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í ' de Portugal.
Id.nvnalvres
I PEREIRA.
] -D E FRANCISCO KODRIGVBS LO BO.
\ OjfccwCidoâo Duque domllícodorio (egundo ! deita nome, Duqyp de Bragança, & de Barcel- 1 loá. Marques de Villaviçoía> Conda de Ourem, ! deÂrrayclos, dcNeiuâ, Ôc Penafiel, fenhorde i Monfofte,Montealcgre,5cVillâ de conde. Conde eftabre deiles Reynos & Se- nhorios de Portugal' Cr.)
EM LIS BOA.
C^m todas as licenças necef afias fêf ^orge Redriguc^> Annoi ^ 2 7.^
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Tãx4e eUeUàri em iuzintis & qàãrent» reis "(m
AODVQVEDOM
THEÓD0S10,3dc.
Âô Cabe na humildade de minha» forças cfFerccer íeruiços a V. Ex- cellécia; mas cíle he por fy própria de tanta vaíia , qye o oâo pcác fa- zer menos aceito â incapacidade de qu??m o oíFerecc. Andauão remotos da me- moria dos homés osmemor^ucis, Sc heróicos fíitos do Condeftabrc dom Nuno Alares Perci-i ía,por ter o tempo confumido a infigne obra deFranciíco Rodrigues Lobo, que tão copio- famentô os ceíebraua : fentião todos , ccrno era jafto,tão grande perda ; poré não acia quem fe defpufeíre a darlhe remédio : até que eu(pof- tp q dos mais infcriores)obrig8dc do zelo com- mum da honra doReyno, êcdoquetenhocm particular de fcruir a V.ExceIíêeia,tratci de im- primir á minha cufta efta obra de nouo,com poa CO mais cabedal g de bõs defcjós ; mas o feruoc da refolução, 6c execução delles prenalcceocõ- tra as eftreítezaq qq tempo , «Sc coutra as qu2 ÚO ordinário mc fazem fentir as moderadas poíTes dcfta OíFicina: & pois Deos foy feruido fauors- ccrmc paraleua? a impreíTaõ ao Gâbo,fe ja o tsm hé VExcclIcnciã de a cmparar como coufa fga» ôraceitalla como fcruiço de quem fez mais da que podia^Sc muito menos do q defejâua. Noflb Senhor gtjardc a V. Excellcncia por muitos anj nos* De Lisboa ema o. de IVlarço de i é * 75
GO M m ui to gofto íí eítc liuro intitulado o Condeftabrc de Portugal Dom Nanai urcs Pereira. Ccm^ofto por Franciíco Rodrigues Lobo, Sc nelle achpi muito próprio cftillo, &gratscverfo PortugueV. Entendo que fera bem recebido dos leitores/ Portugucfcs, pois nelle fe ve o esforço de feus afetepsíTados: não tem coufa contra nofla fâota fè^^ubòsco- ftumes,&: he digno de muitas ve^es íelimprimir & andar nas mãos de todos. Em Lisbòs, i j. de lunhode^ié.
Fr.Thomas de S. Domingos Magifter.
VWa t hformaçdo podejse imprimir efte limo in titHhdê Cendejlâhre de Partugald&m Nunal^ lítes Pereira , dr depois de impreco torne tonferido com õ original par A fe dar licença yara correr , c^/^z» tlia não correrá. Lisboa, aos z 6. de lunhodci^sy.
\ Gafpar Pereira. Fr. António de Soufa^
Francifco de Gouuea.
p
OdeJ^e imprimir 6 de lulhodeé 17. Eugénio Cabreira.
QVc fe pofla imprimir^viftas as liccças do fanto Officio, & Ordinário: & não corre rà iem tornar á meia para íer taxado. Em Lif- boa, a 9. de lulho de ^5 j 6»
D.deMello- Araújo.
Ejla confirme com ú original. ^
Fr-Thomas de S. Domingos MsgiCcr-
Fo!.r.
O CONDES- TABRE DEPOR-
T VG A L DOM NVNQ
ALVRES PEREI. RA.
De Frâncifco Rodrigues Lobo. CANTO PRIMEIRO.
%^RGVMEIÍTO.
^i^S^f^ *^^ fi^^fi do quil obrigado elRey dom TtrriAndo ^ mAndu defcotrir o exercito com que elRey dom Henrique de CafíeUã dece febre Lisboa. Dom Nu^ no Alures Pereira dk relação a elRey das com(anhías do contrario, & he armado caualeiro.
A N T O as armas reaes , & o fir- me peito
Do varão Portogucs nunca ven^
^^í^^âSÍ eido.
Que quanto era na paz aos ceos aceito; Tanto na guerra foi forte, & temido. Cujo braço a feu Rey deixou fujeito» O Rey no em vários bandos diuidido, E fujeitàra a toda a redondeza. Se lhe não dera o eco mais alta cmprcza»
A Pe
OCONDESTABREDEFORT.
De dom Nunalures cânto, o valerofo Claro libertador da pátria terra. Que immortal fez feu nome, ôc gloriofo Em armas, em juftiça, em paz, & cm guerra E com triumfo mais alto, & mais famofo De to dos os que o mundo brcue encerra Em batalha a li próprio fe venceo Conquiftando depois da terra, o ceoí
Sufpenda Apolo a Lyra de curo fino, E con as noue irmaãs ouça o meu cantai Qoe inuoco outro fauor alto & diuino. Outro mayor poder íupremo &c fanto: Vejão que neile aíTento criftalino Sobre as azas da fnma a voz leuanto, E con fonoro canto, & brando verfo Efpalho feu valor pollo vniuerfo.
O vos Virgem mais pura que as eílrellasi Que pifandoas eftais no claro aíTento^ E veftida dafol, que he fenhor delias, Dais honra, gloria, & luz ao firmamento^ A quem dss criaturas, as mais beílas Ajudando dos ceos, ao mouímcnto De anjos,5c chyrubins diuerfos choros Cantão hymnos, Sc verfos mais fonoros.
Vos thefouro do Ceo; certa efperança
Dos homens, & dos bens que Eua perdea^ I|oce reftauroí vos jufta balança Èm que ja fe igualou a terra & cea. Vos fiiftentai Senhora a confiança r De quem em voíío nome fe atreueo; Fâz-ei que a minha pena o ceo coroe, E como de talaue, efcreua, & voe.
Nao
CANTO PRIMEIRO. z
Kão procuro o fauor da incerta fonte A quem Pegaío deu o nome Sc traçaj Nem os louros do vão Caftalio monte, Qae honra as frontes poéticas, que en laça Para que do grão Nuno os feitor conte A vos inuoco fò fonte de graça, Monte de perfeição, louro mais nobre,' Qije outro diuino foi defende & cobre.
Efte he o capitão que fó triumfaua - Dos armados contrários que vencia Quando ante voíTas aras penduraua Os famofos trofeos, que adquiria: Efte o que os altos templos fabricaua Todos ao nome fanâio de M A R I A, Do voíToNuno canto humilde ôc forte A valcrofa vida, Sc faneca morte.
VoíTa he alta Senhora, a noua empreza. Meu efte bem nacido atrcuimento^ Os louuores da gente Portugueza, Que dos voíTos não tira o penfamento; Onde ha tanto valor, tanta grandeza Tenha meu verío algum merecimento, Qnc nos voíTos muy firme, 5c mui feguro Contra os mores perigos, me auenturo.
E vos príncipe claro, que eftais vendo Nefte fiel retrato que oíFereço Quem feo nome immortal engrandecendo A voíTo eftado deu nome & começo; Vos a que cftão os fados prometendo De tão heróicas obras fruito & preço. Vos, por vos, delle dino, & d'outro eftadoj ^ Se inda efte pode auer ) mais inuejado.
A z Vos
o CONDESTABRE DE PORT.
Vos fegundo Thcodoíio a quem Ce dcuc O que cu no verfo humil de dar não poflb, Sc merece fauor o que íc atreuc Sò na fè do defejo de fer voflb, Confiderando o mais que fe vos deue, E quanto he limitado o poder doíTo, Para que em louuor voíro,efcreua, & cante» Daime Príncipe a mão, que me aleuante*
E ouui beninamente a larga hiftoria Daquelle fundador do voffo eftado, Que adquerido o deixou com tanta gloria Como o tendes com gloria fuftentado Fique no mundo eterna efta memoria Porque a não perca o tempo dcfcuidadOi Honrcfe de tal peito, braço, & lança, E tal principio a cafa de Bragança»
Quando hía Portugal degenerando Daquelle antigo esforço, & valentia Com que foy tantas terras conquiftando^ Das que o bárbaro Mouro poíTuia, Quando a coroa 8c cetro de Fernando A fermofa Lianor tinha & regia De cujo parecer prezo & vencido, Ellc a tomou caiada, a feu marido.
Quando não fe aruoraua o eftandârte Pollo primeiro AfFonfo alcuantado Por quem era do mundo em qualquer p arte O nome Português quaíi adorado Quando da jurdíção do inuicíito Marte PoíTe Vénus, & Amor tinhão tomado E com o remiíTo principe indecente Perdia o brio a Lufytana gente.
Ao8
CANTO PRIMEIRO. j
Aos feus ingratO; inútil, fugitíuo.
Na nobre Santareoi viue, & defcanfa
Nos amoroíos braços, que catiuo
O tem a feu querer, Sc a fua vfança,
Não lhe lembra fe he Rey fe morto, ou viuo
Se perde, fe auentura, nem fe alcança,
Ao appetite liure, a rédea íblta,
E a honra vay bradando que dè volta»
Quando o Rey valerofoCaftelhano Dos Portuguefes braços offendido, A vingança procura de feu dano, De Fernando outro tf mpo recebido, Qíje ou por juíliça foíTe, ou por engano De vaflTalos, & amigos induzido. Dentro nos muros feus da própria terra Lhe fora meter gente, 6c fazer guerra.
Qne por morte do Rey cruel 6c im pio. Dos feus açoute, & exemplo de dureza, A quem o irmão deixou paíido & frio, Oppondo a pátria, â ley da natureza A conquifta do eftranho fenhorio T^loueo Fernando a gente Portugueza, Por fer baftardo Henrique o que ficara. Por fucceíTor de Pedro a quem matara-
Defta Sc muitas oíFenfas aggrauado Com o poder bellicofo de Caftella, O mar de brancas vellas traz qualhado, E a terra de efquadrôcs de getjte beliai Gontrâ Fernando o braço leuantado. Que (em receo, auifo, & íem cautella Em lugar de accudir á noua afronta. De íeus amores fò conhece Sc conta.
o CONDESTABRE DE POR T.
O títn jí5 dâs t^c-mbetas, &c atambores Per encre os i*ltos montes vem foando Dos guerreiros de Henrique vencedores. Que doTejo as áreas vão pifando, O pouo Português com mil clamores Em vão inuoca o nome de Fernando, Que noutra guerra o trás amor íujeito. De quem vencido eftá mais fatisfeito.
Hua noite que qual outras paíTaua No mimofo defcuido, em que viuia, Quefò com Lianor ledo fonhaua, Contente fe acordaua, ou fe dormia; Em hum profundo fonho o fepultaua A fua mal fegura fantafia, E de mortal fuor cuberto, 6r cheo. Lhe moftraua ifto em fonhos o receou
Com efpantofa fúria viodecendo Hua nuuem dos ares defpedida Que ao eftrondo , & rumor que vem fazendo Faz abanaraterra^eftremecida; O Rey com tal vifaõ ficou tremendo. Qual a enzinha dos ventos combatida, A morte efte temor lhe reprefenta, E a V025 dentro no peito lhe arrebenta.
Vio abrirfe efta nuuem pollo meo
Rompendo com hum trouão muy furiofo, Que o ar de efcurâs treuas deixou cheo, E ío no meo hum rayo luminofo,-
' Tímido gli ficara, & com receo Qualquer coração forte^ Sc vaierofo, Olhando hum vulto humano que apparecei Que mais que o ray o oífendc > 6c reíplandccc.
Oual
CANTO PRIMEIRO. 4
Q^I fe cuftumâ âchar defacordado Quem durmíndo ficoD na caía efcura^ Qne trazendolhs a luz fica enleado Com a vifta, que mil couías lhe afigura^ Os olhos abre, ôc cerra de turbado Quanto mais olha a luz, menos attura Tal o Rey quebra a vifta íò de olhâlla, E o medo, dos cabclios prende a falia.
Com a tremula luz indiíFerente Hum caualeiro armado ve diante Com as armas & efcudo tranfparentc Que parecem finifsimo diamante Aleuantado o elmo reluzente Com húa coroa d'ouro radiante^ E no efcudo as quinas Portuguezas De eterno lume por milagre accfas»
A efpada com que fere o leue vento De fi defpede os rayos de Vulcano Com hum afpcito cruel, hum termo ifentoj Olhaua ao Rey medrofo de feu dano. Os olhos fitos nelle o rofto intento. Soltando a voz do peito mais-que humano^ Com grande ira que nelle fe accendia. Esforçando as palauras, lhe dizia.
Rey defcuidado, indino da coroa
E nome Português, que inda o ceo amaj Que hoje por ti tão vil fe ifama & foa, Qjjm claro o eu deixei na voz da f«ma. Socorre aos forte? muros de Lisboa, Accode Rey ao Rey no que te eh. ma, E anrcs que da Fortuna a roda deça Lcuantà o coração, ergue a cabeça.
A 4 ^ítu
o CONDESTABRE DE PORT:
Teu imigo não ves que liure & ledo Vay pifando do Tejo a rica praya? E que fubido aqui com rifco, & medo. Tu vigiando eftàs como atalaya? . Não ves que ja conhece, & vera cedo Como o teu poder, & honra defmaya? Não ves q je o campo feu vay preguntando Aonde fica efcondido el Rey Fernando?
Olha eftc armado, & forte caualciro,
Com as infignias reaes, de que te cfqueccs. Acorda, olhame o rofto verdadeiro. Que com jufta razão me defconheces,- Eu íou o grande AfFonfo, o Rey primeiro, A que em obras tam pouco te pareces. Eu fou o que ganhei com braço forte A terra, a quem tu vas trocando a ■ forte.
Eu íou o que ao*barbaro inimigo
As bandeiras ganhei^ com tanta gloria. Eu fou o que deixei com meu perigo Efte diuino cfcudo por memoria. Eu fou o que te chamo, o que te obrigo Afuftentarafèdefta vidoria, E aUberdadeantiguaLuf^tana,
. Qae por teus vaõs defcuidos fe pro^na.
Deixa a vontade efcraua, que te cfFende, Segue o nome que tês com peito aítiuo, Com o poder da râzão catiua, & prende O defejo; que afsim te traz cxtiuo: A aíFeição leye, o leuc aqíior íufpende, Vé que o preço da honra he excefsiuo, Eobriguete(feahonra não te obriga) Ver que te hâ de vencer:geD£e inimiga»
Olha
CANTO PRIMEIRO. f
Olha obom Rey Dauid por quantas vias Foy no Rey no, & no cetro caftigado Por tomar a mulher ao forte Vrias, Retrato natural do*teu peccado. Da culpa qae fcm fim chorar deuias De Deos, de êí, dapena defcuidado Pollo fuaue engano defta vida. Te não lembra cobrar a honra perdida.
Põem os olhos no ceo fereno, & claro, Nelles o coração, tegora impuro. De la veras decer teu certo amparo. Teu defenfor, caftello, forte, & muro, Veras que o que me a mim cuftou tão -cârOí Eftá no áureo feculo futuro Por diuino poder, predeftinado A fer por largos annos fuftentado.
Efeporteudefcuido negligente For oíFendida â pátria^ liberdade, O Cetro paíTara da illuftre gente, A quem nella renouc a minha idade, A hum Rey tam valerofo, & tão prudente Que honra fera dos Reys da Chriftandade Que te detés Fernando, vc que aguardas? Que outro ya fe adianta, & ta fó tardasí
Efte que ves comigo o ceo benino Pêra remédio guarda de teu dano, Eíle com braço, & com fauor diuino A outro dará o império Luíy tano, E tingira do Tejo criftalino As correnf^s com o fanguc Caftelhano, E com o nouo louuor do Reyno & terra, O temor vencera da incerta guerra*
A f Ifto
o CONDESTABREDEPORT.
Ifto dizendo hum moçolhe moftrou, Qj>e polia mão direita prezo tinha. Cujo fereno rodo affcgurou A fúria com que o Rcy bradando vinha Armado, o elmo fô defenlaçou. No qual hum rayo eftranho íe detinha, E o eícudo na cor que afronta as cores, Hua cruz branca aberta em quatro flores»
Eftâ vifaô ao Rey deíaparece
Que com frio temor em nada acerta Vay a falarihe a voz íe lhe emmudecc. Tendo para a pregunta a boca aberta, Nifto fuando acorda, Sc lhe parece Que de hum grande perigo fe liberta Da voz que ouuio fufpenfo, & do que virâj Nem defpois de acordado os olhos tira»
Mas ja fora do fonho & do perigo, Ve em feu erro a cauía, & a razão Accufandofe eftaua fó configo Conftrangido de medo o coração, E ou pollos ameaços do câftigo. Ou porque culpa, ya fua aíFeição IVIíl coufas traça, inuentaSc imagina, Depoiíí que contra C fe determina.
Ia difcorrc na varia fantâfia.
Como ha de reftaurar tam grande afronta Eis que outro nouo efprito lhe nacia. Que mi! ardis, &machinâslhe aponta, la de ícu poder fó tudo confia. Ia faz de feus amores menos conta Com lembranças da honra & da vingança Da mil voltas no leito, &: não defcauça.
CANTO PRIMEIRO^ ^
Lcuantafe animofo diligente
Para o paíTo atalhar ao Caftelhano Chama a confelho, & armas toda agcntc^^ E elíe fe arma também com efte engano. Mas o Prior do Crato o não confente, Sabendo que o prefcnte he menor dano, Qoe com gente fem ordem, 6c em tal raodo Auenturarfe o Rey ôc o Reyno todo.
Ah diz o illuftre velho fabio, & forte, De quem cedo ouuireis o nome & fama Ah não corraes fenhor trás voíTá morre Num defufado eftremo em que vos chama. Hoje vos não fieis da varia forte Que o animo vos moue, & vos inflama De atras conuinha ter tomado o falto Não y a agora dos voíTos, & armas falto.
Ordenay voíTas gentes valerofas E então oufai depois de apercebido» Que eft.as que vedes vir tam animofa$ Cuidão que eftais dos voíTos efquccido,' As horas que julgais por vagaroías AíTegurão melhor voíTo partido De vagar fc conquifta o Reyno alhco, E he ardid dos oufados o rccco.
Deixay paffar o imigo que arrogante Cuida que tem a emprefa diíFerentc, Quem deixa o forte atras, não vay diante, Que fe vira a Fortuna facilmente, Arma mandai tocar no meímo inftantc. Que em brcuc fe apercebe a forte gente, Que o que vay de prudente a voluntário Vay de oufado fenhor a temerário.
Dcftas
o CONDESTABREDEPORT-
Deftas razões vencido, o Rey fe decc Do temerário feito que intentara, Mas ante os feus ç^tmâào íe ofFercce A guyallos afsim como os chamara, Que ainda que âo prior nifto obedece. Nem por iíTo os deíejos atalhará, Ia manda defcobrir o campo a! heo> Que marcha fem eftoruo, Sc fcm recec'
Qual por obedocer ao Rey trocado No ligeiro ginete vay voando. Qual não quis efperar nenhum recado,' E vem airofò o campo atraueííando. Qual falta no cauâllo confiado A íorça dos eftribos deíprefando. Qual para não fazer tanta demora Calçou fobre os arções a aguda efporar
Em breue efpaço a villa defpouoa A gente que era â corte cuftumada. Como por toda ella fe apregoa Qu*atéçâo de feu Rey noutra he muc?ada> Para onde o fom das caxas moue & foa, AtraueíTdõ caminhos, monte, eílrada Cada hum com nouo fpiri to bufca a guerra Por não ver íobjugar a pátria terra-
Efpâlhados por vallcs, por outeiros, • Ia deuifaô as armas, & os pendões. Donde voltâoíufpenfos & ligeiros Com temor dos armados efquadrões: Algús que vão detrás, voitão primeiros, Batendolhe no peito os corações, E os que contão das gentes do inimigo Mefturão juntamente o feu perigo.
Indao
CANTO PRIMEIRO. 7
Inda o Rey cuidadofo não fe efquece Do que vira no fonho temerofo A tardança ofFendc, & lhe parece Cada momento cfpaço vagarofo As torres Icuantadas fobc & dece De armas^ de gente, & guerra cobiçoro. Quando no campo a fralda de huns outeiros Vio em galope vir dous caualeiros.
Voltando as lanças vem com graça eftranha, Suftentando os cauallos fobre o freo. Que com hum brio igual, deftreza> & manha Mais reprefentào gofto, que rccco; Atraueflando vem campo> & montanha^ Trazem de verde, & ouro hum rico arreo. Em cujas guarnições o foi ferindo Se vay em vários lumes diuidindo»
Na torre fobre hum braço reclinado
Entre alguns dos melhores queoferuião» Olhaua o Rey aos moços com cuidado Preguntando entre aquelles quem ferião De fua arte Sc poftura namorado. Como enuejofos muitos dos que os víão Dom Aluaro Gonçalues de Pereira, Que era o Prior, falloudefta maneira.
Os dous fenhor que vedes vir correndo. Ambos da cor veftidos de efperança. Que inda o pefado arnês defconhecendo Somente armão na paz cfpada & lança,- Ambos meus filhos faõ, que conhecendo O que em feruir feu Rey cada hum alcança, Forão por vera gente de Caftella, Para vos dar noticia» & cezão delia.
Que
o CONDESTABRE DE POR T.
Que pois ja miha idade não permite A cites membros cançâdos ligeireza. Porque às paíTadas forças pos limite. Com eftas largas cãs, a natureza: A elles he rezão, que agora incite A que empreguem, íeruindo a voíTa altezaj A lealdade, & esforço, que defendem. Que herdarão dos auòs, de que defcendem^^
Não me fez ri^cear efta vontade,
Que podião íeguirfelhe outros danos De feu atreuimento, & liberdade, Q uando os viflem de perto os Caftelhanos/ E pofto que o mayor tem pouca idade, A idade do menor he treze annos. Ambos de animo nobre, 6c leuantado, '^ Mas eíte mais valente^ ôc mais ouíado*
Attento eftaua o Rey que conhecia O valor do bom velho, que refponde,
. E a veneranda barba lhe decia
A te o peito onde a cruz branca efconde. Do rofto, corpo, & voz logo fe via. Que ao valeroío fprito correfponde. Também moftraua o Rey no modo ôc rofto* Amor, fatisfaçâo, dcíejo, 6c gofto.
Dos valcrofos moços mais contente Por hum recado feu manda chamallos. Que ouuindo o meíTsgeiro diligente Saltão ligeiramente doscauallos. Do pouo corre a vellos muita gente. Que não fabe entre íi mais que louualIoSj la com Fernando eftá junta a Raynha, Que com o que ouuira, iguaes deíejos tinhaí
Entra
CANTO PRIMEIRO. 8
Entra diante o de mais tenra idade, Que Nunalures Pereira era chamado. Que em arte, brio, esforço, & grauídadc, Foy logo dos da corte aucntajado, Mouendo o paíTo vay com liberdade, O rofto muy feguro, & confiado. Em cuja gentileza, graça, & arte. Igual contenda tem Apolo, Sc Marte^
Nem Narcifo entre as nimfas tãofamofo Com fettas, arco, & com dourada aljaua. Nem outro Endimiâo bello, &" fermofo. Quando a ICia cm feus olhos fc eclipfaua: Nem Ganimedes moço venturofo. Que á lupiter da terra namoraua, Moltrarão gentileza mais louuada, Que Nuno com a mão pofta na efpadaJ
O rofto varonil era comprido Da cor das rofas íobre a neue pura O cabello fútil louro, & crecido. Que em anéis fobre as fontes fe pendurai Na viftâ muy ligeiro de fentido Olhos piquenos, mas de luz fegura: O corpo em proporção de gentileza Promete esforço, brio, &: fortaleza.
A efte olhando o Rey com ledo rofto. Lie manda que o informe do que vira. De que fubido outeiro, de que pofto As Caftelhanas gentes defcubrira; O moço que conhece o prefunofto Delle que entre as palauras fe forrira, Afsim refponde; Sc todos o efcutauão, Porque do que elic diz pendendo ettauãoi
Quifera
OCONDESTABRE DE PORT.
Quifera alto fcnhor que nefta empreza Fôramos com razão de vos chamados Qjuando paffar nos vira voíTa alteza De inimigas cabeças rodeados. Que então com húa vontade mais aceza,' E não ja como agora enuergonhados Moftrarácada qual ter oufadia, Mais de bom capitão, que não de efpiai
Porem nem dos outeiros por íeguros. Nem Q'entce áruorcdôscfcondídos Fo mos buícar lu gares mais efcuros Para fugir fer viftos, ou íentidof; Nem o amparo bufcamos de altos muros Para ficarmos delles defendidos» Mas na campina a vida do perigo. Fomos correndo o campo do inimigo^
Vimos do grande exercito, & famoío, A foberba vanguarda que marchaua A onde o outro com o fo! mais poderofo Sobre mil varias cores fe efpalhaua, O corpo do efquadrão tam numerofo Que a eípeíTa multidão defordenaua, E a gente mais luzida, & mais galharda. Dando coftas ao Rey na retraguarda.
Mâl com os olhos o numero comprendc. Quem d' outra experiência nãoíe enfina. Mas quanto ao largo a vifta mais fe eftende Cuberta de armas ve coda a campina; A gente de apinhada a li fe ofFende, Qae fora a confufaõ delia a ruína, E com pouca da noíTp, 5c bem regida Poderá facilmente fcrrcmpida.
Efe
CANTO PRIMEIRO. -9
E fe me dera a idade confiança,
Como o coração fey que esforço dera; Com efte tenro braço, & leue lança Ajudado de poucos me atreucra. Mas não me falta o Rey outra efperança Se o enganado imigo vos efpera, De moftrar o valor da minha eípada A cufta de feu fangue mais honrada.
Qual a pedra que tem pornatureza O metal atrahir luzente, & fino. Que no ar o íuípende, abate & peza, Faxendo com que a figa de contino; Tal o Pereira oufado que defpreza O poder do contrario, como indino^ Ia o Rey fufpenfo tem, ja o alcuanta, HQs defconfia, bus moue, outros efpanta*
Qual gaba a confiança de fegura.
Qual lhe louua a repofta tam difcreta. Qual a graça dos membros & a poftura, E a mudança do rofto tam quieta, Outro que entpe os louuores ja murmura Com efdondida inueja, & não fecreta, Que impofsiuel parece que íe veja Alguém com tantas partes fem inueja.
A Rainha Lianor que otermo via Do vâlerofo moço que fallara, E daquella alta moftra conhecia Huacoufa no mundo eftranha &rara. Em graçadas preguntas lhe fazia Ao que do campo imigo deuifara. Inquirindo as bandeiras, & os finais Por lhe dar occafião de dizer mais*
B Sc alta
o CONDESTABRE DE POR T.
Se aka fenhora diz me dais licença, Que ao inimigo campo outra vez faya, E ícm arrifcar mais que a minha oftbnfa AtrauelTôdo Tejo a branca prayâ,- Antes que o foi da noite as treuas vença Aqui preza trarei húa atalsya^ Que obrigada confeíTc, ou por vontade O que vós não fiais de minha^idade.
E a pouco por feruiruos me'auenturo. Que não auera braço que mo impida. Nem efquadrãoarmado.ou forte muro, Nem íettâ do curuo arco defpcdida, Com ir em voíTo nome irei (eguro, Efô na empreza em fim deixara vida, Qae mor gloria, ôc^que mais felice forte. Que achar eto pouca idade hõrada mor te?
Ella que a cortezia, auifo, Sc graça, Igual tinha também áfermofura Com húa benina moftra em nada efcâçai Com que efta confiança lhe aíTegura Lhe diz, que alem de crer que a obra faça A vida lhe não quer> nas da ventura; A elRey por feu, naquelle inftante o pede Que com fc mbrante alegre lho concede*
O Prior valerofo não fc efquece
Da cerimonia a taif (tempos diuida, Poftrado com os filhos íe off-erece A por em feu feruiço fempre a vida. Que inda a mercê, Sc tauor, que fc merece Deue fer como as mais agradecida Queou compre a preço igualjOu mais barato,' Nunca he capâz do bem humpeito ingrato.
Armalo
CANTO PRIMEIRO- lO
ArmâiO o Rey quer logo caualeíro
Com Diogo Alures Pereira o forte irmão Auizado, valente, 6c bom guerreiro, Qoe a nenhum do Teu tempo daua a mão; Jvlas ha de íer Nunalures o primeiro, Qoie o fora por efcolha» Sc por razão Armas manda bufcarlhe, em vão bufcadas, Q^ue todas lhe erão grandes não pefadâs.
Não auia armas que en tão tenra idade Hum caualeiro armaííem para a guerra, Não vai ter a Rainha cfta vontade, Nem mouerfe por el!a o mar, &: a terra: Mandou pcouârdearnezes cantidads, Que o afmixem real continuo encerra. Mas nenhum ferue para o moço oufado. Que ha de fer pollo Ceo na terra armado*
Moftrâ pesar de ver que o não podia De aço fino veftir naquelle inítante, Poera o defejo cm braços da porfia. Porque atalhaentão mais fe alcuantc O appetite vão, que aonde fe cria Nada mais que a (i próprio põem diante. Nada fica que não reuoíua & veja, A fim de confeguir o que defeja.
Como o noíTo querer vay niílo erradof Como a opinião própria nos enganai Quam lonje anda a ventura dhum cuidado E quam perto apparece a vifta humanaj Qijânto contenta às veies oarriícadof Q£3nto remédio ha que a muitos daoaf Qircjm certo he, na ventura, Sc na mudar«ça Defmeiuir nos íucceíTos a efperançaj
B z Por
o CONDESTABRE DE PORT.
Por contentar Perílo o feu tyranno. Que de duro, & cruel fe não contenta. Fabrica de metal o nouo engano. Que a voz humana em bruto reprefenta. Por premio do trabalho teue o dano. Que nclie ali primeiro fe exprimenta, Phalaris que conhece o baixo intento, Pagoulhe num tormento, outro tormento.
Vai o filho do Sol; cortando o Ceo Sobre o carro do pay foberbo & ledo, E o bem que para honrarfe pretendco. Por feu querer lhe trouxe o mal tão cedo Quando cuidou fobir, então deceo, Stm querer crer ao pay efte fegrcdo, Elle o miniftro foy de feu perigo, E outrem ficou chorando o feu caftígol
Lianor cobiçoía afFeiçoada
Sem tempo, -Be fem razão fegue o defejo Para efta execução muito apreíTada, Qoe o voluntário amor fcmpre he fobejo. Mas quando defte em vão defenganada Se vir noutros cuidados, noutro enfejo, Com que eftremos fem tépo^ôc fem proueito, Reprendera irofa os que tem feito*
Que difFerente em tudo íe moftrara? Que veneno mortiferolhe dera? Se feu futuro mal adiuinhara, E aly prefénte a caufa conhecera^ Em faa morte as armas procurara. Entre as difcordes ondas o efconderaj Ou fizera então delle, o que fazia O pay Saturno aos filhos que temia.
Mas da
CANTO PRIMEIRO. • ii
M3S da ordem fatal em tudo alhea Buíca.qaal foeafimplezborboreta, A luz que a viíla alegre lhe recrea E íò nella morrendo fe aquieta; Mal o dano cncubcrto fe recea Com câufa tão diftantc, & tão fecreta Em todos punha os olhos. & o dcfejo Em ver a Nuno armado nefte enfe jo.
Hum eaualeiro âly velho & prudente Para quem fe voltou nifto a Rainha DiíTeque Dom loão claro excellente Meftre de Auis as próprias armâs tinha Feitas naquellâ idade íloreícente Do nouel caualeiro, que aly vinha, Lauradas com fútil engenho, & raro DeíTc metal que Arábia dá tão caro.
Era o velho fagaz de longa idade, E inda do íangue antiguo defcendíaj! Do que guardando a pátria Uberdade^ DeuprcfooRey dõ Sanchoadom Garcíai Saltando aquelle fprito de bondade Do valeroío corpo, que regia Nos férteis campos, que hoje o Tejo banhai E o fangue então cobrio da nobre Efpanha»
Era fabedor na arte efcura & fea. Que Zoroâftro aos Perfas infinou. Ena com queafagaz,impia, Mcdea lafâô do drago em Colchos libertouj Affiguraua o ar na forma alhea Tran&fofmaua, quâl Circe antigua \C0\3l Ligâua as íombras negras, que mouia, Mudâuâ a luz ao foi, a cor ao dia.
B $ Por
o CONDESTABRE DE PORT.
Por feus encantamentos alcançará Que inda daquelle fangue valerofo. Que a antiguaLufytaniâfcmpre honrara,' Naceria hum varão claro, & famoío De esforço, & de virtude illuftre, Sc clara. Do nome, que o dos feus fará dítofo. Dando alto principio a noua hiftoria, E a dcícendentes feus eftâdo,<5c gloria.
E fâbendo que o tempo fe chcgaua Daquella defejada profecia, Que nas armas do mcftrecomeçaua, E em armarfe Nunalures confiftiâ, A morada deixou em que habitaua, E na corte efperando aquelle dia A feus olhos tam doce, 6c tam contento Naquella occaíiâo fe achou prcíente.
DiíTe âlli o queouuíftes : 5c Leonora
Vendo que alcança o fim do que pretende Não confentc em defc jos mais demora, Que com^qualquer tardança o tempo offende Como fe aquelle o feu cuidado fora, Só nelle fe deíuella, & neile entende Com alegria manda, & aluor ofo Pedir as armas pêra o forte moço» '
Pf ouidencia diuina em nada errada Como a feu fim occulco tudo ordena A vam opinião noffa enganada Quam cegamente as vezes nos condena^' Mii vezesaFoitunagrangeadâ Tudo ao certo eíFeito defordena Se não guia o faber fanto Sc diuino O noíTo encaminhar he defatino.
Peri
CANTO PRIMEIRO. i^
Permite quem ordena, & pode tudo, Porque he (ô poderofo, & verdadeiro, Qjje então embrâfe Nuno o forte efcudo Do que ha de fer por elle Rcy primeiro; A gente humana em vão põem niíto eftudo O Cco fomente o arma caualciro, E bem moítrou depois no que venceo Que as armas que trazia erâo do Ceo«
Manda a Rainha, o meftre lhe obedece, Pôfto qae elia, fem caufa, o defamaua. Com as armas a vida lhe ofFercce, Que ellâ msnos que as armas defejaua: la o luzido arnês que rcfplandece Com o ouro que em mil bçosoefmaltaua Trazia meííageiro diligente, QaG vem cam apreíTado quam contente?
Ia cem a confiança mais madura De aço fino o Pereira eíla cuberto Com outro brio ja, outra apoftura Daua de feu esforço hum penhor certo A Rainha cm louuores o aíTcgura Com enueja de muitos que eftão pertOj! E toda a flor da corte ali prefente Ella meímâ o armaua alegremente.
Ali a ordem tomou de caualeiro
Com o appârato, & gofto que conuinha A filho de hum varão tam verdadero, E a hum mimoío em graça da Rainha, Hum tio feu i he ferue de efcudeiro, O Rey para mor honra !he padrmha, E com os olho- cheos de sfFeição, Oh preceitos lhe dà dâ profiíTaõ.
B 4 Mcí
o CONDESTABRE DE PORT.
Mas ferindolhe o cimo com a efpada, Como em tais cerimonias he cuftumc, Sa-hio de ardentes rayos abrazada. Ferindo pollos ares fútil lume, A fala ficou toda alumiada, E o Rey que algum fegredo mais preíumei Entende do donzel que ali fe armara. Que era o que o Rey no fonho lhe moftraraJ
Muitos da eftranha luz forão turbados Bem como quando a nuuem trifte oppaca Rompendofe em troUôes arrebatados. Com relâmpagos fere a vifta fraca. Porem logo contentes fòíTegados Com a vifta do Rey que a tudo aplaca Cada hum grandes bés delle pro^ofticaí E feruindo a Lianor na corte fica«
Armado o moço altiuo parecia
Qual o capitão Grego douto Scbelloi Quando a vizeira do elmo defcobria De ouro entre neue, Sc rofas o cabello. Com armas obrigaua a quem o via Muito mais a inuejallo que a temello; Que hum tenro parecer brando & fermofo Não pode fer aos olhos temcrofo.
O Prior não conícnte que fe aparte
Da corte, o que afsim nella fe eftrcmara Quem no animo, graça, auifo & arte Tam dino de fer vifto fe moftrara, Deulhe de feus criados tanta parte Quanta para o honrar lhe contentara, E hum ayo fabedor, prudente, & velho De autoridade, esforço, Sc de confelho-
Logo
CANTO II. IS
Logo nos tenros annos conLieçou A moftrar o valor com que naceo, Para as altas emprezas que acabou, E afsínadâs batalhas que venceo: A terra em verdes annos contentou, Como também depois a terra & ceo, ^ Que fempre he o principio eftranho & raro De foberanos fins indicio claro.
CANTO II.
i^RGr MENTO.
ElRey dom Henrique põem cerco a Lishoa^o Cârded 'de Bolonha, legado do Papa Gregório XL faz as pAzes entre os Reys em Santare, tornafe ode Cafitlla.O prior 'D.Aluaro trata o cafameto de D* NmoÁlures Pereiras
EM tanto o forte exercito marchando Pollos defertos campos Lufytanos, A cidade de Vly ATes vay bufcando Fazendo eftragos, roubos, mortes, danos. Que os antiguos defcui dos de Fernando Dauão esforço & valor aos Caftelhanos, Tendo por acabada húa conquifta Na qual não manda o Rey quem lhes relifta.
Ia chegão junto donde o mâr vizinho. Que as correntes do Tejo ver procura] Contente vem bufcalas ao caminho, E em fuás doces aguas fe miftura; Por onde nauegando o leue pinho Retrata as brancas vellas n^agoa pura. Que com o vento que fopra brando, & frio Ferem em branca cfcuma g fundo rio.
Ia def;:
o CONDESTABRE DE POR T.
Ia deícobrem 20 longe apopuloía Cidade que de VlyíTes foy fundada, lalhe appareceaforçapoderofa De tão guerreiras gentes fuílentadâj Ia receâo a guerra perigofa, Ia a todos o temor lhes nega entrada, Tremem ao ar bandeiras, & pendõer; Mas mais tremem no peito os corações-
Que vendo a defufada fortaleza Das leuantadas torres & altos muros. Donde encerrada agente Portugueza
^ Os eftranhos não deixa eftar feguros; Ia temem os fucccíTos deíla empreza Cotejando os paffados, Sc os futuros, O furor que ate li tanto os conuida, la rende as armas ao temor da vida.
Mas vos ò moradores defcuidados QjíQ liures de temer aíTalto alheo Em brandos exercicios occupados Vos não moue da guerra algum receei Vinde & vereis os campos íemeados De armas, & o largo mâr de velias cbeo,; E fe ainda o duuidais parque não vedes, Leuantâiuos vereis o que não credes»
Víem dâquellâ antigua alta pujança VoíTos guerreiros braços vencedores Guarneceiuos de efcudo, efpada, & lança Cauâílos, malhas, fettas, paíladores, Renouefe entre vos aquella vfança,^ De pifaros, trombetas, & a tâmboresj Que inda que force o defapercebido Qualquer contrário feu faz atreuido.
Correi
CANTO Ii: 14
Correi ao campo pois quem a obrigaçam Tinha para atalhar ao mal prefente Não pode vfar a tempo defenfaõ Mais por fobejo amor que pouca gente, Outrem lhe tinha prefo o coração Que accudir como Rey não lhe confente Mas vos como leais fortes, Sc ouíados Não fois â feus difcuidos obrigados*
Tam mal crem nefte tempo os da cidade Aquelleeftranho 5c vâoatreuímento. Que nem a noua certa os perfuade Para tocar de guerra hum indrumcnto, Nem para defender a hberdade Fazem qualquer vfado mouimeato; Ate que bate as portas o inimigo A onde he mayor afronta^ que o perigo» .
Hiãa legoa dos muros alojado
Eftâua o Rey Henrique, quando a terra Com o remédio tam tarde aparelhado Em ordem fe difpoem de fazer guerra. Em bandos anda o pouo aleuantado HCia porta atras outra ja fe cerra Tambores fe ouuem, pede a gente ajuda Armãofe, & nenhum fabe aonde accuda.
Trás ifto o reboliço, & coofuíVim
Da gente que entre as portas íe miftura A companhia fae fem Capitão E todos íaô Toldados da ventura, O tropel de ginetes fem:peadr,m Dentre a gente de pee ronnperjprocura Todos íaem com animo a pelicja Mas aão ha quem os mande, cu quê os reja.'
Hum
o C o ND E S T AB R E d;e P o RT.
Hum diz que he bem que a pátria fe defenda Com cauas terraplenos, de trincheiras Outro que feja em campo ta! contenda Toca tambores faz mouer bandeiras, Efte por faluar filhos & fazenda Na porta ajunta as gentes mais guerreiras Aonde os dos arrabaldes com recatto Metem molheres, ouro, prsta, &: fato.'
Ainda á forte cidade então faltaua O muro que depois Fernando erguco Num eftreito limitte fe encerraua Qoe fó ao grande AfFonfo fe rendeo A gente a!y fem ordem fe ajuntaua Com alaridos que enchem terra & Ceo Vendo o cantpo inimigo que chegando^ Como fe ja vencera vay triumfando.
Nífto pollo arrabalde liurementc Sobindo para o alto fe adianta A câftellando a mais luzida gente Na Igreja de Francifco illuftre ôcfanta Que como o fanto humilde, & penitente Sobre os Cerafins claros íe alcuanta Afsím o templo feu famofo & raro Mais junto eftà do Ceo por fer mais claro»
Eftà num alto monte o mais fobido Para a parte do mar fobre a Cidade Aonde ja foi a Dsos hum templo erguido Noutra de Portugal primeira idade Que o Rey que aos cinco Reys tinha vencido E pofta Lufytania em liberdade Tâmbem nefteiugar fez fortaleza Aos fantos zeladores defta empreza^
. Porque
CANTO II. iç
Porque as deuotas gentes perigrinas A que o Ceo trouxe á praya Lufy tana Por dilatar no mundo as íantas quinas Contra a barbara feita Mahometana Veftindo de aço armadas efclauinas Para a conquifta altiua, & foberana Defte lugar mais liures, & feguros, AíFaltauam do Mouro os fortes muros.
Aly por fundamento mais famofo Dos muitos que depois fe aleuantarâo A Virgem fanta hum templo fumptuofo Os romeiros de Chrifto fabricaram Que hoje he mais nobre antiguo, & véturoío Pollos oíTos, que aly fe fepultaraõ De âigús puros varões que a Maura efpada Derribou polia Fè fanta & fagrada.
Nefte monte fe aloja o Caftelhano Com toda a gante armada que trazia Recebendo da noíTa muito dano Que inda a fem defenfaô, lho defendia Daly trata por força &: por engano De entrar os fortes muros que temia Com machinas, valor, & diligencia Mas he mayor que a força à refiftencia.
A fúria dos foldados disbarata Da terra a defcúidada vezinhança Xaquea, rende, força, aj[rola,& matta Por cobiça, por ódio, 6c por vingança C^uantas cedas? quanto ouro? quanta prata? Tirou a vida a algus? & a efperançaí Quanto fangue tengio aos apoufentos? De cobiçoíos vãos, & de auarentos?
Em^quanto
o CONDESTABRE DE POR T.
Em quanto ifto paíTaua fc detinha
Fernando em fazer gente & recolhela Mandando de íocorro a que lhe vinha Com animo m^«is faci! que cautella Não pode au^íf licença da Rainha Nunalures que defeja verfe entre ella Que como era tão moço a tenra idade O fruitoihe tirou não ja a vontade.
Ia a gente oufâda, a que o furor de Marte Obriga por vingança, &c por inueja Chega a Lisboa. & nclla fe reparte Cada hum bufcando a guerra que defeja ' Eícaramuças ha de parte a parte Todos íentem o dano da pelleja Hum morre por cobrar a honra perdida Oucropor fuftentalla perde a vida.
Ia trinta vezes vira o Caftelhano Banhar o Sol feu carro luminofo Nas criftalinas agoas do Oceano A onde entra nelle o Tejo vagarofo E outras taotâs o vira o Lufy tano Áppârccer corrido & vergonhofo De ver tam afrontada a forte gente Que auia de hír honrallo no Oriente.'
Quando ao cí^mpo de Henrique era chegado Guido. que cm feu alcance csminhaua Cardeal do Pontífice legado, Para atalhar as guerras em que eftaua Delle tiucra o mefmo Rey f ceado Ia quando em Portugal íoberbo entraua Mas porque deite intento o não mudaíTe Efperâr lhe mandara a que voltaire.
Eelle
CANTO íi; 16
E elle com pio zelo defejando
De acquiecar ao Rey, íeguindoo vinha E quando as pravas vio do Tejo brando Ia Henrique a Cidade em cerco cinha Sua cmbaxada deu ao Rey Fernando Q^e armado como ouuiftes fe detinha Na nobre Santarém; donde ja fora Se o não teuerão laços de Leonora.
E d zendo o que o Papa pretendia Nà defejadâpazíántaamifade Para euitar a guerra, que feria OfFenfa, Sc dano, á coda a Chriftandadc Vfíndo como Fernando a confentia Porque a razão, & o tempo o perfuade^ Para Henrique fe parte, & na paz falia, E a Santarém fe torna a confirmalla»^
Logo os cmbaxadoi es a Lisboa
Manda Fernando, & torna o Cardeal,' lafe concerta a paz, jafe apregoa Nos Reynos de Cafteíla; Sc Portugal, Em fazer os contrattos em peíToa, Henrique tinha o gofto principal. Vem bufcar a Fernando em efte enfcjo Os daus fe viíitarão fobre o Tejo.
Cada hum em feu batel embandeirado De armas reaes; de ouro Sc feda fina O rico toldp> ao Tejo celebrado Vão cortando a corrente criftalioa. Cada hum de dous varões acompanhado Como primeiro atragoa determina Aly firmarão paz doce Sc fegura '^ hatr\ de vontade aceita outro procura."
Cef.
ocondestabredeport:
CeíTaõ as armas logo, & os inftrumentos Que os ani mos à guerra prouocauaô Fazemfe jogos, feftas cafamentos ^ E em firmeza da paz que celebraoáo Mudanfe os trajos ja com os penfâmentos Todos no gefto, 8c cores demoftrauão Aluoroço, prazer, gofto, alegria Por agradar ao Rey, que afsim queria.
Vaife Henrique contente, & também fica Fernando dos concertos fatisfeito Pofto que aquellas pazes que publica Lhe não podem caber dentro no peito A armada Caftelhana vai muy rica E inda com mayor honra que proucito Que he aíTas d'entre gente tão valida Q^uem offendida a tem voltar com vidaJ
Grande parte dos pcuos que acudirão A defender Lisboa em tal jornada Em breue a feus lugares fe partirão Depois que a paz dos Reys foy confirmada Os Capitães Sc os grandes que afsiftiraô Em quanto a doce pátria foi cercada Vendo o Rcyno ficar nefte remanfo A feus aíTentos vão bufcar defcanço.
Dom Aluaroícparteo nobre velho '
Da liança dos Reys também contente Na qual elle moftrou íer claro efpelho De hum vaíerofo animo, Ôc prudente Quanto cl Rey bem fentio de feu confelha Tanto a fua partida a corte fente Que hum varaõ de tal nome Sc de tal forte Em guerra, 6c em paz he sépre hora da corte;
Del Rey
CANTO II. 17
Del Rey o mais amadO; & mais valido Era & de toda a corte o mais amado Entre inimigos fempre o mais temido E entre os nobres da corte o mais honrado Graue na paz quieto, & entendido Valeroío na guerra, desforçado Benino liberal, & generoío De vaíTallos, & terras poderofc^ ,,,
Era fenhor muy grande em Portugal Tmha tal condição, com poíTe tanta Que qualquer que lhe fofle em renda igual Ao íeu trato comum não fe aleuanta Em Tangue illuftre, em cafa principal Prior do Hofpital da cafa Tanta Priuado de três Reys muy venerando. Foi de AffonTo, de Pedro, & de Fernando.'
Pedem Teus feitos dinos de memoria E terna a relação, muy diíFcrente Da que aqui tem. lugar na noíTa hiftoría Que digreflaô taõ larga não conTente Sua fama immortal, íeu nome & gloria Sua vida entre todas excellente Não pode em breue cTpaço íer contada Sem Ter mais oíFendida que louuada.
Efte Toi o que Pedro o Caftelhano Cruel, ao quarto AfFonTo auò pedia, Pollo valor, & esforço mais que humano Honra, conTclho, & Fè que nella auia, Efte que as pazes fez ao LuTytano Com Pedro o filho amante que queria Vingar da bella Inês á morte injufta Que inda afonte d'amor lagrimas cufta.^
C O Porto
o CpNDESJABREDEPORT.
O Porto dcíFcndco deftc indinado Príncipe, que abrazallo então quizera E dos pendões das nãos embandeirado Nouo muro formou que inda o não era Deftc, &: d*outros feruiços obrigado O Rcy quando o chàmaua a Parca fera Antes que o charo efprito dcípediffe Tais palauras fe conta que lhe diffe.
Valerofo prior que eu fempre tiue Nos olhos igualmente &: coração Efta hora derradeira de quem viv0 Para na morte aucr de dar razão lufto he que ncfte cftado não me priue De a voíTas obras dar fatisfação Confcflando ante todos que vos deuo O que pagar na morte não me atrcuo.
VoíTos antepâffados valerofos
Com meus anteceflbres tam validos Receberão mercês, cargos honrofos Satisfeitos dos Rcys, & os Reys ícruidos Mas os voflbs feruiços tam famofos Tam grandes, tam leais, tam conhecidos. Não nos poíTo pagar porque os conheço Dclles ( fe he jufto a Rey ) perdão vos peçoi
A Rainha que aquieftá vos encomendo E efteiníFante meu filho Dom Fernando Que de voíTo valor bem claro entendo Que inda morto auercis que reino & mando E depois que efte efprito que viucndo Sentiftes para vos tam Icuc Sc brando Do corpo fe apartar Icmbraiuos dcílc Pois que viuendo andaftcs ícmpre nellc-
CANTO ir. x8
Reinando atras de AfFonfo o rigurofo Pedro, que do Pay foi nalnia âgrauâdo Não fe cfqucccndo o velho valerofo Do que o Rey lhe deixara encomendado Fez que â Rainha deíTc o juftiçofo Mais terras das que o pay lhe tinhadado E o IfFantc feruiço, câfa & gente A feu nome & valor conueniente. Ao Conuento de Rhodcs nefta idade , Foi de mciy nobre gente acompanhado E por feu nome, esforço & dignidade Foi naReíigiãomeftrc efperado, Sempre esforço moftrou, honra & verdade No lugar de fenhor & de priuado Teue trinta & dous filhos que viucrão Dos quais vários Pereiras procederão.
NeíTa região fértil Tranftagana
Fez da Ameeira a força bellicofa ^ «
E nouamcotc a terra Lufytana
E dificou a alegre frol de rofa
Aonde à Virgem pura & fobcrana
Tez do feu nome a cafa milagrofa
Da ordem lhe anexou muy groíTa renda
Ordenando de nouo húa comenda.
Fundou os paíTos feus &aquellc aíTento De Bomjardim lugar ameno & ledo Alegre a qualquer liurc penfamcnto Frcfco de vales, fontes, & aruoredo De verão tinha aly nobre apofeoto Naquella branca idade, que mais cedo Não buíca onde defcance o peito que ama Menos os paflatcmpos do que a fi^ma.
C 2r Depois
o CONDESTABRE DE PORT.
Depois que de Fernando fe apartou E dos filhos que mais que afsi queria Nefte lugar as armas pendurou Como quem delias ja fe defpedia O fruito dos triumfos que alcançou Com os que gera o Sol, & a terra cria Gozaua em breues annos; que eftc fruito Attura pouco, & cufta fempre muito.
Defpedío do caminho hum grande efpaço Os dous filhos que à corte fe tornarão Tomando o forte Nuno pollo braço Que muitos por feu mal depois prouarão' Liando a ambos num eftreito abraço A que elles humilmente fe inclinarão A fe, o Rey, 5c honra lhe encomenda Que ame cada hum, tema, & deíFenda-
Ficarão os mancebos valcrofos
Scruindo ao Rey que em muito os eftimaua Ia tornão aos veftidos coriofos Que a guerra em aço, & ferro lhes trocaua E amda que elles das armas cobiçofos O ferro mais que o ouro os contentaua Não ha aquém não^enleueja pompa vam De hiia fobsrba moftra cortefam.
Como o fonoro rio que na enchente Do carrancudo inuerno fe miftura E paílando os iimitces da corrente Cobre com toruas agoas a verdura Depois que o Sol fe moftra no Oriente A cuja fombra foge a neuoa efcura Se recolhe apreíTado, Sc na campina Deícfií^bf e a herua, a aruore, a bonina»
Afsím
CANTO II. if
Afsím depois da guerra, & confuíam Em que o prazer da corte fc derrama Aleuaotou a paz braoco pendão E cerrou lanno a porta a vaga fama Ia paffeaua o brando cortefam Eya apparecia a linda dama Vertidos de contentes, varias cores Trocando os feitos d'armas nos de amores.
Dom Nunalures também como obrigado Ao eftylo da corte, femclhante Ao íagaz cortefaô mais apontado Nenhum quer que em o fer fe lhe adiante Ia reforma o veftir, troca o cuidado Ia fe preza de ayrofo, 5c de galante Vendo que o que a Rainha eftima Sc preza He amor, cortefia, & gentileza.
Ia o coração liure não fe ifenta
De hum aflalto qualquer de fermofura Ia do termo galante fe contenta Do paíTeo da volta, & da mefura Ia dança nos feraos, ja fe aprefenta Com ar, graça, deftreza, & compoftura Em tudo de amor moftra o doce effeito Porem dos olhos não lhe ofFende o peito-
Os feus fe veftcm ja doutra librea Ia fe trata na corte o mais cuftofo O hifpano ginete em que paíTca He o mais cobiçado, Sc mais fermofOj Ia com a caça dos montes fe recrea Outra ora com o falcão mai? generofo As feras defprezando cà na terra Moue as áues do ar contenda Sc guerra.'
C 5 Gafta
o CONDESTABREDEPORT.
Gafta as noites ifento de cuidados
( Que para eftes cuidados faõ melhores) Hora cm ler as hiftorias dos paíTados Hora em ler auenturas por amores Contcntãolhe entre os verfos namorados Os extremos, as graças, & os primores Ffuito daquella idade tenra & verde Que faz tal difFerença tm quem a perde.
Mas como o coração que traz no peito Que de grande ja neile não cabia Sempre ihe procuraua o mais perfeito Eftâdo dos intentos^que íeguiâ: Mais era afeiçoado que fujeito Inda que íello a muitos parecia,- Efcolha certa fó de amor humano Que o mais he tudo, pena Sc tudoíengano»
Lia nefte exercicio coftumado HQa hiftoria na lingoa Portugueza Do Cafto Dom Galàz claro esforçada Honra, Sc valor da antigua corte Ingreza Vitoriofo fempre Sc celebrado Polias prerogâtiuas da pureza Tanto á virtude mais fe inclina Que ate a morte fer cafto determina.
Quanto he deuido aos claros efcritores O louuor que efta idade não coníente Que debaxo de efcuros, Sc de cores As virtudes eoíinão fabiamente: Entre o doce da honra Sc dos louuores .Que he ifca popular que ceua a gente A gloria, Sc fama os animosexcitâo Difpoem, ordenão, mouem> facilítâo.
A que
GA NT o ir: iô
A que honrado não moue bua lembrança. Dos valerofos feitos dospaífados? Que não conceba em íi noua eíperança. De os ícus íerem no mundo celebrados A quem não enuergonha Sc faz mudança E inuejâ honrofa o vellos recontados Se inda húa hiftoria vãa mas bem fingida Moue hum animo illuftre á fanta vida.
Niílo a paíTaua Nuno; Sc também tinha
Fernando outra, que aos feus mais fstisfaça Ia ao Reyno ordenaua o que conuinha Gâftando o tempo liucre em monte & caça Tudo com godo 6c graça da Rainha Sem quem nada âchaua gofto &: graça Que a vontade que tinha era da fua Como he do Sol a luz, que moftra a Lua»
Como fe vio na paz mais inclinado Ao que pedia o reino fe moftraua Fez cm Lisboa o muro leuantado Qne para refiftencia lhe faltaua. Deu nouas leis ao pouo aluoroçado Com qualquer nouidade que intentaua Fez a terra mais forte, 6c mais baratta Fez pezos, fez medidas, bateo prata.
Em quanto goza alegre defte eftado A que logo a fortuna teue inueja Ou por ver neile o bem mal empregado Ou porque ninguém quer que firme o veja Dom Aluâro ligamos que apartado Deftes menores filhos que defeja Carregado dos annosbufca, & goza A vida mais quieta, ôc m.3is goftofa.
C 4 Hnm
G CONDESTABREDEPORT.
Hum dia quando o Sol fermofo & louro Nos coroados montes fe fubia Na cefaô que fugindo ao brauo touro Aos dous filhos de Leda apparecia Por gozar da manhãa que rofâs ôc ouro Sobre a verdura alegre desfazia Acaça vay dosfeusacompanhado Qiie efte he feu exercício, 6c feu cuidado^
Partenfe de Galope os caçadores E os cafcaueis íoantes facudindo Os falcões fe debatem, &: os açores. As aues que medrofas vão fugindo Os célticos podengos corredores Que vãoá viftâomiíto defcubrindo Deícobrem das perdizes neícia banda As quais o velho húa aue foltar manda^
Logo oligeiro açor nas vnhas leua A que de trás das outras fe partira Empolga, deceà terra, aly fe ceua Ate que o caçador das màos lha tira Não ha húa das outras que fe atreua A querer reuoar donde caíra E tais as torna o medo com que deccm Que à cor da mefraa terra fe paracera.
Correm de nouo os bufcas diligentes Por valles, por campinas, por ladeiras Dsfcobrem logo as aues imprudentes Da que l^uão vencida companheiras; Te que íoltando as vidas innocentes Como rale das azas mais hgeira?; Só húa falta ao Prior do fraco bando Que ante o furiofo imigo vai voando.
Entre
CANTO II. ii
Entre husefpeíTos ramos fe me teo A perdiz tcmcrofa & perícguidaj O açor fobre as nuuês corta o Ceo Que ja defpre^a a preza ja vencida. Cada hum dos feus por ver onde decco Toma câmmho 8c eftrada conhecida Te que o Prior famofo ove primeiro Que vai mais apartado, & maio ligeiro-
Atrauefa correndo hum aruoredo Do qual hum rio o pâílo atraueííaua E encoftandofe as fraldas de hum rochedo Por entre os brancos feixos murmuraua Donde vio que no meo de hum penedo Húa pequena hermida íe moftraua A cuja porta hum velho venerando Eftaua fobre as pedras repoufandò.
O defcorado rofto penitente
Reprefentsua idade aíTas comprida
Húa câlua muy pálida, 6c luzente
A barba branca efpefla & muy crecída.
Sobre hum pardo burel eftreitamente
Húa larga correa tem cingida
E no peito húa imagem miíagrofa
Da que foi Virgem, may, filha, Sc efpofa.
Fez no claro Prior muy grande aballo Ver aquelle lugar que nunca achara Bradou ao Hermitão para acordaio Que antes que clle bradaiTc ja acordara Porque ouuindo as piíadas do cauallo Para o Prior alegre fe voltara E com rogo modefto humilde Sc pio Lhe pede que atraueíTe o maafo rio.
Não
o CONDESTABRE D EPORT.
Não eftranhes o grande atreuimento Lhe diz, ò varão forte a quem fe deue Mais humildsde, òc mais acatamento, Que húa ousadia afsim ligeira, & leue Mas quem leua atenção per fundamento Na vontade do Ceo melhor íe atreue. Vem pois te trouxe agora a forte minha Que a grandes efperanças te encaminha.
Dom Aluaro ficou como enleado Das palaurasqueo velho lhe dizia PaíTa o rio furpenfo> Sc com cuidado Por íaber demais perto o que feria Recebeoo Hermitão aluoroçado Qjie a refpeito obrigaua & cortefia Que nas brandas razões, Sc na âpparencíâ Moftraua exemplo íaõ; honra &prudenciai
Apeoufe o Prior fobre a verdura E o cauallo de hum verde ramo prende Entrão na eftreita hermida cuja altura Ainda a entrada humilde lhe defFende: Depois que à Virgem fanta clara, & pura Cada hum poftrado em terra as graças rende Sentados fora ao pè á'húa aueleira Lhe falia o hermitão defta maneira.'
Tronco daquella eftirpe generofa
Que tem guardada a fumma mageftade Pára gloria dagente valerofa Quehadeéfpalharnaterra a Chriftandade Cuja ilíuftrc progénie venturofa Dominara com gloria noutra idade Os Reinos, & prouincias, que oje encerra Europa em quanto o mar rodea aterra.
Cujos
CANTO Ii: 21
Cujos nunca vencidos defcendentes Nouos mares, & cerras adquirindo Dominaram remotas outras gentes Que habitãoNilo, Bathro, Gange, 5c lado» Aqui te gaia o Ceo para que sum::ntes O que eftão as eftrcilas permitnndo E começando hQa obra tão diuina Miniftres o que o fado perdeftioa.
Tempo he conueniente, 3c opportuno De íc comprir (eu dcíejado loteoco E de dar companheira ao forte Nuno Qo^ he defte meu prefagio o fundamento Scrà de Marte eípanto, & de Neptuno Será de Portugal vigor, & aíeuto Que de feu brâço armado cm dura guerra Tomara forças como Anteo da tctr^*
E para que fe cumpra efte concerto Por influxo de eftreilas ordenado E não feja, o que eftà nos fados certo Por defcuidos dos homés atalhado Por mim nefte lugar te hedcfcuberto Que chara efpofa des ao fínio amado Cujo valer na terra fem íegundo A feuspes deixara vencido c mundo-
Como guia da íorte te en caminho PoHo que das eftreilas claro vejo E antes que Apolo acabe o feu caminho Verás comprido o fim defte deítjo,
^ Entre as terras que regão Douro, &:Mmh A que ja agora enuejão Tibre, ^z Tejo, Trifte eftarâ^Sc chorando a belía eípoíia Que ha de fcr tão alegre, ôc venturoía.
DeRa
o CONDESTABRE DE PORT.
Defta outra tioua planta o mundo efpcra Que com feus verdes ramos fruito & flores Fará na Lufytania primauera Reçucitando os braços vencedores, E diz que como o Sol na fua Efphcra Nuno triumphar das armas, ôc atamborcs Nefta armadura humilde que me vefte N outra empreza entrara alta> & ccleftci
CcíTando o fabio monge que falíaua A voz ao caualciro íuípcndeo E vendo fer do Ceo quanto trataua Os olhos leuantou & as mãos ao Ceo,' Com palauras que o gofto lhe infinaua As graças homilmente ofFerecco Com as lagrimas nos olhos de alegria A quem tudo gouerna, ordena, & guia.
E logo o venerauel rofto Sc ledo
No que contaua hum pouco aíTcgurou Para ouuirfe daquelle alto fegredo Ainda algum prefagio lhe ficou; Porem no mais efpeíTo do aruoredo. Para onde o manfo rio atraucfou Os feus bradar ouuirão, que o cauallo Pollos paíFos fcguindo vem bufcâllo.
Defpedio apreíTadoohermitão
Cortandolhe as palauras que refponde S atísfazíe de verlhe o coração Que em verdadeiros olhos não fe efcondc. Tempo ha de vir ( lhe diz ) claro varão Lugar &: occafiaõ mais certa aonde
• Se conheça atenção defta obra minha E agora vay com o Ceo que te encaminhar
Como
CANTO 11. z3
Como a corda alterado o que fonnaua Achar algum thefouro defendido Que no que o vão Protheo lhe moftraua Traz fempre os penfamentos òc o fentido Communicar não oufa o que cuidaua Por não fer eftoruado, ou entendido E no lugar fantaftico que via Põem balifas na varia fantcíia.
Defta forte o Prior com os feus fe parte PoUo mefmo caminho que o guiara Leuando o penfamento a aquella parte Que o f atidico velholhe moftrara As palauras recorda, o modo a arte Com que hum tão grande bem lhe affigurara Reprefentando o gofto na memoria Daquella defejada, & doce hiftoria.
porem deixando o fabio que aly fica Gozando a doce vida tão quieta Para o prudente fò fegura Sc rica Quanto conceder pode o bom planets; Trás dos futuros bés que pronoftica Pollo que das cftrellas interpreta Vamos bufcar o eíFcito verdadeiro Que efte vio Nuno armarfc caualeiro.
Recolhefe o Prior ledo, Sc contente Do penfamento occulto que trazia Saber logo procura aftutamente O que em tal a ventura fe efcondia: O coração leal que nunca mente Lhe daua alegres nouas cada dia Em poucos íoube em fim que o fabio velho Em mais fundaua as obras que em confelho.
Nas
o CONDESTABREDEPÔRT.
Nas deleitofas terras que honra Sc rega O fundo Douro, Sc vagarofo Minho Que acorrente ao mar contente entrega Deixando entre altos montes o caminho Aonde Pomona, & Ceres nunca nega Seu louro fruito, 5c Bacco o brando vinho Aonde Zéfiro, Sc Flora colhera fiorcs E chora Filomena os fcus amores.
Ouoe húa dama illuftre Sc celebrada Que com Vafco Goníalucs de Barrofo Eftando hum breuc cfpaço defpoíada A morte lhe roubou fcu charo cfpofo, E nâquella cefaô tão magoada Naquelle eftado triftc & laftimofo Entre lágrimas vãas feu mal publica Sò, fermofa, difcrcta, honefta Sc rica»
Alem da clara cftirpe generofa
Da fermofura, Sc graça fobrc humanai Que bem baila fer nobre & fer fermofa Para vencer qualquer vontade humana, - Era fcnhora rica Sc poderofa^ Que he o que mais contenta, Sc mai5 engana Deuihe a ventura tudo o que mais preza Para fe a ventajar da Natureza.
Foi o nolTo Prior logo auifado
Que por feus mefageiros pretendia Saber de algum final, noua, ou recado No lugar aonde o Monge lhe dizia, E entendendo que o fim de feu cuidado Naquèlla dona illuftre fe entendia Sem mais fe aconfelhar nefta demanda Hum caualeíro feu ao Douro manda*
Epoc
CANTO Ii: 14
E por apr eíTar mais efta ventura Outro inuiou ao Rey com o mefmo intento Cuja voatade ellc ha por bem fegura Sc a pode aíTegurar merecimento Cada hum dos mefagciros que procura Moftrar na diligencia feu talento Ao Douro hum, á Corte outro fc aparta Chegou a cl Rey Fernando 6c deulh'd cartai
De todas cftas coufas muyto ai heo Traz Nuno o penfamento, Sc o íbntido Sem defejo, cfperança, & íem rccco De ícr entre irmãos tantos o cícolhido Mas quando cfte recado a Corte veo. Ia delia a Bomjardim era partido *
Que por mandado, & gofto da Raynha Ao dcfcjado pay viíitar vinha.
Elle o agafalhoa com fcfta, & gofto Como aquellc aque amaua de verdade E em fuás cfpcranças fòs tem pofto O defcanço,- & fabor daquella idade E porque tem fò nellc, a vida, Sc gofto Poucas horas lhe eícondc efta vontade PaflTeando com cila alarga fala Tomandoo polia mão dcfta arte falia.
Moftramc a idade Nuno o fim da vida Vejo que cftou da morte muy vczinho Chegarei cedo a meta prometida Porque ha ja muy tos annos que caminho J Dcíejo antes que a morte me defpida Pello que de teus feitos adeuinho Darte hua companheira illuftre Sc bella Por ver antes que acabe o fruito delia.
Trago
o CONDESTABRE DE PORT.
Trago nifto continuo o pcníamento Cada hora mais íe appura efta vontade Não te ouzaua fallar em caíamento Que he natural aos moços liberdade JVlâs nas obras que faô de entendimento Não ha porque efperar madura idade Conuera que a occafião fcja madura Que em poucos annos ha muita ventura.'
O Ccobenino agora me ofFerece Lugar para honra tua & gloria minha Que he húa dona illuftre que merece Não fó fer tua efpofa mas Rainha Efta que em fangue & parte fe ennobre^e Com riqueza 5c poder qual te conuinhá Defejo de efcolher por filha & nora; Mas o teu querer fò me falta agora.
Trás ifto alegremente o que tratara Docafamentoo velho lhe dizia Como o feu caualeiro lhe mandara E como eIRey também nelle entendia Que figa aquella empreza illuftre & clara Com amorofos rogos !he pedia Nuno que outra aíFcição no peito efconde Com humildade fabia lhe refponde.
Vos Senhor me obrigais a hum nouo eftado Que nunca me paíFou polia memoria Ia mais pus o defejo em fer cafado Mas por graça, julgaua, & por hiftoris? E como moço, 8c mal determinado Que tem noutra conquifta o gofto 5c gíoría I Refponder leuemente não me atreuo Sem vos fatisfazer contra o que deuo.
^ Quena
CANTO IL n
Qfjem em tal cafo em vão fe determina Ou acerta por erro. ou erra em tudo Daime tempo íeiihor, que o que immsgina Erra per eleição, não por defcudo Ouuindo o pay repofta tão diuina A replicar lhe foi,mas ficou mudo ' Mândâlhe que de efpaço cuide 3c veja O que elle não^cuidar tanto defeja.
Satisfeito de ver que'em tal idade Cabia entendimento tão maduro Lhe deixara efta efcolha na vontade Se o não aluorcçara o bem futuro. Por mil vias o tenta Sc perfuade Temendo hum coração tam firme Sc duro Porem aonde a razão domina Sc manda Tudo fc rende em fim, tudo fe abranda*
m^m^mã
D C AN.
o CÔNDESTABREDEPORT.
CANTO III
Celehrâofe as vedas de Dâm Nunâlures Tereiral t arte fecúmf tia, cíppfaparA as terras dentre o Doutg^ (^ Mifíhúy chamado do prior vem , ffia a [ha m^rtt $ com ^delRej Dom Henrique Çemoue a guerra erátre elR^y Dom loãofeufilhoyé* elRtj Oom Fernando: Dom Nt^^ ftalures vai ^or fronteiro a Portalegre ^ donde manda dejaji&r ao filho do meítre de Santtago de CáltillA^
Nkõ fâbía em- que modo fe cfcafslTc Dom Nunâlures ao pay do caíamento Nem porque termo, &: modo o dcfuiaflb Daquelle íeu defejo, &: penfamcutoí Quaodo lhe hiaafallar,- fem que fallaíTc Dante mão lhe atalhaua aquclle intento Nenhum declara aquillo que pretende Que antes que hum fâlle,o outro fe deffende^
Roga o Prior, 5c cm brcae tempo obriga A may de Nuno honrada & verdadeira Que o moaa o aconfelhe a que lhe diga O que he juílo que bufque, eftime, 6c queira Que alem de o filho a ter por certa amiga Lhe obedece em tudo o bom Pereira Mas das razões que daua conuencida No meímo que lhe roga ja duuida.
O tio
CANTO líi; tê
o Tio Ruy Pereira ouíado,&:nobefe D'ô utra parte o ccmbatc cada dia A quem mai5 claríicnence eíie deícobfô O difFerente intento que trazia C adâ hum ja de razoes eftaus pobre PoUas cem que clle a todos defendia Tomar aquellc eftado, doce, 5c graue Que he jugo, inda que a muitos he íuaue^
Em quanto nelle o moço não coníentc Com húâ vontade a tantas rigurofa Tornemos a Fernando que contente Lhe quer dar companheira tâo fcr mofa^ Tanto que o meíageiro diligente flfhe deu do velho a carta cobiçofa Com húa cobiça igual, igual vontade A dona efcreue, obriga, & perfuadc.
Ia ncfte tempo o caualeiro aftuto
Q^e ao Douro era partido, â carta dera A dama, que pagando a vão tributo Em lagryma?>; cu'paua a parca fera Por ver cortado em flor o tenro fruto Que tantas ciperanças prometera E indâ não conuencida de hgciro Mandou tratar muy bem ao meíageiro»
E elle 1*6 ouue de forte na c mbaxada
( QllS ^^^ homem de valor, & cntendiméto ) Qjc deixa a dona liluftre afeiçoada A quem nunca pós nella o penfamentr,- Que he ( reípondc) .nençãopcra cila hõrada, Mas que tratar não quer do caíamcí to Sem que primeiro a ej Rey dellc iofoimaíTe^ E com vontade íuâfc víCitbaíre.
Dl Covtenf^.
o CONDESTABRE DE PO RT:
Contente o caaalleiro fe tornaua Da repofta da dona, òc da cautella,^ E com mores razões íe contentaua Das perfeições, & eftremos que vio nella. Quando a carta dei Rey também chegaua. Que com o mefmo deíejo o defuela. Pois tais termos a obriga, & de tal forte, Q22 faz que em breue cfpaço venha a corte.
El Rey ao feu querer procura efFeito Para dar ao Prior fatísfaçâo A dona ja de amor tem cheo o peito Pollo que lhe reuela o corsção. Vendo o Rey não fomente fâtisfcito. Mas parte intereíTadâ na tenção, Ç
Para a jornada aprefta muytas gentes De criados, valfallos, 6c parentes:
Aly vem os de Aluim proíapia antiga
Dos que ao Conde Henrique acompanharão
Contra a feita bsrbarica inimiga,.
Que ja de Guimarães o nome honrarão.
O5 Coelhos illuftres que inda ob< iga
A memoria dos peitos que moftrarâo
Os Meios que engrandece a ciara fí?ma
Todos do fanguc il uftre defta dama.
Chegou muy nobremente acompanhada A Corte, aonde era aflas bem conhecida Foi dei Rey com muy ta honra fcítjejada> E da Rainha honrada, Sc recebida. Das damas m.ais fer moías inuejadá. Ou polia fermofura, ou polia vida Que vem tomar Sc cada qual dcíejaj Vida, antes de fe ter, dina de inueja.
Fcr?
CANTO III. I7
Fernando que em tais obras não dilata O fimqueobom dcfcjo lhe pedia, Defpofâiâ com Nuno logo trata Polias partes, & does que nella auiáj ElU que mais cortes díimâ que ingrata ÁoRey querparecernaquelle dia. Obedece a feu mando facilme nte; Pouco fâz quem defeja fe confentc.'
Ia para o bom jardim parte apreíTado, O mefageiro alegre que ieuaua DelRey para dom Aluaroorecado E da Rainha aNunoqueochamaua, Ah quanto fica o velho magoado Da vontade que o filho lhe negaua. Vendo a repofta, & carta ja da dama, ] Que dona Lianor d'Aluim fe chama»
Então de íeu defejo dobra a força De parentes, ôc amigos fe aproueíta Ia não buíca razões, obriga, & força. Entre as brandas que diz lagrymas deita^ Nuno que a defenderfe mais íe esforça Se ve em prizão mais dura, & mais eftreíta^ " Ia mais deuagar peza 8c coofidera. Mas não ja arrependido o que fizerat
Vendo que a Rainha à corte o chama O pay o roga o tio o aconfelha, A may o obriga, que elle eftima Sc amai' Por amiga prudente &fabia velha, E que cftàja na corte a nobre dama. Que para os defpoforios aparelha. Entende que Deos quer tal cafamento Neile a vontade pocm. & o penUmento."
D i Ah
o CONDESTABRE DE POR T.
Ah por quam vários modos, & cfcondidos Deos infioiro, eterno, &: íòberano. Deixou noílos remédios repartidos Para nos libertar de eterno dano, Com húa fombra de males não fofridos Com ham eíprito do ceo nam peito humano Aos bés nos chama> aos males nos acode. Condição de quem sma, ôc de quem pode»
Manda ao fanro Abrahão que íhe ofFreça,; Aífac hum fi bofo que tanto smaua, Que ponha em fuás aras a cabeça, Por ttofeo de í>mor, com que o tentaua» Faz que o velho chorando lhe obedeça Eo filho que afeugolpe humilde eftaua Depois que alegres vão a obedcccilo, Então pocm Deos a mão entre o cutello*
Guarda ao moço líac porque pretende De íuâ geração fublime, & fanta. Trazer o ramo exclfo, que dcfcendc Ate a mais leuantada, Sc pura planta> Então da morte a vida lhe defende. Depois fobre as eftrellas o leuanta^ Nem o pay perde a gloria merecida> Nem o filho innocentc perde a vida#
Quer que o Pereira forte & valerofo Entrando na dourada íua idade. Incline o peito âltiuo, & gcnerofo, A conferuar perpetua Câftidade, Faz que deíprezc eftado poderofo. Por lhe darem oíFerta eáa vontadCj Ate que elle lhe dá occuito indicio, Qoe não qucf, que eíle feja o facnficior
Ia depois
CANTO iir: %$
la depois áe obrigarlhc o coração,
Qtie humilde a fcv querer todo fe entrega Depois que ao velho pay nega afeição, E á fua idade tenra o íruto nega,- Da Deos principio a clara geração, Qje em tão fobidos ramos prende Sc pega Para occupar no ceo tantas cadeiras, E abater ante a cruz tantas bandeiras.
Ao venerando pay logo fe inclina Com efp^rito nouo. & noua graça. Diz que íó elle o manda, & o dominai Q^ic a e!!e he jufto fó que íatisfsça. Que feguir feu mandado determina, C^e ordene, que diíponha, mande, Sc faça^ Da vida fua, Sc pcníamentos delia, Oqucquiferfemmedo, ôcfem cautella.
Ao Ceo o velho humilde as mãos Icuanta, Dando as graças a Deos contente, &: Icâol Que não cfperou ja cem gloria tanta Ver começado o bem de Teu fegredo. Coma a verde era abraça a tenra planta^ Com que fe foi criando no aruoredo, Aísim abraça ao mgço eftreitamcnte Com as lágrimas nos olhos de contentcJ
As benções amorofas multiplica Sobre tão defejada obediência, . Eftâdo lhe promete, & cafa rica. Eterna» 5c generofâ defcendencíai Parte do que oje vemos pronoftíca. Com fè. com efperança, & cem prudcncíaj Trás ifto da partida logo trata, Que quem muito deícja não dilata^
D4 Xá
o CONDESTABRE DE PORT.
lâ fe parte contente o tenro efpofo, Qoeadamaerperaverdedia em dia, E mais contente o velho valcroío. Que entre os fiihos hum Marte appareciaj!" Sobre hum cauallo forte & podcrofo, Qiic com as mãos entre a cilha fc feria. Dos c;iual«?iro^ feus acompanhado. Que da cruz branca o peito tem cruzado*
Foy de todos os grandes recebido Com amor, aluoroço, & com rcfpeito Por tão fí molas obras merecido, E empregadas melhor cm tal fujcito^ O gentil eípofado mais corrido Dos muitos parabés, que íatisfeito Hora a cor muda, hora outra cor concebe^ Mas com vergonha, & graças os recebe^
Lianor & Fernando o rccebea
Gom gofto a tais cuidados opportuno, E para as ledas feftas de Himenco, Conuidâ alegremente ao forte Nuno^ E quando o foi cançado fe efcondea No Criftalino reyno de Neptuno, Vio aLeonoraonoíIo caualeiro, E ali a bella dama o vio primeiro»
O que ambos fintiríáo julgue agora Quem pós em tal eftado o fcu defcjo,' Porque eu que nefte jogo eftou de fora^ M ai fâberei pintar o que não vejo, Eilâ tomaua a cor da bclla Aurora Com a que lhe faria hum nobre pejo, Eile que a vifta â furtos empregaua Da meímâ cauía a própria cor tonjaua.
O Prior
OANTO III. Í9
o Prior valerofo alegremente
Feftcja a eleição daquelle emprego Cada hora mais alegre, & mais contente Com gofto. &: com razão não tem foíTego, E quando o claro foi á negra genta O orizonte moftrou efcuro, ^c cego, E à nos trazendo o dcfejado dia, Encheo o mar, & a terra de alegria.
Ordena o cafamcnto celebrado Pollo cuidado 6c gofto da Rainha,' Semoapparato vão 5ccoftumado Porque a fegundas vodas não conuinhaj Com a nora depois & o defpofado Para o bom jardim logo encaminha. Que ainda que íaudâde á corte daua, Ncnhúa leua então pollo que Icuaua.
Vcnturofo mil vezes o que vio
Obedecer Fortuna a feus intentos, " E que em feus preprios annos confeguío
" Oduuidofofim depeníamentos, Ditofo a quem íeu fado coníentio Não fazer msntirofos fundamentos, E mais vezes ditofo quando alcança. No fim de bua efperança, outra efperança.
Ditofo pay que ja no fim da vida Vc rcnacer qual fénix abrazada Aquella nobre eftirpe efclareeida, Que o ceo a Portugal tinha guardada, Quando eíie para glorias o conuida. Lhe moftra a terra a coufa mais amada,' Aquém Deos ama. a quem ao ceo fe ofFrece O tempo, a forte, &: a vida lhe obedece. .
Chego •
o CONDESTABREDEPORT.
Chegouao Bomjardimabellaefpofa . Na iiluftre & valeroía companhia, Húa tarde galante, & graciofa. Quando o foi íobre as nuué? fe decía Vio aquella obra rica 8r fumptuofa. Que das nobres d'então muitas vencia Entrou contente, & nella íc apoufenta. Se á tudo contentou tudo a contenta.
Depois da cea alegre, Sc fem limite. Que de Hélio vence o liberal fujeito. Aonde nada pintaua o apetite, Qiie não aioftrâlTe o prato mais perfeito Depois do gofto, & jogos do conuite No dourado metal, & ebúrneo leito, Com o prazer que em tais tempos he deuídoí Foy Lianor entregue a feu marido.
Aquella noite as cândidas eftrellas No defcuberto olimpo fe moftrarão, E como luminofas centinellas Avagarofa noite alumiarão, O nome de Himeneo fe ouuia entre ellas
, Das nimfas que do Tejo fc ajuntarão. Que em faltantescboreas juntas todas Celebrauão com fcfta as charas vodas.
Os paíTaros na noite clara Sc fria.
Deixando os altos montes, Sc os penedos^ Cantauão com fuaue melodia, Voando entre os efpeíTos aruoredos, E como anticipando o nouo dia. Sobre os teótos mais altos cantão ledos,' Dando finai que o nouo sjuntamento Ha de dar noua luz ao firmamento.
^ Colhe.
CANTO IIi: j9
Colhe o Pereira o ff uito defc jado Da Félix, & caftifsirria Leonora Que nas primeiras vodas alcançado Do mal logrado cípofo nunca fora. Com caftifsimo pejo o cem calado Que ninguém o fabia ate aquclía hora Nao quer que o mundo entenda efta fraque Vencida ha virtude, a Naturezs.
Quam poucas íe acharão na noffa idadef E da antigua também, quam poucas lemosi Que encobriíTem pureza, &: caílidade Fâácndo por fingilla mil eftremos. Se por nos obrigar vida, & vontade, O falfo fazem crer, contra o que vemos Ay do marido cafto, ou fraco cfpofo Qíip ou ha de eftar corrido, ou fcr ciofo.
Duarte Rey terceiro de Inglaterra A mulher por pureza não tocou Como o primeiro AfFonfo que n? terra De Hefpanha o cafto nome fuftentou Culpada continência que afsim erra Cada hum ao doce cftado que tomou Santo he Ter cafto em fim mas íer caiado Pede as obrigações daquelle eftado.
Qusm porem libertou tal continência. Das inçadas eípofas reprouadaj Não ferjuígâdamaispor impotência. Que por virtude em tantas deíejada, Caftirsima Lianor, que efta excelência Para vos entre as outras foy guardada. Delia vereis ao tarde o doce truito, Que o ceo paga com muito,o que ama muito.
PaúTados
o condestabredeport:
P^ífa dosalguscHaS;,quegaftarão NaqucUa alegre terra os dcfpofados, Para as do Douro, 6c Minho fe apartarão Com vaíTalíos, amigos, & criados. Na faudadc interna que deixarão Nas lagrimas, Sc termos coftumados. Não gaftà tempo agora a minha mufa. Que hir paíTando adiante não fe cícuft.
Achou Nunalures cafa nobre, & rica. Mulher perfeita, Sc terras abundantes,' O ceo na terra os bés lhe multiplica. Com mais fertilidade que nunca antes Ao trato aldeão logo fe aplica Com os piquenos benino, & com os poííantcs Amigojliberal, 5c generofo, Mais inuejâdo ali, que cobiçofo»
Por coftume ordinário fe feruia
Com qumze,6c mais valentes efcudcirosi Que pollo nome, 5c partes conhecia; Por fieis, esforçados csualeiros. Com trinta homés de efporas que trazia Apeffoâdos bõs, 5c verdadeiros, Caçaua 5c monteaua, ò bom iucundo Temia a Deos, eftaua bem com o mundo^
Três annos nefta vida foíTegada Com a chara conforte ali viueo, E nelles ouue a filha dcíejada, Q^ ^ nolfá Lufytania enriqueceo, Dous filhoscuja vida em florcortada,' Logo entrando na terra foi do ceo. Antes que elía nacefl}^ fenefcerão, Tornando a fer do Ceo donde vierão»
Era
CANTO III. 31
Era ]a o velho pay ds longa idade. Sentia perto o finei da defpcdida, Chamouo o alto Deos cuja vontade Dirpoeai, ordena, 5c traça, o fim da vida Chama os filhos de esforço.. & de bondstds Para íe aperceber para a partida, Nuno das terras vem que o Douro banha» E com mais defafete o acompanha.
Deu o eíprito aquém lho tinha dado
Na Amieira, aonde então viuia^
Dali â Fiordaroía foi leuâdo
Com pompi fuocr^^il de Clerizia.
Nãqueíia mcfma Igreja fepulíado . Que ergueo ao fanto ncme de Maria
Repouía la no Ceo íiure de guerra,
Q^e obras dmas do Ceo deixou na terra.
Dom Pedralures Pereira forte, oufado Dos i mãos o mayor, que a cruz trazia Branca, &: que tinha em Rhodes profeíTado Nefla religião f^grada & pia Ao Rey pede do Crato o priorado, Qne por morte do pay vagado auia E de feus bõs feruiços & íeu rogo Fernando commouido, ího deu logOt
Depois que hurementelhoconcede Ficou na corte: delle & juntamente Dos mais irmãos Nunalures íe deípede E aos feus lugares vai ledo & contente, A corte a Hberdade não lhe impede Nem faudade delia ou falta íente Em hum focego igual gaitando a vida Serue a razão io goíto de medida»
Aly
0 CONDESTABREDEPORT.
Ali nos frcfcosvalles,& campinas, Q^ lhe dâuão contentes íeu tributo Piiaua liure as heruas, & as boninas. Das fearas colhia o louro fruto, Gozfiuaas doces fontes criftaiinas.' Qje de perlas não um o vallc enxuto^
1 uiha dâ liberdade c mor theícuro. Hora á vifta do Minho, hora do DourOr
Eftando hi:m dia afsim neílc defuio, Sem da corte enganofa ter lembrança Gozando o fel fermofo, o vento frio, E as aruorcs veftidas de efperança Ao longo do fereno, & manfo rio, Que em amorofas ondas fe abalança Com a amada mulher em graça^ & feftai Entretendofe ali paffÈíua a fcfta.
Hum homem ve para elíe vir direito C om apreíTado paíTo prcguntando Hum âl forje pendendo íobre o peito,' Na mâohúaazagayavem pezando, MeíTagciro parece que he de efeito Híáa carta lhe traz do Rey Fernando, Chegou, deu! ha^ leo Nuno logo a cartai Mandalhc o Rey que á viíta delia parta.
Que por morte de Henrique o Caftcihano, Com quem tiucrâ pazes, &c concerto, Succedera loão ao Rc^no Hífpano, Do qual eftaua imigo defcuberto, Q je recebia o Reyno grande dano, PuHoatreuimepto & áefconcefto. Do meítre que era então de Santisgoí Ç^ae cem f cuo na ray a grande eftrago»
Quo
CANTO IIi; ^^
Qne tinha ja as fronteiras gamecidas Com valeroia gente Lufytâna, E entre os grandes as prâças diuididas. Das terras que diuide o Guadiana; Para que feirem delles defendidas Contra a fúria da gente Caftelhana, Q.ue em Badajoz o meftre imigo tinha, Com que affalta a comarca ali vefinha.
Qje em Portalegre efta por capitão, O Prior dom Pedralures que então era, Quccom osfeusfe va ao nobre irmão, Q']C por fronteiro íeu contente o eípera, Salta no peito a Nuno o coração, Qje outra noua melhor têr não poderá, Maí» a Lianor o Tangue o rofto deixa. Por hir ao coração que ja fe queixa.
Se elle recebe alegremente a noua, A fermofa conforte fe entriftecc Elle por dar de íi mais alta proua, Ella ja polia aufencia que conhece. Com mayorfentimentoofimreproua, Qjjanto elle com mor gofto fe offcrece. Cada hum faz íeu officio cuftumado, Ella de amante fiel, elle de honrado.
Deípcdc o mefagciro, & logo ordena E faz armar aos feus para a partida,
' Osdiaspâíraâdoceefpofaem pena. Porque arrifca na fua a própria vida. Maldiz ao Rey & a honra a condena, Por parte de Nunalures, 5c o conuida, B 3m tomara faltar a quem lhe efcreue, Poíto que contra o Rey, contra o que dcae*
Mas
o CONDESTABREDEPORT.
Mas como aquelle efpirito mais vfano, Que afpitaua a immórtâi, &c etercâ fsms, Defpreza outro qualquer rcfpeito buniano» Par2feguiraeftfcil3,&Reyque o chama,- Depois que o foi fe ergueo do largo Oceano Repoufando na cafta &"branda cama, Ia da amada mulher fe deTpedia, Neftas, & outras palauras que dizia.
Bem me aconfelha amor que não me aparte Da gloria deíle bem que eftà prefente, Qoe â alma de que vos fois tão grande parte Só com voíco^ & por vos viue contente,) M andame que defpreze as leys de Marte,' Que outro nenhum poder que o feu .'confente M as mandado de amor, cego & menino, Não no fcgue a razão, que he defatino;^
Defatino de amor aos olhos ccgoj
De quem erra o caminho que hoje atalho. Não he para altos homés o foíTego, P ois he a honra o fruito do trabalho, Inda que em vos eftà meu certo emprego Muito por vos me eftimo, poíTo, & valho, Cô o Rey, cõ Deos, cõ o ceo, cô atera,& géte Moftrefe o valor meu que he diíFerente»
Forçado me he deixar a amada terra, E a vos que íois o bem de meu defejo, E o mais caro penhor em quem fe encerra A íuzdosmefmosoíhoscom que vejo,- Eftâ he amor batalha, que ha na guerra. Pois que fó contra mim nella pelejo, Leuândo j a daqui certa a vittoría. Alcançarei nas armas, nome, Sc gloria^
Dâlnaè
CANTO III. 31
Daíme fcnhora os braços, âza licença. Sede em fauor, & ajuda dcftc intento Para que quando armado, Sc forte vetça Seja igualmente voííò o vencimento. Conheça cm mim a terraa difFcrença, Com que'ante os inimigos me aprefentOj' Daíme íó por empreza o nome voílo, Vereis quanto vos quero, Sc quanto poíTo^
Não vos fujeite, & vos obrigue a tanto A afFeiçâo natural que a honraimpida,' Oíhái que a mores coofas me aleuanto. Do que faõ terras, bés íoíTego. & vida; Deixai que os Fados figa agora cm*quânto O Ceo para vittorias me conuida. Vereis quanto ganhais, & eu quanto alcanço Em me cortar ventura cftc defcanço.
Que neftes mefmos braços, em que agora Como em laços eftou de afeição cheos Em outro tempo efpero vir fenhora A gozar mil vittorias Sc: trofeos: VoiTo não merecera cu fer, fe fora Vencido por amor de vãos reccos. Nem poíTo dar de honrado melhor proua^ Qqq ver que o que vos quero oâo me eíiroua
Eftas razões ouuia a clara efpofa,
Enlaçandolhe os braços com quc o prende, Das lagrimas que chora tão fermofa. Como quando o criftal com o foi íe offcnde;' Ou como com o oruaiho a frefca rofa Que efta mais engraçada , Sc mais tranfccndc Nos fcus olhos ferindo hum viuo lume Efltrc foípiíos folta efte queixume.
o CONDESTABRE DE PORT. Razões bufcadas para confolarmc. Não me podem fenhor liurar do danei Que nem eu (oi com ellas enganarmc. Nem fe encobre na vifta o defengano, Meo não ha entre hiruos, & dcixarme. Contra o mal que fe ve não bafta engano^ Vo5Ja para â partida eftais difpoílo, He morte para mim, mas voflo gofto^
Ide & ordene o eeo que na cornada Viuaeuparafentir voíFa prefença^ O coraçãoleuâis para a jornada. Que os braços com razão negão licença^ A V ida vai da volTâ pendurada Eíperando de amor qualquer fentença> E queira o Ceo que a vida tanto poíTa, OfiQ quando fe perder íuftente â voíToai
E fe vos pede o animo esforçado^ Ser fempre nos alTâlcos o primeiro?! E no perigo grande, de arrifcado. Ser o voíTo cauallo o mais ligeiroà. Mudai a condição de íer oufado, E lembreuos fenhor por derradeiro^ Que me leuais na vofla a minha vida^ Que he de mulherio? he menos atreuid)^
Mas fe quereis guardaíla facilmente^ Fugi ao rifco, & trance perfgofo. Sede por vos qual fois, fero Sc valente^ Sede por mim cobarde & vagarofot ^ Sacrificara vidadoianocente. Não he de animo forte, de valcrorov Sois obrigado á vida que vos ama> £ não i^á Gâftâ delia ganhar fama»
Foreni
CANTO IIi; 14
Por em a minha fejâ o voíFo efcudo Para o mor rifco & trance dapeleja^ Que oa voíTa ícnhor perderfeha tudo,' E não monta fem vos que a minha o Cep] Dâlmaapartemelhor>com omefmo cjtudo Hirà fegumdo o bem que iò dcfejs,- Qíjc fe vóa a dcixâis por honra Sc fama,^ Eiia deixar não pode o que mais ama.
Neftas ôcoutraspalauras que dizia, A defcontcnte efpofa fe occupaua, Quando o foi ja douraua o nouo dia^ E o fcu amante efpoío fe apreíTaua: Ia dos íeus a animoía companhia Com armas & valor à porta cftsua. Deixa o valente Nuno o brando IcitOj E cobre de aço duro o forte peito.
Armafe o vaierofo fem detença, E a fcrmofa Líanor ajuda a armatfo^ Com lagrimas moftrando a difFerença De querer mais detello, que sjudallo, Eemquantoellalhencga, &da licença Rinchando fere as pedras o cauallo, Qiie como que ja ve preíente a guerra. Mordendo o duro frco, rompe a terra.
ia com hum eftreito abraço fe defpede, E Lianor entre os braços lhe defmayai O fentido chorar a voz I he impede, Que os fofpiros encontra antes que faya A geQcrofa filha a benção pede, Q^ie para as faudades ja fe enfaya, Eiie decendo aos feus, na fella falta,' QilS o que Amor o detém, ao valor falta! ^^ E z " Ellá
G CONDESTABRE DEPORT.
Eíla em lagrimas vãs faz feu queixume E fobindo ao alto das janellas, Segue com triftes olhos ao feu lume. Culpando ao do foi, & ao das eftrellas, Ncfta dor que depois fe fez coftume, A confalão as donas, & as donzellas, Que o pouco exprimcntado fofrimento Faz dos males mais agro o íentimcnto.
Chegou em breue tempo o caualeiro Ao Prior valerofo que o fefte ja, Q25 ter a hum tal irmão por companheiro^ Mais que tudo o do mundo então defe ja. Que alem de íer oufado, & bom guerreiro E aducrtido no aíTalto, Ôc na peleja. Fora do pay famofo o mais querido, E entre tantos irmaõsícmpre cícolhido»
AH fe achaua em parte íatisfeito. Porem contente não de feu cuidada,' Que não fofria o valerofo peito Na guerra em tant^ paz andar armado. Mas bem cedo cuidou que tinha eftcíto. Quando a preíTadeíRey chega hum priuado^ Com negoceo de pezo, & de fegredo, Gonçalo Vaz fe chama de Azeuedo.
Manda por elle o Rey que as frontarias. Que eftâuão entre o Tejo, & Guadiana, ConuocaíTcrn guerreiras companhias, Por dar batalha à gente Caftelhana, Com hum furor beilicoío em poucos dias Se ajunta toda a terra Tranftagana, Ia de Villa viçofa o campo armado Parte.p**i:aa batalha appareihado.
Oscf3
Canto ih: i^
Os efpaçoíos campos de arredor
Com caxas & trombetas retumbando. Vão hum eftranho & bellico furor Nos Lufytanos peitos informando. Cada hum ja efquecido o vil temor. Os câuallos, & as lanças vão prouando, Deuiías varias veftem, & armâs cobrâo. As bandeiras aos ares íe defdcbrâo.
Ah quanto Nuno oufadofe contenta» Defte deíenho, & defta alegre noua. Porque o defejo ali lhe reprcfcnta Fazer de feu valor primeira prouí?; O que o laftima mais, mais o atromenta He âígúa razão que o feito eftroua. Que os capitães eftão em grande enico Com o general priuado que lhes vec*
Porem marchando em ordem concertada Para a forte Ebas partem fem perigo, A terra a toda a vifta atalaiada, Liure de pejo Sc dano do inimigo, Por hir a gente d'armas apartada, A bagajcm não leua então configo,' Que os carros vão diante da vanguarda^ E os Toldados de a pè todos em guarda.
De madrugada vão nefte concerto, E com. a noua manhã[que appareceo. As lanças fere o foi em defcuberto. Que v^o voltando os ferros para o ceo^ DomNunaluresqueasvionão demuy perto Dos carros, Sc foldados fe efqueceo, luíga que he gente arm*ada de Caftella, Com o defejo fem íim^que traz de velK' l
'^5 ■ 'Com
oc ondestabredeport:
Com aluoroço eftranho; 6c grande gofto. Sem fentído; â vanguarda vem corrcndoj Moftrando alegre a voz, alegre o rofto. Boa noua a grandes brados vem dizendo. Os olhos todos nellc ja tem pofto, A nouidade eftranha não Cabendo, Os capitães para el!e também vinhão Vendo os que para ouuilio fe ditinhão.'
O Medre eftàfenhores muy vezinho> Diz, dai grâças ao Ceo, que he eícufada A defpeza, Sc trabalhos do caminho. Que aqui tendes batalha apparclhada» Eu diuifei as lanças, 5c adiuinho, Que eí^condidos eftão como em cilada,' Apr eiTemos aos noflos mais, vos digo> Não cance de cfperar nos o inimigo.
Ah quantos roftos vio tão diíFercntes Nunalures entre â turba que o ouuia,' Hus defcorados, vários, dcfcontcntcs, Outros cheos de esforço, 6c valentia! Quantos ali fc põem de inconuenientesí Quantos moftrão também grande oufadia! Hús cfcutão a noua^ outros feftcjão Segundo a p^z, ou a guerra, que defejão;
Não mudou defta ordem o efquadrão. Mas com mais vigilância, ôc mor cautela^ Para qualquer aíTaíca, ou prebenção Das belligeras gentes de Câftellâ, Marcharão grande efpaço, 6c quando não Poderão deícubriíla, ou finais delia Conhecem que ou Nunalures íe enganara, Ou fora ardii de guerra que inuentâra.
Quç
CANTO iir; le
Que era entre todos ja cão conhecido Polia tenção â ôlguá náo muito aceita. Que foy de qaafi todos entendido, Que então dâqueUa aftuciâ fe sproueita^ E do temor de muitos reprendido. Por onde Nuno os corações lhe efpreita^ Mas na fua tenção firme & conílante, PaíTou polia vanguarda 6c íoy diante.
E hindo ja dos pendões muito apartado Com aquella fantaftica alegria, Vio hir por hum outeiro aleuantadoj A gente que diante sppareciâ> Facilmente entendeo ler enganado] Do coração, que aquilio lhe pedia, Ficou de ícuíentidoquafi alheo Com o pejo deftc engano, & deftc enleo^
Como homem que fonhou qualquer ventura Que vc que o bem diante lhe spparcce Quando quer o dcfcjo lhe affigura, E tudo a noite cfcura lhe ofFerece; A corda,- Sc cfte engano, que inda dura Jvioftra que aquilio mefmo lhe acontece Ate que ja configo íc enuergonha, Vendo que eftâ dcfpcrto, ôc que inda focihal
Afsim fe via Nuno o valerofo
No engano cm que o animo o pofera:
Mas a vergonha o torna tão furioío.
Que fò com hum campo então fe combatera^
Do enganado, aluoroço, & cobiçofo,
Vingarfe no inimigo cm campo efpera,
E porque ao feu dcfejo tudo tarda
Se adunta muy longe da vãoguarda.
E 4 Nafellà
o CONDESTABRE DE PORT.
Na feUa ^ groíTa lança atraueíTada. E húa peíada fâcha à mão direita^ Leua do arção primeiro pendurada* Mais de efporas, que rédeas fe aproueita. Com a imaginação nifto occupada. Que traças entre fi? que contas deita! Que penfamentos formar que efperançasj Que aíTaltoí^i que ciladas í que vingançasl
Não tinha grande efpaço andado quando AtraueíTou a eftrada por onde hia. Sobre hum rocim cançado caminhanda Hum homem que ao paíTar deíconhecia,^ Bradoulhe ocaualeiro elle voltando Conheceoque dosnoffos eraefpia» As rédeas hum ao outro logo ajunta, Nuno do meftre as nouas lhe pregunta>
Efli Senhor refponde muy contente. Para vir a batalha apercebido Tãopoderofodearmas, &de gente, . Que tem as noíTas poucas mao partida,' Traz hum filho tão deftroA tão valente Que o vence ja no animo arreuido. Com o qual vem grão poder de gente armada Voluntária) efcoIhida,& esforçada- .
Efte a prefla a batalha deíejofo, E o pay efpera ao Lufy tano líFante, Filho de Inês & Pedro o juftiçofo. Que dece em fcu fauor forte, & arrogante^ La viuireis Senhor pouco ociofo, E a Deos, quemereleuâhiradiante, Elle o defpede, & paíTa alegremente, Qje em todos os perigos bem confcnteí
Mas
CANTO III. ir
Mâs não lhe auco afsicn como cuidaua. Erra a conta, que faz dentro em Teu peito. Que a batalha do meftre que eíperaua. Polia mefma razão nào teue effeito. Que quando ao noíTo exercito chegaua O que eíla noua deu cão fern proueito. Contra os que oufadâmente íe aparelhão, Os Capitães em Eluas fe aconíelhãu.
Diuididos ali por vários modos No parecer da guerra ja differem, Na voz comum batalha querem todos> Mas os que mandar podem fó não querem^ Armaosfoldadosgricão: d^cntre todos Sae húa voz. que diz, que nada efperemj Mas em vão fe defuelão nefte intento. Que o general não tem tâl penfamento*
Dali para as fronteiras fazem volta. Ia efquecido o prazo da peleja, E neftaconfufaô,neftaagoa em voltas Algum alcança aquilo que defeja, O Pereira com muitos na reuolta Gritão ardendo em ira que não feja Tão poderofa á noua recebida, Que troquem a honra, &: a fama polia vida
t;ão muy pouco ouuidos nefte enfejo.
Que quem pode mandar, não quis batalha, A muitos valeo pouco o feu defejo, Em que o defejo as vezes muito valha, Nuno ve que o temor de algús fobejo Seu vâlerofo intentoja lhe atalha. Imagina outro modo de honra fua. Com que a daquella empreza reftitua.
Lana*'
o CO KDESTAEREDEPORTJ
Lembroulhe então do cfpia o que concaua De dom loão de Ozores o guerreiro. Filho do Meftre a que elle tanto smaua* E tinha cm Bads joz por feu fronteiro. Secretamente, logo imaginaua Mandar de Portalegre hum mefagciro Defafiallo, a prazo concertado. Ou {ó, ou de aigús feus acompanhado-
De terminado em fim as rédeas vira
Com o valerofo irmão ( que defcontcntei Também do mao fucceflb fe partira. Porque trazia intento diíFercnte ) Logo em chegando a noite fc retira Com o defenho que traz, impaciente A cam efcreue, efpera o nouo dia, Qne quem tais anciãs tem, vela, & vígíaJ
j
CAN
?8
CANTO IIÍI
BlRey dom Fernando fábendâ O defâfo de Kand- ureso impede. VemfobYe LisboahuA Armadei de C Af- ie lU et ReyfâJ^a, as Urras d' entre o Tejo^ á* Guadiana^ para offerecer bâtaíhit ao inimigo , (^ detiCA por defen- for da cidade o Prior dom Pedr alues Pereira com f cus irmãos: Dom Nmdures ordena hm cilada aos da ar --^ wadaCuJteSanA.
IA efcondido o'lame das eftr el!as, Sc ergue d^entre as ondas prateadas De Dafne olouro amante, 8c deixa nellâs De ícus rayos as fombras debuxadas: Ia fe moftrão na terra as coufas bellas, E as aues de mil cores eím^ltadas Com innocente, alegre, &: vario canto Feftcjão a noanhã, que eftimão tanto»
Quando o Pereira oufado fe alcuanta Contente de cuidar no fim que efpera, E hum dos feus que entre os outros fe adianta Qae elte na prefunção logo efcoihera. Manda a preíTa chamar: mas não fceípantâ O criado de ouuir o cfFcito s que era Antes com aluoroço toma a cartSj E a feu fenhor aninha antes que partaí
Era
OCONDESTABREDEPORT.
Era pouca diílancia a que partia Os fronteiros chegou , deu fcu recado, Abrio o moço a carta, que dizia Com brando termo, humilde, & confiado: If luftre capitão cuja oufadia, E valor he no mundo tam íouuado. Que o que vos náo eftima, & vos não ama S erà de inuejá íò de voíTa fam^.
Eu hum foldado honrado, cobiçofo De fer nefta fronteira conhecido Onde eftou a meu pefar tam ociofo,' Comofou para tregoas mal íbfrido; De voíTo nome claro, & valerofo. Que me tem dante mão quafi vencido Obrigado; defejo de mais perto Proyaroquetem todos por tam certo*
Em campo, ou feja igual, ou diíFerente Moftrar quero o valor de minha efpada Com vofco, ou fô por fò, como valente. Ou feja dez por dez numa cftacada. Se defte meu defejo foís contente. Pois faltar não vos deue gente armada As armas me afsinai, o campo, o dia Que eíTe terei fomente de alegria.
Defejofo de nome o Caftelhano, Que era de animo illuftre, & leuantado, RefpondeaomeíTageiro Luíytano, Q^ cftà para a batalha apparelhado. Hum fica alegre, o outro volta vfano. Por trazer ao fenhor tão bom recado^ Que de deg contra dez a briga aceita; Cá da hum de íeus amigos íe aproueita;
Porem
Canto iiii: 39
Porem fc na primeira occafino Não pode executar efta vontade O famofo Pereira; porque entio Ouue nos capitães contrariedade, Ncfta achou mais pefada a fujcição Que de todo lhe tira a liberdade. Que o Rey do deíafio teue a noua, E cfcrcuendo ao Prior o campo eftroua^
,Manv3a que efte combate logo impida
Porque cíle em algum modo o não confente,' E com o irmão que às armas fe conuida. Para a corte fe parta em continente; Bem conhece o Prior quão mal fofr ida Será de Nuno a noua diíFerente, Masporferuir ao Rey como Ihedcue» Defpedillo procura em tempo breue.
O irmão que ja tem todo o concerto
Que para aqueila empreza lhe conuínhaj Eque defeja o prazo ver mais perto Por moftrarfeus intentos miisafinha,
^ Tc ndo a licença, & campo por t* m certo. Como certa a vontade do irmão tinha Nefta cefaô com fizo & com respeito. Lhe dá conta de tudo o que tem feito.
E dizlhe enfim, fabeis que eftc começo He fenhor honra noíía que fe acabe. Não me tenhào por vil, de pouco preço Em quem esforço, em quem vâlornão cabe, Com noue companheiros me ofFereço De que eu fio que o imigo fe não gabe P ara que parta, và, peleje, & vença Falta feahor, & irmão voffa licença.
.0 Prior
o CONDESTABRE DE POR T;
O Prior lhe r cíponde alegremente VoíTo valor irmão conheço, & vejo. Mas cem efta obra o fim mui difFerentc Porque hoje impede clRey voíTo defejo; Eíle me efcreue, & diz que nâo confente O que eu mais eftimaua, & mais deícjo Que era defte fuccciro a ver vitoria, E dar aos Portuguefes nome & gloria»
Ficou o bom Pereira embaraçado. Tendo a noua razão por defconcerto, E cre que fò do irmão era eftoruadoj Por o ver do perigo cftar tão perto: No fero afpeito^ Qc rofto perturbado^ Efte íegrcdo eftaua dcfcuberto, O prior que a fofpcita bem lhe cntcndcjj Manifeftando a carta fe defende.
■Vendo então que do Rey era impedido,' E que por carta fua o eftoruaua, E que com outro intento não fabido A elle & feus irmãos chamar mandaua^ E que era entre os fronteiros conhecido^
, A ^orçoía razão porque faltaua, Difsimulando o fcu deígofto & pcna> Para a partida, a feu pefar, fc ordena.
Efperando do tempo outra mudança. No que o defejo ardente lhe pedia Se parte, com leuar falfa efperança De que o Rey, que o chsmaua omandaríaj
. Porem não acquieta, Sc não defcança, Com fofpeitar mil vezes que feria Fntão de feus imigos mal julgado, <;^ he mui efcrupulofo hym peito honradoí
Che;
CANTO IIIi: 40
Chcgí^rão a Lisboa os caualciros,
( Só Nunalures d'cntrc ellcs defcortcnte ) E o Rey que eftimar fabe a tais guerreiros. Os recebco com honra alegremente Com os olhos vagaroíòs liíongeiros, Lhe grangca as vontades igualmente, Beijâolhe a mão proftrados de giolhos, E a todos contentaua el Rey com os olhosJ;
£ voltandoos a Nuno lhe pregunta, Em que eftado deixara a fua empreza. Mas e!le ardendo as fobrancelhas junta • Errizandooscabellosdcbrauezaj A cor do rofto pálida, 6c defunta, A dos olhos de ardente fogo aceía, í O Rey que tão irado & moço o via^' Rifonho eftas palauras lhe dizia.
Que vos mouco Nunalures a eftc intento Nacido do feruor de voíTa idade? Que afronta; que vingançaí ou penfamento^ O coração vos moue, & perfuadc? Fazieis, por ventura, fundamento De dar a execução elTa vontade. Ou íabieis ò eíFeito defta minha, Que para vos poupar tão certo o tinha?
P valeroío moço lhe refponde
Mais na voz que no peito focegado. Que a paixão, 6c o valor que nelle efcondô Cada hum faz feueíFeito cuftumado: Não fei, alto fenhor, o como, & donde
. Mereci fer de vos tam maltratado. Senão he que com fer grande, & fobejoi Sòçor mim defmerece omeu defejo.
Nem
OC ONDESTABREDEPORT.
Nem cu naci de pai tam pouco ouíado Que bufquc por me honrar guerra fingida Nem dei moftras tégora de foldado Que faltâíTe u palaura prometida Nem deixara o meu pra2:o concertado Por pai, nem por irmãos, nem pola vida Senão por vos, em cuja alta prcfença Venho humilde a pedir noua licença*
O que me deu esforço Sc oufadia
Foi voíTa pretençâo, & o meu defejo Com quem teaho batalha cada dia Porque ja vos não íiruo, & não pelejo,' Poios impedimentos que la via, E pola obrigação que ante vos vejo Procuraoa moitrar efta lembrança Onde eu foíTe o fenhor da minha lanea.
Lembrauãomc as mercês que rccebeo
De vos meu pai & irmãos com hora, Sc renda E que deixando a terra polo ceo Seruiruos me deixou por encomenda. Não me defconheci, nem me efqueceo Que honra, nome, poder, caía, & fazenda Vos ma deftes fenhor, que tudo he voflb Que eu nem quero negar, nem menos poíTo.
Sei bem que por feruiruos vifto, & trago Eftas armas pefadas, & ociofas. Sei que eíTe meftrc vão de Santiago OfFcndc as voíTas quinas poderofas. Sei que tem feito, & faz continuo eftrago Nas terras de Alemtejo mais fermofas Qj^odo os voíTos não via accometelo £ae meo buícaua de offendelo*
Porque
CANTO IIII. 41
Porque Tei que defeja, eftíma, & ama Hum fílho que ali tem porfeu tronteiro Que entre nos apregoa a varia fama Por^deftro, ourado, ôc forte câuailciro; Eu com efte deíejo que me irflama De me moftrar vaíTalIo verdadeiro. No qual mais que nas forças me confio O mandei conuidar ao defafio.
Com tenção que fe a forte mal fegura Me moílraíTe vittoria da peleja Vos viogâua do meftre, que procura Ver nefte filho o bem que mais deíeja: E quando ali morreffe por ventura Poderá a meus irmãos deixar enucja Moftrando. que o menor com gíona tanta Em por por vos a vida íe adianta.
Eíle era airo fcnhor meu penfí^mento, Quefermalrecebido não merece ' Daime, pois he razão, confentímento; Para efte bem que a forte me oíFcrccc/ Nao cuide o inimigo, que o intento Com que me oíFereci ja me falece. Ou que queíxofo em vão para vos venho Bufcando os companheiros que ja tenho.
Deixaíme hir a bufcar efte inimigo. Que a voíTo nome ofFende cada dia, Nao vos ponha receo o meu perigo,' QuemaisaoCaftelhanofedcuia; ' Entre os noue dos feus, que traz configo: Oxalá venha o pay na companhia, (Permitta o claro ceo que ifto aconteça) ""u^ eu vos prefentarei delle a cabeça.
F ORey
OCONDESTÂBREDEPORT.
O Rey que via o moço que indinado Moftraua nas razoes^ no gefto, 8c rofto, Aquelle !eaí ânimo esforçado A codo o ri^co, Sc trance tão di fpofto, Com voz ferena o roílo leuantado Lhe diz, moftrando nelle graça, 6r goftoi SoíTegaiuos Nunalures que eu conheço VoíTa tenção, voíTa honra, Sc voflb preço»
A fc que me moftraes Sc a lealdade, Eu íei que he de vontade não fingida, Eya ( fe hum Rey merece por vontade ) Eu de muy longe a tenho merecida,- Sey que voffb valor, honra, Sc bondade^ Faz com que defprezeis a própria vida^ E me defejeis dar o rifco delia' A defle oufado mcftre de Caftella*
Coufa dina de vos, Sc que fe efpera
De quem íahio a hum pay tão valerofa^ Cujo confel ho, Sc braço o melhor era Para o cafo mais árduo, Sc duuidofo: Menos do valor voffb nunca crera, Qae dar fim a hum começo tão honrofa^ Nem cu efpero menos de hum criado, Que com tanta aíFeição tenho obrigadOc
O tempo vos dará fina! m/jy claro De quanto preço tem voíTo defejo, E nenhum me fará que feja auaro Da honra^ Sc do lugar que vos.defeja,' De voffb animo forte, iliuftre, Sc raro Muito mayores coufas finto, Sc vejo; Nefta agora porem em que eftais pofto; Eftà voíTo querer contra meu gofto*
Epor^
CANTO íiir: 4-.
E porque efpero cedo aleuantaruos
Em cargos de mòr pszo, 5c de mais contâg
Nao quero facilmente auencurar uos
Em couía que a meu Reyno pouco monta;
E quando voflb Rey mandou chamaruos
Faltar ao prazo em nada vos afronta.
Outro tempo auerà, outra occaíião
Em que ante mim moííreis voíTa tenção*
A feu pefar Nuoalures conuencido Moftra que lhe obedece, mas procura Por todos os caminhos feu partido, C^ue nenhuâ deículpao aíTegura: Como imagina, èc cre que efta perdido^ Tentapor vários modos a ventura, E de quantos inuenta Sc confidcra. Só nefte meo achar ventura efpera» ^^
lunto com os fortes muros da cidade Eftà hua groíTa armada de Inglaterra^ Que por liança antigua, &: irmandade,' Vem à ajudar aos noflbs neíla guerra, Gente traz de valor, honra. Sc bondade^ Com o conde de Cambri da própria terra Que por general vem da frota Ingreza, E occultamente traz mais alta empreza.
Entra num barco Nuno o deftemido, E bufca o conde Aymon muy confiado> Do qual foy brandamente recebido, E do bom Condeftabre agafalhado. Era delies amado, Sc conhecido. Por animofo, nobre, Sc bom íbldado> E tinhão j 4 noticia da peleja, Qu'o Rey lhe impede, 5c elle em vão defejaJ
E * - Eauor
OC ONDESTABREDEPORT.
Fâuor lhe pede nefta occaíiãó,
Qje comfeuRey ih3 valhao eftrangeiro,
Nao ouue mifter larga informação,
Qjie betn conhece o Conde o cauaIeiro>
OíFereceíhe a fua interceíTaõ,
E ferlhe em a batalla companheiro^
Ia o batel armada defáferra,
Salaáo trombetas, faltão logo em terraí
Porem pouco importou toda a valia Do valerofoingres, que não faltaua. Que o Rey daquelle intento o diuertía. Dando a ^a^ão que a Nuno mais honrauaf Dizlhe que auenturrallo não queria, Q,ue para mores coufas o guardaua, Que era menor a honra, que o perigo^ Que podia tirarfe do inimigo.
Ficou cada qual delíesfatisfei to De conhecer o fim defta vontade, E o Rey cobrou de nouo mor conce ito Daquelle esforço feu, honra, & verdade. Só Nuno andaua trifte, & no feu peita Soípira pola amada liberdade^ Que a valeroíos ânimos fe acue E chama venturofo a quem a teue«
Ah, diz, vil fugcição, que tanto obriga Hum coração leal forte animoío^ Rigurofa pnfaô, baixa inimiga De qualquer peito iUuftre, Sc valcrofo,* Sempre dos fabios foi fentença antiga^ Que o ouro menos vai ao cobiçofo Q^e ao forte a liberdade, cujo preço Eu por meu dano agora ja conheço»
Se
CANTO IIII. 43
Se í\ Aníbal por forte acontecera Obedecer a hum Rey defconfiado Seu animo immortal que lhe valérâ,' E fer cal capitão como foldado? Nem os Alpes com fogo desfizera, JSIem Roma por feu mal o vira armado. Que quem a outro querer viue fujcito Qual he feu capitão tal he feu feito*
Mal Leonidas forte, & valerofo
Com quatro mil dos feus fe auenturarà
A aquelle feito agora tão famofo.
Saindo com a empreza que tomara
Mal de Xerfes o campo numerofo
Num eftreitolugar desbaratara.
Se outrem, queorifco, 6c trance mais temia
Lhe poderá atalhar efta oufadia-
Que vai efte defejo que me incita? Efte valor, & esforço que me monta? Se onde eíperei ganhar honra infinita Quem me deue|animar, cíTe me afrontai Mas^o bom Macedónio me^acredita Que tinha hú Campo armado em menos cota De Leões, fendo hum ccruo capitão Do que hum de ceruos fendo o Rey Leão.^
Ab braços Portuguefes tão temidos.
Quem qual a mim vos prende, & vos acanha? Que de hum rcceo vil andais vencidos. Não ja deífes leões da braua Hefpanha, Ajudâime famofos, 6c atreuidos. Vamos liures entrar na terra eftranha. Não bafte o Rey que agora nos gouerna^ A que percais no mundo a fama eterna.
F 3 Mas
o CONDESTABRE DE POR T
Mâs em quanto efta dor no peito encerra, • O Rey noutros defenhos occupado. Ajunta a flor da Lufytana terra. Para nas de íoão moftraríe arniadoa Ia por todas as partes foa aguerra. Tudo cftà de tambores occupado^ Ia mauem as luftrofas companhias, Por oode o Tejo efpalha as ondas frias»
Ia marcha a gente Ingr eza de Lisboa, E o conde de Cambri general dcila. No pendão por diuiía hua coroa. Que o irmão Duque afpira a de Caftella^ Não fe ve defarmada hiia peíToa, Polia praya do Tejo rica & bcila. Em Santarém delcanfa o Rey Fernanda^ E de barcos faz ponte ao Tejo brando- ^
A cidade ficou com força, Sc gente, Que defendeíe os muros, 3c os GubeIIos>í E o claro capitão forte, ôc prudente, Gonçalo Mendez he de Vafconcellos^ Queindaq hum termo vfou muy diíFerenÊe Era que mais não tratou, que em defendellos Seu peito de valor, & esforço cheo Ia aiâis íe fujeitou ao vão rcceo*
Eis que partido o Rey*tjefta vontade Húâ poíTante armada de Caftellâ, Lançando ferro ã vifta da cidadej, Trata por mil caminhos de oíFendella- E com húa tomeraria liberdade, Qneima os burgos d'AImada 5r de Palmela O.i PaíTos de Enxobregas que ei Rey tinha, Frielas, VilU nouà da Rainha»
Bem-
CANTO IIIi: 44
Bem intenta o pouo Lufy tano^ Liurar os arrabaldes defta offcnCa, Se o capitão por falta ou por engano. Lhe não tiuera as armas, & a licença. Te que fintindo a terra o grande dano, Reuolta em confufoés. 6c em diíFerença Fez fabedor ao Rey do que pâíTaua, Culpando ao Vafconcelios que a guardaua?
Fernando de honra, & de ira commouido O capjtâo tirou como índinado, Efcolhendo o Prior forte. & temMo, De fcu^ claros íroíiãos acompanhado. De qoem vrn ji por obras conhecido, Q ce alem de eftar fegura em Teu cuidado A cidade de aíTaltos temerários, Amaníana a fúria dos contrários.'
Chamar manda o Prior que perto cftauaí A quem logo dcfcobre cita vontade. Como com fcus irmãos elíe o mandaua,^ Por defenfor Sc amparo da cidade; Em quanto as férteis terras fe pâíTauaj <^e Sertório habitou ja noutra idade, A^ór em armas as gentes que taõ cedo Fc2 rccufar as armas o Azeuedo.
E aíem de fundar nclle a confiança, Manda que aféus irmãos leue configo Em cujo esforço tem certa cfperança, Q^ a cidade detendão do inimigo, Poiscomamjitoeftreita vczitjhai ç-;"* A punhra c^da dia em grão perigo. Trás ifto I he dà 3 ordem & rJ maneira Q^ hade tcf Qogouernoo bomPcreirar
F 4 O^ríor
OC ONDESTABREDEPORT.
O ^rúir dom Pcdralures, que da fama De léus antepaíTiidos não fe afafta, E quer moítrar ao Rey que o honra, & ama Seu esforço, 6c valor a quanto bafta^ Aos irmãos valerofos logo chama Pofto que nifto o menos tempo gafta, O mandado do Rey 1 hes manifefta Noua a todos os feus de gofl:o> Sc fefta«
Beijão a mão ao Rey no mefmo dia Armados os Pereiras vâleroíos, E partem nefta amada companhia Igualmente contentes, ôcanimofoss Duzentas lanças fâô> cuja ouíadia Podem temer exércitos famofos Efcolhidos> guerreiros excellentes Todos irmãos^ vaíTallos, 6c parentcsl
Seis irmãos, que de Marte o fero jogo Armados exercitão de aço fino» Pedro, loão, Rodrigo com Diogo,, Fernando, Sc Nuno, entre elles o mais dínc^ Dous tios feus que a ferro, fangue Sc fogo Trazem o rey no Hifpano de contino. Que fâõ Rodrigo, & Aluaro Pereira E outros que do Prior cobre a bandeira*'
Ia fe apartão da villa, 5c com cuidada Vão caminhando ao lume de Diana, Quando hum correo ali lhe da recado^ AíTas alegre à forte gente vfana» Q^ae DO termo de Cyntraeftaua entrado Hum capitão da armada Caftelhana, Qne hia roubando os campos liuremente De mantimentos; gados, & de gente.
O quanto
CANTO JIIi: 4^
O quanto os aluoroça o meíTageiro,
Que tal noua lhes deu:^ quanto os conuidal Aluiçaras lhe dera o bom guerreiro, Qjea noua mais eftí)na,&:íriâisduuida,- E tomando o caminho que primeiro Os guia aquella parte conhecida, Manda o prior da gente aíTas oufada Lançarlhe no cammho hua ciiadaJ
Porem os defcuidados corredores,
Q^com a preza eftão no campo alheo Sem ter dos miferaueis lauradores. Nem piedade algúa, nem receo,- Quando dos Portuguefcs vencedores Sentirão o tropel, de esforço cheo. Por faluarem d*entre ellcs liure a vidai Poícraõ o remédio na fugida*
Erão mitos porem tam pouco oufados Que nem rofto tiueraõ ao perigo, Deixaõ as próprias armas, deixáo gados Porque vão tendo o paíFo do inimigo $ Mas quando mais feguros, & apartados Entaô acharão perto o feu caftigo Que dando na cilada que os efpera Cada hum fe arrependeo do que correra?
Só aprifaô de algQs que eftão feridos A rigurofâ morte então lhe eftroua, E fe algus efcapàraõ vaô fugidos Leuar triftcs aos feus tam trifte noua,' Os Pereiras tam fortes, tâm temidos Que não tem por eftranha aquella proua Entrarão na cidade ja triunfando, E logo a noua foi ao Rey Fernandoo
Log)
o condestabredepôrt:
Logo O temor entrou, logo a cautela Na Caftelhana frota, Sc nâ cidade Mais hure a confiança de oíFendcIa, Podendo accometer com liberdade,* Eícaramuçâs ha da parte delia, Qac os imigos ja vem de má vontade' Qoe a que trazem de guerra os bõs Pereiras Lhes tége cm fangue as lanças^ Sc as bâdeirasj
Os noíTosPortuguefes vencedores
Com recontros, & entradas que fazião Dauão animo aos feus, dauãolhe cores^ ^ Qne ja outros no afpeito parccião; Ouuindo o fom guerreiro dos tambores Todos aluoroçados acudião Com armas & vontades à peleja Mouendo os corações honrofainuejaí
Nuno Alures porem não fe contenta Deftâ fraca vingança, que tiucra Mil deíTcnhos na idea reprefenta. Para ver do inimigo o fim que efpera:" Bem tomara paíTar qualquer tormenta Com que hum ái^ió lhe amanhecera Em que fentiíTe o brauo Csftcihano De feu braço, & valor notauel dano»
.Tomou de parte hum dia afeu cunhado,' Que Pedro AfFonfo do Cafal íe chama," Causlleiro nas armas muy prouado Mirido dehúairmã que elle mais ama,'' Por fiel o conhece, 6c por oufado
, Cobiçou t3mbem de nome & fama, Defcobrelhe odefejoque trazia, E o que mais lhe iníinaua â fanteíiâf
Diz
CANTO lííi: 4^
Diz que determinaua'occu!tamencc Lançar ao outro dia húa cilada Ao imigo que às vinhas Iiuremente Vinhaofruito colher de madrugada: ] Conta que tem para ifto pouca gente
- Mas de armas, & vontades apreltada, Que por qual lhe conhece a natureza. Folgara de o leuar na mefma cmpreza^'
Refponde o do Gafai, que muito cftimà Lembrarlhe para hum feito tão honrofo? Ia fc abraça com elíe, ja fe anima, Ia fe antecipa hum fim muy venturofo, E porque no excrcicio defta efgrima Elíe não fofre eftar muito ociofo Ia vai tratar de arnês, couraça, ôc marhaj Prcguntandolhe as horas da bataiha»
Porem não madrugou como conuinha,' Oo por querer icuar outros configo. Ou porque a forte entaô guardado tinha Para Nunalures fò tanto perigo: Mas de tal modo o ceo tudo encaminha A quem he de valor, & d'honra amigo Que tarde a tempo vem tam defejado Que deu vida, & focorro a feu cunhadq.
Elle que armado vela a noite inteira, E eftâ medindo as horas c'o defejo, * Qualquer piqueoa cítrella que ligeira
' Fere as ondas que efpaíha o mar no Tejo; Da manha lhe parece a luz primeira E chama os íeus, que com feruor fobejo Ofaborofo fono deixão logo Por ir exercitar de Marte o jogo.
Ecom
ocondestabredeport;
E com quanto inda a noite fe adormece Sobre os braços da terra reclinada, E qualquer luz de eftreila que apparece Nào dâ fina! dâ aurora defejad^,- Hum com cobiça as horâs defconhccc Outro reprendc a leue madrugada Mas todos íe armão logo diligentes, Aluoroçados, firmes, &;contentes.
Em quanto fe arma a gente, 5c fe defuela O tenro capitão ja por cuftume, Faz deuotâ oração a pura eftreila De quem naceo o íol que he noflb lumej Só quer leuar configo o fauor delia Para entrar na batalha, pois preíume, Que fò com feu fauor vencer podéra (Quanto rodea o foi na nofla esfera.
Depois com vinte & quatro de cauallo,' E trinta homés de pè que armados tinha
^ A horas que ninguém poíTa encontralo Para a ponte de Alcântara caminha, E fem fazer com os guardas grande abalo Porque ao íecreto efFeito lhe conuinha Entre hús barrancos altos embrenhados Se encobrirão nas vinhas com os valados.
Ia do foi os cauallos corredores Vinhão tirando o carro do Oriente Soprando a noua luz, Sc dando as cores A verde terra, 6c mar refplandccente; Quando os noflbs guerreiros vencedores Que vigiando eftâo a incauta gente Vem a bordo hum batel6c antes que faya ' Vinte foldâdosfeusfauaõnapraya.
Mais
CANTO iiir: 41
Mais vinhão para o furto concerc ados» Que para pelejar eftes guerreiros Dearnezes, Sc de lançasmalarmados^ Sópara fugir bem, vemmais ligeiros: E inda nifto nào faò pouco auifados, Pois contra os vinte & quatro caualleiros l^ão tem outro remédio mais íeguro Que porem contra a morte o mar por muro^
Deites depois que entrarão, ledamentô Do fâbrofo fruito cobiçofos Andâua cada hum ledo, & contente, Colhendo os roxos cachos íâborolbs: ' E o forte Nuno efpera que mais gente Da armada faya áquelles de inuejofos Com tam poucos nâo quer perder a caça. Antes na vinha os deixa por negaça.
Porem depois que vio que outros não vinhão,' E eíTes poucos das vuas carregados Para o batel contentes encaminhão. Arremete Nunalures aos Toldados: Osfcus trasdelle então não fe detinhão
- Com impetu>& furor defatinados Atras dos Caftelhanos vão feguindo, E elles vão dando vozes,& fugindo.
Não entrão no batel que tem defronte. Para remédio ás ondas fe lançarão, Qoe temem ver a barca de Acherontc Se em tão eftreito paíTo fe embarcauâo: Saluârãofe na armada, que efta ponte PaíTâraõ, a feu rifco, os que nadauão. Outros debaxo da agoa fe efcondèrâo De modo^que outras vuas não comerão.'
Re:
o CONDESTABRE DE PO RT,
Recolhe Nuno os feus no meítno pofto Praticando do falto, 8c da fugida. Zombando cada hum cem rifo, ôc gofto Do que comprara as vuas pola vida,* Hum diz que foi vinagre squelle modo Sobre o qual agoa tanta tem bebida, Outro diz que o nadar foi grande acerto Para quem ja fentiâ o fogo perto.
Em quanto e!!es zombando fe empregarão Em tríâtar dos guerreiros fugitiuos. Os que na frota a nado fe faluàrâo Ia com o perdido alento pouco viuos,' Seu mao fucceíTo em lagrimas contarão] E os capitães da armada vingatiuos Fazendo muy pezada aquella injuria. Enchem todos os feus de esforço, & fufíaJ
Sahírão logo cm barcos muy ligeiros Bem armados duzentos & cmcoenta. Fora gente de fundas, & beíleiros. Que em eíquifes pequenos arrebenta; E Nuno quando os vio vir tão guerreiros^ Que he o que mais o anima, dz o contenta Aos feus com alegria vira o rofto, E diz cheo de amor, defejo> & gofto.
Companheiros, 8c amigos valerofos Portugueíês leais, fortes foldados Ia não temos razão de eftar queixofos Nem de andar efcondidos, &: embrenhados; la vejo os Câftcl hanos ânimofosj Que virão ir aos feus tam maltratados. Vir com defejo á terra por vingança E acabar de comprir noiTa eíjperânça.'
Daí
CANTO iiii: :*&
D -lí lotjuores ó ceo que à vida temos E ja no campo a honra que bufcamos Não vos efqueça o intento que trazemos^ E a preza que efcondidos efperamos; Não cuidem que de os ver nos efcondemos Quando para os bufcar nos concertamos Em lugar da vingança leuem pago, Animo caualleiros, Santiago.
Vamos a elles, que eu ferei primeiro Em tingir efta lança, & efta cípada^ Deixaimefero voflbauentureiro, Que eu farei por entre elles larga eflradail Pois me tomaftes ja por companheiro Não me deixeis na empreza começada, Seguime ou por amor, ou por inucja. Que o noíTo nome eftá ncfta peleja.
Que fe ha na multidão dcfigualdade, He para ganhar nome o mor acerto. Que o numero não vai contra a bondade Como aos mais de vos lhe he dcfcuberto; Tempo he que executeis hoje a vontade Que contra elles moftraueis de mais perto^ Que do perigo mor, mais certa a gloria, E de mais inimigos, mor vittoria,
O vâlerofo animo & conftante
Se aleuanta, onde o fraco fe defmaya Pouca he a gente, &: vil que eftá diantej Pois não occupa a todaa branca praya, Defembarque eíTa armada tão pujante. Toda contra cftes poucos fe arme, & faya Tirarão com mais força os feus reuezes VoíTos valentes braços Portugueíes.
E nâo
OCONDESTABREDEPORT.
E não porque dos meus defconfiança. Tenha pára vencer fuâ oufadia. Deixo jade tingirem fanguealança, E alcançar a vittoria deite di?; Mas porque tenho amigos na lembrança Que viemosâqui de companhia, Faço de minha gloria menos conta. Só polia não comprar com vofla afronta»
Atras deftas palauras ccncertaua A lança, ja na fella fe aíTcgura, Alegremente a todos conuidaua Aprouaremasarmas, & a ventura, E vendo que nenhum fe auenturâua> Antes voltar atras bufca, & procura. As rédeas recolhendo, os rogos proua,' C^ue com razoes fem fruto lhes rcnoua»
Porem como o temor os fenhorea.
Vendo a multidão grande, que fe offerece,' Por mais que com razões todos grangea Nenhum para tal obra lhe obedece Cada qual olha o outro que recea, E fó a quem o esforça defconhece, Elle em ira ardendo brande a íança. Não fabe fe dos feus tome a vingançaí
Pede, roga, aconfelha, & ameaça, E em quanto fe detém nefta porfia. Os Caftelhanos vem tomando a praça^ Com grande grita, eftrondo, 5c vozaria, E tendo por ligeira aqueila caça, Correndo a qual primeiro chegaria. Vem bufcar a Nunalures que em feu pofto,' Sò ao inimigo tem virado o rofto.
Dos
CA^7TO lííL 4^
Dos ftus fe apartn,- ^ logo determina Morrer como valente pelejando. Porque tem por fraqueza, & coufa índina^ Voltar para onde o elles vão guiando, Só quer ter a batalha, fó fe inclina A acometer o e^peíTo, & fero bando, Aprouando o cuftume por feíudo, De trazer, ou tornar no meímo efcudo.''
CANTO V
Peleja Tímalures com or Cnsfelhâms junto da tome de AlcAntarA. El Rey dom Fernando recoihe as gentes das fronteiras adentre Tejo é' Guadiana, é' ajfentaftíi^ real entre ^has, ^ Badajoz aonde Nmalures de im- frêuifo ap parece porfe achar na batalha^ aquale (landa empr azada recufa o Rey Cajlelhano- Tàzemfe pazes morta a Raynha de Caftellafe trata o c^ameto da Prin-^ ceia dona Brites, em cuyas vodas acontere a Nanaluresi hua auentHrâ: Vajfe pêra, entre o Douro é* Mmho.don^ de com a morte dei Rey dom Fernando ^cm a fe achar vasfms oh[eqiihs: Mouemfe as alterações ^dr bandoria& fobreafucce/ãodoReyno. "
A Onde eftà conhecida a honra, & fama Poftoquea vida efteja pengoía. Não na íabe eftimar, quem bufca, Sc ama^ Entre os homês memoria gloriofa, Q^ no repouío em fim da branda cama^ E na vida do mundo mais fabrofa. Tanto executa a morte o feu caftígo. Como nâ mor batalha^ & mor perigo*
G Digá
o CONDESTABREDEPORT.
Diga o ferraofo Adónis fe temia
Algum perigo humano quando eftaua Entre as flores que a decfa lhe colhia. Em que os lafciuoâ membros reclinauâ, Ao foi fasendo inuejâ, adormecia. Ao fom da clara fonte que paflaua, Quando o porco ferox, & denodado, Eímaltou com feu (angue o verde prado^ ]
Quando com mor fabor sndaua à caça Aíteon defprefando a vida vrbana, E vio no banho a fermofura, S: graça,
• E a bellezâ dos membros de Diana, Tocado da agoa pura, que ameaça Aqueilâ culpa, que o deíejo engana, Em ceruo foi da dcoía conuertido, E dos feus próprios cães morto, & comido» '
Cómodo no banquete pereceo,
E Alexandre depois que o mundo abarca Cefar entre os amigos que cfcolheo. Depois que dtlle todo foi Manarcha, Se nenhum goílo enfim fe defrendeo Da dura, inexorauel, fera parca, Difcuípa tem, quem defprczando a vida Nos perigos não pos taxa, ou medida^
O noíTocâualIeiro que conhece
Quanto he o premio dellcs diíFerente Só com húa lança armado fc oíFcrece A aqueila multidão de armada gente, E o ceo que ja eítima, & Fauorece Aquelle fpiríto, Sc animo excelente Fez conhecer sos feus, &: a todo o mundo Seu esíof ço fem medO; & (cm íegundo.
Forte
CAis^To v: yo
Forte fobre os eftribus arremete A receber a gente que então chega,' E em íentindo as eíporas o ginete Ao perigo aíToito fe não nega,'
Por entre imigas lanças accomètc Obrigado da fúria incauta, S: cega Trifte do que efperou o encontro forte E lhe não vio na lança a própria morte.
Nem ds groíTa bombarda defpedido O pelonro veloz fez tanto dano No feguro efqaadrão, mal aduertido Que vai pifando a praya do Occanc; Como o forte mancebo deftemído Fe^ entrando no campo Cafteihano: Naquelícs rompe a lança, a que a ventura Tinha DO campo feita a fepulíura.
E leuando da efpada não vencida
Que os corpos igualmente, & armas trat^ Reuoluendoa com fúria fem medida Atropela, golpea, fere, & m^t^: " O que pode nos pè;> faluar a vida Efte remédio a ícu pefar dilata, * Q^ nenhum dos que o fero braço alcança De tornar a fugir cobra efperança.
Na multidão da gente queorodea Vai fazendo o cauallo larga eftrâda,' Correm fontes de Tangue polia área'
Voa a malha em pedaços leuantâda* Qualquer aguda vifta ali íc cníea Se faõ todos os golpes de húa efpada; ^as fò a do Pereira aballa, & fere QilS não ha auentureirc que lhe efpere'
OCONDESTABREDE PORT.
Bem fe acabarão fim defte fucceíTo Com lhe ficar o campo que deixauão,' Se não forão as lanças de arremcíTo Dardos, pedras, virotes, que voauão: O ar fobre Nunalures era efpeíTo Com os muitos que fobre elle fe juntauão Ncahum nas fortes armas faz aballo. Mas não pode valer ao bom caualio-
Por mil partes andaua mal ferido Polia pray a o íeu fangue fe reparte, A fúria lhe deteminda o fentido
' Com que voltaua a hua, Sc outra parte^ Té que de alento ja desfalecido O que tam bom miniftro foi de Marte No mòr aperto em fim daquella guerra^ Com feu fenhor, íe deixa vir à terra»
Cahe oTortugues forte, Be deixa preza Húâ perna debaxo do ginete. Quando o tropel da gente mais aceza Depois de o ver cabido o accométe: Mas elle que conhece delia emprcza O fruito que a ventura lhe promete Dali com o braço irado alcança tudo^ E o cauâllo o repara como cícudo»
Nem o foberbo Antheo, que cobraua Outra força mayor quando cahio^ Porque a mâi poderofa o fuftentaua. Se a feus braços Cos pés chegar podia,- Moftrou poder mayor, fúria mau brauá Da que Nuno moftrou naquelle dia QuQ mco fepultado em terra dura. Abre a quantos alcança a fcpultura^
Eítt
CANTO V. yt
Em quanto mais fc afcende efta per fia, E elle ofFendendo a tantos, fe defende Hum dos feus vinte & quatro que ifto via, , Aos outros companheiros ja reprende; Ah, diz, valente, & armada companhia. Que fraqueza fem cauía afsi nos rende! Para que morra aqui fem noíTo amparo Hum Português tão forte, illuftre, & raro!
Vamos ao foccorrer que ja me peza Da vida que fem gloria me deixou, Seguime ó, gente amiga Portuguefa Que eu figo ao capitão que me guiou; Nifto batendo os dentes de braueza Entre as imigas armas fe lançou Fazendo mil encontros na peleja Dinos de tanta fama, como inueja.'
Chegou rompendo à força do perigo Aonde ainda Nuno em terra faz bôtâlha E como bom, fiel, & forte smi go Com obras, & razõs íeu dano atalha. Matai fenhor.dizia, que eu me obrigo Que nem eíTa prifaõ em que cftais valha A multidão de imigos que o mar bota Que pouco he para nos toda eíTa frota»
O Pereira esforçado que ja achara
Quem feguifi:e cm tal paíTo o feu intento Dobra ospezados golpes; moftra clara Proua de fcu valor, Sc fufrimento: Bem moftra que fe o pé defenlaçira Tcuera em pouco tempo o vencimento Porem fomente os fortes braços muda Qiiando em foccorro o eco lhe manda ajudai
G5 A
o CONDESTABRE DE POR T.
A rédea foka vem tres caualleiros.
Que bem forão dos noíTos conhecidos A quem íeguem na praia £:<lgus guerreiros Com ameâças, gritos, Sc alaridos: Eftes rompendo as lanças nos primeiros Que eftauão de fugir mais efquecidos A Nuno Alares foccorrem nefte enfcjoi Que fempre o ceo valeo a hum bom deíejo^
Diogo AloresPereiraovâlcrofo Era, & Fernão Pereira o esforçado Irmãos do moço oufado> & animofop A quem o eítribo tinha embaraçado: Outro era o do Cafal, que cobiçofo De vir dos dous irmãos acompanhado Tardou ao prazo, Sc termo que pofera O que fò contra tantos fc atreuera.
Com elles toda a gente fe mouco
A ds Nuno, Sc dos outros que acodírão Pedras, virotes cobrem terra, Sc ceo, Que os que faem do mar ao longe tirão> Mas cadii qual dos feus tanto rompco Que o vakrofo irmão deíempedirào. Do perigo da perna magoada Trifte do que então proua a fua efpada*
Eis fe começa ali dura bstalha
Porque nenhum dos feus moftra defcudo A gente de Nunalures fe baralha. Que quer da honra perdida cobrar tudo; Contra elle nenhum ha que então fe valha Demalha^ decouraçâs,nem de efcudo A pè fuíleota a furia do concíhãtc^ Todos os golpes dà^ nenhum rebate,
Quaí
CANTO v; f£
Qiiâl o Lião de Líbia generofo Dos Bárbaros monteiros acoíTado; Que depois de fendo, 6c fuf lofo Engeitaa vida. Sc quer veríe vingadoí Aqui fere, ali maca, & de brauofo Buíca o mais defendido> 8c mais armado,' Deixa o carnpo à fugida deícuberto Corre aonde vc mais ferro, &c mór aperíoi^j
Afsi andaua o fero Lufy tano
Bufcando o Hefpanhol que mais lhe infiíle Como o rayo veloz que faz mor danno Ao que com maior força Ihôíefifte, Nenhum reues dos íeus fere de engaao Em cada qual a vida perde o trifte. Que não pode voltar o paíTo leue. Porque a fúria dos outros o deteue. ■
Hum valente foldado que então vinha Com muitos de foccorrc; liuremente Para o bom do Caía! logo encaminha. Que rodeado eftâ de armada gente; E vendo que ante fi mais corpos tinha Feridos ja por terra amargamente Com húa lança de armas que trazia Contra clle oufadamente arremetia.
Foi tal o forte encontro, que paíTou Huas laminas de aço, duro, & fino Por onde o ferro agudo refualou AtraueíTando hum jâco ja^crino: A lança feita em aípa lhe ficou Mas como o Português nâo perde o tino Rendete Cafteihano ouf^ido brada Meneando fobre elle afoite efpada.
G4 ' Mas
o CONDESTABRE DÈPORTj
Mas Nunalures que via o bom canhado ^ Sem fc poder liurar da imiga lança Imaginando que era atraueíTâdo Corre ligeiro aly para a vingança, E vendo que reíifte o bom foldado Com hum pezado golpe íe abalança A que elle íó com rogos fe defende, E cruzados os braços íe lhe rende.
Porem aquelle efpiritu generofo
Que não confente afrontas ao rendido
. Paífa adiante alegre, & cuidadofo Dando por prefo o que deixou vencidos Mas o íoldado ingrato, & orgulhofo Como liurc fe vio defempedido Outra vez à batalha torna acezo, E Optra vez de Nunalures ficou prcfo$
Fernão Pereira o brauo caualleiro A húa parte feria em roda viua Que de feu braço intrépido, Sc guerreiro Nenhum quer ja prouar a força eíquiua: Depois que o bando vil foge ligeiro. Hum atropela, hum fere^ outro catiua Ia a gente C^ftelhana fe defmaia, E os Portuguefcs vão tomando a praia»
Diogo Alures Pereira por vir tarde Procuraarrecadarcomoconuinha, Nenhum acha confelho que lhe aguarde Pelo deíejo, Sc preíTa com que vinha Mâs da gente que foi menos cobarde Algíis bem mal feridos prefos tinha Pedi^Affoofoquea lançâjâ arrancara Muito mais cara a dá do que a comprarão
O que
CANTO V. ^i
O que primeiro a Nuno focorrèra
Com tâm grande valor, que o fegue,& ama. Bem moftraua entre os quatro que podèra Entre tais pares fello cm voz^ da fama: E porque defta aqui faibais quem era, Vaíqueanes do Coto o mundo o chama De ordem íacerdotal, mas na cufadia Dala a bõs caualleiros merecia.
Dos eftremos que fez nefta contenda Nuno o premio lhe deu trás do louuor Qvic lhe ouue de Lisboa a mor perbenda E das habitureirasfoi Prior; Da Igreja, benefícios, clero, & renda Da antigua Mafra o fez Gouernador
' Que loane BiCpo illuftre que a fundara Eftas três dignidades lhe ajuntara»
Ia o campo fica líure aos vencedores, Ia entraô nos bateis os que efcapàraô A recolher fe tocão os tambores Os amigos, Sc as armas dcíemparão,- Os que fc alongão mais faõ os melhores Que os fracos por vileza fe atrazáraõ, Oa íoldâdos que vem à fua empreza Nos defpojos dos outros fazem prezai
Qual bèfteiro pião do braço leua Catiuoocaualleiro deíarmado, Q3I o elmo, efpaldar, o peito, a greua Qual o rico colar dehbrochado, Qjal ha deftes também que a lança ceua,' No fângu'^' ja dos outros encetado Moftrando o brííço vi! pouco £t''Cuido, Quanto corta húá efpada em hum rendido-
A:è
o condbstabredeport:
Ate as ondas os noíTos vão feguindò Elles cortão remando na agoa pura A vellas deípregadas vão fugindo E nem o mâr profundo os aíTegura; Os que íicaraõ prefos repetindo Queixumes vão também contra a ventura^ Ia o Pereira toma outro causllo, E outra vez pára os muros fas abâlO; .
Feita refenhâ aly de toda a gente Os feus erào prefcntes, & corridos. Nenhum perdera a vida, que íómente Algús trsEem da praia mâl feridos; Elle entre os bõs irmãos vai tam contento Como elles com razão engrandecidos Com hum fucceíTo, & rim tâm venturofq
' Inda que a todos quatro aíTaz cuftofo» ^
Dos muros da cidade os cíper aua A multidão do pouo que fe auiua Em vozes ao paíTar todo'bradaua Viua o forte Nunalures, viua; viua,- Com oprobios, Sc afrontas magoauâ A gente qu^ vem vir prefa, Sc catiua. Condição muito certa da vitoria, Que a defuentura de hus, hc d'outros gloria?
Mas deixemoio agora recolhido Na cidade contente, & feílejado Dos fcus com grande gloria recebido. Do pouo cm feita, Sc jogos celebrado: Porque inda cftâ da briga mal fendo, E do cauâllo, Sc pedras mui pisado. Vamos feguindò ao Rcy, que com defejo.' Hia pifando as terras de Aíemtejo;
Em
CANTO v; H
EmEluascom feu campo íe alojara,' E aly dâs froncârias juncar manda. Os que cm vários lugares eípalhàra Do Guadiana, de hua, 5: doutra bânda^ LugareSj fortalezas jâ repara Por onde o Meftre oufado fe defmanda^ Chamaosfeusa Confelho,& nenhum erra Que íeja húa batalha o fim da guerra»
Logo fe ordena aly para a peleja De prouimentos, armas, moníções Fazquem ordene, tenha, mande, 8c reja^
• Companhias lugares, 6c efquadrôes: Faz pagas, dá vencâgés, certa inucji De muitos bellicofos corações. Ao Rey dos Caftelhanos deíafiai Efaeíedâ viilaooutrodia. '^
Entre el!a &: Badajoz feu campo aíTcnta A vifta do foberbo Guadiana» Que na fombra das armas reprefenta Hum temofT nono â gente Cafteibana Ia de velta íoão fe defcontenta E a fúria ja dos ícus fe deíengana. Mas entre os torreados & altos muros Faz reíenhas, ôc alardos mais fcguros*^
E antes daquelle dia em que efperaua Fernando ver o imigo rofto, a rofto No feu real alegremente andaua Tomando moftras às geotes no feu pofto? Quando a vanguarda ouuio que afsi gritaua Com aluoroçoeftranho, &■ grande gofto Vinde Pereira oufado, vinde afinha Que os Caftelhaaos temos nefta vinha.
Fernaado
OCONDESTABREDEPORT.
Fernando àquella parte fe virou Por ver quem cauía foi deftâ alegria Hum caualleiro armado diuifou Com cinco, ou poucos mais na companhíaj Na poftura, 8c nas armas com que entrou TodoocampoaNunatures conhecia Q^ue fabendo de Alcançara a peleja Com tão nouos emboras o fefteja.
Longe à vifta do Rey com os íeus fe apca A vifeira do elmo aleuantada A multidão da gente que o rodea the dà os parabés daquella entrada: Também Fernando o teue em boa eftrca' E em íinal da vittoria deíejada Dos feus pès o leuanta ledo o rofto jMoftrandolhe nos olhos graça, 8c gofto^
E depois de louuarlhc honradamente O a que pollo fcruir fe auenturàra. Quando fem fauor da própria gente Copia tão defigual desbaratara Lhe agradecia acharfe ali prcfente, E crendo que o Prior niíTo o mandara Pregunta fe trás delle algum recado^ ENunorcfpondeoquaíiinfiado»
Não trago mais fenhor que efta armadura Com que ante voíTa Alteza me aprefento E eftes poucos foldados que a ventura Sogeita a meu querer, Sc mandamento: O Prior que de mim não fe affegura Para vir me negou confentimento Sem elle me apartei, 6c à frorça venho,' A pena agora eílou, fe a culpa tenho
Como
CANTO V. fí
Como msnor irmão, como fuge íto Lhe pedi que licença me oucorgaíTe Para que nefta empreza, cm meu direito Como foldâdo inútil não faltaíTe; E viíTe o forte Ozores, que o defeito Defte animo não foi que me eftrouaíTe De acabar o combate prometido,
- Mas, o de fer por vos nelle impedido.'
Negoume injuftamente liberdade
Sem que meus juftos rogos o obrigaíTem Pós maior guarda às portas da cidade Mandoulhes que íahir me não deixaíTcm: Mas teue maior força efta vontade, Que as que podia auer que ma eftôruâflem,' E afbi de noite eu fô com minha gente O poftigo arrombei de Sam Vicente.
Nem dos guardas a força. Sc refiftencia, Nem o mandado feu mais força teue Que pára acrecentarme a diligencia E atalhar a algos meus que aly deceue: Se cila culpa merece penitencia. Ainda que vifta a caufa, he culpa leue Dâime agora fenhor delia o caftigo> E íeja na batalha o mor perigo*
Se dos Reys a palaura nunca efquece, E inteira a guarda ícmpre o jufto Rey,^ Agora alto fenhor fe me oírrece. Satisfação da empreza que tomei, Sc nefta agora o ceo me fauorece Diante voíTa alteza moftrarci Ao Mçftre, & a feu filho, rofto, a rofto^ ' 5^e muito a meu pezar fiz voíTo gofto*
Defta
o CONDESTABRE DE POR T;
Deíla minha vontade cobíçofa
Mandaftes que ante vos moftraíTe o preço
En^. bâtâlhâ importante, & duuidofa,
Qual he efta a que agora me ofFercçc;
E pois cftâ minha honra perigofí?,
E a vos como a meu Rey temo, & conheço
Como ta! permiti que aqui fe apure
E alguém de meus princípios não mormure»
Não foi mais a diante o bom Pereira Por vfar ante o Rey termo, & rcfpeito, E Fernando que o ve deíla maneira Cada hora deile eftà mais fatisfeito; Dâquellâfèconftante Sc verdadeira Daqueiíe forte braço, &: leal peito Bem crè que tudo acabe, & tudo vença] Dal he o louuor, as graças, 5c a licença»
Nuno lhe be ja a mão neíle concerto E cfperando a batalha fe defuela, E!le contente efta pola ver, perto E muitos defcontentes que haò de vela^ Vai nalgús corações mui grande aperto Defanimaíeagentede Caftella Que à viftâ da batalha concertada Então parece a paz bem aíTombradaí
Chegado o prazo ja aos contendotes Em arma o campo eftá dos Portuguefes Defpregaõfe as bandeiras de mil cores Veftemfe malhas, laminas, 6c arnezcs Os pifaros, trombetas, &atambores Fazem ecco nas agoas que mil vezes Se encrefpaõ com o rumor que'o duro Marte Yaí efpalhando de húa, & doutra parte.
Mas
CANTO v: ?6
Mas loão que duuida ncfta empreza Sâhir afuaparte auentajada Porque conhece a gente Portuguefa Qae alem de valerofa he magoada, E recea o valor da pouca Ingrcía Que com a noíTa eftá confederada A batalha emprazada ja recufa Que nunca a quem falcou, lhe falta efcafa»
Nifto os grandes tratauão por fcus meos A liança entre os Reys defconcertados Otj pola obrigação de feus receos,; Ou pola de fieis, & acautelados Por occultos recados, & rodeos Que em hum real, Sc em outro crão tratados Sufpcndefc o combate atè que feja Deliberada a paz que fe defeja.
Enfim com condições não mui decentes loão aceita a paz temendo a guerra Reftituindo os roubos iníolentes Ou polo largo mar, ou pola terra, E dando às eítrangeiras fortes g ^ntes"' Nãos em que poíTaõ ir para Inglaterra Sem diíTo terem fretes nem falarios, Pezâdâ condição para contrários.
Trás ífto o Caftelhano vai tratando Que câfaíTem Beatriz h*rjdâ donzella Filha vnicâ do Rey, remilTo, Sc brando' De Portugal herdeira rica, 8c bel ia: Com feu filho fegundo dom Fernando
, Que não herdaua os reynos de CafteHíi Porque o Rey Portugeus não quis prhiaezro O que dos dous citados fica herdeiro^
Nãé
. ocondestabredefort;
Nao contentaõ as pazes aos íngrefes Nas C^itelhanas nãos fe partem logo Agguarados do Rey que eiB tantos mefcs Os trouxera enganados como em jogo, Q^uccomobraço,&: valor dos Portuguefes Qucriâo por Caftella a ferro, & fogo Mas vendo as amifades, Sc liança Não querem mais com os noíTos veíinhança^
Ia não trataõ do bellico apparato
Os aduerfarios Reys, antes de aíTento Dâõ com{)rimento ás forças do contrato A que tem dado ja ccnfentimento Ambos cuidão que compraô bem barato O defcanço, com leue fundamento. Contente cada hum íe torna, & ledo Hum a Rio maior, outro a Toledo.
Mas pouco o Rey loâo fe detiuera Na cidade real que o Tejo banha Quando a Raynha em Cuelhar fallccèra Com fentimento,&: dor de toda Hefpanha Em breue tempo a perda recupera O que nella não fente a dor tamanha Qoe logo ao Português legados manda Noutra para ellc aflas doce demanda»
Procura confirmar nçua amifade
Que feja herdeiro, Sc genro de Fernando Em lugar de feu filho a cuja idade Conumha eftar mais annos efperando Líanor que ja tinha efta vontade, E o Rey que era mudauel, leue, Sc brando Confenre nella, o outro jafe aprefta, E a corte fe desfaz em gofto, àc fefta.
Os
CANTO V. yj
Os guerreiros tambores que incítâuao As íuítrofas, & armadas companhias Ia com fom diíFerente fe tocauão Pára contentes jogos, 5: folias As canoras trombetas celebrauão Pa?.es, contentamentos, 8c alegrias As armâS, os cauaílos, & os arrcos Seruemdecanâs,ji{ílas, 5c tomeosí
Mas cada hum dos Reys vai contra o que deuc Contra os tratos jurados que er5o dantes Que a Princcía innoccnte viuos teue Por maridos hum Duque, & três IfFantes: luíga ifto o Rey loão por culpa leue Qne a cobiça as não faz muito importantes E Fernando nãotempormsrauilha Procurar muitos genros a hija filha*
Ia nos vefinhos reynos fe pubh*ca O câíamento, ja fe alegra tudo A Câftelhana gente alegre fica Mas trifte em Portug-ii qualquer fefudor Se hum ao goílo do Rey & amor fe aplica Outro anda em confuíóes furpenfo,&mudo Temendo a fugeição do jugo alhco Que lhe antecipa em fombras o receou
Cada hum configo em vão tem diíFerença Mas loão encurta prazos ao concerto Que fuGcede a Fernando húa doença Q;ie ^faz eftar da vida muito incerto: Eis que a Raynha incauta fem de tença, 0:^6 pós o reyno fò em tanto spci to Para Eíuas leua os grandes, Sc os do pouo^ • C^ueguct jurar ao Rey Príncipe nouo.
H loânc
o CONDESTABREDEPORT,
Icane a Badajoz alegremente Ve m aonde logo as pazes faõ juradas Que como fe ordenarão facilmente Lí^uemente depoisfor^õ quebradas; E ainda que enfermo o Rey ficaua aufento Nâo fiitâô cerimonias cuftumadas Nos reaes defpofouros que Leonora Melhor as ordenou, que fe o Rey fora^
Odiado maior contentamento
lunto à mefâ delRey da mão direita
( Fora muitas que tinha o apoíento )
Outra eítsua mais baxa, ôc mais eílreitai
Aondepor fcfo, &por merecimento
Que fempre em tais lugares íb refpeita
Tirihâo muitas aíTentos afsinados
O s de hum, & doutro reyno mais honrados^
Nuno Aluares entre elles lugar tinha, E o vâlerofo irmão Fernão Pereira Por ordem mindo, Sc gofto da Raynha Que os cuftumauâ honrar defta maneirai Purcm ccmo a vontade com que vinha Nio era em nenhum delles mui ligeira C hegão tam tarde a!y, que os dos âffentos Nem lugar querem dar aos comprimentos»
Succedeolhes de modo que chegarão E nenhum para ouuilos volta o roílo Antes com os olhos baxosfe inclinarão Cada hum muito arrogante no feu poílo; Mas aíeupezar logoos ieuantaraõ E schàraõ na comida pouco gofto Qae Nuno do jantar fez pouca conta Mas pagoulhe o dcfprezo com húa afmnta^
Perto
CANTO v: ^8
Perto da mefa a elles fe chegou
Nenhum de!lesfâllou,ôc a nenhum falia O feu pc nos da moía atraueíTou, E deu com elía em pezo fobre a fala; Ao grande eftrondo o Rcy íe leuancou, E toda a gente àquellâ parte sbala. Mas Nuno com o ii mão de eípaíTo volta Sem fazer conta algua dareuokâo
Quem vio j a neftes jogos cuftumados A que mais» ledo o pouo fe conuicía Cahir entre os níonhos defcuidados Apedra que de lunge vem perdida; Que todos feruem logo leuantados Olhando o que feaqucixada ferida Efpantado cada hum deita arte vira Sem íe ver mais que a mefa que cahíraí
O Rey bem defejou ao defacato Dar em publico aíy togo caftigo Mas porconfelho então teue rccâto De não por ajuftiçaemmòr perigo; AíTcntou que era o preço mais barato Dif^imalara ofFenfa fò confígo, E informado da cauía queomouèra Menos cílranha^oeíFeito que fizera.
Quem por fatisfazer a fua ofFenfa
( DiiTc o Rey ) pós a vida em tâl perigo E teue cm pouco èqui minha prefença Muito mais teme afronta que cníiigoj Muito «treuido foi nefta Hcença, Mas de honra deuefer mui grande amigo E o que por ella a tanto fe auentura De grandes cfpcrançaí me. aílcgura.
H z Setri
o CONDESTABRE DE PORT.]
$cm ouuilo os Pereiras partem lego
P >ra as terras que reg^ò Douro 6c Minho Abrasado Nunalures no leu fogo Por ver íeuar ao reyro tal caminhr ; lulga aquillo que fe? por graçs, 6c jogo SendooRey CôílelhaDotí?m vtíiDho Que a vontade que te tr moftrâr defcja Não ja na mefa em paz, mas na peleja.
Chega com o forte irmão em companhia A aquelle dcfejado & doce aílento Enchendo o rofto, & olhos de alegria <^uc na partida enchco de íentimentof Lagrimas Lianor lhe oíFerecia Daquelle defigual contentamento Q^ como erão com gofto derramadas D auão mais graça às faces delicadas»
Aly fufpende as armas, & defcanfa Nos braços da gentil bella Lionora Queemtam com.pridos tcpos deefperançs Sua aufencia, Sc perigos fcnte, 5c chora; Aly de feus cuidados fa^ mudança'' Aonde tudo fe rende, 6c íe namora Com a fermofa filha a quem quer muito De tam ditofas plantas bello fruitO'
Em tanto, he ja jurado o Caftelhano
( Que vai de induftría as coufas apreíTando ) Por fucceííor do reyno Luíytano Como fâltâíTe a vida ao Rey Fernando; Mas porque Portuga! ja fente o dano Qnc vai deftes contratos grangeando Com varias condições íe períuade Afim de viueríempreem liberdade.
Eerão
CANTO v: ^^
EerãoquefcaoRey trás deíle intento Primeiro a Parca a vida lhe cortâífe A Rainha Líanor nc mefmo aíTcnto O Português império gouernaíTe; Atè que o Rey loão do caíamento'
. OuucíTe filho herdeiro que ficaflc Rey natura! ao pouo Lufycano " SemqueadmitiíTcocetro Caftelhano*
Firmes eftes contratos, & csutella O Rey para feus rcynos encaminha Beatriz vai Raynha de Caftella E contente fe parte a mãy Raynhs; Mascomoaveoturofa íuâeftrella Com tanta gloria o curfo feito tinha Pouco tempo defcançâ & goza, quando Também parte da vida o Rey Fernando;
Qj^ntosenleos, trocas, & mudanças Faz húa mefma idade em poucos annos Q^ cobre de floridas eíperanças Q^ deícobrc de enleos 5c de enganos? Anfortíjnacruel quenãodeícanfas De encontrar o focego dos humanos Qj^cftreita conta tomas do que entrega^í Q^^ntodàsí Quanto tiras? Quanto negus? *
Fauorecefte aquella fermofura De Lianor que humana era celefte Com amor, & com hum Rey lhe dás ventura E outro Rey dâsàfilhique lhe deite: Como efte bem tam pouco efpaíTo dura Se p^ra elle, mudauei, a efcolhcftc? Ia lhe tirâfteo mais que lhe rés dado Cedo Ihô tirarài honra . & tilado.
H3 ' Mas
o CONDESTABREDEPORT.
Masellaquenãofâbeo teu cuftume McDoslhe pcfârado íucccdido. Que jâ podèraíer que afsi prefumc SerRaynhaafcu gofto fetn marido: Quem te vé de mais alto perde o lume Da razão quando attenta a feu partido Mas não tyranna, & mà quem te conhece No que efperou, perdeo^ teue, & padeceJ
O Caftelhano Rey quando imagina
Que lhe adquires hum rey no prometido Lhe moftraràs no feu perda, & ruyná Com tanto fangue illuftre defpar^ído: O que em ti aíregurarfc determina Se verá facilmeote deftruido Quem pode efperar falia que lhe acudas? Se quando fâuoreccs jatc mudas»
En fim também o teue o trifte pranto Ou foffe a dor fingida, ou verdadeira Vefte o rey no de efcuro, & negro mantOp Quebrafc o cícudo, arraftafe a bandeira: Em"Santarem no templo nobre, ôcíanto Do que por humildade verdadeira Das chagas de lefus moftra a figura Lhe deu o reyno illuítre fepultura.
Para as rcaes exéquias faõ chamados A Lisboa por cartas da Raynha Os Condes ricos homes, 5c os Prelados E os vaíTâílos que o reyno em conta tinha ladoDourodeixauaos verdes prados Nuno Aluares Pereira, & também vinha Obrigado da carta; & do que tíeue Ao Rey que em tanto a íeus princípios teuc^
Tnac
CANTO v; éo
Trifte polo fenhor quc entãoperdía E confuro de vero que eíperaua Ia da amada mulher fe*defpedia Qae a volta com mil rogos lhe spreíTaua; Trinta bôs efcudeiros que trazia Todos configo armados os leuaua Muita gente de pè, com armas toda Tal nas exéquias vai, qual foi na voda»
A cidade chegou da meíma forte Beija a mão a Raynha naquella hora, Efpantafe de vellotoda a Corte Qae nenhum a tal auto armado fora$ Mas ella que do Rey na vida &: morte Tam câutelofa foi como fcnhora, O recebe com nobre acolhimento. Sem moftrarquc lhe entende o penfamcnto*
Foi no melhor da Corte spofertado Como era a feu valor conueniente Mas hum corregedor pouco auiíado De quanto he mal {oftiâã a forte gentet Pordarahumcortefaõ bom gafai hado Foi mais do que conuinha diligente Que hõs efcudeiros bôs mudar queria Dos que de Nuno vem na companhia*
E cftes que tinhão menos de íofiidos Doquede valcroíos» & esforçados Antes quiferão fer mal recebidos Qíie eftar na Corte mal apofentados: Arremetem reuoltos, & atrcuidos Comeíle comosminiftros,6c criador E até o paço aos golpes o trouxerão Aonde fugindo às cafas fe valerão.
H 4 ^ Sem
o CONDESTABRE DE PORT:
Sem fôlego chegou juntou Raynha O que tam mal aos feus agafalhaua, Ellâ que ouuio gritar, & o vio quâl vinha Do reboliço a caufa preguntaua: Ele que ainda nem cor, nem fanguc tinha O que lhe acontecera aly contaua, E entre os queixumes vaôs que repetia Eítas, 5c outras palauras lhe dizia.
Eícudeiros fenhora de tal raça E em defender a cafa tam ligeiros Não vcftirão ja mais ferro, & couraça De quantos arma Hefpanha caualleiros; E bem me.affirmo eu que em larga praça Quinhentos de tam fortes efcudeiros Sós podem pelejar contra Caftelia EdaravoíTa Alteza conta delia»
Fora eftou ja do dano, & do periga Que voíía alta prefença me aíTegura Mas quem os vira cnuoltos vir comigo lulgàraque efcapar foi graõ ventura: Tratai fenhora agora do caftigo Porque cu fò quero a vida ter fegurae Ellaqucaoccafião, &o tempo entendei Abranda, & não caftiga, nem reprende«
Nuno que difto eftaua defcuidado Moftra logo á Raynha quanto ofente, Mas noutra pretenção anda enleuado Qae mais confufo o trás, mais deícontcntc: Vé e pouo a mil partes inclinado O jxiízo entre os grandes diíFerentc Rebeldes diuiíoés, fecretas juntas. Vanos os pareceres, & as preguntas-
Hutn
CANTO V. éi
Ham diz que tudo he vão quanto imagina Quem não fe inclina â parte Caftclhâna, Outro fe defcfpera, & defatina Porque a patna fe ofFende, Sc fe profana: Efuftcntartèamorte determina A liberdade antiga Lufytana Qual mouido de amor, qual da cobiça Co^Éundcm os rcfpeitos, Sc a juftiça.
Efte diz que fe guarde o juramento, E o contrato dos Rey s firme, ôc feguro Eftoutro, que era injufto, 8c fraudalento. Porque o ir contra a pátria hefer perjure; Cadâhum bufcaa feu erro o fundamento Epintaemfombraascoufas de futuro O reboliço cm todos he fobejo, Mas nenhum manifefta o feu defejo.
Qual pola primauera doce, & branda No valle de mil flores fameado O vagarofo Enxame fe defmanda Com hum murmuro inquieto, Sc empeçado* Tecem asauesde húa,& doutra banda Encontrãoíe no ar com feu cuidado Afsi andaua o pouo difFcrentc, Solicito, inquieto, & deícontentc
Mâlfofrcoque viueo com liberdade Ver que ha de íuftentarojugo alheo Masoquenumgrangeaefta vontade Disbarata em mil outras o rcceo: A muitos a efperança perfuade De que tem Leonora o reyno cheo Que o intereíTc encobre a qualquer erro E com arte, 6c poder fe doura o ferro-
CANTO
o CONDESTABRE DE POR T.
CANTO VI
Nuno K^ lures Ter eira vendo os Pertuguefes diui^ iidos, (egtte a parte de dcm leão Ufftre ae Aris, que determtna.defenàer(L Uberdade dn pátria: O Mejlre IhecommunieafeusdeJ^enhos', TratSo ambos a mcrte do Conde de Ourem, que por outro confethoje dtffere: O Prior do Crato fe vai para S&ntaremy (ir Nuno AC- mestras elle: Aly lhe conta hZa donzella ádefaflr^dâ Tnorte do Conde- Hum Alfajeme lhe pronojltcaauer deter o mefmo Condado: O Prior declara/eu interno^ que hefegutr a parcialidade da Raynha: u irmão o de-^ [engana^ é* je vem pêra o Meflre a Lisboa^
DEpois dos funcraes, triftes cantares DâEíTa a]tiua,&: pompa lagrj mofa,' Qoando para os caftellos, & lugares Se recolhia a gente poderofâ; Depois de aigús juízos íinguíares Em que eftà toda a terra duuidofa VÍDdo à publica praça a diíFerença Cada qual forma a caufaj & dá fentençaJ
Pârtefe o pouo cm bandos difFerentes Hús ao Meftre de Auis feguir procurãoj Outros da bella Incs os defcendentes, Quejnda'noreynoalheo fe aíTcgurão; Mas como he melhor caufa a dos prcfentesj Com o Meftre a todo o nfco fe auenturaõ Que era benino, oufado, 6c valerofo Filho de Pedro o forte, ôc juftiçofo.
Afs
CANTO VI. ^i
Afsí fcm rcfpeitâr modo ou cautella Com â vontade por ley, a gente oufâda Só quer â liberdade, Sc defFendela Pollo ferro da lança, & polia efpada; Outra feguindo a parte de Caftella A que a força mayor eftà inclinada Da Rainha Lianor fazem cabeça Paraqueoreyno cnuolto lhe obedeça^ Q^âl no Romano império diuidído Polia morte de lulia que pudera Ter de bua parteopay. doutra o marido Com que Romaem feus annosflorecèra; Com armas, «Sc razões, fero atreuido Cada hum defende a caufa que eícolhèra, Afsi andaua o Lufytano pcuo. Elegendo por armas ao 'Rey nouo»
No meo defta fúria não fabia
Determinarfc o forte Nano, quando Da parte Caftelhana os grandes via, E o pouo repartido doutro bandos Em húa fala fò andaua hum dia Com eftes penfamentos paíTeando Defcontente,confufo, & enleado De ver a pátria em tam confufo eftadoí
Depois de ter mil coufas difcurrido
A Deos remete o fim que não lhe achaua,' De amor do pátrio jrcyno commouido Pollo fucceflb mao que lhe efperaua: Quando de noualuz doceoferido O fentidoperdeo dcdondeeftau^, E de inclinado afsi lhe parecia Qiie^húâ vozâfeus ditos lefpondia. I De
o CONDESTABRE DEPORT:
De que te canfâsNuno? Q»^ te alteras?
Queordenas> Queimâginaj^í que te cngan# Se aquiUo em que tsm trífte coníideras Não no gouerna o ceo por traça humana: Se íò nelle confias, nelle efperas, Tcmdeftinadoaordem foberana Quefcjastupor quemfe reftitua O antigo louuor da pátria tuâ.
A dcfenfaô terá do reyno amado Aquelle cujas armâs venturofas Te virão por feu bem primeiro armado; Em final de vitorias gloriofas, Efte o cfcudo do ceo a AíFonfo dado Com as cinco quinas fantas tam famofasi Que nunca a cot do ceo 6c o fcu ícr perda Depois leuantarâ fobre a cruz verde.;
Rey do nome prefago que primeiro O mudo Zachârias efcreueo. Quando o precurfor fanto do cordeiro De Elizâbcth cftcril ihe naceo; Que também por myftcrio verdadeiro E milagre que ordena o judo ceo O nome dcfte, a que clle mais fe inclina Cedo dirá do berço húa menina.
Morrera a ferro o Conde miferando Que a feu fauor dobrado o cetro tinha Caufador dos defcuidos de Fernando E hoje dos vaôs cuidados da Raynh.; E tu iràs teu íangue eternizando Dando aos futuros Reys ditoía linha. Depois que efte na terra aleuantares Com braço oufado, Sc feitos fingularcs^
Atais
CANTO VL 6i
A tais palauras Nuno eftremecendo Tornou em íi com leda fantefia. Com os olhos foi aos ares reuolaendo Por ver quem lhe falaua, Sc quem o ouuia: Não vio mais que o lugar que eftaua vendoj E hua luz que entre as nuués fe efcondiá Ficou confuío então; porem mais ledo Vai defcobrindo o fim. dcfte fegredo.
JLembrãolhe as ricas armas que veftíra Do valerofo Meftre dom loão Filho de Pedro o duro, que ante vira Nefte o cetro real cahindaentâo: E inda que da herança o reyno o tira Por filho natural, ao morto irmão Tanto excede em valor, Sc cm fortaleza Que eftà por elle a mefma natureza.
Ia defte penfamento fatisfeito
Deixa Nuno os irmãos, & bufca o tioí Porque hc do Meftre amigo mais eftreito Que lhe defeja mando, & fenhorio: Dcfcobrelhe o que tem dentro em feu peito A quem nunca o temor fez lento, & frio O quanto Ruy Pereira iíto fefteja Que he o mor gofto, Sc gloria que defeja^
Ficou o velho illuftre tam contente
Do que lhe o bom fobrinho communícai Que ao Meftre vai bufcar mui diligente Tudo lhe manifefta, &lhe publics; Elle que ha muitos dias que confentc Nefta mefma efperança, alegre fica Nuno Alures chamar manda fem detença Que não efperou mais que efta licença.
E depois
OCONDESTABREDEPORT.
E depois que entre os braços recebeo Aquelles feus, que achàraô tudo eftreito^ Nunoneftas razões lhe cffereceo O coração iealj & o forte peito; Em quanto aito íenhor íuftenta o ceo VoíTo defejo, & vos noffo direito O nome, a honra, Sc vida que Tuftento Eftârão fempre a voíTo mandamento.
Sou Português, 5r o nome fó me obriga A não confentir nelleojugo aihco, E polia patriá^& liberdade antiga Perder com honras vids, &femreceoJ Nãomodeueisa mim quando eu vos figa Demeufangue &:râ?âo, doceomeveo Efte cuidacio. 5c a vos fico deuendo Serdes o defenfor do que eu defendo.
Q£e quando outra razão lugar ptímeiro TiueíTe deobr!gârme,que cfta minha Ingrato fora, Sc pouco verdadeiro Se não feguifl^e as partes da Rainha^
. Eiiâ me armou na terra caualíciro
Câfoume, deume a honra, Sc bés que tínhá Seu fui, que efta razão negar não poíFo Mâsoícr Português mefezíer voflíb*
Segui claro fenhor tam juílo intento Hide a diante afd não temais nada Metei no mor perigo openfâmento,' Que eu lhe abrirei caminho com aefpadà: Com fer efte fomente me contento DoReyno, nem de vos não quero nada Qjifera daruos mais do com que venho isl'á^ douuos quanto poíTo, & quanto tcnhoi'
Aiítò
CANTO vi: Si
. A ifto contente o Mcftrerefpondía
Prendendoo poHss n^ãos amigamente Valerofo Nuno Alures, quena creria Menos de hum caualleiro tam valente^ A vos fó defejâua, & fò teniia, lâ de vos, & de mim fico contente QueocorQçãonâviftame moftraua Que não íem caufa ha muito vos amauaJ
Como em vos natural eíTe defejo Afsi o foi em mim, 8c eíTâ vontade Não pretendo fer Rey; nem o defejo Mas defender ao reyno Uberdade: Nem meefquecerànuncaaqueem vosvejo ] Chea de tanto esforço. 6c lealdade No gouerno, no mando^ & no perigo Me auei por companheiro, &: por amigo.'
Trás ifto lhe foi dando larga conta Dos meos que tomaua nefta cmprefa De quaô pouco o poder, 8c esforço monta Seu/feocontraftaa gente Portuguefa Tanto fente Nunalures cfta afronta Quanto moftraua o meftre que lhe peza Com razões hum ao outro íe animauão Para o felix fucceíTo que cíperauão*
Confideraõ também que he neceíTarioi Para a quietação que o reyno nega Dar morte occulta ao Cõde ingrato. Sc v^ario A quem Lianor incauta, a caufa entregas Que tem por certo o pouo temerário Que era por (eu querer perdida, ár cega^ Com infâmia do enfermo Reypaflado Por feu remiíTo engano mal julgado-
Epoc
OC CND ESTA B REDE PORT-
E porque ja Nunalures pubicára
Ao tio, o que então traz mais na vontade, E o meftre tinha proua vius, Sc clara. De feu esforço, animo, & verdade; Depois que tudo cort^^ &í lhe declara. Com mui poucas razões o períuadc. Que bufque gente amiga, & que o Ibccorrá Para que as mãos de Nuno o Conde morra.
AíTentado ficou que no outro dia
Com 3 mais gente armada que pudeíTc O c^utvlofo Conde matsria; SemqueaRaynhaa tempo lhe valeíTc: Nefta tenção Nunalures íe partia Porque o Meftre no feito o conheceíTe Efcoihe dentre os feus ícm nenhum medo Os homés de mais feito, 8c mór fegredOj
Porem depois de cftar apercebido Para acudir ao prazo concertado. Por reeado do Meftre foi detido Qnjheja doutros confeihos atalhado^ Elle deitas mudanças mal íofrido Sem dar outra repofta a tal recado Atras do irmão Prior as rédeas vira Que da Corte fem vello íe partira.
Nas exéquias do Rey também fe achara A quem deuia snior^ Sc fentimento, E com o valente irmão fe vifitàra E outro que aíy fe achou ao faimento,' Eíemíe ver com Nuno fe apartara. Porque tinháo díuerfo o penfamento Mas em Ponteual logo de ligero O alcânça o noflb oufado caualleiror
Deaouo
CANTO VI. êf
De nouo alegremente fe abraçarão E foi oencontro a todos opportuno Com amorofo intento fc juntarão Pcdroo Prior, Diogo o forte, & Nuno? Porem muy pouco efpaíTo dcícanfaraò
. Com hú recado, que aos dous era importuno Que do Rey dom loão mandado vinha Com o mefageiro, & cartas da Raynha.
Trazia a embaixada hum capitão
Que então feguia as partes de Caftella» Qje o Prior rccebeo com hua afFeição Qae moftraua a que tinha ás coufas delia: E defcobrindo logo o coração Sem vfar de refpeito ou de cautella. Todos os cauâlleiros que aly crão
"* Com ira, & fentimento fe moueraõ.'
D entre elles fó Nunalurcs fe atreueo, E fallou ao Prior defta maneira Sempre íenhor,& irmão me parcceo Que efta lança por vos fofle a primeira* M is fe eíTe rogo injufto vos moueo, EeffâspromeíTas vãs, o ceo não queira Que eu veja em voífo fangue tal fraqueza Contra arazão. & a ley da Natureza.
Se o Meílre dom loão guarda, & defende Ao reyno a liberdade, & feu direito De cujo valor, & obras bem íc entende^ Que fegue o modo em tudo mais perfeito: Não deueis de admitir quem íó pretende Portugal a Caftella andar fugeito, Libertemos a terra que habitamos. Ou viuamos ifcntosi ou morramos.
I " Cheo
Ò CONTJESTABREDE PORT.
Cheo deirapPriorlhèvalta o rofto, E diz que razão temi que entendimento^ Quem por obedecer ao próprio gofto Dcfencaminhaafsifeu penfèmentoj? Q^engano he eíTe irmão, em q eftais poílo? Que força o meílre temi que fundamentou Quefauor, quejuftiça, ôcquebom meo Paratyrannizarahumreyno alheo?
TemosRey podcrofo, Sc verdadeiro Que os mais de vos por Principc juraftes loão que he de Fernando claro herdeiro Gafado com Beatriz que fempre honraftesi Se vos mudais agora de ligeiro, Porq em vão com o de Auis vos conforaiaftçs Cedo vereis com elle o defengano Se armado dccc a nós o Caftelhano. "*
Não rcfpondco Nunalure??; de improuifo vianda vir o cauallo, ardendo parte O Prior vai trás clle (em juyzo. Por poder indinalo da outra partci A Santarém chegàraõi que diuifo Também em bandos vários fe reparte Cada hum de razões nouas fe aproueita^ Hum oíFerece cftados, outro cngcíta«
Ao outro irmão que tinha commouido Nuno em Santarém cada hora enfaiaj; E fcm nunca apartar difto o fentido PaíTeando ambos vão junto da praia, E porque o nobre animo atreuido Nas árduas eíperanças não defmaíaj Diogo nas de Nuno bem confente Não fomente inclinado; mâs contentei
CANTO vr: ee.
Communicando andauão feu defejo ( Qne ânimos juuenis, orn?, & rccrca ) Por onde alcantilado o doce Tejo Vai fazendo hús ilheos de branca arca: E aonde com foccgo, & com defpejo As falgadas enchentes não recca, Viraô vir em galope hum efcudeiro No cauâllo canfado, & não ligeiro»
As ancas trás o moço hua donzella Com mui ricos vcftidos, mal ornada^ Qucacllc&aosarçõesda eftreita fclla;
" Vem na faria dos faltos abraçada: E alem do parecer gentil que ha nella Vem de coradas roías afrontada
, Defcompofto o cabellocrefpo, alouro Entre hum toucado fcu de menor ouro-
Ou que a fermofa vifta os obrigaíTc Ou que os moueflc entaõ ^coriofidadc Ao efcudeiro mandão que efperaíTc Qoc ao bom caualIo faz nifto a vontade: Preguntãolhe quem era & que contaíTe Se traz aquclla dama cm liberdade. Porque fe aggrauo, ou força padecia Ante elles com a vida o pagaria.
^jle que a dom Nunalurcs reconhece Enleado ficou, & duuidofo Do que ha de refponder então fc cíquccc QjJC quanto dizer pode he perigofo: Mas primeiro a donzella fe oíFerece Segura no feu rofto tam fermofo, Qac de lagrimas cheo, & de brandura Culpaua dantc mão logo a ventura.
í * Ècomg
OC ONDESTABREDEPORT.
E ccmo o que inda a caufa lhe dohia Dâlagrimofahiftoria que contaua. Primeiro mil fofpiros deípendia, Entre as cuftofâs perlas que choraua: Fâmofos cauâlleiros, lhe dezia. De quem fcmprca ventura feja efcraua Efta que aqui me trás, como não deuc la em meu fauor feu vario curfo teue.
Mas ccmo o feu poder foi fempre efcaço^ ' Para íuftentarbés em grande altura, E fempre a inucjacftende mais o braço Aonde vè chegar mais hQa ventura: Dosmimos,& delicias que ha no paço ]Me traz aonde não fei fe vou fegura Em poder defte irmão, que a vida amada Pola minha íaluar leua arrifcada*
Do principio de minha tenra idade A Raynha Lianor fui fempre aceita Por graça em parecer, & em liberdade Qje cm vida cortefam nunca fé engeita^ A vida tiue fr^mpre da vontade Que efta a nenhúa outra era íugeita, E a fcrmofa fenhora a quem feruia Como a feu próprio gofto me queria»
Demimfi2uaacenos,ôc recados, Ou foíTc amor de fifo, ou foíTe graça Eueraa fecrctaria dos cuidados Q^ hoje o vu^go indomauel troxe à praça: O toque dos galantes, &auifados Era eu, que a forte agora me ameaça, . Qne à vifta do perigo, & dano alheo Crece cm muitos culpados o receo-
Amaus
CANTO VI. €7
Am2ua(como2gorahe conhecícò) ARayohâLianorahum cftrangciro Galego a eftcs reynos acolhido Cõmunmente chamado, o Conde Andeíro: Cor tefsõ, gentil home, ben:i nacido Mais aftuto» que oufado caualleiro, TammimofodclRey, tamfeo priuado Q^eo Condado de Òjrem lhe tinha dadoí
Ou foíTe que Fernando afsi pagaffe O peccado que tinha comoictido, E por hum cftrangciro a hum Rey dcixaCfe Aqueelledeixar fezaofeu marido: Ou que amor por cuftume lhe tiraíTc Da honra, &do lugar todo o fentida# Tam publico ifto a todos parecia. Que fem temor, & efpanto íe dizia*
Morreoelle, Scquiçaisimaginaua
Que viucíTe Lianor mais liurementc^ Sc o fcu Reyno, & vaíTalIos gouernaua Polo Conde de Ourem líurc, & contente? Mascomo ha muito ja que lhe efperaua A que duraucl bem nunca confcntc Cahio aos pès da roda da fortuna Nos bés varia, nos males importuna*
Efta noite paíTada ( ah trifte forte ) Que bem foi para mim cruel, & cfcurá Tcue o fcu Conde ante ella amarga morte Einda não terá agora a fepultura: Ontem fez termo a Portuguefa Corte E faltou nella toda a fermofura, E eu perdi fer amada, & íer querida, E bem íerà fe inda poupafle a vida.
OCONDESTABREDE PORT.
EiTsmcftfede Atiis, queha tantos snnos Que nellaconheceo ódio itnmigo • Para que feu intento, ou feus erfgaoos Teocffem melhor fim, que elíâ caítjgo; Com algús que o feguiião, popco humanos Cobiçofos de fangue, & de perigo Com maitâ gente» occulcâmente ârmâda Entrou no pâço a hora defuíada.
Entrão de noite os feros homicidas Os porteiros encontrão, & os defuiãoj Paias portas fe vão não defendidas Mouendo as armaduras que encobrião; Ecom olume dâstochàs, oíFendidas As laminas, & as malhas reluzião Por entre as veftiduras dos foidados. Enchendo de temor aos dcfcuidados.
A Raynha a tal tempo fcm receo Enleada ficou vendo o cunhado Qíie com a cortefia, & termo alheo De imigo, encobre intento tam danado: EUâ pouco fegura nefte enleo, Qae malíocega oanimo culpado. Com o grande íbbreíaico o peito frio Perdeo do roílo a cor, a fala, o brio.
Niflo os do Meftre entrarão fem mais tento Porque 05 guardas das portas não vaicraõ Na. camará real, que era apofento Aonde entrada igual nuncí> teuerão: LÍ3norhumilh;ando o fofrimcnto Com mortaes fobreíaltos que a mouérão A cor do roílo pálida, & defunta Da nouidads â cauíg ihe pregunta»
E!ls
CANTO VI. ^S
Eí!e com razões friuolas fe efcufa
Hora a tempos fe cala, hora reípcnde
Entre ambos era a pratica conaifa,
E junto a eila eftaua o triíle Conde;
A parteoMeftrcochama,& nãorecufa,
( Que quem fugir não pode mal fe efconde )
Indâ que o coração preíago decerto
Lheeííàmoílrandoamortede tam perto»
Noutra camará entrarão jjotamerite QiKiJ conuinhâ a rnsteriss de íepr edo, E o Conde que fcu mal conhece, & fentc Asp^Iáuras erraua jã com medo; Misem vendo o lugar cor.ueniente Ode^hum^noMcftreoufado, 6c ledo Com o punhal Tem piedade, & íem refpeíto Como nome de traidor lhe paíTa o peito.
Cada hum do« conjurados logo occorre Ao lug^rque íhefora encomendado Ninguém ao Conde mifero íoccorrc Qne cae em roxo fangue atraueíTâdo: Com o nome de Lianor fall^ndo morro E o retrato no peito traspaíTado, O hora tnfte, ò noite negra, eícura De treiçôes,& de enganos íepultura»
Aquelle reboliço tam medonho . . TemeroíaaRaynhà aicuantou Como quem de profundo, & triíle fonho Entre os braços da morte defpertou; Ena gritos rompe a voz com fom triftonho Soccorro pede Sc vendo que faltou Ao ja defunto Conde a voz, Sc a vida Também julgauâ a íua por perdida.
I 4 E Cd
OCONDESTÂBREDEPORT.
E enfim como mulher que a natureza Fez de animo fugeito, Sc abatido Da dor vencida, 6c miíera fraqueza Para cfcapar procura algum partido? Fugir he vão, que eftà cercada, Sc prefa Entre o pouo cruel, Sc indurecido Deque a ninguém perdoa, a cega fúria Sem perder vida, ou receber injuria.
Manda pedir foccorro ao inimigo
Pondoíhe a honra, Sc a vida na vontade E com as que então tinha aly coníigo Ia lhe não pede mais que a hberdade; Elíeaaífcgaraemvão de feu perigo Mas tsm mal com temor Ce pcrfuade Q25 hum rumor vão que fere aleue porta Cais, defmaia, & fica fiia, ôc morta.
Nefte tempo hua voz bradando foa Sobre hum cauallo corre efte pregão Polas praças, Sc as roas de Lisboa Matão no paço o Meftrc dom loãoj Tambores fe ouuem, guerra fe apregoa Com grande efi:rondo,& grande confufaõ Cercão de gente armada o paço logo Nas portas prouão ferro, Sc chegão fogo»
Aly a fúria eftranha fe acrecenta
Das gentes polo Meftrc amoutinadas Cada hum rompendo as portas arrebenta Que os da conjuração tinhão fechadas,* Como os vencidos d'agoa, Sc da tormenta Bradào decendo as vellas deípregâdas Afsi íe ouuem debaixo os alaridos Do paço os ais, fofpiros, & os gemidos.
Nem
CANTO VI. <^9
Nem na noite fatal em que as eftrellas Por não ver arder Troyâ fs efcondcrão Quando de Priamo as donas, & as donzellas Encre as chamas de Grécia perecerão: Se ouuirão mais fofpiros, mais querelías Das que no paço aquclla noite deráo Vendo ja arder as portas, £c entre a chama Morrão, m.orraô, iòmente o pouo clama.
DainosoMeftrc.hiis dizem blasfemando Da miferauei dona que o não tinhí; Morra Caítella, os outros vera bradando Morra o Conde de Ourem, morra a Raynhaj' Vingança polo incauto Rey Fernando Gritando doutra parte hum tropel vinha^ Morrão traidores, morrão, grita o pouo Viua o Meftre de Auis noíTo Rey oouo.
Não ha contra efta voz razão que valha. Que ja do paço algíJas lhes dizião Porque com mor eftrondo, &c mor baralha Os brados reuoitofos tudo enchião; Tè quí; chegando o Meftre, a tudo atalha As vozes focegando dos que o vião Com íua falia a todos aquieta Branda, amorofa, afabil, 6c difcreta:
À hua janella armado appareceo, E algíãs dos feas trás elle fe aíTomàrão As graças brandamente ofFerccco Aos que polo faluarfc amoutinàrão: E como apparecendo o foi no eco Ao ar as negras íombras deíempàrão Afsi deixando á porta o feroz bando Dcceonomedo Meftre appelidando-
Dal/
o CONDESTAEPvEDEPORT.
D.^!y com f^uor bárbaro indomado Pelas ruas o ar tremendo stroa; Morre de hua alta torre derribado O miferauel Bifpo de Lisboa, Ehuai homem de queeftaua acompanhado Sem ofFenfa do Meftre^ cu àà coroa Qúc pára perecer em tanto dano Baftoulheauernacido Caftelhano.
Efteeftranho temor, efte alarido JVIouía os fracos peitos dasdonzellas Temendo daquelle impetu atreuido Q^ não paralFe íily fem dano delias: Q^l procura o lugar mais efcondidoj Q^jal acode a fugir polas janelas, Qjjâl com o fangue do roíto a cor perdida Cae doi brados vãos cfmorecida.
Eu que com razões mores me temia
Do perigo que em mim mais cctto eftaua Camarás, & retretes rcuofuia Por v.er fe em algum delles vida achauaj Deite irmão finalmente me valia Qne 9 meus íufpiros triftes perto eftaua, E tomando por capa a noite efcura Puíemoslogo as vidas na ventura.
Efta he a prefla, Sc caufa com que venho Do- nicos que paíTci tam offendida Que aqui íe hum breue efpaíTo me detenho NcíTe imaginarei que perco a vida; Se hedetaís caualleiros o defíenho Dar fauor a hCia d^ma perfeguida Não me deter, hsis mais, daime licença Pois tenho o mór perigo na detença.
mo
CANTO vi; 70
Ifto contaoa â dama deícontente
Que entre as razões mil lagrimas derrama Porem confolaa branda, Ôccortcrmence O que gprferofò nomea afjma; Eamdaquealuoroço, & gofto (ente No que com tinta dor fentíâ a dama Daua final de magoa não pequena Do que Iheouuio contar com tanta pena.
Pefame, diz,fenhora, que nãopoflb NomaíquejapaíTou dar algum meo Porem bailara agbraopoder noíTo Aliuraruos de imigos, Sc receo: Se efte nobre mancebo, Sc irmão voflb Que para voíTa guarda atèqui veo Nãoforbaftanteaterliure, & fegura, VoíTa fofpeita, & voíTa fermofura.
Aqui tendes prefentes nefte eftado
Dous de quem podeis fer bem defendida Que ambos temos por ordem profeíTado OíFerecer a damas, braço, 6c vida Cadâhumde voíTas partes obrigado Alem de obrigação tamcouhecida Em voíTa guarda iremos juntamente Tè onde de ficar fordes contente.
Não vos ofFenda a morte fea, & crua
DefiTc conde a feu Rey perjuro , ingratOj Que nem fois parte vos na culpa íua Nem em feu enganoíb, èc falío trato: Deixai que ao ceo, Sc à terra reltitua Qnc ainda he a morte bum preço muy barato E vos enxugai lagrimas feri) fruito QjJe em brandos corações produí^em muito.
S6
o CONDESTABREDEPORT.
Só da vontade í* dama fe aproaeíta
Com razões â agradece, &fe defpcdCj E âjuntandofe a fella mais eftreita Ao moço os braços liures lhe conjgde: Elle que ainda que irmão não nosengeita Aos dous fortes irmãos licença pede, E com o Tejo por guia, & por vefinho Vão feguindo de nouo o feu caminho»
Alegre ficou difto o caualleiro
Diogo mais confufo, & porem ledo Que a morte efcura ja dô Conde andeírò Lhe contará o irmão muito em fegredoi Cada hum vai ao Prior por mefageiro Cuidado de o dobrar muito mais cedo MsíS tudo perde o preço, & tudo ceflk Aonde a cobiça aceita húa prome0a«
Nuno que cm atmas fcmpre anda cuidando E com ellas fomente íe occupaua Andara o dia de antes paíTeando Donde então a donzella íq apartaua^ Evioahum Alfajeme pendurando HQaluftrofâcfpada que acabaua Com tal primor polida, 5c perfeição Que lhe fez tercobiça a guarnição»
Então lhe preguntou fefe atreuia A lhe guarnecer outra como aquclla/ E rcípondeolhe alegre que faria Inda mais atilada, inda mais bella; Mandoulhe Nuno aquella que trazíai E indoíe ( como ouuiftes ) a donzella Com o defejado irmão voltando vinhai Sem lhe lembrar a efpada que aly tinha-
Como
CANTO VI. 71
Como os olhos voutou á aquella parte A vio na porta eftar bem guarnecida E tomandoa com brio, graça, & arte Ameaçou rompendo húaferid.'; Temeo na fua cfphera o feroz Marte, O Sol moftrou na íua a cor perdida. Parou hum pouco o Tejo de affombrada Não vendo contra qual cftaua armado» J
Da efpada, & do cuidado fatisfeito Mandou Nuno pagar liberalmente Ao Alfajeme então; que outro refpeíto Lhe faz que efpere a paga differcntej Satisfação fenhor nenhúa aceito Diz, nem de vos a quero facilmente De Ourem tornareis Conde em tempo brcuc Pagarmeeis o cuidado que outrem teue»
Sorrindo o caualleiro lhe tornou
Que aceitaffe o feu premio mas em vão Porque com tacs razões fe lhe efcuíou, Q^e íe partio fcm mais íatisfáçãc; Anouafòque a dama lhe contou
♦ Lhe defuela, & occupa o coração
Que de lealdade, esforço, & de honra chco Nunca admitio cobiça, ncmreceo.
Ao Prior deu a noua, que a donzella Trouxera magoada, & defcootente Q^ admirado ficou fcm poder crella Por quão mal nifto o godo lhe confenccí E depois que em difcurfos fe defuella Temendo algum fucceíTo diíFercnte Do pouo fem refpcito, 6c fem recato Da nobre Santarém fe vai ao Crato»
Tentarão
o CONDESTABRE DE POR T.
Tentàrãòno os irmãos, mas não puderaõ Naqucíle intento fcu fazer mudança, E cm partindo elle o tempo não perdèrãoj Porque achâuâo perigo na tardança,- Ao Medre vão bufcar que nella efperaõ Aflegurar melhor fua efperança. Porem muy pouco efpaço cammhàraõ 4 C^uando com mòr enieo fe apartarão,
Que vendo Diogalures que oíFcndia Ao vâlerofo irmão que atras deixauâ Em cuja proteiçâo, & amor viuia Cuja militar ordem profeíTaua: A Nano efta vontade defcobria, EcomnouaspromeíTasfe obrigaua De inclinar ao Prior que cftaua duro Com a efperança incerta de futuro.
Muicuidadofo.&triftc fc dcípedc, E volta logo as rédeas ao cauallo Que volteaclleo forte irmão lhe pede Porem nada baftou, para obrigalc; E aquelle alto valor que nunca impede Cafoj temor, refpeito, ou interuallo Que no feu peito viue, ^reíplandece la de perigos, ja de irmãos fe efquece.^
Porem deixando a caufa que mouco Ao que contra feu gofto fe partia, E como o Prior logo o rccebeo Com âluoroço eftranho, & alegria, Vamo^ íeguindo a Nuno que vcnceo A que vencera os dous naquelle dia Que com os poucos que tinha fe tornaua Para a cidade aonde o Meftrc eftaua.
Contrai
CANTO VI. 7i
Cone raaTof tuna vai determinado. Que à parte do inimigo volta o roílo la íe vé entre os muitos arrifcado E no caminho à guerras jâ di^pofto; Com tudo lhe contenta o fcu cuidado C^je nos perigos tem, a vida, ôcgoílo lunço de Aluerca pafla a noite fria, EcoDfírmandoosfeusefperao dia»
Não eftaua porem certa a poofada Antes chea de engano:, & perigos Que o que fcrue a razão que he defprczada Logoachacautelofos, Sc inimigofj Mas vAmos a Lisboa amoutinada Reuolta entre contrários, & entre amigos E as lagrimas ouçamos de Leonora, 03 o fcu Conde de Ourem defunto cfaora^
CAN
o CONDESTABRE DE PORT.
CANTO VII
Connfe ofenúwento dd Raynha foUA morte d^ Conde de Ourem : Saefe dd cidade, drfazfe forte com âsfeus em Akmquer. Dom Nundures vem-a Lisboa: O Meftre o receheo com muito aluoroço , & o faz dg Jeu con/elho. Vem a ter com t Uejua mãy com cartas dit JíayHha para o reduzir ao feruiço dclRiy deCaHellitj^ ér confiendda de fuás razoes muàa, o intento : Toma*^ Je o caflello de Ltstoa Nunalures he perfeguido da in^ fíeji dos companheiros. Entra o Mefire em ãlemquer^ C^ leuantAndo o cerco ao caflello vem a Lisboa» ElRey de CaJleUa dece a conqniHar o reyno por armas: Affen» iafeu arredem Santarém: De f afia Nunalures ao Cor^ de de Major ga: O Meííre atalha o combate , (jr o man- da a Syntra donde traz mantimentos para a cidade ^^ "vai ao Lumiar abufcar os capitães deCadelía^ que ihosqueriio impedir.
^ A M A S, que com o poder da gentia iJ leza r^^ Sugeitais ao mais liure entendimento Que titulo, não ha honra, & grandeza Que de voíTos podres feja izento: Porque pagais tam mâl a natureza Hum dote tam fermofo, que entre cento Não ha húa; que a quem fe vence delia, Nãofcjatam ingrata como bella.
Se
CANTO VIL n
Se o engííno de voíTa fermofura Faz a eíTa condição fer tâtn tyranna E defpre^aís a amor, temei ventara Q^ie CO exemplo de cantas ciefcngana: Sc por fer foberanâs na fi^^ura Náo quereis condição que ieja hurr ana Olhai qviantas figuras íe trocarão De fermofâs, 6c tngratas que palBrãc'
Não he confclho o meu de intercíTado Origcrmaiveftranho via comigo. Se para hum mal tam doce, & defej^do Quem não mereceo gloria tem caiiigo, Misnão veja de amor mal empregado Em vos algum tormento, algum perigo. Que mal ficara delle fatisfcito Q^Km fabs fer amante, òc íer fugeito-
Que razão pode dar que leue efcufa? A fermofa Lianor, qae prefo tinha Hum Rey que o pouo feu continuo accufa^ Porqueelleafeupefarafez Raynha: Nega as Leyes, & a razão ^ó bufca, & vfa Aíeyqueparaamala Iheconuinh^ Se ella a tam grande amor tam mú refponde Q^e cfquece hQ claro Rey,è eftmiâ hú cõde.
Ah damas, que não fei fe vos rcprenda De tyrannas, cruéis, de enganadoras? Mas como pode fer, que vosoíFenda Q^uemvosconfeíTa, & amaporfenhora?; Antes que a jufta Nemefis entenda Neílas partes de tudo vencedoras Tomai de tais caftigos oouo exemplo Não íicuais de tcofeos ao f^u templo.
K OM
o C o ND ESTA B RE DE PO RT-
Qnalaeraque viueo íempreenbçada Na verde enfinha; ou vlmo na montanha Qoe fendo a caío a aruore cortada Que com feus rsmos orna, Sc ácompar ha: Fica na terça humilde, &: dcíprczada Que qualquer vento vão, 5c íol a acanha Tal a Raynha eftâua fcm conforto Com o matador prcfente, o conde mcíto»
MílfuccefTos contrários imagina, Nefte primeiro aíHilto de ícu dano Com dor, amor, 6c odío defatina Ferindo o peito belío quanto humanoj Ecom razões que o mefmomaliheeníina Vendo o rofto cruel âo deíengano, A noite em que temia o mòr caftigo (Comoouuiftes)falaua afsi configo-
O fortuna cruel, cega, cnganofa
Dequemfcmpre fiei quantos bestinha^ ^ Quem me vío nos teus braços tí^mmimofa ' Qusõ msl creta nefta hota a force minha: De que feruía eftrclla tam ditofa? O nome, a honra, o trono de R aynha? Se cae em tal eftado a minha eftrcíla Que fora mòr ventura a de não tella.
Que me fica jamais que ávida triflc Sugeitaamil afrontas, ôc contrários. Ia fora do lugar em queafobifte OfFerecida a perigos neceíTarios; Com os bés a pouco mefugifte, Deixaíme em tantos raâles, 6t tam vâriosj Leua cruel agora o que me deixas, Tirârmeasarazãode mores queixas*
* ^ Ah
rANTO VIL r4
^h grande femrazão da natureza Só cm noíTos reípeicos encolhidr^ Q25 dèa húamo;her tanta fraqueza Com cais razões para tirarfe a vida: Qjem vejo? quenn orje atalha? que mepeza? Mdíj não ha quem atalhe, nem me impida Senão o próprio mâ!, que fempre ordena Qnij dure a vidâ, para que dure a pens*
Aonde me apartarei dcfte perigo?
Quem me aconfelhanV fc he morto o conde5
Porei a honra, Sc reyno no inimigo,
Qje â tenção de tyranno nada eíconde?
t>5perarci dos fados ocaftigo?
Qie fempre igual aos goftos correfponde?
Q^ cautaila ha, que termo, ou que bô meo^
Pára vencer a vida, 8c oreceo?
se em mãos da cruel Pârcaa vida vira Antes que ncfte trance em que me vejo A magoa de a perder menos fcntira Queo duuidoíomal com que peliejo: Como mcufonho vão ficou mentirâl Como íe tornou pena o meu defejoí Que farei triíte agora fem caminho? Que quanto temo enteado que adeuinho?
Q^emviueoja nos males porcuftume Nenhum síTaítodclles nouo eftranha. Que nem efpera os bés, nemo> prefume^ E J3 conhece aqueilcs que acompanha; Ao que víue fem luz offende o lume> Ao qac fci fempre pobre o ouro acanha; Ay de quem viueo fempre em tal bonança Q4e nunca ccmeo males, nem mudança.
k * O cnj
o condestabredeport:
o engânofa vida a de hum contente, Qne com nenhum cuidado fe defuella Como todos osbés cré facilmente! Qaaõ pouco dosfucceiros feacautella? Como íe moftf a a forte differente A quem mais liuremente fe crè delU? Quaô tarde a conheci? trifte, quaô tarde? Pois não poíTo fugir, & eftou cobarde-
Sâhilsgrimas minhas pouco vfadas A chorar o rigor de hum fentimento Que fe vos tinha a forte reprcíadas Podeis correr agora, cento, a cento: Ay horas de reynar t3m cobiçadas. Que tiueftes tâm doce o fundamento Como vos pago agora â mor valia, Quando eu ja não cuidei que vos dcuia^
Atras defli as palauras, efmorecc, E cae fem fentir adormecida Atè que o dia alegre lhe ofFerece, Remédio, defenfaõ, foccorro, &c vias; Que quando o Sol aos montes amanhece He de muitos dos grandes foccorrida Deixa o conde fem alma, &fepultura, Vaibufcarcâfa, & forte mais fegura.
Para Alemquer fe parte acompanhada
Dospareotes, que armados vaô com cila, Nâo he do Mellre entaõ nifto eftoruada. Que não tem peníaroentos deoíFendella, Aiy procura eftar fortificada Té vir foccorro, & gente de Caftella, AoRey loão efcreue o fuccedido, EdiÁ que ponha cm armas feu partido.
Na
CANTO VII. T^
Na villafc fez forte, &húacfpia HCia noite de Âluercaaauiísua C^ Nuno Alares Pereira aly dormia. Que ao Meftre ( como ouuiftes ) íe tornaua: Eila, que delle o mefmo prefumia Prendcllo pelos feus logomandaua, Que de feus pcnfamentos não fe efquece Nem do cuidado cm vão> que lhe merece.
Maselíe que não viuedefcuidado, Todos feus vãos intentos disbarata, A Aluprcachcga, ôcpaffaanoite armado Como quem fabc a caufa de que trata: Com os que leua eftâ determinado De não vender a vida muy barata Se algua gente imiga fe ajuntaíTc Que o gofto da jornada IheatalhaíTe.
E quando a bella aurora ja decia
Sobre as nuués^ que a noite efcurecèra,' E os paffaros com canto, &: melodia Cada qual mais contente o Sol efpera: Se parte a valerofa companhia. De quem o próprio Marte fe temera, E em pouco efpaflb bella terra chegs. Que o Laércio fundou da gente Grega.
Do Meftre alegremente recebido Foi o Pereira oufado, & animofo Que do Teu grande animo atrcuido Todo o íucceffo efpera venturoío; Os que o tem j a por obras conhecido Feftejaô companheiro tam famofo, Qucamuitosadeuinha o coração Quetemlóqofeubraçoa defenfaõ.^
k i Valerofo
OCONDESTABREDEPORT.
ValcrofoNunaluresfem recco
(Lhe diíeoMeftre ) a quem cm nadaauaro O eco fez de valor, & esforço cheo Como de antigo fangue, iUuftre, ôc claro; O muito que eu cm vos tenho, Sc grangeo NeíTôerprítorsm nobre, altiuo, ôcraro, Bemmanifcftaomeu conteritamento, Se o eu noutros finais não reprefento»
Sempre tiue íegura a confiança
Em voíTo grande animo, 6c verdade, Como a qoem nunca fez fâzer mudança OfeipeicD deirmáos, ôc deêmifade; Se no que eu vos mandei tomar vingança Madei o parecer, nãoja a vontade Qne por a voíTâ ter grande inueja, Euquistomaraemprcfa da peleja.
E quando doutro amigo confiara M-itar ao falfo Conde, incauto fora, Q^enem aoutroNunalurcs logo achara^ Nem cfpetaraacharuos como agora: Se nifto o meu defcjo íe declara E voiTo injuílo aggrauo fe melhora Noutra íatisfaçâoíâqui me offereço Se errei cm pouco, em- muito vos mereço»
Paí^ece a Nuno eftc louuor fobejo Qaafi delle afrontado muda as cores Muito ha, lhe diz fenhor, que o meu defejo Satisfação, merece , & não iouuorcf,- Defuioume a ventura, agora vejo Qoe me guarda occafiôes muito melhores Pois era fem proueito ofFcrccida Para a pâs hum foldado^ 5c húâ vida.
CANTO Víí. 76
Em guerra cftaís, 5c a tempo me oíFereço, Qac moftrara a vontade fe vo^ erra Q^e as vidas dos criados tem mais preço Nos perigos, &: trances que ha guerrp; O que procuro cm vòs, muy bem conheço Que he o mayor valor que em mi íe enferra Quanto vós me eftimais, oú quanto eu poflb Como nacco de vós de todo he voíTo.
Amor, poder, ^ irmãos nada me atalha Que a mim deuofcrfempre o mor amigo Não quero outro refpeito que me valha Mais que efteintontofò que vem comigo: Em fortalezas, campos, & em bataih3| No mais eftreito paífo, 5c mor perigo Sò me mandai feohor, feja o primeiro Com eíle esforço fó por companheiro»
Pode vcncerme a força Gadelha Mas não me vencera dellaorcceo Do mais nada me aggrauH, nem me dana Foi goíto voíTo , ou parecer alhec; Nem cobíçâ de gloria vâ me engana Nem nouas honras, bés, cerras, grangco, A vid^, a honra, a fama, o nome, o gofto Só em voflb feroiço o tenho pofto«
A eftas Icaes razões, que o causlleíro Dizia ícmreceos, 6c embaraços; Q'je a hum coração nobre, & verdadeiro Prendem, obrigão, atão comolaço?^ Não lhe rcfpondc o Meílre , que primeiro Lhe lança ao pefcoço os fortes braços. Não fiando da lingoa, quanto o peito Dctal vaíTâllo cftaua fatisfeito.
K4, ' Eou
o CONDESTABRE DE POR T.
Eoufoflehum natural conhecimento Que lhe dauaaprefagafantefia De aquelle fer columna, afundamento De quanto imaginaua, & pretendia; Ou que o accidental contentamento Lhe cncheíTc orofto> & olhos de alegria Nas palauras, no medOi termo, ôc gefto O íeu defejo eftaua manifcfto.
Doícuconíelhoo faz, &fendo eleito Cada hum dos dellc alegre o reccbeo Entre os quaçs logo cm animo, & reípcito Como o cedro entre os Plátanos fe erguco Depois por fecretario do feu peito Em todo o tempo o Meftrc o eícolheo Que nada imaginaua de tam perto, Que ja não folTe a Nuno deícuberto^
O reyno enuolto em armas, & em contenda Gente inclinada, Sc gente receofa Húspola liberdade, outros por renda, E enganos da cobiça mcntirofa, NunoAlures porque a pátria fe defenda AíTegurandoaparte duuidofa, A fua vida, o termo vfado nega, Não repouía, não dorme, não focega^
Em quanto iftopaíTaua na cidade lano Crato' o Prior h apercebia A moftrar íeu vâlor, honra, Sc verdade AoCaftelhanoRey que clle efcolhia,- E porque o quer íeruir com mageftade De vaffallos.irmãojorça, & valia, Vendo que fò NunoAlures lhe falece, Denouoaconquiftalo feofterecc.
De
CANTO VIL 77
De promeffas do Rey que clle rccufa De cartas da Raynha que o honrara. Dos amorofos rogos de irmão via E de muitos amigos que trâtàrs; Não deixarido lugar á noua efcufa De quantas d^tc mão !hc imaginara Roga, grangea, pede, cfcreuc, & mandai Mas quem o vencera nefta demanda?
Faz vir de Nuno a mãy logo a Lisboa Dos feus muy nobremente acompanhada Sabendo que nenhúa outra peílòa He delle mais querida, ôcreípeitada: Primeiro a feus intentos a affcíçoa. luftificandoacaufa praticada, E depois com promeffas a affcgura Que alem de fer razão, que era ventura»
A venerauel dona que pretende Ver ao filho em eftado poderofo. As nouas cfperanças ja fe rende Com ânimo contente, & cobiçofo; Não conhece porem que nifto oíFendô Aqueilc peito altiuo, & valerofo Chegou, & logo ao filho defejado Communícoufeugofto> 6c feu recado^'
Ofierecerlhemandao Caftelhano Titulo, renda, & honras deíejadasj Se do famofo Meftre Lufitano DeixâíTeas eíperanças enganadas; Chama a feu bom dcfejo, cego engano, E à feus illuftres feitos, vãs paíTadas A Raynha igualmente o combatia Com razões, com promeíTas, com valia^
Ma
ocon'destâbíiedeport;
Mas qual a rochacm altoleuantada Dos diíconformes ventos combatida Que então fica mais firme, ôc mais fundada Qujndo de aíTaltos feus tnais perfeguida^ Tal de Nuno a firnneza contrsftsda. Foi de iotercíTes vãos, ma^náo vencida Antes ficou mais firme, & mais ccnftante Do que o pezo dos Ceos fobrc Athalante»
Eemiogar darepofta que efpcrcu
DascartaSí&promefíascom que vinha As TOiòes delis a dona íe inclinou Crendo que fófcguia o que conuinha; Efinslmente o filho Ihe^sffirmou, Que com a vida, o esforço, & quanto tinha, Ou ao Meílf e veria o que deíeja Ou deixaria a vida na peleja.
Ah não permita o Ceo que feja ingrato
( Dizia )á minha Pátria, & que aígim meo Dos les is penfamentos com que tr*.to Me tire por cobiça, ou por reccoj Quem tem por preço leue, 8c mais barato Catiuar Portugal a hum reynoalheo, Siga feus vãos intentos, mas entenda Que ha braço Português que !ho defendai
,Que qurndo a vam cobiça poíTa, & monte T^nto nos peitos vis que ella profana. Verão fempte efte peito eftar defronte RefiftindoaeíTafuria Caftelhang; Antes da minha morte então fe conte PordeíFenfaô da terra Lufjtána Que afrontarfe viuendo hum peito honrado De ler fó com prom-eíTas ccnquiftado.
Ella
CANTO VIL r3
El!a que o íiihocuuio detta maneira O confirma no intento qut lhe viâ, E o feu mais moço irmão Fernf.c Pereira Lhe promete mandar por ccmpanhi2; iftona defpedida derradeira Lhe encomenda, lhe Iembra> & lhe confia,' Lançalhe os braços, dalhe a benção> parte Ia inclinado o gofto noutra parte.
Quaõ facilmente hum coração catiiio Se vence do interelTe, & da cobiça? Como à Lei natural femoftra efquiuo? E faz do feuquerer honra; 6c juítiçâí Nunca pode o deíejo fcr altiuo Se eíla vil ambição feu fogo atiça Só pode fer illuftre, 6c excellcnte O coração magnânimo, ôc prudente-
Qae fe he tâm poderofa artelharia Eíla que vence agora a tantos peitos Menos nace de ter força, & valia Que de bater em muros imperfeitos: Que em lhe dando a primeira bataria Caem por terra altifsimos refpeitos Que dantes não fundara a natureza Em vet dade, razão, 6c em fortalczaJ
Nunoosirmaõs famofos defampara O maternal amor em pouco cftíma Porque a cobiça vil, injufta, auara Seus altos pcnfamentos nunca oppríma: Poloamor natural da pátria chara Os cftâdos,6c a vida defcftima Tanto a feu cârgotomaadefendella Que mais que o Meftre cm tudo fe defuelfaJ
E porque
o CONDESTABREDEPORK
E porque de ambos era o mòr cuidado De Lisboa o c^ftello que inda tinha MartimAfFonfo valente acompanhado De AfFonfoAnes das Leis po!a Raynha: O Pereira valente, acautelado HQa fecrcta carta lhe encaminha Para o câftello armado fó fe abala: E com o capitão dellc a parte falia.
E com tantas razões lhe reprefenta A tenção com quereyno fedeFende Que o Valente inclinado fe contenta De vir com ellc âquillo que pretende; Mas fó poia omenagem que fuftenta Efcufa fera afronta achar entende Cernãono, pede o prazo que conuinha Para efperar recado da Raynha.
Quarenta horas foi termo limitado Que o noíTo cacialleiro lhe confente Em rcfés fica o Leis depofitado EPedrcanes Lobato hum feuparentCj Nano o câftello à noite tem cerrado Com machinas, efcadas, força , ôc gente Para que outra de nouo não lhe acuda Se alguém fe ofFcreceíTe a darlhc ajuda*
Pnffado o prazo, ^ o requerimento. Que liuraua de culpa o capitão: Mandado de Lianor coníentimento Pois querer acudirlhe fora emvao: lâconfeguídoofimdaquelle intento Que a muitos era dantes confuíaõ Entregue ao Meftre logo a fortaleza
. Ia fealuoroça agente Poríuguefa*
Ode:
CANTO VIí. 7>
O defenfordâ pátria que javia
Qiiando o forte Nunalures lhe importaua Aísí no esforço com que acconutia Como no modo com que aconíelhaua Em qualquer occafião que íe ofFerecia Sempre a íeus pareceres fe inclinaua Defcobrindojanelle hum claro efpelho De esforço, de oufadia, 6c de confelho.
PoremainuejaviI,que não confente Preço, Sc valor as obras de alta eftima, E roendo as entranhas facilmente Corta como a fecreta, & furda lima: De aigús trazia o peito defcontente Aos quaes o valor doutrem defanima Porque como acanhados do receo Aborrecem qualquer esforço alheo*'
Eftes erão dos grandes que afsiftiâo No confelho do Meftre mais oufado Que mouidos de ínueja porque viâo Que era a Nunalures ja mais inclinado: Entre fi conjurados pretendiâo Que foíTe em tudo dellcs reprouado "B que quanto dã guerra aconfelhaíTe ^^or cada hum, & por todos fe encontraíTc^'
Foi logo ifto a Nunalures defcuberto Por quem d'entre elles veo darlhe auifo E por ver efte engano de mais perto Entre íi o efcondeo, com modo, &fizo Mas cedo veo o dia do concerto Que das tenções daquellcs fezjuyzo Rendendo a cada hum pejo, & vergonha Qíje a condição da inaeja he da peçonha.
No
o CONDESTABRE DE PORTJ
1^0 outro dia o Medre difputando
No confelho hum negocio que conuinha Foi â tento o Pereira ss razões dando Ooe com ó feu parecer conformes tinha: Quando os arremelTados do outro bando A quem logo a tenção defencaminha. Todos a húa voz, condenão que era Errado tudo quanto aly diíTera.
De confufas razões fem apparencia
Faz Cada hum de encontrallo fundamento Elle rindofe eftá da competência De todos defcubrindo o penfamento: Exercitando aquella paciência Que efperaua mais alto vencimento Mas o Medre enleado de tal junta Do nouoriíoâcaufalhe pergunta.
Trás de importunos rogos defcobria O contrato que entre elles ordenarão E com quanta razão dclles fe ria Vcndoqueofeuíegredo mal guardarão; A cada hum dos outros que ifto ouuia De noua cor os roftos fe afrontarão. Porem o defcnfor cauto, ôc prudente Os rcprende, 8c diículpa juntsmente.
Qual íoe o laurador, que pouco aftuto Cahio nocepoocculto que elle armáraí De que o lobo faminto, mais que bruto Defuiando as pifadas efcapàra,- Que a vergonha que aly colhco por fruto Mais a fentc, que o mal que exprimentàr 7 Aísi cada hum no rofto moílrâ h? m pejo. Que câftigaua então feu mao dcfejo.
Ceflbu
CANTO Vil. U
CeíTou atenção nelles enganada
Com a própria vergonha reprendida OrdcnaoMeftredeircom gente armada Sobre a frefca Alemquer, que te m perdida,* Eftsuaaviíla forte, 5c bem murada, Donde jaaRsynhaera partida. E o câfrello com gente, òc monições Suftenta Vaíco Pires de Camões»
Partio, Sc entrada a vi!!a graciofa Trás de huaercaramuçâ mui rcauada, Hús defendendo a caía (aborofâj \\ E outros que neíla vão bufcar pcufada: ] Apofentâda s gente beiicoía, Que a pezar dos de dentro teue entradí^, Nuno Alures poílo i mira do caftello Ao outro dia efpera combstello»
Nifto o contrario Rey determinado De conquiftar por armas fua herança Pois do Português cetro, &: nouo cftado Não pode ter na paz outra eíperança: De vaíerofa gente acompanhada Entra no Reyno armado, Sc nãodercanfaj O Meílre que de longe fe apercebe Eis que a ligeira noua aly recebe*
Ia alta noite o campo focegado
Com efcutâs, com guardas, cintínelas De Santarém lhe vem certo recado, Que o Rey com o poder todo de Caftella Ia á famofa villa era chegado. Para ir fobre Lisboa, & combatella. Agente perturbada, que itto ouuira Deixa ao fcu defeafor, & as rédeas vira*
Difto
' o CONDESTABREDEPORT.
Difto auiíado Nuno de repente,
Que mais junto aocallcUo fespoiífenta. Como J3 so Mcftre deixa s fácil gente Porque o tf mor danouí^os ^medrenta: Com elle voita o rofto diligente Sem leuar lanças maisque sté fefcnta Mas tam firme v^ Tua que ir;da eípera Accom^ter âo Rey fe â!y viera.
Eisoccníelhoem partes diuidido Em eíparto & temorenuolta aterra Quenãoquerem queoAícftre apercebido Aguarde o primeiro impetu da guerra: Antes cem os m ns que íeguem (eu partido Se embarque por então para Inglaterra Donde com gente, Sc com poder alheo Conquifteoreyno imigo femrcccc»
Outros de opinião muydifferentc Defenfores da pátria liberdade Querem que o Mcftre em armas fe fuílentc O qual também faftenta efta vontade; O valeroío Nuno ouíadímente A todos roga, e.sforçâ & períuadc Fortalece, ^íTegura; & íe conuida A por ao mor perigo ícmpte a vida»
Cada hora o inimigo armado efpera A queo pouo veAnhofe sjuntaua Doqualmaisterneas forças que lhe dera. Que as q a guerreira Eípsnha artes lhe daua Contra fi feusirmãos, & o que mais era Aquelles contra íi que elle ajudaua, Com tudooquemaisbufca, & mais defcja Hç ver chegado o dia da peleja.
Mas
CANTO Vir. Sr
Mas o contrario Rcy, queinda nãotítiha Com eftes bem íegura a confiança Em Santarém de efpaffo fc detinha Donde por todo o reyno os olhos lança: Cartas, dinheiro, & rogos encaminha 'HQs obriga, outros mouc, outros alcança^' Guarnecendo de gentes Portuguefas AlgQs lugares, villas, fortalezas.
Vendo Nuno que a guerra fe dilata, E o defejo de algus ja perde o brio. Com o Mcftre communica^moue, Sc tratai ■ Ter com o campo inimigo'hum defafio: Que ellc trinta por trinta íe combata Junto a praia que corta o doce rio. Com o Conde de Mayorgas, cuja fama Por todo o mundo em armas fc derramai
Era efte conde em guerras arrifcado. Em obras, & em peffoa tcmerofo, DoCaftelhano Rey muito eftimado De fangue claro, illuftre, &gcnerofo: Famofo capitão, deftro foldado Defcendente do forte, Ôcvalerofo Dom loão Nunes de Lara, a cuja hiftoría Deue inda Portugal Feliz memoria.
Que ao Rey ( que prefo o tinha ) Caftelhano Recuía condições muito importantes. Se do Rey valcrofoLufytano Nâo ficafle vaflallo como dantes; Da prifaô lhe deu logo o defcngano Que eftando os dous impérios deícrcpântcs Eatendia de entrarlhe a própria terra, Enella fazer dano, & moucr guerra*
JL Não
ocondestabredeport:
Não pareceo ao Meftre defâtino Efte accometimento do Pereira AntesotemporlaneoiUuftre, &: dino De hCiafctam confiante, & verdadeira: Nelle confente, 5c vendoo tam benino O que tinha a vontade tam ligeira Ao de Lara efcreue, &: dafaíia, E m inda o mefageico no outro dia-
Em breue tempo a guerra fc concerta
Dom Nuno Álures cômete,o Conde aceita O campo efcolhem, o dia fc liberta
' Cada qual dos amigos fe aproueita: O Meftre ve depois quaô pouco acerta Qojndo com os ícus fez conta mais eftrcítá O prazo impede, o defàíio eftroua, Tendo por eícufada aquclla proua»
O vaíTâllo indinado defefpera
Vendo como o feuimpetufe stalha» Tudo imagina, Sr tudo coníidera Para fe ver com o Conde na ba talha? Bufcalo a Santarém logo ir quifera Por nellc não fc achar tam grande falha Tè que o Meftre lhe diz que hc a^uifado De lhe eftar certo engano concertado*^
E que de Santarém fecrctamentc Lhe mandauão recados que não ôgÍTc Lugar, que o Caftelhano diligente Aos cobiçofos peitos corrompefle: Qoe com a verdadeira, & pouca gente íQiie tinha, os fortes muros combateíTc, PaíTando em barcas logo o doce Tejo»
Aoade acharia os mais por íeu defejo.
T Efté
CÀNTÔ Vli: Sz
Efte confelho a todos preferia Refoluto Nuno Alurcs fcm mais tento,' Tè que a razão de todos o defuia. Que era o perigo mórj que o fundamento: Nem da fè dos recados fe confia. Nem para gentes, armas, mantimento O numero das barcas bafta,&: chega Que até Porto de Mujem íó^nauega-
Nefte tempo â cidade ja faltaua
A abaftança commum que fempre ha nelfal
Porque o commercio, & trato fe eftoruaua
Dosbgarcs,queeftâuão por Caftclla,
ANunalureso Meftre encarregaua
O neccíTario encargo de prouell?;
A deleitofa Syntra logo o manda
Na guerra altiua, 5c forte, 8c na paz branda»
Leua trezentas lançâs, corre aterra T:
Que o Conde de Sea em armas tinha Com muita gente, & prebenções de guerra Em nome de Caftella, ôc da Rsynha: Porem nos muros feus a gente enferra Em quanto aly Nuno Alares fe detinha,-' Fazendo iiure o fâlto, & bem lhe peia '" Não vir o Conde a demandarlhe a preza^
Com os feus ja alta noite apoufentado Com grão copia de gados que trazíaoi! De Alemquer hua efpíatras recado. Que trás ellc á mor preíTa fe partiâo: De Santiago o Meftre nomeado. Com as guerreiras gentes que o feguiãoj E outros dous capitães em companhia De que o contrario Rcy mais fe coníia.^
Lí z " Erá
o CONDESTABREDEPORT.;
Era o Meftrc que agora a lança empunha Polo Rey natural na terra alhea, O íuccclFor do Ozores » teftimunha Que foi J3, de que Nuno os não reccaj O cabeça de vaca tem de alcunha Que dom Pedro Fernandes íc nomeai E outro do mefmo nome o acompanha Dos de Velafco antiga luz de Hefpanha»
Outro Pêro Rodrigues de Sarmento Também da geração antiga, & clara Do Conde que com perda, ôcfentimento Do Câftelhano, o de Aragão matara; E eftando os Reys depois ao cafamento De hum filho; difle aqucUe a quem faltara Seaccpamecortâftesdedom Gomes Sarmentos tenho, afsí os tem por nomes.
Eftcj? três Pedros vem determinados DecâftigardeNunoa liberdade, E que com os mantimentos defejados Não foccorrefle as faltas da cidade,- Numero trazem grande de foldados, ^ Que de encontrar aos noílos tem vontade Mas a de Nuno a quem nenhúa cfpanta Mais que todas as outras fe adianta.
Nãofernoftracuidofo, ou dcfcontentc Da noua occafião> que fe lhe ordena; Porem cada hum dos feus fecretamentc O temerário intento lhe condena: Fogem muitos, que a noite lho coníentc Liurandoos da vergonha. & mais da pena Achoufe domNuno Aluresno outro dia Commenosdefcfentaem companhia.
Eftes
CANTO Vlir. JTj
Eftes poucos pedindo que fe parta Antes de fer mais perto doinimigo E que dos fugitiuos nâo reparta Por entre aquelles poucos o caftigo: MaseIlenemfemoue,nemíe aparta Da vontade quetinha, & do perigo Com razões os d^tem té vir a tarde Que o Sol ja fobrc o mar fe inclina, c arde;
Então vio vir íeu tio Ruy Pereira
Com muita gente armada: que o mandara O M«5ftre â foccorrello, que a maneira Soube com que o feu campo fc efpalhâra: ReconheceoNunalures a bandeira, Com que à primeira viftâfe enganara Elle com os poucos feus ledo o feíteja, E ordenados eftão para a peleja.
Ia reprende ao dia de apreíTado Porque falta com elle a confiança De vir o Meftre, imigo defejado Do qual quiíera ter certa cfperançâ: Atè faltar de todo o Sol dourado E cfcurecerfc a noite, não dcfcanfa Qualquer brado, ou rumor que fc ofFerccc Tropel de Caftelhanos lhe parece.
Ce*roufe a noite efcura, & não víerão Qjando o tio a partiria o perfuade Azemelas,& carros, quetrouxeraõ Ia carregados vão para â cidade: Sc nella alegremente o receberão Deixemos a geral necefsidade, Q^ inimigo não ha que tanto dome Como a vil, importuna, & triftc fomeJ
L 3 Mas
o CONDESTABREDEPORT.
Mss OS tres capitães, queerão partidos. Por encontrar ao noíro cauaiteíro. De quem podèraò fcr bem recebidos Setroux€rãog£.lope mais ligeiro: Ia depois que os Pereiras recolhidos Teueíão na cidade hum dia inteiro, Chcgão de Syntra aos frefcos arredores,' A oouir as queixar vás dos moradores»
E com a gente oufada, que arrogante Nâs coítâs do inimigo a fúria acende Vão doas aolumiâr que efiá diante Porque Difib a cidade mais fe oifende: Mas o Meíire de Auis, que hú breue inílantè Não falta á liberdade que defende Kão lhes dà tempo a que clles dano facão As deleitoíâs terras que ameação.
togo que da chegada teue suifo, E que eílof uaila a preffá lhe conuinha Por não fazerem dano, & perjuizo, A gcotedacitíade tfimvezinha^ AdoraNunaluresmandâ deimprouífo Porque elie de chegar mor preíTâ tinha Com os trezentos que íeguem feu pendão Polas portas fahio de íanto Antão.
ISJão caminha tamleue, 6c 'tam contente O que vem defcânfar de graõ jornada. Nem mais fe alegra a marinheira gente Que ve de longe a terra defcjada: Do que o capitão forte', & diligente E a !eda companhia aluoroçada Se contenta de v er tam perto a terra,' Aonde tem certo o imigo.ôc cctta ^ guerrar
Ficoti
CANTO VÍII. U.
Ficuu em pouco eípsíTo dcUes perto, Porqae o delejo ^ todos apreíf^ua Puem os feus cm b/icalha , Sc cm concerto Gaia para ondeo ímigo íeslojâuí^; Que ja como suírâtíO; 3c como experto Em ordem depelejs pofto eftauâ Tocão trombetas de hum, Sc doutro bando Seguifi do â Nuno, os noíTos vão chegando.
CANTO VIIÍ
Ojprece dom Nuno A lures Ifata/ííi adomPedrâ T.C mandes de VcUfco ér ^ Per o Rodrigues Sarmento: Biles fe retirâo fem pekjxr. O Me [Ire dom hão oftz^ recolher k cidade , dofíde vécom elie à Almíida: Aly tem puláurâs no Confelho com o Conde de i^myoloSj^ (í;* comfc ti filho Cênfirmn depois,os moradores d% vilh tmfertiico do Meftre, En.tlo no Crato mititoscapítles Ca/lelhíinos covtfanor do Prior dom Pedr atures Perei^ ya, para defiruirem as terras de Alem Tey^ Mandão Mejlre a iom Nunahres a defendcíãs: Vai a pelejar com o Prior fea irmão ^ com o Ueflre de Calatraua . é* outros capitães Caflclhânos : O irmão lhe mmda ao ca- minho hum mefageir o faraó de fnaàir deHe intento^ é^tlle fegmndoo lhes dl batalha, entre Fronteira^ & Bfiremoz,*
L i Diante
Ô CONDESTABRE DE PORT:
*^^=^^ íante do efquadrão armado, & forte li ^^^ ^ famofo heroaLuGtano,
-~^^| Qae a pè tenta prouar a varia forte, E dar de íeu esforço o dcfcDgano: Ameaçando dano, perda, 8c morte Deftroço, & fim ao campo Cafteihanoi Por bâílão huâ lança? & tâm piquena. Que a refpeito das outras era entsna.
Em os contrários entra o vil receo Vendo aquellaoufadia temerária. Cada hum ve pouca a gente com que vcoi E lhe parece muita a que he contraria. Nos Capitães fe vé o meímo enleo Fáltãoda guerra âordem necelTaria, Cada qual jafe anima, & ja fe efpanta,' Mas nenhum para os noíTos fe adianta.
E afsi como na nao a que a ventura
Leuou com o brando vento mais fefmofa
Que vendo vir no ceo a nuue eícura
Que ameaça a tormenta rigurofa:
Teme o Piloto: a turba íc miftura
Amaina, grita a gente receofa,
Afsi aos inimigos lhes parece
Que hc o Pereira algum trouão quedecci
O Sarmento que vinha na vanguarda A pè, & a pelejar determinado Vendo o temor dos outros fe acobarda,' E torna atras do intento começado: Salta à cauallo, & cuida que inda tarda Segundo o capitão vinha aprcíTado Eoilluftre Veíafcoque atras vinha Com toda a gerjtc armada fc detinha^
Mas
CANTO VÍII. 8;
Mas logo teueauifo do Sarmento, Que voltar heconfelho mais maduro Do porque, que clle fabs o fuodamento Mas também pára nòshe pouco eícuro; Retirados ao feu alojamento Se vão daly que he termo mais feguro, O Pereira bradando osenxoualha Vendoos fugir armados da baralha.
Ah, diz, capitães fortes cfperai
Não fe conte de vòs effa indecencía, Prouemos a ventura, pelejai, Que me fará graô dano voííâaufcncia: Eítes poucos que tenho catiuai Que farão pouco cfpaflb refiftencia Se inda hoje eres leões feros, ôccufados Como agora fois ceruos, & efpantadosS
Se para me bufcar foftes armaruos Fazendo em vão jornada tamfobeja Aqui venho á mor preíTa por bufcaruos. Que cada hum bufca aquillo quedcfejat Qj^c razões achareis de defculparuos Sc agora me fugis defta peleja? Como não vos correis gente atreuida De antes de pelejar, ficar vencida?
Em vão neftas razões fe defpendia O capitão famofo, que o Sarmento Os fcus com medo, Sc arte recolhia,' Por não dar com mais cufto o vencimento: Do que lhe diz Nunalures nada ouuia. Que perdendo de todo ofofrimento Soltou muitâs palauras difcompoftas A que o bom capitão viraua as coitas.
Ficou
o CONDESTABRE DE PORT;
Ficcuporelleocsmpo liuremente, E a vitoria alcançada fcm peleja, Eelledeíleíacccíro dcfcontente, ^ Porque nem bufca 0 pa^, nem na deícja; E animando de nouo a forte geote. Pára qualquer perigo mor que veja IrfegmndoprocuracCaftclhanc ^
Que não quer vencimento ícm feu dano.
Sabendo logo o Meftreefta vontade, Quefemprcdopcrigofesa efcoiha Sae com gente apreíía da cidade,
' E faz que o caualleiro íe recolha: Comiftoafeupezar feperfuade, ^ EacadapaíToemvâo para trás olha, Comoquelâlheíicââ melhor caça. Mas ja para outro dia os ameaça»
Defte inimigo a terra focegada. Porque doutros vezinhos fe temia O Meftre defenfcr vai para Almada Com o noíTo Pereira cm companhia; A villa a íeu intento rebelada Ficou da íua parte aquelle dia, Com promeíTas, fauores, êc amifades; Queheapriíaòmaisfâcil das vontades.
Alyo vembufcar, Sc íe lhe ofFrece O Conde de Arrayolos, que antes era Do Caftelhano Rey; porque conhece Qííaô bem em tudo o Mcftrc procedera: Poio que dos principios lhe parece, E a íeu filho dom Pedro, que trouxera Ficno pêra que o Meílre os reja, &; mande, Que então de fi lhes. deu parte mui grande.
Ouuc
CANTO VIÍL S^
Oiiucalyfeuconíelho scuílumado:.
Aonds o de Csílro honrado lugar teuc^ Contâlhecoáoo feito começado Q^ncofâzdeprefente, & farxr deue. Seu intento tatr. firme, & tana fundado Os verdadeiros feus, em que fe atreue Mas o Conde lhe oppoem razões mui varí \ NeohQa em feu fauor, todas contrarias%
Conta o poder, fie as foreâs de Caftella, E os grandes que de ca por elia cftauão, Os muitos que ha miíter para oíi^endeia, E os poucos que por elle pelejauao,- Diz, que demanda vã parece ^quella, Ecn que tam matas forças fc igualauão,' Que hs juíto; & bem fundado squcl!e intetd Mas nos feus maí feguro o fundaa^ento^
Nuno a quem ja a ira oufâda nega Lugar à msgoa que no peito cfconde De cólera a razão catiua, ôrcega Iníiâdo tornou ao claro Conde; Qoe vem bufcar ao Meflre, 6c fe lhe entregai Mal com o defejo às obras corrcfponde; Quem lhe impunha o intento que defende Não no venha í^eruir contra o que entande»
Nem Português fe chame verdeiro
Nem ícruidor do Meftre, & bom vaíTalío Nem forte, & valerofo cauâlleiro Quem com râzôes procura eftoruallo: Não lhe faltão vaíTallof, òc dinheiro Gentes de ífFantariâ, 6*:decaua!!o; Náo a fe defender de gente eftranha Mas para conquiftar atodaHwfpanhs.
E quem
o CONDESTABRE DE POR T.
E quem pata íeruillo fe offerecc
Não lhe deue encontrar tenção tam pura,' Que,tudooqueha natcrra o fauorece, . E o eco con:i grandes nioftras o aíTegur 3; Na peleja, & nos trances fe conhece Qncníi íeguilo defeja, ama, & procura, Q^ confelhos contrários ísò femfruíto Einda que valem pouco ofFendcm muito»
A ifto afrontado o Conde reípondia, Eapunhando doai Pedro lhe refponde: Accufando de Nuno a demafia EmoíFcnderfemcaufaaonobre Conde: Mas como os elle então pouco temia. Nem lhes nega repofta, nem fe cícondc. Mas o Mcfl:re que ve as razões crcccm. Calar os manda, & todos lhe obedecem»
A cada hom ardia em fogo o peito. Que com furor nos olhos fedei cobre O Mcftre com brandura, & com rcfpeito Conforma o capitão, Sc o Conde nobre: Volta para a cidade fatisfeito Da villa que a tenção fingida encobre, E afsí vendo que delia era partido Ia andauaopouo cm partes diuidido.
Que como a terra fora da Raynha, E os nobres delia feus logo atalhauão A vontade leal que a gente tinha E mil motins entre cila Icuantauão; Deftesaodefenfor cada hora vinha Noua, que os feus leais difto auifauão, Manda de nouo a ella o forte Nuno Que alegre pâíTa as agoas de Neptuno.
Com
CANTO VIII. Ê7
Gom fo quarenta lanças queleuou Seni dâr Rcua ou Snal que âly chegáíTe Da fortaleza as portas lhes tomou Porque nerthum da villa nella entraflc: A noua de hús aos outros alcançou, E por faber de perto a que voltâíTe Se âjuntão aonde eftâ forte o Pereira Qac a falar começou defta maneira.
Moradores leais cuja verdade O Meftre meu fenhor ama, & defeja Obrigar mais por termos de amifade Q,ue por força de gente, & dcpeleja: Depois de ter moftrado cfta vontade Quebemdeueisíâberquaò purafeja Soube que andaua a voíTa na balança, Emandoume informar defta mudança»
Sc como Portugucfes verdadeiros Quereis guardar o voíTo foro antigo Amigos nos tereis, & companheiros Como a elle por fenhor, & por amigo Mas fe como rebeldes, & ligeiros Quereis feguir a parte do inimigo. Ou vereis vofla morte, ou voíTo dana, Sc vence o Meftre , ou vence o Caftelhanoí
Como vos efqueceis que prometeftes Aovoffo defenfor fidelidade^ Não íois vòs Portuguefes? não fois eftcs? Qoem vos fez CaftclhanacíTa vontade? De que promeffa, ou rogo vos venccftes? Para dar tam barata a liberdade, E feau ver o rigor da iojufta guerra Catiuaisefpcranças, vida, ôc terra.
Não
o CONDESTABRE DE PORT;
Não vos moua a Raynha, que Ja agora Nãopode ter iugar;na terra alhea. Que aão quer ja de Almada fer fenhora Sò para o genro eftranho vos grangea; Se inda ha raizes fuás lançai fora Aquellâs de que o pouo fe rccea. Ou ficai Portuguefes confirmados,' Ou fcreis como imigos conquiftadosí
Eftasj Sc outras palauras que dizia Forão de tanta força que mouco O s do contrario bando que aly auia E toda a gente a hua reípondeo: Que por íenhor ao Meftre conhecia Pois para defenfor lho dera o ceo Leuantafe hua voz, que a voz lhe priuà Viaa o defenfor noflò, o Meftre viua
Para que cftas vontades confirmaíTej O fâbio câpitãOj com mais certeza E porque logo a villa lhe entregaflc As armas, moniçôes , Sc a fortaleza; Manda pedir ao Meftre que paíTâíTô Aquella tarde ornar, com ligeireza PaíTa á Almada, o caftelío fe lhe entrega Faz a volta a Lisboa, à noite chega.
Ao outro dia aly lhe vem recado
D as villas que entre o Tejo, Sc Guadiana Os pouos tem por elle leuantado Contra o poder da gente Caftelhana: Mas que capitães grandes defle eftado • Correm de nouo a terra Tranftagana Cujo csmpo no Crato fe alojara Que o Prior por Caftclla aleuantàra» ^ ^ - O Por?
CANTO VIIÍ. SS
O Português com osfeus íe delibera Por atalhar ao dano tamfobcjo Com íó duzentas lanças que efcolhéra Que foccorrâ Nunalures a Alem Tejo; Ellc que da jornada cedo efpera Abrir caminho a todo fcudefejo Em breue fc difpoem para a partida E com tal capitão nenhum duuida.
Com elles paíTa a A!mada)aque!Ia tarde E o mar outra conquiftalhe oírerece Que 3 terra em reboliço, & armas arde Por bua noua armada que aparece: Efta faz que na villa, hum dia aguarde Até ver o fucceíTo que a conhece Oito nãos de Caftella faõ de armada Que tem toda a cidade aluoroçada.
Mas o Môftre de Auis em breue ordena Nauios, gente armada, 3c bellícofa Quetemaqucllaemprefapor pequena Para a vontade altiua, Sc cobiçofa; Dom Nuno Alurestãbem que viue empena Parecendolhe agaerra vagarofa Não quer perder monção com que fe veja Noperigo, na afronta^ 8c na peleja.
Daly paíTa entre as ondas que bramião Náo fofrende tam grande atreuimento Com elle íeis no Barco não cabiâo E os mares vem traseííes cento a cento. Com brados os da terra o reprendião Mas cUe vai feguindo o meímo intento Té que hua barca encontra demórvelfa loâo Vaz de Almada o toma dentro ncila.'
Foi
C, CONDESTABRE DE POR T:
Foi tomada, & vencida a frota imiga Nu^o fe vem cançado, mas contente De Almada parte, & com o fucccíTo obriga A que mais íe aluorocc a forte gente: Não ha quem com os dcfejos o não figa Se com os olhos não pode eftar preíente Chega aonde Couna âs varas fe nauega, E aly no mcfmo tempo o Mcftrc chega.
Com elle jantou Nano aquelle dia Honra que a feu valor, & amor fe deue Foi em todos geral grande alegria Saborofoocomer, 6cotempo brcuê; Caualga a valerofa companhia De que o pendão ja moue o vento leuc Té o recio o Meftre os acompanha Com natural amor, com graça eftranhar
Aly cm publico a Nuno os encomenda Que com amor os trate, & com brandura E a elíes que cada hum tema, & defenda, E ame a feu capitão com fè ícgura: A que os manda lhe diz, a que contenda Que efpera, que defeja, Sc que procura Húas mercês promete, outras concede, E dando a mão, & os braços fe deípedc*
Apartafeo famofo caualleiro
Na pátria dcfcnfaõ pofto o cuidado Como vaflallo nobre, & verdadeiro De qualquer moftra,&fè mais obrigado: No caminho gaftado o dia inteiro A Setuualchegou, & afeu recado Os da terra não querem dar ouuidos Que cftao também no intento repartidos.'
Nem
can;to viu; &^.
Nem fâbem fe he da parte Portuguefa Nem fe querem fiar de gente arrrí*Ja AíTaz ao bom Nanalures difto pezâ Por logo achar tâm perto mâ poufada: Mas o feu fofrimento, 6c fortaleza Que nunca foi aos males obrigada O fuftenta muy ledo, & num momento Nos arrabaldes forma alojamento-
põem efcutas, êz guardas diligente No caminho que vai contra Palmela, Porque os não tome incautos de repente Algum tropel das gentes de Cafteila: Dormindo pola noite a mais da gente Para onde o capitão armado veíla Seouue logo híáa voz, arma, arma amigos Que eftào à noíTa vifta os inimigos.
Armãofe, Sc parte entre elles o Pereira Para onde efcuta, òc guardas apontarão Cada hum tomar procura a dianteira Que cô hum galope igual todos marcharão Atè que íoube a efcuta mais ligeira Que com hús alheos fogos fe enganarão. Porque o que o medo ás vezes faz fobejo Afíiguraem mil partes o dcfejo.
Não foi fem fruito aquella madrugada Que lhe facilitou mais o caminho, ^E^mda cftaua a noite defcuidada Q;iando vem Montemor que cftà veíínhoí Os da villâ lhe dão com gofto entrada Alojamento, carnes, fruta, & vinho Detemfe himi dia aly, & a noite efcura Em que híis inclina, os outros aflegura.'
M AEuora
o CONDESTABREDEPORTi
A Eucra chegoQ ao outro dia
Tè o:ide para o fim dcfta vontade Leauuâja da corte em companhia O que ^tinha o gouerno da cidade: Fernão Gonçalaes Darca fe dizia Homem fiel de esforço, & de verdade Repoufaanoitealy liure, & quieta Tò que trás outro dia o graõ Planeta.
Manda logorecado em continente Pola comarca, &pouos de arredor Pedindo armas,'caualIos, carros, gente
' ErafcruiçodoMeftre defenfor: Mas como eftauaaigúa differente Ou por refpeito injufto, ou por tenior Sò lhe vem trinta lanças, mil bèfteiros Maseftesbõs, leais, & verdadeiros*
Com eftes, 5c com os feus faz a partida ParaEftremós, &no arrabalde aíTentá Aonde lhe chega anoua tam temida Que mais lhe dobra as forças, & acreccnta: Qpc a gente que de Hcfpanha era faida Que de Alem Tejo as terras amedrenta No Crato eftaua, foube o conto delia Os capitães, 6c os grandes de Caftella.
Comoteueefta noua do inimigo Intríncheirafe forte , Sc fem receo Porque com os poucos fó que tem configo PoíTa atalhar qualquer engano aiheo: Bem quiferairbufcarlogo o perigo Mas a gente chamada que nãoveo Lhe tira pòr em obra o que dcfcja D G nouo eícrcue a Eluas> manda a Beja.^
. De
CANTO vin: §Q
Í)e cartas, & promeíTas obrigados AIgúsvierão mais que offerecidos Forão bem recebidos, bem tratado: Com termos liberaes, ôc agradecidos:' Confirmandolhe os ânimos turbados Duuidofos algus, algus vencidos. Ejuntatoda aarmada companhia Com voz, ôc com gcfto amigo lhes dízíaj
Companheiros leacs cm quem confifte A liberdade,^: honra Portuguefa Dcfenfores da pátria que tam tríftc Se ve de cftranhas gentes feita empresai Se volTo valor grande nãorellfte, E acanha dos contrários abraucza Acabe Portugal, percafc a fama Que de feu grande esforço fe derrama?
De Auis o Meftrc oufado dom íoão Defenfor voíTo, & pay mais verdadeira Me mandou para vofladefenfaõ Menos por capitão, que companheiros De cujo amor, esforço, & condição
^ Os que cftâis informados por inteiro ' Conheceis com qual animo, & vontade Defende o reyno, 6c vofla liberdade»
E porque agora temos de tam perto O arrogante contrario Caítelhano Que com ódio mortal, ôcdcfcubcrto Procura feu partido, &: voíTo dano Para que cm dano feu façamos certo O noíTo antigo nome^ & voíTo engano Armas, armas famofos Portuguefes A vencer cuftumados tantas vezes.
Mi ^ No
.P CONDESTABRE DEPORTJ
No Crato eftâo com força não fegura - Qjc cm Deos he fó fundada a fortaleza C* m > meu rebelde irmão que na ventura Pò^tudooquedeuíaa natureza,- O que quer câda hum bafca. & procura He deftruír a gloria Portuguefa E com peitâS;, ardis, engano, Sc guerra Tiraruos juntamente a honra, & terra.
Polo que agora eftou determinado
SealgamparecervoíTonâome eftroua De tam valentes braços sjudado Com elie na batalha vir â proua,- Ancôs de ter íeu feito começado Com que a vontade, & forças íq renoua Madruguemos melhor, vamos mais cedo Moftremoslhc as efpadas, não ja o medojj;
As vitimas palauras que acabou O famofo Pereira em continente Inquieto rumor fe aleuantou Entre a mâl ordenada, 6c varia gente: Cada hum feu parecer difsimulou, E pofto que o não diz moftra o que fente Mas de todos fó húa voz fe ouuia Que querem refponderlhe no outro díâj
Elle defta razão mal fatisfeito Dilatar tânco o prazo não quifera Porque ciaro conhece o vil respeito Com qusliurarfcopouo coníidera. E encobrindo então dentro no peito Oque daquellas moílras conhecera As vidas iheslcmbrando, a honraj 6c fama Nàoúace ioda outro dia quando oscham.a.
Com
CANTO Via èi
Com mil rabões guiadas do recco Aly o pouo incerto fe defende Concândôíhô opoder'do campo alhcc Que o medo mais dilata, & mais eftende: A pouca gente,5r armas com que veo, E o muito a que fe arrifca lhe r eprende Sobre fer couía indina que fe veja Contra os próprios irmãos numa peleja?
Quanto fcnta aquelle animo esforçado A fraqueza dos poucos que aly tinha? Qaantas razões em vão lhes tinha dado' Tantas por vários modos lhe encaminha; Comofemoftra anteíles confiado Contra o valente irmão que tâmbem vinha? Como faz pouco cafo do inimigo? Como aly facilita o mor perigo?
E vendo que não va! efta oufadia
Contra o temor que os ânimos fugeíta; Hum pouco efpaflb delles fe defuia, E de hum ardil eftranho fe aproueicat Hum ribeiro paíTou que aly corria E como quem ja tinha a conta feita. Voltando o roílo a clles menos ledo Com taes palauras quer tirarlhe o medo»
Gsnte esforçada agora duuidofa Poftuguefes amigos, porem vários Efquecidos da fama tam cuílofa Q3 hoje voltais à parte dos contrários; Qo^ he da voíTa vontade bellicofs? C^ue h^ deíTes corações tam temerários? (^« he dos braços valentcs,&- acreuidos? Qac antes de pelejar moftraes vencidos?
Mj . Temeis
o CONDE ST ABRE DE PO RT:
Temeis a multidão da gente cftranha K "io ja perda mayor da liberdade. Não he menos vencer a toda Hcfpanha Que viuer como efcrauos por vontade^ Algum fez feito honrado? ou fez façanhaí Se nas forças bufcoufempre igualdade í Se poacos,& animoíos não vencerdes. Sempre muitos fareis aos que temerdes^
Poucos vençeftes j^ de varias gentes Numero dcfigUal da que hoje temos Não defendendoos filhos innocentes
' As mulhere$,&: as terra em que viuemos/ Mas conqaiftando em outras cifFerentes A honra,& prefunção com que viuemos; Como agora ha temor que entre vós poflâ Entregar fem batalha a pátria voíTa?
E fe vos reprefenta o mor perigo
Ver q contra irmãos meus empunho a lança Neiiss vereis primeiro o mòr caftigo, E o mais famofo exemplo de vingança; Cada hum tenho por intimo inimigo
' Depois contra a pátria íc abalança Paguem primeiro a morte o feu tributo <^ue inda que he íangue meu fahio corruto»
E he jufto que fe negue a natureza A quem negou a fè da pátria charaí E que falte vâior,& fortaleza
'- A quem t^mjufto intento defampara; Pouco me parecera nefta empreza Se contra pay, Sc irmãos afsi me armara Qae pois ja poia pátria outrem fez mais Injuft^niente agora me accufaiso
Por
CANTO íx; pi
Por aplacar aos Dcufes que a famofa Roma ameação> com tam grande abalo SeofFcrece Curcioâccua temcroía Dâ terra que fe abrio para efpancalo,' Em fâcrificio feu ( coufa efpancofa) Armado fe lançou fobre o cauallo^ Tò o centro paÒbu^Sc o golpe duro As almas fez tremer no reyno efcuro^
Porque o leue oráculo dizi^, Q^ o campo cujo Rey na mefmâ guerra MorrcíTe, cíTe a vitoria alcançaria Codro â coroa & cetro põem por terra; Disfarçado fe vai fem companhia Morre por libertar a pátria terra OsDecíostamfamoíos, camiouuados Em fâcrificio a pátria forão dados.
Mais hc ir contra a vida defejâdâ Precipítarfeoufado no profundou Por ver a doce pátria libertada Como feg o primeiro, & o fegundoí Que ir contra bua vii gente rebelada Q^ nem aguarda o ceo. nem fofre o mudo Senão ha quem contra ella as armas tome Eu íò quero ir morrer por voíTo nome.
Todos podem partirfe cm liberdade.
Que cu não bufco fenâo quem fe conuídâ* E quem em feu fauor nega a vontade Não teme a fugeição de infame vida; Se algum defca razão fe perfuade, Enão quer ver a pátria deftruida Em fcruiço Sc fauor de Lufo,ôc Marte PaíTe comigo aqui deftroutra parte.
M4 " Oii
o CONDESTABREDEPORT.
Ou foíTe qae a vergonha os obrigou Ou de Nuno as tsízòes^ confufiini^nte A gínte a grandes brados lhe gritoa Qoc era ja de o feruír leda, & contente: O quanto da repofta fe alegrou V O Pereira, que a crc difficilmcnte,' Que paíaúras de esforço lhe dizia? Quepromcíras-queanior^ que cortefia?
Aqueila tarde a varia gente ordena> Para daly partir de madrugada P^epouí\i alegre a noite, em que condena Por preguiçofa a Aurora, & defcuidada: Mas ainda quando a parts roais piquena Do quieto repoufo era paíTada Na fuâ tenda entra aluoroçado O forte, & fiel Aluaro Coutado.]
Ia não durmia obrauo capitão, Q^S ^^ ^^^'^or do criado fe leuanta: Ah,díz/enhor que as gentes fe vos vão,' E nâo fogem do medo que as cfpanta: Fogem como inimigas que eftas íaõ, A brandura não fcja agora tanta LeoantaiuoS; prendeias pois fe atreucm A fugir contra vòs, contra o que deuem.
A eíla voz o Pereira as armas tinha, E fò com o Coutado o paíTo eftendc: E chega a Gil Fernandes, que caminha E a outro quefeguilo J2 pretende; Efta he a confiança com que eu vinha Em vós^ ( lhes diz Nunalures ) be fe entende Que nenhum medojoufombra vos engana Mas que he vontade a vofla Caftelhanâ-
Fez
CANTO VIíi; 9i
Fez qu5 ambos num momento fe apeaíTcm Detcueagsnte,&: cargas qus leuauâo Mandou dar às trombetas que itisrch íTem E as efkreUâs á noite^alumi^uáo Defpede algús gioetes, que mârchaíTem A defcubrir o imigo que buícsuão Para Fronteira armados encaminhão A efperar os do Crato que ja vinhãa
O Prior que também era auifado Doque oirmãofamoío determina Como o tem por valente, & por cufado De feu grande valor tudo im agina. E ou foíle de fâgaz acautelado. Ou que o amor de irmão a tudo inclina KumefcudeirD manda quco feruia Por meíageiroaNuno, &por eípia.
Eftc a todo o poder do bom caualío
Trotando em breue efpaííb ihc appar ece, Nuno fe adiantou para encontrallo, E logo de mais perto o reconhece. Depois de alegremente feftejâilo Como o criado antigo lhe merece Pregunta polo irmão^ duro inmiigoi Epoiâs gentes mais que traz contigo»
Pedelhe que o informe fem engano Daprcíunção, defprezo, ou doreceo. Que delle,& dos íeus tinha o Caftelhano Quem alyo mandou. &oa que vco: Sí? tem por certo o vencimento vfano Aqoelíe campo imigo de armas cheo Com q gente msrchaua, quanta, & donde, Eatudoomefâgciroihc reíponde.
Valerofo
o CONDESTABRE DE PORT:
Vâlerofo fenhor cuja bondade
He por tamclâfâs obras conhecida^ Que jnganodeuo vfar? que faifidads? Ac ního de hum fenhor que me dea vida; Quando importara s vida eíTci verdade Era em voíío feruiço bem perdida. Mas aíTâz pouco he fcr mais declarado O que não he íegtedo, antes recado.
yoíToirmãoteueanoua verdadeira Da eraprezâ que tomais tam perigofa A pouca gente voflTâ, & a maneira Com que a trazeis forçada 8c duuidofâ; E porque era voíTo danoCoceo nãoqtjeírâ) Se não conuerta húa obra tam cuftoía Por atalhar ao mal que cftà vefinho, Me mandou encontaruos ao caminhoj
Pedcuos que deixeis a noua empreza Em armas deílgual, em força, & gente^ P.ebelde, &: pouco certa a Pcrtuguefa,; A de Caítella muita, 6c mui valente: Quecomo irmão fiel cambem lhe peza Não vos valer no trance> que ptefente Eítàneftâbâtalhaa&que defeja Mais vcíTa honra, que o fruto da pelcjaJ
Qu e figgis de Caftella o Rey benino,
Qoe he confelho mais jufto, è mzis fcgurò Qne vos fará as mercês de que fois dino Nelte tempo de sgora, ôc no future; Que o ai he tudo engano, & deíátino Que não cabe cm juiso tam maduro Que volteis o câuâiio, êc a tenção Pois que não vai fem gente o capitãot
Ecti
CANTO VIIi: ?4
E cu valente fenhor que agora vejo A pouca que trazeis em companhia. Mais obrigado eftoa por meu dafejo^ Q^ie por efte recado q«c trazia: O numero dos noflos he fobejo, E faz fobeja, & vam voíTa oufâdía, Voltai daqui, vo!tai> que o mor acerto He fogir do perigo que eílà certo-
Os capitães, 5c os grandes que acõpanháo O Prior volTo irmão, lhe preguntàraô De voflb intento vão, que tanto eíí ranhão E delie em voíTâs coufas fe informarão; EDasfaô taes^queaomór esforço acanhaõ Eftaem particular todos culparão Pesâlhes por faber que o voíTo intento Tem certo o dano, 6c falío o fundamento*
Forão de parecer que me mandaíTe A dar de fua parte efta embaixada, Que com o recado a el!es me vokaíTe A fronteira, que deue eftar cer câdâ,- E como amar antigo me obrigaíTe Fiz com maior feruorefta jornada Eíteheointentofeo. 8co meu recado Se mal aceito for he bem fundado»
Aiftoque relataua o efcudeiro
Com palâuras dífcretaj^ &c auifada?,* Lhe refponde mui !edo^ & prazenteiro Que lhe agradece o animo, ^ paíTadas: IMas que não quer o irmão por confeí heiro,' Nem feguir as que tem tsm mal contadas. Que aceita da vontade a tenção boa. Porem que à pretenção não íe affeiçca.
Que
o CONDESTABREDEPORTJ
Qne ido ao Prior, & a todos refpondeíTe, E que para a batalha ie apreftaíTcm Aonde efpcraua em Deos íe arrependeíTe, Eosoutrosícu poder deferganaílcm: Pede ao mef^geiro que fe aprcíTe E lhes foíTe dizer que o eíperâíTem Que chegar tam depreíTâ não podia QueelIenãofoíTeja os compsnhia^
O efcudeiro as rédeas recolhendo Dámuirijodeefporasao causlío Aos feus o bom Nunalures vai dizendo Que temem ja os imigos de efperallo; Algús fe vão de nouo esforço enchendo E a outros foge o fanguc de cuidalío. Cada hum no roílo moftra que creceo Mais cores toma> & formas que Protheo,
Em quanto o capitão fc defuelaua Os poucos duuidoíos ordenando Epoftaagcntcem ordem caminhaua Os alegres pendões ao vento dandoj OmeíTageiroaíluto fc aprcffaua A leuar a repofta, que cfperando Eftauaõ junto aos muros de Trontera Os irmãos, & inimigos do Pereira»
Tinhão .cercada a vilia> & ptetendiâo Que naqueila hora o muro foíTc entrado C^i^ndo ao trafpor de hú monte defcobrião Q^uc vinhaomefageirocom orccadoí Em continente o cerco fuípendiâo Ouuindo como vem Nuno aprcílado Cada hum dos capitães mais diligente Põem em concerto, & armas toda a genter
Davilla
CANTO VI IL ^y
Da villa os arrabaldes ja deíxauão
Pondo logo em cãpanha os fcus guerrciroSj Quando os noíTos tambores ja íoauão, E as fonoras trombetas nos outeiros; As bandeiras ao vento deípregauão De alegres, varias cores, Sc ligeiros Os ginetes o campo defcobriáo, E as armas contra o Sol reíplandeciâoe'
O exercito difpoem dos que configo Trás, num lugar á guerra accomodado> Mea legoa da villa, que o imigo Antes com o feu poder tinha cercado; Que era com humilde nome aíFas antigo Do vulgo os atoleiros nomeado, E efta agora dos noíTos &: eftrangeíros A batalha fe diz dos atoleiros*
O aluoroço em hOs, noutros o ef panto Fazia eíFcitos, 6c roftos diíFerentcs; Elle inuoca primeiro o fauor íanto Depois com elle esforça as poucas gentesi) NáoQO vence do imigo poder tanto Nem teme os braços, fortes, Sc valentes Só Tente ir contra hum peito Lufytano, Que encerra hum coração tam Caftelhano»
Os feus faz apear, porque imagina.
Ou vencer, ou morrer como esforçado
E porque o prometera, determina
Diante accometer o bando armadoj
E em quanto ao pè de hum mote, é na capina
Eftaua o feu exercito efpalhado.
Correndo a todas partes o ânímaua
A Deos, a terra, ávida lhes lembraua.
Depois
o CONDESTABRE DE PORT:
Depois atmados a pè na dianteira A fúria dos contrários fc oíferece Por cumprir a promeíTa verdadeira Que à vifta do perigo não lhe efquece,* Lança que fenipre hc fó, fc ja a primeira Que contra à força imiga preualccc E aquclle, braço, &: peito maisq humano Arme, & fuftente hum campo Luíitano;
Ah exemplo de esforço, & de bondade Honra, & gloria da gente Portugucfa Peito onde o esforço, a fc, honra, & verdad^ Fiseraô contra o tempo fortaleza; Nem cargo, nem razão vosperfuade A cautclla que aílombrc húa fraqueza Bem he que indo diante aflbmbreis tudo £ que cubrais aos poucos com o cfcudo^
CAN3
;CANTO IX.
9^
GANTO ÍX
ContAfeabâtdhádos l^í oleiros, da tj uai fica dom Nano Alures com dVÍtoYU: Cere a a MonforteiTomí v^nonches: Entregr.felhe Alegrete :Tornafe a Euo- ra» ChegA a Cafcaes huxgro^a armada de Cajlella par^ fe ]iíntar com o campo dei Rcj íjue vem fobre Lisboa: O Mefirc manda Armar outra no Ponoparafe combater tom ella. Dom T^unalurespor fe achar nejíe encontro^ deixa asfronteiris:Contafe $ que lhe fuccedeo ate tor- nar a ellas: Toma o caflíllo de Monfaras: Dtjbarataa JôÃ^ Rodrigues de CaUanheda jtmto aos muros de Bar áajoz^ De nouofe Aiuntano Crato a for f a das gentes Cajlelhanas para âejlruircm Atem Tejo, & direm ba- talha A Nun atures: Bile fae de Euora aos receber, ^ chegando de perto recufa^ a peleja^
Anto que os ammofos combi
tentes O^oífendidos muros defam-
rão, E ven de Nuno as ordenadas
gentes^ Q^M^ na chã decorre os valles feaffentáraô: Os capitães foHcitOô, òí ardentes Conoosfeusem breue crpaíTofe apearão, 1- à viftado contrario caminhando Tambores, & trombetas vão tocando.
Ealíii^
o CONDESTABRE DE POR T.
Eindâ que vinhão todos cobiçofos Da vitoria que ja por certa auião, E a pé como valentes, Sc anitnofos Cocnb a terfe coro os noífos pretendiaô; De hum y il receo os ânimos medroíos Nos coníelhos 8c traças deíuarião, Que entre elles nenhum hâ ^ não fe cfpantc Vendo a Nuno Aluresja que eftà diante.
' Mudão intento, & mui ligciríímente
Cauaigâo, prefumindoquehebom meo Para a bem ordenada, êc forte gente Se mouer à fraqueza, ou arreceo; Porem fahio o efFeito difFerente Deita prefunçãoíua aíTaz alheo Qne as armas de ventagem que tomàraõ Contra feus próprios donos fe tornarão.
Com hum tropel arremete, ôc grâõ quadrilha A que incita a trombeta fonorofa O bom Pêro Gonçales de Seuilha, Cuja lança então foi'pouco ociofai Efcsparlheferàgrâõ marauiiha Que leua muita gente, 8c furiofa Dando alaridos vãos, que o campo atroão Dardos, fettas, virotes, lanças voão.
Qual foe polo inuerno temerofo A corrente do Tejo mais izcnta Romper o campo fértil, Sc efpaçoíb Easaruoresleuarcomoa tormenta: Tc que encontrando o monte pedregofo Que feguro a feus golpes fe fuftenta Tornando atras às ondas atreuidas Quebrão ja de canfadâS; & vencidas.'
Com
CANTO IX. 9t
Com tal bf âueza a gente Caftelhana ComtemcroíoíomA eftranhoabaíío Rompendo entraua a gente Lufytana Qiie efpera a furia toda de acauallo^ Té que encontrando a rocha mais vfana De quantas fere o mar Hírpano,& Galo Vencida torna atras,& o feu receo Do numero mayor faz mor cnleo.;
Qual encontrando a lança mais fegura Com o ferido cauallo proua a terra. Qual entre os feusfogindo fe meftura,' E aos próprios companheiros faz a guerra^ Qual dos arções trazeiros fe pendura, Qualfoltaaredea, &:do pefcoço aíFcrra, Qual do golpe feroz defacordado Vai prefo dos eftribos pendurado.
Hum cae aqui, & nelle outro tropeça.'
Outro correndo vem, que a queda efpanta Confufamente a briga fe começa. Com o pó que em negras nuués fe aleuanta: Não ha quem determine ou quem conheça Se fere o braço, o peito, ou a garganta Para onde hum volta, volta o feu veíínho, £ o cauallo fem rédeas faz caminho»
No meo deftc aflalto perigofo
Suftcnta Nuno o campo com a efpada Golpes cftranhos dá fero, animofo, E com a voz aos feus anima, & brada; Do perigo maior mais cobiçofo. Hora aqui, hora aly fazendo entrada Oi da vanguarda a tempos foccorrendo,' ! Ia polo campo imigo vão rompendo.
N Dobraíe
-o condestabredeport:
Dobrafe a fúria, então crece a pujança Dos poucos 'Porcaguefes vencedores Cadahutn emprega o golpe, enfopa a lança Defpede dardos, fettas, pafladores; Nano gritando eftà (mas não daícança) Pelejai vaieroíos defenfores. Que agora he tempo^Sc ^nefte não' fe efquecc De hum cauaííeiro armado que aparece»
Pêro Gonçâlues era cfte guerreiro
Qoe vendo os feu5 que voltão fem concerto
Como animoro,& brauo caualIeíro
Acode da batalha ao mòr aperto:
E vendo aquclle Marte verdadeiro
Qje o chão de Tangue, Sc armas.tcm cubertq
K o peito forte efrriba a lança dura
Pondo a vitoria fò nefta ventura.
Em contra o fero Nuno,6r foi de forte Qne a lança em varias partes diuidida Rompe a íoílâio a ma^ha dura, & forte Tc íhc fazer no peito húa ferida: Mas empreço deixou nas mãos da morte Com honra grande a defejada vida Que com hum pezado golpe Nuno o alcança E corta juntamente o br2ço,ôc lança.
Vira o cauallo ja à rédea foíta,
E o fenhor arraílrando iras íi leua: Vendo o feu capitão por terra, volta A gente que não quer que outro fe atreaai Na confufâô furÍGfa,& na reoolta Onde o ódio mortal fe acende, 6c ceua Socccrre o Meftre então de Calatrâuay Que % tâmbem â morte o cfperaua.
' "' "' Vinha
CANTO íx; ^v
Vinha fâzendo o Mcftre grande cftfâgò Na âla^quc entre os feus punha fi bandcírj^ Dizendo a grandes vozes Santiago, E fere oufadamente o graõ Pereira? E!!e que a recebcIo,5c darlhe pago Eftâua poílo a pc na dianteira O re cebe com feria tam fobeja. Que deixa o ^víeftre a fcila, oc z peleja.''
Entre os braços de Nuno perde a vida Como Antheo a perdeo nas de Thebaao Qje reíueiando a Lmça dcímeotidâ Da fella o tira o forte Lurytànc: E a fúria dos íoldido5 desmedida Lhe deu de feu esforço o defengano,' Q^ a pefar do fenhor tomâo vingança Dos que tinha oftendido a forte lança^
Volta a vanguarda ja fem reíiílencia, E o Prior na reguarda como efcudo Os feus anima à nooa experiência luntocopiMartim AnnesdeBaruud?/ Mas esforço não va!, arte, ou prudência*' Q»je o receo cobarde vence a tudo. Cada hum da própria vida trata experto,' Que não quer ver a Nuaalures de tâm pcrtoj
Aos feus diz o Prior (que nefta enuoita Em vergonhofa ira o peito acende) A elles cauâlleiros, volta, volta. Que agora acabará quem vos oíFende: Eítc de quem fugis â rédea foíta. Que feu íâogue afrontar porfíi pretende Saberá com razão, que he delle indino, E pagará feu fero defacino-
Ni Efo-
o CONDESTABRE DE POR T.
E fopefando a lança groíTa, & dura Para bufcar o irmão fe apercebia, Qaando a vencida gente fe meftura,' L em Douellada o paffb lhe impedia. Em vão buíca o Prior, que a nuuc efcura Doleuantadopò tudo encobria Dando vozes fem tempo, 5c fem proueíto Fere os fcus fem gouerno, Sc fem refpeito.
Volta o bom capitão trás dos foldados A que os noíTos no alcance vão ferindo. Que algus caualgaõ dcílros, & apreíTados;^' E com o capitão Nuno os vão feguindo: Wuitosdeixão feridos, derramados Que para varias partes vão fcgindo Tè que o ceo lhe reprcnde a vam perfia, Queja para voltar lhes falta o dia.
Lcgoa & mea do campo as rédeas virãoj Para voltar aos feus, que alegremente Da batalha os defpojos diuidirão
^ Nuno Alores da vitoria íò contente: A fronteira fe vão, aonde dormirão Ferida muita, ôc: morta a menos gente, Poremtam animofaa que ficara. Que nenhum nouoâíTâlto receara.
Mas vos, ò capitães, que antigamente Conquiftaftesafama vencedora Cuja memoria vem de gente em gente A nos feruir de exemplo para agora. Qual de vos mais oufado, ou mais prudente Que por esforço, ou arte íe melhora Com aftuciâs, ardis, & enganos vários Venceo primeiro os fcus,do que os côtraríos?
Anibal,
Anibâl, Scipíão, Cefâr, & Adtonio, Brutos, Fabios da fsma tam íoauado^, Pompeo Magno, o Magno Macedo.iiCr Exemplo de vâlor, temor dos fados: O Grego aftuto, o bom Lacedemonío, E outros que aqui poderão fer contados Percão do nome antigo a fams, 6c gloria Q^ue efta he das mais vitorias, a vitoria.
Vencer ao ímigo em campo aberto, DisbafataloemforçâS,&em muralha Com poucos he esforço; Sc grande acerto Venjcer com muita, & barbara canalha,- Mas com razões vencer a hum pouo incerto E com elle forçado hua batalha Tam deligual em armas, força, & gente, Hetemordopaírado,& do prcfente.
E trás ifto vencendo â natureza
Defprezando honras, bés, focego, Sc terra,
Sòpola liberdade Portuguefa
Fazer contra, os irmãos, & o mundo guerra?
Sò deNunaluresfoifamofa empreía,
Sò tâl peito tam grande esforço encerra
Só delle canta a fama, porque a tanto
Nem alcança o louuor, nem fobe o canto.
Defcanfaanoitealy defte trabalho
(Se nos feus he de crer, que ifto fe entenda ) Aonde a bufcallo vem Vafco Porcaiho Que então tinha de Auis a mor comenda; E entre muitas razões, que agora atalho Se queixa de que a forte lhe defenda Acharfe aquelle dia na peleja Pe cujo meo, ôc fim tem grande ínueja*
N 3 Mal
ocondestabredeport:
Mâldizcndoâ ventura fequeixaua , De não verfe com el!e em tal perigo. Mas o forte Nunaíuf es o animaua Pata outros que eftaõ certos no inimigos Com elle a noite paíTa, cura, &: íaua A ferida a que deu tam bom caftigo, Mas como delia efpera outra vingança Pouco rcpoufaalf; pouco defcanfâ.
Ko cume, & polo vão dos altos montes Os cauâllos do Sol appareciaô, E dourandofe os roxos oriíontes
- As riquezas da terra deícobríão; Nos alegres ribeiro?, & nas fontes jMi! rayos entre as agoas fe efcondiaõ; <>iâQdo acordando o capitão valente t az logo tocar caxaà forte gente*
^ Monforce le vai aonde fabia
<^e eftâua Martin Annes recolhido Comoreftante da gente, & pretendia Recolher todo o campo diuidido: Cercando o Nuno vio que não podia Entrar o lugar torce, & defendido Com tudo o dia inteiro o cerco teuc Por ver fe algué lhe fae, mas não fe atreue^
iavinhaofantodia smanhecendo ÉmqueobmefalcouaoSoI, 6càLua Vendo o feu criador na cru? morrendo. Por quem nella lhe ordena a morte cruai Quando o capitão pio recolhendo Psraoutfo nouo intento a gente fua. Deixa o furor das armas cuftumado E com outras a Deos bufcaaa armado.' -
Defcâlço,'
CANTO IX- ' iôo
Delcalço, lâgrimofo, & peoitente Apètriftefeparteem romaria, E em prcciíTaò deuota a forte gcntô Que para âchar a Deos leua ta! goia,* Com hum animo humilde, òc penitente C hegaõ ao fânto templo de Maria Qae âoAçumarcshioditofoem forte Húaiegoa dos muros de Ivlonforte.
Onde atras muitos ados de humildade Moftrou aos ícus exemplo proueitofo Que quanto mais o fobc a dinidada A Deos fe humilha mais hum generofor O eftranho valor, alta bondade Capitão tam humilde, quão famofo Quem vosnãofeguiràaomór perigo Se indo conuofco a Deos ieua configoJ
Depois paíTado o tempo tam diuido
A penitencias, & âfperos filicíos '
A Deos o campo todo reduzida
Por confifsões, jejús, Sc fâcriíicíos:
De aço Nuno outra vez eftà veftido
Para os guerreiros, daros exercicios^
E vai cercara Arronches que eftâo nella
Companhias da gente de Caftella.
Entrada a villa á força Portuguefa Pedem fó liberdade, 8c pedem vida Por partido os que eftão na fortaleza E efta íhe he do Pereira concedida: Dado fim facilmente a efta emprefa Outra noua melhor tem recebida De Alegrete hum recado a prcíTa chega Ao c hamar que a vilIa fe lhe entrega.
N 4 Manda
o CONDESTABRE DE POR T.
Manda logo em feu nome hum câualleiro Que o lugar polo Meftre aceite, & tenha C^uehe delle natural, bom* verdadeiro Mârtim AíFonfo o chamão de Aramenha: Baftecer os lugares vai primeiro Para qualquer cuidado que lhes venha Que a Euoratornao capitão fsmofo Aondea ventura o tem pouco ociofo.
Nella o deixemos: que arde a graõ Lisboa Vai grão tumulto, 6c grão reuolta nclla Com guerra que ameaça, Sc apregoa HQa mui groíla armada de Caftella; Cujo eílandarte os ares corta, & voa Pola praia do Tejo rica òc bella QuedsCafcaesnolargomarfeeftende i Cujo deíTenho a terra toda entende.
Pára o temor do bando vil plebeo Aconfufaõdâgentemal fegura A mudança dos ânimos, o enleo^ Dos que tem femprc os olhos na' ventura: O Meftre de valor, & esforço cheo Entre tantos contrários de miftura Acode a toda a parte, Separa a guerra Repara os muros, fortalece a terra»
Na cidade do Porto cm continente Manda armar outra frota poderofa De nãos, ôc de gales de varia gente Voluntária, efcolhida, bellicofâ: Que no mar a batalha lhe aprefentc Defafombrandoaterra receof^, O Conde dom Gonçalo que vai nella E o brauoRui Pereira ja daõ vella.
Eis
CANTO IX. loi
Eis dcfta nouidade fuccedída O nolTo capitão logo auifâdo Ia aos guerreiros fens moue, Sc conoi da Para fe achar num feito tam louuado,- Que como a gente cfta tam diuidida E o tempo do foccorro he tsm chegado Teme que à frota falte aigúa parte ParaodeíTeQhoaltiuocom que parte,
AlgQs fe lhe offereccm que primeiro Lhe defuiauâo difto o penfamentOi Mas com tal capitão tam verdadeiro lafelhe antecipauao vencimento; Defpacha logo a preflâ hum melTageíro* Num cauallo que iguala o leue vento Aos capitães da frota com húa carta Diz como vai: pedindo que não parra.
Dâly com os feus pâíTando logo o Tejo A Thomar chega aonde agafalhado Foi do Msftre de Chrifto, &: feu defejo Delle, 6c doutras razões era aprouado: E o a quem o defcanfo era íobejo Para o defejo feu ícmpre apreíTado Parte; chega a Coimbra, & daõlhe a nouâ, Que â feu pefar o mais caminho eftroua.
Soube como jâ a frota era partida^. E dos delia queixofo fe tornaua Quando húa treieão grande, &: efcondida A CondeíTa de Sea lhe ordenaua: Que índa que illuftre aflas, como oíFendida Prender a dom Nunalures defejaua Em vingança da afronta que o marido Tinha jâdeile em Syntra recebido.
x\junta
o CONDESTABRE DÊ ÍÔRT:
Ajunta logo amig0S;6c criados
Porem nâo pode fer tam cautdniente
' Oue não foffcm os noíTbs auiíados
Que com o remédio íicodem facilmente/ Islo paço onde eila os íeus ja tinha armados Derão cem tanta fúria de repente», Que a Nuno Aiures não íer dlíTo sduertidô Mâftiuera a ContíeíTâ o feu partido.
Cem hum dcfcuidado rifo o vaíerofo A treição tendo em pouco, os aquieta Doutro maior contrario cobiçoío Que de húa mulher nobre, ôc indifcrêta^^ Mas por na terra eítar pouco cciofo Outra fegundâ noua o inquieta. Que e m Buarcos a noíTa frota anchòra Aonde hum corr eo enuia na meíma^hofa.
Mas aigus capitães a que a inueja Nâcconfente leuar tal companhia Por ter mais certa a gloria da peleja Q^ecadahum da jornada pretendia; Atim de elle a não ter no que defeja Defprezando o recado que trazia Dão as ycUâs ao vento mais ligeiro,' E torna com^ tal noua o mefageiro*
Ardendo cm ira o capitão valente Trccendo as mãos recebe efte recado, E as palauras detinha eícaíTímente No peito em viwa cólera abrazado: As fronteiras Te vai,* mas porque ã gente Falta o foccorro, & íoldo acuftumado Palia cem os da cidade, que lhe acodem Senão cem o q ha miíi;ef,ccm quãto podem^
Dcf-
CANTO ÍX. íOi
Defcontente fâ torna imaginando No tempo da jornada que perdera E indo a paíTar oTçjo doce, 6: brando Outra noua !he dão, que elle elcolhers; Que do Crato hús íbldados vem paffando ^ A Santarém : ouuindo agente que era Por Ihss ficar da eftrada tam vcfinho Pfocurâodarlhe aíTalto no caminho.
Num vaile que çortaua aquelia eílrada Se aloja aqueiia tarde a companhia ÍUDto de hua ribeira deícuidâda, Que entre hús amenos freixos fe efcondi?/ E aíy comendo a hora âcuftum.ada Húaeícuta lhe trás noua iguaria Que Nuno mais defejâ, eftima;&: preza Q^ie as que tinha Eliogabâlo na mefa.
Armas dizia o ledo meffageíro
Senhor,que os Caftelhanos vem chegando De cima os defcubri dâquelle outeiro. Que vem de eípaíTo o valle atraueíTando; Leuantâíe depr eíFa o causiiciro Os feus trás delie alegres vâo fellando Os e!mos(qiie aly tem)à preflTa eníação Lanças tomaõ, adargas logo embraçaõ.
Ante elles o Pereira forte, & ledo; Que de o feotir o imigo fe arrecea Marchemos, diziâmigos comíegredo Não fe faça de nò*s a prefa alhea: A mefa fique aqui nefte aruoredo Teremos raòrdefejo para acea, Queoexercicio bomfempre conuidâ Para fe âchar mais gofto na comida.
Daly
o CONDESTABREDEPORT;
Da'y fobindo o valle defcobrião
Os que caminhão liures defcuidados,^ QaecomcdefteaíTalto não temião Vinhaô,n:ial adijertidos, mas armados: OsnoíTos rijimetitcarremetião Em confufo tropel aluoroçados Das trombetas o fom, & os alaridos Enchem do vallc os eccos^Sr os ouuidos.
Pauorofos os outros neftcenleo Pararão conhecendo o que feria, Mas logo cada huni de estorço cheo Muideftro adeíFenderfe arremetia; Poucos faô de a cauallo, &: fem receo De lanças cento entre |elles aueria Andaluzes mui deftros, & guerreiros Armados, ôcanimoíos cauailciros.
Durouthebreue eípâjOTo adefFenfaõ ' Emquc animofamentefemoftrarãoí Nâo lhe vai contra as forças coração, E afsi mui breuemente lhes faltarão: R endemfe ao vencedor, vendo que em vão Procurão deíFenderíe, aly fc acharão Oitenta prefos mortos, 8c feridos Os mais com a noite, òc matos efcondidosr
Q3I com pouca agoa o fogo mais fe acende Tal com efta filsda o íeu dèfejo O dia erpera>& nclle ja pretende De tornar a paíTar o brando Tejo; Mas cada hum logo à vozes lhe reprendc Aquelle animo em tudo tam fobejo Culpãoosfeustam nçuo atreuimento, Que ainda lho nãoconfente cpenísmentò^
que
CANTO IX. loj
Queaquellâitniga, 8c poderofa armada Que paíTou por Cafcais a ancora ferra A viftade Lisboa amotinada Mais do temor vencida que da guerra; Grão copia. & grão poder de gente ouíada Logo em chegando aly lançara em terra Com a qual o Rey feu campo juntar vem. Que tinha na famofa Santarém.
Posa cidade em cerco trabaihofo. Porque os lugares tem vcíinhos delia Toma a entrada ao rio vagarofo, . E os caminhos com guarda, Ôc com câutella: Sabe efte aperto o capitão fâmofo, Qu2 em fó feruir a Pátria fc defuella Determina de noite, & com recado Dar que entender ao campo defcuidado»
Tomardefobrefaltoo Caftelhano Defte caminho feu mal aduertido, E com os poucos que tinha fazer dano A não íerdeíTes poucos reprendido: Não fofreaquelle peito mais que humano Defcanfo dos humanos tam querido Paflada aquella noite, & vindo o dia ParaEuoracuidofofc partia.
De Monfarás tem noua, que o caftello Polo Rey Caftelhano era tomado, E que ha muy poucos meos para auello Pordefendido, &bem fortificado: Muito importâua ao Lufitano tello Polo lugar aonde he edificado. Mas com o alcaide não vai nenhúa coufa, Que Gonçalo Rodrigues he de Souía.
Hum
Hum ardil eílremado lhe occor reo Entre outras prcbenções que imagfnoâj Dez,oudcze dosfeusiogo eícolheo Aaueem fegredoo feito encomendou; E foi que antes que o Sol douraíTe o ceo Encobertos dos muros os lançou, E âlgúas poucas vaquas para hum montei Queâviftadocaftello eftá defronte.
Porque de algúas prcfas> que fazião NaqaeUa parte as gentes de Câílella^ Era de prcfumir que íicarisõ Encubertas da noite, U guardas delUi E para reco?helas que abfirião Dâ fortaleza as portas fem cautella,' Que por eftsr fundada em tal aíTento As vezes lhe faltauâ o mantimento..
E com cfta occafiáo ligeiramente Podiâo terosnoíTos nella entradaí Tendo ao longe copia de mais gente Para o íoccorro deita aparelhada, A obra fe ordenou tam facilmente Que era jâ feita em fendo começada O caftello fe toma^ òc Nuno chega. Repara â força, a villa fe lhe entrega.'
Necefsidadevil, baxa, importuna
Que portas nSoabrifte^ôc não rcmpefte? Em vendo a teu fabor coufa oppoítuna. Que perigo fcm Gm^ que fim tcmefte^ Ty íò es femprc efcraua da fortuna
. Os poderes que tem tu folhos defte,
Quependeobomfucceííode hua cmprèfa Da tua força, 6c não doutra fraqueza*
Enfim
CANTO iX. IO*
Enfim deixou o caftelloja vencido, Mulher do alcaide, & filhos delle fora Nuno outra ves a Euora acolhido Aonde defcanfara bem pouco agors-, Que cm Badajoz eílâuâ apercebido Com muita gente armada, com que fora Por Guadiana entrar, íoberba, Sc leda loíío Rodrigues tombem de Caftanhedaí
j^ pêra Eluâs Te parte o Lufitano, Que defejatratallode mais perto^ Aonde o viíitar manda o Caltelhano, Que hum fucceffo taõ bò nao tem por certoí O meíTageiro vem contente, & vfano MasmaisocftáNuno Aluresdo concerto Qae diz que o Caftanheda no outro dia Com eile junto aEluasí^ veria.
Com âluoroço alegre lhe refponde Que o trabalho eícufâíTe da jornada Que cilehia a Badajoz bufcallo, aonde Lhe faria mercê terihe a poufada, E cm quanto o fo! nas agoas não fe efconáô Por dar lugar à noite enuergonhada. Manda tocar trombetas, & o correo LigeÍKO leua a noua a donde veo*
Com os feus o Caftanheda em armas pofto?' Se fae hum grande efpâço da cidade, Anímandoos com ledo & brando rofto^ Que a ventura paffada o pcrfuadc; Mas o Pereira ouíado que o mor gofto Ve de quantos lhe pede efta vontade, Embfeuetsrnpoaeiíeo defengana, E faz caminho à gente Caftelhana.
Não
o CONDESTABRE DÊ PORTJ
tf
X^âo foi a efcaramuça muy comprida. Bem pelejada fim de parte aparte, Leua o Pereira os outros de vencida, Ferexorta,dcftroça,âboIa.ôc parte, Quem pode com fugir íâluar ávida, Bem cuida que efcapou das mãos de Marte,* A cidadeíe acolhem com cuidado. Em volta o capitão trás do foldado»
Com gritos das mulheres, & alari^dos. As portas vem cerrar por onde entrarão Muitos dos Câftelhanos mal feridps, A que de Nuno os golpes alcançarão: OS noíTos Icuão prcfos & ofFcndidos Vinte bõs caualeiros,que ficarão, E de junto aos muros dauão grita. Ao que tão mal fe ouucra na vifita*
Para Eluas faz a volta, aonde primeiro O lugar com receo o cíperaua, P ouço nelle repoufa o caualeiro. Que entre tantos perigos caminhaua: Mas como o feu repoufo verdadeiro Confifte no fim a que afpiráua. Quanto mor o trabalho fe lhe offrefccí Mòr a gloria de tello lhe parece» .
Em Euora dez dias defcanfara.
Quando teue outra noua de repente. Que com o prior do Crato fe ajuntara Outra vez grão poder de armada gente, E que outra companhia fc apartara Do arrayal dei Rcy, que em continente Se hão de juntar na mçfma villa, &logo Por as terras do Meftre, a ferro, ôc fogo.
Com
CANTO I5C. 10?
Com osYeus não pode o forte câaaleir o Português, que encontralíos pretendia, Atalharlhc o caminho tão ligeiro ComoellesopâíTarão, porque hum dia lâ antes que chcgaíTe ali primeiro ErapaíTâdaaqucna companhia Polia ponte do Soro, aonde em chegando,' Soube quantos p^flarão^como, ôc quando»
Para Euora tornou mui pezarofo De não prouar com elles a venturai JMâs logo fc moftrou pouco ociofo, Qgie pòr cm úclcnhò aos Teus procura,^ O Mcltre que lhe teme opefigofo Rrifco, com pouca gente^Sc não fcgura Da gente que partio do campo eícrcuc Dinheiro,armas,lhe manda em tempo brcue*
O capitão famofo que não tarda As gentes da comarca logo ordena," Que nunca força alhea o acordaua, Efò tardança própria lhe dà pena, Parecelhe que teme, pois que aguarda luntamente fc anima, & fe condena Em ordem para o Crato ja caminha. Donde oimigo aprocurallo vinha. Trinta & quinhentas lanças ajuntara Com cinco mil infantes comprèfteza,' Com que ellc cõmetter a, & confiara Darlíberdade â terra Portugueza; Eindamuy pouco cfpaço caminhara Com aquclla oufadía fcmpre aceza: Q;jandohúro!dado dos do contrario bando i or elle vem aos noflbs prcgaotando.
O HQa
o CONDESTABREDEPORT^
Hua carta lhe ofrefce do Sarmento Pouco cortes, fobcrba, Sc confiada, Que NuDo !co com pouco fofrímento,' Eguardouíhearepofta com a efpada. Sem fangue o meíTageiro, Sc ícm alento,' Que a vida tinha r.ly como empreitada. As rédeas vira,&: vai fcm mais repoíla, Nouâs !eua ao íenhor de que não gofta*
Logo de corredores, & de efpias
Soube a vinda das gentes CaftelhanaSji Que faõ muicab,6£ armadas companhias^ Que affolâr vem as terras Tranílagana^f Do Crato câminhauãojadous dias,
- Do vencimento incerto mais vtsnas Do que os noíTos alegres efperauão A muitidão das lanças que contâuão»
Yinha dcNieblâ o conde valerofo, O Sarmento arrogaotc,& deímandado E de Alcântara o meftrc valerofo, E o Caftanheda hum pouco magoado, O de Barbudo alegre,6c cobiçoío De hum titulo que trás aníicipado, E o Prior dom Pedralures, calo eítranho! Que fofra a natureza hum mal tamanho!
Duas mil Sc quinhentas lanças vinhão, Comfeifcencos ginetes efcolhidos, Befteiro$;6c peôcs conto-não tinhão, Emdefiguaesefquâdras repartidos, E tam aluoroçâdos jaxaminhão, Ouc fendo defte os noíTos diuidídosi Occupão Arrayo!os,& Euora monte, E o Vimieiro alegre tem defronte.
CANTO IX. fo(?
De Eaora partia Nuno quando à mefâ Para jantsr de efpaço fe aíTentaus: Mas tudo em pouco tem, tudo defprefâ Pelio goíloj^c fabor que nifto achauí^; E os verdadeiros feus a que efta eniprefa Mais que os outros manjares ccnuidaua, ' M2I jantados íe vão trasdabaodeira, Ealojãofe na quinta da Oliueíra.
Muy bem neftaceíTâõ dizer pudera Com confiança igual aos que trazia,^ O que Alexandre Magno ja diíTera lantodo rioGranico outro dia mL
QúQ aquelie que de efpaço nãocomera^'^ Alcançada a vitoria jantaria, Pois tinha os mantimentos neceflarios Nâprouífaôíobeja dos contrários.
.Aly paíTou a noite fempre armado, Vaiendoíç da oca de hum bôfteifo, Hum pão pouco mimofo, 3c encetado^ E hú rabào, íe he de crer, que eftaua inteiro; E inda o foi oáo moftraua o ceo dourado, Q^ndo ja da trombeta o fom guerreiro Chama,a{uoroía,ô(: arma os feus foldados Com iguai fome.ôc íbno fepultados.
Para os contrários marcha alegremente Eàdefcuberta vifta o campo affenta. Porque com tam famiota,5c pouca gente,' Para tam grande copia fe contenta, Prefumindo também que em continente Batalha o inimigo lhe aprefenta, Qa5 a malcidão da gente que trazia, Nao dâuâ afofpeitar que inda temia/
02^^ ^ EU
o CONDESTABRE DE POR T.
Eis que numa egoa baya aflas ligeira^ Fâra elle ^em airofo hum caualleiro,' Dom Garcia Gonçalucs de Ferreira, Marichâl de Caftella, & bom guerreiro, A lança entre os arções, alta a vifcíra, Trascllc de galope humefcudcíro, A Nuno Mures chegou,qoc ja o cfpera. Que logo aly dos feus foube quem era»
Capitão vâlerofo cuj a fama
(Dizia o Câílc'Ihano)tanto alcança Qae o mâyor inimigo mais vos ama, E em volTo esforço tem mais confiança^ Segui ao fado amigo que vos chama. Deixai a incerta & frágil efperança, Pofto que feja de animo inuenciucl, Tomar por fua empreza oímpofsiucl.'
Os fortes capitães que a forte imiga
Tem tam perto de vòs,que efta vontade Mais moue.mais contenta, 8c mais obriga. Do que a vitoria certa os perfuade: Coníiderando aqui como periga Entre efta gente em vão voíTa bondade,^ Todos pedir vos mandão, & eu vos peço Que atalhemos ao fim dehummao começo
Bem vedes vós fenhor a differença
Do poder voflb,&: que hemais temerária Que valente oufadia; & quando vença Ou polo valor voíTo, ou forte varia, Que inda não he final efta fcntença. Nem tem numero a gente que he contraria Para abater ao voffb fundamento, Q^ para hum Português ha tuais de cento
Tor-
CANTO IX. -o-
Tornai fenhor ao Rcy que vos dereja,' E cfFcrcccruos manda a graça fua Ao mefkra a quem fcruls fareis inue*3jj C^ojndo fea poder todo fc dcftraa. Não queirais ver o fim deftâ peleja, Para vós defigual,aduerfa,& crua, Tornai aos inimigos feruidorcs, Eaosfamofos irmãos voíTos mayoresr
Aiftolhereíponde oLufytano
Com hua alta fegurança bem fundada^
EíTe animo fenhor. & termo humano.
De conferuarme a vida dcfcjada.
Bem fel q em vós he honra.& não cnganot
Mas a vojla tenção vay niflb errada,
Que não he bem quc eftime,burqoe & Gga^
Mais que a razão da Pátria que me obriga.
Em vão fe me offerece outro concerto. Senão for a batalha que procuro, Que o perigo da paz cCTc he mais certo, E o partido da guerra o mais fcguro, E afsim gozeis algum ditofo acerto Nefte rifco a que agora me auenturo, Qwc apreíTeis efta vinda,que ja agora Me parecerão annos qualquer hora.
A tardança dos feus com ífto accufa Pois tar 1 feguro o campo Caftelhano Vir com elle á batalha inda recufa E o matj da aconfelhar fobre feu dano; Que ne -n que fora o vulto de Medufa Que em pedra trãsform^,ua hu peito humano ^ Mudará defeu pe^to Scpenfamento ^
Aíé de t^ortugues, ôcofofrimento*
O 3 Q^
o CONDESTABRE DE PORTJ
Qoe fobre efta certeza nào dilatem A honraria vitoria tam fabída Que accomstão, que vençaõ»disbaratein Aquclla pouca geote,& mal regida; Que fe fó com razões niílo combatem , Segara a íua eftà de fer vencida Com ifto ao nobre Msrichal defpede, E o que hua vez pcdio mil vezes pedcj
Masvendo aqucUe peito tam alheo De temor,tâm íeguro, &: confiado Entrou nos capitães tanto o recco QtíC íufpendem o intento começado: De ira o Pereira então de esforço'chco Cometelosquifcra de indina^do Forem hum pâíToeftreito os diuidia Que aos feas eftrago de dano prometial
CANTO X
jyluididús em companhias fe retirao oscaptaes do CAfnpo Câ(lelháno é* '^'^^ muitos parar ao real delRey éjue efrk fobre Lisboa: Com occafiío da pefte que nelli fe aleuantoufe defcreue acâfados cafligosdo mando: Dom Nuno Akresfe vem pêra K^ídea Galega: Toma, Talmeh: Voem a faco Almada, com muito dano dos inimigos cjue a tinhao por Cafíella: Continua a pejle no campo dei Ríj: Leuantao cerco, ^vaifeperafett reyno. Dom Nuno Alures pãfa a Lisboa por entre a armada Câíielhana^vifita ao MeflYe:Torna[e a Euora : Tomx Portel: Acquieta os bandos que em Eluas fe Icz uantauâo contra ofcrui^o da Mejlre.
" "^"^ PâUbu
ÂíTou b dia, 8c vinha a noite cega Ia aCTombrando os montes leuantados^ Poj-quc o dourado Sol contente enrrsg ' A Thetis fcu queixume, ôc íeus cuidados; Nono vendo que a guerra fe lhe nega, E que os fcus fem comer disbaratados Rcpoufo pedem: logo as rédeas vira A cidade outra vez donde partira.
íoilocfcuro da noite temerofâ
Ivíuítps das companhias íe alongarãoi Hús como em branda cama & faborofa Ao amparo das aruores ficarão, Outros que a fome obriga trabalbofa A fua terra» & caías fe tornarão, 4^ Nuno fe põem em armas no outro oisg Que tornar à batalha pretendia.
Epofto que dos feus falta a mor parte. Partir com aquelles poucos determina: O mantimento Sc foldo lhes reparte Para atalhar ao ma! que os amotina,- Mas chegalhe recado doutra parte Que tudo torna em vão quanto imaginai Que he leuantado o campo do inimigo, LeuandoalgQs peões prczos coníigo*
Para Viana marcháo com íegredo,
Queanoiteosencobrio de enuergonhados? Ou foffe bom coníeího, ou grande medo. Duas legoas vão de Eaora alongados; E por hircm marchando afsim tão cedo. Frendem, & matão algús dos que deítadosí Entre as vinhas ficauão polia terra, Qoc morrerão da fome, ôc não de guerra.'
O 4 Do
o CONDESTABRE DE POP.T,
De ira;&paixão Nuno Alurcs dcfcfpera> E com trezentas lanças fòs que tinha A Viansbufcalos hirquifcra Se outra noua trás defta não lhe vinha j Qoic Arrayolos dos noflbs fe lhes dera Por imigos do Mcftre, a quem conuinha,^ Que aly o cârapo>& gentes fe apartarão, Das quais muitas 20 Crato íe tornarão»
Câdanheda, & Sarmento o bellicofo Sem repoftâ da carta que mandara Com fetccentâs lanças pouco airofo Para o campo delRey dali voltara, Nunodcreípondcrlhe cobiçofo, Compfta noua os feusdepreíTa armara Traseíle alegre vay,quc ouuereceo De lhe mandar primeiro outro correoJ
Com o vagarofo fono defcuidados Os capitães cftauão>quando a noua De Nuno lhe chegou com mil recados Que o repoufo,6c caminho ja lhe eftroua, JLcuantãofe fem cor defatinados. Que não querem chegar a fazer proua De feu famofo braço,&: forte lança. Ia obrigado de ira, ôc de vingança.
E qual do rouco tiro da efpingarda
Que entre os paíTaros deu : com dcíconcérto O bando fe derrama, &c fe acobarda. Voando câdahum ao campo aberto. Por morto tem os outros so que tarda. Crendo que o caçador lhe fica perto. Nem nas aruores altas fe aíTcgurãOi Que com o voo chegar ao ceo procurão*
Tal
CANTO X. loj;
Tal entre gente tímida/ & turbada^ Foy a noua de Nuno tão temido, Qíjc cada hum deixa a ordem cuftumac].i,3 Do capitão que o tinha ali trazido, Qijal por atalhos vay, qual polia eftrada; Q^uâl caminha entre os matos efcondido, E o Sarmento que então fc arrependera. Da ma! notada carta que efcr euera.
Qucaspalaurasdehumanimo infolente, Sem diícurío, fem tempo, & íem medida. Nunca as faltou a lingua facilmente. Sem ferde hum mao fucceíTo reprendída: Por ifto a Natureza diligente A tem com tantos muros defendida, Queheperigoraafua liberdade, Pofta nas mãos da ira, ou da vontade.
Afronio por fugir deite perigo
Na montanha entre as feras habitaua,
Três annosf aliou Agâthoconíigo
Que com hum íeixo na boca fempre andaua^
Epimenidesdizâocharo amigo,
Que a fallar no banquete o conuidâua,
Q^ue a callar fó, féis snnos aprendera.
Dez no mar a fofrer, & os mais perdera.
Diga Tântalo o fruito que colhco De fallar liurcmcnte> òc fem cautella, Lara da lingua oufada que perdeo, E Ecco que inda na voz íc aqueixa delia, Battoqueem dura pedra conuerteo. Mercúrio pollos furtos que reueila, E Anaxarco pifado a morrer veo. Por fallar liurcmentCí & iem rcccc»
Quanto
o CONDÊSTÂBRfebfi f ÔRt;
Quanto com mor razão fera culpado Qaetn não fò com pslsuras folto Sc leuc, OfFcndcí oufa hum peito forte & honradoj Antes de efpaço ss coda, 8z Ibss efcrcue, Arrependido 2gor3.& caíligado, Paga ao Pereira a honra que lhe deue, O que tanto ícm conta as contas deita. Que da língua oas armâs fc aproueita.
Em Almada parou fem companhia Dos feus,&: inda nas coftas o receo Quanto Nunaiurcs de Euora não partia Polia apreílada noua que ihe veo, Que couías no cí^minho cuidaria? De vergonha, 5í de medoo rofto cheos Que difiâ os íeus que eftauão perto, Qu3ndo efcreueo tam liore hu defconccrto?
Hús ao campo delReychegaô fogindo. Outros parão nos montes dcftroçadosj Outros cuidão que Nuno osvaifeguindo E cmbrenhãofe entre os matos Icuantados^ El!e que ífto entendeo logo em partindo Os feus tem na cidade foíTegados; Que ieguiraquemfoge hevâaporfíai Que o medo tem mais azâs que a valia.
Paílaua nefte tempo grande aperto A cidade que o Rey tinha cercada, Tomados os lugares de mais pertcj Epollomarcom naues atalhada, O remédio de todos era incerto; Que crcccndo o poder da gente armada E no Rey peruenções, ôc diligencia, Hia faltando aos pouos reíiftencia.
• ~ ^ SÒ
CANTO X. iíò
Sò a terra abundante Tranftagana O valeroío Nuno fuftentaua, Quôrepremindoafuria Caftelhanà Com vitorias aos poucos animâua: Mas náo baftaua aquella mais que humaoâ Fortâleza,que os ânimos armaua A âccudir aos portos, que o rccco Tinha tomado a todos tieíle cnico.
Que ja quafi rendidos ao perigo Vião enfraquecer fuaefpcrança^ Quando a benigna forte, & fado amigo Tranftcrnou tudo em fubita mudança: E antes de ver deixar ao forte imigo Aquelia eílreita^ôc dura vcíinhança Renouemos o Mufa na memoria Hum grande eípâíTo atras dâ ncíTa hiftcria»
Aquelle fabedor sfi:uto,& velho,
Que a Nuno conhaceoquando fearmaua
Ena pequena hermidadeuconfelha
Ao Prior valerofo que caçaua:
Que nas eftreiias como em claro efpelho
Oi futuros fucceíToscontemplaua,
Do reyno Português, que em tanto aperto
Tinha entre fogo>& agoa o fim campcrtOj
Deixando a couaefcura, aonde tinha A morada encuberta em tantos annos Com o zelo da gloria que conuinha Ao fim dos claros feitos Lufytanor: Cuidadofode vercomo encaminha O cerco, a pátria terra, immenfos danos ' Nouo termo imagina,^: modo eftranho De a Portugal tirar juga tamanho.
Hum
o CONDESTABREIÕEPORT^
Hum cfpritu tirou do lago efcuro.
Que obedecer cuftuma a fcu mandado^ E lobre elle inuifiuel, 6c fegaro Os ares paíTa em nuuem transformado; Dazonafria,& congelado ardiuro Os negros orifontcs tem pairado, E voando atraueiTâ o mar profundo
Tè defcobrir no centro htm nouo mundo^
t'
CbcgouácOuaeftranhadocsftígo
Chea de vão queixume, &: trifte pranto Ilha do reynoefcuro do inimigo, Aonde Minos gouerna, & Radamanto: Qual Erhna vomitando o fogo antiga Entre nuuês de fumo, & luz decfpanta O ar de efpeíTas treuas fe cobria Como que nunca aly chegara o dia.
Pâtou o negro efprito aly diante, E achou patente a temerofa entrada; Entra na coua o cauto nigromante ComoquemfabeospaíTosdâ morada: Sobre hum giobo de fogo triunfante Vio a ira no meo eftar fentada. Com hum aípeito fef02;medonho, horrendo Ante o qual toda a terra eftá tremendo*
Negro o cabello> Sc crefpo que tccião Venenoías ferpentes aíTanhadas, Que mil lingoí^s de fogo azul Ismbiâo Daqucllc globo ardente Icuantadas: Raios de enxofre os olhos defpedião Nuuésdcfomo, as ventas indínadas. Das mãos deitaua ferro, fangue, 5c fogo Com os pès pifaua amor, brandura, Sc rogo.^
Logo
CANTO X. m
Logo em, outros âíTencos que íicauão Cercando o tribunal defta inclemente 0$ caftigos do mundo fe moíxrauaô. Cada hum com rofto, & forma dííFcreote: HefanguC; ôifogoaterra que habitauão, Oaríanguineo fumo, efpeíTo ardsnce, E ante todos em pè, fem força ou brio Se moftraua o temor pálido 6c frio^
Sem cor o rofto, os olhos iofiados, A boca aberta, os braços defcaidosi Os pès menos feguros, que pezados, No ar fempre os cabelos, & os ouuidos: Atropelando bes, honras, eíiados. Glorias, bonanças, goftos,& apeliidos, E o mais que fem temor na terra alcança,' Q^em não fe acanha à vil defconfiança.
Sobre hum tropheo de armas deftroçadas. Pernas, braços, cabeças febre a terra. Vertendo fangue em veas defvíâdas Se via eílar fentada a dura guerra: Carniceiros os olho% & indmadas As juntas fobrancelhas para a terra. Os dentes apertados, & hua efpada Na mão, de fangue, 6c fogo desbotada^
Logo a mifera fome differente
Comos defcubertos oflbs diuididos, E os olhos cintilando triftemente Nas profundas cauernas efcondidos: Com o frio alento eftà continuamente Dibílitando os corpos Sc os feotídos Raros cabeí!os> groíTos, Sc. empeçados A boca br^nca^ os dentes dcfcarnados.
Trás
o CÕNDESTABREDlEPORT.
Trás ellâ aqueUe ma ! triftc, Sc funefto Te no nome ódio fo agente humsna. Que àmâior força, & animo mâíspreflo AbatcaccanhásVencC; Sc defcngana: Comturb?,do, medonho, & frio gefto Sobre a tumba int rataue!, Sc profana Reípirando da bcc a o frio aicnto Corrompe a viíta, a terrado ar, Sc o vento?
Ante ella pardas nuués íe enroíauão De hum veneno mortifero,& de forte Qoeosefpritosfcm fim quealy morauão Em viua pena, eftão temendo a moí te: As outras fúrias delia fe^parcauão Como que o feu poder era o mais forte De esbulhadas càueíras tudo cheo, Q,ue indâ à terra aonde eftão fazem recco*
^!yo veihoâftutocom cuidado
Do íeo tira hum vidro mui pequeno Por mágicos encantos fabricado Aonde o Sol nunca doura o eco fcreno: E daquelle arcruel inficionado Enchcndoo de mortal triíle veneno O efcondc nc peito; & ja fe vinha Se faua vifaõ eftranha o não detinha.
Porque voltando ja pola outra parte Quatro fúrias achou com que íe enlea Q^ caftigãodo mundo tanta pârte> Quanta o mar cerca; & quanta o íol rodea: Por quem honra, valor, juizo, Sc arte Se cícurece, fe perde, Sc fe recea. Por quem andaa virtude em grande aperto O mundo cm coqfufaõ, 8c cm defconcerto.'
Vio
CANTO x: iii^
Vío a ínueja infame, &: tragadora Que os oíTos pola pelle deícobría A cor pálida. Sc verde , & por defora Bichos que a roem, & cobrss que comia: Do veneno mor-ta! que neíla mora A lingoa azul, 6c verde parecia Com os olhos efquinsdos de ira chcos Vigiando continuo os bés alheos»
I-ogoeftaua a cobiça, que auacenta Atè da terra informe, que sly auia Com 3 boca aberta eftà ao ar que venca^ E com a ceác hydropica o bebia: O peito era outro Eurípo na tormenta, O ventre hum monre eftranho parecia, Aviflâtam agudâ,&tam hgeira Qije o lince não na tem de tal maneira»
No terceiro lugar maisefpaçofo
Porem não dcftcs dous muito apartadas Sobre hum troreo mui a!to,& fumptuofo Ignorância, &malícia.achoufentadas: O rofto mui r iibnho, fx graciofo Em feus gcftos ayrofos confiadas, Ambâs num cetro ás vezes fe pegauão, Mas nunca as mãosA os roftos apartauãoJ
P caftígos do mundo não temidos Tratados entre nòs continuamente, Pefte,& guerra ciuii d^entre os nacidos Ambicioíâfome.&defcontcnte: Se como perigofos conhecidos EofTeis da miferauel cega gente Mais fugira de vòs, mais vos temera; Q^ Tcfiphon, que Aledo, &; que Megera:
Que
o CONDESTABRE DE fORT:
Que defcjoí que intentoí que efperança? Qoc viri;ude,faber,ou fortaleza? Quegofto? que intereflc? qae bonança^ Que titulo? que cargo:* ou que nobreza? Se defcja, íe cfperp, nem íe alcança. Que não atalhe lego com prefteza Qaalquerdeftesimigos vencedores? Que nem nos hai nem podem fcr maiores»
Arrependido o velho bem quííera Leuar defta peçonha por mais fina, Q^ue ajda peftè odiofa que efcolhéra Paraocaftigo, &fimque determina; Mas de efpsiro imagina, & confidcra Que efta fera do reyno a mor ruyna, E que o fim não daria a tanta guerra Qnem foi principio delia ca na terra.
Xorna a voltar, 8c os ar^s vem cortando Naquella nuuem negra que o rodea Se em diâmetro o Sol o fica olhando Naquella região nadaalomea: Mas cm quanto tam liure vai voando Que do mar, nem datcrra fe arrecca Tornemos a Nanalures, que ha ja moito Para o cuftume feu que não faz fruito»
Ia com trezentaà lanças que efcoIherâ DeixaEuora a cidade nobre antiga. Porque hiãa carta o Mcftre lhe efcreuera Por onde o chama,& com razões o obriga OvaíTallolea! que nada efpera E cre que na tardança amor periga Parte a Lisboa,&: chega à vifta delia Encubôrto dos muros de Palmella.
Tomou
CANTO X. hi
Tomou da villaâ nobre fortstczai C^^porCâftellaeftauâ aleuantadaí Ecotcandonellaa gente Portugucfá Cobria a noite a terra defcuidada; Não fe efquece Nunalures com deftreza De dar íioal ao Mcftrc da chegada Por cubellos, Sc ameas logo manda Fazer fogos que viíTcm da outra banda*
O Câftelhano Rey que não fabia Os deíTcnhos do noíTo Lufytano Com os fcus do campo olhaua, & prcfumia Que foíTe dos da villa algum engano; Qoe tudo ao parecer de longe ardia, E algQs grandes do campo Câftelhano Soccorcer ao caftello bem quiferâo Sc vindo a Aurora as nouas não teuerão.
Também de Almada eftranha aquellc fogo Sarmento, & Caftanheda deícuidado, E o valcrofo Mcftre cntendeo logo Que era o fcu capitão ja aly chegado; E inda que o aluoroça aquellc jogo Polaagoa, 8c pola terra eftá cercado Que írjuntarfecomellc bemquifera Como na fua carta lhe efcreuéra.
OoevieíTcapreíTadolhe dizia Tè Aldcagalcga occultamentci^ Donde com elle foffe em companhia As Tranftaganas terras fazer gente: Porque a tam larga guerra pretendia Dar fim numa batalha breuemente, E aprouando o Pereira aquellc intento M^is depreflâ partio guc o pcníamcnto.
P Paffii
o CONDESTABREDEPORT^
Pafll nocaftello hum, pafla outro dia, E as vagarofas noites fcmpre armado Do mar as furdas praias defcurria Ao hofpede efperando o conoidado, Qualquer ff aco batel que o mar mouía jLlie parece que he clle> ou ícu recado Não ha dos feus com frio quem lhe aguardei Ellô o não íente, & cada vez mais arde.
Eraiftonafciãoquc oSol pâíTaua
Domstâdorde Oriooteo cabo eftrcito Quando corfi brancas neucs pr^teaua
" Oceoascaluasíerrasfemproueito: Mas nunca o caualleiro dcfârmaua As greuas, efpaldar, cclada, & peito Todas as noites vinha a ver a praia, Efperando que o Meftre á borda faya.'
Vinda a menhã,tornauafe a Palmella Queixofo da tardança, & da ventura V iâ do campo imigo a gente bella, E aarmada pollo mar liure, & fcgura: Ah com quantos cuidados fe defuella! Que contas faz? que pinta 1 que afíigural Animao quanto vf; íò o acobarda Em tantas coufas ver que o Meftf e tarda.
Hum dia por canfar efte cuidado
Sahio com os íeus á mont«, que era vfança Aonde ham porco feroz, Sc derodado Prouou do braço irofo a fotte lança: E por fer grande em modo defvfado E ter tam perto aquella viíinhança O mandou ao Sarmento de prefentc. Que o moftra receber muy cortcsmeate
O
CANTO X. iÍ4
O efcudeiro aftuto^ & animofo Que de Nuno o recado lhe ofFcrcce Lhe diz que fcu fenhor quali inuejofo Do que ouuc de feus feitos,& conhece: Eftà de o vifitar mui cobíçofo, E que antes de tres dias lhe parece Que chegaria a Almada para vello, Se fora o efperâlTe do caftello.
A ifto lhe não refponde o capitão: O prcfcnte moftrou quanto cftimàrâ,' E com hum recado alcgrc,& cortefaõ Efquecidoja doutro que mandara; Refponde: & manda logo ao Rcy loão O animal de eftranha vifta, & rara Que foi de efpânto a todos na outra banda,' E de pouco fabor a quem o manda.
Nuno fcm mais licença determina T
Fazer cfta viíita de mais perto, E para o nouo âíTdlto que imagina la põem os feus em armas,5c em concerto Hum dia antes da Aurora matutina  noite defpedir, delia encuberto
De Palmeíi fe parte, &: chega, quando O Sol vai ja aos montes matifando. Ante os feus grande cfpaíTe fc adianta Por ver que fe aprcffaua o nouo dia Com tanto feruor vai, com fúria tanta 0^5 fe cfquece da armada companhia: Eis quando a villa cm armas fe leuanta, E a gente enuoltaem bandos accudia Por defender a entrada fc ajuntarão. Porque de Nuno as^gentes diuifarâo»'
^i ^ Do
o CONDESTABRE DE PORT.
Do carjallo faltou dcftro animofo
Com hua lança nas mãos groíra>& pcfada Commete húa barreira o valerofo Aoadc mais copia vio de gente armadí; (guando com hum brauo impetufuriofo Sobre elle vem com grita embaraçada As pernas igualmente, & os traços mouem Pedras,dardos,virotesJanças chouem.
Elle qual brauo touro denodado
Q^ue as garrochas não teme, & vai bramindo Por onde o pouo vilxfraco, & turbado A cada paíTo empeça, & vai fogindo,- Furiofo fere de hum, Sc de outro lado
• Dardos,fettas,& lanças defpedindo Detalíorte das forças feaproueita. Que não acha entre tantos rua cftreita*
Ia tem coníigo o forte caualleíro
Que o perigo maior mais buíca, & ama Três cujo braço,forte,& verdadeiro Não he jufto que efqucça a clara fama; Gil Vaz Sarilho he hum brauo guerreiro, Vâfco Pires Chacim outro fe chama, E o primeiro que as pernas pós mais rijas Gil Rodrigues fe diz de Santaíijas.
Com eftes vai íeguindo o bom Pereira Os que temem feu nome de tal forte ^ Que nenhum ha oufado que ja queira A furia'exprimentar do braço forte, Trombetâsfeouuemja» chega a bandeira Eindireitando todoS para o forte Toma outra rua,aly fe acende a guerra Ia fç reuolue o ar, ja treme a terra.
Ia
CANTO X. its
Ia chega Nuno às fraldas do câftello Aonde os contrários tomâonouo alcoto Oa foíTe o penfamento de prendello. Ou lhes deíTe a vergonha atreuimento: Remetem rijamente a combâtello Qjando com ira eftranha. Sc mouimento Sem cautela, fem medo, Sc fem receo Hum homem d'enrre os ícus faltou no' meo'.
Lcua logo em chegando hum Caftclhano Numa afcuma que traz groíTa & pefada, Dâaos que lhe tem rofto o defenganoj E faz nos que lhe fogem larga eftrada; Paredes, muros tinge em íangue Hifpano Com húa fereza eftranha arrebatada Golpes tira fem medo. Sc íem compaíTo Que a nenhum dos que alcança fica efcaflb* Moçodeefporas era do Pereira Eftc forte & Lopalures fe chamaua. Que vendo a fcu fenhoc de tal maneira Moftrarlhe defejou quanto o amaua: Náofacdaarcoafctatam ligeira í^aal cllc entre os imigos fe lançaua. Eis que ja a multidão que aly parara Ascoftasvira, arua defampara. Entre eftes, que á mor faria vão fugindo Se vè o Caftanheda em pâíTo eftreito Não acerta hum jubão' que vai veftindo Porque o tomou a noua inda no leito: A vitoria Nunalures vai feguindo Não contente do eftrago que tem feito Quando pela outra parte o pendão chcgi,^ E a gente foge ja toruada, & cega.
■P 3 Ao
OCONDÊStTABREDEPORTJ
Ao raftello fó acolhem nefta enuolta As portas cer rão logo com mor prefla. Nenhum a defendcrfe o rofto volta Porque o imigo as ruas lhe atrâueíTa: Hum por fugir mais leuc a lança folta. Outro ao muro de falto fe arremcfla Pfcfos Ce acharão^muitos na partida Muitos feridos mal, muitos fem vida»
Ceuaoíe nos defpojos os foldados Metem afaço a villa Huremente Quacs vâõ de leues roupas carregados Qi^aes de armaduras de aço reluzente: iguais leuâo os ginetes cobiçados, E os defpojos dos donos juntamente, Queoqueavidaefcapoude tsl perigo Aflâz fez quando afsi leuou configo»
Recolhe Nuno os feus fem grande dano Somente algús feridos da peleja, Poemfe à viftâ do csmpo Caftelhano Porque o contrario Rey armado o veja; Aruorar lanças manda o Lufytano Faz que a bandeira ao vento folta efteja,' O Rey que o cafo eítranho não conhece O Sarmento chamou que aly fe oíFerece.
Ou foffe imaginar, que cm tal fezão Nuno Alures vir bufcailo não podia Ou lhe efqueceíTa o termo cottefaõ De efpçrar a viíita aquelle dia: Perdeoa defejada occâíião Que outrem mais defejaua, 6r pretendia,' E porque logo as gentes conhecera PreguntandoIheoRey^dííTe quem era?
Depois
CANTO X. m
ÍDepóisvendoo ficar como aíTombfâdd D andolhc a clle a culpa de tal feito Não rejais, diz, fenhordiíTo cfpâtitado Qae a capitães, nem Reys guardei? rcfpeltôí E cada hora do dia aqucllc oufádo, Menof que o coração que traz no peito Viera a voflas tendas fcm rcceo. Se não ficara o maí pofto no meo.
Cf ecem nifto as razões, crece a perfia De que o forte Pereira goza a gloriai Q^caCounavemjâotaraquellc dia, E aos fcus larga os deípcjos da vitoria; Mas tornemos ao velho, que trazia Para aquclla obra anos tara meritória O venefico vidro tam guardado. Que ao arraial com elle era chegado»
No ílíencio da noite efcura, Sc cega As tendas mais humildes vifitanda Doeftigiolicorqueavidancga Vai por occultas partes derramando^ De modo o ar corrompe aonde chega Qje crua,ou planta que toque eftâfecando? E a terra aonde rcfpira cfte ar cor ruto Nega ás plantas a flor, negai he o fruto»
JPartefe cm dando fim a aquelle intento Para o lugar occulto aonde moraua; Nafceo dia,começaofentimento Da miferauel gente a que tocaua: Aqui fae hum ferido, & macilento De CUJO alento aly outro efpirau?, A cola outro cae, outro o foccorrc: C^ue fem poder valerlhe a feus pés morrè-
o CONDESTABRE DE PORT:
PâíTa humjpafla outro dia,& vão paíTando Muitos cm que efte fogo mais fe atea As três irmãs não ccíTaõ de ir cortando CIoto,& Lacheíis dura,Atropos fea: O Rey que nefte eftado mifcrando Vè que a ventura mais do que grangeaj Leuanta o arrayal com prcfla cftranha Crendo que o que a!y falua, iíTo fô ganha»
Aly deixa o Sarmento fepultado Não menos valerofo que arrogante Do reyno de Galiza Adiantado Naguerra,¶ a paz muito importante: O Velâfcotsm nobre comoouíado Camareiro maior do Rey poíTantc, De Santiago o Mcftrefem refpcito, E outro que depois delle fora eleito
Aly domFernãodâlures de Toledo Marichal de Caftella, que primeiro Efte titulo teue,& deixou cedo, ) De Touar Fernão Sanches bom guerreiro: Guarda maior delRey, que hum tempo ledo Gozaua da vitoria, que primeiro Teue daquella ârmada,que ao graõ Nuno Fugira fobre as agoas de Neptuno*
E outros que aqui contar fora infinito De íangueilluftre,& peito valerofo, Queaquelleardascauernas deCocito Tam triftemente trouxe a fim forçoío: E comoíc tiuera algum prefcrito, E certo termo hum mal tam venenofo. Nenhum Português prefo, nem vencido Nem vefinho do campo foiíerido»
Manda
CANTO X. íir
Manda por fogo o Rcy naquelle aíTento, E terra contra a morte mal fegura Ardem quintão 5c cafas de Sam Bento Na mòr força, 8c temor da noite cícura: O fom vão das trombetas fere o vento. Tangem roucos tambores de miftura, Quãto a noite he mais trifte,& mais cobarde Mais fe ouue tudo, 6c tudo moftra que ard^.
Num quieto repoufo então durmia Nuno em bua alta torre de Palmela, Quando o acorda gritando o que vigia. Que eftá fazendo a quartos cincinela: Dizendo que a cidade em fogo ardia Que h ia graõ chama, è grande eftrôdo nclla O capitão confufo do que ouuira Toma armas, chama os feus, ardendo cm ira^
Vio o incêndio grande, & Icuantado Cuidou que era treiçâo ao Mcftre feítai PaíTar otnar intenta embaraçado, Sc o perigo das horas nãorefpeita: Toda a noite paffeafempre armado Que imagina? que diz? que contas deíts? Tè que a fcrmofa aurora alegra os montes E Apolo vem dourando os Orizontes.
Com o dia appareceo feu claro engano. Sem ofFenla Lisboa, & fera receo Aleuantadoo campo Caftelhano, Mas de velas o mar ornado, & cheo: E inda o Sol fobre as agoas do Oceano Doura o cabelloàs filhas de Nereo Quando hum corrco feu ao Mcftre chega Q,ue com faltar o imigo não focega*
Manda
Hsndâ pedir licença, &ja lhe pczâ Nâoirtomarlheopaflb diiigentc,' Por dar vingança àterrs Portugiicfa Edefcnganoâsquella aromada gente; MasqueracharfeoMcftre nefta eniprcíaj Se o não atalha intento diffbrente, Manda, fem feu recado que não parta# O quanto pcza a Nuno defta cartai
Tardou o Meftre, o Rey foi caminhando» O capitão cfpcra, & dcfconfia, PaíTos, horas, momentos vai contandoi Aonde o Meftre vira, êr-o Rcy ferisí E fem nunca ir em íi defenganando Aquelle oufado intento que trazia Polo eftoruo, & caufas que imagina Ir bufcallo â cidade determina.
Com os feus â todo o rífco cuftumados Parte húa madrugada alegre, 8c branda Toma bateis ligeiros, Sc efquipados Pára paíTar do Tejo à outra banda: E d'entre aquelles feus fortes, ôc oufados Que no batel coníígo meter manda Hum cfcudeiro aíTaz prudente, & forte Antes de entrar, lhe falia defta fortc^
Vâlerofo fenhor, cuja oufadia Ia mais foro pagou ao vil rcceb, A cuja fombra, a cuja companhia A cujas obras mais que â forte creo: Que a armada Câftelhana vos prendia Sonhei de noite hum fonho efcuro, & feoí Vejo que eis de palTar por junto a ella, Quiçais que he ifto alguê que mo reuella^
Sufpendeí
CANTO x: u8
Sufpendeí fenhor hoje eílíi partida,' Se eu confiado afsi pediruos po íTo, Que o perigo menor de voííavida Será o fim de todo o esforço noíTo: Lembrar ifto o temornão meconuída,' Nem refpeito menor,mais que o fer voíTo,' Não íaõ defejos vis^baixos, cobardes. Que eu quero paíTâríófe vòsficardes»
Seguro o capitão lhe reípondeo
Rifonho o rofto, alegre, Sc fem mudança, Não Cf eo inípirsção íe não do ceo Nelleeílá minha vida, 6c confiança: Pois a vós Co tal fonho commoueo Ficai,queavósfazia efta lambrança,' Mas eu por voíTa parte me enuergonho Que quê não teme os homés,tema hú fonhol
No batel falta, & manda liuremente Ficar cm terra a efte que o feguia Por mais que o roga enfim não no confentCj E eílc a feguilo a nado arremet ia: Na praia fica trifte,Sr defcontcnte Vendo partir alegre a companhia Era o mar leite, os ventos não foprauão Ao fom do remo as ondas fe calauão.
PâíTa por entre a armada de Caftella E por não|pareccr que hia cfcondido Depois de a feu fabor paíTâla, & veila Manda tocar trombetas oatreuido: Eisquejâferetiolue agentedel^ Súbito íe ouue o náutico alaridlP^ Polas cubertas fae gente infinita, E os rcoiciros dos barcos lhe dão gr íta-
Deixo
o CONDESTABRE DEPOR T.
Deixo o aluoroço grande, & alegria Do ftnhor que ante fi vè tal vaíTalIoi E a que o Perôíra illuílre aly teria De o ver, de lhe fâllar, 8c de abraçallo: As palauras de amor, & cotteíia.
" Os termos cuftumados, que aqui callo Nuno ja a feus intentos lugar pede O Meftre lhe dilata, & lhe concede.
Mas hia ja marchando o Caftelhano Para fora do reyno; Sc do perigo. Que he confelho fem falha, Sc fem engano Fazer pontes de prata ao inimigo: QjiQ inda que recebefle perda , & dahno Podia fer aos noíTos graõ caftigo Afsí deixou Nunalures fem feu gofto Aquelle firme oufado profupofto.
Torna com os íeus guerreiros esforçados Afuftentarafuaantigua cmprefa, Defpedemfefaudofos, & abraçados Os columnas da pátria Portuguefa: Nos ligeiros bateis aparelhados Entra o famofo exemplo de firmeza,' ^
E quando o Sol as ondas douro efmalta De Montijos na praia em terra falta.
Por Palmela paíTou aonde ja tinha
O caftello com guarda, 8c com recado
Paffaanoiteem Setuual, & caminha
ParaEuora feu pofto caftumado:
A recetello o pouo todo vinha
Com alegria eftranha aluoroçado
Nos roftos, lingoas, Sc ânimos fc entende
Viua o bom capitão, que nos defende.
Aíy
CANTO X. Ki^
Aly eftcuc alegre, & fatisfcito De ver nos naturaes tanta ao^ifâde Seu defejo ao pouo todo aceito, E armado a defendera liberdade: Mascomo nâodefcanfaobrauo peito Sem obrar de continoefta vontade. Ia vai contra Portel villa arrogante Para a Fronteira cntaõ muito importante.
O esforçado Soufa a defendia
Fernão Gonçalues próprio fenhor delia. Com muita gente iiluftre, & de valia Dos mais nobres guerreiros de Caftella: Outro Meftre dom Pedro, ôc dom Garcia
. Que em ofFender aos noiros fe defycilr^j Tanto Nuno fe canfa, &: imagina Que entrar hum dia a villa determina.
Por dous apaixonados moradores
Húa porta dos muros lhe foi dada . '
Entrão rubitameoteos vencedores Húâ Minham quieta, & defcuidada Defpidos vão fogindo os defenforcs Q^e a villa dcixãoja deíamparada Accolhemfe com gritos ao cafteíío. Mas o Pereira ordena combatcllo*
por concerto lho entrega o Forte Soufa, lurando os bõs de Nuno juntamente. De não ieuar daly nenhQa coufa Deixandoos ir com tudo liuremcntc: Nuno que em tais matérias não rcpoufa De tudo o rcftituc em continente Poemnosemfaluo, ôc tomaa fortaleza E entregaa logo agente Portugueía*
Teus
o CONDESTABRE DE PORTJ
Tcue nouas que cm Eluas leusntauão Bandos feguindo a parte de Csftella, i e'Mâ chega, êc fabe os que culpauão, E tnandândoos ao Meftre, os tirou delia: Vío dos fcus entre as armas que Icusuão Ou foíTe com defcuido, ou cem cautella Húa cfpads, Sc hua cota de valia Que o bom Fernão Pereira sly trazia.
Vokotilheirofoo rofto, porque entend« Que a trouxe de Portel delle efcondidai E com palaura&âfperas rcprendc Quebrantsrlhe a palaura prometida: O irmiiG com o íilcocio fe defende Do beito roílo a cor quafi perdida, O eftrârh 3 nobreza. ò claro efreico De hum Forte capitão, de hum nobre pcitol
Tíínto fente eftâ afronta o caualleiro Que não muda ja mais delia o fentido De hum irmão tam leal tam verdadeiro Tello por cobiçoso, & fem.entido: T;.mbem peza a Nunalures de ligeira, Polamcím^a ra^ão. tello ofFendido [Muda as razoes, Sc ás queixas muda opofto Porver aocharoirmào mudado orofto.
AhintereíTc vil baxo inimigo,
Quie em vão contra a virtude te engrandeces Qiiaô certo he na vergonha oteu caftigoí Quadno o rofto defcobres, Sc appnreces: A vida, ahonra,oícrpoésem perigo. Nem dás vida, nem fer por mais que cfccesí Eíe fuítentas, fartas, ôcdas vidas Digão de teus louuores Crafib, 6c Midas.'
CANTO
CANTO Xr. ho
CANTO Xí
VAÍdemNunoL^luresfobre VtllAviçoJa, mçuido de dgus recados que dos moradores tem: Na entrada dcL fortx morre o valerofo Fernto Pereira : Contafe o ef^ trmho fentimenio de fen irmto : Tinge fe humfonho ejue tetie na vilUde Borba^ em o cjUAlfe lhe mojlrafux alta de fcendencia: Enterra a corpo morto em Efire** mos: Manda liur ar A A luar o Coutado, qne leuão prefâ AO campo dei Rey de CafielU: FaiaviJItar ao Meihf.
COM ofclicefacceffcquca ventura Nas obras de Nunalures prometia Ia a Portugusfa gente fc aíTegura Pifando afugeição, que antes temis; Qualquer caílello, ou villa> ja procura Valeríe de fcu braço, Sc oufadia la de Villa víçofa antigua, Sc nobre, Eftedefcjoaterra lhe defcobrc.
Mindâolhc auifo algas fecretamentc Que fe com os feus a eila foíTe armado Lhe dariào a entrada faci!n:3eDte Para a vi!!a,5c.câftello(er tomado, Aoode cftâ de Caftella a melhor gente. Como Âlcsidcao Meílre^ rebelado, Nuno logo âcooquiíla fcofFerece, Q^ a menores oíFertas obedece.
De
o CONDESTABRE DE PORT.
DeEIuasiaecomosrcusna dianteira Pari^ o que a fcus dcfejos tanto importa; Mas quríbra incauto a efte da bandeira C Alferez atraueíTando a porta: Vendo hum agouro alydefta maneira, Dcfconfiada a gente, & qusfi morta Voltai fenhor, lhe diz, que he fer prudente^ Poisvosauifaoceotam claramente.
Mas elle que os agouros tinha em nada (Qual Cláudio que o das aues não curou Que em lhe contradizendo outra jornada Entre asagoasdoTibre asfepultou. Alcançando a vitoria defcjada Que contra os feus prcfagios procurou) A bandeira noutra afte pregar manda, E aosieus esforça, & diz ncfta demanda?
Cornou afsi receais fcm fundamento Companheiros leais cfta partida? Quereis que nos cftorue o vencimento Húacoufa incapaz de fer temida? No que foi fò do Alferez defatcnto Confiftcporvcnttiraanoíra vida? Sabei ( fe inda ignorais efte íegredo ) Que hc autor dos agouros femprc o medo*
Tois como pode fer qoe em vos fcueja Y Se vencido não for) efte inimigo^ E quem não teme os rifcos da peleja De fombras vãs, não teme o vão perigo: Todos confentem ja no que dcfeja. Mais do« com que partio leua configo. No Arrchal dcfcanfa a noite fria, E parte antes que o Sol lhes moftrc o dia-
Não
CANTO xr. nr
Não ha rumor que entre elles fe âlauanfíf Q^ie o íilencio lhes era encomendado; Mas a ligeira fama que diante Com eftâ noua à villa tem chegado: Faz que com prebenção muito impoít^ntc Eftcja o inimigoacautellado, A porta aberta, a terra pofta a ponto; E os Toldados que ha nella faõ fcm conto-
Fernão Pereira a todos fe adianta
Com Aluara Coutado o bom guerreiro Qjs eómo aos dous nenhum perigo efpanta Cada hum-naquelle entende fer primeiro: O rayo não deceo com fufia tanta Como o mancebo oufado vai ligeiro A prouar com os contrários â ventura E bufcar entre as lanças fepultura.
Tem hua porta a villa nobre, U bella Com hum eftreitovão antes da entrada De abobedâ mui forte, & feita nella HíJa aberta enganofa, atreiçoâda Aonde a guerrerra gente de Caftella Tem para a defender, íempre encerrada Pedra. &mais monições com queafoccorrc E o nome mdâ hoje tem porta da torre»
Aly aonde era a parte prometida
OsnoíToschegão jacom grande prefla, E vendo a porta aberta, & defendida Fernão Pereira a ella fe arremeíTa A nenhum dos que encontra deixa vida O reboliço, & grita ja não ceíTa Setas, dardos, 6c pedras, & alaridos Vão atroando as armas, Sc os ouuidos.^
Q E tra^'
o CONDESTABREDEPORTJ
E atraueffkndo o vão daquella entrada Acuftâ doquô armado lha defende. Dando tam feroz golpes coni a cfpada Que o qae fugir não fabe, fe arrepende: De febre a fâlfa porca húa pefada Pedra, cona grande furia os ares fende Da no mancebo, o elmo de aço parte Cae fcm vida aquelle oufado Marte.
Com fangue o? roxos beiços fc cerrauão Indainuocandoo filho de Maria Comosefpritos vicaesqae fe apartauao Nâ terra os fortes braços cftendia: Aos imígos Toldados, que o olhauão Ador,receo, & efpanto commouis; Metem navilla o corpo fanguinofo, <^ocourro não tinha Efpanhâ tão fermoíoí
Bemjuntoaelleeípíra hum cfcudeíro Sau, que feguindoo foi forte atreuido Mas Aluaro Coutado que ligeiro Fogio da pedra entraua aíTaz ferido; E f âlcandolhe o forte companheiro Que pelejando alTas ficou rendido Ia chega Nuno; a gente á porca cerra Que de ira acende o ar, & come â cerrai
Sabe do charo irmão t2m trifte noua, Sò fe arfcmeíTâ as portas de indinado, Mas a gente magnânima lho eftroua, Q^e o tem dos fortes braços fubjugado: Não ha razào que o vença, nem que o moua^ Qije o tem a ira, ^ dor defatínado. Porem heja forçada a paciência, Qae nko vâl contra as porcas refiftencía.
DôIIâs
"CANTO Xi: tii
Delias fe aparta irofo, 5c defcontenté Cofnoroftobaxo,oso!hos inclinados Os feus chorando todos triftementc, E o pendão arraftf ando os verdes prados? Nenhum fe ouue fallar, nada fc fcnte Senão fofpiros triíles magoados Em Borba aqucHâ noite fe apoufenta? E aly nouo cuidado o atormenta.
Não perde hum íò momento do fentido O peccâdo do irmão, que commctcra QÒando contra o cçntrato prometido De dom Garcia as armas efcondèra: Crendo que por perjuro, ôi fementido Tam âíp^rocafrigooceô lhe dera Canfoulhetanto a dor a fantaíla Que íobre o leito armado fe durmía*
Ia alta noite ã hora mais fcrena Dormindo ouue húa voz doce, & fuâuc . O forte Hecoa ( diz ) fufpende a pena Defle cuidado vão, pcfado, & grauej Qie quem do ceo na terra tado ordena^ E íò de feus íegredos guarda a chauc Quantoojai2o humano não comprende Te guardaste engrandece, & te defende»
Nifto hua claridade mais fermofa
Oleado Sol, poios olhos lhe psíTaua: E húa terra contente, & graciofa Via na cafaeftreita aonde poufaua: Chea de fontes, de aruores viçofa í
Em cujo meo hum alto templo eftaua De mármore luzente, ôcjaípe duro Guarnecido Scíaurado de ouro puro»
Ç^Tí Sobre
o CONDESTABRE DE PORT;
Sobre^columnasmilaoceo fubia
Deeftranhaobra, deeftranha architcítura O cume entre as eftrellas fe eícondia. Que a vifta não chegaua a tanta altura; O ;àírento na terra fe eftendia ' Onde obra não fizeráo tsm fegura Meleagenes, Sugilas, Hertnodoro Cteíifon, Zenodoto, Apolodoro.
Hun:iefpri to luzente, & criftalino Dândolheamãcdoleitoo aicuanta, E para o alto templo peregrino Guiando hum pouco efpaíTo fe adianta: Abre húa porca eftranha de aço íino. Que outra não kz Epeo de arte tanta A húa falia o leua íiluftre, Sz bella, Q^enuncaNeroateuecomo aquella.'
Encima do portal tinha entalhada AFam2>juílo premio das grandes^as Sobre hum efcudo de armas leuantada Com hua cruz entre as qainas Portuguefas: A fala alegremente alumiada Comeftfcllasdo Sol cotitinuo acefas. As paredes em quadros de pinturas Com diusríos retratos, 6c figuras.
Aly tomando a Nuno a mão direita O varão mais qaehumanoi lhe dizia,' De quem tanto hoje a terra fe aproucita Quanto para outra idade o ceo confis? Eítatriftezâvam agora eogeita Quecfperandoteeftànouâ alegria Queatcunomefâmofooceo propicio Hoje a pedra lançou nefte edifício.
Não
CANTO Xi; iíj
Não foi d com que a gente Caftelhâfia Dcuaofamofo irmão mortal ferida. Cuja inuejada morte defengana A quem íem gloria eftima muito a vida: Foiofanguedaeftirpemais que humana; De Deos para altas obras efcolhida Derramada nos muros que aleuanta Ateuimmortalnome,afama fanta.
Aqui fera eterno o claro affento
D e teus tam poderofos dcfcendentes. Cujo aliceírc,& cujo fundamento Neftc irmão começou que agora fentes: Alegrate, &: defterra o fentimento Abre os olhos, té gora defcontentes Verás varõcs> & heroas foberanos. Que haô de ver os futuros Lufytanos.'
Nuno com gofto igual, & ligeireza Noquefallaua, avifta aíTegurou Que com aquella luz contino accza Marauilhasnão viftaslhe moftrou: Todas com tanta graça, & tal viueza, Q^ue a natureza da arte fc efpantou, E no painel primeiro que apparece A filha Beatriz não 'dcfconhece.
O bcllo rofto aly mais venerando. No qual húa luz grande fe acendia Voltauaao charo efpofo, doce, & brando; Que alegremente a mão lhe ofFerecia: Humtrofeo immortal cftão pifando Que os Icuantaua a ambos, & os íubia^ , E o efprito que a Nuno aly guiara D cft a Corte as pinturas lhe declara.'
Q 3 / Efta
o CONDESTABREDEPORTÍ
Efta que ves o forte Lufytano
He aquelle alto ramo que efcolhco De tua ftirpe o braço foberano, DoadccolhelTe flores todoo eco: Eftcefpofoquetcmaltiuo, & vfano, No que em teu nome, & obras mereceoa pilho he do Rey, que agora te sffeiçoa, A quem cedo darás cetro, ôc coroa.
jEfteterádcti famoía herança
QuQ com o real fangue ennobrecída Vencera tempos, fados, & mudança E a teu nome dará perpetua vida: 5erà Duque primeiro de Bragança
«Terra a teus defcendentes eícolhida,' Serà forte, magnânimo, & ditofo Verdadeiro, catholico, 8c famoía.
Delia, & defte varão ditofo, Sã claro Ha de naccr a gente mais que humanai Que o alto ceo promete para amparo
' Da antigua, & nobre terra Lufytana: Logo o ves com esforço grande, Sc raro Pelejar contra a gente Mauritana De quem o pai com jufta, & fants guerra Deluliâocntregue^obra a terra.
Também nefte painel que eftá diante O ves em ciuis guerras occupado Contra o incauto irmão, mifcro Infante Dosíeusindoutamcnte aconfclhado: Que ao Rey fobrinho, Sc gero tam poflantc Negaorefpeito, Scforocuílumado. O morte tr iíle, ó cafo duro, Sc feo p memoria de Cefar, & Pompeig.
lãneftc
€ANTO Xí. fÍ4
la nefte tempo tem por companheira Confiança de Noronha illuftre, Sc bclla Do Conde de Gigon filha primeira Neta do Rey Henrique de C aftells: EdoReyPortugues, que a derradeira Por herdeira deixou do rcyno, Sc delfa Aquém pormcooccultoa forre priua Nâo lhe fendo no alheoreyno eíquiua.
Defte primeiro Duque AfFonfo, aonde Teu fâDgue irà fobindo fem detença» O valerofo filho não fe eícondc, Que ao pai não fez no nome diffcrenças Erte fendo por ti fâmofo Conde AíFonfo o Rey Marques faz de Valença Título que em grandeza acrccentàra Se a Parca antes de herdar não no atalhara»
Atenta aqui verás que em terra eftranha Dà de fcu grão valor proua eftrcmada LeuandoaBedericode Alemanha A ditofa conforte, Sc defejada: Com deuota afFeíção que o acompanha Peregrinando a terra mais fagrada Corre outras regiões, climas, & aíTentos,' Atè tornar aos pátrios apofcntos*
Funda o caftello illuftrc, & leuantado Que do de Magdalena não fe cfqucce. Fortifica os lugares com cuidado, Que japorícusna pátria reconhece: Faz de Ourem alta o templo celebrado Qiie com defpojos fantos enriquece Toque com os feus, da vida tranfitoria A todos deixara queixa, Sc memoria.
Q 4 Que
o CONDESTABRE DEPOR T-
Que antes qae o Duque perca a luz do dia. Ia gozara do filho a fepultura, Que bem viuer na terra merecia Quanto o mundo durar,6c a fama dura: De húa illuftre dona,& de valia (Que hum mao fucceffo faz de forte efcura) Outro AíFonfo aueru muy generofo. Que o nome a Portugal faz mais fermofo.
yes delle a clara cftirpe.fe derrama Que aqui vai nefte quadro retratada; Do Vimiofo a cafa, cuja fama He grão tempo dos fados inuejada; A quem Minerua, & Marte tanto amaj Que ella o efcudo lhe da, elle a eípada. Mas no que omundotcm,bufca,& refpeita Não lhe dará a ventura a mão direita.
Olha verás Fernando, que a herança Terá do pai,& irmão^que nclle goza Duque íegundo a cafa de Bragança, E primeiro Marques Villa viçoía; Cuja alta gcração^cuja lembrança Inda apezar da inueja rigurofa» Entre varias nações, & varias gentes. Eternos fará fer feus defcendentes.
Vcs que na tenrra idade floreeentc De Arrayolos por ti tendo o Condado^ Cae no valo,a braços juntamente, Com o valerofo Mouro fubjugado: EftandodefenfornaLibia ardente, E fronteiro de Ceita celebrado Aonde fua memoria em largos annos Guardarão fcmpre os muros Tingitanos.^
Efta
CANTO XI. uç
Efta hc a eípofa illuftrcquanto bella Dos Caftros honra,8c luz, dona loanna. Que rayos deitará de clara eftrclla. Com que engrandece a terra Lufitana: Mas hum Fernando altiuo nace delia Que ao mais feguro eftado dcfengana. Com mudanças do tempo,& da ventura. Nos quacs não pode auer coufa fegura-
Efte Duque terceiro dom Fernando Mais magnanimo>& forte>que ditofo: Por quem trifte a conforte eftà chorando,' E o Rey,ou eogâna#o,ou fofpeitoío: Virá a por ncfte eftado miferando O Reyno em varias partes duuidofo, Que quando fopraovento duro imfgo O mais alto lugar he mor perigo.
Fere primeiro o rayo furiofo
Os leuantados montes, que a planura, E quando o mar cruel tempeftuofo Menos o maior peixe fe affcgura: Perde o Duque tam cIaro,& generofo Em hum momento a vida,& a ventura Porque o mao procedcr,& peito alheo Traz ao Rey em perigos, &: em receo^
Efta a que volta o rofto tantas vezes Sendo de Guimarães Duque eftimado Dona Lianor illuftre he de Mencfes, Filha de Pedro o Conde celebrado: E eftoutra que chorando largos mefes Tem na corrente o Lena acreccntado He Ifabel do próprio Rey cunhada Q^ viuua a deixou dcíamparada-
EAc
OCONDfiSfTABREDEl^ORT:
Efte he o valcrofo- Sc forte irmão
Marques de Monte mòr, que o peito altiuo
Moftraracom valor, & opinião
Se 1 he não fora o Fado, & tempo efquíuos
E feiM deixar na terra geração,
Mas o fcu nome fó inteiro. êc viuo
O efprito foltarà na terra a! hea,
Porqac da pátria própria fe arreceai
Ves dom AfFonfo illuftre, que primeiro Conde fera de Faraó conhecido Defte Fernando irmão, mui verdadeiro Magoaninio,cxccllc§te, ôr mais vahdo: Efta que o faz do Conde Sancho herdeiro Efcolhendoo na terra por marido, He Maria CondcíTa, illuftce, & bclla Dos Noronhas reais famofa eftrclla.
De Odemira,com o fcu cobra o Condado Dando a tal nome afsi mor cíperança; E enche de flores todo o reyno amado Efte ramo da cafa 'de Bragança: Por hum {cxo,&c por outro derramado Quanto a vifta cõprende,& quanto alcança,' Que vão com nome, & gloria fuftentado Dous Sanchos,hú Fraocifco,& hú Fernandol
Dona
CANTO Xi: xi6
Dona Guiomar de Caftroefta fe chsmai Que na terra aonde cftâ fica eftrangcira,' Que por belleza illuftre, fangue, & fama Foi do Infante Fortuna companheira; DonaMeciacftoutra,ilIuílre dama Não menos glorioía que a primeira» Medina Celi alcança por Duqueza, Exemplo de valor, fangue, & nobreza.
Eftes varões que vcs claros luftroíos.
Que cada hú tem feu nome cm outro efcritoí Saõ Condes, Bifpos, Sc homés vaíerofos De virtude, faber, braço, 6c de cíprito. Cujos feitos tam claros tam famofos Qaererte aqui contar fora infinito; Mas outro irmão veras deftoutra parte. Honra de Aétrca,& gloria do Dcos Marte»
Vesaquieflacomâ vara gouernando Com coração igual, com rodo inteiro Que he do primeiro Duque dom Fernando Dom Âluaro também fiiho terceiro: Noquâlcftà Tentúgal efperando Para alta geração Conde primeiro. Cuja illuftre progenia altiua, & bella Portugal goza, 6c honrará a Caftella^i
Eftcheofílbo amado dom Rodrigo De Ferreira Marques claro, & famofo, Domiorgeocharoirmâo leua coníigo, QoedeGeluesíerâ Conde animofo. Mas olha as irmãs claras, que eu me obrigo Ç^ teu fangue aucràs por venturofo Dooalfâbel de Caftro não te cíqueça, QuehedeBcnâlcaçar a Condeíía.
Ves
o CONDESTABRE DE PORT
Ves delia a toda Hefpanha cnrriqucccndo Com oftuitodcfte ramo floreceníe Como os Duques de Bcjar vem nacendo. Também os Duques de Alua, & outra gente: Toda efta terra eftranha que eftâs vendo Ofrutooccupara defta fcmente. Dona Beatriz eftoutra he de Vilhana Honra da pátria terra Lufytana.
Ves de Coimbra Duque o claro efpofo Filho do Rey fegundo dom loao, De Santiago, &AuisMeftre fsmofo. Que a forte efpâda tem na deftra mão: DecDJofangucilIuftre, &r gcneroío Terá principio a illuftrc geração Daquelle exemplo raro, & verdadeiro De honra,fangue, & valor Du^uc ci*Auciro^
Ves que de Aluaronace outra Maria, CondcíTaà Portalegre dcfcjada, Que tem da illuftre gente clara, & pia Dos Syluas Lufytania fameada,- Com loâo Conde illuftrc, & de valia Efta dama que ves fera cafada, E dellesnaceraõcommil loquores Venturofos, & illuftres íucceflbres.'
V es Beatris tam clara, & tam fermofa Do primeiro Fernando filha amada. Que com o Marques primeiro da famofa Nobre villa Real íera cafada; Cuja progénie illuftre, Sc venturofa Será por largos annos dilatada, "^
Enchendo a terra alhea, & largos mares De varões entre os homês fingularcs»
Eftes
CANTO XI. iir
Eftes que armados vão de ftoutra par te Gloria da noíTa antigua Luíican;5, Honra de Apo!o,inueja do dcos Alãrte, E flagelos da infida Mauri^ni^.; Q^je hão de extinguir no mundo tanta parte DiMahom2tica,immunda,& vi! cizânia, S aõ tais,que Tua fama cu afrontara Se tam depreíTa aqui delles contara.
Olha asirmãs de trajo difF%^rente
Dona Guiomar fe chama efta primeira CondeíTadeLouIè clara exceílente De Henrique defejada companheira: Dama^efpofajVioua em continente He Cathcrinaeftoucra derradeira A quem a morte aborrecida, & calua O feu Conde tirou de Mirialua.
Veras outro painel que eftâ moílrando De armas negras veftido hom caualícíro,' Que he do terceiro Duque dom Fernando, E dcí IfabeI,dom Gemes claro herdeiro; Com o tio Rey a parte eftd fallando Que ihe entrega os eítados por inteiro '
De que o priua outro Rey que injuílameate Executaua a ira no innocente.
Cá aonde o ves com os Mouros na peleja Com magnânimo esforço,& braço oufado Aruora efte pendão da fanta Igreja No Barbarico muro não domado: Toma a forte Azamor,que afsi defeja O Português império dilatado, Q^ fique o Rey, 6c ceo mais fatisfeíto De feu famoíb braçOi&: de feu peito.
Eftâ'
D CONDESTABRE DE ÍORT:
Efta a que m dà a mão,& tira a vida Por hua temerária vã íorpeí ta, (Que cm tam altos fugeitos concebida D c razão není.de modo fe sproueitè) He Liaoor, que a forte fementida
.. Põem nefta condição miícra cítreita. Filha do Duque illuftre 6r verdadeiro Que a Medina Sidónia hc terceiro.
A íegonda quê ves logo he loanna
Do tt^onco dos Mendoças ramo nobreí Que enche de fruto a terra Luíitana Como todo çfle quadro te defcobrc: Mas acabando eftoutfo dcnde mana A geração que aqui não fe te encobre Olha outro filho xlluílre de Fernando Que vai teu fangue, ôc nome acrecentandol
O claro dom Dinis de Lemos Conde Aquém ofobrinho,afilha faz Duqueza Cuja belíâ progenia não fe efcondc Na Caftelhana terra, & Portuguefa: O filho dom Fernando he efte aonde Condes de Andrada ãpuraô a nobreza,' Dom AfTonfo hc eftoutro, que tés vifto Comendador maior da cruz de Chrifto*
Deíle ves a conforte defejada
Neta de Pedro o bom Marques primeiro,' Do claro dom Diogo fiihaamada De quem o mefmo AíFonfc fica herdeiro: Tecendo a geração tsm venerada Que abonara feu nome verdadeiro Com os varões|que o ceo ja lhe aparelha," A que afsinala a cruz branca, vermelha.
Ves
CANTO XI. ng
Vesde Dinis afilha generofa.
Que â Saboya efpantou, dona Mecia CondeíTa de Salon^bclla, Sc fermoíia; Que ver a pátria ca não merecia: Olha Liânor não menos venturofa, Nem menos grande cm parteí. &em vah'a CondeíTa derejada,iiluftre> 6c bella. Que a não tem Ribadauiatsl comoella^
Ves a Antónia também difcrct3,& belía FilhâquedeDinisteeftou moPcrândo, A quem forte fatal,beninâ eftrella Deu ao Coutinho iHuílre dom Fernando: Manchil venturoro,que com elia Irâfeu nome.&eftâdoâleuantândo, E com os defcendentes defta dí^ma Crccerà feu louuor na voz da fama.
Mas volta os olhos ca com a efpersnça Dsfte vindouro feculo, Sc ditofo Verás Duque a Barcelcs,&: a Bargança Thcodofio tam clarO; & tâm fsmoio Cujo nome immortal, cuja lembrança Nâo podei â vencer tempo inuejofo Honra do reyno amado que o defeja, E dos eftranhos Príncipes inueja.
Efte herdeiro de Gemes tam valido Com tantas exccllencias eftremado No reyno em fanta paz enriquecido. Mais acf eccntara feu grande eftado: Fa2fepDr'todo o mundo conhecido, E ao ceo mais aceito, 6r mais amado Na câra>6c na capslla, iiloftrc, & rica Reform3,ilIuftra,fuQda, Scedifica,
Efta
o CONDESTABRE DEPOR T-
Efta dama primeira a que ofFerecc A generofa mão como eftàs vendou He lfabe!lai!luítre>que merece M ih do que lhe eftà a forte prometendof Filhadedom Dinis fe não teefqaece O que delle te fui moftrsndo Sc lendo Eftroutra he Beatris clsr^, S: sltiua A quem do Duque amado a rporte priua.
Cà verás líâbcl ditofa líFanta,
Quedoceotem na terra tantí? parte,
. Com o alto efpofo Cai que tem diante O valeroío Iffante dom Duarte,- Tão amado do Rcyno, como amante, Que tudo juftamente o Ceo reparte. Cuja morte cuftofa aos Lufytanos A pátria chorará muy largos annos.
Verás Gemes Fulgencio, Conftantino Filhos também de Gemes Duque oufadoi Cadahum por varias obras perigrino, E o terceiro tam a!to,& celebrado, PaíTa no húmido reyoo Neptunino E no que tem aos noíTos íubjugado Tanto com íantp zelo fe engrandece Q2£ ídolos pifa, ôc ouro deíconhece.
Efte he Theotonio aquelle cfpelho cbro De virtude, nobreza, ôt de prudência, CujaTeligiãOj8i exemplo raro Fez da alta dioidade penitencia. Das nações eftraogeiras doce amparo, Da noíTâ natural noua excelíencia De Euora Arcebifpo A dino juntamente Da Cadeira de Pedro penitente.
Attenca
CANTO XI. !%9
Attenta eftc painel, & olha à loaoa Que ves do efpofo feu contente, Sc íedíí'» Será Marqueza de Elche fobcíana, Enace delia o Duque de Maquec? E Eugenia que na terra Lufy tana Tcra da forte a roda firme, & queda Do famofo Franciíco companheira Conde, & Marques famofo de Ferreira;
Eis de outro trajo aqui ves a Maria E também a Vicencia clara, & pura. Que com a deuaçâo humilde. & pia Dão luz, & refplandor dcfta clauíura; Mas deixando o que aqui dizer podia Par^ chegar ao fira defta pintura, A Theodofio vamos aonde cfpera Luíitania ditofa primauera.
Efte he Theodofio vnico herdeiro O Duque claro, & pio dom loáo. Príncipe fiel, firme, Sc verdadeiro^ Defprezador de inucja, & de ambição^ Em verdade, & juftiça femprc inteiro, Obferuante, catholieo,ôc Chriftão, Prudente, liberal, jufto, esforçado Só de imprudentes peitos pouco amadoJ
Efta que ves de tanta gloria dina.
Que a mão dandolhc eftà com graça,è arte,' He a alta, & generofa Catherina Filha do claro IfFante dom Duarte: A cuja geração quafi diuina Inuejâraõ o Sol, Diana, & MartCj Cujo juizo, Sc fcr mais peregrino Louuorfecâdo fexo femenino*
R Ves
o CÒNDES'TABREn E PORT:
Ves dcftcTheodofio valerofo
Naccr & de Beatris clara Duqucza, Izabel Douo exemplo gencrofo De virtude, brandura» & de nobreza, Aqui ves o Marques feu doce eípofo Da ânriga, & alta ftirpe Portugueza, Mas volta a ver a excelia geração Da fiiha de Duarte &: de loâo.
D^ÍIes por bem mAyor daquellá idade Nace outro Theodoíiodefcjado, Que hum nouo foi ferajie lealdade "'
Na confufaõ do Rcyno perturbado Emesforço, valor, honra, & verdade Fâra crecer fcu nome fama^ eílâdo Com eterno louuor fobre as efirellas Ajudado da graça, & fauor delias»
y es que na tenra idade de dez annos
Vai cõ hum bello efquadraô de géte armada
Com o animofo Rey dos Lufy tanos
Que o real cetro deixa polia efpada,
Aruorando nos campos Africanos
A bandeira dos fados venerada,
Que por fegtcdo, bordem não fabida
Depois de vencedora foi vencida.
Ves que com o tenro braço as armas guia,' Aqui feguindo ao Rey no fero aíTalto, Que de feu braço íó tudo confia. Do numero dos feusíendo tão falto; Mas Deosqueoccultamentemoue & guia^ Os fucceíTos humanos de mais alto Lhe dará nefta hora o defengano, E que chorar ao Reynq Lufy nano.
\ laemi
^ CANTO Xt: íjo
Ia em fangúe & furor enuolta agtserra,' Contra Lufo a vitoria fc publica De tnortos.ôc feridos, fc enche a terra Do fàngue.ôr dos defpojos farta & nc^^ O Rey entre as batalhas moue òc cerra. No real coche o tenro Duque ficaj Mas depois noutro o muda o vario fada Ia dos vaíTalIos ícus defanaparado.
Vesde Alarabes ca guerreiro bando, Qae o Duque em húas andas tem ferídd Os imigos alfanjes apartando Que cada qua! procura o feu partido:
. Sobreaprcfa os ingratos pelejando. Tem o Duque magnânimo atreuido De quem os fados daô certa cfpcrançai Que viuo ha de ficar para à vingança.^^
CeíTa o rigor do bárbaro infolentc. Aqui em fendo a preza conhecida, Poftradaíclheofreícea Miura gentc^ De terlhc feito ofFenfa arrependida: B anhado em fangue o príncipe excelente^ Aos feus procura em Vão faluar a vida, Q^ hCu ficão ja eatiuos, & apartados: E outros no turuo Luco Tcpultados
O grão Rey perde ávida, &a ventura^ E o nome Português» que honrar pretendei Ficando aos feus a fuá morte cfcura, Que parece que a Parca fe arrepende: Todo o mundo terá por fepultura. Que Mauritânia fó não no comprehendcil Eafsim na opinião do vulgo errado, Depois andara vluo^ de enterrado.
K z " Veras
o CONDESTABRE DEPOR T.
Verás como na pátria defejada No foberano eftado ja fuccede, E á confufâ geoteA perturbada As armas, 6c as vãs lagrimas lhe impede^ Ves Lufitania trifte,& magoada De males, que hum trás outro lhe fuccede,' Feita empreza das gentes de Inglaterra Oprimida com roubos^fomes, guerra*
Ves ja contra ella o mar que fenhorca De inimigos nauios pouoado, E a cidade de VliíTcs que recea O contrario poflantCaôc defmandado; Ves o príncipe Alberto que na alhea Terra o goucrno tem, mando,& cuidado,' Põem todo o reyno em armas,& em defcnfa,' Mas nâo ha tal poder que o temor vença%
Põem cerco u, grão Lisboa o atreuido Ingres,com gente illuftre,& valcrofa, Defmayar vesaopouo tamtemido> Em húa occafião tam duuidoía, Tudo ja julga o vulgo por perdido, Que húa gente rendida, outra queixoíà. Como fenhoreada da ventura. Em nenhúa efperança fe affegura-
Mas nefta confufaõ que ao longe vejo,' Verás decer ao Duque gencrofo, *
Suas gentes configuo,& feu defcjo,
•^ Que he mais quedas mefmas gentes poderofoi Com cinco mil dos feus paffando o Tejo, Dcfpcrta, & arma o pouo receofo, Que veado o bello Principe a quem ama. Cobra nouo valor com que fe inflama.
Não
CANTO XL Í3|
Não vay chamado o príncipe efcolhidoi Ou mandado do tio Rcy prudente, Mas de animo bal ofFerecido, Suftenta a propriacufta a fortemente: O cerco tâo fundado, Sc tãò temido, Ves^que o Ingres leuanta cm continente Porque à defenfaô do reyno âcodc. Quem tanto nelle manda, & tanto pode»
Ia íe embarca, ja da ao vento as ve!!as, E a Theodofio ves que também parte: Q^e bailara a tomallas, & a rendellas,
• Se a mais derâo lugar Neptuno & Marte; Mas o fâgaz contrario que cm cauteiUs Eftratâgemas,fogo, engano, Sc arte. Funda mais feu poder que em braço & lança,' De nouo inda concebe, outra efperança.
Poucos annos dcfpois, ves que fe atreuc A proíeguir a cmpreza começada, Vesqueotraza ventutâ,& vento leuc Sobre Cadiz com poderofa armada; Ameaça a Lisboa que em mais breue Se reforma da gente á guerra vfada. Outra vez vem o Duque a foccorrella Com hú guerreiro eíquadraô de gente bella^
Ves que Fclippe o irmão moço animofo Lhe faz na tenra idade companhia. Chega o Duque guerreiro poderofo. Deixa o Ingres o intento que trazia; Torna a voltarfe o Príncipe ditoío. Que aqui ves entre jogos & alegria, Eiperandoja ver achara efpofa, Q^ na terra ha de ícr tão venturofa.' . ■ R 3 Aqui
o CONDESTABRE DE PORTJ
Aqui a ves deixar a pátria chara, E amanhecer a Lufo como cftrclla. Dona Anna de Vclafco illuftr e,ôc rara.' Filha do Condeftabrc de Caftclla: Da antiguâ geração illuftre & clara. Do valerofo Infante,que dom Vela Teuc por nome, &: dellc deriuados Serão os de Vclafco celebrados.
Eftafaraditofâ afantaliga
Dos eftandartes hoje tam contrários^ E fera fim da competência antiga Dos fortes Condeftabres aduerfaríos; Grandesbés lhe promete a forte airiigaj Em fucccCTos eftranhos, cafos vários: 3VIas em pouco lhe rouba a Parca dura, Tudo a que podem dar tempo, & vcnturaí
jVesaqui fica o Príncipe animofo De fcntimcnto & dor defanimado, Qae como amante trifte, & faudofo, Choraofeu mayorbemtão mal logrado^ E ainda efte fucceíTo rigarofo Ante os olhos terá reprefentado. Quando com noua dor, triftcza, & pranto^ Os irmãos fcntirà à que ama tanto*
Mas o benino Ceo nunca auarento, A quem lhe fabc dar juftos louuorcs: Vencera efta magoa, ôc lentimcnto, Nodefejadobcm dcftcs penhores,* Que do tronco real, que te aprefento» Brotarão ncfte ramo como flores, Que haõ de illuftrara terra Lufytanai Eícr honra, & ?aIor da Caftcihana.
De Ana
CANTO XI. iji
De Anna lhe fica hísm príncipe excelente. Cora que jaLufytania íc engrandece loão que a pátria, o nome, a terra, Sc gente Alegra, anima, honra, 6c enriquece,- E Duarte também que aqui prcfcnte Com Alexandre agora te aparece, •- E Caterina, que cm muy tenra idade
. Será da pátria terra claridade.
Olha a Duarte, a quem a natureza Formou para vencer a ventura,
^ D 5 Flechilla Tviarqucs, que á Oropcía Deixâofamofo herdeiro, que procura; Vendo cortado em flor com grão triftez4 Efte eftrcmo fatal de fcrmofura, Beacris, dacafailluftre, & celebrada. Que foy dos Paleologos deriusda.
Deftâ dama, taõ clara, quanto belfa. Lhe nace o doce herdeiro dom Fernando^ A quem promette a veoturoía eftrella Senhorio mayor,ventura>& mándo; Honra íerá ao Reyno de Caftella, E o nome Português aleuantando, Fará com mor valor feu grande eílado. Ser a pegar da forte acreccntado.
Tombem nace loão, que de três annos Vay a gozar da gloria prometida, E Fcancifco á que os fados dcshumanos Tirão de fete injuftsmente a vida; Eoi graça, auiío. Sc does mais foberanos A natureza deixara vencida, Vendo na fua idade tenra & verde* O que nas mãos da Parca em fim fe perde^.
R 4 Defta
G CONDESTABREDEPORT.
Defta parte o veras acompanhado
Doutra bella conforte, que <;m grandeza
Não he inferior feu nobre eftado,
E em tudo o mais contenta à Natureza:
Dona Guiomar que o nome celebrado
Fará de Malagon felíx Marqueza ,
Da geração illuftre, 8: do appelido
Qne he mais em toda Efpanha engrãdecido.'
Olha Alexandre hum Principe excelleqte, Queoceo a Luíitania tem guardado, Que a purpura deuida líurementc, O Tibie lhe dctera como enleado; Os olhos nelle tem de Lufo a gente; Que como hum nouo Athlante fuftentado O eco aos ombros tem,& a terra antiga Que Giraldo liurou da gente imiga.
Mas na força maior deftaefperança Em que a pátria eftarà toda irifluida Da terra para o ceo fará mudança. Dando por gloria eterna a mortal vida; Ah quanto cuftará dcUe a lembrança A terra de feus bés dcfconhecida, E â aquelle foberano, excelfo templo A quem fera na vida eftranho exemplo»
Aqui verás Felippe moço oufado.
Que como o foLque rompe do Oriente Doura comfua viftaomonte^Scprado E de efperanças enche a pátria gente, Mas feu preço, & valor tamdefejado O feu braço magnânimo & valente. Cortara com rigor a Parca injuíta Nâmaisâorenteidade.ôc maisrobufta.
Efta
CANTO XI. 133
Efta que ves de branco eftar vcftida Coroada de Palmas, Cedro, & Louro, He Maria que a morte rouba a vid a. Por nos roubar da vida o mor cheíouro: A fua eftrclla cm nuués eícondida Ira tocando o foi com rayos douro. Quando fe cclypfara com perda cftranha Magoa de PortugâI,& toda Hefpanha.
OlhaabclIaDuqueza Serafina
De Efcolona & Marquez a de Vilhana,
No fcr,no nome, Sc parecer diuina
Na condição real fomente humana.
Que fendoaLuíitania dellaindina
Faz venturofa a terra Caftelhana
D ando a Ioâo,quc o Ceo eftima em muito
Eftas flores que ves com tanto fruito.
Efte da geração antiga,8c clara
Do conquiftador forte,& caualleiro Que a dom Henrique o Conde acôpanhàra Pay do Rey Português que foi primeiro: Sçrà Duque de fama illuftre, & rara Prudentc&generofo, verdadeiro Qoedc Pacheco o celebre appelHdo Fará no mundo íer mais conhecido.
A ella nos roubara de pura inueja
Roma deixando a Hefpanha magoada. Clemente he efte o bom paftor da Igreja De quem com fanto amor he venerada: Mas o ceo que a mais ama^ôc mais dcfcja De efpiritos luzentes rodeada A leua a por os pès fobre as eftrellas Pois na vida,& na luz íoube vencclla.'
Ves
o CONDESTABREDEPORTJ
Vcscàfobreeftanuuem criftalina Quatro flores feguir a hua donzellá,' Angélica;, Ifâbcla, 8c Chyrubina, Cada hua mais angélica, êcmais bella; E outra Maria a quem a terra índina Deucm nacendoaoceopor noua eftrcll^ Eeftcslonges queficãoda outra parte Podcrnão tenho agora de moftrarte.
Nefte quadro a pintora fenecia, E no alto outra hiftoria ccmeçsua Aonde huabella dama sppsrecia, Que com hum Leão contente fe sbraçaua: Mas o efprito que a Nuno í^ly trazia Lhe fôltou leue a mão com que o ^guiaua; Ao preguiçofo fono o corpo entrega. Que tanta luz lhe moftra a noite cega.
Masjaa Aurora vinha defatando Aíombracfcura qtje atalhaaao día^ E d'entre as pardas noués cintilando O Sol as claras agoas acendia; Ao final da trombeta defpertando Daquelle fonho alegre a fantafia Do morto irmão, o corpo auer procurai Pata lhe dar honroía fepultura.
O Alcaide da villa não lho impede.
Mas mandão dâr aos feus honradamente^ Afsi por fe temer de quem Ihopede» Como por fer honrado, &fer valente; Com a pompa que na guerra fe concede, E lagrimas da amiga, & forte gente NotemploaSamFrancifco dedicsdo, Mofteito de Eftr emos> foi fepultado^
Torna
' CANTO Xi: Hi
Torna Nuno a cercar Villa viçofa,
Com mor poder de gente apercebida Por ver que aquella terra graciofa, Eraafeus defcendentes prometida, Durou o cerco, & guerra trabalhoía, Foy com graô força a villa combatida. Mas tem de monições tanta abaftança, Qje tirouaNunâlures a efpcrança.
Deixaacmpreza, ôcjalhe dão recado Que o Olíucnça Icuâo ncftc enfcjo Prefo o Teu valente Aluaro coutado. De que p contrario Rcy tem grão defejo, E por poder valer ao bom criado, A qucmfempreteueraamor ícbejo, Manda dos feus aigús fecretamence Tomar a cftrada àquella armada gente»
èSúm pollo valor que ali moftrar a í
Quando a porta paflbu fero atreuido, Aonde animofamente pelejara. Sem verá liberdade algum partido. Como por ver que à Nuno era tâo châra> A vida de hum foldado tão valido O Caftelhano Rey vello quiíera, Sc o bom Pereira a noua não ciuera.
^0 vão que entre hus montes íc fazia, A onde duas cftradas fe cruzauâo, Nomaisaltoda noite efcura & fria, Os feus com grão fegredo fe embrenhâuão Quando paíTando os defta companhia, Qucadeshoras com medo caminhauão Os noflbs dão fobre elles num momento. Que fogem tão ligeiros como o vento*
Afí
o CONDESTABRE DE PORT.
Ali deixarão prcfo o caualeiro,
Qae os noíTos trazem ja com graõ ruido, Rccebeo alegremente o bom guerreiro. Que era dellc contente, & bem feroido: Que alem de leal fempre, 6c verdadeiro. Era forte nas armas, & atreuido. Cuja memoria he bem que não fe efqueça. Antes com nome eterno íe engrandeça.
Defte inda os dcfcendentes que nacerão Sernindo a grande cafa de Bragança Como fieis Sc honrados fuccederão, Suftcntando a virtude defta herança?? Coutados em machados conuerterão,' Não fazendo nas obras a mudança. Goze lembrança, Sc nome tão honrado.' Nuno 8c feufucceflTorjLuis machado»
Deixado aquelle cerco, que â vontade Tãofolicitamente Iheobrigaua, Pofto o criado em doce liberdade. Que elle por feu valor tanto eftimauaj Em Euora aflentar fc perfuade, ♦
Porem cuidando ali que defcanfaua. Para hir bufcar ao Meftre fe apparelha^ Que mal íem fcu esforço fe aconfelha.
CANTO
CANTO XIl"
Tratãô ospouos de alemntAr por Rey áo Mejlre D J Jolo*EUefe Aparta, da cidade ^cjr vai for cerco a Torres vedras aonde D Nuno Alures Pereira vem ter co eUe^ & o leua a Coimbra.He dospouos eleito por Rey, é* J>* Nunalures feito CondeBabre» Aparece huagrofa ar mu da Caftelhanafobre Lisboa, vai o Codeflabre a cidade do Porto armarcotra ella,áchafaa mulher érfilha.inte ta hir em romaria a SÃtiago, toma o Caftello de Neiua^ & Viâna:enttegÃofelhe Caminhayillano!ia,ó" Mon- ção.nefte tempo chega o Rey ao Porto põem cerco a Gui marãeSjé* o Condefi^bre deixa ndofua romaria toma a cidade de Braga , ^ Ponte de Lima^ & tornando com elRej ao cerco Jhe dão nouds que elRey de CaUella àece com todo ofetà p o der f obre Portugal.
EM quanto ifto paíTaua alem do Tejo O pouo de Lisboa aluoroçado. Com natural amor, moftra deTejo De ver por Rey ao Meftre aleuantado: Ealgúsquetemporleue, &porfobejo Verlhc o nome real antecipado, Entre o cnleo vão de razões varias, lulgauão as leaes por temerárias.
Hum murmuro continuo difcorria Por praças, & bgares da cidade. Mas quanto hum contradiz,outro aprofia. Tão igual he no vulgo efta vontade, O Meftre valerofo, que entendia O que a hus, & a outros pcrfuade Por tirar qccaíião ao dano alheo. Os muros da cidade pocm no mco.
OCONt»E§fÂlftRÊt>EPORT}
Vay cercar Torres vcdras villa altiua> Que cftaua entregue à parre de Caftella, Que quanto mais rebelde, & mais efquiua Morodefejotemde combatella; Entra nos arrabaldes, 6r cstiua A defcuidada gente, & fem cautella Donde combate os muros cada dia. Com deftreza, com força, 5r comperfiaít
Mas em vãoforôõ delle combatidos, Neíle primeiro síTlílto, porque cílsuiio De guerreiros mui dcftros defendidos. Que com vàíor^Sr esforço pclcjauão; Os Capitães, Sc alcaides idiuididos. Que por Caftella em Ribatejo cftauão. Correm a $irmsr de noite húa ciiada. Contra o Meílre/que a vílIa tem cercada^
Bem como oslauradores na montanha/ Perfegaidosdítferaroubâdora, Contra a qual lhe não vai deftre2a,& manhaj Que lhe dcftrue os gados cada hora, Quãdo a vem fem colheita, & na campanhai Das brenhas naturaes lançarfe fora, luntoscom multidão confiíra[& leue,
Câdâ hum na fc dos muitos íe lhe atrcuei
«
Af^Im eíles fronteiros enganados A que a occafiâo tanto conuída^ Comfecrctoscorreos, 5c recados, Concertio hus coíii os outros a partida,' Com grande eftrondo vem aíooroçados Como á contenda, &: coufa ja vencida. Porem fem receber o Meftre injatia, Antes de acccmeterem falta a fúria*
- ' Seu
CANTO Xir. Fj^
Sca campo ordena o priocipe famofo,' Que foi logo auiíadodefte intento, Pocm rofto â aquclle âíTâlto perigofo, E fortifica o íeu alojamôânto: No campo largo, & monte pedregofo Para hCia parte, & outra com bom tento Atalaias, &: cfcutas auiíadas Tem tomado os defuios, Sc as eftradas.'
Mas o que nefte aíTalto teme, & fente, O temor hc dos feus> que o perfusde. Que tem fraco poder, Sc pouca gente. Para a que vem com tanta liberdade, Que aííàs he com os que tem íeguramcnta Dsfenderfe entre os muros da cidade, Eeftandodeconfelhoquaíi alheo. Vede o focorro eftranho que lhe veo.
Âo defcobrir de hum cerro appareceo Como hum tropel de gente de a câuallo^ Queatodoonoflb campo com.moueo, E no Jvlcftre nâo fez pequeno aballo, MaslogoaDom Nunalurcs conhcceo, E facíe dos feus para erperallo; E entre abraços de amor, Sc de alegria; Nos feus ja dos perigos fe eíqueciâ.
Nuno que cuuindo em Euora que queríão^' Que foíTe aleuantado por Rey nouo O Meftre algus, Sc que outros o impediãoil Encontrando o querer de todo o pouo, Asduuídas, &:ascouíàsque moaião. Menos de razão folida, que eftrouo. Para fe achar prefente nefte eníejo Deixara as frontarias de Alemtejo.
Com
o CONDESTABRE DE PORT:
Cem fetenta de mulas vinha armados D c cotas, & braçaes fomente, à corte A Lisboa chegou, acha os recados. Donde o Mcftre ficaua, & de que forte: , Arneíes bufca aos feus ali empreitados, Armouíe em breue efpaço a gente forte," Partefe, chega a Torres como ouuiftes. Aonde o Meftre, & os feus erão taõ triftes.
Logo o campo moftrou grande alegria, Vendo cm foccorro feu tal companheiro,' E muito mor o Meftre a recebia, Que cm refpeitos & amor era o primeiro, Denouoavillaarmada combatia^ Que o não dilata o noíTo caualeiro, Efcaramuçasha continuamente, Leuando fempre a palma a forte gente#
Os capitães, que cftauâo de concerto De Óbidos, de Alemquer, de Santarém^ De Syntra, & dos lugares mais ao perto. Que com mil lanças contra o Meftre vem; Xàoto que no caminho fabem certo. Que contigo o Pçrcira oufado tem. Da fua gente, & forças defconfião, Tornão atras do intento que trazião.'
Nefte tempo os da villa a quem não falta Diligencia futilque tudo efpreit^, Defcobremhúaminaefcura, & alta. Que ao caftello os noíTos tinhão feita: Nuno que ja no cerco fente a falta De pf cbençôcs, do tempo fe aprotseita Sobre elegerem Rey fe ha de ta! arte. Que eis jâ para Coimbrão Meftre parte*
A fazer
CANTO XII. xjr
A fazer cortes vay determinado Sobre o nome de Rey tão merecido,' De algús por feus intentos encontrado, DoReyno lealmente oíFerecido, De domNunalures fò tão dcfejado, Como depois guardado, & defendido: Ia fe Icuanta o cerco, o tambor foa, A gente os arrabaldes deípoooa^
Dos muros fe apartou 3 gente armad^i E elle na retaguarda aftutamente. Quando atras ouue hum cego que lhe brada Ah Icuaímefcnhor dentre cfla gente. Que eu fò não vou trás vos nefta jornada Por não feguir aos outros leuemecte Não quero vida aqui para mais danos. Pois deixais liuremcnte os Caftclhanos.
O capitão piadofo quanto ouíado As red cas volta à mula muy ligeiro. As ancas toma o cego deíprezado, Qoie nenhum quis leuar por companheíroj Da villa quatro legoas apartado, O deixa liure o forte caualeiro, E recolhendo as gentes derramadas, Num corpo leua os feus polias cftradas-
PaíTa Óbidos alegre & bem murada, Alcobaça fru(ítifera, & viçofa, Leiria doce, alegre, 6c defejada, E Montemor antigua Sc bellicoía: Ehíia clara mânham bella & dourada, Defcobre a terra altiua Sc graciofa. Coroada de palmas era, & louro, Q£he de Minerua, Sc Pfaebo o mor tcfourol
S Eis
o CONDESTABRE DE PORTJ
Eis atraaeíía o campo tíím f âmofo.
Que de Hercules o oome inda fuftcnta,^ E as altas torres ve^que o vagâroío Mondego emfeureaianforepr^^fenta; O quaô alegre o Meftre valerofc Da deleitofâ vifta fc contenta, Aoade as âgoas,os montes,& a verduraj Menos parecem montes, que pintura,
A corrente ferena>& gracioía. Os alegres outeiros koantados, Os limites da praya tsm fer moía. Com falgaeiraes efpeíTos aíTombradosi A cidade tam nobre,8c populofa, Defcobrindo do alto o rio, os prados. Aos olhos parecia eftar diante, Qnal no eímaltado anel claro diamante.'
Com âluoroço as gentes^& alegria A vagarofa ponte atraueflkuáo, A ver aquella illuftrc companhia. Em cuja moftra os peitos íe alegrauão," Em bandos (fs mininos, & em porfia Ante o causilo ao Meftre íe ajuntiiuão. Entoando contentes por fcus modos, Viua o noíTo bom Rey cantando todos.
Elle fufpeníojos feus aluoroçados, Manda chamar do reyno os feus mayores Coades,Bifpos,Abbades. & letrados, E dos pouos comCis procuradores; E inda que em parecer muito apartados, RortoSj& corações de varias cores, Incencos, ^ tenções de muitas fortes Sobre elegerem Rey íizerão cortes.
Com
CANTO XII. 138
Com grandes alegrias recebídoj
Como depois cm grande eftrcmo smâdo; Por eleição dos pouos efcoíhido, Pollos grandes do Rcyno Icuaotâdo, De Msílre em Rey íoão fcy conuertidoí Pollos hofiics pedido, &c por Deos dado Cujo nome immorta!, cuj^ memoria Não pode efcurecer oenhúa biftoria.
Ia do csrgo real mais cmâ^àcÇo, Porque feu Reyno, &nome fe fuftentei VãZ Condeftabie o forte, Sc vâlerofo Dom Nun'Ala?es Pereira cai continente; Menos fa atccra o capitaô famofo. Do que fe alegra a Lufytana gente, De ver o peio, 6c íer de toda â guerra Naqaelíe zelador da pátria terra.
Ali com grande íiplauío lhe foi dada Aqueli.^ ântigua, ôc nobre dignidade: Agente Portugueza âluoroçada, ComReyjCom deíenfoí:, com liberdade^ Tem nouasde Lisboa amendrentada, Qao tem 00 rio a vida da cidade Hua armada muy grande de Caílella, Qos hum dia amanhecerá á vifta dellai
Chega a!i com o recado ham mefageiro Ao Rey que dvíle nome não fe eíquccc. Chama a confelho os feus dos quais primeiro OCoodeftabreasarmas fe offcrece,- Q^ue aqaelle leal peito íempre inteiro, Qne em nenhiim rifco> ou trance desfallece^ roUomarduuidofOi & polia terra C^uerfuíieotâra fudadeíla guerra,
S » ^ Ao
o condestabredeport:
Ao Porto vay com os feus, & leaa intento Com mais gcntcSjSc a pouca que leuaua Dar à forte do mar vellas ao vento, Para onde a inimiga frota eftaua. Com efte oufado, & firme penfamento Dos campos do Mondego fc apartaua» Com fòs fcifccntas lanças, que ali tinha Ia do Rey fe defpedc, ^ ja caminha-
Dosdeacâuallolcua em companhia Trcs vezes íincocnta, que a mais gente Armada marcha a pé, que não podia Encaualgarfe ali tão facilmente, A tardança, & jornadas que fazia. Mais vagarofas nifto, o quanto fentel E inda as fentira mais fe conhecera Naquella occaliâo o bem que eípera.
Quiçacsmesuercisja por defcuidado, Ou que cftareis também difto cfquccido^ Que depois que Nunalures foy chí;mado, Ed*entrcoDouro, &Mmho defpedido, A obrigação da guerra^ o íeu cuidado Em tantas coufas grandes repartido. Lhe apartaua as lembranças cada hora. Da bella Beatris, & de Lconora*
Deixara as como ouuiftes defcontentcs Nas delcitofas terras, que habitaua. Entre leacs criados, & parentes Que clle cm prefença tinha 6c conferuaua: Mas os tempos & intentos diíFercntcs, As diuifoés que o pouo aleuantsua. Também naquellc aíTento tâm fccrcto Lhes não poderão dar lugar quieto.
- Em
CANTO XIL ii^
Em Guimarães cftauâo, quando hum dia Foy Icuantada a villa por CaftcIIa, E polia pârtc aduerfa que fcguía Nuno,astcuccom guarda a gente delia,' Que indaquc eraa priíaô de cortefia, Era com vigilância, & com cautclla Em Euof a Nunalures teuc a noua, Q2ando a lhes foccorrer o tempo cftroua.^
Em outra occafiaõ tinha efperança De cobrar liuremente taes penhores, E a todo o feu poder tomar vingança Dos mal coníidcrados moradores,- Porem fez a ventura outra mudança Qoe a feu grande valor deu valedores,' E quando mais remoto, & mais alheo Do bem que defejaua então lhe veo.
Aluiçaras lhe pede hum meffageiro. Antes de entrar naquella terra altiua^ Que o nome do lugar tomou primeiro,' Dondeodopatfioreyno federiua, E diz com rofto alegre, & prazenteíro,> Que a conforte leal que era catiua, E a fermofa Beatris, em liberdade O efperâo coiii gloria na cidade,
Porque hum parente feu de animo oufado De Guimarães alcaide occultamente Com algus feus fieis de noite armadoj Aicu faluo o tirou liure,& contente; Gonçalo Pires Coelho era chamado, , Tão nobre &: vaIerofo,&quaõ prudente A quem depois Nunalures nunca ingrato. As graças foube dar defte bom trato.
S j "^ Recej
C CONDESTABREDEPORTÍ
Recebec eíta noua o caualciro Com o coração faltando de alegria. Sinal daqusUc amor tão verdadeiro, Que no ícu cafto peito fe cfcondia: Promeffas grandes fez ao mcíTsgeiro^ Eja menos da emprcza que trazia. Que deuer tais penhores cobiçofo. Lhe parece o caualLo vagarofo.
Chegou: &aqaellcsbr2ços valctofos, ( Então cheos de amor» & de brandura ) Em apertados laços, & amorofos. Com os da bclía conforte ali miftura. Cujos olhos ferenos gracioíos Qacixofos tantos tempos da ventura. De lagrimas contentes cftão cheos, lâ com mais aluoroços que arrcceos»
A bsllâ filha entre elles abraçada. Que era dos corações doce liança, Qaal vide entre dous olmos enredada,' Que orna o mefmo lugar aonde defcança: Tombem falâua alegre, & agrauada, Mifturando entre os goílos, a lembrança Dcantigoas faudades, 6c queixumes De efquiuanças^ defcuidos, & ciúmes.
O curto dia, a noite vagarofa. As horas, Sc os momentos recontâuão^ Lianorhuaaufenciatâm penoía, £m que tantas razões a tormentauão, Elle da guerra dura, & trabalhoía Dos cuidados quea^cfta acrcccntauão. As lembranças do bem que tinha aufente,' Que cíkc hô o 4 entre os males mais fe fcntcl
Aly
CANTO XIi: J40
Aly hum dia, & outro fc decsuc.
Que cftes Marte de Amor ficou vcncmc ' Eílando iicftc tempo doce, & brcue. Das fuâs armas ja como cfquccido, E depois que a ventura vio que cfteuc Mâl pago de hum dcfterro tam comprido^ Fa^ que o defcanço âcixc, 6c polia terra Caixas mande tocâr, 5c ordenar guerra*
Ah godos femprc à vida fugítiuos EfcaíTosfe chegais de pouca dora, Bufcâdcs por trabalhos exccfsiuos, Achados por deícaido, ou por vcnturs; A quem vos ama mais fois mais cfqui»o5^ Câtiuos de quem menos vos procurs^ Moftrando cbramente 4os humanos, Q^ não fois para bés, mas para cnganosj
Quam maí imaginaua que vos tinha Aquelíc caílo peito, firme» oufadc, .Que aos perigos do mar armado vinha SódevoíTiis lembranças dcfarmado! Veds quam pouco efpaiTo fc detinha EíTe ligeiro bem nonicfmo eftado, Qoj^ a obrigação da honra o tempo apreffa Q^jâodo amor entre as armas fe atraucfla.
Logo ajunta os melhores da cidade, E os pilotos alegre, & diligente, DefeuReyosdeírenhos^& a vontade Lhes communícaa todos igualmente; Pede depois da terra a quantidade Que ha mifter de nauios, armas, gentc^ Marinheiros verfados> mantimento Para em mais breuc dar vellas ao vento.'
S 4 Dilata,
o CONDESTABRE DE PORTJ
Dilatão a rcpofta os PortalcfcF,
Que vem difficuldade na apparencía^ Mas como bõs, & amigos Portuguefcs, Fazem refenha logo. Sc diligencia: A terra, & mar reuolucm muitas vezes A onde eftaua da guerra a prouidencia. Não ha embarcações para efta emprefa Ah quanto difto a dom Nunalures pefa?
Ao Rey efcreue, & dà fatis facão Do porque então ceffaua efta jorr'^da Para outra inclina logo o coração Com toda a fua gente aluoroçadia: Ia mpuido de amor, de deuação, Delle nunca entre as armas deíprezada,' Com toda aquella armada companhia A Çanciago parte em Romaria.
Leuaconfigoa gente valcrofa, Que para a guerra tinha exercitada Que a pè pola terra afpera, Sc fragofa Ia de Coimbra vinha aflaz canfada: Qge daquella prouincia populofa Determina trazela encaualgada,
V, Mas em fâhindo hum pouco da cidade Que não fe parta, toda o perfuade-
Quç hua azemela grande que leuaua . Do Condeftabre a cama, de repente Cahio morta entre as portas, que paflaua Com grande admiração de toda a gçntc; Logo hum murmuro aly fe alcuantâua Que eraauifodo ceoquc expreíTamentc O mandâuâ ficar, mas elle entende Que nunca á hii hora mtQtito o eco repréde.'
Sem
CANTO XII. J4I
Sem rcfpeitar agouros caminhou, E no mcfmo Iagar> ao mefmo dia Hum cfprito infernal, no corpo entrou De hum mifcrauel homem que fcguia: Que clle fora o miniftro declarou Daquellc falfo auifo, que queria Tirar ao piOj & forte capitão Ofruitodetam fanta deuação*
Em Leça aquclla noite fc apofenta P olo fcu f io a nòs jâ conhecida, E quando o Sol as nuués afugenta Defcobre húa quadrilha aíTaz luzid?; De armas, &bõ$ cauallos faò quarenta Gente forte, luftrofa,& bem nacida Pedirlhe vem que os tenha cm íeu feruJço Que alegremente armados vem para iíTo-
Elle com rofto, & olhos lifongeíros Com palauras de amor 6c corteíia Agafal ha contente os caualteiros, E a algus de pè que vem na companhia: Muitos crâò Galegos cftrangciros, A quem fó fua fama aly trazia, Qí^ a gente menos mouc, obriga, Sc chama Dos capitães o foldo, do que a fama»
Dos lugares lhe vinhão liuremente Cauallos para os fcus oíFcrecidos^ De que clle fe moftraua tam contente Quando os donos fícauãobem fcruidos: Acaualloficòutodaa mais gente Quatro centos faõ fortes, & cfcolhidos Comqueáviíládc Neiua chega hum dia Que cftaua contra o Rcy que elle feguia.
Alojoufc
o condestabredeport:
AloJQufe defronte do caftcllc
( O mais forte que então Portugal tinha ) Penfamcntonãotrazdc combatc!!o, Porque era outra a tenção com que caminha: AlgQs dos feus que ao perto querem vcllo Chcgandofclhe mais do que conuinha Trauàraô com os de dentro de tal force Queíacenuoltaem irasi gente forte;
O alcaide também dâ fortale^^â Ferindo vem com fúria defmedída, E animo Gufado a gente Portuguefa, QoeleuaodocaftcHoja %'encida,- Mâs do meo da fúria mais aceza Húafetâcrueilhc tira a vida, >
Que paíTando a vifcira mal fegura. No cérebro lhe efconde a farpa dará.
Vendo o fcu capitão cabido em terra, Voltão as coftâs logo os da peleja Dãobrcuemente fimá inútil guerra, EaoCondeftâbrcaprcfaque dcfej-!; A volta entra com os feus, Sc as portas cerra Rende o caftello altiuo, aonde fobeja Arnezcs bem laurados, feda, & prata Que então aos noflbs cufta affas barata»
Sobindoâ falia, vio entre os foldados Hu3 dona qoe em gritos Tc queixâua Douro os cabellosfoltos, & empeçados]^ Que com mãos criftalinas arrancaua,- O^ olhos fontes de agoa transformados. Com que hum campo deflores fe regaua^ Que ainda q as murcha a dorjpena.e dcígofto Se oruâlhâuão de perlas no [cu rofto»
Em
CANTO Xir. 14^;
Em o vendo fe inclina de giolhos, E cfmorecidacâc da oucra banda Dando mais força às lagrimas dos olhosi, Qoe o trifle coríjçào do peito manda: Rofâs tornará os afperos nbrolhos, E os corações de pedra cm cera branda, Qaaado d*cncrc os fofpiros arrancadas Soltaaacftas palauras magoadas.
Se cm hum peito tam forte, & tam valido Com a ventura, cabe à voitas delia Compaixão de hua dona fem marido, A quem ou ta tomafte, ou minha cftrelU: Sepode íerpiadoíoem feu partido Qaem ja foi t2:m cruel para oíFcndcla, Matame ó capitão, que fe me deixas Teu nome infamaras com minhas queixas*
MeucharocfpofOiSytrifte, me tiraftc, Ematafteme ami^que nellc vinha Matame, acaba o mal que comcçaflc, Poisnofcupeitoamifera alma tinha: Sua era a vida fó que me deixafte, Q^ue a que a ellc tirafte, efla era minha, Ehe vãodeípojohCia mulher catiua Morta, &fcpulcho vão de hua alma víua?
Tomafte por teu Rey,caftcllo,& terra,* Não quero defta mais que a fcpultura, Para o que tu mataftc cm dura guerra, E para mi que viuo cm guerra dura: Pois quanto na ventura vil fe encerra Me tiras num momento fem ventura. Não me oíFendas nos bés da natureza Tiramea vidaA guardame a pureza*
Afsí
o CONDESTABREDEPORT.
Afsi'o eco teus feitos engrandeça
(Comocontra oii triftc engrandece©)
Aísi a forte auara não fe efqueça
De vercoroo entre tantos teefcolheo:
Afsi no nmór pcrigo,que te oíFrcça
Na terra contra ti,tc ajude o ceo
3VIe dà meu charo efpofo, fcm conforto
E efta alma tornarei ao corpo morto.
As palauras da dama magoadas.
Ao feu rofto tam trifte,ôc tam fer mofo» As tranças douro fino mal tratadas, Pola morte do mal logrado efpofo: Com pâlâuraspiâdofas, 6c auifadas , Refponde o Condeftabre valercfo Mouido à compaixãoA a fcntimento Das perlas que cahião cento a cento.
Pois afsi permitio a varia forte .
(Lhediz)bclla fenhora, aqui não vejo ; Remédio que fc aplique a mal tam forte,' Que todos intentara o meu defejo: Se atras não torna arigurofa morte, E tem poder tam liure,& tam fobejo, Neíra;de voíTo amor tam mal fofrida. Porque elle viuaem vós,detendea vida.'
Que fe no meu pçfar> 8c na dor voíTa O remédio do dano çonfiftíra; Nem reprendera em vos magoa tam grolTa,' Nem tam vãmente o mal delia fcntira: ; Mas que humano auerâ que aplacar polTa Da parca rigorofa a cruel ira? Ou antever primeiro hum mao fucceíTo Para afsi atalhar que feja aueíTo.
Nem
CANTO XII. 145
Nctnfoí c*n voíTaoíFenfa a minha lança. Nem foi o meu querer, mas a ventura Nem defta que alcancei rinha cfpcrança^ Nem na tenho por tal. nem por fegura: Sc em mi quereis tomar delia vingança Empregando em rigor voíTa brandura EíTas lagrymas baftão, que ja agora Mais matão quem vos vè, q a quem as chora.
Enxugai cíTcs olhos amorofos,
E eflc ouro^quc das tranças díuidiftcs. Não eclypfeis os rayos tam fermofos DeíTeefcondidoSol, com nuuéstnftcs: Baítcm tantos fufpiros,tâm queixofos Q^uantos trás voffo amante dcfpediftes, E pois ja o mal paíTado não tem meo Não temais doutro algum nouo recec
Q2S ^^ P^**^ ofFender vofla pureza
Temeis que algú dos meus fe moftre oufado Mouido mais do amor dcffa belleza. Que do temor que deuc a meu mandado: Eu quero affegurar voflTa fraqueza, E cíie peito tam bello, como honrado, Pondouosem lugar liure,&:feguro, O que por terra,& ceo prometo, Sc juro.'
Encoraendaíme a mi nefta partida De voíTo amante o corpo íem ventura. Que pois não poíTo darlhe alento>& vida Darlheei em voíTo nome a fepultura: A ifto a bclla dama efmorccida Com lagrimas regando a terra dura Sc debruça a feus pés com hum sccidentc Sinal de quem fe obriga,& de quem fente.
Elíc
o CONDESTABREDEPORTJ
Ellcá confola & brandamente anima, E dosíeus com cuidsdo fe informou; E ao psi que dnha então Ponte de Lima Comcauâíleiros feuslogoâ mandou: E por moftf ar que o corpo morto eftima Com grande honra ns vilb it enterrou,- Que o vencedor que s (orce fanorecc No tratar aos vencidos fe conhece.
Deixa o caftclio, Sc nelle accomodado Com vâlercfâ gente Lufytana Do Cafâl PedrAífoníoícu cunhado,' E em breue efpaiTo jâ chega â Vis^n^^ Que de algús moradores ajudado Combate ouíadamente a viila vfana Qjje Q alcaide lhe entrega por concerto Vendo o perigo, ^ a morte cftsr tam perto*
Aly repoufa; parte, òc no caminho
Se lhe mandaencregar logo a primeira Caminha, donde eftauaairôz vefiuho, E depois Vilianoua de Cerueirs: E chegando húa tarde apar do Minho, Que com os campos iguala s gcaò ribeira D e Monção hua carta a Nuno chega Qae também fcm batalha fc lhe entrega.
Mas neftc tempo as ferras leuantadas Encobertíisdepura, & branca neue. Dos mais ardentes rayos obrigadas Sokauão o criftâl; que ao mâr íe deue: Desfa^iàofe as ferras prateadas. Que o Sc! da primauera afsi deteuc Comquecrecendoo rio criftalino Detinha ao caualieiro peregrino.
Tam
CANTO XI lí 144
Tsm fundo corre o Minho, tam furiofa Comonouofauordâ força aíhea, O VaO hc tam cubcr to^ Be perigoro^ Queaparcefòdefcobreccga ares; O Condeftabrc cm traças cuidádoro Efperando fs aloja em hCia sidca, E em quanto cHeficauaneftc citado Chega ao Rey a Lisboa o íeu recado.
O qua! mudando logo o penfsmento A cidade do Porto fe psrtip. Com eíperança certa, & fundamento De hzQt firme a gente que o feguia; E indo de hum aíTento, a outro afícoca Do Condeftabre a fama fe eftendia Qjeconquiftaua as terras fem peleja OquantooRey taisnouas ter feílejaí
Ao Porto chega, & foi bem recebido De feus fieis vaíTailos, & Lconora Saudofâ da aufcncia do marido, Q^ae faa aufencia, &c feus cuidados chora/ Foi ver ao Rey, que delia aborrecido PoIamcímarâ2ãograõ tempo fora, ÇluQ nem elie algum tempo a tinha vilio Nem el!a a cl!e o vira, dantes diílo. "
PaíTo as honras da dona recebidas,
QueerâomuidcfiguE-^sdas cuftumsdas,' Do Condeftabre a cl Rey t^m merecidas,' Como de hum tam bom Príncipe eíperadas: Com doações mui firmes, mui compridas . Por eUe logo aly lhe forão dadas Barrou) fertil> Bouças terra amena, Pcuafid,Barce!Ios, Bafto,& Peaa.
DcIL
o CONDESTABRE DE PORT:
pelb, & do Porto em poDCO f**. dcfpedc Vai cercar Guimarães para cobrala, Mas a feu gofto a coufa não fuccedc Porquam bem fabe o capitão guardala^ Traças, & intentos feus de forte impede Que lhe falta cfperança de alcançala Comprebençôes, vigias, com cuidado De deftro capitão; de bom foldado»
pe Braga oRey no cerco carta teuc EmquehumlealvaíTàlloo perfuadc,' Que fe gente lhe manda cm tempo breuc Lhe daria húa porta da cidade: AoCondeftabreomefmo logo efcrcué; Com grão fcgrcdo, Sc grande breuidadc Poucogâftaocorreono caminho, Queaindanaaldcaeftauaapardo Minho.
Não ficou do recado dcfcontentc Qjae ja fc auia aíy por defcuidado Sem que paíTar podeíTe aquella gente Por fcr cada hora o vao mais arrifcado: A Braga chega, & entra occultamentc Daqaellc cidadão fempré ajudado, Toma a cidade antiga, & o caftello Começa no outro dia a combatcllo.
Eftauanellsomefmo capitão
Q^c a partido deixara o de Viana
A quem por amifade, 6c por razão
O Condeftabreauifâ, & defcnganr,'
Mas elle dando fè 20 coração.
Que em accometimentos ícmpre engana
Toaoopartido>6c toda-arazâo nega
Ate que ja por força a força entrega.
Com
CANTO Xir: 145?
Com trabucos, &: engenhos que fe achufâm Na cidade, de forte a combatia, Qoe hum dia, & duas noites nàoceíTâraô D w bater fortemente, & 00 outro ií:a; Tantos mortos, feridos dentro acharão Da ruina, & da pedra que cahia, Qnc a Nuno as vidas pedem, &c a fazenda» Dandoocaftelloliurc, &feai contenda.
Elleadquirido>osfeus apofentados Por ei Rey a cidade antigua, & nobre, Tam princip »1 nos tempos ja paíTados De Portugal quando elle então mais pobre Vai com poucos dos íeus forces. & armados Ao nouo Rey pedir que a terra cobre Depois de era Guimarães falarlhe, & vello Ao alcaide falou junto ao caftello.
Com palauras de amor fe lhe ofFerecc Polo primor que vfàra, & cortefia Com a amada mulher que não lhe cfquecc Nem do fanguc, & razão que entre cHc auía; PcdelhequeafcaRcy poiso conhece • Queira fcguir nafua companhia, Acudolherefpondeo bom Coelho » Masporentãonãofegueofeu confelhot
Daly fez volta a Braga, & não defcanfa Q^jndo do Rey lhe chega outro recado A fim de o ter melhor hQa efperança. Que de Ponte de Lima lhe tem dado; Que hum frade de valor, & confiança E hum morador da villa o tem chamada 4Para darlhc hQa porta, & facilmente A entrou de madrugada a forte gente.
T ORey
o CONDESTABRE DE PORT:
O Rcy, & o Condeftabrc vão fobre cila A porta aberta, a gente defcuidada. Sem reccodv? engano, &fcm cautella Em breue efpaíTo a villa foi tomada: ^ Depois de pofta cm cobro a gente delia, E a duuidofa, alegre, &íocegadâ Torna com o Rey por Braga, & nefle dia Foi hofpsde de Nuno a noite fria»
Daly continuando o começado Pf ouiâ com valor , Sc diligencia As villas que o Pereira tem tomado, E outras que íe lhe dão fem competência: Ivlas ja chega outra nouâ>outro recado. Que mais forças demanda, & mor potencia,' Que com graõ poder dece o Caftelhano A conquifta do reyno Luíiâtano.
loão a quem o nome excelfo chama A noua empresa, á perigofa guerrs^ E ve no pouo feu que eftima,&: ama Hum temor que nos peitos fe lhe encerra: Que em todo o reyno a noua fe derrama, Que fe diuide em votos toda a terra Trifte,confuro, oufado, quam prudente Se queixa>contradíz, anima, èc íente»
Ah titulo de Rey tam leuantado
Com tanco fâoguc ás vezes adquirido Portam duros caminhos procurado Com tsm vários cuidados poffuido: Quanto he dos homés fabiosinucjado Podèra antes de todos fer temido. Que tanto pefa mais, do que contenta ♦ Que o ceo aos ombros tem quem o fuftcntal
Da me-
CANTO XII. i4ê
Damocles que enleado nefte engano Diziââ Dionyfio décontino
fae era fò veoturofo, Sc Ibberano, ca na terra quafi homem diuino: Na dilicia^no trato brando,vf2no No fcru'*ço tam grande, & peregrino Ssnhor da liberdade dos vaírallos Para feruillo, & fo para mandallos.
Como chegaíTe hum dia a verfe pofto Naquelle bem que tanto engrandecia,' TrafpaíTado de medo o peito, 5c rofto Que indâ mal acertaua o que dizia: Perdendo do ccmer o vfâdo gofto Pondo os olhos na efpadâ que pendia Que de hum cabelio fino fó íe enlaça, H à rigurofa morte o ameaça.
AhDamoc!es,aoceo benigno ingrato (Dixia o fabio Rey } fe tu fó tinhas Num íiure>modefado,&faci! trato, , Com que fazer inueja às glorias minhas,' Se te dâua a ventura tam barato O bem^que nefcio,& vão louuar me viohasi l^crque temes ferReyPSe eíTa coroa Que ves tam perigofa, era tam boa?
Lcuantâ o cerco ò Rejr confufo, & parte Com o rofto no perigo delle em mco^ Animmdoosminiftros vai de Marte Para deitar de fi o jugo alheo: Gentes ajunta d'hua,& d'outra parte Dasquaesíhe efconde muitas o receou "Que acè aos mui to oufados perfuadc Ser a vida mclhor,que â liberdade.
T^ CAN-;
o CONDESTABRE DE PORt;
CANTO XIII
BlRey de FortugdchegA áoscAmpos de Santáreml que eHão contratUe : Aly Fafe o Martin z, de Mello, é' [eu irmão Martin Ajfonfo tem huaferigofa efcaramu^ f^comágenteCaftelhana» Vaj oCondeftabre afazer gente entre Tejo é* Guadiana: Fem com ella à Abran- ses, aonde fe ajunta com elRej Ha entre os do Confe- lho vários pareceres fobre offerecer batalha ao contrario Dom Nunaluresfe aparta com os f eus para Ihefahiraa encontro: O Rey ofegue, formão campo contra Leyriai Dafe a batalha.
EM quanto marcha o campo numerofo. Que ao rcyno Português hc ja veUchoj E o frota pollo mar brando, Sc fcrmofo Co'rta r3a branca cfcuma o verde pinho: Os feus ajunta o claro Rey famofo Que dcfeja apreíTar efte caminho, E com a gente em forma de batalha Nas áreas do Tejo o csmpo efpalha»
De Santarém â vifta chega vfano Comfuavalerofa companhia. Aonde a mor força tinha o Caftclhano Da Portugucfa gente que o feguia; Vem na vãguarda o forte Lufytano, E atras o fegue o Rey que elle fcguia, Deícobrem Mugem IcgoA perto delia Ham tropel de ginetes de Caftella.
Eftcs
CANTO XIII. t4r
Eftesqueocâmpo, & paftos defeodiãoi E outros cm cuja gaârda a!y ficauão • Qneanôite em Santarém fe recoíhião Com as eruas, & o trigo que leuauâc; Os noffos corredores defcobrião. Que com mais rifco fcu galopeauãb Aeftes vãocomfuria, & com defejo De não ficar entre elles fundo o Tejo«
Vafco Martins de Mello hum valerofo Mancebo tamilluftrc, quanto oufado. Da preza dos imigos cobiçofo O vao paíTa ante todos quafi a nadoí Como o Lião de Libia generofo, Sò no fcu braço, & coração fiado, Entre os contrários com valor fc f ança,^ Eao primeiro encontro rompe a lança.
Depois ferindo a hua,& outra parte
A efpada tinta em fangue, & tinto o brsço Elmos> peitos, braçaes abolia, & parte. Que nenhum golpe dâ que feja efcaíTo Inueja lhe tiucra o próprio Marte, Que Vulcano prcndeo no férreo laço Do esforço, deftrcza, Sc valentia. Com que entre tantas lanças fó fe auia»
DehQafctaocaualIo mal ferido, E elle tirando hum golpe á terra vão Mas eis chega gritando embrauecido Marti m AfFonfoo valerofoirmão: Com elle a pè Ce põem, que efta ferido Na gente imiga eftranhos golpes dão, Até que a multidão tanto os aperta Q^ fe o foccorro tarda, a morte hc certa.^
T 3 Mas
o CONDESTABRE DE PORTJ
tf
Mas quâl appârccendo no Oriente O filho de Latona a fombra eícura^ Que cobre a terra, a deixa ver contente Chcâde vâriâcor, & fermofura: Cada hom dos uniãos, que honrcfamcntC Ia nâo compraua mais que a fcpultura De nouo o frio alento um cobrado VcndoaNunalureôjapoftoafeu lado.
Quem vio ja muita gente embaraçada Co raftciro foguete que lhe deu. Foge húa por entre oDtra fem ver nada Caa*hum c'o corpo alhco eíconde o íeu: O fogo aqui, & aly fazendo entrada Alcança o que mais longe íe acolhcoj Tal andaua cfta gente Co defmaio De ver que entre ellcs dera aquelle rayo*
Vafco Martins dobrando os golpes duros Defpachâ a multidão que tem diante Mârtím Affonfoostira tam feguros, Que os não lofrcrão peitos de diamante^ Poios ares dopo continuo efcuros Faifcââfua cfpada penetrante, Nuno Alurcs de tal forte os defobriga. Que hum noueilo traz feita agente imiga.'
P que pode fugir, por feu mal tarda, Quôaly tengc defangue a feca área. Quando ja chega a gente da vanguardai Quecortâua dorioabranda vea: Nenhum dos inimigos tempo aguarda. Vendo toda a campina de armâs chea, Voicaò rédeas com medo, & fem fcntidos Deixãograõparce ptefo$,& feridos.
Tor-
CANTO Xlli: Í4S
Tornãofs os ooíTos j a no feu concerto Marchim pííra Alemquer, paíTadoTcjo, Aly fó slojaoRey por ficâr perto Da guefra,do inimigo & dodefejo: E porque o prazo a ambos era incerto E o poder do contrario t^m fobejo AoGondeftabre m^ndacmcontmcnte As Tranftsganas terras fazer gente.
Partcfe do arraial bsm concertado E a Mugem dormir toroa aquelle dia,' AoiKJt: dos feus ficou defsmparâdo Com trinta 5c cmco iòs na ccmpi^.nhia:
025 ^^t>^^^^*^^'-*^ ^5^'^^^^^^^-^ recado Da jornada, & caminho que fazia Temendo a muita gsnte de Caílella, Não quiferão prouar a fúria delia.
Cofn aquclles bôs, & poucos fe âffegura Cheo5 to los de esforço,'& de bondade^ E cstre elics Antão Vaz que afama efcúra Deixara da foberba antiguidade; Se vencera ontro Horácio na ventura. Como o igualou no es forço, & na vontade,' Qoe armado roda a noite a ponte guarda Q^^eixandofe do imigo porque tarda-
Sobre s ponte jurou que a não deixaíTe, Por mais força de imigos que otcorreílcj Tèqueocaualíoem Tangue não nadáflb, E outra ponte de mortos fc fízefle, Q,ue fe o campo contrario fejuntaíTe, Edaquella hora a ponte accomcteíTe Q^S no rio que leua os arcos delia Afogaria a fama de Caftella.
T 4 Deixe
o CONDESTABRE DE PORT:
Deixemos a arrogância valcrofa Deite que cm fcu grande animo a fundaua, Qae armado paíTa a noite vagarofa. Em quanto o Condeftabrc repoufaua: A manham defejada. & graciofa Ns coroa de hummonte femoftraua. Quando cô os feus partio fem dano ou guerra E jafe aloja alem de Saluaterra.
A Montemor chegou noutra jornada^ E achou Nuno Fernandes de Moraes Trifte com gente fó, desbaratada. Que indâ de hu fero encontro traz finaes; Que là na groíTa Arronches falteada Fora dos aduerfarios naturaes, Donde efcapou ferido. & com trabalhoj E vafco Gil o brauo de Carualho»
AíTaz fica o Pereira defcontentc
Deftanouatam trifte, &:defte danno Por fer a m*ais daquella a forte gente Com que clleja vencerão Caftelhano: Mas confolando ao capitão valente Compalauras de amor, cbm rofto humano Configo^oIeuaaEuora, & em breue As gentes chama, aos capitães efcreue.
Ia nefte tempo cm Portugal entraua O Caftelhano Rey nafua emprefa, Ecom multidão bellica occupaua Efla antiga prouincia Portuguefa: la por feus tinha os campos, que piíâua Sem fâzer conta aos gaftos da dcfpeza,' Ia faí mercês no reynojâ das villas, Que mais cufta o ganhalas, que o pcdilfas.^
Ia do
CANTO XIIL x\9
Ia do Mondego as praias reluzentes Bebendo as puras agoasde cnftal AtraueíTaõ guerreiras, varias gentes. Que a vam coriquifta vem de Portugal: Bandeiras defenroláo difFerentes, Que a Caftclhana feguem principal, Galiza vem acras, Cantábria fria, Catalunha, Aragaõ, Andaluzia.
Dos logaresagente pouco experta Que veaqnelle exercito marchando Pálida a cor do rofto, aboca aberta. Por entre o mato efcuro fica olhando:* Nenhum a vida, ou terra tem por certa. Vendo do imigo o numerofo bando. Mas quanto o íeu temor he mais fobejo Lhes vem da liberdade mòr defejo-
Nifto o Rey defejado Lufitano
Com os feus mais verdadeiros, q arrogantcsl E clle mais esforçado do que vfano, Formandoo campo eftâ na frefca Abrantes: E vendo de tam perto o Caftelhano, E os íeus pouco?, & em votos difcrepantes Manda MartimAíFonfo o Melo ouíado. Chamar ao Condeftabre com hum recado;
Com fòs quinhentas lanças que ajuntara, E com dous mil peões mui pouco eípera De Euora parte, & logo aly chegara Se com azas aos feus trazer poderá: Duas legoas da frefca Abrantes para E com fefenta lanças, que cfcolhèra Vem veraoRey famofo o bom vaflallo^ E a Rey do real parte a cfperâllo.
Sc
' OCONDESTABREDEPORTJ
Sc loão teue outra hora de mor gofto Fâcil fora a faber, quem vira então O modo das pakuras, rifo, Sc rofto. Em que a Nunaluf es moftra o cofsçãol O Tejo os vio, que as sgoas neíTe pofto. Só para os contemplar, deteue então Mouendo as crefpâs ondas de alegria Com as doces palauras que lhe ouuiat
Dâly areal tenda !ogo o leua
Confelho> 5c fauor pede. el!e relata O que em ta! tempo, &: preíTa fazer dcoà Ao que o contrario Rey ordena & trata: EporNunalures ver quanto relcua Pouparaqtieile tempo, onâo dikta . . Ao feu alojamento volta, Sc antes ; De viro dia,eftánâ bella Abrantes.
EntraoRey noconfclho dauidofo Aonde o principal bando logo í^talha OdeífenhoinTíportante, & vâlcroío DcaoCaftsIhânoReydara batalha: Hum coníiderao campo ncmercfo De aço duro veílido^ Sc fina malha, Outro os noíTôs*, que faô, inda que oufados Poucos^ pouco fegaros, pouco armados.
lulgão o intenta feu por temerário,
Cada hum aponta, Sc fegue outro partido,' Que era apartar fe à furiâ do contrario Pornãoferprefoalemde fer vencido; Era o confeiho igua!, nas razões vario Sò de hum mefmo temor bem mal nacido AoRey ocorsçâo pede outra coufa. Mas vendoos contra fi fallar não oufa.
Quando
CANTO Xííí. íjo
Quando a fâlkr fc moue aquelle oufâdoj E claro dcfcnfor da pátria íua, Para o Rey entre os outros cclypfado ComoantepoílaaoSo! cuftuma a Lua; Só da cabeça o elmo .defarmado, Eda manopla a mão direita nua De fangue as armas tintas, &: na efpada Avâlerofâmão como apunhada.
Comofenhòr? ( dizia) & pode tanto O temor entre os voíTos tam valentes? Que em lugar de defprezo, tenha efpanto Da fraca multidão de armadas gentes^ Que não olhando ao ceofereno,& fanto Que cuftuma abater aos mais potentes E inJQftoscobíçofoscá da terra, Temaisoriícode h&ainjafta gaerra?
EíTe nome que tendes adquerido, E efte rcyno que tendes conquiftado Como vos vira a fcr reftituido. Se agora ( o ceo não queira ) for tomado? Se fem batalha em fim fordes vencido Sendo de bõs; & poucos ajudado Dcpoisfogcitoopouo/omarcm meo Como conquiftâf eis a hum reyno alheo?
Animo bem fenhorponds a ventura
No voíTo esforço, & em noíTo nome antigo •Dâi luz a êffa vam fombra, frâca, efcura, E não çreais ao rofto do perigo, O ceo vos ama, o ceo vos alTegura, G contrario vos buíca,& eu me obrigo, 'Quevcjanabatâlhajo defengano, .Q;i5qucínbufcaonãofea, buíca fcu dannol
E vos
o CONDESTABRE DEPORT.
E vos ó Portuguefcs valerofos
óo nas palaurâs curtos, & atalhados jL anto nefte confslho duuídofos Como contra e!lc em srmas esforçados: Não tira o fer diícretos cautelofos Serdes como vos fois fortes, & oufados. Mas tira ao noíTo Rey hiia alegria Do defcjo, & valor que em vos confia.
Quantos cftais aqui que nefta empreza
Seguindo o mefmo amor que a mi me obriga Com forte, apouca gente Portuguefa Mòr numero venceftes da inimiga? Não tendes inda a mcfma fortaleza? Nãofuftentaisamefma fama antiga? Se cm varias partes ja todos vencemos luntosfem guerra, aqui porque tememos^'
Não afronteis ao nome que ganharão Os famofosauòs donde vieftcs , Que ao Mauritano Bárbaro tomàraô As terras que atègora defcndeftes: Suftentaias com a honra que as dcixàraõc . E com a que depois por vos Ihe^dcftes^, "' Não fe va gloriando hum campo armado De achar Rey Português dcfampárado^
Não deixeis os fepulchros leuantados De voíTos immortais progenitores ' Para de imigos pès ferem pifados De quejsllcs forão fempre vencedores; OuIeuemososnolTos que enterrados Ouço gritar com vozes, Sc clamores Que elles pelejarão mais de vontade Por noíTa honra^ôc fua liberdade.
Por
CANTO XIIL ifj
Por não irmos tí n fòs vamos com ellcs. Bacharéis os i.migos que vem (os, Porque não pode auermaiJ força neíícs. Que cm quanto nos faltar esforço a nòs; Com mais frio temor vem os mais dcllcs Doqucmoftraisnoroftoâlgúsde vos, Nem hetam grande a fúria da tormenta Como o temor, ôc a preíTa a reprefenta.
Porem fe efta razão defamparardes
Seguindo outros confelhos fementidos
Deixando a voflb Rey, não por couardes
Masdevoflb valor grande cfquecido^-
Ou fe elle quifer ir aonde o Icuardcs
Por caminhos incertos, & perdidos:
Eu fò com os meus, com efta, &ícmrccco
A pátria liurarci de jugo alheo. ^
Qj^Sni encontra o feu Rey fe lance á parte Do contrarío,por medo, ou por refpcito Moftre feu poder todo esforço,& arte Contra o valor dos meus,&: o defte peito; % Antes fe perca a vida cm mãos de Marte, Que a minha pátria, & reyno ver fugcito MorreoNunalures ouça o mundo todo Conte a fama porque, & o de que modo.'
Seifcentos caualleiros cuílumados Tçnho a vencer comigo o Caftelhano Com mais doas mi! Infantes esforçados g^
Dos quaes tem recebido o mefmo dano; "^
Com eftes verdadeiros, & arrifcadoSj E com o valor do nome Lufitano Prometo á minha pátria Portoguefa De vcncer,ou morrerna mefma emprczal
Eoi
o CONDESTABRE DE PORTJ
Em quanto iílo dizia o qâefem medo Ao Rey para sitas obras anirnsua, Eftauaockuftfocmtimldo fegredó Nenhum, lhe reípondeo, ninguém fsllaus; ComxO o Ribeiro manfo, ak grc, & ledo A que aígum v; lio o curfo reprefaua Tomandooutrolugaf psrau verdura Corre por entre as pedras, 6c murmura.
Afsi como acâbou oeftas razões, Aquellesaqueomedoefcuro, & lento Tinha contaminado os corações: Murmarsõdefte oufado atreuimento: Aproisaõno fomente algQs varões Q^je tem a tenção mefma; & penfâmento^ Mas (jiò tantos os mais, que cícâíTnmcnte Opfâ a fallar aquelle que ifto fente.
para os feusfe tornou Nuno Aíures, quando O Sol por entre as ondas h efcondia A todos fe moftraua amigo^ 6c brando Como quem dellesjafe defpedía; Primeiro com razões lhe eftà lembrando OqueofeuReyno, 6cReycada hum deuií O nome, a liberdade, a honra, a fama Que tanto aos corações obriga. & chama.
Depois lhes conta tudo o que pafTàra Koconcclho,aspaiaurasque diíTcra, O que ante o Rey,6c os íeus firme jurara O que por parte delles prometera; Que fe todo o feu campo o defampára Queeíle comprir por fua parte eípcra, E com os que o feguírem a efta forte Quer antes que ter vida, honrar a mortes
Logo
CANTO XIÍI. isi
Logo hua voz leuanta a forte gente
Qae enchendo hú valle os motes refpondião Que quereai morrer todos juntamente Seguindo ao capitão que aly traz'ãc; Com impetu, &c valor fero, & valente Com bellico rumor todos feruiáo Qual em o mato verde o fogo ifento A que moue afoprando o manfo vento.
Não era ainda a Aurora alsusntada
Qiiando paraTomar marcha a bandeira DagenteaMarte>& Lufo confagrada Esforçada, leal, & verdadeira; E porbafcaraosíeusm'3Ís larga eftrada Ncfta forma íeu campo o grão Pereira Efperando que chegue o Rey potente, Q^ue os campos cobre ja de armada genteJ
Sabendo o Rey íoãodefta partida Delia enojado âíTaz, bem pondcraaa O valor de hum varão, queâ propria^vida Tanto por feu feruiço dcfprezaua: Porem os feus com inueja conhecida Inda que cm razões varias fe embuçaua O julgão por rebelde, & por culpado, E por defpre^o hum feito tâm honrado»
O Rey que bem conhece a tal vaíTalIo, E a tenção que cftcs feus contra elle tem A Tomar aonde eftâ manda chamalio Por loão AíFonfo o bom de Santarcnij Por fer homem capaz para obrigâllo D o feu confelho, & Nuno o não detena Antes âo Rey por elle pedir manda. Que o deixe ir acabar ncftâ demanda.^
Trás
o CONDESTABRE D EPORT.
Xras cfte outro varão de grande conta Lhe manda o Rey dizendo que voItaíTc Que fe com ellc o feu recado monta Aquellefó recado o obrigalTe: Elle ja enleado ncfta afronta Sem fabcr em que modo fe efcufaffc Defpedcomeíageiro pela pofta Dizendo que cllchiràdarlhe a repofta'.
OutravezcrnconrelhooRey famofo Com os feus fobre a batalha eftà prcfente De feverja no campo cobiçofo E fò de quem o atalha defcontcnte: Onde hum varão illuftre, 5r animofo O Doutor Gil Dofera firme, & prudente Vendo culpar a Nuno que não veo Afsi falou ao Rey de esforço cheo*
Como cm tam forres peitos fe confentc De hua vil fem razão tantos eftremos? Temer a guerra, 8c ir contra hum valente Que nos obriga a aquillo que deucmos, Qoe ofFcnfa faz ao Rey que eftà prcfente Senóscmonãofeguirjao oíFendemos, Senhor dcflc a batalha, & quem recufa Não tome a dom Nunalurcs por cfcufa.
^ ifto o Rey moftrou tam ledo o rofto Qnc os outros mudão logo o parecer Algúsdifsimulandoofeu defgofto, E outros moftrandonelle o feu prazer: Pollo campo â batalha ja diípofto Começa a alegre noua a difcorrcr Aarmas, armas, gritauaa gente bcHa Viua cl Rey dom loâo contra Caftellar
Manda
CANTO xiii; í^j
Manda a Nunaíares logo hum mcfageíro Que cm Tomar o efperc no outro dia O qoaõ contente fica o câuallciro, E aluoroçada a forte companhia: YsTão cuida que he recado verdadeiro Polo grande defcjo com que ardia Inda o ceo das eftrellas fe adornaua Quando para efperallo ja fe armaua.'
Trazendo o dia o lúcido planeta
DcfpertaotamborroucOíOMartío bando Rincha o cauâlloá falua da trombeta. Que aos animofos Martes vai chamando,- A gsntc aluoroçada, & inquieta Para Tomar em tropa vai marchando, E com esforço igual, ôc igual defejo Por agoas de Nal^âo troca as do Tejo.
No trajo os caualfciros Cgnificão De amor ledas diuifas, & tenções Efpofas, mais,- & irmãs chorando ficão Nas lagrimas moftrando os corações: Ao ceo pola vitoria logo aplicão Romarias, jejus, Ôc deoações Com os olhos vão feguindo aquelía emprefa Que cftas armas lhe dera a natureza.
Ia via o Condeftabrc as varias cores Das alegres bandeiras que voauão O marchar compaíTado dos tambores Qoecmecco dentre os montes íe dobrauão Ia da villa os quietos moradores Sobidos dos outeiros contemplauão De lugares tam vários gente junta Hum fe efpanta> outro conta, outro preguta^
V Nuno
o CONDBSTAfeREDEPORX:
Nuno Alures maisalegrc^^aquelb dia
Do oaccfíi nenhum fc tini a aly moflrado Hum mcfagciro ao Rcy contrario enuiu Que dèoufadamcntc cfte recado: Que elle para a batalha o defaíia, E o efpera vencerem campo atmado SelogodcfeuReynão deixa aterra Que injuftamentc occiipa com vam guerra»
Difto o contrario Rey mais indignado, A quem o esforço cm ira enuolto ctccc, Diz^quenâodàrepoftaata! recado. Nem ao Mcftrc de Auis porRey conhece: Que o nome que hum & outro tem tomado Com que a darlhe batalha íc offcrecCj Com armas tirará, & a terra fua Fará que a fcu pcfar lhe reftitua.
Cem iíto o mefageiro fe partio, Paraarepoftadar ao bom guerreiro» E caminhando afti, gritar ouuio No mato a hum Caítelhano caualleiro; Aquella parte, a preíTa rccudio, Quando conhecem dous ao meíTageiro Que do Campo com elle em companhia Mandara Nuno aquelle mefmo dia.
Eraõ eftes dos fcus fortes, Sc oufados, Vinhão bufcar efpia do inimigo, E não forâo no intento defcuidados Que efta acharão femrífco, & ícra perigo: Eainda que com queixumes, & com brados Inuocauaofâuordo campo amigo FicauaeíTe remédio tam diftante. Que era efte gtitar fcu pouco importante;
Traziãono
CAKTO XIIi; ífi
Tfsziâoiiwcntfe fi comoefcondido,' Qaandoobom compâoheire parçc<íCí Ouuíndoo gritíir mais por íer ouuido C^ae polo dano, 5c mâl que rccebeo: Ledosostres>& trifteo que oprimido A fcu deftino a vida offerccco Vem do Nabâõ a praiâ cm tempo br eue. Porque outro nouocâfo os não detcuc*
Apeársõfe aly numa floreftâ,
E em quanto os dous com o prefo Ce detínhão*
OmefâgeifoaNuno mânifefta
O recado que traz, & os dous que vinhão:
Nadaarepoftâ altiua achou molefta
Sò à prefâ acCudio, que os outros tinhão.
Deixa a gente que a rouca caxa incita
Que em ordem de batalha fe exercita.
Váí ver ao Caftelhano, Sc ouue quanto Poderá pòr recco a qualquer peito. Mas o feu derconhecc todo o efpanto, Que he para feu valor o mundo cftreitor A vida lhe concede a!y com tanto, Qoe moftrãdo ante os feus q he fcm refpeito Diga; do campo imigo preguntado Qdcvemdemedo.&de armas carregado.
De tal forte cnfayou, & fez o efpía
Qnue ao campo dobra as forças, Sr cfperançaj Cada hum aluoroçado do que ouuia Achao braço mais forte, & leoc a lança: Daly fe parte o Rey contra Leiria Aoqde também o contrario não dcfcanfa Bebendo as doces agoai, que não nega O defeja4o Lis que os campos rega.
y » piant|
o CONDESTABRE DEPORT,
Diante partcNuno,& bufcaaflcnto Aonde melhor o exercito fc veja lunto dâ altiua Ourem^ujo apofento Defejou Bacco ja com grande inueja: E difpondò por obra o pcnfamento Formafe o cí^mpo em ordem de peleja O Rey çftá num âlto.aflaz contente De ver tam dcftra a bcllicofa gente
D*entre efta turba armada que occupaua Matos,chârnccas,brenhas,monte,& prado Hum còrfo mui veloz fe aleuantaua Do campo a todas partes acoíTâdo: A gente toda cm bandos fe abalaua Com alarido o monte aluorotado, Tè que à tenda delRcy foi tomar porto E alyCprcíagio raro)cahio morto.
O quanto a popular gente fe altera
Com os alegres principios dcftc agouro No fucceíTo que ao Rey ditofo cfpera O Tejo, o Guâdiana.o Minhoto Douro: Pofera o pouo aquclla incauta fera Entre o animal de Hele, & branco tourOi Em rcmuneração,honra,& memoria De fcr primeiro indicio da vitoria.
Eis no outro dia parte a leda gente Para Porto de Mos aonde ja fora Vencida de dom Fuás fabiamentc A gente que a Mafoma falfo adorat Nunalures mais alegre,& mais contente, Q^nntofuaefperança íe melhora Com cem ginetes vai contra Lcyria, O campo defcobrir que elRey trazia.
^ Eftá
CANTO XIII. ij;
Eftàâfermofa terra fitaada Numa planície frefca, & deleirofa, A Lúa rocha Íngreme encoftada Donde p caílelio a moftra mais fermoft; De dous alegres rios rodeada, E de frefca verdura gracíofa, V^alles ao rcdedor verdes, fombriosi QuecortãomanfamcDte os brandos riorr
Não podia o Pereira oufado; & forte Ver da montanha a gente que fe cfpalha Pollos profundos valles, de tal forte Q^e qualquer monte efpeíTo a vifta atalha: E antes que o Sol dourado as ondas corte VèdeerpaíTooIugar aonde a batalha Determina de dar ao de Caftelía No qual durará fempre o nome della^
Hua charneca igual larga, & comprida Depois feita dos noflbs plana cftrada Nem de outeiros, Sc vslles oprimida. Nem de afperos barrancos atalhada: Para outro mor exercito efcolhidá De maior multidão de gente armada^i^ Qoe pode ter em paíTo, & em campanha. Quanta tem Portugal, & encerra Hefpanha*
Voltou ao arrayal com vifta vfana,
C^je ao Rey. & a íeus foldados alegraua Como o rofto de Febo, ou de Diana ' Aquém 3 noite efcura amedcentaua: Então lhe diz da gente Caftelhâna Qije nem dos altos montes fe enxergauí»; Q^ por ter ja por certo o fim da vida, Viuaeftauanascouas cfcoíidida.
V 3 ' MâS
o CONDESTABRE DE PORT}
Mas ja he tempo, ò Mu&i minha smada Que o cfty lo deixeis fuâue, & brando, Porqaecom vozfonora,,5c entoada Va meu verfo entre as armas retumbandos Deixai âfonteaPhebo confagrada Aonde alegre habitais, vamos cantando Rios de fangue pálidos, 8c efcuros Mortes^ encontros vários, golpes duros»
Hum dia antes daquelle que fobio Da terra a tomai poíTe do alto ceo A que o filho de Deos virgem pario, Que para nos fobir de là decco,- t^uandodoSol, &cftrcllâs fe vcftio Aquella cftrclla, de que o Sol n^cco, E eftampou fobrc a Lua ss plantas bçllas^ A que admirou ao eco, Anjos, & eftrellas.'
rartc loão o Rey forte anímofo
Nos poucos feus, & cm Deos mais confiado A bufcar o contrario podcrofo, C^uc à batalha ja tem dcfafiado: E de Caftclla o campo numerofo De Leiria partio quaíi afrontado, Quecomdeíigualdadctam notória Tem por afronta a honra da vitoria.'
E o Rey que no caminho o pofto cfteuc Em a batalha não dar fanguinolcnta PaíTâr quer a Lisboa cm tempo breue> Q^uc conquiftala afsi mais lhe contenta; Mas ncnhúa das obras he tam leue Como o valor, & Ciforço rcprefenta. Que os poucos corações muito leais Como cabeças dç Hydra crcccm mais.
Chegou
CANTO xnr; íjf
Chegou 20 campo a gente Portugucfa,' Q^ a morte ofFerecida, o golpe aguardas E armada mais de amor, & fortaleza Pcem à Leiria a vilta da vanguarda,- Aodaua Nudo aly com tal deftrcza Quês todos acudindo a nenhúa tarda Gouernando, Scdiípondo os efquadrões E cnchendolhe de esforço os corações»
Nlfto três câuâíleiros que aíTomauão Ao campo Português pedem fegaro. Por Nuno Alures Pereira preguntauio Q?ie armado fc lhe oíFrece de aço duro; PoroRey Cafteihano o conuidauão ApromelTas muy grandes de futuro Se deixaíTú a feu Rey, & a feu píírigo Que eftaua claro á vifta do inimigo.
Diogo Alures dos três era o primeiroj Q^ da parte deíRey ao irmão falia, M,^cichalde Caftefla o companheirOj» Pêro Lopes o outro era de Ayala: Mas d^ua tal repoftao cauallciro. Que lhes não da lugar de rcplicalía, E clles voltando as rédeas pola pofta Leuão mâis de receo que repofta.
O noíTo campo em armas, & ordem poftoj EfpersndobatMha, o Caftelhano De hum vento !eue> & vão que traz no' roftò Comoaftuto, &faga7. temendo o danno; Com húa vo-ta muy larga, toma o pofto Que do Sei tem tomado o Lufitano, Ao quâl nada dctem, Qad3 acobarda Qije abrindo os efquadrões muda a vãguardá
V4 Eis
o CONDESTABRE DEPORT.
Eis quando os atambores ja foauão,
E vem marchando as gentes de eaftdiai; O Deos que os corações fe congelauâo Comopèuorqucfâziaa viftadclla; ^ Os outeiros, & os campos fe qualhauão Da efpefla multidão armada, &bella O §6\ tocando as armas rutilantes, E rinchando os cauallos efpumantes»
Os contrários de longe ape rcebidos Tocando os inftrumentos vem de Marte,-
Da gente fe ouuem vozes, & alaridos Tremolando os pendões de parte a parte,- O Sol que eftaua olhando os atreuidos Feria de hua parte, & doutra parte. As p!umí3gés dos elmos^ & áureas criftâs. Bandas, tenções, efGudos> fobrcuiftas.
Não virão tamluftrofa companhia Os campos de Pharfalia antigamente. Nem o Simois a vio quando corria Enuolto em negro fangue, & fogo ardente; Qaaleftàávifta humana parecia De diuerfas nações de varias gentes Vários trajos,5c cores, & os trombetas Da que veílem na guerra os MaíTagetas.'
O numero das gentes do inimigo Parece a algús contado fer patranha. Porem no câmpo o Rey tinha configo A flor de Portugal com toda Hcfpanha: Das terras que pç rdèra elRey Rodrigo, E de França, Gâfconha,& de Alemanha Catalais,Bifcainhos,& Leonefes, Galegos, Andaluzes, Montanhcfcs*
Tínhão
CANTO XIIL \^r
TínhãoosPortuguefes rebelados Da fobSrba vanguarda a dcftra mão» E dcftes contra a Pátria leuantados Dom Pedralures Pereira he câpitão; Setecentos dos nobres leua armados. Contra o menor, & mais valente irmão, E de Alcântara o Meftre outra ala tinha Qíie com os mais eftrangeicos d'armas vinha.
Pedro do Marques filho de Vilhana Famofo Condeftabrc de CaftcIIa, Traz dç luftrofa gente Caftelhana A dianteira, & grandes copias nella; Fermofa àvifta, arrogante, & vfana, E mais que para a ver, para temella Traz deitas alas logo outras ficauão. Que â dous lados do campo fe efpalhauão»
Era fem conto a gente que o feguia,
EaqueoReytemconfigo não me atrcuo A affirmarliure aqui quanta íeria Que na fè dos melhores delia cfcrcuo, Mâisdefetentamiide homês auia No exercito contrario, & no que dcuo A fugir d'afciçâo mal informada Não fe diz que era toda gente armada»
Poftos diante, os noflbs parecião
Qual ante o mar parece o Tejo brando Diz hum, quefofcis mil de armas feriaó '^v Outro mais de dez mil todos contandc; >j^ Oufeconformãonifto,oudefuarião V Mas tam defigual era o Martio bando I Que tinha o Rey contrario por injuria / Vfar contra tam poucos tanta funa. / ' ■ Dos
o CONDESTABREDEPORTi
Dos noffos verdadeiros, & esforçados A vanguarda leusua o grão Per eírS A ala direita, que he dos namorados. Verdes as guarnições, verde a bandeira,' São duzentos mancebos conjurados A tcremnabâtâlhaa dianteir^í E o capitão fó digno de regeles, ^
Mem Rodrigues fc diz de Vafconcelosr
Antão Vafquesd^AImsdahe na íegunda De outros duzentos fortes cauaileiros Com algús Ingrcfcs nobres, que a fecunda Brit^nia então nos deu por companheiros: Q^c antes que a cizânia baxa immunda ProfanaíTeíeus ritos verdadeiros, Ef aò icnaãôs em armas para a guerra De Portugal os Reys com os de Inglaterra.'
Regia a retaguarda o Rey f amofo Comoreftantedagentc Portuguefa, Tam alegre, esforçado, Sz tam ayrofo. Que aosíeuseftá dobrando a fottalezai Ia com o final horrifono erpantoío. Se moue a gente cm nouo fogo accza, D a hum campo, & outro ja foa a trombeta E manda ao Condeftabre que accomcta.
CANTO
CANTO XIIII. isg
CANTO XÍÍÍI
Contâfe ábitdhA real ate âdisbar/ife delRey de CáflelUyqueferetirA&SAntArem: Diante dellenacA^ tninho morre vderofAmente Vafco Martinz, de Mele* õ Condeflúbrefegue o alcance do inimigo : ElRey re* colhe ai gentes ao lugar da bata lha: Contafe a defaftra^ da morte de dom Dtegakres Pereira : O CondeíUhre 'vaía no^a Senhora de Sei f a em Romaria, O Reyven^ iidofe embarca fará feusreynos.
COm o fom medonho os montes fe abala O Tejo fe curbou,& o Guadiana (rão Pauoroías as ícrras fe inclinarão Trcmeo a terra antiga Lufitana Os cauallos de Apolo fe encrefparão, E ell e negou o rofto à vifta humana, Eretumbandooeecoo vão dos montes Fez refponder grão tempo os Orifontes. Tornafe o ar de fetas logo efcuro Nuués de ncgropò ao eco fubindo As pedras rcfoando no aço duro, E as lanças de arrcmcíTo vão zenindo: Cerrãofe as ahs juntas fica hum muro Das lanças campo, & câmpo diuidindo Tudo em desiguaes vozes arrebenta EftrQndo,coafufâõ,gritâ,&corm,cnta'
Forão
o CONDESTABRE DE PORT:
Forão do fom horrifcno efpsKtados Muitos dâ primeira sla Lufitâna De algõs tiros aos noíTos deívfados Que vinhão na vãguarfia Caftelhana: Que atèaquellesbô.^ tempos celebrados Nos não moftrara a vil malícia humana Que com eftrondO:& fumo que faziâo •Aos noíTos forçasj&armâs furpendiâo.
Mas jade Nuno a rigurofa cípada
Com golpes fem medida^& fem defefa Fazendo entre os imigos larga cftrada Abre caminho á gente Pot tuguefa: Vallos fazendb vai de gente armada Com deívfad3,& eftranha fortaleza Para hua,& outra parte os golpes dobra> E atras delle a vâguarda esforço cobra»
Dom loão AfFonfo o valcrofo Conde
Que ante todos moueo com fúria eftranha Na Pátria gente a fera lançâefconde E cm gritos vem distendo; viuaHeípanha: Da outra parte Nunalures lhe reíponde. Que faz tremer com golpes a campanha, Portugal,PortugaI:&i voz que lança Com a fúria da efpada fe abalança.
O golpes nefta idade tam mal cridos, Qne os montes de Colippo em Ecco vão Teuerão grande efpaço repetidos, E o Lis que as crefpas agoas teuc então, HQscaem atèos ombros diuididos. Doutros partido o corpo cobre o chãoi Pârtenfe arnefcs,greu4S,6t celadas, Qual fe/orão de aiafla fabricadas*
Voauão
CANTO XIIII. iç9
Voauâo polloarconfufamcnte
Rachas de lanças,malhas,fccas duras, Faífcando das armas reluzentes. Línguas de fogo pálidas & efcuras, Qual impelido vai, qual liurementc Atropellando os corpos,& armaduras Atè parar naqaellc cftrago horrendo. Que o grande dom Nunalures víi fazendo.' .
Nadando cm fangue alheo, & carregado De virotes,de lanças>& farpões ComooLião de Libia magoado Bramindo vai cortando os efquadrões; Hum ribeiro de Cangue corta o prado Tingemfô nelle as plumas,& pendões Lanças,braços,cabeças, pernas corta Só lhe pára diante a gente morta.
Com hum grande tropel de caualleiros De Alcântara oMeftrc aly foccorrc Rompendo cm Nuno as lanças os guerreiros Como o mar quebra as ondas na alta torre: De hu golpe a feus pés chama os dous primei E entre cUcs eftirado o Meftre morj:e (cos Partido o elmo em dous com hua ferida Donde cnxalado em fangue lança a vida^
Deftes golpes mortaes como atordidos, £ da fombra luzente do aço íino Pifando corpos mortos femíentidos Ia voltâo os de atras perdendo o tino; Aly a grita.as vozes, & alaridos Dos que guiaua à morte o íca dcftino O campo,o Ceo,& os montes atcoauão E âs efpadas ardentes íe encontrauão*
Nefte
o CONDESTABREDEPORTJ
Nefte tQtnpo dom Pedro c de Vilhana Com a ínf ia das gentes que trazia Vai rompendo a vãguarda Lufitana Para onde o Mem Rodrigues fe cftcndía: Aly fe esforça a gente Câftelhana Que em bando íobre as alas recrecia. Mas de hum crefpo furor arrebatados Sc cnooluem na batalha os nímorados.^
Mem Rodrigues enfopa a dura lança Rui Mcndes.o irmão emprega afua Vafco Martins de Melo não dcicanfa. Que clle fó faz batalha ferâ,&crua: Aonde do braço fcu o golpe alcança Deixa o fangus banhando a carne nua,' E he tanta a gente armada com que entende Que nenhum golpe em balde fe deípendje.
De câ moue Antão Vafques que batendo Qual jauari furiofo os dentes vinha Sam lorge os íeus, Sam lorge vem dizendo E a fua efpadâ ás outras encaminha: Por lanças, por efpadas vai rompendo Nenhnm dos feus trás elie fe detinha Para onde o vaIcrofo,& bom Pereira Aruora entre os imigos a bandeira.
Os valentes Ingrcfcs que defejão Moftrar de feu valor toda a bondade Com esforço immortal por dós pelejão Que bem moftráo nas obras a vontade. Os contrários Francefes os inucjâo, Qoe ainda que os anima,& perfuadc Numero desigual de armadas gentes Pefmayão vendo os poucos tam valcntcsr
Tínhà
CANTO Xílir. xéo
Tinha de negro Tangue feito hum ligo Que cm ja defuntos corpos-faz rcpreziâ Fazendo àquella parte grande cít-ago Na gente amendreDtada fcm defcza Quando o Mcftrc feroz de Santiago Entra com Doua força nefta empreza O Deos que então fe via em grande aperto Nuno que o ceo de lanças vecuberto.
Andauaofero,&Lufitano Marte Entre nuués de lanças, & farpões Correndo a húa parte, 8d outra parte Suitentando na vida os efquadrôes: Aqui, & aly ferindo fe reparte Iguala o> cauâlleiros, & peões, Masna confufa gente que recrccc Ia ncna aos feus guerreiros apparece.'
Mas o Rey Português que nel le atenta Em quem fó tinha a Pátria fuftcntada Anteosfcusanimofosfc aprefenta Com hua facha na mâo dura, & pefada: E qual o Sol na fúria da tormenta Alegra a gente náutica infiada, Qne foruerfe no abiímo vio mi! vezes Tal o Rey fe moftrou aos Portuguefes»
AelIcsLuíitanos esforçados*
Que eu foo Rey voíTo, 6c voíTo companheiro A clles ( vai dizendo em grandes brados ) Vamos dcfenganar efte eftrangciro: Trasellc os Portugucfes animados Seguindo o feu farol tão verdadeiro As forças renouando» os braços moucm Contra as gentes fem conto qwe aly cbouemJ
Leuuraõ
o condestabredeport:
Lcuííraôcorn eftc impctu furiofo
Docampo hum grande efpaflb os cfquadrõcs Qual cuftiima no inucrno rigurofo Romper vallos o Tejo, & marachões; laenuoltosno combate perigofo D efamparaua o fangue os corações Vendo aos noflbs, & ao Rey, que fem receo Ferindo oufadamente anda no meo.
Dom loão AfFonfo Telo o Conde oufado Vendo os feus ja de volta, & de vencida Do lugar que efperou dcfcfperado Honrando a morte certa certa deixa ávidas Ante elle corre ja defenganado Outro que à morte oufado fe conuida Por não ver triunfar daquella emprefa Odcfenforda Pátria Portugueía.
Eftc he dom Pedro o fero capitão PorimigodaPattia menos dino De fer do grande Nuno caro irmão Quepollo esforço íeutam perigrino: O qual vendo que anim.a os feus cm vão Porque á morte os entrega o feu deftino Tendo por afrontâfa a vida chara Entre os contrários fere, & não repara.
Tc que hua groíTa lança aíTaz ligeira Sem fe ver donde fora defpcdida Derriba em terra o mifcro Pereira Qúo com o nouo Meftrado perde a vida Naquclla fatal hora derradeira O viooirmão,porcm nãoo homicida^ Eporícgredooccultcí ou fufpeitado Não foi feu corpo mais no campo achado*
Aly
CANTO Xlirr. ifir
Aty morre dom Pedro o de Vilhana De Santiago o Mcftrc fc retira Depois que fcu poder o dcfcngân^ Sandoual hum, & outro aly íofpirâj Defordenadaa gente Caftclhana Hãa antepofta à outra as coftas vira - De voítaosnoíTos nella vào ferindo Hús Sam lorge gritando, outros fugindo?
Morre toda a nobreza de Caftella Miy valerofâmente pelejando Mirichal, Almirante: Sc Medres delia Condes de Haro. M jyorga, & Vilhalpando A flor de Heípanha vâlerofa, & bella Fora termo infinito hir recontando Os que por conquiílar aterra eílranha Deixarão o melhor de toda Hefpanhat^
OS contrários ginetes, que occorrião A retaguarda ja dcfsmparada Contra os noíTos com ira arremetião Que erão gente plebea, ôcdefarmada: E índa que oufadamente a defendiâo Pedem foccorro cm voz defconcertada ÓRey voltando o rofto áquella banda A foccorrerlheo Condeftabrc manda,
Nuno mouendo o paffb vagarofo
Com o grão pezo das armas 'magoadas Tintas no fangue alheo cobiçofo E de farpões, & fctas fameadas: Hia guiando ao paíTo perigofo Emp-çando nas lanças derramadas Q3I o touro feroz agarrochado " No campo aonde corrco defamparado^
X Epor
o CONDESTABRE DE PORTJ
E porque ve que â preíTa vai tardando Esforça a VOZ.& o pafib porem nifto PaíTou por junto aly galopear^do O Comendador mor da cruz de Chriftoj Pêro Boteihoi!Iaflre,& venerando Que o perigo dos noíTos tinha vifto Chama ao Pereira, do cauâllodece, Epolâ rédea leue IhooíFerccc»
A cortesã ofFerta lhe rccufâ O capitão famoío, & o Botelho Vendo que nem o aceita, nem o efcufâ
. Par força, cortefiaêc por conícihoí O faz encauaigar fem outra efcufâ, Eoquehede corteíiaclaro erpelho Parte corrido cm ver que aqucHc o vença No em que elie â cantos fez mais difFerençâ;
O famofa bondade, 6 cortcíiâ Sò dina de altos homcs valerofos? Que em outro peito illuftre não cabia Aonde ouueíTe defejos inuejofos: A pé fica o Botelho^ que podia Afsi fazer inueja aos mais famofos, Porque outro caualleiro a tcmpo,acudâ Aos que gritando pedem fua ajuda.
Que he ifto^entra dizendo o deftemidoi Valerofos foldados Luíicanos ? Voltai que o campo temos ja vencido Demos fim a eftes poucos Caftelhanos; Logo hum junto a fcus pès deixou partido E aos outros moftra efquiuos deienganos, E os que vencidos ja voltauão coftas Cottâo cem golpes feros, Sc repoftas*
0^^
CANTO xíin; ' í^tí*
0^1 o deftro Sabuio encarniçando NojauaricracLqueeílâ grunhindo Os que à vífta í^tèiy lhe andão ladrando,' E a qualquer fucinhada vão fugindoj Ia de hQa parte. ôc outra vão pegando Os dentes entre as cedas imprimindo, E por ínftinto próprio o fangue bebem Sem íentir as feridas que recebem.
Dsíla maneira os noíTos fe miílurão Atcas do capitão que fere 5c brada, Porem muypc^uco tempo os golpes durão Qae os ímjgos lhe fa^em larga eflrada; Feridas dando vai que não fe curão, Nuno que não deícanfa â fua efpada, E com a g'.'nte imiga que fe crpaíha Sc deciara a vitoria dá'bâta!ha.
O Caftelhano Rey palido^Sc triftc Vendo a íua bandeira cftar por terra,' E que he j a pouca a gente que refille, E muita a que fugindo os paíTos errs. Mortos os c??pitães em que confifte O reparo da gente & fim da guerra Animo,fangue,falla & corperdida Num íigeiro câualio falua a vià^.
Por c:?mp:nâs,por mootes.& efpeíTufâ D^álgús dos fcus fomente acompanhado Pola foaibra da noite negra cfcura V
Com o rofto baixo.triftc, & deícorado, Vài chorando o fucceíTo fem ventura ' De Hefpanha largos ânnos lamentado Conuertendofe em penas, & cm receo ^ magnânimo esforço com que vfio.. .
o CONDESTABRE DEPORT.
Quâm pouco monta a fraca força humana Se o poder lhe não vem da mão diuina Como fe esforça em vão, cc5hio fe engana Quem fem fauor do eco fe determina: A gente mais foberba,& mais vfana Mais perto eftà do eftrago, Sc da royna Que quãdoDeos contra elIa;hQahorainrpírft Tem o Sol,âbre o mar,& as fetas vira.
Quanto ó poucos, & oufados Portuguefcs Agora mais ingratos,&: eíquccidos Deueis ao jufto eco que tantas vezes Foftcs delle em batalhas foccorr idos: Quantos cetros, pencócsjaoçâs, & arnczcs PorelleavoíTospè: viftes rendidos Vencendo a multidão barbara eftranha Que hoje contada, algus tem por patranha^
Virão de Ourique os campos celebrados O barbarico numero eftrangciro E depois na vitoria cftar poftrados
^' Cinco Reysinííeis ao Rey primeiro
Quando entre o temor vão de feus foldadds Vio o Rey Por tugues ao verdadeiro Rey que as armas lhe deu fantas diuinas Que aos trinta dinheiros tesn nas quinasJ
Vio naquclla idade o Tejo ameno,
Seus campos doutra cor fssnguinea triftc, E tu que do Ímpio fangue Sarraceno Tingirfe ò Santarém teu muro viílc. Quando hum poder de gentes tam pequena^ Com tanta fè no ceo fe armâ,& refiftcj Contra numero immenfo de infiéis^ Vencendo o Rey cercado a treze Rcysr
Vio
CANTO XIIII. i^;
Vio o Mondego o Tejo, o Guadiana, Ojuirâoferraôc montes darredor. Contra a fúria da gente Mahumetana, Dom Gonçalo da Maya o lidador. Na idade quejaa vida defengâna. De dous Reys cam potentes vencedor, l^oft-randooceoqucas forças que lhe dera Ninguém fem valor feu vencer pudera.
Não valerão ao Rey famofo Hifpano Armas, gentes, &erquadras defiguaís Contra o valor do forte Lufitano Qucjem Deos, que íò tem tudo tinha o mais Disbaratado foge o menor dano, E entre húmidos fofpirosítriftes ays Voltabs olhos atras para o que deixa De li, dos fcus, da forte cm vão fe queíxao
Eis quando à rcdea folta hum caualleiro Tintas em íangue as armas abolladas Sem lança, fem pendão, íem companheiro A fobrcuifta, & plumas derribadas: Paflâ entre os feus qual rayo que ligeiro Por entre as nuucs corta defcuidadas Do Rey afcrra,&: com medonho aballo Com elle traz á terra o bom cauallo.
Com noua fúria a gente amedrcntada Em fauor de feu Rey nnm penfamento Cercão ao que leuando a forte efpada Segue feu temerário atreuimento: forem a multidão da gente armada Golpes, lanças, virotes cento a cento. Morto o cauallo o trazem viuo à terra Aonde de nouo intenta fera guerra.
X 3 Dando
o CONDESTABRE DE PORT:
Dando medonhos golpes não dcfcanfâ Couraças,malha>& corpos diaidia, E fem curar da vida,ou da efpcrança Honrar fomente a morte pretendias A gente encarniçada na vingança Huafobrc outra cm golpes recreeis ^ Ate que o fangue, alento, & cor perdida Com temor de tal corpo foge a vida.
Aly morto> eílirado, & palpitando
Aonde o fangue em borbulhas fe derrama A temor fica os viuos obrigando, E â eterna lembrança a vaga fama; Quando a cafo hum peão dcfcnlaçando O elmo ja pârtido,os outros chama Wanda o Rey(que indaoteme) conhcccio Vafco Martins o brauo era de Melo.
Fizera eftcâtreuido humj"uramento Digno daquelle efprito temerário De prender no combâte(fero intento) Ou por ao menos mãos noRey contrario- E depois dabatalhaj& vencimento Em que hum vâlor moftroutransordinario Não encontrando o Rey oufado, &c forte O vem bufcar, & nelle a própria morte»
Aly efpanta a fama.qaando a vida Entre inimigas lanças defpedio Por coufa tara vãmente prometida Que a preço tam cuftofo fe compríos
** Segue o Rey o caminho,quc o conuida O rcceo do encontro que aly vio, E em quanto trifte vai como aprcíTado O campo vamos ver desbaratado.
- Can^
CANTO XIIM. Úi
Cânfado de ferir," & a fechadura
Ia de fanguinea cor, & as armas fortes Manchadas de mortífera piotura Com o triúpho immortal de tantas mortes; O Lufitano Rey íobre a verdura Deícanfa^ôc daly olha as varias fortes Dos mortos polocampo,& meos viuos: E dos que entre osíoldados vãocatiuos.'
T>c looge vem para el!e o graô Pereira Que com o puflb quieto, & vagarofo Aoceoieuancaasmãos, altaavifeira Grato, huQiiIde,contente, vitoriofo: Eis do contrario Rey moftra a bandeira Antão Vâfqucs de Almada ovalerofo Veftído fobre as armas vem com ei!a O Rey,& o Condeftabre fc ergue avella.'
Ambos com natura! contentamento, E Antão Vas dando faltos de alegria Fazião mais fermofo o vencimento Que afsi por todo o campo fe efteodíaf Mas porque fe conuertc cm dcfatento Mil vezes o prazer na fantaíia Tocar trombeta manda o Condeftabre Quando Thetis ao Sol ja as portas abre
Câualga Icuementc, &: vái feguindo
Com mui grande tropel de gente armada As gentes quccfpalhadas vaô fugindo Por charneca montanhaxampo, cftrada; Por toda a parte, a terra defcobrindo De vencidos guerreiros fameada Tè o lugar que agora a fama nota Com o agmc da batalha Aljubarrota^
X4 Aonde
o CONDESTABREDEPORT.
Aonde dos ja vencidos Câftelhanos Muitos fugindo â morte perecerão Entre psftores rudos, & ferranos, Que antes do Condeftâbrç os receberão: Que os que por menos annos, ou maisannos Lugar para a batdha nâo teuerão, E as mulheres, armadas liurementc Matauãonas cftradâs muita gente.
lada he do vulgar pouo engrandecida A forneira valente,- & celebrada, Qoe com a pà tirou a ícte a vida, Que âdeuiào trazer muy mâl guardadas Quem não acabará gente vencida Secontracllaapuferuede efpada Côlebrcfcamulher,louuefea terra Aonde fc fez com pàs tam fina guerra.
A noite vinha os ceos efcurccendo, O Sol ja fe cfcondia atras dos montes Hiaôfe as nuués brancas desfazendo Corauãofc de roxo os orizontes,- Hiaôfe as feras, & aucs recolhendo Soauãojaaolongeas claras fontes Quando do largo alcance que fcguira Com os feus o Coodeílabre fe retira.
OLufitanoRey que afsi tomara Hum ligeiro cauallo da outra parte Quando dellc o Pereira fe apartara No campo rcprefenta htm nouo Marte: Os fugitiuos feguc, os íeus repara Com deftreza, prudência, auifo, &artc, E entre 3 gente contraria ja Tem guia Hum cauaileiro vio que a pà fugia.
Sena
CANTO XIIII. i55
Sem elmo, & o arnês ja deftroçado O efcudo cm mil partes diuidido. Que pola cruz; com que hía àcrâucíTado FoidoRey valerofo conhecido: Diogo Alurcs Pereira, em s!to brado Não fujais,- lhe bradaaa, fem fentido. Que agora amigo em mi tereis melhor Do que vosja me foftesfcruidor.
Voltou atras o rofto o caualleiro
D e pó, Tangue, & fuor, cubcrto, & 'chco, E ve ndo o Rey piadofo, & verdadeiro Inda que com vergonha> & com ircceo, Confcflandoofcucrro de primeiro Cruzando os fortes braços fc lhe veo, E com o fangue, & lagrimas nos olhos Perdãolheeftà pedindo de giolhos.
AlyodeixaoRcy naquclla eftancia Na guarda dos poões feros foídados Entre prefos de menos importância Que o mefmo Rey lhes tinha encomédadosi E em quanto com dcftreza, & vigilância Recolhe os feus guerreiros cfpalhados Os bárbaros peões fcm mais refpcito Prouâo a faria vil, contra hum fujeito.;
Que em o vendo entre fi fcm refiftencia, Eaufcnte o Rey tam forte como humano^ Dão a fcu erro antíguo penitencia, Pollo final que tinha Caftelhano, Com hQa fcm razão, fera inclemência Foi morto a lanças vis o Lufitano, Que com efpâda, lança, & braço forte A tantos na batalha dera a morte-
Ocam;
o CONDESTABREDEPORTJ
OCnmpo tccolhido fabi^mcnte
VoltâQdo dom Nunâlurcs com graô preza Canfado do trabalho, mas coRtentc O Sol da Pátria terra Portoguefa: No arraial põem guardas diligente Fasendo contra a forte fortaleza. Que mil vezes modauel vira o rofto Eoítragedia trocando o maior gofto^
Alycomos paíTatcmpos cuílumados Três diasteue oRey de grande gloria Diuídindoosdefpojos aos foidadós, E gozando os dcícanfos da vitoria: Naquellcs largos campos celebrados A que hoje inda engrandece efta memoria E aonde o caminhante alegre, &Iedo Apontando os lugares vai com o dedo*
Depois que o Condcílabre aly dcfcanfa
De hum trabalho taõ grande, & tâm côprídò
Porq a Dcos traz na honra, & na lembrança,
E atribue a cile o fuccedido:
Como o que fò no ceo tinha cfperança
E era delle igualmente foccorrido
A Seifâ de Ourem parte cm romaria
Ao venerando templo de Maria.
De muitos ( mas vãmente) foi julgado Q25 hia dar aos irmãos a fcpultura. Que cm Dcos fó tinha o fim de feu cuidado Só a elic eftima, quer, bufca, Sc procura; De poucos dos feus bõs acompanhado Polo maior rigor da noite cícura Nodcfertocammho lhe acontece O de que a minha hiftoria não fc cíquece^
Mas
CANTO XIIIi: léá
Mas figamos tambcm ao Rcy contrario, Q1J5 com o refto do campo era partido Que por qual vira o Melo temerário Ia menoscftranhaua o fcr vencido; Culpando vai ao fado leuc, & vario Não menos cuidadcfo que oíF^odido Soltando mil fofpirosvâos ao vento ' Cheosdc jufta pena, & Icntimento. •
A Sanearem chegou, & a noite cfcura Paflbu, qual todo o dia lamentando De íi, dos fcus foldados, dâ ventura A terra, ao mar, ao ceo fe eftá queixando? E antes que a bclla Aurora alcgre> 6c pura FoíTe as nuués efpeflas apartando Para onde a fua armada no mar tinha
Comosfeus> comoelle, triftcs, cncaminhaJ
*
y Ia o vento as brancas velas encopaua. Que vaõ fazendo fombra no Oceano A fcu repoufo antigo fe tornaua Cóm tempo focegado o Caftclhano: Neptuno contra Marte o amparaaa Quefempreahúcruel nacc outro humanou E quando íuno aos Frigios perfeguia A bclla Cythcrca os defendia.
Ia das alciuas torres que deixauão Sedefpediaa vifta faudofa Que ver outra vez ja nunca cfpcrauão Da cidade de VlyíTes populoía: Os olhos mais enxutos fe molhauâo Com fentimento, &c pena cuidadofa, E o Rey que entre mil ays que defpcndía O TeJQ o efctttou que afei dizia.
Ahfor^:
o CONDESTABRE DE PORT.
Ah fortuna nos bés fempre inconftantc Inimiga de suer firmeza em nada, Quccomhumrofto atra?, outro a diante Escega,injufta, vsm, defatentadâ: Quem ha que te conheça, & que fe cfpante De cm tam pequeno cfpaffo ver mudada Num Rcy a confiança, a vida, o gofto Separaodeftruir virafte profto?
Quanto com teu poder me engrandeccfte? Sobre qyam grandes Reys me alcuaníaftfi? Nosdefejadosreynosquemc defte, E nas grandezas que lhe acrecentaftc? Nabellaefpofaquemc ofFerccefte No reyno que em promeffas me moftraftc No$ vaflaílos amigos, & obrigados Por mi, contra fi próprios leuantados.
Tudo perdi numa hora amargamente. Ou mo tirafte tu de arrependida Pretcnção, honra, fama, nome, & gcntc, E para mal maior deixafme a vida; ^ Da minha ja não poíTo fer conteotCi E fora menor mal tela perdida. Que perdido entre os meus fem hora, & glo- Fazcr mòr aos contrários a vitoria. ( ria
Não me vencera o forte Lufitano Se o teu fâuorinjufto lhe faltara Quemayorerao campo Caftelhano De gente mais luzida illuftrc, & clara; Nem cu chegara agora a tanto dano Se tua fem razão não mo caufàra Sem ti, fem teu fauor tudo he perigo, £ ioda he muito maior viucr contigo-
O Reys
CANTO XIIII. U7
O Rcycs, ó capitães que noutra idade Dos de menor poder foftes vencidos Não vos faltando esforço, nco) bondade Nemfamofos guerreiros, & atrcuidosj Não tendes culpa vos na aducríidadc Pois éreis às eftrellas fometidos O eco que nauda os grandes, & os menores Faz, leuanta, & fuftcnta os vencedores.
Vos ó bella cidade tam famofa
Mais que as de toda Europa celebrada Por fértil, rica, fortc> & populofa Das nações mais remotas frequentada. Ia foftes â meus olhos mais fcrmofa. Que aonacerdoSoI a madrugada Q^ndo noutra efperança que então tinha Vos piotaua melhor como mais minha»
ADeoscuftofaTroya,que tam cedo Dcftcs a meu dcfcjo o defengano, Qjeja vos não verei contente, &ledo Retratada nas agoas do Oceano: Mas cheo de temor, efpânto,& medo Dcvosireifogindo, &de meu danno A DeosLisboa,a Dcos ditofa terra. Que o ceo que vos defende me defterra*
Campos de meus defpojos femeados. Que cftâo gozando os iiures vencedores Nuncafcjais de Ceres cultíuados. Nem o Sol ceie em vos alegres flores: De meu trifte fucceíTo magoados Tudo em vos fejão eccos, &: temores. Repita o ar em vos com queixas tnftes O trance defigual em que me viftes-
Amigos
o CONDESTABRE DE PORT.]
An-iigos Poftugueíes VÊlerofos,
Que cm meu buor as vidâs defprezaftes^ Que contra a Pátria feros, & animoíos Nunca minha razão defsmpsrafies; NeíTcs carnpos ingratos rigurofos Aonde com tâl valor mortos fic&ftes, E vosó Csftelhanos. ftm ventura <^ucm vos ha de dar hoje a íf pultura*
Iftodeziâ oRey.quc furpirsndo Lagrimas às razões acfccentau^ Os íeus com o$ olhos bsxos vão csl^ndoí Eeftcmudo filencío os deckrau^; O bracejar dos remos no mar brando Parece que a triftcza lhe ajudauâ Qual intenta falharlhe, a que o recco Eotre as razões ihe tira a voz do meoej
Hum dosfeusconfolallo determina, E com rezões a pena lhe acrecenta, Que cada hi m diz com doro que imsgíná E a tenção nas palauras arrebenta; A csufa diz ícnbor de tal ruina O principio cruei defta tormenta Forão os Portuguefes qus tiueftes A quem tudo cntregâftes, tudo deftes'
Elles com vãs rezões fem fundi?mento Vos fizerâo deixar a Pátria noíTa Aíí-gurando ícmpre o veucimcnto Sò valia fua>& vifta voíTâ; Outrem mandar podereis neftc intento Com exercito igual, SrarmadâgroíTâ Sem vos, virdes fenhor na companhia^ E o Rey voltando o r ofto o repr endía.
Ah, qac
í
CANTO Xllil. i6%
Ah. quô ainda na dor que d5o fc cfcoadc Tem no peito rôai forçâ a r^sâo, Qus fe cnâl a fortuna corrc^pDndc Nemporiííofugeitao corsçáo; A cíl^ o Rey famoío lhe rerpoode. Mais que as palauras leuijs, a cençáo De que moftfcissgora aqui ms pcza Tal fcm razão, tal erro, & tal íraquczs.
Què mal dos Portoguefes dizer poíTo Cujo eftraoho valor, & esforço raro Em minha pretençáô no campo noíTo E nodo Meílre feu vimos t^m claro: Efcondei tal tenção no peito voíTo, Qac o meu não pode fer lhes nunca auaraí Que oi que contra nos forâo, nos vencerão E os que forão por mi, por mi morrerão^
Quem pòs primeiro lança no inimigo?
Quem primeiro empunhou luzente efpada? Quem bufcoufemprs a força do perigo? Q;jem fez nos efquadrões m^iior entrada? Q^jm primeiro perdeo por vir comigo A terra, a honra, a vida deícjâdaí Se não os Portuguefes cujo preço Hoje delles vencido reconheço*
Eft3?,& outras palauras valerofas DiziaoRcycujpandofúacftrclla Deixandoatrasâs corres belíicofâs Que guardão a cidade antiga, Sc bellaí La foi parar oâs terras deleítofas Dos feus reynos antigos de Caftella Aonde o trifte íucceífo não cuidado Pcftouoroifentido,ôc foi chorado.
CANTO
o CONDESTABREDEPORT.
CANTO XV
Contafe o que nccnteceo a dom Nunãlures TereirA na Romaria ate tornar ao artajal^ o qual como Rej leuanta : Chega com o exerctto a Satítarem, aonde deu o titulo de Conde a àom Nuno Alures^ que dal) je vai entre o Tejo , 0*6^^^^^^^ y& jt^ntas as gentes da C0' marca entra por Caíhlla comgrmde liberdade : Def- erenefe o jeu caminho ate a afitnalada batalhadeVal'^ verde^
COto o filencio da noite cfcura, & fria Po r dcfertas charnecas, &" erpeíTura Vâi Nuno o vencedor em romaria Aquém lhe deu vitoria,& dà ventura: Eao encruzar d*hum valic que fazia Com o aruorcdo a fombra mais efcura Ao longe ouue húa voz fraca. 6c doente Feminil quebrantada, & defcontentc.
Entre rotas palauras forpirando Com o ecco dos montes feacâbaua Deixauâ de falíar de quando em quando^ E com nouos foípiros fç esforçaua; Parou o capitão; ^ os feus calando Cada hum por entre os matos fe efpalhauaj E a voz que efcaíTamcntc o ar rompia Eftes fâõ os queixumes que dizia.
Tudo
CANTO XV. í.^
Todo me ofFende>& tudo me falcfce Com quem poderei tciftc aconfclharmé? Que dos males. qtie a forte me oíFcrecc, Bcmfei que o menor mal foramatarmc: Sem vós meu bem â vida me aborrece Pará vos ofFender quereis liurarme; Ah menor danno fora, & melhorforte Triumphar trás da fortuna a fera morte.' Aqui em voíTa amada companhia
Em quanto mo permite o duro imígo Efpcrareircnhorqueo nouodia Me moftre o voíTo rofto ^ meu perigo: Se a morte ci de feotir por qualquer via Menos â temerei fc yir comigo
O bem que noutra idade mal perdida Como me mata agora me deu vida.
Aqjí tendo entre os braços amorofos Efte ferido peito mais humano. Que meus fofpiros triftcs faudofos Erperarei da forte o menor danno; Quiçá que efles foldados rigurofos Docriumphante cíquadrâo doLufitano Com lagrimas abrande,&: que afsi pofla S iluar na minha vida a própria voíTa.
Qieiafamiací de temer, que crueldade Nefte mífero citado que não feja Fugir para outra mor aducrfidadc Donde efcaparoâopofla, nem vos veja: Deixai meu doce amor^que cfta vontade Entre tam grande mal gozando eftcja, Porque ainda nefte amargo fcntimento A^gum aiiuio fente o pcnfamcnto»
, X " Aqui
OCONDESTABREDEPORT3
Aqui limita amor ncfta fô hora
O que cu lhe mereci tempo tam largo No mal logrado bem que vejo agora Em trance tara cruel, fero, & amargo; Ah não fora nieubcm fc afsi não fora Nunca a forte mo deu fem grande encargo,' Mas como chamo bem a hum mal tsm fero Mal no que vejoj & bem polo que quero*
A ifto entre gemidos refpondia Hua voz que o alento reforçaua, QuccfcaíTamenteoara deftinguía, E o filencío da noite a dcclaraus;
. Ah não queirais mcubcm, minha alegria ( Alegria porem quando a gozaua) Que nefta hora penofa, & deícontentc O que me daua vida me atormente.
Q^ no trance cruel cm que me vejo De feridas mortais atraaeíTado Somente viua a voz, viuo o defejo, E o corpo em fanguc próprio fepultadoí O perigo maior com que pelejo O que me da mòr pena, 6c mor cuidado Hedeixaruosmeubemnaterra alhea Nas mãos da forte, 5c noite eícura, ôc fea^
Vira com o dia o rígurofo imigo.
Que por me dar mòr golpe mo detinha Sc vos achar meu bem aqui comigo Triumphara juntamente d^alma minhas Por me euitar tam afpcro caftigo Alongâiuosfenhora mais aíinha Para onde de meus males m.ais fegura Vos não offenda aísi minha ventura.
CANTO XV. i^o
Qae fc cíTa vos perfeguc, ôc vos maltrata Nefte mifero eftado que conheço He porque vè que em veruos mais me mata Que ncfta pena injufta que padeço: Em quanto a noite a morte me dilata E o poder da ventura reconheço Ideuos minha gloria, que e!ia ordena. Que fendo gloria mmha me deis pena*
NeíTesfermofos olhos que tiuerão Em fuabellacor minha cfperança NeíTes cabellos douro que prenderão Meudcfejo, querer, & confiança: Nefles robins, & perlas que me derao O chefouro maior que amor a lança A pczar dcfta falfa, & fementida Suftentai vida minha, a minha vidaii
Ay que o çanfado alento vai minguando,' Perdoai doce amor, que ja me falta Eftâ vozj que mí^u mal eftà falíando E inda defta ferida o fangue falta: Pára que và na pena dilatando O que 00 coração por vos me falta Acudilhcfcnhoraque parece. Que nefte trifle eftado vos conhece?
Com baxo íom por entre o ar efcuro Eftas triftes razões hião rompendo Que no peito mais forte, Sc mais fcguro Fazem ao coração ficar tremendo: ]
Tc o vâlle fombrio, afpero, & duro Eftaua as mudas plantais confrangendo Hás ramos d'entre os outros fe foltauão E com medonho accento rofpirauão.
y- ^ Chegou
o CONDESTABREDEPORT.
O valctoíoHeroa,cujo peito
De brandura, 5c valor tinha igualmente Encubrindonos olhos claro eíFcito Do que na alhca dor conhece, & fcnte; Confiderando o mal daqueMe objcito Pola voz tam funcfta. & dcfcontcntc Por ver o que feria chega ao perto, E no aruoredo entrou mais encuberto»
Chegou, faltou da fcUaelIe primeiro Vio nos braços eftar de húa donzella Mortalmente ferido hum câuallciro, Que inda afsi fe csforçaua a defcndela: Nãoforadc julgar muito ligeiro Qoal cftà mais defunto fe clle, ou ella. Porque no fobrefalto que fe ofFrecc Ellft fe anima, ^ ella desfallece-
E com a voz mortal que dcfpedia
Também por muitos golpes repartida^ O CO quem quer que fcjas, lhe dizia, Qje vés tam tarde a fer nouo h omicida: Eífa fortuna ingrata que te guia Não te manda aqui fò tirarmc a vida, MâsaofFcnderabúaalma delia ifenta, Que fora defte objeito fe fuftenta.
Qjjchcefta minha efpofa que acompanha O corpo que ja o mal vai confumindo. Que donde o Bethis rega a forte Hefpanha Com animofo amor me vem feguindo: Pois que nos foi benigna efta montanha Ds ftia dor vencida, 6c gefto lindo, Tufeesoufado^forte, 5c cés nobreza Não moítres contra os fracos afpereza.
Por
CANTO XV. í^r
Por momentos â vida fe me atifenta Eftahehúadonzellaffâca, & nobre. Que ncfte peito o coração fuftenta. Que com lagrimas tfiftcs rega, & cobre: Vôncidos da ^ortuna> & da tormenta, Qae a cada qual de nos deixou tí»m pobre Não te podemos dar preço, ou vitoria De qae intercíTes, gofto, nome, & gloria»
Vfa claro fenhor de piedade
Afsi te guarde fempre o eco fubido, Efejas vencedor na tua idade Sem prouares o mal que hc fcr vencidos A vidalhc concede, & liberdade Pois não podias fer delia oíFendido, E a mi fe o pátrio nome te hc o iiofo Defpojâ, txiata, ôrnegaofer piadoíoj
Deftaspalaurastais enternecido
AqaclleilluftfC peito quanto oufado Decendo no lugar mais cfcondido Que tinha o viuo amante Itepultado: Com o lume da Lua, que efparzido Por entre os ramos fere o verde prado A dama leuantou que nefte cnleo Chora com agoas luas fanguc alheo.
Ecomos canfadós olhos renouando A queixa que ja tem por derradeira Solto o efpofo feu; eftaua olhando O que dcterminaua o graõ Pereira: Qne com fuaue voz, amigo, Sc brando A íallar começou defta maneira: Em extremo me peza ó caualleiro Não virafoccorcerúosmais ligeiro.
I 3 'Mas
o CO ND ESTA B RE DE PO RT;
Mas fe inda eíTas feridas na bondade Do experto furgião podem ter cura Sereis mais dcucdor defta vontade Do que moftrais deucrdes â ventura: E em tanto tereis fempre cm liberdade De ofFenfa, danno, ou mal liure, ôc fegurâ Eftaefpofa fiel que eftimais tanto. Que cu o prometo ao ceo fereno, & fantO;
Enxugândolhc as lagrimas primeiro Com fe lhe ofFerccer beninamentc Manda cm braços tomar ao caualleiro^ ' Que ja a dor das feridas menos fentc Emocauallootoma hum eícudeiro, Eadocecfpofa menos defcontentc As ancas leua o capitão famofo Seguindo feu caminho cuidadofo*
Chegou, fez oração humilde, &pía A quem vida, valor, & honra lhe dera Voltou ao tempo ja que amanhecia Sobio à forte 0urcm altiua, & feraj Tomou poíTc da villa aquelle dia. Porque ja na batalha o Rey lha dera Aonde fez curar honrando a cila O caualleiro amante da donzella»
Teue elle vida, 6c cila liberdade Sendolheaterra eftranha natureza Ambos tinhio valor, honra, & bondade Ella graça, jui20,& gcntiiezaj' Em Portugal viuerão longa idade Com grande amor da gente Portugucfa DanJolhe aquelle dia a vida chara p que em tam poucd a tantos a tirara^
Voltou
CANTO XV. íft
Voltou òCondeftôbrc cm tempo breae Ao campo aonde deixara o P.cy triunfantCj Q^uc aos trcs dias depois que nelle efteutí
• Vai acadir ao que he mais importante: Emqiiantocomosdefpojos fe deteue Tçndo atalaia, Sc gaarda vigilante Curar manda os chagados, & feridos Tam igualmente os fsus como os vencidos»
Qoepoftoqué obrigado da ventura Omcios não negou da natureza Aos mortos mandou dar a fcpultura Com honra, piedade, 6c com trifteza^ E dedicando á Virgem fanta, depura As bandeiras, & as armas dcfta cmprefa Edificou depois o templo altíuo, Que morto o guarda, ôc na memoria viuoJ
Ia marcha o noflb campo vítoriofo Tintas de faogucalhco as reluzentes Armas da Luíicania. 6c do fâmofo Nuno, que hia guiando as fortes gentes: Tudofe moftra alegre, 8c graciofo Os caminhos tam íiures, quam contentes, Tè que de Santarém pifando apraia Váo defcobrindo as orcas da Açacaía*
Foi na alta villa o Rey mui feftejado Com jogos em que o pouo fe detinha Liure do jugo aí heo carregado Doscftranhos foldados que antes tinhai A Nuno que de Ourem tinha o Condado Com o aplâufo do exercito que vinha, E com o amor que o Rey em nada efcondc Foilhc âjy dado o titulo de Conde.
Y 4 Porem
o CÕNI>ESTABREDEPORT-
Porem não confentío muito ligeiro Nadefcjadâilluftrc dignidade Que cntâo era de Conde que primeiro Lhe dcfcobre no peito outra vontade: Que o titulo não quer fe â algum gpcrreiro Outro, ou priuado, odernafua idade Pois nos fcruiços com que o merecia Nu nca tcue no rey no companhia.
Tudo o Rey lhe ofFerece/& lhe concede^ E fczlhc a doação tão celebrada Que a todas as dos Rey s da Europa excede Mais ampla em réda, em terras mais hõrada: E alem do nome, &condição que pede Com a villa de Ourem tam deíejada. E as heranças» & terras que antes tinha Aquellc amigo injufto da Raynha*
Dculhc Borba, Eftremôs, Villaviçofa A Portel, Montemor, &aEuramontc, Sacâuemdefejada, & gracíofa, Que fcmpre o áureo Tejo vè defronte? Porco de Mós taô ferti! quaô fra gofa RâbaflTâl, & Aluaià^erc outro monte, BarroCo, ArcodeBaulhe, Bouças, Pena, Penafiel Barccllcs^ Bailo amena.'
Dos direitos reais liberalmente
Húâ parte em Lisboa, que hojegoza SeufucceíTor famofo, Sc juntamente Os de Loulé, & de Sylues bellicofa; Sc outro não fez vâílkíio tam potente. Nem doação a hum fò tam grandiofa Nunca teue outro Rey melhor vaíTailo, Nem tam grandes razões de auentajallo.
O que
CANTO XV. 17}
O que tâm pouco as honras cftimaua Quanto com Jrazão jufta as merecia Menos da renda, & terras fe Icn:ibraua, Que do que a feus criados fe de uia; A todos recebendo acrecentaua, A todos com prudência enriquecia. Que ainda que por íi fò tuda merece Doscom que mereceo jamais fe eíquecc. «
E fe vos lembra a cafo do barbeiro, Que a efpadâ guarneceo, fò de vontade Quando a noua lhe deu do Conde Andciro A que fugindo vinha da cid&de; Qi^infinado de encantos de hum romeiro Lhe pediíTe a futura dignidade, Ncfta razão por fua forte imiga Perderá a liberdade, «cpoíTe antiga.
Confifcadaafazenda^a própria vida Tinha outro fenhor ja de que era efcrajaa Por fcr achado em culpa conhecida. Que contra os Portuguefes pelejaua; A mifcra mulher pobre, & perdida Aos pès do Condeftabre fe lançaua Que lhe pagou melhor naqueilc cnfejo Que a fua petição, Sc o feu dcfejo.
Q^tic peito ha gcnerofo que fe cfqoeça Defcruiços, de amor ainda pequenos,
. Que não honre, Icuante, Sc engrandeça A vontade que os homés tem por menos: O baxo fó fe altere, & defoonheça O que he mão liberal, & olhos ferenos Mas quem pós a diante a natureza Também lhe não faltou neíta grandfzal
Poucos
o CONDESTABRE D;ePÕRT5
Poucos diâs traicfte fc dctcue
Gozando os íntereíTes defta gloria^
Lembrandolhe o que monta, & quanto deué
Suftentar o louuor d'hQâ vitoria,-
Que quem cô hú bô fucceíTo ou bé que tcuc
Perde logo os cuidados, 8r a meraona
Dà lugar àfoí:tuna incerta, & varia
Tè que de companheira a faz contrariai
Os fcos arms,' do Rey licença alcança Com as lanças que aly tinha palTa o rio Pòr a Fronteira em noua góuernança Aonde ja tem mor mando, & fenhorio: Na fcrmofa Eftf emós cem os feus defcança Entre barro chcirofo,& jafpc frio Dâsveíinhascoraarcâschama agente Qiie acode ja mais liure, & mais contente.
Í^Iil lanças ajuntou cem os qac aly tinha Fora dous mil bèfteiros efcolhidos Formou dcllcs hum campo qual conuinha Com os peDdôes,& lugares repartidos: Parâarego3rda,ôcalas encaminha 0'S mais vâIentcs,deftros,& atrcuidos Ellc a vngusrdatem da primeira ala, E janto o campo ícu, dcfta arte falia.
PoítDguefes amigos valeroícs
VaíTaííostam leais como eftlmados Nâovosquisvcro ceo yitoriofos Para vós vos moftrardes deícaidsdos: Temos os inimigos bclliccíos Inda que em parte ja disbaratados Importa que ligamos a ventura, E não faltemos nós pois que ella dura.'
CANTO XV. 1/4
Que fc as armas deixamos, & os tambores Quando os imígos fortes, & oíFendidos De cernidos, & oufados vepcedorcs Viremos a afrontados, & vencidos: Não percais as vencagés, Sc os louuorcs, Qoe por tantas razões vos íaò diuidos, Qwic cm quanto ouai contar» Sc qtjâto alcanfo Sempre foi a honra imiga do deícanfo.
Determino que entremos por Caftella Se vos parece ò forces Lufitanos Vamos ver eíTa terra illuftre, &bel!a^ Que dà tantos, & oufados Caftelhanos: Vamos comar vingança âs cafas delia Dosqueâs noíTâsfizcrão tantos dannos Tcgora defendemos a em que cftamos. Agora quer a íortc que oftendamos.
He tempo que cobremos a oufadía. Que nos tinha catíua o Rcy Fernando^ Pois o que vos goucrna, rege, & guia
' Vai voflb aomc antigo rcnouando: Cora voflb esforçoj cm vofla companhia Bem hfi que va feu nome leuantando Vamas fobre elles ja que he coufa jufta» Que faibão no0a oífenfa quanto cufta«
o CONDESTABRE DEPORT.;
Iftonãoacabaua ocspitão
Qnando os a que a vitoria pcrfuadc Com difFcrentç voz,& hum coração Lhe ofFcrccem as vidas,& a vontade; ' Pocm logo em ordem bella o efquadrão Cheo todo de esforço & lealdade, Para que no outro dia, coma Aurora Dos muros de Eftremós fe eftcnda fora.
E em quanto elle trataua efte concerto Tinhaô de tudo auifo os aduerfarios. Que cada hú como aftuto,&: como experto Trata apercebimentos neceflarios,- Intcntâo vir bufcallo mais ao perto, Mas niftc os pareceres faõ muy vários Que por o encontro dclles ou refpeito Nenhum nefte defcjo tcue cfFcito*
Pâfladaa noite cfcura, preguiçofa Em parecendo a cftrclía de Diana Marchando os noíTos vem Villaviçofa Honr?^& valor da terra Tranftagana: Ao outro dia a Badajoz famofa Aonde a vao paffaõ todosJGuadiana Alojandofe á vifta das áreas De efcamas reluzentes d ouro chcas*
Logo nefte primeiro alojamento
Hum jauari muy grande, Sc tcmcrofo Entre os noíTos morreo,quc o vencimento Ia não querem julgar por duuidofo: O dia gafta aly nefte apofento Nuno mais por aftuto que ociofo, E como o Sol ao outro íoi moftrando Ao Almendral direitos vão marchando.
Chegaõ
CANTO XV. i7f
Chegaõ paffando a noite aíTás viçofos DeíFc licor, que Baccocílima &:ama Que a muitos, delle amigos cobiçofos Seruio de alegre cep, & branda c^ma: Mafd^ípois de dormir pouco ocioíos Qnando o Sol entre as nuucs fe derrama O lugar deixão j^ de tanto gofto Cozendo a noite fria o quente mofto.
Chegou a Parta cm ordem de peleja Porconuidaraoimigo que lhe tarda Nas alas leua os bõs que el!e deíeja A quem o vil temor nunca acobarda: Gonçaleanes de Abreu tem na peleja Com o Prior do Hofpital a retaguarda Afsi chegando à villa fe apoufenta, E nas coitas o imigo lhe arrebenta.
com cautellaardilofa, & muy fefuda, E fôs trezentas lanças que trazia* O Meftrc Martim Ancs de Baruuda AnoíTacarriagcm remetia: Poretn de fitam pouco fc defcuda. Que (ò a tiro de vifta apparecia Nuno trás clle os feus mouia a guerrjj Mas virandolhc as coftas toma a ferra.
Era o Baruuda hum Português ouíado Dosqucapartefcguiraõ de CaftelU Capitão, deftro,aftuto,& celebrado Por oufadia igual, & igual cautclla: De Alcântara lhe dera o graõ Meftrado O ja vencido Rey que fe defoella Por moftrar quanto cftima,& quanto inueja Aos que vio valerofos na peleja»
Eftc
o CONDESTABREDEPORTJ
Efte em hua fobida muy fragofa. Que ao câftello de Feria cftá vefinha Oatra mais gente de armas bcllicofa Para vir contra o Conde janta tinha; E indo de Parra a gente valcrofa * NoíTâjna própria ordem com que vinha^ Que indireitando a çafr a vai marchando Dccccomos feus da cerra como em bandoJ
NemNebrigencrofocom mor prcíTa Sobre a garça deceo que armada efpera Nem a Águia cam ligeira fe arrcmeíTa Sobre a incauta, & miferauel fera,- QoaloMeftre decendoíc atrauclfa Coma mais gente que aly lhe rccrecèraj Mas torna o Conde á ferra tí m ligeiro, Quchaõpormelhorcôfclhoo de primeiro
Pâffaõosnoírosçafraaqaellc dia,
Paflaô Fonte do Meftre,& fcm cuidado Vão alcançar daly Villa Garcia, E achâo villa,& caftelio defpejadoí De muitos mantimentos que aly aaía Leua a parte que quer cada foldado, E defcanfaõ alegrc,& liurcmente. Que o lugar fò,&: a preza lho confentc.'
Nefte lugar cftsua o capitão,
Qoando chega hum trombeta do inimigo Com hum moiho de varinhas vem na máo Que outro cartel,ocm carta trás configos Dom Nunaluces com termo cortefaô Recebe o mefagciro como amigo Atè que hua das varas que trazia Dizendo eftas razões íhc ofFcrccía-
OMcftrc
CANTO XV. ifS^
O Mcftre meu fcnhor de Santiago Cujas terras pifais cam liuremcnte Fazendo injofto danno,&: grande cftrago
• Na ruda,dcfcuidadaA fraca gente: Efta vara vos manda, que aqui trago
- Com que vos defaíia abercamentc. Qoe fcm faltar a tempo.ou fazer falha Apercebido efteis para a batalha.
Tomou com mui rifonho ledo rofto O Conde aquella vâra,os ícus olhandoí 0^5 cada hum nelle tinha os olhos poíloil Nos quaes o coração lhe efta faltando:
> E por ver ja chegado aquelie gofto Que aodâra em tantos dias cfperando Com a prelTa dos defejos obrigado Ia dauâ ao mefageiro p feu recado*
Porem inda as palâuras não foltaua Qo^ndoelteafua arenga profeguí a,' E outra vara trás efta lhe entregaua Com que o Conde de Ncbla o defaíia: Do Meftre outra lhe deu de Calatraua Do de Alcântara outra lhe oíFrecia, E outra atras deftas quatro não lhe efconde Que de Medina Celi manda o Conde.
Os Portuguefes Soufas rebelados Cada hum a fua vara lhe ofFcrecc Dom AfFonfo Fernandes, ocos oufados Irmãos, que a nobre Cordoua engrandecei Os vinte & quatro nobres, & afamados Q^e Seuilha fuftenta, 5c reconhece Que com o pendão famofo da cidade . Trazem luftrofa gente, ôc de bondarei
Dom
o CONDESTABRE DE PORT.
Dom Gaftão de la Cerda ilbílrc, & forte Dom Pedro Ponccaltiuo caualleiro. E o vitimo que aly lhe coube cm forte Martim Fernandes he Portocarreiro: Cada hum dos ameaços hc de morte Segundo heríguroroomef^geiro. Mas de.alegria grande, & gofto chco Tudo lhe oauiâ alegre, &rcmreceo .
Dculhe em tudo a tenção q^^e era deuida, E antes de reíponder a cfte recado Aos feus contando a noua recebida Cada hum á feftejaua aluoroçâdo: Tanto eftimo(rerpotide)como a vida Ser de tantos ícnhores conuidado Noua de tanto gofto, & tanto preço Ao Mcftre meu fenhor eu lha m{;reço«
O go^ío de a faber efle me cftroua Dizeruos quanto eftimo agora tella Não podereis trazerme melhor noua Senão que vmha o feu Rcy de Caftclla: Vós fabcreis de mi por outra proua Se vos fico deucndo o ganho delia Agora aos capitães cada hum à parte, E atodosrefpondei da minha parte.
Que de todos aceito o defífio, E d'agora á batalha me ofFereçò, Que eftimo muito as varas, & confio Qjjc tenhão nefta mão mais força, & preço: Que fc a forte não der algum defuio Para atalhar ao fim dcfte começo. Com eftas ( pois que as mandão ) determino De caftigarfeq nouo defatino.
Qii5
CANTO XV. irx
02? fcí que a muicos delias foi penofo
Não fç acharem com o Rey hmoCo,êc claro Na batalha, & íucceíTo perigoío Em que Ihs foi a forte & tempo auaro; Qoefe algum ainda eftátam defejofo De moftrar feu valor eftranho, 5c raro. Que aqui tem efte peito, braço". & Unça Em que bem poderá tomar vingança*
E fe antes de partir com efte intento De os mandar auifar tiue cuidado. Como terei agora em penfamento Defaiarmc do prazo defejado; Que fe lhes falta gente, oa baítimeoto Eftqy pára cfperar apparcl hâdo Que fcgundo efta terra me agafaíha Nem temç?ei tardanças, nem batallj:^>
Trás iílo polas nouas que trouxera
Cem dobras d ouro deuaomcfageirb. Que contente voítou aonde viera. Mas mais que da repofta, do dinheiro: Deixaadeferta villa, nadaefpcra Com os feus a Guadalupe vai Romeiro Acafamilagrofa de Maria Pois ninguém ajornada lhe impedia.
Mas aducrtindo algús o.grande danno, E deílroço que os noíTos fcm concerto Podem fâscr ao pouo Caftelhano, E as terras da feuhora que cftão perto: Deixou a romaria o Lufitano, E pondo os feus em armâs & em concerto Deu volta a hum porto junto a Magazclla, E chega o de Baruuda â vifta delia.
Z " Ia dou: ^*
o CONDESTABRE DE PORT:
Ia doutros capitães acompanhado Com noueccíitas lanças 1 he appsrccc Adarnosnoflbs vem determinado, E o Conde a rccebcUo fe offcrccc: Mas elle quede longe cxprimentado O tem deíle cuidado jafeefquece, E á fer4'a póuco,&: pouco fe retira Qae nunca chegou mais que a andar á miraj
Fizerão fea caminho mais fem pena Os noffos que ja a paz trazem faftio Paír^jõporVillanoua da Serena Para ValaerdCjôc tem ja perto o rio; A vifta>6c com diftancia não pcqucija OdcBaruuda vemaodefafio,' J_^ E IigcirQ^& fagaz de quando cm quando Com os da rcguarda a tempos pelejando
Algús feridos ouuc ncfta cnuolta.
Porque os noffos virauão de indinadosj Mas durou tanto o Meftrc na rcuolta Quanto não vio Nunalurcs aos foldadosí Dâuão virando logo rcdeaíolta, E aigús ficão da volta caftigados Atè que o arraial tomando affento Ceffou feu perigofo atreuimento.
E fendo certo ja que o outro dia Seria o da batalha que efperando Andâua aquella gente que o feguía Pollos prefos que os noíTos vem tomando» Os capitães chamou que aly trazia E a cada hum foi feu cargo encomendando Difpondoatraça,&ordcm da peleja, Qac muito tarda a ^uem tanto dcfeja^
Depois
CANTO XV. íf?
Depois com toda a aftuciâ que conuÍDha A quem na cerra alhea fe alojana A toda a parte cfcutas, & armas tinha A que clle femprc armado vigiaua: Ia alta noite oauio gente que vinha Quccomeftrondoi&preíía caminhauâ^' Que endireitando vai contra Valverde Tanta que a vifta nclla o conto pcrde^
Bem quifcra a tal tempo dar fobrelles, E no caminho o Conde rccebellos. Porem a noite efcura era por ellcs. Que cfcaflamente os nofíbs podem velos*; Depois que o capitão andando entre clles Não pode âlcuantaIos,nem moucios Em tanto oran^do a Dcos cfpera o dia^ Qafi peleja por ellc,6c mais vigia.
Em tanto os capitães determinados De vir tomar vingança rigurofa Nos que tam valerofos> Sc esforçados Achâo toda a tardança vagarofa; Defertosdeixãoja aos pouoados Cobre os campos a gente bellicofa^ Lanças,armas,diuifas,& bandeiras De varias terras vem varias maocirarf
A flor eftaua aly de Andaluzia
De Cordauaj&dclaem vinhaopendãoi O da rica Seuilhaapparccia E os valentes Manchcgos de Aragão: Naquella multidão que junta âuia Mor numero de gentes era então, Q^c as com que na batalha o Rey vicrá Aonde a flor de Hefpanha fc perdera.
Z t Não
o CONDESTABRE DEPORT.
Nâo era efta porcro gente cfcoíhida Muiu delia biíboha, & dcfsrmada. Nem de Teus capitães também regida Nem tanto tempo á guerra acuftumada: Porem a todo o trance ofFcrecida Por dcfenção ds pátria dcfcjada luntcufe toda âquella noite quando Nuno Alurcs vigiaua a Deos orando-
Appareceo trás ifto a manhã bella,
Qpc era a decima quintd, que os guerreiros Perigrinando andauão por Cafteila
• Roubando terras,gâdoS: prifioneiros: Queixofos de fe auer tam liures nella, E os contrários tam tardos,& ronceiros Que no principio ja de Eftremadura Prouar vinhão as armas.& a ventura.'
Com o Sol que fobre os montes parecia O Conde moue os feus daquellc aíTento Pars hir paíTar hum porto (ó que auia Legoa & mea daquelle alojamento: Era fem conto a gente que o íeguia
. Semtcrdeacometeloatreuimento Tè que chegando ao paíTo mais eftreito Lhe tem por toda a parte hum cerco fcito.^
Sem ordem de pe!eja,& fem concerto Da multidão íòmentcfe valião L^nças.&: eípadas ja ferem ao perto Aos lados pouco & pouco fe atreuiâo; la nâo acha a vanguarda o campo aberto Sò gente armada a todas partes vião, Mas com tím fraco intento vem ao meo. Que o Coudcftabrc entende o leu receo.
Equal
CANTO XV. 1-^
E qual cuftuma o touro que gmpsrsndo Contra o faminto lobo o bando amigo Anda continuo as vâquas rodeando proftofcmprc. 6c os cornos no perigo ^ Andauade contino refguardando Aquclles fem temor que traz configo De tal forte que a gente que accomete Menos fabeofFender do que promete.
Entreamaítidãograndequco rodea Numero tam armado, & tam fobejo Parece o campo ilheo de branca arca A quem por todas partes cerca o Tejo: Porem o capitão que os não recea Vai igualando os braços ao dcfcjo Pelejando com tarto esforço, & brio^ Que vai abri ndo o paíTo para o riOc
Alyfe acende a faria do inimigo
Com maior força, & maisatrcuimento Poios ver tam chegados ao perigo Atalhados com o húmido elemento: Também o gado, Sc prefos que configo Traz lhe feruem aly de impedimento. Mas jâ lhe abre caminho o Guadiana Por mais que ofFcnde a gente Caftelhana.'
PaíTiõ o vao primeiro os da vanguarda, Poera ao contrario bando firme o roílo Em quanto dom Nunalurcs que não tarda Moue toda a bagagem ao feu pofto: Faz paíTar atras delia a retaguarda Ficando na defenfa em armas pofto Com cujo amparo osnoíTos fem perigo Vaoleuandonas coitas o inimigo.
Z j Mais
o CONDESTABRE DE PORTJ
Mais de dez mi! eftauão da outra parte QuG a fahida das agoas defèndião Tirando com deftreza, manha, &ârte Setas, 6c arremeísôss aos que fahião: Té que faltou em terra aquclle Marte, Que era o raio do ceo que elles tcmião Ferindo tam oufado, & tam feguro. Que não bafta da gente o forte muro»
Rompendo vai aquelle eípeíTo bando Ajudítdodosfeusem brcue efpaflb, E o noíTo campo em ordem pelejando Marcha por entre as lanças a compaíTo^ . Sô pedras Janças,fetas, que lançando Vem os de cima a muitos corta o paíTo, Mas pouco tempo a fúria fe dilata. Que a própria multidão fe disbarata»
Defof denadamênte fe miíluraô
Por onde vem que o Conde não psrccej E apenas em fcr muitos fc aíTeguraõ Quando em o vendo o medo lhe recrcce^ Aos que dos golpes feus fugir procuraò A grande multidão de trás lhe empece Tc que defefperados da fugida Vendem aos noíTos caramente a vida.
M^^s vendo poucOi & pouco o defengano Os capitães do intento cautelofo, Quccradisbaratarao Luíitano Naqucilc paíTo eftreito per igofo» Vão retirando o câmpo Caftelhano Polo csminfaoeftcril, Sc fragofo Soltando das ladeiras mais aitiuas Pedras sQ noíFo eampo vingatiuafa
Ficoy
■ . CANTO XVÍi ^ %§:>
Ficou a prsla enfim defáíTombrada Efmaitada defângue roxo, & frio De trafpaíridos corpos fameada, Que fas mouer Tem aím i o fundo rio.' A;?lgús tambeai dos noílos na p^^íTadâ Deuiepultara o ceo neíle defuio,
Mas não íoi tanta â perda oeíteartento • Como do Condeílâbrc o íencirnsato.
CANTO XVÍ
Contãfejpehji, ^ venturcfo fuccefso dá. bmlha: JEiítra o Co de vi: or tojo em Ponugd: Tcm^ ã elRq a vi/u de Chxues-.jtíus aí gctes entrlo emCafielU:? oem cerco k cidade de Com;dÕdefe /eu^ríta.dr recolhe por as muitas dàeças do Arrâid, O Duque de 4Uncíir{r€ ve a, conquiihr o reyno de CaftdU: Vefe co elRey de Pdr- ttigd nx EftremtdiirA ) Fazfe e cãfamento dx Rxynhi, dona FeUppa: Emrão d grande exercito em Cã[helU^ €lKey,o Duqíse, Ó- oCondeJlabre: AndSonelix qt^atrâ mefesjem nellcs teu batalha. ElRey fiz Cortês er» Braga: Morreo no Forto a Cêndeí^a dona Lianor Dal. um:vaioCo^deafuasexeqmijc co grande feutimetol
A praia hú pouco os noíTos repoufarSo Paffando o vao, cSr ss gentes inimigas Sobindo a ferra, o rio defampárão, Eemcí^rrcirasfevâo como as formigai: N^m outeiro veíinho íe alojarão, ?
Q^ae não queré com o Cõde ter mais brigas,' Mishsem vão, porque cile a fcu derpdto Com a vanguarda flo monte vai direito.'^
Z 4 j^^i^
o CONDESTABRE DEPORT.
Ante todos fobio tam confiado
Como qucnci hia atras gente vencida Bufcando a fcqs guerreiros gaia! hado Com a pcfâda maíTaA bem regida: Trâs clie o feu pendão fempre aruorado Tomào um breuementc efta fubida, QoQ com menos de hum quarto de peleja Caftclhano não ha que nella efteja«
Outro outeiro após eftc apparccia ^
Com mais gente,& bandeiras doutra forte No qual o bando armado que fugia Se reforma, fc anima, &fe faz fortes A efte o valente Conde arremetia Com os feus duros miniftros de Mauortci E da mefma maneira que o primeiro Ficou fenhor também daquclle outeiro*
Ao terceiro fubio mais Icuantado De tam cfpeíTa gente, Sc numerofa, Qoe nâo íó tinha o monte pouoado Mastoda aferra afpera, & fragofs^ Como os primeiros foi díj^baratado Ainda que a noíTâ perda m.iis cuftofa» Que algús derâo as vidas na peleja Pola morte que hc fó dina de inueja^
D aly voltando o rofto ocapicão]
( Que a toda a preflTa o feu cuidado aponta ) Vio padecer aos íeus grande oprclTaõ Com as gentes que ja não tinha em contas PâíTandoo vaofobrea reguarija eftão^ E o Prior do Hofpital em grande afronta Manda a feus capitães que ali ficaíTem^ . Equcafua bandeira accmpanhaffcm.
Dccc©
CANTO XVI. lU
Dccco por a ladeira tam furiofo
Comoaqucmpàrcceoque ja tardaua
E nos contrários dá tsm valcrofo.
Que cm pouco efpaçonclles fc cnxcrgauai
Gil Fernandes lhe diz dcftro animofo;
Ia fenhor voíTa ajuda nos tardaua
Se decereis mais tarde cfca ladeira
Sobiramola nós de mà maneira*
PâíTando o capitão não rcfpondeo Porque Icuaua o animo occupado A retaguarda em ordem rccolheo Sem ficar da bágajcm prefo, ou gadoí Embreueafezfobir como dcceo Ao terceiro lugar que tem ganhado Ao quarto moue então com mòr periga A onde eftà pofto em armas o inimigo.
ycftaoa o Meftrc dom Garcia . Com os dous Cõdes q ouuiftcs tão guerreiros E o Meftrc MartimAnes que trazia Mjitosbõs capitães por companheiros: De CordouaJacn,dc Andaluzia Os mais fortes, & armados caualleiros Para elfcs guia o Conde valerofo Como o rayo que bufca o mais forçofoo
De hÚ3, & d^outra parte ja íe acende O beliico furor que os peitos moue Hum comete fubir, outro defende Pedras o eco, &efpeíra$ feras choue,* Moftrar braço, & valor cada hum pretende Sò não ha quem de Nuno o braço proue^ E húa fcta que ao longe vem perdida Lhe faz no pé direito húa tecida*
Cota
o condestâbredeport:
Cem iftoo DoíTo Achites indinado, ^ f Que em vão como o de Grécia foi ferido Sobindo o monre vai detcrminsdo, E mais determinado que offt ndido; Porem dos feus miniftros auifado. Que outra vez os de atras tem mao partido Vsíz ter o paíTo aos feus peísdameDCft, E dece a retaguarda diligente.
Achoujanella as gentes diuididas ■
Para dioerfs^ partes pelejando, Hõasjamuítoá porta de vencidas, Outras a que o alento cítà faltando; Mas com palauras ali c,& cem feridas Os vai jâ fccolhcndo,& animando, De maneira fe aucm^quc cm tempo brcua Deixando vai aocampoo bando Icue. ■:
Vez que foflb marchando a retaguarda A cuftados que as coftas lhe oíFendião,* Que bem entende o Conde que ja tarda Aos que nouo o feu fauor pediâoj Sentados acha a muitos da vãguarda^ Que fuftcntar fe em pè ja não podião Logo os faz íeuantar^logo os esforça Contra as (etas,& as pedras tomâo força^
Mas inda alem da fúria dos contrários, E a ventagém do lítio tam fobeja. Que fora de aípritos temerários Cometer tal fubida.& tal peleja; Galgas de pedra,engenhos,tiros vários pazcm com que nenhum no pcftc efteja O Conde vendo o rifco que aly corre A quem çwftuma em tudo íe íbccorrd ^
Da
GANTO XVI.- ■- pt Do campo hum pouco erpâíTo fe apartou Entre hiis altos penedos ic efcondeo Còmosgiolhoscmterraa Deosorou Como o que tinha o feu valor no ceo; No mór perigo aos feus deíaraparoo, E a quem fò pode tudo feacolhco, Que a trabalho tâm grande,&: tam contino Nâomontauapoder,fenáodiuino»
Os feus ja fem vigor,força, & slento Da fobidâ,5c das pedras que lançauão Cançado do trabalho o íofr imento Todos ao Condeftabre em vãochamauão^ Hum entre clics dç mor atreuimento Poi para onde os penedos fe juntauâa, Ah fcnhonlhc bradaua orais agora, E efta gente perece, 5r por vòs chora^
Mandai fenhor andar voíTa bandeira. Que eftâmos como oueihas perecendo^ E he a voíTâvãguafdahuâ barreira Das pedras que do mont^ vem decendo: Não he tempo refpondc o graô Pereira, E torna à oração que efta fazendo Gonçâleanes de Abreu cem grande sbaílo Também da retaguarda vem bufcallo»
Pcdiolhc por mercê fe aleutintaffe, EouueíTc compaixão da amiga gente Sem que lhe reípondeflfe, nem o oihaíTe Como homem trafportado que não fcntct Más como que de hum fonhó derpertaffc Se aleuantou ligeiro mui contente Dando aos feus nouo alento, & nouas cores Como o Sol defejado ás tenras flores.
Mandott
o CONDESTABRE DE PORT.
Mandou ao fcu A Ifcrez esforçado Diogo Gil famofO: & forte digo, Que guiaíTe o pcndsô fctnprc aruorado Té o por entre as bandeiras do inimigo: Ao que elie logo foi deternninado Como quem leue achou todo o perigo, E cnt'clle o bom Pereira pelejando Largocaminhos todos vai deixando*
Ah Dcos que cftranhos golpes repartia Por entre aquellas gentes íem cautolfa, Q£5 o paíTo atras tornar ja náo podia Pula que vem de cima a foccorrelia: Cada hum dos da vanguarda que fobia Era hum Sifypho entaõ com o pezo delia Que indo tocando o cume ja do monte Vinha fobrc elle a pedra de defronte.
Mas como o quenomarfehnça a nado Obrigado da fúria da tormenta Ia mais perto da terra, & mais chegado O fraco alento, & braços acreccnta: Dá fraqueza cada hum mais obrigado Na coroa do monte ja arrebenta, ENuno Alurcsque nem o Sol que o via Os golpes que aly deu contar podia.
Foi a fua bandeira aleuantada No lugar que antes tinha a Caftelhana Que ja rota, fem afte, & arraftada Anda entre os pès da gente Lufitana: Toda efta multidão disbaratada Vio com grande vergonha o Guadiana, E os capitães de tanto esforço, & brio, Que as coftas virão ja ao defaíio.
Voltão
CANTO XVI. iSÍ
Voltâo todos fem termo, & fem guarida Fazendo Q Conde nellcíi granJc cftrsgo Qr»^ndo entre os fcus com furij dermcdida OteroMeftre vem de Santisgo: Adarcmracrificio aquelia vida, Que com muitas fcu dono deixou psgo, E no primeiro encontro da peleja ScIheofFercceaquilloquc deíeja.
Encontraosdom Nunalaresque no mco Daquella multidão ferindo andaua Cubertu de farpões, ôcfangue alheo Efporeando a gente que voltaua: Com eils enuiíte o Meftrc fem recco Deícarrcgando a fúria que leuaua, Mâsreccbeoo Conde de tal forte Q^e honrou a vida cm tam fiamofa morte
O forte capitão cabido em tcrra
Aquelia triftementc os íeus deixârâp, E dando fim à trabalhoia guerra O monte os Cartclhanos defempáraõ: Os Condes que ficarão fobre a ferra Com o pefar defta morte atras vcltàraõ, E efp Uhandofc as ja vencidas gentes Váo tomando caminhos diíFerentes.
Scntoufc o Condcftabre ja caníado Sobre hum penedo hum pouco rcpoufando Cauallo manda vir muito apreflado, E faz que algum dos fcus vão caualgando,' Húa Icgoâ dos montes alongado Foi no alcance dos Condes caminhando. Mas porque o eco ja a cor das nuués perde Volcâ ao campo, alojafe cm Valuerdc.
Aly
o CONDESTABRE DE PORTi
•
Aly ofFer ece as grâças da vitoria
Com coração humilde a quem lha dera Recordando os perigos na memoria De qucDeos o guardara, & defendera Quem procura no mundo fama, & gloria,' Quem fazer imortal feu nome cfpera Alcuantedatcrraoleuc efprico, E faça fundamento no infinito,
O caminho porque Ennio pretcndeo Moftrar que Scipião fora as cftrellas ComoaTuIío vãmente parcceo Quando de Hercules Lco q eftaua entc*cllas Era que por batalhas fora ao eco Com a gloria de acabalas, & vcncelas. Mas foi caminho errado, 6c louuor Icuci Que de obras immortaes por premio tcuc.
Porem o que na furía da mor guerra
Com os contrários de hum;& d'oucro lado O campo deixa, as armas defafcrra, E vai bufcar a Dcos tam confiado: Que abrindo ao ceo caminho para a terra Hcíoccorrido delle, & fuftentado Para alcançar trás iftohúa vitoria Dina de tanta fama, ôc tanta gloria.^
Efteoufado,& díuino Scipião
( Para honra, & louuor noffb Lufitano) Que ao ceo cftrada abrio por oração Não (como os q ellc diz) cõ fangue humanoí Efte foube o caminho,os outros nãoi Que hiaõ trás fcu defcjo, & feu enganoi E hoje pifando eftrelias mai« vefinho A hús moítra o ecroi aos outros o caminhou
PaíTada
CANTO xvv m
Paffadaanoite a legrc companhia
Poftos cm cura os feus que cftão feridos PâíTaàviftadeMericiao oucro diz Aonde eftâo da batalha aigús fugidos; Sahiraõ vendo as gentes que trazia, Masforãocommór preíTa recolhidos, QucoCondcftabrea viíítallos manda, E faz voltarlhc os roftos da outra bandai
Mandoufe á retaguarda no caminho Por ver fe algucmoufaua a comctcllo Tomou o a noite a Badajoz vcíinho Donde a gente fahia ao longe a vello* Fez no outro dia a Eluas feu caminho Sahioafortevillaa reccbello Fartealyosdefpojosda jornada Aonde mercceo tudo, Sc não quis nada*
De Eluas com o campo cm ordem fc partio Para ViIIaviçofa,6c fabiamentc As valerofas gentes dcfpcdio Que foflcm defcanfar da guerra ardente? Cada hum com o que em deípojos lhe cahiò Vai rico,& aluoroçado, Sc vai contente Para a leda família eiie tò fica Rico com húa vitoria, que he tam rica^
Liure da guerra, Sc nãojadcfcuidado Dapazgozauaoffuito neftcenfcjo No gouerno ciucl todo occopado Das abandofas terras de Alem Tejo, Quando com preíTa o chama outro recado A que acode mais preito o feu dcfcjo Pondo em armas a gente acuftumada Para Chaues que tinha o Rcy ccrcadao
Sò com
o CONDESTABRE D EPORT.
Só com vinte de cctas fc âdianía A bufcar feu íenhor, porque a msis gente Não podia marchar cem preffa tants. Que o defejo. tardanças não confente* SabcoRey dclle, alegre fe aleusnta, E faea reccbellc honradamente Poucos dias depois que o Conde chega Combâtcomuro, a villá íc lhe entrega»
Foi com toda a mais gente que efcolhéra A Vâlaricaocapitão f^mofo Aonde polo fenhor mui pouco efpera. Que o feu defejo o faz pouco ociofo: Também fe ajunta a gente que efcolhéra Para o paíTàdo cerco venturofo De hCia,& doutra íe faz refenha, &Iífta, Que intenta o Rey de nouo outra conquifta*
Porque cm fatisfação da perda, & danno* Que o pouo Português tem recebido As terras vai |)ifâr do Caftelhano Aonde he ja polas armas conhecido: Dando ao reyno contrario dcfcogano De quaõ mal fe aquieta hum offbndido A gente ajunta os capitães reparte la deixa a Vaíarica, &jafe parte.
Diante manda o não vencido Conde,
Qoe và com a vanguarda entrando a terra A lé chegar aquelle termo aonde Xeuaodeffenho.&fimdc fazer guerra: Mas inaejaíuti! qae em quem fe efconde A razão generofa as portas ferra. Que a muitos com engano, & fem proueíto Trazia contra o Coade armada o pcico.i
Vendo
CANTO xvr. igf
Vendoqae toda a regia confiança Todo o pC2o da gaerra, & o cuidado Sobre fcus ombros fòs peza, & dcfcaofa Que elle era o ticais valido,o mais chamado
^ Contraminandoatam juftapriuança Quebrão primeiro as Icys de ícu mandado Cada hum ante a vâguarda parte òc guia Com toda a gente armado que trazia.
Hum hc de Chrífto o Meftre defejofo
Maisdccxcedelloem tudo que de honralío Com Martim Vaz da Cunhâ,&: o orgulhoíò loâo Fernandes Pacheco que eu não callo: Cada hum tam forte,illuftrc,& podcrofo. Que fò moftra fraqueza cm inuejallo, E outros qae nefta cmprefa p acompanhâo Em q íuucja não mouem, nem fe eftranhâo*
Entrâo Caftclla. & tomão a Frolofa Lugar fera defcnfaõ, nem rcfiftenck Põem cerco a fam Fehx vílla animofa,' - ^Qae bem lhe caftigou fua infolencia? Porque rendida a fúria beHicofa "^ Viando os moradores de prudência Ao Conde que ja marcha aly vefinho Manda as chapes das portas ao câminhO^
Chega de noite, & abre as portas logo, E clles que tem de fora alojamento Cada hum como k fora em fonho,& jogòi Enlea a vifta, & proua o fofrimento,- Qual polo feco mato o manco fogo A que vai aíToprando o fotil vento Afsi ncllcs ainucja hia foprando Crecc o fogo da ira, & vai lauraodo'
A a ' Coa-
o CONDESTABRE DE PORTJ
Conjuraõ contra O Conde não caípado^ Que cfta tenção nas obras lhe entendia OMeftreoconuidou mal inclinado Para jantar cbmellc no outro dia; Elle fc ouuc também por conuidado Por não moftrar que teme, ou dcfconíia Com o rofto alcgre.& ledo tudo aceita Mas também de cautella fe aproucita*
Aos feas encomendou fecretâmente, , Que a hora de comer acuftumada Guardem do Meftrc a tcnda,que outra gente Para acudir aly não tenha entrada: E ouuindo algum rumor impertinente O aíTegurcm do engano,& da cilada C hega a horaCaflas ao Conde peza) Vai á tenda do Meftre,poemfe à mefa.'
Começa aly o Pacheco mal fofrido Pcndurarfe empalauras, de feição, Qoe foi logo de Nuno conhecido, Qiicbufcaua lugar para atenção: Efefpòndendoa tudo fcm roido Se aieuantâ da mefa o capitão, E fem que algum o atalhe, nem oíFenda Sahio, 6c aos feus achou cercando a tenda?
Qíial cuftuma ficar frio enleado O caçador incauto negligente. Que o paflaro na rede tem tomado,^ E d^çntrc as mãos lhe foge aftotamentei Tâl cada hum ficou mudo, & infiado Vendo o dellcs partir tam liurementc Defprezandoaspalâuras que o Pacheco Ficou foltando cm vão qual foe o Ecco.
p grande
CANTO XVI. Uâ
Ogfíincle^sforço, ò nobre paciência Deinucja, 5c de ambição noua vitoria Toque de confiança: ar de prudência Triunfo ds mor fams, 5t da mor gloria; Que aonde tão vam ficâuâ a competência E a ventagcm tsm grande. 6c tan nctoria LsDçsr mão derazôes fora fraqueza Vingsr de màs tenções ma natureza.
Deixaos o Conde iiluílre, & caminhando P^lTa cm Fonte Guinaldo a noite fria Aonde ficou dous dias rcpouíando Tc vir mais perto o Rey que elle feguía; Daly tèRoboreda vai marchando ladaq^icocruei tempo lho impedis Com frio, cbuua, Sc ventos proceíofoi Grandes trouõcs, relâmpagos furiofos.
Porem ceíTando a fera tempcftâdc Foi feguiodo o caminho que trazia ChegaaCofiâ,&àvifl:ada cidade i
Airenta o arraial, & no outro dia^ Vindo o Rey valerofo, que a vontade Mais brcucs as jornadas lhe fazia, lantou com o Conde, & logo fcm debate Dão ferozmente aos muros o combate.
Foi o accometimento fero, &c duro Grande eípaíTo a cidade combatida Em muitas partes roto o forte muro. Que aos de dentro cuftou mais de huavida; Mas vendo o claro Rey não ter fcguro Leuallancfteaffalto de vencida Lhe põem eílreitocerco; & determina De com guerras render larga, & cootinar
Aa 1 Mas
o CONDESTABRE DE PORT-
Mas não executou tal penfs mento. Porque mui poucos dias fc paíTaraõ, Qucnãodeixaílcaquclle fundaniento. Que logo no arraial fe alcuantárão; .Malinas febres, males cento a cento Com que as vidas aos noflbs defamparão Perecendo fem guerra, & fcm o amparo Porque ChironaAchilesfoitam charo^
Tornafc o Rey ao feu aíTento antigo Trifte do maofucceílo não cuidado Deixa por atalhar ao mor perigo A terra alhea o cerco começado^, Nunalures manda os feus ao certo abrigo^ E elle toma o caminho defaiado Em romaria à Virgem vai do meio Dondepaffandoa Ourem, a Eftrcmòs vcio2
SufpcndamoscomoRcyaantíga guerra Que em faborora paz gâfta algús dias, E ao famofo Nunaíur2s> que na terra, De Alentejo gouernaas frontarias?' Que veio groffa armada de Inglaterra
. Cortar do húmido reyno as ondas frias Soberbas nãos, & armadas à conquifta Guerreiras ao temor, bellas à vifta.
Proa trazem ao reyno Luíitano
Cheos vem de guerreiros vencedores Egco faz entre as ondas do Oceano O íom de oecas trombetas» & tambores. A íombra das bandeiras ferevfano O Sol queasagoasfaz de varias cores Copando as velas vinha o vento brando Eomárcmcrcfpaefcuma íalpicando.
Dentro
CANTO XVI. 187
Dentro vem com magoanima efperança O Daque d c Alcncaftre dom loâo Com a amada mulher dona Coftança Filha de Pcdroaqucm o duro irmão Por dar a Hefpanha afsí jufta vingança Em Montiel matou por própria mão, E com tal fundamento o Duque, & cila Vcmçohquiftarosreynos de Caftclla»
Câftellos, & Leões trás nas bandeiras, E cntr e flores de Lis Leopardos douro Bellas filhas IfFantes companheiras, Q^ae inuejar pode o Sol fermofo. & louros Para ferem do nouo reyno herdeiras, E de amor entre os Reys nouo thcfouro, E por vos fer a cmpreza mais notória H jm pouco atras direi da noffa hiftoria.
No tempo que de Auís o Meftrc oufado Porfgfteotara amada liberdade A defenfaõ tomou do reyno amado Libertando de Viyflcs a cidade: DosBritanos,&Iogrcfcs ajudado Gom quem ja tinha paz firme amifadé Para pedir foccoro em tanta guerra Mandou embaixadores a Inglaterra.
Eftcs do Rey Richarte craô tratados Com proceder amigo, & termo humano DobomDuqueadmittidos, & ajudados Ern todo o que pedia o Lufitano: Porque o feu mòr dcícjo, & feas cuidados Afpirauâo ao rcyno Caftclhano Cujo titulo em vão tomado tinhai E a D uquefa Confiança o de Raynha.
Aa 3 Cada
o CONDESTABREDEPORTJ
Cada hum deftes legados fe defuella Etn incitar o Duque a fcu refpeíto, Que pois fc oufa chsmar Rey de Caftella Tempo he que ponha em âr mas feu direito» Tendo o Rcy Português por íi contra cila, E em fauor de feu nome> Sc de feu feito, E o contrario oprimido, & quaíialheo Do cuidado da herança, ôcdo receo*
Depois fabendo o Duque a celebrada Vitoriaque alcançara o Rcy famofoi E que tinha Caftella amcndrcntada De Ourem o Conde illuftre, Sc valerofo; Vendoaoccallão tam deCejaia, E tam perto hum fauor tam poderofo Do Rey licença, & gentes logo teue, E à conquifta fe parte cm tempo brcue.'
Tomou porto no reyno de Galiza E foi tomando as terras juntamente De foa vinda ao Luíicano auifa, Qoe cm feu fauor tardança não confente; ladoMinhoosfamoíos campos pi/a Aonde faz preftcs> galas, armas, gentcí
' E ao Conde dom Nunalurcs chamar manda Qm deixamos no Tejo da outra banda»
Viofe o Duque com o Rey na Eftremadura Com aluoroço, Ôr grsô contentamento Contcâtaõ fanta paz, íif me^ & fegura Pede o Rey a Fclippa em cafamentoi Cujo valor, virtude, ^ fermofura Ia por fama trazia em pcnfamento, Cujas partes reais crcccrão tanto, Queanòs fgrâolouuor, ao mundo efpsntc^
Cclcj
'CANTO xvi; ■■••: p§
Cclebf ârâõfe ss vodas dcfejsdas No Porto, deftâ vinda a poucos dias De todo o reyno as gentes faõ châonadas,
' E apregoadas feitas, Sc alegrias: Asarmâspor então dcfâmparadas Se hzctt) danças, jogos, & folias, Banquetes, & feraôs de vários modos Cona paííâtempo, & con^ prazer de todosí
Mas deixa o conjugal amado leito
O Rey em brcue cfpsíTo porque ordena Kiffuftcntârofogroemreu direito Qnc da tardança cftá íentindo a pena: O Coodeasfrontarias vai direito De foidados traz copia não pequena luntaõfe as gentes, jgt o campo abâíía Ao Condeftabrc el Rey dcfta arte falis»
Bem ki famofo Conde a quanto alcança Voflb valor no mundo tam íabido, E vos fabeis de mi qual confiança Tenho de voíTas obras concebidos Meu reyno, ôc meu focego em vos defcanfâ O iouuor delle a vos he íô deuido, Eoquecurogaruosqueroem nada impede Ao que amor, Sc razão por vos me pede.
E hc que neftâ occafiâo que cfta prefcníc Dçis a vanguarda ao Duque ilíuftre Sc claro? Sogro. & nouo pay meu, pois he decente Auentajar a hum príncipe tam raro, Vos da minha famofa, Sc forre gente Itcis na retaguarda como amparo, Iftorogo, & bem íey que quando ornando Do que he voflb darei parte muy grande.
Aâ 4 Nunca
o CONDESTABRE DEPOR T.
Nunca fenhor(refponde) o penfsmento Depois que voflb fou cal confentio, Que outrem tenha o lugar que oje íuftcnto. Sem o qual nunca exercito me vio> Não fò, por defcuftume, o íofrímento. Mas natureza própria mo impedio. Porem fenhoro Reyno, o campo hc voflb, £ eu que nem dar razão, nem queixas poíTo»
Como humilde foldadoirey fcguindo VoíTo nome, que he minha obrigação Nefta erapreza com todo o amor fcruindo Não como Condeftâbre, ou capitão. Dai fenhor o lugar que efta pedindo O voíTo godo, & voíTa obrigação. De mim não cureis mais nefta jornada. Que de hua lança fò muito arrifcada.
O Rey que vio ao Conde perturbado
Com razões mais confufas que arrogantes
Deixou logoo confclho começado,
E mandou que teueíTe o lugar dantes,-
De Bretanha, & de Lufo o campo armado^
Toca trombeta Sc caixas íibilantes,
E com mor aluoroço que recco
Entrão fem feo perigo o Reyno alheoí
Caftcllos,& lugares conquiftarão, Pouos, campos roubarão liurcmente. Quatro mefes no largo reyno andarão. Sem auer quem batalha lhe aprefente. Depois ao reyno armados fc voltarão. Que íuftentar não pode canta gente. Com fome infame, Sc pefte trabalhofa. Por culpa dos contrários ociofa.
Para
CANTO XVI. i8^
Pará a frcfca Coimbra o Rey fe parte, Aondí*cftauaâ Rainha, &fcu deícjo, EoDuqucqucporhúaôc outra parte Trataua de concertos nefte enfejo, O Conde valerofo os feus reparte, E vaife ás férteis terças de Akmtejo, Fazendo antes deuota romaria, A Guimarães ao templo de Maria»
Entre o douradoTejo,& Guadiana Vfaua o feu gouerno celebrado Exercitando a gente Tranftagana No militar concerto acuftumado: Mas de húa enfermidade deshumana Sabendo que o feu Rey era auexado Parte ao Corual â vello aonde cftcuc Tè dcixâllo melhor fcguro,& leuc.
Partido o Conde, o Rey liure do danno Com que a doença a cor do rofto eftragi Pâflada a maior parte daquclle anno Determinou fazer Cortes cm Braga, Chamar outra vez manda o Luíitaao, Que fó de fua fè, & amor fe paga, E do reyno os maiores, & os Prelados Comus procuradores, & letrados»
Tregoas trata, cuftumcs, Icys renoua O Conde, a proteição dos grandes tinha O que o Rey com bom termo lhe reproua Porque a feus pcnfamentos não conuioha: Porem dafy o aparta a trifte noua Com que a ligeira fama mais caminha Que a CondeíTa Lianor chara conforte No vitimo trance eítâuaj a da morte.
O quão
o CONDESTABRE DE PÔRTJ
O quâõ triftc dâly psrte o Conde, Qujótriftca vâlerofâ companhia! Polia pofta chegou ao Porto aonde
' Tríumfa ja da CondeíTa a morte fria. Dos fcus olhos a luz no ceo Te efconde,' E Nuno os feus de lagrimas enchia, O âr de fufpiros, a alma de trifteza Pcnção que paga a vida á Natureza*
E cuberto de dò funeftoôc trifte, Em o efcurOsSc fúnebre apofentfo, Nâquella hora pcnofa em que confiftô Mais o rigor do duro apartamento, Por mais que com grande animo rcfiftc A força do peEar,& fentimento Eftas palâuras diíTe magoadas. Com lagrimas dos olhos mifturadas.^
O morte fca,6c: mais aborrecida Aos que na vida íícâo lamentando^ Que à aquelles que por 'ti perdendo a vida A fu3 pena em gloria vão trocando; Quem te não temera fera homicida. Todos feus fâifos goftos defprezando, Se vcs tam disfarçada.&encuberta, Qoe menos efperada eftais mais certaj
Que tempo mais fcguro ,& mais alheo Podia eu ter de hiia hora arrebatada, Q(ie o que tam fem cuidâdo,& fcm receo Gozar podia a gloriaconquiftada, Quando de altos defpojos rico,&: chco, Quando por mim a pátria libertada. Então fcm piedade, & íem refpeito, Moftraftc que o meu bem te era fujeito^
Sení
CANTO xvr: i>o
Sem elle me deixaíle,5c claro vejo Seodofujcitoatyquc não podia Ser bem meu mais que cm ícmbrâs do dsfejo Que tanto cm efpcranças (c eftendxa, E Ic gozar nâo pode nefte enfejo De íuâ amada, 5c doce companhia. Como era bem'quaõ mal íb compadece Ter efte nome aquiilo que perece..
Para que quero o fruico defejido De tam largos trabalhos ja vencido, O nome em mil perigos alcançado, E cm tam compridos annos adquerido As honrâs,o podcro grande citado, Tão inuejado cm mim, quaõ merecido Se a quem para o gozar me coube cm forte No melhor me roubafte o fera morte*
E vós alma ditofa que ja agora Noutros bés difteccntcs occupada. Aonde tudo na vida fe melhora Vereis como o da terra he íbmbra,& nads2 Vos J3 agora immorca! clara Leonora De mim com puro amor íempre eítimadâ^ Oaui dcíTc alto aíTento as queixas triftes; Com que fó me deixais pois vos partiftcs^
Sempre foftcs meu bem, & gloria minha. Se fc pode achar gloria ca na terra Se nefta não gozei da que em vòs tinh?, Foy porque viui fempre em dura guerra^ Triumphando delia ja buícaruos vinha^ E agora de meus olhos vos defterra, Efta parca inue}ofa,& atreuida, Q^ por me maçar mais me d<^ixa a vida*
o CONDESTABRE DE PORT;
Que vos deixei fcnbora bem conheço, Quando o não confcntia a tenra idade Por darâminhâ pátria, a vida cm preço E cm rcfgate de fua liberdade. Porem nua obra tal não defmercço, O verdadeiro froito da vontí^dc, Que tendouos por firme & eh aro objcito la mais me vio da forte fâtisfeito.
E pois cftais gozando nefla altura
Debésqucnem tem pena nem mudança. Aonde ca não chegou minha ventura, Fazei por vos chegar minha esperança, Que deixando efta vida trifte efcura Façs para viuer noua mudança, E goze la do ceo fereno, Sc fanto, Aquellavifta pura que amei tanto.
E cm quanto nefta amarga, Sc tranfitoría PâíTar penofamente o tempo efquiuo. Repetirei ao ceo vofla memoria, ' Suftentando efte amor inteiro, Sc víao,' Gozai alma ditofa eterna gloria. Que o que deixais apenas tão catíuo. Pois não pode na morte acompanharuos,' Saberá não temella por bufcaruos.
Mais fácil de entender coníidcrada
He do que efcrita, a dor que a caufa ofrecc. Mulher tão para amar, Sc tanto amada. Nunca he chorada âfsim como merece. Com tanta pompa, & dor foi fepultada. Qual nunca o Douro vio,né lhe inda efquccc No ceo goza hoje a gloria prometida. Que do ceo dinafezoâ terra a vida»
Epor?
CANTO XVI. . i9í
E porque defta illuftrc, & gcncroía i
Senhora alcance a muitos a lembrança, Nacidos de familia tamditofa^ Que conatantas tão claras tem liançai Do nome antiguo, & geração famofa. Que ella engrandecco com tat mudança^ Nãofedeuecfquecera minha hiftoria. Trazendo os aíccndentes à memoria*^
Quando o Conde famofo que primeira TeuecmdotedeLufoa fértil terra. Cujo filho magnânimo, & guerreiro, A coroa adqucrio com fangue & guerra,* Foy deftc conde Henrique Companheiro Entre muitos de França» & de Inglaterra^» Dom Pedro Framarisoufado ôc forte, A quem lugar no reyno coube cm forte.
lunto de Guimarães amena & bella, Teue aflento & folar engrandecido. Que aos do nome de Riba de Vifella» Deu o principio illuftre, & o apcllido. Dom Payo naceo dclle^ Sc quando aquellà' Família o Reyno linha ennobrecido. Dom Reimão procrec u da clara eíjpofa Do grande Egas Monis neta ditoía.
Defte & doutro tambcm cbraFernando A Caílcíla os Oforio* começarão. Que de Guimaraéi5 femprc o ncme honrado OsdgusportodaHefpanha Ce efpAlhíirâo,- Do primeiro fcu nome crerm^^ando, Dous filhos valcrofo^ fos ficarão;
- Hum dom Guilhem Reimondo, & dõ Sueíro Que na ventura em tu4p foy primeiro.
Deite,
o CONDESTABRE DE PORTJ
Del!e,ôc de dona Vrraca illuftrc â^nn, Filha doutro Egas Gomes de Barrofo Naçeo para illuftrar íba nome,& fama. Dom Mem Soares à^ Mello o valerofo^' E outro que he o primeiro que fc chama Do home agora em tudo r.4m ditofo, Pêro Soares de AUúm ilíuftrc & claro, A quem não foi o ceo cm nada auaro*
DcUc & da gen crofaxompaDhcíra,
Qnç aos Cunhas a materna origem deue Hum Martinho naceo, que a voz primeira^ De Aluím a pos o pay contente cícrcue; Dcl!c,& de Margarida Paes Ribeira, loão naceo;que o mcfmo nome cfcteuc^ Cuja conforte illuftre & celebrada Dona Branca Coelha era chamada.
Efta do Tangue antiguo illuftre 8c puro Dos Coelhos que o Reyno eftimou tanto^ Irmãa de Pedrosa que outro Pedro duro O coração tirou com grande efpanto; Deftc para altas glorias de futuro, Q^íc inda appareíha o eco fereno,& fantoj Nacco Lianor que agora o mundo deixa, E 9 Condcftabrc fcu com tanta queixa.
canto;
CANTO XVIí"
t^cAhad^s a.: exequints da Condc(h Dcna Lunar DUluimftârníL o Condeíhbre a Braga, donde fe vu^ favA entre Tqo, GHadia»a, liurando .^ urrA dohimi^ ge. Morte elRey dom loãodeCAfiellâ hairegoas, Re- farteaCú^defiâbreas tertãs queeíRij Ih tinha da.- das.comosqíteemfeuferuiçõ o Acompanharão- Traia (iRty de lhas tirar porconfelho de algHipriuadoSy ^ ififéfjofos : O Conâeíiabre fe vay dclRey agratíadoy o^ em fim fatis feito fe reduze afeu feruiço, ^uebraíofe astregoas jomafe BadAlcz, oCondefiabre de Ca^íHa quàma os Arredores de f^ifeíá*
AS funcracs cxcquias acabadas, Tudo de efcuro do chco>& cubcrto, Entre lagrimas triftcs magoadasj Beatris fente o daoo de mais perto. Não podem fuás queixas fer contadas. Nem de fea trifte pranto o defconccrtOa Mâsofamofopay claro, & prudente Do Porco a mâoda logo fabiamence.
De muita & nobre gente acompanhada,^ A cidade de Vlyffcs foi trazida. Entregue â fabia velha venerada, Mãy do graô Nuno,& delle aíTas querida; Com virtudes. & exemplos foi criada^ E do ceo por virtudes cfcolhida, Chama trás ifto o Rcy ao varão forte. Honra, & valor da guerr a,& paz da corte"
Tornou
o CONDESTABRE DEPOR T-
Tornou a Braga eíTa cidade antiga, Foy viíicado aiTas do fentimcnto Dos grandes, &c de Rey q mais fe obriga. De quem fó lhe ganhara o vcncimeoto,
• E com vontade pura quanto Êmiga Lhe ofFereciâ huni oouo câfamcnto, Com dama gcnerofâiUuftre.ôt clara. Que o foi em luftre, & graças a inucjara*
E elle com penfsmcnto difFrirentc Do Rey fc defpedio quaíi qucixofo. Que o coração honrado, que ama, 5rfentc Ateiem fombraso gofto lhe he pcnofo: Para Euora partio tamdcfcootentc, Que bem moftra fugir ao fer cipofo, E diíTe que ja aly Huf e fe via Dchúa efcuranuué que o cobria»
Aly liure de oíFenfas largo efpaflb Tratou depaz fegura, Sc da peleja Sem fazer nouo emprego de feu braço A que Marte moftrou tam grande inueja^' E quanto jaachaua otcmpoefcaflfo Para as occaíiõcs que elle dcfcja AIgús dos inimigos ja fe acendemj E entrar em Portugal em vão preteodcmí
De Santiago o Meftre determina I
Hir dar íobre Eftremós com faria braua Qaeimarlheos arrabaldes, & a campina, Porque o Conde em Euora ficaua: Mas como ate das traças que imagina Com prudencia,& vaior fc acautclaua Parte para Eftremós,& a gente chama, E logo diíTo p Mcftrc teue a fdma.
Tornou
CANTO xyiL ^ tJl Tornou atras da fúria dtãe intento,' Logo os fcus deípedio íiberaímcnte, O Condcofoubc çm fcu alojamento Donde o hia a bufcar, ledo, 5c contente; Também defpede os feus t-m penfamcnta De os jantar noutra tmpr^i^ : diffcrcntc. Mas neftaoccaliáo campo de Ourique ' Manda a pedir íoccorro muito a pique. Porque o Conde de Nícbla fc apparelha Com fetecentâs lanças efcolhidas, Hír ver de fangue a terra ja vermcl ha. Que fcpultou aos Mouros tantas vidas, Nuno que cm vão configo fe aconfclha^ Porque tinha ja as gentes defpcdidas. Com fò oitenta lanças que ficarão Pollo Redondo a Moofaras chegarão;
Eftando hum dia ali dormindo a feita. Sem elmo, & fcm arnês, pofto a ligeira; O acorda húa noua aíTas molefta. Que ficaaa roubada a Vidigueira Quç oaquella manham fem mais rcquefta Trezentas lanças fós de hí^a bandeira Saquearão a villa, & Icuão delia Gado, & gentes catiuas a CaftcIIa.
Que para Villa noua hião marchando, que crão de Monfaras íò quatro legoas;
ArmafcNuno,&osfcusjavâocclando Corredores rocins, vcloccs, egoas, E iQda que poucos vão oaquclle bando. Nenhum he inclinado a pedir tregoas,
NnS'' r^^f ' ^>hcgâo quãdo a Aorora iNosdefcobrcdodiaamclhor hora,
Bb " Não
o CONDESTABRE DEPORTA
Não tinha o lugar DiurO:Cerca,ou caisa, Sâluohua tortc grândcôc bem fornida. Em cuja roda aquella gcotccftaua EDtrincheirâdâjtanco de húa hcrmida Com pouca guarda, 5c medo rcpoafaua. Que tarde a de Nuoaiurcs foy fentida, E polias ruas ja trepando acima. Com a prcíTa os defcaidados defaoima»
Dos feus hia diante o Capitão,
Ehua barreira entrou na companhia De quatro caualleiros, que o pendão Por outra rua à torre arremetia. Dez Gafcôcs de atreuido coração, E das melhores armas que a!y auia Todos ao Conde vem para encontrallo, E elle fe lança a todos do cauallo.
Durarão pouco os dez nefte combate.
Que às mãos como os demais forâo tomadoS Os mais fe dão catiuos fem debate Outros ficão feridos, dcftroçados: Muitos que á vida derâo fcu remate Ficâo no campo aly defamparados Nuno que dos Gafcôes não quer vingança Liuccs manda fe vão a cl Rcy de França»
Vencida efta batalha cm pouco efpaflb Mortos, feridos, prcíos quantos erâo Tomada a prefa á força de fcu braço^ De que cUes pouco tempo fe valerão-, ' Ia fâqaeâda a villa paíTa a paíTo^ Com tudo â Vidigueira fc vierão Aonde derão aos prefos com a cmmendá A liberdade, as vida$, ôc a fazenda.
Vok
CANTO XVIi: , 1^4
Foi efta noaa ao Rey,que aíTâs contente Dodicofoíucccffoareccbco, Porque tinha outra cm tudo diíFerente Qaalaíoueja demuitos acfcolhco: Ao Condcítabre efcrcue cm continCDCC Os pifabés do que lhe acorttccco Depois o ch^ma atras defta jornada Para Campo maior contra cíie armada.^
Chegando o Conde em fua companhia Sc entregou por partido a fortaleza*
' Q25 ^^' ^^^ ^^ Barvada defendia Contra o valor da gente Porruguefai Para Euora Nunsíures fe partia, E o Rey com penfâmentos noutra cmpre^a^ (i^TC depois acabou com honrí5,& gloria^ Como ainda ouuircis na nolTa hiftoria*
Agora ò Mufa hc bem que defcanfemos Do trabalho da guerra tam contino. As bandeiras, 6c as armas penduremof,' Qu'inda entre ferro>ôc fanguc me irhaginò Do noffb Heroa hum pouco celebremos, Aquelle efpirito»& coração diuino. Na guerra vencedor com nouo efpanto Na paz jufto,& para o ceo tam fanto.
As armas trabalhofas deu de mão^ Porque cm tregoas cftaua oLufitíioo, Que era morto cm Caftclla o Rcy losaí Que fez aos dous impérios canto dano, E os grande tendo â viftâ efta razão Com o tenro Rey Henrique CaftelhaooJ luncos legados de hQ2,& doutra parte. Mandão que ccflc ograõ furor de Marte.'
B b » Deixa
o CONDESTABRE DEPOR
Peixa a Euora fértil, qae habitaua Nuno por dcfcnfaõ do Reyno amado Vaífe â Porto de Mos ancigua, 5c braqa» E a Ourem bcllicofo, & leuantado, E por moftrar ao ceo qae fe lembraua» Qae fora vencedor dclle aj.udado, No lugar dabatalha que vencera, Qois dar loauor,& a honra a quem lha dera»
Donde a fua bandeira vencedora O nome de fâõ lorge appellídoui Ao mefmo Santo outra bandeira aruora^ Eà Virgem fanta hum templo edificou. Ali no mefmo dia inda ategora Os Lufitanos feus que elle ajudou As graças lhe vâo dar defta vittoriai Pregando em feu louuor delia a memoria»
Começou nefta idade ja madura De tão grandes defpezas pouco auaro» A Senhora do Carmo fanta & pura, Aquelle templo altiuo, illuftre & raro, Que na firmeza na obra, Sc fermófura Nâo tinha Lufitania outro tão çlaro, Nem o excede nenhum da noíía idade,' No lugar, fortaleza, & mageftadc.
E como o que do mando não queria Mais que a morada foque hia fazendo Com as terras que o Rey dado lhe auia. Os feus começou de hir enriquecendo Dos que nafuaantigua companhia Foi ajudado os rifcos não tcmendoj Seus lugares lhe deu em tença &iuro,' Te refgatallo em rendas de futuro*
" : Ospat
CANTO XVIt \^
Os parentes, & amigos esforçados.
Que ao finil da trombeta lhe accudião.
Quando dos efquâdróes fortes 8c armados
A fobcrbâ arrogância não temiào
Os fieis cfcQdciros,ôc os criados
Qoc com vontades,& armas o feruião>
Quer que gozem com elle igual bonança
Do defcanfOydas rendas;da efperança.
Martim Gonçalucs tem do Carualhal Seu tio delle a renda de Euoramontc,' E o famofo cunhado do Cafal Porto de Mós com Rio maior defrontei AterradeBaltar,& oRabaíTal, Hum de efpaçofo campo outro de montei A Mem Rodrigues deu de Vafconcellos, E a Gilvaz parte ás rendas ds Barcellos.
Deu a Gonçâleancs o esforça(^o.
De Abreu Alterdochão, ôc o fcu Caftello, Martim Gonçalucs tem alcoforado, ArcQ de Bouíhe em renda mais fingelo. De Sac uem o barco defejado f oâo AítoDíQ por ellc ha de colhelo. Com o reguengo de Alaiela fe aquieta. Outro que he EftcueanesBorboreta.
De Borba a loão Gonçalucs da Ramada,' E a Aífonfo Eftcues deu da Vidigueira A re; ida hoje tam grande, & tam honrada,' E a dí? Aluaj jzere a Aluoro Pereira, A Pedreanes Lobato deu de Alm-^dj, E ao que (empre rcgeo firme a bandeira. Que he Diogo Gil de Aliico o valerofo Deu Montalegre & teria deBarrofo.
Bb j ^ A renda
o condestabredeport:
Arendâ de Eftremòs não ficoa falua. Pára Lopo Gonçalucs que honra, Ôr ama, Villa ruiua também junta & Vilia aluaji Rodrigo ÂiFonfo,o poíTeflbr fe chftma, Para Fernão Domingues lhe Refalua, A renda que hoje tem nome & fama. Que he de Vilar de Frades, & Portel^ MonfarasRodrigalures Pimentel.
A loão Gonçalues feu meirinho mor
Quatro quintas na terra mais amena ^ E deu a AíFonfo Pires feu Vedor Tudo o que o Rey lhe dera em Baílo, & Pcnsi E outra renda que tinha em Monte mòr Que goze Rodrigb Ancs logo ordena De Chaues deu as rendas a hum criado?' Leal,& antigo feu Vafco Machado
O liberalidade nunca ouuida
Largueza em noflbs tempos pouco vfada Renda em tantos perigos adquirida Com tam poucos reccos alheada: Gloria nunca tocada, ou ofFendidâ Da cobiça comraum,ccga, enganada; O nouocafo.ònouohomcm rio mundo Sem igua!,fem primeiro, ôc fcm fegundo»
Em qual encontro, ò Conde valerofo Não foftes o primeiro, & mais oufado^ Em qual defpojo, & preza cobiçofo Vos vio na larga guerra algum foldado? Qual foi mais jufto? ou qual mais piadofoí Qual foi mais liberal^ qual mais oufado? Ao Rey deftes o reyno, & defcndcftes, E o com que vos pagou aos outros defteí?r
Nena
CANTO XV n: m
Nem Clmonaosfoldados foi de Athcnasi Nenita! aos doutos foi en^re os P^omanos O celebrado entre cHcr oom Mecenas Qaa! vos aos voffos firmes Luficanos: E deixando as hiftofiâs de que apenas Nos ficou teftemunho em tantos ânnos Nem hum bifauo voíTo dom Gonçalo Do quai ín juítamente os feitos csUo«
Que dcbsxo da fombra amena, & ff ia De hum carualhohua tarde reponfsndo Aos bòs fidalgos feus que aly traria A herança cm cauallos lhes foi dando: Sefcnta &c quatro deu nr.que!Ie dia, Que!ogoostriotâ5cdous defcmpenhando Aos outros os p^iflou comprando ifento, Edandoosfcuscaraescni pagamento. -■ /)^^'
Não foi fenhor achardes que era injafto PoíTuir tanta renda, & fenhorio G^nhsdo em tanto tempo, a tanto cuftO " '^^ Em z^\ guerras cem tanto esforço. & brio: Nem foi querer moftrar que éreis mais jufto ParapremlarosfeusdoqueoRey pio Foi pretenderdes f^ima mais fegura Sem fombra de cobiça, & fem miftura.
Principeí? poderofos & inuejados ^
Magníficos, illuftres, & exceílcntes Nos mais altos lugares ieuantados P ira gloria do mando> & íuz das gentes: Se quereis fcr entre ellas ccIcbrí>dos, E de voíías riquezas mais contentes Dai com ordem, com tempo, 6c com juftiçaj De muito para dar tereis cobiça.
Bb 4 Prouai
o CONDESTABRE DE P©RT:
Prouaí hum mco altiuo, inda qac humano De fcr quafi diuinos, & immortais Goftai do Ncótar doce, & fobcraoo Com que fc adquire o nome, a que afpiraít Vereis tudo o demais que he claro engano Qqe não ha outro bem, que alcançar mais Que faber dar, & para dar ter muito Sem querer mais de dar, que o dar por fruito;
Olhai de Nuno o valcrofo peito Que alegre, & rico fò fc imaginaua De ver que tinhaa todos fatisfcito Os de quem fe feruira, & os que amâua: E inda que dera aíTas pouco> em^ rcfpcito Do que fó para darlhcs defcjaua Ficou alegre cm ver que defpeodera Quanto tinha que dar, &o Rey lhe deraJ
Bisquandonouainueja fe aíeuanta
( Quem vio grande valor, fem muita ínucja^) Hum priuado murmura, outro fe efpanta Hum tacha, hu fc entrcmcte,outro pragueja. Hum aoReynosconfelhos fe adianta Enfeítandolhe aquillo que defeja Ah confelhos no mundo não pedidos Quam poucas vezes foftes bem nacidos.'
Hum põem diante o Rey que não conuinha Ter vaffallo que os pouos fcnhorea. Outro lhe lembra os filhos que ja tinha Sem poder darlhes mais que a terra alhea; Outro lhe mete em queixas a Rajrnha, Que hora moue, hora obriga, hora grangea^ Dalhe elRey os ouuidos, ôc a vontade Que o inccreflc he brando^ & períuade.
Aalgíi?
^CÂNTO XVII. ip/
A algas grandes do reyno chamar manda A que jâ fez mercc, de herdade, & juro Tcrra$,& rcnda,5c a domNunalures que anda Diftobem defcuidado, & bemfeguro: Veyo; oRcy lhe defcobrc cfta demanda E cftc confclho aíTas pouco maduro De rcfgatarlhe as terras que pretende Mas defta forte o Conde (e defende»
Bem fci alto fcnhor que ifto que vejo Obra vofla não foi, nem voíTo intcntOt Outrem que tinha ha muito efte dcfejo Achou agora em vos confentimento; Se o que me tendes dado he tam fobejo Como ante vos íeu grande atreuimento He razão que o corteis ao voffo modo. Mas para mim conucm cortallo todo*
Terras, fazenda, &bes me tendes dado Por cuidardes que o timha merecido Seruiuos muitos annos como honrada Pagaftefme melhor que o prometido» Se agora fois melhor aconfelhado Do que naquelle tempo éreis feruido Pagai aos coofelheiros noutro preço ScmofFenderaomuico que mereço.'
Do qu^ me dcftes> liutc: & largamente
Parti comos mcof as rendas que alcançàrãO' Que cm tempc de Ic confclho diíFcrente Por vos feruir melhor me acompanharão: Não me deixarão rico; eftoa contente Com as terras, & os bés qae me ficáraõ Se deftas tende» gofto,& outro íoueja FoacomebaR:a;6cQadame fobeja.
Exe^
o CONDESTABRE DEfORTí
Executai em mim voíTa vontade, Maslcmbrouosfcnhor, que he coufa indíná De voíTo nomC; & de voíTa humanidade Não na moftrar aos voíTos mais benina: Seruirâõuos com braço, Sr. com verdade Em guerra deíigual grande, & contina Demi, dos meus, dos mais a que chamâftcs Também f eruido eftsis como pagsfte^
A efkas rabões que o Conde cmuolto em ira Dizia modcrandocfcntimento Outras o Rey oíFerece, ordena, Sc vira^ Que amparauão o fim daqaclle intento, E como o Coná-e ncUe> & no que ^ira Receou que pcrdcíTc o fofrimeoto Pára lhe rcfponder licença pede Amãolhebeija. ôcdçlle fc dcfpçdc.
Parte deixando o Rey que então na ferra A feu fabor viuia, dcícm cuidí^dos^ E vaííbde AlemTejoaíenn ferra Para íiftremòs dos muro í jaípcados: Daly chamando a muitos que na guerra Coníigoteuô amigos, & íbldados . lunto'; num Isrgo campo, o fejii Pereira Lhe começa a faliar dcfta maiiwira.
Esforçados, & amigos Portuguefes -^
Em cuja comp nhiâ valerofa Me deu o ceo vaoría tantas vezes Cor>cra Caftella grande, & bcilicofa; Cijss Unçâ-s pcndões.cujos arnezes Ind.i rir tos de fângoc, & cor de rofa Tcítimunhândo eflâo volías feridas, E vitorias mais claras do que cridas.
CANTO XVIL . 19S
Se aqaelle antigo amor que me moftfâftcs, E o que de perto em minhas obras viíles Quando em volíos perigos fempre achâft es Por.companheiro aquelíc 3 quem feguiftcst Se com a fama, 5c íouuor cõ que me hõraftes^ E qac a voíTas progénies sdquiriftes Não perdeftes lembrança tâm deuida De quem por vòs cm pouco teuc a vida.'
Hoje me he de mais preço o valor volTo Do que ja foi na guerra, & na peleja Toh fem voífo fauor liurar não poíTo Minha honra de contrario?, 8c de inuejas ElRey.de ?6nug^A que he fenhor noíTo Determinaccmquem me ifto defeja Aos meus todos, 6c a mim tif arme as terras Que eu adquiri com vofco em tâtas guerrasj
Forçado me he que viua em reyno eftranho Sem fuâoíFenfa, &CÕ minha honra inteira Por não fofrer defprezo, &: mal tamanho, E afrontado viuer de tal maneira: Scniftoemqae(a meu ver ) ficais de ganho Que hehcibitartunbem terra çftrangcira Me quifcrdes feguir. agora o peço Se por tam grande amor tanto mereço*
Oufejaempazamada,ouvaria guerra Ou pollo mar falgado.ou terra dura Pois Portugal me off3nde, & me defterra Vamos prouar aos braços a ventara: Se nos não der o eco mais juíla terra Acharemos honrada fepultufa Se me fois companheiros nefta cmpreza Anteporei a forte â naturezat
Fora
o CONDE ST ABRE DEPOR T.
Fora do Pátrio reyno Lufitano,
Qmçais qoc algum nos dè larga morada Ou ncflas férteis terras do Africano Por noíraforça,& braço conquiftada? Ou nas dcfcrtas ilhas do Oceano Por nós de nouo âlguà pouoada Aonde fetn cnuejofo & Tem terceiro Cada hutn de vòs fera meu companheiro^
Atras deftas razões, que fc acabarão.
Mais com trifteza,& dor; que brando cftílo Todos hiáa voz junta alcuantarão. Que a viuer, 8c a morrer querem feguilloj Que pois na larga guerra o nto deixarão. Onde elle os defendeo.que hão de fcruillo. E de não fe apartarem defte intento, Fizerão logo pado & juramento.
Lançando os braços logo o causlleíro A cada qual entre elles obi igâui*, Cada hum em fe humilhar quer fer primeiro Q^uc toda a chara gente o rodcaua, Deulhes foldo de trígo,& de dinheiro, E a todos a partida encumenclaua Com moftras,& razões agradecidas, Câtiuando as vontades ofrefcidas
Em breuc tempo affas queixofamentc Se dcfterr a da pátria doce & chara, Aquelle cujobr«»ço tam valente Contra o poder de H;:ípanha a h*bertar9,' OíFr adido de hum Rey jufto. & prudente. Que el!tí com tanto rifco coroara, Kao te efpantes Ariftides famofo, Q^ outro Oítracifmo ha ]a mais rigurofo.'
Foi
CANTO xvri. : i^^
FoíáiftooRcyloão logo auifadoi
E ham varão de grão fâtna, Sc de bom zelo, Adaião de Coimbra, & bom letrado. Mandou logo a bufcallo, & a detello, Efkc tratou com o Coadc o fca recado, E cm breuc fc tornou fcm demouello. Depois de Auis o mcftre ali lhe manda. Que o mefmo efFcito fez ncfta demanda*
A tados como humilde rcípondia. Que pois a fé delTRejr ja lhe faltaua, Viuer em Luíitania não podia. Pois fem fazenda, Sc honra ali fícauai Que em qualquer Reynoeftranho o fcruiria Com a lealdade^ 6rfè, que tanto amaua, O Rey que vè que ja fe cança em vão Lhe manda o Bifpo de Euora dom loão*
Por elle lhe offercce outro concerto. Mas defpedido afsim como os paíTados; Manda o Conde ícu tio o velho experto,' Que ao Rey refpondeíTe a feus recados. Como loão o tratou, & o vio de perto Sem curar de inuejofos & priuados, Sò trata de fazer amigo o Conde, EoCarualhalocfcuta, &!hc refpondcJ
Chamar o manda, & vai ao Porto vello Dos feus acompanhado honradamente Sahio el Rey contente a* recebello Com termo, & penfamento diíFcrente^ E não tratando em nada de oíFendcllo Antes de o ver quieto, & ver contente Com a mor igualdade, & com direito Efte contrato entre ambos ficou feito*'
Qflò
o condestabredeportJ
Qjjc qaantâs terras tinha o Condcdadas, ToroaíTe a poíTuir ^ & aos que as dera, El Rcy deo tença, & rendas ordenadas Como cada hum daqaelíes merecera, As que tinha do Rey como empenhadas,^ E os vaíTallos lhe deu que antes tíuera. Nas que de herdade ia tinha ôc de juro. Ficou quieto o Conde el Rey feguro.
Quanto pode a razão? quanto a verdadcí Que inda de fombras vãs cfcarecida Comhumrayodefeu !ume& claridade Ainucjaqueaacanhoâ dcixâ vencida He confufaô aos rn^os Tua maldade, Huminuejofohe biaora parida, A virtude tem fcmprc o premio dínoj Se a terra injufta, o eco fempre hc beníno*
Eílà de nouo o Rey m aí s obrigado Ao valcrofo Conde que offendera, E elle mais fatisfeito, & mais honrado. Sem fe lembrar d'âlgum que ifto mouera^ Q^ como ingrato eftaua mal lembrado De quem ja noutro eftado lhe valera, O Prior do Hofpitâí digo o Camello, A quemocllefezfcrfem mereccHo*
E em brcue fc mofirou logo adiante
Quanto montaua ao Rey^ Scapetriaterf^J Hum V ii io tãó famofo ôc importante^ OfFcnrMdo da inuejâ que o defterra: Nefta quieta paznummcfmo inftante Se fet5c*ntaõ incêndios d^outra guerra^, Qus faaftjâra âbrazar ao Reyno todo Se fe partira o Conde de cal modo.
023
CANTO XV Ii: iQÓ
Que como nuoca a paz he bem fegura fim dousrfe humdcHcstem dcfconfiânçaj E hum aqucr aceitar, outro a procura. Porque âforça faltou para a vingsnça, SemprcahucnôíFendidoador lhe dura,' E fe não dura a dor dará a lembrança, Que a vontade que âs forças não refpondc He como a braza a qual a cinza cfconde.
Os doas Rcys comoouuiftes tem tratado Trcgoâ por aigús annos, & amifade Com condições que a hum, & outro eftado Importauâo focego, Sc liberdade: Mas como Henrique as fez mais obrigado Da continua opreíTaõ que da vontade. Contra o teor das tregoas algús anno$ Foi detendo os catiuos Luíitanos.
Determinou loão como offendido Num lugar de Caftclla fazer preza. Que âfsi era nos tratos concedido Contra o que lhes mudaíTc a natureza: Por hum cftranho ardil, bem fuccedido Tomou a Badajoz para efta empreza Martim Affonfoo valerofo Melo, E fe fez forte logo no caftcllo.
DelRcyoCondeftabreteoe auifo. Que com armas, & gente o foccorrefle Para que fem rcceo, & perjuizo For tificaíTe aterra, & dcfendeíTc, Ao que cHc foi a Eluas de improuifo Mandando ao capitão que aly vieíTc Dculhe a ordem de tudo o que conuinha Para a força. & lugar que exnjpenhor tinha:
£ porque
o CONDESTABRE DE PORT-
E porque neftâ entrada prefo fora
O alcaide de Albuquerque fem concerto O foltou logo o Conde naquella hora Com proceder honrado, ^ termo experto. O Marichâl contrario ío melhora A quem o Melo prendera em grande aperto Deu o prefo ao alcaide de Oliuença, EaclReyparaofolcar pedio licença*
E junto o auifou que fe defuelle, QúC ja o tenro Rey fe aparelhaua Para ou mandar o Meftre, ou vir contra cllc Com muita gente armada que ajuntaua: Não fez o Rey famòfo conta dellc. Mas bem deprefla vio que acontaerrauai Porque no feu defcuido achou fcu danno Com o cuidado que teue o Caftclhano.
Que o Condeftabre,& gentes de Caftcila Com Martim Vaz da Cunha o Cõde oafado Correm fobre Vifeu.poem fogo nclla Deixando o que alcançou tudo aíTolado,* Teue efta noua o Rey .que fem cautella Eftaua em S nitarem mui defcuidado O quaô em vão fe queixa,& quanto o fcntc O confelho pafTado^o mal prefentc.
Manda tocar trombetas,6t atambores As gentes comarcas âjunta,ôc chama Partem logo o$ ligeiros portadores la a noua em todo o rcyno fe derrama: Dom Nunalurcs com os fortes vencedores A que efta noua logo leua a fama Em Euora deixa a gente ja difpoftâ,
E a vificac a clRey vem pola pofta.
Que
CANTO XVIL iof
Que ouuindocomoa vello era chegado Com os fcus o efperâ ja junto ao Tejo Àondc o teue entre os braços spertado Com hum amorofo, alegre, ôc faõ defejo; E achandoOiComo fempre vinha armado Graças, diz, dou ao ceo que agora vejo O primeiro homem d^armas para a guerra Que achei cm meus vaíTailos nefta terra.
Mas qual outro tine eu que me amparaflb ^ Dcfte continuo imigo porííoío, 0^5 fcu deíTenh o, & forças quebrantaíTe Senão vos leal Conde, Sc valerofo: Bem era, que hoje aqui me não faítaíTe VoíTo braço valente, & podcrofo Com o qual eftou taõ forte, & cão contente Como fc o igualara, em forç5, & gente.
Bem hc de crer que o Rcy não faltaria Também nefta cefaõ com húa lembrança Do que antes a Nunalurcs pretendia Com agraaos injuftos, Ôc efquiuança. Que arrependido então conheceria Que lhe fora danofatal mudança, Mas fô alie ifto paflbu no penfamcnto Nunca no do bom Conde teue aíTento.
Antes com hum*ildâde fc lhe inclina Ahumlouuortaõbeaidado,& tãodcuido Trás ifto fe lhe offercce, Sc determina Deauerfatisfação ao fuccedido, E cm quanto cada hum niíto imagina Nem nouâ que o contrario era partido^ E tornado com os feus para Caftclla, Eafsi não tratou dclle,& tratou dcIla"
Ce Cincp
o CONDESTABRE DE PORTf
Cinco dias fomente cm Corte cfteue, E muito pouco em Euorâ dçfcaofa Parte para Coimbra em tempo breue Aonde o efpera o Rey para a vingança: Aly hum c;;:mpo, & outro fe detcue Pára o fim, que por fim tam mal alcança. Que a hCn parte, & outra a íorte varia Vai efpalhando a gente que he contraria.
Começando a marchar chega hum recado Para atalhar a empresa que defeja Que era por Guadiana o Meftre entrado Com muita gente armada de peleja,- Que leuão de cstíuos, prefoS; gado,
• TodoocampoD*auríque, 8c ode Beja, E que faz grande eftrago, & grande danno Nodefarmado poao Tranftâgano.
Volta indinado o Rey com fúria eftranha Sem que nenhum confdho o aquiete Como o touro ferido, qne com fanba As cerradas tranqueiras arremete; Por fc vingar melhor na terra eftranha O Tejo vai paíTar junto a Punhete A deleitofa deixa alegre terra PaíTa de Monte Argil a infértil ferral
E ao atraueíTar chega hum cofreo
Que a noua trás aos noíTos mal fofrídô. Que o Meftreera tornado com recco DoRey dequera jafâbeefta partida; Deixando liuremente o reyno alheo Por faluar em Caftella a honra, & vida, E a prefa deftc aíTalto, que a ventura DáS srm^s lhe faz crer que he mal ícgura^
Eico^
cA^7To xvii; io?
Ffcou o Rey tam críftc, 5c perturbado,' Q^ âcor mudou ao roíto differente Paiaurasfolta de homem magoado Qqg a ira, & dor forçofa lhe confentc: Mas do bom Conde aly foi confolado Que com igual exccíTo o daDO Tente Em Arrsyoiospâflaa noite fria Com mil aíTaítos vãos na fantefia.
Nâ hora mais quieta, eis o defueilâ Ham recado delRey:parteíe avello; Que manda então prender com grão cautella O Prior do Hofpital, que era o cí^mello: Que com recado, & carris de Caftella Trâcoudedcferuiílo, & de offendello A prifaõ pede o Conâc que di!í?te^ E primeiro que a pena a culpa trate.
O coofeiho fem fombra, & fem refpcito Rogo tam jnfto, apouco merecido Tenção ác hum generofoi 6c forte peito De ira, nem de paixão nunca mouido: Que a efte de quem Tem tepo, & fem difcíto Foi mil vezes nas obrais cffSndido Bufca tempo, &!ug^r para a difcuípa, Qne a tardança mil vezes cobre a culpa.
Porem durou tam pouco efta valia Como em fer defcuberta a tenção fua Qoc emEuorafoiprefo no outro dia Quando o Sol Teus poderes deixa âLua: Aly defcsnfa o Rey da incerta via Erperandoqueotempo oreditua Com vingança 6c caítigo noutro enfejo Deixa o Pereira, volta, p^íTao Tejo.
Cc^ CANTO
o CONDESTABREDEPORT.
CANTO XVIII
:Entra dom Nundures Pereira p^r Cefiella:^ueméí ^ rouha os arrabaldes de Cárceres ^ es gados ,(^ frc'^ fos de toda a comarca: Saquea, Arreio dei Puerco, (jr vol ta com grande peza a P$rttêgat Adoece em Villaviço- fA,& conuakcendo ajunta ajsi os capitães dasfronteu ras» Efcreueao Mejlre de Santiago qne vai ao bujcar: luntãofe à vi ff a do caHello de Feria: Nega o Meftrc a batalha: Foítafe o Condeftahre^ roubando termos, é* lugares for ondepa(^a : Fai a bufcar o Iffante dom Di- nis, que entra por Caíiello Branco* Acode ao cerco de Tuy: Ve elRef no Porto: Alenta tregoa com os B^ba- xaâores Caíielhanos.
ANdaua o Condeftabre çobíçofo De fc entregar melhor nefta demanda Porvcrtimido opouooReyqucixofo, E a Fortuna inclinada da outra bandas Ao Meftre de Auis nobre, & valerofo Por hum fr otfteiro feu conuidar manda. Que a mais gente que tem traga coníígo Para entrarem no reyno do inimigo»
O Meftre efcrupulofo fe offerecc,
O Conde chama os que antes o feguiaô. Mas tanto o mal paflado os enfraquece E o focego da paz cm que viuiaõj Que hú tardapoutf o fe efcufa>outrofc cfquccc Da antiga fè,5c amor que lhe deuíão Mas nem por efta caufa o fim dilata, Efpera o Meítcc^Sc de partirfc trata*
Na
CANTO XVIII. íoj
Nâ celebrada ja Víllaviçofa .
Poucas gentes ajunta, Sc encaminha Efquâdrâo forma era ordem bclíicofa Os lugares difpoem como conuinha; Vâi adeftrando a gente que ociofa Adefcuidadapazinhabil tinha Tras ifto o campo chega, o Meftre parte . Ardendo em fogo, & ira o noíTo Marte.
lunto de Elaasfc aloja aquelle dia, E antes que ao outro â noite venha De toda a gente de armas que trazia Fez alardo com o Meftre, & fez refenha Setecentos de lanças diz que auia Poucos peões, & pofto que os não tenha
Toma a,vãguardaoCõde,5c mais não tardai E o valerofo Meftre a retaguarda.
Reparte os corredores mais ligeiros. Que as terras vão ao longe deuaflando Tè Cárceres enuia os cauallciros Para onde vai o exercito marchando; Todos quiferaõ nifto fer primeiros Não ! he fofre o defejo hir efperando PaíTacomocampo Ooguela,& dalyfica A vifta de Albuquerque illuftre, & rica.
PaíTada a fria noite, & bem cuftofa A quem íò teue o ceo por cubertura, E a Ribeira cm Abril têm graciofa Como cm dezembro fria, & fem brandura Liorc no reyno alhèo a bellicofa Gente em feu capitão h'ure; Sc fegtjra De Cárceres cftájalegoa& mea, E a ícufâbor jantando fc recrca.
Ce 5 Armoufc
o CONDESTABREDEPORTJ
Armoiife fobrc mcfao Conde oufado Paíra,&: viftadavillao campo cfpalha Qaando de hum lugar chão bem aíTeotado Sem dcfenfaõ, fcm força, Sc fcm maralha: O pouo vem fugindo amotinado Leuaodo fato, gado, & vitualha Chamafecfte lugar Roio dei pucrco Mais natural d'hum roubo, que de hú cerco^
Qaalpor Agoftoas prouidas formigas. Que carregadas vão ao ícu felleiro Com os defpojos das pálidas efpigas Asquaisolaurador corta o carreiro; Que húasenuoltas noutras mais antigas Dcixáo feo doce roubo tam ligeiro Húâs fugindo ao campo derramadas, E outras ficando viuas, 6c enterradas^
Tal foge a gente, & toda aly foi prcfa, Qae mui poucos ligeiros eícaprão O quanto aos de Cárceres lhes peza. Que logo âlgus aos foccorrer fc armarão^ Qaarenta faem delles com preftezai Porem ttinta dos noflfosos voltarão Trauandoefcaramuça tam renhida, Qucjadavilla agente fe conuida.
Tanta naquelle aíTalto recreceo
Que deixou fóNunalures a bandeira ^ E com poucos aos noflos foccorreo Tomaodo dos da briga a dianteira: Mjs como a maça entre elles reuolueo Pouco durou a gente aucntureira Qne no arrabalde à preíTa fe retira, £ âQs noíTos da trincheira o rofto vira*
E com
CANTO XVIír: .. io4
E cem hõafunâ grande, & magoada Nuno madruga em vozes repetindo Não vos vâlco agora a madrugada Hfis voltauão gritando, outros fugindo, Aly aflenta o campo a gente oafada. Que da leuc vingança fc eftâ rindo Chegâõ de noite aigús dos corredores Aly com gado, Sc prefos vencedores.
Entrarão o arrabalde no outro dia Sem valer aos de dentro reíiítcncía Roubàfâõ tudo quanto neHe auia Trás ifto i he põem fogo com violência,- Em labareda grande a terra ardia Que com ifto ppgou fua imprudência O noíTo campo à vifta, aly chegarão Os de mais corredores que tardarão.!
Não lhes daua ao caminho mais Hcença A copia do graô roube com que vinfaaõ,^
Q^e ícm eftoruo algum, fem díffercDça PâíTa ja de três diâs que caminhão: Não fez aly Nunalures mais detença Q^S ^ft^s fós que cfperaua o ja detiohãa Ianca,5c dorme a fâbor,6c â noite parte Para Arroyo de! pucrco os feus rcparrc» Num foueral efpcíTo a noite cfpera Quando dc2 Cafteihanos cauaUeíros Sem feguro.ou final que alguém lhes dcfá Se mifturão aos noflbs mui ligeiros: Pollo Conde prcguntão,quc náo era Defuiado mui longe dos primeiros, O qu;^[ châm<ir os manda a própria tenda Sem qjc os algum íbldado incauto ofFenda
Ce 4 Vcndoi
o CONDESTABRE D EPORT.
Vendo que no feu termo, & compoftiíra Dauão finais de amigos, & de honrados Com cortefia alegre, & com brandura Delle, & doces razões forão tratados: Epreguntandoatodosque ventura Os trouxe ao campo feu tam ma! guiados Que bufcauão? quem erão? que queriáo? Por hum mais velho, os outros refpondiâo;
Tudo o que a fama em longes engrandece Moue mais o defejo aíFeiçoado, E o que por fama ao mundo mais merece Sois vos fenhor famofo, & inuejado A quem não fòíe homilia, & reconhece O natural amigo de obrigado, Mas ainda entre inimigos bufca a fama Quem para veruos bufca, & quem vos ama»
Entre todos he tal vofla bondade,
Quenosfezleueorifcodcfta cmpreza A vos bufcar nos traz própria vontade. Na qual vence o temor voffa grandeza: Se entre contrários ha jufta amifade Eftafedeueâ voffa natureza Viemos íò por veruos, & o que vemos Nos pagou do caminho que trouxemos»
Amigamente o Conde agradecia O defejo áos dez auentureiros Com palauras de amor, & cortefia Agâfâlharmandaua os caualleiros; Mas defta offerta, & outras fe defuia O que fe ofFereceo, Sc os companheiros Não querem mais que vello, & fem demora Defpedenfe do Conde, & vãoíe embora.
Na
CANTO XVIII. %o$
Na própria noite os corredores manda Correr tè Gârromilhas efpâlhados, E Alcançará da barca da outra banda Do campo cinco legoas alongados, Trouxerão do caminho, & fem demanda Grão numero de prefos, & de gados ElleachaâcafâIiure,&o mantimento Em Arroio dei puercoaquelle aúTento.
Os liures corredores que paíTaraô Do pio Coodeftabre o mandamento Húadeuotahermida aonde alojarão Roubarão com largueza, & defatento: Que como afsi do Conde fe alongarão Facilitados nefte atreuimento Que elle caftigou fcmpre com mais fúria Fizeraô a feu nome aquella injuria»
Mas vingado ficou difto o Pereira Com o fucceíTo que a eftcs logo via Que roubando entre o mais húa caldeira Daquella mcfma cafa, & confraria: Porque era dcfigual em grão maneira Aquella gente incauta que corria Prendendo os feus cauallos fe accomoda Que [he ficauão poftos como em roda»
E no meio da noite mais cfcura
Tal defaucnça entre ellcs fe aleuanta. Que hum ao outro com couces fe míftura Outro arranca, outro foge, outro fe cfpanta Arraftrando a caldeira na verdura. Que em barrancos, & pedras fe quebranta. Tanto do campo enfim fe lhe alongàra.0 Que a pè feus caualleiros fe tornarão.
Corridos
o CONDESTABREDEPORT;
Corridos fee juntarão no outro dia
Como grâõ roubo que o campo fcnhorca E vendo o Condcft^brc quanto suia. Que apâ hofpede cruel na terra alhea; A afpereza do iouerno que corria O arde naués,aterrad'sgoachea Tornafe a Portugal km mais detença, Fazendo roílo â vifta de Oíiucnça.
Ascâtiuas mulheres quetrâ2Íão Mandou foiçar do campo liurementô Pôllo âgrauo, & mal que recebião De arrogantes foldados fera gente: Qíje pofto que o rigor tanto temião Não ha quem contra hum ódio fe fuftcnté Entrou em Portugal aonde defcanfa Tendo por muito humilde efta vingança*
Decèmfe hum breue cfpalTo em Ârameoha Aonde recolhe os fruitos defta entrada De toda a gente em ordem faz refenha Repírtindolheaprezâ deíejâda,- Eílc (ò não quer parte que lhe venha Como era a ordem luaâcuftumada Volta o Meftre de Auis ao outro dia Contente da jornada, & companhia.
Vâife a Villaviçofa aonde a lembrança Do que lhe prometera aqt^elle encauto, Qoe tâoto engrandecco foâcfperânçâ Lhe fazia o lugar mais pio, &" íânto; Aonde a velha míJy viue,& dercsnía, E a defejada filha a que pma tanto, Q^ue nena,&: nos íeus olhos tinha poftoi! Das armas o ttofeo,dâ vida o gofto.
Mai
CANTO XVI H- zoS
Mas como a noíTa humana natureza
Cada hora faz lembrança, & dâ gemidos, Q^ue hc fugcita a mifcriaS; Sc fraqueza, E a diíTeníoés ds htsmores, & rentidos; Vencida aquellâ eftrânha fortaleza Dos contínuos trabalhos padecidos Adoccco o Conde^ & de tal forte, Quetinhajanâvidaa cor da morte.
Hum mortal mâlenconico accidentc Com tam terribel força o combatia^ Qoe fufpendendo hum vfo tam prudente A vida, os feus, & a terra aborrecia: Hora com hum dcfprazer impertinente^' Hora com deííguat nefcia alegria Se alceraua de modo o coração, QueatalhauaoscfFcitos à razão.
Ao bom Rey no principio fogo cfcreac, Queogouernoda terra enccmcndaíTea, Porque fe o duro mal não fofle breue OaocíTe quem de imigos a amparaffc; O pezar teue o Rey que ao Conde dcue Comofcnelleomâl fe executaíTe Logo lhe manda os Médicos da Corte Por ver fe a tanto mal podem dar cortc^
De outra mudança algua lhe não trata Senão fò de atalhar ao que padece O mal crecendo em horas fe dilata, Ellcfofe atenua, & enfraquece: Muda o lugar, mas como a dor que o mata Em qualquer lugar outro o burca,& crecc - Ia no fim de três mcfes bem compridos Foireformando asforças,&os fcntidos.
Depois
o CONDESTABREDEP0RT.;
Depois guc ao rofto as cores foi trocando Dca graças da faude a quem lha dera, EparaEuoratornaimâginando No tempo que das armas fe cfquccéra Ajuntar quer dos feus o armado bando. Que entrar no Caftelhanorey no efpcra Para conualccer do tempo injufto* Que lhe atalhara a fama a tanto cufto.
A Alcacere por mar vai nefte intento. Mas de tal forte as ondas fe alterarão, E fe cmbraucce, & defconccrta o ventOj Que todos com o fenhor dcíembarcáraõ, E ellc que não tíraua o pcnfamcnto Da força, & fer que os nSales lhe tirarão Com hú fò moço dos fcus, dos mais fc aparta. Que de fer fò na terra não fc farta.
Entrou num mato efpeflb, & felua cfcura^ E arrancando a vencedora cfpada Começou a dar golpes na cfpeíTura, Que a terra eftà tremendo de aíTombrada; Aaruoremaisalta, & mais fegura De hum fero golpe alyfc vè cortada, E as feras da montanha o ceco ouuindo Dcfamparandoascouas vão fugindo.
E como vio que tinha aquella antiga Força tam celebrada, & dcfigual Para qoalquer aíTalto, 6c qualquer briga Que exprimentc o contrario por fcu maf: A Euora chegando, a gente obriga, Efcreue aos capitães de Portugal Cartas cheas de amor, & correfia Pedindolhes ajuda, & cotnpanhia.
Ao
CANTO XVIír. 10/
Ao Vafconcellos nobre, & valerofo Meftrc de San Tiago onde habitaua A dom Lourenço Eíleucs animofo Tenente dos de Rhodes, que clle amaua: Ao Almirante, ^o Melo tam famofo Polo que em feu esforço confiaua. Os quacs da empreza alegres, & contentes Mandão tocar tambor, & aprcftar gentes.
Eis chega hum meíTageiro, que infiado Conta ao Condcftâbre hum grande danno. Que vem entrar por todo o rcy no, armado Com poder grande o Meftre Caftelhano: Duas mil lanças tem, fero, esforçado E oito centos ginetes fcm engano. Os peões fâõ fem numero, & fem conta,' C^ue a terra querem por cm grande afronta.
Depois que teuc a noua por verdade, Que inda elle menos cré do que a defcja Por quanto o obrigauacfta vontade Ao Meftre Caftelhano teue inueja: Ao qual com diligente brcuidadc Pede que cm feu aíTento firme cfteja - Aonde cllc ira bufcallo, & não Ce parta^ E era o feguinte o que dizia a carta.
Senhor, & amigo Msftre, a quem rcfpondc Todo o louuor das armas muito bem, Nuno Alures Pereira onouo Conde De Arrayolos,Barceh'os, & de Ourem, Condeftabrc delRey que não fc cfconde, E feu Mordomo mor; como conucm, Que a feu defejo, & nome fatisfaça Se eauia cocoa>eadar em voíla graça»
Nefta
o CONDESTABREDEPORTJ
Nefta terra aon de ha dias que ociofo Me teue hua doença affâs pez jida Me foi dito que eftaueis cobiçolb De entrar em Portagat com gente armada: Que tínheis grande exercito, Sc íuílrofo Como compr ia a efFeito da jornada Com tenção de aíTolar feroz, Sc vfâno Efta parte do reyno Luíitano.
E porque ha muito tempo que eu defcjo Hirvcruos, Sc bufcâfuos igualmente, ,E me atalhon mi! vezes ao defejo Eftar debilitado, Sc mui doer.ta: E eftes ares, Sc a terra de Alem Tejo Pára o tempo d' agora he muito quente,' Q2S vos não abaleis vos peço, &rogo, Porqiie eu ferei fcnhor comuofco logO;
Sofrei efie trabalho de efperar Pois o de vir agora he tam pezado, Que por força nos cmos de encontrar, QjecQ íicojacomosmeusnocãpo armado: Sc aígom concerto, ou gente vos faltar Podeis âperceb^ruos com cuidado, 0^2 9gorâ vos auifo; Sc vos faltaftes Pois vindo a Portugal não me auifaftes.
Concerto entre nò% foi tratado, Sc feito, Q^ nenhum na frontsira d'oucro entraílb Sem que em pnrticular recado eftreito Da ccneãohum aooutrofe íuiiaíTc: Vôserquecidocm fim dcfte refpeito Como aos meus hum tempo lhes faltaíTe Fizeftes voíTa prezâ/eu cheguei târdc Agora irei taâis cedo^ôc Deos vos guarde
Recc5
CANTO XVIII3 / ío8
Rccebèo o Meftre a cârta ,6c nâo refpondc, Mas diz ao cautelofo raeiragciro, Qpc foíTc a qualquer tempo o fero Conde, Que çlle iria efperallo bem ligeir 05 Mas mais o portador o foi, que sonde Achou ja pofto em campo o csualieiro Na fermoía Eftr emó^ lhe dà repofta A marchar tocâo^pârtcm pola pofta.
Nâ praia alojar vão do Guadiana Naqualo Condeftabre g^ífraodia Pondo em alardo a gente Lufitana Por faber delia a copia que trazia: Sc o autor dcfta hiíloria não fe engana Mil & oitocentas lanças diz que auia Só duzentos ginetes bõs ligeiros. Cinco mil de peões, & de befteiros^
O Conde da vanguarda femprc auaro Leua nclla configa o bom Tenente MemRodrigucs o Meftre oufado, Sc claro A retaguarda rege oufadamentc: Hõa âla o Almirante illuftre, & raro, Outra o Meftre tsm nobre, quaõ valente^ E outros varões famofos fingulares, Que occupão dinamente os fcus lugares»
Nefte conccrto,& ordem repartida Entra japor Caftellaagentebraua Aoimofa,contente>&:bem regida Para onde o Câfteihano meftre eftauat Que dcfdc hum alto outeiro íe conuida A ver ao Condeftabre q<ie paíTaua Diante os feus ginetes campeando Por junto dQiiàe os nolTos vão marchando?
Pore m
o CONDESTABRE DE PORTJ
PGrcmMarcimÂffonfoo vâlerofo, Queos viovirtam vcíiohosda foaalai Com hum tropel de cauallos mui furíofo Atras dos Caftelhanos rijo abala: Qual dcce o Nebri Icuc, Sc gcncrofo Sobre a garça no ar para empolgala,- E os paíTaros menores vão com medo Efconderfc nas ramas do aruoredo.
Tal o Melo inueftio com fúria noua, E cUcs virão as rédeas à montanha. Que não querem das lanças fazer proua^ E os ginetes lha dão, que faõ de Hefpanha: Nem por iíTo o exercito fe cftroua. Que marcha bem fegaro na campanha luntoaVilla Alua janta aquellc dia Aonde cftá muita gente, Sc de valia.
Affentadoo arraial numa campina Derramados aigús do lyiartio bando Com cftragofem modo, & com royna As coradas fcaras vão cegando: Nifto a gente da villa fc amoutina, <^ue com grande pezar o eftaua olhando» E dando fobre os noíTos de indinada Se ordena efcaramuçamuy trauada»
>l3s como defiguâis competidores Retirandofe honrados, fe voltarão Fcfi::^os os primeiros, & os melhores Que mai'5 ao perto as lanças empregarão; Chegarão nCfte tempo os corredores Que pola terra au^ca fc cfpalhàraõ, E da fonte do Meftrc a vifta própria Trazem de gente, Sc gados grande copia,
O Conde
CANTO XVIH. zop
O Conde fe aflbntou qual vinha armado Entre os feas almofreixes dcícanfando Em quanto os bõsminiftros comi cuidado Ascendas, 5r o jintarlheeftão guifsodo? Quando hum trombeta chega com recado^ 0^5 '•'cm por clle a todos prcguntando, Rccebco alegremente o grão Pereira, Eclic então lhe faílou deita maneira,
O Meftre meu fenhor de San Tiago, Eodc Calatrauaaflfâs valente, Dõ Pedro, Poncc, âos quais cô tanto eftrago Nefta terra oíFendeis injuítamencC; E os demais capitães de quem vos trago Eftc recado, pedem juntamente, Q.ue vos sperccbai*^, que ellesfsõíogo Conucfco na batalha a ísrguc, & fogo.
O quanto o Condeftabre ficou kdo, Q3domcrmodefejoviue,& arde Nao pode viro Meíl^e aqyi tr^m cedo. Que a meu defejo ( di ?: ) não fcja tarde. Bem fsbe elle de mim efte fegrcdo, Q^ não ha gofto^ou bem,q eu mais aguarde ÇXje vello em Câmpo, &: ver a quâto alcança O ícu temido brâço, Sc forte lança.
Hofpedar manda logo o mcíTageiro
De outros trombetas feus mui bemfcruido M^ndoulhe dar de aluiçâras dinheiro, E para o mais honrar deu! he hum veftido; Chamaaconfclhoos capitães primeiro Q25 ^he reíponda, Sc conta o fucccdido Que com animo igual ifto feftej^o,
ÍQ^ fe eile os vem bufcar, vcllo defejãor D d Eftá
o CONDESTABRE DE PORTJ
Eftâ dâly o Mcftre legos & mea Aonde o Condeftsbce ja lhe enuía Hum que loaac Efteué5,fe diz,Correa Efcudeiro de quem fe elle fcruiâ, E como ha de tratar com gente alhca Auifadodctudooque cumpria Com a trombeta fe parte,ôc chegaô qoando O Sol mais alto as horas vai moftrando.
Pofto ante o Meftre liure, & diligente A c!!e. 5c aos Capitães deu feu recado, Q«e feu fcnhor o Meftre cftranhamcnte Paraosirvereftauâ aluoroçado: Que era mui obrigado,& mui contente Ser delles a batalha conuidado, Eqaelogoabufcalos não partia PorfcrDomíngOí&fefta no outro diai
Que elie paíTado a!y não fc detinha; E na alameda, hum valle^os |efperaua Lugar que para os campos mais conuinha^, E ao pé da íerra, aonde o Meftre eftaua,* Mas como e!!e fingia o que não tinha
• Navontade^ôcdefejoquemoftrauà
Quando efta noua ouuio, moftrou no rofto Verdadeiro receoA falfo gofto.
Qaeja eftímaua em muito lhe refponde Qoj para o ir bufcar fe apercebia. Mas desigual tenção no peito efcondc^ E apartando o Correo a dcfcobria: Q úc moueíTe lhe pede o forte Conde A deixar a batalha que cmprendia Difcuipando que quando em Beja entrara Ei^pceâ^umeate o Rej túSo o mandara.
CANTO xviir: ímo
o fagaz meffagcircôc aducrtído A tudo dà razão viuâ,& inteira Moftf ando quâõ itofo^ôc quaô fentido Dellc cftà juntamente q graõ Pereira: MandoulhcdaroMeftre hunifeaveftido Doaradâ tem no psito húa vieira, E com mil gafaíhados o defpedc Nos olhos repetindo o que lhe pede»
Nuoalures que efperaua aluoroçado Eíle recado fenôc eíla licença Comofccreto ficou quaíi atalhado Se cntâo lhe não lembrara a fua ofFenfat Partio no dia ja determinado Porque outro rogo humilde não no vença Toaiou ao Meítre então de fobrefulto Que via a fua injuria de mais âlCo»
Opuô eflc diâàviíla docaftcllo, Efcaramuçaâffâsbcm pelejada J Na qual o vaierofo illuftre Mello As proezas moftrou da fua cfpadíi^ Não oyfâò de efpcrâUoou cometclfo, Qtse tem a mão nos golpes mui pezada O Conde com ôs fcuí* trata então de perto Da ordem da batalha, &: do concerto.
E á ccrçâfeira ainda o So! não tinha O roílo defcuberto no Oriente, Quando ja ao caftelío (c auefinha A pè,& em efquadrões a oufâda geotc^ Tanto mais o contrario fe detinha Quanto na prcíTa o vio mais diligente,' E aos capitães que tinha era companhia Deita maneira o Meítre Ihesdi2ia.
Dd a ^ Bena
o CONDESTABRE DE PORT,
Bem fci que hc vcrgonhofa a noíTa afronta Grande a honra do imigo que a cfpera. Que de noflb poder faz tanta coDta Como fe hum grande exercito trouxera^ Mas não fci qiic me moue, ou que me aponta O leal coração que o coníidcra Que â morte antecipada me apparccc Na batalha que o Conde o me offercce.
Efte rayo fatal da noffa idade
Caftigo contra Hefpânhâ vencedora. Cuja forçâ,5c valor, cuja bondade Sempre preualccco inda atégors: Contra quem nunca pode aduer fidade Como fe contra nos fadado fora Quem o não temera fe he de tal forte, Qae nem a vida qucr,nem teme a morte.'
Quantos meftrcs tam clarostam famofos ^O lembrança inimiga, & mal nafcida) Em feus braços armados rigurofos Deixarão triftemcntc a honra, & vidar Quantos varões iHuftres^ôc animofos Cona que era a nofla Hefpanha emnobrccida Efpirarâoaospèsdefte inimigo A cujo exemplo cu temo o meu caftigO;
Mouerâo tanto os outros a receo Alem doquc ja tinhão concebido Eítas palauras com que o Meftre veyo Recucitandotudo o fucccdido, Q^e cada hum defcuidado, & quafi alheo Do combate aprazado, & prometido Sc coze com o caftello, & nada o moue Piàra ç[uc a fua gente arrifquc, & proue.
Sobír
CANTO xviir; iu
Sobír qjifera qo cume da montanha DeFuriaoCondcítabre â combatello Masafobidâheíngfcme,& tamanha. Que inapofsiuel parece accomctcllo,- C*da ham dos capitães ift-o lhe eftranha O Goiosvalerofo, & forte Melo Então daly lhe manda outro recado, Que inda que cortefaõ foi mais pezadc«
Q^e pois elle a batalha lhe offerecc Venha aceitâlla, &deça da fubída Aonde nenhum dos íeus (feelle nãodece) Ma! poderá fcm azas ter guarida, Elle que bem entende, & bem conhece Sua afronta tam clara, & conhecida Pedir manda que o deixe, & que fe parta Seja de fua afronta, & mal fe farta.
Nuno que via o Meftre antes tam fero Arrependido humilde, & com caftigo DiíTe entre fi^ que mor vingafiça cfpero, Qiie hQa afronta tam grande doinimígo; Correr a terra à faa vifta quero Veja com minha honra o feti perigo,
^ Leuanta o arraial, & a çsfra chega.
Que mantimento, & vinhos lhe não nega.^
Foi daly a Burguilhos no outro dia,
E o do Corpo de Deos teue cm campanha Aonde com deuação fincera, Ôc pia Solennizouafcftacmterra eftranha: Toda a gente com ordem, & alegria Emprociíraô,&cmfcftas acompanha ^ venerando, & puro facramcnto Com todo o acuftumado acatamenta.
Ddj No
o CONDE ST ABRE DE PO RTJ
No bgar de Burguilhos a efta conta Bem fefícentas laoçâs cftarião, Que tinhão por dcfprezO;& por afronta A elles feita a deuação que viàoi E porque da outra parte o Aí elo aponta Com a preza desigual que os ícus traziâo. Que vinhâo de correr com grsnde fui ia Decem por vingar nclle aquclla injuria»
A toda a preíTa o Conde o foccorrco E durou a peleja hum grande efpaíTo Tè que o contrario enfim fe recolhco Magoado da fúria do feu brsço; E como ao outro dia amanhcceo Por junto de Xerès alarga o paíTo Aonde ja o Mcftrc,& toda a gente eílauá Olhando a de Nunalures que paíTaua.
Dâly fazendo igual fempre a derrota
Correndo a terra os feus com mor lie cnçaj Vilíâ noua paíTou de Barca Rota> E ao outro dia à vifta de Oliuençs; E porque ao longe fama oMeftre bota Que vai buícallo aly; fez mór detença Três dias o aguardou, Sc cm vão o aguarda Que quem recea o ma!,ou foge, ou tarda»
Defpede osfcuscomo termo acuftumado, • E de Euora logo então fem defcanfar Em todas as fronteiras põem recado, E vâife a Montemor defenfadâr,» Mas pouco tempo âly tem dcfcanfado^ Que o Rey o tira á preíTa do lugar. Quatro recados teue aíy diante Cada hum mais pecigofO|& importante" ^ " .?}Rey
CANTO XVIIi: ui
EIRey que a Tuy cidade tem cercada
Lhe manda que com os fcus và contra cHa, Qnc vem com gr aô poder de gente armada O CaftelhanoHenfiquearoccorfCllai Lisboa nouamente aluoroçada Com húa frota mui grande de Câftella^ Com diffemíoés dos grandes, & embaraço Manda pedir a ajuda de feu braço.
Gonçfílo Vaz Coutinho ncfte inftantc Da Beira o auifou,que defendia, Que com copia de gente mui poflánte O ifFaate dom Dinis o accometia. Filho de Ines,& Pedro,que arrogante O reyno por herança pretendia Cooquiftar fugeitando a pátria terra Com oprcíroé»,batâlhas,cerco.& guerra»
Em lugarde loão, que era o primeiro Iffante a que efta empreza mais conuínha Que habitara também reyno eftrangeiío Pollo que ja na pátria feito tiaha,
Maçando como ingrato companheiro A bella irmã da pérfida Rayoha, Que a lugar tâm altiuo a Icuantára Para depois tirarihe ávida chata*
Defte.hum natural filho fezdítofa A patfia.quc o feu fangue iUuftra tantoj C^ac com progenía clâra»& gencrofa Deu o principio à cafa de Momfaato: Porem depois que a Parca rigurofa Efta efpoía roubou que honraua tanto» AosVafcoriccIlos fortes, ôcanímofos FezDíiUsUluftres^cIaros, & famofos.
Và4 ^ Que
o CONDESTABRE DE POR T.
*
Que deJíe, ôc de Maria illuftre, & bella Herdeira do folar,& do appcllido Teue principio a cafa de Pcoclla Nome na voz da fama engrandecido: Mas a mudança, & tempo triunfou delia Deixando o claro fangue recolhido Nos fcnhof es de Mafra, villa antiga Mais poaoada ja da gente imiga.
Vinha pois Dinis Príncipe atreuido ^
Com Martim Vaz d'Acunha o Cõdc oufada E o Pimcatcl famofo tam temido A affblar Portugal determinado: O Coutinho que via o fcu partido Da parte dos contrários melhorado Ainda que o feu valor he forte, ^ muro> Se valeo do remédio mais feguro*
Era o Coutinho o Marichal famofo Aquém Portugal deue efta memoria Vencedor na bstalha de Trancofo Dos Coutinhos,ôc Freires honra,& gloria: Pai daquelle Magriço valcrofo. Que em Inglaterra fez ditofa hiftoria, E com fer tam famofo,& tam guerreiro Ao Condeftâbrequer por companheiro»
Do Guadiana o Meio faz lembrança,
Que o Meftrc eftà com gente aparelhada Para vir procurar delle a vingança Como home ofFendido,& afrontado: Ficou o Conde cm desigual balança A tam diuerfas partes inclinado Sem fâber aonde acuda,ou como acerte Tudo remete ao ceo queelle o concerte-
CANTO XVI íí< iij
E julgando quanto era ncceíTario Do Iffante atalhar ao nouo intento A que o pouo inconftante/íCue &: vario Podia ir dando algum confentimento; Menos temendo então qualquer contrario Que efte precipitado atreuimcDto Para Caftello Branco as gentes mouc Pofto que algum feu bom confelho eftrouc
Ao IfFante efcreue como o buícaua, E a Couilhã lhe manda efte recado, Mâsja omcíTageironãonoachaua, Que nâo quis efperar ao Conde oufado: Eocão partindo as gentes que leuaua Com o vâlerofo Melo, Sc feu cuidado A defenfaõ,& o cargo I he confia Das terras aonde o Meílre entrar queriaJ
Para Tuy com os outros encaminha A foccorrer ao Rey com mais prcfteza, E chegando a Vifeufoube que tinha Tomada ja a cidade, & fortaleza, E depois da vitoria ao Porto vinha Defcanfar entre a gente Portuguefa, O quanto ifto alegrou ao bom vaíTâlIo* Que aforrado fe parte avifitallo.
Cincoenta fós dos feus leua configo De cotas,& braçaes que a de mais gentô Deixa em Vífeu fem medo, & fcm perigo Por capitão feu tio,6c por Regente: Como a vaíTallo não>mas como a amigo Sâhe eIRey abufcallo honrofamente, E entre os braços lhe moftra o feu defcjo. Que o merecido amor nunca he fobejo»
E porque
' o CONDESTABRE DE PORT|
E porque indo a tal tempo o cspítão O Prior do hoípital achou no Cratoi Qiic a elRey tinha fugido da prifâõ, E ândaua homifiado.& coai recâto: E elle o trouxera em faa defenfaõ Com termo «^migo.& com bcnino trata Fas com que o Rey de nouo o rcftitua Perdoando o paíTâdo á graça fua.
Aly teue algus diasj nos quais trata Do gouerno do reyno, Sc áo cuidado; Porem mui pouco a volta lhe dilata Outra nouã occsfiâo, cutro recado. Que Moura ao Rey por cartas ja relatai Q,uc eftà o Alcaide delia aleuantado Por parte de Caftclla,& por tal arte Que a ir por cccco à villa o Conde parte»
A gente que em Vifeu ficar mandara Auífa & em Coimbra cfpera hum dia; DaJy paffa a Ourem que fempre amura, E fâz a Ceiça humilde Romaria: E entrando na terra antiga, & clara Patfiâ daqueila armada companhia Ao capitão de Moura, & da demanda Com fcguroA co m rogos chamar mandai
Quueíe com tal tQvmo.Sc tal cautella Com Alaaro Gonçalue^.noappellído De Moura,& juntamente Alcaide delia. Que clle ficou honrado,o Rey feruido: Dâfy 3 Euora vai antigâ;.& nella Repoufa hum tempo,a elle aíTas comprido Té que a tratar de trcgoa&foi chamado, ;ue por terceiro os Rcys tinhão tratado.
Porque
CANTO XVIII. iii
Porque canfados Ja da defaoença
Que a feus próprios eftados cuftou tanto A fânguinolâ guerra;& diífbrença Q^uerem trocar porpazCconfelbo Canto) Para ifto dom Nunaiures aOliuença Com o Bifpo de Coimbra parte,- em quanto Pola parte de Henrique vem fazella Com outro grande , o Mcftr c de Caftella*
Aly deixa o Pereira 8 forte gente> E íó com três Barões acompanhado Vai,- oBirpotamnobreAtam prudente,^ De Abreu GonçaleaneSjO esforçado; Pedreancs Lobato juntamente , Q£e era o concerto aCsi determinado De cotas, ôc braçaes leuáo ciacoenta Que em nenhuâ das partes fe acrecentai
Da de Caftella o Meftre tam valido, E da mcfma ordem fga hum cauaHeiro, Q Marichâl va!entc,6: Êtreuido»^ E Ruy Lopes de Aualos guerreif o, Outros cicoenta vão.de que cfcolhido Poderá fer cada hum para primeiro, E contra VillaNoua daâslegoas De Oliaença também fe tratão trcgoas^'
Em huâ ilha alegre fe tratarão Que hum rio doce,& brando rodcaua Ncfte lugar os oito fe ajuntarão Enasribeirasamais gente eftauâj Cortefmcnte os guerreiros fe fallâraõ Cada hum a dom Nunalurcs fito olhauô O Meftre delle os olhos nanca tira Qu^ fe tão foi de longe nunca o vira^
Aoi
OCONDESTABREDEPORT.
Âosfeus o Condeftsbre dera auifo,
Que não perdeflfem dcile nunca o tento, E vendo que arrancaua, de improuiío FoíTem todos a!y num penfamcnto: Eno meyodascregoasmuy de fifo Virão que com ayrofo mouimento Pos no pomo da cfpâda a mão direita ForverfeafuagCDteatado efpreita.
Todafereuolueonomefmo inftantc, E á paflâda do rio fe arrcmeíTâ,- Ellc voltando o rodo vigilante Com hum âçeoo fomente a br ia ccÍTb; Algum dos quatro bós que eftão diante Mudou a cor ao rofto bem depreíTa, E ainda o peofa mento lhe atfigura, Que era mais rigurofa a traucíTora.
Acordarão, que cm trcgoa defcanfaíTem Os dousreynos com guerras anexados Tè que de todo âs pazes fe firmaííem Com condições, &c eftylos cuftumsdos; E que por noue mefes fòs duraíTcm, Efcm contradição (fendo acabados) PodeíTcm gucrrearj que os Portugucfes Nâoquiferâoatregoa mais que a mefcs.
A Euora, & ao Rey fe volta o Conde QiiC fahio duas Icgoas a eíperalío, Moftrandoquanro cftima, &correfponde Bem âs obrigações de hum tal vaíTalIo: Para Lisboa vai contente aonde Também foi o Pereira acompanhalíoi MsstamdccfpâíToaspazcs fe concertão^ Que de nouoos tambores as defpertâo.
CANTO
*I?
CANTO XIX
í^cabaJa a trtgOíL^entrã elRey dom loío em Cafle^ lld: Põem cerco a Alcântara, t^longaofe as tregoas, te que toma morte deLRey Henrique {e jirmao faz^es: Itt- TÃO em Leiria o Pr incide dom Duarte: Tratafe o cafíi^ mento àedon^ Beatriz. Per eira filhado Condeíhbre^ com dom K^ffonfojilho delRey dom loSo: Acontece ao Condefiahre hm auenturA no ca(lello de Leiru, aonde for hum fingimento fe lhe mojlra, que haÕ de defcen^ derdeftafuafilhaj á* genro os Reys^ & Raynhas da. Cbriíiandsíde^
CHegado o fim dos limitados mefcs Paríí tratar de paz tempo apreíTado, Porque o contrario Rcy q tantas vezes As pretendera cftaua ja mudado; Por melhorar na guerra os Portugucfcs, Ia manda o Rcy loão ao Conde oufado. Que cm armas ponha a gente Luficana DosAlgarucs,doTcjo, ôcGuadiana.^
E reformando a mais que armada tinha Para ir cercar a Alcântara fe altere Com a força que para iffb lhe cocuinha Ao Conde que chamou no Crato efpera: Eile que o querer feu nunca o detinha Se o â gente que trax não detiuera Com eIRey fc ajuotalcgo cn Cafragella, E com gcâadc efquadraõ entra em CàftcHa;
Cercou
o CONDESTABRE DE PÓRTJ
Cercou Alcântara, Sctcuea combatida Com esforço magnânimo, Sc valente. Porem foi dos contrários defendida Com esforço, & valor conuenicntCí Porque continuamente íoccorrida Por onde a cerca o Tejo alegremente Fazião vão trabalho, & vam porfia De quem com tanto esforço a combatia^
E porque ja faltaua o mantimento AosdonolToarraial,5:opouo vario Com muita fúria, & pouco fofrimento
' Arremetia ás terras do contrario. Sem auer ao redor daqucHe aíTcnto Dondepodcffc virlheo ncceíTarío Correr a terra o Rey ao longe manda,' Mas não fe oftrecc algum ncfta demanda.]
Que como aquellâ terra andaua chca De gente armada, & capitães potentes,^ E cada hum dos do campo fe arrecea Do rifco, Sc dos fucccíTos diíFerentcs: Nenhum pretende o cargo, nem grangea^ Só íoâo Aftonfo dos que cftâõ prcfcntes No Conde falia clRey, Sc o forte Conde Com vâleroío effeito lhe refpondc^
Entrou defafeis legoas por Caftclla Apartado do campo onde íicaua Roubou, prendeo mui Hurc^ & trouxe delfá Tudo o que o Rey, & o campo defcjaua: Dos grandes capitães que eftão por cila Nenhum a vello, ou cometello oufaaa, Tornoufe ao arraial muy feftejado Com maicâ gente prcfa, & muito gado.
Coaj
CANTO XIX: ^ ziq
Continuando o Rcy por â?gus dias Occrcofem proucito trabalhofo. Depois qae quis tentar por varias vias Fazer pontes ao Tejo furíofo- Vendo que as diligencias faõ baldias; E o contrario encerrado, & poderofo Tornafe aterra amada que iuítenta. Qae quanto lhe cuftou, tanto o contentai
Bisque denouoapazfercna, & branda Mouem com grão defejo os dcfcnfores lanE3mreyno> & no outro, ena tal demanda Entrão de ambos os Reys embaixadores^ E após duuidas de hiia & d oatra bandu Aflentão entre os Reys, &os vencedores^ Que a tregoa por dez annos fe confirme» Té fc tratar da paz fegura, & firme»
As condições compri das do concerto Quijetosnofeureyno os Caftelhanos Vendo o fim dos trabalhos de tam perto Ccflando tanto fangue, & tantos dannos: Tratando fó do bem feguro, Sc certo Que era fazer eternos aos dez annos Com amifadcs largas, & a liança. Que requeria a eftreita vcfinhança.^
E porque ainda os pouos junto á terra Dos extremos, indóceis, ôc imprudentes A paz tratar querião como a guerra Sendo da guerra as leys muy diíFerente?? E Aftrca pia, & juíta que defterra Do mundo os ritos duros, ôc infolentcs Sufpcndèra os caftígos, Sc a balança Em quanto o RcycrÃtaua outra vingança?
Pcdio
o CÒNDESTABRED1BPORT.
Pcdio ao Condcftabre oRey benino Cuja prudência cm tudo o defengana; Qoe gorucnaua os pcucs de contioo DarAlgaruí-, Sc Prouincia Tranftagana: Por fi diíTe csftigo, Sc premio dino Atodaaqucll? terra Lufitana . Elle pezadâmente o cargo aceita, Qac quem ffibc o que tcrne; fabc oq cngeíta
Ouuefe n© gouerno de maneira,
Que aos feus fc fez contrário, &: odiofo Por querer confcruar juftiçâ inteira- Qnt he officío entre os homés perigofo: Tc que mandando hum dia o bom Pereira luftiçarpor hum cafo criminoío Hum efcudairo; a morte o Rey lhe impede, E defte cargo o Conde fe dcfpede.
Alto fenhor (lhe efcreue )a culpahc minha Das fsiltas defte encargo que tomei,
Q25Po'^ f^^j"ft^Ço^^^ R^y conuinha Por vos fer bom criado emfello errei. Obedeci ao goftoque não tinha Agora ao voíTo nome obedeci, Soi^ Rey,' fem perjuizo, & Tem perigo Podeis a todos dar premio, Sc csítigo. OhomGS,fe indaofois, da nofla idade Alchimiftasdâ honrs & da juftiça. Mililitros do direito, & da verdade, Efcrauos da priuança, Sc da cobiça; Náo conuertais g honra cm vaidade, Q^ca a honra he mais pezada, Sc mm mâcífla Cargos que nãofabeis maisque afrontalos Aprendei do Pereira a defpre^alos.
Deixou
CANTO XIX^ li/
Deixou aqacllc á vida Um pezado, Gafta a que fica em fantos exercidos. Hora cm aleuantar ao eco íagrado Sumptuofos â!tares,& cdificios, Horaacodiado aomaisneccísitado Com efm(dlas,merccs, & benefícios Ordenando na terra onde viueo Outra morada eterna Ia no eco.
Neftcs annos que a vida afsi não íente Tè defcobrir a morte o dcfengano De hum defâftrado cafo amargamente Perece clRcy Henrique o Caitelhano,- Deixando tenro líFante florecentc O fegundo loão ao reyno Hifpano A Raynhi os eftados gouernando Com o generofo IfFante dcm Fernando.'
As pazes aos dous reynos confirm idas Defcaníâraõ trombetas,& atambores As armas para ornato penduradas Tcno por doce lembrpnça os vencedorcss As curuas bèílas, as fctas amoladas Nos montes feruem ja aos caçadores O laurador no campo o trigo eTpalha, 025 antes cobria o fangue dabàtaihaJ
O reluzente ferro os campos ara, E os oíTos fem viger mal fepuítados Q^ a guerra rigurcfa aly deixara Vai defcobrindo em margés legancados^ Ceres nos louros campos pouco aufira. Porque de humano fangue eftão regados, O laurador contenta o So!,& as flores. Tem na paz outra luz.bellcza,& cores.
Ec OCcndc
o CONDESTABRE DE PORT:
*
O Conde dando a Deos fempre a vontade, E à vida hum pafTâtempo honcílo, & Icue EmMoDtemórdelarga infirmidâde Hum muy comprido tempo prefo eíteue: E indo ja dando ás forçâs liberdade Hum recado peDoro,& triftô teue, Qus era o Príncipe Affonfo falieciáo DelRey primeiro íilho^ôc mais querido^
Com o pezar deftas nouas rigurofas Sentio a infirmidadc mai^v pezada Tviandou fazerihe exéquias fumptuofas Com a pompa dcuida^ôc cuftumada: Depois cobrando as cores graciofas Qtie da faude dão doce embaixada De dò cobrio aos feuS;& a terra, Sc neíle Por moftrar feu pezar tambcm fe vefte.
Mas pouco cempo em tais obras reparte. Que apreíTado delRey chega hum corrco Q,ue quer jurar por Principe a Duarte Que tem dealta crperança oreynochcos Para Leiria alegre o Conde parte Donde o Rey íica>& lhe cila carta veo A villâ cheg3>5c pondo os olhos nella Vio que nunca antes vira outra mais bclla^
Vioaquelle edifício leuantado
Sobre o profundo vão de altos rochedos De doas tam claros rios rodeado Pouoados de Soutos,& sruoredos, De flores naturaes veftido o prado, Que aos defcuidados olhos fazem ledos D tfcubcrtâs campinas, claras fontes, Engraçados oucciros^ frcfcos montes»
Odocô
'CANTO XIX. • tiB
O doce pátria minha dcfejada
Nunca efquecida em mea vcrfo amor ofo, Q^e quanto fois mais bclla, & celebrada Tanto fcmpre do vos foa mais queixoíb: Sc amor que he natural refpeita a nada •iVlâis que a feu fim, que he íer raâis generofd Bem p^go eftou do muito que vos quero Poisnemtemoa ventura, nem na efperor
Não me queixo ja agora, nem confio Do que tu forte a tantos não declaras, QuedeuoaoLena, 5rLis meu brando rio Sem eoganofo pego as aguas claras: SeJ5tyranDOOtempo,oufejâ pio Eííreilas liberais, ou fem^pre auaras. Que em tuas aguas vejo o Lis muis bellas Os bés do tempo, & o rofto das eftrcllas.'
Aqui depois das feílas, Sc alegria A ta! aílo, & a ta! Rcy conueníente Como CõdeftabreelRcyfe apatta hum dia Defuiando de íi toda a mais gente: Por húavega alegre que a!y auia Tamfermofa,tam verde, & tam contente Que a qualquer parte, aonde a vifta alcança Tudo he de flores cheo,ôc de efperança»
Aonde por húa parte o vagarofo Lena entre os aruoredos efccndido. Tocando a rama o vento cobiçofo Por entre os fexos faz doce roido: Por outra o Lis mais claro, & mais fcrmofo Polo prado em regatos repartido Com flores a verdura alegre cfmalca; E cm cobras de criftal correndo faíta»
Ee z ' AIx
o CONDESTABRE DE PORT.
A!y com o rofto ledo. ôc defcjofo
De nos olhos dcfeotranharlc o peito
Começou a falarlhc o Rey famoío
De íeu defejo, ôc obras fatisfcito:
BemfeiNunalures claro, Scvalcrofo
A quem Portugal fica hum termo cftrcito |
Quanto vos deuo, & que me tendes dado 1
Com o nome de Rey o mcfmo eftado. 1
Deiuos tal dinidade, & tais penhores, Q^je mui pouco de vos me auentajei, Efe num reino ouuera dous fenhores luntamente comigo fôreis Rey, Mas como os meus defcjos faô maiores. Que tudo o que me fica> & que vos dei Pois do meu reyno, Sc terras mais não poíTo Quero que o fangue meu que feja o voflTo*
Tendes de voflTos bés vnica herdeira Beatrisfermofa filha, & defcjada. Que com afFciçâo pura, & verdadeira Eu atalhei tègora o fer cafada: O ramo quis guardar deita Pereira, Que em meu tronco real foffe enxertada Para''qucofrutodeliâaque o ceo ama Se raoftraíTe melhor na vofla rama»
OPrincipe meu filho vos ofFreço Para feu companheiro, & feu marido. Que pára o alto fim defte começo Com outras efperanças foi nacido: Por minha nora a amo, a quero, a peço,' E a vos por mais parente, & mais vnido Eímaltedefta liança húa amifadc Chêâ de tanto amor? tanta verdade.
O Conde
CANTO XIX. tip
OCoDdcatais palauras humilhado Lhe toma a mSo, & o Príncipe o Icuanta Alto fcnhor ( rcfpondc ) cflc cuidado Qoanto me obriga mais, menos m'cfpanta: Pára mi fó fcr voíTo he fer honrado
- Sc por voflb mereço gloria tanta
Comover minha filha em tanta gloria. Mais foi darme eíle fcr, que eira vitoria.'
Bem fci que os meus feruiços tsm menores Tam pagos d'antc mão ja com o dcfcjo* Que nunca podem fer merecedores Dcfte tam grande bem que agora vejo: Mas fc eftcs braços meus, que vencedores Vío ja o Guadiana, o Douro, o Tejo O quenopeicoefta moftrar podersõ Pâgaraõuos melhor do que vencerão^
porem claro fenhor, fc o meu deíTcnho Podccmparte atalhar voflá grandeza Menos do que me dais a pedir venho. Porque ifto fò me pede a natureza: E he que cffa vnica filha, 8c bem que tenho A quem vos qucreiâ porem tanta alteza Antes fique o;a terra por fcr minha. Que o meu nome acabar cõ o de Raynha»
Hum filho nattjralfamofo, 8r claro
Tendes fcnhor que vos naceo primeiro, Qoe eu de meus bés, & terras pouco auaro Defcjaua fazer em vida herdeiro: Para ifto a voflTo amor vnico, &raro Tomo por valcdor,& por terceiro Concedeime cfta gloria, & vereis cedo O que ha de rcfultar de meu fegredo.
Ee j Gozarão
o condestabredeport:
Gofarãovoffos claros defcendentcs Não fó dos que atéqai me tendes dados. Mas de amigo5,vaírallos, & parentes De que ferâo fcraidos, &c ajudados: Nacerâo varões fortes, & valentes. Que occupem os lugares mais honrados De voffb^ô^ d outros reynos cooucíinhos Abrindo a ífto o ceo vários cantinhos»
Senão fazei de mi qual voíTo gofto
Por vos feruir melhor quiler que e u fcja Qu'cm voffâs mãos pus íépre>& tenho poftò O q hus põem na ventura, outros na inueja: Seafazermctamgrande eftais difpofto, Porque a voíTa grandeza em mi fe veja Como ei de negar cu confentimento A bem tam grande,a tal contentamento?
í^gitas razões trás cftas dcfpendidas No regando concerto fe aíTentáraõ Por algum tempo âs vodas diíFeridas Que (como inda ouuirci*j)fe cfFeítuàrâõ| As graças dcftc bem ao eco deuidas. Que em pios corações nunca faltarão Foi dar o Condcftabre a mefma hora A Virgem de Deos miji de Anjos fenhora^
Eftâ ao pè dos paços do caftello
Sobre aquella alta rocha aleuantado Hum fumptuofo templo altiuo»& bello Que a Senhora da pena he nomeado; Nos pilareSjColumnas,& modelo Nííquelle tempo illuftrcA celebrado Com os artigos defpojcs que ficáraõ Das qedras que a Colipo bum tépo honràraõl
Aly
CANTO xix: líi
Aly áepois que oroa^mais fatisfcito Dô feu defcjo andando fc detinha A paíTada de huni muro jâ desfcitoi Que com húa torre antiga ajuntar vinhsi Por hum portal efcuro muito cftrcito, O^ue ao fundo de hus penedos encaminha Hum vulto vio queentraua,- ôc por íeu nome Chamando a dom Nunalures fe lhe fome.
Por fer o paíTo efcuro, & defvfado Entre enredadas eras efcondido Foi trás dcllc fcguindo o Conde oufadd Com a efpadâ âpunhada,& fcm ruido: Num corredor fe achou mui bem iaurado Sobre columnâs Góticas erguido Acnjehuacftreicacfcâdâlhe apparecej Que mú pode julgar para onde dece.
Mas vendo aquella entrada tam fegura Deceo por cila ao efcondido centro Por ver que gente eftranha, ou que aucntufà Podia auer naqucUa cooa dentro: Quero ver fe ifto he caía ou fepultura R^soauâ entre fi por onde cu entro. Quem delia me ch9mou>fe he gente humana Se hc fombf a que me bufca, ou q me engana^
Dsceoa efcada em voltas rodeada Até parar num quadro onde cahía, Eâly achou húa porta aleuantada. Que em ellc aly chegando fe lhe abria; Patente,& liure moítra a larga cntradaj! E tal o interior lhe apparecia, Qje bem daua aos olhos claro indicio Que era de encantamentos o edifício*
Ee 4 EdeÍ2
Ò CONDESTABRE D EPORT.
E deixando o feu preço tam viftofo,
Que aos fentidos mais liurcs affcmbrarâa Entrou na faia o Conde valcrofo. Que inuiíiueis miniftros fabricarão: E quâl fe a vira o Sol chio^ôc fcrmofo. Ou feos rayos continuo nella çntràraô Eftauâ tam fermofâ,alcgre,& clara. Que o mefmo Sol a luz delia inuejára.1
AtrauelTando a cafa húa donzclla Para elle veyo alegre, ôc comedida Do rofto tam modefta,humildc,& bclla Como ayrofa galante, & bem veftida: Do mefmo trajo aigúas vem com cila. Mas por fenhora he logo conhecida Saudando cortês ao bom Pereira Lhe começa a fallar defta maneira^
Não vos altere a cftranha nouidadc
Alto fenhor,que a qaem a cftc apofcnto Vos traTjdeueis ha muito húa vontade. Que ante vós deue ter merecimento. Outrem a ha de pagar. & em outra idade^ Terá fim dcfta obra o fundamento Com o foberano fim d'húa auentura Que o tempo efconde cm efta íepultural
Netafou de hum muy nobre cauallciro Cuja hiftoriâ he muy lârga,eu fer ei breuc^ C^ no tempo de AfFonío o Rey primeiro Elte caftelío cm guarda hum tempo teue,- Ainda dofangue antigo,& verdadeiro A que eíFc nome voílb origem deue, Q^ agora fem primeiro, & fcm legando Mais claro iada ha de fet que o Sol no n:. údo.
PqUo
CANTO XIX. : íii
Pollo roubo que fez de hua donaella, Que cícondida a fcu Rcy trouxe configo Para poder goíaIa,& dcfendelia, E atalhar fua morte,& feu caftigo: Guiado da veotura,ou da cauteiia De hum Mouro fe valeo feu grande amig® Q'je de mortal afronta el!e íabâra Quando a bella Leyria o Rey tomara.
Eraeftc Mouro aftuto, & poderofo Sobre efpritosimmundos, & profanos Magico encsntâdor marauilhofo Famofo entre os Numidas Africanos: De dar a troco a vida cobiçofo A quem guardara a fua em iguais dannor Em efta coua occulta, & não pifada Fabricou nouí^mcnte outra morada.
Com elle aqui viueo femprc encerrado Tèquc chegando a vitima partida Tendo hum filho do amigo doutrinado Naarte de cfpritos vários aprendida Deixando efte lugar todo encantado Eafepulturaaosolhos efcondida De ^mbos fc defpedio, & em tempo breuc Traz cUc o charo amigo a morte teue-
Viueo depois Arminio, que efte era
O nome de meu pai que a força, &c rogo Também por outro engano aqui trouxera Aquedandomeavidâ a perdeo logoj Tamíabedomaarte que aprendera. Que efcurccia o Sol, qualhaua o fogo, E i^ormaua no as confuíamentc Machinas, edifícios, guerra, & gente*
Deu,
o CONDESTABRE DE PORT}
Dca por fruíto de fua larga idade, E da arte que fabia fca, Sc cfcura Hamliuro de alto preço, & de bondade Onde efctitâ ficou minha ventara,- Onde ]i dcfde grande antiguidade Te a idade prefcnte, 8c a futura Retratados eftão por vários anno$ Os varões Angulares Lufitaocs.
Encantadas as foihas por ta! arte, !^
Quie o Hecoa que entralTe efta morada Só podeíTe chegar tè aquella parte, Q'jie dos fados aqui lhe cftà guardada, E porque vô^ inuiâ:o>&: nouo Marte Em quem a fama cftá fcmpre occupada Éreis fim principal, & o melhor meio Dcfta prifaò que cu paflo, & defte enleo»
Tempos muito compridos,diíFcrentes Tè veruos eípcrou com graõ defejo Deixandome eftas horas tam contentes Eu que o principio a meu remédio vejo: El!e vos dera as armas cxcellentes Qíie na terra aonde maisfeefpalha o Tejo Por vos armar, nouel fe hiaò bufcando, Reynando com Leonora o Rey Fernando^
Elle em habito humilde, & pcrigrino Vos temperou a efpada luminofa Qoe o barbeiro fagaz^da paga indino Voideucomanouaentão bera duuidofajj A cujo aço luzente, & corte fino NenhCii alhea força he podcrofa, E poíio que efta vioda me importaua A voíTo pai fâUou quando caçaua.
Tratou
'CANTO Xl^^ ííí
Tf atou de voffb illuftre cafamento De Cttjo fruto Europa toda cfpera Eterna fâtna, eterno vencimento, E o defterro da ley barbsra, & fera, E porque nefte mca raro í^pofento Vo« não podeis eftar quanto eu quifera Vamos vereis a eftranha m^rauilha Do varão fingular de qae fou filha»
A ifto o Conde eftá como efpantado Lembrandolhe os finais do que dizia^ E a donxcHa cortes, brando, inclinadoj Com mui brandas razões fe cffcrecia; Moftrandofc queixofo, Sc magoado Do tempo que inda o fado differia Do feu antigo, & iojufto catiueiro Defejandoferelleo cauâlleiro-
Depois da noua offcf ta cobiçofo Aoutroapoufentoolcuâdc criftal Em cuja porta hum drago rígurofo Prefohumercudotem de Portugaf; E por cima de hum globo luminofo Doutro mais claro, & lúcido metal Eftaua o liuro eftranho, Sc grão thefoufO Brochas de diamante, &:paftas douro.
Com rcfpeitomcigrandeâ& cortcfia Qual moftrou a donzella com que veyo Sobindo âlgús degraos que ante ellc auia O liuro abrio de marauilhas cheo; Abrindo o próprio fca retrato via Tam natural que era hum viuo enleou E a filha defcjada illuftre, & bella, £ o que hum letreiro diz> Uâ a donzella?
Dom
o CONDESTABRE DE.PORTÍ
Dom Nunalures Pereira, em fua idade A de ouro a Portugal rcftituida, D ara ao rey no alem da liberdade Eftafiihâfâmofa,6cbem nacida: Dâqualhíidefertoda a Chriftandadc SameâdadcHeroas cuja vida Com mòr gloria do fcxo feminino Occupàraôoaílanto criftalino.
DeftaBcâtrisCondcfla venturofa Ifabeí nacera muy dcfcjada Do ífFánte dom loão ilbftre crpofa, E fobrinha tam nobre, quanto amada: De cuji geração alça, & famofa Ficara toda Europa mais honrada Dando primeiro ao mundo hum domDíogoJ Que a morte em tenros annos vença logo.
DcftanaccPcatrisclara^ 8c difcreta Trás de Felippa mort4 em tenros annos Da primeira Beatrisditofa neta, Emáido^^Reysmais claros Lufitanos: A quem fâuorecendo o bom planeta, Eícus merecimentos mais que humanos Cafâracom Fernando IfFante claro DeiRey Duarte filho, & noíTo amparo.
Dclles hão de nacer ao reyno amado loão, Duarte, Diogo, & dom Simão, QMeporrazãofccrcta ordem dofado^ Todos hão de acabar fem geração* I"?^bel de Fernando Duque oofado Tiíle conforte em grande confufaõ, ELianorRaynharara ao mundo Companheira do Rey loão o fegundo^
Manoel
CANTO XIX ÍÍ5
Manoel Reycatholico,& prudente
Conquiftadormagnaninio, Sc guerreiro Defcobridor das terras do Oriente PáidoferenoReyloâoo terceiro: De quem naccndo o Príncipe cxcellente De fcu cetrO; & virtudes claro herdeiro Sebâftiâoprometeaquca ventura la faz na ardente Líbia a fepultura»
Ifabel, & loão darão ao mundo Do feu nome outra filha fobsrana De valor grande, & de fabcr profundo BôlIaRaynhaa terra Câftclhana: Gafara com loão delia o fcgundo. Dos quais outra Ifâbel procede, Sc mana, Que morto o pai, 5c irmão que o Tejo chora De reynos mais que o fcu íerá fenhora.
Cafarâ com o católico Fernando De Aragão,dc N3uarra,5c Catalunha Principca quem Romacftà guardando As Águias que no cfcudo a Ccfar punhaj Os católicos Reysfe irão chamando Appellidodocco^ditofa alcunha. Que haô de hõrar tãtos Reys feas defcédétes Conquiftar terra, & armas diíFcrentcs.
Nacéraõ cinco filhas vcnturofas ( to
Deftcs dous Reyes q a Hefpanha bõràraõ tan Tam illuftrcs na terra, & tam famofas Quam aceitas ao ceo fereno, & fanto: • Ifabel não fera das mais ditofas. Que morto o charo efpofo que ama tanto AfFonfo a Portugal Príncipe amado Caía com o facceflbr do mefmo eftado.
Acfta
o CONDESTABREDEPORTJ
A eíla Âparca tnifcra, & cruel
Mata de parto em terra eftranha, & dura Dsixandovíaoo Príncipe Miguel, Q£C afsi inue jâra logo a ventura: Tornando o Reyinuido Manuel Para lhe dar na pátria fcpultura Deixando fepultâda a companheira Dos reynos de Aragão Princefa herdeira»
A fegundâ he íoana â!tiu5, & bc!!a
A quemFclippe de Auftria hc doce efpofoj E Qacèrão ao mundo delíc, & delia Carlos o quinto Emperador famofo- Defte, & d'outra cambem noíTa Ifabela Filha de Manuel Rey venturofo NaccFelippeinuido, &de!le o grande Filho, que he bé que o mundo rcja,& mande,
Nace ao mando também outro Fernando Rey de Roo^^nos logo, & Rey de Vngría,' Que morto Carlos, logo o facro bando Emper^dof elege, ordena,& cria, Do qual em toda Europa íuílencando As columnas da fé fagcada, & pia Nace o grande Maximili^no^ E outro Fernando, & Cario fobrc humano^
Nsce Anna; que o Duque de Bâuícra Alberto^porerpofaeítima, & ama, DosquaisoArchiduquc Csrlo efpera Cõforte de igual fângue ôcde igual fama: E Arcebifpo Colónia coníidera. Que có nome immortal Hcrnefto chamai E de Carlos nacendoeftâ ao mundo A mulher do terceiro Scgifmundo..
De
CANTO xix: ;2i4
De Poloniâ,& Suécia Rcy faiiiofo, Eferà Aona onomedaRaynha, E naccrá de Carlos venturofo- Outra filha daquella illuftre linha, Qac o herdeiro íab!ime,& podcrofo DoDuqueFerdinando muiafinha Fará fenhora da Tofcana terra PoMo fangue,ôc valor que a dama encerra.
Nace a Fernando logo outra Duqueza Maria que he de Cleues eftin:í2da, E a filha que mais 3mâiCftimâ,& preza Com o Duque de Noibarg he deípoíada^ Ludouico do fangue, & da nobreza Da cafa Eleitoral tam celebrada Dos Condes Palatinos que o Rhin gofa Com geração illaftre,& vcnturofâo
Nace mais de Maria oatra fenhora De loanc eftimada companheira Duque de Duipont que o Rhin namora Da mefma cafa illuftre, que a primeira, E outra da de Prufia vencedora Faz o Duque ditofo noua herdeira Gèfação,qac orna, il!uftra,& acompanha Afagradâ coroa de Alemanha»
Nace mais de Fernando a Segifmundo Rey de Polónia sbella Cathcrina, Q.Qe Duqueza primeira foi no mundo De Francifco de mantua mulher dina: Nace loana a outra que cu me fundo Que não fera no eftado perígrina Mulher de outro Francifco foberana Duque do grande cftâdo de Tofcana»
Defté
OCONDESTABREDEPORT.
Defte Fraocifco,& delia vem Maria
Mui her de Henrique o IIIl* Rcy de França
Senhora de grandeza, & de valia,
E cl!e de íingular nonjc,& de lembrança:
Da cafa de Borbon cabeça pia
Depois que com o cftado faz mudança
No tempo que os veíínhos potentados
Andão de immundos ritos fâmeados.
De Fernando também nace Lconora, Que outro Duque de Mantua engrandece E Ifabel,que com caufa fentc,& chora O que com a belia irmã defta fc efqueccs Nace outra valerofa»& graõ fenhora Barbora que Ferrara reconhece Pollo feu Duque AfFonfo pouco auara, EabellaMargarita,llcna,& Clara.
De Maximiliano nace o claro
Rodulfo Empcrador pio,& fagrado Mathias,\renciílaoJHerncfto.& o raro Alberto a Lufitania hum tempo dado, Qoe lhe ha de tirar logo o fado auaro Para lhe dar de Flandes o Condado Com Ifabcl fenhora em terra eftraha Filha do graõ Monarca, & Rey d'Efpanh3r
DomcrmoEmperador nsce Kabela Mulher do nouo Carlos Rcy de França, E Anna não menos grande, ou menos bclla^ Que encherá a toda Efpanha de cfperança. Mulher do Rey famofofenhor delia De quem a fama hz doce lembrança Felippe o fegundcíclaro herdeiro Que ao reyno Português fera primeiro.
Do
CANTO XIX. %ii
Do C^rlo valerofo. & Principe cxcellcntc, Dí. MAxioiiliânoircnâo íegundo Nace deHeípinha à belliccíâ gente A Raynha quemâis celebra o mundo: Mirgàritacâtholica, Sc prudente, Cujo peito m^gn3*-iimo, & fecundo AFcrlippede H^fpanhaRey terceiro Dará cafa immortal, Sc ^hUjo herdeiro*
Deíoanna ScFelippe inda procede Lianor de Manuel alta conforte, Q25 ^IR^sy Franciíco s Lufit^nia pede Depois que o efpofofeu Iheeciypfs a morte E Maria que ao Sc! fernaofo txceóQ, Que a VDgriâ ôrLudouico coube cm forte, E outra Raynhâ a Dinamarca dada, Q^irabella tombem fera chamada»
APortugilo ceo dá Catherina Rp.ynhaaitiu3, grande, & valerofa Do terceiro loão conforte dina Na geração mui pouco venturoia: Mày de loão. & auó do qtie a ruyna A pátria ordenara tam Isftimofa, E de Maria, aqual morrendo deixa Carlos por quem a terra ao ceo fe queixa.
Do« câtholicosReysfemoftra agora De Dinamarca, Sc Diícia a grão Raynha Filha, que de Criftierno fe namora, Eípofa fua, illuftre nefta linha: Dellesnace Chriftierna graõ ícnhora. Que Duqueza a Milão guardada tinha C> rado, m^ascortoulhcde inuejofo Fcaacifco Esforciao Duquctam famofo.
Ff E atrás
o CONDESTABREDEPORTJ
E atras deftcFrancifco mal logrado Goza outro> que do cftado de Corenã Será famofo Duque celebrado A quem a fama hum nouo templo ordena: Deilesnacerà Carlos Duque amado,
, Que cafará com gloria não piquena Com a íiiha de Henrique Rey de França, Queonomedefcgundo ncUa alcança^
DôftenaccChriftierna generofa Efpofa de Fernando o Florentino^ E delles outro Príncipe que goza AqucUc império grande, & perigrino^ Da primeira Chriftierna vcnturofa» E de FrancifcQo Duque tam benino Concede a venturofa fua cftrella Ao Duque de Barzuich efpofa bella»
DoscathoUcosReysnace Maria,
Que a Portugal virá fcgunda cm fortei Que apcs a morta irmã dcuotâ, &pia He do Rey Manuel chara conforte. Cuja fama, & valor de dia em dia Irá acanhando a efcura ley da morte^ E cuja geração famofa, 5c fanta Ao ceo da terra humilde fc aleuanta»
Dcftes virá loane o Rey terceiro Tam amado do pouo feu íeal Luis o claro ífFante, Sc verdadeiro, E outro que corta a Parca dcíigual: Duarte o excellente,& claro herdeiro Do fer, honra, & valor de Portugal O qual dará ao mundo outro Du^rte^ Que inueiâf âõ Mineruâj Apolo, & MarteJ
Eàcafa
CANTO XIX. iií
EàcâfâdcBargança peregrina
For Ifâbel, que Duarte alcança dcUâ Daràââltarenhora Catherina Prudente, fabiâ, pia, honefta, Sc bc!Ia> Que na tormenta efcura, & repentina Sempre oioftrarà luz de firme cftrella, Aquâl porá entre ellas a ventura Na fuaíarga idade inda futura.
Delia, & íoão o Duque engrandecido
ViriTheodofioaquelleque em grandeza
Fará fò fer no mundo conhedico
O preço, & fé da gente Portuguefa:
Que de Anna, cujo celebre appellido
Hefpanha tanto cftíma,inuftrâ, & preza
Tem o Duque loâo profcpia dina,
E a Duarte, Alexandre, 8c Cacherínâ»
Dará Duarte outra gentil Princcfa Maria dos Farncíeos honra, & gloria Que Parma tanto cftima^ & q ama, & preza Alexandre varão de alta memoria: Dos quaes nace Rainucío em cuja emprcfa O tempo tecera comprida hiftoria, E Duarte que a cor trará veftida, Que o coral tem nas agoas efcondida-.
Dará mriis Manuela terra eftranha De feu tronco real famofas flores líâbel ao império de Alemanha ASiboiâBsatriscommil louuorcs: De huaos Reys nacerão da nofla Hefpanha Daoutra de Piamonte os fucccíTores, Que cãbé cõ os deHefpanhâ>& cõ os dcFrãça Faraó para altos bens noua iiança.
Ff a ' De
o CONDESTABRE DE POR T*
De Beairís; 6t Carlos o terceiro
Daque <( Sâboia nacc ao mtírno eftado
Manuel Felisberto illuftre herdeiro
Com Msrgíirita altiaa defpoíado
Fí.ha dobomFrancifco Rey primeiro
De França tsm famofo^ & ceie. ri^do, |
E dciiesnâcerá cem grande gloria
Carlos, Emanuel de ^ltaa:ivmcria.
Defte.& de Catherina gencroia
FiihádogrãoFclippe Reyde Hefpanha
Nacc Vitorio, Sc geração t?mon>
Çljc ha de dar hoora, Sc lu>: a cerra cftrâoha
QueaLufitania j> m:ús vcnturofa
Com o nome Português inda accmpâtiha
Gozando a renda liurc, íargâ, & frsnca,
C^ 20 Prior do hofpita! deixa a cruz branca;
DâMinusl Affonfohum Cardeal,
EH;ínriqae que na idade tim madura O cetro indâ terá de Portugal Q£3ndo delis íc eíqueça jaa ventura^ Q^Qindooferoíobnnho difigual» Q^dilíítar o império feu procura Lcuaodo a flor do reyno a ta! pcngo O fifâ perecer com o Teu csftigo»
Dosc^tholicosReys a derradeira Filha que cite felis numero encerra He Côthcrína ciar i, & verda dcira Du*s ve^cs R^ynha de Inglaterra: Com Artur delpofâda ave? primeira Com Henrique a íegunda quf5 a defterra, Em.o Tiumero oótauo em cujos annos Começarão ao reyno grandes daotio^.
Deite?
CANTO XIX. %%7
Dcftes nacc Maria, que conforte De Felippe fctá fegundo Hífpâno A qaem ro\iba primeiro a dura morto Oacra do mefrno nome cm noflb dano; Oatra Raynha n^^ce altiua, & forte A quem fco pertinaz, & falfo engano Fa?. borrât dèfte líuro, & dcfta hiftoría E outros indinos ja de honra, & memoriai
Aqui fa^ia fim efta cfcritura, E o Conde ira diante pretendia A outra folha voltando, em íombra efcura O líuro,acafa, & tudo fe encobria; O Drago que na porta em grande altura Com o cfcudo luzente apparccia Para elle vem voando, & a donzclla Nema vio mais, nem foube o Conde delia*
Leuou a mão ligeiro â forte efpada,
E em tocado o Dragão com hum golpe duro
Defaparece a machina encantada,
E acha efperando os feus junto do muro;
Do que lhe aconteceo não contou nada
Ficandolhe na mente o cafo efcuro,
E no próprio lugar grande auentura
Que âigúa hora vereis noutra efcritura.^
Ff? CANTO
o CONDESTABRE DEPORTJ
CANTO XX
Celebraofe as vodâs do Co de do A^onfo em Lisboa: Morre a Condena douéí Beatris em ChúnesiCotafe ofen timento do CondeUahre íeu^fú.é' ^ "^idx qfcz> ames^ (^ dePoís que a perde c: Vat com elKey dom loÃo na. to tnádA de Ceitu, & vindo relvar te tudo o q tinha afeus netos,é*cv'Hdôs (^fefaz, religíojo n^ molieiro q edU úcoti A no^a. Senhor A do vencimeríto do monte do Car^^ mo: ContAfsfm obferuánte vida^d;* religiofa morte*
J E tempo ò Mufa minhs tsm querida P De ir âmaiDãdo a vella agora em t^to 1 p0 11 Deícaníar de jornada tam comprida &aft^l Tomar portoc dar fim aonoíTocãto: MoftrâDdo o que tam forte foi na vià^ Como na vidâ,&' morte foi tam fanto Contar como paíTcu da vida á gloria DiEofô fim ds tam ditofa hiíloria» PaflâdaiaafíintÃftica vifaò
Como fooho apraíiueí aos dormidos. Aquclicquccm Dcos tinha ocorj?çâo, A vida, os pcnfamentos, & os íentidos. Com o Rey chco de goílo, & de aíFeição la de Leiria amada dcípedidos. Vai celebrar as vodas>&: o Rey forte Cfasma os grandes do reyno para a Corte*
Na
CANTO XX. ÍÍ8
Nâ cidade de VlyíTes gloriofa Com real pompa, & igual contentamento Recebe AíFonío a deíejada eípofa, Eoccofeíleja o nouo ajuntamento. Em conjunção de eítrellas vcnturofa, Em claro dia, em celebre apoufeoto Tudo moítrand© aos homés âkgria Eftrelias, cco^ & terra, a cala, o dia.
Os principais do rcyno,^ dos alheos Osmaiscíâf08>iiioftres,& os melhores Ordenão varias juftas, & torncos Com letras, & tenções de varias cores. Hum pinta fcu dcfejo,oa fcas rcccos Outro o Cuidado, & fò de feus amores Na lança, outro no efctsdo, ou no vcílido Procura fer louuâdcou entendido.
Dotou dom Nuno o Conde valerofo Díí Barceiios a AfFonio o grâõ Condado Pena tieI>com Bafto & com Barroto Monte alegre orgulhofcôr leuantâdo A PicoDha,& Portelio pedregofo Baltâr^Âsco de Boulhe afsi chamado Chaucs com toda a terrs que a veíinhà, E alguas quintas que entre o Douro tinha»
E porque o Rey lhe tinha prometido Qíie o titulo de Conde, & dignidade Pois por tantas razões lhe era deuido  nenhum outro o deiTe em fua idade, Pedío que foíTe a AíFonío concedido, E eiRey que o não eft\ oua outra vontade^ Que em íi i[!uftra,o que no íii ho emprega De quanto o Conde pede, nada nega.
Ff 4 Dom
o CONDESTABRE DE POR T.]
Dom Nuo^lures com o fim dcfte defejo Deixou n Corte â tantos cobiçofa, Efcolhando das terras de AlemTejo A vill a mais amena>& vcnturofâ; Aonde cm ceíaõ madura, & doce enfejo Eíquccido da guerra trabâlhofa Os defcoidados atiQos que viuia . Ao mundo exemplo daua, a Deos feruia.
DeuBeatris CoodeíTa venturofa Primeiro fruto à terra Lufitana Ifâbel clara IfFaote generofa Gloria,& valor de toda a terra Hifpana; E AfFonfoalto Msrques,que com famofa Memoria a dos paíTados dcfengana, E o Duque claro,& pio dom Fernando Cuja alta geração foftes contando.
Nunca de galardão fica queixofo
Q^m ofFerece a Deos própria vontade Q^ue o defejo mais Iiure,& cobíçofo Se acanha logo cm fua immcnfidade: O noíTo Conde illuftre,& vàlcrofo Progenitor dos Reys da Chriftandade Se defprezou na terra bés menores Vede que herança deixa,ôc fuccelTorcs.
Qual Rey de toda Europa, ou qual Raynha, Qual I?rincipe famQfo,ou potentado Deftc ramo não prende, & deita linha, Qu5 o ceo tocando vai com tal cuidado: Se pouco caio fez dos bés que tinha Pollos que ja na gloria tem cobrado Daquelle pouco feu que a Deos foi muito Quantos Principes vão colhendo o fr uito.
Como
CANTO XX. , íiS
Como efta vida vã,caduca>& Uuc Tenha tantos pcrigos,& o falario, E direito fatal que á Parca átuG Em modo,&: condições feja tâm vario: Depois que â pátria terra dado tcue Eftethefouro amortetam contrario Morre de partocm Chaues brcuemente O quanto a grande perda o reyno fcnte»
O pay que como a vida lhe queria. Porque na vida,& partes o imitaua, E quantos bés da terra pretendia Para ella fò queria,& defejaua: Que então do Carmo o templo de Maria Com grande deuação fazer mandaua Da trifte noua imiga, & mal íofrida Quifera de paixão perder ávida.
Do feu grande juízo quafi alhco Partir qois para Chaues, & acabara O caminho de dor,& efpanto cheo Se a força dosfeus bõs nâo no atalhara: Logo em profundo pranto o pouo veo A ajudarlhe a chorar perda tam rara, E depois nas exéquias íumptuofas Celebradas com lagrimas queixofas.
Ficou viucndo o Conde os largos annos
Triftcs ( que a vida trifte he mais comprida) Naquelles feus cuftumes foberanos Seruindoahumfóíenhor damorte, & vida: Fora dos goftos falfos,váos,profanos Com que o mundo nos ceua,& nos conuida Seguindo os bés eternos verdadeiros Emprezâ dos mais altos caualleíros.
As
o CONDESTÂBREDEPORT]
As canónicas horas cada dia
Rczaua o pio Conde venerando ^ As matinas na noite efcura, & fria Como em Religião fe alcuantando: O corpo com filicios oprimia. Ásperas difciplinas cuftumandò lejuaua três dias na femana Fora os que ordena a fanta Sè Romana.^
DaasmiíTas ouuia agiolhado
Na:i ferias caftumadas fantamente Três ao Domingo, & Sâbâdo fagrado A Virgem pura. clara, Sc excelente: Em cada mes contrito. & confcíTado De Icues cuipâs humilde, 5c penitente Cada anno comungaua quatro veses Nas feftas principaes cada trcs mefes.^ •
De todas quantas rendas poíTuía
Das terras, &: mercês que o Rey lhe dauá O dizimo com os pobres defpendia, Qoe a íeu poder chegando fe apartaua: Todos cada dousannos os ?eftia Nas terras, 5c comarcas que maodâua Com ordem íingubr, 5c humanidade. Que a ordem faz mais bcila a charidade^
O fruto dos íeus campos que contentes Lhe dauão femprs â parte que lhe vinha Seguaráaaaem celeiros difFerentes E em couões que a tal tempo o rcyno tinha TèquedcMayo as fomes infolentes Apertauão aos pobres o detinha, E então com prouidencia cílranh^, Sc nobre Aíuaparcedâuaa cada pobrC;. ^ .
Com
CANTO XX: / 7Jo
Com a eftcrilidade deshomana.
Que csue Ivãvn anno o reyno de CaftelU Veo para entre o Tejo v*<c Gnadiana Com grande aperto a pobre gente delia: Exercitando aqaeila fober^riâ Celefte inclinação de Cuà eftrella Dosqaeá aqueiia comarca íb acolherão Neiihús nas mãos da fcme perecerão.
Quatrocentos em numero fe âchàráo Nâs terras que mandaua o vârão claro Todos por fiia ordem íe aliftársô, Qne â nenhum delles quis moílrarfe atJâro: Abertos os celeiros lhes moftfàf ão Qae nunca ja noii fcu? fora o pão caro QoG deftes quatrocentos quatro mefcs Cada hum te quatro alqueires quatro vezcsí
A caaalleiros pobres que apartados Víuiio com miíeriâ; & com pobreza, Que a vil necefsidade aos honrados He noite que os accanha, ôc que os deípreza^ E a outros que crâo do Rey defampârados, Q^eoferairãonafua antiga empreza, Mándâuaànda que lonje, em. cada hum anna-í Efmolas de dinheirOjtrigCiôc pano*
AhoneftasdonaspobceSi&adonzellas, Que outro tempo a ventura teue em conta Kâo fc efquecia o Condeftabre delias^ Liurandoas do pcrigo^ôc vil afronta, Mandaua com cuidado foccorrcibs, VeftidQS,6c o que mais acviucr monta, O varão do mor fer que o mundo teue, Qtianto vos ama g Ceo,ôc o mundo dcueí
O Condes:
D CONDESTABRE D EPORT.
O Condes, Duqoes, grandes potentados. Que tanto a vâidadc aleu3ntais. Aos pobres miferaueis, & acanhados, E aos voíTos appetites liberais, Qoe podendo atalhar tantos peccados A cantoSjSctam grandes rédeas dais, Oihai que exemplo a todos vos conuida, Para empregar em gloíia os bés d? vidà.
Com voílos bés na terra ide criando
Alies como outro Pfafon. muy mais bellas, Que leuem voiTo nome so Ceo voando Oauindofe na terra o canto delias. Ide degraos da terra alcaantando. Ate pizar os ardos, & as eítrellas, Sereis no muado grandes de tal forte, Qtje venceruos não pofla a própria mortc^
PaíTarãolcuesannos larga idade, E o Conde nefta vida a Deos aceita, Empregando em feos netos a vontade Qne antes tiaera a fil ha fatisfeita, O Rey que cm doce paz, fanta amifade, Qie com tantas vittorias tinha feita, Viâos Reynos vezinhos, &o feu pouoi Trata no peiro altiuo, intento nouo.
FâltauaaonoíTo Alcides Lufitano, Hír veros altos montes que ajuntou^ Como hua porta eftrcita do Oceano, O que as colunas nelle aleuantou, E âo Rey cobrando infido Mauritano, O que Rodrigo incauto difsipou, Com os amores da Caua, em cuja pena Deu a Hefpanha, o que a Troya Elena.
Qual
CANTO XX. 231
^oâlIanoaoThcbaDorigufofa, Qjc a fama encre os perigos lhe procura Quâi árdua emprC2a,& forte duuidofa. Qual monftro quí^i gigante ou .Quentura? Qual hj^draferâ ouíefpevenenofa, Qual Ccrbero infernei da Couaefcura, Qjal perigo moft^^l.&occuko cngsno, Nâotsuc o noíToHeroa Lulit^no.
Faitoulhe húà Lianor,qae ií jufta mo?ts Com t^nt^sfcmrâÃÕes lhe prctendeo, H jmRsy jufto,ânimofO;& muy mais forte Em buícarlheos perigos que Euriílco, Mil moultrosdcliguais de varia íortc. Que com prúdencia>& Força ccmbateo, Inuejas infernais traições, perigos, C&pitães vâleroros.Rcys imigos»
Monftfos quô contra a pátria kuantados A tinhâo poíla a ferro amargamente, Mais ferozcsj*ngratos, & indinados, Que quantos deu a Fera Libiâ ardente; M35 porque eflcs perigos ac3b5do5 Sefí/.cíTc immortá! deiiidam^cnte, Foy paíTar as columnas que primeiro Pos por limite o meno.s verdadeiro.
Os defcuidados pouos que viuiâo
DaopreíTr^õmtUtarde todo izentos, Nouos tambores ja na terra cuuião. Tornando a conuerfar duros fargectos, Oà antigos arnezes que pendião la gaitados do tempo 6c ferrugentos, Acicalâo de noao os moradoí es. Tingindo o ferro azul de varias cores.
As
o CONDESTABR£DEPORTJ
As refcnhâs, 8c ahrdos fe rcnouão. Os noueis fe cxercitâo com cuidadoi Ginetes Hcfpanhois o campo eftroaãoí Q^ie cortar cuftomaua o curuo arado. As adargas, cfcudoS;lanças prouâo. Que o tempo,& o dcfcuido tem gaftâdoj Armanfe fortes nãos, gales ligeiras, E outras cmbarcsçòes de mil maneiras^
Fazfe cm Lisboa hQafoberba armada. Qual nunca atè feu tempo vira Hefpanhaí Sem fe entender o fim de húa jornada. Em que a defpeza raoftra o R.ey tampinha,- A Chriftandade toda aluoroçada, E temerofa toda a terra eílranha. De Aragâojde CafteUa, & de Inglaterra Embaixadores vem,âo fom da guerra*
Mas o Rey que no fundo peito cfconde O feudefenhoaltiuoôcfoberano A todos fatisfaz,m3ndâ, & refpondc Dando a fcu vão recco o defengano, E dcfcobfindo ao valerofo Conde Aquclle coração maior que humano Co;itra o bárbaro imigo dafcfanta Por timbre deftacmprezaacruzleuantai
A gente ajuntados capitães reparte.
As nãos de verga em alto as ondas tocãp,' A coda a parte fe ouue o (bm de Marte, Que as trombetas beiligerâs prouocão As LuíiCanas quinas no eftandarte, Vo\ tando para o ceo fauor inuocão, EIRcy fe emb«írca o Conde com feu genroí Duarce,Pfidro,Hcnfiqus ííFâute tenro*
Coftãa
CANTO XX. ill
Ccrtão a branca efcuma crefpa, & fri^. As proas entre as ondas inconftantcsp O vento as vellas concouas fazia, Eostoftados remeiros vãobogantes, O mar cheo de efpanto, & de aíegria Dos vencedores fortes nauegantes, O fundo tnoae afombra ás braticas vellas^ E a Neptuno efcurcce o tcmór delias.
Nefta via q uc a tantos era incerta, Tonoou a frota o porto defcjado Na ardente Libia plana,& defcuberta. Do monte Athlante antigo, & kuantadoS Aonde com o vento o mar íc defconcerta^ Da noua gente, & guerra alooroçado De tal forte,que a fúria da tormenta, A viuâ morte a todos reprefenta»
p Rey ncfte conflído fc apartou
Para a Angra coma gejDte acuftumads^ E o valcrofo Conde tô ficou Com o encargo de todaaquclla armada^! A noite & o outro dia o mar bramou, De Maura gente a terra eftá qualhada,^ Os capitães ao Conde eftào rogando. Que vam morrer em terra pelejando^
Tc que daquelle porto,& do perigo
O chama com mór preíTa o Rey famofo^ Na terra defembarcâo do inimigo. Que efperandooeftá pouco ociofoj Mas quem diante a Deos leua configo,' Em todo o rifco,& trance pcrigofo. Tem certo o fauor f€o,& o vencimento^ Qu^ Qelle he mais fcgoto o fundamento-
Foy
o CONDESTABRE DEPOR T.
Foy Ceita entrada a forte, & bellicofâ, líiexpuoauel, &: '^fpera cidade, Compsrdaao vilM&foma aíTas caftofa^ Emterf^íTe de CQ-^sa Chrifteindadc, Empresa. íanrâ emprcza venturcfa, Dina de hum R-^y de tanta hamanidsde, Acabada com d glorias de hum fucceíTo, QueporDsosreuô o fim nellc o começo«
Mi~.porqae em outra hiftoria dííFereate, Tem lugar grande o? hitos defta empreza De tanta inueja aos grandes do Occídente, De quanta g!ori'^ agente Portugaeza, N-í qu i| com canto esforço, & tam prudente, S$ oaue o g^aõ Condeftabre, & ta! deítreza Deixo os feitos da entrada, & da vitoria, Aos outros cfcritores deftahiftoria.
Com o defej^do fim defta conquifta, Voltarfeo Rey quer ja ao Rcyno Pmado^ E ní>qucllc perigo grande à viíla, E maior que na viítacxpfiment"<do. Deixar quer capitão que afsim rcíiftâ, A o bárbaro potente, & frontado. Nenhum aceita o pcrigofo encargo, Q^ue pede o bom Meneies por fcu cargo»
Dom Pedro digo exemplo de vplentes UéViilarea! Conde 8:: de Viana CQJos-claros,^: iiluftrcs defcendentcs São rayxis contra a fúria Mauritana, Dos quaes os feitos raros, & ^xce!lentc$a Dão noua gloria à terra LuGtâoa> loueja aos eftrangeiros vencedores, Matéria a muyíubi dos cfctitores.
CANTO XX. isi
Ia outra vez os leua o manfo vento A terra que de Vlyffes foi fundada; Que com dcoido, & graô contentamento Fcfteja a vinda ja da bclla armada, Saluão da terra o dcfcjado aíTcnto, Com aluoroço 6r grita acuftumada» Lanção amarra logo, amainâo vcllas, Tocãocaxas, trombetas, charamcllas.
O Rcy na populofa 8c graô cidade. Em quieto foíTegoíe aíTegura, Ea fua antiga & veneranda idade, Q^ual foi o curfo; à vida o fim procura, Fazendo com graõ pompa, & mageftadc^ Aquella tam famofa fcpultura, E templo dino de immorta! memoria. Da Virgem foberana da Vitoria.
E porque a deusção tsm fanta,& pia. Não paraua na Igreja que fizera. Ao nome purOjSc fanto de Maria, Em cujo dia Sc honra elle venccraj D ãs monafticas ordés efcolhia A que mais dedicada â Virgem era. Por razão do Rofario milagrofo. Que oPâtriarcha fez fanto, & famofo.
Aos feus relígiofos efcolhidos
De exemplo fanto,& fama perigrina, Aos quais todos loauores faõ deuidos Por fingular virtude,& por doutrina. Entrega os edifícios tam crecidos Em pcrfciçâo,em renda Iarga,& dina, Aos fâcrificios íeus,quc acrefcentarão Os Reys que aly depois fe fcpultarãO'
Gg OCon?
OCOííDESTABREDEPORTi
O Condcftâbre a quem fcu pcnfamento Sobre as eftrcllas põem mais fií me 3 p!ar>ta Noutro edifício lança o fundamento Que â cidade diuina fe âleuânta, O alto templo acabou dovencimentp A Virgem dedicado ciar â,3c fama. Cuja capelia de obra eftranha, & rara* Três vezes da ruina aleuantara.
E porque o fcu intento verdadeiro, >
E o fim do mor cuidado que traria Era efte templo Teu fazer mofteiro De frades fó do nome de Maria, A Moura manda o pio caualieiro. Aonde hua cafa fó no Reyno auia, D a ordem que eile tem determioadoj» Chamar reIigiofos,5c prelado-
Erão os ieaantados fucccífores. Que tem do fanto Eiias a morada, Qu2 he a religião mais aos louuores E nome da Senhora intitulada, Efcoíhcndo os humildes,& os melhores De virtude mais clarâ,& mais íoouada O templo lhe entregou f:^grâdO;& íanto^ Que a ditofâ cidade hoje honra tanto.
Fe2:lhe altas doações como conuinha Para a fuítcntâçáo dos que efcoihera Cotno o que não quis m ais dos bés que tinhâj QuQ o premio de os deixar por que lhos dera E como tudo peza a quem caminha, E a quem íubir a tam graõ monte cfpera He confeiho mais fânto,& mais feíudo Aicuanurfe pondo os pès em tudg.
Dei*
CANTO XX. S^4
Deixando eftadòs,terraS;fenhorío,
E a pompa honrafa, & vãa do trato humano E tudo o que cuíluma a fer defuio Dô humfântopenfamento foberano: Das armas fc defpede o Conde pio, Vediado humilde trajo.humilde pano,^ E feito frade humilde aly fc encerra, O qfâe tam grande em tudo foi na tecraJ
O oouo vencimento defvfado
Sem iguâí/em (cgundo, & fem primeiro Q^e qijemtudovenceona guerra armado Sem armas vença o ceo por derradeirol O Xsrxes Cyro^o Cefar enganado, O Mâcsdonio grande tam guerreiro, Chorai continuo quanto atras ficaftes, Nd que com tantas glorias conqtaiftaftes»
Rico defprezador da pompa humana, Grande no coração, vil no veftido. Cuja memoria abate.& defengaoa O que na terra mais deixou vencido^ Sempre engrandeça a pátria Luficana VoíTo nome immorta! claro & fobido, Eacafaleuancada de Bragança Tenha cm theíouro fep, voíTâ lembrança*
Vcnceftes ao contrario poderofo O receo do Rey defampârado A inueja natural do cobiçofo O bárbaro infiel não fubjcgado, E par em tudo entrardes vittoriofo No ceo por fantâs obras conquiftado,' Venceítes vos á vòs.que defta forte Venceis o que na terra era ornais forte.^
G g » " Antes
o CONDESTABRE DE POR Ti
Antes do Conde entrar naquclla cftrcita Via de altos varões fcmpre eícolhida. Que ao eco vay tam fegura, & tam direita,' Como a noíTâ arrifcada, & mais comprida. Com o que para viuer na terra cngeita, A muitos terras deu, defcanfo^ 5c vida. Rendas, eftâdos,bés, terras reparte. Deixando aos claros netos igual parte*
TcndâCSjterradcPâiua, &de Loufada . Marítima J^oule fcmpre importante, Adefcjada& bcllicofa Almada Deu á neta Ifabcl dicofa iíFante, Que ja com o clsro tio defpoCada Ancccipaua as glorias de adiante. Para encher de venturas toda Hcfpanhâ, B de troíeos toda a cerra eítranha*
A Dom AfFonfo o neto feu primeiro. Deu de Ourem o condado, que a ventura Coma vida tirou ao conde Andciro, E as rendas que alcançou na Eftremaduraf Das de Lisboa o deixa por herdeiro, E os f cus pdíTos famofos de miftura, Onde ao titulo feu fez diíFcrença, Sendo o Marques primeiro de Valença.
Ao menor neto illuftre dom Fernando De Arrayolos lhe deixa o feu condado Com os mais locares feus que vâo cercando^ O Guadiana, o Tejo celebrado, E com o tempo feu nome aleoantando. Três vozes conde f oy de todo o eftado. Marques da mefma terra onde defcança» Duque famofo/ôc claro de Bragança*
Os lu*
CANTO XX: tjf
Os lugares qae a alguuinha obrigados, Mandou qac em fuás vidas lhes ficaíTcm A almoxerifes pobres, & auixados Dadiuidâabfolueoqucnão pagaíTcm, A rendeíros>a cfl:ranhos.&: a cridos. Não quis que delies nada arrecadaílem,' Ricos deixou na terra os fucceíTores, O5 pobres naturaesA os deuedorcs.
A rccamara»as joyas, Sc os arreo?, Odinheíro,oscauâllos,&osjaezes, As armas,òs efcudos.os trofcos. As adargas, os elmos.os âf ncfcs, Adegas,almâzé8, celeiros cheos. De que abaftara aos pobres tancas vezes. Por pobres diuidio baixos & honrados. Dando o que mais conuinha a feus eftados.*
Nâo quis mais para fim, que hum derprczado Habito de groffeiro humilde pano, Com o quâlao mundo, & carne disfraçado Fugio fua vaidade>8c feu engano, Qí-iâl ViyíTes o aftato,que entre o gado Do CicIopacrueLfero,inhumâDo, Na pelle cnuoko euita a dura morte, Que efcapar não poderá de outra forte.
Deixou o que oa terra fubjugaua,
Potto que qual a palma contra o pezo. Ao eco fempre o defejo Icuantaua, Comofubircuftumao fogo acezo. As azas empenou com que voaua, Por nâo viuer ao mundo o corpo prezo^ ConiQ Dedâlo em Creca a Minois foge, Vooa ao monte fanto onde viue hoje
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o CONDESTABRE DE POR T;
Pára extremo maior dcfta humildade» E verdadeiro exemplo de pobreza. Determinou pedir pclla cidade De cfmolâ o que pedia a Natureza:
"^ Mas o Príncipe o manda,&perfuadc. Que mude os penfamentos defta empreza^ E doutra, que o dcfcjo lhe acompanha, Que era hirfe peregrino a terra eítranhâ'»
Quis fer chamado Nuno fimplcímcnte, £m defprezo dos títulos maiores, Efcolheo celía humilde, & mais decente. Aos meos frades pobres feruidores, Víuiahamilde, pobre, 5c caftamcnte,
. Cantando â pura Virgem feus louuores^ De annos feíenta 5c dous ao mundo deixa^ E dos que gaitou nelle ao ceo fe queixa* '
Foraja da!Ie hum anno. 6c outro anno A prelTíà chega ao R^y hum mcflTagcíro,' Que vem pót cerco a Ceita o Tingita no^ Rey de Tunes poíTante, ôccauallciro Soccorro pede o Conde Lufitano, E o Rey claro.famofo, & verdadeiro, ComoslíFantesfeaprcíTa na jornada, E em breus tempo ajanta grofla armada»
Nuno ja polio Pr incipe aduertido, O repoufodeixou da humilde cella. Dos lfFantes,do Rey»dc amor mouidoj A húa cmpreza tsm fanta como squella Do fcu habito humilde vay veftido. Determina embârcarfe,& feruir nella. Armas ao claro príncipe demanda, Q^uc com dcfeJQ igual, & amor lhas manda.^
Na^uelJe
CANTO XX/ íj<^
Naquelle trajo pobre, & penitente, Foy ver a nao que tinha aparei hadá, Mandoua a perceber perfeitamente De tudo o que eompria a tal jornada^ Porem com nouoauifo diffcrcntc Deixou o Rey a cmpreza começada, Que de Nuraidia o bárbaro não veo Qoe era a caufa da armada, & do r ceco.
Continuou o Conde a eftreireza
Defrade humilde pura, & verdadeiro, Accomodando a vida Sc Natureza A humi!dade,& trato do moftciro^ Na oração, abftinencia,& afpereza. Só quis fero mel horfcmpreôc primeiro Oito annos contra fi viucndo em guerra Venceo a batalha vitima da terra.
Nefta m lis valerofo armado,& forte. Com o nome de lefus, & o de Maria, Que afsim lhe apparecco na alegre mortci Como na humilde vida apparecia Aos miniftros àocco^Sc eterna corte. Entregou aquellâ alma humilde,&: pia, E foy gozar com as venturofas almas, Triumfos immortaes,& eternas palmas.'
Ficou o corpo puro àpatria terra,
Teftimunhando a gloriada almafânta> Q^ no facro lugar aonde fe encerra Com milagres eílranhos fe aleuanta. Com grande deuação a ellc fe afFerra, A gente a quem da cruz o imigo cfpantai Tendo por arma contra o mal fegura,. A. terra dcfta própria fcpultura.
Gg 4 Ditófo
o CONDESTABRE DE PORTJ
Ditofo fim devida tam fcmofa,
Principio illuftrc a tam ditofo eftado, Religião ao eco chara, & mimofa. Templo por tam bom feruo fabricado. Cidade hoje mais rica, 5c poderofâ, Com o corpo qoc em fi tem depofit^do, Reyno ditofo infigne, líluftre, & claro, Ouc deu da terra 20 ceo varão tão raro. Q Virgem pura, clara íoberana, l|Pc cftrelias coroada &fol vertida, 4lonrâ da geração catiua humsns. Vencedora da morte, & mãy da vida, Eftreliâ que alarpia, & dcfçogana Na tormenta coofufa,& mais crecida, Moft^aime o porto ja, &c a doce praya, . Em que o meu barco humilde á terra faya*
E a o voífo Nuno illuftrc, valerofo, Seja vitimo loauor na minha hiftoria, Que avoíTonomc fanto> & gloriofo. Seis templos fabricou de igual memoria Tc m Lisboa famofa, o mais famofo Dovencimento, aonde alcançou vittoria,' Outro Eftremos,Soufel,ViIIa viçofa Monfaras,& São lorgc hçrmida honrofa.
Na pureza
CANTO XX. 237:
Na pureza moftrou tal perfeição, '
Qual na tenção ao Cco tinha moftrada. Que depois que ouue illuftrc geração, Não foydclle a mulher ja mais tocada, Tão voíTo foy no humilde coração, Que ate a morte feruio vofla morada, E as miíTas que deixou perpetuas nclla, Voffâs mandou que foflem, & a câpcUa.
Voffa he Senhora a cafa de Bragança, Voflâ a obrigação defta memoria, Vos o Mecenas foisdefta lembrança, Eodefenfordas faltas defta hiftoria, Por vos em quem cfta noíTa cfpcrsnça, Vejamos mdâosbês da eterna gloria, Qae goza o Conde fanto, cujo exemplo Suítenta cm virtude o voíTo templo.
Catholicofenhor, principc amado Dos homés, da ventura, & natureza, Do ceo para altos bês predcftinado. Honra da terra, & gente Portugueza, Nefte âliccíTc illaftrc, & leuantado- Fundou na terra o Ceo voíTa grandeza! Que por durar no mando, & crecer tanto Quis que o principio delia foUe hum fantc*
Defte foisfcnhor claro o defccndente, Aeftcfeguisnavida, & no cuftumc, Q£aIrayo defte foi rcfplandecente, Qualbraza viua^ ardente, & de tal lume. Tal voíTo nome ira de gente, cm gente. Ate o por a fama no alto cume. Da gloria humana, de forte que a inueja Os olhos próprios quebre quando o veja.'
Ovos
o CONDESTABREDEPORT3
O vos illuílres claros defccndcntes,
Do fâDgue de hum varão tâm grande &raroi Qoa aqui viftes feus feitos tam prefcntcs, Qijanto os hia alongando o tempo auaro, Kão ró nos peitos firmes, Sc valentes, Qaa fâô da noíla fé maro, &c reparo, Mas nâ vida exemplar pia & confiante. Tende fempre eíte cípolho por disnie.
Vos o reiígião antigua, Sc nobre, lapollo grande Eíias obfcrusda, Em qae muita riqueza o eco défcobre^ Que a Portugal eílaua enthefoorada A fíftc cnpitão p'o, &c rico pobre, Qne tanto engrandeceo voíTa morada^ Suítentai com louoores na memoria Dos filhos que his criando para a gloria?
Vos cidade Real cuja grandeza
Todas as mais do mundo faz menores,* Infigoe em templos, armas, & riqueza. Em agoa, tcrra^ 5c ceo, 6c em feas fauorck NeftavoíTaâdmirâuel fortaleza, Dina de inuej?5s cais como louuores. Tende por defenfaô por caua, & murOj Deíic vario fagrado, o corpo puro.
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i-iuchash;!) froaí thí. ixcomi: ov ihk JOSIAH H. BEXTOX FUXD
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