R. B. ROSENTHAL

LIVROS Lisboa 2 Portugal

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ORAÇÕES

SACRAS.

ORAÇÕES SACRAS,

q u E

AO M. EXCELLENTE PRÍNCIPE

O EX.^^ SENHOR

D. FRANCISCO DE LEMOS

DE F ARI A,

Bifpo Conde de Arganil ,

Dedicou

MANOEL DE MACEDO PEREIRA

DE VASCENCELLOS,

Presbytero Secular,

LISBOA

NaOf.Patr. de FRANCISCO LUIZ AMENO.

M. DCC. LXXXV. Com licença da Real Meja Cenfork,

Vende-fe na loja da ImpreffaÕ Regia na Pra^ ça do CommercJo.

:ao m. excellente príncipe o EX/'« SENHOR

D. FRANCISCO DE LEMOS

DE FARIA

MANOEL DE MACEDO PEREIRA

DE VASCONCELLQS

S. e F.

AFENDOeu de impru mir o primeiro tomo de minhas Ora^ ções Sacras , era natural que por aQ^radecimento , e ainda for uaidade

^" me.

*

II

me íemhrap âe V. EXCELLENCIA para honrar com o feu nome ofrontif- ftcto de minha obra. O merecimento de r.EXCELLENCU todos o conhe^ cem. Nem eu tenho necejjidade de o in- culcar, quando faõ públicos es monu- mentos, que exaltada gloria deV.EX- CELLENCIA. Nobreza de fangue , copia de /ciência , explendor de virtu-

^-^'^ELLENCUo caminho por onde « jnjttfa , e afortuna, dando-fe reci- procamente as mãos, o conduzirão pa- ra tao Sublimes, e árduos empregos, fi- gurando-ojd como Prelado de huma JJtecefe que com a longa , e brilhante òeriedefeus Bifpos tem immortaliza- do afama da Igreja Lufttana ;>' co- mo Reitor de huma Univerfidade, que najua reforma ( melhor dijfera crea- çao ) nada tinha que invejaras mais florentes Univerfidades da Europa !

Agora , Senhor, que matéria Ce me naõ propunha para que em muitos eloztos defafogajfe a minha gratidão, refieBtndofizudamente nos feios, e en-

í^Ji^iULA arrancou-^ para que facu-

ài-

dido o jugo da Jurtrprudenaa Bart(f'. lha , relgatapmos a mija Naçao da aífruntalque todos lhe faziao ,luppon- do-a envolta nas trevas, que ou a ma- licia, ou a barbaridade ejpalharao jto tempo ( infeliz tempo) de feu abjo/uto, e quaít tirânico poder ! O cofjeamen^ to das Linguas Orientaes, afolida Uo* quencia , a Çua Filofofia, a Geome- tria , a AJlronomia , o Calculo ^ a Tbeologia naõ ejlragada com metafy* ficas abílraBas , mas bebida na fonte pura dos Çagrados Códigos, da Tradi- ção , e dos Concilios , a Htftorta Na-. tural, a Chimica , ea Medicina qtie cuidados naõ levarão a V, hXLí^l^'; LENCIApara que tivefe ajulta conj Mação de que no acanhado elpaço^ de poucos annos confe(fafem todos o rápi- do , emaravilhojf) progrejfo com que a Mocidade ortugueza fe avançava y pafuindo Faculdades de que nem atnda o nome entre muitos talvez fe [aberta.: . Tudo fe deveo ao zelo de V.EX" CELLENCIA : tudo dfua vafla com- prehenfaÕ .^velando de di^ , e de noite como Agricultor folicitojobre as ten- ras plantas de que hum Rd interejjji'

carregara Aquém naõ fazia ertecie

i^lA affijlta a todos os AóJos , /em aue comafua afabilidade arrijJJTofel decoro\Comque agrado .aõacflhíJZ tre osjeus braços a quem mais fe dií-.

'/"S^"^ , chamanão-o , louvando-oe Jegurando-lhe a fua protecção para o

adtantamento de feus defpachos \ Q Premtofe falta, falta tudo.

rots m meio de fuás literárias fa- digas, repartindo com Deos , e com o

randofe das fantas providencias , com ^^'J"'.''/ '""^Prtmento dejua P aflorai Dtgmdade acudta aofeu rehanho\ Que

EXLELLEMCIA nas Homilias , aue l^^recuaval Que documentos cJnfir- mados comas acções de rua vidain. y^ente\Naõ podendo abranger a to.

daeZ!/'?'"-' f"''' ^«earLdos ^f Jp^da de dois gumes dedarajfem eos vícios a guerra \ JJ "■

' Qtiem mais caritativo que V. EX-

Eg

(HELLENCIJ ? Quem mais generofcy Como tejiemunhaõ as ohras magníficas ^ com que ennohrece afuaCathedral^ as pingues ej melas j coyn que fubleva a in- digência de [eus fubditos ? As mãos de V, EXCELLENCIA nada asfe^ cha^ ejlaôfempre abertas ^e eftendtdas fará felicitarem a quem na amável prefença de KEXCELLENCIJ buf ca o remédio de que precifa. Eu nao fieceffíto depravas eftranhas^Da gran- deza de V. EXCELLENCIA eu te- nho a demonftraçaÕ no que pajja por mim, devendo'lhe tudo: devendo- lhe ^ vida , pela piedade , e pela profufao com que me afjiftio na minha doença , que pçr dilatada me conftituio na mef- quinhafituaçâõ de naÕ poder ganhar o paõ ^ que me mantenho amaJ[ado com o fuor de meu rofto. Efta confijfao^ faço-a agora publicamente : fa-la-het fempre , que nao f ou ingrato.

Quem mais , . . Porém eu conjier- m aF.EXCELLENCIA, dizendo-lhe que nas fuás obrigações he o mais exaBo , que nos [eus cqftumes he o ma- is religiofo , que nas Juas amizades he o mais fino , que na jujientaçaõ de

feu? direitos he o mais confiante, con^ Jervanão perfeitamente equilibrados » Sacerdócio , e o Império. Nejies ter^ ^oi , di6U a prudência que me impo^ fiha inviolavelmente filencio , Jupplt- candolhe, cheio de ref peito , quedei^ culpe a minha oufadia , fe por ventura

rrÍ?nT^''^^ "^'f^^^^^àeF.EXCEL^ j^hJSÍCIJ, ferindo afua modeftia. Se •Oeos profperar os meus defignios , eu J-arei ver algum dia em mais dilatado -volume as virtudes , e as acções, com queKEXCELLENClA. efmahand, o langue dos Azeredos , dos Coutinhos^ dos Farias , dos Cantos , dos Lemos , dos Pereiras , dos AlarcÕes , e dos i<<?^m , tlluflra a America de quem ^f niho , a Igreja de quem he Prin^ ctpe.

■r^

Non contradicas verba mca - verba venratis ullo modo.

Eccii, C

w

PRO-

PROLOGO

U naõ efpero agradar a todos. Contento-me com J a approvaçao daquelies que amando a pureza de noíTa lin- guagem defcubrirem nos meus taes quaes efcriptos algum mereci- mento, na diligencia com que pro- curei amoldar-me ao gofto de nof- fos antigos , nao uzando , nem de palavra , nem de fraze , que nao feja Portugueza : como moftrarei , fe precifofor, trazendo para mi- nha defeza os exemplos de noíTos Clafficos.

Se efcaldando a minha fanta- íia ás vezes me remonto mais , nao lo tenho pela minha parte os pre- ceitos ( que em fim os Panegyricos fao huma Poeíia mais livre ) mas a authoridade de Oradores profa- nos , igualmente que fagrados , de

que

qíie polTo tecer diffufos , e brllhan* tes catálogos. Todavia quem nao goftar, naó me leia. Naó me hei de queixar.

Quereria porém que todos imi- taíTeqi as virtudes, que fornecem a matéria ás Orações Sacras que pu- blico agora. Efte fruto me adoçará qualquer trabalho, ainda que afpe- ro, porque tenha palTado no proje- flo que concebi ; fendo unicamen- te o fim que me proponho inflam- mar os ânimos na devoção daquel- les Santos, de quem teci o elogio , que he o que cumpre ao minifteria que exercito. Deosofabe. Deos, que he de quem pertendo o pre- mio. Se o confeguir, he o que me baila.

I

IN-

^

índice.

ORaçaSpela confervaçaÕ ãa murte Alta , e muito Pederofa Rainha

Fideliffima N. S. pag. r. Oração a S. Francifco , 1 7. Oração primeira a S, Margarida de

Cortona y 35*. Oração ao SS, Sacramento , yj. Oração a S. Barbara , 74. Oraçaõ a S. Miguel , 88. Oração a S. Natália , loi. Oraçáõ ao SS, Rafar io , 114. Oraçaõ a S, Agojlinho , 1 25. Oraçaõ a Santiago , 143. Oraçaõ â Conceição , 158. Oraçaõ Jegunda a S, Margarida de

Cor to na y 175'. Oraçaõ Fúnebre do Excellentifflmo

Principal D. JoaÕ de Faro , 1 84. Oraçaõ Fúnebre do EmineHtJJtmoCar*

de ai D. JoaÕ Co/me da Cunha y 106*

ORA-

^^

ORAÇÕES SACRAS ;

O R A Ç A Õ

Pela confervaçaÕ da muito Alta , 4

muito Poderoza Rainha Fide-

liffima JV. Senhora.

'ÈS)?S9M. O R Q u E nao terei eu as \k p k6 brilhantes qualidades, coiu 2$6o<xx2 que íahem enriquecidos da^ ^^^^ niâos da natureza aquelles génios fublimes , que com a força , nao menos que com a belleza dos difcuríos que produzem , da6 ás ma-^ terias de que trataõ, o precifo valor ; defempenhando felizmente as diffi- culdades , ainda que árduas, dos prd- jedlos que meditaô*? Infíammado na* .quelle fogo , que efcaldando a ima- ginação fantamente nos arrebata pa^^ A " ra

íf

2t Oração PELA CONSERVAÇÃO ra concebermos idéas grandes , no meio das confideraçôes que me af- fuflaó , porque naô me 'esforçarei , cnvolvendo-me no argumento que /e me propõem naô como tributo de nofla vaíTalagem , mas como ob- fequio de nofla gratidão ?

Amável Soberana, que fentada no ThronO) que o primeiro Affonfo erguendo fobre as defpedaçadas Luas Mahometanas lavrou com a fua tri- wnfandora efpada, encheis aos nacio- fiaes de confolaçaô , aos eílranhos de inveja, vós medais o aíTumpto , vós me infpirais. Attrahido do refphn- dor das virtudes, que embala ndo-vos o berço á fimilbança de nítidas Ef- trellas , vos guarnecem o Diadema que cingis; com que refoluçaô naó devo dos preciofos dotes que efmal- taõ a voíTâ alma , tecer o Panegyrico que vos confagro, como hum Hjmno de agradecimento , cantado a Deos ante os Altares pela voíTa confer- vaça6 ?

Pois quem ha, Senhores, que refleítinda lifudamente nas acções j,

ou

rw

DA Rainha íf. senhora. ^

ou publicas, ou particulares, com que a nõlTa Rainha cumpre as obriga* ções, pofto que pezadas, do indepen- dente Sceptro que empunha, naõ te- nha de que matizar dilatados elo- gios , que igualmente íirvao de edi- ficação a quem os ouve , que de hon- ra a hum nome , que gravado, mais que em laminas de ouro fino, nos noflbs corações , voa de Ceo em Ceo para fer íínceramente adorada de todos ?

Ao menos eu , fem que ceda 9, hum pezo , que curvando-me me in- timida, com que gofto alçando a mi- nha débil voz nao oufo dizer-vos^ que nada ha de augufto , nada de puro^ que fe nao ache na fua peC- íba , na fua vida : para que fe conflitua apar das Heroinas Ch ri ílâsj que immortalizarao a glori a de feu fexo digna dosapplaufos, com qUe a fama engroíTando o brado a fará eternamente lembrada nas idades vin* douras.

Mas pára illumínaf ô qUâdtfo que traço , neceffitarei por ventar^ AU 4a

i

4 Oração pela consehvaçao

de enfopar o pincel nas cores que a lifonja prepara , para mais docemen- te nos íurprender , ufando agora do

cítudado artificio de huma eloquên- cia totàimente profana ? Nao Se- nhores. As feveras Lçls promulga- das fobre a Cadeira da verdade, que occupo , naó foffreriaô que dentro doSaníluario corrompeíTe a minha lingua com penfamentos que a def- earada , e vil adulação me infpiraf- fem. Para fatisfaçao do que vos pro* metto, eu tenho guia mais fegura a iquem^ figa : eu teaho as Santas Ef- cripturas.

Grandes Nafcimentos , fagradas Allianças , Filhos , que como viçofas oliveiras crefceis 5 inundando de ale- gria as mezas dos Pais que vos ge- rara 5 5 Regia pofteridade , vós fois huma dadiva daquelle Ente fupremo, que fegundo a economia dos de- cretos' eílabelecidos governa ao feu arbitriò o deftino dos Impérios. DI-^ ga-o Abraham. Naô faz Deos fahir de-fua família os Reis.de Ifrael, co- 4ffi<^ fremia' da^ obediência com que

^hr- ': .■•■ de*

DA Rainha n. senhora; y

dcfembainhando o affiado cutelo er- gueo no monte do Sacrifício o bra- ço para vibrar o golpe fobre a gar- ganta do innocenteííaac, crendo lia fuaefperança contra a efperança?

Sem que corramos o véo a fe- gredos recônditos, nós fabemos, Se- nhores , que Jesus Chriílõ funda- ra entre os Portuguezes o feu Reino, para qu€ os noíTos Princi p es fegu in- do os movimentos ãc piedade , que os caradleriza, depois de q;uebrado o jugo Sarraceno , mandaíTem fobre voadoras quilhas a Orizontes, além de remotos , deíconhecidos ^ juntameU^ te com os nofTos vidtoriofos Pavi> IhÔes a noticia do Chriílianifmo pa»- o propagarmos.

Que proezas nao fizemos ? Nós fomos os primeiros , que rafgando as coitas ao íoberbo , e indómito Adamaftor, cortámos nas margens do Ganges as palmas de que enramá- mos os rezulentes elmos* Os Cer- toes da America ,6 os rochedos da Africa gemerão vergados debaixo do nolTo ferro , naõ ha vend^^ parte nos

Ov^jIçaô fêla conservação Mundos defçobertos aonde por cima das ruínas de eftragados ídolos na6 arvoraflemos a Cruz do Redemptor; illuftrando no rápido progreílo de noíTas Conquiftas aquelles Povos , ainda que ferozes , com as luzes do Evangelho.

Mefclando-fe com a gloria das Armas a gloria das Sciencias, como animados da protecção de noflos Au^ guftos, difputámos ás Naç6es poli- das a primazia, Itália , França , e Hefpanha, de que admiraçaá fe tranf* portára6 , ouvindo nas fuás Univer^» lidades a huns Homens , que furgín^ do do ultimo Occidente derramarão das Cadeiras, que regiaS, os thefou- ros adquiridos debaixo da difcipli- na dos Angelos Poliçianos , dos Pi-, cos de la Mirandula, e dosErmo- laos Bárbaros, Oráculos daquelles tempos: dourados tempos!

As noífas Mufas enlourando as teftas, naô adormecerão muitas ve- zes as agoas do Tibre , e do Sena, fyavemente attrahidas da confonancia íuas lyras í Vós venerável Con*

grçífo

DA Rainha, n. senhora; 7

greíTo de Trento > com que efpanto pendeis da boca de huns Theolo- gos, que deteftando as abílradlas , e ;Jí

impertinentes metafyficas da Efcola ^ '

he nas Efcrituras , he na Tradição ( fontes puras de puras verdades ) que tinha6 unicamente o efcudo pa- ra rebaterem as lanças , com que hu- ma geraçââ de viboras , ingrata ao leite com que fora alimentada , per- tendia dilacerar a inconfutil túnica da Igreja! Expliquemo-nos fem figu- ras : a Santa que profeíTamos, ^^ De que prazer nao inundarão pois os noíTos peitos , naò con- templando a grandeza a que fe ele- va, mas revolvendo na memoria as maduras, e prévias difpofiçoes cora que anofla amabiliífima Rainha , her- dando de tantos excelfos Afcenden- tes com o fangue as virtudes, fe pre- vine para o eminente cargo , a que a Providencia amiga de noíTo bem adeftinara na urna de feus eternos confelhos ? Naó faô os raios , que cercaó a Mageftade , que a deslum- braó; naó faõ os applaufosi incen-

S OrAÇAÕ PELA consehtâçaS fo que ao redor do SoIio quaíl fem- pre^ com prodigalidade fe queima. Mais alto põem a mira. Exemplos de feus grandes Pais, como orvalho, que calando brandamente a terra, a fertiliza , vós vos embebieis no feu animo para lhe fervires de molde porque fe ajuftafle na efcabrofa car- reira da vida.

Chamejando nos feus olhos bel- los o fervor de feu efpirito , que com paíTos de gigante corre pelas varéd^as, ainda que acanhadas, da per-^ feição, vira6-na nunca que naô efti- veífe efcudada daquellas máximas de Religião , que a largos forvos com fanta fede bebe nos livros de pieda^ de ; fazendo ( para fallar com a fra-. ze do Profeta ) cheios os feus dias na cultura dos talentos , que da gra- ça , e da natureza folgadamente re- cebera : forvida na contemplação da- quella formofura antiga, daquella formofura nova : na Oração, que he a fonhada efcada de Jacob, pela qual fe fobe como cândida Pomba de Edon ao Empyreo !^

Pai-

DA Rainha n. senhora. 9 Paixões crgulhofas : appetíí-es , que rugindo á maneira Ó2 pávidos leoés do berço nos efpreitaó para defapercebidos nos devorarem, eomo os defcarna 1 Branqueando os feus veftidos no fangue do Cordeiro fem mancha , nutrida com aquelle Paá., C]ue gera fortes: vós Anjos, que ihe affiílis para a guardares nos íeus ca- minhos, he que nos haveis informar da pureza com que frequenta a Me- za Eucariilica! Ferindo com humil^ dade o innocente peito , abaixanr do aquella cabeça , a quem agora to- do o Univerfo fc inclina, taô •arrai- gada nafua fé, como o Centuriaô ! Que argumento , Senhores , pa^ ra envergonhar a noíía foberba ! Hu- ma Princeza legitima herdeira da an- tiquiíTima Cafa de Bragança : ( nada ha de Auguílo , que fe nao compre- henda nefte nome) Bella mais que as bellas : na aurora de feus annos: mais que lifongeada fervida da fortuna : as delicias de huma Naçaô^ que á coníiderava como a arbitra de fuás futuras felicidades , dobrados os ten- ros

ílo Oraçao pela COí^SEUVAÇAÕ ros joelhos , colida com a terra , <|ue muitas vezes beija , fazendo a Deos hum grato facrifício de todos os titulos de fua grandeza, que re-

Íuta por huma fombra que paíía por um nada , ainda que brilhante ! A fua Alma como naó fera o Thalamo florido entre cujos brancos Jirios fe apafcenta J e s u s Chriílo , a quem de fua infância fe dedica ?

Mas que tochas fe accendem ! Que laços fe tecem ! Vós Graças in- iiocentes he que enfeitais de flores^ que fe nao raurchaó , as grinaldas que hao de ornar a fronte dos caftos Efpofos. Por mais , Senhores , que poderofos Principes reforçando as íiias pertençôes, afpirem a hum Con- forcio , fobre que a Europa com as fuás viftas eílende as fuás cfperan* ças , outra he a eleição de hum Rei , que amando-nos finamente , naó quer que de fora nos venha quem ao la- do da adorada Filha a ajude a fu- ftentar o governo de huma Monar- quia , que efpalhada pelas quatro partes da Estéra, fe faz taõ invejada

PC-

wm

DA Rainha n. senhoba. ii pelas fuás riquezas, como temida pela íeu esforqo, Ditofo Pedro , vós íois o preferido. As voíTas virtudes faó as que vos grangearao huma ventura de que nós çftamos colhendo os frutos.

Como abençoa Deos eílas Núp- cias 5 deferindo com benignidade ás preces que mandamos á fua prefen- ça , envoltas nas lagrimas que ala- gavaó os noíTos roftos de palidez cobertos ! Os Netos de D. Jofepli o Primeiro multiplicaõ-fe , para que o medo de vermos interrompida a Se- rie de noíTos Reis , nos nao coníler- ne. Nós temos huns apoz outros os fiadores , que fegurando-nos a defe- jada fuçceífaõ nos defvanecem com a certeza de que aquelle5que olhou pa- ra a geração attenuada, velando fo- bre a noíla felicidade , ainda efpe- cialmente nos protege, entornando fobre Portugal as fuás antigas mife- ricordias.

Porém eu que faço? Acafo per- tendo com os meus curtos braços , fondando os abyfmos rcferir-vos hu- ma por huma as noíTas ditas , deri- va

12 ORAÇAo PELA CONSERVAÇAS

Yadas todas de huma Rainha , que emuia das Ifabeis, e das Chriftinas , une tudo o que ha de fublime na fua peíToa? Dia treze de Maio , tu ine chamas. Para fuavizar-mos a per-' da de hum Monarca , que trilhando Jiuma eftrada quafi defconhecida en- tre nós , quiz dar á Naçaõ , de que era Arbitro abfoluto, huma nova fa- ce, arrancando encarquilhados abu- fos; podia-mos nós ter lenitivo mais eíEcaz, que vermos apar de feu Con- forte caro a Primeira Maria , rece- bendo com a noíTa jurada vaífalíagem os noíTos corações ? Que maravi- Jhofos tranfportes de contentamento naõ forao os noíTos , diíFundindo-íe |3or cima das aguas do Tejo o écco daquelles vivas , com que agradecía- mos ao Todo Poderofo o bem que nos comunicava? Eu nao fou encare- cido. Abracando-nos reçiprdcamen. te, naõandaya-mos como alienados ? Vós, vósfoftes fieis teftimunhas»

Como começou logo a refplande- cer a fua innata clemência ! As maf* morras defaferrolhadas : os ungidos

do

DA Raina n. senhora. ij do Senhor na fua liberdade : as gra- qas correndo perennemente do Thro- no que occupa : o focego , a paz, e a alegria tornando a collocar nos nof- fos ânimos o íeu aflento; da-fe a Ce- far o que he de Cefar , a Deos o que he de Deos. Sempre que a Juj lliça nao grite, ha mercê que nos na6 liberalize ? Conhecendo que he irre- parável a perda de quaiquer indivi- duo dos que compõem , e organi- zaó o corpo doEílado , que raras ve- zes vemos enfopados os noíTos ca- dafalfos no fangue de feus vaílallos l Melhor lhe compete o nome cari- nhofo de filhos.

Eu nao quero que os delidlos fejaô impunídos. Releva muito qua fe ponha freio á maldade dos homés. Os prémios , e os caíligos faó os ei- xos fobre que as Republicas fe eíla- belecem. Mas fem que fe mate, nao ha penas, que proporcionando-í^ aos crimes, ainda que graves, atalhem os damnos , que dos tranfgreíTores das Leis refultao , tirando fempre os Ef- tados dos delinquentes muitas vaa-

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14 ORAÇÃO PELA CONSERVADAS

ragens ^ condemnando-os ao ferviço publico ? Eis-aqui como fobre os princípios da humanidade penfa a si Filofofia : eis*aqui como penfa a nof* fa adoradiífima Soberana.

Com que zelo fe applica para que a Religião floreça entre nós, fem mefcla de novidades fempre perigo- fâs ? Efpiritos chamados illumina- dos, buícai outras Regiões aonde ha- biteis para vomitares as máximas ve- nenofas , que cevao a voíTa liberda* de. Portugal he hum Reino com quem hum Santo Papa dizia que eftava bem , porque nunca lhe en-'' tendera com o Credo. He, Senhores, he contra eftes que a noíTã Rainha , alterando a ferenidade de feu fem- blante bello, unicamente fe enfure- ce , querendo que na puniçaó de feus erros ímpios efcarmente a mocida- de incauta para fe conter nos limi- tes da fua crença.

Para que os feus fentimentos de piedade fejaô mais públicos , que ©bras naõ faz? erigindo fagra- das Bafilicas, aonde a Religião , e a

magni*

11;'^

DA Rainha n. senhoka. ly magnificência corti generofa emula- ção competem : . . . mas eu vou le- vando além do jufto o meu difcur- fo. Que vos digo eu , que vós naô faibais. A Hiftoriajuiz incorrupto, e imparcial do merecimento dos Rei- nantes 5 que lugar naÓ vai pre- parando nos feus faílos , para j|ue cora carafteres indeléveis fe leiao as acções , com que a Grande , a Pia , a Magnifica Dona Maria Primeira hon- ra o feu fexo , honra a fua naçaô !

Ahi 5 Senhores, com que gofto a moftrará á poíleridade, humas ve- zes animando úteis Academias , que cubertas com a fua protecção faça6 apparecer entre nós illuílres homês, que com as delicadas producçoes de feus talentos refgatem do efqueci- mento a noíTa fama : outras vezes ordenando fabios Códigos, com que naô lenhamos que invejar , nem aos antigos , nem aos modernos Legif- iadores : confervando entre as Poten- cias Belligerantes com a fua neutra- lidade o feu decoro , para que no re-^ gajo da paz , eíTa filha do Ceo ,

quç

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m\

16 Oraçaõ pela conservação que nas Tuas brancas azas coíluma trazer aos Povos a abundância , e a felicidade , plasidamente deícanfem os íeus vaííallos.

Tomara íaber agora de vós, Se- nhores 5 le haverá Forruguez , no qual o eípiriro do patriotifmo eíte- ja taó apagado, que fe nao intereíTe vivamente pela confervaçao de hu- nia Rainha 5 que entre os refplando- res doThroQO naô refpira momento que naô feja para noíTa utilidade : que nas fuás orações , fervoroíiffimas orações 5 eílá inceíTantemente rogando ao Deos, aquém feguindo os veíligios de feus progenitores, ferve defde as mantilhas, que felicite hum Povo de que a fez Cabeça, prefervando-o dos imales , que podem ameaçallo ? Eu naô o creio: antes no meio doTem- plo, ao fom doé órgãos, cheios de fé, cheios de gratidão, como ao Dador de todos os bens , reforçando os vo- tos pediremos , que nos dilate huma vida taó preciofa , rendendo-lhe com os noíTos corações as devidas graças. Te ^Deum lauclamus*

ORA-.

ti

n

ORAÇAÓ

AS.FRANGISCO.

.Ahfcondíjii h£c à fapientihus , cí?^^ reuelajii ea farvulls,

Math. c. II.

Uando eu leio no Santo Evan- gelho , de quem fou Miniílro , ainda que indigno, que Deos revela aos pequenos de fu a Ga- fa 5 o que efconde muitas vezes aos Sábios do Mundo, de que valor me nao encho para tecer o Panegjrico do grande Pai dos Pobres , que enno- brecendo a Aííiz com o feu nafcimen- to, iiluítrou a Igreja com as fuás vir^ tudes , fundando huma Ordem , que em todas as idades tem produzida dentro e fora do Chriilíanifmo aba- Jifados eípiritos 5 que com a fuafci* encia^ igualmente que com a fua fan- íidade, cumprindo os deyeres de feu^ B cita-

^t o K A Ç A o

eílado, attrahiraó a publica veneraçad de quem os communicava , colhendo de fuás Apoítolicas fadigas copiofo fruto : abalizados efpiritos de quem vós 5 ReligiofiíFimos Padres , fois có- pias fiéis. Nao he neceííario , que vos diga , que he do voíTo eílima- diíGmo Francifco que vos fallo.

E ainda que lançando huma vií- ta íizuda fcíbre a pobreza de meus talentos , eu vejo que ^o meu animo aíFraca^ na confideraçaõ de que a em- preza de que me quizeíles por bon- dade voíla encarregar , pedia hom- bros mais robuftos, que os meus , para nao vergarem com o pezo da matéria ; o gofto , e a honra de obedecer-vos , de miílura com a natural complacência , que he razad ique eu tenha, havendo de alçar no meio do Templo a minha voz para louvar as acções fublimes de hum Pa- triarcha, que com hum milagre pe- renne mantém na terra a Religião, de- baixo de CUJO Inílituto vós vos ali- ftaisj que brios me nao infundem, para que remontando-me por cima

de

'<r^*^'^*r^r

A S. F R A N GI S C o: 19

3e minha inhabilidade nem hum mo- mento vacille na execução do precei- to j que me impozeítes : lembran- do-me que ferei eu talvez hum da- quelles pequenos , que na urna de feus infcrutaveis fegredos terá Deod deílinado para a grande obra^ a que me arrojo.

Neítes termos , imitando a indu-» llria das abelhas , que das flores que efcolhem , extrahem o fucco de que elaboraõ o mel , que adoçando-nos os lábios com a lua fuavidade noá lifongea : eu , fem que huma por hu* ma vos refira as fuás brilhantes qua* lidades , me cingirei unicamente á propofiçaõ, que eílabeleço por baze do meu difcurfo ; a qual he, moftrar^ vos a fua elevação derivada toda de fua Iiumildade : virtude que caradle-' riza, naó o fagradoHeròe, a quem elogio , mas a toda a refpeitada Fa-^ milia dos Menores , qu€ exultando de prazer , e contentamento no dia em que eílamos 5 nao deixará de fer indulgente comigo ^ perdoando-me vós os graves defeitos > de que irá B i| ma-

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maculada a minha Oração , que o me- recimento que tem, lie a verdade de <que íe anima. Nem eu oufaria quei- mar o incenfo da iifonja ante a Ara , fobre que fe coUoca a Imagem de hum Santo , que deíle infame vicio, como de todos o.s mais, foi declara- do inimigo, E fe me dais licença, cntre-íe a traçar o quadro prometti* do 5 que para fer completo , bafta- que vós fobre as minhas íombras derrameis as voíías luzes. Eu come- ço.

C^e afpera linguagem para os íilhos do Secuio ! Quereis íer exal- tados ? "Sede humildes. Ao menos a grandeza, que Deos eftima (a única grandeza, Senhores), he fobre eíle fundamentp , que fe ergue : como da Cadeira de Hiponia aflirraa o meu ef- timadiííimo Agoíiinho: Cogitas ma* gnum fabricam confiruere celfitudi* Tih ? í)e fundamento prius cogita hu^. milita tis}

Quem reBediíFe na brilhante, e pompofa genealogia da famoía Don- zelia de Nazareth , efcolhida, e pre-

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A S. F R A N c I s c o; it

'deftinada na mente eterna para Mãi do Incarnado Verbo, accommodan- do-fe ao coftume do Mundo eílraga- do, facilmente entenderia, que a íua elevação fe derivava dos Baíloes'', dos Sceptros , e das Tiaras , que como dourados, e preciofos frudlos pen- diao da arvore, de que era florente, e legitimo ramo. Todavia nós fa- bemos por confiíTao fua , que nao he á nobreza de fcu fangue , que deve a íua grandeza , mas à íua humil- dade: Q^na refpexit humilitatem an-- cill£ fu£ , ecce enim ex hoc beatam me âlcent omnes generationes.

Eis-aqui porque Jesus Chriílo,- què tanto fe humilhou na vida, tan- to na morte , nafce em hum eílabu- Io , arranca em huma Cruz : como que reprehende á Marcella, quando levantando a voz no meio das admi- radas Turbas, chama bemaventurádo o cafto ventre de Maria , aonde fo- ra concebido , e gerado 5 tendo por mais felizes aqueíles , que ouvindo a fua palavra cumprem exaftamente 03 fçus preceitoS; abatendo-fe , e en- tra-

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tranhando-fe no baixo principio de que procedem , como affirma hurai refpeitavel Interprete.

Inciyto Pai dos Pobres , fe no Ceo^onde eílais , podeíTe haver al- gum daquelks baixos affeélos , que aíTomando-fe ao noíTo rofto, alteraõ a paz de noíTo coração ; qual feria o voíTo pejo , fe eu agora defenvolvef- fe dos chamados dons da fortuna as provas da grandeza, a que vos coníi* dero remontado ? Por iíTo , Senho- res , naõ efpereís que eu vo-lo piu'^ te repoufando no feio das riquezas , e das delicias, de que gozaria, co- mo filho de huma opulenta Gafa ; al- voroçando as ruas, por onde monta*^ do em foberbos , e briofos ginetes, pafleava ^ com as gallas de que , á íi^ milhança de vaidofo pavão , fe def- vaneceria. Nem menos torneado da lifongeira chufma dos aduladores; €u vo-lo reprefentarei , que incen-» fando os feus defeitos , queriao ga-? iihar-lhe o animo, para fe aproveita- rem das largas , c generofas dadi- vas • com que os favorecia.

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A S. AK CTS COf: If

Nao fera mais acertado, que buf- que na fua verdadeira fonte a fua elevação , lembrando-vos , que nao obftante a affluencia dos bens de feus Progenitores , he em hum fordida lugar conílruido para habuaçao de brutos , que a venturofa Mãi o da a luz ; enfmando-lhe a Providencia, que tanto velava fobre aquelle Menino , o caminho que depois nos adultos annos havia trilhar , para fer total- mente fimilhante ao Filho de Deos ^ Nao fera roais acertado , que na el- pantofa abdicação que faz da pingue herança , que lhe podia pertencer , eu vos mottre o feu animo deiaíter- rado de tudo o que he terreno, pa- ra que envolto na fua pobreza pre- cifalTe de mendigar peias portas o paÓ de cinzas , de que efcaíTamente

fe nutria. , ,

Que documento para vos , be- nhores ! Hum moço na aurora de fua idade , quando os feus a^p^etites eftavaô mais vivos, a fua razão me- nos illuminada pela falta de experi- ências, amado uni verfalmente pelas

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boas qualidades , de que a natureza J parece que entornando quaíi todos os feus encantos, liberalmente o ornara , foíFre com reíignaçaõ , po- de fer que com goílo, os afperos tratamentos do Pai, , que como diíTi- pador de feu património, feveramen- te o caíligava, retalhando-lhe as carnes com pezadas difciplinas ; aíFerrolhando-o em efcuro cárcere ^ para naô poder fazer mais ufo de fua liberdade ! Sobretudo, renunciar Todos os copiofos haveres , que por direito lhe competiaô, nao queren- do poíTuir nada, para obedecer com mais ardor á voz de feu Deos, que pelas fuás infpiraçoes o chamava !

Santo Bifpo deAíliz, com que edificação o nao viíles até de feus veílidos defpojar-fe, arremeíTando-os como huma carga , que lhe embarga- va o paíío na carreira que tinha me- ditado ? He nu, que veyo ao Mun- do: he nu, que ha de entrar na fe- pultura; e inundando de huma ale- gria innocente, como aquelle Princi- pe da Idumea ^ de quem a Efcritu-

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A S. F R A N C I S CO. 1$

ta faz illuftre memoria; com que go- ílo confeíTa , que o feu Pai verdadei- ro eílá no Ceo ; que he io a fua von- tade, que ha de feguir !

Mas nao foraô èftes os primei- ros traços da grande obra, que em- prendia , quando lhe foi revelado,, que havia fer o Reparador da Igre- ja ? NaÓ ha duvida, Senhores, que a revelação ao principio fora mal en- tendida, aíTeníando que da pequena Ermida de S. Damião he que Decs lhe fallava. Mas que virtudes na6 poerrt em execução para livrar aquelle Tem- plo material da ruina que o ameaça ? Rafcunho , ainda que baixo, do que havia de fazer depois pelo Mundo todo a nova prole, de que fundaria a caíla Efpoía de J esus Chriílo , inílituindo a voíía fagrada , e peni- tente Religião,

Naõ he aqui que fe enfaia pa- ra o feu Apoftoiado ; a pé, defcalço, envolto em hum afpero, e grofíeiro facco; pedindo, naô o precifo pa- ra pagar o jornal dos operários , que em poucos mezes rematarão a

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obra começada , mas para a fua mó* dica fuílentaçao ? Nao he aqui , que curvados na dura terra os tenros joe- lhos , vela a mór parte das noites forvido na contemplação da formo- fura de feu Deos ^ por quem pizara o Mundo , as fuás pompas , e as fuás enganadoras vaidades \ arrancando d^alma ardentes fufpiros, como quem ricfejava voar aos montes , ainda que empinados 5 da bellaSiaô, para dormir defcançado fobre o roto pei- to de feu amado ? Naõ he aqui que fe faz per/to , e confummado Mef- tre da humildade, foffrendo que co- brindo-o de injurias, e de lodo, o iHofaíTem , tendo-o por louco nas praças publicas de AíTiz : Affiz , que fora o íheatro de fua va oílentaçaô , quando na primavera de feus annos juvenis, dava ouvidos ás agrada^ yeis , e iifonjeiras viftas , com que o Século proílituido pertendia attra- Iiillo ?

Eu nao me volvo para alguma das fccnas de fua vida, que me; nao Ycja quaíi reduzido a emmudecer,

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A S. F R A l<r C I S C o: ^2:7

forprendido de minha admiração, naá fabendo na cópia de tantas maravi- lhas a qual a preferencia. Porciun- cuia, pofto que pequeno lugar , que novo efpedlaculo me propões , que deixando me como arrebatado elevas a minha conlideraçao a myílerios tao ineíFaveis, que nao devo envolveilos emfilencio! Havia aqui huma Igre- ja confagrada á Mai de Deos 5 co- nhecida era outros tempos pela Er- mida de Santa Maria dos Anjos. Cora que ardor fenao applica Francilco ao feu ferviço 5 nao íó reedificando as fuás eftragadas paredes , mas promo- vendo o íeu culto? De que prodí- gios na6 he atíonito, e pafmado ex- pedador ? A muíica dos Efpiritos Celeítes, que torneaó a Ara de fua Rainha: os fegredos que fe lhe re- yelaÔ : os colioquios com que o en^ t retém a mor parte das noites o íeu crucificado Jesus, que defuzado ef^ forço lhe nao communicao para le- var ao fim a grande eoi preza , que tem meditado? Como fe nao co- roaria logo de fa:5onâdos, frutos a

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inimofa planta , fe he á fombra de Maria , que agora eftendendo as ra- ízes, e engrofíando o tronco come- ça a crefcer a arvore, que dilata os íeus ramos por todo o Chriftianif- mo?

As obras que Deos abenqoa, vao com felicidade avante : que feráo aquelias que de Deos deduzem a fua origem ? Se eu vos affirmar, que do EfpiritG Santo he que dimanou o In- ftituro de que Francifco foi denoda- do Chefe , arraigando-fe a Regra que efcreveo 5 nas faudaveis máximas do Evangelho , que na6 fem myíle- rio lhe foraô participadas, eu na6 temo que me taxeis de encarecido , repatando-me por Orador apaixona- do , porque he huma verdade , que todos fabem.

Que maravilha he pois , Senho* res, que huns apoz outros correííeni de diííerentes partes para fe aliílarem debaixo de feu eílandarte illuítres ho- líiés , que pela fua qualidade, pelos feus empregos, fe faziao tao refpeitaveis no Mundo , defprezan-

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A S. F R A N C I S^C o; 29'

do tudo o que poíTuiaô , para le amoldarem á cabeça de que erao membros ? Entre rodos, tu juílamea- te levantarás a viíloriofa teíta, Ber- nardo de Quintaval , que para efmal- tares mais a nobreza de teu fangue , foíte o primeiro, que de tua eíclare- cida Cafa íizeíle demiffao , enthe- fourando nas mãos dos pobres as groíTas rendas , de que eras legitimo ienhor.

Que maravilha he pois , que con- íeguida a approvacaô do Papa , qiie por entaô governava da eminência do Vaticano a Igreja , crefceíTe de forre o numero da Francífcana Famí- lia , que ainda no berço dava idea do progreíTo que faria depois ^ confiando que faô quarenta mil os Conventos , que fervem de quar- téis , aonde os Soldados de Jesus Chriílo fe recolhem 5 para que eípa- Ihando-^fe por toda a face da terra, com o feu exemplo , naó menos que com a fua doutrina , propagarem a Religião, de que fao deftros cultores !

Que efpaçofo campo, de que def-

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§ò Oração

pontaá 3 como a competência, ^s flo- res , de que Francifco matiza , e en- feita a grinalda que cinge ! Levan- tando-fe de fua humildade, como Ánteo do chaó com que íe cofe j com mais forças para as árduas em- prezas, de que queria fer executor iníjgne ! Naô he agora que o defejo tíõ mriftyrio o devora ? Que figuran- do as cruzes, e as cataíías , como theatros de fua gloria, determina dar por Deos a vida , que he a proya mais qualificada do amor, fegundo o que fe acha exprelTo nas Efcrituras ? Com tudo no Throno da Triade Santiífima nao he approvado o fa- crificio de teu fangue , abrazado Se- rafim* As Chagas, as preciofiíTimas Chagas do Redemptor, que fe te im- primem , he tormento fobejo para apagares a fede que tens de padecer. Rfíígouas no Corpo de Jesus a fo- berba da pérfida , e ingrata gente: abrio-as em Franciíco o íeu amor, e a fua humildade.

Com eíFeito , Senhores , fe Deos queria que a Cidade fe collocaííe fo«

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A S.F R A N c isc o: ^i

bre o monte, para que todos a yiflem, como confentiria , que Frâncifco íe aparcaíle de fua Familia ? Se queria que de feus Clauílros furgiffem tan-- tos luminofos AítroB, que illuílraffem a Igreja , governando o rebanho de Pedro , efpalhado por todas as quatro partes do Mundo conhecido, cnnobrccendo com os feus raros talentos o Confiílorio dos Cardeaes: aqui produzindo famigerados Douto- res 5 que com a fua Doutrina fuften- taíTem o credito das Univerfidades de que eraõ Meftres : alli briofos Athle- Tas , que com a fua morte arraigaf- fem mais a Fé, de que eraó firmes, e incontraílaveis columnas , como nao confervaria por mais tempo ávida de Frâncifco, de quem dependia o augmento, e o luílre daquelle Cor- po?

Eu nao fou demafiado. Refpeito todas as Ordens Regulares como flo- rentes Seminários de virtudes , e de letras : mas tem havido Religião mais útil , que a Frsncifcana , que até no meia dos Infiéis faz apparecer o Teu

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decoro, e a fua importância, fcnàó a única , que entre os Sarracenos íe mantém , attrahindo com a fuavidade de Teu trado, e com a humildade de feu exemplo na guarda dos Lu- gares íantos, aonde fomos remidos, o coração daquelles Bárbaros? A vi- da Apoíiolica quem a pratica mais que vós , Padres ReligiofiíTimos, na5 vos forrando a trabalhos , ainda que sfperos , para ferdes de proveito ao próximo, amando-o , e fervindo-o , ora nos Púlpitos , ora nos Confeílio- narios ? Eu naÓ o digo : o receio de ferir a voíTa modeília embargaria na minha garganta a minha voz. He o publico quem o confeíTa, que co- mo agradecido, naõ vos fuílen- ta, mas de maneira vos provê, que nas voíTas Portarias faÕ mais de qua- renta mil cruzados , que todos os dias diftribuís para alimentardes a pcbreza. '

Oh fanta humildade de Franclf-* CO ! quem vos nao imitta , fendo a fua grandeza toda derivada de vós ? Por yentura iiao o eftiraavao maia

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A S. F R A N C I S C o, 3^

tqunndo na meia dos Príncipes, pa- ra que era convidado , a fua iguaria mais delicada, e faborofa, era o paa de que mendigando vinha provido ^ Quando artcrrado do conhecimento de feu nada , nunca fe quiz remon- tar áqueila dignidade , qile nem os Anjos defempenhariaÒ bem ? Eu que- ro dizer : o Sacerdócio ? Tremendo como convulfo , na confíderaçaô de que devia fer taó puro como hum cryílal , para que fegunda vez incar- naíTe nas fuás mãos o Verbo do Pai Eterno , obedecendo ás fuás palavras com mais promptidao , que o Sol ás vozes dejofué?

Qiiando . . . mas eu vou levan- xlo além do jufto a minha oração , fem advertir , que a humildade de Francifco he incomprèhenfivel ; que nem em diíFufos volumes fe podem cfcrever as fuás virtudes todas , de que foi coroa i preciofa morte, com que dos braqos de feus Filhos , dan-* do a hum por hum a fua benção, vo- ou da terra ao Ceo , clamando cheio de júbilos: Os Santos rns efperaõz C Eu

|4 O íl A Ç A o

Eu mu, eu vou» Grande Pai , quem te acompâi-hara !

Agora eíp^râis vó?, que eu entrâf- fe no .exame dos roíiagres , que íez, para vos oioílrar , que naõ na íua vida , mas depois de íeu tranfito , lion^-a , e engrandece Deos a humil-^ dade de Francifco? Que vos pozef- fe , e arraniaíTe como em huma bri- lhante comparfa , os cegos a quem reílituio eclipfada viíla ; os^ mudos a quem deíatou as prezas línguas \ os paraljticos a quem defentorpeceo os tolhidos 5 e engelhados membros; mA-^rtos a quem reftituio a vida \. os íucceííos fururos que revelou cor- rendo o véo a recônditos íegredos? Eu de nada oeceffiro , porque tenho iTiilagre, que todos vem., que con- feito rodos : milagre perenne : a confervsçió da voiJa refpeitavei Or- dem. ■ __

Felizes vós , Pveligloíimmos ra- rlres^ , que n^o deímereceis a honra de Fdho5 de Franciíco. A voíía figu- r-i penifenre, e huínilde , mirrados de iejaas , laígados de difdplinas,

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A S. M.\TtGA^TDA DE Conr. ^f

defprezando as honras, e as riquezas, com que o Mundoj dourando as fuás cadeias, prende aos filhos do fecu- lo; eif-aqui como immitando a vof- ío Pai na terra , o ireis depois acom- panhar no Ceo. Eu vo-lo defejo a todos. Diíle,

ORAÇÃO

A S. MARGARíDâ

DECO R TONA.

Ego dileãõ meo , ir ãd me conver*

fio ejus.

Palavras que a Igreja appika a San«*

ta Margarida de Cortona.

E Corno he bom o noíTo Deos I As fontes de fua mifericordia s^ nem fe efgotao, nem fe fechao» rara nos purificarmos de culpas, que manchaô, e desfigurao a belleza de noíías almas , perennemente correm. Como a noíTa contrição efprema, e arranque de noíTos corajoes llnceras ca la-

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lagrimas , lie o que nos bafta. Ern confirmação da verdade qoe vos di- go , naõ me he necelTario engrazar huns com outros os exemplos. Vós tendeã a prova na Santa , de quem a Igreja, promovendo para noíío^ do- cumento os cultos , honra hoje a memoria. Margarida de Coitona.

Qjem a obíervaíTe na aurora de fuá idade, engroííando cada dia mais a cadeia , que como cativa do pec- cado , arraftou pôr eípaço de nove snnos , vaidofa de fua formoíura , que pena na6 teria de íua defgraça- da , e meíquinha fituaçaó , temendo que na ininrâfade de íeu Deos , re- ^^araOTe a carreira de fua vida ? InFe- liz vida! Prazeres v€rgonhoros,am- ' ,êã que uor dourada taça vós lhe da- ^es"a g )ílar o mortUero veneno, ÊÍFanando-fe unicamente p^la íatiífa- çaÓ de feus appetite? ! inimigos, Se- liores, mais perigoíbf, quanto mais dom.ellicos.

Com tudo , huma vez que delcn- ganadi íe refolve a deteftaros ieus crimes, pofto Que atrozes ^ na5 acha *^ nas

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A S. Mabqamda deCoiit; 37 nas Chagas de Jesus, como os do- entes na Pifcina, o remédio , prepa- rando de feu pranto, e daquelle San- gue preciofi<rimo o balíamo que a cura? Os feus delidos naô fao iogo perdoados, fazendo o feu ninho, co- mo cândida pomba, naquelle rota peito, aonde a largos iorvos bebe a graça que a juftitica ? E como he bom o noíTo Díos !

Ora eu , que no Panegyrico que lhe confâgroj mais que aos íeus lou- vores , devo aítender á voíTa utili- dade, para que tenhais hum exem- plar VQríViio , porque âmoideis as voíTas acções , venho determinado a fazer-vos duas curtas , mas íolidas reíiexoes, que traçarão o. plano do difcurfo que me ouvireis. Primeira a converfao de Vargarida de Corrona para Deos : Ego dileão meo. S^^^gnn- da a converfao de Deos para Mar- garida de Cortoha: Et me^ con- •verfio ejus* Reputara-me por ditofo, fe ao zelo com que efcolhi â maté- ria, refpondeííe o fruto. . lliuítre Penitente, quem fabe fe

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óo lugar qne occupo , fera eíla a ul*» tima vez, que eu tenha a complacên- cia de fállar de Vós? A minha íaude- totalmente eílragada , e o meu dtíli* jio poucas elperanqas me daô. Com tudo de meu coraçaÔ nada vos ar-^ rançará. Attendei porém ás fuppli'» cas que vos faço. SaÔ íincéras ; had de agradar vos: eu nao quero hojw ras : do Mundo eu nada quero. Dí- go-o na prefença daquelle Sactamen- íoAuguílo, que profundamente ado- ro: juro-o, fe precifo for. O que' pertendo he falvarme. N ao me de-' lampareis. Depois como o argumen-» to a que me cinjo , por todas as circunílancias vos pertence, do Deos, que tendes nos voíTos braços , alcan-» jai-me a luz de que preciío pvra a defempenhar como deftjo. Eu co* meço, Senhores,

Primeira Reflexão.

E Thcologia, naôeftragada comi as merafyíiGas da Efcola , mas revelada nas Efcrituras Santas y que

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A S.Mabga:kida be Cort. 3^^ fempre que nós commertemos algum peccado grave , nó^ affronramos feia- mente a Deos : porque ainda que de íua bemaventurança md^ lhe tira- mos, he por íiarurez:í Beato: a íua grandeza , ainda que naô a diminuí- mos , defobedecendo-i^e, e transgre- dindo a íua Lei , P^^ cedermu? ver- gonhofamerue aos eílimulos de liiins appecires , porque nos aíIimMhamos aos brutos ; q'4e injuria lhe ní5 fa- zemos, como affirma S, Paulo : Pfr pravaricationem kgis -Deum inho"

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EÍ5-aqui porque nao balia 5 que pelo Sacramento da reconciliação nus fejaó remiiíidas as noiías culpas , quando com huma contrição verda^ deira as ílajeltamos ao poder das Chaves. Releva, conforme o Sagra- do Concilio deTrento^ derramaímos muitas lagrimas , cobrindo-^nos de cinza, c de cilicio: Releva darmos a Deos toda a íatisfaçáo, para que % fua honra fique defaggravadá. htm* brais-vos do que fez jVíoifés no De«

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Confla-Ihe que o Povo de que er^ Chefe, degenerando vilmente da cren* ça de feus maiores, idolatrara. iVfíli- ge-fe... coníterna-fe».. chora. Com- padece-fe de fua dcfgraça. Para apla* car a ira de Deos, que tinha er- guido o braço, para vibrar, como raio fulminado da nuvem, o ciíligo tner^cido , ufa da única arma que temos: è Gurrados os joelhos, e le*^ Tantadas as mãos, pede, iníla , ora. As fupplicas dos Juftos faô muito po^ -dcrofas. Forao perdoados os deíin-» quentes.

Mas contentarfe-hia, quebrando asTaboas da Lei? arrazaiado o facri- Jego altar ? e reduzindo a cinzas o tnentirofo Numen ? Nao, Senhores; antes para fatisfazer à juftiça de Deos aggravâdo, chamejando nss fuás fa-» ces o feu zelo, convoca os Levitas. Manda-lhes que defembainhando os aíEádos cutelos corrao ao campo: e que entrando por todas as Tendas , íem que perdoem , nem ao parentef- jCO , nem á amizade , íiraô . . de-» golíem,,, matem aquelles rebeldes*

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A S. Margarida deCoíit. 41. Cumpre-fe o funefto preceito. Mais de vinre e dois niii homens fao cor- tados do ferro vingador.

Na ara de íeu coração tivera Mar- garida de Corcona por quaíi dois Juílros coliocado .0 Ídolo infame de feus prazeres impuros. Eícrava de Lúcifer , pelo coftume naó feníia o pezo dos grilhões, que arraílava. Dourava-os o amor , dèílro , e en- genhofo artifice de agradáveis enga- nos. Porém Deos, piedofiiUmo Deos, que fempre quer que o peccador íe converta , rafgando-lhe a venda que a cegava, accomodarfehia com hu- nia vida commum , pofto que juíb ? Humas poucas de lagrimas entorna- das, parte fobre o cadáver do aííaííi- nado amante , parte fobre as fuás culpas, focegala-hiaó para nao repa- rar cOm afperas penitencias os dam- nos que fizera á fua alma , e o atre- vimento com -que facudindo o íjugo da Lei , que profeíTava , affronrara o feu Deos , principalmente conhecen- do, que pouco importa melhorar de coÚuínesi deteítaado os 'crimes de

que

4i Oração

que fomos réos , fe com o facrificio de hum efpirito humilhado nos nao fanrifícamos cada dia mais , como diz Santo Agoílinho?

Eu me enterneço , nao menos que me confundo , repaíTando pe!a minha lembrança o rigor, com que fe trata , para que purificando-fe , co- mo o ouro na frágoa , nem do que foi coníervaíTe hum pequeno, e ei- caílb refto. Peza.das diíciplinas que a reralhaò , . . . auíteros jrjuns que a KUfraÔ. . . longas vigilias . . . (armas com .que fe fopêa o orgulho da re- belde carne) vós como que a efpi- ritoalizaftes, podendo affirniar corrt^ o Apoíloio : eu na6 fou o que vivo}' J Esus Chriílo he que vive em mim: f^ivo ego 5 jam mn ego : ijmt vera in me Chríftus. Para que a fua con^ verfao para Deos fe arraigaíTe mais, nao bufca voluntariamente os defpre- gios, apparecendo na fua Pátria , que infamara com a fua diíToluçaó, deícali^ ca 3 cnirolta em huma remendada tu- riica , cingida com huma corda, oS olhos alagados de lagrimas , tremu-^

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A S. Margarida dkCobt. 45 como convulía , defgrenhados ^ ^ cabidos íobre o pállido , mas bello rí^fto; aquelles cabelios, aonde como em redes fiibtís, fe perderão tantas liberdades ?

Podia Margarida de Cortona , feguindo os exeniplos de outras pe- nitentes 5 embrenhar-fe pelos ermo?; e nao fei fe recolhida, fe enterrada em liuma gruta, lavar com o feu pran- to as manchas de feu peccado Alii , íem que; a enyergonhaíTem , arroitaii- do-íhe os feus atrozes deliélos podia nao fubir de virtude em virtude, mas diir a Deos , para quem (q con-^ vertia, a íatisfaçao competehte. Toda- via quer Fazer mais que Da-nd , que pedia que afua iniquidade foíTe apa- gada da memoria das gentes : De/e iniquitãtem 7neam. E com que g oi- to? e com qne paz de feu coração nao foíFre , que huns lhe chameai peccadora, outros embufteira, vendo debaixo 'dê feus pés bramirem-as tem- peftades , como o Olimpo, fem que a fua conftjRcia fe alteraíle ?

Crelo-hieis, Senhores , que nc*

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'44 O R A Ç A Õ

gando-Ihe o Pai, que a gerara, o agai zalho precifo , andaria de porta em porta mendigando o paô de cincas, de que efcairâmente fe nutria , íul^ tentando das eímolas , que tira/a , ^ muitos deícârnados mendigos , que recorriaô á fua piedade? Crelo-hieis;^ que para mais íe amoldar na íua con- verfaõ com o feu Deos , os inimgos^ que mais a perfeguiaô, erao os que* tinhao mór parte nas fuás orações y iiao íó perdoando lhes 5 mas aman- do-os finamente? Crelo-hieis , que^= horrorizada cada vez majs de fuasi paíTadas culpas, com huçna fede co^ xnò a do hydropico, que nao haagoa que o mitigue , defejwa padecer mais , e mais ; confelTando , que ain- da que o feu corpo tivefTe a vaíla^ extenfaó deíle Globo, que habitamos^: vertendo todo o fangue de fuás velas^^ nem pelo menor de feus peccados íatisfaria a Deos ?

Porém eu pertendo , fondando osb abyímos, e contando as eítrellas , ài* zer-vos por ventura, que convertid% Margarida de Cortona para o feu

Deosj

A S. Matiga-rtoa de CotíT. ^^ Deos , he de ília Cruz que fe g!o- tÍj ? Naô tendo penfamento que IhQ naÔ conlagre , a(fl-uada fempre na ília prefença? Qje paffa as noites todas lorvida na contemplação dos benefí- cios, de que lhe he devedora, admi- rando-íe de que a terra , que piza , poíTa fuílentar o pezo de luas mal- dades? Pertendo dizer-vos por ven- tura 5 que nem o Inferno com as fuás fuggeítoes, nem o Mundo com as fuás lifongeiras promeíías, nem â carne com os feus appetites , afpides que por baixo de fiores, que com o feii cheiro nos atordoaÒ, fe efcondem , para que merdendo-nos a feii faWo, rios envenenem ^ poderão mais defvialla do caminho, que trilhava? Caminho talvez coberto de abrolhos, mas feguro. Pertendo por ventura dizer-vos , que porque a vangloria quer con> os feus manhofos ardis perfuadilla , que nao tem que te- mer ; que o íeu nome eílá eícrito paquelle Livro fechado com (etc Sei- los , ff bre que* repoufa o Cordeiro imaiaciíUdo ; Livro da vida: aíTuf-

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4^ O R A Ç A 8

ta-fe. ., treme. . . iiurnilha-fe. . . quaíi extaíiada fóbe ao telhado de Tua po- bre calinha , e reforçando o brado | pede no íiiencio da noite aos mora* dores de Cortona , que íe levantem : que naoMabem o inimigo que tem deorro de íua Cidade : que ás pe- dradas a lancem fora de fuás porta?, fe nao querem , qoe huma peccadora taô grande os perverta.

Frevertellos Margarida de Cor- tona .0. que cora o leu nafcimento os honra ! que com o leu exemplo os edifica! Margarida deCortona, que convertida para Deos : Ego díkSío meo -j attrahe todas as ^bencaos do Ceo , naò íó° para os feus patriotas^ iTías naô ha dom , que Deos lhe nao liberalize, convertendo- fe para ella : £f a d me conuerfio ejus : que he a legunda reliexao, que prometti fazer- vos ! Renovai-me a voíía attençaó benévola. Entendo, que nao a de-» merecerei , abuzando da voiTa paci- CDcia.

Segun*

A S. Margai^ida de Cort. 47 Segunda Reflexão»

QUando eu me lembro , qut O Deos, que temos, nos creou de nada, fazendo transluzir, e re- verberar no noíío roílo imm raio do jume incircumfcripto de fua Divinda- de; eu naò polTo deixar de me admi- rar nruiiro, da noíía foblime dig- nidade, já do amor qu^ nos tem ^ dando a hum pouco de barro rati« to valor. Muito mais refiedlindo , que defirserecendo-lhe nós tantas fine- zas com a transgreílljo de noílos def- obedientes Progenitores , para que naõ tjcaííemos excluídos da Gloria ^ para que fomos creados , âííumioj, como fe explicaõ osTheologos, com a noila natureza, a forma vil de fer- vo , abrindo-nos com a ft! a Cruz as âíFerroUudas portas Paraifo,

E como que fe nao délTe por farlsfeito morrendo pelo homem , dar- nos a comer a fua Carne , e a beber o feu Sangue naquelle Sacrs- jnenío Auguílo , que he , como diz

SaE-

'4^ ^ O R A Ç A 6

Santo Tlioniaz, o maior de feus rv.i* Jrigres, e o fi nete , que marca toda a* grandeza de feu amor; para que no eíladõ de viadores tiveíTemos na fua real prefençá todos os bens de que neceíIitaíTemos^nutríndo-nos com aquelle Paõ dos Anjos , Paó que ge- ra virgens , que gera fortes , para vencermos as tentações com que o inimigo commom pertende reduzir- nos ao feu infame partido? O^ Deos !■ O' amor ! Ora hum Deos , que nos ama ranto , de que alegria fe nao en- cherá, quando qualquer peccador fe converte, deteftando deveras os feus crimes, com huma contrição ingénua? De que dons nao enriquecerá a fua alma? Tal foi Margarida de Corto- na, Senhores, que convertendo fc Deos para ella : Et ad me connjev' fíoeJMS\ que graças nao teve! Que privilégios ! Que perrogativas , na {\ià. vida, depois de fua mor- te !

Eu nao poffo àzt ao meu difcur- ío a exftenfao de que he capaz a ma- teria ; porém ainda que vos nao di- ga >

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A S. Maíigatiida de Cort. 49

ga, que nos colioquios, com que Deos íe eiuertinha com Margarida de Cor- tona, por muitas vezes a honrara com o carinhofo, e doce nome de íilha, abençoando as fuás lagrimas, e animando as fuás defconfianças ; que pela fua penitencia a purificara de maneira de íeus peccados , que a fi- zera fimílhante. ás Virgens: ainda que vos nao diga , que para lhe arrancar os íuítos 5 que a deixavao como mor- ta 5 receofa de chegar áquella Meia de prapiciaçao íem o apparelho devi- do 5 lhe déíle muitas vezes a certeza, que nada tinha que temer : que po- dia commungar feguramente ; devo por ventura involver agora em pro- fundo fílencio, o poder que lhe com- munícou, para que todos convenci- dos de fua virtude 5 a tiveíTem por Santa?

Terceira Ordem do Serafim de Aíliz 5 vos fois a mais intereíTada nas fuás glorias : competia a vós infor« mar-nos os prodígios que obra^ quan- do governando ao feu arbítrio as conílantes leis da natureza , fazia D Mar-

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5^0 O R A Ç A 6

Margarida deCortona fugir a mor-í te, que com as fuás negras azas, parece que cobria o leito dos def- amparados doentes. Na6 reftitue a muitos a faude perdida ? Correndo o véo , que cobre futuros fucceíTos ^ naó predizia a muitoá o que lhes ha- via acontecer, naó fe enganando mais nos feus vaticinios ? Huma pa- lavra fua nao bailava para ferenar ânimos perturbador, efpalhando pe- lo coração de tantos afílidlos , como huma lífongeira calma, a paz de que esí}uíhados fe viaô ?

Quem he aquella, que emula da valerofa Judith, naô degolla ao Dragão Tartareo , mas arranca-lhe das unhas as miferas prezas? Eu nao fallo dos peccadores , aquém con- verte: viílimas defgraçadas de noíTa commum inimigo. Lembro-me uni-í camente dos energúmenos , a quem defaflbmbrava com a fua prefença, refgatando de fuás mãos aquellas al- mas infelizes. Poderão nunca eítas fúrias vomitadas do Averno , ou il- ludillajou atterralla? Nao fe desfa-

ztaõj

iKrsai

A S. Margarida deCort. ^t

2ia6 5 como as efcumas do mar , as maquinas que levantavao, ainda quan- do por algum tempo, permittindo-lho Deos , por fins, que nós naõ alcan- çamos , a atormentavao ?

' Quem he aquella , a quem Deos tánra eíEcacia na fua oração, que nada lhe pedirá, que naô obtenha? Eu nao difcorro como Orador, a quem a paixaô efcalda a fantafia. Trago á memoria as promefTas, que Deos, convertendo-fe para Margarida de Cortona, por muitas vezes lhe fez. E naó fe cumprirão fempre na fuá vida, depois de fua morte ? DigaÕ- no os votos, que pendem de feu fe- pulchro, concorrendo deClimas,além de remotos , eílranhos , tantos pere- grinos a vifitarem a fua fepultura •, fobre cujas cinzas entornando muitas lagrimas, tiverao a felicidade de con- feguirem o que defejavao: para fe verificar a profecia , que, ainda quan- do engolfada no Mundo, fez a quem a reprehendia de fua vaidade !

Agora, colhendo as velas, e re- matando a minha Oração , tomara D ii que

iSlí'

^t Oraça6

que me diffeííeis , f e nao feremos nós reputados por infeníiveis , nao nos aproveitando do exemplo, e da pro- tecção de Margarida de CortO/na ? Se nao nos convertendo para Deos , te- remos alguma defculpa , principal- mente devendo lifongear-nos com a efperança de que Deos também fe converterá para nós ? Ego dileSío meo : &* ad me converjlo ejus, Ha6- de paíTar os annos : os Janeiros hao- de cobrir de cans as noíTas cabeças, de rugas as noíTas caras , fem que defenganados nos refolvamos a de- teílàr as noíTas culpas ? Fiamo-nos na mifericordia de Deos: he grande táboa para efcaparmos do naufrágio. Eu o coníeíTo. Mal de mim : mal de todos, fe Deos nao fora mifericor- diofo : porém releva , que a tempo opportuno nos aproveitemos. Sabeis vós até onde fee Renderá o termo de nòífa vida ? Se quando mais def- cuidados eftiverdes, defcarregará fo- bre vós a morte a fua foice ? E. en-

tão

e então

ri?

liluítre Penitente , com a fuppli-

ca

AO Sá. Sacbamento. 5'3

ca , com que comecei , acabo. Eu vos amo : ao «nenos defejo-o muito. O que quero h^ falvarine. As inclina- ções perverfas de meu coração , fru- tos amargofos , frutos de meu pec- cado , arrancai-os. Sobre os voíTos devotos efpalhai as voflas bênçãos. Merecem-no pelo fervor , com que promovem o voíTo culto. Convertao- fe para Deos : para que Deos fe con- verta para elles : Ego dikSío meo : &" a d me converfio ejus. DiíTe.

ORAÇÃO

AO SS. SACRAMENTO.

Vade : fiat tihi , ficut credidiJlL Math. C.8.

A Gradou tanto a Jesus Cíirifto a doCenturiao, que depois de a ex;altar , preferindo-a à de codo o Povo de Ifrael : Non in-- veni tantam fidem in Ifrael : a re- ma-

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54 O It A Ç A é

inunerou com huma dadiva correr- pondente á fua grandeza , abrindo com mão larga o íhefouro de fuás antigas mifericordias , na faude que reftiruio ao Servo valido , que toca- do da páliida doença, quaíl que eítava pagando o commum tributo a eíTa devoradora implacável da efpecie hu- mana : a morte digo; Fade: fiat ti- bi , ficut credidijli.

Mas íe do rápido , e baixo pla- neta que habitamos, a nós nos he li- cito erguer o braço para correr o véo , que cobre as acções do Filho de Deos ; qual fim fe proporia , naó querendo que ficaíTe envolta em pro- fundo íilencio a crença daqueUe bom homem ?

S. João Chryfoílomo , S. Cypri- ano, o grande Agoftinho affentaõ fe- bre fólidos fundamentos , que para que nós foubeíTemos , que naô he igual a graça , que nos confere aquel- le Sacramento Augufto, de quem vós , feguindo o exemplo de voíTos maio- res , promoveis o culto , he que o Redemptor tao fanto na fua peffoa ,

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AO Ss. Sacramento. f? como myfteriofo nas fuás palavras, a deixou eternizada nos faílos da Igre- ja que fundara ; deduzindo, como le- gitima concluíaó, daquelle fado, que fegundo o merecimento de quetn o recebe, faó os maravilhofos eíFeitos que produz nas noíTas almas,

Eis-aqui , porque ao elevar-fe da fagrada Pyxide aquella Hoftia pura, aquella Hoftia immaculada, na qual curvados os joelhos adoramos o Cor- deiro 5 que tira os peccados do Mun- do ; o Sacerdote nos faz repetir a proteftaçaó generofa , e fubmiíía do Centuriaô ; confeíTando , cheios de , cheios de humildade , que nós nao fomos dignos , de que entre pe- las noíTas cafas o Deos dos Deofes, que voando na plenitude dos tem- pos do feio do Pai á terra , fe fez Homem por amor dos homens; af- fumindo , como fe explicaô os The- ologop, juntamente com a noífa na- tureza a forma vil de fervo : Semet^ ipfum exinanivit formam fervi acci- piens.

Ora eu, fem que efcaldando a

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$6 O R Àç A 6

niinha imaginação , refine as minhas idéas, demorando-me com propoli- çoes , ainda que brilhantes, eftéreis; determino hoje tratar de huma maté- ria, que naõ fendo eftranha do aíTum- pto, a que por obedecer-vos me cin- jo 5 vos inftrua , mais que vos delei- te; moftrando-vos da Cadeira, que occupo , quaes fao os bens , que na Euchariiliâ fe communicao: Matéria, que pela fua preciofidade fe faz cre- dora da voíTa attençao. Deos , que me conhece o animo, Deos me aju- de. E na certeza de que me trata- reis com a voíTa coílumada benevo- lência , fem mais proemios , que re- puto efcufados, alçando a minha dé- bil voz , eu começo , Senhores.

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ANtes que eu me involva no ar- gumento , que para voíTa utili- dade me propuz : alvo a que fern- pre em cumprimento do miniílerio, que exercito , aíTéílo os meus tiros , releva, dizer-vos. Senhores, que o Sa- cramento da Euchariiliâ, aííim como os mais Sacramentos , confere duas

Gra-

4^

AO Ss. Sacramento. ^j Graças accidentalmente diftlnftas. Huma chama-fe fanrifiGante : charaa- fe a outra facramentaL A. Graça fan- tificante he huma qualidade fobrena- tural 5 com que a alma , elevando-fe fobre-fi mefma, participa da belleza. divina. A Graça facramentai ^conli- íle concurfo de alguns efpeciaes auxílios, naó aptos, mas mui ne- ceíTarios para confeguirmos o fim , porque Jesus Chrifto inílituio o Sa- cramento de feu Corpo na noite da grande Cea.

Dada efta noticia , ainda que em geral , convém que eu vos pondere agora , em defempenho da minha propofíçaô , qual he o valor de hu- ma, e outra Graça , para conceber- des'a fua jufta, e devida eílimaçao. Comecemos pois peia Graça fantiíi-

cante.

vós fabeis , Senhores , que para chegar-mos dignamente áquella Mefa de propiciação: Meia , na qual fe nos a comer o Paô, que contém todos os fabores : Pao do Ceo : fe eílamos em peccado, he precifo , que

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58 Oração

preceda o Sacramento da Penitencia, para que com a graça, que nos com- irunica , nos purifiquemos das feias ir.anchas . que tinha-mos contrahi- do^ reílitoindo-nos a perdida amiza- de de Deos : fazendo aos feus olhos (Divinos olhos , que até nos Anjos achao defeitos) grata, e bella a nof- la alma.

Ora achando-nos a Euchariília limpos da culpa , como branquean* do as noíTas eíloias no Sangue do Cordeiro, enriquecerá mais a nolTa al- ma ! Como lhe augmentará a belle- 2a! fendo por unanime teftimunho dos Doutores , mais copioía a graça de que a adorna , e de que a efmal- la ! Para que me entendais melhor , eu me explico com hum faíto regif- tado nos Santos Códigos.

Quando a intrépida, e denoda* da Judith,remontando-fe fobre a fra- gilidade de feu fexo , fe refolveo a defaHombrar do furor deHolofernes a timida, e confternada Bethulia, diz o Texto , que lavara o feu corpo ^ que deícingira o afpero cilicio; que

com

AO Ss. Sacramento. 5*9

com fuavjffimos aromas, que a Pan- caya cria , fe perfumara: e que unin- •do , e enlaçando com os encantos da natureza os encantos da arte , pompofamente fe veílira , e enfeita- ra pari parecer mais bella. Porem que Deos, abençoando o feu deíignio, lhe accreícentara hum novo efplen- dor de formofura , a que ninguém , que a viííe, podeíTe refiftir: Cui etiam Dominus contultt fpkndorem, & ideo hanc in illa pulchritudinem amplia- vit^ tit incomparábíli decore omnium o cu lis appareret*

Com eíFeito , Senhores , apenas entra pelo acampamento do Exerci- to Affirio , que defufada impreííao nao faz nos ânimos, ainda que du- ros , dos guerreiros Soldados ! Com hum ar de Conquiíladora , que tem ao feu ferviço a fortuna , e a vido- ria, leva como arrebatados os olhos de todos ; leva os corações , tecendo das ondeadas madeixas , que pelos feus hombros alvos feefpalhaô as ca- deas com que os prende. He juílamen- te reputada pela mais formofa ma- ^ tro-

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60 O R A Ç A Ó

trona do Mundo : Confiderabant fa^ ciem ejíís , é?^ erat in o cu lis eorum fiupor : quoniam pulcbritudinem ejus* mirahantur omnes.

Quanto aconteceo a Judith , tanto paíía peia alma de quem dignamen- te communga. Por meio do Sacsra- menio da Penitencia lava-fe de íuas manchas : deípoja-fe do hórrido ci- licio dos feus peccados : enfeita-íe com a vcíle preciofa da graça. As oraç6es5 que, íubindo como vara de odorifero incenío, manda ao Thro- no do Todo Poderofo : os ad:os de fé, que exercita: a caridade, que, fem que a confuma, a devora: a efperan- ça fobre que fe apoia : que belleza ihenaodao! Mas nutrindo-fe daquel- le Maná efcondido : Etiam Domi- nus conferi pulcbritudinem : he mais formofa , he mais belia : nada ha com que fe compare. Os Santos , os Anjos ficao tranfportados de admi- ração, e de prazer, vendo-a, contem- plando-a : Ita no firam Deus orna- 'vit animam (He S. JoaÓ Chryfofto- mo quem falia) ita pulchram fe-

cit

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AO Ss. Sacramento. 6i

ctt , tít eam SaníVt , atque AngeU af- ficiendo cupiant.

Nem cuideis que eíta graça , que fantificando a alma a faz taô bella , fe recebe humâ vez ; fempre que com o apparelho devido fe commun- ga, fe augmenta. De maneira , que fe nós coníervaOemos a grap da primeira comunhão , fem que o pec- cado (infame peccado ) com o feu hálito peçonhento nos corrompeíle, que formofura naõ feria a da noíTa alma ? Deos a preferiria a todas as creadas : mais que a todas as crea- turasDeos a amaria : nada haveria no Ceo , nada na t^rra , que fe compa- raUe com a fua belleza. Na fua pre- fença defapp^receriaó todos os entef- creados, como ao defpontar no ro- fado Orizonte fobredourado , e re- fulgente carro o Sol, fogem , e def- âpparecem as eftrelias. Parece-vo5 demafia de Orador apaixonado ? Co- mo vos enganais 5 Senhores, ten- do por fiador da verdade, que vos digo , o meu adoradiffimo Santo Agoftinho; Nonfolum ojnniafydera,

&

f)% Ora ca 6

& omnes Coelos , verum etiam omnes Angelos Eucharifti£ gratia fuper^ greditur,

Eis-aqui porque Deos com huma fublime hypocypoíis, perfonalizando aquella alma , que repetindo as com- munhões fe fantifíca cada vez mais , raô acha cores, com que a pinte, can- tando debaixo da allegoria de enge- nhofas imagens a fua formofura. O' como he beila a minha amada ! O' como he beila ! He nas fuás faces , que amor , eftendendo o feu império refide como no feu throno. O feu peito, como fe fora hum vafo de ri- quiílimas faíiras , de que gloria nao eílá adornado I Filhas de Sião , naó lhe pertubeis o fomno. Vós Zeíiros facudí brandamente as cândidas azas para a naô acordardes.

Eis»aqui porque refledlindo nas fuás perfeiqoes , confeíTa que o feu coração fe derrete como huma bran- da cera : que eílá ferido huma vez: que eftá ferido muitas vezes: que en- fraquece, que defmaia, que repou- fando no feu regaço, como em hum

thala-

AO Ss. Sacramento. 6^

:halamo de mimofas , e matizadas iores, moj-re, mas de amor. Ob quam. wlchra es arnica me a ! . . . . vulne- rajii cor meum fponfa mea : foror mea vulnerafli cor meum,,. Stipa- te mefioribus , quia avãore langueo.

Pode chegar a mais a belieza da alma , que commungando digna- mente, cada vez mais íe fantifica ? Attrahir o amor todo de liumDeos ? Naó haver formofura , que inferior lhe nao feja? Pode fer mais laílimo- fa a noíTa cegueira, que nos prive^ mos de hum bem taó grande , nao bufcando com frequência aquella Me- fa Eachariftíca ? Efpiriros ditofos , que vos alimentais daquelle Corpo, e daquelle Sangue, que geraô Vir- gens ; eu vos invejo a forte , quan- do banhando-vos nas fontes do Sal- vador, voais como caílas pombas de Edon aoEmpyreo , fâzendo o voíTo ninho no feu roto Peito, que he don- de dimandb aquelle Sacramento Au- guíto : De latere Chrtjli emerunt Sa- cramenta,

Mas ponderemos a Graça fa-

cra-

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64 Oração

cramerital, que a Euchariília nos con- fere: a qual 5 íegundo o que vos dif- fe ao principio, confifte no concur- fo de alguns efpeciaes auxilies , na6 aptos, mas neceíTarios para con- feguirmos o fim porque Jesus Chri- lio inftituio aquelle Divino Sacramen- to.

Todos fabemos, que Jesus Chri- ílo inftituio na noite da grande Cea o Sacramento da Euchariília, debai- xo das efpecies de pao , e vinho , para nos íígnificar , que faz n^alma os mefmos eíFeitos , que o alimento material faz nos corpos. Três porém íao os principaes eíleitos , que nos noííos corpos produz o alimento ma- terial , de que ufamos. Mantem-nos vivos : maniem-nos sãos : e augmen- tado-nos as forças , dilatamos a eíla- tura.

Ora quando nós dignamente co- mungamos, como fe mantém viva a noíTa alma r Como fe nKIntém , romo fe vigora , e como crefce ? Manrem-fe viva , porque fe confer- va na graça de Deos ; mantem-fe ,

por-

AO Ss. Sacramento. 6$

porque fe livra das fuás coftumadas enfermidades : vigora-fe , e crefce , porque fe adianta nos exercícios de piedade , fubindo de virtude em vir- tude : Ibunt de virtute in virtutem. Expliquemos hum por hum eftes pro- digiofos effeitos.

Que o Sacramento da Euchari- ftia , conferve a vida d^alma , que he a graça de Deoá , he hum dogma^ que eu com as algemas nos púifos^ e com o alfange fobre a garganta, fe precifo for, confeíTarei publicamen- tena face do Mundo todo. Confta cxpreíTamente dos Códigos fagrados: Ego fum fanis yivu^. Siquis ex ipfo manducaverit , mn morietur. Qui manducai hum fanem uivet in aternum.

Pois fe iílo he huma verdade in- faliivcl, que todos devemos crer , de que procede , que a mór parte dos homens eítá fempre tao apartada da- quelle Sacramoíito ? Eíta pergunta , que he de Santo Ireneo , a única reC- poíla que pôde ter he, que nós talvez governando-nos pelos fentidos, que JE quaíi

66 O R A Ç A ô

quafi fempre nos enganaó , nao fa* zemos da vida d^alma o meímo apre- ço , que fazemos da vida do cor- po. Se a noíTa fora como a do Centuriaó: fe nós naô foffemos huns homens carnaes ; com que anciã nao frequentaríamos aquellaMefa Eucha# liítica ? Qiial Cervo , que ferido pe- lo dardo do aíluto caçador , corren- do bufca a viíinha fonte para fe ba- nhar nas fuás agoas ; como defejâ- riamos mais , e mais alimentar-nos daquelle Corpo , que he mais doce que o mel, mais doce que o favo? Que obftaculos nao removeríamos, para gozarmos de huma vida , que fe naô gaita com o fluido , e rápido curfo dos ailnos; huma vida fobre feliz , eterna ?

Leio no Capitulo terceiro do Geneíis, que para que nem o defter- rado Adaõ , nem a íua eriminofa po- íteridade tornafle a pôr mais o no Paraifo terreftre , hum Anjo com huma efpada de fogo por cxpreífo comm.andamento de Deos lhes ve- dava o ingreíTo. Mas para que, huma

guar-

AO Ss. Sacramento. 67

guarda tao formidável ? Naó baftava que Deos a prohibiíTe ? Se queria toiher-lhes oaccéíTo, faltavaõ mon- tes inacceíTiveis ?• faltavaõ vaíliífimos mares , que lhes defendeffem a entra- da? Que preceitos ? que montes? que ttiares ? Nada deteria os homens , na- da os atterraria. Ufariaõ da força: uíariao da manha. Naô haveria meio, que na6 applicaííem , para defafFcr- rolharem as portas daquelle feliz ter- reno, nao pela amenidade daquel- le Pâiz de delicias : naõ pela fer- tilidade de feus campos : nao pe- la copia de luas riquezas : mas pa- ra que colhendo da arvore da vida D vedado pomo, diiataíTem por mui- tos feculos a fua duração : Collocavit ante Paradifum Cherubim ^ ^ gla- ' diumjiammeum , ad cujlodiendam vi' am ligni vita»

Agora argumento , Senhores : Se tanto pôde com os homens o de- fejo de viver muito , que naô have- ria trabalho, ainda que afpero , que nao arroftaíTem ; que naò haveria def- peza , poílo que exorbitante, que -Oíl E ii naô

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68 O B A Ç A 6

naõ fizeíTem para o confeguirem : porque razão nos naõ nutrimos com frequência de hum alimento , que te- mos íempre prompto nos noíTos ta- bernáculos ? Alimento, a que Santo Ignacio Martyr chama Antidúto da morte : Antidotum mortis,

O fegundc eíFeito, que o Sacra- mento da Euchariftia produz , he , co- mo já vos diíTe, manter com o feu ufo, a noíTaalma, prefervando-a do peccado. Naõ cuideis^ que eu ago- ra me firvo de opiniões, que a Mo- ral relaxada tem introduzido. Eu de- téfto a liberdade , que na Efcola graíTa com o abuíb , que fe faz de Metafyficas abílraclas , e perigofas , que a igreja nos feu dourados tem- pos 5 nem as conheceo. A doutrina fobre que me fundo , bebo-a na fon- te pura : he do Concilio de Tren- to: vede como he clara : Sumi vo- lult hocSacramentumy tanquam an- tidotum , quo prefervemur à pecca* tis.

Mas como preferva a Euchari- ftia a alma do peccado ? Como, Se- nho-

AO Ss. Sacramento; 69

rhorcs ? Reprimindo aquella indómi- ta concupifcencia, e aquella tyranna lei da carne corrupta , que aíFerrada nos noílos oíTos , declara á noíTa ra- zão huma fanguinofa guerra : lei con- traria , e repugnante á queDeos gra- vara nos noíTos corações , como at- teíla S. Paulo : Fideo aliam kgem in membris méis repugnantem legi men- tis me a.

Por tanto , ó almas devotas da- quelle Sacramento Auguílo , (excla- ma da fua gruta o grande Abbade de Claraval) fabei, que fe domado o orgulho de voíTas paixões, vós riveis tranquiilas , e focegadas , como o Olimpo, aonde as tempeílades, que da terra embravecidas fe defenfreaÓ, nunca perturbaõ a ferenidade do ar, que alli brandamente refpira hum agradável, e lifongeiro Zéfiro; vós deveis render as graças áquelle pre- ciofoManná, de que vos alimentais com frequência.

Porque entendeis vós , Senho- res, que os Clauftros brilhaõ como hum Ceo recamado de nítidas eftrel-

las.

o R A Ç A 6

las , fena6 porque os feus dítofos ha- bitadores nutridos com aquelle Paá dos Anjos , defcarnao os feus appe- tites , fuíFocando o ímpeto cego , e defefperado daquellesaffedlos, que co* mo frutos de huma raiz envenenada efcurecem o ufo de noíTa razaô , fa- zendo-nos iracundos , incontinentes, invejofos, (diga-fe tudo) apartan- do-nos de Deos , e incorporando-nos ao partido, infame partido, de Lú- cifer. O' Sacramento , quem te naô frequenta ? E que utilidades nao te- mos todos naquella Mefa , na qual fe nos o nolTo Deos , que he a noíTa vitJa, que he a noíTa faude, nao íó do corpo , mas da alma ? Que vi^ gorando-nos nos faz crefcer ? Ter- ceiro efFeito, que proJuz aquelle di- vino Alimento.

Porém crefcer a noíTa alma, que he hum puro efpirito ? Naô vos pare- ce hum paradoxo ? Crefce, Senhores, do mefmo modo, que dizemos , que crefce aquelle foldado, que com glo- riofas façanhas feaílignala para con- feguir os honoríficos póftos a que af-

pi-

AO Ss. Sackameííto. 7^^

pira, efcalando foberbos muros, rompendo por nuvens de voado- ras , e accezas balas , aíFrontando os perigos , e a morte para colher os louros, que rega com o larigue das fuás veas , de que defpois elpera guarnecer a vidorioía téfta. ^

Pois he aílim , que a noíTa alma crefce com o ufo daquelie Sacramen- to: he aíTim que fefaz grande, naó na fubftancia, mas nas virtudes, nos rne- recimentos, no amor de Deos. A fua grandeza, diz S. Bernardo , he a lua caridade : Quantitas anim^e chart-

tas ejl.

Ora huma alma, que fe alimenta daquelie Manjar divino : huma alma que repetidas vezes chega aquella Mefa Euchariílica, como, augmentan- do a Graça que recebe, fe fará gran- de? Gomo correrá com pálios de cisante pelos efcabrofos , mas fegu- fos caminhos dajuftiça? Como fof- frerá com paciência as injurias? Co- mo fera humilde ? Como fera lot- fredora dos trabalhos? As perfegui- çoes, que nunca faltaô, como asle- ^ / ^ vara

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72 O R A Ç À ô

vara mais, que com refignaçao, com goílo , puriíicando-fe como o ouro na frágoa ? Como fe adiantará no fer^ viço de feu Deos , igualmente que de feu próximo , que fao os pólos , fobre que fe firma a Religião , que profeííamos ?

Agora defejo eu faber de vós , Senhores , para remate do meu dif- curfo , fe encerrando o Sacramento Augufto de noíTos Altares tantos bens, fereis vós de indole, que os nao quei- rais aproveitar., frequentando aquel- Ia Mefa Euchariftica ? Vós tendes fé. A voíTa Religião eu a cohheqo. Naô poílo deixar de me lifongear com a efperança, de què no meio do mun- do máo 5 que habitamos , naõ per- dereis occafiao de vos enriquecerdes das graças, de que he perenne fonte Jhum Myfterio de amor: Myílerio in- ílituido para noíTa utilidade.

E)eos chama-vos. O que de vós unicamente quer , he o voíTo cora- ção : Formou-o para o amarmos: que projedlo mais gíoriofo podereis vós conceber , que conformarvos com 0$

de-

:|^.i,,

AO Ss. Sacramento. 73 defignlos de Deos ? Qiie tem o Sécu- lo enganador, que mereça a noíía ef- timaçao ? Attrahe-nos a fua formo- fura ? Mas que comparação tem com a belleza, que a Euchariftia communi- ca á noíTâ alma ? Vençamos as nof- ias paix6es: defcarnando-as, nós co- nheceremos, que fortalecidos daquel- le Pa6 Angélico, nao triunfaremos do Mundo , mas exultando de^ ale- gria , iremos a gozar da prefença do Deos, que debaixo das efpecies Sa- cramentaes adoramos como efcon- dido , por huma eternidade de glo- ria , que eu vos defeja a todos.

DiíTe.

ORA-

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74

O R A Ç A Õ

A S. BARBARA.

Et qu£ parati erant , intraverunt cum eo ad nuptias. Math.ó, ly.

QUando eu de lugar eminente obfervo, que pequeno baixel acoiTado dos mares , e dos ventos íurge , e vara felizmente em terra; de que louvores naõ julgo be-» nenierito o Piloto , que quaíi por bai* xo das ondas , que encapeiando-fe fe ievanvavaò, como efcarpadas fer- ras, o guia para o porto defejado : admirando-me da deílreza , naõ me- nos que do valor, com que arroftan- do impávido os perigos, falva a vida do nauff^agio , que o ameaçava.

Golfo tempeftuofohe o Planeta que habitamos: e fe no meio das borraícas, que embravecidas fe def-- enfreiaó para nos foçobrarem , nós vemos á huma Donzella rica , e il-

lu-

A S A NTA B A^ B ARA ff

luftre, que placidamente reclinada no regaço da opulência, conduz fegU" ramente a fua alma pelos efcabroíos, mas fantos caminhos da virtude, tri- unfando do Mundo , e de fuás vaida- des, com que applaufos naõ he razão, que a engrandeçamos? Fazendo foar em torno- da ára fobre que fe coUo- ca a fua Imagem , os Hymnos de honra, com que mandamos á pofteri- dade a fama de feu nome.

Tal he Barbara, Senhores , que cingindo na viftoriofa téfta a grinalda, que efmalta do fangue , que Diofco- ro com efcandalo da humanidade , e do amor lhe efpreme das veias , ennobrece a Nicomedia , mais que com o feu nafcimento , com o feu Martyrio; facrificando-íe .de menina ao ferviço daquelle Deos , com quem fe defpofajpara engroíTar noEmpyreo o Coro das Virgens , que repoufao, como caítas pombas no feu roto feio.

Copia de -haveres , que tanto aíFanaõ aos miferos mortaes : obfe- quios : efclarecida profapia : mais que^tudo pcrfeguições do Pai iníquo,

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76 O R A Ç A 6

nada a obriga a aftracar na empre- za que começa. E engrazando huns com outros os merecimentos , com que ardor fe naõ apparelha para as núpcias, que efpera contrahir com o Cordeiro immaculado , a quem fe confagra : Et qu^ parati^ erantyin- traverunt cum eo ad nuptias?

Mas como entre as fuás brilhan- tes qualidades , he a fua a que mais refpíandece, da intrepidez, cora que foportaos tormentos porque paf- fa 5 derivarei o Panegyrico , que me ouvireis agora. Naó duvido, que com animo benévolo me prefteis a voíTa attença6. Entranhemo-nos pois no af- fumpto , que a matéria naõ precifa de mais longos proemios. Eu co- meço , Senhores,

c

Orno nós vivemos no meio de hum Mundo máo torneados de inimigos, nao eftranhos , mas do- meíticos , que rugindo â maneira de esfaimados , e roazes leóes do beiy ço nos efpreitaõ, para defa percebi- dos nos devorarem j que contradiz

ções

aSanta Barbara. 77 coes na6 experimentamos fempre que com animo fizudo 5 e apodado nos queremos applicar á grande obra de noíía juftificaçaÕ l Raro he o paíío que damos , que naô feja perjgofoir E a nao haver huma mâo benéfica^, que nosfuílente , porque damnos naô paliaremos envenenados daquelles alr pides , que embofcados fe enroícao por baixo das flores , de que fe en-* feitao, e matizaô os laços que nos prendem !

Corramos o véo á alegria. Ener- vadas as noíTas forças com o pecca- do da origem , que todos contrahij itios, que guerra nos naõ declaraó as noíTas paixões , reprefentando-nos como infoportavel o jugo da Lei que profeíTamos ? Leis, que com af- peras , e feveras penas nos manda fopear o orgulho da carne, para que confpirada contra o efpirito nos nao precipite no efcuro abyfmo de miferias, a que nos veremos defgra- çadamente reduzidos naquelle dia , ( terrivel dia ) que pela fua incerte- za nos deve trazer fempre aíTuílados,

o K A Ç A á^

e prevenidos : Qua hora mn puta^ tis, filius hominis veniet.

Eis-aqui porque efcudadas de fua j nao havia obftaculo que naô re- HioveíTem aquellas almas generofas , que, conforinando-fe com o confelho doApoítoIo, pertendiaõ fazer certa a fua vocação , còníiderando a vida como hum campo de peleja, mais ar- .rifcada, quanto mais inteftina. Amor de riquezas , eftreitos vínculos do fangue, honras, brandos , e mimo- fos prazeres , tudo facrificavaõ ao feu Deos, por quem arroftando mui- tas vezes a morte voluntárias , e ale- gres, fubmettiaô os hombros á fuâ cruz , como único caminho de fua falvaqao: naõ havendo trabalho que fe lhe naò tornaífe fuave , perfegui- ça6 de que nao fahiíTem vencedoras,^ na certeza de que brevemente repou- fariaò no Paraizo *, bebendo da tor- rente daquellas delicias , com as quaes nem efcaíTa comparação podem ter todos os tormentos do Mundo: Non funt condigna pajjiones hujus mundi , ad futuram gloriam^ qua rc* 'velabitur m nohh. Eu

aSaístta Barbara. 79

Eu nao quizera chamar o pejo às voílas faces, confundindo-vos com o exemplo de huma Donzella , que na aurora da fua vida rafga varonilmen- te a venda, que a cega , deieftando a brilhante , ainda que falfa idola- tria com que fora educada. Porém cumprindo-me tecer-lhe agora o elo- gio, como poíTo forrar-me ao defgo- fto de vos envergonhar , fe nafcidos no grémio da Chriílandade , e ali- mentados com os Sacramentos , que a Igeja, como Mai carinhofa, vos ad- niiniftra , cahindo fobre vós peren- nemente como groíTos chuveiros as miíericordias de voíTo Deos , nos benefícios, que vos liberaliza , nada promoveis a vofla fantifícaçao, jufti- ficando-vos cada dia mais , que he o que a todos nos recoramenda o Profeta: Qui fan^us ejl^ jujiifica'^ tur adhuc.

Quando Barbara renunciando to- das as commodidades do Paganifmo em huma idade, que por menos ex- perimentada he mais perigofa, fisbe unicamente eílradada de fua razaô

voar

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?0 o R A Ç A 6

voar do conhecimento das creaturas á contemplação fublime do Creador, com quem fe enlaça , e une por hum conforcio fobre indiíToluvel angéli- co , confagrando lhe os feus primei- ros annos , como Abel as primícias de feus frutos.

Gom eíFeito, os Ceos , que com huma Jingua muda, mas eloquente , annunciaõ à terra a gloria daquelle Ente fupremo, que eftendendo-os por cima de noíTas cabeças , como hum azul , e tranfparente véo, naô lhes a belleza com que nos arrebatao, mas as confiantes leis com que os Aftros , de que eílao recamados , fe volvem nas fuás orbitas ; que defe- jos naô accendiao na fua alma, que- rendo já remontar-fe á fimilhança de Águia generofa, fobre os montes da Santa Siaó , aonde tinha collocadas todas as fuás efperanças ? Vigílias , jejuns , orações , eíles eraò os feus exercícios ordinários , cubiçofa , de que para o feu efplrito tranfmigraf- fem todas as fuás virtudes , de que pertendia guarnecer a coroa, a que

afpi-

A SANf A Barbara. 2t afpirava. Confeguio-o, Senhores : que Deos naó fe regatea a quem O buf- ca com finceridade. '^'^^ Era Barbara, além de illuílre , fòrmofiíTima. As graças enthroniza- das nos íeus olhos efpalhavao por feu ròíto naôfei que poderofos encantos, que levavaô aos corações de quem a via , com o amor o defejo de a con- íeguirera para'"Efpofa* Muitos mo- ços nobres de Nicomedia a requef- tavaô, aíTentando que com a fua pef- foa entrava de companhia pelas Aias portas a felicidade. Porém Diofcorô naó querendo precipitar, nem a re- íoluçaô , nem a filha , encerrando-a na Torre , que para fua fegurança mandara conítruir , entreteve manho- famente os pertenfores, dizendo-lhes, que como de neceílidade tinha deter- minado huma jornada, de volta, quan- do fe reílituiíTe, fe' trataria de maté- ria, que pela fua importância preci-. fava de mais fazonada refoluçaõ.

Rogo-vos por quem fois , Se- nhores , que naõ injurieis feiamente |k ditofa Menina, entendendo que fof-

W^iM¥

jSl . o R A Ç A S I

freria Gom menos rcíignaçaõ o facrj^-íi ficio da liberdade , a que o ardilofp," mais que acaureljado Pai a obrigava- Antes achando-íe defabafada de cui- dados terrenos , com que fervor naô .eathefourava; hum piingue capital de merecimentos , fubindo de virtudiC em virtude , embebida na contem- plação de myfterios, que Deos, eícon- .dendp aos íabios do mundo ^ revelia jnuitas vezes aos peqy§nyi/)S: de ^faa ■Caía? ,^ ;?... ■a^:ív:iu... '\:y^:;

; Pqís que devemos. i>ós julgar dp;S vexerciíCios, a que fe ap plica, ordenai^- d o qu e n o í e u a p o fe n í o íe ra fga ííe m três janeilas , que foííem como def- pertadoras da fé, com que adorava a Trindade Saníiíllma? Arcano , que fendo fupefior á noíTa razaò, arrebata^^ ,e inílãma a quem com efpirito de íin- xeridade o. confeíTa, e o acredita, como aíTevera Agoftinho. Que deve7 ,mos nós julgar da Cruz, que nos lá- bios do banho entalhara, para lhe ex- citar a lembrança dos tormentos por- -que no Qolgota paíTou o feu Jesus, parajiosabnr as portas da Sião ce- ie-

A Santa Barbara. 83

lede, que a tranígreflao de noíTos def- obedientes Progenitores nos tinha fe- chado para fempre ?

Por ventura naó he agora , que reduzida a ellado de folidaó defafo- ga mais afua íaudade , quando emu- la das innocentes aveíinhas , que aa defpontar no horizonte a rofada ma- nhã , convidaó a todos para que lou- vem ao feu Creador , naõ céíTa de cantar as antigas mifericordias de fett Deos , de que a terra eftá toda como alagada: Miferieordia Dornini plena efl omnis terra ? Naô he agora , que attenuando-fe com afperas mortifica- ções, mais que a bella Judith ao alti- vo Holofernes degolla os feus appe-* tites, para que transformando-fe to- da noEfpofo, á quem fe tinha de- dicado , reíiáa mais varonilmente ao preceito de Diofcoro , que contra a fua vontade a queria cafar ^ iNaó h^ agora...

. Mas que he o que eu vejo? Mon«* ftrò ( que nem homem te quero cha-» mar , quanto mais Pai ) que iras cha- mei ao nas tuas faces ? De íçu damna- F i\ dot

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do peito, que fur r trasborda, qué j cfcumando pelos lábios, parece que devorar perrendes a cândida ovelhi- uha, que fe appareíha para o mar- tyrio, de que tu, defarados os eítrei- tos vínculos da natureza , e iradas as ternuras do carinho , íerás o bárbaro | verdugo? Nem às vozes da humani- ' dade attendes , nem ao teu fangue perdoas , Gommettendo huma acçaô, que deixará na pofteridade denegri- do, e envergonhado o leu nome ? Viíles 5 Senhores, como em tenebrofa noite , fohos do cárcere aonde bramem aíFerrolhados , e pre- 20S os ventos, hórrida tempeítade, cavados os mares , e erguidas as on- das, parece que quer arrebatar o pe- queno vafo , que fem governo abola por cima das agoas , que embrâve-» cidas iotentaó engulillo nos feus fun- dos , e largos feios ? Tal. he Diofco- ro : Porque fabendo que Barbara de- leitara a idolatria com que fora edu- cada 5 determina precifamente appla^ tar com a fua morte a fua raiva : e carregadas fobre os olhos as fobran-»

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A* S A A Barbara. if

telhas, pállido, tremulo como con- vulfo, apertando na enfurecida mão o affiado cutelo , corre a írafpaíral- la. Porém Deos , que véla a favror dos feus efcolhidos , fazendo que duro rochedo de par em par fe abriííe para lhe dar livre paflagem , eíquiva o golpe, e livra a caíla Don- zella do perigo , que a ameçara. O' grande Deos , quem naõ adora o teu poder ?

Com tudo nao quiz o dulciíli- mo Efpofo de fua alma demorar-lhe por muito tempo a duplicada palma , que por virgem , e por marrjr mere-> cia : porque achando-a Diofcoro , de repellaó a arroja a feus pés , pi- za-a 5 calca-a ; e travando-lhe dos ca- hellos, que huns pelos hombros, ou- tros pelo ar efparzidos eílavaõ , qua- arraftada, a traz pelas praças pú- blicas, para a entregar a Marciano, a quem competia punir aquella apofta- fia. Que lhe rafguem as tenras car* nes com unhas de ferro ; que com accezos fachos a toílem , e a torrem; que com pezados martelios lhe que- brem ,

M r Or aça 6

ferem , e efmigalheni o craneo ; a Iu2 de que eílá banhado , naó o íeii ^fpirito 5 mas aquelle cárcere , que- fortaleza llie naÓ para refiftir a taô exquilitoç tormentos ! He necef- fario que o Pai . . .

Perdoai-me , Senhores , que eu manchei agora o nome mais doce , e mais refpeiravel que temos. Eu me xeporto. He neceflario que o Tigre^ mais Tigre 5 defcarregando o alfan- je faça voar aqueila alma ao Thro- no , que apar da Triade Beatillima lhe eftava preparado no Empyreo : teftemunhando Deos a gloria de que gozava Barbara , com o caíligo de DiofcoTO, a quem hum raio de re- pente reduz a foltas cinzas. O^ gran- de Deos , quem naò adora o teu po* der! torno a repetir.

Agora efperaveis vós , que eu me detiveíTe , pondo-vos á vifta os prodígios que obra Barbara , gover- nando ao feu arbítrio as confiantes ]cis da natureza. Nao , Senhores , eu t^aho argumento mais efficaz , que me chama. Todos neceífitamos de

(juera

A Santa Barbak a. íf ciuem nos aíTifta naquelle inftante^, que decide de noíTa felicidade. De huraa morte feliz depende noíTa glo- ria. E quem naô fabe , que Barbara tem particular poder comunicado pe- lo feu Deos, para nos^confeguir hum êxito venturolo? .

He a Proteálora das mories im- provifas. Releva que a honremos , nao promovendo o feu culto, mas imitando a fiia fé. Huma fraca Don- zella vence-íe, para que íujeitandci a' fua vontade á fua razaó , oblerve exâdlamente a Lei de íeu Jesus; nos^ porque nos naÕ venceremos tambemí Nem honras, nem amor da liberdade,; dem riquezas embargarão a Barba- rá na carreira o pàíTo. Defaferreroos os noííos corações do Mundo , nos ^ teremos propicia na terra: acom- pahhando-a noCeo, nós celebrare- mos com o Cordeiro fem mancha as niípcias, para que todos fomos con- v?dados no Evangelho: Et qu.t pa^ ratce erant , intraverunt cum eo ad

nuptias» ^ DiíTe.

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II I

O R A g A Ó

A S. MIGU EL.

^íft efficiamini ficut parvuli , nojt

intrabitis in Regmm Ccelo-

rum. Marb. c. i8.

■jtkT Unca o fufto de na6 refpon- j^^ der como defejo à expedlaçaó ~^ de quem me ouve , aíFronrou/ mais o meu animo, que quando vos, por hum esforqo da voíTa bondade, quizeftes que eu alçando no meio do Templo a minha voz, receíTe^e orga- nizaíle oPanegyrico daquelle invic- to Guerreiro, que confundio , e pre- cipitou nos abyfmos aos Anjos pre- varicadores, que , feguindo o infame partido de-Lucifer, pertenderaô, def- lumbrados da fua foberba , empare- lhar no poder , e na mageftade com o Deosque os creára. E ainda que na6 duvido da voíTa benevolenciíj, de que por muitas vezes me tendes dado h; bri-

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A S. MlGlT E L. 2^,

)nlhantes provas , eu nao fel como em-pere, e modifique o meu receio, laô refledlindo fizudamente na po- breza de meus talentos , mas na fu- Dlimidade da matéria, fobre que hei Je difcorrer agora, ^'odavia, como l humildade he a virtude, que carade- -iza a S. Miguel , a quem vós mef- ;lando-vos com a Igreja, confagrais > prefente culto , verei , amoldando- pne ao Evangelho, fe defcubro algum :aminho, que alhanando-me as difíi*^ ^uldades , me conflitua na ditoia ÍI- ruaçaó de vos fer útil, que he o que :umpre ao minifterio que exercito.

Neftes termos , Senhores , fem □ue eu efcalde a minha imaginação , demorando-me, com aíTumptos, ain- da que engenhofos , eíléreis, eu naô vos pintarei a fua natureza , como Príncipe dasjerarchias celeftes , fe fe naô comprehende, como fe explica- rá ? A íigniíicaçaô de feu nome , en- coftando-me ao que diz S. Gregório,, he quem unicamente me dará a luz de que precifo para traçar o plano da Oração, que fem mais proemios

vou

o R A Ç A 6

VOU a recitar-vos : Quem como Deos^ Eis-aqui a fonte 5 de t]iie S; MiguéP deriva todos os feus louvores. A^ confiíTaô ingénua., que faz da gran- deza do Ente Supremo, que lhe dera O fer ; arraigando-o na fua humil- dade , que merecimentos lhe naóco- Hiojiica para os applaufos , com que êm todas as idades o honrarão os Fiéis no feyo do Chriftiaríifmo , ten^v do por muito importante a íua devóí^ ^áô? E eudngindo-me a efte penfa- ínento , farei quanto couber nas mi-^ nhãs forças , poílo que débeis , por vos perfuadir , que quem fe na6' hu-^ itiilha na terra, nunca fera exaltado no Ceo : Nijl efficiamini : .. Creio^' que poíTo entrar na em preza pro^ ittetcida. Eu começo. Senhores.

NAó me admirara , que á fober-^ ba, refinando a fua malícia, col-*' Iccaífe na terra o feu throno , apro-' veitandp-fé da ignorância dos ho- állucinados de feu amor- próprio' ( raiz fecunda de que def*^ pontão qnaíi todos os ima [es ) pre-

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A S. M I G XJ È L. 9t

famem de fi talvez mais do quç de- vem, arrogando-fe a authoridade de difputarem aos outros a primazia, fem mais direito, que o que lhes da. a fua vaidade. O que me contunde he , que entraíTe também no Ceo eíte monílro , corrompendo com o feu hálito peçonhento aquella? Subílancias Angélicas, que Deos creára , para: lhe fazerem a Corte no Empyreo , ja para executarem , como feus Minif- tros, as ordens que lhes impozeíle nas diferentes mifsóes de que os en- cerre gaíTe. - Com tudo, nós fabemos , fegun- do a opinião de refpeitaveis Inter- pretes , que efcaflamente contariao dois momentos de fua exiftencia , quando Lúcifer , infundindo nos feus feguidores o efpirito de rebelião, ou- fou hombrear com o Todo Poderofo, obrigando-o, para fuftentar o feu de- coro , a huma guerra , de que as con- fequencias foraô funeíliffimas. Sello- hao fempre, Senhores. Que atrevi- mento I Parece-me que diíTera me- lhor , que infelicidade !

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III

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9^ . O R A Ç A 6

Eu na6 me envolvo no exame principio, de que refulcou ta6 exgcra- vel defordem. Deixo aos Theologos nos fyílemas , que eílabelecem a fua averiguação. Mas a quem naô efpan- ta , que fendo Deos peio feu poder tao terriveí , pela fua bondade ra6 amavei , houveíTe quem pertendeíTe uzurpar-lhe a foberanía, que á fua independente grandeza compete ?

Eu fubirei ao mais alto dos Ceos. (dizia o defgraçado Chefe daquella conjuração) ; calcando com deno- dado, e intrépido o caminho das tem- peftades, e dos raiosj e apar dos Aqui- loes col loca rei fobre o monte do Te- ílamento o meu folio. Ao Univerfo darei hum dia as leis. Eu terei tam- bém Templos, aonde as minhas ima- gens fejaô adoradas. Diga-fe de hu- ira vez : Eu ferei limilhante ao Al- tiffimo. Que horror !

Podia reíinarfe mais aquella fo*- berba ? E naõ haverá quem face a fa- ce rebata a temeridade do rebelde , punindo a oufadia do deteftavel , e íacrilego projedlo , que concebera ?

Ha,

À S.MlGtÍEL.

Ha, Senhores: porque S.Miguel in- flammado de fanro zelo , unindo , e arranjando em hum ordenado , e lu- zido exercito os Anjos fiéis , ataca, derrota , atterra , abyíma , e infer- na ao pérfido Lúcifer, reítituindo ao$ Céos a paz, a Deos a gloria.

Nem imagineis que feria aquel- ]a huma guerra fimilhante ás guer- ras, de que vós tendes idéa, nas quaes a honra da vidloria pende as mais das vezes do numero dos Soldados , e da força das armas , devendo-fe de ordinário os triunfos á vantagem do lugar , á opportunidade das occa- fiôes , aos eílratagemas , ás aftucias, e ao engano i fendo o vencer, mais que premio da virtude, dadiva da fortuna , quafi fempre, ou cega, ou tonta na repartição de feus favores.

A guerra dos Anjos , foi qual convinha áquellas puras Intelligen- cias: foi guerra de penfamentos , e de vontade , de argumentos , e de raza6 , de fentimentos , e de afife-los, travando-fe , como em forinidavel , efpanjfofa briga, a verdade com ^

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ir. '^''íi

f4 G R A ç A 6

mentira, a humildade com a altivez,' a cora a incredulidade , a graça com o peccado.

Ora neíla peleja quanto fe aílig- nala S. Miguel ? Sem que exalte de- maíiadamente a minha fantaíia , pa- rece-me , Senhores , que o vejo, pa- rece-me que o ouço : ora vergado to- do ante o feuDeos,os olhos baixos, a cabeça inclinada , tremulo como convulfo , rendendo-lhe na fua íub- rniíTaô a íua vaíTallagem : ora voan- do á maneira de rápida exhalaçaõ de hum para outro Coro daquellas bri- lhantes Jerarquias, animando-as com o feu exemplo a louvarem, e a bem* dizerem a grandeza , a excellencia , a dignidade , e as infinitas perfei- ções de feu Creador ; , único, fem igual ; neceíTario , e eterno no feu fer j incircumfcripto, e immenfo na fua natureza ; fanto , e immu^ davel na fua vontade.

Depois: com que eíEcacia na6 jnoílra a miferia , a baixeza , e o na- da da creatura , confundindo o or* gulho de Lúcifer , e de feus parciaesg^

A S. M I G U E L. 91

.que convencidos da foberana , e qua- fi divina força de fua eloquência, en- vergonhados lhe cedem o campo., precípitando-fe huns apoz outros nos .eícuros reinos da morte , e do pec- xado , aonde efcumando de raiva , e devorados de inveja arderáô por to- da a eternidade, como proporciona- da pena de íeu atrevimento. O' hu- .^lildade de S. Miguel , quanto o en- grandeces!

Pois na verdade , Senhores , de que louvor naó he agora beneméri- to o Santo Archanjo , refledindo nós que á fua humildade he que devem todos os Efpiritos Angelicps a glo- ria, de que placidamente gozaó, nao tendo difficuidade de aíErmar o fa- xnoío Areopagita, que a preeminên- cia , que tem fobre todas as Jerar- quias celeíles , reíulta do zelo com que as esforçou para perfeverarem confiantes no conhecimento de feu Deos, confeíTando cheios de refpei^ to , cheios de a infinita fuperip- xidade que lhes leva.

Refleítindo nós , que a Synago^

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96 o R A Ç A 6

ga, e a Igreja com aqu^IIe triunfa arraigarão mais a fua felicidade, par- ticipando de inumeráveis bens , que defta raiz broravaÕ, como precioíos frutos j apparecendo-lhes muitas ve- zes para as defaíTombrar das perfegui- çóes injuftas , que expcrimentavao r Por ventura naÓ fabemos nós , que foi S. Miguel quem ferenando o ani- mo de Abrahao , concorrco para o pado de fidelidade, que fe celebrara com Deos? Que removendo os impe- dimentos , que huns fobre outros fe accumulavaó , foi quem introduzio na poífe da terra promettida o dií- perfo , e ííagellado Povo de Ifrael ? Vós, cafta Efpofa.do Cordeiro Immacalado , contai, fe podeis, os benefícios , que por S. Miguel fe vos tem liberalizado. Se vemos enfrea- da a braveza dos Cefares, que á fi« milhança de famintos , ainda que co-^ Toados Tigres , traziaô fempre ef- correndo os braços, em fangue Chri- ftáo *: fe ao carro de feu triunfo ve- mos vergonhosamente atados aquel- les filhos defobedientes í que ingra-*

A S. M I G U E I.. 97^

os^ao leite, com que forao alimenta- ios , pertendiaõ rafgar-llie a incon- futil túnica , negando a crença à mór parte de feus dogmas , nao fao tudo Favores , que da protecção de S. Mi- guel dimanao?

Quem alTiíte aos noflbs facrifíci- DS? Qiiem faz que puros tncenfos ar- daó nos noíTos altares ? As noíTas Orações quem as dirige ao Throno doAlriíTimo? Se lhe faô gratas, a tãa efficaz interceíTor nao devemos re- ferir todo o valor qàe tem , interef- fando-fe por nós , para que applaca- da a ira de Deos , configamos o pre- mio para que todos fomos creados , naquelle dia (terrível dia) no qual as noíías almas feráó aprefentadas pela Tua mâo no Tribunal de Jesus Chriíto ? Oh três quatro vezes bem- aventurado S. Miguel , quem te na6 louva !

Agora dizei-me, Senhores, íe iiaõ fao juítos todos os applauíos conx que no Chriítianifmo he hoje engran- decido o nome de S. Miguel , fenda taõ antigo o feu cultQ , que nafceo G com

11'

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98 Ora ç

com a Igreja, de quem foi fempr» Protedtor ; fendo tao exceífivo, que foi neceííafio moderallo , para que nao degeneraíTe feiamente cm huma fuperíliciofa idolatria, como he no- tório a quem revolve os faltos da Re- ligião que profeíTamos?

Dizei-me, fe nao he natural, que vós fazendo reíToar em torno da ára fobre que fecollocaa fua Imagem, os Hymnos, que a voíTa gratidão Jhe canta , nunca aífrouxeis nos louvo- res, que lhe confagrais? Nao baílat porém que o honreis com os labios^^ fe com as voíTas vozes nao eftaó de acordo os voíTos corações , nada fa-^* zeisr Para que os voíTos obfequio^i fejaó bem recebidos, importa imitai*© lo , na humildade , na obediên- cia ao feu Deos.

Conheço que eíía linguagem he afpera para os filhos do Século. Hu^i iT-ilhai-vos na terra, fe quereis fer ex- altados no Ceo. Ao menos o Filho de Deos eíle foi o caminho, que» nos traçou com a fua Cruz. Forque: afffontas nao paíTa ; porque oppro-

briosj

A S* M I G U E L. ,99

brios, porque defprezos primeiro que entre triunfante na fua Gloria ? Naf- ce entre brutos , morre entre ladroes. Nós porque fetemos de diíFerente condição ? Nós que fomos barro na origem , e na fepultura ? Nós que fomos nada ?

Pois que razão podemos ter pa- ra nad obedecermos a hum Deos de hum poder taô illimitadò , que ef- tendendo a vara do íeu furor , nada lhe refiíte , desfazendo, como as ef- cumas do mar, o exercito ainda que florente deSenacherib ? que olha pa- ra a rerra, e afaz tremer? que toca os m.ontes, e os faz fumegar? O Se- nhor d^ todos, o Senhor de tudo ? ^A hum Deos de huma mifericordia tão grande , que livrou a Lot do incên- dio de Sodoma , a Judith do furor de Holofernes, que poftado no Cam- po fulminava fobre a timida , e con- íternada Bethulia accezas iras ? Que ouvio a Dimas , que perdoou áMag- dalena , que converteo a Saulo , fa- zendo-o de hum perfcguidor , hum . Apoftoip ? A hum DeQ§ de hum amoc G ii taô

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100 o TL A Ç A 6

taó fino, que além de nos crear á fua imagem bella , cie nos remir com o íèu Sangue , íe deixou ficar comigo , e comvoíco , naquelle Myílerio ^ quê he o íinete , que marca toda a gran- deza do feu amor, para nos dar com a fua Carne , huma vida fobre bem- aventurada eterna ? Manda-nos nada, que para noíía utilidade nada feja ? Humilhemo-nos pois ante o noíTo Deos : obedeçamos-Ihe : he como agradaremos a S. Miguel ; fegurando a fua Protecção j he como paflaremos de pequenos na terra a ferjnos gran- des no Ceo.

DiíFe,

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O R A Ç A Õ

A S. NATÁLIA.

SimiJe eft Regnum Ceelorum the^ fauro. Matth. c, 13»

COmo podemos tios , fem af- frontarmos injuftamente o mun- do , queixar-nos de .feus en- ganos? As invedivas , que forma- mos fobre a falfidade de feus bens, donde derivao a fua mor força fenao da repetição dos exemplos, que fem* pre nos propõem; nos quaes vemos muitas vezes confundido o orgulho de fuás pompas, e defprezadas com as fuás riquezas as fuás honras , po* fto que brilhantes ? E o que mais nos deve envergonhar he , que do meio do íexo , a que chamamos frá- gil , furgem de tempos a tempos jl- luftres Matronas, que engrazando hu- mas com outras as virtudes, impávi- das arroftao os perigos, triunfando

da

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102 Ò R A Ç A 6

da morte , com huma refoluçao tao varonil , que para as imitarmos , neceílitamos de particulares auxílios daquelía graça , que he a fonte de que dimanaõ todas as noíTas obras boas.

~ Eu nao precifo , revolvendo os Annaes da Religião , teçer-vos hum luzido catalogo de Heroinas ,_ que enlaçando nas fuás peííoas tudo o que ha de fublime no Sacerdócio , e no Império, deixarão nos faftos da Synagoga , eda Igreja, immortaliza- dos os feus nomes , com as proezas que obrarão. Aquelle Altar, e a voífa generofa gratidão me reprefentao hu- ma mulher , que na freíca primavera da idade piacidamente reclinada no regaço da opulência transmittio á, pofteridade a fuafama, naô ani- mando para o martyrio o Conforte» caro, mas a tantos briofos Atlantes, que retalhados do ferro , e toílados do/pgo evaporarão as vidas, efmal- tando com o fangue de fuás veias as palmas de que enramarão as viClo- riofas téfus. Tal he Santa Natália,

A S. Natália; 105 a yoíTa infigncProteflora , que enno-^ brecendp com as fuás Relíquias às voíTos Cíauftros , entorna fobre vós peránnes benefícios: dadivas exfrahi- das do rhefouro, a que o Reino de Jesus Crhifto no Evangelho fe com^ para : Simi/e eji Regnum Coslorum thefauro.

Mas nao pede o minifterio que exercito, que no Panegyrico, que por obedecer-vos lhe confagro , vos tra- ce huma pintura de feus nnerecimen* tos , para que inflammando-vos no zelo conn que a feftejais, fe atee mais nos voíTos corações o voíTo amor ? Ávidas 5 e cubiçofas de trasladardes para o voíTo efpiritoas fuás quali- dades fublimes^que ferviráô de plano ao difcurfo , i[ue prefentemente me ouvireis ? Pois eis-aqui o alvo a que aíTeílarei os tiros. Conheço que naô tenho as cores, que fe requerem, pa- ra completar o quadro promettido. Cora tudo, esforçado daquelle Deos , que curvados os joelhos profunda- mente adoro naquella Hoftia de Pro- piciação: Hoília immaculada, entro

fen*

104 O R A Ç A 6

fem mais pròemios na empfeza. At- tendei-me qiíe eu começo, Senhoras,

Els-aqui huma das máximas da- í quelle Deos, de que todo o bem deriva, como de natural, e única fon- te : confundir com inftrumen tos fra- cos a arrogância dos Poderofos do Mundo: Infirmi munài^ Deus eligit^ m confundat fortia. Nada importa que da terra furja huma eftatua, que alçando por cima das nuvens a vai* dofa frofite , aíToberbe a todos com a fua grandeza. O ouro, a prata, o bronze, e o ferro, rigiffimos me- taes, de que déílro Artífice a funde, e lavra, embora Jhe promettao eter- na duração, que pequena pedra fa- cudida , e arrojada do monte , por mão inviíivel , fobejará para a der- ribar.

Nao he com o eílrondo de guer- reiras armas , que levaò o terror , e a morre a deía percebidos Povos, que fe efpalhou por todo Univerfo a Lei do Crucificado. Huns Pefcadores charlados das Ribeiras de Galliléa, a

A S. N A T A L I A. lOj

pé, defcalços, mendigando pelas por- tas o paó de cinzas, de que eícat- íamente fe nutrem , fao os que a pro- mulgaó 5 triunfando nas Cortes , nas Academias dos Príncipes, e dos Filofofos , até fazerem tremolar fobre as ruinas de eílragados ídolos o Eílandarte da Cruz , como ^troféo das vidlorias , que confeguiao.

Para nos horrorizarmos, baila re- paíTar pela memoria o nome de Ma- ximiano. Abufando do poder que ti- nha , com que complacência naó via enfopados os alfanjes de feus verdu- gos no fangue Chriílão : Tangue que, como o de Abel , debaixo do Thro- no de Deos clamava por vingança: f?ndo muitas vezes pafto de esfaima- das féras os cadáveres efpalhados pe- lo campo daquelles , cujas almas ef- tavao gozando no Empyreo o pre- mio devido á conftancia, com que fo- portara6 o martyrio que padecerão. Nicomedia era a Corte aonde a ty- rannia eílabelecera o feu folio. 4' Entre os Beraaventurados , que como cândidas pombas efperavao vo- ar

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ar ás celeíles moradas para fe ani- -nharem no roto peito de feu Jesus j diílinguia-fe muito Adrião , pela re- /oluçâo prompta , e denodada com que deteftando a Idolatria abraçou o Chriílianifmo ; correndo-fe de que JiouvèíTe tempo, no qual por fua det graça naô conheceíTe , e adoraíTe o verdadeiro Deos , que para nos abrir as portas da bella Síao, que o pec- cado aíFerrolhara , fe fez Homem pe- los homens.

Chega a noticia a Maximiano, chameja nos.feus olhos encarniçados a ira , para que he eftreito vafo o feu coração. Convoca em feu foccorro co- das as fuás ardilofas , e coílumadas manhas. Ora promette^ ora ameaça: que he facil á tyrannia vatiar de lin- guâ , e de aíFectos. Nada confegue: ^ querendo deixar ao Mundo exem- plos, ainda que funeílos, de feu furor verdadeiramente infernal ; que cru- eldades naò inventa, de que ha de fer alvo o generofo moço ? Todavia jiao te defvaneças coroado Tigre ; huma frágil mulher o anima para que

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A S/N AT A LIA. Í07

confunda com O teu rigor atua fo*

berba. ,./f vt

Natália, a voíTa adoradiílima Na- tália , era a fua Eípofa. Ghriftâ , e fi- lha dos Chriftãos. Eftando no retiro das fuás antecameras , como tinha de coílume , enlevada na contemplação dosMyfterios Divinos, frágoa aonde o feu efpirito fe purificava cada vez mais, recebe a alegre nova. Naó cor- je5V0â á prefença do marido; e com ar de quem leva na ferenidade de feu rodo a certeza da vidoria , entra pelo eícuro , e horrorofo cárcere. Com as lagrimas, que o gofto de feu eoraçaô arranca , parece que perten- de abrandar a dureza dos ferros, que como réo facinorofo arrafta. Beja-o huma vez , beja-o muitas vezes^com mais carinho que nunca : e^naô te- mendo incorrer na indignação doTy- ranno ; que naó diz , e que naó faz , infiammando Adrião para a ^peleja com a efperança do galardão , que Deos tem preparado para aquelles, que branqueando as fuás eftolas no Sangue do Cordeiro, que tira os pec-

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loS Oração

cados do Mundo, morrem fuftenir tando , e defendendo a que pro-? fefsaô ?

He verdade regiftada nos Códi- gos fagrados , que a mulher íélfan- tifica o marido , poílo que infiel. O exemplo dasTheodolindaSj das CIo- thildes , das Erigidas , e das Ceei- lias confirmao-na. Como realçaria a minha Oração, fe eu agora vos po- deíTe dignamente pintar quaes foraó os fentimentos de valor, e de Re- Jigiao , que as palavras de Natália excitarão, cravando-fe como agudas fettas no peito de Adrião ! íe de- fejava ver com os inimigos na eíla- cada. O fangue parece que lhe naô cabia nas veias , impaciente de brotar por todos os poros de feu cor- po para efmaltar as palmas, de que brevemente havia tecer a grinalda', com que triunfante entraria para a- quelle Reino da Paz, que íó aos vio- lentos fe promette. Honras , rique- zas, a mefma ametade de fua alma a fua adoradillima Conforte, nada o prende.

Com

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A S. N A T A L I 109

Com tudo a famofa Heroina nad focega. Conhece que rodos fomos amaííados de barro muito quebradi- ço , recommenda-o aos companhei- ros. Roga-lhes que nao ceifem de o esforçar para o combate j e como a fua aííiílencia podia fer perigo fa, he com efta condição que naó Te fepa- ra 5 arranca-fe , de que chegado o dia de feu triunfo a avifariaõ 5 para fer naó expeâ:adora , mas á imi- tação da Ínclita mãi dosMachabeos^ quem com a fua prefença lhe infun- diífe novos brios para prefiíiir , qual rochedo no meio das ondas , incon^ traftavel a tudo.

ISIao , Senhoras , na6 entendai^^ que cedendo aos aíTedos da humani- dade , e do amor , cuftaria a Natália quebrar os laços, com que a con- jugal a tinha docemente atado. Ba^ nhada de luz celeílial , como conhe- ce que o mundo nada tem , que fe compare com os bens , que no Pa- jaifo eftaô refervados para aquelles que pizando as fuás pompas , e a$ íuas mentirofas yaidades , deixaó 05

pais ;

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pais, deixao os parentes; deixaS tu- do para íaivarem as íuas almas. ^Eis* aqui porque mais que nunca faô ago- ra as íuas vigílias mais longas, os fens jejuns mais auíleros, os íeus ci- iicios mais aíperos 5_na6 volvendo idéa no feu peníamento , que naô feja encaminhada á completa vidto- ria que defej^v^,.

Porém que y(^$ aíTuíla, Santa Ma- trona? Que? Entendeis vós por ven- tura , que afFraca o novo Campiao ? Porque o vedes na voíía prefença, dais porcerta a fua infidelidade, iup- pondo que naõ teve valor para fo- portar o martyrio ? Moderai a voí- ía ira fanta : torne com a ferenida- de a alegria a fazer aíTento nas vof- fas faces belías. AdriaÓ fahe do cár- cere : entra Adrião pelo feu palácio, mas he para vos noticiar , que ef- citado para comparecer ante Ma- ximiano. Vede com que complacên- cia, depois de vo-lo dizer, volta pa- ra os grilhões , volta para a mafmor- ra, de que a fua alma, purificada coma o ouro da forja ^ cedo íurgirá coroa» da de gloria^ Eu

A S. Na TA L IA. Xít

Eu nao fou encarecido, Senho- ras ; as minhas palavras eu devo le- valias á balança do Santuário. Mas porque vos nao direi , que a intre- pidez do deftemido Athleta , ainda que era fruto da graça, de que eílava efcudado, foi muito ajudada das ora- ções de Natália , que. teftimunhando os defufados tormej^toVcom que erao' attenuados, e confumiaos os mem- bros do Efpofo 5 mais , e mais pe- 4iâ a Deos , que rociando-o com o feu orvalho fanto , o fuílenraífe com' aquella dextra, que quando quer con-^. fundir o poder dos Grandes , que- abufaõ de fuás forças para opprimi- rem os fèus efcolhidos , infunde ef- pi ritos valentes no braço de huma fraca mulher? Confirme-o a iníigne Libertadora de Bethulia. Porque V05 iraõ direi, que fe Maximiano , fazen- do arrogante oílentaçao de Tua xy^ rannia , vio illudido o feu Im.peria cóm irinfao de fiias promeíTas , e de fuás ameaças , pagando com húm^' morte defaftrada os crimes de hunia; tida diíTolutaj foi porque deferindQv

Deos

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Í.I2 Oração

Deos ás preces de Natália, fe appref- íou a deíaíTombrar a fua Igreja das tyrannias, com que a conííernava ? Porque vos nao direi...

Mas que fim levo eu agora? Aca- fo recolher em pequena concha o Oceano , referindo-vos que Natália he quem acudindo não íó ao feu Conforte, mas aos feus inviélos Com- panheiros lhe curava as chagas , ain- da que afquerofas ? Que preíervan- do-os da voracidade das chammas ialvou os feus corpos , ordenando, jem perdoar a defpezas , que foííem trasladados paraConftantinopía, aon- de recebendo o culto devido , def- cânçaíTem em fanta paz os offos dos Capitaens de Jesus Chriílo , que por propagarem a fua Lei foraõ immo- iados conío innocentes cordeiros ? Que rejeitando as núpcias do Tri- l)uno teve a confolaçao de terminar a carreira de feus dias , com o feu morto Adrião, efperando a refurrei- çaó univerfal no feu mefmo fepul- ehro , iheatro de muitos prodígios, que obrad as fuás Relíquias, de quç

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A S. N A T A L I A. 113

he cofre riquíflimo o voíTo Mofteiro ? Quem nao íabe, que iílo feria ex- ceder os efcíaffos limites , que vós me prefcreveftes. Todavia do que me naô poíTo dífpenfar , he de vos lou- var a devoção , com que promoveis o culto de huma Santa , que honra o voffb fexo , que honra a Igreja , de que todos fomos filhos. Continuai pois com aquelle ardor , que he in- feparavel do voíTo illuftre coração, Aquella ferie de milagres , que no rápido curfo de muitos Séculos dao a conhecer a gloria , de que no Em- pyreo goza Natália , que eítimulos vos naõ dao também , para que cum- prindo com os deveres de voíTo ef- tado , defempenheis a obrigação , em que vos poz,de efcolher para fua ha- bitação a voíTa Cafa ? Imitai as fuás virtudes, que he como lhe podeis fer agradecidas, para poíTuirdes o thefou- TOy a que o R^eino do Ceo fe compa- ra : Simile eji Regnum Cmlorum the- fauro.

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AO SS. ROSA RIO

Beatus venter

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^ qui te portavit* Luc. c. II.

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Com que gofto na6 appareço eu hoje na voíTa prefença , ■^ lembrando-me , que naó ferao defagradaveis aos voíTos ouvidos as palavras , que vos diíTer ! Aquelie ju- ílo, e natural temor , que quafi fem- pre esfria nas minhas veias o fan- gue , quando alçando a voz da Ca- deira da verdade, que occupo, tenho de annunciar-vos a doutrina do San- to Evangelho , de quem fou Minif- tro 5 ainda que indignoi; como o ve- jo agora de todo diíílpado , havendo de diícorreride huma devoção, que no parecer do Beato Alano, he a ra- inha de todas as devoções, pelos ma- ravilhofos eíFeitos que gera , e pro- duz nas noíTas almas! fabeís, que

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AO Ss. R o S A R I o. Iljr

he do Santiffioio Rofario, que eu vos fallo.

é* Naó he para promoverdes, e pro- pagadres a fua prática, que vós unidos em hum Corpo, vos ajuntais aqui, defejandò , que nao haja^ quem inte- reflando-fe pela gloria de Maria , a naõ honre todos os dias , na certeza de que feraó copio í os os friitos que colha, facom a devida attençaõ re- citar aquellas preces, que tiveraô hu- ma origem tao divina ?

Pois eu, que tenho obrigação de condefcender com os voííos .defig- nios, quando fao ta6 pios , depois de adorar como bemaventurado o cafto feio da Ínclita , e famoía Donzella deNazareth com a mulher das Tur- bas , me proponho no Panegírico ^ que por obedecer-vos lhe conTagro, moftrar-vos a importância deita devo- ção , referindo-vo5 , ainda: que com- pendiados ,os b^ns que encerra ^ pa- ra inflam mar os peitos Chriftãos « que formão o refpeitaveí Auditório,, que agora me attende.

' CreÍQ.> que a.màteria per fi íe H li re

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recomtnenda. Nem a voíTa benevo- lência , de que tenho brilhantes provas , me conftitue na preciíaô de implorar a voíTa urbanidade , can- fando-vos com mais longos , e eftu- dados proemios. E cheio de refoJu- çaò, e cheio de goilo, entro fem mais perda de tempo na empreza promet- tida. Peos , meu bom Deos , ajudai- me. Eu começo , Senhores.

Todas as devoções fao importan- tes. Encaminhaó-fe todas á nof- felicidade, mais que temporal, eterna: porque aquelles a quem hon- ramos ante o Deos, de quem faô pri- vados , e validos, empenhando a Tua protecção , quaíi fempre nos confe- guem o que lhe pedimos , fe por ventura nos he conveniente.

Ora entre todas as devoçáes a mais importante he a do Santiílimo Rofario,como atteftaô veneráveis In- terpretes , que com a fua fciencia , naõ menos que com as fuás virtudes tem eílabelecido, e arraigado o feu credito na Igreja , de quem faÔ filhos

be-

A O Ss. R o S Á R I O. tI7

beneméritos: porque as orações de que fe compõem, íaò as mais effica- 2és para inclinarem o coração de Je- sus , e de Maria a noíTo favor., fa- cilitando-nos o que lhe fupplicamos, em quanto envoltos no tumulto do Século continuamos a merc|uinha , e aípera carreira da noíTa vida.

Naó he da Oração Dominical, e da Saudação Angélica , que fe tece, e matiza aquella coroa de roías, que YÓs todos os dias , como fupponho, confagrais á Santa Virgem? O que he mais' poderofo entre nós ? Que arma mais forte podemos nós. ter , naó para alcançarmos â viéloria dos noííbs inimigos, mas para ob- termos o que pertendemos? Eu vo- lo moftro claramente.

Que fazemos nós, quando recita- mos a Oração Dominical P Santifica- mos oNome deDeos; pedimos-lhe, que nos o feu Reino: Reino de paz, para que todos fomos nad creados , mas remidos com o leu Sangue : conformamo-nos com a fua yontade fantiflima, que he o ápice da perfeição Chriftã. O

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Il8 O R A Ç A 6

o Pao de que pecifamos para nos nutrirmos : paÓ quotidiano : o perdão das noíTas graves culpas he com efta Oração divina na lua ori- gem , que o impetramos : triunfan- do das tentaçáes vehementes,que co-> mo amargofos frutos do peccado , quaíi que comnofco fe encarnaô defn de que no berço nos enfaxao , até que no féretro nos amortalhaõ.

Bailava eílaeircumílancia para que a devoção do Rofario foíTe en-* tre aS' mais devoções a primeira , ei^*^ volvendo huma Graçaõ, que em to- dos os Séculos dp Chriftianifmo fe reputou fempre ípela Oração de mais valor; dando-llie unicamente os Pa- dres^ que traçaô o plano da infallivel e orthodoxa tradição a primazia ,. na- confideraçao de que Deos fora ò feu author* :-

Pois que direi da Saudação An- gélica ? A lembrança daquelíe Myf- terío inefFavel, que unindo pelo la- ço hypoftatico o Creador com a crea- tura 5 deu ao homem huma honra in- comprehenfiyel j ,podendo-fe íem te-

meri-

AO Ss. R o S A RIO. 119

meridade affirmar, que pela commu- nicaçaó 4«s idiomas , paffou a fer Deos : efta lembrança digo como ex- altando a Maria nos inflammará^, pa- ra que cobertos de fua protecção nao defanimemos ? Como a intereííará a noíío bem , naô ceifando , mais que a benéfica Abigail , de rogar por nós ao preciofo Fruto do feu caftiíTi- mo feio Jesus , para que fempre nos feja propicio, e favorável ?

Muito mais 5 fe nós mefclando com as noíías vozes os noífos affec- tos , vivamente meditar-mos em be- nefícios taô grandes , como foi hu- mana r-fe , padecer, e morrer por nós aquelle , aquelle Deos , que de nada nos creou á fua imagem bella , que com a fua dextra fuftenta o pezo dos celeíles Orbes , que he Senhor de tu- do : o Deos dos Deofes , que olha para a terra » e a faz tremer : que toca os montes, e os faz funiegar.

Pôde haver devoção mais impor- tante ? Refiftirlhe-ha nada , ou no Ceo, ou na terra ? Applicando-lhe ò que S. Joaô Chryfoílomo diz da Ora-

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120 O R A Ç A Õ

çaó em commum, naõ lhe poderemos chamar omnipotente : Oratio una cum fit omnia potejl ? Com eíta ar- ma nas noíTas mãos , eu quero dizer, com o Santiílímo Rofario , nao can- taremos fempre a viftoria das noíTas paixões ? Figurando-o com o Beato Alano, naquella Torre de David, da qual pendem muitos efcudos , que antemural temos para rebatermos a invaíao , que o príncipe , que impe- ra no Reino da morte ^ e do pecca- do , continuamente nos faz: fendo daquellas myílicas rofas , que fe pre- para o balfamo , que nos cura ?

Eis-aqui , Senhores , porque na- quelle Século (calamitofo Século ) em que a Igreja, gemendo debaixo da períeguiçao dos Albigenfes , que co- mo ingratos ao leite com que forao alimentados , pertendera6 com ávi- do 5 e venenofo dente , dilacerar-lhe a inconfutil túnica , a digo , foi infpirada ao grande Pai da Domini- cana Familia efta devoção , unindo- >fe os Principes Catholicos para cor- tarem a cabeça á hydra infernal , nao

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A O Ss. R o S A R I o. 121

foi neceffario que fe armaíTem exér- citos como os de Dário. O Rofario de Maria recitado com devoção con- feguio o defejado triunfo.

Era para ver como os Templos fe enchiaõ, refoando em torno de feus Altares as glorias de Deos ! Como as ruas fe inundavaô de procifsôes de- votas , efpalhando-fe em alternados coros os louvores da Virgem ! Erao para ver as maravilhofas conversões, de que todos os dias haviao pere- nes provas! Reílituir-fe á Igreja pu- ra , e immaculada a de feus dog- mas : a paz, a concórdia tornarem a raiar nos hoíTos horizontes, naõ foi tudo devido ao Santiífimo Rofario ?

Mas eu pertendo referi r-vos to- dos os bens , que fe encerrao no Ro- fario Santiífimo de Maria. Quem en- freia a braveza das ondas , que er^ guendo-fe como efcarpadas ferras » parece que querem affogar as eítrel- las? Quem ferena as tempeftades, con- tendo os ventos no cárcere, aonde bramem afferrolhados , e prezos ? Se os raios fe apagao na Athmosfera :

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IZ2 O R A Ç A 6

íe as doenças fe aplacaó , quem pô- de negar que tudo muitas vezes nos lem vindo do Santiífimo Rofario , como fonte inexhaurivel de tantos bens?

Ao menos , Senhores , que ex- tenfao naô daria ao meu difçurfo , fe cingindo-me ás provas, que da ex- periência podemos tirar, eu vos abrif- fe os Annaes daquella Religião , que tem por timbre, e por principal de- ver adiantar, e promover o culto do Rofario? Vós verieis os demónios fugindo do corpo dos energúmenos como leões , a quem eícaparaó das garras as innocentes prezas : Vós ve- rieis os mortos levantado-fe do hor- ror das fepulturas , tornados á vida que perderão : vós verieis as amiza^ des illicitas convertidas em matri- mónios fantos : os ódios implaca- yeis . .

/ Mas ai I que funeíla lembrança me vem interromper agora ? Quizera deixar de vo-la comunicar j mas o mi- nifterio que exercito , nao foíFre que vo-la envolva em filencio. Todos re

ci-

^ V,

A o SS. ROS A R 1 O. 123

cítao o Rofario : poucos ha que do feu peito o naô rragao pendente. Po- rém de que procederá , que he raro o fruto que fe colhe ? Terei eu fido . demaíiado no que vos tenho dito? Naô , Senhores : Nem por génio , nem por educação devo fer encareci- do. As minhas^palavras levo-as fem- pre á balança do Sanfluario. Pezo- as exaílamente. Sabeis qual he a ra- zão do que por defgraça noffa expe- rimentamos ?

Naô bafta que os noíTos lábios fe appliquem aos louvores de Maria. Naó bafta recitarmos todos os dias o Rofario. Parando fimplesmente nifto, pouca utilidade tiraremos de exercí- cio taô pio: de devoção tao impor- tante. Releva que nafçaõ do cora- ção as noiías. vozes. He unicamente como fubiráo á maneira de vara de odorífero incenfo ao Throno do Al- ti/fimo.

Nem todos os que dizem : Amen» amen , faô aptos para o Reino de Deos. Sem recolhimento de efpiri- to , fem gravidade de íemblante , de

que

m

III

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Í24 o R A Ç A 6

que valerão as noíTas orações ? Fal- íamos com Deos : falíamos com fua Sanfiífima Mâi, de que refpeito nao devemos eftar cheios ? Se. nós faze- mos as vezes do Archanjo Embaixa- dor , qual importa que íeja o nof- fo acatamento ?

Recitai pois o Rofario com mui- ta devoção. Eu vos feguro , Senho- res , que os voíTos deíignias feráo profperados na terra : as voíTas al- mas bemaveníuradas no Ceo. Quei- ra Deos , que nos vejamos todos, cantando com os 1 ou vor^es ide Maria as mifericordias de Jesus.

DiíTe*

ORA-

M

22f

O R A Ç A Õ

A S. AGOSTINHO.

Qut fuerit , & docuerit , hic mag- nus vocabitur» Maith. c. 5.

COmo fa6 incomprehenfiveis os juízos de Deos ! Nao ha mão que poíTa correr o tapado, e denfo véo , que os cobre. Nem fe in- veftigaõ : adorao-fe : pois por cami- nhos que a nós nos parecem aveffos, conduz muitas vezes aquelles homés, dos quaes conforme a economia de feus invariáveis decretos , a tempo qpportuno fe ferve , para levarem , como vafos de eleição , de boca em boca ás extremidades do Univerfo , com o conhecimento de fua Lei , a gloria de feu nome. Sem que engra- xe huns com outfos exemplos , vós tendes aprova no Santo , de quem cu, incorporando-me comvofco , de- termino hoje louvar as acções no Pa- ne-

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mÊf*

L'):

126 O R A Ç A S

negyrko , que por obedecer-vos lhe coníãgro. Nao he neceííario que vos diga 3 que he do voíTo , e do meu adorado Agoílinho , que vos fallo, Qiiem o obfervaíTe na primave- ra de feus annos juvenis affanando- fe por confeguir a fatisfaçao comple^ ta de feus appetires , que encarniça- dos, á maneira de roazes , e esfaima- dos lobos , engollilo , e devorallo queriaõ no feu ávido feio; como fe lafíimaria de feu deítino , temendo que feguindo os caprichos de fua des- regrada vontade , infelizmente arre- mataííe a cat"reira de fua vida, como Sanfa6 no regaço da pérfida , ainda íque formofa Dalila ? Prazeres vergo- nhofos , cubica de honras , e de ap-^ plaufos 5 infaciavel fede de faber tu* do y eis-aqui as paixões que cria , e ceva no feu coração : enfurdecendo ao confelho dos amigos , ás lagri- mas da mãi carinhofa , e aos afpe- ros remorfos da confciencia , que pa- ra o confeguirem , e eftradarem vã- mente fe esforça vao.

Mas quando menos p efpera,naá

raf"

A S. A GO S T I N H o. 127

rafga a venda, que deslumbrando-o o cega ? Ferido mais que de aguda , e farpada fetta daquelia graça , que de hum perfeguidor faz hum Apof- tolo, naõ erige fobre os feus erros, que envergonhado , e confuíb publi- camente detéíla , o padraô que im- morraliza na poíleridade a íiia virtu- de : exultando de alegria Ta gaite , que na Africa lhe dera o berço , Mi- lão, que na Europa lhe infundira a perdida fé, e a Igreja que o con- íiderava como hum de feus mais íó- lidos apoios contra a invafaó de nao fei que raça infame de viboras , e de baíilifcos, que com os nomes de Ma- nicheos, Donatiílas, e Pelagianos per- tendiaô dilacerar-lhe a inconíutil tú- nica, negando a fincera crença da mor parte de feus dogmas ? Como faó in- compreheníiveis os juizos de Deos !

Ora naõ devendo eu aíFaílar-me do Evangelho , de quem fou Mini- ftro, que matéria poffo efcolher, que mais íe amolde , e a juíte ao texto que tomei por tliema ; que moftrar- vos* Senhoras, o direito com que o

Pai

•í

128 o B A Ç A 3

Pai 3 de quem fois beneméritas filhas, fe conflitue apar dor Grandes gran- de no Ceo , pelo que enfina , igual- mente que pelo que obra : Qui fe- cerit , ^ docuerit , hic magnus do- cabiturt A fua fciencia , e a lua fan- tidade , traçando o piano da Oração, que me ouvireis agora , de que bri- lhantes imagens naó enriqueceráõ o meu difcurío , fe vós como partes intereíTadas , naó me lifongeardes com ã voíTa attençaõ , mas me aíFer- vorardes com as voíTaá^ preces , pe- dindo ao Cordeiro fem mancha , de quem fois Efpofas , que com huma faífca do incêndio, que ardia no pei- to do illultre Africano, inflame a mi- nha lingua? E na certeza de que fa* reis o que vos rogo, cheio de confian- ça cheio de goílo entro na empreza promettida. Eu começo , Senhoras.

MEfquinha condição do homem ! Ainda do que he bom , muitas vezes feiamente abufa. Ornar , e en- riquecer de efpecies o noflb enten- dimento, fazendo no eftudo, a que

cur*

A S. A Q o S I* I N Ò* 115

turvados lobre os livros nos appli- camos , rápidos progreíTos ,* que van-»- tajens nos naó traz comfigo ? Toda* yia o indifcreto, e demafiado defe- jo de faber, de que damnos naò tem íido no Mundo funeíta caufa ? Sem que nos lembremos do exemplo noíTo primeiro , mais que progenitor, parricida, que cedendo ás fuggefloes da manhofa Serpente , nos perdeo a todos , por querer conhecer o mal ,' e o bem, levando além do juílo a fua fciencia : Eritis fictit Dii [cientes honum^ ^ malum. Vós rendes a pro- va no Ínclito Pai de quem fois dig- nas filhas.

Que delicadeza de engenho, que promptidaô de memoria, que prefen» ça de efpirito, que Índole viva, ar- dente 3 e refoluta naô era a fua? Eis^ aqui porque fem temermos, que nos taxem de encarecidos , nós podemos denodadamente affirmar , que o que para os mais feria o fruto de longas vigílias , de íizudas , e repetidas re-- flexões, de brancas cans , e de hum Gonfumraado juizo , p«ra Agoftinho I foi

f Oração

foi a flor de fua nafcente , e tenra - doutrina/ Para com prehender qiíanto de myíleriofo , e de recôndito eníi- naraó os Trimegiílos , os Sócrates , e GsPlarÒes, precifou por ventura, ou do foccorro dos Meftres , ou da frequência das Eícolas ? Guiado uní- Gamente de fua quaíi mila:grora intel- ligencia , naÔ fouhe quanto de fan- taftico, e univerfal eílab^reccràô nas Academias de que erao Chefes os Pi- thagoras, os Democritos , e os Arif- toteles ? Que tinha de maravilho* fo a Fabula , de heróico a Hiílo-^ ria, que naô defenvolveííe ? Como fe viajaíTe pelos Ceos de eftrelia em ef- treíla , com que erudição n^o expli- •cava as cifras , os geroglificos , oráculos , e as cabalas dos Caldeos , dos Egypcios, das Sibyllas, t dos Rabinos, attrahindo a quem o ouvia com a fuave força de fua eloquência ? Ê -SoíFrei-me , que forrando- me a diíFu- fos, ainda que pompofos , difcurfos, com huraa pincelada complete o qua- dro : faltariao as fciencias á Agoílinho: nunca Agoílinho ás fciencias» Sabia tud;0, Senhoras^ Mas^

A S. A G OST I N H O. I3I

Mas devorado da ambiça6 infa- ciavel de nada ignorar, em vez de re- ferir ao Pai dos lumes, que he a fon- te, de que perennemente manaò para nós todos os bens , as luzes de que cada dia illuftrava mais a íua mente, fe precipita no abyfmo de feus erros , até reputar por fraqueza mu- lheril a humilde ^ e fincera crença daquellas verdades , que excedem á baixa , e acanhada esfera de noíTa compreheníao ? Prevenido da falfa , e fuperfticiofa fabedoria dos Gentios, nao menos que das imagens , ainda que brilhantes , das poéticas ficções, que efcaldando a- noíTa fantaíia do- cemente nos arrebatad , naÓ come- çou a enjoar-fe da íingeleza (belia, c mageftofa íingeleza ) das fantas EC^ cripturas , mofando da credulidade dos Padres , que tra<

içao

formão o

Ç lano da refpeitavel , e infallivel Vadiçaô ? ISIa6 começou a agra- dar-lhe , fenao a louvar a fórdida, e vil Theologia do Paganifmo ? A Celebrar, fenaó a crer as engenhofas mentiras da Grega Mythologia ? Di- 1 ii ga-

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ga-fe tudo: como fe por Iiuma parttí íe envergonhaíle de fe alTimilhar coni os brutos: como fe fe iaftimaíTe por outra parte, de que foiTe immorral a fua alma , que naó trabalha por fe illudir a íi mefmo , repartindo en- tre duas Divindades , huma iniqua e maligna , outra juíla e fanta , a lo- berania , e o império de tudo o que pertence ao corpo, e aos feus fen- tidos , ao efpirito , c á fua razão ! Herefía , Senhoras, a mais nefanda , que do Reino das defordens , e da morte tem vomitado , e diíFundido pela terra o noíTo commum inimigo, para corromper, e empeílar os ho- mens.

Santo três vezes Santo Deos í na6 he eíle com tudo aquelle Agoíti- nho , que na eterna , e immudavel ferie de voíTos juizos, vós tendes ef- colhido para luz de voíTa Igreja, pa- ra defeníor devoíTos dogmas revela- <dos , e para raio que reduza a cin- zas a maldade, e o erro, como Doul- tor invifto da graça , igualmente que como triunfo o mais gioriofo de

noíTo

À S. A G o ST INH o: l^i

hoíTo divino Mediador Jesus Chriílo, fendo o exemplar porque em todas as idades fe ajuftem 5 e amoldem os Cenobitas na ília contemplação, os Sacerdotes na fua pureza , os Biípos na fua caridade ? E fera eíla a vez, que contra os voííos invariáveis de- cretos prevaleça a humana malícia? Porém que he o que eu digo, Se- nhoras ? Como naô adoro antes a próvida, e prodigiofa economia, com que o fupremo Arbitre de noíTos co- rações fabe, por caminhos que a nos nos parecem aveííos, conduzir aquel- las almas, que prezas por algum tem- po com as douradas , mas vergonho- fas cadeias do peccado 5 dao uhima- mente aflenfo á cândida verdade, pa- ra fazerem mais palpável a miferi- cordia de noííoDeos? Tal foi Agof- tinho ; porque do diáfano, e reful- gente Sólio que occupa , deferindo o Todo Poderofo ás preces , e ás la- grimas da Mãi carinhofa \ para que íua cafta Efpofa tiveíTe hum filho , qu€ mais a honraíTe , naò com^ a fua doutrina , mas com as fuás vir-

r/ /':

•'i.

t34 O R A ç A 6

íudes , com que induftrias naó faz J que nos aduítos rochedos da Africa foafle a fama de Ambrofio : Ambro- íio , hum dos Padres mais eloquentes, que por entaó fe conhecia ?

Arde o ilhiílre Moço no defe- jo de ouvir. Pertende , fe he poíH- vel, aproveitar-fe , e inílruir-fe mais. Milaó o chama. Ternos laços da amifade, eftreitos vínculos de paren- tefco , com que valor vos quebra ! Na6 parte , voa para MilaÒ : e prin- cipiando primeiro por curioíidade , depois por goílo , pouco a pouco , coíno orvalho , que callando bran- damente a terra , a fertiliza , fe [Qn- te fuavemente attrahido da formoíu- ra daquelles difcurfos , e da energia daquellas verdades, que como Mi- niílro da palavra , vibrando a efpa- da de dois gumes eníinava as fuás ovelhas o Paílor felicito ? Que mu- dança da dextra do Excelfo ! Con- funde-fe Agoítinho : defpe o homem velho: e chamejando nas íuas faces, naô fei que novo amor , que derretia o feu coração como moUe cera ,

de-

A S. A G o ST I ÍTHO; 13?

a^teíla a impia feita, que feguira, de feus prazeres impuros, fe enver- gonha naõ podendo foportar o pe- zo dos ferros, que em torno dos rios, que banhaô os muros da proítituida Babylonia, como cativo de íuas pai- xões arraílara. A humildade, o co- medimento , o defejo de padecer, o defejo de fer defprezado para dar al- guma fatisfaçaò dos crimes que com- jnettera ; eis-aqui os aíFeélos a que lugar no feu animo, bufcando nos fantos Códigos o reparo dos damhos , que fe caufara a fi mefmo, quando, como empavezado galeão, fe lorveo , e engolfou no largo , e pro- cellofo mar das fciencias , que o Sé- culo enganador eílima : fciencias que conforme o Apoílolo , inchao , edef- vanecem. Que mudança da dextra do Kxcelío 1

Conhecello-heis vós agora. Se- nhoras, envolto 5 e miíluradô com a fimples , e ignorante turba dos Ca- thecumenos, a cabeça inclinada fobre os hombros, os olhos baixos, as mãos erguidas , aprendendo os Dogmas de

aoffa

; li

'S3^ O K Á Ç À o

noíTa fantiffima , pedindo , banha- do de lagrimas, o baptiímo? Conhe- cello-heis vós , mais que efcondido, enterrado vivo em efcura , e afpera gruta 5 cingido de cilícios , mirrado de jejuns ^ e retalhado de difciplinas, que com o fangue que de fuás veias efpremem , eníopa , e quaíi abranda aquellas rijas pedras, beijando huma vez, beijando muitas vezes a Cruz de feu Deos, com quem intimamen- te fe abraça, pállido , e tremulo co- iro convulfo , na coníideraçaó da eítreita conta que lhe havia dar de feus erros paíTados ? Conhecello-heis vós, quando elevado a dignidade Sa- cerdotal , íe abate , e fe confunde , reffledlindo que nem os Anjos com toda a fua pureza feriao capazes* de defempenhar ? Que vibrando a efpa- da de dois gumes, teve fempre ao feu ferviço a vidloria, infpirando nos peitos de quem o ouvia, com o temor depeos o amor das virtudes ? Conhe- cello-heis vós ...

Mas eu quero, fondando os abyf- mos dizer-voSp que vergado com o

pezo

A S. A G O S T I N H O. 137

piezo da Mitra de Hiponia he entaá que a fua humildade he a mais pro- funda, o feu zelo o mais fervorofo, a fua caridade a mais ardente , promo- vendo os intereííes da Religião , de que era folícito 5 e vigilante cultor? Quem mais terno com os pobres , que como pai o bufcavaó , para que cobríndo-lhes a defnudez , e maran- do-!hes a fome, lhes fuavizaíTe os males porque paíTavaÔ ? Podia af- firmar com aquelle Príncipe da Idu- mea , que a commiferaçaõ , e a pie- dade nafceraó com eile. Nas fuás do- enças naó era ínfeparavel de fua ca- beceira, ora adminiílrando4faes os re- médios , ora confortando-os para fo- poriarem , fe naó com goílo , com reíignaçaô a fua cruz, pofto que pe- zada? Quem mais déftro, e incanfa- vel guiando , e conduzindo as almas pelas efcabrofas varédas perfei- ção ? Caftas Virgens, confeíTai vós , le naó era Agoftinho quem vos *in- flammava para vos uuirdes a J e s u s Chrifto com o laço de hum confor- cio quali angélico , pizando o Mun- do ,

Mi

n

fjS o R A Ç A 8

do, as fuás pompas , e as fuás enga- nadoras vaidades ?

Que Ímpia Seita defpontou , e nafoeo nos feus dias , que naò arran- caíle ? Que duvida que com a fua doutrina nao efclareceíTe ? Que Dog- ma, ainda que fortemente combatido, J que naó fuftentaíTe? Qaando a Igreja * gemia debaixo de alguma per fegui*^ çaô, nao era fempre o Teu apoio? Nos feus triunfos , o feu braço naô era fempre quem mais fe aífignalava , le« vantando fobre as ruinas dos Pelagia- nos , dos Donatiílas , e dos Manir cheos o troféo, que immortaliza na poíleridade a fua gloria? Oh grande Agoftinho, naó pelo que obras , mas peio que eníinas ! Quem te naô louva? Qui fecerit ^í^ docuerity hic magnus vocabitur.

me naô admira, que unindo com a íimplicidade de pomba a af- tucia de ferpente , de forte preve- jiiíTe 09 damnos , que podiao lavrar no Chriftianirmo, pela malignidade de alguns chamados Filofofos , que querendo com a fua razaõ penetrar

arca-

A S. Agostinho. 139 cremos , que nem he licito averigu-; ar^ porque os naÔ comprehendem, liegaô os nolíos mais fágrados Myfte- rios, nos deixaíTe nas fuás obras (ma- raviíhofas obras) as armas para os vencermos , zombando dos foíifmas com que pertendem i!ludir-nos! Q^ie para que^ perfeveraíTe na terra a íua memoria, depois que a fua alma cin- giíTe no Ceo a coroa , que lhe com- petia, fundaíTe fantos Moíleiros, pa- ra os quaes iranímigrando o feu ef- pirito viííemos com o feu Inftituto reproduzidas as fuás virtudes ! Taes fois vós , Senhoras , que na6 dege- nerando do tronco, de que fois pre- ciofo fruto, teceis com a voíTa exaâ:a obfervancia o mais delicado elogio de Agoftinho.

me nao admira , que até nos feus erros fe fizeíTe grande , confef- fando-os publicamente , e deixando- os gravados na lembrança de todos, para dar , ainda depois de feu glorio- fo traníiío, hum irrefragavçl teílimu- nho de fua humildade , igualmente que de fua penitencia. Vós fabeis co- mo

1

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'146 O R A Ç A 6

mo nós fomos indulgentes com noíTos defeitos , querendo , que Jiãô defculpallos, ao menos encubril- ]os , apagando-os da memoria dos homenç. Agoílinho pelo contrario : como os divulga 1 como os perpe- tóa , deixando no livro de fuasCon- íifsóes eternizadas as fuás primeiras maldades, que podiao ferdefcul pa- das facilmente , attendendo aos feus pouco experimentados annos !

E fera maravilha , que o fek amor para com Deôs fe refinaffe tan- to , que íuíFócado todo o temor fer- vi!, naô ceflaíTe de exclamar : Eu vos amo, mas fem que as vojfas promef- fas me animem , e as vojfas amea- ças me att errem. NaÕ he o medo do Inferno , nao he a ej per anca da Glo* ria porque eu vos amo, E que tar-- de vos conheço , ó antiga , ó nova, belleza !

E naõ feria natural , que fentin- do também a Africa a defgraça por- que paflava o Latino Império, quaíi aífolado do furor dos Bárbaros , vcn- do-fe Hiponia cercada doExercito ini-

mi-

A S. A G o S T I N H o. 141

tnigo, como filhos aos braços do pai carinhofo , correíTem todofe á prefen- ça de Agoítinho para lhes acudir ? E que enternecido de íuas lagrimas pediíTe a Deos , que embainhando a efpada de fua ira , falvafle o feu cha- ro rebanho, naõ do damno tem^ poral, que o ameaçava, mas do pe- rigo que corria a íua entre ioi- migos de noíFa Religião : concluin- do 5 que ou fortificaíTe a lua decrépi- ta velhice, para fe oppor a tantos ef- tragos , ou terminaíFe a carreira de fua vida , para naÕ Ter trifte , e in- confolavel expedlador de tantos ma- les ?

Defcança , Ínclito Agoftinho : as tuas preces faô deferidas : porque car- regado deméritos, e de virtudes , mais que de annos , devorado de tua caridade , de quem fofte fempre a viílima , naó como huma arvore que fe arranca , mas como huma luz que fe apaga , repoufas erernamente no feio de teu Deos , por premio daa «cçoes heróicas , com que te fizefte grande na içrra ^ grande no Ceo t,

TT-m

I4^ Ora ç a^

Quifecerit , í^ docuerity hic magnuf 'vocabitur.

Agora reílava que volveíTe para vós a minha Oração, congratulando- me comvoíco pelo Pai que tendes. Mas íe he vantajofa a voíía felicida- de, participando da honra que confe- guio, facudindo o jugo que por com- pridos annos lhe trilhara a quali cale- jada cerviz: íe he vantajoía a voíTa felicidade convertendo-fe para o feu Deos pela íabedoria aprendida nas Chagas de Jesus Chrifto , bebendo como Águia raio a raio as luzes da- qutlle Sol dejuíliça, que adoramos no Sacramento Auguítode noíTos Al- tares : fe he vantajofa a voíTa felici- dade pelas proezas , que executou , cumprindo fielmente os deveres do íummo Sacerdócio que o decorara :j1 quanto maior fera a voíía ventura , fé| perfeverando fegurardes a voíTa finalj juftiBcaçao, para que como Filhas de Âgoftinho na terra, participeis de fuaj^ grandeza no Ceo i

DIíTe.

ORA^

MJ O R A q A Õ

A SANTIAGO.

Poteftis bthere calicem\ qtiè^ ego hi^ bit urus Jum} Manh. c. 20.

A Cruz he o património dos juf- tos. Sem padecer ninguém fe falva. He efte o exemplo, que Jesus Chrifto nos deixou gravado nas acções de fua vida : he efta a doutri- na , que nós lemos, definida , e ca- nonizada no fanto Evangelho.

Eis-aqui porque quem naõ tiver valor para arroílar os perigos , e a morte , bebendo o cálix , ainda que amargofo , da tribulação , sãmente fe lifongeará j com a efperança de con- feguir o Reino de Deos : Reino qtte* os violentos arrebacao. \

Eu nao neceífito revolver os Fa*^ fios da Synagoga , e da Igreja, para engrazar humas com outras as pro- \dk% da verdade ^ que i^% digo. Baf-

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3:44 O R A Ç A 6-

ta trazer-vos á memoria o grande Pa- trão das Hefpanhas, a quem vós com os voíTos cultos confagrais os vof- fos corações. Santiago Maior : nome que vale por muitos elogios.

Mais que nos feus ouvidos foa na íua alma a voz , que das ribei- ras de Galiléa o chama. He voz de Deos 5 que nem honras , nem ri- quezas lhe promette : bens de que o Mundo enganador coíluma tecer , e. matizar os laços com que nos pren- de : mas trabalhos , e perfeguiçõee que faò os frutos que colhe , quem contradizendo fempre a fua vontade, vive conforme a juftiça. Com que goílo pois lhe naÔ obedece, fazen- do prompta , e generofa abdicação do que poíTue para melhor o feguir? Ora eu , que em cumprimento àp miniílerio que exercito , me nao devo demorar com propoíições, ain- da que engenhofas , eftéreis , determi- no moftrar-vos no zelo com que propaga por. Climas, e Regiões re- motas a luz do Cruciíicadoj^já na intrepidez com que foporta q mar-?

A SanTI A G O.' 145'

tyrio, efmaltando com o fangue, que verte, as palmas, de que enrrama a vidloriofa téíla, a fidelidade com que Santiago correfponde á fua vocação : única reflexão, que traça o plano do Panegyrico, que vou a recitar na vof- fa preiença.

k Grande Sacerdote , na6 he a pobreza de meus talentos , que em- bargando-me na garganta as palavras, me intimida \ também o refpeito me atalha. Mais que o fangue Régio qée vos authoriza, amo as virtudes bellas que vos ornao. Os retratos daque.l-^ les Príncipes, que pendiao de voíTas antecameras no Século, Príncipes de quem derivais a origem , as inípi- rárao : aperfeiçoando-fe depois nb Clauílro , de que benevolência vos nao encherão agora para me defcul- pardes ! Euvo-!o peço : Eu o cfpe^ ro. E na certeza de que me atten- dereis com benignidade , fem mais proemios, que reputo efcufado??, en- tre-fe na empreza promsítida. Eu começo 3 Senhores»

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Con-í

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146

o R A Ç A 6

/f^ Onfundo-me , fempre que íizu* V_^ damente coníidero , que fendo a Gloria o principal objedio , a que devemos encaminhar os noíTos votos y a Gloria , Senhores , para que Deos nos cria , para que Deos nos chama, com tudo fao muito poucos aquelies,< que para a confeguirem correípon- dendo fielmente á ília vocação, appli- caô as precifas diligencias. Engolfa- dos , e íorvidos nos goílos vãos do Mun^o , que ainda que por dourada taça fe bebaõ, deixaô no fundo amar- j gofas fezes , naÔ he com hum vergo- 1 nhofo defprezo da fanta Lei, que pro^ feíTamos, que fe paíTa a vida toda ? Nefcios , exclama da Cadeira de Hi- ponia o voíTo eílimadiílimo Agoílí- nho y que fentados fobre as margens dos rios, que torneiâo os muros da proítituida Babjlonia , nao he de ef- trellas que fe coroao , mas de flo^ les , que , ou com qualquer Sol fe iBurchao, ou com qualquer vento fe desífoihao. f

Eu me admiro mais, repaíTando .3 pe-

HT"^-.

A S A N T r A G o; 147

peia minha lembrança , as folicitas fadigas , com que a mor parte dos homens aíFanando-fe fe esforçaô, para mandarem á poíteridade a íua fama, por melo de humas acções , que fe naõfaô temerárias, necellirao ao me- nos de hum valor heróico , para fe- rem , naó digo eu executadas, mas íimplesmenre comprehendidas. Que os Euros, e os Aquiloes, folros do cár- cere; aonde como leÓes raíyofos bra- mem aíFerrolhados , e prezos , decla- rem a guerra a eíTes lenhos nada- dores, que oufados atraveííaó os Re?- nos procellofos de Neptuno : que ef-^ tremeçao o ar accezas b^JÍas, cobrin- do de fumo, e de horror os enfan- guenrados campos de Marte , eíles naÔ fao perigos que congelem nas veias o fangue ao Argonauta aíFoito^ que ericem na cabeça os cabellos ao Capitão intrépido ! Nao reprovo eftas gentilezas de efpirito, Sao ju- ftos os applaufos , que univerfalmen- te alcançao. A Pátria , a honra , e o Rei , merecem muitas vezes eííe fa. erificio. Mas quem obra taó eftupen. K das

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14? O R A Ç A 8

das maravilhas , para grangear íiúrit' nome , que as mais das vezes fe con- funde com o rude , e groíTeiro da fepultura : porque nao infiftirá refo- luto na conquifta de huma gloria , que nem o tempo, por mais que ra- pidamente volva a roda de feus ân- uos , nem a inveja , por mais que refine o veneno de feu ódio, nos po- dem tirar ? Huma gloria eterna.

ConfeíTo, que com a noíTa natu- reza eítragada pela culpa, mais fe con- formao os regalos, que as mortifica- ções. Porém aicançaraó-íe nunca pré- mios grandes com difpoíiçoes vul- gares , como da eminência do Vati- cano aíiirma S. Gregório ? Vede o que faz AbrahaÔ para obter a benção promettida. Qiiebra, e defpedaça to- das aqueilas cadeias, com que o amor natural tao forte , como fuavemente nos prende desde o berço. Naô fe arranca daquella terra , que co- mo fegunda mai carinhofamenre nos recebe no feu regaço , mas daquelles primeiros ares com que refpiramos a doce vida» O braço, que defembai-

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A -S A N T I A G o; 149

«hara o cutelo para vibrar o golpe febre a garganta do innocente filho, ainda parece que eonvulío , e aíTuf- tado treme. Dçiíça o certo pelo du- vidofo ; o prefenre pelo futuro : dei- xa tudo 3 crendo na efperança con- tra a efperança. E vós entre brandos, e mimoíos prazeres , quereis cingir na cabeça a coroa de vencedores fem ^deftrardes primeiramente a mão na peleja ? Non coronahittir ntfi qui le- gitime certaverh,

Bellas , ainda que afperas verda- des, como embebendo-vos no cora- ção de Santiago illuílraíles o íèu en- tendimento ,, pára correfponder fiel- mente no feu Appílolado á fua vo- cação, que he o meu aííumpto! Nao faílo na promptidaô, com que de tu- do o que poíTue faz género ío faeri- ficio para feguir o feu J;^us. Conhe- ce que o jMundo he humá figura que ÍDaíTa : as fuás honras fe bfilhao, he com hurha luz, que, como a do re- lâmpago, mais do que efclarece, def- lumbra. Eílreitos vínculos do fangue, íloces laços da amizade, riquezas , na* d^. Q prende, - - -^^^

10 O R A |f â B'^

Nao fallo íio ardor com que íu* bindo de virtude em virtude á ma* neira de Águia real , que eftendçn- do o voo remonta por cima dâ^ nuvens , começou a entranhar^fe no coração de feu Meílre. Naó he horn dos Dilbi pulos mais amados do Re- demptor ? Se fe transfigura, nao o quer por teftimunha ? Havendo de tornar á vida a filha morta do Archi- íinagogo, nao o chama para que pre- fencee aquelle prodígio ? Antes que ééÇ[c principio á tragedia ( fuiíeíliíli- una tragedia) de íua PaixaÓ , êmbre- nhando-fe na efcuridade da iloite pe- io monte das Oliveiras para orar , nao o leva por teftimunha ?

Nao fallo na fua ardente cari- dade , exercitada com o próximo. Deixou acafo de acudir fempre á neceílidade dos pobres , que como Pai o bufcavao para que os foccor- reÇÇe} Seníivel aos males porque paí^ fa a mefquinha humanidade na falta dos bens de que precifa para a fuâ fubíiftencia , reftos defgraçados da culpa da origem , que todos con- tra-

A Santiago; ifi

trahimos , de que terna compaixa6 fe nao enchia ? Cs mais defampara- dos naÓ erao os mais favorecidos? A quantos roílos pállidos , e defcarna- dos tornava com a alegria a paz, e o focego, de que esbulhados eíia- vaô; matando a huns a fome, cubrin- do a outros a esfarrapada , e vergo- nhofa desnudez ? Eíías nao faô co- res, que eu artiíicioíamente efteja car* regando na palheta para fazer mais recommendavel a memoria de San- tiago. Conheço as minhas obrigações. A minha língua naô devo profanai- la, e corrompelia com exprefsoes que nao fejao levadas á balança do San- tuário. O que vos digo, fa6 verdades, que conílaô das Adas de fua vida : faõ verdades inconrroverfas.

Com humas qualidades tao ra- ras, com humas virtudes tao fólidas, com humas difpoíiçoes tao antecipa^! das, nao me admira que Santiago no feu Apoíloiado lâvrâlTe a eílatua com que a fama engroííando o brado tem feito inmmortal no mundo o fcu No- me amável. Zelo, quç devoravas, de- tém

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tem a torrente de erpecíes , que agò* ra me mandas. No meio de hum concurfo de acções , que como de tropel íe me eítaô apreíenrando , to- das dignas de fe ponderarem , he- róicas todas , nenhuma difficuldade tenho de vos affirmar , que a mim me íuccede o meímo , que áquelles que atrevidamente fe põem a regiílar os raios do Sol , fem o foccorro de algum vidro, que tempere, e modifi- que a brilhante copia de íeus refplan- dores , que nao podendo fuílentar a aidividade de fuás luzes, tímido, en- vergonhado, e confuío, fixa os olhos, volta a cara, quaíi cego defifte da empreza.

Mas ainda que emmudecendo eu as omirtiíTe, o publico pregão , que TiOs íioíTos ouvidos conílantemente foa , nao confeíTará que na fua em- prendida carreira ^ nada houve que ihe embargaíTe o rápido pé, trazen- do feuipre pendente de íeu braço a ViCioriâ ?

NaÔ confeíTará, que como agri- cultor foliei £0 fazia reverdecer na

Ju-

A S ANTI A G O. Ifj

Judéa , na Samaria novas plantas^ que curvadas com o pezo de fazo- nados frutos , derao de fuà in- conteílaveis provas no brio com que foportaraô os rigores da perfeguiçao, levantando fobre as ruinas da Syna- goga os troféos de fua gloria ? Nao confeílará , que atropellando longas diftancias a , defcako , toftado do Sol 5 e enregelado do frio , fe nao forrava a trabalhos , que ao feu fervor pareciao Toporraveis , arran- cando na Hefpanha a zizania que af- fogava o trigo ? quero dizer , a fal- fa idolatria , que lavrava como fo- go, que cm fecco mato pega?

Duro, mas gloriofo projeflio, nao combater, mas arruinar huma Sei- ta , que os bens , que promette aos feus fequazes, faõ viíiveis : que abre ás honras, aos deleites, e aos applau- fos hum eípaçofo campo. Vós fabeis como eftas armas faÔ forres para com- baterem o fraco coração do homem. Com tudo Santiago falia. Perdoai-me que nao diíTe bem. Troveja. Nao íao palavras que articula j faó raios que

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fS^ o RAÇA 6

fulmina, Perfuade , convence , inti- mida 5 triunfa.

Qual detéfta os feus craíTos er- ros : qual, para os pizar, derriba da 4ra os mentirofos Numes : aqueJJes renunciando pelo baptifmo as pom- pas profanas , cubertos de cinza , e de ciJicio, deciaraô aos vicios fan- guinofa guerra : eítes accendendo nas luas almas defejos de perfeição , pro-- íeítaõ y com o ApoftoJo proteílaõ^ que com os alfanges na garganta , que com as algemas nos puifos feraõ iníeparaveis da de Jesus Chriílo , que Santiago , correfpcndendo fiel- mente a íua vocação, lhes pregava.

Porém que lagrimas correm por tantas conílernadas faces ? Qiie ais me parece que íoaõ ainda pelos fiu- idos ares? Jeruíalem, naô eílás ainda farta do Sangue de Jesus? Ha de também o fangue de Santiago alagar as tuas praças ? Porque reduz Hermo- genes o Magico grémio da Igre- ja^ he que tu re confpifas contra o zeiofo Apoílolo? Nem te obrigao os beneficiou que.te fez ?. A que cegos -. ... ' naô ■'

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A S À N T I A G O. Ijf

rja6 reftitue a eclipfâda viíla ? A que mudos nao defata as prezas línguas ? como aquelle paralytico , folros os engelhados, e tolhidos membros, anda livremente : E naõ te confun- des?

Sabia Santiago ^ que para cor4 refponder fielmente á íua vocação, importava muito beber , e efgotar as fezes do amargofo caliz : fabia que fem padeeer ninguém Te falva : que em fim a Cruz he o património dos feguidores de Jesus Chriílo. Que o prendao : que carregado de ferros o lancem , e arrojem em efcuro , e hórrido cárcere: que a fome o atte- núe : que a fede o mirre : eíles naÔ faõ tormentos que o aíTuílem , fao flores de que guarnece a grinalda que cinge. Reverberando no feu ro- íio a gloria que eípera; com que ale- gria naô eílende a garganta, para que vibrado o golpe voe de eílrella em eílrella a gozar no Empyreo a bera- aventurança de que eternamente g za!

Agora efperaveis vós , Senho- res, que congratuiando-me comvof*

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CO, me trasladafle a Compoftella, aònií de em paz defcança o feu Corpo 2 que vos referiíTe hum por hum os prodigios, com que canoniza o íeu poder , attrahindo do Mundo to- do os Peregrinos cheios de , que lionrando o feu fepulchro deixao de fua gratidão illuítres monumen- tos, nos votos, que pendem das fa- gradas paredes daquelle Santuário: que vos diíTeíTe , que no Reinado de D. Ramiro he que teve principio a voíTa illuílriífima Ordem , dignando- fe Santiago de ajudallo nas fuasCon- qujftas, quando na famofa Batalha de de Clavijo appareceo fobre foberbo ginete , cortando com a fua efpada os louros, de que a noíía fe coro- ara, de que foraô teílemunhas feíTen- ta mil Sarracenos , por cima de cu- jos defpedaçados cadáveres tremolou por muito tempo vidloriofo o Eílan- darte da Cruz : que vos teceffe hum luzido catalogo daquelles Cavallei- Tos , que feguindo o voiTo ínílituto, deraô de fua religião , e de feu va- lor brilhantes , e perennes provas.

A S A N I I A G o: 10

Nao, Senhores, o zelo, e a in- trepidez , com que Santiago correí- pondeo á íua vocação, para outro ar- gumento me chamaõ. Os Cânones melhor entendidos , naõ foíFrem que vós vibreis a efpada ; mas para fer- dcs imitadores de Santiago , que larga matéria naô tendes, cobrin- do a deínudez dos pobres , con- correndo para a liberdade dos Cati- vos, já pro'movendo com o voíío ex- emplo a Religião de que fois Mini- ílros \ O fangue nobre, que vos ani- ma , fangue Portuguez , que eílimu- los vos nao dará para deíempenhar- des os voíTos deveres ? Ante os vof- fos olhos tendes o efpelho a que vos componhais. He como obrigareis a Santiago : he como confguireis a Gloria para que foíles creados.

DiíTeJ

ORAí

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A' CONCEIÇÃO.

Mari^y ãe qua na tus eft JESUS. Matth. c. I.

ENxLigai, Santos Patriarcas, lagrimas, que ha longos tempos correm por voíías crefpas , e enrugadas faces. As fupplicas, que fa- zíeis aos Ceos para que fe raígaíTcm, ás nuvens para que choveíTem como orvalho na rofada manha o Juílo , e o Salvador, deferidas eftao. paííbu o afpero , e engeiliado Inverno. Por entre as efpeffas , e carregadas fom- bras , que cobriaó defuílo,ede hor- ror o Mundo , vede como raia no horizonte a ferena , e roxa aurora ! Eílá concebida M^ria. De feu caíto feio ha de nafcer Jesus, o grande, e o forteLibertador de Jírael. Difpon- do-vos para beijar o , que intré- pido calcará a cabeça da manhofa -i^:.' ^^ Ser.

A CONCEIÇ AO. IfT?

Serpente. Poucos fa6 os triíles mo- mentos de voiTo cativeiro. Os ferros que nrraílais era terra alheia, cedo fe quebrarão. Tornai a pegar nos ór- gãos , que pendiao dos ramos dos lalgueiros, Eílremeça o ar com o éco de voíTos Hymnos. Todas as demon- ítraçòes de contentamento que fizer- des, devidas fao a hum Myílerio , que he a bafe de noíTa felicidade.

Senhores, a terra toda inundada de alegria com a Conceição da Vir- gem: e as fuás virtudes taó folidas > e os feus privilégios taó raros, e as fuás graças taô exceifas : aquellas prerogativas nunca concedidas a ne- nhuma creatura puramente humana , a nenhum Anjo concedidas , aílim co-, mo fao a fonte de noíTas admirações, porque naô feraô também o aíTumpto de noíTos louvores ? Neíles termos , vós me haveis permittir, que fuppon* do a Makia pura, e immaculada naquelle inílante^que a conflitue úni- ca entre a criminofa poíleridade de Adão , fem mais proemios que repu- to efcufados , eu vos moítre qual he

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Séo O R A Ç A 6

a grandeza a que fe eleva , quaes as utilidades de que íie para nós fértil, e inexhaurivel principio a fua Con- ceição fantiílima : duas Reflexões que fazem a divifaó do Panegyrico, que por obedecer-vos, cheio de gofto lhe Gonfagro. E fe me dais licença, entre* fe na empreza promettida. Eu co- meço, Senhores.

Primeira Reflexão*

QUe vos parece , Senhores , que querendo eu dar-vos huma idéa da grandeza a que Ma ria fe eleva na fua Conceição , eu me po- rei de propoíito a referir-vos a efcía- recida eílirpe de que procede? Que amoldando me ao coftume dos Pa- negyriílas profanos , eu metterei os braços , eu revolverei as cinzas da- quelles Patriarcas , que mandarão á poíleridade as primeiras noticias da Religião , confervando no meio da corrupção dos Povos a Lei natural na fua pureza ? Daquelíes Capitaens , que enlouradas as luas frentes, defen-.

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A C o N C E I Ç A o. l6t

dfrra6 com as efpadas , e com as vi* cias na réfla de guerreiros Exércitos a Arca da Alliança P Daquelies Princ^- pes, a quem Deos pelos feus Profetas cingio as Coroas , que cfgotaraõ os theíòuros,que pofluiaó, na fabricada Tabernáculo , cantando debaixo agradáveis, e engenhofas imagens fom de fuás ly^ras , os amores do efr perado Meílias com a íiia Igreja ?

Ah, que eftes nao faò mais que huns languidos , e efcaíFos clar6ês de fua gloria ! Qs Sceptros alndà que preciofos : os Eílados , poílo quç opulentos nada a deívanecem. Dig- na áika. dos Reis de Ifraei : legici*» fucceíFora do ufurpado Sólio de David 5 naó he. marávilhofa a fonte de fua elevação ? A fua humildade : Quia refpexít humilitatern andllíe fu£ ^ ecce enim ex hoc beatam me dicent omnss generationes ? f fidos amadores do Século enganador, que documento para vós , que feiamente cfquecidos do pó, de que todos fo- mos amaífados , nenhum ca fofazêiâ de huma virtude^ que he a cba^vecom L que

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que fe abrem os cofres da graça i que he a fonhada Efcada de Jacob , por onde da terra fe fóbe ao Geo? Que vos parece? que para attra- Jhir mais facilmente os voíTos ânimos, éu me applicarei a traçar-vos huma pintura íimples , mas agradável de lua rara formofura } Daqueila for- inofura, com a qual fe íizeraõ raô ce-» lebres no Mundo para com Jacob hu* jna Raquel, para com Eiimelec hu- tna Noemi , para com Elcana huma :Anna>? Fallax gratia y ^ vafia eji fulchritudo. . . . .1

Ainda que nas fuás faces amor xeíide , como no feu throno y que a graça^que deftilJaõ os feus lábios, he taa copiofa, como a rairrha que cahé dos brancos lyrios : que o feu collo he como huma rorre de aiabaftro : que he como oCarmelo a íua cabe^ ça .; çoírhece Makia, que efte he hum bem vão ^ que naÔ dura mais , que a flor mimofa, que o Sol murcha lia ar- dente féfta ; que o vento desfolha fia frefca tarde : conhece que he hum bemj que cora os cftragos, que o tem-»

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A Conceição. ^(Í| po faz volvendo a roda de féis an- nos , perde a galla , perde o brio , perde tudo.

Ao menos, remontando mais o meu difcurfo, esforçarme-heiparavos referir as fuás virtudes incorhprehen- íiveis ? Aquelias virtudes, com quô excede a hum Abel com todo o can- dor de feus coílumes ; a hum Henoc com toda a abftracçaõ de feus reti- ros ; a hum Jofeph com todas as va- lentias de fua conftancía ; a hum Ja* cob com todos os milagres de fua paciência ; a hum Elias com todo o fogo de feu arrebatado carro ?

Vós pafmais do zelo, com quc! os Apoftolos efpalharao a Doutri* na do Evangelho , arvorando o fa- grado Eftandarte da Cruz , nao fo- bre as guinas do Gentilifmõ cega no Capitólio da foberba Roma? Ad* mira-vos o defengano dos Paulos, e dos Antonios , que na primavera xle fuã idade /fugindo do Mundo como de hum paÍ2 cmpéftado , naô fei íé fe recolhem , fe fc enterraõ vivos jias afperas grutas dos defeitos? Se fe

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1^4 ; O R A ç A 6

fe fuftentaá 5 he das hervas mais vis ; fe fe vefteHi, he das pellcs mais grof- feira^: fe dao algum repoufo ao laG- fo , e enfraquecido corpo , he fobre a nua, e fria terra ? Confunde-vos o valor dos Martyres , que arroílando impávidos artiorté, efmaltaõ com o fangueque vertem, as palmas queem- punhao ? Efpanta-vos.. .

Mas- que lie o que eu pertendo ? Acafo moftFar-vos, Senhores, que to- dos os Santos juntos faó huma bai- xa cópia de taô peregrino original? Que Maria excede a todps na digr nidade^ ignalmente que nos mereci- mentos , como ao débil vime o ro- buílo , e corpulento ulmeiro ? Quem tao pego que o nap veja ? Quem ha taq pbílinado , que o nao confeííe ? Origem inculpável 5 tu fofte a raiz de que defpontou toda a fua gran- deza! Como furprendendo-me meac- rebatas !

Qye o Mundo todo mortalmen* te achacaíTe çom a defobediencia de Adão, ninguém ha entre nós que o ignore. ;Dcfpidos da cândida eílo-

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A. C O N C E I Ç À*6. I^

la da primeira Juíliçajunratnèntéconí a innocencia (beJla , e fórmofa iri- nocencia) perdemos á liberdade^ per- demos a honra , perdemos a vida ^ perdemos tudo , Senhores : perde- mos a alma. De filhos de Deos paf- fámos a fer efcravos de Lúcifer. E eraõ tao duros os grilhões, que arra^ liávamos, que a naô fer omnipoten- te o braço, que os quebrou , ainda agora gemeríamos debaixo de feu pezo vergonhofo , e inTopòrtavel. Vierao como de repelaô fobre nós todos os males. Huma vontade incli- nada fempre para o peior. Huns ap- petites , que nao nos lifongeaõ , ty- rannizaò. A pobre razaõ fuffbcada , e efcurécida meio da confufa, e inteftina defordem das paixões. A mefma mão , que atrevidamente íe eftendeo para colher da arvore o ve- dado pomo , nos abrio a fepultu- ra : comemos a morte : coniemos^a €ondiemnaça6. Vede quaes fa6 es peP fimos eíFeitos de hum peccadó P-E' nao o deteftamos todos ? ' ' ^ Mas que gloria nao he para Ma-

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1(5^ O R A Ç A 6

BiA fçr a única, que atraveíTa a p| enxuta aquella corrente de agoas en- yenenadas , que com hum diluvio taô univerfal, como laftimofa, alaga* xa6, forvçraô a terra toda ? E ta- Ihandofe-ihe dos raios dp Sol o ma- gtíloíp manto , que a cobre, tecent doíe-lhe dp refplandor das eftreUas q brilhante diadema , que cinge ; que gloria nao he para Maria , conftit t;UÍr hMma nova , e diíFerente Jerar- quia entre peps , e os Anjos , fupe- rior a tedos os Thronos, a todas as ^Dominações 5 a todas as Virtudes: íó a D.^os inferior ? Que gloria naq he para Maria fer o íris, que no$ annuncía a defejada ferenidade ? Que emula da valerofa Judith , naó calca a cabeça da orgulhofa Serpen- te , mas degolla ao Dragão tartareo,. ^rrancando-lhe das unhas as miferas prezas, que eternamente ferviriaÔ de^ paftp á fua negra , e devoradora gar-? .ganta.e^ a naõ as refgatar intrépida j, c corppaíUva ? ,:

Corra-fe o véo á allegoria, Ser nhpfes. Qti€ gloria nao he para Ma-i

BIA

A Co N CE I Ç A 6. 167

RIA nao contrahir na fuâ Conceição a feia mancha da culpa ? Talvez ef- perais , que vos allegue textos , gue vos cite Padres para o confirmar ? Nao Senhores. He de fua boca que o haveis ouvir , participado ia Santa Brígida, cujas revelações tem a feu favor a authoridade de quatro Roma- nos Pontifices , que da eminência do Vaticano as approvaraó. Que ref- peito fe lhe nao devem ! Véritas ergo ejl , quod ego fui concepta fine peccato originali.

Desde os confelhos eternos fora deftinada Maria para fer a Mai dei Deos. Mái de Deos ! Porque naÔ concorreria o Pai com o feu poder , o Filho com a fua fabedoria , o Efpi^ rito Santo com o feu amor , para a fazer a mais bella , a mais pura , e a mais fanta de rodas as puras crca- turas ? A fua Maternidade ( foíFrei- me a expreíTao , que he de hum Pa* dre refpeitavel da Igreja , que mais que com a fua Purpura, com as fuás virtudes ennobreceo os Clauílros do famofo Serafim de Afliz ) a fua Ma- ter-

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t68 O KA Ç Ao

ternidade i digo, porque oaoeígo- taria todas as forcas da Omnipoten- te: Fecit potentiam in brachio fuo ? Aonde quereis vós que fe encerra flfe O balfamo mais laudavel, íenao no cr}^ílal mais terfo? O diamante mais refulgente aonde quericis vós , que fe engaílaíTe, íenaõ no ouro mais íno?

Se a antiga Lei coníiderava nos feus Patriarcas , nos feus Profetas , e nos feus Reis huma tao grande fupe- TÍoridade, porque íiguravaô ao Mef* lias, e porque entravaõ fimplesmen- te na fua genealogia : fe he grande a gloria deMoyfés, por ter no mon- te face a face converíado com Deos : fe os Apòílòlos no Chriílianifmo , por terem aprendido na efcola do Remptor, faô reputados pelas bazes fundamentaes da Igreja , pelas co- Jumnas daFé: Mais que tudo: Se o f lho de Ifabel , e Zacarias , porque ihe ha de preparar os caminhos como fcu Precurfor, nao tein maior entre es nafcidos : Inter natos mulie rum mn furre^U maior Joanne Baptijia :

quem

A C O' N G E I Ç A 6 l6(}

quem o concebe no feu caíto feio : quem carinhoiamente o aperta entre Cs feus braços: quem o fuítenta com o cândido leite dos íeus peitos: quem he carne de Tua carne : quem he de fua mefma natureza: quem he íua Mai, a que grandeza naÔ fe verá remon- tada na íua Conceição?

Se nas noíTas mãos eílivera a ef- colha dos pais, que nos gerarão, que qualidade boa haveria , que privile- gio , que graça que lhe naó cómuni- caffemos podendo? E ha de fer Deos ဠdiíferente condição ? O argumen- to naó tem refporta 5 Senhores. Na prefervaçao da Virgem , ou Deos quiz, e nao pôd« , ou pôde, e nao quiz. Se quiz, e nao pôde, que in- juria para a fua Omnipotência? Se pôde ^ e nao quiz , que dezar para o feu amor ? O' Conceição immacu- lada de Ma RI A, louvem-te as Uni- veríidâdes que te juraô , as Reli- giões que te defendem, as Monar- quias de quem es Protedlora ? Lou- vem-te os Anjos ^e quem es Rainha: Toda a Igreja te louve a quem inun- das

tf o o « A ç A 8;

das de contentamento , e de alegria.

Agora dizei-me, Senhores ,co(n

que fervor vos naó deveis intereflaF

Sela Conceição de Imma Virgem de uma eftirpe taõ clara, de huma for- mofura taõ peregrina, de humas vir- tudes rao fólidas , de huns privile-^ gios... hia a dizer divinos? De hu-^ ma Virgem , que he a gloria de Je- rufalem, que he a alegria de Ifrael, que he a honra de noííb Povo? Prin- cipalmente fe refledirmos nas utili- dades , de que he para nós fértil , e %exhaurivel principio: Segunda Re^ flexão , que prometti fazer-vos.

Segunda Reflexão.

I? U naó poffo , Senhores , di'cor- ]j rer por todas as utilidades de ^ue he para nós fértil , e inexhaurivel raiz a Conceição de Maria. Quan- do acabara de fallar ? Mas ainda que vos naó diga ^ que naó ha bem, que por fuás mãos nos naó venha , co- mo affirma S. Bernardo : ainda que VOS naó diga, que no meio das ca«

A C O N CE IÇA O. 171

íámidades , que nos cercão, patrimo-* nio herdado de ncíTos rebeldes Pro* genhores ; Maria he a primeira^ que eftendendo o compaíTivo braço nos enxuga as lagrimas, e nos fere-^ na o animo , como arréfta Boaven- tura: poíTo por ventura efquecer-me do beneficio da RedernpçaÓ?

Qual era o noíío eftado antes que a Eílrella de Jacob defponraíTe nos noíTos horizontes , quem ha que o naò faiba ? Nafcendo com o ver- gonhofo carafter do peccado impref? ío na alma, de nada valiaô as lagri- mas dos Patriarcas , e os íufpiros dos Profetas. Pouco importava que os Al- tares eftallaíTem vergados com o pe- 20 das vidimas. O fangue das rezes, ainda que innocentes , naó baílavao. para applacarem a Juíliça oíFendida^ Eftavaò para nós os Ceos como fe foíTem de bronze. Naõ deftillavao as nuvens o appetecido orvalho. Volvia- fe a veloz roda do tempo , os Sécu- los huns apoz outros fe fuccediao y íem que para nós raiaíTe o dia defe- jado. Em torno dos rios que banhaá

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os muros da proftituidaBabylomâ, nós nao fazíamos mais que chorar memòt rias de Siaõ : triftes memorias com que a noíía faudade fe exafperava mais. ^

- ^ M;ís nao he por Ma ria, que nós temos lium Redempror, que com padecendo-fe de nós, nos quebra com a fua Cruz os ferros , que como ca- ptivos arraigávamos ? Naô he por Maria que nós temos hum Deos, que para que nao cahiíTem fobre nos as fulminadas maldições , fe fez por nós maldito , como diz 5a6 Paulo : Chriftus nos reãemtt de maledtão le^ gis , faSlus pro nobis malediãus ?

PoíTo por ventura efquecer-me da- quelle perenne manancial de graças? fabeis, que he do Sacramento Au- guílo de noíTos Altares que vos falio. Se o expomos nos n o flbs Templos para o adorarmos, fe paííea como em triunfo pelas noífas ruas , fe nos vi- íita nas noíTas cafas , fe nos illuílra nas noíTas duvidas , fe nos fortalece nos noíTos perigos , fe nos commu- liica huma vida naô caduca^ na© cheia

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A Cone E IÇA 6. 17J

de trabalhos como eíla vida que nòi temos , canfada vida ! mas bemaven- turada , e eterna, dando-nos a comer a fua Carne , a beber o íeu Sangue; negai , fe podeis, que eíle he hum be* neficio que devemos a Mabía ? Nõ^ bis datus 5 mbis natus ex intaUo^ Virgins, :i

Palio eu por ventura efquecer-m«ei da efficacia , cõm que maisque a bé^^ néfica Abigaii fe intereíTa por nóá^ applacando a ira do Fiího para qug naô fulmine o raio de fua juíliçâ ^ como por noífas culpas merecemos? Que bem ha, que nos nao iiberâlize^ Que mal nos ameaça , de que nóá naõ preferve, fe com viva implo;^ ramos o feu auxilio? A faude de qua gozamos, a vida que temos, a efpe^ rança que nos anima , a mefma fal^ vaçaõ donde nos vem ? como de fua gruta aííevera o grande Abbade Claraval : Siquid fpei^ Jiquid gratine; Jiquid falutts in mbis efl \ áb ea no* verimus redtmdare. O' Conceição immaculada , quem te na6 lou^â ? Agora colhendo as velas ao diC-

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eurfo, que nao folgo de abufar da pa* ciência de quem me ouve , com quq fervor nos devemos appliear ao cul* ço de líum Myílerio , de que tantas utilidades nos refulrárao , principal- mente lifongeandonos, de que naÔ íe* rào eftéreis os noíTos obfequios, pelo premio que receberemos , que he a fegurança de noíTa eterna felicidade ? Quereis que vo-lo moílre? Ouvi-me , Senhores.

- Qiiaíi todos os Myfteríos concer- lientes a M A r i a eftaô definidos. Qi,iafi todos faó dogmas , que deve- mos crer. A fua Maternidade, a fua Virgindade incorrupta, a fua Impec- cabilidade fe naô por natureza, por privilegio. a fua Conceição, por fins, que nós naó alcançamos , fe naó definio ainda. Q^em pois a illuítrar perfuadindo-a , propagando-a , cren- dò-a , gozará de huma vida eterna. G texto he claro , Senhores , enten- dendo-fe de Ma r i a com a torren- te dos fagrados Interpretes : ^i elu*

Jni Exaltai a Conceição de Maria» \

A S. Margarida de Cort. lyf

O feu culto promovei-o. Com que complacência naô ireis algum dia lou-^ valia no Ceo : no Ceo entre os Anjos, íobre que fe levanta o feu throno : apar do Padre de quem he Filha , do Filho de quem he Mai , e do Eí- pirito Sâ^nto de quem he Éfpofa ?

Diíle*

O R A Ç A Õ

AS. MARGARIDA

:^^^: DE CORTONA/

Levãvi óculos meos in montes, iinâe ventet auxiUum mihi. Pfal. 120.

SE naó efperarmos em Deos, em quem havemos efperar? Nós ho- mens-, que fe hoje nos acolhem benignamente entre os feus braços, i manhã nos volvem com deíprezo

as

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175 •" "0-K-A.^^W^M'i^A

as cofias > Enterrenos-ha6 com^fpé-^ ranças , que nos lifongeao enthuíias- mados ou do feu poder ^' ou da fua fortuna quaíi fempre cega na repar* ]tiça6 de íeus favor(ís : mas como fe« rao úteis aos outros , fe nem para fi faó bons , arrancado-fe dos males , fyfícos , moraes , que padecem na arrifcada , e elcabrofa carreira de fua vida ?

Eis-aqui porque David nao Í6 re- prebende, mas amaldiçoa a quem con- fia nos homens j perfuadindo-nos pa- ra erguermos, ç levantarmos os nof- fos olhos aos montes da formo fa Si- ão , que he donde nos pode vir um- cámente o auxilio , e o foccorro de que neceflitamos : Levavi óculos meos in montes^ ande veniei auxilium mihu s . ■-■., \

Illuílre Penitente de Gortona , vós nos arraigais no conhecimento de verdade taô importante com o voiTo exemplo. Ferida , Senhores, da Graça , que como aguda (etra fe em- bebe , e entranha no feti. coraçaa ^ como apoia afua efperança río-rfeu £;. Deos?

A S. Margamda de Cort. 177

Deos ? No íeu Deos , que creando-a de nada á fua imagem bella , gravou na fua alma hum raio do lume incir- cumicripto , que caradteriza a fua Divindade r* No íeu Deos, que refga- íando-a do vergonhofo capciveiro do peccado, nos abrio com a fua Cruz as aferrolhadas portas do Paraifo ? No feu Deos , fobre cujo roto peito faz como cândida pomba o feu ni-* nho ? Ora eu , cingindo-me á Medi- tação da Novena, tomarei por argu- mento da pratica que me ouvireis, que he em Deos em quem devemos ef- perar , para furgirraos coroados de gloria das tentações , que á manei- ra de ávidos , e esfaimados lobos do berço nos perfeguem para nos devo-' rarem.

Santa gloriofa , vós fabeis qual he o meu animo. Nao he o incenfo de voílbs louvores , que eu pertendo queimar ante os voíTos altares. Qui- zera engroffar o partido de voífos de- votos, para que attrahidos da formo- fura de voíTas virtudes , imitando- yos Jia terra^ vos. Ãcorapanhaffem no M tco.

T^

178 O R A Ç A 6

Ceo. Ajudai^me por quem foís : e i efperança , que eu colíoco no meu Deos 5 feirilizai-a vós com a voiTa protecção. Eu começo , Senhores.

TRânfcende por todos o defejo da raivaçaõ. He quaíi infeparaveida que recebemos , quando peio- bap- tifrao entramos na Igreja, de que fo- mos filhos. Porérti' como apparece- mos rio Mundo com huma natureza feiamente eílragad a pela culpa da ori- gem : como go7ernando-nos depois peio ncíTos fentidps, a largos forvós bebemos o venef*9> que corrompe o homem carnal ; he eíla a razaÓ por- que aíFraca mos nos noíTos projeftos cahindo a cada paíío nos laços ^ que enfeitados de flores, com facilidade nos prendem , para nao irmos avan- te no caminho fanto da virtude. ' Nem bafta muitas vezes, que ar- mados feveramente contra nós , de- claremos a guerra ás noíTas paixões, para que os máos habkos nao preva- leçad. A^ íimilhança de afpides fur- dos , gue enrofcados fe embofcaõ pa-

A S, Margarida deCort. 179

ra nos morderem mais a íèu falvo ; que triunfos naõ confeguem mais que de noíTa fra gi^l idade , de noíla malí- cia, enganando-nos com efpeçies, ain-? da que agradáveis, nocivas, para que fundados em huma confiança cemera- ria, refervemos para quando nós qui- zermos, a noífa total conveffaô?

Nefcios, exclama o meu eítima-» diíUmo Agoílinho 5 que podendo ef- perar unicamente de Deos o auxilio, e o foccorro, cevais nos voíTos peitos o damno, que crefcendo com o tem- po 5 impoíTibilita mais aquella gra«- ça 3 fem a qual nao podereis fur- gir coroados de gloria, das tentações, que como inimigos implacáveis fem- pre vos acompanhao. Nefcios .... ^ Porém para que he canfarme com invedlivas , fe o exemplo de Santa Margarida de Gortona he huma prova a que vós naõ podereis reíiítir ? Pren^ deo-a o mundo com douradas cadcr ias. ,Ao carro de feu triunfo gémeo por nove annos infelizmente atada* Honras , deleites , ainda que vergo- Jlhofos; cópia de havereS; porque tan- M tQ

iSo O RAÇA 6

to nos aiFanamos todos : belleza ra-^ ra: nada Jhe falta. Todavia, quando a graça raia como luz derivada da Ceo lobre a fua alma , nao he no feu Deos , que colloea rodas as fua» cfperanças ? Se doma o orgulho de fua carne , fe enfreia a liberdade de feus aíFeftos, fe com as lagrimas que perennemente correm pelas fuás bei- jas faces, lava, e purifica as maip- chas de feus peccados \ eíla vi»floria iiaô a deve precifamente , nem aos jejuns a que fe mirra , nem aos cili'- cios com que fe cinge, nem ás dif- ciplinas com que fe rafga, mas á con- fiança que tem na miíericordia de feu Jesus, com quem fe defpofa.

Ainda que a matéria de ília ora- ção fora ao principio os crimes de fua vida diíToluta ; depois que acha nas Chagas do Redemptor, mais que o doente na Pifcina, o remédio, nao paílava as noites , na6 paíTava os dias enlevada na contemplação da gloria cjue efperava; nao fabendo, como o Apoftolo, quando viria aquelle mo* mento feliz , (jue folta das torpes

pri'

A S. Margarida de Cort. i8i

prízoes do corpo voaíTe, á íimilhan- ^a de Águia generofa, da terra ao Ceo ? Se raiava no horizonte a ma- nhã, deixou de achalla mai« can- tando os louvores divinos, com que emula das innocentes aves convida- va a todos para engradecerem ao feu Deos , e efperarem de fua bondade os bens , principalmente efpirituaes, de que precifavaó ?

Eisaqui porque nunca a remo- verão dos projedtos que concebera da fua juftifícaçaõ final , os afperos tratamentos da Madrafta iniqua , a infeníibilidade do Pai defabrido , os impropérios com que a mofavaò, ten- do-a por huma embufteira : Eis-aqui porque triunfou fempre das fuggef- toes, com que Lúcifer , e os feus in- fames fequazes pertenderaò por mui- tas vezes illudilia. Como as fuás ef- peranças eftavao unicamente poftas no feu Deos, nada a atrerrava , pro- feguindo nos feus exercidos , íetn nunca interromper o fio das acqoes de piedade, a que fe applicava.

Que muito, Senhores, fe ainda

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iSz O K A Ç AO;

quando envolta no tumulto do fe- culo enganador, houve quem a re- p rehendeíTe, dizendo-lhe : VãrnJJlmâ Margarida , que fera de ti ? cheia de fua efperança com hum ár de pro- fecia , que íe verificou depois, ref- pondeo : Deixai correr os tempos. O meu Jepukhro ferd vifitado de remotos Climas , achando na minha froteccção os peregrinos , qtie me bufcarem , o precifo , e neceffario rc' medío ? Que muito que naquelleinílan- te, que decide de noíía forte, ou boa , ou , naó como huma arvore que Xe arranca, mas como huma luz que fe apaga, fubiíTe o feu efpirito aos montes da formofa Sião , para gc^ zar do premio que desde a eternida- de lhe eftava preparado comofruélo de fua efperança: Levavi óculos meos in montes ^unde veniet auxilium mihi\ E nao a imitaremos nós , Se- nhores ? Nós nao nos converteremos também , efperando do noílb Deoí, que nos auxilie para vencermos o mundo , a carne , e o inferno ? Os Janeiros haõ cobrir de çans as

nof-

A S. Mai^garida de Cort. 1S5 noíTas cabeças, e de rugas as noíldS Caras , fem que quebremos o grilhão infame , que nos prende ? O exem- plo de Santa Margarida naó nos ha de convencer ? A fua protecção iiaó nos ha de animar? ^-r

/ Gloriofa Santa, fe vos feguimos nâs culpas, porque vos nao imi- taremos nas lagrimas ? Volvei para nós os voííos olhos , e como agudo puftello fira os noííos peitos a dór de noííos peccados. Animada de yoíTa cfperança : no amor de voíTo Deos , totalmente inflammada , vós confe- guiítes por hum privilegio raro , que ornaíTem os lírios da virgindade o voíTo cândido feio. Naô aipiramos a tanto: pertendemos de vós , que fe- cundando a noíTa confiança, depois de levantarmos os noííos olhos aos montes da formafaSiaó, vos vamos acompanhar no Ceo : Levcivi ocuks meus in montes, unàe venitt nuxíftum mihi. Queira Deos , que affiia leja : Qiieira Deos.

PlíTe.

ORA-

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ORAÇÃO FÚNEBRE

Do EXCELLENTISSIMO SeNHOR ,

D.JOAÒDEFARa,

Principal Presbytero da Santa Igre^ ja de Lisboa.

NA6 he da Cadeira da verdade^ que contra a tyrannia da mor* te venha agora formar as mi- nhas invedivcis. Prompta, e íiel exe- cutora dós Decretos de hum Deos ^ por naturezajufto, nada obra, que nao íeja conforme á reda razaô. Pode, murchando as noíFas Jifonjeiras efpe-? ranças, arrancar do meio de nós aquel- les que, ou com authoridade de fua pefiba 5 ou com influxo de feu con- feího nos honravaõ, e nos efaó úteis. Mas como Jhe denfo o vêo , que en- volve os adoráveis fegredos da Pro- videncia : a nofla vida (canfada vida) como quem a he unicamente quem a tira , por fins que nao çoraprehen-»

de,

F V H K E R E. IS5?

de o fraco entendimento dos homens, que aíFronta naõ faríamos á íanta que profeíTamos, íe rebatendo o nof- fo indifcreto, talvez iniquo, fentim^en- to, naõ beijâíTemos a poderofamão , que vibra o golpe que nos fere, ain- da que pezado ? Se erguendo aos Geos os olhos arrazados de innocei>- tes lagrimas, cheios de humildade, cheios de confiança, Jhes nao pediííe- rnos para os noíTos, pofto que reíig- nados affligidos corações , a pa/ , Q defafogo , e a confolaçao de que ne- ceíTitaõ na afpera , e vehemente fau- dade porque paíTaõ ?

Contra os cegos amadores do Mundo, que no regaço das delicias placidamente reclinaô as vaidofas ca- beças, he que levanto a voz. Nao diíTe bem , Senhores; aqueiie Tumu- lo he quem mudamente falia , con- fundindo , e envergonhando o defef- perado orgulho, com que cada dia cngroííaô mais a corrente de feus vãos deíignios , fem advertirem , que he frágil o fio de que pende a noíTa du- ração: que a vereda que trilhamos ,

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„¥86 O R A Ç A 6

ainda que matizada de flores , qu:e mais nos corrõpem com o íeu cheiro, C|Ue nosarrebaiao com ília formoíura, he muita curta. Hoje enfaxados no berço, á manha amortalhados na tum^ ba. Grandezas da terra á íimiilhança^ de raios, que da periferia fet^açaõ, vós tendes hum centro commum aon*- de vos ajuntais. A fepultura. Senho- res. Seguindo a condição do corpo a que fe unem , algum languido , e eícaflo ciarão de íua gloria , ^^ íica- ío reíla , volvendc-íe a veloz ro- da do tempo , naõ fe reduz a nada í Caiando da Parca a cortadora foice derriba os cedros igualmente que os vimes (quero dizer, Os Príncipes, e os Paílorcs) quem pode diftinguir a pur- pura do furraõPMiíiurando-fe as fuás Cinzas, ha por ventura viíla tao perf- picaz , que conhecendo-a? as fepare? Efpirito , ditofo Efpirito , que ornado de tantas fublimes qualidades, naõ, ru nao te deixafte enganar da falfa bdieza de huns bens , que fe jios attrahem , refinando a magia de kus pérfidos encantos ^ he para dou- rar

F xr íT E B R E. i^yp

far a malignidade dos fruftos , que de fuás envenenadas raizes brotaô. Sem degenerares doTronco d(? que es íloiente ramo, o teu voo, como ca- Ita pomba , fubindo de virtude em virtude , tu fempre o dirigifte do Lí- bano aoEmpyreo. Perdemos-te . . . (da pallidez que rinje os noííos roí- tos, quem naô infere a dôr oue que- bra os noíTos peitos?) Para mais en- tre nós te nao vermos, perdemos»te. Porém ainda que a morte furda ao noíTo pranto , inexorável aos noí- fos rogos 5 nos levou o noíío bem- feitor commum , ( trasladando^o de meu coração á minha lingua, eu hei de dar-lhe o nome còm que ainda nos honra ) o noíTo Irmão g Excel- lentiíTimo Senhor D. Joaô de Faro, Principal Presbytero da Santa Igreja de Lisboa: ainda que a falta, que nos faz , he , fe nao impoíTível , difficul- tofa de reparar- fe; moderrída chri- ílámente a noíTa pena , nao pede o minifterio que exercito, que para re- morfo de quem naó imiia o feu ex- emplo ; efcolha para matem do PV

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rSS o RAÇA 6

rebre Elogio , que coníagrais á fua ^emoria , aqueJIas acções , com que immòrtalizando na poíleridade a fua fama , fe habilitou para a poíTe do premio, de que gozará na Bemaven- turança , como eu piamente creio , como vós credes ?

Mas que tumulto de efpecies vem fobre mim , Senhores? Para quem refpira o ar do Século engana- dor, que campo na6 abre para os louvores do Excellentiílíino Senhor D. João deFaro, a fua Regia Eftirpe? A terra que poííuimos : as rápidas conquiílas , com que di/íipando nu« vens de voadoras, e emplumadas íet^ fas , dilatámos os Eílados , e os Do- iTiinios da Portugucza Coroa : a gen- til oufadia com que pondo freio á Ibberba de fuás agoas fizemos do Te- jo tributário o Ganges, rafgando cora as noflas Qiúlhas de mares, que na3 conheciamos, as largas , e procel- Jofas Cóílas, tao temidas pelos feus naufrágios, como dcfejadas pelas fuás riquezas : a America com os feus Certões : a Africa com os feus ro-

che-

Fúnebre. iS^

chedos : mais que tudo : a intrepi- dez quaíi íobrenatural, com que ref* gatámos a liberdade que perdemos, facudindo o jugo , com que o braço de ávido, e iníquo ufurpador nos op. primio por efpaço de fcíTenra e dois ânnos a cançada cerviz ; que vivas Gores na6 dariao aos fcus applaufos pertencendo-lhe tao heróicos feitos, Gomo geração legitima da Augaftaj SereniíEma Cafa Bragantina ?

Todavia, hum animo que fe nu-? tre , naó do paò que come , mas também da palavra que procede da boca de Deos : hum animo qual o de S. Excellencia , nao faz coníiílir a fua felicidade no privilegio de huma deílinaçaô , que he puramente ter- rena. Reputa-a por dadiva do cha* ir»ado acafo , que nunca deve lifon* gear muito a quem a recebe. Co- operando com a graça, que das man- tilhas o previne, naõ encaminha a mais alta esfera a fua cftintaçaÔ ? A, innocencia de fua alma ? /

Ao menos confultándo a fua pue* licía irei bufcar na candidez de feus

coftu-

rpo Ora ca 6

coftumes algum prefagio venmrofo ; que como luz , que do efpelho por, entre fombras reverbera , vos è conhecer a íóíida , e inconfeílaveJ ba- ze de íeu merecimenro ? As Águias do ninho fe avezao a arroftarem na fua carreira o Sol. Samuel de me-, nino moílra no ferviço dos Altares, a que goítofamenre fe: dedica, a fua futura fantidade. Amar a formofura da virtude : corregir as funeftas in^ clinaçoes da natureza ,laílimofos re- ftos da culpa, que na origem contra-? himos: cultivar, e enriquecer o en- tendimento com a liçaô de pios , e devotos livros : naô beber, ainda que por dourada taça , o veneno de más companhias : deteílar o peccado, fao coníequencias, que facilmente fe de- duzem de huma boa educação. Nós temos a indole das arvores. Se de tenras vergontas acertao a ferem tra- tadas por déílros , e peritos culto- res , de que fazonados pomos fe nao veílem ? A difciplina doma os brur tos y que fera os homens ?

Teve S. Excellencia hunia Mãi

mui-»

Fúnebre. ipt

multo vigilante. Seu nome foará fem»^ pre entre nós com reípeiro , e com faudade. Honrem-fe os meus lábios repetindo-o. A Illuílriíriína , e Excei- lentiífima Senhora Dona Tereíajo-* fefa de Mendonça, fcgunda CondeíTít do Vimieiro. Que máximas ihe nsá infpira ? Concordando amigável men* te a policia ao parecer contraria do Evangelho , e do Mundo , nao o en^ fina a fer com efpanto daquella ida- de 5 humilde fem baixeza , magnifi- co fem elevação , generofo fem def- perdicio , exaclo fem rigor , affavel íem facilidade ? Viaô-no , amavao- no. Quem mais prompto na obedif encia ? Hum volver de olhos menos carinhofo, naõ bailava mais que pa- ra o conter, para o intimidar ? Quem mais circunfpedlo fallando? Proferio nunca cxpreíTaó , que para fe adoçar precizaUe de correcftivo? Quem mais íizudo na aíliítencia do incruento Sa- crifício? Naó era eíla a fuá natural poftura ? Curvados no chaõ os joer lhos , erguidos aos Céos os olhos ^ trasbordando na ferenidade de-fusi

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face a pureza de feu interior.

O defejo da perfeição Chriílâ , huma vez que fe accende, nada o apa- ga. Ateia huma eípecie de fede co- iTio a do hydropico , que naõ ha re- frigério que a mate , ao menos que a initigue. Lavra como fogo , que no fecco matopega. Qiíe feia injuria nao fatieis a Sua Excellencia , íe enten- deíTeis , que cedendo á fraqueza de feus annos pouco experimentados, fe fatisfaria com huma vida juítifícada , mas livre ! Nao, Senhores , naÕ he de tempera, que com a mediania fe contente. He perfeito: quer fer mais perfeito. Dos laços que o aíluto ini- migo tece, e eílende , retira com pru- dência o timido pé. A obfervancia regular tem huma belleza a que reílf- tir nao pôde. o chama. Naô íaá vozes de engandora Sereia , de que acautelado fuja. Obedece-lhe , abra- ça-a Das Religiões , que conhece , Clauílros de S. Filipe Neri , vós fois os preferidos. Recolhendo-fe nas vof- |as fagradas paredes, dia, feliz dia de vinte e dois de Junho , quando vos i- et

F U N E B RE. i* 193

efquecerá? Leva-o para aquelIaCom- munidade o amor materno : leva-o a fua vocação.

Com que gofto o recebem nos braços aquelles Padres ! Gerando-o para Jesus Chriílo antecipadamente íe gloriaÔ no íilho de fua doutrina. Coberto Sua Excellencia com hiima roupeta de eftamenha , pobre, mas decente: cingido com huma correa , de que defufado prazer inunda ! Pa- rentes j amigos, fuaves vínculos, que tanto nos prendeis , com que refo- luçaÓ vos hum adeos 5 que eíli- maria que foíTe para fempre? palácio prefere o cubiculo : Troca pela mortificação o regalo : a afpe- reza do cilicio , o rigor das diíci- plinas 5 nada o intimida. Saó armas com que irjunfa do Lea5 tpAvoÇq , . que declarando-nos do berço a guer- ra y entre as fuás garras defpedaçar- nos pertende. Ao raiar no horizon- te a roxa madrugada, alhanando com o feu exemplo aos feus Companhei- ros , naõ he o primeiro que vai pa- ra o Coro 5 para meditar as miferi- N cor-

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1F«1

194, O R A Ç A S cordias de Deos ^ as fuás verdades reveladas , e os incomprehenliveis benefícios, de que ihe he devedor ? Com huma OraçaÔ , ainda que com- prida , fervorofa : cofido com a ter- ra para que o pizem : pegando em huma vaffoura com mais fatisfaçao do que fe empunhara huín Sceptro : beijando os pés aos feus Irmãos , que ternamente ama: fervindo-os, de que confufao nos naõ enche hum Neto do Senhor Fernando o primeiro , fegundo Duque de Bragança ?

Deftinava-fe S. Excellencia para o Sacerdócio. A humildade, e a fabe- ^oria fao as pedras fobre que levan- ta o edifício, que em prende. Ha de, conforme oChryfoftomo, incar- nar novamente nas íuas mãos o Ver- bo5Como no feio da Virgem. O Cor- deiro confagrado ha de diílribuillo ás famintas turbas. Débil canna agi- tada do vento nao treme mais. Atter- ra-fe , conílerna-fe. A^ maneira de Job, naõ fe confidera como hum ho- mem: confidera-fe como hum vil infeílo. .Debaixo da direcção do

mais

F U N E B R I95r

mais engenhofo Meftre, que regeo as Cadeiras da Congregação ( foíFrei-lhe o louvor , que nada tem de encare- cido ) o Padre Eftacio de Almeida , que progreíTos naô faz nos feus ef- tudos ? Digaõ-no asConclufoens que publicamente defendeo. Engolfado no vafto pélago dos attributos divi* nos , houve argumento de que naó defatafle o , pofto que apertado ? Nos fevéros exames porque paíTava, que agradáveis efperanças fenaõ con* cebiaô de feu futuro magifterio ?

Mas que trifteza cahe fobre vós, veneráveis Padres ? Desfazem-fe , do- mo as efcumas do mar , os voíTos premeditados projeítos. Juízos de Deòs, quem vos ba de fondar ? Per- de o tempo quem comprehender-vos efpera. A fria,e pezada mao da pál- lida moleftia, na flor da idade op- prime a S. Excellencia. S.Paulo diz, que a virtude com a enfermidade fe aperfeiçoa. Armado S. Excellencia de fua conftante reíignaçao , padece hum anno : padece muitos annos. A Medicina efgota todos os feus feme»

N ii

dios.

196 o í^ A Ç A 5

dios. Por vezes , batendo as negras azas , rodeia a morte o feu humilde leito, He golpe , que ameaça os co- rações de toda a Comunidade. Conf- írangido dos Fyíicos, que lhe aíTif- tera, a que fe une o voto do Confef- for que o dirige, vai ultim.amente buf- car por algum tempo na mudança de eílado a melhoria, que na Congrega- ção na6 pode ter. A faudade hehum punhal que leva era irado n^alma. Nao íe defpede, arranca-íe. Ha unicamen- te huma razão 5 com que o conven- cem : a obrigação de coníervar a Tua faude. Muda de habito , nunca de vida.

Deos na urna de feus confelhos tinha refervado a S. Excellencia pa- ra edificar a Corte com o feu exem- plo: para promover os intereíTes de íua Caía com a fua adminiílfaçaò. AquelleRei , que á íimilhança de Da- vid 5 fora feito pelo molde do co- ração de Deos : digno Pai do gran- de Rei que temos , obfervando as qualidades de S. Excellencia, os feus coibmes , os feus talentos , nao o

ele-

F N E B R' t. 497

eleva á dignidade , primeiro de Co4 nego , depois de Monfenhor Acoly-* to? Miniftro do Altar como defem^ penha as fuás laboriofas, ainda que fublimes funçóes ? Naô obftante que a fua conílituiçao nada tinha de forr te, forrou nunca os hombros ao tra- balho que lhe competia?. Quem mais refidente no Coro ? Defprezando os clamores de fua Familia , nao arrif- ca muitas vezes a fua faude, por nao faltar ás fuás obrigações? 1

Sabia S. Exceilencia , que para* cumprir perfeitamente os feus deve- res, precifava atar o fio de feus eílur^ dos. nas frefcas margens do Mon-í dego, creados eílaõ oslouros^que lhe hâo de ornar a téíta. A faélildade dos? fagrados Cânones o recebe por feu Alumno, x\ fama, que grangeara nas Aulas da Congregação , reforça o brado nos Geraes da Univerfidade.^ Interpretando textos , e combinan-: do opiniões , quem nao pende de fua boca, como, feeítiveíTe prezo de dou- radas cadeias ? Naô parece difcipu- lo; Meílrs parece. Cingindo a bor- la

'..^^ítí'-:-/'

198 O R A Ç A S

la de Doutor , entre públicos , e pe- rennes applaufos , naó voa o íeu no- me pela Portugueza Athenas , como jufta remuneração do credito, que lhe adquire com os feus Aélos ? As Mu- fas aíFagando-o no feu branco collo, eom os veríos que lhe confagrao , nao lhe lavraô a Eftatua que o im* morta liza?

Ha merecimentos, Senhores, que dos empregos a que fe elevao eftaó a rofto defcoberto defafíando os pré- mios. Na6 neceflitaô de interceíTores para ferem attendidoÊ. O pio , e o incomparável Rei , que nos governa , quer prover de Principaes a Patriar- cal. Tem unicamente huma regra porque fe dirige: a juftiça. Havia in- fallivelmenre cahir fobre S. Excellen- €ia a nomeação. A eícolha leva com- íigo a approvaçao commum. Ainda os preteridos taxaila nao oufao. Af- froxaria acafo no feu fervor > Co- mo zela os intereíTes da Igreja ! A fua authoridade como a fuftenta ! Conformando-fe eom o efpirito de quemcreou ^quelles lugares, nao cui- dou

F U N Ê B É E. 199

dou muito na corafervaçaó de feu de- coro, tratando-fe fempre com a pom- pa correfpondente á fua Dignidade ? Na6 era foberba. Senhores : NaÒ era enthufiafmo do mundo. Apartados de S. Excellencia viviao taô baixos at- fedlos. Pediâ-o o efplendor daquellà Bafilica : pedia-o a razão.

Que nao faz a favor de feus II- luftriíTimos Sobrinhos? Tenros ,^ màç adorados pupillos , cedo íicaraô pri- vados dos Pais que os gerarão. Po- rém o fangue com os feus eftimu- los , o amor com as fuás finezas , a Lei com as fuás providencias naó lhes deu hum Tio, hum Amigo , e hum Tutor , que fuavizando-lhes a fatta , fez menos fenfivel a perda , porque paíTaraó ? Sem perdoar a defpezâs nao refgata o perdido Cartório fua Gafa > As fuás rendas nao as^ en- groíTa , por novas acquifiçoes , reivindicando os bens injuftaraente alheados ? Com que folicita dili- gencia fe nao applica, para que fof^ fem úteis Príncipe de quem fáo valTallos, á Pátria áe quem faó filhos?

San-

20Ô Q R A Ç A 5

Santas Máximas da Religião, vós fo- ftes o leite que os nutria. Sem fe cf- quecerem da grandeza com que naf- cerao, naô lhes inípira a affabiiida- de com os pequenos ? Com o feu ex- emplo, nao ihes enfina a amallos , a" protegellos , a nao os defprezâr precifamente com aferia reflexão de que a natureza os fez iguaes; a gra- ça muitas vezes fuperiores ? Forao iementes,que cahirao fobre fértil ter- reno :, frutificarão , Senhores.

Que nao faz a fa^/or dos pobres^ que cobertos de vergonha , e de con- fufao, rotos, defcalços , fuílentan- do-fe do pao de cinzas , que amaOao com as fuás lagrimas, fao as imagens de Jes us Chrifto ?. A caridade he a pedra mais rica , com que Deos guar- nece a coroa , que colioca na fron- te do juílo. Concebidos no caíío feio de huma Mai carinhofa , a Igreja ; alterarfe-hia a armonía do Corpo de que fomos membros : nós como fe- ras peílimas , nos devoraria-mos huns ^os outros , fe a caridade nos nao uniíFe. A caridade Jie, toda a lei.

Sen-

F U N E B R E. 20 T

Senfivel aos males , que padece a melquinha liuinanidade na privação do que precifa para a lua fubfiílen- cia, ha porventura indigente, que recorrendo a S. Excellencia , nao fi- caíTe liberalmente íbccorrido ? Para acodir aos mais naõ faltava a fi ? A quem naó abrange a íua chriíla gene- rofidade ? Nao , Senhores , naò íou eu quem vo-lo ha de dizer. De bocas mais eloquentes, que a minha, haveis ouvillo. Viuvas recolhidas, velhos, que vergados com o pezo dos annos efcaíTamente arraftais fobre hum bor- dão os froxos, e cançados membros, ao redor daquelle tumulo, vós o di- zei. Se nao fois ingratos, mifturan- do com as fuás cinzas as voíTas la- grimas , confedai os bens de que a Sua Excellencia fois devedores. Por mãos defconhecidas nao fazia entrar muitas vezes com abundância a coa- folaçao por voíTas cafas ?

^Comhumas virtudes tao raras ,- nao me admira , Senhores , que fe- guindoo Ímpeto de feus juííos defe- jos, tiveíTe S. Excellencia, nao huma,

mas

202 O R A f A 8

mas muitas vezes a lincéra refoluçaô de terminar a carreira de fua vida no Clauílro aonde fora creado. Caufas , que a nós na^ he lícito averiguar , le- gitimamente o impedirão. Ao menos pela Semana Santa , o tempo que lhe reílava de fuás obrigações, nao hia ficar na Congregação ? Solta a pedra da mão , nao bufca com mais preíTa o appetecido centro. Na alegria de feu rofto nao reverberava a fatisfa- çao de feu animo ? Nao me admira, que fendo Prefidente da noífa Irman- dade 5 nos déíTe tao repetidas provas do zelo, e do amor com que promo- via os feus intereííes. Faltou nunca ás Mefas para que foi chamado? Vós fois teítimunhas que era fempre o primeiro. De que pezo nao era o feu voro ? Mas nao cedia com prompti- daó a pluralidade? Nos litígios que fe nao podia6 attalhar , aílim como nas noíTas dependências todas , havia Procurador mais folicito ? Qiiando nos efquecerá o agrado, e a aíFabili- dade com que nos tratava ? De nof- fos corações nunca o tempo o pode- rá arrancar. Ago-

Fúnebre 203

Agora dizei-me, Senhores: ao efpalhar-fe a infauíla noticia de fua arrebatada doença , crefcendo o pe- rigo, como fe naó avivaria o noflb fu- fto ! O temor do mal que nos amea- çava 5 quantas vezes nos fez recor* rer a Deos para que reílituiffe a S.Ex- cellencia a perdida faude ? NaÒ era a conveniência quem animava as noíías preces : hum amor intenfo nos fazia loiicitar a fua melhoria. Falta- vaó-nos as forças para foportar^hum golpe taô penetrante. Naô foraõ ou- vidos os noíTos rogos. O prazo de S. Excellencia eílava chegado. Havia cumprir-fe o decreto. Naô o intimi- da o defengano. Arma-fe para o con- flito. Intrépido General , que teve fempre ao feu ferviço a fortuna , e a viéloria , n^o entra cora mais fere- nidade de animo na peleja. Confef- fa-fe : recebe os Santos Sacramentos da Igreja , que com ardor extraor- dinário pede : põem a fua alma nas mãos de feu Deos. E com a boCa íb- bre o roto peito de Jesus ( lagrimas detendo-vos: animo esforca-te para

o

BFW

204 O R A Ç A 6

O dizer) morreo. O Excellentiffima Senhor D. João de Faro naó o ha- vemos ver mais. .. morreo.

Nao podia S. Exceílencia efque-. cer-fe da tenra Mãi, que fegundo o efpirho o gerara. Veílido interior- ,niente de fua Roupeta , manda no fea teftamento,que o fepultem na Congre-, gaçao. MagoadiiTímos Padres, oue differente he eíta entrada, da primei- ra que fez pelas voíTas portas ! Entaôj o recebeftes com fino goílo , agora com intenfa faudade. Sepultura do amado Tio , naõ he o aeaíb quem te abre. Unio-os o fangue , unio-os a amizade, unio-os a morte. Debaixo da mefma pedra jazem efperando á. refurreiçaò univerfal , o Senhor D. Fianciíco Manoel, e o Senhor D. Joad de Faro. Seja-Jhe a terra leve síTmi como â fua falta nos foi pezada.' Nâ6 quero privar de huma hon- ra, que ennobrecerá os faftos á nof-, fa Capitã!. Lisboa he a Pátria de S. Exceílencia. Foi filho dos. Ilíuftriíil-, iBos , e Excellentíffimos Senhores D. Sancha de Faro , e Dona Terefa

Jo-

Fúnebre. io^

Jofefa de Mendonça , fegundos Con- des de Vimieiro. Nafceo a dezafete deMaio de mil fetecentos e quinze : a ília carreira rematou-a no primei- ro de Julho de mil fetecentos fetenta e quatro. A natureza o dotou de hum engenho claro , de huma memoria prompta, de huma prefença amável, de huma Índole benigna. Quem mais fiel nas fuás amifades ? Quem mais confiante nas fuás refoluçces ? Cho- raõ-no os parentes : choraó-no os amigos. O clamor dos pobres ainda nao enfraqueceo o brado. Fechou-f& a bemfeitora mão, que lhes matava a fome , que lhes cobria a defnudez. Mais carregado de merecimentos , que de annos , como nao repoufa- eternamente a fua Alma na paz de feu Dcos.

Requiescat in pace.

O R A-

WÊÊÊÊá

2o6

ORAÇÃO FÚNEBRE

Do EiMINENTISSIMO SenHOR

D.JOAÒ COSME

DA CUNHA,

Cardeal da Santa Igreja.

E Poderá ainda o Mundo com a magia de feus encantos enfa- tuamos de maneira, que ef- quecidos feiamente de noílas obri- gações , pela poíTe de feus bens nos aiFanem.os: ávidos , e cubiçofos, de riquezas, que desfazendo-fe co- mo a efcumas do mar, hoje eftaô em huma mão, a manhã em outra? de honras , que fe brilhaô , he co- mo huma luz , que como a do re- lâmpago, naó illuftra , cega? As nof- fas cabeças féraõ porventura tao vans que nutrindo, e volvendo idéas além de fantafticas, as mais das vezes pe- rigo-

Fúnebre. 207

rigofas; ponhamos unicamente a mi- ra neíTa chamada Fortuna , para con- feguirmos aquella grandeza ( falfa grandeza) com que os filhos de Belial, refinando a fua íoberba , parece que querem da terra que pizaô , alcançar por cima das nuvens a orgulhofa fron- te , fem advertirem que pequena pe- dra facudida da funda pelo braço de humPaílor, baila para derrubar atre- vidos Gigantes ?

Nao , eu naó o fupponho; prin- cipalmente de vós , que tendes na- quelle tumulo hum mudo , mas elo- quente defengano ; refledlindo , que com a morte tudo acaba. Sangue mais que nobre , régio : immenfa cópia de haveres : fublimes , e eleva- dos empregos : obfequios .... ap- plaufos ... (incenfo, Senhores, que a defcarada adulação com prodiga- lidade queima) que juftamente fois comparados ás maçans da profti- tuida Sodoma ! por fora ouro , por dentro cinza. Eis-aqui porque no mo- mento , que a carreira de noíía vida fe remata, nos prefeririamos rodos

de

T^

^o8 Oração

de boa vontade á purpura de Hero- des , ainda que recamada de precio- fas pedrarias, a túnica do Bapriíla, pofto que tecida de groíTeira, e afpcr ra : conhecendo na fragilidade das glorias terrenas , o deíprezo de que fâò merecedoras.

A mim nao me he licito correr o véo, que cobre os arcanos da pre- deílinaçao : Sa6 Sacramentos , que íiem^ fe comprehendem : adorao-fe. Porém íe o muito Excellente Prínci- pe 5 a quem vós confagrais eíla fú- nebre pompa j renunciando na prima- vera de feus annos juvenis todas as efperançasde que podia lifongearíe , deixou juntamente com a Univerfi- dãáQ , que feguia , a Caía de feus Ínclitos Progenitores , para fe reco- lher na Congreçaçao dos Cónegos Regrantes, fequeílrando-fe ao com- mercio das creaturas , para fe unir mais intimamente com o feu Deos; porque nao entenderei, que a formo- íura de verdade tao importante , co- mo a que acabo de ponderar-vos, foi quem o aítralíio para bufcar no plá-

ci-

F t; íí E B R È. I09

eido, e fanro retiro do Ciaiiílro a fe- licidade eterna, a que todos devemoá aípirar : e que ainda arrancando por preceito de íeu Soberano , do meio de fuás Ovelhas , nunca perderia de viíta os feus mais fagrados deveres, para correfponder com fidelidade í fua vocação.

Ao menos crendo-o piamente af- íim; que o contrario feria metter com temeridade a foice em feára alheia; que efpaçofo theatro na6 vejo abef^ to , para o elogio, qiie vós, fem con- templardes a minha inhabilidade, qui- zeftes que eu no acanhado ternio de poucos dias recitaíTe na prefehça de humConcurfo taô refpeitavel , mo- llrando-vosnas altas Dignidades, com que efmaltou , e efclarecéo a fua Pef- loa , igualmente que a fua Fámiliâ , qual he o merecimento doEmminen- tilTimo Senhor, o Senhor Domí Joa6 Cofme da Cunha, Cardeal da Sántà Igreja, Miniftro do Gabinete aífillen- te ao DefpachOj Confelheiro de Efta- do , Arcebifpò de Évora , Regedor das Juítiças^ ln<|uifidor Geral , Com- O mif-

»IP o R A Ç A g

HiiíTario da Bulia, e Prefidente da Me- fa das Confirmações ; Efpefo da vof- fa beflevolencia com a defculpa, a at- enção de que a matéria fe faz digna. E recobrandõ-me do fufto , que he Jlatural que eu tenha , foffrei que ef- forçado da confiança, que a voíTa Índole benigna me dá, entre na em^ preza promèttida. Deos me ajude. Eu começo, Senhores.

QUando, eu revolvendo osFaf- tos da Synagoga , leio , que he contada entre as felicidades, com que Deos abençoou a de Abra- hao, a gloria que lhe refulta por Chefe de huma Família , de que ha- viao nafccr aquelles Príncipes , que fentados no Throno de. Judéa leva- ria a Climas , e Regièes eílranhas com as fu^as conquiftas , a fama de feus nomes ; eu me perfuado , que nao he de pequeno merecimento para o Senhor Dom JoaÔ Cofme da Cunha, fabcrmos que foi Filho de huma Cafa , que dediiz à fua origem dè\Seculos taÕ remoto* , que antes

de

F Xr N E B R E.'

2rt

de ganharmos aos Sarracenos as ter- ras, que poíTuiníios, na floíTa Lu- firania eftavaô eftabelecidos os feus liiuftriílirnos Afcendentes, a quem to- dos reconheciaò por netos de D. Ra- miro fegundoRei de Leaõ: como fun- dado na authoridade de encarquilha- dos , mas authenticos pergaminhos^ prova Fr. Bernardo de Brito : deri- vando do rio , que banha , e fertiliza os campos de feu Solar, o appellido com que cnlouradas de triunfos as fuás téftas , ainda hoje honraõ os Ati- naes de noíTa Hiftoria.

Ora fe as Águias geraô Águias, que eftimulos de brio naó inflamma- Tia6 ao Senhor D. JoaÔ Cofme da Cunha , logo que fua puericia come- çou a ver pendentes de fuás anteca- ineras os Retratos daquelles Heróes, dos quaes com o fangue tinha obri- gação de herdar as qualidades, que^ ou no ardor da guerra , ou no def- canço da paz promoverão fempre, com o feu confelho , com o feu valor os intereííes da Monarquia, que foraô firmiffimos Atlantes 3 ar-- O ii roí-

hl"

212, O R A Ç A 6

rodando muitas vezes impávidos os perigos, e a morte , para que febre a ruína de noííos inimigos , tremo- laíTem vidoriofos os noíTos Pavi-

Ihôes ?

Eis-aqui porque fentindo-fe in- clinado ao eíiudo daquellas Leis por- que os Eíhdos fe governao : Leis que rem por fonte a razão , e a equida- de, avançando-fe com rápido pro- greíTo no conhecimento da lingua La- tina , para meliior fervir a Pátria, arquem todos devemos, como Cida- dãos honra dos, confagrar comos noí- fos talentos as noíTas vidas, fe refol- veo a ir para a Univeríidade : aonde como Porcionifta do Coilegio de S. Pedro , desde o ku Tirocinio, foube de forte embeber-fe , e entranhar-fe Í30 coração de feus Meílres , que pre- cedendo os i^ílos do Goftume , fem que a lifonja, e o refpeito fobornaf- íem os Votos, lhe Gonferira^ o gráa de Doutor : gloriando-fe anticipa- damente no íilho de fua difciplina niuuos daquelks, que depois com o fluido curfo dos anãos o yirao re-

mon-

^ \

Fúnebre. 213

montado a fublimes empregos.

Ornado cem a borla Doutoral , naô tardou muito , que o feu mereci- mento naó foíTe contemplado. O Tri- bunal do Santo Officio, querendo au- thorizar as fuás Cadeiras com hum Miniftro , que zelofo fuftentaíTe as caufas da , naõ vacilla agora na efcolhâ : lembra-lhe o Senhor D. Joaó Cofme da Cunha : nomea-o. Quem lhe diria entaó, que dentro daquel- las reípeitaveis paredes tinha quem a feu tempo o regeria, como feu In- quifidor Geral ? Com tudo naõ erao eftes os Caminhos, porque Deos o queria conduzir. Na urna de feus inf- crutaveis decretos eílava deílinado para maiores honras. E quando a fortuna o aíFagava mais , reclinan- do-o carinhofamente entre os feus braços: quando o Século enganador nutria no feu peito mais agradáveis efperanças, efcudado daqueila graça, que nunca nos falta , com que refo- luçaô fe determina a calcar o Mun- do , e as fuás profanas pompas , pa- ra que recolhido no Glauílro , como

Noé

1ZI4 O R A Ç A 6

Noé na Arca , feguraíTe a fua falva- çao. Dcos , judo Oeos j fecundai os íeus deíignids,

Fiorecia por aquelles tempos a Reforma dos Cónegos Regrantes , cjue eftava no berço. Para lhe fazerdes juítiça, confiderai-a y Senhores , como huma vergonta , que acertando a naf- cer em fértil terreno, com facilida* de engi oíTando o tronco , c dilatando os ramos fe curva de fazonados po- mos. A modeftia daquelles Religio- fos , o retiro , o filencio ; mais que tudo , o total defapego do Mundo , que fuave impreflaÕ nao faziaÔ no Senhor D. Joaô Cofme da Cunha ! írefere aquella Congregação a todas as Ordens Regulares» Pede , infta : talvez com as fuás lagrimas reforça as fuás fupplicas , para que o admk- tao naquelle Santuário. He defericTo como pertende Solta pedra da mão, accelerando-fe pela fua gravidade na defcida , na6 bufca com mais Ímpeto o defejadó centro, Eítreitos vínculos do parentefco, doces laços da amiza- de, com que defengano vos quebra,

naõ

F TT li E B R E. 11$

nao fabendo quando á fombra do Inftituto de Agoftinho repoufaria na paz de feu Deos o feu efpirito 1

Tocava agora a vós , Venera- reis Padres , informar-nos como tef- timunhas oculares, do exemplo que vos deu, quando incorporado com- vofco, vós o vieis fubir de virtude em virtude para obfervar exadlamente ^ Regra que profeíTara. A humildade com que obedecia aos feus Superio- res : o fervor , e a prompiidaó com que ora de noite , ora de dia acudia ao Coro para cantar os louvores di- vinos : a gravidade com que celebra- va o Sacrifício de noíTos Altares : o zelo com que muitas vezes da Ca- deira da verdade, vibrando a efpada de dois gumes, inftruia os Povos na doutrina do Evangelho , como ditas todas eftas coufas por vós, recebtriaá de voíTa eloquência aquella energia f qae eu pela pobreza de meu engenho lhe naõ poíTo communicar ?

Todavia nós fabemos , que ha-^ vendo de dar-fe á Igreja de Leiria hum Bifpo , que fuccedendo a D. Ál- varo

^i6 Ora- ç a 6

varo de Abranches no officlo Paílo- ral, cumpriíTe plenamente as funções de feu fagrado Miniílerio , o Senhor D. Jpao D Qainfo , de faudoía recor- dação , que exames naõ faz , que nao medita , para que a efcolha tiveíTe ^ feu favor aapprovaçao commurr;?' Coníeguio-o, Senhores, He o dei- to o Senhor D. Joaô Cofme da Cu- nha , vindo como de mais á aquella Mitra a qualificada , e antiquiífima nobreza de feu fangue. A noticia fur- prende-o : para que nao precipite a íuâ refoluçaô , confuita o Diredor de íuaiconíciencia. He-lhe manifeíla- da a vontade de Deos. Aceita. Eno itiomento, rriíle momento, de dei^ xar aquellas famas paredes, nas quaes como cândida pomba fizera o feu ni- nho ; dando com o adeos da defpe- dida a^ tao bons Companheiros a lua benção i nao fe fepara , arranca-fe. Eu tremo, quando faço huma reflexão fizuda no pezo que agora toma fobre os feus hombros , Jem- brando-me da pintura que do Epif- <íopado pos traça o ApoíIoIo nas fuás

EpiP

Fúnebre. 217

Epiftolasi. Coílumes incorruptos, ani- mo deíaflerrado dos bens mundanos, inteireza' de juftiça, caridade arden- te: diga^fe tudo: vida irreprelieníi- vel j eil:is fao as pedras preciofas de que os Bagos fe devem guarnecer. Ma;5 deixou acafo o Senhor D. João Colme da Cunha de cooperar, quan- to nós podemos entender de fuás ac- ções extíirnas , para o cumprimenta de fwas obrigações j reíidindo fempre na fua Sede , viíitando todos os ân- uos as fuás Ovelhas , e arrancando abufos , que como zizania, que aífo- ga o trigo , femeava o homem ini- migo ?

Quem mais circumfpedlo na ef- eolha dos Miniílros , que havia ter 20 feu lado? Quem mais folicito do pado, que havia dar ao feu rebanho, nao convidando expertos , e dou- tos MiíHonarJos , que o ajudaílem , mas mandando traduzir excellentes Cathecifmos, para que todos fe arrai- gaíTem mais nos Dogmas de noíía Fé, e no conhecimento de noíTa Religião? Para que o feu Qero nao foíTe igno- \ ran-

rarite

TO

R A Ç A é

raiz de que brorao tantos ma- les , nao vulgarizou huma Surtima de Moral, naô eftragada com as Mera- íyíicas dz Eícola , mas pura , co mo fundada i.a doutrina do:? Padres ? Eftas tíâô faõ cores , que eu andíi- ciofamente prepare na palheta co- mp Orador a quem a lifonja correm- pe. O que vos digo faó foftos pujbii- cos , que ninguém, íem a nota de in- fame irnpoftor, fe atreveria a negar.

Perdoai ao efpirito de Pátrio- tifmo , fe para fazer mais patpavel o merecimento do Senhor D. João Cofme da Cunha , eu me demorara agora , fallando de hum Rei, a quem a natureza prodigalizando os feus dons, enriqueceo de huma compre- henfao extraordinária , de hum ani- mo grande, e de hum ganio original : de hum Rei, que para dar á Nação, de que era arbitro independente, hu- ma brilhante face , nunca fe forrou, cem a defpezas , nem a cuidados : eftabelecendo importantes Manufa- éluras , erigindo foberbos Collegios para educação da láocidade nobre,

re-

Fúnebre. ^119

reduzindo a methodo o deícahido Gommercio, e reformando , nao lo a noíía Tropa , mas os noííos hltu- dos públicos : tendo porém a con- folaçaô de ver nos feus dias , ainda que perturbados, e turvos, tornea- rem-lhe oThrono as Artes , e as Sci- encias , que desde o Século das nol- fas glorias , eftavao como dellerra- das do noflb Clima.

Efte Rei digno de melhor for- tuna , fobre cujas cinzas correráo fempre as lagrimas daquelles Patrí- cios , que entenderem bem os noi- fos intereíTes : conftante nas adver- fidades, como nas refoluçôes : prom- pto nos caítigos , como i^os prémios; pólos fobre que os Eftados fe fírmao: religiofo fem fanarifmo: liberal fem defperdicio : com huma pincelada complere-fe o quadro : digno Pai da Augufta Soberana que nos governa , naÔ coníentio, que em taô pequeno theatro , como era Leiria , figuralle o Senhor D. Joaô Cofme da Cunha. Chama-o: obedece-lhe: que he quan- do a auíleridade dos Cânones foffre ,

que

i:

2^0 o RAÇA 6

que os Pallores íe íeparem de fuás Uvreíhas. Confere^lhe o emprego de Regedor de íiiasjuftiças : nomeia-o Arcebjfpo de Évora : da-lhe a Prefi- dencia da Meia Cenforia , Tribunal que novamenre cria : faz com que a Purpura Cardinalicia o orne: e pa- ra que as caufas da noíTa tiveíTem f^i"'/''^ ^eílreza , e experiência ioubeíTe manejailas, he o noiloínqui- iidor Gera*.

, "^v^is chamados fem razão Fi-

cn ^"^ ^"gí-aros ao leite com que foíles alimentados, oufaftes raf- gar com roaz , e venenofo dente a tunjca jnconfuril da Igreja, que co- mo Mãi carinhofa vos gerou para J Esus Chriílo ; confeíTai fe nao he a lua vigilança , que deveis a voíTa emenda. Nao pararão aqui as honras que o Senhor D. Jofeph lhe libera- ii^zou Que-lo a par de íi , como feu Confelheiro deEílado: da~Ihe a Pre- iidencia da Junta das Confirmações : rã-\o Commiííarío da Bulia. Nada vaga no feu tempo, para que o nao ache digno. Mas íuccedendo-ihe a

noíTa

F U N E B íl E. 221

noíTa Primeira Auguíla , ficari-a o Se- nhor D. JoaÔ Cofme da Cunha em menos vantajofa fituaçaõ ? Remove- lo-hia dos cargos , que naÔ eraõ vi- talicios ? NaÔ , Senhores : antes con- fervando-lhe tudo , he crcado Minif- tro do Gabinete, aíTiílente ao Defpa- cho 5 aonde . . . , aonde . .

Porém que lúgubres efpecle^ me vem funeílar agora ? Porque me lembras dia ultimo de Janeiro ? . . . Acafo prefumís vós , Senhores , que para vos fazer muitas invecti- vas contra a morte , he que eu vos tenho debuxado o merecimento do Senhor D. JoaÓ Cofme da Cunha , que no governo fucceílivo de três So- beranos confervou fempre o feu va- limento , fendo eílimado de todos ? Que ao menos vos traga á memo- ria a reíignaçaôjcom que defengana- do dos Fyíicos , que lhe aííiítiaõ, ef- peraria por aquelie momento , que decide da noíTa felicidade, receben- do cheio de fé, cheio de devoção os Sacramentos, que a Igreja nos admi- mílra ?

NaÔ

li

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222 O K A Ç A S

Nao bailará que vós, conhecen- do a fraglljidade das grandezas ter- renas, naô vos aíFaneis para.poíTuil- las ? Advertindo , que nem a nobre- za do Tangue, nem a opulência dos cabedaes, nem a fublimidade dos em- pregos eftao fora da jurisdição déíTa miniítra inexorável da vont/ade -de Deos y que confundindo as.íurpiíras com osSurrÓes, entra igual meijté pe- los Palácios 5 que pelas choupanas ? Qiiem mais illuílre , quem mais fa- vorecido da fortuna, quem mais ref- Í3eitavel pelas Dignidades, que tinha, que o Senhor D. Joaó Coime da Cu- nha ? Com tudo adverti no que mudamente vos diz para voíTo do- cumento aquelle Tumulo. Morreo.

Nafcera o Senhor D. João Cof- me da Cunha em Lisboa em vinte e féis de Setembro de mil fetecentos c quinze. Faleceo a trinta e hum de Janeiro de mil fetecentos e oiten- ta e três. Foi fiího do llíuílriílimo, c ExcellentiíRmo Conde de S, Vicente Manoel Carlos da Cunha , e da Illu- ftriffima , e Excellentiílima Senhora

Do-.

1

Dona Tfabí Rainha D. lima Caía < nos carreg Convento c a terra lhe i Senhor , a fragios, rc iias voíias | em paz , >j fua alma :

«^ U N E B R E. -223

1 de Noronha , Dama da

Maria Sofia , da antiquif-

\e Arcos. Mais que de an-

ado de honras , jaz no

le S. Domingos , para que

eja leve. VÓ3 Chriftos do

jntinuando os voflbs fíuf-

)gai ao Deos , que tomiais,

mãos todos os dias , c me

em fanta paz dcfcançç ; a

na Região dos vivos»

j ^equtefcat in pace,

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