(I'ela redempção da raça indígena)
CARTA ABERTA A ERNESTO SENNA
POR
dUanoel Mípanda
(Publicada nas edições d'0 Pais, de 25, 26 e 30 de junho de 1911)
A sã politica é filha da moral e da rasão. Jose' Bonifacio.
Beputilica dos Estados loidus do Brazil
RIO DE JANEIRO
JUNHO DE 191 I Anno XC da Independência • XXIII d» Ri.'publica Braxileira
Nenhum trabalho, nenhum perigo, nenhum sa- crifício necessário a ninguém é licito evitar no eerviço de protecção aos iudios ; de sorte que. ainda quando o saague generoso de muitas vi- ctimas haja de ser indevidamente derramado pelos selvicolas, a dolorosa lembrança de seus quatro séculos de martyrlo seja capaz de inspirar aos verdadeiros servidores da grande causa nova eaorgia e novo devotamento. (Art. 219 das In- Btrucções Regulamentares do Serviço de Prote- cção aos índios o Localização de Trabalhadores líacionaes.) •
Pela redempção da raça indígena .
A Ernesto Sen na.
Li com inteira uncção patriótica o teu artigo sobre José Bo.nifacio, o pa- triarcha de nossa Independência e o excelso patrono subjectivo do Serviço de Protecção aos índios e Localização de Trabalhadores Nacionaes, por ex- ipressa e sincera declaração da acta de instalação do mesmo Serviço, em 7 ide setembro de 1910.
Obscuro funccionario desse departa- mento do Ministério da Agricultura, 0'nde inão se faz burocracia, antes se vive e se trabalha com o ardor úq obreiros de uma causa social, systema- tizada, em boa hora, pelo poder pu- blico, qual é a da redempção da raça indígena e rehabilitação do trabalha- dor nacional — e fervoroso venerador de José Bonifacio, o maior e mais completo estadista de nossa Patria, votando á sua sagrada memoria um culto sinceríssimo, cheio da maior e mais profunda gratidão civica, bem eentirãa agora a verdade daquella uncção e saberás aquilatar o conforto immenso que me causou a homena- gem que o teu bello artigo traduz e divulga.
E porque assim nos encO'ntrámofl, mais uma vez — felizmente para mim — em perfeita communhão de senti- mentos e pensamentos, em face de um assumpto nacional, e, portanto, patrió- tico, eu venho appellar para ti, para os teus elevados sentimentos cívicos e humainitarios, no sentido de, em com- panhia dos que se batem por aquella
causa, a ella prestares o grande con- «urso do teu valimeinto e do teu apai- xonado esforgo, afim de que, desta arte, seja realizada a obra meritória que o génio politico de José Bonifacio, "aipanhando em largo descoriino o conjunto da situação social brazileira", traçara superiorme.mte, apresentando a solução do magno problema da nacio- nalidade, com a incorporação do in- digena e a libertação do escravo.
Ora, graças á injunção do senti- mento nacional, pelo órgão dos abo- licionistas brazileiros, desde 1888, so.b a regência da excelsa, benemérita e eternamente gloriosa Isabel, a redem- iptora, se acha extincta a escravidão africana, no território da Patria Bra- zileira. Está, assim, cumprida uma parte do incomiparavel programma d© José Bomifacio.
Mesmo a Republica, embora delia Tião tratasse expressamente, é, com- tudo, certo que o grande estadista não a fizera em 1822, porque, na sua justa o;pinião, não comprehendia a Repu- blica com escravos, e, no momemto, lhe não era dado, de um só golpe, o^bolir a escravidão, attento o estado económico do paiz, cuja producção era obra exclusiva do braço escravo.
Ainda aqui, como é fácil de noitar, as coisas se passaram comforme o es- clarecido e nobre entendimento do glorioso fundador de nossa Patria : extincta a escravidão, tornou-se ,pos- sivel a imiplantação da Republica.
Mas falta, meu caro amigo, a ou- tra metade do iplano de constituição da nacionalidade, segundo as vistas d» José Bonifacio, a respeito da qual ell© «screvera os seus famosos "Aponta- mentos para a civilização dos indioa bravos do :iix,perio do Brazil".
E' para o cumprimento integral desse programma do teu grande ho- menageado que eu, repito, venho pe- dir o teu valimento e o teu concurso. E o meu appello, estou certo, vai direito ao teu coração de veterano das duas gloriosas comipanhas de ci- vilização e de iprogresso, travadas no seio de nossa Patria — a. Abolição e A Republica.
Não me foi dado ver-te nestes dias Inesquecíveis de fé, de amor e de en- thusiasmo. A minha ausência, desta capital, estando eu em um dos Es- tados do norte, o hospitaleiro e saudo- so Maranhão, onde emendávamos oí échos daqui, na augusta piroclamação dos direitos do homem, me vedava a contemiplação do espectáculo impo- nente, que foram as duas marchas im- mortaes, na própria cidadela do usur- pador, .para a liberdade do cor.po « para a liberdade do espirito. Mas, re- petidas vezes, nas confortantes effu- sões patrióticas que eram as minhaí palestras com o meu querido e cadá vez mais saudoso amigo Dr. Vicentl de Souza, teu companheiro e teu ami- go também, me foi dado saber da tua intreipidez e do teu devotamento no, •p«or vezes, tumultuoso afan -da propa- ganda.
E', ipiois, a um conquistador pacifico que me dirijo em nome da civilização e do progresso, E o tremular da nova bandeira da paz, certo, accenderá ou- tra vez as ardentias do veterano, ago- ra em iplacido repouso.
O Serviço de Protecção aos índios <5 Localização dos Trabalhadores Nacio- naes não foi c^ado por capricho ou por fantasia, antes resultou de uma
situação de facto, gravemente a;pre- sentada sob os mais temerosos e dolo- rosos as>piectos. Veiu de um movimen- to, outr'ora latente, mas ag^ora forte- mente precipitado nos Estados, onde a hecatombe dos indígenas, as moti- vadas incursões destes, o captiveirp d» milhares delles, gananciosamente ex- plorados e torpemente corrompidos pelo "soi-disant" civilizado, a penúria do trabalha:dor nacional, o seu êxodo para a mancenilha da seringueira, tu- do isso, descerrando o quadro de uma dolorosa scena em que brazileiros lu- ctavam, soffriam e agonizavam, im- fioz ao governo do Brazil a única so- lução que o caso comportava — o es- tabelecimento de um serviço official de protecção a um e de localização do outro.
Eu não exagero o negror do qua- dro. Agora, que me encontro a diri- gir a parte administrativa das treze in- spectorias, superintendendo assim oa seus trabalhos, é que me estou dando conta iP'or completo da pungentíssima situação. Basta dizer-te ciue, nos seus relatórios, os inspectores referem as coisas mais apavorantes. Em um dos Estados, havia um duplo commercio — da deshonra e da morte. Expu- nham-se mocinhas indígenas , inteira- mente nuas, á vista libidinosa de sa- tyros desalmados, mediante paga; ex- portavam-se, após as "batidas" e 03 massacres, craneos de indios para a Itália, afim de servirem a sacrílegos estudos .phrenologicos !
E' brutal a hediondez de taes cri- mes !
De resto, bem sabes que o vexame cobriu, não ha muito, a honra nacio- nal no Congresso de Vienna, reunido em 1909, quando ahi se disse, em face da, desgraçadamente, veridica denun-
cia do caiptiveiro de indios na Amazó- nia, que "o Brazil era um paiz que escravizava os seus ipi-oprios filhos". E este só facto deveria, na verdade, motivar a acção do governo brazilei- ro, no sentido da defesa do escravi- zado.
Bem vês, pois, que o Serviço creado pelo decreto n. 8,072, de 20 de junho de 1910, e apenas insialado em 7 d« setembro do mesmo anno, correspon- de a uma necessidade nacional.
Enfrentando o problema, o gcverno da Republica, fiel aos principio>s con- fititucionaes, deu-lhe a única feição que era compatível com o regimen da mais ampla liberdade espiritual. Estabeleceu-se a "protecção" e não a "catechese". Com aquella se visa ape- nas estabelecer a paz, a confiança, a amisade, conservando-se essas popu- lações mais atrazaidas afim de "aseo- cial-as" comnosco; com esta se aspi- ra a modificar a mentalidade, os há- bitos, as instituições dos indios para "assimilal-os" ao nosso meio social.
"A catechese é obra de doutrinários, a protecção é dever do Estado. Esta não contraria nem exclue a outra, da qual é independente; ao contrario, a catechese presuppõe a protecção". Por ahi bem vês, meu caro amigo, que se não pôde dizer nunca, como er- radamente se tem feito, "catechese leiga". São palavras antinomicas. que 86 repellem e que se não comiprehen- deriam nunca, assim ligadas.
E o que sie faz aqui não é novidade alguma, antes é a systematização do que as nações européas nas suas co- lónias da Africa e da Asia estão reali- zando, pois que, por toda a parte, se vai abandonando a politica de cate- chese pela de associação, conforme se
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vê na obra "L<'enseigneimenit au in- digenes", da Bibiiotheca Colonial e Internacional.
Trata-se, pois, de uma causa ver- dadeiramente naoional, puramente fraternal, sem diistinguir xa<ías, re- ligiões, linguas e sysLemas, na qual podem tomar parte, livremente, os partidários cie toaos os matizea e os sectários de todos os credos.
A protecQão exercida officialmente por funccionarios do Estado republi- cano estende, porém, excepcional- mente, o seu amparo- á catechese praticada por missionário®, como é o caso doe salesianos de Matto Grosso e dos caipuchinhos de Minas Geraes, os quaes recebem da directoria geral do Serviço, para os seus estabelecimentos, já montados, auxílios em roupas, ali-" mentos, íerram.entais, etc, send.o as mais coirdiaes as relações que mante- mos oom aqueiies religiosos.
Não se perturba a catechese religio- sa, não se a impede, quando digna- mente realizada. •
"""'"Õ' serviço, porém, das treze inspe- ctorias é de simples protecção, man- tida a maior isenção de animo no tocante á liberdade espiritual, guar- dado o mais escrupuloso respeito á constituição intima das tribus.
E como têm sido dedicados os in- spectores, no desempenho de sua missão! Que bons resultados têm obtido na pacificação e no trato dos selvagens!
E isto, apesar da advertência con- tida no profundo conceito de José Bonifacio, quando dizia: "Eu sei qne é difficil adquirir a sua confiança e amor; porque, como já, disse, elles nos odeiam, nos temem, e, podendo,
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nos matam, e devoram. E havemos de desculpal-os, porque, com o pre- texio d-e o íazermos christãos, lhes temos feito, e fazemos muitas injus- tiças e crueldades."
Por outro lado, a dedicação, a pa- ciência e o ardor dos inspectores têm operado verdadeiras conquistas, mesmo entre os civilizados, antea grandemente infensos á causa indi- gena.
Em Santa Catharina, os colonos e a imprensa allemã chegaram a hos- tilidade ao ponto de declararem pelo jornal "Urwaldsbote" — "que não admittiam aldeiamentos de Índios em terras de Blumenau". Mas a acção conciliadora e hábil do tenente \'iei- ra da Rosa, patenteando o propósito sincero de trabalhar, de proteger tanto os Índios das " batidas" dos co- lonos, como a estes dos motivados assaltos daquelles, a calma, a ponde- ração, os argumentos, tudo isso aca- bou por determinar a boa vontad* dos estrangeiros, que são hoje verda- deiros amigos de nossa causa.
Xo Espirito Santo, tem sido tão elevada e tão fecunda a obra do in- specto-r, tenente Estigarribia, de tal fórma restabeleceu elle a cal-ma, a confiança e a tranquilidade dos co- lonos, antes assaltados e também as- saltantes dos Índios Aymorés, em constantes incursões, tão meritória foi a sua acção, que, ha poucos dias, a população inteira de S. ^Matheus, com os colonos á frente, recebeu fes- tivamente uma numerosa turma de índios que voltavam de uma expedi- ção ao rio Doce, chefiada pelo Sr. José Cardoso, auxiliar daquelle in- spector. E, agora, espalhada no inte- rior do mesmo Estado, a noticia de que, com cs projectos de economia,
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ia ser supprimido o Serviço de Pro- tecção aos índios, os colonos se pro- punham a razer uma representação aos cônsules de suas nações, recla- mando dos poderes públicos do Bra- zil as garantias que desfrutavam des- de a instalação da inspectoria do nosso Serviço. Apenas sabedor desse propósito, o tenente Estigarribia os convenceu de que o governo da Republica não daria tal passo atrás, antes sustentaria com firmeza a cau- sa civilizadora, em tão boa hora em- prehendida.
No Paraná, a população de S. Je- ronymo, constantemente assaltada pelos Índios coroados, guaranys e cayuás, á mingua de defesa, proje- ctava abandonar a situação, com grandes prejuízos de seus haveres, quando o capitão José Osorio, inspe- ctor, na expedição que estava reali- zando, chegou a essa localidade, on- de havia para mais de quatro mil habitantes. Sabedor dos perigos e das ameaças, o devotado e operoso funccionario saiu ao encontro dos Ín- dios, nas cercanias do povoado. E a sua acção foi de tal medo persuasi- va, tão hábil, tão perfeita e tão fe- cunda que, na volta, trouxe comsigo, pacificad'0s e alegres, os índios da- quellas tribus, constituindo verdadei- ra multidão. E era de ver. então, o espectáculo imponente e commove- dor, que aquella gente offerecia. De- eoreve assim, a "Gazeta da Tarde" de Curitiba:
"Era um quadro interessantíssimo, ao ver-s'e chegarem os grupos semi- nus, com a physionomia alegre, re- ceber uma muda de roupa, um ma- chado, uma foice, etc.
Todos mostravam-se muito con- tentes e não sabiam como agradecer
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as amabilidades do seu protector, of- ferecendo-lhe, como presentes, ob- jectos de seu uso, que o capitão Oso- rio recusava com muito carinho e muita habilidade, para não magoar os Índios, extremamente desconfia- dos."
Excepção feita dos que se acham «m viag-em para os Estados onde têm séde as suas respectivas inspectorias, ha ipouco embarcados daqui, todos os outros inspectores se encontram actualmente em plena floresta, como sejam o do Acre, em Yaco; o do Ma- ranhão, no valle do Guru.py; o da Ba- hia, no Gongogj'; o do Espirito Santo, nas cercanias de Collatina; o de São Paulo, nas brenhas do Avanhandava; o do Paraná, na zona do Tibagy; o de Santa Catharina, no interior d^e Pou- so Redondo; o do Rio Grande do Sul, na extremidade do Nonohay e o de Minas, na margem do Itambacury. Os outros quatro, como disse, chegarão brevemente ás suas inspectorias e, lo- go, partirão : o do Amazonas, para o alto Rio Branco; o do Pari para o Xingú; o de Goyaz, para o Ara- guaj^a; e o de Matto Grosso, ipara São Lourenço.
E fácil é de imaginar a vida desses pioneiros da civilização, afastados do lar, sem noticias da familia, embre- nhad;>s na floresta, alimentando-s« de frutos silvestres, vivendo ao des- conforto, ao sol, á chuva, á invernia, pernoitando em barracas e, quando, na marcha, conseguem se avizinhar de um logarejo de onde seja possível mandar, por um pro.prio, um tele- gramma estaçã-o mais próxima — é para bemdizer a obra em que se acham sinceramente empenhados, é para, noticiando, por vezes, sempre mais raras, um assalto dos irrespon-
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sáveis irmãos das selvas, reipietir a promessa de um maior devotamento e de um mais profundo amor á causa da redempção da ipobre raça .perseguida e espoliada !
Nobre, no'bilissimo ■exemiplo..
E, agora, não vai ip-elo interior do Brazil, na retomada de sua obra be- nemérita, o lealissimo e devotado co- ronel Rondon ? Que mais se pôde di- zer sobre este homem raro, de alma fiíeregrina e ardorosa ?
São todos elles verdadeiros missio- nários da grande e santa religião da Patria, que tem coração de Mãi, cari- nhoso e amantíssimo, 'para todos os seus filhos, qualquer que seja a sua côr, a sua situação material, o seu matiz politico, o seu estado mental ou espiritual. Todos elles agem em nome da fraternidade, sem limitações de credos ou de systemas.
E' a obra gloriosa da R,epublica, e sômente delia, apagando os crimes do passado e lançando a regeneração do futuro.
E que interesses inferiores .podem ditar tão elevada conducta ? Eu te direi até, em relação á sórdida bigor- na do estiipendio, que o director, co- ronel Rondon, não percebe vencimen- tos, como também não os tem o in- ep^ector de Matto Grosso, capitão Re- nato Barbosa Rodrigues Pereira, e como também os não tinha, desde a installação, o ex-inspector do Pará, tenente-coronel Mello Nunes, agora demissionário, depois de uma excur- eão ao Tapajós, onde adquiriu terrível impaludismo.
E, já que em tal coisa toquei, ouve, á puridade: — na directoria geral do
Serviço, é de tal modo cohesa a acção dos chefes, tão perfeka a solidarieda- de, tão natural o esforço — que não &e cuida de substituições remunera- das, antes, embora exercendo as fun- cções, tendo todos os ónus, não se perceijem as vantagens corresponden- tes da interinidade. Este é o nobilíssi- mo exemplo do digno director interi- no, Dr. José Bezerra, meu velho e querido amigo, o qual abriu mão, vo- luntariamente, da .propina a que, pelo regulamento, tinha manifesto direito por motivo da substituição do director effectivo.
Demais, esse acto do joven repu- blicano encerra ainda uma feição de peregrina delicadeza moral — é uma homenagem ao nosso venerado chefe, o coronel Rondon, ins\ibstituivel na acção, no exemplo, no ensinamento, no preparo e no enthusiasmo. De qual- quer ponto onde o leve o serviço da Patria, elle é o director, o oráculo, o guião máximo.
Na directoria do Serviço, aqui, não ee faz burocracia: sompre se excede o tempo do expediente normal: — a saida é inva.riavel mente depois do ter- mo fixado aos trabalhos. Nunca, que me lembre, se fechou a repartição antes das 6 horas da tarde. Tam- pouco se tfm o domingo ou o feriado para descanso; por vezes se tem tra- balhado nes'tes dias. Nunca se fez aproveitame^nto de um "ponto" facul- tativo.
Sinceramente, francamente, não nos consideramos em uma repartição pu- blica, antes nos imaginamos consti- tuídos fm "comité" republicano 'para a execução de um serviço social ampa- rado pelo governo da Republica. Isto não quer dizer, porém, que nos des- cuidemos das normas da publica ad-
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mi.nistnaQÊlo, que mão cumipramoe os preceitOiS regulamentares .
Esta 'parte, porém, é como se fora a vida ve.getaitiva, simple® pedestal da nossa grande vida moiral, que é o am^or A causa da redempção da raça indi- g-ena e re habilitação do trabalihador íiaciional, comstainte e absorvente pre- oiccuipação de nassas almas .
E, agora, que in.os sentimos -assim tão vivamente empenhadois em uma campanha libertadora, é que também «entimos a verdade das palavras de Joaquim Nabuco', ouando; tratando do abolicidniiSmo, dizia: "Ha oito annoa que não pensoi e cuido em outra coisa" .
Nem ha arrasitamento maia sedu- otor, nem ,pajxão mais viva do que o sentimento que hoje mo® congrega na noibiliissima cruzada Tedemptora. Mes- mo o dissabor, a proipria maigua de um juízo immerecido, valem para môs por ■um estimai] o, pods que, .parodiando Gladstone, podemos diiíer "que não ha maior homra do que soiffrer p«la su«- ten tacão de primcipioig que julgamioo justos".
Nada nos demioverá do compromisso QUe ssisumáimos no termo de inoyisa pos- se, de coiO'perarmO'S, nos cargois que oc- ouipamos, para o progresso moral e material da Repuibllca.
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Dirigindo-me a ti, que és um sa- bedor das coisas pátrias, um investi- gador de assumptos brazileiros, nada poderei dizer de novo ou que tenha um relevo qualquer. Mas, (por isso mesmo, fácil seria agora, recordando a lição de nossos maiores, patentear
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o grande alcance moral, social e ma- terial da incopporação do indígena á nossa sociedade.
Isto, porém, está em teu csipirito, sendo, estou certo, a crença das al- mas de élite de nossa Patria.
Pouco, bem ipouco, direi a esse re- speito. Antes de faz€l-o, quero fixar bem o que se passa nos Estados Uni- das da America^ do Norte, a respeito de cuja conducta para com o indio ha entre nós uma idéa errada, gran- demente injusta.
Como a José Bonifacio, não escapou ao génio politico do grande Washin- gton a situação indígena, a qual foi, de uma feita, aggravada e iposta em fóco por incitamento da Geórgia con- tra as hordas selvagens.
Estas, porém, tiveram o tpatrocinio do genial estadista norte-americano, que, em 1795, denunciou ao Congres- so os abusos das autoridades, as vio- lências dos colonos contra os Índios e reclamou do poder legislativo os meios próprios para os proiteger.
"Se se .pretende, dizia o glorioso ci- dadão, que os Índios observem a jus- tiça, é indisip^ensavel que se lhes ga- ranta o que lhes é devido e se lhes dêem meios de viver em condições ra- zoáveis", accrescentando — e isto é notabilissimo — que a experiência do ffjassado nãt diminuda para elle a pro- babilidade de sua civilização "sob os auspicies do governo".
"Foi então traçada uma extensa li- nha de fronteiras do oeste ao sul, se- parando -das possessões dos indios os territórios dos Estados; e o "Bureau dos Negócios Indígenas" continúa com máximo vigor a promover o pen-
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samento de Washington, a ipar do Congresso, que autorizou o ipresidente da Republica a prover as tribus de in- strumentos de lavoura e animaes do- mésticos e, ao m^smo tempo, mlms- trar-líies a instrucção necessária."
Os Estados Unidos gastaram em 19 09, segundo o boletim estatístico, desse anno, com uma ipopulação indí- gena de 300.121 almas, esparsas em 20.074.261.358 hectares de terras, lo- cadas em vários Estados da federação, a importância de 11.984.172 doUars, ou sejam 37.150:936$200 em moeda brazileira, além de um deposito de 3. 905. 631 doUars, ou 12.107 : 453 $1 CO ! !
No serviço de assistência aos iniios, a grande Republica do Norte occuipa 2.300 empregados, mantendo para mais de 25 3 escolas.
Do mesmo modo, a Austrália, com uma diminuta população indígena de 74.03 0 almas, segundo o relatório do director da Protecção aos Aborig-enes, de 1908, despendeu em 1906, 1907 e 1908 a importância de £ 15G.437, ou sejam 2.50ò!:9S2$, em moeda brazi- leira.
E isto se passa em paiz^s onde o concurso do indio não tem a im.por- tancia que, fácil é de apanhar, existe no nosso e onde o iproblema económi- co, já resolvido P'Or todos os -processos da seiencia moderna, assegura e con- solida a riqueza 'publica e particular.
O que ali se passa, naquelles paizes, é antes, bem se sente, a obra do dever humanitário, a nitida comprehensão do ipapel que incumbe á Patria de (prestar assistência a todos o« seus fi- lhos, qualquer que seja a sua con- dição.
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Amig-o, e amigo reconhecido, de to- do estrangeiro dig-no que se instala em nossa Patria, iparece-me, no en- tanto, que não ha immigrante capaz de prestar-nos, em quasi duas terças partes do nosso immenso, desconheci- do e primitivo território, o concurso que o Índio ou os seus descendentes — o caboré, o caipira, o gaúcho, o serta- nejo, o caboclo — nos .podem prestar com real e productiva efficacia.
Por muito tempo ainda, a raça mes- tiça ha de ser a pirecursora do branco nos sertões do interior. Não serão eu- ropeus que hão de começar o povoa- mento das terras virgens.
Em IS 76, Couto de Mag-alhães cal- culava a população indígena em um milhão de almas. Admíttamos que ho- je ella não seja superior a quinhen- tas mil. (Só no valle do Xingu ha mais de vinte nações de indiosi) O immigrante "aproveitado", deduzidos os que morrem antes de aclimar-se, os que voltam, aquelles cujas passa- gens pagamos e são de gromp/to des- viados, aos quaes podíamos juntar os que não trabalham, os vadios, os que exercem industria de pouca utilidade, como engraxar botas, tocar realejo nas cidades do interior, ou vender be- bidas espirituosas, o immigrante a/proveitado custa ao Brazil, depois de instalado, cerca de um conto de réis cada um. Quinhentos mil immigran- tes custarão quinhentos mil contos.
Eis quanto se torna necessário para adquirir de fóra uma po.pulação igual á dos selvagens, que já estão em nos- sa terra, o que só seria ipossivel, se- gundo a actual dotação orçamentaria do Serviço de Povoamento, aliás uti- líssimo e fecundo sob a competente direcção do respectivo departamento official, em mais de 7 0 annos!
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Isto mostra, pois, que o indio é um thesouro de immensa valia para nós, que mais do que outro povo do mundo temos sertões a povoar e terras qu© não poderão ser jamais occuipadas pela raça branca, sem ser primeira- mente desbravadas por uma ou- tra raça, menos sujeita ás influen- cias deletérias dos climas inter- tropicaes e capaz de viver "far- tamente" com um pouco de cul- tura, caça e pesca naquelles mesmos logares em que os brancos morreriam á mingua.
No passado e, ainda hoje, apesar dos pezares, o principal instrumento de riqueza publica, no interior do paiz, o verdadeiro trabalhador, o va- queiro por excellencia, não é o bran- co nem o preto, puros, mas sim o gaú- cho, o caipira, o caboré, o caboclo, o mameluco, o tapuio, nomes estes que todos indicam a mesma coisa — o an- tigo indio catechisado e seus descen- dentes, já tendo estes, pela heredita- riedade, assimilado os costumes pací- ficos.
Do mesmo modo, o trabalhador na- cional é que fórma a população que extrae da terra milhares die produ- ctos que exporíamos ou consumiimos; é a população que exerce sosinha a Indu&tria pastoril; é a população so- bre quem mais tem pesado até hoje o imposto do sangue, pois são o de- scendente do indiO' e o mestiço do iin- indio, do branco e do preto, os que quasi exclusi.vameaite fornecem o so^l- d'ado ou o marinheiro, como na guer- ra do Paraguay.
O problema do po.vo.amento só coimporta uma solução complexa. Po- voar o Bra»iil não quier diz-e/r somente impioirtar coloinos da Europa. Povoar o Brazil quer di^zer:
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!• — Importar colonos da Europa para cultivar as terras já desbrava- das nos centros ou próximas aos cen- tros povoados. O branco no meia das florestas, com os oommodos de sua civilização, é tão miserável como o Índio em nossas cidades com o seiu larco e ^ sua fleclia.
2° — Aproveitar para a população naciional as terras virg-ens onde o ael- vag-em é um obstáculo; estas terras representam quasi dois terços do ter- ritório brazileiro. Tomar iproductiva uma população hoje improductiva é, pelo menos, tão importante como ti'a- zer no-vos braças.
3° — Utili^zar cerca de quinhentos mil selvagrens que possuímos, os quaes são os quj6 naelho.res serviiiço<s pôdem prestar nessas duas tergas partes do nosso terri-torio.
Tudo ha a esperar desse oo.n curso, porque a lei da perfectibilidade hu- mana é tão inflexível como a lei da quéda dos corpos ou da g-ravitaçâlo universal.
— Já percebeste, de certo: estou reproduzindo, quasi textualm-ente — trinta e cimco annos depois: — o mes- mo argumento do g-eneral Ciouto de Magalhã-es, o g-rande defensor do Ín- dio brazileiro.
"Mas. accrescenta Co-uto de Maga- lhães, dizem que o iindio é preg-uiço- Ro, estúpido, bebedoi, traiço^edra e mão. Coitados! Elles não têm histo- iPiíadores; os que lhe escrevem a his- toria ou são aqu/elles que, a pretexto de relig-i.ão e civilização, querem vi- ver á custa do geai suor, reduzir suas mulheres e filhas a concubinas, ou são os que os encontram degradados por um systema de cateche^e que.
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com mui raras e honrosas excepções, é inspirada pelos moveis de ganan- i ciia ou de IM^ertinag-em hypoorita, e I que dá em resultado uma espécie d-e I escravidão que, fO'Sse qual fosse a ra- I ça, haviía forçosamente de produzir a 1 preguiça, a ignorância, a embria- i guez, a devassidão e mais vicios que infelizm'ente acompanham o homem, quando se degrada. Os -escj-avos dos gregos -e romanos eram de racja bran- ca, e não s'ei que a histoirLa tenha conservado notiicia de peior gente."
Sob este aspecto, o contraste ago- ra é esmagador, e, certo, já sur- giu, neste momento, na mente dos que, lendo esta carta aberta, hajam assistido ou lido as conferencias ha pouco feitas pelo coronel Rondon nesta capital e em S. Paulo. Os processos empre- gados pelo coronel Romdon e seus discípulos, segundo o ensinamento de José Bonifacio, conduzem a um re- sultado mais nobre e mais util, mais di^no e mais proveitoso, assegurando ta mocralidade do indi-o e determ-inan- do o seu concurso espontâneo. O be- nemérito ipacificador dos borôroa (bem antes da chegada dos salesia- nos a Matto Grosso) dos terenas, dos pa.recis, dos guajajaras, dos tranches, dos guatós e dos nhambiquaras, pa- tenteou por factos o grande valor moral, intellectual e pratico de to- dos os Índios de^-sas tribus, de irre- prehensi'\"e.is costumes, todos os quiaes se transformaram em poderosos cooperadores da obra de desbrava- mento do noroeste brazileiro, dando os mais vivos exemplos de dedicação % resistência.
E, relembrando os typos lendários cantados por Gonçalves Dias e José de Alencar, todos viram a lealdade, a bravura, o devotamento, a intelli-
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gencia, o esforço do i'ncli'o Candido Mariano, cacique dos borôros, do Ko- loyzier&cê, "amure" dos parecis, de TÒloyrli, de Ka.maizorocê e outros, a.os quaes o Brasil jS- deve os extra- ordinários 9eirviÇ'Os que foram referi- dos nas citadas confereneiías.
E 'Clles são os mesmos de todos os tempos.
"Generosos e beneficentes entre si-, escreve G-onçalves Dias, a ponto de faz-er inveja áquelles que se uianam de seg-uÍT a religião da caridade, por instincto de coiração, que não por de- ver, o selvagem offerece quanto tem ao seu campanheiro necessitado. "
Quando os hollandezes invadiram' pela primeiira v€z a Bahia, os por- - tuguezes, d-epols de fraca resistên- cia, retiraram-»6 precipitadament* para o Rio Wrmelho. Jaguairi. seu alliadoi, os acompanhiara, mas, tendo-os deixado acampados e ««m segurança, voltou á cidade, para /resgatar a mulher e os filhos ou viver na companhia delles. Com a chegada de D. Fradi.que de Toledo, que perdoara os transfugas de sua nação, foi o indio, no entanto, carre- ^ gado de ferros e arrastado até o Rdo G-rande do Norte e ali encerrado no fortim. Quando, porém, mudadas as circumstancias, os hollandezas entra- ram no Ri'0. Grande, não obstante oe annos decorridos, ali encontraram o indio preso e cuidaram que o sieu jus- to resentimento lhes assiegurava um pr<estante alliado. L«ibertaram,-'n'o^ Mas o indáo, juntando gente, foi unir- se aos seus antigos alliados, como pa- ra mostrar-lhes que a lealdade de um selvagem ainda era maLor que a in- gratidão dos europeus.
Laet (In-d. occ. ) refere que "os Ín- dios estimam mais o bem que se faz
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suos filhos do que a eUes proprio-s", e Fernão Cardim (Do principio e ori- g--em dos índios) accreseenta "os pais não têm coisa que mais amem qud os «eus liliios, -e quem a seus filhos faz «Ligum bem, tem dos pais quanto qucr. Xenhum gcnero de castigo tem píura, 03 filhos, nem >ha pai nem mãi que em toaa a viua easugue nem to- que seu filho, tanto os trazem nos oihos; em pequeno-s são obedientis- sim&s a scus pais e mãis, e todos mui- to amáveis e aprazíveis."
D'Orbigny (Li'homme americain) €i3creve: "A condigão da mulher quanro a trabalho é p&nlvel o mais que é possiivel, mas não soffre nunca censura pela inameira por que gover- na a sua casa; o americano o mais bárbaro não a bate; trata-a sempre oom a maior doçura. "
Escrevendo sobre as mulheres, o autor da "Noticia 'do Brazil" diz: "Têm muita graça quando falam e são mui compendiosas na fórma de Imguagem, e muito copiosas no seu orar . "
•Segundo o padre Vasc&ncellos ("Xoiicias curiosas e interessantes do Brazil'") os índios eram ho-mens que só com a musica e o canto podiam Sôr chamados á vida civilizada, ho- mens que eram engenhosos para to- marem quanto lhes ensinavam os brancos e que para carpinteiros de machado, serralheiros, oleiros, car- reiros e para todos os officios de en- genho tinham grande destino."
'Semelhante conceito é plenamente confirmado por D'Orbigny (L'homme Americain): "Tivemos occasião de julgar da extrema aptidão que os «umericanos mostram para aprender tudo o que lhes ensinam. A sua per-
cepção é muito prompta, e não raro enconrram-se cnii-e eiics Inaividuos faiando irea e quatro línguas tão di»- tin-ctas entre si como o iranocz e o allemão.
Barbosa Piodrigues, grande conhe- cedor <io índio, ci^m qucni muito con- viveu, glorioso pacificador dos cri- chanás, disse: "O carat^ão do indio é um thesouro. O Índio é uma criança. Não o maltratem, que elle não offen- dcrá pessoa alguma.''
Trata.ndo da civilização do indio, o benemérito scientista brazileiro dizia que "esta não seria obra de um dia", assegurando que "fácil Scrla paten- tear ao 'mun<io inteiro que o indio brazileiro não é preguiçoso pelo cli- ma, vadio por índole, desmoralizado por natureza; mas que é activo, tra- balhador e honrado como s6e ser todo e qualquer homem em que não se inocule o vírus da immoralidade para reduzil-o a escravo ou a besta de carga." E accrescenta: "Aos poucos, firmada a estabilidade da civilização, irão perdendo hábitos e, sem con- strangimento moral ou physico. se acostumarão a nossos usos, costumes e trabalhos. Nesse esiido não convém por fórma alguma o contacto com ou- tros que não aquelles que os educam. O sórdido interesse e a avareza le- vam sempre ao coração dessas almas puras, das quaes se abusa, a immo- ralidade, a perversão e a decadência que têm feito desapparecer uma raça que tantos serviços podia prestar e que é a parte mais preciosa da po- pulação da província do Amazonas. E' preciso que, como homens livres, eejam seus direitos equiparados aos de todos os cidadãos, tratando-se-os com moderação, humanidade e des- velo, para que appareçam frutos sazonados e não esses atrophiados que
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eurg&m da, "civilização" conquistada peio interesse comaiercial, O civiliza- do só qutr õelle o braço e o suor, ainaa que para isso ucrramem-lhe o sangue. E' triste ver os Índios expul- sos das florestas em que se crearani, onde suas redes se aiarani e suas ma- locas se ergueram! Extorquidas as ter- ras, derrubauas suas maiias, revolvi- das suas "ingaçauas" (urnas mortuá- rias) como viverão elles?E aindamais, divididos, esparsos, foragidos? Como serão entes úteis â sociedade, se no coração trazem o fd da saudade e do odio que só pelo embrutecimento im- posto pela civilização é apagado, se antes não resvala no tumulo ?
■Civilizado ou não, sua liberdade não se vende, seus brios não se ferem impunemente. A vingança é tida mui- tas vezes por crime, quando não é mais que a desaffronta da of f eaisa que ficou impune.
O braço do indio se levanta, o arco se enteza. a flecha vôa e o branco ca» ferido. E' um selvagem, um bárba- ro, dizem.
O branco invade um rio, algema ©eus habita.ntes, vende-os, leva-lhes aos lares a oppres^ão e o vicio, in- cendeia-lhes as "teyupares", rouba a honra de suas filhas. E' um civili- zador, o branco."
Já um bom observador -disse: "Es- ta raça só quer o bom exemplo e o bom ensino. A natureza com ella foi pródiga na formação de seus dotes moraes; si decaiu e se aviltou, toda a culpabilidade recae sobre os que a educaram e a educam."
Joãx> de Lery (apud. Couto de Ma- galhães— O indio no Brazil perante a historia) se julgava mais seguro en-
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tre os Índios do que em alguns le- gares da Fra^nça.
Ives d'Evreux (Voyage dans l-e nord du Brésil) reputava- os muito mais fáceis de civilizar do que o commum dos camponios francezes.
O Dr. Fritz Krause (Rev.. Inst. Histórico) escreveu: "A mimha per- manência nessa aldeia (dos Javahés) á margem de um lago, em uma es- planada verdejante, no meio daqnellas creaturas alegres e ingénuas, foi um idylio . "
João Dani-el (Thosouro descoberto no Rio Amazonas) deleitava-se na companhia das tribus.
Domingos Alves Branco (Plano so- bre a civilização dos indios do Bra- zil) eim 1786, achando que naquella época os indivíduos mais merecedorea de compaixão ':^ra'm os indios. declara que ao procedimento humanitário dos Potiguaras e "á sua incomparaA^el vi- veza, principalmentí^ em conheci- mento de hervas medàcinaes", deve- ee o bom êxito nos trabalhos dos cos- mographos d^ então.
O general Caxias. quando presidente da província do Rio Grande do Sul, em 1840. d!s5?p. no relatório dirigido á assembléa: '*E' uma grande deshu- manidade o deixarmos vagar por esses desertos invlos. sem os soccorros da civilização, esses restos <3os prim^eiros habitantos do nosso paiz, que tão úteis nos podiam ser, como um delles nos tem sido, emquanto que a custa de tantos perigos e despezas vamos bus- car braços estranhos que nos ajudem. Este obiectivo deve merecer a vossa attenção como já mereceu a minha."
E, em no.'?.t?a Patria, será ipreclso re- cordar o valioso concurso do Índio
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para a obra de civilização e pro- gresso ?
Só o name do indio Poty (Felippe Camarão), o glorioso companheiro de Henrique Dias, Fernandes Vieira e André Vital de Negreiros, na obr* ámmortal e salvadora da unidade na- cional, com a -manutenção da fé ca- tholica contra o dissolvente domínio hollandez, só aquelle nome basta para que a posteridade cubra de bên- çãos a raça valente e generosa a que elle pertence.
Mesmo na época da conquista, foi efficaz o concurso do indio ingénuo e confiante.
Segundo Azeredo Coutinho (Obraa do bispo d'Elvas), a conquista do Espirito Santo foi devida a Tebiriçá; a da Bahia, a Tabira; a de Pernam- buco, a Itagibá, e Piragiba; a do Ma- ranhão, a Tomagica!
B de que modo temos nós, qu« tanto devemos ao labor do indio, re- compensado tão extraordinários ser- viços ?
Como se tem manifestado a grati- dão da posteridade?
Melhor do que eu, sabes tu, de cer- to, a historia do soffrimento e da ago- nia da pobre rsQa em nossos dias, vi- ctima de canibal ismos sem fim.
E o espectáculo é de tal fórma desolador e deshumano,que um scien- tista allemão, deslembrando os pon- derados conceitos de seu nobre ascen- dente, o illustre professor de Goettin- gen, autor da "Hospitalidade no pas- eado", chegou a propor, talvez para andar .mais depressa, o extermínio systematico dos verdadeiros donos ♦
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senhores da terra brazileira — a po- pulação indígena.
E recordarmo-nos de Que, aqui bem perto, na nobre e adiantada Republica Arg-entina, se ergue, fron- teira á de San Martin, a estatua de Falucho — o preto glorioso, compa- nheiro do "condotiére" americano na obra immortal da fundação da Patria, em cuja sagrada bandeira resplende, victoriosamente, o sol de maio.
Mas não é estatua — recompensa
máxima — que pe<iimcs, mas sim o cumprimento dos mais elementares deveres de humanidade para com a pobre raça brazileira.
Na introducção ao relatório que, por força do regulamento, dirigi ao coronel Rondon, director geral do Serviço de Protecção aos índios e Lo- calização de Trabalhadores Xacionae», sobre os trabalhos da minha sub-di- rectoria nos poucos mezes de exercí- cio no anno findo, escrevi os seguin- tes trechos :
"A denominação que tomou a nossa directoria patenteia desde logo a duali- dade do serviço que nos foi cnmmet- tido. E ha, de certo, no abandono em que viviam, uma evidente affinidade entre o indio e o trabalhador nacio- nal. A situação social de ambos talvez mesmo descortinasse melhor a sua li- gação, pois que este é bem o herdeiro daquelle no valor pessoal, na activi- dade laboriosa e na incansável po- cura de bem estar através de todas as vicissitudes, de todas as desventuras, em um infortúnio incessante. E, por isso mesmo, a hora da reparação de-
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veria soar para ambos. Era preciso errancal-os a um tempo de sob o peso de quatro séculos de sofírim-entos para dar-lhes uma relativa melhoria até que, apagada a ingratidão do usur- pador pelo carinho dos pósteros, seja possível levantar o nivel de ambos á altura do estado social de todos os oc- cidentaes.
Era, de facto, doloroso o esp^ecta- culo de um povo que tudo offerecia ao estrangeiro em detrimento dos próprios filhos do paiz. E tal facto se revela ainda mais espantoso em se sabendo, como era do conhecimento de muitos governantes, que o traba- lhador vindo de além Atlântico não poderia nunca prestar ao paiz um concurso efíicaz no desbravamento da maior parte do território nacional. Só o brazileiro, resultante da feliz com- binação dos elementos das tres raças, seria capaz de levar a cabo a obra gloTiosa dos novos pioneiros na se- meadura promissora da civilização e d-o progresso pelos invio.-s e adustos sertões .
E eis porque, com evidente e nobi- líssima intuição patriótica, os estadis- tas de 1910, na Preside>nc;i.a da Repu- blica e no Ministério da Agricultura, estabeleceram o Serviço que a um tempo protege o indáo e localiza o trabalhador nacional, o que equivale a dizer, reintegra o brazileiro na pos- ee e no domínio de si mesmo, no des- dobramento de sua personalidade ju- rídica e de sua actividade productora.
Os erros do passado, de que é ex- po>ente máximo o trabalho escravo, tornaram inseguros todos os cálculos acerca do desenvolvimento da vida «conomica da Nação. Sob este aspe- cto, p6de-se dizer que o im.perio foi a escravidão. E isso dizendo não é meu
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pensamento deprimir a pobre raça ne^a, victima imbelle daqueile mon- struoso abutre. Antes, toda a minha gratidão de brazileiro se volta para os nobres trabalhadores africanos e »eus descendentes directos, os quaes pagaram com o bem, com o engran- decimento da producção nacional, a desventura e o martjTio que indevi- damente lhes infligiram. A escravidão fo-i a morte do estimulo, da iniciativa d:gnifi<?adora, da expansão económi- ca. O trabalho nada produzia para o trabalhador. O senhor, o argentar!o, extorquia tredo, orgulhoso, o caro pão da indigência escrava. E o mísero, curvado todo para o chão, trabalhava sem cessar para os outros, e, se acaso interrompia, de exhausto. a penosa faina, as carnes já lhe cortava o chicote do feitor nefando !
E isto foi o império até IS 88, isto é, até ao anno anterior ao da sua quéda para sempre.
E é relembrando esse quadro de miséria, que sinto agora o valor da obra que nos incumbe realizar com a localização de trabalhadores nacio- naes.
Estes são, estou convencido, os des- cendentes dos martyres da escra\idão africana e da espoliação indígena, agora, em parte, argamassados cora os herdeiros dos usurpadores.
E' uma obra de reparação e de fra. ternidade, abrangendo a um lempo o progresso moral pela tocante incor- poração do, outr'ora. aviltado traba- lhador, e o progresso material pela expansão económica.
De resto, a organiza-^ão dos centros agrícolas para trabalhadores nacio- naes significa a remodelação do ser-
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viço agrícola, que, bem se pode dizer, está na maior parte do território, em íranca decadência pela eubita parada de 1888, gragas á imprevidência dos governantes do império, tal como, de outra feita, em 184 5, por occasiião do "bill" Aberdeen, succedera com a rá- pida cessagão do traíico africano, verdadeira conquista da civilizagão mundial, <embora necessariamente ve- xatória e deprimente para a indepen- dência e soberania do Brazil.
A legislação brazileira, no que co'n- cerne ao trabalhador nacio^nal, é bem o reflexo do descaso e do desamor dos governantes do passado durante tão vasto período de domínio.
Capiosa, grandemente copiosa no que respeita ao immigrante estrangei- ro, que era cercado de todos 'Os ele- mentos de prospeTidQde, ella é, no emtanto, escassa, quasi nulla em re- lação ao próprio filho do paíz.
A não ser o decreto de 18 de ju- nhO' de 18 3 3. mandando supprir de arados e outros instrumentos agrários o aldeiamento de Santo Augusto e 0'u- tros no rio Arinos, entre as antigas ')rovincia9 do Pará e Matto Grosso; a não ser o decreto de 2 5 de ab^il de 18 57, dando instrucçõee para as colónias indígenas do Paraná; a não eer o decreto de 13 de novembro de 1862, creando um centro colonial no Ribeirão das Lages; a não ser o de- creto de 19 de ^aneiro de 1867, da^i- do regulamento ás colónias do Esta- do; a não ser o decreto de 16 de maio de 1878, extinguindo a colónia Rio Branco e fundando outra para cultivadores nacionaes; a não serem estas leis, que, ainda assim, só tive- ram existência no papel, nada mais se encontra na colossal legislação do império acerca do trabalho nacional
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E bem se comprehende — o regimen era o da escravidão e, da,hi, a pou- quidade das leis e o abandono de seus dispositivos quaesquer, no que concerne ao trabalho livre dos brazi- leiros proletários.
Proclamada a Republica e org-ani- zada a Nas^ão nos moldes dos grandc*3 princípios da liberdiade e da frater- nidade; vencida a penosa etapa da CGnioi:da>,-ã> do regimen, batido peia fúria dos retrógrados; assegurada a ordem por toda a pai te e, assim, dis- postas as condiQões de progresso, cui- dou-se de dar cumprimento ao pro- gramma que o partido republicano traçara para o engrandecimento eco- nómico (lo paiz.
A' creação do Ministério da Agri- cultura, vasada em novas formas, se- g-uiu-se, pouco depois, o estabeleci- mento do Ser\iço de Protecção aos índios e Localização de Trabalhado- rea Nacionaes, nos termos do decreto n. 8.')7i'. de 20 da junho de 1910.
Não me cabe anilysar aqui e %c acto de grande alcance moral e cí- vico. Vós o conheceis de sobra e, mais do que isso, sentis magnificamente o seu alto valor e o seu grande descor- tino.
Assim encarado o problema, ten- tada a sua solução com o amor e de- votamente que o patriotismo a todos impõe, tudo faz esperar que caberá á Republica a gloria imrnensa de haver promo-vido e conseguido a incorpora- ção do indígena e a emancipação eco- nómica do trabalhador nacional, fo- mentando e assegurando, desfarte, o progresso moral e material da bem amada Patria Brazileira. Para ser as- sim, basta que o queiramos de verda- de. E nem nos faltam exemplos na Eu-
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ropa, na America e alhures para que nos sintamos encorajados. Sigajnos esaCiS exemplos.
"Por toda a parte o auxilio aos inter- esses da agricultura vão deixando de ser intermittentes, esporádicos, re- médio heróico á emergência das crises f lagelladoras, para se fazerem conti- nues, organioos, systematizados em ser\iços administrativos de modo per- manente. Por muito vivazes que se- jam a iniciativa dos indivíduos e a energia associativa, não dispensam a acQão insupprivel do poder publico, que não as suffoca. antes as coordena, apoia e robustece, funccionando em um apparelho orgânico, cada vez mais esi>ecializado, mais technico, mais ef f iciente . "
A' par disso confiemos também no vator dos que se vão devotar ao ama- nho das terras, confiemos n-o nosso trabalhador nacional de agora e no Índio amanhã feito cultivador do solo, subordinando um e outro ás prescrl- pções da sciencia eni suas applicações industriaes. ensinando-Ihes a pratica dos instrumentos agrários, a respeito dos quaes é-nie grato transcrever aqui as palavras do egrégio patrono do nos- ao Serviço, o venerando José Bonifa- cio, traçadas no trabalho que escreve- ra sobre a "Necessidade de uma Aca- demia de Agricultura no Brazil".
Eil-as:
"Que diremos, emfim, dos instru- mentos e machinas agrícolas? De que serve o justo domínio e pacifica posse de vastos terrenos e largos campos Ainda mesmo ao sábio que conhece bem suas terras e todas as regras de as aproveitar, se lhe faltam os meios? Elles se conservariam para sempre na
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mais perfeita inutilidade, ou pe'o me- nos no estado da menor producção passivel. Pois tal é a sorte de todas as terras (se exceptuarem as mattas virgens) cultivadas com a enxada, e da agricultura desprovida das com- petentes machinas. Querendo evitar a pobreza do alimento procurado pelas próprias mãos, o homem chamou era eeu soccorro a força incançavel dos elementos e o vigor dos animaes bru- tos, e foi para utilizar-se de uma e ou- tro que inventou instrumentos pró- prios e machinas adequadas ao inven- to".
Nada accrescentarei, neste particu- lar, ao que então escrevi, pois, o que deixo trasladado, estou certo, bastará para patentear o programma e a acção do Sersnço de Protecção aos ín- dios e Localização de Trabalhadores Kacionaes.
Ahi tens. meu caro Ernesto Senna, o que a leitura do teu bello artigo me sugeriu em relação ao cumprimento do lucidissimo e incomparável pro- gramma formulado por José Bonifa- cio para a grande obra de constitui- ção da Patria Brazileira.
Além dos motivos de ordem moral e económica ligados ao desenvolvi- mento da vida nacional, a nossa mes- ma veneração para com o glorioso pa- triarcha de nossa independência poli- tica deveria impulsionar-nos á reali- zação integral do seu vasto e lumi- noso plano de estadista.
Felizmente, embora 89 aruios após os seus reclamos.o governo da Repu- blica retomou o curso das patrióti- cas idéas do velho sabLo brazileiro e transformou-es era um verdadeiro
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instrumeRto de civilização e piroigres- so, lestabelecendo oifficialmieinte o Serviço que executa a obra benemé- rita .
Mas é preciso que esi&a causa giran- diosa — !a ried'empção da raça iin.dige- n.a — 'nã'0 sejia apenas realimida por um punhado de bomiens. Causa ver- diadeiramente nacioinal, ella deve constituir também a ipreoccupação de todas as almias di.g-nas de nossa Patria, congregia-ndo o esforço die to- dos, motivando a acção dos patrio- tas, como outr'ora a ciampanha abo- licionista intlammando todos os co- rações bem formados.
Mais iinfeliz até do que a raça ne- gra escravizada, os actuaes indígenas brazileiros soffrem, além da infâmia de um capti\ie'i.ro illegal e asphyxian- te, a dura sorte de foragidos da co- biça do ciiiviliizado invasor, na maior miséria e sob a lamieaça constante de extermi-niio .
Revolta e oonfrangie a narração dos factois. Oe uma feita, diz Bar- bo sa Rodriguies, hoiuve esta coisa he- dionda:
"Eram como caçadores enthusias- mados a,nte um bando de guiairibas! Cada um quiz sua parte na caçada. Apontavam a arma, d esc arreigavam e o pobre iindio cahia no meio die gar- galhadas geraes! Assim cairam to- dos, á excieípção de um quie ficou pre- eo a um gail,ho . Depois desta matan- ça, retirar a m-s^ satisfeitos os civili- zados, mas não tanto como paneicia porque, no m.esmo dia, voltaram pa- ra em pilhar os corpos e Lançar- lhes lo.go, só escapando das labaredas os que roilaram, mortos, na lagoa. Os corvos acabaram a obra "civilizadora" e ainda por mui.to tempo alvejavam
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pelas praias as ossadas dos infelizes criclianás" .
Em nossos dias, no mais adianta- do e progressista Estado da Republi- ca, se dão ainda scenas de verdadei- ro canibaMsmio .
Eiis como as descreve ucm relatório official do nosso Serviço: — Assim an- daram cerca de quatro dias com o máximo cuidado, de sorte a nAo se- rem presentidos pelos Índios, cuja al- deamiento alcançaram ao anoitecer.
Achavam-se estes em festa, em torno de uma fog-ueira, preparada ao centro do terreiro, cercado por vários ranchos, uns grandes, outroa meno-res. Se'gundo o próprio João Pedro (um dos assaltantes ouvidos no inquérito) parecia tratar-se de uma ceremonia qualquer, co-rrespon- dente ao casam'eTito, tendo em. vista a maior attenção e a solicitude de que era alvo, entre todas, uma moça, mais do que as outras, enfeitada. Dansavam e cantavam alegriemente os Índios. inteiramente despreoc- cupados da horrível eatastrophe que os ag-uardava.
Estabelecido o cerco com a neces- sária precaução, ficou resolvido es- perar-se a madrug-ada para o assal- to, quando os ingénuos e incautos sei vi colas, exí^enuados. se tivessem por fim entregue a um somno pro- fundo, diga-se «eterno.
Pelos modos a festa se prolonga- ria até ao amanhecer e já começava a impacientar os da traiçoeira embos- cada para os quaes eram de inestf- mavel auxilio as trevas da noite. Por isso, desistiram de esperar que ella cessasse de todo, receio^s de vir«ra
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a ser ■descobertos com as primeiras claridades. E as^im rompeu a pri- meira descarga geral, de cujo morti- íero efíeito só não fará idéa precisa quem não souber da perícia daciuella gente no tiro. Mas, além desta, varias outras descargas íoram feitas.
Manoel Francisco (outra testem>u- nha) adianta que João Pedro, tendo- se apo-derado da mo^ça a que acima alludimos, a qual ficára mal ferida, nella saciou seus instinctos de besta- féra. Efíta informação combina com uma outra de frei Boaventura, por este ouvida em Santa Cruz, de dous ou tres desses feroz^cs expedicioná- rios. Disseram-lhe que diversas mu- lheres, algumas nml feridas, inclusi- ve aquella já citada, foram estupida- mente profanadas antes que lhes ti- vessem dado cabo da vida."
E' bárbaro e deshumano!
Parodiando Joaquim Nabuco, nós podemos dizer que "a protecção ao Índio é um dever contra essa triste e barbara perspectiva, contra a indi- gnidade de entregar á morte a solu- ção de um problema que não é só de justiça e consciência moral, mas tam- bém de previdência politica".
Em uma situação social em que o sentimento altruísta da Humanidade, num bello movimento de compaixão e defesa, se desentranha e floresce e esplende no cuidado e no carinho, na gratidão e na saudade, votados aos anímaes de outras espécies, de que dão tão eloquente e meritória prova as sociedades protectoras doa anímaes, os hospitaes para quadrú- pedes e os cemitérios para cães e outros, onde se erguem ricos e ex- pressivos monumentos mortuários; em uma quadra que assim se apre- senta tão cheia de elevação moral
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— é realmente triste, doloroso e re- voltante o criminoso espectáculo qu^, em nossa Patria — nuncia e dona do amor mais alto — o pcbre incola brazileiro soffre, sendo considerado inferior a todos os animaes — aban- donado, perseguido, espoliado, calu- mniado, trucidado e amaldiçoado!!
Urge, pois, enfrentar e resolver de prompto o problema, empregando para isso todos os elementos conver- gentes e dispondo nesse sentido o concurso de todos quantos sentem palpitar na alma o sentimento nacio- nal ao influxo dos melhores princí- pios de solidariedade humana.
Urge, pois, tudo empenhar corajo- samente para que o Brazil não fique coMccado abaixo do tenebroso Thi- bet, de onde escapou com vida o Sr. Savage Landor, mas a quem o go- verno brazileiro — apôs quatro sé- culos de descobrimento do paiz — não teve meios de dar garantia de qualquer espécie, vendo-se na dura, vergonhosa e triste situação de de- clarar, em documento official, que se não responsabilizaria por qualquer le- são, prejuízo ou damno que lhe ad- viesse em sua marcha por Goj-az e Matto Grosso, em busca da Bolívia ! !
E Icmbrar-se toda a gente de que, para evitar a detshonra de conjuntu- ras semelhantes, basta que se empre- henda com amor a campanha da pa- cificação e da redempção do indíge- na em constante e motivada ameaça.
E, para isso, basta que agitemos a queítão por todos os meios dignos, le- vando ao animo dos oppositores ou retardarios a convicção da justiça de nossa causa.
Basta appellar para todos os g'©- vernos estaduaes, para todas as au-
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toridades locaes do interior, civis ou militares, para todos os habitantes dos seirtõies, para todos os em pire liteiros e trabalhadores de otoas no centro do paiz, para todos os exploiradores quaesquer, scientificos ou indus- triaes — rogando a todos que não hos- tdaiziem o pobre indio, que se compa- deçam delle, que o festejem e o aju- d'em, quie o amparem e o defendam porque, pódem todos fi.car certos, ha no cotração do im.dio um thesouro de lealdade e gratidão, pois o exemplo já citado de Jaguari é a senha com que «6 apresenta á .pratica <ãe actos quaesquer.
Basta que a imprensa pirogreseãs- ta assum.a neista questão a mesma heróica posição com que tanto sie hoairou mas duas passadas campa- nhias; basta que o jicrnal illustrado, certo do valor moral da causa, se resolva a preistar-lhe o impcrtante co.ncurs'0 que a "Rievista Illustrada", de Angelo Agostini, deu á gloriosa cruzada do aboiUrcionismo .
Basta que, por toda a parte, se for- mem associações protectoras — a Liga redemptora da raça indígena — com o encargo patriótico de dirigir e accelerar a -marcha da campanha al- truistica em cada localidade do paiz, 'reunindo os elementos de todos os ma- tizes, m'ats dignamente convergentes, em constantes e progressivas manifes- tações de apoio, de concurso, de au- xilio, de soccorro e de animação á grande causa nacional.
Basta — e sobretudo — que a alma feminina se mostre em todo o esplen- dor de sua. grandeza moral, num bello m-ovimento de amor, de compaixão e de bondade, na pureza e ternura de seus peregrinos sentimentos, espa- lhando em de redor, como em círculos
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solidários que se estendam e se alon- guem pela vastidão da Patria, a ma- g-nificencia de uma generosa dadiva para cobrir a nudez da mulher indí- gena e para abrigar o corpinho de seu extraordinariamente amado filho, levando-lhes, além disso, o superior € inigualável conforto de sua assistên- cia e de sua solidariedade moral.
E, á par diss.o, ha ainda a cuidar da situação jurídica do indio, dentro dos principies republicanos, pois na- da de mais anómalo existe em nossa legrslação do que o papel que é ahi assignado ao indígena, figura quasi apagada no ccnjunto da existência brazileiíra, sob o ponto de vista le- gal .
Lembrado no acto addicioinal de 1834, em virtude da lei de 1831, que o considerava orphão e, portanto, fe- rido de incapacidade jurídica, tendo depois a sua condição traçada na lei de 18 4 5, o infeliz selvicodla foi de to- do esquecido, apiesar da representa- ção do Apostolado Po-si ti vista do Brazil, pela Constituinte Republica- na, que promulgou o estatuto funda- mental da Patria Brazileira como se em seu sagrado solo não existisse uma gran.de população i.ndigena, do- minadora ainda de vastissima ex- tensão territorial. (Neste particular a Republica do Chile, que tanto deve aos araucanios. se nos adiantou, pois, em sua lei básica, fez a incorpo- ração do selvagem á sociedade civili- zada.)
Assim anniquilado para a vida le- gal, como agente de direitos que, no emtanto, foram outorgados aos occi- dentalizadofl, a pobre raça se viu ainda esbulhada de saias terras, to- das as quaes passaram a ser conside- rdas, com incrível impropriedade.
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como sendo devolutas e, desfarte, en-
tregu.es ao domimio dos Estados, nos termos do art. 64 da Constituição Federal .
Para obviar a essa tremienda si- tuação, está elaborado um extenso memorial acerca da situação do indio perante a legislação antiga e moderna, completado por um projecto de lei definiiudo a necess'ari'a e indispensá- vel situação jurídica do Indi^ena bra- zileiro, memo-rial que, traçad© pelo mteu querido âmago e companhedra de» oommiiasão te-nente Alipá'o Ban- deira, inspector do nossO' Serviço no Amazonas, eu tive o prazer e a hon- ra de subscrever.
Essie trabalhos que será apresenta- do hoje ao Sr. ministro da ag-ricultu- ra, deverá s'er opportunamente submettido ao judzo e á decisão do Congresso NaoLoinal .
Em torno dessa questão de ordem legal, muito necessário é o concurso de todos os órgãos da opinião, afim de que se torne uma realidade o prin- cipio da mais perfeita fraternidade republicana, assegurada pela Consti- tuição do Brazil.
Bem vedes, tudo ha ainda a fazer.
E o meu appello é para que, além de tua grande contribuição pessoal, -com o denodo e o valor de veterano de duas campanhas gloriosas, cha- mes a rebate as antigas hostes de ba- talhadores do bem e os congregue* para essa nova cruzada de civilização e progresso.
E' preciso concluir a constituição da nacionalidade, cujos fundamentos
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foram lançados ha 8 9 annos por José- Bonifacio.
E que problema ha ahi maior e mais nobre para as cogitações e o labor de um verdadeiro homem de Estado ?
Que gloria maior p6de haver para o estadista que tiver de presidir a essa tão commovedora e portentosa inte- gração ?
O nosso Serviço official é necessa- riamente transitório, e passará tanto mais depressa quanto maiores forenn os recursos de que dispuzermos na acção que nos é imposta pelo dever de brazileiros.
Para que assim seja, é necessária a cooperação de todos os nos.? >s conci- dadãos.
E, apropriando, aqui, á fiausa da redempção da raça indígena, a ex- taodinaria apostrophe do formidável discurso de Joaquim Nabuco, no theatro Santa Isabel, no Recife, direi que é preciso formar-se um movimen- to de tal ordem que "esse fio de agua cristalina que desce h):ò dcs cimos de algumas intelligencias e das fon- tes de alguns corações, illuminadoa umas e outros pelos raios do nosso fu- turo, se transforme e se avolume, alagando o paIz iniílra como um rio equatorial nas suas graade.g cheias; é preciso que "esòe rio assim fcimado abra o sea •■aminho, onn^ o Niagara pp'o cora.á) drt r^^-ha, p^lo ^raiiitode resistências seculares"; é preciso qu# elle "ganhe as planícies descoberta3 da opinião e se desdobre em toda a sua largura, alimentado por innume- ros affluentes vindos de todos os pon- tos da intelllgencia, da honra e do sentimento nacional"; é preciso que.
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pela redempção parcial, "mudando de nome no seu curso como o Solimões" — chamando-se Acre ou Amazonas, Bahia ou Espirito Santo, Goyaz ou Matto Grosso, Maranhão ou Min,j.s Geraes, Pará ou Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catharina ou S. Paulo — até despejar-se no grande oc=^ano da fraternidade humana.dividido em tan- tos braços quantos são os E.stados em. que habita ainda hoje o indio, lave com suas ondas os crimes e ns atro- cidades do passado".
"E nem ha temer da força dessa enchente, do volume dessas aguas, dos prejuízos dessa inundação, porque assim como o Nilo deposita sobre o solo árido do Egypto o lodo de que saem as grandes colheitas, ^ssim também a corrente indianista levará suspensos em suas aguas os depósi- tos d'e trabalho livre e dignidade hu- mana, o solo physico e moral do Bra- zil futuro."
Antes de dizer-te adeuza, meu caro Ernesto Senna, quero referir uma pe- nosa impressão que me vem batendo na alma desde que me fiz funcciona- rio do Serviço de Protecção aos índios e Localização de Trabalhadores Na- cionaes.
Pesa-me realmente, duramente, ver- me assim um obreiro oíficial de uma c-íusa de li^ eíd . de e justiça. !~-u pre- fereria mil vezes encontrar-me na meio dos franco-atiradores, sem o es- tipendio de uma funcção publica. Mas nisso fui vencido pelo meu venerado chefe e grande amigo, o coronel Ron- don, no desattender, irreductivelmen- te, ás minhas reiteradas ponderações feitas por telegramma, por cartas e.
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depois, verbalmeTite, em mais de uma conferencia.
Soldado qiíe sou, de ha muito, dessa cruzada libertadora, bem antes de se sonhar cdm a creação de um Serviço official de defeza e protecção ao i:ndio> acceitei assim o postO' para que fui es- oalado .pelo organizador pratico da Obra regeneradora.
Semelhante acquiescencia attestará apenas a minha inferioridade moral, que reconheço e proclamo, mas nunca o desvalor do posto e a pequenez da causa. E, pcir isso mesmo, como disse em meu citado relatório, é bem de ver, estou tão sómente á espera de que, acoelerada a marcha, empenha- da fortemente a campanha, desdo- brada aqui e nos Estados, outro mais digno — "fronteiro de egrégias lides e cavalheiroso coração ^ardido" — ve- nha tomar o posto que me foi con- fiado, volvendo eu ás fileiras de outr'- ora — para não sacrificar a amada causa — levando na alma, como sem- pre, o voto ardentíssimo que todo m<j domina e que encerra a essência mes- ma do meu sentir — pelo bem, pela grandeza, e pela felicidade de minha Patria na anhelada e toeante confra- ternização de todos os seus filhos, que são os descendentes de todas as raças fundidas na alma gloriosa do Brazil .
Adeuza, meu caro Eirnesto Senna.
Teu velho amigo e correligionário admirador e graito
Manoel Miranda,
20-junho-911-23° da Republica Bra- zi leira .
FM BELLO rXEMPLO
UM BELLO EXEMPLO
São oa Nhambiquáras aquella na- gão indígena de Matto Grosso, tida • havida por intratável — espe<}ie teme- rosa de bárbaros que, como atalaias das selvas, sorrateiros e vigilantes, guardavam attentamente o posto, tãe indoimitoa na sua fereza, quanto irre- duotiveis no .seu odio ao civilizado. Desconfiados á vista de repetida® traições, suspeitosos depois de innume- ras deslealdades, fugindo aos brancos m^ais do que ás féras , metteram-s« cada vez mais para o centro longín- quo, e só quando á porta da 'maloca chegava o echo de voz desconhecida, alguim ruido, algum signal de gente ostranha, só então aventuravam o passo em demanda das fronteiras.
Não era, 'pois, o inimigo que sur- gia; eram os zeladores da terra, 0'S defensores da vida e da honra da fa- mília que se apresentavam para a re- pulsa.
Escondido cautelosamente na flo- resta, esgueirando-se em silencio no mais cerrado da b r eu ha, ac^ompan ban- do I'Ongog dias a marcha morosa dos reconhecimentos e <jxpil orações, sem outra denuncia do seu passo leve, que não algum vago estalar de folha «ec- ca, calculando c ^esperando o alme- jado momento de ataque, quando o Nhambiquára apparecia na orla da
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matta era para flechar o incauto ex- ploraidor.
Assim foi recebida a benemérita commissão Rondon, da primeira vez que pisou terras dessa tribu deste- mida .
Nenhum .mal lhe tinha feito a com- missão— é bem verdade; mas vão agora saber quantas turmas de aven- tureiros, antes do coronel Rondon, já foram levar-lhe em pilenos dominios seus e dos seus avós, em vez da paz ííenerosa da civilização, a guerra mi- serável da cubiça, em vez do abraço amplissimo da fraternidade, a man- cha traiçoeira da concurrencia.
Os Nham'biquáras vinga,vam-&e, portanto, e a vingança é o néctar dos deuses e... dos selvagens.
No caso da com.missão Rondon, as victiimas da vingança estavam certa- me^nte livres de cuLpa, mas o selvicola sabe apenas, e de um 'modo- geral, que o pe^lle branca persesrue e extermina; desforra-se, então, do branco, seja elle qual fôr.
Ora, o coronel Rondon era uma ex- cepção; esse levava realmente a paz assim no pensamento como no cora- ção e nos actos.
Mudou promptamente de rumo por não invadir a terra defendida.
Os Nhambiquaras seguiram-lhe ás pegadas. Em certo dia, quando lhes pareceu que a ex^pedição começava a entrar de novo muito pelas suas pos- ses sairam a cam;uo e dessa vez foi o próprio coronel Rondon o alvo das suas pontarias. Escapando milagro- samente das flechadas certeiras e, so- bretudo, de uma que lhe teria varado
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o coração, se o não houvera protegi- do a providencial bandoleira da cara- bina que trazia a tiracolo, ainda uma vez cedeu o valoroso coronel e, sem consentir que aos Nhambiquaras fosse feito o menor mal, antes deixando- Ihes ahi mesmo vários presentes ap- peticidos, voltou caminho — o que era bem para falar aos selvagens do animo pacifico do novo expedicioná- rio.
De então p'or diante, tiveram e mativeram cs Nhambiquaras uma at- titude de espectativa, durante a qual pôde a commissão continuar seus trabalhos sem receio de novas ag- gressões, até que um aco:ntecimento fortuito — independente, aliás, da vontade e da pre\isão >do chefe Ron- don — levou de novo aos escarmen- tados aborígenes a desconfiança pri- mitiva.
Certo dia (e é este o caso para o qual devemos hoje solicitar a atten- Qão dos leitores), certo dia, como se adiantassem da turma, tomando uma .picada para encurtar caminho, foram aggredidos a flecha o tenente Xicoláo Horta Barbosa e o aspirante Tito de Barros. O primeiro caiu ferido no pulmão e no braço esquerdc; o se- gundo recebeu igualmente dois feri- mentos, mas de menor gravidade. Foi isso debaixo de uma arvore em que ficaram encravadas uma flecha do in- dígena e uma bala que o tenente dis- parou para o ar, e em que mais tar- de, uma tocante scena de reconcilia- ção havia, de se dar.
Soccorridos immediatamente os dois feridos .pelos trabalhadores que caminhavam a -pequena distancia e. por isso, .perceberam o ataque, quize- ram esses homens tomar um desfor-
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ço. O tenente rigorosamente pro.hi- biu, aproveitando o ensejo para ex- 'pllcar-lhes que, dados os pfrecedent«es, nenhuma culpa cabia aos selvagens, por semelhante (procedimento; que era aquella, ipelo contrario, a conse- quência natural das depredações an- teriormente 'praticadas pelos serin- gueiros, íiue precederam a expedição.
Longos dias passou o tenente Ni- ooláo entre a vida e a morte, de que só escapou graças ao carinhoso des- velo com que foi tratado e ao confor- to moral que o seu nobre chefe, mes- mo de longe, lhe enviava.
Mas, e aqui começa a mais bella passagem dessa epopéa silvestre, em que o sentimento generoso do verda- deiro civilizado e a ingénua affecti- vidade do inculto filho da floresta vão prestamente encontrar-se em uma commovente permuta de carinhosa amisade, assim que conseguiu resta- belecer-se, f0'i o tenente Nicolá-o Hor- ta Barbosa ao local do seu martyrio, mandou derribar e roçar em torno o mato, deixando inteiramente isolada no peíiueno campo artificial a arvore sagrada e ahi depoz vários mimos reputados agradáveis acs seus irre- sponsáveis malfeitores. Os aborígenes compreht^nderam plenamente a no- breza dessa conducta; recolheram os presentes, e por sua vez deixaram, de- baixo da arvore, os de que dispu- nham: mandioca e flechas.
O tenente volta, arrecada as pren- das que lhe são destinadas e deixa novas dadivas. Voltam semelhante- mente os indígenas e dessa feita, por- que nem outra coisa demandam em seus domínios os aventureiros, dei- xaram pelle,? de borracha, ingénua-
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mente convencidos de qu« era esse o melhor dom que podiam fazer.
De uma terceira vez já não se con- tentavam de apreciar de longe e pru- dentemente occultos a manobra fra- ternal do seu amig-o: appareceram e confiadamente chegaram á fala. E' infelizmente demasiado estranha a linguagem dos Nhambiquáras; de modo (}ue as duas partes apenas pu- deram trocar gestos intelligiveis de affectuosa e reciproca camaradagem.
Ora, essas premissas sobre serem bastantemente promissoras, provam magnificamente ciue os Nhambiquá- ras não são, como era de fama, irre- ductiveis. Já agora é licito esperar delles, não simplesmente a amisade lt>al, mas ainda o concurso effectivo e a incomparável utilidade naquellas remotas paragens, tal como já suc- cede aos Parecis empregados pelo coronel Rondon na construcção da li- nha telegraphica.
Cae, então, por terra, com-o eira de esperar, a lendla de ferocida-de dla- quella altiva mação, e só uma Cioisa fi'oa eviderbciiada: é que faUamm ho- mems ã>e coração e dtô princi(pi'Os. que empregassem o-s methodios conve- nLentea, nas suas relações com os selv.ilc.olas-
A 'escola do coro^neil Rondon, iin- spirada nos sábios oons^elhos die José Bonifacio, Azer^edio Coutiniho 'e outros grandle-s espiriitos, fica assem' ma.is uma vez consagradta pelos Tesulta- dos práticos.
Cojn ella vai o iillu'etr»e chefe cha- mar ao oonvlVio aocial todas as in- niumjeras tribus já estabelecidas ou ainda errantes pelos nose^s v^astis-
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sãmos descampos e tu.do indica que essa) grande obra, em praz© relativa- mente breve, estará feita.
Ima.g"i;ne-£ie agc/r'a o auxilio im- menso qu.e á extincç-ão dos desertos, á cultura da g^lebai, á pircpagaçãio dia industriia, hão de pir^estar e&ses filhos legitrmoiS da terra brazrlileiira, m^ie dio que quaesquer outros habátuados a:o clima -e ao descoiniíloirto dios sertões, e tarnito quanto o melhor povo estran- g-eiro, res.ii3'tente'S„ sóbrios, resignadios e amiigos d,o s'olo.
Effe^c ti vãmente, que es'p'ecáe de emigiragão estranha podieT'i)amos nós obter, cujo aomcuTso se compaire ao dessa gente, die aptidão iindiiscutitvel? E, sO'bretU'do, que problema politi'CO ha ahi tãio siedtuctor e tão sytmpathioo á nossa Patria, conijo- «sse de chamar ao seio da socdiedade 'e£'sia angustiiada e bella raça, batida por quiatro' sé- culos de extermiinio ?
Aquella humfiilde arvor'e, destaca- da na floresta mattogrosaensie, du- plamente ferida pela desavença dos homens, miesjquáinha na sua insiigmii- ficanctia, mas girande na su/a siginii- fi'cação, fica., pois, paria a poesia e para a hiistoxiiia como a ara dia ad Usan- ça a cuja sombra uma parte conside- rável do povo aboriig-eme, espoliada e perseguida, sem terra nas suas próprias terras, sem piatria na sua mesma pátria, re surge gloriiiosa.miente para o trabalho, para a civiMzação e para a liiberdlade.
ALÍPIO BANDEIRA
(D "'O Paiz", de 30 de dezembro de 1910.)