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P o E M A.

POR

JOSÉ' AGOSTINHO DE MACEDO.

BEiGUNDA EDIÇÃO CORRECTA, E AUG- MENTADA.

LISBOA:

NA IMPRESSÃO REGIA.

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ANNO 1815.

Com Licença,

Digitized by the Internet Archive

in 2010 with funding from

University of Toronto

http://www.archive.org/details/newtonpoemaOOmace

DISCURSO PRELÍMÍNÀR.

A Física , ou alguma de suas partes , he , ou pôde ser digna matéria da Poezia sub/ime ?

-L \! AO para abonar , ou tiar preço a este Poe- ma , nem táo pouco para satisfazer classe , ou qualidade alguma de Leitores , me resolvo a tratar o Programa proposto^ O exemplo de Hesiodo , de Lucrécio , de Maiiilio , entre os antigos , bàstajia para resolver esta , e outras similhantes questões ,• nem eu teria mais que escrever , nem •© l^ublico mais que ler, nem •os severos e profundos ATistarcos , que nada escrevem e tudo julgao , mais que notar , ou mais : que raorolfer.: JMas existe huma espécie d'Entes , que "náo ''ha, muitos aiinos começáBs.o de assomar nos 'horisontes -da iliterattira , ■( taí- vez para darem-materia aos escriptos de algum novo MenclienJo) , e. que s6 quizeráo dan'-^

conhecer por huui no^ie de sua própria inven-

A 2 [

ção , cbamanílo-se Quinhentistas ; que vem a ser , hum enxame de Idólatras cegos , pertina- zes , e insupportaveis , que , pondo sobre fan- tásticos altares alguns homens em quem deo a mania , ou o achaque de escrever , que em to- dos os séculos foi epidemico , e que escreve- rão no século de lõOO da Era vulgar, os ado- ráo como Divinos , e desprezão brutalmente todos os outros que náo são elles. Chegao pois com o teimoso frenesim a este extremo : para saberem se hum livro he bom , não se embara- ção com a matéria de que trata , nem com o author que o compoz , tudo isto he para elles de nenhuma importância : seus estúpidos olhos detem-se unicamente na data da impressão , e nome do Impressor. Se o Quinhentista he Ita- liano , vêse a impressão he de A\áo , ou de Paulo Manucio , se he dos Grifos , se he dos Giuntas , se he dos Giolitas. Se o Quinhentis- ta he Portuguez vai verse o Impressor he Ge- rardo da Vinha , ou Luiz Estupinhan ( para os Quinhentistas puritanos os Craasbeckes são de hum século bárbaro). Se o Quinhentista he Francez , observa se o Impressor he Cramoisi : se dão com este achado , ei-los cm genuflexão ,

'^

nem erguem a cabeça , nem se atrevem a le- vantar os olhos , lanção hum enternecido sus- piro de compunção amorosa , e dizem Aqui está. hum Quinhentista ! ! ! Este infernal , ou estúpido fanatismo tem damnado huma grande parte da Literatura , tem tornado estéreis os mais férteis engenhos , que seriáo grandes se se soubessem avaliar , e conhecer. Este pesti- lente fanatismo tem creado , nutrido , e engros- sado huma seita a quem posso chamar afoito a seita dos Palavristas. Conem afégando após huma palavra , hum termo , huma frase de que usasse hum Quinhentista , conservão esta frase como hum thesouro , e sem acabarem jamais com a infantil admiração de hum Quinhentista, não se atrevem a compor , ou escrever huma pagina com que mostrem ao Mundo impa- ciente de os conhecer , que sabem alguma cou- sa , e isto por temor de que não faliíuão , ou escreverão como escreverão , e fallârão os Qui- nhentistas. Conheço dois ou três illusos Orales que não querem ler em Portuguez cousa que fosse composta depois de l6lõ , de maneira que não pôde prestar hum escripto que se compozesse na manhã de 1 de Janeiro de K ' -

56

Este ertcolhimento em que vivem os obriga a não conhecerem outros modellos , nem segui- rem outra; varedas mais que os Quinhentistas. Julgão que se náo pode escrever cousa alguma 36 primeiro nao houver sido tratada pelos Qui- nhentistas. Segundo estes homens sectários do palavrismo , os Quinhentistas pozerão os mar- cos nos campos das letras , e determinarão , e assignalárão os limites ás forças do entendimen- to humano. Que cega , e miserável gente ! To- dos os séculos podem ser de Quinheritos , se quem escreve escutar a razão , e a Natureza , e amar a magestosa simplicidade que a mesma Natureza deixa ver em suas obras. Esta he a. mestra de todas as regras ,. o archéíypo de to- da a perfeição; quem a sabe abraçar e seguir, ri-se do encolhido pedantismo , que nuo falia- senão como os Quinhentistas, que não escreve senáo como os (,luinlicntistas , qtie nao admitte género algum de composição , que não fosse abraçado , c seguido pelos Quinhentistas. Ha , ou pode haver mais versjonhosa escravidão do que esta ? Consultcm-se essas que se chaniuo. Artes-Poeticas , alli se verão cla"'siricadas todas- as espécies de Poesia ; mas as de quá usíráo'.

\

03 Quinhentistas ... Ai ! daquelle que fôr tao arrojado que se atrever a inventar, a seguir, e abraçar huma espécie nova ! Tudo o que não. fôr seguir servilmente os Quinhentistas he hum sacrilégio ! Fallar em hum Poema filosófico , ou descriptivo , a hum da seita estéril dos Pala- vristas de Quinhentos , he induzilo em tentação , e erro : tapará os ouvidos para não escutar a blasfémia , e fugirá como da vista de hum precipício , ou da companhia de hum apestado. Eu não conheço século mais que o da Razão. A que século pode pertencer Plinio o Naturalista, Quintiliano, Tácito, Quinto Cur- sio , Bacon de Verulamio, e Galileo í A todos. Eu não conheço outro Quinhentismo mais que a Natureza , esta me diz , que he ella o mais digno emprego da Poesia. Seus prodígios, seus quadros são mais alguma cousa que todos os feitos dos Heroes Conquistadores. Esta Natu- reza me diz , que de todas as partes da Filoso- fia , que podem dar matéria a hum Poema, a Fisica , ou geral , ou particular , he a mais ampla , e exuberante. Posso asseverar , e attes- tar por experiência própria , e pelo meu pró- prio tacto (e porque hei de ter a modesta hy-

0^

pocresia de dizer , que o não tenho em ver- sos ? ) que encontio mais Poesia nos Poemas scientificos , e didascalicos , que abraçao huma parte de Fisica , ou de Historia natural , que em todos os Romances chamados Poemas Épi- cos , todos elles fundidos em huns mesmos mol- des , e nos quaes se não encontra outra diffe- rença , que não seja a das pessoas , e dos lu- gares. Não quero fallar desses Poemas mais conhecidos , e que andão pelas mãos de todos como as Estações de Tompson , onde ha tan- ta formosura , e variedade de quadros como ha na mesma Natureza que elle pinta : não falia- xei do Poema dos Jardins de Rapin , tão fra- grante como suas flores , nem do Prédio rns^ íico do Vraiiere , tão amável como o campo,, nem da Guerra , e Navegação de Geanetazzio , tão ricos como a alma do Poeta, nem dos Jar- dins de Delille , que podião ser mais alguma cousa, se mais aigiirna cousa podesse ser hum Poeta Franccz escrevendo em sua lingua vul- gar. Estes grandes Poemas são conhecidos , o homem de gosto os sem enjoo , e o verda- deiro Poeta acha mais que estudar nelles que na Ilíada , na Olyssea , na Eneida , na Jcrusa-

íem : e creio que nâo haverá quem não leia com maior interesse o Poema da Filosofia de 'Newton por Stay, que a muito atenuada ,. ma- grissima , cadavérica , e gazetal Henriada. Se- "vastano no Poema da Botânica , entre as ma- térias mais áridas faz rebentar flores , de que nem hum leve perfume se encontra ou nos so- poriferos cantos da Arancana , ou nas hiper- boreas guerrêas de Ossian- filho de Fingal. Te- nho \isto , e lido outros Poemas , que me aca- báo de persuadir , que assim como a Fisica foi o primeiro emprego da Poesia, porque os ho- mens começarão a cantar, excitados das mara- Tilhas do Omnipotente , apenas souberão con- templar , deve ser o seu maior , e mais conti- nuo emprego. Em me lembrarei do que me apresenta a tão fecimda , como disgraçada Itá- lica. ISão ha parte alguma da sciencia da Na- tureza , que não tenha dado ampla , e fecun- díssima matéria a novas espécies de Poemas na ordem scientifica , e onde ha mais poesia que em todos os E'picos. Quem souber ler com atenção o primeiro Poema desta natureza, que apareceo depois do renascimento das letras , que he a SyfiUde do maravilhoso Fracastor ,,

conhecera esta verdade. De tal maneira he fe- cundado este argumento , que deixa a alma em extasi ; e em poucos Poetas s'encontrão quadros de maior valentia. Da mesma Índole sáo os Poetas , coevos de Fracastor, Ruccellai, e Alamani , este no Poema da Cultivaçáo , aquelle no das Abelhas ; posto que nelles se encontre certa rudeza , asperidade , ou pezo » que a Poesia adquire , quando a imaginação não tem a parte preponderante nos Poemas ; este he o defeito ordinário dos Quinhentistas, são pezados. O que me faz ainda maior admi- ração he hum moderno Poema intitulado o En- chofre ; a matéria parece repugnante â primei^ ra vista , mas seu anónymo author com desu-s sada força d'engenho , a fecundou , e ameni-! zou tanto , que diz o inimitável Roberti tão profundamente como costuma. "Este homem soube colher flores até nas mesmas margens do Acheronte. O. Jesuíta Signorelli compoz hum Poema sobre os Teares da seda ; mais ameno, mórbido , e agradável que todas as cabaias da, China. Outro Jesuita de Ferrara , emulo em harmonia de seu concidadão Ariosto , compôz hum Poema intitulado a Física, tão vario /^

li

admirável como as experiências , e maquinas da mesma Fisica, chama-se este Jesuíta Earotti, e foi amado de Ganganelli ainda depois de dissolvida a Sociedade. Eu náo me eiitrometo em discussões politicas sobre o Paraguai , e ou- tras criminaçòes que fizeião extirpar do Globo esta universal colónia de Regulares ; trato de versos, e digo , que a alta , e grande , e ver- dadeira Poesia se meteo Jesuíta, e este claustro, que por moda se aborreceo ha annos , e por causas que náo sei , se restabelece agora , foi o verdadeiro Paruasso ; não por serem os seus habitadores Jesuítas , porque a Roupeta nãa nem tira talentos , mas por se applicarem mais que os outros Frades ( que podem e de- vem fazer o mesmo ) , e por atrahirem os gé- nios que descobrião grandes nas escolas de que erão moderadores. O Padre Noceti compoz hum, Poema sobre o íris , e outro scbrc a Aurora Boreal , tào vistosos ambos como seu objecto. Camillo Eucherio , também da mesma roupe- ta , e íamiiia , compoz hum Poema sobre os Manhos quentes de Ischia , onde a imaginaçaa não respira mais que vapores de rosas. Sobre todos aquellc Padre José Boscovick ( também

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Jesuíta) , que , com a Poesia, o a Geometria ao lado , esta actualmente parecendo grande á Inglaterra ( e a Portugal , que também sabe co- nhecer o que he grande ; eu assim o sinto sent que a Inglaterra mo diga) ; este Boscovick, que tratava com tanta facilidade as secas , ou, estéreis equações , compunha com mais espan- tosa facilidade ameníssimos versos. O árduo Ape- nino foi para elle hum Pindo agradável , em quanto subindo aos mais remontados cabeços- para determinar hum Meridiano ; ao mesmo tempo que se entranhava nos cálculos de Mau- pertuis , e Condamine , cantava as theorias de Huighens , e de Newton sobre as orbitas dos Planetas , derramando tantas flores de Poesia ,. que custa a crer que o bom do Padre fosse , com eífeito , hum Mathematico daquella polpa , sciencia que torna mais seca que huma pedra pomes a fantesia , porque em fim são sinony» mos Mathematicos , e sequidão. Outro Jesuíta chamado Souciet cantou os Cometas com tão levantados , e tão sublunes voos como andão distantes de nós os caprichosos Cometas. E, para não sahir do físico Parnaso dos Jesuítas y hum delles chamado Strozzí cantou o Chocola-^

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ie ( e fez muito bem ) ; mas o Poema tem tão bellos epizodios sobre o descobrimento d'Ame- rica , e Império do Períi , que qualquer delles peza , e vale mais pelo feitio , que as inteiras Xiusiadas. Permitta-se-me huma rápida digressão sobre Jesuítas , pois os vemos táo notáveis pe- lo lado da Poezia. Restabelecerão-se em fim os Jesuítas , enganárào-se os cálculos políticos ; talvez renasça o amor das letras em a presente mocidade , pois se lhes confiará a educação ; talvez os costumes do século sejão menos de- pravados. O que fizerão e podem ainda fazer os Jesuítas poderião fazer outros quaesquer Fra- des , se se appJicassem como os Jesuítas , que sem deixarem de cuidar nos Capítulos cuida- vão mais nas letras.

He verdade que justamente se declamou escreveo contra a sua Moral relaxada ; porém mais turpitudes teni a Pucelh do universalissi- mo Voltaire , que os livros <le Sanches , do Matrimonio. Peor he a moral dos Enciclope- distas , que a de La Crox , e Busembaum j se erão senhores do ouvido dos Reinantes , se de- rigião os Gabinetes , creio que o Padre de La .Chaise , e Le Telier não fizeiao tanto dajnno

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á França como Brissot , Danton , Mârat, Ro"* bespierre, e o furioso mentecato Napoleão. Pas- cal quando escreveo as Cartas do Provinciano, iiáo sonhou com a Revolução, e no tempo de Pascal se lhe lançavão as primeiras linhas. Tornemos aos Jesuítas Poetas. O Padre Bru- moi , author da grande obra O Theatro dos Gregos compóz hum Poema intitulado o f'i' firo. A Jerusa/em nao tetn hum enredo mais complicado em accidentes , e incidentes do que tem o Poema do Vidro. Eu detesto o mister <le traductor , mas se tivesse hum intervollo de ócio em minha vida , ou paciência de estar olhando para hum livro , e escrevendo em hum papel , íião deixava sem huma traducçao o Poe- ma do Vidro , he a cousa mais formosa que existe em o Parnazo Latino. Outro Jesuíta cha- mado Lagomarsini cantou as Fontes , e diz do Poema o latinista Facciolati , que se se per-

•desse V^irgilio , pelo que pertence á pureza da latinidade , e à magestade da Poesia, o bom do Lagomarsini nos consolaria nesta perda , e en-

"èlieria: o vácuo -que deixasse o Cysne de Man- tua. O maior Jcsuita que houve, qvie he João

.■Baptista Roberti ( accommodem-se os outros

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tom o mesmo Pctavio , e náo se desconsole o mesmo Bomdalue , porque eu nestas avaliações nãò sou louvado incompetente) , compoz hum Poema intitulado As Pérolas , táo rico , e for- moso como o seu objecto, e o outro Poema intitulado Os Morangos , táo saboroso como a sua matéria.

Ora baste de Jesuitas , nem clics foráo SOS , nem para elles sos cxistio a Filosofia pa- ra dar assumpto a mil Poemas belíssimos, ame- nissimos , e mais preciosos que todos os retum- bantes cecos da estrepitosa trombeta de Callio- pe. Urania he buma Filosofa , mas também he huma Muza , e quiz mais amantes , e inspira- dos fm'a dos tristoidios Claustros , e dos Pa- tlres , os quaes (segundo o systema e grande jnizo , e prudência dos que abrem agora hum palmo de estúpida boca vendo que lhes para- ra a Revolução ) , para nada servem neste Mun- do , senão para empeeillios da sociedade , ou quando muito para o ultimo delles deixar a ul- tima tripa para enforcar o ultimo liei , como quizerão executar os modestos , e respeitáveis ^t)em6cratas do Club de Holbach , e da esco- la de-Mably; lembrar-me-hei de outros- -poetas

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a quem a Fisica subministrou matéria para agrs;* dáveis Poemas ; mas fallar em Poemas sem apa- recerem Padres he quasi impossível. O Abbade Monti compoz hum Poema intitulado A Culti- vação , onde se expõe tudo o que melhor disse Da Hamel sobre a vegeta(:ão. O Abbade Lupi cantou os Borómetros , com tanta variedade co- mo a de seus gráos. Outro Padre chamado Ou- dini cantou os Sonhos ; outro do mesmo tra- ge , e com o mesmo barrete , chamado o Abba- de Borgondi , cantou O voo das Aves. E para não ficar cousa alguma sem ser cantada , o Mar- quez Spolverini cantou o Arroz. Pedro de Condeic cantou o Mundo de Des-Cartes ; seus voos , e seus extasis são vastos , e novos como o systema dos Turbilhões. Bernardo Felloni can- tou a Magnete ; Massieu o Café ; sua descri- pção da Arábia, e viagens do Camello hombreáo com as de BuíFon. Hum Inglez cantou a Cer' veja ( bom he tratar as cousas com conheci- mento de causa). Philips he este Poeta, Ho- rácio Landini Poeta Veneziano o traduzio. A pintura de hum bêbado he tirada ao natural : a digressão sobre as guerras dos Centauros he própria ,• as armas que o Poeta lhes da quan-

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áo entrão cm lide, que são toneis attestados, e odres cheios ■, tem o sabor Homérico , e a mesma extravagância. Outro Inglez chamado Fleming compoz hum Poema intitulado a //y- pocondria , ou os Flatos. Este Poeta era Me- dico , classifica os flatos methodicamente ; fla- tos ventraes , cefálicos , intestinaes ; flatos que se evadem , flatos que ficão , flatos que des- cem , flatos que sobem, &c. Nunca hum Me- dico poderá ser bom Poeta ! Perdoe-me a Fa- culdade o Epifonema. Outro Inglez , chamado Akenside , compoz hum Poema , que intitulou Os prazeres da imaginação ; o Abbade Ange- lo Mazza o traduzio em admirásseis versos ; e a Fisica tem nelle huma boa parte ; falia em. Aristóteles , em Empédocles , nas erupções do Vezuvio , e no continuo lampejar do Etna. O Conde Pérsico , Italiano , cantou os Canários , Poema dulcíssimo , e tão harmonioso como seus Heroes ; o que parece á primeira vista cousa de pequena monta, se torna hum Poema inte- ressante pelos vastos conhecimentos que o au- thor tem da Ornithologia : Aldrovandi, Wilu- ghby , Derrham , Ray , e o fértil Naturalista Conde Ziiiani , lhe emprestáo riquezas nesta

.gratifle parte da Historia Natural,' que lorifííò -■mais interessante a leitura deste Poema , què a interminável téa dos desatinos da Iliada. E para náo faltar cousa alguma no império vas* "tissimo da Fisica , que não desse assumpto á hum Poema descriptivo , Le Faubre , que tinha composto dois Poemas hum sobre a Mttsicay outro sobre o Oiro , escreveo mais hum intitu-- lado o Terremoto , onde ha quadros dignos da dor magestosa de Estacio. O Bicho da sedu foi cantado por Vida , e aqui poderiamos dizer com Horácio Nihil intentatnm nostri K- quere Poeta. Ha hum Poema intitulado a JLo- gica , em sete cantos com mais versos que a Eneida , composto por hum Cónego de Vero- na chamado Adão Fumani. Ha outro Poema •intitulado De principiis reriini , e chama-se seu uuthor Scipião Capecce ; nenhum dos moder* nos imitou , e seguio tão de perto o castigado estilo de Lucrécio. Ha hum Poema chamado Os sinco sentidos , outro a Arte de procrear fir 'lhos formosos , outro a Declamação Theatral, -outro a Dança , e he Castelhano ! ! E teremos admiraremos sempre grandes Poemas , livres do tedioso andamento épico em quanto houver

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JPoctas capazes de fitar os olhos no quadro da Natureza Física : nesta contemplação achou o antigo Dti/ard matéria para reduzir a Poe- ma o grande livro de Bernardo Newentit sobre a existência de Deos, dando-lhe por titulo Gran- deza de Deos nas maravilhas da Natureza.

E porque razáo me excluirei eu deste ca- talogo ? A verdadeira matéria do Poema a Me- ditação , he a Fisica ; e sem huma aturada con- tetnplação da Natureza, junta aos princípios das sciencias naturaes , náo poderia levantar aquel- le edifício , que julgo não ser dos mais frágeis, e ruinosos : nem sem a Fisica eu poderia er- guer a planta deste Poema Newton ; pois se- não pode tratar bem huma matéria , sem se sa- ber bem esta matéria , e tudo o que com ella conservar intima relação. Depois de haver tra- tado os assumptos da Poesia E'pica , senti por experiência que a fantasia se me exaltava , e accendia mais , quando contemplava o Quadro do Universo , e as opiniões dos Filósofos. Por certo deve reinar huma eterna alliança entre a Poesia , e a Filosofia. Se para crédito , e pre- ço desta alliança eu não tivera mais que liura testemunho na Antiguidade , elle bastaria por

illustre , e grande. Marco Tullio Cicero revio , e polio da sorte que o temos , o Poema de Lu- crécio , que se publicou depois da morte deste risico Poeta , e de quem no século da maior litteratura de Itália nos deo a mais bella tra- ducção que existe Alexandre Marclieti. E po^ dera deixar de ser grande huma cousa que Ci- cero estimou , e que mereceo os cuidados , appli- caçòes , e estudos de Cicero ? Quanto mais ri- co de Filosofia Fisica fôr hum Poema , tanto maior , e tanto mais merecimento terá. Dos Poetas Italianos o que mais me prende , e agra- da he o Abbade Conti , nobre Veneziano. IS ao deixa em suas Poesias , como se por seus mesmos commentarios , e dissertações , compostas para mais clara intelligencia de seus admiráveis versos , parte alguma intacta da recôndita dou- trina da Fisica antiga , ou nova. Offerece mui- tas vezes entre os vagos , ou mágicos sons de sua innata harmonia a seus Leitores as escalas do Bello de Platão , as Pyramides dos Mundos possiveis de Leibnitz , as theorias das curvas -de Newton ; e por certo este erudito homem faz emudecer para sempre os que com tão or- gulhosQ desprezo considerão os Ecclesiasticoe^

si

Assim se emprega o dom da Poeâia, e s6 poi çsta vareda se podem despertar do lethargo génios a quem a Natureza iuduzio , ou impei- lio para os versos. Férreo tempo ! Parece que se náo caminha , roas que se existe no re- gaço obscurissimo da barbaridade (^') ; o furor da guerra apagou o incêndio do amor das scien- cias , e boas artes : tem dada novos sentimen-r tos aos homens , e na voragem da Revolução se tem precipitado o gosto do estudo. O com- mercio das letras extinguio-se ; e quanto me tem custado o ficar de no meio destas rui- nas ! Eu não passo com a consideração alem do circulo deste Reino. Que escritos appare- cero ! Que Poesias! Que ladibrics ! Vai a per- der-se , e consumir-se tudo ; e até as mesmas esperanças dchuma regeneração cm littcratura!

(*) Foi isto escrito nos princípios do anno de 1S13 , depois de rebentar o mais violento volcão de guerra nas furiosas invasões da Rússia , que a sahi- rem conformes ás miras do mentecapto que as fez , mais barbara ficaria a Europa òo que ficou com as invasões dos Selvagens do Norte em 04.°, e 5T°cSer culo. Em quanto não cahio o frenético Bonapai-t,e no Jpdo de que sahira , quasi não vi Ur outro livro mai^i que as Gazetas.

Jornaes , Jomaes , Join'ies, e'S-aqui o que qiiei rem , o que buscão , o que piezáo os homens j' toda a sciencia he a noticia do momento, actual, e entre os estragos mais lastimosos do presen- te tempo , o de nossa maternal lingoagem he o mais sensível. não he Portu^uez o

O

que se falia , e o que se escreve. (*) Devora-» me o zelo da nossa gloria , e ella me fc2 es- colher o presente assumpto. Quem diz Newton diz hum prodigio do saber humano , e eu quiz. juntar em hum Poema , que se dissesse ^ew-. ton três cousas , Poezia , erudição , e lingoa- gem. Conheço que com tudo isto não consiga o meu fim , mas ao menos cumpro meu dever, e meu desejo^ Não tinha Portugal hum Poe-» ma Filosófico , dei a Portugal hum Poema Pi-. losofico. Nada fiz. Se o mesmo N^^wtoíi resus-. citasse em Portugal , e lhe desse não hum Poe- ma, mas outros Principios Mathematicos da Fi- losofia natural , não destruía o indifferentismo

(*) Seria digno Secretario de huma Academia de sciencias Inrm homem que escrevesse assim = A Aca«« deniia de quem tenho a honra de ser o interprete dos seus .sentimentos ? Pois existio isto , e bom «erá que a Posteridade saiba que existio isto«

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litterario , e se , em lugar dos Princípios Mathe» maticos, trouxesse huma Gazeta ? Todos o lião. Não se me tem ido ociosa a vida , e al- gumas das minhas composições em verso nem me envergonháo , nem me deixarão esquecido: o Poema Filosófico da Meditoçãa encerra em si vastos conhecimentos expostos na verdadei- ra lingoagem das Musas ; o Poema E'pico o Oriente , obra de hum trabalho immenso , huma seria, e aturada applicação , de huma pa- ciência invicta em o polir , e repolir, não dei- xará de passar à Posteridade , e isto bastaria para me satisfazer ; com tudo os pais sempre tem predilecção por alguns dos filhos , sendo to- dos seus ; tanto me succede com o presente Poema Newton ; eu lhe dou a preferencia en- tre todos no estado em que agora o publico, e lhe chamo a melhor , e a mais perfeita das minhas composições nestes segundos cuidados.

/

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NEWTON

P o E M A. CANTO I. (1)

J

A da Aurora ao clarão suave e puro Cedia o campo azul do iminenso espaço De estrellas recamada a noite umbrosa ;

(l) Quando ap)areceo este Poeraa em sua primei" ra ediçóo de 1813 , appaiecerão , não as censuras judi-- ciosns , mis os mineráveis reparos de ignorância atre- vida , dizendo que o Heroe que o nonie ao Poç» nía não apparecia na proposição : isto não tem res- posta. Trata-se neste Poema de elogiar o grande New* toii , não peliis acções de sua vida , mas pelos seus conhecimentos Fiiosoticos , e pela impulsão que elle deo ás sciencias pa^a o esta(!o de perfeição em que 36 vemos , e que ainda podem adiiuirir ; para isio

Nuncia do dia , ás lúcidas esferas

Da luz primeira undulaçÒes mandava ;

Das máos de neve , do purpúreo rosto

Brancas , brilhantes pérolas caliiao

No verde esmalte dos risonhos prados ;

E de Favonio aos háhtos suaves

Do brando somno as plantas resurgião.

De ondas immensas de escarlata, e de ouro

Erão os Ceos Orientaes banhados ;

E pelo espaço liquido dos ares

rorej antes Zéfiros co'as azas

Do bosque as folhas trémulas movião.

A vaga turba aligera acordando ,

Dava o tributo dos primeiros hymnos

Da Natureza ao Arbitro Supremo,

A cujo aceno a Natureza vive ,

A cujo aceno a Natureza pára.

Ouasi o limbo do disco auri-splendente

Pelo Horizonte Oriental rompia ,

3 co' a débil luz que hum raio esparge

era preciso dizer o que pensarão os homens antes, delle , e o que tem imaginado , e feito depois da pu- blicação de seus doutíssimos escritos. Também ha Çççmjas, que, ^âo, cpqicçáQ ,.As^rnias ,^ e^ ©S^varçes^

â7

Prazer no quadro cio Universo aviva ,

As sombras aftugenta , e mostra o Mundo.

Depondo o pezo do voraz cuidado Que tece , e gasta a têa da existência , Que ao trabalho , que á dúr me vota a sorte, Po esquecimento do meu mal envolto , A' desgraça esquecido , então pouzava Do meigo somiio em bálsamos gostosos , Sonmo em que pauza faz triste amargura ; Herança minha , indechuavel Fado ! Eis-que sinto levar me . . . (e como , e onde Eu nuo posso dizer ) ; voei nas azas De arrebatados extasis sublimes. Sonho , sonho não foi , que mil confusas T»ja fantasia imagens atropela , Extasi foi somente , e conduzido Eu fui d'hum Génio habitador do Olympo^ Que aos olhos do Filosofo franquea Do eterno arcano as tèirolhadas portas , E , n'lium centro de luz, lhe mostra o quadro Da sempre ii mesma , e varia JNatureza. Do grande Scipião dest' arte u vista ('2)

(2) O sonho de Scipião he hum frngaiento pre- ciosíssimo dos Livros da Hépublica de Marco TuUia

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Os immortaes alcáçares se abrirão ,

E d'entre a sombra que o futuro encerra

A voz ]he diz que proseguindo a estrada

sempre da virtude , e lhe descobre

De Roma os fados , de Cartbago as cinzas.

pizo o aéreo cume ; a luz brilhante Se me diífunde , se me espalha em torno. Como do meio do profundo Oceano Costuma alçar-se desmedido escolho Que quebrar-se nas eternas bazes languida , e sem força onda espumante. Se olha de cima as voadoras nuvens, Que em túmidos chuveiros se desatão , E se escuta o fragor do raio accezo , Sereno , immovel permanece ; apenas Pousar a escuridão nas faldas sente , E que o vento debalde a base açoita. Assim eu conduzido a immensa altura , Hum ár sereno , e puro , e luz mais viva , Bebo em torrentes , e deviso apenas

Cicero. Macrobio nos conservou este fragmento cora sieus amplos commentarios , cheios de huma recôndita , e exqiiisita erudição , e doutrina. A alrna de Scipião arrebatada em hum sonho he levada á superior es* fera ; eis-aqui o que despertou a presente imagem.

29

Grossas nuvens pouzar na Terra inerte , Onde envolta, qual ponto escuro, e triste, Pelas aéreas solidões do espaço Corre, sem própria luz, Planeta inglório.. Eis no gremio da paz serena , e doce , Se me antolha pizar de Heroes o alcaçar , Extático bradando : Ah ! náo , por certo , Pode ser este o terreal assento ! Hum Ceo sereno, e Primavera eterna Celestes flores, e náo vistas plantas, E , cheios de prazer , bosques sombrios , D' aguas mais puras borbulhantes fontes, Kão por certo não tem mesquinho Globo ! Sem véos aqui contemplo , aqui descubro Essa invisível fluida substancia , (3)

(3) O ár he huma substancia fluida ; e invisível que circunda a Terra de todos os lados ; contém em si os vapores , as névoas , e outros Meteoros , he resnirado por todos os corpos viventes. Chama-se At- mobfera todo este mimenso corpo do ár. Veja-se Benjamin Martin na Gramática das Sciencias , Parte III., onde com admirável dexteridade expõe toda a theoria do Ar. O penetrante engenho de Marco Tul- . lio concebeo , e explicou esta mesma Theoria tantos . séculos antes dos grandes descobrimentos nas Scien- -cias Naturaes. Este Orador falia como hum Fifico €xacti<«imo naquella Obra , que entre as Filosóficas

30

Que em torno fecha , e que circunda a Terra ; Que cm si nuvens contém, contém vapores; Que em si tantos fenómenos acolhe ; Que he necessária tanto ^ aos sons , à vista j Ao fogo , á vida , as arvores , ás plantas i O' da Divina mão alto , infinito

prova mais claramente a vastidão de seu saber , que lie o Tratado da Natureza da Divindade, Liv. 2." N.* 39. ííis-aqui suas eloquentissimas expiessóes. Aer tum Jusus èsf exteiiuatus sullime feríur : turri autem con- cretus hl niihes co<ritrir ; humoremijue colligtns lerram auget imbribus : tum e/Jiiwris hnc , tS^ illuc , ventos ^ ejficit. Idem anniins frigorum isf ca/orum facit varie- tates. Idcnii/ue <Sf volatiis alituin suslinet , ÍSf spiritu ductus aLit , e sustentai aminnntes. E n." 33 : Nobiscum videt , nobiscum audit , nobiscum sonat , nobiscum movetur. Tentemos , se he possível , huma litteral tra- ducção , eu a taco tom tanto gosto , quanto he o desejo que tenho de mostrar ao Mundo onde che- ga a riqueza , e elegância da lingua Portugueza =- Quanto mais se eleva , e sobe o ár , mais se atenua , e adelgaça, e quando se condensa muito, forma as nuvens ^ e ajuntando em sen seio as partirulas uni- das , angmenia a terra com as chuvas. Correndo , e inovendo-se de huma para outra parte , forma os ven- tos , assim como as anudas variedades do frio , e do . calor. Sustem o vòo das aves , e penetrando tudo como hum espirito , nutre , e sustenta os animaes. Vemos com elle , com elle ouvimos, nelle percebe* mos os sons f delle vem o nubao movimento. -i

31

l^odér liunca entendido! Sc a atmosfera j\áo refrangesse a nos do Sol os raios , ■Náo se virão brilhar n'azul campina Em- distancia infinita immensos astros : Nem o doce crepúsculo se vira , Ou quando o mesmo Sol s'escondc, e foge, Ou quando no horizonte inda não surge , Mas débil raio matutino espalha.

Se volvo aos Ceos extático meus olhos , ^ ejo próximo o Sol , da luz origem ; (4) O pélago de fogo , a ardente massa , De que he composto o fulgurante corpo. He elle o fixo , o luminoso ponto j Elle o centro commum qu' em torno cercão ,

(4) A pezar de muitas opiniões contrarias , creio íjue o Sol he hum corpo de fogo de quem todos os •oúfros Planetas recebem luz , e cjue mediante a ema- nação continua de seus raios aclara , e illumina to- do o systema dos Seres , que existem em torno de ■■nós. O diâmetro do Sol he de 254,7/3 legoas Por- tuguezas , e sua massa he 365,400 ve^es maior que a da Terra. Náo se pôde determinar com cer- teza se o Sol seja hum corpo de puro fogo , por- tjue em sua superfície se descobrem continuas man- chas , descobertas primeiro pelo immortal Galileo , 'depois pelo Jesuita Scheiner , e finalmente verifica- ^das por Hevelio, Veja-se o Lexicon de Harry na pa- lavra Máculíç,

32

Sem cessar gravitando , áureos Planetaâ.

A Lua descubro, e vejo os mares, (5)

Os largos , fundos , caudalosos rios ,

Que parecem, da Terra, obscuras mancbas,,

Quando a vista de nos Ceos espalho.

Ilhas descubro , altíssimas montanhas,

De cujas frentes escabrosas desce

A luz reflexa, que da Terra eu vejo,

(5) A gravitação mntua dos Planetai , e Sol , foi conhecida dos mais antigos Filósofos , como se acba demonstrado na Prefação dos Elementos d'Atroriô- mia Fisica , e Geométrica do celebre Doutor David Gregory , na qual selem estas palavras: Nos in as- tronomia Phisica vfteruni iwstigiis i?iyla>ni<s Ca'hstia in se mutuo gravia esse , ^ vi aravntis in orlnbus re- íineri quod eliam gravitatis linjnsce legein perspe- ctans hahuerunt. Sej.t o que tòr ; chame se huma de- monstração o gvro aunuo da Terra á rnda do Sol , eu náo me sugeiío voluiitariameiíte a esta opinião ^ não sou eu o primeiro que o digo neste século. Mercier lançou por terra o sy.stema Copernieano , eu nenhum sigo. As leis que o Supremo Author deo á natureza são incógnitas Ut non invenint homo opus .Dei a principio nsifue ad finem. Para o entendimento humano á vista dv.-Mta viva nni]iiina do Universo não ha senão duas funrçóes , admirar , e ignorar.

(6) A Lua he hum Prcjòlc-rna irresolvivel. Sabe* mos que he bnm corpo grande , t)b*;curo , opaco» esférico , e semelhante ao Globo du Terra «m ma»

33

Lu2 que lhe empresta o fulgurante globo,' Origem delia, e do calor origem. Seu moto vario , e desigual contemplo , Cora que mostra em seu gyro incerto o rosto ; Talvez proceda da div-ersa , e forte Visivel atracção do Sol , e Terra , Do eixo obliquo em que se agita , e move. Mais que os Planetas vastos , e aberrantes Em torva luz aos olhos se offerecem Em sempre incerta, e variante forma Tão vastos , tão excêntricos Cometas , (7)

teria , e fcSrma : seu diâmetro he de ^25 legoas , sua circunferência 2276 , e sua distancia da Terra ^Oy^, Querem alguns Filósofos que as partes lu- minosas do corpo da Lua, sejáo certas porções mais elevadas que as outras , as quaes reflectem luz do Sol , como Montanhas , Promontórios , e ilhas , e que as partes obscuras da mesma sejáo Mares, Lr.gcas , e Rios , donde a luz não reflecte , e que por isto devem parecer obscuras ; mas he tão fraca esta lu/: que recebida nos melhores espelhos ustorios até aqui inventados náo produz o menor _çalor sensivel. As mais bem fundadas hypotheses da theoria da Lua 3cháo-se nos princípios de Newton , na Astronom a de Gregory , de Whiston , de Keill , e Lalande.

(7) Nos mesmos Principios Filosóficos de Ne\vtch , se acha que os cospos dos Cometas são certas. subr stancias sólidas , fortes , fixas , duráveis , é qí'è

c

34

Tardios em mostrar-se , e sempre infausto* A' vil superstição do vulgo insano , Agoiro triste aos pálidos Tyrannos ! Sáo duráveis , e solidas substancias ; Da máo do Eterno Artifice são obras : O Nada as produzio , quando , na origem ])o Mundo , lhe mandou , que fosse tudo ; Não quaes ousou julgar rude ignorância Ligeiros fogos de temor objectos , Sem orbitas , sem leis , sem marcha , e centro.

Quantas contemplo lúcidas estrellas ! Quantos Astros centraes ! Quão luminosos. Quantos , quaolos satéllites velozes Em torno delles caminhando eu vejo 1 Em tão diversos , tão distantes corpos , Tão vários entre si , tanta harmonia ! Minha alma se confunde , e se deslumbra Débil vista ^ mortal : tudo me opprime ; Eu s6 prodígios , s6 milagres vejo ! Entro no abysmo do silencio , e fico ! . i .

facto são huma espécie de Planetas que se movem á roda do Sol , e que resplandecem com a luz dos raios do Sol que reflectem. Observem-se as Orbitas Parabólicas de_2l Cometas descriptos no systcma So« iar .de, Wlús.ton.

35

Qual o que sobe do Apenino ao cume, E alonga os olhos pelo immenso plano , Onde outr'ora s'ergueo Latino Império, Vastas Cidades , férteis campinas , E os restos immortaes do fasto , e gloria , Que inda em quebrados mármores avulta , longos rios retalhando os campes, E do Tirrheno mar , d'A'dria nas ondas altas náos rasgando o dorso a Thetis ,- Depois que ávida vista em scenas tantas Hum pouco apascentou , turvado , absorto , Dentro em si mesmo se concentra , e fica Vastas idéas revolvendo , quantas Da Natureza , e da Fortuna os quadros A seus olhos atónitos mostrarão : Assim eu vejo em quantidade im.mensa

Surgir das aguas, levantar-se aos ares,

Pelos raios Febêos como attrahidas ,

As húmidas porções rarefeitas ;

Mais Hgeiras que o ar , no ar fluctnao ;

Nellas a vida tem , nellas se formão

A nuvem densa , as névoas importunas , (8)

(8) No Compendio Filosófico deRowing, parte 2.* Dissertação õ , se achzo as principais FTvpotheses quA

c 2

36

Quf , com diversa reflexão de Apollo , Que cm seu seio refrange o accezo raio , Variante espectactilo me amostrão. Dos rarefeitos ares eu descubro , Quç os ventos nascem , (portentoso arcano, Portantos , tantos séculos oèeulto!) Os inconstantes milagrosos sopros , (9) (Da bemfazeja Providencia hum brado!) Pelo inquieto campo do Oceano Leváo de hum Polo a outro ousados pinhos»; Equilibrado o fluido dos ares , !Náo os oiço bramir ! . . . Mas quem perturba A dilatada calma , a paz tranquilla ? Quem roOba ao ar pacifico equilibrio ? Talvez, talvez, que, exhalações rompendo Do térreo globo , e tenebrosas furnas ,

os Filósofos tem inventado para explicar a maneira com que o Sol atrahe as partículas da hum Fluido, e as torna especiíicaraente mais ligeiras que o ar.

(9) O Abbade NoUet nas lições de Fisica expe- rimental, Tom. 3." , pag. 349 , expõe diversos syste- mas sobre a Origem dos Ventos. Mas para se co- nhecer mais a fundo esta tão intimada maravilha , S3 podem vêr as exposições históricas dos Ventos re- galares , e irregulares do Dr. Kalley, e a Historia dos yèntos de Lord JBacon.

Ou sobre o eixo a rotação diurna Da T^rra seja do prodígio a fonte !

Eis com elles se agitão , se mistunio , As espalhadas fluctuantes nuvens ; Do agudo frio comprimidas , tornáo A seu terreno , e prmiitivo berço. Em chuva salutar desfeitas descem ; Qu , se o frio he maior , cândidos vellos'. Do brando vento conduzidos , cobrem No triste Inverno o campo amortecido ; Ou , nas miúdas condensadas gotas , Pelas douradas messes espargidas , Ao desvelado Lavrador trazem , Depois de longo aían , tristeza, ou pranto,

Vejo o accezo relâmpago medonho , Oiço o horrendo trovão , vejo o espantoso Trilho abrazadp do sulfúreo raio . . . Nada a meu5 olhos se me esconde , nada ! E de enxofre , de bitume , e nitro. De ácido sal , de alcálicos diversos Grosso vapor subindo eu vejo aos ares. Foi do Sol attrahido , o vento o leva ; Com violento impulso então fermenta , Prestes se accende, súbito nos manda Essa pálida luz sempre seguida

38

D'alto fragor , que faz tremer nos eixos Timido o Mundo , e precursora he sempre I)a chamma rapidíssima , que desce Com pavorofo estrépito , e que abate Quanto, voando, na carreira encontra. (10) De aspecto muda do vapor a massa ,

(10) No Liv. 3. da Óptica de Newton , Quest. 31 { fallando-se de muitas experiências qne elle tinha ieito em substancias combubtiveis , e próprias a pro- duzir estrépito) se lêni estas palavras: Estas expe- riências , compartidas com a grande quantidade de en-. xofre de que muito abunda a Terra , com o calor <Je suas interiores partes , fontes thermaes , monta- nhas ardentes , niineraes , terremotos , exhalaçóes cu- jo calor sufíbca ; nos fazem vêr , que existem nas entranhas da Terra rios de enxofre , que íermen-, tão com os mineraes , e algumas vezes se inílamâo com grande estrépito ; e se estão encerrados em ca-^ vernas subterrâneas , as rompem sacudindo a Terra , e fazendo-a tremer , bem como quando rebenta hu- JUB mina ; então os vapores grandes , e produzidos por aquelles grandes abalos , e oscilações . insinuan- do-se nos poros da Terra , a escaldão , suffbcão , for- mando vortigiuosas tempestades, zi: Esta reflexão de Newton confirma validamente o systema do celebre Scipião Maíièi ( Author da Tragedia Merope ) sobre ■d origem dos llaios terrestres , systema que posto haja sido impugnado tanto dentro como fora da Itá- lia , torna fanuoso o nome deste Literato conhecido por inuameraveis producções ,

,i luda alem dos confuis da Terra , e Mares. ,_x

39

Nem sempre he raio estrepitoso ; eu vejo As agudas Pyramides , as Traves , A Seta aguda , o flamejante Drago , E as que se mostráo lúcidas Estrellas , Que accezos trilhos no horizonte deixáo ; E esse , usado a brilhar no algente Polo , Sem calor vivo , sem substancia hum fogo , Huns restos são maravilhosos , bellos P.essas de luz undulações pasmosas , Que detidas do ar no immeno seio Formão brilhantes Boreaes auroras ; Ao lúcido horizonte em parallela Linha se mostráo, se mais baixas correm, Ou, n'hum centro commum, s'unem subindo , Até que extinctas as porções sulturcas Pouco a pouco do ar desapparecem , Deixando apenas ao gelado Norte Hum suave crepúsculo brilhante.

Se volvo a vista a outra parte , absorto De multi-fbrme cor descubro a nuncia Da sempiterna paz , íris formosa ; A doce reflexão dos áureos raios , Unida â refracçáo , sobre miúdas Da fria chuva transparentes gotas , A septi-fgime cor prontas lhe imprimem.

4a

Quantos , quantos fenómenos pasmosos A luz reflexa nos produz nos ai'es ! '

Em tanto objecto 0 pensamento fixo , Em tanto objecto extáticos, meus olhos Grandes idéas me despertào n'alraa! Eu, de augusto silencio em sombras, ficoí E do. centi;o de meu peito exhalo , !Não os ais, da affliçãjo , do, assombro o grito. Eu sinto , eu sinto hum Deos ; nâo foi do Acaso A milagrosa pi-od acção do Mundo ! Obras foi do Aitifice supremo : Hum rio origem tera , o eífeito causa. Tantas estrellas lúcidas dispersas l^esta estendida cúpula azulada , Esta Lua, este Sol , o dia , a sombra, (Constante alternativa , ) a luz, e os ares São cifras com qu' escreve a mão suprema i)e hum Ente Summo , Sapiente , Immenso» Na flor , q^a planta, no mimoso fructo, -No que s'esconde peqaienino insecto Que ver não podem desarmados olhos , E s6 com lente augmentadora, observo (."omo impalpável átomo mcver-se ; Nos rostos vários , e animaes diversos , ?s'os sQiis, nas cores., na.mipha ahna o vej-Q-,

41

Almo tlie$ouro, da Clemência eterna-

Ella enriquece a Terra , e a vejo em trintas ^

Tão varias producçÒes na espécie eternas ;

D'alta grandeza sua eu sinto a prova

No fundo abysmo dos extensos mares ,

Nos Ceos immensos , na pezada Terra.

Seu Divino, saber , tremendo , adoro

N'alma belleza dos mortaes objectos ,

Nas leis eternas dos celestes corpos

Os caracteres luminosos vejo

D'hum Conselho immortal que rege o Todo »

Na exacta proporção dos fins, dos meios,

Que do visivel. Mundo o quadro ostenta ;

Tudo, tudo me diz que hum Deos preside

Monarcha immenso de infinito Império.

A' luz ordena que me aclare , e manda

Ao ar que me sustente , e a vida aspiro.

Elle o calor produz , que o vital germe ,

Em successivas gerações conserva :

Elle o dia formou , nclle ao trabalho

O mesmo Rei da creaçáo destina :

Elle a noite produz , com cila em sombras

X)a fria Terra a maquina sepulta ,

E^n que o corpo mortal restaure a força,

Com que ao surgir ^la matutina Aurora .

42

Torne ás fadigas , aos cuidados volva. Porque discorro, existo , e eu si.iUo dentro .De mim , que penso , sensações diversas. Quando o incorpóreo ser d'alma contemplo, Vejo humu imagem do Motor supremo, Que quiz que eu fosse a similhança sua : E náo direi , que me sustenta , e rege Hum Ser universal , hum Nume Eterno? Ah ! da matéria o movimento o mostra ! Eila , inerte de si , da inércia sua Não poderá sahir sem braço Eterno, De cujo impulso o movimento nasce. Náo he da t^ssencia da matéria o moto Alheio, delia , vem de extrema causa Que existe por si mesma: hum ponto ao Mundo. De existência marcou ; disse , e moveo-se Subitamente a maquina pasmósa, Nada sendo até alli ; foi tudo , e vive.

Em taes idéas concentrado estava Sem olhos. despregar do quadro augusto, Que sempre he novo, e bello, e sempre antigo j Livro do estudo meu , delicias minhas ; Eis-que descubro no mais alto cume Do fulgurante Olympo erguido hum Templo, Cuja sublime estrciuhív arquitectura

43

Nem alma a concebeo , nem olhos vimo.

De lúcido crystal , alto^esplendente

Se levantava altíssima fachada ;

Arcos , columiias , arquitmves , tudo

De pedraria oriental se forma ,

Onde hiuna luz celestial batendo

Derramava revérberos brilliantes :

A magestosa cúpula lulgurji,

Qual de Narsinga o diamante fulge.

Quem força a meu estro , e quem sustenta

Meus temerários sobrehumanos voos ?

Como a. Verdade franquear eu devo

agora as brônzeas ferrolhadas portas

De crença, a cuja luz náo seja avíira

A turba indócil do inconstante vulgo r

Longe , longe , 6 profanos ! Se tu reges ,

Se tu mesnifi, 6 Verdade , o canto animas.

Se me encordoas Cithara toante,

Para o Templo celeste appresso o passo ,

E náo receio de mordazes linguas

O golpe fundo , o livido veneno.

Ao menos parará quando na Terra

Eu deixe de existir ; surge das "cinzas

Mais clara a fama, o mérito consegue

Pe louvor justo o postliumo tributo.,

No perstilio magestoso , e vasto , (Eu não destinguo se he mulher , se he Deosa) JEntão descubro , que , volvendo os olhos , Em mim pronta os fixou , como se ha muito Naquella Estancia me aguardasse ; estende Formosos braços , e me aperta ao seio. Soltando a voz angélica me exclama : ,, Escrito estava no volume arcano Do immobil Fado, que no Templo entrasses. Que a Sapiência levantou no Olympo. Tu , separado dos mortaes enganos Da vaiííade , que domina o Mundo , E dando âs Musas o fervente engenho, Que á grata sombra dos sagrados louros As horas ganhas da volúvel vida , E o grão thesouro de profundo egtudo Buscas constante, e com trabalho ajuntas, Soffrendo o longo afan quando a sombra No vasto seio envolve o inerte globo : Hoje das mãos da Sapiência o premio Tu deves receber , teu génio enchendo Não de verso suave , ou brandas rimas , Com que do fnar o vencedor tu cantas , Que as portas abre do vedado Oriente , Qu' a Pátria d'honra encheo , de gloriai o Mundo j

45

Mas cVexcelsa verdade ao vulgo ignota. ,y,

De seus olhos a Deosa amor respira ; Mas tal amor , que penetrava o peito Sem perturbar do entendimento o liime, Qual ser costuma entre os mortaes , se he grande ! Eu tinha fitos no seu rosto os olhos , Com celeste prazer toda a minha alma Em doces chammas ondear sentia ;• A Deosa o conheceo ; que mudo j e quasi Abstracto estava , e do sentido alheio. Solta hum surrizo dos purpúreos lábios , E assim começa a me íallar benigna.

Tens fcheio o coração de ignoto fogo, A quem mortaes Mundo amor chamarão, £ a quem puro prazer nos Ceos se chama. Este puro prazer do gozo alheio Toma força , e principio , e tudo a todos Sc apraz de ser , e se derrama inteiro. Do privado interesse ignora a meta , E , nem se muda , nem se altera , coma Tantas vezes no Mundo amor se muda. O próprio amor aos corações innáto , Que a todas as paixões qu'o peito agitáo Se amolda sempre , e se transforma nellas. He disfarçado amor vossa esperança j

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Amor pertinácia, Amor hc magoa; Amor são todos os prazeres vossos ; De Amor o movimento , os accidentes. Considerados , sáo paixões diversas. Na origem , quando nasce, Amor se chama; Quando do peito sabe, quando se expande, E busca unir-se ao suspirado objecto, Chama-se entáo desejo; e vigoroso. seguro de si , firme em si mesmo, Se as azas solta , c se remonta, e sobe, O nome tem de vívida esperança. He constância, se, obstáculos vencendo, Na mesma opposição mais força adquire. Quando aos duros rivaes declara guerra, He sempre Amor ; mas chama-se ardimento , Mil vezes a si mesmo elle se esconde; Mas neste raro sacrifício he sempre No altar do coração victima , e fogo, E Sacerdote Amor, que em si transforma Quantas no Mundo paixões diversas.

Mas tempo he que teu desejo abaste, E te descubra o portentoso TempJo, Onde benigno te conduz teu Fado. Esta, que vez alçar-sé , augusta mole Encerra dentro em si Filosofia: '*

47

Altares alli tem , [^do monte excelso Génio a tem feito tutelar os Numes : Sacerdotes são seus , são seus jSlinistros Esses engenhos transcendentes , vastos , Que tão raro entre vos asylo encontrão , Sustento, protecção, respeito, escudo. A Fadiga sou eu ; nome tremendo A quem d' hum ócio torpe os braços busca, E na mole indolência a vida exhaure : Mas he doce o meu nome a quem Virtude , A quem Mérito apraz. Segue-me , ó filho, Entra comigo os pórticos do Templo.

Que gélido suor me banha a frente ! De vêa em vêa penetrante frio O curso ao sangue fervido entorpece l Tremi confuso , e vacillante o passo Entre contrários pensamentos movo. \ i que de ícaro o vôo , a acerba queda Desse soberbo , e deslumbrado moço , Que mal regera ignípedes Ethontes , Eu hia a renovar. Meu alto assombro Descobie a Deosa , -e se doeu de ver-me ; Deo-me a benigna mão , e me susteve No meio do pavimento augusto.

Dentro era d'ourQ o consagrado Alcaçar,

48

De azul celeste a abóbaa esmaltada,

Onde brilhantes lúcidas estrellas,

Quaes Safiras finissimas, se engastão;

De eterno fogo immortalmente accezas

Oriental Pyropo o chão lhe forma ;

E nas paredes (mao divina ! ) expressas

Admira a vista insólitas pinturas,

Quaes nunca Rafael , quaes nunca Ousara

Traçar pincel de Rubens portentoso.

Aqui se vião nos incultos bosques

Ir errando os mortaes sem lei , sem freio,

E quasi extincto o luminoso facho

Da celeste Razáo, preza entre sombras.

Alli se admirão simplices viventes

Rudes choupanas levantar primeiro'

De annosos troncos , e de seccas folhas ,

Onde , quaes feras nos covis , s'escondem

Das injurias do ar, do vento aos sopros.

JVeste estado infeliz de hum Mundo inculta

Se principio á sociedade humana:

A primeira familia alli se ajunta,

A rotear começa o campo agreste.

iVclIa o pai foi Monarca , até foi Nume ,

Da sapiência , e da razão guiado ,

Alli juntava Sacerdócio, e Império-;

49

Os Ceos interpretando , as leis promulga , Que o bem commum da sociedade buscáo. Kao era a Sapiência obscura, e arcana, Destes primeiros pais , mas doce , e clara Abria o Templo da vulgar Virtude. Deste humilde principio , e tão pequeno , Surgio de Roma o desmedido Império ; D' huma cabana s'estendeo no Mundo. Alli Rómulo , e Numa as leis dictavão , Ao novo asylo universal chamando Do antigo Lacio indígenas incultos.

Além se via progressivamente Multiplicar-se sempre a espécie humana: Mas passou mui depressa a idade d' ouro ! A férrea começou , e além se via Ir o robusto agricultor rasgando Com feiTco arado o seio k terra inculta ; Sobre ella s' entornou suor primeiro. D' estranho tronco as arvores s' enxértáo : Corta-lhe a foice os ressequidos ramos. Mas sem armas , sem ríspidas cadeas , Porque inda o vicio a temcrcsa frente Não tinha alçado dos mortaes no berço. Se falta a Natureza , a industria suppre ; Pois quatito as plantas por seu próprio instiucto

50

j^j lidadas do Sol , férteis co' a chuva

!Nos espontâneos fructos produzião ,

A' humana precisão não bastava.

Então das cultas , pampinosas vides ,

Se tirarão primeiro os dons de Brómio ;

Então luxo ensinou tingir por fausto

Co' a preciosa purpura de Tjro

Do verme industrioso a ténue baba.

Se a relva dava então tranquillos somnos ,

A' sombra qu' espalhava o Freixo annoso ,

E se estancava a sede à lynfa pura

Do serpeante limpido regato ;

Velos se arrancão do innocente ai'mento ,

Que ao cançado mortal repousos prestão ;

E o liquor salutifero se apura ,

Que restaura o vigor no inerte corpo.

Por buscar novos , escondidos Mundos ,

Da nativa montanha então se virão

Cortados abater-se o Chôpo , a Faia :

vem nas ondas contrastar co' os ventos.

Para ajuntar as peregrinas mercês ,

vai duro mortal soltando as velas ,

No elemento não seu , do vento ás iras ;

Mortal agora ingénuo , e que outras praias

Não tinha visto mais , qu' as do tranquillo

51

!Regato que lhe corta os pátrios campos. A guerra assoladora , a guerra iufousía Era ignota até alli , e em tristes cores Alli se via a fervida peleja. Na bigorna se bate a horrenda espada ; Em dura lança além s' alonga o ferro Mais avante s' erguia o forte muro ; As torres hiáo topetar co' as nuvens. Gozava a antiga gente ócio tranquillo : Ah ! que Euria infernal, que monstro horrendo Trouxe do escuro Inferno o facho accezo ? Que nuvem se elevou sangue estilando ? A raiva , o ódio , a inveja o braço alçarão. Primeiro a Ingratidão nas mãos levanta O ferro atroz , sanguinolenta espada ; £ peito a peito , d'ambição levado , Se combate o mortal ; chamou-se gloria Esse furor brutal , que avilta as feras , Que poupão por instincto a própria espécie: Tudo foi sombra , e confusão no Mundo. A raiva universal , honra se chama ; Tanto do humano coração se apossa , Que julga estado primitivo a guerra ! Au2;mentÍ!o-se as nações , o esíraco cresce: Sempre o furor dominar triunfa.

B !2

o que era o pai , o Sacerdote , o Nume Da primeira familia , he Tyranno !

De fero aspecto dibuxado estava Sanguinário Nembrot qu'ergue seu throno Sobre o pescoço das nações em ferros. A Terra se povoa , o facho accezo Não s' extingue jamais nas mãos das Fúrias. Se hum throno se levanta , outro se abate. Nos mais remotos ângulos do Mundo , Onde existem nações , a guerra existe.

Mas entre tantas retratadas gentes , Que o ferro tem nas mãos, no aspacto as iras. Eu vejo estar em solitário ai vergue Pensativos mortaes , longe , e mui longe, Em doce paz , do estrepir© , e tumulto. Ao ar , ao portamento , á vista , ao moto , Súbito conlieci , que os sábios erão , Que as sempiternas leis da Natureza Em pro dos outros conhecer tentarão. Com pertinaz estudo , e prompto engenho , No grande livro do Universo estudão , E com pasmosa distincção contemplão Tão formoso espectáculo , tão vario. C os lábios semi-abertos , os immoveis Olhos pregados tem no ethereo assento ,

53

Como que vãa buscando o immenso , e certo

Eterno gyro dos lotantes astros.

He esta a oceupação , este o deleite

Do cubiçoso pensamento altivo,

De assombro os enche maravilha tanta.;

Curiosidade da ignorância he filha,

Tão própria , e tanto da mortal essência v

Somente ella produz sabedoria,

Quando o veloz enthusiasmo atêa-,

E quando observa desusado effeito

Da Natureza , ou Ceo , corre aniielante ,

Corre pronipta , interroga , observa , indaga ,

E tenta descobrir quanto se off'rece

A seu ouvido extático , a seus olhos :

Vai dos efíeitos penetrando ás causas.

Tal presupposto foi de antigos babios,

Das cousas todas indagar as fontes.

Da sciencia o amor , o amor do estudo ,

Entre os Sábios se diz Filosofia.

Curiosidade , e ócio á Deosa derão

( A quem he consagrado o Templo) a essência.

A's inda feras indomadas gentes,

Mal acolhidas na choupana humilde ,

Communicou seus raios luminosos.

Ftz-lhe» ver de si mesma a imagem pura.

Ó4

Apenas observou que accezos olhos Na abobada dos Ceos apascentaváo , JJo sempiterno braço contemplando Essas sem fim maravilhosas obras.

Depois que em tanto quadro a vista absorta Acabei de deter, novos objectos Minha alma toda súbito me enlevão. Eis esculpidas novas maravilhas JNos áureos muros assombrado vejo. Sobre hum turquino fundo auri-iuzente Eixas sempre n'hum ponto estrellas brilhão, A cujos lumes, trémulos, suspensos Pelos bosques Caldêos vejo os pastores , Imprimindo signaes na mole arêa , Da sabia Geometria as leis primeiras. ( Dura , afanosa sapiência , quanto Tu sabes levantar o engenho humano ! ) Co' a frente envolta em sombra além correndo Eu vejo o vasto fluctuante Nilo Do pingue Egypto os campos retalhando , Vejo-lhe em torno industriosa gente Medindo-lhe a compasso as turvas ondas, Esperando que o Ceo constante , e meigo O retorno annual decrete âs aguas ; E , cm quanto o interesse , em quanto o Génio

55

Dividem entre si fadiga , estudo ,

Recebe nova luz a Geometria.

QuaF costuma romper d'alpestje rocha

Limpida fonte , e serpeando o campo

Por entre as pedras vai com doce , e grato

Continuo estrondo , alimentando as flores ;

C huma fonte depois , depois com outra

Sempre augmentando a crystalina vêa ,

Que cresce , e passa a lúcido regato ,

E , recebendo d'outros mil tributo,

O fundo leito alarga , e bramoso

Aqui começa a se fazer torrente ,

Espuma, e freme, e se arrebata, e foge,

De tanto, e tanto feudo enriquecido,

E soberbo de si no fundo Oceano

La chega , confunde o nome , as aguas :

Tal do seio da immensa JNatureza ,

Escuro seio , pouco a pouco trouxe

O humano entendimento a luz brilhante

E dest' arte raiou Filosofia ,

Que foi por longos séculos juntando

D' alma sciencia o perennal thesouro ,

Suave fructo da innocencia antiga,

( Ah ! táo buscada em váo na idade nossa ! )

Em que fogo maior; mais viva chamma,

56

Que essa que a boca do Vesúvio exhala , No seio do mortal fomenta o crime. Esse inquieto , e vil , férreo desejo De possuir incommodas riquezas , Que partilha não são, por máo destino. Do que apascenta o coração tranquillo Na posse ingénua das sciencias todas , Com pertinaz estudo teve augmento ; E do existente Mundo as leis, e as bazes Porão continuo emprego a mente humana : Mas nada lhe abastou desejo accezo, Que tão vivo cresceo , qual cresce o vasto De pequena faisca immenso incêndio. Quando fixo encarou bellezas tantas, Lançou-se aos Ceos com generosos voos, E dos astros o influxo , e o vario aspecto Ouzou descortinar; no eterno curso Pelos ermos do espaço os foi seguindo. E soberbo de si , não satisfeito, A seu profundo, e vasto pensamento, Co' a tocha acceza da Kazão diante. Abre , piza , franquea ignota estrada , Que mais, e mais se aplaina, e mais s'estende C o porfiado estudo , e os homens leva Ao Templo augusto da immortal Verdade,

57

Que escondido não he , qual foi primeiro. Ella pôde encantar Génios sublimes , Cujas imagens em perennes bronzes Em si conserva o magestoso Alcaçar. Oh ! mui feliz o Entendimento humano , Se em taes indaijacòes , se em taes estudos Aprende a conhecer, e amar o Eterno, S6 de bens larga fonte , immenso Oceano l

Fim do primeiro Canto.

S9

-<*ii*>~

NEWTON

POEMA.

CANTO II.

JLJ a Sa;

Sapiência antigos amadores , Os Sacerdotes do celeste Nume , Ao sacrosanto Templo alto ornamento , Com seus bustos em porfido formaváo Do magestoso altar decoro illustre ; Puro , innocente altar , onde a profana Mão despiedada dos mortaes infrenes Kunca posera YÍ€timas de sangue , De que tanto se apraz da guerra o Nume, Que o cego Fanatismo , ah ! táo frequente { Nas torpes aras da Ambição degolla. São incensos aqui puros aííectos ,

60

E o remontado pensamento os votos ;<• São offerendas êxtases sublimes , Voos da mente , que s' eleva aos astros , E corre o immenso espaço. Aquella Deosa, Que o berço tem nos Ceos, qu'he dom dos Numes, Que he mãi das Artes, e inventora delias, De magestade , e de belleza cheia , Taes holocaustos no seu seio acoliíe.

Vi, (qu' assombro!) de luz cercado o vulto- Do primeiro mortal , puro innocente , Qual das mãos do Creador dos- Mundo* Sahio primeiro, e dominou na Terra. 'Do Divino saber nasce ensinado. Das cousas conhecia a essência própria , Impoz o próprio nome aos seres todos. E junto delle fulgurando estavão Em menos viva luz seus tardos netos , Que delle , como herança, alta doutrina N'huma idade de séculos colherão : De lábio em lábio aos pósteros a mandão qu' horroroso , universal Diluvio Fez que de todo agonizasse o Mundo.

Via logo a Noé , que intacto surge Do lenho guardador da espécie humana: Aos filhos geu8 dos fulgurantes astros

(51

O aspecto , o moto , as posições ensina. Sublime Sapiência , e douto estudo , Que tão illustres fez , depois da obscnra Confusão de Babel, nações diversas, O innocente Caldeo , o Árabe exterto , Do Nilo o morador, mysterios todo, E o Persa audaz idólatra do fogo.

Descubro a Prometheo , e o velho Atlante, Em que a verdade a Fabula reveste Da Poesia co' as brilhantes cores. Hum , com fogo dos Ceos , anima o barro ; Outro o pezo sustem do excelso Olympo. Vejo o profundo Trimegisto , e vejo O sublime Cantor harmonioso , Que de Tróia a catástrofe nos pinta , Que , em brando verso , imagens lisongeiras , Da Sapiência os pennetraes nos abre; A idéa em si contém díis artes todas.

Pelas margens do Indo , e turvo Ganges Meditadores Brâmenes diviso , Que em sombra muito espessa a luz envolvem E a verdade entre symbolos nos dizem. A Confúcio Chinez descubro , admiro , Que a voz escuta â sabia Natureza, E firma p «uBimo bem na virtude.

Três Zoroastros , que nas sombras plantão Luminoso fanal, que â Pérsia, e Egypto Das Artes para o Teinplo a estrada aplaina* Logo dois immortaes cantores vejo , He Lino , e o doce Orfêo, que a Lyra d'ouro Com tanta fez soar maga harmonia , Que dóceis se tornou troncos, e penhas. Que do cáhos no escuro horrendo centro , Principio do Universo , Amor plantarão. Pensativo Beroso alli contemplo , A quem de Athenas a famosa escola Estatua alevantou d'ouro mais puro. A par delle he Chilon , que o dia extrema Sem pena , sem temor contente encara. Do tjrannico sangue alli manchado Pittaco á morte sobranceiro existe. Legislador Sólon de brando aspeito, Que com vasto saber enlaça Astréa , As leis soube juntar Filosofia ; Dos bons IMonarcas o modello he este ! Depois Zaleuco vi , depois Carondas , Ambos com justas leis Sicilia exaltão. No meio bem do taciturno alvergue De Pythagoras sábio o vulto admiro , No rosto, e ar mysterioso em tudo.

63

Que da Unidade , ou centro aos seres todos /

A origem fez sahir , principio , e causa.

Cleobulo descubro , elle a formosa,

Sabia filha gentil conserva ao lado ,

Que da engraçada boca em áureo rio

Eloquente entornou Filosofia :

Ah ! nunca aos homens se mostrou tão bella !

Admiro mais além Biante o sábio ,

Que digna julgou de humano estudo

Moral , que na virtude a alma levanta ,

Em sua mesma magestade occulta ,

Deixando a Natureza , enigma escuro,

Indecifrável aos mortaes mesquinhos

Em quanto em frágil barro a alma se prende.

Periandro alli vejo , e vejo o Scytha

Anacharsis , Filosofo profundo ,

Cujo nome iramortal matéria , e fama

Deo neste férreo tempo ao douto escrito,

Que a Grécia em si contém , co' a Grécia tudo.

Vejo a Misson , que symbolo o destingue r

O nobre , e nobre s6 , proficuo arado ,

Que o seio rasga à terra agradecida :

Delle se peja a estólida vaidade;

Do Filosofo à vista he mais que hum Sceptro :

Na cviltvu'a do ceuoipo o sabi» he grande;

64

Nem pode o estudo ter mais digno objecto ; E nunca outro mister , nunca outras artes , Com mais afan buscasse o engenho humano ! Celeste Agricultura , oh digno emprego do mortal primeiro inda innocente ! Eu distinguo Epiménides, que deixa A escondida caverna em que medita ; Aos homens vem mostrar da luz os raio» Ferécides , Bericio , e aquelle observo , Que a Frygia vio nascer sublime , e douto, Que em Jisongeiras fabulas esconde Quantas depois lições do justo, e honesto O Pórtico sublime, a Estoa derão. Thales descubro então , brazão da Jonia , Que he da primeira escola excelso mestre, Que â Grécia deo lições , deo luz, deo tudo Quanto soube alcançar de Astronomia Do portentoso vidro o olho despido. Elle primeiro do Solsticio o ponto Sobre a Terra observou , e elle primeiro Predisse aos homens pavoroso eclypse. Que rouba a luz á Terra , e a paz ao peito, Deste mysterio assustador ignaro. Elle o principio assignalou do Todo, O humor aquoso que circunda o Globo.

Vejo Archeláo , observo Anaximandro ;

Este infinita julga a Natureza ;

(O' Portuguez Hebréo , tal foi teu erro!)

Aquelle julga que as primeiras causas

são da geração calor , e írio.

Anaxinienes , do Orador Romano

Sempre admirado , alli contemplo , admiro ,

No moto eterno da substancia eterna

A essência poz de hum A'r!:itro supremo,

E deo ao Mundo por principio immenso

A substancia do ar , vasto , infinito.

O profundo Anaxágoras diviso ,

De fundos olhos , de enrugado aspeito

Prolixa barba , atenuado corpo ,

Que ardente pedra incombustivel julga

O luminoso Sol. Vai branco , e curvo ,

Calva a rugosa frente , a tez sombria ,

O portentoso Sócrates , o justo ,

(Quanto o ser pode a Natureza impura)

Attento sempre ao movimento interno

Do humano coração , regeita , e mofa

Dos vãos Systemas fysicos do Mundo,

Que á mente dos mortaes ignotos deixa,

E se apraz de deixar motor Superno.

da, austera moral segue as pizadas,

€Ô

B avezaclo o mortal às vans idéas

Da vacillante Fysica, o procura

A estudo reduzir da essência própria.

quando o homem se conhece he sábio!

Vejo i\ristippo , Antísthenes descubro ,* Hum busca o summo bem no inerte, e baixo Prazer que encanta os corporaes sentidos: ( O' lisongeiro do soberbo Augusto , Teu systema tal foi , teus áureos versos Aristippo somente , e Amor respirão ! ) Porém , mais sábio Antísthenes encontra d'ahna no prazer ventura extrema; Este o primeiro da assisada turba Cynico mordaz. Crates contemplo , Que julga inútil pezo a riqueza , E no abysmo do mar com ella esconde O inquieto temor , voraz cuidado. Alli Monimo admiro , e Zeno, e Hiparco, Vejo a vagante habitação do sábio Diógenes pasmoso , e alli defronte Em ])é contemplo o assolador do Mundo ; Da esquerda parte inclina hum pouco a frente^ E a fluctuante clâmyde lhe arrastra ; ' ( Pende-lhe ao lado o ferro ) , e delle em torno» Calisthenes contemplo ,, e mudo , e quedo

(St

o grande Efestião. Elle alça o braço

De quem Pérsia se teme , e teme o Gangèá,

E ao pobre habitador, da caba oíí"'rece

Seus thesouros , seus dons : tranquillo, e grande ^

lhes pede que ao Sol não vede as luzes ,

JVeni lhe tolha o calor que ao frio , inerte

Corpo negado tem Frugalidade.

Se houve grande Filosofo , he este !

Com taes lições, Menedemo he grande ^

Que humí bem conheceo , e he virtude,

Euclides vejo, e Pontico , avézado

A' contumaz contradição de tudo.

Vejo Estilpon magnânimo , t|ue a intonsa

Cabeça traz, e descoberta sempre:

Pobre o vestido tem , e os pós descalços.

Com elles piza a vaidade , o fausto ,

E quanto pede o coração lhe nega.

O' grande Preceptor do ingrato Nero, (1)

(l) Creio que se não pôde dar nem mais justa, nem mais merecida Apostrofe, Nós não temos Séneca , temos os escritos de Séneca ; nunca os vol- vo , e os medito que me não sinta maior. Eu cha- mo a cada huma de suas paginas o enthusiasvio da "virtude. Huma palavra de Séneca he hum discurso que moitra , e que persuade a nobreza do Ser hu"

li «I

Se isto não foi teu animo sublime , Ah ! são por certo teus escritos isto ! !

Diofante , Apolonio , eu bem distingue, Tem nas mãos o compasso ; e tem na terra Immoveis sempre os encovados olhos; Alli descreve as trabalhosas curvas : Além disto não mais surge esta idade ; í\em mais Euléro diz , nem mais la G range. Profundo D'Alambert , e o que entre os Astros Parece andar , meditador La Place, Qve o vasto génio, que penetra abysmos, Lança de Sol em Sol, de Mundo em Mundo, devizar do Tcdo o immobil centro! Tu» mesino, 6 Galilêo , tu mesmo, ó Newton, No labyrintho das cru2^das linhas, Não ma:s atinas co' a dourada chave , Que abre, e franquea da verdade a porta. Dentro em cujos alcáçares se guardão , Da Natureza as leis , e aos seus mysterios ! De hum Estóico rigor seguindo a trilha

mano, a pequenez da Terra , o encanto da Imroor- talidade. As sublimes Elegias de Young embriagão-me de amor pela morte , a JRazão em Séneca inspira-nie o desprezo da vida.

Eu vejo envolto em seus possíveis Zenoi De venerável rosto , accezos olhos , Eu descubro Platão , Platão que o Nume Nos objectos que , contempla , adora; Que a novo Amor luz , e alegre espera Que a seu astro natal sua alma torne. O' sublime doutrina , ah tu podeste , Dentro da Escola- de Florença outr'ora , O eloquente escutar Policiano ; Se as letras tem na Europa apr-eço , estima , Se em seu amor se me embranquece a frente, A tão sábio mortal , tão grande o devo ! Este o tributo , que meus versos pagão : Que mais te posso dar? Teu nome he tudo»

Vejo Espeuzippo imitador da grande Virtude illustre de Platão sublime : Teve commum com elle , o estudo , o sangue \ E a baze eterna lança à Academia , A quem deo nome o milagroso TuUio.

Da belleza inimigo , e da ternura Xenócrates descubro austero, e triste, Vergonhoso baldão da espécie humana , Que, nem ao mago scintilar d'huns olhos^, Nem ao surriso de purpúreos lábios , E ás áureas ondas de madeixas d'ouro;.

^entiB no peito a Natureza toda,

Que até do fundo abysmo aos monstros feios^

E ao sanguinário Tigre , amar ensina.

O pertinaz ArcesiKio na escola

O segue, cluYÍ<iando j a alma suspensa

Entre a diversa opinião conserva.

A imagem de Caruéade^ descubro ,

Da nova Academia timbre , he gloria.

Cuja alma excelsa da verdade indaga,

Entre o provável sempre , a estrada incerta,

Pythéas vejo que do antigo Sábio ,

A queiii Samos talvez dera o berço ,

Vai seguindo as pizadas , e se julga

Continuo habitador de . corpos vários.

Este aos. Ceos propoi-çáo , este a medida

Primeiro assignalou ; dos áureos astros

Para hum centro commum conhece o moto j

Kaqueile antigo symbolo mostrado

Da septicorde auri-sonante Lyra ,

Que Febo tem nas mãos , que o Vate invejai

E se lhe antolha , que escutava ao perto

Sempiterna , multíplice harmonia ,

Da Esfera portentosa alto-brilhante.

Talvez nelle encontrasse o germe , a font^

De seu sysíema de atíracçâo , Bubliine

ÍTifatigado explorador Britano. . . ^ Meditador Empédocles vejo , Que julga (oh fraco dos mortaes discurso !) Suor do térreo GlcTbo o vasto Oceano: D'aqui veio talvez , BuíFou facundo > Esse teu vapor húmido , que a Terra ^ .Destacada do Sol, e ardendo em fogo Ao mais subido da atmosfera, exhala, E cahindo de se forma em mares !

Do Itálico saber brazÒes sublimes Tidas , e Architas fulgurando admiro ; Ambos julgavão cada estrella hum Mundo. Suspenso pelo ar alto , infinito , Onde hum astro central preside a muitos Rotantes globos , que em si mesmo opacos- Reverberante luz delle recebem : E no Globo gentil da argêntea Lua Mares, selvas, montanhas supposerão , E de Ser pensador fecundo alvergue. Este nas margens do revolto Sena , Que hoje escravos s6 vis , ferros banha, Teu pensamento foi , sublime engenho , Quando d' hum Mundo n' outro Mundo ignoto Levaste a passear matrona imbelle , Do prazer filosófico eín ligeiras

72

Azas de accezo enthuziasmo òiizacTo. Tal foi a idéa de profundos sábios , Que íào soberba opinião vestirão ]3as cores da razão , quaf tu fizeste Kessa pasmosa, extática viagem Com que, 6 profundo Képler , te lançaste Por en^re os astros aos confins do Todo. Na escura tez Prothagoras conheço , Que entre sophismas envelhece , e nega , Ch sacnlega audácia ? hum Deos ao Mundo.^ Nem na grande architetada mole De hum Ser eterno a mão reguladora!

Cheio de assombro , e maravilha fito Na imagem de Demócrito meus olhos ; Abdeia o vio nascer , e a mente excelsa Na grande esfera da sciencia entranha. Vejo a par dcile Heraclito , que chora Ao triste aspecto da miséria humana , Em qvi.arrío aquelle no incessante riso Com sobtiba indiscreta o Mundo insulta? Ambos no excesso opposto hum erro abrange^

VeJD a Pirron que pertinaz duvida Do que teai da verdade o cunho impresso 5 Muda sempre de cor , muda de aspecto ^ Jic duvidoso , c vacillaute sempre j

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Filosófico orgulho , quanto , e quanto

Se fecundou teu genne em peito humano f

Teu scepticismo do erudito Baile

Os escritos manchou , que espalhiio sombras ,

K'hum ponto unindo o verdadeiro , o falso í'

Entre guerreiras maquinas envolto , Entre abrazadas nãos vejo Archimedes r Cheio de palmas , de lauréis lhe chora De Siracusa o vencedor , a morte ; Foi esta a vez primeira , 6 grão Marcello , Que sobre a Terra fez Heroes o pranto ! Illustre pranto , que aligeira ao Mundo O férreo jugo do Latino Império !

Eis descubro Epicuro , o vulgo insano Kelle descobre hum ímpio, eu vejo hum sábio Frugal , modesto , taciturno , humilde , Que d' alma no prazer , puro , e sincero Suprema quiz constituir ventura. Enue viçosas arvores se assenta De hum ameno jardim ; medita , ou finge Os infinitos átomos no vácuo , D' hum laço casual produz os Mundos. D' alma foi erro , e da vontade engano , ISão passa ao coração ; tranquillo , e puro Ama a virtude. O' Séneca, foi este

74

Teu pensamento quando instrues Luciiio. Mas erraste ; he quimérica a virtude Em quem delia não n'hum Deos-a íante: Quem no acaso conhece o author do Mundo, Se não erra , e blasfema , então delira !

Eis d'Estagira o Génio, eis o prodigio Talvez, talvez maior que a Grécia vira. Do Mundo he mestre , a Natureza he sua ^ !Não se confunde o Peripáto , e elle : Elle foi luz , o Peripáto he sombra. ÍJão he seu mor brazão ter visto o Mundo ^ Do Mundo o vencedor posto a çeu .lado , Pois de Alexandre , que conquista a Terra devia Aristóteles ser mestre. He seu tymbre maior ter da sciençia. Quasi o infinito circulo corrido. Inda em seus livros que a ignorância altera ( Ignorância dos Árabes soberba ) Saber encyclopedico descubro.. Se hoje tudo he Buffon , se Plinio he muito ^ Senão fora Aristóteles , não forão. Bem como hmn Nume ao Mundo as bases lança^ Quando no instante productivo o manda Sahir do xentro do confuso cahos ; Assim das artes , das sciencias todas ,

7^

Quasi no cahos da ignorância envoltas , Lança o grande Aiistoteles as bazes. Quando deixou de perseguir o Mundo A Sapiência , o . mérito , a virtude ? Triates aves da noite a luz odêão : D' Athenas Aristóteles se esconde , Em voluntária morte usylo encontra.

Na sublime cadeira então se assenta ; ; ( E alli brilhando estava ) o douto , p grave Da Natureza interpiete Theofra&to ; Desgraçado Calísthenes lhe escuta As sublimes lições , e o grande Eudemo , E a respeitável multidão dos Sábios , Affeitos sempre a passear pensando.

Do Tybre a escravidão , do Tybre os ferros Tornao de Athenas , p Corintho o fasto Em pobre aldeã , ou lastimosas cinzas : Eis se transplanta a Sapiência a Roma; E , se da Gloria o Templo as armas abrem J^ seus grandes Herocs , também seus Sábios No eterno Templo da Sciencia eu vejo. Entre- todos mais luz, talvez mais clara, IQue a que se espalha dos Argivos bustos , O; portentoso Cicero derrama ! Js^enhum Sábio formou do Eterno Nume,

Entre as sombras Pagans , mais alta idéa! Elle incorpóreo , immenso o considera, De eterna Providencia , Amor eterno , Existente por si , e author do Todo. Por certo entre es niortaes nenhum agora- Tão profundo saber juntou co' a rica D' áurea eloquência exuberante vêa ! Do Epicureo Lucrécio então descubro O pensativo , e descarnado aspeito : O centro tira do Universo , e Mundos Infinitos julgou na immenso espaço. Alli vejo Epitecto, humilde escravo. Mas entre os sábios soberano, e livre; Cuja frágil alampada hum thesouro Entre as jóias valeo da antiga Roma. Vejo o vulto de Séneca, seus olhos, De huma luz ardentissima , levanta Meditabundo ao luminoso assento ; Piza as salas fataes d' ébano , e d' ouro , Onde o materno sangue hum Nero entorna. Onde jaz de Germânico o cadáver. Séneca o monstro louva , e s' entristece : Dependência d' hum throno a quanto obrigas S Pequeno em obras he, grande em scienciaj Elle a vida antepoz ao justo , ao pejo ;

"7-

Por ella perde de viver as causas s Mas em seu grémio o tem Filosofia , S6 porque disse que íis acções internas He presente hum Juiz , presente hum Nume. Koma nelle acabou. Na foz do Nilo Imperial Alexandria surge ; Ella produz o Ecléctico Potámon , No Templo vejo fulgurar seu rosto. Pa bella Hypacia a formosura brilha ; Eloquência , e saber da boca entorna Entre suaves hálitos de rosas , 'Que transportado Origenes lhe escuta. Em sua escola Proculo se exalta , Amónio , Celso , Jamblico , e Porfírio , Que mal sabido Platonismo illude. Vejo n'hum throno, sobrxmceiro a jnuitos , O magestoso vulto auri-esplendente Do novo Tullio , o fluido Lactancio , Talvez maior, que o Consular de Arpino, Não era longe delle , em sombra envolto Da prizão melancólica , Boecio ; Vai banhando os grilhões d' amargo pranto que raiando vio Filosofia , Que as sombras rompe , as lagrimas lhe enxugaj. Profunda escufidãp , profundo luto

No vasto Ihiperio das scieiícias pousa ;

Onde apparecem Vândalos j acabáo.

Quaes vimos entre nos do Sena os monstros^

Virem das artes derrubando os Templos;

Vem do gelado, tenebroso Arcturo

Bando , de morte, è de ignorância armado.

Apenas íicão gárrulas escolas ,

Que hum busto não tem no eterno Templo,

que dos gelos da Sarmacia surge

Copérnico immortal ; este o primeiro

Que alli se manifesta , alli fulgura

Entre os astros envolto, entre as esferas:

Vio Sol immobil , vio i-odar a Terra ,

E apenas o immortal pasmoso escrito

Ao respeito dos séculos entrega ,

O templo augusto da sciencia todo

De protentosos sábios se povoa.

Eis se me amostra Galilêo , dos astros

O novo Cidadão ; tem curva a frente,

E descarnadas mãos co' as vis cadcas.

Cinsic-liie .lí.ve na enrugada testa

As que elle achara incógnitas estrellas.

Da antiga Rl-.csia vejo o alto ornamento j

He ]>ernuilli imfnortal. íSa mars^em fria

Do discordante Báltico diviso

7^'

'O glande ánthor das Mónadas , que encontra JSfo composto mortal maga harmonia Entre a composta , e simplice substancia. ^Nascido a meditar, modesto , e mudo, Da nebulosa Hollanda em canto escuso, Do grão Des-Cartes magestoso vulto Entre as sombras , e a luz plantado admiro. Hum Globo tem aos pés, nas mãos hum facho, Que ao Globo espan<?a as trevas da ignorância'. Legislador sublime além brilhava, Verulamio infeliz ; primeiro as pcrtas Da recatada Natureza abria. O desprezado acinte, e ignoto a muitos, O frugal Espinosa aqui surgia. (^) Errou que he homem , mas errou com elle Toda a escola Eleâtica , e tu mesmo , O' Séneca immortal , com elle erraste : E Campanéla, e Bruno , e a nos mais perto.

(2) Deve entender-se o termo frugal no sen- tido próprio de sustento parco ; pois diz Collero , que se sustentava de sopas de leite . e passas , e era tão modesto nos vestidos , que trajou sempre de pre- to , e de mui grosseiro panno ; respondendo ao Gran Pensionario da Hollanda , que lho estranhou : Que o edifício humano escusava de ricas arjcçiacóes.

%0

Contradictorio Mhabaud , deliras. Mas quem , profundo Hebreo , te nega engenho ? Em força d'a]ma hes único entre todos Os que além penetrar julgão que he dado Do que foi dado a pensamento humano. Eu te posso impugnar , e outros te insultáo : Talvez eu sorte igual no Tejo alcanço , ÍSão penetrando da Sciencia o Templo , Porém no ingénuo dom d' ingénuos versos, Que a si por pi emio tem , por meta a Pátria : Beja te deo teus pais , teu berço o Douro i Alguma cousa tens commum comigo.

Alli d'Hombergio , jMallebranche , e Locke Os áureos bustos luminosos s'erguem , Que em transcendente fluido brilhante Para hum Mundo ideal seus passos guião , E, as sombras methafisicas rompendo, Seiji fallar ao sentido , ás almas fallào. Abrindo o geométrico compasso Quantos talentos assombrosos vejo í Sntre o Germano agudo , e ameno Franco Do Itálico saber vejo os milagres. O que Diofante , o que Apolonio excede. Do grão Toscano a par , brilha Viviani. Sexo f- sexo gentil , na Itália hes grande j

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Nos Labyrinthos do prafutido Euclides A formosa Ardií^íielli , e Agnesi (.3) entrarão; Outra Laura (4) maior que essa ■, que outr'ora Do Vate, todo amor, deo força â Lyra, Nos penetraés da IS atureza entrando ■, A Spallanzani «xplica altos mysterios. Com ella , Boscovich, subiste aos astros; Não te vence hum Maraldi , nem Cassini :

(3) Destas dnas mulheres sabias , que a Itália admirou no século p<assado , tem ceitanieute a pre- ferencia a segunda , Maria Cactana Agnesi , cujo il- lustre sangue , virtude , e profundo saber honrão Mi- lão sua pátria , Onde falleceo Freira em 1/99. Com- poz duas Obras de Mathematica de muito mereci- mento , huma com o titulo de histrucçõcs ^?ialiti~ 'cas , 2 vai. de 4.°-^ Milão 1748 ; e t)utTa intitula- da Tratados elenw)! taipes de ca/calo d\.D'erenciai , e de 'calculo inícgjriL Ambas estas Obras se traduzirão enx Fráncez , e sahírão á luz em Paris no anuo de 1775-

(4) Laura -Bassi , mulher doutíssima , natural de Bolonha, onde falleceo em 1/73, mereceo por seus talentos o barrete de Doutor ; e adqu'rio summa re- putaçáo no Orbe litterario ensinando Fysica experi- mental desde 1745. Conhecia perfeitamente a Litte- ratura Grega , Latina , Italiana , e Franceza ; e era admirada pelos maiores sábios áQ seu tempo. Spallan- zani lhe dedicou huma Dissertação sobre a causa das chnpeletas , ou saltos sacccssivcs ' que vai fz-zendo na supevficis da agua qualquer pedriíiua a tirada ebliqúun

Talvez , talvez , que a formosura , às graças Me pareça que dao luz ás Sciencias;

Algarotti , teu vuito alli contemplo ; Tu grato foste ao Salomão do Nôrtè í- ' •. Porém mais grato a mim , e às Artes foste. Entre o fidgor da purpura mais brilha , , O' grande Passionei , a tua iiílàgeni ; Isocrates te cede , inda que veilha' Do grão pezo dos séculos se^ido.^ Kao tem que oppór-te; ou que te igi^.le o Sena : E menos tem que equipaiia-te O Mundo; .Encanto omniscio , universal Rpberti. Is ao me ci?ga a paixão , que ao Tibrc cu guardo , Nem o clarão de Itálica sciencia Tanto me cega ^ e me desuuíibra tanto , Que nao veja raiar no Templo 'itugústo ly AngYia., t Germânia os portentosos sábios. Alli d' Hobbes descubro a imagem triste ; Alli vejo Stanley das Artes Livio ; E o (]ue nasceo para illustrar o Mundo, Desde o Irio Danúbio, o grão Eruck6ro; E Kant , a si clarão , e enigma a todos. Alli brilhava Degcrando illustre , Que em mui douto suor banhn os escritos, Que ttcmo o faze-n no,? unibraes da Gloria

83

De ti , Filosofia , ávido amante. Meigos olhos lançou também no Tejo (Quando ha de, 6 Tejo, conhecei-te o Mundo?) E entre inda sombras Árabes , descobre O profundo Vernei , o ameno, o rico : E que dissera se encontrara Nunes ? Astros , astros do Ceo , prendeo-vos este ^ E o subtil instrumento ao nauta entrega , Ao nauta Portuguez , senhor dos mares : Sem elle Cook o Globo ah ! não cortara ! Mas foi Magalhães sem elle , e cerca , Porcjue a si se levava, o mar, e o Mundo 1 Tu nos meus versos mofarás do Lethcs , E a gloria que te nega a Pátria ingrata Em suaves canções te outorga hum Vate. Ah ! peiniittira o Ceo, que o preço humano A' morte não pagara ahna tão grande ! Eu não deprimo o mérito , o talento ; iSaquelle alcáçar resplendente estava ( Deposto linm pouco o Trágico cothurno,) O florido Voltaire , Sceptico iliustre , Emília tinha ao lado, Emilia o íymbre Talvez maior tio feminil engenho ; Com ella corre a passear nos astros. Eu vejo Nollct , Brisson descubro ^

S4

Salpicaclo Bailly de fresco sangue J

Indagador Sonnini a quem Tortunâ ,

Se honras na vida deo , na morte as nega ;

Vive em sciencias, na pobreza expij-a.

Além dos mares a Franklin descubro ,

Que o raio foi prender nas mãos de Jove.

De Prussos vejo o busto; o nome ignoro ,

Ou bárbaro talvez não cabe em versos ;

Áurea lingua do Tejo em vão procura

Em seus cadentes mmicros suaves ,

3i na Lyra ajustar , que a Grega imita .

Os acres sons dos Hyperborcos nomes :

]Vlas não faz dura a métrica harmonia

O teu nome, 6 Linneo , tu sacerdote

Do Sanctuario d' alma N;iturcv;a ;

AIH vejo teu busto , aili cercada

A frente tens de peregrinas plantas ,

E tu , qual novo Adão, das nome a todas.

Hum ramalhete de purpúreas flores

A Europa, a Lybia , a America t' ori""rece j

A Ásia, de tantaâ maravilhas chéa ,

Das margens do Mecon , do Ganges, do indo

Grinaldas te prepara, e Kl tas manda,

Tão bellas quac^ as pinta o ('bina astuto:

Ceilão entre seus ba'^auiyí as tece.

S5

E o snave vapor , que a Aurora exhala , La no berço onde nasce , e espalha rosas ^ Em dourados thuribulos te envia. Não tiverão os Reis , tributos destes ! Ao poder se negou , dá-se â sciencia.

Maior gloria me chama, lium novo busto j* Que, entre todos maior, mais luz derrama. Este he Buííbn , quo não mortal parece. He seu louvor universal silencio : Nem língua humana diz , nem mente abrange Tudo o que foi Buíron; contemplo , e calo. Se he mais que a Poesia, he mais que humano Rafael co' os pincéis , Buffon co' a lingua . . . S6 Natureza he mais, porque elles morrera j !\rorte, e não elia , taes rivaes su,pplanta. S6 Newton he maior; que entrego. a_ palma» Não ao que pinta , ao que conhece as causas | Se este he s6 venturoso , este he s6 grande.

Com tanta luz atconito , e suspenso Volvo os olhos de hum lado , e bem no meifl?^: Do magestosQ Templo o altar estava. Por argênteos degráos se avança e sobe ^ Mas com trabalho , á base alabastrina. Alli sentada Experiência estava. - Eu pronipto a conheci no rosto antigo ^

m

Na longa veste, e diamantina tarja,

Em que esta ii gravada, áurea sentença-

Das cousas mestra ei\ sou, dos homens mestra,,

I^'hum quadrado Geométrico se assenta

O sacrosanto altar , e em cima posto

Vi corno hum vaso de alabastro puro.

Que não de Fidias o cinzel abrira ;

Teve artiíices dois , Estudo , e Tempo.

Do seio lhe rompia etlierea chamma ,

Que ante o Nume brilhando aos Ccos subia

Inextinguivel lâmpada, que os annos

Váo augmentando progressivamente.

Pormáo á Deosa os séculos hum throno

Mais que os rubins precioso, e mais segura

Matéria tem , que o sólido diamante.

Tem cheio o rosto de viveza, e graça.

Que amor no humano coraçrxo desperta ,

Que encadèa a vontade, a alma levanta.

D' estatura commam se me antolhava;

M^ logo a vi subida até co' a frente

Ir topetar na abobada do Templo.

De fios subtilíssimos tecidas ,

Mas de matéria indissolúvel , erao

As vestes que ella traja , e que formadas

Forâo por "ella mesma , obra pasmosa ,

87

Que (io cândido , ao collo ebúrneo "'"

Forma diversos gráos : hum véo sombrio ( Por máo proterva lacerado em parte ) De negra antiguidade a envolve toda ; Nas mãos teqi livros de diversas iinguas j Onde eleva também dourado sceptro.

Absorto , â quasi omnipotente Deosa Todo me inclino , a magestade acato. Titubeante , e trenuilo dest' arte , Soltando a voz hum pouco , á Debsa fallo : O' tu , do estudo emprego , ó Madre excelsat Da intelligencia dos arcanos todos De que he fecundo o Ceo , fecunda a Terra; Tu da verdade indagadora , e facho Luminoso da vida. O' tu do vicio , Tu da ignorância rispido flagelio ; Tu , que és tudo íio mortal , que és luz, que és vida ^ Ante os teus olhos me conduz Fadiga : ilisero Vate eu sou , no peito acolho Desejo de saber : sempre afanoso Apoz a imagem da verdade eu corro ; j\ías a alma envolta em sombra,em sombra os ollios, Fnigmas vejo s6 , eu palpo enigmas : Sentir , gozar , não perceber , he esta Da çxisteacia mortal partilha ; c obra. . . ,

8S

Mas qual te vejo , 6 Deosa, e qne orgulhosos Amadores te cercão ! Que ignorantes Do acatamento, que a teu lume immenso Deveo sempre guardar o engenho humano l Deve, qual . pobre , pequenino rio, A quem agua não deo caudal torrente , Correr tranquillo , e murmurar nas pedras; Ao Pastor innocente , á ISj-nía ingénua Objectos de prazer offerecendo. Mas o desejo audaz , e o louca orgulha. O torna rio iuípetuoso , e bravo ; Soberbo , ufano vai d' agua não sua. Eis se- despenha , qual torrente Alpina , E os campos cobre furioso , e turvo ; Xeva comsigo os troncos , leva os gados , Leva o Pastor , e a mísera choupana , que cesse do ar fecunda chuva : E , serenado o Ceo , primeiro orgulho Então depõe deixando ar marge, enchuta.

Mais quizera dizer; eis que o grão Nume, Eitos em cuja íreme eu tin-ha os olhos , Coitou dos lábios divinal surriso , E , doce voz alevantando , exclama : j, Podem , meu filho, eternizar no Mundo O mesquinho mortal meiís dons sublimes ,, ' .

m

E as idéàs altissiraas , e claras ,

Que eu co' a máo destra na sua alnva imprimo j

Comigo, e o sentes tu , do pezo humano

Se livra , se desfaz o entendimento ;

Ao alto sobe , e se remonta , e chega

Comigo aos claros Ceos , comigo entende

Mysterios profundissimos , e entra

Da ^Natureza nos oceultos seios..

]'.ssa Eterna Razáo por mim conhece ,

Que se diffunde no Universo inteiro ,

A , que mora no germe , occulta força ,

A que a tudo forma , e figura.

Por mim, por mim conhece a origem d'ahna ,

Qual tenha era corpo humano assento, e throno;

A que íim s'encaminhe , e quaes s'encontrem

Ou desgraças , ou bens , na vida , e morte.

Eu torno bello o Mundo ; aos homens mGstr»

J)a sapiência , e da verdade o Templo ,

Se ingénuos querem vir após meus passos,

B contemplar por mim o alto principio

Das cousas em si mesmo , os gráos , e os tempos ^

Que a tudo tem prescripto a mâo do Eterno,

Eu' os levanto a conhecer hum Nume ,

Obedecer-lhe , e vencrallo sempre :

Pelle j e s^ delle » pressentir em tuàa

90

A lei , e ordenação ; eu lhe ensino A dar justo valor , dar justo apreço , Ao que se mostra ou verdadeiro, ou falso. Se o prazer, a que he mixto o pranto, a magoa, £ o pungente pezar, que he tardo sempre , Os homens sabem condemnar , eu mesma Seu peito aclaro , o coração lhe inflammo ; He meu próprio este dom. Por mim descobrem, Que he s6 feliz na Terra , he s6 potente Quem se domina a si : Guia incorrupta São minhas luzes na intricada senda Por onde incerta corre a humana yida Da orÍ2;em sua , e de seu termo ic-níira.

O- ' o

Eu primeiro lhe aceno , eu lhe preparo , ( Depois Religião, que he s6 , que he tudo) Sede no Gco , qu' eternamente he bella. Do Christianismo hu mestre , sábio , grande. De Alexandria nas escolas doutas ^ D' alta verdade , que dos Ceos foi dada , Pedagoga me chama , cu sou por certo Quem da luz da Razão , da Natureza Leva os mortaes a accrcditar m\'sterios , Qu'â razão não se oppòe, mas são mais altos. Tem por base segura a Omnipotência , Quando visível se mostrou «a terra.

91-

!Mas eu desço comtigo ao Templo augníito 5 "~ Qu' inda que eigr.ido o vez, náo hc distante Da tenea habitação do ensrano , e minha. Olha, admira, eoatempUi a excelsa mole, Premio d'hum Giandc,c[i:c he brazáo do Mundo: .Este he d'houra immortal o alto ornamento. Que ea mesnui íi (iloria consagrei, com elle De hum Pontífice meu premeio as obras, Elle as minhas expoz , dou premio ás suas.

A Deosa emudeceo , á dextra eu volvo (Nunca coniuso assim) trementes olhos; E no meio da hiz brilhante , e pura Soberbo aíçar-se Mausoléo descubro. De Newton vi gravado o nome excelso N'lmm porfido immortal, que nem d'Augusto, Ou no Tybre cubrio geladas cinzas , Ou do Grande Pompeo feeliou no Nilo Restos chorados do implacável Júlio. Depois que vezes mil no estranho , e grande, Monumento fitei pasmados olhos , Por longo tempo contemplando absorto Aquella d' alto engenho obra estupenda , Ao Britanno immortal sagrei com votos Inteiro o coração , minha alma inteira. D'esthiia este o tributo , o feudo hc este,

92

Que eu primeiro paguei , Naçáo pcsmosa , De quem o Mar he todo, a Terra he quasi. Mas eu sou Portugucz , e armas não podenx Alhêas deslumbrar-me ; eu vejo as Lusas, Cuja gloria tu vês no vasto Oriente , E , onde levantas tríplice bandeira , Primeiro o nome Portuguez encontras. Eu não te invejo a gloria , nem thesouros ;. Se de Salyras atulhados colres , Fios de brancas Pérolas , se finos Luminosos Rubins d'x'Vsia recebes ; d'Asia hum Portuguez trouxe mais qu'isso: Do Lido, Hydaspe, e Gange as aguas trouxe Dentro em barro Chinez ; e era Atayde. Sei^ maior teu Rodncy , ou teu Nelson ? Nem teu Monk he maior, se o Sceptro engeita, Em Regia frente o Diadema pondo. Hes grande para mim porque em teu stio Bolingbrocke apparece , Adisson , Pope ; Apparece Bacon , Milton tactêa Arpa tocada s6 d'Hebreo Monarca ; Em ti tiverão berço, e Locke, eTompson, E o que os povos do Mundo inda baralha, E a Gallia fez tremer , Pitt , he teu filho. Hes' grande para mim, porque hum Senado

93

De Keis, mais que o de Rema em ti conservas, Onde tantos Demosthenes , e tantos Tullios sabem surgir , salvar a Pátria. He/esta a foníe do respeito , c estima , Que eu Vate, que eu Filosofo consagro A ti grande iSação ;, da Europa asylo.

PlM J)0 SEtíLNBO C.>VTO.

95

NEWTON

P o E M A. CANTO III,

Ji. iNHA ficado em exíáse profnntio Do portentoso Mausoléo co' a vista: Mas tia pasinosa suspensão me chama A l\uliga outra vez ; eis abro os olbos , Junto ao sepulcro vejo em ledo aspecto Matronas duas de belleiía estranlia : Huma nos hombros veste argenteis azas , Ka dextra mão sustenta argêntea tidia j \i que era a Fama, que immortaes escritos De Newton celebrou; era outra a Gloria, Qiie o? sustenta nas jiiaos , defende ;, e guarda.

96

Da Fama, e Cloriá lie obra, he maravilha "O immoital Cenotafio : aos pes sentada A Verdade admirei simj)lice , e nua: Elléi serve de base ao grande ^ illusíre ]Mon\ímento iiiimortíil onde a pressagia Mente me diz , que saberão no Mundo, Que cu no Mundo cxisYi , tardios netos. Do seio extractos da malena })riniH Dois pedestaes estáo , que no eneendrado Ouro conscrvão symbolos diversos , E as bases são de U'icidas colunihas. ZSo meio huma Pyjamide que mostra No mui subtil triangular remate Do fogo , e clara luz o throno , e assento , Qual enícfc os Gregos o mais douto o mostra. Crendo que deste íogo a alnla era cliéa , Que qunl laço entre si sustenta , e i>rende íntclligivel Mundo ao INIundo inerte , incoqiorea substancia á sensitiva : ( MetbafvTíico abysmo , ou sombra he isto , Que eu débil , que eu mortal romper náo posso). Daquclle fogo interminável fonte . Vi d'átomos sahir , que o Sol brilhante Desde o seu seio luminoso espalha , Donde o iminensp esplendor talvez se lorina.

97

Além tIo alcance do saber liumaíio

He sua rapidez > coneni velozes

Dos Ceos o immenso espaço , em toda a partç

,Se diffundem no ar ; destas pequenas

Partículas tem luz , tem lume os corpos;

Sempre impellido vai , vibrado sempre

( Continua undulaçáo ) primeiro raio

D' outro, que deíle após o Sol despede»

Diante da Pyramide sublime

Entre as columnas se elevava ingente ,

Firme , segura base ; ordem Toscana

Com magestade seus adornos forma ;

Nella esculpido teu grão nome eu leio^

Immortal Galilêo ■, tu preço , e gloria

Da Etrusca Sapiência , e timbre illustre

D' alma Cidade qu'em seu grémio ouvira

Os magos sons da Cythaia «uave ,

Que a Laura celebrou , qu' ouvira outr' ora

Da boca de Ficino auri-eloquente

Do excelso Platonismo expor mysterios j

Que dera o berço ao que descobre hum Mundo ,

Que o nome seu tomou ; qu'inda hoje o guarda.

Immortal Galileo ^ devem-te os sábios ,

Da Terra aos astros o caminho aberto ;

Qual deve a Magalhães o nauta a estrada ,

^úe cerca todo o Globo em mar profundo t He teu brazão somente , he gloria tua Desta mesquinha , inerte , escura Terra Avizinhar as lúcidas estrellas ; E , se o Toscano Ceo d' astros he rico , Que ao throno Medicêo docel formarão, A ti se deve , a ti ! . . . Memoria triste ! O throno Medicêo, he sambra, he cinzas ^ Depois que o Tigre , ou Vândalo do Sena Despreza â Sapiência , avilta os thronos ! O teu engenho inaccessivel abre JS^ova estrada ao saber: Britanno illustre, Com ella architectou obra estupenda, Que , consagrada á lúcida verdade , Da proterva ignorância o orgulho opprimc;. Immortal Galilêo , ao dia , ás luzes Que ao Mundo trouxe teu saber profundo , Se oppõz a cega audaz insipiência, E inda agora se oppôe ; que hum véo sombrio Tentou no Sena despregar-te em cima. Ah! nao se lembrão que, se a Itália culta Não dera o berço a Galilêo , não forão Tão ufanas de si Gallia , e Britannia , Hum INevvtoíi dando á luz, e á luz Des-Cartes! Dos lados sobre a base alta ; e §egurí>

w

Èu*vi dois Globos ida pezada , e dura

Magnete , que he mystcrio ao sábio , a todos :

Virtude ée attracçáo nella reside ,

Se a mente a não corthece , a vista a sente :

Pegando, unindo a si (profundo arcano f)

Esse metal cruel , sagrado a IMarre ,

■Què hoje a misera Europa ein sangue inunda

E he dos mortaes na máo rival do raio.

Es^:a síibio , esta ao vulgo ignita força.

Como em triunfo s'e descobiN? , e niòstra.

De teu contínuo meditar foi obra ,

O' G-énio do Tamiza , este prodígio ;

Mostra a tendência qu' entre si coriserváo

Alternativamente os corpos todos ,

Que a hum centro quebe cÕmxim gravitao sempre.

Ignoto nome aos secuíos antigos Foi attracção reciproca , e foi sempre Centrífuga , e centrípeta ignorada , Com que estranhos fenómenos s'cxplicáo. Em seu lugar as gárrulas escolas Sonharão Nome occulto , occulta forca . D'odio , -e d'amor combate, ou guerra eterna , Horrm' do vácuo , e qualidade ignota.

N'huni dos globos está gravada em ouro Por máos" de Ptolomco etlicrca esfera,

100

A* qual cl*aiBblto immenso a Terra he centro 5

Acima delia brilha argêntea Lua ,

Que o nocturno clarão do Sol recebe*

O mensageiro dos celestes Numes

Muito acima fulgura ; e -essa , que teve ,

Alma belleza , no Oceano o berço ,

2Vo que he terceiro Ceo , resplende, e brilha;

Precede o dia quando nasce , e surge

Quando o disco do Sol se encobre , ou morre !

D' áurea luz coroado , e ardentes raios

O Sol succede : e se descobre Marte

Sanguíneo , e triste n'outro Ceo -rodando.

De Júpiter o Globo immenso, e claro -,

Em mui remoto circulo se agita.

Inda além delle , vagaroso , e frio ,

Vai do antigo Saturno o débil raio.

Jmmoveis pontos , lúcidas estrellas

Brilhào no immobil crystallino assento.

Obra do grão Copérnico descubro lS^'outro Globo esculpida immensa esfera; Delia o Sol luminoso lie centro , he foco , Que mui próximo a si Mercúrio observa ; Vai n'hum carro apoz elle a Cypria Dcosa, Hoseos freios batendo ás alvas Pombas , ( Dos astroi todos o imais bello , este ) ;

101

E n'outro Ceo mais alto a escui-a Terra ,

Tomada astro rolante , o gyro absolve ;

Lua , seu satéllite , seguida ,

Pa qual ao vario movimento he centro,

Pas feras armas lúgubres o Nume

(A quem tanto tributo, incenso tanto.

Em lagrimas , em luto a Europa oíTrece ! )

Segue-se após a Terra ; e após de Marte

O vivo , o claro , o desmedido Jove ^

Pe brilhantes satellites cercado ,

Que tu , grâa Galilêo , primeiío achaste \

E do tardo Saturno a immensa , e vasta

l^fble apparece , de Clientes muitos ,

E variante annel cercado avança.

Hum. longo estudo arquitectou táo bella^ Tão engenhosa maquina prestante. Entre os gelos Sarmaticos levada A' maior perfeição , pois n' antiga Idade a vio sahir absorto o Mundo Pas mãos do encravo do eloquente Tullio , (5)

(5) Cipero entre seus escravos tinha dois , am- «J05 Gregos , hy« charaa4o Tjro , que era seu M-

 rjnem , ckposto a Consular soberba. Se dignou cie escrever , charaar-lhe amigo..

Sobre os dois Giob.os S5 sustenta , e firmai A iliustre , sepylçral Urna estupçnda ;

Arquitetada, e repolida brilha ^

De Prism.íi» em forma , e de matéria ignota j^ ^ ^e o brilho he do diamante , inda mais brilha , . Se solido o rubim , mais dura existe. ;

3Não folhagens de Acantho , ou de Cypreste- . Alli pôz Escultura: em vez de adorno, . -; ilm vez dos negros symbolos da morte , , íSo gravou Matliematico Instrumento, Com que medir dos Cços a imni.ens£ji estrada, ,; "Usa idéa Astronómica, sçgijra., . ,

J)o nccrro Para2:on moldura observo , Que em si cqjitém, de Isác a iliustre imagem ;, He relevada em solida Esmeralda, - ,

Parece que inda volve, c que inda espalha Filosófica visía ciu. torno aos astros ,

tor , e a quem Ciçero escrevço muitas cartas y ou- 1 ro chamado Possido.rÚQ , inveator da maquina a 4ue cfiamamos Planetário j ainda que não tão per- feita como a vemos. Isto diz o mesmo Cicero , a, Attico , fallandq da maquina ■;; Quam nuj^sr ffmsi'* éo/úiis noster inv.erut..^, , ■■ , ;:iu.a ^ ;;.■.,■■. -■v—=^

los

Que respirando está Filosofia. E tanto ao vivo esta ,. tal arte o forma ,^ Que , se meus olhos acredito , ainda Cuido que solta a voz , que os lábios move,.

Este relevo portentoso , e raro He sustido nas mãos d'um Génio illustre , A quem deo berço d'Adria a grá Rainha ,. (Hoje escrava também d'escravos feros) Gcnio que objectos da terrena estima Aos pés soube pizar , e além subindo Onde o frágil mortal mui raro chega , Teve ao lado Virtude , e teve o gosto , Que o bello sabe achar nas artes bellas ,. Rival sublime , ou vencedor de Horácio j Na mente sempre â Poesia dada Seguro alvergue achou Filosofia ; Pelas varedas da sciencia segue De Newton o farol brilhante e puro. Caro ao Monarca, que juntou n'hum laço- De Minerva , e Bellona o génio , e as artes ^ Minerva n'alma tem , nas mãos tem Marte , E a pacifica Oliva ao Louro ajunta : Monarca invicto, que estendeo vivendo A mão benigna ás Musas desvalidas, E ao lado como amigo os Vates senta ,,

104.

B no Reino , onde agora a Guerra existe,

J)e A.u§usto fez raiar dourados dias :

Foi-lhe caro Algarotti ; oii fausto nome,

Táo doce e grato aO; lisongeiro sexo,

Que une mil vezes formosura, e letras.''

Da aivea mao travando-lhe o dirige

Pelas, agras do calculo varedas ,

D lhe ensina a não ver com medo, ^ pena

Os labyrinthos das traçadas linhas ,

JSÍos cubos , nos triângulos de Newton.

Pille na3 mãos sustem o Gval relevo,

Que ao vivo representa, ao vivo exprime-

J)o grande explorador da Natureza-

O margesto«o , c rospirantc vulto.

D' Óptica o Génio ntv moldura estende,

Moldura sup'ríor , brilhantes azas :

Com septemplice luz se expandem beilas ,

Que as cores todas primitivas guarda :

O corpo todo he nu , cercado apenas

D'jiuni sendal claro azul que estrellas bordão ;-

!Na dextra mão sustenta huma grinalda ,

JL acena de cingir com cila a frente ,

De pedraria Oriental composta ;

!Na esquerda mão conserva os luminosos

Çrystaçs , ej» lcnte§ que affeiçoa e pule

ioi

€ô*ás doutas mãos Filosofo tranquillo ,' O Portuguez Hebreo na Hollanda escura , (6) Que , a vil lisonja desprezando altivo , Banha o pão com suor , trabalha , e vive.

IVaurea madeixa o Génio hum raio expande^ Que , composto de mil , fulgura ao longe. Resulta delle a côr cândida aos olhos : Da Urna sepulcral no seio o raio Se refrange instantâneo ; em parte opposta Quadrilongo se , posto que fosse Esférico ao partir da origem sua. J)iversos gráos ^ e proporção distincta As cores entre si guardão , conservão; O brilhante escarlate occupa o fundo , O laranjado o meio, e, qual no Goivo O amarello se mostra , alli campeã ; O verde então se , que enroupa as plantas ; •Vegetação Rainha assim se veste , P'pa com que se adoina , e o Mundo enfeitai

(6) Collero na Vida de Espinosa diz , que seus pais erão de Beja , e que elle nascera no Porto , 'donde fora levado para Amsterdão de dois annos da idade , hindo também com seus pais o célebre Ja- V;ob Murtfiira , que depois foi seu Mestre : este foi Q qt»e depois se rjo do 4e5g|io á<> Afitonio Vieira,

fOG

Do azul , que forra os Ceos , o Indico he perto^ '^ da saudade o symbolo tristoniio , Matiz da violeta ; eis brilha o roxo. Escala harmoniosa ! Eis delia em torno D' huma composta côr listões s' estendem , Que outros compostos gradativos formão. Que adornos sào do Mausoléo soberbo : E , n'hum Rubim profundamente expressas ,

Bento E-;pinosa trabalhava com suas mãos para se sustentar ; aprendeo a polir vidros para Telescó- pios , e Microscópios j eráo buscadas de toda a par- te as lentes que eile polia , e com este trabalho se procurava mui parco sustento. Desprezou a Cadeira de Filosofia que lhe ofFereceo aa Universidade de Heidelberg o Duque de Duas Pontes ; enjeitou a oíFer- ta do Grande Conde , que lhe dava hum quarto no seu Palácio em Paris , affiançando-lhe com sua pr«- tecÇão a liberdade de escrever. Não quiz acceitar dez mil florins de HoUanda annuaes , que lhe oíFerecia a Sinagoga Portugueza se quizesse entrar em seu gre- miè. Viveo , e morreo como verdadeiro Filosofo , re- servando do fructo do seu trabalho quanto fosse pre- cfreo pura se lhe fazer hum enterro decente. Morrei íáe 43 annos de comsumpção, ou tisica , originada de continuo , profundo , e porfiado estudo. Era estatura mediocre , côr trigueira , olhos azues, e agra- dáveis feições. Gostava de ouvir noticias politicas , a <\.ue fazia reflexões com vivacidade. Não recebeo <jl- Baptismo , não queria disputar sobre a Religião. , j

107

Estas palí\,vras portentosas- erão ; " ">

Com suas Leis a vasta Natureza

Imifiersa em sombras lúgubres jazia

Surge , ó Newton , bradava a voz do Eterno ;

Nasceo Newton ao Mundo , e nasce o dia. ,^

Eis três figuras mais , do gráo Sepulcro. Ornamento , deviso em torno postas j Primeiro a de Ancião curvo , e rugoso , jFontenelle se diz , meditabundo ; Aos Ceos aponta , e contemplando os astros , ' Diz que habitados sáo , qée a argêntea Lua, ', He do pensante , ç do mortal morada ; Qu' existem Mundos mais no éther immenso. / De vórtices cingido , outro apparece , Em cujo seio envolve o Sol brilhante; Em seu gyro assignala o moto aos astros^ Tem sobre o Cenotâíio os olhos fitos , O simulacro observa , e mudo o adora. Entre elles ambos Maupertúis descubro , E sobre huip Globo estende áureo compasso , , E , sem temer as cerrações do pólo ^ Geómetra sublime , os grãos lhe m*de«

Eternidade sobre tudo existe,, De insupportavel luz claruQ 4íffunde, Oftdç se j>€i;de ,. e. ^,e .deslufflJtjia a vjita..

S'oasa fitar-se'no seu seio immenso.

Eternidade , Eternidade ! Abysmo

A' mente humana incógnito , e vedado !

Eternidade, que o limite ignora,

Que nem tem antes , nem depois ! He sempre l

Mal contemplava o monumento augusta. De homem táo grande consagrado á gloria-, De táo sublimes extasis me arranca A Fadiga outra vez : He tempo, ó filho ^ Que o tiansportado espirito se torne A' habitação mortal , que desça á Terra r Vai : quanto viste , aos homens anuncia ; Vai declarar insólitos portentos Sobre esta mole sepulcral gravados, O Mundo vivirà : Newton sublime Em. quanto exista, existirá com ellci Sobre as ruinas do acabado Mundo A gloria existirá fastosa , inteira , Seu throno erguendo sobre immensa, e clara Lyz. , que Newton dividio na Terra.

Disse ; eis foge a visão , eis foge o Templo» Eu, não diff'rente d' hum mortal que voa, Desço do cume do fadado monte. O mesmo monte s' escondeo : vapores Levan^os em tomo â vista eaferm^

509

Sotre mim clenso véo de nuvefts fõfma^, -"7^^ Koubão-me ao claro Olympo : a planta apeiMli ' . Se me antolhava que na Terra firmo, Do novo dia sou chamado ao duro Lagrimoso trabalho , herança minha. N'huma absoluta escuridade , inglório. Somente a mim deixado , e á Natureza , Sem murmurar do Ceo que assim lhe aprouve, Tranquillamente o tumulo esperando (Pouco dista de mim!) repouso eterno. Claro Sol da existência o Occaso toca , Dentro as nuvens lança huns débeis raios; O Mundo se obscurece , os horiaontes De dúbia luz o resto apenas guardão ; £u sinto a vida ao féretro chegar-se , As sombras entro da infinita noite. Foi pouco o que passou , nada o que resta ," As vibrações do coração se affrouxão , Dos lábios vai fugir suspiro extremo ! Foi-me a terra madrasta , ingrato o homem 5 Eu da Pátria não fui , fui do Universo , Da huraana espécie incógnito individuo : Contemplação ^profunda , alto silencio A minha herança foi , fructo ignorância» Mas sçii) quç » yU iisojija hwiii pào ínçuçiis^e;

11(5

Nem aós soljerbos pórticos dos grandes"" ^1-^''^

dependência gitiarâ meus passos,

Nem vergonhosa supplica aos ouvidos "'

D' hum homem meu igual levei agora: -'^^

Falte em que ponha os pés mesquinha terra j " ^•

Injusta GoUisão d' almas obtusas >

Menos, que vermes na sciencia , em tudo ,

Só{ grandes na ignorância ,'e ha impostura j "

Me procure azedar cadentes dias ;

Nem duro, e negro pão banhado em pranto^ ' *

E obtido com suor me escore a vida ; ~" '

Neji tenha onde evitar ( paredes nua« )

Das estações a dura alternativa ;

Nunca abatido o peito em males tantos ,

Nem triste o rosto me verão no Mundo ;

N' alma assentado o presupposto tenho

Dec huma voz Filosófica , que brada :

Dos males todos , o menor he morte.

Se he preciso moirer , sou grande , e livre j

Sou nobre , independente ^ e sou ditoso ;

Do estudo ) e da sciencia o fVucto he este.

Kão he caduca vida hum bem que valha

De hum vicio só, de huma vileza o preço.

Mas em quanto h^o finda este intervallo ,

JBifeve çutre o berço , e. tumulo, desejo

o* Pátria minha, engrandecer teu nome j '' Dar-ta, qual lies , a conhecer ao Mundo. Isto hu^co j içto quero , isto medito , -

Neste século infausto á paz negado, Em que tudo se esquece , excepto o sangue j" Em que he sci^ncia o calculo da morte ; (8) Em que hum Tigte feroz se chama hum grande. Eia que amor do jpiro, amor do estudo Como fraqueza , e* pedantismo he tido , E a sciencia maior lémbrar-se o nome Da terra em que os mortaes seu sangue entonvenii Menos bárbaro foi por certo o tempo '~

Em que do Polo aquilonar marchando -~'

Fero Ataúlfo , ou Genserico veio: He Theodorico bárbaro , mas teve Ministro ao lado seu Cassiodoro :

(8) Entre os males que a Revolução acarretou á humanidade jiilgo ser o maior , e mais universal j o amortecimento do gosto nas Sciencias , e Artes. A Filosofia da Revolução prometeo luzes ao Mundo, c em seu lugar derramou sombras. Sirva de exem- pio , e de prova a desgraçada Itália , mái fecundís- sima dos conhecimentos humanos , apenas começoa nella a lavrar a nova Filosofia , esmoreceo , e mor- reo tudo. Em Portugal povkcos $ão os <iue estu- dem a Lingua Latln*.

11^

Deo-se apreço ao saber, respeito ás Musas r ' ij

íilosoib he Boecio ; áurea eloquência ,

Apolinar , e Síraacho sustentao , ,

E do Grego saber riqueza , e brilhp *

INg,s escolas Ecléticas conserva

^' foz do Nilo transplantada Athenas.

!Mas agora ! ... ah com lagrimas augmento

JDo pátrio rio a túrbida cArente ! . . ,

Porém eu torno a mim , .^u^ a mim me rouba ^

Melancólico véo , que aíma me enluta.

Trago do Templo excelso inda gravadas

lía fantasia fervida as imagens ,

Que €u alli descobrira ; inda me lembro

De quanto ao grão Britanno as Artes devera.

Cultas nações extáticas o louvão ,

Nunca a lingua mortal cança em louvallo :

Único Génio, cujo estudo- y e fama,

Sôrnente ha de acabar quando se solte

A chamma voracíssima do fogo ,

Que a Terra J os aátros lúcidos consuma,

Com que do Mundo a maquina vacille ; (P)

(9) ad fore tempas ,

Q.UO maré , quo tellus , correptaque Regia coeli Aftleat, k mundi mojes operosa laboret.

Ovid. Âlet. thu i:.

•"•'^

Como tu piometeste , e tu cantaste ,

O' dufclssimo Vate , a quem por louros Deo TjFbre o Tyranno a Scythia , e morte. Newton , foste mortal ; mas quasi eu creio , ( Qual he crença de etactico Poeta ) Que d ham astto immortal vieste ao Mundo Mostrar prodígios aos mortaes ignotos. Tu , c'o Prisnui ||a mão marcaste a fonte Da septifonne côr, ^ue a luz encerra, ' Qual seja a essência sua , e qual a vida. A superfície dos terrenos corpos , Em parte absorve os luminosos raios , E , reflectidos n'outra parte , os manda Aos olhos nossos com diversas cores. (10) Opaco eis apparece o corpo , quando A luz náo topa com directos poros 4 lia obliquidade a escuridão consiste ,

(10) Está demonstrado em Física', que a diversi- dade das cores procede da diversa refracção dos raios da luz na superfície dos corpos : esta observação , oa verdade estava conhecida no tempo de Platão. Newton lhe deo toda a evidencia applicando as Ma- thematicas a Física : veja-se Duteas no áureo Livro da Origem dos inventos atribuídos aos naodernos , no artigo Luz , e C«res. -t-

Pois menor transparência a luz encontra.

Tu decifraste as primitivas cores, _•.

O' grande Génio escrutador do Murtdo T

Tu das mixtas nos das brilhante idéa ,

Que effeitos sáo dos reflectidos raios , .

E qual seja o poder donde dimane

» A' fefracçáo , e reflexão principio.

!Nféc) são de teu engenho o|é'as supremas

As qu' em suave metro %xpuz agora.

l^áo s6 da luz as vibrações potentes

Iiefrangiveis mostrou nos corpos densos',

Que no incessante moto encontrão sempre;

INías a mais progredindo a mente excelsa,

Js^ão se perde© no calculo infinito :

Abysmos onde bum novo ignoto trilho

Aos mortaes pôde abrir ; sahindo ovantf

Po labyrintho de infinitas curvas ,

Quando a recta propoz , porque he finita ;

Se hum pouco diverge, então se forma

Sempre em curva infinita. O' sombra, as Musas

De ti se espantão , se intimidão , fogem :

lhe apraz teiTa donde brotem flores;

mancjáo pincéis , calculo odêão ;

Ou he pequeno emprego â fantasia.

Que se escalda ; se expande, e se remonta,

113

Juntar com' sequidão cifras a cifras j Outro quadro maior minha alma occupa. Bastava , ó Newton immortal , bastava A dar-te hum nome eterno , a kiz , e as côies ; Mas tu , da clara luz transpondo o Império, Foste os astros seguir no eterno moto. A pestilente Inveja em vão contrasta A teu nome iuimortal memoria , e honra. Da Geometria nas valentes azas Nunca tentado despregaste hum voo , E d'humci esfera n'outra esfera foste Viver entre mil Soes sem deslumbrar-te : La tu foste encontrar , de la revelas Lei que a hum centro comum chama os Planetas, E a lei com que do centro os astros fogem. O moto <le.sigual da argêntea Lua A teus profundos cálculos sugeitas. Tu no moto annual , tu no diurno , Vais passo a passo acompanhando a Terra, Tu do grande fenómeno espantoso , Exposto à nossa vista , e sempre ignoto , Com que ora sobem na arenosa praia , Ora descem na praia as turvas ondas , A verosímil causa , ou certa apontas. E teu profundo tís,pirito em repquso j xiisuíií'

116

Assombroso mortal , jamais deixaste. Se , os tubos astronómicos depondo , Deixas de ir ver os Ceos , correndo os astros , I^áo satisfeito de rasgar o obscuro , Denso véo que encobria a Natureza , Pelos sombrios pennetraes entrando Com luminoso facho , e nunca extincto , Tu , nascido a dar luz, rasgas as sombras Talvez mais densas , que no seio envolvei» Marcado periodo dos tempos-, Vai correndo teu fio , e apenas paras JSTo momento em que â voz do Eterno o Mund» Surge do Cáhos , se organiza , e brilha. Tu , tia impostura oriental mofando , E do fallaz mysterioso -Egypto , da verdade oráculos respeitas. Petavio , Usserio te cont^mplão mudos , Quando outras luzes contemplando mostras Da Natureza na observada marcha Tão remoto não ser da Terra o berço. A base , as progressões , a gloria-, a queda De Impérios vastos que ambição formara, Interprete das leis dos Ceos , dos astros , Quizeste ser Legislador dos tempos. Quem pôde a gloria, recusar^ 6 Newton,.

117

Be dar ao Mundo a luz que elle não tinha ? A transcendente Geometria elevas Ao ponto além do qual finda o perfeito» Da Natureza sacerdote , acclaras Mysterios que ignorara a Grécia , o Lacio. Pelas sombras da Historia a luz derramas, Quando a base maior, Chronologia, Tu deixas em teus cálculos segura.

Se o profundo Varennio a terra , os mares Co' a régoa Filosófica medindo , Este , ai ! tão triste ! domicilio humano. Em quadro multiforme offrece á mente; Tu te dignas polir, dar brilho, e preço Talvez ao mor Geógrafo que exista ; ( A Newton por interprete merece I ) Nelle a luz he brazão , que tu lhe emprestas ; Em ti timbre maior, sendo tu Newton, Confessar , conhecer mérito estranho.

Da Natureza expositor , quizeste As azas despregar n'hum Ceo mais alto, As cortinas fatídicas rasgando , Comque a mão do Immortal cobre o futuro , Eoi teu maior estudo esse volume ; Onde as visões de extático Profeta Em sombra impenetrável se sepultao.

lie

Nâo vadeáveis , não , que os áureos selloS lhos deve romper momento extremo, Quando de espanto agonizante o Mundo , Vir das nuvens baixar do Eterno o filho.

Não foste grande aqui ; mas são pequenos Quantos ousão rasgar comtigo as sombras , Em que Deos quiz guardar mysterios tantos. No Templo Filosófico dest' arte Tu mereceste hum tumulo sublime, Que he seu mais nobre altar ; nao pompa infausta, Qual ser dos Reis o mausoleo costuma ; Neste a gloria se acaba , o nome expira ; O teu dalli começa , e dalli manda Raios de luz a esclarecer o Mundo.

Se tens a mente de sciencia cheia , Tens de virtude o coração cercado : He mais árduo ser bom , que douto , e sábio ; E huma virtude s6 tem mais valia Que o teu compasso d' ouro , as linhas tuas, E as leis que dás , ou que suppões nos astros. Entre o fausto incivil , entre a grandeza, Podeste ser Filosofo modesto. Ah ! sem virtude , a sapiência he nada ! A Inveja te assaltou f ( a quem perdoa Este monstro o maior, do escuro Inferno ? )

119

Mas tu , qual no Oceano altivo escolho Das negras ondas , que rebentão , zombas. E , se hum novo Palácio á Sapiência Levantarão mortaes no Tybie , e Sena , Os enfeites sáo seus , e as bases tuas. O' feliz Albion , berço de tantos Magnânimos Heroes , que o Mundo illustrão. Da hom-a , e da virtude asylo , e Pátria, que ha no Tejo quem conheça o grande Alumno teu que legislou nos astros : Quem seu saber adore , e seu profundo Systema seguindo em todo , em parte ; Quem possa ser maior , e igual ao menos. Este dos versos meus , tributo acceita , Que eu consagro a teu nome , á gloria tua ; Pendura-os em seu tumulo ; e se tanto Nem desejar, nem merecer eu devo. Junto da pedra , que os despojos fecha De Tompson teu Pintor, meus dons conserva: Se elle traçou da Natureza o quadro Dos séculos alli co' a Lyra intacta , Eu do Interpetre seu pinto em meus versos O grande Génio , e lhe eternizo a Fama.

Fim do terceiro Canto,

121

NEWTON,

POEMA. CANTO IV.

II Jf A luz que o Templo magestoso enchia Nunca a meus olhos o clarão s' extingue, Com elle vejo d' outra sorte a Terra: S'era envolta até alli na sombra escura Do cáhos da ignorância , eis fulge , eis brilha De novos astros , nova luz banhada. Era treva até alli quanto poirsara , £m Athenas outr' ora , outr' ora em Roma. Era frouxa a impulsão de sábios tantos , Que , mestres do Universo , aos homens davâo Lições de sapiência. Ah ! nunca o Templcv Aos míseros mortaes §e abrio de todo!

129

Quando a barbárie Góthica domina Por tantos, tantos séculos no Mundo,. Dos continuos fenómenos a cansa Sempre ignorada foi. De espaço a espaço Surgia hum Génio , forcejando apenas Por quebrar os grilhões. Baldado intento ! Hia o volume universal fechado , Com sellos de Diamante, â força humana; Qual no tristonho tenebroso Inverno , Quando a densa, importuna, e grossa névoa , Abafa em torno o ar : se o Sol brilhante Rasga c'o vivo raio o manto espesso , Súbito foge ; súbito o negrume ^--r-

Tapa de novo o fulgurante aspecto, O Império estende da imperfeita noite. . Tal da Verdade, a Natureza estava Envolto sempre o rosto em véo sombrio; , ,-. E, se hum frouxo vislumbre hum pouco a treva Tentava divertir , mais carregada Vinha cahindo a sombra da ignorância : Ou porque o cego Fanatismo as luzes Demorava continuo , ou porque ainda ,<,oa c-rX O marcado periodo náo vinha ':.- . o:-'*

Na vasta , immensa successao dos tempos^p -f.V Que a mão que rege o todo às artes marca.

Quaes os Impérios são que nascem quando

Do nada á vista a Providíncia os chama.

Quantos Génios nutiio no seio a Itália

Antes que Newton fulgurasse o Mundo?

Tilesio , Cisalpino, e Bruno, aquelle

Que entre chammas fataes seu crime expia!

E Cardano , que entr' Árabes idéas

Tantas centelhas luminosas lança!

Mas nunca rompe o dia , e o Mundo aclara.

Tu mesmo , 6 Galilêo , teu passo apenas ,

Ao Peristilio do grão Templo levas :

Não te foi dado os pórticos de todo

Aos homens franquear. Germânia hum Sábio

Produz , que aos Ceos se lance , os astros peze ,

E ouse fali ar de perto â Natureza ;

Kepler as leis universaes sentia,

Que seguem na carreira ethereos corpos.

E Gallia , então n' Aurora, então no berço,

Ou não escuta, ou não conhece o Sábio,

Que entre os gelos da Hollanda hum Mundo finge

De turbilhões , de vórtices sonhados :

E de Epicuro nos jardins se assenta

Renovador dos átomos errantes

Pensativo Gassendi , e em treva envolto ,

Corpuscular Filosofia ensina ,

124

Onde engenho brilha, e nunca hum passo-- A sempre douta experiência avança. Ah ! se mais à razão , que à fantasia Desse o Germano iilustre, a quem patente O vasto Império foi das artes todas , Se as primitivas mónadas , se aquella Pré-existente eníutica harmonia Hum pouco elle esquecesse , e a voz ouviss» Da contumaz observação das causas , Mais cedo, e mais brilhante a luz raiara!. Do immenso livro do Universo os sellos Aos olhos dos mortaes s' espedaçárão !

Mas Newton existio , e a Terra he outra ; O que era mysterio , o que era sombra , Foi tudo luz , e sapiência tudo , Bem como he tudo luz , e he dia o Mundo Quando o disco do Sol do Ganges rompe. De arcanos naturaes expoz a cifra ,^ Rasgou-se o manto a toda a Natureza ! Eis do infinito o calculo profundo Pôde abrir , e forçar cerradas portas. Da Sapiência o recatado Templo, Visto apenas ao longe entre inaccessas Rochas quebradas de escarpados montes , Se abrio de todo, e se mostrou qual era.

125

Oh ! que scenti espantosa , oh quadro augusto !

Enthiisiasmo que minha ahna agita

Te abrange todo , te contempla , e pinta.

Em teu claro vastíssimo horizonte

As gradações da luz , da sombra eu sigo ,

Em preza digna de espantar por certo

A rica fantasia , o fogo , a forca

De Tintoreto , ou de Jordão pintando !

-Ah ! não sei que ardimento interno eu sinto!

irresistível violência aos versos

Mc leva todo , e da memoria eu tiro

Thesouros cuja posse eu mesmo ignoro -

Sobre mim me levanto , e alheio aos males ,

Que outra vez tão de perto, em copia tanta

Terrivelmente minha Pátria assombrão ,

A Lyra Filosófica tacteo ,

E onde não chega estrépito da guerra

Eu vejo a luz que a Terra a Newton deve.

De antigos evos Óptica ignorada

De Sarpi , e Porta aos immortaes cuidados ,

Ah ! por certo deveo primeiros passos !

Porém c'o Prisma , e cálculos de Newton

Pode formar a analyse das cores :

Do Génio , tymbie d'Anglicos triunfos ,

O volume doutíssimo propaga

Í26

A luz que era s6 vista , e ignota sempre. Vãos systemas alli que o throno occupão, Cabem sem força , e vigor no abysmo , e nada ; A Experiência s6 , corrige , emenda Quanto á moderna observação se oppunha; E a nova escola Ecléctica se eleva Í5obre a verdade, e calculo somente. Eis Euler , e Clairaut , profundos génios , Sobre o problema dos três corpos lanção .A base ao grão saber , e altos progressos Do magestoso simplice systema , "Que La Place immortal do Mundo oft'recc.

Quão gloriosas consequências vejo De teus p^rincipios, 6 Britanno ilkistre ! A mutação do eixo em que se firma , Em que rodando vai pezada Terra: Do mar a exaltação , do mar a fuga, ( Que fluxo , e que refluxo a prosa chama) : D' astros primários movimento eterno , Dos satélites seus que ao centro tendem ; Dos Cometas excêntricos , que o moto , E sempre incerto , irregular conservão, Os constantes períodos se marcão. A libração da prateada Lua , Astro próximo a nós , mas sempre ignoto ,

127

E a causa achada dos velozes ventos ,

Do ar movido oscilações pasmosas.

Tudo he patente já. Methodo exacto,

E de integrar , de aproximar se abraça ,

E tudo , ó grande Inglez , lua gloria augmcnta !

A longa duração de quasi hum cento D'annuas revoluções da Terra inerte De teus principios á cultura entrega Fontenelle dulcissimo, que Mundos Vio mais no espaço, e que áridas sciencias De nova graça e formosura enfeita.

Da Germânia , que hum tempo , e núa,e simples Ao Historiador Filosofo se mostra , Surge o grão Wolfio, e se oíFerece ao Mundo; Segue o trilho de cálculos profundos : Mathematica luz lança no campo De quanta a Terra vio Filosofia. De ti , grão Newton , os vestígios piza , E da exacta sciencia entia o Sacrário , Em sombras methafysicas s' entranha ; Quadro bem digno da attenção do sábio. Nunca em meus versos ficarás inglório ! A Inveja perseguio geoio tão raro; Entre» agitadas borrascosas ondas Em seu peito existio tvanquijlidade ,

i28

E a cada tiro venenoso dava A grão resposta de hum volume douto Cora que da Sapiência o erário augmenta. Do Lycêo de Berlin foge expulso; Vai com elle a Virtude , e vai Sciencia.

Da Hollanda nebulosa os sábios surgem. Ah ! porque foge á magica harmonia De meus versos seu nome! As Musas fogem, E os Alpes vendo , os Pyreneos não passão. do Tibre , ou do Tejo as aguas gostão Depois que o Trace bárbaro, e que o Scytha Do Eurotas, de Hypocrene a margem pizão! Moschembroêke , Sgravesande illustrão Da Fysica os confins. Conspícua em tudo. Antes que ao jugo Vândalo dobrasse O tão nobre até alli livre pescoço, Nevosa Helvécia n'huma s6 família Da sciencia o deposito conserva. Eadada para as letras Basiléa Tantos Bernoullis , quantos os sábios.

Claro ornamento da sciencia exacta , Onde hum tempo foi Grécia, e Roma outr'ór», Onde em Sena mudado eu via o Tibre , Quanto a Fyrica vai , quanto se avança! A' luz de JNewtou tiova luz empresta , .

È não deixou que desejar á Terra. Í)a grande Academia o Templo eu vejo', Alcacar da sciencia ao Mundo aberto ; Do grande Newton a memoria , o nome j Alli qual génio tutelar preside ; No vasto erário de immortaes volumes Encerra , e fecha a Natureza toda , E a Natureza toda aos olhos abre.

De luz tão clara não carece Itália ; Paiz tão caro ao Ceo , tão grato aos sábios, Ah ! nunca os Brennos te pizassem , nunca ! Devera em cima de teus Alpes vêr-se A grão iSíinerva sobraçando a Egyde Co' a angui-crinita frente de Medusa , Onde os Hydros fataes s'enroscão , silvão , Petrificar as Vândalas Cohortes , Qual yã. Perseo c' O diamantino escudo As iras suspendeo do equorco monstro, E Androuxeda livrou. Itália , Itália , Bellig£rantes torreões nos mares De contraiias nações , a Hesperia , á Galíia , E a soberba Albion , rcspeitào , guardão Lenho que leva La Peyrouse , e marclia Co' as raras produções do opposto Mundo A enriquecer a Europa arjui-potente :

130

( Não he de huma nação , da Terra lie todo

O sabío que a riqueza augmenta as artes:)

Tal acatada ser , tal tu devias ,

O' ílomicilio do saber immenso ,

E não hirem turvar profanns armas

Teus sábios immortaes , teus monumentos ;

Tudo em ti tinha o Mundo, e as Musas todas

Tinhão firmado em ti seu Templo , e throno.

De hum Vate acceita o pranto , acceita os votos ;

Sabe que o Tejo te conhece toda i

Entre as cultas nações , tu s6 me illustras ,

Eu nada tenho que invejar ao Mundo ,

Quando em viva abstracção te roubo ao Globo;

Sem Filicaia , eu Lyrico me acclamo ,

Ah ! sem Tasso , o Cantor do acceso Oriente

Cedera a nenhum outro Épica tuba ;

E harmoniosamente meditando

Eu s6 fôra o Pintor da Natureza ,

Se Arrighi, e Conti t:o' os pincéis não tlerão

A tão grande painel mais alma, e vida.

A àcceza fantasia hmn pouco, hum pouco Das Musas se lembrou, deixando as linhas, Os cubos , e os triângulos de Newton , E a régua de marfim , compasso d' ouro Com que elle mede a Natureza toda.

131

Com qnanta gloria te serviste dclle j

Tu , que a tudo primeiro o exemplo de&te !

Kão cede , não , Bolonha ao grão Tamisa ;

Menos Florença , que , em jardins envolta ,

Da Fysica sciencia o Império estende ;

De Newton ao clarão marcha Zanotti :

Curvo, e velho Ricatti, abstracto, e mudo

A seu sacrário te conduz Urania ;

De Newton nas fluxões tu luz derramas.

Se teve crime á, Sociedade extincta

Aos olhos da razão , tu lh'o disculpas ,

E tu pedes por ella o pranto ao Mundo.

Manfredi, e Grandi , e Nicolai , de assombro

Enche do Neva , e do Danúbio os sábios ;

Não mais, não mais a progredir se atreve ^

O grande Império da sciencia exacta.

Onde o claro Sebéto as aguas volve ,

E ao perto ouve bramir , troar escuta

Do medonho Vesúvio o seio horrendo ,

Chega de Newton a sciencia , e chega

O desejo de abrir com áureas chaves

Da recatada Natureza o Templo.

Orlandi , e Galiani aos astros sobem ,

E o grão Maraldi lhes franqueia a estrada ;

Com Cassini outra vez s' exalta o Mundo. 1 2

139

"Se muito a Galilêo deveste , ó Newton , Mais a Itália te deve, as Artes devem, Na Hesperia à perfeição levadas sempre.

Mecânica , aos mortaes profícuo estudo , Depois de Newton teu sacrário aberto Eu vejo pela Europa , e mais se apura J)o maquinista Siculo o talento , Que atalha os voos das Romanas Águias ; A foiea cede a força ás artes sabias ! Quasi vejo surgir Numes na Terra, A cujo aceno os corpos obedecem ; Não he a Lyra de Aníião que os montes Manda a Thebas chegar, são leis profundas , Que ás sombras arrancou da Natureza O estudo da Mecânica pasmoso. Náos se suspendem, diques s'apresentão A' fúria sempre indómita dos mares. Sobe hum rio em Marly , corre hum penhasco A' ribeira do Neva , e a baze forma Da colossal , prodigiosa mole , Que representa o creador de Império, Que hoje a razão defende , o crime insulta.

Sem a Itália meu canto erguer não posso j * Se Império Mathematico contemplo, Mu^chembroêcke , e Belidgro a guerra

i.3Q

(.Guerra dos sábios sáo, que o sangue ignorãp)- Accendeni entre si, disputão doutos Do movimento de impelidos corpos , Que a força gradativamente perdem , Até que a resistência o moto acabe. Do Sena , e do Tamiza os sábios todos De Newton , de Amontons nas leis insistem i Eis surge, eis brilha o Bolonhez Palcani, E onde co' as doutas máquinas não chega , Mysterios da razão co' a força abrange ; Traça hum ramo hyperbolico engenhoso j Assintótico o diz , com elle explica , Com elle aclara o tlisputado arcano. Se as leis dos corpos sólidos se mostrao Em soberana luz , quanto escondida Guardava a Natureza a lei constante , Que pôz desde o começo ao rio undoso , Que elle na marcha accelerada observa ! Mil equações algébricas a escondem ; Vencem-se em fim mysteriosas sombras. Depois de quanto afan , de quanto estudo Tu , Saladini , a theoria expunhas , Que escolho da mecânica tu chamas, Não superavel quasi a engenho humano .1 Tu destoe a Hydrodinamica pasmosa, ,

134

Teu hemisfério . hydraxilico os louvores

.Do taciturno pensador La-Grange

Te soube merecer. Ricatti o grande

Te abraça terno com silencio augusto ,

Sobre teu rosto lagrimas derrama ;

Do Sábio velho a cândida ternura

Mais te explica, e te diz, que o louro, o premio.

Que Berlin te mandou , promette o Sena.

Mas teus cuidados , as vigílias tuas , O' tu de Urania Sacerdote , e filho , A' sciencia dáo luz, que os Ceos abrange. Por ti seu Reino estende a Astronomia ; Desde o culto Caldêo , do douto Egypcio quasi ao berço teu jazia em sombras^ Nada avançado tinha AVabe estudo , Guardador do deposito das letras , Que á fúria se evadio do Turco indoutp Depois que a sabia Grécia he cinza, ou nada;, Nem mesmo entre os de Dánia agrestes montes, Onde Ticho elevou seu tubo aos astros, Solar systema se aclarou de todo. Mas apenas os Ceps co' a mente excelsa , Sem te assustar o espaço indefinito , Ousaste passear, como vencida Da doutcv audácia a Madre ^Natureza ,

135

Ou fez que o Ceo , se aproximasse á Terra^,

Ou que a Terra de perto os astros visse.

Leis occultas alli se patenteão ,

E o que Newton, expoz , Cassini indaga.

Seguindo a piza ao fundor , ao mestre

Da sciencia astronómica , empunhava.

O Telescópio do subtil Campani;

De Saturuo os satellites descobre

Quasi todos, então; busca as estrellas ,

Que immortal Galilêo primeiro achara,

(Luas de Jove são 5). fanal, aos, nautas, j

O espantoso fenómeno nos mostra

Da luz Zcdiacal , co' a parallaxe

Do aanguineo , medonho , accezo Marte .

A distancia marcou do Sol á Terra,

Distancia que confunde a mente humana,^

E que a luz n'hum.uiomento abrange, e corre:

Sábio traçou Meridiana linha,

E por, ella nos mostra o variante

Moto veloz da Terra ao Sal em torno.

Então mais^ clíiro no volume immcnso,

Dos Ceos, quasi aberto, os homens lêrão^

Foi-lli£ sugeita a abobeda brilhante

A radio mathemâtico , qual era

Q ragrtal 4oíniciiio aos homens, dada :.

136

Parailaxe annual d* altas estrellas ,

Que engastadas nos Ceos fixas seamostráo;

Idéa falsa se aniquila , e foge ,

E a lei da aberração mostra a verdade.

Peregrinando pelos Ceos supremos Vão sábios indagar da Terra a forma; Co' a sciencia astronómica se marca Da nossa habitação figura , e termo. Quasi se amostra a longitude ignota Sobre inconstante mar , onde em cavado Pinho , avaro ruortal circunda o Globo.

Incessante fadiga a luz derrama Iso arcano presentido , e ignoto ainda Da obliquidade do angulo , que hum pouco Em cem annos na Ecliptíca decresce ! Quasi deixão seu tom da Lyra as cordas Quando dest' arte nos umbraes me entranho Da linguagein dos cálculos , que he sombra. Que estrema immensamçnte , e que divide O frio Euclides do fervente Milton. Ah ! de Ariosto aos êxtases divinos Calculador pausado em vao se ajusta: E avezado a correr no immenso Império Da Fantasia pródiga de Mundos, Que a seu sabor do Nada ; ou cria, ou ehaiíia,:

137

Nos confins do geométrico compasso , Anciado me volvo , e aqui não posso ^ Como nos cantos do encontrado Oriente, Soltar hum vòo extático aos abysmos, Vêr o feroz Satan que as sombras rasga, E espantado ao clarão dos Soes , dos Astros, Quasi doer-se da revolta antiga , Que eiyi sempiternos cárceres o fecha , Donde a furto sahindo , em pranto torna A ferrolhar-se em lóbrega morada.

Como indignado das prescripras metas. Achadas até alli no espaço immenso , Herschel sobe mais alto , além das tardas Luas , que escoltão frigidos Saturnos. corre a suspender na marciía Urano , Leva comsigo Carolina , e ambos Revolução continua , e varia encontrão , No luminoso annel que o Globo cinge , Do nem remoto , ou ultimo Saturno , Quando com elle hum Hercules comparo, Que Olbers descobre , que a carreira mmiensa , No gyro de dois séculos absolve. De mais perto se observa a argêntea Lua, Gelados montes tem , gelados mares , E tea\ VesuYÍo:s que vomitiio chammus.

138

He cidadão, e morador he quasi

Na Terra inda o mortal do ethereo assento..

Desgraçado Bailly , fuma o teu sangue

No cadafalso vil : tua alma agora,

solta das prizões , la nos astros

Se o grão discurso teu falhou no Mundo.

Se a Terra , dizes tu , se outros Planetas

Por centro de seu gyro o Sol conhecem,

Talvez , que o nosso Sol , que os Soes, que fixoa

Parecem ser na. abobeda azulada ,

Tenháo centro commum n'hum Sol mais puro^

Mais vasto, e luminoso, e que descrcvão

Em roda delle , essa orbita assombrosa ,

Que mais remotos tem limite , e termO ,

Que a fantasia fervida, d' hum Vate!

La-Lande a imaginou , La-Lande a sente j

Mas , foge , foge aos cálculos , ás cifras.

Virá talvez hum tempo ... ah ! se na Terra.

Náo tiver duração Vândalo Império!

Em que outros vidros , outros tubos mostrem ,

Que foi verdade , e luz tão grande idéa !

Depositada Citá no. áureo volume.

Que sobranceiro ao cadafalso, ao sangue,

Não ferio com Bailly furor de Tigres ,

Que aa Sena derão Leis , e até na Europa,

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Que os ferros beija voluntária escrava ; Vileza , e corrupção , chegaste a tanto !

Náo foi sem fructo , náo , nem foi deleite A sciencia Astronómica entre os homens ! Ah ! quanta , e quanta luz se deve a Newton! são dignas de apreço as artes úteis. Quão profícuo aos mortaes he Nauta ousado l Se tu , Lysia , tens gloria, ao nauta o deves. Que abrio primeiro do Oriente as portas : E teu nome immortal soou na Terra , Porque teu lenho imdívago a cercara, Nas Ilhas do Oceano , e mares todos , Dos Lusos se conserva o nome , e a fama. Muito pôde o valor, pouco a sciencia No século inda rude, alheio ás artes , Por que inda hum Newton não subira aos astros, Newton , sciencia , cálculos , systemas S6 Magalhães não necessita ; basta Que ao lado delie vão, vmgança, e honra; Eis todo o Globo rodeada ; he esta A façí\nha maior da espécie humana. Era extineto o fervor nos Lusos peitos Depois que estranhas leis o Tejo ouvira. Do mar o senhorio então transfere A's mãos Pritaniias o Scfthov dos Mundos,

1:40

De Varennio a fadiga illustra hum Newtoa , Correm Bretões o mar , e o Globo cercão, Não levados do sórdido , e terreno Insaciável interesse de curo; Mas por illustrar , dar mor grandeza A' esfera immensa das sciencias todas. Vai Cook , e vai Byrou cercando o Globo Por inda não tentada , incerta via ; Então suspendem generosa marcha Quando em gelado mar, gelada terra Da Natureza no decreto attentão , Que atraz lhes manda bracear as velas ; Que onde a Terra acabou , findar se deve O trabalho mortal , o amor da gloria^ O' nome Lusitano , ó Pátria minha , Eu culpo o^ teu silencio, a huma virtude, Que se apraz de esconder-se , eu chamo inércia.., Descreve Newton c'o compasso d' ouro O Globo que Varennio exposto havia; Foi Cook , e foi Byron , foi Bougainville , Qual Anson foi guerreiro , e os mares gyrão. Do Continente austral foge o fantasma , Que avarento íJollandez (nem hoje avaro ; Nem por crimes se conhece a Hollanda) (1 1)

(11) Ufsurgio a HoUauda depois da inesperada que».

i4I

■Julgou grande porção do Globo , e sua.

-Assombrados do gelo atraz voltarão ,

Mas nunca bum passo além c'o lenho ovante

Da Terra foráo que tocarei hum Luso;

Magnânimo Queiroz , déste-lhe hum nome

Para ti foi brazão, e he meta aos outros

Uo nebuloso Sul perscrutadores :

E a gloria de buscar no Mundo hum Mundo ,

"Se ao pensativo Batavo pertence ,

E ao pertinaz navegador Britanno,

No Tejo as bases tem , no Tejo a fonte ;

Mais além de Queiroz nenhum se avança.

Foi entre tantos Magalliáes primeiro,

Todos de hum centro os raios se derramão,

Que vem tocar d' hum circulo os extremos.

Tal do centro de luz, que accende hum Newton

Se derrama ao scrao circulo das artes

da de Bonaparte , e restabelecido que seja o cara- cter Batavo da eafermidade revolucionaria que pade- cera , tornará a ser na terra o que sempre fora des- de a época de seus magnânimos esforços contra o formidável poder de Filippe II. : será huma Nação modelo de sobriedade , de economia , de opulência , £ da dignidade do homem em vão buscada pelos fã" síaticos JRçYçlucionarios,

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O perpetuo clarão com que boje tnedrâo.

Quanto a vetusta Fysica ignorava , Sobie a essência do ar se mostra aos olhos ; Piza-se a immensa fluida substancia ; E senbor do mar n' hum curvo lenho ]São lhe basta do Globo o Império inteiro , Se o dominio o mortal náo tem dos ares ; Líl sobe , la passéa , e seguro Debaixo de seus pés cruzando os raios. Do antigo Architas se escureça a Pomba, jVIaior prodígio guarda a idade nossa. Eu vejo pelo ar volantes carros , Quaes vão nas ondas os baixeis arfando ; E nelles os mortaes tranquiilos vejO Sem temer o despenho, e não lhes lembra, Que afrontada dest' arte a Natureza , Tire vingynça da famosa injuria. Eu vejo o golpe, e a victima primeira Em Rosier intrépido, que sobe; Elle o primeiro foi, mas prestes passa, Do regaço da gloria as mãos da inorte.

Porém mais úteis os trabalhos veja Dos sábios, que o caminho a Newton seguem;' Eis a fonte de incógnitos arcanos Aberta aos olhos dos mortais abiortos^;

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Eis o eléctrico fluido pasmoso De fenómenos mil a causa ignota; Do raio a pátria se conhece , e teme, He das nuvens a eléctrica peleja. Se troa , se rebrama o escuro Inferno Dentro do bojo de Vesúvio , e exhala O fumo que se expande, e o Ceo nos rcuba, E traz ao dia de repente a noite , E aquella chamma, que entre estragos tantos, Chora o Mundo o maior, de Phnio a morte; Aqui descobre electricismo o Sábio. Sábios illustres , que mysterios tantos Descortinar , e conhecer podestes ; Legislador Americano, os evos Teu nome guardarão ; Nollet , teu nonle Da sapiência nos annaes gravado Eternamente vivirá ; se as artes Barbaridade , que extermina tudo , Quizer poupai da aluvião de ultrages, Que ás leis , à Natureza , e aos Ceos tem feito.

Da multi-forme Boreal Aurora Mairan , seguindo os cálculos de Newton , Eipoz a causa aos séculos ignota; Da atmosfera solar porção tirada. Por vtloz rotação do térreo Globo .

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Ao ar entáo se communica espesso , Que as tristes regiões do Polo abafa. Tu , de Bérgaino o íymbre , sábio illustre , Tu , Savioli , que na Lyra d' ouro Cantaste os dons de Eráto, os dons d'[Jraniay Do Volga , e do Boristhenes as margens Fos^e observar de pcrío o accezo quadro Do Boreal Fenómeno , tu viste !Nq3 gelos que c'os Ceos quasi confin?.0' A reflexão dos luminosos raios, E tantos , taes listões formar nos ares , Que pelas vastas regiões das sombras , Ou da morte talvez , suprem hum dia. Das Artes no progresso a gloria vejo Da indagadora Chimica , que tanto Da Europa pelos ângulos se acclama (Com tanto ardor, que enthusiasmo he, certo ! ) Interprete ftel se diz da vasta , agora occulta Natureza toda. de antigos del-irios despojxida , Se ella analyza os simplices , não busca , Lisongeando sórdida avareza, As pedras converter, (que insânia ! ) em ouro l mãos Imperiaes viste , ô Florença , Depondo o sceptro, tactear cadinhos;

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Tanto o prestigio de tal arte pode ! Mas se delles a Purpura não foge , Fogem |ft)r eerto as Musas d'espantadas : Negá-se a lijra a bárbaros , e escuros Termos , que jurão sanguinosa guerra Do metro Luso á mágica hannonia. MoiTe-me a chamma , -que me ferve n'alma , Se hydrogenio, se azote , ou se oxigénio, Ousados vem barbarizar meus -versos. Não te negão porém lugar , nem gloria , Lavoisier illtistre , que hum momento Inda pediste ao bárbaro Tyranno, Da vida, ai dor ! que despiedado corta. Em que inda mais á Ntitureza abrisses, Nunca de todo , o sanctuario , aberto ! Mas hum Tigre quer sangue , e não sciencia ; Tu não choras a vida , a perda choras , De Imma verdade , tjue comtigo em sombra Perpetuamente no sepulcro he posta.

Nem do Globo as recônditas entranhas Da vista ao sábio indagador se occultão i Tal he o Império do brilhante facho , ■Que Newton accendeu ! Henckel , Bomáre Então das minas pela- trévít espessa Perdem da vista @ Sol ,, da vista o dia ,

K

E â deLil iu2 de pálida lanterna O profundo vão vêr Laboratório , Em quQ os inetaes prepara a Natureza : Dos hompns os quiz pôr longe, e bem longe! Vio que do ferro s6, não curvo arado , Mas liza espada fabricar devião , E do bronze canhões , que o raio imitao , A tantat assola^;ão chamando gloria. Mais o ouro escondeu no abysmo , e sombra ; Devendo ser do mérito a coroa , Quasi sempre he do cnme o premio, e causa. Mas eu duros raetaes deixo nas sombras^: Distem pouco do Inferno, eu busco o quadro. Que em sua face a Natureza mostra. Estudo immenso , dos mortaes digno,. Perenne fonte das sciencias todas, Das mesmas Artes rnãi que estende o Império Por quanto abraça o ar , a terra , os mares Desde o vasto Elefante , â vaga , e bel la Borboleta gentil , que beija as ílores : Da gigantesca , ou colossal Balêa Ao pequenino lúcido testaceo. Que, igiial ao grão de área, á vista foge : Desde o cedro soberbo, á relva humilde. Que os godos tozão, que tapiza, os prados:

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Estudo liberal , que a engenho humano- Descobre vasto, interminável campo, Que o orgulho scientifico confunde Com tanto , vario , e, differente objecto , Que imperceptíveis relações conservao : Quaes anneis entre si ligados sempre, Interminável a cadêa formão , Que prende , e tem principio em Ser Eterno, Táo vasto estudo , glorioso , e hello , Tanto mais se cultiva, e mais florece, Q imanto he menos pezada , e menos densa is u vem, que assombra o social estítdo, Dq Antiquário pedante, ou Vate inerte, Vadio adorador d' alta bellc-a , Cuja vida he desprezo , a morte he fome ; De hebdomadal efén>era caterva, Que do nada surgio , e ao nada. torna Depois que o povo , no momento d' ócio, Escarneceo proféticas promessas, Estudo augusto , que propaga , e cresce Onde menos o estólido Forense , E impertinente Puritano existe, Rico de frases , de cousas pobre : Onde menos a enfática Impostura, ^recufsola da morte ^ a morte apressa;^

E o QiUmhentista, moçdqr , inysteríos Nos parece mostrar , se mudo , e triste Pulverulento códice idolatra , Que he rico de antiguidada , e traça* De insectos taes em ti náo viste a praga , -Dilatada Germânia , ah 1 quando ao Mundo O grande author das mónadas oífrece A Prothogéa : nem Britannia a sente Quando Johnston , Derrhaim , e Iram Lister dava: . IN em com elles , Itália, então gemeste Quanjlo dava a Botânica Zanoni ; Quando hum Morgagni teu , quando, hijm Borellij^j IVos penetraçs da Natureza entravão , /

E quando Valisnéri a expunha toda , limpa, e livre de pedantes eras.: Quando a tocha accendia Spalan^aani., E arranca de seu seio altos arcanos, Quaes desde o ^ande Peripâto QS eyps,^ !Nunca atélli descortinar podérap. Nem Gallia agora escrava em sangue, e ferros, (Qual de Piratas viz n' Africa Eraporip , Que o mar Tirrheno co' as Ga.lés infesta 3 ) Que de rapina , c violência existe , De Novellistas opprimida estava %Quando o grande Buffon n'hum c^uadro immenso

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A Natureza á Natureaa mostra.

Se a tempestade das Novellas surge ,

Se os Jornaesasi mesmo, e os homens matão.

Se a mUitar , politica mania

Começa de deixar tâo ermo o Globa,

He pastor Daubenton , Sonnini expira

( Inda feliz que ao cadafalso escapa )

Do esquecimento, e da penúria em braços.

Da Natureza não prospera o estudo ,

Nem se conhece hum Newton , «e estes vermes^

Da sciencia os alcaaçares maçulão :

Nunca, do Tejo às margens se aproxjmem.

Terá throno a sciencia , as Artes preço :

Lusitânia terá Buífons , e Elinios j

E Vates , que , estudando a Natureza ,

Saibão dar justo emprego ao dom das Musas j^

Se tem tal nome , o ingenito talento ,

Que alta facúndia a números sugeita ,

Que em grande tudo , que imagens falia,

E que , a razão. ligando â fantasia,

Da força., calor , vida a. tudo.

Mas de tristeza hum véo me envolve , e fecha Tudo o que palpo, e que diviso, he sombral Delia ve^o romper Fantasma horrendo ; Ao rosto atroz , ás san^uiaosas vestes

MO

Eli conheci, (que dor!) Barbaridade! De Omar a férrea Simitarra empunha , Na esquerda , e negra máo fulgura a tocha , E se me antolha que hum vasto incêndio Das Artes o deposito consume : Que são pasto da estiidente ciiamma Das Musas todas as vigilias doutas ! Nem teu mesmo volume escapa , ó Newton..., Oh perda ] .... O' Albion , manda os teus raios Elles podem vedar bárbaro incêndio : Cone , e na Hespanha pulveriza os monstros ^ Que onde quer que do corpo a sombra espalhão. Turva-se o ar , se-esteriliza a terra , Da vida , e da sciencia amor expira. £m quanto além do Vistula rompendo D' honra , e valor o sufFocado incêndio ,, Desfecha o raio , que talvez da Europa De huma vez para sempre a injuria vhigue. Ent^o do cáhos recuando o Império, Hum dia assomará que traga ao Mundo A luz que a Grécia vio , quando na escólti 0:.Genio de Estagira absorta ouvia 5 Quando acceso Demosthenes da boca D' áurea jeloqucncia as ondas entornava^ E além clas..owYens Pindíwo s^t^aj - ^-i---

A luz vista fulgurar em Roma Quando Augusto a seu lado assenta Horácio. Ou TuUio a dúbia liberdade escora : Qual séculos depois raiou mais clara Do Decimo Leào ao Império eximio , Quando o Segundo Júlio ás Artes abre O Templo , que até alli fechara o Godo : A luz que a França mais ditosa vira Do tão Grande Luiz brilhar nos dias. Então dos Ceos descendo a Paz serena, Da porficua Oliveira ao lado os Louros Fará brotar , reverdecer , c'roar-se Com sua rama a magestosa frente (*) Do profundo Filosofo , e do Vate.

(*) Hoje gozamos felizmente do regresso da paz , do i-estabelecimento do antigo Estado politico da Europa : porém conserva o Author nesta segunda Edição o quadro das cousas como se achava ao tem- po da composição do Poema.

Fim do quarto , e ultimo Canto.

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