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Livraria editora Rua Augusta, 5o, 52, 54

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FEB 7 1968

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Orticinas typographica e de encadernação, movidas a vapor Rua dos Correeiros, 70 e 72

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Cm^ydio ct^Clipeira

«o Emygdio d'01iveira, que eu vi pela primei- ra vez em 74, era então um rapaz sombrio, ves- tido de preto, typo de estudante pobre e pouco resignado. Estudava muito, ao que se deprehen- dia de algum artigo que publicava. Lembrei-me sempre de um facto, que elle terá esquecido : quando eu saí da Actualidade para o Diário da Tarde, que não dispunha de recursos, escreveu-me o Emygdio, apenas relacionado commigo desde alguns rnezes, a adverdr-me de que em sua casa, sua e de sua mãe havia um quarto e á meza do jantar um logar vago e um talher, e que tudo isso esperava por mim, como por um filho da casa. Não acceitei o con- vite fraternal, mas faz-me bem recordal-o de quando em quando.

Deve ser sabido que, volvidos alguns annos sobre aquella época, Emygdio d'01iveira veiu a ser o Spada, director da Folha Nova do Porto,

brilhantíssimo jornal que ainda não teve succes- sor. Como esse jornalista de primeira plana, pelo estudo, pelo talento, pela maleabilidade e pelo vigor, saiu da lucta hercúlea, em que du- rante annos empenhara extraordinárias faculda- des, para um retrahimento de desilludido, daria historia para confusão de muitos virtuosos diffa- madores, se elle houvesse precisão de que eu escrevesse sobre a alliança dos estúpidos e dos ingratos, em defeza do diffamado que se afías- tou. Creio que o não deseja, nem de tal precisa. Eu liraito-me a dizer aos viajantes que nie perguntam :

Quer alguma coisa para o Porto ?

Saudades ao Emygdio d'01iveira. E' o meu protesto.» (i)

(I) Do meu livro Pela Vida fora. Lisboa, 1900, pag. 54—55.

o ULTIMATUM INGLEZ

Escrevi em setembro de 1890 as seguintes pa- ginas, tendo para isso publicado três números de um pamphleto: A Lanterna. Ao termo de tres semanas, a publicação teve de findar : terminara a indignação dos leitores. Um que me está len- do recorda- se de tudo. E' para que fique o mais possível que eu reproduzo as minhas palavras de 1890.

A questão do tratado tem sido historiada tão minuciosamente, que seria absurdo preten- der n'esta hora esclarecer os espiritos. Todos perceberam: ha exploração e ha deshonra para nós. Mas a opinião publica, na sua maio- ria, está longe de orientar se para a cólera. Ha quem pense na opportunidade do ensejo para derrubar o ministério e ha quem julgue oppor- tuno o momento para derrubar o throno. Mas o alcance d'aquella desgraça está longe de ser medido por aquelles a quem directamente ag- grava.

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Não é raro que um homem do povo, um operado, encolha os hombros, a propósito da questão africana, estabelecendo em seu juizo que a Africa está muito longe, e que, portan- to, não devemos perder o somno sobre tal as- sumpto. Seria obra meritória demonstrar a esse indifferente que o tratado com a Inglaterra fecha o mercado d'Africa á nossa industria nas- cente — sempre nascente ! e que o operário é um tanto interessado na existência e no de- senvolvimento d'essa industria. Não consulte- mos o empregado publico, auctor de artigos, sobre aquella expoliação que precipita a indus- tria, do renascimento, na morte. Consulte-se o industrial, o fabricante, o homem pratico : e elle explicará os perigos e o horror da situa- ção.

Com a qual situação nenhum dos homens que constituem o governo se importa, mais ou

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menos calorosamente. Nem os governantes, nem o negociador do tratado, nem a maioria parlamentar . . E é n'este ponto que nos pa- rece estaram as bases de toda a sorte de equí- vocos. O paiz reclama de uns determinados indivíduos resoluções na hora da catastro- phe, sentimentos na hora do perigo, resolu- ções e sentimentos determinantes, que nunca se lembra de exigir-lhes ao depositar n'elles a sua confiança a sua sorte individual e colle- ctiva, o cuidado de lhe garantir a honra da na- ção, a prosperidade económica e os interesses e direitos do cidadão.

São d'estas simples verdades que todos nós sentimos a cada momento pesarem sobre as nossas cabeças, mas que infelizmente raro en- tram n'ellas. Lembrou-se algum dia o eleitor de averiguar se o candidato que apresentam

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ao seu suffragio é alguma cousa mais elevada e mais pura que um imbecil, um borrachão, um devasso, um faminto á venda? Nem se pensou n'isso! O candidato foi eleito a simples imposição de um centro e pelos processos co- nhecidos, de ameaças, de suborno e de pedi- tórios. Saiu um deputado ás ordens para to- das as tropelias do seu governo. E' consequente no seu aviltamento. Ninguém lhe impôz digni- dade; não se obrigou ao estudo, ao trabalho, á fiscalisação severa dos direitos dos seus elei- tores e dos direitos na nação. Sabe porque foi e como foi eleito, e procede em harmonia com a miséria da eleição. Se, em desaccordo com o seu governo^ esse deputado se lembrar de que é um homem, um patriota, um representante da nação, commetterá de certo modo uma des- lealdade. Ninguém o elegeu porque elle fosse um homem justo, e o seu governo tem-n'o alli para que elle se deixe de phantasias e para que obedeça.

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Exigir a um ministro da coroa sentimentos de equidade e sacrifícios pela causa publica é pelo menos tão absurdo como esperar dedica- ção ao povo por parte dos seus representan- tes n'aquellas condições. Um ministro faz-se ordinariamente pelos processos que serviram á creação do sr. Arroyo ministro. Muita pe- tulância, menos estudo, confiança na sorte, o que é um meio de fascinal-a, affectação de im- pudência, que significa um homem forte : á meia volta de uma evolução politica, este ho- mem é chamado.

Quem o auxiliou na conquista da sua fortu- na } A quem deve elle a gratidão } Primeiro á sua habilidade, d'ahi á sua parcialidade poli tica, emfim ao seu rei. O povo não tem a con- tar com elle.

Nem o povo, nem os problemas, nem as ques- tões palpitantes do paiz e do tempo d 'esse mi-

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nistro. Consulte- se novamente os homens do commercio, os homens da agricultura e os ho- mens da industria ; consultem os artistas e as sociedades scientificas, sobre o grau de inte- resse que pelo commercio, pela agricultura, pela industria, pelas artes, pelas sciencias, re- velou um dia esse homem forte guindado á confiança da coroa: e homens de commercio e os outros poderão responder o seguinte, des- tinado ao futuro jazigo do ]a.nota. parvenu :

Amou as hespanholas da Antónia, a ba- tota do Grémio e as tranquibernias dos forne- cimentos. Apodreça em paz!>

Teem cahido sobre o negociador do tratado, o sr. Barjona de Freitas, as maldições do paiz. A obra d'esse sophista é realmente amaldiçoa- da. Aproxima-nos violentamente dos lábios o cálix de todas as misérias e de todas as vergo-

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nhãs. Corta-nos a palavra, em frente dos mos- tejos e dos insultos da Europa. Transforma a bandeira portugueza em lençol de prostituta de travessa. E' uma obra de covardia. Mas o paiz enganou se com as habilidades do sophista, e talvez o próprio governo, n'uma corrente de atarantação, se illudisse com ellas. As habili- dades do sr. Barjona poderiam deslumbrar ou divertir o parlamento portuguez ; mas um pri- meiro ministro da Inglaterra é um mestre do officio. Para governar a Inglaterra não se es- colhe um pateta irresponsável. Houve quem o fizesse observar em occasião opportuna e para logo houve quem se risse desdenhosa- mente.— «Grande coisa um estadista inglez!> E' n'estas blasphemias de summa estupidez que temos de vêr a origem das nossas desgraças. Afora as violências e as brutalidades do seu temperamento e da sua educação, um Salis- bury é um espirito perfeitamente e profunda- mente orientado, sobre as questões do seu paiz e as dos alheios e sobre a correlação d'essas

NO COLISEU 2

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questões, no ponto de vista dos interesses da sua pátria. Não nos cumpre a nós expoliados fazer o elogio da mão infame que nos rouba e ultraja, mas faz-nos sorrir a pretenção stulta de arrastar a condescendências e á equidade, o primeiro ministro da Inglaterra Que preten- são nova era essa, do sr. Barjona de Frei- tas e do governo portuguez, de obter conces- sões da Inglaterra a Portugal ? . . .

Oh covardes ! Não se trata de ameaçar com a revolução, tendo atraz de vós os preceden- tes de uma fuga apavorada diante de trinta municipaes que apitam, atarantados e espavo- ridos ! Não se trata de amaldiçoar os deputa- dos que são obra vossa, os ministros que são fructo doeste estado de coisas. Trata-se de ter olhos que vejam, de beber menos nas tabernas e nas hortas, de examinardes a vida publica e

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a vida privada dos candidatos ao vosso voto, antes de lh'o conferirdes, e de olhardes pelo vosso destino ! Urgentemente, de que se trata é de derrubar um governo, isto é, de tirar da cara esse escarro; depois, é preciso ver d'onde os escarros vêm, e olhar por que elles não vol- tem e não se amontoem nas faces da nação ! Esse tratado é a explosão fétidissima de uma cloaca em fermentação. Nem resquicios d'essa infâmia devem sobreviver, sob pena de todo o estrangeiro conquistar o direito de nos cuspir no rosto. Bateu-se a Dinamarca, ha vinte e tantos annos, contra duas grandes potencias que pretendiam roubal-a e que a roubaram ; mas os cadáveres dos austriacos e dos prus- sianos invasores deram sangue para lavar a nódoa de um desastre. As maiores nações do mundo contam na sua historia tratados d'esta ordem, mas depois do combate e da derrota que não implica a deshonra. Acceitar isto Portugal ! Receber esta avalanche de lama sobre a cabeça Porhtgal . . . E não per-

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gunteis ainda: O que é preciso fazer ? Vé-át^ se tendes olhos ; vede a vergonha de fora e a miséria no lar ! Applicae o nariz a esse monturo da nossa vida publica, n'uma hora em que não leveis o copo aos lábios, e dizei- nos a que cheira tudo isso . . E procedei !

II

Não é licito accusar-nos de violência irre- flectida, sobre a leitura do nosso primeiro nu- mero. Nào sacrificámos a extremo da corteza- nia, porque a hora não é de posturas conven- cionaes, mas contivemos a indignação nos do- mínios do sangue frio. Ninguém tem direito a exigir de nós outro sacrifício ás formulas. Na- da mais concederemos.

*

O tratado miserabilissimo está em discus- são. Ha duvidas sobre o resultado d'ella, at-

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tendendo-se á correcta attitude de regenera- dores como os srs. Serpa Pinto e Manuel d' As- sumpção, que voltaram costas ao seu partido, na hora em que elle descia ao seu plano do aviltamento. Mas na primeira sessão parla- mentar o governo preparou uma surpreza : a das modificações de ultima hora.

Todos conhecem.já as modificações apresen- tadas calorosamente em supplementos, que os vendedores de jornaes queimaram na praça publica, com applauso do povo. Mas é preciso deixal-as registradas, para recordação que de- ve ser grata ás discussões de amanhã.

As alterações são as seguintes :

a que na vigência commercial e fluvial do tratado se não comprehende a antiga pro- víncia portugueza de Angola ;

ò que o tratado regulou o transito, fi- caido por isso inteiramente livre a faculdade tributaria de Portugal em tudo que respeita a direitos de importação e exportação ;

c que a clausula que torna necessário o

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prévio consentimento da Inglaterra para a ces- são dos territórios que no tratado especificam será snbstituida pela simples reserva de um direito de preferencia em favor d'Inglaterra ; d que a clausula que preceitua a nomea- ção de um engenheiro pelo governo inglez para o estudo de caminhos de ferro de Tungue, será modificada no sentido da nomeação de um engenheiro de nação neutra.

Queremos perguntar, na corrente das nos- sas considerações do primeiro numero d'esta folha, queremos perguntar a essa escoria de políticos de entremez, a esses galeotes da carta constitucional, que para ahi apodrecem o am- biente com a peste das suas entranhas se depois de considerarem Portugal um paiz de miseráveis idiotas á disposição das suas tra-

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tantadas, o julgaram um agrupamento de san- deus. Porque o nosso ministro dos estran- geiros não hesitou em declarar que as' modifi- cações nào prejudicam essencialmente o que se estipulou.

Quer dizer :

Para o paiz são modificações profundas, an- nunciadas em supplementos pomposos :

Para a Inglaterra são meras formalidades, que não prejudicam essencialmente o que se estipulou.

A quem engana esse miserável governo ?

Engana a Inglaterra ?

Engana o seu paiz?

Estas interrogações seriam lastimosas pelo ridículo, se alguém as formulasse illudido. O sr. Hintze a enganar o Salisbury, os sophismas e os dichotes do sr. Barjona a embrulharem o primeiro ministro da Inglaterra !

Para se medir, antes de examinar e sem a declaração insensata do governo, a importân- cia das novas alterações, basta vermos que a

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Inglaterra essa ladra perversa e astuta as acceitou.

Questão de fórmulas, que deixam de to- das as humilhações e todos os perigos :

A preferencia é a mascara do consenti- mento.

A neutralidade do engenheiro é a acentua- ção da vergonha nacional. Inglez, ou belga, ou allemão, o engenheiro será imposto pela In- glaterra.

As vantagens concedidas á província de An- gola não se entendem com toda a província, mas com o interior, com o hinterland. E' a morte a praso na phrase expressiva do Tetnpo.

Mas, para que sobre a burla d'estes homens, imposta ao paiz e veremos se elle acceita a imposição para que sobre essa burla, di- zemos, venha um acréscimo de deshonra, o fe- roz ladrão inglez impôz por honra de Ingla- terra — ao pobre ministro de Portugal esta de- claração positiva :

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As nwdificaçdes não prepidicam essencial- mente o que se estipulou.

*

O que nos resta fazer ?

O que temos a fazer, se o parlamento, na sua maioria, illudindo as ultimas esperanças, se pronunciar em favor da nossa deshonra r

Derrubar o ministério ?

Mas vindo outro governo, que temos nós a exigir-lhe ?

A recusa formal e absoluta de negociar com a Inglaterra sobre aquellas bases ?

Impossivel de acceitar. A coroa intervirá im- mediatamente, assustada com o rompimento provável com a nossa querida ladra de sé- culos.

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correu sangue.

Foi o sangue dos humildes, dos populares que protestaram contra a infâmia, e dos Ínfi- mos agentes da auctoridade, que não compre- hendem a ordem que os força á aggressão es- túpida e desalmada.

O sangue dos culpados está bem seguro. Não o pedimos. Lastimamos apenas que a ha- ver derramamento não seja o do sangue d'elles.

Dissemos ao povo de Lisboa : «Covardes, que perdeis o tempo nas tabernas EUe de- saggravou-se da accusação.

Veja a província como sabem reagir os de- pauperados filhos da capital !

Olhe esse Porto pelas suas tradições de bra- vura, firmadas em heróicas luctas por es§a Li- berdade que os gatunos exploram e cons- purcam !

Olhe esse Minho pela sua fama gloriosa de

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rude batalhador, confirmada pelo seu hymno immortal !

Olhem essas provindas todas, onde o fisco vae confiscar o gado aos pequenos lavradores, para sustentar vadios : olhe para a sua miséria ; rehabilitem-se da accusaçào de indolência e de servilismo ás ordens dos centros !

Unam-se todos e imponham a sua vontade. Se a orientação n'um pensamento único é im- possível, mercê funesta da relaxação de tan- tos a quem cumpre o dirigir, o protesto es- pontâneo e vibrante é sempre útil contra a ociosidade e é sempre temido pela traição !

III

Está bem definida a situação, ainda mal para nós todos!

Não haja duvidas ; sobre tudo não haja de- sorientação na critica da nossa desgraça.

Essa desorientação principiou. Discute-se os principios religiosos e os principios políti- cos do sr. Martens Ferrão, o novo chefe do gabinete, como se os factos implacáveis depen- dessem, n'esta hora, dos principios dos indi- víduos.

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Expiação de que ? Dos abusos dos nossos maiores ? Nada d'isso. Expiação dos nossos próprios erros, das culpas de duas gerações.

E no governo actual, condemnado antes da nomeação, n'esse grupo de sacrificados estão representadas duas gerações de politicos, pelos seus vultos proeminentes.

Não pediremos acalmação dos espiritos, de- pois de havermos concorrido para agital-os.

Não fugiremos á responsabilidade d'essa agitação.

Queremos que ella se robusteça, como ulti- ma esperança de salvação da honra ; mas que- remol-a firmada no severo exame da situação.

Nada de desvio nas responsabilidades a im- por, — nem nas responsabilidades a acceitar ! Nada de afastar a vista em frente dos perigos, nem de renegar o quinhão de culpa era frente d'elles !

31

*

O governo regenerador cabido deixou uma herança deplorável. Nào fuja nenhum partido poHtico ás responsabihdades d'ella. Se a casa administrada pela insensatez, durante largos annos, por numerosos mordomos successivos, chegou á ruina financeira, é cruel e infame ac- cusar o derradeiro mordomo das culpas de todos elles.

A herança, explicada ao alcance dos mais acanhados espíritos e imposta aos mais indiffe- rentes é a seguinte :

A pagar : o coupon de outubro, os orde- nados dos funccionarios, os soldos do exer- cito, as férias dos operários, as despezas das obras publicas. Nada com qiic pagar ;

Esperanças n'um empréstimo de algumas dezenas de milhares de contos, devido ás boas graças da Inglaterra ;

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Obrigação de acceitar o tratado, sob pena de gorar o empréstimo ;

Ruina commercial e industrial, deshonra da pátria, perigos de uma revolução se o tratado é appr ovado ;

Rompimento com a Inglaterra : isto é, Moçambique, Lourenço Marques, S. Vicente e o mais que lhe convier, occupados immediata- mente por ella ; e o empréstimo malogrado : isto é, o governo sem dinheiro algum, a fome nas classes mais numerosas, a revolução pro- vável — se. o tratado fôr regeitado.

* *

Ahi está aonde nós chegámos em sessenta an- anos de desperdícios, de loucuras, de regabofe no alto, e da relaxação e estonteamento em baixo !

E' n'esta hora que um patriota diz ao go- verno :

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E* preciso armarmo-nos até aos dentes ! Armarmo-nos com que ?

Mas não fiquemos em avisos pavorosos, nem em interrogações sinistras.

O deplorável é a suspeição que impende so- bre os nossos homens públicos, sobre todos elles.

O lamentável é a fuga da confiança, que ps desarma para a exigência de sacrificios.

A desgraça da pátria está na desconfiança reciproca dos políticos e do paiz, por modo tão funesto que aquelles não ousam dizer :

Unamo-nos todos, para um sacrifício ex- tremo. Da tua resolução emconservares-te hon- rado já nós temos a certeza. A pátria será ex- poliada pelo voraz ladrão, mas conservará o direito de protestar dignamente perante o mundo. Ha, porém, as difficuldades cruéis, as terríveis impossibilidades, se o quizeres, da pa- vorosa crise económica. o esforço sobre- humano de um paiz em perigo e com a cons- ciência d'esse perigo pódesalvar-nosd'um es-

NO COLISEU 3

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pantoso dilemma. Apellamos para o teu ulti- mo sacrifício: para a tua bolsa, depois de ha- vermos contado com os teus brios.»

, Nenhum governo, nem o que hontem ca- hiu, nem o que vae succeder-lhe, nem qual- quer outro inventado pela catastrophe se atre- veria a dizel-o, sob pena de ouvir do paiz esta resposta cruel :

Sangrámo-nos em nossas veias, para con- quistar a Liberdade ; á sombra d'ella todas as conquistas se tornaram possíveis na esphera do progresso. Ha perto de sessenta annos que essas conquistas, o pequeno numero realisado, tem servido para occultar os mais torpes e mi- seráveis abusos de administração. Tudo vio- lastes, tudo corrompestes. Fizestes da ignorân- cia do povo a base da sua condescendência, faltastes ás vossas promessas, vinte e quatro

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horas depois de á sombra d'ellas haverdes conquistado o poder. Nem a industria, nem a agricultura, nem o commercio, nem a instruc- ção, nem a civilisaçào colonial, nem o exer- cito, nem a armada tão vinculados á honra da pátria vos mereceram attenção, fora dos intuitos exploradores. Arrastaste-nos á beira da voragem e pedis hoje mais o extremo sacrifício. Não tendes direito a exigil o de nós e não temos o direito de fazel-o cegamente, sem ultraje á simples dignidade da intelligen- cia humana !

E, todavia, os factos precipitam-se, e sacri- fícios novos teem de ser impostos. Devem ser acceites }

Pezem bem a responsabilidade perante a pátria os que houverem de dizer Não !

Nào se esqueça o apuro de todas a respon- sabilidades, se nos erguermos até concedel-os !

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1

190.3— 1904

VARIA

I

Publica uma revista parisiense um curioso inqtcerito sobre a Morie^ do qual o Jornal do Commercio de Lisboa extracta algumas con- sultas, traduzindo-as e annotando-as. Não fica- ria mal aos descendentes de Affonso d'Albu- querque, do Gama, de D. Joào de Castro, etc, mais do careca D. Anna, abrir sobre o assum- pto um inquérito portuguez. Se o fizerem, contem com o meu subsidio.

No entanto, ouçamos o que dizem os ou- tros :

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* *

Tem pena de morrer} E porquê} tal é a formula da revista. O francez Paul Adam res- ponde, com uns visos de atarantação :

«Eu não teria pena de morrer, se não se tra- tasse de abandonar o que a vida nos concede de agradável, coisa rara entre a multidão in- ventiva das contrariedades. Mas não tenho mais confiança na morte do que na vida. En- trevejo uma série de metamorphoses microbia- nas, uma divisão infinitesimal e penosa das mi- nhas faculdades em multidões de bacillos e de vibriões, que, por sua vez, hão de soífrer, pa- decer, esperar e ter decepções, em proporções Ínfimas e egualmente intoleráveis. Por outras palavras, a morte não me parece prometter o repouso, o nada, mas uma absurda e obscura palingenesia, cujas differentes estações me in- quietam. Aqui, sei ao menos o que me espera, os contratempos materiaes, os trabalhos sem

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intervallo, a hostilidade dos amigos, o ódio dos adversários, os cálculos dos que me rodeiam e o desprezo que tenho pelos meus esforços inefíicazes. Mas, depois? Não será peior ainda ? A sciencia responde: Provavelmente.»

A isto, o Jornal do Commercio^ que eu em muito considero, oppõe o seguinte :

«O facto de não nos recordarmos de uma existência anterior e de não podermos compa- rar, pois, o estado presente com os seus succes- sivos não impede que sofframos todas essas dores que nos affligem, e fraca consolação é não as podermos comparar com as que soffre- mos no passado.»

. . . Com o devido respeito, melhor fora, por mais concludente, ponderar que a Sciencia não tem o direito de emittir juizo sobre o que está (?) para além da Morte. Sabe tanto d'isso como a Ignorância, e bem lhe basta arranjar remé- dios contra a Morte quando ella tem remédio.

O Paul Adam suppondo e publicando hypo- theses para terror de outros atarantados, per-

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de excellentissima occasião de affiirmar abso- luta modéstia e relativo sangue frio. Tenho da familia de tal fréguez.

Quanto a achar o Jornal do Commmercio^ uma fraca consolação não podermos comparar as dores dos diversos períodos^ quero susten- tar para meu uso que é essa a verdadeira con- solação. A morte separa o meu espirito d'esta carga d'ossos, de músculos, etc, a qual carga apodrece, como podem verificar os que temem prolongação de soffrimentos physicos. Mas ha- verá talvez prolongação de soffrimentos mo- raes correctos e augmentados ; ora esses sof- frimentos, se existirem, não serão os que me causticaram n'este mundo: nem os mesmos ódios, nem as mesmas traições, nem o contacto ou a vista dos mesmos idiotas, ou patifes. E, portanto, a dar-se vida nova^ embora de novas dores, que me importa, a mim^ o que virá a soffrer o meu espirito tranformado n'outro eu^ Tanto quanto me importa o que soffreu o meu espirito antes de vir a este mundo.

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Bem esperto será quem, admittida a hypo- these de o meu espirito haver existido, no sé- culo XVI, no corpo de um judeu morto nas fogueiras da Inquisição, me despertar o te- mor de no anno de 2000 eu vir a ser enforca- do como assassino. Que me importa o que suc- cederá ao eu do século XXI, se eu não tenho a mínima ideia do que fez e passou o eu do sé- culo XVI?! Sob tal posto de vista sinto-me consolado previamente da minha inevitável sahida d'esta scena, e recommendo aos velhos como eu que se consolem com a ideia que ahi lhes deixo. Os rapazes não a arranjariam melhor.

Anatole France reproduz do grego Euripi- des:

«A vida dos homens está cheia de dores, e as suas mágoas não acabam nunca. Mas essa

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outra coisa, seja ella qual for, mais desejável que a vida, está obscura e occulta debaixo de nuvens e nós amamos sem sizo a vida que bri- lha sobre a terra, porque não conhecemos ou- tra e porque as coisas subterrâneas nos não são reveladas. Estamos sendo agitados em vão, por mentiras.»

Como os pensadores são banaes quando cha- mados ao tal assumpto! O medo, mais ou me- nos disfarçado, surge das divagações humorís- ticas e das conjecturas pataratas, no inquérito da revista parisiense. Um, Jean Lorrain, diz:

«Não ha duvida que teria pena de morrer.

Porque ?

«Porque gosto da vida e porque se é sem- pre vingado d'aquelles a quem se viver.»

Deve ser aífectação de maldade; mas está abaixo da questão.

Outro, Nahain, diz :

«Eu de morrer digo o mesmo que de mu- dar de governo ou de criado: a gente sabe o que tem e não sabe o que terá. »

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Todo o espirito do meu barbeiro I Mas oiçam ainda outro humorista. É Royer :

«Teria pena de morrer, porque provavel- mente encontraria no outro mundo um certo numero de sujeitos que tenho procurado evi- tar cuidadosamente n'este.»

Quer dizer, tudo isto, que nunca pensaram no assumpto grave^ até á hora em que a Revista os consultou.

* *

Aqui está um, que é humano : Lucien Des- caves. Diz assim ;

«Se teria pena de morrer.? Pudera! Porque.? Porque tenho três rapazes e não quereria ir-me embora sem lhes ter dado, depois da vida, o viatico necessário para lh'a tornar pouco mais ou menos supportavel !

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Afinal, toda a esperança nobre/sem comba- ter a duvida, existe n'um verso de João de Deus, verso que eu gosto muito de recitar a sós, mas talvez pela melodia :

Nào se é 710 fim de tanta magua.

II

A propósito do supplicio de Gomes Freire o nosso grande e desventurado patriota, dei-me hoje a pensar na malograda conjura- ção de Minas Geraes em 1789 e no illustre e desgraçado patriota José Joaquim da Silva Xa- vier, o Tiradentes^ suppliciado pelos Portu- guezes, por accordão d'uma torpissima alçada, quando iniciava a obra da libertação e inde- pendência nacional. Como o nosso Gomes Frei- re, o Tíradentes é um martyr e um predecessor.

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Fructiíicou lá, como entre nós, o terreno libe- ral, regado pelo generoso sangue dos patrio- tas. Não o esqueçamos, as victimas do Portugal de hontem, quando choramos e saudamos a memoria dos nossos martyres da Patrial

Morrer é ser iniciado diz uma Anthologia antiga. Devemos pensar modernamente e hu- manamente, que a grande iniciação a única realisavel, a da Vida está no rigor das con- frontações. Nem para melhor a Historia. E assim poderemos vêr que ao lado de cada pa- gina de Oppressão está uma pagina de Expia- ção. Não são precisamente os individuos cul- pados quem soífre as reprezahas do vagaroso mas implacável Destino. Quem soífreu foi a Humanidade, na Violação dos direitos do Ho- mem : tal victima não registra, para saldos de

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contas, nomes de indivíduos : não se apressa ; cae a fundo, implacavelmente e husperada- mente.

Este adverbio é uma condemnação da in- telligencia humana. Tomamos nota de uma di- vida pessoal ; mas uma nação esquece as suas dividas ao formidável credor á Humanida- de, que ultrajou.

A Historia da conjuração Mineira é um hor- ror — desde a traição e a espionagem dos na- turaes infames, até á crueldade da mãe-patria. Acabo de relêl-a nos estudos do escriptor bra- zileiroj Norberto de Sousa e Silva; não falta á narrativa, aliás calorosa, um protesto contra o sonho de desaggregaçào republicana dos con jurados. A desaggregaçào em que o escriptor brazileiro antevia cataclysmos anarchicos, era então, em 1792, o sonho dos immortaes re-

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Yolucionarios que em França se chamavam Vergniaud, Guadet, Brissot e todo o luminoso partido da Gironda. Chamava-se Federação.

No cadafalso morreu o sonho, com os so- nhadores. Triumphou o unitarismo de Rous- seau e do seu filho bastardo Robespierre. E n*esse dia tornou-se possivel Napoleão !

Os Estados-Unidos do Brazil tornaram rea- lidade o sonho de Tiradentes. E sem anarchia, nem hypothese de surprezas. . .

III

Ante-hontem foi sepultado o Carlos Jorge^ meu condiscípulo em 1860 {ha 4J annos) no collegio de Rademaker, em Campolide. Mor- reu perto dos 60 annos d'edade, sendo um amanuense e um mestre de cerimonias, e respeitado por todos os homens de bem. O meu Carlos Jorge, de quem fui amigo (kirante 43 annos, era a Dignidade. Pertencia ao partido

NO COUSEU 4

5<í>

Legitimista e era sinceramente catholico. Ain- da bem que morreu entre amigos e sem priva- ções ! Honra á gente do seu partido !

Não me esqueço de que, ha tempos, tendo eu publicado no Jornal do Commercio um ar- tigo em defeza dos créditos pessoaes de D. Miguel, o Carlos Jorge me agradeceu, com as lagrimas nos olhos, a minha attitude. Foi ao Arco de Santo André, uma manhã, que elle me disse : «Hontem na Nação ^ disse o Fernan- do Pedroso : « Aquelle Silva Pinto, apezar dos seus defeitos, sempre mostra que é filho de seu pae.»

Fez-me bem aqúillo, apezar do ponto de vista politico.

Escreve- me um brazileiro reconhecido :

«Disse V. bem, quando citou os Girondi-

nos, a propósito do Tiradentes ; mas esqueceu-

Ihe notai>que Vergniaud e os outros da Giron-

da foram para o cadafalso cobertos de apupos

51

do povo francez ingrato e vil emquanto que o Tiradentes foi acompanhado pela dôr de um povo por quem se sacrificara.»

... Eu lhe digo : O historiador da Conju- ração Mineira^ J. Norberto de Sousa e Silva, escreve no seu livro sobre o assumpto (pag. 412), referindo-se ao supplicio do heróico Ti- radentes :

«Parecia que vergavam as janellas, com o pezo das mulheres e creanças que suppor- tavam, rica e luzidamente vestidas/como se se tratasse de uma grande festividade . . »

Por aqui se que os patriotas brazileiros assistentes nada ficaram a dever aos de Paris. E quer isto dizer que o povo tem de ser servido sem restricções nientaes.

IV

Traz-nos a imprensa franceza noticia de no parlamento, em França, se hav^er discutido.

52

com muita risota, o furor de condecorações n'aquelle paiz, furor de ostentação e de con- cessão , >

E' um dos assumptos que mais me irritam, e eu explico porque. Houve tempo, e não vae longe, em que eu nutri a ideia de ser condeco- rado — com a Legião d'Honra. da terra. . . nem por graça ! Um dia Sarah Bernhardt to- mou a seu cuidado obter-me aquella delicia, e, pouco tempo depois da promessa da Maior de Todas, eu tive, em consciência, de escrever- Ihe, pedindo-lhe que se dispensasse de me obter aquillo et pour cause.

* *

Fiquei desesperado, pois que não vendo eu, na terra, coisa decorativa que me seduza,

53

esperava o meu fundo de creancice o que existe em cada homem sombrio que a Fran- ça tão decorativa e foliona, me fornecesse uma fitinha vermelha . que eu usaria em casa, pelo menos. E vae d'ahi, rebenta-me a noticia de ter sido agraciado pela Legião d'Honra aquelle idiota^ mais aquelle troca-tintast mais aqtielle . . . Ora, pois, á ordem e na decência !

. . . Bem me dizia meu pae: «Nunca has de ser nada neste mundo Tinha razão o ve- lho pratico. Hei-de descer ao coval, fugin- do ao meu jazigo de familia, para não enver- gonhar os meus parentes com o meu contacto, depois da minha morte, como os não enver- gonhei quando fomos vivos, hei de ir para o coval, sem uma condecoração e apenas com doze mil paginas escriptas, publicadas e lidas.

54

Nada mais do que esse montão de papel, con- tendo trabalho cerebral, justificará o empenho dos meus amigos de Cerva e de Mondim em fazer eri^ir-me uma estatua. Entre nós : ha de ser equestre, aproveitando-se aquelle burro que alli está e que eu não cito por da fa- milia d'elle. mais esta homenagem tola ao bom coração !

Se ainda alguém de boa e com regular mioleira houvesse de carecer e de pedir docu- mento valioso e indiscutível para se aquilatar o estado de tudo istOy o exigentíssimo caturra apanharia uma indigestão com a noticia da ses- são de hontem na camará dos pares e, é claro com a impressão produzida na opinião publica.

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Falo dos discursos dos srs. Hintze e João Ar- royo. Se este foi pródigo em ironias, parece que o chefe do governo não se excedeu em retalia- ções. Mas, emfim, ha leis de delicadeza^ conve- niências, coisas, que a bella sociedade respeita para consolador sorriso dos mysanthropos. Refiro-me especialmente ao seguinte ponto : « Se V. ex.* licença, declara o sr. Ar- royo, direi o que tencionava dizer logo. Fa- lou V. ex * em defecções do partido. fui au- tor de uma, quando v. ex.^ presidindo a um governo, que não era este, foi a minha casa, na companhia de um"col]ega seu no ministério, dizer-me que faziam completa justiça á minha Innocencia n'uma determinada questão, que acreditavam na sinceridade do meu procedi- mento, mas que se viam obrigados a mandar proceder. Limitei-me a cumprimental-os, e, quando fiquei só, chorei. . . »

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56

Vejam mais isto :

«Sussurro na camará. Algumas vozes per- guntam : O que foi isso ? o que foi isso ? Outras pedem silencio, e, o sr. Arroyo sentan- do-se,' continua o chefe do governo :

Não trata o digno par do governo actual, mas de factos passados, que foram tudo o que podia haver de mais correcto. Esse gover- no de então fez o que não podia deixar de fazer, fez aquillo a que era obrigado moral- mente . . .

«E, depois de se defender das ironias do sr. Arroyo aos chefes dos partidos, e de defen- der os ministros, seus collegas, o sr. Hintze passou a defender o governo, do ultimo perío- do do discurso do sr. Arroyo.»

Viram >

Ora, bem se importa a opinião publica com a defeza do governo ! Q que ella hoje preten-

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dia e phreneticamente reclamava era escla- recitnentos sobre os factos passados que fize- ram chorar o sr. João Arroyo. Que demónio fez o tal governo que aggravou o sr. Arroyo fazendo o que não podia deixar de fazer ! ? Bem se lhe dá, á opinião publica, que o gover- no dos factos passados fosse cruel ou justiceiro e que o actual governo mereça defecções ! O que se quer é o pratinho do escândalo, tanto mais apetitoso quanto mais depressa retirado, depois de espalhado o cheiro.

*

*

Está um dia lindo e eu não experimento de- sejo de ir gosal-o, vendo os campos dourados pelo sol. Temo que o Creador retire o sol e envie temporaes, para castigar a Humanidade. Tudo isto escurece o horisonte e desperta grande irritação por se haver nascido Mas vamos aos miúdos !

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Como pratico em lagrimas lamento que o sr. João Arroyo as revelasse no parlamento ao paiz, e em dia de ironias, i Parece que a de- claração do choro é mais uma d'ellas ! E, de- pois, não vingo comprehender porque chorou um homem novo, intelligente, rico, considera- do por toda a gente que lhe frequenta os opu- lentos salões, e convencido de que iam perse- guil-o os que a sua casa foram notificar-lhe a perseguição, com declarações simultâneas de respeito pela sua innocencia ! Não percebo. Eu, em taes casos, não teria chorado. E' bom res- peitar as lagrimas que podem servir para quando nos morre um filho. E dado que em momento de desorientação se lhes curso, é deplorável a revelação a uma sociedade que não sabe chorar, nem rir e apenas mostrar os dentes.

O sr. Hintze poderia, n'este ponto, ter sido

Em 8 de março, igo3.

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severo ; mas esquecia-me que tinha de defen- der o governo.

Decididamente, sempre vou até ao campo. Talvez Deus não reparasse na sessão.

VI

(visita do rei hespanhol)

Registrei o assumpto em cartas á Voz Publica do Porto. Como sabem os contribuintes, aquillo passou-se em dezembro do ultimo anno findo. Assim se disse :

Pois que os historiadores os de amanhã terão de recorrer á informação jornalistica de hoje, para o fim de fazerem Historia, não me parece inútil a tarefa de embargar coisas de informação pouco ageitadas, como diria o

6o

outro, aos ângulos faciaes da alma intangível... Justo ! é do Burro do sr. Alcaide.

Ora deixem-me significar-lhes que nada auc- torisou, no procedimento do nosso povo acorrendo pressuroso a vêr as festas a jul- gar estabelecida uma corrente de sympathia entre os dois povos irmãos. E' mentira. Toda a gente sabe, por estudo, ou por instincto, que se a Hespanha nos não devora, é porque não tem dentes que sirvam; ninguém ignora que ao acabarem de bombardear a Califórnia e de metter no fundo as esquadras americanas, os Hespanhoes tiveram Mvatocdintç^pensamejito na- cional:— absorverem Portugal, como medida compensadora ; e ninguém esqueceu aquillo do Imparcial^ fechando um artigo de amarguras : «Até Portugal nos lastima.»

Nem esquecem os desmandos grutescos e

6i

recentes de um jornal militar hespanhol, con- tra o monarcha portuguez ; mas perdoar isso não é bem com o povo.

O povo de Lisboa acorreu pressuroso a vêr o pequeno rei Affonso, como não deixaria de ir vêr o feroz Abdul Hamid, se o turco viesse a Portugal. E foi cortez com o visitante, por- que tomou chá em pequeno : antes tomasse caldo, lhe diria o sr. Ramalho Ortigão. Pois sim, mas não seria tão dehcado.

Quanto á leal cidade de Lisboa^ a dizer ama- bilidades, pela bocca do sr. conde d'Avila, lem- bra as amáveis coisas que ella disse, por bocca de outro sujeito que a representava, ao reiFi- lippe II de Hespanha e Primeiro da dynastia Filippinaem Portugal ; depois, com a mesmís- sima lealdade, saudou o D. João IV ; mais tar- de, foi lealmente miguelista e depois constitu-

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cional ; e hoje, nos intervallos da suja rega das ruas e do arranjo de carne exangue, para sustento dos lisboetas, a municipalidade da sempre leal dirá quantas tolices delicadas lhe convier seja a quem for, alternadamente. Que appareça o sultão da Turquia !

Resulta das ponderações, que acodem ao es- pirito critico, a seguinte conclusão : Que n'estes casos de visitas régias, o povo serve, antes de tudo, para pagar as despezas ; e acres- ce que no cortejo e mais lerias, em que abun- dam os D. Annas carecas e os coiros cabellu- dos, o povo faz, sem dar por isso, um papel importante : o de satisfeito com a marcha das coisas e amiguinho, para a vida e para a morte, de quem elles quizerem. O povo não pelo seu papel, como não sente logo que pa- gou tudo. Não protesta, mas tenho o direito

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de aanotar, pois que, se estive nas festas, é também certo que paguei.

A propósito das prendas e outras miudezas do rei Aífonso XIII, conta e commenta um jornal :

«Imagine o leitor o faustoso cortejo d hoje, descendo a rua do Alecrim, entre filas de sol- dados. No magnificente coche d'el-rei D. João V, todo recamado de ouro, vào os dois reis da Península, saudando em continência cerimo- niosa, para um lado e outro.

«Súbito a fisionomia grave do joven monar- ca hespanhol illumina-se, el-rei estende a ca- beça para a janella e insistente e eífusivamente saúda com a mão e com o sorriso.

Quem ?

Egual, outro monarcha ou pessoa real que di-

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visou ao longe ? Algum grande de Hespanha, ao menos?

«Não. Apenas o seu professor de allemão, que acaba de descobrir n'uma janella do Ins- tituto Berlitz ...»

E' eloquente o caso do rapaz a saudar o professor, encontrando-o em terra estrangeira I Mas, ha outra coisa eloquente : vem alli no Se- culo^ a propósito de uma caçada aos pombos á falta de tourada. Vejam isto .•

«N'um dos pombos que lhe pertenceram na segunda poíde^ sua magestade ao dirigir-se para a court^ disse para o nosso rei :

Yo me voy a matarlo de costas.

E, collocando-se nessa posição, atirou com o bonet para o meio da court^ dizendo :.

Ahora abran la gaiola ai pajaro.

O encarregado d' esse serviço assim o fez, mas o nosso régio hospede, ao voltar-se, não visou bem o pombo, que foi voando, ainda

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que tivesse espalhado pelo ar algumas pennas.

D. Aífonso XIII, percebendo isto, apanhou o bonet do chãoe, acompanhando a phrase com o gesto, disse para o senhor D. Carlos ;

Pobresillo ! va mismo ai pie cojito.»

. . E' de bom coração, hein ? Quanto ao pobresitOy dava ideia . . . Não lhes direi de que, em attenção ás leis da hospitalidade. Apenas, para justificar um sentimento de lastima, que me opprime, farei notar que o professor sau- dado na rua foi logo entrevistado por jornaes noticiosos, como um feliz da Terra.

Adiante !

*

Não me detenho de registrar este pensa- mento. Pondo de parte a Historia e as nossas relações seculares, que ella accusa com os nos- sos visinhos, pois que o pobre reisinho, co-

NO COLISEU 5

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mo o cordeiro de La Fontaine, ainda não era nascido, sempre lhes direi que eu não me dis- pensaria de ir vêr um visitante coroado, com representação histórica. Por exemplo, o turco Abdul Hamid, nostálgico e sinistro, ou o austriaco Francisco José, bondoso e desventu- rado homem : ambos a aguentar a responsabi- lidada do desmembramento fatal de duas po- tencias que dominaram o mundo, e ambos os monarchas com activos de formidáveis cam- panhas militares e politicas. Esses sim lem- bram ainda Solimão e Carlos Quinto, e a de- cadencia imposta pelos destinos aos dois impé- rios é ainda grandiosa e ameaçadora.

Eu iria vêl-os. Em brincadeiras de mau gosto não buscaria equilíbrio a severidade da minha velhice. . .

Agora, que se foi embora o pob recito^ se pôde tirar certa conclusão, sem aggravar as

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leis da hospitalidade. E vem a ser que a Di- vina Providencia, escora do regimen constitu- cional, como tal invocada no discurso da Co- roa, não deita gatos^ nem concerta chapéus de sol. Até o Albano da Cunha percebeu !

Chove a cântaros e ha cada vez mais lama nas ruas da sempre leal cidade. Andam atola- dos todos os snoòs^ bem como os 8o a 90 % e faz-me isto pensar em certo capitulo dos Mi- seráveis. Ora, deixem-me procurar e com se- gurança . . .

E' no IX volume de uma edição de Lisboa, de 1862, bella traducção de Silva Vieira. está o final de capitulo VI : João Valjean, levando Marius quasi morto pelos canos de Paris, ajoelha com o seu fardo, ao conseguir sahir do grande charco e depois (fala V. Hugo) :

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«Tornou a erguer-se, tremulo, gelado, in- fecto, eurvado ao peso do moribundo, todo elle escorrendo lama, mas com a alma illumi nada por extranha luz.»

Coecebe-se que o atolado de Victor Hugo era illuminado pela consciência emquanto que os atolados da Avenida da Liberdade con- tavam com a illuminação das tigelinhas do Queiroz Velloso. Cebo para a nossss deca- dência !

Quando Fontes foi investido no Tosão de ouro^ o sr. Ramalho Ortigão, registrando a ce- remonia nas Farpas^ concluia, se bem me lem- bro:

«E ninguém se riu.»

Agora nada disse o sr. Ramalho, mas nào faltou quem se risse.

... Se eu fosse capaz d'uma inconficen- cia. . .

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* * *

Na camará municipal, o sr. conde d' Ávila disse coisas, a que respondeu, entre outras, o rei Aífonso ;

«Razon dobrada teneis, sefior presidente, para recordar las tradiciones gloriosas, las afi- nidades étnicas, e la communidad de condicio- nes económicas que unem a ambos pueblos, a Portugal e a Espana, porque uno e otro, en el pasado, por su historia, y en el provenir, por su amistad cada dia mas intima, como fundada en la reciproca estimacion y mútuos interes- ses, asseguran la cordialidad de sus perdura- bles relaciones.»

. . Coisas e tal nada certas, pois que não ha amizade alguma, antes em Hespanha a idéa flxa de nos devorarem, e em Portugal a cer- teza de que o papão não tem dentes.

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Ha porém no discurso do reisinho uma coisa exacta : é quando a perceber que Portugal e Hespanha estão egualmente depennados.

. . . Eu não fui !

VII

Eu promettera, é certo, não mais fallar d'es- te assumpto, para não desgostar os deita gatos e os vendilhões de rendas; mas ascircumstan- cias estão-me impondo mais umas notas á mar- gem dos acontecimentos.

* *

Não ha duas opiniões differentes, de sujei- tos com mioleira, acerca da desorientação que faz viajar o filho da rainha Christina, dadas as condições em que se acha a Hespanha. Tor- nará elle a entrar ? E dado que entre, o que

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irá elle encorurar no seu paiz ? E* claro que ou- tros assumptos existem que mais prendem a minha attenção; mas trata-se de assumptos públicos^ bem entendido.

No entanto, leia-se o que escreve um dis- tinctissimo jornalista de Lisbo, não jacobino nem mesmo republicano. E' o sr. dr. Carneiro de Moura, no Liberal. Leiam isto :

«Hoje em Hespanha ha um partido com fortes tradições populares: é o Carlismo. E ha ema idéa nova vigorosa a Republica So- cial.

«O carhsmo é mantido pelo clericalismo, pela arislocracia e pelos grandes proprietários.

«O republicanismo é sustentado pela fome, pelos doutrinários das escolas, que os operários seguem de bom coração e de estômago vasio.

«N'esta situação a gente que rodeia Affonso XIII é o menor numero, evidentemente. Por- que, depois que se perderam as colónias e com o thesouro a dar horas, as barrigas constitucio-

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naes dão horas e gritos de protesto, porque a monarchia constitucional não pôde despa- char os capitanes-generales para Cuba, nem despachar os abogados de Madrid e Saragoça. Com isto foi-se-lhe a ultima clientella, e é de receiar que Aífonso XIII, ao regressar a Ma- drid, encontre por a guerra civil que será terrível, porque será a guerra da fome n'um paiz que se descuidou de pensar no seu futuro. «Entretanto a situação do governo de Por- tugal não é boa, porque não é nada agradável receber um hospede em tão deploráveis con- dições...»

. . . Vão porém deixar da collocação das tigelinhas e dos trics-tracs o?> patriotas que nós sabemos.

O tempo conserva-se invernoso e vae des- truindo as ornamentações dos dois patriotas.

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Mas Annibal, sem oífensa ao grande Cartha- ginez não deixará de vir para Cápua A ver o que por Id fazem os Romanos de Scipião !

Para o jantar de gala projectado estão convidados homens como D. Anna^ mas não houve meio de apresentar o único homem de letras, importante, que poderiam apresentar, pois que é empregada do Paço o sr. Rama- lho Ortigão.

Ainda então a tempo de chamar , o Alba- no da Cunha. *

D'uma gazeta :

«O sr. conselheiro Custodio Borja foi hon- tem ao Paço das Necessidades, agradecer a sua

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magestade El-Rei a sua nomeação para gover- nador geral da província de Angola.»

. . . Ao contribuinte é que não se agradece. d Bem, bem, não ha de quê.

Sendo os dias lo, ii e 12, de feriado em to- das as repartições e nos tribunaes, vamos ter o seguinte :

Antes d'hontem 6, foi domingo, hontem 7, foi dia entalado^ hoje 8 é dia santo, amanhã 9 é outra entalação ; seguem-se 10, 11 e 12 para festas, 0136 domingo e o 14 para descançar da ociosidade. Total: nove dias de patuscada ou de mandria.

E o contribuinte a suar como burro !

Um aspirante a boticário d'aldeia, diz que eu ando aqui a calumniar os vizinhos Hespa-

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nhoes, os quaes não tendo culpa dos òo annos que nós sabemos, foram sempre nossos amigos. Procure o inepto amigo das Lolas e dos Pé- pes a Carta do Padre António Vieira a D. Rodrigo de Menezes^ em 3 1 de dezembro de 1672, e leia commigo :

«A mesma Hespanha"é inimiga nossa ir- reconciliável e todos os castelhanos em nenhu- ma outra coisa teem posto a mira que o faze- rem-se senhores de Portugal. Assim o ouço nas boccas de todos e lh'o vejo muito melhor nos corações ...»

Percebeu o aspirante a boticário d'aldeia } Ora, é d 'essas preoccupações criticas que re- sultam os funestos enganos nos remédios.

Percebeu, seu patetinha } !

Os súbditos hespanhoes residentes em Lis- boa oíTerecem ao seu rei tima chapa. Está direito.

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Mas, sendo a chapa de ouro, acode pensar que a sua importância mataria a fome a mui- tos galleguinhos esfaimados, que por ahi se di- zem deita gatos.

Mas se a chapa é indispensável . . .

Mas se . . .

Cebo!

VIII

Foi em 1879 ha vinte e cinco annos. Con- versava eu, de manhã cedo, do meu quarto, para o quarto contíguo, da casa de hospedes, na rua de S. Lazaro, no Porto, com o sr. Ignacio Brandão Pereira Cabral, meu visinho. Queixava-me das causticações da vida e de que a sr. D. Maria Barbosa d' Araújo e Silva, nossa hospedeira, a quem eu devia uns mezes de hospedagem, houvesse dito, n'essa manhã, a alguém que lhe participara doença minha :

«Que morra, mas depois de me pagar !> E o sr. Ignacio Cabral, sustendo o riso :

«Ora, a desavergonhada ! viu .? . . >

n

N'aquelle momento chegou um telegramma de Lisbda, com o qual desde a véspera, me procurava por toda a parte o boletineiro. Era dirigido a Silva Pinto n'um jornal do Porto^ e expedirão o sr. Flamiaiio Anjos. Dizia-me :

«Seu pae falleceu hontem e sepultou-se hoje->

Li e fiquei algum tempo a ouvir falar o sr. Cabral, sem vingar nitidamente perceber o que elle dizia, nem o que dizia o telegramma. Su- bitamente, desatei a .soluçar.

E' que me recordava que meu pae protegera a minha infância e os primeiros dias da minha mocidade, antes que influencias extranhas lhe acirrassem repugnancias de crente e de par- tidário, contra a minha orientação. E como eu demorasse uma resposta ao meu interlocu- tor e ficasse silencioso, assomou elle á porta do meu quarto e d'alli me viu soluçante.

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79

um doido mau, justamente expulso pelo pae.

E nào foi feliz essa mulher !

Nào posso dizer-lhes o que teem sido estes vinte e cinco annos.

Mas, realmente, é preciso ter um i hiiiocc- ronte na alma para resistir. Safa !

»

Safa I lhes disse eu. E' que os meus obstáculos a Vttuer na travessia de trinta an- nos, acham-se synthetisados nas se^^uintes pa- lavras (]ue no Dia |)ublicou, o mez |)assado, o sr. Raul Brandão, litterato distincto, que nào fivjura em yakrias de matulagem e a quem é semi)re agradável chamar uph coUega'.

O que este homem {Silva Pinto) resiste ! Como elle renova o coração e os nervos ! Aon- de vae elle buscar essa mocidade e esse impeto, que nem o assalto perpetuo da quadrilha nem

Wr^''-i^'>ií^'-^V:iíKs2^-i-~'V)íiliiYáííCã\i\f^^',.SM^n^^^^

78

Interrogou-me em sobresalto de curiosidade e eu mostrei-lhe o telegramma.

Coitado ! exclamou com a respectiva cor- tezia. E logo, indo á porta da escada :

O* D. Maria !

Diga !

Faz favor r E' coisa séria. Veiu correndo, a D. Maria.

E' aqui o sr. Silva Pinto. Morreu-lhe o pae.

Coitadinho ! Ora deixe : não esteja assim a desesperar-se ! Todos havemos de ir, e o se- nhor sabe d'isso melhor do que eu I

Não sabia tal: sabia o mesmo. E a D. Maria, baixinho, para o sr. Cabral, mas de modo que eu ouvisse :

Tem muito bom coração ! Veja o senhor: elle e o pae viviam de mal e o pobre rapaz ti- nha soffrido muitas injustiças. Pois senhor, olhe como elle soífre I

Annos depois, vim a saber que a D. Ma- ria me indicava a todos os hospedes como

79

um doido mau, justamente expulso pelo pae.

E não foi feliz essa mulher !

Não posso dizer-lhes o que teem sido estes vinte e cinco annos.

Mas, realmente, é preciso ter um rhinoce- ronte na alma para resistir. Safa! . .

Safa ! lhes disse eu. E' que os meus obstáculos a vencer na travessia de trinta an- nos, acham-se synthetisados nas seguintes pa- lavras que no Dia publicou, o mez passado, o sr. Raul Brandão, litterato distincto, que não figura em galerias de matulagem e a quem é sempre agradável chamar um collega :

«O que este homem [Silva Pinto) resiste ! Como elle renova o coração e os nervos ! Aon- de vae elle buscar essa mocidade e esse ímpeto, que nem o assalto perpetuo da qnadrilha nem

8o

o vasto panorama da existência, a que elle vem assistindo, nem as lagrimas que a occultas terá chorado, quebrantam e ensinam a saber vi- ver "i-*

. . . Não sabe ? Nem eu.

Insiste o Jornal da Noite em. referir-se á monstruosidade (vá o euphemismo brando) do busto do conselheiro Ennes no theatro de D. Maria. E eu não desisto de acompanhar aquelle excellente jornal. O conselheiro Ennes, author da reforma destruidora do Theatro Normal, da ridícula reforma que fez insta- lar no theatro de D. Amélia os principaes ar- tistas portuguezes, collocado á beira de Gar- rett e de Emilia das Neves, é para a gente pôr um apito á bocca : tal é a immoralidade. Não tenho a menor duvida em que o desaforo irá por diante, mas eu hei-de commentar em por- tuguez.

8i

Diz o y ornai da Noite :

«Quem oiça fallar pelos cafés e pelos thea- tros os illustres escriptores que tomaram a si a nobre missão de todos os dias fornecer ao respeitável publico, pela módica quantia de IO réis, o que ha de melhor em opiniões so- bre os acontecimentos da vida .portugueza, terá extranhado forçosamente que esses senho- res não digam palavra nas suas folhas, sobre a questão do busto, quando nos perdem occasiões de, pelos cafés e pelos theatros, dizer que a inauguração do busto a António Ennes é muito simplesmente uma pouca vergonha.»

. . . E deriva-se o Jornal da Noite a con- clusões interessantes, partindo de uma coitspi- ração de silencio de que desejariam tornal-o victima. Não ha perigo. Toda a gente hoje aquelle jornal.

NO COLISEU 6

82

*

Conspirações de silencio e de elogio mutuo prevaleciam, ha perto de quarenta annos en- tre nós, até quando os iconoclastas da Questão coimbrã, antes, e depois Luciano Cordeiro e um grupo de rapazes seus companheiros, der- rubaram os ídolos e os processos. Deu traba- lho aquillo, e quem diria aos trabalhadores que um dia, mais tarde, hoje, as conspirações de silencio e as de elogio mutuo estariam de mais desaforadas que nunca !

Mas, não deixa de prevalecer esta verdade, que é antídoto infallivel : não ha silencio nem hostilidade activa que consiga prejudicar o que tem valor, nem a berrata encomiástica de

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colligados dará vida ao que nem tem valor algum.

Por que rasões de serviço publico me obri- gassem hoje a demorar-me em certa reparti- ção do Estado, pude ver que algumas dezenas de cavalheiros pediam bilhete para a recita de gala em S. Carlos^ como quem pede a salvação. E como alguns ameaçassem o governo^ eu con- tei, á vista d'esses o seguinte :

Era ministro do reino Barjona de Freitas, quando um bello dia lhe entrou no gabinete um deputado da província, dos mais estúpidos e grosseiros. Exaltou-se o bruto, logo que viu o ministro e berrou-lhe :

«Ou V. ex.* me faz o que os meus eleito- res reclamam, ou eu atiro com a albarda ao ar !>

E Barjona :

Não faça isso : que eu não sei montar em pêllo ! . . .

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... O que estes merdas por aqui fizeram com os tric-tracs e as tigelinhas !

X

-se nos jornaes que o sr. Cavalheiro foi dizer de sua justiça ao sr. Teixeira de Sousa a propósito do que ahi se disse acerca d'elle commissario .régio junto da Companhia dos Phosphoros.

Mas que diria aquelle commissario áquelie ministro } E que responderia tal ministro ao commissario ?

Estamos a ouvir o sr. Cavalheiro a protes- tar pela sua innocencia e o sr. Teixeira de Sousa, um especialista, a dissipar as amargu- ras do sr. Cavalheiro.

Todos os interesses se hão de conciliar ; os

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da Companhia, etc. Todos ; para isso é que se paga ao ministro, mais ao outro.

Vejo numerosos cálculos acerca do preço dos phosphoros. Parecera-me errados os cál- culos. Se eu, em uma caixa que se suppõe ter 40 phosphoros, apenas consigo aproveitar dez, sae-me a um real cada phosphoro. E, se isto não está certo, ainda eu seja burro, como o jor- nalista Mata-piolhos !

Mas emfim, expiam os Portuguezes d'hoje as perfídias e as violências dos nossos maio- res : sem credito, sem dinheiro, troçados e co- midos por diversas Companhias peiores do que as do Du Guesclin, bebendo zurrapa, co- mendo pão sem farinha e carne sem sangue e gozando as delicias de uma instrucçào publica com o saldo negativo de 80 a go p. c. Estão

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vingados os manes das nossas victimas do Oriente.

Certo foi achar se, ha vinte e quatro horas, ameaçado o governo da sahida de algum ministro ; mas tudo se compoz e os varões que arregalavam o olho para alguma pasta, D. Anna e Albano da Ctmha^ á falta do conde Bligot recolheram ás respectivas privadas. Tampa em suas aspirações !

A propósito. Informa o Diário de Noticias :

«P sr. conselheiro Pereira e Cunha não vae para o Cairo, mas sim para o tribunal de Man- sura, d'onde poderá ser promovido por anti- guidade, para os tribunaes de Alexandria ou d'aquella cidade.»

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... De modo que D. Anna ficará sendo um sócio correspondente das Pyramides do Egy- pto, até que o coiro ex-cabelludo atinja o pon- to a que se refere o cantor do Amigo Banana ;

E alisava sem custo o cabello^ Se não fosse careca de todo.

Não lhe faltarão esperas na gare ao ke- dhiva ! . . .

XI

Acabava eu de me lamentar por falta de as- sumpto, quando li n'uma folha de Lisboa que não faltam assumptos e que sobeja o calor, o que determina errados queixumes. E, justifi- cando, mais diz o jornal que para nos dar que fazer temos guerra no ultramar, movimen- to repubhcano em Hespanha, combinações an- glo-allemans sobre a Africa Occidental, machi- nações dos syndicateiros em Portugal, etc.

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E eu digo ao jornalista o benemérito re- dactor do Imparcial^ que hoje se chama O Li- beral^ o sr. dr. Carneiro de Moura : Não ha alli assumpto para discutirmos, porque tudo aquillo é da FataHdade Histórica, irreductivel, inalterável, desde os pretos e mulatos que se revoltam até aos aos syndicateiros de qualquer côr, ou de furta-côres e o resto.

Andando, apesar de tal calor !

Nos últimos dias, supponho que, por falta de melhor assumpto, teem vindo á suppuração, na imprensa, umas tentativas para beneficiar os nossos homens públicos em geral, con- demnando a tendência nacional para a male dicencia. Não ha duvida que o Portuguez é dos que péccam por lingua contra a sua pátria e os seus patrícios, mas ainda agora eu lia no livro de Balzac Grandeur et Décadeuce de César Birotteati^ que, em França, usam de-

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nominações estrangeiras applicadas a artefa- ctos e géneros nacionaes, porque os Fran- cezes não podem supportar as coisas do seu paiz. E* de Balzac, um que conhecia o mundo, e quero eu concluir, na citação, que não somos originalmente desdenhosos para com 2. prata caseira.

Agora vejo no Popular^ na corrente da de- feza dos homens públicos, em referencia ao que vae pelas nossas sugadissimas colónias :

«... E no funccionalismo nem todos vão para ganhar dinheiro e fazer fortuna de- pressa. Seria uma injustiça revoltante não re- conhecer que na alfandega, nas differentes re- partições e commissões, etc, ha empregados de reconhecido zelo e probidade, que fazem por ganhar a sua vida honestamente, traba-

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Ihando, e accumulando quando podem alguns vinténs, nunca uma fortuna para lhes ajudar a viver mais tarde na metrópole, onde chegam geralmente combalidos, perdida a saúde e a juventude, cheios de rheumatismos e impalu- dismo.

«Tem havido e ha funccionarios dignos e merecedores de toda a confiança e de todo o elogio, como também tem havido verdadeiros bandidos e gente de fracos escrúpulos ou de consciência elástica, até mesmo entre gover- nadores. >

. . . Mas, como a impunidade absoluta tem acompanhado a conquista de fortunas por par- te dos bandidos e dos relaxados, como não faltam depoimentos de homens que viram trabalhar aquelles heroes, como não dei- xam de voltar, uma, duas e vinte vezes, para os dominios das grandes falcatruas os que enriqueceram e se desacreditaram, sempre que elles querem voltar, segue-se que a opinião

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publica, para não se afastar muito da verdade, condemna todos, ou quasi todos.

E' muito justa a hesitação escrupulosa em distribuir censuras e condemnações ; mas, se querem equidade no juizo publico, usem d'ella os que administram os bem públicos. Se não querem que a suspeita se generalise, não se- jam relaxados, nem condescendentes, e não deixem de pé, como único recurso do racioci- nio, esta ponderação lamentável :

Todos são muito honrados, mas o meu capote falta-me !

XII

Escrevo-lhes doente, de cama. Estou aguar- dar o leito como dizem os Albanos da Cu- nha. Que diabo tenho eu ? E' o caruncho da velhice antecipada. Descancem os médicos e os pharmaceuticos, que os não incommódo me desarranjo sósinho.

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Pouco disposto me achava a palestras, quan- do n'um jornal de Lisboa leio esta noticia circular :

«Pela uma hora e meia da noite de hontem, quando o sr. José Munoz Dieguez, caixeiro da conhecida casa de venda de vinhos da rua Paiva de Andrade n.° 4, pertencente ao sr. E. Covas da Costa, fechava o estabelecimento, reparou que atraz da porta, junto aos taipaes, se encontrava um menor escondido.

«O sr. José Munoz Dieguez interrogou o re- ferido menor perguntando lhe o motivo por que aUi se encontrava, respondendo-lhe este que se chamava Carlos dos Santos, de 9 annos de edade, morador no palácio do Conde de Redondo, e que, se estava alli, era porque ti- nha sido mandado por um irmão, no intento de furtarem alguma cousa.

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«Quando o sr. José Munoz Dieguez estava interrogando o referido menor, notou que na sua rectaguarda se mechia qualquer cousa, e, olhando com mais attenção, viu que era outro menor, de nome Alberto Joaquim Rosa, de 9 annos de edade, morador na rua do Jardim á Èstrella, 43, loja, que egualmente declarou a este senhor que estava alli escondido esperan- do que fechassem a porta, para furtar qualquer cousa.

«O sr. Dieguez, em vista do facto, fez quei- xa do caso ao guarda 521, que próximo an- dava de serviço, e que prendeu os menores, conduzindo-os para o governo civil, sendo es- tes mais tarde enviados para o juizo d'instruc- ção criminal.»

... O auctor da noticia escreveu no alto da mesma : A infância criminosa. Sub-enten- de-se : E a sociedade innocente.

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Innocentissima ! Mas os dois aspirantes a bandidos hão de saber como ellas mordem. Se pensavam que era ter fome, abandono e indicações para o furto, aos 9 annos de idade, e ficarem-se rindo, esfarrapados, famintos, e gelados, em meio de uma sociedade conforta- da e respeitável, enganaram-se indecentemen- te. As casas de Correcção estão cheias, com dotação insufíiciente, mas está alli o Limoeiro para receber a brejeirada e verminal-a na al- ma e no corpo. o dizia um reverendo, no Crime do padre Amaro. «Cada um come como quem é.>

Eu nada remedeio, e estou para aqui a amar- gurar as boas almas. Pois sim, calemo-nos . . . deixemos correr . . .

Pois sim !

95 XIII

Toca a fechar o anno ! E permittam os bon- dosos céos que o anno novo 1904 venha a sahir mais orientado : que este foi muito ma- luco . . . fora o resto !

Para lhes dar uma ideia do estado d'estas cabeças, peço-lhes que escutem esfas historias:

Estávamos, hontem, sentados, n'uma repar- tição publica, esperando cada qual a sua vez, uns cinco ou seis cidadãos, todos nós silencio- sos e ouvindo cahir uma chuva torrencial, quando um dos circumstantes quebrou o si- lencio, para me dizer :

«E' impossível que v. não esteja pensan- do em coisa alegre. o vi sorrir duas ou três vezes. >

Eu expliquei :

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* * *

E' que vi realisar-se a solução de um pro- blema scietinfico, que me traz, ha mezes, atra- palhado.

M

E' a conservação da agua morna em boti- jas.

Todos desataram a rir. O caso não era para tanto. Eu accrescentei :

E nos intervallos pensava n'este absurdo linguistico: Por que não ha de thesouraria ser fabrica de tkesouras?

*

Mas em verdade, o que me fizera sorrir fora

o segumte :

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*

*

Encontrara eu, logo pela manhã, um cava- lheiro, que me dissera o que vae lêr-se :

Estou desempregado; se v. precisar de mim . . .

?

Para professor na Correcção.

Talvez seja preciso. Onde mora você?

Na rua do Arsenal, 6o, no ultimo andar.

Conheço a escada. Tem no i.° andar um laboratório. {E para analyse de vinhos e azei- tes, aguas mlneraes^ etc.)

Emendou o professor :

E' uma casa de commercio. Vende azeite e vinagre, em garrafinhas ; mas faz po\iço ne- gocio.

NO roíISEU

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Isto motivara o meu primeiro sorriso ; o se- gundo foi determinado por este easo :

Contou-me o meu velho amigo e camarada Fernandes Costa que, ao passar pelo theatro do Rocio, na occasião em que sahia do espe- ctáculo uma multidão de apreciadores de tal casa, ouviu uma menina de familia burgue- za, pessoa de seus 15 annos dizer a uma espécie de pães :

Agora, para eu ser feliz, me falta ver o Nun xe xabe !

Por estas e outras, julgára-se auctorisado a dizer, um dia d'estes, um dos nossos politicas: «O povo está á altura do resto. Come do que gosta.»

99

. . . Come o que vós lhe daes e está á altu- ra em que o haveis posto, grandes patifes !

XIV

A propósito da odyssêa do sr. João Franco, H algures (?) entre diversas considerações po- liticas a. seguinte :

«Pedem um homem. Pois é preciso que appareça um povo ! »

E' bem observado, e não fica por satisfazer o pedido. Foi justamente ao acabar de me- dir a olho a profundidade de tal coisa, que eu tive de entrar (hontem) n'uma repartição se- mi-official, onde assisti ás seguintes scenas de- monstrativas:

Entrou o meu amigo Ego e dirigiu-se a um empregado de secretaria, a quem entregou uma conta, para ser verificada e paga. Obteve em resposta :

100

*Fica entregue. Pode vir depois.»

Réplica de Ego :

Não se diz Fica entregue^ senão a um crea- do digno de confiança. Ora, eu não sou creado, nem ha motivo para ter inspirado confiança a quem me não conhece. E ao Pode vir depois^ respondo : Quero que me paguem já. As vi- das estão curtas e não ha tempo para palestras emquanto o serviço espera. Vamos : pode verificar isso e dar- me um recibo, para eu as- signar, e receber a importância d'elle. Não perca tempo !

Certo foi que ao termo de cinco minutos recebia o Ego o seu dinheiro, com muitos e respeitosos cumprimentos.

Segunda scena :

Desço para a rua ; á porta, uma espécie de servente sentenças, tomando a passagem.

lOI

Na rua agglomera-se povo, que pretende en- trar — para expediente. A natural timidez dos infelizes abstem-se de abrir passagem, até que uma varina diz ao paspalhão :

«O senhor licença E elle :

Você sabe com quem está falando, mu- lher do diabo !?

* * *

Um povo } Bem sei que é preciso, que é in- dispensável : mas ha de vir em estado moral e mental e physico de dispensar todos os tyrannos.

E de dispensar- se de tyrannisar.

XV

. . . Quando menos se espera, eu corto rela- ções com o sr. Jagodes. Parece immodestia minha : quando menos se espera. Quero eu di-

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zer que nem y^^í?^?^^ esperava similhante rom- pimento, nem os nossos conhecidos admittiam similhante hypothese. Vamos a vêr se al- guém sinceramente a admitte.

Fora o caso que o Jagodes commetêra uma indignidade ... ou antes uma vulgaridade pou- co digna, mas de absoluto foro domestico, coisa para caçar um casamento. Nada tinham com o facto os conhecidos de Jagodes^ a não ser os que houvessem de exultar com a prés- pectiva de lhe apanharem alguns jantares. Nem Jagodes se julgava obrigado a satisfações pelo seu acto. Nem eu jamais poderia nutrir a ideia de lhe pedir sombra de satisfação.

103

*

*

Mas, ha dias, era perto da noite, estava eu no Chiado á porta da livraria Bertrand vendo os que não passavam, e desacertei em olhar attentamente para um sujeito que subia a rua. Era o Jagodes : tinha casado rico, ia cercado de amigos que o escutavam com caras copiadas da do Albano da Ctmha. Elle, abar- rotando de novissima consideração publica, le- vava a cara, um tanto atrapalhada e surpreza, de um gato a fazer caca . . .

Não vingo classificar os sentimentos e os pensamentos que durante um quarto d'hora trabalharam em niim^ para dar o resultado que vão ver. Lembrei-me do tal caso^ em que se firmara o casamento do Jagodes^ mais dos com- mentarios amargos que o caso despertara en- tre aquelles cortezãos de ultima hora, mais de uns homens que eu tenho visto, na minha travessia, agonisar, morrer e apodrecer no en-

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tulho da dignidade própria e do desdém alheio e resolvi . . .

* *

. . .Ainda agora, por volta do meio dia, en- contrei-o na Arcada do Terreiro do Paço. Di- rigia-se a mim, de mão estendida. Eu parei e disse, batendo deliciosamente as syllabas :

«Eu não o conheço, nem quero conhe- cel-o.>

E virei-lhe costas. Arre !

XVI

Escreve-me, de uma cidade do Minho, um amigo meu da mocidade : era elle sargento e é, hoje general reformado. Eu conservo-me em activo serviço, mas não sou general. Ha apenas entre nós, esta approximação : a da velhice, com a da saudade.

105

Diz-me elle ;

«Tenho seguido as tnas voci/erações con- tra, a Guerra. Não tens base, a não ser de- vaneio de philosophos ; e, ainda assim, cita-me os teus autores

E eu respondo-lhe :

A denominação p/íilosopàos, adoptada por um militar partidário da Guerra, vem alli, en- tende-se, como declamadores^ pataratas^ coisa assim. Ora, eu cito ao meu velho amigo o pa- recer de um homem que foi na arte militar al- guma coisa mais do que . . . nada de allusões aggressivas ! Falo de Napoleão.

Ainda nos primeiros tempos da sua carreira, em plena actividade e em plenas illusões, co- nhecido ainda por o general Bonaparte, ao serviço da Republica Franceza, escreveu elle (ii germinal, anno V) ao archiduque Carlos, o famoso general austríaco, seu adversário :

io6

«Os militares bravos fazem a guerra e de- sejam a paz. Porventura não matámos ainda bastante gente, nem fizemos á triste humani- dade bastante mal r Vamos começar uma sexta campanha e matar mais alguns milhares de ho- mens ?

«Se da proposta pacifica, que eu tenho a honra de apresentar-lhe, sr. general em chefe, pudesse resultar a conservação da vida de um único homem, eu dar-me-hia por mais fe- liz com a coroa civica resultante do facto do que com a triste gloria dos successos mili- tares.»

. . . Ninguém dirá que Bonaparte, victorioso e quasi certo de continuar a sel-o, escrevia isto por motivo de prudência.

Ouça o meu amigo, porém, a opinião do mesmo homem no fim da sua carreira, pra-

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tico dos homens e dos acontecimentos. E' em Santa Helena que o imperador Napoleão diz : «Que de mal a Inglaterra e a França fi- zeram á humanidade e á civilisação europeia, porque a escola de Pitt predominou ! Com a escola de Fox ter-nos-hiamos entendido e fixado o descanço e a prosperidade dos povos. Em guerra, repito que de mal fizemos, em tro- ca do bem possivel

N'estes e n' outros pareceres, de philoso' phos e de homens da guerra, apoia Emile de Girardin o seu trabalho Le désarniement eti- ropéen^ escripto e publicado em 1856 muito antes que a Paz fosse apregoada pelo . . . Czar Nicolau II.

io8

XVII

A folha ingleza Daily Express insere o se- guinte.

«Correspondente Express Lisboa, quarta- feira, agosto 17.

O navio inglez Morec^ que andava pescando na costa de Portugal, levava, propositadamente um piloto portuguez.

«O navio foi immediatamente, rodeado por urría grande quantidade de pescadores, que o. atacaram, na intenção de o roubar.

«Felizmente, um navio de guerra, ancorado a algumas milhas de distancia, foi avisado do que succedia e veio logo em seu auxilio, fazen- do dispersar os pescadores.

«O Morec não soffreu nada, e continuou a sua viagem na maré seguinte.

«Não é a primeira vez que barcos ingle- zes teem sido cercados e atacados pelos portu- guezes.»

109

*

* *

Um jornal, que transcreve as infâmias supra, limita se a chamar imbecil ao reles borrachão ou coisa peior que de Lisboa informa os de Londres. E depois explica a situação.

E' fácil de explicar. Os piratas bêbedos de Inglaterra, que nos tractam como riffehos^ em suas gazetas, são justamente quem de ha muito vem pescar com redes de arrastar, em aguas portuguezas.

Fartos de pedir soccorro, inutilmente ao go- verno, os pescadores portuguezes, roubados pelos piratas bêbedos, foram-lhes ao pello. D'ahi, a cólera em gazetas.

Bem fazem os cruzadores russos, continuan- do a revistar aquelles suspeitos ou peores do que isso !

lio

*

Pondera o Popular :

«E' indispensável que o sr. ministro da ma- rinha tome enérgicas providencias, mandando policiar a costa por mais algum navio de guer- ra, em melhores condições que o Lidador^ que com um andamento reduzido, e quasi desar- mado, para pouco serve, de forma a impedir que os barcos estrangeiros venham pescar em aguas portuguezas, roubando o sustento dos nossos pescadores e lançando, ainda por cima, o descrédito sobre o paiz, como nos casos a que nos referimos, graças a um corresponden- te imbecil.»

. . . E' pouco o imbecil. Diga imbecilisado pelas bebedeiras, se não ha coisa peior São el- les os bons amigos que roubam, como é de suas manhas, em ponto grande e pequeno.

III

e são elles que nos chamam piratas. Assom- brosos patifes !

Escrevem de Londres a uma folha de Lisboa:

«Oslnglezes applaudem os actuaes trium- phos do Japão, porque vêem n'elles um modo de attenuar o papel que elles fizeram na guer- ra com osBoers.»

. . . Não se cancem ! Não ha /^;í^^;í/ na His- toria para aquelles que os Boers pontapearam durante três annos na razão de dez Inglezes contra zini Bóer. E os Inglezes vencer auh atacando as mulheres e as creanças.

Os Russos, quando deixarem de ser um con- tra três Japonezes, hão de vencer sem toca- rem nas mulheres, nem nas creanças. Não se cancem os pontapeados pelos Boers ! Não ha outros !

112

XVIII

o Diário dg Noticias, de Lisboa, protege, contra a Rússia, o Japào. E a propósito me pre- ga sustos de entupir, todos os dias que Deus envia ao mundo. Ora temos uma batalha im- minente, que promette ser o final dos Russos; ora consta que os Japonezes chamaram a Por- to-Ar thur um figo.

Nem figo, nem tomate, nem final !

* *

Esta é da protecção de hoje:

«O Japão fabrica actualmente em maior ou menor quantidade tudo que ha na Europa e na America, com emendas, porque o génio d'aquelle povo leva-o a crer que nada pode- rá existir perfeito se a. sua intelligencia o não completar com ampliações ou correcções.»

113

. . . Por exemplo, mandam ir botas da Eu- ropa e da America, deitam-lhes logo solas e ta- cões ; e chamam a isso perfeição. Diabo de»ma- cacos amarellos !

E quando deixarão elles de ser tão feios, por amor da perfeição supra ?!

A propósito. Ha uns annos fez em Lisboa muitos versos o sr. Jayme de Séguier, que de- pois se lançou nos consulados. Um dia publi- cou elle, havendo guerra entre os Russos e os Turcos :

Um mar de sangue e de luto Envolve as margens do Neva, E n'isto o Czar pede um phosphoro, Para accender o seu breva. *

NO COUSEU 8

114

Mas, disseram ao sr. Séguier que a campa- nha da Rússia contra a Turquia não tinha ef- f eitos nas margens do tal Neva. Era como se uma guerra na GaUiza ensanguentasse as mar- gens do Tejo

E o sr. Séguier emendou :

Um mar de sangue e de luto Envolve as margens do Bosphoro, E n*isto o Czar pede um phosphoro Para accender o charuto.

Não houve novidade no Bosphoro ... a coi- sa passou-se nos Balkans e na Turquia da Ásia ; era como se uma lucta em Traz-os-Mon- tes e em Angola ensanguentasse Lisboa.

Mas bem sabia o sr. Séguier o que dizia !

Afinal, os Russos teem inimigos de mil dia-

115

bos ! E como havia de accender o charuto o Alexandre da Rússia senão com o auxiUo de um phosphoro, ou coisa parecida ? Com phos- phoro russo, se deixa vêr ; que de Portu- gal ia-se uma caixa toda.

XIX

Conversávamos hontem, eu e outro martyr da Independência acerca dos costumes da vida pubHca, quando o meu companheiro de desa- bafos me perguntou :

V. conhece a historia dos três contos e seiscentos do Arrobas ?

Não sei o que é.

Pois é um documento de pezo. Eu lhe conto.

E assim contou :

ii6

*

«Como V. sabe, eu tinha influencia em jornal, haverá uns vinte annos, ao travar-se uma lucta eleitoral em Lisboa. Era o Arrobas o governador civil, e oC. . ..,politicão de mar- ca, dirigia a opposição eleitoral. Fizemos al- liança o C . . ., e os da tal gazeta, contra o go- verno, e o C . . . recommendou-me mais de vinte vezes :

« Não se esqueçam de perguntar ao Ar- robas, todos os dias, pelos três contos e seis- centos !

« Mas que historia é essa? perguntava eu. jntrigado.

« Eu lhe contarei, tranquilisava o C . . .

* «Meu amigo .Feriu-se a lucta eleitoral. Não

117

me lembra, nem importa, quem ganhou. E lo- go no dia immediato, eu procurei o C . . . para lhe perguntar :

« E aquillo dos três contos e seiscentos ?

«O C . . . desatou a rir.

< Não é nada. Apenas, quando se ataca um homem publico, é conveniente atirar- lhe uma d^aquellas. O Arrobas não deu importân- cia á historia, porque é matreiro, mas o effeito na tola opinião é seguro. >

XX

Dizia-me uma vez João Chagas :

«Uma prova de que v. se não sente li- vre é que escreve, com abuso, liberdades de sua lavra. *

Percebi e concordei : mas pergunto a mim próprio e áquelle meu camarada e amigo :

Como diabo se concilia isto ; Sente-se a falta de liberdade legal; mas não ha meio de

ii8

realisar um agrupamento de protestantes^ sem o perigo certo de uma traição.

E' talvez que a raçajá não pôde descer mais. Está chafurdando.

Indignados, como S. Polycarpo, os jornaes inglezes accusam os Russos de empregarem na guerra as terriveis balas dun-dun. os Rus- sos haviam denunciado á Humanidade os In- glezes — de haverem, na guerra do Transvaal, feito uso de taes balas terriveis.

O que tudo prova que cada um chega a bra- sa ás suas dun-dun., nos seus apertos.

Mas se o mundo é assim !

* *

Ja nós vamos ! Ainda o desfecho da guer- ra do Extremo Oriente é duvidoso e os

119

Japonezes accusam a raça branca áç, cheirar mal! E' para que saibam, civilizados e civili- zadores de hontem !

Um Monsieur de Parville tenta salvaguardar nos seguintes termos, o amor próprio das nos- sas pelles. E' claro que me não refiro aos mulatos :

Os individuos que se alimentam quasi ex- clusivamente de carne exhalam um cheiro mais forte do que os vegetarianos, sob a influencia da fermentação das secreções cutâneas. O cor- po inteiro deixa passar pela pelle substancias, algumas das quaes toxicas, teem um cheiro accentuado. Quantas vezes se poderia dizer que esta pessoa é acida e aquella outra bási- ca!.. . Os experientes em ethnographia sabem muito bem que existem cheiros provinciaes. O cheiro da Sabóia não é o mesmo da Nor- mandia ; o da Touraine não é o da Flan- dres ; etc.

... A que diabo cheirarão os que morrem de fome nas ruas de Lisboa ?

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N'um jornal do Brazil :

«Foi preso o dr. Saturnino de Mattos, accu- sado como auctor do desapparecimento d'um caixote cofí tendo 805 contos, da estação cen- tral da Estrada de Ferro Central. A prisão es- tava sendo muito discutida».

. . . Deduz-se que, como cá, quem furta 800 contos não deve ser preso como qual- quer canalha que furta um tostão.

Está certo.

XXI

O Popular regista o seguinte :

«Acha o Dia que o novo contracto dos ta- bacos éum contracto moralmente nullo, e com- para a noite em que elle foi assignado á de Saint-Barthélemy, da matança dos huguenotes.

Sata!>

121

*

Estou-me lembrando de um caso de ha vinte annos, ao tempo em que eu, muito preoccupa- do na Mulher, pedia opiniões sobre este as- sumpto a todos os meus auctores, principal- mente ao padre-mestre Balzac.

E, como eu tivesse ao meu serviço um ve- lhote, militar reformado, muito estúpido e muito corrido pela mulher, de quem vivia se- parado, aconteceu, um dia, que o pobre diabo me forneceu o seguinte depoimento que eu lhe não pedira.

Perguntei-lhe eu, vendo- o triste, se lhe suc- cedera coisa de maior, e o velhote, estacando, encarou-me, entre feroz e grutesco, e disse-me :

«Sabe V. o que é a mulher

Eu não, homem de Deus : e você que me diz da sujeita ? Você deve saber.

«Sei. E' um monte de esterco !...

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Tal affirmou o meu creado José Bento, e eu lembrei-me hoje da originalidade.

Com que então, produz-se um facto históri- co como a Samt-Barthélemjft que os escripto- res calvinistas e os seus adherentes consideram uma atrocidade e que a grande Catharina de Medicis julgava u>n acto instiffic lente ^ e appa- rece alli no Dia um patusco que declara a ter- rível noite parecida com a da assignatura do contracto dos tabacos ? ! E' o caso de não achar differença entre uma cabeça com miolos e uma cabeça d'alhos, chocha e jornalística!

Viram, decerto, a noticia do combate entre um tigre e um toiro, em Hespanha, para rega- lorio da alta e da baiXa d'aquella terra, e vi-

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ramque houve um desastre com perigo de mui- tas vidas perdidas, o que não impedirá repeti- ção do espectáculo.

Era eu pequeno e li : «A Hespanha tem sempre marchado na vanguarda da civilisa- ção.» Ainda me lembro : foi na Alaria Hespa- nholut ou a victima de um frade . . .

No Século y de hontem, 24 :

«Continuamos a registar a opinião dos nos- sos collegas sobre esta momentosa questão, que ao contrario do que se pretendia ter obti- do com o accordo celebrado entre o governo e a Companhia dos Tabacos, está muito longe de uma solução em que fiquem acautelados, de hoje, para o futuro, todos os interesses do Estado, que até aqui teem sido ignominiosa- mente defraudados por aquelles próprios que estamos ameaçados de vêr por mais sessenta annos explorando em seu proveito, d'uma fór-

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ma altamente criminosa e sob a mais revol- tante impunidade, a melhor fonte das nossas receitas publicas, de cujo sábio aproveitamento tanto havia a esperar para nos libertarmos das precárias circumstancias financeiras em que nos debatemos.»

. . . Este naco de prosa foi preconcebido pelo grande Camillo Castello Branco. Vem no Eu- zebio Macário e é de um brinde do pharma- ceutico.

XXII

Triumpharam os Tabacos sobre os Phos- phoros sem cabeça ; e, palavra d'honra, ainda não ouvi senão phrases de troça para os pa- triotas dos Phosphoros. Bem feito I Por mim, tão contente me sinto, que nunca mais larga- rei biscatas á narigueta do nosso Turgot da escripturação bacalhoeira.

Bem sei que Turgot Periquito entrou n'a- quillo como Pilatos no Credo ; para tal servem

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os financeiros para rir. Mas, emfim, podia ter protestado, embêté. Fez o que se lhe mandou, pode andar a narigueta !

O Século diz assim, para a gente morrer a rir :

«A resolução tomada deve causar profunda estranhesa e desanimo em todo o paiz, que se- guia esta questão com o mais vivo interesse e que esperaria tudo, menos que o governo dei- xasse de aproveitar este ensejo tão favorável para praticar um acto da mais elevada signifi- cação moral e administrativa, transigindo por esta forma com aquelles que exercem sobre a nação portugueza o despótico jugo financeiro a que uma nação pôde estar vergada, com abdicação 'de todos os seus brios, de todas as suas regalias, de todos os seus recursos eco- nómicos.»

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. . . Todo o paiz cheio de tristeza e desanimo! Ora, incluindo os que se riem por instincto de justiça, a maior parte dos nosos compatriotas ignora o que o governo fez e que tanto faz bramar os da Companhia dos Phosphoros e os seus defensores. E' o caso, que á ultima hora, o governo assignou um contracto com a Com- panhia dos Tabacos e vários estabelecimentos financeiros importantes. Esse contracto abran- ge a conversão das obrigações dos Tabacos (envolvendo um emprestimiO de 300 milhões de francos, tomado firme) e a prelongaçào do exclusivo, tudo dependente, se sabe, da ap- provação das cortes.

Ora, a gente da Companhia dos Posphoros, a quem se deve phosphoros sem cabeça e cai- xas sem phosphoros e assaltos dos honrados guardas ás populações provincianas, etc, que-

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ria em nome do patriotismo tomar conta da mamadeira, ^protestam em nome do paiz.

Carregue-lhe o paiz no summo da uva e re- bole-se á vontade : olhe que raras vezes terá occasião de rir com igual razão !

Nota do Apocalypse :

«Fora d'aqui os cães, e os que dão vene- no, e os impudicos, e os homicidas, e os ido- latras, e todo o que ama e obra a mentira. > ( Versículo XV do cap. XXII).

Muito bem apparecido o bom portuguez que transmitte a propósito das eleições, a sua mágua crescente, aggravada pelo riso d'uns trocistas! Vem no momento em que eu releio a pag. 7 do livro de Bazilio Telles Carestia de vida íws campos. Diz o benemérito publicista

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128

«... Riem-se ? Pois deixe-os rir ; algum dia chorarão. Dia virá em que os graciosos engu- lirão as chalaças com a saliva, quando o in- glez repetindo a historia de ha cem annos, nos obrigue a morrer por elle nos campos de ba- talha da Peninsula ; quando esses domadores, de olho azul e glacial, voltem de novo a des- truir-nos searas e moinhos, a aniquilar-nos in- dustria e commercio, a impôr-nos aboletamen- tos e tributos, a empilhar-nos brutalmente nas cidades, como se faz ás ovelhas nos curraes, ao approximar-se a tempestade . . .

«Ao rir satisfeito e alvar responda v. com o sorriso melancólico dos que nenhuma culpa se reconhecem no desastre, que dariam a vida para o evitar á sua pátria, que a darão sem hesitar amanhã, no minuto previsto em que haja de resgatar-se a subserviência de um povo escravo com alguns actos dignos de ci- dadão e de homens livres.»

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XXIII

Trata-se nas seguintes notas, reproduzidas das minhas Cartas de Lisboa á Voz Publica do Porto, de uma questão conhecida por Ca- minho de ferro de Valença a Monsào e Mel- gaço^ no qual eu fui, mais uma vez, roubado e escouceado ainda por cima. O que eu re- produzo são uns meus esboços de castigo . . .

Vários homens, ameaçados na bolsa, tenta- ram um ultimo esforço de defeza. No Diário de Noticias de Lisboa, vem o seguinte telq- gramma :

«MONSÃO, 23 . A velha concessionaria da linha férrea americana de Valença a Melgaço, promoveu de surpreza, hontem, n'esta villa, uma reunião de accionistas, para pedir ao sr.

NO COLISEU Q

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ministro das obras publicas mantenha a cons- trucção de via reduzida de Valença a Mel- gaço.

«Tendo a população conhecimento do caso, protestou contra o que se pretendia fazer, e no meio da sua indignação queria apedrejar os indivíduos que faziam parte da assembléa. Correspondente) > .

A reunião promovida de sur preza destoa dos velhos hábitos da indignada gente que quer atirar pedradas^ mas que se limita a atirar coi ces. . . ás estrellas. O Diário de Noticias i&- cha assim as suas informações :

«Segundo nos consta, o sr. ministro das obras publicas telegraphou hontem mesmo para Monsão, declarando que não julga con- veniente a modificação pedida.»

Admittindo que o segundo nos consta não veiu de Monsão, mas foi levado do ministério

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das obras publicas á redacção, por algum intri- gante subalterno, quer dizer que o sr. conde de Paço Vieira^ ministro das obras píiblicas^ toma a responsabilidade da condemnação da via reduzida^ em favor de . , . outra coisa.

E' temivel a resolução de um síijeito que tem medo. Mas não está aqui a moralidade da comedia. Existe antes, no que, a propósito do assumpto, me dizia hontem um homem publi- co, vinhamos nós no comboio de Caxias, para Lisboa:

«N'este paiz cada um faz o que quer, den- tro da sua respectiva esphera de acção. >

Está certo, e seja qual fôr o desfecho da es- tirada peça, que deixa desmascarada muita gente boa^ eu contarei um caso que presenciei ha bons quatorze annos. Foi isto :

Reunida em sessão a camará municipal de Lisboa, entrou em questão uma negociata que

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todos os vereadores, menos um, apoiavam. O dissidente era o illustre e insubstituível José Elias Garcia. Proferiu elle um enérgico discur- so de opposição e terminou-o assim : «Em- quanto houver aqui um homem, não deixará de haver resistência

Votos. E a favor da tal medida votaram todos.

Todos^ incluindo José EHas Garcia.

Espanto geral, e um dos vereadores per- gunta a José Elias :

«Isso é troça }> Resposta :

«Não, senhor. E' bom coração. Eu não quero desmanchar prazeres.»

A isto pôde chegar o despreso. Mas falla- remos.

Exige, mais uma vez, á falta de melhor as- sumpto [se o não sonharam) que eu me refira

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ao caminho de ferro de Valença a Mansão e Melgaço.

Sobre o caso, o Século^ em contrario do Diário de Noticias^ que é filho dilecto da In- nocencia do Bairro Alto, diz, referindo-se a uns esforços do padre Luiz José Dias^ para que lhe arranjem via larga:

«Consta-nos, porém, que o sr. ministro das obras publicas, tendo ouvido sobre o as- sumpto as instancias competentes, está resol- vido a ordenar que a nova linha seja de via reduzida, por estar adoptado esse processo n'outras Hnhas de caminho de ferro do Alto Minho. >

Assim seja. O Popular diz que á via larga^ a que convém ao padre, é intuito do governo ; mas o Popular tem muitas vias e são elás- ticas.

*

O Diário (não o dilecto filho da Innocencia do Bairro Alto) refere-se aos esforços do pa-

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dre e dos seus adherentes, nos seguintes ter- mos :

«... Será obvio enaltecer as vantagens da via reduzida sobre a via larga, n'uma região como essa de que se trata. O Estado aão terá encargo algum, a não ser a garantia de juro para a Companhia concessionaria, nas condições em que foi adjudicado o caminho de ferro de Bra- ga a Monsão.

«Se o governo deseja na verdade dotar o alto Minho com a linha férrea, não tem outra so- lução senão adoptar a via reduzida, como existe na linha de Guimarães, Santa Comba a Vizeu e Foz-Tua a Mirandella. E' o que os po- vos dos três conselhos reclamam, o que o bom senso aconselha e o que a economia impõe.

«Temos acompanhado esta questão, e por is- so não podemos deixar de pedir ao illustre mi- nistro das obras pubHcas que de modo algum, deixe de attender as reclamações dos povos, não se illudindo com embustes de um grupo

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que, visando somente negócios lucrativos, faz uma campanha insidiosa contra legitimos in- teresses, tentando annular as aspirações una- nimes das regiões que a linha férrea vae bene- ficiar, tendo apenas o objectivo da sua vaida- de e a satisfação de sentimentos vis.»

N'um e n'outro jornal alheios ao assumpto, repete-se a deliciosa patuscada de tornar o partido progressista solidário com as mano- bras dos de via larga. Como se, no partido progressista, não reagissem contra as mano- bras, sempre, homens da cotação politica de José Frederico Laranjo, Dias Costa, Ressano Garcia, Espregueira, Queiroz Ribeiro, João Monteiro Vieira de Castro, etc. Defensores em dias de loteria da Misericórdia de Lisboa.

E' uma coisa.

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Ora, se não entro n'este assumpto, rebento !

Corre, e é certo, que o sr. Paço Vieira, mi- nistro das obras publicas, tem medo do padre^ e que por isso desatrema do juizo e da justiça. Eu lhe conto :

Ha tempos, assisti, no tribunal da Boa Hora ao julgamento de um criminoso. Era elle um ephebo, lourinho, catitinha ; esfaqueara um ho- mem e matara-o. Parece-me ouvir ainda a ma- ravilhosa defeza do advogado: «O meu cons- tituinte^ senhores jurados, matou o outro /í?r- que tinhameão d elle. Era um m.edo invencivelh Não faço commentarios inúteis. Apenas digo ao sr. Paço Vieira que, se tem medo do padre da via larga^ mate o padre, mas não mate quem lhe não fez mal, nem lhe metteu medo, nem coisissima nenhuma, e quem tem por si o trabalho, os sacrifícios e a justiça da sua causa !

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O sr. conde de Paço Vieira, todo entregue ao ínedo do padre ^ pôde julgar-se impune para sempre. Não se fie na Virgem. E consulte o padre da via larga^ o qual lhe dirá que no ou- tro mundo tudo se liquida. E se elle lhe disser o contrario é para o comer.

Afinal, para começar, o sr. conde de Paço Vieira, ministro das obras publicas, sem- pre despachou em favor da via larga do pa- dre.

Fez sua a via, e fêl-a cobrir pelo engenheiro Fernando de Souza, outro da familia dos 7ne- drosos. E' o famoso engenheiro, que teve de sahir do exercito, porque não se quiz bater, antes levar do sr. visconde da Ribeira Brava.

Que era catholico antes de ser soldado! Um typo !

Mas, o ministro fica a descoberto. Ha de ver.

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Escreve-me um malandrete de Monsão :

«V, perdeu o seu tempo e quem lhe pagou ficou roubado.»

O meu velho e grande amigo Camillo Cas- tello Branco entendia que ninguém desce ao cas- tigar um enxovedo. Ponto está em que a co- vardia do canalha o não contenha no monturo do anonymo. Limito-me, pois que se esse caso, a annotar de passagem a biltraria do di- gno representante de uma legião.

E assim, direi:

Eu não perdi o meu tempo, se me paga- ram^ como insinua o estúpido. Mas não me pagaram, porque o resto de maior quantia tinha-a eu coUocado na empreza que se desfez. O roubado fui eu; mas estou habituado, n'esta Floresta Ne^ra.

O

Regosije se o covarde malandrão, com sua respeitável familia !

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De Monsão escrevem ao Sectilo em 30 do próximo passado, que houve alli manifestação ao padre Luiz José Dias. Acrescenta o pateta da correspondência: «A via reduzida era desejada pelos accionistas da Companhia dos americanos.»

E menciona o facto de os manifestantes ha- verem provocado a intervenção severa do administrador do concelho. E' que estavam ar- chi-bebados.

E diz o idiota ao Sectilo: «Ha grande in- dignação, por causa das prisões effectuadas. »

A indignação é manifestada pelos .borra- chòes de via larga.

Embora roubado, como é meu fadário, de- claro sinceramente que eu muito estimaria a

I40

solução apregoada da construcção da via larga pelo governo. Mas vou jurar:

i.° Que nunca o governo construirá a li- nha promettida,

2.° Que é tudo intrujice, favorável aos patuscos.

E por aqui, hoje, me fico, affirmando que não se perdeu tudo ; em diversas camadas so- ciaes ficou desmascarada muita gente boa. Quanto z.os festeiros^ mais ou menos ladrado- res, que vão bugiar !

Eu não sabia que um jornal do Porto tinha posto a alcunha de baci-rabo a um pequenito que eu sei.

Baci-rabo é como quem diz calhandro. Ha de servir .

Não faltam no Alto Minho almas ingénuas, muito crentes em que o medroso sr. Paço

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Vieira tratará de fazer construir o caminho de ferro de via larga. Contem com isso ! E' claro que eu não me refiro aos bêbados das zaragatas, aos quaes apenas cuidado a falta ou a abundância da pinga, nem aos sujos inspi- radores, que pagam o vinho, porque esses con- tam que o governo não fará as obras, o que permittirá a entrada em scena dos particulares de via larga. Hào-de vêr.

Dirijo-me aos candidatos e aos maduros que ainda contam com a iniciativa do governo, como se o sr. Paço Vieira não fosse o mais medroso dos catitas, com tanto medo de embargar a via larga do padre como de met- ter em danças a via larga própria. Foi para socegar as boas almas do x^lto Minho que se prometteu obra do governo, e foi para outra coisa. Ouçam o sr. Mariano de Carvalho:

«O argumento não nos commove e apenas nos traz á memoria o conceito que se attribue ao guardião de certo convento. Chamou o abbade, para lhe pedir conselho como a pessoa

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douta e arguta, porque a fazenda do convento estava arruinada e nem havia com que dar de comer aos frades.

«O guardião ouviu a exposição e respondeu serenamente : Metta obras ! Metta obras, como, inquiriu o abbade, se nem ha dinheiro para comer ? Metta obras ; em se mettendo obras figura-se de rico, e aos ricos sempre ha quem facilite dinheiro !

«Appliquem o conto».

Não é o caminho de ferro do Alto Minho o assumpto que provocou a anecdota do primei- ro jornalista portuguez ; mas vem ella a talho de foice. A promessa do caminho de ferro por conta do Estado pede que lhe appliquem o conto. Fora o resto.

Por mim, mais uma vez ROUBADO, po- nho aqui ponto final nos commentarios— e

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augmento a lista dos descarados rapinantes- e dos pulhissimos adherentes.

XXIV

Havendo-me injuriado n'uma papeleta ignó- bil da província um desconhecido, que apenas se me revelou estúpido até á náusea, esperei que um acaso me esclarecesse acerca do nome e das prendas do diffamador. O Destino justi- ceiro acaba de descobrir-me o seguinte :

Chama-se Arthur Anselmo Ribeiro de Castro o individuo. Rezide em Monsão e é alli geralmente conhecido como bêbedo, famin- to, caloteiro, batoteiro, candongueiro, ladrão, falsiíicador, devasso reles, covardíssimo, repo- sitório de escarros na sujíssima cara, calumnia- dor, por cinco tostões, de todos os homens de bem, e o mais desprezível e infame canalha que deshonra a provinda do Minho.

Em taes condições, me resta reproduzir

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o que do immundo nos diz o honrado jornal O Alto Minho ^ de Monsão, de 27 de maio do corrente anno. Diz assim :

<Onem qtúzer ser respeitado deve começar por respeitar-se^ e por isso repellimos com a biqueira da bota, lançando-lhe um escarro nas ventas, o reles e indigno escrevinhador que, no papelucho de hontem, publica phrases com que julga manchar a dignidade do illustre administrador do concelho.

Esse escriba, que é a escoria da sociedade, deve ser internado no manicomio ou na Casa de Correcção (chiça!) por pertencer á raça mais malandra e louca que a Galliza tem ge- rado.

Como homem, é um repugnantissimo pulha, dotado d'um caracter podre, d'um sentimento corrupto e d'uma alma de gallego safado.

145

E' o único homem n'este mundo a quem nós nem a ponta da unha daríamos, porque o desprezamos como a um reles biltre.

Limitamo-nos por isso a fazer pubHcos os seguintes factos:

E' ou não verdade que Arthur Anselmo Ri- beiro de Castro foi apanhado ha tempos, na companhia d'um amigo e completamente bê- bado^ n'uma desordem com um moço de co- cheira de alcunha o Morango } E' verdade.

E' ou nào verdade que Arthur Anselmo Ri- beiro de Castro dirigiu uma carta á auctori- dade administrativa, declarando -lhe que se promptificava a ser denunciante da batota} E' verdade.

E' ou não verdade que Arthur Anselmo Ri- beiro de Castro foi surprehendido n'uma ta- berna, a jogar a batota e que, apenas presen- tiu a auctoridade administrativa, fugiu como um cão e foi-se esconder dentro de uma tina- \\í2l> E' verdade.

E' ou não verdade que Arthur Anselmo Ri-

NO COMSEU IO

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beiro de Castro pede por esmola a cocheiros, quando joga a batota^ uma moeda de cinco tostões, para comer no dia seguinte r E' ver- dade.

E' ou nào verdade que o publico diz que, se a Assembleia Monsanense não tem presta- do contas da sua administração, é devido a ter o seu secretario, Arthur Anselmo Ribeiro de Castro, roubado^ por vezes, dinheiro da ga- veta ? E' verdade.

E' ou não verdade que no anno passado houve alli um baile de subscripção e que se diz que Arthur Anselmo Ribeiro de Castro embolsou parte da importância subscripta ? E' verdade.

E' ou não verdade que Arthur Anselmo Ri- beiro de Castro, quando estudante em Coim- bra, escrevia cartas a um commerciante hon- radissimo, pedindo-lhe por esmola e caridade algum dinheiro para viver, e que, apenas se apanhou n'esta villa, o pretendeu insultar com escriptos na imprensa } E' verdade.

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E' ou não verdade que Arthur Anselmo Ri- beiro de Castro tem empenhado objectos de ouro para satisfazer aos seus vicios de de- vasso e malandro r E' verdade.

E' ou não verdade que Arthur Anselmo Ri- beiro de Castro falsificou documentos^ assi- gnando quantias indevidamente fornecidas pela camará municipal ? E' verdade.

E' ou não verdade que Arthur Anselmo Ri- beiro de Castro, na qualidade de advogado da mulher de Luiz de Brito de Cambezes, abusou da sua confiança^ recebendo-lhe a importân- cia das custas d'uma policia correccional, que reteve em seu poder, do que resultou ter sido aquella citada, para eífectuar o pagamento, no cartório do 3.° officio ?! E' verdade.

E' ou não verdade que ninguém em Monsao Hga importância a Arthur Anselmo jRibeiro de Castro, chamando-lhe a maioria da classe ar- tistica garoto e canalha ? E' verdade.

E' ou não verdade que Arthur Anselmo Ri- beiro de Castro passou contrabando e que de-

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pois andou implorando que lhe emprestassem uns mil réis, para pagar a multa que foi no processo applicada r E' verdade.

E' ou não verdade que Arthur Anselmo Ri- beiro de Castro é um biltre sem vergonha nem pundonor, capaz de levantar os maiores falsos testemunhos, para accusar os homens honra- dos com os seas próprios vicios ? E' verdade.

E' ou não verdade que Arthur Anselmo Ri- beiro de Castro é o maior sem vergonha que tem Monsão .?= E' verdade.

E' ou não verdade compararem Arthur An- selmo Ribeiro de Castro a um cão ordinário, que ladra, mas não morde } E' verdade.

E até á primeira vez.»

Nota. Esse escarro petrificado aspira a Delegado do Procurador Régio. Com vista ao Ministério da Justiça.

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XXV

Está-me enchendo de confusão a attitude semi-official que eu vejo accentuar-se contra o cruzador . . , perdão ! contra o constructor pro- tegido que de terras de França veio gozar o nosso Arsenal de marinha . O Diário de Noti- cias^ que priva com os deuses, diz :

«A divisão naval de Moçambique informou superiormente que, na recente viagem do cru- zador «Adamastor», de Lisboa para Lourenço Marques, as machinas d 'este navio funcciona- ram muito irregularmente.

«Este facto é attribuido a que, quando ulti- mamente este barco recebeu fabrico em Lis- boa, substituiram-lhe os tubos do condensa- dor por outros, novos, mas conservaram-lhe as antigas anilhas de ligação, que actualmente se acham estragadas.

«Além d'isto, um dos cylindros também não funccionou regularmente.

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«O encarregado das machinas do «Adamas- tor> queixa-se de que por varias vezes recla- mou contra o fabrico feito ás mesmas, sem que lograsse ser attendido »

... me falta ver o cmzador . . perdão ! o constructor protegido de terras de França exigir uma indemnisação do governo portu- guez por perdas e damnos em sua conside- ração. O homemsinho anda em conferencias com o ministro do seu paiz, e, se as potencias derem licença, temos á perna os Gaulezes !

Fora de chalaça, como o nosso dinheiro desapparece ! São os de casa, são os de fora, e todos elles do diabo que os carregue, e os 80 a ço °/o, a arreganhar a dentuça e a coçar- se na rabadilha ! Bom povo ! diz quem eu sei.

Outra coisa, no Diário de Noticias. Refiro- me ás suas preoccupações nos armamentos de

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Hespanha e ás seguintes palavras da mesma folha sobre o assumpto :

«Dadas as relações affectuosas que ligam os gabinetes de Lisboa e de Madrid, é provável que entre os dois se hajam trocado, ou ve- nham a trocar explicações amigáveis que es- clareçam este singular mysterio.»

Quero eu suppôr que os armamentos teem por fim darem cabo da Inglaterra os hespa- nhoes, depois de desgraçarem os Estados- Unidos. Cahiu-lhes em desagrado a raça an- glo-saxonia, a pobrecita !

Mas a referencia do Diário de Noticias ás relações affectuosas dos dois governos, como garantia de bem viver, é capaz de fazer rir o cavalleiro de Lecrião d'Honra Albano da Cti- tiha. Ainda a noite passada lia eu na cama, aproveitando insomnia, um livro intitulado L Oeuvre de M. de Bismarck^ de J. Vilbort, publicado em 1869. O francez auctor do livro travara, por occasião de Sadowa, relações com aquelle raio do diabo, e, tendo de partir para

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Paris, perguntou 'lhe, suspeitoso, se a paz en- tre a França e a Prússia podia julgar-se durá- vel.

E Bismarck, com muita vivacidade:

«Paz e amizade eternas, meu caro se- nhor ! »

. . . Um anno depois vimos todos nós ; os Francezes viram, ouviram, cheiraram, apalpa- ram— e não gostaram.

Não abusemos da ingenuidade !

XXVI

Vou ao encontro das ponderações indigna- das d'aquelle fiscal da Coherencia. Diz-me o sujeito que não é coisa séria a defeza do Czar, da Escravidão, da Sibéria, do knut^ etc, etc. E eu respondo-lhe que apenas defendo os Russos contra os excessos dos amigalhotes que os amarellos teem por este mundo. A res- peito do Czar e das suas responsabilidades da

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guerra de hoje, não contesto uma sombra das accusações; o que eu contesto, e lhes digo porque, é a defeza patarata que por ahi exal- ta os intuitos nobres é elevados dos patriotas amarellos. Vejam o recente congresso socialis- ta de Amsterdam, ainda este mez realisado.

Foi no dia 14 do corrente a primeira ses- são. Presidiu o delegado hollandez Van Kole, tendo á sua beira, como vice-presidentes, PlakenofF, delegado russo^ e Katriama, dele- gado japonez. Bella e commo vedora e eloquen- tíssima escolha !

Fallou o Russo e assim disse :

*Quem provocou e conduziu o exercito á guerra não foi o povo russo, mas o seu maior inimigo : o governo. O principal vencido se- rá o povo, sendo, porém, as provocações in-

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sensatas do gabinete que provocaram a cam- panha>. Fallou das misérias e angustias do povo russo e disse que as dores do proletaria- do se communicam através das fronteiras : «por isso a causa operaria é a causa da huma- nidade.»

Tem a palavra o delegado japonez^ que of- ferece surprehendentes novidades, como cal- mante, aos defensores do sympathico Japão. Oiçam isto:

«... Disse que a guerra actual entre o Ja- pão e a Rússia é vergonhosa e fez-se para au- gmentar a riqueza dos capitalistas. Traçou a historia do sociaHsmo japonez e affirmou que a intervenção dos seus adeptos na vida politi- ca d'aquelle paiz é contrariada, porque ali o suffragio é restricto e o povo não vota. Os acontecimentos que actualmente se desenvol- vem na Mandchuria accrescentarão as forças so- ciaHstas, porque se apreciam os horroresdo san- grento conflicto e odeia-se os que o procuram.»

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. . . Dize-me com quem lidas e dir-te-hei as manhas que tens. O progressivo Japão lida com os Inglezes.

*

A Voz do Operário^ referindo-se ao impor- tante congresso de Amsterdam, produz esta nota final :

«Os dois únicos paizes que brilharam pela sua ausência foram a Turquia e Portugal.» Está certo.

XXVII

Foi ha dias julgado no tribunal de Lisboa um bombeiro culpado de haver lançado fogo á porta do 2.° andar do prédio n.° 62 da rua de D. Pedro V, empregando para isso car- queja, pedaços de isca, phosphoros e petróleo, caso que se deu pelas 2 horas da madrugada

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de 20 de março ultimo e que o réo negava, apezar de ter sido visto fugir do local do crime.

Agora, o que vem de chapa nas gazetas :

«Mas, como o Código impõe a tal crime a pena de 8 annos de prisão maior cellular, se- guidos de 12 de degredo, na alternativa de 25 annos de degredo, não ha jury que pelo seu voto ensejo a que ella seja pplicada, muito mais quando, como no caso presente, apenas se chamuscaram uma eancella e umas taboas do soalho. E d'ahi a resposta negativa ao que- sito, resposta que o digno presidente do tribu- nal anullou^ mandando submetter o réo a novo julgamento. >

. . . Troquemos em miúdos: o tal cavalheiro largou fogo a uma casa, a fim de ganhar o pre- mio por dar signal de incêndio. Honra a insti- tuição e tranquillisa os moradores de Lisboa, não haja duvida. Merece uma lei de exce- pção . . . patusca.

Se, em vez de arder apenas um bocado da porta, o fogo tem pegado a valer e teem mor-

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rido duas ou três famílias, sem que ninguém visse escapulir-se o figurão, teria este ganho o premio appetecido e talvez uma condecoração, por actos de heroismo e altruismo. Os indis- cretos que o viram e perseguiram transtorna- ram a combinação do cavalheiro.

E ha-de ser absolvido o pobre homem^ porque a lei é cruel para os bem intencionados que falham. E quem absolverá a lei, ou os julgadores ?

Duas noticias que fazem uma. Acção em Lisboa :

1.°^ parte «Pelas 9 horas da noite de ante- hontem, foi encontrada pela policia, cahida por doença, na rua do Salvador, uma mulher de idade avançada, a qual foi conduzida ao hos- pital de S. José, sem fala.

«Hontem de manhã, foi a policia alli para

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saber a sua identidade, mas foi-lhe declarado que ella havia fallecido sem ter recuperado os sentidos.

«Apurou-se que a desgraçada não tinha mo- rada e dormia por caridade n'uma cocheira na rua de S. Bento.»

2.^^ parte «No becco do Monete, 26, loja, reside por caridade n'um pequeno quarto Ma- ria Ignacia, com um filho menor de um anno e meio de edade. Não tem cama onde se deite, nem roupa com que se cubra.

«Já em tempos o sub-delegado de saúde res- pectivo alli foi acompanhado da policia, e vendo que a mulher estava dormindo com a criança em cima de umas aparas de madeira, mandou-lhe abonar uma cama ; mas infelizmente até hon- tem ainda tal cama não lhe tinha sido forne- cida pela policia administrativa, apezar de a mulher andar todos os dias pelos corredores do governo civil.

«Informam-nos de que a pobre vae ser des- pedida do pardieiro onde habita>.

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Resumindo : Canalha a morrer de fome e frio. Deixar correr !

XXVIII

Um dia, em 1870, acabava eu de produzir a minha obra inicial Questões do Dia, quando se me dirigiu António José Duarte Na- zareth, director da Alfandega de Lisboa e ve- lha reliquia do partido patuléa, para me dizer, com o seu ar sereno e fundo sincero :

«Felicito-o, mas tome nota do que hoje lhe digo : Dentro de cem annos haverá Re- publica na Rússia; em Portugal haverá isto que hoje temos».

Foi em 1870, ha 34 annos.

E agora me recordo eu do caso, ao ouvir estas palavras de um magistrado inteUigente e honesto :

i6o

«Uma nação que se afundou em agua suja pôde voltar á tona, mas uma vez afundada em lama, não ha esforços humanos que possam trazel-a acima. a Divina Providencia. Jt-

. . Ora a Divina não tem mãos a medir fora das prosperidades dos Albanosda Cunha. Por- tanto, ficaremos no fundo. Por signal, fede que tem diabo I

Vejo impresso que a actriz Itália admittiu no seu reportório o Fr. Luiz de Sousa de Gar- rett. No desempenho d'essa obra prima tenho visto baquear o Rossi e o Santos Pitorra com as suas companhias. vi aguentar-se os que estão em D. Maria no seu género. Não esqueça que Napoleão creou a Legião d'Honra para o Albano da Cunha.

Mas a Itália tem pilhas de graça, coitadi- nha !

i6i

Vem no cap. XXII, a pag. 124:

«Triumpharam os Tabacos sobre os Phos- phoros sem cabeça ...»

Posteriormente caiu a periqtutada, e os Tabacos podres cairam interinamente. Sei o que digo. Em Portugal ninguém cae a va- ler. . . senão de fome.

Dizia-me hontem um meu velho amigo, polTtico, mas homem de bem:

«A conclusão mais firme a que eu cheguei é ser a Bondade um attributo superior a to- dos : ao talento, ao génio inventivo, ao valor, etc. Bom é reunir qualidades diversas, mas ser bom é a melhor de todas, e vae-se tornando rara. Qualquer insignificante foge a manifestar bondade, por calculo, quando não seja por in- clinação. Ser velhaco, egoista, patarata, de fa- las doces, como a Roza tyranna^ desleal, traiçoeiro, poltrão, sem escrúpulos, videirinho

NO COLISEU II

l62

sem sombra de vergonha, é typo de cotação nas praças moderníssimas. Mas esses repellen- tes teem certa a hora do trambolhão grotesco. a Bondade subsiste. Que diz você ?>

Acho bem definidos os pàes de lò* . . e andando.

INIuito devem ter gemido os descendentes do Carneiro o fallecido ministro do Qom- missario de Policial Reíiro-me ao idiota de quem diz a viuva, na peça de Gervásio Lo- bato ;

«Meu marido, o Carneiro, tinha tanto me- recimento que, oito dias depois de ir a minis- tro, foi feito ministro de estado honor aríol*

E como a Providencia Divina, invocada nos discursos da coroa, acode, por vezes, á cha- mada, acontece demorar os ridiculos no Poder, mais de oito dias.

Para que mais lhes dôa o trambolhão.

i63

E para gáudio dos amadores de entremez.

Ministro de estado honorário com via larga e vivorio dos bêbados de Monsão. E o padre moita!

Ministro do estado honorário o da nari- gueta, o Necker-Periquito !

Valha- vos o diabo, banaboias !

Reli, a noite passada, o livro de Camillo Castello Branco Maria da Fonte, magnificas paginas de humorismo, das quaes resalta a extranha e complexa individualidade do cele- bre Padre Casimiro. Tive ensejo de recordar- me agora, das ingénuas meditações e objurga- torias politicas do reverendo, ao lêr, no Diá- rio de Noticias^ uma carta de um patriota ex- pansivo, na qual ha coisas como estas :

«Entendo eu, no meu fraco entender, que o governo devia ser constituído somente da se- guinte forma:

104

«Para a fazenda um negociante ou industrial; para a guerra um official do exercito; para a marinha, um official da armada que estivesse bem orientado das colónias; para as obras pu- blicas, um engenheiro; para a justiça, um juiz ou um advogado; para os estrangeiros, um di- plomata, e para o reino e presidência do con- selho um capitalista que fosse commerciante, industrial, agricultor ou proprietário, e que estivesse ao par de resolver questões muito compHcadas.»

Para as torradas manteiga^ Para o fastio limão l

. . .E em que se haviam de occupar os Paço Vieira e outros de via larga? í

Pergunta-me um litterato a valer : «Você esteve no collegio de Campolide, como alumno r

165

Estive. Porque?

« Porque vi no Brazil- Portugal a indica- ção do seu nome, entre os de vários antigos alumnos, e vi no Jornal do Commercio uma nota : que não era você o Silva Pinto em questão.»

. . . Era eu, fui eu o alumno a quem se refere a revista ; e, por signal, foi nos tempos do Rademaker, ahi por 1859. Mas a contesta- ção do jornal supra faz-me recordar do se- guinte :

Nos Mysterios de Paris de Eugénio Sue, vae o principe Rodolpho alugar um quarto, na rua do Templo, e dirige-se á porteira Pipelet, que lhe diz :

Alfredo saiu. Tem de esperar por elle.» ^ «Pois esperarei. Alfredo é seu filho }>

«E' meu marido. Tomara eu saber por-

k

i66

que é que meu marido se não ha-de chamar Alfredo !>

... E eu tomara saber porque não havia de estar no collegio de Campolide !

Que tal está o da rabeca !

XXIX

Na camará dos deputados pediu-se melho- ria de vencimentos dos ministros. Está bonito, mas antes d'isso melhorem os dos amanuenses, dos professores e dos carteiros e de tantos ou- tros martyres da Fome, A respeito de minis- tros, entendo que 3:400^000 réis annuaes de- vem chegor, se o ministro se deixar de repre- sentações^ confessando que serve um paiz des- graçado e arrazado...- pelos esbanjamentos dos ministros. Andem a pé, como o finado Bo- lama e como o sr. Fuschini; salvo se são ri- caços, como o sr. Wenceslau e em tal caso paguem da sua burra, e não aggravem a rnise-

i67

ria do burro. E ha ministros que nem mere- cem o pão que comem; e accresce que ninguém os obrigou a ser ministros como dizem dos funccionarios desgraçados. Ministros pela vai- dade ou por amor ao seu paiz sacrifiquem- se. . . a trezentos mil réis por mez !

E' engraçadissimo o patarata que na gazeta declara justo o augmento. Pois cotizem-se os que acham justo e levem a offerenda ao go- verno; o contribuinte está sufficientemete esfolado. Justo, hein > Que tal está a pouca vergonha } !

Olhem para os deputados a despedirem raios de eloquência grátis ! E os vereado- res, os da limpeza (pouca !) a trabalhar de bor- la \ Vejam aquelle civismo austero e corem pela cubica nefanda. Mas dinheiro } ! Era o que faltava supprimir eu mais uma fatia de pão, para augmentar o fiambre do sr. Pequito!

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* * *

O sr. Rodrigo Affonso Pequito não passará sem umas notas á margem. Justamente eu es- tou lembrado de que haverá trinta annos e pi- co, sendo elle professor de escripturação com- mercial no Instituto Industrial, deu-se um nu- meroso grupo de estudantes de outras maté- rias a ir esperal-o todas as noites, á sabida do Instituto, fazendo-lhe uma assuada medonha. Nem policia, nem o diabo, segurava os rapa- zes. Foi preciso mudar, para de manhã cedo, a aula do sr. Pequito.

Ora, succedeu que, conversando-.se, uma noite, a uma meza do Martinho^ alardeava o sr. Pequito a sua brilhante figura, ao entrar por concurso, para o Instituto; e então, Sou- za Martins, que estava presente, disse :

'í. Entrar no Instituto é fácil; o que custa é sair.-»

Muito rimos!

109

*

* *

Outra coisa. O Diário de Noticias chama ao sr. Pequito honestissiuio. Não percebo o su- perlativo. Bastava chamar-lhe honesto, o que- não é diflicil quando se tem fortuna. Hones- tissiuio impõe uma anecdota para risos ; mas o Pkitarcho do sr. Pequito não sabe, talvez, o que disse.

Deram agora em chamar ao sr. Pequito len- te de finanças^ quando elle apenas foi profes- sor de Contabilidade Comniercial^ assim uma espécie de lente de taboada. Também lhe cha- mam activo sócio fundador da Sociedade de Geographia^ o que faz reflectir em que Lu- ciano Cordeiro não chegou, nem chegaria, a ministro, e o sr. Pequito, . . Ora bóias!

Vejo nas gazetas que o sr. Pequito tem sido

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muito cumprimentado. Deus sabe que rizota vae embrulhada nos cumprimentos! Ainda ago- ra, ouvi n'um grupo de funccionarios: < Aquel- le nasceu ministro de estado honorário. > Bem mettida! E' como a pescada que o era, antes de ser pescada. Adiante !

Esta vem no Popular :

«Foi infelicíssima a ideia de mandar o sr. Cincinato da Costa tratar da installação da nossa exposição em S. Luiz, Estados-Unidos.

«O sr. Cincinato é um homem inteUigente e trabalhador, mas infelizmente é de raça india, e é sabido ser o desprezo dos americanos ainda superior ao dos inglezes e hollandezes contra quem não seja de raça europeia. Se desco- brem que o sr. Cincinato é filho da índia, hão de dar-lhe não pequenos desgostos. São pre- conceitos, mas existem.

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«Uma vez, entrou um indio n'um café em New-York e pediu cerveja. Serviram-lh*a, mas o creado, advertido por outros freguezes, não quiz receber-lhe pagamento, e, pegando no co- po de que o indio se servira, atirou-o ao chão para o partir.

«Sem isso perderia a casa toda a clientella de raça branca. >

. . . Estou agora relendo a Historia de uma porta (de Camillo Castello Branco), e n'ella o seguinte :

« Foi o mulato para Braga tomar ordens, que custaram muitos centos de mil réis, por- que n'aquelle tempo sangue de preto não re- cebia ordens senão a peso de ouro . . . Agora, pelo que oiço dizer, o estado manda aos mat- tos buscar pretos, para os fazer padres. A re- ligião está por um cabello. . »

Estão certos o cabello e a carapinha.

172

XXX

Olhem para isto:

Em diversos jornaes vem a seguinte noticia- circular, com a epigraphe Justo e Jumiano. Tentadora epigraphe, para ser hdo o assum- pto,— pela raridade! Vamos a vêr isso !

Senta-se no banco dos réus uma mulher que bateu n'outra. Julgamento. Fala o noticiarista:

«A accusada, que se apresentou na audiên- cia levando comsigo três creanças, a mais no- va das quaes ainda de coUo, allegava ter sido abandonada pelo marido, pelo pae de seus fi- lhos, o qual fora viver para a companhia de outra mulher, a queixosa no processo.

«Que ella então, não podendo ganhar o suí- ficiente para matar a fome ás três creanças e a sua velha mãe, entrevada, com a qual vive, apesar de percorrer, durante o dia todo, as ruas da cidade, vergando ao peso de uma giga.

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lembrou-se de ir procurar o marido e de pe- dir-lhe uma esmola para os filhos, sendo rece- bida pela outra^ que ao vêl-a logo a descom- pôz e aggrediu, pelo que teve de defender-se, agarrando-a pelos cabellos e batendo-lhe tam- bém.

«Foi tão commo vente a forma como a po- bre mulher contou a sua vida e os grandes des- gostos soffridos, que o digno julgador, deve- ras impressionado com o caso, absolveu-a, di- rigindo-lhe palavras de conforto.

«O publico acolheu a decisão dos tribunaes com manifesto agrado.»

Parece que fez quanto lhe era licito o juiz, enviando em paz a mulher, com boas pala vras; mas, sendo reles a lei que não impõe castigo ao miserável, pae d'aquellas creanças, qu*, de accordo com a amíga^ arrasta ao

174

banco dos réus a mãe dos menores abandona- dos, eu, se fosse juiz, teria arrancado á infeliz o nome do tratante e dar-lhe-hia a celebrida- de, por intermédio do noticiário judicial.

Quanto ao publico que recebeu com agra- do manifesto a absolvição da infeliz, esqueceu- se de manifestar sympathias menos anodinas, soccorrendo aquelles desventurados com o pão de alguns dias. Mas se aquelle respeitável pu- blico vae para alli divertir-se, nos intervallos da tasca e de mais immundas coisas !

Que bello noticiado judicial a fazer ! Mas se tildo isto é tão pequeuo ! se nos conhecemos todos ! . . . Não é assim que se diz t

* *

Eu vi no tribiinal da Boa Hora, aquelle respeitável publico effectivo rir ás gargalhadas porque um menor de 13 annos dera entrada 14 vezes na Casa de Correcção (então nas Mo"

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nicas,) como vadio e ladrão. Naturalmente, faziam parte do auditório risonho o pae e a mãe do menor. São assim aquelles pândegos : tudo os faz rir. Com um verniz de educação patusca, dariam uns homens públicos áç, wvndL canna.

Mas, a quintessência da estupidez não é pri- vilegio d'aquella sucia. Ainda ha dias me di- zia um cavalheiro pensante : «O que eu en- tendo é que uma Casa de Correcção deve dar interesses: a mão d'obra é gratuita», etc.

. . . E assim estamos : a missão correccional é fazer dinheiro. Que corja !

Referindo-se ao deplorável estado da nossa marinha de guerra (!) diz o Diário de Noticias:

«Todas as nações que teem interesses poli- ticos ou commerciaes no Extremo Oriente, teem reforçado as suas estações navaes. Por- tugal seguiu o exemplo e mandou para os cruzadores Adamastor e Vasco da Gama.

176,

«No Tejo havia outros navios de construc- ção recente ; mas um, o D, Carlos^ diz-se que tem de desempenhar brevemente uma com- missão; o cruzador D. Amélia carece de grande obra, ao que se diz e escreve ; e os cruzadores vS". Raphael e ^. Gabriel^ ha mais de um anno amarrados, esperam ainda que os dêem por promptos. Agora estão elles no dique.» . . . E a isto accrescenta, á p07-tugueza: «Tal é o triste estado da nossa marinha de guerra, i^ào attribuimos culpa a ninguém es- pecialmente. A culpa éde muitos e vem de longe. Não nos importa saber de quem é a responsa- bilidade.'»

* *

A^ portuguesa, hein } A's vezes succede, em minha casa, apparecer partido um objecto qualquer. Eu indago, para lançar responsabi- lidades, e a minha creada explica, d portuguesa:

«Isso assim está ha muito tempo. Vão agora tratar de saber quem foi

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Mas o Diário de ^oticias^ ampliando, diz :

<E' profundamente triste tudo o que estamos vendo. Não temos navios quando mais neces- sários nos são ; não temos escolas praticas que eduquem o pessoal, não temos os estímulos que ha em ontras marinhas ; tudo nos falta, emfiim, e falta por que ha, onde não era licito haver, as mais erradas ideias sobre a nossa força naval, porque ha emfim pouco conheci- mento do importante papel que as marinhas teem na defeza de um paiz.

«Se continuarmos assim, aonde chegaremos ? Sem pratica, sem instrucção technica apropria- da, não viajando nunca, ou viajando pouco, o que virá a ser a nossa corporação de officiaes, o que virá a ser a marinha portugueza ? Os ga- lões não bastam para dar os conhecimentos indispensáveis ao moderno official.»

... E, i portugueza^ continuamos a balbu- ciar : «E' profundamente triste tudo isto.»

Chega a ser patusco.

NO COLISEU 12

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XXXI

Nem sempre coisas tristes ! Tem a palavra o correspondente do Popular em Évora. Diz assim, fallando de um jantar regenerador e a propósito dos discursos :

«Os oradores foram muito victoriados, mas devemos especialisar também o dr. Pita Si- mões e o dr. Pissarra, aquelle do Redondo e este de Reguengos, que, representando a ve- lha guarda regeneradora, receberam também uma verdadeira apotheose (!) no fim dos seus discursos.

«O banquete, que terminou perto da uma ho- ra da noite, foi incontestavelmente uma mani- festação imponentissima da força e prestigio do partido regenerador n'este districto.

«Na primeira sala tocou uma orchestra diri - gida pelo insigne maestro Moraes. >

. ..Admittido que um jantar alemtejano é uma imponentissima manifestação de força e prés-

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tigio, e que Évora se lambe com um insigne maestro chamado Moraes^ provável descen- dência de Mozart, temos alli uma apotheose de Pitta Simões, Pissarra e outros, que me ins- pira cuidados.

Apotheose^ segundo o Moraes do dicciona- rio^ vem do grego apô (de) e Theos (Deus). E' a acção de pôr algum mortal no numero dos deuses. Ceremonia de deiíicação entre os Gregos e os romanos : lhe chama Bluteau.

um dia Camillo Castello Branco teve de explicar isto ao pobre Alexandre da Concei- ção, concluindo que onde este vira apotheose houvera apenas festejo. E' assim. Em Évora, Pissarra, Pitta Simões e os outros foram feste- jados pelos companheiros de paparoca, ao som dos hymnos do insigne Moraes, descendente de Mozart ,

A contas com o sr Pequito e com umas ma- nifestações patuscas a esse Necker de Estado

i8o

honorário^ antes de o ser^ diz o jf ornai da Noite :

«Que o sr. Pequito, entrando para o minis- tério, atrapalhou de tal forma os seus admira- dores, que elles não sabem o que fazem nem o que dizem e o que ainda é mais, nem o que pensam.

((Que o melhor que todos teem a fazer é es- perar que o ministério caia e manifestarem a sua alegria por o sr. Pequito. . . ter sahido. Creiam que n'essa manifestação serão acompa- nhados por todo o paiz e pelo próprio sr. Pe- quito, que não deixará de dirigir a si próprio uma mensagem de felicitação por ter sido no- meado . . . ministro de Estado honorário, única ambição de toda a sua vida.»

... falta darem-lhe piparotes no nariz !

Paz á Politica e aos sucios ! Vamos á anedo- cta ! Hontem, na gare do Rocio, vi entrar um do6 nossos seportmen^ pelintra com apparen-

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cias de ricaço. O homem arrumou contra uma parede um velocipede e dirigiu-se a uma bilhe- teira, ao tempo em que um carregador, obser- vando-o, dizia a um companheiro de trabalho e de pobreza :

«Estes sujeitos com massa^ quando pen- sarem na Morte, sempre lhes ha-de doer muito a cabeça

Profundo, hein ? E' a quintessência da mais apurada e penetrante philosophia. Que seria dos grandes e dos pequenos desgraçados, se a Morte não estivesse alli a chamar á vez os felizardos e os patifões trmmphantes^ mais ou menos contrabandistas e negreiros e analpha- betos e insolentes ? ! Dizes bem, triste carrega- dor ! hão de sentir dores de cabeça as caval- gaduras !

*

*

A propósito :

Hontem, no Chiado, um trocista applicou

l82

esta quadra a um sportjnan que ia passando :

Atira, mata, é tennista^

Tem um automóvel d'aço :

Eis aqui os requisitos

P'ra uma besta entrar no Paço.

XXXII

Para Necker-Periquito vêr :

Informa-nos E. Lockroy de que, ha quarenta annos e pico, quando Garibaldi ia acabar de demolir a interessante realeza de Nápoles, se deram os seguintes factos interessantíssimos :

O rei Francisco II, pretendendo equilibrar- se, com a maromba de um ministério novo. contra as aspirações revolucionarias do seu povo, desatou a chamar gente para ministros. Tudo desatou %fugir. O rei prohibiu a sahida do reino e ameaçou com forte multa e prisão a quem não acceitasse uma pasta. Todos recu- saram com firmeza.

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Uma cantata ! como diria o erudito Ber- nardes de Carvalho. A' mingua de nobres, de militares e de políticos, que acceitassem, o rei, desvairado, chamou um tal Del Re, creado do paço, e nomeou-o ministro do reino. O pateta fez decretar o estado de sitio na capital e per- seguir ferozmente os revolucionários. Mas, era chegada a hora final da pagodeira: desabou o ministério, mais a realeza. . . Agora, pergunta o sr. Pequito que tem elle com a historia na- politana.

E eu digo-lhe que ponha os olhos n'aquel- les que regeitaram e olhe para si grande seringador lamuriento, que passou a vida a balbuciar : <*. Velho e dedicado I*

E narigudo, Necker de taboada !

Por vários motivos, eu prefiro comprar li- vros usados a livros novos. Aqui está um dos motivos ;

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Grande parte dos leitores annotam a leitura: uns a lápis, ou a tinta, outros com uma unha- da. Não são estes os menos eloquentes.

Foi hoje que eu li n'um dos taes Hvros usa- dos:— «Para os homens de guerra o assassí- nio é revoltante coisa.»

Estava annotado com uma simples unhada. Eu também annotei, a lápis, com as seguintes palav.ras de Montaigne, o sarcástico moralista do século XVI :

<Toutes disputes sont grammairiennes».

E' possível que me não entendam todos os da cidade, mas os de Cerva e Mondim perce- beram — todos.

Esta manhã encontrei no Chiado um meu antigo camarada, que eu não vejo senão de quatro em quatro annos. Falámos de Littera- tura e de litteratos, e eu, por signal, disse ao meu interlocutor:

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Falar do Encoberto^ de Bruno, á primei- ra vista, analysar, pensando n'outra coisa, o trabalho de um pensador é façanha a que não me atrevo, o que não deixa de humilhar- me, pois que não falta quem se atreva. Mas, a propósito, me recordo de dois casos que eu lhe digo, e que vem a ser :

Uma vez, pediu-me um burguez, ricaço e ex-contrabandista, um exemplar de um livro meu Combates e Críticas^ umas 400 paginas em 8.° grande. O homem nada percebia de taes coisas, mas um exemplar não me fazia falta. Dei-lh'o. Horas depois, encontro o sujei- to, que me diz: «Recebi o seu livro e li-o de uma assentada. E' um bonito pensamento !...»

O amigo ri-se.í* Mas ouça agora outro caso. Ha trinta annos, sahiu no Porto a i.^ edição da Morte de D. João. Estava alli Guerra Jun- queiro, a quem Gaspar Ferreira Baltar disse que estava no Primeiro de Janeiro noticia do livro, e de primeira ordem ! Riu-se o grande poeta, ao transmittir-me o annuncio

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da coisa. Eu não me ri, porque era então muito crente. Esperei.

Saiu a noticia de primeira ordem. Mas, co- mo fosse do norte do paiz o noticiarista, e se houvesse conservado na santa confusão dos bb e dos vv^ escreveu que «a Morte de D. João tinha muita berbe . . >

*

A ignorância é muito atrevida, e a contra- prova é que a gente quanto mais aprende me- nos se afoita.

XXXIII

Pretende-se estabelecer que o augmento de suicidios deriva-se das noticias dos jornaes. E d'ahi, mais uma vez, projectos de accordo geral para abstenção de taes noticias. Suspeito que ha absurdo na costa. . . Quem por diffi-

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culdades cruéis e amarguras torturantes não pôde mais^ ou não está para mais^ importa-se bem pouco com as gazetas. Se algum suicídio se derivou das taes noticias é porque o suicida era tolo. Deixai o ir !

Uma vez dado o accordo para o silencio so- bre a morte voluntária, porque não se ha de estabelecer no tocante aos roubos e aos homi- cídios ? E' possível que o ladrão e o assassino esperem a suggestão das noticias, para proce- der. Calem- se acerca de taes crimes, e verão conservar-se na alta o registro da virtude ! Ora, eu bem sei que é difficil desenraizar um velho disparate de critério, e não ha duvida que na opinião do maior numero, os malditos jornaes teem a culpa de se matarem tantos desgraçados ; mas não seria tempo de dar a palavra ao juizo independente?. . .

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Vejo no Diário de Noticias:

CONSTANTINOPLA, 2— Os relatórios dos cônsules da Rússia, da França e da Inglaterra sobre os acontecimentos de Sassoun consi- gnam o morticínio de cerca de 5:000 arménios, homens, mulheres e creanças.

... O Diário de Noticias tem um colla- borador que sabe tanto de geographia como o clérigo Sileno, avô dos bêbedos e neto de seu avô, sabe de temperança. E' assim que o allu- dido coUaborador escreve no alto d'aquelle telegramma : Nos Balkans.

Ora, a Arménia é na Ásia, e os Balkans são na Europa Mas o do Noticias entende que to- das as zaragatas turcas são nos Balkans. Era aquillo do Fernando Leal, que eu lhes conto :

Dava-lhe os parabéns um quidam «pela soberba traducçào de versos de Victor Hugo,

iSg

que o Fernando publicara dois dias antes. E o Fernando :

«Vá você para o inferno ! Os versos são originaes meus. Porque eu tenho traduzido versos de Victor Hugo, não se segue que eu produza. . . traducções dos versos d'elle !>

XXXIV

Ha um sentimento que eu não conheço de perto, mas de que formo terrivel ideia pelas informações. Chama-se inveja. Um dia houve em que um parvajola me chamou invejoso ; ç, eu tratei de verificar se andava por alli ab- surdo. Andava.

E' que se me revelou a distancia que vae da inveja a um sentimento que me tem impulsio - nado desde que trabalho, ha perto de qua- renta annos, e algo prejudicado. Póde-se defi- nir este sentimento a revolta da equidade.

IQO

Eu explico:

Diz algures o Zola, a propósito de um mo- numento que em Paris erigiram ao velho Ale- xandre Dumas, estando vivo o poderoso Ale- xandre Dumas filho : «Se Balzac regressasse e pudesse ver a estatua do velho Dumas, di- ria: — «Então elle é que tem a estatua?!» Sal- vo a redacção.

Todos nós, abaixo de Balzac e dos Dumas e acima de toda a geiíte^ temos horas de surpre- zas e indignações. Se nos revoltássemos contra qualquer homenagem fosse a quem fosse, af- firmariamos inveja ; se, porém, nos revoltamos contra a immerecida consideração obtida pelos nossos inferiores, fala a equidade indignada. Se eu reagisse, em absoluto, contra um mo- numento a Eça de Queiroz, eu seria um inve- joso; mas eu protesto relativamenie: por- que ainda falta um monumento a Camillo Cas- tello Branco o maior de todos. Protesto pela equidade.

IQI

Ainda esta manha, á falta de outro assum- pto, eu pensava ri Qstdi pastelada: O biblio- thecario-mór do nosso paiz é um politiqueiro sem letras, como todos os politiqueiros, cha- mado jfosé d" Azevedo Castello Branco] para redactor da folha ofíicial foi nomeado, entre outros, o Albano da Cunha^ que é analpha- beto ; o mesmo e outros, ainda peiores, re- cebem a Legião d'Honra: não ha imbecil, mais ou menos ridículo, que não seja deputa- do, — nem aprendiz de bacalhoeiro que, depois do Periquito^ não pense em ser ministro Que diabo pôde a gente ser, sem rebaixar-se, no terreno das distincçòes officiaes e políticas?!

* *

Ha dias que eu penso em pedir o habito

192

de Christo^ que é bonito para um velho e que ninguém quer; mas ha o perigo de o con- fundirem com a Legião de honra que eu tive de rogar a Sarah Bernhardt que me não obtivesse. E' preciso que um homem se res- peite, e eu não sou um peixinho japonez.

O caso recente foi aquella belleza da ca- nhoneira Tejo^ nas alturas do cabo Espichel, com as caldeiras apagadas, com avaria nas machinas, sem pharóes para pedir soccorro de noite, sem bandeiras para de dia o reclamar, sem pão para lOO homens de tripulação fa- mintos. Tudo isto quasi á vista de Lisboa !

Proíissionaes e gazetas pedem o apuro de responsabilidades. Historias I Ttido isto é ir- responsável.

Ha quem se ria, quem se revolte e quem en- colha os hombros é a maioria. Eu fico-me a pensar no que seria de nós, em desgraça e em vergonhas, se um dia tivéssemos de defender-

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nos por mar, ou por terra, de um aggressor medianamente sério.

E não faltam entre nós austeros censores da anarchia administrativa e militar de nações co- nhecidas.

Deus nos livre de um espirro do Japão !

Telegramma ao Diário de Noticias :

Sabugal. Manuel Paulo Pinto, da Cerdei- ra, foi hoje julgado pelos dignos jurados d'esta comarca, da Covilhã, e da Guarda, por crime de passagem de 38 notas de 2^500 réis, falsas, sendo condemnado em 50 dias de multa a 100 réis. [Correspondente).

Noventa e cinco mil réis de notas falsas e cinco mil réis de multa ao passador. E-se bon- doso no Sabugal.

Bondoso e suggestivo.

NO COLISLU l3

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Escrevem da Africa Oriental :

«Devem estar concluidas no fim d'esteanno as obras da canalisação do Umbeluzi, para o abastecimento das aguas potáveis da cidade de Lourenço Marques.

«O rio Umbeluzi, cujas aguas, além de abun- dantes, são de grande pureza, dista cerca de 45 kilometros d'aquella cidade africana. Compre- hende-se, portanto, o grande dispêndio d'esta canalisação, que, segundo nos consta, está or- çada em cerca de 20 mil libras.

«E' d'este rio que os navios de guerra e mer- cantes, surtos no porto de Lourenço Marques, se abastecem d'agua para as suas viagens, agua que, depois de filtrada, pôde rivalizar com as melhores da Europa.»

... Nós todos, lisboetas, victimas da horri- vel Companhia das Aguas, da terra, sauda- mos— occultando a inveja os ditosos habi- tantes de Lourenço Marques.

Í95

XXXV

No Popular apparece-me um psychologo que eu suspeito conhecer, pela construcçao grammatical. Tracta da infernal maledicên- cia. . . dos outros, e produz as seguintes clas- sificações ;

«Descendo da vida geral do nosso povo á vida particular, resalta sempre vivinha a cons- tante maledicência. Nas relações individuaes que nos cercam, ha três classes distinctas : os matis^ os azedos e os indifferentes^ todos egual- mente affectados da doença endémica.

«Os maus são os que, no intuito premedita- do de prejudicar os outros, saltando por cima dos dictames da própria consciência e quiçá dos impulsos humanos de reconhecimento do valor alheio, aproveitam todos os ensejos, de- turpando a verdade e pisando a razão, para crear atmospheras deletérias de antipathia aos

igó

que não sejam elles, levando-lhes estorvos de diversas espeeies e embaraços de toda a ca- thegoria, íazendo-os muita vez sossobrar n'es- te mar immenso de invejas e de insidias.

«Os azedos formam á parte, mas são doen- tes da mesma enfermidade. Blandicias e fingi- dos dós para aquelles a quem a sorte collocou em nivel mais baixo, e, no intimo, regosij o sin- cero pela inferioridade reconhecida. Mas, mer da mesma sorte ou de merecimentos pró- prios, succede que os lastimados ascendem na escala social. Ai d'elles ! Como é súbita e brus- ca a transformação das blandicias e do dó, de hontem, em inveja e ódio de hoje! Agentes da metamorphose são então os chamados azedos.

«Os hidifferentes^ cobardes e tímidos, re- ceosos de vinganças futuras, acobertados com véu da hypocrisia, a ninguém dirigem louvo- res, mas a nenhuma pessoa assacam criticas. Mas com que goso vibrante e prazer sentido ouvem as malsinações verrinosas pelos matis e pelos azedoSy sem uma palavra de deíeza, ain-

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da que a injustiça das accusações appareça il- luminada pela luz clara da evidencia!

«São talvez estes os mais hediondamente criminosos. >

Ainda bem que, não sendo dos mais des- prendidos do espirito de maledicência e antes assim do que relaxado, me não vejo incluído em algum d'aquelles grupos! Não per- tenço ao dos maus^ porque não conheço typos irrvejaveis; até os patifes me parecem dignos de compaixão uma vez por outra. Não me filio no grupo dos azedos^ porque nunca passei do sentimento do ao ódio : antes pelo con- trario. E nada tenho com os taes indifferentes^ porque nunca temi vinganças, causando-me apenas tédio os meus mais ferozes inimigos. Ainda bem que olho com independência para taes Psychologias!

iqS

*

O que eu diviso e contemplo, a perder de vista, não são grupos distinctos, mas uma in- finita legião de egoistas, com salpicos demalan- drões, de sonteneiirs^ de invertidos, de pedan- tes abaixo de mediocres, de burros muito abai- xo de camellos, de diífamadores por conta, de videirinhos traiçoeiros e de canalhinhas ao nas- cer. E, porque os vejo, não levo a mal a cor- rente de maledicência nacional, que é apenas um resultado inevitável da impunidade, filha da relaxação.

E todavia, eu poderia ter sido mais desgra- çado : eu podia ter n^este mundo uma filha herdeira de uma fortuna. E então se daria o caso de a rapariga ser cubicada, requestada e empalmada á face da egreja por aquelle idiota janota e caçador de casamento rico^ ou por aquelle maluco que uma tolinha pôde julgar um homem^ ou por aquelle in-

199

vertido^ que é a deshonra das escarradeiras suas irmãs, ou por aquelle aspirante a homem publico^ capaz de fazer da fêmea uma mulher publica . . . Etc. Estive com sorte.

Telegramma n'um jornal de grande tira- gem:

Londres ii^ ás 5, 20 t. Quando Eduar- do VII regressava das corridas de cavallos em New-Market, a carruagem de sua magestade esbarrou com outro carro. O monarcha, que se fazia acompanhar por lord Farguhar e pelo capitão Holford, soffreu apenas o susto.

... De modo que ainda se passa diploma de poltrão ao rei de Inglaterra e imperador das índias.

/

200

Não ganhou para o susto nheiro das Hortas!

como um li-

Alli do paiz visinho:

Madrid^ ii^ ás 8^ jo n. Communicam de Sevilha que o rei assistiu esta manha ás ma- nobras militares, que se realisaram no Prado de San Sebastian.

<^ Durante as manobras, um tenente atacado de insolação, caiu do cavallo que montava.

*0 rei acudiu pressuroso a auxilial-o a le- vantar-se, sendo n'essa occasião muito accla- mado pelo povo.»

. . . Como quem diz: pelos 8o ago "/^ ali pre- sentes.

Do mesmo paiz:

^Madrid^ 11^ ds ç u. O governo nega que

Esciõ,^-.

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vis:

Tv^t^ Toes ^

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200

Não ganhou para o susto. . . como um li- nheiro das Hortas!

Alli do paiz visinho:

Madrid^ ii^ ás 8^ jo n. Communicam de Sevilha que o rei assistiu esta manhã ás ma- nobras militares, que se realisaram no Prado de San Sebastian.

«Durante as manobras, um tenente atacado de insolação, caiu do cavallo que montava.

«O rei acudiu pressuroso a auxilial-o a le- vantar-se, sendo n'essa occasião muito accla- mado pelo povo.v

. . . Como quem áiz: pelos 8o a ço % ali pre- sentes.

Do mesmo paiz:

< Madrid^ ii^ ds ç n. O governo nega que

201

tenha havido qualquer contratempo nas nego- ciações entre a Hespanha e a França, a respei- to de Marrocos, affirmando que, ao contrario, continuam rapidamente.»

... Os governos de Affonso XIII nunca dei- xam de proceder rapidamente. Está a gente a lembrar-se da guerra e das negociações com os Estados-Unidos. Foi a vapor !

da pátria amada. Informa um jornal:

«A instancias dos Inglezes, que teem a con- cessão da foz do Chinde, vae ser pedido ao ministério da marinha o envio de uma draga destinada a servir na barra d'aquelle rio.

«E' tal o desejo que os Inglezes teem em manter alli desimpedida a navegação, que por varias vezes se teem offerecido para fazerem a dragagem da barra por sua conta.»

/

202

^A oíferta dos inglezes é vergonhosissi- mapara nós. Nem trabalhamos, nem deixa- mo trabalflar os outros.

Irticipa a Agencia Havas :

«EVILHA, IO, meia-noite. Affonso XIII >i ojc a Trianna (?) fazendo-lhc o povo uma ite manifestação.»

1ÍÉ*1

«Jw Lat. delir are) é desvariar, ou t: . ;^i, dizer disparates, por tcbrcs ou por <l')tça aguda. Tamisem significa: dizer dispa- rati por falta de juízo, de intelligencia, ou por

U: aqui o Moraes , o Faria faz esta con- ccãto : Delirar : demonstrações extrava- «MitLs do contentamento.

A' similhança dos macacos no Jardim 4ÍC0, ou dos gallcgos á esquina da rua.

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203

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E aiu e^ia u que icz o povo ht tal do tclcgramraa ao engraça cujo reinado a Hespanha fez uma era Mclilla, perdeu as cv\ estrangulada pelos Estados U: cudida de Marrocos f>clo accor c da Franga. lhes resta dc\

O que ? nio é cul|)ad«> «» miíIj^ >Xfã i». >r «lur bulias lhe consagram w çòis extravagantis di conUntanunt.

Ponham isso em zarsuela, ^^^^'^^ pelos éêita gatos l

Leio nos jornacs de Lisl>oa. Tma-se dos EUctruos :

«A Companhia Carris de 1

Lisboa

202

... A offerta dos inglezes é vergonhosíssi- ma para nós. Nem trabalhamos, nem deixa- mos trabalhar os outros.

Participa a Agencia Havas:

«SEVILHA, IO, meia-noite. Affonso XIII foi hoje a Trianna (?) fazendo-lhe o povo uma dehrante manifestação.*

Delirar (do Lat. deliraré) é desvariar, ou tresvariar, dizer disparates, por íebres ou por doença aguda. Também significa: dizer dispa- rates por falta de juizo, de intelligencia, ou por paixão.

Até aqui o Moraes ; o Faria faz esta con- cessão : Delirar : demonstrações extrava- gantes do contentamento.

... A' similhança dos macacos no Jardim Zoológico, ou dos gallegos á esquina da rua.

203

E ahi está o que fez o povo hespanhol o tal do telegramma ao engraçado niito^ em cujo reinado a Hespanha fez MXí\-à gentil figura em Melilla, perdeu as colónias e a esquadra, estrangulada pelos Estados Unidos e foi sa- cudida de Marrocos pelo accordo da Inglaterra e da França. lhes resta devorarem-nos, em compensação.

O que ? não é culpado o niíio ? Mas, por que bulias lhe consagram disparates e manifesta- ções extravagantes de contentamento ?

Ponham isso em zarzuela, cantada pelos deita gatos !

Leio nos jornaes de Lisboa. Tracta-se dos Eléctricos :

«A Companhia Carris de Ferro de Lisboa

204

trata de estabelecer uma caixa de pensões e reformas para o seu pessoal ! . >

. . . Pois que se acha em tão humanitárias disposições, veja se estabelece pensões ás fa- mílias dos infelizes victimados pela bestialidade de parte do seu pessoal !

A propósito da alliança dos Progressistas com os devotos Pestana & C/, diz o Popular:

^Sem duvida, o sr. João Franco pretende agora renovar a chronica de Costa Cabral, sa- hindo do club jacobino dos Camillos para se converter no mais valioso elemento da reacção politica e da oppressão governativa, mas du- vidosamente o conseguirá, por lhe ser contra- ria a época e lhe íaltar a larga envergadura intellectual do primeiro conde de Thomar. No momento actual, porém, os Progressistas po-

205

deriam desculpar- se, allegando darem credito, aliás immerecido, ás phrases do programma franquista. ^Mostrariam imprevidência funesta, mas não se collocariam em contradicçào aberta com todo o seu passado. A velha democracia do sr. Augusto José da Cunha, companheiro de Elias Garcia, para não fallar de outros, lo- graria servir com as promessas liberaes, em- bora fementidas, do franquismo. Mas nem che- ga a comprehender-se o mesmo sr. Augusto José da Cunha, sempre sem fallar de outros, a commungar na mesma pia com o sr. conde de Samodães e com o sr. Manoel Pestana.»

. . . E haver um tempo na vida em que se toma tudo isto a sério !

Morreu o Rosalino no hospital. Toda a gente o conhecia, pelo feitio excêntrico do lit- terato e pela honestidade de caracter do ex- cellente homem.

206

Não escrevia bem ; mas ahi está o Albano da Cunhay que ainda escreve peior, e que custa mais ao Thesouro do que três homens de va- lor.

Este mundo é aquillo que cheira mal.

XXXVI

Um dia d'estes, vi precipitar-se do alto do ascensor de Santa Justa para a rua do Ouro um homem, que depois me informaram erra- damente ser um lojista em vésperas de fallen- cia. Eu fechei os olhos ao vêl-o vir do alto, mas, se não o vi cair, ouvi a queda. Receio que por largo tempo se me conserve nos ou- vidos aquelle horrivel som !

Muita gente correndo. Commentarios. Foi o caso do dia ; e não faltou quem na Arcada sentenciasse: «A promptidão com que estes sujeitos se matam ! Se os outros soubessem acudiam, mas ninguém adivinha ...» Horren- díssimos patifes !

207

Precisamente, eu acabara, ao sair de casa, de annotar cinco linhas do livro novo A Farça^ de Raul Brandão. Rezam assim as taes cinco linhas d'esse admirável livro escripto com um talento macabro, que realce grutesco aos talentos alforrecas da interminável sucia :

«O mundo indifferente continuou a moure- jar:— a mesma banalidade, as mesmas dores, e risos, idênticos hábitos, e o eterno borbori- nho sem fito sobre a cabeça dos que adorme- ceram para sempre no seio da terra.»

A propósito recebo a seguinte carta : . . . «Tinha curiosidade em saber a opinião do philosopho Tibério com respeito á forma como a bondosa reportagem noticia os casos de suicídio, de crimes, etc.

«Ainda ante-hontem um jornal da noite, fa- zendo a descripção do caso do suicídio occor-

208

rido no elevador de Santa Justa, foi estendendo a massa, até que lhe appeteceu de repente es- crever em typo muito maior e saliente «NEU- RASTHENIA FATAL. >>— Ora, ha alguns annos que as auctoridades entenderam, para defender a velharia do Segredo profissional^ prohibir que no Obituário que vem a um canto dos jornaes, e que quasi ninguém lê, se publi- cassem as doenças causadoras dos óbitos.

«Isto, não como respeito por um sentimento humano, mas sim para respeitar um dever puramente convencional.

«V., Sr. João Braz, que é um nervoso, sup- ponha agora o que terá sentido os milhares de doentes a quem os médicos teem dito que padecem de Neurasthenia, depois de lerem aquella prosa animadora n'um jornal de bas- tante tiragem. Naturalmente, todos, ou quasi todos, terão visto defronte de si o phantasma do suicídio, como resultado mais próximo ou mais remoto da sua doença.

*Ora, como aquellas duas palavras, enci-

209

mando a prosa descriptiva, não puderam ser- vir, nem para augmento de venda do jornal, nem para elevar á gloria de génio quem as es- creveu, pelo seu excepcional mérito litterario, quer de forma, quer de conceito, o seu amigo Tibério não achará n'este caso, como em mui- tos outros, um symptoma da Maldade incons- ciente, que é apanágio da espécie humana ? . . .

^.Ningtíem*.

Tibério não responde, porque está em Porto- Arthur : vêr e crer. Respondo eu por nós am- bos :

Não tomemos isto muito a sério, p^ra não endoidecermos.

NO COLISEU .14

2IO

XXXVII

Na minha mocidade, ia eu todas as noites ao theatro da Trindade, regalar-me vendo e ouvindo o Barba Azul. E recordo-me d'este dialogo do rei Bobeche (Izidoro) com o conde Oscar (Joaquim d'Almeida) :

< O conde. «Mas é que o senhor de Barba Azul tem peças de artilheria e vossa magesta- de não tem uma só, com que se benza !

O rei. Que é isso ? Eu não tenho uma peça ? !

O conde. Nem uma, para amostra.

O rei. E que destino deu o inspector do arsenal ao dinjieiro que lhe entreguei ?

O conde. Gastou-o em comes e bebes.

O rei. Ao menos devia ter-me convidado.

O conde. A mim convidou-me.

O rei. Bom proveito, guloso ! O peior é que sou eu quem paga.»

211

Não era tal o rei quem pagava. Era a besta contribuinte. Mas, eu trago isto a propósito de a administração militar na Rússia ter gasto em comes e bebes o dinheiro destinado a artilhe- ria e coisas. E parece que é moda em quasi to- dos os paizes da Terra. O anno passado, a Tur- quia teve de pagar uns cobres á França, por- que se achou, em véspera do conflicto, com um vaso de guerra para amostra, figurando no Ahnanack de Gotha com uma grande esquadra. A Hespanha estava fresca na lucta contra os Americanos. A França foi o que se viu em 1870 ; e se nós . . Ora, nós é coisa atada í Diz bem Zé-burro.

Ponham os olhos n'este amor de telegram- ma. Assim se escreve a Historia :

212

«OS INXLEZES NO THIBET.

«LONDRES, 7 t Uns 700 thibetanos ata- caram no dia 5 o acampamento da missão in- gleza em Grang-tse, mas foram repellidos de- pois de duas horas de combate e abandona- ram no campo 250 mortos ou feridos. Os in- glezes tiveram 2 feridos. {Havas)>.

Duas horas de combate, que deve ter sido encarniçado, pois que os indigenas do Thibet perderam 250 homens, e os Inglezes tive- ram apenas dois feridos !

Vão os meus amigos da Grã-Bretanha men- tir para casa do diabo ! A não ser diria o alfaiate José Clemente que elles usem no Thibet os famosos gabões de Aveiro.

Um d'estes cavalheiros, que se julgam feli- zes quando suppõem que nos podem ser des-

213

agradáveis, participa-me que me tem dito coi- sas de entupir um pateta do Norte.

Não tenho visto, nem decerto verei ; mas quero contar uma historia pela decima sé- tima vez. E' a seguinte :

Um bello dia, haverá trinta annos, tendo Amorim Vianna atacado n'um jornal as casas de jogo, foi atracado no largo da Batalha por D. Marcos Arguelles, dono do famoso Grémio casa de jogo extincta. Ao vêr abeirar-se-lhe o jogador, Amorim Vianna desatou a fugir. Exclamação de D. Marcos.

«Você foge, seu covardão r E o sábio :

«Não é medo : é vergonha de que me ve- jam estar a fallar com você!»

. . . Pela decima sétima vez, ó de de riba !

Noticiando um beneficio da sr.^ Lucinda Si- mões, diz um meu coUega :

214

«Lucinda, a maior de todas ^ como diria Sil- va Pinto :!>.

. . .Quando fallasse de Sarah Bernhardt, bem entendido.

Da Voz do Operário :

«Inventou-se ahi, para o pagamento do tra- balho typographico, uma theoria verdadeira- mente extraordinária, que não apparece em nenhum tratado de Sociologia : a de que o trabalho deve ser pago em conformidade com os lucros do industrial. E' rica e prospera a empreza que explora o trabalho typographico ? N'esse caso os salários podem ser elevados. E' rachitica e enfezada essa empreza } Então, os operários que trabalhem por salários que mal lhes cheguem para comer! Èxtranha theo- ria esta, que pela primeira vez vemos defen- der, e que nunca vimos applicar a qualquer outra classe ou ramo de industria !>

215

. . . Ha de perdoar, mas eu um dia pedi á Empreza, de que sou empregado, augmento de salário, e o ministro respondeu-me que o estado do orçamento era desgraçado, e que eu bem o sabia.

Eu bem sabia ; mas como não tinha sido eu. . .

XXXVIII

N'um comicio ha pouco realizado em Coim- bra:

Dr. Malva da Veiga :

«Sou um medico livre n'uma aldeia, e na minha clinica da ultima semana observei, entre outros, os seguintes doentes :

«Manoel Cardoso, de 70 annos de edade, natural e residente na Castanheira, freguezia de S. Silvestre, pae de 5 filhos. Passou por ter sido o maior trabalhador da freguezia.

«Diagnostico fome !

« José Varella, de 30 annos de edade, na-

2l6

tural e residente na mesma freguezia, com 3 filhos. E' um bom trabalhador

«Diagnostico fome !

< Uma criança, de 18 dias de edade, de nome José, natural de S. Martinho de Arvore. A mãe tem sempre criado os outros filhos, com abundância de leite. Agora mesmo tinha mui- to quando a criança nasceu ; foi diminuindo pouco a pouco, até que de todo seccou.

«Diagnostico fome !

«O filho, ao cabo de 8 dias alimentava-se de esmolas ; aos 18, morreu.

«Diagnostico fome !>>

. . . Vejo, pela noticia, que, de quando em quando, o commissario de policia interrompia o orador. Entende-se. Morrer de fome não é coisa que se diga.

A propósito de tal inconveniência, todos po-

217

dem vêr outra idêntica no Diário de Noticias. E' o que se vae lêr :

t

«Um grupo de aspirantes da contabilidade publica escreve-nos, soUicitando a nossa atten- ção para o estado em que se encontra um seu infeliz collega.

«Dizem-nos que este desgraçado tem 1 57^000 réis mensaes, dos quaes recebe 8?2>025, de- pois dos descontos que por lei soífre,

«Que tem a mulher ha muito tisica, soffren- do horrivelmente, e três creanças muito doen- tes do peito, a irmã quasi cega, padecendo d'uma atroz doença.

«Que perdeu ha pouco a mãe, viuva d'um official do exercito.

«Que, emquanto teve para vender ou empe- nhar, vendeu e empenhou.

«Que actualmente todos passam fome, não podendo as creanças ir á escola, por não terem que vestir, e se elle ainda vae á repar- tição é porque lhe emprestam um casaco.»

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tural e residente na mesma freguezia, com 3 filhos. E' um bom trabalhador,

< Diagnostico fome !

< Uma criança, de 18 dias de edade, de nome José, natural de S. Martinho de Arvore. A mãe tem sempre criado os outros filhos, corn abundância de leite. Agora mesmo tinha mui- to quando a criança nasceu ; foi diminuindo pouco a pouco, até que de todo seccou.

«Diagnostico fome !

«O filho, ao cabo de 8 dias alimentava-se de esmolas ; aos 18, morreu.

«Diagnostico fome

. . . Vejo, pela noticia, que, de quando em quando, o commissario de policia interrompia o orador. Entende-se. Morrer de fome não é coisa qtie se diga.

* A propósito de tal inconveniência, todos po-

217

dem vêr outra idêntica no Diário de Noticias. E' o que se vae lêr :

«Um grupo de aspirantes da contabilidade publica escreve-nos, sollicitando a nossa atten- ção para o estado em que se encontra um seu infeliz collega.

«Dizem-nos que este desgraçado tem 1 5i^ooo réis mensaes, dos quaes recebe 8?^025, de- pois dos descontos que por lei soífre.

«Que tem a mulher ha muito tisica, soffren- do horrivelmente, e três creanças muito doen- tes do peito, a irmã quasi cega, padecendo d'uma atroz doença.

«Que perdeu ha pouco a mãe, viuva d'um ofíicial do exercito.

«Que, emquanto teve para vender ou empe- nhar, vendeu e empenhou.

«Que actualmente todos passam fome, não podendo as creanças ir á escola, por não terem que vestir, e se elle ainda vae á repar- tição é porque lhe emprestam um casaco.»

2l8

... o Diário de Noticias accrescenta de sua

casa :

«Em favor d'este infeliz, imploramos dos nossos assignantes e leitores uma collocaçào, para ganhar alguns vinténs depois das 4 da tarde, a fim de se não dizer que em Lisboa se morre de fome.

«Os aspirantes da 6.^ repartição de contabi- lidade dão todas as informações que sejam re- queridas,

«Sabemos também que este desgraçado, que é intelligente e instruído, tem habilitado vários alumnos em instrucção primaria, os quaes sem- pre teem sido approvados, podendo assim ser utilisado para leccionar.

«Mora na rua de Martim Vaz, 33, i.'^>

. . . Não deve passar em claro aquelle dizer do auctor da noticia : A fim de se não dizer que em Lisboa se morre de fome.

Pois, decerto, apenas acudirem áquelle func-

219

cionario e á família, deixa de existir a fome em Lisboa. Toda a canalha de depenados pas- sa a rebentar de fartura ! Vamos andando.

XXXIX

Um jornal de Lisboa, registrando certos fa- ctos do jornalismo francez, commenta:

<A chronica, o artigo de fundo estão em de- cadência. Agora querem-se documentos, inter- views. As opiniões de um homem, mesmo de grande talento, não seduzem o publico. >

Eis-nos no circulo vicioso em que se discute se a primeira gallinha nasceu antes ou depois do primeiro ovo. Quer-se saber se o culpado do rebaixamento de tal publico foi este Tele- maco, ou foi Mentor.

Em vez da chronica ou do artigo de fundo escriptos por homens mesmo de grande talento^

220

prefere certo publico louvado Deus, não é todo os documentos e as intervíews. E acode accrescentar : Mesmo sem talento nenhum ?

Dizia-me, é certo, ha tempos o proprietário de um grande jornal :

«Para um numero considerável de leito- res a parte superior do jornal quero dizer a que é redigida com talento, com ideias, com princípios e com elevação é dispensável, o que depõe deploravelmente acerca da evolu- ção dos espirites. Taes espíritos preferem a no- ticia, embora mal redigida, das facadas do fa- dista na amante, com minudencias acerca dos dois typos e dos parentes de ambos e dos cus- tumes de todos. Espanta-se você de que eu não imponha a similhantes leitores o trabalho dos Intellectuaes ; mas se a repugnância dos taes leitores vem da falta de intelligencia ? Devo eu arriscar, por amor da Arte, a minha empreza?»

221

A' luz da empreza tem razão homem ; mas não soíTre duvida que a tal preferencia dos do- cumentos constitue um documento eloquentís- simo, inilludivel e muito applaudido pelos adversários do Phosphoro, Rezumindo : cha- ma-se Decadência a situação. Não sei se me faço perceber.

Vejo n'um jornal que um actor de lo.^ classe dissera: «Compro todos os jornalistas por um bilhete de entrada, ou por uma traducção>. Nem todos, homemsinho ; mas isso não é com- migo \i. sei.

Cito o caso, lembrando-me de que, ha perto de 30 annos, no Porto, o director da Alfande- ga—Bento de Freitas Soares disse emconse-

222

lho de verificadores; «A imprensa! Jornal que eu não compre por uma libra compro-o por dez.»

Pareceu-me que era commigo. Deu-me tra- balho, mas saiu-lhe cara a festa. Não falta quem se lembre no Porto.

Bons tempos !

. . . Japão e coisas, e eis que se desata a lou- var a actual imperatriz, que, pelos modos, é uma Sada Yacco de arromba.

Vejo n'uma gazeta d^ terra que a mu- Ihersinha chama-se Haru-Ko. Está no seu di- reito. E que é a primeira imperatriz do Japão, conselheira do imperador, que se interessa pela vida dos seus súbditos. E é por isso que elles caem aos milhares debaixo dos regimen- tos de cossacos.

a formosa imperatriz Eugenia, a mulher de Napoleão III, chamava á guerra franco-

I

r*^

=. i«iA

- j minha guerra. A iapootxa. Ha- m-K : tm a sMa guerra.

Não esquecerá ootar que a dooa dos japo- oezes interessa-se muito peia saode do sen povo. Creon uma escoU de enfenneiros, e está um anjo da caridade . . amareOo, que parece brazKX).

Elste muDdo é um pag.>de chinez.

Bem lhes dissera eu que o snccessor de Leão Xni era assim um Frei José dôs Qnra- ;^<fj. A propósito do protesto que o galie- guko Merry dei Vai, soccesst»- de RarapoUa, fez assignar ao Sammo Poodôoe e Sonroo Po- bre d'espinto, contra a ¥is^ de Lootiet á Roma de Victor liannrl, temos ahi o segiôate tekgramma :

/Wú, 2/, ás ò t. A imprensa a ruptura immÍDente das relações oata o Vati-

222

lho de verificadores: «A imprensa! Jornal que eu não compre por uma libra compro-o por dez.»

Pareceu-me que era commigo. Deu-me tra- balho, mas saiu-lhe cara a festa. Não falta quem se lembre no Porto.

Bons tempos !

. . . Japão e coisas, e eis que se desata a lou- var a actual imperatriz, que, pelos modos, é uma Sada Yacco de arromba.

Vejo n'uma gazeta dq terra que a mu- Ihersinha chama-se Haru-Ko. Está no seu di- reito. E que é a primeira imperatriz do Japão, conselheira do imperador, que se interessa pela vida dos seus súbditos. E é por isso que elles caem aos milhares debaixo dos regimen- tos de cossacos.

a formosa imperatriz Eugenia, a mulher de Napoleão III, chamava á guerra franco-

223

prussiana a minha guerra. A japoneza Ha- ru-Ko também tem a sua guerra.

Não esquecerá notar que a dona dos japo- nezes interessa-se muito pela saúde do seu povo. Creou uma escola de enfermeiros, e está um anjo da caridade. . . amarello, que parece branco.

Este mundo é um pagode chinez.

Bem lhes dissera eu que o successor de Leão XIII era assim um Frei José dos Qura- ções. A propósito do protesto que o galle- guito Merry dei Vai, successor de Rampolla, fez assignar ao Summo Pontífice e Summo Po- bre d'espirito, contra a visita de Loubet á Roma de Victor Manuel, temos ahi o seguinte telegramma :

Paris, 21 j ds 6 t. A imprensa commenta a ruptura imminente das relações com o Vati-

224

cano, a qual, no dizer de alguns, não terá re- sultados sérios. Os jornaes de Áustria, Ingla- terra, Allemnnha e Itália são unanimes em di- zer que o Summo Pontífice é bondoso e sim- ples e o cardeal Merry dei Vai joven e inex- periente.

Que euphemismos tão patuscos !

Um critico alli de baixo pondera razoavel- mente, vamos com Deus :

«Leão XIII, que, nas vésperas da sua morte, assistiu a essa obra que demonstrou um pulso audacioso e férreo, absteve- se sempre de for- mular qualquer ruidoso protesto. Limitou-se a instar, particularmente, por que cessasse o que os catholicos denominam perseguição. O cardeal Rampolla, cujas sympathias pela Fran- ça eram eguaes ás do Pontífice, se não ainda mais intensas, forcejou sempre por evitar que se

225

rompessem as relações da Santa com o go- verno da nação que o papa classificava amoro- samente de «filha mais velha da Egreja.»

Assim foi. Mas o Mal de hoje pode ser o Bem, na phrase de Milton, da França dos nossos dias. Quem sabe se de um rompimento da ve- lha mãe com 2, filha mais velha pode sair a se- paração da Egreja e do Estado esse velho ideal de salvação?

Vê-se no Dia^ órgão progressista : «É preciso que a esta quadra doentia que a administração publica atravessa, outra succe- da, vigorosa e forte, appoiada na vontade de grande parte do paiz, affirmada nos nossos centros provincianos, dando aoa que governam a força necessária para exercerem o poder, de modo que, sendo um ministério retinctamente partidário, que a todos os seus partidários con- sidere e defenda, seja ao mesmo tempo um re- formador enérgico da nossa vida politica, com-

NO COLISEU i5

220

pensando assim as perdas d'actividade d'este triste periodo em que nos encontramos.»

. . . Ora, ha talvez vinte annos, aconteceu- me pedir a um ministro progressista mi- nistro a valer que não perseguisse um func- cionario regenerador que o guerreava nas eleições. E o ministro disse-me :

«Pela minha parte, estaria o homemsinho livre de cuidados, mas você nào imagina o que são os centros de provinda .'...»

Em Évora deu-se, ha dias, um banquete. A coisa foi entre amigos politicos do governo. Parece que nào seria grande coisa, porque um correspondente do Popidar diz a esta folha:

«O jantar foi servido pelo Hotel Eborense e agradou.»

Registro a frieza das expressões. Mas, logo no dia seguinte, escreve o correspondente ao Popular :

Évora, ii. O assumpto de todas as con-

227

versações é o banquete de hontem e a sua im- ponência.

Entre as hostes opposicionistas, especial- mente entre os francaceos, vae grande des- animo.»

não creio na imponência do banquete; mas creio no desanimo das hostes opposicio- nistas. Bem ou mal, os governantes sempre comeram, e as hostes ficaram em jejum. E sempre para desanimar.

Conta o Jornal da Noite esta coisa histó- rica: — que a princeza de Lamballe tinha des- ^maios, que lhe passavam quando lhe corta- vam os cordões do espartilho.

Outra coisa histórica, que o Jornal da Noite não diz:

Os desmaios da princeza terminaram quando lhe cortaram a cabeça.

228

A uns cem passos de minha casa fica o jar- dim da Patriarchal, recinto ajardinado e aber- to, onde tomam o sol, durante o dia, diversos sujeitos idosos e de bom porte, e onde, do anoitecer em diante, fazem amor vários typos de nota Eu sou dos velhos friorentos, que vão de dia a dia rareando. Ultimamente vi des- apparecer três antigos passeantes : o Antó- nio Pereira de Carvalho, o jogador Marcellino e, ante-hontem, o actor Simões.

Ouço uma trombeta. Está-me chamando a postos ? Não percebo.

todos sabem porque se lembram, ou por informação, que teve carreira artistica fértil em applausos e em lucros o actor Simões. Para esplendido remate de uma longa vida, conseguiu vêr no palco, indiscutidas e glorifi- cadas, Lucinda e Lucilia Simões a filha e a

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neta do consagrado artista. Vi-o ha dias, pela ultima vez, no carro eléctrico, e, tendo-lhe fa- lado na neta e de vários papeis recentes de Lucilia, sentia-me satisfeito, ao vêr aquelle ho- mem feliz. Lembro-me de lhe ouvir, ao des- pedirmo-nos: «Creio bem que a pequena tem um brilhante futuro ; mas, muito obri- gado ! Quem meus filhos beija. . . >

Ainda agora encontrei no jardim da Patriar- chal os velhos amigos do bom sol os do cos- tume, menos o velho Simões. Não conversa- vam; iam assim com ar de assombrados. Eu também me sinto na corrente dos próximos do fim, mas experimento assombro quando, ao romper da manhã, acordo n'este planeta, com o fim em causticante adiamento.

Emfim, creio que foi um homem feliz o nosso actor Simões. Abençoada originalidade!

230

XL

Chove furiosamente desde madrugada, e eu escrevo-lhes ao meio dia, retido na minha al- cova, fulo porque tenho que lidar por este mundo e não posso expôr-me ao mau tempo.

Nada mais reles !

É a autonomia perdida.

Perder a autonomia : suggestiva phrase em espirito de Portuguez !

Mas alli estão outros, mais considerados do que nós, os de Fashoda que me não pare- cem assaz autónomos. Olhem para este tele- gramma :

PARIS, 23, ás 4,27, t. O grupo da direita e o grupo da União republicana affirmaram por unanimidade a sua íideHdade e sympathia

231

para com a Rússia, e votaram 500:000 francos para os feridos russos. >

. . . Fidelidade dos grupos republicanos fran- cezes á Rússia. Está certo.

Um dia d'estes o Nicolau, que pôde con- tar com a fidelidade dos outros passou em revista umas tropas que vão morrer á Ásia, sem saber porque. O Nicolau ia com as se- nhoras da família, e, para divertir a mesma, assim falou ás tropas :

« Sinto-me feliz, irmãos, por vos vêr a to- dos, antes de partirdes e por vos poder desejar uma íeliz viagem. E minha forte convicção que vós mantereis a honra do vosso velho re- gimento e que sabereis arriscar a vida pela nossa querida Pátria. Lembrae-vos de que o vosso inimigo é bravo, corajoso e subtil. De- sejo-vos de todo o coração a victoria e o triumpho sobre o vosso adversário. Com a imagem do divino Seraphim, abençôo-vos, ir-

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mãos, e abençoo em vós o meu glorioso i.° re- gimento de caçadores da Sibéria oriental. Que o Seraphim vele por vós e vos não desampare durante o caminho ! Agradeço aos ofíiciaes o terem voluntariamente tomado os seus postos. Mais uma vez, obrigado, irmãos, de toda a minha alma! Deus vos abençoe !>

Em seguida o batalhão desfilou, e o Czar gritou outra vez ás tropas:

« Adeus, irmãos !>

. . . Commentario de uma gazeta:

«Foi um momento de delirio commo vente e heróico.»

. . . Commentario meu:

Emquanto a Humanidade estiver assim besta^ não irá mal is> feras.

Aconteceu-me lêr no Popular, vindo eu no comboio, de Caxias para Lisboa, que estão em ruinas varias estradas que se acham a cargo do Estado^ e que as municipaes se acham em bom estado de conservação.

233

Precisamente, acabava eu de contemplar os horrores municipaes que se desenrolam aos olhos do transeunte, desde o Cães do Sodré até Belém em plena capital. São centenares de covas que ha annos o rico inunicipio abriu para arborisação e que mandou aterrar, com empedramento em redor e sem arvores, nem sombra d'ellas; são centenares de metros qua- drados de terreno, de espaço em espaço, con- vertidos em vasadouro ; são os vestigios dos jardins improvisados quando aqui veiu o Af- fonso XIII de Hespanha ; são pedregulhos e ortigas e esterco, aos montes, a embellezar um dos principaes pontos da cidade. E tudo mu- nicipal.

Ao Estado o que é do Estado em relaxa- ção e responsabilidades ; mas esta Camará Municipal de Lisboa é o mais desaforado es- cândalo que o sol cobre em terras portugue- zas e pelo visto, é incorrigível !

»>4

^nnt metro» de diittna. Dit o aâi

* Vamos pv^cruir» ^ t^« do AnoMi dr

235

pcrdáo ! o constructor protegido

ia imprensa de Lisl)oa se o mar- . ■....i)al arcou com o poder real. )onho que nenhum jornal francez aprc- \ como adversários do poder real Luiz iharina de Medíeis e o cardeal de Riche- las a ignorância é um direito civico.

irmn ( » P,)f>itf,ir :

sr. tenente Gaspar, commandante militar iml)e, conseguiu prender o famigerado lio Kanhemba, filho do grande potentado inlwi.

u* |)<)tentado tem andado sempre em re- i contra o governo portuguez, recusando- pugar o mussoco e nào consentindo que o atros o pagassem.

234

Da Camará ao Arsenal da marinha vão al- guns metros de distancia. Diz o alludido Po- pular :

«Vamos perdendo as esperanças de obter explicação sobre os estupendos acontecimen- tos do Arsenal de Marinha, aquella deliciosa e lucrativa mina descoberta pelo sr. Croneau e ajudantes.

«Não ha meio de saber para que fim alta- mente superior, se importou da França, 6:000 kilos de borracha, gastando-se por anno a mé- dia de 50 a 60; nem também conseguimos descobrir quem inventou as empreitadas que n'aquella santa estão vigorando.

«Sobre o enterro mysterioso das cavernas do D. Amélia egualmente ficamos em jejum.

«Talvez que o sr. ministro da marinha, que é engenheiro, podesse elucidar todos estes casos.»

. . . Talvez ; mas o que está elucidado é isto ;

235

o crtizador . . . perdão ! o construcfor protegido ficou.

Discute-se na imprensa de Lisboa se o mar- quez de Pombal arcou com o poder real.

Supponho que nenhum jornal francez apre- sentaria como adversários do poder real Luiz XI, Catharina de Medicis e o cardeal de Riche- lieu ; mas a ignorância é um direito civico.

Informa o Popular :

«O sr. tenente Gaspar, commandante militar do Zumbe, conseguiu prender o famigerado António Kanhemba, filho do grande potentado Kanhemba.

«Este potentado tem andado sempre em re- beldia contra o governo portuguez, recusando- se a pagar o mussoco e não consentindo que os outros o pagassem.

23:

«Segundo uma estatística official, na R blica Yankee, onde se lyncha e elcctro( publica modelo, existem fortunas ] o mil a 800 mil contos, rendas d

- por dia, c ao lado a'

'f'*í de indigentes! I . K-, havia na Eur 70 iiiilliòe* de indigentes, sendo 5 Ic camponezcs. /indo uns 12 milhões, aasist -tam 58 mi' —'•; toda\

'• penal ou f> . náo são mais . ha lavrador - >s, etc-

\

<ran'

236

«Chegava atai ponto o seu atrevimento que armava a sua gente para ir ao caminho atacar as escoltas que conduziam os presos enviados para Tete.>

Cada palavra é um conceito. Temos, pelos modos, no illustre Gaspar um imitador de Mou- sinho— a caçar potentados; mas o Gaspar caça os filhos dos potentados e vae chamando famigerados a esses filhos.

Verdade, verdade: é preciso que aquelles pretos sejam muito. . . pretos, para ainda nos pagarem o mussoco. Elles aprenderão a vi- ver . . .

Satisfaço o desejo manifestado pelo auctor de um opúsculo de reivindicação social A Canalha publicado agora no Porto: desejo de que lhe emitta o meu parecer. E' velho como o meu pensamento e como o meu senti- mento. Ora, deixe -me reproduzir do folheto estas linhas:

237

«Segundo uma estatística official, na Repu- blica Yankee, onde se lyncha e electrocuta, re- publica modelo, existem fortunas pasmosas de 300 mil a 800 mil contos, rendas de 35, 40, 50 contos por dia, e ao lado abysmos de miséria, milhões de indigentes! Em 1887, segundo Kropotkine, havia na Europa e America do Norte 70 lailhões de indigentes, sendo 50 mi- lhões só de camponezes.

«Deduzindo uns 12 milhões, assistidos pelos Estados, restam 58 milhões condemnados a morrer de fome; todavia, aquelles 12 milhões de mortaes obnoxios, submettidos ao regimen verdadeiramente penal ou penitenciário das work hotises^ não são mais felizes.

«No Alemtejo ha lavrador— Barahona, José Maria dos Santos, etc. possuindo dezenas de léguas quadradas de terreno, e o povo nem um palmo de solo! Os grandes criminosos no Ca- pitólio, e os innocentes precipitados da rocha Tarpeia !

«O rico explorando e vexando impune-

238

mente o pobre! Cada palacete, cada fias-house. «As nações poderosas trucidando e saquean- do as fracas! Os filhos do Povo conduzidos á guerra, a matar e a morrer pela plutocracia in- saciável !>

. . . Quero eu dizer, a quem isso escreve, que, emquanto tudo isso for verdade e pão nosso cada dia, a consolação única consiste em crer na expiação. Crer implica a ideia de tra- balhar. Não ha que discutir; assignalar ape- nas e constantemente.

Não haverá um dia de paz na face da Terra !

Acerca dos menores deita-gatos^ explorados por vários ladrões estabelecidos na capital, in- forma, referindo -se a um d'estes, o Diário de

Noticias :

«A casa do Alto dos Sete Moinhos é uma

«39

espelunca infecta, contraria a todas as condi- ções hygienicas, um chiqueiro, com nome de vivenda para humanos.

«Doze rapazes, além do explorador, ali dor- mem. ■

< A cama é uma enxerga, a cobertura os far- rapos que cada desgraçadinho enverga.

«Alimento para cada um dos explorados: IO réis de caldo pela manhã e outros lo réis á noite. Pão o que elles conseguem haver da ca- ridade. Para sobremesa uma data de sopapos, quando não trabalhe a correia, se não adqui- rem pelo trabalho ou pela «pedincha» o di- nheiro que o explorador lhes pede.

«Precisamos dizer que tudo isto é passado n'csta terra, que tem as suas prosapias de ci- vilisada e também de policiada; e também bom é que digamos que, tendo ha semanas posto em relevo as façanhas do explorador, elle tem continuado no exercicio da sua «industria» sem, ao menos, em compensação dos seus fei- tos, ter ido parar com os ossos á cadeia. >

240

lhes não fallo da indifferença do cônsul de Hespanha, protector official dos pobres gal- leguitos. A esta hora, como súbdito de Af- fonso XIII, o sr. cônsul pensa em bombardear outra vez os portos dos Estados-Unidos. E' mania, tenaz e inoífensiva; mas imaginemos que os menores martyrisados eram filhos da Inglaterra. . . Adiante!

E claro que, se os famintos e miseráveis pe- quenos, apertados pelo terror, furtarem para comer, ou para o patrão, está o Limoeiro, para lhes ensinar a regra e as vantagens da vida honrada. E o grande ladrão continua im- pune.

E jogam por ahi chufas a Marrocos estes fructos podres de uma civilisação grutesca. Nem coração, nem critério, nem vergonha !

241

Em 1776, a opinião publica, em França, in- dicou a Luiz XVI o sábio economista Turgot, para ministro das finanças e salvador d'ellas. Puzeram-se de accordo o rei e o ministro, mas as reformas de Turgot levantaram a oppo- siçào dos grandes^ que viviam dos abusos, e Luiz XVI teve de demittir o honrado e enér- gico ministro.

Lia eu, a noite passada, estas indicações de Thiers, na sua Historia da Revohição Fran- ceza e conclui:

Ahi está uma lição eloquente para a aus- tera narigueta do Periquito l

Inaugurado o tributo á memoria do mare- chal Saldanha, pelo lançamento da primeira pedra^ eis que o Diário de Noticias produz as seguintes lamentações :

«O aspecto da praça era característico, mas o calor verdadeiramente africano, asphyxian-

NO COLISEU 16

242

te, afugentou, decerto, a grande massa do pu- blico, que compareceu em pequena quanti- dade áquella festa, que devia ser de todos, mas que foi votada pelo povo a um indifferen- tismo deveras triste. >

. . . Acode ponderar que se abstiveram de ir:

I Os Soa ço p.c.^ a quem se não ensinou o que Saldanha fez;

2.° Os que conhecem a historia constitti- cional da nossa terra, e podem, portanto, deplorar os sacrifícios daquelles luctadores.

3.° Os pândegos que vão a todas as fes- tas como iriaín a um auto de fé, e que não fo- ram lá, porque ás duas horas da tarde, n'um descampado, debaixo de sol, não é caso para pagodeira.

Ora, nada d'isto é triste. É outra coisa.

243

XLI

Esta é portugueza e de Ferreira do Alem- tejo. Vem no Diário de Noticias:

«Por iniciativa do illustre deputado por este circulo, sr. João de Sousa Tavares, vae a ca- mará munií:ipal d'este concelho montar no seu edifício uma bibliotheca, para o que tem muitos livros, grande numero dos quaes offe- recidos pelo mesmo illustre deputado.

«Infelizmente, esta sym.pathica e alevantada ideia, que encontrou echo generoso no espirito da illustrada. edilidade, sobretudo do seuillus. tre presidente, não corresponde ao fim a que se destina : Ensinamento e instrucção po- pular.

« E porque.^ Perguntará algum leitor mais curioso.

« Porque aqui, como de resto em toda

244

esta região do sul, o analphabetismo é o pão nosso de cada dia.>

. . . De modo que são inúteis os livros, pois que o povo não sabe lêr. Pois, rico alemtejano, ali está o meu querido Raul^ que aprendeu a lêr em quatro mezes para saber o que di- ziam os livros.

Escola, escola, gente do sul, que parece do norte ! v

No parlamento, o sr. Francisco José Ma- chado ao sr. ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa) :

«O que quer v. ex.^ que o povo faça, de- pois de se ter mantido durante longos mezes com a maior cordura e correcção ? E preciso que se compadeçam da fome d'essa gente.»

. . . Ahi tem o Alemtejo um resultado da falta de escolas: o povo, que tudo paga e tudo atura, é capaz de agradecer aos que

245

o tratam por faminto digno de compaixão. Se a gente duvidasse de um dia de justiça^ seria infame vivendo.

Ainda agora (era meio dia ; escrevo ás 4 da tarde) entrei no Tavares^ (café-restaurante, rua de S. Roque), a vêr se comeria alguma coisa, pois que me não aguento na mar- cha.

Estava alli Columbano, a vêr se algnma coisa comia. Palestrámos ambos, desilludidos em coisas de appetite.

O grande pintor, resignado, conseguiu levar de vencida um macarroni Eu pedi, amaldi- çoei, paguei e não provei, sequer, uma costel- leta de porco.

Dizia-me Columbano, carinhosamente :

«Faça diligencia! Falta ahi uma rodella de limão. E pouco a pouco; um bocadinho de pão . . . E não vale irritar-se. Porque e com

246

quem ? Porque está doente ? Com a doença r Toca a resistir !>

E eu, fulo:

Tomara que me levasse o diabo ! A prova é que não quero almoçar. Acabou-se. E diga-me uma coisa : o senhor interessa-se por aquillo do Japão ?

E Columbano:

<Eu lhe digo: Tão pouco sympathicos acho uns como outros. Parece que os taes eu- ropeus feitos á pressa teem levado vantagem sobre os Russos. Ainda não medi as vantagens de tal coisa para a civiHsaçào geral . »

E aconselhando, em tom compadecido:

«Talvez lhe fizesse bem um desenjoativo: uns espinafres. . . »

Se d'elles dependesse eu assistir ao de- sastre do Japão, comeria espinafres, br(jculos e couve-flôr. D 'esta vez não me accusarão de fazer politica ingleza. O que eu odeio, princi- palmente, nos japonezes é trabalharem por conta da Inglaterra. Abaixo d'aquillo. . .

247

E Columbano, atalhando: «Só os que não trabalham por conta dos outros, nem por conta própria.* Justo! Justo! . . .Pagámos e sahimos, sem eu ter comido.

E sempre com uma impressão de pavor, le- vado ao cumulo, que eu admitto a hypothese de nós virmos a ter uma guerra marítima sem que ao eólio nos pegue a Inglaterra. Ima- gine-se um dos nossos vasos de guerra a apa- nhar dois balasios, tora do Carnaval, dispara- dos por um vaso da Patagonia (se o não so- nhar am\): é claro que o nosso, contundido na coirama e offendido na dignidade, ia para o fundo. Que obnoxios telegrammas!

Vejam o que, a propósito do nosso arsenal de marinha, refere a Época :

«Diz-se que voltou a ser prorogado o con-

248

tracto com o sr. Croneau. É um escândalo, e tanto basta para que tenha visos de verdade. É um escândalo, a nosso juizo, não porque aquelle senhor seja f^^ancez, mas porque são patentes e irreparáveis as provas da sua in- competência. Gastamos rios de dinheiro para termos ahi uns barcos que são a prova do que é esse arsenal sob a direcção d'esse mestre.»

E o Popular^ que tem maritimo de casa. ac- crescenta :

cNão é isso. E os fornecimentos de bor- racha que pôde chegar para 50 ou 60 annos.^ E o bronze do hélice do D. Amélia^ a desfa-

zer-se.?'>

*

Pretendi eu, ha tempos, collocar no Arsenal de marinha, na eíTectividade, um aprendiz de serralheiro interino. Para isso me dirigi ao mi-

249

nistro da marinha, o qual ponderou, depois de ouvir-me :

«Não me parece excellente negocio^ nem para o estabelecimento, nem para o operário, mas, emíim, mais extraordinário do que é esse arsenal não é possível que venha a sel-o. Pôde entrar o rapaz.»

Certo é que toda agente considera aquillo uma coisa extraordinária pelo que custa, pelo que deve fazer e pelo que não faz Mas não ha, desde o ministro até mais abaixo, ou mais acima, quem olhe com olhos de Provi- dencia. Se nós tivéssemos de luctar . com a Patagonia !

XLII

Ainda agora tive occasião de ouvir umas referencia de politicas a essa coisa que, pelos modos, é politica : um rapaz nosso conhe- cido guindado a chefe do partido regenera- dor. . . n'um concelho do Minho. Dar-me-hia

250

o caso, talvez, uma noção de inveja, se eu não fosse já, de ha muito, o chefe do meu partido na minha rua. E achei-me eleito, por unanimidade e sem mexericos de influencias.

* *

Subindo em espirito: haverá uns vinte an- nos, dizia-me, em S. Miguel de Seide, Camillo Castello Branco:

«Eu bem sei que tratam de me apear como elles dizem e de me reduzir á expres- são mais simples ; mas escusam de fatigar-se esses bêbedos. Emquanto eu viver hei de ser o primeiro romancista de S. Miguel de Seide.T^

E' certo que bem parece e mal não sabe, isto de ser o primeiro vulto de uma collectividade. Ou chefe dos regeneraderes no concelho, ou primeiro romancista de aldeia, ou dirigente de um partido mysterioso n'uma ruasinha lisboe- ta, — ha ahi que farte a vaidade humana. Mas

251

tudo tem espinhos como ides vêr, pequenos

da Terra 1

*

* *

Da ultima vez que esteve em Lisboa, vindo da Suécia, contou-me António Feijó que, andando aterradissimo um nosso collega, á conta de vir a ser devorado pelos vermes, elle Feijó dera a ultima enxadada n'aquelle terror, affirmando ao outro o que realmente sabia por estudo em escripto e por exame di- recto, E vinha a ser:

Ha duas qualidades de vermes: uns para os individuos inferiores inferiores em collo- cação social, ou inferiores em intelligencia; e ha outros vermes, para os superiores. Os bi- chos para os cavalheiros subalternos são ma- gros e de typo insignificante ; comem, dos ca- dáveres, o que se lhes depara. Os bicharocos para superiores são gordos e de terrivel cata- dura: parecem bois caraças. Dos corpos em

252

decomposição escolhem os bons bocados. E o Feijó sustentara ao nosso desolado collega que, por sua intelligencia, devia contar elle, desolado com vermes de grande raça.

Como chefe de um partido politico, na mi- nha rua e como director de um estabelecimento penal, sei que me esperam vermes de hor- rendo aspecto. A mesma sorte terá Albano da Cunha^ mas esse é pela superioridade de ta- lento.

Ai dos superiores !

XLIII

Dizia um theorico e pratico que ao mor- rermos cá ficará o mundo tão tão mau e tolo como o encontrámos á data do nosso nasci- mento. Deve ser assim. Pega a gente n'um livro de Historia, e, confrontando velhos do- cumentos com documentos novos, sente-se con- frangido ao notar que a selvageria prevaleceu

253

e promette não ter fim, nem modificação. Por

exemplo :

*

* *

Referindo-se aos combates realizados em fins do próximo passado mcz, junto a Porto- Arthur, assim diz um dos jornaes que melhor tratam estes assumptos. Leia-se com attenção :

«São verdadeiramente horrorosos os porme- nores dos sangrentos combates dos últimos dias de julho em Porto Arthur, e relatados pe- los chinezes fugitivos d'aquella praça.

«Quando os japonezes conseguiram occupar as posições da Collina do Lobo, situada ao sul das linhas de defeza de Porto-Arthur, os fugitivos foram testemunhas d'um espectáculo medonho.

«No sopé da collina estendia-se um terreno semeado, não de cadáveres, mas de montões de carne humana, no meio de lagos de sangue.

254

«As entranhas dos soldados confundiam- se com as dos cavallos.

«No terceiro dia, todas aquellas massas hu- manas estavam putrefactas, sob a acção d'um sol tropical.

«Os restos mortaes, cheios de vermes, ou invadidos por enxames de moscas, exhalavam um cheiro pestilencial.

«O numero de coveiros era tão diminuto, que lhes fora impossível abrir sepulturas para todas as victimas dos ferozes combates.

«Referem os prisioneiros japonezes que a metralha das baterias russas, lançada sobre uma aldeia chineza, causou tantas victimas, que uma estreita rua ficou cheia de mortos, moribundos e feridos, amontoados em horro- rosa confusão.

«Os russos arrojavam enormes pedras que trituravam os grupos dos assaltantes japone- zes, e essas pedras causaram maior numero de baixas que os projecteis e balas dos canhões e espingardas.

255

«Quando anoiteceu, os soldados combatiam havia 48 horas, tendo bebido pouca agua e to- mado pouco aHmento.

«Foram depois rendidos pelas reservas, que vieram precedidas de musicas tocando o hy- mno nacional,

«Terminado o hymno, as tropas ergueram

vivas ao Czar.>

*

Agora veja-se isto:

«S. PETERSBURGO, 12, ás 5 t. A impe- ratriz Alexandra deu hoje á luz um filho va- rão. A noticia, anciosamente esperada, foi aco- lhida com jubilo. O recemnascido tomou o no- me de Aleixo. A cidade -se adornada de bandeiras e flammulas, e para esta noite pro- jectam-se brilhantes illuminações.»

Tal succedia ha milhares de annos; e fez-se

256

a Historia, e aprendeu-se n'ella e nos soffri- mentos próprios e nos qae se presenciaram, e, milhares de annos volvidos, os grandes in- trujões são veneráveis á face do Eterno e as bestas são incorrigíveis.

Noticia-circular em gazetas:

«Respondeu hontem no 2.° districto, em au- diência presidida pelo sr. dr. Miguel Horta e Costa, o pharmaceutico sr. F. . ., que em 7 de maio ultimo, por uma inconsideração de que elle foi talvez o menos culpado, causou a morte a um individuo de nome Augusto de Mattos Costa, victima de intoxicação produzida pelo arseniato de soda.

«Foi condemnado em 3 mezes de cadeia, com egual tempo de multa a 500 réis por dia, cultas e sellos do processo, ficando a execu- ção da sentunça suspensa por espaço de 2 annos, attendendo ao grande numero de circumstan-

257

cias atenuantes que militavam a seu favor, sendo uma das principaes os esforços empre- gados por elle para evitar as tristes conse- quências do engano, de que teve a respon- sabilidade moral».

. . . Está bemfeitinho. Deduz-se que, tendo sido o pharmaceutico o menos culpado e tendo elle empregado esforços para evitar as consequências do engano, o verdadeiro di- gno de castigo foi o sujeito envenenado.

Morreu. Enterrou-se. Está direito.

Cebo!

Em vésperas de sair a barra de Lisboa, com pretensão de ir á Africa e á índia, o cruzador S. Gabriel deixou cair ao Tejo uma metra- lhadora.

Que não deixará elle cair, por esses mares

em fora } Até o que lhe estiver agarrado !

Nota. Não tem havido meio de descobrir NO coLYSEu 17

258

a metralhadora, por mais que os mergulhado- res mergulhem. Tudo á altura !

Corre mundo que um frade hespanhol, da ordem dos Agostinhos, o padre Félix, co- nhecido pelos seus vastos conhecimentos das sciencias physicas, acaba de levar a cabo um prodigioso invento, de capital importância e de applicações infinitas. Tornou pratico um processo de telegraphia, mediante o qual a informação telegraphica da imprensa pôde ser rápida e amplíssima, por ser ao mesmo tempo económica. O seu descobrimento tem o nome de «Telegraphia Phonographica» pela combi- nação que ha de telegrapho e phonographo, para se obter por exemplo um discurso de 30:000 lettras em 3 minutos.

Em boa lógica, o frade que assim presta um culto pratico á Sciencia deveria ser casti- gado pela Egreja, a não lançar em conta de Milagre os seus feitos scientiíicos.

259

Mas, agora vejo que elle vae partir para os Estados Unidos, a fim de ultimar em socego os seus trabalhos.

Não, que a Hespanha ainda é capaz de queimar bruxos l

XLIV

Traz o Popular um retrato do sr. Pequito, com apontamentos de gloriosa biographia. Não vale a pena contestar coisa alguma ; não desmanchemos prazeres ! Mas não deixarei de citar esta observação do Popular :

«E' o sr. Pequito pessoa finamente educada, o que não é indifferente para quem tem de tratar com homens.»

no Diário de Noticias^ em um artigo «Planos financeiros», se dizia, ha tempos, «que sendo o fisco bem educado, o contri- buinte se deixaria esfolar, sem protesto». A

26o

opinião do philosopho Tibério é que o sr. Pequito seria capaz d'uma d'estas Deduz-se que o extraordinário ministro tem o culto da boa educação. Tibério crê que a observação supra, no Popular, é também do sr. Pequito.

Mas vejam isto agora. Vem no Popular su- pra:

«Por curiosa contamos a seguinte anecdota, que nos acabam de referir :

«Ha tempo, n'uma noite de S. Carlos, en- trou n'um camarote de i.^ ordem uma fa- milia em que se notava a presença de duas de- moiselles bastante feias, e que tinham vindo da Rússia para Lisboa passar uma tempora- da.

«Alguém perguntou a uma senhora muito eapirituosa quem eram as duas recem-chega- das tão pouco contempladas pela Natureza-

201

São dois coiros da Rússia, foi a resposta textual.»

. . . Ora, tenho uma ideia de eu haver lido, ha muitos annos, n'um almanach lisboeta :

Não ha nada mais bonito Do que a boa educação; Nas senhoras, sobretudo, Brilha ella até mais não.

E hão de concordar em que o espirito da tal senhora é de coiro da Ribeira!

Que dirá o financeiro Pequito esse bem educado ?

A interessante canhoneira Tejo foi até ao Algarve e regressou a Lisboa sem desaforos de maior: apenas desarranjo nas ventoinhas e uma coisa de que um noticiarista diz: «O

202

navio funccionou com o leme eléctrico e com certa regularidade.»

Lembro me de Rodrigues de Freitas me ha- ver dito de um jornalista. . . ainda vivo actual- mente :

«Tem certa habilidade, o que está muito longe de habilidade certa.»

Deus conserve a canhoneira amarrada á bóia !

O sr. Jayme Arthur da Costa Pinto, presi- dente da camará municipal de Cascaes, tem, como tal, prestado bons serviços. E' trabalha- dor e é carola ; mas não devia escrever para o publico.

Hoje escreve elle n'uma gazeta:

«A construcção do grande hotel deve ser feita nos terrenos do baluarte que, a meu pe- dido, os meus bons amigos Policarpo Anjos, Victorino Vaz Júnior e Júlio Nunes, verdadei-

263

ros beneméritos dos progressos de Cascaes, adquiriram, e mandaram elaborar a planta do hotel pelo distincto architecto Ventura Terra. se tentou edificar um hotel formando uma Companhia por meio de acções, mas, apesar do negocio ser lucrativo, como demonstra o relatório que acompanha o projecto, não ap- pareceram subscriptores

. . . Parece um discurso do pharmaceutico Eusébio Macário. Peior, o illustre marquez cTAvila^ que fez municipalhadas em Lisboa. Este ratão ousou até fazer um discurso, ao inaugurar-se o monumento a Eça de Queiroz, citando, como um grande estilysta, o grande romancista Stendhal, que foi o maior inimigo do estylo. Parece que lhe assopraram a asnei- ra, — ao tal marquez, para o enterrarem de todo.

Pois amigo Jayme Arthur, ~ trabalho e pou- cas letras!

264

Andam com o fogo na via larga as princezas europêas. Adultérios e patifarias de tremer!

Vae, a propósito, isto da Filha do regici- da^ do grande Camillo Castello Branco. Fala D. João IV, dirigindo-se ao seu alcaiote-mór António de Cavide :

«E, que monta ser rei, quando se é frá- gil como qualquer homem ? U

E o outro, tão patife e menos tolo do que o Bragança :

«Estou pensando, real senhor ! Vossa ma- gestade, n'essas poucas expressões, compen- diou um livro ; E que monta ser rei^ quando se ê frágil como qualquer homem } ! Puro Sé- neca e Platão

Que sucia !

A camará municipal de Lisboa trata de re- gularisar a venda das carnes em Lisboa. Muita

265

leria, mas não nos diz qnem bebe o sangue que falta nas alludidas carnes.

Nem é preciso. sabemos. Chiça !

Vae ser inaugurada em Paris a estatua de George Sand, coincidindo o facto com o cen- tenário da immortal escriptora.

Os decadentes não deixam de resmungar desdéns na sombra de George Sand. Falo dos internacionaes da côr de burro quando foge, mas na própria França não falta d'isto: um diccionarista que, reíerindo-se a Balzac, escreveu e publicou agora : «Romancista, com defeitos de estylo,» etc. Que não dirá da George Sand, o gaiato } !

Mas tudo isso é a harmonia da natureza . . .

Um revisteiro da guerra do Extremo Oriente escreve hoje, em Lisboa:

266

«Não nos parece que se possa prolongar este estado de coisas.»

. . . Oiço dizer isso ha perto de cincoenta annos, em referencia a Portugal. E continuar- se-ha.

O Japão civilisando-se :

«TOKIO, 28, tarde. O preço da emissão do novo empréstimo interior de 80 milhões de yens será de 92.»

. . . Está na conta !

XLV

Apresento á meditação dos patriotas puros um documento comprovativo do progresso do Civismo em terras de Portugal. O que em se- guida se é a estatistica eleitoral de Louren-

267

ço Marques nos annos de 1900, 1901 e 1904. Vê-se que a nossa Africa vae no coice da me- trópole — em civilisação. Olhem para isto :

1900:

Eleitores recenseados 1465

Listas entradas 505

Augusto de Castilho 305

1901 :

Eleitores recenseados 1564

Listas entradas 228

Augusto de Castilho 199

Carlos Marianno de Carvalho 28

Listas inutilisadas (em branco) i

1904 :

Eleitores recenseados 2173

Listas entradas 135

João Bello 112

Bernardino Machado 8

Carlos Marianno de Carvalho 4

268

Augusto de Castilho

Joaquim José Machado i

Diversos (listas facetas) 5

Listas inutilisadas 5

E' certo que appareceram, este anno, co- mo protesto, 8 votos ao sr. Bernardino Ma- chado ; mas^ compensando^ as abstenções, que no anno de 1900 foram 960, no anno de 1901 subiram a 1:276^ e no anno de 1904 chegaram a 1:988. Como se vê, o fervor civico está em cachão, a não ser que tudo aquillo seja um lógico producto dos 80 a go p. c.

*

Verdade, verdade : Toda a gente considera o direito sagrado de julgar, como membro do J7irjf, uma grande espiga, e fogem todos que podem ao goso de tal direito, e pouco seria- mente o exercem quasi todos os que não vin-

209

gam esquivar-se. E caso igual se com o di- reito de eleger representantes. vão votar á força os que formam a maioria dos eleitores e que votação, que choldra, que mixordia indecentíssima !

E desenganem-se : tal será até súbita ex- tincção como lógico producto dos 8o a ço p. c. Distribuir direitos ao critério e abafai -o é de marotos, e violentamente, pelos mo- dos, se destruirá o circulo vicioso !

Dá-se a gente a pensar, naturalmente, que desde 1832 até ha pouco foram ministros da fazenda em Portugal, Mousinho da Silveira, Silva Carvalho, Tojal, Ávila, Fontes, Casal Ri- beiro, Valbom, Dias Ferreira, Marianno de Carvalho, Oliveira Martins, Fuschini, Anselmo d'Andrade, etc.

E viemos parar ao sr. Pequito ! . . .

270

Creio que foi n'um prefacio de Letourneau a um livro de Lombroso, que eu li estas con- siderações de um velho hospede de uma Peni- tenciaria :

«Com algum juizo e paciência, a vida aqui dentro é razoável e até mesmo agradável.*

Com juízo e paciência a vida chega a ser agradável. E' a opinião de Tibério.

*

Houve alli na politica, no jornalismo e no poder um homem de grande envergadura, cha- mado António Rodrigues Sampaio, que muito prezava e estimava José Thomaz de Souza Martins. Um dia, eu tive ensejo de pedir ao grande medico que obtivesse do grande jor- nalista, então ministro do reino, a nomeação

271

de um plumitivo para um cargo insignificante. Tenho aqui a resposta de Souza Martins :

« Não me sinto humilhado, porque vi con- fuso o ministro, entalado pelas praxes. Nada obtive, a não ser a certeza de que o mais in- digno sarrafaçal dispondo de trinta votos de que eu não disponho será immediata- mente preferido pelo ministro do reino. Meu caro Silva Pinto, eu não deixarei de ser ami- go do Sampaio, mas juro que nunca terei re- lações com a politica, nem sequer de cor- tezia.»

. . Isto foi escripto em 1877. Viveu ainda uns vinte annos Souza Martins. Cumpriu á ris- ca o juramento.

XLVI

Está muito contente o Silvela, estadista alli vizinho, pelos motivos adiante, que faz publi- car no Figaro :

272

xA Allemanha não interveio em nada n'esta questão de Marrocos, e a Hespanha não rece- beu d'ella nenhum conselho, nenhuma indica- ção — nem, de resto, de nenhum governo. E se essa intervenção se desse, não teria sido o que se crê. A Allemanha, com effeito, insti- gou-nos sempre a aproximarmo-nos da Fran- ça. Tenho razão para dizer e para pensar que ella veria mesmo com bons olhos uma alliança entre os dois paizes.>

. . . Bom hermano ! E' que a Allemanha viu que a alliança hespanhola não valia para a França dois caracóes.

*

* *

Mais, de Hespanha :

<SEVILHA. Os estudantes sevilhanos fo- ram ao Alcazar, dar pêsames ao rei por fazer

273

um mez que falleceu sua avó a rainha IzabeK Como o rei se tinha recolhido ao seu apo- sento, Hmitaram-se a inscrever os seus nomes no registo e retiraram se dando vivas.

<Um magote de populares apupou-os, ar- mando-se então grande barulho e trocando-se bengaladas>.

... os interessantes meninos da Andalu- zia não podem tratar do seu futuro coita- dinhos d'elles !

O Diário de Noticias^ referindo- se ao famo- so Condestavel D. Nuno Alvares Pereira, diz:

«E aos 63 annos de edade, desenganado do mundo e saciado de glorias e porventura de dissabores, tomou o habito de donato, indo viver a vida socegada do claustro n'essa mes- ma casa que fizera edificar».

. . Tal o fim provável de Necker Periqui' to mais da sua narigueta.

NO COUSEU 18

274

XLVII

Vejo n'um jornal de Lisboa um agradeci- mento do sr. governador civil do Porto, ou antes a transmissão de um agradecimento do conselho districtal de agricultura, firmada por aquella auctoridade, como presidente do mes- mo conselho. Ágradece-se ao jornal lisbonen- se os seus artigos acerca da policia rural. Até aqui muito bem. Os agradecimentos nada teem com a gratidão, e assim o devera entender o jornal brindado com a prosa do sr. Adolpho Pimentel.

Mas o jornal faz-se desentendido, e, toman- do á parte commovente a mera formahdade, remexe com fúria no grave assumpto a fal- ta de polícia r tirai e produz o que eu tenho de transcrever e mais ainda :

I

«Que impressão indescriptivel nos causa vêr no meio dos descampados varas altas espeta- das, de longe em longe, na terra e tendo a flu- ctuar-lhe na ponta superior, em guiza de ban- deirola, um pequeno farrapo de panno como signal de que a propriedade tem dono e está guardada ! Guardada por quem ? ! Como con- frange saber que nem ao menos esse derradei- ro appello do misero lavrador á solidariedade humana, essa ingénua invocação dos seus di- reitos de proprietário é respeitada, não tar- dando a vara a desapparecer e a terra a ser talada de um extremo ao outro !

ÍI

«E' por isso (oiçam ! oiçam !) que não ha asseio, nem alegria, nem amor á vida nos ca- saes e nas aldeias da nossa malfadada terra. Os campos, de onde tudo havia de brotar, es-

2/6

tão á mercê do vandalismo, abandonados in- teiramente pelos poderes públicos que sa- bem da sua existência para os carregar de im- postos.»

. . . Está bem mettida. Não ha alegria entre o povo dos campos porque ha falta de po- licia rural. Não é porque os impostos esfolam os trabalhadores. Se houver policia, renascerá a alegria nos casaes, porque os campos darão margem a impostos novos. Está direito e certo.

Mais do organista :

III

«No meio de tamanho infortúnio, nem no credito agrícola o lavrador portuguez encon- tra meio de reconstituir a sua propriedade e de desenvolver as suas culturas ...»

Sim, senhor ; mas isso é velho e esclare- cido e sabido. Os factos elucidaram as victi-

277

mas e mau será mexer no assumpto, ainda mesmo brincando. Eu aposto que o sr. Adol- pho Pimentel é incapaz de mandar agradeci- mentos.

* * . . . Adeus ! Desejem-me as melhoras !

XLVIII

eu mettera o bedelho na urgência da po- licia rural^ quando se me deparou no Popular a belleza que ides ver e que esclarece tudo . . . e o resto:

«O Século publicava hontem mais um ex tenso artigo acerca da policia rural e concluia duvidando do êxito da campanha. E nós tam- bém.

«Ninguém nega a necessidade da policia ru- ral, mas, em vez de a quererem organisada

278

sensatamente e com a gerência e elementos lo- caes, pretendem um grande corpo militar, com estado maior por ahi além e colossal despeza. Com taes e tão excessivas pretensões nunca se fará nada, mas, se querem, continuem.

«O reino tem 4 mil freguezias. Com um dos taes policias para duas freguezias, e pouco se- ria, haveria necessidade de 2:000 homens. eíites a 400 réis por dia custariam 292 contOs por anno, afora praças graduadas e estado maior. >

. . . Visto isso e os autos, é de crer que a policia rural se arranje para restituir a ale- gria aos trabalhadores do campo. E o sr. Adol- pho Pimentel poderá agradecer outra vez.

Pobres 80 a ço '^,0 /

Porque não os espatifam por uma vez } Ao menos, para artefactos de osso.

Intimado me sinto por um meu concidadão

279

a protestar contra a invasão de ultima hora de uns sórdidos gallegos que por ahi vendem ren- das prejudicando o conmiercio licito (?) e na- cional.

Eu lhe conto.

Haverá uns sete annos, foi dar com o phy- sico ás Monicas (casa de Correcção dos meno- res) um galleguito de seus 12 annos, condem- nado a quinze dias de prisão, pelo crime de espancamento. Como sub-director, que eu en- tão era, d'aquella casa, dei-me a observar o rapazito em transito, e obtive d'elle os seguin- tes documentos interessantes:

«Não importa. Os quinze dias de prisão não me desacreditam. Não roubei, nem fiz por isso. Logo que sair da cadeia, vou-me até El- vas, para começar o trabalho das ceifas. De- pois, quando voltar, não levarei menos de du- zentas pezetas (uns 40 mil réis) a minha mãe. E os meus dois irmãos não levarão menos, cada um. E assim é que arranjaremos casa e descanço para a velha.»

28o

* * *

Tenho encontrado mais alguns menores as- sim. Quasi sempre gallegos. E quer o otttro que eu proteste, etc . . . Bóias !

XLIX

No Liberal^ o sr. Carneiro de Moura apre- senta a seguinte lista de deputados novos que vêem agora ao parlamento : António da Motta Luiz Pimentel Pinto, dr. José Lemos Júnior, Visconde de Alverca, dr. José Lopes de Vas- concellos, dr. Amadeu Infante, José Bello, Sa- bino de Souza, Eduardo Schwalback, João de Mello Barreto, dr. José Teixeira d'Azevedo» dr. Graça Zagallo, António Borges de Medei- ros, João de Vasconcellos e Emygdio Lino da Silva.

E diz assim:

28l

«Fácil é de ver que muitos outros quereriam egual consideração do seu partido, mas loga- res de deputados não se solicitam, e quem os solicitar prova por tal facto que os não me- rece . . .

«Todos os nomes indicados, e que são os dos novos que foram escolhidos pelo partido para lhe dar novo alento e novo sangue, todos elles são capazes de dar impulso valioso ao seu partido e de bem servir os interesses pú- blicos.

«Todos elles são estudiosos, illustrados, co- nhecedores dos assumptos da administração publica e capazes de honrar pela sua palavra fácil e brilhante o parlamento portuguez.

«Entre os novos deputados propostos estão os srs. E. Schwalbach e Mello Barreto, dois distinctos jornalistas: e o partido regenerador, apresentando ao suffragio popular estes traba- lhadores das lettras, mostra que sabe reconhe- cer o mérito dos que valem e trabalham.»

282

. . .Tal diz. E eu sempre disse que o sr. Car- neiro de Moura tem carradas de espirito.

Realisou-se o julgamento do cabo da guarda municipal que assassinou dois officiaes. A de- feza lançou em conta, como atenuante dos crimes, o temperamento nervoso do réu. Quem viu o processo de Marinho da Cruz conhece o valor pratico de taes allegações, embora apoiadas na Sciencia,

Não deixou de sustentar-se que a vida de um honrado official, etc, não pôde estar de- pendente dos nervosismos do soldado. Con- cordo, se admittem que a vida do homem do povo não deve estar subordinado ás contin- gências da vida militar. Mas isso perde-se nos dominios da alta critica. ahi sustentou um jornal que a extincção dos exércitos e das guerras nos faria retroceder até á idade de pedra. Por isso o Czar fuzila todos os que não querem ir morrer como soldados.

283

O que me parece ao alcance de todos os ra- ciocínios é que, não se admittindo um aleijado no exercito, também se não deve admittir alli um epiléptico larvado, como o Marinho da Cruz, ou um nevrotico desequilibrado, como o cabo 115. A admittil-os, vêr-se-ha este duplo resultado : a pratica dos homicidios pelos irresponsáveis e o castigo dos irresponsáveis nos tribunaes. Deploráveis coisas !

A impransa, no decorrer dos debates^ rece- beu admoestações e conselhos para que se abstenha de influir, pelos abusos de publicida- de, no desnorteamento do publico. Também foi alvejada com censura a psychologia das multidões^ a que se compraz em subscrever a favor da familia do criminoso. Como jornalista profissional e como velho observador das mul- tidões, commentarei, a meu turno.

284

Nas relações da imprensa com o grande pu- blico, temos nós o problema do ovo e da gal linha: Qual foi a gallinha que pôz o pri- meiro ovo ? E de que ovo sahiu essa gallinha r Ora, o leitor exige do jornal, sob pena de abandonal-o, determinada leitura, por vezes desorientadora. Quem é o culpado: o jornal, que desorienta o publico, ou o publico que orienta o jornal r

Mas ha jornaes accomodaticios. Agora vejo eu no Diário de Noticias a insinuação de que uma syncope do reu condemnado poderia ser comedia. Isto baseado na circumstancia de o 115 haver pouco antes comido o rancho symptoma de despreoccupaçào. Sabe pouco o jornalista, para o que é indispensável, e não é muito. Durante o mar ty rio de Luiz XVI, aquel- le Bourbon nunca perdeu o appetite, chegando a vexar com suas manifestações publicas de gula a impressionavel Maria Antonieta. Ora, até hoje, nenhum historiador chamou áquillo despreoccupaçào. Se algo me prende aos Bour-

285

bons e ao 1 15, é isto: nas horas mais afflictivas da vida não me esqueço de comer. Tempera- mento.

A psychologia das multidões pôde errar em critério, uma vez por outra, mas em regra é de uma lógica irreductivel. A espécie de absolvi- ção do 115 e a subscripção para a familia d'elle constituem um protesto contra o serviço mili- tar obrigatório e suas possiveis consequências de cada dia. Ainda ha pouco ouvi um official do exercito sustentar que, n'outro paiz, o caso não ficaria assim: que as redacções seriam ata- cadas. E' confusão da obra jornaHstica com o protesto da consciência humana. Mas é certo que noutros paizes ha outras coisas. Por exem- plo, na Servia, vão de noite assaltar o palácio real e assassinar os monarchas; na Allemanha chegam á tortura dos soldados como n'um livro recente alli se divulgou com escândalo;

286

na Rússia os estão fuzilando aos centenares, porque elles não querem ir morrer na Man- dchuria, mas a Inglaterra oíferece este exem- plo: — apezar de o seu exercito de voluntários haver mostrado deficiências na guerra de Afri- ca do Sul, não admitte o serviço militar obri- gatório. E' a psychologia das multidões in- fluindo no critério dos governantes. Entende- ram ?

A'cerca da Companhia dos Phosphoros essa benemérita, diz uma folha da manhã :

«O procedimento da Companhia dos Phos- phoros não é apenas honesto, por se ter recu- sado a bandear-se com os estrangeiros que es- tendiam as garras sedentas para o thesouro portuguez, mantendo a sua proposta ; não é apenas corajoso, por acceitar uma lucta deve- ras grave, como a que se vae travar certamen- te ; é mais do que isso : é patriótico, pela li-

28;

ção que acaba de dar aos que de além Pyre- neus suppõem que em Portugal todos sacrifi- cam, sem escrúpulos alguns os interesses do Estado aos seus próprios, ou aos de syndica- tos exploradores.»

... isso é que não soífre duvida : Os estrangeiros fartam-se de calumniar é^te alfo- bre de virtudes ; mas, emquanto houver com- panhias de phosphoros (sem cabeça^ os pati- fes!), a calumnia estrangeira hade mastigar em sêcco. Para dar ao dente, ainda tem filhos este honrado paiz !

A respeito de recentes eleições :

Na freguezia de minha residência (Mercês) havia, para os eleitores de uma fé, vinho portuguezissimo, de porttiguezes e para por tu- guezes. Era mesmo defronte da porta da sa- cristia. Com estes que a terra ha de comer, vi

288

eu dois sucios que discutiam a alguns passos da vencia^ e ouvi-lhes o seguinte :

«Beber bebo, mas não voto. E' contra os meus princípios I>

<s.Mas o vinho é bom, e um homem tem consciência ! >

E foram beber e votar, como leaes portu-

guezes.

Nào será novidade para muitos que o peri- go amarello é muito menos grave do que o perigo negro. Ainda ha pouco, Balfour, pri- meiro ministro da Inglaterra, dizia : «Os ne- gros augmentam em numero, mais depressa do que os brancos. O problema das raças no sul africano apresentará extraordinárias diffi- culdades. Não invejo a sorte d'aquelles que o tiveram de resolver.*

289

Vem, a propósito, no Poptãar^ um artigo frisando as responsabilidades que um dia pe- zarão sobre os Europeus ; as conclusões, que eu reproduzo, é que se me afiguram erradas. Vejam :

<Mas que isto não assuste ninguém, pois, apesar de caminhar rapidamente, ainda levará algumas gerações. E como a par d'isso a civi- lisação avança por toda a parte, a Europa tam- bém comprehenderá que o seu papel se deve restringir a ser o guia que, com o pharol civi- lisador levantado, mostra o caminho da inde- pendência a todos os povos e lhes indica a verdadeira felicidade no modo de viver, e, des- pindo-se do egoismo exaggerado que a tem revestido até agora, reconhecerá bem que o mundo é de todos e para todos.»

. . . Esta hypothese de a Europa, conver- tida, indicar ao Continente Africano a verda- deira felicidade, foi prevista, quando ha annos

NO COUSEU 19

290

n*um combate ferido entre Portuguezes e indí- genas pretos, na Aírica Oriental, os negros, em meio de fogo, berravam em termos de muita simplicidade, mas de boa lógica :

Vào-se embora^ que estas terras não são suas !

Parece-me difíicil, dado que entre no possi- vel, encontrar formula mais eloquente para re- sumir uma situação como esta: Em nome da Religião e da Civilisação, vindes ás nossas terras vender-nos, espatifar-nos, expoliar-nos, tractar-nos como não tratarieis as bestas na vossa Europa ; fazeis da nossa casa o vasa- douro dos vossos condemnados, e lançaes so- bre nós, a reclamar impostos, um bando de farroupilhas e de pelintrões, que para vem fazer fortuna. E declaraes-nos rebeldes e não ha galucho que, ao despedir-se dos parentes e dos amigalhotes, ao partir em expedição para

291

a Africa, nào prometta levar-lhes, no regresso, orelhas de negros . . . Vão-se embora^ que es- tas terras não são suasl Bem resumido.

*

Eu fui, em Lisboa, cônsul do estado livre da Libéria, cargo que abandonei para entrar ao serviço do meu paiz. Recordo-me de haver lido durante annos, na mensagem do presi- dente ao Congresso, a promessa de estudar a conveniência em chamar os brancos á admi- nistração do Estado. Nunca se estudou, ou nunca se julgou conveniente, mas eu achava interessantes aquellas negaças annuaes á raça branca. E, um dia, H um bello livro de um preto da Libéria, ministro d'aquelle estado em Londres, - livro que se intitulava : A Africa para os Africanos. Como quem diz;

VãO'Se embora^ que estas terras não são suas ! Concludentíssimo

292

Quando, ha poucos annos, os Inglezes anda- ram aos pontapés dos Boers, não faltou quem me perguntasse : «Afinal, v. é pelos Boers ou pelos Inglezes ? E eu respondia sempre : Eu sou pelos Negros, como entre os Japo- nezes e os Russos sou pelos Chinezes. E tenho aqui na minha pobre galeria de retratos o re- trato de Menelick, desde que o famoso Négus da Abyssinia sacudiu, bem sovados, os Italia- nos de Baratieri. Vão -se embora^ que estas ter- ras não são suas ! De entupir !

LI

Pergunta-me um amigo dos Japonezes se> porventura, se não impõe á admiração geral o procedimento dos Japonezes prisioneiros que se suicidam para não soffrerem a ignominia do

293

captiveiro e se mais e melhor fizeram os Re- gulus e os Curtius. Eu lhe digo :

O snppUcio voluntário de Regulus e o sacri- fício de Curtius representam o culto e amor da pátria, attingindo um heroísmo sobre-hu- mano. E, pelo que toca ao suicídio de um pri- sioneiro de guerra, se constitue um caso spo- radico, temos a registar uma excitação ner- vosa, attingindo a loucura. Dado, porém, que o suicídio seja pelos Japonezes considerado um recurso extremo para fugir áquella ignominia (!) soffre grande abalo e quebra o prestigio do Japão civilisado. Ser prisioneiro de guerra, de- pois de haver combatido, é razoável e pôde até ser nobre. Veja Francisco I, de França, aprisionado em Pavia, depois de tudo perdido^ ínenos a honra.

Outra coisa é Napoleão líl aprisionado em Sédan.

294

Quanto aos Japonezes, que, mais adiantados do que os Russos, não se teem batido melhor do que elles, e teem vencido na razão de três contra um, não soffre duvida, teem reve- lado valor militar até ao desprezo da vida ; portanto nunca será ignominioso o caso possi- vel de aprisionamento de taes combatentes. O que o suicidio pôde representar, em taes cir- cumstancias, repito, é o desespero louco de um ou outro homem, e representaria o atrazo mental d'aquelle povo, se tal recurso fosse pela maioria considerado acceitavel.

Estamos muito longe dos heroes romanos citados.

LII

A propósito da guerra:

Escrevia, ha uns trinta annos, o erudito Gra-

295

ça Barreto, quando Castilho traduziu e traiu o Fausto de Goethe: «Do trabalho do sr. Cas- tilho se originou os merceeiros de Lisboa sur- prehenderem os marçanos consagrados, em horas de trabalho, á investigação dos misté- rios de Goethe, desprezando a arrumação dos queijos flamengos e misturando a herva doce com os cominhos. D'ahi, muito sopapo nos ga- rotetes e um berreiro dos investigadores, que confrangia os corações das senhoras vizinhas.» E' assim agora. A vertiginosa subida dos amarellos ás cristas da Civilisação tem des- norteado todas as classes suciaes. O que eu tenho recebido em epistolas de pretenciosos parvoeirões —desde capitalistas a engraxado- res accuzando-me de faltar ao respeito aos amarellos^ é phenomenal. Ora, a agglomeração de 3:850 ilhas, ilhotas e rochedos, situados en- tre os 24*^, 16' e 50", de latitude septemtrionai e os 123*^, 23' e 150*^, 50' de longitude oriental, não constituem para mim um velho problema desorientador. Conheço ha muitos annosa his-

296

toria do Japão, sem consultar o Larousse desde a tradição local do Jin-Mu até aos com- batentes de hoje. A evolução perturbadora dos parvoeirões que me aggridem, esquecendo as suas obrigações, evolução realmente não vulgar, a explico eu comparando o Japão a um recem-nascido de três cabeças. Assom- bra, mas está condemnado a um final próxi- mo.

Não me ageito, porém, ao officio de Cassan- dra. Talvez, no livro dos Destinos, aquella gente esteja incumbida di^ refazer a Ásia. E, sendo asssim, não ha porque applaudam os Europeus, fora da Imbecilidade absoluta.

Ainda ha uns três annos me dizia Sarah Bernhardt; «O que me custará muito será o advento dos amarellos^ antes de eu morrer.»

Também a mim. Parece-me degradante. . .

Digo ao Curioso que o Japão vencido não perderia a gloria da lucta contra a Rússia,

297

embora de três contra um^ e que a Rússia ven- cida deixaria na Historia a defeza de Port- Arthur o bastante para a sua gloria.

Quanto aos Italianos fazendo caricaturas a deprimir os Russos. . . pelo que se vê, pu- zeram fundilhos sobre os vestigios da ultima roda de pontapés a dos Abyssinios !

LIII

Está replecta de tragedia a chamada Ironia do Destino. Vem isto sobre uma pagina de con- clusões que eu releio agora, volvidos annos após a primeira leitura. Falo de um livro inti- tulado L CEtivre de M. de Bismarck. Escre- veu-o e publicou-o o publicista francez J. Vil- bort, três annos depois de Sadowa e um anno antes de Sédan.

Estava longe o auctor de imaginar a hypo- these da campanha franco-prussiana, e assim escrevia:

«Uma guerra entre a França e a Prússia

298

produziria apenas o regresso da Europa á bar- baria da Edade Média e o immenso jubilo do irreconciliável inimigo da Revolução, a Rús- sia, esse colossal e selvagem império da Ásia, que ha duzentos annos trata da conquista do mundo civilisado, copiando apenas d'este os melhores inventos de destruição e de morte. *

E, todavia, fez-se a guerra entre a França e a Prússia, e não resultou a queda da Europa na barbaria da Edade Média e apenas a queda do tragi-burlesco império francez e da pre- ponderância militar da França, e foi a Rús- sia quem salvou de uma nova investida da Al- lemanha, em 1876, a Republica franceza, e foi na Rússia selvagem, etc.^ que a alludida re- publica encontrou o alliado, e não consta que o império selvagem tenha, desde o Con- gresso de Vienna, em 1815, collaborado em

299

tranquibernias e em violências europeias, co- mo, por exemplo, as da Áustria e da Prússia contra a Dinamarca, e tem-se visto, agora, no Extremo Oriente, que não foi a Rússia quem mais estudou e apurou os inventos de morte e de destruição.

* *

Mas, não saio do terreno d'estas reflexões a tal Ironia do Destino conservando-me no Extremo Oriente, pois que n'elle falei. Tenho aqui um minucioso estudo do viajante francez Moerhot Voyage dans les roy amues de Siam^ de Cambodge^ etc. i8j8^ e d'elle separo as se- guintes linhas:

«E fácil de reconhecer os Siamezes: pela physionomia servil, pelo olhar estúpido, pela bocca em extremo fendida : e, collectivamen- te, não existe sociedade mais inclinada á bai- xeza e á escravidão.» Mas, logo em seguida, o viajante francez declara que tal povo está

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300

destinado a um bom futuro, se o contacto dos Europeus vier um dia a esclarecel-o e a civili- sal-o. E sabido como os europeus civilisam e esclarecem as victinias do seu contacto fora da Europa; e, pelo visto, os miseráveis de Sião, como os de Cambodge, como os da China, teem na Ásia um visinho que se habilita a seu protector e reformador. Verdade inteira: quan- do, em 1854, os Estados Unidos enviaram ao Shogun, como presente e em preliminar de um tratado de commercio e de amizade com o Ja- pão, um telegrapho eléctrico e uma locomoti- va, que muito divertiram os japonezes, longe estaria o presidente americano Fillmore de suppôr que meio século bastaria para que taes innocentes extrahissem do frudo prohibido, que então morderam, assumpto para os assom- bros de hoje.

E não virá a despropósito aconselhar uns

301

pretenciosos parvoeirões, que muito se espan- tam, que muito se esfalfam em mentirolas inú- teis e ridículas, para exaltar e para deprimir, a que se orientem ácêrca dos processos pe- los quaes se refaz um povo, lendo com hones- tidade critica os apontamentos que ha meio sé- culo vêem tomando e pubHcando os observa- dores intelligentes. E lêr o bello livro de Sa- muel Mossmam The Nezv Japon, The lanei of rising Stm ; The History of Japon^ de Fran- cisco O. Adams; e a obra de vulgarisação de Maupertius sobre os Estados do Extremo Oriente. Sem pedantismos,Je[^no propósito de oppôr esclarecimentos a deslumbramentos, no- bilita-se o espirito dos homens que escrevem e dos homens que ;leem. Assim aos brancos fosse concedida a instrucção que aos amarellos permittiu distinguirem-se e assombrar os pa- ^urdios !

302

LIV

jj. de outubro.

Anda em publicação no Popular uma série de artigos acerca de Coisas militares em Por- tugal. Está o auctor d 'esses artigos, provavel- mente um official do exercito, na lógica da sua posição ; mas não é meu intuito convertel-o, nem convencel-o, nem discutir-lhe os princi- pies. Apenas annotações.

Tem o articulista militar a sinceridade de escrever :

«Arrancar o homem do conchego do seu lar, trazel-o até aos campos de manobras, onde tem de soffrer fadigas e algumas vezes privações, sempre naturaes em taes casos, por melhores disposições que se tomem, para depois lerem

303

ou ouvirem lêr, em lettra redonda que tudo aquillo que se lhe está exigindo é mau e se não devia fazer póde-se imaginar em que disposições d*espirito ficará esse homem para acatar ordens e supportar trabalhos.»

... A isto chamei eu sinceridade e mante- nho a classificação. Não creio que tal se es- creva sem uma sinceridade que attinge o fa- natismo, — a não ser por mistificação, ou por excessiva debilidade mental, hypotheses in- admissíveis no caso de hoje.

Accentuar o facto de ao lar domestico (e ao trabalho, que é o pão da família) se arrancar um homem, para o transportar aos campos de manobras, com privações e tudo, e condemnar como acto odioso o protesto em nome da hu- manidade— é de um fanatismo de sectário, pois que não é troça rematada, nem demons- tração de estupidez.

Mas, veja-se isto :

«E é a imprensa, cuja missão é civilisar que

304

assim origina a desordem. E origina-a d'uma forma revoltante, pois que, ao mesmo tempo que eiva de princípios falsos aquelles cérebros apoucados, achincalha os officiaes, despresti- gia os próprios generaes aos olhos do soldado.»

Naturalmente, quando tal se escreve, cáe-se no que se vae lêr :

«Isto não pôde continuar assim. Urge pôr termo a um tal estado de cousas, que está abalando tão fortemente os alicerces em que assenta o único sustentáculo que uma nação tem para poder viver o exercito.»

... A seu turno, brada alli o articulista cle- rical : que o sustentáculo d'uma nação é a sacristia. E também lhe parece que isto não pôde continuar assim.

E eu também o creio. Mais dia menos dia, o Creador um pontapé no planeta e ahi vae pelos espaços em fora a desorientada crea- ção. não vae sem tempo.

305

5 de outubro.

Mal pensava eu, ao bordar hontem an- notações n'um artigo militarista que os fa- ctos dolorosíssimos occorridos em Africa, e hoje conhecidos pelo paiz, dariam um post- scriptum eloquente e irrespondivel a essas an- notações.

O desastre, que custou a vida a perto de trezentos homens, é insignificante se o com- pararmos com as hecatombes da guerra Rus- so-Japoneza ; mas não podem consolar-nos dos nossos males os superiores infortúnios alheios. O que eu digo ao articuHsta militar é que arrancar homens ao seu lar domestico e ao seu trabalho, que é o pão de suas famílias, para os arrastar ao campo de manobras é odioso, mas que arrastal-os á morte é monstruoso ; que a imprensa ao combater esse medonho Código, que nega e embarga toda a Civilisação, cum- pre um dever de dignidade humana, de intel-

ligencia e de coração, e que a réplica conclu- No coLYSEu 20

3o6

dente ás ponderações da rhetorica militarista está nos soluços das famílias dos militares mortos.

Mortos por quê ? E por quem ?

Ouço d'aqui os negros : « Vão-se embora, que estas terras não são suas ! . . . »

7 de outubro.

O desastre d'Africa, no Parlamento : Por occasiào do ultimatum Salisbury, grato aos negociantes de manteiga e a outros patriotas, era nosso ministro da marinha o sr. Ressano Garcia. Espalhou-se, com a noticia do ultimatum^ outra noticia : que uma esqua- dra ingleza demandava a barra de Lisboa, e a população foi-se a vêr navios para o alto de Santa Catharina e outros pontos elevados da cidade.

A' noite, trabalhava eu na redacção do Diá- rio Popular, e entrou alli o sr, Ressano Gar- cia, ministro da marinha, que ia um bocadinho

307

á batota^ como o outro. Inter pellou-o o sr. Marianno de Carvalho, nos seguintes termos :

«Olhe ! tomou providencias

«?!>

«Sim, se procedeu a obras de defeza na barra, de modo que ao menos se salve a honra.»

«Ora, adeus ! Vamos nós a principiar a festa >

Tal respondeu o ministro da marinha. E foi-se á festa, que vinha a ser o jogo. Isto na hora em que a besta britannica preparava o coice contra nós. Não veio esquadra ; mas, se tivesse vindo, o tal ministro não interromperia a festa.

E querem que o patusco d'aquelle dia ter- rível tome hoje a sério as nossas actuaes des- graças .? Justiça ! Justiça !

3o8

A propósito do militarismo^ etc, recorto isto do Diário de Noticias :

«Cintra. Foi hoje o primeiro dia da ins- pecção dos mancebos recenseados para o ser- viço militar no corrente anno, sendo chama- dos os das freguezias de Almargem do Bispo e Santa Maria de Cintra.

«Dos 29 mancebos recenseados pela fregue- zia de Almargem do Bispo, foram apurados 7 para artilharia, 4 para infantaria, i para a com- panhia de equipagens e 2 para infantaria, nos termos do art. 79.° do regulamento ; foram apurados para a 2.^ reserva, por falta de al- tura, 3 ; foram isentos temporariamente 3, e definitivamente 9.

«Dos 13 mancebos recenseados pela fregue- zia de Santa Maria de Cintra, foram apenas 3 para artilharia, i para infantaria, i para a com- panhia de equipagens, e 2 para infantaria, nos termos do art. 79.° do regulamento ; foi apu- rado para a 2.^ reserva, por falta de altura, i;

309

foram isentos definitivamente 3, e temporaria- mente I.

«O contingente pedido á freguezia de AI- margem do Bispo é de 7 para o exercito, e á freguezia de Santa Maria de 3 para o exercito e I para a armada. A'manhã devem ser ins- peccionados os mancebos da freguezia de Bel- las, cujo contingente é de 7 recrutas para o exercito.»

. . . E que robustos rapagões arrancados á familia e aos trabalhos agricolas para os campos de manobras e para a morte !

LV

Do Popular ao devoto ministro da marinha:

«Não tivemos a honra de ser contemplados pelo ministério da marinha com a lista dos ca- bos e soldados mortos no desastre de Cunene, o que nos priva do prazer de mostrar a nossa gratidão ao sr. ministro da marinha.

3IO

«Vista a abstenção que resolvemos por ora guardar acerca d'este doloroso caso, a falta de amabilidade do sr. ministro não nos obriga a perguntar-lhe porque foi que, depois de organisada a expedição e de estar em marcha, se lembrou de perguntar qual era a situação e quaes as forças dos cuanhamas, cuamatas» etc. Parece que seria necessário sabel-o antes, mas não insistimos >.

. . . Mas foi perguntando e despertou a at- tenção geral. Mas talvez não perguntasse, se o devoto não houvesse s\áo falto de amabilida- de^ ou vingativo como um bom servo de Deus.

Mas oxalá que se não prolongue a absten- ção do Popular sobre o doloroso caso. E elle ainda quem diz melhor, salvo quando prefere dizer peior.

Muito a propósito :

311

O pae de um official de marinha que esca- pou ao morticínio mostra-me uma carta do fi- lho, escripta dias antes do desastre, na qual todos os horrores são considerados prováveis, attendendo-se á espantosa relaxação que pre- sidiu aos trabalhos expedicionários. O que se deduz das informações leva a conjecturas des- graçadas sobre o nosso próximo futuro colo- nial, — emquanto forem nomeados, quandmé- me^ uns governadores que para Id vão conquis- tar ou reconstituir fortuna.

*

*

No Diário de Noticias vem a seguinte refe- rencia ao nosso recente desastre em Africa :

«As tropas europeias da columna, constituí- das apenas pelas forças de artilharia que guar- neciam as 6 peças, por 8o praças da compa- nhia de infantaria europeia pouco antes idas

312

da metrópole, entre as quaes predominavam as praças da 2.^ reserva, e pelos restos da for- ça do batalhão "disciplinar que, como se sabe, é formado pelos peiores elementos mandados- da metrópole por castigo e de vadios, e gas- tos pela longa permanência em Africa, e mal refeitos de destacamentos no interior, e da co- lumna expedicionária ao Bimbe, em que toma- ram parte, foram impotentes para manter nos seus logares as 4 ou 5 companhias de infanta- ria de indígenas accommettidas pelo terror.»

. . . Quer dizer : a vadiagem d disposição do governo^ sem energia phisica, nem moral, foi en- carregada, em grande parte, de defender a causa e a bandeira nacional.

E o mesmíssimo Diário de Noticias dizia hontem :

«Segundo nos consta, a missão que vae ser confiada ao sr. Eduardo Costa na Africa Oc- cidental, não é, como se tem dito, ao menos

313

por emquanto, a de substituir o sr. conselheiro Custodio Borja no governo geral de Angola.

«Nas estações officiaes não se attribue a este official da nossa armada nenhunia culpabilida- de no desastre succedido á expedição contra os cuanhamas, visto que os elementos que a deviam compor foram anteriormente combi- nados entre o sr. Eduardo Costa, governador de Benguella, e o chefe da columna expedi- cionária, o sr. capitão Aguiar.

O sr. Custodio Borja em tal assumpto tratou apenas de satisfazer, tanto quanto pôde, as re- quisições de material de guerra, munições e forças que lhe foram requisitadas pelo chefe da columna, segundo um plano anteriormente assente e combinado.

«O sr. Custodio Borja é que julgou insuffi- ciente a força que devia constituir a expedi- ção e augmentou-a com mais duas companhias de guerra convenientemente armadas e equi- padas.

«D'aqui, portanto, o julgar-se que não ha

314

motivo para a deposição do sr. Custodio Bor- ja, do cargo de governador geral de Angola.»

. . . Quer isto dizer que ao sr. Custodio Borja ainda convém mais uma temporada de governo.

Está certo.

LVI

Conta o Século :

«Segundo consta, os proprietários das ro- ças de S. Thomé telegrapharam para Paris ao sr. conde de Valflor, pedindo-lhe que inter- ceda junto do governo para continuar gover- nando a província de Angola o sr. Custodio Borja »

. . . Fica, não soífre duvida, o bom Custodio das roças.

315

O sr. Marianno de Carvalho elucida, no Po- pular^ o Pagante^ nos seguintes termos :

«Celebra-se a franca e leal dedicação com que a Companhia proponente (a dos Phospho- ros) declara que dentro de seis mezes ou mais apresentará uma proposta d'emprestimo. Esta é que é a grave difficuldade. Se a Companhia dos Phosphoros tem hoje a certeza de poder fazer o empréstimo; porque não o propõe ? Se não tem, como é que pôde saber ao certo que poderá fazel-o d'aqui a seis mezes ? Sup- ponhamos que a despeito dos desejos da Com- panhia d'aqui a seis mezes não podia realisar o empréstimo ? Perderia ella com isso, muito mais perderia o Estado e ganharia a Companhia dos Tabacos. Este é que é o grande perigo e contra elle não prevale- cem nem declamações, nem proposta, nem a magica influencia do sr. Ressano Garcia. A questão é ter os 38 mil contos em ouro preci- sos ou apresentar quem responda por elles.»

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^'»*ivo para a Hm^j^iirâo do sr. Custodio Bor- . ) cargo de lador geral de Angola. >

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O sr. Marianno de Carvalho elucida, n- > pular, o Pagante-, nos seguintes term<^s :

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3i6

*

*

O grandiosíssimo caso está em apanhar os 38 mil contos em ouro, e o paiz nào quer ou- tra coisa. Rico paiz, que serve para trinta opi- niões ! Nem o bacalhau tantos pratos.

A propósito, me dizia ainda agora um gra- duado conselheiro progressista, no comboio de Cascaes a Lisboa :

' «O paiz está farto, meu amigo! Quer

você apostar que o governo cae esta semana ?

Eu não quiz apostar, porque sou pobre.

Mas tudo é possivel, n'este paiz ; ponto é qtie

pareça impossível.

«Mas, quem ha de vir depois? perguntei.

«O Pereira de Miranda, indicado pelo José Luciano.

Tomemos nota.

{lô d outubro).

317 Esta é do Mundo:

«O sr. ministro das Obras Publicas declarou ha dias no Parlamento em resposta ao sr. Ro- drigues Nogueira, que «se andava de automó- vel era em serviço do Estado, e pagava do seu bolso a gazolina gasta».

«O anno passado, e no corrente anno, o gentil ministro dava, quasi diariamente, pas- seio a Cintra, hospedando-se no bello hotel Lawrence (aliás velho) donde sahia em fre- quentes passeios no automóvel, pelos mais poéticos sitios d'aquella formosa villa.

«Por varias vezes, o sr. conde de Paço Viei- ra, comprou, pessoalmente, nos estabelecimen- tos dos srs. Lino António da Costc^ e Abel Pinto Tavares, d'aquella villa, gazolina para o seu automóvel.

«E' certo que pagou do seu bolso a impor- tância da gazolina, mas também é certo que mandou passar reciboy em teor similhante a este :

3i8

«Declaro ter recebido a quantia de... réis, de gazolina que forneci ao Ministério das Obras Publicas >.

«Sem duvida, tal recibo era para a regular escripturação particular da sua casa*.

. . . Vae attenuada a transcripção, para não atafulhar a via larga.

i8 de outubro.

Cabido o ministério, houve coisa que me fez sorrir. Foi um convite do sr. Hintze aos seus amigos políticos para se reunirem, etc.

Cahido, ha de ter muitos amigos., etc.

Mas olhem se eu aposto com o outro ! . . .

Mas o catitinha da via larga: é capaz de entrar no Porto, ás escondidas ! . . .

E o Necker Periquito > Chiça !

Em gazetas :

«Consta que o sr. conselheiro Custodio Borja

319

pediu para ser exonerado de governador ge- ral de Angola.»

Toma, Custodio !

LVII

A noticia do desastre soífrido pelas nossas armas na Africa Occidental em outubro do corrente anno (1904) coincidiu com a publica- ção de outras, acerca de gravíssimos abusos commettidos, ordinariamente, pelos europeus no continente africano. É evidente que não po- diam as referencias de justa censura attingir os infelizes Portuguezes trucidados na deplo- rável campanha contra os Cuanhamas. O de- sastre deu-se quando formuladas as censu- ras — em geral mais que merecidas.

Aqui se reproduz do Primeiro de Janeiro^ do Porto, uma eloquente chronica remettida d'Africa Occidental em setembro do corrente anno.

320

«Em meados de 1897 a peste bovina, que devastava o centro da Africa, appareceu ines- peradamente no limite do sul de Angola, para além do rio Cunene. Constituindo o gado bo- vino a única riqueza do planalto e sendo o Humbe, com os seus 9:600 kilometros quadra- dos, a região pastora por excellencia, fácil é calcular o alvoroço e o desanimo que se apo- derou dos povos e das auctoridades do distri- cto, tanto mais que a insufficiencia de tropas para a organisação de um cordão efíicaz era manifesta e a reluctancia do gentio rebelde á vaccinação havia de influir desfavoravelmente nas medidas a tomar para debellarem o mal.

No receio ainda de os hottentotes passarem o rio e procurarem compensar-se, nos nossos territórios, das perdas soffridas e de irem os nossos colonos e indígenas adquirir gado aos logares infectados, resolveu o intendente do

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planalto, o fallecido coronel Arthur de Paiva, do quadro occidental, requisitar para o Humbe o esquadrão de dragões, então sob o com- mando do capitão de cavallaria José Eugénio da Silva, que foi encarregado de alli prestar auxilio ás auctoridades e apoio ao delegado de saúde.

A 22 de outubro de 1897 chegavam á Chi- bia, vindos do Lubango, os dragões, na força total de 155 homens, tendo para alli partido de Mossamedes a ala esquerda de caçadores n.°4.

A 1 1 de novembro, estando os dragões no Humbe e sendo impossível enviar-lhes para alli o rancho, por se ter manifestado a peste nos Gambos e na Huilla, foi o serviço d'elles dis" pensado.

Desavinha-se o commandante dos dragões com as auctoridades locaes, insubordinava-se o esquadrão, e este era mandado retirar do Humbe, pela intendência, em 26, por pelotões, devendo esperar uns pelos outros, afim de se

NO COUSEU 21

322

soccorrerem mutuamente, para supprir a falta de meios de transporte.

O capitão, que, ao tempo, o governo geral havia mandado substituir pelo capitão de cavallaria, ao serviço da Lunda, Balthasar de Brito, retirou, mas sem esperarem os pelotões uns pelos outros; na frente, a 6 de dezembro, o 4,°, commandado pelo i.*^ sargento Silveira; a 7, o 2.° e 3.°, sob o commando do capitão ' e a II, o i.°, composto de doentes e convales- centes, sob o commando do tenente conde de Almoster.

Esta despreoccupação no completo fraccio- namento dos pelotões e a ordem da retirada d'elles mostra claramente que nada havia a recear do gentio, mas a verdade é que este, como depois se apurou, ardia em sede de vin- gança e esperava, de arma engatilhada, a oc- casião propicia para unir-se e tirar um des- forço dos muitos vexames soffridos.

Os dragões, desde a sua partida para o Humbe, praticaram toda a sorte de extorsões,

Ji

323

invadindo os arimos (plantações) e as libatas do gentio, roubando galiinhas e mantimentos, violentando as mulheres e rasgando, por fim, os quimbundos, o que pôz, tanto o gentio como os brancos e os pretos livres, em completo so- bresalto, aendo a região do Humbe aquella que mais soffreu pela demora d'elles alli.

A peste extinguia rapidamente os bois, che- gando o gentio a manifestar-se adverso á vac- cina, a despeito da qual via desapparecer a sua única riqueza, predispondo~o para aventuras guerreiras, com o que mais tinha a lucrar do que 3 perder. E esta série de circumstancias explica os factos, e foi assim que o pelotão que marchava na frente, ao regressar do Humbe, teve de arranjar carregadores á força e de apoderar-se de mantimentos, na ausência do gentio esquivo, fundado na fama de que vi- nham precedidos os dragões. Três praças do 2.° e 3.° pelotões, quando na manhã do dia 9 chegavam ao Tchipalongo e se dirigiam para uma libata, afim de obterem mantimentos, fo-

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ram recebidos a tiro, não se chegando a apu- rar logo alli a culpabilidade dos soldados.

Deprehende-se d'aqui que o gentio come- çava a manifestar -se no sentido de repellir a força.

A estes dois pelotões seguiu-se o do conde de Almoster, mais fraco, com quatro dias de intervallo, dando tempo ao gentio para se pre- venir das correrias dos dragões.

Tendo pernoitado no Cataquero, acampou ao nascer do sol do dia 12, no Tchituba, en- tre aquelle logar e Jamba Camufate, perto da libata de Muene Decango (século), onde o gentio de todas as libatas próximas, em nu- mero superior a mil, celebrava ritos funerários.

Sendo destacados dois soldados e um car- regador, em busca de agua, encontraram uma preta a quem quizeram comprar mantimentos, o que ella se negou a fazer, pretextando a au- sência dos pretos para o batuque.

Indignados pela resposta, quizeram violen- tal-a, mas ella, que não ignorava a fama dos

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dragões, fugiu para a cubata batendo a cua. Um dos soldados deu-lhe então um tiro, e o gentio, ouvindo-o, correu em massa; preve- nido como estava para a defeza dos seus ha- veres, confiou no seu numero e respondeu com tiros aos soldados, um dos quaes feriu, e per- seguiu-os até ao acampamento.

O massacre

Os dragões, sobresaltados, recebem o gentio a tiro e trava-se assim, imprevista e precipita- damente, o combate em condições bastante desfavoráveis para elles, emquanto que os car- regadores abandonam as cargas e se internam no matto.

O tiroteio continua de parte a parte e o gen- tio, protegido pela densa matta que orla o ca^ minho, consegue atirar sem ser visto, o que decide o conde a continuar a marcha por con- selho do i.° sargento Pio, mas esta continua debaixo de fogo ; é ferido o 2.° sargento

326

Rocha, e o conde cede-lhe o seu cavallo para ir receber curativo e avisar o capitão, que a quatro dias de marcha nenhum soccorro po- derá prestar-lhe.

A's 2 horas da tarde, sendo muitos os fe- ridos e tendo-se exgotado as munições, o conde manda formar um pequeno quadrado, mas o gentio não avança e continua a arremessar aza- gaias e a fazer fogo, até que, restando 4 dra- gões e estando o conde ferido no ventre e n'uma perna, estes tentam refugiar-se no mat- to, em Cambuco, onde são trucidados.

Além do conde de Almoster, pereceu o i.° sargento Pio e 19 praças, conseguindo duas es- capar milagrosamente, fugindo, e sendo outra morta n'uma libata onde fora acolher- se.

Se em vez de avançar, o pelotão tivesse re- trocedido, viria encontrar auxilio no Cataque- ro, onde os serviçaes de José Lopes, bons ati- radores, que ouviram o tiroteio, os ajudariam a resistir vantajosamente, se até alli tivessem a coragem de os perseguir ; mas estava escri-

327

pto que o pelotão do desventurado official, que era neto do grande Saldanha, havia de ex- piar os desmandos da companhia nas suas marchas de incrível desbarate . . .

LVIII

Dizia me Luciano Cordeiro, quando eu lhe fallava da Morte, como de uma pechincha, fe- lizmente certa:

«Pois eu estimaria viver sempre, por C7i- riosidade. Este mundo é inexgotavel em sur- prezas».

Não soffre duvida.

Agora vejo eu, no Popular^ a propósito de um bello articro do sr. D. Luiz de Castro so- bre o negregado abastecimento de carnes :

328

«A camará de Lisboa não tem que proteger a creação de gado contra o arrematante, nem de proteger este contra aquella. Não.

«Tem deveres a cumprir, e honradamente ha de fazel-o. Não carece de conselhos, nem os acceita».

Isto, quando a paciência d'este povo lisboeta assume feição de retorcida^ deixando-se de- pauperar esta pobre gente, a roer a infame carne argentina !

Tem deveres a cumprir, a excellentissima, e ha de fazel-o . . Miserável garantia encon- tra no passado esta visão de fii-turo ! Não des- conhece o paiz inteiro as especiaes tradições da camará municipal de Lisboa^ e a sorte dos cidadãos de Lisboa tem visto prevalecer a sustentação de taes tradições contra as boas qualidades de um ou outro individuo.

Não carece de conselhos, nem os acceita. Também aquillo toma a precípua responsa- bilidade ! Não carece de conselhos, mas de

Â\

329

uma sova diária na rabadilha para não pôr a três quartos a sua inépcia. Adiante !

Um empréstimo de 350 milhões de francos, ou seja de setenta mil contos de réis, para ta- par buracos e dar alento ao relaxadão exte- nuado do Occidente: todos os lusos conhe- cem a medida salvadora, sem referencia aos lusos de Necker -Periquito.

E suspeitam os lusos que não chegará a entrar no thesouro metade d'aquella quan- tia, — que os buracos ficarão escancarados, como até agora, que o relaxadão do Occidente deitará de fora mais um palmo de lingua e que dentro d'um anno haverá buracos novos.

Aquelle Necker-Periquito cahiu do beiral d'um telhado, mas parece ter cahido do céu, para que o ridiculo abafasse o odioso. E que me dizem aos lusos e aos respectivos centési- mos ! E' uma espécie de revolução, mas nin-

330

guem abre os olhos. Parece que todos os Lu- sos se alimentam com as carnes da camará mu-

7iicipal de Lisboa !

No paiz visinho augmenta diariamente a emi- gração. Só de Vigo embarcaram ha dias dois mil indivíduos para a America do Sul.

Sabe-se que é a falta de trabalho de pão a determinante do facto. No congresso, convi- dado o governo a acudir aos desgraçados re- duzidos áquelle extremo, declarou que pro- videnciara. Como ? Ordenando aos governado- res civis que prohibarn ás emprezas marítimas os embarques clandestinos no alto mar.

Não ha, como se vê, processo mais efficaz para acudir aos famintos em busca de trabalho fora da pátria, O processo consiste em segu- ral-os no pátrio torrão, quanto possível. E' por amor da decência e do decoro do paiz e para que não falte quem applauda com delirio o joven Affonso XIII em passeio.

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A sr.^ (^^aUl^ que de Madrid escreve chroni- cas para Lisboa, ufana-se, pela Hespanha, de que os Pyrenéos livram esse paiz de epidemias universaes. E' a propósito dos escriptores im- inoraes que infectam a França, etc. Pena é que os immoraes sejam, em regra, condemnados por quem não sabe escrever.

Mas a sr.^ (2 atei pensa erradamente, além de escrever mal, suppondo que os Pyrenéos servirão para separar completamente a Hespa- nha das outras nações. Sempre se ha de vêr c admirar o que por vae.

As taes medidas protectoras do povo faminto são deveras admiráveis !

A propósito dos recentes desastres e diffi- culdades dos Allemães e dos Portuguezes em Africa e dos perigos que também ameaçam os nossos amigos Inglezes, diz-nos um jornal que

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em dezembro devem encontrar-se em Ingla- terra, com Eduardo VII, o imperador da Alle- manha e o rei de Portugal.

Os officiaes e os soldados espatifados em Africa enco7ttram-se em outro mundo antes de novembro.

As manas ....

Communicam de Torres Vedras ao Mundo uma curiosa façanha de um dos beatíficos es- tafermos ao serviço do hospital. Eis o caso:

«Uma pobre mulher foi consultar ao hos- pital um medico, sobre um abcesso de que es- tava soffrendo um filhinho de i6 mezes de ida- de, O medico não chegara ainda e a mulher esperou.

«AUi se conservou, com o filhinho nos bra- ços, chorando desesperadamente a creança.

«Passou na occasiào um gato pertencente ás cantas madres e a mãe do infeliz paciente cha-

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mou-o, fazendo- lhe festas bichinha- gata^ pas- sando-lhc a mão caridosamente pelo dorso, para assim conter o animal por mais tempo ao de si, Rara lhe destrair o filho.

*0' diabo, que tal fizeste I

«Tanto bastou para que uma das santas por forma insultuosa, se dirigisse á pobre mãe, di- zendo-lhe que se puzesse no meio da rua, que alli não era casa para brincar com gatos

. . . Que coração de besta fera o d'aquella besta simples ! E Deus sabe com que ellas brincam !

Rússia contra Inglaterra:

O velho moscovita Tolstoi, palestrando com um francez, boa pessoa, diz-lhe o seguinte, que o outro publica em livro :

«Digo a verdade, e nada mais. Digo o que

y

334

toda a gente seria capaz de dizer, se reflectisse um pouco e quizesse ter uma opinião séria.

*Ha porventura nada mais extraordinário. nada mais paradoxal do que este «niido» feito em volta de Shakespeare, em volta do «génio» de Shakespeare ? O « génio > de Shakespeare é uma d 'estas opiniões feitas de antemão, que ninguém procura verificar, que as gerações acolhem sem protesto, e que cada um vae pro- pagando sem o sentir. Attenda bem; veja as coisas de perto, e comprehenderá que se en- contra em presença d'uma conjuração de lou- cura. A verdade é que, em Shakespeare, não ha nada,>

Lembra a demolição de Goethe e a de Dide- rot, pelo maluco Barbe^^ d'Aurevilly !

Para o fim de purificar o meu espirito, de- pois de haver lido aquella porcaria, releio dez paginas de Victor Hugo, no seu livro William Shakspeare^ e releio as cem paginas de Taine, sobre Shakspeare, na sua Historia da Littera-

- '^- •."»■--

335

tura Ingleza^ e receito para a moléstia do Russo umas fricçòes japotuzas.

Mais coisas russas :

<S. Petersburgo, 27 Uma ordem do tzar manda incorporar na armada, com a qualidade de cnizadores, os vapores voluntários <Smo- lensk> e < Petersburgo > sob os nomes de <Rion> e <E)nieper>.

. . .Lembra Frei Gorenflot, do velho Ehi- mas, o qual frade, quando em dias de jejum queria comer um naco de gaUi*k£u, convertia a ave em peixe baptisando-a c€trpa !

Taes sào os vapores voluntários convertidos era cnizadores.

Dizem telegrammas de Londres que ali cau-

334

toda a gente seria capaz de dizer, se reflectisse um pouco e quizesse ter uma opinião séria.

«Ha porventura nada mais extraordinário, nada mais paradoxal do que este «ruido> feito em volta de Shakespeare, em volta do < génio» de Shakespeare r O « génio > de Shakespeare é uma d 'estas opiniões feitas de antemão, que ninguém procura verificar, que as gerações acolhem sem protesto, e que cada um vae pro- pagando sem o sentir. Attenda bem; veja as coisas de perto, e comprehenderá que se en- contra em presença d'uma conjuração de lou- cura. A verdade é que, em Shakespeare, não ha nada.>

Lembra a demolição de Goethe e a de Dide- rot, pelo maluco Barbey d'Aurevilly !

Para o fim de purificar o meu espirito, de- pois de haver lido aquella porcaria, releio dez paginas de Victor Hugo, no seu livro Williain Shakspeare^ e releio as cem paginas de Taine, sobre Shakspeare, na sua Historia da Littera-

335

tura Ingleza^ e receito para a moléstia do Russo umas fricções japonezas.

Mais coisas russas :

«S. Petersburgo, 27 Uma ordem do tzar manda incorporar na armada, com a qualidade de cruzadores, os vapores voluntários «Smo- lensk» e « Petersburgo > sob os nomes de «Rion» e «Dnieper>.

. . .Lembra Frei Gorenflot, do velho Du- mas, o qual frade, quando em dias de jejum queria comer um naco de galUnha^ convertia a ave em peixe baptisando-a carpa !

Taes são os vapores voluntários convertidos em cruzadores.

Dizem telegrammas de Londres que ali cau-

336

sou indignação a noticia de o czar ter ido á caça, ao discutir-se o caso do Hull.

E a Victoria não ia ao vinho do Porto, como um catita, quando os Boers malhavam nos In- glezes ? !

Pois se quem leva e paga é o paiz, porque não hão de elles caçar e embebedar-se ? !

< Falsificadores de sellos. Foram ha dias presos em Berlim, uns falsificadores de sellos brazileiros, que aU trabalhavam por conta de uma importante casa do commercio do Rio de Janeiro.»

... A qual casa, cujo nome se não diz, con- tinuará a ser importante e respeitável^ quer falsifique sellos, quer chouriços.

Nome em letras gordas e biographia é bom para o grandíssimo bandido que rouba 15 tostões.

Porca vida !

337

Vae á próxima assignatura régia a exone- ração do sr. Custodio Borja. (') Até outra vez. E quem morreu morreu.

LIX

Vem no Diário de Noticias :

«Foram ha dias chamados a responder no I districto, em audiência presidida pelo sr. conselheiro Amaral Cirne, dois rapazitos, de nome João Gomes e José Maria Gomes, cujas edades variavam entre 12 e 14 annos, os quaes haviam sido presos na estação de Braço de Prata, por transitarem no comboio, sem esta- rem munidos dos competentes bilhetes.

«O juiz, dirigindo-se ao mais velho ;

«D'onde vinham vocês >

0) Jornaes de 3o d'outubro de 1904. NO COLYSEU 22

338

«De Villa Nova de Ourem, onde tomá- mos bilhetes para o Entroncamento, com o único dinheiro que tinhamos, tencionando vir depois a até Lisboa, mendigando pelo ca- minho. Mas, como a fome apertasse comnos- co, adormecemos e não nos apeámos onde de- víamos, pelo que fomos presos.

«E porque sahiram da sua terra .^

«O mais novo, com lagrimas na voz: A nossa mãe prantou-nos fora de casa . . .

«E em seguida explicaram que a mãe, por imposição do homem a quem se ligara depois de viuva, puzera-os fora, vendo-se ambos obri- gados a procurar trabalho. Assim viveram du- rante dois annos, á mercê do acaso, até que, por ultimo, faltando- lhes os meios de subsis- tência, resolveram partir para Lisboa.

« Que vinham fazer }

«Procurar o nosso padrinho, para elle nos arranjar trabalho.

«Valeu a essas creanças o bom critério do digno magistrado, o qual, a pretexto de que

339

não tinham o necessário discernimento, as absolveu e mandou em liberdade, poupan- do-as assim a uma condemnaçào, que ser- viria para crear-lhes difficuldades no futuro!»

Este commentario elogioso ao bom critério do juiz vale quanto pesa A Justiça (do tribu- nal) a lavar as mãos, como Pilatos, ao lan- çar ao abandono e ao crime os dois desventu- rados rapazes, merece uma commenda do la- garto^ em relação ao mérito artístico. E, d'ahi, talvez o juiz ignore que os artigos l.°, 2.°, 3.° e 4.° do Regulamento Geral da Casa de Detenção e Correcção de Lisboa (está ali em Caxias o estabelecimento) estão reclamando, para os livrar dos imminentes horrores da si- tuação, os dois desgraçadinhos generosa- mente mandados em liberdade.

Precisamente, quando o juiz a pretexto

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J40

discemxniefito dos menores, (como i.»^ mtida <♦- mandou. - . pentear

itado art. 3 °, que diz s do sexo masculino, me-

Coneoçào devem ser

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cães c adiuntstratiTas, por si próprio, pdo OxL Orâ e pelo Cod. Penal, que \

aos ecos o prorado tJ^^mnht^ intítiân

Einibn, é de esperar <]iie imi dia, breve, c poder judicial tenha de coodesnuar dob c c^S fV^ elle torncMi açora ricos de 6b' le, mas sem trahafho, sem abrigo, sem : a menor maaifescaçio intcUigeiíte c c de ttiteresae que se dispenvi « N esse dia, recrommende^os especial ite íi > Ministério da Justiça, pediod .^rie a soa pa»agUB pelo Li- e será atteodido. e terá mt^í

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t

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sscmos, os srs. Fraiicis< Ama. e Laii Strasss redamara-'

340

da falta de discernimento dos menores, (como diz a elogiosa noticia) os mandou. . . pentear macacos, atropellou o citado art. 3.", que diz ácêrca dos individuos do sexo' masculino, me- nores, que na Casa de Correcção devem ser recolhidos :

«Art.° 3.° Isento, nos term^os da mesma lei (penal), da responsabilidade criminal, em razão da idade, ou de falta de discernimento e que não sejam entregues a seus pães e tutores.»

Ora, áos pães d'aquelles infelizes se sabe. Do padrinho nada consta. Portanto . . .

Seria talvez ex'gir demasiado, se o Regula- mento supra fosse um documento secreto, pri- vativo da Casa de Correcção, que o juiz o co- nhecesse ; mas é um decreto, de 10 de setem-

341

bro de 1901, publicado opportunamente na folha official, e tão vinculado ás funcções judi- ciaes e administrativas, por si próprio, mais pelo Cod. Civil e pelo Cod. Penal, que brada aos céos o provado desconhecimento.

Emfim, é de esperar que um dia, breve, o poder judicial tenha de condemnar dois crimi- nosos, que elle tornou agora ricos de liberda- de, mas sem trabalho, sem abrigo, sem pão e sem a menor manifestação intelligente de ca- rinho e de interesse que se dispensa aos cães. N'esse dia, reccommende-os especial- mrnte ao Ministério da Justiça, pedindo -lhe que lhes abrevie a sua passagem pelo Limoei- ro. Creia que será attendido, e terá merecidos louvores.

Do Popular:

«Conforme dissemos, os srs. Francisco da Silveira Vianna e Luiz Strauss reclamaram no

342

ministério das Obras Publicas contra o facto das cortes não terem discutido o contracto Provisório a respeito das obras do porto de Lisboa. Como n'este assumpto estão envolvi- dos interesses estrangeiros, queira Deus não tenhamos ainda que pagar alguma indemnisa- çào, pela falta de cuidado dos governos no cumprimento exacto dos contractos que assi-

. . .Foi alli o da via larga, Aquillo foi stisto que lhe metteram e dos taludos, susto de padre minhoto ! Agora o Popular pretende as- sustar os actuaes ministros, como se elles fos- sem de via largai

E a respeito do .caminho de ferro de Va- lença a Monsào c Melgaço^ corre que o Es- tado vae já, já, já, como dizia o Rozalino,

343

pôr màos á obra. Para mais brevidade j)orá o assento n'um automóvel como o outro.

Ahi vae o caminho de ferro, ó das zaraga- tas e das pingoletas I E' de via larga^ e tão larga que nem as ventas de um frade-bôrra !

Brevemente, a publicar-se um poema, de que vae amostra. Olhem para isto:

se inflammam os povos, em disputa

Sobre qual das duas vias é perfeita;

E, entre o vivo calor da accesa lucta,

Este opina que a larga, alguns que a estreita.

Salta d'alli o conde de Araruta,

Dando via p'ra a esquerda e p'ra a direita ;

Logo o padre a. clamar no ardor da festa :

Das almas grandes a nobreza é esta !

FIM

CRITICAS

CRITICAS '

Por este inundo

De Cândido de Figueiredo, no Diário de Noticias:

Por este mundo. Em uma nota bibliogra- phica, estampada na capa d'este livro, vê-se que elle é a quinquagessima publicação de Silva Pinto.

' No meu livro ^or este mundo Tem um artigo critico, a propósito de outro meu livro ÍT^o Mar Morto. Não traz indicação do auctor, nem do jornal de que foi reproduzido. Um desastre de impressão. O artigo é de João Chagas e pu- blicado no Trimeiro de JanetrOy do Porto.

348

Fazer cincoenta livros em Portugal, onde pouco mais haverá de cincoenta leitores de boa litteratura, é facto que devia ter suge- rido as mais ponderadas observações do phi- losopho Tibério, muito conhecido d'aquelle escriptor.

A nós sugere-nos o facto duas considera- ções diversas: uma alegre, e triste a outra. Esta cifra se em que o misero, que chega a escrever cincoenta volumes, pouco mais terá feito em sua vida, e, se não tem herdades, cha- lets e cupões, deve ter muitas vezes invejado a boçal ignorância do refegado vidraceiro e do mercieiro obeso, que afagam os matacões e os ádipes, na satisfeita contemplação dos saldos do mez.

Em compensação, apraz-nos ponderar que, quando ha editores para o quinquagessimo li- vro de um auctor, demonstrado fica que este conta no seu Haver numerosos leitores ; e, quando um escriptor sabe que é muito lido, conclue logicamente, se a lógica não é uma

349

convenção, que é deveras apreciado. Ora, mormente depois de um frugal almoço, a cons- ciência do próprio valor e a certeza do apreço publico valem bem, para o litterato e para o artista, a encebada dinheirama do homem dos matacões.

Silva Pinto, o infatigável auctor do Por este mundo^ logra a ventura ao menos de saber que é lido, porque sabe fazer-se lêr, o que não é predicado de escriptores vulgares.

D'aqui a sua meritória insistência em brin- dar amiúde o nosso publico ledor com as suas cogitações diárias ácêrca da comédia humana.

Cada uma das suas paginas é uma scena d'essa comédia, scena em que não entram ca- chinadas de riso alvar, mas um bom humor, camiliano, adubado de um riso cáustico e re- vulsivo, que consegue, melhor que as môscas- de-milão, excitar a epiderme coriácea do su- pracitado mercieiro.

Obra de um espectador sereno dos ridículos sociaes e das misérias humanas, o Por este

350

mundo é, como outros livros do mesmo autor, um registo de efemérides, que muito pôde elu- cidar os Heródotos do futuro sobre a curiosE historia do nosso tempo. >

*

De Justino de Montalvão, no Primeiro de Janeiro :

Por este mundo ^ Silva Pinto, o grando pamfletario que faz da sua penna um látego de fogo e de luz com que fulmina os vicios e os ridiculos da época, acaba de juntar á sua vasta obra de combatente mais um livro admi- rável, em que, por entre os sarcasmos de com- mentador implacável, muitas vezes se cristali- sam, em brilhantes, as lagrimas dolorosas do romântico.

Ler este volume é evocar e ver desfilar n'uma farândola, a um tempo grutesca e triste

351

toda a vida decadente d'um paiz que parece cstrebuxar n'um carnaval incessante

Este escriptor illustre, a quem o tédio de viver n'um meio de corrupção impenitente tornou sceptico (mas do scepticismo sem mal- dade, das almas superiores) contempla, do seu isolamento, a comedia do presente, e refugia- se na saudade d'esse passado lendário, cheio de bellos Ímpetos e de nobres aspirações, em que a sua mocidade ergueu um cântico enthu- siastico á Vida, que lhe mentiu, como sem- pre mente áquelles que trazem para esta lucta sem tréguas um ideal que não quebra e um ca- racter que não transige.

Cada pagina d'este novo livro é um sorriso amargo ou um soluço de piedade, como por exemplo as commovidas e intensas paginas consagradas á memoria de Manuel Cárdia, uma das mais radiosas esperanças do jornalismo e das letras e que tào cedo se perdeu nas es- curidões misteriosas onde se apagam todas as esperanças.

352

Silva Pinto é um dos nossos maiores escri- ptores, por esse poder de emoção que sabe communicar a tudo o que faz vibrar os seus nervos d'uma sensibilidade quasi mórbida, e o seu livro d'agora vem confirmar que elle é ainda entre os velhos um dos mais novos.

De Carneiro de Moura, no Liberal'.

<Por este mimdo é o livro d 'uma alma que tem vivido e soffrido muito. Silva Pinto pôde simular desdéns e ironias, que o seu espirito apparece-nos sempre como o d'um macerado batalhador que quer a sociedade melhor, con- tra a sociedade que é má, hypocrita e menti- rosa. Não é sufficiente ter talento para escre- ver os muitos livros com que SI a Pinto nos delicia e instrue. E' necessário tamDem ter ex- perimentado os golpes rudes da vfda para ter

35

ODO

aquella intuição, a um tempo pessimista e mei- ga, com que o auctor do novo livro caracteri- sa os ridiculos do nosso tempo.

Os nossos cumprimentos a Silva Pinto, por continuar a ser um dos raros luctadores que ainda no nosso meio se esforçam por destruir os ridiculos e os preconceitos que nos trazem atrelados a esta indiíferença marroquina em que vivemos.»

Por este mundo- De Raul Brandão, no

Dia :

«Mais um livro de Silva Pinto Por este mundo : e com este ultimo devem ser cincoen- ta volumes. O que isto representa do tenaci- dade, d'esforço e de desespero que tão bem se exprime- a pittoresca phrase «frigir os mio- los»— não o avaliam os que lêem despreoc- cupadamente as paginas inconfundíveis do 11-

NO COLISEU 23

354

lustre escriptor. Nem também se aquilata o que alli está de nervos, de cérebro e de dôr. Porque ha homens de lettras assim : escre- vem com o próprio soffrimento. Não conser- vam deante do papel gélido e branco a sere- nidade inabalável e olympica, que não con- some nem gasta: na tinta misturam sempre soífrimento. As paginas são gritos, traduzem desespero. E' o seu próprio ser que anda na baila: não narram narram se. Eis o que suc- cede com este illustre escriptor, cujos livros ficarão inconfundíveis na nossa litteratura. Mis- turem-n'os com muitos outros : logo os d*elle resaltam entre paginas e paginas ennegrecidas a tinta inerte e morta, como seres vivos. Saltam-nos, mexem-nos cora os nervos: vão acordar-nos fibras adormecidas, tiram-nos do socego, sobresaltam-nos.

E' que a sua curiosa obra é a sua própria vida. Silva Pinto confessa -se quasi sempre: nos seus livros, nos artigos dispersos, na cri- tica, elle não attende nem ao mundo que o

355

rodeia nem aos espectadores que o escutam. E um drama com um único actor, um ho- mem que tem deixado pela vida fora pedaços da sua alma.

Vêl-o, apegado á bengala, com os cabellos brancos, e agitados, e sempre furioso com tudo e com todos, n'uma perpetua irritação com os homens e as cousas é adivinhal-o logo. A's primeiras palavras apprehende-se a sua alma, sempre inquieta, magoada e ferida por os mil nadas estúpidos da existência:

«Este homem está sempre cheio de fel dizem com espanto.

De amargura é que é. A vida enche todas as grandes almas, que não procuram a sereni- dade no desprezo, d'amargura e cólera. São as contrariedades, os amigos, a hypocrisia, o que nos rodeia de infame, de estúpido e de inerte . . .

Ou a gente se mascara e sécca o coração, ou nol-o despedaçam logo. E' uma chaga re-

350

volvida a todos os instantes. Se ha homens que nasçam com esta sina : soffrer, Silva Pinto é um d'esses. As paginas vivas dos seus livros teem-lhe custado elle que o diga sofírimento sobre soffrimento. E' um român- tico. Tomou sempre a vida a sério e mesmo quando gargalha ha no fundo do seu riso rc- saibos de tristeza ou de cólera. A sua vida no Porto, em moço, é uma perpetua agitação. O que se escrevia n'esse tempo sustentava-se, se tanto fosse necessário, á ponta de punhal. Os rapazes d'hoje, práticos e cheios de methodo, seccos como a seccura, videiros como o Dia- bo, não comprehenderão facilmente o que era essa mocidade impetuosa, com ideaes e lou- curas, preferindo a algida pobresa á mais pe- quena transigência. Não desapparecera ainda o echo da épocha anterior nem a memoria do grupo que Camillo capitaneava e esse pu- nhado de homens, batia- se com tudo e com to- dos, capazes das maiores audácias para susten- tar— o que ninguém hoje sequer comprehende

357

um ideal d'arte, de piedade ou de justiça . . .

A vida por fim amorfanha-nos, mirra-nos, couraça-nos: vem uma edade em que se transi- ge, outra em que já, por fim, pelo cansaço, pelo desprezo, se acquiesce. Mas com Silva Pinto dá-se este caso singular: a cada nova contra- riedade, os seus nervos sempre alerta vi- bram, a sua energia férrea não se gasta e, trôpego, agarrado á bengala, agitando a ca- belleira branca, protesta, grita barafusta !

«Este homem está cheio defel!> di- zem os outros com espanto.

O que este homem resiste ! Como elle re- nova o coração e os nervos ! Aonde vae elle buscar essa mocidade e esse Ímpeto, que nem o assalto perpetuo da quadrilha^ nem o vasto panorama da existência, a que elle vem assis- tindo, nem as lagrimas que a occultas terá cho- rado, quebrantam e ensinam a saber vi- ver ? . . .

Tem cincoenta volumes publicados . po- dia ter cincoenta contos n'um cofre á prova

358

do fogo e dos ladrões, se, quando escreveu a primeira linha, aos vinte annos, se tivesse lembrado de abrir um balcão de mercearia. E poupava se a luctas, a contrariedades infinitas. Tinha engordado . Não morria pobre nem gasto por um extenuante trabalho, onde cada qual põe o que tem de melhor e mais intimo no seu ser. Era decerto um grande escriptor a menos mas talvez um homem feliz a mais ...»

Por este mundo

De Lourenço Cayolla, no Jornal da Ma- nha:

«Mais umas trezentas e tantas adoráveis pa- ginas de Silva Pinto, sempre cheias da mesma ironia mordaz e triste, que é a característica do seu temperamento inconfundível.

E por todas essas paginas de sarcástico pes- simismo levanta-se sempre a mesma figura de

1

359

apostolo bom e descrente, a mesma penna que tem incançavelmente, ha trinta annos, defen- dido ingenuamente, ardentemente, a moral dos bons e salutares ideaes.

E tem sido este o traço riginal e único, gra- vativo da personalidade litterarie, e tão in- tensa, de Silva Pinto. Para elle nunca houve um desanimo, como nunca houve uma emen- da. A sua ironia é um látego que fere, mas que sabe ferir. A sua alegria entreabre-se por vezes, como o panno de um scenario, e entre- mostra-nos então cousas tenebrosas e horri- veis, lagrimas para pensar, e que são um ensi- namento e um exemplo. Algumas anecdotas são o prologo de misérias dolorosas e profun- das, que se presentem e adivinham, mas que o auctor resignadamente encobre sob a mas- cara do seu sorriso.

Eu não conheço hoje na vida litteraria por- tugueza uma figura de escriptor que tão pro- fundamente transpareça na sua obra. Através as gerações succes*sivas, cuja forma evolutiva

36o

vae tendendo, cada vez mais, para a imperso- nalidade do auctor, como technica de perfeição litteraria, Silva Pinto conserva inalteravelmente a velha feição. E' elle sempre, e em todas as suas paginas elle transparece e se revela.

Porque r a razão é simples.

Porque a necessidade moral de dar á obra litteraria um fim social e educativo, um fim que não seja exclusivamente passionai, vae de cada vez enraizando-se mais no nosso meio.

Não basta commover e fazer chcrar. Não basta rir e zombar. E' preciso encadear a iro- nia como a emoção para um intuito útil : edu- car, purificar, regenerar pelo sentimento e pela verdade, pregar o bem na corrupção, como a verdade na vida.

O homem de lettras é um apostolo. E é na verdade tão difficil, para alguns temperamen- tos viciados, fazer corresponder uma vida ho- nesta e impoluta á grandeza apaixonada de um ideal defendido ! Por isso poucos faliam de si. Silva Pinto fala muito.

;6i

E ahi está a sua grandeza e o seu trium- pho. Quando todos fogem e se occultam, elle apparece, intangível, sorrindo sempre, expon- do o seu bello e altruista coração n'essas tre- zentas risonhas e desilludidas paginas que são um sonho da sua vida de visionário desillu- dido.

E' impossivel, nas curtas linhas de um jor- nal, dar uma ideia do bello livro de Silva Pin- to. Mas não devemos fechar esta noticia sem nos referirmos ás maguadas paginas em que o velho publicista (perdoe me o chamar-lhe as- sim) se refere ao moço e saudoso Manuel Cár- dia. E' toda a historia da sua morte, da sua tristeza, da sua natureza perscrutafiora e affli- cta, que alli se revive e lembra.

E nada mais doloroso, mais cruel, e mais extranho do que esta saudade, do que estas lagrimas de um espirito cançado de trinta an- nos de lucta, sobre a lousa tumular de um amigo que parte com vinte annos, desillu- dido

362

S. Frei Gil

De Carneiro de Moura, no Liberal:

«Está publicado este valioso volume do bri- lhante prosador e critico Silva Pinto.

E' uma manifestação nova do talento do seu auctor, em que a vida aventurosa e lendá- ria do santo portuguez é descripta com um encantador relevo.

Silva Pinto sabe urdir paginas de historia com a mesma habilidade e brilho com que cri- tica os ridiculos da sociedade contemporânea.

6". Frei Gil é um livro de alto valor littera- rio; lê-se com um raro encanto de espirito, e bom seria que n'esta terra inculta a leitura de livros, como o. que acaba de publicar Silva Pinto fosse preferida ás leituras ridículas que por ahi andam a embrutecer a insufficiencia

303

mental do publico, em folhetins de contra- bando.

Agradecemos ao distincto homem de lettras o prazer que nos proporcionou com a interes- sante leitura do seu novo livro.»

Do Jornal da Manhã:

S. Frei Gil

«Livro de 184 paginas que se d'um fôle- go, que não fatiga, nitidamente impresso e edi- tado pela Parceria António Maria Pereira. Livro de Silva Pinto.

Julga o leitor que vae aborrecer-se lendo a vida d'um santo, mas ao fim da primeira pa- gina nasce o desejo de ler a segunda e depois as outras, agradavelmente, deliciosamente. O estylo é leve, a graça não molesta crenças, a

3^4

verdade transparece por estudo, e a linguagem é correcta, é vernácula. Silva Pinto deunos um bom trabalho e mostrou que a sua critica sabe ser alegre sem ser falsa ; lembra n'aquel- las paginas a velha graça de Camillo, nivel- lando-se-lhe na elegância e pureza de lingua- gem.»

S. Frei Gil

No agiológio portuguez, como todos sabem, abundam nomes de elevada cotação histórica e lendária: Santo António, S. Dâmaso, Santa Isabel, Santa Iria, S. Frei Gil . . .

S. Frei Gil vinculou por tal forma o seu nome ás lendas do Fios Sanctortim^ ás tradi- ções populares e á historia de Portugal, que mais de um dos nossos mais gloriosos escri- ptores, desde frei Luiz de Sousa até Garrett,

365

lhe sagraram as mais largas e cuidadas refe- rencias.

Mas, uma conscienciosa monographia, desti- nada exclusivamente a consignar e commen- tar o papel lendário e ò papel histórico do monge de Vouzella, inda se não fizera até agora, em que nos apparece o 5. Frei Gil de Silva Pinto.

Não é novidade esta feição litteraria do ma- leável talento do auctor, visto como, ha pou- cos annos, Silva Pinto nos tinha dado os Svntos Portugtiezes, curiosa resenha de santos nacionaes e suas lendas.

Baseado em documentos históricos, e nas tradições recolhidas por escriptores vários, Silva Pinto descreve a vida originalíssima de S. Frei Gil, a sua influencia nos negócios de Estado em tempos de Sancho II, e os episó- dios tradicionaes, que fazem do nosso Santo um novo Fausto^ mancommuuado com o de- mónio, para produzir assombros e curas mara- vilhosas.

366

S. Frei Gil ainda não teve um Goethe, que lhe immortalizasse o nome em estrophes mo- numentaes ; mas teve agora um devotado chro- nista, capaz de fazer interessar o publico na vida desregrada, nas nigromancias, na conver- são, na piedade e no caracter politico do cele- bre vouzellense.

Livro de historia e livro de critica, o Frei Gil affigura-se nos um trabalho sério, que, sem os assomos da gravidade histórica, concilia a importância do assumpto com a simplicidade e fluência da prosa, que é peculiar ao auctor, e que todos têem apreciado e applaudido.»

Diário de Noticias.

C. de F.

Alma Humana

<Ahna Humana é o ultimo livro d'esse an- tigo pamphletario de brônzeo pulso, que se

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..<»<'»tiapgn«tit tu-

367

ae,que les mo- io chro- ilicona conver- do ceie- V

,ofr«' iie,sein aa jcidade aictor, .áo.>

íeF.

•ria-

inese

chama Silva Pinto, o mais vigoroso e audaz polemista da geração de fulgurantes espíritos que vae desapparecendo. A este escriptor e artista da mais fina raça, quem escreve estas simples linhas costumou-se a adoral-o ha mais de 20 annos, quando a Critica era uma coisa honesta, tratada com lampejos de talento e n'uma linguagem bem portugueza, ao mesmo tempo cheia de vibração e de côr. Prosador d*uma pessoalidade intensa e inconfundível, cheio de originalidade, Silva Pinto envelheceu entediado com a parvoiçada de muito menino prodígio çue trmmphoti^ mas o seu gladio in- flammado, esse não o abandonou elle como a uma velha bengala inútil.

Muito ao contrario: Silva Pinto é ainda, apesar dos cabellos brancos, o mesmo pode- roso pulso, com o mesmo processo de escre- ver e de esgrimir. A' sua bagagem de dezenas de volumes hão de ir buscar filigranas e rou- pagens os que hoje e amanhã quizerem saber escrever.

366

S. Frei Gil ainda não teve um Goethe, que lhe immortalizasse o nome em estrophes mo- numentaes ; mas teve agora um devotado chro- nista, capaz de fazer interessar o publico na vida desregrada, nas nigromancias, na conver- são, na piedade e no caracter politico do cele- bre vouzellense.

Livro de historia e livro de critica, o Frei Gil affigura-se nos um trabalho sério, que, sem os assomos da gravidade histórica, concilia a importância do assumpto com a simplicidade e fluência da prosa, que é peculiar ao auctor, e que todos têem apreciado e applaudido.»

Diário de Noticias.

C. de F.

Alma Humana

<Ahna Humana é o ultimo livro d'esse an- tigo pamphletario de brônzeo pulso, que se

367

chama Silva Pinto, o mais vigoroso e audaz polemista da geração de fulgurantes espíritos que vae desapparecendo. A este escriptor e artista da mais fina raça, quem escreve estas simples linhas costumou-se a adoral-o ha mais de 20 annos, quando a Critica era uma coisa honesta, tratada com lampejos de talento e n'uma linguagem bem portugueza, ao mesmo tempo cheia de vibração e de cor. Prosador d'uma pessoalidade intensa e inconfundível, cheio de originalidade, Silva Pinto envelheceu entediado com a parvoiçada de muito menino prodígio qtie trmmphou, mas o seu gladio in- jflammado, esse não o abandonou elle como a uma velha bengala inútil.

Muito ao contrario : Silva Pinto é ainda, apesar dos cabellos brancos, o mesmo pode- roso pulso, com o mesmo processo de escre- ver e de esgrimir. A' sua bagagem de dezenas de volumes hão de ir buscar filigranas e rou- pagens os que hoje e amanhã quizerem saber escrever.

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A Alma Htwiaua são annotações, algumas amaríssimas, de factos, commentarios a casos da vida, villanias, dores, lagrimas. São pagi- nas sentidas, que se adivinham produzidas com febre, e que ressumam por vezes sauda- des acerbas e outras vezes um commovente amargor dolorido.

Velho intellectual, todo entregue á sua obra, dentro d'ella, como um monge dentro da sua cella isolada, Silva Pinto dá-nos nas suas pro- sas bocados do próprio coração, que se sen- tem ainda quentes, gotejando sangue e lagri- mas.

Se em Portugal se soubesse lêr, os livros d'este escriptor teriam edições successivas, porque nenhum como eile nos commove e nos contunde com as suas maguas, com os seus risos, ou com os seus sarcasmos.»

Jornal da Noite.

D.S.

Do Popular'.

Alma Humana

«Publicação de critica, observação e senti- mento, de que é auctor o insigne jornalista e eminente homem de lettras, nosso antigo ami- go e collega, Silva Pinto.

Indicar o nome do auctor é fazer o elogio da obra de tão conhecido e conceituado pu- blicista, em cujos escriptos a castiça lingua- gem portugueza se encontra em toda a sua pureza e vigor, e cujos conceitos, formulados quasi sempre em uma dolorosa amargura, at- testam uma fina observação da sociedade, com uma pontinha de cáustica ironia, que lhe im- prime um relevo especial e um interesse vivo, ao mesmo tempo.

«A obra, acabada de expor á venda, encon- tra-se na conceituada casa editora. Parceria António Maria Pereira^ na rua Augusta. >

NO COLYSEU 24

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Da Tarde:

«Acaba de sahir a publico um novo livro de Silva Pinto, o vigoroso escriptor e intemerato critico, que tão grande talento tem prodigali- sado, em mais de trinta annos de trabalho con- secutivo, pelas columnas de jornaes e pelas paginas de livros.

A obra de Silva Pinto é a sua auto-psycho- logia, constituida pelos milhares de aspectos que a vida tem tomado aos seus olhos de ob- servador, entre irritado e melancólico, no meio das perversidades, das misérias, ou das sublimes coisas bem raras ! d'este velho mundo.

A Alma Humana é um livro que deve ser lido por todos os que prezam a litteratura, no que ella tem de mais nobremente elevado.»

371

De Cândido de Figueiredo, no Diário de Noticias :

Alma Humana

«Novo livro de Silva Pinto. O nome do au- ctor e o titulo da obra deixam entrever a Ín- dole d'esta. Mais ou menos, estas duzentas e tantas paginas são pequenos e humoristicos estudos de psychologia social, especialmente de psychologia burgueza.

Na travessia por este mar-morto do occiden- te, onde o próprio Heraclito seria ridículo, um dos passageiros, a quem a vida pouco tem sor- rido, pega na penna, como na lente de Archi- medes, e abrasa e revolve a flotilha das bar- caças, pondo em evidencia o que por havia de ridículo ou torpe,

A prosa cáustica do auctor, se chegasse á epiderme de quantos ella alveja, poderia ser

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um cautério de oportuno saneamento. Mas os imbecis, os ridiculos e os torpes raramente percebem a lettra redonda ; por forma que a licção é maiormente apreciada e encarecida pelos artistas da palavra, e por todos os que, de palanque, se distrahem e se instruem n'es- tes ensaios, ás vezes cruéis, de anatomia so- cial.

Mas no livro de Silva Pinto não se encontra apenas a nota juvenalesca e acerada, caindo como brasas nos ridiculos sociaes; de espaço a espaço, resalta um sereno sentimento de jus- tiça, que leva o escriptor a metter na bainha o seu usual estilete e a falar, com seriedade e notável senso, dos homens, e das coisas do nosso tempo.

Sirvam de exemplo as nobres palavras que elle dedica a Eduardo Coelho, (pag. 63 da Alma Humana).

Quem meus filhos beija, minha bocca ado- ça. Eduardo Coelho não é filho da nossa fo- lha, antes pelo contrario. Não se estranhará.

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pois, que a filha reproduza, com justificado desvanecimento, as palavras consagradas ao pae. Diz Silva Pinto:

«Parece qne finalmente vae Eduardo Coe- lho ter um monumento. Eu em tempos vo- tei — approvando, embora me não chamassem á votação. A obra de Eduardo Coelho, funda- dor do Diário de Noticias e, como tal, inicia- dor da leitura barata, generalizada aos que sa- bem ler e aos que podem ouvir., é producto abençoado de sua exclusiva e intelligente acti- vidade. Sabido é que Eduardo Coelho trium- phou em vida; teve descançada velhice, em compensação de muitos annos de lucta e de amarguras ; mas a s>\yà fortuna estava longe de provocar severas annotações. Era legitima: era bem merecida.

«Elle foi de uma completa e digna coheren-

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cia em todo o seu viver : grato aos que o aju- daram em tempos de tristeza, bom amigo dos seus companheiros de trabalho, escolhi- dos entre gente honesta, simples nos seus hábitos e tolerante para alheias parlapati- ces innocentes, fazendo do seu popularissim ". jornal folha de informação e de instrucção mo- destas, — affastando-se rigorosamente da intri- galhada e evitando abusos de publicidade, muito cauto, pois que muito conhecia a bella sociedade em que luctára, recebendo as sau- dações pelo que ellas valem, tendo, como todos os que soffreram e se aguentaram, um pouco de scepticismo risonho, prestadio sem alarde e segundo sentido : um homem de bem e de forte intelligencia, consciente do seu justo valor. Tal foi o jornalista e tal foi o ho- mem ; e, sobre tudo isto, um devotado amigo dos seus.>

375

,Archivamos o noVo livro de Silva Pinto, não simplesmente como um claro documento â,e observação e critica, o que não seria pouco, mas também como um documento de justiça.

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OBRAS DE SILVA PINTO

Questões do dia, 1870. Sciencia e Consciência, 1870. Farçadas contemporâneas, 1870. Novas Farçadas contemporâneas.

1871. A questão da Imprensa. 1871. Tkeophilo Braga e os Críticos .

1871. A' hora da lucta. 1872. Horas de febre. 1873. O Espectro de Juvenal. 187.1. Eugenia Grandet jtrad.) 1873. O Fadre maldicto. 1873. Balzac em Portugal. 1873 2.*

edição. Noites de vigília (edição mensal;.

1874. Noites de vigilia (edição quinze-

nali. 1875. Emília das Neves e o Thea-

tro Portuguez. 1875 2.' edi- ção. Contos phantasticos. 1875. Os homens de Roma (drama).

1875. A Questão do Oriente. 1876. Revista Litteraria. 1876. Os Jesuítas (ao bispo Américo).

1877 3* eaição. Do Realismo na Arte. 1877 3.'

edição. Nós e a Alfandega do Porto. 1877

2.* edição. O Padre Gabriel (drama). 1877

2.* edição.

Controvérsias e Estados Littera-

rios. 1878. No Brazil. 1879. O Empréstimo de D. Miguel. 1880

3 ' edição. Realísmos. 1880— 2.' edição. Combates e Criticas. 1882. Novos Combates e Criticas. 1884. Terceiro livro de Combates e

Criticas. 1886. O caso de Marinho da Cruz. 1889. Camillo Castello Branco. 1889. A Mulher do capitão Branican

(tr.) 1892 Philosopiíia de João Braz. i895. Santos Portuguezes. 1895. N'e8te Valle de Lagrimas. 1896 A queimar cartuchos. 1896. De palanque. 1896. O Riso amarello. 1897 Noites de vigilia (4 vol.) 1897. Critério de João Braz. 1898. Memorias d'um suicida (tr.) 1898. A torto e a direito. 1900. Pela Vida fora. 1900. Alta noite. 1900. O Mundo furta cores. 1900. Moral de João Braz, 1901. No Mar Morto. 1902. S. Frei Gil. 1903 Por este mundo, 1903. Alma Humana, 1904. No Coliseu, 1904. A Velha liíatoria, (no prelo).

PQ Silva Pinto, António da

9261 No coliseu

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