem abraçar; constituir em uma palavra a palma da mão. Se o metacarpico do pol- lex está separado dos outros e é completamente movel, isto serve por um lado para alargar a palma da mão, e por outro consentir que ella forme cavidade ', emfim para tornar o pollex opponente, como se fora o pé de um compasso, segundo. a feliz expressão de Broc. O: pequeno comprimento comparativo do pollex, pela eliminação de uma phalan- ge, e pela baixa articulação do seu metacarpico, é ainda no homem uma das condições essenciaes de segurança e variedade das funcções que andam connexas á apprehensão. D'ahi resultam necessariamente as disposições especiaes das partes molles, disposições em que Bluff en contra um valor determinativo que ellas não teem.. Assim é; que não será difficil achar interosscos (musculos) para o pollex como para os. outros dedos, sendo o curto abductor do pollex symetrico do pequeno musculo lateral do dedo auricular (pisiphalang.) Emfim se comparar- mos o pollex e o pequeno dedo, relativamente ao metacarpo, veremos que o metacarpico do pollex (que apenas tem uma similhança appa- rente com a primeira phalange), não representa senão a exaggeração do 1 Taça de Diogenes. DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 19 movimento do metacarpico do auricular, preenchendo, um e outro, quanto á palma da mão, as mesmas funcções em differentes graus. Em consequencia, attendendo ao apparelho muscular (particularmente ao longo flexor), aos usos, fórma, situação, modo de connexão, e analo- gias do primeiro osso do carpo, considero-o como um osso da palma da mào, eem consequencia como um metacarpico. » Será necessario desenvolver as razões de Daremberg ? Cansar-nos- hemos em demonstrar que ha uma perfeita analogia entre a mão e 0 pé, analogia já prevista por Eudemo, porque táo acremente é censu- rado por Galeno? Não está ella provada, não só relativamente aos es- queletos de uma e outra região, mas ainda a respeito de todas as par- tes que entram na sua composição, musculos, nervos, etc. ? A fórma, se em geral e á primeira vista se parece com a de uma phalange, examinada com attenção, apresenta diflerenças taes que não admitte nem mesmo supposição de analogia. E” um osso, este primeiro metacarpico, achatado da parte anterior para a posterior, mas não tan- to que a sua face anterior não seja dividida por uma linha saliente, que em baixo se bifurca, partindo cada um dos ramos a terminar nas tuberosidades anteriores da cabeça, e limitando visivelmente duas su- perficies, interna e externa, para inserções de musculos diversos e an- tagonistas. Já não succede assim nas primeiras phalanges, cuja face anterior, cm vez de linha saliente, é pelo contrario cavada em meia canula para passagem dos tendões dos musculos flexores. A base do primeiro metacarpico é essencialmente differente da base das primei- ras phalanges ; estas apresentam uma cavidade articular, que recebe a cabeça dos metarpicos, aquelle uma superficie convexa lateralmente, concava no sentido antero posterior, e terminando neste mesmo sen- tido em duas pontas osseas salientes. Emfim a cabeça do primeiro me- tacarpico é unica e convexa em toda a sua extensão, a das primeiras phalanges dividida em duas superficies lateraes, ginglimoideas por uma linha cavada em meio da superficie articular. E' escusado notarmos as quatro tuberosidades que circundam o collo da cabeça do primeiro metacarpico, que se não encontram nas primeiras phalanges, Assim es- tudando minuciosamente estes ossos, vemos com quanta leveza proce- deram os que acharam similhante a fórma do primeiro metacarpico á das primeiras phalanges. A situação é tambem completamente diversa. Os metacarpicos to- dos situados e unidos na palma da mão, cobertos de carnes e forman- do o seu esqueleto; as phalanges todas livres, separadas, isoladas, cons- tituindo o esqueleto dos appendices digitaes, 3 * 20 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES As articulações differentes igualmente. Os ossos do metacarpo to- dos articulados com o carpo, a primeira parte do esqueleto da máo, as primeiras phalanges todas articuladas com os ossos do metacarpo. E se do facto da articulação passarmos aos meios de união, a mesma differenca encontraremos. Se as bases dos quatro ultimos metacarpi- cos estão ligados ao carpo por fibras lançadas em differentes direc- ções, em quanto o primeiro se une ao trapesio por meio de uma cap- sula articular perfeita, foi isto assim disposto para restringir a mobi- lidade dos primeiros, e dar ao pollex a facilidade e extensão dos mo- vimentos, que o caracterisam. Mas se compararmos à capsula deste primeiro metacarpico com a imperfeita capsula da base das primeiras phalanges, veremos o abuso das analogias que se quizeram encontrar entre esses ossos, notando que a união da cabeça dos metacarpicos com as phalanges é formada por dois ligamentos lateraes distinctos e isola- dos, por algumas fibras transversaes que anteriormente os prendem, e que faltam de todo na parte posterior da articulação, onde apenas é defendida pelos tendões extensores e suas expansões. Tão ponderosos argumentos não podiam ser contrariados pelas inserções tendinosas que movem os 05808 da mão. Entretanto Duches- ne (em 1852) applicando a faradisação aos musculos da região thenar, entende, que physiologicamente Winslow tinha razão, considerando o primeiro metacarpico como a primeira phalange do pollex *: porque, diz Duchesne, no mecanismo de certos movimentos deste dedo, o pri- meiro metacarpico está para a ultima phalange do pollex, como as pri- meiras phalanges estão para as duas ultimas. Com effeito, prosegue elle, nos, principaes usos da máo o primeiro metacarpico é conduzido para a abducção, quando se dobra a ultima phalange, e vice-versa: notando que o movimento de abdueção do primeiro metacarpico é o opposto do movimento de flexão das phalanges do pollex, assim como a extensão da primeira phalange dos dedos é um movimento contrario á flexão das duas ultimas ?. Estas razões de Duchesne não pareceram convin- “centes a Daremberg, que nem se cansou em combatel-as. Nós deixá- mos igualmente 4 apreciação dos anatomicos o seu valor mais que con- testavel, fazendo todavia observar, que sendo esta uma questio pura e simplesmente anatomica, é contra todas as idéas de logica scienti- fica argumentar com razões derivadas de uma theoria sujeita ainda ás 1 E? notavel que tendo citado Duchesne a memoria de Galeno sobre a mão, o não cite como chefe principal da doutrina, que Winslow seguiu muito posteriormente. 2 Para se entender esta theoria leia-se a obra de Duchesne. DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 21 contra-provas experimentaes, e que de nenhum modo infirma os fa- ctos de anatomia positiva que expozemos. E’ tempo de pormos fim a esta curiosa questão. Por quanto re- ferimos já se percebe, que não podemos deixar de seguir todos os auc- tores modernos que consideram o primeiro osso do metacarpo como pertencendo á região media da mão, e de nenhum modo aos appen- dices digitaes. No emtanto, por firme e auctorisado em tantos illus- tres nomes que seja o nosso convencimento, não procuraremos escu- recer que nos fez impressão uma nota de Mekel a respeito da ossifica- ção do primeiro osso do metacarpo. No fim do terceiro mez da existencia todos os ossos do metacar- po apresentam um ponto de ossificaçäo. No feto de termo só o corpo está ossificado, e não as extremidades. No fim do segundo anno appa- rece um germe osseo na cabeça dos ossos; Mekel nunca o percebeu na extremidade superior, exceptuando o primeiro metacarpico que pa- rece não o ter na cabeça, diz este notabilissimo anatomico. O nucleo osseo do metacarpo do pollex, continúa elle, fica tanto tempo separado do corpo, quanto o inferior nos quatro outros meta- carpicos. Nas phalanges existem tambem dois pontos de ossificação, um no corpo, outro na extremidade superior, e é esta ossificaçäo que consti- tue a analogia que acima notámos. Foram igualmente estas considera- ções que fizeram escrever a Cruveilhier (ed. 1843) as seguintes pala- vras : «O primeiro metacarpico, que por muitos caracteres da sua con- formação tem grande analogia com as phalanges, ainda se lhes asse- melha pelo modo do seu desenvolvimento.» Pensando comtudo reflectidamente nesta razão, parece-nos que ella não terá força para lutar com as importantes considerações de ana- tomia descriptiva que expozemos, e que em concorrencia serão indu- bitavelmente preferidas. Mas accresce que o proprio Cruveilhier se en- carrega de dissipar qualquer perplexidade que ainda podesse deter a nossa determinação, declarando elle mesmo, que algumas vezes vira um germe de ossificação particular na extremidade superior dos qua- tro ultimos metacarpicos, e na inferior do primeiro; o que prefazia tres nucleos osseos para cada um dos metacarpicos. Depois desta discussão, vemos que o facto da ossificação, que ao principio nos movera, ainda mais vem esclarecer e confirmar a dou- trina geralmente estabelecida, e assentar seguramente a collocação do primeiro metacarpico, já definida, se não demonstrada, por Aristote- les, Eudemo, Celso, etc. 22 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES CAPITULO IV. MANEIRA DE CONHECER E DISTINGUIR OS OSSOS DO CARPO. Cada um dos ossos do carpo tem sua fórma especial. Todos apre- -entam seis faces, irregularmente cuboides, excepto o pisiforme, que apenas tem duas. Destas faces umas são lisas e polidas, por onde mutuamente se correspondem, ou se articulam com o antebraço e me- tacarpo, outras asperas para apego dos ligamentos que os prendem. As faces assim polidas como asperas teem uma fórma irregular. Suppondo o braço pendente ao longo do tronco, o antebraço em supinação, e por conseguinte a palma da mão voltada para diante, os ossos do carpo encontram-se lançados em duas series, superior e infe- rior, ou antebrachial e metacarpica, composta a primeira dos ossos es- caphoide, semilunar, piramidal, e pisiforme, a segunda do trapesio, trapesoide, grande osso, e unciforme. Note-se que devemos começar a nomeação de cada uma das series pelo osso que formar a sua extre- midade radial. Não esqueceremos igualmente que o pisiforme, apesar de perten- cer á primeira serie, se encontra fóra della, na sua parte anterior, e por isso alguns auctores lhe chamaram osso extra-serial. As denominações de Lyser, que foram um’ progresso na historia dos ossos do carpo, vão soccorrer-nos para a sua distincção. Os livros de anatomia limitam-se á descripção delles, deixando ao leitor o tra- balho de os differencar pelos multiplos caracteres das suas diversas faces, ; Por isso recommendam começar o seu estudo n'um carpo arti- culado, sem o qual difficilmente se poderão comprehender. Nos cur- sos de anatomia os mestres ensinam a conhecel-os mechanicamente, pela simples inspecção, d'onde resulta a necessidade de insistirem em muitos signaes, de que os alumnos raras vezes se recordam convenien- temente, e os põem na obrigação de gastarem um tempo precioso na fastidiosa e attenta comparação de caracteres, que nem sempre se acham conformes ás descripções. Pareceu-nos por conseguinte que sería util buscar um signal ca- racteristico, simples, e inherente a cada um dos ossos do carpo, pelo qual elles podessem ser facilmente distinguidos. Assim: dos ossos do carpo, o que tiver uma só face articular, esse será o pisiforme. DOS OSSOS LO CARPO E DO METACARPO. 23 O que n'uma das faces apresentar uma cavidade lisa, polida, cir- cular, como para receber um segmento de esphera, será o scafoide. O que tiver uma face lisa, semilunar, concava, terminada por duas pontas osseas, é 0 semilunar. O que n'uma das suas faces offerecer uma saliencia ossea (apo- physe) bem destacada. do corpo do osso, e curvada sobre si mesma, será 0 unciforme. Aquelle que apresentar uma cabeça irregularmente spheroidal e articular é o grande osso. Dos tres restantes, o que tiver uma gotteira cavada no seu cor- po, e limitada por duas saliencias osseas, é 0 trapesio. Dos dois ultimos o que mais regularmente for pyramidal, será o osso deste nome. Emfim o oitavo será por exclusão o trapesoide. Por estes caracteres, cada um dos quaes corresponde a uma par- ticularidade notavel e saliente destes pequenos ossos, não nos parece que possa haver confusão no seu conhecimento, podendo 4 primeira vista, e com facilidade serem distinguidos. Por elles vemos igualmen- te que não é tão inutil ou prejudicial a nomenclatura de Lyserus, co- mo quizeram Portal e Lieutaud, se ella nos ajudou na distincção sim- ples e rapida dos ossos de que tratâmos. CAPITULO V. SITUAÇÃO DOS OSSOS DO CARPO. Não basta conhecer os ossos do carpo, e differencal-os uns dos outros, é preciso para serem descriptos com aproveitamento saber perfeitamente a sua situação, não confundir as faces, collocal-os pela maneira que elles se apresentam no esqueleto naturalmente articulado. Nenhum dos auctores modernos ensina a sua posição. Exceptuan- do Bertin, e depois Gavart, todos os mais são deficientes. Vejamos co- mo este ultimo anatomico expõe os diversos caracteres da posição dos ossos do carpo. Para collocar em posição o escafoide, diz Gavart, é preciso pôr para cima a face triangular, para fóra o angulo mais agudo della, e para diante a face não articular concava. Para o semilunar não marca posição. Para o pyramidal recommenda a mais larga das faces articulares 24 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES para baixo e para fóra; a base para cima e para fóra, e a mais larga das faces não articulares para traz. A respeito do pisiforme diz: a face articular para fóra eum pou- co para traz; anão articular convexa para traz eum pouco para den- tro; e a extremidade mais saliente para cima. Para o trapesio a face articular maior para baixo e para fóra ; para diante a face não articular em que estão dois tuberculos separa- dos por um rego; e para fóra o mais saliente destes tuberculos. . Para o ¢rapesoide colloca para baixo a face que tem no meio uma linha saliente, para fóra a face articular semicircular, e para traz a face não articular mais extensa. Grande osso. — Para baixo a face articular, onde se observam tres facettas, voltando a mais pequena dellas para traz e para dentro. Unciforme. — Para baixo e para diante a apophyse unciforme, e a concavidade desta apophyse para fóra. Examinando com attencáo estes caracteres propostos por Gavart, facilmente veremos a sua insufficiencia para collocar os ossos do car- po em posição. E começando pelo escaphoide daremos logo na diffi- culdade de distinguir entre as duas faces superior e externa, ambas triangulares, a qual dellas se refere Gavart ; sendo para notar que em todos os ossos deste nome que examinámos, a face mais regularmente triangular era a externa. Eliminado pois este caracter illusorio, que devia determinar a relação do osso com o plano superior do esqueleto, é impossivel fixar a sua posição pelos dois outros. : O semilunar é um osso de tão difficultosa determinação, que poz Gavart na necessidade de se não occupar delle. ; A respeito do pyramidal basta ler os caracteres de posição que elle lhe impõe, para vermos a sua total deficiencia. Pelo que toca ao pisiforme, ainda é maior a difficuldade. Ninguem pelos caracteres propostos por Gavart poderá por o osso em posição. O trapesio está bem determinado. Já não succede o mesmo ao trapesoide em que se achará com diffi- culdade a face semicircular, por onde elle determina o seu plano externo. Do grande osso, como apenas falla na face inferior, onde muitas vezes é impossivel marcar a pequena face que deve ser collocada para traz e para dentro, diremos o msmo que para os óssos da serie su- perior, isto é, que por estes caracteres mui difficultosamente o collo- caremos em posição, Resta o unciforme, que pela apophyse poderá sempre ser posto nas suas naturaes relações. DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 25 Não se creia que determinar exactamente a posição dos ossos do carpo seja cousa superflua ou inutil. Sem esse estudo previo é impos- sivel a descripção delles, e muito mais a distincção entre os do lado direito e do esquerdo. Por isso insistimos. Bertin, que, segundo o parecer auctorisado de Cruveilhier, foi quem mais proficientemente estudou a osteologia humana, expõe as- sim a posição dos ossos do carpo. > Para collocar o osso mavicular em posição (assim designa Bertin o escaphoide), e para distinguir o da mão direita do da esquerda, é ne- cessario collocar para diante ou para os dedos a facetta articular con- cava! para o cotovello a facetta articular semilunar, collocando para fóra ou para o radio a tuberosidade ou eminencia. Demais é ainda pre- ciso, que dos dois bordos ou facettas não articulares o que mais es- pesso for fique collocado para baixo para a convexidade do carpo. Para o osso lunar (semilunar) colloca-se para diante a grande fa- cetta concava, e para o cubito aquella das faces lateraes que for mais larga, Dois caracteres, porém, como todos sabem, não bastam para dis- tinguir um osso, e é muitas vezes dificil encontrar o terceiro. Ordi- nariamente, a extremidade do crescente que olha para a palma da mão é um pouco mais grossa do que aquella que está voltada para a con- vexidade. Assim é preciso voltar para cima a extremidade do crescente que mais grossa for; mas algumas vezes notei uma structura inteira- mente differente; sendo voltada para o dorso da mão a mais grossa extremidade do crescente, e neste caso perso que os mais habeis se enganarão. Para collocar o osso triangular em posição (pyramidal) é preciso pôr para diante ou para os dedos a grande facetta articular concava, voltar para o radio a grande facetta lateral que é articular, ou para o cubito o bordo aspero do osso; collocaremos para cima, quer di- zer para a palma da mão, a pequena facetta redonda, que se articula com o pisiforme. Pisiforme. — Para collocar em posição este osso volta-se a facetta articular para baixo; não ha caracteres suflicientes para distinguir o osso pisiforme do lado esquerdo do pisiforme do lado direito. Para collocar o trapesio em posição põe-se: para diante a facetta digital (na descripgào esta facetta vem sómente caracterisada pela sua pequenez). É preciso tambem que a grossa extremidade esteja voltada 1 Bertin considera a mão em posição horisontal, com a palma voltada para cima. MEM, DA ACAD. — Í." CLASSE — T. II, P. IL. 4 26 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES ra e para cima, e que a facetta obliqua olhe para um pouco para fó para o lado da máo que corresponde ao pequeno dentro, quer dizer, dedo ou ao cubito. Para a érapesoide colloca-se para cima a sua pequena extremida- de, à mais pequena das facettas articulares para traz, a facetta obli- gua ou radial para fóra. Para o grande 0550 colloca-se a cabega para traz, ou para a con- cavidade da primeira serie, para baixo aquella das faces náo articula- res que maior for, e para fóra a facetta articular menos comprida. Para o unciforme colloca-se a dupla facetta articular deste osso com os dois ultimos metacarpicos para diante, para cima aquella das duas faces náo articulares que tiver uma apophyse, para fóra a facetta lateral que for mais longa, um pouco redonda e se não estender até á base. Estudando estes signaes fornecidos por Bertin percebe-se a razão por que Gavart os não seguiu na sua osteologia. Com effeito são mais que insufficientes para determinarem a posição relativa dos ossos, uns por illusorios, outros por estarem dependentes da descripção previa dos ossos, que é impossivel entender sem aquella determinação. De- pois do conhecimento e distincção dos ossos do carpo, é preciso con- fessar que a sua collocação natural é difficultosa, e por isso Cruvei- lhier entendeu que era melhor descrevel-os conjuntamente articulados, tornando deste modo mais facil o seu estudo e perceptiveis as suas correspondencias. Elle proprio affirma que sómente desta maneira che- gára a conhece-los bem. Entretanto em um livro de anatomia pare- ce-nos ser indispensavel a descripção particular de cada um delles, o que de nenhum modo dispensa a descripção. geral a que se limita Cru- veilhier. As difficuldades, que impedem de bem determinar a posição des- tes pequenos 08805, dependem principalmente da sua fórma irregular, das variadas maneiras por que se acham articulados, da sua inclinação relativa em cada uma das series, e emfim da confusão que muitas ve- zes se observa nas suas faces articulares. Demais todos os auctores tem considerado esses ossos irregularmente cuboides, para assim lhe: marcarem as seis faces correspondentes aos planos geraes do esquele- to, o que para quasi todos é completamente inexacto, e augmenta por conseguinte 0S embaraços do seu estudo, Nos auctores modernos nota-se a este respeito uma deficiencia absoluta. Pelas suas deseripções é impossivel entender o carpo, Parece que á falta de caracteres decisivos, deixam esse conhecimento depen- DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO, 27 dente dos estudos tradicionaes dos demonstradores de anatomia, ou dos exercicios particulares sobre carpos articulados. Entretanto, assentada a distincção dos ossos do carpo, como aci- ma expozemos, entendemos que será possivel achar caracteres taes que a posição de cada um dos ossos que compõem esta primeira parte da mão fique definitiva e intelligivelmente determinada. Consideraremos a mão pendente ao longo do tronco, e com a palma voltada para diante. Deste modo os seis planos serão designa- dos da seguinte maneira — superior ou antebrachial, inferior ou digi- tal, interno ou cubital, externo ou radial, anterior ou palmar, poste- rior ou dorsal. Notaremos igualmente que são rigorosamente necessa- rios tres planos para determinar a posição relativa dos ossos do carpo e que não são precisos mais, Agora incumbe achar para cada um dos ossos tres planos quaesquer que não apresentem confusão e definam a situação delles. Dissemos que o segfoide podia ser conhecido pela facetta conca- va, circular, lisa e polida, aberta n'uma das faces deste osso ; essa pois será collocada para baixo (1.º plano). Esta face continúa com outra se- milunar, de dois a tres millimetros na sua maior largura, igualmente lisa e polida, como são todas as superficies articulares destes ossos, no que se diflerengam das não articulares. Esta face semilunar, plana, for- mará pelo seu bordo convexo a extremidade antebrachial do osso (2.º plano), e ficará voltada para dentro (3.º plano). Isto basta. Mas, posto assim o osso em posição, poder-se-ha notar que pela parte an- terior fica uma goteira que constitue a sua face palmar, e pela parte posterior um rego aspero, formando a face dorsal e correndo de cima e de dentro para baixo e para fóra. Qualquer destes dois signaes não é para despresar. Semilunar. Vimos acima como Bertin se achou embaraçado para determinar a posição deste osso, declarando que em certos casos os mais habeis se enganariam. Gavart não diz nada a este respeito, as- sentindo tacitamente á decisão de Bertin. Estudando todavia todas as particularidades deste osso, acharemos que não será impossivel fixar- lhe a posição natural. Em primeiro logar na generalidade dos casos a indicação de Bertin é sufficiente: mas eu supponho agora o caso em que as duas tuberosidades que, que terminam o crescente, sio appa- rentemente iguaes e similhantes. Dissemos que © osso seria conhecido pela facetta semilunar con- cava, terminada por duas pontas osseas, quasi sempre desiguaes. Esta facetta articular semilunar será voltada para baixo (1.º plano). Na parte * 28 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES superior uma grande superficie convexa articular. Na anterior e pos- terior duas náo articulares asperas. Na externa uma facetta similunar plana (2.º plano). Na interna ou cubital uma facetta plana. Resta de- terminar o terceiro plano. Conhecida esta facetta plana interna, que é a unica articular que não fixámos pela sua fórma, notar-se-ha que não occupa toda a superficie interna, do osso, mas deixa um espaço aspero entre ella e uma das superficies asperas de que fallamos. Esta será a anterior. Assim, vindo da face posterior para a interna, observaremos um angulo saliente e cortante que as divide, em quanto que partindo da anterior para a interna, cairemos primeiro n'uma porção do osso aspera, que serve para apego de ligamentos interosseos, e só depois chegaremos á superficie articular interna. Definida assim a face ante- rior de uma maneira irrecusavel, temos o terceiro plano que faltava e solvida por uma vez a difficuldade de Bertin. Pyramidal. — A posição deste osso parece diffieultosa de deter- minar em consequencia da sua inclinação relativa: e da fórma mais regularmente prismatica que apresenta. Das tres superficies que con- stituem os tres lados da pyramide, uma éanterior, outra inferior, ou- tra supero-posterior. A base, face menor que as outras, é externa, o apice náo articular fórma parte do bordo interno do carpo. Das: tres faces mais extensas, a que apresentar na metade proxima do apice uma facetta lisa, polida, proximamente oval, será a anterior (1.º plano). Das duas outras a que fôr articular em toda a sua extensão, será a infe- rior (2.º plano). O apice da pyramide estará voltado para o lado cubi- tal (3.º plano.) Trapesio. — Reconhecemos o trapesio pela gotteira cavada no seu corpo, e limitada por duas eminencias osseas. Esta gotteira constitue a face anterior do osso (1.º plano). Das eminencias que a limitam a maior fica para fóra (2.º plano). Das quatro facettas articulares que apresenta, a maior será inferior (3.º plano). Grande osso.— A cabeça é superior (1.º plano). Das superficies asperas e não articulares a menos extensa é anterior (2.º plano.) Das duas lateraes a que em todo o seu comprimento apresentar uma fita articular, mais proxima do plano posterior, e delle separada por uma aresta viva, inclinada sobre o grande eixo do osso, será a interna (3.º plano). Unciforme. — A. apophyse unciforme é anterior (1.° plano). Está mais proxima da base ou superficie inferior articular do osso (2.º pla- no). Curvada para fóra (3.º plano). Trapesoide. — Como acima não demos signal nenhum para co- DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 29 nhecer este osso, e apenas o distinguimos por exelusão, precisamos fixar agora solidamente os seus caracteres, de maneira que possa ser collocado sem hesitação. Tem este osso quatro faces articulares, e duas não articulares. Destas a menos extensa e anterior (1.º plano). A mi- nima das quatro faces articulares é superior (2.º plano). A face ante- rior aspera continúa para baixo e para fóra como uma pequena super- ficie triangular, igualmente aspera, estreita, terminando na união da face externa com a inferior (3.º plano). Note-se que podendo acontecer que as superficies articulares se confundam em grandeza, de modo que se não possa definir exactamente o plano superior; conhecida a anterior, por ser das superficies não ar- ticulares constantemente a menor, pela inclinação da superficie trian- gular aspera que com ella se continúa, e pela sua inclinação ser-nos- ha sempre facil colocar o osso naturalmente. Assim, posta a superficie não articular para diante, inclinar-se-ha para fóra e para baixo a su- perficie triangular que a contimia, e examinaremos então se a face articular superior termina posteriormente n'uma saliencia ossea que excedeu o seu plano. Se isto succeder o osso não está em posição. Se pelo contrario tal saliencia se não encontrar, posto o osso como dize- mos, estará definitivamente collocado. CAPITULO VI. DESCRIPÇÃO PARTICULAR DOS OSSOS DO CARPO. Conhecidos: os ossos do carpo, e definida a sua posição: relativa, será facil agora descrevel-os. A Escaphoide. — Este osso é o primeiro, omais externo, e o maior da primeira serie, É extremamente irregular, e inclinado sobre o seu grande eixo. Posto em posição podemos notar-lhe seis faces, quatro ar- ticulares e duas não articulares. A superior ou ante-brachial extensa, lisa, irregularmente triangular, convexa, inclinada para fóra, corres- ponde ao radio. A inferior, circular, concava, polida, recebe uma por- ção da cabeça do grande osso. A interna, a mais pequena das super- ficies articulares, lisa, plana, semilunar, corresponde a uma superficie igual do semilunar. A externa triangular, lisa, no fresco forrada de cartilagem, extensa, convexa, e articula-se com as faces superiores do trapesio e trapesoide. A anterior aspera, mais larga na parte inferior e externa, que na superior, perfurada por pequenos orificios nutritivos, e cortada perpen- 30 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES o dicularmente por uma depressão, para passagem de tendões. Esta face anterior termina pelo lado radial n'um tuberculo saliente, que é o primeiro lateral externo do carpo. A posterior limita-se a uma linha aspera para apego de ligamen- tos, percorrendo toda a superficie do osso da parte superior e interna para a inferior e externa, e terminando no tuberculo acima designado. Este osso chama-se tambem navicular, kotuloide. Semilunar. — Este é assim chamado em consequencia de uma su- perficie regularmente semilunar que apresenta. A sua face superior é lisa, convexa, extensa, forrada no fresco de cartilagem para se articu- lar com o radio. A inferior semilunar, concava, lisa, dividida por uma linha saliente em duas superficies desiguacs, que se articulam com o osso e unciforme. A externa plana, semilunar, continuando in- sensivelmente com a superior, earticulada com o escaphoide. A inter- na plana, pouco extensa, lisa, articulada com o pyramidal. As faces anterior e posterior, ambas asperas, rugosas, perfuradas por pequenos orificios nutritivos, terminando inferiormente em duas pontas ou sa- liencias osseas. Destas faces, por ordinario, a anterior é mais extensa que a posterior, e a ponta em que termina igualmente mais grossa. Entre a face interna e a anterior ha um pequeno espaço aspero que serve para inserção de fibras ligamentosas interosseas. A linha que perpendicularmente atravessar 0 0580 de alto a baixo, acha-se, posto o osso em posição, inclinada de cima e de dentro para baixo e para fóra, o que faz que as faces anterior e posterior tenham igualmente esta direcção. Este osso chama-se tambem lunar, lunado, lunatum. Pyramidal. — E’ o terceiro e mais interno dos ossos do carpo. De uma fórma pyramidal notar-lhe-hemos apenas tres faces, base e apice. O eixo da pyramide está inclinado de cima e defóra para baixo e para dentro. A anterior é irregularmente triangular, e apresenta proximo do apice uma superficie lisa, oval, coberta no fresco de car- tilagem obducente, para se articular com o pisiforme. A posterior as- pera, na maior parte da sua extensão, excepto junto da base em que se observa uma pequena superficie lisa, que corresponde ao cubito por intermedio da cartilagem inter-articular, de que já falla Galeno. A in- ferior lisa, polida, alternativamente concava e convexa para se articu- lar com o unciforme. A base é plana, lisa, forrada de cartilagem, olhando para cima e para fora, e se articula com o semilunar. O apice emente dividido por uma pequena gotteira aspera para grande truncado, e lev apego de ligamentos. DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 31 Chamaram tambem alguns ao pyramidal, osso cuzei orme, tri- quetrum '. Pisiforme. — Quando fallámos da posição dos ossos do carpo, ex- cluimos este pequeno osso, não só por estar fóra da serie, mas princi- palmente porque não encontrámos signal por tal modo caracteristico que determinasse por um modo defimtivo a sua situação natural. Ber- tin diz, que para o pôr em situação é preciso collocar a sna facetta articular para baixo. Não ha caracteres sufficientes por meio dos quaes se possa distinguir o pisiforme do lado direito e o do esquerdo, Ga- vart, já citado, exprime-se assim: a face articular para fóra e um pouco para traz, a não articular convexa para traz e um pouco para dentro, a extremidade mais saliente para cima. Desafiàmos, quem quer que seja, a collocar um pisiforme, e distinguir o direito do esquerdo por estes caracteres. Cruveilhier gaba-se na sua Anatomia de haver conhe- cido tão perfeitamente os ossos do carpo, que instantaneamente e 4 primeira vista distinguia o pisiforme direito ou esquerdo. Percebe-se que o illustre professor da Escola de París chegasse pela pratica e es- tudo deste osso a tanta perfeição; e só lamentâmos que não descre- vesse os caracteres de distincção, que Bertin affirma não existirem. Tudo está em assignalar ao pisiforme os tres planos de posição, como fizemos para os outros ossos do carpo, O posterior temol-o na super- ficie unica e articular que este osso apresenta (1.º plano). Para cima podémos collocar a mais grossa das suas extremidades, segundo Ga- vart (2.º plano). O externo pareceu-nos que podia ser caracterisado por um pequeno rego aspero proximo da união da face anterior com a posterior, já notado por Galeno, e a que este sabio medico assigna- lava o uso de proteger o nervo cubital (3.º plano). Entenda-se todavia qus só em ossos mui perfeitos estes dois ultimos caracteres se acham claramente representados. Temos visto muitos pisiformes cuja distinc- ção por elles é completamente impossivel. O pisiforme é um pequeno osso, collocado fóra da serie, oblon- 8º, apresentando apenas uma superficie articular na face posterior cor- respondente á facetta anterior articular da pyramidal. Está situado na parte mais interna e superior do carpo, de que fórma a primeira emi- nencia cubital ; contribuindo para a elevação da região hypothenar. A face anterior é convexa e aspera para inserção de ligamentos e ten- dões. A posterior lisa, plana, revestida no fresco de cartilagem para se articular com o pyramidal. Pelo lado externo da face anterior encon- * Monro, 32 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES tra-se muitas vezes um pequeno rego aspero, que serve para inser- ção de ligamentos, e pelo qual se pode distinguir o osso direito do es- querdo. Ao osso pisiforme chamaram tambem alguns anatomicos, carti- liginosum, subrotundum, rectum. Trapesoide. — Osso de fórma muito irregular, cujos planos são extremamente difficeis de distinguir. O primeiro da segunda serie, si- tuado por conseguinte na extremidade radial della. Posto em posição, como acima referimos, a face anterior consiste apenas n'uma gottei- ra, limitada por dois tuberculos osseos, um interno mais curto, outro externo mais longo, e pelo qual se pode reconhecer o lado a que o osso pertence. Esta gotteira está lançada obliquamente da parte supe- rior e externa para a interna e inferior. A face posterior é aspera, coberta de pequenos orificios nutritivos, irregularmente triangular, e inclinada de cima e de fóra para baixo e para dentro. A superior é pequena, quasi redonda, lisa, e articular com a face externa do esca- phoide. A inferior mais extensa que a superior, convexa no sentido antero-posterior, concava no diametralmente opposto, disposição in- versa da que se encontra na base do primeiro osso do metacarpo, e que poderosamente contribue para a sua reciproca uniáo, A interna é levemente concava e dividida por uma linha saliente em duas facettas particulares de dimensões differentes. A superior dellas, maior, arti- cula-se com o trapesoide, a inferior com a base do segundo metacar- pico. A externa é larga, aspera, irregularmente quadrangular, e fórma o lado radial do carpo. Chamaram tambem ao trapesio, cubiforme, trapesoide, multangu- lum majus. Trapesoide. — Este osso é o segundo e mais pequeno da segunda serie, tão irregular como o trapesio e de dificultosa collocacáo. A face palmar é curta, aspera para inserção de ligamentos, e continuada para a parte inferior e externa com uma pequena superficie triangular igualmente rugosa, que póde servir para a distincção do trapesoide direito e esquerdo. A. posterior é maior que a antecedente, perfurada pelos orificios nutritivos, irregularmente triangular, e inclinada de ci- ma e de fóra para baixo e para dentro, A externa concava, lisa, po- lida, quasi triangular, e articulada com a face correspondente do tra- pesio. A interna mais curta, quasi plana, e articulada com a parte inferior da face lateral e externa da base do grande osso. A superior levemente concava, estreita, e articulada com a face externa do esca- phoide. A inferior convexa, como diyidida por uma linha saliente an- DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 33 tero-posterior, e articulada com a base concava do segundo osso do metacarpo. O trapesoide tambem foi denominado trapesio, multangulum mi- nus. Grande osso.— Este é o terceiro e mais volumoso da segun- da serie, mais espesso na parte inferior ou base do que na su- perior. E’ sobre elle que se apoiam os dois primeiros ossos da se- rie ante-brachial, e fórma, por assim dizer, a chave de todo o car- po. A face superior é constituida pela cabega obrotunda, lisa, co- berta no fresco de cartilagem, e articulada na maior parte da sua ex- tensão com a cavidade do escaphoide, e por uma pequena superficie com a face concava inferior do semi-lunar. Está separada a cabeça do osso do resto do corpo ou base por um collo mais estreito, apenas evi- dente na parte anterior e posterior. A face inferior é ampla, forrada no fresco de cartilagem, e dividida por duas linhas salientes em tres superficies articulares que correspondem successivamente ao segundo metacarpico, ao terceiro, e ao quarto. Dellas a maior é/a mediana, depois a externa, e a mais pequena cubital. A face anterior é áspera, um pouco convexa, estreita, e dá insersão a ligamentos. A posterior extensa plana, inclinada de cima e de fóra para baixo e para dentro, rugosa, e apresentando ordinariamente um grande orifício nutritivo. A face externa apresenta junto da base uma pequena facetta lisa por onde se articula com o trapesio. A interna na sua parte posterior uma facetta estreita que mede todo o comprimento do osso, e por onde se articula com o unciforme. O grande osso foi*chamado maximum, capitatum. Unciforme. — Este osso foi assim denominado pela apophyse, es- pecie de unha ossea, qua apresenta na sua face anterior junto da ba- se. E' o mais interno da segunda serie, e o maior depois do grande osso. Mais pyramidal do que cuboide, é quasi impossivel marcar-lhe os seis planos de relação, achando-se o superior reduzido a um pe- queno angulo de separação entre a face interna e a externa. A ante- rior é triangular, e apresenta junto da base uma apophyse espessa, saliente, curvada sobre o seu eixo, e voltada para o lado radial. Esta apophyse fórma a segunda eminencia cubital do carpo. A face posterior é igualmente triangular, mais ampla que a an- terior, e inclinada de cima e de fóra para baixo e para dentro. A in- ferior larga, extensa, forrada de cartilagem, e dividida por uma linha saliente antero-posterior em duas facettas articuladas com as bases dos dois ultimos ossos do metacarpo. A superior reduzida a um pequeno MEM. DA ACAD. — 1)" CLASSE — T. II. P. 1i y MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES 34 bordo antero-posterior, articulado com o semilunar. A externa plana, vertical e articulada com © grande osso. A interna extensa, inclinada e articulada com o pyramidal. A este osso tambem alguns chamaram cuneiforme. Carpo em geral. — Carpus, summa manus, brachiale. Bertin, tão sabido em osteologia, não tinha conhecimento do Culter de Lyserus, como se póde ver na seguinte transcripgio : — Lyserus, diz Bertin, foi o primeiro que ousou dar um nome aos ossos do carpo que ser- visse para os caracterisar : chamou ao que os antigos designavam por primeiro osso da primeira serie, osso escaphoide, pela similhança que tem com uma barquinha : chamou lunar ao que entre os antigos era o segundo da primeira serie, porque este osso com effeito tem a fi- gura de um crescente ; é melhor, como se notou depois de Lyserus, chamar-lhe semilunar. O mesmo anatomico chamou ao terceiro osso da primeira serie dos antigos, 0880 triangulur, posto que em verdade elle mos Lyserus nunca cha- seja mui pouco triangular. Como acima vi mou triangular ao pyramidal, mas cuneiforme. O carpo é composto dos oito pequenos ossos, cuja resumida des- cripção acabâmos de fazer. Reunidos em duas series. transversaes, €s- tão collocados entre os dois longos ossos do ante-braço, e os pequenos ossos do metacarpo. A serie superior, constituida pelo escaphoide, se- milunar, pyramidal e pisiforme, corresponde ao radio e ao cubito com que se articulam. A inferior, formada pelo trapesio, trapesoide, gran- de osso e unciforme, corresponde ao metacarpo, a cujos ossos igual- mente está unida. Alem destas articulações geraes, os ossos da pri- meira serie correspondem perfeitamente pelas suas faces inferiores ás superiores da segunda serie, a que se acham presos por ligamentos que lhes permittem mover-se: com facilidade. Emfim, todos se encon- tram em cada uma das series unidos entre si por fortes fibras liga- mentosas interosseas, que apenas lhes consentem mui curtos e obscuros movimentos. Entenda-se que de todas estas considerações geraes deve ser exceptuado o pisiforme, osso evidentemente da ordem dos sesamoi- deos, como a rotula, e que parece destinado unicamente a fechar a concavidade do carpo pelo lado interno, offerecendo uma base de re- flexão aos tendões flexores que lhe passam pelo lado externo. São bem notaveis as expressões de Galeno a respeito do numero dos ossos do carpo. « Parecerá extraordinario, diz elle, que o fabrica- dor de todas as cousas, que de um só osso formou a coxa e 0 braço, membros. do corpo, «lésse oito ossos a uma parte tio os dois maiores o carpo, e quatro ao metacarpo. Para os dedos a va- pequena como é DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 35 riedade de posições que tomam nos seus movimentos é sem duvida uma demonstração da utilidade do seu numero ; mas para o carpo e metacarpo nada se vê de similhante... todavia tio artisticamente es- tão dispostas estas partes, que nada falta á excellencia da sua perfei- ção. E para o provar immediatamente, nenhum dos oito ossos do car- po se assemelha nem pela fórma, nem pela grandeza ao que lhe fica proximo. E apesar disto com tal harmonia estão unidos, que difficil- mente se poderào contar, porque se náo tirarmos exactamente os li- gamentos, e despojarmos o carpo das membranas que o cobrem, pa- recer-vos-ha que todos os ossos não são mais que um. Como não ver revelar-se uma admiravel arte e providencia nesta disposição, que o carpo, composto como é de muitos ossos de diflerentes fórmas, foi ca- vado na face interna tanto quanto convinha á mão, e feito convexo na face externa quanto igualmente era necessario ? Apresentar na parte superior, aquella que corresponde ao ante-braco, uma convexidade de fórma e proporções taes, que melhor estivesse disposta pela sua figura e dimensões a articular-se com os ossos collocados acima delle, não será para o carpo uma prova da melhor previsão e perfeição da arte?... E de certo não admirareis sómente esta disposição, mas attendereis para a parte inferior, onde vereis quatro pequenas cavidades, postas adiante umas das outras, € que se articulam com os ossos do meta- carpo. «E mais abaixo no mesmo capitulo.» Para impedir que a massa dos ossos náo fosse lesada, era melhor que fosse composta de muitos ossos, e sobretudo de ossos tão duros como estes são. Com effeito, ce- dendo aos corpos que os vem ferir, quebram, por meio das suas arti- culagóes, a força nestes corpos, 4 maneira do que succede com as ar- mas offensivas, a lanca ou outro instrumento similhante, que mais facilmente atravessam os tecidos quando elles estão tensos, do que quando estão relaxados, porque no primeiro caso ha resistencia, e no segundo os tecidos cedendo gradualmente amortecem a força dos cor- pos que os vem ferir, » Com esta figura Galeno põe bem patente a utilidade do numero dos ossos do carpo, e a excellencia das suas variadas fórmas. Centro de grandes resistencias, se a mão transmittisse as forças n'uma só di- recção e por um só osso ao ante-braço, as fracturas da mão e ante- braço seriam por extremo frequentes. Com a multiplicidade das arti- culações a força reparte-se, quebra-se, amortece e diminue assim a possibilidade das fracturas, E note-se que é tão admiravel esta disposi- cão das variadas fórmas e uniões dos ossos do carpo, que nas grandes violencias que sobre elle se possam exercer, não sendo de um modo di- 5a 3 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES recto, raras vezes acontece resultar a fractura de qualquer d'elles; sendo antes consequencia mais commum a fractura da extremidade in- ferior do radio, como sabem todos os cirurgiões. O carpo apresenta uma superficie superior ou ante-brachial con- vexa, forrada no fresco de cartilagem, e constituida pelo escaphoide, semilunar e pyramidal, articulados os dois primeiros com o radio, e o terceiro com a extremidade inferior do cubito por intermedio de uma pequena cartilagem triangular interossea. Esta primeira serie tem apenas obscuros movimentos dos ossos entre si, em consequencia dos curtos ligamentos. interosseos que os prendem. As interlinhas articu- lares estão dirigidas de cima e de dentro para fóra e para baixo. Os tres ossos formam uma curva, abraçada superiormente pela concavi- dade da extremidade inferior dos ossos do ante-braco. A face inferior do carpo representa uma superficie articular que- brada, extremamente irregular, correspondendo aos cinco ossos do me- tacarpo. Esta irregularidade da superficie digital do carpo tem impe- dido, até hoje, a desarticulação inteira do metacarpo, não sendo pos- sivel sujeitar a regras geraes os innumeros golpes que sería necessa- rio dar para correr com o plano do escalpello as sinuosidades que apresenta a interlinha carpo-metacarpica. Esta face inferior do carpo é composta pelo trapesio que sustenta o primeiro metacarpico, pelo trapesoide com que se articula o segundo metacarpico, pelo grande osso que está unido ao terceiro, e pelo unciforme que corresponde aos dois ultimos. A interlinha articular do trapesio e primeiro metacar- pico é bastante simples para permittir a facil desarticulação deste ul- timo osso, O mesmo succede com os dois ultimos metacarpicos. Se a lesão fosse tal que. todos os ossos estivessem compromettidos a ponto de ser precisa a sua extracção, todas as considerações anatomicas re- commendam a desarticulação do carpo, > A. face anterior do carpo é concava, em fórma de gotteira, incli- clinada de cima e de dentro para fóra e para baixo, servindo para a passagem dos tendões flexores. Nelle se observam não sómente as in- terlinhas articulares da primeira e da segunda serie, mas tambem a interlinha em forma de S que resulta da articulação dos ossos supe- riores com os inferiores do carpo. Esta face anterior é fechada por quatro eminencias, duas de cada lado, que dão inserção ao ligamento anterior do carpo. As externas são formadas pelo tuberculo mais saliente do trapesio, e pela tubero- sidade do. escaphoide. As internas pela unha do unciforme, e pelo pi- siforme. DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 37 Citemos aquí as palavras curiosas de Galeno sobre a utilidade deste ultimo osso. «Como pelo lado externo (face posterior) havia um relevo sufficiente na extremidade do cubito, mas as partes internas es- tavam rebaixadas por causa da direcção da pequena apophyse que se dirige para o lado externo e para baixo, e que é abraçada, como Já dissemos, por um dos ossos do. carpo, a natureza collocou ali, como uma defeza, um osso oblongo, que se dirige directamente para dentro, e que protege as partes molles, collocadas nesta região, entre outras o nervo (cubital), que vem da medulla para se distribuir na parte in- terna da mão. E' o oitavo osso do carpo. Como existe uma perfeita harmonia entre todos os ossos do carpo, faltando á natureza logar para ali collocar com segurança o osso de que tratâmos, ella imaginou cou- sas admiraveis. Primeiro fez a extremidade inferior deste osso extre- mamente delicada, não podendo esperar por outro modo achar um lo. gar conveniente para o fixar; depois allongando-o sufficientemente fez a sua outra extremidade espongiosa e cartilaginosa. Assim dispoz um espaço sufficiente para a inserção do tendão (cubital int.) que dobra o carpo neste logar; porque este tendão era mui volumoso para po- der inserir-se com segurança por uma pequena cartilagem sobre qual- quer dos outros ossos do carpo; assim a natureza o fixou ao pisiforme. Quanto á pequena extremidade deste osso, ella dirigiu-o para baixo, e collocou-a entre o osso que abraça a pequena apophyse do cubito e a grande cabeça que se chama condylo ; cabeça d'onde parte um pe- queno condylo, que destacando sobre as partes externas e inferiores, termina n'outra pequena cabeça, que se articula. como foi demons- trado, com um dos ossos do carpo. Este osso cartilaginoso, estando alojado n'uma pequena cavidade, corria necessariamente perigo, e fi- cava exposto a uma grande mobilidade, mas a natureza uniu-o aos os- sos visinhos por fortes membranas, que exercem uma tracção igual em todos: os. sentidos, de sorte que se mantém direito mas ainda com custo, fluctuando no rebordo do osso que se articula com a pequena apophyse do cubito, » A face posterior do carpo é convexa, mais extensa que a anterior, e corresponde aos tendões extensores. Nella se observa a linha em fór- ma de $ que resulta da articulacio da primeira com a segunda serie.. Esta articulação é nótavel porque pelo lado interno apresenta a pri- meira serie uma cavidade onde € recebida a cabeça do segundo osso, completada pelo rebordo superior do unciforme, e pela externa outra cavidade, mas inferior, formada pelo trapesio e trapesoide, onde é re- cebida a face externa tubercular do escaphoide. 38 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES Repare-se como os ossos mais volumosos das duas series se cor- respondem mutuamente. O grande osso com o unciforme, formando uma cabeça articular, e correspondendo á cavidade que inferiormente lhe apresentam 0 escaphoide e o semilunar; por isso chamâmos ao grande osso chave das articulações do carpo. Isto pelo lado interno. Pelo externo disposição inversa. A cabeça ou tuberosidade escaphoidea na cavidade do trapesio e trapesoide. Em resultado, maior harmonia, mais segurança e grande facilidade de movimentos. Observe-se ainda, que toda a violencia sobre os metacarpicos virá difinitivamente ser com- municada ao escaphoide por intermedio dos tres primeiros ossos da segunda serie para os tres primeiros metacarpicos, e por intermedio do unciforme, pyramidal e semilunar para os metacarpicos do annular e dedo minimo. CAPITULO Vil. ` NOVAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A DISTINCÇÃO DOS OSSOS DO CARPO. Estão os ossos do carpo conhecidos e descriptos. Pelos caracteres que referimos não sómente será facil designar cada um delles pelo seu nome immediatamente, mas com igual certeza e celeridade distinguir os que são da mão direita ou da esquerda. Collocado qualquer dos os- sos em sua natural posição, as facettas articulares indicaráo logo as relações mutuas dos ossos. Deste modo reconhecendo a qual das duas series um delles possa pertencer, não haverá hesitação sobre o numero e genero das suas articulações. ` Este estudo entretanto póde ainda ser simplificado. Os variados caracteres de cada um dos ossos do carpo, a irreguiaridade das figuras de cada uma das facettas articulares ou não articulares, a inclinação dos ossos sobre o seu proprio cixo, ou sobre o cixo commum do carpo, são capazes de produzirem uma certa confusão que será da maior uti- lidade dissipar. Considerando a posição geral de cada uma das suas series, no- ta-se que a primeira ou ante-brachial é curvada sobre si mesma, es- tando os ossos por consequencia inclinados uns sobre os outros, a fim de formarem a extensa cavidade que tem de receber as massas os- seas salientes da segunda: esta pelo contrario apresenta uma linha re- cta, desviando-se apenas angularmente o primeiro osso della, a fim de afastar o pollex, e consentir os seus variados movimentos de opposi- ção. Por outro lado a disposição das faces anterior e posterior, e a distribuição dos tuberculos osseos nas extremidades terminaes das duas DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 39 series, fazem que a face anterior do carpo seja concava, adaptando-se deste modo á passagem da massa dos tendões flexores. Assim a pri- meira serie é curvada sobre o grande eixo do carpo, e ambas sobre o pequeno. Resulta igualmente desta disposição que ‘se observa uma con- vexidade no dorso do carpo, devida á maior extensão das faces poste- riores dos ossos, e mais pronunciada na segunda que na primeira. En- tretanto náo se deve generalisar por tal fórma esta consequencia, que se torne absoluta, como quizeram Monro e Cruveilhier. Tem excepções como são na primeira serie a face anterior do semilunar, mais extensa que a posterior, e na segunda o unciforme, em que as feces anterior e posterior são pouco mais ou menos equivalentes em extensão. Mais outra particularidade notavel e curiosa apresenta o carpo, estudado pela face posterior. Se lancarmos uma linha que atravesse o carpo perpendicularmente do ante-brago para o metacarpo, a que cha- maremos pequeno eixo, ou eixo perpendicular do carpo, veremos que todas as faces posteriores dos ossos se acham inclinadas angularmente _ sobre elle; isto é, o grande eixo dessas pequenas faces fórma com o eixo prependicular do carpo um angulo agudo, e aberto em diverso sentido para a primeira e segunda serie. Desta inclinação das faces resulta que as interlinhas articulares se acham igualmente inclinadas sobre o eixo perpendicular do carpo. Assim visto e examinado pela parte convexa no que toca ás mutuas articulações da primeira e da segunda serie, observa-se uma como es- pinha, cuja parte central é formada pela interlinha articular da pri- meira e da segunda serie, sobre a qual vem cair angularmente as in- terlinhas das articulações particulares de cada uma dellas. As interli- nhas articulares superiores e inferiores, vindo a encontrar-se no grande eixo transversal do carpo, formam um angulo aberto para o lado in- terno *. Dahi resulta que as faces posteriores da primeira serie se acham inclinadas de cima e de dentro para fóra e para baixo, e as fa- ces posteriores da segunda serie de cima e de fóra para baixo e para dentro. Assim : Primeiro : considerado o esqueleto voltado para o espectador, e posto qualquer dos ossos da primeira serie em posição, a inclinação da face posterior será em sentido inverso ao lado a que o osso per- tencer. Segundo : considerando do mesmo modo o esqueleto, e posto em 1 Entende-se que estas considerações não são applicaveis ao pisiforme, estando fóra da serie. 40 ` MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES posição qualquer dos ossos da segunda serie, a inclinação da face pos- terior será no mesmo sentido do lado a que pertencer. Por estas duas leis havemos simplificado a distincção dos ossos do lado direito e do esquerdo, reduzindo a regras, faceis de conservar na memoria pela sua generalidade e simplicidade, os multiplos cara- cteres por que eram reconhecidos. Advertiremos que em todos os ossos do carpo este caracter da inclinação das faces é positivo e manifesto, podendo apenas haver con- fusão a respeito do pyramidal, o ultimo da primeira serie, e cuja face posterior é igualmente interna concorrendo para formar o bordo in- terno do carpo. Eliminando porém aquella porção da face posterior deste osso, que está mais proxima do apice, as regras que estabelece- mos ficam sem excepção. CAPITULO VII. METACARPO, - POSTBRACHIALE, PECTUS, PALMA, PECTEN. O metacarpo é composto de cinco ossos compridos, collocados pa- rallelamente entre o carpo e as primeiras phalanges. Continua a li- nha perpendicular do ante-braco para os dedos, exceptuando o meta- carpico do pollex que se desvia angularmente para fóra, a fim de con- sentir no dedo deste nome os seus movimentos de opposição. Afóra pois este primeiro osso, todos os mais estão fortemente presos pela base 4 segunda serie dos ossos do carpo, € pelas faces lateraes da mesma base articulados e presos entre si por tão robustas fibras ligamento- sas, que os seus movimentos são extremamenta obscuros e limitados. As cabeças porêm não se articulam, apesar de ficarem contiguas e unidas por um ligamento transversal commum. Esta disposição faz que gozem de maior mobilidade, limitada todavia pelo ligamento de que fallámos, € pelas fibras dos musculos interosseos que se inserem nas diaphyses dos ossos do metacarpo. O metacarpo em geral apresenta uma face anterior, profunda- mente situada debaixo da massa dos tendões flexores, uma face poste- rior mais superficial e perfeitamente apreciavel através dos tecidos que a cobrem, um bordo interno correspondente ao quinto osso, € um externo formado pelo metacarpico do pollex. A face anterior é con- cava, a posterior convexa, o bordo externo curto e inclinado para fora, o interno recto e curto. DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 41 A extremidade superior apresenta uma linha articular, extrema- mente irregular, sinuosa, a fim de se adaptar á superficie analoga da face inferior da segunda serie do carpo. A extremidade inferior é constituida pelas cabeças dos ossos, conformadas em geral pelo mesmo modélo, e apresentando uma superficie articular convexa, mais extensa para o lado palmar que para o dorsal. Caracteres geraes dos ossos do metacarpo. — Em todos os ossos do metacarpo, como sendo ossos compridos, e tendo a estructura dos ossos da sua classe, se podem notar uma parte central, corpo ou dia- physe, e duas extremidades. O corpo é prismatico, em todos apresenta duas faces lateraes, que mutuamente se correspondem, e dão inserção aos musculos inter- osseos e uma face posterior, correspondente aos tendões dos musculos extensores. Notemos todavia que as faces lateraes se prolongam de um e de outro lado sobre a face posterior junto da base, para offerecerem uma maior superficie á inserção dos interosseos, ficando limitada a face posterior a uma superficie triangular, determinada manifestamente por duas linhas ou arestas salientes, que partindo dos tuberculos poste- riores da cabeça vem a reunir-se junto do quarto posterior dos ossos. Esta disposição differe apenas no metacarpico do pollex, cuja face pos- terior é uma superficie quadrangular, limitada por duas linhas que dos tuberculos posteriores da cabeça deste osso vão terminar paralle- lamente na base. As faces lateraes estão anteriormente separadas por um angulo saliente, que se bifurca na parte superior e inferior, vindo a terminar na base e nos tuberculos anteriores da cabeça. A base dos ossos apresenta em geral cinco faces, uma anterior e outra posterior, que não são articulares, duas lateraes, que podem ser articulares ou não, e uma superior que é sempre articular. A. cabeça termina anterior e posteriormente em dois tuberculos que tem extrema importancia para a distincçäo dos ossos do carpo, e de que abaixo fallaremos com mais particularidade. CAPITULO IX. DISTINCÇÃO DOS OSSOS DO METACARPO. . Cruveilhier descreve da maneira seguinte os caracteres differen- ciaes dos ossos metacarpicos. MEM. DA ACAD. — 1.º CLASSE — T. Il. P, II. 6 42 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES «O primeiro metacarpico distingue-se dos outros pelos seguintes caracteres : é mais curto e mais volumoso ; o corpo achatado de diante para traz, á similhança das phalanges. A sua extremidade carpica tem uma disposição particular; é concava de diante para traz, e convexa transversalmente, articulando-se com o trapesio, cuja configuração está em relação com a delle. Assim, comprimento menor, maior volume, achatamento antero-posterior do corpo, superficie articular superior concava e convexa em sentido opposto, ausencia de facettas articula- res lateraes, são caracteres que sempre darão a conhecer o primeiro metacarpico. « Ha muitos carecteres proprios para distinguir o segundo, ter- ceiro e quarto metacarpicos. Contentar-me-hei com dizer, que o se- gundo e terceiro se distinguem do quarto pelo seu comprimento ; ex- cedem-no com effeito em toda a extensão da sua extremidade inferior, como em volume e em péso quasi o excedem de um terço. «O terceiro metacarpico distingue-se do segundo pelo seu volu- me mais consideravel, que está em relação de um lado com o maior volume do medius que sustenta, e de outro com a inserção neste me- tacarpico de uin dos musculos mais poderosos da mão, o adductor do pollex. O terceiro distingue-se ainda do segundo porque apresenta na sua extremidade superior duas facettas lateraes, em quanto o segundo metacarpico apenas apresenta uma. «O quinto metacarpico é depois do primeiro o mais curto de to- dos, distinguindo-se ainda do primeiro pela exiguidade das suas outras dimensões. Do quarto distingue-se pelo seu menor comprimento, pela presença de uma facetta articular sobre um só dos lados da sua ex- tremidade superior ou carpica; pela existencia no seu lado interno, de uma apophyse de inserção saliente para o musculo cubital poste- rior. » Tacs são ös caracteres notados por Cruveilhier, dem ser ainda simplificados. Assim : 1.2 O metacarpico que na base apresentar unicamente uma su- perficie articular superior, será o primeiro. 2° O que tiver a face superior da base cortada por uma gotteira antero-posterior, será o segundo. 3.º Aquelle, que na união da face superior com a posterior apresentar uma apophyse saliente, será o terceiro. 4.%0 que não tiver na face superior nem gotteira, nem apophy- se, e tiver duas facettas lateraos articulares, será o quarto. 5. Emfim o metacarpico que apresentar uma sò facetta ar- que todavia po- DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 43 ticular lateral, e no lado opposto um tuberculo saliente, será o quinto, Desta maneira não me parece que possa haver hesitação em dis- tinguir cada um dos ossss do metacarpo. Os caracteres são simples, salientes, e faceis por conseguinte de recordar. Distincção dos ossos metacarpicos do lado direito e do lado esquer- do, — E pelas facettas articulares das bases que geralmente se distin- guem os ossos metacarpicos esquerdos e direitos. Na maior parte del- les as facettas lateraes conduzem a este conhecimento ; n'alguns, po- rém, temos de recorrer ás facettas superiores, que rigorosamente po- diam servir em todos, Deste modo o primeiro metacarpico será distinguido, porque apresentando na unica facetta superior articular uma como linha sa- liente que a divide em duas partes iguaes, terá a mais extensa destas voltada para o lado radial. A linha, porém, de que fallámos, nem sempre é manifesta; e neste caso poderemos suppril-a por uma linha ideal que parta do tuberculo ou apophyse saliente anterior da base 4 que lhe fica opposta. O resultado será o mesmo. O segundo metacarpico será reconhecido pela facetta lateral que apresenta unicamente do lado interno. Como já démos os caracteres pelos quaes os metacarpicos podiam ser conhecidos, não haverá confu- são com o quinto, que igualmente apresenta uma só facetta articular lateral, O terceiro tem facettas articulares de ambos os lados, assim co- mo o quarto, e por ellas sería difficil distinguir estes dois ossos. No- taremos todavia que ambas as facettas lateraes do terceiro estão divi- didas em duas outras mais pequenas, e como semilunares, o que só acontece de um lado ao quarto metacarpico. Demais a facetta articu- lar superior é ne terceiro osso de fórma triangular, em quanto é qua- drangular no quarto. Distinguidos assim estes dois metacarpicos , a facetta lateral que no terceiro continuar com a apophyse da face pos- terior será externa. / Dissemos que o quarto apresentava- lateralmente duas facettas articulares. Aquelle dos lados que estiver dividido em duas outras mais pequenas e semilunares será externo, O quinto osso será perfeitamente distinguido, porque o lado ex- terno apresenta a unica facetta lateral que tem. Os caracteres que acabimos de expor não são difficeis de reconhe- cer pelos que estão costumados a lidar com os ossos do metacarpo; pa- ra os alumnos porêm este estudo é dos mais complicados, especialmen- 6 x 44 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES te não: estando os ossos plenamente desinvolvidos, e não apresentando por conseguinte aquelles signaes em toda a sua perfeição. Demais não teem estes caracteres aquella generalidade e simplicidade, que se requer, e que tão poderosamente contribue para a sua recordação. Ainda outro inconveniente resulta desta distincção dos ossos limitada unicamente. é sua base, e é de se desprezarem aquelles outros caracteres pelos quaes elles possam ser differençados do mesmo modo e com igual certeza. Examinemos se pelo estudo das cabeças dos ossos do metacarpo podêmos chegar a um resultado fructuoso. CAPITULO X. ESTUDO PARTICULAR DAS CABEÇAS DOS OSSOS METACARPICOS. i A diaphyse dos ossos metacarpicos, ao passo que se aproxima da sua extremidade inferior, começa a dilatar-se e a engrossar, consti- tuindo o que chamámos cabeça dos ossos. A cabeça é pois mais volu- mosa que uma porção do corpo que tivesse o mesmo comprimento , obrotunda, lisa, polida, forrada no fresco de cartilagem para se arti- cular com as primeiras phalanges. A cabeça termina anterior e poste- riormente em quatro tuberculos osseos, mais ou menos salientes, con- forme os ossos em que se observam, e o grau do seu desinvolvimento. Em geral os tuberculos anteriores são mais exagerados do que os posteriores. Entre elles ficam quatro pequenas cavidades, duas late- raes maiores, uma anterior bem manifesta, e a ultima posterior em fórma de rego transversal ao eixo do osso. A cabeça dos ossos do metacarpo não continúa directamente a linha central do seu comprimento ; está mais ou menos torcida sobre ella, ainda mesmo no primeiro osso, onde esta disposição é menos no- tavel, e apresentando uma grande analogia com a torção similhante dos ossos do metatarso. E” curiosa esta torção da cabeça sobre 0 eixo longo dos ossos, que igualmente se observa na sua diaphyse, porque ella vem confir- mar a lei geral da torção dos ossos compridos, sobre que tenciono apresentar uma nota á Academia. D'ahi resulta que os tuberculos posteriores não encobrem perfeitamente os anteriores, podendo sem- pre um destes ser observado pela face posterior. Dissemos acima que a superficie articular da cabeça dos meta- carpicos se estendia mais para a face palmar que para a dorsal, e agora accrescentaremos, que em cada um dos ossos se prolonga mais DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 45 diagonalmente de um tuberculo anterior ao posterior do lado contra- rio. Desta disposição curiosa devemos concluir, que na flexão ou ex- tensão exageradas das phalanges o eixo destes ultimos ossos não cae directamente sobre o eixo dos metacarpicos, mas fazendo com elles um angulo lateral. Os tuberculos servem pois não sómente para li- mitarem a extensão ou flexão das phalanges, mas para dirigirem es- tes movimentos, prolongando as superficies articulares no sentido mais conveniente para os usos e serviços da mão. Dos tuberculos assim anteriores, como posteriores, um sempre é mais saliente que 0 outro; mas sempre tambem em todos os ossos 05 anteriores são mais exagerados. > Estes tuberculos eram já bem conhecidos de Monro, que delles falla a proposito dos ossos do metacarpo. E’ todavia inexacto na sua descripção. Assim a respeito do primeiro que Monro considerava co- mo a primeira phalange do pollex, diz: == O corpo e cabeça deste osso são da mesma fórma que os do metacarpo, a não ser que o corpo é mais curto, a cabeça mais achatada, e as tuberosidades que estão na sua raiz anterior mais longas. = A respeito do segundo exprime-se assim :== A tuberosidade que se encontra na raiz interna da cabeça é mais larga que a externa. — Quando falla do terceiro affirma que as tuberosidades são iguaes. O mesmo refere do quarto: e a proposito do quinto nem as menciona. Bertin descreve da seguinte maneira os tuberculos de que falla- mos :== Em volta da cabeça de cada osso se apresentam quatro emi- nencias e quatro cavidades, que formam como a união da cabeca com o corpo do osso. Duas são superiores (anteriores) e duas inferiores (posteriores). As duas superiores são mais grossas que as inferiores; as suas superficies são desiguaes, e dão inserção á capsula articular e aos ligamentos lateraes. Nas superiores se inserem ainda as fibras ten- dinosas da apovrenose palmar. Como se deprehende desta citação, Bertin tinha um perfeito co- nhecimento das tuberosidades das cabeças dos ossos do metacarpo ; mas nem elle, nem Portal que o seguiu, tiraram nenhuma consequencia anatomica da notavel disposição que ellas apresentam. Os modernos são todos omissos a este respeito. Não nos parece que haja motivo para similhante falta nos livros de anatomia, a não ser porque se ignorasse a importancia decisiva que teem aquellas tuberosidades para a distincçäo dos ossos metacar- picos. - Estudando com efleito estes ossos no seu pleno desinvolvimento, 46 MEMORIA SOBRE ALGUMAS PARTICULARIDADES nota-se que as tuberosidades anteriores e externas dos tres primeiros ossos são constantemente mais exageradas que as anteriores e inter- nas, succedendo o contrario no quarto e quinto, Assim podémos co- do lado esquerdo ou direito simplesmente n nhecer se qualquer osso € por esta indicação. Mas para que a regra seja rigorosamente geral é necessario que os ossos estejam plenamente desinvolvidos. Nos ossos das creanças e dos individuos do sexo feminino, que commummente são menos vo- lumosos, e ainda nos ossos dos individuos, que se deram a profissões que não exigiam grandes esforços manuaes, o quarto osso apresenta uma excepção á regra, tendo as duas eminencias anteriores da cabeça proximamente iguaes e paralelas. | Esta excepção curiosa levou-nos a indagar a razão da existencia destes tuberculos pelo que toca aos movimentos da mão. Já acima dis- semos, que se o pollex não fosse opponente, cessariam todas as condi- ções que tornam a mão um tão admiravel instrumento. Todos os musculos da região thenar, os interosseos, 0s musculos hypothenares, muitos do ante-braço, concorrem para à perfeição desse movimento opponente do pollex. Ha porêm uma linha que póde ser considerada o centro de todas essas acções, ou antes 0 eixo de todas ellas, e que passa pelo eixo do quarto osso do metacarpo. Os esforços internos e externos tendem a aproximar os ossos deste cixo central; e as pressões por conseguinte sobre as cabeças dos ossos diminuirào ao passo que nos aflastarmos delle. Deste modo os tuberculos das cabeças dos ossos que mais proximos estiverem do cen- tro das forças supportarão uma maior pressão, ¢ não poderão desin- volver-se do mesmo modo “que os exteriores onde ellas cáem com me- nor intensidade. Pelo mesmo motivo o quarto osso deverá apresentar os tuberculos proximamente iguaes, supportando nos movimentos da mão pressões da mesma natureza. Quando porém os ossos estão extremamente desinvolvidos o tu- berculo interno do quarto osso metacarpico excede constantemente o externo, como se o cixo dos movimentos, de opposição se deslocasse para o intervallo do quarto e terceiro osso, sendo então todos os tu- berculos mais proximos dessa linha menos salientes que os externos. Esta theoria pode apoiar-îe na razão da maior saliencia de todos os tuberculos anteriores e externos dos ossos metatarsicos. Com effei- to, sendo as pressões sobre as cabeças destes ossos extremamente po- derosas e efficazes, não são todavia iguaes para todos, recaindo o péso do corpo principalmente sobre o lado interno do pé, para d'ahi se di- x DOS OSSOS DO CARPO E DO METACARPO. 47 vidir gradualmente por todos os ossos metatarsicos, Assim no meta- tarso em geral não sómente é sobre o lado interno que incide a maior pressão, mas sobre cada um dos ossos isoladamente succede a mesma cousa. D'ahi vem que todos os tuberculos internos estão incompara- velmente menos desinvolvidos que os externos. Na mão, visto variar o eixo, em consequencia dos movimentos de opposição, que a difleren- cam essencialmente do pé, deve ser a partir desse eixo que havemos de encontrar uma disposição analoga á que no pé acabámos de referir e explicar. Pareceu-nos que podiamos applicar a mesma theoria aos tuber- culos que se encontram na base das primeiras phalanges, podendo as- sim distinguir as da mão direita ou esquerda. Entretanto nos ossos que tivemos á disposição para compor esta Memoria, não eram tão salientes estes caracteres, que nos levassem a affirmar um resultado positivo. Seria para desejar que um novo estudo dissipasse por uma vez a ignorancia formal que reina em anatomia sobre a distincção destes pequenos ossos. TERRENOS ANTHRACIFEROS E CARBONIFEROS. MINA DE CARVÃO DE PEDRA DE S. PEDRO DA COVA, NO CONCELHO DE GONDOMAR, DISTRICTO DO PORTO. POR CARLOS RIBEIRO, SOCIO KFFECTIVO DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA, TERRENOS ANTHRACIFEROS E CARBONIFEROS. MINA DE CARVÃO DE PEDRA DE S. PEDRO DA COVA NO CONCELHO DE GONDOMAR, DISTRICTO DO PORTO. , PRIMEIRA PARTE. Li Si da cidade do Porto nos dirigirmos para o Nascente passan- do por S. Pedro da Cova, encontraremos, depois dos granitos do Por- to, os seguintes systemas de rochas. 1.º Gneis e micaschistos alternantes desde Campanha, pela ex- tensão proximamente d'uma legoa, até ás visinhanças da serra de Fan- zeres; a sua direcção é de N 10º a N 20º O, inclinando fortemente para E 20º N. 2.º Schistos cinzentos verdoengos e assetinados, e schistos argilo- sos de côres diversas, tendo a mesma inclinação que o systema pre- cedente. 3.º Brechas compostas de fragmentos das rochas precedentes ; schistos argilosos negros com impressões vegetaes, rochas areosas, e camadas de carvão ; dirigindo-se todos os stratos de N 20%0 aS 20º E, e inclinando para E 20º N. 4.2 Quartzites, schistos argilosos, e grauwakes sem fosseis, e pa- recendo assentar no systema precedente, com fortes inclinações para E 20º N, e mais para o Nascente inclinando ora para O 20ºS, ora pa- ra E 20° N. Sobre estas camadas assentam concordes schistos argilo- sos com trilobites, conchiferas € outros restos animaes da formação siluriana inferior. 5.2 Quartzites, grauwakes, schistos argilosos, e rochas metamor- phicas, sem fosseis, occupando a extensão de 9 a 10 kilometros, que vai da margem esquerda do Ribeiro da Murta pela Serra de Vallon- 1% 4 TERRENOS ANTHRACIFEROS go até á facha de rochas graniticas que passa em Baltár, a qual se prolonga na direcção N 20º O a S 20º E. Reunindo estes systemas pela ordem e na posição em que se en- contram, e esbocando-os em desenho, resultará a fig. 15, aquella mes- ma que Daniel Sharpe deu na sua Memoria sobre a Geologia das vi- sinhanças do Porto, a qual mostra as relações apparentes dos terre- nos indicados com as camadas de carváo, que parecem mergulhar por baixo dos stratos silurianos. Todavia se estemodo porque a serie carbonifera se mostra, representa, ou corresponde eflectivamente á sua verdadeira: posição geognostica com relação ás rochas do 4.” systema que parece cobril-o, uma observação importante e preliminar ha a fa- zer, mesmo antes do estudo das suas condições especiaes, e vem a ser: Porque causa os trabalhos de lavra e de exploração executados em S. Pedro da Cova, Covelo, e Povoa, nunca sahiram, durante o lon- go periodo de 50 a 60 annos, da zona occupada pelos afloramentos das camadas de combustivel, e procuraram estabelecer-se a E do te- cto das mesmas camadas, para cujo lado inclinam uns 35º, e onde são cobertos pelos schistos carbonosos do mesmo systema? Uma vez reconhecido pelos primeiros trabalhos que as camadas de carvão se prolongavam, profundando . por baixo dos stratos silurianos, era ra- cional atacal-as por pogos verticaes abertos a E da indicada zona; po- rém náo tendo acontecido assim, ha todo o fundamento para duvidar daquelle prolongamento, e por consequencia da posição geognostica que affectam as camadas da serie carbonifera. E na verdade a serie carbonifera em questão longe de pertencer á época do terreno silu- riano inferior, como parece pela sua posição physica, e como foi con- siderada por Daniel Sharpe ', é incomparavelmente mais moderna , e deve collocar-sé nos terrenos devoniano, e da hulha, como breve- mente demonstrarei, na sua descripção, e nas considerações geologi- cas que se deduzem das relações stratigraphicas dos systemas acima indicados. Os micaschistos e os gneis do 1.ºsystema algum desenvolvimen- to apresentam, mesmo fóra da zona que consideramos nas visinhanças do Porto e de S. Pedro da Cova, sem que todavia tenham grande con- tinuidade, e occupam extensas superficies. Se exceptuarmos a serra da Freita para os micaschistos, o valle de Cambra e as margens do Caima e do Vouga para os gneis, póde dizer-se que estas rochas cris- 1 Scharpe From the Quarterly journal of the Geological society of London for May. 1849 vol. 5.” E CARBONIFEROS. 5 talinas se mostram- em todo o paiz mais como uma modificação lo- cal, devida á reacção do terreno do schisto argiloso e talcoso nos pontos ou zonas em que foram actuadas pelos: affloramentos de rochas granitoides, do que uma formação distincta, uniformemente metamor- phica, e occupando grandes superficies. Pelo que respeita porêm aos schistos azoicos, talcosos e argilo- sos, alêm da sua uniforme continuidade e desenvolvimento dentro da referida zona, são elles que cobrem grandes extensões dentro do nosso paiz, e contribuem para a feição especial de muitos dos seus districtos, devendo por consequencia tomar-se a facha que apparece entre o Por- to e Baltar como um comprido retalho daquella formação, isolada pelos granitos que passam por estas ultimas localidades., Outro tanto não acontece aos fossiliferos primarios da zona em questão ; a situa- ção geographica e as superficies occupadas por estes terrenos em Por- tugal, mostra-nos que foram depositos locaes estendidos dos quadran= tes do Suleste para o de Noroeste, a um dos quaes pertencem as ro- chas do 4.º systema acima indicado. Se a formação dos fossiliferos primarios apresenta uma clara in- dependencia das formações azoicas, tanto no que respeita á sua situa- ção geographica como á sua extensão e relações stratigraphicas, já não acontece o mesmo nas relações de posição entre os stratos car- boniferos € os mesmos fossiliferos primarios, apresentando entre si uma subordinação geographica (que muito importará considerar para a questão do encontro da hulha em Portugal) como se observa nas vi- sinhanças do Porto, no Bussaco, e em alguns pontos da Beira-Baixa. Por tanto os cinco systemas enumerados nos suburbios do Porto reduzem-se a uma serie de fachas parallelas e sobrepostas pela sua or- dem chronologica, dirigindo-se todas de SSE a, NNO, occupando uma largura de 4 a 5 legoas ou 25 kilometros proximamente, limitadas a Poente e a Nascente pelos granitos que passam no Porto e em Baltar. Todo o solo oceupado pelas fachas de que acabei de fallar, e ad- jacente aos stratos carboniferos de S. Pedro da Cova, é occupado por um grupo de serras parallelas correndo proximamente de SSE a NNO, Estas serras, que pertencem a um dos mais notaveis accidentes do Occidente da Peninsula, tendo sido perturbadas ao S do Douro pelos contrafortes da grande protuberancia denominada Giestal e serra da Freita que se levantou entre Arouca e o rio Vouga, apenas se veem representadas deste lado do Douro por algumas montanhas cujo rumo depois de hesitar no quadrante do SE, se perde entre os multiplica- dos accidentes que se encontram entre Cabeçaes e Albergaria das Ca- e 6 TERRENOS ANTHRACIFEROS bras: em quanto que as suas parallelas mais occidentaes e menos.in- fluenciadas por aquelles accidentes proseguem até áquem da margem esquerda do rio Vouga passando perto mas a Leste de Souto Redondo, Oliveira de Azemeis, e Albergaria Velha. Desde os Penedos da Vi- ctorreira até abaixo de Melres, na margem direita do Rio Douro, le- vantam-se as serras do Raio e do Açor, em cujo prolongamento Nor- te tomam os nomes de Serra da Pia, de Vallongo, de Monte Alto, de Fanzeres, de Sete Cazaos, e de Santo Thirso, cortado em differentes pontos por deslocações dirigidas de E 15º Na O” 15 S pelos quaes se escapam as ribeiras de Sousa, de Ferreira, Leca etc. depois de cor- rerem por algumas extensóes pelos valles formados por estas mesmas serras. (Vid. esboço Est. 2.9. É na parte occidental destas serras que se encontram os stratos carboniferos do 3.º systema: ao 8 do rio Douro, muito deslocados e divididos em pequenos retalhos fazendo parte das Montanhas da Po- voa, S. Domingos, e coroando porções das de Quirella e de Pijão : ao N do mesmo rio, encostando ás vertentes e nos valles formados pelas serras do Açor e Covello, do Monte Alto e de Fanzeres, Sete Ca- zaes, etc. f A serie carbonifera, tomada em toda a sua extensão, occupa uma facha de terreno que começando em Esposende, se prolonga para SSE por Santo Thirso, Sete Casaes, S. Pedro da Cova, Covelo até Mel- res sobre o rio Douro; e da margem esquerda deste rio vai por uns dez kilometros para SSE por Germunde, e Povoa até Quirela e Pi- jio. A largura dos seus afloramentos varía entre cem e seiscentos metros, havendo pontos onde parece supprimida por denudação, como aos lados da estrada do Porto a Penafiel nas visinhanças do Tele- grapho de Vallongo ; .na sua intercessão com a Ribeira de Ferreira junto ao povo de Beloi ao S de S. Pedro da Cova, e n'outros pon- tos (Est. 3.º, fig. 9), em quanto que entre Monte Alto e S. Pedro da Cova mostra um desenvolvimento maior do que em qualquer outra localidade, comprehendendo a porção do jazigo conhecido por — Bacia de carvão de pedra de S. Pedro da Cova —a mais importante par- te de toda a serie. i Compõe-se esta serie de duas partes, distinctas pelos seus cara- cteres mineralogicos, pelos seus fosseis vegetaes, e pela differença de inclinação das suas camadas : o córte que se fizer de O para E pas- sando pelas visinhanças da Igreja velha de S. Pedro da Cova mostrará a seguinte successäo de camadas em ordem ascendente. - E CARBONIFEROS. Primeira parte: 1.º Schistos assetinados, verdoengos e cinzentos, inclinando 70 a 80° para E 20° N, sobre os quaes assenta a serie carbonifera. 2.” Camadas de brechas formadas de fragmentos angulosos de schistos assetinados e argilosos, constituindo a base desta primeira parte. Ba Argilas schistosas anegradas muito micaceas, alternando com delgadas camadas de grés tambem micaceos è feldspaticos. 4.º Carvão em uma camada denominada a Devesa, com 1",0 de possamça media. Este carvão énegro, specular, com fractura crys- tallina ou prismatica, e tambem conchoidal, destribuido em laminas de carvão puro, e carvão impuro ou schistoide, secco, de combustão len- ta, sem chamma, e dando pouco ou nenhum residuo quando puro. 5.º Camadas alternantes de grés carbonifero micaceo, argilas car- bonosas e psamites cinzentas carbonosas manchadas em amarello pelo oxido de ferro hydratado : contendo alguns, mas poucos, rins de fer ro carbonatado, e grande copia de fosseis vegetaes. 6.º Carvão em uma camada denominada do Poço Alto, com um metro de possamça media, e com caracteres identicos aos da camada Devesa. 7.º Camadas de poudingues e de grés grosseiros, micaceos de cô- res claras amarelladas, conhecidas pelos mineiros da localidades por — telhado — encerrando alguns fragmentos de rochas identicas ás quart- zites e schistos do 4.º e 5.º systemas. Estes grupos constituem a primeira parte da serie, na qual to- das as camadas inclinam de 30 a 35º para E 20º N. A segunda parte, assentada immediatamente sobre a primeira, é composta de : 1.º Schistos argilosos e cinzentos anegrados, em partes cinzentos claros, e mesmo arroxados, contendo alguns restos de vegetaes fos- seis; e camadas de grés micaceo grosseiro passando ao poudingue. Estas camadas inclinam de 40º a 45º para E 20º N. 2.º Schistos psamiticos negros com lorgas palhetas de mica, passando ao grés fino micaceo schistoso, e dure, com abundantes fos- seis vegetaes, em parte ligeiramente deformados em consequencia d'al- gumas plicaturas das camadas onde estão implantados : alternam com poudingues megros carbonosos, e mui duros. A sua inclinação é de 54º para E 20º N. Nestas camadas encontram-se algumas laminas delgadas, ou fi- letes d'anthracite não mui frequentes, os quaes dilatando-se quasi 8 “ TERRENOS ANTHRACIFEROS de repente formam ninhos que chegam a seis metros de diametro : com estas massas vê-se associado e em contacto um schisto mui ne- gro e graphitoso, em partes molle, e‘d’aspecto baço, e n’outras duro com a superficie do lascado mui brilhante e liza. O anthracite mais puro que se tem tirado destes ninhos é brilhante, d'um negro azula- do, reflectindo uma ligeira côr violeta, duro, fragil, secco, ardendo difficilmente, e dando depois da combustão um residuo anegrado ; 0 mais impuro é schistoide e graphitoso. 3.º Pondingues, grés, e schistos alternantes, todos mui duros e pouco micaceos : camadas muito possantes de conglomerados, forma- das de grossos fragmentos angulosos de quartzites, grauwakes, e de schistos argilosos cinzentos e amarellados, identicos ás rochas do 2.º, 4.º, e 52 systemas. Estas camadas inclinam de 60 a 65º para E. 20° N. 4.º Schistos e Quartzites silurianos do 4.” systema inclinando de 60 a 80° para E 20º N. ‘ A diorite tem sido encontrada tanto nos trabalhos subterraneos praticados na primeira parte da serie em S. Pedro da Cova, e no Co- velo, como no exterior, rompendo e alterando as rochas schistosas do 2.° systema, como poderá observar-se nas visinhanças da Casa da ad- ministração da mina, no caminho que desta casa vai para a galeria geral de esgoto, e n'outros lugares. Os porphyros negros teem igual- mente sido encontrados ern Covelo e nos trabalhos subterraneos da Mina de S. Pedro da Cova. Todos os membros que acabo de enumerar, e que constituem o complexo da serie carbonifera com as suas rochas continentes, estão longe de se apresentarem d’um modo igual ou similhante em todos os pontos occupados pela mesma serie: bem pelo contrario, encontram-se largas e repetidas lacunas, e fraco desenvolvimento em quasi toda a serie carbonifera, que revelam náo só desigualdade nas condiçües pecu- liares aos phenomenos do deposito, mas poderosas denudações que fi- zeram desapparecer grandes porções da mesma serie. A parte descri- pta em primeiro lugar é aquella que offerece mais claros vestigios de ter supportado maiorcs crises. Em S. Pedro da Cova fórma ella uma pequena bacia cercada pelo S, N, e E pelas camadas da segunda parte da serie, e tendo apenas uma extensão de 2,5 kilometros de eixo maior por 100 a 150",0 de eixo menor contados desde as camadas de bre- chas até ás de poudingues do telhado. Esta parte está situada no fun- do de uma depressão do solo desde valle de Carros até ás visinhan- ças de Poco-penedo, um pouco abaixo do Pacal, pertencendo esta mes- 4 i E CARBONIFEROS. 9 ma depressão a um accidentado valle que parte do cólo do Monte Alto para SSE, por uns 6 kilometros pouco mais ou menos, até entrar no valle do rio Ferreira. Não obstante a pequenhez desta bacia tem-se reconhecido ser a parte mais rica da serie, como já disse, a unica que encerra carvão nas condições de ser aproveitado com vantagem apre- ciavel, e onde as camadas da primeira parte apresentam maior des- envolvimento. É aqui onde as camadas dos gres carboniferos se mos- tram repetidas alternando com as argilas schistosas, negras, e cinzen- tas, e offerecendo uma forma lenticular; isto é, apresentando uma pos- sança muito repetidamente variavel desde 0”,5 até aos 0”,05, com a qual se harmonisa, por assim dizer, a estructura das camadas do carvão em zonas, separadas por lacunas estereis. E' ainda no progres- so dos trabalhos de lavra executados nesta bacia que se observa as ca- madas de carvão e as das rochas que as acompanham, mudarem a certa profundidade de 35 para 60º de inclinação, com cujo phenome- “no coincide o acabamento natural do carvão € a presença “de mui repetidas massas reniformes de pyrite ferrica envolvidas por uma ca- pa de schisto negro: e que, tanto estes fenomenos, como aquelles que se notam no acabamento das zonas do carvão no sentido da direc- ção, se acham desacompanhados de todo o indicio de falha, ou outro qualquer phenomeno dynamico posterior ao deposito, ao qual se po- desse attribuir o isolamento das zonas, e o acabamento do carvão em qualquer sentido. Ao S de S. Pedro, entre o Poço-penedo e a boca da galeria San- ta Barbara desapparece, como quasi de repente, a parte mais impor- tante das camadas da primeira parte da serie, depois de attingirem o seu maximo desenvolvimento no Pacal que está proximo ao referido poço, sem que presida a este desapparecimento uma diminuição gradual no numero e possança das mesmas camadas; ao contrario manifesta-se alli o solo como lambido por uma causa posterior e externa ao depo- sito, deixando ver sómente as rochas da segunda parte na extensão de dous kilometros para o SSE, sobrepondo-se aos restos da primeira e já com inclinações de 50º, como se observa nos Maioraes, desapparecendo ` depois logo acima da ponte de Boloi todas as camadas indicadas ; de modo que o córte que se fizer de O a E passando pela referida pon- te mostrará simplesmente as rochas do 1.º, 2.% 4º, e 52 systemas, e nada mais. AoN de S. Pedro em valle de Carros passam-se as cou- sas d'um modo diverso: todas as camadas da primeira parte diminuem successivamente em numero e possança, trepando sómente até meia en- costa do massiço ou colo que fecha o valle e une o Monte-Alto com MEM. DA. ACAD. — 1." CLASSE — T. Il. P. 1. 2 i 10 TERRENOS ANTHRACIFEROS a serra de Fanzeres onde terminam; em quanto que as camadas da segunda parte da serie, perdendo alguma da sua possança, revestem toda a encosta, e galgam quasi á cumiada do Monte-Alto onde são re- presentadas por algumas camadas de grés, schistos duros com impressões vegetaes, e poudingues. Esta segunda parte da serie desce ao valle opposto, do outro lado do cólo, e no fundo, em uma depressão denomi- nada Entr'aguas, apresenta-se um pouco mais desenvolvido, sobre uma grossa camada de conglomerados formada de fragmentos de quartzite e de schisto, identicos ás rochas do: 4, e 5.º systemas, contendo ni- nhos de anthracite, e afectando inclinações fortes de 50 a 60° para E 20° N: mas sem que aqui se manifestem indicios das rochas da pri- meira parte. Estas camadas prolongam-se de Entre'aguas para NNO, diminuindo suecessivamente de possanca, e chegadas ás visinhanças do Telegrapho de Vallongo, onde passa a estrada do Porto a Penafiel, desapparecem quasi totalmente, deixando-se representar apenas por al- gumas camadas de uma rocha areosa, schistoide, micacea e cinzenta. Porém uns 300 a 400",0 a NNO desta mesma estrada, e no sitio de valle de Deão reproduzem-se as duas partes da serie d'um modo si- milhante «quelle porque se observam em 5. Pedro da Cova, com a differença, que a primeira parte tem a camada Devesa representada apenas por uma delgada lamina de carvão; a camada do Pogo-Alto não existe, ou está num estado tão rudimentar, que não se percebe ; e as outras rochas mostram-se similhantemente menos desenvolvidas, | com especialidade as argilas schistosas com os fosseis vegetaes, que tão abundantes se mostram no valle de Carros, Ervedosa, e Pacal. A se- | gunda parte, ao contrario, apresenta neste ponto uma grande possan- ça, encerrando ninhos: de anthracite, alguns com 6™,0 de comprimento, mas com muito: pouca largura. Neste ponto teem as camadas da pri- meira parte 31º de inclinação para E 20º N a qual vai ainda afle- ctar bom numero de camadas da segunda parte, comecando sómente as fortes inclinações de 50 a 70° do meio do grupo em diante. Para o lado: do Nascente assenta a serie carbonifera sobre uma possante camada de conglomerados, formada de grossos fragmentos identicos em seus caracteres mineralogicos aos das rochas do 1.º, 2.º, 4.º, e 5." systemas : esta camada corre com a mesma serie para NNO encostada: á vertente occidental d'uma serra, composta de rochas do 4. systema, apresentando-se a mesma camada róta em alguns pontos pelos, schistos e quartzites deste ultimo systema, que evidentemente a supportam d'um modo discordante, como será facil examinar percor- rendo o caminho que conduz de Vallongo para Sete Casaes. Em uma E CARBONIFEROS. 11 rapida visita que fiz a esta parte da zona carbonifera, e sómente na ex- tensão d'uma legua a NNO do valle de Deão, encontrei sempre a se- gunda parte da serie cingida ao Nascente pelos conglomerados referi- dos ; os poudingues tomando em alguns lugares um desenvolvimento maior ; os indicios do anthracite ora apparecendo e desapparecendo ; os fosseis vegetaes desta segunda parte mostrando-se com menos fre- quencia em um schisto micaceo cinzento; e as camadas da primeira parte da serie diminuindo em numero e possança pouco e pouco, desapparecendo a alguns centos de metros ao N de valle de Deão, e reproduzindo-se novamente, posto que com dimensões muito exiguas, no sitio denominado os Sete Casaes, onde a camada Deveza, se deixa representar com alguns centimetros de possança. Esta serie desde Se. te Casaes até Esposende, onde mette por baixo do Oceano, não tem si- do estudada, nem cousa alguma se sabe relativamente ás suas condi- ções geognosticas, e á importancia do carvão que por ventura possa encerrar; sentindo eu bastante não se ter proporcionado :occasiáo de visitar este ponto da provincia do Minho, e completar o reconhecimen- to a todos os depositos desta formação. Para a parte meridional de S. Pedro da Cova, passam-se as cou- sas d'um modo similhante ao que acabei de noticiar. A lacuna de Be- loi estende-se por tres ou mais kilometros para SSE, e as rochas da segunda parte da serie só começam a ver-se proximo ao povo do Carvalhal, Deste sitio prolongam-se sem descontinuar até ás visinhan- gas de Midões e Covelo, onde toda a serie é representada pelos mes- mos membros que se encontram em S. Pedro da Cova, com a infe- licidade porém de se apresentar a 1.º parte muito pouco desenvolvida no sentido do eixo menor, ou da inclinação, e do carvão se achar re- partido em laminas alternantes com asargilas schistosas e com os psa- mites, Quanto ao mais encontram-se nestes sitios os mesmos caracte- res mineralogicos das rochas da primeira parte de S. Pedro da Cova, e bem assim muitas das especies fosseis que a caracterisam. Aos tre- zentos ou quatrocentos metros de Covello dessaparecem as rochas da primeira parte da serie; as da segunda prolongam-se a Oeste da ser- ra do Açor por valle de Canas até ao Douro, na freguezia de Melres, onde, dizem, se teem encontrado alguns: ninhos de anthracite, Nas margens deste rio, correspondentes 4 passagem da serie carbonifera, veem-se as rochas schistosas do 4.º systema constituirem a totalidade da parte molhada pelo Douro, sem que as camadas da se- rie carbonifera desçam até ao seu alveo; ao contrario na quinta da Lomba, junto 4 Varziela, e sobre a margem esquerda do Rio, vi-as 2) * 12 TERRENOS ANTHRACIFEROS a uns 407,0 acima das aguas medias do Douro, e só em Germunde proximo a Pedorido, e. tres kilometros acima da quinta da Lomba, é que descem até ao referido alyeo. Na quinta da Lomba (margem esquerda do Douro) é a serie car- bonifera preludiada por um grosso conglomerado composto de fra- gmentos de grauwake cinzento pertencentes á formação que lHe ser- “ve de assento, de quartzo, de mica-schistos, e grossos seixos rolados, ligados por uma pasta argilo-ferruginoso avermelhado e cinzento escu- ro com laminas d'argila carbonosa : em partes é esta rocha tão inco- herente que parece um alluvião recentemente transportado, e n'ou- tros tão preza que dá ao conglomerado uma extrema dureza. Assentam sobre esta rocha camadas de poudingues, grés micaceos, argilas schis- toides carbonosas, mas sem impressões vegetaes, e tendo os caracteres da segunda parte da serie carbonifera. Estas camadas formam um pe- queno retalho, isolado a um lado pelo rio Douro, e ao outro por umas montanhas de rochas schistosas do 4.º systema , e pelo valle da ribeira d'Areja que se interpõe ás duas quintas da Lomba, e de Gre- munde. Nesta ultima, e na Povoa, apresentam-se repetidas camadas de brechas, que servem de base á primeira parte da serie carbonifera, com uma grande possança, e absolutamente identicas ás brechas do segun- do membro que se observam em S. Pedro da Cova. Do mesmo modo se desenvolvem os mais membros da primeira parte da serie carbo- nifera, inclusivamente a camada de carvão do muro, ou a Devesa — que attinge até um metro de possança — e todos tão bem caracterisa- dos como naquella localidade. Pelo que respeita porêm á segunda par- te, mostra um desenvolvimento comparativamente menor na extensão e numero das suas camadas , devido, ao que parece, a causas poste- riores ao seu deposito, que facilmente se deixam ver no exame da localidade. Em consequencia deste apparente desenvolvimento, fize- ram-se repetidas explorações, tanto na Povoa como em Germunde , para investigar o carváo qué com tão bons auspicios se apresentava nos affloramentos, e tão vantajosas condições offerecia para o transpor- te pelo rio Douro até ao Porto; mas 08 resultados. destes trabalhos só serviram para mostrar, que o carvão, € as outras camadas que o acompanham não teem alli continuidade no sentido da inclinação, aca- bando aos 307,0 dos seus afiloramentos, pouco mais ou menos. Este resultado porêm longe de dever surpreender, harmonisa-se com 0 exa- me exterior do solo; isto é, reconhece-se que é uma consequencia da posição stratigraphica das camadas dos 2.º, 3.º, € 4.º systemas nesta mesma localidade. Em primeiro lugar as camadas carboniferas, E CARBONIFEROS. 13 com quanto occupem aqui uma facha de 400",0 de largura proxi- mamente, nem por isso esta largura representa a successäo dos seus af- floramentos correspendendo a uma dada inclinacio: a abertura do valle do Douro neste lugar, os accidentes consequentes do movimen- to que a produziu, e a posição obliqua do mesmo valle relativamente á direcção do deposito carbonifero, determinaram uma inversão nas camadas que estava mais superiores, obrigando-as a estenderem-se pela ladeira, e a augmentar assim a largura da facha dos affloramen- tos, como se vé no córte entre Povoa, e Pedorido (fig. 14). Em se- gundo lugar a posição de nivel, e a distancia que separa alli os schistos azoicos dos schistos de trilobites, junto á discordancia da stra- tificação entre as camadas carboniferas e o lascado destes mesmos schistos, eram já sobejas razões para crer que a serie carbonifera des- de Germunde até á Povoa, não passaria de um pequeno ‘retalho sem importancia alguma, À primeira parte da serie termina na margem esquerda da ri- beira do Arda, que passa a uns 400 ou 500",0 da Povoa, enão tor- na a ser vista; mas os pondingues, grés, e schistos anegrados da se- gunda parte atravessam aquella ribeira, e cingirdo ‘o Monte de $. Domingos, estende-se por Quirela (onde soffre uma solução) até Pijão, mas com as suas camadas bastante retalhadas, e sem indicios de com- bustivel: e só nesta ultima localidade é que se encontra um afflora- mento de anthracite entre os schistes da segunda serie envolvido em uma argila schistoide negro-azulada, formando um ninho sem impor- tancia alguma, Além deste ponto para SSE, só se encontram alguns pequenos restos de poudingues, e nada mais, e só nas margens do Codes, en- tre o Tejo e o Zezere, no districto do Sardoal, é que tornam a ap- parecer vestigios das camadas da segunda serie concorrendo com os schistos de trilobites e formando um mesmo horizonte geognostico com os schistos de S. Pedro da Cova e Vallongo. i Na descripção que acabo de fazer indiquei, no lugar competen- te, a differença que ha no caracter mineralogico das duas partes da serie, e os accidentes de inclinação que as distinguem : agora. apre- sentarei a lista de algumas das muitas especies vegetaes que se en- contram n uma e n'outra, pelas quaes se verá que áquelles caracte- res diflerenciaes se juntam os fossileferos, como um complemento de- monstrativo da separação natural da serie carbonifera em duas partes distinctas. TERRENOS ANTHRACIFEROS Fosseis vegetaos da 1.º parte, Fosscis vegetaes da 2," parte. Pecopteres oreopterideus Pecopteres orcopteridius » gigante » gigante » arborescens » longifolia » alata » affinis » pluchnetii » polymorpha » aquilina » gr ndini » cyathia » arguta » unita » abreviata ? » leptophilla Sphenophyllum erosum » lepidorachis » schelotiem » muricata Cyclopteris orbiculares » serlii Lonchopteris brucii » cristata Calamites pachidderma » chorophylloides Poacites » buoklamdii Knorria Nevropteres-hetherophylla * Lepidodendrons a ii Asterophyllites ? até 0,5 de diametro em n elegans é á cada verticilio » villiersii » auricolata Muitas especies ainda não determinadas. sphenophyllum schelotiens Astero phyllitis equecitaceum » tuberculata » ` cumosa K » foliosa Annularia longifolia » brevifolia Calamites aproximatus » cannæformis Equisetum columnare Lepidodendron horcourtii Valkia Muitas outras especies mais e generos náo determinados Antes de entrar nas considerações que pertencem mais directa- é necessario dizer primeiro alguma cousa mente á serie carbonifera, e 5.º systemas, e do relevo ácerca da formação que designei por 4° de que ellas fazem parte. Os schistos de trilobites da época do siluriano inferior, não cin- gem em verdadeiro contacto o limite oriental da serie carbonifera em em todos os seus pontos: desde Monte Alto até baixo da Cancella velha a E do Pacal, acham-se aquellas camadas fossiliferas alguns cen- tos de metros aflastadas para o Nascente, pousando as camadas carbo- niferas sobre os schistos e quartrites náo fossiliferos, que eu reputo como o andar mais inferior do silurano inferior, ou O mais moderno do terreno cambriano ; em quanto que por outro lado os estratos com E CARBONIFEROS. 15 trilobites, longe de metterem por baixo das formações mais modernas, teem pelo contrario o seu limite oriental a descoberto assentando por cima dos schistos e quartrites asoicos; de modo que este andar qu formação, constitue uma facha estreita, sensivelmente parallela á se- rie carbonifera, tanto em uma como n'outra margem do Douro, apre- sentando-se como um deposito independente, alinhado no rumo NNO a SSE, ao qual serviu de bacia o andar dos schistos e quartzites não fossileferos, Pelo que respeita ás rochas do 5.º systema, occupam uma larga zona de 9 a 10 kilometros, e são ellas que formam a parte do rele- vo mais notavel desta porção do paiz, e que entram por consequencia na constituicáo da maior parte das serras que acima deixei enumera- das. Desde o limite oriental deste systema, começa a ver-se uma successäo de plicaturas e dobramentos cuja amplitude e extensão erescem com as visinhanças das indicadas serras: proximo á serra de Santa Justa, por exemplo, e noutra localidade comprehendida dentro destas plicaturas, são realmente admiraveis as dimensões e formas que tomáo as prégas que formam o dobramento das cama- das, sem todavia sahirem da sua commum direccio NNO (vid. fig. Danos oe O KON É nesta serra, e proximo a Vallongo, onde estão abertas mui largas e profundas escavações, praticadas transversalmen- te á respectiva cumeada, resultantes do despejamento de fildes meta- liferos de enormes possanças lavrados em remotas épocas, em cujas paredes do tecto e do muro se observam as secções das camadas de quartzite, (algumas porcelanisadas com 0",5 de grosso e mais) dobra- das sobre si mesmas, offerecendo o vertice da curva 4 superficie do Vélo, em quanto que os ramos correspondentes, descendo mui pro- ximos um do outro, e quasi parallelamente, até grandes profun- didades, voltam, depois d'um segundo dobramento inferior, a apre- sentar outra inflexão á flór da terra (fig. 10.%. Nas outras serras da localidade observam-se iguaes phenomenos na sua structura, embora em algumas partes com menos regularidade nos dobramentos. Em consequencia da structura destas serras é facil conceber que a elevação dellas não é o resultado directo e immediato de desloca- ções do sólo manifestada na propria zona destes accidentes, mas sim uma consequencia de enormes pressões lateraes, as quaes reduzindo a largura anteriormente oceupado pelas rochas schistosas do 5.º sys- tema, obrigaram as camadas a dobrarem-se sobre si mesmas, bom- beando-se mais o sólo naquellas partes onde offerecia mais elastici- dade. é 16 TERRENOS ANTHRACIFEROS Isto posto, se se attender que a direcção geral do lascado e das camadas do 5.º systema não só é paralella ás cumeadas das serras . em questão, mas tambem ao rumo segundo o qual surgem as fa- chas graniticas do Porto e de Baltar, que cingem pelo Occidente e pelo Oriente todos os terrenos sedimentares acima enumerados, não duvidarei asseverar que estes accidentes são o resultado das pressões exercidas pela emersão daquellas rochas plutonicas. Os schistos de trilobites caracterisados pelo Calymene Tristani, e Arago; a Ogygia Guetardi, e Edwardii; pelo Illcemus lusitanico, e giganteum, e outros muitos fosseis animaes, participaram similhan- temente dos movimentos que acabei de indicar: as suas camadas estão em partes franzidas e dobradas, e os fosseis deformados ou destindidos n'uma direcção obliqua á linha mediana do animal em virtude daquelles mesmos movimentos : é porém necessario advertir que a grandeza e numero das plicaturas e contorsimentos destas ca- madas é já menor do que nas camadas do 5.º systema, e nas do res- to do 4.º: e posto que os stractos silurianos façam parte da serra do, Acór e Cavallo defronte do Covelo, todavia para o lado do N occupam sómente o vale formado pelas serras de Santa Justa, e a do Monte alto. Por tanto a posição das camadas de trilobites, c a menor figu- ra que fazem nos accidentes da localidade com relação á das do 5.º systema, e por outro lado a commum direcção das camadas e lascado schistoso de ambos os systemas, deixam entrever estes dous factos: que a emersão dos granitos do Porto e de Baltar, e por consequencia os movimentos do sólo intermedio, começarão e produzirão o seu maximo effeito antes do deposito dos stractos com a Calymena Tristani, e Ara-, go; e que durante e depois do deposito destes mesmos stractos con- tinuaram as pressões lateraes a actuar sempre no mesmo sentido, mas com uma intensidade muito menor, como se vé comprovado nas cama- das da segunda parte da serie carbonifera, as quaes mais proximas do terreno siluriano, participam ainda de algumas plicturas, em quanto que as visinhas do tecto do carváo, se conservam regularmente esten- didas no plano da stratificação (fig. 4). Habilitado com a descripcio feita da serie carbonifera, e com a enumeração de certa ordem de factos; passarei agora a fazer as con- siderações necessarias relativas á posição geognostica da mesma serie, e á importancia que póde ter o carvão que ella encerra; não tanto com o proposito de demonstrar aos geologos que o carvão de S. Pe- dro da Cova não é siluriano, porque da descripção feita facilmente se deprehende esta verdade, mgs para esclarecer as pessoas menos habi- E CARBONIFEROS. 17 litadas neste estudo, e que podem ser illudidas pelas apparencias : por- tanto começarei pela enumeração de alguus factos cujo conhecimento é indispensavel para a questão, e os quaes podem ser observados por to- das as pessoas que desejarem esclarecer-se nella. O paralelismo que se encontra nas direcções dos stractos e da folheação schistosa de todos os systemas acima referidos, e a inclina- ção para E 20º N das camadas carboniferas, coincidindo em muitos sitios com a inclinação para o mesmo ponto do horizonte das cama- das do 4.º systema (fig. 4, 6, 10 e 15), é o primeiro phenomeno que observado de leve, póde induzir em erro sobre as relações stratigra- phicas destes terrenos. Entre outros pontos onde as camadas da serie carbonifera pare- cem mergulhar por baixo dos schistos e quartzites do 4.º systema, ha um na vertente occidental do Monte Alto, proximo a uma galeria de pesquisa, onde a illusão é, por assim dizer, completa, como mostram as fig." 6 e 10, mas onde tambem sé veem os schistos com trilobites, muito aflastados das camadas carboniferas. No caminho que conduz de S. Pedro da Cova para Vallongo observa-se igual phenomeno em uma grande extensão de terreno; mas sobre este mesmo caminho, antes de terminar a subida de Monte alto, e na barreira: do lado direito, encontram-se os schistos franzidos da 2.º parte da serie carbonifera, assentando discordantemente sobre os topes do lascado dos schistos do 1.° systema, cujos planos mergulham 70º para o Nascente (fig. 13). Um igual phenomeno se observa proximo á boca da galeria ge- ral de esgôto em construcção no valle do ribeiro da Murta, onde se notam ainda alguns restos de conglomerados , assentando discordan- temente sobre os schistos de trilobites, E ainda neste mesmo valle se observam junto a uma galeria de pesquisa denominada do Thomaz, as relações indicadas na fig. 11, na qual a linha a 5 designa a junc- ção da serie carbonifera com os stractos de trilobites. Finalmente na descida da Povoa para Pedorido ou Germunde, na margem esquer- da do Rio Douro, são frequentes os pontos onde claramente se mos- tra uma pronunciada discordancia de stratificação entre as formações carboniferas, e a de trilobites (fig. 14). Estes e outros factos similhantes Ji são bastante e para por si só desvanecerem a illusão que exista sobre as relações apparentes da posição da serie carbonifera, e as camadas silurianas ; mas continue- mos a produzir outros não menos concludentes, e ponhamos a ques- tão tão clara como é mister. Já mais acima observei que os stractos com trilobites cingem em contacto immediato a serie carbonifera em MEM. DA ACAD. — 1." CLASSE — T. II. P. I. 3 18 TERRENOS ANTHRACIFEROS um numero limitado de pontos, havendo outros, como desde a Can- cella velha até além do Monte alto, onde aquelles stractos estão mui- to affastados do limite oriental desta serie; o que não deveria suc- ceder se as suas camadas se mettessem por baixo das de trilobites, pelo menos em quanto concorressem em uma dada localidade: na presença porêm daquelle facto, anomalo ou não, uma de duas, ou a serie carbonifera é muito mais antiga do que o andar siluriano inferior, isto é pertence ao periodo cumbriano, ou é mais moderna do que todas as rochas do 4.º systema. Ora, quem se dirigir á es- trada do Porto a Penafiel, e examinar as relações stratigraphicas nas visinhanças de Vallongo, ou melhor, ainda, examinando as mar- gens do rio Ferreira junto 4 Ponte de Boloi, passará immediata- mente das rochas do 2.º ás do 4.º systema como ja referi, sem que depare com um só vestigio da serie carbonifera, quer nas passagens das rochas do 2.” ao 4.” systemas, quer de todos os stratos deste ultimo aos de trilobites; o que forçosamente não devia acontecer no primeiro caso figurado. Por tanto a lacuna de Boloi, e a quasi to- tal ausencia das rochas carboniferas na estrada de Penafiel, em con- correncia com os factos já expostos, diz-nos, que as camadas da se- rie carbonifera não só assentam sobre as rochas do 2.º e 4.” syste- mas, mas que foram completamente denudadas nos pontos indicados. Admittindo que as camadas mergulhassem por baixo do terreno siluriano, seria consequente suppormos que o carvão nos trabalhos subterraneos devia continuar além do arco segundo o qual se faz a passagem. dos 30; aos 70º, o que não acontece. Esta mudança forçan- do ao contacto as rochas do tecto e muro na zona da compressão ou arco de passagem, injectaria o carvão acima e abaixo desse arco, pro- duzindo dilatações, que seriam bem conhecidas dos mineiros: o con- trario porêm tem acontecido em todos os campos de lavra de que se tem podido colher noticia; o carvão tendo sustentado certa possança, começa a encher-se de barras cunciformes de schisto carbonoso até que passando a mui delgadas laminas, perde-se no meio dessas mesmas barras, que depois se confundem com as rochas do tecto e muro. Mr. Casimir Pierre, actual director da lavra em S. Pedro da Cova, fez todos os esforços para tirar da mina Providencia a maxima porção de carvão: possivel, por isso que todo o mais terreno da concessão es- tava embargado : no fundo de uma galeria descendente onde o carvão já tinha acabado, á similhança do que acontece em todos os campos de lavra desta bacia, fez uma travessia, e abriu no extremo della um poço, precisamente no arco de passagem, ou de mudança de incli- E CARBONIFEROS. 19 nação das camadas do carvão, para ver se encontrava a camada do tecto ou do Poço alto, em um ponto inferior ao arco que liga as medianas com as fortes inclinações; e desta investigação só obteve o formal desengano de que o carvão acabava totalmente nas visi- nhanças daquella zona, um pouco mais abaixo ou mais acima, não como resultado de estrangulamentos, mas como um limite natural das camadas. Por consequencia o desapparecimento constante do car- vão nas mudanças de inclmação de 36 e 40° para 50 e 70º, é ain- da outra prova de que 0 carvão está sobreposto ás rochas silurianas com todas as camadas que pertencem 4 serie. Portanto se a todos estes factos juntarmos que as camadas de conglomerados da serie carbonifera são em grande parte formados de fragmentos angulosos de schistos e de quartzites reconhecidamente identicos ás rochas do 4.º systema, como já observei em outros luga- res; que os fosseis animaes silurianos estão em geral muito defor- mados em consequencia dos movimentos de contorsão, e de dobra- mento porque passaram, em quanto que os fosseis vegetaes da serie carbonifera, especialmente os que se encontram nas camadas da 1." parte teem as suas formas perfeitamente bem conservadas; que as ca- madas da primeira parte da mesma serie, não apresentam a mais insignificante plicatura nem dobramento, o que aliás se reconhece nas camadas mais superiores da segunda parte, posto que n'uma escala muito menor do que nos quartzites silurianos ; não só podemos co- ncluir, que a formação siluriana preexistia 4 serie carbonifera, e que formou as paredes da bacia onde aquelles stractos se depositaram, mas tambem que a segunda parte da mesma serie está invertida sobre a primeira, sendo por isso mais antiga do que esta, da mesma fórma por que os stractos silurianos assentam sobre as da referida segunda parte carbonifera. 1 Podemos igualmente concluir, que da commum direcção dos stractos de todos os systemas enumerados, e das oscillagdes do sólo em volta de eixos sempre paralellos a essa direcção (N 20° O) resul- tou uma disposição tambem parallela e imbricada para as camadas dos referidos systemas na ordem que tiveram Jugar os seus respectivos depositos ; que a acção elevadora dos granitos da região na direcção indicada, desenvolvendo enormes esforços lateraes exercidos sobre as rochas daquelles mesmos systemas, restringiu as camadas a uma Jar- gura menor do que a occupada pela sua extensão inicial, e por con- sequencia obrigou-as a dobrarem-se, e franzirem-se, bombeando o ter- reno na direcção N 20º O, a ponto de produzir as serras e monta- da 20 TERRENOS ANTHRACIFEROS nhas acima referidas, e que mais posteriormente tomaram a fórma que actualmente se nota no relevo daquella parte do paiz. Pelo exame da structura stratigraphica destas mesmas serras, reconhece-se 'que os grandes dobramentos das camadas tiveram lu- gar antes, e durante os stractos com trilobites. A ausencia nestas lo- calidades de todo o vestigio da formacáo do siluriano superior, aliás representada nas visinhanças de Coimbra: pelos schistos anegrados e cinzentos com a cardiola interrupta, mostra-nos que O sólo conti- nuou a mover-se, e póz a secco todas aquellas paragens na época do siluriano inferior. A posição e relações stratigraphicas já citadas da serie carbonifera, dizem-nos ainda, que em seguida áquella época os movimentos do sólo pararam, e que a parte mais occidental do 4.º systema, que já então devia formar um valle, communieou com o Oceano formando um canal ou estuario ao qual vinham ter os rios e aguas torrenciaes; e onde se depositou a segunda parte da serie carbonifera, preludiada pelas camadas de conglomerados que se mos- tram, na Varziela, a E do valle de Deão, e em Sete Cazacs, indo en- costar os seus stractos 'aos das rochas do 4.º systema, já impinados em altos angulos, e formando as paredes orientaes desta bacia ou ca- nal (fig. 2). É em consequencia deste modo de julgar os phenomenos em questão, aliás em harmonia com a discordancia de stratificação e mais relações observadas no terreno fig." 4, 10, 11 ‘e 12, que con- cordo com Mr. E. Schmitz, o qual antes de mim denominou esta se- gunda parte — Formação devoniana — A. formação devoniana depo- sitou-se por tanto n'um comprido valle (talvez desde o Alemtejo ao Minho) fazendo um deposito contínuo que hoje existe interrompido e denudado, como já notei. Os movimentos, ou antes as pressões lateraes não deixaram de continuar a exercer a sua acção, posto que mais lentamente, affectan- do tambem agora as camadas devonianas nas mesmas condições com que dobrára e erguera os stratos das formações mais antigas, isto é, a parede oriental do valle ou bacia continuou a emergir-se le- vando comsigo, e accidentando a parte das novas camadas que nel- la se apoiava, e fazendo neste movimento avançar para O o corre- go do mesmo valle. Neste periodo parece que os accidentes se com- plicaram com o apparecimento das diorites de que já dei noticia: O certo é, que 0 canal ou valle, sem perder a sua disposição alinha- da na direcção N 20º O, interrompeu-se em diversos pontos forman- do pequenas bacias ou lagos, representados hoje pelas porções da pri- meira parte da serie, que se observam na Povoa, Covelo, S. Pedro da E CARBONIFEROS. al Cova, valle de Deão etc., com cuja mudança alterou as condições do deposito e a natureza especial dos seus elementos, dando lugar a uma formação nova, a qual começou. pelas brechas da base da indicada pri- meira parte da serie carbonifera, indo as novas camadas encostar aos stratos do deposito devoniano, já accidentado no seu limite oriental (fig. 3). As camadas possantes de brechas que separam esta parte da da formação devoniana; a divisão deste novo deposito em pequenas bacias; as 'differenças que ponderei em outro lugar sobre os fosseis vegetaes ; e a naturesa diversa do caracter mineralogico entre as duas partes da serie, são os fundamentos que me authorisam agora a con- siderar esta primeira parte do deposito como representante da forma- cão da hulha. O trabalho da emmersão dos granitos continuando a actuar da mesma fórma sobre todos estes depositos, reduzindo cada vez mais a largura occupada por elles, naturalmente augmentou o bombeamento do sólo, e levantou as camadas da hulha: os stratos de schistos e de ` quartzites já dobrados, chegando á vertical, e inclinando depois os seus ramos para o Poente, vieram assentar sobre as camadas devonianas já erguidas (fig. 4): e estas ultimas, forçadas a dobrarem-se em conse- quencia destes movimentos, vieram apoiar-se ás camadas da hulha, apresentando-se em uma posição e ordem invertidas, do mesmo mo- do porque os stratos silurianos e cumbrianos pousando sobre as ca- madas devonianas, simulam de mais antigos. Mais tarde a denuda- ção lambeu uma boa parte das camadas carboniferas, de cujo phe- nomeno se encontram ainda vestigios nos depositos alluviaes d' Avin- tes para Crestuma, na margem esquerda do rio Douro, reduzindo consideravelmente a parte util da formação. Tal foi a ordem dos factos que, no meu modo de ver, preexistiu, acompanhou, e succedeu ao deposito da serie carbonifera que passa nas visinhanças de Vallongo, e á qual pertence o carvão de S. Pe- dro da Coya. TERRENOS ANTHRACIFEROS SEGUNDA PARTE. A descoberta do carvão de pedra de S. Pedro da Cova data dos | fins do seculo passado, de 1795 pouco mais ou menos. Foi Manuel Alves de Brito que reconheceu e pôz a descuberto uma ou duas ca- madas de carvão no sitio chamado o — Enfeitador — em Ervedosa, fre- guesia de S. Pedro da Cova, as quaes explorou e lavrou por sua con- | ta (mediante uma licença que obtivera do Governo, ou das Authori- dades da cidade do Porto) abrindo os trabalhos na propriedade do Pa- ' dre Manoel Dias, e donde extrahira muito e excellente carvão, segundo \ se diz. Informado porém o Governo da abundancia e boa qualidade do | combustivel que se extrahia deste deposito, e dos lucros que á fazenda | poderia resultar se se fizesse a lavra por sua conta e em maior escala, determinou que se cassasse a licença, concedida ao dito Brito havia um anno, e encarregou depois a direcção da lavra e a administração da mina a um frade e a um tal D.” José: Jacinto que foi nomeado thesoureiro. i Os novos encarregados da mina proseguiam nostrabalhos come- cados por Brito, na propriedade do Padre Manuel Dias; e algum tem- po depois abriram o pogo Carlota a pouca distancia dos primeiros trabalhos, com os quaes é mui provavel que communicassem; igno- ra-se, porém, qual foi a natureza € desenvolvimento dos trabalhos effectuados nestes dous pontos, por não haver na freguezia pessoa que n'elles houvesse tomado parte; sendo comtudo certo que até á no- meação de José Bonifacio de Andrade e Silva, para Intendente geral das minas em 1804, nenhuns outros trabalhos se abriram, alêm dos indicados, dos quaes apenas restam mui ligeiros vestigios. Durante esta administração todo o carvão que se extrahia era vendido aos carreiros, os quaes, na falta de outro serviço, o compra- vam, e conduziam ao Porto, e ás povoações visinhas, onde mendiga- vam consummidores. Deste modo de fazer a venda, resultava irregu- laridade no fornecimento, incertesa no preço, e prejuizo á lavra e á fazenda. Em 1804 ou 1805 foi José Bonifacio reconhecer a bacia de S. Pedro da Cova; definiu duas camadas de carvão que denomi- E CARBONIFEROS. 23 nou —a Devesa — proxima ao muro da bacia e—a do Poço alto — proxima ao tecto; e determinou a sua continuidade na extensão de um kilometro desde Ervedosa até perto da Igreja de S. Pedro. Deste reconhecimento resultou a abertura de dous campos de la- vra, um ao N entre Villa Verde e Ervedosa, outro ao S entre a De- vesa e o Pacal. A direcção da lavra do primeiro campo foi entregue a um mestre mineiro alemão chamado João Henriques Guilherme Ree- za, € a segunda a um tal Felner, que em 1808 a deixou a fim de emigrar para o Brazil, ficando então Reeza encarregado de toda a la- vra. O poço de — Valinhas— € o terceiro trabalho aberto nesta ba- cia sobre a camada Devesa: foi levado a 170 ou 200 metros conta- dos no plano das camadas, dando Reeza todo o desenvolvimento pos- sivel ao campo da lavra servido por este poco, e que era compativel com as dimensões da porção lenticular, ou zona de carvão que podia ser attingida pelos trabalhos que delle partissem. Abriu «para ESE duas extensas galerias de avanço sobre a camada do Poço alto, que de- pois communicaram com os trabalhos do poço Lameira, das quaes uma se deixa ver ainda hoje abaixo do plano da galeria de avanço que está em construcção no poço Esperança. Consta que no campo de lavra em Valinhas, a principal camada lavrada, e onde se fez a maior porção de trabalhos, foi a do muro, ou a Devesa; e que a 200” de profundidade pouco mais ou menos, até onde chegaram os trabalhos, se conheceu que o carvão acabava com a rapida mudança de inclinação, sem que fosse acompanhado de al- gum outro accidente, além do engrossamento progressivo, mas regú- lar, dos stratos de schisto á custa do carvão ; e que este acabamento era acompanhado de rins de ferro sulphurado. O poco da Lameira, comecado pouco depois do de Valinhas pelo referido Felner, serviu a um campo de lavra que teve, segundo di- zem, muita duração; porêm os informadores ignoram a profundidade e extensão destes trabalhos, e só conhecem as galerias de avanço que foram encontrar os trabalhos do poco de Valinhas. O poço alto aberto em 1805 para atacar directamente a camada do tecto, foi tambem um daquelles que forneceu muito carvão de ex- cellente qualidade, e por muitos annos; entretanto nada se sabe rela tivamente á extensão dos trabalhos que alli se fizeram, e só ha tra- dição que o campo servido por este poço fôra todo despilado, tendo a lavra tocado o extremo onde as camadas de carvão se convertiam em schisto carbonoso. TERRENOS ANTHRACIFEROS Entre os annos de 1812 a 1820 abriu Reeza o poco Devesa, no qual, dizem, se fizeram mui poucos trabalhos; o certo é, que o mer- cado continuou a ser provido com o carvão extrahido dos poços Al- to, Lameira, e Devesa. Em todos estes trabalhos as aguas de infiltração accumulavam- se em grande abundancia, e eram extrahidas por bombas de madeira movidas a braços, tornando-se mui difficil o esgotamento a grandes profundidades, o que occasionou o prejuiso d'algumas porções de car- váo importantes. Por alvará de 4 de Julho de 1825, arrendou o Governo a lavra das minas de carvão de S. Pedro da Cova e de Buarcos a uma Com- panhia organisada em Lisboa, pelo tempo de 20 annos, e por dez con- tos de réis cada anno. Esta companhia continuou a layra sem inter- rupção, entregando provisoriamente a sua direcção a um mineiro cha- mado Ferreira em quanto não chegava um mestre mineiro inglez, com quem contractára. Em 1826 para 1827 apresentou-se o referido mineiro inglez; o qual depois de yisitar os trabalhos feitos, ordenou algumas explora- ções que poseram a descoberto grandes porções de carvão das duas camadas; e fez renovar a lavra pelos poços Valinhas e Lameira. Da posição e dimensões destes trabalhos não se lembram os in- formadores que consultei; concordam porém em que o mineiro in- glez servindo-se dos poços indicados, tocou em todos elles os limites lateraes e inferior do carvão, descubriu grandes massas de combusti- vel que dividiu em pilares ao modo ordinario, e quando se esperava uma lavra lucrativa por uns poucos de annos, mandou fazer o despi- lamento, à pouca distancia das bocas de serviço, interceptando e se- pultando atraz dos abatimentos enormes quantidades de combustivel. Este facto, que os mineiros velhos de S. Pedro da: Cova contam “do mesmo modo, foi acompanhado da precipitada licença que o mes- mo mineiro pediu á Companhia para ir a Londres tratar de negocio urgente, com a qual desappareceu até hoje. Pela ausencia do mineiro inglez, encarregou a Companhia a di- recção da lavra a um mineiro chamado Antonio dos Santos, o qual se occupou em aproveitar os restos de carvão que ainda se poderam tirar dos poços ultimamente indicados, Em 1830 abriu-se o poço Rebello, cujo trabalho não passou de 20% de profundidade e que serviu aum campo muito limitado. Tan. to o carvão extrahido por este poco, como o que se tirou d'alguns dos antigos trabalhos suppriu o mercado até 1835. Neste anno abriu- | | | E CARBONIFEROS. 25 < se o pogo Silva, e os trabalhos fizeram-se sob a dir eccáo de outro mi- neiro chamado José Moreira : o poço foi levado á profundidade de 130 a 140", sem que attingisse o extremo da camada, isto é, sem que o carvão mostrasse os mais ligeiros symptomas de acabar, como mudan- ca de inclinação, diminuição de possança, ete. Os avanços e os despi- lamentos não foram feitos em regra, do que resultou desperdiçar-se muito combustivel neste campo de lavra. Em 1837 passou a direc- cão da lavra para outro mineiro o qual abriu o poço — Lodi — so- bre o muro da bacia, com 15 a 20" no sentido vertical para atacar a Devesa, no plano do qual foi continuado até 30", pouco mais ou menos, indo encontrar com um dos avanços dos trabalhos antigos da Lameira. Muito antes de tocar os limites da camada, mandou despi- lar os trabalhos deste campo, deixando prejudicadas grandes massas de carvão. O mesmo mineiro abriu o poço Bimbarra, sobre a cama- da Poço alto, levando-o a 140 ou 150%; : deu bastante desenvolvi- mento ao campo servido por este poço, e communicou-o com os trabalhos do poço — Lodi — | avrando uma parte da Devesa; com tudo não attingiu o fim das camadas, e deixou muito carvão quan- do começou o despilamento. É nesta localidade que todos dizem haver muito carvão. De 1840 a 1845 abriu-se o poço — Farrobo — sob a direcção de Mr. P. José Pezerat, então engenheiro da Companhia. A cama- ‘da atacada era a Devesa, e a possança encontrada alli foi de 07,99 a 12,55: apresentava-se, como ainda hoje se observa, com bastante uniformidade; mas n'um estado terreo ou polvorulento: a esta cir- ‘cumstancia pouco ou nenhum valor se deu, esperando que, mais longe dos tópes retomaria o carvão o scu estado compacto ou crystallino ; este accidente porêm, longe de ser uma alteração passageira ou su- perficial, manifestou-se em toda a extensão da camada tanto aos 45m de profundidade até onde chegou o poço, como nos avanços feitos a différentes alturas, um dos quaes dizem que encontrára os antigos tra- balhos do poco Carlota. Além destes, ha indicios de outros poços abertos na camada do tecto, taes como os denominados Taibner, Condessa, Dobaixo das ca- sas, do Campo, da Costa, e Tulha; da abertura dos quaes não se lem- bram os informadores nem tão pouco da extensão e duração da lavra correspondente. No que concordam todos os mineiros antigos que consultei, é que no sitio do Paçal são as camadas do carvão muito mais desenvolvidas em possança e em extensão do que em qualquer outra localidade da ‘J 4 MEM. DA ACAD,—Í .* CLASSE. II. Pa Il. ES 26 TERRENOS ANTHRACIFEROS bacia, sendo d'aqui onde se tem tirado carvão de melhor qualidade : que em consequencia da profundidade a que as camadas chegam, € as dificuldades crescentes do enxugo dos trabalhos occasionados pelo obrigaram ao abandono de grandes por- cões de carvão que estão hoje debaixo das aguas e dos entulhos. Tambem concordam os mesmos mineiros em dizer, que as camadas do carvão não teem continuidade em direcção nos differentes pontos da bacia, por ser frequente o seu desapparecimento gradual e parcial nas galerias de avanço a S e a N dos pontos atacados; sendo devida a esta suppressão repetida, a multiplicidade de bocas de exploração e de lavra que se observam em toda a bacia para a cúta e aproveita- mento do carvão. Por esta imperfeitissima noticia dos trabalhos executados na ba- cia de S. Pedro da Cova, não se podem colher indueções proveitosas para o proseguimento da lavra. Qual é a extensão de cada um dos campos de lavra que se abriram ? A que profundidade chegaram os seus trabalhos, e que communicagoes existem entre uns e outros? mentos que deixaram de fazer-se, e quaes as Quaes foram os despilar partes virgens das camadas no momento de se abandonarem aqueles campos? São estas as questões mais importantes, e mesmo essenciaes, que importa conhecer para poderem projectar-se 08 novos trabalhos com alguma probabilidade de acerto, € fazer-se um juizo aproximado do que póde hoje valer este esburacado deposito; mas a estas ques- tões ninguem sabe responder. O que infelizmente se colhe da noti- cia exposta, é que a lavra do carvão de pedra de S. Pedro da Cova, foi dirigida por muitos homens, cada um dos quaes ignorava os tra-" balhos feitos pelo sen antecessor, € por isso traçavam obras ao acaso, bastante para satis- fosse como fosse, com tanto que se tirasse carvão fazer seus amos, e o mercado: e logo que a falta de ar, ou a abun- dancia das aguas 0s incommodava nos trabalhos, abandonavam-os dei- xando-os innundar e abater para irem extrahir carvão a outro ponto : mal este que era immensamente aggravado com a ignorancia e inca- pacidade d'uma parte d'esses mesmos homens, que de repente eram levados da classe de trabalhadores á plana de directores, sem um ti- tulo que recommendasse ou garantisse a sua aptidão. As condições physicas que se encontram no terreno da bacia car bonifera de S. Pedro da Cova, dão uma diferença de nivel apreciavel inferior dos trabalhos de lavra e o corrego do ribeiro da pessimo systema de esgoto, entre a parte Murta, muito antes sequencia o esgoto natural ou mixto era uma obra de immediato in- da sua confluencia com o rio Ferreira: por con- , E CARBONIFEROS. 27 teresse, e de absoluta necessidade, aconselhada por todas as regras da arte, e reclamada por todas as conveniencias: da lavra; por isso custa à crer como se deixou passar mais de quarenta annos sem que se tratasse de executar os trabalhos necessarios para aquelle fim, prefe- rindo-se antes abandonar grandes massas de combustivel, arriscando gravemente o seu futuro aproveitamento, e sacrificar lucros certos e avantajados ao desembolço temporario de doze ou vinte contos de réis que tanto se gastaria com as obras do enxugo geral dos trabalhos. Obra esta que hoje é ainda a unica capaz de salvar a parte prejudicada da ba- cia, ea qual por fortuna se acha já em execução, como adiante direi. Em 1847 contractou a companhia arrendataria da mina de S. Pe- dro da Cova, a Mr. Casemir Pierre, mineiro practico, encarregando-o da direcção immediata dos trabalhos de lavra : Mr. Casemir coordenou toda as informações que pôde obter ácêrca dos trabalhos feitos, e de- pois de estudar e comparar bem todas as difficuldades, resolveu ata- car as camadas o mais profundamente possivel, sem tocar immedia- tamente nos antigos trabalhos, nem affastar-se muito das visinhanças do Paçal, ou dos lugares onde as presumpções assignam a existencia do carvão ainda intacto, Escolheu por tanto um ponto ao N da Bimbar- ra: abriu um poço vertical de 46" ou 48" de profundidade que se de- nominou Esperança, e por uma travessia praticada no seu fundo para o lado de Q, foi encontrar a Devesa a 40 ou 50” ao S da Bimbarra. In- tentada porêm uma acção contra a Companhia por Jeronymo Ferreira Pinto Basto, no anno de 1848, (em consequencia de ter finalisado o tempo da renda e do privilegio da lavra, eo Governo ter feito á mes- ma Companhia a concessão provisoria da mina, para a acquisição da qual tambem tinha concorrido Pinto Basto) foram embargados todos os trabalhos, e tolhida a faculdade de lavrar em terreno alheio, com- prehendido nos limites da concessão. Em similhante apuro pôde a companhia comprar um terreno em Ervedosa, com tanta fortuna, que a 2 ou 8" a que uma pesquisa foi levada, achou logo uma camada de carváo que depois se reconheceu ser a Devesa ; e por esse motivo de- nominaram esta mina — a Providencia. — Abriram-se então neste si- tio dous poços que foram levados sobre o plano da camada pouco mais ou menos até 100" : estenderam-se os trabalhos de avanço uns 160 a 180” para o S, e 70 a 80" para o N, não tanto para levar a lavra até dquelles limites, porque antes de alli chegar acabou o carvão, mas com o designio de explorar a camada naquelle sentido. Fez-se 4 di- visão da camada em pilares de 7 a 20" de largo por 15 a 20” de comprimento, executando-se em seguida o despilamento de modo que tk 28 TERRENOS ANTHRACIFEROS não ficou porção alguma apreciavel de carvão em todo o campo. Assim obteve a Companhia o combustivel necessario ao mercado do Porto, por uns tres annos, que tanto duraram os embargos. Nesta mesma localidade mostraram-se alguns pequenos indicios á superficie do sólo, que denunciavam à presença da camada Poço alto, o que determinou a praticar no fundo dos trabalhos algumas travessias de exploração ; infelizmente só serviaam para reconhecer que neste ponto, já muito affastado do Paçal, é aquella camada representada apenas por delga- das laminas terrosas de carvão impuro, Nestes mesmos trabalhos da mina — Providencia — logo que os poços chegaram de, 90 a 100" de profundidade, reconheceu-se que a inclinação habitual de 35º, que affecta as camadas, mudava rapida, mas uniformemente para 60 e 70º; accidente que os mineiros da lo- calidade designam por — picar - ou -0 carvão pica — e que manifes- tado em todos os campos desta bacia a maior ou menor profundidade das bocas, constantemente preludia o acabamento do carvão, segundo fui informado e cu mesmo observei nos trabalhos do poço Esperança. O acabamento do carvão em todos os campos de lavra desta bacia, não é todavia repentino ou irregular; e muito menos se tem encontrado: neste limite fragmentos do tecto ou do muro, carvão moído ou fra- cturado, ou outros indicios que induzam a suspeitar de algum phe- nomeno dynamico que arrojasse ou regeitasse a camada para fóra do plano em que os trabalhos estão estabelecidos, ou a estrangulação posterior ao deposito ; ao contrario o carvão diminue successivamente de grossura d'um modo irregular é verdade, mas, sem descontinuar. O tecto co muro das camadas parece desvanecerem-se, em quanto que barras de schisto carbonoso se insinuam na espessura do carvão, cuja possança roubam, reduzindo a camada a delgadas laminas cuneifor- mes, que vem a final a perderem-se na massa do schisto. carbonoso confundindo-se com as rochas do tecto e do muro, Nesta regiáo da camada apparecem mui frequentes. rins elipticos de sulphureto de ferro, os quaes sem serem um indicio infallivel da supressão do car- vão, tem-se comtudo mostrado como um. accessorio frequente ao seu acabamento, como tive occasião de observar na camada da mina — Providencia —funccionando de barras dispostas irregularmente, a maior ou menor distancia das cunhas do carvão que limitam inferiormente a camada. Taes são os phenomenos que acompanham o acabamento do carvão na maior profundidade, o que se tem encontrado em todos os campos antigamente lavrados, € o que se observa ‘nos actuacs traba- lhos do poço Esperança. ` E CARBONIFEROS. 29 Por outra parte a possança das camadas Devesa, e Poço alto, náo são uniformes e continuas como já disse n'outro lugar; tem-se encon- trado repetidas interrupções devidas a apparentes estrangulamentos mais ou menos extensos, que tornam os trabalhos muito irregulares e incertos, e que segundo parece, teem muita relação com frequentes e grossos mamillos, que accidentam a superficie do muro do carvão, que Mr. Schimitz julga serem devidos á injecção d'um porphyro ne- 870 que tem visto em diversas partes da bacia, mas que eu não ti- ve occasião de observar. Assim as camadas do carvão apresentam uma estructura lenticular, ou por zonas, distribuidas no meio dos schistos e dos grés carbonosos, como por exemplo a parte da camada Deveza comprehendida pela mina Providencia ultimamente observada com toda a minuciosidade. Aqui na direcção SSE, e a vinte e tantos me- tros ao $ da mina, supprimiu-se quasi totalmente a camada deixando- se representar apenas por delgadas laminas de carváo correndo para SSE, as quaes se perdiam pouco e pouco na massa dos schistos ; este accidente determinou o Director da lavra a proseguir mum avanço para interrogar a camada naquella direcção, mas até aos 150" não se reconlieceu o mais ligeiro indicio ou tendencia ao engrossamento do carvão. Para NNO observou-se que os avanços diminuiram succes- sivamente em comprimento, desde os mais superficiaes até ao fundo dos trabalhos em consequencia da possança do carvão se reduzir sue- cessivamente até á completa suppressão, com todos os caracteres de um ` limite natural: notando-se a cireumstancia de que a linha que une os extremos de todos estes avanços tem a fórma de ferradura. Deste modo vê-se que esta parte da Devesa no local da mina — Providen- cia — não passava d'uma zona bem definida e limitada, tendo 100" de eixo maior, no sentido da inclinação da camada, e 60 a 80” de eixo menor. Levantados os embargos á concessão em 1852, e tendo a Companhia tomado a seu serviço um habil Engenheiro de minas Mr. Schimitz, abriram-se noavamente os trabalhos do poço Esperan- Sa, e a travessia começada para O foi levada a 100" até attingir a Devesa. Para o S encontrou logo os antigos trabalhos a poucos me- tros de distancia, e para o N achou a camada intacta n'uma exten- são de 30” Pouco mais ou menos. Aproveitou uma galeria descendente praticada no tope da Devesa (e que levou até aos novos trabalhos) para serviço e ventilação ; e tratou em seguida de dividir esta parte virgem da Devesa para o lado do N afim de proseguir na extracção : se ella se estender até Valinhas não deixará de ser uma massa impor- tante, 30 TERRENOS ANTHRACIFEROS. A galeria geral de avanço para o N vai hoje a 50”; porém á meia distancia proximamente começou a diminuir o carvão até ao seu com- pleto acabamento. Esta galeria continua com algumas explorações ascendentes, mas infructuosas, e em Junho deste anno não tinha attin- gido ainda o carvão, o que havia já feito desanimar o Director da la- vra. Um caminho de ferro sobre este avanço, é destinado a servir á lavra de todo o massiço. No fundo do mesmo poco ha o*projecto de atacar a camada Poço alto por meio d'uma travessia sobre o Nascen- te, e exploral-a para o lado do N onde parece náo ter sido trabalha- da. E logo que a galeria geral de esgoto, ultimamente comecada te- nha chegado ao Paçal, e que os trabalhos antigos se tornem accessi- veis, será o poço Esperança levado aos 100 ou 150" sobre a vertical, e por travessias sobre E e 0, por-se-ha em communicação com aquel- les trabalhos na sua maior profundidade. Pelo que respeita á galeria geral de esgoto ultimamente citada, deverei dizer que, tendo-se feito conhecer á actual Companhia concessionaria a imperiosa necessidade do enxugo dos antigos trabalhos por uma galeria geral, do que depende a continuação da lavra do carvão desta bacia, (como acima deixei di- to) resolveu, a sua construcçäo incumbindo o respectivo traçado ao seu Engenheiro Mr. Schimitz. Uma galeria que quanto possivel ser- visse ao esgoto natural de todos os trabalhos, e mesmo ao transpor- te subterraneo, e que conciliasse estas condições com o traçado mais curto possivel, era o que este engenheiro desejava conseguir; porêm, como os trabalhos da Bimbarra podem descer na vertical 100 a 130" e o deposito tem uma inclinação ascendente de S a N bastan- te pronunciada, a ponto de que a boca da Esperança está 15” acima da Bimbarra, quando a distancia que as separa é de 556”, seria ne- cessaria uma galeria de 2000" proximamente para 0 completo e im- mediato serviço de toda a bacia. Entendendo, porêm, o mesmo Enge- nheiro que, levando a galeria geral 62" abaixo “do sólo junto á bo- ca do poço Bimbarra, com o declive de 07,001 por um metro, ser- via do mesmo modo toda a bacia á excepção apenas da parte dos traba- lhos que pelo mesmo poço se abrirem abaixo daquella profundidade, e reduzia assim o comprimento da mesma galeria geral a 1:100", decidiu-se por este ultimo projecto, de certo incomparavelmente mais economico, e mesmo mais conveniente e racional, Deste modo come- cou-se a galeria geral de esgoto em Fevereiro deste anno, com a sua abertura no ribeiro da Murta 1:255" a SSE do poço Bimbarra e com o sólo ou pavimento 63”,5 abaixo da boca do mesmo poço; sua sec- ção é de 1”,3 e 18,8 de bases por 2” de altura: tem um poço de E CARBONIFEROS. 3 ar aos 158” da entrada com 33" de fundo, e um carril de ferro pa- ra transporte dos desentulhos, ao qual acompanha sempre o desenvol- vinfento do trabalho. Um metro corrente de galeria representa o tra- balho de 24 horas, e se se continuar activamente como até aqui, póde contar-se que a galeria attingirá os trabalhos do Pacal no começo ou meado do anno de 1856. O traçado segue em geral a direcção das camadas carbonosas, em partes levantadas até a vertical; mas como são mui repetidos os accidentes do terreno, que as obrigam a tomar differentes direcções, succede que a galeria corta essas mesmas cama- das mais ou menos obliquamente, e por isso terá que desviar-se em alguns pontos do seu alinhamento normal, para evitar um terreno instavel, ou a parte recalcitrante de algumas camadas de grés ou de poudingues que embaragariam o progresso dos trabalhos. Tal é a mal esboçada historia dos trabalhos da mina de S. Pe- dro da Cova, aliás muito incompleta, e talvez mesmo pouco proxima da verdade em alguns pontos : comtudo dos factos e observações que ella aponta juntos aos que se deduzem da primeira parte desta Me- moria conclue-se o seguinte : 1.º O carvão de S. Pedro da Cova não é um verdadeiro an- tracite, mas sim um carvão secco da época houillere. 2º O carvão de S. Pedro. da Cova é mais moderno do que as camadas que o cobrem n'uma posição anormal, pela mesma ra- zão que as camadas silurianas e cumbrianas cobrem estas ultimas n'uma posição tambem invertida. 3.º As camadas do carvão: da bacia de S. Pedro da Cova, teem um limite maximo em profundidade que regula por 200” contados sobre os respectivos planos. 4.º Estas mesmas camadas” affectam soluções de continuidade em direcção, devidas á sua structura especial, á qual, até certo ponto, é tambem devida a multiplicidade de poços que se abriram na peque- na zona dos seus affloramentos. 5.” A parte util do carvão de S. Pedro da Cova reduz-se a uma bacia com as seguintes dimensões : Eixo maior contado desde Ervedosa até ao poço Penedo. . ... 1:456” Média do eixo menor. Possança média , O que dá um volume de 448:000 metros cubicos, dos quaes tiran- do metade para lacunas e outros accidentes, e suppondo que da ou- 32 Cova. toneladas. TERRENOS ANTHRACIFEROS ANNO DE 1852. tra metade estão lavrados e compromettidos sem poder salvar-se duas terças partes, poderão ainda aproveitar-se 80:000 metros cubicos. 6.º É altamente inconveniente e muito prejudicial alugar,” ou arrendar uma mina, especialmente a curtos prazos. 7.º A ignorancia e a cubica arruinaram a mina de S. Pedro da 8.” As camadas de carvão nas outras pequenas bacias ou reta- lhos da Povoa — Melres — Valle de Canas — Covelo — e Valle de Deão não tem importancia industrial ou commercial sendo o seu va- lor incomparavelmente inferior á pequena bacia de S. Pedro da Co- va; já porque a formação naquelles pontos teve inicialmente menor desenvolvimento, já porque a denudação lambeu a maior parte do combustivel que havia, não passando os residuos de alguns centos de MAPPA DA QUANTIDADE DE CARVÃO EXTRAHIDO NO Pezo de cada carro li Miner Preço de Quans UEC pa cada car-| Observações dades |de carros 3 arrobas | arrateis 1.* sorte | 1:482 43 14,5 3:380 mid, 7:069 38 12 1:780 A y 516 37 23 820 4. » 379 36 16 820 Lisboa 26 de Agosto de 1853, INGANNA. CONTLENDO UM ESBOÇO GEOLOGICO | mm DOS | TERRENOS CARBONTRERO DONANO E SUURIANO | Val Dea A DAS VIZINHANÇAS DO PORTO. PORTO e | ao | cox Mio Dou | ce LEGENDA | = DTH Schastos oristalinos | ES Siluriarno. | MM Zero Devoniaro | EN Hala. | [E] Craneto | EB Diorites. | ningas | ` ISCALA È q 0 1 1 2 5 4 LEGOAS 5 ' 3 Quirelao Pija O “de Betto cont, Dex Lith, de Rep! dos Trad. Ceod. do Hern Est. 2. basta da y 8 ES S > 8 NN & 10° 1N $ 3 S Sehistos stluriano Ss ~ 58 E x à a Y N$ . e] 4 NS È S NS N y ¿Y po ie! Pr SN LEGENDA Schistos cristalinos Solari o 127° ua aN IUL Terreno De ve eta no lu lle Granite Lhoriles EUG EA de Bettencourt. Dex Lil fo LI ep elor Trad, Geno! TERRENOS ANTHRACIFEROS CARBONIFEROS. MINA DE CARVÃO DE PEDRA DO CABO MONDEGO, POR : CARLOS RIBEIRO, SOCIO EFFECTIVO DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA. TERRENOS ANTHRACIFEROS E CARBONIFEROS. MINA DE CARVÃO DE PEDRA DO CABO MONDEGO. PRIMEIRA PARTE, O Cabo Mondego é um dos poucos pontos de Portugal onde os ter- renos oolitico e liasico reunidos apresentam uma enorme possanca, talvez a maior a que attingiram nas nossas latitudes, Submersas to- das as camadas ooliticas do Cabo Mondego para depois receberem a formação do cretaceo inferior, foram posteriormente postas a desco- berto por dois importantes systemas de deslocações que affectam uma boa parte do nosso paiz: o primeiro e mais antigo manifestado na direcção proxima de ONO a ESE rompeu as camadas desta ultima formação e determinou o levantamento, tanto da margem direita do Rio Mondego entre a Figueira e o Penedo de Lares, como o das es- carpas que vão do Moinho do Almoxarife e Bicanho até Soure: o se- gundo, obrando em uma direcção quasi perpendicular á primeira, levantou a Costa alta sobre o mar; abriu as fendas do Penedo de Lares, e aquella entre as costas de Farestello e de Arnes por onde corre o Mondego; e modificou as arestas dos labios das precedentes falhas, obrigando-as a tomarem uma curva de ONO a NNE como ‘por exemplo a que se observa nas escarpas dos calcareos do cretaceo inferior, que vão da Salmanha ao Moinho do Almoxarife e Bicanho. Foi das largas brechas resultantes destas falhas que surgiram as mon- tanhas que formam o Cabo Mondego e Serra da Boaviagem; mos- trando-se alli os dois terrenos liasico e oolitico com uma possança de 1400” proximamente, como será facil de verificar examinando a es- carpa que vae de Buarcos á Murtinheira: resultando tambem das referidas deslocações inclinarem as camadas daquelles terrenos para i ae 4 TERRENOS ANTHRACIFEROS o SSO junto ao mar, e na parte culminante da Serra para ESE. To- davia as camadas dos dois terrenos liasico e oolitico do Cabo Mondego apresentam-se numa tal disposição estratigraphica , ‘e mostram-se tambem caracterisadas pelos despojos fossiliferos que encerram, que facilmente se podem separar em andares e formações, do seguinte modo : CORTE DE N. PARA S. TERRENO LIASICO. Ordem ascendente. 1° Andar — Calcareos argilosos, amarellados, duros, e fragmen- tares; formando grossos bancos, e encerrando a Rostelaria Costa, e moldes interiores de diversos bivaldes, algumas das quaes pertencem aos generos Mytillus e Sperifera. Este andar tem aqui uma possança proximamente de 50.” Vê-se aflorar tambem n'outras partes da Beira, como na Anadia, na Volta do Monte sobre a estrada de Coimbra aos Cabasos, e em outros loga- res de Portugal. 9 Andar — Calcareos, e marnes argilosos, amarellos e averdoen- gados, caracterisados pela Griphæ incurva © a G. obliquata : apparece tambem na Anadia, em Coimbra, Soure e em outros logares. A. pos- sança deste andar orgarà por 20". 3: Andar — Calcareos argilosos amarellos , cinzentos e aver- doengados, friaveis, e terrosos, alternando com marnes- das mesmas cores. E: caracterisado este andar pelos Ammonites spinatus, e A. mar- gartatus : aflora tambem em Monte-mór, Bairrada, e n'outros pon- tos ao Norte è ao Sul do Mondego: asua possanga, no Cabo Mondego andará por 100". 4.º Andar — Calcareos argilosos e marnes alvacentos e amarellos, desfazéndo-se em miudos fragmentos pela acção dos agentes exteriores. E? caracterisado pelos Ammonites serpentinus, e A. bifrons: a sua pos- sança orçará por 100”. | Este andar é commum 4 Bairrada e ao Sul de Coimbra até Alca- bideche, Sarnache, etc., em cujas localidades assenta sobre os calca- reos argilosos com 08 Ammonites spinatus, e marnes com os Belemni- tes clavatus, Be thouarensis, B. lindley, ete. E. CARBONIFEROS. 5 TERRENO OOLITICO. 5.º Andar — Calcareos argilosos e marnes com o Ammonites bron- gniartii. ' Este andar estende-se até Maiórca e Verride, e prolonga-se com o 4.º andar para S e SE, com o qual tem muitas relações. A sua pos- sanga orcará por 50". | 6.º Andar — Calcareos argilosos e marnes cinzentos caracterisados na sua parte inferior e media pelos Ammonites macrocephalus, A. ba- harice, A. anceps, e pelo belemnites canaliculatus ; e na sua parte su- perior pela Rinchonela astieriana. Prolonga-se este andar para SSE, atravessa o Mondego em Verride com mui grande possanca, ‘e vae es- conder-se debaixo das camadas do cretaceo inferior, para mais prova- velmente tornar a apparecer nas escarpas que se observam no Valle formado pelas Serras do Carvalho e de Minde. A sua possanca regula- rá de 150 a 200”. 7.º Andar = Grés madreporico amarello trigueiro, e cinzento anegrado, alternando com algumas camadas de calcareo fino tambem anegrado, formando a base da seguinte serie. a—Seis camadas de carvão, tendo a mais inferior 0", 8 a 1”, de possança, e as outras apenas um a dois decimetros o maximo; al- ternam com camadas de calcareo argiloso fino negro. Esta serie é caracterisada pela planta Zamites graminea encontrada no tecto da camada mais possante de carvão. 6—Grossas camadas de grés grosseiro branco e cinzento formando o tecto da pequena serie carbonifera ; e calcareos finos, compactos, alternando com marnes terrosos. Este andar é caracterisado pelo carvão; pela abundancia dos grés alternando com os calcareos ; pela completa ausencia dos ammonites « belemnites ; e pelas frequentes camadas de calcareo marnoso com o Mytilus beirensis ; diversas especies de pernas, terebratulas, a Ostrea solitaria, e em tanta abundancia que muito facilita o desaggregamento da rocha. A possanca deste andar regulará de 150 a 200". 8.º Andar — Gres. córados em vermelho, amarello trigueiro « manchados em verde; grosseiro em partes e passando a pondingues ; noutras encerrando fragmentos angulosos d'outras rochas: em geral é micaceo e de cimento calcareo, ou de marne argilo-lerruginoso- Estes grés alternam desegualmente com camadas de marne terro- so e em parte micaceo; cinzento e amarellado, passando a vermelho, com raras camadas de calcareo de egual côr; e encerrando conchas ‘ va-se a sua possança incomparavelmente reduzida; e um pouco mais 6 TERRENOS ANTHRACIFEROS do genero Mytilus, Pernas, e outros despojos animaes. Na parte me- dia e inferior do andar observam-se diversas camadas de calcareo grosseiro passando a conglomerado calcareo ligado por uma pasta avermelhada argilo-areosa. Todas as rochas que ficam ennumeradas occupam „a extensão da praia, desde as visinhanças da mina sobre o Cabo, até á povoação de Buarcos, com uma possança de 1200 a 1400”. Um conglomerado calcareo vermelho, que passa junto ao caminho que conduz da praia para Tavarede, e cujas camadas são reconhecidas até ás margens es- querda e direita do Mondego, fórma o limite superior do systema oolitico portuguez no Cabo Mondego, o qual é immediatamente co- berto pelas arenatas, grés, e calcareos da formação do cretaceo infe- rior. E° porém para notar que o enorme desenvolvimento que apre- senta este ultimo andar, entre Buarcos e o Cabo Mondego, náo tem paridade com a sua extensáo longitudinal para SSE; porque a duas e tres legoas, em Sanfins e em Verride, sobre o rio Mondego, obser- a SE no caminho de Verride a Soure, vêem-se as arenatas e as argi- las do cretaceo inferior pousarem directamente sobre o calcareo com Torrilites e com o Ammonites bakarie (+). Pelo caracter uniforme dos calcareos do 4.” 5.° e 6.° andares, e pelos abundantes restos de cephalopodes (alguns ammonites de 0%, 5 a 1º, de diametro) e de outras conchas que caracterisam aquella par- te do terreno oolitico, sou levado a crer que as aguaes onde teve lo- gar o deposito d'estas camadas deviam ser fundas, e de uma indole oceanica; em quanto que por outro lado, a côr anegrada das rochas do 5.º e 6.º andares devida á dissiminação do carbone, revelam a aproximação da Costa; e que este elemento não só parece ter prelu- diado o carvão que se segue no andar immediatamente superior, mas provir da mesma causa e logares, que mais tarde produzirão aquelle combustivel. Com effeito o exame dos factos mostra que na época em que se depositaram as camadas do 7.º andar, já eram mui diffe- rentes as condições physicas, e hydrograficas do paiz. As rochas are- (+) Esta memoria foi escripta em 1853; mas posteriormente em 1854 e 1855, reconheci que este andar continúa no rumo SSE, posto que muito recuado para SO em razão da falha do moinho do Almoxarife que o arrojou sobre aquelle lado; es- | tendendo-se depois por Soure para ligar com o mesmo andar que passa em Pombal, Leiria, Porto de Mós, ete. E CARBONIFEROS: 7 naceas grosseiras com restos de vegetaes alternando com camadas de calcareo; a ausencia dos cephalopodes e o apparecimento dos polypei- ros e dos echinodermes, associados a um grande desenvolvimento de acephalos dos generos, perna, mytilus, ostra etc.; e a existencia do combustivel, são provas das visinhanças da terra e da presença de praias baixas nas condições precisas de poder accumular-se n'ellas o carvão em extractos de differentes espessuras, como fica observado em logar competente. Por tanto a bacia carbonifera do Cabo Mondego compõe-se do in- tegral das rochas do 7.º andar, com as quaes o carvão se acha asso- ciado por immensas relações de jazigo, e as quaes muito importa co- nhecer para difinir a extensão das camadas do combustivel. Para este fim se nos dirigirmos a Verride, sobre a margem esquerda do rio Mondego, e alli examinarmos a situação relativa das camadas, obser- varemos as rochas do 8.º andar assentarem sobre as camadas do 6.º, sem que um só indicio represente as camadas do 7.º andar ; nem mesmo se observa alli a cor anegrada ou cinzenta escura, que no Cabo Mondego affecta as rochas dos andares contiguos ao do carvão. Já o córte que se fizer na margem fronteira entre Villa Verde e as Alhadas, dá a sucessão dos grés e marnes do 8.° andar assentando sobre outras camadas de grés e marnes, alternando com calcareos, e encerrando as especies fossiliferas caracteristicas do 7. andar; mas mostrando-se este ultimo ainda n'um estado rudimentar, Porém os córtes que se levarem da Figueira para Branha, e para Casal da Ser- ra, offerecem então um numero mais complexo das rochas pertencen- tes ao ultimo andar indicado. As camadas das series inferior e supe- rior da bacia e as envolventes do carvão, tomam em Casal da Serra uma sensivel possança augmentando rapidamente para o Sul e Óeste, e com ellas desenvolvendo-se e engrossando a camada do carvão a ponto de se apresentar entre à capella de Santo Amaro e nas Fontai- nhas em condigóes de poder ser lavrada muito proveitosamente, ape- ‘sar da exiguidade dos seus topes á superficie do solo. É nesta locali- dade tambem que a côr anegrada das rochas do 5.º 6,° e 7.º andares se torna mais frequente, augmentando rapidamente a sua intensida- de para o lado da costa, e com ella a proporção do combustivel e o desenvolvimento de camadas da serie carbonifera. Do exame destes factos conclue-se que o carvão do Cabo Monde- 80 não tem continuidade para SSE, não havendo Já vestigios d'elle sobre o rio Mondego ; e que é só em Casal da Serra, ou nas suas pro- ximidades que começam a apparecer indicios da sua existencia e com da TERRENOS ANTHRACIFEROS alguma importancia. Deste modo a extensão das camadas de com- bustivel para o lado da terra não vae além de 3 kilometros a contar da costa, em quanto que para ONO, isto é, para o Oceano, não só as series referidas que acompanham o carvão parece adquirirem a sua maxima possança, mas tambem o carvão se desenvolve proporcional- mente nas seis camadas que se observam no córte da praia, e as quaes é muito provavel que, se não todas, ao menos algumas d'ellas (além da grande camada) venham a engrossar a ponto de serem apro- veitadas com vantagem a algumas dezenas do metros da Costa. Por consequencia a parte mais importante € util do deposito carbonifero do Cabo Mondego é junto á Costa, prolongando-se por baixo do Oceano a distancia por emquanto desconhecida. Quanto á extensão da bacia e do carvão no sentido da profundi- dade ou da inclinação dos extractos, nada se sabe, em razão das cama- das mergulharem para SSO- onde são cobertas pelas rochas do 8.º an- dar; e não se ter feito até hoje reconhecimento d'alguma importancia neste sentido: tudo o que se sabe a este respeito é o que passo a referir. Na galeria geral d'esgoto situada uma dezena de metros aci- ma das aguas do Oceano abriu-se um poço obliquo sobre o plano da camada (40.º abaixo do horizonte) com 30.” de fundo; em todo este comprimento deixou-se ver que 0 carvão não só melhorára nas suas qualidades industriaes, mas tambem que a possança da camada era perfeitamente uniforme, com as suas rochas de tecto e de muro mui- to bem strateficadas e difinidas, formando dois planos sensivelmente parallelos e continuos. Por outra parte das informações colligidas na localidade sabe-se que as galerias descendentes abertas na ponta do Cabo em 1787, desceram até 100.” de profundidade contadas no pla- no da camada, e que ali fóra encontrado o carváo de muito boa qua- lidade, formando uma camada grossa e continua. E como não ha ra- zão alguma ou facto conhecido na localidade, que authorise a suspei- tar o proximo acabamento do carvão em profundidade, antes pelo contrario os que ficam referidos abonam a sua permanencia, será li- cito suppôr que o carvão do Cabo Mondego estender-se-ha á ajusante das aguas medias do Oceano, quatro, seis, ou mais vezes tanto, quan- to é a distancia, que vae deste mesmo plano de nivel até á parte mais elevada dos afloramentos. (+) Disse mais acima que as camadas do carvão, posto se apresentem em numero de seis, só uma é que pode lavrar-se em razão da sua (+) Os afloramentos no cume da montanha estão 210" sobre o nivel do mar. ' E CARBONIFEROS. 9 possança, sendo as demais nos pontos até hoje observados de mui in- significante grossura para poderem ser aproveitadas ; todavia as con- ‘ sideragdes e factos que acima ficam expostos authorisam-nos a esperar que estas camadas se desenvolvam mais para o lado do Poente, a pon- to d'alguma d'ellas poder ser lavrada com vantagem quando haja de tentar-se um systema de trabalhos por baixo do Oceano. Pelo que respeita aos accidentes peculiares á camada de carvão notarei, que ella participa de algumas soluções e de irregularidades devidas a causas distinctas, mas que parecem contemporaneos com o deposito. O primeiro accidente, e o mais importante, é o successivo desapparecimento do carvão até á apparente applicação do tecto da camada sobre o muro, sem que similhante phenomeno seja precedido, ou acompanhado de dilatações em qualquer sentido, que induza a suspeitar estrangulamento. Este accidente, que reduz a camada a grandes massas lenticulares, tem produzido lacunas mais ou menos. extensas, mas sempre limitadas, como as que se encontram entre as bocas das minas Mondego e Esperança, e entre esta ultima e a do poço Farrobo. Em Junho d'este anno observei nos trabalhos em la- vra, e no fim da galeria geral de esgôto, um destes apparente conta- cto do tecto da camada sobre o muro, o.qual ameaçava uma prompta mas temporaria suppressio do combustivel. Este accidente porém offe- rece uma circumstancia digna de notar-se, e vem a ser: a maxima extensão das lacunas até hoje conhecida manifestou-se na região supe- rior da camada, ou proximo á superficie do solo, diminuindo succes- sivamente em profundidade, como se observou nos avancos parallelos que estáo sobre a mesma linha de jusante para montante. Náo se póde porém emittir opinião sobre a repetição e continuidade d'este accidente em profundidade, mas é de crêr que similhantes lacunas tornem a ser encontradas no progresso da lavra, o que sómente po- derá conhecer-se quando os trabalhos se desenvolverem. O segundo accidente são barras de calcareo carbonoso schistoide, mais ou menos desenvolvidas na espessura do carvão, dividindo a ca- mada em duas outras laminas; a extensão destas barras vae ás ve- zes a algumas dezenas de metros, mas felizmente desapparecem depois de alguma demora nos trabalhos, para darem logar á possança ordi- naria do carvão, Os caracteres porém tanto deste como do precedente accidente, mostram que estes phenomenos são limitados a certas ex- tensões, e exclusivamente devidos a cireumstancias inherentes 4 sedi- mentação. Quanto aos outros accidentes que commummente apparecem nos MEM. DA ACAD,—Í .* CLASSE, il. P. Il. SA 10 TERRENOS ANTHRACIFEROS depositos do carvão como, dilatações, falhas, ou outros, que perturbam o regular e uniforme andamento das camadas, e que tanto prejudi- cam a economia da lavra, não existem aqui, ou não são por emquan- to conhecidos: ha apenas a grande falha que determinou a elevação do Cabo Mondego, e que naturalmente separou para NNE outra par- te do deposito carbonifero juntamente com todas as formações do lias e do oolite, e as quaes devem estar engolidas muitas dezenas de me- tros abaixo da superficie do sólo, que actualmente se acha coberto pe- los areaes de Quiaios e da Murtinbeira. A ausencia pois dos accidentes notados, ou de outros similhantes, é para a lavra do carvão do Cabo Mondego uma das mais favoraveis condições que póde ter. A esta vantagem dever-se-ha tambem accres- centar outra de muita importancia economica; e vem a ser: que à camada que serve de tecto ao carvão é de um calcareo argilo-carbo- noso muito consistente, bem strateficado, estendendo o seu plano de strateficação em todos os sentidos com extrema regularidade ; ape- nas é cortada por algumas fendas de retracção, mais ou menos lar- gas, occupadas hoje por crystallisações de spatho calcareo branco; mas sem que estes pequenos accidentes prejudiquem a continuidade e es- tabilidade da mesma camada. Desta qualidade da rocha do tecto re- sulta não só uma grande simplicidade e economia na entivação, mas uma grande facilidade nos trabalhos de lavra; em quanto que por outro lado se a sua regular strateficação não é uma garantia bem se- gura da uniformidade da camada do combustivel'e da sua continui- dade em grande extensão, é pelo menos um dos seus mais fortes in- dicios. i Todas as camadas do 7.º andar, e bem assim as dos andares con- tiguos teem sobre a costa a direcção ONO a ESE inclinando para SSE, conservando a do carvão um angulo regular de 40º abaixo do plano horizontal. Se se considerar o carváo do Cabo Mondego debaixo do ponto de vista mineralogico, e mesmo industrial, reconbecer-se-ha que pertence antes ao typo da hulla, do que ao da lignite; com effeito os seus ca- racteres physicos são : côr anegrada de um brilhante não muito espe- cular, dividindo-se em laminas grossas, parallelas 4 strateficação, © cortadas por planos perpendiculares; a sua gravidade especifica pouco differe da hulla ingleza; ao fogo corporta-se de um modo similhan- te, dando uma chamma e fumo como os do carvão de Newcastle; a sua combustão parece porém um pouco mais rapida : é gordo, e pela distillação dá um coke bastante poroso mas de má qualidade, talvez de- E CARBONIFEROS. ` 11 vido ao mau preparo. O sulphureto de ferro abunda n'este combus- tivel, e é por certo este pernicioso companheiro que o tem banido das suas mais uteis applicações, e feito perder por consequencia a impor- tancia que lhe proporciona as outras boas qualidades que possue. A abundancia deste sulphureto nos entulhos de schisto carbonoso e nos fragmentos miudos do carvão que estão despresados no exterior, tem oceasionado combustões espontaneas que teem durado muitos mezes, acabando só com a decomposição da pyrite, e com a total extincçäo da materia carbonosa. 4 Estou convencido que é ao estado de atrazo em que estão ainda entre nós todas as industrias, e á carencia de transportes baratos, que se deve a desconsideração e o abandono a que tem estado condemna- do o carvão do Cabo Mondego; mais tarde porém quando tiverem desapparecido parte d'estas causas, e se comprehenda melhor entre nós o que valem os combustiveis fosseis, ainda os chamados de má qualidade, eu espero que o deposito de carvão de pedra do Cabo Mon- dego será devidamente apreciado; e que nos limites que comportam a sua extensão e condições prestará ás industrias locaes mui impor- tantes serviços. . SEGUNDA PARTE. Das diligencias e informagdes a que procedi quando fiz o exame fi mina do carvào do Cabo Mondego (+) nada pude colligir ao certo sobre a data da sua descoberta; algumas pessoas a dào no meiado do seculo passado, mas sem para isso ‘terem outro fundamento mais do que a tradicáo: como quer que fosse, em 1775 é que começaram os primeiros trabalhos por conta do Governo, dirigidos por um capi- tão da Companhia de Mineiros da Praca de Elvas chamado José Nu- nes, e de dois soldados da mesma Companhia que comsigo trouxe daquella Praça. Doze annos duraram as explorações e trabalhos da (+) Toda a parte historica desta mina é feita sob as informações dos velhos em- pregados, e de pessoas mais antigas dos povos visinhos ; e bem assim as que me for- neceu o sr. André Michon, actual director dos trabalhos. Dis 12 ; TERRENOS ANTHRACIFEROS. lavra feitos por Nunes. Em 1787 foi substituido por tres individuos denominados os Rapozos, Sobrinhos do Inspector que então era do Arsenal do Exercito. Estes novos directores ordenaram a abertura de tres galerías descendentes na ponta mais Oeste do Cabo, e ao mesmo nivel da camada do. carvào:; a segunda aflastada da primeira tie a terceira a 267,5: da segunda. Estas galerias estão abobadadas e re- vestidas com enxelharia até grandes distancias das bocas; a sua sec- ção é de 4” de alto por 1,3. e 3%, o de bases: hoje: estão inunda- das e completamente inutilisadas. Estes trabalhos chegaram a +00", de profundidade, pouco mais contados sobre o plano da camada do carväo. (+) Commu- nicaram-se aquellas galerias por meio dos respectivos avanços, os quaes foram. muito prolongados para 0 lado do O: por baixo do Oceano, e preparou-se ali um campo de lavra Um sarilho ou cabrestante mo- vido a bois e montado defronte de uma daquellas galerias, fazia o servico de extracção e de esgóto. A lavra executava-se regularmente; o carvão era de excellente qualidade, mas as industrias não: o. procu- ravam, ow antes não havia industrias em condições que podessem dar-lhe emprego; só o Estado é que o aproveitava na refinação do salitre, fazendo-o transportar para Lisboa. A lavra por tanto do car- vão cra muito pouco activa em razão das limitadas necessidades do consumidor; e por isso durou muitos annos este campo de lavra; e creio: bem que este mesmo. campo seria de uma longa duração, ain- da que o consumo crescesse muito, se um sinistro occorrido entre os annos 1798 a'1800 não: inutilisasse completamente este campo de lavra. Uma galeria ascendente: por baixo do: Oceano tocou: as- visi- nhanças do afloramento da camada 20", a O da Pedra da Nau, e a ponto que os mineiros; encostando os ouvidos á rocha no tópo da galeria, sentiam 0 ruido que fazia o cascalho agitado pelo: movimen- Na manhá de um Domingo, (e felizmente a hora que náo estava pessoa alguma nos trabalhos subterraneos) as aguas do Ocea- no, rompendo € levando diante de si a delgada porção de rocha que a separava do tópo da referida galeria, precipitaram-se impetuosa- mente dentro da mina abrindo uma ampla brecha e inundando todos os trabalhos. Este sinistro não trouxe só comsigo a perda: immediata da lavra do combustivel comprehendido no campo. de lavra aberto : como a parte mais extensa ¢ importante do deposito está debaixo do ou menos, to da maré. (>) Dizem que as galerias foram levadas a 45-0u 50 bragas de fundo,. estou porém mais disposto a crór que fossem varas. E CARBONIFEROS. 13 Oceano, e não ficassem planos, memorias, ou diarios dos trabalhos que se fizeram, e por consequencia se ignore qual o desenvolvimen- to dado áquelles trabalhos, torna-se, senão impossivel, ao menos mui- to perigoso e temerario tornear o campo de lavra inundado para ir estabelecer outros trabalhos para o lado do Oeste, ou SO. Assim foi sacrificada ao desleixo e á ignorancia, a parte mais importante de um deposito de combustivel, cuja falta será no futuro bem sentida. Em 1801 foram osRapozos substituidos na direcção dos trabalhos pelo Dr. José Bonifacio de Andrade, então Intendente geral das mi- nas do Reino. E este determinou a abertura da mina Mondego a NE das primeiras galerias, e uns 50 a 80" acima do seu respectivo ni- vel: por esta mesma galeria communicou-se com a parte dos velhos trabalhos, não alagados, e preparou-se um novo campo que deu o car- vão necessario ao consumo até 1819. José Bonifacio tinha feito cons- truir junto á mina um forno de cal a trabalho continuo, que ainda hoje existe em bom estado, e outro de tijolo, nos quaes se empre- gava parte do combustivel, com especialidade o carvão miudo, con- tinuando a ser transportado para Lisboa o carvão grado e de primei- ra qualidade. A sahida do governo do respeitavel e mui patriota D. Rodrigo de Sousa Coutinho, que tanto se empenhára no desenvolvimento da industria mineira do nosso paiz; a emigração de José Bonifacio de Andrade para o Brazil, e a conflagração geral da Peninsula, em con- sequencia da entrada do exercito imperial, tudo factos occorridos. com pequenos intervallos ; a grande quantidade de pyrite ferrica encon- trada no carvão: do campo em lavra; é a falta da boa direcção nos trabalhos, determinaram a successiva paralisação da layra da mina do Cabo Mondego, até que o Governo ordenou a suspensão. total dos tra- balhos no já referido anno de 1819. Por Alvará de 5 de Julho de 1825 contractou o Governo a la- vra das minas de carvão de pedra de Buarcos e de S. Pedro da Co- va, com. uma empreza de negociantes de Lisboa: infelizmente como a abertura de trabalhos e a continuação da lavra em qualquer das minas era facultativa; por um lado o Governo só lhe importava com a renda, ea empreza só pertendia lucros immediatos, continuou a mina de Buarcos em completo desprezo. Passaram-se mais treze ou quatorze annos de abandono depois do contracto, até que o cessiona- rio daquella empreza, o sr. Jatintho Dias Damazio, e pouco depois a actual companhia das: minas de carvão de pedra, tentou esgotar os velhos trabalhos da mina Mondego, e proseguir na sua lavra; o que 14 TERRENOS ANTHRACIFEROS effectivamente passou a executar no anno de 1838 para 1839. Poze- ram-se em estado de lavra os trabalhos da mina Mondego, d'onde se começou a tirar algum carvão, e pouco depois fez-se o seu despi- lamento. Em seguida determinou-se a abertura de uma sanja de pes- quiza na linha de maxima inclinação da montanha, onde depararam com a continuação da camada do carvão, poucos metros a NNE do antecedente poco, e em posição mais elevada sobre o monte. Abriu- se então ali um novo campo de lavra, a que denominaram — Mina da Esperança — a qual mais tarde communicou com os avanços da mina Mondego. Este campo poucos metros desceu abaixo da actual galeria geral de esgôto ou avanço, em rasão das difficuldades da ex- tracção e do esgôto, cujos gastos não eram cobertos pelo producto do carvão; e mais ainda pelo inconveniente e precario systema de ataque, fazendo-se a extracção, o serviço, o esgóto, e a ventilação por duas bocas contiguas, abertas quasi a um mesmo nivel sobre o tópo da camada. Os avanços praticados n'esta mina tocaram a lacuna que lhe fica a SSE; e como receavam descer além dos limites inferiores que tocaram, resolveram o despilamento de parte da Esperança. Passou-se em seguida a abertura da mina Farrobo, alguns 300”, ao NE da precedente, e em posição mais elevada, em consequencia de se haver descoberto a camada naquella localidade Abriram-se os trabalhos ao modo ordinario; mas não descendo muito com elles pelas razões ex- postas, não obstante a camada apresentar-se com bons auspícios. As aguas porém eram muitas; a este tempo appareceu uma lacuna a ESE; uma pesquisa feita mais a NE em valle das Fontainhas, (pro- vavelmente sobre alguma das camadas delgadas) deu apenas 0”,2 de possanca para a camada; a ignorancia em materia de lavra, e ainda mais sobre a apreciação das condicóes da camada, e dos seus acciden- tes era grande; por consequencia acreditou-se que o carváo acabava completamente na mina Farrobo, e que náo valia a pena a continua- cão de mais esforços. Com effeito estas circumstancias desanimaram a Companhia, que com a lavra deste carvão só tinha recebido perdas, segundo diz, e facil é de acreditar; e d'aqui resultou mandar sus- pender os trabalhos de 1845 para 1846. Em 1846 appareceram em Lisboa og mineiros francezes MM. Mi- chon, e Cazimir Pierre, os quaes, depois de visitarem as minas de carvão de pedra de S, Pedro da Cova e de Buarcos, dirigiram pro- postas 4 Companhia para a lavra d'aquellas duas minas. A Companhia acceitou estas propostas, e contractou com Mr. Michon a lavra da mina de Buarcos, e em seguida passou-se á execução dos trabalhos. E CARBONIFEROS. 15» Para renovar a lavra da mina Farrobo, estabeleceu-se á boca da ga- leria uma machina de vapor da força de 12 cavallos; assentaram-se as bombas necessarias para o esgôto, e dentro em pouco enxugaram- se os trabalhos, e a lavra começou. Nos fins do anno de 1847 as aguas subterraneas entraram a crescer em consequencia de apparece- rem nos trabalhos repetidas fendas por onde ellas se injectavam com grande força (sem duvida por communicarem com alguns depositos hydrostacticos, frequentes nos calcareos destes terrenos): a sua accu- mulação era rapida, as bombas já não podiam com ellas, era inevita- vel o sinistro e a mina inundou-se. A” vista deste novo desastre, a Companhia não desanimou; MM. Michon e Cazimir tractaram de in- vestigar os meios de salvar a mina Farrobo, e entendendo que aquel- le mais proficuo era dar esgôto ás aguas accumuladas nos trabalhos, aproveitando-se da disposição favoravel que tem a escarpa na ponta do Cabo com relação aos trabalhos, e do modo por que a camada de carvão é por clla cortada, propozeram á Companhia a abertura de uma galeria geral de avanço de 1 kilometro de comprido, um pou- co acima das aguas do Oceano, e ao nivel das bocas dos velhos tra- balhos; e a qual não só enxugasse a parte inundada da mina á pro- fundidade de 130” do poço Farrobo, mas servisse de base á lavra de novos campos. Este projecto, tendo sido approvado pela Companhia, começou a ter immediata execução nos fins do anno de 1847, Esta galeria, avançando sempre sobre o muro da camada, atravessou o fun- do dos trabalhos das minas Mondego, e Esperança; e no segundo des- tes pontos estabeleceram-se ajusante alguns trabalhos de lavra que to- davia não foram profundos. Em 1851 chegou o avanço ás visinhanças do campo inundado; os trabalhos continuaram empregando tres fu- ros de sonda, até que attingindo-o, operou-se o esgotamento, derivan- do as aguas para os trabalhos velhos; conseguindo-se este arriscado fim sem o menor accidente. É desde 1850 que conheço esta galeria, cujo traçado desde logo achei ser de bastante alcance, posto o seu fim especial ter sido o esgotamento da mina Farrobo. Esta galeria, cortando a camada a mais de 130" dos tópes, permitte a investigação, e a lavra a jusante e a montante d'um modo incomparavelmente mais economico € prompto do que pelas minas abertas no tópe da ‘amada : por outra parte uma similhante galeria facilita consideravel- mente os esgotos ; dá um prompto e economico serviço de extracção ; faculta uma excellente ventilação natural, etc. Finalmente esta gale- ria foi uma das obras mais essenciaes para tornar aproveitavel a mina de Buarcos de um modo muito mais racional e economico. Com 16 TERRENOS ANTHRACIFEROS estas vantagens continúa a galeria geral de avanço, a qual conta hoje 950 a 1:000™ de comprido, com o seu respectivo caminho de fer- ro, achando-se actualmente debaixo do valle das Fontainhas. A nenhuma procura porém que tem este combustivel, e a quan- tidade de lavra que se faz actualmente, não está em relação com a importancia desta galeria, nem mesmo com a do deposito. Para dar consumo ao carvão que ha annos se extrahe desta mina, é necessa- rio que exista a fabrica de garrafas do Bom Successo em Lisboa, seu unico consumidor, a qual se alimenta com seis, ou oito toneladas diarias de carvão sómente; de modo que respeitando os pilares da mina Farrobo, tem bastado lavrar algumas massas ou porções a ju- sante da galeria para satisfazer ás necessidades daquelle estabeleci- mento. Uma tal lavra pecca por consequencia pela falta de consumi- dor; o carvão que existe além desta profundidade só póde ser extra- hido empregando machinas com motôr adequado, mas cujo emprégo só comporta um maior desenvolvimento de trabalhos ; de modo que se o consumo não augmentar, o resultado será talvez ficar por lavrar a parte mais importante do deposito, tanto pela abundancia como pe- la qualidade. Tambem o modo por que a concessão desta minas se acha feita, dependente do resultado do concurso a que tem de proceder-se em vista do decreto de 31 de dezembro de 1852, oppõe-se a que os ac- tuaes concessionarios procurem novos consumidores, € estabeleçam obras e trabalhos de maior consideração, o que tanto seria necessario para tornar a lavra de futuro mais proveitosa. Nestes termos se 0 Governo abrir o referido concurso, e se julgar a proposito, dever-se- ha estipular que o concessionario escolhido, lavre, e procure consu- mo a uma maior quantidade de carvão. Em quanto o consumo não exceder a um certo volume é econo- micamente impossivel usar das machinas, € apparelhos de que não pode prescindir-se para executar, e entreter 0s trabalhos nas condi- ções requeridas pelas regras da arte. Não obstante ser hoje a galeria geral de avanço de que acabei de fallar, a primeira, e a mais essencial obra de todos os trabalhos de lavra da mina do Cabo Mondego, todavia está náo só modesta, mas em partes acanhada ; se se attender porém ao desanimador futu- ro que esta mina offerecia em 1847, e aos auspicios agoureiros que presidiram á abertura da indicada galeria, longe de censurar, louva- rei a coragem € a resolução que a emprehendeu. As suas dimensões são variaveis ; satisfaz porém a todos os servicos ordinarios, e em todo o E CARBONIFEROS. 17 seu comprimento circulam os wagons de 1” de largura. A lavra é feita do seguinte modo: o massiço é dividido em porções prismati- cas, a que chamam pilares, por meio de galerias de avanço, e gale- rias estabelecidas sobre o plano da maxima inclinação ; mas de mo- do que em uma dada galeria d'avanço os pilares a montante corres- pondem aos vasios que estão a jusante da mesma galeria : estes pila- res teem 7,7" de lado, e os vasios 4%,4 de largura; destes vasios entulham-se 2",6 e fica de vão 1",8. A renovação doar tem-se feito, e faz-se por uma corrente na- tural determinada pela differenca de nivel entre as bocas da ga- leria geral, e da mina Farrobo, achando:se para este fim interrompi- das todas as mais communicações com o exterior. No emtanto a ventilação já se faz com difficuldade no fim da galeria geral, e exige a prompta abertura de uma galeria ascendente que communique com o exterior no lugar das Fontainhas, a qual servirá ao mesmo tempo de exploração. Por esta occasiäo ponderarei um facto, posto que unico, e novo na lavra desta mina, pode todavia repetir-se com gravissimas conse- quencias; e vem a ser a apparição do grisou em 1852 n'um dos ta- lhões da mina Farrobo confinante com a galeria geral de avanço: a sua presença foi denunciada por uma violenta detonação, apagando as luzes de todos os trabalhos, e ferindo tres mineiros incluindo o dire- ctor dos trabalhos. Dentro de pouco tempo poderam fazer-se algumas visitas ao local com a lampada da Davy, e pór o massiço incommu- nicavel; e de então para cá não se deu mais caso algum. Cumpre porém registar este facto, e estar de sobre aviso. As madeiras, que constituem o elemento essencial das construc- ções subterraneas, faltam completamente no local da mina do Cabo Mondego : hoje provê-se do já mirrado Pinhal de Foja, a duas legoas de distancia, o qual pelas derrotas que tem levado, e continúa a sof- frer, dentro em pouco tempo não terá um páu, e a mina ver-se-ha obrigada a mandar vir do Pinhal Real de Leiria as madeiras de que carecer para os seus trabalhos de lavra. Quando no seculo passado começou a lavra da mina do Cabo Mondego por conta do Estado, ordenou-se a compra de terras, e a sementeira de pinhaes aos arredo- res da mina, o que foi cumprido creando-se uma boa floresta. Em 1834 havia ainda para as necessidades da mina, um grande pinhal com excellentes e abundantes madeiras, e um empregado a quem es- tava commettida a sua guarda : a Companhia de então, não tendo fei- to alli trabalhos de mineração, como já observámos, nem tão pouco MEM. DA ACAD. — 1," CLASSE — T. Il. P. II, 3 18 TERRENOS ANTHRACIFEROS E CARBONIFEROS. tinha proposito de abril-os no futuro, despediu o guarda, e sacrificow a conservação do pinhal 4 economia do salario que dava áquelle em- pregado. Desde então começou à devastação da floresta, e em 1846 derrotou-se o ultimo pinheiro. Sem fallar nos incalculaveis embaraços que esperam a futura gera- ção, em consequencia da progressiva derrota que tem levado as nos- sas florestas € pinhaes que nos legaram os cuidados dos nossos avós, sem que até hoje tenham sido substituídos por novas sementeiras, direi sómente que a mina do Cabo Mondego não poderá no futuro luctar com a falta de madeiras, se desde já não se proceder á se- menteira de um pinhal nas visinhanças da mesma mina; e por isso julgo que aos novos concessionarios se deve impor esta clausula, obri- gando-os ao tratamento e conservação do mesmo pinhal. Lisboa 29 de Agosto de 1852. TERRENOS ANTURACIPEROS E | CARBONIFEROS. MINA DE CARVÃO DE PEDRA DO DISTRICTO DE LEIRIA. POR CARLOS RIBEIRO, SOCIO EFFECTIVO DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA, TERRENOS ANTHRACIFEROS E CARBONIFEROS. MINA DE CARVÃO DE PEDRA DO DISTRICTO DE LEIRIA. PRIMEIRA PARTE. 5 D facto averiguado, que nos terrenos de todas as épocas que tem podido assignar-se á vida do Globo, a contar dos terrenos fossiliferos primarios até aos depositos actuaes, existe carvão fossil, m'uma ou n'outra formação, mas distribuido em proporções extremamente desi- guaes na escala geognostica, desde as mais insignificantes camadas de lignite até aos vastos e bem conhecidos depositos de carvão da America do Norte, e do Occidente da Europa. D'entre todos estes terrenos, ha um incomparavelmente mais fa- vorecido, póde dizer-se mais privilegiado debaixo do ponto de vista d'abundancia e qualidade do combustivel, no qual todas as condições necessarias á producção do carvão concorreram d'um modo maravi- lhoso para, em relação com as precisões das modernas sociedades, dar a este terreno uma incontestavel supremacia sobre todos os ou- tros terrenos, mesmo a despeito do valor de outros jazigos mineraes que encerrem, por cujo motivo é conhecido na escala geognostica por terreno carbonifero, ou terreno da hulla. É tão certa, ou pelo menos tão provavel a existencia do carvão nas formações deste periodo, € táo garantida se acha nellas a sua accumulação e extensão, que basta demonstrar que essas formações existem vum ou outro ponto, em- bora sem afloramentos apparentes de carvão, para se deverem pesqui- zar e explorar; por isso mesmo que aquella accumulação e extensão 1 + 4 TERRENOS ANTHRACIFEROS é um dos seus principaes caracteres. Em todos os mais terrenos, tan- to nos denominados de transição, como nos secundarios e tercearios, já o carvão não faz, com a mesma frequencia, a parte principal das suas rochas, apparecendo só como um accidente mais ou menos im- portante; não porque as forças productivas deste mineral tivessem decrescido na superficie da crusta terrestre, a ponto de não fornece- rem os elementos necessarios aos grandes depositos de carvão (+); mas porque nas épocas em que estes terrenos se formaram, faltou quasi sempre o concurso de todas as outras condições que se deram no periodo carbonifero (especialmente as que mais respeito dizem ás fórmas, dimensões e distribuição das partes séccas ou descobertas da crusta do Globo) para que o elemento gerador podesse produzir ¢ accumular o carvão em grandes massas, do mesmo modo por que se formaram os jazigos d'este mineral ma época da hulla. Porém logo que n'algum ponto do Globo, durante o deposito das camadas secun- darias, tercearias, e mesmo no periodo post-terceario, se manifesta- ram condigdes de geographia physica, mais ou menos favorecedoras da producção vegetal e da accumulação do carvão, tiveram logar os depositos deste precioso mineral, e em escala tanto maior, quanto mais estas condições parecem aproximar-se das que se deram na épo- ca da hulla. As turfeiras do Norte da Franca, as da Hollanda, e es- pecialmente a de Hamburgo com 80 kil. de comprido por 20 de lar- go, são depositos de combustivel, cuja existencia parece ser devida ás condições physicas em que estão as costas baixas d'esta parte da Eu- ropa. As ricas lignites tercearias da Provenca e Toscana, accumuladas em depositos importantes, devem a sua existencia aos lagos que lhes serviram de jazigo ; isto é, ás condições de geographia physica da re- gião que promoveram o seu desenvolvimento d'um modo analogo ao das formações das bacias lacustres da Aulla. Estas lignites, mui pou- co inferiores á verdadeira hulla, porque como ella servem a quasi to- dos os usos industriaes, fornecem ás artes, e lançam no commercio uma quantidade annual montante a 200:000 toneladas. Similhante- mente o Valle do Rheno, revela o restabelecimento de parte das con- dições peculiares á formação do carvão na época tercearia, manifes- (+) A vida vegetal, embora mais ou menos variavel nas fórmas, € mesmo na sua intensidade ou na sua concentração em certos pontos do Globo, desenvolveu-se sem- pre em todas as épocas anteriores e posteriores ao terreno da hulla, de modo a po- der produzir esses grandes depositos de combustivel, como provam as respectivas flo- ras e os jazigos de carvão, que se encontram mas respectivas formações. E CARBONIFEROS. b tadas nos depositos de combustivel que ali se encontram, e d'onde a Prussia extrahe annualmente 400:000 a 500:000 toneladas desde Coblentz até Cologne. A Bohemia, rica em verdadeira: hulla, offerece tambem na sua parte occidental, e sobre as margens do Elba, exem- plos das forças productoras do carvão na época tercearia, representa- das em camadas de 6",0 de possança, attingindo mesmo 20” e 30" em alguns pontos; deposito este que se desenvolve n'um espaço im- menso, e com uma abundancia tal de combustivel, que em alguns logares chegam a queimal-o para simplesmente aproveitarem as cin- zas como correctivo e adubo para as terras. (+) Os anthracites dos Alpes desenvolvidos em larga escala, chegando algumas camadas a terem 7",0 de possança, é um exemplo extraordinario da reproduc- ção das forças geradoras da época da ulla, e da accumulacäo da ma- teria carbonosa em grandes massas no meio dos terrenos secundarios, e mais extraordinario ainda, por assentarem sobre os stratos com ġe- lemnites e pentacrinites do periodo oolitico, acompanhados da flora exclusivamente da Aula, a mesma que caracterisa as bacias de New- castle, de Sainte Etienne, Valenciennes, etc. No nosso paiz tambem as forças geradoras do carvão do grande periodo oolitico tomaram dimensões sensiveis , representadas nas se- ries carboniferas do Cabo Mondego, de Valverde e Cabeço de Veado, situadas no andar superior do oolite medio, e sobre tudo na serie carbonifera do oolite superior, á qual pertence o deposito da Batalha. Porém antes d'entrar na descripcáo especial desta ultima serie carbo- nifera, a qual faz o objecto da presente Memoria, darei uma idea ge- ral dos caracteres geologicos e mineralogicos da formação continente e da sua extensão, conhecimento que julgo indispensavel para a me- thor apreciação das condições do deposito carbonifero que nos vae oc- cupar. A serie carbonifera do Cabo Mondego apresenta-se entre os cal- careos, que em stratificação concordante assentam sobre as camadas caracterisadas pelos ammonites Brongniarti ; macrocephalus , bulatus Phicomphalus, ete. ; tendo apenas no muro um banco de calcareo gros- seiro com polypeiros e ostras, e no tecto uma camada de gres. Por cima desta camada de grés, tem já desapparecido os moluscos cepha- lopodes, os quaes são substituidos por abundantes bivalves do genero mytillus beirenses, a terebratula perovalis, o isocardium excentricum, a pholadomia concentrica, e a perna mytilloides ; todos fosseis do voli C) A. Burat. De la Houville, 6 TERRENOS ANTHRACIFEROS te medio. Entre estes estractos calcareos, caracterisados por este ul- timo grupo de fosseis, ë que se encontram as camadas de carvão de Cabeço de Veado e Valverde que aflora entre o Mondego e Alcanede, a 100 kil. do Cabo Mondego, por onde se mostra a sua contempo- raneidade. Sobre estes calcareos assenta concordantemente uma forma- ção arenaceo-argilo-calcareo, com um aspecto petographico, bem diffe- rente do das rochas que lhe estáo inferiores, e caracterisada por fre- quentes afloramentos carbonosos nas porções que estão a descoberto e já observadas nos concelhos de Pombal, Leiria, Batalha, Porto de Moz, Alcobaca, Peniche, e Cezimbra. A formacáo que acabo de indicar corre na extensáo de 170 kil.; desde o Cabo Mondego e Buarcos, até ao Cabo de Espichel, offere- cendo do Poente a Nascente uma largura variavel de 20 a 40 kil. Esta larga zona está longe porém de se achar descoberta, ou de apre- sentar-se d'um modo contínuo em toda a extensão superficial indica- da; em um grande numero de logares é coberta na maior parte pe- las formações do terreno ‘cretacco inferior, superior do periodo tercea- reo, e pelo pos-terciareo ; em quanto que n'outros vê-se deslocado por largos afloramentos das formações do oolite medio, inferior, e do Lias. Além da posição geognostica, e das relações stratigraphicas desta formação com aquella que lhe está inferior, é ella ainda caracterisa- da por abundantes restos organicos, entre os quaes se encontram 0s seguintes fosseis ANIMAES. VEGETARS Trigonia — Luzitanica Licopodyte — williansonis » muricala Equiretum — columnare » costata Sphenopteris — arguta Cyprina — sæcuriformis » hyminophylloide Corbula — edwardi Apiocrinites — rosaceus Nerita — turbinata » elongatus » bicornes Muitos ossos de reptis Terebratula — obconica » perovalis Mytillus — beirensis Perna — mytilloides » polita » luzitanica » rugosa Esplanaria — lobata » alveolaris Meandrina — soemmeringii Astrea — tubolosa » gracilis E CARBONIFEROS. 7 Encontram-se outros muitos vegetaes similhantes á eystoide € cre nata: de Lindsey; uma especie de zamia euma porcáo de tronco con- vertido em lignite com cicatrizes circulares dispostas por series, com um ‘tuberculo no centro de cada uma, assimilhando-se na parte onde ainda conserva a epiderme a gillaria exagona de Brog. O terreno cretaceo inferior, designado por Daniel Sharpe por sub- eretaceo, cobre immediatamente esta formação desde Buarcos e Fi- gueira, em Soure, Pombal, Leiria, Caranguejeira, Alcanede, Rio-Maior, Cercal e Torres Vedras; é caracterisado na parte mais inferior por grés incoherentes, com uma stratificação mal definida, córes muito claras e frequentemente variegadas, ou manchado em vermelho e amarello ; em quanto que as camadas do grés da formação do oolite superior com o qual está em contacto e parece confundir-se muitas vezes, apresentam sempre uma stratificação muito mais regular e contínua, e mesmo alguma uniformidade nas córes, em geral mais carregadas. E” verdade que estes caracteres estão muito longe de con- duzirem a uma concludente determinação de terrenos se por ventura eu os considerasse isoladamente; porém como concorrem com o ca- racter zoologico de um modo aliás bem definido eapreciavel, estabe- lecem todos elles uma separação natural entre os referidos terrenos. Com effeito na serie de camadas arenaceas que acima indiquei em ul- timo logar, vêem-se interstractificadas muitas camadas de calcareos e de marnes: encerrando os fosseis indicados a pag. 249: em quanto que fazendo parte da formação arenacea mais superior observam-se, na Figueira, entre Monte-Mor e Coimbra, no Sargento Mór, em Sou- re, nas visinhanças de Pombal, na Caranguejeira, em Alcanede, e n'ou- tros diversos: logares, muitas camadas de calcareo com um aspecto absolutamente distincto do precedente, e contendo a Werinwa cilin- drica, N, conimbrica, o Pecten æquicostatus e P. quinquecustatus ; a Exogyra conica, E. columba; o Tylostoma ovatum: T: globosum, T. punctatum, e torrubiæ, e outros muitos fosseis; sem que todavia muma qualquer destas series concorra uma só especie de conchas das que se obseryam na outra serie. As considerações que acabo de fazer authorisam-me por tanto a classificar a formação que contém o carvão da Batalha como perten- cente á parte mais superior do nosso terreno oolitico, embora aquelle geologo na sua memoria sobre os terrenos secundarios de Portugal (+) classificasse uma parte d'ella como subcretacea , referindo a esta (*) Quarter y Journal of the Geological Society of London for May 1850, vol. VI 8 TERRENOS ANTHRACIFEROS. época parte das especies fosseis que acima deixo apontadas, por se acharem associadas a outras que em latitudes differentes das nossas se teem encontrado nas camadas do cretaceo inferior. Tomando pois a formação do nosso oolite superior no seu estado mais complexo, podel-a-hemos dividir em dois andares — o superior — distinguindo-se pela abundancia do elemento arenaceo e argilo-ferru- ginoso, pela presença da mica, pelos conglomerados e pondingues calcarco-arenaceos, pelos poucos restos organicos, e pelas cores aver- melhadas das rochas arenaceas, e as averdoengadas e vermelhas das argilas—o inferior—caracterisado pela abundancia dos despojos orga- nicos e pela presença do carvão disseminado debaixo de differentes fór- mas, pela ausencia de calcareos finos e compactos, pela abundancia de argilas e marnes micaceas, pela côr acinzentada das suas rochas, e pela presença frequente, mas não obrigada, dos marnes gypsosos € asphalticos, calcareos negros bituminiferos, brechiformes e cavernosos, pelas fontes mineraes etc. Não tendo maior relação com as condições especiaes do deposito carbonifero, os caracteres mineralogicos mais particulares do andar superior, prescindirei da sua enumeração, € passarei a descrever o andar inferior : este andar na ordem ascenden- te é composto do: modo seguinte (fig. 1.º): 1. — Grupo, Argilas marnosas , micaceas, cinzentas e roxas, al- ternando com camadas de calcareos granular micaceo, cinzento, Con- tendo foraminiferos ; e camadas de grés fino micaceo ligeiramente schistoso : assentam todas estas camadas immediatamente sobre o calcareo fino e compacto, branco amarellado, com pectens, corbulas, modiolas etc. do oolite medio. Este grupo encerra nos marnes terro- sos duas camadas delgadas de lignite d'alguns centimetros apenas, € rins de ferro argiloso. 2º — Grupo, Bancos de calcareo argilo-ferruginoso ocraceo, alter- nando com camadas de marnes cinzentos micaceos com structura li- geiramente schistoide. Nestes dois grupos observam-se os generos Ne- ritas, Neritina Terebratula, Pernas, Cyprina, Corbulas, e outros dos designados a pag. 249. 3º — Grupo, Bancos de polypeiros dos generos Astrea, Splanaria, Meandrina, Apiocrinites, e outros, alternando com marnes micaceos. Os ramos dos coraes são de spatho-calcareo, e os intervalos de um calcareo granular ferruginoso acastanhado. Neste grupo abundam as Pernas, e ha bancos d'Ostras alternando tambem com os dos po- lypeiros. 4.º — Grupo, Camadas de calcareo argiloso cinzento amarellado, E CARBONIFEROS. 9 com frequentes impressões de caules e de fragmentos vegetaes; al- ternando com marnes argilo-micaceos acinzentados, mais ou menos carbonosos, e manchados de amarello trigueiro; argilas carbonosas micaceas com impressões de caules; duas camadas de lignites , em algumas partes representadas por paus fosseis cór de castanha escuro ou anegrado; e quando convertidos em lignites deixam ver na su- perficie series de cicatrizes circulares, com um tuberculo no centro, o qual specimen muito se assemelha á sigilaria hexagona, como já re- feri; camadas delgadas de calcareo cinzento granular com abundan- tes fragmentos de conchas, quebradas antes da fossilisação. 5.º — Grupo, Argila cinzenta, micacea carbonosa ; camadas for- madas de calcareo e de ferro carbonatado, de fractura escamosa com fendas de retracção cheias de spatho calcareo branco, formando a se- ptaria. Camadas formadas de rins de calcareo ferriferó cobertas de capas ocraceas, e acompanhadas de rins de actite ou ferro argiloso. Estes nodulos e rins que se mostram de todas as grandezas, acham-se regularmente distribuidos n'uma argila escura que lhes serve de pasta, e que contém septarias pequenissimas, e sementes de vegetaes fossilisa- das. Algumas camadas de calcareo cinzento granular com /oraminife- ros, com fragmentos carbonosos implantados na sua massa, e alternan- do com as argilas e os nodulos já descriptos neste grupo. Tres ca- madas do lignite de 0”,0 5 a 0”,15, intercaladas com marne cin- zento anegrado ligeiramente schistoso, contendo abundantes bival- ves inclassificaveis de 0",06 de comprimento; e conchas univalves, muito semelhantes ás paludinas, ás valvatas, ás lymnæas etc. En- contram-se tambem nas argilas que contém os nodulos, e, naquellas que com estas alternam, fragmentos de costellas, de humerus, e de vertebras de grandes dimensões. Termina este grupo por uma camada de grés ferruginoso com cavidades cheias de sulphureto de ferro em alteração. 6.º — Grupo, Camadas d'argilas-micaceas, com modulos de car- bonato de cal e de ferro com septaria , nodulos de calcareo argiloso ferrifero ; e camadas de rins de aétite alternando com outras de cal- careo cinzento com foraminiferos. 7. — Grupo, Camadas de calcareo argiloso cinzento escuro com abundantes fragmentos carbonosos ; calcareo silicioso granular com fo- raminiferos, e caracterisados pela Terebratula perovalis, a Apiocrenis- tes rosaceus © A. elongatus; espinhos d'oricos; Ostras; a Trigonia muricata, T. costata,e outras especies bivalves. Camadas de marnes muito micaceos e schistoides, de côr negra carbonosa, alternando MEM. DA ACAD.— 1." CLASSE T. Il. P. II, 2 10 TERRENOS ANTHRACIFEROS com argilas micaceas schistoides anegradas,' assemelhando-se immen- samente ás psamites do terreno da hulla de S. Pedro da Cova. Na parte média deste grupo, proximo dos stractos que contém as trigonias, apparecem os marnes schistoides muito carbonosos ; encon- trei-os muito desenvolvidos nas ravinas que de Céla de Cima vão ter ao valle das Alcanadas a N. do lagar do Crespo; e tambem na meia vertente do monte de S. Sebastião (vide a planta); suspeito muito que estas camadas sejam bituminiferas, e possam vir a ter no futuro um util emprego na industria. 8.º — Grupo, Serie carbonifera propriamente dita, tomada no Chão preto (Est. 2.º, fig. 8.) a — Argila micacea schistoide carbonosa com nodulos de car- bonato de cal e ferro com sepraria............... 1”,0 4 — Schisto carbonoso com laminas de carvao,..........- 0%7 c — Argila schistoide carbonosa....... perdita 4 0",8 d — Schisto carbonoso com laminas de carvão... ......... 12,0 e — Carvão com laminas de argila schistoide............ 1%05 / —Calcareo argiloso........... EUA in ah 072 g — Carvão com laminas de argila...... Ao amie ab h — Schisto carbonoso com grossas laminas de carvão, e bar- ras lenticulares de calcareo argiloso, tendo até 0”,2 de pPossafiça?. «ADM VALSE ER BE SRO, di i — Carvão em grossas lminas; alternando com carvão sto toide, e com barras delgadas de calcareo argiloso len- im. ar canina rentes 4910 k — Argila schistoide carbonosa.. :..................4. 1,0 / — Carvão schistoide alternando com khna de schisto car- BotibsgRa ampia pia, uma tE ANART shakin aba 1,0 m— Argila cinwenta com conchas univalves de agua doce.. 1,3 2 — Duas camadas delgadas de carvão schistoide com argila tambem schistoide tendo ao todo.. ............ 07,6 o — Camadas de argila, e tecto de calcareo granular silicioso. O mesmo grupo tomado no Poço de pesquiza denominado do Rino da: '— Schi fami arvà «! — Schisto carbonoso com laminas de carvão , algumas com a grossura de 0”,06 a 0º,1 DIRA PA pra Carvão sas, | A dom abate fatali > cai pel e! — Calcareo carbonoso com muitas impressões de caules, e fragmentos carbonosos............. «WM. 280 07,4 OA COLS seso, 409... ch eine ca aspira ORGA E CARBONIFEROS. il d' — Argila schistoide com conchas univalves de agua doce.. 1”,59 /" — Carvão alternando com laminas d’argila............ 0",50 g' —Calcareo argiloso com impressões de caules. ........ 07,41 A’ — Sehisto carbonoso com laminas de carvão. . ......... 17,99 i" — Carvão com laminas de schisto,, .........,...... 07,60 k'— Calcareo argiloso cinzento anegrado com impressões de calas»: asta gua» + cortada pt NR (Ia DiS == Sehisto;cennhonoso, anja esnobe ici lina sly eee sete DEDO wa se Gatviolak on. iis ea y RSR AR OO: Esta ultima camada está em parte denudada, por se achar muito descoberta á flor da terra. Se compararmos agora os caracteres e factos geologicos, e os ca- racteres mineralogicos que respeitam ás formações do nosso oolite medio e superior, reconheceremos differenças notaveis, que revelam mudanças extraordinarias nas condições physicas das nossas latitudes entre as duas épocas a que ellas se referem. Em primeiro logar no- taremos, que o calcareo de structura oolitica largamente desenvol- vido na formação do nosso oolite medio, e bem assim o calcareo compacto, e os calcareos marnosos, todos com côres claras, consti- tuindo o complexo das rochas desta formação, desapparecem repenti- namente na passagem para a formação superior; o elemento calcareo continua é verdade no andar inferior do oolite superior, representado nos marnes terrosos, e nas camadas de calcareo granular com fora- miniferos, mas todas com diversa structura, de côres escuras, e em toncorrencia com o elemento argiloso, separado, ou em mistura, e este n'uma proporção igual ou maior á do mesmo calcareo. E' só como excepção, que para os lados de Pombal e ao longo do caminho que desta villa vae 4 freguezia de Abiul por Outeiro Gale- go, se vêem as rochas marnosas do andar inferior, tomarem pelo en- durecimento um caracter mais analogo aos calcareos do oolite medio sem se estender a grandes distancias. O elemento arenaceo-silicioso completamente ausente ou exclui- do do oolite medio como rocha, além de ser representado por diver- sas camadas no andar inferior, é arocha predominante do andar supe- rior do nosso oolite superior na maior parte das. localidades onde tenho tido occasião d'observal-o. A mica tambem completamente des- conhecida nas formações inferiores, apparece como um novo elemento nos dois andares do oolite superior, e numa proporção tal, que por si só poderia caracterisar mincralogicamente esta formação. O ferro, semelhantemente desconhecido nas referidas formações immediata- 2 * 12 TERRENOS ANTHRACIFEROS mente mais antigas, manifesta-se largamente no oolite superior, já disseminado pelas rochas, já em coneregdes com outras substancias, dando origem a camadas repetidas. Emfim a differença do caracter lithologico e petographico entre as duas formações do oolite medio , e superior é tal, que a pessoa menos habilitada em geologia, não dei» xará de notar á primeira vista o contraste que oflerecem os aspe- ctos e feições das suas rochas, a differença de fórmas que dão ao re- levo do solo, e a differença d'altitudes a que chegam estas formações. Por outra parte, posto que não seja facil, nem talvez possivel, marcar uma linha continua que represente rigorosamente à primiti- va costa que limitava o Oceano na épocha do oolite superior nas nos» sas latitudes, comtudo são evidentes um grande numero de pontos, não distantes desta formação, que deviam estar a sécco naquella mesma época. As camadas do teeto do carvão do Cabo Mondego com o Isocardium excentrico e o Mytilus beirenses mostram-se no alto da Serra d'Aire, proximo ao caminho de Torres Novas a Ourem, e bem assim na Caranguejeira, em Valle Maior, e em Valle de Sumo, no caminho de Leiria para Aldéa da Cruz, onde são immediatamente cobertas pelas arenatas e calcarcos mais antigos do cretacco inferior. Em Mogadouro, no concelho de Ancião, e no caminho do Ra- baçal para à Preza, reconhece-se o calcarco oolitico e o calcareo com- pacto do oolite medio, cobertos das mesmas rochas do cretaceo info- rior, sem que appareça por estas localidades o mais remoto indicio das rochas do oolite superior: emfim , examinando o limite natural desta ultima formação pelo lado oriental, veremos que elle atraves, sando o Tejo em Villa Franca, segue um pouco ao nascente de Alem- quer, Alcoentre, Alcanede, Porto de Moz, Reguengo, até à Senhora do Monte a Éste de Leiria; deste ponto internando-se para o Nas- cente, dobra depois d' Abiul em direeçäo a Pombal, encaminhando-se por Soure a Buarcos até metter no Oceano actual, como se as ver- tentes das serras de Anciáo, e Sicó, (todas formadas de calcareo do oolite medio) tivessem servido de barreiras ao mar daquella época. Por tanto lançando sobre uma Carta estes limites, e bem assim aquel- les do oolite medio, cuja linha é facil determinar em grande numero de pontos, conhecer-se-ha de um modo evidente que as costas mari- timas das nossas latitudes soffreram um grande recuo para o Oeste na transição das duas formações. Este grande phenomeno devendo nar turalmente influir nas estações dos individuos que habitavam as aguas oceanicas na nossa latitude, traria comsigo modificações mais ou menos notaveis no numero e na variação das especies vivas do oolite x E CARBONIFEROS. he: 15 medio. Estas modificações porém não seriam profundas, uma vez que as condições do meio em «que habitavam não soffressem tambem grandes alterações ; mas como com a: mudança da posição geographica da costa mudou tão consideravelmente o caracter mineralogico das rochas entre as duas formações, como já notei; isto é, alteraram-se d'uma maneira extraordinaria a posição, extensão, e condições das respectivas bacias hydrographicas que forneceram os elementos cons- tituintes das rochas das duas formações referidas, e por consequencia as condições climatericas da região ; os caracteres zoologico e botanico do oolite superior deviam tomar, como effectivamente tomaram, fór- mas muito diversas das que tinham no oolite medio: com effeito os generos Pecten e Venericardium, por exemplo, que com frequencia se mostram nas rochas do oolite medio, não se encontram no oolite su- perior : a especie Pholadomyia concentrica tem igualmente desappare- cido, assim como algumas raras especies de Pernas e de Trigonias têem sido substituidas pelas acima enumeradas e por outras: as espe- cies neria turbinata, e bicornis; a Cyprina seecuriformes e a Corbula eduwardii; os generos Neritina e Ciritium, todos desconhecidos no oolite medio, apparecem pela primeira vez nas rochas do oolite supe- rior. As Paludinas, as Lineas, as Valvatas e outros generos d'agua doce, são, além de generos absolutamente novos, a indicação mais no- tavel do contraste entre os phenomenos da vida, e as condições phy- sicas da região nas duas épocas comparadas. Os vertebrados, desco- uhecidos em todo o nosso terreno do oolite medio e inferior, appa- recem nas argilas que acompanham o ferro do oolite superior, como complemento demonstrativo de uma grande mudança: na geographia physica de nossas latitudes e o apparecimento de nova ordem de phe- nomenos. Só a Terebratula perovalis, a Rinchonella astieriana, e 0 My- tilus beirensis foram, até onde tenho podido observar, as unicas espe- cies privilegiadas, que atravessaram incólumes as notaveis vicissitudes que presidiram á transformação da vida animal na passagem das duas citadas formações. Finalmente a Zamites gramminea, que com tanta abundancia se mostra no carvão do Cabo Mondego, desapparece no oolite superior, onde é substituida por outra especie de Zamite acom- panhada de uma flora nova, comprehendendo não pequeno numero de especies, parte das quaes já deixei referidas, e todas caracteristi- cas das formações ooliticas do Occidente e Norte da Europa. Se agora tivermos presente todos os factos descriptos nesta Me- moria, os compararmos entre si, e os interpretarmos devidamente, conhecer-se-ha na promiscua natureza chimica e mechanica dos de- 14 TERRENOS ANTHRACIFEROS positos do andar inferior; na presenca dos reptis, e nas camadas com fragmentos de conchas quebradas antes da sua fossilisacio; nas cama- das de polypeiros e de foraminiferos; na frequencia dos despojos ve- getaes, especialmente de caules com os orgãos exteriores mui bem conservados e envolvidos nas argilas, marnes e calcareos argilosos ; na concorrencia dos molluscos d'agua doce; na repetição das camadas com o carbone dissiminado ; nas lignites e nos páus fosseis no meio das argilas; não só os caracteres mais significativos, mas as provas mais evidentes, de que as costas occanicas e as respectivas praias d'estas paragens, durante a formação do oolite superior, eram extre- mamente baixas, cobertas por laminas d'agua de mui pequena altu- ra, e com a indole pantanosa, onde em partes, e por longos periodos talvez, predominou a agua doce, e nas quaes se fez sentir imme- diatamente os efleitos alternativos de tranquilidade e agitação clima- tericas, bem manifestados nas camadas de grés mais ou menos gros- seiros, e pelas camadas d'argilas finas, os marnes e outros sedimentos analogos, no numero dos quaes entra o carvão que parece correspon- der a um longo periodo de quietação. Mr. Amedée Burat, Engenheiro de Minas, e Professor de Geo- logia e Montanistica na Escola Central de Paris, e que mui espe- cialmente se tem dado ao estudo dos depositos de combustiveis mi- neraes, diz na sua obra intitulada « De la Houille a pag. 117 e118» — Les formations carbonifères supérieures au terrain houiller n'ont aucun caractèr spécial. Elles sont generalement composées de ro- ches, calcaires et argileuses quelque-fois de schistes peu délayables, bien distincts des schistes houillers en ce qu'ils ne sont pas micacés, Le calcaire, surtout, donne a ces formations carboniferes modernes un caractère tout particulier, qui avait conduit les anciens minéra- logistes á designer les lignites par la dénomination de — houilles des calcaires. — Eu não sei a causa porque a mica é um elemento obri- gado das rochas pertencentes ás bacias da hulla, e a sua ausencia nos depositos carboniferos do periodo secundario deva ser um carac- ter; o que se sabe é que a mica em quaesquer dépositos de sedimen- tação mecanica só póde provir da desintegração das rochas graniticas que formavam parte das costas ou das bacias hydrographicas respec- tivas; sendo talvez provavel que as extensões superficiaes do Globo cobertas de rochas desta natureza, plutonicas ou metamorphicas, fos- sem menores na época da hulla, do que na do periodo jurassico. Como quer que seja, é facto corrente a ausencia da mica nos depositos car- boniferos secundarios da Europa, inclusivê nas rochas que acompa- E CARBONIFEROS, 15 nham o nosso carváo do Cabo Mondego, e de Valverde; em quanto : que no deposito de carvão de jurassico superior da Batalha, apresen- ta-se o caso unico da mica entrar como elemento constituinte das ro- chas, como succede no terreno da bulla ; sendo para notar a grande similhança que existe na feição d'algumas argilas e marnes micaceos que estão por baixo do carvão da Batalha, com as psamites carbono- sas € cinzentas da hulla de S. Pedro da Cova, como já observei em outra parte, identicas nos seus caracteres mineralogicos ás psamites das outras bacias carboniferas da Europa. O ferro carbonatado lithoide, mais ou menos argiloso ou calca- reo, é considerado tambem como um caracter distinctivo das bacias da hulla, apparecendo mui raramente nas formações carbonosas mais recentes ; diz Mr. A. Burata pag. 118 do citado livro — Lorsque les formations qui recouyrent immédiatement le terrain houiller, comme celles du trias et du lias dans le midi de la France, renferment de petites couches charboneuses, le terrain offre souvent une sort de répétition des caractères houillers: ainsi, les argiles schisteuses en contact avec les couches charboneuses , sont plus ou moins bitumi- neuses, et contiennent des nodules de fer carbonate ; telles sont celles du trias a Saint Nizier (Saóne-et-Loire), et du lias dans les environs de Milhau. — Por tanto se a representacio dos caracteres mineralo= gicos peculiares das rochas da hulla, se manifestam em alguma for- mação carbonifera secundaria, é porque esta assenta immediatamente sobre a hella. Não se dá porém esta circumstancia na formação carbonosa do oolite superior do nosso paiz, e no entanto os nodulos de ferro carbo- natado argilo-caleareo, que se encontram no carvão da Batalha, e nos outros pontos deste andar, são em mui grande abundancia. Final. mente as rochas d'uma bacia da hulla, são sempre mais ou menos cinzentas e anegradas, segundo a sua visinhança ao carvão, e a ri- queza absoluta do deposito ; semelhantemente vemos na nossa forma- ção carbonifera da Batalha, dominarem as córes cinzentas e carbono- sas, desde a base até á distancia de 150" dos afloramentos do Chão Preto, onde já as rochas se mostram tão negras pelo carvão dissimi- nado, que fizeram pesquizas sobre ellas na espeperança de encontra- rem carvão, ou de verem estas rochas passarem a combustiveis. Se aos factos e consequencias a que mais acima cheguei, se jun- tarem as considerações que acabo de fazer, concluir-se-ha que na época do nosso oolite superior, deram-se as condições favoraveis á produção do carvão, e de um modo inteiramente semelhante ás que tiveram 16 TERRENOS ANTHRACIFEROS logar na época da hulla, e em geral em todos os depositos carboni- feros dalguma importancia. SEGUNDA PARTE. O. movimentos do sólo occorridos posteriormente ao periodo ooti- tico foram por extremo sensiveis e variados, imprimindo nas forma- i | ções anteriores e na constituição do nosso sólo mui profundas modi- ficacóes, A elevação da Serra de Montejunto; a das Serras d’ElRei entre Peniche e Obidos; a do Bouro entre Caldas e S. Martinho, todas de calcareo do jurassico medio; as emmersdes dos calcareos liasicos e jurassicos de Nazareth á Vieira; de Maceira a Leiria na es- trada da Nazareth ; nas visinhanças de Leiria e de Porto de Moz; as emissões de rochas volcanicas da Nazareth, Porto de Moz, Leiria, e Monte Redondo; as denudações consequentes de todos estes movimen- tos, foram outros tantos phenomenos que determinaram mui largas e repetidas deslocações na formação do oolite superior, subdividin- o do-a em retalhos de todas as grandezas, arrebatando grande parte das suas massas, tanto em extensão superficial como em possança. Por ou- tra parte sendo esta formação immediatamente coberta pelos mares cretaceos das nossas latitudes, as rochas depositadas durante este ul- timo periodo, e que as denudações subsequentes tem respeitado, mas- caram consideraveis extensões da mesma formação. Limitando-me porém á ennumeração sucinta dos phenomenos que mais strictamente dizem' respeito ao andar inferior do oolite superior, nas partes onde se encontra nos concelhos de Porto de Moz, Batalha, | Leiria, e Pombal, e á influencia que elles exerceram no deposito car- bonifero, passarei a descrever as condicóes em que encontrei este mesmo jasigo em cada uma das localidades nomeadas, sua importan- cia e riqueza provavel. O andar carbonifero (como o denominaremos d'aqui por diante) do oolite superior em Porto de Moz, é um mui pequeno retalho-li- mitado ao Poente pela Serra da Pevide, ou da Cabeça gorda, extremo E: CARBONIFEROS. 17 N da Serra de Rio-Maior e Molianos, todas formadas de calcareo do oolite medio, e pelos afloramentos desta ultima formação que se manifestam em toda a planura que se estende da Corredoura aos Carvalhos e a S. Jorge. Este limite porém, longe de ser o limite natural que ahi presidiu no acto da sedimentação, é ao contrario o labio de uma des- locação devida ao levantamento dos calcareos do oolite medio, a qual separando para o Occidente a maior parte de toda a formação do oolite superior que se vé occupar toda a zona que vae de Troquel e Alju- barrota até ao Atlantico, deixou encaixado aquelle pequeno retalho entre as montanhas de Porto de Moz. Pelo lado do SE e Nascente é este resto de deposito limitado pelas montanhas de calcareo do oolite medio e inferior que se erguem dos sitios da Ribeira e Desterro, para Serro Ventoso, Penhascos d'Alcaria e Alvados ; e pela Serra Gallega, a qual correndo de ,S para N pelo Alqueidão, Reguengo, Torre, é Fon- tes, vac terminar ao Nascente de Leiria. Para o sul bifurca-se este retalho junto á capella do Desterro, em duas insignificantes fachas de rochas estereis; uma que vae ter ao Figueiredo na direcção da Por- tella de Valle de Espinho, e que em outras datas ligava com um ou- tro retalho da mesma formação que passa ao Enxertinho proximo d'Alcanede ; e a outra dirige-se pelo Livramento até ao campo d'Al- vados corh uma solução no sitio da Volta da Cal (vide planta). Deste modo o andar carbonifero em Porto de Moz vem a achar- se limitado por uma linha tomada 1800” a O de S. Jorge, e que passa pelos sitios da Corredoura, Carvalhão, Jardim, e Coração de Judas; desapparecendo em toda a extensão entre este ultimo ponto, e a ri- banceira fronteira onde assenta o povo do Tojal — provavelmente por ter sido uma parte engolida na falha que determinou o valle do Le- na, e a outra achar-se coberta pelas rochas mais modernas, e conver- tida por metamorphismo nas rochas d'aspecto dioritico que se en- contram entre o leito do rio,e o já mencionado povo do Tojal — (vide córte fig. 2). Comtudo se o andar carbonifero de Porto de Moz, se tivesse conservado tão regularmente desenvolvido como se observa n'outros pontos, poderia conter um deposito de carvão apreciavel e até importante. Não succede porém assim : dos oito grupos que cons- tituem o andar que acima deixo descripto (vide córtes de numeros 1 a 5), o oitavo está completamente denudado; do setimo apenas ap- parecem algumas camadas de calcareos grosseiros granulares com e%- crinites,e espinhos d'owricos, e só os mais inferiores é que se acham representados desde o povo da Ribeira, até ao Coração de Judas, mas. não d'um modo complexo e normal; porque além de estarem rotos MEM. DA ACAD.—1." CLASSE —T. II. P. II. . 3 18 E TERRENOS ANTHRACIFEROS pela zona das diorites que vem do Cabeço dos Tojos e Livramento pelo Outeiro da Forca, Castello de Porto de Moz, Cóvas, etc., foram em grande parte alterados por estas emissões volcanicas, e converti- dos em calcareos cavernosos, fragmentares € brechiformes, e em mar- nes gypsosos TOXOS € acinzentados. Por tanto o carvão que aflora em Porto de Moz, (fig. 3, 4 € 5) pertence ao 4..e 5.º grupos, aliás bem caracterisados por estarem cobertos. pelas camadas com espinhos d'ou- ricos, incrinites, rinchonellas, vins de calcareo e de ferro, fragmentos d'ossos de reptis, e por assentar sobre o 3.º grupo caracterisado pelos polypeiros. As camadas de carvão que se acham dentro da area que ulti- mamente indiquei nas visinhanças de Porto de Moz, falta-lhes a con- tinuidade necessaria para tornar a sua lavra: proveitosa: do Carva- lhão e Sardanita até ao Majolo, (vide planta) apesar de contorsidas offerecem alguma continuidade nos seus planos de stratificação, diri- gindo-se entre o NNO e o NNE e inclinando-se de 8 a 20º para o Nascente ; mas junto ao caminho que vae da Corredoura á villa de Porto de Moz, são interrompidos pela emmersio do calcareo do oolite medio, e pelas rochas volcanicas. Mais ao Nascente reapparecem as mesmas camadas nos sitios das Cóvas e Capella, para logo acabarem mais adiante no sitio do Currial. Ao Nascente apparecem os afloramentos carbonosos da Volta da Cal e Perrechil, sem importancia absolutamente nenhuma, em conse- quencia das camadas estarem interrompidas pela emmersão dos calca- reos metamorphicos do lias que formam as penhas que vão ao Cas- tello d'Alcaria, e por terem sido denudados. Em toda a orla do Nascente que vem do Cabeço dos Tojos ao Outeiro da Forca, e villa de Porto de Moz, náo ha o mais insignifi- cante indicio de carvão, encontrando-se todas as rochas do andar al- teradas pelas emissões interiores; e só no Sitio do Jardim é que aflo- ram de novo as camadas carbonosas que vão ao outeiro do Coração de Judas, onde terminam. x Quanto á continuidade das camadas no sentido da inclinação ou da profundidade, basta advertir na posição destas mesmas camadas com relação ás rochas metamorphicas e volcanicas, e á emmersão dos calcareos do jurassico medio, que a cada passo alteram e rompem: o andar carbonifero de Porto de Moz, para não haver garantia alguma da sua extensão n'este sentido. As camadas que afloram nas Cóvas, são as mesmas que se acham: cortadas proximo de Sardanita (figuras 3 e 4) e as que se encontram no Jardim; de modo que estão divi» E CARBONIFEROS. 19 didas em retalhos pequenos sem importancia notavel para a industria. Pelo lado de possanca das camadas de carváo de Porto de Moz, náo ha compensação alguma, porque estas camadas em numero de tres, apresentam-se com uma structura lenticular, nas quaes a maxima grossura a que attingiram nas pesquizas que alli se fizeram foi de 0”,3 pouco mais ou menos, para depois passarem a 0",05 e menos: este carvão alternando com camadas delgadas de calcareo e de schisto carbonoso, tambem de structura lenticular, e como formando especie de barras, passa a estas rochas, e reciprocamente, dentro de pequenos espaços, sem que o carvão exceda além da possança de 0”,3. Só no Jardim é que as camadas do schisto carbonoso tem a possança proxi- mamente de 1",0 e se carregam de laminas de carvão puro em qua- lidade tal que o tornam muito combustivel. O carvão do 5.º Grupo apresenta-se em Porto de Moz, como uma lygnite muito bem formada; em partes confundindo os seus ca racteres phisicos com os do verdadeiro carvão, isto é, tendo um as- pecto espelhado, uma structura rhomboedrica, de fractura transver- sal e brilhante, é um accidente devido ao metamorphismo ; mas as camadas do 4.º Grupo que afloram na quinta da Pevide, já offerecem os caracteres da lignite commum e do azeviche, Pela descripção feita reconhece-se, que a parte do deposito carbo- nifero em Porto de Moz, a começar no outeiro das Perdizes e campo das Frechas, até ao povo da Ribeira, ao Sul da villa, pouco ou ne- nhum valor tem. As camadas do Jardim, Majolo, e Sardanita, pode- riam ter aproveitamento n'alguma pequena industria local, como fa- brica de tijolos de louça, fornos de cal, etc., sendo lavradas as tres ca- madas juntas, como se fossem uma só, e procedendo depois á compe- tente escolha, se a sua lavra podesse fazer-se de uma maneira econo- mica ; mas como por um lado a lavra a ceu aberto seria dispendiosa por causa das expropriações, e por outra a lavra subterranea não va- lesse a pena pela irregularidade e pobreza do jazigo, parece-me que similhante carvão não póde ser aproveitado. Quanto ao afloramento do carvão do campo d'Alvados, uma le- gua ao Sul de Porto de Moz, e do qual tanto se tem fallado, reduz-se a alguns páus lignitosos apenas, sepultados nos marnes do 3.” Grupo, e cobertos pelos bancos dos polypeiros acompanhados d'algumas mui delgadas camadas de lignites. Neste sitio é o andar carbonifero repre- sentado por um pequeno retalho isolado em um valle cercado de montanhas calcareas dos terrenos liasico e oolitico, e sem importancia alguma (fig. 6). Ao lado do caminho que conduz daquelle ponto para 3% 20 TERRENOS ANTHRACIFEROS. a villa de Porto de Moz, e nos pontos denominados Volta da Cal, Per- rechil, e Livramento descobrem-se ainda insignificantes retalhos de marnes, e de caleareos, com amostras de carvão, pertencentes ao nosso andar carbonifero, e que hoje só servem de vestigios para marcar a primitiva continuidade e extensão do mesmo andar. Por esta oecasião mencionarei tambem outro afloramento carbo- noso, descoberto no sitio da Ferraria entre S. Jorge e Porto de Moz. Está por baixo d'uma argila trigueira avermelhada, e assentando so- bre outra muito ocracea, formando uma espessa camada ou massa com o aspecto da argila carburetada, e mesmo offerecendo aquelle da argila schistosa dos anthracites, o que não deixou de surprehender- me 4 primeira vista. Notando porém que a argila ocracea e trigueira pertence ás argilas quaternarias (?) que se encontram nesta localidade, e achando-se por assim dizer solidarias no mesmo jazigo com a argila carbonosa, e observando mais que estas massas são extremamente su- perficiaes e se acham contidas nas depressões dos calcareos do oolite me- dio que afloram em um sem numero de pontos visinhos, conclue-se que a argila carbonosa em questão é de transporte, e mui provavelmente resultante das denudações do andar carbonifero que lhe está perto. Considerando agora o andar carbonifero desde Porto de Moz até Leiria, vel-o-hemos estender-se por todo o valle do Lena, ora por am- bas, ora sómente por uma das margens do mesmo valle, do qual darei preliminarmente uma idéa geral desde a sua origem até Leiria. O valle do Lena começando no Zambujal do Livramento, 3 a 4 kilometros a SE do Porto de Moz, é formado por uma estreita fenda de margens aprumadas praticada nos calcareos do oolite medio (fig. 7); nas visinhanças desta villa abre repentinamente convertendo-se em um largo campo de falha (fig. 3, 4, e 5) coberto de rochas do andar carbonifero atravessadas por diversos cabeços de diorite; pro- longando-se assim para o Norte com o fundo coberto de detritos al- luviaes geralmente finos, onde predominam os marnes argilosos verme- lhos, o calcareo tufaceo, e em partes o ferro oolitico ou concrecionado, formando numerosas e ricas varzeas amenisadas pelas aguas do Lena Do leito maior deste rio surgem diversas collinas, como o Monte Cor- vos, os Picoutos, etc., formadas de rochas dioriticas, calcareos e mar- nes profundamente metamorphieos, com cristaes de piryte ferrica e com granadas, e em relação com ellas o gesso e as fontes salinas aflo- rando entre Porto de Moz e a Batalha. Estes accidentes dando uma forma irregular ao valle fazem variar a largura do seu leito, a qual em partes chega a 800”, e n'outras apenas tem 300” sómente. E CARBONIFEROS. at A margem que limita este valle pelo Poente ergue-se de 50 a 80” sobre o leito do rio, terminando superiormente em planuras mais ou menos continuas, onde está praticada a porção d'estrada real entre Aljubarrota e Leiria: as suas ladeiras são mais rapidas nos sitios onde predominam as rochas gresiformes e duras do oolite superior ; mais suaves quando a possança das arenatas e argilas ferruginosas do cretaceo inferior dão as fórmas ao sólo; e quasi aprumadas quando os calcareos do oolite medio afloram sobre a margem. Pelo Nascente eleva-se a margem direita deste valle, formada pelos contrafortes das Serras Gallega e do Alqueidão nas visinhanças de Porto de Moz; mas mais para baixo, affastando-se da parte alta da serra, corre para o Norte formada d'uma serie de collinas que se elevam até ao alto de S. Sebastião, uns 200" sobre o alveo do rio, d'onde começam a des- cer pouco e pouco pela freguezia da Barreira, e visinhanças de Lei- ria. Esta margem, geralmente divergente da outra desde Porto de Moz até um pouco adiante da Quinta da Cortiça, converge depois com à margem esquerda, formando em Porto Moniz uma estreita garganta (fig. 9) por onde o Lena se escapa para entrar n'um valle d'outra or- dem commum ás aguas do Lena e do Liz. Por entre as collinas que se destacam da serra para a margem direita do rio Lena ha uma nova disposição no relevo que determina a formação de dois outros valles, visivelmente parallelos ao daquelle rio, € com um ponto de partida commum no sitio de Rechida. Neste ponto separam-se as aguas para os dois valles correndo por consequencia em sentidos oppostos : as que se dirigem para o Sul vão entrar no Lena entre Porto de Moz e Batalha ; e as que vão para o Nor- te, isto é, os abundantissimos ólhos d'agua do Rechida e das Fontes que alimentam principalmente o rio Liz, correm no mesmo sentido das do Lena, com as quaes vão juntar-se abaixo de Leiria, como ja disse. Pelo que mais acima fica dito facil é de prever que o valle do Lena é o resultado de uma falha determinada pela injecção das diori- tes que se observam no mesmo valle. Com efeito percorrendo as mar- gens do Lena, desde antes de Porto de Moz até Leiria, encontra-se uma serie de outeiros ou collinas de fórma mamilosa ou conica, como o Cabeço dos Tojos, o outeiro da Forca, o outeiro onde está o castello de Porto de Moz, o outeiro das Frechas, o Monte Corvo, as Penhas, o Picoto da Batalha, o Picoto proximo a Gulpilheira, ete., todos elles formados de marnes e rochas volcanicas, e de calcareos mais ou me- nos profundamente alterados, e cuja stratificação e caracteres physi- cos differem dos das rochas que constituem as margens a que seacham e 22 TERRENOS ANTHRACIFEROS ligados, e mostram de um modo evidente que pertencem a uma For- mação mais antiga: Por outra parte observando o grau de inclinação das camadas em ambas as margens do rio Lena, geralmente para O e para OSO, reconhece-se que na margem direita, a começar nas camadas mais in- feriores do andar carbonifero, vão estas mesmas camadas tomando ine elinacóes sucessivamente maiores até ds visinhanças do rio, onde de ordinario são superiores a 30.º; em quanto que na margem esquerda mostram-se estas inclinações inferiores a 20.º Estas differengas não são acompanhadas de grandes: desnivelamentos apparentes em ambas as margens, porque, com quanto não os determinasse precisamente, ha uns pequenos retalhos de arenatas do cretaceo inferior na margem di- reita do rio, em posição um pouco mais elevada do que as correspon- dentes camadas da margem fronteira, cuja maxima differença de nivel que entre ellas se observa me pareceu não exceder a 10”. As relações es- tratigraphicas das margens e a apparição das rochas volcanicas, põe por tanto, fóra de duvida que o valle do Lena é um valle de denuda- ção, e cuja origem foi uma falha, como fica dito. Por outra parte o que parece tambem fóra de duvida é que na re- gião mais superficial a acção metamorphica da rocha volcanica que concorreu para este accidente, não estendeu o seu raio a grande dis tancia. As linhas de menor resistencia, ou os pontos onde a energia voleanica mais intensa se mostrou foram nas visinhanças de Porto de Moz, de Leiria, e proximo á linha da Costa entre a Nazareth e Monte Redondo: é nestes logares onde as influencias das emmissdes interio- res se veem traduzidas em maior escala na conversão dos marnes e calcareos, em marnes roxos gypsosos € asphalticos, em calcareos ne» gros bitumeniferos, brechiformes e cavernosos, em calcareos negros e com pactos, com alguns cristaes de feldspatho, e erystaes de pyrite ferrica, etc., sempre acompanhados da rocha diorite mais ou menos descoberta ; emquanto que nos pontos intermedios a Leiria e Monte Corvo, no concelho de Porto de Moz, a alteração é muito menos ex- tenca, manifestada apenas por calcareos e marnes, mais ou menos endurecidos, com algumas lamelas de ferro oligisto ; não se esten- dendo nunca além de um raio de 5 a 20”0. Nos Mendigos, perto do Chão preto, observam-se algumas pequenas zonas de marnes argilosos endurecidos e verdoengos, claramente. metamorphicos, contendo na ul: tima localidade alguns veeiros de ferro magnetico com crystaes dode- caedricos. Porém tanto estes pequenos indicios, como os afloramentos de rocha volcanica no Corvo, Alqueidão, Cabeço da Véa, Alto do Ra» E CARBONIFEROS. 23 coeiro, e Azoia, etc., pertencem a outra ordem de phenomenos de épo- ca mais recente. Estes afloramentos apresentam-se em dykes, de um metro a metro e meio de possança, sem terem produzido desnivela- mento ow mudanças apparentes no sólo visinho, e sem que a sua em- missão occasionasse metamorphismo apreciavel, nas rochas continen- tes do tecto e do muro, e apenas endurecimento das rochas contiguas, que não se estende além de alguns decimetros. Uma parte destas emmissões volcanicas, que assim teem rea- gido á superficie do sólo jurassico, deve ter levado a sua influencia so- bre as camadas carboniferas propriamente ditas : as mudanças de ni- vel, a alteração mineralogica, a intercalação das massas trapicas nos stractos etc., são as suas consequencias naturaes. A importancia po- rém d'estas influencias no regimen das camadas do carvão e na sua qualidade, não é possivel-avalial-a a priori; e quando muito só por um exame attento dos phenomenos manifestados 4 superficie do sólo, devidos á intervenção destas causas, interrogados em todos os seus detalhes, é que o observador poderá, até certo ponto, suspeitar o muito, ou pouco efeito que resultou daquellas influencias sobre as camadas de carvão. Cumpria pois emprehender alguns furos de sonda no valle do Lena entre a Batalha e Porto de Moz, como já aconselhei, os quaes, descendo até 150 e 200”, esclareceriam sobre a continuidade ou so- lução das camadas de carvão, e ácerea do seu estado. E' aqui occasiáo de observar que não ha em toda a Europa uma só mina de carvão da época da hulla, em que os porfiros não tenham exercido a sua acção n'uma escala sempre grande. As consideraveis falhas, ou regeição das camadas de carvão na bacia de Newcastle, e do paiz de Galles em Inglaterra, algumas das quaes vão até 148 pés; a solução, com longos intervalos, nas minas de Bonchamp, Sé- gure, Longpendue em Franca; a intercalação dos porfiros nas minas de La Combelle e Brassac; nas do paiz de Galles e Escocia; o car- váo no estado secco mais ou menos vitroso proximo ás zonas de con- tacto destes porfiros, sáo em todas ellas, accidentes frequentes, com 05 quaes sempre se conta em todas as minas, n'uma escala tanto maior, quanto mais antigo é o mesmo carvão, Tudo o que se póde dizer relativamente aos accidentes deste genero que devem ter affec- tado as camadas de carvão do valle de Lena, ao Norte de Porto de Moz, é, que o carvão na falha deve estar entre 150 e 200" de pro- fundidade abaixo do alveo do rio; que a falha fez subir as camadas na margem esquerda do mesmo ; que as paredes da falha devem mui fp Ss TERRENOS ANTHRACIFEROS provavelmente estar aflastadas e os intervallos cheios de fragmentos de rochas quebradas: que as diorites devem terse injectado, mais ou menos, pelas camadas carbonosas ; e que as reacções chymicas ou a alteração do carvão, (a avaliar pelos effeitos 4 superficie do sólo) deve estender-se, a uma distancia sensivel, além dos planos de contacto. O limite occidental do andar carbonifero não é conhecido ; escon- de-se elle por baixo das camadas do andar superior, que tambem é co- berto pelas formações do terreno cretacco : só proximo a S. Jorge é que se encontra um mui pequeno afloramento das rochas do 1.º e 2.º grupos, assentando sobre o calcareo do oolite medio; e bem as- sim na ingreme margem do Lena, junto ao alto do Veeiro, € proxi- mo de Leiria, assentando tambem sobre o calcareo do jurassico me- dio, e inclinando para o Nascente (vide córtes n.” 2 e 9). Nestes aflo- ramentos não se colhe o mais ligeiro esclarecimento ácerca da conti- nuidade dó 8.º grupo ou serie de camadas de carvão, nem mesmo dos grupos intermedios; na primeira localidade, porque são imme- diatamente cobertas pelas arenatas do cretaceo inferior que vão ao Tojal; na segunda porque a falha só deixa ver, na margem direita do rio, as camadas do andar superior. A O. do Veeiro e d'Azoia, no Brugal, e no caminho de Leiria á Nazareth, encontram-se repetidos afloramentos de rochas do oolite superior, mas pela maior parte co- bertas pelos terrenos do cretaceo inferior. Por consequencia a exten- são das camadas do carvão para o Poente é desconhecida : e qualquer que ella fosse primitivamente, está hoje interrompida ou denudada a O do Veeiro, e d'Azoia: emfim não ha um só facto que authorise a suspeitar dos seus limites para o Poente desde S. Jorge até 4 Azoia. Quanto ao limite oriental do mesmo andar, acha-se elle descoberto desde a Fonte do Oleiro até ao sitio das Fontes ; mas com uma grande solução, devida ao levantamento de uma lomba de calcareos do oolite medio pertencentes ás serras Gallega e do Alqueidão, que se estende até ao povo da Rechida. A emmersão da referida lomba separou um retalho do andar carbonifero, o qual encostado á serra desde as visi- nhanças das Fontes, vae pela Torrinha € Torre até ao Reguengo, onde termina (vide planta e córte n.º 1). Este retalho comprehende os seis grupos mais antigos do andar carbonifero, achando-se denudados. parte do 7.º e todo o 8.º ou o correspondente á serie carbonifera do Chão Preto ; de modo que, desde o Reguengo até ás visinhangas das Fontes, só apparecem as camadas de lignites, que como já dissemos pertencem áquelles grupos. Ainda assim estas lignites chegam a ter a possança de 07,5, mas com a circumstancia das suas camadas terminarem no ter- E CARBONIFEROS. 25 reno do oolite medio, a pequenas distancias dos respectivos afloramen- tos, ficando por consequencia sem valor algum apreciavel (córte n.º DE Percorrendo aquelle limite oriental junto á serra, observam-se as cama- das do andar carbonifero que se escondem por baixo dos arenatas e calcareos cretaceos d'Abbadia e Famalicão que cingem o pé, ou o ex- tremo Norte da serra que vem do Reguengo; todavia estas camadas náo se estendem muito para o Nascente, porque em valle de Sumo, no caminho de Leiria á Venda da Cruz, e na Caranguejeira a E de Lei- ria, véem-se aquellas mesmas arenatas pousarem immediatamente so- bre o calcareo do jurassico medio, como observámos já em outro lo- gar, sem a interposição d'uma só camada do referido andar. E° só para o NNE do districto que reapparece o andar carbonifero, nas Col- méas, em Spite, e em Pombal, como diremos para diante. Do outro lado da lomba do oolite medio, de que acima fallei, isto é, desde a Fonte do Oleiro até aos Mosqueiros, na meia vertente do Monte de S. Sebastião, apresenta-se o andar carbonifero a descoberto e no seu estado integral. Deste ultimo ponto para o Nascente, vae juntar-se perto da Rechida com o retalho correspondente que vem do Reguen- go á Torrinha, de que acabámos de fallar; e estendendo-se depois por toda a zona que vae até ás Córtes, prolonga-se para o Norte e esconde-se por baixo dos depositos mais modernos, aflorando depois em Leiria, mas no estado de marnes vermelhos cinzentos, gypsosos, e asphalticos ; calcareo cinzento, bituminifero e mui duro ; parecendo devida esta alteração ás rochas volcanicas do Castello de Leiria. E ainda que não fosse o estado alterado e de metamorphismo em que estas rochas se apresentam em torno de Leiria, o valor das camadas de carvão deveria ser alli muito duvidoso, por isso que a parte do an- dar carbonifero se apresenta ‘com uma possança muito reduzida, e está coberta immediatamente pelas rochas do terreno cretaceo ; isto é, as denudações praticadas pelo mar où correntes do cretaceo inferior, le- varam uma grande parte das camadas mais modernas do terreno ooli- tico; as que tiveram lugar na época do cretaceo superior arrebataram uma não pequena parte das camadas mais antigas do cretaceo infe- rior; e emfim a acção denudadora das alluviões posteriores fez desap- parecer aquellas formações em muitas localidades. E’ o deposito do cas- calho e do grés deixado por aquellas alluviões que, com as arenatas res- tantes do terreno cretaceo, constituem à capa que cobre toda a parte do andar carbonifero, que das visinhanças do Monte de S. Sebastião se estende para Leiria. Deste modo em toda a zona que corre desde o Alto de S. Sebastião até ás Cortes, Alto do Veeiro, e Senhora da Encarnação, MEM. DA AGAD; — 1." CLASSE — T. IM. P. I. 4 26 TERRENOS ANTHRACIFEROS proximo a Leiria, é o andar carbonifero apenas denunciado pelos afloramentos dos grupos mais inferiores com os generos xeritas, pers - nas e polypeiros ete., sem que tenha podido encontrar indicio algum da sua parte media e superior. Não obstante, persuadido que este an- dar deve continuar para o Norte, tanto porque representando elle um grande phenomeno de geographia physica não podia localisar-se a uma tão estreita zona, como porque as indicações mais ou menos proxi- mas denunciavam a sua existencia, mandei fazer uma pesquiza no valle fronteiro do Alto do Veeiro, denominado Rego travesso, e n'ella encontrei as rochas do 7.º grupo, isto é, os grés marnosos e negros e muito micaceos que denunciam a existencia do carvão. Tendo já descripto a serie das camadas carboniferas, debaixo da denominação do 8.º grupo do andar inferior do oolite superior, resta fazer as necessarias considerações sobre as condições geraes e particu- lares relativas ao carvão e ao seu jazigo. Já vimos como a acção dynamica das diorites nas visinhanças de Porto. de Moz, produziu um grande transtorno no andar carboni- fero, a ponto de ter alli desapparecido o 8.º grupo. Em Fonte de Oleiro veem-se o 7.º e 8.º grupos, e bem assim os mais inferiores, em todo o seu estado integral ; mas uns 500” mais ao Sul correspon- dendo aos Outeiros das Perdizes e das Frexas, toda a serie das cama- das de carvão tem desapparecido engolida na falha, e coberta pelas camadas mais modernas. Eu mandei abrir uma pesquiza d'estudo pro- ximo do Outeiro das Perdizes, e alli reconheci as camadas carboniferas em fortes angulos, contorsidas e desarranjadas mergulharem para a falha ou para o plano da falha como tinha presumido. Por tanto po- demos considerar a linha tirada do Outeiro das Perdizes para a Ca- gida, como o limite Sul das camadas do Chão preto. Do alto da Fonte do Oleiro descem as camadas do carvão do 8.º grupo até ao fundo do valle de Alcanadas, e: trepando. depois na margem occidental deste valle, ganham a chapada, ou parte culmi- nante da collina proxima aos Galfeiros de baixo: deste ponto descem as referidas camadas á meia encosta até ao fundo do valle do Chão preto, para tornarem a subir ás visinhanças do Casal novo: d'aqui vencendo o Valeiro do Ragociro que se lhe segue, dirigem-se pelos Fi- lippes á meia encosta do Alto de S. Sebastião, onde se escondem com os outros grupos por baixo das rochas mais modernas como acima referimos. Vê-se por tanto, que participando essas camadas de todos os movimentos do sólo, não podem ter, como effectivamente não teem, uma direcção e inclinação constantes ; accrescendo ainda que as cama- E CARBONIFEROS. 27 das foram impellidas por duas direcções differentes; d'onde resultou mais outra causa de variagio neste genero de accidentes. E' por isso que vémos as camadas dirigirem-se ora para N ora para N 25.º Quanto ao ponto do horizonte para onde inclinam, é elle cons- tantemente para o Poente, como já observei; o angulo é que varia, segundo a distancia ao valle do Lena, ou ao plano da falha : junto aos afloramentos é'apenas de 10 a 15°, mas nas visinhanças da falha deve attingir talvez 40º ou mais. A serie carbonifera, ou o complexo das camadas do carvão e de suas associadas, apresentam bastante regularidade na sua possança desde a Fonte do Oleiro, até ao Alto do Casal Novo. Deste ponto para diante só se descobrem nos Filippes, na encosta do Alto de S. Sebastião, e desapparecem outra vez com todo o andar, como já no- támos por vezes. Na zona onde mais francamente se mostra 0 car- vão o lignhite tem 9 a 10” de possança total, como se deduz da des- eripção que está feita em logar competente. A serie tem o seu competente tecto da grossura de 0,2, a 0,4, em calcareo grosseiro micaceo, trigueiro amarellado, bastante duro e inalteravel; o que não deixa de ser uma boa garantia para a direcção e economia dos trabalhos. Esta rocha, com quanto esteja bem definida, náo se encontra sempre estendida até á aresta dos aflo- ramentos do carvão, mas sim recuada mais para o Poente: no Alto dos Golfeiros, e desde o Cháo Preto até á encosta do Casal No- vo, acompanha toda a extenção superficial da serie, e está bem pa- tente. Cada uma das camadas de carvão e de schisto carbonoso que compõem a serie carbonifera não teem muita regularidade na sua possança, se considerarmos a uniformidade do seu caracter mineralo- gico: as laminas de carvão puro que apparecem dentro de uma de- terminada zona, carregam-se mais adiante de laminas de carvão schi- stoide ou de schisto carbonoso, até que passa a uma destas rochas : e reciprocamente se vê com frequencia, e n'uma mesma camada, o schisto carbonoso passar ao carvão schistoide, ou este converter-se em laminas de carvão mais puro. O calcareo marnoso que se interpõe nas camadas carbonosas tambem não tem regularidade na sua possan- ca, € na sua continuidade; são antes massas lenticulares que vão, quando muito, até 0,74 de possanga, e que no progresso da lavra de- verão encontrar-se como barras intercaladas no carvão : facto que se dá com frequencia em todas as minas de combustiveis fosseis. i Pela descripção que deixo feita desta serie tomada nas pesqui- 4 k 28 TERRENOS ANTHRACIFEROS a s do Chão Preto, e no Poço do Rino, e pela apreciação que fiz das differentes camadas de combustivel, taes como se apresentam no Chão preto, achei : Carvão da primeira qualidade escolhido das differentes camadas. 06 Carvão de segunda qualidade, escolhido, predominando o car- m > vão sobre o schisto carbonoso combustivel. . .,.,..,..... 170 Carvão de terceira qualidade predominando o combustivel schis- toide: impo»... ue no d 5™,0 Em partes não chegará a tanto, n'outras haverá mais de 6”,0 de combustivel util. 3 q Se nos restringirmos unicamente á parte visivel dos afloramen- tos, isto é, desde a Fonte do Oleiro até aos Filippes na encosta do Alto de S. Sebastião, que tem. pouco mais de 5 kilometros de com- prido, e contendo sómente 1 kilometro para largura ou extensão do carvão no sentido da inclinação (posto que a hypotenusa levada ao meio do valle da Lua, é entre 4 kil, e 1,5 kil. podendo o carvão continuar a O da folha): temos que o volume de combastivel con- tido neste espaço será de 25,000:000 metros cubicos ; tomando porém só metadedeste volume, e deixando a outra para pilares, e accidentes não previstos, e suppondo uma extracção diaria de 100 metros cubi- cos, deverá esta parte do deposito durar 347 annos; ou sendo a nossa tonelada == 793,1 kilogrammos e a gravidade especifica do: carvão 1,2, e fazendo-se a extracção de 100 toneladas diarias, deverá durar o deposito 525 annos. Estas apreciações devem porém ser tomadas com a necessaria reserva, porque muitos accidentes a podem prejudicar, como por exemplo a falta de continuidade ou de constancia da pro- porção do combustivel em consequencia da situação geognostica do deposito, como já observei no começo desta Memoria. Não é possivel dos factos recolhidos nas explorações abertas fazer uma devida classificação industrial do carvão deste deposito, pelas mesmas rasões por que não se fazem em qualquer outra mina de car- vão apenas descoberta. São só, por um lado os ensaios praticos e o progresso da lavra que fixam as especies segundo a sua mais apro- priada applicação ; por outro, as condições economicas da situação do jazigo em relação aos centros de consummo ; o partido que d'elle po- derão tirar as industrias ; as condições physicas da localidade confor- me se prestarem ou não ao estabelecimento de industrias diversas em volta dos centros de extracção etc.; que determinam os meios se- E CARBONIFEROS. 29 gundo os quaes se póde fazer uma intelligente classificação dos com- bustiveis de uma mina. O que póde por agora dizer-se é, que o carvão extrahido do poço do valle de Alcanadas tem uma divisão prismatica; o mais puro, é negro em laminas speculares, desegual na fractura transversal, e mos- trando nella zonas brilhantes: este carvão puro alterna com laminas de carvão baço, ou menos puro, contendo nos planos de junccào frag- mentos de caules carbonisados. Os grupos destas laminas alternam com outras de schisto carbonoso muito delgadas. O carvão puro do Chão Preto e do poço do Rino já não tem a côr preta tão intensa, apresenta porém parte dos outros caracteres descriptos precedente- mente; o carvão schistoide, e o schisto carbonoso dao um pó escuro alguma cousa acastanhado, um dos caracteres principaes da lignhite como se sabe. Vi arder repetidissimas vezes uma mistura deste car- vão sobre um fogão, `e sempre em proporções deseguaes de carvão puro e impuro, e todo elle arrancado á superficie do sólo, e reco- nheci que no principio da combustão lançava uma chamma averme- lhada com bastante fumo ; tornava-se depois mais clara e brilhante, deitando um cheiro egual, ou pelo menos bastante similhante ao que lança o commum dos outros carvões fosseis da época da hulla ; ces- sando a combustão dos gazes, ou terminada a chamma, continuava a arder por muito tempo até á completa extinecio do carbone, como succede na hulla deixando um residuo de ¿a i de cinzas segundo a proporção em que entrava © carvão impuro. A pyrite acha-se associada a este combustivel como em todos os carvões fósseis, mas em pequena quantidade: pela sua decomposição em presença dos marnes carbonosos, dá logar á formação de crystaes de gesso hydratado que se vêem soltos na superficie exposta do schisto carbonoso. Tanto em Chão Preto como nos Alcanados, vi porções de carvão e de schisto carbonoso resultantes das pesquizas, exposto 4 acção immediata das chuvas de Março a Junho deste anno (1855) sem que soffressem sensivel alteração em seus caracteres; apenas as superficies ou planos de Jascado se cobriram d'uma mui tenue peli- cula amarellada de hydrato de ferro, sem que esta alteração pene- trasse na massa ; qualidade que, como todos sabem, é devida á peque- na proporção da mencionada ‘pyrite, e que se torna muito apreciavel nas industrias, por isso que amplia muito o campo das applicações do combustivel. A. disposição das camadas do carvão, inclinando sempre para o valle de Lena, simplifica muito o systema d'ataque, em razão de se 3 TERRENOS ANTHRACIFEROS a poder fazer, promiscua ou separadamente, por galerias de travessia, galerias inclinadas praticadas immediatamente sobre os afloramentos, e por poços mestres abertos no valle, que vão atravessar as camadas 4 sua maior profundidade. Este ultimo é o mais racional e conve- niente para o futuro da lavra, mas tambem é o mais difficil e dispen- dioso : as aguas sobre tudo serão o maior inimigo a combater, por isso que pela fórma do terreno, forçosamente teem de ser extrahidas por grandes bombas movidas com machinas de vapor. À concorren= cia do ataque pelos dois lados náo poderá comtudo dispensar-se, tanto para servir a parte da extracção das massas entre o valle e os aflora- mentos, e entretersas necessidades nos primeiros periodos da lavra, como porque de futuro terão as galerias nos afloramentos de concor- rer á circulacio natural para a salubridade dos trabalhos, attenta a sua differenca de nivel sobre o valle. Precisar porém os pontos de ataque, ou discutir aquelles que devem ser preferidos, não é o meu objecto, não só porque podem ser diversos, como porque pela syme- tria e egualdade de condições com que o jazigo se mostra, é talvez indifferente ser mais ao N ou mais ao S d'um dado ponto; nem mesmo porque esta fixação, ou escolha me pertença, mas sim ao en- genheiro da empreza, que se encarregar da lavra, e ao qual com- petirá discutir o projecto com os interessados para ser depois sub- mettido á approvação do Governo. Quanto a madeiras ha bastantes e baratas em ambas as margens do rio Lena, e até á distancia de uma legoa; a empreza porém que obtiver a concessão destas minas parece-me que deverá ser obrigada a crear pinhaes proprios para entreter os futuros trabalhos de lavra. Quanto á situação economica do deposito póde em geral dizer-se boa; a estrada real de Lisboa a Coimbra passa nas suas visinhanças distancia media de 3 kil., podendo com ella communicar-se por meios faceis e economicos. As novas communicagdes por caminhos de ferro em perspectiva para ligar Coimbra com Lisboa, devem fazer augmen- tar o valor deste deposito e decidir muito da sua applicação ; por cujo motivo me abstenho de entrar em apreciações sobre a impor- tancia das communicacóes actuaes, e preços de transporte. Por ultimo sendo mui frequentes as camadas, com nucleos de calcareo e ferro carbonatado, e de aetite que se encontram no andar carbonifero, e muito acceitavel o seu emprego como fundente para o tempero de minerios de outras especies que ha no districto e que po- dem vir a ser beneficiados, deverá a lavra dos referidos nucleos ser permittida ao concessionario destas minas de carváo quando o deseje E CARBONIFEROS. 31 aproveitar, por isso que é um mineral cuja natureza e posição está in- teiramente ligada com o combustivel do mesmo deposito, TERCEIRA PARTE. A descripção de que ultimamente me tenho occupado refere-se sini- plesmente á parte do deposito comprehendido entre Porto de Moz e Leiria; passarei agora a dar noticia da continuação deste mesmo de- posito para a parte septéntrional do districto, aliás separado da do lado meridional por formações mais modernas, e por uma importante fa- lha que passa em Leiria e que serve de leito ao rio Liz, O limite septentrional da Serra do Reguengo, e da qual já fallei no decurso desta Memoria, fórma proximo á Senhora do Monte o ex- tremo O d'um grande massico ou protuberancia que comprehende a Serra d’Aire ou de Torres Novas e as montanhas d'Ourem. Este mas- sico, elevado de 200 a 600" sobre o solo adjacente, descahe para o lado do Norte em uma alta barreira, formando uma como escarpa, que se estende do Nascente a Poente, ou desde as alturas d'Ourem 4 Senhora do Monte; em quanto que pelo Poente constitue as Serras do Reguengo, Porto de Moz e Mendiga, que correm de N a S proxi- mamente, de modo que para a parte meridional descahe tambem o massico em alta escarpa sobre o solo adjacente a Alcanede e Rio- Maior, correndo similhantemente de Poente a Nascente. Este massico formado de calcareo e de marnes das epochas do oolite medio e infe- rior, encerra no campo dos Alvados e na Portella do valle d'Espinho Nascente, e SSO de Porto de Moz) e bem assim na sua escarpa me- ridional que olha para Alcanede e Rio-Maior, retalhos do andar do oolite superior com vestigios de lignhites; porém na sua parte cen- tral e Septentrional, parece ter estado a descoberto durante o deposito das camadas daquelle andar, e ter tido um maior avanço para o lado do Norte, pela razão, que já apontei em outro logar, das arenatas do cretaceo inferior pousarem immediatamente sobre os calcareos do 00- lite medio sem a interposição do andar do oolite superior, como se 32 TERRENOS ANTHRACIFEROS observa na Caranguejeira, valle de Gumo, e n'outros logares proxi» mos 4 barreira ou vertente Norte do massiço. No entanto affastando-nos destas barreiras até 4 distancia de uma a duas legoas para o lado do Norte, já no valle do Rio de Spite e que passa pela Caranguejeira, e em diversas paragens da Freguezia da Egreja Nova das Colméas, encontram-se as camadas do oolite su- perior aflorando por baixo das arenatas cretaceas em uma successìo de pontos; desde as freguezias de Spite e das Colméas, até ás fregue- vias de Abiul, é de Pombal. Parece pois que aquelle grande mas- sico formou na sua parte Norte uma especie de Cabo sobre o litos ral ‘do mar do oolite superior, como parece provado pela situação das camadas e suas relações stratigraphicas; e é o que effectivamente se vé corroborado pelos factos : o andar carbonifero que, mais ou mẹ- nos descoberto, corre de Porto de Moz até ás Fontes, esconde-se de: baixo das arenatas do terreno cretaceo na Abbadia e Famalicão pro- ximo á Senhora do Monte para,’a duas legoas ao NE destes pontos surgirem por baixo daquellas mesmas arenatas, parecendo circum- crever o sopé, hoje encoberto, deste primitivo Cabo ou porção de Costa. Os limités orientaés do oolite superior em partes descobertos; n'outras occultos pelos dépositos mais recentes, depois de dobrarem para o Nascente seguem à direcção de S a N encostados aos contra- fortes mais occidentaes das serras d'Alvaiazere, e d' Ancião, tomando as alturas de Abiul e Quinta de S. Vicente; e aqui como repellido pelos contrafortes meridionaes da serra de Sicó, dobra para Oeste 50: bre Pombal; para alli tomar a direcção de Soure, como já notámos. Deste módo a Costa daquella épocha formava uma Bahia ou Golfo, limitada ao Sul pelos massigos da Senhora do Monte, e Santa Catharina, ao Norte pelos contrafortes da serra dé Sicó, e ao Oriente pelos contrafortes das serras d'Alvaiazere e Ancião. A completa at- sencia nos valles, nas ravinas, e nas chapadas de todo o vestigio das rochas do oolite Superior em todo o espaço limitado pelas estradas de Pombal a Coimbra, de Coimbra a Ancião e de Ancião a Pombal; a sua exclusão em todo o espaço occupado pelas rochas de sedimento entre os rios Mondego e Vouga, com excepção apenas do retalho que vae de Maiorca a Buarcos ; e bem assim a ausencia completa de toda a indicação das mesmas rochas sobre as chapadas, ravinas, e valles da parte septentrional do massiço que vae da Senhora do Monte a Ou- rem, como em outra parte fica dito, bem assim a ausencia tambem completa de todos os vestigios das mesmas rochas em toda a parte E CARBONIFEROS. 33 oriental dos referidos massicos, são provas bem claras, não só da stru- ctura physica que acabâmos de assignar a esta pequena parte das praias na época do oolite superior, como tambem das grandes mudanças oc- corridas no relevo e constituição physica do nosso sólo, na passagem do oolite medio para o superior. Para o Oeste desta paragem, e até 4 linha da Costa actual, não se descobre o andar em questão, senão em um pequeno afloramento que apparece em Agodim proximo á ponte da Magdalena; e guarne- cendo as margens do Liz desde Leiria até aos cabeços compostos de diorite e de rochas metamorphicas denominadas Monte Redondo e Monte Real, sendo todo o mais sólo coberto pelas rochas do terre- no cretaceo, Toda a parte do oolite superior depositado na referida bahia passou na época immediata a ser coberta pelos mares cretaceos; mais tarde projectada com o novo deposito a differentes alturas, sobrancei- ras ao sólo que se estende em esplanada para o Occidente, formaram um largo massiço, não muito alto, que occupa hoje esta mesma bahia, - e reparte as aguas para os rios Lis e Mondego ; mas cujas fórmas e relevo têem sido consideravelmente modificadas tanto pelos movimen- tos posteriores do sólo e suas consequentes denudações, como pela acção incessante dos agentes atmosphericos ; de modo que actualmente apresenta-se dividido em collinas de fórmas xariadas, coroadas com arenatas de mais modernas formações, e com aluviões em partes au- riferas, limitadas por valles e valleiros de diversas grandezas, onde se vêem as rochas do oolite superior aflorando em quasi toda a altura das suas encostas ou margens. Os desarranjos que se observam nas camadas do andar ou for- mação que nos occupa dentro da zona que agora se descreve, quando observados nas ladeiras e encostos das collinas, dão idea á primeira vista d'um trabalho voleanico mais ou menos energico e prolongado; mas um exame mais attento dos factos desvanece esta suspeita, e faz conhecer que todos esses desarranjos são devidos ao trabalho ordina- rio da natureza, e ás denudações contemporaneas. Com effeito, o an- dar do oolite superior, alem de elevar-se bastante acima das princi- paes linhas d'agua da zona em questão, é composto de camadas cal- careas e arenaceas, mui duras e tenazes, e retalhadas em grossos fragmentos prismaticos em consequencia de numerosas fendas de res- friamento que cortam perpendicularmente os planos de stratificação : estas camadas alternam com outras mais possantes de argilas e mar- nes nimiamente desaggregaveis e incoherentes je como umas e outras È MEM. DA ACAD, — 1." CLASSE —T. II. P. il. z 34 TERRENOS ANTHRACIFEROS inclinam pouco ahaixo do horizonte, os topes das camadas argilo- marnosas offerecem um certo numero de taludes na superficie da en- costa alternando com os topes quasi verticaes das camadas de rocha dura. Da grande differenga na natureza destes stractos, e da maneira por que se succedem nas encostas das collinas e margens escarpadas dos valles, resulta uma immensa desigualdade no modo destas rochas reagirem á acção destructiva e incessante dos agentes externos, e im- prime no relévo e nas formas das massas um aspecto de desordem e um caracter pouco commum aos terrenos calcareos. È por estas cau- sas que uma grande parte da zona a que nos estamos referindo é cortada por numerosos valles, e tem a feição que acabâmos de no- tar-lhe. Por outro lado se observarmos a posição das camadas do andar em questão, e examinarmos as suas mutuas relações stratigraphicas, reconhecer-se-ha que não tem soffrido senão lentos movimentos, que não desarranjaram a sua situação relativa e parallelismo, sendo o mais notavel accidente destas camadas uma falha, com algum desnivela- mento, que se observa em Spite. As diorites apenas as encontrei for- mando dykes na base do outeiro da Calvaria, e uma legoa mais ao Norte entre a ponte de Assamasa e Pombal, mas sem terem influido na posição das camadas atravessadas, reduzindo-se a alteração por ellas occasionada a uma lamina de aragonite fibrosa junto aos dykes, não passando alem da grossura de 0”,05 a 0",1. O andar carbonifero do oolite superior não apresenta nestas pa- ragens rigorosamente fallando a mesma composicio e regimen que se observam nas visinhanças da Batalha ; por consequencia, afim de me- lhor se avaliar as differencas que existem, porei em harmonia as re- lações stratigraphicas que pude observar nesta parte, indicando os ca- racteres mais seguros, e fazendo ao mesmo tempo a descripção do ja- zigo carbonifero. No alveo da Ribeira Spite, aflora uma camada de lignhite im- puro de 0",9 a 1”,0 de possança, que segue sempre a borda da ri- beira; porém um pouco abaixo da Egreja, como a ribeira desce para o Sul e a camada inclina a SE, introduz-se esta na barreira ou mar- gem onde o seu afloramento se encobre com o terreno detritico que desce da montanha. A montante da Egreja occupa a referida camada da lignite o alveo da ribeira até certa distancia, depois sóbe a pouco menos da meia encosta da margem fronteira ou de NO, mostrando-se no sitio do Valle da Matta e de Porto Carvalho, sempre com a di- reccào NE a SE, e inclinando a SE. Neste sitio encobre-se debaixo das E CARBONIFEROS. 35 arenatas e terreno detritico descido do alto da ladeira, depois de um tra- jecto sinuoso de 1 kilometro proximamente. A’ borda da ribeira é esta camada impura composta de laminas alternantes de marne schistoso e de lignhite puro, sendo porém toda a camada muito combustivel.-Na parte mais terrosa desta camada encontram-se muitos testaceos fosseis pequenos univalves com as suas conchas córadas, parecendo náo terem soflrido alteração alguma em seus caracteres exteriores, e assemelhan- do-se muito aos generos paludina e valvata. Mais acima em Valle da Matta apresenta-se a camada com os mesmos caracteres, mas mais rica em lignhite, e inclinando 8” para SE: tem por cima uma camada de marne carbonoso e endurecido, de 0”,15 a 0”,2, e outra camada de schisto lignitoso de 0,2, pouco mais ou menos. Subindo ainda mais uns 1000" por um valeiro que penetra na montanha, e no sitio já referido de Porto Carvalho, vê-se a camada com grossas laminas de lignite puro, isto é, a proporção do lignite puro excedendo muito á parte impura, podendo no seu genero chamar-se-lhe rica: a sua possança é de 0”,95, ou um metro, e inclina 4° para SE. Por cima, e servindo de tecto, mostra um pe- queno numero de camadas alternantes de marnes micaceos e de grés, cobertos por arenatas. De um e outro lado da ribeira de Spite, e n'altura da Egreja, observa-se que esta camada é coberta por uma assentada de 20 a 30" de possança, composta de grés micaceo granular, pasta calcarea acin- zentada, e de marnes argilo-micaceos cinzentos e amarellados com al- guns rins de calcareo e ferro carbonatado. Sobre esta assentada pousa a seguinte pequena serie de camadas carbonosas : 1.º — Marne carbonoso com muitas laminas de lignite, tendo 0”,3 2.º — Marnes carbonosos com conchas pequenas e fragmentos (e ELE a LE ra a distante qc ie Oe RA VPN CAR UI 3.º — Uma 'camada de lignite desu. 071 4. Uma camada de marne micaceo cinzento com conchas . . 0,4 5.* Uma camada de lignite oom! esa 4. ab, 00) OF 2520 08 As arenatas do terreno cretaceo cobrem immediatamente esta serie na margem esquerda, mas na direita estão denudadas e cobertas de terreno detritico, de modo que não pude reconhecer o seu termo superior. E" muito provavel que esta serie tenha mais alguma ca- mada, € mesmo quando assim não aconteça, merecerá a pena de ser explorada, porque as camadas estereis intercaladas tendo pequena gros- sura, póde ao todo considerar-se para a lavra com uma só camada. Esta serie inclina 3 a 5º para o SE. s 5a 36 TERRENOS ANTHRACIFEROS Servindo de muro á primeira camada de lignite de Spite appa- rece uma possante camada de grés fino marnoso, micaceo, cinzento, com uns 8”,0 de possanca, a qual assenta sobre uma serie de cama- das alternantes de marnes micaceos, grés e calcareos amarellados e cinzentos e todos cobrindo umas tres ou quatro camadas de marnes en- durecidos, cinzentos, empastando troncos lignitosos, e contendo abun- dantes especies fosseis identicas ás encontradas do 1,° ao 4.º grupos da Batalha, com excepção dos generos neritas, e cyprina, que não vi aqui. y Uns 7 kil. ao NE de Spite no ribeiro do Porto de Oleiro, na fre- guezia de S. Thiago de Litem, e proximo ao povo da Barrigueira, depara-se com uma camada de marne grosseiro, schistoso, cinzento anegrado, muito cheio de fragmentos de caules carbonisados, conten- do precisamente as mesmas especies de pequenas univalves, e d'algu- mas bivalves, já encontradas na camada de Spite, e com a sua concha não só inteira e bem conservada, mas deixando vêr as suas córes, tão vivas e distinctas como se fossem recentes. Cobrem-a immediatamen- te, como em Valle da Matta em Spite, duas delgadas camadas de schis- to carbonoso com laminas de lignite, tendo 0”,1 de grossura cada uma; e logo por cima desenvolve-se uma assentada de grés e mar- nes micaceos de côres diversas. Esta parte porém é logo mascarada pelo terreno detritico, o qual embaraça o exame de todas as indica- ções que sería util obter para reconhecer a posição daquella camada; e como por outro lado a inclinação desta ultima camada é sensivel- mente horizontal, e o sólo offerece pouca declividade nos valleiros contiguos, e no proprio ribeiro, não pude reconhecer se assenta effe- ctivamente sobre as camadas com pernas e mytillus, como acontece á camada do Valle da Matta em Spite; suspeito todavia muito que seja a mesma. Na ribeira das Colméas, que corre junto á Egreja Velha, e uns 6 kil. a NNO de Spite, apparecem duas ou tres camadas identicas á do Ribeiro do Porto de Oleiro, tendo 3 a 4” de possança : encerra os fragmentos de caules carbonisados, e as conchas com as mesmas côres, tendo de resto o mesmo aspecto lithologico. Estas camadas téem por cima marnes micaceos cinzentos e amarellados com alguns | nodulos de ferro carbonatado, alternando com grés ferruginosos mi- | caceos até uns 20” de possança, sendo cobertas superiormente pelas | arenatas do terreno cretaceo ; e inferiormente assentado sobre marnes endurecidos eargilo-marnosos micaceos, e grés tambem micaceos com pasta calcarea, tendo entre 20 a 30" de possança pouco mais ou me- E CARBONIFEROS. 37 nos. Sáo caracterisadas estas camadas inferiormente com as mesmas especies de pernas e mytillus já mencionadas em Spite. Na Barroca dos Bicheiros, entre o Outeiro da Remeleira e o Ou- teire dos Nettos, a 4 kil. a NE da Egreja Velha e na vertente ou encosta do primeiro, ha uma ravina onde se observa a seguinte serie na ordem descendente (vide córte n.” 10). o a) 1. — Arenatas do terreno cretaceo (P) 2.” — Grés ferruginosos alternando com marnes micaceos cin- zentos, amarellados e vermelhos, tendo de possança pro- cimattenteznti 19 ormigiragionaiaeenza pia ae 3. — Camadas de marnes cinzentos micaceos terrossos, com fragmentos d'ossos de reptis e abundantes testaceos dos generos Pernas, Mytillus, Ceritium, Terebras e Neri- tas, identicos ao dos grupos inferiores da Batalha, e con- tendo grande quantidade de troncos d'arvores conver- tidos em lignites a ponto de embaracarem o trabalho dell vouraiuet: pairando seg couros ab sutras 5” 4.º — Argilas carbonosas com laminas de lignite, com conchas univalves pequenas escuras, similhantes ás do 4.º e5.º grupos da Batalha, e contendo nodulos de calcareo e de ferro carbonatado desde o pêso de 0,25 até 30 kilo- grammasi pl arabe ira PER eM nes 9? 5.º — Grés micaceos, e marnes argilo-carbonosos, com laminas de lignite, contendo Veritas, Cyprinas, e outros fosseis. 4" 6.º — Marnes com pequenas Ostras, Trigonias e Pernas, ar- gila muito carbonosa com laminas de lignite....... 10" 7.º — Grés ferruginosos alternando com argilas e marnes cin- ZOO AA RINO, CRI DIARI Vi RZ ae 2B? 8.º — Grés micaceos e argilas schistoides variegadas e cinzen- tas com laminas de lignite....... aisla” Dee Mar nesse pomés tongo dia poxo) ane ? q 18:07 10.” — Uma mui possante assentada de marnes variegados em cinzento, vermelho, e verde negro. Os afloramentos de lignite do Carvalho das Mentiras proximo a E da villa de Pombal, apresentam-se do seguinte modo, mas na or- dem ascendente (vide córte n.º ti) 1° — Muro de grés grossciro trigueiro ferruginoso. 38 TERRENOS ANTHRACIFEROS 2.” —Camadas d'argilas marnosas, incoherentes e carbonosas. . 4” 3.” — Argila marnosa, dura, cinzenta, escura carbonosa com conchas pequenas, similhants ás da camada das Col- méassedaSpive pise sen. filé os antiga 20618 4:9+— Argila schistoide carbonosas oo sus soc vo. 208,25 5º — Argila schistoide muito carbonosa e ln inole! .... 0,30 6.º — Schisto carbonoso : combustivel com repetidas laminas de lignite: de 02, aber cámara rd AT 7.º — Camadas de marne e de schisto carbonoso,.......... 0",6 8.º — Camada de argila carbonosass sensei less pinos. 07,8 9.°— Tecto de grés grosseiro ferruginoso e fragmentar com rins de sulphureto de ferro alterado. Inclinação 8.º para SO. Esta serie assenta sobre um possante grupo de camadas de mar- nes endurecidos, contendo raros fosseis, entre os quaes seencontra a Perna polita, P. lusitanica, e a Trigonia lusitanica, E é coberta por uma assentada de marnes duros, e marnes terrosos, alternando com grés ferruginosos, com os mesmos fosseis, mas pouco abundantes. Os afloramentos da serie que acabo de descrever vão até Outeiro Gallego uns 3 kil. a Nascente de Carvalho das Mentiras, onde met- tem por baixo d'outros extractos mais modernos, ignorando por con- sequencia quaes são os seus limites, em quanto não se fizer mais al- gum exame: Já disse mais acima que a formação ou andar do oolite supe- rior na parte da zona que nos occupa, é apenas visivel nas ravinas, valleiros, e nos valles; e que da meia encosta, pouco mais ou menos, das respectivas margens até ás cumiadas, é tudo coberto de arena- tas do terno cretaceo. Portanto não é facil, e mesmo não é possivel, pela maior parte, seguir uma dada camada que aflora em qualquer destes valles, e assegurar o seu prolongamento noutro ponto, guia- do simplesmente pelos caracteres mineralogicos, os quaes, alem de di- versamente degenerados pela acção do tempo, não téem sempre como se sabe o cunho da constancia; soccorrendo-nos porém d'elles, em quan- to não sairem de rasoaveis limites, em concorrencia com os caracteres fossiliferos, poderei assegurar que a camada de lignite de Spite, a de Valle da Matta, e do Porto Carvalho, é representada no Ribeiro da Egreja Velha das Colméas, pelas camadas de marnes carbonosos já descriptos, por se acharem em ambas as localidades precisamente os mesmos fosseis pequenos de concha córada, e que parece serem d'agua E CARBONIFEROS. 39 doce, envolvidos n’uma camada inteiramente similhante formando as- sim um bem definido horizonte; e porque, com um intervallo sensi- velmente egual, estas mesmas camadas assentam em bancos de ro- chas egualmente caracterisadas por fosseis identicos dos generos Per- na Mytillus, ete. A camada do Porto d'Oleiro na Freguezia de S. Thiago de Litem não faz differenca absolutamente nenhuma daquella da Egreja Velha das Colméas, tanto nos caracteres fossiliferos como nos mineralogi- cos; e com quanto não tenha podido alli reconhecer as camadas com Pernas e Mytillus, estou convencido que é a mesma. A serie de ca- madas carboniferas que se encontra em Spite, por cima da camada grossa de lignite, não a vi na Egreja Velha das Colméas ; e a rasáo é porque as arenatas do terreno cretaceo mascaram as vertentes do Ribeiro até proximo do alveo, e mesmo podiam ter sido denudadas em grande parte. Similhantemente deixa de observar-se a mesma serie em Porto d'Oleiro, em consequencia do terreno detritico e ve- getal encobrir uma grande parte dos afloramentos. Portanto, em quanto não apparecerem outros factos em opposi- ção aos acima apontados, estou ‘authorisado a suppór que a camada de lignite de Valle da Matta em Spite prolonga-se, por um ladoaté ás vizinhanças de S. Thiago de Litem, e por outro até á Egreja Velha das Colméas: a sua continuidade para o Occidente é desconhecida, para o Norte acaba entre o Pombal e a Quinta de S. Vicente proxi- mo a Abiul, para o Sul já não apparece em Valle Maior, e para o Nascente deve acabar antes de chegar á estrada da Perucha. Qual 'será porém a proporção do carvão ou da parte util com- bustivel desta camada, é o que sería temeridade assegurar : o que se ‘observa é que a proporção do combustivel varía nos dois kilometros que vão da Ribeira de Spite ao Porto Carvalho, e que esta camada em Porto d'Oleiro e nas Colméas é apenas representada por um mar- ne muito carbonoso, e nada mais. No entanto quando esta substan- cia possa ter um util emprego, ha largo campo para a sua explora- ção ; e esta não tem nada de difficil, nem será muito custosa ; gra- ças (por este lado) á natureza do sólo qne a contém. Quanto á serie de camadas carbonosas, que estão por cima da camada de lignite de Spite, não as viem mais parte nenhuma, o que não admira pelas ra- sões já mais de uma vez ditas, das aréas do terreno cretaceo e das alluviaes descerem muito pelas encostas dos Valleiros. No entanto quando se estabeleçam trabalhos de lavra em Spite, esta serie deverá ser explorada, como já observei, porque ainda que a parte util não 40 TERRENOS ANTHRACIFEROS attinja grande possança, todavia a facilidade da lavra é tal, por se acharem aflorando a meia encosta e com pouca inclinação, que de certo convidará ao reconhecimento devido. ‘ Quanto a serie da Barroca dos Bicheiros, é ella absolutamente distincta das camadas em Spite. Em primeiro logar não encontrei em -parte alguma destas localidades (NE de Leiria) as variedades de es- pecies que aqui se observam, e que são identicas ás do 1.º e 5.º gru- pos da Batalha. Em segundo logar esta serie mostra-se sómente a des- coberto encostada aos Outeiros do Calvario, dos Nettos, e da Reme- leira; pontos dos mais culminantes da localidade, onde as camadas do oolite superior attingiram a maior altitude. Em terceiro logar, uma serie bastante possante não era crivel que sendo superior ás ca- madas de Spite, estivesse denudada em todos os mais pontos obser- vados, ou encoberta, sem deixar ou mostrar algum vestigio da sua existencia, e isto dando-se entre pontos proximos como os do Outeiro da Remeleira e o das Colméas. Em quarto e, ultimo logar, as Pernas, Trigonias, Neritas, etc., que nelle se encontram tao profusamente, não as vi nunca acima das camadas de Spite, ou das Colméas, em quanto que algumas destas especies mostram-se por baixo daquellas camadas, como já apontei. Portanto é fóra de duvida que a serie em questão da Barroca dos Bicheiros é mais antiga do que as lignites de Spite. Desta relacáo de posicáo conclue-se que a camada de lignite de Spite deve aflorar nos Valeiros que do alto da Memoria olham para o NO; e que denudada no ponto onde se mostra a serie mais inferior, desde o Outeiro da Remeleira até ao do Calvario, deverá circumscrever a zona occupada por estes mesmos outeiros até dis- tancias variaveis. A serie da Barroca dos Bicheiros, pelos caracteres fossiliferos * que encerra, parece tambem fóra de duvida que deve representar os primeiros cinco grupos do andar carbonifero da Batalha. Não vi, é verdade, que ella assentasse sobre os calcareos do oolite medio, mas a rasäo é porque as marnes variegadas mais inferiores da serie, são tambem o ultimo membro accessivel á observação neste logar. Os bancos de polypeiros faltam nesta localidade ; mesmo não encontrei alli indicios desta divisão do reino animal; no emtanto similhante ausencia: não é por si só caracter: revela apenas um accidente pu- ramente local, que não permittiu a estação áquelles animaes, sem que por isso deixassem similhantes bancos de serem representados n'outra localidade com diversos caracteres. Pelo que respeita ás camadas carbonosas de Spite podem per- E CARBONIFEROS. 41 tencer a um dos grupos mais superiores do andar carbonifero da Batalha, ao 6.º, 7.” ou 8.º No emtanto não tenho razão bastante plau- sivel para assegurar esta relação alem do facto de estar por cima da serie dos Bicheiros. As conchas univalves d'agua doce, que com tanta frequencia apparecem naquellas camadas, podendo ser as mesmas do 8.º e 5.º grupos da Batalha, não: devem por emquanto. servir de ca- racter para deeidir sobre a identidade das camadas em ambas as loca- lidades. Se os caracteres mineralogicos devessem ter valor para si- milhantes distancias, diria que estas camadas eram as representantes das camadas de marnes muito carbonosos que se vêem por baixo do 8.º grupo da Batalha no valle dos Alcanadas proximo ao Lagar do Crespo, e nos Mosqueiros na vertente do Monte de S. Sebastião : pelo menos posto que não o possa demonstrar, todavia estou persuadido da sua identidade não obstante os 35 kil. que separam aquellas duas localidades. Pelo que toca á serie de camadas carboniferas do Carvalho das Mentiras, encontrei-a tão despida de caracteres fossiliferos, e as suas relações estratigraphicas tão pouco ao alcance d'um primeiro exame, que com o pouco tempo que alli me demorei nada pude determinar a este respeito: o caracter mineralogico das rochas nesta localidade, e especialmente o das camadas inferiores varía tanto que torna mui dif- ficil este exame. O mais que por esta occasião posso dizer é que as camadas do oolite medio estão mui perto desta serie, e que por con- sequencia deve ella pertencer a um dos membros menos elevados da escala. As lignites de Spite ardem com chamma avermelhada e fumo, sem cheiro amoniacoso nem empyreumatico , assimilhando-se muito ao cheiro do carvão das outras formações; a combustão completa-se em toda a massa, mesmo depois da chamma acabar, dando cinzas cuja proporção varia segundo a pureza do lignite; em geral póde di- zer-se que é bem formada; não tem porêm brilho espelhado, a fra- ctura é lisa e plana, e o pó ou rasura acastanhado. Acima deixei dito que as condições do jazigo das lignites em Spite, são as mais vantajosas para o ataque: se exceptuarmos parte destas camadas que desce ao alveo da ribeira que corre junto áquelle povo, a outra aflora na encosta, onde o ataque, o esgôto, e mesmo a ventilação natural se tornam faceis, podendo a camada mais grossa e inferior ser atacada em diflerentes pontos do valle referido ; explorada e depois atacada com vantagem, e nas mesmas ou melhores condições, nas vertentes dos valles, que do alto da Memoria olham para o NO, MEM, DA ACAD.—1." CLASSE—T. Il. P. Il, o TERRENOS ANTHRACIFEROS O valor da propriedade, o preço dos jornaes, e a abundancia de madeiras, são baratos, e dariam a estas lignites importancia se ellas podessem ser utilmente consumidas em industrias locaes; tendo po- rém de ser transportadas para os actuaes centros de consumo do dis- tricto, o preço do transporte por si só absoryerá a maior parte do valor que ella possa ter nesses logares. Para se tirar pois algum partido deste combustivel, cumpre que se criem industrias novas no logar do jazi- go, ou n'outros onde o combustivel possa chegar por um preço bai- xo; o contrario é impossivel, porque a distancia de Spite a Leiria, com quanto seja de tres legoas e outra egual distancia a Pombal, to- davia os caminhos são pela maior parte máus e intransitaveis durante o inverno, de modo que um carro de bois com carga de 30 arrobas precisa mais de um dia para vencer qualquer destas distancias! Da pesquiza do Carvalho das Mentiras nada mais se póde conhecer, senão o comprimento dos afloramentos estendidos até ao Outeiro Gallego, na extensão de 3 kil. como dissemos, a possança da serie, e a das suas camadas: o seu prolongamento para o Sul é desconhecido, e só os trabalhos de exploração é que poderão mo futuro esclarecer sobre a verdadeira importancia deste jazigo. ‘QUARTA PARTE. DEPOSITO CARBONIFERO DO TERRENO CRETACEO. 0) terreno cretacco inferior acha-se representado em Portugal por um extenso, mas mui pouco possante deposito arenaceo argilo-ferru- ginoso, com aspecto de terreno d'alluvião, e encerrando algumas ca- madas de calcareo, as quaes téem fornecido os restos organicos que caracterisam geognosticamente estas aréas. Pouco productivo para a agricultura, e ainda menos para as in- dustrias, ás quaes apenas oflerece algumas pequenas porções de argi- las, este terreno indemnisar-nos-hia da sua esterilidade se o deposito de combustivel que nelle aflora junto ao povo dos Marrazes nas vizi- nhanças de Leiria, no ribeiro de Muel dentro do Pinhal Nacional, proximo ao logar do Peste no concelho de Pombal, e na Praia da Vi- E CARBONIFEROS. 43 etoria, tomasse as dimensões e a importancia que á primeira vista promettem os seus afloramentos. O: afloramento dos Marrazes com- põe-se de uma camada de lignite de um metro de possanga: é sécca, schistoide, completamente baça, contendo sementes de conifiras : so- bre ella assenta outra camada de 2”,3 de grossura, composta de ma- deiras ou troncos em geral de 0",2 a 0",5 de diametro, e de com- primento variavel, e todos muito entrelaçados e dispostos no sentido da sua maior dimenção, formando pela sua muita contiguidade e gran- de aperto uma camada muito cerrada, ou sem intervallos apparentes. Estes páus, que parece serem de arvores monocotyledones, têem a côr de castanha, alguns passando ao anegrado, e conservando a sua textura lenhosa no mais perfeito estado. Ao extracto que elles formam servem de muro duas camadas delgadas de argila e grés argiloso muito re- gularmente estratificadas, assentando sobre um possante banco de grés grosseiro ocraceo; e tem por tecto uma camada de argila fina, e grés argiloso de côres claras acinzentadas, mas mui pouco coherentes (vide corte. n.º 15). O afloramento do Peste está ao lado occidental da estrada de Leiria a Pombal, e no concelho desta ultima villa, e uns 12 kil. a NNE. dos. Marrazes. Encontram-se no meio das mesmas arenatas em que afloram os lignites e páus desta ultima localidade, representando! um extracto de páus da mesma natureza, dimensões e aspecto phy- sico do extracto que se observa na camada dos Marrazes ; sendo po- rêm envolvidos em uma lignite podre ou terrosa ao todo tendo 17,0 de possança : assenta sobre argila fina amarellada, e tem por tecto uma camada d'argila fina, molle e cinzenta. No Ribeiro de: Muel, dentro do Pinhal Nacional, mas proximo á Costa, apparece entre as mesmas arenatas um terceiro afloramento de lignite com 2” de possança proximamente: tem 38º de inclinação para o SE, e assenta sobre uma argila cinzenta amarellada.; nesta ca- mada não apparecem os páus, ou madeiras como nos outros aflora- mentos mencionados, mas a lignite é similbante á dos Marrazes. À lignite de S. Pedro é sécca, leve, cor negra acastanhada, aspecto baço, arde bem com chamma avermelhada escura, deitando um cheiro des- agradavel. Em muitos pontos desta formação, como por exemplo da Mari- nha grande para Leiria, encontra-se um sólo negro em partes mica- ceo, cuja côr ao principio me pareceu devida 4 proporção do humus que resultava da decomposição do mato da Charneca; reconheci de- pois por um melhor exame que ella é evidentemente devida ao car- 6 * 44 TERRENOS ANTHRACIFEROS bone dissiminado n'uma ou mais camadas, as quaes em alguns sitios vem-se metter por baixo d'outros extractos areosos, sendo muito para crêr que tenha relação com o deposito das lignites de que acabámos de fallar. Qual é a extensão real e provavel deste deposito e sua impor- tancia? Esta questão é quasi irresolvivel à priori. Em primeiro logar as arenatas, que contém o combustivel, não offerecem um horizonte geognostico que possa servir de guia. Em segundo logar o caracter mineralogico destas mesmas arenatas é tão variavel n'uma dada ca- mada e mesmo tão impossivel d'asignar a uma ou a outra, a estra- tificação é tão mal definida, que nenhum auxilio podem estas cir- cumstancias prestar na presente questão. E” necessario pois o encon- tro immediato da camada de combustivel por meio da successiva pes- quiza ou pela exploração; e é para lançar alguma luz sobre o modo de dirigir estes trabalhos que passarei a fazer as seguintes conside- rações. : A accumulação de páus no afloramento dos Marrazes, a ponto de formarem uma camada d'apparencia regular com 2",3 de grossu- ra, não podia ter logar em uma Costa, onde as aguas movendo-se em toda a liberdade deviam isolar e transportar os páus ou madeiras para pontos diversos, mais ou menos distantes: ao contrario, © mo- do por que elles alli se apresentam dá idéa que as aguas, nos logares em que se accumularam, eram sujeitas entre margens, mais ou me- nos affastadas, as quaes em concorrencia com outras circumstancias physicas deram logar a essa aecumulação ; podendo “todavia variar a situação do deposito segundo causas diversas. O Mississipe, e parte dos seus grandes afluentes, pelo seu vasto curso, e enorme bacia hy- drographica, abrangendo mui variadas latitudes, e sujeito a numero- sas crises periodicas e eventuaes, offerece ennumeros exemplos do mo- do por que hoje se formam no seu grande leito, e na embocadura com o golpho do Mexico, extensos depositos de combustiveis analogos ao que se observa nos afloramentos dos Marrazes. Do 2.º volume dos Princi- pios de Geologia, do sr. C. Lyell, extrahirei alguns periodos para o de- vido esclarecimento desta questão. Durante as grandes cheias e inun- dações do Mississipe, diz este sabio, as aguas amollecem pouco e pouco as margens alluviaes que têem submergido ; e depois á maneira que vão diminuindo vão tambem minando, e corroendo as escarpas do leito de modo tal, que frequentes vezes chega a ponto de destacarem gran- des porções de sólo, com muitos hectares de superficie, e coberto de espessos bosques, para depois ser tudo arrastado pela corrente. Deste Ì | | | E CARBONIFEROS. A id modo têem desapparecido grandes ilhas que se achavam no leito do rio, e outras téem-se incorporado a terra firme, por se haver enchido o intervallo que as separava com uma multidão de troncos d'arvores cimentadas por lódo e outras materias. A prodigiosa abundancia d'ar- vores que o Mississipe e seus grandes afluentes arrastam annualmen- te, continúa o sr. Lyell, produzem pela sua accumulacio em differen- tes pontos dos respectivos leitos ilhas fluctuantes que denominam ra: Sts, as quaes são detidas no seu curso pelos srags, especie de abati- zes subfluviateis, ou por outros obstaculos que encontram no alveo do mesmo rio; então novas accumulações de troncos augmentam as dimensões ao rafts, chegando a formar enormes massas que tocam am- bas as margens, constituindo assim uma ponte natural. Um dos ra- Jts mais formidavel, e recentemente formado, achava-se em um dos braços do Mississipi conhecido pelo nome de Atchafalaya. Começou em 1779, e foi destruido em 1835; tinha 16 kil. de comprido por 220,” de largo, e 2,"43 de possança. Esta enorme massa fluctuante oscillava segundo os movimentos das aguas, e tinha na sua superficie, alem de uma vegetação variada, arvores de 18,"0 de alto que haviam nascido e crescido sobre o rafts. Um outro rafts, não menos notavel, appareceu no Washite tributario do rio Vermelho, o qual cobria uma extensão de 17 legoas. Destes exemplos formar-se-ha uma idéa da prodigiosa «quantidade de madeiras e outras producções vegetaes, que o Mississipi e seus afluentes arrojam sobre as planices do seu extenso valle, e que levam para o golfo do Mexico, onde actualmente se formam grandes depo- sitos na extremidade do Delta. O caracter maritimo das aras do nosso terreno cretacco está sufficientemente bem demonstrado pela natureza das especies. fosseis dos calcarcos interstratificados nas mesmas aréas; e que não longe do afloramento do Peste se mostram junto ao Povo das Marinhas. Não póde por isso admitir-se que os pontos em que se encontram as lignhites e madeiras fossem o alveo d'um grande rio onde se fizesse o seu deposito, aliás encontrar-se-hiam as especies lacustres ou fluvia- teis. Podia todavia ser um golfo, ou um canal maritimo similhante a muitos do Oceano Pacifico contiguo a grandes ilhas, e em condições especiaes poder accumular aquelle deposito de combustivel formado e retido por um modo analogo ao dos rafts do Mississipi. Esta ques- tão porêm em quanto não for bem estudada póde ser muito contro- vertida, Deste modo de vêr o jazigo em questão, e tendo em vista a po- 46 TERRENOS ANTHRACIFEROS E CARBONIFEROS. sição dos seus afloramentos, e a ausencia de todo o vestigio carbonoso nos córtes a descoberto do terreno cretaceo que tenho observado em um grande numero de pontos entre Thomar, Rio Maior, Nasareth, Leiria, Ancião, Aveiro, Coimbra e Figueira, resulta que era uma faxa, situada de SO a NE, dirigindo-se das vizinhanças da Nasareth, por Leiria, e Pombal, até Ancião, formando talvez o limite ou orla orien- tal d'um delta. Para limite desta faxa pelo lado do Nascente podê- mos designar as estradas que vão da Nasareth a Leiria, e de Leiria a Pombal; pelo Poente, com quanto não possa fixar-se uma linha que o determine, julgo todavia que não deve esperar-se o encontro das hygnites, alem dos pontos onde se observa a terra negra, de que aci- ma fallei, como entre Marinha Grande, e Leiria, pois que é ella a meu vêr o resto da denudação que arrebatou por esse lado o deposito das lygnites. vio obstante os limites que acabámos de assignar, não se creia que o sólo comprehendido deverá conter as lygnites em uma camada continua, bem pelo contrario acontece. Por um lado as emmersões dos calcareos jurassicos e liassicos que surgem da Praia da Victoria até á foz do Ribeiro de Muel isola- ram um insignificante retalho para o lado do Sul, e limitaram por este lado o extracto que aflora no ribeiro ultimamente nomeado. As margens do Liz, formadas na maior parte de rochas do periodo juras- sico emmergido com as diorites de Monte Real, e Monte Redondo, no meio das arenatas do terreno cretaceo, separam outro grande reta- lho; edas vizinhanças de Pombal para Ancião apenas existem alguns mui pequenos retalhos de arenatas no alto e vertentes dos cabeços e montanhas com algumas dezenas de metros quadrados sómente na su- perficie, num dos quaes, em Mogadouro de Ancião, aflora um resto de lignite similhante 4 do rio de Muel. Por outra parte a formação das arenatas acha-se muito denudada e cheia de numerosas ravinas, em cujas escarpas não se véem os afloramentos das lignites; observan- do-se ao contrario as formações das outras épocas aflorarem no fun- do dessas mesmas rayinas. Por consequencia a camada de lignites, e de páus fosseis em questão está mui frequentemente interrompida e com grandes lacunas que lhe tira muito da sua importancia. Nestes termos são só os trabalhos de exploração e o progresso da lavra deste deposito que poderá decidir sobre a sua verdadeira extensão e valor. Lisboa, em Julho de 1855. MEMORIA SOBRE AS MINAS DE FERRO NO DISTRICTO DE LEIRIA POR CARLOS RIBEIRO, SOCIO EFFECTIVO DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA. MEMORIA SOBRE AS MINAS DE FERRO No DISTRICTO DE LEIRIA. PRIMEIRA PARTE. As montanhas calcareas do nosso terreno oolitico, que de Rio Maior e Alcanede váo a Porto de Moz, serras de Santo Antonio e do Alquei- ` dão, são atravessadas por diversas injecções dioriticas, ás quaes se véem subordinados differentes jazigos de ferro. Os calcareos, que entram na constituição d'estas serras, são em geral argilosos, e de estructura terrosa : localidades ha, porêm, onde mudam de caracter mineralogico, e tomam a estructura verdadeira- mente oolitica bastante desenvolvida; mas tanto estes, como aquelles calcareos adquirem nas vizinhanças das emissões volcanicas uma es- tructura compacta, fractura escamosa e conchoidal, côr cinzenta ane- grada, formando um bello marmore escuro: este estado metamor- phico é ás vezes um caracter que denuncia a proximidade do jazigo de ferro. Estas montanhas são separadas por um valle principal onde es- tão assentes os povos de Valverde, Bemposta, Mendiga etc., o qual corre de SO a NE desde as escarpas meridionaes destas montanhas fronteiras a Alcanede até á descida para Porto de Moz. Ao Poente é limitado pelas serras da Pevide, Molianos, e Rio Maior ; e ao Nascente pelas montanhas que constituem os contrafortes das serras d'Alvados e da Mendiga. E nesta localidade, atravessando as serras e o valle de que aca- MEM. DA ACAD.— fl." CLASSE—T. IE. P. II. 50 MEMORIA SOBRE AS MINAS bei de dar noticia, que se observam: diversos filões de ferro. Um des- tes filões metalliferos passa à 2,5 Kilometros a NNE da Mendiga ; mos- tra-se pelo Nascente na vertente e cume da serra das Fontainhas, e segue pelas chapadas e desigualdades que coroam o alto da mesma ser- ra, dirigindo-se para S 30 E por Bajança, e Casal das Pombas. (Vid Planta e Est. 3.º fig. 15). Para o lado opposto atravessa o valle, po- rém com os seus afloramentos encobertos pelo terreno detritico; e passando junto ao povo dos Casaes das Chãas da Mendiga (Est. 8.º fig, 14), corta a montanha deste lado para ir aflorar na vertente occiden- tal da serra que está entre os Carvalhos e os Molianos. Juntando os differentes afloramentos deste filão, e que por mim foram examina- dos, temos um comprimento de 5 a 6 kilometros; prolongando-se to- davia mais para um e outro lado, segundo fui informado, e julgo muito provavel; mas cujo prolongamento não pude examinar por falta de tempo. A direcção mais constante deste filão é de N 3220 a S 32° E: apresenta-se quasi vertical na serra das Fontainhas, e com inclinação de 75º para O 32°S; em quanto que os planos das camadas do cal- careo continente, inclinando ora para Poente ora para o Nascente, con- servam um angulo abaixo do horizonte nunca maior de 20º. Nos Ca- saes das Chãas da Mendiga, a direcção do veeiro é N 30º O, e com ella sóbe a serra do lado do Poente com a inclinação de 60º para O 30º. (Est. 3.º fig. 14). A possança deste filão, considerada em pequenas extensões, póde dizer-se uniforme ; mas comparada entre pontos distantes offerece bas- tante differença : assim do alto das Fontainhas até Bajança varía de 2 a 4" ; do lado fronteiro, nos Casaes das Chãas da Mendiga, tem: só- mente 1 a 1”, 5. O filão é composto de fragmentos angulosos de marmore desde 0”,01 até 0”,1 e 0",2 de comprimento, envolvidos em uma pasta de peroxydo de ferro: a distribuição desta pasta é po- rém muito desigual. Do alto das Fontainhas até ao Casal das Pom- bas ha pontos onde o metal se apresenta formando bêtas bastante ri- cas de alguns centimetros. de grossura, e rins de diversas grandezas, fazendo parte do corpo do filão ; n'outras, porêm, apenas se descobre o minerio por mui pequenas venulas ferruginosas no meio de uma brecha, da qual a pasta é o mesmo oxydo de ferro. O calcareo das gangas ou que enche a maior parte da caixa, tem caracteres differen- tes dos do calcareo continente, posto provirem deste ; reconhecendo-se claramente que foram massas destacadas das paredes da caixa ou das épontes. Nos Casaes das Chãas da Mendiga, (Est. 3.º fig. 3.º) mani- DE FERRO DO DISTRICTO DE LEIRIA. 51 festa-se 6 filão pelo afloramento de um calcareo cinzento escuro, com- pacto e mui duro, e com um aspecto muito differente do do calcareo continente, que é em geral muito menos duro, de estructura terrosa, e mais claro. É notavel a continuidade deste calcareo, occupando a par- te superior da caixa do filão, formando-lhe os seus topes, e deixando ver d'um modo evidente que, no acto d'abertura da fenda, certas por- ções dos extractos da rocha continente zombaram para dentro della, ficando as arestas das porções deslocadas e cahidas para dentro da caixa do filão, voltadas para cima e alinhadas segundo a direcção da fenda, representando assim neste ponto os topes do veeire de ferro. Na descida da serra das Fontainhas para o valle, e na meia en- costa, observa-se que o afloramento do filão se converte em uma terra amarellada ocraceo, contendo massas reniformes de diversa grandeza de peroxydo de ferro anhydro, passando suecessivamente ao oxydo de ferro hydratado e ocraceo. Tanto neste como nos outros filões do districto apparece a dio- rite associada ao ferro nos respectivos jazigos: porém esta circum- stancia, com quanto modifique a estructura do jazigo e os caracteres mineralogicos do minerio, não estendeu a sua influencia alem de 50",0 da linha de irrupcáo, segundo se deprehende da observacio externa. Os afloramentos da Portella de valle d'Espinho (Fig. 16) estam alguns centos de metros fóra da direcção do filão que lhe está mais a O. Nesta localidade apresentam-se os calcareos muito alterados nos caracteres mineralogicos ; completamente rótos e separados em uma grande largura para deixarem ver um afloramento de terra ocracea e de diorite, envolvendo abundantes ninhos, e pequenos bêtas de ferro oxydado anhydro e hydratado. Este afloramento parece á primeira vista pertencer a um jazigo de contacto; creio, porêm, que depois de me- lhor examinado o terreno adjacente, encontrar-se-ha o prolongamento deste jazigo em fórma de filão regular, e parallelo aos demais da lo- calidade. O afloramento da Portella de valle d'Espinho occupa uma superficie não inferior a um hectare. No Penedo da Sina, e no Penedo Alto, montanhas que ficam ao Poente de Serro Ventoso, e uns 3 kilometros a N do filão das Fontai- nhas, apparece um outro filio de ferro encaixado nos mesmos calca» reos. Quasi no alto daquellas montanhas, e proximo ao poço ou Fonte do Povo, é onde se manifestam os primeiros indicios em um calcareò metamorphico amarello e avermelhado, lamellar, tendo adherentes bocados de peroxydo de ferro. Estes calcareos occupam uma zona de 50 a 60" de largo, a qual desce ao valle e dirige-se para o Nascente Ta 52 MEMORIA SOBRE AS MINAS cortando as montanhas deste lado, e tendo contiguo ao jazigo o cal- careo argiloso, lithoide, absolutamente distincto do da zona metamor- phica, e contendo fosseis do jurassico medio. As massas daquelles cal- careos alterados apresentam-se sem uma estructura definida ; os topes são de rocha brechiforme, com pasta de ferro oligisto, em partes mi- caceo, mas distribuido desigualmente. Dentro desta zona, e descendo para o valle, descobre-se um afloramento de terra ocracea de 1",5 de possança, com abundantes ninhos de minerio de ferro ; apresentando- se com o tecto e muro formados do calcareo da zona metamorphico, e inclinando 70º para O 50º S. Mais abaixo deste ponto, isto é, na des- cida da ladeira, tanto os calcareos da zona, como os calcareos conti: nentes apresentam-se tão cortados por fendas, e n'um desarranjo tal, que não se pode reconhecer estructura alguma que encaminhe no co- nhecimento do prolongamento do filão para o valle; sendo um dos grandes embaraços á observação as massas de calcareos desabadas da serra, e os ditriticos arrojados sobre a ladeira. Na vertente fronteira ou do Nascente apparece o filio, logo no começo da subida, no Casal do Fidalgo, tendo por gangas um marne argiloso claro com espatho calcareo côr de leite, ‘disposto em veios ou laminas, e com delgados veeiros de peroxydo de ferro. Da meia encosta para o cume da serra toma a caixa do filão grande largura, quero dizer, as paredes apresentam-se affastadas de 30 a 40”, formando um valleiro cujo fundo é cheio de manchas de terra amarella ocracea, notavel pela vegetação e cultura que nelle ha; con- trastando com as partes circumjacentes, onde apenas cresce algum mato muito definhado. Este filão apresenta uma composição e estru- ctura similhantes 4 do filão das Fontainhas : o calcareo, que se mos- tra na caixa, distingue-se do calcareo continente em ser amarello acin- zentado ; em ser lamellar, ou sublamellar e mui rijo; e o continente em ter fractura terrosa e ser pouco duro ; todavia, o calcareo que oc- cupa a fenda era indubitavelmente parte integrante do calcareo conti- nente antes da abertura da mesma fenda, o qual a injecção da dio- rite e do ferro alteram profundamente. E' por entre este calcareo me- tamorphico que se mostram frequentes afloramentos de terra ocracea contendo bêtas e ninhos de peroxydo de ferro. Este filão continúa pelo alto da serra até alem do Arecaio por Algarões, uns 4 kilome- tros a SE de Serro Ventoso, tendo uma direcção de O 35 Na E 35 S com uma posição proximamente vertical; em quanto que os calca- reos continentes apresentam uma estratificação quasi horizontal. (Est. 3." fig. 17). DE FERRO DO DISTRICTO. DE LEIRIA. 53 Na serra da Pevide, e no sitio dos Charambeis, proximo á Villa de Porto de Moz e nas vizinhanças do Cha Preto, apparecem repeti-. das indicações de outros diversos jazigos de ferro, em condições e com caracteres inteiramente similhantes aos descriptos, e os: quaes muito conveniente sería que fossem pesquizados afim de vér o. proveito que delles. se poderá tirar. ¿Em Valverde, um pouco ao Sul da Mendiga, aflora outro filão de ferro, parallelo ao das Fontainhas, com a: mesma estructura e ca- racteres, e deixando: vêr muitas massas reniformes de minerio de ferro de bastante riqueza. Alem dos mencionados, apparecem ainda outros indicios muito repetidos de jazigos de: ferro em diflerentes pontos des- tes serros, e que só um futuro: exame: poderá fazer conhecer o. seu justo valor. Junto ao povo d'Alqueidio das Contas, concelho de: Porto de Moz, apparece entre os calcareos da precedente formação (oolite me- dio) um largo afloramento com diorite e minerio. de ferro; e uns 800” ao Nascente deste ponto; no sitio da Curvaceira junto ao povo da Carreirancha, mostra-se outro afloramento do mesmo minerio, mas menos importante. O jazigo d'Alqueidão está na borda da chapada de uma monta- nha não muito elevada que se ergue entre o Porto de Moz e'o Re: guengo, e pela qual se liga com a serra deste ultimo nome: a sua presença é denunciada á primeira vista pelos: calcareos duros, e pelos marmores de côr cinzenta: e anegrada, n'um verdadeiro estado me- tamorphico. Estes calcareas rotos pelas emissões interiores apresentam os labios das fracturas bastante affastados; deixando um intervallo na chapada e: encosta meridional! da montanha de 200" de comprido proximamente por 50 a 60” de largo. Este espaço, onde ainda se vêem alguns. fragmentos de extractos de-calcarcas: metamorphicos de pequena grandeza, é occupado na sua maior parte por uma rocha ter- rosa, pouco dura, de côr vermelha, mais ou menos arroxada ; por aflo- ‘ramentos: de massas de diorite, e- por frequentes ninhos e bétas de rico minerio de ferro magnetico polar; constituindo um verdadeiro ja- zigo em massa ou de contacto. Os fragmentos soltos ou destacados dos afloramentos que se encontram á superficie do solo, ou envolvidos na torra vegetal, attingem muitos delles mais de 20 kilogrammas, e são de extrema: riqueza. A rocha voltanica. metaHifera: manifesta-se neste jazigo d'um modo franco, tanto associada ao: minerio, como atraves- sando o: calcareo: que ciroumsereve o afloramento metallifero; não succede, porém, o mesmo na. Curvaccira : aqui apresentam-se os cal- 54 MEMORIA SOBRE AS MINAS careos metamorphicos, duros sublamellares, mas de côr alaranjada, occupando uma zona larga de 300 a 400" e sem estratificação defi- nida ; separando para O lado do N, desde 0 collo até quasi ao cume da serra, um afloramento de rocha terrosa, avermelhada e ocracea, contendo bétas e ninhos de peroxydo de ferro hydratado e anhydro, sem que a diorite se mostre de uma maneira clara e positiva ; no en- tanto este afloramento apresenta-se com os caracteres apparentes de um jazigo de contacto similhante ao do Alqueidão. Será, porêm, mais provavel que pertençam ambos estes afloramentos a um filão parallelo aos precedentemente indicados, mas no qual as erupções volcanicas contemporaneas se apresentaram com mais energia do que nos filões do Penedo de Sina, das Fontainhas, do Castello de Valverde, etc. O intervallo, que separa o afloramento da Curvaceira do do Al- queidão, é todo coberto de calcareos mais ou menos duros e alterados; junto á terra estão as suas camadas em grande desarranjo, inclinando para differentes pontos do horizonte, € offerecendo um lascado ou pla- nos de separação quasi orthogonaes aos de estratificação. A O e ONO da villa da Batalha, desde Maceira até proximo do povo do Cavallinho, levantam-se os calcareos dos terrenos liassico su- perior, e jurassico medio, rompendo as arenatas e calcareos cretaceos, e deixando ver tambem nesta deslocação alguns restos da formação do jurassico superior, Alguns pontos onde esta formação aflora, e bem assim por baixo das camadas do terreno cretaçeo, que apparecem em Valverde do Arnal, encontram-se vestigios de minerio de ferro. Nesta ultima localidade e em outros differentes pontos, n'uma extensão de -2 kilometros, vê-se o solo vegetal intensamente córado de vermelho de sangue pela abundancia do oxydo de ferro dissiminado, certamente devido aos afloramentos de jazigos daquelle minerio em massa «ne alli deve haver, mas cuja existencia não está por ora confirmada, por não se terem feito as necessarias pesquizas. Diversos exemplares destes en- contrei nos barros dos Pinheiros a 3 e 4 kilometros a NNO de Lei- ria, onde o jazigo em massa está patente, e bem assim nos suburbios daquella cidade ; encontrando-se nas proximidades da Pedreira e em outros sitios mui repetidos fragmentos de minerio, destacados dos seus respectivos afloramentos. é No sitio da Moita 1300”, proximamente a NO do Arnal, e pre- cisamente no contacto do calcareo oolitico medio com as rochas ar- gilo arenaceas do oolite superior, mostra-se o afloramento d'uma massa amarella ocracea pouco consistente, com algumas pequenas manchas esbranquicadas, parte das quaes conservam ainda a forma crystallina DE FERRO DO DISTRICTO DE LEIRIA. 55 do feldspatho albite. Esta massa, melhor examinada com relacio ás rochas do oolite, superior, reconhece-se que pertence ás camadas mais inferiores desta ultima formação, mas n'um estado de grande altera. ção metamorphica. Encontram-se nesta massa frequentes ninhos de ferro peroxydado, mais ou menos hydratado; bétas ou venulas do mes- mo minerio, ligeiramente magnetico; e veciros de oxydo de ferro, e de manganez hydratado terroso (acerdese). i N'uma pequena pesquiza que penetrou uns 5” nesta massa cn- contrei sempre a mesma rocha metamorphica acompanhada dos mes- mos minerios, sem que estes se mostrassem muito abundantes. As diorites, e as outras especies trappicas ou porphiricas, não as vi a descoberto nas vizinhanças do Arnal; todavia não posso duvi- dar da sua existencia nesta localidade, tanto pela repetição dos aflo- ramentos desta rocha em outros pontos nîo distantes, como pela na- tureza metamorphica das gangas e origem do jazigo, que acabei de mencionar. Este afloramento de rocha metamorphico e ferro, com quanto tenha uma extensão apparente de 30 a 40", sendo coberto aos lados pela terra vegetal e arenatas do terreno cretaceo, deve ne- cessariamente prolongar-se para um e outro lado. Além d'outras ra- zões apparece em abono desta asserção uma grande quantidade de mi- nerio de ferro em fragmentos de todas as grandezas, que se encon- tram na zona de contacto das duas formações jurassicas nestas loca- lidades, e a abundancia d'escoria que se mistura com o mesmo mi- nerio solto que' se vé nas vizinhanças da referida zona. Estas escorias são evidentemente o resultado de prolongados trabalhos que tiveram logar tanto aqui, como ao lado da capella de Santo Amaro junto ao povo do Arnal. Neste ultimo logar aflora no meio da terra vegetal uma massa de escoria de ferro tão grossa e prêsa ao sub-solo, que á primeira vista parece um afloramento de minerio em fórma de dike; conhecendo-se, porêm, logo ao primeiro exame, que é o residuo de fundição feita ali em outras eras. Examinando estas escorias, reco- nhece-se pelo aspecto da sua fractura, € pela gravidade especifica que apresentam, que o minerio foi mal trabalhado com relação ao apro- veitamento do ferro. A frequencia com que se mostram os despojos da antiga indus- tria metallurgica, não só na freguezia da Maceira, como na freguezia de Regueira de Pontos sobre a margem direita do rio Liz e a uma Je- goa de Leiria, e nas vizinhanças da Vieira e da Marinha Grande, pro- vam que a lavra e o beneficio deste minerio em outras épocas teve nuito desenvolvimento nesta parte do districto de Leiria. 56 MEMORIA SOBRE AS MINAS Qual seja o valor de todas estas indicações, ou, por outros ter- mos, qual foi a natureza do contento aproveitado pelos antigos mi- neralurgicos, qual a extensão da lavra e os logares onde teve logar, e emfim qualteria sido a utilidade provavel do benefício, é uma ques- tão que só o exame de muitos factos acompanhados de explorações po- derão, com o tempo, esclarecer. O que por agora pode dizer-se é que nos planos de contacto das formações cretacea e oolitica ha muitos e bem caracterisados afloramentos de jazigos de ferro e de manganez 'evidentemente subordinados ás erupções dioriticas e trachyticas do dis- tricto ; como podem ser observados nas vizinhanças de Leiria, na Pe- dreira, nos Barros, nos Pinheiros, no valle da ribeira da Magdalena, no Arnal, em Maceira etc. SEGUNDA PARTE. frs enumerado os diversos jazigos de ferro que vi nesta parte do districto de Leiria, farei agora algumas consideraçôes relativa- mente ao seu aproveitamento e beneficio. Para as pessoas que conhecem o valor economico d'um ‘estabe- lecimento de metallurgia de ferro, náo basta saber que ‘em um dado districto existe metal e combustivel em certas proporções, cumpre re- solver previamente as seguintes questões essenciaes. 4.º «Ha mina de ferro em proporção bastante para alimentar «um certo numero d'altos fornos? 2.º «Qual a natureza dos differentes minerios de forro, a das suas « gangas, e como se comportarão elles no tratamento metallurgico ? 3º «Qual a natureza e quantidade dos combustiveis e modo de «os applicar? 4.º «O ponto a escolher para o estabelecimento das officinas de- « verá depender do aproveitamento das aguas de algum rio ou ribeira «importante, ou esta escolha deverá somente ser subordinada ás dis- «tancias reciprocas dos jazigos do ferro e do combustivel? » 7 Exporei successivamente alguns dados que pude colligir a res- peito deste problema economico, de certo um dos mais transcenden- tes da industria mineralurgica, e de mui grande importancia com relação aos interesses geraes do paiz; competindo ás emprezas e aos seus engenheiros procederem aos estudos e ensaios indispensaveis para chegarem á sua plausivel e acertada solução. DE FERRO DO DISTRICTO DE LEIRIA. 57 Quanto á primeira questáo, tenho a observar que os jazigos de ferro do Valle de Valverde á Mendiga, Portella de Valle de Espinho, Serro Ventoso, Alqueidào etc., podem mui provavelmente fornecer nos primeiros tempos 25 toneladas (pelo menos) de minerio diario; o que junto ao ferro argiloso, e ao que está contido nos rins formados de carbonato de cal e carbonato de ferro, que se achão associados ao car- vão, e que podem concorrer como fundentes, haverá mineral em ex- cesso para sustentar a marcha regular de dois altos fornos. Os tra- balhos subsequentes da lavra e os resultados praticos obtidos no fa- brico deste metal farão conhecer não só o desenvolvimento que o es- tabelecimento metallurgico deve tomar, como as modificações a fazer nos altos fornos e mais apparelhos accessorios com relação ao modo de empregar o combustivel, a sua proporção com o minerio, € a qua- lidade da fonte que se deve obter, etc: Relativamente á. segunda questão, já acima dissemos as especies mineracs que compunham os differentes jazigos de ferro, a saber: o ferro magnetico polar, o ferro oligisto, o peroxydo de ferro argiloso, e os nodulos de ferro carbonatado lithoide acompanhados das gangas d'argila com proporções variaveis desilica e de calcareo, tendo os no- dulos de carbonato de ferro uma forte proporção de calcareo e d'argila. Ora é sabido que o principio fundamental da reducção do ferro é a simultanea liquefação do metal e das gangas que o acompanham, quasi sempre misturadas com substancias estranhas que se lhe addi- cionam para lhe dar a necessaria fusibilidade, de modo que, pela dif- ferenca de gravidade especifica entre estas e aquelle, se possa obter o metal no estado de fonte o mais puro possivel. Tambem é sabido que o quartzo é uma das gangas mais communs nos minerios de ferro, seja só ou de mistura com a alumina, eem ambos os casos refractario ás temperaturas a que chegam os altos fornos ; e só quando reduzido a silicato de alumina e combinado com o oxydo de ferro para formar o duplo silicato d'alumina e de protoxydo de ferro, é que se torna fusi- vel : reacção aliás perniciosa em razão da perda de metal a que conduz. Os minerios do Alqueidio, Curvaceira, Arnal, e Portella de Val- le d'Espinho, dariam um similhante resultado, se porventura fossem tratados sem o emprego de bases estranhas. A base quasi sempre mais economica, e que para estes minerios preenche melhor o fim, é o carbonato de cal: esta substancia, quando empregada na metal- lurgia de ferro, perde o seu acido, e fórma o silicato duplo d'alumi- na e cal, mais refractario do que o silicato de ferro e alumina; e como não se liquefica senão á temperatura do ferro fundido, facilita o meio MEM. DA ACAD. — 1." CLASSE — T. II. P. II. 8 58 MEMORIA SOBRE AS MINAS de obter a fonte bastante pura, isolando todo o ferro do minerio. Mas como a maior parte dos filões da Mendiga e de Serro Ventoso tem grande proporção de gangas calcareas, os jazigos do Alqueidão, Por- tella de Valle d'Espinho, e os do contacto das formulas cretacea e oolitica encerram maior proporção de alumina e de silica, será pos- sivel e mesmo facil encontrar um doseamento ou tempero de todos os minerios, de modo que as reacções se façam como é mister, sem o addicionamento de fundentes, ou carecendo de mui pequena pro- porção delles. Esta circumstancia será na verdade de grande resul- tado economico, se se souber aproveitar d'um modo intelligente. Pelo que respeita á grande quantidade de nodulos de ferro car- bonatado que acompanham o carvão no jazigo carbonifero da Batalha, encerram, como já disse, bastante calcareo e argila; o seu emprego e o dos nodulos de actite que o acompanham, exigem, para o apro- veitamento do seu ferro, ensaios bem dirigidos que decidam sobre o modo por que devem ser aproveitados. Consequentemente as especies de minerio com que se póde con- tar para o tratamento metallurgico do ferro parece possuirem as mais favoraveis condições para a necessaria fusibilidade das suas gangas e completa separação da parte metallica; o que não succede ao com- mum dos jazigos de ferro, quando tratados os minerios de differentes localidades em um só estabelecimento. Quanto á terceira questão, devemos observar que da qualidade e do estado do combustivel que se emprega n'um alto forno, depende: muito não só o numero e proporção das cargas, a proporção dos fun- dentes, a quantidade de vento, a fórma do mesmo forno, mas a qua- lidade e quantidade do producto metallico obtido : altera emfim uma grande parte das condições industriaes é economicas do estabelecimen- to. Esta questão, sendo muito importante, deter-me-hei nella um pouco mais. é Em geral o tratamento metallurgico do ferro pode ser feito com carvão fossil ou com carvão vegetal. Usa-se dos combustiveis mi- neraes: 1.º quando não se pertende obter ferro malevavel de superior qualidade ; 2.º quando nos minerios, sendo aliás de superior qualidade, não ha combustivel vegetal em boas condições para o seu tratamen- to. Usa-se do carvão vegetal: 1.º quando os minerios são de supe- rior qualidade; 2.” quando o minerio, de qualquer qualidade que se- ja, é abundante, está em boas condições de lavra, e não ha no paiz carvão mineral para o seu tratamento. Tocarei, posto que de um modo geral, sobre o que respeita ao DE FERRO DO DISTRICTO DE LEIRIA. 59 emprego daquellas duas especies de combustivel para o preparo de ferro no districto de Leiria. Na minha precedente Memoria ácérca dos combustiveis fosseis da formação do oolite superior do nosso paiz disse, que para poder conhecer-se d'um modo positivo a extensão real e aproveitavel do de- posito de carvão da Batalha, cumpriria que se fizessem repetidos fu- ros de sonda no valle do Lena, tanto para examinar a continuidade das camadas no sentido da profundidade ou da inclinação, como, so- bretudo, para conhecer dos resultados das acções dynamica e meta- morphica excercidas nestas mesmas camadas pelas emissões yolcanicas que se veem manifestadas na zona comprehendida entre Leiria e Porto de Moz. Sem este previo exame será temerario e rematadamente im- prudente estabelecer industrias que tenham de alimentar-se desta mina de carvão, cujo desenvolvimento e riqueza podem ser contingentes, em- bora as promettedoras indicações externas, e a probabilidade de ser, no seu genero, um deposito valioso, e até certo ponto garantido por um grande numero de circumstancias e condições geologicas, como fica referido na citada Memoria. Verificado o caso immensamente provavel da primitiva conti- nuidade das camadas de carvão em profundidade na Mina da Batalha, e que as emissões volcanicas não prejudicaram sensivelmente o seu aproveitamento, que tambem acho provavel, poder-se-hia' extrahir della 100 toneladas diarias de combustivel, como disse na já citada Memoria ; o que chega exuberantemente para a alimentação de dois altos fornos de tratamento de ferro com as suas correspondentes for- jas; muito mais aproveitando-se, como deve ser, o deposito de páus fosseis dos Marrazes, as argilas e marnes carbonosos mais ou menos combustiveis que concorrem com o carvão da Batalha ; empregando, bem entendido, os apparelhos e processos de distillação hoje em uso no aproveitamento destas substancias na metallurgia do ferro; reco- lhendo e dando emprego aos gazes emittidos pelos altos fornos ; usan- do do ar quente, etc. j O carvão de pedra empregado a cru nos altos fornos data d'al- guns annos, tanto em Franca como em Inglaterra; a economia que resulta do seu emprego é muito importante para deixar de ensaiar-se um similhante emprego: 1:000 kilogrammias de fonte exigem, ter- mo medio, 2:500 kilogrammas de carvão cru, ou 2:000 kilogram- mas de coke; e como este tem regularmente um preço duplo do car- vão cru ou pouco menos, resulta, como dissemos, uma economia muito apreciavel. 8a 60 “MEMORIA SOBRE AS MINAS Neste caso costuma empregar-se o carváo que náo seja demasia- damente gazoso, e nio dé muitas cinzas, o que obrigaria a alterar a proporção dos fundentes. O carvão da Batalha parece ser bastante gazoso, e dá um coke muito poroso, cujo numero de calorias será proporcionalmente menor - do que o do coke feito com carvão menos gazoso : qualidade que tal- vez o torna menos proprio para ‘uso das locomotivas. Para os altos fornos talvez seja necessario purgal-o d'alguns dos seus gazes por meio de uma especie de distillação ou de- torrefaccio. Será pois, alem de muitas razões de economia e de progresso na metallurgia do ferro, mais outra, não fazer uso do ar quente nos altos fornos servidos com o carvão da Batalha a cru; por isso mesmo que é com o ar quente que o carvão cru se comporta melhor na re- ducção do ferro. Por muito tempo se julgou, dizem os respeitaveis A.A. das viagens metallurgicas 4 Inglaterra, que o carvão cru não podia ser empregado na reducção do ferro; porém a successiva baixa do prego que soffreu o ferro desde certa época deu logar a repetidas experiencias, sendo no paiz de Galles onde primeiramente se fez com vantagem a substituição do coke pela hulla crua, empregando o ar quente ; porém, como os apparelhos d'aquecer o ar se desarranjam com frequencia, pode reconhecer-se que ainda com o ar frio podia appli- car-se a hulla erua fazendo nas cargas algumas modificações. Alem da grande economia (ainda que variavel) de combustivel de qualquer natureza que seja, que resulta do emprego do ar quente nos altos fornos, traz de mais a mais a vantagem de poder substituir (Viagens metallurgicas á Inglaterra) o coke pelo carvão cru, sem que a marcha do forno experimente o menor desarranjo ; tornando-se ef- fectiva esta substituição num grande numero de estabelecimentos metallurgicos d'Inglaterra ; produzindo similhantemente grande eco- nomia de força motriz x'applicaçäo applicada á producçäo da corren- te do ar forçado : assim uma machina de vapor da força de 70 caval- los empregada a dar vento a 3 altos fornos das officinas de Clyde Iron-Worlk, nas visinhanças de Glasgow, passou a servir a 4 altos fornos, depois que ali se introduziu o uso do ar quente. — Quanto ás lignites, páus fosseis dos Marrazes, etc., nos suburbios de Leiria, de nenhum valor industrial ainda ha bem poucos annos, hoje, por meio do emprego dos geradores de gazes ou gazogenos, podem dar uma potencia calorifera de um grande valor na metallurgia do ferro. E' com o emprego indirecto das lignites da mais inferior qualidade, que em muitas partes d'Alemanha se preparam muitos trabalhos de . DE FERRO DO DISTRICTO DE LEIRIA. 61 refinação de ferro. De modo que hoje qualquer deposito de combus- tivel, por mais ordinario que seja, os marnes, os schistos, e mesmo quasi todas as rochas bituminiferas, podem ter uma interessante ap- -plicaçäo nas artes metallurgicas, se as condições do jazigo e a sua situação economia o permittirem: debaixo deste ponto de vista a for- .macáo do nosso jurassico superior no districto de Leiria, é digna de serias investigações em consequencia dos estados diversos com que nella se manifestam as substancias mineraes combustiveis. Sendo, porém, os nossos minerios de ferro do Alqueidão, valle da Magdalena, Pinheiros, Barros, Mendiga etc. da mais superior qua- lidade para o fabrico do ferro. maleavel, tão bom pelo menos como o minerio de ferro da Suecia, e havendo madeiras para o seu tratamen- to, que podem ser fornecidas pelo Pinhal Real, será mais industrial e economico tratar o ferro do districto de Leiria com carvão vegetal do que com o carvão mineral. Com effeito, o combustivel vegetal com relação á metallurgia do ferro possue qualidades industriaes tão preciosas, que hão de sem- pre sustentar a sua grande superioridade sobre o carvão mineral: as substancias estranhas que constantemente acompanham o carvão mi- neral e a variação da sua proporção não só modificam o- séu effeito calorifero, mas influem de uma maneira. energica nas qualidades do ferro communicando-lhe propriedades nocivas; em quanto que o com- bustivel vegetal, quasi desprovido dessas substancias, faz a reducção do minerio, e a refinação da fonte sem alterar as boas qualidades do metal ; sendo só e exclusivamente com este combustivel que se podem preparar os bons ferros maleaveis como os da Suecia e d'outras par- tes. Acrescendo que os processos e os mestres pertencentes aos esta- belecimentos onde ha forjas tratadas com combustivel vegetal, podem transplantar-se para qualquer parte do mundo onde se fabrique ferro com madeira, porque a pratica e os processos não soffrem alterações importantes, em razão das madeiras, quando passados a lezhoso, não apresentarem differengas essenciaes de uma região a outra; em quanto que um mestre de forja tirado das officinas de Straffordshire não sabe trabalhar nas officinas de Glasgow sem comprometter, ao menos nos primeiros tempos, os resultados economicos do estabelecimento, Muitos teem sido os esforços feitos pelas forjas inglezas no. in- tuito de prepararem o ferro cujas propriedades se aproximem: do ferro tratado com o carvão; de madeira, mas não obstante as diligencias e intelligentes modificações feitas nos processos, paga-se em Inglaterra o combustivel vegetal a 120 schelins a tonelada (mais caro do que a 62 MEMORIA SOBRE AS MINAS tonelada de ferro tratado com ‘0 carvão mineral) afim de prepararem ferro maleavel tratado com combustivel vegetal para se vender no mesmo mercado por 450 schelins a tonelada; e a industria ingleza, tendo o seu ferro tratado com carvão mineral ao preço de 100 sche- lins a tonelada, é tributaria á Suecia de todo o ferro maleavel de que a sua industria carece, pagando-o de 600 a 1:000 schelins a tonelada. O elemento combustivel das madeiras desenvolve uma potencia calorifera muito menor do que a do carváo de pedra, o que o torna por este lado menos proprio para as applicações que exigem uma muito elevada temperatura como a do ferro; diminuindo aquella po- tencia na razão inversa da quantidade d'agua hygrometrica que a ma- deira encerra, a qual chega a oitenta e dois centessimos por um de lenhoso impuro. Na Europa central as madeiras que são cortadas no inverno conservam apenas no fim do estio seguinte 0,4 d'agua e me- nos ainda; mas nunca desce abaixo de 0,2, qualquer que tenha sido o tempo decorrido depois do córte. Ora o carvão de pedra com 10 por cento de cinzas produz 6:000 calories e uma temperatura de 2:020º G (+). O lenhoso puro (madeira deseccada pelo calor artificial e preparada para o trabalho do ferro) separa de si 4:000 calories, e uma temperatura de 1:700° C. Quando a madeira encerra 0,4 d'agua reduz-se a temperalura a 1:380°:C ; descendo a 1:120° C, quando a proporção da agua attinge a 0,82 : e como a reducçäo do ferro, a puddelage, e a refinação, exigem tempe- raturas comprehendidas entre 1:200º a 1:400° C, é claro que o tra- tamento do ferro não póde fazer-se com madeiras recentemente cor- tadas. Por conseguinte, o numero de toneladas de combustivel vege- tal preciso para alimentação d'uma grande forja de reducção e de re- finação de ferro, alem de outras mui importantes condições de que de- pende, varia muito com o estado de deseccagio da madeira. Sendo,. portanto, a agua hygrometrica das madeiras o agente mais antagonista da producção do calor, trataram as forjas a carvão de madeira, especialmente as dos paizes do Norte, de inventar appa- relhos e processos para expulsar aquella agua, e converter a madeira em lenhoso ; e felizmente as diligencias teem sido acompanhadas de mui satisfatorios resultados. O desenvolvimento da industria do ferro nos paizes que possuem jazigos de ferro de boa qualidade, está de- pendente desta questão ; e logo que a conversão da madeira em /e- nhoso se possa fazer de um modo simples e economico, 0 problema (+) Memoria de Mr. Le Play sobre o tratamento metallurgico do ferro. DE FERRO DO DISTRICTO DE LEIRIA. 63 está resolvido; e se ainda 6 não. está completamente, ao menos tende fortemente para esse fim nas forjas da Styria, da Carinthia, Polonia, Russia, e Suecia. O respeitavel e antigo engenheiro em chefe. de minas de Fran- ca, Mr. Le Play, no seu interessante trabalho sobre o novo methodo empregado nas florestas da Carinthia para a fabricação do ferro, im- presso nos Annaes de Minas de França (e do qual tirei uma grande parte dos dados inseridos na 2.º Parte desta Memoria), diz o- seguin- te: «O cultivo das florestas da Styria, da Carinthia, do Turinge, West- «phalia, Veneza, Saboia etc., e a actividade das forjas estabelecidas «nestes paizes e que se alimentam daquellas florestas, devem 0 seu «engrandecimento e prosperidade á excellente qualidade dos seus mi- «nerios de ferro; e em quanto a impotencia da metallurgia não pro- « duzir bons ferros com maus minerios, a existencia de jazigos de ferro «de superior qualidade será sempre um fóco poderoso .e efficaz de «animação para as florestas, e para as forjas, porque assegurará ao sólo «vegetal uma renda superior. áquella que se attribue aos melhores « terrenos agricolas. » È Porém um grande numero de circumstancias influem sobre a quantidade das essencias precisas para o fabrico d'uma dada quanti- dade de lenhoso ; taes como a sua especie e idade ; a sua gravidade es- pecifica ; a época do córte; as condições em que são guardadas ; a quan- tidade d'agua hygrometrica que encerram ; os processos empregados no preparo etc. Suppondo, porém, todas as condições favoraveis, a ob- servação tem mostrado que para uma tonelada de /exhoso são preci- sas 2,5 steres de madeiras pesadas, ou 3,6 steres de madeiras leves. E se tomarmos 3,5 szeres de pinho do nosso Pinhal Real de Leiria para o fabrico d'uma tonelada de Jezhoso, não nos affastaremos muito da verdade, attendendo a que as lenhas que se destinarem a este mis- ter sejam dos páus menos sãos e dos que não forem mais pesados. O mesmo Mr. Le Play na sua citada Memoria continúa dizendo: «+. +. + basta pôr estes dados em comparação com os que se apresen- «tam no coméco deste capitulo, para mostrar com toda a clareza a «superioridade do novo methodo da Carinthia, sobre tudo no que diz «respeito ao consummo do carvão vegetal. A concentração do traba- «lho em grandes officinas, e especialmente a substituição da pudde- «lage aos actuaes methodos de trabalho, fundados sobre o emprego «des tuyeres, permittem dobrar, e talvez mesmo triplicar a quanti- «dade de ferro que hoje se obtem com uma dada quantidade de car- «vão vegetal. . .. É de esperar que com o tempo e alguns esforços a 64 MEMORIA SOBRE AS MINAS « fabricação do ferro com o lenhoso e os laminadores satisfará comple- «tamente ás conveniencias industriaes, que a maior parte das actuaes «officinas que usam de carvão vegetal e martinete não podem attin- «gir. Segundo toda a apparencia a bella descoberta dos metallurgis- «tas carinthianos é o ponto de partida de uma revolução fecunda nos «methodos de trabalho adoptados nas forjas servidas com combustivel «vegetal...... » Pelas consideracóes que ficam expendidas mais acima já se pódé antever a difficuldade que ha em fixar de um modo positivo e à priori o numero de carradas de combustivel que será necessario extrahir annualmente do Pinhal Real para entreter uma grande forja de tra- tamento de ferro, todavia apresentarci uma cifra que sirva de termo de comparação, fundada comtudo em dados positivos e reaes forne- cidos pelas pessoas mais competentes e acreditadas.: 1 Tonelada metrica de forte consome (2,78 tonel. de lenhoso, e a 1,15 toneladas de carvão, equivalen-s 3,97 >» de madeira com tea 0,3 d'agua hygrometrica, Por’ consequencia um alto forno, produzindo tres toneladas metricas de fonte diaria, póde consumir 11,91 toneladas de lenha, ou 807 ar- robas, ou 26 carros de 80 arrobas; o que corresponde a 9:360 car- ros annuaes, ou 18:720 carros para dois altos fornos em continua actividade. Para convertermos agora as 6 toncladas de fonte dos altos for- nos em ferro forjado e maleavel, temos que: 1 Tonelada de ferro maleavel consome 1,24 Sodna on ao 4,2 » de madeira com tonel. de carvã uivalente a 1 , ; AOs LA a 0,3 d'agua hygrometrica. Conseguintemente 4,44 tonel. de ferro maleavel, «que resultam das 6,0 tonel. de fonte, consomem 18,648 tonel. de lenha, ou 1:802 ar- robas diarias, o que corresponde a 14:400 carros de 30 arrobas cada um. Total para os dois altos fornos e forjas 34:400 carros annuaes. Cifra que póde ser elevada até 50:000 carradas de lenha annual se construirem altos fornos de grandes dimensões, e que produzam en- tre quatro e cinco mil toneladas de fonte diaria. Estas cifras são baseadas na hypothese de que o estabelecimento que se encarregar do tratamento do minerio de que falla esta Me- moria adoptará os fornos, maquinas, systemas, e processos os mais DE FERRO DO DISTRICTO DE LEIRIA. 65 perfeitos e ultimamente sanccionados pela pratica nos paizes do Nor- te da Europa acima apontados, unicos modelos a tomar para o caso presente; e que se commette a direcção do mesmo estabelecimento aum homem de sciencia, eminentemente pratico, iniciado náo só em todos as circumstancias desta vasta industria, mas tambem na parte economica e financeira de similhantes estabelecimentos ; d'outra sorte é comprometter capitaes e madeiras com inuteis aprendizagens, e des- acreditar uma das mais importantes industrias que póde e deve ser estabelecida em Portugal, Ha dez ou doze annos ninguem diria que no systema de forjas inglezas se podesse introduzir o uso do combustivel vegetal (observa ainda Mr. Le Play) cuja descoberta tantas vantagens preparam 4 in- dustria do ferro. A maior parte dos estabelecimentos da Europa que fabricam ferro com combustivel vegetal gastavam, e alguns ainda gastam, o equivalente de 12 a 15 toneladas de lenhoso por tonelada de ferro maleavel; quando os ultimos melhoramentos introduzidos nesta industria rebaixaram esse consummo entre 5 e 7 toneladas. As investigações não cessam, e ninguem póde prever quaes serão os no- vos melhoramentos e economias que se introduzirão daqui a pouco tempo na metallurgia do ferro; e por consequencia a quanto ficará reduzida a quantidade de madeira necessaria para o preparo de uma tonelada de ferro maleavel. Conseguintemente quando haja de estabe- lecer-se uma similhante industria no districto de Leiria, e o Estado se obrigue a fornecer do Pinhal Real a madeira necessaria ao seu cos- teamento, deverá a quantidade variar, não só com o numero dos altos fornos em campanha, mas segundo as economias que successivamente se forem introduzindo nos processos de fabricação do ferro maleavel. Cabe observar neste logar que tendo nós herdado de nossos pais grandes extensões de terrenos cobertos de floresta e lenhas, legámos á futura geração a maior parte desses terrenos despejados, sem uma unica cousa que possa supprir essa irreparavel falta; deploravel con- sequencia de causas que todos conhecemos; e oxalá chegue o mo- mento de começarem a remover-se para não aggravar mais o mal. Ainda assim preparâmos a nossos filhos uma crise medonha tanto pela falta geral de combustivel, falta que já se faz sentir em todas as pro- vincias com grave lesão da economia dos povos, como pela rapida e progressiva carencia de páus de construcção ; crise que se appropin- cua com o desenvolvimento das vias de communicação especialmente com a das linhas ferreas; e a qual offerecerá serios embaraços na eco- nomia da futura sociedade e na sua administração publica. Portanto, MEM, DA ACAD.—1." CLASSE—T. Il, P. II. 9 66 MEMORIA SOBRE AS MINAS qualquer que seja o valor por que venham a pagar-se as madeiras e lenhas do nosso Pinhal Real, o numero e extensáo dos córtes nunca deve exceder as forças do Pinhal; isto: é, o numero de altos fornos com as suas competentes forjas servidas pelas lenhas do Pinhal Real não deve exceder a dois ou tres em permanente actividade; podendo todavia eleyar-se, se houver minerio que sustente maior numero d'al- tos fórnos, e a experiencia mostrar que o Pinhal os póde alimentar com as suas lenhas, sem que o Estado fique privado de poder dispor d'uma certa quantidade de lenhas e madeiras para obras de interesse publico, e sem prejuizo da extensão e valor real do Pinhal. As lig- nhites do districto, os páus fosseis dos Marrazes, os matos e produ- ctos de limpeza do Pinhal Real, os gazes provenientes das combus- tões podem com grande vantagem ser convertidos em agentes mo- trizes e por consequencia elevar-se o numero dos altos fórnos em campanha sem fazer exigencias ao Pinhal superiores ás suas forças, ou superior á cifra que deve fornecer sem prejuizo d'outras industrias e da reserva com que o Estado deve ficar para as necessidades das suas construcções e obras publicas, Pelo que respeita á quarta e ultima questão ha a observar que o rio Lena alimentado por algumas nascentes que brotam do meio dos calcareos jurassicos aS e SE de Porto de Moz, com um curso de 3 legoas, uma bacia hidrographica muito circumscripta, correndo pelo meio d'um leito mui pouco accidentado e bastante largo, por conse- quencia com um declive mui pequeno no seu corrego, parece não ter o volume d'aguas e a quéda necessaria para que possam aproveitar-se como força motriz para o trabalho de um estabelecimento de reduc- ção de ferro. Estas aguas só se podem aproveitar para o tratamento mechanico que alguns dos minerios careçam ; para a lavagem e tra- tamento do carvão que convenha reduzir a coke; para alimentação das machinas de vapor ete.; um similhante uso, porém, aliás indis- pensavel, não póde de fórma alguma decidir em primeira plana so- bre a escolha do ponto para assentar um estabelecimento desta ordem, pois que para similhantes misteres em qualquer ponto do valle, mais acima ou mais abaixo, se póde tomar a agua necessaria. Já não succede outro tanto abaixo da confluencia dos rios Liz e Lena a O de Leiria, onde o volume d'aguas reunido é bastante res- peitavel na maior parte do anno para produzir grande força motriz : é entre esta confluencia e a Vieira que me parece se deve escolher o ponto para o estabelecimento das officinas; um mais detido exame das condições do problema é que devem decidir desta escolha. DE FERRO DO DISTRICTO DE LEIRIA. 67 Finalmente, a lavra dos combustiveis e o tratamento do ferro no districto de Leiria podem ser uma grande fonte de riqueza para o paiz, e para quem emprehender estes trabalhos, se a empreza, to- mando por modelo os melhores exemplares que ha na Europa para a metallurgia do ferro, os reproduzir entre nós com as intelligentes modificações que a diferença de circumstancias reclamar. A cons- trucção dos gazogenos para o emprego dos combustiveis de superior qualidade; a dos apparelhos ao ar quente; a dos apparelhos para o aproveitamento do calorico e dos gazes combustiveis dos altos fórnos cujo valor orça por dois terços do calorico relativo ao total do com- bustivel que entra no alto forno, e que d'antes se perdia pelas chami- nés dos mesmos fórnos, são outros tantos melhoramentos que não de- vem nem podem esquecer, e que estão hoje em uso em quasi todas as forjas. Não se deve, porém, ir buscar os modelos das forjas da Bel- gica ou da Inglaterra com os seus processos, e copial-os em todas as suas partes; porque talvez fizessem abortar uma boa parte dos sa- crificios e esperanças; para o que, alem do que fica’ já dito sobre esta questão, bastará accrescentar que n'aquelles paizes dispõe-se do car- vão com a prodigalidade a que os habituaram as suas ricas e vastas minas de hulla, e não possuem senão minerios de ferro de inferior qualidade; mas sim os modelos da Alemanha, da Suecia ou da Rus- sia; não devendo esquecer os exemplares d'algumas partes do impe- rio d'Austria onde se empregam lignhites da mais inferior qualidade, e dos quaes, por meio de apparelhos economicos e bem concebidos, se obtem á vontade uma potencia calorifera de muito valor nas of- ficinas de tratamento do (erro. Com apparelhos similhantes podem aproveitar-se os páus fosseis e os lignites dos Marrazes; os schistos carbonosos ou carvões impuros do andar carbonifero da Batalha ; os marnes bituminosos que apparecem neste mesmo andar ete., e ap- plicar os carvões fosseis de melhor qualidade para alimentarem algum alto forno ou para outros misteres. É portanto minha humilde opinião que, depois de resolvida a questão do tratamento do ferro no districto de Leiria com o carvão vegetal, a empreza que houver de encarregar-se de montar esta in- dustria faça examinar por pessoa intelligente e muito pratica neste ramo, tanto as forjas mais acreditadas do Norte da Europa que tra- balham a carvão de madeira, como as que promiscuamente usam dos fosseis vegetaes de inferior qualidade; devendo merecer particular es- tudo os estabelecimentos da Carinthia onde se offerecem todos os melhoramentos que a arte tem descoberto e a experiencia sancciona- 68 MEM." SOBRE AS MINAS DE FERRO DO DIST.’ DE LEIRIA. do. Só então, e depois de uma intelligente discussão, é que póde es- colher-se para typo o exemplar que mais se accommodar ás condi- ções peculiares dos nossos elementos e recursos no districto de Lei- ria, e acertar-se com as modificações que a differença de circumstan- cias exigir. Emfim, o estabelecimento da industria do ferro em Portugal deve ser saudado por todo o bom portuguez como uma das fontes mais valiosas de verdadeira prosperidade publica, tanto porque irra- dia a sua benefica influencia a grandes distancias, insinuando-a por todas as camadas da sociedade onde lança a instrucção e a riqueza, como porque qualquer paiz da Europa que no seculo 19.º não fa- bríca o ferro para as suas necessidades, não póde ter verdadeira civi- lisação nem independencia. Do que fica dito ácêrca do tratamento matallurgico do ferro no districto de Leiria, concluirei : . 1.º Que a lavra do ferro e o seu tratamento, tanto no districto de Leiria, como nas outras partes do reino, onde esta industria se póde tornar exequivel, é uma das nossas mais instantes necessidades. 2.º Que ás emprezas, que de boa fé e com dedicação se propo- zerem implantar entre nós o fabrico do ferro extrahido das minas de Portugal, cada cidadão em particular, e o Estado por todos, devem, por seu proprio interesse, e pelo interesse do bem publico, auxilial-as e dispensar-lhes patriotica e esclarecida protecção. 3.º Que o Estado se preste a fornecer do Pinhal Real de Leiria todas as lenhas precisas ao entretenimento de dois até quatro altos fórnos e forjas correspondentes, se houver empreza que queira tratar o ferro das minas d'aquelle districto. 4. Uma das industrias que mais rendimento póde dar ao Pi- nhal Real, e elevar o seu valor acima d'aquelle de todas as terras cul- tivadas, é o tratamento do minerio de ferro do districto de Leiria com a madeira do referido Pinhal. 5.º O ferro das nossas minas do districto de Leiria tratado com carvão vegetal póde competir com o melhor ferro da Suecia, e en- contrará mercado seguro em França e em Inglaterra. 6.º A empreza, que se propozer ao estabelecimento desta indus- tria, deverá aproveitar todo o terreno de gandra que podér obter nas vizinhanças das forjas, afim de estabelecer florestas que no futuro ali- mentem só per si as mesmas forjas ; podendo fazer a acquisiçäo dos terrenos mediante expropriação por utilidade publica. geme ( vi? oz Hguerdao d'Arrimalde | i Mendigo. | E MORIA DISTRICTO DE SOBRE A MINA DE CARVAO DE VALVERDE SANTAREM. . Vá SELLA iat Corte por AB. ESA O. y x | j f | NON » | / Tá | a | | y ta | Pontela/ J lateço| di Veado. / Ss | | | | | | / » | / Li | y | VANE ALS fd iF | a [| | / $ CL - / | j | AE Piao, A (D af tello [o A DR IRE) i É à a) ) \ = | Eea E A | o Valverde. / |} j a | | AN: IS = \ Ao 7 é Ss Pig. +. | N E ( È, | H | —olasais Carvalhos À | = Ì A | ie AO \ y : ere à by | = / eo +)/ (Cabeço do Lambujats > | le È È à \ Sam N A N Y $ y à à È IE ‘ [SI D ae i Corte por CA È. > s E a A N | È N Rè LA É | à È = | NO Fig. 9. + $ N NY g = 8 y ` | ANNE O S È 3 SÌ : | ÓN S: S $ x à È 3 E N y | 3 E di | Par y à | | È É | | = i; | | | | tt; | | | 3 | | Escala da Fig et. Escala da Fig. 4. | | ; | | n 4 2 5 4 5 o 4 3 1 2 Eu Rs | | Tera erez 3 Kilometros. cirie = J =a Legoas. | | RÍA a i I RIONE DA bit 2 Out? Gallego. 2 sa: wUastello Pombal. PERO DO O e DISTRICTO DE LEIRIA. + Od dos Netos itBarroca dos Bixevros) Marinhas DA f (reje Nova] ‘ e e è Di ES a N y Capella, de SL dai $ + ia & ANinho de Corvo. pi odivados. . Rigueira de Pontefe. fie 4 Pro PEZ Cortes SE rag i VO Picoto à curate © GulpilhetraX ¿Algo dos, Bol É + - atta: Papos. #oramente. y R ~ E N Formação do Colite medio. E Š o Marinhas. E rtella de Valle d'Espinho . z Terreno Cretaceo. FIERA y re lee | Pormacio do Colite superior =! Arnal. 5 Rochas dioriticas. = 1 2 > 4 6 ud 8 9 10 E i i i E = LE: | Kilometros Escala de 1:100000 | | | SA a ik AIAR o RARE nes a cae RE ta die es poate A.C. Barreto. Gr. è s E: a Ga N “coop ep wuag* À i AR 3 à è ì y È È Ri s N hi xi 3 Ici x A y iy >, 3 P i SA N pas j E yA Qe 4 > N ¿3 > hide GA $ 13 è “wearpung sep orar RED R 3 CIARA ‘uourdns 27900 AR BETR A a sia a iq ne É i sopvaz pp edu E ‘SS Re é “oxoussavo onevapro 2 osso vo ast s ¿iS y qvo yooq sop vo sou > à MITE ED dazio: $8 y $ $ sa 772-4027 É È ï RE N Ta 5 P N SES N Vie jie, Rate ta è RO E ES È RE Sees STS $ Al RE SL | SE vous À guage À E È Tem, E EAR aa 3 i? Pa fi . y è $ RR + R q vor doren royong È È $ $ $ è + ee è = alió Ñ È | N ao op over arpuo op sro o snig + yd è ` N i N hai $ 3 in “pela QE à ` EN E as è Mt LI NES 3 + E ah ` 3 R g + È i S “ENE é = giz 3 SN SÁ DI È eae ia N $ A N R ì è É E: ya à 8 $ . > A A A cacao. User z somou, A S Ars POXOUNLIADO s021v7707 y NS è = 8 y : E sala a $ us à 8 a 4 5 a à bosser csumozoo mos pue À ‘ebuep:g+ E o 3 À - $ 4 > : è | e RS, evauwvo ep aruzurouorfjy | | E a womedhped op empre) y |% N uao sp euro fi ì | pa È o E 3 o E È z 8 sein Boy 8 3 == E "È S | vapou 27700 è è ai Lapemedne 22200 op apor a > feprreucgens ouusf =p sompor G s Barata que PP Sep iene | rpg | i ¡E W arr | È JEP oro) op arepa rg o PA 4 Na cada Tele = 7 a SE Riza | o | oe Ly La la wrrydaorenzzio uod sapore = i Ej eur fiuoquos pur op wxyooy = * Slouunf'op sous E 3 < E } Oo É orn dede i MO À | o j = | oposp op obegu) al H z | i i | ul i | œ è | oe È Per 5 Ji SOTA - “m . è —— S Ai o 5 j a i Š x vero a È E E Lieu à me bug ona s O comu op mper; E A poema fui i por t a fa see a Si i o bmp y É [| 00700 ofi auos eram i A vu oprvs ouusfap veynp opt ; i N : > > 3 Ñ è Ro LS is $ * is è À | 4 E à 8 iy 7 '8 A i 3 wostene p woyusdes + sagre so 1072007) = & D ws ap 2 cup op sognpo Ù cuwaoy ey faso op quorum fi È dd eya SA ki Sa. è D Eno, K Yi 5 à È R 4 fy x © A Y x Ÿ E Eterna “pe Op mal 4 = a bj E no p copados o agree mos won) Aja xY è ES Rovas sp pe rs es 4 E Seswavay oboy oda ¿y 3 5 Mery denreozori coter y + 4 y mus or * x q E Tau vu 5 È È 8 $0494 y svp ourora (| S ee ms a S AP UTI F en op ex ator em ear, oyp gr j cera op ent “OM p nng sop veu) HE do Horno. wd. de Dep! dos Trab. G Lith Barreto. Fr CASE CORTES DO TERRENO CARBONIFERO DO OOLITE È = É à : $ N A S E £ $ Corte de Porto Carvalho em Spite pela Calvarià atea Igreja velha das Colmcas. 12 Pres => > LT o ATA AA SUPERIOR NO DISTRICTO DE LEIRIA. Igreja Ve- rèas proxime a Pogra dar Cole Corte da serie carbonifera do Carvalho das Mentiras proximo d Villa de Pombal Ù Prete de grés grosseiro ferruginozo com rins de p grite de ferro. Argila schistade com laminas de carvão Argile carbonoxa com laminas de lénhite: 0. 3 ta carboni eno ficar noxa negra, carbonoza, dura com. conchas d'agoa doce:1,0.5 m onoxas: À, | herentes cinxentas e car FR trigomias ¢ pernas + Linhite em laminas alterantes come argila sohistoxa Gres mizacea marnes e calcareos granularer otn- sentor e amarellos. Sp tte + Portela da Memoria. Mi Barreca de Bixeiros, 7 BENE E ee ERA PRES RARA Me aa Corte de Spite pela Portela da Memoria até S Thiago de Litem. Vodalos de ferro carbonatado.... + Er - + PE + ENN A +3 A AENA ty Peoquiza de S.Thiago de Litem PIF E te po re a AA E Linhite e linhite. Camadas de lenhita Camadas de Calcareo e marnes do andar carbonifi Corte na Ravina dos Marraxes. Corte de filas de ferro de Caxaes de Chão da Mendiga. Corte do filão de ferro no Alto da Serra das Fontainhas . Caleareo do Colite medi i Caloareo de Oolite medio. Corte do jaxigo de ferro na Portela de Valle do Espinho, Corte do filé de ferro de Serro Ventoxo. de de da cinzenta e a lo a argila: 0/77. mente de contferas 1!" llada: 075 oxado è gridelem: 0,2. Caliareo do Oolite medio, Diorite Diorites e rochas metamorphicas. Formaças do oolite medio. | Andar do oolite superior. Carvao. Schisto carbonoxe. Barras de calcareo. Terreno vrelaceo. Oolite inferior e Was superior. AO Barreto. gr ee shes dus o Lith do Dep2dor Trab. Ceod . MINAS METALLICAS DE PORTUGAL MEMORIA SOBRE A MINA DE CHUMBO DE S. MIGUEL D'ACHE CONCELHO DE IDANHA A NOVA POR CARLOS RIBEIRO SOCIO EFFECTIVO DA ACADEMIA MEMORIA SOBRE AMINA DE CHUMBO DES, MIGUEL D'ACHE NO CONCELHO DE IDANHA A NOVA. A mina de chumbo de S. Miguel d'Ache e o districto metallifero a que ella pertence, estão situados a 30 kilometros proximamente a NNE da cidade de Castello Branco, 13 kilometros a NNO da Idanha a Nova, e 2,5 a 3 kilometros ao Nascente da margem esquerda da ribeira de Taveiró. Os seus affloramentos mostram-se no meio d'uma extensa chapada granitica, interrompida apenas pelos valles por onde correm as ribeiras de Alpreada, Taveiró, e outras linhas d'agua, e por alguns valleiros e campos de fractura de não grande extensão ; vindo o sólo onde está assente a mina a erguer-se, no seu ponto mais alto, uns 100” sobre a ribeira de Taveiró, e 60 a 70” sobre o alveo da ribeira da Lapa que tornéa pelo Nascente o local da mina. Muitos são os affloramentos de filões que apparecem, não só no districto metallifero de que nos vamos occupar, como tambem n'um grande numero de pontos d'esta parte meridional da provincia da Beira Baixa, todos elles mais ou menos distantes, e tendo relações mais ou menos proximas com os do districto em questão : assim os veet- ros de S. Miguel d'Ache atravessam a ribeira de Taveiró e conti- nuam na outra margem até grandes distancias, ae em * ` 4 MINAS METALLICAS | uns logares, n'outros confundindo-se com diversos affloramentos d'ap- parencia mais ou menos metallifera que vem d'outros pontos; em quanto que por toda a parte Norte e Occidental da chapada acima indicada apparecem pequenos campos de fractura com affloramentos identicos aos dos filóes de S. Miguel d'Ache, dirigindo-se todos para o mesmo ponto do horisonte: resultando da extensão e das mui va- riadas circumstancias com que se apresentam estes affloramentos, uma grande difficuldade em definir desde já os limites naturaes d'este dis- tricto metallifero. No entanto como na área triangular, limitada pela parte da ribeira de Taveiró, comprehendida entre as pontes de Geão e a da Orca, e o povo de S. Miguel d'Ache, é onde se véem agrupa- dos maior numero de affloramentos, e onde parece ter-se exercido uma mais intensa emmissáo , será este espaço o que se denominará n'esta Memoria « Districto metallifero de S. Miguel d'Ache. » (Vid. planta junta.) 7 A rocha, que se vé em todo o districto de S. Miguel d'Ache e que encerra os jazigos metalliferos, é o granito grosseiro porphyroide de textura laxa. Este granito compõe-se de grossos grãos de quartzo vi- treo, cinzento, accidentalmente rosado, e com mica negra nas fendas d'estalado; de crystaes d'orthoze de dois a oito centimetros de maior lado, branco leitoso passando por alteração a amarello e a vermelho; e de palhetas de mica negra e averdoengada. O talco apparece occasional- mente de mistura com a mica nos sitios mais visinhos dos affloramentos metalliferos ; a tourmalina, o oxido de ferro em crystaes octaedricos, e a pyrite de ferro, tambem se mostram accidentalmente. Todo o granito d'esta região metallifera está cortado por um multiplicado numero de fendas de resfriamento cheias d'uma substan- cia quartzosa, dura, negro azulado e adherente ás paredes das mes- mas’ fendas, formando outros tantos veios de tres a dez millimetros de grosso. A’ primeira vista parece que a situação d'estes planos de resfriamento não é subordinada a circumstancia alguma, porém depois de curto exame sobre as direcções que os affectam, reconhece- se que uma grande parte d'elles correm com regularidade, e em grandes extensões, de Nascente para Poente, e entre os quadrantes de NE e SO. Estes planos são ainda cortados por outros que occupam po- sições diversas sem comtudo mostrarem, como aquelles, grande conti- nuidade, mas que concorrendo todos, retalham o granito em massas prismaticas e polyedricas, e dão a esta rocha a sua particular estructura. N'um certo numero d'estas fendas de resfriamento que correm de Nascente a Poente,. observa-se em cada uma d'ellas uma zona, de DE PORTUGAL. 5 largura variavel de um a vinte metros, onde o granito se apresenta immensamente alterado tanto nos seus caracteres mineralogicos como n'aquelles dos seus elementos, tomando uma cór averdoengada e ama- rella manchada em vermelho, já pela presença dos silicatos de magnesia, já pela alteração da orthose, desapparecimento da mica, e modificação na proporção e fórma do elemento quartzoso. E' do meio d'esta zona as- sim córada e metamorphica, e da fenda de resfriamento preexistente, mas levada-a grandes dimensões, que sáem placas de quartzo metal- lisado e d'argilla ferruginosos, representando á superficie do sólo os fi- lões plombiferos do districto metallifero de S. Miguel d'Ache. Não -é possivel precisar o numero de filões que ha n'este distri- cto pela simples inspecção dos affloramentos que se véem a desco- berto (Vid. planta): as emissões metalliferas e quartzosas parece te- rem-se manifestado em estreitas zonas dirigidas de ENE a OSO, de NE a SO e no mesmo sentido que preexistiam os systemas de fen- das de resfriamento ; porém achando-se estas fendas cruzadas por ou- tras, n'ellas se foi insinuar tambem a materia vinda do interior (pa- recendo comtudo terem-se alojado de preferencia n'aquellas que mais se aproximam da linha ENE a OSO) de modo que um affloramento que se dirige de Nascente a Poente, bifurca-se mais de uma vez, che- gando mesmo a formar feixes de venulas ou de veeiros que occupam zonas dé alguns centos de metros de largura, como acontece sobre a ribeira de Taveiró. Chamarei porém mais a attenção sobre aquel- les affloramentos que parece representarem o papel de filões mestres, tanto pela sua possanca, como pela sua continuidade. : O filão Affonso, o mais antigamente descoberto e conhecido na localidade, é aquelle que 'constitue o objecto da unica concessão que ali existe hoje. Este filão passa uns 800",0 ao Norte do povo de S. Miguel d'Ache, no sitio denominado Pedro Affonso, que lhe dá o nome; para o Nascente estão as paredes da fenda tão serradas que a custo se distin- guem alguns mui remotos indicios do seu prolongamento, manifesta- dos na pequena alteração do granito; sendo para notar que não só este, mas a pluralidade dos affloramentos dos filões da localidade , tornam-se exiguos e desapparecem depois a maior ou menor distancia ao Nascente do meridiano de S. Miguel d'Ache; para o SO proseguem os affloramentos do filão, bem caracterisados e com bastante continui- dade por uns 500",0 até á saída da Tapada dos Sobreiros d'onde des- cahem para o SSO: d'este ponto em diante desapparecem completamente todas as indicações directas debaixo do sólo vegetal, denunciando-se porêm a continuidade do filão pelos repetidos affluxos d'agua que se 6 MINAS METALLICAS véem em Valle Bom, e pelos frágmentos bem definidos das rochas dos affloramentos desmontados pelo trabalho da cultura e espalhados na zona de prolongamento, como se observa na quinta de Manuel Luiz Patacas : até que em Chão de Tirante, 900”,0 distante do ponto de partida, e na margem aprumada do ribeiro do Logar, torna a vêr- se o filão n'altura d'uns 6",0 pouco mais ou menos. Na quelha de Valle da Ganca, 1,0 kilometro a NE de S. Mi- guel, passa outro filio GG com os caracteres exteriores identicos aos do filão Affonso, parallelo á sua direcção, mas d'elle affastado 360",0 para ENE. Este filão manifesta-se por uns 100”,0 d'extensão, desap- parecendo depois todos os vestigios da sua continuidade; mas para -0SO continua por 200",0, a contar da referida quelha , no fim dos quaes o sólo vegetal, e mui provavelmente algum estrangulamento, mascaram a continuidade d'este veeiro na extensão d'um kilometro, denunciando-se depois mais ao Poente, onde se vêem tres muito bem caracterisados affloramentos que se acham precisamente no prolonga- mento do precedente; o primeiro no fundo de um poço baixo que está na quinta de D. Joanna; outro atravessando o caminho que con- duz da capella de S. Sebastião para Valle Bom, occupando uma larga possança de mais de 4,0; e o terceiro entre o ribeiro do Logar e o Chão do Vigario. Ha um terceiro filão que passa visinho á povoação de S. Miguel, e que eu denomino da Lage alta: os affloramentos d'este: filão correm na extensão de 0,8 kilometro, e na direcção proxima da linha EO; chegando á visinhança de S. Miguel, divide-se em dois ramos pouco divergentes que atravessam o caminho que vai do Povo para Pedro Affonso: o do Sul perde-se em pequenas venulas pelas fissuras do granito; o outro, parecendo formar um cotovêlo sobre o Norte, des- apparece depois debaixo do terreno vegetal. Da parte mais Oriental do precedente filão, destaca-se para o SO um ramo ou veciro, manifestando os seus afloramentos mais bem caracterisados no sitio dos Chãos do Alemtejo, e na extensão de 27,0: apparecendo tambem dentro do povo des. Miguel alguns remotos in- dicios do seu prolongamento, assim como fóra d'elle e na sua parte Occidental, sobre o caminho que conduz para a Fonte Nova. Os tres filões, que acabei de indicar, apresentam-se bem separa- dos e distinctos na extensão de um kilometro proximamente, contado desde o extremo Oriental de cada um d'elles, até ao valle por onde corre o ribeiro do Logar (Vid. planta): não acontece porém o mesmo no seu prolongamento Occidental. Os dois primeiros filões, Affonso, e DE PORTUGAL. 7 de Valle da Ganga, se não se cruzam ou reunem entre Chão de Tirante e a Fonte Nova, o que só se poderá conhecer por trabalhos subterraneos, então: approximam-se muito um do outro no Chão do Vigario, como pa- rece mais provavel, e seguindo para OSO descem outra vez do alto do Chão de Tirante, atravessam a collina um pouco alta da outra mar- gem do ribeiro, desaparecendo os vestigios d'elles na vinha de José Bernardo, depois de percorrerem mais de 500”,0 ao Poente de Chão de Tirante. Nos 1:500”,0 que vão desde este ponto até á ribeira de Taveiró, apparecem frequentes indicações, mas que por em quanto não podem prudentemente ser tomadas como representando a conti- nuidade d'estes filôes : a planta junta mostra que desde a indicada vi- nha de José Bernardo, succedem-se os affloramentos em direcção ao ribeiro do Logar, e proseguem, ou a entroncar no filão que passa mais pelo Sul, marcado com a letra G, ou, o que talvez será mais natu- ral, estrangulado em grandes extensões, dirige-se á foz do ribeiro do Logar onde é representado por tres curtos afloramentos, que correm pelo Norte proximos á estrada do porto de Santa Catharina. O filão do Valle da Gança desce do Chão do Vigario para o Poen- te a encontrar o ribeiro do Logar, cujo alveo segue por uns 200",0, e com a possança de 4 e 8™,0 proximamente; desapparecendo de- pois por estrangulamento a 600”,0 pouco mais ou menos do Chão do Vigario. Uns 260”,0 a OSO do ponto onde tem logar a suspen- são do indicado filão, apparecem duas series d'affloramentos paralle- los, aflastadas entre si 50 a 100",0, os quaes podem pertencer a um mesmo filão ou representarem fildes distinctos ; podendo tambem qualquer d'elles pertencer á continuação do filão do Valle da Gança : como quer que seja, um d'elles apresenta-se de um modo contínuo até á ribeira de Taveiró, e na extensão de 1800",0. Diversos outros afloramentos se mostram no caminho da Fonte Nova, na Fonte dos Sinos, e nas propriedades contiguas ; se elles re- presentam o seguimento do filão da Lage Alta, ou o que d'elle se deriva para o povo de S. Miguel, para correr depois parallelamente aos precedentes, é o que precisa ser investigado por trabalhos d'ex- ploração. 4 Mais ao Norte da foz do ribeiro do Logar, (Vid. planta) mostra- se um outro afloramento de massas quartzo-ferruginosas, represen- tando a continuação d'outro filão que vem do Chão das Malhadas, ou das Malhadinhas. Este filão só começa a vêr-se na margem direita de um pequeno regato que passa n'esta ultima localidade, e com uma possança de 2”,5 a 4",0: aqui bifurca-se para deixar perder o ramo 8 MINAS METALLICAS do Norte depois d'um curso de 180”,0; em quanto que o ramo prin- cipal toma a possanca de 15”,0 junto ao ribeiro, e continuando sempre para OSO com possança variavel de 4 e 2",0, pára quasi de. repente no alveo do ribeiro do Logar, quando chega a tocal-o segun- da vez, depois de percorrer uma distancia de 760%,0 : n'este sitio pa- rece ser substituido no seu prolongamento por um veeiro de granito fino com raros crystaes de tourmalina, para afflorar de novo na mar- gem esquerda da ribeira de Taveiró no alto do porto de Santa Ca- tharina, apresentando-se em grandes massas de quartzo-ferruginoso com uma possança de 8 a 13”,0; e atravessando o alveo d'esta ribei- ra, prolonga-se na outra margem na direcção de E para O e na ex- tensão de 1,2 kilometros pouco mais ou menos. Este filão, que á pri- meira vista parecia ser a continuação do filão Affonso em consequen- cia das suas posições relativas, não offerece á superficie do sólo, em toda a extensão que vai do Chão das Malhadinhas para o Oriente, o mais insignificante indicio do seu prolongamento. A direcção d'este largo veeiro é de E a O, inclinando 76°,0 para Norte; e oferecendo, como fica dito, possancas mui variaveis de 2,5 a 157,0: nas superfi- cies das placas quartzosas que entram na sua constituição vêem-se mui repetidos e pronunciados sulcos , paralelos entre si e á direcção da maxima inclinação das mesmas placas, devidas ás oscilações desencon- tradas das massas continentes em consequencia dos movimentos do sólo. A’ saída de S. Miguel d'Ache para Castello Branco, encontram-se tres affloramentos de jazigo metallifero atravessando 0 caminho : o pri- meiro prolonga-se para ONO, e vai passar á fonte das Fontainhas per- dendo-se logo adiante d'este ponto; os outros dois, mui proximos um do outro, resumem-se n'um só que vai passar no alto do Regatinho, onde se mostra mui bem caracterisado por placas de argilla mui carregada de ferro ocraceo, com a possança de 4”,0, em posição vertical, e direcção EO. D'este ponto em diante continúa para o Poente com a mesma di- recção proximamente, € passando o regato da Fonte dos Sinos pro- segue sobre o caminho de Geraldo com a possança de 12,0: ¡logo adiante do corrego d'aquelle regato bifurca-se separando um ramo para o Norte até 4 distancia de 24",0, o qual depois d'um trajecto de 250,0 acaba por um affloramento de pegmatite: a parte principal do filio continúa pela Barroca da Bifa com possança variavel, descen- do de 12 até 2 e 3,0; aqui uma parte dos affloramentos é compos- ta de placas de quartzo agatoide, cinzento claro, em partes listrado ; vendo-se nas faces das referidas placas, e como que adherentes a ellas, DE PORTUGAL. 9 excrescencias d'aspecto granitoide no qual o quartzo, ou identificado ou formando massa contínua com o quartzo das placas, é similhantemente agatoide, passando a vitreo e a granular; encerrando tambem algumas raras palhetas de talco e feldspatho laminar, como que suppurado nas referidas excrescencias. Observam-se tambem no interior da massa de quartzo agatoide “alguns grãos de feldspatho, os quaes a energia me- tamorphica não. pôde fazer desapparecer completamente. Na fractura d'estes affloramentos, encontrei as pyrites ferrica, arsenical, e cupri- ca, assim como a blenda. Estas placas quartzosas diminuem muito, ou desapparecem ; mas o affloramento continúa com possanças de 2 e 3”,0, até que proxi- mo ao ribeiro do Muro do Marmeleiro perde-se completamente n'um estrangulamento de 30,0 para tornar a apparecer mais adiante, com possanças de 7 a 13 e 15,0 e inclinando 70 a 80º para N 15º O. D'este ultimo ponto em diante torna a bifurcar-se o filão, ou an- tes apparece pelo Norte um outro veeiro com andamento sensivelmen- te parallelo ao do precedente, mas com menor possança : este ramo pro- segue para a ribeira onde creio que desapparece junto ao alveo, ou vai entroncar, o que é mais provavel, com os veeiros que se destacam dos filões do Valle da Gança, ou Affonso. O veeiro principal continúa para o Poente com forte possança, até que proximo á ribeira divide- se em diversos ramos que vão mergulhar no alveo da ribeira de Ta- veiró. Todos os filões que acabo de indicar, occupam, na margem es- querda da dita ribeira de Taveiró, uma zona de 3,5 kilometros de comprido por 900%,0 de largura média, constituindo um campo de fractura de bastante importancia. Alem da zona metallifera occupada pelos referidos filões, ha outras mais para o Sul e para o Norte d'a- quella mesma zona, comprehendendo diversos filões, cujos affloramen- tos têem os mesmos caracteres e aspecto dos files já descriptos: li- mitarei porém a sua noticia aos que se acham mais visinhos de S. Miguel: d' Ache. Para o lado do Norte e proximo ao local denominado Affonso, encontram-se alguns affloramentos dispersos com os caracteres dos ou- tros filões, mas cuja disposição faz crér que sejam ramusculos encai- xados nas fissuras do granito, destacados ou perdidos na região supe- rior do sólo. Ainda para o mesmo lado e a 700",0 do referido local ha um filão bem distineto e caracterisado ; atravessa a estrada da Or- ca, desapparecendo a algumas dezenas de metros para o Nascente d'esta mesma estrada: mas para o Poente é representado por uma se- MEM. DA ACAD.—1." CLASSE T, I. P. IL. 2 10 MINAS METALLICAS rie d'affloramentos de 50, 100, e 300”,0 de comprimento alinhados de modo que náo deixam a mais pequena duvida de pertencerem a um só e mesmo filão. Estes affloramentos mostram-se nas tapadas dos Ex.”” Visconde de Monção e Conselheiro João José: d'um d'elles des- taca-se um mui dilatado ramo sobre a tapada de Joaquim Robalo, d'onde prosegue na extensão de 2500”,0 até á ribeira de Taveiró, re- presentando a parte Occidental e principal do filão; na margem fron- teira da ribeira, e mesmo sobre a foz do ribeiro do Jardim, torna a af- florar e continúa para o Poente na extensão de 1 kilometro. Mais ao Norte, e a uns 200”,0 passa um outro affloramento com 350",0 de comprido, mas sem continuidade conhecida por em quanto. A 500%,0 do antecedente filão, encontram-se mais dois veeiros de caracteres iden- ticos, mas formando entre si um angulo de 60º com o seu encontro sobre a já indicada estrada da Orca, e na margem direita do ribeiro da Lapa: um dos ramos segue esta mesma estrada, ou antes esta estra- da está naturalmente aberta na depressão que o terreno fórma, devi- da á mais facil desintegração do granito continente; e seguindo a direc- ção O 40º N vai até proximo da margem esquerda da ribeira de Tavei- ró, uns 120",0 acima da ponte: na margem direita torna a aflorar, e segue depois para o NO até ao ribeiro de Paredes a entroncar talvez: no filão do Porto Velho, tendo percorrido n'este trajecto a extensão de um kilometro. O outro: ramo atravessa o ribeiro da Lapa, e segue para. OSO ao longo do leito d'este mesmo ribeiro, mas sobre a sua margem esquerda; e proximo á montanha denominada — Alto dos Barroqueiros — torce sobre o Sul dilatando-se na largura de 407,0, onde parece parar completamente, depois d'um trajecto de 1:500",0. Antes de chegar a esta montanha dos Barroqueiros, vé-se na margem direita do ribeiro da Lapa, um affloramento de 400”,0 de compri- do parecendo destacado do precedente filão; e ainda um outro a 100”,0 mais para o Norte, indo ambos até á ribeira de Taveiró. Alem da margem direita d'esta ultima ribeira ha outros dois fi- lões, já reconhecidos, na extensão de 2,5 a 3,0 kilometros; um que denomino do — Porto Velho — e o outro de — Penolingide ou das Fon- tainhas — os quaes não só são parallelos aos precedentes, mas têem os mesmos caracteres externos, e as possanças de 1, 10, e 15 me- tros. Para o Sul de S. Miguel d'Ache, e sobre as estradas de Alcofo- ses e do Ledo, encontram-se mui repetidos affloramentos similhantes aos dos filões indicados, mas de 30,80, e 100",0 de extensão, e um só de 500”,0: estes affloramentos -parece-me serem os prolongamentos “DE PORTUGAL. t1 d'outros filóes que se vêem no caminho de S. Miguel para a Ponte de S. Geão, e que affloram no sitio das Uchas, e nos Barreiros da Ponte. Encontram-se emfim muitos outros affloramentos de fildes com ca- racteres similhantes aos dos já indicados, mas em outras partes mais aflastadas d'esta localidade e já fora d'este campo metallifero, e por isso omitto a sua enumeração. Alem d'estes filões ha em concorrencia com elles, veios de gra- nito fino schorlico ; veios de syenite, de pegmatite, e afloramentos de diorite , todos parallelos aos filões metalliferos, mostrando-se alguns dos affloramentos d'aquelles ultimos veios no prolongamento dos fi- lões indicados, formando por assim dizer o seu limite Oriental, e em alguns pontos interrompendo a continuidade do filão, como succede aos afloramentos que estão ao lado da estrada do Porto de Santa Ca- tharina. Poderão vér-se estes veeiros com alguma frequencia, entre o filio Affonso e o filão do leito da ribeira da Lapa, assim como na outra margem da ribeira de Taveiró sobre a estrada d'Alpedrinha. Já disse em outro logar, que o granito continente dos filões plom- biferos de S. Miguel d'Ache está não só completamente alterado nas “pontes, mas que essa alteração se estendia até alguns decimetros para um e outro lado da caixa; manifestado-se esta, alteração na côr ama- rella ferruginosa mui caracteristica, manchada em verde, amarello, e em vermelho rosado e de sangue, pelo silicato hydratado de magnesia e pela modificação dos caracteres da orthose. Em muitas localidades faltam os afiloramentos do filão 4 superficie do sólo, mas a sua presença sub- terranea é denunciada pelo granito assim alterado, no meio do qual se vêem crusar delgados veeiros de quartzo crystallisado de dois a cinco centimetros: n'outras constam os affloramentos de placas de quartzo cavernoso metallifero, alternando com placas d'argilla ferruginosa, em partes carregada de aréa, oflerecendo os caracteres do gozan: n'outras os afloramentos estão convertidos em grandes massas quartzosas de muitos metros de possança, o que todavia só se dá com desinvolvi- mento em duas porções d afloramentos na margem esquerda da ri- beira de Taveiró, no alto do Porto de Santa Catharina; e no filão de Valle da Gança proximo ao ribeiro do muro do Marmeleiro. Na maior parte das localidades indicadas e onde existem os fi- lões bem definidos, amostram-se os affloramentos muito pronunciados á superficie do sólo, levantando-se em dykes de 1 e 1”,5, como suceede ao filão Geraldo (Fig. 1,°): n'outras porém é só pela côr ferruginosa do MINAS METALLICAS sólo aravel, pelos detrictos do granito alterado acompanhado de fragmen- tos de quartzo metallifero distribuidos segundo uma certa zona, e ás vezes acompanhadas estas indicações com uma maior ou menor de- pressão do sólo, que se reconhece a continuidade subterranea do fi- lio: no entanto as suppressões ou lacunas dos mencionados filões não são nem muito repetidas, nem muito extensas ; se exceptuarmos uma la- cuna (pelo menos apparente) de 400”,0' no filão do Chão das Malhadi- nhas, onde nem o mais remoto vestigio de continuidade se encontra á superficie do sólo, pode dizer-se que em todos os mais sempre se encontram nas Jacunas indícios mais ou menos remotos d'aquella | continuidade ; e que se ha um completo estrangulamento e desappa- recimento das indicacdes em um dado ponto, pode considerar-se esta | circumstancia como passageira e de curta extensão. | Pelo que respeita 4 direcção média de todos os filões de que te- nho dado noticia, é ella de ENE a OSO; no'entanto as suas direcções especiaes soffrem muitas inflexões e desvios no seu trajecto. Pelo exa- me da planta junta vér-se-ha que não só todos os veciros saem fora do rumo normal, ou se affastam da indicada direcção média, como o filão Affonso, os do Valle do ribeiro da Lapa etc. ; mas que tam- bem subdividindo-se em muitos sitios pelas fendas secundarias mais ou menos divergentes, conservam a sua possança de modo a pôr al- gumas vezes em duvida qual seja a parte principal do filão, e-por consequencia a sua verdadeira direcção ; como, por exemplo, no filão Geraldo desde o regato da Fonte dos Sinos até á Barroca da Bifa, e mais para o Occidente proximo á segunda Tenda, em cujas localida- des se nota o ramo principal où do Sul e o ramo destacado ou do Norte conservarem, um e outro, possanças de 4 a 5"; repetindo-se eguaes exemplos nas bétas que se destacam do filão do Valle da Gan- ca que correm pelo Sul parallelamente á estrada do Porto de Santa Catharina: repetindo-se mais especialmente este facto no feixe d'af- floramentos que fórma o limite Occidental do mesmo filão G, junto 4 DE PORTUGAL. 13 ribeira de Taveiró, o qual occupa uma largura de 300 a 400", mas todas as bétas secundarias conservam possangas nunca inferiores a 2,0. Todavia se exceptuarmos o grande troço do filão que atravessa a ri- beira em Porto Velho na direcção NO, e que conserva possanças de 1 a 3",0 e 4,0, todos os mais ramos ou veeiros que se destacam dos afloramentos principaes, têem possanças apparentes e occupam ex- tensões cuja importancia está na razão inversa do angulo de divergen- cia, isto é, a sua extensão e potencia são tanto menores quanto mais se aflastam da direcção normal ENE a OSO. Um outro facto que cumpre não perder de vista, não tanto sob a sua importancia geologica como em relação á lavra d'estes jazigos, é a concordancia de certas linhas orographicas com a direcção e si- tuação dos filões em questão. Com effeito se advertirmos na direccáo que seguem as linhas d'agua em todo o districto metallifero que nos occupa, encontraremos uma mui sensivel concordancia entre a sua di- reccào geral e aquella dos principaes veeiros da localidade. Assim os filões Affonso, do Chão das Malhadas, do Valle da Gança, Lage alta, Geraldo, são todos sensivelmente parallelos á direcção média do Valle do Ribeiro do Logar : os filóes das margens esquerda e direita do ribeiro da Lapa, são tambem sensivelmente parallelos ao Valle d'este mesmo ribeiro, e um d'elles lá segue o ribeiro do Jardim na margem direita da ribeira de Taveiró ; isto é, corre ao longo de uma depressão de perto de 2 kilometros de comprimento. O filão NO que passa no Porto Velho í é parallelo a uma parte do curso do ribeiro de Paredes, e a outros barrancos que servem de leitos a diversas linhas d'agua : os filões de Penolingide, Porto Velho, aquelles das margens do ribeiro da Lapa, e bem assim a parte Occidental de todos os outros filões já enumera- dos, correm proximamente parallelos ao Valle da Ribeira de Taveiró, a montante da foz do ribeiro do Jardim, e á maior parte dos bar- rancos e valles que accidentam o terreno d'este districto, como os val- les das Uchas, de Canicas, etc. Por outras palavras, todos os valles e barrancos que se encontram n'este districto, são os resultados da denu- dacáo exercida sobre as fendas de resfriamento do granito, tendo a mesma origem e sendo parallelos aquelles que servem de caixa aos fildes metalliferos da localidade. Um outro facto tambem muito importante a consignar aqui é a commum inclinação dos planos dos filões para N, e para NNO, sen- do excepção a inclinação para o Sul ou para o quadrante do SE; d'on- de se pode concluir que foi para aquelle ponto do horisonte que to- maram as inclinações iniciaes de todos os planos de resfriamento. 14 MINAS METALLICAS Resumindo, pois, tudo que respeita ás fendas de resfriamento do granito d'estas localidades, vér-se-ha que estas fendas náo só serviram de caixa aos files metalliferos, aos veeiros de granito fino mais mo- derno, de symite, e ás emissões de diorite, mas foi tambem sobre ellas que a denudação abriu os valles e depressões : concordando com todos estes factos um forte pendor nos planos das enormes fendas, de 70 a 80” por baixo do horisonte, e dirigido para o Norte ou para o quadrante do NO; e accrescendo ainda verem-se estes planos mais ou menos profundamente estriados no sentido da sua maxima incli- nação. Por tanto as fendas de resfriamento do granito da região me- tallifera que nos occupa, exerceram um importante papel na constitui- ção geologica do districto; já servindo de chaminés ás emissões do interior da terra que ali se manifestaram depois da crystallisação e do resfriamento do granito porphyroide, produzindo-se com estas emmis- sões muitos phenomenos de metamorphismo sobre este mesmo granito ; já isolando, ou produzindo uma solução de continuidade nas massas, que modificaram as direcções e os efleitos da intensidade dos movi- mentos do sólo determinados pelas forças interiores, e quasi que su- bordinaram as linhas orographicas do relevo geral á situação e á ex- tensão: das principaes d'aquellas fendas preexistentes. Descrevendo a parte do filão Affonso descoberta pelos trabalhos de pesquisa, isto é, indicando os seus contentos, forma, estructura, os phenomenos de metamorphismo observados na rocha continente, etc., tanto quanto permitte 0 conhecimento que se pode colher por trabalhos tão superficiaes, daremos uma idéa geral e approximada do modo como às emissões metalliferas enchendo as fendas de resfria- mento se manifestaram á superficie do sólo, e como este reagiu sobre ellas. A alteração nos caracteres mineralogicos do granito devida ás emissões do interior, começa a distancias variaveis do filão propria- mente dito, como já ficou indicado n'outra parte; porêm nos es- tiaes e no interior do filão é onde esta alteração chega ao seu maximo. Com effeito nos estiaes tem o granito perdido toda a sua mica, € passado a uma rocha composta de quartzo e de feldspatho com pasta verde, onde predomina o silicato hydratado de magnesia: o quartzo em alguns pontos, onde parece que à acção do interior foi menos in- tensa, conserva-se granular e coberto de um inducto ferruginoso ; noutros, onde as acções foram diversas ou mais energicas, o quartzo tem-se crystallisado e reunido em veios delgados e em geodes, ou tem passado a formar parte integrante das placas, convertendo d'este modo DE PORTUGAL. 15 as épontes numa rocha composta de grãos, laminas, e fragmentos de erystaes de feldspatho empastados pela referida substancia verde. O feldspatho menos alterado conserva-se em crystaes amarello-ferrugi- nosos, ou de cdr vermelho de sangue ou de rosa; porém no logar de mais intensa acção metamorphica perdeu mais ou menos comple- tamente a fórma crystallina, fundindo-se na pasta verdoenga e dei- xando vêr no meio d'ella porções laminares do mesmo feldspatho re- sultado d'uma nova fusão. Algumas lamelas de talco apparecem tam- bem nas partes mais alteradas passando á substancia da pasta; assim como se observam frequentes manchas negras devidas ao oxido de man- ganés infiltrado no interior da massa. “Nas excavações que já se têem feito observa-se que a rocha do muro está dividida em massas prismaticas e e e (Fig. 2.º) dispostas parallela- mente entre si, quasi verticaes, e dirigindo-se de S 30° Ea N 30° O, mas sem que chegue a cortar o nucleo quartzoso do filão: as superficies são lisas e polidas, ajustando-se umas ás outras, em partes sem a interpo- sição d'alguma substancia, noutras sendo separadas por delgadas lami- nas quartzosas / f: estas massas prismaticas estão cortadas por veios d'argilla plastica » 7» côr de chocolate, os quaes atravessando as salban- das param junto ao nucleo ou veeiro sem penetrarem n'elle. Alem d'aquella divisão ha ainda outras por planos que se crusam em dif- ferentes sentidos, deixando mui estreitas fendas cheias em maior par- te de uma substancia untuosa branca ou amarella clara, composta de silicatos hydratados de magnesia. Com todas estas alterações na constituição physica e chimica do granito, mudou completamente o aspecto d'esta rocha; exprimindo nos seus novos caracteres o modo por que reagiu á acção das emis- sões melalliferas do interior. Salbandas do muro compostas de laminas de quartzo, d'argila, e elementos das épontes reduzidos a mui pequenos fragmentos. MINAS METALLICAS 16 ceo talcosa, encerrando restos de quartzo, feldspatho, e silicatos de magnesia em grande alteração, muito similhantes á rocha das épontes. e Placas d’argilla em partes carregadas de aréa e de ferro ocraceo — noutras mui- to magnesianas um pouco dura — superficie polida, e estriada. d Laminas mui delgadas de quartzo crystallisado fracturado em bocados miudos , e involvidos em argilla cinzenta molle. e Brecha onde entram os elementos das épontes com pasta argillo-arenacea. Salbandas de ferro. A primeira salbanda do muro é uma rocha argillo-arenacea, fer- ruginosa, dura, d'um amarello claro, ligeiramente schistoide, invol- vendo alguns volumosos grãos de quartzo; laminas de quartzo crys- tallisado, tendo no seu interior cavidades revestidas d'esta mesma sub- stancia tambem crystallina, e bem assim pedaços d'uma substancia tal- cosa esbranquigada. Para o lado anterior torna-se a massa d'esta sal- banda mais quartzosa e composta de placas delgadas muito adheren- tes, até que se converte em uma placa toda de quartzo em massa, es- talado pelo resfriamento, com divisão prismatica , faces córadas em vermelho pelos oxidos de ferro, contendo numerosas cavidades re- vestidas de quartzo botryoide — estas cavidades convertem-se em ver- dadeiras cellulas com septos mui delgados de quartzo em partes crys- “tallisado, e cheias d'uma argilla muito fina e plastica côr de tijolo. Esta salbanda tem a possança variavel de 0,"2 a 0",5, apresentando- se irregular, tanto em direcção como em profundidade. Interpoem-se ás placas d'esta salbanda massas cuneiformes de rocha egual 4 dos estiaes, mas sem que tenham alguma continuidade, com o quartzo como que suppurado no estado crystallino na superficie das fendas d'es- talado, e formando laminas mais ou menos grossas. Esta rocha da salbanda por effeito de uma mais profunda alteragào, passa ao quartzo com os caracteres mais ou menos pronunciados da silex calcedonia , involvendo grãos de feldspatho de differente grandeza; phenomeno que se vé reproduzido em outros logares, chegando a formar o quartzo agatoide listrado, como já observei para o filão Geraldo. É entre aquel- las cunhas que se encontrou uma delgada béta de galena granular com 0,3 de grosso. A estas placas da salbanda segue-se o nucleo do filão (Fig. 2.º): consta este de uma grossa placa de possanca variavel de 0,5 a 2”,0, com- posta de quartzo cinzento claro encerrando cavidades revestidas de crys- tallisações do mesmo quartzo, e geodes com quartzo botryoide com cubos e octaedros de galena implantados na sua superficie. Reconhecem-se ain- da weste quartzo fragmentos de feldspatho, e restos de compostos magnesianos, mostrando o aspecto e caracteres d'este nucleo náo ser b Delgadas laminas de quartzo ferrugiñoso separadas por uma rocha argillo-ocra- DE PORTUGAL. 17 outra coisa alem do resultado de um mais profundo metamorphis- mo exercido sobre o granito dos estiaes da fenda preexistente, como tenho ponderado para as salbandas e para a rocha continente; o qual destacado para o meio da fenda, infiltrado de uma forte proporção de quartzo, e cambiando os elementos feldspathicos e magnesianos pelos sulfuretos metallicos, se converteu na parte util d'este filão contendo a galena, a blenda, a pyrite de cobre, o oxido negro de cobre, e a py- rite ferrica. A galena desegualmente distribuida pelo interior do quartzo, apresenta-se em massas de fórma e grandeza muito irregulares, des- de o tamanho de um grão de chumbo até ao de melóes , e simulan- do uma brecha de que o quartzo é a pasta. Estas massas fracturam- se tanto mais facilmente quanto maiores ellas são; mas a sua gran- deza tem limites, e raras vezes o seu péso excede a 20 kilogrammos. A proporção da galena sobre o quartzo da matriz é variavel; na ex- cavação a céo aberto feita sobre o filão Affonso, e onde fiz este éxa- me, observei que haviam porções de massas quartzosas com 20 e 30 por cento de galena, em quanto que n'outras não chegava a sua pre- centagem a 2 por cento. A galena que constitue as massas de que acabamos de fallar, apresenta-se em largas lamellas de mui facil lascado, parecendo ter precedido outra variedade de galena de que brevemente darei conta. A blenda mostra-se distribuida pela matriz quartzosa de um modo similhante ao da galena lamellar, mas em muito menor proporção ; havendo porém: logares onde predomina, com a favoravel circumstan- cia para o tratamento e valor do cliumbo, de se achar pela maior parte separada da galena, e poder talvez ser tratada para o preparo do zinco. Esta blenda é lamellar, de um gris metallico aloirado, trans- lucida, tornada de um negro azulado no estado de alteração. A ga- lena lamellar e a blenda precederam a galena granular, o cobre, e o ferro pyritoso, porque se mostram uma e outra occupando o nucleo, Já no interior, já nas paredes, vendo-se em partes as lamellas atraves- sadas ou cobertas pelas ultimas substancias nomeadas; e pelo que res- peita ás duas primeiras, observam-se alguns crystaes ou lamellas de galena no interior da blenda, parecendo ter sido involvida por este ul- timo minerio, o que comtudo ainda não é bastante para lhe dar prio- ridade na emissão. Alem da galena lamellar apresenta-se tambem a galena sublamel- lar, e as variedades granular e fibrosa, já em rins no quartzo da ma- triz ou interpostas a estas e ás paredes das salbandas, já infiltrada no MEM. DA ACAD.—1." CLASSE—T. II, P. I. 18 MINAS METALLICAS mesmo quartzo, e formando venulas nas paredes de estalado. A py- rite cuprica, contemporanea d'esta variedade de galena, mostra-se nos mesmos logares onde se manifesta a galena infiltrada, e em propor- ção ‘apreciavel. É muito notavel, e por ventura uma circumstancia muito favoravel, a ausencia quasi completa da pyrite ferrica no nu- cleo do filão. Encostado ao nucleo do filão pelo lado do tecto, e devendo tal- vez considerar-se uma parte integrante d'elle, ha laminas de 0,05 a 0,1 de quartzo muito cariado e cavernoso, imperfeitamente schistoi- de, encerrando quasi exclusivamente ‘o oxido negro de cobre, a pyri- te de cobre em proporção superior a 8 por cento (sobre o quartzo das placas) e alguma pyrite de ferro, mas em pequena quantidade : terminando a parte metallisada do filão por outras placas quartzosas de 0,1 a 0",25 infiltradas de chumbo granular, de pyrite cuprica, ferrica e arsenical. A's placas do nucleo succedem-se as salbandas do tecto — a pri- meira (b. fig. 2.") é uma rocha que parece o resultado da desaggrega- ção dos elementos dos estiaes e recomposta depois, sendo atravessa- da posteriormente por diversas laminas de quartzo ferruginoso — passa, pela diminuição do volume dos elementos componentes, a uma argilla magnesiana e ocracia; a grossura Vesta placa varía muito em direcção tendo 0,1 e 0",5. Seguem-se placas d'argilla em partes mui carregadas ide aréa e de ferro ocraceo, n'outras tornada mui fina e plastica e mesmo magnesiana: n’alguns sitios endurece apresentando uma superficie lustrosa e estriada, cór cinzenta clara manchada d'a- marello (c ec! fig. 2."). Encostam sobre estas salbandas outras, compostas de rochas dos estiaes , mais ou menos reduzidos a pasta fina, encerrando venulas de quartzo de grossura muito variavel, muito contorsidos e fractura- dos, chegando em alguns pontos a tomar o aspecto de brecha (fig. 3.º). Termina o filão com os estiaes do tecto e identicos aos da rocha DE PORTUGAL. 19 do muro, tanto nos seus caracteres, como no seu estado de alte- ração. Alem dos membros constituintes do filão que acabei de enume- rar, vêem-se ainda as rochas do muro e do tecto atravessadas por veios delgados de quartzo ferruginoso involvidos em argilla, mas sem rela- ção alguma com o filão, parecendo anteriores a este por se acharem cortados por elle. Emfim o filão mostra no logar das pesquizas, uma inclinação de 70º para o quadrante de NO, e tem uma possança de 3”,0, isto é, 1”,2 de nucleo e placas metallisadas, e 17,8 de salbandas de facil des- monte. À sua precentagem média em galena é de 12 por cento sobre o quartzo da massa, e de 2 a 4 por cento no minerio do cobre com relação ás placas de quartzo cuprico. Examinámos tambem este mesmo filão em Chão de Tirante, n'um poço de pesquiza com 5™,0 de fundo, e praticado a 900”,0 da excavação onde fizemos as precedentes observações; aqui achámos o se- guinte (Fig. 4.º): 1.º As rochas do tecto e do muro tão similhantemente altera- das como no primeiro local estudado; os estiaes apresentam-se lizos e mesmo polidos, em parte unctuosos, em consequencia d'uma leve pelli- cula esbranquiçada d'argilla magnesiana; a superficie é irregularmente convexa, e está interrompida por meio de repetidas fendas de resfriamen- to cheias de argilla ocracea magnesiana. 2.º Encostado ao tecto ha uma lamina de argilla cinzenta de 07,03 de grosso muito carregada de ga- lena granular incoherente ; segue uma placa de rocha de aspecto gra- nitoide de 0,15, e logo se repete a mesma argilla galenifera com 0",02, parecendo ser aquella massa granitoide uma cunha interposta 3 « 20 È MINAS METALLICAS no meio do minerio ; segue-se uma placa de quartzo em massa, tor- nado terroso para o lado do muro, tendo 0”,8 de possança, e en- cerrando grande abundancia de ninhos e massas de galena , alguma blenda, pyrite de ferro em muito pequena quantidade, e ferro ocra- ceo; termina o filão por uma salbanda de argilla com areia que vai encostar ao muro, tendo o filão n'este sitio a possança total de 2”,1. Se esta pequena excavação authorisasse a alguma coisa, poder-se-hia estimar à galena n'esta parte do veeiro em 10 por cento. — Não vio cobre n'este logar. Se se advertir no modo por que se apresentam todos os pheno- menos d'este jazigo e nas suas mutuas relações , conhecer-se-ha que a alteração do granito continente precedeu a todos os outros pheno- menos; as emissões do interior manifestaram-se no sentido ENE a OSO, aproveitando as fendas de resfriamento preexistentes abertas n'esta direcção: e qualquer que tivesse sido a natureza dos primeiros productos emittidos, e o modo como elles obraram , o seu resultado foi: 1.º fazer desapparecer a mica do granito nas rochas do tecto e do muro sendo em partes substituida pelo talco; 2.” alterar a or- those, já obliterando os seus crystaes, já fundindo-a com a pasta da rocha; 3.º a separação em parte do quartzo granular para se accu- mular em veios, placas, e geodes; 4.º a formação de um magma verdoengo que hoje serve de pasta á rocha dos estiaes e continente , e na qual se reunem os principios não evolvidos da mica, da orthose, e diversos silicatos hydratados de magnesia vindos do interior, e que formam a parte predominante da mesma pasta. Em alguns pontos do filão destacaram-se massas do tecto e do muro para dentro da caixa, algumas das quaes fazem hoje parte do nucleo ; outras, desintegradas, constituem porções de salbandas no es- tado arenaceo. A argilla plastica magnesiana vinda do interior occu- pou as fendas irregulares deixadas por aquellas massas destacadas ; ©, ora só, ora misturada com elementos desaggregados dos estiaes, for- mou as salbandas argillosas e arenaceas. A parte do quartzo impelli- da a separar-se do granito para accumular-se nas fendas, junta ás emissões siliciosas e 4 energia das forças chimicas que as acompanhou, foi formar parte do nucleo e placas quartzosas do filão : assimilhando- se áquella algumas porções destacadas dos estiaes que converteu em quartzo, fazendo eliminar a maior parte do feldspatho e as substan- cias componentes da magma que servia de pasta ; conservando porêm alguns restos fragmentares do feldspatho para testemunhar a proce- dencia de parte d'aquellas massas destacadas, que se manifestam no uo DE PORTUGAL. 21 nucleo, e que fazem parte integrante d'elle. A galena, e a blenda lamel- lares, vieram em seguida alojar-se no interior do quartzo em massas de differentes grandezas, succedendo-se-lhes as emissões da galena granular, a da pyrite de cobre, já imbebendo-se no nucleo, Já infiltran- do-se nas placas contiguas, com especialidade: a pyrite de cobre, que foi occupar as numerosas cavidades que havia no quartzo d'estas pla- cas, para depois se converter no oxido negro. A pyrite e o oxido hy- dratado de ferro vieram em ultimo logar occupar os vazios que en- contraram, já no nucleo, já nas placas, já nas venulas estereis que se destacam do filão. Taes são os principaes elementos que entram na composição deste jazigo na sua região superior, a estructura e fórma do filão, e bem assim as grandes alterações manifestadas na rocha continente em consequencia das emissões do interior. Pela identidade que se encontra nos caracteres exteriorês de to- dos os filões de que acima demos conta, e pela apparente egualdade de condições com que se apresentam, podemos inferir que tiveram todos uma commum origem, e encerram os mesmos contentos, e exis- tem todos nas mesmas condições geraes, mas a sua verdadeira ri- queza e importancia não estão ainda demonstradas. Os trabalhos de pesquiza e d'exploração feitos por em quanto no districto metallifero de S. Miguel d'Ache, reduzem-se a uma immen- sa trincheira aberta sobre o filão Affonso com 100”,0 de compri- do, 8",0 de fundo, e 4 a 10",0 de largura; um poco de 67,0 de fundo aberto no pavimento da trincheira, e 130",0 de galeria e de sanja para esgoto das aguas accumuladas n'esta excavação. Este tra- balho, inconveniente e irracional em si mesmo, feito no ponto o mais contraindicado para o exame das condições do jazigo, por ser o ex- tremo oriental do veciro, não pôde dar o conhecimento que forneceria, com o mesmo tempo e despeza, um poço e campo d'exploração aber- tos em outro logar que as indicações externas melhor aconselhassem. ù verdade que o minerio d'este genero de jazigos está habitualmente distribuido com muita desegualdade, mas tambem é certo que as pes- quizas e o exame dos caracteres externos dos affloramentos dão para a região superior do jazigo muito boas indicações sobre a accumulagào do minerio , e os logares d'empobrecimento ; as partes dilatadas, os pontos de cruzamento dos filões, ou os pontos d'onde se destacam as bêtas ou ramos de segunda ordem ; a homogeneidade da rocha conti- nente e o seu gráo de fissilidade ; a accumulaçäo ou a ausencia dos detrictos da superficie e dos estiaes ; os grandes affloramentos quar- 92 MINAS METALLICAS tzosos; os éstrangulamentos ou partes muito deprimidas do veeiro, são tudo indicações que devem guiar na escolha dos pontos a determinar para o trabalho da exploração: é o que effectivamente não se teve em conta na abertura dos trabalhos de S. Miguel d'Ache, quando aliás os filões d'este districto offerecem muitos pontos d'escolha. O filão Affonso, por exemplo, offerece mui bellos affloramentos de quartzo ferruginoso e de ferro ocraceo argilloso nos pontos marca- dos na planta a a a, ecom uma possança de 4 a 10”. Ao Sul da es- trada do Porto de Santa Catharina, e nas visinhanças da Tapada de Christino, está este filão dividido em tres ramos, um d'elles com a possança de 15 a 20”,0; de modo que ha pontos aqui onde a pos- sança total dos ramos de um filão sobe a 30,0, occupando uma zona de 60 a 80™ de largo por 400™,0 de comprido proximamente. O filão Geraldo offerece similhantemente mui largas possanças, com especialidade no primeiro kilometro a contar da ribeira de Taveiró, e entre a Barroca da Bifa e o regato da Fonte dos Sinos, onde são or- dinarias as possanças de £0, 12, e15”,0; mostrando-se n'um grande numero dos seus affloramentos o caracteristico chapéo de ferro. Em examinando a zona marginal da ribeira até um kilometro affastado do respectivo alveo, e na largura de 500%,0 proximamente, ver-se-ha coberta de um redanho de veciros de grande possanca constituido pelos filões Affonso e Geraldo, e as bétas suas derivadas. Conseguintemente se se tivessem explorado estes filües nos pontos mais dilatados, e onde se reunem parte das condições acima referidas, de certo se encontra- ria para o minerio um theor mais conforme á verdade do que aquelle que se achou na excavação acima mencionada; não sendo tambem ma- ravilha deparar-se com galenas bastante argentiferas nas partes rami- ficadas das bêtas. Fez-se ainda um outro: trabalho de pesquisa, um pequeno poço sobre o filão Affonso no sitio de Chão de Tirante, e que ficou men- cionado em outro logar, mas que a muito pouco conduziu para © co- nhecimento do theor do minerio. Pela descripcäo e considerações que deixamos feitas ácérca da si- tuacáo , natureza e condições dos principaes veeiros do districto me- tallifero de S. Miguel d'Ache, facil será admittir que o ponto ou pon- tos para o estabelecimento dos campos de lavra será nas vizinhanças da ribeira de Taveiró; sendo uma das primeiras condições a observar nos trabalhos de lavra d'estas minas, que as excavações nunca saiam nos casos ordinarios da massa do filão, ou que se evite a rocha granitica do tecto e do muro, para o que se presta a grandeza habitual da DE PORTUGAL. 23 possança dos filões do districto: convirá que aquelle ataque (que deve promiscuamente servir de exploração e de lavra) se faça por galerias d'avanço abertas um pouco acima das maximas aguas da ribeira, as quaes prolongando-se para o Nascente servirão o jazigo á maxima profundidade de 90™,0 da superficie do sólo; devendo esta abertura ser acompanhada dos competentes pócos de ventilação e dos demais servi- gos , praticados similhantemente na massa dos veeiros: Para a aber- tura d'estes poços ha repetidas depressões no sólo por onde passam os affloramentos, os quaes se prestam. maravilhosamente a este genero de trabalho, tanto pela sua altura relativamente menor, como pelos espagos adjacentes para depositar os desaterros ou o producto esteril das excavações. SEGUNDA PARTE. ni terminaremos esta Memoria sem lhe accrescentar algumas con- siderações economicas relativamente á lavra dos jazigos de S. Miguel d'Ache, afim de poder melhor fixar-se a importancia d'esta fonte de riqueza publica; bem persuadido que não é para a sociedade actual, a portugueza, preoccupada com as chamadas questões politicas, e sob todos os pontos de vista muito mal preparada para se interessar na in- dustria mineralurgica, o intrometter-se com as riquezas que estão no seio da terra, mas sem as quaes não se pode hoje viver. Faz realmen- te pena, e punge vêr o abandono e descrença com que os nossos portu- guezes, os que se dizem illustrados, olham para a primeira e a mais importante de todas as industrias extractivas, quando são questões que em todos os outros paizes da Europa e nos Estados Unidos, agi- tam e interessam a todos os homens d'estado , A todos os economis- tas e industriaes, a todos os capitalistas, a todos os homens instruidos emfim, da mesma fórma por que os interessam os caminhos de ferro e o telegrapho electrico ; por que sentem que um paiz sem ferro, chum- bo, cobre e zinco não pode ter independencia nem prosperidade. Nem se diga que entre nós não ha exemplares e incentivo, porque existe ef- fectivamente no districto d' Aveiro uma mina de bem má catadura, pe- 24 MINAS METALLICAS las desvantajosissimas condições economicas em que a natureza a pro- duziu, e pelo aspecto de pobreza que offerece nos seus caracteres ex- ternos, mas que uma pouca d'energia © de tenacidade, guiadas por um juizo esclarecido, tem sabido tirar d'ella valiosos productos e realisado mui pingues lucros: fallamos da mina de chumbo do Braçal no Concelho d'Albergaria a Velha, de que é proprietario um alemão negociante da praça do Porto, o sr. Mathias Feucheerd Esta mi- na com todas as suas officinas annexas é um Hartz em miniatura, um modélo digno de ser visto pelos nossos industriaes, economistas, e homens de dinheiro, para ali aprenderem a conhecer o que é uma mina; como é que ali se invertem os capitaes n'este genero d'in- dustria ; ou as garantias que tem; as eventualidades que os affectam ; os interesses que dão ; a civilisação que derramam os estabelecimen- tos. mineiros; a prosperidade que desinvolvem nos sitios onde se lo- calisam, etc. E no entanto a mina do Braçal tem, como já dissemos, bem más apparencias exteriores, e está em condições economicas bem difficeis ; porque as aguas nos trabalhos são copiosissimas ; altas mon- tanhas de um accesso se não impraticavel ao menos muito dispendio- so, e mui más serventias, separam a mina da estrada real do Porto, da qual dista duas legoas; e é transpondo aquellas montanhas, tran- sitando por aquellas más serventias, que ò sr. Mathias manda o chum- bo para a cidade do Porto, percorrendo onze legoas e meia em car- ros de bois: é lutando ha 16 para 18 annos com estas desfavora- veis condições, que o sr. Mathias tem dado um largo desinvolvi- mento ao seu muito importante estabelecimento do Braçal, e ganho bons contos de réis; bem merecido premio da sua coragem e escla- recida porfia. Dois ou tres individuos como o sr. Feucheerd no dis- tricto de Castello Branco, levariam a riqueza, uma salutar e benefica civilisação aos povos do districto mineiro de S. Miguel d'Ache, e ain- da aos de outras localidades d'esta parte do paiz, onde com tanta fre- quencia apparecem indicios mui positivos e serios de outras minas de cobre e de chumbo. \ Oxalá que esta nossa digressáo desperte em alguem competente e habilitado a entrar em emprezas , o desejo de visitar e conhecer a mina do Bracal; porque será só assim que os nossos capitalistas por- tuguezes comecaráo a resolver-se a empregar o seu dinheiro na in- dustria mineira de preferencia a muitas outras especulações aliás mais contingentes e menos lucrativas. i Isto posto, passaremos a fazer uma summaria indicação das con- dições economicas da mina de S. Miguel d'Ache. DE PORTUGAL. 25 Valor das propriedades superficiaes.— Todo o terreno seguido pelos .affloramentos é em geral de mui pouco valor ; reduz-se quasi exclusivamente a terras semeadas de 4 em 4, 6 em 6 amos, e a terras incultas; e só em Valle Bom é que são de valor mais apre- ciavel: as primeiras e segundas regulam pelo preço médio de 1$000 rs. por cada 800", ou por-alqueire de semeadura: as ultimas em consequencia de serem terrenos gordos e de regadio, têem o preço de 108000 rs. e mais pela mesma unidade superficial : não será po- rêm d'estas que haverá necessidade de expropriar para os trabalhos da lavra. Pessoal e jornaes. — Pelo que respeita ao pessoal n'esta parte da provincia, não o ha em abundancia, e muito menos amestrado nos trabalhos regulares de minás ; de sorte que quando se montem tra- balhos regulares de mineração em S. Miguel, será forçoso importar das actuaes minas em lavra no paiz alguns operarios mineiros e enti- vadores : no entanto poder-se-hão obter na localidade e sem sacrificio da agricultura até ao numero de cincoenta trabalhadores, ao, preço de 200 e 240 rs. diarios; e alem d'estes ha grande numero de mulhe- res e de rapazes sem serviço, e que se obtem a preço de 80 rs. o jornal. Madeiras para a sustentação dos trabalhos subterraneos, machi- nas, e construcções. — Uma outra circumstancia, que muito influe na economia de uma mina, é sem duvida a maior ou menor necessidade de madeiras para a sustentação dos trabalhos subterraneos, e por con- sequencia a quantidade de florestas no local da mina. Na verdade as exigencias da entivação dos trabalhos subterraneos, nunca poderão ser exaggeradas em razão da grande consistencia das rochas continen- tes; no entanto como a possança dos veeiros é em geral grande, e será dentro da sua massa que terá logar uma grande parte dos cór- tes, tornar-se-ha indispensavel o uso de madeira para sustentar as pa- redes e o tecto das massas estereis dos filões. Para este mister não está o districto metallifero de S. Miguel d'Ache nas melhores condições, porque tanto na localidade como nas freguezias vizinhas não ha um pinhal, ou mais propriamente não ha um pio de construccáo; e os sitios do districto de Castello Branco d'onde se poderão obter madeiras para as necessidades da lavra, são as serras de Alpedrinha e Castello Novo, Fundão e Almaceda, a 5 e 8le- guas de distancia, nas quaes ha boas florestas de castanho e de pinho, regulando pelos seguintes preços : um páo de castanho da serra com 7 a 8 metros de comprido, por 2 a 3 decimetros de diametro, custa em MEM. DA ACAD. — 1." CLASSE — T. II, P, II, 4 26 MINAS METALLICAS S. Miguel d'Ache 108000 rs.; um páo de pinho d'Almaceda de 10 a 11 metros de comprido, por dois a dois e meio decimetros de dia- metro, custa 3$000 rs. Por tanto, embora não haja grandes necessi- dades de madeiras, não pode comtudo dispensar-se o seu emprego , não só para os casos já apontados, mas para a construcção de: offici- nas, machinas e utensilios: e quando não houvessem outras razões de economia geral, bastaria esta penuria de madeiras na localidade para determinar o Governo a exigir da empreza que obtiver a con- cessão d'estas minas, a condição expressa de semear um pinhal nas vizinhanças do estabelecimento, que de futuro chegue para todas as necessidades provaveis da lavra de todos os veeiros da concessão, e para as das oflicinas dependentes ; no que de certo a empreza não encon- trará difficuldades, tanto porque ha muitos terrenos pobres e quasi sem valor para agricultura aos lados da estrada do Geraldo até á ri- beira de Taveiró, nos Barroqueiros, nas margens do ribeiro da Lapa, e n'outras partes, em geral de facil acquisiçäo; como porque a quali- dade arenosa de todo o sólo vegetal, desde S. Miguel até grandes dis- tancias, devida 4 natureza granitica do sub-sólo , faz crér que é um terreno natural para o desinvolvimento do pinheiro, como se vê prova- do por alguns specimens isolados, e especialmente nas vizinhanças de Penamacor, onde se cria um bom pinhal de dez annos. Esgóto. — A parte dos trabalhos que se abrir acima da ribeira de Taveiró, terá um esgôto natural: porém aquelles que descerem abaixo deste nivel, terão forçosamente de ser enxutos artificialmente empregando as bombas. Para o movimento d'estas machinas poder- se-hão aproveitar as aguas da ribeira durante 6 a 7 mezes do anno, as quaes poderão fornecer um motór desde 4 a 10 cavallos vapor ; não deve porêm dissimular-se , que tendo o leito da ribeira um de- clive que náo excede a 07,002 por metro, haverá difficuldade em to- mar as aguas tão longe quanto seja necessario para obter uma queda proveitosa, por causa da irregularidade 'das margens da ribeira, que são bastante asperas e cortadas: é porêm muito possivel represar as aguas do ribeiro da Lapa (cujo alveo tem muito maior declive) a uma distancia de 2,5 a 3,0 kilometros, e conduzil-as para o local da mi- na, parte por uma levada, outra parte por tubos fechados de chapa de ferro ou de grés; podendo mesmo aproveitar e reunir ás aguas do ri- beiro muitas nascentes dispersas, que se véem em ambas as margens, para reforçar a força motriz. Na outra parte do anno ter-se-ha de fa- zer uso da força animal, ou do vapór: para a produeção d'esta ulti- ma força algumas lenhas ha no paiz, como mais adiante indicarei. DE PORTUGAL. 27 Esta parte importante do problema precisa ser estudada cuidadosa- mente, porque da acertada escolha dos meios de esgóto resulta a van- tagem, ou a impossibilidade da lavra d'uma mina. Emfim as aguas levantadas dos trabalhos , e reunidas á superficie do sólo, podem ter um mui util emprego no estabelecimento de lavagem. Estabelecimento de lavagem. — O estabelecimento de lavagem não pode deixar de carecer um tal ou qual excesso de força motriz, para pôr em trabalho uma forte bateria de pisões que quebre o quartzo galenifero : as margens da ribeira de Taveiró tem bastantes logares com a necessaria capacidade onde se possa estabelecer esta officina , com especialidade nas fózes dos barrancos ; convindo porém que fique O mais proximo possivel da mina, tanto por causa dos transportes, como para aproveitar as aguas já elevadas a cima do alveo da ribei- - Ya, e para participar, sendo possivel, de parte da força motriz esta- belecida para os serviços da mina. Combustivel. — A força motriz necessaria para os differentes mis- teres d'esta mina e suas dependencias, tem de resultar do emprêgo das aguas juntamente com 0 vapôr, como já observámos, e d'este só- mente nos mezes de maior estio; por cujo motivo cumpre dizer que a mina está em boas condições debaixo de tal ponto de vis- ta, em razão da abundancia de torga, mato, e outras lenhas que ha no paiz a distancia de 2 a 6 leguas, como na Torre dos Namora- dos entre Valle de Prazeres e Penamacor ; na aldêa do Bispo; no Sal- vador, proximo a Monte Santo; em toda a serra de Pena Garcia; na Orla da fronteira que corre de Monfortinho para Penamacor, e n'ou- tras partes. Cada carro com 50 arrobas de lenha das localidades mais proximas, custa em S. Miguel 18200 rs.; e dos sitios mais distantes 28400 rs. Os jornaes de carro regulando a 600 rs., o arranco da cê- pa ou torga a 200 rs. a carrada de 50 arrobas, e os caminhos sendo em geral bons, Suppondo o emprego de uma ou duas machinas de vapór da força total de 20 cavallos (para o primeiro periodo da lavra) e que cada cavallo vapór consome por hora 16 a 24 arrateis de lenha verde, serão necessarios cinco a sete carros diarios de lenha para o trabalho daquellas machinas. O tratamento metallurgico do chumbo não deve ser feito com o carvão vegetal do paiz; porque quando não houvessem outras ra- zões para a sua rejeição, bastaria a de enfraquecer a quantidade de combustivel, que é precisa para os usos da lavra da mina. O mais con- veniente debaixo de todos os pontos de vista é fazer a reducção em 28 MINAS METALLICAS DE PORTUGAL. Lisboa, ou commerciar o schlich n'esta praça, sendo a adopção d'este alvitre tão obvia, em razão do custo do transporte por que ficaria 0 mineral em S. Miguel d'Ache, que dispensa toda e qualquer outra consideração. A conducçäo do minerio preparado para Lisboa, tem de fazer-se pela estrada de Castello Branco a Villa Velha, onde deve embarcar pelo Tejo para Lisboa —a distancia total a percorrer por terra é de 50 kilometros, a maior parte da qual pode dizer-se, com relação ás nossas estradas de provincia, que é um excellente caminho: ha algu- mas porções difficeis, como é a descida para o Tejo e as margens do Al- preada, porêm estes mesmos máos passos desapparecem na feitura da nova estrada de Castello Branco a Villa Velha, que o Governo vai mandar construir em consequencia da verba votada pelo Corpo Legis- lativo para sua construcção. Todavia, no estado actúal da estrada, um carro de S. Miguel a Villa Velha conduz 40 a 50 arrobas de chumbo por 28400 a 3$000 rs. segundo a épocha , ou a maior ou menor necessidade da agricul- tura do districto, ou 60 rs. a arroba. Quanto ao transporte pelo Tejo, temos : de Villa Velha para Lis- boa custa cada arroba-de material 6,5 rs. De Lisboa a Abrantes cus- ta 50 rs. a arroba. D'Abrantes a Villa Velha custa o transporte 125 rs. por arroba. Em tempos ordinarios é de Lisboa a Abrantes 40 rs. a arroba, € 90 rs. de Abrantes a Villa Velha. Lisboa 20 de Julho de 1857. | \ i ne comite | x er | / Wwe À F pt e Lerras d'entre as Casas alasa do Monte Elvas I WAYS PLANTA ca du Y A at ISTRICTO METALLIFERO \ Em de S. MIGUEL D” ACHE owl / E ee == | no pas | | y a | Concelho da Idanha Nova. è PE è | i | i i | E e | IS canali LT | | a | ` | | J Moinho do . si DEL: + dito das Barrognerras \ F ; YE (q Sa om, == 7 | $ pe y CL TES E Tupada de Jay Robata) N \ A É g \ PRES | \ à S 4 X 3 e gt, “We oye: Ÿ \ dae de Trente ened y “Capella DONE 7 8, ~ Erazma A a á 2 Ae #23. ee Geraldo Vue a Ato 6 fy Sg A j A flors Los dos filoes metalhjeros. | i | sae ome ed Lndrcagáo da provavel continuidade | 1 | E scala de 20:000 subterranea dos filoes | não Loo 400 Goo Boo 000 1260 léoo 1600 1800 %eooMetros Ce cume Soa no + ~ ra Z "a x y N / ; eds ee N $ Autos orp fe \ | A ! PR a dé \ \ \ È | eee Nonce das Salinherras | hEr Xx ps i È | ieee Ma . POS RS it AN ) x Limite a os granitos porphrrovides MINAS METALLICAS DE PORTUGAL | MEMORIA SOBRE A MINA DE CHUMBO DE SEGURA NO CONCELHO DE IDANHA A NOVA POR CARLOS RIBEIRO SOCIO EFFECTIVO DA ACADEMIA MEMORIA SOBRE A MINA DE CHUMBO DE SEGURA NO CONCELHO DE IDANHA A NOVA. A mina de chumbo de Segura está situada nas visinhanças d'este po- vo, na parte mais SE da provincia da Beira-baixa, no concelho da Ida- nha a Nova. O relevo do solo onde se acha contida, e o de todo o ter- reno da localidade, é formado pelo prolongamento do grande plan'alto que descahe de Castello Branco e Alpedrinha para o Tejo, e que do lado oriental d'esta provincia é cortado pelo fundo valle da ribeira do Erjas, cujo corrego serve de limite aos dois reinos de Portugal e Hes- panha. A sua superficie fracamente desegual, só offerece accidentes de maior monta nas ladeiras que orlam as linhas d'agua mais importan- tes, como, por exemplo, nas margens das ribeiras do Erjas e d'Oc- craciel. ` Q granito é a rocha que constitue o leito e as alcantiladas mar- gens da ribeira do Erjas, desde alguns centos de metros a montante de Salvaterra do Extremo até um pouco abaixo de Segura; e posto que esta rocha se prolongue para Hespanha até 4 distancia de 5 a 8 kilometros, do lado de Portugal orla apenas a margem direita da ri- beira, occupando larguras de 50 a 500” sómente; e subindo, quando muito, até 4 altura de 100” sobre o alveo respectivo, supportando por consequencia a formação schistosa do plan'alto, que ahi está sobran- ceiro uns 200 e tantos metros: em quanto que para alem do Erjas ou de Hespanha attinge este mesmo granito a altitude média do re- ferido plan'alto. O granito em Salvaterra e do lado de Hespanha é grosseiro, por- phyroide e de mica negra; porém tanto em Segura como nas suas vi- 1x 4 MINAS METALLICAS sinhangas muda de caracter, tornando-se schorlico, de grão menos gros- so, mica frequentemente branca, feldspatho laminar, e é atravessado por um outro granito mais claro, de gráo mais fino egualmente schorli- co, e por vezes de pegmatite tambem com abundante tourmalina. A formação schistoide que cobre o granito de Segura estende-se de N para S e para O, apresentando o seu lascado a direcção N 30 e 40º O aS 30 e 40º E. Em geral é composta de schistos sub-luzentes, grauwakes cinzentos e verdoengos, tornados macliferos, micaceos, € passando á leptynite, na zona de contacto com a rocha plutonica, on- de tambem é atravessada por diversas injecções de granito branco e schorlico. Algumas laminas de quartzo vitreo e em massa, de còr cinzen- ta, correm entre os schistos, e algumas tão largas e tão pronunciadas á superficie do solo, que em varios pontos simulam dykes e topes de fildes, porém a illusäo desapparece ao primeiro examc das suas rela- ções com os schistos continentes. Tres são os filões que mais distinctamente se offerecem á obser- vação, tanto em Segura como nos seus suburbios. O primeiro e o mais occidental d'estes filões passa a 1,5-kilometro pouco mais ou menos d'aquelle povo; está situado na encosta do planalto schistoso ; atra- vessa a estrada denominada dos Galegos, que conduz de Segura á Ze- breira, e vai passar no prolongamento N no caminho de Tolões e Se- gura: a sua direcção é E 10° N a O 10° S, e corta perpendicular- mente a direcção do lascado schistoso. Ignora-se qual seja a sua compo- sição, porque sobre elle ainda não se fez pesquiza alguma, observando- se apenas nos seus topes, á superficie do solo, o quartzo ferruginoso, a brecha composta de fragmentos do schisto continente com abundan- te pasta de argilla areosa muito carregada de oxido de ferro hydratado. Sendo porém este filão sensivelmente parallelo aos outros dois filões, o do Broichal e o de Segura, e affastado do primeiro uns 600”, e 1500 do segundo, é mais do que provavel que seja de natureza egual á d'es- tes ultimos. O filio do Broichal manifesta-se á superficie do solo, pelos seus affloramentos, na extensão de uns 1800”, e jazendo em todo este com- primento entre os schistos sub-luzentes alternando com grauwakes. Des- de o ribeiro de Santa Marinha para o Occidente corre precisamente sobre a linha EO, mas do lado do Nascente inflecte-se para o NE, em cuja direcção se estende por uns 400”, para depois desapparecer com- pletamente. No extremo oriental divide-se este filão á superficie do solo em dois filões, separados por uma cunha de schisto de 60” de DE PORTUGAL. 5 largo: para o lado opposto ou occidental diminue a largura d'esta cu- nha, reduzindo-se á dimensão média de 15”; e proseguindo assim s 700%, até á tapada d doeira, des: li dei por uns “UU”, até a tapada da Amendoeira, desapparece ali para dei- xar reunir as duas linhas d'affloramentos e constituir um só afflora- mento. Esta cunha schistosa, em consequencia da sua situacio, náo po- dia deixar de ser mais ou menos modificada em seus caracteres; e com efleito esta porção de rocha apresenta-se com um aspecto muito ` diverso d'aquelle que é commum á rocha continente ; já franzindo-se os seus planos de lascado e produzindo-se pequenas mas numerosissimas plicaturas, já pela abundancia do oxido de ferro de que esta mesma massa schistosa está impregnada, e pela forte proporção d'este mesmo oxido no estado de geodes e de hematite; já pela concorrencia dos crys- taes de quartzo implantados nas paredes interiores de diversas cavida- des; já, emfim, pela grande diflerença de côr, dureza, e de estructura entre o schisto d'esta cunha e a referida rocha continente; o que tudo revela uma intensa acção metamorphica exercida no acto das emissões metalliferas, e as fortes pressões a que a mesma cunha esteve sujeita. Os affloramentos de cada um dos ramos de que acabei de fallar têem, á superficie do solo, possanças variaveis entre 0,5 e 2%,5; de modo que a cunha de schisto metamorphica junta aos dois ramos do filão prefazem uma possança média de 18": isto porêm só exprime a largura da zona que foi actuada pelas acções interiores nos momentos em que o filão se formou, e nada mais; pois que não só as dimensões aci- ma indicadas são relativas a massas quasi todas estereis, como porque as substancias metallicas d'este filão parece estarem distribuidas tanto pelo filão propriamente dito como pela massa do schisto interposto. Pelo que respeita á composição exterior dos affloramentos d'este filão observa-se que os oxidos de ferro, a baryta sulphatada, e o quar- tzo são os elementos preponderantes; porêm a estructura muda de um logar a outro. Em partes compôem-se os affloramentos de uma brecha de ferro argilloso , involvendo fragmentos dos estiacs ; estes fragmentos desapparecem n'outros sitios: a parte ferruginosa mostra- se atrayessada por diversos veios, e encerra geodes de quartzo crys- tallisado, geodes de ferro hematitico, e apresentando na superficie do solo os caracteres do gosan; a baryta em partes apparece escassa- mente, e n'outras fórma o elemento predominante do affloramento. Em duas pesquizas abertas nos dois ramos do filão, e dentro da pro- priedade do Broichal, observa-se o seguinte: no affloramento do lado do Norte é o veeiro cortado pelo poço de pesquisa até a altura de 3”, € mostra tres partes distinctas : a primeira é uma placa de forma ir- 6 MINAS METALLICAS regular composta de ferro hydratado impregnada de crystaes de ba- ryta sulfatada; a segunda é outra placa de baryta sulfatada, com pe- quenas bolças de galena lamellar; e a terceira é uma salbanda argillo- arenacea, involvendo abundantes mas mui tenues fragmentos de schisto dos estiaes. A reunião d'estas tres placas tem apenas 0”,8 de possan- ca. No affloramento do lado do Sul vê-se na respectiva pesquisa, a co- mecar do muro, uma brecha composta de fragmentos de schisto, no- dulos de quartzo estalado, e pasta argillo-ferruginosa ; é atravessada por venulas lenticulares de baryta sulfatada, isoladas da precedente massa por uma delgada salbanda d'oxido de ferro argilloso: esta placa tem 1”,3 de possança, € mostra na superficie exterior ou do lado do tecto, numerosos sulcos ou estrias d'alguns millimetros de fundo por dez a quinze millimetros de largo, parallelos entre si e á inclinação do filão, e devidos aos movimentos a que o solo tem estado exposto depois da formação d'este jazigo. Descansa sobre este membro outro, de barita sulfatada, de estructura radiada, com possança variavel de 0,3 a 1,0, encerrando alguns nódulos de ferro hydratado com pe- quenas massas de baryta, e bolças ou rins de galena lamellar, alguns de 8 kilogrammos de péso: esta placa está separada da precedente por uma delgada lamina de oxido de ferro argilloso de 0”,02 de grosso, e é coberta por uma salbanda argillosa com gráos de aréa, pequenos fragmentos de schisto, e tendo 0”,15 de grossura. Segue-se a esta sal- banda e para o lado do tecto, um schisto molle, ferruginoso, sub-lu- zente, muito contorsido, cortado por numerosas fendas cheias de ar- gilla, tendo uma feição especial e occupando uma largura de 1 a 2", alem da qual se converte no schisto continente; de modo que a rocha do tecto ou os estiaes do filio náo se apresentam aqui devidamente definidos. Este filão inclina n'uns pontos 65 a 80º para o lado do N, n'outros para o do S. O terceiro filio e o mais meridional, occupa uma extensão lon- gitudinal de 1800” proximamente: a sua direcção média é de ENE a OSO, desviando-se um pouco da dos fildes precedentes. Este filão atravessa o terreno schistoso na sua parte oriental, e no comprimento de 600”, que tanto vai do sitio da Tapada Nova, onde passa a linha que separa os schistos dos granitos, até ás proximidades do caminho da Vinha Grande, onde desapparece totalmente: para a parte occiden- tal, e na extensão de 1200”,0, afflora por entre os granitos, passando por baixo das casas do povo de Segura, terminando ou deixando de vêr-se junto ao ribeiro da Calçada, e proximo á linha que do lado oc- cidental limita os schistos e os granitos, DE PORTUGAL. 7 Nenhuns trabalhos de investigação se téem feito por emquanto sobre este filão, e apenas no sitio do Castello, junto a Segura, se fez uma pesquisa sem importancia alguma: examinados, porêm, os respe- ctivos affloramentos na superficie do solo, reconhece-se que na região schistosa apresentam caracteres. identicos aos do filão do Broichal; mas na parte correspondente ao solo granitico mostram uma brecha de côr clara, formada de mui grossos fragmentos do granito continente, com pasta do mesmo granito como que recomposto, atravessada por betas ou venulas de baryta, e por um grosso veio de 1” de possança, com- posto de oxido de ferro hydratado e baryta sulfatada, involvendo rins de galena. A parte brechiforme d'este filão junto ao povo de Segura chega a occupar uma largura de 25", e o seu aspecto é tão similhante ao do granito continente, que se confunde com elle á primeira vista. Emfim, um exame attento nas relações de sobreposição e de pene- tração das substancias componentes dos affloramentos, mostra que os oxidos de ferro e as emissões siliciosas precederam a baryta sulfatada e a galena, denunciando assim dois periodos distinctos de formação. Pela descripção que acabo de fazer reconhece-se sómente que ha tres filões metalliferos bem caracterisados nas visinhancas de Segura, em dois dos quaes se mostra a galena como o contento mais util, mas em fraca proporção ; isto é, reconhece-se que a riqueza absoluta d'es- tes jazigos não está demonstrada em razão da exiguidade das pesqui- sas ali feitas. Ainda se as condições physicas da localidade com rela- ção á situação dos veciros fossem mais vantajosas, isto é, se po- dessem os trabalhos ter um facil exgoto, e um motor barato, e se as condições economicas fossem similhantemente mais favoraveis, se- ría de certo modo compensada a fraca proporção de galena que estes filões apparentam á superficie do solo; porêm não podendo os jazigos ser atacados immediatamente senão por poços verticaes; não havendo motor natural de que lançar mão para os serviços de exgoto, extrac- ção etc. ; não havendo madeiras na localidade para entivações e para machinas ; achando-se os jazigos á distancia de vinte e tantos kilome- tros do Tejo navegavel, e com más serventias para o transporte de mi- nerio e de materiaes ; similhantes minas não podem ser lavradas com vantagem, em quanto que pela demonstração da riqueza absoluta dos contentos não se conhecer que ellas podem supportar as grandes des- pezas que é necessario fazer para sustentar a sua layra. Lisboa, julho de 1857. MINAS METALLICAS DE PORTUGAL MEMORIA SOBRE A MINA DE CHUMBO DO CASTELLO DA RIBEIRA DAS CALDEIRAS NO CONCELHO DO SARDOAL POR CARLOS RIBEIRO SOCIO EFFECTIVO DA ACADEMIA MEMORIA SOBRE A MINA DE CHUMBO DO CASTELLO DA RIBEIRA DAS CALDEIRAS NO CONCELHO DO SARDOAL. A mina de chumbo do Castello das Caldeiras está situada a 3 kilo- metros da margem direita do Tejo, 4 kilometros a SE. da Villa do Sardoal, e 5 a NE. da Villa d' Abrantes. Todo o terreno adjacente á margem do Tejo entre Abrantes e as Mouriscas ainda que desigual, é pouco elevado sobre o leito do mes- mo rio; porêm a uns 2 kilometros da referida margem , já o relevo se pronuncia por collinas'd'altura consideravel, as quaes elevando-se successivamente e estendendo-se de uma maneira mais ou menos con- tínua para N. e NNO. vão formar d'entre outras montanhas as serras d'Alcaravella e de S. Domingos. Estas serras, alongadas e quasi paral- lelas, separam entre si dois valles ou linhas d'agua que correm de Norte para Sul, o mais importante dos quaes é o valle da ribeira das Caldeiras, que vai entrar no Tejo entre Abrantes e Mouriscas. Diversas formações entram na constituição do sólo d'esta locali- dade, e concorrem para as fórmas variadas que affectam o seu rele- vo; é assim que os schistos argillosos, os schistos sublusentes, € os La 4 MINAS METALLICAS grauwakes do periodo cambriano dáo as fórmas alongadas e recorta- das ás lombas que guarnecem a margem direita do Tejo até acima do Sardoal; e as quartzites e os schistos silurianos formam os dorsos sen- sivelmente alinhados das serras d'Alcaravella e de S. Domingos até 4 ribeira do Códes ; vendo-se por outro lado attenuarem-se as desigual- dades do sólo com os restos das arenatas e dos calcareos do terreno terciario lacustre -e dos depositos alluviaes quaternarios, que revestem algumas das lombas dos schistos cambrianos, assim como partes dos valles que se encontram desde Rio de Moinhos até ao Norte e Noroeste do Sardoal; as rochas volcanicas emfim manifestadas no profundo me- tamorphismo exercido sobre os schistos azoicos e fossiliferos , concor- reram pela sua parte para dar uma fórma mais desigual ás lombas que orlam a ribeira de Caldeiras até Alcaravella, e para determinar a disposição alcantilada das margens d'esta mesma ribeira a montante da localidade denominada mais propriamente — as Caldeiras. E’ n'esta parte do sólo onde se manifesta o metamorphismo anor- mal de que vimos de fallar que se encontra o filão de chumbo do Castello das Caldeiras, cortando transversalmente o leito da ribeira, correndo na direcção geral E. 40 N., e com a inclinação de 67º para N. 40 O. Este filão é denunciado 4 superficie do sólo por affloramen- tos de quartzo cavernoso e fendido, com as paredes das cavernas e das fendas revestidas d'abundantes crystaes da mesma rocha, e occu- padas tambem pelo oxido de ferro hydratico e ocraceo, e formando pela concorrencia d'estas duas substancias o bem conhecido gosan dos inglezes. Junto ao alveo da ribeira de Caldeiras tem o affloramento d'este filão perto de dois metros de grossura ; mas subindo a margem direi- ta, diminue successivamente a sua possança apparente, tornando-se já incertos os indicios do veciro na contiguidade do talude do Castello, para desapparecerem totalmente mais para o SO. debaixo do terréno vegetal; sendo aliás muito provavel que o filão tenha uma continui- dade real n'este sentido, e vá cortar o valle da ribeira uma segunda vez, na inflexão que se nota proximo ao logar da Rapozcira. Na mar- gem esquerda da referida ribeira diminue tambem a possanca do af- floramento do mesmo filão; e a uns 40",0, acima do alveo da ribeira encobre-se similhantemente por baixo do sólo vegetal, para de novo afflorar a 200”,0 ao NE., do mesmo alveo, apresentando-se com os caracteres de um gosan de mui bella apparencia. D'este ponto prose- gue por mais uns 500",0 até ás visinhanças do povo denominado val-' le do Esteio onde parece ter o seu termo. DE PORTUGAL. 5 A ganga quartzosa que se manifesta nos afloramentos d'este fi- lio desapparece em alguns logares; e estes affloramentos, reduzidos aos outros contentos, n'um estado aliás terroso e incoherente, a custo se fazem denunciar, occasionando-se por este modo a suppressão appa- rente dos mesmos affloramentos. Nas visinhanças do ponto onde está praticada a pesquiza que se fez para o reconhecimento d'este jazigo , na margem direita da ribeira de Caldeiras, não existe affloramento vi- sivel do veeiro, e no entanto a pesquiza confirmou que n'este ponto havia uma quasi ausencia total da ganga quartzosa. Com efeito, en- costado 4 rocha do tecto e funccionando de salbanda , apparece uma placa d'argilla ocracea, passando a cinzenta, e contendo tenuissimos crystaes de galena disseminados para o lado interior do filão, e tendo 0”,1 de possanga: esta salbanda confunde-se com uma rocha terrosa ocracea com abundantes concreções e geodes de ferro hydratado, e serve de matriz á galena n'uma largura ou possanca de 0",4. O mi- nerio plombifero apresenta-se n'este nucleo em ninhos de differentes grandezas e formas; uns, maciços, com a superficie e algumas cárias revestidas de carbonato de chumbo erystallisado, e no estado terroso; outros muito cavernosos acompanhados tambem do mesmo carbona- to, mas com as cavernas cheias de ferro ocraceo: de modo que n'esta : pesquiza o minerio apresentava no desmonte um volume sensivelmente igual á terça parte do volume da matriz. Uma parte d'esta ganga ar- gillo-ferruginosa, mais pobre ou mesmo esteril e na largura de 0,05 a 0,15 vai formar a salbanda do muro: vindo por tanto o filão a ter n'este ponto 0,6 a 0,7 de possanca. Alem do filão do Castello observam-se outros para o lado do Poente, entre 300 e 600,0 de distancia, com affloramentos paralle- los de quartzo ferruginero ; sendo muito provavel que encerrem con- tentos iguaes aos do filão do Castello, o que todavia não foi ainda averiguado. A rocha continente de todos estes files tem o aspecto d'um gneiss muito duro de côr escura amarellada : encerra grãos quartzo- sos e mica negra dispostos em planos parallelos, e abundante feldspa- tho granular (predominando sobre os outros elementos) distribuido re- gularmente pela massa. A estructura d'esta rocha resulta d'um lasca- do schistoso bem definido, posto que a adherencia e a solidariedade das laminas converta este falso gneiss n’uma rocha maciça, de difficil ou quasi impossivel separação ; este lascado dirige-se como todo o mais lascado das rochas cambrianas da localidade de SE. para NO. Esta es- tructura é porém modificada por numerosos planos de resfriamento 6 MINAS METALLICAS que cortam a rocha em diversos sentidos; o que contribuirá para fa- cilitar o desmonte da rocha, sem que comtudo deixem de ser dispen- diosas todas as obras de lavra que houverem d'abrir-se fóra dos pla- nos do tecto e do muro dos filões. O caracter gnessico d'esta rocha, e mesmo o Valgumas outras fachas que se encontram na localidade com aspecto da micacite, é o resultado do metamorphismo occasiona- do pela injecção das rochas dioriticas que affloram em Abrantes, Mou- riscos, Caldeiras, Sardoal, etc. e exercido sobre os schistos argillosos e grauwakes do periodo cambriano de que acima fallei ; evidenciado na concordancia do lascado schistoso de todas estas rochas de caracter mineralogico tão differente , € nas passagens sensiveis e claras d'esses mesmos caracteres de umas para outras. Alem do aspecto especial d'estas rochas manifesta-se o metamorphismo anormal com caracteres mais pronunciados ainda, e diversos: em Cabeço das Mós, 2 kilome- tros ao Poente do Castello das Caldeiras, e bem assim no caminho que d'este ponto conduz ao Sardoal, encontram-se os grauwakes e os schis- tos argillosos com o aspecto e fórmas do granito, mas um melhor exame deixa reconhecer que é uma eurite com crystaes d'albite e algumas palhetas de mica: em partes offerece esta rocha o quartzo mui visi- vel, e o feldspatho em grãos ou laminas; para mais longe dos pontos onde estes caracteres se dão, tomar a mesma rocha a estructura schis- tosa passando por graduações ao schisto cinzento subluzente e ao grauwake, encerrando frequentes laminas de leptynite. No Sardoal os schistos argillosos e os grauwakes carregam-se de mica, o quartzo tor- na-se visivel em pequenos grãos, as rochas tomam a côr amarella es- cura em partes averdoengada, deixando vêr furtivos affloramentos de uma diorite pòdre e terrosa. É entre aquelle povo e as Sentieiras, que as rochas arenaceas da bacia lacustre terciaria do Tejo, juntamente com o schisto cambriano, se carregam de grãos de feldspatho e de amphi- bole; e que o calcareo lacustre dos pequenos retalhos tambem ter- ciarios, que ali se véem, torna-se magnesiano, finamente granular, mui duro e cavernoso, em consequencia da intensa acção metamor- phica das rochas eruptivas que affloram nos logares indicados; pro- vando-se por estes factos que similhantes rochas são posteriores á épo- cha da formação miocêne. Não é sómente nos affloramentos que apparecem nas visinhanças do Castello das Caldeiras que se resumem os indicios do campo me- tallifero do concelho de Sandoal ; os affloramentos de filões repetem-se em toda a zona que corre para o N. d'aquelle sitio, desde Cabeço dos Mós até ao terreno siluriano d'Alcaravella, No sitio da Portella dos AS DE PORTUGAL. 7 Louros, e.no Curriáo sobre o caminho que vai do Castello para o Sar- doal, observam-se repetidos affloramentos de gosan, e d'uma brecha ocracea, muito caracteristicos. No caminho do Sardoal para Alcaravella encontram-se outros similhantes affloramentos, que vão passar tambem na estrada de villa de Rei: em Entre Vinhas, 3 kilometros. ao nascen- te do Sardoal, e mais adiante ainda seguindo a estrada do Penascoso encontram-se diversos affloramentos, com: caracteres analogos e todos sensivelmente parallelos ao filão do Castello das Caldeiras, isto é, di- rigindo-se de E. 40 N. a O. 40 S. proximamente. Devendo notar-se que com todos estes afloramentos concorre sempre uma alteração me- tamorphica mais ou menos profunda nos schistos continentes. Emfim no sitio de Valle Longo, a 2,5 kilometros a nordeste do Sardoal, appa- recem outros veciros representados por uma brecha quartzo-ferrugi- nosa dirigindo-se no sentido do lascado schistoso (S. 30 E. a N. 30 0.) mas cortando os planos do mesmo lascado. sob angulos diversos em consequencia das plicaturas das laminas schistosas. São os unicos files que encontrei n’estas paragens com direcção differente da dos preceden- tes, e os quaes pertencem provavelmente a outro systema. D'esta resumida indicação conclue-se que em todo o tracto ao SE. Nascente e Norte do Sardoal, e n'uma área de 40 a 60 kilometros quadrados, ha um campo cortado por numerosos veeiros, e repetidas zonas de rochas alteradas por um segundo metamorphismo, attestan- do todos estes phenomenos «um trabalho intenso das acções interiores do globo exercido em parte pelas emissões metalliferas, no numero das quaes entra o jazigo plombifero do Castello das Caldeiras. E estou bem seguro que logo que haja mais movimento no nosso paiz, e que se tornem mais bem conhecidos os recursos materiaes depositados no seio do nosso solo, e que ao mesmo tempo penetre no gabinete do econo- mista e do capitalista uma mais solida illustração, teremos n'aquel- le e em outros mais pontos da margem direita do Tejo, outros tan- tos centros da actividade industrial determinados pela lavra das mi- nas que ali se manifestam desde o Zezere até ao Erjas. Examinaremos agora, ainda que de um modo geral, quaes são as condições economicas em que se acha a mina que nos occupa. Asituação do jazigo de chumbo do Castello das Caldeiras é uma das mais favorecidas pela natureza para se emprehender sobre elle uma lavra vantajosa. Os filões d'este local cortando transversalmente a ribeira das Caldeiras, deixam acima do leito d'esta mesma ribeira um vasto campo de lavra, com especialidade sobre a margem esquerda onde o filão: do castello tem um kilometro d'extensão linear com altu- 8 MINAS METALLICAS ras de 60 a 100”, e sobre o leito da indicada ribeira ; havendo nos cam- posde lavra de ambas as margens um esgoto natural a um serviço por meio de galerias d'avanço abertas sobre ʻo mesmo filão ‘e um pouco acima: das maximas cheias. Para o enxugo dos trabalhos de lavra dos campos inferiores ao Jeito da ribeira, e para a extracção dos respecti- vos productos, póde dispor-se das aguas desta mesma ribeira, as quaes represadas á distancia de um à dois kilometros fornecerão uma excel- lente força motriz com a quéda de 12 e 20”, e em razão do grande declive do corrego da ribeira desde as Caldeiras até acima do Pisão de Bruche. Não poude é verdade medir o volume d'estas aguas por ca- recer d'um trabalho previo e demorado que não me era possivel fa- zer; e mesmo porque a estação invernosa não era a mais apropriada para este genero de apreciações : no entanto pelas informações idoneas, a que recorri, soube que desde novembro a maio as azenhas estabele- cidos n'esta ribeira usam sómente uma pequena parte do volume das aguas da ribeira em razão da sua abundancia, e que só no estio é que as aproveitam todas, mas sem que deixem de trabalhar todas as machinas. Em todo o caso, a curta distancia de 3,0 kilometros que vão d'esta mina até ao Tejo; aquella que a separará da linha de ferro que de Santarem deve caminhar para Leste, e a facilidade de construir um bom caminho que communique com qualquer d'aquellas duas vias, resolverão mui favoravelmente a questão mais remota do estabeleci- mento d'uma machina de vapor para supprir as faltas da agua, quan- do for mister um augmento de força motriz para o serviço dos cam- pos mais profundos. Por tanto esta mina póde ser atacada na sua região superior com proveito immediato sem o emprego de grandes capitaes, porque não tem despezas d'esgoto, e o serviço da extracção deve ser muito eco- nomico por se fazer pelas galerias d'avanço que devem vir ‘i flor do solo e sobre o alveo da ribeira: sendo indispensavel desde logo prepa- rar o ataque futuro das regiões inferiores por meio da abertura de um grande poço mestre, cujo trabalho se pode ir fazendo com mais morosidade, e costeado com parte dos lucros que der a lavra da região. superior. Outra vantagem que affecta as boas condições economicas d'esta mina, é a abundancia de madeiras, com especialidade as de pinho, que tem as visinhanças do Sardoal, e a distancias de 2 a 8 kilometros do local onde devem estabelecer-se os trabalhos. Porêm como as cons- trucgdes publicas, e sobre todas os caminhos de ferro, estão em via de grande augmento, acontecerá que dentro em pouco tempo não tere- DE PORTUGAL. 9 mos n'aquelles logares a abundancia de madeiras que hoje ali se vé, e por isso conveniente e necessario será que se o governo conceder es- ta mina lhe imponha a condição de semear e entreter uma floresta ou matta, que possa no futuro supprir todas as necessidades da lavra e dos estabelecimentos seus dependentes. Pelo que respeita ao estabelecimento do tratamento mechanico do minerio, ha grande espaço e muito azado no sitio do Lagar da Ra- poscira, uns 500”,0 a jusante do filão do Castello : aqui o alveo da ribeira alarga-se bastante e o local pode mui vantajosamente accommo- dar todas as officinas de tratamento, permittindo que se estabelecam nas condições que se desejar, para o que haverá sempre a agua ne- cessaria ao seu entretenimento. E quando o prolongamento de uma galeria d'avanço atravesse a montanha do Castello, poderá o minerio ir immediatamente para as officinas sem percorrer a parte exterior do sólo, aliás difficil por causa das ladeiras que guarnecem as margens da ribeira; e por onde deverão tambem sair os desentulhos, por ser tambem ali onde ha bastante largura para serem depositados. Quanto ao tratamento metallurgico, parece ser mais conveniente transportar o schelich para Lisboa e fazer ali a sua reducção, do que receber o carvão de pedra de Lisboa para depois enviar o producto fabricado para este mercado: este alvitre, na presença de uma tão prompta communicação com o Tejo, é de tão simples intuição que não carece demonstrar as suas vantagens. Para a aequisição das aguas necessarias á força motriz, quer da que no futuro tem de pôr em movimento as bombas d'esgoto, quer da que se torna já necessaria para as officinas de lavagem, ha forçosa- mente a expropriar alguns moinhos d'azeite e de cereaes, cujo valor maximo de cada um dizem que orçar por 4008000 réis. No que toca aos terrenos que devem ser expropriados para o uso e serventia da mina e das officinas annexas , são elles de valor varia- vel: nas encostas da ribeira sendo todo o sélo coberto de mato náo tem muita importancia, mas em compensação tem de construir-se so- calcos para sustentar as terras provenientes da excavação, afim de não obstruirem a ribeira; e isto em quanto o desinvolvimento da lavra não facilitar o transporte para outros pontos. Pelo que respeita aos braços para os trabalhos de mineração, e das officinas, não ha excesso na população do Concelho do Sardoal e limitrofes, em razão do muito emprego que téem na agricultura, on- de se paga a 200 réis o jornal: ha porêm muitas mulheres e rapazes que buscam trabalho, e que podem ser utilmente empregados nos tra- MEM. DA ACAD.—1." CLASSE. I. P. m. 2 10 MINAS METALLICAS DE PORTUGAL. balhos exteriores e nas officinas de tratamento a preço de 80 a 100 réis o jornal. i Emfim, qualquer das margens da ribeira, desde as Caldeiras até ao Tejo, presta-se a uma facil communicação entre a mina e aquelle rio, cuja distancia pouco poderá exceder a 3 kilometros; sendo esta uma das condicóes que a todos os respeitos maior valor dá a esta mina. i Lisboa 15 de abril de 1857. MEMORIA SOBRE O GRANDE FILÃO METALLIFERO QUE PASSA AO NASCENTE D’ALBERGARIA A VELHA r OLIVEIRA D'AZEMEIS ron ACA HE AD NE E AIR O SOCIO EFFECTIVO DA ACADEMIA BCIE TO Eee A SOBRE 0 GRANDE FILÃO METALLIFERO QUE PASSA AO NASCENTE D'ALBERGARIA A VELHA E OLIVEIRA D'AZEMEIS O districto da Beira que encerra maior numero de filões e offerece os caracteres d'uma verdadeira região metallifera, é sem duvida a parte occidental do districto d' Aveiro que comprehende os cinco con- celhos de Villa da Feira, Oliveira de Azemeis, Albergaria a velha, Sevêr do Vouga e Cambra. Esta zona está situada de Norte a Sul en- tre os rios Douro e Vouga, na extensão proximamente de 40 kilome- tros de comprido por 10 a 20 de largo: prende pelo Nascente ás al- tas montanhas que formam as serras do Arestal e da Freita, onde o seu relevo participando da profunda accidentez d'aquellas montanhas , se simplifica pouco a pouco para o lado do Oeste, mas de um modo desigual, até que se confunde com o terreno baixo denominado a Gan- dra, que vai topar com o Oceano e formar a Linha de Costa. D'entre os muitos filões metalliferos que se observam n'esta parte do paiz (em cujo numero entram aquelles que constituem as minas de cobre do Palhal e de chumbo do Braçal) encontra-se uma serie de affloramentos pertencentes a um só jazigo que demora ás distancias de dous a quatro e meio kilometros a E de Souto Redondo, S. João 1» 4 MINAS METALLICAS da Madeira, Oliveira de Azemeis, e Albergaria a velha. E” este jazigo muito notavel pela sua extensão, e mais ainda pela sua estructura, composição e forma, de que passarei a occupar-me na presente Me- moria Desde as Caldas de S. Jorge, até ao rio Vouga, correm duas ou mais formações de mui antiga data e variado caracter mineralogico, ‘d'entre as quaes ha uma que em geologia poderá referir-se sem gran- de erro ao terreno cambriano, e que serve de formação continente ao filão que pretendo descrever. Consta esta formação de dois mem- bro, assás distinctos entre si pelos seus caracteres pectographicos e mi- neralogicos: um composto de schistos argillo-talcosos de córes ver- doenga, cinzenta, e trigueira, e em partes profundamente metamor- phicos e por isso passando ao gneiss, á syenite etc.; o outro apresen- ta-se na parte septentrional formado de quartzites de còres claras, mi- caceas mais ou menos schistoides, e em estratos delgados e mui uni- formes. As rochas do primeiro membro transformam-se mui frequen- temente em rochas gneissicas, mica schistosas e amphibolicas, for- mando por assim dizer este estado metamorphico com todas as suas variedades e accidentes de côr, dureza etc., a feição mais dominante do solo em toda esta localidade. As rochas dioriticas manifestam a sua presença em diversos pontos d'esta zona; assim como largos af- floramentos de granito n'uma disposição tambem sporadica, circum- screvem a mesma zona pelo Norte e Nascente atravessando aquellas rochas, tornadas por isso cada vez mais profundamente metamor- phicas. Dos dois membros d'esta formação, foram as quartzites que mais contribuiram para darem ao solo adjacente ao jazigo, o relevo e fórma que hoje se observa entre as Caldas de S. Jorge e o Valle da ribeira do Caima em Ossela, e do qual bom é dar aqui uma idéa geral. As quartzites occupam duas faxas que se estendem parallelamente uma á outra no sentido de N para S, e de NNE a SSO afastadas en- tre si 2 kilometros no maior intervallo: em seus accidentes formam duas series de montanhas e collinas de desigual extensão e altura, am- bas com as suas cumiadas sensivelmente alinhadas, e dispostas de mo- do a formarem duas serras parallelas. A serie de montanhas do Nas- cente começa por umas collinas proximo das Caldas de S. Jorge com os nomes de Serra d'Estoze e do Penedo de ferro e que se elevam uns cem a cento e cincoenta metros sobre os pontos mais baixos do ter- reno adjacente ; d’alli estende-se para o Sul por uns 16 kilometros até á ribeira do Caima comprehendendo as Serras do Romariz, Cesar, Lor- DE PORTUGAL. 5 delo ete. e attingindo alturas dè 200 e 400",0 sobre os corregos das ribeiras visinhas (vid. Planta). Do lado opposto ou occidental come- ça a elevar-se a serie de collinas e de montanhas vas alturas de Sou- to Redondo e do Valle Escuro correspondendo á serie fronteira, mas sem que n'estes logares se vejam as quartzites por terem desappare- cido pela denudação, pelo abatimento do solo na falha que dá passa- gem á ribeira de S. João, e mesmo pelo metamorphismo que lhe mu- dou o caracter pectographico : porêm 1,5 kilometro a E de S. João da Madeira, levantam-se as quartzites do alveo da ribeira ultimamente citada para formarem a montanha de Dentares e proseguirem depois, primeiramente sobre o Sul, e depois para o SSO, formando a serie de montes e collinas com as denominações de serras da Cercosa, dos Si- nos, do Ponto, e das Lobadas, e a qual vai beijar a ribeira do Caima proximo ao Moinho das Pinas (vid. Plant.); conservando esta serie de pequenas montanhas uma altitude sempre inferior á das montanhas da serie do Nascente, cuja differença ch ega em partes a 200”,0. É no valle formado por estas duas series de collinas e de mon- tanhas que residem os affloramentos do grande filão metallifero, em toda a zona comprehendida entre as Caldas de S. Jorge e a ribeira do Caima. ; Diversas deslocações dirigidas de E a O interrompem as serras de que acabamos de dar idea, correspondendo-se estas fracturas n'uma e outra serie, e de modo a formarem os valles apertados e de pare- des abruptas por onde correm as ribeiras de S. João, do Pintor, e do Pindelo. Estas fracturas são simples soluções de continuidade nas ca- madas, ou nas serras de quartzites em questão, e em nada alteram o relevo orographico nem o caracter mineralogico das rochas: não acon- tece porêm outro tanto na parte que corresponde á deslocação por on- de passa a ribeira do Caima, porque aqui e em toda a região ao Sul d'esta ribeira, manifesta-se uma grande alteração nas condições physi- cas e nos caracteres pectographicos de todo o solo. Com effeito uma ligeira vista d'olhos em todo o trato entre a ribeira do Caima eo rio Vouga adverte-nos, que a pequena cordilheira de montanhas de quar- tzites em questão continuava primittivamente para o Sul da ribeira do Caima, fazendo parte de um grande systema d'eixos de levanta- mento manifestado na direcção N, alguns gráos O, a S, alguns gráos E, hoje immensamente. modificado pelos ulteriores movimentos do solo, que fizeram desapparecer em parte as linhas bem pronunciadas que tanto deviam caracterisar o relevo orographico de então. Foi as- sim que o immenso contraforte da Pedra aguda, que das altas mon- 6 i MINAS METALLICAS tanhas do Arestal se destaca para o Poente e vem formar a eleva- da parede da deslocação qué em Ossela dá passagem á ribeira do Cai- ma, e bem assim os outros contrafortes e estribos que desde entre à Pedra aguda e o rio Vouga similhantemente se destacam para o Poen- te, interromperam € desordenaram a direcção das cumiadas, a dispo- sição e a extensão das massas de quartzite da nossa pequena cordi- lheira, tão uniformemente sustentadas ao N da indicada ribeira; divi- dindo as faxas em retalhos de differentes grandezas como aquellas que se observam na lomba da Pedra aguda, em Felgueiras, Seixinha, Nes- preira, Telhadella, Fragoas, Gavião ete. Estes retalhos acham-se dis- postos de modo a mostrarem que as mesmas faxas forão infletidas junto 4 falha do Caima, e obrigadas a dirigirem-se sobre o quadrante do SO. Não obstante porêm as interrupções e desvios que deixo indicados, re- conhece-se que a faxa do lado oriental com as collinas a que ella dá logar, corre por uns 20 kilometros desde a ribeira do Caima até á margem esquerda do rio Vouga, passando pelas visinhanças de Felguei- ra, Telhadella, Ribeira de Fragoas, Gavião, e Carvoeiro; em quanto que a faxa fronteira, mais interrompida ainda do que a precedente, dirige-se pela Seixinha, Barreiro Negro, até perto de Telhadella onde se reune á faxa do outro lado, desapparecendo totalmente da parte oc- cidental, As direcções dos estratos d'estas quartzites são as mesmas das das cumiadas das montanhas e collinas de que ellas fazem parte, ou a quasi totalidade, e bem assim as do lascado schistoso das outras rochas da formação: as inclinações porêm dos referidos estractos são diversas, € em geral oppostas nas duas series de collinas de que temos fallado. Do lado oriental estão os estratos levantados de 50 a 80º sobre o horizonte mergulhando para o Nascente: e só em Cabeço de Mouros, Costeira, e Cabecinho do Ouro, onde parece quererem ligar-se com 0 retalho que está do lado occidental em Pedreiro negro, é que as in- clinações são menores, e alternativamente para Nascente, e para Poen- te. No lado fronteiro, ou faxa occidental, levantam-se os estractos até 4 vertical mergulhando depois para o Poente: € só em Nespreira, junto 4 falha do Caima, na quinta da Silveira, em Pedreiro negro, é que mer- gulham para 0 Nascente, mas com vestigios de um dobramento, mos- trando que as partes denudadas inclinavam para o Poente. Em fim estas duas faxas de quartzites são separadas por outras rochas de mui distincto caracter mineralogico, de que mais adiante trataremos, e que formam a rocha continente do jazigo; de modo que ao N da ribeira do Caima as unicas relações que existem entre o mes- —— em DE PORTUGAL. 7 mo jazigo e as quartzites acham-se traduzidas no sensivel parallelismo que se nota entre a direcção dos estratos, a das cumiadas das serras, e a disposição geral dos afloramentos metalliferos : ao Sul porém da mesma ribeira parece terem sido as quartzites aquellas das rochas a que mais commummente se veem sobordinados os productos das emissões contemporaneas do grande filão, as quaes tiveram ali logar na direcção proxima de N a 8. Postas estas ideas geraes sobre a constituição e relevo do solo, e suas relações com a situação geographica do jazigo, passarei a fazer a descripçäo d'este ultimo, tal qual se mostra em sua região mais su- perficial, acompanhando-a da indicação de todos os factos geologicos accessiveis á observação e que mostrarem ligações mais proximas com os phenomenos que lhe dizem respeito. O jazigo metallifero de que passo a occupar-me, começa a alguns centos de metros ao Norte das Caldas de S. Jorge, representado por uma rocha branca argillo-schistosa com o aspecto terroso, afflorando en- tre as rochas metamorphicas de caracter gneissico e que são as predo- minantes na localidade ; junto porêm ao edificio das referidas Caldas y em um córte transversal de trinta e tantos metros de comprido, feito para desviar a ribeira de Nadaes, é onde elle se mostra mais des- coberto. N'esta secção vê-se o facto curioso de massas quartzozas quasi verticaes constituirem a totalidade do jazigo (parecendo ao primeiro exame camadas mal definidas de conglomerado), formado de fragmen- tos angulosos de diversas grandezas, como se vé na figura 1.º Esta ro- cha é siliciosa, textura granoza mui dura, branca, ou levemente ro- sada. Quebrando alguns d'estes fragmentos offerece na fractura uma . i NAS SW $ \) ç NO VEAN PUN R 7 da y SY ADNAN ny, NA RE i RE, 3 4 IR ry \ N 8 MINAS METALLICAS estructura brechiforme accusada pela presença de grãos e de fragmen- tos quartzosos, e pela divisão da massa em numerosas fendas d'estalado dispostas desigualmente, n’algumas das quaes se descobrem imper- feitos crystaes de quartzo. Estas massas fragmentares são todas angu- losas ; e com quanto tenham differentes formas e grandezas, observa-se que estão accommodadas aos lados umas das outras de um modo muito diverso do que aconteceria se a sua accumulação e arranjo dependesse “ do transporte. Pelo que respeita á pasta, ou não existe, ou então é tambem siliciosa. Como quer que seja, o facto é que a estructura fra- gmentar das paredes do corte é muito menos pronunciada nos af- floramentos onde parece formarem uma massa muito mais continua. Estas massas quartzosas affectam uma forte inclinação de 70 a 80º, para o Nascente, e concordam com a direcção do lascado dos gneiss, e da dos retalhos de schisto que accidentalmente se acham na locali- dade. N'este sitio das Caldas, occupa o filão a parte baixa de um val- le, estendendo-se para o Sul por uns 800",0, e formando a aresta de uma lomba pequena a que chamam o Outeiro das Candaidas ; sóbe depois a uma collina denominada a montanha do Zelador, elevada uns 507,0 sobre o corrego do valle mais fundo da localidade, mostrando sempre nos seus affloramentos a rocha siliciosa mais ou menos metal- lisada, e uma larga possança superior em partes a 20”,0. No alto d'esta montanha, já o filão deixa de ter a singela composição quartzosa, e por consequencia a mesma estructura: o affloramento deixa de ser continuo no sentido da largura, intercalando-se-lhe rochas schistosas muito metamorphicas no meio das massas quartzosas de modo que o dividem em grupos de affloramentos. Se fizermos um corte transver- sal a este jazigo que passe pelo caminho que vai á Fabrica de pa- pel, teremos na parte central um grupo de tres ou quatro affloramen- tos com 0”,1 a 0”,3 de possança, compostos de uma rocha argillo- siliciosa, pardo-escura, tornada branca em alguns logares pela accu- mulação da parte quartzosa, estructura schistoide mal definida, e pe- netrada de substancias averdoengadas de arseniato e de phosphato de ferro, e de pyrite de ferro arsenical. Para o Nascente segue-se-lhe uma placa d'argilla branca endurecida, com 1”,0 de possanca, e depois ou- tras de côr amarella e cinzenta com grãos quartzosos e o aspecto de um grés argillo-ferruginoso alterado pelo metamorphismo, e occupando uma largura de 3 a 4 metros. Seguem-se ainda para este lado outras ` placas d'argilla muito siliciosa branca, ligeiramente córada em amarello e vermelho, dura, brechiforme, as quaes vão converter-se para o lado DE PORTUGAL. - 9 do Norte nas massas quartzosas que representam o jazigo para aquelle lado, e de que acabei de fallar. Estas ultimas placas simulam passar por transiccáo insensivel á rocha de aspecto gneissico continente, em razão da falta de erystallineidade dos elementos d'esta ultima, do com- mum caracter arenaceo, e da côr clara de ambas. A rocha que separa os affloramentos metallisados que acima in- diquei, e que se prolonga para Oeste, tem o caracter de uma rocha granitica, com pouca ou nenhuma mica, aspecto terroso, e muito alte- rada pelos agentes exteriores. Continúa para o Poente por uns 300”,0, manifestando a esta distancia algumas laminas de rocha mui dura, umas pardo-cinzenta com gráos de feldspatho e de quartzo, outras com- postas de grãos de quartzo vitreo com pyrite ferrica e arsenical, ou- tras finalmente de uma rocha cinzenta brechiforme e escoriacea com pyrites de ferro arsenical e arseniato de ferro. Estas laminas, pela sua composição e convergencia, vão reunir-se á parte central do jazigo uns 100”,0 mais para o Sul, apresentando bastante variedade na pos- sanca e mesmo nos caracteres exteriores dos affloramentos. Neste ponto Já os precedentes affloramentos estão mais reunidos, e formam um dyke de perto de 1™,0 de altura e 5 a 6”,0 de possanca, com incli- nação de 70º para E 5ºS. O dyke mostra aqui uma rocha argillo- quartzosa mui dura, em partes brechiforme, imperfeitamente schistoi- de, côr parda passando a acinzentada no interior da massa, e verdoenga nos planos de retracção devida ás concreções e a um revestimento de arseniato de ferro. Encostado a este dyke, e pelo lado do Nascente, es- tão massas ou placas argillo-siliciosas de córes cinzenta e amarellada com grãos de quartzo, tomando em partes o aspecto do grés argil- loso, confundindo-se por alteração com a rocha podre e desaggregada que parece provir da alteração e desintegração do gneiss que mui pro- ximo a limita por aquelle lado. E a Oeste é o referido afloramento contido pelo schisto talcoso cinzento -subluzente com algumas laminas schistosas da mesma natureza da substancia do dyke; isto é, mais duras, de differente estructura e côr das do schisto talcoso, e embebidas dos compostos de ferro e d'arsenico. i A parte central do jazigo prosegue para o Sul em fórma de dyke dividido em placas parallelas, parecendo affloramentos de camadas de quartzites elevadas um a dois metros sobre as outras rochas, e in- clinando de 60 a 70º para Éste. A sua côr é parda averdoengada man- chada em verdé nos planos de retracção, e mostrando aqui e ali al- gumas pequenas massas de pyrite arsenical e ferrica. No sitio da Quinta, proximo a Pigeiros (2,300 kil. ao Sul das Caldas de S. Jor- MEM. DA ACAD, — 1.º CLASSE — T. IL. P. II. 2 10 MINAS METALLICAS ge) fez-se uma insignificante pesquiza, da qual só resultou pór mais a descoberto uma pequena parte dos affloramentos do jazigo. A parte visivel do filão n'este logar occupa uma largura de 222,0, encobrin- do-se a restante por baixo do solo vegetal. Consta aqui de placas pa- rallelas, inclinando de 70 a 80º para Éste, e compostas de uma rocha mui dura argillo-siliciosa com grãos e fragmentos de quartzo, cô- res cinzenta e avermelhada pelo oxido de ferro penetrado na sua mas- sa: estas placas encerram bêtas ou laminas de fórma irregular de uma brecha muito ferruginosa; insinuadas nos planos de separação e de con- tacto das referidas placas. A poucos metros d'este afiloramento, tanto do lado do tecto como do muro, está o schisto talcoso subluzente cin- zento e-amarellado. Estes affloramentos seguem sempre para o Sul, de um modo mais ou menos pronunciado; e a 700”,0 do ponto, ultimamente indicado, proximo a Vinhó, vai a parte mais central e endurecida do jazigo for- mar a parede de uma estrada com 6'”,0 de altura, do modo porque se vé representado na figura 2." Esta parte central compõe-se de uma grande massa a è argillo-siliciosa muito dura, de fractura argillosa , de cor trigueira muito escura manchada em verde garrafa e em ver- melho, com pequenas cavidades contendo a pyrite ferrica arsenical, e tendo uma largura ou possanga de 4 a 67,0. Pelo Nascente adhere- lhe uma placa c c de argilla molle acinzentada com grãos e fragmen- tos de quartzo, cuja proporção perdendo-se pouco a pouco passa á pla- ca de argilla cinzenta e amarella d d; em e e torna-se talcosa e to- ma à estructura schistoide encerrando ainda grãos de rochas diversas, mas depois sobrecarrega-se de mais talco e toma a cór branca e amarel- lada, fazendo assim passagem ao schisto talcoso muito metamorphico de córes claras que limita o jazigo por este lado, em quanto que pelo Poente a massa a 4 encosta immediatamente ao schisto talcoso sublu- zente cinzento e verdoengo. DE PORTUGAL. 11 De Vinhó para o Sul continuam os affloramentos d'este jazigo com os mesmos caracteres exteriores, e descendo depois á parte baixa d'um valle a que chamam a Gandra de Pigeiros, escondem-se debaixo do terreno diluvial e da terra vegetal, deixando vêr sómente, aqui e ali, alguns vestigios situados todos no mesmo prolongamento dos afflo- ramentos. Porêm na Lomba das Cóvas, a 1,5 kil. de Vinhó, torna o jazigo a apresentar os seus tópes de um modo similhante ao já indi- cado, occupando a parte mais alta de uma pequena collina que se es- tende para o Sul com o mesmo jazigo. Nºeste logar apresenta-se o fi- lio n'uma largura apparente, mas variavel, de 6 a 10™,0 (sendo des- conhecido o resto por estar encoberto pelo terreno detritico): aqui fizeram-se dois pócos verticaes de pesquiza, proximos um do outro, e com 6 e 8",0 de fundo, do exame dos quaes, e do que se observa na superficie do solo, se reconheceu que as grandes massas argillo-silicio- sas que mais para o Norte formam o dyke em Vinhó, Quintã, até ao Monte da Pelada, estão aqui transformadas e representadas por diver- sos ramos de alguns decimetros até 1”,5 de possança. Estes ramos são de apparencia brechiforme, ferruginosos, concordantes com os planos de schistosidade da rocha continente, e separados entre si por placas mais ou menos grossas d'este mesmo schisto encaixante : os planos po- rém d'estas placas sáo quasi sempre contorsidos, apresentando-se as superficies de lascado mui polidas e luzentes, cobertas de numerosas manchas d'um brilho metallico amarello, absolutamente igual em tu- do á rocha schistosa que acompanha o filio Bastos na mina de cobre do Palhal comprehendida n'este districto mineiro. Este schisto inter- calado está já n'um começo de alteração metamorphica denunciada pela separação do seu elemento quartzoso em delgadas laminas, e do talco em pequenas lamellas, manifestando-se cada vez mais intensa da parte central d'estas cunhas ou maciços para os planos de contacto com os ra- mos indicados: n'este contacto está então o schisto convertido numa rocha esbranquiçada, subluzente, leve, imperfeitamente schistosa ; é neste estado que esta rocha se vê injectada, de tenues laminas verdes de arseniato de ferro, de concressões de uma substancia verde-mar, e encerrando ninhos compostos de arsenico nativo em pequenas la- mellas intrelacadas côr gris de aço, tornado negro e pulverulento na superficie por alteração; e por diversos sulfuretos de ferro e d'arse- nico: é ainda n'esta mesma rocha que se encontram muj frequentes mas pequenas porções de pyrite cuprica, e cavidades, algumas reves- tidas de quartzo botryoide, e a maior parte d'ellas cheias d'oxido ne- gro de cobre. As massas que se destacam do jazigo n'esta localidade e 2; 12 MINAS METALLICAS que são compostas das substancias metallicas enumeradas teem um pêso variavel de 0,5 a 20 kilogrammos. Estas massas geodicas embebidas nos planos apenas perceptiveis do schisto brando metamorphico, parece estarem dispostas em zonas que se prolongam em profundidade; e é de crêr que todas ellas guardem uma posição definida em relação ás placas quatzo-pyritosas que se observam entre os referidos schistos metallisados. A prata, o nickel e o cobalto, que costumam acompa- nhar com frequencia os compostos naturaes de arsenico, não se mani- festaram nas reacções de analyse qualitativa a que submetti algumas amostras do minerio d'este sitio; não podendo todavia assegurar-se, por este resultado negativo, que todos, ou parte d'aquelles metaes, não venham no progresso da lavra a apparecer n'este jazigo. Neste sitio da Lomba das Cóvas teem os affloramentos subido á cumiada de uma lombada bastante comprida, porém baixa, com a qual se prolongam para o Sul na extensão de 800,0 proximamen- te, para d'aqui seguirem por um terreno desigual e monticulado que vai successivamente cortando até ao largo da Feira de Nogueira de Cravo, e na extensão de 5,5 kilometros. Em todo este comprimento em nada muda o caracter geral dos affloramentos do jazigo; isto é, mostram- se predominando aqui e ali as mesmas massas silicio-argillosas forman- do o nucleo ou parte central do jazigo com 4 a 8,0 de possança, to- das córadas pelos compostos arsenico-ferruginosos: as placas de schisto contiguas ou intercaladas, são cavernosas em partes, endurecidas e me- tallisadas pelo metamorphismo anormal: as placas argillosas apresen- tam-se diversamente carregadas de grãos e de fragmentos de quartzo e d'outras rochas, afectando uma estructura imperfeitamente schistoi- de: finalmente a direcção é a mesma de N S, e concordante com a do lascado schistoso das rochas continentes; e a inclinação continúa para Éste sob angulos de 60 a 80”. Em todo este comprimento ape- nas ha uma pesquiza de quatro. metros de fundo feita na parte ante- rior e Oeste do jazigo, no sitio dos Casaes de Milheirós a 1,8 kilome- tros da Lomba das Cóvas, e na qual se denunciaram as mesmas sub- stancias arsenicaes, cupricas e ferricas já designadas , mas que não passam de infiltrações nas rochas do jazigo, ignorando-se por conse- quencia quaes as condições e theor com que estas substancias Jazerào em profundidade. N'este mesmo sitio ea 50,0 para E'ste da referida pesquiza, está um outro affloramento de pasta ferruginosa envolvendo gráos de diversas rochas e laminas de schisto, o qual é muito prova- vel que represente algum veciro importante e de mais ou menos im- mediata dependencia do jazigo principal. DE PORTUGAL. 13 Pelo que respeita ao caracter mineralogico das rochas continen- tes, com especialidade ao das mais visinhas do jazigo em toda a ex- tensáo indicada, ha a notar que do lado do Nascente estáo geralmente muito alteradas; isto é, o schisto talcoso está convertido n'uma rocha d'aspecto gneissico composta de grãos de feldspatho e de quartzo com lamellas talcosas; em quanto que do lado do muro ou do Poente, apre- senta-se o schisto talcoso subluzente cinzento, sem indicios notaveis de alteração posterior: facto que não deve perder-se de vista, afim de se ter na devida conta quando se considerarem as relações que existem entre o jazigo, e a natureza mineralogica, origem, modificações, fór- ma, e accidentes do solo continente. O ponto onde o filão está mais a descoberto pelos trabalhos de investigação, é na margem esquerda do. ribeiro do Pintor ao Norte de Nogueira de Cravo, e entre os moinhos do Béco e o do Pintor. Nesta localidade o filão atravessa o indicado ribeiro junto ao moinho do Béco, e passa á meia encosta de um terreno alto, que faz. parte da margem esquerda do mesmo ribeiro, para ganhar a chapada que se dirige ao já mencionado sitio da Feira de Nogueira de Cravo. O ja- zigo mostra-se aqui dividido em diversos ramos ou membros sensivel- mente parallelos entre si e como elle concordantes com a direcção do lascado schistoso, Começando pelo Nascente, o primeiro ramo que se encontra é nas Quintas do Cabeço, proximo ao Moinho do Pintor, e afastado 220",0 da parte principal do jazigo: afflora entre o schisto talcoso avermelhado muito carregado de grãos de feldspatho, e incli- nando 70º para E'ste, em quanto que os planos de lascado do re- ferido schisto inclinam sómente de 20 a 40º para o mesmo ponto. Compõe-se este affloramento de tres laminas ou placas adherentes entre si, com uma possança de 0”,6: a primeira do lado do tecto com 0,35 de espessura, é um quartzo cinzento claro vitreo, em- pastando fragmentos angulosos de uma substancia verde pardacenta que parece pertencer ao schisto talcoso continente; tem no inte- rior da massa cavernas revestidas de crystaes do mesmo quartzo có- rados em vermelho pelo oxido de ferro, e algumas pyrites ferrica e cuprica em mui pequena quantidade. A massa da lamina é corta- da por fendas de retracção a maior parte d'ellas parallelas ao plano do filão, contendo crystaes de quartzo implantados como em desor- dem sobre as duas paredes da fenda, entrelacando-se a ponto de a en- cherem completamente, Esta lamina passa a outra, que com ella faz corpo, composta de grãos de quartzo vitreo, muitos fragmentos e grãos de feldspatho terroso e amarellado por alteração, servindo-lhe de pasta 14 MINAS METALLICAS uma substancia pardo-avermelhada com o aspecto e a fractura do hornstein fusivel; é tambem cortada por fendas, e encerra. cavidades, umas e outras com crystaes de quartzo córados exteriormente pelo oxido de ferro. A segunda lamina com 0”,15 de espessura, é uma ro- cha composta de grãos de quartzo dé diversas grandezas empastados pelo oxido de ferro hydratado. A terceira finalmente com 02,1 de es- pessura, é composta de uma substancia leve, amarello ocracea,. muito cavernosa, na qual o quartzo em laminas mui delgadas e repetidas que entre si se anastomasam, constitue as paredes das indicadas ca- vernas, cheias no interior da massa pelo ferro ocraceo, com ligeiros in- dicios de pyrite cuprica. Entre este affloramento e o jazigo principal, isto é na encosta por cima dos moinhos do Pintor e do Béco, e 4 distancia de 20 a 50”,0 do mesmo jazigo, encontram-se repetidos affloramentos de veeiros, quasi parallelos aos affloramentos do jazigo principal, com a pyrite ferrica e arsenical, o phosphato e o arseniato de ferro: mas d'estes o mais notavel é o que está afastado para o Nascente, reconhecido já numa extensão de 700 a 800,0 desde o caminho que vai de No- gueira para o moinho do Pintor, 'até ao moinho do Béco; havendo probabilidade de que se prolongue mais um kilometro para o Sul, em razão de alguns indicios que ‘se encontram para este lado, mas que ainda não foram devidamente examinados. Porêm antes de descrever o que ha conhecido a respeito d'este veciro será conveniente dizer, que o schisto continente alem de achar-se muito alterado pelo meta- morphismo anormal, encerra nas visinhanças do mesmo veeiro exten- sas laminas de schisto verde-escuro amphibolico mui duro envolvido numa rocha terrosa e friavel amarello-ocracea, imperfeitamente. schis- toide, que vai constituir as rochas do tecto e do muro do indicado veeiro n'uma certa extensão. Nas paredes do tecto de algumas pesqui- zas aqui feitas vê-se aquella mesma rocha amarello-ocracea envolver nodulos ou massas reniformes, fig. 3.º, brancas ou levemente córadas em vermelho rosa, com o aspecto do granito, e compostas de quar- DE PORTUGAL. 15 tzo vitreo, feldspatho branco e rosado, talco, e algumas palhetas de mica escura; e affectando a disposição que se observa na referida fi- gura 3.º Para o lado do Nascente, e a 300”,0 d'este affloramento, ha outro tambem de schisto amphibolico verde-negro, 0 qual mais ao “Norte adiante do logar das Terças, está representado por uma rocha de aspecto syenitico, isto é, por uma rocha composta de feldspatho, quartzo, mica, e amphibole, conservando ainda em partes vestigios mui significativos da primitiva estructura e origem sedimentares. Estes factos que denunciam a visinhança das diorites, darão com outros a explicação de muitos phenomenos que importa conhecer, não só para o estudo geognostico do filão, mas para esclarecer muitas ques- tões relativas á sua lavra. Passemos á descripção do veciro secundario de que fallamos em ultimo logar. » Do exame feito sobre este veeiro mediante cinco pesquizas aber- tas nos seus affloramentos conheceu-se que não só a sua estructura e composição varia em differentes pontos, mas tambem a posição do res- pectivo plano soffre modificações notaveis nascidas do modo de jazer na rocha continente, e dos movimentos a que o solo tem estado sujeito, como haverá logar de observar na seguinte descripcäo. No sitio dos Becos dirige-se o veciro de NNE a SSO, inclinando 80° para ONO, pa- recendo assim desviar-se da direcção geral do jazigo, em quanto que por outro lado se accommoda concordantemente com a direcção e inclinação do lascado .schistoso da localidade. Na pesquiza aqui feita vê-se o tecto do veeiro composto de um schisto trigueiro amarellado muito ferruginoso, contendo algumas pequenas zonas luzentes talcosas, e nucleos de uma rocha granitoide como a de que acima acabei de fallar: aquelle schisto passa a uma rocha amarello-ocracea imperfeitamente schistoide, encerrando restos de schisto talcoso que accusam a sua pro- cedencia. A's rochas do tecto succedem-se placas delgadas de 0",03 a 0,15 de grosso, muito regularmente planas e parallelas: d'estas, umas são compostas de quartzo vitreo em grãos e em laminas, empas- tadas n'uma substancia argillosa mui dura pardo acinzentada e con- tendo alguma pyrite ferrica arsenical e cuprica ; outras, e em maior numero, teem a mesma composição , mas são mais ou menos caver- nosas em razão da ausencia de uma parte da pasta e dos sulfuretos me- tallisados que a substituiram, encerrando no entanto, e em proporção comparativamente grande, a galena, as pyrites cuprica, ferrica, e ar- senical, o oxido negro de cobre, oxido vermelho e o oxido hydrata- do de ferro. Estas placas estão sobrepostas immediatamente umas nas 16 MINAS METALLICAS outras, separadas apenas por uma tenuissima lamina d'argilla fer- ruginosa; mas a sua possanga total náo póde por em quanto fixar-se por estarem uma parte dos affloramentos ainda cobertos. Uns 30",0 para OSO d'este ponto afflora outro veciro de quartzo, argilla endurecida e schisto alterado por metamorphismo anormal, similhantemente me- tallisado como o precedente, mas em menos proporção, e com uma possança de 3”,0: não está porém ainda reconhecido o seu seguimento para Norte e para Sul; podendo muito bem ser um curto ramo la- teral derivado do jazigo principal que lhe passa proximo pelo lado de Oeste. Entre estes dois affloramentos manifestam-se indicios do schisto amphibolico. Continuando no exame do veeiro indicado observa-se que á distan- cia de 300 a 400”,0 para o Sul do moinho do Béco. tem elle approxi- mado mais a sua direcção da linha N S, e oseu plano que mergulhava para o Poente passa a inclinar para o lado opposto, como que parecen- do querer sujeitar-se ás inflexões e mudanças de inclinação dos planos de lascado da rocha continente. A’quella distancia a rocha do tecto é identica á precedentemente descripta, mas o veciro toma outro cara- cter. Do lado do tecto sáe uma massa brechiforme de côr ferruginosa muito escura, composta de fragmentos de quartzo de diversas grande- zas e porções de schisto do tecto dispostos parallelamente entre si e á direcção do schisto continente. Esta brecha reveste ou envolve um nucleo, na maior parte formado de quartzo metallisado, insinuando- se nas suas fendas a ponto de o dividir em massas de differentes ta- manhos: sáe do interior d'esta massa uma béta sinuosa de ferro ocraceo , que tambem se insinúa nas fendas do nucleo atravessando-o em toda a sua largura para ir perder-se numa salbanda de argilla grosseira que está do lado do muro, ou de Oeste. Este facto revela uma acção evidentemente posterior á formação do nucleo do veei- ro; e de que mais tarde me occuparei. Pelo que respeita ao veeiro em si, consta de uma parte quartzosa ao centro, e outra schistosa dos la- dos, e tendo no todo uma possanca irregular de 0",5 a 1º,0: a parte central é composta de quartzo em massa, € de erystaes tam- bem de quartzo, compridos, imperfeitos e disjuntos, cimentados por uma pasta verde cavernosa, deixando ver que este quartzo era bacilar, mas que a infiltração posterior da referida pasta isolou os crystaes , desarranjando-os da sua primitiva posição. Tanto na massa como nas fendas encontram-se, geodes de sulfureto de ferro e d'arsenico, a pyri- te cuprica, e o oxido negro de cobre, mas em pequena proporção : o arseniato e o phosphato de ferro apparecem tambem, mas em con- és DE PORTUGAL. 17 creces revestindo as. cavidades, e servindo de pasta: Adhere, e identi- fica-se por assim dizer com o quartzo do nucleo, uma porção de ro- cha schistoide servindo-lhe de camisa, Do lado do tecto é composto de laminas de quartzo branco vitreo, alternando com outras argillo-ma- gnesianos esbranquiçados manchadas em verde claro, com algumas palhetas brilhantes de talco branco, e de pequenas massas laminares argillo-talcosas amarello-avermelhadas. Esta rocha é cavernosa, e en- cerra nas cavidades o ferro oxidado, o arseniato de ferro, e a pyrite arsenical. Do lado do muro é a mesma rocha schistosa, mas menos al- terada, mostrando todos os caracteres do schisto talcoso cinzento de còr clara. Entre este schisto e o nucleo ha rins de uma substancia anegrada composta de gràos de quartzo vitreo, pyrites ferrica e arse- nical, o oxido negro de cobre, e massas verdoengas e cavernosas de arseniato de ferro e de cobre: n'alguns d'estes rins predomina comple- tamente esta ultima materia, mas muito cavernosa, empastando gráos de quartzo, e tendo um caróco, ou nucleo acinzentado e brilho metal- lico de pyrite ferrica e arsenical. Todos estes rins são envolvidos por uma capa dura de oxido de ferro hydratado. A’ rocha do schisto tal- coso segue-se para o lado do muro uma placa ou bêta de 0",1 a 0”,2 composta de argilla escura averdoengada e ferruginosa com pe- quenos fragmentos angulosos de quartzo e gráos arenaceos, á qual se lhe succede uma rocha trigueira ferruginosa podre ou friavel, ligei- ramente schistosa, deixando vér que é o schisto continente conside- ravelmente alterado, e encerrando algumas venulas, ou antes laminas de quartzo granular, cavernoso, com as cavidades em partes revestidas de pyrite ferrica. Uns 200",0 mais ao Sul d'este ponto está o veeiro reduzido a laminas de schisto talcoso branco e averdoengado, cavernoso e esco- raceo, evidentemente alterado por metamorphismo anormal, e mais ou menos carregado de arseniato e de phosphato de ferro, formando por assim dizer uma placa mais metamorphica e metallisada, distincta das das rochas lateraes pela sua maior dureza e cór. N'esta placa ou zona veem-se rins de diversas fórmas dispostos na massa schistosa, e envol- vidos por uma capa de ferro oxi-hydratado, contendo ‘os sulfuretos já indicados e o oxido negro de cobre. Veem-se tambem no meio d'a- quella massa algumas laminas quartzosas com a pyrite ferrica e o arse- niato de ferro, e bolças similhantemente metallisadas contendo o oxido negro de cobre, e a pyrite cuprica, Esta parte do veeiro secundario está por tanto reduzida como se vê a infiltrações de subtancias metal- licas na rocha continente, e por consequencia esta mesma parte não MEM. DA ACAD.—1." CLASSE, II. P, Il, 3 18 MINAS METALLICAS póde deixar de concordar com a direcção do lascado dos schistos visi- ` nhos ; observando-se porém que tanto aqui como mais para o Norte, a inclinação d'estas placas é a mesma que a dos planos dos affloramen- tos do jazigo principal, com excepção das variações observadas nos pon- tos já indicados. Da comparação entre os factos encontrados n'este veeiro, resulta que a galena não continúa a mostrar-se para o Sul dos Bécos; e ao contrario os compostos de arsenico e de ferro são mais abundantes para este ultimo lado do que na pesquiza dos Bécos. N'esta ultima lo- ` calidade a pyrite cuprica é mais frequente e disposta em laminas, em quanto que alem é rara e envolvida em rins: a estructura em pla- cas parallelas e uniformes com o minerio disseminado que se mos- tra na pesquiza dos Bécos, é substituida para o lado do Sul por la- minas ou massas quartzosas de fórma irregularissima, laminas schisto- sas profundamente alteradas, em quanto que os contentos metallisa- dos penetram no interior d'estas massas, e concentram-se em bolgas ou rins. Sãs estas as differenças mais notaveis que se observam na composição e estructura d'este veciro, e tanto quanto se póde colligir da sua inspecção superficial, e em pesquizas que não foram alem de 2, 6, e 8 metros de fundo. Quando a galeria de travessia que se está abrindo sobre o alveo da ribeira do Pintor chegar a este veeiro, a qual o cortará então a 35 ou 40",0 abaixo dos respectivos afflora- mentos, é de crer, que se obtenham dados e esclarecimentos mais precisos ácerca da estructura, composição e condições d'este veeiro, O jazigo principal n'este mesmo sitio do ribeiro do Pintor, de- nuncia-se á superficie do solo pelos seus affloramentos brechiformes , argillosos, e de aspecto arenaceo, occupando uma largura de 15 a 20”,0. As partes duras e resistentes que se erguem em dyke á flor da terra, e bem assim as laminas quartzosas d'este jazigo, não teem continuidade e possanca regulares e uniformes, chegando mesmo estes affloramentos não só a apresentarem uma estructura ganglionar, mas. a desvanecerem-se quasi totalmente, reduzindo-se 4 parte argillosa mais ou menos grosseira e schistoide com algumas mui delgadas laminas | de quartzo ferruginoso, como se observa no Outeiro da Palha, entre o ribeiro do Pintor e o largo da Feira de Nogueira, Estes affloramen- tos conservam-se concordantes com a direcção do lascado do: schisto: continente, que aqui é N S, e N 10° E, a S 10% O: deve porém no- tar-se que tanto aqui como em todos os mais pontos onde tem sido, possivel observal-os mais descoberto, mostram-se os seus diflerentes. membros sensivelmente planos, e penetram no interior do solo com DE PORTUGAL. 19 uma inclinação quasi sempre para o Nascente em angulos de 65 a 80°. Este jazigo está atacado por uma travessia de pesquiza prati- cada um pouco acima do alveo do ribeiro do Pintor, a qual o cortou a 25",0 dos seus afloramentos: n'este córte antes de chegar ao jazi- go principal observa-se o seguinte. Primeiro é a rocha continente do lado do muro consistindo no schisto talcoso cinzento subluzente e náo alterado: segue-se-lhe uma argilla schistoide tambem cinzenta, porêm mais escura do que o schisto precedente, e com as laminas muito contorsidas , separando-se entre si e dividindo-se em pequenos fragmentos; perde pouco a pouco aquella schistosidade, e converte-se n'uma argilla cinzenta, humida e muito plastica, com grãos arenaceos cuja proporção augmenta a ponto de parecer um grés de grãos bran- cos com abundante pasta de argilla tendo a apparencia d'uma rocha de moderna data. Em alguns sitios nota-se a discordancia entre o plano d'este membro do jazigo, e aquelle do schisto continente, como succede na visinhança da primeira galeria de avanço do lado do Norte, bem vi- sivel nas diflerenças que se notam na intensidade da côr cinzenta e na estructura d'estes membros ; esta placa conta 10,0 de largura proxi- mamente. A esta placa segue-se uma rocha argillo-siliciosa pardo-es- cura, dura, divisivel mui facilmente em pequenos fragmentos pris- maticos, com as faces revestidas de uma substancia verde, e cuja di- visibilidade angmenta com a acção da agua e do ar: é penetrada, ‘mas desigualmente, de abundante pyrite ferrica e arsenical, chegando em partes a ser substituida quasi na sua totalidade pelo primeiro d'estes sulfuretos. Em uma galeria de avanço praticada sobre. esta placa, e para o lado do Norte, encontraram-se frequentes rins envolvidos por uma capa de ferro oxi-hydratado, contendo no seu interior uma sub- stancia anegrada de oxido negro de cobre, pyrite cuprica, pyrites fer- rica e arsenical alteradas; e bem assim delgados filetes ou venulas do mesmo oxido de cobre com um a dois centimetros de grossura quan- do muito, alojados ou injectados nas fendas das rochas, mas que pa- rece perderem-se para a parte superior e lados da galeria. Este mem- bro tem de tar? Orde largo, mas passa quasi insensivelmente a um outro de aspecto brechiforme friavel, composto de pequenos, mas abundantissimos fragmentos da rocha, da natureza do membro prece- dente, com pasta de argilla molle cinzenta, e encerrando muita pyrite ferrica disseminada, e massas de quartzo fragmentar tambem com py- rite: occupa uma largura de 4 a 5",0. Esta galeria d'avanco termina por uma rocha imperfeitamente schistoide, argillosa, cinzenta, com ado . | | | \ 20 MINAS METALLICAS abundante quantidade de grãos e fragmentos quartzosos, e occupan- do uma largura de sete metros proximamente. As rochas continentes do lado do muro ou de Oeste, não offere- cem indicios de alteração metamorphica posterior, mesmo nas visinhan- gas e contacto do jazigo, como já observei: não succede porém o mes- mo alem do tecto ou para Éste, onde o metamorphismo anormal exer- ceu uma grande influencia sobre aquellas rochas, separando-lhe os seus elementos e injectando-as de outros para dar logar á formação do feld- spatho, da mica, e á separação do quartzo e das lamellas de talco; phenomenos que mudaram completamente a constituição e o aspecto mineralogico das mesmas rochas, como se deixa vér, náo só na super- ficie do solo, mas ainda melhor na indicada galeria de travessia que está continuada para o lado do Nascente, com o fim de ir atacar os veeiros de que acima dei noticia. Assim immediatamente ao tecto do jazigo observa-se : Primeiro == Schisto cinzento subluzente, molle, com massas re- niformes de uma rocha esbranquiçada talcosa, com grãos de quartzo e feldspatho ferruginoso, e laminas de quartzo cinzento (7",0 de pos- sança). Segundo = Camadas alternantes de rocha com aspecto de gneiss talcoso, com laminas de quartzo cinzento, contendo nos planos de re- tracção a pyrite ferrica e arsenical, e o arseniato de ferro (4",0 dg possança). Terceiro = Schisto cinzento talcoso, subluzente, com laminas de argilla molle (2",5 de possanca). Quarto == Rocha gneissica em laminas alternantes com schisto talcoso, encerrando rins brancos mui duros compostos de quartzo vi- treo granular, feldspatho, mica, e talco (9”,0 de possanga). Quinto = Schisto talcoso cinzento esbranquigado, com delgadas laminas de quartzo cinzento claro, e grãos de feldspatho distribuido no interior da massa, e com pyrite ferrica em tenuissimas pelliculas implantadas nos planos de lascado ; encerra geodes cujas paredes estão revestidas de crystaes de quartzo hyalino, e grupos de crystaes de py- rite ferrica, cuprica, e arsenical. Observam-se tambem n'esta mesma rocha laminas de schisto claro composto de quartzo granular, feldspax tho, talco em palhetas, e magnesia etc. Neste membro penetrava já a galeria 15,0, no momento em que se fizeram estas observações. Este estado de alteração continúa para o Nascente, não só den- tro da zona onde se mostram os affloramentos metallisados, mas ain- DE PORTUGAL. 21 da alem, manifestando-se na extensão de mais de um kilometro, até proximo á faxa das quartzites que corre por este lado. De passagem direi, qne junto ao ribeiro do Pintor, immediata- mente por cima e aos lados dos affloramentos do jazigo, e bem assim nas visinhanças de Pindelo, na ribeira do Meio, e n'outros logares, appa- rece uma capa estratoide de conglomerado ferruginoso tendo até um metro e mais de possança, formada de detrictos transportados pelas aguas pluviaes, cimentados pelo oxido de ferro fornecido pela decomposição dos sulfuretos da parte superior do jazigo: uma parte porêm d'estas massas apresenta-se em pequenos retalhos e mesmo inclinadas, offe- recendo claras provas de que o começo da sua formação precedeu aos ultimos movimentos do solo que deram ao relevo da localidade as fór- mas que actualmente se lhe observam. Ainda hoje as aguas choradas dos affloramentos do jazigo quando represadas em condições favora- veis, deixam, pela evaporação, um sedimento que aglutina os fragmen- tos sobre que se precipita, formando-se d'este modo um conglomera- do, como se vê por exemplo na ribeira do Pintor, na ladeira do Pin- delo etc. ? Continuando a dar noticia do jazigo metallifero na sua continua- ção para o Sul, direi que no largo da Feira de Nogueira manifesta-se elle por um affloramento comparativamente estreito, interrompido e desi- gual, composto de uma brecha ferruginosa, tendo aos lados a argilla schistoide occupando uma largura de 20”,0, e o todo encerrado pelo schisto talcoso cinzento com o qual parece confundir-se. Mas para-o Sul uns 200",0, multiplicam-se os affloramentos de rocha ferruginosa e brechiforme com todos os indicios de pertencerem ao jazigo, porêm occupando uma largura superior a 30”,0, para logo diminuir outra vez na passagem de um pequeno valle qne o filão atravessa para ganhar a meia encosta de uma altura a, que chamam Ladeira de Pindelo, 12,600 ao Sul do largo da Feira, e onde aquella largura se reduz a 25 e 20",0. Nesta encosta os affloramentos do jazigo, menos desag- gregaveis e mais resistentes, erguem-se em dyke, attingindo a altura de 3",0 sobre o solo, até se esconder n'um valle fundo onde é cor- tado por uma falha que dá passagem á ribeira de Pindelo, já dentro da Quinta do Côvo. Em toda esta extensão conservam os affloramentos a direcção N S, e N 5°E a S 5º 0, inclinando constantemente para o Nascente. Entre a ribeira ultimamente indicada e o sitio denominado a Ladeira de Pindelo, praticou-se uma galeria de travessia pelo lado do tecto, ou a Este do jazigo, a qual foi cortar o jazigo a uns 20",0 pouco mais ou menos dos seus affloramentos. N'esta galeria observa-se 22 MINAS METALLICAS primeiramente o schisto cinzento talcoso, subluzente, náo alterado pe- las emissões interiores, e formando o tecto do jazigo, com a inclinação de 65º para E 5° N. Segue-se-lhe uma argilla molle, cinzenta, im- perfeitamente schistoide, com gràos quartzosos e nodulos brancos are- naceos, tendo até 3”,0 de possanca; esta rocha perde pouco a pouco os vestigios de schistosidade, e converte-se n'uma argilla plastica mui fina com 2",0 de possança. Esta mesma argilla passa a uma rocha ar- gillo-siliciosa, pardo-escuro, divisivel em pequenos fragmentos, desigual- mente infiltrada de pyrite ferrica; encerra grossas placas de La 1™,5 de grosso de pyrite ferrica concrecionada, e divisivel em massas prismati- cas e polyedricas com as faces ou planos de juncção muito lizas, ainda que cariadas: estas massas polyedricas alem de cavernosas são tambem cellulares, cujos septos correspondem á divisão prismatica, e são por consequencia formadas da união de duas faces, em cujos intervallos se descobrem ainda algumas delgadas laminas de quartzo. Tanto as cellu- las como as cavernas são cheias ou revestidas de pyrite concrecionada, Entre aquella rocha argillosa e estas placas ha laminas de quartzo em massa, cinzento, muito carregado de pyrite ferrica, acompanhada de pyrite de cobre, mas menos abundante, e d'alguns raros crystaes de galena. A totalidade de possança d'este membro do jazigo anda por 10,0; e as laminas de quartzo cuprico, em numero de tres, teem nesta galeria uma grossura de 0”,1 a 0™,3. N'uma galeria de avanço praticada para o lado do Norte, e so- bre duas das indicadas laminas, achou-se que a proporção do cobre augmentava no progresso da exploração : a sua precentagem porém, era ainda pequena para garantir um beneficio proveitoso; isto é con- taria quando muito 5 por cento de pyrite nos fragmentos mais ricos. A este grande membro do jazigo segue-se ainda outro brechi- forme com pasta argillosa, passando a uma argilla schistosa cinzenta que yai encostar ao schisto continente do muro, o qual mostra os ca- racteres iguaes aos do schisto do mesmo lado. O jazigo vem portanto a ter n'este ponto uma possanca total de 20™,0 pouco mais ou me- nos, inclinando 65º para E 5º S, isto é, concordante com a inclina- cão dos planos de lascado das rochas continentes. Da descripção que vem de fazer-se, comparada com aquella do mesmo filão acima feita segundo o que se observou na galeria do Moi- nho do Pintor, notam-se algumas differenças, duas das quaes merecem que n'ellas se fixe a attenção: a primeira é o estado de conservação das rochas continentes não alteradas pelas emissões interiores, e por conse- quencia a igualdade do seu caracter mineralogico em ambos os lados | DE PORTUGAL. 23 4 do jazigo; a segunda é a ausencia apparente dos compostos arsenicaes na parte do filão atravessada pela galeria do Pindelo. Alem d'estas, obser- vam-se ainda outras diflerencas de menos monta, como por exemplo a posição da grossa placa de argilla estar no Pindelo do lado do tecto ou de Este, em quanto que na galeria do Pintor e n'outros pontos para o Norte está do lado do muro, ou do Oeste; e o cobre manifestar-se no Pindelo distribuido em pyrite pela matriz quartzosa, em quanto que para o lado do Norte, no Pintor e na Lomba dos Cóvas, apre- senta-se mais commummente envolvido em rins, e a maior parte no estado de oxido negro. Mais tarde porém voltarei a fallar d'estas dif- ferenças quando tratar da sua importancia com relação á composição e estructura geral do jazigo, e das causas diversas que teem concor- rido para lhe darem essa mesma composição. e estructura. Da margem esquerda da ribeira dọ Pindelo trepam os afflora- mentos do jazigo em fórma de dyke ás collinas que partem da serra do Ponto, até ganharem a meia encosta d'esta mesma serra, apresen- tando todos os mesmos caracteres que se observam no Pindelo ; com inclinações de 60 a 80º para E e para E 10º S; concordantes sensivel- mente com os schistos continentes, e occupando sempre uma grande lar- gura superior a 15",0. Estes affloramentos seguem assim regularmente até á Pedreira do Valle defronte da Cancella da Matta, 2,6 kilometros ao Sul da galeria do Pindelo, e onde se fizeram dois pocos de pes- quiza com 6™,0 de fundo. N'este sitio apresentam-se os schistos con- tinentes do lado do tecto do jazigo passando da côr cinzenta ao ama- rello ocraceo alaranjado e vermelho, menos duros e luzentes, com todos os indicios de uma subsequente alteração metamorphica. Fazen- do um córte sobre o jazigo de Éste a Oeste, observa-se este mesmo schisto perder parte da sua estructura schistoide no contacto do jazigo, convertendo-se n'uma rocha terrosa amarellada, do meio da qual sáe um affloramento de 0",4 a 1”,0 de forma irregular, como se vé na figura 4.º, que representa a secção feita n'uma pesquiza de 6,”0 de fundo. Este veciro é formado de fragmentos do schisto continente, de quartzites e de grãos arenaceos aglutinados'por uma abundante pasta Fig. 4. 24 MINAS METALLICAS de oxido de ferro hydratado na qual se descobrem algumas peque- nas geodes contendo o ferro concrecionado ou hematitico : tem aos la- dos uma especie de camisa de argilla schistoide diflerente nos caracte- res da da rocha que a contém. Segue para o Oeste da pesquiza uma zona do schisto continente amarello-alaranjado e subluzente com al- guns grãos ou pequenos crystaes obliterados de feldspatho, e occu- pando uma largura de 20”,0: a esta succede-se outra zona de argilla endurecida imperfeitamente schistoide, cinzenta esbranquiçada com manchas amarellas, a qual pertence ao jazigo e tem de largo 10” a 15,0. Segue-se uma placa formada de substancia quartzosa fragmen- tar, ou divisivel em pequenos fragmentos angulosos, mostrando na su- perficie do solo o aspecto de uma brecha ou conglomerado mui duro o qual fórma o dyke, ou a parte mais resistente dos afloramentos do jazigo desde o ribeiro do, Pintor até este ponto, mas que a pro- fundidades pequenas onde não está exposta á immediata acção do tempo, é extremamente desaggregavel : esta placa passa a uma brecha arenacea composta de fragmentos quartzosos e pasta ferruginosa, ten- do ao todo 2º,5 de largura. Segue-se-lhe mais uma outra placa de ferro oxi-hydratado, gresiforme, com perto de um metro de possança. A. es- tes membros succede-se outro de grande espessura, com o aspecto arenaceo, cinzento, pasta argillo-ferruginosa, estructura schistoide, en- cerrando bétas ou veciros delgados de argilla molle. Este grupo de rochas representantes do filão é contido pelo schisto talcoso cinzento subluzente, de caracter mineralogico commum, e vai metter por bai- xo das quartzites da serra do Ponto. A faxa, ou a zona total de to- dos estes affloramentos occupa a largura de 75",0 (comprehendendo aquella intercalar com 20,0 de largo, e que pertence ao schisto con- tinente ) ou mais propriamente 50",0 de possança nos affloramentos de todo o jazigo. Se exceptuarmos o ferro no estado de oxido hydrata- do, nenhuma outra substancia metallica se annuncia n'este jazigo, nem mesmo os compostos de arsenico, que tão abundantes se apresentam para o Norte do Pindelo. Os affloramentos deste jazigo continuam para o Sul pelos sitios denominados a Garrida e ribeira do Meio, na extensão de dois kilo- metros pouco mais ou menos. Nesta extensão não ha uma só pesquiza que auxilie o conhecimento do jazigo, mesmo na sua parte mais su- perficial, tanto mais necessaria por que o solo está muito coberto de vegetação, e de detrictos transportados da parte mais aka das la- deiras e que mascaram muito os affloramentos do jazigo. Um dos factos mais salientes e que deve ter-se em toda a con- DE PORTUGAL. 25 ta, é a pouca ou nenhuma alteração dos schistos continentes do lado do muro ou do Oeste do jazigo, e o frequente metamorphismo do la- do opposto na maior parte das localidades, como continúa a observar- se ao Sul do Pindelo, ainda que a intensidade e a frequencia do phenomeno sejam variaveis. Assim da Garrida á Ribeira de Cima, e até a Ribeira do Meio, está o schisto talcoso cinzento convertido n'uma outra rocha de côr alaranjada ou amarella com pontos brancos, e en- cerrando pequenas placas talcosas ; chega mesmo a perder a sua pri- mitiva estructura e passa a uma rocha mais clara e menos feldspathi- ca. Mais abaixo converte-se n'um schisto claro, molle, parecendo uma argilla branca manchada em vermelho e amarello pelos oxidos de fer- ro, com uma estructura especial, e com toda a apparencia ou feição de um schisto modificado pelas acções do interior: já no Vallinho, e junto ao alveo da ribeira indicada, tem esta mesma rocha continente tomado o caracter primitivo de schisto cinzento talcoso subluzente, com cujo aspecto se estende até a ribeira do Caima. Voltando aos afloramentos do jazigo, reconhece-se que -são com- postos de rochas e d'outros elementos analogos aos já mencionados nos outros logares. Na Garrida mostram-se com os caracteres da brecha quartzo-argillo-ferruginosa e das argillas mais ou menos schistoides, confundindo-se com o schisto continente, do qual não é facil separal-o em razão do seu estado de alteração. Defronte da Ribeira de Cima (povo) ergue-se fóra do solo um possante affloramento de rocha quar- tzosa e brechiforme, com laminas de argilla grosseira cinzenta ou ver- de, e em partes schistoide: carrega-se em alguns logares d'uma maior proporção de grãos e de fragmentos de quartzites mais grossos, e de nodulos argillosos com as côres cinzenta escura, vermelha, e amarello- esbranquicado. A lamina quartzosa mais ou menos brechiforme, e sem- pre mui possante, segue até a Ribeira do Meio; aqui vê-se acompa- nhada de uma rocha argillosa muito desenvolvida, poudinguiforme , verdoenga e amarellada, e cinzenta clara. Esta rocha está dividida em laminas alternando com: outras cuneiformes, e tambem de brecha, cuja Pasta argillosa e cinzenta bastante metamorphica, simula os caracteres do hornstein fuzivel, e envolvendo pequenos fragmentos de rocha mais escura, e accidentalmente grossos calháos angulosos. Para o Nascente seguem-se outras laminas brechiformes e cinzentas de ferro argilloso, e ainda outras compostas de quartzo cavernoso e de ferro hydroxida- do; finalmente uma rocha terrosa, mais ou menos dura, cinzenta-cla- ra, manchada em amarello alaranjado e em rôxo, com veios delgados de quartzo e alguns de ferro hydratado, chegando a tomar uma estru- MEM. DA ACAD.—1." CLASSE—T. Il, P. IL, 26 MINAS METALLICAS ctura incompletamente schistoide. Todos estes affloramentos occupam uma largura de 15 a 20",0. Deve porém notar-se, que os pseudo-sei- xos das massas poudinguiformes, sáo fragmentos com as arestas des- vanecidas e formados de uma substancia analoga á da pasta, e córa- dos exteriormente pelos oxidos de ferro e de manganez ; assim como é necessario considerar estas placas ou laminas como os representantes das possantes placas de argilla já descriptas em outros logares e con- tinuadas mais para o Sul, como brevemente veremos. Ins 400”,0 abaixo do sitio do Vallinho e junto 4 ribeira, teem desapparecido todos os afloramentos e caracteres descriptos até aqui, e em seu logar vê-se um schisto brechiforme, duro, ferruginoso, com alguns pontos brancos e grãos quartzosos com pyrite ferrica, e peque- nas cavidades contendo o oxido de ferro: o aspecto geral porém d'este schisto pouco diflere á primeira vista do do schisto continente, tanto mais por que a vegetação mascára em grande parte a tal ou qual dif- ferenca que existe entre uns e outros; no emtanto quem estiver pre- venido, ou quem fizer um miudo exame d'estes schistos reconhecerá immediatamente aquella differença debaixo do martello, e na fractura de uma e outra rocha. Esta zona mette logo ao alveo da ribeira do Meio, onde é enco- berta pelo deposito alluvial e pela cultura do valle, para tornar a ap- parecer nas margens da ribeira do Caima proximo á f6z d'aquelle afs fluente. Tanto n'uma como n'outra margem, e no prolongamento do jazigo observa=se o schisto duro, alterado na sua contextura, muito con- torsido, as laminas muito quebradas, e os fragmentos resultantes em- pastados no mesmo schisto e no oxido de ferro, tomando por conse- quencia a estructura ou pelo menos o aspecto brechiforme. E atraves- sado por algumas venulas de oxido de ferro hydratado, com cavidades revestidas d'esta ultima substancia. D'aquelle ultimo sitio para o Sul tornam estes affloramentos a encobrir-se por 1,5 kil. proximamente, já pelos depositos alluviaes da ribeira do Caima, já pela vegetação e cultura das margens da mesma ribeira, para depois se reproduzirem uma parte dos membros, que tanto caracterisam este jazigo para o lado do Norte. Antes porêm de passar adiante, cumpre observar que a linha mé- dia, ou o eixo longitudinal do jazigo, conserva-se desde as Caldas de S. Jorge sensivelmente parallela á direcção NS magnetico até o ri- beiro do Pintor, pouco mais ou menos; d'este ponto para a parte me- ridional, descahe para SSO, approximando-se cada vez mais das quar- tzites da facha occidental, até encontral-as no ponto onde a ribeira do DE PORTUGAL. 2T Caima corta a serra, isto é, entre a serra das Lobadas e a Seixinha proximo a Nespreira, precisamente onde se dá a intersecção d'aquellas serras com o estribo da Pedra aguda, de que acima fallei; e cujo ac- cidente junto a outras condições do relevo da localidade, produz uma nova inflexão no rumo d'estes afloramentos, obrigando-os a um desvio para o SO. N'este ponto d'intercecção, e a começar no alveo e margem esquerda da indicada ribeira, surge novamente a zona de rocha cin- zenta, mólle, argillosa e areosa, a qual vai encostada pelo Oeste ás camadas de quartzite até Nespreira de cima, prolongando-se por uns 2,2 kil. para o SO por Barreiros negros até o sitio da quinta da Sil- veira. Na Corga de Nespreira mostra-se esta zona formada do seguinte modo : Primeiro == Argilla cinzenta anegrada funccionando de ganga a todas as outras rochas da zona: no meio d'esta massa encontram-se nodulos de differentes grandezas, desde o tamanho de cerejas até ao de laranjas, os quaes dão á rocha um aspecto de conglomerado : uns são de schisto cinzento analogo á mesma argilla da pasta, e parecendo d’ella formados; outros são de quartzo em massa revestidos de uma delgada apa de argilla cinzenta lustrosa ; outros de calcareo mais ou menos impuro contendo o spatho calcareo, e envolvidos de uma capa de ar- gilla schistosa da pasta; e outros finalmente são informes e contem pequenos fragmentos de laminas de quartzo e de ferro oxi-hydratado. Segundo == Massas lenticulares de curta extensão, possança varia- vel de 0™,1 a 0",3, e de 37,0 a 07,4, e compostas de argilla muito siliciosa carregada de ferro oxidado, em partes muito duras. Terceiro = Laminas delgadas de terra ocracea, e de argilla es- cura com grande proporção de ferro oxidado. Quarta == Laminas de rocha verdoenga, gresiforme, ligeiramente schistoide, similhante ao grauwacke grosseiro. Esta zona tem só uma parte visivel de 5 a 8”,0 de largura, en- cobrindo-se para os lados debaixo do terreno vegetal, mas não tanto que deixe de vêr-se (especialmente para o lado do Nascente) o schisto talcoso continente de côres cinzenta, amarella e avermelhada. Em Nespreira endurece a pasta argilosa, torna-se schistoide em laminas delgadas e extremamente contorsidas , luzentes e tuberculosas, encer- rando placas de rocha muito dura e ferruginosa, em parte cavernosa; e o todo possuindo um caracter mineralogico especial, e mui distincto do das rochas continentes. Em Barreiros negros e Silveira, 600 e1200",0 a SO d'aquelle ultimo povo, a zona argillosa toma absolutamente © mes- mo caracter € aspecto, que se observa nas galerias d'exploração de Pin- 4x m 28 MINAS METALLICAS delo, e do Pintor—é a mesma argilla cinzenta e verdoenga mui plasti- ca (muito empregada no fabrico de telha e tijolo) carregando-se em par- tes de grãos arenaceos brancos, e envolvendo ninhos d'uma substancia branca arenacea, e massas reniformes de quartzo do tamanho d'óvos de gallinha: a sua largura anda por 8”,0, com pouca differenga. Nos Barreiros negros a rocha continente contigua á zona argillosa é um schisto mui alterado e friavel, revestido de um pó esbranquiçado, em partes córado pelos oxidos de ferro e de manganez, mostrando porém na fractura ser o schisto talcoso cinzento: esta alteração não passa para o Jado do Nascente, onde se conservam todos os caracteres nor- maes d'aquella rocha. Não succede, porêm, o mesmo para o lado do Poente, onde a rocha se converte n'um schisto avermelhado, grede- lem, encerrando um affloramento de quartzo ferruginoso de 0,3 a 07,4 de possança. Esta rocha apresenta-se alterada, brechiforme , quartzo- sa, muito impregnada de oxido de ferro, e contendo alguma pyrite tambem ferrica em cavidades de geodes, accusando em fim grande al- teração de um subsequente metamorphismo, devido sem duvida á vi- sinhança das diorites representadas pelo schisto dioritico, que lhe está perto; e mesmo podendo, todos ou parte dos caracteres d'estas rochas, serem o indício mais ou menos bem definido e directo de um jazigo de contacto. Sobre o afloramento ultimamente referido de quartzo fer- ruginoso, fez-se um poço de pesquiza de 9”,0 de fundo, e n'elle obser- vou-se que a parte quartzosa se desvanece, e é substituida pelo ferro hydroxidado envolvendo repetidos ninhos de pyrite ferrica. Este affloramento segue quasi passo a passo por 250,0 até a quinta da Silveira, onde toma um aspecto analogo ao gozan, com mais de um metro de possanca. si Antes de passar adiante, não será ocioso repetir que as quartzi- tes da facha occidental, que passam pelo alto da Seixinha, proximo a Nespreira de cima, teem desapparecido quasi totalmente junto ao Bar- reiro negro; e n'aquella parte que disse estar muito alterada por me- tamorphismo, veem-se algumas laminas d'aquella rocha, mas brechi- formes e mal caracterisadas: alguns metros, porém, mais para o Sul, mostram-se umas placas, ou pequenos retalhos carregados em partes de muito ferro; e na Silveira tomam outra vez, e de repente, um des- envolvimento de perto de 30,0 de possança, para depois desappare- cerem novamente. Junto a estas placas mostram-se sempre os afflora- mentos d'argilla cinzenta acompanhada de ferro. Estes affloramentos são immediatamente cobertos para a parte meridional pela terra vegetal e matto, em quanto que as quartzites | | | | DE PORTUGAL. A parece terem desapparecido, para tornarem a ver-se, umas e outras a um kilometro mais para o SO em Pedreiro negro. N'este sitio mos- tra-se a placa ou zona d'argilla cinzenta, náo plastica, porém molle, ligeiramente schistoide, e com nodulos, como na Corga de Nespreira, e contida ao Nascente pelo schisto cinzento talcoso: para o lado do Poente, está em contacto com uma rocha schisto-talcosa com Calca- reo, de que brevemente darei noticia, intercalando-se-lhes o afflora- mento ferruginoso, que vem de Barreiros negros e Silveira. A esta rocha succedem-se placas. estratiformes, inclinadas uns 50 a 60º para o Nascente, e com o aspecto das quartzites, mas com as quaes é pre- ciso não confundir, e n'um estado de grande alteração metamor- phica: estas placas são formadas de rocha argillo-siliciosa cinzenta anegrada, brechiforme e cavernosa em partes, e penetrada de oxi- do de ferro; é dura, e divisivel em fragmentos prismaticos com as faces de lascado córadas em amarello e verdoengo pelos compostos de ferro. Os affloramentos d'estas placas são em partes cobertos por um conglomerado ferruginoso, comparativamente moderno, fig. 5.º, de que já acima fallei; e vão encostar sobre o schisto talcoso cin- zento continente. Uma galeria de avanço, da extensão de 107,0 ape- nas, e praticada na direcção d'estas placas, mostrou que esta rocha se convertia, ou passava a uma argilla schistosa, dura, de divisão prisma- tica imperfeita, cinzento anegrada, com vestigios de manganez; massas de pyrite ferrica, e modulos, rins, geodes, e fragmentos de calcareo crystallisado de um branco amarellado, fazendo mui lenta effervescen- cia no acido nitrico. Uma outra galeria de pesquiza feita transversal- mente á direcção do jazigo, e sobre a parte schistosa que encerra o calcareo, com o fim de ir cortar a lamina ou placa a que pertence o affloramento de que por vezes tenho fallado, mostrou na respectiva sec- cáo as seguintes rochas : a. Argilla molle cinzenta e amarellada. b. Placa schistosa muito contorsida com as laminas quebradas e muito desarranjadas, offerecendo um aspecto similhante ao do schisto talcoso continente. c. Argilla cinzenta schistoide, dura, no prolongamento das pla- cas cinzentas que parecem de quartzite. c'. Rocha schisto-talcosa cinzento clara e amarello esbranquiçada, com geodes de calcareo crystallisado, e pyrite ferrica dessiminada. d. Placa de argilla ferruginosa com abundante calcareo dessimi- nado e em nodulos. MINAS METALLICAS e. Affloramento de rocha ferruginosa. J, Affloramento de zona argillosa. / já - Fig. 5. i 06 A. fig. 5 representa a seccáo de outra galeria de pesquiza aberta n'este mesmo local, e na qual se observam as seguintes rochas repre- sentantes do jazigo metallifero.: g. Argilla cinzenta, p. Schistos muito contorsidos e desarranjados de côr cinzenta, de ca- racteres pectographicos distinctos dos dos schistos continentes. r. Argilla cinzenta, dura, imperfeitamente schistoide. G. Placa argillo-ferruginosa envolvendo massas de calcareo. m. Schisto branco passando a cinzento, com geodes de calcareo e abun- dante pyrite ferrica disseminada. Não tendo continuado a pesquiza, foi-nos impossivel reconhecer as massas s s', que na superficie do solo se apresentam como uns acer- vos ferruginosos. Para o SO do Penedo Negro encobre-se este jazigo debaixo do terreno vegetal e das alluviões da ribeira de Telhadella, de modo que só a dois kilometros de distancia, e proximo á Capella da Memoria, é que se vêem os affloramentos da zona argillo-cinzenta sómente appa- recendo entre os schistos talcosos da formação continente; e da qual muito bem se distingue pela sua especial structura schistoide, e uni- forme côr cinzenta. Continuam depois por úm valleiro afflorando as mesmas snbstancias aqui e alli, sempre com os mesmos caracteres, e na mesma direcção; passam ‘estes affloramentos pelo povo denominado o Valle, e vão até a margem direita da ribeira de Fragoas, parando DE PORTUGAL. 31 junto ao povo de Casaldelo, 4 kilometros a SO do Penedo Negro. Em toda esta distancia nenhuma outra rocha ou affloramento parece acom- panhar a zona argillosa em questáo, como succede para o Norte do Pe- nedo Negro; pelo menos no meu reconhecimento até Casaldelo nada mais encontrei que represente a continuação do jazigo senão a refe- rida zona. Nesta ultima localidade a zona toma uma enorme largura de 60,0 proximamente; os seus affloramentos apresentam-se mais ou menos endurecidos, mais ou menos schistoides, mas sempre de côr cin- zento carregado, e d'aspecto e caracter mineralogico mui contraste com o schisto talcoso subluzente, amarello avermelhado, que limita a zona d'um e outro lado. Do meio d'esta zona sáem dois affloramen- tos largos de 8,0 cada um, pouco mais ou menos, mostrando o ferro hydratado com alguma argilla, empastando grãos ou fragmen- tos quartzosos, e ao lado d'estes, um pouco mais a Oeste, afflora uma massa de calcareo sublamellar, córado em amarello-avermelhado, com alguma pyrite ferrica nas cavidades, e occupando uma largura su- perior a 4”,0. Este calcareo é uma placa que parece penetrar no in- terior da terra, mas dividida em massas grandes de mais de um me- tro de diametro e por cujas fendas estão insinuadas venùlas ferrugi- nosas de cór acastanhada; sendo d'esta mesma substancia que está re- vestida toda a superficie exterior das mesmas massas calcareas: adhere a esta superficie alguma pequena porção de schisto verdoengo, e pe- quenas massas de ferro oxi-hydratado. A alguns metros de Casaldello, torna a zona a esconder-se debaixo da alluvião da ribeira de Fragoas, para novamente deixar ver-se no leito ou alveo da mesma ribeira junto á ponte do Ribeiro, a 1,5 kilometros d'aquelle povo, e onde’ abundam as laminas e os nodules calcareos similhantes aos que se encontram na Corga de Nespreira. Esta zona prosegue ainda entre o SSO e o SO, pelas visinhanças do Gavião e Valle maior, e vai final- mente até o rio Vouga, proximo á fóz da ribeira do Caima. Até este ponto occupam os affloramentos d'este singular jazigo uma extensão linear de 40 kilometros. Para completar, porém, a descripção d'este notavel jazigo, e com o fim de citar factos que possam esclarecer sobre a sua importancia geo- gnostica e industrial, torna-se necessario indicar, ainda que seja de um modo o mais summario possivel, a existencia d'outros jazigos ana- logos, que se encontram dentro das zonas adjacentes ao jazigo princi- cipal, e dar conta mais precisa de algumas das relações em que se acham as rochas metamorphicas da localidade com estes mesmos ja- zigos. 32 MINAS METALLICAS Na montanha de Estoze, proximo e a Éste das Caldas de S. Jor- ge, e onde comeca a facha oriental das quartzites, manifestam-se af- floramentos de uma brecha ferruginosa, com fragmentos da mesma quartzite e do schisto continente, encerrando geodes de ferro hydro- xidado, e cuja substancia penetra na quartzite: mais ao Sul, no sitio denominado Penedo de Ferro, tomam estes affloramentos mais largo desenvolvimento, com uma possança proxima de dois metros, mas sem sairem dos planos da estratificação das quartzites. Estes indicios des- apparecem, porêm, quasi de repente a algumas dezenas de metros pa- ra o lado do Sul; e na extensão de 6 a 7,0 kilometros, e no mes- mo horisonte, apenas se encontram vestigios fugitivos de similhantes affloramentos. Aquella distancia do Penedo de Ferro tornam a appa- recer os mesmos affloramentos na vertente oriental de Monte Redon- do, 1,5 kilometro de distancia e a Éste de Nogucira do Cravo, com o mesmo caracter brechiforme, e acompanhados de outros affloramentos quartzosos em partes tambem brechiformes. Não tive occasião de exa- minar se havia ou não continuidade destes indicios, desde este ulti- mo ponto até a ribeira do Caima. Porêm, da cima da Pedra aguda, de que já dei rioticia, para o casal de Felgueiras, tornam a apparecer os mesmos affloramentos, mas com muito mais desenvolvimento do que no Penedo de ferro. N'este sitio, a que chamam tambem Cabeço de Ferro, e junto ao indicado casal, carregam-se as quartzites, e em forte proporção, do oxido de ferro hydratado, e de peroxido do mesmo me- tal insinuado em laminas, alternantes com as laminas delgadas e bran- cas das quartzites, já por penetração na propria massa das quartzites, já em bétas afflorando nos planos de contacto das camadas, já final- mente em brecha. Estes afloramentos não cessam de vér-se no pro- longamento SO das quartzites, e entre os estratos em Cabeço dos Mou- ros, e Costeira de Telhadella, no Cabecinho de Ouro, Picôto do Valle, Pedra da Meca (entre o Gavião e o telegrapho dos Fuzos) e onde se encontram grandes excavações em resultado de lavra antiga. Iguaes affloramentos se observam na facha occidental das quartzites, na serra das Culcas, defronte de Nogueira do Cravo, e junto á Quinta do Cóvo, continuando a apparecerem aqui e alli em toda a serra que se estende desde o Ponto até o Caima. Porém na Seixinha, proximo a Nespreira de cima, vão estes affloramentos ao lado dos do jazigo principal, con- fundido-se entre Barreiros negros e quinta da Silveira, formando um só grupo individual, e do qual já se deu conhecimento. Por esta ligeira descripção já se conhece, que estes affloramentos, pela sua posição entre os estratos das quartzites, seguindo assim uma DE PORTUGAL. 33 linha geologica dada, representam dois jazigos de contacto mui pouco desenvolvidos, é verdade, em relação ao espaço que occupam, mas nem por isso menos verdadeiros. Depois d'estes, observam-se ao Poente do ja- zigo principal, tres grupos de filões situados, com alguns desvios, paral- lelamente á linha E O: o primeiro consta de cinco affloramentos, entre os gneiss, nas visinhanças de Souto Redondo, e á distancia de 1,5 a 2 kilometros do jazigo principal, os quaes representam outros tantos filóes bem definidos, com gangas de quartzo, ferro oxidado, pyrite fer- rica e arsenical, phosphato e arseniato de ferro crystallisados, e em concregòes ; isto é, os mesmos contentos que se encontram no jazigo principal, entre as Caldas de S. Jorge e Pigeiros. No Pinheiro da Bemposta, e entre as rochas metamorphicas de aspecto gneissico, ha outro grupo, afastado de 4 a 6,0 kilometros do jazigo principal, e composto de tres filões distinctos: um afflora sobre a estrada real, deixando vêr na cabeça o gozan, ou quartzo ferruginoso, e encerrando a pyrite e o oxido negro de cobre; outro a um kilometro para o SO do primeiro, é formado de uma larga brecha ferruginosa, com geo- des contendo, alem do ferro, o oxido negro de cobre; e o têrceiro nas Lombas de Figueira, e ainda mais para o Occidente, apresenta caracte- res identicos aos dos affloramentos do jazigo principal. O terceiro grupo finalmente, constitue o campo metallifero de Palhal e Carvalhal, so- bre as margens da ribeira do Caima, a 800,0 de Casaldelo, por onde passa o já referido jazigo principal, e no qual predominam o co- bre pyritoso e o chumbo argentifero. p Pelo lado oriental, desde as Caldas de S. Jorge até a ribeira do Caima em Ossela, nenhum indicio de jazigo metallifero se tem encon- trado até agora á excepção dos affloramentos do oxido de ferro já indi- cados; porêm sobre o caminho do Bustello do Caima para Nespreira, e na encosta de uma das montanhas que faz parte do estribo da Pedra aguda, encontram-se affloramentos de uma rocha argillo-ferruginosa, envolvendo massas quartzosas penetradas de oxido de ferro e pyrite tambem de ferro, distinguindo-se por esta composição, estructura e po- sição, dos schistos continentes, e simulando bem os tópes de filão; mas como não foram pesquizados, ignora-se o que são, ou o que poderão va- ler, mesmo porque os accidentes d'esta margem do Caima, e a abun- dante vegetação, embaraçam muito o estudo superficial que poderia fa- zer-se. Ao SE uns 200",0, em valle da Silha, ou Baluga, onde o terreno está immensamente accidentado, appareceu um affloramento sobre o qual se fizeram no anno passado algumas pesquizas, mas tudo se acha hoje entulhado pelos desabamentos e alluviões das torrentes pluviaes, MEM. DA ACAD, — 1." CLASSE — T. Ul. P. II, ED 34 MINAS METALLICAS que descem da montanha. Nos entulhos da excavação que mandei desco- brir, vi alguns crystaes de galena implantados em ganga schistosa, e em spatho calcareo: não pude, porém, progredir no exame superficial d'estes indicios em consequencia dos entulhos e do matto. No alto da Pedra aguda, desde a Cruz do Rochão do Carvalho até o collo do Valle de Cambra, observam-se tambem repetidos affloramentos do quartzo cin- zento claro e branco, em massa, brechiforme e envolvendo numerosos fragmentos angulosos de schisto cinzento, com cavidades de geodes re- vestidas de crystaes do mesmo quartzo, e algum oxido de ferro: um dos affloramentos, o mais oriental, é acompanhado de uma grossa salbanda de argilla cinzenta, e alguem diz ter encontrado n'elle a galena. Estes affloramentos estão entre os planos do lascado schistoso, e por conse- quencia dirigem-se como estes de Sul para Norte. N'este mesmo logar, ha um filão bem pronunciado de quartzo em massa, ligeiramente có- rado em vermelho, cortando o lascado schistoso sob um angulo de 40º, e na direcção NE SO, o qual parece ir passar na Costeira de Telhadella, posto que um pouco desviado da linha qne representa os respectivos af- floramentos. Descendo para as lombas que se destacam d'aquelle coutra- forte para o S e SO, encontram-se ao Nascente da quinta da Silveira, e entre a Cruz de Mareco e o alto dos Lagos de Telhadella, diversos af- floraméntos com variadas direcções, ou antes contorsidos com o schisto continente a cujos movimentos estáo subordinados, parecendo todavia sobresahir uma direcção geral de NE a SO. Estes affloramentos são de rocha quartzosa mui dura, cinzenta, cariada e cavernosa com muita py- rite ferrica disseminada, e em partes embebida do oxido de ferro hy- dratado, e revestidos nas fendas de retracçäo de uma substancia verdoen- ga, talvez o arseniato de ferro; a sua possança é de um a cinco, e mes- mo oito decimetros, sendo porém mais frequente a de dois centimetros. A primeira vista estes affloramentos pareceriam laminas lenticulares pertencentes á formação continente, e metallisadas pela acção do inte- rior; presumpção aliás corroborada pelo modo por que se apresentam em umas pequenas pesquizas onde affectam inclinações de 6 a 30º. O que ha porém de notavel, não obstante estes caracteres € mesmo a falta de continuidade das referidas laminas quartzosas, é que a argilla cin- zenta plastica, passando a argilla arenacea , absolutamente identica á que se encontra em Barreiros negros, Pindelo e Pintor, fórma a ma- triz d'estas laminas, oflerecendo uma largura, ou possança, de um me- tro e mais, e cortando o lascado do. schisto talcoso continente debaixo de um angulo forte ao que parece, mas que náo pude determinar em razáo da pesquiza estar muito pouco adiantada. Outros affloramentos DE PORTUGAL. 35 analogos me informaram que existiam mais ao Sul, entre éste ponto e Villarinho de S. Romão, a Éste do Cabeço de Mouros, os quaes não pude examinar. Finalmente, para complétar esta rapida idea, termi- narei por dizer que os filões de galena da Concessão do Bracal, e con- tiguas estendem-se para o Poente na direcção média EO verdadeiro, e não longe da facha oriental das quartzites que passa em Cabeço de Mou- ros; e que a Oeste e a Este d'estas mesmas quartzites, no Gavião e em Valle de Ladrões, entre a Pedra da Meia e a Serra de Nossa Senhora dos Fuzos , encontra-se a galena nos schistos, como evidente prova da existencia de filões plombiferos, lavrados em outra época como mos- tram as excavações que se encontram na ultima localidade nomeada. Concluirei a enumeração dos filões que se observam n'esta zona, indicando a existencia de outros affloramentos notaveis pela sua ex- tensão e desenvolvimento. Um d'elles, de quartzo em massa penetrado de oxido de ferro, começa a observar-se na margem direita da ribeira do Caima, logo acima da ponte nova de Porto-Carreiro, galga ao alto de Santo Antonio, onde se perde, tornando a apparecer ao Norte da Cancella da Matta, com os caracteres do gozan: os affloramentos de quartzo estalado, ou fragmentar, que se observam dentro do povo de Nogueira do Cravo, e um pouco mais ao Norte proximo ás Ter- ças, é muito provavel, pela situação que occupam, que sejam o pro- longamento d'este mesmo: filão, vindo assim a acompanhar parallela- mente o jazigo metallifero, e a comprehender uma extensão longitu- dinal de 9,0 kilometros. Outro, de puro quartzo, vem do alto do Pi- cóto na serra de Lordelo, estende-se para o Poente na extensão de 1,5 Kilometros, coroando a cumiada de uma pequena montanha que se destaca d'aquella serra, e vai até proximo da Ribeira do Meio, onde pára quasi repentinamente, parecendo irradiar d'este extremo uns af- floramentos de gozam e de rocha quartzosa córada em verde, mas que logo se perdem entre o lascado dos schistos. Este affloramento é quar- tzoso na massa, com grandes bolças e fendas cheias de crystaes da mesma substancia, envolvendo no seu meio laminas de gneiss, e oc- cupando em partes uma largura de 50”,0 proximamente. Outros af- floramentos da mesma natureza apparecem em diversos pontos, espe- cialmente entre Pinhão e Pindelo, em geral com uma crystallisação bacillar, mas por serem de menor importancia não me demorarei com a particular situação de cada um d'elles. Já em outro logar disse que as rochas da formação do schisto talcoso continente do jazigo principal, estavam consideravelmente mo- dificadas nos seus caracteres exteriores pelo metamorphismo anormal; * 36 MINAS METALLICAS este metamorphismo, porém, não é um phenomeno puramente local, subordinado á apparição de um certo e determinado numero de afflo- ramentos de rochas igneas, em relação com accidentes bem definidos na constituição physica do solo; ao contrario, estas alterações vão pren- der mais ou menos immediatamente com grandes zonas metamorphi- cas, cujo estado é o resultado de causas muito geraes que em ou- tras datas actuaram em grandes extensões, e cujo conhecimento não pode dar-se nos limites d'esta Memoria. Para o nosso caso bastará di- zer, que pelo lado occidental da formação continente dos jazigos enu- merados, ha uma zona de rochas gneissicas, passando em certos loga- res ao gneiss talcoso, e aos schistos talcosos com grãos de feldspatho, a qual começando nas visinhanças de Albergaria nova, se estende por Oliveira de Azemeis, até proximo de S. João da Madeira. O limite oriental d'esta zona orla as margens da ribeira do Caima desde o si- tio do Palhal até Palmares, abrangendo o já citado campo das mi- nas de cobre e chumbo do Palhal e Carvalhal, mas sem passar alem da margem esquerda da mesma ribeira; prosegue para o Norte, avi- sinhando-se da facha occidental das quartzites em Villar e Quinta do Covo, e vai por Villa Chã até proximo de S. João da Madeira, como está já indicado. Aqui as modificações não são tão intensas, c o mica- schisto passando a schisto talcoso substitue as rochas gneissicas: estas tornam a desenvolver-se em Souto Redondo para se estenderem para ente até as Caldas de S. Jorge, onde abrange os filões que fi- cam já mencionados; proseguindo depois para NE e para o Norte, mas já encoberto, ou passando aqui e alli aos schistos muito alterados, vai encontrar a faxa de granito que vem do Porto para SE. Pelo lado oriental é a referida formação limitada por iguaes rochas, nas quaes porém se mostra uma crystallinidade mais pronunciada, de- vida sem duvida aos referidos affloramentos de granito que em partes as rompem: começa o limite occidental d'aquellas rochas nas margens do rio Vouga, um pouco abaixo da ponte do Pecegueiro, e corre por Senhorinha, e Silva Escura até o alto da Senhora da Saude, ou gran- de estribo da Pedra aguda, de que tenho por vezes fallado; desce ao Valle de Cambra, e córre encostado 4 facha das quartzites das serras de Lordelo, Pindelo, Romariz e Moinho das duas Igrejas; flanqueia as montanhas do Morangal ou do Penedo de ferro, e de Estoze, e vai reunir-se nas Caldas de S. Jorge com aquella do lado occidental de que acabei de fallar. Esta zona não se limita sómente a circumscrever pelo Nascente a formação em questão; manifesta-se tambem dentro do Valle por esta occupado, afflorando na grande falha de Ossela por on- DE PORTUGAL. 37 de passa o Caima, em Sobradelo e Lavadoiros; na Penedia por cima de Pinhão ; entre este povo e Pindelo; a Este e entre Nogueira e Ma- cieira ; na Palhaça, Mama, e em Azevedo, indo d'este ultimo logar prender com as rochas gneissicas das Caldas de S. Jorge, que lhe ficam proximas : todos estes affloramentos, porém, não passam de modifica- ções exercidas pelas causas interiores sobre os schistos da formação continente, aos quaes vémos passar por differentes gradações as indi- cadas rochas gneissicas. Alem d'estas rochas gneissicas, encontram-se outras de aspecto analogo e já indicadas n'esta Memoria, mas que não são outra coisa mais do que schistos argillosos e schistos subluzentes alterados pela reacção do interior, e cujo typo existe no Palhal, formando as rochas continentes dos filões de cobre e de chumbo d'aquella localidade: é um schisto mais commummente talcoso carregado de grãos de feldspa- tho em mui forte proporção, com grãos ou laminas de quartzo, sen- do em partes o talco substituido pela mica escura, como ao lado do fi- lão Bastos. Esta modificação reproduzida em um sem numero de par- tes, com especialidade ao Nascente do jazigo principal, em Nogueira de Cravo, Macieira, Milheiróz, Palhaça etc., passa por um lado aos gneiss, de que acima fallei, e por outro ao schisto talcoso cinzento subluzen- te, do qual deriva. Aquellas rochas alteradas tomam um caracter mais crystallino entre Macieira e Nogucira, junto ás Terças, carregando-se de crystaes de amphibole, e tomando o aspecto da syenite micacea. Este genero de metamorphismo parece ter as mais intimas re- lações com certas rochas dioriticas, que se observam em alguns pon- tos da grande zona, Em Telhadella, mesmo dentro do povo, no alto da Pedra negra, no alto da Cal, entre Nespreira de baixo e Nespreira de cima, e no, Marouço de Catiandes, proximo de Villar a SE de Oliveira de Azemeis, aflora um schisto dioritico passando á estructura massiça e compacta, com crystaes de pyrite ferrica, e que pode muito bem ser uma ver- dadeira diorite, com os seus affloramentos alinhados na direcção Norte alguns gráos Éste, a Sul alguns gráos Oeste. A estas rochas estão su- bordinados, e em contacto os schistos talcosos profundamente alterados, convertidos em laminas de aspecto gneissico, alternando em partes com schisto amphibolico; e convertido em uma rocha terrosa branca, aver- melhada e em partes kaolinosa. O prolongamento d'estes affloramentos é representado para o lado do Sul pelas rochas metamorphicas já indi- cadas, e que vão até o Palhal, onde tambem apparece a rocha quar- tzosa: e para o Norte, com quanto não se descubra o schisto amphi- + 38 MINAS METALLICAS bolico nem dioritico, observam-se todavia os indicios d'este metamor- phismo especial em Bustelo, e Villa Chá, precisamente em pontos si- tuados no indicado prolongamento. a As diversas feições metamorphicas que affectam os schistos da formação continente do jazigo, não param aqui; ha ainda outro ge- nero de alteração representada nos schistos de aspecto terroso, ama- rello-ocraceo, vermelhos e alaranjados, que occupam grandes zonas den- tro do valle, como aquella que vai desde valle da Choca pelo Alto de Santo Antonio e Cancella da Matta até Pinhão, na largura variavel de meio a um kilometro; a das visinhancas de Nogueira do Cravo e ribei- ra do Pintor, ete. Passam estas rochas pelo lado do Nascente ás rochas gneissicas na ponte de Porto Carreiro, em Solores, Abecha, Bermoi- nho, Pinhão e Nogueira, observando-se junto ao veeiro lateral do ja- zigo metallifero, sobre o ribeiro do Pintor, que este metamorphismo é exercido sobre os schistos talcosos já alterados por um metamor- phismo anterior. Com este novo estado metamorphico apparecem os schistos amphibolicos em Nogueira do Cravo, Pinhão, e na quinta do Cóvo, como representantes das rochas eruptivas subjacentes ás quaes estas alterações parece que estão subordinadas. Taes são em resumo os phenomenos mais notaveis que appare- cem nas localidades citadas, todas ellas mais ou menos proximas do referido jazigo principal, e sobre os quaes importa chamar a attenção dos engenheiros de minas que estudarem esta parte do paiz, especial- mente quando os trabalhos de exploração e de lavra estiverem nas cir- cumstancias de fornecer o conhecimento de muitos factos importantes, que só elles podem ministrar: só então se poderão reconhecer as re- lações dos filões de Souto Redondo e Palhal com o jazigo principal, e cujas direcções se cruzam quasi perpendicularmente; a importancia e relações geognosticas dos outros affloramentos de filóes com o mesmo jazigo; e bem assim aquellas dos phenomenos metamorphicos da re- gião, com os differentes jazigos metalliferos que ficam citados. Restringindo-me porém ao jazigo principal, vê-se pela descri- pção feita que, tanto quanto se pode avaliar da inspecção dos seus af- floramentos, e se collige dos factos recolhidos nas pesquizas, é um jazigo complexo e ainda muito problematico, já pela sua origem, já pela sua composição e estructura. A presença das grossas placas de ar- gilla plastica e de argilla areosa, das massas quartzosas das brechas e dos calcareos, é um facto que á primeira vista parece ser o resul- tado da dupla acção exterior e interior, como se observa na região su- perior da pluralidade dos filões metalliferos; porém, melhor exami- » DE PORTUGAL. 39 nadas estas rochas na composição e qualidade dos seus elementos, e na sua estructura, reconhece-se que os membros ou placas brechiformes e poudinguiformes, não encerram um só calháo ou fragmento conhe- cido á superficie do solo, nem das rochas da formação continente; os falsos poudingues são uma reunião de nodulos de argilla, mais ou me- nos arredondados, identicos á pasta na natureza e côr; as brechas quar- tzosas, ou argillo-quartzosas, que á superficie apparecem cimentadas pelos oxidos metallicos, são placas de quartzo estalado em pequenos fragmentos, e penetradas de pyrite ferrica, mas que nas partes expos- tas á acção immediata dos agentes externos, tomam uma grande du- reza, e o aspecto da brecha quartzo-ferruginosa e homogenea: a outra placa formada de verdadeiros fragmentos pequenos de rocha quartzo- sa, dispostos desigualmente, e ligados por uma argilla cinzenta, fria- vel e pyritosa (inteiramente similhante á que se encontra no filão Bas- tos da mina de cobre do Palhal, e que dá minerio da segunda classe) é um producto estranho a todas as rochas exteriores e continentes. Pelo que respeita ás grandes massas de calcareo sublamellar e metal- lisado, que affloram no meio do jazigo em Casaldelo, ha a notar uma absoluta ausencia de rochas de tal natureza n'esta parte do paiz; sen- do só a 40 e 50,0 kilometros para SO, e para Sul, que se encon- tram estratos calcareos dos terrenos liasico e siluriano. Não ha pois na composição d'estas rochas um facto por mais insignificante que se- ja, que accuse immediata procedencia d'este calcareo do exterior para dentro do espaco deixado pela deslocacio; em quanto que, por outra parte, a estructura dos pretendidos poudingues e brechas, é táo regu- lar e uniforme, a natureza dos seus elementos táo irmá, que muito faz duvidar da immediata intervenção das forças exteriores para o arranjo e modo de ser dentro da caixa do jazigo. Náo pretendemos, todavia, com esta observação attribuir áquellas rochas uma origem que não tivesse sido á superficie do solo; só desejo fazer sentir a difficuldade que ha em dar uma cabal explicação do modo por que se mostram aquellas rochas associadas ao jazigo, em consequencia de se afastarem muito dos caracteres d'aquellas que se mostram no commum dos filões e que foram arrojadas do solo ou das paredes das caixas dos jazigos para dentro das mesmas caixas, e em que as aguas da superficie e as emana- ções do interior concluiram o resto: só os trabalhos d'exploração e de lavra é que poderão no futuro definir as relações que ha entre os cal- careos, as argilas, os gres, os poudingues e as brechas, que fazem parte do jazigo, e as substancias emittidas do interior. As diorites do lado occidental do jazigo, e os schistos amphibolicos 40 MINAS METALLICAS que affloram em differentes pontos da localidade, pelas condições e cir- cumstancias com que se apresentam umas e outros, parece pertencerem a duas ordens de phenomenos manifestados em diversos periodos: se- gundo o meu modo de vêr, são os representantes de dois termos da serie das erupções porphyricas ou dioriticas, que actuaram por longos periodos n'esta parte do paiz, mas que não chegaram francamente á flór do solo, achando-se por isso demoradas a qualquer altura da re- giáo superior da crusta, não deixando, todavia, de ter tido um lar- go raio de acção e obrigado a superficie do mesmo solo ás reacções que se veem traduzidas na profunda alteração dos schistos talcosos em differentes zonas parallelas, uma das quaes é aquella que se vê junto ao jazigo, occupando mais commummente o lado do tecto do mesmo ja- zigo, e em partes mais alterada do que as outras zonas lateraes. A si- tuação e contiguidade d'esta zona com o referido jazigo, e as relações do seu metamorphismo com as substancias, tanto as conteúdas do fi- lão, como aquellas que penetram nos schistos continentes, são uma prova irrecusavel de que este filão, e todos os mais phenomenos observados á superficie nas rochas continentes, e que com elle tem relacóes mais ou menos directas, são a consequencia da presença d'aquellas rochas igneas; isto é, foi á força impulsiva e expansiva d'estas rochas e ao seu poder mineralisador, que se deveram os preludios de todos os phe- nomenos citados, e talvez a ascensão das argillas e dos outros membros acima enumerados, e as emanações metalliferas que os acompanham no mesmo jazigo. Ainda mais, a penetração, e em larga escala, d'estas substancias metalliferas, quer nos schistos talcosos dispostos lateral- mente, quer dentro da zona dos affloramentos do jazigo em toda a ex- tensão longitudinal por esta occupada ao Norte do Caima (e em partes sendo estes mesmos schistos metallisados os que constituem a quasi totalidade d'aquelles affloramentos) é outro facto muito significativo, que revela a existencia de phenomenos de contacto, e por consequen- cia a de rochas igneas que lhe deram origem. Por outra parte, ficou dito na descripção acima, que os afiloramentos do jazigo se apresen- tam sempre entre os estratos e planos de lascado das rochas continen- tes com as quaes concordam; ha porêm em alguns sitios uma anoma- lia que cumpre explicar: ao Norte de Nogueira do Cravo, os afflora- mentos conservam-se sempre 4 distancia constante de 700",0 da fa- cha occidental das quartzites, mas entre este ultimo ponto e a Ladeira de Pindelo, aquella distancia muda repentinamente para 350”,0 pro- ximamente, com a qual corre sempre até a ribeira do Caima: e na margem esquerda d'esta mesma ribeira, e na Corga de Nespreira encos- DE PORTUGAL. 41 tam repentinamente ás referidas quartzites, sem que em todos os pon- tos accessiveis á observação se encontre o mais pequeno desmentido na concordancia e parallelismo dos mencionados affloramentos com os planos de lascado e de estratificação dos schistos continentes ; por tanto aquellas differenças, ou antes approximação ás quartzites, não pode deixar de ser devida a resaltos occasionados por fendas transver- saes preexistentes, ou por outros accidentes analogos e puramente lo- caes, mas que em nada influiram sobre a verdadeira significação da li- nha segundo a qual se mostra o jazigo, linha que é parallela ás que unem as cumiadas das serras de quartzites descriptas no principio d'esta Memoria. Pelos factos e considerações que acabamos d'enumerar, vê-se que não só existe mui estreita relação entre o relevo orographico d'aquella parte do paiz, a linha representante da extensão e da direcção do ja- zigo e a situação das rochas eruptivas, mas ainda do seu exame se deixam entrever relações geognosticas mais ou menos directas entre o jazigo em questão e um grupo d'accidentes de primeira ordem, que tanto influem no rélevo geral da maior parte do Occidente da Pe- ninsula. Por outro lado, o estado metamorphico da zona contigua a este enorme filão, e a sua dependencia com as substancias conteúdas no jazigo; a concordancia entre as placas do'filio e os planos das ca- madas e do lascado schistoso; a estructura do mesmo filão, e o modo por que as substancias metallisadas se acham distribuidas n'elle, tudo demonstra que o jazigo em questão pertence á categoria dos filões de contacto, embora não resuma em si o sommatorio de todos os cara- cteres que distinguem os filões typos d'este genero. As rochas dioriticas, que se vêem associadas a este jazigo, parece terem feito um importante papel nos phenomenos que precederam e acompanharam o enchimento da caixa do jazigo. As rochas ar- gillosas, e suas companheiras, parece que foram as primeiras arro- jadas do interior, e em seguida as materias de pura emanação, co- meçando pelas emissões siliciosas representadas nas placas de quartzo cinzento, que se observam na galeria de Pindelo, e nas grandes mas- sas quartzosas e, metallisadas, que affloram para o Norte d'aquelle ponto em Macieira, Milheirós, Vinhó, etc.: os sulfuretos de ferro e de cobre, seguiram-se-lhe no periodo immediato, como se conclue da estructura: e composição d'estas: massas acima descriptas. O cobre associado ao arsenico, que já se não vê na galeria de Pindelo, mas que é tão frequente na galeria do Moinho do Pintor, e na Lomba das Cévas , é um phenomeno posterior, porque os rins com aquelles mi- MEM. DA ACAD.—1.° CLASSE—-T. I. P. IL, 42 MINAS METALLICAS nerios estão embutidos nas massas pyritosas que lhe servem de ma- triz, bem como as laminas de pyrite cuprica e de galena nas pla- cas de quartzo muito cavernoso com o oxido negro de cobre, que se observa junto ao Moinho dos Bécos, e no veeiro lateral da Costeira do Pintor: a este phenomeno correspondem outros, como a pyrite de fer- ro perfeitamente crystallisada, o phosphato de ferro, as pyrites fer- rica e arsenical, a visinhança e contacto dos schistos amphibolicos, e a profunda alteração das rochas do tecto do jazigo. A injecção das bé- tas e brechas ferruginosas no meio do jazigo, cortando-o, ou implan- tando-se ao seu lado, como se observa na Quinta e ao lado de Pigei- ros, na margem esquerda da ribeira do Pintor, e na .Pedreira do Valle, é outro phenomeno distincto subordinado aos referidos schis- tos amphibolicos, que mostra ter sido o complemento das emissões do interior. Tal é a apreciação que, por em quanto, se pode fazer ácerca da natureza e condições geraes d'este extenso filão. Quanto á sua riqueza, pode dizer-se que nada ha conhecido que encaminhe a um juizo se- guro sobre a proporção relativa dos minerios conteúdos, sua distri- buicáo e accumulações ; n'este estado de atrazo, forçoso é esperar que a exploração desenvolvida em differentes pontos, revele um certo nu- mero de dados, sem o conhecimento dos quaes não pode chegar-se a me- dir a riqueza absoluta do mesmo filão. No emtanto a observação dos factos que apontei na descripção do jazigo, faz-nos suspeitar que a inten- sidade e a complexidade da metallisação do mesmo jazigo é, por assim dizer, proporcional á intensidade e á complexidade dos phenomenos de metamorphismo exercidos nas rochas contiguas continentes: por este motivo não se vé (pelo menos na parte superficial do jazigo) o co- bre, o chumbo, o arsenico e seus compostos, na Pedreira do Valle, em Nespreira, Barreiros Negros, e no Pedreiro Negro, logares onde só apparece o ferro pyritoso, e o ferro oxidratado ; correspondendo a este facto um metamorphismo menos adiantado, em partes nullo, nas rochas continentes contiguas do jazigo; em quanto que para a parte Norte, desde Pindelo até a Lomba das Cóvas, apresentam-se todos aquelles mincrios subordinados a um profundo metamorphismo das referidas rochas contiguas. Advertirei, porêm, que com estas considera- ções não pretendo asseverar que a parte do jazigo em questão ao Sul da Quinta do Cóvo seja esteril: é muito possivel que os trabalhos de exploração ponham a descoberto massas importantes de mincrio utik de chumbo, ou cobre. O affloramento em Valle da Silha, junto á Ba- luga, onde deparei com o chumbo em ganga de spatho calcarco, pode DE PORTUGAL. 43 ser um veeiro importante, dependente do jazigo principal; o encon- tro tambem d'esta substancia na pesquiza feita sobre o Caima, junto á Corga de Nespreira, é outro indicio que não deve desprezar-se , e que pode ser o annuncio de acervos ou concentrações d'aquelle mine- rio no meio d'aquellas do jazigo: as diorites que vem do Palhal a Te- lhadella e ao Alto da Cal, metallisadas em pyrite ferrica, podem ter a alguma profundidade relações muito intimas com o jazigo, e ter sido o vehiculo de minerios uteis. Tudo isto, porêm, não passa de conje- cturas, e só serve para mostrar que os phenomenos da metallisação, em toda esta parte do jazigo, estão muito mascarados, e só poderão ser conhecidos por meio de estudo feito por trabalhos de exploração. Especialisando mais a questão com respeito ao filão de cobre, considerado como mina, ha a observar, que desde Pindelo até a Lom- ba das Cóvas, apparece esta substancia com muita frequencia, mas em geral dispersa e em proporção variavel; em partes no estado pyrito- so, distribuida na matriz quarizosa ou nos schistos metamorphicos, e n'outras no estado tambem de pyrite, mas mais commummente no de oxido negro em massas reniformes de compostos arsenicaes , que lhe servem de ganga. A distribuição e proporção d'este minerio, de qual- quer modo que se apresente na regiáo superior do jazigo, nada quer dizer sobre as suas condições de riqueza a qualquer profundidade, es- pecialmente n'este genero de jazigos, onde, por assim dizer, a desigual- dade da proporção e da distribuição do minerio, constitue um dos prin- cipaes caracteres dos jazigos de contacto: o que importa saber, é que o minerio de cobre n'esta parte não é como um accidente, ou acces- sorio das outras substancias do jazigo; o modo por que se apresenta, e as ‘circumstancias conhecidas que dizem respeito á sua emissão, isto é, a extensão do periodo que durou a emissão do minerio de co- bre, (a qual é medida pela apparição da pyrite ferrica do Pindelo, até a penetração d'esta mesma pyrite nos rins de arsenico cuprico no Pin- tor; pelas emanações de cobre e de chumbo no veeiro lateral que passa pelo Moinho dos Bécos; pela proporção e distribuição dos rins cupricos , já no interior do jazigo, já nos schistos continentes meta- morphicos, observados nas pesquizas da Lomba das Cóvas e na Cos- teira do Pintor), prova que o cobre faz um importante papel entre as substancias metallicas encontradas n'este jazigo. Conseguintemente a exiguidade do cobre em alguns pontos, ou a sua dispersão em outros, são factos que não podem nem devem desanimar ninguem a encetar ou a proseguir os trabalhos de exploração em filões de similhante na- tureza ; quem souber a historia da lavra dos jazigos de contacto em 44 MINAS METALLICAS DE PORTUGAL. todos os districtos metalliferos da Europa e d'America, e tiver no- ticia das condições geraes em que a riqueza mineral se tem apre- sentado no progresso dos trabalhos, reconhecerá dois factos importan- tes: o primeiro é, que em todos os jazigos de contacto estão 0s mi- nerios desigualmente distribuidos em profundidade e direcção, chegan- do o jazigo a offerecer lacunas ou partes completamente estereis, e ri- segundo é, que ás emprezas me- quissimas accumulações de minerio; 0 ue tem parado diante de uma nos 'corajosas ou menos esclarecidas, q zona esteril do jazigo, succederam “outras, que á custa de mais sacri- ficios e dispendio, conseguiram encontrar accumulações de minerio, ás vezes prodigiosas, e tiraram sempre grandes interesses. Em conclusão: o grande jazigo de contacto de que me tenho occupado n'esta Memo- ria, offerece os mais serios e vehementes indicios de um vasto jazigo de cobre e d'outras substancias uteis associadas, parte das quaes pode ser a prata, o cobalto e o nickel, e cuja lavra será muito esperançosa, se a intelligencia e a coragem presidirem á execução dos trabalhos, que cumpre emprehender para o seu devido aproveitamento. Lisboa, 31 de outubro de 1856. vera ido Crave 7, Cor Dentare, Serra da dle Es a Lomba dai | Va Alto de Alto de E on y & Si È looo o Ì PLANTA parte occidental da Beira Dis TRICT o D'AvEIRO Malhada Silva Escura Mina da Serra de Lordello BiBerra D Quinta do i Pata Arai HE Caxal delle Oliveira O ICAla Lem patentes do Ja zago premespal. SCóntimaacas dos aflora mentos do pa zego rinespal. que nao estao bem patentes a superficie do solo. l Diverses affloramentos metalliferos. es) A ffloramentos de filos de quarto. VEIA Alfleramentos de rochas droritias . $ È È à $ AS CHUVAS EM LISBOA TRABALHO APRESENTADO Á ACADEMIA ELO SOCIO DE PRIMEIRA CLASSE Jo Ao DA SILVA. AS CHUVAS EM LISBOA PRIMEIRA PARTE COMPOSIÇÃO DA AGUA DA CHUVA. A meteorologia é uma sciencia que não pode progredir tão rapida- mente como as outras, porque para o seu progresso não basta a in- telligencia e'o trabalho d'um, ou alguns individuos, é indispensavel o concurso de muitos espalhados por toda a parte. Alem do conhe- cimento meteorologico de cada localidade, que tanto interessa á hy- giene, 4 medicina, e especialmente á agricultura, a meteorologia, oè- cupa-se d'assumpto mais elevado, e transcendente, da determinação das leis da physica do globo. Reconhecendo as grandes vantagens re- sultantes dos estudos meteorologicos, todos os governos intelligentes têem feito executar a bordo dos navios do Estado series d'observações, e têem levantado observatorios onde cuidadosamente se registram todos os phenomenos cujo conhecimento interessa 4 sciencia. Graças aos meios d'observação de que actualmente dispômos, po- de estudar-se a marcha das ondas atmosphericas, das correntes do mar, e da atmosphera, e das variações magneticas, tão importantes depois da discussão dos resultados obtidos no Cabo da Boa-Esperança, em Santa Helena, Hobarton, e Toronto. Véem-se as condições em que apparece um phenomeno n'uma localidade e a maneira como se trans- porta até ás mais longinquas regiões. Não fomos dos ultimos nem dos primeiros a entrar n'esta cruzada scientifica em que hoje se empenha o mundo inteiro. No fim do seculo passado, um socio d'esta Academia, o sr. Ja- cob Chrysostomo Pretorius, encetou os estudos meteorologicos em Lis- boa, publicou algumas das suas observações no Almanach de Lis- boa, uma das primeiras publicações da Academia Real das Scien- 1a 4 AS CHUVAS cias. (+) Mais tarde o ex."° sr. Marino Miguel Franzini tomou sobre seus hombros a difficil tarefa d'observador, e a meteorologia portugueza deve-lhe muito. Infelizmente faltou a-protecção do governo, para ser completamente aproveitada a sciencia, e o amor ao trabalho, que apre- sentavam os dois illustres observadores, os quaes entregues só aos pro- prios recursos não podiam dispôr dos meios que asciencia recommen- dava já então, e que mais tarde eram indispensaveis para que os seus trabalhos satisfizessem cabalmente a seus fins. Apesar dos obstaculos e contrariedades, que devia encontrar, o sr. Franzini não desanimou, e ainda hoje concorre para 0s progressos da sciencia, que tão apaixona- damente tem cultivado. Ainda ultimamente nos prometteu s. ex.” os resultados das suas observações sobre as chuvas, o que lhe agradece- mos desde já affectuosamente. A inauguração do observatorio meteorologico na Escóla Polyte- chnica, marca uma nova épocha para a meteorologia portugueza. O sr. dr. Guilherme Pegado. depois d'uma grande luta com a inercia, que debaixo de mil fórmas protrahe nesta malfadada terra a realisa- cáo das cousas uteis, e muitas vezes necessarias, conseguiu fazer le- yantar um observatorio, com instrumentos magnificos, e encetar se- ries regulares de observações, A's observações na terra seguiram-se as feitas a bordo dos navios do Estado. Os homens mais competentes na sciencia tem, elogiando os trabalhos e o estabelecimento, feito jus- tica ao merito do illustre professor de physica da Escóla Polytechnica. Não basta colligir observações, é necessario comparal-as, analy- sal-as e discutil-as para reconhecer o seu nexo, e as leis a que obedecem ; foi este o trabalho que emprehendemos em relação a Lisboa. Procu- raremos vér quaes sáo os resultados a que asciencia conduz pela com- paração e discussão das observações que já possuimos. Comecámos o nosso estudo pelas chuvas, porque constituem um. dos phenomenos que melhor caracterisam uma localidade. Julgámos conveniente fazer acompanhar o estudo: physico com o exame chymico, e por isso dividimos o nosso trabalho em duas partes: na primeira que temos a honra de apresentar hoje á Academia exa- minámos a composição da agua da chuva; na segunda, que brevemente esperámos concluir, investigaremos as épochas das chuvas, a hora em que são mais frequentes, sua duração, numero, € intensidade e as re- lacdes d'este hydrometeoro com outros phenomenos meteorologicos. (+) Em outras partes do reino como em Mafra, Faro, Penafiel Coimbra ete. se fizeram algumas observações que são menos importantes por abrangerem só pequenos periodos. EM LISBOA. 5 Composição da agua da chuva. — Brandes, Liebig, Bence Jones, Bi- neau, Barral, Boussingault e outros chymicos se têem occupado da ana- lyse das aguas da chuva, porém apesar de emprehendido por tantos homens respeitaveis na sciencia, o estudo d'estas aguas está ainda in- completo. Os trabalhos mais perfeitos que conhecemos sobre o as- sumpto são os dos srs. Barral, e Boussingault. Alem disto a falta d'observações feitas em localidades diversas ainda torna o conhecimento muito mais incompleto; seria da maior utilidade saber se a composição do liquido se conserva invariavel, ou se em circumstancias climatericas diversas, a agua da chuva contém diferentes substancias, ou diversas proporções da mesma substancia. Infelizmente a sciencia possue um numero tão limitado de factos, que nada póde concluir por em quanto. A. impertinencia da analyse das aguas da chuva, pela necessidade d'evaporações e filtrações repetidas é o grande obstaculo que se apre- senta n'este genero d'estudos; citaremos as palavras do sr. Barral, fallando dos seus trabalhos sobre as aguas da chuva em París — ce genre derecherches est extrémement penible et délicat, il demande une assiduité absolue. Nous n'eussions pu le mener à bien sans un aide exact intelligent et devoud: fallava do sr. Luca chymico bem conhe- cido. Alem da demora das operações os resultados da analyse nem sem- pre são dignos de confiança, não só porque a agua atacando a substancia dos vasos em que se distilla e dissolvendo-a carrega-se de principios que não tinha ; mas principalmente porque durante a analyse reagindo algumas das substancias que a agua tem sobre a materia organica que a acompanha, formam-se productos novos, e desapparecem outros que lá existiam. : A Academia das Sciencias de Paris forneceu ao sr. Barral udo- metros, e apparelhos distillatorios de platina, para que o illustre chy- mico podesse verificar os resultados a que sobre a composição da agua da chuva tinha chegado, usando dos apparelhos ordinarios; isto pas- sou-se em 1852. O dureau das longitudes pòz á disposição do mesmo sr. a platina necessaria para fazer um udometro d'um metro quadra- do de superficie. + Apesar. das maiores precauções o sr. Barral entende, que não póde haver grande confiança nas dosagens da cal, e magnesia contidas nas aguas da chuva, e tendo feito a determinação d'estas substancias nas pri- meiras analyses que praticou, deixou de a fazer nas subsequentes. O nosso estudo teve por objecto determinar a quantidade de am- 6 ; AS CHUVAS moniaco, acido azotico, chlóro,:ë gazes que as aguas da chuva contéem. Não nos oceupámos de dosar o iode porque os ultimos trabalhos dos srs. Maccadam e Luca são negativos, os dois chymicos asseveram que empregando reagentes de cuja pureza não se possa duvidar, nunca se encontra o jode nem no ar, nem nas aguas da chuva. Os nossos trabalhos foram feitos no gabinete de physica da Es- cóla Polytechnica durante o outono de 1858, sobre agua recolhida na cerca do edificio, onde, preso a estacas de pau, fizemos collocar um panno, tendo de superficie dois metros quadrados. O panno é ligeiramente conico, tem ao centro uma abertura e por baixo um vaso que recolhe toda a agua que cahe sobre elle, con- segue-se assim ter dois litros d'agua por cada millimetro de chuva, e dispór por tanto de grandes volumes de liquido. Determinação do ammoniaco. — A dissolução do sulfato de allu- mina exposta ao ar transforma-se passado algum tempo em allumen ammoniacal ; o que prova, que o ammoniaco existe na atmosphera. Em 1804 Theodoro Saussure verificou a presenca d'este corpo no ar. Di- versos experimentadores se têem occupado da dosagem do ammoniaco contido na atmosphera chegando a resultados, que estáo bem longe de ser concordes. Operando sobre um milháo de kilogrammas d'ar acha- ram-se os seguintes numeros : Observadores AzH * Grigori. (beauivad) à. 607887 Kempin dps ia £15848 80 Fresenius...... ....... 0,098 (a) » DOOR POL: .... 0,169 (6) Isidore Pierre........... 0,066 (c) Georges Ville......... ++ 0,024 “O corpo geralmente empregado na dosagem do ammoniaco foi o bi- chlorureto de platina. É provavel, que as grandes diferenças, que se ob- servam quando se comparam os resultados obtidos procedam da im- pureza dos reagentes empregados, e principalmente da entrada nos ap- parelhos de materias, que o ar tem em suspensão. Parece-nos que o numero obtido pelo sr. Georges Ville se não for exacto não se affas- (a) Durante o dia. (6) Durante a noite. (c) Em 1854 tinha achado muito mais em Caen, proximamente 462 grammas. EM LISBOA. 7 tard muito da verdade, graças aos cuidados com que no seu appare: lho se trata de obstar á entrada do pó. Mr. Boussingault acredita, segundo diz, que oseu methodo de do- sar o ammoniaco contido nas aguas é perfeitamente applicavel ás deter- minações do mesmo corpo no ar. O ammoniaco encontra-se no ar, parte combinado com o acido azo- tico formando azotato de ammoniaco, parte livre, as aguas da chuva trazem este corpo para a terra em ambos os estados. ; Na determinação do ammoniaco empregámos um processo alca- limetrico, recolhendo o gaz n'uma dissolução normal de acido sulfurico, e determinando a quantidade de acido neutralisado, pelo numero de centimetros cubicos d'uma dissolução alcalina, necessarios para saturar o resto do acido. O processo foi o de Mr. Boussingault. (+) Quando se faz distillar uma agua que contém ammoniaco todo o alcali é levado nos primeiros productos da operação, se ao liquido se tiver ajuntado uma porção de potassa caustica os saes ammoniacaes serão decompostos, e o ammoniaco correspondente passará para ore- cipiente onde se recolhem. os productos da distillação. E° n’estes prin- cipios confirmados pela experiencia, que se funda o processo de Mr. Boussingault. Nas aguas da chuva existe uma substancia de natureza organica cuja composição, e natureza não estão bem determinadas. E' conhe- cida pelos nomes de resina, pyrrhina, e muco, é a esta substancia so- luvel na agua, que é devida a côr alambreada, que as aguas da chu- va apresentam depois de guardadas por alguns dias. Mr. Barral está fazendo o estudo d'esta substancia tendo já determinado, que cada li- tro d'agua da chuva contêm uns onze milligrammas. A presença da materia organica não influe nos resultados, que dá o processo de que nos servimos. E° verdade que em presença da potassa, e com o auxilio do calor o azote da materia amarella deve transformar-se em ammoniaco, podendo então dosar-se no liquido dis- tillado, o que levaria a erro, porêm não levando a distillação muito longe não tem logar a decomposição que acabâmos de indicar. Boussingault fez repetidas experiencias addicionando matérias or- ganicas a liquidos ammoniacaes de riqueza conhecida, e dosando de- pois 0 ammoniaco pelo seu processo, os resultados foram independentes (+) Quando fizemos os nossos estudos ainda não tinha apparecido o livro do sr. Chancel sobre a analyse quantitativa, onde se descreve'minuciosamente o processo de Boussingault, por isso fomos mais demorados na descripção. 8 AS CHUVAS da presenga da nova substancia. Náo sendo necessario levar as distil- lações alem de dois quintos do liquido, não deve haver receio, que a presença da materia organica possa influir na analyse. Vamos descrever o processo de Mr. Boussingault, dizendo a ma- neira como o applicámios. Preparação dos liquidos. — A. dissolução normal de acido sulfu- rico foi preparada tomando 61%,25 de acido monohydratado e puro, dei- tando-o em agua distillada, esperando que a temperatura baixasse e acerescentando entáo a agua necessaria para completar um litro. Do liquido assim preparado tirámos 25 centimetros cubicos, e fizemos á parte um outro litro de dissolução. Sabe-se que 61%,25 de acido sulfurico neutralisam 21,2 de am- moniaco, portanto 10 centimetros cubicos da primeira dissolução sa- turam 0,212 e dez da segunda 0%,0053. Em outra frasco dissolvemos em agua distillada, a quantidade de potassa caustica necessaria, para que 33 centimetros cubicos neu- tralisassem dez do acido normal. Tendo os liquidos assim preparados, claro é, que recebendo no acido sulfurico o ammoniaco, parte do acido será neutralisado. Em- pregando depois a potassa já náo seráo precisos 33 centimetros cubi- cos; pela quantidade d'alcali que empregarmos, se conhecerá a por- ção de acido sulfurico que não foi neutralisado, portanto qual a que o tinha sido, e d'ahi deduzimos a quantidade de ammoniaco absor- vido. — Por exemplo : AESA, EL OU PROS CES DEIA AO PR 2 Dithereheavigs al, avait 21 Para conhecer a quantidade d'acido diremos 33:10::21:x x = 6,33 representará a quantidade do acido neutralisado pelo ammoniaco. Para achar o ammoniaco correspondente diriamos 10: 0,0053::6 ,33: x æ—0,00335 representaria o alcali absorvido. * Para conhecer a neutralisaçäo do liquido emprega-se a tintura de tournesol, cuja sensibilidade se augmenta bastante ajuntando-lhe sulfato de potassa até que esteja bem neutra, visto que é geralmente um pouco acida. Em cada operação recommenda-se o emprego do mes- mo numero de gôtas de tintura. Operando com todo o cuidado e so- bre pequenas porções de liquido, fraccionando os productos obtidos EM LISBOA. 9 na distillagio podem determinar-se centessimos de milligramma de ammoniaco. Tão sensiveis são, os processos de que a sciencia já dispõe ! Apparelho. — Sobre um fogareiro de ferro assenta um balão de vidro cuja capacidade é superior a dois litros. A boca do balão é ta- pada com uma rolha atravessada por dois tubos dos quaes um que é recto vai até ao fundo do vaso, servindo para o encher no principio da operação, e terminada ella para o despejar, para o que se transfor- ma em syfio com um segundo tubo de vidro, ou guta-percha. O ou- tro tubo, que é duas vezes curvado e tem doze millimetros de diametro interior, conduz os vapores do balão para um refrigerante formado por um vaso de vidro com um tubo em spiral. Os productos da distilla- lação são recebidos n'um frasco mergulhado em agua fria. Um vaso convenientemente collocado envia por um tubo a agua necessaria para refrigerar o condensador : a agua quente sáe pela parte superior do refrigerante. 5 O apparelho está cuidadosamente vedado tanto á saída do balão como á entrada no condensador, pela applicação de folhas de-cahuchu “bem justas, e atadas. Foi este o apparelho que armámos na officina do gabinete de phy- sica da Escóla Polytechnica, e de que nos temos servido. Para que do balio não possa passar liquido algum para o con- densador, emprega-se sempre para a communicação d'estas duas par- tes do apparelho, um tubo de grande calibre e dobrado de modo que a porção transversal fique bem obliqua. Durante a distillação o opera- dor deve vigiar cuidadosamente se passa algum liquido, se isto tiver logar, o apparelho não está em estado de funccionar bem, pois alguma potassa caustica pode ser levada para o condensador, e misturar-se com o producto da distillação falseando assim os resultados da analyse. Modo d'operar. — Nas primeiras experiencias distillavamos dois litros d'agua por cada vez, depois por economia de tempo limitámo- nos a um litro. Na agua que se quer analysar dissolvem-se alguns centimetros cubicos d'uma dissolução muito concentrada de potassa pura previamente fundida, introduz-se depois no balão por um funil collocado sobre o tubo recto. O condensador, e o vaso refrigerante estão sempre com agua fria. z Collocado o recipiente por baixo do condensador accende-se o fo- go, e văo-se recolhendo, e ensaiando os productos da distillação. — A principio ensaiavamos dois decilitros por cada vez, depois, vendo que havia difficuldade em perceber bem o momento em que o liquido se fazia azul, preferimos operar sobre um decilitro. Sabemos que ha quem MEM. DA ACAD.—1." CLASSE T. 11, P. II. 10 AS CHUVAS evite o inconveniente apontado, empregando agua saturada de sulfato de potassa para fazer a dissolugáo normal de potassa, este liquido fi- cando entáo mais denso mistura-se melhor com o que se ensala, e a coloração de toda a massa apparece instantaneamente. Nao vimos a necessidade de recorrer a este meio, porque empregando pequenos vo- lumes a operação corre bem. . Um decilitro do liquido obtido por distillação é lançado n'um copo de fundo chato, ajuntam-se-lhe dez centimetros cubicos d'acido nor- mal, medidos com uma pipeta graduada, e algumas gotas de tintura de tournesol. Com uma galheta dividida em meios centimetros cubicos, vai-se deitando gota a gota a dissolução de potassa com uma das mãos, e com a outra agitando o liquido, até que se manifeste a côr azul de toda a mássa. Do numero de centimetros cubicos gastos se deduz a quantidade de ammoniaco, que o liquido continha. Os ensaios vão-se repetindo sobre novas porções de liquido até que não appareçam vestigios de ammoniaco, sommando então as quan- tidades correspondentes a cada ensaio, sabe-se a riqueza ammoniacal do liquido distillado. As primeiras porções são sempre as mais ricas em alcalia. Em algumas chuvas não se encontra o ammoniaco, isto observa- se principalmente depois de chuvas mui continuadas terem lavado a atmosphera. Nos ultimos dias de Novembro, ensaiando as aguas da chuva, não encontrámos ammoniaco algum. EXPERIENCIAS. AMMONIACO. Chuva de 18 de Septembro de 1858. TROVOADA. A operação foi sobre dois litros, e as dosagens em dois decilitros de cada vez. Zen KIR » EM LISBOA. 11 A quantidade de alcali que ficou por neutralisar foi: HAI. OPERAÇÃO, seed oo mm Kes 13,5 3.80 AA Ud 10,5 CA 23 Ds Dre E dede Lx 8,0 » 4. » RSR ee 8,0 n ibi DI LATO ANAAO 3,0 33 centimetros cubicos de potassa saturavam 10 de acido normal. Por tanto as quantidades d'acido saturado pelo ammoniaco da agua foram : \ Dada ea ie A O D ET RA 3,18 TETRA AO 2,42 DR À CU O ONE GURI 2,42 MS NA RETIR LATE 0,9 DOLAR 13,00 Como 10 centimetros cubicos de acido equivalem a 0%,005 de ammoniaco, um litro d'agua- tinha 0%,0034. 2." EXPERIENCIA. Chuva de 10 de Outubro. LRO Nr em a ocre 00: QUOT ni. n 22,5 Dec DO Re RO di Do st RUM DOER me 22,5 5° » reo DEE Acido neutralisado : (+) A concordancia de quatro dosagens é devida a termos operado sobre um maior volume de liquido, que fraccionámos. 2 * AS CHUVAS na 1.º operação... .......... Does Lied De bares ES PA E E T » o Do era weer ose » 4." » » 5. » Ammoniaco achado em um litro 0,0048. 3.° EXPERIENCIA. REESI +00 PRIE SR PAS AE A ay a A Det da ees Mr pp ER SRO de CO NA OU O À 19 TRE CC 6 E MO AAN 8 E 0 6 610 6 Acido neutralisado : na 1.º operação. . . DIE Drews Windus PERA NE: TAN seta DON DIREI ETA leve » 4," DUA RNG LO MAT » Oia » IO. Ammoniaco em um litro 0,0042. 4º EXPERIENCIA. EM LISBOA. 13 Acido neutralisado : DAL: ODETAÇÃO ii lata 4,24 PAER » OO Ot RIA E OU 1:45 A A A 1,96 Total ensks 12407 Ammoniaco em um litro 0,0031. 5." EXPERIENCIA. Chuva de 20. As experiencias que se seguem foram sobre um litro d'agua, do- sando o alcali sobre um decilitro de liquido distillado. dia" DOO ta 22 GAS PTE RR RO D 8° Were DT ok 29 Acido neutralisado : DIR OA ii 3,3 LE en A A PRA » de A ad Le Totals e679 Ammoniaco em um litro 0,0036. 6.º EXPERIENCIA. TAS a O En AR E NR ates Oy DOR is «of EM PB PE DRDS DA.) AS CHUVAS . Acido neutralisado : Ageless CUE Ser a <<; nite os wal gO CRE DNA a rate Ne A 178 » 3. » bikie 027 » 4, Lt ELI RO A OE 1; E RE 6,0 Ammoniaco em um litro 0,003. ie EXPERIENCIA. Chuva de © de Novembro. 1, DI Th (o i O A as ica ce ul Pd SR AN RE 28 3.º SCOR: PIRÃO PONTA Ae AU 28 Wy Shei si» OULU, AD, OS HO 00 31 Acido neutralisado : HAS 1.º Operação. serrer tone Me 1,8 ido » PACE 1,5 2S0 RS AA 1,5 Hehe ey A Ri 0,8 Total. 5,1 Ammoniaco em um litro 9,0027. 8.º EXPERIENCIA. Chuva de 12 de Novembro. TERMENO ES IAS 22,5 RSA O que O 24,5 Ohm mede nara qu ya ur ve ORI 27,0 y ES A E nn à a a IWS Fe rev ma en an on sce 29 6.° EM LISBOA. Acido néutralisado : nd...” operação, : : paie 3,18 IE O Cre AE 2,57 RT) A E 1,6 » 4, ERS DA CD OS 15% Ma? dsd as 1,2 » Oe: dj O mune 0,45 PROVE: vuo 10,20 Ammoniaco em um litro 0,0053. 9. EXPERIENCIA. + Chuva de 15 de Novembro. Esad sono sentia 16x50 Aia cacaos quests 16,5 SR phase sin 30 4° bé: HONG Lotion co dr 33 Acido neutralisado : núrfladroperagiodi. ió. sabot tanza) ES ais 5,0 Bs NOA a PAIN 0,9 » 4.1 Dad da eek, 0,0 Total. . 10,9 Ammoniaco em um litro 0,0047. 10.º EXPERIENCIA. Chuva de 20 de Novembro. 15 AS CHUVAS Acido neutralisado : DI Md Lo Operação... -i É si 3,48 odas Hee ote eer a YT O einer 1,96 Total, n,» 28,02 Ammoniaco em um litro 0,0047. Nos dias 22, 25, e 29 de Novembro, ensaiando por vezes a agua “da chuva, não obtivemos ammoniaco em quantidade apreciavel. Das nossas experiencias conclue-se, que cada, litro d'agua de chu- va tem, termo medio, 0%,0039 de ammoniaco. DETERMINACAO DO ACIDO AZOTICO Na atmosphera encontra-se sempre o acido azotico, umas vezes livre, outras combinado com o ammoniaco formando um azotato. O oxygenio e o azote do ar podem, combinando-se debaixo da influencia da faisca electrica, produsir o acido azotico, porém nem todo o acido existente no ar tem esta origem, ‘bastante é formado pela oxidação, que o ammoniaco experimenta debaixo da acção do ozone. E° por isto que não são só as chuvas de trovoada, as que apresentam 0 acido em dissolução, a agua de quasi todas as chuvas, nevoeiros, orvalho, e gea- da contem este corpo em proporções variaveis. Desde Bergmann, que descobriu na atmosphera a existencia do acido azotico, até aos nossos dias, diversos chymicos têem procurado fazer a dosagem: d'este corpo especialmente nas aguas da chuva. Lie- big, e Bence Jones, menos felizes que o sr. Barral, não poderam che- gar a estabelecer uma conveniente determinação do acido. As notaveis questões sobre a influencia dos nitratos na vegetação, actualmente ven- tiladas entre o sr. Georges Ville e Boussingault, cuja solução de tão grande interesse será para à physiologia vegetal, foram a origem de no- vos processos d'analyse dos nitratos. A importancia: do conhecimento exacto da composição da planta, do solo em que vegeta, da atmos- phera onde respira, e das aguas que recebe de diversas origens, tor- nou-se indispensavel para a sciencia poder marchar com segurança nas suas investigações. Os estudos emprehendidos pelos dois sabios france- zes, mostraram-lhes desde logo a insufficiencia dos methodos até hoje EM LISBOA. 17 empregados na dosagem do azote, quando este corpo se encontra no estado de nitrato, e misturado com materias organicas. A chymica ensina, que sendo todos os nitratos soluveis, não podem analysar-se directamente; é necessario recorrer a processos indirectos, umas vezes dosando a base, separado o acido por calei- nação ; outras decompondo o sal e recolhendo o azote; agora transfor- mando-o previamente em ammoniaco, ou em bioxido d'azote e depois em acido azotico ; logo aproveitando certas colorações que o acido com- munica a liquidos conhecidos, e da intensidade da côr deduzindo por comparação chromatica a quantidade de acido correspondente. Nas aguas: da chuva existe o acido azotico livre, e no estado de azotato de ammoniaco. Para determinar o acido livre pode servir a dissolução de baryta, e algumas vezes temos empregado este proces- so. Satura-se o liquido com um ligeiro excesso de agua de baryta, eva- porando depois até á seccura, tratando o residuo pela agua, deixando o liquido ao ar até que se não forme pellicula de carbonato, e filtrando fica em dissolução o azotato de baryta. Transforma-se o azotato em sulphato pela addição do acido sulfurico, e com os cuidados conve- nientes dosa-se o sulphato de baryta ; do péso do sal deduz-se a quan- tidade de baryta, e por tanto a de acido azotico. Quando se quer tambem dosar o acido correspondente ao azotato de 'ammoniaco, addiciona-se ao liquido alguma potassa, e evapora-se quasi á seccura; todo o acido azotico passa a azotato de potassa, porque os saes ammoniacaes se decompõem. Calcinando em vaso fechado o azotato obtido e fazendo passar os productos gazosos sobre aparas de cobre aquecidas á temperatura rubra, segundo o processo empregado na analyse das materias organicas azotadas, o azote gazoso separa-se, e recolhe-se n'uma campanula. Do volume de gaz obtido deduz-se a quantidade de acido azotico. Este processo é pouco perfeito quando se trata da determinação do azote contido nas aguas da chuva, não só porque é necessario eva- porar grandes volumes de liquido, por isso que é mui pequena a quan- tidade de azote, mas porque o acido azotico oxidando a materia or- ganica desapparece em grande parte. O sr. Bineau faz a dosagem do acido por um methodo especial : bastantes analyses d'aguas de rios, de fontes, e mesmo da chuva tem executado pelo seu methodo, que se funda numa propriedade do aci- do azotico que é muito conhecida, e frequentes vezes empregada para reconhecer a presença d'este corpo. Lançando n'uma dissolução d'um azotato acidulada pelo acido sulfurico, um crystal de sulphato de pro- MEM. DA ACAD.— 1." CLASSE—T. 11, P.M, 18 AS CHUVAS toxido de ferro, á roda d'elle apparece uma nebulosidade de cór rosa- da. E' n'este principio que se funda o processo do sr. Bineau que se executa do seguinte modo, Evapora-se a agua até a reduzir a um volume determinado, que deve ser o mesmo em todas as experiencias, lançam-se-lhe algumas gotas de uma dissolução de sulfato de ferro; a coloração vermelha manifesta-se brevemente. A côr do liquido compara-se com as de uma gamma chromatica feita com quantidades conhecidas de azotato de potassa, o tom correspondente indica a quantidade de acido contido no liquido. Este processo não pode dar senão approximações, por isso o seu uso só será conveniente quando não se carecer de resultados precisos, então a sua simplicidade o torna recommendavel. Os processos de que vamos fallar comportam muito mais exacti- dão, quasi todos: são fundados no do sr. Pelouse. Fazendo ferver a mis- tura d'um azotato com. o proto chlorureto de ferro acido, o metal so- breoxida-se 4 custa do oxigenio d'uma porção de acido azotico, que se decompõe, e evolve-se o bioxido de azote. A seguinte equação mos- tra quaes são os productos formados Ko, Azo’ +6 Fe Gl +4 HCI = 3 Fe? CI Azo’+-4 Ho + KCl E' esta uma das reacções fundamentaes do processo do sr. Pe- louse, um dos mais seguros que a chymica possue; mas que infeliz- mente não é applicavel 4 analyse da agua da chuva. E' sabido que o sr. Pelouse dosa os nitratos juntando a uma dis- solução normal de proto chlorureto de ferro um péso d'azotato insuf- ficiente para peroxidar todo o ferro: depois, em outra operação, em- prega o hypermanganato de potassa para determinar a quantidade de ferro ao minimum que o liquido contém, portanto a quantidade que passou a sesqui sal, e d'ahi deduz quanto de acido existia no liquido. A. presença da materia organica obsta a que o processo que acabamos de indicar, e que é muito conhecido dos chymicos, seja applicavel á determinação do acido azotico contido nas aguas da chuva, Schloesing, e Georges Ville trataram de o modificar por modo tal, que podesse ser aproveitado em todos os casos. Schloesing (*) transforma o acido azotico em bioxido de azote, (+) Sur le dosage de l'acide azotique accompagné de matières organiques par M. Th. Schloesing. Annales de chimie et de physique, 3.º serie, T. 40, pag. 479. EM LISBOA. 19 aquecendo n'um balão a mistura do azotato com o proto chlorureto de ferro, e acido chlorhydrico. A reacção passa-se fóra do contacto do ar para obstar a que o bioxido d'azote se transforme em acido hypoazo- tico, o que se consegue expellindo do apparelho todo o ar pela ebul- lição do liquido antes de addicionar o sal de ferro. O bioxido de azote produzido, misturado com algum acido chlor- hydrico, recolhe-se n'uma campanula sobre à tina hydrargiro-pneuma- tica. Terminada a operação faz-se absorver o acido chlorhydrico pelo leite de cal, e o bioxido d'azote trasvasa-se para um balão para onde se faz entrar d'um gazometro a quantidade de oxigenio precisa para transformar todo o bioxido d'azote em acido azotico, Empregando o saccharato de cal dosa depois o sr. Schloesing o acido formado. O processo que acabamos de descrever exige da parte do opera- dor uma grande pericia, e muitos cuidados, aliás terá logar ou a ab- sorpcáo, ou a perda de gaz; alem d'estes inconvenientes o processo não é susceptivel d'uma grande exactidão, o que se deduz mesmo das experiencias descriptas na memoria já citada. O sr. Georges Ville transforma tambem o azotato em bioxido d'azote pelo processo de Pelouse, operando n'uma atmosphera de hy- drogenio, ou de sulphydrico. O bioxido d'azote atravessando acom- panhado com uma corrente de hydrogenio um corpo poroso, por exem- plo, uma columna de esponja de platina ou de carvão aquecida ao ru- bro passa a ammoniaco, que se faz absorver por uma dissolução acida normal, Se em logar do hydrogenio se emprega o sulphydrico a mis- tura dos dois gazes atravessa uma columna de cal sodada bem quen- te: segundo o sr. Ville tem então logar a seguinte reacção: 3 HS + Azo? + 2 CaO == Az H? CaO, So- Ca S? ou Ca S+ S. Este processo pareceu-nos muito mais vantajoso, que todos os ou- tros, por isso o preferimos para determinar o acido azotico; porêm antes de dizer o modo como o applicámos, mencionaremos o methodo do sr. Boussingault, o qual collocámos em ultimo logar por ser o mais moderno. Todos conhecem a acção do acido azotico sobre o anil, e os cui- dados com que se escolhe para a tinturaria o acido sulfurico destina- do a dissolver esta substancia. Se n'um liquido existir um nitrato fa- cilmente se conhecerá, córando-o com a tintura d'anil, deitando-lhe al- gumas gotas de acido sulfurico, e aquecendo, o acido azotico libertan- do-se oxidará o anil e descoral-o-ha. E’ este um dos fundamentos do 3x 20 AS CHUVAS novo methodo. Só vimos um extracto da memoria do sr. Boussin- gault (+) o qual dando apenas idéa do methodo não nos habilitou bas- tantemente, para que d'elle podessemos usar. Estudando a composição da agua do Mar-Morto (+), de que se têem occupado tantos homens de sciencia, Boussingault serviu-se da tintura d'anil; porém usando d'um processo differente do que actualmente em- prega. E' ainda a presenca da materia organica, que determina cuida- dos especiaes na applicação do novo processo; porque o acido azotico ataca de preferencia a materia organica, ou pelo menos reparte-se com ella e com o anil, não podendo este corpo, pela sua mudança de côr, servir para sc fazer a dosagem do acido, nem mesmo ás vezes para indicar a sua presenca. O sr. Boussingault fundando-se em experiencias suas, lembrou-se de destruir a materia organica antes de fazer a dosagem do acido azo- tico, e observou que fornecendo a um liquido, que contenha acido azo- tico e materias organicas, um excesso de oxigenio, a oxidação da ma- teria tem logar sem que a quantidade d'acido varie, ou porque o aci- do não se decompde, ou porque decompondo-se é regenerado imme- diatamente á custa do oxigenio. Serviu-se primeiro do bichromato de potassa, juntava este sal a um nitrato contido n'um liquido com ma- terias organicas, addicionava-lhe o acido sulfurico puro, e distillava, dosando entáo o acido azotico encontrava todo o que se continha no péso de sal empregado. Este processo não era porêm completamente applicavel ao caso em que se emprega o anil, porque passando sempre pela distillação al- gum bichromato, o reagente descorava-se em parte. Empregando porém o peroxido de manganez os resultados são taes, que se dosa, segundo diz Boussingault, o acido contido em alguns decilitros d'orvalho. A tintura d'anil é tão sensivel, que accusa facilmente 0,1 da quantidade de acido que póde dosar, assim tendo feito uma tintura para dosar 0,001 ella poderá revelar a existencia de um decimo de mili- gramma. Não tendo bastantes dados para o emprego do methodo de Mr. Boussingault preferimos o de Mr. Georges Ville por nos parecer o mais rigoroso. Comecámos por preparar o chlorureto de ferro com os cuidados (+) Comptes rendus de l’Academie des Sciences T. 46, N.º 24, 14 J.° 1858. (++) Annales de chimie et de physique 3.º serie, T. 48, pag. 129. EM LISBOA. 21 que o author do processo recommenda ; tomando uma grande capsula de porcellana, deitando-lhe oitocentos grammas de arame de ferro, que cobrimos d'acido chlorhydrico. A reacção começada a frio sendo acti- vada pelo aquecimento do vaso, muita espuma viscosa de côr pardacenta se elevou sobre o liquido a ponto de quasi trasbordar. Retirado o fo- go, passado algum tempo a espuma abateu, aquecendo novamente a mistura até á ebulliçäo o liquido foi-se concentrando, e dentro em pou- co uma pellicula se formou em toda a superficie, decantou-se então para um vaso onde se deixou arrefecer. Pelo arrefecimento o liquido solidificou-se, foi depois dissolvida a substancia n'um peso d'agua igual ao seu, filtrada, e guardada em vaso fechado. Preparámos a cal sodada pelo processo ordinario. Não podendo dispor da quantidade de esponja de platina necessaria para as analy- ses, empregámos o coke redusido a fragmentos, lavado em acido chlo- rhydrico, e depois com agua até náo estar acido. j O hydrogenio era fornecido por um gazometro ordinario. Mr. Georges Ville emprega uma especie de lampada philosophica para for- necer o hydrogenio. Apparelho. A disposição do apparelho que temos usado é a que passamos a descrever. — D'um gazometro contendo o hydrogenio, par- te um tubo de gutta percha, que se liga a um tubo de vidro que mergulha até ao fundo d'um balão onde está a mistura do chlorureto de ferro e do nitrato, o qual assenta sobre um pé para se poder aque- cer. — Do balão parte um tubo que vai entrar n'um vaso igual, que está ao lado contendo mercurio, que lhe serve de lastro, e uma disso- lução de potassa. O segundo balão está dentro d'agua fria, d’elle par- te o tubo que conduz os gazes ao tubo de combustão. O tubo de combustão é de vidro verde, tem sessenta centimetros de comprimento e n'uma das extremidades é puxado á lampada, tem dentro coke calcinado, e cal sodada, e assenta sobre uma grelha, — Termina o apparelho por um tubo de Liebig com a dissolução nor- mal d'acido sulfurico, Marcha da operação. Depois de bem limpo e bem sécco o tubo de combustão, tapa-se a extremidade adelgaçada com um tampão d'as- besto. Enche-se metade do tubo com coke calcinado ainda quente, e o resto com cal sodada; a extremidade aberta é tambem tapada com asbesto. N'um dos balões Já estão o mercurio que serve de lastro, e 50 centimetros cubicos de uma concentrada dissolução de potassa caus- tica; no outro deitam-se 100 grammas de proto chlorureto de ferro, 22 AS CHUVAS quatro de acido chlorhydrico, e a agua da chuva previamente concen- trada pela evaporação em presença d'alguma potassa para expellir o ammoniaco. Collocadas as differentes pegas e ligadas entre si, yé-se se o ap- parelho está bem vedado fazendo passar uma pequena corrente de hy- drogenio; 0 movimento do liquido no tubo de Liebig indicará se o apparelho funcciona convenientemente. Separa-se então o tubo de es- meça-se o aquecimento do tubo de combustão, e ao mesmo pheras, co tempo vai-se expellindo todo o ar do apparelho, quando sair só hy- drogenio, o que se reconhece fazendo inflammar o jacto do gaz, liga- se o tubo de bolas. Em seguida aquece-se o balão onde está a agua até que se estabeleça uma ebullição prolongada, para o que é neces- sario fornecer bastante calor, porque a passagem rapida do hydrogenio que vem do gazometro resfria consideravelmente o liquido. Passada meia hora a operação está terminada, tira-se primeiro o tubo de Liebig, depois o tubo do gazometro, e afinal o fogo que aque- cia o balão, não procedendo assim as absorpções são inevitaveis. O liquido normal lança-se n'um copo com as aguas de lavagem do tubo de Liebig, córa-se com a tintura de tournesol e vê-se a quan- tidade de potassa necessaria, para lhe restituir a côr azul. Não nos consta que o processo do sr. Georges Ville tenha sido empregado na analyse da agua, julgámos que o seu uso sería conve- niente visto annullar-se a influencia da ‘materia organica. Todavia não ficámos completamente satisfeitos com o emprego d'este processo, que algumas vezes deixou de nos dar resultado, o que não sabemos bem a que attribuir. O sr. Bineau de Lyáo diz que muitas vezes náo tem en- contrado o acido azotico nas aguas da chuva, que só no veráo nunca deixa d'apparecer, talvez que esta seja uma das razões. Fizemos algumas dosagens empregando a agua de baryta e um grande volume de liquido evaporado, afim de verificar os nossos re- sultados, e encontrámos 0,0037 de acido azotico; este numero é pou- co differente do que tinhamos achado pelo outro processo, EXPERIENCIAS. ACIDO AZOTICO, 1.º EXPERIENCIA. 1900 grammas de liquido evaporado com potassa , cujo excesso neutralisámos depois pelo acido chlorhydrico, deram os seguintes re- sultados : EM LISBOA. 23 A ça E ED Depois, (ALIAS as: 25 DFE er, eee 11,0 Acido neutralisado. ......... 3,05 Ammoniaco correspondente. .. 0,0016 + Acido azotico contido. . ...... 0,0048 Š Por tanto em um litro havia 0,0025 d'acido 2.* EXPERIENCIA. Sobre um litro d'agua preparado do mesmo modo a IN DP e aiar 31,5 Diferenças, ur 4,5 Acido neutralisado. . ......!.. 1,25 Ammoniaco correspondente. .. 0,00066 ou Acido azotico contido. ....... 0,0019 3.º EXPERIENCIA. Anteswiq. da quinas gd enmal.s 36 Um litro. Depois: + sono poem a 23 Diferença. . siso aum 13 Acido neutralisado. ........+.. 3,61 Ammoniaco correspondente. . .. 0,0019 ou Acido azotico contido, ....... 0,0057 AS CHUVAS 4." EXPERIENCIA. ATES OA rot TOE co 36 Um litro. Depois..- --.....s...s.e 23,5 Diferença tos, erias 12,5 Acido neutralisado.......... 3,47 ; Ammoniaco correspondente. . . . 0,0018 ou Acido azotico contido rm 0,0054 5." EXPERIENCIA. TEA NENA, Totem se ss 36 Depois.......... 30 Differença. ; ...... EU Acido neutralisado.......... 1,66 Ammoniaco correspondente. . . . 0,0008 Acido azotico contido, . «+ . . . 0,0024 Media. preco ODA Master 0,0035 Azote correspondente. . .. .. . 0,0009 (+) O azote que as chuvas trazem para a terra é em quantidade no- tavel, porém está bem longe de servir só por si ás necessidades da vegetação. ente uns 900 a 1000 Calculando que em Lisboa chovem annualm millimetros segue-se que cada hectare recebe em ammoniaco......-.-++ 39 kilogrammas em acido azotico. ........ 35 » Ou em azote........ 32,1 do ammoniaco 9 do acido (+) Numeros similhantes aos que Mr. Barral achou em Paris. EM LISBOA. 25 Determinação do chloro. Em cada dosagem do chloro operámos so- bre um quarto de litro, residuo da evaporação de um litro. O liqui- do acidulado com acido azotico era tratado pelo nitrato de prata em excesso. O chlorureto de prata «formado era separado por filtração e calcinado, do pêso do sal de prata deduziamos a quantidade de chloro. 1." EXPERIENCIA. Péso do cadinho......... 315,999 Depois da calcinaçäo.. 31 ,458 DIHÉTÉNCA, cas 0 ,065 MZA TUNIT Chlorureto de prata.. 0 ,048 Le HSE PORN noi th OFS 032 3." » STL, PSR MG 4. » Ko oi 5° SAS IRA. FR 0,032 Média: ......:...... 0,038 A estas quantidades de sal de prata correspondem as seguintes de chloro: MO cc e AAA 0,011 SE er rt ANOS 0,008 Oreck obwosittiun etario. 0,005 PR ary dd 0,007 io ble onion 0,008 Media ia a 06004 Chlorureto de sodio correspondente A a e nes E O eres o IO 0,018 IEA poninodase 0,008 RS Peida sirio rs MS Mia Rpg a area 0,012 Vê-se por tanto que as aguas da chuva apresentam quantidades variaveis de chloro, sendo a média sete milligrammas, quantidade MEM. DA ACAD.——1." CLASSE-—T. I. P. IL 4 26 AS CHUVAS muito maior que a encontrada por Mr. Barral nas aguas de París, que téem apenas um milligramma por litro. Esta grande diferença deve attribuir-se á visinhança do mar. Determinação dos gazes. A dosagem dos gazes que a agua tem em dissolução, é um problema que a sciencia ainda não resolveu. Bun- zen, fundado na lei de Dalton e Henry sobre a solubilidade das mis- turas gazosas, e no conhecimente dos coefficientes d'absorpção estabele- ceu que a agua da chuva deve ter 2,46 por cento de acido carbonico. Ainda ha pouco tempo que o sr. Eugenio Peligot n'um trabalho sobre a composição dos gazes que as aguas dos rios e mares têem em dissolução (+) dizia «en ce qui concerne l'eau pluviale, je ne connais » «aucune recherche directe ayant pour object d'établir la nature et la» «proportion des gaz, qui s'y trouvent en dissolution. C'est une la-» «cune à combler.» Para separar os gazes da agua seguimos o processo ordinario, re- colhendo-os sobre o mercurio: parece-nos que na' pratica é um dos mais convenientes e seguros uma vez que a operação seja dirigida com algum cuidado. Os gazes recolhidos mediam-se cuidadosamente, e -marcava-se a pressão e a temperatura no momento da observação; o acido "arboni- co era absorvido por uma dissolução concentrada de potassa, e o oxi- genio pelo phosphoro. Os resultados das experiencias foram : 1.º EXPERIENCIA. Em um litro. . . 21,88 centimetros cubicos de gaz sécco a 0° e 0," 760 Acido carbonico. .......... 1,65 A AS À LN OLI 21,78 Em 100 de ar. . Acido carbonico. 7,54 O A mea rm, ner 2 LO, he e E E e SE (COR OEE 100,00 (+) Annales de chimie et physique T. 44, pag. 269, 3.º serie. EM LISBOA. 27 Em péso. . .. Acido carbonico........... 11,17 ORIGEM nis aio 20,01 BAUS AO 100,00 2,” EXPERIENCIA. Volume do gaz em um litro d'agua. ..'.. 240,78 Acido carbonico..... ..... 3,74 DAD vr 4,67 | AE Ea AA 16,37 | | 24,78 | Em 100 d'ar, em volume: Acido carbonico. ..... cs ONO A oora 18,87 IN VEL 66,04 100,00 Em pêso.... Acido carbonico..........: 21,84 DARA aa LISI A A ee aT CE 59,87 100,00 . 3." EXPERIENCIA. Volume de gaz em um litro.. .... 238,82 Acido carbonico +. :....... 3,02 OXipeniorait. of OE tos 080 44 28 AS CHUVAS EM LISBOA. Em 100 dar... Acido carbonico. .......... 12,68 Em volume. .. Oxigenio.........,........ 16.33 ee ADR ON PRE ET 5. 220698 100,00 Em péso. . . - Acido carbonico. ...... j 18,21 Oxigenio. riv. sn n 16,97 "Azote: err vanta A 64,82 100,00 Média Em um litro. . . 23,49 centimetros cubicos formados em volume por : Acido carbonico. .... Oxigenio..........- TE rites Em péso. . .. Acido carbonico. . . . . Oxigeni0........««....... D'estas experiencias concluimos, ante, variando bastante a de acido carbonico. ontinuar este estudo, recolhendo maior numero sensivelmente const Tencionamos € de factos antes de apresentarmos um rece-nos desde já poder asseverar, que a im é maior do que geralmente se suppõe. co que a agua da chuva conté 100,00 evene MONO 18,75 64,34 100,00 que a quantidade de oxigenio é a opinião definitiva; porêm pa- quantidade de acido carboni- Os resultados que obtivermos, confirmando ou negando os que acaba- mos de ter a honra de vos apresentar, vos serão communicados afim de julgardes esta questão. — Em 20 de Janeiro de 1859. NOTICIA DOS TRABALHOS MAGNETICOS EXECUTADOS NO OBSERVATORIO METEOROLOGICO DO INFANTE D, LUIZ NA ii © 01 IDF. EPA de D DOTA AÑ A. APRESENTADA Á ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS PELO SOCIO EFFECTIVO JOAQUIM ANTONIO DA SILVA TRABALMOS MAGNÉTICOS EXECUTADOS NO OBSERVATORIO METEOROLÓGICO DO INFANTE D. LUIZ ESCÓLA POLYTECHNICA SENHORES : ie 1 enho a honra de vos apresentar uma noticia dos trabalhos sobre o magnetismo terrestre, executados no observatorio do Infante D. Luiz. Desde 1857 que n'este estabelecimento se fazem regularmente observações da declinação e inclinação da agulha, aquellas duas vezes por dia, e estas semanalmente. Os instrumentos empregados são um declinometro de Jones, e um inclinometro de Barrow, ambos perten- centes á classe dos small instruments, que os observadores preferem actualmente pela sensibilidade e exactidão aos grandes instrumentos de Gauss. i Apesar das boas condições do declinometro, tinha-se observado, que depois d'uma determinação absoluta, as declinagdes diminuiam rapidamente, e que uma notavel torsão dos fios acompanhava este phe- nomeno ; d'aqui nasceu a falta de confiança no instrumento, e a idéa de estudar a torsão n'um apparelho especial. Dentro d'uma caixa circular de madeira hermeticamente fechada por tampa de vidro, suspendemos n'um estribo préso a quatro fios de seda sem torsão, um cylindro de latão da mesma figura, grandeza e 1 * 4 TRABALHOS MAGNETICOS EXECUTADOS péso que o magnete do declinometro. Este apparelho foi collocado ao lado do instrumento de mr. Jones, e a posição do cylindro de metal começou a ser observada todos os dias. Pareceu-nos que estando os dois apparelhos nas mesmas condições de humidade, tendo fios da mesma substancia, com comprimentos iguaes e provavelmente a mesma grossura, e tensos por pêsos iguaes, a torsão seria a mesma em ambos os instrumentos, e que a observação d’aquelle que não estava sujeito á acção magnetica terrestre poderia servir para dar uma correcção de que o outro necessitava. Alem d'isto a obser- vação poderia ser aproveitada para verificar se a torsão era sempre no mesmo sentido ou não, e quaes as leis a que obedecia. Julgámos ainda conveniente expôr as nossas duvidas ao distincto sabio o sr. Lamont, communicar-lhe as nossas idéas e pedir-lhe con- selho. Assim o fizemos, e o illustre physico de Munich disse-nos: « Je «vois que vous avez rencontré les mêmes difficultés qui se sont pre- «sentées partout où on a employé des instruments semblabes. Quant «au moyen, que vous avez imaginé pour y obvier, il est bien possi- «ble que vous réussirez, ici c'est l'experience seule qui puisse déci- «der,» e depois de algumas advertencias importantes recommendou- nos, que procurassemos alcançar outro instrumento, para comparar a sua marcha com a do declinometro. A chegada d'um magnetometro unifilar, poz-nos em melhores condições para o nosso estudo. Hoje quasi todos os observatorios magneticos possuem pelo me- nos duas collecções d'instrumentos, que são observados simultanea- mente com o fim de se verificarem. As observações mostraram que a torsão era contínua, já n'um já n'outro sentido, predominando na barra de latão o movimento da es- querda para a direita, no sentido em que se movem os ponteiros d'um relogio. Passados alguns dias a barra tinha descripto um circulo. As declinações observadas no unifilar não apresentaram notaveis diferenças de dia para dia, porém no declinometro diminuiam com uma rapidez que estava em relação com o movimento observado no apparelho de torsão. A barra magnetica do unifilar é suspensa por um só fio. Via-se portanto da comparação dos instrumentos que se podia observar a torsão em um, e talvez applicar ao outro as correc- ções deduzidas da observação do primeiro, As observações mostraram tambem, que o valor das variações diurnas devia ser sensivelmente affectado pela torsão, por isso que o cylindro de latão apresentava dois movimentos diurnos um da di- NO OBSERVATORIO DO INFANTE D. LUIZ. 5 reita para a esquerda durante as horas de maior calor, e outro em sentido contrario no resto do dia. Passámos depois a observar a torsão empregando um unico fio, e um cylindro de latão mais leve; no fim de muitos dias, não havia ainda torsão sensivel. Observou-se porém que se o ar penetrava na caixa o fio torsia e tanto mais quanto maior era a humidade, eis por- que é necessario que as caixas dos instrumentos fechem hermetica- mente. As conclusões que tirámos d'este estudo foram: 1.* que era ne- cessario substituir o magnete do declinometro por outro bastante leve para poder ser suspenso por um unico fio de seda; 2.º que era conve- niente examinar a torsão n'um apparelho especial, ou empregar mais de um instrumento para o estudo da declinação; 3.º que era a humi- dade que produzia quasi toda a torsão. A observação tem continuado a mostrar a verdade d'estas proposições. Immediatamente fizemos substituir o collimador do declinome- ¿tro por outro que pesando apenas 23 grammas é sustentado por um unico fio de seda. Hoje determinàmos com rigor as variações e as declinações ab- solutas, não só porque temos dois instrumentos ambos d'um só fio de seda, mas tambem pelo methodo que está adoptado no observatorio. Os dois instrumentos são lidos duas vezes por dia, e fazem-se declina- ções absolutas todas as decadas, tendo antes com todo o cuidado tirado a torsão. Estando as coisas assim dispostas, e tendo dois observadores tão habeis, intelligentes e trabalhadores como são os srs. Capello e Gama Lobo, estas observações são dignas de toda a confiança. O sr. Capello inventou um estribo que sendo de parafuso na parte superior e inferior facilita consideravelmente a determinação das de- clinações absolutas, porque a escala do magnete fica logo na posição vertical. Durante o mez de maio observaram-se grandes variações diur- nas sendo a mais notavel a do dia 19 que chegou a 25/. O boletim francez mencionou algumas d'ellas, que foram communicadas ao obser- vatorio de París pelo boletim que pelo telegrapho electrico do nosso observatorio se expede diariamente para o de París. Os trabalhos mais importantes executados no estabelecimento fo- ram os relativos á determinação da intensidade magnetica em Lisboa. O conhecimento do valor absoluto da intensidade magnetica é julgado hoje um dos mais importantes da physica do globo. Poisson e especialmente Gauss estabeleceram methodos d'observação, pelos quaes 6 TRABALHOS MAGNETICOS EXECUTADOS se determina com todo o rigor este elemento magnetico, sem ser ne- cessario attender ás alterações, que as barras ou agulhas empregadas experimentam na sua magnetisação. 6 Sabeis perfeitamente que poucos pontos de sciencia teem sido táo cuidadosamente estudados como o magnetismo terrestre : um grande numero de viagens, a creação de muitos observatorios, uma quantida- de extraordinaria d'escriptos, attestam os esforços empregados para chegar a estabelecer as leis por que se regulam os phenomenos devi- dos a esta causa. Quando se descobriu que a posição do maximum da forca ma- gnetica não coincidia com os logares chamados polos magneticos, onde a inclinação é maxima, a Inglaterra chamou a attenção dos homens competentes para o estudo completo do magnetismo. A Associação Bri- tanica, de acôrdo com a Sociedade Real de Londres, pedindo um re- latorio sobre o estado da sciencia n'este ponto, acompanhado da indi- cação dos meios que deviam ser empregados para bem esclarecer esta parte da physica do globo, fez um relevante serviço á sciencia, e ao seu paiz. A discussão de todas as observações conhecidas, o estabelecimento d'observatorios magneticos nas possessões inglezas, e differentes expe- dições foram emprehendidas em consequencia do grande inquerito a que a Associação procedeu, Adoptaram-se instrumentos similhantes , estabeleceram-se methodos communs d'observação, publicaram-se ins- trucções para uso dos apparelhos, e assim se organisou em grande es- cala o plano d'um trabalho que devia dar resultados comparaveis. O apparecimento das Revised instructions for the use of the magnetical and meteorological observations. . + by the commitee of phisies and me- teorology of the Royal Society, assim como das Magnetical instructions for the use of portable instruments Y by Lieunt C. G. R. Riddel, e dos escriptos de Lloyd veio dar uma util direcção aos trabalhos, con- correndo efficazmente para os progressos da sciencia. A historia do magnetismo mencionará entre os mais dignos os nomes de Duperrey, Humboldt, Sabine, Lamont, Hansteen, Bruch e Kreil, e entre as mais uteis as viagens de Encastreaux, Humboldt e Duperrey, a expedição de Hansteen á Siberia, as de Row Moore e Clark aos mares do Sul, a de Bravais á Finlandia, a de Lefroy á America do Norte, a de Elliot ao Archipelago indico e a viagem do sr. Lamont pela Europa. Infelizmente nem todos os governos comprehenderam a impor- tancia do assumpto de modo, que cooperassem como deviam para este NO OBSERVATORIO DO INFANTE D. LUIZ. 7 estudo, E” para sentir, que ainda hoje os nossos navios de guerra não tenham os instrumentos que são necessarios para o estudo do magne- tismo, 0 que não nos admira quando vemos com sentimento a falta d'instrucçäo que n'este ramo tem a generalidade dos homens do mar, e a pouca protecção que entre nós tem as sciencias. A bordo dos nos- sos navios de guerra, a collocação das agulhas a respeito das massas de ferro que as podem influenciar, está muitas vezes em revoltante con- tradicção com os principios da sciencia. O estudo do magnetismo terrestre nem em todas as localidades se pode fazer com igual vantagem. Entre os tropicos, em vez da grany de regularidade que apresentam quasi todos os phenomenos physicos, são os magneticos bastante irregulares, e as observações não se podem descomplicar de modo. que com facilidade se deduzam as leis por que os phenomenos se regulam. E' nas latitudes elevadas, que melhor se podem perceber as variações e as perturbações, e distinguir as diffe- rentes causas que fazem variar cada um dos elementos magneticos, podendo assim estabelecer suas leis. Felizmente a sciencia tem recompensado largamente todos os sa- crificios, avançando a passos agigantados. Não só conseguiu estabelecer methodos d'observacio d'um rigor igual ao dos astronomicos, mas des- cobriu um grande numero de factos, cuja existencia nem era suspeitada ; taes são as influencias que sobre os phenomenos magneticos tem o sol e a lua, influencias complicadas, que só a discussão de muitas observa- ções podia revelar. Os elementos magneticos apresentam variações regulares, que de- pendem do angulo horario do sol, ou da sua longitude, são as varia- ções diurnas; a amplitude d'estas variações não é a mesma em todas as épocas do anno, nem, na mesma época, em todas as posições geogra- phicas. A latitude do sol é a causa das differenças observadas. As ob- servações em Santa Helena fizeram vêr, que era a posição do. sok com relação a uma linha, que será o equador magnetico e não ao logar, o que as determinava. Não é á posição do sol ao norte ou ao sul da ilha que as variações são subordinadas, mas á latitude do astro; á sua po- sição em relação á linha de que fallémos, de modo que n'um logar collocado entre tropicos estas variações. dão-se do mesmo modo que em outra qualquer posição geographica. Alem d'estas: variações dependen- tes da longitude e latitude do sol, ha ainda as importantes variações que os diversos elementos apresentam, com relação ao apparecimento das manchas solares, e que constituem uma das mais brilhantes des- cobertas. dos nossos dias. TRABALHOS MAGNETICOS EXECUTADOS Esta influencia como sabeis, consiste na relação que ha entre a abundancia das manchas e a grandeza dos elementos magneticos. A um anno em que o sol apresente o minimum de manchas cor- responde uma declinação € intensidade maxima com uma inclinação minima, pelo contrario se o numero de manchas é maximum a incli- nação é maxima e a declinação e intensidade são minimas, conforme o sr. Hansteen estabeleceu fundado em um grande numero de pbser- vações. O periodo é de 11 + annos conforme a opinião de muitos phy- sicos. Estas idéas foram recentemente desenvolvidas e apoiadas com um grande numero de factos pelo 'sr. Rodolfo Wolf de Zurich, que ode obter observações das manchas solares desde o seculo XVII. O sr. Wolf calculando as variacdes s6 pelo exame das manchas, exclama enthusiasmado: «Quem ousaria dizer ha alguns annos que do exame das manchas do sol seria possivel deduzir um phenomeno terrestre!» Em alguns observatorios trata-se de collocar instrumentos photogra- phicos montados paralaticamente para daguerreotypar o sol, alguns d'estes apparelhos funccionam já e com grande perfeição. Não é menos evidente a influencia da lua sobre os phenomenos magneticos. Foi o sr. Kreil quem a descobriu, e Plantamour € Sabine os que estabeleceram, que é com a hora lunar que os elementos va- riam. A descoberta da influencia lunar veio abalar profundamente to- das as theorias do magnetismo terrestre como 0 sr. Lloyd demonstrou n'um magnifico escripto publicado ha pouco tempo. Alem d'estas importantes descobertas, outras de não menor va- lor estão realisadas, e é de presumir que algumas outras se farão em breve, pertencendo a estas a da lei das perturbações. O estudo das variações irregulares, ou perturbações, tem chamado a attenção dos physicos n'estes ultimos annos. O que até agora se re- putava accidental parece estar sujeito a leis. Sabe-se já que as pertur- bações apparecem simultaneamente em muitas localidades, e affectam os diversos elementos magneticos ao mesmo tempo; que as variações diurnas resultam da acção de duas causas diversas que obedecem a leis distinctas, sendo uma d'ellas a causa das perturbações : tal é já a opinião de Sabine, Bravais e Lamont, e é por aqui que se querem explicar os dois maximums e minimums diurnos. Parece porêm que as horas do maximum e minimum devido ás perturbações não são as mesmas em todos os logares, e que circumstancias Jocaes influem po- derosamente sobre ellas. Discriminar bem a parte que pertence à ca- da influencia, eis a ardua tarefa em que hoje se empenham os obser- vadores. NO OBSERVATORIO DO INFANTE D. LUIZ. 9 Conhecidas são. ha bastante tempo, e hoje bem determinadas se acham as grandes perturbações que nos phenomenos magneti- cos são produzidas pelas tempestades electricas chamadas auroras polares: ainda ha poucos dias que o reverendo padre Secchi não duvidou asseverar, fundando-se na observação dos instrumentos ma- gneticos, e no aspecto da atmosphera, a existencia d'uma aurora bo- real diurna; e poucos dias depois da Havana e de Guadaloupe noti- ciavam o apparecimento d'uma bella aurora polar no dia 2 de se- tembro. I Os tremores de terra, e a electricidade atmospherica, especial- mente durante as trovoadas no momento em que se produz o relam- pago, produzem tambem perturbações a cujo estudo se tem dado es- pecialmente o senhor Secchi. Tantas leis importantes, descobertas em tão pouco tempo, são resultados superiores a todos os que se teem alcançado nas outras sciencias. Trata-se actualmente de completar o estudo do magnetismo ter- restre estabelecendo observações não interrompidas em muitas locali- dades, empregando instrumentos iguaes e comparados, e determinando cuidadosamente não só os valores absolutos dos tres elementos, decli- nação, inclinação e intensidade, mas e especialmente, as variações , tendo o cuidado de as grupar d'um modo tal que se possa conhecer a influencia de cada causa. Acredita-se que o conhecimento exacto das variações da intensi- dade guiará com segurança o observador, na indagação das leis e tal- vez mesmo que da causa do magnetismo terrestre, uma das questões mais debatidas hoje na sciencia, mas cuja solução ainda parece estar longe. A intensidade magnetica pode ser determinada por differentes processos, sendo um dos mais geralmente empregados aquelle em que se determina o valor da componente horisontal da força e depois pela relação trigonometrica X= A cos. 0, em que X é a componente ho- risontal, 2 a força total e 0 a inclinação, se acha o valor da intensi- dade total. Para determinar a componente horisontal pode empregar-se um magnete suspenso de modo que possa mover-se no plano horisontal, e contar o numero d'oscillações que faz em certo tempo; da duração da oscillação se deduz a força. Este processo apesar da sua simplicidade tem graves inconvenientes, por isso que o tempo d'oscillação não depende exclusivamente da força magnetica; mas tambem do péso e fórma da MEM. DA ACAD. >— 1.º CLASSE, I. P. Il. 10 TRABALHOS MAGNETICOS EXECUTADOS barra, e do seu estado de magnetisação. ! Estes inconvenientes reme- diou Gauss com o seu methodo, um d'elles determinando o momento d’inercia do magnete, o que se consegue ou pelo conhecimento do seu péso e dimensões, ou fazendo-o oscillar já só, já acompanhado de pésos ou anneis. A influencia do estado magnetico da barra annulla-se de- terminando o seu momento magnetico, o que se faz collocando o ma- ghete a uma determinada distancia d'um outro, que se suspende, e observando os desvios que elle experimenta; a posição da barra sus- pensa é a da direcçäo da resultante da forca magnetica terrestre, e da da barra fixa. Eliminadas estas causas de erro, o methodo torna-se d'um rigor mathematico. As nossas observações vão expressas em unidades inglezas, isto é em pés e grãos, não só porque as constantes do instrumento foram determinadas em Inglaterra; mas porque sendo o maior numero de observações feito em estações inglezas convem que os resultados das nossas fiquem comparaveis com os d'aquellas, Depois apresentaremos tambem alguns dos resultados nas unidades de Gauss, isto é em mil- limetros e milligrammas. Infelizmente os resultados obtidos no observatorio não represen- tam fielmente o valor da componente horisontal e portanto da força absoluta, porque o estabelecimento ainda não pôde obter um magne- tometro bifilar, instrumento que como sabeis dá uma das correcções que figuram no calculo; todavia são elles tão proximos da verdade que julgámos conveniente publical-os; acresce a isto serem trabalhos inteiramente novos entre nós. DETERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL, Para determinar o valor da componente horisontal da forca ma- gnetica terrestre tem o observatorio o magnetometro portatil do sr. A. Prazmouski, e o magnetometro unifilar construido por Jones (ob- servatory unifilar magnetometer); O primeiro instrumento é proprio para os trabalhos no campo, e d'elle nos servimos no mez d'abril; é muito menos perfeito e completo que o segundo, o qual é destinado a ter uma posição fixa. O nosso magnetometro de Jones, além de ter sido cuidadosamente executado pelo constructor, que n'elle introduziu bastantes aperfeiçoamentos, esteve no observatorio de Kew onde o sr. 1 Gauss — Intensitas vis magnelicac. Goettingue — Annales de Chimie et de Phy- sique. NO OBSERVATORIO DO INFANTE D. LUIZ. 11 . Welsh, que a morte recentemente roubou 4 sciencia, lhe determinou as constantes, o que não podiamos fazer em Lisboa, por não haver em parte alguma os instrumentos necessarios: para esse fim. Instrumento. —O instrumento consta de uma caixa de madeira, como a dos declinometros, onde está suspenso um magnete cylindrico e dco que tem de comprimento 0,8 de pé inglez. O magnete está enfiado n'um delgado annel de latão que serve de estribo, e que sus- tenta na parte inferior um espelho de vidro que se pode rectificar. Um pequeno parafuso fixa o magnete no estribo. Um unico fio de se- da sem torsão suspende todo o systema. Na parte superior da caixa, além do tubo de suspensão com o cir- culo de detorsão dividido de 3 em 3º, ha uma abertura circular onde está um thermometro de mercurio com escala de Farenheit, protegido por uma pequena manga de vidro, e na parede anterior ha uma outra abertura de fórma rectangular e tapada com uma lamina de vidro. Por baixo da caixa e perpendicularmente a ella se acha collocada uma vara de madeira de 5 pés de comprimento, e formada de duas porções que se sobrepoem na parte média. Fortes parafusos as ligam entre si e fixam á base do instrumento. Da parte média da face su- - perior de cada braço da vara, e na direcção d'elle, se eleva uma re- goa de metal graduada; a graduação vai desde 1,5 até 2,5 pés, distancias que são contadas do meio da vara, que coincide com o cen- tro da caixa, Assenta sobre a regoa, podendo correr ao longo Vella, um systema formado por duas laminas de latão que sustentam no meio um estilete e em cada extremo uma forqueta, é aqui que na posição horisontal enfiado pelo centro e apoiado pelos extremos se colloca ou-. tro magnete tambem cylindrico e dco, com a marca B.: 6 cujo com- primento é de 0,376 do pé. Este systema serve tambem de nonio. Os dois magnetes apresentam comprimentos relativos que não é indifferente alterar; o calculo tem determinado quaes os mais conve- nientes quando se empregam certas distancias, e os nossos estão nas re- lações mais usadas e convenientes, conforme o reverendo H. Lloyd de- monstrou. A base do instrumento é um quadrado de madeira sustentando um pequeno nivel de bolha d'ar, assenta sobre dois pratos de metal dos quaes o inferior é fixo em parafusos que servem de pés ao appa- relho. O instrumento só se move no plano horisontal, girando o prato superior sobre o inferior, e. o$ pequenos movimentos são dados por um parafuso micrometrico, Um parafuso de pressão fixa um prato so- bre o outro, i bo 12 TRABALHOS MAGNETICOS EXECUTADOS Em frente da abertura rectangular da caixa está fixo na posição , horisontal um oculo achromatico munido de reticulo, pela parte supe- rior do oculo está fixa uma escala traçada n'um arco de marfim. Esta escala tem 900 divisões, cada uma é igual proximamente a 2. As di- visões estão invertidas. Prêso á base do instrumento o oculo o acom- panha em todos os movimentos. y O apparelho assenta pelos parafusos, que lhe servem de pés, em goteiras de latão betumadas na parte superior d'uma banqueta de pe- dra, que está separada do sobrado e solidamente estabelecida sobre pro- fando alicerce. l Observações feitas antes da collocação definitiva do instrumento mostraram, que posto no logar que actualmente occupa, nem influia sobre os que estavam na mesma casa nem por elles era influenciado d'um modo apreciavel. Acompanham o instrumento dois anneis do sr. Lamont, um pru- mo de metal, e pequenos anneis de latão, que se enfiam nos magne- tes para lhes dar a posição horisontal. Observação, —1 ° Oscillações. — Nivelado que esteja o instru- mento, e suspenso o magnete maior B. 6 faz-se oscillar; um observa- dor conta o numero d'oscillacóes , e outro collocado junto do chrono- metro marca a hora quando recebe o signal que o primeiro lhe dá, o que, tem logar no fim de cada dez oscillações. Contam-se sempre 190 oscilações, que se dispoem de modo que dão dez series de 100. Nota-se tanto no principio como no fim a grandeza do arco e a tem- peratura do magnete oscillante. 2° Desvios.—Substitue-se um magnete pelo outro, faz-se 0 ajus- tamento do retículo com a divisão central da escala (450) e fixa-se o instrumento, ao mesmo tempo que outro observador marca a posição do declinometro. Feito isto colloca-se o magnete B. 6 sobre as forque- tas que correm ao longo da regoa, ajusta-se bem o nonio para medir rigorosamente à distancia do centro do magnete suspenso ao do fixo, e collocam-se ambos á mesma altura elevando ou descendo o que se acha suspenso. O magnete fixo é primeiro collocado do lado de oeste do instrumento com o polo norte a oeste e o centro 4 distancia 1,7 pés, o magnete suspenso obedecendo á influencia do fixo toma uma direcção que se marca. Depois collocando o magnete fixo á distancia 2,0 pés e 2,3 pro- cede-se do mesmo modo. — Em seguida volta-se o polo boreal para éste e repete-se a observação nas tres posições já ditas.— Passa-se de- pois o magnete para 0 braço de éste, tendo o cuidado de voltar tam- NO OBSERVATORIO DO INFANTE D. LUIZ. 13 bem o pouso de modo que a face N fica para o S, e collocando o ma- gnete ás mesmas distancia 1,7... 2,0 e 2,3 já com q polo boreal para O já para E vão-se notando os desvios que o magnete suspenso apresenta. Durante a observação fazem-se leituras do declinometro e do ther- mometro, n'este caso a temperatura que se marca é a da casa. 3. Oscillações. — A. observação termina fazendo novamente os- cillar o magnete B. 6 (desviante) e procedendo como no principio da observação. As observações são feitas pela manhã, começam ás nove horas e terminam pouco mais ou menos duas horas depois, esta hora é critica porque é ás dez horas que tem logar o minimo da intensidade hori- sontal, sendo o maximo ao pôr do sol. Nos dias em que apparecem perturbações não se observa. As observações dos desvios sendo feitas pelo methodo que em- pregámos, trocando as faces do pouso no acto de mudar de braço, fi- cam muito mais perfeitas por isso que os erros provenientes das pe- quenas differenças nas distancias são quasi annullados, pois se d'um lado por exemplo: ficar um polo do magnete fixo mais proximo da caixa, transportado ao outro lado ficará mais afastado, compensando assim o primeiro resultado da observação. Pelos desvios observados a differentes distancias caleulam-se as equações. ===> n° sen, ù — 37° sen E 9 TR A m — = 7" son. ul FAT m momento magnetico do magnete fixo. e intensidade da componente horisontal da forca magnetica terrestre. r, r', 7! distancias dos magnetes. u, u', u" angulos de desvio do magnete suspenso, P; Q dois coeflicientes, dependentes da distribuição do magnetismo nos dois magnetes, que se determinam: pelo calculo. Para utilisar os resultados da observação é necessario empregar um certo numero de correcções. É especialmente o tempo d'oscillação 14 TRABALHOS MAGNETICOS EXECUTADOS. que carece de ser correcto para exprimir rigorosamente o tempo que durou uma oscillação. As correcções são a das divisões da escala que não são rigorosamente de 1", a da torsáo do fio que não deixa oscillar livremente o corpo suspenso, a da marcha do chronometro, pois se o instrumento se adiantar o tempo será menor, e atrazando-se será maior, a da temperatura, porque diminuirá a força e portanto augmentará o tempo quando a temperatura crescer e vice-versa, e finalmente a da inducção da terra. Estas correcções parte são constantes, parte varia- veis, estas determinam-se no momento da observação, aquellas achadas em Kew pelo sr. Welsh são as seguintes: Valor da escala da vara. — Distancia entre as divisões 1,5 pés em um braco da vara a 1,5 no outro braço 35,987 pollegadas da es- cala padrão (standard) de Kew, á temperatura de 47º F. Valor angular uma divisão da escala.—De 02450, 1°=1/,013, de 450 a 900 1%=1',009. Este valor precisa ser verificado pondo o instrumento sobre um prato metallico circular graduado, andando para a direita ou para a esquerda um certo numero de divisões e lendo no prato e na escala o numero de minutos e segundos andados. Pela comparação dos dois ar- cos se obtem o valor de uma divisão do arco de marfim. Dimensões dos anneis d'inercia. Diametro externo D. interno Pêso Annel n.º 3.... 2,8352 pol. 2,4630 683,23 grãos » E 24401" » 2,1006. 476,74 » Correcção de temperatura para o magnete B. 6 a 35º F. 0,0001037 (t—) 35 + 0,000000397 (t— 357. Coefficiente d'induccao do magnete B. 6 p== =0,000180, y é augmento que experimenta o momento magnetico do magnete dit acção inductora d'uma força igual á unidade da escala ingleza da me- dida absoluta. A fórmula para corrigir o tempo d'oscillação observado é Ti TA r it) sito 16 (a 1-5 — 0,0001037 (1—35) — 0,000000397 (1 — 38)? )+ 4 = NO OBSERVATORIO DO INFANTE D. LUIZ. 15 T tempo d'uma oscillagào correcto. T! tempo observado. r erro do chronometro. aa! semi-arcos d'oscillação expressos em partes do raio. T } Y 5 coefficiente de torsão. t temperatura do magnete durante as oscilações, æ valor approximado da componente horisontal da força. m valor approximado do momento magnetico do magnete. y coefficiente d'indueção. Applicadas todas estas correcções fica conhecido qual é realmente o tempo que dura uma oscillação. Alem das constantes dadas de Kew, o instrumento tem ainda ou- tras que foram determinadas em Lisboa, que são: o coefficiente de torsão, e o momento d'inercia. Tambem tinhamos determinado o coef- ficiente da temperatura pelo modo que logo diremos, mas sendo o nu- mero obtido um pouco differente do que nos foi dado de Kew, não nos servimos dos nossos resultados porque julgámos mais rigoroso o methodo do sr. Lamont que foi o empregado em Inglaterra. Momento d'inercia. — O momento d'inercia do magnete B. 6 foi determinado empregando os anneis usados pelo sr. Lamont: são dois anneis de cobre torneados com toda a perfeição, já dissemos as suas dimensões € pêso. Momento d'inercia do annel n.º 3 lg. K’ == 0,9224654 » nº 4 lg. K" = 0,6324551 J > 1 3 a formula ndo (r +7") w serviu para os calcular. K' — momento d'inercia do annel. r e 7 -— raio interno e externo do annel. w- pêso do annel. o pega d'inercia do magnete foi calculado pela fórmula 1 K= K', TE Suspenso o magnete por quatro fios de seda sem torsáo fez-se oscillar na caixa já só, já acompanhado d'um, já d'outro annel ; pro- cedeu-se em tudo conforme já explicámos fallando das oscilações. T e T' tempos d'oscillacio com e sem annel. 16 TRABALHOS MAGNETICOS EXECUTADOS Os tempos foram depois correctos pela formula geral, e o valor de K deduziu-se de varias determinações applicando-lhe a correcção da dilatação do aço pela formula K= K' (1 +2 e! 1) e coeffi- ciente de dilatação do aço para um gráo de F. que é — 0,0000065, é temperatura do magnete, ¢ temperatura correspondente ás primei- ras observações. Os resultados da observação e do calculo: foram : Valores de K Com o annel n.° 3........ «2,6964 » . 269435 ». fosse tele 2408 Com o annel- n.º 4. .….0fonlec 9070388 » A ah. ABD 2,703 Valor medio adoptado 2,701126. Lg. K=0,4315455 Coefficiente de torsão. — Para determinar o momento d'inercia suspende-se a barra por quatro fios de seda em consequencia do gran- de augmento de péso devido aos anneis, nos outros casos emprega-se um só fio, por isto foi necessario determinar o coefficiente de torsão para um fio e quatro fios, e com annel ou sem annel. Empregámos 7 H u "+ ‘ y a formula — —-— em que Fé a forca magnetica terrestre, Ha for- i Wu ca da torsão, # a torsão correspondente ao angulo w que é expresso em segundos. Como sabeis determina-se a torsão dando ao circulo de detorsão diversas posições de modo que o fio ou fios de suspensão se torsam mais ou menos na parte superior. A barra suspensa estando actuada por duas forças, a de torsão e a magnetica terrestre, toma diversas posições conforme o sentido e intensidade da torsão. Geralmente dão-se nove posições ao circulo de detorsão, a saber: 0, 90 e 180º á direita, depois desanda-se parando novamente em 90 e 0; continua-se a an- dar para a esquerda onde se procede do mesmo modo. Lé-se a divisão da escala, que coincide com o retículo do oculo, em cada uma das nove posições do circulo a que correspondem outras tantas do magnete; to- mando as médias e applicando a fórmula acha-se o valor do coeffi- ciente de torsão. NO OBSERVATORIO DO INFANTE D. LUIZ. 17 No nosso instrumento empregando annel e quatro fios é E = 0,00149, náo empregando annel == 0,0008 e para um só fio E 0,0002. 4 Temperatura.—O magnetismo é fortemente influenciado pelo ca- lor. Diversos physicos, e especialmente Kuppfer determinaram as leis que regulam a diminuição ou o augmento de força, que uma barra magnetisada adquire, quando a sua temperatura varia d'um gráo, d'a- “qui nasce a necessidade de reduzir as observações á mesma tempera- tura. O coefficiente da temperatura tinha sido determinado no obser- vatorio meteorologico empregando um methodo muito recommendado; mas que ultimamente vai sendo substituido pelo do sr. Lamont. A correcção da temperatura obteve-se fazendo passar o magnete desviante por temperaturas diversas, e observando a sua influencia so- bre o que estava suspenso, para isto o magnete foi collocado no cen- tro dum volume de liquido muito maior que o seu, do modo que va- mos dizer. A operação faz-se n'uma caixa rectangular de cobre, de um de- cimetro d'altura e 2 de comprimento; uma das paredes da caixa 6 furada e dá passagem a um thermometro que deve ser muito sensi- vel, empregámos um dividido em quintos de gráo e com escala sobre O vidro, o reservatório thermometrico deve ficar mergulhado na ca- mada em que se acha a barra para maior rigor da experiencia. Tira- dos os braços do magnetometro collocou-se a caixa de cobre a uma pequena distancia do instrumento e de modo tal que os dois magne- tes ficavam á mesma altura, e o desviante perpendicular ao meridiano magnetico. Para que a temperatura «do magnete mergulhado fosse a média do liquido ficava elle no meio da massa liquida, assente n'uma Peça de latão que fizemos dispôr como uma pinça de dois anneis on- de elle era fixado; assim a sua distancia ao magnete suspenso era in- variavel durante a operação. Cheia a caixa com agua quente, depois de esperar alguns segun- dos para que a temperatura da barra se equilibrasse com a do liquido, lia-se o thermometro, e a direcção do magnete suspenso, leituras que se repetiam algumas vezes para obter médias exactas. Despejava-se de- pois a caixa, empregando um syphão para evitar que o magnete se des- locasse, enchia-se d'agua fria e novamente se observava a posição do magnete movel. As experiencias foram repetidas, já com agua quente Já. com agua fria, e tomou-se a média, como se vé no mappa A. No MEM. DA ACAD.—1." CLASSE T, II, P, II. z 3 18 TRABALHOS MAGNETICOS EXECUTADOS ete voltava á primitiva posição, fe- a experiencia variação notavel, O A falta do bifilar ainda aqui fim da operação viu-se que © magn lizmente não tendo havido durante que pelo declinometro se tinha verificado. a ds agli v? 1 se fez sentir, pois tivemos de empregar a fórmula g—; 7 an t.u vie em vez da verdadeira. q mudança do momento magnetico correspondente à 1º de temperatura a valor do arco da escala, expresso em partes do raio. 4 — ty differença das temperaturas. : n differença das leituras, correcta das variações da declinação. u angulo de desvio correspondente á temperatura mais baixa. >» x O valor da componente horisontal foi achado empregando as fór- n? K y — B. Os resultados obtidos vão consigna- m mulas - == 4 ma = e J dos no mappa B, não apresentando as observações em detalhe por causa da sua grande extensão. Os valores, que apresentámos, não representam rigorosamente O valor da componente horisontal, por isso que nos falta um instru- mento, o magnetometro bifilar do qual se deduz uma correcção que tem alguma importancia como já dissemos ; deve porêm advertir-se, para mostrar quão proximos estão “da verdade, em primeiro logar a uniformidade dos resultados obtidos, e em segundo logar a relação que dade horisontal em Lisboa, ha entre o numero que representa à intensi deduzido das nossas observações, e o que achou o sr. Lamont. Para comparar as nossas observações com às do sr. Lamont foi necessario reduzil-as a unidades de Gauss, isto é, tomar por unidade, em vez do pé, e do grão inglez,'o millimetro e o milligramma. O sr. Hansteen deu ultimamente o coefficiente que póde ser empregado para passar com facilidade das unidades inglezas para as do physico de Goettingue. Suppondo o pé inglez = 304,7945 millimetros e o grão — 64,7659 milligrammas, K’ representa O factor que exprime as uni- dades inglezas em unidades de Gauss. 304,7948 1 x K= SORTI) =2,169128 Le, — 0,3360285. 2 64,7639 Dividindo o numero 4,7481956, que representa 0 valor medio da componente horisontal, pelo coefficiente A’ obtivemos 2,19278 repre- NO OBSERVATORIO DO INFANTE D. LUIZ. 19 sentando a intensidade da componente em unidades de Gauss, numero que pouco diflere de 2,2100, achado pelo sr. Lamont em 1856. Ora a intensidade horisontal náo só varía nas diversas épocas do anno, con- forme o estabeleceu o physico Brown, sendo maxima nos solsticios e minima nos equinoxios, mas as linhas magneticas, que a representam, deslocam-se, segundo as observações de Lamont, de SO para NE. Quanto á intensidade total, que representámos por 9,67681, será em unidades de Gauss 4,36715. Vê-se portanto que apesar de não termos podido dispòr d'um ele- mento do calculo, chegámos a obter resultados importantes para o co- nhecimento da força magnetica em Lisboa. $ A ultima parte d'esta noticia será aproveitada para vos fallar das observações de 5 em 5’ durante quasi dois dias no solsticio do ve- ráo, e das perturbações extraordinarias que tiveram logar nos ulti- mos mezes. O mez de junho foi notavel pelas grandes perturbações que em toda a Europa apresentaram os phenomenos magneticos. Se o obser- vatorio de Lisboa tivesse mais algum pessoal, poderia eu ter agora a satisfação de vos descrever com todas as suas particularidades os phe- nomenos que só incompletamente se poderam observar, visto ter o es- tabelecimento apenas dois observadores. A mais notavel das perturbações foi a do dia 25; o observador que estava de serviço participou para Paris o apparecimento do phe- nomeno e ali passaram a verificar a sua existencia c a seguil-o. Mr. Le- verrier pediu a mr. Airy, director do real observatorio de Greenwich, a curva dada pelos instrumentos registos, e a nós tudo o que soubes- semos ácerca das perturbações, e especialmente a hora da minima de- clinação, que em París e em Greenwich, tinha sido mais cedo que a média. Apenas podemos dizer que ás 7*,54' da manhã a declinação era de 21°,26',1; ás 8" 21°,28/,7 e ás 81,5! 21°,29',7, havendo assim 3/,6 de diflerenca em 11 minutos, N'este dia observou-se em Lisboa, como em Inglaterra, que a inclinação foi mais pequena que a média 6,5. Apresentâmos as curvas de Greenwich e París na est. 1.º No dia 4 de junho a inclinação foi tambem muito pequena, te- ve os mesmos 6',5 de menos que a média. Na determinação da mé- dia mensal desprezaram-se as duas inclinações extraordinarias e evi- dentemente devidas a grandes perturbações. No dia 8 pela manhã a declinação era 21°,31',6 ás 8 horas, dois minutos depois era 21°,29',7; ás 81,86" 21°,18,8; e ás 84,41! 21º,28/7; em 36! de tempo fez de differenca quasi 11’. 3 * TRABALHOS MAGNETICOS EXECUTADOS Se o Governo de Sua Magestade nos désse uma pequena verba poderiamos sem dificuldade ter observações tão completas como as que se fazem em Inglaterra, e nos estabelecimentos russos. Quatro obser- vadores intelligentes e trabalhadores bastavam para fazer um traba- lho, que seria muito importante para a sciencia e honroso para o paiz. Nos dias 21 e 22 de junho tiveram. logar as observações do sol- stício do verão. Esta época é por muitas razões uma das mais notaveis para o estudo do magnetismo, e por isso então em todos os estabele- cimentos se multiplica o numero d'observações. Desde as 6 horas da manhã de 21 até ás 7 da tarde de 22 se observaram as variações de 5 em 5' no magnetometro unifilar, e de meia em meia hora no decli- nometro, Os dois instrumentos coincidiram sempre. As curvas d'esses dias mostram bem a marcha da variação. Teem sido extraordinarias as perturbações magneticas observadas nos ultimos tempos. Em agosto observou-se j Dia 16 ás 8%, 5/m.... . 21.242 » 8 Deco... Zi .25 3 » 20) abajo 21.25,0 » 8809103005102 UPIM » 4 Qua bra aes 21.28,5 » Bi abordant 21.30,5 » SO assa oa. ON Em 22 e 26 perturbacóes menores. Dia 28 ás 8h, 3!m ..... 21°.20',4 » Gagne). 21.21 4 x 915 pubs 21.21,9 » 110220 AA x Idi» 2129 Vas 21.18 ,6 A Dip id I 21 .18,7 A DOANE 21.18,1 * Shi whgiion! 521149 ,6 oof, DADS. bR . 21.40 ,1 » Bida £09.46, oD bls Foi n'este dia que desde as 112,30" n. até ás 2 da manhã de 29 se observou uma grande aurora boreal, que foi vista em toda a Eu- ropa. As perturbacóes ainda continuaram. NO OBSERVATORIO DO INFANTE D. LUIZ. 21 Dia 29 ás 8h 00! m...... 21°.57/,6 » AIRE: a 21.413 » OO: D ra ateh dh 21.32,0 » Ot sat, A 21.28 ,0 » BDFD bees se al » 36. D sr 211001 » OOF Da negati 21.32,6 » OO Wits ds QBS o » ADE AA Ql Gist » de ee a 21.83,1 » AA 2128040 DAS TOAD: dia oh 21.45,6 » AS Ds. 0.8 21.46 “i BPS TAO th 21 .43 ,8 » loan tt. 21:45,4 » DE SE Ra 21 44,7 » Oder, A 21 34057 » SIOE 21.45 ,0 Dia 30 ás 2 t. oscillações de 11,2. Ainda foram maiores as perturbações de setembro do que as de- vidas á aurora boreal d'agosto, tudo leva a crer que houve uma aurora boreal diurna. Dia 9 gs 08 E SU i VAN ONA » 102507» Ob GT 21.22,5 » 25,0» ss. 21 26 ,1 » DONO RENE PR 55, » BEANIE EHN 242775 » 35 ,0».. ld » Le URES 21.4750 » 49,044 1 Ab. 21.43,3 » UU 21.8957 » RL bose 21.40 ,2 » DS aN ias aya 21 .45.,2 » DD AA 214507 » DISSI 21.38 ,7 » SEA het 21,34,7 » DO GU Dis ves 21.34,7 TRABALHOS MAGNETICOS EXECUTADOS Dia 2 As dE BT Ot 20 166 08 2408717 » Bil sD as G Ale 21.407 NC. OO Usa > le A » 20e de 21546:,7 » . Pelee Mele HAT » Stee aa e bat! » 3 D se VA» 250) rib » 4,018, Vl IVES » 4 Douce A 260000 » DAT Ur Re 12021 » 6,,0 57e anaes DIET » TD 0. 64 DR TO 32 » 8 0 Drs... 21.50 nif i » D Do. e Dedo CIO » PESE BL Led 0 » 12 0506 os Der » 15,0 Desa ee 91.54 ,2 » 15,,5.9... ne. MELEN Nos dias 3, 5, 6, 13, 15,17 e 24 as perturbagóes continuaram, vendo-se em Lisboa no dia 24, uma aurora boreal, que tambem foi vista em Dijon. No presente mez, ainda que menores, às perturbações teem con- tinuado, tendo havido uma outra aurora, que parece ter sido vista em Lisboa. ; Finalmente tenho a honra de vos apresentar as curvas d'estas perturbações, que tracei para melhor se fazer idéa da marcha do phe- nomeno. Est. 2.º Taes são, senhores, os trabalhos, de que tenho a dar-vos noticia, Lisboa, 20 de outubro de 1859. : MAPPA A DIA 28 DE ABRIL EXPERIENCIAS PARA DETERMINAR A CORRECÇÃO DE TEMPERATURA d n 4 a > TNT: a == 2,40 TEMPERATURA DECLINOMETRO UNIFILAR HORAS TRL MÉDIA LEITURAS | MÉDIA NA MÉDIA ENA H.M. 0,53 | 100,4 0,0 781,9 98,96 | 99,20 0,0 782,0 | 782,0 |782,0 98,24 0,0 782,1 34,26 —0,04 3,35 à bd 64,94 0,0 785,3 64,94 | py of —0,05 , 785,5 | mou se | mor gg 64.94 64,94 —0,08 —0,04 788,5 785,45 | 785,35 64,94 — 0,05 785,5 51,56 0,0 4,83 1,20 | 419,30 0,0 780,4 DANS RO y aa 0,0 y TOA been ke 116.06 116,50 +005 0,04 780.5 780,42 | 780,52 114,80 +0,1 780,6 51,92 | 0,06 5,07 1,32] 64,58 0,1 785,2 64,08 | as va 0, 785,4 vor on | vos HE 64.58 64,58 01 0,1 785,4 785,35 | 785,59 64,58 0,1 785,3 1,45 | 62,05 0,0 450,0 137,74 13,25 Média (t—t°) 45,91 Média (n) 4,42 t—1°=45,9 -4'=— 0,0002909 : 89,48) n==4°,42 q=0,000181 pelas médias de todas as differencas. = 0,000183 pela differença 5,07 para 51,92 do tempo. =0,000183 » 3,35 » 34,26 » As temperaturas, observadas n'um thermometro centigrado, foram reduzidas a grãos de Farenheit, A distancia dos magnetes era 1,2 pé. MAPPA B INTENSIDADE MAGNETICA RESULTADOS DAS OBSERVAÇÕES FEITAS PARA DETERMINAR O VALOR DA COMPONENTE HORISONTAL DA FORGA MAGNETICA TERRESTRE i bo 2 3 dota à « Pe slum a LOG. E TRE alae eel SE ÉPOCA È E 2 a Ef Z DOS senos | LOG. pemg | LOG. pe © NDE Mea aR 3 E 2 S 5 E ae zo E |pru,w,ul ta DETIN DEM |&°Z5) & 2 E Eo a ; £ A © E < 1,5 | 8.7460937 8.97266871 | 0,447646 | 4,76724 Maio 27 ....|63,5 | 3//,8348 | 1,7 | 8.5840946 | 0.32920277 | 8.97228488 | 0,447449 | 4,76935 | 4,76865 | 9,7291 2,0 | 8.3723019 8.97228358 | 0,447448 | 476936 1,7 | 8.8813499 8.9694007 | 0,446140 | 4,78448 Junho 18... .| 68,4 | 37,8333 | 2,0 |8.3706726 | 0.32930076 | 8.9694774 | 0,446140 | 4,78439 | 4,78440 2,3 | 8.1886206 8.9696552 | 0,446146 | 4,78435 9,69214 1,7 | 8.5816268 8.9796467 |0,45071 |4,72335 Junho19....[68,7 |3/,53834 | 2,0 | 8.3693200 | 0.32814536 | 8.9796564 |0,45071 | 4,72330 | 4,72331 2,3 | 8.1879356 8.9796326 | 045070 | 4.72340 4,7 | 8.879773 8.9776473 | 0,449134 | 4,72852 Julho 18....] 79,9 | 3!’,84304 | 20 | 8.3686516 | 0.3270990 | 8.9776362 | 0,449125 | 4,72858 | 4,72858 2,3 | 84873154 8.9776271 |0,419120 | 4.72863 9,62543 1,7 |8.5806903 8.9799154 |0,45081 |4,72150 Julho 17....] 77,66 | 31,5394 | 2,0 |8.3692314 | 0.3280728 | 8.9799079 |0,45081 | 4,72180 | 4,7216 2/3 | 84881799 8.9798780 |0,45079 |4,72160 1,7 | 8.8778862 8.9791548 |0,44993 | 4,72098 Agosto 20. ..| 79,5 | 3/,54252 | 2,0 | 8.3667667 | 0.3271892 |8.9791407 |0,44992 |4,72105 |4,72109 2,3 | 8.1862621 8.9791025 | 045041 |4,72126 9,63471 1,7 | 8.5808514 8.9759597 | 0,448098 | 4,73601 Agosto 22. ..| 79,0 |3/,54429 | 2,0 | 8.3697820 | 0.3267859 |8.9759542 | 0,448096 | 4,73604 | 4,73605 2,3 | 8.1883363 89789462 | 0,4480914 | 4.73609 1,7 | 8.5790794 8.96893478 | 0,44387 | 4,76787 Setembro 20. | 70,38 | 3,5492 | 2/0 | 8.3686131 |0.3255833 | 8.96894322 | 0,44387 | 4,76782 | 4,76786 2,3 | 81867837 8.96885588 | 0,44383 | 4,76783 o GM "suona 12,0 | 8.3682819 | y goryago | 8-96986298 | 0,444469 | 4,76414 | y 76443 | 970271 a 70,25 | 3",54941 | 3'3 | e 1863035 | 03285332 | 896956704 | 0,444170 | 4,76412 | 170413 CA Seco) 2,0 | 8.3668835 | oo. 8.96830202 | 0,443065 | 4,76393 |, ose Setembro 22, [70,35 [3,5539 | 5°s | 1880844 | 03244340 | 8196903650 | 0,443340 | 4,76100 | 76246 Temperatura — temperatura média do magnete durante as oscillacóes. As observações reduzem-se a 35º F. Numero d’oscillagdes — em cada observação contam-se 190 oscillações antes das experiencias dos desvios, € outras tantas depois. O tempo — está correcto da temperatura, arco, torsáo, erro do chronometro e acção inductora terrestre. Distancias — as distancias do magnete suspenso ao que está fixo são contadas dos centros dos magnetes; para facilitar os calculos servimos-nos das mesmas distancias em todas as observações, e são 1,7... 2,0... 2,3 pés inglezes. m — momento magnetico do magnete desviante. u. u'. wu’, —angulos de desvio do magnete suspenso: estão correctos da temperatura e erro do arco. a — valor da componente horisontal da força magnetica terrestre. . (a) Os resultados das observações feitas em 21 e 22 de setembro á distancia 1,7, foram despresados, por assim se julgar conveniente. ie Est. e G von ibovcoes de À unho ço is SN X 91019" 57 sr zh | | s7 gh — Greenwich lempo medio do logar Vane” X 5 aves de m. do logar 4a UT gh 756° 930 g © a SÍ . VE 25) Era mee ~ ) Veveincors Dimma da decimação no Solotieve Do verão de 1899 of 1 2 3 4 > 6 7 8 9 10 11 12 15° 14 15 16:17. io 19 20 21 22 23 24 | | | | EE LI | | [1 ES | | ¡RES | EN Kg | | | 21.40 + HHH | {| | aaa y | LI | tal a desde 4 | | | Le | | f Et P | | i | È I | | ! | | 4 + + | E | | | | 36 HA i EE I È ie Riza n BREE il aS q TTT TY | | HH | | p= | i by | 94 ier ELE | | CEE [| HE | E aa | | | 2, e aa Ea dl E estara E E y PISA as o a LL, PERA = E 1 PR aD El | LI | | | a ES e Da | E | | | | IEEE 30 ry \ i 28 | | | 26 | ( A 0 5 ) h ) / h Que 24 de ju nho Mie 20 de 18/0 24h e 994d 0% Tn (e TC AR edu acces ma que reos k SA) E E T EA N 140" 50 2 mw y 21056] À - É 21151 | E ‘ || | 2 de Sotembie nu I anas LI | CITE E | |] 91% HAE EE | : | | n 21036 E | | j HY DT \ E “ge digit | ent | Cea EEE È 21°26 4 y À \ 2 de Soternbrs Pt ah A 91016 7 7 - ll € E A 980 A quot Fie SO 1 | Ú | | | ANATOMIA PATHOLOGICA SY MPTOMATOLOGIA FEBRE AMARELLA EM LISBOA MEMORIA APRESENTADA Á ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA EM JULHO DE 1860 Pelo seu socio efectivo DR. PEDRO FRANCISCO DA COSTA ALVARENGA MEDIGO DA CAMARA DE SUA MAGESTADE, DO HOSPITAL NACIONAL E REAL DE S. JOSÉ E DA SANTA CASA DA MISERICORDIA DE LISBOA DIRECTOR DO HOSPITAL DO DESTERRO REDACTOR DA GAZETA MEDICA DE LISBOA MEMBRO DE VARIAS SOCIEDADES SCIENTIFICAS NAGIONAES E ESTRANGEIRAS, ETC. ETC. Labor improbus. No dia 9 de setembro de 1857 começava a lavrar na cidade de Lisboa a tremenda epidemia de febre amarella, de que vamos dar no- ticia, quando acudímos ao nosso posto. Do hospital de Sant'Anna, cuja direcção estava a nosso cargo, saíra, havia apenas nove mezes e vinte dias, o ultimo doente que en- trára atacado de cholera-morbus ; foi o mesmo hospital que recebeu os primeiros individuos acommettidos pelo morbo epidemico, que in- vadia a cidade pela segunda vez. Ali permanecemos até o fim de ou- tubro, Outros hospitaes provisorios, mais pequenos, se estabeleceram em differentes localidades da capital. Mas dilatando-se rapidamente a área da epidemia, apropriou-se o grande edificio do Desterro, outr'ora con- vento dos frades bernardos, para hospital especial, que começou a func- cionar em 2 de outubro. Fomos convidados para dirigir este hospital, cuja população me- dia foi, no apogêo da epidemia, de 300 doentes, sendo o numero to- tal d'estes de 2514 até 24 de dezembro, dia em que se considerou extincta a doença reinante. Conheciamos a graveza do cargo, que so- bre nossos hombros ía pesar; com tudo não cabia no caracter de um medico, conhecedor dos seus deveres, recusal-o em tão calamitosa qua- dra. Uma razão de força maior nos compellia a aceitar mais esta mis- são honrosa, que sempre reputámos superior ao nosso merito. E para supprir, em parte ao menos, a mingoa de nossas forças, abandonámos a propria casa, e fixámos nossa residencia no hospital do Desterro, aonde, de face a face com o inimigo, ser-nos-hia menos difficil frus- trar-lhe os ataques, soccorrendo noite e dia as infelizes victimas de tão horrivel flagello. Ar Y — A’ testa dos dois mais populosos hospitaes de febre amarella, ti- nhamos diante um largo campo d'observação, que arroteámos quanto podémos, conjunctamente com os nossos illustres collegas !, que tanto esplendor deram ao hospital, onde prestaram assignalados serviços du- rante a grande tormenta que comnosco correram. No meio de tanto trabalho tivemos a satisfação de ver o hospi- tal do Desterro quasi convertido em uma escola pratica, pelas inves- tigações e estudos que ali se faziam sobre a doença epidemica, sendo - frequentado não só por muitos dos nossos mais distinctos collegas, como tambem pelos medicos estrangeiros ?, que vieram observar a epidemia, pelo que se tornaram dignos de louvor. N'esta memoria se acham referidos os resultados de nossos esforços combinados. Indicámos tambem os pontos d'analogia d'esta epidemia com a da mesma especie, que pela primeira vez appareceu na Europa, ve- xando Lisboa no anno de 1723, e cuja descripção nos legou Simam Felix da Cunha. Uma paridade importante omittimos, que muito folgâmos de aqui consignar. Alludimos á magnanimidade dos monarchas das duas épo- cas. José Rodrigues de Avreu, medico d'el-rei D. João v, depois de commemorar a constituição pestilencial de Lisboa em 1723, expri- me-se'n'estes termos : « Acudiu-se com brevidade a este ameaço, e com bom successo, que se deveu primeiramente á compaixão divina, e depois á providen- cia e piedade do nosso augusto monarcha o muito alto e muito pode- roso rei o senhor D. João v, pois com summa liberalidade, propria do seu grande animo, mandou assistir n'estas occasides a todos os enfer- mos com medicos, cirurgiões, botica, visita-los com dinheiro, e final- mente acudindo-lhes com tudo o de que necessitavam, encommendan- do muito particularmtnte a pessoas suas confidentes este cuidado, que se executou com desempenho sem attenção a qualquer despeza, o que testemunhámos de vista, pois tivemos a honra da assistencia dos en- fermos d'algumas d'estas constituições: que se remedeavam com faci- lidade. » Decorridos cento e trinta e quatro annos, em uma epidemia ana- loga e na mesma cidade, a coragem e caridade do nosso joven monar- cha, o senhor D. Pedro v, nada tiveram que invejar á munificencia de el-rei D. João v. 1 Os srs. drs. May Figueira, Gaspar Gomes, Loureiro, Theotonio da Silva, e Corrêa. 2 Os drs. Guyon e Suquet, francezes, e Lyons, inglez. — y — Era sublime contemplar como o chefe do estado, longe de des- emparar seus vassallos, procurava os fócos da epidemia, e em táo ar- riscada conjunctura, junto do leito da dor consolava o desgraçado en- fermo, incutia-lhe animo e o aconselhava que se resignasse. Ninguem viu entáo o soberano que se não edificasse. A visita que el-rei, o senhor D. Pedro v, se dignou fazer ao hos- pital de Sant'Anna, interrogando um por um todos os doentes sobre seus padecimentos, não póde jámais esquecer. O habil pincel, que em aprimorado painel representou aquella visita d'el-rei, acompanhado pelo seu ajudante d'ordens, pelo interno de serviço no hospital, pelos enfermeiros e por quem estas linhas es- creve, não pôde, não podia, pintar com côres assás expressivas uma scena tão pathetica !. Varias circumstancias, que não vem para o caso mencionar aqui, cooperaram para retardar a composição d'esta humilde memoria que hoje offerecemos á Academia, contando com a sua benevolencia, pois conhece quam improbos são os trabalhos d'esta ordem, em que ha mister preparar e manusear quadros estatisticos, que representem ri- gorosamente a verdade dos factos: «Les embarras et les peines ne s'a- perçoivent en chacune science que par ceux qui y sont entrés» (Mon- taigne). Julho de 1860. i Foi o sr. O” Sullivan, ministro dos Estados Unidos, quem, com previa licença de el-rei, mandou fazer este quadro. Seria ocioso mostrar a importancia da anatomia pathologica. Sem o conhecimento das alterações produzidas nos solidos e liquidos do or- ganismo náo póde fazer-se o diagonostico exacto de uma doenca; e sem diagonostico náo ha prognostico nem therapeutica rasoavel, alvo a que devem dirigir-se todos os esforços do medico. Mas essa importancia ainda se torna mais sensivel, sob certos pontos de vista, quando se trata de uma epidemia. Supponhámos que em uma localidade, em que se suspeita a explosão de uma molestia epidemica, succumbe um individuo, cuja doença não foi observada; não convirá á auctoridade sanitaria determinar se foi um caso da epide- mia, cujo desenvolvimento se receiava, para empregar a tempo todas as medidas tendentes a vedar-lhe o progresso? E ainda quando os doentes são submettidos ao exame medico, que de erros se não com- mettem em quanto não apparecem as luzes da anatomia pathologica ? | Por este motivo entendemos dever ser minucioso n'este estudo, des- crevendo departidamente todas as alterações, que se ofereceram ao nosso exame. Servem de base 4 descripção, que vamos dar da anatomia patho- logica, 63 autopses, cujos: resultados foram logo lançados, ao passo que as íamos praticando, nas respectivas papeletas dos doentes que se recolheram, atacados pela epidemia, no hospital do Desterro e no de Sant'Anna, cuja direcção nos foi confiada. Convem advertir que abrimos para cima de 200 cadaveres, e que as 63 autopses de que fallâmos, foram feitas umas no principio da epidemia, outras no seu maximo de intensidade, e as ultimas na sua declinação e terminação. Louis, um dos medicos mais distinctos da França, e a quem ain- — vw, da nenhum excedeu no genio observador, descreveu a anatomia pa- thologica da febre amarella de Gibraltar em 1828, fundamentando-a em 23 autopses. Tendo nés praticado um numero de autopses muito superior a este, esperámos representar com exacção o quadro anato- mo-pathologico da febre amarella de Lisboa em 1857. São 63, como dissemos, as autopses sobre que principalmente se funda a descripcáo que vamos fazer d'esta parte da historia da febre amarella em Lisboa. A duração da doença, o tempo que mediou en- tre o obito e o exame necroscopico, assim como a constituigào e ida- de dos doentes, variam muito nos casos, que fazem objecto especial do nosso estudo, o que náo deixa de ser importante n'esta ordem de tra- balhos. Na duração da doença admittimos cinco periodos: o 1.º compre- hende o espaco de dois a tres dias; n'este periodo succumbiram 3 dos 63 doentes sujeitos á necropse; o 2.º periodo abrange o espaço de tres a sete dias; aqui fizemos 27 autopses ; o 3.º diz respeito aos doen- tes que falleceram no segundo septenario; foram 25; o 4.º periodo, | E vai de quatorze a trinta dias; n'este praticámos 6 autopses; no 5.º e ultimo periodo entram as autopses feitas em individuos, que viveram mais de trinta dias, tendo sido victimas ou dos resultados da febre amarella, ou de doenças intercurrentes; contam-se aqui apenas dois casos. Foi, pois, no 2.º periodo de duração da doença que se praticou o maior numero de autopses |; seguiram-se a este, em ordem decres- cente, o 3.º periodo *, 0 4.º º,0 1.º! e 0 5° % Em quanto ao intervallo do obito á autopse, considerámol-o di- vidido em tres periodos; no 1.º entram as autopses feitas no espaço de 6 a 12 horas depois da verificação do obtito; é o maior numero como era de esperar, visto que de ordinario a putrefaccáo tem lugar rapidamente *; no 2.º periodo incluem-se as autopses praticadas 12 a 18 horas depois do obito”; o 3.º comprehende o espaço de 18 a 24 horas, em que bom numero de cadaveres foram submettidos ao nosso exame *. Advertimos que poucas autopses foram feitas 24 horas de- pois do fallecimento dos doentes, e nenhuma alem d'este praso. 1 27 sobre 63 casos ou na razão de 1:2,33. 2 95 sobre 63 casos ou na razão de 1:2,52. 3 6 sobre 63 casos ou na razão de 1:10,50. 4 3 sobre 63 casos ou na razão de 1:21, 5 9 sobre 63 casos ou na razão de 1:31,50. 6 97 sobre 63 casos ou na razão de 1:2,3. 7 14 sobre 63 casos ou na razão de 1:4,5. 8 99 sobre 63 casos ou na razão de 1:2,8. — IX — Em relação á constituição, ver-se-ha que todas forneceram o seu contingente, sendo a maior parte dos individuos de mediana consti- tuição *; um grande numero de constituição forte ?; e poucos fracos *. Estas circumstancias acham-se resumidamente expostas no seguinte QUADRO DAS AUTOPSES BM RELAÇÃO COM A DURAÇÃO DA DOENÇA, ÉPOCA DA AUTOPSE E A CONSTITUIÇÃO INTERVALLO DURAÇÃO DA DOENÇA DO OBITO CONSTITUIÇÃO À AUTOPSE TR rr A | a NUMERO DAS AUTOPSES SETA TA e DI ET MR DC ER VERRA A NS aliante. o oS E © o E cS a = 3 © 5 oo + Sf Pi A IE [oy das | y ga) È aa a a. a a eis e 3 q a Q + |O a | 0 | S £ ala lia de | oe to || | Reet LA 63 3 | 27 | 25 | 6 2 | 27 | 14 | 29 | 90 | 34 | 9 Pelo que diz respeito a idades e a sexos, temos a notar que hou- ve bastante variedade relativamente ás primeiras, e que ambos os se- xos deram seu contingente. Foi a idade de maior vigor e o sexo mas- culino que ministraram maior numero de individuos ao exame necros- copico. Effectivamente, a maior parte das autopses foi praticada na idade de 25 a 35 annos *; depois na de 12 a 25 annos *, seguindo- se em escala descendente os periodos comprehendidos entre 45 a 60 annos*, 35 e 45 annos”, 60 e 70 annos*, e de 70 annos para cima °, As autopses no sexo masculino foram quasi em numero duplo das do sexo feminino !!, como se vé no seguinte 1 34 sobre 63 e, * 20 sobre 63 e 3 s ou na razão de 1:1,8 sou na razão de 1:3,1 ` 9 sobre 63 casos ou na razão de 1: * 22 sobre 63 casos ou na razão de a 4 sobre 63 casos ou na razáo de i: Sobre 63 casos ou na razáo de is 7 8 sobre 63 casos ou na razao de 1: q di 13 ra O SI co = USE 90 a = © 87. 78. e $ 4 sobre 63 casos ou na de 9 3 sobre 63 casos ou na de 10 44 sobre 63 casos ou na to de 1:1,53. 11 22 sobre 63 casos ou na razão de 1:2,86. MEM. DA ACAD.—1." CLASSE T, 11. P. 1. > È to = QUADRO DAS AUTOPSES EM RELAÇÃO COM OS SEXOS E IDADES SEXO IDADE ~~n) Oe r Supe (i Sie s n x kg e NUMERO DAS AUTOPSES £ A a a = El e al aa) Seles] R s o e a e Li a o = A 20 20 20 my © G [=] g a Del + o n $ A ‘E a æ GJ æ G] a | at | ary a RI) = E += N n > o a 63 AT 1:22 MT 20 So 9-14 3 Houve, portanto, um campo bastante extenso e variado para a investigação dos factos que constituem a base d'esta parte tão ardua quanto interessante da historia da febre amarella. Para facilitar a confrontação dos factos confeccionámos um qua- dro geral, em que apontámos as alterações dos differentes orgãos. Este quadro foi decomposto em muitos outros que mostram à relação, tanto das differentes alterações do mesmo orgão, domo das alterações dos differentes orgãos entre si. Tencionando traçar a descripção dos symptomas da febre ama- rella, que se propagava na capital, dirigimos desde o começo da epi- demia a nossa observação com este intuito. Para traduzir com a maior fidelidade possivel os phenomenos morbidos, tomámos os apontamen- tos necessarios tanto na clinica official, já nos dois hospitaes cuja di- recção nos estava commettida, já na freguezia da Pena na qualidade de sub- delegado do conselho de saude publica do Fa como tambem na clinica particular. Nos hospitaes escreviamos á cabeceira dos doen- tes, nas respectivas papeletas, os symptomas que elles apresentavam á eS que faziamos pelo menos duas vezes por dia. A segunda parte d'esta memoria, ou symptomatologia, póde con- siderar-se subdividida em outras duas partes; na primeira descreve- mos os symptomas, distribuindo-os pelos tres periodos, que admitti- mos na doença, e na segunda tratámos em particular de cada um dos symptomas principaes. No texto da memoria vão indicadas as origens, onde fomos buscar a materia expendida, quando esta nào foi o resul- tado de nossa observação immediata. MEMORIA SOBRE A ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA Tap» a Terra» DEET M IEIET o ASIN PRIMEIRA PARTE ANATOMIA PATHOLÓGICA CAPITULO I Mabito externo. CÓR GERAL DA PELLE ; PINTAS; LARGAS MANCHAS; RIJEZA CADAVERICA ; PUTREFACCAO ; ASPECTO GERAL DO CADAVER, LE Côr geral da pelle. Os cadaveres estavam cobertos de amarellidão, mais ou menos cla- ra, mais ou menos carregada. Em geral a amarellidio da pelle era mais pronunciada na parede antero-lateral do thorax e do abdomen; na face, principalmente nas conjunctivas; e em ultimo logar nos mem- bros, sendo maior nos superiores, e, tanto n'estes como nos inferiores, MEM. DA ACAD.— 1.º CLASSE—T. II, P. II. 1 2 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA. mais clara no lado interno. Algumas vezes as conjunctivas apresen- tavam manchas, mais ou menos elevadas, ordinariamente de um ama- rello mais carregado do que aquelle que tingia o resto da membra- na; eram os vestigios de ecchymoses. A amarellidào peripherica era um phenomeno quasi constante, mesmo em casos em que se náo ma- nifestára em vida dos doentes, tornando-se então patente sómente post mortem, o que teve logar não poucas vezes. Foi por extremo raro dar-se o inverso, isto é, desvanecer-se a côr amarella da pelle á medida que a doença progredia para a termina- ção fatal, do que tivemos um frisante exemplo no ultimo doente, cuja autopse fizemos. Observámos então que a amarellidão geral da pelle, que era muito pronunciada á entrada do doente (já com suppressão completa das urinas) no hospital do Desterro, foi desmerecendo ao pas- so que se repetiam as hemorrhagias e o vomito negro; a pelle do ca- daver estava descórada; parecia ter pertencido a um individuo ane- mico. Convem ainda notar que aquella côr se mostrava por vezes li- mitada a tres, duas ou a uma parte do corpo; as conjunctivas, mor- mente perto do angulo interno e junto da prega oculo-palpebral, pa- receram-nos ser a sua séde de predilecção. Nas 63 autopses encontrámos a amarellidáo geral da pelle e con- junctivas em 46 casos, ou na rasão de 1:1,32; a amarellidão parcial 7 vezes, ou na rasão de 1:8,71; e houve ausencia de cor amarella em 10 casos, ou na rasão de 1:6,3. D'aqui se infere: 1.7 Que a amarellidão da pelle foi um phenomeno muito trivial nos cadaveres de febre amarella, vistoque se apresentou na rasão de 1:1,18, ou proximamente 84 sobre 100 casos ; 2.º Que a amarellidäo geral foi muitissimo mais frequente que a parcial ; 3.º Que a amarellidão peripherica não foi um caracter constante da febre amarella, sendo. comtudo raro que ella faltasse. II. Pintos: largas MANTAS negros. Aindaque a pelle do cadaver fosse, geralmente, amarella, ella apre- sentava tambem todas as especies de nodoas que a manchavam em vi- da, conservando estas a mesma fórma e a variedade de côr. Assim viam-se em differentes partes, e com especialidade na face anterior do DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 3 tronco, as ecchymoses, petechias, manchas arroxeadas, assentando so- bre um fundo mais ou menos amarello. Ás vezes as pequenas nodoas ou pintas, tocando-se pelos bordos contiguos, formavam largas man- chas, que deixavam ver pontos centraes da côr geral da pelle. Houve outras manchas, de fórma irregular, negras em toda a sua extensão, mostrando não serem, como aquellas, o resultado do gru- pamento de pequenas manchas ou pintas. Effectivamente, nos doentes sempre as observámos, com este aspecto, manifestando-se desde o co- meço com a mesma côr uniforme, e estendendo-se depois, ordinaria- mente por um só lado, pela superficie cutanea, tornando-se d'este mo- do maiores, ou desmerecendo por outro lado até assumir a côr ama- rella, perdendo por esta parte o que adquiriám por outra; n'este ul- timo caso, a mancha vinha a abranger, passado certo tempo, uma área igual, pouco mais ou menos, á que tinha no principio, postoque em differente região. De ordinario no cadaver, como no vivo, havia uma só d'estas largas manchas, de 2 a 12 pollegadas de diametro, occu- pando de preferencia a face antero-lateral do thorax. Os casos mais notaveis, que observámos durante a epidemia, fo- ram quatro, sendo dois em mulheres, uma no hospital de Sant’ An- na, outra na clinica civil. Em cada uma d'estas doentes a mancha ne- gra estendia-se horisontalmente da base da margem anterior da axil- la direita e parede lateral do thorax até ao sterno, cobrindo a maior parte da mamma. Outro caso deu-se em um homem (da 4.º enferma- ria do hospital do Desterro), no qual a nodoa começou exactamente pela mesma região (antero-lateral direita do peito), mas foi alastrando de- pois para o lado esquerdo do thorax e para o abdomen, desvanecen- do-se até desapparecer inteiramente na região de sua origem, de. sorte que na autopse, praticada 12 horas depois do falecimento, no dia 25 de dezembro, a mancha cobria parte da parede esquerda do peito, terço inferior do sterno, e grande parte do abdomen, podendo ser limitada por uma linha, que da parte inferior da margem posterior da axilla esquerda se dirigisse por cima do seio, descrevendo uma ligeira cur- va, para o terço inferior do sterno, d'aqui para a duodecima costella direita, d'onde descrevesse uma curva, de convexidade inferior, para o lado esquerdo do ventre, a duas pollegadas da linha mediana, e se elevasse d'aqui pelo abdomen e lado esquerdo do peito até o seu pon- to de partida, Na parede abdominal a côr da mancha era menos car- regada que no thorax, e n'este, á direita da mancha, havia uma pe- ui À quena superficie, formada de pintas, umas arroxeadas (as mais inter- nas), outras de um amarello carregado, cada vez mais claro para fó- 1« 4 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA ra, e perdendo-se na côr geral do tegumento. Não podia conhecer-se na proximidade da axilla direita vestigios da mancha negra primiti- va, observada em vida. O quarto exemplo vimos no hospital de San- t Anna, em um desgraçado ancião, cujo escroto se fez todo annegra- do. Convem não perder de lembrança que estas manchas occupavam a superficie superior do corpo, e que em nada se assemelhavam aos livores das partes declives dos cadaveres, e que, pelo modo por que em vida desappareciam, indicavam a sua identidade com as ecchymo- ses. Notaram-se ainda na pelle saliencias e soluções de continuidade, ás vezes ensanguentadas, produzidas por tumores e feridas de toda a casta, Alem da amarellidio, pintas, largas manchas negras, e lividez cadaverica nas superficies inferiores, a pele, junto das aberturas na- turaes e nas mãos, apresentava-se muitas vezes tinta de sangue e de substancia negra do vomito ou das dejeccóes intestinaes. As differentes especies de pintas foram notadas sómente em 13 das 63 autopses, ou na rasáo de 1:4,53, sendo a maior parte d'ellas, 7 sobre 13 casos, encontradas nos doentes que succumbiram no se- gundo septenario, como mostra o seguinte quadro : MANCHAS OU PINTAS DA PELLE EM RELAÇÃO COM A DURACAO DA DOENÇA DURAÇÃO DA DOENÇA EM DIAS. TOTAL DOS CASOS = N ee | Dalia 7 a 14 14 a 30 13 4 7 2 Haveria alguma relação entre a existencia das manchas ou pin- tas e a substancia negra ou sanguinea do estomago e intestinos, e a constituição dos doentes ? Do mappa geral extrahimos o quadro seguinte, pelo qual se vé que 11 dos 13 casos de pintas na pelle coincidiram com a presença da substancia negra ou sanguinea no estomogo e intestinos, o que pa- rece mostrar uma grande disposição hemorrhagica n'esta doença, tan- to pela pelle, como pela mucosa gastro-intestinal. Emquanto á cons- DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 5 tituição individual, esta não pareceu ter influencia sobre a frequencia da hemorrhagia cutanea, porquanto a maior parte deu-se na constitui- ção media (7 sobre 13), depois na fraca (4 sobre 13), e em ultimo lo- gar na forte (2 sobre 13). PINTAS OU MANCHAS DE PELLE EM RELAÇÃO COM A SUBSTANCIA NEGRA OU SAN- GUINEA DO ESTOMAGO E INTESTINOS, E COM A CONSTITUIÇÃO DOS DOENTES CASOS É pù SUBSTANCIA NEGRA | SUBSTANCIA NEGRA CONSTITUIÇÃO i ou ou MANCHAS DA SANGUINOLENTA SANGUINOLENTA <——á— ——— PEER DO ESTOMAGO DOS INTESTINOS FORTE MEDIA FRACA 13 114 ME 2 7 4 Rijeza cadaverica, putrefaccio; aspecto do cadaver. y 1 > 1 Manifestaram-se, em geral, com rapidez; porêm houve n'isto bas- tante irregularidade. Vimos forte rijeza 6 horas depois do fallecimen- to, e a putrefacção ao cabo de 12 horas !. Como os doentes jaziam ordinariamente em decubito dorsal, era nesta posição que encontravamos as mais das vezes os cadaveres, com a face inclinada para um dos lados; ventre deprimido, membros su- periores ordinariamente em pequena flexão, os inferiores estendidos, ou com as pernas ligeiramente curvas, os pés em forte extensão so- bre as pernas, em adducção e com o bordo interno em plano mui- to superior ao do bordo externo, de sorte que as plantas dos pés fi- cavam voltadas uma para a outra; a pelle coberta de amarellidão, muitas vezes pintas, largas manchas annegradas, e as mãos tintas de sangue. Palpebras separadas mais ou menos, e ás vezes tambem tin- tas de sangue, conjunctivas amarelladas, labios entreabertos, estando ! Nas autopses temos indicado tres graus de rijeza cadavericà (grande, mediana, fraca) como se verá no mappa geral. 6 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA o intérvallo cheio de sangue coagulado ou de materia negra, appare- cendo o rasto d'esta substancia de uma das commissuras para o an- gulo da maxilla; as visinhancas das narinas, dos ouvidos, o anus, a vagina, urcthra, manchadas todas estas partes de sangue. Tudo isto dá aos cadavares dos casos typos de febre amarella um aspecto particular e asqueroso. CAPITULO II Apparelho muscular, Infiltragiio sanguinea, hemorrhage, Os musculos, sarcolemas e os seus aecessorios, tendões e apone- vroses, não apresentavam, na generalidade dos casos, alteração alguma; estabelecida a rijeza, as saliencias musculares desenhavam-se perfeita- mente, representando ainda muitas vezes as fórmas elegantes do athle- ta. Vimos comtudo um caso notavel, em que o tecido connectivo ou cellular ambiente e interfibrillar dos musculos do thorax estava in- filtrado de pus; mas á febre amarella tinha-se juntado uma erysipela gangrenosa do braço direito, da qual o doente foi victima. Uma vez observámos os musculos peitoraes do lado direito infiltrados de san- gue escuro, em parte coagulado ; em outro caso, o sangue de uma he- morrhagia, feita debaixo do musculo grande peitoral esquerdo, tinha-o dissecado, e passando por baixo da’sua margem inferior, tornou-se subcutaneo, parecendo o tumor ser um abcesso, mas pela incisão saíu muito sangue escuro e não pus; foi este facto observado em um doente do Desterro. Afóra estes casos excepcionaes, os musculos pareceram es- tranhos á influencia morbifica, e quando postos a descoberto, e incisa- da transversalmente parte de suas fibras, estas manifestavam bem a sua retractilidade. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 7 CAPITULO III Apparelho cerebro-espinhal. MENINGES ; ENCEPHALO ; MEDULLA ESPINHAL; NERVOS. Mewinges, còr, mieccio, infiltração serosa, Dura-mater normal, ás vezes ligeiramente amarellada, com as ramificações vasculares muito salientes; pia-mater em muitos casos con- gestionada; serosidade infiltrando o cellular sub-arachnoideo, ou reu- nida em maior ou menor quantidade na cavidade da serosa: isto ve- rificou-se muito mais frequentemente no encephalo do que na medulla espinhal. i Do quadro seguinte, em que indicàmos o numero de congestões das meninges, tanto encephalicas, como espinhaes, comparando-os, sob o ponto de vista de sua frequencia, com a duracáo da doenca e epo- cha da autopse, se infere : 1.7 Que as congestões das meninges encephalicas foram muito mais frequentes (25 sobre 63 ou na rasão de 1:2,52) que as das me- ninges espinhaes (8 sobre 63 ou 1:7,87); 2.º Que a maxima parte das congestões, tanto encephalicas como espinhaes, se verificou no periodo de 7 a 14 dias de duracáo da doen- ça t; depois foi no de 3 a 7 dias °, no de 14 a 30 *; e em ultimo logar, quando a doenca durou alem de 30 dias?. Relativamente ao tempo que mediou entre o obito e a autopse, se vé que a congestáo das meninges se mostrou muito mais frequente nas autopses praticadas mais cedo, e isto tanto para as meninges en- cephalicas *, como para as espinhaes *; o que é mais um motivo para a náo suppor um phenomeno cadaverico. Emquanto á influencia das constituições nota-se que quasi me- 1 14 sobre 25 ou 1:2,27 nas meninges encephalicas; 4 sobre 8 nas espinhaes ou 1:2,0. 2 9 sobre 25 ou 1:2,77 nas meninges encephalicas; 3 sobre 8 nas espinhaes ou 1:2,6. 3 4 sobre 25 ou 1:6,25 nas meninges encephalicas ; 4 sobre 8 nas espinhaes. 4 4 sobre 25 nas meninges encephalicas. 5 Sobre 25 casos, 12 no primeiro periodo ou intervallo de 5 a 12 horas; 9 no segundo ou de 12 a 18 horas; e 4 no terceiro, ou de 18 a 24 horas. 6 Sobre 8 casos, notaram-se 3 no primeiro periodo; 3 no segundo, e 2 no terceiro. 8 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA tade (12 sobre 25) das congestóes das meninges cerebraes teve logar na constituição mediana ; em segundo logar na forte (8 sobre 25); e em terceiro na fraca (5 sobre 25). A metade das congestões das me- ninges espinhaes deu-se na constituição forte (4 sobre 8), depois na mediana (3 sobre 8), e por ultimo na fraca (1 sobre 8). CONGESTÃO DAS MENINGES CEREBRO-ESPINHAES EM RELAÇÃO Á DURAÇÃO DA DOENÇA, A EPOCHA DA AUTOPSE, E À CONSTITUIÇÃO à INTERVALLO DURAGÁO DA DOENGA CONSTITUI- amt poro y DO OBITO e 4 ig : À AUTOPSE ç 4 CONGESTÃO DAS MENINGES] E en. Bongo e e . este leo A + Le) a _ N pa Pi em = par $ és — X e > à E a o pe = on n Dei be] 20 = = E a [A COCA: neuves per + 25 9114 110121914 08 1206 Espinhaes...... 8 4 BO) OB ID EE TE LES PS a 2 Relativamente á infiltração serosa das meninges cerebraes, ob- servámo-la em 14 das 63 autopses (1:4,5), tendo logar a maior par- te no segundo septenario de duração da doença *; os casos restantes de- ram-se com igual frequencia nos outros periodos de duração da-doenca. Emquanto ao intervallo, que mediou entre o obito e a epocha em que foi feita a autopse, apparece de notavel que metade dos casos de infiltração serosa das meninges cerebraes se verificou nas autopses pra- ticadas mais perto do obito, isto é, no intervallo de 5 a 12 horas, circumstancia esta que indica que aquella alteração não é resultado cadaverico. Dos 7 casos restantes, 4 tiveram logar nas autopses feitas no intervallo de 12 a 18 horas depois do obito, e 3 no de 18 a 24, Observámos a accumulação de soro nos ventriculos cerebraes em 16 das 63 autopses (1:3,93), dando-se aqui a circumstancia de ser a sua frequencia quasi igual nos differentes periodos de duração da doen- ça, e verificando-se o que apontámos a proposito da infiltração serosa das meninges relativamente á epocha da autopse, isto é, «que o maior numero dos casos teve logar nas autopses mais recentes, 1 8 sobre 14 ou 1:1,75. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 9 Tudo quanto fica expendido, se nota no seguinte quadro. INFILTRAÇÃO SEROSA SUB-ARACHNOIDEA, EM RELAÇÃO Á DURAÇÃO DA DOENÇA E À EPOCHA DA AUTOPSE DURAÇÃO DA DOENÇA EPOCHA i EM DIAS DA AUTOPSE » a EY __-|-—— E E lg x ua Sb eai | ego [i AA a a > o Lui a 00 lar) I = nel 10 = = Infiltração serosa das meninges cerebraes. ..|14| 1|8|3]|2|7z|4]|3 Accumulação de soro nos ventriculos cere- rt e ¿e 11014 | 34471 SS 11073 | 3 Il Enceplalo: côr, consistencia, congestão, hemorrhage. A còr e a consistencia do encephalo nào soffreram geralmente, al- teração alguma ; com tudo, não foi raro encontra-lo mais molle, prin- cipalmente, quando havia grande infiltração de soro no tecido cellular sub-arachnoideo, e reunido nos ventriculos. Vimos casos de amollecimen- to de toda a massa encephalica, coincidindo com a infiltração serosa e am- pliaçäo de todos os ventriculos por muito soro. Uma ou outra vez o amol- lecimento achava-se circumscripto em alguma parte do encephalo ; tam- bem encontrámos em um caso parte do cerebello infiltrado de muito pus, que em parte tinha destruido já a substancia nervosa; mas isto é accidental. Em 17 casos das 63 autopses a massa encephalica esta- va amollecida. Foi frequente a congestão ou hyperemia do encephalo, tanto na porção cortical, como na medullar, tornando-se patente aqui pelas in- cisões, cujas superficies offereciam innumeros pontos vermelhos, gote- jando sangue. A hemorrhagia foi rarissima; em nenhuma das 63 au- topses foi ella assignalada. Em quasi metade das autopses a congestão cerebral foi muito sen- sivel, e a maior parte encontrada nos casos em que a doença tinha MEM. DA ACAD.—-1." CLASSE, Il. P. II. 2 10 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA durado menos, isto é, de 3 a 7 dias !, depois no periodo de 7 a 14 dias ?, e em ultimo logar no de 14 a 30 dias *; quando a doença se prolongou alem de 30 dias, náo notámos caso algum de congestáo da massa encephalica. A frequencia, pois, do affluxo sanguineo aos capil- lares do cerebro andou na rasão inversa da duração da febre amarella. Em quanto á epocha em que foram praticadas as autopses, a con- gestão encephalica mostrou-se quasi com igual frequencia no primei- ro e terceiro periodos *, sendo muito menor no segundo °; e por con- seguinte a sua frequencia náo foi proporcional ao tempo em que se fizeram as autopses. A respeito da frequencia da congestáo cercbro-espinhal nas dif- ferentes constituições, succedeu aqui o mesmo que apontámos a pro- posito da congestão das meninges, como claramente mostra o qua- dro seguinte. CONGESTÀO DO CEREBRO E DA MEDULLA ESPINHAL, EM RELAÇÃO Á DURAÇÃO DA DOENÇA, Á EPOCHA DA AUTOPSE E Á CONSTITUIÇÃO DURAÇÃO DA EPOCHA x di CONSTITUIÇÃO DOENÇA EM DIAS| DA AUTOPSE f=! CONGESTÃO RA AAN OA E 8 ed bes el ad + 9 = Dai Sa o pa a a B Re 3 OA A x A A e em [nm ls uw lala È A fa Cerebral, tect. à cita dare ECC Jn a >] à Pr 1 AP EC A DAME ns ects 6 i 5 | 1 3 | 1 1 Jl pad a 6 diee 1 46 sobre 30 ou 1:1,87. 2 10 sobre 30 ou 1:3,00. 3 & sobre 30 ou 1:7,50. 4 12 sobre 30 no primeiro periodo ou intervallo de 5 a 12 horas depois do obito, e 13 sobre 30 no terceiro periodo ou intervallo de 18 a 24 horas. 5 5 sobre 30 no segundo periodo ou intervallo de 12 a 18 horas. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. HI Medulla espinhal; cor, consistencia, miro. Foi por extremo raro encontrar a medulla modificada em algum dos seus caracteres; poucas vezes pareceu-nos mais firme, mais consis- tente que o ordinario, no que fazia certo contraste com o encephalo; nas 63 autopses foi este phenomeno notado tres vezes. Em outros casos (4 sobre 63) a medulla estava mais molle do que geralmente a tostumá- mos observar. A congestão da medulla espinhal foi cousa rara; apenas foi men- cionada em cinco das 63 autopses, e em tres casos era ligeira. Em uma autopse vimos um pequeno derramamento sanguineo na medulla. Sobre a influencia da duração da doença, da epocha em que se fez o exame necroscopico, e da constituição individual veja-se o quadro pre- cedente. Nervos. — Dissecámos alguns troncos nervosos, e nunca obser- vámos n'elles a menor alteração. CAPITULO IV Apparelho circulatorio. PERICARDIO ; CORAÇÃO. PRorroardro, cor, consistencia, imperio, volume, contentos, As mais das vezes o pericardio estava sem alteração; raramen- te injectada a sua serosa, que em alguns casos continha uma porcáo major ou menor de soro limpido, citrino, e muito raramente aver- melhado. Por vezes o pericardio apresentou um liquido amarello; das 63 autopses este facto foi notado em cinco, e em uma o liquido era esbranquiçado com flocos amarellos. Quando o liquido era copioso, o pericardio offerecia uma ampliação de capacidade proporcional. Nun- ca vimos derramamento de sangue puro no pericardio, nem este li- quido coagulado sobre o coração, como succedeu aos medicos france- zes que observaram a epidemia de Barcelona em 1821, e a Catel na 2% 12 NATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA epidemia da Martinica em 1833. Apenas em um caso o liquido se- roso estava tinto de sangue. Das 63 autopses encontrámos notavel quan- tidade de liquido no pericardio em 8 sómente, sendo em 5 amarello, em 1 sanguinolento, em outra citrino, e na ultima esbranquiçado com flocos amarellados. Não deixaremos em silencio o caso muito curioso, em que a su- perficie do coração estava juncada de bellas pintas purpureas, muito similhantes ás que apresentava a pelle. Il Coração, volume, cór, consistencia, contentos. Na maior parte das autopses encontrámos o coracáo sem altera- ção alguma apreciavel; todavia, casos houve em que o seu volume, consistencia e cor differiram do estado ordinario. Em uns havia cla- ramente augmento de volume (9 sobre 63 ou 1:7,0), sendo isto prin- cipalmente devido á dilatação das cavidades; em outros (4 sobre 63 ou 1:15,75) diminuição de volume resultante ordinariamente da gran- de retracção das paredes do ventriculo esquerdo, que em um caso pa- recia ter apagado de todo, a cavidade. Algumas vezes o coração esta- va flaccido (12 sobre 63), outras o tecido muscular era muito rijo e firme (4 sobre 63 casos). A côr da peripheria do coração era normal; em um caso porém estava este orgão juncado de pintas purpureas, como dissemos tratan- do do pericardio. O endocardio apresentava muitas vezes a côr ama- rella (20 sobre 63 autopses), a qual em muitos casos se limitava ás valvulas (12 nos 20). Em uma autopse praticada dez horas depois da morte vimos o endocardo do ventriculo esquerdo annegrado, estando em contacto com coagulos sanguineos recentes. Os contentos do co- ração nada oflereceram de especial; sangue ordinariamente coagulado, raramente liquido, em todas ou algumas das cavidades. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 13 CAPITULO V Apparelho respiratorio. LARYNGE ; TRACHEA; PULMÕES. Lomynge e trachea; volume, consistencia, espessura, cor e imjeecão da mucosa. Foi raro, e muito raro, que a larynge e a trachea offerecessem al- guma alteração, a não ser a hyperemia: da mucosa. Apenas em um caso vimos a epiglote, as cordas vocaes e grande parte da larynge e trachea muito rubras, com injecção forte em alguns pontos, e grande porção de liquido infiltrando o tecido cellular submucoso da epiglote e cordas vocaes; era uma laryngite edematosa, que não podémos li- gar á febre amarella. Alguma vez appareceu uma côr escura em-pe- quena extensão da mucosa, similhante á da pelle; porções hyperemia- das aqui ou ali observaram-se por vezes, mas sem alteração na con- sistencia e espessura da mucosa; uma vez esta membrana estava cla- ramente amollecida, mas ao mesmo tempo muito escura, parecendo ser tudo effeito de hemorrhagia e alteração consecutiva. Portanto, es- tas duas partes do apparelho respiratorio não apresentaram alteração, a não ser a resultante da hyperemia, tão frequente na febre amarela. II Pulindes; volume, cor, hyperemia, lwmorthagia. Foram os pulmões a séde habitual de hyperemia; raro cadaver foi aberto que não apresentasse os pulmões mais ou menos fortemen- te congestionados. A hyperemia parecia começar pela parte central do orgão, e estender-se depois até a peripheria, porque mnitas vezes esta, principalmente junto do bordo anterior, pareceu normal, emquanto que as incisões demonstraram a existencia de hyperemia mais ou menos pro- fundamente, a qual cra mais carregada para o centro e partes decli- ves dos pulmões, o que era em grande parte devido á posição dos doen- tes e dos cadaveres. Os pulmões apresentaram-se, como era de esperar, menos crepi- tantes e mais densos, e a sua côr modificada pela congestão sangui- 14 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA nea, mostrando-se rosada, vermelha, mais ou menos carregada, livi- da, etc. Nas 63 autopses a hyperemia foi indicada 49 vezes ou na ra- sáo de 1:1,28. Vimos raramente ecchymoses na peripheria dos pulmões; nas 63 autopses foram notadas sómente em 5 casos. Algumas vezes o sangue não estava simplesmente accumulado nos seus canaes, mas extravasado no parenchyma pulmonar, verificando- se então a verdadeira apoplexia. pulmonar, sob a fórma de fócos. N'es- te caso encontravam-se porções do pulmão endurecidas, de um ver- melho carregado ou mesmo negro, figurando sangue coagulado, mos- trando-se as superficies das incisões granulosas ; umas vezes estes fó- cos eram circumseriptos por tecido pulmonar crepitante e pallido ; ou- tras, este achava-se claramente hyperemiado ou infiltrado de sangue, o que foi mais frequente, sem com tudo offerecer a densidade do engor- gitamento hemorrhagico, o que torna geralmente facil a sua demar- cação. Em alguns casos tendo-se feito a exhalação sanguinea por todo o orgão, o tecido pulmonar estava todo embebido de sangue negro, apresentando então esta côr por toda a parte; o pulmão parecia, quan- do incisado, sangue venoso brandamente coagulado. Foi muito notavel a extensão dos engorgitamentos e hemorrhagias pulmonares na febre amarella. Nas 63 autopses notámos, como dissemos, muitos casos de hyperemia extensa, e 3 de hemorrhagia. i Querendo avaliar a relação da hyperemia e hemorrhagia des pul- mões com a substancia negra ou liquidos sanguineos do estomago, com a duração da doença, e com a epocha em que foi praticada a auto- pse, e com a constituição individual, confeccionámos o seguinte qua- dro. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 15 RELAÇÃO DA HYPEREMIA E HEMORRHAGIA PULMONAR COM O VOMITO PRETO, COM A DURACAO DA DOENCA, INTERVALLO DO OBITO Á AUTOPSE, E COM A CONSTITUIÇÃO INDIVIDUAL, DURAÇÃO DA DOENÇA A CONSTITUI ARS E DO OBITO AO SUBSTANCIA EM DIAS ção A AUTOPSE È a PULMOES Ee Ot Sanur ESSO A TE TAR e cia E NO g : si | as ESTOMAGO el oa + | PREIS 3 co | = a end Nik ae N Dl 3 3 s 3 È ER a Ea E 5 3 = a [o | S = Cel N E ca 20 bl = Es = È Hyperemia | 49 33 1/22/19) 5 | 2 | 91 | 11 | 17 | 17 | 93 | 9 Hemorrhagia | 3 1 (ES Tu 3 Por este quadro se vé: 1.2 Que nos dois terços dos casos a hyperemia pulmonar coinci- diu com a substancia negra ou sangue no estomago (33 sobre 49 ou {:1,48), em quanto que nos tres casos de hemorrhagia só em um o estomago continha esta substancia ; : 2.” Que foi no periodo de 3 a 7 dias de duração da doença que a hyperemia foi mais frequente, quasi na metade dos casos (22 sobre 49 ou 1:2,22), náo succedendo o mesmo a respeito da hemorrhagia, que se mostrou mais vezes no periodo de 7 a 14 dias (2 sobre 3); 3.º Que n'este periodo de 7 a 14 dias a hyperemia se mostrou quasi com a mesma frequencia que no periodo precedente (19 sobre 49 ou 1:2,57), em quanto que nos outros periodos a differença foi mui grande *, de sorte que póde dizer-se que foi no espaço de 3 a 14 dias de duração da doença, nos casos fataes, que a hyperemia e a he- morrhagia pulmonares se mostraram mais frequentes na febre amarel- la, e por conseguinte ellas não são effeito da longa duração da doença, nem um resultado puramente mechanico ; 4.º Que foi nas autopses mais recentemente praticadas, isto é, 8 a 12 horas depois da morte, que se observou o maior numero das hyperemias, quasi na metade dos casos (21 sobre 49 ou 1:2,33), o que é mais uma prova de ‘que ellas não são engorgitamentos sangui- 1 1 sobre 49 no periodo de 1 a 3 dias; 5 sobre 49 no de 14 a 30 dias; e 2 sobre 49 no de mais de 30 dias. 16 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA neos cadavericos. Das tres hemorrhagias, duas foram notadas em au- topses feitas 12 a 18 horas depois do fallecimento, e uma no inter- / vallo de 8 a 12 horas. De passagem diremos que algumas vezes vimos a carnificacio de alguma parte dos pulmões (2 sobre 63 casos), assim como adheren- cias, mais ou menos antigas, entre as pleuras parietal e visceral (13 sobre 63 casos), alterações estas estranhas á doença que estudámos. CAPITULO VI Apparelho digestivo, BOCA ; PHARYNGE ; ESOPHAGO ; ESTOMAGO ; INTESTINOS. Bocca, N'esta parte encontraram-se os vestigios das alterações manifesta- das em vida dos doentes, Gengivas turgidas, de ordinario mais car- regadas em cór, ás vezes roxas, outras cobertas de sangue. Lingua com indutos variados, sanguinolentos muitas vezes. Casos houve em que nenhuma d'estas partes apresentou alteração sensivel. 11 Pharynge e esoplvagos volume, cor, consistencia, Espessura e vu ceção do mucosa, As mais das vezes a pharynge e o esophago conservaram-se no estado normal. Em alguns casos encontrou-se vermelhidão da muco- sa, ora estendida sobre uma superficie mais ou menos extensa, ora sob a fórma de injecção, já em dada porção da membrana, já por pontos isolados, mas sem modificação na consistencia e espessura da membra- na mucosa. O volume d'aquelles orgãos nunca nos pareceu alterado. Nas 63 autopses descriptas notámos duas vezes a vermelhidão da mu- cosa, e em tres ligeira injecção, sendo uma acompanhada de amolle- cimento da membrana perto do cardia. No esophago foi mais notavel a vermelhidão, principalmente para a extremidade gastrica, e casos houve em que quasi todo o esophago pa- recia embebido de sangue. Perto da sua abertura inferior algumas ve- DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 17 zes observámos traços longitudinaes de 3 a 8 millimetros de largura sobre 6 a 20 de comprimento, mais brancos que o resto da superfi- cie, e que á primeira vista pareciam, em uns casos, soluções de con- tinuidade, e n'outros que a camada epithelial se tinha destacado, dei- xando a membrana mais delgada, a qual parecia deprimida n'esses pontos. Porém um exame mais attento, principalmente com o auxilio de uma lente, mostrava a membrana simplesmente descórada sem per- da de substancia, continuando-se com o resto da mucosa, que por es- tar mais ou menos hyperemiada parecia sobrepujar aquellas porções, que simulavam depressões com ou sem perda de substancia. Chamá- mos a attenção para este estadô da superficie interna do esophago, por- que tem sido dado como exemplo de corrosões, ulcerações, etc. etc. Do que fica dito se infere que, alem dos phenomenos de hype- remia, mais ou menos forte e extensa, commum a muitas doenças, a pharynge e o esophago não se mostraram alterados na febre amarella. II Estomago, volume, cdr, congestão, grossura e consistencia da mucosa. O estomago achava-se muitas vezes sem a menor alteração na febre amarella; foi com tudo um dos orgàos de mais importancia no es- tudo d'esta doença pela natureza dos seus contentos. Em alguns ca- sos appareceu muito dilatado (7 para 63) por gazes ou por estes e liquidos; n'outros, ao contrario, retrahido (9 para 63); as mais das vezes tinha o seu volume ordinario (45 nas 63 autopses). Exteriormente a sua còr variou pouco; ordinariamente era natural ou amarellada mais ou menos intensa. Na superficie interna, a côr foi mais variavel, sendo a mais frequente a vermelha, mais ou menos carregada, a qual se apre- sentava, já sob a fórma de placas, já uniformemente espalhada sobre uma porção da mucosa, já abrangendo toda a sua superficie, o que é mais raro. Alem da cór vermelha, notada em 20 das 63 autopses, obser- vou-se a cór acinzentada, escura ou annegrada, amarellada, esbranqui- cada, cte. Seria curioso saber se houve alguma relação entre a côr da superficie interna do estomago e a das substancias que elle continha; se aquella não foi effeito do contacto d'estas, um simples resultado da em- bebicáo mechanica dos liquidos. Para este fim recorremos ao mappa geral das autopses, d'onde extrahimos o seguinte quadro para facili- tar a comparação dos factos. MEM. DA ACAD.—1Í." CLASSE—T, I, P. It. DI o ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA COR DA MUCOSA DO ESTOMAGO EM RELAÇÃO COM A DOS CONTENTOS D ESTE ORGÃO a f cy COR DOS CONTENTOS DO ESTOMAGO 4 EA Te TT - © CÓR DA MUCOSA A Vermelha z ou Acin Ama pi Negra 3 A i Normal © sangui- | zentada | rellada nolenta Verme er 20 11 3 3 3 » Escura ou annegrad 2 2 » » » » Acinzentada ........... 1 » » » » 1 Amarellada . ....,....-: 1 » » 1 » » NON ea 24 13 3 4 3 1 Por este quadro se vé que dos 20 casos de vermelhidão da mu- cosa 11 coincidiram com liquido negro, contido no estomago, 3 com liquido vermelho ou sanguinolento, 3 com liquido acinzentado, e 3 com liquido amarellado; ora, como o liquido preto e suas variedades, contido no estomago, é constituido, na maior parte, por sangue, que se tem alterado mais ou menos, segue-se que a côr vermelha da mu- cosa estomacal está em perfeita harmonia com a natureza dos liqui- dos do estomago, porque elles não passam de ser o resultado de uma exhalação ou hemorrhagia operada no estomago, 0 qual continua a ficar hyperemiado, e não inflammado, como se suppoz, porque á cor vermelha ou 4 hyperemia se não juntam as outras alterações neces- sarias para poder caracterisar-se a inflammação do estomago, taes 0 amollecimento e espessamento da mucosa, como logo mostraremos. De- vemos notar que não é para estranhar o encontrar-se a mucosa rubra em contacto com liquido amarello, por isso que aquella côr é effeito, como dissemos, de uma hyperemia, e não de uma embebição do liqui- do do estomago; póde dar-se a hyperemia sem hemorrhagia, e o li- quido do estomago póde ser córado de qualquer modo, pela bilis por exemplo, cujos conductos sempre vimos livres e desobstruidos. Con- vem ainda observar que a mucosa do estomago póde apresentar a cor amarella, frequente em outros orgãos, independente do liquido com que está em contacto; a amarellidio d'aquella membrana é, todavia, muito rara, pois só se patenteou em 1 das 63 autopses. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 19 A consistencia e a grossura da mucosa estomacal poucas vezes nos pareceram alteradas; em alguns casos (12 sobre 63) estava amol- lecida; em um-era ao contrario mais firme, mais consistente ; doze vezes a achámos espessada, e uma mais delgada. Examinando a rela- gio d'estes estados da mucosa do estomago e o tempo em que se fez a autopse, acha-se que dos 12 casos de amollecimento d'aquella mem- brana 6 tiveram logar em autopses recentes (de 5 a 12 horas depois do obito); 4 em autopses praticadas no intervallo de 18 a 24 horas ; e 2 em autopses feitas no espaço de 12 a 18 horas depois do falleci- mento. O caso.em que foi notavel o augmento de consistencia da mu- cosa verificou-se em uma autopse, feita no intervallo de 12 a 18 ho- ras depois do obito. Por conseguinte, a epocha da autopse náo teve in- fluencia notavel sobre as alteracóes de consistencia da mucosa, exce- pto nos casos em que pareceu haver começo de decomposição. Em quanto á relação da consistencia da membrana com a sua gros- sura, notámos que dos 12 casos de amollecimento 5 coexistiam com o espessamento da mesma membrana, e o caso de maior consistenéia coincidia com o de menor grossura, de sorte que póde dizer-se que, em geral, o amollecimento da mucosa foi acompanhado de augmento de es- pessura; o que tudo mostra o quadro seguinte. CONSISTENCIA DA MUCOSA GASTRICA EM RELAÇÃO COM A SUA ESPESSURA y E EPOCHA DA AUTOPSE JROSSURA DA mucosa | INTERVALLO DO OBITO TO ou À AUTOPSE. TOTAL x — D rr A o CONSISTENCIA DA MEMBRANA DOS pi pra È x a CASOS = Lom do + É tu E) A w a 2 E E a a o (ci © o "n a æ = = zZ 20 — = MER OR ind 1 » 1 » » 1 » Mo a at 12 5 » T. 6 2 4 NT Rae e 50 4 » 36 17 10 16 Nunca observámos a mucosa com erosões, nem com o aspecto de massa ou papas avermelhadas, nem com o de gangrena, de que nos fallam alguns escriptores da febre amarella, alterações estas pro- 3 * 20 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA vavelmente admittidas para escorar hypotheses, que não tinham ou- tro fundamento. Na descripção, que temos traçado, das alterações anatomo-patho- logicas da febre amarella, temos omittido as modificações ou lesões que se acham indicadas nos differentes escriptos pelos observadores das epidemias de febre amarella nos differentes paizes. Temos de adre- de feito esta omissão, porque o nosso intuito é simplesmente descre- ver a anatomia pathologica da febre amarella que lavrou em Lisboa em 1857, e não tratar, em geral, d'esta parte da historia das epede- mias de febre amarella; e por isso só incidentemente apontâmos al- guma circumstancia ou facto de observação estranha. Vejámos agora em que relação esteve a côr da mucosa gastrica com o seu amollecimento e a epocha em que foi feita a autopse. No quadro seguinte resumimos 0 resultado de nossa observação a este res- peito. COR DA MUCOSA DO ESTOMAGO EM RELAÇÃO COM A SUA CONSISTENCIA, ESPESSU- RA E INTERVALLO DO OBITO À AUTOPSE CONSISTENCIA ESPESSURA |INTERVALLO DO DA MUCOSA DA MUCOSA [OBITO À AUTOPSE n A BE on | in | in CÓR DA MUCOSA 3 2 ala lé A |A ee ea tu 3 o > due E PENEL E seas LARE © CCR Re © | CNE | eee ts 1S EE | | | Bi) se de oc dire va ele cre 21141148 |411 115, 9} 6 | 5 Escura ou annegrada........... 2 aa 1 dd [A » LO VEL ie ee a Memzentadas sy AL ADR de 1 |» » desl cael » » 1 » » Amarelladas.. sin can iii due » dei » A) 1 ONA ES %|1|5 |18 | 8|1|15|10| 6 |8 Este mappa mostra que sómente em 4 dos 20 casos de verme- lhidão da mucosa gastrica esta membrana se achava amollecida, e em um caso mais consistente, em quanto que em 15 a mucosa estava sá; e deve advertir-se que em alguns d'aquelles quatro casos a autopse foi feita bastante tarde para poder suppor-se que o amollecimento ¡era já um effeito de decomposição. Em 4 sobre os 20 casos a côr verme- + DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. ot lha coexistiu com o augmento de espessura da mucosa, e em 1 caso com a diminuição d'esta espessura. Vê-se, pois, que a alteração radi- cal ou de nutrição da membrana mucosa foi uma excepção rara, posto que a hyperemia se observasse bastantes vezes. Emquanto á relação da côr vermelha ou da hyperemia da mu- cosa com a epocha em que se fez a necropse, mostra o mesmo map- pa que quasi a metade dos casos (9 sobre 20) se verificou nas autopses praticadas no intervallo de 5 a 12 horas depois do fallecimento, 6 ca- sos no de 12 a 18 horas, e 5 no intervallo de 18 a 24 horas, e por conseguinte não póde considerar-se aquella hyperemia como effeito ca- dayerico. Vejámos ainda em que relação está a côr da mucosa do estoma- go com a da mucosa dos intestinos e com a duracáo da doenca, o que representámos no seguinte quadro. CÓR DA MUCOSA DO ESTOMAGO EM RELAÇÃO COM A DOS INTESTINOS E COM A DURAÇÃO DA DOENÇA CÔR DA MUCOSA DURAÇÃO DA DOENÇA INTESTINAL a a 8 | ——_ | —— CÓR DA MUCOSA DO ESTOMAGO 2 n | ® uo E n © =] s (317 hos Te N G $ r- S = LaS a = a = e "a > n a A E “16 | & Che a A IS es | SOA ls SS A ROME j> jajaj jo ir || ls Rn AE 20 | 5 È ii len Ed Owe a AMMERTAUGR PRI ba 21» 1 » 2 » » » Amorelladas!«. ada assise 1 1 » » »|» » i » AOA a aa rad do DAS bl È. » » » SOMA IATA: AM 24 | 6,1 211 3 1131 10 | 9 | 3 | a Aqui se vé que nos 20 casos a cór vermelha da mucosa do es- tomago coincidiu cinco vezes com igual cór da mucosa intestinal, tres vezes com a cór amarellada, uma com a annegrada, e onze com a na- tural dos intestinos. A côr annegrada da mucosa do estomago deu-se uma vez com igual cór do intestino, e outra com a cór normal d'es- te orgáo; a cór amarellada com a vermelha dos intestinos, e a acin- zentada com: a Cór normal d'esta parte do canal digestivo. D'aqui se 22 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA deprehende que na maior parte dos casos a cór da mucosa do esto- mago náo segue relacio alguma com a da mucosa intestinal ; podem ser similhantes ou muito differentes. Relativamente á influencia da duração da doença observou-se que dos 20 casos de côr vermelha 9 tiveram logar no periodo de 7 a 14 dias de duração da doença; 7 no de 3 a 7 dias; 2 no de 14 a 30 dias; e 2 no de 30 dias para cima; por conseguinte, a cor verme- lha, expressão da hyperemia, foi muito mais frequente nos casos em que a doença durou menos, e até parece que a sua manifestação se- guiu a rasão inversa da duração da doença. O mesmo se póde dizer, em geral, ácerca das outras córes da mucosa intestinal. Portanto, a côr vermelha, bem como as outras, da mucosa do es- tomago não podem considerar-se como resultantes da longa duração da doença ; são effeitos da hyperemia, tão ordinaria na febre amarella, e talvez tambem da exhalação sanguinea na mucosa ou tecido cellu- lar subjacente. Seguia-se tratar dos contentos do estomago; porém os seus ca- racteres tendo de ser descriptos na symptomatologia, aqui os omitti- mos para evitar repetições fastidiosas. IV Intestimos delgados e grossos, volume, COT, consistenza e espessura do, membrana ACOSO. Em regra os intestinos conservaram-se sãos; em algumas auto- pses os vimos dilatados por gazes (3 nas 63) e raramente tintos de ama- rello exteriormente. A sua membrana mucosa apresentou algumas ve- zes vermelhidão (9 nas 63 autopses), ora em arborisação fina, ora em manchas de differentes tamanhos, sendo ordinariamente mais carre- gada nos intervallos das dobras ou pregas; outras vezes estava mais ou menos annegrada em alguns pontos (6 sobre 63); raramente a en- contrámos amarellada (3 sobre 63). Emquanto á consistencia e espes- sura da mucosa, mui excepcionalmente achámos a primeira diminui- da (6 em 63), e a segunda augmentada (4 sobre 63). Nunca obser- vámos alteracio das glandulas de Peyer e Brunner, nem dos ganglios mesentericos, mesmo nos casos em que phenomenos typhosos se ti- nham desenvolvido no curso da doença primordial. Tambem não vi- mos invaginações do “intestino delgado, que o dr. Chs. Delery diz ser DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 3 phenomeno frequente na febre amarella, e que o observára em gran- de numero de autopses na Nova-Orleans. Passemos a examinar em que relacáo esteve a cór da mucosa do intestino com a dos contentos d'este orgão. A côr vermelha da mu- cosa intestinal (a mais frequente) coexistiu com igual cór dos conten- tos na terça parte dos casos (3 sobre 9), com a negra e a acinzentada em menos da quarta parte (2 sobre 9, para cada uma d'ellas), e com a amarellada ou a esbranquiçada em 1 sobre 9, para cada uma d'ellas. D'aqui resulta que na maior parte dos casos (6 sobre 9) a cór vermelha da mucosa intestinal existiu independente de igual côr dos contentos dos intestinos, com os quaes estava em immediato conta- cto; mas em quasi todos elles (7 sobre 9) os contentos intestinaes eram formados em grande parte de sangue, que ou por sua mistura com outros liquidos ou por alteração propria tinha tomado eòr diflerente, e por conseguinte em todos esses casos a côr vermelha da mucosa in- testinal estava em harmonia com a natureza dos contentos do intes- tino. Duas vezes sómente se achou a côr vermelha da mucosa em pre- sença de um liquido, em cuja composição não parecia entrar sangue, o que nada tem de notavel. Relativamente á côr annegrada e á amarel- lada da mucosa do intestino, ellas coincidiram, nos casos apontados, com igual côr das substancias contidas no intestino. O que fica dito acha-se exemplificado no seguinte quadro. ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA CÓR DA MUCOSA DOS INTESTINOS EM RELAÇÃO COM A DOS CONTENTOS D'ESTE ORGAO CÓR DOS CONTENTOS DOS INTESTINOS A San ae di i 5 60 A D = CÓR DA MUCOSA 2 È 5 [=] te) o po a Se 3 gigas eb PLIE A =| A [= g o vo o o vd g = N Li E] bp pa E a s 5 È 5 2 | 8 3 El a o [= 4 > -« 4 El Vermelhas. EO Pe Ie duos PE 9 2 3 p t Escura ou annegrada . .............. (Ai » » » » Arar ella da 8 ri, PITT AA 3 » » » 9 » SOMME... nacin 18 8 3 2 4 1 Estudemos agora as alterações mais profundas da mucosa intesti- nal, comparando-as com a còr da mucosa gastrica, e com a epocha em que se fez o exame necroscopico. A consistencia e a grossura da mucosa intestinal poucas vezes se apresentaram modificadas: nas autopsias descriptas verificémos, em 6, certo grau de amollecimento ; em 1, maior consistencia; e em 4, augmento de espessura. Dos 6 casos de amollecimento 2 coexistiram com o espessamento da membrana ; e nos 4 restantes não pareceu ha- ver differenca na espessura da mucosa; aquelles 6 casos foram ob- servados com igualdade nos tres periodos em que temos dividido o intervallo que decorreu entre o obito e a autopse (2 casos em cada um d'elles); e por conseguinte não houve influencia do tempo, em que foi feita a autopse. O augmento de consistencia da mucosa notado em uma autopse, feita de 18 a 24 horas depois do obito, foi acompanha- da de augmento de espessura. O seguinte quadro abrange as differen- tes circumstancias que vimos de mencionar. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. to gr CONSISTENCIA DA MUCOSA INTESTINAL EM RELAÇÃO A SUA ESPESSURA E EPOCHA DA AUTOPSE GROSSURA pa mucosa | INTERVALLO DO OBITO : os À AUTOPSE a z TR O TA CONSISTENCIA DA MEMBRANA Po E 5 5 A) © | = © A K a “ s à md E El s E E s E © o D © N 00 & = a A to po a Maioten..?. [FASI 1 1 » » » » 1 MENOR: did Bok ae dt A 6 2 » h 2 2 2 Na terça parte dos casos de côr vermelha a membrana mucosa dos intestinos estava amollecida em alguns pontos, mas deve notar-se que n'estes casos a autopse foi feita tarde, e póde suppor-se que a de- composição, ordinariamente rapida na febre amarella, teve parte no amollecimento da membrana; esta circumstaneia, junta á de estar a mucosa intacta, a maxima parte das vezes, sob o ponto de vista de sua consistencia e grossura, nos desvia de admittir as alterações pa- thologicas que temos assignalado, como resultantes de uma enterite. As outras côres da mucosa intestinal deram-se, as mais das vezes, com a integridade da membrana sob os outros pontos de vista. A respeito do tempo em que foi praticada a necropse, nota-se que a côr vermelha se observou igualmente, tanto nas autopses mais recentes (no intervallo de 5 a 12 horas), como nas mais distantes do falecimento (4 sobre 9), e por conseguinte esta circumstancia não in- fluiu sobre a manifestação da côr vermelha ou da hyperemia que lhe anda ligada. O mesmo se não poderá dizer da côr annegrada da mu- cosa. intestinal, porque na metade dos casos (3 sobre 6) ella coincidiu com as autopses praticadas mais tarde (18 a 24 horas), se bem que em todos os casos aquella côr coexistiu, como dissemos, com liquido negro contido no intestino, o qual poderia contribuir para a produc- cão da côr annegrada. Tudo quanto levâmos dito sobre este assum- pto se acha desenvolvido no seguinte quadro. MEM. DA ACAD.—IL." CLASSE—T, Il. P. IL 4 26 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA CÓR' DA MUCOSA DOS INTESTINOS EM RELAÇÃO COM A SUA CONSISTENCIA, ESPESSURA E INTERVALLO DO OBITO Á AUTOPSE CONSISTENCIA| ESPESSURA | INTERVALLO DA DA DO OBITO MUCOSA MUCOSA À AUTOPSE a A ~rn » CÓR DA MUCOSA ç PA a a 13 3 el ba © © 8 e | A | À a vem = a 00 À ta & > = > ASIS 88/8 P als E E 5 | à | uia pi IAA Vermelha. i... i... het Fo | 18-6. AB 400% Escura ou annegrada .............:... ANA ES A O A A M O pe EL ea DE Ls jr A AAA ROA TA E A A Portanto, as alteracóes anatomo-pathologicas dos intestinos, na ma- xima parte dos casos, não passam da hyperemia da sua membrana mu- cosa, acompanhada ou não da exhalação sanguinea ou hemorrhagia; e consequentemente nio podem ter-se como caracter de inflammacio. Não largaremos mão d'este objecto sem indicar a relação da côr da mucosa intestinal com a do estomago e com a duração da doença, para o que nos servirá de guia o seguinte quadro. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. to ~ CÔR DA MUCOSA INTESTINAL EM RELAÇÃO COM A DO ESTOMAGO E COM A DURAÇÃO DA DOENÇA CÔR D. COS A MUCOSA DURAÇÃO DA DOENÇA ESTOMACAL : > a E AAA | AAA AO A CÓR DA MUCOSA DOS INTESTINOS E) es a ES n = g © wn a da L=) © P] o |, LE dé © Ark di a Rapai R A E © a SG | edi = de a < E 5 E E Ss C æ o) ws a > < < A = Lo) = = a diet lite 91 5B] » HR aà Se 4S Escura ou annegrada............... LI 1 » | 4 | 1 44.4 » A gece cv scr ais n SLA TE LD NAN CI 1 Sommaria 18 | 8 1 2 7 1 8 6 3 Em 18 autopses sobre 63 era anormal a cór da mucosa dos in- testinos, apresentando-se vermelha em 9; annegrada em 6 e amarel- lada em 3. A côr anormal da mucosa do estomago verificou-se, como dissemos, em 24 autopses sobre o mesmo numero, sendo em 20 ver- melha, em 2 annegrada, em uma amarellada e em outra acinzentada. D'aqui se infere: 1 1.°, que foi mais frequente a còr anormal da mucosa gastrica que a da mucosa intestinal; 2.º, que a côr vermelha foi a mais fre- quente, tanto no estomago, como nos intestinos, apresentando-se, po- rém, mais vezes no primeiro (mais do duplo) do que nos segundos; 3.º, que, em ordem de frequencia, seguiu-se a esta a côr annegrada pa- ra as duas partes do canal gastro-intestinal, sendo todavia mais vezes (o triplo) notada nos intestinos do que no estomago; veiu em ultimo logar a côr amarellada, que foi vista em maior numero de casos nos intestinos (o triplo). A cór vermelha do intestino (9 casos) coincidiu 5 vezes sómente com a do estomago, e uma com a côr amarellada d'este orgão; nos 3 casos restantes a côr da mucosa estomacal era normal, o que mos- tra que a hyperemia se póde efectuar n'esta ou n'aquella parte do apparelho gastro-intestinal independentemente das outras. Os 6 ca- sos de côr annegrada foram observados simultaneamente em um com igual côr do estomago e n'outro com a côr vermelha d'este orgão, o 4x 28 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA qual offereceu a côr normal nos quatro casos restantes. A côr ama~ rellada apresentou-se em uma autopse com igual côr da mucosa do estomago, e em 2 com a côr vermelha d'esta membrana: o que tudo vae de accordo com que temos dito a este respeito. Pelo que tóca 4 duração da doença nos casos de côr anormal dos intestinos, notaremos simplesmente que as mais das vezes esteve com- prehendida no periodo de 3 a 7 dias; em segundo logar no de 7 a 14 dias; e mais raramente nos outros periodos. Poderia agora tratar-se dos contentos intestinaes, porém o seu estudo quadra melhor n'outro logar. Passemos. ao exame dos orgãos annexos ao apparelho digestivo. CAPITULO VII Baco; pancreas; figado Bago, volume, cdr, consistencia, coeso. Este orgão mereceu-nos sempre especial ‘attengào, porque queria- mos achar aqui rasão comprovativa ou impugnativa da opinião, que considera a febre amarella da natureza das febres intermittentes. É mais uma das grandes vantagens da anatomia pathologica; por ella se ajuiza de doenças que se não observaram. Em geral, o baço não apre- sentou alteração alguma ao nosso exame; estava illeso na cavidade, que era o theatro das grandes desordens anatomo-pathologicas. Algu- mas vezes, comtudo, vimo-lo muito diminuido de volume (16 sobre 63); mais raramente hypertrophiado (4 sobre 63); ora ligeiramente amollecido (6 sobre 63); ora mais firme (1 sobre 63); em algumas occasiões pareceu-nos carregado em côr, fortemente hyperemiado. Vê-se, pois, que a modificação do baço foi não só excepcional, e muito rara, mas tambem que foi da natureza d'aquellas que sc encon- tram em muitas outras doenças ; conseguintemente, não póde de modo algum dar-se como caracter anatomico da doença que estudâmos; e d'este facto nos elevámos á conclusão de que a febre amarella, que af- fligiu a capital, não foi, provavelmente, da natureza das febres inter- mittentes; não foi uma exageração destas doenças tão communs no paiz, prescindindo de muitas outras considerações contrarias á admissão d'esta hypothese. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 29 Pancreas. — O pancreas tambem foi observado, mas nunca nos pareceu differente do seu estado ordinario. Passemos ao exame do orgão, cujas alterações representam o prin- cipal papel na anatomia pathologica da febre amarella, tanto pela sua constancia, como pela sua uniformidade. Foi n'esse orgão que achá- mos a anatomia pathologica da febre amarella. Por este motivo foi o figado a viscera de predilecçäo para o nosso estudo; sujeitámo-lo a to- dos os nossos meios de analyse. Examinámos o seu volume, peso es- pecifico, côr, consistencia, cohesão, e estructura intima no campo do microscopio; separámos-lhe a gordura, o assucar; finalmente, todas as modificações ou desvios do estado normal foram attentamente obser- vados. II Pigado, côr, volume, consistencia, (riabiladade-e densidade. Foi raro, e muito raro, que o figado apresentasse a sua còr na- tural nos doentes que succumbiram á febre amarella; nas nossas 63 autopses apenas tres vezes o figado pareceu ter a cór normal; porém ainda n'estes casos as superficies das incisões eram seccas e mostra- vam abundante substancia amarella, vindo assim o aspecto normal a limitar-se á peripheria sómente. De todas a mais frequente foi a côr amarella e suas variedades; amarello de manteiga fresca, de assafrão, rhuibarbo, alaranjado, torrado, bronzeado, palha, etc. A côr escura, de café com leite, de mostarda etc. tambem se encontraram, postoque mui- to menos. Á côr amarella, ou outra, do figado andava sempre ligada cer- ta pallidez, um descoramento geral, um estado anemico muito pronun- ciado. A parte rubra d'este orgão achava-se consideravelmente redu- zida, parecendo as mais das vezes ter desapparecido de todo, d'onde vi- nha que as incisões feitas sobre o figado, nos casos typos, mostravam superficies seccas, inteiramente amarellas, apresentando de espaço a espaço aberturas vasculares: o figado soffreu uma verdadeira degene- rescencia gordurosa. Muitas vezes descobriam-se esparsos por entre a substancia amarella pontos vermelhos, em maior ou menor numero, e cuja grandeza variava muito, sendo tanto mais volumosos e nume- rosos, quanto a alteração estava menos avançada ou quanto mais pro- ximo do estado normal estava o restabelecimento do orgão, o que mui- tas vezes verificámos em individuos que succumbiram a doenças in- tercorrentes, achando-se já em convalescenca da febre amarella ; n'es- tas circumstancias o figado de individuos, que tinham oferecido á ob- 30 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA servação os symptomas caracteristicos d'aquella doença, apresentava ás vezes a apparencia normal, a côr que lhe é propria, sendo preciso um exame minucioso para descobrir ainda traços da alteração capital. Na peripheria do orgão encontravam-se ordinariamente esses pontos ru- bros e ramificações vasculares tenuissimas matizando o fundo amarello. A cor anormal do figado, achando-se uniformemente estendida sobre toda a sua superficie externa, não apresentava comtudo em toda ella a mesma intensidade; em geral, era mais intensa, mais pronuncia- da, no lobulo de Spigelio, depois na face concava, sendo mais desva- necida no lobulo direito; vinha em seguida a face convexa, desmere- cendo um pouco do bordo delgado para o grosso do figado, aonde a côr amarella era menos manifesta. Pareceu-nos que, nos casos em que os doentes se curavam, o figado reassumia a sua cor normal pela ordem in- versa, isto é, começava pelo bordo grosso, face convexa, face concava, e por ultimo 0 lobulo de Spigelio; tendo-nos succedido encontrar este al- terado, quando as mais partes do figado se achavam quasi completamen- te restabelecidas, em convalescentes que foram victimas de doenças in- tercorrentes. A restituição do figado ao estado normal não começava, segundo pareceram indica-lo as nossas observações, por um ponto e es- tender-se d'aqui successivamente a todo o orgão: fazia-se por pontos iso- lados, que eram como centros em torno dos quaes o parenchyma ia regressando ao seu estado fysiologico. Vimos no mesmo figado, com a sua estructura já normal, porções alteradas, aonde predominava ainda muito a parte amarella. Não podemos determinar rigorosamente o tempo necessario para o restabelecimento completo do figado, e por certo deve elle variar por muitas circumstancias, especialmente segundo o grau da lesão; no entretanto o exame necroscopico, feito ao cabo de 22 dias depois do começo da doença, em individuos que tiveram vomito preto e hemor- rhagias, de que se restabeleceram, succumbindo mais tarde a outras doenças, nos mostrou o figado quasi completamente normal, apresen- tando-se um ou outro ponto ainda lesado. Nem isto nos deve mara- vilhar mais que ver um figado totalmente degenerado em substan- cia gordurosa dentro de tres dias de doença, como nos forneceram exemplos as nossas observações. E por extremo notavel a rapidez da metamorphose tanto do estado fysiologico para o pathologico (dege- nerescencia gordurosa), como d'este para aquelle. Na peripheria do figado appareciam tambem ecchymoses, maio- res ou menores; ás vezes pintas purpureas disseminadas por differen- tes partes. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 31 Vejamos em que relação esteve a côr amarella do figado com a da mucosa gastrica, com a constituição dos doentes, e com a duração da doença. Pelo quadro seguinte se vé que dos 58 casos de amarellidão do figado 19 coincidiram com a côr vermelha da mucosa do estomago, 2 com a annegrada, { com a acinzentada, e 1 com a amarella, sendo normal a cór do estomago em 35; e por conseguinte a côr amarella do figado não dependeu de modo algum, como era já de suppor, da côr da mucosa gastrica. A maior parte dos casos deram-se em individuos de mediana constituição, depois nos fortes, e em terceiro logar nos fracos. No maior numero de casos os obitos verificaram-se no periodo de 3 a 7 dias, depois, quasi em igual relação, no de 7 a 14, sendo muito mais raro no de 14 a 30, 2 a 3, e de 30 dias para cima. COR DO FIGADO EM RELAÇÃO COM A DA MUCOSA ESTOMACAL, COM A CONSTITUIÇÃO, E COM A DURAÇÃO DA DOENÇA CÓR DA MUCOSA CONSTITUIÇÃO DURAÇÃO DA DOENCA ESTOMACAL ` S Bf ee | re COR DO FIGADO| È s ESE ES elg]s SIS E |3/|S = kfc pa ae A ia A [a SERA ep pe ® bo oO o E o + Go) 63 Loi a o i ta g o em E em n = -= A AA She I o g 5 E o sus s 3 a CIEL Erbe Peire 498 SEE a e A RA 8 Amarella....| 58 | 19 | 2 1 | 35 | 18 | 32 8 3} 24192) 7 2 Escura...... 2 1 Be ag | 2 Normal ..... 3 PAS 1 3 O volume do figado era de ordinario maior que no estado fysio- logico; nunca o vimos atropbiado, emquanto que algumas vezes se elevava muito no thorax e occupava grande parte do hypochondrio esquerdo. A consistencia e a friabilidade do figado tambem se modifica- ram. Em 13 casos sobre os 63, ou 20,6 em 100, a consistencia era maior, e em 9, ou 14,2 em 100, menor; achou-se maior friabilida- de, isto é, a resistencia ao instrumento que cortava ou ao dedo que penetrava o parenchyma do orgão, foi menor, em 18 casos ou 28,5 32 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMAT OLOGIA sobre 100, e em um só se observou o inverso; nunca, nem uma só vez, encontrámos pus, seja infiltrando o tecido hepatico, seja reunido em fócos. Comparando estes estados do figado com a sua cór acha-se que em 13 casos dos 58 de amarellidio do figado este orgão offereceu maior consistencia, em 6 menor, e em 39 a normal; em 18 sobre os 58 casos o figado apresentou-se mais friavel, em um com maior co- hesão ou menos friavel, e em 41 não differia do estado ordinario ou normal. Nos dois casos de côr escura, tirando para chocolate, o figa- do “era menos consistente, e tinha menor cohesão ou maior friabili- dade. Por conseguinte, estas alterações physicas (de consistencia e fria- bilidade) do figado, não bastando só por si para caracterisar a inflam- mação, e sendo alem d'isso raras, não deve considerar-se a febre ama- rella como uma hepatite. A lesão do figado é outra, e muito diflerente, que adiante es- tudaremos. O que fica expendido sobre a frequencia das alterações phy- sicas do figado está resumido no seguinte quadro, CÓR DO FIGADO, EM RELAÇÃO com A SUA CONSISTENCIA E FRIABILIDADE 8 [CONSISTENCIA DO FIGADO FRIABILIDADE 3 A TI a | a A CÔR DO FIGADO 8 n ta Ki e a q 3 El a 2 3 El À a E A = Li 5 S © 9 eo 5 3 E = a A a = Z Amarella .... sees neei iea 58 13 6 39 di 16 44 Esturd she apr tien 2 2 2 NOMA > eve e poe a 3 1 2 3 Tendo referido os casos de alteração na consistencia e friabilidade do figado, vejamos se n'isso influiu ‘a epocha em que foram pratica- das as autopses, o que nos será indicado pelo seguinte mappa- DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 33 CONSISTENCIA E FRIABILIDADE DO FIGADO, EM RELAÇÃO COM O INTERVALLO DO OBITO À AUTOPSE CONSISTENCIA | FRIABILIDADE - TOTAL | TOTAL INTERVALLO DO OBITO À AUTOPSE nos DOS e A ita OS — S EM HORAS rosetta é È ie er ee doe n SOS . y £ Maior | Menor [Menor Maior = 2 ai 7 el di + \ ee: A A L nn! Lee prioni Bee AR a ON a h 5 | 9 9 9 TI. RP RI RE I RR EI 2 2 | 4 3 3 ISA CIAO. FOR RRR QE 7 2 [og 1 6 7 | AAA DA a Sl = EE 13 9 22 1 18 19 Aqui se vê que o figado se apresentou modificado em sua con- sistencia tantas vezes nas autopses feitas nas primeiras 12 horas, co- mo no periodo de 18 a 24 horas (9 sobre 22); por conseguinte nào deve attribuir-se esta modificação ao serem as autopses praticadas tarde. Em ultimo logar estão as autopses feitas no intervallo de 12 a 18 horas depois do obito, nas quaes houve dois casos de maior con- sistencia, e outros dois em que foi menor. O mesmo se póde dizer sobre a friabilidade do figado. Portanto, a epocha em que fizemos as autopses não parece ter tido influencia alguma sobre as alterações do figado, que temos estu- dado; estas alterações produziram-se em vida dos doentes. Todas as alterações do figado, de que temos fallado, se acham indicadas no seguinte quadro. MEM, DA ACAD,— | À CLASSE—-T. 11. P. If, o 34 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA QUADRO GERAL DAS ALTERAÇÕES PHYSICAS DO FIGADO VOLUME CÒR CONSISTENCIA FRIABILIDADE A EN di A EE TOTAL DOS CASOS = 3 = = ea a q s|58|8|E|\5|8|s|8|\8|58|5|8 m m — a is NS EC CA El Blz|iZ|s Spe ¡2 | « | à (242212124 814 63 95 | 0 | 388] 58 | 2 3 431-9 PAIS 44 O peso especifico do figado foi determinado de dois modos, um approximativo, mas simples e expedito, outro exacto, preciso, porém mais moroso. Para tomar a densidade do figado, pelo primeiro modo empregava-se o areometro de Baumé e uma solução concentrada de sal commum !. Procedia-se da seguinte maneira: deitava-se em um vaso de vidro alongado uma forte solução de sal commum, € intro- duzia-se depois n’esta solução o areometro de Baumé, o qual entrava até certo gráo; depois separava-se do figado uma pequena porção que se lançava na solução; se ella afundava, addicionava-se, pouco a pouco, mais sal á solução até estabelecer-se o equilibro, se fluctuava junta- va-se-lhe agoa até este ter logar; lia-se então no areometro 0 gráo que marcava ao nivel do liquido. Este processo de avaliação é defi- ciente, mas pela sua promptidão lançámos muitas vezes mão delle para comparar as densidades de differentes figados. Mas não nos exi- mimos de determinar rigorosamente, pelo methodo ordinario da ba- lança hydrostatica, o peso especifico de bom numero de figados de doen- tes que succumbiram á febre amarella; foi o dr. May Figueira, que dirigiu o serviço clinico de uma das enfermarias do hospital do Des- terro, quem se encarregou d'essa determinação, que vimos ser feita com o maior cuidado. Em dois casos, em que o figado parecia normal, pertencendo um a um doente que entrou no hospital de S. José com um grande corte na trachea, de que foi victima pouco depois, e o outro a um doente que fallecera d'uma longa doença, achou-se pelo areometro de Bau- mé 10º de densidade. Considerámos por isso esta a densidade do fi- 1 Foi o dr. Lyons, que veio a Lisboa observar a febre amarella, quem nos cha- mou a attenção para este methodo de avaliar a densidade, DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 35 gado normal, e a tomámos para termo de comparação para os outros casos em que empregámos o mesmo methodo. A densidade do figado dos doentes atacados pela febre amarella foi menor do que a do es- tado normal; o que era de esperar, visto que a alteração capital do figado, n'esta doença, consistiu na accumulação de gordura nas suas cellulas, na degenerescencia gordurosa d'aquella viscera. Todavia, em quatro casos das 32 autopses (das 63 a que nos temos referido n'es- ta memoria) em que foi indicada a densidade do figado, esta esteve muito proxima da normal, por quanto foi de gio, Um d'estes casos deu-se em um homem de 25 annos de idade, de forte constituição, em que a doença correu rapidamente para a terminação fatal, duran- do apenas 4 dias, e tendo a autopse sido praticada 13 horas depois do obito. Este doente foi um (dos poucos) que não apresentou na autopse, colorisação amarella da pelle, nem ecchymoses, nem alteração notavel no eixo cerebro-espinhal e meninges, nem no coração, larynge, pul- mões, mucosa gastro-intestinal, mas o estomago e os intestinos, con- tinham grande quantidade de liquido preto, e o figado era mais vo- lumoso è menos consistente, e pouco mais carregado de gordura. Pela rapidez da doença e pelo resultado da necropse parece que a morte deste doente foi effeito da copiosa hemorrhagia gastro-intestinal. O segundo caso verificou-se em um doente de 37 annos de idade, de robusta constituição, que morreu no 14.º dia de doença, e cuja autopse foi praticada 15 horas depois do obito, apresentando o cadaver já gran- de rijeza. A. pelle estava geralmente amarella e com ecchymoses, as valvulas cardiacas e a mucosa intestinal tintas da mesma côr, o ce- rebro congestionado e bastante consistente, a medulla e meninges ce- rebro-espinhaes tambem hyperemiadas, assim como os pulmões, os rins, € a mucosa do estomago, contendo este um liquido crasso acin- zentado, em quanto que os contentos dos intestinos eram semi-soli- dos e d'um amarello torrado, figado maior com a côr muito carre- gada, menos consistente, mais friavel, a vesicula fellea com bilis d'um amarello escuro, e a bexiga urinaria grande com urina amarellada. O figado d'este doente era similhante ao d'aquelles, que estando já em convalescença succumbiam a outra doença intercorrente ou a algu- ma complicação. O terceiro caso diz respeito a uma mulher de 30 annos de idade, de mediana constituição, e cuja doença durou 16 dias, tendo a autopse sido feita 24 horas depois do obito. Tinha a pelle ligeiramente amarellada, bem como as valvulas do coração, cujos ven- triculos continham coagulos sanguineos ; o eixo-cerebro-espinhal, as' bia 36 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA suas respectivas meninges, os pulmões e os rins apresentavam conges- tão, havendo derramamento seroso nos ventriculos do cerebro, o qual estava bastante consistente na maior parte da sua extensão; soro ama- rellado no pericardio, baço retrahido; ligeiramente amarellada e mais espessa a mucosa do estomago, que continha um liquido acinzenta- do; avermelhada e menos consistente a mucosa dos intestinos, cujo contento era semiliquido e avermelhado; figado de maior volume, mais consistente, d'um amarello-torrado, e a vesicula com bilis d'um ver- de escuro; bexiga urinaria retrahida, muito espessa, e com urina ama- rellada. O quarto caso foi o de uma mulher de 66 annos de idade, de mediana constituição, que, estando já na convalescença da febre amarella, falleceu de amollecimento cerebral ao cabo de 36 dias de doença, sendo a autopse praticada 15 horas depois do obito. O figa- do d'esta doente observado pela face convexa parecia bom, mas exa- minado pela face concava apresentava ainda o lobulo de Spigelio com a alteração caracteristica, que tambem se encontrava, posto que me- nos pronunciada, em alguns pontos d'esta face. Vê-se pois que n'es- tes quatro casos, que vimos de mencionar, 0 figado parecia pouco al- terado, e consequentemente não admira que a sua densidade se appro- ximasse tanto da normal. Nas autopses referidas n'esta memoria a densidade do figado (de- terminada pelo areometro de Baumé e a solução de sal commum) os- cillou entre 64° e 9% sendo a media de 85% No mappa geral que oflerecemos no fim da memoria, acham-se indicadas as differentes circumstancias, individuaes e morbidas, dos doentes que fizeram objecto das observações relativas ao peso especi- fico do figado na febre amarella, e por isso julgâmos superfluo repe- ti-las aqui. Pelo methodo da balança hydrostatica tambem se achou a den- sidade do figado em bom numero de casos de febre amarella. O peso especifico do figado no estado normal é, segundo Krause, de 1,0625 a 1,0853, e segundo Soemmering 1,0523. No doente, que dissemos se suicidára com um corte na trachea, o peso especifico do figado foi de 1,080 (que está comprehendido nos limites normaes, segundo Krau- se), e n’outro doente do hospital de S. José que não tinha tido febre amarella, e cujo figado parecia sem alteração alguma, o peso especifico deste foi 1,058, que muito pouco differe (em 0,006) do indicado por Soemmering como normal. Tomando por unidade a densidade 1.080, póde dizer-se que na febre amarella o peso especifico do figado foi, as mais das vezes, in- DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 37 ferior ao normal. Effectivamente nas observações feitas no hospital do Desterro se vé que o peso especifico do figado oscillou, ordinariamen- te, entre 1,012 (minimo) e 1,063, sendo a media 1,047. Com tudo, é força dize-lo, houve excepções muito notaveis ; por exemplo, em um caso achou-se ser o peso especifico do figado 1,086, superior ainda ao normal; o figado em questão foi, é verdade, dos que deu á analyse menor quantidade de gordura (1 oit. e 12 grãos em uma onça de fi- gado), mas temos presente outra observação que mostra a densidade 1,063 d'um figado que continha: menor quantidade de gordura (1 oi- tava e 7 grãos em um onça de figado; sempre segundo a analyse do dr. May Figueira); o que indica que outras circumstancias, e não só a quantidade relativa de gordura existente no figado, influiram no peso especifico do figado. Aquelle caso, em que o figado tinha 1,086 de peso especifico, foi notado em um homem de 37 annos de idade, for- neiro, de temperamento sanguineo e forte constituição, admittido no hospital do Desterro no 3.º periodo da febre amarella. A duração da doença foi de 14 dias; os reagentes chimicos não demonstraram a pre: sença d'assucar no parenchyma hepatico, e as urinas continham muita albumina (cuja quantidade foi determinada em muitos dias successi- vos) e cylindros de fibrina. Foi uma das observações mais completas. Houve casos em que o peso especifico do figado foi o mesmo em to- dos, e com tudo foi diversa a quantidade de gordura extrahida de cada um d'elles. Temos á vista duas observações, nas quaes o peso especifico do figado foi 1,058, em quanto que um figado deu 1 oi- tava e 14 grãos de gordura, e o outro 1 oitava e 36 grãos (em uma onça de figado). Em um /igado gorduroso (com degenerescencia gor: durosa) achou o sr. Lereboullet de peso especifico 1,0223, e m'outro caso 1,0284 !, menor que a media (1,047) que dissemos resultar das observações feitas no hospital do Desterro. O caso, referido acima, de menor peso especifico (0,012) deu-se em uma mulher de 60 annos de idade, peixeira, de temperamento lymphatico, constituição media- na, e cuja doença terminou ao decimo dia. Falta-nos ainda tratar de dois pontos importantes; referimo-nos á analyse chimica do figado em relação á sua gordura e assucar, e ao exame microscopico das cellulas hepaticas. O progresso scientifico exige hoje da anatomia pathologica mais amplos desenvolvimentos; não permitte prescindir, em muitos casos, da analyse chimica e do exame microscopico ; já se não contenta, mui- 1 Mém. sur la structure intime du fofe; 1853: 38 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOL OGIA tas vezes, com o conhecimento das modificações de volume, fórma, cór, consistencia etc. d'um orgão; quer mais, exige a descripção das alte- rações dos proprios elementos organicos. Por isso o microscopio e 0S reagentes chimicos tiveram bastante uso no estudo da doença epide- mica. Foi no hospital do Desterro, que se fizeram as analyses chimi- cas e exames microscopicos, de que vamos fazer menção. O dr. May Figueira, medico de uma das enfermarias d'este hospital, foi quem de modo especial se encarregou d'estes trabalhos, tomando então os apontamentos que julgou necessarios, os quaes teve a bondade de nos confiar, e nos serviram de guia nesta parte da memoria. Antes, po- rém, de entrarmos na materia, para tornar mais facil a apreciação das alterações pathologicas na febre amarella vamos-recordar, rapi- damente, a estructura intima do figado no estado fysiologico, seguin- do as descripções dadas pelos srs. Lereboullet (Mém. sur la structure intime du foie, etc. 1853); Kolliker (Eléments d histologie humaine, trad. dos srs. Béclard e Sée, 1856); e Morel (Précis d'histologie hu- maine, 1860). Uma rede de tecido conjunctivo, emanação da capsula de Glis- son, que em fórma de bainha envolve o systema da veia-porta, o da arteria hepatica e os canaes biliares, se acha estendida pelo figado, cortando-o em todas as direccóes, e estremando as pequenas porções em que fica dividida a substancia propria desta viscera. A estas pe- quenas porções, mais ou menos bem distinctas, se tem dado o nome de acini, granulações, lobulos, ilhotas hepaticas. O figado é pois formado por lobulos. Em alguns animaes, no por- co principalmente, os lobulos hepaticos são bem circumscriptos, por que cada um d'elles está mettido em uma bolsa ou bainha, depen- dente da capsula de Glisson. No homem porém não se observa esta disposição ; os lobulos são apenas demarcados pela rede vascular pe- rilobular (envolvida em uma bainha fornecida pela capsula de Glis- son), donde resulta poderem communicar entre si, e por isso alguns micrographos (Weber, Kolliker) negam a existencia d'estes lobulos no homem. Com tudo, em alterações pathologicas, como no, igado gordo dos tisicos, tem-se observado a circumscripção completa dos lobulos pelos vasos. E o dr. Kolliker não é tão contrario á admissão d'estes lobulos, como parece indicar no principio do seu artigo sobre a ma- teria, por quanto mais adiante o distincto professor da Universidade de Wurzburgo exprime-se n'este sentido: «Cette glande (o figado) se compose d'une foule de petits départements qui, bien que n'étant nul- lement séparés les uns des autres, possèdent néanmoins unc certaine DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 39 individualité» (obr. cit. pg. 471). E pela continuação da descripção submette-se á opinião geralmente recebida hoje. Indicando a composição histologica d'um lobulo, teremos dado uma idéa da estructura intima do figado, cada lobulo representando de per si um pequeno figado. Compõe-se cada lobulo de: 1.” Cellulas hepaticas ou secretorias. 2.” Vasos sanguineos. Para esclarecimento do nosso assumpto quasi só trataremos das cellulas hepaticas. 1.º Cellulas hepaticas ; sua fórma, composição, e dimensões. — Apresentam-se estas cellulas, no campo do microscopio, como corpus- culos achatados, de aspecto granuloso, contendo quasi todas um 7u- cleo com pequenos zucleolos punctiformes, e granulações cinzentas ou louras, em numero variavel, esparsas na cavidade da cellula ou reunidas em pequenos grupos (granulos). Em um animal vertebrado recentemente morto as cellulas hepaticas offerecem ainda a fórma glo- bosa, tão commum nos invertebrados; mas dentro em pouco tempo achatam-se e o seu contorno faz-se ordinariamente polygonal. O sr. Lereboullet dá para media do maior diametro das cellulas hepaticas dos mammiferos 0"",025. No figado de um homem que se suici- dára, observou elle, 24 horas depois, algumas cellulas redondas ; as maiores mediam 0””,03 de comprimento sobre 0™™,0225 de largu- ra; outras tinham apenas 0”",015 a 0™",017 em todos os sentidos ; o diametro dos nucleos variava menos, sendo na maior parte das cel- lulas de 0””,005. Segundo o sr. Kolliker o diametro medio da cel- lula do figado humano é de 0””,018, e a do nucleo de 0"",007 a o™",009. Com quanto 4 primeira vista a cellula hepatica náo pareca ter cavidade interna, porque as suas paredes se acham applicadas uma 4 outra, ella férma todavia um verdadeiro utriculo, formado por uma membrana transparente. Para tornar patente a cavidade da cellula basta, ordinariamen- te, juntar-lhe agoa, a qual, turgindo-a, afasta as suas paredes. Mas é com o chloroformio que se obtem um resultado mais claro, por quanto as cellulas sendo por elle tratadas tornam-se elipsoidaes ou globo- sas, e rolando sobre o porta-objecto do microscopio deixam-se obser- var pelas suas diflerentes faces. O exame microscopico do figado na febre amarella prova sufficientemente (como mostraremos) a existen- cia d'aquella cavidade, fazendo ver as cellulas carregadas de gordura 40 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA desenvolvida no interior d'ellas. O sr. Natalis Guillot chama as cel- lulas hepaticas particulas, porque não eré que sejam ócas, opinião que é hoje justamente rejeitada pelos micrographos. Todas as cellulas hepaticas contéem, mais ou menos, granulagóes mui finas (que o sr. Schiff julga serem d'um amido animal) e a maior parte d'ellas tambem aggregados de granulos, qué ou se reunem em torno do nucleo, ou, quando este falta, no centro da cellula as mais das vezes. A côr d'estes granulos é loura ou amarellada, e a ella se deve o apparecimento das nodoas ou manchas que apresenta a sub- stancia propria do figado, quando se observam por transparencia ou por reflecção laminas delgadas d'um lobulo hepatico. O nucleo da cellula hepatica é constituido por uma pequena ve- sicula transparente, arredondada, e ás vezes ligeiramente ondeada. ' Encerra corpuscúlos mais pequenos, os zucléolos, que apresentam or- dinariamente o aspecto de vesiculas gordurosas, O nucleo falta ás ve- zes, o que alguns micrographos attribuem á idade avançada das cel- lulas. Tem-se visto tambem em logar do nucleo uma nodoa uniforme, ordinariamente amarelada, collocada perto da peripheria da cellula. Em certos casos os nucleos parecem vesiculas achatadas contendo ou- tras vesiculas gordurosas; alguns micrographos são de parecer que então esses nucleos assim como aquellas manchas são verdadeiras cel- lulas inclusas ou endogenas em via de desenvolvimento. Nas cellulas hepaticas encontram-se muitas vezes gottinhas de F gordura, que se mostram sob a fórma de vesiculas mui pequenas, dis- seminadas por entre a substancia granulosa da cellula. O sr. Morel admitte duas especies de cellulas, umas grandes, de ¿ de millimetro, irregulares, e contendo quasi sempre gordura ; outras pequenas, de + de mill., regulares, não contendo ordinariamente gordura. E esta uma divisão que nos não parece fundada, porque são muito vacillantes , accidentacs, os caracteres que discriminam as duas especies de cellu- las; aliás estabelecer-se-hiam, com igual fundamento, outras especies de cellulas, que com tudo não passam de serem modificações ligeiras umas das outras ou differentes estados do mesmo elemento, Por vir aqui a pello exporemos a opinião do sr. Schiff, actual- mente professor em Berne, que tem profundamente estudado e escla- recido as questões relativas á formação do assucar na diabetes saccha- rina. É d'um trabalho dos srs. L. Corvisart e J. Worms, sobre a obra do dr. Schiff, ha dias publicado na Union médicale, que colhemos esta noticia ácerca das accuradas experiencias do medico álemáo. O sr. Schiff admitte, que a substancia glycogenica, aquella, que DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 41 n no figado se converte em assucar, é uma materia amylacea, e náo al- buminoide, azotada, como de ha muito o tem pensado o sr. Cl. Ber- nard. Para determinar a natureza, os caracteres physicos e chimicos da materia amylacea o sr. Schiff fez numerosas indagações micros- copicas e chimicas; e depois de muitas tentativas notou que nas cel- lulas hepaticas havia granulações esphericas (são aquellas de que já tra- támos), cuja quantidade era maior ou menor, segundo havia menos ou mais assucar no figado. Este facto o levou a considerar estas gra- nulações como elementos constitutivos da materia amylacea glygogeni- ca. Proseguindo n'este estudo achou que os fermentos (saliva, suco pancreatico, acidos diluidos ete.), com que obtivera em rãs a produc- ção de assucar no figado, que antes não mostrava ter nem vestigios d'esta substancia, faziam desapparecer ou diminuir aquellas granula- ções, o que confirmava a sua idéa. Ainda mais; estas granulações en- contram-se, principalmente, nos animaes hibernantes, então que o fi- gado não produz assucar algum em toda a hibernação, por falta do fermento transformador da substancia amylacea em assucar, como pro- vou o sr. Schiff. Pelo contrario, as granulações não existiam nas cel- lulas hepaticas dos animaes muito novos, cujo figado não fabrica ain- da assucar. Quando a doença suspende a formação do assucar, ella tem determinado o desapparecimento das granulações, e quando se restabelece a saude, ellas reapparecem antes da producção do assu- car. Com algum habito, diz aquelle professor, pode-se, examinando figa- dos ao microscopio ou com uma lente, prever, pelo numero maior ou menor de granulações das cellulas hepaticas, se tal figado será ou não rico em assucar. Não ha materia azotada nas granulações glycogenicas, o iode as córa em escuro, como a inulina, que é tambem um amido. Pensa o sr. Schiff que, antes de ser definitivamente transformada em assu- car, a materia glycogenica passa por um estado intermediario, o de dextrina, e que. a este estado chimico corresponde o seguinte aspecto microscopico: em vez de granulações finas, opacas e solidas, vêem-se nas cellulas espaços aclarados muito transparentes, ligeiramente ama- rellados e cheios por uma materia em fórma de xarope; é o aspecto da dextrina liquida. São por extremo interessantes c luminosas as ob- servações do illustre professor, porém não as podemos seguir aqui por falta de espaço. A potassa caustica muito diluida e o ammoniaco separam as cel- lulas hepaticas umas das outras, tornando-as mais pallidas e dissol- MEM. DA ACAD.—{." CLASSE—T. IL. P. Ma 6 42 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA vendo-as depois. O acido acetico dissolve o contento granuloso; e dá maior transparencia á cellula, pondo mais patente o nucleo. De todas as reacções a mais bella é a que tem logar, quando se tratam as cellulas hepaticas pela agoa fortemente assucarada, juntando- se-lhe uma gotta d’acido sulphurico concentrado. Passado um ou dois minutos toda a preparação se córa d'um vermelho-purpura brilhante. O chloroformio, como já dissemos, é promptamente absorvido pelas cellulas hepaticas, € dilata as suas paredes, donde deriva o seu emprego no estudo d'estes orgãos elementares. Tem-se visto tambem o chloroformio dissolver todo o conteudo das cellulas, mesmo o nu- cleo granuloso, o que tem feito suppor que os granulos hepaticos có- rados são de natureza gordurosa. No exame das cellulas gordurosas têem grande applicação o ether sulphurico e à essencia de terebinthina. No figado dos fetos observam-se as cellulas gordurosas em grande numero, predominando sobre as cellulas endogenas (que são mais pe- quenas), por isso e por as cellulas gordurosas existirem em abundan- cia no figado dos peixes e no dos animaes invertebrados, cré o sr. Le- reboullet que ellas se transformam em cellulas hepaticas pela depo- sição de granulos e o desapparecimento da gordura; aquellas cellulas seriam a primeira: phase d'estas. Disposição das cellulas no lobulo hepatico. — É difficil. marcar com precisão o arranjo, a collocação das cellulas, no lobulo hepatico, e ain- da mais determinar as relações d'estas cellulas com os canaes excre- torios. Desvairam os histologistas, e a este respeito, como a muitos outros, podemos dizer d'elles, que... Certant et adhuc sub judice lis est. Fica patente o campo para novas indagações. Todavia é opinião mais seguida que as cellulas hepaticas se unem umas ás outras pelas extremidades, formando series que partem do cen- tro para a circumferencia do lobulo ; que estas series longitudinaes estão ligadas entre si por outras series mais pequenas transversaes, de modo a formarem todas uma rede apertada de malhas polygonaes ou arredonda- das na peripheria e alongadas no centro do lobulo. Estas series de cellulas não se encontram isoladas, mas reunidas, segundo o sr. Lereboullet duas a duas, e segundo o sr. Kolliker a associação póde comprebender até cin- co series contiguas. Estas series de cellulas estão simplesmente juxta- postas, em quanto que as cellalas que compoem cada serie são muito adherentes entre si, mas sem se abrirem umas nas outras. Os cor- does d'esta rede têem de espessura 0"",015 a 0"",022; a largura me- dia das malhas é de 0””,020. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 43 O resto do lobulo é formado pelos vasos sanguineos (veia-porta e veias hepaticas), que nas suas ultimas ramificações formam tambem redes que percorrem o lobulo em todos os sentidos, formando a veia- porta na peripheria do lobulo uma rede admiravel, occupando o sys- tema das veias hepaticas principalmente a parte central do lobulo, em cujo meio apparece uma venula. Por esta disposição Kiernan chamou a estas venulas (ramos das veias hepaticas) veias intralobulares, deno- minando veias interlobulares, que formam a rede em torno do lobulo, aos ramos da veia-porta, aos quaes o sr. Lereboullet dá o nome de veias periphericas ou perilobulares, e o de veias centraes ás venulas hepaticas. Quando se fazem cortes no figado apparecem abertos os ori- ficios das venulas hepaticas (¿ntralobulares, centraes), em quanto que se não vêem as aberturas correspondentes ás ramificações da veia-por- ta, o que é devido a estarem as venulas hepaticas muito adherentes ás partes visinhas, á substancia do lobulo, e a terem as ramificações da veia-porta uma bainha fibro-cellulosa muito retractil. Os cordões das redes vasculares téem, em media, 0"",012 de espessura, e as suas malhas medem 0"",015 a 0””,020. As malhas da rede hepatica (formada pelas series de cellulas hepaticas) são oc- cupadas pelos cordões da rede vascular, e as malhas d'esta dão pas- sagem aos cordões da rede hepatica, de sorte que as duas redes (he- patica e vascular) penetram-se reciprocamente, entrelaçando-se uma na outra estreitamente, visto que o diametro dos cordões e o das ma- lhas é nas duas redes sensivelmente igual (0”",015). Pelo que tóca 4 posição das cellulas relativamente aos canalicu- los excretorios não combinam os observadores. O sr. Lereboullet af- firma que vira entre duas series de cellulas hepaticas comprimidas o canaliculo biliar. Diz mais que estes canaliculos não téem paredes proprias, que são simples canaes que ficam por entre as series de cel- lulas hepaticas, sendo representados no estado natural por uma linha ligeiramente sinuosa, resultante da approximação das series de cellu- las; seriam comparaveis, como diz Gerlach, aos meatos intercellula- res dos vegetaes ; que nunca podéra verificar a existencia d'uma mem- brana, mas que não duvida admitti-la, posto que no figado a sua pre- sença não seja indispensavel, por quanto a membrana fundamental das glandulas servindo principalmente dé apoio ás cellulas secretorias, es- tas no figado achariam apoio sufficiente sobre os vasos. Outros observadores crêem ter visto os canaliculos hepaticos com uma membrana propria, O sr. Kolliker rejeita a opinião que admitte a existencia dos 6a 44 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA canaliculos, quer estes se considerem como espaços intercellulares (Hen- le, Gerlach, Lereboullet), quer como formados por uma ¢unica pro- pria, cheia de cellulas hepaticas (Retzius, Theile), quer como series de cellulas abertas umas nas outras (Weber). Parece-nos sufficiente, para o que temos de dizer ácerca do exame microscopico do figado, o que levámos espendido sobre as cellulas he- paticas ; e por isso relativamente aos vasos apenas diremos duas palavras. Os vasos sanguineos do figado são: a veia-porta, as veias supra- hepaticas, e a arteria hepatica. Veia-porta. — Entra pelo sulco transversal do figado (envolvida com a arteria hepatica e os canaes biliares em uma bainha fornecida pela capsula de Glisson) e logo se divide em grande numero de gros- sos ramos, que se subdividem successivamente, penetrando, em todas as direcções, o tecido da glandula até chegar aos lobulos. Aqui as di- visões dos ramos (em numero de 3 a 5, segundo Kolliker, para cada lobulo) dispoem-se em torno dos lobulos em rede. Cada lobulo rece- be tambem varios raminhos das venulas-portaes visinhas, formando a reunião de todas estas ramificações venosas perilobulares uma coroa (veias perilobulares, ou interlobulares), da qual partem as ra mificações capillares (ramos lobulares, Kiernan) que constituem uma rede (rede capillar do lobulo) mo amago do lobulo, occupando, como dissemos, as malhas da rede formada pelas series das cellulas hepaticas. Esta rede capillar communica em cada lobulo, como veremos, com as ra- mificações da veia-intralobular (ramo da veia supra-hepatica) que jaz no centro ou eixo do lobulo respectivo. Veias supra-hepaticas. — Da rede capillar do lobulo hepatico nas- cem ramos, em numero variavel, que formam uma unica veia, que pela sua posição se tem chamado veia intralobular, a qual não com- munica com as dos lobulos visinhos. Os capillares do lobulo não só com- municam com as ramificações da veia-intralobular, mas tambem, mui- tas vezes, com esta mesma veia (intralobular), ©, segundo Theile, ain- da com veias mais volumosas (as sublobulares). As veias intralobulares descarregam-se em outras, a que Kier- nan denominou, pela sua situação, veias sublobulares, as quaes mar- cham pelos espaços ou intersticios dos lobulos. Pela sua reunião as veias sublobulares vão formando veias de maior calibre (nas quaes tambem se abrem directamente, raras vezes, as veias intralobulares), que por ultimo dão origem ás veias supra-hepaticas, que se acham collocadas em canaes especiaes praticados na substancia do figado, á qual adherem fortemente. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 45 Arteria hepatica. — Penetrando no figado esta arteria ramifica- se, acompanhando com as suas divisões as da veia-porta, á qual, assim como ao canal biliar visinho, vae largando ramos, e se esgota nas pa- redes dos vasos, nas dos canaes biliares, dos lobulos hepaticos, na ca- psula de Glisson, e no envolucro seroso do figado. Os seus ramos terminacs foram divididos por Theile em vascu- lares, capsulares e lobulares. i Os ramos vasculares dão origem ás veias vasculares (collocadas como os ramos da veia-porta na capsula de Glisson), as quaes, segun- do muitos micrographos, continuam-se com pequenos ramos da veja- porta, sendo consideradas com as raizes hepaticas da veia-porta ; estes ramos são nutritivos, e destinados ás paredes da veia-porta, ás dos ca- naes biliares e ás glandulas mucosas. Os ramos capsulares (são os ra- minhos perilobulares) formam plexos capillares de largas malhas, e continuam-se com veias, que internando-se pelo figado se descarregam em ramos da veia-porta. Os ramos lobulares ramificam-se entre os lobulos hepaticos e se continuam com a rede capillar peripherica d'es- tes, formada pela veia-porta. Por esta descripção a arteria hepatica não entra na composição intima do lobulo hepatico, e julga o sr. Le- reboullet que ella não fornece, pelo menos directamente, materiaes para a secreção da bilis; seria uma arteria simplesmente nutritiva, opinião que não é partilhada por alguns fysiologistas. E mesmo o sr. Lereboullet diz que, attendendo ás faceis communicações da arteria hepatica com a veia-porta, se póde explicar a possibilidade uma subs- tituicao funccional d'este vaso nos mui raros casos de doenças da veia- porta susceptiveis de impedir suas funcções. D'esta analyse histologica resulta que o lobulo hepatico é cons- tituido por duas ordens de redes, uma sanguinea, outra hepatica ou biliar, as quaes se adaptam perfeitamente entre si, entrelacando-se re- ciprocamente. A rede sanguinea é formada por tubos de paredes pro- prias (ramificações da veia-porta e das veias supra-hepaticas) que con- têem os materiaes destinados á secreção. A rede biliar é composta das cellulas hepaticas. O lobulo hepatico não oflerece ordinariamente a mesma côr em toda a sua extensão, o que depende do gráo de repleção dos vasos sanguineos, isto é, da rede perilobular formada pela veia-porta, e da rede capillar do lobulo, e tambem da quantidade de gordura contida nas cellulas hepaticas. Se o systema da veia-porta estiver congestiona- do a peripheria do lobulo terá uma colorisação mais carregada, se o figado tender a tornar-se exsangue, como succede na sua degencres- 46 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA cencia gordurosa, o systema da veia-porta despejando-se primeiro que o das veias hepaticas, a peripheria do lobulo será mais clara, amarel- lada ou esbranquiçada. Por esta diferença de côr da peripheria (achan- do-se, segundo uns, ordinariamente mais carregada no centro) Ferrein designou a porção exterior do lobulo substancia cortical e á central substancia medular. O sr. Lereboullet crê que no estado normal a cór mais clara apparece no centro, e segundo o sr. Kolliker a colori- sação é, em geral, uniforme em todo o lobulo. Pela rasão acima ex- posta e pelo que deixamos dito sobre a estructura intima do lobu- lo hepatico, não ha no figado duas substancias differentes, como se tem admittido. ! No homem o lobulo hepatico tem ordinariamente a extensão de 2 a 1 millimetro, raramente 2 millimetros segundo Lereboullet, e segundo Gerlach 0,3 a 0,5 de linha. Fecharemos esta rapida noticia, apresentando o resultado da ana- lyse chimica sobre as cellulas hepaticas feita por Bibra, como vem referida na obra do sr. Kolliker. E a seguinte : Materia proteica insoluvel na agoa ........... oiran area IAA Albumina....... ind dani valo Dl Materia dando gelatina. si vritoalais ione oallidicnhs cifra rato «03587 Materias extractivas........ deal Doda bol obrar ri6107 Gordyrabiisioio lam iaa vasseieh abiobates mb. oiimi Agar de a bellica raro oboe prises sanoyi 100 Em 100 partes da substancia do figado havia 3,99 de cinzas, compostas estas principalmente de phosphatos alcalinos, phosphato de cal, pouca silica, ferro e chlorureto de sodio (op. cit. pag. 478). HI Trame microscopico das cellulas hopolicas: analyse chimica relativa d gordura e ao assucar do figado, ma febre omarelle Raspando com um escalpello uma pequena porção de figado, ou dividindo com as agulhas proprias uma tenue lamina d'este orgão, e collocando a preparação no porta-objecto do microscopio, viram-se sem- pre as cellulas hepaticas pejadas de gordura, de tal. modo que se não pôde distinguir os seus nucleos. Alguns globulos de gordura eram tão grandes que occupavam quasi toda a cavidade da cellula. Uma pe- DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 47 quena pressão sobre a lamina de vidro que cobria a preparação, era sufficiente para fazer rebentar a cellula, saindo todo ou parte do seu conteudo, e observando-se então os globulos gordurosos isolados. O ether, introduzindo-se entre as duas laminas de vidro que abrangiam a preparação, dissolvia completamente aquelles globulos, tanto dentro como fóra das cellulas. O microscopio provou pois que havia uma verdadeira degene- rescencia gordurosa do figado, o que já nos tinha sido revelado pelos caracteres physicos d'esta viscera. Esta alteração do figado, na febre amarella, é analoga á que tem sido descripta por muitos auctores, que tratam da anatomia patholo- gica, sob a denominação de figado gordo ou gorduroso, e que se ob- serva na tisica pulmonar e outras affecções, e mesmo nos animaes em que artificialmente se tem produzido aquella alteração, sujeitando-os a certo regimen, como fizeram os srs. Cl. Bernard e Lereboullet. N'es- tes casos o exame microscopico dá os resultados, acima indicados ; as- sim o sr. Lereboullet vio em patos sacrificados em differentes periodos da engorda que em geral as vesiculas gordurosas, no principio mui pequenas, appareciam primeiramente no centro da cellula e occupa- vam o logar ordinario do nucleo e dos grupos de granulos hepaticos ; nos individuos que succumbiram 4 febre amarella tambem os nucleos e os granulos das cellulas hepaticas tinham desapparecido, cedendo o seu logar ás gottinhas de gordura. Esses nucleos e granulos conver- teram-se em gordura ou foram absorvidos? O que nos parete fóra de duvida é que a gordura existia dentro das proprias cellulas hepaticas. O sr. Lereboullet observou ao microscopio tres figados de indi- viduos tisicos, que apresentavam em differentes gráos a degenerescen- cia gordurosa. Em todos tres a superficie do orgão tinha uma côr uni- forme, esbranquiçada, tirando para amarello-palha ; porém examinan- do talhadas delgadas, vio a sua superficie juncada de pequenos pon- tos avermelhados ou pardos occupando o centro d'uma rede da mes- ma côr da superficie. Estas ilhotas coradas, que representavam o cen- tro dos lobulos primitivos do ligado, eram mais ou menos pequenas segundo a degenerescencia gordurosa era mais ou menos avançada, Todas as cellulas hepaticas estavam alteradas, diferindo no gráo de repleção de gordura ; geralmente as grossas cellulas gordurosas não continham nucleo nem granulos. 9601 É na tisica pulmunar que se encontram mais vezes /igados gor dos; segundo Louis a terca parte dos individuos aflectados d'esta doen- ca apresenta a degenerescencia gordurosa. Em outras doenças tambem 48 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA se nota a mesma alteração do figado, posto que menos vezes, taes co- . mo a tuberculose, peritonite cancerosa, cirrhose (Lereboullet), e escro- phulas (segundo outros). á Com tudo, convem ter presente na lembrança, em doença algu- ma a degenerescencia gordurosa do figado tem sido observada em tão grande proporção como o foi na febre amarella, na qual se mostrou quasi constante, se não existiu sempre, e esta circumstancia é mui ponderosa. Vejamos agora o que diz a chimica pathologica do figado. Os frascos, capsulas e filtros, que serviram na analyse, foram previamente pesados e convenientemente marcados. Na execução da analyse seguiu-se sempre a seguinte marcha: separava-se uma onça de figado ; cortava-se em pequenos pedaços, que se mettiam com duas onças d'ether sulphurico, por espaço de 48 horas, dentro de um frasco bem rolhado. Decorrido este lapso de tempo, deitava-se o conteudo do frasco em um filtro de papel, e recebia-se o liquido, que corria, em uma capsula. Este liquido saía do filtro limpido e d'um amarello de cidra; mas para o fim da operação passavam juntamente com elle algumas gottas de materia corante vermelha, a qual se separava e depositava rapidamente no fundo da capsula, deixando o liquido su- perior com a sua primitiva côr e limpidez. Esta materia corante, ob- servada varias vezes ao microscopio, nunca mostrou globulos sangui- neos, o que era devido provavelmente a que a globulina se tinha dis- solvido, ficando a hematosina sem alteração. Para extrahir-se a maior parte possivel da materia adherente ás paredes do frasco, lavava-se este com meia onça de ether, que depois se lançava no filtro; o fras- co era então pesado, e achava-se a differença (relativamente ao peso que tinha antes) a qual indicava o peso das materias que, apesar da lavagem, ficavam adherentes ás paredes do vaso. Quando já não cor- ria gotta alguma atravez do filtro, collocava-se a capsula com o seu conteudo sobre um banho de areia a fogo lento; quando pela evapo- ração já se não sentia cheiro algum d'ether, guardava-se a capsula até o dia seguinte em que era pesada com o seu conteudo, e, depois de subtrahido o peso da capsula, obtinha-se o da gordura, Este peso com o do conteudo do filtro e mais o da materia adherente ao frasco, sendo diminuido do peso total do figado dava o da materia perdida pela eva- poracáo. Assim se obtinham todos os elementos de calculo, sendo o principal'o peso da gordura. Nas differentes analyses que se fizeram, a quantidade da gordura variou entre 1 oitava e 7 grãos, e 2 oitavas e 27 grãos para uma onça de figado, sendo a media representada por 1 oit. e 38 grãos. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 49 A minima quantidade de gordura (1 oit. e 7 grs.) achou-se no figado de uma mulher de 30 annos de idade, de temperamento lym- phatico, mediana constituição, e que succumbira no terceiro dia da doença no hospital do Desterro: o peso especifico do figado foi n'este caso de 1,063. Em um homem que falleceu no hospital de S. José (não tendo sido atacado pela febre amarella), cujo figado parecia sem alteração, achou-se em uma onça deste orgão 1 oitava e 2 grãos de gordura; por conseguinte o figado na febre amarella conteve sempre maior quan- tidade de gordura. A analyse confirmou, pois, os resultados já obtidos pelo exame dos caracteres physicos do figado e pela observação microscopica. Pa- rece não haver duvida de que o figado soffreu uma verdadeira dege- nerescencia gordurosa na febre amarella, pelo menos todos os meios de investigação como que á porfia conspiraram para o provar. Cumpre, porem, dizer que a analyse quantitativa não póde ser tida como muito rigorosa, porque nem sempre é possivel fazer com que o ether se apodere de toda a gordura contida nos fragmentos de figado; melhor se teria andado por ventura, se se tivesse reduzido o figado a polpa; o que se não fez por que, tendo as primeiras analy- ses sido praticadas por aquelle processo, era mister que as seguintes o fossem do mesmo modo para poderem comparar-se os seus resulta- dos; e para o caso em questão pouco importáva, por quanto o princi- pal objecto era achar a quantidade relativa de gordura e não a abso- lutas Por outro lado não era possivel graduar a evaporação de modo que se perdessem sempre quantidades iguaes de liquido para todas as experiencias, visto que conjunctamente com o ether carregado de gor- dura passava certa quantidade de materia corante, como dissemos, e alguma agua do soro do sangue contido no figado ; ora não sendo pos- sivel graduar sempre a evaporação d'estas substancias, é claro que al- guma porção d'agoa e mesmo de materias organicas e saes ficavam sem se evaporarem, e vinham assim figurar depois no peso da gor- dura contida na capsula. Accresce ainda que o ether empregado não era talvez dos mais puros, por isso que era fornecido pela botica do hospital, que por certo não se serve do ether tão puro ou anhydro, como aquelle de que usa o chimico em suas analyses, e por conse- guinte alguma porção d'agoa nelle existente ia juntar-se á que pro- cedia do figado e que servira para dissolver os seus saes. Apesar de todas estas considerações que occorreram ao dr. May Figueira, não deixam de ser aproveitaveis as analyses feitas, porque satisfazem ao MEM. DA ACAD.—I1." CLASSE—T. I. P. IL T F 50 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA fim que se levava em vista, qual era o conhecimento da quantidade relativa de gordura nos differentes casos. Sendo o figado a séde da mui debatida funecáo glycogenica, era curioso sabér se acaso ella se alterava na febre amarella. N'este pro- posito se encaminharam tambem as experiencias no hospital do Desterro. Para que aos reagentes se desse a devida confiança e para que as experiencas tivessem valor, procurou-se primeiramente verificar se com elles se podia achar assucar em um figado normal. Para este fim foi escolhido o figado de boi, do qual se separou uma pequena por- cáo que, depois de bem pisada e reduzida a polpa, foi misturada com uma pequena quantidade d'agoa distillada, levada á fervura, e por ul- timo filtrada. O liquido tendo sido tratado ora pelo licor de Barreswil, “ora pelo sulphato de cobre juntamente com a potassa caustica, com o auxilio do calor, precipitou em ambos os casos uma grande quan- tidade de oxydo de cobre, o que denotava a presença de assucar. Alguns dias depois o acaso nos deparou o figado d'um homem, que gosava de boa saude e que entrára no hospital de S. José com um corte profundo na trachea, ao qual snecumbiu passado pouco tempo. Este figado que, a todos os respeitos, devia considerar-se nas circums- tancias as mais idoneas para dar os resultados d'analyse proprios do figado humano normal, foi submettido do mesmo modo á experiencia precedente, pela qual se obtiveram efectivamente resultados analo- gos. Aproveitou-se a occasiäo para fazer-se a analyse quantitativa do assucar; seguiu-se o processo tantas vezes empregado pelo sr. Cl. Ber- nard, e achou-se que em 100 grammas de figado existiam 280,43 de glycose. Fez-se depois a analyse, empregando exactamente o mesmo pro- cesso, em um figado muito amarello, tendo de peso especifico 40.881, duma mulher de 73 annos de idade, lavadeira, de temperamento lymphatico e fraca constituição, atacada de febre amarela, que falle- ceu no mesmo dia de sua entrada no hospital (Desterro), e encon- trou-se uma grande quantidade de assucar. Não pôde fazer-se a analyse quantitativa rigorosa por não se ter á mão n'aquelle momento 0 instrumento necessario (tudo graduado), porem tendo-se operado em quantidades de liquido iguaes áquellas em que era costume fazer a analyse quantitativa, achou-se que, se a quantidade de assucar não era superior 4 media normal, tambem de certo não lhe era inferior, e por conseguinte em presença d'esta ex- periencia o assucar permaneceu no figado apesar da degenerescencia gordurosa que elle apresentava na febre amarella. A A DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 51 Alem do caso que vimos de mencionar, mais nove figados de in- dividuos que haviam succumbido á febre amarella foram submetti- dos á mesma analyse, porem em nenhum d'elles se encontrou assu- car. Este facto não deve admirar, sabendo-se que aquelles individuos se tinham demorado muitos dias no hospital em dieta absoluta, cir- cumstancia que só de per si basta para fazer desapparecer o assucar do figado, segundo tem já mostrado a experiencia. Effectivamente em suas experiencias sobre o /igado gordo, doen- ca artificialmente produzida em patos submettidos a certa alimenta- ção, viu o sr. Cl. Bernard que, apesar da gordura chegar a encher as cellulas hepaticas, a quantidade do assucar fabricado pelo figado lon- ge de diminuir augmentava. Ora a primeira analyse que referimos, em um caso typo de febre amarella, em que as cellulas hepaticas es- tavam carregadas de gordura, mostrou effectivamente grande quantida- de de gordura, o que confirmou no homem as experiencias do illus- tre fysiologista sobre o fígado gordo dos patos. Com a privação dos alimentos, segundo as observações do mes- mo fysiologista, não cessa no figado a producçäo do assucar ; esta con- tinúa a formar-se, diz elle, á custa dos materiaes do sangue que con- tinuamente atravessa aquella viscera; mas a sua secreção vae dimi- nuindo, e desapparece 3 ou 4 dias, pouco mais ou menos, antes da morte do animal, quando este, tendo perdido os. £ do-seu peso, ex- perimenta os symptomas da inanição. O tempo preciso para a extinc- ção- da produecäo do assucar hepatico sob a influencia da abstinencia é, com tudo, variavel com a idade e estatura dos animaes, e a facul- dade de resistir mais ou menos 4 inanição. Ora os doentes, em que depois os reactivos não indicaram a presença de assucar no figado, es- tavam adietados de ha muito tempo, e por conseguinte achavam-se nas condições em que costuma cessar ou interromper-se a notavel func- ção glycogenica do figado. Temos pois em ultimo resultado que o assucar póde existir no figado dos individuos acommettidos pela febre amarella, mas que de ordinario aquella substancia desapparece, quando a doença se prolonga. -3 » 52 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA IV Bexiga e ductos biliares Falta-nos ainda tratar de uma parte do apparelho biliar; da be- xiga fellea e do seu conteúdo, que muitas vezes se alteraram na febre amarella. Em muitas occasides encontrámos a vesicula fellea notavel- mente pequena (13 sobre 63), muito retrahida, com sua cavidade mui- tissimo diminuida e ás vezes vasia; em outras, ao contrario, achava- se dilatada (15 sobre 63), chegando a ter mais de dobrado volume do ordinario, contendo então bilis alterada ou sangue. A sua mem- brana mucosa, intacta ordinariamente, estava sensivelmente espessada em alguns dos casos de retracção consideravel (4 sobre 13), e mais raramente adelgaçada em casos de grande dilatação. O conteúdo d'es- te reservatorio apresentou-se as mais das vezes com notaveis altera- ções; ordinariamente era o liquido biliar incrassado, carregado em côr ou inteiramente negro (20 sobre 63); em outras occasiões era clara- mente uma mistura de sangue e bilis ou sangue simplesmente (13 so- bre 63). Em uma das autopses era muito notavél a dilatação da ve- sicula fellea, contendo grande quantidade de sangue, que foi obser- vado depois no campo do microscopio. Em todas as autopses em que examinámos os ductos biliares (cys- tico, hepatico e choledoco) até á sua terminação na superficie interna do duodeno, nunca os encontrámos obstruidos; quando exerciamos pres- são sobre a vesicula biliar, o seu conteúdo apparecia no intestino. D'estes factos resulta que a secreção biliar foi viciada, ou na sua origem, no momento da elaboração do liquido pelas vesiculas ou cel- lulas hepaticas, ou na vesicula fellea, parécendo em álguns casos sus- pender-se de todo, por isso que achámos a bexiga e ductos biliares vasios. Não é de admirar a viciação da secreção biliar, quando o or- tão d'ella encarregado experimentava tão notaveis e rapidas altera- ções, como as que temos descripto. O cs DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. b CAPITULO VIII Apparelho urinario RINS ; BEXIGA URINARIA Rens; volume, cor, hyperemia, consistencia Participaram estes orgãos do estado anatomo-pathologico, que te- mos indicado como frequente nos differentes orgãos; referimo-nos á hyperemia de seu parenchyma *, que offerecia entào á superficie das incisões uma côr vermelha, mais ou menos carregada; cór esta que nem sempre se manifestava na peripheria do orgão. Em algumas oc- casiões a côr geral do exterior do orgão era amarellada *, amarello palha, ás vezes fortemente pallida; em outras inteiramente verme- lha °. O volume dos rins, assim como a sua consistencia, poucas ve- zes apresentaram alteração; em tres casos estavam muito hypertro- phiados, e em dois reduzidos de volume, sendo em um consideravel a sua atrophia. No quadro seguinte apontamos estas alterações. QUADRO GERAL DAS ALTERAÇÕES DOS RINS VOLUME CÔR PERIPHERICA CONSISTENCIA —_ So, HYPEREMIA n_n Maior | Menor Vermelha | Amarella Maior Menor 3 | 2 6 13 18 1 1 1 18 sobre 63 casos ou na rasão de 1:3,50. ? 43 sobre 63 casos ou na rasão de 1:4,84. 3 6 sobre 63 casos ou na rasão de 1:10,50. ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA Convem mencionar que algumas vezes a substancia cortical dos rins estava consideravelmente augmentada, invadindo a substancia tu- bular, e parecendo á vista desarmada carregada de substancia gordu- rosa, o que foi verificado pelo exame microscopico. Emquanto á relação das differentes alterações dos rins entre si, temos a notar que dos 18 casos de hyperemia 16 coincidiram com o volume ordinario (approximadamente) d'aquelles orgãos, 1 com o augmento de volume, e outro com menor volume. Em 7 casos a hy- peremia traduziu-se exteriormente pela côr vemelha, em 4 coincidiu com a côr amarellada externamente, e nos 7 casos restantes a côr da peripheria não pareceu diferir da normal. Em um caso foi notavel o amollecimento dos orgãos secretorios da urina: o que tudo se acha in- dicado no seguinte quadro. HYPEREMIA DOS RINS EM RELAÇÃO COM O SEU VOLUME, CONSISTENCIA E COR TERES sida VOLUME CÔR PERIPHERICA CONSISTENCIA ee TT n re a E rs É E e ~ 4 = 3 ® D a à 3 E E El E E El E 3 E i's ` 3 2 E G E S 3 2 5 z = = Z > A, A a = A 18 1 1 16 7 4 i » 1 if II Bosiga urinaria capacidade, grossura de suas paredes, contentos Na bexiga urinaria encontraram-se alterações mui dignas de men- ção sob estes pontos de vista. Em 22 autopses das 63 achámos a be- xiga muito retrahida e com suas paredes bastante espessas, e apenas em 4 a vimos dilatada e cheia de liquido, havendo em duas adelga- camento de suas paredes. Em 7 casos a bexiga estava totalmente va- sia; em 13 continha urina amarella; e em 6 urina sanguinolenta, ou simplesmente sangue, e em 1 caso um liquido annegrado (sangue al- terado). No seguinte quadro indicámos todas estas alterações. or DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 5 QUADRO GERAL DAS ALTERAÇÕES DA BEXIGA URINARIA E GROSSURA CAPACIDADE £ CONTENTOS DAS SUAS PAREDES cm | tt SN | CT © 28 eS 2 do [ci os à; = Es A = À E 5 to È 3 502 o =} s È 3 E 5 3 3 5 i G] aS E gy El o e G: B oa = È = 8 E a Sa 5 3 n m = à = E $ 5 “a E Ea a Q a ia = = m 4 22 23 2 7 13 6 t Pelo que tóca ás combinações d'estas alterações entre si, o qua- dro seguinte as representa em resumo. CAPACIDADE DA BEXIGA URINARIA EM RELAÇÃO COM A GROSSURA DE SUAS PAREDES E CONTENTOS GROSSURA CONTENTOS 3 pe Le A 3 Lure CAPACIDADE hd 4 Sp a a E 8 z A E = E | É Sao = A E E = A E E 4 = [=| E g So EO 5 a E E 2 iS © | Ve <= o E a a A A =) =] te a Dilatada........ 4 » 1 3 » 1 2 » 1 Diminuida,..... 22 21 » 1 È 11 2 i 1 4 NOTARI 37 2 1 34 » 1 2 » 34 Aqui se vé: 1.º, que dos 4 casos de dilatação da bexiga urinaria só em um havia modificação na grossura de suas paredes que era me- nor, em 2 continha a bexiga urina sanguinolenta, e em 1 amarellada: 2.º, que ao contrario dos 22 casos de retracção da bexiga havia em 21 56 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA augmento na grossura de suas paredes, em 11 ella continha urina amarella, em 2 sanguinolenta, em 1 um liquido negro, e em I e= tava completamente vasia; por conseguinte a alteração mais frequente das paredes da bexiga urinaria foi a sua retracção e augmento de es- pessura; e dos seus contentos foi a amarellidão da urina e a falta com- pleta d'este liquido. Vê-se pois que o reservatorio da urina apresentou notaveis al- Lerações, as quaes, com quanto não sejam peculiares da febre amarel- la, não deixam de merecer muita attenção, e talvez representem im- portante papel na sua pathogenia, RECAPITULACAO DOS PONTOS PRINCIPAES DA ANATOMIA PATHOLOGICA. Temos indicado as alteracóes pathologicas porque passaram na febre amarella os solidos e liquidos do organismo *; parece-nos que nos não escapou nenhuma. Acham-se todas indicadas resumidamente na collecção dos mappas geraes (A, B, C, D, E) das alterações anato- mo-pathologicas da febre amarella em Lisboa no anno de 1857, que juntámos no fim da memoria. Lancemos agora uma vista d'olhos so- bre ellas e vejamos quaes foram as mais frequentes, quaes as pecu- liares, se as houve, d'aquelle morbo, quaes as que podem considerar- se como tendo constituido o caracter anatomo-pathologico da febre amarella, que reinou em Lisboa nos mezes de setembro, outubro, no- vembro e dezembro de 1857. Ficaria incompleto este trabalho (alem das imperfeições que deve necessariamente conter) se, depois de ha- vermos exposto os resultados da anatomia, da microscopia e da chi- mica pathologicas não fixassemos a attenção sobre os pontos capitaes ; se, depois de feita a analyse, não recomposessemos o todo com os seus attributos. É esta tarefa que vae deter-nos por alguns momentos. O orgão que apresentou alterações mais profundas, quasi constantes senão sempre, foi indubitavelmente o figado; pois apenas 4 vezes em 100 pareceu estar, pelos seus caracteres physicos, no estado normal; e ainda assim, convem advertir, nada prova que a alteração caracte- 1 Do sangue trataremos na symptomatologia. Dan i DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 57 ristica já não tivesse desapparecido, pelo restabelecimento do orgão (co- mo succede nos fallecimentos por causa accidental na convalescença dos doentes), ou que não houvesse de eflectuar-se (não se tendo ma- nifestado ainda pela rapidez da aflecção, como se verifica nas febres graves, por exemplo), ou que de facto não existisse já, porque se não fez n'estes rarissimos casos o exame microscopico, o unico que pode- ria mostrar a especial degenerescencia das cellulas hepaticas, que po- dia escapar á vista desarmada. Sempre que se fez o exame microsco- pico, encontrou-se degenerescencia gordurosa. Quaes foram pois essas alterações do figado? Já ficaram descri- ptas; mas todas ellas se filiam em uma alteração fundamental, em uma alteração do proprio parenchyma, em uma alteração profunda dos elementos organicos. Essa alteração, temo-lo repetido muitas ve- zes, é a degencrescencia gordurosa do figado, peremptoriamente de- monstrada, na epidemia de Lisboa, pelo exame physico, chimico e mi- croscopico do orgão. Uma alteração especial, que se revelou sempre com a mesma feição, que acompanhou na sua evolução dado quadro symptomatico geral, uma doença tambem especial, que foi constante (pode dizer-se assim) n'este estado morbido, deve ser considerada co- mo o caracter anatomo-pathologico d'essa doença. E quando mesmo fosse decretoriamente provada a ausencia completa d'aquella alteração num ou n'outro caso, ainda assim ella não deixaria de constituir a expressão anatomica capital da doença, do mesmo modo que succede nas doenças totius substanciae em que por vezes faltam as suas lesões anatomicas especiaes. Na epidemia de febre amarella que assolou Gibraltar em 1828 Louis, a quem a sciencia deve os preciosos fructos d'uma longa e es- clarecida experiencia, aponta em sua descripção o figado como o orgão constantemente aflectado, e indica as modificações das qualidades phy- sicas d'esta viscera; mas o indefesso medico não capitulou degeneres- cencia gordurosa aquelle estado por que passa o figado ; chamou-lhe especifica alteração do figado, que suppoz differente da transformação gordurosa. O sr. Dutrouleau diz que em uma epidemia de febre amarella na Martinica, de fevereiro de 1839 a julho de 1841, nunca vira faltar esta alteração em mais de cem autopses que praticára '. O dr. Catel encontrou-a igualmente em 1838 em todos os individuos, em numero de 150, cuja necropse fizera ?. 1 Dissertation inaugurale, 1842. 2 Bul. de Pacad. de méd, 1812. MEM. DA AGAD.—Í.* CLASSE—T, I. P. 11. 8 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA De Budd e outros medicos explicaram a pallidez do figado pela presenga de gordura no seu parenchyma. O dr. Clarck poz fóra de du- vida a natureza da lesáo hepatica. Examinando ao microscopio as cel- lulas hepaticas' de individuos que foram victimas da febre amarella em New-York, achou-as carregadas de gordura, e viu grande copia de globulos gordos livres no parenchyma do figado, pelo que emittiu o parecer de que na febre amarella havia uma degenerescencia gor- durosa aguda do figado. Na epidemia de 1853-1854 em Philadelphia verificaram os me- dicos, nos diversos hospitaes, as observações microscopicas do dr. Clarck. O auctor d'uma das melhores monographias sobre a febre amarella !, o dr. La-Roche, considera que aquella alteração do figado é um dos signaes anatomicos mais caracteriscos da febre amarella, julgando que o facto tão constante d'esta alteração não póde ser fortuito, antes es- sencial, e tanto mais que ella se não observa nas outras febres. O sr. La-Roche viu em Philadelphia (1853), em todos os figados (foram vinte) que examinou ao microscopio, as cellulas secretorias pallidas e como murchas, não apresentando bem distinctos os seus contornos, e privadas de seus nucleos, Ellas continham granulações e mesmo glo- bulos gordurosos; e demais uma grande quantidade d'estes globulos achava-se espalhada entre as cellulas, Na epidemia de 1857 em Lisboa levou-se mais longe a exploração do figado, por quanto ao exame microscopico juntou-se a analyse chi- mica, extrahindo-se directamente a gordura e avaliando-se a sua quan- tidade ; procedeu-se similhantemente a respeito do assucar hepatico. Por todos estes trabalhos chegou-se ao conhecimento da modificação fundamental: do figado, e que deve ser considerada, pela sua constan- cia, como a principal na febre amarella ?, Depois do figado a parte que mais frequentemente se mostrou modificada, foi a pelle, relativamente á sua cor. De feito, a amarelli- dão da pelle, mais ou menos extensa, apenas faltou em 15 casos (pro- ximamente) sobre 100, tendo-se manifestado em alguns sómente post- mortem, e por conseguinte é forcoso te-la como um dos caracteres ana- tomo-pathologicos da febre amarella, sem comtudo ser essencial a esta doença, por quanto casos houve bem averiguados de não ter-se paten- ! Tellow Fever Considered in its Historical, Pathological, Etiological, and Thera- peutical Relations, 2 vol., 1855. ? Bem entendido que não incluimos aqui qualquer alteração primordial do sangue ou do systema nervoso, que represente por ventura o primeiro papel na pathogenia da febre amarella. nn DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 59 teado em todo o decurso da doenca nem na autopse. Na symptomato- logia faremos o estudo mais detençoso da colorisação anormal da pelle na febre amarella. Outro facto pathologico muito notavel pela sua natureza e fre- quencia, foi o relativo aos contentos do estomago e intestinos, os quaes quasi sempre foram constituidos por sangue ordinariamente mais ou menos alterado, e misturado ou não com bilis. Considerando mesmo co- mo normaes os casos em que elles se apresentaram amarellados, e só- mente os mais, como anormaes (embora differentes na côr, que dependia da alteração mais ou menos avançada do sangue derramado e da sua mistura com os liquidos naturaes do canal gastro-intestinal) temos que em 100 casos só 15 foram normaes no estomago, e 17 nos intestinos, sendo anormaes em 84 (sobre 100 casos) no estomago, e em 82 nos intestinos. A maior parte das vezes estes contentos anormaes eram for- mados por um liquido negro, na razão de 62,3 : 100 (representando 100 todos os outros casos de alteração) no estomago, e na de 82,7:100 nos intestinos. Por conseguinte não póde deixar de considerar-se como um caracter anatomo-pathologico importantissimo da febre amarella a presença, no canal gastro-intestinal, d'uma substancia sanguinolen- ta, que se apresentou ordinariamente como um liquido negro. Os pulmões foram affectados tambem na maxima parte dos ca- sos, na razão de 84,1: 100 (representando 100 o total das autopses), consistindo a sua modificação na congestão ou hemorrhagia no seu pa- renchyma, sendo a primeira muitissimo mais frequente (49 sobre 58 ou 92,4 : 100) do que a segunda (8 sobre 53 ou 15 : 100). Por tanto a congestáo pulmonar deve figurar no quadro caracteristico da anato- mia pathologica da febre amarella. Não passaremos adiante sem chamar a attenção para uma cir- cumstancia mui digna de notar-se; referimo-nos á quasi igualdade de frequencia em que se encontraram, nas necropses, a colorisação anor- mal da pelle, a «congestão pulmonar, e os contentos sanguinolentos (mais ou menos alterados) do estomago e intestinos. Correndo todo o quadro das alterações anatomo-pathologicas da febre amarella, não deparâmos com alguma que possa equiparar-se, pela sua frequencia, com as que vimos de mencionar; todas faltaram na maior parte dos casos, e por consequencia não podem entrar senão como accessorias na anatomia pathologica da febre amarella. Todavia ha duas que não devem omittir-se aqui; vem a ser, primeiramente à grande retracção e espessidäo das paredes da bexiga urinaria, cuja ca- vidade por vezes parecia extincta, não contendo liquido algum ; esta 8 * , 60 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA alteração da bexiga foi patente na razão de 34,9:100, pouco mais da terça parte dos casos. Em segundo logar foi a alteração da bilis con- tida no seu reservatorio natural, e a hemorrhagia verificada n'este em 13 das 63 autopses ou na razão de 20,6: 100. Não largaremos mão d'esta materia sem examinar primeiro se houve alguma alteração mais frequente, predominante, nos outros or- gãos, e se foi a mesma. Houve uma que muito sobresaiu d'entre to- das as outras, e que por este facto deve ser tida em consideração; foi a congestão ou a hyperemia. Effectivamente lá está a syzopse da anato- mia pathologica (mappa F) para o mostrar clara e rapidamente. At- tenda-se com particularidade aos centros nervosos e suas meninges, á mucosa gastro-intestinal e aos rins *, que todos revelam uma extraor- dinaria tendencia hyperemica, que teve logar em larga escala nos pul- mões, como dissemos, o que não é para maravilhar attenta a grande vascularisação d'estes orgãos. Cousa notavel! Em contraste com o que se passa nos outros or- gãos o figado, o orgão affectado por excellencia na febre amarella, lon- ge de mostrar o seu parenchyma hyperemiado parecia desangrado, ex- sangue. Em conclusão do que temos expendido n'esta parte da memoria, podemos assentar a seguinte proposição : Degenerescencia gordurosa das celulas hepaticas, contentos gas- tro-intestinaes formados por sangue, mais ou menos alterado, e repre- sentados ordinariamente por liquido negro, amarellidao da pelle e con- junctiva, hyperemia pulmonar, taes foram as alterações que constitui- ram a expressão anatomo-pathologica caracteristica da febre amarella que invadiu Lisboa em 1857. Muitas vezes se observou a retracção da bexiga urinaria, derra- mamento de sangue na bexiga fellea, e hyperemia nos principaes or- gãos. Nenhuma das alterações mencionadas é exclusiva da febre ama- rella ; nenhuma só de per si a caracterisa, mas sim o seu conjuncto. Fecharemos esta parte da memoria fazendo uma advertencia que nos parece capital, e é que não suppomos a febre amarella uma doen- ca do figado, nem do canal gastro-intestinal, nem dos pulmões. Estes orgãos foram unicamente as partes por cujo intermedio se revelou a doença; as suas alterações não foram mais que a manifestação local, o effeito d'uma causa geral. `à 1 Estes orgãos, convem não esquecer, em alguns casos apresentaram a ea dai cencia gordurosa, como notámos a pag. 54 d’esta memoria. Y DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 61 SEGUNDA PARTE SYMPTOMATOL OGIA CAPITULO I Periodos da doença Prodromos ow periodo prodromico Qualquer que fosse a fórma de manifestação, o diverso modo de combinação dos seus symptomas, a febre amarella apresentou geral- mente um fundo symptomatologico proprio, uma feição caracteristica, quando estava definitivamente estabelecida. É exactamente o que se tem observado nas epidemias de febre amarella em todas as epocas e logares que esta doença tem peregrinado. A confrontação das descri- pções das differentes epidemias provaria a asserção; porém para não sairmos dos limites que nos imposemos, contentar-nos-hemos com a citação da seguinte passagem : «Les auteurs décrivent diverses formes de la maladie; ils admettent plusieurs espèces et variétés ; mais au fond on retrouve toujours un cachet général qui permet de réunir toutes les nuances dans le méme cadre. Les descriptions qui nous vien- nent aujourd'hui du Nouveau-Monde ressemblent exactement, dans l- ensemble de la physionomie, á celles qui furent données par les pre- miers observateurs: même correspondance dans les époques de l'in- vasion et de la cessation des épidémies, mémes symptômes caractéristi- ques, mêmes lésions cadavériques; l'identité est complete. . . La fièvre Jaune, dit Pariset, qui, en 1821, a désolé Barcelone, Malaga, Palma, Cadix, le port Sainte-Marie, est la même que la fièvre jaune des An- tilles, la méme qu'on a vu tant de fois, depuis vingt ans, dans plu- sieurs villes du sud et de l'est de l'Espagne. C'est donc une chose acquise : la fièvre jaune est une, toujours et partout !.» Já em 1838 ! Considérations sur la fièvre jaune par C. Valdés y Martinez, — Montpellier, 1857. 62 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA Littré havia escripto: «Un grand nombre d’épidémies de fièvres jau- nes on déjà été observées. et la maladie a toujours présenté essenciel- lement le même caractère !.» Vamos pois dar uma descripção geral dos symptomas, com que a febre amarella se desenvolveu e progrediu na capital do reino, sob a forma epidemica, detendo-nos no estudo d'aquelles que, pela sua im- portancia, mais deverem prender a attenção. A febre amarella foi muitas vezes annunciada por prodromos, si- milhantes em geral aos das affeeções agudas, e particularmente aos da febre: angiothenica. Entre estes phenomenos precursores figuraram os calefrios, que eram quasi sempre 0 primeiro phenomeno do drama morbido, geraes ou limitados 4 regiáo dorso-lombar, sendo ‘depois sub- stituidos por calor, ou alternando com este; mal estar ou indisposição, quebramento de forças, inaptidão para os trabalhos intellectuaes ; ce- phalalgia, mais intensa ordinariamente na fronte, depois em torno da cabeca, nas fontes e no occiput; zunidos d'ouvidos. Dores vagas, e or- dinariamente muito fortes na região lombar, estendendo-se d'aqui para os membros pelvianos; em algumas occasiões as dores faziam-se sen- tir principalmente nas articulações. Duravam os phenomenos prodro- micos de algumas horas a dois dias ordinariamente. Em algumas epidemias têem attrahido a attenção certos pheno- menos insolitos, taes como uma fome extraordinaria ?, uma colorisa- cáo amarella da lingua, dos labios e das azas do nariz, etc. Conta-se de um individuo que chegára a Xalapa (cidade do Mexico) de perfcita saude: « vós tereis o vomito esta tarde, lhe disse um barbeiro indio quando lhe ensaboava as barbas; o sabão secca 4 medida que o appli- co; é um signal que nunca engana,» Ellectivamente, poucas horas de- pois se declarou a doença *. Outras vezes, e porventura na maior parte dos casos, os indivi- duos na fruição de boa saude eram acommettidos de chofre pela doen- ca. Arrepiamentos de frio ao correr da espinha, seguidos de febre mais ou menos forte, cephalalgia e dores lombares, eram os primeiros sym- ptomas que de ordinario indicavam a invasão da doença, que tinha logar a qualquer hora do dia ou da noite. A invasão subita da febre amarella tem sido apontada como cons- tante ou a mais frequente em muitas epidemias. «Han sido, diz Are- jula, siempre acometidos los enfermos como de repente, y sin la me» 1 Dict. de méd. t. 17.° p. 273. 2 Laso; Col. relat. à la fiebre amarilla, 1821. 3 A. de Humboldt; Essai politique etc. Y. De DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 63 nor sospecha ni preludio que les anunciase un mal proximo !.»—« Le plus souvent elle débutait tout á coup, diz Devese, sans nul signe avant-coureur *.»—« Une invasion brusque, referem Bally, Francois e Pariset, surprenait les individus *.»—« Le plus généralement, elle éclate brusquement, diz o sr. Delery, quelquefois méme sans le moindre „prodrome *.» Em Lisboa as coisas passaram-se como deixamos dito. Admittimos tres periodos na febre amarella, não só porque mui- tas vezes elles foram observados distinctamente, mas tambem para tor- nar mais facil a enumeração e coordenação dos symptomas. Il Primeiro periodo ow periodo inicial ow de invastio Se a doença era precedida por prodromos, estes continuavam ad- quirindo maior intensidade, sendo então muito difficil, senão impossi- vel, marcar o principio d'este periodo, porque os doentes passavam gradualmente do periodo prodromico para este. As mais das vezes porém outros phenomenos se lhes aggrega- vam, e o primeiro periodo se mostrava bem manifesto. A cephalalgia - era forte, mormente a frontal ou supraorbitaria ; raramente faltava. Doiam tambem ás vezes os olhos, os quaes lagrimejavam, maxime sob a impressão da luz, que era então difficilmente supportada ; as con- junctivas injectavam-se, e em muitos casos a vermelhidão vascular d'estas membranas assentava, já n'este periodo, sobre um fundo ama- rellado, principalmente junto dos angulos internos dos olhos. Face ani- mada, e mais ou menos córada ; com tudo o quebramento de forças ou o abatimento era sobremodo notavel. Vimos muitas vezes doentes de robusta constituição. com a face rosada e olhos brilhantes, pare- cendo conservar as suas forças, sem poderem ter-se em pé! Em alguns individuos, a physionomia conservava-se natural, em outros o rosto empalledecia, uns doentes apresentavam um ar triste, outros aterrados prognosticavam uma terminação fatal; alguns houve que, inteiramente abatidos, eram indifferentes a tudo. As dores lom- bares, propagando-se ou não para as extremidades inferiores, eram de ordinario intensas, e raramente faltavam ; exasperavam-se com os mo- ! Breve descripcion de la fiebre amarilla. — Madrid, 1806. 2 Traité de la fièv. jaune, 1820. 3 Hist. méd. de la fièvre jaune ctc., 1823. 4 Fièvre jaune.—Nouvelle-Orleans, 1859. 64 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA vimentos e a pressão, circumstancia esta que obrigava os doentes ao re- pouso ou immobilidade. Em alguns casos as articulações eram tam- bem tomadas de dor, chegando mesmo a serem a séde primordial d'esta “exaltação de sensibilidade ; em outros, alem da cephalalgia, os doentes queixavam-se de dores contusivas por todo o corpo; em al- gumas occasiões observavam-se os symptomas locaes d'angina, sendo ás vezes bastante incommoda a dysphagia. Praticos houve que nota- ram n'este periodo caimbras, posto que em poncos doentes. A intelligencia conservava-se as mais das vezes intacta. O doente ou estava pacifico de espirito, desconhecendo o seu estado, ou com 0 animo abatido patenteava apprehensões sinistras; o somno era ligeiro ou nullo. O calor da pelle, no principio normal ou mesmo inferior, augmentava depressa, € frequentemente se estabelecia uma ligeira trans- piração, que substituia a aridez da pelle. Pulso frequente, mais ou me- nos cheio, e regular. Lingoa larga, humida, e alvacenta total ou par- cialmente, sendo n'este ultimo caso rosada no resto da sua superfi- cie; em alguns individuos apresentava-se secca, em outros muito grossa, como inchada, d'um vermelho carregado, e mais ou menos aspera, o que era um indicio frequente, quasi constante de hemorrhagia que ia effectuar-se n'este orgão. Inappetencia, séde, ás vezes nauseas e mes- mo vomitos biliosos, ou simplesmente mucosos em alguns doentes, e n'outros aquosos !; os vomitos e nauseas eram espontaneos ou provo- cados pelos liquidos ingeridos. Ventre preso na maior parte dos casos, em alguns regular, e mais raramente solto. Anxiedade e oppressão, mais ou menos nota- veis, referidas pelos doentes ao epigastro, e ás vezes tambem á pare- de anterior do thorax. Abdomen regularmente conformado e flexivel, ou deprimido, umas vezes sensivel 4 pressão em todo elle ou só em alguma região, outras vezes a palpação não despertava o menor in- commodo. N'este primeiro periodo tinha logar ás vezes a epistaxis, a qual em alguns individuos era copiosa e produzia allivio. Apparecia a menstruação ou se tornava mais abundante. Casos houve em que tambem se manifestou a amarellidáo geral da pelle. As urinas eram ordinariamente avermelhadas, acidas, escassas e nio albuminosas. Com quanto esta fosse a fórma mais ordinaria da febre amarella no seu primeiro periodo ou phase inicial, e que por ventura se pode- ria chamar forma pyretica, febril, ou de reacção, todavia algumas ve- 1 Esta qualidade de vomitos tem sido notada com muita particularidade por alguns epidemiologistas, que os consideraram como um signal pathognomonico da doença no primeiro periodo. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 65 zes a doença se desenvolvia desacompanhada dos phenomenos febris ou de exaltação, forma esta que, por isso, se poderia denominar apy- retica. Então o pulso era fraco, molle, de ordinario lento, chegando ás vezes á sua maxima lenteza (observada na febre amarella), 48, 44, 36 pulsações por minuto*; a physionomia exprimia o abatimento, o doente parecia pregado na cama ; não havia calor de pelle exagerado, as urinas eram raras, citrinas, ou naturaes, não faltando com tudo to- dos os mais symptomas que referimos no primeiro periodo. II Taes foram os symptomas observados no primeiro periodo da fe- bre amarella ; porém aquelles, cujo complexo na maioria dos casos o constituia, foram: calefrios de pouca duração, seguidos de febre, ce- phalalgia, dores lombares, olhos injectados e lagrimejantes, com ou sem amarellidào, inappetencia, lingoa rosada nas margens ou só na ponta, e alvacenta ou saburrosa no centro, pelle quente, secca ou ha- litosa, prostração grande, urinas rosadas, acidas, e sem albumina or- dinariamente. Este periodo durava de um a tres dias. Em muitos casos a intensidade dos symptomas do primeiro pe- riodo era uma medida segura da intensidade dos periodos subsequen- tes, porém faltou muitas vezes esta correlação, seguindo-se a um pe- riodo forte o segundo ou terceiro fraco, e viceversa, ou mesmo estes se não manifestavam, abortando, por assim dizer, a doença. Em al- guns doentes não se observavam os symptomas proprios do primeiro periodo, appareciam logo na invasão da doença os symptomas graves do terceiro. Em outros doentes havia simultaneidade dos symptomas dos diflerentes periodos ; alguns do terceiro como que se enxertavam no primeiro periodo; assim observou-se o vomito preto, as hemorrha- gias por varios orgãos, a suppressão das urinas, com febre, cephalal- gia ete. Em algumas occasiões o primeiro periodo tambem foi acom- panhado de symptomas do estado typhoso etc. etc. Seria impossivel representar aqui as combinações variadissimas dos symptomas, d'en- tre os quaes todavia predominavam os que formavam a base do pe- riodo da doença. Nào passaremos avante sem chamar a attenção sobre alguns dos 1 Não pôde ter-se por verdadeira, por ser contraria aos factos, a asserção de Lit- tré, expressa n’estes termos: L'établissement de la fièvre jaune s'acompagne toujours de la frequence du pouls (dict. méd.) MEM. DA ACAD. — |." CLASSE—T, I. P. Il. 9 66 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA symptomas d'este periodo. O primeiro em que queremos fallar é a prostração, que foi quasi geralmente observada na epidemia de Lis- boa, em quanto que faltou muitas vezes em outros paizes, como em Gibraltar em 1828, segundo a descripção feita por Louis: « D'ail- leurs, diz este medico, point de prostation, ni de stupeur, à qualques rares exceptions près ‘.» E n'outra parte, affirma o illustre medico, que a perda de forças não começava com a doença nem se prolonga- va ordinariamente em toda a duração d'esta, o que o levou a dizer que, relativamente ao estado das forças, a febre amarella de Gibral- tar tinha um caracter um pouco differente do das doenças agudas da Franca, e sobre tudo das febres graves, das quaes um dos principaes symptomas é a prostração. Refere Louis que observára dois casos em que os doentes falleceram, para assim dizer, em pé, sem que as suas forças tivessem parecido alteradas, nem um momento sequer ?. Ou- tros observadores, que descreveram epidemias de febre amarella, no- taram, como nós em Lisboa, a grande prostração dos doentes em mui- tos casos «A ceux-ci (symptômes), diz Dalmas, succède aussitót une affection générale et commune aux facultés intellectuelles et physi- ques, par la quelle /e courage et la force motrice sont tout-à-coup abat- tus *.» E Littré exprime-se n'estes termos: « Les forces sont aussi le plus souvent ancanties *.» i As dores lombares, que alguns auctores chamam rachialgia, coup de barre (sendo esta denominação empregada particularmente quando as dores se estendem por todo o corpo) foram muito frequentes em Lisboa, como na maior parte das epidemias de febre amarella, em al- gumas das quaes chegaram a ter as honras de symptoma pathogno- monico, graduação esta que não conquistaram na epidemia que des- crevemos. A injecção ou vermelhidão das conjunctivas é phenomeno que se acha notado em todas as epidemias, pelo menos não nos lembrámos de alguma em que faltasse, e por conseguinte é um symptoma mui importante no primeiro periodo da febre amarella. Remataremos a descripção do primeiro periodo com o exame das urinas cujo estudo nos mereceu a mais, seria attenção. As urinas eram ordinariamente acidas (na rasão de 1:1,2 ou 84 1 Arch. génér. de méd. , 1840, t. 7.º, pag. 274. 2 Op. Cit. pag. 27, 3 Pict. de méd. t. 17.° pag. 272. 4 Dict. de méd. t. 17.” pag. 282, DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 67 sobre 100, proximamente), e poucas vezes alcalinas (na rasão de 1:6,7 ou 15 sobre 100), A sua densidade oscillou entre 12º e 36º, sendo a media de 24º (urinometro de Prout). A sua côr foi variavel; fre- quentemente apresentavam-se as urinas avermelhadas, muitas vezes ci- trinas, ora transparentes, ora turvas, com deposito avermelhado ou es- branquicado; em raros casos como cerveja,. mais ou menos turva. As urinas variaram tambem relativamente á quantidade; ordinariamente escasscavam. Sendo tratadas pelo acido nitrico e pelo fogo não depositavam albumina; houve casos, porém, em que aquelles meios, bem como a analyse directa, demonstraram já n'este primeiro periodo da doenca grande quantidade de albumina nas urinas. No mapa em que consi- gnámos os ensaios urinologicos nos diflerentes periodos da febre ama- rella, acham-se referidos tres casos em que o fogo e o acido nitrico precipitaram constantemente albumina nas urinas em quanto durou o primeiro periodo. N'estes tres casos a doença passou ao segundo pe- riodo, terminando n'elle dois sómente (sem se manifestarem, é claro, os symptomas proprios do 3.º periodo), mas a albumina desappare- ceu em um d'estes dois casos, continuando a denuncia-la os reagen- tes no outro caso até que se estabeleceu a convalescença. No terceiro caso a doença proseguiu a sua marcha e chegou ao 3.º periodo, de- positafido sempre as urinas muita albumina pelos reagentes. D'aqui se infere : 4.º Que a albuminuria póde manifestar-se no primeiro periodo da febre amarella ; 2.” Que com o progresso da doença, ou passagem do 1.º para o 2.º periodo e d'este para o 3.º, póde desapparecer nas urinas a albu- mina, ou continuar a precipitar-se sob a acção dos reagentes, 0 que tem logar quasi sempre como veremos. - Em regra póde estabelecer-se que as urinas não são albuminosas no primeiro periodo da febre amarella, mas que ha excepções mui no- taveis. Estes resultados não estão de accordo com o que posteriormente notaram em outras regiões assoladas pela febre amarella alguns medi- cos, que consideram o apparecimento da albumina nas urinas, na febre amarella, como signal certo do 2," ou 8.º periodo d'esta doença, por- que não a descobriram no 1.” periodo; com tudo factos positivos, rigo- rosamente observados no hospital do Desterro, provaram peremptoria- mente a inexactidão de tal opinião em respeito á epidemia de Lisboa, pois até succedeu faltar a albumina no 2.º periodo, quando antes, no mesmo doente, ainda no primeiro periodo, os reactivos haviam reve- 9 * 68 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA lado a sua existencia. Trataremos mais de espaco d'esta materia, refe- rindo então os resultados da observação de alguns epidemiologistas. O exame microscopico nada mostrou de importante, a náo ser a presença de saes alcalinos em alguns casos ?. Pelo quadro symptomatologico que temos esboçado se vé, que o primeiro periodo da febre amarella não offereceu verdadeiramente sym- ptomas caracteristicos, uma feição especial, pathognomonica ; todavia tinham grande valor semeiologico o quebramento de forças, a injec- ção das conjunctivas, mormente acompanhada de amarellidão, a cepha- lalgia frontal ou supraorbitaria, as dores lombares fortes, e a prisão de ventre, sendo estes symptomas acompanhados de febre. Quando el- les se declaravam em um individuo habitando uma localidade acom- mettida pelo flagello, havia graves receios, a maior probabilidade da invasão da doença. IV Segundo periodo ow de transição N'este periodo remittiam-se os symptomas do primeiro, e ás vezes cessavam inteiramente, manifestando-se em alguns doentes um suor copioso. A cephalalgia diminuia e desapparecia, sendo em alguns ca- sos substituida por esvaimento ou tonturas de cabeça; as dores ge- raes contusivas e as articulares abrandavam, assim como as lomba- res, as quaes eram com tudo mais pertinazes, e em algumas occa- sides atormentavam ainda’ por muitos dias os doentes, já quasi resta- belecidos e livres de todos os outros incommodos. O calor da pelle tornava-se natural, o pulso voltava ao estado normal, que era prece- dido por uma mui notavel lenteza, a ponto de dar 48, 44, 40 e até 36 pulsações por minuto; em alguns individuos, mesmo de robusta compleição, alem de muito lento o pulso era pequeno. A vermelhidão da face, a injecção das conjunctivas, o lagrime- jamento, as dores de garganta, a dysphagia, e a oppressão epigastrica, desappareciam. O doente recuperava a sua physionomia natural, ou mos- trava-se abatido. De ordinario a prostração durava mais tempo, e sem ! Repetimos aqui que foi o dr. Figueira qnem de modo especial se encarregou, no hospital do Desterro, dos exames microscopicos e analyses chimicas, cujos resultados re- ferimos, tendo prestado muito valioso auxilio n’esta ordem de trabalhos os dois distin- ctos internos, os srs. Roquete e Figueiredo. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 69 estar em relação com o estado geral apparente. As urinas regressa- vam ao estado normal, succedendo o mesmo á lingoa, a qual ficava ás vezes saburrosa por mais ou menos tempo. O segundo periodo du- rava de algumas horas a dois ou mesmo mais dias. Se os doentes voltavam ao seu estado fysiologico, todos aquelles symptomas, é claro, cessavam inteiramente. Se, porêm, ia manifes- tar-se o terceiro periodo, podiam dar-se alguns dos: seguintes casos : ou havia simples remissão dos symptomas mencionados, ou alguns d'el- les continuavam com maior força, ou despediam-se totalmente, pare- cendo o doente estar em convalescença, ou ja restabelecido, quando inopinadamente os symptomas os mais graves, proprios do terceiro periodo, vinham frustar as esperanças, que pareciam bem fundadas. Era uma triste illusão ! Foram muito frequentes durante a epidemia os exemplos d'estes casos, e por isso muito importa estarmos preve- nidos do facto pela sua grande importancia. O segundo periodo foi pois caracterisado, em geral, pela remissão ou cessação dos sympto- mas do primeiro. O segundo periodo nem sempre precedeu o terceiro, isto é, mui- tas vezes no decurso do primeiro periodo desenvolviam-se os sympto- mas graves do terceiro, ou o doente passava immediatamente do pri- meiro para o terceiro periodo, sem que se verificasse a remissão indi- cada. y Nào passaremos adiante sem notar o que observámos no hospi- pital do Desterro, cqm o dr. Figueira, ácerca das urinas no segundo periodo da febre amarella. A reacção foi ordinariamente acida (92 so- bre 100 casos). A presença de albumina nas urinas foi coisa rara, co- mo dissemos, no primeiro periodo da doença, e, em geral, desappa- recia no segundo, quando o doente regressava á saude. Mas se elle ia entrar no terceiro periodo, a albuminuria continuava, muitas vezes, a manifestar-se, apesar da interrupção de todos os outros symptomas, e o doente julgar-se convalescente ou já curado. Não permittindo o tempo alargar-nos muito sobre este objecto, colligindo todos os casos notados a este respeito, temos presentes 42 papeletas (registros) de doen- tes, cujas urinas foram analysadas muitas vezes nos differentes perio- dos da doença, já no mesmo individuo já em diversos. D'estas analyses se deduz que a albuminuria se manifestou em pouco mais da quarta parte (11 sobre 42 ou 30:100 proximamente) dos doentes que se achavam no segundo periodo do morbo epidemico. 70 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA Em tres d'estes doentes desenvolyeu-se o terceiro periodo ou o caracte- ristico da febre amarella, e um d'elles já tinha apresentado as urinas albuminosas quando estava ainda no primeiro periodo. Em vista pois d'estes factos, julgâmos solidamente estabelecidas as proposições que enunciámos sobre o valor semeiologico e prognostico da albuminuria’ na febre amarella, posto que não estejam inteiramente de accordo com os resultados da observação do nosso illustre collega, o sr. J. E. Ma- galhães Coutinho, no hospital dos Loyos. Achámos (o dr. Figueira e eu) albumina nas urinas já no primeiro periodo da molestia, quer esta progredisse, e passasse aos periodos seguintes, quer não; raras vezes, é verdade, se deu este facto, mas foi real. Achámos, repetimos, albu- mina nas urinas durante o segundo periodo em muitas occasiões, sem que se desenvolvesse depois o terceiro periodo, e vice versa a analyse não mostrou a presença d'albumina, no segundo periodo, em muitos casos em que se manifestou depois o terceiro periodo. Por tanto, foi frequente a albuminuria no segundo periodo da febre amarella, mas não deve ser considerada como indicio certo, nem mesmo mui pro- vavel, do desenvolvimento subsequente do terceiro periodo d'aquelle morbo. E' um phenomeno que por si mesmo deve prender a atten- ção do pratico, por que fornece importantes elementos para as indi- cações therapeuticas. $ Remataremos estas consideracóes, indicando os caracteres phy- sico-microscopicos das urinas no segundo periodo da doenca epidemi- ca. A côr predominante foi a citrina (73 sobre 100 casos, ou na ra- são de 1:1,4); tambem se mostraram avermelhadas, esbranquiçadas, e semelhantes a cerveja ; eram umas vezes transparentes, limpidas, ou- tras turvas. A sua densidade foi muito variavel; o urinometro de Prout (aquelle de que sempre nos servimos) marcou desde 15º (e um d'estes casos diz respeito a um doente que entrou no hospital ainda no primei- ro periodo, apresentando então as suas urinas 30º de densidade) até 33° (e em um d'estes casos a densidade no primeiro periodo tinha si- do de 30º). A densidade media das urinas foi de 22º,5. O exame mi- croscopico patenteou em algumas urinas a existencia de uratos alca- linos e phosphatos ammoniaco-magnesianos, P DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 71 VI Terceiro periodo ow periodo hemorrhagico, coracteristico Era n'este periodo que se desenvolvia o grupo de symptomas que caracterisavam a febre amarella; d'aqui vem a origem da deno- minação, que lhe tem sido dada geralmente. Este terceiro periodo cor- responde ao segundo dos auctores que só admittem dois no morbo em questão, posto que todos os epidemiologistas apontem o facto mui fre- quente da remissão dos symptomas do primeiro periodo antes do des- envolvimento do terceiro. A cephalalgia reapparecia, ou, se não ti- nha cessado, continuava, tornando-se por vezes mais intensa. A ama- rellidäo peripherica, se já existia, estendia-se a todo o corpo, fazen- do-se mais carregada ; no caso contrario começava então a manifes- tar-se nas conjunctivas, depois em todo o rosto, face anterior do tho- rax e do abdomen, lado interno dos membros e por ultimo abrangia toda a superficie do corpo. Em alguns casos a amarellidäo não era tão geral; limitava-se a uma ou a certas regiões do corpo, sendo as conjunctivas sua séde de predileccào. Algumas vezes a amarellidão cutanea começava a manifestar-se na convalescença, outras só pro- pe ou post mortem; foi raro faltar inteiramente. Na epidemia de Gi- braltar (1828) tambem não foi constante, mesmo nos casos graves, a amarellidäo cutanea, a qual ordinariamente apparecia no 4.º ou 6.º dia de doença. Alguns doentes accusavam prurido na pelle, mas isto foi excepcional. Era por extremo variavel o estado da lingoa, circumstancia esta notada tambem em muitas outras epidemias de febre amarella. Apre- sentava-se ora alvacenta, ora vermelha, em uns casos amarellada, n'ou- tros escura, ou coberta de sangue coagulado, parecendo gretada, secca, já humida, em parte ou na totalidade; umas vezes viscosa, dando ao toque a sensação de limos, outras nimiamente aspera. Ordinariamente os doentes não exalavam cheiro algum especial, porém ás vezes o ha- lito era fetido, sui generis. Havia eructações, que em algumas occa- siões eram dolorosas. VII Tinham logar n'este periodo as hemorrhagias, sendo a epistaxis de ordinario a primeira, e mostrando-se ora contínua por certo tem- po, ora repetindo-se por intervallos, ora mesmo alternando com ou- 72 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA tra hemorrhagia. Esta epistaxis differia da do primeiro periodo, já na qualidade do sangue que era muito mais fluido e menos vivo no ter- ceiro periodo, já em náo produzir o allivio que aquella frequentemen- te promovia, como dissemos, mormente na cephalalgia. A epistaxis era ás vezes não só muito copiosa, mas até renitente a todo o tratamento; alguns doentes enguliam o sangue e o depu- nham depois com o vomito. Pelo que escreveu Louis foi rara a epis- taxis na epidemia de Gibraltar; em Lisboa não foi constante em pe- riodo algum da doença, mas foi frequente. A hemorrhagia buccal foi tambem frequente; quando ella ia ef- fectuar-se, as differentes partes da bocca como que se dispunham pa- rá este fim. Assim as gengivas turgiam, avermelhavam-se e sangra- vam; a lingoa engrossava, córava-se d'um vermelho mais ou menos carregado, fazia-se ás vezes muito luzidia, e depois deitava de difle- rentes pontos sangue, que coagulando formava crostas escuras, mais ou menos espessas, que cobriam total ou parcialmente a lingoa ; o san- gue tambem se reunia e coalhava sobre as gengivas em torno dos den- tes. Limpando a lingoa neste estado com um panno molhado e ob- servando-a depois, via-se brotar d'ella o sangue por tenues pontos. Em algumas occasiões a hemorrhagia pela lingoa e gengivas era muito copiosa; a bocca enchia-se de sangue que trasbordava pelos labios, sen- do muito frequente correr d'uma das commissuras pela face, o que dava á physionomia um dos seus traços mais característicos na fe- bre amarella, como se vê na photographia tirada de um doente do hospital do Desterro. Segundo Louis foi rara a hemorrhagia da lin- goa durante a epidemia de Gibraltar, e o mais notavel é que só a ob- servára nos individuos que tomaram calomelanos. Pelas outras partes da bocca tambem vertia sangue, posto que em menor quantidade, or- dinariamente, do que pela lingoa e gengivas. Apparecia depois da stomatorrhagia ou simultaneamente, ou mes- mo antes, a gastrorrhagia. Os doentes vomitavam sangue, já puro, já de mistura com outros liquidos (o que era mais frequente), já intei- ramente alterado, constituindo as variadas fórmas do vomito negro, o qual sendo em geral sem cheiro apresentava-se ás vezes nauseabun- do; mas nnnca notámos o mão cheiro insupportavel, de que falla Ro- choux. A materia do vomito era umas vezes um liquido inteiramente negro, como tinta de chócos, outras semelhante a chocolate; em al- guns casos compunha-se d'uma parte liquida clara e outra solida preta, assemelhando-se esta a pé de caffé, a escarros de rapé, a azas de bor- DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. À 8 boletas esfarrapadas. Em algumas occasides o vomito apresentava-se esverdeado, como de hervas, em outros amarellado, côr castanha mais ou menos carregada etc. ete. Estas variedades de côr dependiam da quantidade de sangue, que se vertia no estomago, ou por simples tran- sudação ou por hemorrhagia mais ou menos abundante, e da maior ou menor affluencia de bilis que para ali se fazia. Houve casos em que o vomito typico, o vomito preto, foi precedido de vomitos mu- cosos ou biliosos. O vomito preto teve logar algumas vezes já no primeiro perio- do, e não apresentou aquella gravidade que lhe attribuem alguns au- ctores, o que tambem Louis já observára na epidemia de Gibral- tar em 1828, e ultimamente o dr. Chapuis na Martinica (epidemia de 1855, 56, 57), expressando-se n’estes termos : « Plusieurs des ma- lades qui les (vomissements noirs et les hemorrhagies) ont présenté ont gueri 1.» Os vomitos effectuavam-se ordinariamente com facilidade, sem incommodo algum, em outras occasides a hemorrhagia do estomago era annunciada por anciedade epigastrica, que em alguns doentes cau- sava um- tormento atroz, o qual muitas vezes diminuia com a depo- sição dos contentos do estomago, cahindo depois os doentes em gran- de abatimento. Em algumas epidemias de febre amarella tem sido no- tavel a rapidez e quasi espontaneidade, com que se effectuava o vo- mito, ficando os doentes depois sem o menor incommodo até nova re- pleção do estomago. Os vomitos não tiveram sempre logar na epidemia de Lisboa, o que já succedêra em 1723, segundo refere Simam Felix da Cunha: «,... outros ou quasi todos com nauseas, sem vomitarem nada ?.» Alguns auctores os indicam como constantes na febre amarella ; nos doentes que succumbiram Louis notou a sua ausencia sómente em um caso, e nos que se curaram viu-os nos 3 dos casos, na epidemia de Gi- braltar. As hemorrhagias não tinham logar sómente nas fossas nasaes, bocca “e estomago, faziam-se tambem com frequencia nos intestinos, apparecendo o sangue nas dejecções com os differentes aspectos que in- dicámos nos mapas da anatomia pathologica, segundo saía puro, mais ou menos alterado, ou de mistura com bilis ou quaesquer contentos intestinaes. ! Moniteur des hopitaux ; 1857, pag. 994. 2 Discurso e Observacóes Appollineas, sobre as doencas que houye na cidade de Lisboa occidental e oriental o outono de 1723. — Lisboa, 1726. MEM. DA ACAD.—1." CLASSE—T. II. P. II. 10 74 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA Na pelle e no tecido cellular subjacente apresentava-se à hemor- rhagia sob a fórma de ecchymoses, petechias de côr mais ou menos carregada, largas manchas, e de collecção, o que tudo deixámos des- cripto na primeira parte d'esta memoria. A hemorrhagia effectuava-se «fis vezes mais profundamente, por baixo dos musculos, formando co- mo fócos sanguineos, mais ou menos extensos. Eram ainda séde de hemorrhagias, se bem que menos frequentemente, os ouvidos, as vias genito-urinarias, correndo em alguns casos sangue puro pela uretra, as vias respiratorias, o utero, causando o aborto, o encephalo, produ- zindo paralysias, as scisuras das sanguesugas e das ventosas, € as su- perficies dos causticos, sendo em geral muito difficil sustar estas ul- timas, o que egualmente fóra observado por Simam na epidemia de 1723: «.. . morrião inaninos por sizuras das sangrias, de bichas e de sarjas, e alguns por fontes antigas *.» Mas não vimos o suor de san- gue como se diz apparecéra em algumas epidemias. Observa Louis que não vira na epidemia de Gibraltar a hemorrhagia pelos ouvidos, nem pelos olhos, nem pelas vias genito-urinarias. Neste periodo permaneceu, em alguns doentes, a prisão de ven- tre, em outros faziam-se as descargas intestinaes de cór variavel, sen- do, por via de regra, mais carregada do que a dos vomitos ; em ge- ral o sangue puro era mais abundante nas dejecções do que no vomi- to; ás vezes havia diarrhea espontanea ou provocada pelos purgantes. VII Um dos phenomenos notaveis do terceiro periodo da febre ama- rella foi a suppressão completa de urinas. Muitas vezes observámos este symptoma nos dois hospitaes que dirigimos (Desterro e Sant'An- na), assim como na clinica particular; em algumas occasides, a instan- cias dos doentes, introduzimos na bexiga a algalia, e esta não trazia mais tarde a necropse mostrava O reserva- torio urinario inteiramente vasio, e frequentemente retrahido, como indicámos na anatomia pathologica. Não se creia porém, que este sym- ptoma importasse sempre uma terminação fatal da doença, como pare- cem inculcar alguns epidemiologistas, e já Louis na epidemia de Gi- braltar não o achou tão grave, como diziam os que escreveram sobre esta doença. Temos presente um grande numero de papeletas dos dois hospitaes, cuja direcção nos foi commettida, nas quaes está notado o nem uma pinga d'urina ; 1 Obr. cit. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 75 symptoma em questão; d'ellas se infere que a cura teve logar em pouco menos da quarta parte dos casos (1 : 4,3). : As urinas eram ordinariamente acidas, 87 sobre 100 casos; e al- gumas continham notavel quantidade de biliverdina, e a maior parte muita albumina, 62 sobre 100 casos. A côr variou bastante, sendo ci- trinas* avermelhadas, esbranquiçadas, esverdeadas, escuras, ora limpi- das, ora turvas. A densidade oscillou entre 11º (em um d'estes casos a urina parecia reduzir-se toda a albumina, contendo tambem biliver- dina) e 32°, sendo a media 19º. No campo do microscopio as urinas mostraram muitas vezes (como era de esperar) os cilindros granulo- sos, tambem chamados de fibrina, epitheliaes. analogos aos que se ob- servam na doença de Bright; cellulas epitheliaes, leucocites, globulos rubros do sangue e urato d'ammonia, Em alguns doentes as urinas apenas escasscavam, regressando ao seu estado normal logo que se estabelecia a convalescença, ou mesmo a micçäo não soffria alteração; em outros havia retenção d'urina por paralysia da bexiga. A suppressão de urinas era acompanhada frequentemente de an- xiedade, e em muitos casos de tenesmo vesical intoleravel. Um doente sobre todos feriu a nossa attenção no hospital de Sant'Anna no co- mego da epidemia. Era um homem, cujo quadro morbido se resumia no segninte: amarellidio geral da pelle e das conjunctivas, suppres- são completa de urinas, tenesmo vesical, agitação extrema. Este des- gracado vociferava, procurando posição para satisfazer a vehemente vontade de urinar que o atormentava continuamente. Instados por seus rogos lhe introduzimos, em duas occasióes, a algalia (com quanto jul- gassemos inutil a operação) a qual nunca trouxe urina alguma. Tres dias n’aquelle indizivel martyrio o doente arcou peito a peito com a morte. Por ultimo falleceram-lhe as forças, e elle findou seus dias. O exame necroscopico patenteou a alteração hepatica caracteristica, e a bexiga, com suas paredes nimiamente engrossadas, apresentava apenas uma pequena cavidade sem liquido algum. A suppressão de urinas com quanto fosse um signal prognostico gravissimo, não foi com tudo sem- pre fatal; vimos muitos casos de cura. Temos debaixo dos olhos 26 papeletas de doentes tratados nos dois hospitaes que dirigimos, e nas quaes se acha notada a suppressão completa de urinas; pois d'estes 26 casos curaram-se 6 doentes (restabelecendo-se completamente), o que equivale á curabilidade de 1:4,3 ou 23:100 proximamente. Louis na epidemia de Gibraltar viu tambem muitos casos de cura. Não succe- deu o mesmo ao nosso compatriota, João Ferreira da Rosa, na epide- 10% 76 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA mia de Pernambuco em fins do seculo 17.º, como claramente o diz na seguinte passagem : «É signal mortifero (a suppressão de urinas), de que não vi nem ouvi que livrasse doente algum, inquirindo este ne- gocio com toda a diligencia *. » Vimos casos de suppressão de urinas coexistindo com profundo abatimento, com ou sem amarellidão das conjunctivas, succumbindo os doentes n'este estado sem offerecerem nenhum outro symptoma. Houve pelo contrario doentes, que apresentavam simultaneamente os symptomas graves da febre amarella. Rarissimas vezes tinha logar no primeiro periodo da febre amarella a suppressão de urinas; o sr. Du- troulau notou tambem este facto em 3 casos sobre 30 na epidemia de 1840-41, que invadiu a Martinica. f Era n'este terceiro periodo que a anxiedade tocava o seu apogéo; com tudo muitos doentes náo manifestavam este symptoma, ou já an- tes o haviam referido. Na maior parte dos casos os doentes náo se quei- xavam de dores no epigastro, o que teve logar na epidemia de Gi- braltar, na qual diz Louis que as observára nos 5 dos doentes que suc- cumbiram, e em poucos dos que livraram. O que frequentemente no- támos na epidemia de Lisboa, e já nos periodos anteriores, foi gran- de oppressão epigastrica, estendendo-se mais ou menos pelas regiões visinhas. João Ferreira da Rosa tambem aponta na descripção que dá da epidemia, que padeceu Pernambuco em fins do seculo 17.º, o phe- nomeno que vimos de mencionar : « Muitos acham-se affrontadissimos da bocca do estomago ?.» A respiração em geral não se mostrava af- fectada, com tudo alguns doentes referiam-lhe certa oppressão. A agitação foi notavel em alguns doentes, n'outros, e no maior numero, preponderava o quebrantamento de forgas, o abatimento, a prostração, que com tudo não foi phenomeno constante, havendo doen- tes que podiam andar, embora já affectados de vomito preto e outros accidentes graves da febre amarella ; mas isto foi excepcional. Em alguns casos, raros é verdade, se manifestou a gangrena nas superficies dos causticos, e mais vezes nas feridas produzidas pela longa applicação dos sinapismos. Succedeu tambem desenvolverem-se erysi- pelas, já espontancamente já provocadas por applicações irritantes, sen- do a face sua séde mais commum. N'este terceiro periodo tambem entravam em scena os acciden- 1 Tratado Unico da Constituição Pestilencial de Pernambuco; disputata 1.º, du- vida 4.º 2 Op. Cit. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 77 tes nervosos graves que se manifestam em tantas outras doenças. Al- guns doentes apresentavam delirio, as mais das vezes manso, rara- mente furioso, desenvolvendo-se em algumas occasides depois de co- piosas e reiteradas hemorrhagias. Na epidemia de Gibraltar (1828) o delirio foi. raro, sendo notado por Louis sómente na metade dos casos fataes e nunca no primeiro periodo; entre nós appareceu algumas ve- zes acompanhado dos symptomas proprios do primeiro periodo. O estupor e o coma eram mui pronunciados em outros doentes; mas na maioria dos casos a intelligencia assistia illesa a todo o drama morbido. As vertigens, insomnios, somno interrompido, tremor geral ou parcial, foram tambem notados em varios doentes em todos os perio- dos, maxime no terceiro, assim como o soluço, sobresalto dos tendões, ambliopia, zunidos e dureza d'ouvido, e mesmo a surdez, parecendo esta em alguns casos ser effeito, pelo menos em parte, do uso do sul- phato de quinina em altas dóses. Na descripção da primeira epidemia de febre amarella, que grassou em Pernambuco, assignala João Fer- reira da Rosa, estes accidentes nervosos : « Ha dór de cabeca logo no principio, tremor de mãos e lingoa, logo nos primeiros dias; notavel desinquietação, e ás vezes muita quietação, a qual quietação denota ás vezes dilirio futuro.... soluço, dòr, ancia e tristeza de coração. Ha grandes vigilias... somno mui turbulento e terrivel... !» Segundo a observação de Louis na epidemia de Gibraltar os soluços foram fre- quentes, apparecendo sómente nos ultimos dias da doença, e eram sempre um signal fatal; na epidemia de Lisboa não foi de tão mão prognostico. A carphologia foi rara; observámo-la para o termo da doença. As parotidas desenvolveram-se em alguns doentes, d'um lado ou de ambos, tendo sido mais frequentes na invasão e na cola da epide- mia ; deram muitas vezes origem a longas suppurações e á mortifica- cão dos tecidos da região aflectada, assim como a hemorrhagias diffi- ceis de sobreestar. Na epidemia da Martinica descripta pelo sr. Cha- puis (1857) foram frequentes as parotidas. Abcessos frios, ordinariamente multiplos, se formavam em dif- ferentes partes, sendo por vezes rapida a cura; em alguns doentes vi- mos estancar a fonte suppurativa no dia immediato ao da abertura d'esses abcessos, cujo pus era em algumas occasiões sanguinolento. 1 Tratado Unico da Constituição Pestilencial de Pernambuco; disputata 1.º, du- vida 4.º 78 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA A temperatura ordinariamente náo experimentava alteração, mar- cando o thermometro na axilla de 75° a 104º Fabr.; com tudo em alguns casos elevava-se; chegou mesmo a haver febre ardente como no primeiro periodo; o sr. Dutrouleau fez observação analoga na epi- demia que se propagou na Martinica em 1840-41. Em outros casos, pelo contrario, o calor diminuia ; resfriavam os membros, e o corpo cobria-se d'um suor frio no extremo da doença. Na epidemia de fe- bre amarella que acommetteu Lisboa no outomno de 1723, e que foi descripta pelo nosso compatriota Simam Felix da Cunha, observou este medico em alguns casos os extremos frios 1. Louis notou em alguns doentes na epidemia de Gibraltar grande abaixamento de temperatura, ficando os membros frios muito antes da agonia, mas nada que fosse similhante ao periodo algido da cholera, o que igualmente nos succe- deu em Lisboa. , O pulso era bastante variavel no terceiro periodo da febre ama- rella; ora natural, ora fraco, já tardo, já frequente, umas vezes pequeno, raramente filiforme, outras febril; de ordinario era pequeno e molle, João Ferreira da Rosa já assignala a variedade do pulso na epidemia de febre amarella que devastou Pernambuco em fins do 17.” seculo: « Apparecem pulsos frequentes com langor. Tambem' muitas vezes ha pulso quasi natural ?.» Alguns epidemiologistas referem a extraordi- naria frequencia do pulso que observaram em alguns doentes ataca- dos de febre amarella ; na epidemia de Gibraltar diz Louis que nun- ca achára o pulso dando acima de 100 pulsações por minuto, antes lento ordinariamente do 3.º ou 4.º dia de doença em diante, sendo largo e duro nos tres primeiros dias. Não foi raro desenvolver-se em alguns doentes o estado typhoso, assumindo as differentes formas que costuma apresentar em qualquer morbo, pelo que sería superfluo o descreve-las aqui. Observámo-lo em todos os periodos da doenca, porem muito mais no terceiro. Temos enumerado os symptomas da febre amarella, que vexou a capital em 1857; suas combinações foram variadissimas ; não as po- deriamos referir aqui todas. Descripta a feição caracteristica do mor- bo, julgâmos ocioso indicar formas representadas pelo predominio d'este ou d'aquelle symptoma : sobre este objecto consulte-se o que publi- cámos na Gazeta medica de Lisboa n.º 6 e 7 de 1860. As gradua- 1 Discurso e Observações Appollineas, sobre as doenças que houve na cidade de Lisboa occidental e oriental o outono de 1723. — Lisboa, 1726. 2 Tratado Unico da Constituição Pestilencial de Pernambuco; disputata 1.º, du- vida 4.º DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 79 ções, as cambiantes foram tantas que mal permittiriam a fixação de formas typicas, bem determinadas. Considerando a epidemia em suas differentes phases, póde dizer- se que ella offereceu á observação tres modos principaes de manifes- tação, tres formas fundamentaes em respeito aos seus symptomas e gravidade. A primeira, benigna, era constituida pelos symptomas de uma febre angiothenica, sobresahindo as dôres de cabeça (maxime su- praorbitarias) e dos lombos; dentro de 2 a 5 dias desapparecia o qua- dro symptomatico, produzindo-se ou não suor geral, epistaxis, urinas copiosas e carregadas d'acido urico ou urato d'ammonia, e ligeira ama- rellidão peripherica. A segunda forma, grave, maligna, ou começava pela febre angiothenica, que era n'este caso de curta duração, apre- sentando a doença conjunctamente nos seus primeiros assomos os sym- ptomas graves, todos ou parte sómente, que indicámos no terceiro pe- riodo, ou estes constituiam logo desde a invasão toda a doença, sendo nullos ou quasi os symptomas angiothenicos. N'estes dois gráos a doen- ça não apresentava em sua marcha periodos, taes como os descreve- mos; toda a doença formava um só periodo. Entre estes dois termos extremos pela gravidade poderiam con- tar-se mil gráos que formavam por ventura a feição mais geral da doença, e nos quaes foi facil muitas vezes marcar mais ou menos dis- tinctamente os tres periodos de que tratámos. E já que tocámos na marcha da doença diremos que por vezes a observámos remittente, mas nunca intermittente no rigor do termo; e com tudo foi mui lar- go o campo de nossa observação, e estavamos prevenidos sobre o ob- jecto. Desapparecimento d'estes ou d'aquelles symptomas e nova mani- festação d'elles no curso da mesma doença, vimos, mas cessação com- pleta do quadro morbido apparente e repetição do mesmo, com maior ou menor intervallo, escapou ao nosso exame. No principio da epide- mia seguimos a historia clinica de um doente, que pareceu atacado de febre amarella (com intensa amarellidio peripherica e vomito pre- to), o qual apresentou verdadeira intermittencia nos symptomas capi- taes do ataque; mas o caso era d'uma febre intermittente perniciosa contrahida em sitio sezonatico e que cedcu a altas dóses de sulphato de quinina, Taes foram os symptomas que a febre amarella offereceu 4 nossa observação, e de que tomámos nota á cabeceira dos doentes, no de- curso da epidemia. Podiamos pôr termo aqui, por estar cumprido o nosso programma do modo que nos foi possivel; julgâmos todavia conveniente rematar esta parte da memoria com o estudo particular 80 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA dos symptomas mais importantes d'aquelle morbo epidemico, como são as hemorrhagias, vomito e dejecgóes, ictericia e albuminuria. E 0 que nos propomos fazer no capitulo seguinte. CAPITULO II Symptomas principaes da febre amarella h considerados em particular Momorrhagias : sangue As hemorrhagias foram na epidemia, que se estendeu pela capi- tal em 1857, um dos symptomas mais dignos de attenção tanto pela sua frequencia, como pela gravidade. Em alguns doentes eram tão copiosas que não só os tingiam de sangue, e principalmente a face e as mãos, mas até ensanguentavam as roupas. Vimos no principio da epidemia (setembro de 1857) no hospital de Sant'Anna alguns doen- tes esvairem-se em sangue, e succumbirem exsangues dentro de pou- cas horas, tendo entrado no hospital pelo seu pé no dia antecedente, no qual tivera Jogar o acommettimento da lethal affecção. De um doente sobre todos conservâmos viva memoria pela profunda impres- são que nos causou. Era um homem. moço, de figura robusta e vali- da, notavelmeute musculoso ; entrára no hospital de Sant'Anna pela manhã, já consideravelmente quebrado de forças, movendo-se com mo- rosidade, abatido de espirito, prevendo um fim sinistro, e dando pou- co peso ás palavras que lhe dirigiamos para lhe incutir coragem. Co- bria-lhe a face e o collo uma suffusáo icterica, que se perdia no peito. Nada mais, digno de menção, offerecia este desgraçado ; confrangia-se o coração ao vê-lo. Pelo dia adiante teve principio a primeira hemor- rhagia, que se effectuou pelo nariz, pouco depois pela bocea que de toda a parte vertia sangue, em seguida pelo estomago em vomitos, á tarde pelos ouvidos e uretra quasi simultaneamente. Derramou-se então a amarellidio: por todo o corpo; o sangue saindo em grande copia de diversas fontes banhava aquelle infeliz, assim como as rou- pas da cama. Á noite o doente desangrado, conservando com tudo a apparencia de sua constituição athletica, lavrava pacificamente termo de vida; na manhã seguinte exalou o ultimo alento! A medicina que nt astiene DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 81 nunca o abandonára, nada pôde. A autopse revelou as alterações ana- tomo-pathologicas proprias da doença reinante. Não se creia porém que as hemorrhagias foram sempre um sym- ptoma irremediavel, que a sua existencia importava uma terminação fatal; vimos muitos doentes quasi inanidos recobrarem vigor e cura- rem-se, Temos presentes 133 papeletas (registros) dos hospitaes de Sant'Anna e do Desterro, cujos doentes apresentaram hemorrhagias multiplas; a cura verificou-se em 50 d'elles, o que dá a curabilidade de 1:2,66 ou 87,6:100 proximamente. + Qual será a causa das hemorrhagias tão frequentes na febre ama- rella? Experimenta o sangue alguma alteração especial, caracteristica n'esta doença? Quasi todos os auctores fallam na grande fluidez do sangue, na sua desfibrinação, na mingoa de globulos, assemelhando-o alguns ao dos individuos que téem succumbido a febres graves, perniciosas. Era natural procurar aqui a explicação, porque é a isso que se atéem or- dinariamente nos casos de hemorrhagias repetidas por diflerentes pon- tos da economia. A. dissolução do sangue foi já notada na primeira epidemia de fe- bre amarella que teve logar na Europa, vexando a cidade de Lisboa em 1723, e cuja deseripção nos legou o nosso compatriota Simam Fe- lix da Cunha, o qual se exprime n'estes termos: «.... outros (doen- tes) se lhes dissolvia o sangue.» «.. . . outras (doenças), que acommet- tendo a colera o sangue o aquentava, movia e dissolvia.» «.... O conceito que faço he, que em as mais das doenças acho uma dissolu- ção e rarefação de sangue.» E na historia de uma observação: «.. .. e como visse que o sangue da sangria era negro azulado e sem fibras, que não fazia coagulação alguma !.» As observações de Rochoux (1822) sobre o sangue, obtido por meio de sangria de larga abertura, deram o seguinte resultado: no começo da doença, isto é, nas primeiras 48 horas, o sangue apresentava-se normal em quasi todos os casos, não differindo do que costuma ser nos individuos de boa saude; ás vezes era d'um rubro brilhante á saída da veia. A plasticidade, a abundancia de soro, a consistencia do coa- gulo eram variaveis. Passadas 48 horas de doença: as sangrias davam um sangue com: crosta fibrinosa na metade: dos casos; a crosta era ora como uma simples gelea acinzentada, tremula, semitransparente, de 1 Discurso € Observações Appollineas, sobre as doenças que houve na cidade de Lisboa occidental e oriental o outono de 1723. — Lisboa, 1726. > MEM. DA ACAD.— Í." CLASSE—T. Il. P. II. pl 82 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA meia a uma linha de grossura, cobrindo ordinariamente toda a super- ficie do coagulo; ora como uma rede de malhas largas, que deixavam o coagulo patente ou coberto d'uma pellicula gelatinosa muito delga- da; em algumas occasiôes a crosta apresentava-se mais espessa, d'uma a tres linhas, e amarellada. A presença da crosta importava para Ro- choux um signal prognostico mão, principalmente quando era grossa e densa !, Porem medicos ha que, tendo. feito investigações analogas, não viram nunca a crosta do sangne nem este mais vermelho que o ordinario. Os drs. Fleury e Monneret em 1842 nutriam grande esperança de que se chegasse a descobrir a lesão do sangue que daria origem á febre amarella, pelo conhecimento já obtido das alterações constantes, verificadas no sangue e nos orgãos circulatorios ?. Desde então para cá a hematologia ainda não avançou um passo seguro a respeito da febre amarella; achámo-nos no mesmo terreno, e quando não desespe- remos, crêmos que mui difficilmente se alcançará esse desideratum. Não passaremos ávante sem notar a observação do dr. Chapuis, feita na epidemia de S. Pedro (Martinica) nos annos de 1855 a 1857, pela qual viu que a fibrina d'uma sangria praticada no começo da doen- ca, e em um caso particular, não offereceu diminuição na quantidade normal, attingindo o algarismo fixado pelos srs Andral e Gavarret para a composição fysiologica do sangue; o doente com tudo succum- biu mui rapidamente, apresentando antes da morte, petechias e ecchy- moses geraes; d'onde inferiu que: «la fibrine ne parait done pas di- minuée en quantité, mais alterée dans sa qualité *. São tantas as circumstancias que influem sobre os phenomenos de coagulação do sangue, que não deve causar surpreza a divergencia dos observadores, em relação aos resultados de suas investigações sobre este objecto. A consistencia do coalho do sangue é variadissima nos li- mites fysiologicos, sem que essas diflerengas procedam de modifica- ções chimicas na natureza da fibrina. A relação entre a massa dos glo- bulos e a da fibrina, a quantidade d'agoa do sangue, a presença de substancias que facilitem ou retardem a coagulação, são causas d'essas differengas. A forma e côr do coalho differe tambem por muitas cir- cumstancias, taes como a forma do vaso em que se opera a coagula- cão, a relação existente entre o tempo necessario para effectuar-se a 1 Dict. de méd. 1838, t. 17, pag. 277. 2 Compendium de méd. prat., t. 5, pag. 483. 3 De la fièvre jaune; Moniteur des hôpitaux, 1857, pag. 995. E DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 88 coagulação e aquelle em que termina a precipitação dos globulos, etc. A producção da crosta fibrinosa ou inflammatoria liga-se a condições diversas, entre as quaes se pode mencionar a forma do vaso, e a quan- tidade dos globulos, tendo a proporção de fibrina uma influencia, se- cundaria sobre o phenomeno segundo o illustrado professor Lehmann !. Ha na coagulação do sangue phenomenos que ainda não téem expli- cação cabal, como por exemplo o que se passa no sangue das veias he- paticas, o qual não contendo fibrina (pelo menos Lehmann não a en- controu) coagula todavia melhor que o sangue da veia-porta que a contem, d'onde se poderia inferir que a coagulação do sangue, que tem sido attribuida áquella substancia, não lhe deve ser referida pelo me- nos exclusivamente *, Com estes elementos ligue-se valor absoluto aos resultados da observação, e ajuize-se de suas differengas. Carecemos de analyses rigorosas, muito repetidas e variadas; sem isso difficilmente transporemos o campo das conjecturas, no qual se é facil forjar hy- potheses e theorias, a sciencia com tudo não progride. No começo da doença, no seu primeiro periodo, o sangue em ge- ral não apresenta alteração notavel, ou parece ter maior proporção de fibrina, formando crosta; no segundo ou terceiro periodo opera-se a desfibrinação do sangue, o qual diminue de densidade, de consisten- cia e de coagulabilidade; tem logar, em summa, a chamada dissolu- cao de sangue, havendo tambem de ordinario abaixamento no algaris- mo dos globulos. O sangue ainda se divide ás vezes em coalho molle e soro, outras forma todo elle uma massa branda. Estas são as alterações mais geralmente encontradas e apontadas pelos differentes observadores, e que verificámos na epidemia de Lis- boa, notando que já no primeiro periodo (havendo febre e os demais symptomas d'uma viva reacção) vimos varias vezes o coalho sangui- neo brando e sem crosta fibrinosa, de sorte que n'estes casos não se- riam bem demarcados os limites dos dois periodos em relação ao es- tado do sangue. Tendo observado com o dr. Figueira o sangue no campo do microscopio nunca vimos alteração alguma n'este liquido digna de menção. Pela descripção da epidemia de 1723 em Lisboa, feita por Simam Felix da Cunha, parece-nos que este medico observára igual- mente aquelle phenomeno, nos casos ligeiros ou no primeiro perio- do, pela seguinte passagem: «.... nos sugeitos menos calidos e em 1 Précis. de Chim. physiol. animale, pag. 136. — Paris, 1855. 2 Précis. des mal. du foie et du pancreas: par V. A. Fauconneau-Dufresne. — Pa- ris, 1856, pag. 45. 11» 84 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA que menos se introduziram (os saes volateis que suppoz gerarem-se no ar, viciando-o), só fizeram raridade, dissolução e apressada circula- ção '.» Outras alterações mencionam os auctores, como o ter o sangue perdido o seu sabor salgado, segundo Stevens, o que seria devido á exhaustáo das materias salinas, que são fornecidas ao sangue, antes de entrarem na circulação. Não tem fundamento algum esta opinião. Em uma communicação feita 4 Academia das Sciencias de Paris (sessão de 12 de dezembro de 1853) diz o sr. Chassaniol que fizera indagações sobre a composição do sangue na febre amarella com o sr. Huard e o sr. Vardon (pharmaceutico). Considerando a febre amarella dividida em dois periodos mui distinctos, denomina o primeiro, periodo de reac- cio contra o agente deletereo no estado latente no ar atmospherico; e o segundo, periodo de dissolução do fluido sanguinco por um agente septico gerado na economia. Partindo d'este principio o sr. Chassaniol procurou saber se a transição do primeiro para o segundo periodo não seria o resultado da passagem e da demora prolongada d'um agente septico procedente da secreção urinaria, por que no segundo periodo ? da febre amarella esta’ importante secreção é consideravelmente dimi- nuida; assim as suas vistas se dirigiam para a uréa. Effectivamente, diz elle, as analyses chimicas lhe mostraram que no segundo periodo da febre amarella a quantidade de uréa, que passa ao sangue, é bas- tante consideravel, sendo muito sensivel a sua diminuição na urina *. É muito conhecida a doutrina do envenenamento uremico ou da ure- mia, que se vai applicando a tantas doenças, e por isso. a omittimos aqui. No parecer ácerca da memoria do dr. Dutrouleau sobre a febre amarella que grassou na Martinica e na Gouadeloupe nos annos de 1851 a 1855,0 dr. Gérardin (relator) diz que a alteração do sangue é o verdadeiro caracter anatomico da febre amarela; que só ella ex- plica a generalidade das lesões, bem como a dos symptomas *, Mas em que consiste essa alteração que tudo explica ? qual é esse verdadeiro caracter anatomico achado no sangue, peculiar á febre amarella? Não o encontrámos mencionado. Já Simam Felix da Cunha, na resposta á pergunta que lhe fóra dirigida sobre o conceito que fazia da doença reinante em 1723, consi- 1 Discurso e Observações Appollineas, sobre as doenças que houve na cidade de Lisboa occidental e oriental o outono de 1723. — Lisboa, 1726. 2 Este segundo periodo corresponde ao terceiro da nossa descripção. 3 Gazette hebdomadaire, t. 1, n.º 12, 23 de dez. de 1853, pag. 175. 4 Gazette hebdomadaire, t. 1v, n.º 37, 11 de set. 1857, pag. 648. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 85 derára 0 sangue alterado pelo ar a causa do desenvolvimento da doen- ca, como se deprehende da seguinte passagem de sua obra: «.... ca- lores excessivos, os quaes fizeram com que se gerassem tantas coleras e com que o ar adquirisse mais sal volatil, nitro aereo, do que lhe era permittido; e introduzindo-se este paulatinamente na massa san- guinaria, foy causa de todos estes damnos. . .. !» Em logar de, sal vo- latil, nitro aereo, diga-se miasma, principio toxico, e teremos a lingoa- gem corrente de nossos dias. Tudo fica explicado; mas o miasma es- pecifico? esse escapou.: Por onde penetra elle? pela pelle, pelas vias ae- rias, pelas vias digestivas? Isso pouco importa. Notemos ainda que o primeiro medico que fallou da epidemia de febre amarella que asso- lou Pernambuco nos fins do seculo 17.º, embora lhe não désse o nome porque hoje é geralmente conhecida, esse medico portuguez, João Fer- reira da Roza, inclue já entre as causas da epidemia (constituição pes- tilencial), os miasmas pantanosos *, que depois foram tão glorificados na pathogenia da febre amarella. Do que levâmos dito se deduz que o sangue parece experimen- tar realmente alterações na febre amarella, mas que no estado actual da sciencia não vão alem das que se observam em muitas outras doen- ças, mormente n'aquellas em que as hemorrhagias pelas differentes partes do organismo constituem um dos seus elementos principaes. Em toda essa grande classe de hemorrhagias, que o sr. Gintrac, o erudito e estremado professor e director da escóla de medicina de Bordeaux, descreve em sua inextimavel obra * sob a denominação de hemorrhea petechial se acha a prova d'esta asserção. O sangue das hemorrhagias apresenta-se aqui geralmente muito liquido, mais) ou menos anne- grado, de aspecto venoso, sem cheiro fetido; algumas vezes é ver- melho e coagulavel. O sangue fornecido pela veia é pallido, ou ver- melho, ou annegrado; coagula mais ou menos rapidamente, sendo po- rem molle o coalho. Comtudo em alguns casos forma-se uma crosta bastante espessa, a qual tem parecido ao sr. Mettauer antes gelatini- forme que resistente. A proporção da fibrina é muito variavel. O sr. Frick achou 4; 4,2; 2,3 (globulos 82, 117, 124); o sr. Parkes 2,088 (com globulos 119) em um homem, e 5 (com globulos 93,66) em uma mulher. As hemorragias têem logar pela bocca, fossas nasaes, pul- 1 Op. cit. * Tratado Unico da Constituição Pestilencial de Pernambuco; disputata 1.*, du- vida 2.* i 3 Cours théorique et clinique de pathologie interne et de thérapie médicale. — Pa- ris, 1853. 86 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA mões, vias genito-urinarias, lacrimaes, gastro-intestinal, ouvidos; sob a forma de nodoas, ecchymoses, e de derramamento em varios orgãos e membranas; manifestam-se em maior copia e frequencia nas consti- tuições fortes, como succede na febre amarella *, A hemorrhea petechial appareceu sob a forma epidemica na guarnição e no hospital de Liege em maio e junho de 1846 *. É principalmente depois das febres eru- ptivas que costuma fazer a sua irrupcio. Em alguns casos a urina depõe um sedimento albuminoso, e contem pouca uréa. Na variola hemorrhagica, no typho petechial, pontos diversos da economia e afastados uns dos outros dão hemorrhagias, por vezes abun- dantes e incoherciveis, cujo sangue tem os mesmos caracteres. Pheno- menos analogos a estes se observam quotidianamente na febre biliosa dos climas quentes. Em um bem elaborado relatorio sobre a memoria do sr. Dutrouleau intitulada fièvre Bilicuse Grave des climats inter- tropicaux (lida em sessão de 14 de julho de 1858 na sociedade me- dica dos hospitaes) o sr. dr. Monneret (relator) exprime-se n'estes ter- mos: «La fiévre bilieuse est une pyrexie continue, rémittente ou inter- mittente, caracterisée par la coloration icterique de la peau et de tou- tes les humeurs du corps, par des évacuations gastro-intestinales de matière bilicuse et par des hemorrhagies multiples dont l'intestin, l'appareil génito-urinaire et les fosses nasales sont plus particulière- ment le siége, Quels que soient les lieux où règne cette fièvre, et quelque soit son intensité, elle se reconnait à une altération profonde de la sécrétion et l’excrétion de la bile et à une modification corres- pondante du sang qui se fluidifie et s'échappe de ses réservoirs natu- rels *. Como considerar pois aquellas alterações do sangue peculiares da febre amarella, se são communs a tantos outros estados pathologi- cos que por forma alguma não devem, nem podem, confundir-se com aquella doença? Invoque-se embora essa dyscrasia do sangue na pro- ducção das hemorrhagias, e suas consequencias, mas não à mettam 4 cara como explicativa da desenvolução da doença, do quadro sympto- matico proprio da febre amarella, porque o não é, e assim se des- conhece a pathologia. Não lhe déem a qualificação, que não merece, de caracter essencial da febre amarella. E se o é, se forma o primei- ro termo da serie dos phenomenos morbidos, porque falta ás vezes, porque ordinariamente se não revela nos assomos da doença, mas sim 1 Gintrac. ; op. cit. 2 Arch, de la méd, belge, 1847. 3 L'Union méd. 1858, pag. 418. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 87 em periodo adiantado? Quantas vezes o sangue não apresentará dys- crasia analoga sem se manifestarem, não diremos já os symptomas que constituem a febre amarella confirmada, mas mesmo as hemorrhagias! As alterações do sangue parecem ser o effeito d'uma causa geral, seja qual ella for (por emquanto desconhecida), que actua sobre todo o organismo, produzindo uma perturbação profunda da innervação. O sangue poderá ser o vehiculo do agente morbigeno, poderá mesmo ha- ver um envenenamento d'este liquido, a septicohemia, mas a chimica ainda não o provou, ainda não mostrou nem a natureza d'esse agente, que tem escapado a todos os meios de investigação, nem modificações fundamentaes impressas ao sangue, que constituam o caracter patho- gnomonico do morbo em questão; porque como tal não podem ter-se as alterações physicas e chimicas que os observadores têem indicado até o presente. Não negâmos, note-se bem, que exista alguma altera- ção especial no sangue porque os processos chimicos a não descobrem; o que affirmâmos, o que concluimos, é que as indagações da chimica organica ainda não podem resolver a questão, o que não deve sur- prehender, porque é coisa muito trivial em suas applicações. Fica pa- tente o campo para novas investigações que esclareçam sufficientemen- te a materia. É preciso tambem não ir atraz das alterações dos liquidos para a explicação dos phenomenos pathologicos, a ponto de postergar os sa- bios principios estabelecidos pelo pae da medicina em muitas de suas obras. Era um dogma da escola de Cós que para explicar os pheno- menos da saude e da molestia, devia-se tomar igualmente em consi- deração os solidos que entram na composição do corpo humano, os li- ‘quidos que n'este tanto abundam, e as forças que o regem. O abati- mento geral, a depressão d'acção nervosa, a frouxidäo consecutiva dos solidos, a hyposthenia vascular, não poderão entrar na equação para a resolução do problema? Vê-se pois, em ultima analyse, que a crase do sangue é alterada na febre amarella, mas que a observação, auxiliada pelos differentes meios de que dispõe, ainda não marcou modificação alguma, se a ha, que seja caracteristica, pathognomonica, exclusiva d'esta doença. 88 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA II Vomito e dejecedes; exam microscopico, analyse chimica Vamos tratar d'um dos symptomas mais tremendos da febre ama- rella, e cuja denominação tem sido empregada para designar esta doen- ça de que faz parte: vomito preto; maligna constituição dos vomitos pre- tos!; epidemia do vomito preto *. Tanta é a importancia que se lhe tem dado. Não achámos n'isto justificado motivo, nem pela gravidade, nem pela frequencia, nem pela natureza do symptoma. E na verdade, o que é o vomito preto na febre amarella? é uma gastrorrhagia, em que 0 sangue, puro ou alterado. se mistura em porporções variadas com os contentos do estomago e com a bilis ordinariamente. Temos á vista 178 papeletas (de doentes tratados nos dois hospitaes, Sant'Anna e Desterro), nas quaes foi notado com todo o cuidado o vomito preto; por ellas se vé que dos 178 doentes livraram 40, d'onde se deduz ter sido a curabilidade de 1:4,45 ou de 22,4:100 proximamente. Simam Felix da Cunha havia observado já na epidemia de 1723 a cura de doentes que tinham apresentado o vomito preto: «.... e sele me es- caparão, que vomitaráo colera negra, e todos direy quem são e aonde morão se necessario for *.» É o aspecto insolito do vomito a causa prin- cipal, parece-nos, do grande reparo que se tem feito. De ha muito que se suppunha que o vomito preto era formado, em parte, de sangue. Alguns observadores gostando a materia preta dos vomitos acharam-lhe umas vezes sabor salgado e um pouco pican- te, outras insipido, desenxabido e nauseabundo. O sr. Chervin dá-lhe um sabor de sangue muito pronunciado, parecendo-lhe em outras oc- casiões amargo, acre, e um tanto corrosivo. Nunca tomámos O gosto d'essas substancias, não por receio porque nunca acreditámos na sua nocividade e muitas vezes nas autopses inoculámos, involuntariamen- te, em nós mesmos os liquidos dos cadaveres, mas porque com isso nada avançava a sciencia mem lucrava a humanidade enferma; alem de que a coisa é repugnante. Algumas analyses téem sido feitas, posto que nem sempre com os mesmos resultados, o que tem dado logar a 1 José Rodrigues de Avreu; Historiologia medica; t. 1.º — Lisboa, 1752. 2 Duarte Ribeiro Saldanha ; Ilustração medica, t. 2.º 3 Discurso e Observações Appollineas, sobre as doenças que houve na cidade de Lisboa occidental e oriental o outono de 1723. — Lisboa, 1726. “ DA FEBRE AMARELLA ¿EM LISBOA: 89 opiniões infundadas sobre a natureza do vomito preto na febre ama- rella. O dr, Cathrall, de Philadelphia, analysando o vomito preto achou um acido predominante, que não era, diz elle em sua memoria (1800), o carbonico, nem o phosphorico, nem o sulphurico, mas que lhe pa- recéra ser o muriatico !, Ao sr. Laugier, professor de chimica (1822), deu a analyse uma substancia albuminosa, acido hydrosulphurico, e uma substancia oleo- sa. Julga-se que a substancia dada por albumina era a fibrina do san- gue, então muito difficil de distinguir da albumina ?, O sr. Audouard, pela analyse do vomito preto na epidemia que assolou Barcelona em 1821, chegou á conclusão de que a materia pre- ta existente no estomago, e que não differe da dos vomitos no tercei- ro periodo da doença, é composta de duas: partes mui distinctas, uma serosa e outra glutinosa ou mucosa; que a dos 'intestinos é da mes- ma natureza com a diflerença de lhe faltar o soro, parecendo ter si- do elaborada e reduzida á homogeneidade pelo trabalho digestivo. Re- duz-se a sua analyse á indicação d'um principio acido e de muita ge- latina, tanto no vomito como nas dejecções. A parte serosa que elle refere, julga-se ser o soro do sangue, e a glutinosa a fibrina °. O dr. Bone, indicando varias substancias que lhe pareceram exis- tir nos liquidos do estomago, é de opinião que «o verdadeiro vomito negro é sangue alterado pela sua passagem atravez dos vasos da mem- brana villosa *. » O dr. Rhees observou o vomito preto c o muco negro dos in- testinos, na epidemia de Philadelphia em 1820, com um microscopio solar, e vio myriades de animaculos; uma gotta continha milheiros, parecendo ser um aggregado d'estes seres. Quando o exame versava sobre a materia recentemente rejeitada pelo estomago, os animaculos pa- reciam vivos, em contínuo movimento ; quando pelo contrario a sub- stancia era antiga ou tirada do cadaver, os animaculos estavam immo- veis, mortos *. Adiante mostraremos a causa da illusão do dr. Rhees. O dr. Chapuis examinou tambem os vomitos na epidemia que vexou S. Pedro da Martinica nos annos de 1855, 1856 e 1857. Eis 1 Dicc. de méd., 1838, t. 17.°, pag. 274. ? Compendium de méd. prat., t. 8.º * Relation historique et médicale de la fièvre jaune qui a régné à Barcelone en 1821. — París, 1822. 4 Dict, de méd. t. 17.2 5 Dict, de méd. t:47.9 | E MEM. DA ACAD.——1.° CLASSE". II, P. II. av] 90 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA os resultados de sua observação : o liquido é sempre acido, o que é evidentemente devido aos acidos do succo gastrico ; saturado por uma solução concentrada de potassa caustica, torna-se mais limpido, os fro- cos negros dissolvem-se, e sua colorisação faz-se esverdeada com um reflexo vermelho ; chegando-lhe com uma vareta mettida em acido chlo- rhydrico, evolvem-se vapores brancos de ammoniaco ; é provavel, con- tinúa o auctor, que o am moniaco provenha da uréa, que devia sair pe- las urinas, e que fica na economia por estas se acharem supprimidas. Lancando algumas gottas de acido chlorhydrico sobre o sangue nor- mal, obtem-se um liquido perfeitamente semelhante ao vomito preto *. Parecem-nos sufficientes as citações que incidentemente temos feito sobre esta materia, que não nos proposemos tratar in extenso, e por isso vamos apresentar já 0 resultado das experiencias executadas no hospital do Desterro no decurso da epidemia de 1857, tendo-se d'el- las incumbido de modo especial o dr. Figueira. Comegaremos pelo exame microscopico. No campo do microscopio foram observadas, por muitas vezes, varias especies de vomitos de individuos claramente af- fectados de febre amarella. Na materia do vomito, apresentando a côr preta, viram-se os seguintes objectos : 1.º Globulos de sangue, privados da materia corante, de modo que apenas se descobriam os seus involueros ; e ás vezes estavam tão descorados, que se tornava difficil distingui-los d'entre os demais obje- ctos com que se achavam misturados no porta-objecto do microscopio. Os involucros sendo submettidos a differentes reactivos, deram sempre as reacções proprias dos globulos sanguineos. A presença d'estes glo- bulos foi constante n'aquella especie de vomito. 2. Conjunctamente com os globulos havia fragmentos, de for- mas muito irregulares, de materia escura, tirando para a côr de cas- tanha, que pareceram constituidos pela materia verde da bilis combi- nada com a materia corante dos globulos sanguineos. 8.º Cellulas epitheliaes pavimentosas constantemente, mesmo post mortem; ás vezes reunidas em porções tão grandes que formavam uma verdadeira camada de epithelio, que abrangia todo o campo do microscopio... 42° Globulos gordurosos em alguns casos, parecendo ás vezes provirem do caldo que servia de alimento aos doentes. 5º A sarcina ventriculi (Good-sir), cryptogamica que existe quasi sempre na materia vomitada pelos individuos atacados de vomi- 1 De la fièvre’jaune ; Moniteur des hôpitaux, 1857, pag. 995. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 91 tos periodicos, devidos à doenças organicas do estomago. Foi vista só duas vezes no vomito preto. 6.º Cristaes em agulhas reunidas em forma de ouriço, sendo uns de saes calcareos, outros de acidos das substancias gordurosas, pro- venientes provavelmente do caldo que os doentes tomavam. Foram ra- ras vezes observados. 7.º Vibrióes, ora em movimento muito pronunciado, ora já mor- tos; foram muito vulgares em quasi todas as materias yomitadas ; sua quantidade era tanto maior quanto mais antigo era o vomito, o que dependia da alteração ou da decomposição do liquido. Foram por ven- tura estes os animaculos vistos pelo dr. Rhees. Quando a substancia do vomito era esverdeada, nunca se pôde encontrar os globulos sanguineos ; via-se então em grande quantidade uma substancia d'um verde-claro, composta de pequenas granulações, que se julgou ser a materia verde da bilis. Pelo contrario, se o liqui- do expellido do estomago pelo doente se apresentava avermelhado, os globulos sanguineos se mostravam no campo do microscopio com to- dos os caracteres que lhes são proprios. Na materia vomitada recentemente, quer ella fosse filtrada quer não, vimos em algumas occasides raros globulos de fermento, com a fórma elyptica, muito descorados e quasi sempre isolados. Estes glo- bulos iam sendo mais numerosos e apresentavam-se unidos uns aos ou- tros em forma de rozario á medida que a observação se fazia mais tar- de; tres ou quatro dias eram sufficientes para elles se articularem e tomarem a forma d'uma verdadeira cryptogamica. Estes globulos de fer- mento nunca foram alterados por nenhum dos reagentes a que foi sub- mettida a materia vomitada ; unicamente evitava-se com isso que o seu numero auginentasse, mesmo depois de passados alguns dias. Só uma vez se tornaram patentes alguns filamentos reunidos em rede como as nervuras de uma folha ; nunca mais foi possivel encon- tra-los no grande numero de observações que se fizeram n'este senti- do. Estes filamentos, que talvez fossem os capillares sanguineos que o dr. Blair diz ter encontrado em todas as materias vomitadas, nas uri- nas e fezes dos doentes atacados de febre amarella, longe de serem mui vulgares como este auctor suppõe, foram pelo contrario tão raros en- tre nós, que os julgámos puramente accidentaes, e não quantidade constante, como admittiu aquelle observador. As experiencias sobre a cellulosa do figado indicadas pelos srs. Jonas de Savannah e Meckel de Berlin nos deixaram muita duvida so- bre seu resultado; é verdade que pela reacção do acido sulphurico e ias 92 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA tinctura d'iodo sobre pequenas parcellas de figado dilaceradas se ob- servava ao microscopio um grande numero de granulações de um azul muito escuro, mas estas granulações eram tão miudas e tão irregula- res, que em nada se assemelhavam aos granulos de amido tornados azues pela tinctura d'iodo, e que tão faceis sio de observar ao mi- croscopio. Taes foram os resultados obtidos pelo exame microscopico sobre o vomito na febre amarella. Nao se limitaram porém aqui as inves- tigacdes tentadas e com vivo empenho seguidas no hospital do Des- terro. As materias fecaes foráo tambem ao campo do microscopio, e ahi mostraram constantemente cristaes de phosphato de ammonia e ma- gnesia, muitos vibrões, ora em movimento ora em repouso, algumas cellulas epitheliaes, já separadas já reunidas, formando pequenas por- ções de epithelio, que tomavam todo o campo do microscopio, € fi- nalmente muita materia amorpha. Passemos á analyse chimica, indicando primeiramente em resu- mo o modo por que se procedeu neste exame. Nunca se submetteu á analyse materia que tivesse sido vomitada mais de 24 horas antes; procurámos sempre que fosse o mais recente possivel. Esta substan- cia antes de ser ensaiada pelos differentes reactivos era primeiramen- te filtrada com carvão animal ou sem este, o que em nada alterava as suas qualidades chimicas; apenas ficava mais limpida quando se empregava o carvão animal, apresentando-se opalina quando se pres- cindia d’esta substancia. Em cinco analyses que se fizeram, a densidade tomada com o areometro de Prout oscillou entre 1007º e 1017". As reacções foram quasi constantemente as mesmas com os res- pectivos reagentes. Mudaram sempre para vermelho o papel azul de tournesol. O acido nitrico só em dous casos deu a côr amarella ao liqui- do; nos outros não produziu reacção alguma sensivel, acontecendo ‘o mesmo com os acidos sulphurico, chlorhydrico e acetico, e com o al- cool de 36°. Só no dia seguinte se encontrava em todos um mui pe- queno deposito, composto todo de globulos de fermento, cuja quanti- dade não augmentava com o tempo. A ammonia e.a potassa caustica turvavam sempre o liquido no momento da reacção; no dia seguinte havia um sensivel deposito, que observado ao microscopio dava para a ammonia cristaes de chlorohy- drato d'esta' base, e para a potassa um pó amorpho. O nitrato de prata, logo que era lançado no liquido, formava um DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 93 abundante deposito branco de chlorureto de prata, que se tornava ca- da vez mais escuro até tomar a côr negra com a presença da luz do dia. O nitrato de baryta turvou levemente o liquido, no dia seguin- te havia sempre um pequeno deposito, formado todo de cristaes de oxalato de cal. : O liquor de Barreswil s6 uma vez reduziu o oxido de cobre, o mesmo teve logar com o sulphato de cobre e potassa caustica, A eva- poração prolongada deu em resultado uma substancia que fazia fio co- mo o assucar, e que sendo queimada deu o cheiro de caramello. O liquido, de que temos fallado, sendo submettido á evaporação em banho de arêa até á consistencia de xarope, e depois deixado em repouso, apresentava no dia immediato abundantes cristaes cubicos de chlorureto de sodio, visiveis unicamente com o auxilio do microscopio. Destas experiencias se infere que o liquido ensaiado continha chlo- rureto de sodio, saes calcareos, e assucar em um só caso. Estes foram, muito em resumo, os resultados das analyses a que se procedeu no hospital do Desterro, não obstante o gravoso serviço clinico exigido pelo inimigo inexoravel que flagellava a capital. « K est bien plus simple de s'endormir sur Coreiller de la foi que de poursui- vre la verité à la sucur de son front.» (Et. Vacherot. — De la demo- cratie). II Amvorellidio periplerico O symptoma, que vamos estudar, é um d'aquelles que pela sua frequencia contribuiu para a denominação por que é geralmente conhe- cida a doença, de que nos temos occupado. Na anatomia pathologica e na descripção geral dos symptomas indicámos as modificações, frequen- cia e epocha de manifestação d'aquelle symptoma ; vamos agora dizer duas palavras sobre sua pathogenia. j Qual é a causa da amarellidão que se manifesta em varias par- tes, maxime na pelle e nas conjunctivas, no decurso da febre amarel- la? Será uma icterícia, analoga 4 que se observa em muitas outras doenças? Eis o ponto capital d'este assumpto e sobre o qual desvai- ram as opiniões dos que sobre elle téem escripto. A duas se podem reduzir as opiniões emittidas a este respeito ; em uma attribue-se a amarellidäo das partes ao sangue, n'outra 4 bi- lis. Parece que Desmoulins foi o primeiro (1822) que apresentou e fun- damentou a primeira opinião, admittindo que a colorisação da pelle na 94 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA febre amarella era o effeito da elaboração impressa ao- sangue nas re- des vasculares da derme, na qual se operava uma congestão ou fluxäo analoga á que produzia as hemorrhagias:das membranas mucosas intes- tinaes; que a amarellidäo, quasi sempre precedida, de petechias e de ecchymoses, era uma especie de ecchymose geral, Fundava-se Desmou- lins nas seguintes considerações: 1.º que na ictericia. dos recem-nas- cidos aquella colorisação provém d'uma alteração na circulação; 2.º que em certas raças d'homens, a amarellidão da pelle é o efleito d'um trabalho molecular que se executa na rede vascular e no corpo muco- so de Malphigi; 3.º que os orgãos da secreção biliar se acham intactos, e por isso não deve haver augmento d'esta secreção h O dr. Audouard é do mesmo parecer que exprime n'estes ter- mos: a côr amarella da pelle não é devida 4 presença da materia ama- rella da bilis que produz a ictericia, mas sim ao principio corante ama- rello do sangue que penetra os tecidos ; 0 principio annegrado, menos fixo e sempre misturado com os liquidos, segue as leis do peso e ori- gina as ecchymoses *. : Esta opinido conta um grande numero de proselitos e tem mui- tos factos em seu abono. O sr. Chapuis, director do servico de saude da Guyana franceza, e que descreveu a epidemia que andou em S. Pe- dro (Martinica) d'esde o fim de novembro de 1855 até o fim de ja- neiro de 1857, partilha a mesma opinião sobre o modo de interpre- pretar o phenomeno em questão. Admittindo que os symptomas an- giothenicos dependem da congestão do systema capillar sanguineo da pelle e das mucosas, faz filiar a amarellidio d'estas membranas nas modificações por que passa a congestão capillar, dependentes da desfibri- nação do sangue, o que claramente exprime n'esta passagem : «Si maintenant nous suivons la marche de cette congestion, nous voyons lui succéder peu à peu tantôt une coloration jaune-paille de la peau, semblable à la teinte de la chloro-anémie, et bien différente de Victê- re produit par la suffusion bilieuse, ictère qui se montre aussi dans le cours de la fièvre jaune, mais qui a une signification bien différen- te de la coloration jaune-paille, dont je parle, et qui tient, comme celle de la chlorose et de l'anémie, à la defibrination du sang *. » Ha 1 Sur Pélat anatomique de la peau et du tissu cellulair sous-cutanée dans la fièvre jaune; 1822. ¢ 2 Relation hist. et méd. de la fièv. jaune, qui a régné à Barcelone. — París, 1822. 3 De la fièvre jaune, à propos de Vépidemie qui a régné à Saint-Pierre-Martinique pendant les années 1855, 1856, 1857; Moniteur des hôpitaux, 1." ser., t. 5, n.° 125, 17 oct. 4857. ‘ DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA: 95 pois, segundo © dr. Chapuis, duas especies de ictericia que podem des- envolver-se na febre amarella, sendo uma devida 4 alteração do san- gue e outra á suffusão biliosa.” O dr. Ballot, cirurgião principal da marinha franceza, admitte tambem duas especies de ictericia na febre amarella; uma apparece no principio do segundo periodo, manifestando-se pelo descoramento da face e uma ligeira côr assafroada das conjunctivas e da pelle, par- ticularmente sobre o trajecto dos grossos vasos; ella coincide com o periodo hemorrhagico e parece, diz o sr. Ballot, ser produzida por uma especie de transudação do soro para fóra dos vasos ; por este mo- tivo propõe-lhe a denominação de ictericia serosa, ictericia hemorrha- gica. Esta ictericia é tambem caracterisada pela emissão de urinas ver- melhas, dando pelo acido azotico um precipitado albuminoso abundan- te e d'uma côr acinzentada; a urina que sobrepuja este precipitado conserva a sua côr primitiva. A outra especie' de ictericia apparece para o fim do segundo periodo, e na convalescença da febre amarella, dando á pelle uma côr d'occhre. mais ou menos carregada. E” a icte- ricia biliosa, diz o auctor, propria da febre amarella. Ella é acompa- nhada de urinas escuras, viscosas, corando em verde, e dando pelo aci- do azotico um precipitado albuminoso variavel na quantidade ! Pela exposição que vimos de fazer, se vê, que ha uma grande differença entre a opinião do sr. Ballot e a do sr. Chapuis; ambos admittem, é verdade, duas especies de ictericia na febre amarella, mas o sr. Ballot crê propria d'esta doença a icteria biliosa, em quanto que o sr. Chapuis julga ser a hemorrhagica. Boas razões militam a favor do segundo epidemiologista, como o irá mostrando o seguimento d'es- te estudo. Não passaremos avante sem notar a reclamação de prioridade, feita pelo dr. Octavo Saint-Vel em uma carta dirigida em julho de 1858 ao dr. Dechambre, distincto escriptor e redactor principal da Gazette Heb- domadaire. Desde o começo de 1856, diz o dr. Octavo, um estudo at- tento da febre amarella me levou a admittir a existencia de duas icteri- cias: uma constante, caracteristica, produzida pela disjuncção (dissotia- tion) do sangue (ictére de la première période, ou ictóricie); outra acci- dental (ietêre de la segonde période, ou cholihémie), produzida pela pre- sença dos elementos da bilis no sangue. Considerei o apparecimento d'esta segunda ictericia como um signal prognostico favoravel, indi- 1 Epidemie de fièvre jaune à Saint-Pierre (Martinique), 1856-1857; Gazette Heb- domadaire, t. 5, n.º 16, 16 avril, 1858, pag. 277. 96 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA cando na maior parte: dos casos o momento da convalescenca. Estas idéas publicadas em 1856 foram reproduzidas pelo auctor em uma me- moria, que por intermedio de Geoffroy Saint-Hilaire foi apresentada á academia das sciencias de París na sessão de 20 de julho de 1857 *. Não valia a pena que o dr. Octavo Saint-Vel se incommodasse com a re- clamacáo de prioridade em uma coisa muito mais antiga do que elle suppoz. O conhecimento da cholihemia, isto é, da ictericia produzida pela presença da bilis ou de seus elementos no sangue data de era mui arredada, e o da ictericia hemorrhagica do começo d'este seculo. Cumpre notar ainda que não ha completo accordo entre os srs. Octa- vo e Ballot, ácerca da interpretação dos, factos, por quanto 0 primei- ro opina (como o sr. Chapuis) que a ictericia hemorrhagica é a cara- cteristica da febre amarella, e o segundo julga que é, pelo contrario, a icterícia biliosa (colihemia). Antes de emittir as idéas que nos sug- geriu a observação da epidemia que grassou em Lisboa em 1857, fa- remos um rapido bosquejo historico das opiniões dos auctores sobre o assumpto que agora occupa a nossa attenção. Na antiguidade passava em julgado a presença da bilis no san- gue nos casos de ictericia, a qual achava explicação n'esse facto. Hip- pocrates foi o primeiro a estabelecer esta doutrina; a bilis mistura- va-se com o sangue, e era conduzida com este aos differentes orgãos, os quaes por isso amarellejavam. Era a opinião geralmente seguida ?, até no começo d'éste seculo em que a chimica, recebendo um notavel impulso da parte de ho- mens eminentes, submetteu á analyse os differentes liquidos do orga- nismo. Infelizmente a sciencia ainda não pronunciou a ultima pala- vra, reinando ainda alguma divergencia entre as grandes notabilida- des, que mais têem dilucidado este assumpto, como se mostra pela rapida resenha que vamos fazer dos principaes resultados obtidos pela chimica, auxiliado-nos da bella obra do sr. Fauconneau-Dufresne, — La bile et ses maladies. Foi Deycux um dos primeiros a emprehender estas analyses; jul- 1 Gazette Hebdomadaire, t. 5, 1858, pag. 623. 2 Bem entendido que excluimos d'aqui as theorias extravagantes, como a subti- leza do fel de Plinio, a mistura salina de Paracelso, o fermento estercoral de Vanhel- mont, a materia gordurosa atrabiliaria, a viscosidade da bilis, etc. etc. Hoffmann attri- buia a colorisacáo icterica ao espasmo da pelle, a qual meste estado retinha no seu te» cido os suecos biliares contidos no liquido da perspiração, e uma das provas d'isso era, diz elle, o desapparecimento de muitas ictericias no momento da morte. Que diria elle se visse a amarellidao da pelle apparecer só post mortem, como tantas vezes acontece na febre amarella. ‘DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. o OR gou este chimico ter demonstrado que a materia corante da bilis forma um corpo independente, que só por si não constitue o fluido biliar, po- dendo encontrar-se em differentes liquidos sem que d'ahi se siga que a bilis exista n'esses liquidos. Tendo descoberto no soro do sangue o principio corante da bilis, suppoz que nos casos de ictericia não era a bilis que passava ao sangue, mas sim o seu principio corante. Clarion desviou-se da opinião do sabio chimico, estabelecendo que a bilis não só passava ao sangue, mas tambem penetraya todas as par- tes do organismo, aonde soffria modificações, que com tudo não impe- diam de a conhecer, e que, todas as vezes que a pelle e as conjunctí- vas apresentavam a colorisação amarella, havia bilis nos differentes liquidos. Fourcroy e Vauquelin descobriram nos musculos uma substan- cia amarellada, gordurosa, um acido amarelo, que consideraram co- mo a causa provavel da ictericia. É para sentir que estes notaveis chi- micos não analysassem o sangue. Orfila diz que fizera tres analyses do sangue de ictericos, tendo verificado a presença, n'este liquido, da materia resinosa verde, isto é, da bilis segundo sua opinião. Thénard affirma, pelo contrario, não ter descoberto no sangue d'um icterico nenhum dos materiaes da bilis. O sr. Lassaigne não foi mais feliz com relação á bilis, mas jul- gou achar no sangue uma nova substancia, d'um amarello alaranjado, que lhe pareceu provir da materia corante vermelha do sangue. Corria assim divergente a opinião dos mais habeis chimicos, quan- do em 1830 a academia real de medicina de París propoz para pre- mio a seguinte questão: 4nalysar o sangue dum icterico por compa- ração com o d'um individuo são, e estabelecer as suas diferenças. O sr. Lecanu alcançou o premio; achou no sangue de dois ictericos um composto de albumina e de soda, pouco ou nada soluvel n'agoa, e um principio corante azul. As suas analyses deram os seguintes resultados: SANGUE D HOMEM E DE MULHER DE PERFEITA SAUDE HOMEM MULHER Agonmeair cata . 790,900 792,897 Allbumints asilo ie isis 71,560 70,210 Claire 028,670 127,730 Saes e materias extractivas 8,870 9,163 1000,000 1000,000 MEM. DA ACAD. — 1." CLASSE—T. I. P. Il. 13 98 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA + SANGUE DE DOIS ICTERICOS HOMEM MULHER Aguado en cum ay. 68285660 830,000 Bibring ities usa Dia é 1,870 2,000 Abin isto sido 76,820 65,000 Materia corante... ..... 11,150 95,000 Saes e materias extractivas 14,900 8,000 1000,000 1000,000 Em 1837 o sr. Lecanu reproduziu em uma these as suas inda- gações sobre este objecto, concluindo que sendo verificada a presença, no sangue dos ictericos, dos principios corantes da bilis, era racional admittir por analogia a dos outros materiaes d'este humor. O sf. Denis, no seu Essai sur l'application de la chimie à l'étude physiologique du sang (1837), conclue que no sangue dos ictericos só ha diminuição de albumina e augmento da substancia amarella. O sr. Chevreul encontrou no sangue dos ictericos os dois prin- cipios corantes que achára na bilis dos mesmos individuos, e por con- seguinte não lhe ficou a menor duvida sobre a existencia dos princi- pios corantes da bilis no sangue dos ictericos, mas para avançar que este contem aquella, diz o eximio chimico, é preciso provar: 1.º a presença (no sangue) da cholesterina, dos acidos oleico e margarico, que, com os principios corantes mencionados, constituem a substancia denominada materia gordurosa, materia resinosa, Tesina da bilis hu- mana; 2.º a presença (no sangue) das materias que se tem designado por muco, picromel. Crê todavia o celebre chimico mais provavel que a bilis exista realmente no sangue dos ictericos, por se ter encontrado já n'este liquido a maior parte dos principios immediatos das secreções. O sr. Dutroulau tratou o soro do sangue de doentes atacados de febre amarella pelo acido nitrico até á saturação, e obteve um preci- pitado de albumina corado em azul esverdeado, o que o levou a ad- mittir a presença da materia corante da bilis no sangue !. Não omittiremos as interessantes analyses dos srs. Becquerel e Rodier sobre o sangue ma ictericia, cujos resultados foram publicados em sua excellente Mémoire sur la composition du sang dans l'état de 1 Epidemie de fièvre jaune à la Martinique, de février 1839 à juillet 1844 : — 1842. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 99 santé et dans l'état de maladie (1844). Estabeleceram estes distinctos observadores que, quando ha ictericia com fluxo bilioso ou diarrhea biliosa, o sangue não se altera em sua composição, mas quando haven- do ictericia a bilis deixa de correr para o intestino, os materiaes mais importantes da bilis, que existem primitivamente no sangue, e com particularidade a cholesterina, não sendo então eliminados pelo figa- do, concentram-se no sangue, e aqui apparecem em abundancia. Eis os resultados de suas analyses; ESTADO NORMAL IMAtenias gordas su sana ain rl OU Decompondo-se em serolina.... 0,020 Materia gorda phosphorada .... 0,488 Cholesterina uscar 0,088 Sabalera arica 1,004 ICTERICIA COM FLUXO OU DIARRHEA BILIOSA Materias gordas............ 1,406 ... 2,832 rola gabe 0,003 ...q.imp. Materia gorda phosphorada... 0,281... 0,824 Cholesterinas wiz di ques in 0,141 oe 0,524 Sabão airis dormia esi oc OD NA BIR, ICTERICIA SEM PASSAGEM DA BILIS PARA O ESTOMAGO Materias gordas..... Ri ita 3,646 ... 4,176 Serolinas sn 0000, 00.0 10128 Materia gorda phosphorada... 0,810 ... 1,159 Cholesterina. .... o DO o Sabfiorabi mesi. addon abita 0513000 4333 Alguns pathologistas inglezes e alemães acharam no sangue a leucina, tyrosina e oxalato de cal. Pelo que levámos dito se vé que, na ictericia, a materia corante da bilis se torna patente no sangue, mas que não está ainda positiva- mente demonstrada a presença da bilis propriamente dita n'aquelle liquido, posto que haja grandes presumpções de que assim succeda; e por conseguinte todas as explicações fundadas n'esta ultima circums- 13» 100 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA tancia não passarão de hypotheticas por falta de base segura. Com tudo medicos muito distinctos as têem adoptado em todos os tempos a despeito dos resultados negativos da chimica. Assim Van-Swietten admitte que a bilis reflue para o sangue, quando ella encontra um obstaculo mecanico á sua passagem para o intestino, mas que são OS elementos da bilis que ficam no sangue, quando o figado, por uma alteração: qualquer no seu tecido ou em suas funegdes, deixa de fa- bricar bilis, sendo então a ictericia devida á falta de separação dos materiaes da: bilis, os quaes se accumulam por isso no sangue. Roki- tansky tambem crê na preexistencia dos elementos da bilis no sangue ; a maior parte dos observadores porêm não admitte a preformação dos elementos da bilis. Não é sómente á presença da bilis ou dos seus elementos no san- gue que se tem attribuido a ictericia; tem-se recorrido, em alguns casos, a uma alteração especial do sangue para a explicar. O dr. De- caisne advogou com vivissimo empenho esta opinião perante a socie- dade de medicina de Gand. Exporemos em resumo a argumentação deste illustre escriptor. A ictericia não é sempre occasionada pela pas- sagem da bilis ao sangue, porque a chimica não tem descoberto nem no sangue nem na urina todos os principios da bilis; a ictericia sendo ás vezes parcial não póde depender d'uma causa geral, como o seria a colorisação do sangue pela bilis ; a ictericia tem-se patenteado sem que a menor perturbação funccional durante a vida, nem a menor lesão material post mortem, tenham feito suspeitar a existencia d'uma doen- ca do figado; emfim a ictericia dos recem-nascidos não poderia de- pender d'uma doença do apparelho biliar, de que: o menino não traz vestigio algum, bem como aquella que resulta da mordedura de ani- maes venenosos. Por outro lado o sangue póde fornecer um principio corante amarello, o qual poderá em certos casos ser a causa mate- rial da ictericia. O dr. Decaisne escorou a sua asserção, 1.º nas ana- lyses de Fourcroy e Vauquelin, os quaes tratando a fibra muscular ou a fibrina do sangue pelo acido nitrico viram desenvolver-se um principio corante amarello da mesma natureza que o principio coran- te amarello achado na urina dos ictericos ; 2.º na descoberta de Lassai- gne, que assignalou, como referimos, uma nova substancia d'um ama- rello-alaranjado, que parece provir da materia corante vermelha do sangue, e que para Braconnot seria uma: combinação da materia ama- rella com um corpo gordo; 3.º na composição do sangue, que na icte- ricia, como na chlorose, contém menor quantidade de globulos ru- bros do que no estado fysiologico. A ictericia seria pois effeito da dis- ‘ DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. | 101 juneção dos principios do sangue, do isolamento da materia amarella existente n'este liquido no estado normal, ou da conversão da mate- ria corante vermelha em amarella. d A doutrina do dr. Decaisne, apresentada com muita lucidez e defendida com grande engenho, recebeu nova forca com a communica- cio que o sr. Polli fez ao congresso scientifico de Napoles em 22 de setembro de 1845, e publicada na Gazette médicale de Paris de 1846. A gradação da côr na contusão eas modificações por que passa a bi- lis em alguns casos pathologicos, levaram o sr. Polli a suspeitar a iden- tidade da hematosina com 6 principio corante da bilis. Verificou a presença do ferro, principio commum a estas duas substancias, que podem com tudo distinguir-se no soro do sangue e na urina dos icte- ricos. Tendo submettido a hematosina aos agentes desoxydantes, e a materia amarella da bilis aos reactivos oxygenantes, inferiu a identi- dade de natureza d'estes dois principios, só com a differença de que o do sangue estaria no maximum de oxygenação, e o da bilis no mi- nimum. Sob o influxo vital elles se metamorphoseariam um no outro, Adduz o illustre medico os seguintes factos pathologicos em apoio d'esta supposição: a ictericia dos recem-nascidos coincidindo com a hyperemia da pelle; a expectoração amarella da pulmonite seguindo-se frequente- mente á expectoração sanguinea ; a pallidez das urinas nos anemicos, nos quaes minguam os globulos, e a sua colorisação nos plethoricos. Final- mente, continua o auctor, as modificações que o sangue experimenta nos casos em que é electrisado, nos grandes choques moraes, depois da sec- ção dos nervos pneumogastricos, cruraes e brachiaes, por grandes mu- danças de temperatura ete., estão longe por certo de explicar a pro- ducção da côr amarella, mas podem até certo ponto mostrar a in- fluencia dos diversos agentes sobre o sangue. Dusch (Leipsich, 1854) attribue a ictericia simples 4 paralysia dos canaliculos biliares, sendo então a bilis absorvida pelos lympha- ticos, em quanto que na ictericia grave estes são tambem paralysa- dos, pelo que a bilis se accumula nas cellulas hepaticas e as desor- ganisa, operando-se depois a absorpção de todos estes elementos, o que dá origem aos phenomenos malignos proprios da ictericia grave. Em vista de suas observações Dusch chegou ás seguintes conclusões: 1.º o sangue e a urina dos ictericos contéem ás vezes, alem da mate- ria corante da bilis, saes de acidos biliares, sensiveis aos reactivos; 2.º a bilis de boi, e provavelmente tambem a do homem e d'outros ani- maes, tem a propriedade de dissolver os globulos do sangue, do pus e as cellulas hepaticas ; 3.º este poder dissolvente é devido ao glyco- | | d | 102 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA cholato e ao taurocholato (cholato) de soda; 4.° a bilis de boi filtra- da, e injectada nas veias d'um coelho, determina ordinariamente uma morte instantanea com accidentes tetanicos ; na autopse encontram- se rotos os capillares pulmonares; 5.º dissoluções de glycocholato e de taurocholato de soda têem a mesma acção, com a differença de o primeiro não produzir às dilacerações no pulmão; 6.º pode-se inje- ctar nas veias d'um cão quantidades consideraveis de bilis de boi fil- trada e de glycocholato de soda, sem produzir accidentes notaveis ; 7º a injecção d'uma dissolução de taurocholato de soda, pelo con- trario, causa a morte com phenomenos de asphyxia e com dilacera- cões do pulmão ; 8.º soluções de taurina, injectadas nas veias de cães e de coelhos, são innocentes; 9.º não se póde dizer ainda se os saes de acidos biliares, contidos no sangue dos ictericos, são capazes de dar origem a symptomas cerebraes ; 10.º os symptomas cerebraes observa- dos em certos casos de ictericia aguda mortal, coincidem muitas ve- esta, quando existe, re- zes com a atrophia amarella do figado ; 11.º que dissolve as cellulas sulta da imbibição d'este orgão pela bilis, hepaticas; 12.” a atrophia aguda amarella provem muito provavel- mente d'uma paralysia dos canaes biliares e dos vasos lymphaticos do figado !. Esta doutrina porém tem contra si uma grave objecção, e vem a ser, que parece estar demonstrado pelo sr. Robin que a bilis náo gosa da propriedade de dissolver as cellulas hepaticas O sr. Frerichs estabeleceu (1858) que na ictericia, mormente na grave, se forma no figado uma hyperemia e depois uma exsuda- ção; esta comprime os canaes biliares e determina a estagnação da secreção central. As cellulas, contidas em redes vasculares obliteradas pela exsudação, se atrophiam, e d'este modo se produziria a destrui- ção das cellulas hepaticas, como se observa na ictericia grave. A bi- lis seria então absorvida pela veia central e levada á torrente circu- latoria. Em ultima analyse a amarellidão procederia da introducção da bilis no sangue. t Pelo que temos expendido sobre este objecto se vê, que a colo- risação amarella da pelle tem sido attribuida a duas causas princi- paes: 1.º á presença da bilis ou de seus elementos no sangue (seja por absorpção no figado, seja por esta glandula não separar do san- gue os materiaes da bilis n'este existentes); 2.º a uma alteração es- pecial do proprio sangue (disjuncção de seus elementos e formação d'um liquido particular, analogo 4 bilis unicamente em relação á côr ! L'Union médicale, t: 10, n.º 60, 1856, pag. 244. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA: 108 e que se derramaria entre as Jaminas do tecido cellular, ou simples separação e difusão da materia corante do proprio sangue), Quando ha unicamente embaraço ao curso da bilis, dizem que esta é reabsor- vida: no seu estado natural; quando o figado não segrega bilis por qualquer circumstancia (alteração de tecido ou só funccional), suppõem que os elementos da bilis, e não esta, ficam no sangue, ao qual com- municam a colorisação amarella ; quando a glandula faz a sua secre- ção regular e o producto segue o seu caminho habitual, recorrem en- tão á alteração especial do sangue. Agora que temos conhecimento das principaes causas da produc- ção da ictericia, ou amarellidào peripherica, adduzidas pelos auctores, perguntâmos a qual d'ellas deve referir-se a que se manifesta na fe- bre amarella, ou terá ella aqui origem differente ? Em presença de auctoridades tão notaveis como as que temos ci- tado, seria demasiado arrojo o pretender resolver uma questáo, em que se téem empenhado tão abalisados engenhos. Tendo porém obser- vado uma larga epidemia em todas as suas phases, julgámos do nosso dever apresentar a nossa opinião, com quanto muito humilde, sobre a materia sujeita. Será mais uma para augmentar o numero das que não passarão do dominio da historia. Que na febre amarella se desenvolve a ictericia ou cholihemia, isto é, a amarellidio da pelle e das conjunctivas devida á presença da materia corante biliar, que passou á pelle por intermedio do sangue, parece-nos certo; a analyse do sangue e das urinas o prova, se é pre- -ciso. E porque razão a febre amarella havia de fazer excepção a todas as doenças em que tem logar uma alteração do parenchyma hepatico? Seria extraordinario. Assim pois considerâmos esta ictericia, que al- guns auctores denominam diliosa, colihemia (kholé, bilis), colétoxemia (Lebert), como um phenomeno ordinario, vulgar, na febre amarella co- mo em qualquer outra doença ; nada ha aqui de especial. Mas será esta a ictericia dominante da febre amarella, aquella que tão frequentemen- te se manifesta n'este morbo e que constitue um de seus traços cara- cteristicos? Não o cremos; suppomos antes que a hemorrhagia cutanea ou transudação sanguinea é a sua causa a mais ordinaria pelos factos e razões que seguem: 1.º as pintas, as ecchymoses, as largas manchas annegradas quando se desvanecem, passam por successivas gradações até assumirem a côr amarella geral, na qual, por assim dizer, se fundem, sendo impossivel traçar limites entre a côr (amarella) geral da pelle e a das manchas, parecendo assim “terem uma origem commum; forma então tudo uma unica côr derramada pelo tegumento, do que demos 104 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA frisantes exemplos na anatomia pathologica; 2.º a coexistencia tão fre- quente da colorisação anormal da pelle com congestões e hemorrha- gias, que se operam já no tecido das membranas, já no parenchyma dos orgãos, já em cavidades naturaes ou anormaes, e que apresentam tambem differentes aspectos; 3.º a diminuição e até desapparecimento ou ausencia da amarellidão cutanea nos casos de copiosas hemorrha- gias effectuadas por outras partes, parecendo haver n'isto uma com- pensação; 4.º a epoca do apparecimento da amarellidão, quando o san- gue se apresenta mais apto para as hemorrhagias; 5.º a falta, ordina- riamente, do prurido tão incommodo que se observa na ictericia, que frequentemente acompanha as doenças do figado. Todas estas circum- stancias, se não provam cabalmente, inclinam o espirito a suppor que a colorisação anormal da pelle (bem como das outras partes) na febre amarella se liga ordinariamente á congestão e hemorrhagia, que n'ella se operam. Segundo a extensão e intensidade d'estas assim a pelle offe- rece diversas graduações de côr, desde a amarellidão até á ecchymo- se, á mancha annegrada. Esta origem da amarellidão cutanea não impede que se produza a primeira de que fallamos; pelo contrario julgâmos que muitas vezes se combinam e concorrem para a producçäo do mesmo effeito. O vi- cio das opiniões emittidas pelos differentes observadores está princi- palmente, segundo nos parece, no exclusivismo que adoptaram. De adrede temos empregado n'esta memoria a expressão amarellidao pe- ripherica e não ictericia para exprimir simplesmente o facto, que será constante, embora varie a sua explicação. IV Alban Um symptoma notavel, a mais de um respeito, e sobre cuja im- portancia semeiologica e prognostica na febre amarella náo estáo in- teiramente accordes os observadores, vai prender agora nossa atten- ção. Referimo-nos á albuminuria. Para não descer de nosso proposito, não procuraremos expor os resultados da observação de todos os epi- demiologistas sobre esta materia, cujo estudo especial com relação á febre amarella data d'estes ultimos annos; indicaremos alguns dos principaes para servirem de termo de comparação com 08 obtidos na epidemia de Lisboa em 1857. Antes porém, para clareza e facilidade da discussão em que havemos mister entrar, faremos uma diversão DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 105 do assumpto principal para expor o estado actual da sciencia com res- peito á pathogenia da albuminuria. Cumpre primeiro que tudo precisar bem a especie de albuminu- ria de que nos vamos occupar. Em geral a albuminuria, isto é, o ap- parecimento d'albumina nas urinas ', tem por origem, ou a presença do sangue na urina, o que póde provir de muitas causas, que nos não compete indagar n'este logar, ou a mistura de muco ou pus com a urina. Não é de nenhuma d'estas especies que tratámos aqui, mas sim da albuminuria propriamente dita, d'aquella que tem origem em uma secreção anormal dos rins. Dos casos observados, e que serviram de ba- se á discussão, eliminámos todos os que não podessem incluir-se n'es- ta especie, taes como os de hematuria, os de catarrho ou de suppu- ração dos orgãos genito-urinarios, ete. E` opinião geralmente seguida que a albumina, que apparece nas urinas, provém do sangue; ha porém grande dissentimento no modo de explicar ou interpretar o processo ou mecanismo, pelo qual essa albumina passa por tecidos, que no estado normal a não deixam trans- sudar. A duas doutrinas fundamentaes se reduzem as opiniões ácerca da pathogenia da albuminuria. Uma estabelece que a albuminuria é sem- pre o effeito d’uma modificação apreciavel dos rins, um phenomeno consecutivo á lesão do orgão secretor, lesão essa que representa o pri- meiro termo da serie morbida. A esta doutrina se poderá por ventu- ra denominar anatomica. A outra admitte que a albuminuria é independente de qualquer alteração renal, que ella se produz sem a precedencia de modificação alguma nas condições anatomicas dos rins, e que quando esta exis- te, é secundaria tanto pela epoca de sua formação, como por sua im- portancia. Nesta doutrina a albuminuria consistiria, no começo, em uma perturbação puramente funccional, tendo por causa constante uma alteração do sangue. Essa alteração seria, como diz o sr. Sigismond Jaccoud *, a unica causa essencial, a unica causa proxima, a unica causa instrumental do facto elementar, a albuminuria, a qual é a seu turno o primeiro annel d'uma cadeia continua de phenomenos morbi- dos. A esta doutrina caberia talvez a denominação de chimico-fysio- logica. Observadores eminentes, medicos dos mais abalisados, militam 1 0 termo albuminuria tem tambem sido empregado, desde sua creação por Martin- Solon em 1838, para designar a doença de Bright; não é m'esta accepcáo que agora a to- mámos, mas simplesmente para significar o facto da presença da albumina nas urinas. 2 Des conditions pathogéniques de Palbuminurie. — París, 1860. MEM. DA ACAD.—1.° CLASSE—T. II. P. Il. 14 106 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA nos dois. campos. Não entraremos na analyse minuciosa de suas opi- niões, porque são um pouco alheias do nosso assumpto principal, do qual nos transviariamos com prolixas digressões; comtudo não nos po- demos dispensar de expôr aqui aquellas duas doutrinas, cujo vicio ca- pital nos parece estar no seu exclusivismo. Tanto uma como outra tem factos irrecusaveis em seu abono; e alem d'isso longe de serem incom- pativeis, como ordinariamente se crê, podem associar-se bem e con- tribuirem ambas para a explicação dos factos. Desde a epoca em que Bright publicou sua primeira memoria até aquella (1840) em que o microscopio, applicado ao estudo das al- terações renaes e dos contentos anormaes da urina, abriu á observação um novo campo de exploração, professava-se geralmente que os rins eram a séde de lesões constantes em uma doença (dita de Bright), que seguia uma marcha aguda ou cronica; e que a par d'estas lesões havia outra manifestação morbida, a albuminuria passageira, a qual consistia em uma perturbação puramente funccional, e que era por conseguinte differente da doença dos rins assignalada pelo celebre medico inglez. O microscopio patenteando alterações primordiaes, que escapavam 4 vista desarmada; mostrando tanto na Allemanha como em Inglaterra a descamação epithelial dos tubuli e a congestão renal em casos de al- buminuria passageira, veiu modificar as idéas sobre a pathogenia da doença em questão. Apesar de algumas duvidas e protestos estabele- ceu-se, como uma lei inalteravel, que a albuminuria náo podia ter lo- var sem a descamação epithelial dos tubos uriniferos ou a congestão Le) . dos rins. : Em sessáo de 24 de junho de 1856 os srs. Becquerel e Vernois apresentaram á academia imperial de medicina de París uma bem ela- borada memoria °, na qual defendem vigorosamente esta doutrina. Re- cordemos rapidamente os seus pontos fundamentacs. Os tubuli (tubuli Belliniani ou caniculos uriniferos) são forrados por uma membrana epithelial, na qual se observam numerosas cellu- las polyedricas, munidas d'um grosso nucleo e de algumas raras gra- nulacóes albuminosas; sáo estas cellulas a parte encarregada de segre- gar a urina; sáo ellas que á custa do sangue fabricam, por um me- canismo ainda desconhecido, o liquido urinario. Todas as vezes que estes agentes da secreção se acham affectados, o mecanismo d'esta funcção soffre, perturba-se mais ou menos; ora um dos modos de ma- 1 ‘1 Reports of medical cases selected with a view of illustrating the symptoms and cure of diseases by a reference to morbid anatomy. — London, 1827, 2 De Valbuminuric et de la maladie de Bright. — París, 1856. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 107 nifestação d'este desarranjo funccional é a passagem da albumina ou do soro do sangue atravez dos rins, e o seu apparecimento nas urinas, quer dizer, a albuminuria. Quaes são, pois, essas alterações das cellulas capazes de produzir a albuminuria? Dois casos podem dar-se: em um são unicamente ata- cadas as cellulas, não experimentando modificação alguma os fórros epitheliaes dos ¢ududi, nem o tecido intercanalicular; as cellulas alte- radas podem ainda reproduzir-se e curar-se a doença que procedia de sua alteração. É o que tem logar nos estados, muito frequentes, de albuminuria passageira, ephemera, accidental, doença de Bright aguda. No segundo caso alteram-se, não só as cellulas, mas tambem as paredes dos éubuli e o tecido intercanalicular; as cellulas não se re- generam então, sendo substituidas por productos de nova formação, e a doença torna-se incuravel. Temos a albuminuria persistente, doen- ca de Bright cronica ou propriamente dita. Uma das alterações mais communs das cellulas dos ¢ubuli consis- te no desenvolvimento preternatural, no seu interior, de grande nu- mero de granulações albuminoides (analogas ás que as cellulas con- téem normalmente), ao que se tem dado a denominação de infiltra- ção granulosa. Estas granulações dilatam as cellulas, atrophiam e des- troem o nucleo; segue-se a isto a separação das cellulas, que póde ef- fectuar-se de dois modos; ou as cellulas, não podendo resistir á dila- tação pelas granulações que successivamente se vão accumulando no seu interior, se dilaceram, ficando livres nos tubuli as granulações e os detritos das paredes das cellulas, o que tudo póde depois passar ás urinas, ou as cellulas comprimidas umas contra as outras destacam-se reunidas sob a forma d'um cylindro e cahem, arrastando ou não com- sigo o forro epithelial. Estes cylindros que foram vistos pela primeira vez (se nos não enganâmos) por Henle, em fevereiro de 1842, nas urinas d'um doen- te, cujos rins apresentaram depois ao exame microscopico cylindros identicos e por isso lhes deu grande valor diagnostico, e que Heller © primeiro, em 1844, julgou formados pelo epithelium dos tubuli, e de- pois Todd, em 1845, Frerichs, em 1851, e outros observadores os sup- pozeram constituidos por fibrina coagulada, e Valentin por albumina, são hoje geralmente conhecidos pela denominação de cylindros fibrino- sos, cylindros granulosos, e talvez melhor se podessem chamar epithe- liaes. A sua natureza e origem foram claramente indicadas pelo sr. Robin. Apparecem frequentemente e distinguem-se com extrema fa- cilidade, quando no campo do microscopio se procuram com pacien- 14 + 108 cia nas urinas albuminosas. No exame histologico dos rins véem-se ás vezes estes cylindros fazendo projecção, saindo pelas extremidades cor- tadas dos tubuli, o que temos verificado na doença de Bright. A’ separação ou queda das cellulas epitheliaes chamam os srs. Becquerel e Vernois, com muitos outros observadores, descamação epi- thelial dos tubuli dos rins'. Qualquer que seja o modo por que se ope- re esta descamação, os tubuli ficam privados, por mais ou menos tem- po, de suas cellulas, e permittem m'este estado que se filtre atravez de suas paredes, que são hyalinas e sem organisação, o soro do san- ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA gue, sem que este experimente modificação, por isso que lhes faltam as cellulas que deviam dar ao soro do sangue a conveniente elabora- ção para a formação da urina. D'este modo apparece a albumina de mistura com a urina fabricada pelas cellulas intactas dos ¢ubuli não affectados; de sorte que a urina albuminosa vem a ser, n'esta dou- trina, a mistura de urina normal corn o soro do sangue. Quaes são as condições anatomo-pathologicas que se ligam a esta alteração microscopica das cellulas epitheliaes? Segundo os $ em Inglaterra, Reinhart na Allemanha, Becquerel e Vernois em Franca, e ainda outros medicos distinctos, aquella lesão, a descamação epithelial, é effeito d’uma hyperemia do tecido intercanalicular e dos glomeru- los de Malpighi. Assim na maxima parte dos individuos que succum- “bem, apresentando os rins com a descamação epithelial e albumina nas urinas, encontram-se êstes orgãos turgidos e congestionados. Succede porém ás vezes ter desapparecido a congestão, persistin- do à descamação epithelial, como se ainda existisse a hyperemia que lhe deu origem. Acham-se então os rins pallidos, anemicos, com uma côr d'um amarello-claro ?. Assim com estes dois estados, hyperemia e anemia, tão differentes na apparencia, podem coincidir lesões anatomi- cas identicas. São estas alterações, rins hyperemiados, descamação epithelial dos tubuli, ou infiltração granulosa das cellulas secretorias e sua destrui- cão, que se têem chamado as lesões anatomicas da doença de Bright aguda, albuminuria passageira, temporaria, ephemera, e que em mui- tas occasiões poderia chamar-se tambem intercurrente, porque é effe- ctivamente no decurso d'outra doença ou na convalescença que fre- quentemente se desenvolve. Qual é a causa immediata da hyperemia renal? O dr. Johnson 1 Oper. cit. È 2 Becquerel e Vernois ; mem. cit.; e Gazette hebdomadaire, 27 juin, 1856, pag. 456. srs. Toynbee DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 109 attribue-a, nos casos frequentes de resfriamento, á acção irritante di- recta d'um veneno morbido sobre os rins !, O sr. Frerichs considera-a como effeito d'uma influencia que paralysa os nervos de certos gru- pos de capillares. O dr. S. Jaccoud partilha a opinião do dr. Johnson sobre o modo de producçäo da hyperemia renal, divergindo porém em quanto á relação da albuminuria com a alteração anatomica; o dr. Johnson eré que a albuminuria só póde ter logar depois que o vene- no morbido tem feito cahir o epithelium, sendo ella por conseguinte posterior á descamação, o sr. Jaccoud, pelo contrario, a suppõe ante- rior a esta ° A maior parte porém dos medicos explicam-na dizendo que, como a excreção cutanea se suspende, os principios aquosos que a constituem, se accumulam no sangue, d'onde resulta augmento de pressão no systema circulatorio, e d'aqui nasceria a congestão das prin- cipaes visceras, e com particularidade dos rins. Estas variadas opiniões mostram o grande desejo de tudo explicar e nada mais. As lesões anatomicas da doença de Bright aguda são susceptiveis de cura; mas podem tambem conduzir a lesões mais graves do tecido renal e constituirem o caracter anatomo-pathologico da doenca de Bright cronica ou propriamente dita. A albuminuria persistente é acompanhada de alterações especiaes do tecido renal, que constituem o caracter anatomo-pathologico da doença de Bright cronica. Ha individuos que expellem, todos os dias, pelas urinas grande quantidade de albumina, e comtudo não têem hy- dropisia, nem sentem incommodo algum, parecendo fruir bella saude. Conhecemos um que, vai já em tres annos, nos apresentou o quadro symptomatico da doença de Bright cronica; tratámo-lo; desappareceram as dores lombares, a hydropisia, tudo em summa, excepto a enorme mic- ção albuminosa que ainda hoje dura sem causar o menor incommodo, nem indisposição alguma. Actualmente temos no serviço clinico do hospital, que dirigimos, um caso analogo. Será que o sangue não ex- perimente notavel diminuição na proporção de sua albumina? mas en- tão porque? será por estes individuos repararem sufficientemente por meio dos alimentos as perdas diarias da albumina do soro do sangue? entrará aqui por alguma cousa a idyosincrasia? Vá; contente-se quem quizer com a explicação; nós ficaremos no facto por em quanto. O inverso tambem se observa em algumas occasiões, isto é, no decurso da albuminuria cronica cessar o apparecimento da albumina 1 On the diseases of the kidney.— London, 1852. ? Des conditions pathogéniques de Palbuminurie; par Sigismond Jaccoud. — París, 1860. 110. ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA nas urinas para reapparecer passado mais ou menos tempo, repetindo- se isto varias vezes no mesmo doente. N'estas circumstancias ou a hy- dropisia permanece, posto que em menor gráo, ou desaparece com- pletamente para mostrar-se mais tarde com a albuminuria. Haverá n'estes casos cura momentanea da doença? Não é provavel. O dr. Montanier pretende dar conta do facto d'este modo: «Nun- ca todos os tubos do rim se acham alterados ao mesmo tempo; ao la- do dos tubuli doentes ficam outros sãos, e em quanto os primeiros deixam transsudar o soro do sangue, os outros segregam urina nor- mal. Sob a influencia d'um deposito, seja de materia fibro-plastica, seja de gordura, os tubuli doentes se obliteram, e cessam inteiramen- te suas funcções morbidas. Então segrega-se unicamente urina normal, d'onde resulta o desapparecimento da albuminuria e das hydropisias. Depois os tubuli, que ficaram sãos, alteram-se a seu turno, produz-se a descamação epithelial, e d'aqui procede nova passagem, d'albumina ás urinas. N'esta hypothese a doença longe de se curar, se aggravaria, porque novas partes do rim seriam affectadas 1» Maravilha por extre- mo tão notavel coincidencia, a obliteração de todos os tubuli doentes e a permanencia, por certo tempo, da integridade de todos os outros tubuli. Seja como for; passemos adiante. As alterações anatomicas da albuminuria persistente são, segun- do os srs. Becquerel, e Vernois, e muitos micrographos inglezes e allemães, as seguintes : 1.º Infiltração gordurosa das cellulas dos tubos uriniferos, a qual dilata as cellulas, atrophia os nucleos d'estas, rompe-as e por fim des- troe-as. Esta alteração é por ventura a mais importante. 2.º Infiltração albuminoide, operada simultaneamente em muitos pontos dos diversos elementos da substancia cortical dos rins. A de- posição das materias albuminoides faz-se primeiramente no tecido in- tercanalicular, depois nos glomerulos de Malpighi (corpusculi renum, seu acini Malpighiani), e por ultimo nos proprios tubuli privados de suas cellulas, que foram primitivamente acommettidas pela infiltração gordurosa. _ i 3.º Infiltracio ou deposição, no centro d'aquella materia albumi- noide, de granulagdes proteicas e salinas, e principalmente de nume- rosos globulos de gordura, 4.º Organisação fibro-plastica da substancia albuminoide de nova ! Des conditions pathogéniques et de la valeur semeiologique de Valbuminurie, — Parfs, 1857. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 111 formação. Desapparecem os elementos proteicos, salinos e gordurosos, que infiltravam a materia albuminoide; o aspecto amorpho é substi- tuido por fibras de nucleo, fibras simples, por todos os elementos em summa do tecido conjunctivo !. Dissemos já, na primeira parte d'esta memoria, que o professor Gluge mostrára, em sua anatomia microscopica, que uma das altera- ções encontradas nos rins das pessoas .que succumbiram á doença de Bright, consiste no deposito de globulos gordurosos na substancia cor- tical, admittindo n'esta alteração tres gráos, a saber: no primeiro faz- se um deposito de globulos gordurosos livres na substancia cortical, sem modificações evidentes nos tubuli, nem nos vasos sanguineos; no segundo, depositam-se globulos amarellos alterados nos tubuli da sub- stancia cortical, sem modificação nos vasos sanguincos; no terceiro gráo, emfim, um deposito de corpusculos gordurosos especiaes alterados tem logar por series sobre os tubos corticaes, sendo estes destruidos pela mesma forma, porque o são os conductos biliares no periodo mais avançado da cirrhose do figado. Em 1842 o mesmo professor descreveu tres formas na lesáo renal; uma inflammatoria, outra analoga á cirrho- se, e a terceira consistindo em uma degeneração indeterminada. Já em 1839 o dr. Hecht considerava, em sua notavel these aH degeneração renal como inteiramente analoga á cirrhose do figado, opinião que foi depois partilhada por bom numero de medicos. Mais tarde Canstalt, admittindo duas formas na doença de Bright, uma ca- racterisada pelo deposito de granulações albuminosas na substancia cor- tical do rim, e outra pela deposição de gottinhas de gordura, chamou a esta ultima steatosis renum *. O dr. Frerichs, em sua notavel monographia, empenhou-se em pôr termo á tendencia abusiva de considerar as variedades das lesões renaes, na doença de Bright, como formas distinctas e incompativeis. Fundiu-as, por assim dizer, todas n'uma, na qual, comtudo, admittiu tres gráos: 1.” hyperemia e exsudação incipiente; 2.º exsudacáo e trans- formação incipiente da parte exsudada; 3.º formação regressiva, atro- phia *. Esta doutrina da unidade da doença de Bright.tem sido ge- ralmente seguida. noe e Vernois; — De Palbuminurie, 1856; e Gazette hebdomadaire, 1856, pag. 456. Eh 2 De renibus in morbo Brightii degeneratis. 3 De morbo Brightii. 4 Pode consultar-se para mais amplo conhecimento das idéas d'este illustrado e la- borioso medico, a bem elaborada memoria do sr. dr. Bernardino Antonio Gomes, in- titulada: Noticia de alguns casos da molestia de Bright.... Lisboa, 1854. 112 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA Com esta noção sobre as alterações anatomicas dos rins, como ex- plicar a passagem da albumina ás urinas? Depois das indagações dos drs. Johnson, Gluge, Toynbee e d'outros ácerca da albuminuria, sup- poz-se, por algum tempo, que era pela compressão que as lesões dos rins (infiltração gordurosa, fibro-plastica) produziam o phenomeno de que nos occupâmos. À analogia, como é costume, foi evocada. A com- pressão dos vasos dos rins obrigaria o soro do sangue a passar ás uri- nas, do mesmo modo por que elle passa a0 tecido cellular, quando as veias são comprimidas. Mas como submetter á explicação os numerosos casos d'albumi- nuria em que não ha essas infiltrações que exerçam compressão? A explicação deixou de agradar por deficiente, e foi posposta. As investigações posteriores dos srs. Begbie, Frerichs, Becquerel, Vernois, e Montanier originaram outra explicação abrangendo maior numero de factos. Servio-lhe de base a anatomia pathologica e mi- ‘croscopica que descrevemos, e por isso não a repetiremos aqui. Des- truidas as cellulas epitheliaes dos tubuli, não é possivel fazer-se n'es- tes a secreção normal da urina. Effectuada a descamação epithelial, nada mais facil que suppór que o soro do sangue possa sair, transsu- dar para o exterior, do mesmo modo que sobre a pelle transsuda O soro quando, por qualquer causa, se tem destacado a epiderme; e tan- to n'um como n'outro caso cessa ou continua a transsudação, segundo se reproduzem ou não as cellulas epitheliaes e a epiderme. Existindo a degeneração dos rins e achando-se estes endurecidos, atrophiados, a compressão dos vasos d'estas glandulas e dos tubuli, póde cooperar para a realisação do mesmo phenomeno. Esta explicação que seduz pela sua simplicidade e extensão, não satisfaz ainda inteiramente o espirito, por quanto assenta em uma base, que não está fóra do circulo das objecções, e não comprehende todos os factos, e por conseguinte é insufficiente. Em quanto não possuirmos uma doutrina geral da albuminuria em que se fundam todas as parciaes, que têem sido mais ou menos plausivelmente sustentadas; em quanto à sciencia não formular a lei que rege o phenomeno em questão, väamente buscaremos explicação para os variadiésimos casos particulares, que a clinica quotidianamente nos offerece á observação. A microscopia não estando ainda definitiva- mente constituida, não podemos dar mais valor aos seus resultados do que ella mesma merece. Esperemos que seja adequadamente arro- teado este campo, que tão pingue se antoja. Pelo que nos tóca, não di- zemos que havemos de seguir a maxima do melius est sistere gradum DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 113 quam progredi per tenebras, porém em quanto as trevas se não dis- siparem, em quanto se não aclarar o horisonte anuviado, iremos con- fessando a duvida, a incerteza, a ignorancia. Tal é, summariamente exposta, a doutrina que suppõe a albu- minuria o resultado, o effeito de alterações especiaes, por que passam os rins na doença de Bright aguda ou cronica. Maravilha, na verda- de, o encadeamento, o nexo que, segundo a descripçäo dos auctores, liga as lesões renaes aos symptomas. Toda esta doutrina se resume, como diz o dr. S. Jaccoud em sua preciosa memoria !, em tres equa- ções : Albuminuria passageira .. Congestáo renal e queda do epithelio. Doença de Bright aguda, . Exsudação e suas consequencias. Doença de Brigth cronica. . Metamorphose da parte exsudada e atrophia. Esta separação entre a albuminuria passageira e a doença de Bright é artificial, e pouco rasoavel em vista da anatomia pathologi- ca, da observação clinica, e da analogia com o que se passa em outras doenças. Effectivamente, quaes são as alterações anatomicas da doença de Bright aguda? A congestão renal, a infiltração granulosa das cel- lulas epitheliaes, a destruição e eliminação d'estas cellulas. Assim o affirmam os mictographos. Aonde está pois a differença entre os dois estados pathologicos? Como delimita-los, estrema-los um do outro? No estado actual da sciencia é impossivel. A observação clinica fornece de sua parte factos em apoio da mesma idea. Qual é a albuminuria, por mais ligeira que seja, que não possa terminar pela doença de Bright a mais bem caracterisada, e da qual por consequencia não possa ser o primeiro gráo? Não é isto mes- mo 0 que se observa em muitas outras doenças, em que alterações, á primeira vista muito differentes, não são mais que gráos da mesma evolução pathologica? Haja vista, por exemplo, ao que se passa na pulmonite, doença tão trivial. Aqui o ingorgetamento pulmonar não se assemelha nada á hepatisação cinzenta, e com tudo os anatomo-pa- thologistas consideram estes estados como gráos d'uma mesma doença. Frerichs, em sua notavel monographia sobre a doença de Bright, estabeleceu (1851) que a albuminuria passageira, que se manifesta no decurso de varias doenças, é o precursor ou o primeiro ráo da doen- ça de Bright; hoje que se está prevenido do facto, todos podem ad- 1 Des conditions pathogéniques de l’albuminurie, — Paris 1860. MEM. DA ACAD.— 1.º CLASSE T, II, P. Il. 114 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA duzir casos clinicos em «confirmação: das ¿ideas do ilustrado medico, Mas já o proprio Bright, em suas novas observações (1836) tendentes a esclarecer a doença que desde 1834 tomára o seu nome, havia as- sentado esta mesma doutrina, considerando aquella doença como uma só com differentes gráos, desde a perturbação funccional até á lesão organica confirmada. Para o nosso estudo sobre a albuminuria na fe- bre amarella, parece-nos sufficiente o que deixámos expendido sobre a doutrina anatomica, que tem tido tão extenso dominio na sciencia. Passemos á outra doutrina, que vae ganhando terreno e ameaça so- brepujar aquella. i De ha longo tempo que alguns medicos, distinctos pelo seu ge- nio observador e erudição, tendo observado em sua pratica casos de albuminuria sem modificação alguma material dos rins; tendo por ou- tro lado visto essas alterações anatomicas desacompanhadas de albu- minuria ; attendendo tambem a que este symptoma falta muitas ve- zes em doenças agudas e mesmo nas nephrites *, em que a hypere- mia renal é com tudo commum, e n'estas ultimas constante ; repa- rando ainda em que a albuminuria da escarlatina: apparece em uma epoca que não corresponde sempre á da maxima congestão renal; por todas estas razões téem-se afastado d'aquella doutrina, e alguns, lan- cando-se sobre o extremo opposto, a regeitaram inteiramente, consi- derando as lesões renaes como consecutivas, secundarias, efleito e não causa da albuminuria. Dois annos depois da publicação (1827) da primeira memoria do dr. Bright”, Robert Christison apresentava já (1829) suas duvidas so- bre a importancia da lesão dos rins na produeção da albuminuria. O dr. James Craufurd Gregory (1831), fundando-se em bom numero de ! O sr. Montanier pretende dar conta da ausencia da albuminuria nas nephrites, dizendo que as lesões anatomicas, que preceder a albuminuria aguda e cronica não são certamente de natureza inflammatoria, e que a congestão que antecede a este sympto- ma não é de modo algum uma congestão phlegmasica. É, diz elle, uma congestão es- pecifica, tendo talvez uma séde especial, e cujo caracter consiste em determinar a desca- mação epithelial dos canaliculos do rim, effeito que não é provavelmente produzido pela verdadeira congestão inflammatoria simples (De Valbuminurie ; these. — Parts, 1857). 2 Gonvem notar que mesmo Bright dá a entender n'esta sua primeira memoria que a albuminuria é um phenomeno puramente funccional e anterior à lesão renal, sendo o resultado immediato das differentes causas que actuam sobre os rins, seja por interme- dio do estomago e da pelle, seja pelo desequilibrio da circulação, seja pela produeção d'um cstado directamente inflammatorio dos rins. Mais tarde, em 1831, 1836 e 1840, Bright disse abertamente que a doença era inteiramente funccional no seu principio, e que a perturbação funccional precedia a alteração de estructura. Porém Bright não con- siderou, como depois o fizeram sem razão bastante alguns medicos, estes estados como doenças distinctas, antes, pelo contrario, como gráos d'uma mesma afecção. ‘DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA: 115 observações, não receou avançar que a albuminuria podia existir por algum tempo sem alteração alguma de estructura dos rins. Valentin avançou, em 1837, que a causa da alteração da secreção urinaria, a albuminuria, residia no sangue. Em 1838 o professor Graves, parecendo não estar conhecedor da opinião do dr. Bright, formulou em termos bem explicitos o seu parecer sobre as relações da albuminuria com as lesões renaes, for- mula que o sr. S. Jaccoud adoptou para epigraphe da sua memoria : «To me it appears that the albuminous state of the urine is the cause of Bright's disease and not the consequence.» + Estas ideas, com quanto expendidas por respeitaveis auctorida- des, encontraram um grande obstaculo para a sua generalisação nas minuciosas investigações anatomo-pathologicas, que cada vez mais se profundavam, e captavam a attenção geral. Com tudo alguns medi- cos não fizeram pé atraz, e foram colligindo factos para escorar o edi- ficio da doutrina, que por abreviatura chamaremos fysiologica. + O sr. S..Jaccoud tomou a peito defender esta doutrina, derrocan- do a contraria, para o que, exclusivamente, publicou uma excellente memoria, na qual a par da lucidez, com que está escripta, apparece a erudição do auctor sobre a materia *. Não nos cabe expor aqui com todos os desenvolvimentos, porque a diversão vae já mais longa do que quizeramos, o modo: por que aquelle medico explica o processus morbido d'albuminuria, que se manifesta tanto em seguida a resfriamentos, como por qualquer outra causa. Diremos apenas o necessario para lembrar as principaes for- mas porque têem sido intrepretados os factos. E no sangne que se tem ido procurar a causa primordial da al- buminuria ; d'aqui vieram as seguintes theorias : 1º Desalbuminacao do sangue, sob a influencia d'uma causa ge- ral. Esta alteração seria a causa da passagem da parte aquosa do san- gue atravez das membranas dos vasos. Mas então porque em varias doenças em que tem lugar esta modificação do sangue, se não mani- festa a albuminuria? Demais, quando os dois estados pathologicos co- existem, não se acompanham proporcionalmente em intensidade ou extensão. 2º Modificação especial da albumina do sangue. É a theoria do sr. Mialhe, a qual, com quanto seja engenhosa, pecca pela base e não explica os factos clinicos. 4 Des conditions pathogéniques de Palbuminurie, — París, 1860. 15+ 116 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA 82 Combustão imcompleta das materias albuminosas no sangue. É a theoria do sr. Robin, a qual, posto que applicavel a muitos ca- sos, náo comprehende outros, sendo consequentemente insufficiente. 4º Dyscrasia do sangue por modificação nos phenomenos nutri- tivos. É a theoria sustentada com vivissimo empenho pelo sr. S. Jac- coud. Consiste, em ultima analyse, em suppor que a albuminuria pro- vem d'uma perturbação passageira ou duradoura dos phenomenos nu- tritivos, pela qual as materias albuminoides, não sendo exgregadas pela pelle, se accumulam no sangue e são eliminadas pelos rins, cuja acção compensadora da da pelle é bem conhecida, sem que haja modi-, ficação alguma previa quer nas cellulas, quer na circulação do orgão secretor da urina. A essa alteração geral da nutrição, d'onde proce- dem as modificações do sangue, qualifica o sr. Jaccoud dyscrasia al- buminosa. A perturbação d'uma funcção impõe ao orgão, que a executa, uma acção anormal; se esta for passageira, não deixará após si vesti- gio algum, se for duradoura, poderá modificar o orgão de algum mo- do. D'aqui viria a alteração das cellulas epitheliaes e a hyperemia (secundaria n'este caso) dos rins. Admitte o dr. Jaccoud dois periodos na producção das lesões re- naes; no primeiro o rim sendo atravessado por um liquido de com- posição anormal, recebe a influencia directa d'este, e experimenta, an- tes de todos os outros orgãos, modificações mais ou menos graves; no segundo a nutrição de todos os tecidos é pervertida, e ao passo que as alterações do rim se tornam mais graves, podem desenvolver-se analogas nos differentes orgãos. j è A maior parte dos observadores considera que a albuminuria consecutiva 4 suppressão rapida de transpiração, pela exposição ao frio, é devida á accumulação d'agoa no sangue. O sr. Jaccoud opina que a pelle toma aqui parte como orgão de hematose, cuja funcçäo foi sup- primida. Fazendo-se o arejo do sangue, segundo a expressão do sr. Char- penter, tanto pela superficie pulmonar, como pela cutanea, produzir- se-hia então n'esta um estado asphyxico; a anasarca teria por causa não a quantidade d'agoa retida no sangue, mas a acção directa do frio, da qual resultaria a dilatação paralytica dos capillares cutaneos e a transsudacáo de alguns dos elementos do soro no tecido cellular. Esta opinião tinha sido já sustentada pelo sr. Frerichs. Esta theoria, cujos pontos principaes epilogámos, tem por ven- tura sua origem nos trabalhos apresentados á sociedade de biologia de París, em sessão de 6 d'agosto de 1853, pelo professor Gubler, sob DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 117 o titulo de: Variations diurnes de l'albumine étudiées dans l'urine du sang ct dans celle de la digestion. Mais tarde, em suas lições clini- cas, feitas em 1855 no hospital Beaujon, o professor Gubler desenvol- veu esta materia, que foi continuada e ampliada pelas interessantes observações do sr. Luton, que as fez conhecidas em sua publicação : Etudes sur l'albuminurie !, Aqui se aprecia effectivamente a influen- cia da alimentação e de certos estados das funcções de nutrição sobre a albuminuria. O sr. S. Jaccoud adduz grande numero de considerações, factos e experiencias para refocillar sua opinião, que é na verdade sustenta- da com grande engenho e habilidade. À theoria abrange grande nu- mero de factos; com tudo a leitura desapaixonada da importante obra do dr. Jaccoud não dissipa todas as duvidas ácerca da pathogenia da albuminuria. Effectivamente, se este estado pathologico não é effeito, mas sim causa, das lesões renaes, pela primeira vez assignaladas pelo medico do Guy's hospital, por que razão casos ha em que os dois fa- ctos pathologicos não se acompanham; porque as lesões renaes faltam manifestando-se a albuminuria, ou porque esta se não produz exis- tindo aquellas” Como filiar sempre nas perturbações da nutrição, na dyscrasia albuminosa do sangue, o phenomeno em questão, quando se observam tantas vezes essas perturbações, e levadas a subido gráo, sem que as urinas apresentem nem vislumbres d'albumina? No hos- pital, cuja direcção está a nosso cargo, ha duas enfermarias (uma pa- ra homens e outra para mulheres) occupadas por invalidos e cacheti- cos, cujas urinas são frequentemente examinadas, e com tudo é raris- sima n'ellas a albuminuria ?. Por outro lado desenvolve-se a albumi- nuria em circumstancias, em que seria difficil suppor, não diremos profundas modificações, mas a mais pequena alteração nos phenome- 1 Gaz. médicale de París, 1856; e tirada em separado, no anno de 1857, formando uma memoria de 32 pag. em 8.º ? Costumámos examinar varias vezes as urinas de todos os doentes que entram no nosso serviço clinico do hospital, e para mostrar o rigor com que dirigimos a observa- ção, confeccionimos um mapa, que resume todas as circumstancias que attendemos n’a- quelles exames do modo seguinte: recolhem-se de cada doente, em vasos separados, as urinas do sangue e as da digestão ; de cada uma d'estas urinas indicam-se os caracteres physicos, chimicos e microscopicos, notando com particularidade a sua quantidade ab- soluta nas 24 horas, a quantidade media d'uma micção, a côr, densidade, limpidez ou opulescenca; a reacção, presença ou ausencia d’albumina, d'assucar, de gordura, de san- gue, de muco, de esperma, de cellulas epitheliacs, de cylindros fibrinosos, de saes, e de quaesquer outras substancias anormaes ou em excesso na urina. Em frente de todas estas indicações se escreve, no mesmo mapa, o capitulo da doença, e em uma casa d'ob- servações o periodo ou qualquer particularidade da doença digna de commemoração. 118 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA nos de nutrição. E admittida nos actos intimos da nutrição essa al- teração profunda, pela qual as substancias albuminoides não teriam o seu devido emprego, ou não seriam convenientemente exgregados os liquidos que as contéem ou os seus productos, não deveriam encon- trar-se, em dado tempo, no sangue exabundancia d'ellas ou d'albumi- na? Aonde estão as analyses que o provem? As que a sciencia possue mostram precisamente o inverso; deficit e não excesso d'albumina no sangue. E provada que seja essa dyscrasia albuminosa, porque serão os rins os orgãos escolhidos para descarregar o excesso d'albumina do sangue ? A explicação do desenvolvimento das lesões renaes pela passagem atravez do orgão secretor d'um liquido anormal, e pela alteração cres- cente das funcedes de reparação, está ainda longe de satisfazer o es- pirito. Falta-lhe o nexo que ligue os phenomenos; não se vé bem por ella a relação da causa ao effeito. a : Ahi ficam expostas, posto que em resumo, as duas doutrinas fundamentaes ácerca do processo morbido da albuminuria. Qual d'el- las deve ter-se por verdadeira? A’ vista do que dissemos sobre cada uma em particular, nenhuma d’ellas de per si dá conta cabal de to- dos os factos, e por conseguinte nenhuma. póde considerar-se como completa, nenhuma póde: erigir-se em lei, nenhuma póde ser formu- lada como verdade provada. E” força confessa-lo. Mas não vemos tam- bem razão sufficiente para cancellar uma pela adopção exclusiva da outra; ambas podem contribuir para a explicação do phenomeno. Que o sangue se altera na albuminuria, seja aguda seja cronica, parecem mostra-lo as analyses *. Mas, alem de as differenças nos re- ! Segundo as analyses quantitativas dos materiaes do sangue, emprehendidas pelos srs. Dumas e Prevost, e adoptadas pelos srs. Andral e Gavarret, o sangue no estado fy- siologico é constituido, em media sobre 1000 partes, de: A goa pr aio A 79014000 Estas partes solidas (240) são compostas assim : Globulossi. at hy nicer nba at à 0 127 Fibrina..... LO PONT EME 3 Albumina...... 69 (substancias 210 Materias extracti- solidas do 80 vas e salinas... 1141 soro Os resultados das analyses, feitas pelos differentes experimentadores, andam por este, como o mostra a seguinte indicação : DA FEBRE AMARELLA ‘EM LISBOA. 119 sultados analyticos infirmarem 0 valor das deduccóes, que se tiram dos factos comparados entre si, resta ainda saber se essa alteração é um phenomeno constante. No estado actual da sciencia cremos que SOBRE 1000 PARTES DE SANGUE : DES 5 á Albumina Mat. extractivas Partes solidas e salinas do soro A din ian (CARTONS LODEL e 78,7 È Denis... # COUR RAS CLE PSE 83,1 INSS OR tee rts TA Wire. & oh 1958 csi sibs 86,5 Becquerele Rodier.... 69,5 .... 6,8 misto 76,2 Os dois ultimos experimentadores dão para media, em 1000 partes de sangue, no homem: A TES LR RR We. eee Globulos Fibrina Considerando em separado o plasma do sangue, temos: MARS REO 7901) Materias solidas dos globulos. .. 127/1000 Materias solidas do plasma. ....... 83 | i O dr. Parchappe achou, por differente methodo de avaliação, no sangue do homem; a media seguinte : ADR ana o db vi aqi 768 1000 Materias solidas do sangue, seccas. . 232 ou: Agoa Mat. solidas seccas Globulosdséccos ... En. ey cater 181 né not 181 Agoa de organisação dos globulos........ 90,8)... B48 OL EEE — Quantidade dos globulos humidos........ 521,8 Fibrina secca ... Agoa de evaporaçã Albumina, materias extractivas e salinas... 4 Agoa de evaporação do soro d’estas materias. 42 Guia SO a: “pp 3 OR RT TOO. ca TORE rn cane 1 in. 9080008 estro Quantidade do plasma...,.,..,,,,,.... 478,2 Proporção d'agoa e das materias solidas seccas na totali- dade do sangue. es reuse all rr 768,0... 232 120 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA não se póde dar uma resposta definitiva, devidamente fundamen- tada. y Supponhamos porém, por um instante ao menos, demonstrada a E na mulher : SOBRE 1000 Agoa do sangue.........,............. 794 Materias solidas do sangue, seccas. ...... 206 ou: Agoa Mat. solidas seccas Globulos seccos, diminuidos de 3 millesi- mos de fibrina secca ....«<<....... 153,0 ... — ... 153 Agoa d'organisação dos globulos, diminui- da de 7,2 para a agoa da fibrina, .... IO PER AOS rm Quantidade dos globulos humidos........ 182,8 É e eta vie sass Wie ao pra 3,0 2... n ... 3 Agoa de evaporação 7,2 7,2 —— Albumina, materias extractivas e salinas.. 50,0 ... — +... 50 Agoa de evaporação do soro e de seus ma- EL PO A II et HOT Ur de TAR ens Quantidade do plasma ................. 517,2 Proporcáo d'agoa e das materias seccas na totalidade do PU LI Ad A 794,0 ... 206 Em resumo ; segundo o dr. Parchappe a media dos globulos, em 1000 partes de san- gue, é de 181 no homem e de 153 na mulher; a da fibrina de 3 na totalidade do san- gue e de 6 a 8 no plasma; a das materias albuminosas, extractivas e salinas provenien- tes do soro, na totalidade do sangue, de 48,5 no homem, e de 50 na mulher. Em seis analyses de sangue de 5 individuos, atacados de doença de Bright aguda, acharam os srs. Becquerel e Rodier a composição media seguinte em 1000 grammas de sangue: Agoa Partes solidas do soro Globulos Fibrina 834,19 65,35 96,25 4,20 E em 1000 grammas de soro (nos mesmos casos) : , Agoa Partes solidas Albumina Materias extractivas 927,04 75,95 59,46 13,00 Por estas analyses se vé que a proporcáo das partes solidas do soro diminuiu bas- tante, chegando a 65 millesimos em vez de conservar-se a 76 ou 80 millesimos, media normal; o numero dos globulos tambem baixou notavelmente. Na doença de Bright cronica verifica-se ainda maior diminuição na albumina do soro do sangue, segundo as analyses dos srs. Becquerel e Rodier, que em 1000 gram- mas de sangue acharam a composição media seguinte :' DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 121 coexistencia constante da albuminuria com a desalbuminisação ou ou- tra qualquer alteração do sangue. Qual dos dois factos é o primitivo, qual representa o papel de causa e qual o de effeito? Faltam-nos os meios rigorosos de o determinar; mas o que a sciencia já diz é que em muitas doenças, e por muitas vezes, se acha aquella e outras altera- ções do sangue sem que se encontre albumina nas urinas, o que induz a crer que mais alguma coisa é preciso haver para que se produza a albuminuria. Com tudo a frequencia d'este symptoma em casos de al- teração do sangue é um facto que merece toda a consideração. Con- vem não esquecer que muitas causas podem produzir o mesmo effeito ou effeito analogo, e vice versa a mesma causa póde produzir effeitos differentes ; por conseguinte é possivel que em uns casos a alteração do sangue preceda a albuminuria e seja a causa d'esta, e que n'outros casos a albuminuria, originada por causa diversa, por modificação no parenchyma renal, anteceda e provoque a alteração do sangue. O argumento fundado na ausencia de alteração na estructura dos rins em individuos, que apresentaram albumina nas urinas, e que tem sido adduzido. com tanto empenho contra a doutrina anatomica, não nos parece inconcusso, não só porque sendo raros esses casos não podem invalidar a regra geral, senão porque nada prova que já não tivessem desapparecido as alterações primitivas, visto que são susce- ptiveis de cura, e é nas albuminurias ligeiras, accidentaes, que se ci- tam esses exemplos; ou que não escapassem ao exame microscopico (quando este tenha sido feito, o que as mais das vezes não tem tido logar), pois póde acontecer, ainda aos mais amestrados em manejar o Agoa Globulos Fibrina Partes solidas 823,60 108,08 4,37 63,95 E em 1000 de soro : Agoa Albumiua Outras materias 931,57 55,93 14,50 O sr. dr. Montanier fez quatro analyses de sangue em casos de albuminuria croni- ca, e confirmou os resultados acima mencionados, achando em 1000 grammas de san- gue a media que se segue: Agoa Globulos Fibrina Partes solidas 833,50 106,20 2,80 63,22 E em 1000 grammas de soro: Agoa Albumina Partes solidas Outras materias 865,07 55,06 67,12 12,06 MEM. DA ACAD.— Í." CLASSE—T. IM, P. II, 16 122 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA microscopio, não se patentearem essas alterações, ou hesitar-se sobre os resultados da observação. Não levaremos mais longe as nossas considerações, com quanto muito nos reste ainda que dizer sobre esta materia, que tencionâmos tratar departidamente, quando a copia de factos, a riqueza de mate- rial, nos permittir dar algum contingente para lançar os alicerces de um edificio, que prometta solidez. O que incidentemente temos expen- dido basta para a questão sobre a febre amarella, e para mostrar ao mesmo tempo quanta duvida reina ainda ácerca da pathogenese da albuminuria. A’ pathogenia pertence investigar o mecanismo intimo pelo qual têem logar os phenomenos pathologicos. Em quanto não for bem de- terminado o modo e a razão por que a albumina passa ás urinas, não ficará completa a pathogenia da albuminuria. Aquella parte da sciencia é por extremo exigente, é muito ambiciosa, é a alchimia da medici- na, como diz o dr. Montanier, visando sempre surprehender os arca- nos da natureza. Mas é preciso muito cuidado, grande rectidão d'es- pirito para não se transviar do verdadeiro caminho. A vida tem se- gredos que o genio ainda o mais perscrutador não poderá descortinar. Com tudo isto não obsta a que se prosiga em tão louvavel empenho; é porém melhor confessar a duvida que dar por sabido o que é ainda problematico. Dada esta noção sobre a albuminuria, vamos estuda-la em rela- cao á febre amarela. j O dr. Chapuis, chefe do serviço de saude da Guyana franceza, na descripção que faz da epidemia de febre amarella, que vexou S. Pedro (Martinica) nos annos de 1855, 1856 e 1857, faz menção dos seguintes resultados, que obtivera do exame das urinas no decurso d'aquella longa epidemia : « As urinas colhidas, quer durante a vida quer depois da morte, foram tratadas pelo acido azotico e pelo calor ; ellas continha quasi sempre albumina, principalmente quando a doenca cra grave e dura- doura * «Quando a ictericia se mostrava para o fim da doenga, o que é muitas vezes um signal favoravel, as urinas continham bilis, todavia tenho-a achado em alguns casos seguidos de morte; geralmente quan- do a doença era de curta duração ou que não havia ictericia, não se 1 Pomos em italico alguns termos, unicamente para indicar que temos de fazer re~, ferencia a elles. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 123 encontrava nem bilis nem albumina nas urinas. O acido acetico tor- nava-as turvas, o que parece indicar a presença da albuminose. Al- gumas vezes o acido azotico só determinava uma colorisação rosada ; este signal parecia favoravel; não havia então nem albumina nem bi- lis. Muitas vezes-as urinas eram carregadas de frocos esbranquiçados, formados por detritos de epithelium, que o acido azotico precipitava em um magma acinzentado abundante *. » D'esta noticia se collige que a presença de albumina nas urinas foi muito frequente (presque toujours) n'aquella epidemia. Mas em que periodo da doença foi observada? Não nos diz o auctor citado. . Todavia deduz-se de suas palavras que em todos os periodos a achára, por quanto dizendo: 1.º que a grande frequencia da albuminuria se dera surtout quand la maladie est grave et quelle ne se prolonge, im- plicitamente affirma que a observára nas condições oppostas, isto é, quando a molestia é benigna é de curta duração, o que tem logar quasi sempre quando a doença não ultrapassa o primeiro periodo; 2.º que geralmente faltára a albuminuria quand la maladie était courte ou qu'il 2 avait pas d'ictère, cireumstancias estas que quadrám perfei- tamente ao primeiro periodo. Notando tambem o auctor que não en- contrára albumina nas urinas quando o acido nitrico xe déterminait qu'une coloration rose (a qual era provavelmente devida á presenca de acido urico ou de uratos existentes nas urinas em maior ou menor quantidade), e sendo esta circumstancia muito trivial no primeiro pe- riodo da febre amarella, parece por conseguinte ser este o periodo a que elle allude. Mas a parte mais importante d'este estudo, qual é o conheci- mento da marcha da albuminuria nos diflerentes periodos da doenca, assim como a determinação rigorosa da quantidade absoluta da albu- mina e da relativa á intensidade ou gráo da doença epidemica, esca- pou ao dr, Chapuis. O sr. dr. Ballot continuou e profundou o estudo, encetado pelo dr. Chapuis, ácerca das urinas na mesma epidemia de S. Pedro (Mar- tinica) em 1856-1857, tendo sido auxiliado em suas indações pelo sr. Corniliac. Versaram as investigações d'estes facultativos sobre uns 300 casos de febre amarella, 40 de febre remittente ou intermittente, 12 de febre contínua inflammatoria, e 3 de febre typhoide. E' muito in- teressante este trabalho e por isso vamos reproduzi-lo aqui. 1 De la fièvre jaune, à propos de l'épidémie qui a régné à Saint-Pierre-Martini- que pendant les années 4855, 1856, 1857; Moniteur des hópitaux, 11 oct., 1857. 16 « 124 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA «Nas febres intermittentes, remittentes, inflammatorias ou ty- phoides, a urina varia muito na cór e na qualidade. E' em geral rara ou escassa, e d'um vermelho mais ou menos carregado; porém, cara- cter especial, tratada pelo acido azotico, em qualquer periodo destas febres, não produz precipitado algum notavel de albumina. Toma en- tão uma côr rosada, que escurece depois. «No primeiro periodo da febre amarella, ou periodo de reacção, os caracteres physicos e chimicos da urina são os mesmos que nas fe- bres precedentemente indicadas; é mais ou menos vermelha e escas- sa, porém não dá pelo acido azotico precipitado algum notavel de al- bumina. «No segundo periodo da febre amarella, ou periodo de abati-. mento, a urina torna-se cada vez mais rara, sobre tudo do 3.º para o 5.º dia, em que muitas vezes se observa a suspensão da secreção urinaria. Esta restabelece-se ordinariamente, quando a doença tem passado do sexto dia. Com tudo não é raro, mesmo nos casos mor- taes, ver as urinas conservarem-se livres em todo o decurso da doença. «No começo do segundo periodo a urina é vermelha, espessa ; ao passo que a doença se desenvolve, ella assume uma côr vermelha, parda, cada vez mais carregada, e torna-se viscosa. « Tratada pelo acido nitrico dá então um precipitado albuminoso branco-acinzentado, variavel em densidade, segundo os casos e a época do segundo periodo em que se faz o exame. A urina que sobrepuja o deposito albuminoso, conserva a côr que apresentava antes da expe- riencia. « Submettida á ebulição a urina, n'este segundo periodo, fornece um precipitado albuminoso, acinzentado e granuloso. «A abundancia da albumina varia segundo a marcha da doença. Se a terminação tem de ser funesta, ella augmenta até á morte; se a terminação é feliz, a albumina diminue successivamente. «Para nós, a presença de albumina nas urinas, é 0 signal o mais positivo a que se liga o principio do segundo periodo na febre ama- rella. f i «Era interessante indagar em que proporção se acha a albumina nas urinas dos homens atacados de typho amarello. As exigencias de uma situacào mui difficil náo nos permittiram generalisar nossas in- vestigações; com tudo estas foram assaz numerosas para que tenha- mos confiança nos resultados que ellas nos permittem expor aqui. « No primeiro dia do segundo periodo, a urina tratada pelo ca- lor deixa sobre o filtro um precipitado albuminoso, que desecado e DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. - 125 pesado, foi representado por alguns decimomillesimos do peso da urina. «No segundo dia d'este periodo, e nos casos funestos, a quanti- dade d'albumina variou entre 74 e 150 decimomillesimos. «No terceiro dia, elevava-se a 1 e 2 centesimos. «Emfim, na urina recolhida do cadaver, duas ou tres horas de- pois do obito, a albumina desecada attingiu a enorme proporção de 3 a 4 centesimos. Em um caso achámo-la elevada a 4,53 por 100, quantidade esta tanto mais para admirar, quanto é certo ser a pro- porcáo d'albumina no sangue normal de 60 e alguns millesimos (60,4 para Becquerel; 68 para Andral e Gavarret). «Para o fim do segundo periodo e sobre tudo na convalescenca da febre amarella, a urina é viscosa e offerece uma colorisação mais ou menos carregada. Contem então certa quantidade de bilis. Tratada pelo acido nitrico, esta urina cora-se em verde mais ou menos carregado, dando com tudo um precipitado albuminoso mais ou menos abun- dante. « Em geral ao passo que a urina se cora em verde, a albumina diminue; esta deixa mesmo de manifestar-se quando a colorisação ver- de se produz ainda sob a influencia do acido azotico. » D'estas laboriosas investigações tirou o sr. Ballot os seguintes corollarios : 1.º «Nunca, por certo, qualquer que seja o periodo, se descobre pelo acido azotico ou pelo calor um precipitado albuminoso notavel nas urinas dos doentes aflectados de febres intermittentes, remittentes ou contínuas de natureza paludosa, nem por ventura nas urinas dos ata- ados de febre typhoide ; 2.º «Nunca este precipitado albuminoso se observa no primeiro periodo da febre amarella, mas sómente no segundo ; 3.º «A proporção d'este precipitado albuminoso cresce com a marcha da doença, e diminue pelo contrario quando a terminação tem de ser feliz !.» Pela mesma época em que estes distinctos facultativos emprehen- diam táo laboriosas quanto importantes investigacóes, os facultativos portuguezes dedicavam-se com igual empenho ao mesmo genero de estudos no meio d'uma epidemia que a todos ameaçava metter na or- 1 Épidémie de fièvre jaune à Saint-Pierre-Martinique, 1856-1857. —Faits de trans- mission, — Études sur les urines dans la fièvre jaune; résultats pratiques (Gazette heb- domadaire, 16 avril, 1858, pag. 276 e 277). 126 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA bita de sua devastação !. No. hospital dos Loyos o sr. Magalhães Cou- tinho, e no hospital do Desterro o sr. dr. Bernardino Antonio Gomes (em quanto o seu estado de saude o permittiu), o dr. Figueira, e o au- ctor d'esta memoria, auxiliando-nos os dois internos do hospital (os srs. Roquete e Figueiredo), e assistindo, com maior ou menor assiduidade, a estes trabalhos, que faziamos sem a menor reserva e antes com a maior franqueza e publicidade?, alguns collegas tanto nacionaes como estrangeiros (os drs. Guyon e Suquet, francezes, e o dr. Lyons, in- glez). D'este modo o hospital do Desterro foi para assim dizer o ponto de concentração das investigações que se fizeram sobre a materia su- jeita durante a epidemia. Não póde pois dizer-se que nós os faculta- tivos portuguezes fomos prevenidos por aquelles trabalhos emprehen- didos no estrangeiro, e que foram publicados em abril de 1858, muito posteriormente ás nossas indagações. Confrontemos agora os resultados da observação, e vejámos quaes são os pontos de analogia e os de dissimilhança, sob este respeito, en- tre as duas epidemias, a de Lisboa e a de S. Pedro (Martinica); ou por outra, em que factos combina ou diverge a nossa observação da d'aquelles facultativos. Lembraremos primeiro que tudo algumas: circumstancias, que não vemos assignaladas no excellente trabalho do sr. Ballot. Nada mais facil que esquecerem mil coisas durante uma epidemia tremenda, co- mo é a de febre amarella. Aponta o sr. Ballot a grande frequencia da albuminuria no se- gundo periodo da febre amarella *; mas em que proporção se mani- festou este phenomeno morbido? Falta esta indicação no escripto do illustre observador. Não tendo o sr. Ballot considerado a época de remissão dos sym- ptomas da febre amarella como um periodo d'esta doença, não estu- dou tambem a albuminuria em referencia a este periodo, ou disse pouca cousa que com elle tenha relação. O microscopio não teve applicação no exame das urinas ; pelo menos nada ha no escripto do sr. Ballot que pareça indica-lo. Com tudo a inspecção microscopica é um meio que ministra uteis conhe- cimentos sobre o objecto que nos occupa a attenção. No hospital do Desterro foram todas estas circumstancias deti- 2 A febre amarella começou a lavrar em Lisboa, sob a forma epidemica, em 9 de setembro de 1857, terminando a epidemia em 24 de dezembro do mesmo anno. 2 Vide os n.º 5, 6 e 7 da Gazeta medica de Lisboa de 1860. 3 Este segundo periodo corresponde ao terceiro da nossa descripção. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 127 damente consideradas, como temos já mostrado na symptomatologia geral, e continuaremos a fazer ver. Classificámos as nossas observações em tres grupos, correspon- dentes aos tres periodos em que dividimos tambem o morbo epide- mico. Já no corpó d'esta memoria indicámos os resultados d'essa ob- servação quando tratámos em particular de cada um dos periodos da febre amarella; agora vamos considerar unicamente os pontos capitaes. Dissemos que encontráramos, em alguns casos, albumina nas uri- nas no primeiro periodo da febre amarella. Eis já uma proposição dia- metralmente opposta 4 primeira conclusão ou corollario da memoria do sr. Ballot. Não só os reactivos demonstraram nas urinas a presença da albumina, maseaté esta foi extrahida e pesada rigorosamente, apre- sentando os caracteres que costuma ter nas diversas condições patho- logicas da albuminuria. Não nos ficou duvida sobre este objecto. Verificámos este facto, tanto em doentes que se achavam ainda no primeiro periodo da doença, a qual depois progrediu, seguindo sua marcha regular para uma terminação feliz ou funesta, como em casos em que a doença terminou, favoravelmente, meste primeiro periodo, não se desenvolvendo por conseguinte os periodos subsequentes. Perguntâmos agora: pelo conhecimento da anatomia pathologica do morbo epidemico de que nos temos occupado, e das doutrinas so- bre a pathogenia da albuminuria em geral, será provavel ou não a existencia d'esta nos individuos affectados de febre amarella no pri- | meiro periodo ? Cremos que sim, attentas as condições que geralmente se ligam a este estado pathologico. Efectivamente, sendo a hyperemia renal a expressão anatomo- | pathologica da albuminuria (seja immediatamente, seja por uma mo- | dificação previa do sangue, segundo a doutrina pathogenica que se ado- | ptar), e dando-se, cóm frequencia, no primeiro periodo da febre ama- | rella a hyperemia dos differentes orgãos, e nomeadamente dos rins, ] nada mais natural que verificar então a correlação dos dois phenome- nos, dos quaes um representa o papel de causa e outro o de efleito. | Por outro lado os resultados da observação microscopica, que se téem referido á albuminuria, foram verificados tambem em individuos | accommettidos pela febre amarella, quando esta estava ainda em seu | primeiro periodo. De feito, a presença dos cylindros fibrinosos nas uri- nas, demonstrada varias vezes pelo exame microscopico, denuncia a al- teração especial das cellulas epitheliaes dos tubos uriniferos, a desca- mação cpithelial, que se liga á albuminuria. Que mais notavel é o apparecimento da albuminuria no primeiro 128 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA periodo da febre amarella do que no começo d'outra qualquer affec- ção, em que se produzam phenomenos geraes de reacção? Actualmente em nossas observacóes clinicas sobre a albuminuria nas erysipelas, es- tamos a ver este epiphenomeno apparecer e desapparecer com incrivel rapidez. Por tanto o phenomeno em questáo náo só foi verificado pela observação directa e rigorosa, mas até seria mais para estranhar que o náo tivesse sido. Parece-nos estar ouvindo uma objecção; mas notae, se aquella é a filiação natural dos factos, por que foi rara a albuminuria no pri- meiro periodo de febre amarella, como avancasteis na symptomatolo- gia geral, e alguns epidemiologistas a téem negado? Alcançamos a objecção, que, alem de não contrariar os factos, não é inexplicavel. Pri- meiramente nem sempre a hyperemia renal, qualquer que seja a sua causa ou o morbo em que tenha logar, se acompanha de albuminu- ria, como dissemos; em segundo logar para a producção d'esta é ne- cessario que se effectue, em these, a descamação epithelial dos tubuli, operação esta que, muitas vezes, não poderá realisar-se no primeiro periodo, pela rapidez com que este geralmente corre, vindo então a effectuar-se em periodo mais avançado da doença. Mas, ainda 4 mingoa de toda a explicação, ficaria prejudicada a veracidade do facto? que valem argumentos negativos em presença de factos positivos, claramente demonstrados, um só que fosse? E° este um dos casos em que um só facto tem o valor de muitos; e com tu- do, note-se bem, gnão estamos tão pobres. Pois deveria hesitar-se, um momento sequer, em admittir a al- buminuria, quando a analyse chimica extrahisse albumina das urinas (que não contéem pus, nem muco, nem sangue, nem esperma) e de- terminasse a sua quantidade absoluta e relativa? Seria demasiado pir- rhonismo, injustificavel, inadmissivel. | Quereis agora saber, por que em uns casos se opera a descama- cao epithelial dos tubuli, e n'outros não? Dizei-me primeiro o motivo, por que uma hyperemia, seguida de descamação epithelial e de filtra- ção d'albumina ou de soro do sangue, ha de ter logar unicamente nos rins, e não em qualquer outro orgão, atravez do qual tambem se fil- trasse albumina ou soro do sangue. Ht eris mi magnus Apollo. A nossa observação clinica ainda foi mais longe, descobrindo-nos o caso de dar-se, no primeiro periodo da febre amarella, a albuminu- ria, e de faltar esta no segundo e terceiro periodos da doença no mes- mo individuo. DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 129 Como conciliar este facto com o que levámos dito? As conside- rações feitas a proposito da pathogenia da albuminuria o explicam. A alteração nephretica, as modificações das cellulas epitheliaes, que se suppõem produzir a albuminuria accidental ou intercurrente, são sus- ceptiveis de cura, regenerando-se as partes lesadas, e regressando os rins ao seu estado normal ; por conseguinte cessará tambem a albu- minuria que lhes era connexa, embora à doença principal prosiga sua marcha ascendente. E” isto mesmo o que se observa em muitos ou- tros morbos, nos quaes téem logar, como na febre amarella e pela mesma razão, remissões e intermissões da albuminuria. Mas é nos ultimos periodos da febre amarella que a albuminu- ria se manifesta com muito maior frequencia; e assim era de esperar não só porque ha então tempo para se eflectuarem as alterações ana- tomicas, que geralmente lhe dão Origem, senão porque outras dege- nerações se fazem nos rins, como a gordurosa, que mencionámos na anatomia pathologica, e que dão em resultado a passagem da albu- mina ás urinas. À No segundo periodo da febre amarella (periodo de remissão) achá- mos albumina nas urinas, quer o doente entrasse depois em convales- cença, quer se desenvolvesse o terceiro periodo; sendo porém muito mais frequente n'este ultimo caso. Este facto não deve causar estranheza, e a razão deduz-se do que fica já dito. Demais, não é na declinação d'algumas doenças que se manifesta a albuminuria? Haja vista á febre typhoide, por exemplo '. Na doutrina professada pelo dr. S. Jaccoud, sobre a evolução pathoge- nica da albuminuria, estes factos encontram, explicação, admittindo-se neste estado a absorpção das substancias albuminoides incompleta- mente elaboradas, d'onde resultaria a falta de assimilação da albumi- na ou de sua transformação completa em acido urico € urea, vindo assim a albumina (e não os seus productos, acido urico e urea) a ser exgregada pelos rins. Esta explicação já havia sido dada pelo sr. Lu- ton em 1857 ?, í Vê-se pois que a nossa observação não combina em seus resulta- dos com o terceiro corollario do sr. Ballot, o qual em outra parte de seu escripto o repete n'estes termos: «Si l’issue doit étre funeste, elle 1 W, Edwards; on the constitution of urine in typhus and typhoid fever (The Mon- tly journal, 1853). — A. Luton; études sur Palbuminurie. —París, 1857. —G. John- son; on albuminuria in typhus and typhoid fever (Med. Times and gaz., 1858). ? Mem. cit. MEM. DA ACAD.—1." CLASSE T. I. Pi II. 17 130 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA ' (albumine) augmente jusqu' à la mort; si la terminaison est heureu- se, on voit Valbumine devenir de plus en plus rare.» Esta proposição tão absoluta não acha confirmação na epidemia de Lisboa, segundo nossa observação, visto que mostrámos casos em que a albuminuria diminuiu e desappareceu com a aggravação da doen- ca e viceversa, o que denota que a febre amarella, em sua evolucio e progresso, náo anda invariavelmente ligada a este symptoma, com- mum a tantas doenças, como o não está a nenhum outro. A febre amarella e a albuminuria acompanham-se muitas vezes, mas não sempre, em sua marcha e oscillações. Por conseguinte só em these se poderá aceitar a opinião do sr. Ballot (em referencia á epide- mia de Lisboa, bem entendido); não se deve de modo algum erigi-la em lei irrevogavel. E' no terceiro periodo (segundo de alguns epidemiologistas) que a albuminuria se manifesta em toda a sua força, e representa um si- gnal semeiologico e prognostico de valia. Foi um dos phenomenos mais bem estudados em Lisboa na epidemia de 1857, em avultado numero de casos, notando-se com particular cuidado as oscillações que apre- sentava em cada doente no decurso da doença. Em geral a quantidade d'albumina augmentava nas urinas á me- dida que o morbo se aggravava ou tendia para uma terminação fatal, e diminuia no caso contrario. Com tudo, repetimos, é forçoso admit- tir excepções que a observação clinica registrou. Vimos doentes que, depois de haverem corrido grave perigo, entravam em convalescença e se restabeleciam, persistindo a albuminuria por mais ou menos tem- po e com grande intensidade. A febre amarella não se esquiva sob este respeito á regra geral. Para confirmação do que levámos dito, vamos referir alguns ca- sos de albuminuria na febre amarella (na epidemia de Lisboa), em que foi determinada rigorosamente em dias successivos a quantidade d'al- bumina das urinas. Em um rapaz de 17 annos de idade, tempera- mento sanguinco-lymphatico, mediana constituição, servente de pedrei- ro, achou-se no segundo día, depois de admittido no hospital do Des- terso (estando no tèrceiro periodo da doença), em duas onças ou 64 grammas d'urina 7 grãos ou 35 centigrammas, o que equivale á re- lação de 1: 182,8 ou 5,4:1000 ou 5 millesimos d'albumina proxi- mamente '. 1 Temos calculado; suppondo 1 grão igual a 5 centigrammas e não a 54 milligram- mas, como seria mais rigoroso. == ren DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 131 No terceiro dia (segundo: d'observação) encontrou-se em igual quantidade d'urina 7 + grãos d'albumina ou 37 centigrammas. No quarto dia (terceiro d'observacio) igual porção d'urina deu 9 grãos ou 45 centigrammas, o que importa a relação d'albumina para a urina :: 7: 1000 ou 7 millesimos d'albumina. O doente succumbiu meste dia. A densidade do figado era de 1,049; a analyse chimica não descobriu assucar algum n'este orgão. Mostra pois este caso que a proporção d'albumiua foi crescendo com o progresso da doença para a terminação fatal. A observação seguinte é tambem interessante porque é a contra- prova do facto contido na precedente. Era um rapaz de 20 annos de idade, temperamento lymphatico, constituição mediana, creado de ser- vir. Entrára no hospital do Desterro ainda no primeiro periodo da doença, a qual, depois de algumas irregularidades em sua marcha, apresentou ao septimo dia os symptomas proprios do terceiro periodo. Analysaram-se então as urinas, que deram em 2 onças ou 64 gram- mas uma enorme quantidade d'albumina; a saber, 1,30 grammas ou 26 grãos, isto é, na razão de 20,3: 1000 ou 20 millesimos d'albu- mina !. No dia seguinte (segundo d'observaçäo) o doente achava-se me- lhor; a analyse deu, na mesma quantidade d'urina, sómente 1,22 grammas ou 24: grãos, ou 19 millesimos. No dia immediato (terceiro d'observação) era consideravel o me- lhoramento do doente; achou-se apenas 0,32 grammas ou 61 grãos d'albumina em 2 onças ou 64 grammas d'urina, isto é, 5: 1000 ou 5 millesimos d'albumina. No dia seguinte (quarto d'observação) a analyse não descobriu tra- ços d'albumina nas urinas. As melhoras progrediram rapidas e dentro de poucos dias o doente, já restabelecido, pediu e recebeu o exeat. Este caso é digno de notar-se, não só pela copia d'albumina con- tida ua urina, mas tambem pelas grandes e rapidas mudanças que ella apresentou, na quantidade, d'um para outro dia, seguindo paral- lelamente o andamento da doença primordial, A observação que vamos relatar, mostra o inverso do que as precedentes estabeleceram, uma excepção á regra geral, sendo ao mes- mo tempo comprovativa d'uma de nossas asserções, isto é, que o au- 1 Segundo os srs. Becquerel e Vernois a albumina das urinas oscilla entre 3 e 8 millesimos (mem. cit.). Outros observadores téem calculado esta perda d'albumina na doença de Bright em 20, 30 e mesmo mais para 1000 partes d'urina. 17% 132 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA gmento d'albumina nas urinas dos individuos atacados de febre ama- rella não seguiu sempre (na epidemia de Lisboa, bem entendido) o incremento da doença, como notou o sr. Ballot na epidemia que des- creyeu. Eis o caso: Um homem de 37 annos de idade, temperamento sanguineo, constituição robusta, forneiro, é admittido no hospital do Desterro em 11 de dezembro de 1857, e succumbe no dia 25 do mesmo mez. No dia 20 0 doente estava gravemente atacado; o peso especifico da urina (determinado pela balança hydrostatica) era de 1,029, 0 exame microscopico descobre n'ella muitos cylindros fibrinosos, a analyse chi- mica acha em 2 onças ou 64 grammas 1,50 gram. ou 30 grãos de albumina, o que dá a relação de 23,4: 1000 ou 23 millesimos d'al- bumina. i No dia 22 (segundo d'observação) o doente estava muito peior ; a urina apresentava a densidade de 1,016, e 95 centigrammas ou 19 grãos ou 14 millesimos d'albumina. No dia 25 (terceiro d'observação) a urina dá apenas 15 centi- grammas ou 2 millesimos d'albumina; o doente morreu neste mes- mo dia. Não será frisante esta observação, á qual poderiamos aggregar outras? O conhecimento da marcha das doenças albuminuricas, em geral, aceita sem difficuldade factos d'esta ordem, que lhe são fami- liares. i Do que levàmos dito facil é inferir qual seja o valor semeiolo- gico e prognostico da albuminuria na febre amarella, e por isso não insistiremos n'este ponto, que aliás foi tratado a proposito dos sym- ptomas de cada periodo da doença. Muitas circumstancias deviam fazer suppor à priori a albuminu- ria na febre amarella. Pelo conhecimento das funcções do figado no estado normal, e de suas alterações anatomicas n'aquella doença, era de esperar o apparecimento d'albuminuria. Effectivamente o figado actua sobre as substancias albuminoides; é um facto admittido pelos fysiologistas. Na febre amarella é bem pro- funda a modificação na estructura intima d'aquella viscera, e por con- seguinte a sua acção não se exercerá, ou muito mal, sobre as substan- cias albuminoides, as quaes d’este modo superabundarão na economia, que as expellirá pelos rins. O apparelho digestivo sendo o theatro de grandes desordens na febre amarella, o trabalho da digestão e d'assimilacio deve tornar-se irregular e incompleto, e consequentemente a: albumina não será toda DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. 133 devidamente empregada, d'onde deve vir o seu predominio na econo- mia, sendo por isso expellida pela urina, como o é o excesso de gly- cose nos diabeticos, A theoria do sr. Robin sobre a pathogenese da albuminuria póde ser aqui invocada para dar apoio ás idéas, que vimos de expender. Na verdade sendo uma das causas, e segundo o sr. Robin a mais com- mum, d'albuminnria a alteração insufficiente da albumina do sangue pelo acto respiratorio, em virtude da qual alteração este principio não se transformaria em acido urico e urea, opinião que tem em seu abo- no o desenvolvimento d'albuminuria nos casos de respiração imper- feita ou insufficiente, como: succede nas aflecções pulmonares e nas asphyxicas; e sendo tão frequente na febre amarella à hyperemia pul- monar, a qual deve embaraçar mais ou menos os phenomenos respi- ratorios, nada mais provavel que a producção d'albuminuria na doença de que temos tratado. E já tempo de pôr termo a esta parte da memoria, o que vamos fazer com as seguintes conclusões, que decorrem naturalmente da ma- teria expendida : 1." A febre amarella, que assolou Lisboa em 1857, foi muitas vezes annunciada por prodromos, os quaes faltaram por ventura na maior parte dos casos, sendo então subitanea a sua invasão ; 2." D'entre os diversos modos de acommettimento o mais fre- quente foi o pela forma angiothenica ou pyretica ; 3.º A febre amarela apresentou, em geral, uma feição caracte- ristica, um quadro symptomatologico constante na sua parte essencial ; 4.º Nos casos particulares foi variadissima á combinação de seus symptomas ; . 5." Nos casos mais ordinarios notaram-se tres periodos distinctos na doença ; 6.º Destes periodos só o ultimo ou terceiro caracterisava a doença; 7." Não houve um symptoma peculiar, exclusivo, pathognomo- nico no rigor do termo, de periodo algum da doença ; 8.º O caracter de cada um dos periodos foi representado por um complexo de symptomas ; 9." Os differentes periodos corresponderam-se muitas vezes, mas não sempre, em relação á sua intensidade. Sua ordem de successão tambem não foi sempre igual; 10.º A prostração ou quebrantamento de forças foi phenomeno notavel desde o primeiro periodo; 11.* A doença, considerada a epidemia em suas differentes! pha- 134 ANATOMIA PATHOLOGICA E SYMPTOMATOLOGIA ses, offereceu á observação tres modos principaes de manifestação, ou tres formas fundamentaes, em respeito aos seus symptomas € gravi- dade; a saber: forma benigna, grave, intermedia ; 12." Em nenhuma d'estas: formas se manifestou o complexo de symptomas caracteristicos do periodo algido da cholera-morbus, pelo que merecesse a denominação de forma algida ; 13.º O sangue não apresentou, nos individuos affectados de febre amarella em qualquer dos periodos, modificações caracteristicas, pa- thognomonicas d'este morbo ; 144 As alterações do sangue, descriptas pelos epidemiologistas, foram apontadas já, na sua parte essencial, pelo medico portuguez Si- mam Felix da Cunha, que as observou na primeira epidemia de febre amarella que appareceu na Europa, vexando a cidade de Lisboa em 1728; 15. O vomito preto era uma mistura, em proporções variadas, de sangue com bilis e os contentos do estomago ; 16.º O exame microscopico mostrou, neste vomito, globulos san- guineos, materia verde biliar, cellulas epithelicas pavimentosas, € ás vezes globulos gordurosos, saes, a sarcina ventriculi, vibrides, e glo- bulos «de fermento ; 17.* Foi duvidosa, nos vomitos e dejecções, a existencia dos ca- pillares sanguineos, que o dr. Blair diz serem constantes na febre ama- rella ; 18.” A analyse chimica achou, na materia dos vomitos, chloru- reto de sodio, saes calcareos, reacção quasi sempre acida, densidade de 1007º a 1017°; 19.* A amarellidão peripherica foi um-symptoma muito frequen- te, maxime no ultimo periodo do morbo epidemicor; 20." Esta amarellidão póde ter duas origens; a presença da ma- teria corante da bilis e a transsudação sanguinea. Mas a predominan- te, a que constituiu um dos traços caracteristicos da febre amarella, pareceu-nos ser a procedente da segunda origem ; 21." A suppressão de urinas, o vomito preto e as hemorrhagias multiplas, symptomas frequentes no decurso da epidemia, foram si- gnaes prognosticos graves, mas susceptiveis de cura em muitos casos; 22: A albuminuria foi um symptoma trivial na febre amarella ; 23." A albuminuria não se mostrou exclusivamente no terceiro periodo da febre amarella ; manifestou-se em todos os periodos d'este morbo, sendo muito frequente no terceiro, menos vezes observada no segundo, e rara no primeiro ; se Aaa DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. t35 24.* Ordinariamente a albuminuria appareceu e augmentou com o progresso da doença, mormente quando esta tendia para uma ter- minação fatal, Houve com tudo excepções, a ponto de até dar-se o in- verso, posto que raramente ; 24º A albuminuria foi um signal semeiologico e prognostico de grande valia, porque as mais das vezes se ligou ao terceiro periodo e seguiu o aggravamento ou progresso da doença. DUAS PALAVRAS EXPLICATIVAS SOBRE OS MAPAS Os mapas A, B, C, D, E, representam as alterações anatomo-pa- thologicas encontradas nas 63 autopses, cuja descripção constitue a base da primeira parte d'esta memoria. Em cada um dos mapas fi- guram sempre as mesmas autopses, de 1 a 63, consideradas em re- lação aos orgãos n'elles indicados, tendo-se, para maior simplicidade, mencionado sómente no mapa À o sexo, idade, e constituição dos in- dividuos, a que se referem essas autopses, assim como a duração da doença, o intervallo do obito á autopse e o gráo de rijeza cadaverica. Todas estas circumstancias devem por conseguinte suppor-se repetidas em todos os mapas adiante do numero da respectiva autopse. Os tra- gos — horisontaes indicam ausencia d'alteração, e os » significam re- petição da alteração supra ou da ultimamente apontada na mesma co- lumna. As densidades do figado marcadas no mapa E foram determi- nadas pelo areometro de Baumé e a solução de sal commum, segun- do o processo descripto a pag. 51 d'esta memoria. O mapa F é o resumo dos mapas A, B, C, D e E, por tal modo que á primeira inspecção mostra, quantas vezes dada alteração se ve- rificou em cada um dos orgãos ou nos seus contentos. Os mapas 1 a 15 dizem respeito aos doentes, atacados de febre amarella, tratados em todos os hospitacs de Lisboa durante a epide- mia (9 de setembro a 24 de dezembro de 1857). O mapa 1 repre- senta o movimento clinico mensal d'esses hospitaes. Os mapas 2 a 6 mostram qual foi a frequencia da doenca em relação aos sexos, ida- des, constituições, estados e profissões. Os mapas 7 a 15 indicam a duração da doença em respeito ás circumstancias, que vimos de men- cionar, sendo cada uma d'estas considerada separadamente nos casos de obito e de cura. 136 ANATOMIA Erc., DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA. Se esta memoria não; fosse já longa, traduziriamos esses mapas, que são a expressão fiel dos factos,, como fizemos em o nosso Relato- rio sobre a cholera-morbus cpidemica. Mas a lingoagem dos numeros não é menos significativa e energica. Basta lê-los com alguma attenção para os interpretar, e deduzir as illações dos factos que elles exprimem. —— Me ne o espone ________mmmmymr_mmP dî — inn eta” A A QUADRO GERAL DAS ALTERAÇÕES ANATOMO-PATHOLOGI oo NUMERO DE ORDEM DAS AUTOPSES CONSTITUICAO DURAÇÃO DA DOENÇA INTERVALLO DO OBITO Á AUTOPSE EM HORAS GRÃO DE RIJEZA CADAVERICA PELLE Ecchy- moses media forte media fraca forte media fraca forte media a forte fraca media fraca forte media forte » » media forte media fraca media fraca forte » fraca forte » media forte media forte media forte AS SEG! RO E co in 20 lO co SE CO o = = SP RR Isac > ISIS grande mediana grande » mediana grande » » » mediana fraca mediana fraca mediana grande mediana fraca grande mediana fraca » grande mediana fraca mediana grande mediana » » grande » mediana grande » » » mediana » grande » » mediana » grande » » fraca grande amarella normal amarella ligeiramente amarella amarella » » normal ligeiramente amarella amarella ligeiramente amarella amarela » normal amarella ligeiramente amarella amarella normal amarela » normal amarella » normal amarela » » » muito amarella normal amarela amarellidão parcial amarella ligeiramente amarella amarellidáo parcial normal amarella normal amarella » ligeiramente amarella amarella no tronco amarella amarellidão parcial ligeiramente amarella amarella normal amarello-palha fet Reet CAS DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA NO ANNO DE 1857. MENINGES ENCEPHALICAS ENCEPHALO MENINGES ES- PINHAES Congestão Infiltracao Cór da dura mater Congestáo Derram.to serosonos Consistencia ventriculos 2 a Y ® am E S © Infiltracio serosa PS a ae ey it IL. {fassa 11 I [ms mm pI = 1 amarellada amarella na parte interna amarella manchas amarellas amarella amarella muito amarella amarella amarella esbranquiçada HER livida amarella normal Lima pos fama ra | 2] eee eee] mr ] Pop EE ras o Es i raspa) T = 1112! | 12= sas pa maior que a normal molle » molle maior molle » maior maior molle maior molle maior mollo muito molle muito maior molle muito molle molle maior molle muito molle molle » menor que a normal maior MAPA EB QUADRO GERAL DAS ALTERAÇÕES ANATOMO-PATHOLOGÍ NUMERO DE ORDEM MEDULLA ESPINHAL DAS AUTOPSES Congestão Consistencia CONTENTOS DO PERICARDIO Volume Consistencia LEH maior que a normal | z = ALLEEL MA 3 e e LIEN ETE z a e | muito soro amarello HH] muito soro amarelo IT] soro muito amarello muito soro amarello an liquido esbranquicado com floccos amarellos LEET muito soro amarello HPA muito soro citrino muito’ soro sanguinolento [| muito soro Me AAA B © 5 El menor maior muito menor maior maior menor maior flaccido flaccido flaccido maior flaccido maior flaccido flaccido flaccido flaccido' maior ton CAS DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA NO ANNO DE 1857. CORAÇÃO LARYNGE TRACHEA Cór interna Contentos Consistencia da mucosa da mucosa amarella, sobretudo nas valvulas amarela » » amarelladas as valvulas amarela valvulas amarellas » valvulas amarellas amarela valvulas amarellas ligeiramente amarella amarella valvulas amarellas valvulas amarellas » esbranquiçada esbranquiçada e valvulas amarelas esbranq muito escura amarella esbranquiçada valvulas amarellas Amarellada, sobre tudo nas valvulas sangue liquido coagulos sanguineos coagulo fibrinoso no ventriculo esquerdo sangue coagulado sangue fluido vasio coagulo fibrinoso no ventriculo esquerdo coagulos sanguineos coagulos sanguineos e fibrinosos coagulo fibrinoso coagulo fibrinoso coagulos sanguineos e fibrinosos coagulos fibrinosos coagulo fibrinoso » sangue fluido e coagulo fibrinoso coagulo s vasio grande coagulo fibrinoso guineo muitos coagulos sanguineos coagulos fibrinosos coagulos sanguincos vasio coagulo fibrinoso sangue coagulos sanguintos coagulos fibrinosos coagulo sanguineo grande coagulo fibrinoso no ventriculo direito coagulos sanguineos vasio rubra escura molle rubra MAPA € QUADRO GERAL DAS ALTERAÇÕES ANATOMO-PATHOLOGI CAS DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA NO ANNO DE 1857. ; ‘ ESTOMAGO TINOS DELGADOS PULMOES PHARYNGE E ESOFHAGO i da eee SA CONTENTOS MUCOSA MUGOSA Gros. Volume Conges- Consis- Cor Consistencia sura es DAS AUTOPSES Consistencia NUMERO DE ORDEM Congestão Hemorrha- gia Eechymo- s tencia Cor | i annegra dilatado annegrada liquida E ie semi-liquida - — dilatado rubra | preta parte liquida parte solida | dilatado | amarella externamente dA avermelhada liquida ia, retrahido menor liquido crasso pio > semi-liquida retrahido E ; liquida esbranquiçada semi-liquida ak avermelhada = preta liquida a ws vermelha | menor vermelha semi-liquida avermelhada sl escura » preta » retrahido avermelhada - placas avermelhadas = rubra avermelhada » liquida parte liquida parte solida placas avermelhadas pe branco-sujo liquida — menor sangue e liquido pardo » i tes preta liquido crasso retrahido ligeiramente amarelada - acinzentada liquida avermelhada dilatado esbranquiçada menor si i » = preta semi-liquida avermelhada menor vermelho-escuro liquida SE » » E annegrada parte liquida parte molle dt acinzentada semi-liquida retrahido avermelhada amarello-palha liquida Fi En esbranquiçada esbranquiçada semi-liquida ru — AAA A mem - avermelhada dilatado amarella i enor amarella - retrahido de menor avermelhada “ - acinzentada crassa di Y preta liquida dr = semi-solida menor | maior semi-liquida liquida vormelho carregado » escura semi-liquida vermelha liquida acinzentada semi-liquida preta acinzentada Pi róxo-oscuro e cinzenta | parte liquida parte solida menor amarella semi-liquida acinzentada parte liquida parte solida preta liquida ‘acinzentada » amarella EA annegrada avermelhada avermelhada » retrahido four ` maior dilatado res 3 rubra em differentes pontos avermelhada » crassa Pepe ee | ef Peel amarella escura mo 1! ed preta semi-liquida er avermelhada vermelha liquida avermelhada acinzentada parte liquida parte concreta escura liquida preta crassa menor avermelhada liquida “ prela bia avermelhada manchas escuras sá escura n]oi=-=--!1 dilatado enoi muito dilatado » vermelba robk pna annegrada escura Les escura maior preta semi-liquida escura - » » A acinzentada + š avermelhada maior amarella liquida a do esophago amolleci- nivel do cardia i bra bai y me vermelha escura - vermelha rubr a y ir $ ed i — retrahido rubra amarella pma am avermelhada hy - annegrada inj , retrahido rubra em differentes pontos menor » preta crassa annegrada A ome ee ee OS QUADRO GERAL DAS ALTERAÇÕES ANATOMO-PATHOLOGI INTESTINOS DELGADOS E GROSSOS MUCOSA CONTENTOS Congestão Consis- tencia Côr Consistencia sanguinea menor maior menor menor menor maior aior aior preta preta escura preta » » acinzentada escura vermelho-escuro preta escura preta escura vermelha preta vermelha amarello-torrado preta » annegrada escura esbranquiçada amarelada amarello-torrado » preta annegrada cinzenta preta vermelho-carregado annegrada vermelho-escuro (lia de vinho) cinzenta nos delgados eroxanos grossos preta parda preta muito amarella preta » parda verde, e fezos pretas nos grossos vermelho-claro parda roxa © por partes preta preta » » escura » » amarello-claro preta » escura preta » amarello-escuro preta » amarela escura molle dura semi-liquida » semi-solida » » dura dura » semi-solida dura semi-liquida dura semi-solida » semi-solida dura gelatiniforme dura » semi-solida parte liquida parte solida semi-solida semi-liquida liquida semi-liquida semi-liquida » semi-solida dura » semi-liquida semi-solida dura viscosa e molle nos grossos dura liquida semi-liquida dura: muito dura dura semi-liquida liquida viscosa semi-liquida liguida muito dura semi-liquida dura semi-solida » dura semi-liquida semi-solida » ~ | CAS'DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA NO ANNO DE 1857. BAÇO FIGADO Consis- tência Cór menor que o natural pequeno muito pequeno pequeno pouco maior menor muito pequeno pequeno menor um pouco maior menor retrahido muito maior vermelho-clara esbranquiçada em manchas menor maior menor » » normal normal normal maior normal » maior normal maior normal maior » normal maior normal » » maior » » » normal maior normal maior normal maior » normal » maior » » normal maior » » maior » amarella amarella na face concava amarella amarella com pontos vermelhos amarella amarella em parte amarella amarello-torrada » amarella » » amarellada amarella » manchas amarellas pontos vermelhos e amarellos \ escura amarella » amarellada amarella » amarellada amarella » amarellada amarello-bronzeada amarellada em manchas amarella muito amarella amarella » bronzeada e amarella na face concava muito amarela amarella amarello-torrada amarella escura amarella amarello-torrada amarella -amarella amarello-bronzeada ligeiramente amarella ligeiramente amarella na face concava amarella em parte zonas amarellas amarella amarello-torrada no centro amarella com pontos vermelhos MAPA JE QUADRO GERAL DAS ALTERAÇÕES ANATOMO-PATHOLOGI ~ CAS DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA NO ANNO DE 1857. FIGADO y VESICULA FELLEA RINS | RINS BEXIGA URINARIA DAS AUTOPSE Consisten- cia Capacidade Contentos Volume Cór poripherica Congestao Capacidade Grossurá : das paredes Contentos Grossura NUDERO DE ORDEM das paredes Friabilidade Densidade maior pequeno ne ; - — Pa q menor il ioni : amare E grande liquido sanguinole a ee um pouco maior ic q anguinolento ka ie grande liquido muito amarello ligeira maior menor liquido amar geiramente amarella È iquido amarello muito pequona grande nada maior re £ amarella é an liquido sanguinolento menor ; faso ; avermelhada grande liquido muitoamarello ni » menor muito maior ad p muito pequena liquido viscoso verde-escuro maior e nl, 3 um pouco maior a menor maior E maior qe liquido viscoso escuro » TEIFTEFIA pon » menor i Anis ini amarellada n muito cai liquido amarello grande » õ e 3 e & maior muito grande liquido vermelho-escuro - FH sangue E 2 Th liquido verde-escuro maior qe liquido verde-amarellado x E ETR liquido vissoao verde-enduro vermelha urina muito amarella = 2 maior liquido amarello-esverdeado amarellá è menor liquido amarello maior SE sangue dm È oe — js ito grande iquido sanguine sn — muito gra liquido, sanguineo amarellada sangue b Cae ome i di À maior liquido negro muito grande Sara NE grande liquido sanguineo muito menor grande nada FLEFTI menor liquido sanguinolento ls DE fia ia aior r iqui ello-alaranjado reni ; mt eek Ni Pr (as ol open TB muito vermelha Wnr pe liquido sanguinolento ax F ved l ir ol rande liqui yd pequena um pouco menor 8 quido muito amarello pallida ou anemica - a maior liquido amarello-alaranjado menor menor » + liquido amarello-escuro - - — | nada - maior 53 liquido verde-garrafa menor » muito maior | substancia sanguinea vermelha liquido amarelo as — | liquido preto menor | maior qe liquido sanguineo - » muito maior | » E = muito menor grande sangue coagulado menor | maior Le | ~ liquido escuro oleaginoso é e muito grande - sangue em parte coagulado sa) = aba | = liquido viscoso amarello-torrado - maior | - liquido sanguinolento maior | grande liquido verde-escuro liquido vermelho-escuro liquido muito amarello menor | liquido sanguineo + | | liquido muito escuro muito menor | | liquido amarello-esverdeado maior | pouco liquido verde-escuro EN 33 liquido verde-escuro muito pequena y liquido sanguineo pequena | pouco liquido escuro menor que a natural grando urina amarela averme vermelhada menor grande nada | muito menor » = a menor maior que a natural | pouca urina escura amarellada i mn g E muito pequena muito grande nada pequena pa pequena muito grande “liquido amarello muito pequena | liquido sanguineo muito grande | — muito pequena | nada major pequena bilis verde carregado menor — liquido verde muito carregado grande bilis amarello-escura amarellada vermelha amarella i E 2 arellada muito pequena muito grande — menor — menor muito grande nada — t liquido viscoso esverdeado » Be, | liqui liquido amarello muito escuro quido amarello + » amarella maior dun FEE ESERE EE CRETE LEE Th) dg ee FEE EFES S] muito pequena grande nada MAPA E SYNOPSE DA ANATOMIA PATHOLOGICA DA FEBRE AMARELLA EM LISBOA NO ANNO DE 1857. NUMERO DAS AUTOPSES 65 ee DAMAS CU NO: as wenn ae h1 de Acinzentada....... ) Sexos ........... | Feminino Re per ion ee 22 | 63 | INZONA ar Sar rn x ss STRA È . ento Deta 95 anos a 17 | He (Normal. dh De 25 a 35 annos 2 Consistencia dal Maior. ............ idide De 35 a 45 annos .. mucosa..... Menor Se SET AS De 45 a 60 annos (Normal. De 60 a 70 annos . Grossura dal Maior... \ De 70 annos para cima mucosa..... | menor E £ Normal Forte Constituição ...... Mediana Terme 9 Ç M Vermellià. civ à 04 9 Fraca Da mu-)Annegrada......... 6 ¡De 2 cosa... ) Amarella.......... 3 De 3 . Normali. nea 45 Duração da doença. ¿De 7 [ Côr. | Vermelha. ......... 6 De NERD SES 43 E È Dos E Acinzentada 3 x tentos. ) Amarella 8 g È Intervallo do obito( a ie sie ? Intestinos delgados | [rani ae 1 ie A al Coat De 18 a 24 horas .............. 22) CIRO NO aura > E Consistencia da | Maoni ca, t ( (ERMETE I 27 Meola 6 Gráo de rijeza cada- Medina: g 29163 MUCOSA... li Nom 56 NOIA en CO Sa Ma Rap ep qu, indo È Mod lr RR SIRIA We ae IRAN 7 Grossura maior da mucosa. ......... 4 am ONCE <5 0c Reni ire ak we ad 46 Maior 4 BONE Re A RS a VOS \ MONGE e a rent 16 ) Ausencia le amarellidao 10 Su > > ; A saio cy vce 43 Ecchymos 164 AO RE Maior 1 Meninges encepha- ( T A es | Hole rana = liane UN $ i NO na 56 8 A x x CU Meninges pires, 1 5 | 54 Madoz. Derramamento seroso nos ventriculos.. 16 Consistencia. Menor . CODO aia 30 A cn a ria Normal.. Encephalo .... rio E RIR FR 9 (Maior — JAmoniecimento er 17 Friabilidade. Menor .. NC AIR 18 “IN Normal.. Congestão 8 Volume on { Maior I RL a seas nada Induracáo § {Normal Medulla espinhal... Amollecimento 4 Maior 15 va o % RENTE yk ES age 5 NOM siri era A AA rd 51 Volume.......{Menor............ 13 (ARO UICO mare 5 Normal nee 35 Pericardio. ....... Liquido sanguinolento ace POSE 1 | Bexiga fellea .,... a erre La E ee a a 5 5 3 a SUS E s|s|a|s8jis|s| 8 o El o Ss = 3 © Si = o Ela == | Elzialalala x | a : E | i E Setembro desde 9 412) 71 22) 1| 23 2 » | 2) 2,»| 2 269] 52| 321] 176] 22| 1981:2,: | CUBERO... pal 523/2432) 45| 6 | 5112 781) 187 | 9681:2 Novembro...... pza 402 Salat 516) 155 | 6711:2 Dezembro até 24 | 20 66 4| 2 7 24| 951:3 * | x | = 3752/1062 104 1544) 388 [193211 :2,61/1: 2,88/1 : 2,67 | ES | | | | | N° 2 FREQUENCIA DA FEBRE AMARELLA, NO ANNO DE 1857, EM RELACAO AOS SEXOS * NOS DOENTES TRATADOS EM TODOS OS HOSPITAES CIVIS DE LISBOA + oe NUMERO DOS RELAÇÃO ATACADOS PARA 100 | MACU aras foie AR 4043 78,33 | | D RR E es es ee a dy ante 1118 21,66 | | | POUL POCO sca ne a a 5161 | | | Nº 3 | | | FREQUENCIA DA FEBRE AMARELLA, NO ANNO DE 1857, NAS DIFFERE S IDADES | NOS DOENTES TRATADOS EM TODOS OS HOSPITAES CIVIS DE LISBOA | d ATACADOS E | < | | — E = | IDADES PA È | n o o | z 5 a = | Se se eo E! | n A 2 E RO RATIOS el lala ce a o TO 19 12 31 0,60 10 a 20 annos Ro 226 | 1269 | 24,58 265 | 1734 | 33,59 201 | 887 | 17,18 20 a 30 annos | 143 | 553 | 10,71 | | i | 30 a 40 annos. 40 a 50 annos 50 a 60 annos 60 para cima...... Indeterminada. 153 | 400 | 7,75 105 | 253 | 4,90 13 | 34 | 0,66 Total petali aeree 4043 | 1118 | 5161 N.º 4 FREQUENCIA DA FEBRE AMARELLA, NO ANNO DE 1857, NOS DOENTES TRATADOS EM TODOS OS HOSPITAES CIVIS DE LISBOA, EM RELAÇÃO ÁS CONSTITUIÇÕES INDIVIDUAES, COM DESIGNAÇÃO DOS SEXOS ATACADOS 8 4 ~m | CONSTITUIÇÕES n 2 a ; | 5 EA a © © < Se E = E < o E a = ee a 2 E | | DONE DESSE octet a APR 1128 | 304 | 1432 | 27,74 | WU EU CLS ARMOR AAA WA AN PANATA SA AI 1315 | 523 | 1838 | 35,61 | | DEMORA En sin ee at td one 408 | 235 | 643 | 12,45 | | | haine. 23 0 nis win te or pip oe A met ee 1192 56 | 1248 | 24, 18 | | Total pora i 4043 | 1118 | 5161 | | N.° 5 | | FREQUENCIA DA FEBRE AMARELLA, NO ANNO DE 1857, NOS DOENTES TRATADOS EM | TODOS OS HOSPITAES CIVIS, EM RELAÇÃO AOS ESTADOS, | COM DESIGNAÇÃO DE SEXOS | | | | ATACADOS s | | < i AAA si ti q | ESTADOS de 2 sa! | E 5 q SO 2 E E El E) a | i E [= | | A Rea Na RD Po acy li o io nisi atts 9844 | 645 | 3486 | 67,54 | Ce A i 928 | 171 | 1099 | 21,99 || Ù | Viuvostà O AA RÍO cr Since ip 226 276 502 9,72 | | Indeterminado.............,........,,....,... 48 26 74 1,43 | | 1 otti ea O 4043 | 1118 | 5161 | | Ill | | N. 6 FREQUENCIA DA FEBRE AMARELLA, NO ANNO DE 1857, NOS DOENTES TRATADOS EM TODOS OS HOSPITAES CIVIS, EM RELAÇÃO ÁS PROFISSÕES, COM DESIGNAÇÃO DE SEXOS ATACADOS s < — si | » PROFISSÕES é 2 a di $ a 4 E 5 E = | © E) = | | = = 2 E | Hi | Liberare Oe OO ies INTO A MOTS 536 62 598 11,58 | Mechanica . 2958 609 | 3567 | 69,09 il Mundana — 16 16 0,31 | | Sedentaria 198 TIA 5,36 | Exposta a atmosphera viciada. 14 | — 14 0,27 | Agricola cori B| — 5 |. 0,09 | MITA Foes E OE er te 140| — | 440| 2,74 | MARINO eh te a N EN 76 — 76 1,47 {ll Indeterminata 116 352 | 468 9,06 Il Total atra e DEL cae de A O 4043 | 1118 | 5161 | | | Nº Y | | MAPPA DA DURAÇÃO MEDIA DA FEBRE AMARELLA, NO ANNO DE 1857, NOS DOENTES || e A || TRATADOS EM TODOS OS HOSPITAES CIVIS, EM RELACAO AOS SEXOS E A TER- | MINAÇÃO DA DOENÇA, SENDO A DURAÇÃO CALCULADA PELO TEMPO QUE OS il MESMOS DOENTES ESTIVERAM NOS MENCIONADOS HOSPITAES Ill | | d 4 < E | SEXOS SRI ill onm Be a | a BEIAGE {|| Dr pre S2É|I || mM A | 2l jelle e | a: E | — | È * Nos casos de cura e obito simultaneamente, ......... 6 |14| 6 |20 6 | 2 | | Nos: casos de GUase. cow MRO 8111881813 | | i | Nos tanos: Lo: ODIO rm Te A 4|4/4|-|4|3 | | a | iii | | | | | | | N.º 8 DURACÃO DA FEBRE AMARELLA, NO ANNO DE 4857, NOS DOENTES TRATADOS EM TODOS OS HOSPITAES CIVIS DE LISBOA, EM RELAÇÃO ÁS IDADES, NOS CASOS DE CURA, COM DESIGNAÇÃO DE SEXOS IDADES n n a an n Ea £ E E È E 2 E E DURAÇÃO 4 5 a 5 El E Z 5 DA DOENCA Ci o o o e o E pi E o a e = 29 © Es Gi = = s a 3 e s a 3 = 5 = o = o o 2 > È 3 ES e = a a = 15 oS = = = HMITIHIMIT|IHIM|IT |H|M|T/H{M|T/H[M| T ¡[H[M| T¡H[M|[T| H. |m. E 1 a 10 dias, . |1210/22645/146/791/771/164| 935|317/119/436/139/72/211| 84/55/1394342 85141216 201516102625 10 a 20 dias.| 2|- | 2/105} 28133147) 22] 169) 58| 14) 72] 3014| 44) 23/15) 38/15] 6| 21|1 |- |1 | 381] 99| 480 20 a 30 dias.|-|-|-| 19) 6} 25] 35] 3| 38) 13) ' 3) 16} 32] 5) 4) 3} 4 8|-| 8|-|-|-| 79 17] 96 30 para cima|-|-|-| 11] 14) 12) 6) 1 TY 5 -| 5 -|A YA A-| A-|-| - |-|-|-] 24) 4 28 x Somma... 1410247801181 La A Mii aa 66 Arta 51217 E P * | be | | Bic N° 9 DURAÇÃO DA FEBRE AMARELLA, NO ANNO DE 1857, NOS DOENTES TRATADOS EM TODOS OS HOSPITAES CIVIS DE LISBOA, EM RELAÇÃO ÁS IDADES, NOS CASOS DE OBITO, COM DESIGNAÇÃO DE SEXOS IDADES DURAÇÃO DA DOENÇA 40 a 50 annos 50 a 60 annos \ Indeterminada jo para cima lidas =) E = =] = E =) (u a 20 annos È a 30 annos a a 40 annos l i È la a 10 annos Total geral H |M 1474376 1850 49) 9 58 ado |=| 48058 M mi = = E A = E = = E [es] = 243095 18074156: 1116 4 N [en bo © aL »I res co = = a Fa = WO N 7865343227 50277131 o bo I bo or 19 © a wo D E oO D q 1a10dias..|5 10 a 20 dias. 20 a 30 dias. | - 30 para cima|-|-|-|{-|-{-|-{-|{-. 14f-] 4) 4)-| 1|-|-{-|4|-| 1|-|-|- 3 - 3 HIM T Ue | | wO dm 1 1 1 -| 2 5-| 5 4-| 4 1 I 263/45/308/510/75/585 29365 35823853 o bo I Somma... 2911137/80/217/82/571139/16/14/97 1544 388/1932 | | | N.º 10 DURACAO DA FEBRE AMARELLA, NO ANNO DE 1857, NOS DOENTES TRATADOS EM | TODOS OS HOSPITAES. CIVIS DE LISBOA, EM RELAÇÃO ÁS CONSTITUIÇÕES, NOS CASOS DE CURA, COM DESIGNAÇÃO DE SEXOS | CONSTITUIÇÕES | © © — Ss © a a E | DURAÇÃO DA DOENÇA x 8 Z ; È 5 § 5 e! E = a S o É E È Si O la | € | en aa ——| 3 | H|M|T|H|M|T|/H|M|T|H|MT|H|M| S | TATU SOMADO ride 5861176756 6783371015192 9212841565] 5 [570/2015/610/2625 LUPA ZOO... 124] 3314571159) 31| 190| 36| 32] 68] 62/3] 65| 381| 99) 480 | HUA MIO wa sopas 19 6) 2] 29) 6 35) 13) 5| 18) 18/-] 18 79 17) 96 SO Para CIMA leia 8 - | 8/11) 2 13 1] 4) 2) 41] 5 24 4 28 SOM e 731121 51946 E a br 130137216499 [658/2499/730/3229 N,° 11 DURAÇÃO DA FEBRE AMARELLA, NO ANNO DE 1857, EM RELAÇÃO ÁS CONSTITUIÇÕES DOS DOENTES TRATADOS EM TODOS OS. HOSPITAES CIVIS DE LISBOA, NOS CASOS DE OBITO, COM DESIGNAÇÃO DE SEXOS CONSTITUIÇÕES nn, o rn, 3 | q dal DURAÇÃO DA DOENÇA e g a = — ® Fl (i 3 pa ES 5 E È E 3 |& Fa = Bio Ss | E = HMITIHIMITIHIMITIHMTIHIM £ Toa AOA a 20 4 24] 144 21146] SÌ 3/11) T-| 7 49 9 58 DA BOS a nn dd) Ae 6leah 7) 116 aj Ok 8|-|-8l 148008) 80 pata cima... 4... =p PIRES Ode: EN E Hatot Sl 3 Soma... sees 397/89/4861438/147/585/166/105/271/543/47/590/1544/38811932 | | | valoda 374/84/1458/4146/144[560/1157/101/258/527/47/57411474/376/1850 | | | | | | Nº 12 DURAÇÃO DA FEBRE AMARELLA, NO ANNO DE 1857, EM RELAÇÃO AOS ESTADOS DOS DOENTES TRATADOS EM TODOS OS HOSPITAES CIVIS DE LISBOA, NOS CASOS DE CURA, COM DESIGNAÇÃO DE SEXOS ESTADOS inn ST o 5 El DURAÇÃO DA DOENÇA E > : 2 © 3 = E E 2 Stig 16 = 2 = E 3 = n o > = E = SS AA | mk a = H |M{T|H|M{T{/HM|T|HMT|H|M|g£ e E ARE 152102192309! 89/498[6911318216|6 |22/2015|610|2625 MONGOLIA 287| 60) 347) 69) 15| 84/2 45) 3|1|4| 381) 99| 480 LIU SPINE RIONI RO 58] 14) 69 14) 4) 45) 7] 5) 19-|-|-| 79 47] 96 80 para Cima, . cus ae 20) 4 24 4 -| 4-|-|-|-|-|-] 24 4 28 SOMA SN 1886/477/2363| 100405 601/98/141/239119| 7 |262499/730/3229 N.° 13 DURAÇÃO DA FEBRE AMARELLA, NO ANNO DE 1857, EM RELAÇÃO AOS ESTADOS DOS DOENTES TRATADOS EM TODOS OS HOSPITAES CIVIS DE LISBOA, NOS CASOS DE OBITO, COM DESIGNAÇÃO DE SEXOS ESTADOS Ti PR e e o © e E DURAÇÃO DA DOENÇA g ER 3 o E cle = É 5 E E un So > = = ma rer | | ——- |__| £ H/M|T|/H/MT|/H|MjT|/HMT|H|Mjg Ea LO; Glas Ir 916| 63|1079/410/62]472/120/132/252/28/19/47/1474|376|1850 10 a 20 dias............ “| 24] 4) 28) 49) 3) 22) 5] 2 7|1|-|1| 49] Y 58 204 SOAS. acao i 13d da) 94) 8) 9: 4) ate) 481321 80: para. 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ACCADEMIA DELLE SCIENZE DI LISBONA DU PROCEDE LE PLUS SIMPLE ET LE PLUS EXACT POUR RECONNAÎTRE ET MESURER L'ÉLECTRICITÉ DE L'AIR DANS TOUTES LES CONDITIONS ATMOSPHÉRIQUES MEMORIA SCRITTA DA LUIGI PALMIERI professore della Regia Università degli Studii di Napoli e direttore dell’ Osservatorio logi SSS (COROADA PELA ACADEMIA NA SESSÃO SOLEMNE DE 20 DE FEVERBIRO DE 1859) SUL SEGUENTE PROGRAMMA PROPOSTO DALLA REGIA ACCADEMIA DELLE SCIENZE DI LISBONA DU PROCÉDÉ LE PLUS SIMPLE ET LE PLUS EXACT POUR RECONNAÎTRE ET MESURER L'ÉLECTRICITÉ DE L'AIR DANS TOUTES LES CONDITIONS ATMOSPHERIQUES MEMORIA L. meteorologia elettrica non ha posseduto finora strumenti deli- cati e comparabili, e perciò le osservazioni di elettricità atmosferica non hanno potuto figurare sulle tavole meteorologiche. Credo inutile ricordare il cervo volante, i palloni captivi, le frecce ed altri corpi spinti in alto nell’aria, peroché con. siffatti mezzi si può al più conoscere la esistenza della elettricità atmosfe- rica, ma non si possono avere misure, né si possono istituire osser- vazioni regolari. Tacerò pure del metodo usato dal Volta e che può denominarsi a conduttore fisso, il quale consiste nel porre un condut- tore isolato sulla sommità di un edifizio, far terminare questo con- duttore a punta ó a fiamma e farlo comunicare per un filo metallico con gli strumenti indicatori. Ancorche si abbiano buoni e veri elet- trometri con siffatto metodo non possonsi avere risultamenti compa- 1 x 4 SULL' ELETTRICITA rabili, tengasi pure perenne il fuoco nella stanza delle osservazioni, come si pratica all'osservatorio di Greenwich. Per non dilungarmi mi rimetto a quello che ne ha scritto il Peltier. Il migliore metodo ed in pari tempo il migliore strumento, che la meteorologia elettrica possedeva prima de’ miei studii sullo stesso argomento, era certamente quello di Peltier, accolto gia da parecchi anni dal Quetelet nel R. Osservatorio di Brussella. lo non descriverò questo elettrometro nè dirò del modo di farne uso, perché tutto ció non puo essere ignoto a'dotti accademici, che hanno proposto il Programma. Diro solamente de’ principali difetti che vi ho scorti e de’ miglioramenti che credo avervi arrecati. I principali difetti dello strumento di Peltier e del modo di ado- perarlo sono, secondo io mi penso, i seguenti : 1.º L'indice perchè bilicato e non sospeso presenta soverchio at- trito, onde alle volte si ferma ad un deviamento illusorio. 2.° Dovendo l’indice mantenersi ad una certa distanza dal cer- chio o quadrante sottoposto, le misure sono soggette agli errori di parallasse, nè questi errori si evitano col quadrante superiore, peroc- chè questo ne’ tempi piovosi resta coperto da apposito tetto metalli- co, ed in ogni altro caso volendo l'osservatore farne uso deve accos- tarsi troppo al globo di ottone, il che genera una dissimulazione di due in tre gradi di tensione. 3.º. La tensione non può esser misurata nel momento in cui si manifesta, perocchè conviene aspettare che cessino le oscillazioni del- l'indice agitato non solo dalla elettricità, ma dalle scosse ricevute nel salire e nello scendere. Quindi durante questo tempo si hanno perdite grandissime ed incapaci di esser calcolate. Onde in vece delle tensioni primitive si misurano residui, che non hanno alcuna costante ragione con esse. Cotesto grave inconveniente si avrà sempre quante volte le tensioni si abbiano a misurare dagli archi definitivi e non dagli ar- chi impulsivi. 4.º Ogni osservazione richiede 2 in 3! di tempo e quindi non si possono ripetere le osservazioni a brevi intervalli, sia per prendere la media di più osservazioni prossime, sia per altre peculiari occorrenze. 5.º Con la pioggia, con la grandine ecc. le osservazioni diventano soverchiamente incomode, e quando lo strumento si è bagnato ries- cono impossibili, perchè rimane mutolo. 6.º Ci ha de’ casi in cui le osservazioni a conduttore fisso sono di qualche importanza, e però conviene adottare un apparecchio che si presti anche a questo genere di osservazioni. ATMOSFERICA. 5 7: Finalmente, con l'apparecchio di Peltier si richiede un tem- po per vedere se la elettricità è positiva o è negativa, e spesso le pic- cole tensioni svaniscono prima di essere saggiate. A togliere dunque tutti questi ed altri inconvenienti de'quali per esser breve non discorro e per rendere le osservazioni compara- bili, io modificai tanto Velettrometro quanto il metodo di fare le os- servazioni. Comincio dal descrivere Velettrometro: esso è dinotato dal- la figura 1.* tav. 1.º IL è un cilindro di cristallo di 14 in 15 centi- metri di diametro entro del quale per un tubo D di vetro o di me- tallo scende un filo di bozzolo: il tubo D può girare intorno del suo asse per correggere le torsioni. All’estremo inferiore del filo di boz- zolo è sospeso un indice di sottilissimo filo di ottone o di argento di- notato a parte nella figura 3.° Questo indice attraversa un piccolo asse di ottone cd che finisce nella parte inferior e in punta acutissima di acciaro ed ha nella parte superiore un frammento di ago da cucire mn debolmente calamitato. La punta 4 dell'indice entra in una cavi- tà conica di acciaro fatta nel mezzo di un conduttore 44 di lunghezza eguale a quella dell'indice, vale a dire di circa un decimetro. Questo conduttore orizzontale comunica con un globetto metallico in cui ter- mina la colonnetta H per mezzo di un filo di ottone inviluppato di mustice coibente e circondato da un tubo di vetro (fig. 1.9). Sotto del- l'indice ad una distanza di quattro in cinque millimetri sta un cer- chio di smalto graduato. Tutto lo strumento che poggia sopra tre viti di livello e collocato nel mezzo di una base circolare AB di quat- tro decimetri di diametro col lembo graduato e con un'alidada mo- bile portante un cannocchialetto G munito di un filo micrometrico verticale che serve a guardare l'indice senza pericolo del benchè mi- nimo errore di parallasse. Posto lo strumento in modo che il conduttore orizzontale stia nel meridiano magnetico, se il filo è senza torsione l’indice verrà a combaciare col conduttore anzidetto. Livellato lo strumento in modo che la punta dell'indice corrisponda nel mezzo della cavità sottoposta, si abassi per modo che la tocchi appena con leggierissimo contatto, il che si ottiene con un meccanismo simile a quello de'galvanometri. Cio posto è chiaro che se un corpo elettrizato si accosti all’es- tremo della colonnetta H, l’indice devierà a seconda della tensione . manifestata. La punta 4 dell'indice potrebbe no toccare il fondo della sotto- posta cavità, la quale allora si farebbe più profonda facendo anche la punta più lunga (fig. 4.º). Lo strumento riesce per tal modo egual- 6 SULL’ ELETTRICITÀ mente sensibile, ma allora l'indice nello stato di quiete non deve sta- re a contatto col conduttore orizzontale Ah (fig. 2), ma restare di qual- che grado lontano, altrimenti al giungere della carica l'indice non sarà respinto, ma attratto dal conduttore orizzontale Ah. Cotesto in- conveniente si evita facendo l'indice mobile in un piano superiore a quello del conduttore orizzontale, come appunto! fece il Melloni quan- do volle modificare il mio elettrometro ; ma allora lo strumento, al- meno per gli usi meteorologici, acquista due gravissimi vizii, perocehè in primo luogo l'indice non si mantiene ad una costante distanza dal conduttore orizzontale e bisognerebbe accomodare lo strumento ad ogni osservazione, ed in secondo luogo quando l’elettrometro si scarica l'in- dice rimane per lungo tempo oscillante e non si possono fare più os- servazioni di seguito, di che il Melloni si persuase, confessandomi che per la meteorologia il mio elettrometro era da preferire, perocchè in questo l'indice torna prontamente a zero. Conosciuti i gradi naturali bisogna ridurli in gradi equivalenti, conviene cioè trovare la ragione tra gli archi e le tensioni. Ho tenuto per questo una via diversa da quelle calcate dal Peltier e dal Quete- let. Io distinguo prima di tutto l'arco che l’indice percorre nel pri- mo deviamento, da quello in cui si arresta dopo cessate le oscillazioni: chiamo il primo con voce improntata dal Melloni arco impulsivo, ed arco definitivo il secondo. Valutare le tensioni per gli archi definitivi è lo stesso che misurare residui i quali non possono avere alcuna ra- gione costante con le tensioni primitive: la tensione deve esser misu- rata nel momento stesso in cui si manifesta, il che non!può prati- carsi col metodo dell’elettrometro mobile di Peltier, e riesce facilissi- mo col mio metodo del conduttore mobile. Jo composi dunque nove pile a colonna ciascuna di cinquanta coppie con sottilissime lamine di rame e zinco con dischi di carta semplicemente inumidita di acqua distillata: isolate bene tutte queste pile vidi che ciascuna dava 10.º di deviamento impulsivo ed 8.º di deviamento definitivo, facendo comunicare un polo con l’elettrometro ed un altro col suolo. Congiungendo poi due di queste pile per ten- sione ebbi i risultamenti che seguono : ATMOSFERICA. 7 NUMERO DELLE PILE ARCHI IMPULSIVI ARCHI DEFINITIVI 1 Ra e Aa ETES ¡OE sis ie ero Rs Mense SE Te ORPI nr a canino. As E pa ri Rota obiyas deu 80°.. ab $2 ron DL a. Diao. 40º HDs, aile. 610572 69,5 5 UN. Mae! cib BVI? Os ça PRE OOM bees PATO ladslagp.o job ars ol eda si Ob de Brida. moran couils80% ento lota LO Pine ap Y. dable de core is e8:8% iedtalvoltanG7? inca a Dal che si vede como gli archi impulsivi fino a 70° sono pro- porzionali alle tensioni e fino ad 80% lo sono ancora a suflicienza, il che basta per le osservazioni ordinarie. Ne'casi di tensioni straordina- rie come ne temporali, volendosi dare misura, si farà ricorso ad un sé- condo elettrometro meno sensibile comparato con l’elettrometro tipo. Dopo ciò conveniva ridurre le tensioni a misura assoluta, affin- chè le osservazioni si potessero rendere comparabili. To composi per questo un altra pila di rame e zinco puro ed acqua distillata: questa pila modello dovrà esser tenuta in tutti gli osservatorii ove le osser- vazioni di elettricità atmosferica non vogliono essere trascurate. Essa è rappresentata dalle figure 5° e 6* della tav. 1%, Tutta la pila (fig. 5°) si compone di 30 coppie: ogni coppia si compone di una lamina qua- drata di zinco di 5 centimetri di lato, di una simile ed uguale di ra- me e di un bicchiere di vetro verniciato di gomma lacca. Le coppie a cinque a cinque sono raccomandate a righe di vetro verniciate 7» (fig. 6) le quali sono mantenute da sostegni isolanti s. I bicchieri sono egual- mente isolati con piedi di vetro. Immerse le coppie nell'acqua dopo un'ora si ha da questa pila una tensione che si mantiene per alcuni gior- ni costante. Per maggiore precisione si riduca la stanza ad una tempe- ratura di circa 18°, nella quale il psicrometro segni 3 in 4° di diffe- renza tra i due termometri, indi fatto comunicare uno de'poli di questa pila col suolo e l’altro con l'elettrometro, si avrà una unitá di tensione che sarà sempre la stessa, poste le stesse condizioni dell'ambiente. Nel mio elettrometro ed in altri che ho fatto costruire pel prof. Belli a Pavia, per Mr. De la Rive a Ginevra ecc. ho avuto tra 12:e 15º di de- viamento impulsivo e 9 in 10° di deviamento definitivo. Ora sia quale si voglia la sensibilità dello strumento io chiamo unità di tensione o grado assoluto quello che corrisponde a 3 coppie della pila modello di 8 SULL’ ELETTRICITA maniera, che se da essa si hanno in un elettrometro 10º il grado as- soluto è eguale al grado naturale. Se l’elettrometro, perchè più sen- sibile, dia 12°, ogni grado naturale sarà eguale a ux di assoluti. Laonde se io col primo degli anzidetti elettrometri avessi in un dato giorno alle ore 9 a.m, per esempio, 36º ed il Diret- tore dell'osservatorio di Lisbona avesse 32, questi sarebbero eguali a 32 >< 1°,2 == 38,4 gradi assoluti. Potrebbe accadere che lo strumento dopo qualche tempo non avesse più la sensibilità di prima, allora converra verificarlo con la pila modello, ma i gradi assoluti resteranno gli stessi. Descritto l’elettrometro passiamo a vedere tutto l’apparecehio a conduttore mobile per procedere alle osservazioni. Esso è rappresen- tato nella tav. 2.º AB è la copertura di una cameretta bene esposta ; nel mezzo di questa copertura ci ha un foro di 4 in 5 centimetri di diametro e ad orlo sporgente per riparo delle acque: per entro aquesto foro possa il conduttore mobile «, il quale consiste in un tubo di ot- tone di 15"" di diametro, lungo 2",85, fatto di due ò tre pezzi che si congiungono a vite. Questo conduttore tiene nella parte esterna un tetto ¿ ad imbuto affinchè serva di riparo alle acque, ed è posto in modo che quando il conduttore è abbassato copre esattamente il foro fatto sulla copertura della stanzetta. In cima poi del conduttore si pone un globo leggierissimo g di lamina di ottone di 16 centimetri di dia- metro sul quale volendo si può porre una o più punte mettalliche. Il globo si può togliere per sostituirvi la lanterna del Volta o le sole punte metalliche. Nella parte inferiore poi il conduttore anzidetto finisce in un bastone di vetro verniciato di gomma lacca di sotto del quale in un pezzo di legno sta una carrucola di vetro c con un peso d. Af- finchè il conduttore, che deve elevarsi ed abbassarsi ad ogni osserva- zione ordinaria, potesse mantenersi e compiere la sua corsa, l'ho fatto passare a strofinio libero in un piccolo tubo di ottone circondato da mastice coibente e poi coperto da un cilindro di vetro verniciato di cera lacca rs, il quale con due pezzi di legno secco bolliti in olio e verniciato è fissato nel mezzo di un disco di vetro incastrato nella tavoletta mn. Un laccio di seta legato ad un uncinetto x passa per la carrucola c e per l'altra z e finisce con un contrappeso 77: questo laccio tirato con la mano serve ad elevare e ad abbosare il condut- tore di sopra descritto. ; Sopra una o più mensole di marmo addossate al muro stanno l'e- lettrometro 4, l'elettroscopio di Bohnenberger / ed un galvanometro =1",2 gra- ATMOSFERICA. 9 a lungo filo e doppio isolamento p. Un filo di rame finalmente f del- la grossezza di un millimetro vestito di seta e verniciato e della lun- ghezza di circa 1”,50 serve a mettere il conduttore in comunicazione con gli strumenti indicatori: questo filo parte da un anello metallico sv posto alla base del cilindro 7s. Il conduttore lungo in tutto 27,85 ha una corsa di 1",85, e però la stanzzetta deve essere bassa e gli strumenti a poca distanza dall’anello sv, affinchè il filo fnon sia troppo lungo- per dare luogo a dispersioni. Il mio condattore si manterrà isolato anche con le piogge le più diratte, perchè gl'isolatori sono nell'interno della cameretta. Solo con- viene badare che questa sia asciutta, ed affinchè le osservazioni siano comparabili è bene ne'tempi molto umidi mettere un può di fuoco nella stanza, affinchè il psicrometro segni una differenza di 3° almeno tra i due termometri. La maniera poi di fare le osservazioni è semplicissima. Si eleva il conduttore con una certa celerità per tutta la sua corsa di 17,85, mentre il filo f è in comunicazione con l'elettrometro e si legge in questo l’arco di deviamento impulsivo che è la misura della tensione: abbassato il conduttore si fa comunicare con Velettroscopio di Bohnen- berger, indi si elevi per una parte qualunque della sua corsa ed il moto della foglia d’oro farà conoscere se la elettricità è positiva o ne- gativa. Volendosi poi vedere se ci ha elettricità dinamica, il filo / si congiungerá ad uno de' capi del galvanometro, facendo comunicare l’altro capo col suolo. Se dopo elevato il conduttore si mantenga così fino a che l'in- dice dell'elettrometro si fermi, si potranno conoscere gli archi defi- nitivi corrispondenti agli archi impulsivi, allora si vedrà che fatte delle tavole ad archi impulsivi eguali ottenuti in ore o giorni diversi corrispondono archi definitivi disuguali. Per la qual cosa chi amasse le misure per gli archi definitivi, dovrebbe, come praticò il Melloni pel galvanometro, fare una serie di osservazioni in tempo asciutissimo dalle quali risulterebbe per ogni arco impulsivo il corrispondente arco definitivo, e poichè i primi poco o nulla risentono le perdite prove- nienti dell'umido, i secondi dedotti da’ primi sarebbero valutati come corretti. Ciò basterà per intendere come le osservazioni fatte col me- todo dell'elettrometro mobile di Peltier siano assolutamente fallaci. Quando prescindendo dalle misure si vogliano studiare le leggi secondo le quali la elettricità muta di segno in tempo di po ggia, gran- MEM, DA ACAD.—1Í.” CLASSE—T. Il. Pi IE. 2 10 SULL’ ELETTRICITA ATMOSFERICA. dine o neve, si fa uso del solo elettroscopio di Bohnenberger, messo in comunicazione col conduttore, il quale il piú delle volte non ha bi- sogno di essere elevato ed abbassato, perché anche fisso dá sufficienti indicazioni. Si opererà egualmente a conduttore fisso con l'elettroscopio di Bohnenberger, quando si vogliano studiare i curiosi effetti de’ tem- porali lontani, della esistenza de’ quali in tempo di notte siamo fatti certi per la luce de’ baleni, ma di giorno essi vengono attestati dal mio apparecchio in quella guisa, che gli strumenti magnetici annun- ziano la esistenza delle aurore boreali. L'apparecchio a conduttore mobile dunque da me adoperato è semplice, comodo ed esatto, ed evita tutti gl'inconvenienti del meto- do di Peltier, serbandone i pregi, imperocche : 1. Le osservazioni si fanno in breve tempo, bastando 2" per ognuna, mentre col metodo di Peltier ci vogliono 2, 2. L'osservatore sta al coperto e può fare le sue osservazioni in tutte le condizioni dell'atmosfera. 3.º Può servirsi di tutti gli strumenti che vorrà, sia per la elet- tricità statica che per la dinamica. 4. Può anche operare a conduttore fisso. 5.° Le tensioni misurate dagli archi impulsivi sono di una esat- tezza grandissima, essendo chiaro che gli archi definitivi misurano i residui variabili delle tensioni primitive. , 6.º Finalmente le misure che si hanno col mio apparechio sono veramente esatte, non solo perchè capaci di grande precisione, ma per- chè COMPARABILI. Affinchè conservino quest'ultimo pregio conviene che il condut- tore mobile abbia sempre le stesse dimensioni e la stessa corsa. A vie meglio provare la bontà del mio apparecchio potrei qui riferire i felici risultamenti, che mi ha dato con la scoperta di leggi e di fatti sconosciuti, ma mi riserberò di presentare tutto ciò alla R. Accademia di Lisbona dopo che avrà compatito questo primo lavoro. Potrei pure citare i nomi del Melloni, del Faraday e di altri, cui aven- do data conoscenza del mio apparecchio o me lo approvarono o m'in- caricarono di farneloro costruire, ma desidero che l Accademia giudi- chi senz ‘alcuna prevenzione. 12 settembre 1857. f A e L Y. { E 6 la Uiomelio compa cabide DES CARACTERES ZOOLOGIQUES DES MAMMIFERE AVEC LES FONCTIONS DE LOCOMOTION, PAR M. PUCHERAN, Docteur en Médecine, Chevalier de l'Ordre de la Conception de Portugal, Membre de l'Académie royale des Sciences de Lisbonne, de la Société Philomatique et de la Société d’Anthropologie de Paris, de la Société Zoologique de Londres, de la Société Ornithologique d'Allemagne, de la Société d'Histoire naturelle de la Moselle, de la Société Philomatique de Verdun, Aide naturaliste au Muséum d'Histoire naturelle de Paris. PARIS, 1860 PARIS Imprimé PAR E, Tuusor ET 6º, RUE RACINE, 26 DES CARACTERES ZOOLOGIQUES DES MAMMIFERES DANS LEURS RAPPORTS AVEC LES FONCTIONS DE LOCOMOTION. MAMMIFÈRES MARCHEURS ET GRIMPEURS. Dans un Mémoire dont la publication date déja de quelques années (1), dont la rédaction a même été le résultat des premières observations que j'ai eu occasion de faire en Mammalogie, j'ai établi et généralisé les faits relatifs aux Caractéres zoologiques des Mammifères aquatiques. Le Mémoire actuel est des- tiné à l'exposition d'une synthèse de même nature, applicable seulement à ceux de ces Vertébrés, dont la marche ou l'acte de grimper constituent le prin- cipal mode de locomotion. Mais, avant d'entrer dans I’ exposé des détails qui sont relatifs au sujet spécial dont nous allons nous occuper, il nous parait nécessaire d'entrer dans quelques considérations préliminaires sur l’acte locomoteur chez les Mammifères. Ces considérations sont relatives aux différences principales (1) Revue et Magasin de Zoologie, 1851 p. 65. 2 qui existent, sous le point de vue de leur aptitude aux divers actes de progres- sion, entre les Mammifères qui font plus ou moins habituellement leur séjour au sein des eaux et ceux qui se trouvent plus spécialement habiter la terre. Quand on réfléchit, en effet, à lacte locomoteur chez les. Mammifères aqua- tiques, on constate, que chez eux, la natation est le seul mode de locomotion activement et facilement possible : hors de l’élément liquide, leurs mouve- ments ne consistent plus qu'en des actes de véritable reptation. Alors, ils se traînent sur la partie abdominale de leur corps qu'ils ne déplacent qu'avec lenteur. Cette difficulté de progression est d'autant plus manifeste que l'ani- mal est plus parfaitement organisé pour passer sa vie au sein des eaux. Les Cétacés, échoués sur une plage, se trouvent, à mesure que la mer se retire, dans l'impossibilité de regagner leur séjour habituel : il en est de même des Phocidés. Les Loutres, moins essentiellementaquatiques, quittent plus fréquem- ment les rivières, et s'en éloignent, à des distances quelquefois assez grandes, pour aller à la pêche du Poisson, dans les étangs situés au milieu des plaines. Plus faciles et plus variés, enfin, sont les mouvements chez les espêces qui, douées de palmatures moins complêtes et moins développées, sont dês lors moins vouées à l'habitation aquatique. Chez les Mammifères terrestres, au contraire, les fonctions de locomotion présentent toutes les modifications possibles. Quelquefois, cependant, cer- tains d’entre eux sont essentiellement condamnés à un seul et unique mode de progression. Ainsi, parmi les Primates, les espèces des genres Gorille, Chim- panzé, Orang, Gibbon, Lori, Nycticèbe, de même que les Bradypes et Cholèpe, sont presque uniquement des Grimpeurs, et n’exécutent, qu'avec une grande difficulté, les mouvements de marche sur le sol. D’autres, au contraire, presque tous les Pachydermes principalement, se trouvent dans l'impossibilité de se livrer au mode de locomotion si familier aux Espèces dont nous venons de citer les noms. Mais, sauf ces rares exceptions, les Mammifères terrestres pré- sentent dans leurs mouvements les aptitudes les plus variées. La fréquentation des eaux n’est pas même interdile à beaucoup de ceux auxquels, par le mode de structure de leurs membres, elle paraît devoir être étrangère, Ainsi, beau- coup d'Antilopes se plaisent dans ce séjour, soit, que par suite de certaines dis- positions inhérentes à leur organisation, ce soit pour elles un besoin irrésis- tible, soit qu’elles y cherchent un refuge contre la dent meurtrière des grands Carnassiers. Sous le point de vue de cette grande et importante fonction de la locomotion, les Mammifères aquatiques se trouvent, par conséquent, moins favorablement organisés : ils présentent, dès lors, physiologiquement, un véritable état de dé- 3 gradation, lorsqu'on les:compare à leurs congénères, doués d’habitudes terres- tres. Chez ces derniers, en général, les actes locomoteurs sont, en outre, plus gradués et fréquemment, dans le même Ordre, souvent dans la même Famille, dans la même Tribu, il est possible d'aller, par nuances à peu près insensibles, d'un Genre uniquement marcheur à un Type dont les espèces grimpent avec facilité. Dans les Genres un peu nombreux en espèces, ou doués d'une distri- bution géographique un peu étendue, de semblables exemples se présentent même quelquefois pour les types spécifiques eux-mémes. Ces transitions qui constituent, pour nos Méthodes de Classification, une des difficultés les plus grandes qui se soient offertes aux efforts des Zoologistes, nous paraissent être sous la dépendance des conditions générales d'existence que présentent les Animaux qui habitent spécialement, dans l'époque actuelle, une région déter- minée du globe. Nous bornerons à ces quelques lignes les observations générales que nous avions à présenter sur les variations offertes chez les Mammifères par les di- vers actes de locomotion. Mais, par suite de ces variations mêmes, les divers organes auxquels ces actes sont confiés étant susceptibles d’être modifiés, il était nécessaire de les esquisser, pour faire pressentir que si les Caractères zoolo- giques, chez les Mammifères marcheurs et grimpeurs, sont plus susceptibles de varier que chez les Mammifères aquatiques, les exceptions aux formules géné- rales destinées à les résumer peuvent trouver leur explication dans la nature même des actes qu’accomplissent ces divers Types. Nous allons maintenant exposer les faits que nous avons observés, sans toutefois négliger leur compa- raisen avec ceux qui sont propres aux Mammifères coureurs et sauteurs, d'une part, aux Mammifères aquatiques, d'autre part. Le travail que nous avons déjà publié sur ce dernier groupe va même devenir notre principal guide dans Pé- nonciation des résultats que nous avons obtenus. | CHAPITRE I. DES FORMES GÉNÉRALES CHEZ LES MAMMIFERES MARCHEURS ET GRIMPEURS. Sous le point de vue de Papparition dans la série mammalogique des types doués de ces deux modes de locomotion, il existe, en quelque sorte, un véri- , table antagonisme entre les uns et les autres, antagonisme qui se manifeste déjà dans la Mammalogie fossile. Ainsi, les Mammifères grimpeurs qui, dans l’acte de grimper, se trouvent, par suite de la manière dont ils s'appuient sur 4 leurs membres postérieurs, adopter une position semblable à l'attitude verti- cale, si spéciale aux races humaines, occupent une position réellement privilégiée dans la Classe mammalogique. La dégradation se manifeste chez eux par une plus grande prédominance, dans la progression quadrupède, et, à mesure que l'on descend vers les êtres dont l’organisation est moins parfaite, ce dernier mode de locomotion devient le mode habituel. Dans l’ordre des Carnassiers, le Kinkajou, les Paradoxures et les Ictides, les Tupaias, parmi les Insectivores, les Sciuridés, quelques Hystricidés, parmiles Rongeurs, ete., sont les seuls Mammi- fères de leur Ordre qui présentent encore de semblables aptitudes, quoique chez presque tous, excepté chez les Didelphidés et les Phalangidés, cet acte s’accom- plisse par des moyens différents de ceux qui sontusités dans l'ordre des Primates. Au contraire, le mode de déplacement du corps à l'aide des membres postérieurs, (marche, course, saut), devient de plus en plus, dans ces divers ordres, l'acte essentiellement normal et régulier, jusqu'aux Cétacés, dont les mouvements, dans le milieu liquide, constituent, en réalité, des mouvements de reptation. Un ordre de faits totalement différent nous est offert par l'examen des Mam- mifères fossiles. Le type le plus perfectionné de l’Animal grimpeur se trouve parmi eux, très-faiblement représenté. L'animal marcheur offre, au contraire, dans les couches du globe, des types d'organisation excessivement variés, sous le point de vue du système alimentaire, mais dont Puniformité est beaucoup plus parfaite du côté de l'appareil locomoteur. Le caractère des deux Faunes se présente, dès lors, tout à fait différent, et ilentraine, par cela même, des dissem- blances tout aussi saillantes dans les Caractères zoologiques. Ces résultats une fois constatés, il s'ensuit, en premier lieu, que les conditions d'existence des deux Faunes ne peuvent point être considérées comme étant semblables; en second lieu, que la Faune actuelle manifeste un véritable perfectionnement, lorsqu'on la compare à celles qui Pont précédée. La limite extrême de perfec- tionnement se trouvant, en effet, dans l’organisation humaine, ce qu'il nous paraît impossible de contester, les Mammifères qui, sous le point de vue de l'appareil locomoteur, s’en trouvent les plus différents sont, dês lors, les moins parfaits. En exposant les Caracteres zoologiques que Vobservation nous a fait connaitre dans les animaux doués des deux modes de locomotion dont nous avons parlé, nous esquissons presque, en quelque sorte, par suite de l’appli- cation qui peut leur en étre faite, ceux qui sont propres aux deux Faunes. Nous commencerons par les Mammifères marcheurs, par ceux qui étant plus quadrupèdes, réalisent, à des degrés. divers, un état d'organisation essentielle- ment plus fixe dans son infériorité. En premier licu, se présentent les Carnas- siers désignés sous le nom de Carnassiers plantigrades, les uns composant la 5 tribu des Ursiens, les autres rapprochés, soit des Mustela, soit des Viverra par la présence d'une ou bien de deux tuberculeuses à leur máchoire infé- rieure, et, soit qu'ils soient Mustéliens, soit qu'ils soient Viverriens, réunis par M. de Blainville sous la dénomination commune de Subursus. Mais quelle que soit la détermination qui soit adoptée à leur égard, il nous parait. évident que le type-le plus marcheur nous est présenté par les Ursiens. La forme gé- nérale est chez eux lourde et trapue : il en est ainsi dans les Genres Ursus, Helarctos et Melursus, et à un moindre degré, dans les Procyons et Nasua. Chez les Mustéliens, dans les Meles, Taxidea, Thiosmus, Mydaus, Mellivora, Gulo, le même fait est facile à constater, aussi bien que dans les Ictides et Ailurus, chez les Viverriens; mais, dans les Galictis, Mephitis, Melogale et Zorilla, la forme générale devient plus svelte et plus élancée : c'est un acheminement vers la disposition vermiforme, particuliére aux Mustela et Putorius. Cette modification d'ensemble est également saillante, pour les Viverriens, dês le genre Paradoxure et devient de plus en plus saisissable des Herpestes aux Bdeogale. Dans ces di- vers Genres, la marche cesse dès lors d’être l’état le plus habituel des espèces ; tout indique qu'ils deviennent plus aptes à la course, et à mesure que nous allons exposer de nouveaux faits, nous allons voir les divers organes extérieurs de l'animal tendre uniformément à ce but. Dans l'Ordre des Insectivores, les Erinaceus, Centetes, Ericulus, Talpa, Uro- trichus, Scalops, Chrysochloris nous présentent des dispositions analogues à celles qui nous sont offertes par les Ursus, Helarctos, Melursus, ete. Elles sont moins marquées dans les espèces de Soricidés, quoique certains Crossopus (le Cross. Daubentonii, par exemple), soient doués d'une forme semblable. Mais déjà, dans la division des Crocidura, Pachyura et Sunkus, se manifestent ces tendances à la gracilité que nous ont offerte les Carnassiers dont nous avons déjà cité les noms Les Rongeurs, si semblables aux Insectivores par leurs formes générales, présentent également des formes lourdes et trapues dans les Genres Arctomys, Hystrix, Eréthizon, Bathyergus, Georychus, Spalax, Celogenus. Mais, dans tout cet ordre, dontles Genres précités ont, à des degrés divers, des habitudes de marcheur, les formes sveltes ont beaucoup de tendance à se manifester. Nous voyons, en effet, dans la tribu des Arctomyens, à côté des Marmottes, le Genre Spermophile, et les deux genres se trouvent, en quelque sorte, unis par l'Arc- tomys ludovicianus, originaire des États-Unis. Dans les Muridés, le genre Mus lui-même, avec une forme aussi trapue que celle qui nous est offerte par le Mus pilorides, nous en présente d’élancées : nous pouvons méme citer comme exemple la souris de nos maisons : à côté des Ciénomys doués d'une forme 6 trapue nous voyons les Octodons. Cette modification dans la forme générale est un sûr indice que, soit les espèces, soit les genres qui la présentent sont plus activement disposés à la course. Ce dernier mode de locomotion n'est pas le seul qui, dans cet Ordre de Mammiféres, soit permis aux Animaux qui en font partie. Chez certains, en effet, la marche ne s'exécute qu'à l’aide d'une succes- sion de sauts; il en est ainsi des Gerboises, des Hélamys, et, si nousne connais- sions les Macroscélides dans POrdre des Insectivores, nous pourrions dire que ce sont les premiers Types que la classe des Mammifères nous offre ainsi doués. Ni les Primates, ni les Carnassiers ne nous présentent, en effet, aucune forme com- parable. Or, les Gerboises, comme PHélamys, comme les Macroscélides, ont des formes moins trapues que les Genres typiques de marcheurs que nous avons assimilés aux Arctomys etaux Hystrix. Dans cet Ordre des Rongeurs, nous trou- vons, par conséquent, des preuves aussi multipliées que bien authentiques, de l'opinion que nous avons émise au commencement de ce travail, et qui est re- lative à l'impossibilité d'observer, d'une manière précise, dans un groupe déter- miné de Mammifères terrestres, un mode unique de locomotion. Il faut con- venir, au reste, que ces trois modes, la marche, la course et le saut, sont essentiellement liés entre eux zoologiquement et anatomiquement : leurs diffé- rences sont, en effet, ainsi que nous le verrons incessamment, simplement déterminées par le plus ou moins de développement des membres posté- rieurs. Les Pachydermes, Solipèdes et Ruminants suivent les Rongeurs dans l’ordre sérial : les Éléphants, les Rhinocéros, l Hippopotame en constituent les types essentiellement marcheurs, car le Tapir et les Suidés, par le développement de leurs membres postérieurs, se rapprochent déjà des Ruminants. A ces derniers, coureurs par excellence, appartiennent ces formes si élancées et si élégantes qui caractérisent les Gazelles et les Antilôpes. Tous les Ruminants, ne sont pas, il est vrai, comparables sous ce point de vue, aux deux Genres que nous venons de citer, mais en les examinant, il est facile de constater que, lorsque cette dis- semblance se manifeste dans certains de leurs Types, elle enlève à leurs allures la vivacité de mouvements qui caractérise leurs congénères. Ainsi, peut s'ex- pliquer, sans nul doute, la démarche lourde et pesante des Bovidés, Ceux des Édentés dont les habitudes sont terrestres, ne diffèrent que fort peu des marcheurs les plus typiques. Le même fait est facile à constater chez les Marsupiaux, car ils nous présentent des exemples de tous les modes de lo- comotion, aussi bien que de tous les modes d'alimentation. Parmi eux, les Sar- cophilus, Phascolomys, Echidna sont voués à la marche; ils présentent tous des formes lourdes et trapues. 7 De tous les détails dans lesquels nous venons d’entrer, il nous semble done exact de conclure que, parmi les Mammifères, les Genres et les Espèces dont la marche est le mode de progression le plus normal, sont donés de formes lourdes et trapues. L'observation, en ce qui concerne les Mammifères grim- peurs, conduit à des résultats totalement différents, ainsi que le prouve l'exa- men des divers types génériques qui se trouvent dans ces conditions. Commencons par les Primates, dont certains Genres semblent par leurs ba- bitudes arboricoles, destinés, en quelque sorte, à la station verticale. Les Types les plus essentiellement grimpeurs que nous présente cet ordre sont, parmi les Singes de l'ancien continent, les Semnopithèques, Colobes, Guenons, Cerco- cèbes, Macaques; parmi les singes du Nouveau Monde, les Atèles et les Sajous. Parmi les Lémuridés, les Makis, les Cheirogales, Microcébes et Galagos peuvent étre également cités sous ce point de vue. Or, dans tous ces Genres, les formes sont essentiellement sveltes et élancées. Sans nul doute, il existe, parmi les Primates, certains types génériques qui sont doués de formes plus lourdes et plus trapues; on les observe chez les Magots, Théropithèques et Cynocé- phales : mais on s'explique facilement cette exception au principe que nous émettons, en réfléchissant que, dans les régions qu’elles habitent, les espèces de ces divers Genres séjournent sur les rochers ou sur la pente des montagnes. Il n'y a point dès lors à s'étonner si, sous le point de vue de leurs formes gé- nérales, ces Mammifères se rapprochent de ceux de leurs congénères, dont la marche est le mode spécial de locomotion. Après les Primates, les divers Ordres de Mammifères ne nous présentent que peu d'espèces grimpeuses. Il n'en existe qu'un petit nombre parmi les Carnassiers, et tous, Potto, Paradox urus, Ictides, sont bien doués de la forme générale qui caractérise les Mammifères grimpeurs. 11 en est de même chez les Insectivores, Rongeurs, Édentés et Marsupiaux : leurs types de grimpeurs sont, en effet, excessivement rares, et il est facile de constater qu'ils présentent généralement des formes sveltes et un corps allongé : nous pouvons citer, comme confirmation de ce fait, les Tupaias, parmi les Insectivores, les Ecureuils, Ptéromys, Anomalures, Sciuroptères, Loirs, Coendous, parmi les Rongeurs, les Tamandua et Cyclothure, parmi les Edentés, les Couscous, Phalangers, Pétauristes, parmi les Marsupiaux. Sous le point de vue de la forme générale, il existe, donc, un antagonisme réel entre les Mammifères plus spécialement marcheurs, et ceux qui plus habituellement grimpent aux arbres. Par le mode de manifestation de ce caractêre, Tes pre- miers se trouvent presque isolés dans la série mammalogique ; les Mammifères grimpeurs, au contraire, offrent de nombreux rapports avec les Mammiféres 8 coureurs, d'une part, et avec les Mammifères aquatiques, d'autre part. A Pégard de ces derniers, je crois inutile de rien ajouter aux notions que j'ai données dans le travail que je leur ai consacré (1). Quant aux Mammifères coureurs, il suffit de citer les divers Genres qui sont composés d'espèces ayant ce mode de locomotion, tels que les Canis, Vulpes, Cynailurus, Felis, Lepus, Dasyurus, et l'ordre presque entier des Ruminants, pour convaincre tous les observateurs que notre assertion est exacte, et que le rapprochement que nous établissons est à l'abri de toute contestation sérieuse. Ces ressemblances, sous le point de vue de la forme générale, entre des types dont les uns passent leur vie sur le sol, dont les autres, au contraire, sont ha- bitants des arbres, ont sans nul doute de quoi exciter l'étonnement; mais cet étonnement cesse et disparaît, lorsque l’on réfléchit que, dans ces deux circon- stances, il s’agit, en définitive, d'actes locomoteurs de nature semblable. Chez les Mammifères grimpeurs, comme chez ceux qui ont de l'aptitude à la course, les mouvements doivent être actifs, vifs et rapides. Il n’y a, dès lors, nul motif d'être surpris de la similitude que nous signalons, car cette similitude est la conséquence des analogies fonctionnelles que présentent entre eux ces animaux, sous le point de vue de leur locomotion. CHAPITRE II. DE L'ÉTAT DES MEMBRES CHEZ LES MAMMIFÈRES MARCHEURS ET GRIMPEURS. Dans l'examen de l’état des membres chez les Mammifères plus Spécialement voués à la marche, il ne faut jamais délaisser la considération ‘du fait général que nous avons déjà énoncé, que les espèces qui marchent se relient par des nuances fort difficiles à nettement apprécier, à celles qui courent. Si l’on ne fait pas attention à ce principe, on s'expose à attribuer à des exceptions des par- ticularités organiques qui, tout au contraire, confirment entièrement la syn- thèse à laquelle, initialement, elles paraissent tout à fait rebelles. Cette observation une fois établie, il nous est possible d'examiner, dans la série mammalogique, les divers types déjà soumis à notre inspection. Or, parmi les Carnassiers,nous avons déjà cité comme plus spécialement voués à la marche les Ursus, Melursus, Helarctos, Procyon, Nasua, Meles, Taxidea, Mydas, Mel- (1) Revue et Magasin de Zoologie, 1851, p. 67. 9 livora, Gulo, Thiosmus, Mephitis; leurs membres sont courts, et par cela même, doués d'une certaine grosseur. Ils le sont moins chez les types, soit généri- ques, soit spécifiques, chez lesquels les formes sont plus élancées, ces types x ayant, ou de la tendance à devenir coureurs, ou bien à présenter dans leurs mœurs certaines particularités de nature à apporter quelques modifications dans leurs formes extérieures. Nous pouvons, sous ce dernier point de vue, citer le Raton crabier (Procyon cancrivorus) dont les membres, par suite de ses habitudes riveraines, se trouvent plus allongés qu'ils ne le sont chez ses congé- nères, le Raton laveur (Procyon lotor) et le Raton obscur (Procyon obscurus). Parmi les Genres, qui, au contraire, se rapprochent des espèces coureuses, nous pouvons citer le genre Mélogale, chez lequel les membres sont plus grêles. Signalons en même temps que, dans tous les Genres dont nous avons plus haut donné les noms, les deux paires de membres présentent entre elles fort peu de différence sous le point de vue de leur longueur. La paire postérieure est, sans nul doute, plus allongée que l'antérieure; mais, cette inégalité de dé- veloppement est bien loin d'étre aussi saillante que chez les Mammifères plus aptes à la course. Avec cet état physique des membres chez les Mammifères marcheurs, coin- cide une formule digitale essentiellement uniforme; chez tous, soit en avant, soiten arrière, les doigts sont au nombre de cing, les deux latéraux toujours moins développés. Ajoutons que, dans tous ces genres, les cing doigts sont situés sur la même ligne, et qu'aucun des deux latéraux, quelle que soit sa briè- veté, ne s'insère plus haut que ses congénères les trois doigts médians. L'observation des Insectivores marcheurs conduità la constatation de sembla- bles faits : il en est ainsi dans les espèces des genres Taupe, Scalope, Condy- lure. Dans tous ces types, les membres sont peu élevés, la formule digitale en- core complète, en avant comme en arrière, les doigts interne et externe toujours sur la même ligne d'insertion, quoique moins développés que les trois autres. Dans le genre Chrysochlore, les membres et les doigts présentent, en arrière, la même disposition que chez les autres Talpidés. Mais, en avant, les doigts sont réduits en nombre : nous en dirons plus tard quelques mots, car avant d’ex- poser les formes et les états divers des ongles, dans les types de Mammifères qui font le sujet du présent travail, nous donnerons quelques détails sur ces genres, chez lesquels l'acte de fouir, qui leur est particulier, donne plus de développement et de force aux membres antérieurs. Dans les Soricidés, si nous laissons de côté les Hydrosorex, chez lesquels les faits généraux que nous exposons sontamplement confirmés, nous trouvons que 2 10 les espêces diverses des Genres Sorex et Crocidura, telles que Sorex leucodon, araneus, Sonneratii, serpentarius, flavescens, viarius, herpestes, présentent cing doigts a chaque membre, et toujours sur la méme ligne. Je dois observer cepen- dant que dans nos exemplaires de Sorex flavescens, du Musée de Paris, les deux doigts externes, en avant, paraissent insérés au métacarpe sur une ligne plus élevée que ne Vest celle des autres doigts. Ce résultat est, peut-étre, produit par la manière défectueuse avec laquelle le montage de ces exemplaires a été opéré; mais, je n'ai pas cru devoir le passer sous silence. Dans les trois Genres de cet Ordre des Insectivores, dont la peau est cou- verte de piquants (Hérisson, Tenrec, Ericule), nous observons également des membres peu élancés, et une formule digitale présentant de la conformité avec | celle des types qui précèdent. Les doigts interne et externe sont, il est vrai, | plus atrophiés, mais ils sont toujours situés sur la même ligne que les trois intermédiaires. C’est avec intention que nous insistons sur cette dernière dis- position; car, à mesure que nous allons voir des types moins parfaits, sous ce point de vue, quelque manifeste que soit, au membre antérieur surtout, latro- phie du doigt interne, qu'il soit pourvu ou dépourvu de son ongle, son inser- tion sur le métacarpe ne sera pas plus élevée que celle des autres doigts. Si, délaissant l'exposé de ce fait général dont nous aurons de nouveau occa- sion de parler ultérieurement, nous continuons, dans Pordre des Rongeurs, l'examen des membres chez les Mammifères marcheurs, nous trouvons, dans la Famille des Sciuridés, les genres Marmotte et Spermophile, ce dernier composé généralement d'individus à formes plus sveltes. Une espèce de Spermophile, le Spermophilus ludovicianus, est, en effet, moins svelte que ses congénères des deux mondes. Sous ce point de vue, elle constitue un véritable type de transi- tion entre elles et les Arctomys. Or, dans le type de transition comme dans ceux qu'il rapproche, les membres sont courts et forts, moins courts et moins forts, cependant, dans les Spermophiles. Les pattes postérieures présentent bien cinq doigts, mais, en avant, le doigt interne ne consiste qu’en un simple tubercule, lequel est muni d'un petit ongle ou onguicule. Dans les autres Genres, apparte- nant à l'Ordre des Rongeurs, on observe le même état du membre, sans aucune exception vraiment digne d’être notée. Nous pouvons citer, d'une manière vrai- ment spéciale, parmi les Muridés, les genres Lemmus, Cricetus, Plagiostoma, Phlæomys; parmi les Hystricidés, les genres Hystriæ et Erethizon, la famille entière des Spalacidés, et parmi les Cavidés, le genre Cælogenus. Tous ces Genres sont doués, sous le point de vue de la disposition de leurs membres, des caractères généraux que nous regardons comme étant propres aux Mam- mifères essentiellement marcheurs. Beaucoup d'autres présentent bien ces il mémes formes, mais ils ne les présentent pas d’une manière aussi normale, par ce motif qui explique parfaitement bien la différence que nous signalons, que la plupart d’entre eux sont plus aptes à la course. Les formes générales devenant dès lors plus sveltes, les membres, en vertu du principe de l'harmonie des parties, éprouvent, de leur cóté, une semblable modification. Les genres Cri- cetomys, Dactylomys, Echimys, le genre Mus proprement dit, nous semblent pouvoir être indiqués comme confirmant l'observation que nous venons de faire. Mais, la formule digitale est bien loin d’offrir ces mêmes inégalités, et pré- sente des conditions plus régulières. Chez tous les Muridés marcheurs, en effet, le membre postérieur est toujours pourvu de cing doigts, les deux extrèmes moins développés, les trois intermédiaires les dépassant en longueur, et, parmi eux, le médius toujours plus long que les deux latéraux, le plus fréquemment semblables sous ce point de vue. Au membre antérieur, au contraire, la dispo- sition que nous venons de faire connaitre existe bien pour les trois doigts du milieu, mais il arrive très-souvent que le doigt interne offre un degré d’atrophie dont on ne trouve aucun exemple, ni chez les Carnassiers marcheurs, ni chez les Insectivores. Dans la plupart des types, ce doigt, quoique consistant simple- ment en un tubercule, est, il est vrai, muni d'un petit ongle; d'autres fois, cet onguicule est imperceptible, l'œil étant même aidé d'une loupe. Quant au doigt externe, nous l'avons toujours vu plus développé que Vinterne, et toujours terminé par un ongle. Si, maintenant, nous passons à l’examen des Genres dans cette Famille des Muridés, nous constatons que, dans le Genre Lemmus, les cing doigts sont bien manifestes, soit en avant, soit en arrière. Il nous a paru même que, dans le Lemmus hudsonius, le doigt interne antéricur était inséré plus haut sur le méta- arpe que ne Pest sur le métatarse son homologue du membre postérieur. Dans le genre Cricetus, le Cricetus vulgaris reproduit, pour la formule digi- tale, la disposition du Lemming; il en est de même pour le membre postéricur chez le Cricetus nigricans, Brandt; mais, je ne trouve point dans ce type l'onguicule du doigt interne antéricur. Il est, au contraire, fort saisissable dans le Cricetus songarus (Pall.). La seule espèce que nous connaissons du Genre Plagiodonta, le Plagiodonta edium, Fr. Cuvier, offre bien cing doigts et cing ongles. Ajoutons qu'il en est de même du genre Phlæomys; mais, dans l'espèce unique de ce genre, je dois dire que le doigt interne, au membre antérieur, m'a semblé plus élevé que les autres doigts, dans son insertion au métacarpe. Dans le genre Arvicola, ceux plus spécialement voués à la vie terrestre, tels qu’. Arvalis, A. incertus, A. Baillonii, présentent en avant un onguicule 12 bien formé; il est plus élevé chez A. Nageri et chez A. Nivalis. Il en est de même dans Otomys (Ot. bisulatus, Ot. Brantsii), la première espèce présen- tant une position plus élevée de Vonguicule. Le Psammomys obesus ressemble plus, sous ce point de vue, à POr. Bisulcatus. Mais les genres Petromys, Rhombomys et Cricetomys reproduisent, en ce qui concerne la formule et la disposition digitale, les conditions les plus essentiellement normales. Nous pouvons citer également dans le genre Mus proprement dit, comme ressem- blant à ces divers types, Mus Rattus, Mus Tectorum, M. Alexandrinus, M. Malabaricus, M. percal, M. Pilorides, M. Rattoides, M. Brasiliensis, M. Cinnamomeus, M. Vulpinus, M. Hispidus, M. Tomentosus, M. Auritus, M. Barbarus, M. Physodes, M. Renggeri, Mus Sylvaticus, M. minutus. Je ne suis pas sûr de Vexistence du petit ongle dans Mus Decumanus, Mus leuco- gaster, Pictet, et Mus minutoides. Dans tous ces types, le doigt interne existe, cependant; seulement, sa manifestation n'est pas aussi compléte que chez leurs congénères. Nous pouvons émettre la même assertion relativement à l Acomys russatus. A Dans les Genres de cette Famille, uniquement originaires du Continent améri- cain, les Echimys, Dactylomys et Lasyuromys nous ont offert toutes leurs espéces munies d’onguicules an membre antérieur; il est, seulement, plus petit dans Dac- tylomys. Parmi les autres Muridés du Nouveau Monde, dont le pelage est dans un état plus normal, Clénomys et Péphagomys ressemblent & ceux dont nous venons de citer les noms; mais je n’ose assurer l’existence de Ponguicule dans le Schizodon fuscus. A côté des types de la Famille des Muridés, nous trouvons ceux qui forment celle des Spalacidés, si remarquable par ses habitudes fouisseuses. Parmi eux, le genre Bathyergue a des membres excessivement trapus et forts, et Pon se rend parfaitement compte d’un caractere de cette nature en se rappelant leurs mœurs, auxquelles nous faisions allusion il y a quelques instants. Dans toutes les espèces que j'ai examinées, la formule digitale est bien complete; dans les Géoryques, l'observation donne lieu de constater le méme fait. Nous le consta- tons encore dans Spalax et Nyctoclepte, parmi les genres de l’ancien continent, et, parmi ceux du nouveau, dans Géomys. Les Hystricidés nous offrent sous ce point de vue, plus de variations, nonobstant le petit nombre de leurs types génériques. Le Genre Hystrix, propre- ment dit, si essentiellement marcheur, présente bien des membres forts et trapus, de méme que cing doigts, soit en avant, soit en arrière; au membre antérieur, il est vrai, le doigt interne est très-petit, mais il est bien manifesté par son ongle. Dans le Genre Eréthizon, au contraire, que l’on peut, sans 13 hésitation aucune, considérer comme étant, dans le nouveau Continent, le seul représentant du Genre Pore-Epic, je n'ose assurer l’existence d'un onguicule au doigt interne antéricur. Nous parlerons plus tard des genres Goendou et Athé- rure, dont les formes générales indiquent des types différents par leurs mœurs. Le dernier Genre qu'il nous reste à examiner dans l'Ordre des Rongeurs est le Genre Paca (Cxlogenus, Fr. Cuv.), de la famille des Cavidés. Les deux espêces qui en font partie ont des membres peu élancés et cinq doigts en ar- rière; mais, en avant, on n’apercoit ni doigt interne, ni onguicule chez Cæloge- nus fulvus. Par l'examen de la famille des Cavidés, se trouve terminée l'inspec- tion, sous le point de vue des organes dont nous nous occupons, de l'ordre des Rongeurs. Chez tous, sauf quelques exceptions que nous avons signalées, et dont la plupart sont peut-étre le résultat d'une observation inexacte de notre part, chez tous, se trouve justifié le principe que nous avons formulé au com- mencement de ce chapitre. Il wen est point de même dans l’ordre des Pachydermes, dont les divers Genres présentent, dans leurs formules digitales, des variations aussi multiples que celles qui nous sont offertes par d'autres parties de l'organisation de ces Mammifères. Ainsi les cinq doigts de PEléphant ne sont visibles que dans le squelette. Le genre Hippopotame en présente, au contraire, quatre en avant et quatre en arrière. Ce nombre est réduit à trois, partout, chez les Rhinocéros. Il en est de même, en arriére, chez le Tapir, tandis que son membre antérieur nous en offre quatre. Dans les Suidés, enfin, nous voyons apparaitre la formule propre aux Ruminants, et dans un genre de cette famille, le Pécari, il n'existe même que trois doigts en arrière, comme chez les Tapirs; mais, chez ceux-ci, la disposition en est différente. Dans les espèces de Solipédes, enfin, il n’y a véri- tablement qu'un seul doigt à la terminaison des membres, en avant comme en arriére. Cette disposition digitale ne nous semble pas, au reste, pouvoir être citée comme une exception au principe que nous développons, les Solipèdes étant des animaux essentiellement destinés à la course; leurs formes géné- rales sveltes nous paraissent de nature à suffisamment Vattester. Les extrémités de leurs membres se trouvent, des lors,’admirablement appropriées à ces fonc- tions, plus appropriées súrement que ne le sont les doigts postérieurs des Ru- minants, dont la présence ne constitue qu’un simple indice de la tendance à la pentadactylic, si évidente dans la Classe des Mammifères. Dans les Solipédes, par conséquent, harmonie complète entre la forme générale, l’état des membres, celui des doigts et sûrement les fonctions. Mais cette harmonie n'existe vraiment pas dans les Genres Éléphant, Rhino- céros et Tapir. Tous ces Types, en effet, sont doués d'une forme générale essen- 14 tiellement trapue; leurs membres sont, cependant, allongés et leurs doigts devenus de vrais sabots, réduits en nombre, tantót en avant et en arriére, tantot en arriére seulement. Evidemment, tous ces faits sont exceptionnels, car nous ne pensons pas que les espèces que nous citons soient des espèces essentiellement coureuses. Ce fait exceptionnel de la réduction dans le nombre des doigts nous semble, de son côté, trouver son explication dans le fait concomitant de l'allongement des membres. Le Principe du balancement des organismes, introduit et créé en Anatomie comparée par notre grand Zoologiste, Étienne Geoffroy-Saint-Hilaire, nous parait, en cette circonstance, pouvoir être invoqué, et invoqué avec d'autant plus de certitude et d'assurance, que, dans tous les faits de réduction des doigts chez les Mammifères, soit Monodelphes, soit Didelphes, il y a action évidente de ce grand principe, ainsi que l’a si souvent démontré, par des preuves multipliées, M. le professeur Geoffroy-Saint-Hilaire fils, dans ses leçons de Zoologie au Musée de Paris. En exposant, mais avec moins de détails, l’état des doigts chez les Mammifères coureurs, nous constaterons de nombreuses appli- cations du principe que nous venons de citer. Nous pouvons, sans même em- piéter sur ce que nous avons à en dire plus tard, citer, sous ce point de vue, l'Ordre entier des Ruminants. Il est évident que la réduction du nombre de leurs doigts est la conséquence de l'allongement de leurs membres. Nous ne croyons pas qu'aucun Zoologiste ait jamais donné, ni essayé de donner une négation de ce rapport, essentiellement applicable à tous ces types. Or, admettre cette explication pour les Ruminants, nous semble entraîner son admission pour les Pachydermes. La seule objection que l’on pourrait admettre nous serail fournie par les différences dans les formes générales, offertes, par les deux Ordres de Mammifères dont il est présentement question. Or, cette objection même nous paraît dénuée de toute valeur; car, si la forme générale des Eléphants, Rhinocéros, Tapir, est essentiellement trapue, tandis qu’elle est svelte et élancée dans la presque totalité des Ruminants, les membres de ces derniers sont éga~ lement doués de gracilité, tandis qu’il est bien loin d'en être de même chez les Mammiféres auxquels nous les comparons. Il y a, par cela même, harmonie complète entre ces divers faits; et, celui dont nous nous occupons, exceptionnel en ce qui concerne ceux que Pon peut lui comparer dans les Carnassiers, Insectivores et Rongeurs, cesse de le devenir lorsque Pon réfléchit que sa mani- festation s'explique par l'influence et l’action d'un autre principe. Mais si les Pachydermes, par la réduction de leurs doigts, se trouvent consti- tuer une exception au principe que nous avons formulé plus haut, ils con- firment, au contraire, pour la plupart du moins, celui qui est relatif à la position 15 de ces mêmes organes. Je crois que l’on peut assurer que, soit en avant, soit en arrière, ceux des Éléphants et Rhinocéros se trouvent sur une même ligne d'insertion. Cette même ligne d'insertion se modifie déjà chez les Tapirs ; chez les Suidés, enfin, nous trouvons le pied constitué comme chez les Ruminants. Rappelons de nouveau à ce sujet que, par Vétat physique de leurs téguments, les Pachydermes s'isolent des autres Mammifères, d'une manière aussi tran- chée que les Insectivores et Rongeurs épineux. Or, de même que ceux-ci, ils nous offrent des modifications nombreuses, soit sous le point de vue anatomi- que, soit sous le point de vue zoologique, quoique ne présentant, cependant, dans la Faune contemporaine, qu'un petit nombre d'espêces et de genres. Nous aurons, au reste, une nouvelle occasion de rappeler tous ces faits en nous occupant des Édentés chez lesquels nous allons examiner l’état des membres et les formules digitales. Les membres, dans l'Ordre des Édentés, sont peu allongés, même chez les espèces, dont les formes sont le plus élancées. On peut le constater facilement par examen des Dasypus peba, Dasypus hybridus, et même par celui des divers types des Genres Manis et Orycteropus. Il est évident que les habitudes fouis- seuses de ces Mammiféres contribuent à donner à leurs organes locomoteurs une semblable disposition; mais, comme ils nous présentent également des habitudes marcheuses, nous devons la mentionner. Quant au nombre des doigts, sa variabilité devient presque l’état normal au membre antérieur; au membre postérieur, au contraire, il est toujours de cing. Ainsi, en ce qui concerne les doigts antérieurs, les Tatous et Tatusies, le Chlamyphore, sont bien porteurs de cinq doigts, mais les Cachicames n'en présentent que quatre. Dans le Genre Apar, dont la formule digitale a été, il y a plus de dix ans, recti- fiée par M. le professeur Geoffroy-Saint-Hilaire fils (1), la patte antérieure nous estindiquée comme pourvue de cing doigts, dont les externe et interne, lorsqu'ils existent, sont très-courts, l’externe étant toujours rudimentaire, De sorte que, d'aprês Pobservation que nous venons de rappeler, deux organes latéraux se trouvent, dans les espèces de ce Genre, ne présenter qu'une existence tout è fait précaire, du moins par leurs ongles; car, il n’est pas probable que cette atrophie soit partagée par les parties osseuses. Celles-ci, sans nul doute, peuvent, comme organes isolés, ne pas être visibles; mais il est probable, ainsi que l’ Anatomie comparée nous en fournit de si fréquents exemples, que ces éléments anato- miques n'ont disparu que par suite de soudures. Des faits semblables me furent montrés, il y a plus de dix ans, dans quelques Tortues chersites, par le savant (1) Comptes rendus des séances de l'Académie des sciences, t. 24, p. 572 et 574, 16 Zoologiste, auquel l’Erpétologie doit, en France, ses plus beaux travaux, depuis le commencement du siècle, par G. Bibron. Je n’ai malheureusement point retenu le nom des espêces qui avaient donné lieu à ces observations; mais comme elles s harmonisent avec celles de M. le professeur Geoffroy, je ne pouvais les passer sous silence. Revenons aux Édentés : chez ceux dontle corps est revêtu de plaques écailleuses, la formule digitale cesse également d'étre uniforme. Ainsi, une des espéces du Genre Pangolin se trouve, aux deux membres, munie seulement de quatre doigts; c'est le Manis tetradactyla : les autres présentent, sous ce point de vue, le carac- tére normal des Mammifêres marcheurs. Les types de cet ordre, dont le corps est couvert de poils, ressemblent plus aux Cachicames : dans les Oryetéropes, en effet, ainsi que dans le Tamanoir, il n’existe que quatre doigts en avant, Pin- terne étant absent; mais, les cinq doigts sont, en arrière, parfaitement percep- tibles. Il est probable que Pimperfection de la formule digitale, chez les Édentés, aux membres antérieurs, est la conséquence, par suite de l’atrophie d'un des doigts latéraux, du grand développement qu’acquiérent, surtout sous le point de vue de leurs ongles, les doigts intermédiaires. Ainsi, dans le Cachicame type (Cachicamus typus — Dasypus peba, Desm.), ils atteignent à peine la moitié de la longueur de ces derniers. En cette circonstance, c’est encore le Prin- cipe du balancement des organismes que nous invoquons pour nous donner une explication des faits exceptionnels qui nous sont offerts par la formule digitale des Édentés. Comme la Mammalogie présente beaucoup d'exemples de même nature, le rapport que nous venons de signaler ne nous parait pas con- testable. Ce grand développement des doigts intermédiaires est quelquefois si pro- noncé, soit par suite de leur incurvation, soit à cause de l’incurvation de leurs ongles qu'il est impossible, au premier coup d'œil, de se rendre compte du mode d'insertion des doigts latéraux sur les régions métatarsienne et métacar- pienne, et qu'il semble qu’ils s’insèrent sur une ligne plus élevée. Mais, avec un peu d’attention, on ne tarde pas à constater que les Édentés marcheurs sont semblables, sous ce point de vue, à ceux de leurs congénères que nous avons déjà soumis à notre examen, dans les divers Ordres de la série mammalogique. Abordons maintenant l'étude des mêmes caractères dans les Mammifères Didelphes. Le premier genre dont nous ayons à dire quelques mots est le genre Phascolome, qui, d’après ses formes, parait être le plus marcheur. Or, dans la seule espèce que nous avons pu observer, celle de Tasmanie, les membres sont courts, surbaissés. La formule digitale présente, en second lieu, 17 Pétat normal; il existe cinq doigts, soit en avant, soit en arriêre; tous sont bien situés sur la méme ligne. i Dans la série des Marsupiaux carnivores, l'espèce unique du Genre Sarco- phile (Sarcophilus ursinus) est tout à fait semblable au Phascolome Wombat. Les membres sont également courts, surbaissés ; les doigts, au nombre de cinq, en arrière aussi bien qu’en avant : ce type, en un mot, ne présente rien d’ex- ceptionnel. Mais, dans les Dasyures, des dissemblances se manifestent. Tandis, qu'en effet, dans le Dasyure macroure (Dasyurus macrourus, Geoffroy-Saint- Hilaire), les doigts sont au nombre de cinq, soit en avant, soit en arrière, dans le Dasyure de Maugé ( Dasyurus Maugei, Geoffroy-Saint-Hilaire), au contraire, dont les formes sont, il est vrai, plus élancées, il n'existe que quatre doigts au membre postérieur. Il en est de même dans le Dasyure viverrin (Dasyurus vi- verrinus, Geoffroy-Saint-Hilaire), analogie qui n’a rien de surprenant, car les Mammalogistes savent que, suivant M. Gould, le Dasyurus viverrinus n'est point une espèce, mais simplement une variété mélanienne du Dasyurus Maugei. Dans le Thylacine cynocéphale (Thylacinus cynocephalus, Waterh.), les cinq doigts existent partout, quoique les membres ne soient véritablement surbaissés, que par rapporta la grande taille de Pespêce unique du Genre, Dans les Péraméles, les cing doigts existent en avant, les deux latéraux étant très-courts ; en arrière, au contraire, je n’en observe que trois, plus un tuber- cule. Il nous semble évident, au reste, que les espéces de ce Genre sont des espèces sauteuses. Dans le Myrmécobe à bandes (Myrmecobius fasciatus, Waterh.), je ne trouve en arriére que quatre doigts. Mais, dans les deux espèces du genre Echidné, Type aussi essentiellement représentant du Mammifêre marcheur que Pest le Phascolome, avec des membres surbaissés et forts, nous trouvons, aux deux pattes, les cing doigts parfaitement formés. Ajoutons que, dans tous les Genres de Marsupiaux, aussi bien que dans les Monotrémes, essentiellement marcheurs, chez lesquels, par conséquent, la patte postérieure n'offre pas une longueur bien supérieure à celle de la patte anté- rieure, tous les doigts sont situés sur la même ligne, de sorte que, par leur mode d'insertion, ils ne constituent pas la moindre exception au fait général que nous avons constaté chez leurs analogues, parmi les Mammifères monodelphes. : Si nous examinons maintenant, sous le méme point de vue, les Genres de Mammifères dont l’acte de grimper constitue le mode le plus habituel de loco- motion, nous observons des dispositions différentes de celles que nous venons d'exposer. Chez les Mammifères grimpeurs, en effet, avec des formes géné- 3 18 rales sveltes et élancées, existent des membres plus allongés et doués de plus de gracilité En second lieu, le nombre des doigts a de la tendance à diminuer, et à ne point présenter la formule complête que nous avons présentée, comme résumant l’état normal deces mêmes organes, chez les Mammifères marcheurs. C’est ainsi que, dans l’ordre des Primates, la presque totalité des genres, depuis le Gorille jusqu'aux Galagos et Microcêbe, offre des formes généralement sveltes et élancées. Dans certains, tels que les Semnopithèques et Colobes, Atêles et Eriodes, ces formes acquiérent le degré le plus extrême de gracilité. Ces mémes formes subissent des modifications en sens inverse, lorsque sans cesser, cependant, d’étregrimpeurs, lesGenres deviennent plus aptes à la marche. Il en est ainsi, par exemple, chez le Magot et chez les Théropithéques et Cy- nocéphales. j Parmi les Carnassiers, le Kinkajou, les Paradoxures offrent également ces mémes caractéres ; nous en trouvons d’autres exemples chez les Tupaias, parmi les Insectivores, chez les Ecureuils, Pléromys, Sciuroptéres, Anomalures, Loirs, Dendromys, Coendous, parmi les Rongeurs. Les Tamandua et Cyclothure, dans POrdre des Edentés, nous paraissent démontrer le même fait, et le démon- trer d'une manière aussi évidente que les Didelphes, Micourés, Couscous, Pha- langers, Pétauristes, dans la sous-classe des Marsupiaux. Si, chez les Mammifères marcheurs, par suite de la forme trapue de leurs membres surbaissés, les doigts sont, presque sans exception, au nombre de cinq, soit en avant, soit en arrière, la tendance à la-disposition opposée, dont les Mammiferes grimpeurs nous présentent tant d'exemples, ne doit, en aucune façon, inspirer de l’étonnement. Dans lun et l’autre cas, l'existence de ces faits, dont la manifestation s'opére dans des circonstances différentes, nous parait pouvoir facilement s'expliquer par le Principe du balancement des orga- nismes, dont nous avons déjà invoqué l'influence pour nous rendre compte de la réduction des doigts chez les Pachydermes. Ainsi nous voyons déjà, dans l’ordre des Primates, le pouce cesser d'étre, en avant, opposable aux autres doigts dans le genre Nasique (Nasalis, Geof- froy Saint-Hilaire). L'atrophie de ce doigt est plus complète chez les Semnopi- thêques, et devient plus manifeste encore chez les Colobes, dont certains indi- vidus ont cet organe tellement rudimentaire, que sa présence n'est quelquefois manifestée que par l'existence de la partie cornée qui en constitue Pextrémité. Parmi les Singes du Nouveau Monde, l’opposition du pouce aux autres doigts du membre antérieur n’existe vraiment pas, et dans les genres Atéle et Eriode, le méme organe présente, en avant, une atrophie semblable à celle qu'il offre dans les Colobes. Cette atrophie est surtout manifeste chez les Atèles; chez les 19 Eriodes, les dénominations d'Eriodes tuberifer et d'Eriodes hemidactylus, don- nées à deux espèces de ce genre, indiquent suffisamment la disposition qui leur a donné lieu. Dans la Famille des Lémuridés, quoique la formule digitale soit complète, les divers Genres sont cependant doués de formes grêles et élancées. Ce caractère “est porté à son maximum d'évidence chez le Lori, dont les membres anté- rieurs l'emportent en longueur sur les postérieurs. Nous dirons plus tard quelques mots de cette disposition, ainsi que de l’état des doigts, dans le Pérodictique. Dans l’Ordre des Carnassiers, nous n'avons vraiment à examiner que le Kin- kajou et les Paradoxures. Le Kinkajou ne présente rien de particulier. Dans Pespêce unique qui compose ce type générique, le doigt interne est, en avant, très-reculé, tellement même, que l’on dirait que sa présence n’est manifestée que par l’ongle qui le termine. Quant aux Paradoxures, dont la disposition digitale est plus semblable à celle des marcheurs, l'acte de grimper doit être principalement exécuté, chez eux, à l’aide de leurs ongles acérés et crochus. La queue enroulante, dont ils sont pourvus, doit également beaucoup y contribuer : c'est un fait que nous nous bornons présentement à énoncer, ayant de nom- breux détails à donner ultérieurement sur la forme et la disposition de cet organe, dans la Classe entière des Mammifères. Dans l'Ordre des Insectivores, nous n'avons, sous le même point de vue, à nous occuper que des Tupaias. Chez tous, en avant aussi bien qu’en arrière, existent cing doigts bien formés ; mais, tandis qu’en arrière le doigt interne est seul reculé, et bien moins développé que ses congénères, ce même degré d’atro- phie est, en avant, partagé par le doigt externe. Les Types de Grimpeurs sont plus multipliés dans l’ordre des Rongeurs ; car indépendamment de la tribu entière des Sciuriens, les Muridés nous offrent les genres Dendromys et Myoxus, les Hystricidés, les genres Athérure et Coendou. Dans les Écureuils, la formule digitale présente, en avant, quatre doigts bien formés, avec un tubercule interne, absolument dépourvu d'onguicule : tous les efforts que j'ai tentés, pour l’apercevoir, ont été, en effet, infructueux, En ayant, le doigt externe est également réduit dans ses proportions : en arrière, le même doigt est également plus court que les intermédiaires, mais, en outre, le doigt interne est encore moins allongé. Il en est de même dans les espèces du genre Tamie (Tamias, Illig.) La même formule digitale nous est offerte par les Polatouches (Sciuropterus, Fr. Cuv. ) : il existe, chez eux, quatre doigts en ayant, cing en arrière, les deux latéraux moins développés. Il en est de même chez les Ptéromys, quoique chez 20 le Ptéromys simple (Pteromys inornatus, Is. Geoff.), les quatre doigts inter- médiaires paraissent, au membre postérieur, présenter le même degré de déve- loppement, Vinterne étant seul plus reculé, et par cela méme, moins allongé. Dans les Anomalures, les doigts sont en même nombre que chez les autres Sciuriens, mais dans P'Anomalure de Pel (Anomalurus Peli, Tem.), ils nous ont paru offrir plus d’uniformité dans leur allongement. Dans les Loirs, nous trouvons quatre doigts en avant et cing en arrière, avec le doigt interne plus réduit, l’externe plus allongé que l’interne. C'est évidem- ment la méme disposition que chez les Écureuils ; mais, chez les Loirs, je n'ai pu apercevoir, en avant, de tubercule correspondant au doigt interne. Dans cette méme Famille des Muridés, le Dendromys melanotus présente bien cing doigts à toutes les patles; mais, en arrière, les deux latéraux sont bien plus courts que les intermédiaires : il en est de même à la patte antérieure, ou le doigt externe parait dépourvu d’ongle, où Vinterne est plus atrophié en- core que son congéntre du cóté externe. Pour terminer la série des types génériques chez lesquels la formule digitale présente, avec certaines variations, la disposition que nous ont offerte les Pri- mates, les Tupaias, les Sciuriens, etc., il ne nous reste plus à citer que les Genres Athérure et Tamandua, dans la sous-classe des Monodelphes, et les Didelphidés grimpeurs, dans celle des Marsupiaux. Dans ces derniers genres, ainsi que nous l’avons vu, le nombre des doigts étant, en arrière de cinq, il y a, au membre antérieur, tendance à la réduction de ce nombre, et disparition quelquefois complète du doigt interne. Chez les Tamandua et les Didelphidés grimpeurs, ce fait général ne supporte pas d'exceptions, mais, chez les Athé- rures (Atherura fasciculata, Schinz et Atherura armata, Gerv.) la formule di- gitale est bien complete. Mais, nonobstant cette exception dont les recherches ultérieures nous donneront, sans nul doute, l'explication, nous croyons que le fait général que nous avons signalé plus haut, celui de la tendance à la réduc- tion des doigts, dans les Mammifères grimpeurs, peut être considéré comme exact. Un autre mode de réduction, dans le nombre de ces organes, nous est pré- senté par le Genre Pérodictique, faisant partie de l’ordre des Primates. Dans l'espèce unique de ce genre, autrefois inscrite dans le Systema natura, par Gmelin, sous le nom de Lemur potto, le quatrième doigt, au membre antérieur, est seulement représenté par un simple tubercule onguiculé. Par sa patte pos- térieure, le même Type ressemble absolument aux autres Lémuridés. Un troisième mode de réduction nous est offert par les espèces du Genre Daman, qui ne présentent que quatre doigts en avant et trois en arrière, C’est 21 le seul Monodelphe grimpeur, soit arboricole, soit rupicole, qui nous offre une telle formule digitale. Dans les espéces du Genre Coendou, de la Famille des Hystricidés, nous ob- servons un quatrième mode de modification dans la même formule. Les quatre doigts sont bien formés en avant, et, dans Coendus prehensilis et Coendus spi- nosus, il existe peut-étre un onguicule en dedans. En arritre, au contraire, à la place du cinquième doigt, se trouve un large épatement cutané, dont le plus grand diamêtre est antéro-postérieur, et le bord libre convexe. Cet épatement présente moins d’étendue dans Coendus villosus, mais il est impossible de nier son existence. Les Hystricidés grimpeurs diffèrent donc également de tous leurs congéneres doués du même mode de locomotion et que nous avons déjà cités ; mais, comme à la rigueur, on peut considérer I’épatement cutané de leur mem- bre postérieur comme étant simplement le résultat de l’étalement du doigt in- terne, la disposition qu'ils nous offrent peut être assimilée à celle dont nous avons déjà observé de nombreux exemples, et qui consiste dans l’atrophie du doigt interne à la patte antérieure, la postéricure présentant le nombre normal. Mais, s’il arrive que le membre antérieur dépasse beaucoup en longueur le membre postérieur, de façon à ne pas permettre à l’animal de séjourner en d'autres lieux que sur les arbres, le nombre des doigts est encore plus réduit. Il en est ainsi chez les Bradypes (Bradypus, L.) qui ne présentent que trois doigts aux deux membres. Il en est encore ainsi dans l'espèce unique du genre Cholèpe (Cholæpus, Tilig.), dont la patte antérieure n’a même que deux doigts. La réduction des doigts n’est cependant point proportionnelle à la longueur du membre antérieur, comparé au postérieur, car le membre antérieur du Brady- pus didactylus n'est pas plus long que celui des Bradypes. On ne peut invoquer le mode de causalité que nous venons de signaler pour les individus du Genre Cyclothure, dont la patte antérieure est pourvue seule- ment de deux doigts, tandis que la postérieure en présente quatre. Dans ce Type, le membre antérieur n'est pas, en effet, plus long que le postérieur : le fait con- traire nous paraît même être plutôt l'expression de la vérité. Quoi qu'il en soit, quelles que soient les variations que présente la réduction des doigts dans les pattes des Mammifères grimpeurs, nous pouvons conclure de toutes nos observations qu'il y a, en général, sous ce point de vue, diffé- rence entre les deux pattes. Un seul genre présente, en effet, le même nombre de doigts, en avant comme en arrière : c'est le genre Bradype (Bradypus, dii Acheus, Er. Cuv.) On pourrait, à la rigueur, citer également, comme exemple, le genre Coendou; mais cette assertion serait plus contestable, car il faudrait 2 prouver que Pépatement entané de la patte postérieure ne peut, en aucune fa- con, être comparé à un doigt. ! Dans les autres modes de réduction que nous avons exposés, soit que le doigt atrophié ait été le doigt interne (Primates, Écureuils, Loirs), soit que Patrophie porte sur le quatrième de ces organes (Genre Pérodictique), ou sur trois d'entre eux (Genres Cyclothure, Cholèpe), c'est toujours le membre anté- rieur qui subit une semblable atrophie; le membre postérieur présentant, au I, contraire, des dispositions tantôt normales, tantôt plus rapprochées de l'état normal. 7 Cette tendance à Pimperfection, dans le membre antérieur, se manifeste dans d'autres circonstances que nous ne pouvons nous dispenser de rappeler. M. le Professeur Geoffroy-Saint-Hilaire fils n’a-t-il pas, en effet, déjà signalé que lorsque le pouce, en tant que jouissant de la propriété d'être opposable aux autres doigts, cesse d'exister à quelqu’une des extrémités de l'animal, c'est toujours sur le membre antérieur que porte cette anomalie (?) (1) N'avons- nous pas, de notre cóté, fait observer que, dans les Mammifères palmipèdes, lorsque manque la palmature interdigitale, c'est toujours au membre an- térieur (2)? Dans le premier exemple que nous venons de citer, il y a évi- demment, pourle membre antérieur, imperfection physiologique, puisque l’une de ses aptitudes fonctionnelles se trouve annihilée.. Elle est tout aussi marquée, pour l'acte de la natation, dans notre second exemple, celui des Mammifères aquatiques. De sorte qu'en comprenant, dans une formule d'ensemble, tous ces résultats, nous pouvons conclure que, chez les Mammifères mono- delphes, soit grimpeurs, soit palmipèdes, c'est toujours au membre antérieur que se manifestent les modifications, qui établissent des inégalités, soit physio- logiques, soit zoologiques, entre les deux membres. Ainsi formulé, ce principe nous semble résumer clairement les divers faits que nous venons d’exposer, en dernier lieu, aussi bien que ceux dont il a été question, lorsqu'en nous occu- pant des Mammifères marcheurs, nous avons passé en revue les genres de Rongeurs dont de si nombreuses espèces nous ont présenté l’état rudimentaire du doigt interne. Mais, nonobstant la généralisation que nous venons d'établir, il n’en est pas moins impossible de déterminer, en réfléchissant aux fonctions 3i semblables des deux membres, comment la dissemblance est toujours si spé- ciale dans le membre antérieur. Ce dernier appendice, il est vrai, est princi- palement con sacré à Vexécution des actes de préhension, son homologue, en ar- (1) Dictionnaire classique d'Histoire naturelle, tome VI, article Quadrumanes. (2) Revue et Magasin de Zoologie; 1851, p. 120. 23 rière, étant plutót consacré à la station, mais cette différence dans les fonctions ne nous semble pas pouvoir rendre compte du fait général que nous avous ex- posé plus haut, fait général qui cesse de se manifester dans la plupart des Mar- supiaux de la Nouvelle Hollande et des régions adjacentes. Dans les Genres Grimpeurs de ces parties du monde, la formule digitale est, en effet, bien complète aux membres antérieurs. Ce fait est déjà facile à constater dans l’espèce type du genre Tarsipède (Tarsipes, Gerv. et Verr.) Elle présente, en effet, cing doigtsen avant; le doigt interne est, il est vrai, d'une briéveté remarquable, mais son existence n’en est pas moins facile à constater. En arrière, il n'existe, au contraire, que quatre doigts : le doigt externe est le plus long, les autres sont plus rudimentaires. Dans le genre Phascogale, les deux membres présentent bien cing doigts; mais, en arrière, le cinquième n'est re- présenté que par un tubercule, qui n'est méme pas onguiculé. A ces deux exemples, nous pouvons ajouter ceux qui nous sont offerts par les Couscous, Phalangers, Pétauriste, Acrobate et Acropête. Chez tous, le nom- bre des doigts est bien de cing en avant; mais en arrière, si la structure ana- tomique de la patte révèle l'existence de cinq doigts, il ne s’en manifeste vrai- ment que quatre, et le doigt le plus rapproché du pouceest, dans tous ces Types, terminé par deux ongles, au lieu de l’étre par un seul. Il n'existe, en réalité, en dehors du pouce, qu'un seul doigt résultant de la soudure de deux. Le pouce de ce membre est parfaitement opposable, et à la patte antéricure, les cinq doigts sont fréquemment séparés, deux en dehors, trois en dedans. Cette dis- position s’observe dans beaucoup d’espéces, soit chez les Couscous, soit chez les Phalangers, soit même chez les Pétauristes. Elle est si fréquente dans l'espèce de Phalanger que M. Cuvier avait distinguée sous le nom de Phalan- ger de Cook (Phalangista Cookii, Cuv.), que deux Zoologistes anglais ont cru devoir regarder ce type comme constituant un Genre nouveau auquel l’un d’entre eux, M. Ogilby, a donné le nom de Pseudocheirus, l’autre, M. Gray, celui de Hepoona. Nous ne pensons pas que ce Genre doive étreadopté, car, non-seulement cette disposition des doigts aux membres antéricurs de ces Marsupiaux n'est pas constante; mais, nous avons même souvent eu l'occasion, principalement pour la rédaction de notre travail actuel, de constater sa manifestation dans quelques espèces du genre Couscous, qui bien sûrement, d’après MM. Gray et Ogilby. ne doivent pas la présenter. En constatant à son tour le même fait, M. Richard Owen a fait observer (1) que, sous ce point de vue, ce Type de Marsupial se (1) Cyclopædia of Anatomy and Physiology, by Robert B. Todd, vol. 3, p. 282. M. Owen dit avoir observé une semblable disposition des doigts dans le Muscardin. 24 rapprochait des Caméléons. Ce rapprochement est plein d'exactitude et de vé- rité; il confirme le caractère de dégradation, qui, dans la classe des Mammi- fares, constitue un des traits les plus distinctifs des Marsupiaux. Ajoutons, en second lieu, que les deux doigts les plus rapprochés du pouce, au membre postérieur, sont plus courts, au moins par leurs ongles, que celui qui les avoisine en dehors. C’est une disposition à peu près semblable à celle que nous avons déja signalée dans le Pérodictique Potto (Perodicticus Potto, Van der Hoëv.). Dans ce dernier Genre, l’atrophie est simplement bornée à un seul doigt, mais elle est plus complète; en second lieu, c'est au membre anté- rieur qu'elle se manifeste. Mais, il est évident que la forme de la patte posté- rieure, chez les Couscous, Phalangers, Pétauristes, Acrobate et Acropéte, est intermédiaire par la disposition des doigts, entre celle qui nous est le plus ha- bituellement offerte par les Mammifères dont le pouce est, en arrière, opposa- ble aux autres doigts, et celle du Lémuridé dont il vient d'être question. Dans l'espèce unique du genre Koala, la disposition des doigts, en avant et en arrière, est tout à fait semblable à celle qui nous est offerte par les espèces de Couscous. En avant, le nombre des doigts est de cinq, et les deux les plus in- ternes ont de la tendance à s’isoler et à former pince. En arrière, le pouce est parfaitement opposable, et les deux doigts qui, en dehors, lui sont adjacents, sont soudés et terminés par deux ongles, plus courts que ceux des doigts qui les avoisinent. La proposition que nous avons émise plus haut relativement à l’antago- nisme qui existe chez les Types Grimpeurs, sous le point de vue de la formule digitale, entre les Mammifères monodelphes et certains Mammiféres Didel- phes se trouve donc parfaitement justifiée par l'examen des faits que ces der- niers Genres ont offert à notre observation. Chez les premiers, c'est aux mem- bres antérieurs que se manifeste la tendance à l’atrophie des doigts ; chez les seconds, au contraire, c'est aux membres postérieurs. Mais cette derniére particularilé est uniquement propre aux Marsupiaux qui sont originaires de la Nouvelle Hollande et des Archipels qui Vavoisinent. Les Didelphidés, qui ha- bitent le continent américain ne la présentent pas : dans les Didelphes, Micouré et Hémiure, reparaissent, en effet, les conditions organiques qui nous sont of- fertes par les Monodelphes, c'est-à-dire la tendance à l’atrophie du doigt in- terne, en avant, et, en arriére, une formule digitale bien complete. Si, maintenant nous rappellons quelques-uns des faits que nous a révélé Pexamen des Types Marcheurs dans les Marsupiaux, il nous sera facile de con- stater, en citant ce que nous avons dit du Dasyure de Maugé (Dasyurus Mau- gei, Geoffroy-Saint-Hilaire), et du genre Myrmécobe (Myrmecobius, Waterh.) 25 que, chez tous, la tendance à Pimperfection de la formule digitale se ma- nifeste aux extrémités postérieures; de sorte que cette disposition, que d'a- bord il était possible de regarder comme propre aux types Grimpeurs, présente un caractère plus étendu de généralité, tellement général même, que notre collègue, au Muséum de Paris, M. Pierre Gratiolet, en nous signalant cette tendance à l’atrophie des doigts, en arrière, chez les Marsupiaux, était persuadé qu elle constituait un caractère zoologique, extérieur, par conséquent, pour la distinction des deux sous-classes. Ainsi que nous venons de le voir, ce prin- cipe n’est malheureusement vrai que pour les Marsupiaux des parties les plus australes de l’ancien continent; mais, l'observation de M. Gratiolet, que nous venons de faire connaître, et dont nous sommes heureux de lui faire honneur n’en constitue pas moins, suivant nous, un véritable progrès. Tels sont les faits que nous présentent, sous le point de vue de l’état de leurs formules digitales, les Mammifères dont l'acte de grimper constitue le mode le plus habituel de locomotion. Ainsi que nous pensons l'avoir démontré par tous ces détails, il y a, par suite de la disposition de ces organes, antago- nisme entre eux et les Mammifères marcheurs. Mais si ceux de ces derniers, qui sont onguiculés , se rapprochent, par ce caractére, des Mammiféres aqua- tiques, les premiers, au contraire, semblables déja aux Mammiféres palmi- pèdes par leurs formes plus élancées, offrent, par la tendance à Patrophie des doigts, aussi bien que par leurs membres plus élevés, certaines analogies avec les Mammifères coureurs, et cette analogie v'existe, jusqu’à un certain point, en ce qui concerné les Mammifères marcheurs, que pour ceux d'entre ces der- niers que l’on peut désigner sous le nom de Mammifères sauteurs dont, plus tard, nous dirons, au-reste, quelques mots. Quant aux Mammifères qui se livrent à l'acte de la course, il n’est personne qui ne sache que, chez presque tous, les membres sont plus gréles et plus élan- cés. Dans les Types les plus élevés de la série des Onguiculés, dês l'Ordre des Carnassiers, nous voyons se manifester de semblables formes dans les Genres que les Zoologistes modernes désignent sous le nom de Carnassiers Digitigrades. Il en existe, on le sait, dans la Famille des Mustélidés, aussi bien que dans celle des Viverridés. Les Mustela, Putorius, ete., se trouvent parmi les premiers, et présentent de semblables conditions, conditions qui nous sont of- fertes, parmi les seconds, par les Herpestes, Galidia, Galidictis, Genetta, etc. Les Canidés et Félidés sont également doués de semblables caractères qui se trouvent reproduits par des Types beaucoup plus nombreux, dans la série des Mammifères ongulés. Dans tous ces Vertébrés, la formule digitale est bien loin d’étre toujours com- 4 26 plète : sans entrer dans de fastidieux détails sur son état de réduction chez les Ruminants et les Suidés, bornons-nous à constater, que dans l'ordre des Carnas- siers, les Cyon, Canis, Vulpes, Otocyon, Fennecus présentent seulement qua- tre doigts en arrière : le même fait nous est offert par le genre Protèle. La réduction de la formule digitale est encore plus complète dans les Hyénes et Cinhyénes, qui n’ont que quatre doigts, soit en avant, soit en arrière. Il en est de même dans les espèces des Genres Suricate et Bdéogale. Dans les Viverridés et Mustélidés, dont nous avons donné les noms dans le paragraphe précédent, la formule digitale présente, enfin, le nombre de cinq doigts; mais, dans ces divers Types, nous voyons se manifester la disposition organique qui isole les uns des autres les Mammifères grimpeurs et coureurs, quelque intimes que soient les analogies qui existent entre les uns et les autres, sous le point de vue de la tendance à l’atrophie de la formule digitale. Dans les Carnassiers coureurs, en effet, chez les genres Pentadactyles, le pouce ou le doigt interne s’insère, en avant comme en arrière, plus haut que les autres doigts. Dans les Canis, par exemple, le cinquième doigt, en avant, se trouve inséré sur le métacarpe plus haut que ses congénères. Parmi les Ongulés, la même disposition existe pour les doigts postérieurs des Ruminants et des Suidés; il est facile, chez ces derniers, de la constater pour le doigt postérieur, normalement unique, des Pécaris. De ces divers faits présentés par des espèces si différentes entre elles par le mode d'alimentation, mais dont les actes locomoteurs offrent tant de ressem- blance, il résulte que la disposition de ceux de leurs doigts qui sont atrophiés établit une différence bien saillante entre les Mammifères qui grimpent et ceux qui, parmi les marcheurs, sont plus aptes à la course. Chez les premiers, en effet, quoique le nombre des doigts soit diminué, tantôt au membre antérieur, tantôt, ce qui est plus rare, au membre postérieur, et quelquefois aux deux membres, aucun de ceux de ces organes dont il est possible de constater Pexis- tence ne se trouve, cependant, présenter un niveau d'insertion différent de celui de ses congénères. Si nous examinons les Genres qui nous offrent des exemples du premier mode d'atrophie, nous n’observons aucune disposition semblable chez les Semnopithèques et Colobes; il en est de même pour le Pérodictique, les Tamanduas et Cyclothure. Rien de semblable ne s'observe, non plus, soit chez les Bradypes et Cholèpe, dont la formule digitale est si réduite, soit chez les Grimpeurs rupicoles, Kérodon et Daman. Les Marsupiaux grimpeurs de l'Océanie ont, au membre postérieur, deux de leurs doigts soudés, mais leurs congénères des parties latérales sont insérés sur le même plan. Sous ce point de vue, par conséquent, les Mammifères grimpeurs ressemblent aux espèces 21 dont la marche est le mode le plus habituel de locomotion, de méme qu'aux Mammifères palmipédes les plus typiques. Lorsqu’a l'occasion de ces derniers, nous avons exposé les différences qui, chez Jes Oiseaux, existent dans la disposition du pouce entre les Rapaces, Pas- sereaux, Gallinacés Passéripèdes, d'une part, et les vrais Gallinacés, la plupart des Echassiers et des Palmipèdes, d'autre part, nous avons fait observer que, dans ces derniers types, le pouce était, dans son insertion sur le tarse, plus élevé que les doigts antérieurs. Cette disposition existe également, pour les doigts rudimentaires des deux membres, dans les Ruminants et les Suidés, et elle les rapprocherait des Passereaux zygodactyles, si chez ceux-ci, il n’y avait égalité, par le mode d’insertion sur le tarse, entre la paire antérieure et la paire postérieure. La ressemblance est plus parfaite entre les vrais Gallinacés, la plupart des Échassiers, etc., et les Mammifères que nous leur avons com- parés, carles uns et les autres sont essentiellement voués à la vie terrestre. Les Mammiféres marcheurs les plus typiques, Pachydermes aussi bien que Ruminants, nous offrent également d'autres analogies, par la briéveté de leurs doigts, avec d'autres genres de la Série ornithologique. Dans la classe des Oiseaux, la longueur des doigts antérieurs est, en effet, dans beaucoup d'Échas- siers, contenue de même plusieurs fois dans celle du tarse. Ce fait est facile à constater dans les Genres Otis, Houbara, OEdicnemus, Cariama, Rhea, Stru- thio, Casuarius, Dromaius. Dans ces divers Types, cette brièveté est même partagée par le doigt médius, celui de tous les doigts qui conserve le plus habi- tuellement les proportions normales de longueur, et chez lequel elle ne dimi- nue que lorsque le tarse acquiert des dimensions inusitées. Un fait semblable à celui cité plus haut s'observe chez le Serpentaire, parmi les Rapaces diurnes, et, parmi les Nocturnes, chez les Pholeoptynx et Kétupa. Ces atrophies s’ex- pliquent facilement, et sans qu'il soit besoin d’entrer dans de nouveaux détails, par le principe du balancement des organismes. Dans les autres Ordres de la Classe ornithologique, nous ne connaissons, au reste, que fort peu d'exemples de la diminution de longueur du doigt médius, par suite de l’allongement du tarse. Généralement, en effet, lorsque le tarse s'allonge, ce sont toujours ou les doigts latéraux ou le pouce qui deviennent plus courts. Ainsi, parmi les Passe- reaux, la briéveté des doigts latéraux est facile à constater dans les Pitta, dans Nyctidromus et dans Podager, Nous n'insisterons pas sur ces divers rapports, pas plus que sur les autres analogies, qui sont de nature à démontrer la conformité de disposition des mêmes organes chez les Mammifères et les Oiseaux. Nous avons, dans notre Mémoire sur les Caractères zoologiques des Mammifères aquatiques, établi, 28 sous ce point de vue, de nombreux rapprochements; les rappeler serait une œuvre fastidieuse dont nous croyons devoir nous dispenser. Disons, maintenant, que, de même que chez les Oiseaux palmipèdes, les doigts sont allongés chez les Mammifères grimpeurs. Chez les uns et chez les autres, ils sont séparés par un certain intervalle. Mais cet intervalle, qui est par- faitement libre chez les Mammifères grimpeurs, se trouve, chez les Mammiféres et Oiseaux palmipèdes, occupé par une membrane qui présente de grandes variétés dans ses divers états de développement. Chez les Mammifères mar- cheurs, au contraire, lorsqu'ils se trouvent dans des conditions moyennes qui leur permettent de se livrer è d’autres modes de locomotion, les doigts sont moins divisés, plus serrés les uns contre les autres; mais, lorsque la marche est leur mode le plus essentiel de locomotion, presque le seul auquel ils puissent se livrer, les doigts, devenus trés-petits, se trouvent plus nettement divisés, de fagon à élargir en quelque sorte la base de sustentation de l’animal qu'ils portent. Il en est ainsi pour tous les doigts des Éléphants et Rhinocéros, chez l'Hippo- potame, et pour les doigts antéricurs chez les Suidés el les Ruminants, même chez les Camélidés, malgré la semelle calleuse qui supporte les extrémités digi- tales. Les deux genres que nous avons dit être des grimpeurs de rochers, les Damans et Kérodon, présentent une disposition tout à fait semblable, et Pon se rend facilement compte de cette particularité d'organisation, en réfléchis- sant que l'acte de grimper, plus encore pour eux que pour leurs congéneres arboricoles, constitue une véritable marche dans le sens plus ou moins vertical. ; On pourrait presque employer la même dénomination pour la marche des Mammifères qui ne progressent qu’à l'aide des soulèvements successifs et gra- dués qu'ils impriment à leurs membres postérieurs. Le nom de Mammifères sauteurs leur a été appliqué, etils le méritent à tous égards, car c'est le seul mode de locomotion qui leur soit possible. Ils se trouvent, des lors, physiologi- quement dégradés, par rapport à ceux de leurs congénères chez lesquels les actes locomoteurs sont plus variés. Certains d'entre eux, il est vrai, comme les Lièvres, Dolichotis, Agoutis, sont trés-aptes à la course; mais les Gerboises, Hélamys, Kangourous, Macroscélides, ne se trouvent point, pour leurs actes de locomotion, dans des conditions aussi favorables ; ils sont des lors obligés, pour se mouvoir, de se déplacer d'ensemble à l'aide de leurs membres postérieurs. ls ressemblent, dès lors, à ceux des Grimpeurs, qui, par suite du grand dé- veloppement de leurs membres antérieurs, ne peuvent que grimper, comme les Bradypes, et parmi les Primates, les Gorille, Orang, Troglodyte et Gibbon. 29 Nous avons déjà fait observer que dans les deux Genres Bradype et Cholèpe, la formule digitale est réduite, au membre antérieur, aussi bien qu'au membre pos- téricur, à sa plus simple expression. Dans ces deux types d'Edentés, le membre antérieur est également beaucoup plus long que le postérieur, de sorte que Pon peut jusqu’à un certain point concevoir, en appelant à son aide le Prin- cipe si fécond du balancement des organismes, comment il existe une semblable réduction dans le nombre des doigts. Le même Principe peut encore être invo- qué pour une espéce d'un des genres de Primates que nous avons cité plus haut, pour le Gibbon syndactyle, qui présente dans sa patte postérieure la son- dure de quelques-uns de ses doigts, ce qui constitue évidemment un commen- cement de réduction dans le nombre de ces organes. Sous le méme point de vue, nous pouvons encore citer le Gorille, mais ni dans l’une, ni dans l’autre de ces deux espèces, la réduction digitale ne s’opère dans la patte qui se trouve constituer l'extrémité terminale de celui des membres qui se trouve le plus allongé. En second lieu, la formule digitale est bien complête et les doigts sont bien divisés dans les Chimpanzés, les Orangs et les autres Gibbons. Tous ces Types offrent, cependant, comme un de leurs principaux caracteres, le grand allongement du membre antéricur. Comment expliquer ce fait, évidemment en opposition avec le Principe que nous venons de rappeler, et qui, dans tant de circonstances, s’est trouvé, aussi bien en Anatomie comparée qu’en Zoologie, si souvent confirmé parl'observation. Il me semble possible de donner une explication de cette exception, en recou- rant à un autre principe essentiellement zoologique, il est vrai : celui de la posi- tion sériale des divers Genres qui la présentent. Ces genres Gorille, Troglodyte, Orang et Gibbon sont, quel que soit le point de vue sous lequel on les examine, les Genres les plus voisins de l'homme; ils doivent, dès lors, par le mode le plus habituel de leur locomotion, ressembler essentiellement à un Type d'orga- nisation dont ils sont si voisins. Or, de même que chez l’homme, dont la station est verticale, les membres se trouvent présenter cinq doigts à leurs extrémités , le même fait s’observe chez les quatre Genres dont nous avons plus haut cité les noms, quoique, chez eux, le membre antérieur tende de plus en plus à s’allon- ger. La formule digitale se trouve, en cette circonstance, déterminée par le rap- port zoologique des Types qui la présentent, ou, pour nous servir d’une autre expression, par la position sériale de ces Types eux-mêmes. Ce mode d'expli- cation est le seul qu'il nous soit possible de donner. Sans nul doute, il est fort difficile de s’en rendre compte, de même qu'il est fort difficile d'expliquer pour- quoi il y a des Ruminants, des Primates, des Cheiroptêres ; mais, une fois ce dernier fait accepté, il nous paraît nécessaire d'admettre que, dans certaines 30 circonstances, les dispositions organiques présentées par les divers Types du Règne animal sont déterminées par les rapports qu’ils présentent avec leurs congénères. Cette manière de concevoir les faits oblige, il est vrai, à examiner les êtres créés plutôt dans leur constitution d'ensemble qui sert à les classer, que dans le mode de disposition de leurs éléments organiques, qui tend à les ramener à l'unité, et à considérer l’ensemble du Règne animal comme ne formant qu’un seul étre, dans des états divers de développement. L'un et l'autre de ces deux modes de Philosophie zoologique ont leur raison d’être adoptés; car, ainsi que nous aurons encore occasion d'en citer des exemples, telle disposition orga- nique, dont il est quelquefois impossible de se rendre compte sous l'influence d'un principe, se trouve três-facilement expliquée par l'application d’un autre fait général. Ainsi, en ce qui concerne la formule digitale dans les Mammifères sauteurs, le Principe du balancement des organismes nous rend compte, de nouveau, tantôt de la réduction des doigts, tantôt de leur atrophie, au membre posté- ricur. Or, c'est ce membre qui est le plus développé, de sorte que le principe trouve dans ces faits son application la plus rigoureuse. Dans les Macroscélides, le doigt interne est, en effet, au membre postérieur, três-rudimentaire : il s'insère en arrière sur le Métatarse. Dans les Gerbilles, les doigts latéraux pos- térieurs sont également peu développés. Dans les Gerboises, ils naissent très- haut sur le membre; une de leurs espèces , le Dipus Tetradactylus, Licht. , se trouve, ainsi que son nom l'indique, ne présenter que quatre doigts. Dans l’ Mé- lamys, le doigt externe naît très-haut en arrière. Dans les Gerbos, les deux la- téraux disparaissent; il wexiste plus, dès lors, que trois doigts. Dans les Agoutis, le membre postérieur ne présente que trois doigts, Pantéricur en ayant quatre : il en est de même dans Dolichotis. Les Macropus, à leur tour, ont leurs doigts latéraux peu développés, et cet état de réduction est encore plus marqué dans le Chæropus castanotis, qui ne présente que trois doigts, dont les deux latéraux, terminés par deux ongles, naissent fort en arrière, l’externe principalement. Ces diverses dispositions des doigts au membre postérieur, chez les Mam- mifères sauteurs, dispositions que M. le professeur Geoffroy-Saint-Hilaire fils a si souvent citées dans ses lecons orales au Musée de Paris, comme fournissant une confirmation éclatante du Principe introduit dans la science par son illustre père, rapprochent évidemment ces espèces des Mammifères grimpeurs, non- seulement de ceux qui, par suite de l'allongement excessif de leur membre an- térieur, ne peuvent se livrer à aucun autre acte de locomotion, comme les Bradypodés, mais encore de ceux chez lequel la marche est possible, 31 Ajoutons que l'analogie devient plus évidente encore lorsqu'on réfléchit que, chez les Mammifères sauteurs, le corps présente jusqu’à un certain point, une forme élancée, fort facile à constater chez les Kangurous, les Hélamys, cer- taines Gerboises, les Agoutis, beaucoup moins évidente, au contraire, chez les Gerbilles. On conçoit, au reste, que sous ce point de vue, il est impossible d'établir, d’une manière mathématique, les rapports exacts entre les divers de- grés de manifestation de la forme élancée et l'aptitude aux habitudes sau- teuses, de même qu'il n’est pas possible de rattacher, d'une manière encore mathématique, les divers degrés d'atrophie des doigts latéraux aux divers degrés dallongement du membre postérieur. Des rapports de cette nature sont mal- heureusement étrangers aux sciences organiques, dans le domaine desquelles les causes de variation des faits sont si difliciles à saisir. Cependant, les faits généraux que nous avons signalés n’en sont pas moins incontestables : les nier ce serait fermer les yeux à l'évidence. Mais, si les Mammifères sauteurs se rapprochent, par la réduction ou l’atro- phie, au membre postérieur, de leurs doigts latéraux, de ceux des types de la même Classe dont Pacte de grimper constitue un des modes les plus habituels de locomotion, ils s'en éloignent par le mode d'insertion de ces organes sur la région métatarsienne. Car, chez les Sauteurs, les doigts latéraux, quand ils existent, ne sont point insérés au métatarse sur la même ligne que les in- termédiaires, mais ils naissent plus en arrière. Ce fait est parfaitement saisis- sable, entre autres espèces, chez les Gerboises pentadactyles, et on Papercoit déjà ayant une tendance à se produire, parmi les Gerbilles, chez la Gerbille des Pyramides. Nous avons déjà cité, plus haut, d’autres exemples, tout aussi incontestables : rien de semblable ne se présente, ainsi que nous l'avons déjà vu, chez les Mammifères grimpeurs. Chez tous ceux que nous connaissons, quelle que soit la réduction subie par les doigts, leur insertion sur les régions métatarsienne et métacarpienne a toujours lieu sur la même ligne que celle des doigts intermédiaires. Par l'existence du caractère opposé, les Mammifères sauteurs se rapprochent, dès lors, des types de Marcheurs qui sont plus aptes à la course, tels que les Carnassiers digitigrades et les Mammifères ongulés. Il serait inutile de continuer l'exposition des différences et des analogies qui existent, sous le point de vue de la disposition des doigts, entre les Mammi- fores qui nous présentent les divers modes de locomotion dont nous venons de dire quelques mots. Ces différences et ces analogies se présenteront d'ail- leurs d'elles-mémes aux yeux des personnes qui voudront bien se pénétrer avec quelque attention des divers détails sur lesquels nous avons insisté. Ajoutons 32 seulement ce fait essentiel, c'est que, dans les Mammifères sauteurs, les doigts sontgénéralementallongés au membre postérieur, et qu’ils sont, en même temps, peu divisés. C'est un indice que l'action partielle de chacun d’entre eux, soit dans le sens de la flexion et de Pextension, soit dans celui des mouvements latéraux, se trouve très-limitée : sous ce point de vue, par conséquent, ils res- semblent aux Marcheurs les plus typiques, tels que les Ruminants et les Pachy- dermes. Mais, tandis que chez ces derniers, les actes de préhension se trouvent confiés à un autre organe, chez les Sauteurs, cette fonction est normalement ac- complie par le membre antérieur, de sorte que si Pon cherche à déterminer à quel Type d'organisation ils sont Je plus semblables, par suite de l’action plus spéciale des deux membres, c’est au Type qui présente la rectitude la plus par- faite, au type des Erecta, pour nous servir de la dénomination d’Illiger, que nous sommes obligés de nous adresser. Chez l'Homme seul, en effet, dans son état complet et parfait de station, le membre postéricur est destiné à la sus- tentation et, lorsqu'il marche, à déplacer le corps. Le membre antérieur, au con- traire, est destiné à la préhension, et même lorsqu'il grimpe, c'est encore par un acte de próhension exécuté par ce même organe, et par un acte de fixation exécuté par le membre postérieur. È Mais les fonctions de locomotion des Types dont se compose la classe des Mammiféres ne se bornent point à celles que nous venons d'examiner, Il est, en effet, un certain nombre de ces Vertébrés, qui creusent la terre, soit pour y chercher leur nourriture, soit pour y construire des terriers. Chez la plupart d’entre eux, on peut même dire, chez tous, l'exécution de cet acte est principa- lement confié au membre antérieur, dont l'acte de préhension constitue un des attributs les plus normaux. Ajoutons que toutes ces espèces sont généralement douées de formes lourdes et trapues, dont il est bien facile de constater la ma- nifestation chez les Taupes, Chrysochlores, Scalopes, Géoryques, Bathyergues, Echidné, etc. Il se manifeste, seulement, en cette circonstance, des modi- fications semblables à celles dont nous avons déjà dit quelques mots en com- mencant ce mémoire, c'est-à-dire que des indices de gracilité se manifestent dans Ja forme générale de ces Types, dès que la rapidité de leurs mouvements les rapproche des Mammifères coureurs. Avec cette forme générale lourde et trapue, les membres sont également gros et forts; le membre antérieur s'étale et s’élargit quelquefois, ainsi que cela a lieu chez les Taupes et les Scalopes. Le plus fréquemment, la formule digitale est bien complète, mais quelquefois aussi il se manifeste de la tendance à l’atrophie des doigts latéraux. Quand ce dérnier fait se présente, il coïncide fréquemment avec l'allongement et le développement extrême que prend le 33 doigt médius, développement qui est très-souvent partagé par les deux doigts qui sont en contact avec lui. Il en est ainsi chez les Géoryques et Bathyer- gues, de même que chez le Type d’Édenté, connu sous le nom de Prio- donte géant. En cette circonstance, le principe si fécond du balancement des organismes nous donne encore une explication satisfaisante de ces inégalités de développement des doigts : dans ces diverses espèces, cependant, la cause d'atrophie ne réside pas dans tout le membre, mais uniquement dans un des doigts qui le terminent. Mais, nonobstant cette différence, le rapport que nous établissons n'en est pas moins manifeste, et ne saurait être contesté. Quel que soit, au reste, le degré de force dont sont doués les membres, et sur- tout les membres antérieurs, chez les Mammifères fouisseurs, il leur serait im- possible de creuser le sol, quelquefois aride et desséché, si les doigts n'étaient, chez eux, armés d'ongles forts et puissants. Ces parties tout à fait terminales des membres leur prétent, en cette occasion, un concours actif eténergique, ainsi que nous aurons occasion de le rappeler plus tard, en exposant les divers états de ces mémes organes, chez les divers Mammifêres dont nous exposons, dans ce travail, les Caractères zoologiques. Si nous avons anticipé, en cette circonstance sur l'énonciation des faits que nous avons à signaler, c'est à cause de Vimpor- tance de cette disposition organique, qui est de telle nature dans les Mammi- fères fouisseurs, que, sans elle, il serait impossible de concevoir le mode d'ac- tion de l'acte fonctionnel qu'elle exécute. Chez les Mammifères fouisseurs, aussi bien que chez les autres Onguiculés dont la marche, le saut ou l’acte de grimper constitue le mode de locomotion le plus habituel, l'acte de préhension, soit des aliments, soit des objets qui se trouvent à leur portée est encore exécuté par les membres, et surtout par les membres antérieurs. Chez tous, les doigts se trouvent encore assez allongés pour permettre un acte semblable. Il n'en est pas ainsi, au contraire, chez ceux de ces Vertébrés, chez lesquels le membre antérieur, devenant, ainsi que le postérieur, doué d'un extrême allongement, les doigts se raccourcissent de telle sorte qu'il devient alors impossible à l’animal de prendre, au moyen de ces ap- pendices de son corps, non-seulement les objets quise trouvent à sa portée, mais encore les aliments qui lui sont indispensables. La nature satisfait à ces exi- gences physiologiques en confiant spécialement ces fonctions de préhension à l'organe buccal. Les máchoires se trouvent dès lors portées à l'extrémité d’un cou très-allongé, et qui, soit dans le sens de la flexion, soit dans le sens de l'extension, se trouve doué d'une mobilité comparable à celle que nous pré- sentent tant de genres d'Echassiers et de Palmipèdes, dans la Classe des Oiseaux. a Rien d'absolument semblable ne se manifeste dans les autres Types de la Classe des Mammifères. ll en existe bien un certain nombre, dans l'Ordre des Carnas- siers, parmi les Mustéliens et Viverriens (Putois, Fouines, Mangoustes, Genettes), chez lesquels la région cervicale acquiert un certain degré de gracilité. Il en est encore ainsi chez les Canis, de même que chez les Hyènes, et surtout chez le Guépard, parmiles Felis : maisil nous parait évident que cette gracilité du cou, quoique lui donnant plus de mobilité est, dans ces divers types, la conséquence dela gracilité des formes générales. Nous ne retrouvons pas, en effet, ces mémes caractères chez les Marcheurs que nous pouvons regarder comme étant les plus typiques. Les Blaireaux, Ra- tons, Ours, Porcs-épics, ete., offrent plus de brièveté dans cette partie du corps, etla même disposition est facilement appréciable chez les sauteurs, tels que PHélamys, les Gerboises, Gerbos, Kangurous, de même que chez les Fouis- seurs: (Taupes, Scalopes, Condylures, Echidnés) : de sorte que le développement excessif des membres postérieurs, pas plus que celui des membres antérieurs ne paraît porter obstacle à la manifestation de ce caractère. Un fait semblable nous est offert par les Types doués de la vie aquatique, dont les membres sont surbaissés, et sa manifestation est vraiment en raison directe de l'activité de ces nouvelles habitudes. Dans latribu des Loutres, l'allongement du cou est plus saisissable sûrement chez les espèces du genre Lutra que chez l'Enhydre: Chez les Hydromys, chez l'Ondatra, il est plus allongé que chez le Castor. Dans la famille des Phocidés, cette région est plus atrophiée encore; chez les Cétacés, enfin, les os thoraciques sont en contact presque immédiat avec ceux du crâne, et, les sept vertèbres cervicales, dont l’état normal est si général dans la Classe mammalogique, finissent par se souder, sinon toutes, au moins la plupart d’entre elles. Par cette disposition des vertèbres cervicales, par ce contact des os thoraci- ques avec les oscraniens, nous: sommes en présence d'un caractère: qui est essentiellement l'apanage de la Classe des Poissons. L'influence du milieu est ici parfaitement saisissable; vivant au sein des eaux comme les Poissons, les Cétacés sontorganisgs de tellefaçon que, chez eux, l'organe pulmonaire est rap- proché, autant que possible, des ouvertures par lesquelles il communique avec l'air extérieur. Chez les Cétacés, ainsi que le savent les Zoologistes, les mem bres postérieurs ont disparu : c'est le mode extrême d’atrophie que nous of- frent les Mammifères. Cette même atrophic, mais par soudure, se montre éga- lement dans leurs vertèbres cervicales. Ajoutons, en outre, qu'indépendamment des facilités qu'offre, pour les fonctions d’hématose, aux animaux de cet Ordre, le contact si immédiat des 35 Poumons avec la cavité buccale, Vacte de la natation se trouve très-favorisé, chez eux, par la position en avant d'un organe dont la pesanteur spécifique doit être très-diminuge, non-seulement par suite de sa structure vésiculaire, mais encore par la grande quantité d'air dont il est toujours rempli. Une exi- gence physiologique de même mature, c’est-d-dire destinée à faciliter les mouvements, nous semble déterminer la manifestation du même caractêre chez les Mammifères sauteurs et fouisseurs. Dans lesspremiers types, c'est le mouvement d'ensemble du corps qui se trouve plus apte à être facilement exécuté; dans les seconds, c'est l’action isolée du membre antérieur, la posi- tion fixe de la partie la plus antérieure du corps pouvant être plus facilement obtenue. Mais, dans tous ces Mammifêres, de même que dans les Carnassiers digiti- grades qui ont commencé à donner lieu à tous ces détails, les extrémités digi- tales sont encore propres à la préhension. Quand, au lieu de s'appuyer sur la plante de ses pieds, ' Animal marche, au contraire, en s'appuyantsur ses ongles, il lui est impossible de s'emparer avec ces organes des objets qui sont soumis asa vue. Ilarrive alors, ainsi que nous l'avons dit plus haut, que le cou s'al- longe, devient très-mobile et‘prend les objets extérieurs avec la bouche. Ces faits s'observent chez les Solipèdes et chez tous les Ruminants. Sans nul. doute, cet ainsi, chez la Girafe, cette région offre, sous allongement présente des degr ce point de vue, des proportions inusitées, tandis qu’elle est plus raccourcie chez les Bubales, les Bœufs, le Renne et. dans l'espèce unique du genre Anoa. Ces différences dans la manifestation de ce caractère s'accompagnent, en général, d'autres modifications extérieures, impuissantes , puisqu’à un cer- tain point de vue, à en donner Pexplication, mais qui men présentent pas moins un véritable intérêt. Dans les Lamas et Chameaux, dans les Cerfs proprement dits, surtout ceux de petite taille, dans les espèces d’Antilopes qui appartiennent au petit Genre dont le Nanguer de Buffon est le type, et auquel M. le professeur Geoffroy- Saint-Hilaire fils a appliqué le nom générique de Damantilope (Damantilope, Is. Geoff.), nous voyons, en effet, des formes allongées, des membres égale- ment allongés, présentant quelquefois une extréme gracilité, mais toujours une prédominance bien marquée, sous le point de vue de la longueur, du membre postérieur sur le membre antérieur, Dans tous ces Types, par consé- quent, l'harmonie est complête entre la forme du cou, les formes générales, d'une part, et celles des membres, d'autre part. Mais un examen plus attentif de quelques-uns des faits que nous venons de citer montre que déja des varia- tions se manifestent. Les especes du Genre Camelus nous offrent, en effet, 36 des Types chez lesquels les Membres sont plus trapus et les sahots plus larges. ll est impossible de nier, cependant, l'exactitude de la concordance que nous avons signalée. Cette concordance seulement ne présente point une rectitude mathématique. Dans d’autres types, dont le cou est moins allongé et moins svelte, nous voyons la taille s'abaisser et les membres moins gréles, quoique présentant encore pourtant la prédominance de ceux de derriére sur ceux de devant : les sabots ne sont pas encore três-larges. L’ Antilope saiga (Antilope saiga, Pall.) se trouve dang ces conditions. L’Antilope cervichévre (Ant. cervicapra, Pall.) unit ce groupe à celni qui précède, comme le Camptan (Antilope sumatrensis) unit à celui des Ovis et des Capra. Le genre Anoa s’en rapproche également, mais déjà la forme générale est plus trapue. L’ Antilope leucoryx (Ant. leucoryx, Licht.) peut leur être comparée, aussi bien que l Addax (Antilope addax, Licht.). Mais, dans la première de ces espèces, la région cervicale est déjà plus trapue, ainsi que le corps. Dans |’ Adda, les sabots offrent, en outre, plus d’ampleur et une forme particulière. Dans les Bœufs, nous constatons l’existence de sabots forts, amplement étalés, avec une forme générale lourde et trapue, un cou plutòt raccourci. Il y a encore, cependant, prédominance du train postérieur sur l’antérieur : le genre Connochète (Connochetes, Licht.) est un lien d’union entre le groupe qui précède et celui des Boviens; car il nous semble eneore offrir des Membres assez gréles. Dans les Ruminants dont nous allons dire quelques mots, au contraire, les membres postérieurs vont avoir de plus en plus de la tendance à égaler le mem- bre antérieur sous le point de vue de leur allongement, et, même dans deux de ces Types, à lui être inférieurs. Nous voyons, dans la tribu des Cerviens, deux exemples de cette nature nous être présentés par les genres Elan et Renne, l'un et l’autre originaires des régions septentrionales des deux con- tinents. Dans tous les deux, le cou est plus court et sûrement plus trapu; dans le second, les sabots offrent l'ampleur et la forme qu’ils présentent chez PAddax, parmi les Antilopiens. Ajoutons que, chez Pun et l'autre, les Membres sont plus gros. Ce dernier caractère est étranger, an contraire, aux types d'Antilopes qui of- frent un certain degré d’égalité des deux paires de Membres. Il en est ainsi chez les diverses espèces dont M. Desmarest a formé le genre Egocére; chez l Antilope chevaline (Ant. equina, Geoffroy-Saint-Hilaire), chez PAntilope bleue (Ant. leucophæa, Pall.), chez le Nilgau (Antilope picta, Pall... Nous pensons qu'on peut leur associer PAntilope Oryx, du cap de Bonne-Espérance, ct son homo- logue d’Abyssinie, VAntilope beisa, de Rippel. I nous semble, en outre, que oF dans tous ces Types, la forme générale est encore assez élancée. Nous ne peu- sons pas qu'il en soit de même chez le Condoma (Antilope strepsiceros, Pall.), ni chez l’Antilope ellipsiprymne (Antilope ellipsiprymnos , Og.) : chez toutes les deux, la forme générale nous parait plus trapue. Nous croyons pouvoir assi- gner le même caractère à "Antilope orcas. Ajoutons que, dans tous ces Rumi- nants, le cou est encore gréle; mais, s'il est moins court que chez le Renne et Elan, il ne présente point le degré de gracilité qui caractérise le premier groupe dont nous avons d’abord dit quelques mots. Cette égalité entre les deux paires de Membres s'évanouit définitivement dans la Girafe et les Bubales, l’un et l’autre essentiellement habitants des terres africaines. Dans ces deux Ruminants, le train postéricur est surbaissé, à un moindre degré, cependant, dans le second que dans le premier. Chez tous les deux, la forme générale est svelte, mais le tronc proprement dit, ou l'espace compris entre les deux membres est plus raccourci; les membres sont gréles encore, et le cou est allongé. Chez les Bubales, dont les espèces originaires du Cap de Bonne-Espérance se rapprochent des espéces d'Antilopes plus normale- ment organisées, par le moindre affaissement de leurs membres postérieurs, cet allongement ne présente encore rien d'exagéré; mais, chez la Girafe, la ré- gion cervicale égale presque le corps en longueur, si méme elle ne le dépasse pas. Tous ces détails, en même temps qu'ils nous paraissent donner la confirma- tion entière et complète du fait général que nous avons indiqué, celui de la sub- stitution fonctionnelle, chez les Mammiféres ongulés, d'un organe á un autre organe, nous semblent également indiquer que les divers états d’allongement du nouvel instrument de préhension s'harmonisent, dans les espèces qui les présentent, avec d'autres modifications extérieures, dont une explication plus satisfaisante nous sera, sans nul doute, fournie par une connaissance plus complète de leurs mœurs et de leurs habitudes. Quoi qu'il en soit des desiderata de la Science, à cet égard, les faits que nous venons d'exposer nous permettent de conclure que la substitution fonction- nelle, dont nous nous occupons, est surtout bien complête chez les Mammi- fères dont l'extrémité des membres est occupée par de véritables sabots. Nous devons ajouter, en second lieu, que ces ongles, ou, pour mieux dire, ces sa- bots sont disposés de telle fagon que la formule digitale est presque réduite à sa plus simple expression. Pour arriver, en effet, à état encore plus simple, nous n'avons qu'à supposer un type Mammalogique dont les extrémités des membres soient réduites à un seul sabot, ou plutôt à un seul ongle, plus large et plus étalé encore que celui du Renne et de l'Addax. Le genre Cheval nous présente 38 cet état de réduction, et, dans les diverses espèces qu'il a présentées jusqu'ici à l'observation, la région cervicale a toujours offert un allongement bien caracté- ristique. Nous n’observons point, parmi elles, les modifications variées que nous ontoffertes les Ruminants, modifications existant encore:chez les Pachydermes: Dans les Equidés ou Solipèdes, tous les caractères extérieurs sont dans un état parfait de concordance. La réduction, à saiplus simple expression, de la for- mule digitale, est accompagnée, en effet, de la prédominance des membres postéricurs sur les membres antérieurs, d'une part, et, d'antre part, de l'allon- gement de la région cervicale. Dans l'ordre des Pachydermes, ce dernier caractère est bien loin de se pré- istence aussi uniformes. Une seule famille, en senter avec des conditions d'e effet, nous en offre des exemples, et, à Vexception d'un seul genre, le genre Pécari, tous ceux qui la composent présentent le méme mode de composition la presque totalitó des Ruminants; ajoutons que les doigts sont digitale que deux en avant, deux en arrière. Tous les Suidés ont égale- disposés de méme, ment le cou allongé. Quant au genre Pécari, l'exception existe, il est vrai, dans le plus grand nombre des cas, pour le nombre des doigts dela patte postérieure, puisque cette dernière n’en présente que trois, mais Ja disposition est bien la même que dans les autres types génériques de la famille: car, au doigt posté- rieur unique correspondent deux doigts antéricurs. Nous devons ajouter que nous avons vu cette méme patte postérieure présenter quatre doigts, dans umindividu quia vécu à Ja Ménagerie du Musée de Paris. Dans ce fait, dont il nous est présentement impossible d’expliquer le mode de ‘production, l’anomalie, tout en éloignant Vindividu ‘qui était porteur du doigt surnuméraire, du type de forme spécial au genre dont fait partie d'espèce à laquelle vil appartenait, le rapprochait, au contraire, du type dela famille : il était moins Pócari pour deve- nir plus Suidé. Tous les autres Pachydermes, Hippopotame, Rhinocéros, Tapirs, Éléphants, présentent des formules digitales plus semblables, par leur disposition, àcelles des Mammifères onguiculés. Chez tous, sans mul doute, la forme des ongles:est lle des mémes organes chez les Ruminants, mais ils sont fort semblable à ce disposés sur une même ligne. La région cervicale devient alors plus raceourcie : mais, si la tailleplus amoindrie des Tapirs et des Rhinocéros, les habitudes aqua- tiques des Hippopotames facilitent, chez eux, l'acte de la préhension par l'organe buccal, cet acte offrirait au contraire, si l'exécution en était confiée au même organe, de grandes difficultés aux Eléphants doués d’une taille vraiment gigan- tesque. Lanature, (et, en cette occasion, il est impossible:de ne pas expliquer le fait par les causes finales), la nature y a pourvu par lamanifestation dela Trompe dont l’extrémité constitue, par suite des dispositions qu’elle présente, un véri- table instrument de préhension. Ainsi, nous voyons ce fait anatomique de l'allongement de la région cervicale coincider avec l'aptitude plus ou moins grande des espèces, des genres, des fa- milles et même des Ordres, à devenir des animaux essentiellement propres à la marche. Plus les extrémités de ces divers types d'organisation se trouvent pro- pres à remplir unesemblable fonction, plus la région cervicale voit s'aceroitre ses dimensions en longueur, quel que soit le développement relatif des deux membres; soit que le membre postérieur l'emporte en longueur sur l’antérieur, soit qu’une disposition, contraire se manifeste. Le symptôme extérieur de cette aptitude locomotrice réside dans la forme des productions cornées qui envelop- pent les extrémités digitales, et la disposition sur laquelle nous avons tant insisté est d'autant plus parfaite que le nombre de ces sabots a de la tendance à se restreindre. Les Solipèdes nous paraissent, en effet, constituer, sous ce point de vue, dans la Classe des Mammifères, le type le plus parfait d'organisation. L'allongement dela région cervicale, dans les Types mammalogiques qui pré- sentent ce caractére, a pour résultat de rendre excessivement difficile la produc- tion des phénomênes de phonation : chez les Cerviens, la voix ne se produit, en effet, qu’avec une extréme difficulté. Je ne sache pas, d'autre part, que, chez la Giraffe, aucun Zoologiste ait jamais entendu la production d'un son vocal. La locomotion, an contraire, quand elle doit s'exécuter par des mouvements vifs, rapides et précipités, est trés-favorisée par une semblable disposition qui di- minue le poids de la masse inerte qu'ont à déplacer les membres postérieurs Nous n'insisterons pas, au reste, sur les développements dont est susceptible la proposition que nous venons d'énoncer : ce serait sortir de notre sujet, les questions que nous aurions à traiter étant plutôt du domaine de la Physiologie comparée. De l'examen des diverses particularités présentées par les membres, les doigts et la région cervicale, dans les Types de Mammifères que nous venons de pas- ser en revue, nous sommes. naturellement conduits à celui du Prolongement caudal, qui, dans une foule de circonstances, se trouve venir en aide aux actes de locomotion de l'animal. Ce fait ne peut être mis en doute dans, beaucoup de ces Vertébrés, chez lesquels la face inférieure de cet organe, dans une plus ou moins grande partie de son étendue, est tout à fait dénuée de poils, présentant, par cela même, une véritable callosité longitudinale, plus ou moins comparable, évidemment, à la disposition offerte par les régions plantaire et palmaire. Quel- quefois même, comme chez les Didelphes et Micourés, cette callosité occupe presque toute l'étendue de cet organe, à partir de sa base 40 Nous n’apprendrons rien aux Zoologistes en ajoutant que les Mammifères qui se trouvent présenter une semblable disposition sont essentiellement grim- peurs, et voués à la vie arboricole. Un autre fait leur est également familier : c'est celui de la grande fréquence des Genres américains parmi les Types qui se trouvent dans ces conditions. Ainsi, parmi Jes Primates, aucun Singe de Pancien Continent, aucun Lémuridé, non plus, ne présente de queue calleuse : ni le Tarsier, ni 'Aye-Aye, ne diffèrent de leurs congénères, sous ce point de vue, Parmi les Singes américains. au contraire, nous voyons la callosité cau- dale très-manifeste chez les Hurleurs, Atèles, Eriodes, Lagotriches et Sajous : il en est de même du Potto, parmi les Carnassiers. La queue s’enroule bien, il est vrai, parmi les Genres de cet Ordre, chez les Paradoxures et Ictides, de même que dans certaines espèces du Genre Cercopithèque, parmi les Primates, mais il est súrement fort douteux qu’elle soit prenante. Ce dernier caractère est, au contraire, fort saisissable, et toujours parmi les Genres américains, chez les Coendous, Tamandua, Cyclothure, Didelphes et Micourés. Dans la sous-classe des Marsupiaux, enfin, nous le voyons se manifester également chez des Types océaniens (Couscous, Phalangers), Ainsi que nous Pavons dit, tous ces Genres sont essentiellement grim- peurs, et grimpeurs arboricoles. Chez tous, nous trouvons des formes essen- tiellement sveltes et légères, quoique ce caractère ne soit pas, par exemple, aussi saillant chez les Hurleurs et Lagotriches que chez les Atèles et Ériodes, ni chez les Didelphes autant que chez les Micourés. Nous devons ajouter que, dans tous ces genres, l'existence de ce caractère coincide avec l’atrophie, soit anatomique, soit fonctionnelle, d'un ou de plusieurs doigts, surtout au mem- bre antérieur. Ainsi il en est pour le Cyclothure et pour les Tamanduas, Coendous, Atèles, Ériodes, Didelphes, Micourés, Couscous, Phalangers. Chez ces derniers, le pouce, au membre postérieur, est encore opposable. il est vrai; mais ce doigt, quoique existant chez les Tamanduas, a sûrement cessé d'être suffisamment séparé de ses congénères, pour pouvoir remplir des fonc- S tions de même nature. Dans le Genre Coendou, ainsi que nous l'avons déjà È vu, le membre postéricur ne présente à son tour, à la place du doigt interne, qu'un large épatement calleux. Dans les autres Primates américains, dont la for- mule digitale est complète en avant, tels que les Hurleurs, Lagotriches, Sajous, | le pouce antérieur éprouve une véritable atrophie physiologique, car il ne pré- sente qu’à un faible degré les mouvements d'abduction et d'adduction. Ce fait, autrefois signalé par Et. Geoffroy Saint-Hilaire, a plus récemment été confirmé par les observations d'Azara et de M. Ogilby. Ce dernier Zoologiste qui, dans quelques-uns de ses travaux, a attaché une grande importance. pour la Classi- 41 fication, à l’existence, chez les Mammifères, d'un pouce opposable ou non oppo- sable, a même cru devoir, par suite de la présence du premier de ces caractères, chez la plupart des Lémuridés, de son absence chez les Singes Platyrhinins, mettre les premiers de ces Primates au-dessus des derniers. Dans le genre Cer- colepte, enfin, ont également disparu ces aptitudes au grimpement exécuté à Paide de Popposition du doigt interne à ses congéneres du membre antérieur. Jl nous parait, des lors, de toute évidence que, dans tous ces Genres, dont nous venons de constater, sous ce point de vue, l’état d'imperfection physiologique, le caractére d’organe préhenseur que présente le prolongement caudal est d'une grande utilité, pour les fonctions de locomotion qu'ils exécutent, aux animaux qui en sont doués. Il y a, dès lors, compensation de l'état d'imperfection des pattes antéricures, par le nouvel usage auquel est appelé un organe, dépourvu tout à fait de semblables fonctions, dans les autres Types de la première Classe de cet Embranchement des Vertébrés. Dans tous les Mammifêres dont la queue est calleuse, tantót dans toute son étendue, tantót seulement à son extrémité, elle présente généralement une grande longueur, de sorte que si elle ne dépasse point celle du corps entier, elle présente beaucoup de tendance à Pégaler. Chez d’autres espèces également grimpeuses, le même caractére subsiste encore, mais le prolongement caudal est en entier revêtu de poils. Il en est ainss, par exemple, chez celles dont les parties latérales du corps offrent des expansions membraneuses, qui aident beaucoup à Vexécution des sauts et des culbutes que ces divers Types sont forcés d'exécuter sur les parties les plus élevées des arbres, qui leur servent habituel- lement de lieu de séjour. Dans ces Genres, la partie inférieure de la membrane des flanes prend fréquemment son point d’appui sur l’un et l’autre côté de la base du prolongement caudal. Il en est ainsi, parmi les Insectivores, dans le genre Galéopithèque, que nous pensons, conformément à Popinion exprimée par M. Geoffroy Saint-Hilaire fils dans ses leçons au Musée de Paris, opinion énon- cée également par M. J.-A. Wagner dans ses derniers travaux (1), devoir être placé dans cet Ordre, où il représente les Ptéromys de l'Ordre des Rongeurs. Des dispositions semblables, pour les rapports de l'expansion membraneuse des flancs et de la base de la queue, nous sont présentées par les Ptéromys et Anomalures. Dans les espèces de l'un des Genres que nous venons de citer, dans les Anomalures, la face inférieure de cet organe est occupée, non plus par une large callosité, mais par une série d'écailles, peut-être de nature osseuse, adossées, en forme de toit, les unes à la suite des autres. L'usage (1) Supplément aux Mammifères de Schréber, vol. V, p. 522; 1855. 42 de ces pièces, qui n’ont été jusqu'ici observées que dans ce Genre, est encore, dans l’état actuel dela science, un véritable mystère, mais il est probable qu’elles servent à fixer l'animal dans ses divers mouvements d'ascension et de descente. Quel que soit le sort ultérieur de la conjecture que nous nous permettons d'é- mettre è ce sujet, constatons, à l’occasion des divers Types qui se trouvent dans les conditions que nous venons d’esquisser, que, chez tous, de même que chez ceux dont le prolongement caudal est en entier dénudé, ou bien présente une callosité, la forme générale est svelte et élancée. La formule digitale ne présente, chez les premiers, aucun doigt opposable à ses congénères, soit en avant, soit en arriére. Nous constatons, par conséquent, chez tous ces Types, une véritable dégradation; mais, tandis que chez les premiers, cette infériorité physiologique est compensée, pour Pacte de la fixation, par une nouvelle fonction dévolue à un organe qui y était jusque-là resté tout à fait étranger, chez les derniers, une compensation à peu près de même nature se trouve, à son tour, confiée à un autre système organique dont plus tard nous serons obligés de parler plus en détail. Mais, sans anticiper sur ce sujet, nous pouvons ajouter que, de même que chez les Galéopithèques, Ptéromys et Anomalures, la queue, chez les Chéiroptères, sert de support à la membrane qui se trouve exister entre les cuisses. Dans les Chéiroptères, l'existence de cet organe offre même de nom- breuses variations, étant tantôt court, tantôt allongé; ici libre, ailleurs en- gagé dans la membrane qu’il soutient. Nous ne pensons pas, du moins, si nous nous en rapportons à nos propres observations, que nous devons avouer. au reste, avoir besoin de répéter de nouveau avec plus de soin et plus d'esprit de suite, nous ne pensons pas qu'il soit possible de rattacher à quelque fait d'ensemble toutes ces variations. Tout ce que nous croyons pouvoir dire à ce sujet, c'est qu'il nous a semblé, qu'en général, le développement du prolon- gement caudal est en raison directe de la perfection d’organisation que présente l'animal pour le vol et la vie nocturne. Ainsi, les Roussettes se trouvent être les Chéiroptères les moins parfaitement organisés, et ce sont aussi les-Roussettes qui se trouvent présenter les variations les plus nombreuses sous le point de vue des divers états de l'organe caudal. Les Phyllostomes, les Vampires, sont, de toutes les Chauves-Souris, les mieux organisés, soit pour le vol, soit pour la vie nocturne : ce sont également ces Genres qui présentent, dans la disposition organique dont nous nous occupons, l’état le plus normal d'uniformité. Entre ces deux états extrêmes, les états intermédiaires sont extrêmement multipliés, et jusqu'ici, sans nul doute pour les motifs que nous avons énoncés plus haut, il nous a été impossible de nous rendre compie de ces variations. Constatons de nouveau, à cette occasion, mais en nous basant seulement sur les deux résultats que nous venons d'énoncer plus haut, que. chez les Chéiroptères, le développement du prolongement caudal vient puissamment en aide aux actes locomoteurs. C’est un fait de même nature que celui que nous avons signalé pour Jes divers types de Grimpeurs que nous venons de passer en revue. Mais, tandis que, chez ces derniers, nous avons observé quelques caractères d'infé- riorité, chez les Chéiroptères, au contraire, lorsque ces caractères se présen- tent, ils ne sont point accompagnés du développement d'une fonction harmo- nique dans un organe voisin. Dans cet Ordre, les états divers de perfection ou de dégradation se manifestent d'ensemble. Si, dans cet Ordre de Mammiféres, aussi bien que dans les divers Grim- peurs que nous avons examinés, le prolongement caudal vient en aide, ainsi que nous l'avons déjà dit, aux actes de locomotion qu’exécute l’animal, cet usage est loin d'étre prouvé, dans les divers Types dont nous allons nous occu- per, quoique le même organe se trouve présenter une grande longueur. Il en est ainsi, en effet, pour les Primates, dans les genres Nasique, Semnopithèque, Colobe, Myiopithéque, Cercopithêque, Cercocébe, à un moindre degré, au con- traire, chez les Macaques, dont une espèce, le Maimon, présente même une queue trés-courte. Les Théropithéques, la plupart des Cynocéphales, présen- tent, sous ce point de vue, un état intermédiaire ; mais, parmi les espèces de ee dernier genre, certaines, comme le Drill et le Mandrill, ressemblent au Mai- mon. De semblables inégalités nous sont offertes, parmi les Singes américains, par les Nychtipithèques, Saimiris et les Hapalidés, comparés aux genres Saki et Brachyure. Elles existent de même chez les Lémuridés, quand on met en regard les Makis proprement dits, les Cheirogales, Galagos, Microcèbe, d'une part, et d’autre part, l'Avahi, le Propithèque, le Pérodictique, et surtout l’Indri, Dans le genre Tarsier, la queue redevient allongée : il en est de méme, parmi les Carnassiers, chez les Paradoxures; dans l’ordre des Insectivores, chez les Tupaias; dans celui des Rongeurs, chez les E Écureuils, Tamies et Athérures. Dans la sous-classe des Marsupiaux, elle est courte chez le Koala. Si nous essayons, maintenant, sinon d'expliquer ces diverses variations, au moins de trouver les autres caractères qui, dans l’organisation extérieure de ces Mammifères, coincident avec ces variations, il nous sera facile de constater que, chez tous les Individus qui se trouvent présenter Porgane dont nous nous occupons, dans son plus grand état de longueur, les formes générales sont essentiellement sveltes et élancées. Il suffit de citer les genres Nasique, Sem- nopithèque, Colobe, Myiopithèque, Cercopithèque, Cercocèbe, Callitriche, Sai- miri, Nychtipithèque, Quistiti, Tamarin, Maki, Cheirogale, Microcèbe, Para- doxure, Tupaia, Écureuil, Tamie, Athérure, pour que toutes les personnes 44 auxquelles l'occasion de voir ces divers Types s'est déjà offerte soient con- vaincues de l’exactitude d'une semblable coincidence : ajoutons, en second lieu, que tous sont essentiellement arboricoles. Dans d’autres Genres, chez lequel le même organe est moins allongé, comme on Pobserve chez les Ma- caques voisins du Macaque ordinaire, la forme générale devient plus trapue; elle acquiert plus évidemment encore ce caractère chez le Maimon, le Théropi- thèque, les Cynocéphales, et surtout chez le Drill et le Mandrill. Mais, si les es- pèces de Macaques présentent encore des habitudes à peu près semblables à celles des Cercopithèques, peut-on émettre la même assertion en ce qui concerne les deux Genres et les deux Espèces dont les noms se trouvent plus haut cités? L'un d’entre eux, le Théropithèque, peut sûrement grimper sur les arbres; il le peut comme peuvent le faire, et comme le font les Ours dans nos Ménageries ; mais à l’état de nature, de telles habitudes peuvent-elles être attribuées à l'espèce unique qui compose ce Genre, qui peut-être se trouve en offrir deux, si nous en croyons les assertions, toujours si dignes d’être prises en considération, de notre illustre Schimper? Nous ne le pensons point, et jusqu'ici nous croyons que l’on peut considérer le Théropithèque, comme appartenant à la série des Espèces, que nous avons déjà quelquefois désignées sous le nom de Grimpeurs de rochers. Il nous semble exact, également, d'assimiler au Gélada, non-seule- ment le Cynocéphale du Cap de Bonne-Espérance, le Simia porcaria, de Bod- daert, mais encore l'espèce qui est son homologue en Abyssinie, et à laquelle nous avons, avec l'Observateur si sagace et si distingué que nous avons cité plus haut, imposé, il y a quelques années (1), la dénomination de Cynoce- phalus Doguera. Il nous est impossible d’être aussi aflirmatif pour Je Papion, pour le Drill et pour le Mandrill; mais, en nous laissant guider par Panalogie, nous ne pouvons que penser que, sous le point de vue des habitudes, tous ces Types se ressemblent. Cet état de brièveté de la queue, dans l’ordre des Primates, n’est point seule- ment particulier aux Singes de l’ancien continent; il se présente, ainsi que nous Pavons déjà dit, dans quelques Types américains, tels que les Sakis et Bra- chyures. Dans ces deux Genres, dont la forme générale est, au reste, élancée, ce caractère coïncide, de même que pour les derniers Types de Singes cata- rhinins que nous venons de passer en revue, avec une modification dans les habitudes que nous ne devons point passer sous silence. Si le Théropithèque, le Chacma, le Doguera, sont des Grimpeurs de rochers, les Sakis et les Bra- chyures ne paraissent point, dans l’état de nature, disposés à la vie arboricole, (1) Revue el Magasin de Zoologie, 1857, p. 150. 45» au méme degré que leurs congénères á queue prenante. Ils appartiennent, comme les Saimiris et les Nychtipithèques, à cette famille de Singes Platyrhi- nins qu'Étienne Geoffroy a désignée, dans quelques-uns de ses travaux, sous le nom de Géopithèques. Cette dénomination indique, avec toute évidence, qu'ils ne s'élèvent pas très-haut sur les arbres, et qu'ils sont plus familiarisés avec le séjour dans les broussailles et les parties creuses des collines et des rochers. Mais ces habitudes essentiellement terrestres sont-elles, du moins au méme degré, l’apanage des Callitriches, des Saimiris et des Nychtipithêques, qui, doués de formes encore plus gréles et plus sveltes, présentent cependant une queue plus allongée? 11 serait téméraire de notre part d'affirmer le contraire, de pré- tendre que les Espèces faisant partie de ces trois Genres sont plus arboricoles. Nous nous bornerons à affirmer que, chez elles, de même que dans tous les Types génériques qui se trouvent dans les mêmes conditions, l'allongement de la queue coincide avec une forme générale svelte et élancée. Ces deux faits sont essenticllement harmoniques, et les nouveaux exemples que nous venons de citer sont sûrement confirmatifs de tous ceux que nous avons déjà constatés. Dans d'autres Genres, appartenant également à l'Ordre des Primates, mais à la famille des Lémuridés, nous trouvons une queue presque aussi courte que celle des Brachyures, dans les genres Avahi, Propithèque et Pérodictique. Dans ce dernier, la forme générale, quoique Panimal soit Grimpeur, est plus trapue que chez la plupart de ses congénères, Makis, Microcèbe, Galagos. Dans les deux types Madécasses, au contraire, les membres présentent une disposition dont nous trouverons l’analogue chez certains coureurs, comme les Lièvres, Agou- tis, Dolichotis. Cette disposition consiste dans le grand allongement des membres postéricurs, allongement qui, dans le mouvement de marche de ces animaux, doit donner à leur corps une position trés-voisine de la station verti- cale. Cet allongement des membres postérieurs atteint son maximum d'évi- dence dans le genre Indri, et c'est aussi dans ce Genre que la queue, dans la tribu des Indrisiens, acquiert son dernier état de réduction. Ces divers exemples nous préparent à voir d'autres types de Grimpeurs chez lesquels le prolongement caudal est encore moins développé, ou plutót est tout à fait absent. Certains Primates se trouvent dans ces conditions; il en est ainsi des genres Gorille, Chimpanzé, Orang, Gibbon, Magot, Nycticèbe et Lori. Dans les quatre premiers, de méme que dans les deux derniers, cette disposition coincide avec l’excessif allongement, non pas des membres postérieurs, comme chez les Avahi, Propithèque et Indri, mais, au contraire, des membres anté- rieurs. Dans le cinquième Genre, enfin, dont la forme générale est plus lourde et plus trapue, le rapprochant par conséquent des Mammifères marcheurs, les 46 habitudes arboricoles peuvent bien encore exister; elles existent même : mais on peut dire, sans crainte d'être taxé d'inexactitude, que, à l'état de nature, c'est un vrai Grimpeur de rocher. Si nous quittons ordre des Primates, qui, par suite des dispositions offertes par le prolongement caudal, offre toutes les nuances et modifications possibles, nous trouvons, parmi les autres Mammifères, que Pon peut considérer comme étant tout à fait anoures, quoique ayant des habitudes de Grimpeurs, les Da- mans dans l'Ordre des Pachydermes, les Bradypodés dans celui des Édentés, le Koala dans la sous-classe des Marsupiaux. Dans ce dernier, dont les habi- tudes sont arboricoles, la forme générale est lourde et trapue. Les Damans, au contraire, qui different peu du Koala, sous ce dernier point de vue, sont plutot des Grimpeurs de rocher. Dans les Bradypodés, enfin, se trouve’ reproduit ce grand allongement des membres antérieurs que nous avons observé dans les Gorille, Chimpanzé, Orang, Gibbon, Nycticèbe et Lori. Les Bradypodés se »mblance, que justifient tant rapprochent surtout de ces derniers, et cette re d’analogies, sous le point de vue des actes de locomotion, est si facile a constater que, dans les ceuvres des auteurs antérieurs à Linné, les Nycticèbe et Lori sont désignés et décrits sous le nom de Paresseux du Bengale. Aussi, en essayant de résumer les divers faits que nous a présentés l'examen des dispositions offertes par le prolongement caudal, dans les Mammiféres grimpeurs, sommes-nous amenés à conclure que la queue offre, dans les Ani- maux doués de ce mode de locomotion, toutes les variations possibles de déve- loppement et d’étendue, depuis le plus extréme allongement, qui lui fait quel- quefois dépasser en longueur le corps de Animal, jusqu'à un avortement complet. La première disposition coïncide, en général, avec des habitudes essentiellement arboricoles, et des caractères de forme générale qui accompa- gnent de semblables aptitudes. Ajoutons que, dans les divers Types qui pré- sentent ces coïncidences, les manifestations de ces divers caractères sont essentiellement corrélatives. Plus P Animal est livré à la vie arboricole, plus les formes générales sont grêles et la queue allongée. Le fait inverse est éga- lement vrai : lorsque la queue est courte, les formes générales tendent à devenir plus trapues, et, si aucune nouvelle disposition d'organes ne vient compenser cette diminution d'aptitude aux actes de grimpement, ce mode de locomotion est tout à fait annihilé. La conclusion la plus générale à laquelle nous sommes conduit est, des lors, la suivante : Les états divers du prolongement caudal, dans les Mammifères grimpeurs, coim- cident, quel que soit Vélat de cet organe, avec les dats divers dela forme générale, Lorsque cette coincidence cesse d'exister, d'autres parties de l Animal prennent un 47 extreme développement; de sorte qu'il semble, en celte circonstance, que c'est par suite de l'extrême développement de ces autres parties que le prolongewent caudal se trouve dans des conditions anormales. Nous devons ajouter quelques mots sur la forme du méme organe dans les Mammifères grimpeurs. Quel que soit son état de développement et d'ampli- tude, qu'il soit court, três-allongé ou peu allongé, velu ou dénudé dans une plus ou moins grande partie de son étendue, toujours il est de forme arrondie. Nous u'observons done point, chez ces Mammifères, les différences de forme qu'il présente chez les Mammifères palmipèdes, où il est tantót aplati, comme chez les Cétacés, Castors, Loutres, Ornithorynques, tantót comprimé, comme dans le Desman de Russie, l'Ondatra, ailleurs arrondi, comme dans le Desman des Pyrénées, le Myopotame, les Hydromys et le Chironecte. Si, maintenant, nous passons en revue le développement du méme organe chez les Mammifères marcheurs, les uns onguiculés et les autres ongulés, les uns et les autres pouvant se livrer à l'acte de la course, nous voyons se mani- fester des différences semblables à celles qui nous sont offertes par les Grim- peurs. Ainsi, la queue est courte chez les Ours, Blaireaux, Taxidée, Mydas, Glouton, Ratel, parmi les Carnassiers ; chez les Taupes, Scalopes, Condylures, Urotrique, Chrysochlore, Hérisson, Tenrec, Érieule, parmi les Inseetivores ; chez les Marmottes, Campagnols, Lemming, Hamster, Porc-Épic, Éréthizon, Géoryque, Bathyergue, parmi les Rongeurs; chez les Sarcophile, Phascolome et Échidné, dans la sous-classe des Marsupiaux. Elle acquiert, au contraire, des dimensions plus fortes chez les Ratons, Coati, Mouffette, Zorille, Putois, Marte, Mangouste, Galidie, Galidictis, Genette, Cynictis, Bdéogale, Renard, Chien, Guépard, Chat, parmi les Carnassiers ; chez les Musaraignes, parmi les Insecti- vores ; chez les Spermophiles, Rats, Otomys, Echimys, Acomys, Pétromys, parmi les Rongeurs; chez les Tatous, Fourmillier, Pangolins, Orycléropes, parmi les Edentés ; chez le Thylacine, les Dasyures et le Myrmécobe, dans la sous-classe des Marsupiaux. Il y a, sans nul.doute, sous le point de vue du carac- tère qui nous oceupe, il y a, même parmi les espèces de ces divers Genres, bien des modifications que les-Zoologistes familiarisés avec les faits nous excuseroni de ne pas signaler, car cette énumération serait fastidieuse. Nous pensons, en effet, que les indications que nous venons de donner sont suffisantes pour Pé: noncé général de ces variations. En essayant de déterminer avec quelles conditions, les unes zoologiques, les autres dépendant des moeurs et des habitudes, coincident les divers états du prolongement caudal que nous avons exposés, nous constatons que la presque S a hae totalité des Genres qui se trouvent porteurs d'une queue raccourcie, offre é 48 lement des formes générales lourdes et trapues. Les genres Ours, Blaireau, Glouton, Taxidée, Mydas, Taupe, Scalope, Chrysochlore, Hérisson, Marmotte, Porc-Epic, Eréthizon, Bathyergue, Nyctoclepte, Sarcophile, Phascolome, Échidné, présentent de semblables caractères. Sous le point de vue de leurs aptitudes locomotrices, ces types génériques sont essentiellement marcheurs, et certains d’entre eux sont d'excellents Fouisscurs, circonstance qui est essentiellement liée à un séjour constant sur le sol. Quand le prolongement caudal s'allonge, les Mammifères chez lesquels se manifeste un semblable caractère offrent, au contraire, des formes plus sveltes et plus élancées. Ces formes sont três-perceptibles dans les genres Marte, Putois, Zorille, Galictis, Mélogale, Mangouste, Genette, Ichneumie, Cynictis, Bdéogale, Bassaride, Spermophile, Rat, Echimys, Dasyure, etc. Lorsque, dans certaines Tribus, se trouvent des Genres qui se trouvent présenter les deux dispositions caudales dont nous nous occupons, on voit de suite se ma- nifester la modification dans la forme générale qui leur est concomittante. Il suffit, pour constater le fait, de comparer les Ours aux Ratons et aux Coatis, les Thiosmes aux Monffettes, les Gloutons aux Galictis, la Civette aux Ge- nettes, les Lynx du Nord aux vrais Felis, les Marmottes aux Spermophiles, les Rats aux Campagnols, les Dasyures au Sarcophile et même au Thylacine, Tous les divers Genres dont le prolongement caudal est três-allongé présen- tent également quelques modifications dans leurs habitudes; chez eux, en effet, se manifeste Vaptitude aux mouvements vifs et rapides que nécessite la course; ils deviennent dês lors de véritables Coureurs. Ajoutons que, chez ces Mammi- feres, par:suite du nouvel acte de locomotion qu’ils peuvent exécuter, les mem- bres offrent, ainsi que nous Pavons déjà exposé, des formes différentes de celles que nous présentent leurs congénères plus habituellement marcheurs, et que rarement, pour ne pas dire jamais, ils n’offrent, dans leurs formules digitales, les dispositions de nombre et d'insertion qui sont l'apanage de ces derniers. Si, maintenant, nous nous adressons aux Marcheurs que nous désignons sous le nom de Marcheurs ongulés, nous observons que, chez eux, la queue existe gé- néralement, mais, qu’en définitive, elle est véritablement courte, caractère qui est surtout saisissable, lorsqu'on réfléchit à la taille de ces Mammifères. Il en est ainsi, parmi les Pachydermes, chez les Eléphants, les Rhinocéros, les Ta- pirs, les Hippopotames; elle devient plus allongée chez la plupart des Suidés, dont le caractère d’Animal de course est plus manifeste, et qui offre, dans la disposition de ses doigts, des indices de l’organisation des Ruminants, Il en est de même chez les Solipèdes, surtout par comparaison à son état chez les Pachydermes. Or, personne n'ignore que c'est dans cet Ordre de Mam- 49 mifères que se trouvent les Coureurs par excellence. Chez les Ruminants, enfin, le méme organe existe dans un état moyen de développement, quoique dans un des genres de cet Ordre, le genre Porte-Musc, il soit tout à fait absent. Cette circonstance est vraiment exceptionnelle, et nous ne pensons pas qu'il soit possible, dans l’état actuel de nos connaissances en Mammalogie, de pouvoir donner une explication un peu plausible de cette anomalie. Quoi qu'il en soit, il est impossible de nier que la présence de cet organe, dans les Ruminants, et, généralement dans un état de longueur très-normal, s'harmonise parfaite- ment, d'une part, avec les formes élancées qui leur sont particulières, et, d'au- tre part, avec les habitudes de course qui sont spéciales à ces formes. Sans nul doute, des variations existent, et il est impossible d'admettre et de prouver, d'une maniére mathématique, les diverses coincidences de forme et d'habitudes qui leur sont concomitantes; mais, cette pénurie d'explications est malheureuse- ment inhérente aux sciences naturelles; nous devons dês lors l'accepter, tout en la déplorant. Constatons, cependant, que ces faits s harmonisent avec ceux que nous avons signalés chez les Mammifères onguiculés, et ne leur sont opposés qu’en cette circonstance que le développement de la queue ne suit pas, chez les | Ruminants et Solipèdes, l'allongement du corps; au contraire, sous ce point de vue, la queue est plutót courte chez les premiers, tandis qu'il est bien loin d'en étre de méme chez ceux des Onguiculés dont nous avons ailleurs citó les noms. Sous quelle influence s'est produite, dansles types de ces deux Ordres, une sem- blable disposition? Comment se fait-il, par exemple, que chez les Loutres, chez certaines Martes, Mangoustes, Genettes, le prolongement caudal égale et quel- quefois même dépasse le corps en longueur, tandis que chez le Chevreuil, chez le Cerfpygargue, cet organe est réduit 2un véritable tronçon? Dans les exemples appartenant à cette double catégorie de faits essentiellement opposés, la forme générale est élancée, et les membres sont gréles. Il y a, cependant, une différence, une différence à signaler entre les uns et les autres : c’est que chez les Carnas- siers que nous avons cités, les membres postérieurs, quoique étant plus allon- gés que les membres antéricurs, ne présentent point cependant un état d'al- longement comparable à celui, qui nous est offert par les mêmes appendices chez les Ruminants. Existerait-il, en cette circonstance, une influence produite par le plus grand développement des membres postérieurs, influence qui, par- faitement concevable par suite du Principe du balancement des organismes, aurait contribué à Patrophie de l'organe caudal? La fonction de cet organe ne peut, en aucune façon, être invoquée pour expliquer ces différences. Il n’est guère, en effet, possible de penser qu'une queue raccourcie est plus propre à la course, chez les Ruminants, qu'elle ne Pest chez les Martes, Mangoustes et Ge- is 50 nettes. Cette opinion ne pourrait même pas s'appuyer sur la différence de dispo- sition des parties inférieures du même organe, entièrement occupées par les poils chez les Martes, Mangoustes et Genettes, tandis qu’elle est dénudée dans les Ru- minants, car, dans l'Ordre des Rongeurs, on trouve des Genres très-voisins, qui présentent, les uns une queue velue, les autres une queue écailleuse, sans qu'il soit possible d’expliquer cette différence par des différences fonctionnelles. Ajou- tons en second lieu que, dans les Mammifères, en petit nombre, il est vrai, chez lesquels le train postérieur est surbaissé, le prolongement caudal offre un certain allongement qui lui donne presque la longueur du trone : il en est ainsi chez les Hyènes, chez le Protèle, la Girafe et le Bubale. Les dispositions de cet organe offrent ainsi, dans tous ces Types, une certaine uniformité. Mais, il n’est pas possible d'émettre une semblable assertion, lorsqu'il s'agit des Ruminants, chez lesquels le membre postérieur reprend son caractère plus nor- mal de longueur, comme dans PÉlan et le Renne, parmi les Cerfs, dans les Égocères, parmi les Antilopes. Le rapport inverse de développement se trouve, dans ces derniers Types, beaucoup moins susceptible d’une détermination exacte, quoiqu'il soit facile de voir qu'un certain rapport lie entre eux la manifesta- tion de ces deux caractères. Incessamment, au reste, nous allons en citer quel- ques exemples empruntés à Pordre des Rongeurs. Le rapport qui existe entre le développement du prolongement caudal et Pa- trophie des membres postéricurs, est manifeste, cependant, dans une autre Classe de Vertébrés, dans celle des Batraciens. Ce rapport se constate facile- ment, chez eux, par l'observation; et les recherches des Embryologistes de notre époque ont établi ce fait sur des bases inébranlables. Tous les Zoologistes sa- vent, en effet, que si, à l'état adulte, il existe des Batraciens anoures, dont lun des principaux caractères consiste dans l'allongement des membres postérieurs, cet allongement n’existe pas dans leur état de jeune age. A ce moment de leur vie fœtale, si tant est que nous puissions employer cette expression, car le jeune Tétard estalors parfaitement libre dans tous ses mouvements, Ces Batraciens sont pourvus d'une queue, et d'une queue parfaitement bien développée : leurs membres postérieurs sont également formés, mais ils sont bien loin de présenter le degré d'allongement quils doivent offrir ultéricurement, et qui doit donner à certains d’entre eux, aux Grenouilles, par exemple, une aptitude si particulière pour le saut. Les Batraciens anoures présentent donc, alors, comme les Batraciens urodèles, pendant toute la durée de leur vie, des membres postérieurs courts et un prolongement caudal allongé. Quand ce der- nier organe commence à s'atrophier, puis finit par disparaître, les membres . postérieurs continuant leur développement, finissent par atteindre les propor tions qu'ils présentent chez les Batraciens anoures à l’état adulte. Ces divers fails sont parfaitement connus des Zoologistes, et il est facile, même à l'œil nu, d'en constater l'exactitude. S'il en est ainsi, et il est impossible de nier les détails que nous venons d'é- noncer, lé rapport que nous avons signalé plus haut entre le développement ‘inverse des membres postérieurs chez les Ruminants et l'allongement de la queue, rapport quisemble également confirmé par les divers exemples que nous avons empruntés à d'autres types, ce rapport, disons-nous, nous semble pouvoir être accepté, quoique, pour en donner la démonstration, la science ne dispose pas d'une série d'observations semblables à celles qui ontété faites sur les Batra- ciens anoures. Nous devons ajouter que, ainsi que nous l'avons déjà dit, certains genres de Rongeurs nous offrent des faits qui le confirment. Dans l'ordre des Rongeurs, en effet, il existe quelques Genres dont le mode de locomotion con- siste plutôt dans la course que dans le saut. Il en est ainsi des Agoutis, du Do- lichotis, d’après les observations récentes de M. Darwin, Les individus de ces deux Genres ressemblent, dès lors, tout à fait aux Lièvres, car de même que chezceux=ci, le prolongement caudal est très-rudimentaire, et les membres posté- rieurs sont bien développés. Ils présentent donc, ainsi que nous l'avons déjà fait observer, sous le point de vue de l’état des membres, mais en sens inverse, une disposition semblable à celle qui nous est offerte par les Singes anthro- pomorphes et par les Bradypodés. Chez d'autres Mammifères, spécialement, on pourrait même dire unique- ment attachés au sol, le prolongement caudal prend, au contraire, un três- grand développement. Ce Caractêre nous est offert, dans l’ordre des Insectivores, par les Macroscélides; dans celui des Rongeurs, par les Gerboises, Gerbo, Héla- mys, et, dans la sous-classe des Marsupiaux, par les. Potorous, Pétrogales, Kangurous et Dendrolagues. Dans tous ces Types, le mode le plus habituel de locomotion est le saut, et c'est le seul moyen qu’ils emploient pour déplacer leur corps, généralement doué de formes élancées. Ajoutons que leurs mem- bres postérieurs sont trds-allongés , leurs membres antérieurs, au contraire, raccourcis. C'est, par conséquent, une disposition inverse de celle qui nous est offerte par les Singes anthropomorphes, d'une part; par les Loris, Nycticèbes et Bradypodés, d’autre part. Dans tous ces Mammifères, si bien désignés sous le nom de Mammifères sauteurs, le prolongement caudal sert à accomplir une des fonctions les plus importantes de leurs actes de locomotion. Il leur constitue un point d’appui ini- tial pour déplacer le corps, et ce n’est qu'après avoir assuré par ce moyen leur base de mouvement que leurs membres postérieurs sont projetés en avant. Dans 52 cette circonstance, par conséquent, le prolongement caudal devient un des or- ganes les plus utiles à | Animal. Mais, nonobstant cette utilité, les formes qu'il présente ne sont point modifiées d'une maniére spéciale et n’offrent aucune par- ticularité qui puisse être comparée soit à son aplatissement chez les Castors et POrnithorhynque, soit à sa compression, d'un côté à l’autre, chez le Desman de Russie. Il n’offre pas non plus les divers états d'épilation que nous avons si- gnalés chez tant de Types de Mammifères grimpeurs. C’est à peine si, chez les Gerboises, on aperçoit dans les poils qui le bordent, une disposition particulière dont nous dirons quelques mots, lorsque nous exposerons les di- vers états du systeme phanérique, dans les Mammiféres auxquels ce travail est consacré. | Il ne serait cependant point tout à fait exact de regarder comme absolument vraie la disposition que nous venons d'indiquer. Chez certains Kangourous, en effet, Porgane caudal sert réellement d’organe de préhension, et ces animaux s’en servent avec beaucoup d'aisance pour emporter les herbes et les divers frag- ments de matières végétales, qui servent soit à leur alimentation, soit à la con- struction et à l'assainissement de leurs nids et terriers. Il en est ainsi chez les Bettongias ; aussi, chez ces Marsupiaux, la queue présente de fréquentes traces de nudité, etméme, chez certains d’entre eux, elle est, à peu près en entier, dépour- vue de poils. Mais, cette disposition du prolongement caudal chezles Mammifères sauteurs est vraiment exceptionnelle; celle que nous avons indiquée plus haut est sûrement la plus fréquente, même chez les Kangourous arboricoles, tels que les Dendrolagues. Nous n’apprendrons rien aux Zoologistes familiarisés avec les faits qui confir- ment, en Mammalogie, le principe du balancement des organes, en rappelant ce que nous avons déjà dit, que, chez les Mammifères sauteurs, par suite du grand développement des membres postéricurs, les doigts latéraux sont atro- phiés en arriére, et quelquefois même tout à fait absents. Ainsi, dans les Macroscélides, le doigt interne est trés-rudimentaire; ainsi, une espèce de Ger- boise a recu de M. Lichtenstein le nom de Dipus tetradactylus, et, dans les espèces de Gerbos, il n’existe que trois doigts. Dans tous ces Types, l'insertion des doigts latéraux sur le métatarse s'opère, en outre, plus haut que chez leurs congénères, qui ne présentent point ce grand développement des membres pos- térieurs. Il en est ainsi dans les espèces du genre Dipus, dans Pedetes Capensis pour le doigt externe; les Kangourous sont, sous ce point de vue, semblables à l'espèce de l’Afrique australe. Mais, quelque grand que soit Pintérêt que présentent ces divers faits, ils le cèdent en importance à celui qui nous est offert par l'utilité physiologique qu’ac- DI quiert, chez les Mammifères sauteurs, le prolongement caudal, devenu, en quel- que sorte, la base du mouvement de progression. Par cette particularité de leur organisation, les Mammifères sauteurs s’isolent tout à fait des autres Types de la méme classe, et ils nous présentent un des exemples les plus remarquables du grand principe de Physiologie comparée d'après lequel un organe, parfois rudi- mentaire et sûrement inutile dans certains Types, acquiert, dans des Types voi- sins, une importance fonctionnelle dont la manifestation décèle à tous les yeux la grandeur majestueuse de la création. Si nous avons donné une certaine extension à la partie de ce paragraphe, consacré à l'état des membres chez les Mammifères marcheurs et grimpeurs, qui concerne les divers états de la queue chez ces Vertébrés, c’est, nous devons l'avouer, parce que nous n'avons pas trouvé dans les écrits des Zoologistes la plus minime tentative pour essayer de rattacher à quelques vues d'ensemble les variations de brièveté ou d'allongement que présente cet organe. Cette omission, au reste, est bien loin de nous surprendre, car nous ne savons que trop, par des exemples multipliés, que lorsque la fonction d'un organe, en Zoologie, n’est pas perceptible, au premier coup d'œil, par quelque particularité de forme ou de structure, on n'hésite pas à regarder les modifications diverses qu'il pré- sente comme dénuées de toute importance. Et cependant, ainsi que nous croyons en avoir donné, dans les lignes qui précèdent, des preuves nombreuses, ces mo- difications sont presque toujours sous la dépendance des formes générales de l'Animal, en rapport, par conséquent, avec sa manière de vivre, avec ses habj- tudes. Il en est ainsi du prolongement caudal; aussi, nous paraît-il possible de résumer, ainsi qu'il suit, les divers rapports sur lesquels nous avons tant insisté. 1º Lorsqu'an Mammifère est essentiellement doué d'une forme générale lourde et trapue, que ses habitudes sont essentiellement marcheuses, le prolon- gement caudal est remarquable par sa brièveté. (Exemples : les Genres Ours, Blaireau, Ratel, Taxidée, Mydas, Glouton, Hérisson, Taupe, Scalope, Chryso- chlore, Marmotte, Porc-Épic, Éréthizon, Phascolome, Echidné.) Cette brièveté, soit d'une manière absolue, soit, par rapport à Pallongement total du corps de l’animal, s’observe même dans les Types de Mammifères dont les extrémités sont terminées par des sabots, que leur nombre soit unique ou multiple. Il en est ainsi, dans le premier cas, chez certaines espèces de Cerfs (Cerf commun, Cerf Wapiti, Chevreuil) et chez le Porte-Muse, dans le second, chez les Soli- podes, Pachydermes et Ruminants. Dans ceux de ces derniers Types qui présen- tent des formes élancées, cette modification de la forme générale est, par con- séquent, sans influence aucune sur Porgane caudal dont les divers états de 54 brièveté ne peuvent être expliqués, par suite de sa nullité physiologique, que par le développement des membres postérieurs, influence très-active dans certaines circonstances, absolument insignifiante dans d'autres. Il paraît, dês lors, plus logique d'admettre que la brièveté de la queue, à quelque degré qu'elle se présente, qu'elle soit absolue ou qu’elle soit relative, et quelle que | soit d’ailléurs la forme générale de PAnimal, est un aractère inhérent à la faculté qu'il possède d’être essentiellement fixé au sol dans ses actes de loco- motiôn. 9 Lorsque le mouvement de pro aux membres postérieurs, les membres antérieurs servant, en quelque sorte, gée, très-fortement déve- de régulateur et de balancier, la queue est très-allong ar le point d'appui solide qu'elle fournit à Varridre du corps, elle Il en est ainsi chez gression sur le sol est uniquement confié | ba loppée, et, p facilite beaucoup le mouvement des membres postéricurs. È les Mammifères sauteurs (Exemples : G. Macroscélide, Gerbille, Mérione, Ger- boise, Gerbo, Hélamys, Kangourou, Potorou, Pétrogale). 3 Quand chez les Mammifères onguiculés, plus spécialement fixés au sol, le prolongement caudal vient à Sallonger, cet allongement coincide avec une modification de la forme générale, qui devient, des lors, plus svelte et plus élancée (Exemples : G. Raton, Coati, Mouffette, Renard, Chien, Marte, Putois, Galictis, Mangouste, Galidie, Galidictis, Genette, ete., ete.). Par suite de cette | zd: Es 1 ha x x ri . modification, les Genres et espèces qui la présentent deviennent plus aptes aux mouvements vifs et rapides dont se compose la course. Dans cette circonstance, ene est un caractère qui s'harmonise avec celui de la Pallongement de la qu générale devient svelte el élancée, en effet, et forme générale. Plus la forme plus Porgane caudal prend de Pamplitude. que, démontre súrement ce rapport que nous avons La comparaison des divers genres, dans la série mammalogi établi plus haut sur des preuves aussi nombreuses que vraies. yo Chez les Mammifères grimpeurs, le même rapport est tout aussi évident entre Ja forme générale et le prolongement caudal (Exemples : G. Semnopi- thèque, Colobe, Guenon, Cercocèbe, Macaque, Atèle, Sajou, Maki, Cheiro- gale, Microcèbe, Galago, Tarsier, Potto, Paradoxure, Tupaia, Écureuil, Coendou, Tamandua, Didelphe, Micouré, Phalanger, ete. ). Be Lorsque, chez les Mammifères grimpeurs, la queue devient plus courte, cette brièveté coincide, soit avec un changement dans la forme générale, qui devient dès lors plus trapue (Exemples : G.Magot, Daman), soit avec un excessif allongement de Pune des paires de membres (Exemples : G. Gorille, Troglo- dyte, Orang, Gibbon, Indri, Lori, Nyeticèbe, Bradype, Cholèpe). Dans cette dernière circonstance, la vie arboricole est essentiellement familière aux Mam- 93 mifères qui présentent de semblables caractères. Dans la première, au con- traire, les Mammifères ainsi organisés sont encore aptes, sans nul doute, à grimper sur les arbres, mais, plus habituellement, c’est dans les rochers qu'ils séjournent. Nous bornerons à ces quelques propositions le résumé des diverses observa- tions que nous avons déjà fait connaître, et nous ne pensons point qu'il soit nécessaire d'exposer de nouveau les autres dispositions qu'offre le Prolonge- ment caudal, dans les Types variés qui composent la Classe mammalogique Constatons seulement, à cette occasion, qu'en Zoologie il est parfois possible de rattacher à quelques principes, dont la réalité est incontestable, les divers états de développement qui nous sont offerts par des organes dont l'importance est quelquefois nulle sous le point de vue fonctionnel. CHAPITRE III. DU SYSTÈME PHANÉRIQUE CHEZ LES MAMMIFÈRES MARCHEURS ET GRIMPEURS Nous réunissons d'ensemble, sous cette dénomination, ainsi que nous l'avons déjà fait dans notre Mémoire sur les Caractères zoologiques des Mammifères aquatiques, les diverses productions de l’enveloppe cutanée, tels que les Poils, la Conque auditive et les Ongles. Disons d'abord quelques mots des états du Pelage. C'est une opinion présen- tement établie, sur des preuves multipliées, et d’une vérité incontestable, que les Poils sont allongés dans les Genres et les Espèces habitant les régions froides des deux Continents, tandis qu'ils sont courts, au contraire, dans les Genres et les Espèces habitant les régions chaudes. Dans les premiers Types, le pelage est, également, presque toujours plus moelleux; dans les seconds, plus rude au toucher. Le séjour des Animaux exerce quelquefois une influence semblable celle qui sé trouve produite par l'abaissement de la température, qui, même dans cette circonstance, est toujours l'agent le plus actif pour la fixation di l'état des téguments. Il est évident, en effet, que si, dans un pays chaud, les Genres et les Espèces, qui ont leur domicile dans les lieux élevés, se trouvent couverts d'un poil épais et doux au toucher, la cause doit en être attribuée à la prédominance, dans les régions alpines, d’un froid plus ou moins élevé, plus ou moins comparable, par sa rigueur, à celui des latitudes septentrionales. La 6 même cause nous paraît de nature à expliquer comment, d'une part, presque tous les Mammifêres aquatiques se trouvent dans ces mémes conditions, et, d'autre part, comment leurs congénères plus ou moins habitués à la vie nocturne leur ressemblent sous ce point de vue. Le mode de locomotion des Mammifères est-il de nature à influencer à son tour l'état du pelage? C'est la question que nous allons présentement tácher de résoudre, en essayant, si c'est possible, de mettre de cóté, au moins provisoire- ment, la circonstance concomitante de l'habitat. Or, le problème étant ainsi posé, si nous examinons les divers Genres qui se trouvent être des marcheurs par excellence, tels que les genres de Pachydermes et de Ruminants, nous con- statons que les premiers (Eléphant, Tapir, Rhinocéros, Babiroussa, Phacochêre, Sanglier, Pécari), sont ou absolument dépourvus de poils, ou ne présentent qu'un pelage sec et rude, Cette dernière particularité ne se présente même que dans les quatre derniers Types formant la famille des Suidés, et ces Types, par l'ensemble de leurs caractères, se rapprochent des Ruminants, et deviennent, par cela même, plus aptes à la course. Parmi les trois premiers Genres, au con- traire, les Eléphants et Tapirs ont la peau à peu près entièrement dénudée, et, chez les Rhinocéros, elle est couverte de plaques cornées, de dimensions va- vices. La brièveté et la rudesse du poil se retrouvent plus uniformémeut dans les Ruminants; parmi eux, l'espèce unique du genre Anoa et quelques Boviens offrent seuls quelque chose de comparable à la nudité dermique des Éléphants. Les Lamas, habitant les cimes des Andes, et l’Antilope Chevreuil (Antilope Capreolus, Licht. — Ant. lanigera, Desm.), originaire de PAfrique australe, sont, au contraire, couverts d'un poil laineux qui offre même un certain degré d’allongement dans le premier de ces Genres. Dans ce méme Type d'ani- maux ongulés, les Solipédes ressemblent, du moins dans leur état de nature, aux Ruminants. Par l'examen des Pachydermes, Ruminants et Solipèdes, nous sommes done conduits à cette conclusion que, dans les Mammifères ongulés, la présence et l'allongement du poil coincident avec une aptitude plus grande de PAnimal aux mouvements vifs et rapides qui composent la course. Nous retrouvons cette méme coincidence de caractéres dans la plupart des Carnassiers. Les genres Coati, Raton, Marte, Putois, Mouffette, Zorille, Galictis, Mouffette, Mangouste, Galidie, Galidictis, Civette, Genette, Ichneumie, Suricate, Cynictis, Bdéogale, Fennec, Mégalotis, Chien, Renard, Guépard, Chat offent un pelage allongé, aussi bien que les formes gréles et les aptitudes motrices qui sont propres aux Solipédes et aux Ruminants. Le même fait se manifeste pour les Inseclivores, Rongeurs, Edentés et Marsupiaux, qui se trouvent dans les 57 mêmes conditions zoologiques et physiologiques, tels que les Musaraignes, Spermophiles, Rats, Campagnols, Otomys, Fourmilier, Oryctéropes, Thylacine, Dasyures. En jetant les yeux sur cette double liste générique de Mammiféres onguiculés, il est facile de se convaincre que leur zone d'habitation est excessivement éten- due. Ainsi, à cóté des Cynictis, du Mégalotis, du Cap de Bonne-Espérance, se trouvent le Fourmilier des parties chaudes du nouveau continent, et les Thyla- cine et Dasyures de l'Australie. Le genre Rat, enfin, est le Genre essentiellement cosmopolite; de sorte qu'au premier abord, il semble que le principe de Zoologie que nous avons rappelé au commencement de ce chapitre, et qui est relatif aux rapports de l'état du pelage avec les conditions de température moyenne des lieux habités par les Mammifères, se trouve contredit par les faits. Cette contradiction n'est qu'apparente, car il est nécessaire de faire attention non-seulement à l'allongement des poils dans les espèces, mais encore à leur état de mollesse et de douceur, qui donne à ceux désignés sous le nom de soyeux, certaines des propriétés physiques du feutre et de la laine, et d'autre part, à Pabondance des poils laineux eux-mêmes. En ayant l’esprit attentif à ces nouvelles conditions, on s'aperçoit, par exemple, que chez les Mangoustes, de même que chez les Ichneumies, chez les Civettes, le pelage est plus rude au toucher qu'il ne Pest chez la Fouine, chez la Marte et surtout chez la Zibeline. L'étude des mœurs donne occasion de constater, ensuite, que, dans beaucoup de ces Genres, la vie nocturne subsiste, de sorte que la réunion de ces diverses cir- constances, dans les Mammifères onguiculés, dont la liste a été donnée plus haut, ne permet pas d’attribuer uniquement à leur mode de locomotion, l’état des téguments sur lequel nous insistons. Ces mémes coincidences s'observent dans des Types dont la forme générale, au lieu d'être svelte et élancée, est, au contraire, lourde et trapue. Qu'il nous suf- fise de citer, à ce sujet, les Genres Taupe, Scalope, Chrysochlore, Condylure, Spalax, Siphnée, Bathyergue et Géoryque. Dans tous ces Genres, essentielle- ment fouisseurs, circonstance qui les attache au sol, le pelage est remarquable par son état de mollesse et par sa douceur; ils sont tous, également, condamnés à la vie nocturne, ainsi que l'indique la petitesse de leurs yeux. Dans d’autres Genres qui, sous le point de vue de leurs formes générales, sont tout à fait semblables aux Taupes et aux Chrysochlores, mais dont la vie souterraine est moins active, le pelage est sûrement plus ápre et plus rude au toucher, quoique offrant un certain degré d'allongement. Il en est ainsi chez les Ours, Mélours, Hélarcte, Blaireau, Taxidée, Mydas, Thiosme, Marmotte, Nycto- clepte, Phascolome. Dans d'autres Types génériques, encore doués de formes 8 yO lourdes et trapues, encore: présentant une aptitude spéciale aux habitudes ter- restres, ce ne sont même plus des poils qui couvrent la peau, ce sont des épines, de véritables piquants. Les Hérissons, les Pores-Épics, Échidnés se trouvent dans ces conditions. Ces Typesssont peu nombreux, et dans les diverses Familles dela série mammalogique dont ils font partie, on leur trouve associés certains Genres dont la forme générale est plus svelte, plus élancée, et dont les piquants sont mélangés de poils doués: de leur structure normale. Nous pouvons citer, sous ce point de vue, le Tenrec soyeux, dans la famille des Érinacidés, le Coen- dou velu et! Éréthizon, dans celle des Hystricidés. Dans les Coendous, se mani- festent, il est vrai, des habitudes grimpeuses ; mais examen de ces espèces est bien denature à prouver qu'il n’existe pas de rapport nécessaire, chez les Mam- mifères, entre l’état physique du pelage et le mode de locomotion. A côté des Coendous, dont les piquants sont couverts de poils, se trouve, en effet, le Coen- ment dépourvu. Nous ne dow épineux, dont le corps en est a peu pres entière it dans les habitudes, voyons pas, d'autre part, soit dans les formes générales des différences vraiment tranchées entre PEchidné soyeux et l'Échidné épineux: Les Échimys, enfin, dans la famille des Muridés, sont excessivement semblables 1 aux Dactylomys et Lasiuromys, dont le pelage est bien loin d'étre composé de piquants. Si nous ajoutons que, dans une espèce de ce Genre, l'Échimys cayen- nensis, les jeunes ont le corps couvert de poils, caractère qui a donné lieu, d’après les observations récentes de M. Pictet, à la création de l'espèce connue ra pas surpris de nous voir conclure sous le nom d'Echimys selosus, on ne que, dans l'état actuel de nos connaissances en Mammalogie, il est impossible de formuler, d'une manière nette et positive, les conditions qui déterminent, sur le corps de quelques-uns de ces animaux, la présence des piquants. Ni l'habitat de ces Types, ni leur mode d'existence, ni leurs aptitudes locomotrices ne suffisent à cet égard; quelques-unes de leurs habitudes nous donneront probablement plus tard Pexplication de ces anomalies, qui n’annihilent, en aucune façon, Pob- servation que nous formulons, que les Genres, dont le corps est le plus unifor- ont une forme générale lourde et trapue, et sont, mément couvert de piquants, Les Hérissons et Pores-Epics offrent préci- dês lors, essentiellement marcheurs. sément une semblable combinaison de caracteres. L'examen comparatif des Mammifères dont le corps est couvert de plaques cornées, ainsi qu'on le voit dans les Tatous et Pangolins, donne lieu à un résul- tat de méme nature. Les angolins ont cependant des formes plus allongées“: chez les Tatous, excepté peut-être chez les Cachicames, les formes lourdes. el en con+ sont prédominantes, Nous sommes, avec ces Types d’ Edentés trapues urs, par conséquent avec des morcheurs : le même carac- tact avec des fot 59 tère peut être concédé, sans difliculté, à l’espèce unique qui compose le Genre Myrmecophaga, de même qu'aux Oryetéropes. Mais, chez ces derniers, aussi bien que chez son homologue d'Amérique, les poils reparaissent, tantôt peu abondants, tantót assez fournis. toujours rudes, cependant, et durs au toucher. Il est bien loin: d'en être de même chez les Tamanduas et Cyelothure; dans ce dernier surtout, le pelage est non-seulement allongé, mais encore très-doux et très-moelieux. Dans les Bradypodés, les Cholèpes ressemblent au Cyelothure ; mais dans les Bradypes proprement dits (Genre Acheus, de M. Frédéric Cuvier), le poil, quoique allongé, est encore assez roide et véritablement empreint de sécheresse. Nous sommes ici vis-à-vis de types de Grimpeurs, et déjà une-cer- taine uniformité se manifeste, du côté du pelage, entre des animaux qui, sous d'autres points de vue, offrent entre eux tant de traits de dissemblance. Cette uniformité est-elle plus constante, plus fixe dans les autres Mammi- fères, plus spécialement grimpeurs, qu'ils soient arboricoles ou grimpeurs de rochers? Une semblable conclusion, lorsqu'on passe en revue les divers Genres doués de ce mode de locomotion, nous paraît être l'expression de la vérité. Ainsi, dans la série des Singes de l'ancien Continent, le G , f ; lle, le Chimpauzé, les Orangs, Gibbons, Nasique, Semnopithèques, Colobes, Miopithêque, Cerco- cóbes, Macaques, Magot, Cynopithéque, Théropithèque, Cynoeéphales; dans celle de leurs congénères américains, les Hurleurs, Atèles, Lagotriches, Sajous, Callitriches, Saimiris, Oustitis, Tamarins, les poils sont allongés; chez certains, ils sont même laineux. Nous avons même omis, dans cette dernière liste, ceux des Cébiens qui sont nocturnes, Pétat physique du pelage se trouvant, chez eux, influencé par les habitudes. ll en est de même des Makis, Cheirogales, Hapalémur, Lepilémur, Microcèbe, Galagos, Pérodictique, ete.; chez tous, leurs habitudes d’animal, soit nocturne, soit crépusculaire, déterminent l'allongement et la nature moelleuse des poils. Nous:pouvons, dès lors, conclure, pour le mo- ment du moins, que, dans tous ces genres, l'influence extérieure est complexe et multiple. Mais une semblable cause ne peut être, de prime abord, invoquée pour expliquer la manifestation du même caractère, chez les autres Primates dont nous avons plus haut donné les noms. Un fait semblable à celui que nous venons de signaler chez les Singes est également facile à constater chez le Kinkajou et les Paradoxures, parmi les Carnassiers ; chez les Tupaias, parmi les Insectivores; chez les Écureuils, Ptéro- mys, Polatouches, Anomalures, Loirs, Dendromys, parmi les Rongeurs; chez les Phascogales, Didelphes, Micourés, Couscous, Phalangers, Acrobates, Koala, dans la sous-classe des Marsupiaux. Nous avons cité plus haut les observations relatives aux Coendous, aux Tamanduas et au Cyelothure. Ajoutons que, parmi 60 les Grimpeurs de rochers, les Lagotis, Kérodon, dans l'Ordre des Rongeurs, et les Damans, dans celui des Pachydermes, se trouvent également porteurs d'un pelage long et touffu. Mais ce serait, pour la plupart de ces divers Genres, ne faire attention qua l'une des faces de la question qui nous occupe, que de ne pas signaler que beau- coup d’entre eux sont, ou nocturnes, ou crépusculaires. Il en est ainsi sûrement du Kinkajou et des Couscous, chez lesquels le pelage est même plus laineux; il en est ainsi des Didelphes et Micourés. Nous voyons, dès lors, se manifester, en cette circonstance, cette combinaison multiple d'influences qui a déjà tant attiré notre attention, combinaison qui, sans annihiler entièrement les rapports qui existent, chez les Mammifères, entre l’état physique du pelage, d'une part, et leurs aptitudes locomotrices, d'autre part, ne permet pas de saisir, d’une ma- nière simple et facile, l'intime corrélation de ces deux ordres de faits. La même observation est applicable aux Grimpeurs de rochers, car ils séjournent, sinon toujours, au moins pendant une partie de leur vie, dans des endroits creux, dans das cavernes, ce qui les expose moins aux influences des températures élevées. Dans les Écureuils ét les Loirs, le rapport entre Pallongement du pelage et les habitudes arboricoles est plus facile à saisir; il le devient surtout, lorsqu'on compare, dans le premier de ces Genres, les espèces grimpeuses avec celles qui, comme les Sciurus fossor et Sciurus Levaillantit, se trouvent plus en con- tact avec le sol. Dans ces Types plus terrestres, le pelage est, en effet, plus court et plus sec. En résumant les diverses observations auxquelles a donné lieu, de notre part, l'examen de Pétat du pelage chez les Mammifères grimpeurs, nous sommes donc conduits à penser que notre conclusion doit êlre formulée à fait différente de celle qui est relative aux disposi- d'une manière tout me organique, chez les Mammifères marcheurs. Chez ces tions du même systè derniers, en effet, le pelage présente beaucoup de variations, depuis la nudité entière et complète de la peau (Genres Eléphant, Rhinocéros), jusqu’à cette qui constitue l'enveloppe cutanée en une fourrure excessivement disposition (Genres Taupe, Chrysochlore, Scalope, etc.). Des causes diverses bien fournie produisent ces variations que Jl nière absolue, soit à l'aptitude que présentent les animaux à devenir coureurs (Genres Cerf, Antilope, Cheval), soit à leurs habitudes nocturnes (Genres Pu- tois, Chien, Fennec, Megalotis, Chat, etc.) . Dans d'autres Types, cette abon- dance du poil paraît dépendre de Phabitation boréale des espèces, influence qui se combine fréquemment avec celles que nous venons d’enumérer en dernier licu. Chez les Mammifères grimpeurs, au contraire, quelles que soient les autres on peut attribuer, mais pas toujours d'une ma- | | 6! circonstances qui accompagnent les caractères présentés par les divers Types, le pelage est généralement long et touffu : Puniformité est presque absolue chez ceux de ces Types qui offrent un semblable mode de locomotion. Si, maintenant, nous essayons de nous rendre compte de l’existence d'un tel état du pelage chez les Mammifères grimpeurs, sommes-nous vraiment auto- risés à admettre qu'un tel caractère est sous la dépendance immédiate de leurs habitudes de locomotion? Nous ne le pensons pas, car nous ne voyons point le rapport qui peut, qui pourrait même exister entre ces deux faits. Une influence bien autrement générale, bien autrement active, nous parait, en cette circon- stance, exercer son action, comme elle l’exerce, produisant un semblable effet, chez les animaux crépusculaires et nocturnes. Chez ces derniers, le pelage est long et touffu, de sorte qu'ils se trouvent garantis des inconvénients qu'entraine à sa suite l'absence de chaleur qui se manifeste pendant la nuit ou après le coucher du soleil. Les Mammifères grimpeurs ne se trouvent-ils pas dans de semblables conditions, lorsqu'ils se livrent à leurs ébats aériens? Les Singes, soit de l'ancien, soit du nouveau Continent, dans les profondes foréts ow ils séjournent, ne sont-ils pas hors du contact des rayons solaires? La méme observation nous parait applicable aux Ecureuils, aux Ptéromys, aux Tupaias, au Cyclothure, aux Tamanduas, etc. Nous retrouvons, dés lors, dans le fait général que nous avons formulé de l’abondance du pelage, chez les Mam- mifères grimpeurs, une conformation du principe de Zoologie d’après lequel les animaux qui se livrent, lors de absence des rayons solaires, à leurs actes de locomotion, se trouvent préservés, par une disposition spéciale de leurs téguments, des dangers que peut produire l’abaissement de température. Les rapports qui existent entre le mode de locomotion et l'état des téguments ne sont done, en cette circonstance, que des rapports en quelque sorte secon- daires, de moindre importance, par conséquent, que ceux qui nous sont offerts par les formes générales et les divers états des membres. Nous voyons une confirmation du même fait dans l’état du pelage chez les Mammifères sauteurs. Chez tous, car nous ne pensons pas connaître une seule exception, le pelage est long et touffu : il en est ainsi, en effet, chez les Macro- scélides, parmi les Insectivores. chez les Gerbilles, Mérione, Gerboises, Gerbos, chez l'Hélamys, parmi les Rongeurs, chez les Potorous, Pétrogales, Dendroiagues etKangourous, dans la sous-classe des Marsupiaux. Cetteuniformité de disposition des téguments ne peut, en aucune facon, être attribuée à Phabitat de ces divers Types, car leur distribution géographique est très-varige. Les uns sont origi- naires d'Afrique, les autres de l’Asie, soit au nord, soit au sud de l'Himalaya : ceux-ci de l'Amérique du Nord, ceux-là de Ja Nouvelle-Hollande, de la Nou- 62 velle-Guinée, et d'autres Archipels de l'Océanie. Mais dans leurs mœurs doivent se trouver certaines particularités qui les assimilent aux Fouisseurs, leur don- nant pour lieux de séjour des terriers ou des crevasses du sol. En cette circon- stance, par conséquent, le caractère extérieur que nous signalons n'est que | médiatement influencé par les habitudes locomotrices. Nous pouvons encore citer, sous ce point de vue. deux Types génériques, excessivement semblables par les dispositions de leurs membres, mais chez lesquels les états du pelage È sont essenticllements différents : tous les Mammalogistes ont déjà sûrement | | nommé les Genres Agouti et Dolichotis. Les diverses espèces d’Agouti sont, en effet, couvertes d'un pelage rude el sec, quoique allongé, tandis qu'il est doux et moelleux dans l'espèce unique de Dolichotis qui habite la Patagonie. Nous ne pensons pas qu'il soit nécessaire de multiplier encore les détails relatifs aux dive plus rien de particulier à ajouter sur les diverses dispositions que présentent les poils dans certaines parties du corps chez quelques genres de Mammifères s propositions que nous venons d'émettre. Nous n'avons non grimpeurs. Bornons-nous à signaler que dans les Tupaias, dans beaucoup d’es- pèces d’Ecureuils, chez les Polatouches, dans certains Phascogales. dans les Acrob laissant ainsi un espace libre et dénudé entre ceux de droite et ceux de gauche : s, les poils de la queue divergent à partir du centre de cet'organe, ainsi se trouve déterminée la forme distique, ainsi dénommée par les Zoolo- gistes. Le même fait est facile à observer, dans la même région, chez certains types de Sautenrs, tels que les Gerboises et Gerbos. Ii en résulte un véritable aplatis- 3 sement du prolongement caudal, vraiment caractéristique dans Vespêce que M ces mêmes Types, les poils qui bordent les doigts latéraux on qui couvrent tons les: doigts (comme dans le Dipus hirtipes, Licht.) , acqniérent en outre une cer- taine rigidité. Cet état des. poils qui leur communique plus de résistance, el augmente, par conséquent, la base de sustentation de Vanimal, nous sembl Lichtenstein a décrite et fait figurer sousi le nom de Dypus platyurus. Dans vraiment présenter, sous le point de vue physiologique, une certaine impor- tance, surtout lorsqu'on réfléchit à la constitution sablonneuse des régions dans lesquelles séjournent ces espèces. Nous en dirons autant de Paplatissement de la queue, produit par la disposition que nous avons indiquée plus haut : | mais, chez les Grimpeurs, dont nous avons plus haut donné les noms, le but de | la forme distique, dans le prolongement caudal, ne peut, dans l'état actuel de nos connaissances en Mammalogie, être aussi nettement déterminé. Dans d'autres Genres, les poils s'allongent dans certaines parties dn corps. Ainsi se trouve formée la crinitre du Cheval et de quelques espèces de Certs 63 (Cerf commun, Cerf du Canada, Cerf d'Aristote, Cerf cheval, Cerf hippelaphe, Cerf pseudaxis). Chez quelques Antilopiens (Antilope Nilgau, Antilope Con- doma), les poils, tout en s'allongeant, se concentrent dans la région cervicale, et présentent de la rigidité. D’autres fois, comme chez les Bouquetins, c'est la région du maxillaire inférieur qui montre ces éxubérances pileuses. Remar- quons, à ce sujet, que dans les Antilopiens et Cerviens que nous avons cités plus haut, le siége de ces diverses dispositions est toujours au pourtour des conduits et tubes qui servent aux fonctions respiratoires, dont l'activité joue un si grand rôle dans les mouvements vifs et rapides que nécessite la course. Hest probable que Paceroissement de la circulation, dans des bulbes pileux si deve- loppés, est en rapport, dans les Types doués de tels caractères, avec les fonctions de locomotion. En signalant ce rapport, notre intention n'est, en aucune façon, de prétendre qu'entre ces deux ordres de faits la coincidence est absolue; nous disons seulement qu’elle existe, et elle ne doit súrement pas exister sans avoir son motif et sa raison d'être, quand nous réfléchissons surtout à ce que nous avons dit ailleurs (1), que la vie des Ruminants cératopbores, des Cerviens prin- cipalement, est une succession continuelle de crises Physiologiques. Ce même allongement des poils, et dans la même région, s'observe égale- ment dans un certain nombre de Types appartenant à d’autres groupes de la Classe des Mammifères. H en est ainsi, parmi les Singes, chez le Théropithèque gélada (Th. gelada, ls. Geoff.) etson congénère, le Theropithecus Senex, Schim- per, chez le Cynocéphale Hamadryas, chez le Papion (Cynocephalus Sphynæ, Desm.). De même que les Bouquetins, certains Genres du même Ordre en pré- sentent à la mâchoire inférieure : les Hurleurs se trouvent dans ces conditions. Certaines espèces de Saki sont très-chevelues, et les Brachyures, si isolés dans la série des Singes platyrhinins par la nudité de leur tête, offrent, cependant, dans la région seapulaire, des poils plus allongés. Chez les Colobus guereza ei vellerosus, le même caractère nous est présenté par ceux des flanes. Nous ne citons, que pour les rappeler, les faits relatifs à la crinière du Lion et à celle du Guépard. Dans ces divers Mammifères grimpeurs, les uns grimpeurs de rochers, les autres arboricoles, existent les dispositions organiques les plus propres à nous révéler des mouvements vifs et rapides; le même fait se présente également chez les deux Carnassiers que nous venons de nommer. Les uns et les autres nous paraissent confirmer la coïncidence que nous avons déjà signalée, chez los Ruminants, entre le caractère cutané auquel sont consacrés tous ces détails et (1) Monographie des espèces du Genre Cerf (Archives du Muséum, vol. VI, p. 299). 64 les habitudes locomotrices. Jl y aurait seulement lieu de s'étonner qu'il existe quelques points de contact entre des Mammiféres appartenant à des ordres si éloignés, et si différents sous d'autres points de vue, si nous ne savions que, dans le cadre de comparaison que nous établissons en ce moment, nous ne faisons attention qu'aux concdrdances qui nous sont offertes par un seul des modes d'existence de ces divers Types, et que déjà, entre les uns et les autres, nous avons constaté beaucoup de ressemblances. Nous allons, au reste, en voir encore quelques-unes se produire. Disons d'abord quelques mots d'autres allongements de poils qui, chez les Ongulés ruminants, se manifestent sur les membres, et qui ont recu le nom de Brosses. Us occupent le voisinage de Particulation tarso-métatarsienne, pré- sentent une certaine rigidité, et n’ont été observés que dans la tribu des Cer- viens. Quel est Vusage de ces amas de poils, plus ou moins roides? Quelle est leur forction? Le mutisme de la science est complet à cet égard, aussi bien que sur le mode d'action des manchettes de P'Ovis tragelaphus. Constatons, seulement, que c’est sur les membres que se présentent ces développements du système pileux : c'est un fait du même ordre que celui que nous avons signalé plus haut. Ces productions cutanées sont toujours au service des organes es- sentiellement destinés aux actes de locomotion, indice évident qu'ils ne doi- vent point être étrangers à ces actes eux-mémes. On peut même comparer les brosses a ces poils rigides qui, dans certaines Gerboises, garnissent quel- ques parties du pourtour des doigts : le lieu de leur manifestation est seule- ment différent. Dans d’autres espéces, mais dont le nombre est moins considérable, ce ne sont plus seulement les dépendances du système cutané qui présentent un certain allongement, c'est la peau elle-méme qui devient pendante sur la face inférieure du cou. Il en est ainsi dans le genre Bœuf, encore, par conséquent. dans un Type de l'Ordre des Ruminants, et ce caractère a encore son siége dans une région placée au voisinage de Porgane respiratoire. Des excroissances cutanées se manifestent bien dans d'autres Types, appartenant à d'autres grou- pes, mais c'est dans la région faciale, encore au voisinage de l'organe respira- toire, qu’elles sont situées. Elles ont été observées, entre autres, dans l’Espéce anciennement connue du genre Orang, dans l'Orang roux (Simia satyrus, L.), de même que dans certains Suidés. Ajoutons, à cette occasion, que ces der- niers Mammiteres sont presque des Ruminants, et que le Primate cité plus haut est, au suprême degré, un Grimpeur arboricole. Cette manifestation d'excroissances cutanées n’est pas, au reste, plus étran- ère à l’organisation des Marcheurs ongulés que l'allongement de la peau ne 65 Vest à celle des Mammifères grimpeurs. Parmi les premiers, les espèces du genre Chameau portent des bosses dorsales, et, parmi les seconds, il existe, sur les flanes, des expansions membraneuses chez les Ptéromys, Sciuroptêres, Ano- malures, Pétauristes, Acrobates et Acropètes. Nous pourrions ajouter au premier exemple que nous avons cité, celui des développements de substance grais- seuse, soit à la base de la queue, soit ala face inférieure du méme organe, dans quelques types du Genre Ovis ; mais, par suite de l’influence possible de l'état de domesticité sur la production d'un tel caractêre, ces faits nous paraissent avoir moins d'importance que ceux que nous avons empruntés à la famille des Camé- lidés. Constatons, seulement, encore une fois, que la position de leurs bosses est dorso-thoracique, et que les expansions membraneuses de nos genres de Grimpeurs sont essentiellement au service des organes actifs de la locomotion. Dans d'autres circonstances, la surface cutanée est dénudée. Sans parler de l'état calleux de la région fessière dans la presque totalité des Singes de l'ancien Continent, ni de celle du prolongement caudal dans certains types de Mammi- fères grimpeurs, nous pouvons citer la callosité de la région antérieure du tho- rax, chez le Théropithêque gélada et chez le Theropithecus senex. Un fait sem- blable à celui que nous venons de citer en dernier lieu se présente chez les Chameaux. Dans ces deux Primates, comme dans le Ruminant, la modification de structure de la surface cutanée se manifeste au voisinage des organes respi- ratoires : c’est un exemple de plus à ajouter à ceux que nous avons déjà signa- lés, pour établir que c’est une des deux corrélations qui se produisent, lorsque la peau se trouve, soit d'ensemble, soit dans ses parties constituantes, éprouver quelques modifications. Par les divers détails que nous venons de donner, nous n'avons point encore épuisé la liste de ces modifications. Il arrive quelquefois, en effet, que dans cer- taines régions de la surface eutanée, se manifeste une sécrétion, habituellement due à de petites glandes, qui, tantôt, sont tout à fait visibles, et, d'autres fois, sont enfoncées dans de petites poches. Les divers Types de Marcheurs ongulés, connus sous le nom de Ruminants, présentent ces deux dispositions dans leurs organes glandulaires extérieurs. Ainsi, les larmiers de beaucoup d'espèces de Cerfs (Cerf d'Europe, Cerf du Canada, Cerf d' Aristote, etc., etc.,) sont proté- gés dans leur pourtour par une surface osseuse, et la cavité qu'ils occupent est bien visible sur le cráne. D'autres fois, le larmier est tout à fait superficiel, indiqué seulement par une dénudation de la peau devenue onctueuse. Les petits Cerfs d'Amérique, connus sous le nom de Cerfs daguets (Cervus rufus, Cervus rufinus, Cervus nemorivagus, Cervus humilis), les espèces d'Antilopes qui leur sont si semblables par la taille, quelquefois même par la couleur (Ant. mergens, 9 66 Antil. melanotis, ete.) présentent une semblable disposition des eryptes fa- ciaux. Dans la grande Antilope d'Afrique, connue soús le nom d'Antilope Dama, que lui a imposé Pallas, le larmier est encore plus rudimentaire. Dans ces di- vers types, par conséquent, l'amas erypteux cutané se trouve au voisinage de la région nasale, d'une région dont le principal organe est en rapport immédiat avec les organes respiratoires. Nous ne prétendons pas, en signalant ce fait, qu'il y ait communication entre le larmier, d'une part, et la cavité des fosses nasales, d'autre part. Nous constatons seulement un rapport de position, in- signifiant au premier aperçu, mais acquérant un certain degré d'intérêt, d'im- portance, peut-être, lorsqu'on réfléchit aux liaisons physiologiques qui existent entre les fonctions respiratoires et les actes locomoteurs. Ce n’est point seulement à la région céphalique que se trouvent, dans l'Ordre des Ruminants, les glandules crypteux : la région inguinale et l’espace cutané, entre les ongles antérieurs des pattes, en présentent également. Dans l'une et Fautre région, ils ont une certaine profondeur, moindre, cependant, entre les doigts, que dans Paine. Quoi qu'il en soit des divers états de variation des poches inguinales et des pores interdigitaux, généralement observés dans les Antilo- piens proprement dits, il n'échappera à personne que, par leur position, ces glandes se trouvent au service des organes de locomotion, ici à leur base d’in- sertion sur le tronc, là à leurs extrémités libres. Nous voyons, pour ces divers appareils de sécrétion, se manifester le double fait de corrélation quenous avons déjà signalé, à l'occasion des diverses modifications qui nous ont été offertes par le tégument externe et ses dépendances. Pour être complet, cependant, nous devons avouer que dans certains Types de ces Mammifères ongulés, il existe quelques glandes qui ne se trouvent dans aucune des conditions que nous venons de mentionner. Il en est ainsi de la glande dorsale de l’Antilope Euchore, de la glande postauriculaire du Chamois. A la rigueur, il est vrai, ces deux faits peuvent ne pas paraître exceptionnels, par suite des rapports de la région dorsale avec les organes locomoteurs, et de ceux de l'oreille avec la bouche. Mais, aucune de ces explications ne peut vrai- ment s’appliquer à la glande préputiale du Porte-Musc (Moschus moschi- ferus, L.). C'est un de ces appareils dont il est impossible de rattacher la pré- sence à la vie générale de PAnimal qui en est doué. Ajoutons que, d’après les recherches les plus récentes des Mammalogistes modernes, le Porte-Musc et les Chevrotains n’offrent que très-imparfaitement les divers traits de l'organi- sation typique des Ruminants. Il n'est point, dès lors, surprenant que Pun de ces Genres présente une particularité organique, dont il est à peu près impossible de se rendre raison. 67 Rien de semblable à ce grand développement des organes glandulaires ne se présente dans les autres Ordres de la Classe des Mammifères. C'est à peine si, parmi les Pachydermes, on peut citer la glande temporale de l'Éléphant et la glande dorsale des Pécaris. Et cependant, entre les Pachydermes, les Suidés surtout, et les Ruminants, les points de contact sont si nombreux que des Zoologistes modernes n'ont point hésité à réunir ces deux Ordres en un seul! Si, maintenant, nous passons en revue les autres Types de la Classe mamma- logique, et, si nous les examinons sous le point de vue de leurs aptitudes loco- motrices, nous constatons, également, que les appareils de sécrétion de la surface cutanée sont excessivement rares parmi eux, et essentiellement isolés dans une partie du corps de PAnimal. Ainsi, parmi les Grimpeurs, soit arboricoles, soit rupicoles, nous ne savons pas si c'est une glande qui, dans le Daman du Cap, produit Phyraceum; il nous serait même fort difficile de dire si les autres es- pèces du Genre séerètent cette substance. Dans POrdre des Carnassiers, au con- traire, un certain nombre de Types génériques (Putois, Mouffette, Mangouste, Civette, Genette, Renard, Fennec) présentent une glande, soit à la base de la queue, soit dans le voisinage de la région anale. Or, tous ces Mammiftres, par leurs formes élancées, par le développement de leurs membres postérieurs, et dès lors par leur aptitude à la course, offrent quelques traits de ressem- blance avec les Ruminants. Dans d'autres Genres, les uns faisant partie de l'Ordre des Insectivores, les autres de celui des Rongeurs, c'est quelquefois à la base de la queue, comme on l'observe chez le Desman de Russie, les Con- dylures, VOndatra, que se trouve situé l'organe erypteux; d'autres fois, au contraire, comme chez les Campagnols, les Rats, les Musaraignes, c'est le long des flanes qu'il se manifeste. La première disposition reproduit celle que nous avons déjà signalée chez quelques-uns des Carnassiers dont les noms sont cités plus haut; mais, ni Pune ni Pautre ne peuvent sérieusement donner lieu aux considérations, auxquelles nous nous sommes livrés, à l'occasion de ces” cryptes, chez les Ruminants. Ajoutons que quelques Zoologistes ont émis l'opinion que les glandes anales des Carnassiers leur sont utiles, pour se reconnaitre dans les divers actes de leur vie nocturne. Cette opinion peut étre vraie, mais il est évident pour nous que cette aptitude fonctionnelle est de peu d'importance dans la vie de ces étres, généralement disposés à des habi- tudes d'isolement. Il serait peut-être plus légitime de conclure, comme nous l'avons fait en citant la glande préputiale du Porte-Muse, que la position de ces organes, aussi bien que leurs fonctions, ne paraissent pas avoir la moindre relation avec la vie des Animaux qui les possédent. Quelles que soient, au reste, les fonctions qui penvent être attribuées par les 68 Zoologistes aux divers glandules répandus sur la surface cutanée des Mammi- fores, nous ne pouvons passer sous silence les autres types qui présentent quelques organes de même nature. Ainsi, parmi les Mammiféres sauteurs, par exemple, il existe, dans le Macroscélide de Rozet, d'aprês les observations de M. J. A. Wagner, une petite glande à la base de la queue. Chez les Chei- roptéres, Vautre part, dans le genre Pédimane, M. Temminck en a signalé une, située au cou et à la partie supérieure du thorax. Dans d'autres Types, c'est sur la face, comme chez le Vespertilion murin, sur la région buccale, comme chez le Cholèpe unau et la Marmotte. Ces divers faits indiquent que, dans ces derniers Types, il existe une disposition anatomique assez semblable à celle des Larmiers, pouvant, par conséquent, jusqu'a plus ample informé, donner lieu aux mêmes conclusions. Les glandes inguinales des Lièvres ne rappellent-elles pas, d'autre part, celle des Ruminants ? Tl est probable, au reste, qu'a mesure que l'esprit des observateurs sera plus attentif à l'examen des caractères de structure présentés par la partie dermique de la peau, le nombre des Genres présentant des glandules cutanés s'augmen- tera de jour en jour. Alors, seulement, ¡l sera possible de connaitre leur véritable usage, car nous n'avons, en ce qui les concerne, exprimé jusqu'ici que des rapports, dont l'exactitude ne jette pas la moindre lueur sur les aptitudes phy- siologiques de ces organes. Constatons, pourtant, une fois de plus que c'est surtout chez les Mammiféres le plus essentiellement voués à la marche, dans leurs divers Types, que sont surtout multipliés ces divers eryptes et follicules cutanés, et que ce n’est qu'exceptionnellement qwils se manifestent dans les autres Ordres, dont les Genres et Espêces sont même bien loin d'étre aussi largement doués sous ce point de vue. Ce grand développement du systéme folliculaire de Penveloppe extérieure coincide, chez les Ruminants, avec la réduction, presque à sa plus simple expression, de la formule digitale. Quel rapport unit ces deux ordres de faits? Il serait téméraire de l'expliquer ; qu'il nous suffise de l'avoir signalé. Pour compléter les détails relatifs aux caractères généraux de l'enveloppe cutanée, chez les Mammifères marcheurs et grimpeurs, nous devons ajouter que ces agglomérations de poils rigides que Pon observe chez les Mammifères ongulés, au pourtour des membres, et que Pon désigne sous le nom de Brosses, ne se retrouvent point dans les Marcheurs onguiculés. Les Meles, Thiosmus, Mydas, Ursus, ete., ne présentent rien de semblable. Terminons, en disant que les diverses expansions et nudités de la peau que nous avons constatées dans les Mammifères grimpeurs, sont également absentes dans ces mêmes Types. CONQUES AUDITIVES. De l’examen des téguments et des modifications qu’ils subissent, dans leurs rapports avec les fonctions de locomotion, nous sommes conduits à celui des Conques auditives. Dans ce nouveau sujet d'études, le problême à résoudre offre un plus grand intérét, par suite de la liaison de cet organe avec les fonc- tions de l’audition, l’un des sens les plus intimement liés à celles de Vintelli- gence. Par ce sens, ainsi que le savent les Physiologistes, aussi bien que par celui de la vue, les Animaux se trouvent, en effet, essentiellement en rapport avec le monde extérieur. Si, maintenant, nous passons en revue, sous le point de vue du développement de la Conque auditive, les divers Genres de Ruminants et de Pachydermes, Mam- miféres marcheurs par excellence, nous constatons, entre les uns et les autres, des dissemblances qui, au.premier coup d'ceil, sont de nature à produire un certain étonnement. Chez les Ruminants, en effet, l’oreille est largement étalée, quelle que soit Pespéce dans laquelle nous l’observions, que ce soit un Camé- lidé ou Cervidé, ou bien un Animal appartenant à la famille des Moschidés. Dans la seconde de ces Familles, chez certains Types du genre Capra, à l'état domestique, il est vrai, ces organes sont tellement développés qu'ils deviennent pendants, le long du cou, prenant ainsi, par suite de Pallongement qwils éprou- vent, une position tout à fait anormale. Quant aux autres Ruminants, quel que soit le climat dont ils sont originaires, qu'ils habitent les régions tempérées ou équatoriales, les glaces polaires ou les zones tropicales, toujours la Conque au- ditive est normalement étalée. Il est vraiment impossible d'émettre une assertion semblable pour les Pachy- dermes, quoique presque tous soient, comme la plupart des Ruminants, origi- naires de localités situées au sud de l’ Équateur zoologique. Chez I’ Hippopotame, chez les Rhinocéros, Voreille est, en effet, réellement petite, soit qu'on la com- pare à celle des Ruminants, soit qu'on fasse attention à la taille vraiment colos- sale de ces Mammifères. Ce caractère est surtout saisissable dans le premier de ces Genres, quoiqu'il soit originaire d'une région du globe dont les Types mammalogiques sont remarquables par le développement de leurs oreilles, et Pon aurait peine à s’expliquer cette véritable anomalie, si les habitudes aqua- tiques de Panimal qui la présente ne nous en donnaient, jusqu'à un certain point, un motif plausible. Dans les Tapirs, le même organe est encore doué d'une certaine petitesse; mais, dans les Eléphants, il acquiert une ampleur 70 vraiment digne d'étre signalée, ampleur surtout remarquable dans l'Éléphant d'Afrique, qui, sous ce point de vue, présente au plus haut degré l’un des ca- ractères de la Mammalogie africaine. Dans la famille des Suidés, enfin, la Conque auditive est bien développée, et les inégalités de grandeur qu'elle peut offrir sont bien loin de présenter des dissemblances aussi grandes que celles que l'observation nous fait connaître dans les autres Familles de l'Ordre des Pachydermes. Or, si nous réfléchissons que, parmi elles, c'est précisément la Famille des Suidés “qui, ainsi que nous l'avons déjà si souvent répété, offre le plus de traits de ressemblance avec les Ruminants, nous nous expliquerons, d'une manière assez plausible, qu'il y ait une nouvelle analogie entre ces deux Types, par suite du développement plus uniforme des Conques auditives. Dans les autres Pachydermes, au contraire, certains des caractères, communs aux Suidés et aux Ruminants, sont sûrement absents. En mettant même de côté les Hippopotames, chez lesquels l'état de réduction de l'oreille nous est, en quelque sorte, expliqué par ses habitudes aquatiques, nous observons des formes lourdes et trapues dans les Rhinocéros, et, à un moindre degré, dans les Tapirs. Les Éléphants ressemblent, il est vrai, sous ce point de vue, aux Rhinocéros, mais ils en diffèrent par leurs membres plus allongés. Dans l’ordre des Solipèdes, enfin, chez lequel se manifestent les caractères les plus propres à Animal de course (formes générales sveltes: et élancées, membres allongés, avec leurs extrémités terminales réduites à un simple sabot), la Conque auditive présente un développement remarquable. Toutes les espèces de cet Ordre, soit qu'on le considère comme composé d'un seul Genre, soit qu'on Je regarde comme devant être fractionné, le Cheval, l'Onagre, l'Hémippe, l'Hémione, le Couagga, le Daw, le Zèbre peuvent, en effet, sans hésitation au- cune, être cités sous ce point de vue. Dès les premiers pas de nos études sur les rapports qui existent entre les aptitudes locomotrices, d’une part, et le développement de Poreille externe, d'autré part, nous sommes donc conduits à cette conclusion, que les Genres et les Espèces dont la forme générale est svelte et élancée, et dont les membres sont gréles et allongés, ont des Conques auditives bien étalées et bien dévelop- pées. C'est, par conséquent, un état inverse de celui qui nous est offert par les Mammifères aquatiques chez lesquels, quoique la taille soit encore allongée, Paffaissement des membres et, quelquefois, l'atrophie d’une de leurs paires, coin- cident avec Patrophie de l'oreille externe, Tous les Zoologistes savent que ce rapport existe dans l'ordre des Cétacés, dans la Famille des Phocidés, dans la Tribu des Lutriens, et dans les genres Desman, Mygaline, Castor, Ondatra, Myo- potame, Chironecte et Ornithorhynque. La principale différence, entre ces divers Le AAA 71 Types, les uns terrestres, les autres doués d'habitudes aquatiques, nous est offerte par l’état des membres: ils sont allongés chez les premiers, et ce fait entraine, à sa suite, un développement bien manifeste de l'oreille externe; ils sont courts, au contraire, dans les seconds, etles Conques auditives sont, alors, tantôt peu développées, d’autres fois tout à fait nulles. Nous sommes, par la constatation de ces faits, sur la voie de nouveaux rap- ports dont nous devons, par l'examen d'autres Types de Mammifères, vérifier le degré de constance et de fixité. Si, dans ce but, nous examinons les Carnas- siers, Insectivores et Rongeurs, il nous paraît hors de doute que ces corréla- tions sont essentiellement exactes. Quand nous portons nos regards sur des Genres chez lesquels les membres sont bien développés, décelant, par consé- quent, plus d'aptitude à la course, nous voyons, en effet, que les Conques audi- tives offrent une véritable ampleur. Il en est ainsi chez les Ratons, Coatis, Martes, Putois, Galictis, Zorilles, Mangoustes, Galidies, Galidictis, Genettes, Bas- saride, Ichneumies, Renards, Chiens, et, surtout, chez le Fennec et l'Otocyon. Semblable coïncidence nous est offerte, dans l'Ordre des Insectivores, par les espèces non aquatiques de Soricidés, dans celui des Rongeurs, par les Sper- mophiles, Rats, Echimys, Liévres, Chinchilla, Viscache, Agoutis, Dolichotis, et, dans la sous-classe des Marsupiaux, par les Thylacine, Dasyures, Myrmécobe, Péramêles et Chérope. Il semble, au premier abord, d’après les observations qui précèdent, que la conclusion que nous avons plus haut formulée n'a plus besoin d'aucune dé- monstration, et qu'elle est assise sur des bases inébranlables. Malheureusement, il se présente, en cette occasion, quelques objections, de la nature de celles qui se sont déjà offertes à nous, lorsque nous avons exposé les conditions physiques du pelage, chez les Mammifères grimpeurs. Nous avons vu, en effet, que dans cer- tains de ces Genres, il était à peu près impossible de décider si l’abondance du pelage était uniquement produite par leurs aptitudes locomotrices, les habitudes nocturnes ou crépusculaires de ces divers Types donnant également lieu à la manifestation du même caractère. Or, une semblable coincidence est impossible à nier, lorsqu'on connaît le mode d’existence de beaucoup d'Insectivores, Carnas- siers, Rongeurs et Marsupiaux, dont nous venons de citer les noms. Chez certains d'entre eux, se manifeste, également, une influence qu'onne peut contester, celle relative à l'habitat. Elle nous semble incontestable dans les deux Genres Fen- nec et Otocyon, dont les conques auditives présentent, ii est vrai, une ampleur vraiment extraordinaire. Il est évident que, dans ces divers Types, toutes ces influences, se combinent, pour aider à la manifestation du caractère zoologique dont nous nous occupons. Il est, sans nul doute, impossible de demontrer ce 72 fait d'une manière vraiment mathématique; tout ce que nous pouvons dire, c'est que la Physiologie, pas plus que Ja Zoologie, ne présentent aucune donnée qui soit en opposition formelle avec son énoncé. Dans l'Ordre des Édentés, si isolé par ses caractères dans la Classe mamma- logique, il se manifeste, parmi les espèces qui, sous le point de vue de leurs formes générales, offrent des ressemblances avec les Types dont il vient d’être question, il se manifeste, disons-nous, quelques anomalies dont il est assez dif- ficile de se rendre raison, mais que, cependant, nous ne pouvons passer sous silence. Ajoutons qu'il ne s’agit, en cette occasion, que des espèces fixées au sol. Ainsi, l'oreille est bien étalée dans la famille des Dasypodés, dont le corps est couvert de plaques cornées. Dans celle des Myrmécophagidés, au contraire, l'espèce unique du Genre Tamanoir, dont le corps est couvert de poils, présente une Conque vraiment petite, surtout quand on la compare à la taille de PAni- mal. Chez les Manidés, à leur tour, dont le corps est couvert d’écailles, le même organe semble tout à fait avoir disparu, et nul vestige ne paraît en sub- sister. Certaines espèces du genre Manis sont, cependant, africaines, et l'aptitude qu'ont les Mammifères de cette partie du monde à être pourvus de grandes oreilles, est bien saisissable dans un autre genre d’Edentés, le genre Oryctérope. Comment expliquer ces anomalies? L’allongement du museau, dans le Tama- noir, aussi bien que dans les Pangolins, serait-il cause de la petitesse de la Con- que, dans la première de ces espèces, de sa disparition dans les secondes? L'état des téguments ne peut être considéré, dans cette circonstance, comme exerçant quelque influence; il serait sûrement difficile d'expliquer comment les plaques cornées des Tatous permettent la manifestation de la Conque auditive, tandis que les écailles des Pangolins l’annihilent. Comment Pallongement du museau peut-il, d'autre part, produire un semblable résultat? Est-ce en diminuant l'étendue transversale du crâne? Autant de problèmes posés, autant de pro- blèmes à résoudre. Bornons-nous à dire, à cette occasion, que, dans la sous-classe des Marsupiaux, Voreille externe est tout à fait absente dans les Échidnés, dont le museau est allongé comme ceux du Tamanoir et des Pan- golins. Examinons, maintenant, d’autres Mammifères, dont les formes générales ne sont plus sveltes et élancées, mais, au contraire, lourdes et trapues; leurs membres sont forts, surtout par rapport à la taille de l’Animal, et ils sont es- sentiellement marcheurs, fixés au sol, par suite de leurs habitudes fouisseuses. Chez tous, le membre antérieur est vigoureusement constitué. Parmi les Ron- geurs, les Cténomys et Péphagomys se trouvent déjà doués de ces caractères zoologiques, beaucoup plus développés chez certains de leurs congénères, tels 73 que les Spalax, Siphnée, Bathyergue, Géoryque et Nyctoclepte. Les Insectivores nous offrent, à leur tour, de semblables traits d'organisation dans les Genres Taupe, Scalope, Condylure et Chrysochlore. Déja, dans les Cténomys et Pépha- gomys, les Conques auditives sont trés-petites, et elles sont réduites à un état à peu près semblable chez le Nyctoclepte. Je les trouve tout à fait absentes chez les Siphnée, Spalax, Bathyergue, Géoryque, aussi bien que chez les Taupes, Scalopes, Condylures et Chrysochlores (1). Dans tous ces Genres, l’atrophie soit complète, soit incomplète de la Conque auditive coincide avec celle de Porgane ophthalmique. Le mode d'imperfection de ces deux organes se manifeste, dans tous ces Types, d'une manière corréla- tive. Plus l'œil est développé, plus la conque est perceptible : la conclusion con- traire est également expression de la vérité. Ce sont les genres Cténomys, Péphagomys, Nyctoclepte qui se trouvent avoir les yeux les plus saillants; c'est aussi chez eux que l'oreille externe est le plus développée. Les Taupes, Scalopes, Condylures, Chrysochlores, Spalax, Siphnée, Bathyergues, Géoryques ont, de leur côté, les yeux tout à fait invisibles extérieurement; l'ouverture extérieure de l'organe auditif est, à son tour, tout à fait cachée sous les poils. Dans le rapport que nous venons de signaler entre Vatrophie de deux parties si essentielles, de deux organes des sens, quel est l’état initial, primitif? Est-ce parce que l'œil devient plus petit, puis s'atrophie, que la Conque auditive de- vient plus petite, puis s'atrophie à son tour? Est-ce, au contraire, la petitesse, puis Patrophie de la Conque auditive, qui entraine à sa suite d'abord la petitesse, ensuite Patrophie de l’œil? Il nous est impossible, dans l’état actuel de nos connaissances en Mammalogie, même en réfléchissant aux conditions géné- rales de l'existence de ces divers Types, non-seulement de résoudre, mais même d'élucider cette question. S'il est facile de concevoir, en effet, que par suite de leur vie souterraine, l'œil a diminué de grandeur et d'amplitude chez ces Mammifères, le même fait, en ce qui concerne la Conque auditive, devient impossible à expliquer par la même cause. En partant de ce principe, on arri- verait plutôt à se rendre compte du grand développement de l'oreille externe, surtout en réfléchissant à son état chez les animaux nocturnes; c'est, cepen- dant, le contraire qui a lieu. Nous sommes, dès lors, inévitablement ramenés aux conditions de forme générale qui nous sont offertes par tous ces Fouisseurs, et à constater que c'est, par suite de leur caractère d'animal marcheur, que leurs (1) Tréviranus, Biologie, vol. Il, p. 170. — Blainville, Principes d'Anatomie comparée, p. 481. Ces deux illustres Anatomistes ont également, l’un et l’autre, signalé la petitesse de la Conque au- ditive chez les Mammifères aquatiques. 10 74 Conques auditives sont à peu près annihilées. Nous avons déjà vu une coinci- dence de même nature chez les Rhinocéros, dans POrdre des Pachydermes; mais, chez les Fouisseurs à petits yeux, le membre antérieur acquiert un grand développement de force. Il existe, sous ce point de vue, par conséqnent, une res- semblance extréme entre eux el certains Édentés, de la famille des Dasypodés. Mais, chez les Dasypodés, plus aptes à la course, dont les membres postérieurs sont, dês lors, plus allongés, la Conque auditive est plus étalée. Sommes-nous, par l'énoncé de ce dernier fait, sur la trace d'autres rapports, et, sans négliger ceux qui nous sont offerts par la forme générale, n’est-il pas possible de constater que lorsque, chez les Mammifères fixés au sol, les deux membres sont inégalement développés, c'est le développement de la paire pos- térieure qui coincide principalement avec l’étalement de la Congue auditive? De nouvelles observations vont nous permettre de répondre à cette question. Sans nous éloigner beaucoup des Types physiologiques qui, sous le point de yue de leurs habitudes fouisseuses, ont quelque ressemblance avec les Talpidés, l'observation des caractères des Péramèles, dans la sous-classe des Marsupiaux, nous parait de nature à nous donner un commencement de démonstration d'un semblable rapport. Chez les Péramêles, les membres postérieurs sont plus allongés que chez les Talpidés; la Conque auditive est également plus large, plus étalée, et, par suite de la manifestation plus complète de ce dernier caractêre, une des espèces de ce genre a même recu du Zoologiste qui Pa le premier dé- crite, M. Reid, la dénomination de Perameles lagotis. Il en est de même chez les Rongeurs, à membres postéricurs si développés, quoiqu'ils soient encore plus aptes à la course qu'au saut. Qui ne connait les longues oreilles des Lié- vres? Les Agoutis, le Dolichotis ne leur sont-ils pas, jusqu’a un certain point, comparables, sous ce point de vue? La coincidence de ces deux ordres de carac- têres, allongement et étalement de la Conque auditive, d'une part, allongement de la paire postéricure de membres, d'autre part, acquiert encore un plus haut degré d'évidence dans les Mammifères sauteurs. Ce rapport est fort saisissable déja chez les Gerbilles et Mériones; il est incontestable chez les Gerboises, les Gerbos et l'Hélamys. L'examen des Macroscélides dans l'ordre des Insectivores, celui des Kangourous, Pétrogales et Potorous, dans la sous-classe des Marsu- piaux, donne lieu à des conclusions absolument semblables. Si, maintenant, nous portons notre attention sur d'autres Types dont le mode de locomotion est plus varié, mais qui sont, encore, des marcheurs par excel- lence, comme les Ours et Mélours, Blaireau, Mydas, Thiosme, Glouton, Héris- son (sauf, cependant, les espèces Africaines), Marmotte, Pore-Epic, Eréthizon, Phascolome, nous n’observons rien de semblable. Les membres postéricurs, 75 quoique plus allongés que les antérieurs, ne présentent rien d’insolite dans leur développement : Poreille, à son tour, est dans un état moyen d’étalement. Une telle conclusion serait inexacte, si nous l'appliquions aux Carnassiers cou- reurs, aux Suidés, aux Solipèdes et aux Ruminants; de sorte que nous consta- tons, de nouveau, le rapport que nous avons déjà signalé entre le développement de la Conque auditive, d'une part, et celui des membres postérieurs, d'autre part. Cette concordance nous semble donc essentiellement exacte. En donner l’ex- plication est une ceuvre moins facile, mais on la concoit bien en réfléchissant aux rapports physiologiques qui existent entre les organes respiratoires et ceux auxquels sont confiés les actes locomoteurs. Or, Poreille moyenne se trouve, d'une part, en communication immédiate avec la cavité buccale, et en rapport fonctionnel, d'autre part, avec la Conque auditive qui, chez beaucoup de Mam- mifères, est douée d'une mobilité dont l’oreille externe de l’homme, et, même celle des Singes, ne peut nous donner qu'une très-imparfaite idée. Ce double rapport doit sûrement avoir sa raison d’être, quoique, au premier aperçu, il soit difficile de le comprendre, même en se rappelant soit les opinions d'Étienne Geoffroy Saint-Hilaire sur les os operculaires des Poissons, soit les expériences de M. le professeur Flourens sur les effets que produit sur les mouvements des membres la section des canaux demi-circulaires. Constatons, seulement, Phar- monie complète qui existe entre ces trois résultats, obtenus par l'observation zoologique et anatomique, aussi bien que par la Physiologie expérimentale. Occupons-nous, maintenant, de Pexamen de l'oreille externe chez les Mammi- fères grimpeurs. La conclusion à laquelle nous sommes arrivés relativement à la coïncidence qui existe, chez les Mammifères marcheurs, soit ongulés, soit onguiculés, entre le développement de cet organe et celui du membre posté- rieur, est de nature à nous faire pressentir que, toutes choses égales d’ailleurs, la Conque auditive est plus normalement développée, dans les Mammifères grimpeurs, que dans ceux plus spécialement voués à la marche, Chez les pre- miers, en effet, nous trouvons, non-seulement, des membres postérieurs bien développés, mais encore des formes générales sveltes et élancées. Or ce sont des conditions que nous avons déjà vu essentiellement propres à favoriser l’éta- lement de l'oreille externe, soit que les espèces soient nocturnes ou crépuscu- laires, soit qu'elles se livrent à leurs actes de locomotion, lorsque le soleil éclaire les lieux qu’elles habitent. L'examen des faits est loin d'être en opposition avec le résultat que nous venons d'énoncer. Dans l'Ordre des Primates, en effet, le Gorille, le Chim- panzé, les Orangs, Gibbons, Nasique, Semnopithèques, Colobes, Myiopithèque, » | HH 76 Guenons, etc., ont les oreilles bien développées. Le même caractêre est facile à constater dans les Singes platyrhinins, dont certains, comme les Nyctipithé- ques, sont voués à la vie nocturne. Il existe, sans nul doute, sous ce point de vue, des différences entre ces divers Genres; mais elles peuvent, jusqu'à un certain point, être expliquées par Paction de certaines causes dont il est impos- sible de nier l’influence. Ainsi, chez les Orangs, la conque auditive est moins développée que chez le Chimpanzé, circonstance qui dépend peut-être de l’ha- bitat Africain de ce dernier Type, quoique cependant, chez le Gorille, cette spécialité d’habitat ne paraisse pas avoir exercé la plus minime action. Chez les Saimiris, l’oreille est également plus étalée que chez les Nyctipithèques, qui sont, cependant, des Singes nocturnes, et dont, par conséquent, le pelage est plus laineux, plus feutré. Cet état physique du pelage aurait-il, dans ces Singes, contribué au moindre étalement de Poreille? De prime abord, ce rapport en sens inverse, entre ces deux ordres de faits, parait difficile à accepter; mais, comme des exemples d'une telle coincidence se présentent dans d'autres Mammiféres, nous ne pensons point qu'on doive le mettre dans l’ombre, comme il serait peut-étre possible de le faire, dês sa première énonciation. Dans la famille des Lémuridés, nous retrouvons la Conque auditive bien for- mée et bien étalée dans les Galagos; mais, dans les autres Types de cette série, cet organe ne présente point le méme degré d'étalement, étant, dès lors, doué de moindres dimensions. Les Makis, Cheirogales, Microcêbe, Hapalémur, Lépi- lémur, Avahi, Indri, Propithêque, Pérodictique, Nycticèbe, Lori, sont cepen- dant, les uns crépusculaires, les autres nocturnes, comme les Galagos. Il est probable que, dans ces divers Genres, la cause dont nous venons de dire quel- ques mots, à l’occasion des Saimiris et Nyctipithèques, exerce une certaine influence, car le pelage est très-laineux dans la plupart d'entre eux. On pour- rait, il est vrai, en ce qui concerne les Galagos, expliquer cette particularité de leur Conque par le grand allongement de leurs membres postérieurs; mais ceux-ci sont bien allongés, également, dans PAvahi, dans le Propithèque et sur- tout dans l’Indri. Il est bien vrai, en outre, que les Galagos sont d’origine Afri- caine; mais le Pérodictique l'est également, et, nonobstant sa taille plus grande, ses oreilles sont moins développées : en revanche, son pelage est plus laineux. Il est évident qu'en ce qui concerne les Galagos, toutes ces causes agissent simultanément pour développer leurs Conques auditives : dans les autres Types de la même Famille, le même fait ne se manifestant point, les différences qu'ils offrent, sous le même point de vue, nous semblent, de leur cóté, sinon pouvoir s'expliquer, au moins coincider avec la présence d’autres caractères, dont l’action ne doit point être tout à fait négligée. 77 Mais, que cette influence soit ou ne soit pas aussi active que nous le pensons, il n’en est pas moins exact de dire que la Conque auditive est bien formée chez les Lémuridés. Nous la retrouvons, dans un semblable état, parmi les Carnas- siers, chez le Potto et les Paradoxures ; parmi les Insectivores, chez les Tupaias, et, parmi les Rongeurs, chez les Écurcuils, Ptéromys, Anomalures, Polatouches, Loirs, Dendromys et Coendous. Dans ce dernier Genre, quelques Espèces ont le corps amplement couvert de poils, ce qui explique peut-étre comment la Conque auditive est, jusqu'à un certain point, réduite dans ses dimen- sions. Dans l'Ordre des Edentés et dans la Famille des Myrmécophagidés, deux Genres sont surtout doués d'habitudes grimpeuses : ce sont les genres Taman- dua et Cyclothure. Chez tous les deux, l'oreille est bien étalée, mais elle Pest moins dans le dernier, dont la taille est plus petite, il est vrai, mais dont le pelage est également plus laineux. Chez un jeune Cyclothure, nous avons, ce- pendant, trouvé la Conque auditive bien dégagée, et s’élevant au-dessus des poils, qui n’avaient point encore fini par la couvrir et la cacher entitrement. Si ce fait vient à être confirmé par des observations ultérieures, les Mammalogistes au- ront à examiner s'il présente le même degré de constance dans les divers Gen- res qui se trouvent dans de semblables conditions. Des faits semblables peu- vent seuls donner une démonstration incontestable de l’influence qu’exerce l'état physique du pelage sur l’étalement de l'oreille externe. Le fait général que nous essayons de démontrer, celui du développement bien complet de cet organe, dans les Mammifères grimpeurs, serait encore plus amplement con- firmé, car la science donnerait l’explication des inégalités de manifestation de ce caractère, inégalités que nous devons signaler, quoiqu'elles n'annibilent, en aucune façon, la formule synthétique à laquelle nous essayons de les ratta- cher. Nous en trouvons une nouvelle, dans le méme Ordre de Mammiféres au- quel viennent d'étre consacrées les quelques lignes qui précèdent, dans l'Ordre des Edentés. C'est la Famille des Bradypodés qui nous la présente. Dans les deux Genres qui la forment, Cholépe et Bradype, l'oreille est petite, quoique les espèces qui les composent soient vouées à la vie nocturne, circonstance qui devrait, au contraire, aider au développement de cet organe. Nous retrou- vons dans ces divers Types, pour expliquer une semblable anomalie, une des causes qui ont déjà attiré notre attention, l'allongement des poils, qui, sur la tête des Bradypes, forment de vrais capuchons, laissant à peine voir la face. Or il est évident que l’action de cette cause a besoin, comme pour les cas déjà assez nombreux que nous avons déjà cités, d’être soumise au contrôle de l'observation, | 78 chez les jeunes et chez les adultes. Nous pouvons, en second lieu, signaler Pexis- tence d'un nouveau caractère, celui de l’excessif allongement des membres antérieurs. Cet excessif allongement aurait-il pour effet de déterminer Patro- phie de l'oreille externe? Contentons-nous de signaler ce nouveau rapport, dont "importance est moindre dans les genres Gorille, Troglodyte, Orang et Gibbon, mais qui ne doit pas étre négligé, soit dans les Bradypes, soit méme | dans l'Ordre des Cheiroptères, auquel nous espérons, plus tard, consacrer quel- | ques lignes. Passons maintenant à Pexamen des Mammifères grimpeurs, dans la sous- | classe des Marsupiaux. Les Phascogales, Couscous, Phalangers, Acrobates, Pé- | tauriste et Koala sont porteurs de Conques auditives bien développées; dans | le second de ces Genres, elles sont moins grandes que dans les Phalangers, même que chez ceux de petite taille, tels que Phalangista Cookii, Phal. viver- rina, Phal. xanthopus. Si nous citons ce fait, c’est parce qu'il s'harmonise, le pelage des Couscous étant essentiellement laineux, avec les exemples que nous avons déja cités antéricurement. Ce rapport, en sens inverse, sur lequel nous avons tant insisté, est, quelque difficile qu'il soit, dans Vétat actuel de la science, d'en donner Pexplication, appuyé sur un nombre de faits assez consi- dérable. Tous les Types mammalogiques de Grimpeurs, que nous avons passés en re- vue, appartiennent essentiellement à la série de ceux que nous désignons sous le nom de Grimpeurs arboricoles : ceux que l’on peut désigner sous le nom de Grimpeurs de rochers n’en diffèrent pas, sous ce point de vue, quoique leurs formes générales soient plus trapues et leurs membres moins élancés. II en est ainsi du Magot, des Théropithêques, des Cynocéphales Chacma et Do- guera, dans l'Ordre des Primates, du Kérodon dans celui des Rongeurs, du Daman dans celui des Pachydermes. Observons, en terminant cette partie de nos recherches, que, dans aucun Type de Grimpeur, on n'observe simultanément ces états essentiellement rudimen- taires des organes oculaires et des Conques auditives, qui se manifestent dans les Mammifères complétement fixés au sol. Cette atrophie organique de ces deux sens, si intimement liés anatomiquement et physiologiquement aux centres céré- braux est, en quelque sorte, sous la dépendance des organes locomoteurs. Il en est súrement ainsi chez les Mammiféres, et les exemples que nous avons cités nous semblent de nature à le prouver. Pourquoi l'œil est-il fermé, au moe ment de la naissance, dans presque tous les Mammifères qui n’appartiennent point à l'Ordre des, Ruminants? N’est-ce pas parce que leurs membres sont impuissants à les servir? Dês les premiers moments de, leur vie, au contraire, 79 les jeunes Ruminants suivent leur mére. Les Reptiles, qui sont dépourvus d'oreille externe, ne sont-ils pas remarquables par Patrophie de leurs membres, et, dans la sous-classe des Batraciens, ceux qui se trouvent pourvus d'un os tympanique bien isolé et bien distinct, ne sont-ils pas doués de membres pos- térieurs bien allongés, qui leur donnent de grandes facilités pour être d'excellents sauteurs? Dans la Classe des Reptiles, on observe aussi quelques Types qui, comme les Taupes, les Scalopes, les Bathyergues, sont, en quelque sorte, dépour- vus d'œil: il en est ainsi des Amphisbæna, etc., et du Protée. Dans le premier de ces Genres, les pieds antéricur et postérieur sont tout à fait absents. Dans le Protée, le corps est soutenu par quatre petites jambes; dans les Sirênes, dont Poe1l est également petit, les membres postérieurs ont disparu. Dans les Oiseaux, dont les deux membres sont, au contraire, admirablement bien développés, on ne connait aucun exemple d'une espéce aveugle. La Conque auditive n'existe pas, il est vrai, dans cette Classe de Vertébrés, avec les caractéres que nous lui con- naissons chez les Mammifères, mais on peut en constater des vestiges fort per- ceptibles chez les Oiseaux de proie nocturnes. Dans presque tous les autres Oi- seaux, les plumes de la région céphalique, situées au voisinage de l'ouverture auriculaire, subissent une modification de texture tout à fait particulière (1), qui leur donne une certaine analogie avec les poils des Mammifères, et presque toujours, pour ne pas dire méme toujours, elles présentent une coloration dif- férente de celle des parties voisines : il en résulte parfois une véritable tache. Si nous portons, en outre, dans l’Embranchement des Invertébrés, notre attention sur certains Mollusques, tels que les Anatifes, nous voyons l'œil disparaître lors- que, en se fixant, ces Animaux commencent leur vie parasitique. Ce dernier fait ne constitue-t-il pas une démonstration expérimentale des rapports qui existent, entre le développement de l’organe ophthalmique et celui de l’appareil locomoteur? Quant à nous, il nous parait impossible de lui contester une sem- blable signification. Quel que soit, au reste, Pavenir réservé à cette idée qui confirme, d'une part, les rapports signalés par mon Oncle (2) entre le développement des tuber- cules quadrijumeaux et celui de la moelle épinière, et, d’autre part, les idées qu'il a émises sur Paction de ces mémes lobes et des couches optiques sur les mouvements (3), nous avouons qu'en ce qui concerne la Conque auditive, il est (1) Tréviranus, Biologie, vol. I, p. 227, el vol. VI, p. 344. — Blainville, Principes d'Anatomie comparée, p. 114. (2) E. R. A. Serres, Anatomie comparée du cerveau dans les quatre classes d Animaux vertébrés, vol. Il, p. 324. + (3) Loc, cite, vol. II, p. 717, TIS. 80 assez difficile de se rendre compte de l'état dans lequel elle se trouve chez les Cheiroptéres. Dans tous les Animaux de cet Ordre, en effet, cet organe est bien étalé et bien développé ; parfois même, sa composition est três-complexe, plus complexe, même, que dans la presque totalité des autres Mammiféres. Dans les Cheiroptêres, cependant, ce ne sont point les membres postérieurs, comme chez les Ruminants, comme chez les Mammifères sauteurs, qui se trouvent le plus allongés ; ce privilége appartient aux membres antérieurs : l'oreille devrait, dês lors, présenter un certain état de réduction, au moins comparable à celui qu elle nous offre dans les Bradypodés, dont les membres antérieurs sont plus développés que les postérieurs. Un semblable état de réduction est un caractère tout à fait étranger à ces Mammifères, voués, dans la saison chaude, à la vie nocturne, dans la saison froide, à la vie léthargique. Serions-nous, par le fait d'une semblable combinaison de caractères, en présence de Mammifères de- vant leur noctambulisme au développement de leurs Conques auditives, non- seulement dans celles de leurs parties qui, dans les animaux de la même Classe, se trouvent normalement étalées, mais encore dans celles qui ne se trouvent, chez ces derniers, que dans un état rudimentaire de formation? Nous pensons qu'il en est ainsi, et cette opinion nous paraît d'autant plus plausible que les autres conditions de forme extérieure, qu'entrainent à leur suite les habitudes nocturnes, ne se présentent réellement pas chez les Cheiroptères. Ainsi, excepté chez les Espèces chez lesquelles ils se trouvent recouverts par la peau, les yeux sont grands, quelquefois même d’une grandeur démesurée, chez les Mammi- fères nocturnes, aussi bien que chez les Strigidés et chez les Caprimulgidés, dans la Classe des Oiseaux. On ne peut sûrement caractériser ainsi les mêmes orga- nes chez les Cheiroptères, chez lesquels ils sont plutôt rapetissés. Les expan- sions cutanées, dans ce même Ordre de Vertébrés, ne nous semblent pas non plus pouvoir être regardées comme un indice de leur mode de vivre; elles sont uniquement et simplement au service de leurs membres antérieurs. Il nous paraît possible, au contraire, de rattacher à ces mêmes habitudes les languettes de peau, les verrues qui se trouvent dans ces Mammifères, au voisinage de l'appareil olfactif, dont elles constituent, jusqu’à un certain point, de véritables paupières. Mais ces détails d'organisation ne nous semblent point essentiellement inhérents à la vie de noctambulisme de ces divers êtres, car non-seulement ils sont tout à fait absents dans beaucoup d’entre eux, mais encore dans la presque totalité des autres nocturnes si l’on regarde comme pouvant leur être comparé le petit appareil cutané, en forme de roue, qui, dans les Condylures, occupe l'extrémité de la région nasale. Nous sommes, dès lors, par suite de l'analyse à laquelle nous venons de nous livrer, inévitablement conduits à la conclusion sl que nous avons plus haut formulée, que c'est par suite de leur vie nocturne, et uniquement par cette cause, que les Conques auditives sont si développées chez les Cheiroptêres. Ce sont les seuls Mammifères, qui nous semblent présenter ce rapport, d'une manière nette et positive, essentiellement dégagé, par consé- quent, des diverses combinaisons organiques qui, dans les autres Types de cette Classe, rendent si difficile Vélucidation des rapports variés qui existent entre les divers appareils extéricurs. Dans les Familles et Tribus, de méme que dans les Genres de cet Ordre, bien des variations se présentent; sans nul doute, dans le mode d'étalement de la Conque auditive, aussi bien que dans ses complica- tions; mais, ces variations peuvent s'expliquer, soit par les habitudes plus ou moins nocturnes de l’animal, soit par d'autres causes que nous n’avons point à exposer, car elles sont relativés aux caractères généraux des Cheiroptères, qui ne doivent point nous occuper en ce moment. Ces diverses variations ne nous semblent point, au reste, devoir apporter la moindre restriction au résul- tat que nous avons plus haut signalé, et sur lequel nous aurions peut-être dû porter notre attention, avant d’entrer dans les divers détails qui précèdent son énoncé. En suivant cette voie, il nous eút été plus facile de dégager, de ses di- verses complications, la question qui allait être soumise à notre examen. Nous résumerons, à la fin de ce travail, les observations et conclusions rela- tives à l'état de la Conque auditive chez les Mammifères marcheurs et grim- peurs. Occupons-nous, maintenant, d'une autre production de la surface cutanée, dont le rapport est immédiat, par les fonctions qu'elle remplit, avec les organes locomoteurs. Tous les Zoologistes auront deviné que c'est des Ongles que nous voulons parler. ONGLES. Examinons, d'abord, dans quel état ils se trouvent, chez les Mammiféres, dont l’état de marche est le mode le plus habituel de progression. Les Pachy- dermes, Ruminants et Solipèdes se trouvent dans ces conditions, el ce sont les Vertébrés de cette Classe que Pon désigne, dans les Classifications, sous le nom de Mammiféres ongulés. Chez tous ceux qui sont ainsi désignés, les membres, soit en avant, soit en arriére, sont terminés par des sabots, par des surfaces cornées, dont les dimensions sont plus étendues dans le sens trans- versal que dans le sens vertical. Elles enveloppent de tous côtés les extrémités digitales qu’elles dépassent fort peu. Ces ongules sont simples, non divisés dans les Solipèdes, et c'est surtout dans cet Ordre qu'ils ont recu, même des 11 82 personnes les plus étrangéres aux notions les plus vulgaires de la Mamma- logie, le nom de sabots que nous pensons leur être três-justement appliqué. Dans les Pachydermes, les Suidés exceptés, on observe également ce même systéme d’enveloppe des extrémités digitales. Les ongules sont courts, peu étalés de dehors en dedans, se correspondant par des surfaces arrondies. Chez les Suidés, au lieu d’étre disposés sur une même ligne, à la limite la plus extréme des membres, ils sont, au contraire, au moins dans presque tous, disposés par paire, deux en avant, deux en arrière ; mais, dans le genre Pécari, il n’existe en arriére qu'un seul sabot. En outre, tout en étant doués des mêmes caractères que ceux des Pachydermes, les deux antérieurs se correspon- dent, non plus, comme chez ces derniers, par une surface arrondie et légèrement convexe, mais, au contraire, par une surface plane et verticale. Quant aux deux sabots postérieurs, ils ne se touchent guère que par celle de leurs ex- trémités qui est en contact avec le membre; divergents ensuite à partir de leurs points d'insertion, n'étant même plus en contact avec le sol, ils consti- tuent des organes dépourvus en quelque sorte de toute importance, surtout au point de vue physiologique. Ajoutons qu'ils sont généralement, nous devrions même dire toujours, moins développés que ceux de la paire antérieure. Cette manifestation d'une nouvelle disposition des ongules est un indice évident que les animaux qui la présentent sont doués d'aptitudes toutes différentes sous le point de vue des fonctions locomotrices. Aussi, nous offrent-ils des dispositions plus nettement prononcées pour les mouvements vifs et rapides, qui sont une des conditions essentielles des actes de la course, se rapprochant, dês lors, des Ruminants. Ces derniers ressemblent, en effet, totalement aux Suidés, sous le point de vue de la disposition des enveloppes cornées de leurs extrémités digi- tales. Comme les Suidés, en effet, ils ont deux sabots en ayant, deux en arrière. Ceux-ci, qui manquent méme chez la Girafe, sont toujours moins développés, flottants en quelque sorte, et toujours hors de contact avec le sol, Quant aux deux sabots antérieurs, ils enveloppent toujours les extrémités des doigts, et leurs dimensions sont en rapport avec la taille de "animal. Dans la presque totalité des Espèces, ils se correspondent par une surface verticale, et touchent immédiate- ment le sol par leur bord inférieur. Cette dernière disposition est médiate dans la Famille des Camélidés, et s'opère, dans les Espèces qui en font partie, par une semelle calleuse. Dans PAddax, enfin, de la tribu des Antilopiens ; dans le Renne, de celle des Cerviens, les deux sabots antérieurs présentent, sur leur face interne, une surface arrondie et convexe. A part ces deux particularités ex- ceptionnelles, en rapport presque évident avec l'état des lieux habités par les Mammifères qui en sont doués, nous constatons, dans ce grand Ordre des Rumi- 83 nants, en ee qui concerne leurs ongules, un caractère à peu près absolu d’uni- formité. Quelles que soient les différences de strueture offertes par leur tube di- gestif, qu'ils soient ou ne soient pas porteurs de prolongements frontaux, que le train antérieur l'emporte en longueur sur le postérieur, ou que ce soit le con- traire qui se manifeste, toujours les extrémités cornées de leurs membres offrent la plus grande ressemblance. Dans tous ces Types, les analogies des fonctions locomotives entraînent des analogies aussi complètes dans les formes et la dis- position de ces organes. Mais, s’il en est ainsi dans les Mammifères marcheurs les plus typiques, dans des animaux chez lesquels les membres ne remplissent pas d’autres fonctions que celles qui consistent à supporter le tronc et à aider à son déplacement, une semblable uniformité estbien loin de se présenter dans les Mammifères, qui ont reçu des Zoologistes la dénomination de Mammifères onguiculés. Aux simples fonctions de la marche, propres aux Mammifères ongulés, viennent, en effet, chez eux, s'ajouter celles de la préhension, exercées principalement par les mem- bres antérieurs. En émettant cette assertion, nous ne prétendons point que, sous ce point de vue, les membres postérieurs sont essentiellement inactifs ; nous voulons, seulement, dire que leur fonction est plutôt relative à la station des animaux, ou, lorsqu'ils grimpent, à leurs mouvements de progression. Dans certains Types, dans les Carnassiers, par exemple, les Ongles servent, autant que les dents, à déchirer la proie, et ce sont, d'une manière plus spéciale, les Ongles antérieurs qui sont employés à cet usage. Si, maintenant, nous examinons ces organes dans les divers genres de Mar- cheurs onguiculés, nous constatons que, chez tous ceux dont la forme générale est lourde et trapue et la formule digitale bien complète, ils sont allongés et peu courbés, ceux de la patte antérieure présentant plus de longueur que ceux de la patte postérieure. Il en est ainsi chezles Ours, Mélours, Ratons, Coatis, Blai- reaux, Taxidées, Mydas, Thiosmes, Mouffettes, Suricate ; tous ces Genres se trou- vent doués, au reste, à des degrés divers, d'habitudes fouisseuses. Il y a plus d'éga- lité entre ceux de devant et ceux de derrière, chez les Martes, Putois, Galictis, Mélogales et méme chez les Zorilles, quoique, dans ce dernier Type générique, les Ongles antéricurs soient plus grands. Les Mangoustes, Galidie, Galidictis, Ci- vette, Cynictis, Bdéogale, présentent de semblables faits. Dans les Ichneumies, le contraire a lieu, les Ongles antérieurs étant plus allongés que les postérieurs. Dans les autres Digitigrades, enfin, tels que les Bassaride, Fennec, Renard, Chien, Cyon, Cynhyêne, Hyène, Protèle, les Ongles sont, aux deux pattes, générale- ment peudéveloppés, mais ceux de devant le sont súrement plus que ceux de der- rière. Dans les Chats, quoique de forme acérée et bien comprimés, ils sont, de 84 même, très-petits, mais moins en avant qu’en arrière. Ajoutons, enfin, que dans tous ces Carnassiers (Féliens, Caniens, Hyéniens), leur courbure, tout en étant plus prononcée, par suite de leur moindre longueur, que dans les Ursiens, Mustéliens et Viverriens, dont les noms sont cités plus haut, est, cependant, moins saillante qu'on ne serait en droit de le penser, en se rappelant leurs ha- bitudes d’alimentation. Il n'est même pas rare de trouver, dans certains de ces Types, des ongles avec leurs pointes tournées en haut, chez des individus qui n’ont point vécu en captivité. Ces divers faits nous paraissent de nature à montrer que, dans l’Ordre des Carnassiers, l'allongement des Ongles est, jusqu’à un certain point, en raison inverse de celui des membres, et que, lorsque le rapport inverse se manifeste, sa manifestation est la conséquence d’autres aptitudes locomotrices. Il en est ainsi chez les Ours, dont les habitudes fouisseuses expliquent l’état de leurs Ongles, quoique, par leur taille, ils puissent être comparés aux plus grandes es- pèces des genres Canis et Felis. Ajoutons que ces derniers Types sont essen- tiellement digitigrades, c’est-à-dire que, dans leurs mouvements de marche, ils appuient sur le sol la face inférieure de leurs dernières phalanges digitales, présentant dès lors, sous ce point de vue, une extrême ressemblance avec les Ruminants, et les Suidés, parmi les Pachydermes. Nous retrouvons, au contraire, dans les Insectivores, quelles que soient leurs habitudes et leurs mœurs, des Types de petite taille. Chez ceux d’entre eux qui sont plus spécialement marcheurs, comme les Hérissons, Tenrecs et Éricules, les Ongles sont généralement peu courbés : leur allongement se trouve égale- ment dans des conditions très-normales. Il n’y a rien de bien constant, en ce qui concerne leur degré respectif de développement, lorsqu'on compare ceux des membres antérieurs à ceux des membres ‘postérieurs. Ainsi, ils ne le sont guère plus en avant qu'en arriére dans le genre Tenrec : la disposition con- traire parait exister dans le genre Ericule. Ajoutons que leur incurvation est, de même, peu prononcée dans le genre Sorex, tel qu'il est admis parmi les Mammalogistes modernes. Dans tous ces Types, nous ne retrouvons pas les dispositions offertes, en avant, par ces organes chez les Taupes, Scalopes, ete., dispositions dont nous parlerons plus tard, et qui se lient à leurs habitudes fouisseuses. Mais nous devons rappeler que, chez les Éricules, les Ongles posté- rieurs sont plus développés que les antérieurs : c'est la première fois qu'un fait semblable se présente á nous, et comme, incessamment, nous allons avoir d’autres occasions de le signaler, nous ne devons pas le laisser passer inaperçu. Si, maintenant, nous passons à l'examen des Types génériques de l'Ordre des Rongeurs, nous trouvons les Ongles allongés et peu courbés, mais pas plus en 85 arrière qu’en avant, dans les Marmottes et Spermophiles. Dans le genre Porc- Epic, ils sont plus allongés en avant qu'en arrière, mais toujours peu courbés; cette incurvation est de méme peu manifeste dans PErethizon dorsatum, et “dans les Pacas, chez lesquels ceux de devant l'emportent en longueur sur ceux de derritre. Les Genres, de petite taille, faisant partie du même Ordre, nous présentent de semblables faits. Il en est ainsi, dans la famille des Muridés, chez les Hams- ters, chez les Lemmings; mais, dans ces derniers, surtout dans l'espèce connue sous le nom de Lemmus Hudsonius, les ongles de devant sont plus forts, plus développés que ceux de derrière. Ce sont, évidemment, des Types plus fouis- seurs : leur incurvation est, au contraire, fort saisissable chez les Capromys, chez lesquels ils sont plus longs aux membres antérieurs : il en est de même dans le Phixomys Cumingii; mais, en cette circonstance, ce sont des Types grim- peurs, du moins en ce qui concerne les Capromys, qui sont soumis à notre observation, et nous devrions peut-être n’en parler quultéricurement, Nous retrouvons la disposition plus normale dans le Plagiodonta ædium. Dans la plupart des autres Genres de la famille des Muridés (Otomys, Psam- momys, Rhombomys), nous constatons, au contraire, qu'au membre antérieur les ongles sont moins développés et plus courbés qu'au membre postérieur. Cette disposition, qui indique le grand usage que font, de leurs pattes de der- rière, les espèces de ces Genres, toutes habitant, à des degrés divers, les lieux sablonneux, se retrouve également dans l’Aulacodus Swinderianus et dans le Cricetomys Gambianus, mais avec moins d’évidence dans le dernier de ces Types, plus semblable aux vrais Muridés, que dans le premier. Nous rappelle- rons, à cette occasion, que déja, en 1857, nous avons insisté sur cette particu- larité de forme des mêmes organes, au membre postéricur, dans les Muridés d’origine Américaine (1). Qu'il nous soit permis, dès lors, de renvoyer à ce tra- vail, en nous bornant à signaler, maintenant, que nous avons, depuis, constaté le même fait dans le Rongeur Américain décrit par M. Frédéric Cuvier, sous le nom de Cercomys cunicularius. Il nous a semblé qu'il en était de méme dans les Echimys : les Nélomys, de leur côté, ont des ongles postéricurs plus forts que ces derniers Mammifères, et le cèdent à leur tour, sous ce point de vue, aux deux espèces qui forment les Types des deux genres Dactylomys et Lasiu- romys. Ces observations nous paraissent indiquer que ces divers Mammifères se servent activement de leurs membres postérieurs; ils doivent leur étre surtout (1) Bulletin des séances de la Société philomatique, 1857, p. 25, 86 de grande utilité, lorsqu'ils creusent les trous et terriers dans lesquels ils se réfugient. Parmi ceux que nous avons cités dans le travail sur lequel nous avons, quelques lignes plus haut, attiré l’attention, beaucoup se trouvent doués d'habitudes semblables à celles du Rat d'eau et du Schermaus d'Europe. Les autres Types que nous avons dit leur ressembler, tels que les Psammomys, l'Au- lacode et surtout le Rhombomys, paraissent, au contraire, avoir des habitudes essentiellement terrestres. Il existe, cependant, entre les uns et les autres, cer- taines différences dans les organes par lesquels ils offrent quelques ressem- blances : il nous semble, en effet, exact d'ajouter que, chez ceux qui fréquentent le bord des ruisseaux et des cours d’eau, les Ongles sont, aux membres pos- téricurs, plus allongés et surtout doués de plus de gracilité. Une telle analogie est, cependant, dês un premier aperçu, de nature à produire un certain étonne- ment; mais cette analogie devient plus facile è expliquer, lorsqu’on réfléchit que, dans les deux circonstances que nous mentionnons, le sol sur lequel mar- chent les divers Types, dont nous avons plus haut donné les noms, est toujours, quel que soit son degré d'humidité, un sol plus ou moins sablonneux. L’Orni- thologie nous montre, d’ailleurs, un certain nombre de faits semblables, dans les Farlouses et Bergeronnettes, d'une part, et, d'autre part, dans les Alouettes. Il y a, cependant, des différences, sous le point de vue des habitudes entre ces divers Oiseaux; ils n’en offrent pas moins, dans l’Ongle de leur pouce, la même absence d'incurvation. C’est même presque toujours, en arrière, que se mani- festé, chez les Oiseaux, la tendance à la rectitude de l’Ongle. Il en est ainsi, non-seulement dans les Genres que nous venons de citer, mais encore dans les Grimpereaux, dans les Stournelles. La même disposition s’observe à l’un des doigts postérieurs, chez les Coucals. Il est bien vrai que, chez les Ménures, chez POrthonys, elle existe également aux doigts antérieurs, dont les Ongles présen- tent fort peu d'incurvation; mais le même caractère est bien loin d’être absent sur l'Ongle du pouce, Nous n’insisterons pas plus longtemps sur ces rapports; mais tous les faits que nous venons d'observer, dans les divers Types de la série mammalogique, nous semblent de nature à démontrer que les Mammifères onguiculés, dont la marche est le mode le plus habituel de locomotion, sont pourvus d'Ongles peu courbés. Cette conclusion s’harmonise évidemment avec celle que l’on peut dé- duire d'observations de même nature faites sur les Mammifères ongulés, avec cette différence, cependant, que, chez ces derniers, les Ongles environnent de toutes parts la phalange onguéale, tandis que, chez leurs congénères onguiculés, ils la dépassent et peuvent, dès lors, agir sur les corps qui se trouvent à la portée des doigts. k 87 Dans les Mammiféres onguiculés, par conséquent, ces organes concourent, d'une manière très-eflicace, aux actes de préhension; aussi acquièrent-ils un certain degré de longueur. Cet allongement est déja, quoique présentant de nombreuses variations, fort perceptible dans les divers Types que nous venons de passer en revue. Ce même caractère offre, au contraire, plus d'uniformité dans les divers Genres plus essentiellement fixés au sol, et qui sont doués d’habitudes fouisseuses. Les Ours et Mélours nous en offrent déjà des exem- ples, dans l'Ordre des Carnasssiers; il en est de méme des Blaireaux, Taxidée, Thiosme, Suricate. Dans l'Ordre des Insectivores, les genres Taupe, Scalope, Condylure, Chrysochlore, Urotrique; dans celui des Rongeurs, les genres Bathyergue, Géoryque, ete., peuvent leur être assimilés sous le même point de vue. Nous pouvons encore citer, dans la sous-classe des Marsupiaux, les Phas- colomes et Échidnés. Excepté quelques-uns de ses Types, l'Ordre entier des Edentés (Dasypodés, Pangolins, Oryctéropes) présente, dans ses mœurs, des conditions identiques. Tous ces Mammifères fouisseurs sont donc comparables à quelques-uns des Rongeurs dont nous avons plus haut cité les noms; il y a, seulement, cette diffé- rence que, chez ces derniers, c'est à la patte postéricure que les Ongles, moins forts d’ailleurs à tous égards, présentent ce caractêre, tandis que dans les Ours, Mélours, etc., c'est la patte antérieure qui est surtout munie des instruments dont se sert l'animal pour creuser le sol. Nous n'insisterons pas davantage sur de telles dispositions, essentiellement familières à tous les Mammalogistes, mais qui ne pouvaient être passées sous silence dans le travail d'ensemble dont nous nous occupons. Nous ne dirons rien, non plus, des états divers de grandeur et d'amplitude présentés par certaines de ces productions épidermiques, qui offrent quelquefois une telle étendue que si, dans un Genre de POrdre des Edentés (le genre Priodonte), le doigt médius est aussi grand que le reste du membre, c'est presque uniquement par le développement de son Ongle, Chez les Mammifères doués d'habitudes fouisseuses, le membre antérieur est, ainsi que nous l'avons déjà dit, pourvu d'une grande force d'action, de sorte que tous les actes de préhension de ces Vertébrés lui paraissent être unique- ment et exclusivement confiés. Nous venons de voir dans quel état se présentent leurs Ongles : examinons, maintenant, quelle est leur disposition chez ceux de leurs congénères, chez lesquels le membre postérieur l'emporte en longueur sur Vantéricur, chez les Mammifères sauteurs, en un mol, Chez tous ceux que nous avons pu Observer, les Ongles de la patte antérieure sont, comme chez les Mar- cheurs, peu courbés et allongés, mais, ce dernier caractère est, à l'inverse du premier, plus évident à la patto postérieure. Il en est ainsi, déjà, dans les Macro- 88 scélides, chez lesquels la disposition que nous signalons est fort peu saillante. Elle devient plus perceptible dans les Gerboises ; je crois même que l'on peut dire que les Ongles ne sont guère, chez elles, plus courbés en avant qu’en ar- rière; il est, en effet, certains individus de ce genre chez lesquels, à la patte pos- téricure, ils ont, ainsi que nous l’avons vu dans certains Canis, la pointe tournée en haut. Les Gerbos, avec leurs trois doigts en arrière, ressemblent, sous ce point de vue, à leurs congénères pentadactyles. Dans lHélamys, ces divers ca- ractêres atteignent leur plus haut degré de manifestation; les Ongles antéricurs sont, en effet, allongés, comprimés, plus courbés qu’en arriére; ils sont, à la patte postérieure, allongés, sans courbure, et doués d'une telle force que Pon peut les comparer à de véritables sabots. Une disposition semblable s'observe, dans la sous-classe des Marsupiaux, chez les Kangourous; dans les espèces qui en font partie, les Ongles de la patte antéricure sont allongés et peu courbés, mais, leur incurvation est plus marquée qu’à la patte postérieure, où ils sont re- marquables, au contraire, par leur état de force et de développement. Ces détails nous semblent de nature à prouver que tous les Mammifêres, por- teurs de longs membres postérieurs, ressemblent aux divers Rongeurs aquatiques ou terrestres, dont nous nous sommes déjà occupés. Il nous paraît des lors évi- dent que, chez les uns comme chez les autres, mais chez les Sauteurs surtout, le membre antéricur reprend essentiellement, autant que dans quelque type que ce soit de la Classe mammalogique, ses fonctions d'organe de préhension. Il doit étre principalement actif dans les mouvements propres 4 Panimal, sinon pour rapprocher des lèvres les matières végétales qui servent à son alimenta- tion, au moins pour faciliter cet acte en les accumulant. Dans les uns et dans les autres, les membres postérieurs doivent, au contraire, être de grande uti- lité à ces animaux, soit pour leur propre défense, soit pour creuser leurs ter- riers. Ils seraient, dès lors, doués de fonctions qui, chez les Mammifères fouis- seurs et chez beaucoup d’autres Mammifères onguiculés, constituent le principal attribut des membres antérieurs. Portons, maintenant, notre attention sur l’état des Ongles chez certains Mam- mifères, chez lesquels les membres postérieurs sont, de même que chez les Sau- teurs, plus développés que les antérieurs, dont la queue est, au contraire, très- rudimentaire, et qui, dans leurs mouvements rapides de locomotion, courent plutôt qu'ils ne sautent. L'ordre des Rongeurs nous en offre quelques exemples typiques, fort peu nombreux, il est vrai : ce sont les Lièvres et les espèces des deux Genres Agouti et Dolichotis. Chez les Lièvres, les Ongles sont, aux deux pattes, petits, minces, peu courbés, et lorsqu'ils prennent un certain degré d’allongement, on peut être sûr que quelque particularité dans les mœurs 89 et habitudes isole, nettement, de ses congénères, l’espèce chez laquelle ils pré- sentent une semblable modification. Il en est ainsi, par exemple, chez le Litvre aquatique (Lepus aquaticus, Bachm.) dont les Ongles sont moins courbés, plus allongés, plus visibles extéricurement, que chez tous ses homologues, et chez lequel, cette disposition est plus saillante en arrière qu’en avant. Cette espèce reproduit done, malgré ses caractères génériques, une particularité d'organisa- tion, déjà signalée par nous chez d’autres Rongeurs, fréquentant le bord des eaux, à peu près inconnue dans les Mammifères, dont les pieds sont bien pal- més, mais très-fréquente chez les Échassiers, dans la Classe des Oiseaux. Dans les deux autres genres de Rongeurs (Agouti et Dolichotis), qui sont plus aptes à déchirer le sol, les Ongles, tout en étant aussi peu courbés, deviennent de nouveau plus allongés; ceux de derriére le sont plus dans le Dolichotis, dont les membres postéricurs sont plus longs et dont la taille est plus grande; dans les Agoutis, au contraire, ce sont ceux de devant qui emportent en longueur sur ceux de la patte postérieure. Nous retrouyons une disposition de ces mémes organes, plus semblable à celle des Lièvres, dans deux autres Genres de la famille des Cavidés, relégués dans leur habitat, aux cimes les plus élevées des Andes, constituant, par cela même, deux vrais Grimpeurs de rochers. Ce sont les deux genres Chin- - chilla et Lagotis. Le genre Viscache se rapproche, sous ce point de vue, des Mammifères sauteurs les plus typiques; ses ongles antérieurs, quoique peu courbés, sont déjà plus forts que ceux des Chinchillas, et le cèdent en force à ceux du membre postérieur, Les habitudes des V iscaches, si connues des Mam- malogistes, nous expliquent parfaitement bien cette disposition de leurs ongui- cules, qui nous est également offerte, mais à un moindre degré, car ils sont plus petits, par les diverses espêces du genre Cavia, qui, par la forme de ces or- ganes, sont essentiellement différentes de l’espèce la plus typique du genre Kérodon. Dans ce dernier Rongeur, en effet, qui paraît affectionner les localités mon- tueuses, les Ongles présentent des caractères tout à fait spéciaux, sans analogie aucune avec les formes qui nous ont été offertes par les Mammifères onguicu- lés, que nous venons de passer en revue. Ils sont, en effet, aplatis, surtout en avant, ou ils sont moins allongés, dépassant à peine, si même ils le dépassent, le niveau antéricur des doigts. C'est assez dire qu'il y a, chez eux, absence complète de courbure. Cette méme disposition se retrouve dans un autre genre de Mammifères que déjà, dans le cours de notre travail, nous avons souvent comparé au Kérodon, dans le Daman; mais, elle s'y retrouve moins parfaite, car, dans quelques indi- 12 90 vidus de ce Genre, que nous avons eu occasion d'observer, le doigtle plus interne nous a semblé présenter un indice d'incurvation. Cette forme tout à fait spé- ciale indique, évidemment, que, dans les mouvements de ces deux types géné- riques, les régions palmaire et plantaire sont principalement actives. Il n'en est pas moins digne d'intérét de voir, ainsi, se manifester, dans deux Mammi- féres, dont l’un appartient à l'Ordre des Rongeurs, dont l'autre tient la tête de celui des Pachydermes, de voir se manifester, disons-nous, et dans les organes locomoteurs, un caractére qui se trouve tout à fait absent dans la plupart des Primates, et qui constitue un des attributs de l'espèce humaine. Quoi qu'il en soit de cette analogie, si difficile à expliquer, surtout pour le Kérodon, qui s'isole, sous ce point de vue, non-seulement des autres Cavidés, mais encore des autres Rongeurs, constatons, de nouveau, que, dans les deux derniers Genres que nous venons d'examiner, de méme que dans les Mammi- fères fouisseurs, et dans ceux chez lesquels le membre postérieur est plus dé- veloppé que l’antérieur, les Ongles ne présentent, quel que soit leur degré d'allongement, qu'une faible tendance à Vincurvation, Si nous examinons, maintenant, les mêmes organes dans la série des Mammi- fères grimpeurs, nous constatons que c'est la disposition contraire qui parait étre la plus générale. Dans la famille des Bradypodés, cependant, les Ongles sont encore fort peu courbés; mais, en revanche, ils sont très-allongés. Il est probable que les espèces de ces deux Genres (Bradype et Cholèpe) ont, dans leur état de nature, et de pleine et entière liberté, des habitudes fouisseuses, ou bien que leur mode d'ascension sur les arbres s'exécute d'une manière tout à fait particuliére, car il est difficile de concevoir qu'avec des Ongles aussi allon- gés, ils puissent grimper avec aisance et facilitó, à moins que d'admettre une suspension continuelle de leur corps. Ce n'est, au reste, qu'une conjecture que nous émettons en cette circonstance, et elle doit, pour passer à l’état de fait, étre confirmée par Vobservation directe. Nous trouvons un semblable carac- tère de force et d’allongement dans le doigt médius des Tamanduas, dont les habitudes sont celles des Grimpeurs; mais les autres Ongles, soit en avant, où ils sont plus développés, soit en arrière, sont très-nettement incurvés. Il en est de même dans le genre de Myrmécophagidé, qui avoisine les Tamanduas, dans le genre Cyclothure. Les Marsupiaux grimpeurs, quelle que soit leur patrie, qu'ils soient origi- naires du Continent américain (Famille des Didelphidés), ou de l'Océanie (Genre Phascogale, Famille des Phalangidés), sont tous porteurs d'Ongles bien incurvés, Il en est de même du Koala, que ses formes lourdes et trapues isolent, si nette- ment, de tous ceux de ses congénères qui lui ressemblent par leurs habitudes | 91 | arboricoles. M. Waterhouse a dit (1), à l'occasion de ce Type si exceptionnel, | 1 qu'il grimpe comme l'Ours; cette observation, quelque vraie qu'elle soit, ne ; | nous paraît, cependant, pas denature à expliquer comment, de son côté, le Koala est si peu porté à séjourner sur le sol, habitude si familière au Carnassier au- quel l’a comparé le savant Zoologiste anglais. i La synthése que nous avons plus haut formulée est bien vraic et bien exacte pour les genres Potto et Paradoxure, dans |’ Ordre des Carnassiers, de même que pour le genre Tupaia, dans celui des Insectivores. Dans l'Ordre des Rongeurs, 7 les Coendous, les Capromys, dont nous avons déjà parlé, de même que les Loirs, nons présentent également des faits qui la confirment. Les Sciuridés (Genres Écureuil, Ptéromys, Sciuroptêre, Anomalure) ne font pas non plus ex- ception, et, pour se rendre raison des différences qu'entrainent à leur suite, dans la forme des Ongles, les différences d’habitude, il n’y a qu’à comparer ces organes dans la plupart des Écureuils, et dans celles de ces espèces qui sont plus terricoles, telles que le Sciurus fossor et le Sciurus Levaillantii. La même disposition, dans ces productions épidermiques, se trouve également repro- duite, parmi les Primates, dans la famille des Hapalidés (genres Quistiti et Tamarin). Ces derniers Types sont les seuls Quadrumanes qui offrent une telle | forme d’Ongles. Dans tous les autres Singes, en effet, soit de l'ancien, | soit du nouveau Continent, ces organes sont moins comprimés, plus ar- rondis; en second lieu, ils dépassent la phalange onguéale et sont, dês | lors, moins incurvés que chez les Grimpeurs des autres ordres, qui viennent d’être soumis à notre observation. Ces détails indiquent, suffisamment, que ces productions cornées offrent, dans les Simiadés et Cébidés, une disposition in- | termédiaire entre celle de l'Homme et celle des Hapalidés, et que, comme l'Homme, ils se servent, surtout, des parties dénudées des extrémités terminales de leurs membres, dans les mouvements qu'ils exécutent avec tant d'adresse et | de légèreté. Les Ongles sont applatis, au contraire, dans la Famille des Lémuridés : ce ca- | ractêre est bien saisissable chez les Cheirogales, et il est tellement marqué dans | Pespèce unique du genre Hapalémur, que leurs bords interne et externe ne dépassent pas la phalange onguéale, et qu'en avant, ces organes, dont la face supérieure est parfois divisée en deux par une petite saillie, se terminenten pointe. Nous avons retrouvé cette disposition, qui donne aux Ongles de cette espèce une forme à peu près semblable à celle des écailles des Pangolins, non- (1) Natural history of the Mammalia, vol. 1, p. 261. 92 ; seulement dans le genre Lépilémur, mais encore dans le Maki Mococo (Lemur catta, L.), et dans les Makis à ventre jaune (Lemur flaviventer, Is. Geoff.-S.-H., et à ventre rouge (Lemur rubriventer, Is. Geoff.-S.-H.). L'Ongle subulé de ces divers Types est peu courbé. Dans le Pérodictique, l'Ongle de l'index paraît plus allongé que chez les autres Lémuriens; mais, les Ongles des autres doigts sont aplatis, sans épine médiane, et dépassent peu, si même ils la dépassent, l'extrémité digitale. C’est la même disposition que nous a déjà présentée l'espèce type du genre Kérodon, et que nous avons également constatée dans le genre Daman, d’origine Africaine, comme le Pérodictique. Cette absence d’allongement et d’incurvation des On- gles, dans les Makis et dans le Pérodictique, nous paraît de nature à prouver que, comme les Singes, ils grimpent surtout à l'aide des extrémités terminales de leurs membres. C’est par les mêmes moyens qu’ils peuvent, ainsi que l’a démontré l'observation de leurs mœurs, s'élever perpendiculairement le long d'un mur ou d'un arbre. Ajoutons, cependant, que ces mêmes habitudes n’ont pas encore été, que nous sachions du moins, constatées dans le Pérodictique. Quant à POngle subulé du second doigt postérieur, il est probable, à moins que sa présence ne soit simplement l'indice d'une dégradation sériale, il est pro- bable que sa principale fonction consiste à mieux fixer, en avant, la patte posté- rieure contre les corps solides auxquels l’animal Papplique. Dans la Tribu des Indrisiens, qui peut donner lieu à de semblables ré- flexions physiologiques, les Ongles du Propithéque se rapprochent, par- leurs formes, de ceux des Makis proprement dits. Dans les genres Indri et Avahi, au contraire, ils présentent bien encore la même disposition, mais sont plus ellip- tiques. Ces productions épidermiques sont, chez le Lori et le Nycticèbe, de forme plus quadrilatère, plus large, dépassant à peine la phalange onguéale, si méme ils la dépassent. Dans la Tribu des Galagiens, le Microcèbe roux ressem- ble plus, sous ce point de vue, au Lori el au Nycticébe. Dans les Galagos, enfin, ces mémes organes sont plus allongés, tout en étant encore aplatis. Dans tous ces Lémuridés, l’Ongle subulé est toujours peu courbé ; il en est de même, non- seulement au doigt indicateur, mais encore à celui qui lui est contigu, dans la seule espèce de Tarsidé, que nous ayons eu occasion d’observer. Quant aux au- tres Ongles, il est impossible de nier leur ressemblance avec ceux des Makis, Cheirogales, etc. Il serait fastidieux de reproduire, à l’occasion de ces derniers Types, les di- verses réflexions physiologiques que nous avons énoncées plus haut. Constatons seulement, de nouveau, que Pexamen des dispositions présentées par les On- gles, dans les Mammiféres que nous désignons sous le nom de Mammifères De | grimpeurs, nous conduit à conclure que ces organes ne présentent point, chez eux, de variations aussi multipliées que celles que nous avons observées chez ' les Mammifères marcheurs. Chez les Mammifères grimpeurs, en effet, la dispo- sition la plus générale des Ongles est d’être peu allongés, qu'ils soient, ou non, doués d'incurvation. Ce dernier caractère est manifeste chez les Hapalidés, et chez les Grimpeurs Carnassiers, Rongeurs, Édentés et Marsupiaux. L'absence d'incurvation (peu saillante, du reste, chez les Bradypodés) est, au contraire, l'apanage de la plupart des Primates, dont les actes de locomotion, comme Grimpeurs, ne sont, au moins, dans une foule de circonstances, que simplement aidés par ces productions épidermiques. Il ne nous reste plus, pour être moins incomplet dans notre travail, qu’à ! donner quelques détails sur les divers états d’acuité et de compression des On- gles, dans les Types de Mammifères que nous venons de passer en revue. Chez les Grimpeurs, en effet, ils sont généralement comprimés et acérés. Ce carac- tère ne se manifeste guère, parmi les autres Mammifères humicoles, que chez les espèces, dont Palimentation est essentiellement carnivore, et qui se rappro- chent déjà, par leurs formes sveltes et élancées, de leurs congéneres arboricoles. Les Mustela, Putorius, Kelis, se trouvent, surtout, dans ces conditions. Dans les Genres plus marcheurs, de la série des onguiculés, les Ongles sont plus étalés, plus obtus, et, chez certains d’entre eux, tels que les Fouisseurs, ils | deviennent, comme chez les Taupes, de véritables pelles, admirablement disposées pour creuser le sol. Dans certains Sauteurs, ceux du membre pos- térieur sont constitués de même : il en est ainsi, entre autres, chez l'Hélamys du Cap. | Ces diverses notions, familières du reste aux Mammalogistes, venant s’ajou- ter à celles que nous avons exposées plus haut, nous permettent de constater que, sous le point de vue de l’état de leurs Ongles, les Mammifères marcheurs et grimpeurs sont essentiellement différents des Mammifères aquatiques. Nous avons, dans un autre travail (1), déjà multiplié les faits, en ce qui concerne ces derniers Types, et corroboré, par de nouvelles preuves, le principe déjà émis dans la science, il y a près de trente ans, par M. de Blainville (2), sur l'in- fluence exercée par les habitudes aquatiques sur Patrophie de ces productions épidermiques. Nous ne reviendrons pas, dès lors, sur cette question, nous bor- nant à rappeler que ce principe est encore confirmé par les divers faits, que nous avons cités, dans nos observations sur l’état des Ongles dans la Famille | | (1) Revue et Magasin de Zoologie, 1851, p 165. | (2) Principes d' Anatomie comparée, p. 90.) | 94 des: Muridés (1), observations dont les résultats sont simplement énoncés dans notre Mémoire actuel. Cette atrophic des Ongles, chez les Mammifères aquatiques, nous semble pou- voir être attribuée, au moins dans une certaine limite, aux expansions cutanées qui occupent les intervalles de séparation des doigts. Ce rapport se manifeste également dans l'Ordre des Cheiroptêres, que leurs habitudes de vol isolent si nettement des autres Mammifères. Chez les Cheiroptêres, en effet, le membre antérieur ne présente d’Ongle, bien nettement formé du moins, qu'au doigt le- plus interne qui représente le pouce : la famille des Ptéropidés est la seule dont les diverses espèces ont, au doigt index, une semblable production épider- mique. Le membre postérieur, dépourvu d’expansions membraneuses, porte, au contraire, à tous les doigts, des Ongles bien formés, et bien incurvés, permet- tant, dês lors, aux Vertébrés de cet Ordre, de se suspendre aux diverses surfaces qui se trouvent à leur portée, Telles sont les diverses observations qu'il nous a été donné de faire sur les Caractères zoologiques des Mammifères marcheurs et grimpeurs. Aussi, nous paraissent-elles pouvoir donner liew aux Conclusions que nous allons for- muler. CONCLUSIONS. 4º Forme générale. — Elle est lourde et trapue chez les Mammifères, mar- cheurs les plus typiques, qu'ils soient onguiculés ou ongulés. Lorsqu'elle ac- quiert plus de gracilité, cette modification de forme coincide avec des aptitudes plus prononcées pour Jes mouvements vifs et rapides qui composent la course. Les Mammiféres grimpeurs ont, au contraire, des formes générales sveltes et élancées ; lorsqu’elles offrent plus de lourdeur, l'animal qui présente ce nou- veau caractére est doué d'habitudes plus terrestres. 2° Membres, — Leurs formes s harmonisent avec celles de la forme générale, dont ils éprouvent les diverses modifications, étant gros et forts chez les Mam- mifères marcheurs, plus gréles chez les Mammifères grimpeurs. Chez ces der- niers, il y a inégalité de développement entre la paire antérieure et la paire postérieure, les membres abdominaux étant presque toujours plus allongés, Les (1) Bulletin des séances de la Société philomatique de Paris, 1857, pi 25. 95 Mammifères marcheurs à doigts pairs (Ruminants), et les Mammifères ongui- culés plus aptes à Ja course leur ressemblent sous ce point de vue. 3° Doigts. — La tendance à l'état complet de la formale digitale (cing doigts en avant, aussi bien qu’en arrière) est générale chez les Mammifères marcheurs : la disposition inverse caractérise les Mammifères grimpeurs. Quand il y a dé- viation de ces deux principes, l’exception est, chez les uns aussi bien que chez les autres, un indice certain d'aptitudes nouvelles dans les actes de locomotion. Tous les doigts offrent aux deux membres, dans les Mammifères marcheurs, la même ligne d'insertion : il en est de même dans les Mammifères grimpeurs. La ligne d'insertion de certains de ces organes est plus élevée, au contraire, dans les Genres auxquels les mouvements de course sont plus familiers. 4º Prolongement caudal, — Il est, en général, plus court chez les Mammi- féres marcheurs, même chez les Marcheurs ongulés, que chez les Mammiféres grimpeurs. Chez ces derniers, dans certains Genres arboricoles, son importance physiologique est incontestable : il en est de même, dans le Type marcheur, chez les Mammiféres dont le saut est le principal mode de locomotion. 5° Pelage. — En mettant de cóté les influences dépendantes de quelques cir- constances étrangères aux actes de locomotion (habitat, mœurs nocturnes), le pelage est tantôt plus court, tantót plus rigide dans les Mammifères marcheurs, plus allongé ou plus moelleux dans les Mammifères grimpeurs, 6º Conques auditives. — Abstraction faite des mêmes influences que nous avons indiquées dans le paragraphe précédent, le développement de la Conque auditive est en rapport direct avec celui des membres, surtout des membres postérieurs. Elle est, dès lors, plus large et plus étalée chez les Mammifères grimpeurs, plus réduite chez les Marcheurs les plus typiques. La coincidence que nous avons signalée plus haut est surtout facile à saisir chez les Sauteurs, et chez les Marcheurs ongulés à doigts pairs. 7º Ongles. — Ils sont, en général, peu courbés dans les Mammifêres mar- cheurs, quel que soit leur degré d’allongement, bien incurvés, au contraire, dans les Mammifères grimpeurs. Nous bornons à l’exposition de ces résultats le résumé des divers détails qui ont été successivement soumis à notre examen. Beaucoup d'autres rapports, si- gnalés dans ce travail, auraient pu, sans nul doute, prendre également place dans nos Conclusions, mais nous avons préféré nous borner à ceux qui précè- dent, pour qu’elles fussent plus nettement formulées. En nous limitant ainsi, nous ne paraissons point, il est vrai, avoir élucidé d'une manière complete le 96 problème relatif aux Caractères zoologiques des Mammifères, dans leurs rapports avec les Fonctions de locomotion; mais, toutes les Conclusions auxquelles a donné lieu, de notre part, l'étude de cette question, dont les bases nous ont été fournies par les faits qui se trouvent signalés dans le Mémoire actuel, ont été déjà exposées par nous (1). Si nous n’avions pas eu à notre disposition des observations multipliées, nous n’aurions pu arriver à des formules aussi nettement énoncées. Mais, quelque scrupuleuse qu’ait été l’attention avec laquelle nous avons pro- cédé, dans Vexamen et le contrôle de divers documents qui nous ont été néces- saires, pour la rédaction de notre travail, ayant, en effet, soumis à notre inspec- tion, genre par genre, et quelquefois espèce par espèce, les types si variés de la Classe mammalogique, il a dû nous arriver, soit de commettre des erreurs, soit de passer sous silence un certain nombre de faits. Les Zoologistes voudront bien nous en excuser; mais ni ces erreurs, ni ces omissions ne nous semblent de nature à apporter la moindre négation aux formules synthétiques que nous avons établies. Ainsi, au reste, qu’ils peuvent s’en convaincre, sans que nous ayons besoin d'en citer des exemples, lorsque se sont présentés à notre obser- vation des faits exceptionnels à nos diverses synthèses, notre seule et unique préoccupation a été, non de les nier, mais, ainsi que doit le faire tout Homme de sciencesérieux, convaincu, dès lors, de Pinfaillibilité des lois qui, dans le Monde organique, régissent les faits, d'en chercher l'explication la moins erronée pos- sible. Ainsi, nous avons procédé, sans nous dissimuler les difficultés de sem- blables tentatives, les chances d'erreurs qu’elles présentent, au milieu de ces influences multiplés, ayant leur source dans les circonstances concomitantes dépendant de "habitat des types, de leurs mœurs, de leurs habitudes, de leurs rapports avec ceux qui les avoisinent, ete., influences qui, quelquefois, agis- sent d'ensemble, rendant, dès lors, excessivement difficile, l'appréciation réelle de chacune d’entre elles, isolément considérée. C’est, au contraire, avec un certain regret, que nous nous sommes vus forcés de négliger Pexamen des différences ostéologiques que présentent, dans la Classe des Mammifères, les divers Types physiologiques sur lesquels ont porté nos observations. Quelque intéressante qu'eût été cette étude, il eût été néces- saire, cependant, pour lui donner encore plus d'importance, il eût été nécessaire d'examiner, avec attention et esprit de suite, le système musculaire, dont les dispositions sont si variées dans ces divers Vertébrés. Or, cette étude présente encore, malgré les progrès multipliés qu'a accomplis, de nos jours, l’Anatomie (1) Comptes rendus des séances de l'Académie des sciences, vol. L, p. 1045. a) 97 “omparée, tant de lacunes, tant de problèmes à élueider, qu'il nous eùt été sûrement fort difficile, par suite de l'absence de documents généraux dans cette partie de la Zootomie, de rattacher avec facilité les variations offertes par le système musculaire aux caractères extérieurs, dont nous constations, d'autre part, la manifestation, Nous en dirions autant des rapports qui existent, dans cette même Classe, entre le développement des Membres et celui des renflements de la Moelle épi- nière, si mon Oncle n'avait déjà d'ensemble formulé ce rapport (1), en l'établis- sant sur des preuves multipliées, observées chez tous les Vertébrés. Nous ne pensons point que la généralité de ce rapport soit vraiment contestable; aussi, croyons-nous qu'il est suffisant de le rappeler, ainsi que nous l'avons déjà fait, dans notre travail sur les Caractères zoologiques des Mammifères aqua- tiques (2). Disons, maintenant, quelques mots de la possibilité d'application aux autres Classes de l'Embranchement supérieur du Règne animal, des divers résultats auxquels nous avons été conduits dans le Mémoire actuel. Nous avons assez sou- vent cité, pour confirmer ceux que nous observions partiellement, des faits empruntés à l'Ornithologie, pour conclure, sans hésitation, que lorsque les di- vers Types de cette série offrent, dans leurs mouvements, des points de contact avec les Mammifères, les analogies dans le mode de manifestation des carac- ières ne peuvent être niées. Nous en avons ailleurs (3) signalé encore, de sorte qu'il nous semble vraiment superflu d'entrer dans des détails plus circonstan- ciés, Mais il y a, cependant, entre les Animaux des deux Classes une différence fondamentale, dépendant surtout des conditions spéciales qu'offrent les Oiseaux, dont le vol est Pacte locomoteur par excellence. Il en résulte que Pantagonisme entre le développement des deux membres est, chez eux, un indice, en quelque sorte infaillible, des aptitudes qu'ils peuvent offrir pour les habitudes terrestres. Les Rectrices, qui forment la queue, sont, à leur tour, dans les diverses modifi- tions de longueur et de brièveté qu’elles peuvent offrir, influencées par les divers états des membres, et principalement du membre antérieur. Chez les Oiseaux, par conséquent, aussi bien que chez les Mammifères, il est possible de rattacher à certaines corrélations extérieures les divers degrés d'amplitude du Prolongement caudal, et si, en ce moment, nous nous bornons à cette simple assertion, c'est uniquement pour ne pas rentrer de nouveau dans l'œuvre des (1) E. R. A, Serres, Anatomie comparée du Cerveau dans les quatre Classes des Animaux vertébrés, vol. II, p. 125. (2) Revue et Magasin de Zoologie, 1851, p. 69, (3) Revue et Magasin de Zoologie, 1851, p. 69, 125, 128, 98 détails. Ceux que nous venons de donner nous paraissent, au reste, de nature à bien faire comprendre quelles sont les différences qui se manifestent, et qui doivent se manifester, quand nous appliquons aux Oiseaux les diverses conclu- sions que nous avons plus haut énoncées. Il nous est, encore, quelquefois arrivé, dans notre travail actuel, de citer, à l'appui de nos opinions, des faits empruntés à la Classe des Reptiles. Entre eux et les Mammifères, l’analogie est bien plus grande, en effet, sous le point de vue des actes de locomotion, qu'entre les Mammifères et les Oiseaux. Les Rep- tiles sont essentiellement terrestres, et l’on peut, sûrement, dire de ceux d’entre eux qui portent quatre membres, que ce sont des Quadrupêdes ovipares, les Mammifères étant des Quadrupèdes vivipares. Aussi, pensons-nous que les résul- tats que nous avons signalés chez les Mammiféres, sans en excepter ceux rela- tifs aux expansions cutanées et aux cryptes, ne sont point, chez eux, contredits par les faits. Il se manifeste, cependant, entre les Animaux de ces deux Classes, une diffé- rence capitale, car elle nous est offerte, chez les Reptiles, par la forme générale. On ne trouve point, dans les Mammiféres, cette forme en tube, plus ou moins complete, si particuliére aux Ophidiens et à quelques types de Sauriens, laquelle donne, aux uns et aux autres, une certaine ressemblance avec les Annélides, de Y Embranchement des Invertébrés. Les Reptiles qui se trouvent dans ces condi- tions sont, presque tous, plus ou moins, privés de membres, et quand ceux-ci existent, leur formule digitale est excessivement incomplête. L'atrophie des doigts dépend donc, chez eux, de la forme générale, et nullement de l’allonge- ment des membres, comme cela a lieu chez les Mammifères, et même chez les Oiseaux, pour ceux de la patte postéricure. Chez les Reptiles, sauf cependant certains Batraciens, les membres sont, il est vrai, très-raccourcis, de sorte que leur disparition complête semble n'être qu'une manifestation plus complête en- core d'un de leurs caracteres les plus normaux. Mais, il n'en est pas moins exact de dire quel’atrophie de leurs membres coincide avec la forme générale que nous avons signalée, il y a quelques instants, et que certains Animaux de cette Classe reproduisent, pendant toute la durée de leur vie, l’un des états embryon- naires des Vertébrés supéricurs, lorsque ceux-ci sont encore privés de membres, et que les renflements de la Moelle épinière sont tout à fait absents. Par des faits de cette nature, la Zoologie apporte done, à son tour, un cer- tain nombre de preuves à Ja Doctrine de PÉpigénêse, cette œuvre scientifique de l’Anatomie contemporaine. Elle sera plus tard, sans nul doute, d'une grande utilité pour éclairer les diverses questions relatives aux fonctions des organes, que la Physiologie expérimentale se croit seule, dans l’état actuel de la Science, o i) 99 5 autorisée à démontrer. C'est, du moins, notre intime conviction, conviction toute récente, il est vrai, mais qui devait germer dans notre esprit, lorsqu'en développant quelques-uns des résultats exposés dans notre travail actuel, il nous était donné de confirmer des conclusions physiologiques, dédaignées et répudices par des Savants dont les opinions sont le plus autorisées. Nous étions également conduits, par la même voie, à considérer comme étant, plus com- plexes et plus variées, les diverses fonctions des organes que les Observateurs contemporains ont peut-étre trop spécialisées. Cette assertion est surtout vraie, lorsqu’il s'agit des divers éléments de PEncéphale que les Physiologistes mo- dernes, si activement influencés par les idées de Gall, ont considérés comme constituant isolément des excitateurs uniques et privilégiés des divers actes de la vie animale. Une synthèse semblable est-elle maintenant acceptable, sans contestation, lorsque nous voyons la sécrétion rénale modifiée par les lésions, soit expérimentales, soit morbides du quatrième ventricule, dont l'une des parois est formée par le Cervelet, auquel, sans tenir suffisamment compte des faits observés, a été refusée par les contemporains, toute action excitatrice sur les organes génitaux. Cette double manifestation fonctionnelle des organes nous semble également indiquée par ces belles expériences et observations de notre célèbre Physiologiste, le Professeur C. Bernard, qui ont conduit à con- stater dans le Foie la présence du glucose. En terminant, qu'il nous soit permis, en revenant, de nouveau, au sujet spé- cial qui a donné lieu aux réflexions qui précèdent, qu'il nous soit permis de nous excuser d’avoir été, dans notre Mémoire actuel, si sobre de citations. Mais. quelque actives qu'aient pu être les recherches que nous avons faites pour trouver, dans les OBuvres des Zoologistes, quelques-uns des résultats auxquels nous ont conduit nos observations, elles ont toujours été infructueuses; c'est le seul motif de notre silence à cet égard : sil en eût été autrement, c'est avee une véritable satisfaction que nous serions resté fidèle an Principe de Justice. | DTD ZA oe A