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QUESTÕES DO DIA;

observações polilieavS e litterárias

escriptas por vários

B

ooordeuadas

POR

/ K

TOMO I .

mo DE JANEIRO

TVP06RAPHIA B LITHOGRAPHIA IMPARCIAL 146 A BUA SBTB DB SBTB^$BO 146 A

Advertência

Compôe-se este volume de 376 paginas, em 15 números successivos. Contôm o 1°. n\ 7i páginas^ e comprehende as 4 primeiras cartas de Cincinnato. Cada um dos restantes 19 números tem 16 páginas»

Várias pessoas coUaboram n'esta publicação ; cada uma escolheu um pseudónymo. Tendo-se concordado em plena liberdade de redacção, cada signatário é moralmente responsável pelo que subscreve.

CARTAS POLITICAS

DIRIGIDAS

PELO ROCEIftO CraCMNiTO AO CIDADÃO FABRÍCIO.

CARTA 1/

Amigo.— A estas matas seculares, a este deserto em que me apago, quasi a sós com a natureza, a este rp- manso para onde ha tantos annos fugi desses campos de batalha, em que se digladiam as paixões politicas 6 sociaes , chega de ordinário amortecido o écho da^ lutas com que ahi se recreiam os nossos homens pú- blicos. Se não fora, portanto, a tua bondade de me mandares as- publicações que ora tenho ante mim, ignoraria eu que as mil questões graves que prendem com o futuro do Brasil estão ahi sendo substituídas por discussões sobre logomachias. Pelo que Tejo a de hoje é o poi>ER PESSOAL, monstro ingente e informe, Tisiphone ou Medusa de casta nova.

Estou longe dos homens e das cousas publicas ; mas sabes que, emquanto pertenci ao mundo, fui libera- lissimo, isto é, conservador; e^pois que Deus me nSo deu míoh)s versáteis, persisto nas minhas idéas.

Ao contemplar o quadro que me envias, não resisto a bradar, Gorregio do sertão, AnchHo l e peço vénia para te submetter atropelladamente algumas das obser- vações que tão ingrato assumpto me suggerc.

4

I.

Theses ha, curtas na expressão, mas longas no alcance, que, por audazes, costumam ser ajudadas da fortuna : moeda falsa que circula, lava que se alastra.

Essas theses aspiram logo a fóros"de axioma. foi dito que os astuciosos as lançam às turbas ; os pre- guiçosos de intelligencia apoderão-se delias, por lhes pouparem o trabalho de reflectir, e repetem-n'as, para alardearem comprehendôl-as. E todavia representam essas proposições o absurdo, quando são analysadas; mesmo assim mil bocas as reiteram, e, para demonstrar aquelle absurdo, é mister contrarial-as mil vezes.

It.

E nem se julgue que essas theses íicão sempre em tnnocenles brincos do espírito, em gymnasticas theo- ricas, como as controvensias das escolas rhetoricas dos antigos. Muitas vezes são joio semeado, que poderá um dia afogar a seara. Cumpre não desprezal-as : são o grão de areia de Pascal.

Que significa, na forma de governo q/ie nos rege, pâr a these poi>cr pessoal na ordem do dia da imprensa, do parlamento, das assembléas, dos clubs, das confe- rencias, dos corrilhos e das praças?! Que significa arrastar a coroa para o campo dos debates"^ Injuriar a pessoa que o pacto fundamental qualifica de invio-^ lavei e sagrada ? Responsabílisar a quem não está su- jeito a responsal>ilidade ? Atacar a quem não pôde, nem deve, defender-se, nem tem de que ?

Será uma fácil valentia, se lhe não achas outro nome ; será um pouco invejável laço armado a uma falsa popu- laridade : tudo será, menos acto reflectido e prudente. Estas tentativas (venham d'onde' vierem) levam a um perigoso desprestigio, ou á mais abominável das

-8-

ochiocracias. O que conseguen^ esses arautos da anarchia é, Encelados sob o Etna, estremecerem e convaisarem a terra. Tal não é a missão dos bem inteacionados.

Talvez baja, entre esses , alguns dos que dizemos de antes quebrar que torcer ; dos que não reconhecem amigos nem inimigos ; águias que se affrontam com o próprio sol sem pestanejar ; orgulhos que se ufanam com o antigo motto etiam si omnes^ ego nonf entes ideae^ em summa, como o justo e tenaz phantasiado por Horácio. Como não devasso o foro intimo, res- peito-lhes as intenções.

m.

Lamento mais que tudo ver arvorada por um va- lente alferes conservador, n'uma hora de allucinação, a desgraçada bandeira anti-dynastica.

Era o Sr. conselheiro José de Alencar, que ria sua folha Dezeseis de Julho (de Haio e Junho de 1870) fizera do moii^ poder pessoal a sua Delenda Carthago. Comquanto os artigos dessa folha fossem anonymos, pelo dedo se conhecia o gigante. S. Ex. mesmo em lugar bem alto e publico^ os perfilhou.

Na sessão parlamentar desse mesmo anno, o illustre orador adoptou o mesmo thcma para seus raptos objur- gatorios.

Finalmente agora (de 21 a 31 de Março) ahi voltou outra vez ás mesmas variações no Jornal do Com- niercio^ sob o titulo de Ultima phase. *

Temos, portanto, uma voz autorizada, repetindo as duas palavras fatídicas, aterradoras como as do festim de Balthazar. Autorizada, sim. Hontem erão essas pa- lavras pelouros frios, tiros imbelles, porque sabiam de arraiaes naturalmente hostis, e dava-se o devido desconto á arguição, arrojada sem sciencia nem con- sciência. Mas quem as profere hoje?

OOESTOESDODIÂ:

observações polílicavS e litterárias

eseriptas por vários

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ooordeuadas

POR

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^*5<?. / ■-/ •'

TOMOI -

mo DE JANEIRO

TVP06RAPHIA B LITHOGRAPHIA lUPARCIAL 146 A BUA SBTB DB SBTBàiSBO 146 A

I

8

Não tem sentido algum-, se se lhe tira aquella ccAnitira de requisitos.

Representa um grande principio constitucional^ se se áquelles termos a devida interpretação

V.

Despotismo ne«ta abençoada terra t Mas que entendem os publicistas por despotismo? Será elle possivel, onde não é lei a vontade do monarcha ? Onde existem e funccionam os poderes independentes? Onde a imprensa é livre? Onde o habitante goza de todos os privilé- gios reconhecidos á humanidade pela celebre declaração dos direitos do homem e do cidadão? Onde o mo- narcha não é proprietário do seu império, mas dele- gado delle? Onde a autoridade não pôde coarctar a liberdade aos cidadãos? Onde os tribunaes ^ não são subordinados aos caprichos do poder?

Não : a coroa do Brasil não è o chapéo de Gesslcr.

VI.

O poder pessoal (se isto quer áizer poder régio) existe ; quem o duvida? Existe em toda a sua força, em toda a sua plenituí^e, pela natureza das cousas, pela Índole do governo, pelo espirito das instituições, pela letra da constituição.

E pois que é um correligionário quem diverge, ha feliaftente um terreno neutro em que não discre- pamos. Eis como se exprime o Sr. Alencar {Dezeseis de Julho n.^ 113):^

t A escola conservadora adopta, como umanormapra^ tica^ a distincção feita pela constituição entre o poder executivo e o poder moderador, exduinio os actos deste da responsabilidade ministerial.

c Dahi resulta que o gabinHe não intervém nos actos privativos do monarcha t E continua, dizemdo que a

constituição brasileira confiou á corda^ daqueUa forma ^

o elemento conservador, constituindo-o o centro dos

potleres políticos. Que é^ isto. Santo Deus? Pois a pesâoa do monarcha

•; centro dos poderes politicos ; pois a pessoa do monarcha individnul mente exerce actos privativos ; pois nestes acto^ da pessoa do monarcha nem é permittido ao gabinete intervir ; c ousais aflirmar que é illicilo o poder pessoal! Appeilo de Phílippe para Philippe ; sois vòs mesmo que vos condemnais.

VII.

Nos legeni habemas. Como se nâo trata de direito constituendo, é a constituição do linperio a nossa biblia politica. . ,

E' ella quem nos ensina, que o monarcha iem poder pessoal; que é elle o chefe supremo ;que a elle pri- vativamente cumpre velar incessantemente oobre a ma- nutenção, equilibrio e harmonia dos mais poderes po- liticos.

Como pede a pessoa do soberano exercer essa vigi- lância incessante ordenada pela lei das leis, sem poder pessoal?

Não quero discutir supremacias; mas direi que, se- gundo a constituição, o poder io monarcha é de todos os iHKleres o mais amplo c variado. Emquanto cada um dos três poderes se circumscreve em uma dada orbita, o poder privativo do imperante penetra nas orbitas de todos.

E não tem poder pessoal ? !

O poder legislativo não julga nem executa ; o exe- cutivo não julga nem legisla; o judiciário não legisla nem executa.

E qual o poder pessoal e privativo do imperador?

Ei-lo :

Quanto ao moderador, e^erce-o plena o exclusiva- mente;

2

10 -

«

Quanto ao legislativo, tntervem na promulgação ou suspensão da lei, na convocação extraordinária da ao- sembléa geral, na prorogação, adiamento ou dissolução da camará dos deputados;

Quanto ao executivo, ô o rei chefe delle, e noméa e demitte livremente os ministros ;

Quanto], finalmente, ao judiciário, o rei intervém suspendendo os magistrados, nomeando-os e transfe- rindo-os, concedendo amnistias e moderando as penas aos réos condemnados por sentença.

Não serão tudo isso.poderes 0 máximos pederes? Não serão ,tão exercidos pela pessoa do soberano que até nelles, segundo a linguagem do Sr. Alencar, não é dado aos ministros interferir? E quando assim o decreta o código dos nossos deveres e direitos, ha cidadãos que lhe opponham o seu veto, de uma penada annullando principies, antes axiomas constitucionaes ?

Poder pessoal de um escriptor qualquer superposto ao poder pessoal do rei I

E se esta é a doutrina fundamental, no tocante a attri« buições, não foi ella consagrada pelo espirito que a dictou, senão também pelas mais positivas e formaes disposições.

Quando a constituição estabeleceu que o imperador se considerasse o primeiro representante da nação, e que velasse por que fossem sempre uma verdade as garan- tias que ella offerece, não lhe conferiu vastíssimo poder pessoal ?

Não lh'o conferiu, quando o obrigou a prestar jura- mento de fazer observar a constituição e as leis, epro- ver ao b&m geral ?

Não lh'o conferiu, quando, submettido por ambas as camarás um projecto de lei, o autorizou a negar-lhe consentimento, ouvindo em resposta louvores do inte- resse que toma pela nação ?

E é esta entidade preponderante e suprema, este Argos, a quem a lei prohibe o dormir, a quem ella assenta no posto mais eminente para servir de senti-

- 11 -

ncHa de todos os deveres e direitos, este poder que íunde em si attribuiçòes de todos os poderes, ou as exerce privativamente ; o homem-instihnção^ creado para a inspecção summa da sociedade ; é este magistrado supremo, a cuja pessoa se pretende negar poder !

Impõem-lhc a lei e o 'juramento uma permanente direcção e intervenção (directa ainda quando indirecta, seé licita a phrase), e ha quem Ibe denegue os meios de cumprir o seu dever I

Quer-se inverter Ioda a marcha da civilisação, a exi- gência de tempos illustrados, substituindo o rei intel- ligente^e amigo da pátria por um phantasma de soberano I Quer-se pôr ao vivo era scena a ironia de Boileau?

Hélas! qu'est devenu ce temps,cet heureuxtemps,* Ou les róis s'honoraient du nom de fainéánts I

A aspiração será explicável para quem se sentir com forças de se arvorar cm maire du poiais^ suppondo en- contrar ante si massas de Dagobertos.

Não e não. Em presença da forma de governo c da constituição que nos rege, se á nação compete a omni- potência, ao imperador é delegado amplissimo poder pessoal.

VIII

E porque o debate naquelle terreno se que le- varia a duvidar da luz meridiana, fica-me uma hesitação. Dar-se-ha que sereduza aannullaçãodo poder régio aos actos que prendem çom a direcção do poder exe- cutivo?

O absurdo c inconstitucionalidade da accusação não seria menor. Mas, se essaé a interpretação do horrendo poder pessoal^ aceite-se a discussão, mesmo nessas aca- nhadas proporções.

Vamos ver se resumimos o cerebrino pensamento :

Concedemos que o imp(M'ante possa por si, e sem

14

Por mim sei que nunca S. M. o Imperador me coagiu a acto algum, porque nem eu me sujeitara, nem Sua Magestade m'o impuzera. Desta minha certeza prova o facto de ter eu strvido anno e meio como ministro, pois não serviria 24 horas, se me sentisse annullado e desairado. Dào igual prova as declarações, por mim feitas na camará dos deputados, em 4 e i8 de Junho de 1870, patenteando.que não deixei a pasta da justiça por falta de confiança da coroa ou na coroa, mas sim por ter o gabinete a que eu pertencia apoiado a divergência de um collega meu; e acrescentei': t Esta ^éaunicae verdadeira causa. » Dão igual prova outras phrases minhas, quando na camará tratei da minha candidatura senatorial, e di^se: c Entendi que minha t posição de ministro me impunha o dever de commu- t nicar a minha resolução à coroa, porque esta reso- t lução podia modificar a confiança do poder irrespon- c sável, confiança sem a qual eu não cámpreliendo a per- « manencia do ministro. » Ora, se esta linguagem é pos- terior á minha estada no poder ; se eu tão explicita- mente declarei que conservara até ao fim a confiança da coroa ; se funccionei sempre, com a liberdade própria do meu caracter e da minha posição ; se não foi attrito algum com a chefe supremo que motiVou a minha sa- hida ; é obvio que nunca para commigo foi indebita- mente exercida coacção de espécie alguma ; antes me foi sempre deixado o pleno uso das faculdades, peio qual me cabia responsabilidade.»

Iguaes, creio eu, s.eriam os depoimentos dos 149 res- tantes ex-ministros. Não são manequins de cortiça, boiando á lona do poder, acariciados e cobertos de Icn- tejoulas; são os caracteres da tempera do Sr. conse- lheiro Alencar, os cidadãos fortes e independentes, que entoam coro, em que não destoa uma voz única.

n'um accesso epheraero de despeito ou ira se. podia calumniar a nação nas pessoas de suas primeiras illustrações. « Poder pessoal é subserviência, e o Sr. visconde de S. Vicente era a encarnação do poder pessoal! O seu desejo de aproveitar para a pátria

15

OS lalenlos (isto è, de cumprir a constituição) é tra- balhar na obra nefasta do aniquilamento dos par- tidos I... i Escondamos o sudário.

Aquella primeira interpretação da palavra intervenção^ como variante de reprehensivel poder régio, está fora de causa. Progridamos.

X.

Venhamos á segunda ; a essa^ que eu digo ser licita e honrosa, obrigatória, veneranda ; a esse poder pessoal, que eu proclamo benéfico; a esse, cuja interrupção por 24 horas fazia a um Tito exclamar : Hodie diemperdidi.

Esse poder pessoal^ q\ie eu dentro dos limites approvo e louvo para os actos do poder executivo como para todos os mais, é poder decretado pela constituição e aconselhado pelos principios. E, visto existir lei escripta, antes de tudo regjilemo-nos por ella.

Que prescreve a constituição ao Imperador?— Que es- teja permanentemente vigilante em* fazê^-a observar; em prover ao benl geral ; em manter a harmonia dos po- deres ; em representar a nação. Não ha nesses preceitos excepções nem restricções ; não ha mais nem menos : abrangem todos os negócios públicos, qualquer que seja a orbita a que eiles pertençam.

Deste altíssimo jus de vigilância será acaso exceptuado o poder executivo? ficará o Imperador excluído desse, o mais activo, militante e permanente de todos os poderes ?De modo nenhum. Salva uma única restricção, tem todo o direito, como tem toda a obrigação de estudar os actos submettidos á sua referenda.

A restricção a que alludo é a seguinte:

Sendo certo que a responsabilidade do acto projec- tado recahe sobre o ministro, que succede? Se o Impe- rador o julga acertado, subscreve-o ; se o desapprova, ao passo que o ministro persevera na sua opinião, fica ao monarcha a opção entre ceder neste ponto^ ou demíttir o dissidente.

16 .

Em tudo mais, o Imperador póJe, deve estudar os negocies que correm pelo executivo, com tanto que por ultimo respeite a responsabilidade alheia. Como!' Pois ignora-se acaso que o Imperador forma parte integrante do poder executivo?! Tanto forma, que o art. 102 o denomina chefe do poder executivo^ é curioso seria que a cabeça de lim corpo fosse parte estranha a esse coi*po. Pois a lei que créa um membro e chefe do poder, que encargos lhe impõe, se se quer entender que esse chefe e membro seja mudo ! E que constituição seria esta, que, reconhecendo ao iníimo cidadão jus de communicar seus pensamentos, igual jus recusasse a quem occupa o pináculo do edifício social ; a quem o emprega em zeloso desempenho de seu oíTicio de Rei?

Nem se diga que a constituição confere ao Impe- rador a nomeação e demissão dos ministros, mas que emquanto estes funccionam se suspende toda a interfe- rência magestatica. Nomeação e demissão são attribui- ções do Moderador; o exercido do executivo, isto é, a eífectividade das suas resoluções, pertenceaosministros; mas o trabalho prévio da elaboração, do estudo, compete ao Imperador com os seus ministros, à cabeça com o corpo; e do mesmo modo que, n'um governo soli- dário , è acto de todos os ministros , embora não signatários, o acto do ministro que o praticou, assim pôde o chefe do executivo temar parte nas deliberações, deixada por elle a responsabilidade a quem de direito couber. Até jrei mais longe, observando que^ficçãoeu verdade) a constituição proclama o Imperador como não sendo o chefe, mas personificando o próprio poder executivo, visto declarar que é o Imperador quem pdos seus ministros o exercita.

Gonseguintemente, opoder pessoal^ 'considerado como direito imperial de exprimir opinião sobre todos os assumptos da administração, e de tomar parte nos trabalhos do poder executivo, é formalmente estabe- lecido, recommendado^ prescripto pela constituição do Império.

- 17

XL

Assim o prescreve a lei escripta, assim o devia m* limar. Os actuaes monarchasjã não administram jus* liça i sombra de um carvalho ; mas em tão complicadas sociedades como as actuaes, cabe-lhes muito mais larga esphera.

Nem se imagine que, no tumultuoso século em que vivemos, haja para os reis encanto na arbitrariedade ; poder arbitrário è contra a indole e a natureza do régio poder ; o que pôde namorar um cidadão, não seduz um soberano ; o imperante fica» o seu escolhido passa ; rei não é mtaistro.

Colloque-se ao leme um rei illustrado e justo, e a náo do Estado vogará sempre com ventos galernos. Ora, a justiça^ qualidade mais rara do que parece, é dever de todo homem^ do inflmo como do máximo; e, para o exigirmos dos outros, importa que interro- guemos a nosso respeito a própria consciência. A justiça (diz J. Simon) é inexorável: o que elia impuzer^ satisfaça-se incontinente e lealmente, sem hypocrisia nem pensamento reservado, por ser justo, e não por ser lucrativo ou glorioso. Cale-se o coração quando desharmonisar da justiça. Ao dever nunca se falta.

Sejamos Jiistos, que vale tanto como: sejamos po- iiticos. Não apedrejemos o sol que alumia. Não inju- riemos quem no throno foi collocado, não por cálculos das suas commodidades, mas por conveniências do nosso interesse. Não desgostemos da sua dedicação a quem ha perto de meio século nlo tem ferias. Não conver- tamos merecimentos em defeitos; não imputemos a ruins imp|)sos actos muitas vezes nobilíssimos; não demos por synonimos ingratidão e independeria.

A Benjamin Gonstant devemos, em parte, o que ha de peculiar' no jogo das nossas instituições, e nomea* damente no que respeita ao poder neutro, interme- diário entre os poderes activos. E' o melhor expositor

da nossa instituição de realeza constitucional. OaçTimol-o: 3

18

f OíTcrece-nos a monarchia constitucional um poder neutro, indispensável á liberdade regular. O rei, era terra livre, é um ente á parte ; sobranceiro á variedade das opiniões ; com a mira n'um alvo— a maiiu- tengifo da ordem e da liberdade ; estranho á condição commum ; inaccessivel por isso ás paixões procedentes dessa condição. A augusta prerogativa da realeza ao espirito do monarcha uma tranquillidade de que as posições inferiores não participão. Eleva o homem por sobre as humanas agitações; e a obra prima da orga- nização politica foi ter creado assim, no próprio seio dos dissentimentos, sem os quaes nenhuma liberdade existe, uma inviolável esphera de segurança, de ma- gentade, do imparcialidade, que pacificamente permitte àquellas divergências desenvolvcrem-se (emquanto não ultrapassam certas raias), e que, apenas sôa a hora do perigo, lhos põe termo por meios legaes, constitucio- nacs, e sem arbitrariedade. »

Disséreis que, ao traçar este quadro, fitava o grande publicista olhos no Brasil, que não tem certamente razão de queixar-se das suas instituições, e do modo como ellas funccionam.

Cabe-nos a fortuna de podermos aprender com as alheias grandezas e felicidades, com os alheios desastres e humilhações. Temos visto nascer, vegetar e mor- rer doutrinas e seitas ; variadas turmas têm seguido caudilhos de san-simonianismo, socialismo, commn- nismo, e quantas extravagantes concepções tém aspi- rado a pautar a sociedade por um quadro imaginário impossível. Às más doutrinas não tém achado écho nestas regiões. O Império é um irmão gémeo da cons- tituição ; esta tem creado e acompan hado a nossa ci- vilisação e a nossa politica; não nol-as adulterem.

Na nossa monarchia constitucional, o soberano não é um Deus, não é uma omnipotência, mas é um altíssimo poder,»um poder exercido pessoalmente^ poder com facul- dades superiores não aos outros poderes^ mas sim ao» elementos que os constituem,

E se não, veja-se a organização da Inglaterra, do

19

paiz (]^onde o systema representativo foi para os outros transplantado.

Ahi o monarcha é superior aos elementos que cons- tituem :

O poder executivo^ quando nomeia e demitte livre- mente os ministros.

O parlamento^ quando profere o veto.

A catnara^ hereditária, quando noméa novos ^ares.

A camará ekctiva, quando dissolve a assembléa dos deputados.

O poder judicial^ quando amnistia^ commuta ou perdoa.

E' ama entidade que instiiicto o reflexão, mais ainda que a educação politica , ensinam a acatar, a rodear de certa aureola de veneVação, sem que nisso entre sombra de baixeza, servilismo ou indignidade, gratuitos insultos que, á falta de razões, costumam os illumi** nadissimos prodigalisar aos que não recusam respeito ás cousas que tém como respeitáveis.

O código criminal permitte, em termos babeis^ cen- sura dos actos do governo e da administração; não prevô a censura dos actos pessoaes do soberano, porque mais alto código o proclama inviolável, sagrado, irres- ponsável. Como se ousa, pois, estar sempre dando para ordem do dia o que nem é tolerável apontar de fugida? !

XII.

E por Deos, que exigem da pessoa que empunba o sceptro brasileiro? formulem as suas instrucções: que lhe querem? Por que bússola Ifc de dirigir-sc que não seja a constituição e a sua razão?

Que outros pharóes tem elle que o orientem?

A opinião ?

Sejamos francos. Opinião, merecedora do nome de publica, é planta que está entre nós por acclimar. Este immenso território mal povoado ainda não ofiercce as condições de paizes populosos, mais antigos, maii> adiantados, mais estudiosos dos interesses públicos.

20

I

A imprensa periódica não polilica é um conruso deposito de opiniões indivíduaes e contradiçtorias. A imprensa politica, rara e sustentada laboriosamente, mereceria que os partidos e o paiz lhe dessem mais im- portância do que lhe dão ; e confessemos que, por em- quanto, mais é a opinião éco da imprensa, que a im- prensa écHo da opinião. Os homens eminentesem sciencia pouco se appHcam a tratar, em obras especiaes, os grandes problemas de governo. A importante classe agrícola compõe-se de indivíduos, que se concentram nos seus trabalhos ruraes. A classe mercantil absorve-so no immenso desenvolvimento pratico dos seus ne- , gocios, não curando das questões que não tocam na sua especialidade. A classe militar cumpre bem os seus deveres, mas não opina, nem fôra próprio que opinasse; e assim as mais.

Oago que augustos lábios soltaram a formosa phrase: f O que eu íne considero é chanceller da opinião. > Pôde isto levelar nobilissima disposição; mas nada msiis: opinião é por ora uma chimera no tocante a alterações no systema do nosso governo. Por mais que o soberano applique o ouvido, não percebe som algum distincto. Tem, pois, que se guiar pelos seus con- selheiros naturaes e pelos dictames da própria razão.

XIII.

Temos atè aqui faUado vagamente da entidade im- perador, sem DOS referirmos emi particular a quem actualmente preenchera suprema magistratura. Fallar de quem impera é navegar por entre os parceis das supposições. Oue importa? A verdade, por se tratar * de um príncipe, será força escondel-a ? Chegaríamos a tempo em que um sólio não sirva para matis que pelourinho ?

Receia-se o jpoderpessoai exercido pelo Sr . D. Pedro II T Para ' quem é deste tempo e desta terra, o dito vem por si mesmo refutado.

21

Quem é unirersaimente coaLecido por uma vida inteira de abnegação, ia, após 40 annos de glorioso reinado, exorbitar dos seus poderes ! Para que ? Para elevação ? Não pôde subir mais alto ; e longe de subir^ desceria. Para consideração 7 Taes meios lh'a não dariam. Para enriquecimento? Não ba quem mais des- preze as opulências, qli^m mais as tenha rejeitado, quem mais haja consagrado seus parcos meios a con- veniencia» alheias. Para popularidade? Não precisa acrescentaNa quem tamanha e por tantos titulos a conquistou ; e isto antes lh'a diminuiria. Para absolutismo ? Não ha maior inimigo do arbitrário, nem quem neste Império tome tanto ao serio a constituição que jurou.

Se não pôde, pois, imputar-se ao actual soberano pensamento reservado e calculo pessoal, a ttrvbuam-se* os muito legitimes actos que pratica ao modo como concebe o desempenho dos seus deveres, que são diversos dos de todos os outros cidadãos.

Tudo se lhe move em torno : elle fica ; nelle se encarnam e perpetuam as tradições, a successão dos negócios. Senado f Não tem um membro,.designado pelo Sr. D. Pedro I, nem pela primeira regência do acto addicional ; são todos escolhidos pelo Sr. D. Pedro II, e entre esses já, dos antigos, raros restão. Depntadêst Renovam -se constantemente. Ministros^ Um por anno, desde a maioridade, em cada repartição. Se, pois, tudo desapparece, e o sober^jio occupa permanentemente o seu lugar ao leme do Estado , é elle incontesta- velmente a pessoa mais idónea para, nas cousas pu- blicas, aconselhar, ou guiar, ou*interferir, ou mandar, segundo a co-relação entre as suas attribuiçOes e os casos supervenientes.

Niní^oem lhe nega, creio eu, amor de pátria, ins- trucção rara , esclarecido espirito , desinteresse , ex- periência, conhecimento dos homens e das cousas, mag- nanimidade, tudo sobredourado de summa rectidão. Que receio pôde então inspirar quem, dotado destas qualidades e do grande amor ao trabalho, mostfa que

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não quer ficar ocioso, antes sente satisfação em dar ao serviço publico todas as horas que a alta cultura do seu espirito lhe poderia estar ambicionando para mais attractivas occupações ? Preferir-se-hia acaso que o natural centro de todos os poderes se mostrasse in* diíTerente e estranho a quanto o circumdasse? Que o piloto adestrado ficasse impassível em presença de todas as manobras? E, finalmente, que aquelle que pôde até demittir, se lhe desprazem os actos do seu ministro, fique inhibido de lhe apresentar sequer a sua opinião acerca dos mesmos actos?

Ainda que não fosse um dever e um direito do cargo, 6 poder pessoal seria uma conveniência, quanUo exer- cido por tão recto e illustrado animo. £' esta uma geral convicção, e do coro unisono nem sempre dis- crepa a voz do Sr. conselheiro Alencar. E, como o seu elegante estylo outra qualidade de relevo ao pensamento, aqui transcrevo uma significativa phrase do discurso proferido por S. £x. em 14 de Maio ultimo, phrase allusiva ao Sr. D. Pedro H, e em que a justiça aposta primazias com a elegância :

c Asattribuições magestaticas estão personificadas em uma individualidade ; esta individualidade é susceptível de convicções, e de convicções profundas ; pôde ser inspirada nestas convicções pelo desejo de bem servir ao paiz.

E* o mesmo Sr. Alencar, que no seu segundo artigo, no Jonial doCommercio^ declara enunciar uma convicção gue i sua e de todos os que têm dirigido o paiz. Pal- iando, de todos esses e do si mesmo, diz que sempre têm tido c os ministros a consciência das puras intenções do Imperador e do seu iticontestavel patriotismo, »

Deve exultar com o exercício do poder pessoal quem assim o depositado em mente pura e mãos incun- testavelmente patrióticas.

Basta. Se o poder pessoal é legitimo exercido por qualquer imperante, exercido pelo actual é benéfico» louvável e livre de toda a espécie de risco.

-23 -

XIV.

E, antes de sahir desta matéria, occorre-nos uma curiosa reflexão sobre o modo como o Sr. D. Pedro tem praticamente exercido o poder pessoal , que as ins- tituições lhe conferem.

Algum proveito se ha de tirar do ser velho: é ter archivadas muitas recordações ; e essas invoco eu agora.

Não ha nada mais pessoal, individual, privativo, exclusivo do monarcha, do (}ue é o direito, que ninguém lhe contesta, de demittir livremente os ministros. Ninguém ? engano-me ; parece haver alguém que lh'o não concede : é elle próprio !

Disse eu que, desde a maioridade, tem quasi havido annualmente um ministro por cada repartição ; disse que orçavam por 150 os ministros, o que representa nma inflnidade de ministérios. Pois bem ; nessa in- fíniJade não vejo senão três, cuja sabida proviesse de repulsas do Imperador. Todos tem dado, no parlamento ou na imprensa, e na occasião opportuna , as razões da sua retirada, a qual. tem constantemente provindo das indicações parlamentares ou politicas, de dissi- dências entre os collegas, de moléstias ou de outras causas ; nunca de atlritos com a coroa.

se que em taes casos o soberano foi passivo, c não usou da sua faculdade magestatica. Um tanto mais activo foi nos trcs casos únicos de que fallo, mas cm todos esses appareco o acto honrosissimamente explicado.

Na sua extrema mocidade reagiu contra um gabinete enérgico, mas que exigia tenazmente para com um alto servidor uma demonstração, não motivada por conve- niências de serviço, e sim por considerações alheias a elle. Não era ainda a experiência, mas era o instincto da justiça, que o fez insistir naabstenção, e o gabinete díssolveu-se.

AlCTns annos depois, certas demasias de turbulentos, cm dias de eleições na capital do Império, que deviam

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correr paciGcas» patentearam que os ministros eram, por sua pouca acção, accusados de negngencia, fraqueza e até complicidade ; e, comquanto não houvesse motivo para tantas accusaç(5es, não era menos desmoralisada a situação, e entendeu Soa Jfagestade dever escolher ministério mais forte na opinião.

Finalmente, em um caso próximo, tendo sido tentada a invasão da sua, mais que nenhuma, privativa attri* buição da escolha de um senador, e não sendo conven- cido da inconveniência da que fizera, aceitou a resig- nação com que fora ameaçado,

Eis-ahi, entre tantos ministérios, as três únicas espécies de meio-conflicto, terminadas pela demissão 'dos gabinetes ; e em todos esses três casos actuando no animo do soberano um motivo de alto interesse publico.

Quem nessa attribuição fundamental, e incontesta- velmente própria, renuncia a empregar o seu poder pessoal, mostra que nunca delle usou nem usará, nas attribuições secundarias, senão parcamente, constitu- cionalmente, e em harmonia com o interesse nacional.

XV^

O Sr. conselheiro Alencar, attribuindo ao poder pessoal, a que elle denomina esterilidade dos partidos, quando ^bem ao governo do Estado, exprime-se desta arte:

c Que temos nós adiantado, a respeito dos melhora- mentos moraes e materiaes do Império 7 d

Não duvido de que a intenção da resposta a esta pergunta seja bomba de ricochete. Por ser o imperante parte muito activa e essencial no governo da repu- blica, pretende-se-lhe attribuir especialmente o dezar proveniente dessa esterilidade. Nesta ordem ds idéas^ obvio fica igualmente que será para a gloria do mesmo imperante, se a interrogação tiver solução contraria á que ingrata e injustamente se supp^e.

25--

Pois bem. A resposta, eil-a aqui: durante o reinado do Sr. D. Pedro It tem-se o Brasil transformado com* pletamente e adiantado, com progresso notável, nesses mesmos melhoramentos moraes e materiaes.

Uma nacionalidade nascente radicou-se e fortificou-se.

Um paiz pouco considerado dos estrangeiros, e cer« cado de mil republiquetas, firmou a sua monarcbia e é acatado como a segunda nação (e nem em tudo segunda) de ambas as Américas.

A esphcra armilar, divisa quasi desconhecida do ocea« no, com eile travou largo conhecimentoe dos portosonde não havia um vaso de guerra sahiu possante armada.

Todas as nações do mundo tém cultivado com o Brasil as mais constantes e cordiaes relaçScsf.*

Uma delias, que ousou recentemente provocar o Im- pério, sentiu a finar oseíTei tos de sua imprudência, e acrescentou na fronte do Brasil novos loiros mar^ ciaes, aos que duas outras republicas, hoje amigas, lhe haviam ennastrado.

A riqueza do paiz cresceu por tal forma que, ao sahir de cinco annosdc dispendiosíssima guerra^, a fazenda se ostenta florescente ; e tão vigorosa é a seiva productora da riqueza nacional, que as rendas publicas foram sempre subindo progressiva e annualmente, durante essa guerra, e a despeito delia.

As constantes revoltas que, no principio. do reinado, ensanguentaram successi vãmente numerosas províncias, foram substituídas por paz octaviana.

A instituição da escravatura levou golpe mortal com a extincção do ^raQco de Africanos, e tem seus dias contados.

Umaredede vias férreas liga numerosas regiões em muitas provindas do Imjperío.

Importantíssima navegação a vapor sulca os mares de to<Ias as costas, e os rios de muitas regiões.

Tclegraphos eléctricos unem entre si muitas locali- dades.

AI»riram-sQ a todas as bandeiras o Páraguay, Paraná,

Uruguay e Amazonas. 4

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Em muitas províncias, solo outr'ora deserto está rasgado de boas estradas, algumas das quaes podem ser apontadas como exemplares.

As principacs cidades são illuminadas a gaz.

Promoveu-so a instrucção.

Promulgaram-se códigos e simpliflcou-sc a legislação.

A população do Império duplicou. Neste reinado quintuplicou a importação, e a exportação sextuplicou.

Os rendimentos públicos, com suavidade de impostos, sextupl içaram,

Grearam-se ou reorganizaram-se institutos, academias, faculdades de direito e medicina, escolas militares, observatórios, roUegios de letras, lyceus, bibliothecas, thealros, conservatório, institutos aí^ricolas, archivos, sociedades, bancos, estabelecimentos de caridade, hos- pitaes geraes e de alienados, hospícios de surdos mudos e de cegos, prisões e casas penitenciarias, cemitérios, asylos de inválidos da pátria o de inválidos da ma- rinha, lazaretos, casas da moeda, diques, passeios, obras de salubrisação, esgotos e limpeza das cidades, systemas de viação aperfeiçoados.

Longe iria esta resenha se nella me quizesse de- morar. Não é matéria que de fugida se percorra. K se deste esplendido quadro resulta gloria para S. M. Imperial, o thuribulario è o Sr. conselheiro Alencar, que deduz os factos moraes e matcriaes do paiz do poder pessoal do imperador.

XVI.

Disse eu que o Sr. Alencar, denunciando o abomi- nável abuso do podíT p^ssoaí, não dera a mínima prova da aíTinnaliva, não allegára um único facto. Eis-mo coberto de sacco e cinza ; errei ; S. Ex. deu valentes provas, allegou factos tremendos I E, pois ahi fica feita a confissão, permitte-me tu agora perguntar-te se são exactas as versões que por este sertão correram acerca de dous acontecimentos.

27

PRiMEiao. Retrocedamos aos tempos da Uruguayana. Diz-se que, nos princípios da guerra com o Paraguay, no mais renhido e arriscado delia ; quando Lopez se ostentava com excessiva força; quando a sua causa tinha grandes ramificações em Bplivia, Entre-Rios, Cor- ricntes, Montevideo e Buenos-Ayres ; quando o próprio exercito brasileiro ainda estava em gérmen ; quando sur- giam diariamente difíiculdades, não com os alliados, mas alé entre elementos de força brasileira ; quando- SC havia creado a nova milicia ios voluntários dapairía^ a que importava dar animação e prestigio ; quando solo do Brasil estava calcado por inimigo ; quando emíim se reconlieceu a urgência de uma deliberação arrojada e a conveniência de fazer capitanear todas as forças por espada, a que nenhuma outra se equi- parasse em hierarchia, pondo assim termo a perigosas^ dissidências; nessa crise melindrosa, digo, o Imperador patenteou a resolução de partir para os campos de batalha, e participar dos incommodos, das privações. c dos riscos a que seus súbditos andavam expostos. Diz-se que esta decisão achou manifesta repugnância em muitos conselheiros da coroa, que á porfia ex-^ punham a Sua Hagestade os inconvenientes do seu he- róico projecto. Dizem que Sua Miigestade respondera r Rt»solvi ir: qiíeroiv. Se me não deixam ir como Imperador, abdico, e vou como cidadão. Se me não deixam ir como general, não me podem tirar a qua- lidade de brasileiro; alisto-me como voluntário da pátria, e vou com uma espingarda, t (Aqui disse:

QUEUO) )

- SsciUNDO. Diz-se mais que no anno passado, quando o governo assentou ein mandar proceder a uma solem- nidadc olTicial, em acção de graças ao Omnipotente pela terminação da guerra, aconteceu que o encarre- gado desses trabalhos apresentasse uma tabeliã onde SC orçava em 36:000^000 a coUocação de uma estatua equestre do Sr. D. Pedro, em frente ao quartel do campo da Acclamação ; e diz-se que apenas Sua Ma- gcslade leve conhccimonto desso plano declarou que

28 --

«00 consentia que se lhe erigisse semelhante estatua. (Aqui disse : nâo quero !)

Boquiabertos escutemos agora o Sr. Alencar na sessão de 19 de Maio, ao tratar desta recusa da es- tatua e (já se sabe) do poder pessoal.

São suas te:ítuaes palavras:

« uma vez, senhores, foi trazido a este recinto um qiierOy que se disse ser irrevogável ; foi a pro- pósito da Uruguayana. Não desejava que qualquer m^^mbro do gabinete de 16 de Julho viesse trazer a esta casa um não quero/ »

Parabéns, meu amigo, parabéns ! Que tens que lhe dizer? O juiz togado allegou e provou. Agora ninguém mais poderá duvidar da existência, intensidade e pe- rigos daquelle tyrannico poder pessodl^ daquella espada de Damocles pendente sobre a cabeça de todos os ci- dadãos. Os crimes do pod<^ pessoal ahi estão patentes: o Imperador qiiizf e não quizf Quiz ir expôr-se ás balas, em defesa da pátria, e foi! Não quiz que lhe erigissem estatuas, e não se erigiram! E' o mais bár- baro, atroz, e virulento abuso que nunca se viu do indigno poder pessoal. Rei que delle usa assim, de que horrores não é capaz II

Omittoo muito mais que ainda no espirito me tu- multua. A' que foi bem contra minha intenção se neste aranzel me escapou uma palavra que denotasse desrespeito para com um talento distincto, embora neste ponto o considere transviado; também me não passou pela mente duvidar da sinceridade das suas convicções, ou attribuil-as a motivos reprovados. Apenas se me alTigura que o nobi^e conservador, poeticamente movido de alta inspiração, se deixou drrrebatar pelos espaços imaginários. O que ardentemente lhe desejo, visto ser conservador, é^que evite a discussão de outras theses como esta, embora fique vencedor, pois corre perigo de ter de exclamar como Pyrrho : t Mais im& Victor ia assim^ e >estou perdida! i^

CARTA «•*

Amigo.^NSo sei se te queira mal. Pratico a sós com- tigo, na branda eíTusâo de um coiloquio particular, c tu arrastas-me para a praça 1 A imprensa, meu amigo, que para uns é templo capitolino, nâo passa de pelourinho para nós outros, os plebeus da pcnna. Fabricio querido, para que me puzeste em exposição ? Tu, com essas repas embranquecidas nas lutas da politica (nâo raro dege- nerada em pelotica ), devias antever o quesuccedeu. Para certa ordem de estadistas^ a argumentação não vale nada, despreza-se, ridicularisa-se, refuta-se com de- clamações bombásticas, bolhas de sabão que mentem arvores e ediflcios, mares e soes que um ténue sopro apaga. Substitue-se a discussão proveitosa dos prin- cípios pelo fsfíiscar das autorias, pelo sentenciar das intenções : Fábio aspira ao poder, Curcio almeja por um titulo, Sempronio vendeu-se por um conto ou por 400 contos, Tarquínio é estrangeiro, Curcio é aulico, Pan- cracío é ignorante... e assim se vai argumentando^ e triumphando, e provocando o riso alvar dos coros do comparsas, porque a final de contas Alhenas e a Beucia slo ambas sita^ na mesma Greciu.

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Que Ululo me assistia a mim, humildo roceiro, sem intelligencia, sem circulo, sem nome para me isentar daquellas onerosas consequências da publicidade? E. apezarde tudo, aqui muito á puridade te digo que nào me arrenego muito, porque não é cousa pouca ver-se um boçal roceiro em letra redonda, e enfatuar-se com o seu noSf quoque gens sumas.

Além disso, como não é minha mente transviar-me das cousas para as pessoas, nem ultrapassar os limites do que é licito aos debates políticos, deve outorgar-se- me a tolerância, que é para com todos, quaesquer que sejam suas opiniões, a minha constante divisa. Deixo pois á tua consciência queimares ou mostrares a minha cor- respondência. Se não fôr, e talvez seja, stulta presump- ção. fazer subir estes aranzêis á tribuna universal, carta branca ! A's minhas rabiscas, digo o que diz o Ir- mão Terrível ao Ncophito, no escancarar-lhe as poe- tas do templo : « Ahi vo-las entrego ; não respondo mais por ellas. »

I.

Recebo o diluvio de papelada com que me alagas, e o teu relatório sobre o que ahi se está admirando, quanto ás duas questÕesHla ordem do dia : poder pessoale elemento servil. Recommendas-me particularmente o extracto, publicado a 14 do corrente, de um discurso proferida na véspera por S. Ex. o Sr. conselheiro José de Alen- car na camará dos deputados, discurso onde, como sem- pre, superabundam elegâncias de phrase, arrojos de dic- ção, demonstrações de elevada cultura, e dotes orató- rios de subido quilate.

Feita esta profissão de fé, que, dentro de taes limites, constituo não favor, mas justiça, igual justiça me guia- ráfao contemplar o reverso da medalha* Não timbrarei de severo nem de nimiauieiUe rigoroso ; tenho pouco geito para Genturião de procissão ; hei de dizer as cousas

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»

chSmentc,^em fazer de mim javali nem ouriço cacheiro. Se ea tiver razão, hSo de achar-m'a ; se a não tiver, certamente ma não dariam as severidadcs^, nem os ri* gores nimios.

II.

Não ha remodio senão entrar também em scena o eu^ não obstante sua insignificância. Sempre pensei que o mea nome, desconhecido além de 500 braças do sitio onde resido, estava condemnado a resvalar esquecido da terra para o Lethes ; mas não senhor; agora, zoilos^ tremei ! posteridade^ és miiika ! agora superviverei e perdurarei, mas que seja com a invejável sorte de um Bavio ou Mevio, perpetuado por melhor Virgilio.

O facundo orador, que se não abaixara, e com razão, a tomar em consideração as ponderações que na minha anterior te submettí acerca da sua mofina do poder pessoal ; o nobre disputante, luminar da imprensa, que pela imprensa me não respondeu, decidiu esmagar-me em pleno parlamento, i9to é, no olympico recinto, até rujas eminências se não sublimam as vozes de simples mortaes ; reservava ao meu nome a honra de echoar sob aquellas abobadas augustas, gloria esta e monu- mento mais perenne do que o bronze.

Alludindo a não sei que benévola insinuação, e di- rigindo-se ao [Ilustrado relator da commissão do ele- mento servil, disse-lhe que elle (feria conter a sua ndmiração por certo estylo romano^ recheado de erudição^ que etiamos habittiados a ver ahi nos jornaes surgir com n rubrica de Epaminondas ou de Cincinnato ; pois foi essa admirando o que o comprometteu.

Que eu sou Cin:innato, é verdade; Epaminondas não conheço, e nem era dos meus ascendentes, se nasceu na Grécia. Estylo romano ? ó muita honra ; eu sou como o peão fidalgo : fallo. em prosa sem o saber; e con- formo-me com o preceito, do mestre :

« J'ap|)elle un chat un chat, et Rollet un fripon. »

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Pois um estylo que nem é estylo, um dizer sem ele- yaçSío nem cdr, pôde aspirar á preeminência de formar escola» de crear propaganda ? Fico sabendo que esta linguagem pedestre constitue^stj^fo romano ; e que delle se deve fugir como Satanaz da Cruz. Aceito a fla- gellaçâo: poenitet me peccati; 'c sahindo agora da ber- linda, supplico a S. Ex. se digne sen ta r-se nella.

III.

Antes de entrar na questão magna, nao resisto á vontade de seF esclarecido sobre duvidas.

Bradou o nobre orador : c Nesta tribuna^ é necessário nâo ver individualidades. » E logo em seguida, como desenvolvimento desta these, leio que os ministros de- clamam ; que o da agricultura procura incutir o terror ; que o presidente do conselho o escuta risonho, como assistiria a um brinde daquelles que o tém muitas vezes festejado nos grandes banquetes diplomáticos; que o ministro da justiça tem uma voz agoureira e tétrica (risadas! do dito espirituoso); e assim uma porção de outras phrases individuae^^ que d'ora avante tomarei como typos de cortezia e parlamentarismo.

Mas é que neste terreno convincente, lógico, dia- léctico , irrespondivel, nem Yerres nem Catilina ins- pirou tão brilhantemente ao collega romano (não é o do estylo). Os doestos, exprobrações e invectivas, são os únicos argumentos desta enérgica oração, desta metralhadora parlamentar, toda a sociedade ahi cabe prostrada aos tiros de lingua 1

O Imperador^ adiante veremos como é tratado. Toda a organização hierarchica tem igual sorte, uns a re- talho, outros por atacado. Exemplos dos syttogismos deste discurso: .

Que é o jfwcrno?— Athleta, que salta á arena, e se trava, corpo a corpo, com a nação; luta para aba- tOi-a e esmagal-a. Sectário ardente da propaganda.

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emancipador fanático, agitador, revolucionário. Pre- cipitados, ameaçadores. Homens que t#mam o povo por um rebanho, que se dirige com um aceno. Vertiginosos. Desgraçados, que jogam no páreo da ambição interesses capitães, como são a ordem publica e a paz social; que invocam a insurreição para suffocar a resistência l^gal ; quo querem atacar a razão com as quatro syl- iabas do despotismo. Conjurados, que pretendem des- mascarar o absolutismo, etc.

Que soo 0$ defensores deste projecto de lei ? Os que o de- fendem tém em vista a giba do orçamento, emquanto os do outro lado são o braço e o cérebro da nação. São obreiros de ruinas. Não servem á sua cpnvícção, á sua pátria, mas obedecem aos influxos do poder, aos im- pulsos da opinião estrangeira . Emissários da revolução, apóstolos da anarchia. Retrógrados, assassinos do paiz. O^tentadores vãos. Sacrificadores dos interesses da pátria a velleidades de gloria. Cruéis, iuiquos. Heróes do extermínio. Erostratos da nação, etc.

Não continuarei, pois teria de copiar toda a oração, cujo sueco... 6 isso que ahi vôs. Que inversão de po- sições I Sediciosos e retrógrados são os que propugnam pelos principies do eterno direito; os que os atacam ^o os homens da ordem e da liberdade I

Quis tulerií Grucchús de seditione queretUes .

Será acaso esta descomposta linguagem, esta sequencia de allrontosos ultrages, um meio de persuasão?

Imaginará o disíincto parlamenta^ que assim angaria para... para suas idéas supponhamos, as sympathias dos a quem combate insultando, ou mesmo dos indille- renies a quem taes scenas devem repugnar? Parece-me que não ha nada mais inhabtl, mais contra-producente que estes -temppraes em copos d'agua, estas exaltações c!e «ncommenda, estes enthusiasmos oeí usum De^hini^ estas hyperboles injuriosas; será sempre de inconcussa verdade aquella observação do poeta :

On affaiblit toujours tont ce qu^on exaggère,

'O

34 -

Quando algumas horas houvessem volvido sobre a recitação deste j^ouco feliz discurso^ para mim tenho que o senso reclo, o espirito de justiça do fogoso cavalheiro lhe terá segredado aos ouvidos da cons- ciência^ que andara errado ; que se nSo tratam assim os companheiros de trabalhos na representação nacional. Não lhe terá tardado o arrependimento de haver pro- ferido phrases como estas:

c Quem defende esta proposta ? A condescendência e a in^lèerencia. A condescendência dos que estavam com o governo hontem, estão hoje e estarão amanhã , sem atten- derem á$ mudanças de physumomia que.se operam tias sete cabeças do podev^ etc. t

Mas a condescendência^ em assumptos vitacs do paíz, é crime de lesa magestade nacional ; é holocausto da intelligencia á conveniência ; é abdicação dos foros de representante, de cavalheiro, de homem ; é vil traição á pátria. Honra i maioria da camará dos deputados, se ante semelhantes verrinas conservou imperturbável placidez ; não será ^Ivo de invejas o orador a quem impunemente se tolerem taes. liberdades. Quizera eu nesses ihomentos estar lendo por dentro os sentimentos de 60 varões, flor da nação, eleitos delia, a cujas faces se arremessa a accusação de vendidos ao poder ; afer- rados á giba do orçamento; incapazes, hontem, hoje, amanhã, de se destacarem do cofre das graças que har- poaram I

Se eloquência é isto, nada mais fácil que ser elo- quente, e não é em cadeiras de parlamentos que esta linguagem se aprende e usa com mais vehemencia e emphase. Mas nelia ha perigos, e não é ultimo o das reconvenções ; quem assim, justa ou injustamente, penetra em foro intimo, autoriza suas victimas a, justa ou injustamente, penetrarem no seu próprio ; e então onde iria isso parar?

Obraram admiravelmente, deixando passar o pam- peiro ; não reciprocando ; não retribuindo injustiça com injustiça. Outro tanto farei eu. Declararei ao

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contrario, que tudo induz a crer que o illustre orador foi arrebatado por admiráveis Ímpetos, sem sombra de sentimento reprovado.

IV.

Gaidava eu morta e enterrada a qucstSo do poder pessoal, mas agora reconheço que se o que sobre ella se escreveu não foi pulverisado, dcveu-se isso á magna- nimidade do invencível orador, que por algum tempo a trouxe á moda, pois que, gerada da sua imaginação^ a eila deveu a ephemera duração , e vegetou á sombra do seié grande nome ; de certo que S. Ex. se revia ao espelho intellectual, quando invocava no seu discurso o magni nominis umbra^ e eu lhe supplico se digne não destacar a phrase do poeta e ler as outras palavras :

muUumqne priori

êredere forturuB.

« Os tempos nem todos são uns.

Est4 visto, portanto, que o pesadelo do poder pessoal é ídéa íl\a do Sr. conselheiro Alencar. Tem-se visto fri*quentemente,em homens iliustradií:simos,esta con- centrarão das faculdades n'um pensamento, muitas vezes phantastico : bem grande era Pascal, e imagi- nava ver sempre um abysmo ao lado esquerdo de sua pessoa ; são aberrações que não merecem censura.

Como não nasci para relógio de repetição, e tratei este ponto, sem ver minhas asserções rebatidas, admiro a sem-ceremoaia com que se volta à carga dez vezes com as aquilatadas banalidades ; e como Cincinnato não teve a ventara de convencer o illustre antagonista , espero ser hoje mais feliz, pois para refutar o Sr. José de Alencar, impetrei o auxilio.... do Sr. José de Alencar.!

Não esttgmatisarei o estadista com a sua própria plirase: c Uoje as abjurações esl^ em moda. » Não cm-

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pregarei o luxo de vocabulário com qae elic qualifican as suppostas incoherencia$ dos a qaem combate.

Ao contrario, na sua mndança de opiniões exaltarei sua sabedoria^ desde que sapientú est mutare cansilium. Na sua instabilidade reconhecerei o seu horror ao absurdo^ desde que

L'homme absfurde est eelui qui ne changc jamais.

Nas suas variações acharei a applicação de uma lei providencial, revelada por Camões:

Hudam->se os tempos ; mudam-se as vontades ; muda-se o ser; muda-se a confiança. Todo o mando é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades»

A my thologia porem fabula-nos Acteon devorado pelos seus próprios cães ; a historia cita o sujeito que com o braço direito cortou o esquerdo. Dar-se-ha caso...

Ha meia dúzia de annos, sahiram dos prelos desta corte umas publicações, cm forma de cartas, endere- çadas do povo e ao Imperador^ e assignadas por nib Sr. Erasmo.

Sabia eu que, deste nome, tinha havido um menino do coro da de Utrecht, depois frade, depois con- selheiro, e depois sábio; que além dos seus Cottoquios^ não deixou quasi senãio o seu ehgio da loucura; que tinha por divisa : quando einbirrei^ embirrei {Nemini cedo)^ e de quem Scaligero tez uma descripçâo que não ouso recordar ; mas eu nunca suppuz que fosse esse o autor das taes cartas, porque morreu ha mai» de 300 annos, e não podia ser.

Voltei-mc para o outro lado sem mais pensar em tal, quando agora leio com pasmo no discurso do Sr. José de Alencar ser aqueile o pscudonymo de que

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S. Ex. usou em 1897 ! Fui-me á pobre estante, oude jazem uns poucos de alfarrábios e folhetos, e regozi* jei-me tanto com a instructiva leitura das famosas cartas, que, se eu andasse mais folgado em cobres, mandava reimprimir aquellas cousas em letras de ouro.

Como porém isto náo pôde ser, contento*me com transcrever algo do quo vem a propósito da questão.

Não ha Potosi neiá Golconda, de mais rico ouro nem mais esplendidos diamantes que esta inexgotavel mina. Que inveja me não infunde o Sr. Alencar Erasmo na superioridade com que refuta o Sr. Alencar do discurso t

Não é de hoje o caso; vão li annos que me deliciei com a leitura de uma comedia, intitulada : O Rio de Janeiro verso e. reverso. Desde então me deu no goto este modo de encarar as cousas pelo direito e pelo avesso; levante-se o panno para o 3.* acto da comedia : Verso e reverso. (*)

Ouçamos os dons Srs. Alencares. ^

VI.

§ 1.* Aceusação do Sr. Alencar^ do discurso.

c Emprega-se a ameaça, a ultima ratio regum, o summum jus do governo pessoal, i

* Refutação do Sr. Alencar Erasmo.

A existência do governo pessoal está na crença ée muitos Brasileiros.

Deleita-se a malignidade em cultivar semelhante convicção, interpretando a geito alguns factos recentes, oa pondo em^ circulação uma copia de anecdotas de

(*} Cartas pyliUca^ de Erasmo ao Imperador; 2.*' edição 1806.

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reposteiro; fabulas que, fugindo á luz da publicidade e pullulando quaes immundicias no lodo escuro (I), não são esmagadas como deveram (pag. 26).

-^Insofregas (!) ambições lôm por mais de uma vez formulado positivamente a accusação. Mas deveis re- gozijar-vos, senhor : são ellas próprias que, ao appro- ximar-se do throno, mais se allucinam na atmosphera superior, e dão ao publico o grotesco espectáculo de sua ebriedade cortozã (pag. 28).

Se ha falsa prevenção, é esta que' se tem estabe- lecido a respeito do governo pessoal. Minha convicção vai muito além. Não somente nenhuma influencia di- recta exerceis no governo, mas vosso ^escrúpulo chega ao ponto de frequentes vezes concentrar aqúeile rcllexo que uma intelligencia e robusta como a vossa deve derramar sobre a administração (pag. 25).

Protesto alto contra semelhante imputação, e não quero mais prova que o próprio facto ; dispenso os ar- gumentos ijue poderia tirar do vosso critério e aus- t(^ridade de princípios (pag. 26).

Desenganem-se pois os abusados a respeito do go- verno pessoal. Nas paginas em que se desenrolam as últimos acontecimentos, o que está em- relevo é a abs- tenção da coroa. levada a um extremo que talvez ex- ceda da imparcialidade constitucional. Vossa augusta pessoa somente se destaca quando trata-se do sacrifí- cio e abnegação. Então vos debuxais no primeiro plano, reclamando a parte do leão na fadiga e perigo (pag. 31).

Conío é possível que se propague esse erro deplo- rável do estabelecimento de um governo pessoal, quando as actas contemporâneas a cada passo o dissipam comple- tamente ( pag. 26 ) ?

Forte é a tempera da virtude que repelle as ins- tantes provocações do poder. Sob a purpura imperial palpita em vosso peito um desinteresse de Cinciniiato c Washington ( pag. 40 ) !

Senhor, é esteanhelo com que a nação vos está pro- vocando a assumir o governo pleno do Estado ( pag. 3i) !

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Liberdade de imprensai... dizem. Desgarros da licença, que nSo oasára tanto, se a opinião reagisse com indignação contra esse insulto á soberania repre- sentada no poder 1 Mas por desgraça nossa o riso e o exemplo insuflam taes misérias (^pag. 12 ) I

§ S."" Aceusação do Sr. Alencar do discurso .

« O Brasil è a anima Yilis, a matéria prima de uma coroa de triumpho. >

BefiUaçâo do Sr. Alencar Erasmo.

Aberração do espirito publico, tanto mais estra- vagante, quanto os factos geralmente assignalados com o conho da pretendida influencia da corda, são aqnelles em que mais se accnsa uma escrupulosa imparcialidade (pag.26).

Mas é na esphera da constituição que se dilatam essas aspirações liberaes. Invocava-se a corda, para re- clamar delia a verdade do systema ( pag. V ) .

Mas penso eu que se iUude ; o somno do povo bra- sileiro, confiado na virtude do seu monarcha, é possível ; sua servidão, não acredito ( pag. YIII ).

{ 3.* Accmação do à'. Alencar do dist^rso.

(O imperador é ) a mão que ata e desata os nossos destinos, o conquistador, que marcha á conquista da gloria promettida.

Befííiação do Sr. Alencar Erasmo .

A primeira serie, contendo dez cartas, cingiu-se á necessidade da iniciativa imperial para arrancar o paiz da crise em que se debate.

40-

Limiiou-se o trabalho ao estudo consciencioso da actualidade. Dos factos resalta a verdade. No meio da inércia e compressão de todas as forças viras da nação, o impulso generoso da corda terá efflcacia [Adver'^ tencia) .

Será na dedicação de Erasmo à pessoa do mo- narcha ; na confiança que manifesta peia acção bem- fazeja da coroa ; na appello á energia da mageslade (pag. 5).

§ 4 / Accnsaçâo do Sr. Alencar do discurso .

t(0 Imperador é) o único poder deste Império, aquelle que o estrangeiro chama ingenuamente dono c senhor da terra.

Refutação do Sr. Alencar Erasmo.

Rei constitucional, vossa missão é a do sol: não aquelle astro fatídico e abrazador de Luiz XIY, que condensou a borrasca de 1789, mas o fúco brilhante que rege todo um systema e dardeja luz e calor para a naçio(.pag. 25).

A' região superior em que vos coUocou a sobera- nia nacional, não sobem, senhor, nem o que torve- linha, nem os rumores que se escutam, no estádio onde se agita a pátria, afllicla do presente e temerosa do futuro. Os miasmas da terra nâo costumam attíngir as eminências^ pag. 4).

' A constituição vos conferiu em sua inteireza o titulo, como a effectividade, das prerogatívas imperiaes. Basta que vossa vontade se enuncie de um modo posi- tivo e solemne, torna-se logo, de sun própria virtude e essência, facto consummado. No domínio da lei não se concebe resistência para ella ( pag. 58).

O Imperador nâo pôde sem duvida desprezar a opi- nião publica ; se, porém, a opinião se extravia e con* tamina com a mais feia ímmorniidade, ellc, probo e

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austero, tem, nâo s6 ante a nação, porém ante Deus, a obrigação indeclinável de resistir cm nomo da lei e da moral ( pag. 50 ).

Si tuado na oupola do systema, neutro e inaccessivel, o monarcha, poder nacional, plaina (f) sobre os outros, meros poderes politicos.EUe não exprime somente, como a le.í^islatura, uma delegação da soberania ; exprime um deposito permanente e sagrado. O Imperador é mais do que o primeiro representante da nação ; é seu defensor perpetuo, o magistrado supremo do Estado (pag. 57).

Chamo-o— poder nacional para significara quasi communidade em que se acha com a nação. Nelle reside uma parte de soberania popular, que isolou-se (!) em principio e se consolidou nessa grande individualidade, a fim de resistir aos desvarios da opinião ( pag. 58 ).

Não ha contestar esse ponto. Os actos do poder mo- derador sao de exclusiva competência vossa: para exer- cel-os não dependeis de agentes, e actualmente nem de conselho (pag. 58).

I 5."* Accusação do Sr. Alencar do ^discurso. \

t Este golpe de estado ha de firmar no paiz o absolu- tismo, ou antes de.ímascaral-o. »

Refutação do Sr. Alencar Erasmo.

A summa questão da actualidade 6 esta, da vigo- rosa iniciativa que deveis tomar em prol da constitui- ção; ncllaestàa chave de todas as outras, tendentes á realidade do systema e restauração do paiz (pag. 40).

appareceis onde a, vossa presença é necessária

para cobrir as faltas do governo e seus agentes. No Rio Grande para promover a defesa deleixada por muitos mezes e applacar dissensões. Em Uruguayana para res- g^uardar o decoro nacional compromcttido por grave

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omissão do tratado de alliança. Na corte prra activar a expedição das tropas e trem de campanha ou zelar o bem estar do soldado ( pag. 32 ).

Mas é dedicação e actividade individual que assim dispensais prodi^^amenle: a magostade se envolve na magnânima cordura que releva a negligencia e o erro.

Esta é a verdade ( pag.. 32 ).

Emquanto vos esquivais á politica, a nação, desabu- sada dos homens que a governam, vos reclama e solicita com abundância de coração ( pag. 33).

6/ Accnsaçâo do Sr . Alenc do discurso. f Idèa funesta, que vinha de cima. »

Refutação do Sr. Alencar Erasmo.

Por todos esporos rotnpe a effusão do paiz que se abandona e confia exclusivamente da lealdade e critério do seu monarcha (pag. 34 ).

—Este povo, apathico e indiíferente ás mais nobres funcçõesda soberania^ ainda sente por vossa pessoa sin- ceros transportes. Não sereis sua única ; porém, com certeza sois o estimulo das outras raras e sopitadas ; o estandarte capaz de nestes tempos inertes levantar enthusiasmo em prol de uma causa (pag. 31).

Grato e fácil é o designio de convencer uma razão recta, quando não se tem outro prol além da verdade. Mais ainda, se a convicção alli despontou e aguarda espaço e vez de produzir-se (pag. VII ).

Nossa felieidade é possuirmos a monarchia para socalcar as ambições afoutas ; e na monarchia um prin- .'!ipe recto, liberal, invulnerável aos assaltos da paixão (pag. IV).

-.43 -

I 7.° Accimção do Sr. Alencar do discurso.

A proposta é o precursor do projecto incubado no alto ; provocação para. . . atacar a razão combayonelas, o fuzil, o sabre e o canhão, que são as quatro syllabas do despotismo. >

Refutação do Sr. Alencar Erasmo.

Monárcha, eu vos amo e respeito. Sois, neste tempo calamitoso de indifferentismo e descrença, um enthu- siasmo e uma para o povo. As esperanças que bro- taram na primeir- metade de vosso reinado, e mur- charam ao sopro'* itiao do presente, aiuda podem re- florir sob os raios de vossa coroa. O cidadão livre se approxima sereno de vosso throno porque nunca ahi senlQu-sc a tyrannia ; sua dignidade não se vexa, ao reclinar-se para beijar-vos a dextra augusta, porque em vós acata elle o pai da nação (pag. 4).

Alli está a cabeça da nação. Não toldam a lucidez da mente superior sombras que projecte a inveja. Sua abnegação c civismo estão provados (pag. 7).

Homem, cu vos prezo, admiro. Virtudes cívicas e domesticas adornam vossa pessoa . Na cúpula social onde a nação vos collocou sois para a sociedade brasileira mais do que um rei, sois um exemplo. Quando por toda a parle se ostenta impune o pungente espectáculo do relaxamento do dever e obliteração do senso-moral, a alma da gente honesta se expande, contemplando era vós um typodc homem de bem ( pag. 5 ).

Em uma" palavra, e cila resume vosso elogio : Bem poucos monarchas dirão como D. Pedro II : « Nunca, cm um reinado de 23 annos, es^lreado com a inex- periência da juventude, nun:a abri meu coração a ura sentimento de ódio, nunca puz meu poder ao ser- viço de mesquinhas vinganças. »(pag. 5)

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§ 8.* Accmação do Sr, Alencar do discurso.

t O golpe foi decretado in excelsis^ e nâo se podem mostrar vellcidades de resistir à vontade omnipo- tente. »

Refutação do Sr. Alenccrr Erasmo.

Eis porque Erasmo se dirigiu ao throno. está o que o egoismo c a vaidade lhe recusariam em muita parte. Ouvido benévolo para o escutar; dedicação prompta para o comprehendcr ; illustraçâo magnâ- nima, que nào desdenha a idóa, e corrige o erro sem mofa (pag. 7).

—....com o risco mesmo de molestar o pudorda magestade. Não vos falta coragem moral para enca- rar de frente os males do paiz (pag. 31).

Ache ao menos a liberdade que desertou a alma succumbida da pátria, um abrigo á sombra do manto imperial, para que não morra conspurcada nos tri- púdios da anarchia ( pag. 16 ).

Ha, senhor, nesse pronunciamento, que brota a cada canto, uma demasia que degenera em lisonja e frisa o ridículo. Mas não convém escarnecer destes desvios, c somente corrigil-os. Todo o enlliusiasmo do povo é generoso ; e n»íste dos Brasileiros por seu Imperador, 'parccc cfuo estão realmente concentradas durante a crise as forças vivas da nação (pag. 36).

Vil.

Fica evidenciado, por boca do Sr. Alencar de hon- tem, que nenhuma razão assiste ao Sr.;^AIencar de hoje.

S. Ex. nos ensina que não existe entre nós poder pessoal; que a malignidade pôde tal aventar; quo c uma falsa prevenção ; que a missão do Imperador ê

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V ^

I

( lai e qual) como a do sol ; qae ellc protesta alta- raentc contra a imputação ; que a imparcialidade da corda excede os limites devidos; que o impulso delia. poderá ter efficacia;que o Imperador ó o pai da pátria, para beijar cuja dextra augusta^v elle se honra em reclinar-se ; que o Imperador 6 a cabeça da nação.; que apenas elle enuncia sua vontade, isso b.ista para se tornar logo, de sua virtude e essência, facto con- summado, contra o qual se não concebe resistência, etc, ele.

Pouco tempo depois, o Sr. Alencar era ministro da justiça*

VIII.

De que modo S. Ex. foi deixado em liberdade no des*- empenho de seu alto cargo, eu o dissessem ter sido, csem risco de ser, contrariado. Como, porém, a decla- mações balofas é útil antepor factos concludentes, ve- nham mais dous, do arsenal do próprio Sr. Alencar, jun- tar-se a tantos que adduzi.

Será um delles o que o próprio Sr. Alencar agora neste discurso vem delatar, fallando da sua opposição a:) pensamento da abolição da instituição do captivei- ro. Diz S. Ex. :

c Na qualidade de ministro, resisti francamente á < cor(Va na promoção desta reforma, cujo projecto, elabo- rado pelo conselho de estado, mandei archivar na se- cretaria da justiça.

Admira, meu Fabrício, esta esplendida demonstração do poder pessoal/ Resulta desta inconfidência que, a coroa, chamando a attcnção do ministro para um projecto do conselho de estado, foi o ministro quem lho pôz o seu velo e mandou archivar os papeis, oppondo-sc a que se lhes desse andamento; e esse ministro continuou mais de am anno em exercicio, e declarou ao parlamento que fóra por divergências individuacs com outros conse- ILieiros da coroa que resignara a pasta.

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«

Se S. Ex. se não arroga o dom da infallibilidade, ha de tolerarque outros ministros podessem pensar de um modo diverso, e não achassem tão archivavcis os traba- lhos do Conselho de estado.

Mas, eia todo o caso, o certo é que o Sr. Alencar de- nunciou que comsigo mesmo teve a prova, nesta pró- pria questão, de que a coroa não exerceu pressão de espécie alguma ; nem ella se lembrou de quebrar, como tão constitucionalmente poderá ter feito, o instrumento que se 'oppunha áquillo que ella acaso considerasse bem.do paiz.

Também não é fora de propósito apontar pai^a a nar- ração (lue oSr. Alencar faz, no seu discurso, das phases por que foi passando o pensamento emancipador. FJs como se exprime :

Inaugura-se esta situação em 1868... A falia do throno, documento authentico da nova situação e seu program- ma, fazer\do'um contraste patente com os dous ante- riores discursos da coroa, calou-se a respeito da eman- cipação; guardou sobre essa questão um silencio elo- quente. >

Aqui o discurso do coroa é considerado obra dos mi- nistros, e, portanto, eloquente... no silencio (silen- tium verbis facundius) ; alli o mesmo discurso da coroa é considerado obra do rei, e, portanto, abominável INão appello de Philippe para Philippe;mas concluo do tal relatório do Sr. Alencar que os discursos da coroa são de feitura e responsabilidade dos ministérios, e que o throno tanto comprimiu a situação, de 1871 [para fallar, como havia comprimido a de 1868, para calar-sc.

E que estamos no campo das anecdotas e tu vives na corte, onde as pcsquizas são fáceis, quizera me in- formasses do seguinte :

Uma das mais preciosas attribuiçôes do pader mode- rador, é sem duvida a de perdoar as penas. São notó- rios os tramites que os respectivos regulamentos esta- belecem para serem instruídas as petições dos indiví- duos condemnados, mas não é tão geralmente sabida a marcha posterior destes processos. E' \crdade que, se-

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gundo as pra\esda secretaria da justiça, estos processos eram nella preparados, e em seguida subiam ao ministro, o qual os estudava também e os submettia com o seu parecer á suprema deliberação de S. M. o Imperador ?

Será verdade que, occupando a pasta da justiça um cavalheiro que a respeito de poder pessoal pensa va-appro- ximadamente como Erasmo, foi um de seus primeiros cuidados pôr termo a estas praticas, dizendo a Sua Ma- gestade : t Senhor I Eu não tenho nada que ver com o exercício do poder moderador; é desse poder o jus de perdoar. Em taes casos o governo não deve interferir, nem mesmo com o seu conselho. Faça Y. M. como em sua sabedoria achar ju^to. fteora avante estes processos subirão a suas augustas mãos, sem relatório, nem pare- cer do ministro respectivo? »

Será verdade que.em virtude desta singular abstenção, abdicação ou como melhor nome haja, do ministiro, foram por eile assim alargadzR as ensanchas do que por ahi denominam poder pessoaH Quem seria ? E são elles que faliam...

IX.

E como por sainete destas agruras tenha seu cabi- mento a farça, se me depara na fulminante catilinaria outro bocadinho de ouro.

Tem o censor do poder pessoal sido cem vezes con- vidado a expdr um acto, que durante os seus longos 18 mezes de assento nos conselhos da coroa presenciasse, exorbitante dos deveres e dos direitos da realeza cons- titucional; a nada o censor se move !

se que não é por escrúpulos de consciência timorata, .attento o perenne alarde de independência c autoflomia ; e seria cem. vezes menos hostil, mais franco e leal referir factos sobre que ninguém pediu segredo, c em que a discrição apenas é aconselhada pelo senso-commum das conveniências, que batalhar com a arma curta das reservas e a espada de canna

- 48 -

das reticencias : accusaçues poiRm rcpellir-se, reslric^ çues (loixam sempre um campo vago.

Segundo sempre ouvi, S. M. o Imperador, o defensor p(?rpotuo do BrasiK o constitucional timoneiro da náo do Estado, o magistrado supremo a quom incumbe a pormanenie vigilância, tem por uso prestar sempre a mais accurada at tenção aos negócios públicos; quando cm conselho, escuta cuidadosamente as exposições, o para não interromper, costuma ir tomando nota do que lho vai chamando a advertência, para depois dissipar duvidas ou emittir opinião.

Reparaste, bom Fabricio, no modo como o Sr. Alencar ccnsuri, fulmina, ridicularisa e«te ^nobre habito, esta prova do zelo o da seriedade com que o monarclia estuda os negócios públicos ? Relê e pasma 1

t Armei-me do lápis, porque todos nós lemos o veto do lápis ; não é privilegio da realeza, t

E leio mais, que isto despertou hilaridade 1 ! Creio-o bem; creio que a hilaridade é a única disposição que condiz com linguagem semelhante; mas hilaridade s assim são de feição.. em palco diverso. sevo quaes seriam os escrúpulos de tal delator, em correr o reposteiro dos paços onde ura dia lhe iteram entrada, ou em provar seriamente com factos a intrusão da coro:*, quando tão ingratamente se procura expôl-a ao ridi* culo, por praticas dignas do acatamento; mas em ver- dade, o Sr, Alenaar, que 6 poeta, precisava chave de ouro para o seu soneto das provas do poder pessoal: vimos o 1.' quarteto do qiiero da Uruguayana ; o 2.* quarteto do nào quero da estatua ; agora, 1.* terceto, oprivilegio da realeza ; 2.° terceto, veto do lápis.

São argumentos monumentacs, discursos demosthc- nicos, canhões Krupps.

Tencionava, preclaro Fabricio meu, dizer-te algumas palavras sobre o pouquíssimo, não declamatório, que da oração do Sr. Alencar se espremo sobre a magna

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questão (lo elemento servil, mas te consagrei uma tarde inteira, e isto nâo vai a matar. Se amanhã ou depois me sentir com disposições, palestraremos.

Por agora, aqui me cerro, quando talvez de sobra tenha bacharelado.

Sabes tu o que ando a ler nas horas vagas? Aquelle thesouro que denominam Carta de Guia. Ora, quem falta a um dever, está apto para faltar a todos; cesteiro que faz um cesto faz um cento, o caso eslá em darem-lhe verga e tempo : a honra politica comparo-a eu á honra da mulher ; e c a honra da mulher ( segundo diz o alço- rio) é como algarismo : tanto a erra quem erra em um, como quem erra em mil.» E afinal de contas vai todo o discurso pelos ares ; è ainda aqui me acode a mesma Carta de Guia, dizendo : Parece-me a mim agora isto, como quem põe meada grande em doba- doura pequena, que em lhe puxando pelo ílo, traz o íio, a meada qa dobadoura tudo a terra. >

Saudades á comadre e aos pequerruchos.

Teu velho amigo,

Chiei una to.

CARTA 8/

Amigo. ^Disse-te, na minha ultima, que tornaria a palestrar comtigo sobre o discurso de um de nossos laminares do parlamento, se me sentisse para ahi vi- rado. Ora hoje não tenho muito que fazer ; os pretinhos andam por fora a cortar canna ; e eu, se hei de estar a embalar-me na rede, ou a berrar com o feitor, ou a pedir que me façam cócegas ou dém cafonés, venho governar o mundo em secco, e aborrecer-te com as mi- nhas tontices, privilegio triste dos annos largos. Se eu disser muito disparate, desculpa, que eu sou o primeiro M nlo dar nada pelo meu bestunto ; e quem me descar- regasse paulada, seria bárbaro, porque daria em homem morto

Não sou dos que aspiram a dominar o universo, a imperar sobre a intelligencia humana com o seu verbo omnipotente, porque li a historia de ícaro, cujas azas se derretiam ; de Lúcifer, cujo orgulho o precipitou do em- pyreo nas profundas ; e sempre me toou aquella velha máxima : c Quem quer tnais do jjue lhe convém^ perde o çuequereoquetem. > E ainda que não venha a pro- pósito, quero transcrever- te um passo curioso de um sermão do padre A . Vieira :

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« Toda a creatura nao sóappetece sempre ser mais do que é, senão também qnerer mais do que pôde. Tal é a cegueira de um entendimento ambicioso : ha de querer mais do que pôde, ainda que conheça que é im- possivel. O oílicial pôde viver como oíTicial, e quer viver como escudeiro ; o escudeiro podo viver corao^cscudeiro; e quer viver como fidalgo ; o fidalgo pôde viver como fidalgo, e quer viver como titulo ; o titulo pôde viver como titulo, e quer viver como príncipe.

E que se segue deste tão desordenado querer ? O menos é que, por quererem o que não podem, venham a não poder o que podiam.

Quanto sobe violentamente o querer para cima, tanto desce sem querer o poder para baixo. Quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem. Se apenas podeis sustentar um cavallo com um mochila, porque haveis de ler uma carroça com oito lacaios ? Com essa mal considerada vaidade, que é o que adquiristes, com o que perdestes ? »

Portanto não corro eu perigo, continuando a aren- gar-te sobre cousas de que entendo pouco ? Se eu não poder sustentar uma these, para que me hei de metter cm fofas ? para que hei de menosprezar o prudente quid valeant humeri ? Se eu sei apenas sargentear uma companhia, para que arvorar-me em generalíssimo? Se a minha estatura épygméa, para que hei de pedir um covado aos tacões da bota ? Se com justiça me con- cedem alguns dotes, para que hei de' eu, ambicionando glorias inattingiveis, arriscar-me a que se me neguo pão e agua ?

Nada. Qaemquer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem ; e eu não quero perder o con- ceito de espirito singelo e chão em que tu, meu Fabrí- cio, sempre me tens tido ; e por isso/tudo quanto te submet ter será em simples forma dubitativa ;e onde eu desarrazoar, faze a merco decorrigir-me.

Eu de nada me gabo, e em nada tenho presumpção, nem mesmo em ser coherente ; para que presta isso ? Sc eu não fosse tão velho, senil, encanecido, ancião,

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decrépito e der rengado (confesso todos os meus crimes), talvez ainda sentisse pretençõcs de subir até o sétimo çéOy sem me importar com os degráos ; hoje palhaço de corte, amanhã iribono da plebe, e... Nada !

Desisto dessas aspirações : estou carcomido ; nâo valho pitada de tabaco.

E, pois se me concede alvará para delirar e tontear, aproveito a generosa licença e entro em matcria.

I.

A escravidão.

Folgo de ver que os poderes públicos tomaram a si a so- lução da tio demorada questão do elemento servil, por- que era essa amanpha que deturpava a nossa sociedade, e cada dia qne passava na inacção constituia uma ver- gonha e am perigo.

A instituição da escravidão se coaduna cora o gráo intimo da civilisaçâo, e repugna-mc ver esta terra accu- sada de occupar esse gráo na escala das naç5es.

Eras houve em que a escravidão seria, relativamente, até nm beneflciopara as victimas de tal instituição. Em longes tempos desastrosos, a guerra era acompanhada de um cortejo de horrores, que, para confusão do deno- minado século das luzes, nestes dias se viu reprodu- zido. Nas taes eras o direito das gentes ! autorizava o guerreiro a immolar o vencido ; nessas eras também o trabalho significava deshonra. Quando pois o interesse, e não a caridade , convenceu o vencedor de que apro- veitava mais com o trabalho do que com a carniceria dos vencidos; quando se reconhcceujser preferível aprovei- tar, a degolar, os prisioneiros, procuraram conserval-os, de onde vem o termo servus , e utilisar os seus serviços; c dahí seconclue que a escravidão, em taescircumstan- cias, foi ura progresso, comparada com a sorte que a;ruardava as míseros.

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B4

Mas essas praxes são remotissimas. Pôde dizer-seque JadcQS, Gregos, Romaups fandaram sobre a nefasta ínstítaição uma organização social, e até a philosophía lançava saa espada de Brenno na concha da balança : Platão e Aristóteles, reconhecendo-a contraria i natu- reza humana, proclamavam todavia que sem escravidão não havia estado politico passivel 1 e a matrona romana, se Juvenal não mente, espantava-se de que alguém sup- pozesse possível que o escravo fosse homem. {Itaservus homo est?) Era natural nessas sociedades o torpe espec- táculo do corpo livre e da alma livre (pois são insepa- ráveis ) vendidos a preço de dinheiro, embora a venda do corpo parecesse indigna aos espíritos rectos, como o de Ovidio:

Turpiter ingenuum munera corpus emunt.

Com o andar dos tempos, com o pharol do christianis- mo, com o progresso da philosophia, com o aperfeiçoa- mento da civílisação, reconheceu -se que o homem não é objecto venal, e que a instituição é contraria aos mais elementares principies do direito. Assim o]proclamaram todos os povos e se não desaira ser o Brasil, por peculia- res circumstancias, ultimo que em seu pendão inscreveu o motto liberdade universal^ por certo lhe não estaria bem se por mais tempo demorasse a sua resolução pratica, embora rodeada de cautelas, impostas por excepcional situação.

Felizmente vejo que todos os pensadores, quaesquer que suas dissidências sejam, estão concordes neste ponto; se nos recônditos ancos de alguma intelligencia se abriga pensamento diverso, e o plano de perpetuar o captiveiro, ao menos no coro dos lábios reina a mai^

honrosa unanimidade.

Tem universalmente calado nos ânimos aquellesapo- phtegmas de Erasmo, dooulro,o Erasmo de Ulrecht:

NuUa volúpias viris suavior est UberMe.

NUiil beatum^ si absít libertas.

KJ

E* também delle, um que eu tenho medo de citar : Pestilmtissifnum genus est adulationis, sub libertatis ima- gine blandiri ; mas emíim, como vai na língua da missa, passe.

n.

o projecto. As iras.

Li atientamente o projecto do gorerno, tendente á gradual abolição da escravidão ; li as modificações que nelle introduziu a benemérita commissão da camará dos deputados ; li o muito que me mandaste^ pró e contra ; e adquiri convicção deque,nascircumstancias actuaes do Brasil, esta lei é previdente e sabia ; e( em- bora ea desejasse nella algumas addiçdes, taes como a li- berdade dos escravos sexagenários que a desejassem, in- demnizados os senhores comum titulo deSOOjSlOOO; ne- nhum imposto sobre os escravo^ da lavoura, e uma taxa de S^HOOOa mais em cada anno, em progressão indefinida, sobre os escravos das cidades eem beneficio da caixa da emancipação, e algumas outras secundarias modiflcaçdíes, de que se não faz cargo quem não é legislador ), tenho para mim que as disposições da lei são dignas de plena aceitação.

Seja Deus o direito ; seja César o dono dos escravos ; parece-me que esta lei a Gesar quanto lhe é pos« sivel dar, offerece a Deus quanto lhe pôde oSerecer.

Nas transacções^ impostas pelo dever e pela prudên- cia, é frequente imitar a lei ao grande Affonso de Albu- querque, quando se queixava de ficar mal com o rei por amor dos homens, mal com os homens por amor^do rei .

Troquemos as palavras rei por direito, homens por m- nhares ie escravos^ e acharemos que toda ^ kide con- ciUaçâò ficará mal com o direito, por não exigir tudo qnanto este proclama ; mal com os senhores, por lhes nio conceder a permanência da escravidão, ou pelo menos o adiamento para as kaiendas gregas, de qualquer plano de acabamento da triste instituição.

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-^ Vejo com pczar que essa questão, precisada de attençâo e Iranquillidade de animo, tem sido discutida com exaltações e scenas violentas, e nesta distancia não posso avaliar de quem é a culpa. Deploro-o, pela dignidade do parlamento, pelo credito das instituições juradas, pelos duplos preceitos da civilidade e da ci- vilisação. Nunca ouviram os iracundos, sejam quem forem, que não ha paixão que tanto abale asinc«riladc do juizo como a cólera ? que essa paixão corre ás armas sem aguardar oplacet da razão? .E aftida se issoiossc um movimento casual, único, de despeito ou desres- peito, desculpar^se-hia o tributo prestado ás imper- feições da natureza humana ; mas a cólera arvorada em systema I repetida quotidianamente como argu- mento convincente l Não deve ser. t Fora para desejar ( diz o meu ancião Séneca ) que os movimentos do furor não podessem prejudicar mais que uma vez, a exemplo das abelhas, cujo ferrão se parte í primeira picada que dão. » Oh Séneca, Séneca! Quantas intactas trombas de bisouros te não desmentem i

Mas visto que cada um enterra seu pai conforme pôde, barafustem como lhes aprouver, e continuo a servir de texto para os meus estudos o discurso do inimigo do poder pessoal.

Tu sabes os meus hábitos. A todo o cidadão, òomo cidadão, como particular, tributo respeito, e nada tenho com elle; isso pertence ao seu foro interior. Mas pertence a mim, como a todos, o que é do foro exte- rior: as opiniões politicas proclamadas urbi et orbi per- tencem á.sciencia politica, ao debate, á publicidade ; e triste idéa daria da çua firmeza, da sua convicção, ou da procedência das suas theses quem, por meios repro- vados, fugisse a sustcntal-as,jou phantasiasse declina- torias para annullar contradictores.

E' nestes termos que entendo a polemica, e nelles continuarei.

Procedam outros como lhes aprouver, que não me demoverão.

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i)J

III.

Se o projecto baixou do alto.

Loio no discurso:

Ogol(>e foi decretiido in excelais; é, com a ameaça» o $nmmam jua do governo jpessoal ; mana de quem as* pira a esta coroa de triumpho, do uiiico poder do Im? perio; idéa funesta que \€m de cima ; golpe de estado que ha de Ormar no paiz o despotismo, e te, ele. t

Que se lh6 ha de fazer ?

São sempre variações do mesmo thema ; a idéa fixa, a aberração; o abysmode Pascal.

Opensamento da liberdade humana baifj do alto, foi dtcrttaáo in excelsis. Certamente: quem o duvida ?

Sim, foi decretado m cxcelsis no dia em que o fí^^ demptor desceu á terra e proclamou a rcdempçâo dos captivos e o dogma da fraternidade humana, e o maior numero dos preceitos do decálogo— Gloria a Deus nas alturas .

Sim, baixou das alturas da philosophia^ nâo menos que da religião, para esclarecer a guiar as socie- dades.

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Sim, baixou das alturas do direito^ do verdadeiro, do rtcrno, do ímmutiivel, do natural, do que nao varia com os tempos e as circumstancias.

Sim, baixou das alturas da civilisaçâo^ que se nâo compadece com as ruins doutrinas do captiveiro.

Sim, baixou das alturas do consenso unanime da humanidade^ que baniu essa instituição para nâo sub- sistir senão nas paginas tristes de mais bárbaros tempos, e a condemnou para nunca mais resurgir.

Sim, baixou das alturas da moral social^ que ante essa instituição velava o envergonhado rosto.

Sim, baixou das alturas da politica universal, que em todas as nações, sem excepção alguma, apagou dos códigos a mancfia que os conspurcava.

38

Sim, baixou daa alturas da economia politica^ da f/?- du&iria^ da prodmção^ e da illustrada experiência^ que nosmo.^tra ser a honra do trabalho, incentivo, alimento e premio dellc ; ser estacionaria a sociedade com es- cravos ; alar-se eila a seus magestosos destinos, desde que se lhe desprende esse grilhão ; .vogar ligeira, desde que â nào do Estado se arranca o entorpecimento du rémora.

Não serão bastantes esses ín é^rrcri^w, essas altnrast quereis mais? quereis as supremas elevações da nossa

terra ?

Não sei bem como o mercúrio do vosso barómetro po- litico TOS determine e.^sas alturas: mas honra seja feiia á nossa sociedade, percorrei-as todas, e cm todas achareis grafado o mesmo sentimento.

A nossa ma!^ elevada eminência, o nosso Himàlaya político, a residência terrestre do nosso Deus Mahadeva, denominado Op«ur(ío,é o primeiro oráculo que devemos consultar : elle nos respondessem hesitação nem am- biguidades, que a escravidão deve acabar. Seja prova disto o eloquente facto de hingnem ousar oppõr-se á idéa em si mesma: a opinião publica exige pojs o termo da instituição.

Exigem-n*o, Q^o menos, as vozes generosas em todo o Império; a reproducção dos debates sobre este as- sumpto, desde o dia da independência, se não antes, e com especialidade em ambas as casas do parlamento lia alguns annos ; o desenvolvimento que vão tomando as espontâneas alforrias, concedidas por assembléas provinciaes, corporações pias e profanas, particulares em sua vida e causa niortis ; o profundo estudo feito sobre esta matéria pelas summidades sociaes que cons- tituem o conselho de estado; a organização de socie- dades libertadoras c de jornaes protectores da liber- dade em numerosas províncias; finalmente quantos elementos sociaes podem gerar a persuasão de que o sol americano sazonou alíim o frucfo opimo da li- berdade.

Ahi tendes as alturas^ e n'outra parte nao as pro- cureis. Dissipai da vossa imaginação sobrexcitada o daende, o espectro do poder pessoal, que nada tem com a questão, a qual não pertence a nenhum indi- viduo, mas ã religião, á philosophia,à politica, á hu- manidade e á pátria.

Não ha contradicção mais flagrante que a do cava- lheiro que pretende rebaixar o soberano, attribuin- do-Ihe o desejo de aspirar para a sua pátria áquillo a que a própria pátria aspira. Se é certo que o Im- perador do Brasil forma votos por que os legisladores do Brasil consagrem o principio que o Brasil todo aceita ; e se nem ainda assim exorbita um ápice dos seus poderes, a nação lh'o agradece.

Nada mais imprudente, por parte de quem fdr ini- migo da realeza , do que attribuir a essa realeza o «neto mais glorioso que estes tempos legarão. Bajulador involuntário, aulico invicto, cortezão ínnocente, decla- rado palaciano, será o que barafustar por convencer <iue a nobre idéa, rellectida do Império inteiro no animo do Monarcha, foi o animo delle que a dardejou no Império inteiro ! Tributo o devido acatamento i pessoa do Imperador, mas não o adulo nem o incenso, attri- buindo-lhe mais do que uma opinião, aliás digna e pa- triótica, sobro um ponto, que os nossos estadistas poderão resolver.

Antes de transpor este assumpto, direi que, se- fmndo um autor, tem o homem a faculdade de trans^ formar-se tão promptamente como de mudar de ves- tuário ;e é assim ; toma liçSes dos lepidopteros e outras creaturas, que successívameníe se nos desflgurara cm sementes, larvas, borboletas, vermes, etc, etc, se- gundo as conveniências da sua natureza. Devemos suppór que a politica participa algiim tanto dessa natureza actifissima ; aliás nao poderíamos explicar certos phe- nomcnos .

Na minha precedente chamei a tua attonçao para umas cartas de um Erasmo, amouco do Sr. D. Pedro II cm 1800 ; agora te rccovdaorci ^lue, ji mcadjo o anno

-Go- dé 1867, forani publicadas Novas cartas politicas de Erasmo ao Imperador^ cm espirilo diamelrajincnlo opposto ao que diclára as Antigas, Tivemos /pois, um Erasmo o Velho^ typo do cortezãos , e um Erasmo aiíofo^ typodeaDti-dyaastícos ; para mim tenho quenâo podiam ser uma e a mesma pessoa ; seriam os dous Plinios. ; Seja como fôr, direi que Erasmo o Moco disse tantas... altivezas a S. M. I., como Erasmo o Velho lhe di« rígira.... amabilidades. Parte grande dessas cartas rèovas versou sobre a emancipação, e então se delatava uma boa vontade, atè neste assumpto, ao Imperador, tão bem fundada como a historia do qtiero enão quero. Ora, olha tu; os crimes do poder pessoal, assacados, a pag. 12 : Libertando, uma centena . de escravos, cujos ser- viços a nação vos concoddra (1.* mm^); distinguindo com um mimo especial o superior de uma ordem re- ligiosa que emancipou o ventre (2.* críiwe); esliniulan<lo as alforrias por meio de mercês honorificas (3." crime); respondendo ás aspirações beneficentes de uma sociedade abolicionista da Europa (4." crime); e, Onalmenle, recla* mando na falia do throno o concurso do poder legisla- tivo para essa delicada reforma social (5,* a^me); sem duvida julgais ter adquirido os furos de um rei phi- lanthropo I Grande erro, senhor 1 Prejuízo rasteiro, que não devora nunca attingír á altura do vosso espirito 1 »

Ora, em verdade qualquer commentario embaciaria este aço limpo e terso. Censurado o Monarcha porque os seus ministros aconselham na falia do throno o con** curso do poder legislativo! Porque um desses ministros responde a aspirações beneficentes I Porque estimula al- forrias voluntárias! Porque aprecia um nobre acto praticado por uma ordem religiosa t Porque liberta uma centena áe escravos!

O' Fabrício, nâo ó este o caso da operação gue o rei do Olympo pratica naquelles quos Júpiter vtUt perderet

Não são tudo isto versetos de um responsorio, ou antes cânticos de um hymno em honra e louvor do Imperante ?

II me snnble voir fc diable

Que Dieu force à loner ks saints.

fil

«

Claro cslá que naquelles factos níngucm senão Erasmo acharia matéria p^ra rcprehensão; suo do natureza adamantina. no primeiro poderia um* excesso de es- crúpulo demorar algum reparo; e e.>se mesmo apenas servirá pura provocar, ao contrario, novos tributos do applauso à augusta pessoa que se pretendeu deprimir.

Oiz-se alií que o Sr. D. Pedro libertara escravos, que a nação lhe concedida ; e isto com o manifesto intuito de accusar a roaleza de dispdr , como sendo seu dominío, daquillo que a naçSo apenas em usufructo- lhe concedera.

Pois bem: se cu não estou mal informado, mani*- festar-te-hci um facto tanto menos conhecido quanto mais merece que o seja ; merece-o, sim, porque se a verdadeira caridade occuUa á mao esquerda o que faz a direita, a terceiros è licita a revclarSo, menos para desnecessário premio que para nobre incentivo.

Consta-me pois que, ha largo tempo, nao o Sr. D. Pedro entre os que o servem nascer um escravo. E por que artes de engenhosíssima caridade? Mandando na pia libertar os (llhos^das suas escravas, e satisfazendo loíTO, do sea bohinho, a importância dos^a emancipação, cujo valor, para que não seja desfalcado o património da corda, é íncontinenti constituído em apólices, que ao mesmo património ficam pertencendo. H.irmoni:;e-se a sin.í^eleza da narração de um acto dçsta magnitude (e om que a virtude se escondeu tanto como outros escon- deriam malefícios), com a sublime singeleza com que tem sido praticado ; e nem ihais uma palavra.

As alturas^ portanto, de onde o projecto baixou, são a> alturas, não do poder possoal, mas da razão, da jus- tiça, do direito e do futuro desta grande nação.

Cumpre não abusar da tua condescendência. Fique- mos hoje por aqui, mas que dei principio, voltarei a imporlunar-te. Eu não te aconselho que publiques estas e\lravagancias de um »pobre inhcnho; e de mais eu

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nâo quero revolver a bíie de ninguém, e muito menos de quem tiver a innocentc infelicidade de estar acom- mettido de alguma idéa fixa.

Tu sabes o que é uma macuca ? uma ave gallinacea, espécie de perdiz grande, de cujos ossos se diz que a applicaçSo cura as mordidelas da cobra? Pois, meu amigo, em 1835, achando-mc eu em Minas, conheci uma velha que tinha a mania de se crer transformada em macuca, e dava por páos e por pedras quando alguém llíe dizia que nSo era tal ; a familia, por ordem do medico, deixava-a fazer o que lhe dava na tola, e a boa da mulher fez o seu ninho em um grande cesto, aonde estava sempre acocorada e assegurava a quem ia visitaUa que d*aili a pouco lhe viriam as macuquinhas. E era mentira, nâo sahiu nem uma!

Teu velho amigo.

Cincinnato.

CARTA A-

Oh Fabrício!

Isto de escrever é como o coçar ; peíor é principiar» que tens a paciência aturar-me, queíxa-ie de ti mesmo. Eu ando com meus barruntos de partir um dia destes para essa corte, aonde me chamam ha um anno os metts altos negócios do Estado ; tudo nesta fazendola ha mister de reforma ; estive hontem pondo ao ar os pre- paros de jornada e flquei. petrifícado i nem sequer os aprestos de marcha ! ponche esburacado, rebenque roido dos ra tos, ciiapéo de Chile traçado, cochenílho sem pello, chilenas sem rosetas, tudo uma miséria ; mas eu pre- ciso ir á corte, ainda que seja a trancos e barrancos, mercar para a gente carne secca, baetâo e outros tecidos felpudos, e caturrar com o correspondente, a ver se me cahe com algun^; contitos para certos arranjos. Se tu me não embaças, asseverando-me qucahi nâo h\ bexigas (que saoomeu Adamastor^ a minha estatua do commen* dador, o meu poder pessoal, o meu terror-mór), que Dielhor occasiáo posso eu escolher? nâo apanharei Ho>sí, Taborda,, nem Emilia Adelaide; mas nem todos 05 cómicos representam no palco, e sempre ahi hei de

- Cfi

não famn, a algodão que não tece ; e as barras de nossos portos são a origem de nossa prosperidade. Estamos na dependência quotidiana do elemento estrangeiro ; é cs- tulticie, além de ingratidão, repellíl-o.

E que pensas tu, meu Fabrício, da doutrina mahome- tana que arrebata ao estrangeiro a faculdade de pensar? Está boa esta! Consínto-lhe quo venha flxar-se em nossas terras ; que nellas goze dos mesmos direitos civis que os naturaes ; que como estes regule a sua proprie- dade ; que funda os seus interesses nos da nossa asso- ciação... mas vendo-lhe os olhos, e tapo-lho a boca não ha de ver, nem fallar sobre aquillo que importa a elle tanto como a nós ; se divisar um recife à proa do navio em que vai embarcado comnosco, condcmno-o se elle ousar chamar a attenção dos oíTiciaes de bordo !

Ha mais. Nós arrogamo-nos o direito de emittir opi- nião sobre o que se passa no mundo inteiro ; quer o Sr. Alencar que ao mundo inteiro vedemos boqueje sobro cousa alguma que nos interesse ! Os retrospectos annuaes da nossa imprensa relatam, criticam, exaltam ou depri- mem quanto occorrea durante oanno transacto nas outra» naçGes ; os membros dessas nações hão de ser uns fucos vesiculosos, umas alforrecas inertes, que apenas servem para na praia se calcarem ! Nos parlamentos, nas so- ciedades, na imprensa, nos colloquios, podemos des- cretiar e sentenciar sobre o que se passa fora do paiz; não ha de quem não seja do paiz expender sequer du- vidas ou animar esforços, tratando-se de questões que pertençam, não a nós individualmente, mas á humani- dade inteira \

Não pôde ser. Sou muito conservador, muito liberai e muito tolerante. Não rechaço a discussão, venha ella de onde vier. Quero luz! quero luz! e não pergunto á luz, se me è projectada de azeite francez, de sebo montevideano, de gaz inglez, de petróleo americano, de cora italiina, de mamona ou carnaúba nacional.

Todos os espiritos illustrados e por isso rectos, rectos e por isso tolerantes, prpciamam entre nòé esta nobre doutrina; mas para contraposição, bom é que surda

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pnrabi algum Luu XI cm mlaialura, que laçiilo seu Inrbclro •> mais íntirno conliílcnio; alí<:uni conslrue- lorsiuho iJe muralli;) tarlara, altruni Fnncín-niiriín i|ai; innriac o seu Império a todos os estrangeiros.

Faz-Die este [lonlo comitliScs de mais lar^its ilcsea- volv [mentos, nus nàu devo uloiigiir<mc; alii Iílíi j.'i fi.-ila a c»m3 pira o assuiilplo a (juc me .irrastani os scguiulL>s trechos do discurso do Sr. Alencar:

Este projcclv é um cortejo â opinião cslraiiQeira. 54 tfm o intuito, de se dizer a algitem : Senhor, por ate acto nxM» nome uii^uirini uma famit imperecível. Resignese a n/resa. ate que n interfenfão de ali/uma socieilnde nlrangeira imteprla fua Uberdade, Ou emnncipadoreu obedecem ao» iin- pulfos da opinião estrnnfieirã. Nada mais tialuraldo que siijt. pór-sií iiue se procurasse um estrangeiro, para dar d proposta eertú resaibo d'alén-mnr. A idi-a de eiimncipação c um pro-

dutto de fabrica europea, consignada ao dono da terra, ttc. > ToJo isto Jâo uns enredozinlios, uns cstralaíenia- xtnltoa para desvairar-se a opinião nacional, iiidispt}I-a ifljiutamcnic com o projcclu, servir ã niorma do poder pmoal, e prosar cruuda conlra estrangeiros, a qual ««ni capítaniiadu peto mandarim Fu-Ti-liOou-fu, que na seu barrete arvorou a pfnna de'pavâo.

Pelo que vejo, a politica rccoínmcndaiia, a nitra- rliiaeia, cúasislc cui fazermos ni^ o contrario do que a liamanidade praticar; niioòassim? Todas as oulrai^ nac^Sos são estrangeiras; ergo se todas cilas disserem eocamido— tanto basla para nós dizermos— aznl ; (lis licença que cliame a isto— poííííOí de íesourinha'1 Com «sie antagonismo, não lique pildra sobre pedra; íílra rom a religiàQ que veio da Palestina ; com as inslílDífJicit, quo vJLTam da luglalerra; comacivíli- uçío, qDC veio de toda a parto.

Sun. o género Iiunuao é aocúrdc' em que o homem Aio deva ser objecto do compra e venda ; e nada mais reneraodo que o esforço teiti neste sentido por naçOes,

ciedacjes ou individuo», nasecssem onde nascossem,

ai cujos desinteressados trabalhos sO ti^m por a4vo

regeneração da tiumana e-^poeic.

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Quem reprova esforços laes, quem julga, com o labéo de estrangeiros, conspurcal-os, mais longe; styg- matize até as missões. Que criminosos não foram os estrangeiros que, sahindo das mais adiantadas terras, ousaram pregara palavra divina nas Índias, na.Chipa, no Japão, na Oceania, em todo o Novo Mundo 1 Que criminosos não foram Pedro, João, Thiago, Matheus, Thadeo, Paulo e outros apóstolos, a quem o Redem- ptor ordenou que fossem doutrinar nas terras estran- geiras 1

Os apóstolos da emancipação das almas Sião também evangelisanles, e a voz de quem clama pela verdade, sóe d'onde soar, merece, não repulsa, mas acatamenlo-

Seja dito em honra do paiz: O caracter brasileiro, fifeneroso, recto, hospitaleiro, repelle a obsoleta dou- trina ; tudo quanto 6 verdadeiramente liberal acolhe, aceita, provoca a manifestação dos pareceres, venham ellesd'onde vierem; presta culto sobretudo á imprensa, à opinião, rainha do globo, e não rainha de tal ou tal parallolo. Que importa portanto que uma voz desafine? Uma andorinha não faz verão. O voto illuslrado de quem tem voto, é que dave condemnar-se ao desprezo a cerebrina theorla de devor-se' rechaçar uma lei, porque as summidades da nação a consideram util, e porque essa lei representa uma aspiração do mundo inteiro! Thjcses são estas que basta descarnar.

Vou mais longe ; e digo que em quasi todo o mundo civilisado, a base de cada lei vem, por via de regra, de regiões estrangeiras. E apparece quem aconselho que façamos uma excepção a esta regra da sabedoria e da prudência universal 1

E os que se esforçam (indirectamente, mas de facto) por perpetuar a escravidão, a que fontes vão elles pró- prios buscar o seu imaginário direito? á antigui- dade européa ; vão hauril-o, pelo menos, da parto mais injuridica. mais indigna, do velho corpus júris civilis^ que são todas essas disposições dcshonradoras do Ji- reito de familia, autorizando a escravidão, no mesmo código que também autorizava as relações do marido

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leíraimonle (yranno pnra com a mulher súbdita, do pai omnipotente para com os íilhos vassalos.

Ni Itália e no sul da Franca, nas terras do direito escriptOy toda essa jurisprudência romana lançou fundas raizos. Na França é ella, a cada passo, invocada em apoio das próprias prcscripções do codip:o civil. Os tri- banaes ecclesiasticos na Inglaterra e Escosi&ia seguem geralmente esse direito estrangeira como regra. Na Allemanha, o direito romano foi legalmente consagrado, confirmado nas leis do império; por exemplo, no re- gimento da camará aulica^ e em grão-numero de leis locaes, particulares a certoi paizes. O mundo moderno emfim vai lodo prestar homenagem, como jus subsi- diário, áquella legislação estrangeira ; melhor faltando da jurisprudência que de tudo o mais, ^ pôde Rutilio dizer á sua Roma :

Pecisti patriam diversis gentibus umm.

A base actual da legislação áo Brasil é ainda hoje, em grSo-parle, a de Portugal. A nossa lei de 20 de Outubro de 1823 determina que a legislação do Império abranja a daquelle 'Outro Estado, até 25 de Abril de 1821, e os decretos das cortes porluguezas ahi especi- ficados. E a ordenação do llv. 3.* tit: 64, tinha es- tabelecido que, nos casos omissos na legislação nacional, regulasse legislação estrangeira. Acaso todas aquellas naçOes (e nós com ellas) se consideram desairadas, por- que semelhantes disposições foram originariamente proclamadas para além das suas fronteiras?

Bis ta. Ha tanta procedência em suscitar op posição a leis justas por ciúmes internacionaes, como mostrei que a haveria cm desafial-a por ódio à pessoa do Im- perante.

Liga-se ainda outra à dupla accusação contra o poder pessoal e contra tudo quanto é estrangeiro.

Diz o Sr. Alencar que c esses trabalhos do conselho de estado^ que o gabhiete com tamanha repugnância remetteu d camará^ haviam sido communicados aos membros da junta central abolicionista^ e citados na conferencia que houve nn Pariz a 26 de Agosto de 1867, como consta das actas

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das suas sessões^ levando-se o desprezo a tal ponto^ que o paiz não teve conhecimento do facto senão de torna* viagem. 9

So o attentado horrendo foi praticado cm 1867, csle governo nondum natus erat^ c podia dizer ao seu illus- tre accusador t Deus o faroreça, irmão ; bata a outra porta ! t .

E SC css*outra poria tivesse a condescendência de abrir-se-lhc, talvez lhe perguntassem de dentro: « Quem lhe disso ao senhor, que foi o governo, ou poder pessoal, que mandou para a Europa esses folhetos impressos, tirados em assaz avultado numero, c de que algum exemplar pôde ter cabido em mãos de amigos daquella sociedade? Muito mais secreto era o tratado da tríplice alliança, e além disso manuscripto, e viajou de Montevideo para Londres, sem ser levada pelo phantastico paquete, denominado Poder Pessoal. Boas noites ; temos conversado. »

Façamos porém de conta que se descobriu o cul- pado do monstruoso sacrilégio. Pallido e tremulo acudi- ria c^se misero á bnrra do tal juiz, c Jhe diria em vozes entrecortadas : t Suspenda V. Ex. o seu alfange, e seu inclyto poder pessoal, mais rutijantc que os possoaes de quem qucfr que seja.

c Eu sou Brasileiro, muito amante de minha pátria. Desejo por honra e interesse delia ver finda a insti- tuição do captiveiro. Como apanhei um exemplar das actas do conselho de estado, não o divulguei aqui^mas dei-o a um amigo, que o mandou para Pariz, com meu conhecimento.

c Almejava o meu amor da pátria por que na Europa soubessem os que se occupam activamente da questão, os que ouvem tanta gente infamar-nòs de escravocratas, que o Brasil não merece os apodos de que era victima, trabalha para equiparar-se a todas as nações, e estuda o modo de o fazer, sem sacrifício de vastos interesses creados por lei. Entendi que o conhecimento desse li- vrinho não tinha inconveniente tilgum naquella terra onde è domínio dos prelos quanto se ha dilo e possa

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dizer sobre a magna questuo ; mas que no Brasil é que não era pruJ^nX^ vulgar isar taes trabalhos, antes do dia em que a IJiese tivesse de ser tratada em parlamento, porque é incandescente, perigosa quando extempo- rânea, e da natureza daquellas para as quaes, apenas aí^itadas, naodeve haver um amanhã; toda a solução é preferivel a uma suspensão. t Se errei, perdôe-me V. E^. ; mas que foi por patriotismo que o livrinho viajou para a Europa ; por patriotismo que no Brasil o não divulguei ; por pa- triotismo que os successivos gabinetes julgaram que tal publicidade era prematura. »

E o mais galante seria vir correndo o accusado e di2er-me ao ouvido que ninguém ha menos habilitado que o Sr. Alencar para atirar esta pedra, ' pois no mesmo discurso declara elle que teve tanto conhe- cimento dos trabalhos do conselho de estado, que sobre elles discutia com a coroa, e os mandou archivar ; portanto, sobre elle recahe a sua própria censura, de nio terem sido apresentados esses trabalhos ao par- lamento, procedimento com que contrasta o do actual ministério, que entregou tudo á publicidade , apenas chegou o dia dos debates, sem a denunciada repug- nância, antes com o intuito de contribuir assim jMira que tão estwiado assumpto seja sabiamente resolvido.

Tive qae levantar a penna.

Qae historia, que historia, meu Fabrício !

E' quasi chegada a hora do correio, e deixo o caso de remissa ; mas sempre te quero prevenir do segainte: Estava eu disposto ainda a continuar este aranzel, quando ha meia hora ouvi uma algazarra no campo do sitio ; cheguei á janella, e vi um grupo de 20 ou 25 aggregados e vizinhos, que vinham precedidos de um tocador depuita. Abri-lhes a porta, e então soube eu que aquella boa gente, ouvindo aos meus paizinhos que eu partia amanhã ou depois para a cdrte, vinha despedir-se de mim, e pedir-me...varíasque cousas.

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O impagável, porém, c a chaiileriiidadc com que se me apresentou um bom preto que aqui ha, chamado o Panturrào^ o qual me leu, e depois depositou em minhas augustas mãos uma mensagem, em nome dos meus vizinhos ; o peior foi o comportamento do meu mo- leque Adão, que me ia entornando o caldo, como para outra vez te direi.

O Panturrão accumula : é barbeiro, ensina primei- ras e segundas letras , faz uns pasteis que é mesmo comei-me, comeí-me, e amola facas e tesouras. Este benemérito enthusiasmou-se por certo estilo^ cheio de eru- dições e de et costeras, que por ahi apparece ás vezes e as. pira a imital-o. O maganão do meu moleque Adão está com 12 annos feitos, aprendeu a ler com o padre Tiburcio e é capaz de dar sota e az a qualquer; é um azougue, benza-oDéus. O atrevido fez uma scena jocosa ao Panturrão, e tão mal creado que nada servia mandal-o eu calar; foi a vergonha da minha cara.

Se tiver tempo, antes de partir transcrever-te-hei a referida mensagem com que engordei a olhos vistos, e repetir-te-hci algumas das observações do meu endia- brado moleque.

Santa Rita de Cássia te tenha na sua santa guarda.

Teu velho amigo, Cincinnato,

QUESTÕES DO DIA

MT.

RIO DE JANEIRO, 29 DE AGOSTO DE 1871

Heflexões politicas dirigidas pelo roceiro Cin-

cinnato ao cldado fnabrioio

CARTA QUINTA

RIO Bíi JANEIRO, 20 DE AGOSTO DE 1871.

Esta nao se faz, cidadão Fabrício, aaose faz. Vir eu da minha Tliebaida a cavallo na mulinha, tico-tico, ato n corte ; esperar o alegrão de abraçar o amigo velho, e ficar com cara de palmo e meio, ao ouvir dizer à coma- dre que partiras para Pindamunhangaba 1

E' duro. Tua mulher me entregou a carta em que explicas os urgentes motivos da tua súbita jornada, e me ordenas te retribua eu na mesma moeda de que és meu credor, dirigindo-te agora umas ephemerides do que por aqui se está passando, ou pelo menos continuando a mi- nha analyse do sabido discurso, e do sabido orador. Seja assim ; empregarei as minhas noites nesta divertida oc- cupaçao, que o rheumatismo, a gota e os calos me privara de fácil locomoção.

Ha coincidências estupendas. Chego hontera k tarde, e eu que no sitio não sabia ainda das honrarias que drsvo ao meu idolo politico, caio das nuvens, quando me trazem ao almoço o Jornal do Comincrcio^ onde leio (jue '^ Sr. José de Alencar empalmou á tarefa politica todo o

tempo de uma das ultimas sessões parlamentares deste anno, para me roer nos calcauhares e pôr a minlia insig- nificante pessoa na ordem do dia I Darás licença por- tanto para eu intercalar umas cartinhas sobre a incrivel sessão do dia 5 do corrente. Nilo vale nada a minha pessoa, mas vale muito o aresto; ha fervuras em que Im- portadeitar agua; venço a repugnância, e venho à scena.

Antes de mais nada, pasmo da longanimidade da camará, ao consentir d'est'arte o atropêllo de todítô as conveniências, a protelaçao dos mais serio.'^ debates, o descurar dos mais vitaes interesses, o despreso das dis- posições do regimento por que deve dirigir se; e ao tole- rar que tudo isto se sacrifique a certos orgulhos gárrulos, que levam horas a repizar trivialidades, a injuriar o género humano, e a dar tristes documentos de incapa- cidade politica.

Invoco as tuas recordações, Fabrício. Reconhecerás que esta minha correspondência começou por testimu- nhos exaggerados de consideração para com o Sr. Alen- car. Trouxera elle á imprensa descabelladas verrinas contra o Poder Pessoal. Suppondo eu que fosse uma these omnipatente á discussão que elle mesmo desafiava, es- crevi-te a esse respeito sem me desviar um apse do terreno licito, do politico ; e recordar-te-has de que a esse senhor attribui, por meus peccados, appreciaveis dotes como escriptor, estadista, romancista e orador ( Antes da quaresma me confessarei desse peccado]. A paga nao se fez esperar, nao senhor : começou por, de logar inacces- sivel, me arremeçar as insinuações desagradáveis, sobre que falíamos ; agora vejo que as completa com os iu sultos mais ferinos, com as calumnias mais próprias para revelarem o caracter do provocador ; muda o negocio de figura. Batido em todíis as discussões, refugia-se era abrigada casamata, d'onde me atira mortaes..., pipa-

ruteá. Jiilfrava esse senhor que com seus ademaes me atemorisaria ; ai, níío; aqui metem.

Ha quem timbre na sublimidade do muito fallnr; o virou nao a propósito, importa pouco ; comtanto que a azenha rode, que môa ou nao moa o trigo, ou a paciên- cia, é o mínimo de que o Pretor nao cura. Ai, venerando Fabrício, desadoro com galinha, que leva a cacarejar sem pôr ovo. (Tem tu paciência, que eu aprendi com um pensador, que diz que se nao devem tratar ao serio senão as cousíis serias :

Co' a matéria convém casar o estvlo.

Levante-se a expressão se é grande a idéa;

se a idéa é negra, a locução negreje ;

e ténue sendo, se attenue a phrase.

Mais ténue do que istonão ha nada.

Sirva pois a regra para minha justificação de ora avante; onde me vires rir, é porque considero a cousa risivel).

Ora, toca a dissecar a eloquente arenga, com que o campanudo orador esteve escarnecendo do parlamento.

Principiou, jurando que fugiria, como diabo da cruz, dos exercicios oratórios ; é de crer que logo os ouvintes «6 entre segredassem que iam assistir a nao mais que um exercício oratório. Mas enganar-se-hiam, confesso, pois ao que iam assistir era amais desbragada descompostura a tudo e a todos, com uma raiva, um phrenesi tal, que eu recommendo cautela, pois nos ataques de hydro- pliobía morde-se com aquella sanha. Aqui as dentadas foram em tudo quanto o rodeava de facto, ou lhe atro- pellava o cérebro rábido.

Dentada no ministro do império, por dois crimes : V ter feito nesta sessão dois discursos, 2** serem estes ao lusco- fusco.

Dentada no presidente, que Uie pedia (quando de- via mandar-lhe ) se conformasse com o art. 217 do regi- mento ; attribue-llie o plano de restringir a liberdade da tribuna; e ameaça a pátria de a deixar na orphan- dade, privando-a dos seus falatórios, em que sempre apparece representada uma scena dos Vemandistas^ de Racine, ou em que a propósito de uma avella, se des- crevem todolos successos para do diluvio.

Dentada no Poder Pessoal; isto se sabe; nao havia remédio senão coçar na borbulha. E' mofina para a qual, embora calhe como canção de noivado em cemi- tério, ha sempre opportunidade. Coitadinha da macu- quinha I

Aqui agora, houve um intervallo nas dentadas, porque S. Ex. fallou de si, e é essa a única pessoa em quem nSo morde. Ora, como esta carta é nao menos um relatório, eis como o caso foi ; também de entreacto. Desenfar- delando citaçõ^is (sem serem da esckola ingleza^ d'esta feita), comparou se, modestamente como sempre, com o grande jurisconsulto Labeon, a quem os contemporâneos tinham por louco, attenta **a austeridadee rigidez do seu caracter, e o seu amor á liberdade, incorrupta liberlatc^ dice Tácito''. Isto nao faz mal: quanto á primeira parte, . a da comparação com o impávido, acérrimo, rigido e aspérrimo, quem ha de gabar a noiva, senão o pai que a quer casar ? quanto á segunda, ( se a intenção foi attribuir a narração a Tácito, que, a mio ser assim, en- traria aqui como Pilatos no credo ) nao passa de unia citação falsa, que nao quebra osso, e demonstra alta sabença, visto como d'est'arte

aqui vão berrando

os échos das bombas

que estalam nas trombas

dos rhinocerontes.

amphiyuri,q\in^i como o do Filinto. Tácito nunca appli- cou a LabeoD a locução incorrupta lib&r late ^ pela simples circumstancia de que nunca escreveu uma palavra a respeito dotal estouvado: nos -4/inaes fallou, sim, de um Labeon (IV 47, VI 29) mas esse era o Pompeio, e de outro Labeon (II 85), mas esse era o Titidio, e nao mais se occupou da família dos beiçudos ; ora o tal, do liospicio de Pedro II do tempo (.e Augusto, era Labeon Antistio. o nosso preclaro orador ouvio cantar a gallo, mas nao soube aonde ; leu isso, nao em Tácito, mas em alguma colleçao franceza de anecdotas, ou em algum Supico, e fez muito mal om comparar-se com Labeon. D'esse pa- peou, por exemplo, Aulo Uellio (XIII 12) que do tal jurisprudente, sábio e mentecapto^ repete o seguinte: " Sed agitabat honiinem libkrtas quoedam nimia atquií vfXORs ; iisque eo, ut ratuin pensumque nihil haberet^ nisi fpiotl jiiMum sanctunique esset^ in romanis anliquiiaíibns lerfissel "\ Ora ali, no yí?co/*5, pôde haver suas duvidas, porque o endiabrado vocábulo exprime, umas vezos doudo, outras furioso, e outras tolo ; mas quanto ao re.sto a tradução é clarissima. A palavra nimio quer dizer, fletnasiado^ ftobejo^ demais, O Sr. Alencar nos participou quí^ era nimiamente severo^ severo de mais : o Labeon lambem ([ueria liberdade de mais \libe7*t(U{nimià.; masd'alii por diante, não senhor, nâo admitto comparação, visto que o romano levava as suas exigências a ponto do lou- cura ou de toleima [atfjue vecors] ; mas entendessem o tal romano ! liberalfio dos quatro costados, quando berrava por liberdade infinita ; e ao mesmo tempo cor- cunda de papo amarello, quando bramava por que se não bulisse nas idéas antigas. Mas aqui outra vez, sim; entrevejo suas paridades : era um Erasmo o Moço, e um EIrasmo o Velho, de pernas para o ar. Acabou o eu- treacto ; prosogue a comedia das Dentadas,

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Dentada em Horácio, porque vilmente chamou insano a Labeon^ para agradar ao seu protector Mecenas, como os actuaes Mevios sao proteg^idos pelo presidente do conselho ; tal e qual.

Vinte dentadas no referido presidente do conselho, porque é altisonante e grandíloquo (nestas terras é defeso caçar; ha quem se apossasse delias, por ar- rematação ou adjudicação^ que é uma e a mesma cousa); porque tem velleidades pedagógicas; porque marcha de paradoxo em paradoxo; porque nSo é homem de bera ; porque voa com azas Içarias ; porque arranha os adversários; porque suas iras suo felinas; porque deve a carreira aos seus grandes gestos e scepti- cismo ; porque deve a sua exaltação a um grande vácuo que tem dentro em si para o manter á tona etc. etc. E conclue com esta phrase, de uma propriedade impa- gável : *' Mas, senhores, nem esta reconvençao seria tolerada pela minha consciência [consciência) j nem a minha delicadeza [delicadeza] permittiria que a fizesse". Avante I

Dentada nos membros da commissa© especial, aquém accusa de pregar sermão inçad 3 de profanidades, e de affrontar os brios nacionaes e a dignidade do par- lamento.

Dentada no relator dacommissao, ao responder-lhe que as suas palavras, nem dignas sSo de ser ouvidas.

Dentada no governo, fa]»ricante de torpedos polí- ticos, porque o trata com desdém e ironia.

Dentada na maioria, porque o amordaça, e não lhe deixa jorrar esta catadupa de irresistíveis argumentos : e porque a maioria nao é senão o gabinete, e o gabinete nao é senão o presidente do conselho.

Dentada no senado [viilpis ad uvatn) e no conselho destado, porque é nesses elementos vitalícios e anti-

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constitucionaes, que a também vitalícia coroa se apoia (macaquinha).

Dentada em S. M. o Imperador, e em S. A. a Re- gente, dizendo ao ministério que iiao pense ganhar a partida, apezar de ter nas su is cartas o rei e a dama.

Bem era que, após estas e outras mordeduras e tor- quezadas, se concluisse pregando a insurreição ao pa- cifico povo, que nunca imaginaria que da assembU'a dos seus legisladores, de um areópago conservador, surgisse uma voz provocando sedições e levantamentos.

Salto a pés juntos por sobre outras gentilezas, e venho ás imprecações contra a imprensa em geral, que apoia o governo :

"Imprensa clandestina do governo Lucrativa em- preitada— O suor do povo desce do céo, como Júpiter transformado era chuva de ouro, para seduzir e profa- nar a imprensa O governo inoculou-lhe o virus da desmoralisaçao, a lepra da subvenção O governo fa- brica uma opiniílo falsa, que nao é inspirada pelas idéas, mas pelo salário A imprensa subvencionada rebaixa uma profissão tao nobre como ojornulismo O governo levantou contra o orador uma coliorte de anonj^mos a qiiem incumbio nao de refutar as suas idéas, mas de lançar sobre a sua pessoa doestos ; artigos que, por sua profusão, bem se via que eram pagos por tao abastado e generoso capitalista, como é o cofre secreto Arma a ra?lo do mercenário para insultar os adversários que nrio se anima a combater na tribuna O governo chama em seu auxilio os mercenários da penna, esses que na phrase de Marcial verba et iras locant^ alugam a palavra e a bilis. Instrumentos de diffa- niacao, etc, etc/*

A que deferência pôde aspirar quem assim vilipendia, com a mais desenvolta linguagem, nao os governos,

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mas os e.scriptoiv.s f*m massa ? Qiioesiylo é este, que uSo acha precedente seiírio uas peiores paginas da Tripa Virada, ou da Besta esfolada? K como não andaria bem consultada a justiça, quando leve por seu consultor quem entende descarte as prescripçòes da justiça I

Esta ladainha de aitrontas a.ssenta numa accusação de facto ; porque nao esperou a declaração desse facto, antes do accesso hydrophobico? Ora o presidente do conselho, n'um discurso antipoda deste, em elegância, cortezia e dignidade, respondeu : ^'Qne o gabinete actual nao tem subvencionado escriptores ;*' e após inn explicita declaração, o juslo e leal parlamentar na j re- tira as suas iniqua.s accusaçoes de chuva d*ouro, lepra da subvenção, salário, mercenários da penna, e outros ai^fl II mentos, dos únicos de que se aclui provido o arsí^- nal do tonitruante orad-jr! Lamentável privilegio o di^ similhantcs eloquências: tristíssimo, quando inspi- ram piedade. Os illustrados, nobres e desinteressados escriptoreí?, (pie assim se te/ita vilipendiar, riem dos Labeons, e vão andando.

Mas eu, é que não. Ao bom ]»ngailor nao dóe o pi*- nlior. Temos uma continha que ajustar. Kmtjuanto nu» illudi, suppondo possivel discutir uma questão, de Ín- dole exclusivamente politica, sem se nJirapassarem os limites que a simples educação ensina, usei da mais respeitosa linguagem, e de quantas precauções signiti- cassem apreço, superior até ao devido, dos dotes do adversário. Fui cauteloso em não proferir palavra que resvalasse das idéas politicas para as moraes, sociaes ou outras, defezas aos debates. Não approuve este co- medimento ao valente athleta: descobri i contra mim a sua metralhadora, de tiros de cortiça, sem resguardo de espécie alguma ; acceito o novo estádio a que me chama: dente por deute, olho por olho.

u

i)Tiei-er-^-1i.i '[nti fui an o prnvocado, 6 qiiR quem affitãhiii p.irii muito luaiit lonfr^ □'• limit&i qtie eu me L trnrado. foi quum ij^urava o snnexim: (jaera «pnpftoar. itn rara Ibo cabe. l)'ora «vante o csUi- , tiescriptor, o critino. o romancista, n jariVcoa- \tAtt livi-R ibmtníi) (la aanlysfl. A d la igiieorsa Hlndv iiAo '^om privilegio truliisiro dos I^aheona. , [eriormftnte, cnm muita eRtranheza minha, ci r uii* r(iii>;uriini na pnrlaaiBDto, comn notei srior. Ouço, p'irém, ijiie pretendia ngora ^ A minha pifíuioa, >jiinndH iitt^^tc memorando dlit- ', pr«VAliv:findn>ftâ nobremente Atu inim unidade» da I ((ii[ai u tcnnn 6 feminino), profariíi as so- llpndiirHM, n <\np desejo an^inentar a merucida

- irrave, a (|ii<! mais rcTolta no

i-, iW|Uvt diamou em seu iin>

,: iríi para roadjiival-o nos scus

Aon pHrÍiuiii*utare^<', díHCittir m nej^con do paJK,

atcrtnlrn f* «■"1* «li versa rios ihTeclivM..., Nilo se

I. fnltando »fis dfivcres de cor- < U-n bospUul idade, .se arrofrua

.'mpenbe cm deprimir os seus l^rArtBn** |iiiltUi-oii. O pai» onde i^imílliaDlit fiicto se iijn'^- oem uma retirtSa enerifiCJ do povo, wtíb,.., etr."

íii itiítraiigcirophobi»: 'i", d«- iro; ;^, convite ao povo para i-odamii-uos: Sc cii »uii Cjo- r^ -^Mi: nanei em Roma; e c& este itr t|ui<r ((fíioriar-)w>, fiuwndo coin (jue a touta (ahlruHcnl capitem, dix neste N [ruga i)p ter eu approvado ao veltio ' 1^0 g-HURral de r«v«ll»ria liz«se ow- '> iKjbrc ^rviliu Axilta. Nflo ba rnxA"

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de queixa. Aclio em realidade este o mais hábil expe- diente para caiar contradictores; veulia de uma boa cabeçada : homem morto nao falia.

Quer porém S. Ex. ver na minha assi^rnatura um pseudonymo? Porque não? Ouve tu cá! Empreg^a-^se a pseudonymiíi, ora por tMctira, ora p.")r medo, ora por calculo; mas tf.mbem .se adopta ás vezes por .se pensar qiie, quando se tem um nome obsuiro, nadaaccrescenta elle ao valor ou á insignificância dos raciooinios, os quaes sao assim, com mais liberdade o justiça, aqui- latados.

A explicação da minha assi{*:natura i* esta ultima; e nao se imag'ine que sou movido por temor de espécie alguma: se eu tivesse medo, comprava um cao. Eu fui baptisado; ponha o denumúanto. o meu nome por ex- tenso, que eu lhe protesto que, assim como o meu an- tecessor dava peio nome do Quinto-Lucio-Cincinuato, eu quando o nobre delator cliamar pelo meu nome. Fu- lano de tal e tal, bradarei immediatamente : Trompti)! Adswii; in me coiivertite ferram. Emquanto porém o nao fizer*, consinta que eu andando meu caminho, coxeando na pingada de quem hontem assignou Erasmo o Velho^ hoje aL. agora Erasmo o Moí;o, logo a Voz de jDeiM, depois o Autor da corte do leão, outra vez /. (í. dos Tamojjos^ outra G. M. da Diva^ outra Seiíio do (íaúcho^ outra o AiUor da festa macarn^onia, e se mais mundo houvera chegara. (Esse, sim, esse quem quer que seja, que toda a vida tem usado e abusado da anouymia, é curioso quando clama, em questão de princípios, que se nao abaixa a discutir com anonymos ! Perdeu-se alli um bom diplomata).

Quer p')is que enseja estrangeiro? Aponta com o dedo para a minha pessoa, nao para discutir (que isso nao é. cousa do seu gosto), mas para me injuriar, e pro-

Tocnr conlTB mim opooo a uma reacção enerificaf Poíá «rei. que mais quer? Serei au ; e qtiem wu eu? E30 siivi tfvii 9unt.

Oro iigortt, sabe o qoo maisí Faiw iverdiide em loao-s OA iiunti» fi virgulas da suii verrina.

Falta & «rdade, quunJo affirma <i»e o ffabinete chanioM i'nm o coadjuvar em s«itó trabalhos pnrkmeu- liiíu s(S iiulitt lio projecto sobro o ele- ,u depois ijiití elle iipiitrereu impresso ; . trúquei palavra ^fbve tal «ssuiiipto cfltn t|iiuiii '{ucr 4iie aeja. fiilta á verdade. aflSBverando tftr-me o gaVmetH cuii- URdo a lHn<.Mif i0vi:cliv«fl contrA adversariya. Nem Bicui invectiva alguma: ortn o gabinete «ra capax do b*U pedir, nwn ou escrever uma pUrtwP- que «lo provÍcís« da mnts intima convicção.

Falta 8 v«riliide. quando <Uz .[ue i!u fui dfiscortez a çom e.ne pniz: o quera nat. riuer piissar pur... por n nOHiH muito feio. raostrt! uma locuçriu minba quw I d«iioÍ« iiraixadtí sincera o justiça para cura este im- , n quom. no contrarí'!. nesta mesma polemica, a o dcídc li primeira carta, dafendi ener(?icamente das lOgUuitea Bxprobraçflw que. contra uUe a tudo (luatilo Ml«, vomita o illUíilro dcvanoado. que iraajfioftri» il de amtlo iConro. quando elle subi-we ao governo, IBftíelRVftrOes. iím'iuaiiU> a'Js «os fossemos ÍAn ufwtcMniilo de ferro, em que A . . In anrl Irarlooqaa («n ce «Iwle à« ter) R pUaau luand U Tuni, mit Mn uu due et |mú. bi verdade, quando mo pinta como devendo I ^ndeoido pcln Inxpitaiidiuif (/ue nrlc p<lij; 11 IrAlH) lil HuuriHroií com a bonevnlencia que 1 ^rema sltunt atA its iu&ranR camadas, mQ lia \ tntemenU dispeiisidit ; maa de igrnal bene- j

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volencia tenho sido alvo era varias naçõeis, que me nSo vendem por mercê de hospitalidade o ser eu amigavel- mente tratado por aquelles a quem trato amigavel- mente. Vim para aqui, porque uma importante missão me trouxe; conservo-me, porque me apraz; nem pela vinda, nem pela estada, ha obsequio de quem quer que seja. Nada devo; nunca devi; nada peço que nao seja de justiça; nunca pedi. Se aqui prefiro estar ; se aqui dispendo o que possuo; se aqui vivo (respeitando as leis, mas sem adular homens, nem ante preconceitos de qualquer género pôr joelhos em genuflexório) é porque quero, porque quero, e sem tolerar mais que se chame hospitalidade k minha estada, do que se eu tivesse a vergonhosa pequenhez de dar esse nome ao acolhi- mento fraternal e dedicado que o Brazileiro encontra em todas as terras que percorre, mormente em al- gumas.

Falta finalmente á verdade, allegando que eu de- primo os caracteres politic/)s do BraziU E' outra esper- teza; quer fazer clientella á minha custa! Muito lido na historia da França, pauta o seu procedimento (si parva licet componere magnis) pelo de Napoleflo III, cujo machiavelismo o levava a nao fa'^er guerras senão de parceria: Crimea , Áustria, Itália, Co- chinchina , México , tudo foi tentndo com as costas quentes; e a primeira vez que se vio sozinho, levou tremenda liçrio da Prússia. Esta subtileza agora tem por fira gritar : oh da guarda, nh (/ui d^el-rei, que uie escovami Tem igualmente por fim desvairar o juizo dos caracteres politicos, com uma falsidade. Nunca eu disse uma palavra contra um único, individual, nem contra muitos, collectivamente ; ou nao bailo senão conforme me to'^im ; ncredito com sinceridade que os que nao pensam couio eu i)ensò, é porque a sua intelligenci«

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ixàsim lh'o ordena, e talvez tenham mais razílo do que eu; it] com o Sr. Alencar que eu tenho discutido, e o Sr. Alencar nSo é plural,, para fal lar de caracteres ^ e contente-se se poder empregar esse nome no singular.

Nao te quero cançar, Fabricio querido; paro aqui. Cedo continuarei os commentarios ao grão thema.

Agora fecharei, tocando em assumpto que nada tem com o que precede, e que é uma simples trivialidade moral.

Eu também leio os meus Supicos, e num d'elles acho que a argutissima antiguidade tinha, entre os seus sophismas celebres, um denominado o Mentiroso , e cuja formula era esta :

O que mente, e diz que mente, mentiu ou dice verdade?

Até agora o typo mais cómico d'aquella virtude era a personagem de Dorante, na comedia de P. Corneille, que tem o nome do tal sophisma. Antes d'isso, exclamou um personagem de Plauto: ^'Si dix ero mendãcium^ soltns vieo more fecei'o\ que um annexim nosso traduzio por : '* Mente Pedro, porque o tem de veso". Mas as figuras de Plauto, os Dorantes e os Pedros, neste século de monde ?/iarc/íe, sao fosseis e eclipsados.

Bem eclipsado és tu, que te pozeste a audar ; e attento o grão crime da minha caducidade, fóssil é este teu amigo ; o qual, depois de se ter dirigido a ti, volta-se para o Illra. Exm. Sr. conselheiro José de Alencar, di- zendo-lhe outra vez que, para todos os effeitos, tenha por entendido que esta carta é assignada pela pessoa que lhe approuver, ou pelo roceiro

ittCI

lioaio.

QUESTÕES DO DIA

RIO DE JANEIRO, 3 DE SETEMBRO DE tSTl

Veii(lo-se em casa do Srs. E. & II. L<aeiinnert— Praça da Constituição, Loja do Canto— Rua do S. José n. 110— Livraria Aaidoiuica, e Cniz Coutinho na uiesnm rua n. 75. Preço :^00 réis.

Xtcforma juclloiarla

O Parlamento brasileiro acaba de votar uma das pnais importantes reformas reclamadas pelo paiz.

K' de crer, que brevemente a .sanceão imperial con- verta em lei o projecto aceito por aiuba? as camarás legislativas; e log-o que este facto se realise, poder-se-ha dizer, que o Brasil é um dos paizes do mundo civili- sado, onde a liberdade do cidadão encontra as mais amplas g\arantias.

O Brasil pude ufanar-se de possuir as instituições ju- diciarias mais excellontes, e capazes de einparelhar com as dos povos mais adiantados em civilisacfio, e mais zelosos da liberdade individual.

O jnry, essa instituição, que os ingdezes denomina- ram a verdadeira cidadeila do pmo, e a inexpií^-navel Liibraltar da sua constituicrio, acaba de receber da re- cente reforma o possível melhoramento, tendo gnran- ti:is superiores talvez ás do jnry ing^lez.

(/Oufronte-se o que na In;:i*laterra se es:abelecc em Fídacílo a este assumpto com o que a reforma provi- dencia eatre nós, e nfio liaverá- exa<i'g*eracrio da no.-sa parte.

Os Kstados-Unidos e a Ing-laterra, paizes modelos de libenlade, nâo ofitírecem em sua le^-islnção criminal mais desenvídvida protecção a essa liberdade.

Para mostrar a exactidão do nosso asserto, basta contrapor as disposições do scui direito ás disposições do nosso direito novo. lím aml)os oí?' paizf\^ notam ano- malia^, <[U<» i^ntre ni)S o espirito esclarecido do 1{\í:^*1s- lador tem rejeitado.

A ri'ft)r.na votatlíi traz ^*r:nidís (Miii])orLantes me- llioramcMilos c?m vaiila^NMii do cidadão, o mostra um

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espirito de liberdade, que ninguém rasoavelmente con- testará.

Xao podemos deixar de fazer sobresaliir cm primeira pluna o re.speito, que a reforma consagra ao grande principio da inviolabilidade da vida humana.

Si a reforma uao abolio formalmente a pena de morte, todavia a tornará raríssima, e talvez impossível. Para a applicaçíío deseja pena, exige-se agora a unani- midade na decisão.

A unanimidade em julgamento de pena capital é por certo difficilimo succcsso, qnando por caracter os bra- sileiros são brandos, e infensos a castigos atrozes, como é uma pena, que é irreparável sem ao menos ser exem- plar.

A nova disposição tem ainda salutar etteito em rela- ção á injustificável e barbara lei de 10 de Junho de Í835, que com o ultimo supplicio punia o escravo autor de crimes, em que essa pena era comminada.

A lei não attendia a circumstancias: a morte casti- gava o caso atroz e horroroso, assim como punia o facto mais justificável e simjjles.

F/ uma lei tora do todos os principios de justiça, e humanidade; nenhuma gradação de penas reconhecia.

l^ela reforma, desde <iue não lia unanimidade na vo- tação sobre o crime, apj) jcar-se-lia a pena immediata : assim uma gradarão apparece para modificar o rigor absoluto da lei draconiana.

A abolição do procedimíMito fx-o/fícío nos casos crimes é de alta conveniência para a cansa publica.

A simples consideração de í|ne actualmente o juiz é parte ejnlgador, mostra (juão desvirtuadas estavam as regras de justiça.

l)*ora (un diante o juiz conservará o seu caracter de arbitro desapaixonado e desprevt;nido.

O jniz formador da culpa por j)ropria iniciativa não podia deixar de levar o fermento da parcialidade contra o accusado. em quem elle começava por ver um crimi- noso. O espirito assim preoceupado prejudica a justiça, que requer, no momento de avaliar e pe/ar as provas, animo desprendido de qualquer consideração alheia á natureza dessas mesmas provas.

A reforma neste ponto restaura o grande principio da imparcialidade, e da dignidade do juiz.

O réo seu jnlgador, mas não o homem eivado do. inter^BS^ií no bom êxito de uma accnsação. qne elle pro-

jirio levantou; porque assim arreda (l(í si a argiiirOo «lo leviano, (íomoraudo o procedimento iniuudaíh, e rí>nseg'ue os fóro.s de per.spicajs, (juo nao deixou passar incólume o criminoso escapo á vig-ilancia das demais autoridades.

Na ordem daí? garantias imm^ídiatas da liberdade civil o melhoramento operado pela reforma coUoca o cidadão em posição mui sobranceira.

Elle não verá no g-oso da sua liberdade pessoal a simples e bondosa concessílo da autoridade policial, ([ue armada de arbitrio para prender por m(M'as suspeitas, ou indicies, que fantasiava, tinha o eondao ma{i'ico de tolher o cidadilo cm sua independência, quando lhe aprazia.

A segurança do cidadfSo brasileiro estava hoje depen- dente do terrível anathema, que a autoridade proferia nestas palavras : " Estás iniciado em crime inafian- ravel. '^

Tanto bastava para o cidadrío ver empallidecer diante de si iodas as seguranças da lei constitucional.

Atrora a autoridade criminal lerá rejirras definidas ynm constituir o indiein mento e:u crime, e não po- Jevá jireíider senão em vista do facto incontistavt.»! d(; itlVnsa á b'i, e em face de ])rovas concludentes da cri- nii^ialidade de um individuo.

(.> ridadã" tem abri^ro certo na lei : não fica apenas (Mitrí.'írue ao bom ou ináo critério da autoridade.

Aquillo <[ue o cidadão tem de mais ])recioso na so- <;itída<le civi!. a sef^^iiranca de sua pessoa, será uma realidade, .^em facto seu devidainent<> com])rovado, elle não se temerá do cárcere: a sua pessroa é livn».

O }ifih.fHft'rori)ns foi desenvolvido ])ela reforma. As- -ontaJo em nossas leis do processo criminal, sotfria na pratica resiricçnes incompatíveis com a natureza de tão >;iiut?ir instituição.

Nos casos de maior nec(»ssidade. por isso mesmo que a opy»r";s<ão se acidx.rtava com a falsa Ic.íralidade, tor- :iand''»-se intolerável e ousada, o írraude recurso das Ti'^>s.is lilu-rdados, dfM^ahia, e perdia a sua eíHcacia.

i)^ nossos tribuuae^ vacillavíim sobre a. amplitude do Ifih-^as-r.orpiir,. e muitas ve/es os pacientes, escandalosa- ment»'. vexados, tinham de resignar -se aos rigores da prizão urbi traria.

A autoridade violenta procedia sem competcuí^va.

SEXTA CARTA

DO ROCKIUO riXClNNATO AO CIDADÃO FABRÍCIO

Kio de Janeiro, 23 de Agosto de 1871. Fabrício d'est'alma

Obrig-ado pela tua cartinha. Tu nunca te esqueces (los amiyos, bom velho. sei que chegaste a Taubaté e rincbununhaniraba ; que o teu primeiro cuidado foi tlirigireí-to a N. Sra. do Bom Succosso, e ires lojro á caj)ella de S. José, ouvir missa por intenção de todos os Josés passados, presentes c futuros. Sei que meias mandar pela bahiade Ubatuba uns rolos de precioso fumo indig'e- na, mimo que é muito de menj^osto. Excellento Fabricio!

Teimas pelíi minha correspondência ; níio te aflijas, que hnsdç recebel-a, e de ora avante um pouquinho mais livre, gmcas a J)eos

Ag^ora o que me atrapalha é a abundância de matéria; pobre, á força de rico, diziam os romanos: tenho ante mim as duas lenfifa-leníras monumentaes com que o insigrie orador andou aos g^rillos e a que serviram de pretexto num caso o elemento civil no outro a cerebrina interpellaçao. Kmvez de absorver as minhas admirações num desses Koh-i-noors políticos, reparti- las-hei por ambos, mas agora continuemos com o parou these que a interpellaçao abriu.

Deos me livre de cercear uma virgula á diatribe com íjue a mordacidade desse subjeito imaginou fulminar este pobre homem de palha, contra quem houve por bem espinhar-se. Quero repetir litteralmente as suas palavras ])ara que s avalie a dignidade do orador, a justiça das incropaçíles, a valentia dos argumentos, a decência da phrnze...e a revira-volta a que me constrangeu. Trans- creverei os trechos d'aquelle jaez que, segundo dizem, teve cm mente encarapuçar-me quem á discussilo pro- fere a disputa :

'' Senhores, a camará comprehende que nem eu nem os meus amigos damos a menor importância a esses escriptos e ao seu auctor. Kssas rahulires litternria^' { mandou que o Jornal do Commarcio pozesse em gripho) nao chegam até nós ; nem me occuparia com ellas, pois tenho nojo de tocar-lht:s, se nilo fosse euco- incndã do g"overno. "

ner quem sao os «míjos deste seulior, e o nome

POUCO- f^n^H ''. P'"^^x ^ ''" ''"' 1»« J^ »ao é tao

um t rf Tn" ■?'?? ^ 'i"' propósito diziam os autip-os:

é « m s.^ii" "^ """ ''^"''^'^ " P'^^'^^'-- ^ ^?°'^'»« ara do ^" ' "í"'"? '" * -'^ "™«' 'í^ ní"/"«>n é

a,!?m^"f-"'« importância aos meus escriptos nem do si In ' ^°,f '^•'°>-"--Nao, que realmente pirraças

^Sr, \ ^"^' ^^«''"^o « costume, amanha pen- teio T ""' ? "''^ ""^'"'^ *^"- esperança é conso- dos ;..?; J"^ "1""'^ ^ "í""' f'^"'^"^« tão poiico ca.o

a nla Lí7 P^'"^^'»^»^"*' ^™ ^'"^ cada palavra sua "Pne .e pSr^''^ '^^ ''"'' ''"' P'^^^"« '^^ ^^^^^'"'^ Dizemos auexins : quem se queima é poniue peo-a em bra/as; quem se pica cardos come. Fa/ mal em co- mando' ' "'""^ ''^ ^'"'*'^' ^°'" P™^ ^''^ ^^'•''^ ' ^''' ^'i-

Quanto , is minhas ra/m/i>ev lillerarias, orçam pe- as rabuhces htterarias, jnridicas, oratórias,* dramá- ticas, e outras, do certo vulto que eu sei, de cert-i frralha, cujas ].eunas senlo, um', a uma,- arrancadas ató que lhe hque, sim, o jus de gralhar, nuis uno de pavo-

nenr-se.

Coiitiuua o Demosthenes, provando do seguinte modo seremos meus escriptos encommenda do froverno' Le e pasma :

" A prova circumstancial ó a intimidade que ostenta i

r..m o g-ovyrno esse estran-eiro; o carbo e or-ulho que oUe tem de ser um auxiliar prestimoso da administra- ção : e o custo exc.íssivo dos longos e esteirados urtipsjs; tudo está revelando o dedo do ministério.

Acamarão vio exlabir-se neste recinto diariamente, em coUoquios com o nobre ministro do império, e com o nobre relator da commissao, fazendo trempe. Aberta a discussão ello a accompanhou constantemente

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como uma espeoie de arolito da illiístrada commisáão ; e parecia desafiar os oradores da oppí/siçao a que ou- sassem tocar no seu insulso arauzel.

'' Nrio cuidei que os reis constitucionaes carecessem de suissos de peniuis. Pode o uobre presidente do conse- lho despejar os cofres públicos para pajrar aos cavalleiros de injuria... Os aventureiros que hlazonam do protec- tores do «governo rc^viliinlo no despreso publico, donde pertender.im surdir..,

Dizia o direito romíuio : Adori Incumbit oritis pro- bíindi. Olha tu, meu Fabricio, a jurisprudência d'esto causidico. São do governo os nituis artigos, P porque conheço algum dos ministros I 2" porque tenho garbo de os auxiliar (invenr.ao du orador) ! 3" i)orque os arti- gos sfio longos e esteirados (não pode ser erro typogra- phico, pois í.s7iraíZo.v seria redundância : logo .são com etfeíto, além de longos, esteirados" !-i" porque conversei com 2 cavalheiros, fazendo tremm ( não entendo, mas deve ser espirituoso, vislo que o Sr. Alencar diz quíí provocou hilaridade !J õ" porqucí me vio na camará (como poderá ter visto centenares de curiosos, tão vadios como eu) ! finalmente (>** poríjue eu parecia desafiar a opposição a ousar tocar no meu insulsí) avanzel (que nranzel é este ? em que é que eu lhe ])areci desafiar a ninguém? Vou para Minas, visitar a velha da ma- cuca.)

K eisahi imí provas. Limpe as mãos á parede: são tão convincentes como as com que acaba de pejar us ]>relos sobre um ponto juridico, em que, depois de de- j)ennado por Inibil antagonista, acaba também de ter no supremo Tribunal a consohiÇão de não acb;ir um Voto que oi)inasse ter a sua doutrina o sim|»le.^ senso Cíunmum. Mas não antecipemos: a annlyse do jurispe- jito, hade vira seu tempo; por agora liniiteiíio nos a erguer as mãos ao céo ])or não s(ír juiz, cjuem ]íor taes chamadas provaa circujínstancites condínnna os mi.^e- ros que odeia.

Quanto ao r.avuHeiro do injuria, e ao avcnlureirn. con- versaremos, depois de transcrever mais um treilio da audaciosa verrina;

*' Mercê de Deos, não preciso da tribuna ])ara com- bater os meus adversários pe.rsoaes, nem consinto que S. ]'!x. ])roí'ai-i' ivhni\ar-me, jr.lgMUíb» qin? (mi ]).í«"Ii'ssi» ycr, nny. i\<r*\'iy,{yi-\ n que me r<*í*'rí, uni advi':.-'ri.). ^

senhores, 03 meus adversários uilo sao d'aqnella ordem. O nobre presidente do conselho, que o tem posto a par íle si, abríndo-lhe o thesouro que outr'orase lhe fechou, o nobre presidente do conselho é que poderá conside- ral-o algum dia seu adversário, quando elle prestar a outro, e por i^^ual razão, o mesmo serviço que lhe está agora prestando.

" E' meu costume combater os meus adversários de frente, e sinto coragem bastante p^ra dizer a verdade em face. Nunca recorri a pennas mercenárias para atirar a meus antagonistas o stygma que nfio tivesse a coragem de lançar em rosto ; nunca I

Nao precisa de tribunal! Oh se precisa ! precisa até de tribuna, que seja inaccessivel a qualquer antagonista, porque assim poderá alardear triumphos que deva a silêncios forçados. Pois pensava o Sr. José de Alencar que ousaria exprimir-se assim, se visse ante si com a pa- lavra o cidadão a quem julga insultar?! Não; as sums valentias sao as do verdugo, que açoita a victima alge- mada. E alardeia aquillo a sua coragem ! Com uma tiara de immunidades !

Qual combate de frente ? ! O seu combater é o da som- bra, que foge de quem o segue, c segue a quem se afastn. O Sr. Alencar bravateia onde a fortuna o coUocou fura de alcance. Tem três privilégios para injuriar sem respeita :

!.• Tema galharda chibança de atacar no parLamenlo a quem nao pode ali retorquir-lhe ; e assim abuza da irresponsabilidade parlamentar, que dovOra conser- var-se para as opiniões, e nunca para os convicios contra estranhos.

2,* Tem o exclusivo de propagar os seus doestos, á custa dos cofres públicos, reproduzindo-se estes pela imprensa.

3/ E como se tudo isto nao bastasse, accresce-lhe a exempção da resposta grammatical (que é pelo mesmo caso que se faz a pergunta), attento o inconstitucional contracto em que a camará dos deputados inhibe o prande orgam da publicidade de dar á luz escripto al^rum em que se responda livremente ao Sr. Alencar.

Onde ninguém falle, brilha S. Ex. ; da imprensa livre, desadora; provoca e foge, e acha uns pretextos íucoraiJrehensiveis para explicar a seu guerrear de Partho, que dispara flexas fugindo. Se é, como diz, filho

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da imprensa, para elle fez C. De la Vigne o verso cujo sentido é :

Filho da imprensa, a tua mãi suffòcas !

Venhamos agora ao amnlureirOy indigno de ser adver- sário d'este senhor, que per tende converter-me em armazém de pancadas. Kaz-uie cócegas ao bico da penna uma resposta appropriada ; mas ha ura certo pudor que impede de descer demasiado, ou de sujar as mãos com punhados de lodo, ainda quando de lodo sejam as armas adversas. E' as.im mesmo com indizível repugnância (|ue me vejo forçado a redarguir a ti"lo insólito descome- dimento, (lizendo que por todo u qualquer lado que o Sr. José de Alencar se delicie no espectáculo das suas grandezas, o humilde roceiro que i^sto escreve (salvo no talento) está a par, ou muito acima de S. E\. Se eu quizesse desfiar-lhe isto. seria facillimo : mas ó terreno desagradável ; basta a tliese, cuja exactidão afianço, e passo adiante.

Chama-me viercoiario^ a mim, que nem agora, ninu nunca em minha vida acceitei um ceitil como assala- riado, e isto me ó lançado em rosto por (juem tem sido assalariado, frequentemente, como te mostrarei. E sobre tantas proposições vergonhosas, mais uma se distingue, (|ue por si basta para revehir quaes os principios do facundo orador. O Sr. Alencar cantou a ária de 1). Ba- 7Ílio, do Barbeiro de Stvilha^ com os competentes piano piano^ rinforzando e crescendo.

Se é calumnia a im])utaçrio falsa de actos culpáveis, armada pelo inventor; se Menaudro a define : ódio ser- vido pela mentira ; se Voltaire escreve : (Juand uno fois la valomnie est entrée dans Vesprit du méclíaní^ elle nen déloye pas ; se a calumnia é uma serpente alada, que ora se arrasta, ora voa; cumpriria aos homens collocados em certas posições ostensivas evitar que se lhes appli- qué a mais abjecta das denominações.

Lè-se no discurso impresso do Sr. Alencar a seguinte plirase, (jue elle não proferira na camará (pois este discurso foi penteado e brunido no gabinete), que '' o Sr, presiílcnte do conselho me csíd abrindo o ihesonro^ que OMÍ7*'o?ví se me fechou.^'

Isto sHo fados \ e que nome merece quem os tiver ex- cogitado ? E' claro que o Sr. Alencar nao entende por estas palavras qualquer recepção, tao legitima como a

IJ

dos honorários de deputado, que S. Ex. recehe do the- souro ; entende insinuar, ou delatar que outr ora se fechou o thesonro a assaltos meus, e que ag^ora estou dispondo d'elle, recebendo somnias indevidas.

Declaro-lhe eu que são duas proposições, qual a qual mais falsa. Dig'o ra.ais: nunca recebi para mim um real do thesouro ; nunca recebi para terceiro um real, que nao fosse proveniente de leis ou sentenças ; e ha muitos annos que de novo nao tenho recebido um real do the- souro, sfíja porque titulo for.

Agora accrescento o sejruinte : tiro o Sr. Alencar a terreiro; nao é capaz de despir a sua immnniílado parla- mentar, e vir á imprensa repetir aquella phrase ( a nfio st;r com evasivas jesaiticas), pondo o meu nome por extenso, e subjeitnndo-st» á responsabilidade que a hn applica â calumnia, pois protesto que lh'a faria impor. Nílf) SC metterá a bordo doesse chaveco ; macaco velho não trepa em ramo secco ; é mais seguro escudar-se com o seu poder pessoal.

Snpponho, Fabricio meu, que me dás razão, ven- <lo nin mudar o estylo respeitoso para com quem in^rra- taraente m'o desoonheneu, qualiíicando-me torpemente de aventureiro, morcenario, indiii^no de s^r adversarií), e. ravalleivo da injiu^ía. E dize me : se te dessem a es- rnlher, que preferirias tu ser : cnvalleiro da injuria, ou p^hirro da r^alumnia ?

Ainda não levanto mão do assumpto, m.-is basta de dar á lin.írua por hoje.

Estas cousas de dinheiro sHo curiosas na bocca de fctos prototypo.s.... de cousas e lousas.

Ha por hi muito qu<^m a esse idolo sacrifique todos os pensamentos, e entno. nos outros os dedos llie pareeem hospedes : e todavia 6 para esses taes que os velhos di- zem : quem quizer que o l)areo corra, de-lhe cebo nos paraes.

Teu capellão obrig-ado

Uiucitittato.

DfJ Pfirnambiico recebemos o scírninln notavrl artigo, que, por suas dimonsões, encurlíiinos, mas que subsequentemente conUnuavemos a pubUcíir.

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I>ol8 discursos do Oonsollielro [Joaó de AJLenoar

lia homens, que nascem, vivem e morrem convenci- dos de que o mundo ó a albergaria liumilile o servil d(í seu palácio de mármores, e que u sociedade é uma caterva de pobres de espirito, cujo único destino é bater palmas em honra sua, e tripudiar no eterno festejo das suas glorias triumphaes.

Esses homens sao mais felizes do que todos os outros; porque nflo conhecem os penosos esforços das abnega rOes bemfazejas ; nflo conhecem os desgostos e os peza- r(?s das almas modestas, que nunca vêem completadas as suas ambições de fazer bem ; níio conhecera a dolo- rosa alHicçfío daquelles, que, reputando jjoucos todos os seus sacriticios em bem da humanidade, soffrem pela impotência dos seus muitos e continuos esforços; e mio sentem em si a fraqueza, que é partilha da es])ccie humana

Esses homens nflo padecem nuncn pelos males alheios, nem sao capazes de remorsos. A sua pessoa enche todo o ambiente, em que vivem. Fazendo de si o seu próprio Ídolo, extasiam-se na mais enlevada contemplação das suas incomparáveis bondades : bastam-se a si mesmos para a sua completa felicidade.

O conselheiro José de Alencar foi premiado ])ela na- tureza com o dom dessa felicidade. PMle, e o que é seu, sao o tudo que conhece snh teffmine avlovum. O demais precisa de receber a lei da sua dictíulnra.

E' esse o seu caraeter como litterato. E iS por esse caracter, que se modela e ostenta o politico e parlamen- tar, face mais protuberante do seu typo.

O homem, que se impõe pelo orgulho e pela inque brantavel ostentação de uma superioridade tolerada por todos e nfto atacada por ninguém, faz uma tradiçílo pessoal e um direito de ser por fim cegamente acatado em todas as velleidades. Nao o atacarflo depois impu- nemente: porque seguro do seu prestigio, elle rir-se-ha dos temerários, e imporá sempre a lei da sua vaidade.

Pelasegurissima e inabalável convicção da sua imcy- clopedica sufficiencia o Sr. Jostl de Alencar chegou a fazer parte do ministério de 10 de Julho, e elegeu-se deputado á assembléa geral.

]?or essa crescente e exorbitante convicção de 2S. Ex,

li

devera ser pleno jure eleito e encolhido senador deste império.

Fatalidade I Foi eleito, mas nao foi escolhido. Isto è, foi bruscamente precipitado da sua montanha no valle chatis.simo das vulgaridades mundanas I

Fazer crerão mundo que um fanático adora um idolo falso, e tentar a couscienfia do próprio fanático, 6 para elle uma cousa, tilo horrivelmente absurda, que ello a repellirá com todos os excessos e furores de uma ira voraz e descommunal. Ai daquelle que ousar tamanha oifensa, porque esse a pagará car'j, será puniil) até. á sétima geração. E si fôr mister matar todos os nascitu- ros para que nao escape a victinia destinada a applacar as iras desse fanático offendido ; si fòr preciso desonra- beçar um povo; incitai- o á guerra, ao incêndio, á d»»s- truição; si fôr mister a conílagraçãi) de um imperiu; nao liaja duvida, tudo isso será feito para lavar a aíTronta daquella consciência injuriada, i)ara elevar arinia do todas as verdades que e^^^e hí)nieni *!• excepcional, in- <*umparavel, superior a todas as elevaçOt;.; sjciaes, o t^nantnin satis para todas as possiveis felicidades da na- rau, que teve a honra de o ver nascer.

O í^r. D. Pedro II será afinal convencido de que com- irietteu um erro palmar, deixando de escollier si/nador du seu imj)orio o totutn cotitineiis da no-ísa grandeza so'*ial e politica.

Pagará caro, muito caro o simi erri.

E' esta toda, iiitiura. a irraiidií)sji po!ili<'a do illustrado M insigne conselheiro José de Alencar.

Os dois notáveis discursos, qne tem proferido est<* anno como opposicionista, d«^*5en]iani-no mais ao vivo do fjue o poderiamos lazer por nós s'Mnent'\

O primeiro desses discursos tfvi». por fim estvginalisar a viagem do i:n])erador á Iíui'opa c a menção da questão servil na falia do thr«)no. Em um governo tfio briltuii- ramente parlumfntar^ como querem «jue s-íjii o nosso, nem uma falta i)ód<í fazer o imperador, ausentando-se, desde que o s-^u logar de mera honra continua a s^r (jc- cupado. Para o próprio Sr. Jí>sí'* dí> Ahíucar. C{}ino para toíl»)S o.> nossos ''stadista.s hritnaif'n\\ nãn soifre duvidas esta verdade. K Uí^sle pjnto estão dií accordo comuí).'!'*». cora a ditF'.M'tMu;a de »jU(í não ar.iMjitamos esse lo'jar de mera lionra^ armação de phanUi.sias, fii^rão de ourop«;is, negaça de mentiras sabidas.

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A questílo servil, por seu lado, em vez de ser os.sa calamidade tremenda, em que a converteram aphan- tasia e a declamação dos traidores da pátria, é a ques- tílo vital da honra nacional, do direito so]>erano da li- berdade, da pfrandiosa aspiração da humanidade atra vez de séculos de lucta.

A sua inclusão na falia do throno, se nílo devia dar occasiao aos últimos e fulminantes desaffopfos de uma indifíMiaçno lonpramente suffocada, deveria pr()V')car o perdão final do todas as almas em f -ivor dos traficante-^ o dos govíTuos que os teem proteg-ido, porque cm fim declaram que é tempo de fnzer alg*uma cousa.

A questno da emancipação dos escravos, nílo encon- trando Já, antes do minist-.rio de 7 de Março, outra oj)- posição que nfio fosse o líartido conservador; e sendi) tíste partido quem ajorora se resolvera a dirií^ir o log-i- timo e irresistivel movimento nacional. desapjKiroci i a única possibilidade de alteração da paz c da ordem pu- blica.

Portanto, inadmissível, como é, a intewençJlo pessoal do imperador na soluçilo dessa como na de todas as questões sociaes, a sua viaprem d(íV(>ra ser fa<*to de todo secundário, sem a menor importância ]>ara um povo tflo seriamente possuido dasconve niencias de uma paz a todo o transe, pelas quaes tem chep^ado a comjirometter osnolíres estimulos de lepritimas reacções.

^las nflo ! Acabar com a escravidílo, de qualquer modo que seja, é para o -Sr. José de Alencar uma. catas- trophe horrorosa. S. K\'. e\a<rera os seus horrores para insinuar que o imperador sahia do seu império por medo dos peri/íos imminente- ?

A existência da espravidílo é para o elevado orador uma f(dicidade, porque lhe offorece dupla oeeasino de brilhar c Ae, vingar-sp, K foi por isso que denunciou á naçílo que o imperador ateara o facho das desordens e das calamidades publicas, e fuíria ao periíro (pie attra- hira sobre os brasileiros.

Pedio a palavra o Sr. conselheiro José de Alencar, o auctor do drama intitulado Mui, que íiuer acliar na conservaçílo do estado servil uma frlorií* politiea qu(í sobre])UÍe á prloria littpraria do dramaturpro.

Os liomens. ípn^. nos bons t^^mpos íloresc(>utes do Diá- rio '{n fí'^ '^ )nheceram em S. ]í\, aíjuelle n»publica-

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uismo, que mal podia inascarar-se com apjiareiícias de mera liberdade, embora a sua transformação politica, pensaram que .S. Ex. se deixasse arrebatar um momento pelus impelos sopeados dos seus antig'os anhelos demo- cráticos, e esperaram o instante de admirar os deslum- brantes lampejos da mais inspirada eloquência.

O discurso do Sr. conselheiro José de Alencar foi o aborto de uma grande inspiração, mas o parto com- pleto e feliz de uuia aberração formidável.

Quem quer conhecer em que condição elevada foi coUocada a questão politica que fez objecto do discurso, descobre somente, é triste dizel-o, a fatuidade e o des- abafo de concentrados rancores.

<fc>uem quer conhecer qual o principio politico, qual o valioso interesse social, que pode fazer a syntliese dessa peça (>ratoria, j)erde-ífe no balsuiro das venenosas iro- nias, das allusoes ag-gressivas, das malifrnidades des- peitosas, (las insinuações descortozes, das jactâncias jíueris, das atfeclações de umaeneryia, que poreja baixa lisonja.

O que apparece em todo o discurso é a saliência os- ten.siva da sua entidade social, é a importância politica ..lo seu vulto de estadista, impondo-se pela própria exu- berância do valor pessoal.

O orador u?lo teve outro propósito sen?lo desenhar o ;-eu retratj em ^*'rande, e ainda par ilussus h murche jii*»ldural-o ricamente.

lia no seu discurso uma palpitante exploração dos tlesgrostos, das contrariedades, dasoftensas, das dolorosas reminiscências de um povo, que tem experimentado op- pre.ssOes. S. Exa. apanhou todos esses elementos de reacção, e pol-os ao serviço de seu orgulho descommunal.

Foi despertando-os todos que tentou ganhar adhesões para si- e applausos para o seu discurso.

E com effeito, se a camará lhe negou esses applausos, a clafjíie litteraria que conquistou os redactores da Ite- forma^ e que se vai tornando em cltKjue politica, tem-lhe fiivoneado as vaidades , e correspondido ao seu maligno expediente.

Sbl mais diíficil collisão entre os reclamos da honesti- dade e das conveniências parlamentares por um lado, e jior outro os pequeninos, mas exigentes impulsos do seu de^jpeito e egoismo, o Conselheiro José de Alencar çre-

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cisou de empregar todo o esforço dos seus recursos oratórios para cohonestar a attitude esquerda que tomara.

Precisou, mais de uma vez, de queimar iucensos ao Ídolo imperial que uão veuéra, para melhor veucer a confiança de muitos, e fazer crer na sua rectidão.

Para seduzir a mais alguns, mostra-se apprehensivo pela falta immensa c irreparável, que sentirá o governo com a ausência das luzes^ da experiência e do patriotismo do imperador, que aliás é, eserá ainda alguns annos ou mezes, accusado, por dd cd aquclla palha, de ostentar governo pessoal.

Queimou o orador esse incenso por que teve necessi- dade de insinuar que era falso o motivo allegado da viagem,— moléstia da imperatriz ; visto que de longa data projectada, essa viagem "estava reservada para o condão magico do nobre presidente do conselho, depois de a não poderem obter os Srs. Marquez de Olinda e Visconde de Itaborahy. 1' De modo que, fosse embora verdadeira a moléstia, o motivo da viagem era mentiroso.

Queimou o orador esse incenso, porque lhe era neces- sário dizer: "Senhores, quem n?lo conhecesse o Sr. D. Pedro II, e não soubesse das provas de civismo, que elle tem dado em trintas occasioes, diria que esta viagem precipitada ora.... inspirada pelas círct*?n.çíancía5 gravei?, em que se acha o paiz. ■'

Longa e qualificada foi a premeditaçao de fugir aos perigos daquestílo servil, seja o Marquez de Olinda fura procurado para obter autorisaçfio para a viagem I

Esta nobre insinuação caracterisa o orador e o seu dis- curso I

Mas em que consistem essas graves circufnstdnciàs, de que falia o orador?

Para aquelles, a quem o egoismo e o calculo ainda nao tiraram o bom senso, essas circumstancias consistem e unicamente na agitação dos especuladores, na grita insensata dos descontentes, na opposiçao contra todas as grandes reformas, por que isso é o que estimula a in- dignação e o desabafo , e pôde atear outras causas latentes de reacção, inais elevadas e inais dignas.

[Continua)

Typographia americana Rua dos Ourives n. 19.

QUESTÕES DO DIA

RIO 1)B JAÍÍBtBO, 8 DE SETEMBRO DE 1871.

Vcade-se eoi caaa iIo Srs. E. & II. Laemniert— Prni;u da ConsUtaíH t«ia do CoDio— RufL da S. João u. 110— Livmria Académica, t Qtulíiilin nu mesuiti rua n, 75. Pkço â» réis.

BU n trlbii ae I.CV1 do parti

1 coasorvador 1

Temo» asâistiilo u um espectáculo contristador, qaaP nqiieilã âi U^m datlu a miaoria da camará temporária em sua» falsa.>4 e apaixonadas apreciações da fQÍ}Xv:,i). ú.a cprOu / fazeado assim cíJro com os mais exaltados escríp- turea adversos à ordem coastitucioual da monarcUia ri presentativa. 1

Nunca tal fora visto no seio do parlamento, n^ tD6sniú iiuK tempos, em que alli estiveram em opposiç&o otf liburauii mais exaltados. Nilo: alli nuuca se investio tSa de frente coutra a pessoa dfi chefe do Estado ; nunca au eoiinciaram proposições tao subversivas.

Estava isso reservado para uma minoria que \ tunda ropreseotar aa genuínas idéas do partido conai rador I \

S«)iida da situação inaugurada pelo ministério de 16 de JuUio, a camará actual nao devia collocar-se em an- lifODÍflino cem os bons princípios de governo. E nno se eollocou, como o attesta a illustrada e patriótica maio- ria, (inc.ãrmts e corajosa, apoiou o ministério na grandu lueta. em que até hoje tem vencido; mas desgraçada- mente ficam os precedentes deploravei«, plantados pela minoria, mijos chefes tenlo com o seu comnortamcnto sesíflu desto anno a parto mais vnlueravel, e sempre fraca do sua vida política, para poderem no futuro, a* forem governo, arcar contra os excessos das mínolf ijae os combaterem.

NAo attetidoram siuflo a falsos interesses do occanifl nXtí escutaram sinfto os impulsos de sentimentos n _ tospiradoã ; quebraram os elos preciosos de unidade do

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partido conservador ; e excitaram na imprensa a mais solta, a mais desrespeitosa linguagem contra o chefe da nação, contra as sabias instituições politicas da nossa forma de governo ; e deram aos contrários o mais des- graçado exemplo da desorganisaç&o de um partido, que, em seus verdadeiros recursos, possue os melhores elementos de forca.

E o que foi que accendeu tamanhas iras, e levantou t&o medonha tempestade, que desprendeu os raios de indignaç&o da minoria ?

Foi, dixem elles, a questão do elemento servil, pomo de discórdia, desafio do poder contra os interesses da nação : foi o governo pessoal, que vicia a marcha dos ne- gócios do Estado.

E quem é que o diz ! quem é que apoia semelhantes proposições?

Sao alguns ex-ministros da coroa, e ex-presidentes de provincia, que o foram na situação creada pelo 16 de Julho I

Foram elles, ha pouco instrumentos desse poder, como membros primários do executivo, ou delegados deste na plana immediata da jerarchia administrativa, que agora vieram denunciar-se como subservientes, e executores do poder pessoal!

Mas nada mais devia admirar-nos desde que vimos que um que tivera acção tao livre no governo, que po- derá mandar trancar na sua secretaria todo o trabalho que existia referente ao elemento servil, e praticara sem embaraço todos os actos administrativos, emquanto preparava o ninho, em que esperava agazalhar-se, aguar- dando depois fora do ministério a coroação dos seus cálculos; reconhecera ò monstro governo pessoal^ quando, na solução final, vira cahirem esses cálculos por um dos mais sábios actos de moralidade politica da coroa.

Sábio, sim, foi sem duvida o acto, que não deu ganho de causa ás pretenções de um individuo, que como mi- nistro improvisou uma candidatura que não podéra tentar antes e, não obstantes todas as considerações que o arredavam de tal pretenção, se obstinou a sustental-a como se fora direito perfeito, que a passagem pelo po- der lhe houvesse feito adquirir.

Foi esse o grande, o imperdoável crime da coroa; d^ahi a origem dessa mania, que se tornou como um spectro, que acompanha o individuo despeitado por toda

IV 3

A parte, n lhe iiinitio no animo o propósito de erigir em [wHlica de partido os spntimentos ile ódio nascidos de SUB iocommensiiravpl vnidade

Mas o Sr. José de Alencar nao fora preterido por no- mes obscuros, sem importância: qualquer dos dois es- colhidos é homem pncanecido no serviço publico, é homem de reconhecido merecimento, e tinha sido incluído era lista senatorial.

Varfles eminentes esiatera hoje no senado, ijue plis- saram por mais de iimn eleiçílo, vendo outros escolhidas, «em que Í4so lhes aguçasse ns iras contra a mesma coríl». Reconheceram que na escolha estava ella perfei- tamente no seu direito coustitucional ; e nao havia of- feofa de direitos, quando de uma lista tríplice s6 pôde liahír um de cada vez. e nii opportunidade da escollia do qne é desig^nado sii a corfla é o juiz comi)etente.

Voltando, porém, ao nosso ponto, ao que serve de nexo Às nossas observações sobre o comportamento da mino- ria da camsra, devemos tornar bem saliente que a nossa reitsnra nSo é parque o governo nSo tivesse a unanimi- dade dos votos da camará na questão do elemento servil ; mas nn modo, jiorqne, em sun oppo3Íç&o, se conduzio a minoria, tanto na eamam como na imprensa, attri- buíiido a motivos menos honrosos o apoio dado á pro- posta du governo, e excedendo-se no emprej^-o dos meios de opposíçfto, de modo altamente condemnavol.

A abflliçan da escravidão no Brasil nao é um acto irop*8tíi pela vontade caprichosa de Cesfir ; nao è uma imposição da coroa; e nao pôde ser traduzida 'X-mo £ub%rv'iencia A vontade irresponsável, porque, em si, a questílfl nasceu da marcha dos acontecimentos; é como o fructo amadurecido na arvore, que deve ser co- lllido «m tempo para que se nao deteriore.

E" um tentame insensato o daquelles, que entendem que podem fszer parar o carro de nm acontecimento que e determinado por causas fataes.

Quando a locomotiva sibila, desprendendo a carreira, Dfto conhece resistência : esmagará os obstáculos que se llie anteposerem : e cumpre dirigila pelos meios con- venientes para que nan saia do trilho, até ir precipitar-se Ho abismo.

A questão do elemento servil traz hoje o impulso da locomotiva que Ibe (', própria, a força dos verdadeiros, dos primários interesses de ordem económica e social, qae a impellom para sua prompta solução.

IV

Foi isto o que nSo quiz reconhecer a minoria da ca- mará; é a isto que n&n quer attenâer a obt^tinação de certos interesses que actuam dentro o fora do parlamento, que pretendem desviar do seu verdadeiro ponto de queda a torrente que engrossou, e que mais suberba crescerá com a repressão das comportas que imaginam ante- por-lhe, a tal ponto que, si nflo se Ibe acudir a tempo, quebrará todos os embaraços que encontrar, e se despe- nhará, da montanha com horrível fragor em medonhas catadupas.

Pensam que a oratória apaixonada da tribuna parla- mentar, que enfáticos, e faltazes artigos de jornal, e planos calculados para o fim de retardarem um aconte- cimento inevitável, sao meios regulares conducentes ao retardamento da extinccSo do captíveiro 7

Em seu plano, aopposiçSo procura amontoar trabalhos e embaraços ao governo para fazel-o recuar em sua mar- cha. E' assim que tem procurado, mas muito sem geito, promover o descontentamento da classe militar, na qua! um auxiliar poderoso contra o governo. Erro grave I cujas consequências, si o plano surtisse effeito, seriam bem perigosas para o paiz.

Mas porque hoje se pretende agitar esta arma do opposiçao, boje se manifesta esse interesse por um» classe, sem duvida, muíto merecedora das attençces do governo ?

Ha nisto summa deslealdade, e grande desacerto no modo de defender os interesse.^^ públicos. Esse meio de opposiçao é como uma espada de dous gumes, que, si fere o adversário, também fero a quem com tao grande e imprudência a maneja,

A situação é grave, como bera reconhecemos ; a socie- dade exige grandes remédios administrativos , mas eites nfio podem sair a lume com as excitações e os estorvos oppostos por uma minoria era opposiçao systematica.

Uma dns grandes necessidades reclamadas é a colouisaçao que, na ordem económica, é a primeira quest&o. depois da do elemento servil, si é que com ella nAo marcha pari passu ; mas como poderá ser satisfeita essa necessidade, sem que seja traduzida em lei a aboli- ção do elemento servil de um modo eíficaz T

E' desenganar, porque as tentativas iofructiferas até hoje feitas ahí estão para attestar o facto : com a escra- vidão, acolonisaçao jamais será entre ods uma realidade;

IV 5

todos 05 esforços serão como a onda que vai queorar-se sobre o rochedo.

Na ordem administrativa,ha outras questiles de grande alcance, cuja solução conveniente nao pôde ser dada sem que a proposta sobre o elemento servil, j& felizmente approvada pela camará dos deputados, seja convertida em lei com a necessária approvaçao do senado.

A reforma judiciaria, hoje lei, em cuja discussão o illustre ministro da justiça appareceu em toda a altura de seu assignalado talento, e nunca desmentido patrio- tismo, com sacrifício de sua enfraquecida saúde, é, certa- mente, um grande benefício conseguido ; mas as medi- das de governo nao podem isolar-se, prendem-se por um encadeamento necessário como elos administrativos

A reforma judiciaria, é força reconhecel-o, para pro- duzir os seus salutares effeitos está na dependência do melhoramento das condições do estado civil do povo, melhoramento que não poderá operar se, sinão com a extincção da escravidão ; mas desde começarão a sentir-se, em parte, esses effeitos, ató onde (\ possivel chegar a sua influencia na actualidade, muito embora um grupo de praguentos condemne tudo que parto do actual ministério.

O paiz não deve estar subordinado sempre a certas in- fluencias estacionarias : seria um impossível, e, se pos- sivel fosse, seria grande calamidade.

Não ha hoje em dia Josués, que possam fazer parar o sol em sua carreira : a missão divina da rodempção do írenero humano foi consummada pelo maior dossacri- fícios; os milagreít não são necessários para guiar a familia humana. Entre nós ninguém terá força para proferir o sisíe na marcha regular dos acontecimentos, que vem, por que irremissivelmente hão de vir.

rutittiò.

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SÉTIMA CARTA

DO ROCEIRO CINCINNATO AO CIDADÃO FABRÍCIO

Rio de Janeiro, 5 de Setembro de 1871.

Fabrício querido. Dou as mãos â palmatória; tenho gazeado ; passei uns dias em Petrópolis, que numsa me agrada tanto, como quando parece deserto ; e eis-me de volta, proseguindo na tarefa que me impuzeste.

Consagrei as duas missivas ultimas a conversar com- tigo sobre a famosa interpellaçao do dia 5 do passado, e devia naturalmente seguir-se agora uma interpellaçao minha ao interpellante, com as provas documentaas de ser sobre elle que recahem as accusações de assalariado e mercenário, e outras gentilezas com que pretendeu acabrunhar-me ; porém como na tua ultima carta me ponderas que estou gastando demasiada cera com bom defunto^ e que preferes ouvir-me divagar sobre a ques- tão magna do dia, obedeço ; guardo para um pouquito mais tarde a continuação do ajuste de contas pessoal, e volto ao apimentado discurso que o Sr. José de Alencar proferio sobre o elemento servil, analyse interrompida pela tal interpellaç&o, de eternas luminárias. Venha portanto para a frente o thema das minhas variações.

V. As CONTRADICCÕKS

Fulminou o Sr. Alencar o projecto do governo e o pa- recer da commiss&o especial da camará dos deputados, por ejstabelecerem principios contradictorios, inconci- liáveis ; e exprimio-se com a brandura e delicadeza, que estão em seus modestos hábitos. Ora deixa me transcre- ver-te o principal desses trechos.

" A argumentação é um calculo egoístico, uma

transacção politica ; é o pacto da religifto com a iniqui- dade.... Desde que no parlamento se declara que uma instituição é barbara, iniqua e torpe, consentir que ella continue a contaminar o paiz é um crime de lesa-naçfto e de lesa-humanidade " (Esta mesma idéa é esparra- Ihada por dez formas diversas) **.... Estas contradicções tem uma causa ; n&o ha na illustrada maioria uma opi- nião, o que ha sao aspirações divergentes, heteroge- aeas ; falta o nexo para as consolidar em uma convic-

IV

çSo, em uma sií i<]éa; por isso cada trecho do parecer revela UBui duvida, uma iudeci-sao, uma incoberencia" etc., ele.

Desataviada das pumpas, iiligranas e espertezas ora- tórias, coadeiisa~se e fortifíca-se esta accu^ação feita ao projecto u aos fundamentos eiQ que se estriba, no se- fruinte dilomma descarnado:— "tíe a escravidão repre- âenta direitos rasneitaveís, como dizeis; porque a r^Lio- reÍK abolir? Se ella é contraria aos princípios da reli- g-íao, da moral, do ioteresíie publico, como também dizeis; porque a conservais ? Sois contradictorios ! "

Se isto fosse conlradicção, poderíamos, com Joubert, exclamar: "Pôde por erro cair-se em contradicçao ; maâ se é pela Verdade que nella se cae, es^a contrudic çfto é veneranda, (t alors il faut ti'yjeUer à corps perdu." Mas com qutj fundamento ae chama a isto coiitradic- Ç&o? Como úqua um Roas i em miniatura applica a se- ttielhaale b yputbese a duvida Haniletiaiia do «er ou nuo sert O que 03 philosophos denominavam o principio do contFadic^Tfto.fonnulava-se assim : t" impossível que uma couêa, aomeamo icmpo, «eja e não xeja. lufelizmento a pliilosopliia e a religifto nao atto as únicas legisladoras do inuodu. Servt;ui, sim, para, com «eus fachos lumi- nujios, ir aperfeiçoando as instituições; porém as leis do houiera uão tem a .labedoria e immutabilidade das luís Creador, Desde o principio d-i eterno Fiat, achou o Legislador Supremo que tudo e'4tava bom ; mas o le- gislador bumatio, desde a origem das sociedades que anda apalpando, lidando ua sua teia de Penélope, pro- clnuiaudo hoje mentira o que hontem fiira, o que amn- aUa tornará, a ser, verdade. E, eis como em matéria de leis, nunca o melhoramento deverá ser alcunhado de contradicçao, iiem tao pouco o serii quando considera- oACu dn alto momento forçarem a coutemporisar, ainda I»r algum praso, até que respeitáveis interesses sejam atlenilidoti.

O progresso é a magna charta das sociedades: nflo o prog-reiíso da faísca, para log-o convertida em labareda ; u&o o do rocio instantaneamente transformado em iaunilaçao. Progresso real, fecundo, civilisador, 6 o me- ditado e gradual , o que avança, dando tempo para Unçar ollios em torno, e nao aquelle que vôa ãs cíga^, quer saltar ao alto da escada sem lhe subir us degraus, qnar chegar ante:« de partir, tfe em terras como as aosiías ua diOerença entre um liberal e um conservador, a diffe-

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rença é eeta : aspiram ambos approximadameDte à mesma cousa, mas aquello com impaciência, soffre- guid&o, e colhendo o fructo verde; este comsocego, fir- meza, e exigindo ao fructo que amadureça.

Eií alii porque o projecto entende dever pôr termo á instituiçso do captiveiro, mas entende também que esse desiderwidum deve respeitar direitos adquiridos A sombra da lei ; se ha conlradicção, toda ella está no amag:o da própria questão. Os que exageram os direitos oriundos dessa tíío peculiar propriedade, acham se no campo que os jurisconsultos UeSnem pra Icfie contra jurem; os que admittem o extrorao da emancipação immodiata, tio campo pra jure contra íeye/». Naa circumatancias espe- ciaea do Brasil, ambos esses oxtremos sao viciosos.

O direito eterno, o natural, o direito por excellencia, que dúvida ha de que repelle a instituição? Que dúvida ua de que o termo propriedade é mal applicado é relaçílo entre o senhoreo escravo, no anno de graça de 1871 *

Propriedade I Compra e vendai A primeira, a uuica legitima condiçfto do commercio é recair sobre objecto vmial ; venal nfto é a alma nem o corpo de um ente hu- mano. Toda a propriedade se atfere por um padrão, a preço de dinlieiro; estranha cousa é pòr-se a proprie- dade-homem , como o carneiro ou o jumento . em almoeda, aos lanços.

E como se hnde exigir que o mísero coUocado nessas condições, alifts embrutecido (porque o embrutecimento di raça é uma das condições do seu estado], se dedique fervorosamente ao bem da sociedade, fi que uflo per- tence ? Elle nos respondeni :

" Deus? Descreio; porque me illude, proclamando- me vosso egual, e eu sou vosso captivo.

" Patbia T Descreio; porque ndo sou nem serei nunca cidadKo, e porque ú disposição delia nso me é dado piír ss minhas faculdades.

'■ Fauilia? Descreio; porqna v(5s me ensinais a des- prezar 08 laços que unem a vossa; me difBcuUais o formal>a legitima; e, depois de consUtuida, nau a rodeais das mesmaa seguranças.

'■ Ec ? Irrisfio ! Que sou eu t Alma penada, se é que sou alma; Saturno, que devoro os filhos; ignóbil creatura, para quem o espirito nao foi dom, mas con- demnnçUo; inhibido de respirar a atmosphera que me circumda; considerado suspeito, inferior, inimigo; con- demuado a trabalho insuuo, cujo fructo aproveita a

IV j)

outros: no passado, vileza: no presente, miséria: futuro >eni esperança. Estou sirnplesmenttí euclieudo altura na terra, onde nem vestígios ficarão da minha passag-em, porque nao podem deixar o suor nem as lag-rvmas. *'

Ponjue se não liade dizer isto, se istí> 6 a verdade? K ;i tantos horrores, vemhnje nesta terra outra curiosa des- i>rualdade auírmentar o seu cortejo de al)ominaçr)es. Fallo da anomalia, dacontradiccão, da injustiça máxima <Ie collocarmos em posiçflo interior af|uelle que ao.-; nossos olhos deveria ocoupar posição d(? superioridade ! Acham-se dons homens em absoluta identidailo do cir- cumstancias: chamamos ambos, escravos; mas, se um chejrar ahi, estrangpeiro, trazido de lonj»'es terras, sem liíraçao alg"uma com esta; se o outro for creoulo, com- patriota, nascido na mesma terra ([xw o.< outros bra- sileiros, que succederá? para aqutdlí», aliás com razão, mas em condições inferiores, a liberdade immediata ; para este, conterrâneo, o perpetuo captiveiro!

Tudo isto é de evidencia meridiana : não se offusque o sol, cobrindo-o com uma peneira ; não se zombe de considerações d'estama«^-nitude ; não .^e exija, para foro« de estadista, cortar a cabeça, arrancar o coração, pctri- lical-o, ou converíel-o n'umasimpl(ís bola d^ouro. (Isque applaudom ])rojecto, é por verem noUe a aurora do ília em que o vocábulo escravo d«»sapp}irecorá do nosso, •'omo de todos nn idiomas.

Mas se o christão, o iiliilosoidio, o ])atriota, o homem :i. cabeça e coração, reflexiona assim, sur/jre opoliticu, e ::.ipõe-lhe outro íhiver que se não coaduna com aquelle.

Pondera o politico que atraz dessa nobre (juestão iia outra, que embora de menos momento, uuTece res- jjeito : qui» a lei civil estabeleceu a instituição ; que dfí conformidade com essa lei, e sob a salvaj^uarda d'ella existem valiosos interesses : (jue estes se acham ainda vinculados com a actual orjranisação do trabalho: que a sociedade peri^Mria com o liber- tamento instantâneo de todos os cai)tivos ; que é axioma o jure ííuo iwnio i}rivandus : cpn^ sem indem- nisacão dos serviços, a alforria ^'•oral seria uma extorcão: que para a decretar com indemnisacão, seria ao Estado imj»ossivel achar recursos ; que cons(í^^uintemente direito deve ceder um tanto á pressão pcditica, porque também aqui o sunumun jus seria a sinmna Injuria: e Tionjue teríamos então direito contra direito, violência contra violência, desordem, anarchia.

10 IV

Kis-ahi pois o que inexactamente denominam contra- dicçflo : as considerações da primeira ordem levariam á abolição immediata do captiveiro, as da segunda ordem mostram-na impraticável ; Ahi, ahi é que estão os inte- resses oppostos, que constrangem o legislador a fugir a qualquer dos dons extremos, a adoptar um meio termo, uma composição, que por um lado afiance aquella ex- tincçao num prazo mais ou menos curto, por outro per- mitta ainda a duração d'essa deformidade social, quanto baste para se não imputarem á lei as pechas de desorga- nisadora, espoliadora e iniqua.

Assim a vemos neste projecto prudentemente decretar

a impossibilidade de futura escravidão, pela liber- dade dos nascituros— o respeito á existente propriedade de serviços, pela conservação do estado excepcional da actual classe captiva a possível protecção a esses miseros, pelos variados esforços feitos para as suas alforrias.

Quem desconhece que o rigor da lógica se não con- tenta com essas prudentes reservas? Corollarios lógicos poderiam tirar-se de uma das contrarias proposições :

Perpetue-se a instituição ou SuppyHma-se a insti- tuição. Ora, se nem uma n*,.*m outra cousa é factível, claro está í|ue nenhum expediente pode ser lembrado a que se exijam rigores dialécticos. Os que interessam na duração do captiveiro, hão de sempre bramar contra as monstruosidades que renlniente resultam por furça d'esta duração anómala ; os que do direito se enamoram, hão de stygmatisar uma lei que os não acompanha em suas impaciências, e hão de. como o fez o AiUi-Slavery Repórter^ do 1" de julho, qualificar este projecto, não como de suppressao,mas como de alongamento da insti- tuição abominável.

Sendo certo que, nem no parlamento, nem na im- prensa, nem nas representações, nem nas associações, nem nas salas, nem nas praças, ha uma voz que não proclame a necessidade de acabar com a escravidão ; sendo pois esta a opinião unanime do Brazil ; e não ha- vendo tão pouco quem, nas peculiares circumstancias d'este império, desconheça a necessidade de não dar o golpe de súbito ; é de primeira intuição que nenhum alvitre poderia imaginar-se escoimado de,reaes ou appa- rentes, injustiças relativas, de disposições contradicto- rias, se assim querem chamar á inevitável condescen. íTencia com direitos, senão oppostos, diversíssimos^

IV 11

Oc.safío a que algum melhor Lycurgo, dadas as duas condições imprescindíveis, exliiba projecto, d'onde nao puUuíem os inconvenientes d'este penero, que ao do g-overno assacam. Ninguém do boa o poderá negar. Pode porém, tem carta branca, negal-o o Sr. José de Alencar, e exclamar o seguinte :

•' Nflo ha nem pode haver senão duas opiniões poli- ticas, dous partidos, o da emancipação indirecta e o da emancipação directa e immediata. ^'

Partido de emtincipaçao directa e immediata, pode havel-o fora; nao o ha no Brazil. Na Europa podem ter-se deixado levar pelos impulsos exclusivamente hu- manitários, não hoje para a propaganda, como até em tempos mais afastados, quando alli havia interesses diversos na questão; alli podia ter alcance exclusiva- mente generoso e nobre, quando estava em causa o principio da liberdade humana, aquelle famoso brado : Pereçam as colónias^ e salve-se o principio I O trabalho servil das colónias inglezas e francezas nao era a Inprlaterra nem a Franca; mas as colónias do Brazil sao o próprio Brazil, e portanto, aos olhos do muitos, aquelle hrado aqui, sêro-hia de suicidio.

Nao ha pois neste império nem partido, nem opinião, <[ue pu^ne i)ela emancipação directa e immediata; e qnnnto á extinoçao indirecta e gradunlda escravidão, ó isso que o projecto assegura.

P(3de tardar o dia da verdade, mas para todas as grandes conquistas sociaes, é lei providencial, raia ine- vitavelmente. Para as melhores e mais indispensáveis prescripçOes ha sempre rémoras, como o orador qno analyso; mas a despeito delias, os principios vao marchando f/uo faia vocant, Barafustíi o nobre depu- tado por que se demore ou eternize a solução deste jis- surapto; nao pode ser; demasiado tem elle figurado nos debates especulativos. Todas as naçOes admittiram a negra instituição, mas todas sem excepção a derruba- ram ; está madura a idéa da humanidade, e o Brasil jiertence á humanidade.

Cada doctrina, atn das que hoje mais nos arripiam, teve existência legal, e muitas vezes constituindo di- reito publico internacional ou privado.

A escravidão dos judeos, gregos e romanos na anti- guidade, e modernamente a dos povos do oriente e da Africa, foi base social, e teve extensão mui outra que <»sta nossa escravidão, a derradeira. Onde vai ella?

(

12 IV

O despotismo do chefe da família para com sua con- sorte, filhos e fâmulos, onde está?

O caprichoso direito de conquista e do incorporação, íícin titulos nem motivos, nao desappareceu ?

O direito albinato (alibi nalus, droit d\iiih(une)^ ({iie tornava o soberano local herdeiro do alienígena, ou de quem nao deixasse succcssor reinícola, precisa hoje a declaração dos tratados para ser desprezado ?

O direito da praia {jits liltoi^is] que aos mesquinhos naufrag-os augrmentava a miséria, vendo elles leg'al- mente arrebatada toda a sua propriedade arremecada pelas ondas a alheias costas, 6 hoje mais que uma tra- diç.lo vergonhosa?

Tantos denominados direitos feudaes e senhoriaes que os séculos toleraram sem espanto, formam acaso mais que negras paginas de obsoleta civilisaçao?

E nao obstante, todas essas façanhosas barbaridades arreiavam-se com o usurpado nome de direitos, direitos e direitos, por mais tortos que esses direitos fossem. Tenhamos cautela em nao enterrar a mao na chaga, nós outros: quem sabe se em 1871 com igual razão não chamamos direito ao que, á devida luz, devesse cham;ir-se interesse ?

Ai, Fabricio, que ainda agora dou por mim 1 Parece que também eii estou hoje (H)m cara de poucos amigos, (íe bitaculas franzidas, com o fígado segregando bile negra, e arrependo -me porque melancolia não paga di- vidas. Também a culpa foi minha: eu tenho uma receita infallivel para por mede canninha na agua: é olhar para certos furores, \C*y certos discursos, e ver ursos a dansar; o que tudo é excessivamente alegre. Desta vez li pouco, e sobre themas de Bertholdo thalberguei va- riações áestabfU mater; foi o assumpto que irresistivel- mente me chamou á seriedade, que houvera sido impró- pria do discurso que analyso.

Naofecho esta, sem chamar atua attençSo para uma oração proferida pelo respeitável conselheiro Nebias, um dos mais nobres vultos do parlamento e do paiz, discurso que hoje foi publicado no Jornal de Commorcio. O venerando ancião hostilisa o projecto, e tudo induz a crer que por convicção. Com quanto eii divirja da sua opinião, respeito-a, porque, afinal de contas, as convic- ções do homem probo e illustrado sao sempre dignas de acatamento. Persuado-me porém que o Sr. Alencar terá

IV 13

ficado como uma bicha com o illustre estadista, que aliás timbra pela franqueza, mas a franqueza da leal- dade e boa educação, quando, alludindo ixs conferencias sobre o elemento servil, entre os membros do poder executivo, de que eram parto o orador e o Sr. Alencar também, se exprimio assim :

" Declarei a Sua Magestade o Imperador (que discu- tio sempre com os seus ministros em plena liberdade e confiança, ficando cada um de nós com a sua responsa- bilidade) queetc... Em resultado ^da discussão) a falia do throno desse anno nao disse nada acerca do elemento servil Nós éramos ministros re-^ponsaveis, e tomámos a responsabilidade dessa ommissao. "'

Eis ahi o famoso ab alío^ a pressão exercida pelo poder pessoal. Um varão, incapaz de adular nem mentir, diz que os ministros, quorum pars magna fuit o Sr. Alencar, nunca foram coa«ridos pelo chefe do poder executivo ; que n<^^ta própria matéria, como em todas, obraram sempre em plena liberdade e confiança ; o que as reso- luções tomadas foram sempre sof^undo o seu modo de vére conformes á sua responsabilidade. E o delator do poder pessoal ouvio e nao ousou desmentir. Infeliz mortal ! tudo lhe corre torto.

Ainda mais íiutra: Na sessHo do hont(.Mn. no senado, o illustrado Sr. Zacarias de (íoos ■(iu«í a um aíilluido pu- zera, na pia do baptismo, o iionie d(í FfitiiuUnho] ])on(l(»- rou que parecia impossível ter o ministro da justiça oní 1870 declarado á camará dos deputados, em seu carac terofficial, que não existia trabalho al^rtim do consellio de estarlo sobre o elemento servil ! n o respeitável Sr. visconde de Itabornhy accresceníou, em á ])arte, que desdn o anno de 18(58, os i^apeis do conselho de estatlo e outros haviam sido entreg'u<»s ao Sr. José de Alencar.... que ag^ora vem accusar os outros do não terem disto dado conhecimento ao poder leí^islativo. Habilidoso líermann, sí> Deos «'• Deos, e tu o seu prr)j)heta I

O íTuerroar desleal contra o pí)der pessoal ; o jti vamos do barqueiro ; o sf})n. faliu (Palfaiate : esporada d'arrieiro; bom vinho na taboleta.... tildo é peta. Verdade é, meu vciiio, ser eu inalteravelmente* len constíinte admirador Cint Innato.

14 IV

Do us discursos <to conselliolro Josó d.o Alencar.

( Continuação )

Portanto o imperador fugiria (l*aqiiillo, que o orador havia de fazer, e começou a fazer com os seus dis- cursos !

Deve portanto a nação ficar de sobreaviso, e tomar ruidndo com o Sr. Conselioiro Alencar.

Mas ali ! O orador precisava mui ti) de fazer ver ao im- perador— que nJlo será impunemente que »^. Majestade deixi'U de trioutar homenagem a um estadista da polpa de S. Exa.; quo caro í^vk custar á naçfio o desapreço, que o excluio do senado.

O orador precisou de fazer saber á nacao e ao mundo que ha neste paiz um monarcha tilo imprevidente, que nao sabe receber em sua casa com a devida distincçilo c amabilidade um homem da elevação politica , e da illustraçao sem parelha, do Conselheiro José do Alencar, de cujo tracto devera S. Míi^estade colher tflo boa lição de conhecimentos humanos.

O Sr. Conselheiro precisou muito de fazer constar ao paiz e ao mundo que o esphacelamento actual do partido conservador dat'i, e provém da desastrada recusa, q le ousaram fazer dos seus inestimáveis projectos de re- forma judiciaria e da p^uarda nacional, dos quaes de certo dependia a salvação da pátria.

Fazendo de si tilo exaltido con<*eito, crendo-se uma verdadeira influencia nacional, concebi^u a apprehensllo de que o imperador quiz abrir eoinelle uma hicta pessoal de prestigio politico, intollectu;d e scientifico E que mostrar que, por força da sua autoridade parlamentarer politica, ha de cahir a fracçOo desse partido, que pela recusa dos seus projectos deu razflo ao imperador na lucta que este travou rontra o autor do(jaú'*ho.

O senhor Con^;rdheiro alfaga í) ardente propósito de mostnsi', .u' ;isuanílo escolha de senador pela província do Ceará hade ser paga com usura: porque S. Exa. ó o

IV 15

rier pias ultra, o solas, tohis et unas deste império de parvos.

A gana de molestar o imperador, que o levou a dizer duras verdades, naolhe cousentio que omittisse nas suas criticas a antigualha ridicula do beiia-mao, embora fosse obrigado a confessar que tamliem lhe tem prestado reverencia, sendo porém a tal respeito uma espécie de amigo livre.

Lamenta o orador que *' a liberdade seja sempre neste paiz uma outorga da realeza, e não uma briUiante conquista do povo."

Estas palavras deveram ter sido proferidas com ver- dadeira compuncçao, e com lagrimas I....

Como ! Nao está S. Exa. deitando montes abaixo para abafar e aniquilar essa conquista, longa, demorada, tardia, que o povo fez, da emancipação dos escravos?

Como pois consentiria que este pobre povo tentasse alg^uma conquista, e. ainda mais a fizesse de um modo brilhante?

Que liberdade poderia ser conquistada sem que . Exa. se deixasse possuir de apprehensOes contra os perigos da ordem publica, em favor da segurança indi- vidual e de propriedade, contra os excessos e açoda- mentos imprudentes ?

E' que o orador representa com a maior seriedade o seu papel.

Cria corn geitosa phantasia enormes inimigos da pa;^ publica para ceder depois á necessidado de cumprir o sagrado e imperioso dever de os debellar.

py assim que *S. Ex. fabrica perigos, desordens, re- voluções, cataclysmas mentaes ; a perdição total deste império em todo e qualquer meio razoável de ex- tinguir a escravidão ; e declara não temeridade, mas atteutado, aberração, monstruosidade, baixeza, e cor- rupção repugnantes , as convicções dos estonteados poetas e philosophos deste paiz, ( pondo de parte os ro- mancistas e os dramaturgos) porque ha quem pugne pela emancipação da escravatura.

E' assáim que ÍS. Ex. moureja, fatiga-so e extenua-se, em demonstrar a existência e a invasão ostensiva c insólita do poder pessoal do imperador ; desse mesmo poder que durante o dominio dos progressistas era tao

S

miur .

Mo. '

QUESTÕES DO DIA

.4

I^. õ

BIO DE JANEIRO 14 DE SETEMBRO DE 1871.

Vende -se em casa do Srs E. & H. Lacmmert— Praça da Constituição, Loja do. canto— Bua de S. José n. 110— Livraria Académica, o Cruz Coutinho na me:>ma rua n, 75. Preço 200 reis.

01>x*as cie Senlo— O Oaúelio.

(Cartas a um amigo.)

Meu amigo.

Compreheado o gaúcho assim : organisaçao deste- ^mida, vasada nos moldes dos Guaycunis ou dos Pata- ^es, que sao os primeiros cavalleiros do mundo.

O rebenque e as chilenas castigam e subjugam os Ímpetos do cavallo indómito.

Ha em sua physionomia illurainada de um explendor insano, em seu animo iu.soffrido, o entumecimento e iis palpitações precipites do arrojo semi-barbaro.

Finalmente vejo no gaúclio alguma cousa que se pareça com Osório ou Zeno Cabral no espirito, fontes inesgotáveis dos maiores lieroi.smos, no sentimento a exaltação e a decisão, que pode inspirar a cálida ven- tania das savanas, nas acçOes, nos gostos, uma reso- lução firme, implacável n'uma palavra, a intei^^-ra per- sonalisaçao da virilidade continental.

O cavallo o completa : é o .seu appendicc ou antes o seu epilogo : repre.^enta o papel de sou escravo, antes que o de seu amigo , e melhor o de victima que o de escravo : o gaúcho é mais o tyraiiuio do cavallo do que seu senhor.

Jíao sei, meu amigo, si leu uma intcre.ssante his- toria, intitulada O (Inaranu por Cuistave Aimard *? Ahi pode estudar-se o gaúcho com proveito. Encontra- .?e otypo exacto e nao a fabula rachitica. O historiador francez estudou em pessoa os costumes da vida nómada do pampa. Escreveu como quem viu, e nâocomo quem \ik a.

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Por isso os personag-ens, nessa verídica historía, silo de uma vitalidade eloquente ; tem toda a efflorescencia da vida ; e nao são pallidas visões, creaturas dií>formes, descoradas, confusas e em contraposição á verdade na- tural e ethnographica.

E o cavallo do pampa? Compreliendo-o deste modo: susceptivel, vertiginoso, estremecendo de mil inquie- tações a qualqu r leve rumor do deserto, arredio do homem em quem adivinha, por instincto eporlicçílo,um inimigo encarniçado de sua independência ; um animal que, ao vêr o gaúcho, dispara a correr, com medo de sua enfeza, por banhadí^s e coxilhos, impellido pela exal- tação, pela investida, pela desencadeamento dos pânicos brutaes ; um animal que possam domar a teuieraria audácia e. a clássica perícia do gaúcho, e a que fora licito applicar, sem risco de impropriedade, o nome * expressivo de desespero ou furacão.

Nem um, nem outro, nos Se) tio.

Manoel Canho, apresentado como realisando o ideal do gaúcho, caraclerisa-se por estes signaes : ódio eterno para com a espécie humana, frouxo e effeminado inter- necimento para com a raça hippica. Senio emitte a dou- trina de que o gaúcho tem mais em si de cavallo do que de homem; que dizer gaúcho é querer dizer— corarão para umaraça bruta, ninscido apenas para a sua própria espécie e alê para a sua família.

Canho morre de amores pelas éguas. Com ellas vive, convive e dorme. Cavallos e poldrinhosdespertam-ihe todos os estremecimentos do affecto mais terno e mu- lherengo. Já viu maior aberração, meu amigo?

Quanto aos cavallos, vejamos como foram ideados por Senio.

São muito discretos, sensatos e reflectidos. A baia é sensível, amorosa e ciumenta de Canho; a tordilha tresanda a humanidade e a piedade christã ; o alazão, o pae do lote, é polido e cumprimentador como um conselheiro.

A baia, em logar de tempestade^ chama-se morena.

Ai ! morenas tão decantadas, romantisadas, poetisa- das todos os dias e pelas melhores pennas, quão pouco vos deveis lisongear com o original capricho de Senio !

Moreninha chamou Macedo a um bello livrinho seu, de cunho nacional, que faz as delicias do sexo amaveU e as estantes brazileiras recolhem como uma jóia.

Pois este significativo epitlieto,de tradicional encanto, clássica presnmpçao do que ha de garrido, de gracios ), de tentador na mulher nacional, qualifica no Gaúcho uma égua. Canho alardeia de fazer tudo pela besta, pela mulher nada, E a propósito de besta : deve saber Senio, que no Rio Grande do Sul nunca se emprega esta voz para significar egua^ como erroneamente se faz no seu Gaúcho,

Depois da morena quem ha de seguir-se *? Ò Jucá. Podereis adivinhar quem seja esse moço,de nome insinu- antemente alterado ? Nao é um moço, é um poldrinho! E' querer levar a espécie ao ultimo ludibrio.

D'e5t'arte temos o tratamento amoravel, que a mae estremosa ao filho do seu coração, o carinhoso di- minutivo com que a donzella chama o irmão ou o pri- mo,em signal de estima e de intimidade aftavel e jovial, temol-o aqui applicado ao potro. Para se chegar a humanisar a sociedade equina, nao se hesita em cavallí- sar a sociedade dos homens.

Meu amigo : entendo nio dever passar além, sem primeiro lançar certas bases, certos preceitos que regu- lem o processo analytico-litterario.

Por isso, para toda boa ordem e claresa de idéas, re- duso a questão ao dilemma : ou Gaúcho pretende as honras de um romance de cosfiirnes^ ou satisfaz-se com o ser de mera p/ia/i^a5Ía.

No primeiro caso, protesto. Longe d'isso, o Gaúcho é desnaturado, falsissimo, apocrypho.

Tal qual foi concebido e executado, importa a mais pungente palinodia contra a o*entilesa, a masculinidade, a fama das illustres façanhas e legendarias tradições do campeão das savanas austraes.

No segundo, ha de permittir-nos Sento a franqueza de lhe declararmos que sua phantasia é das mais tristes, porque importa uma corrupção do sentimento natural e racional, o rebaixamento vivo e indecoroso da espécie.

Raciocinemos.

Q/em^io^€0.

'(Continua)

OITAVA CARTA

DO ROCEIRO CINCINNATO AO CIDADÃO FABRÍCIO

Fabrício. O homem é animal de hábitos, e estes sao segunda natureza. Ora se o tal senhor habito é a repetição frequente dos mesmos actos, e se tu me tens obrigado a escrever-te missiva sobre missiva, isto vai correndo como habito, e és tu o culpado da transformação da minha natureza taciturna. quasi venho insensivelmente cavaquear comtigo, por attracçao inexplicável. Tu lembras-te d'aquella nossa boa camaradagem de 4 annos ,lá de S. Paulo? Éramos um pêndulo ; o que fizemos hontem, faziamol-o hoje: apenas abriamos os olhos, trazia-nos a mulata a dose matutina de caffé, que era o nosso mata-bicho ; quando nos iamos estirar no catre, vinha, para conciliarmos o somno (ainda então nao eram inventa- dos certos discursos) o cojio da socega. Quem nos tirasse estes hábitos, infernizar-iios-hia; parece-me que me sucederá outro tanto, se tu agora me prohibires estes desabafos, a que espontaneamente me atiro á voga arrancada.

Continuemos pois a' nossa pratica. Fique ainda de remissa a conclusão da tal giga-joga da interpellaçao: reconheço que nella estão em causa duas figuras das Arábias, eu e outra, nenhuma das quaes tem impor- tância para ser anteposta a questões de interesse pu- blico: guardemos as nossas pessoinhas para a sobre- meza, e continuemos com a analyse da oração pro ser- t;iítiíe,d'aquelle berreiro da montanha que deu á luz um rato.

Em muitos pomos graves,a claridade vai penetrando. O Sr. Zacharias de Góes, na sessão do dia 4, matou o principal cavallo de batalha do Sr. Alencar, queé de uma felicidade estupenda ; mas também a quem Deus quer bem, o ventp lhe apanha a lenha. Dissera este no seu perigrino discurso:

u Os brios nacionaes se confrangem... o paiz nSo teve conhecimento do facto senão de torna-viagem. Ainda ultimamente nao vimos nós manifestar-se esse menos- cabo de uma maneira revoltante ? Esses trabalhos do conselho doestado, que o gabinete com tamanha repug- nância remetteu a esta augusta camará, e depois de requerido e instado, esses trabalhos eram communicados

V o

aos membros da junta central abolicionista e citados na conferencia que houve em Pariz a '26 de Ag-osto de 1867 Semação. Vozes Oh oh ! Nâo sei se este ó ó era para o mandar durmir) Assim dava-se conta ao estran- geiro, primeiro que ao parlamento brazileiro... O Brazil tem representado nesta magna questão o papel de uma creança, de cujos destinos se decide, sem coiisultar-lhe a vontade » etc, etc. E elle alii vai.

Os factos, os factos! declamações de serrazinas, cobras e lagartos venham depois. O chefe do gabi- nete de 3 de agosto, que governava ao tempo d'essa tortia-viagem, doesse menos-cabo que revolta, que C07\- frange^os brios^ que distribue ao Brazil o papel de creança, declarou que « approveitava a occasiílo para desfazer uma irninUarão levanlada na outra camará^ dizendo-se que o ministro fornecera copias desse tra- balho a estrangeiros, ao passo que as negava á ca- mará » e accrescentou desejar que esta negativa tivesse a forma mais categórica.

Eis-ahi desmoronado o edifício erguido ao som da náutica buzina. Eis-ahi a demonstração de que de uma pulga se faz um cavalleiro armado. Uma pagina de injurias, de menos-cabos, de confrangimentos e quebrantamentos, de sensações, de óse de /./s, assenta... numa falsidade.

A verdade é como o azeite : por mais que o afundem vem á tona d'?^gua. Claro está que se o acto fosse privado, de um cidadão qualquer, não poderia o trisulco de Jove fulminal-o, nem teriam cabimento as expro- brações e exclamações. Para justifícar o ore rohnido, para produzir effeitos cómicos, sensações e espasmos, era mister que o acto manasse do governo d'esse tempo ; mas que custa a um dramaturgo imaginoso inventar uma peripécia? u Foi o governo do Impe- rador, horror ! foi o governo do Poder Pess(,al. »

Acaba de ser levado á ultima evidencia o que era convicção universal, e de que eu mesmo junto a ti fora interprete. Não resta sombra de duvida, de que a accusaçãofoi uma falsidade, mas que importa isso? Não teve a scena palmas no dia da primeira representação ? quem exige da comedia a verdade histórica? Produzido o effeito,já o xisgaravis pode fazer ablativo de viaírem.

Foi uma falsidade: deixal-a ser: quem interroga o oceano pelas gottas de que se compõe ? Não saiu ella

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dos mesmos lábios que attribairam ao Presidente do Conselho escancarar-me o thesouro e a mira assaltal-o ^ Nao é bom que se saiba que se os consultores da justiça ! ministros delia I ignoram o espirito e a letra dos art. 7,167 e 229 do Código Penal, tem artes de refugiar-se atraz do art. 26 da Constituição, dando-lhe aliás interpretação e elasticidade absurda ?

Ao que erra perdoa uma vez, mas nâo lhe perdoes trez ! Adeante.

VI. PLANO DE ESTORVAR A LEI.

Nao perscruto as intenções dos outros membros da dissidência ; admitto, sem approvar, que julgassem cumprir deveres, lançando mao de meios que se me fi- guram contrários á indole dos parlamentos, e ao regi- mento da camará.

uma estoirou, por aspirar a boi ; por isso Deos iLie livre de tão alto pôr a mira, que ouse pretender a uma cadeira no areópago, apezar de nella.s ver algum areopagita menos grave que S. Diniz. Mus supponha- mos que a innocencia da fortuna me guindasse áquellas excelsas alturas, e que eu tivesse de tomar ao serio a minha inopinada elevação. Que diria eu a mim mesmo? Parece-me que diria o seguinte :

« 1**. A minha linguagem deve ser constantemente, não par.i lamentar, mas parlamentar, isto é, simples, lacónica, lógica, respeitosa ; no dia em que me faltar cuialquer destes requisitos, a minha curul estremecerá ; e se eu vier a ser o provocador de linguHgem análoga, a triste respons vbilid ide de scenas indignas recahirá sc»bre a minha cabeça.

(( 2\ Convicios, furores, despeitos, injurias, tumul- tos serão por mim stj^gmatizaJos ; mal vai a argumen- tação quando o seu calor sobe a incêndio : espectáculos tnes não degradam S(5 o homem da sua categoria de cavalheiro, ou de simplesmente bem educado, mas, o UJ13 é p^or, desauctorisam a lei, e nivelam o legislador CD n o frv^jue Hidor de bodegas ; abster-me-hei pois de toda a violência.

(( 3". C)!isideraudo que, em quanto a lei é lei, a t'»dos cumpre acatal-a : que duplo achatamento merece a lei fimdameutal, e a essência do regimen, que me Conferiu este assento ; que, s»^gundo as prescripçoes da constituiçlo, art. 25, e as normis do guverno represen- tativo, são as maiorias que resolv m os negócios ; nuuca

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na ])ratic:i desconhecerei, pertençirea a ura ou outro gruppo da assembléa, esta base fundamental da forma do governo.

« 4°. Regeudo-se a augusta camará por lei especial, respeiíal-a-hei, cora a snbmissao que todo o cidadão deve á lei, qualquer que seja, ou antes tanto mais quanto mais alta for, a iiierarchia delle. Mandando o art. 2.7 do regimento, que, salvo na discussão do pri- meiro artigo de ura projecto, o orador se cinja á ma- téria que se debate, eu nunca levarei a mal ao presi- dente que me chamar â ordem, quando, se acaso eu me deixar desvairar pelo decien repetila placebit^ eu repizar em todos os artigos as matérias fora do debate, e dissertrir deomnire sciòili, soh o pr.^texto de que, se- gundo a arvore de Bacon, na sua Instauratio Magna^ todos os conhecimentos humanos es <lo ligados t?lo in- tima uienre. que o discorrer sobre peciilio prende en- tranha\elmente com a guerra da Ahyssinia ; e muito menos ine arremeçarei sobre o prosidenie que invocar a minlia attençâo, nem lhe direi : « V. Ex. é um parvo ; o que quer, é atabalhoar-me, e <i talhar os voos da minha facúndia ; nao sejasoffrego ; daqui a duas horas começará a entrever por que invisíveis mns sólidos fios eu vou agarrar o pecúlio ao (irão Nego, imperante da região dos Monophysitas.» Se não 'lueuderem, pouco importa ; a cousa é assim mesmo.

K .V. N 10 se recrutando para deputado, e proibindo d*' MÚuha legitima ambição o assento que nesta casa se me iiuuver concedido, heide occupal-o com todas as condii^Oes que lhe são inherentes, e não acceital-o a be- neficio íle inventario. Quando os eleitores me escolhe- ram, i»íip'izeram-rae esta obrigação : » Salvo motivo de granule enfermidade ou força maior, comparecerás sempie ás sessões, para que os negócios públicos se nao atrazj*ín ; discutirás, quando souberes, quizeres ou po- der 's ; votarás em liberdade , niMs votarás sempre , queir 's ou não queiras, agrade-te ou despraza-te ! « A minlia cmsciencia qualificaria poi.s de acto reprehen- sivel a minha falta individual a qunhjuer sessão, e de atte itad.j contra a constituição, de ])erigoso minar dos seus alicerces, todo o conluio, cnnjiiração, parede, ijvrcf\ du como em g'iria politica inellior nome haja. Ob»- .vÃn ('s outros como lhes approuver ; quanto a Uiim, ou(h* n inçio me coUocou de atalaia, não desertarei do

pu<ti).

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O meu roteiro teria muitas outras estações ; mas emfim, como isto é vagamundear pelos espaços imagi- nários, e como, sem que eu por isso me damnasse, a minha candidatura gorou, como tem succedido aos mais pintados» escuso fazer programmas, que agora nunca sairei da cepa torta. Ora como eu me nao arvoro em pregador, e nao pretendo ensinar padre nosso ao vi- gário, nem vender siso a Catão, Deus me livre de ten- tar propagandas ; eu teria pensado assim, mas isso nao quer dizer que nao pensasse detestavelmente.

Trégua a devaneios, e vamos á sabbatina do sara- patel.

Observando que todos unâ você pedem a suppressao do captiveiro, o Sr. Alencar deu á idéa um frio apoiado ; mas sem detença desmanchou com os pés o que fizera com a cabeça. Sem appresentar projecto algum ( nao se esquece da sorte sempre reservada a projectos seus), ataca o do governo com unhas e dentes; nao come, nem deixa comer. Onde porém surrateira- mente e pisa-mansinho, revela aspirações,rato escondido com o rabo de fora, patenteia que o seu plano é pro- crastinar a urgente solução para o dia do ante-

christo. Oucamol-o :

(( E preciso esclarecer a intcUigencia embotada, ele- var a consciência humilhada, para que um dia^ no mo-- mento de conceder-lhe a liberdade, possamos dizer : Nós vos remimos, nao do captiveiro, mas da ignorân- cia.»

Nao achas, Fabricio, que isto vale por projecto, lei, código ? Toca a instituir escolas. coUegios, faculdades, para os pretos. De ora avante, os senhores alter- narão o serviço dos escravos com o de sua cultura das lettras e sciencias, e por toda a face deste império se empregarão as forças vivas da sociedade em levantar senzalas universitárias ! O senso commum diz que para dissipar a ignorância, é precisa a liberdade ; este expositor recommenda que, para conquistar a liberdade, se dissipe a ignorância.

É por certo este plano efficaz e intelligentissirao. Pois nao é? E ha ainda mais outra raridade : quem tau 10 labuta por prolongar a instituição do captiveiro dos negros, vê-so instantaneamenl;e accomettido de uma paixão negro phila, que o leva a exigir a favor do negro actualmoat í escravo, o que não pede a favor do hraiKO, actualmente livre !

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Nilo confundamos: uma cousa sSo as iruserias da escravidão^ outra são as misérias da indigência.

Fazeis consistir a autonomia humana, a liberdade plena, o jus do cidadão, na cultura intellectual ? Então, a loírica manda-vos condemnar ao captiveiro milliões de compatriotas vossos, totalmente baldos dt; instrucção e cujo intellecto se nivella pelo dos escravos. Esses são igualmente tolhidos na sua intelligencia, abatidos na sua consciência, membros inúteis da sociedade, hordas selvnjrens no seio de um povo culto.

Não consiste a condição ingénua na capacidade do engenho e na perícia da doctrina, sendo tão livre um Bertholdo como um Newton ? Então, não junteis aos infortúnios do escravo uma exigência absurda, atroz, impossivel ; não o colloqueis n'um circulo vicioso, em cujo centro se leia a inscripção do inferno do Dante : esperar o din da dissipação da ignorância, para obten- ção da liberdade I «

Intendo, intendo^ como diz Hernâni. Com o regimen da escravatura, nunca será dissipada a ignorância dos miseros, nem nelles mesmos, nem nas suas gerações, perpetuamente subjeitas ao partas rentrem serfailur : assim inpossibilitado o diploma scientifico que abre as portas da liberdade, ficam estas trancadas p^^r omnia scecula s^rculorum.

A subtilei.a é diaphana ; não pega: a mente culta não mais títulos á liberdade que a grosseira. Até para o ensino e o apostolado, houve, entre os embai- xadores de Christo, mais ignorantes que safjios : se Paulo era tão profundamente instruido, que o gover- nador Festo lhe lançou em rosto extravagaiiciar. por excesso de sciencia, diz o texio sagrado que Pedro, André, João, eram homens analpha])etos, idiotas (?)

A condição real da liberdade está na existência da alma : quem a possue, doato ou boçal, tem, em de egualdade, du*eito á sua autonomia.

Em quanto durar a escravidão, a regra ( de que sempre haverá, como em tudo, honrosas excepções^ será que o senhor conservará intencionalmente o servo no embrutecimento, sem o qual toda a artificial discij)lina periclita. Se, para libertar a raça, se esperasse o fa- moso dia da sua ascensão intellectual, estai-ia ganha a causa do addiamento eterno ; fixar-se-hia a solução para as kalendas dos gregos, que não tinham kalen-

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rias, e iiiscrover-se-hia aaembaçadella do plauo, aquillo de Lafontaine :

Notre Uèvre n^avait que quatro pas à faire, j'enteud.s de ceux qu*il fait lor.sque, prés d'être atteiat, il «'éloi.i^ne des cliiens, /e? renvoyeaux calendss^ ot leur fait arpenter les landes.

La mannniission dcs esdaves^ d^apvès le 'projeí du sienr d'Ale)}ca7% arpenterait les landes juscpA' à lan 3000.

Confesso -te que acabo de perpassar attentamente pelos olíioso lai discurso todo, para ver que outra pro- videncia o Sr. Alencar sul)nielte á discussão ; nada e nada mais. O seu projecto conipõi3-se de 2 artigos : 1." A escravidão acabará no dia em que todos os pretos forem doctores ; 2." Fica revofí:ada a leuislacão emcon- trario.

Faz'^r leis sDbre assumptos árduos, não é zang-arrear insultos ou esparralhar criticas sobre lucubraçõas serias. O Sr. Alencar não se arriscou a servir de columna aos liobrè^)s, nem tão pouco a atar o guiso ao pescoço do Rodilardo. A missão doeste leírislador não é legislar ; é censurar: Catãosinho.

Ai, não ; a julgar pelos parentliesvjs semeados no seu discurso, parece ler ainda ouira missão na camará: a de Tribgulet parlamentar. Que .'es ver?

(( O nobre ministro da justiça, com uma .' signal de quo não tem duas ) vo;c telri^ia e agoureira, prophe- tisoa / )'isa(las »

OiM, meu caro amigo, tu, que estás em Pindamo- nhan'J:-abn, não te escangalhas também a rir doeste ar- (jumento graciosíssimo? não chega tão longe o con- tagio? Mas não ; te estou ouvindo, a ti homem gra\ e •; sisudo a Cada um iom a voz que Deus lhe deu. :'/ inqualificável ridicularisar a um dos mais nobres vultos (]*esta terra, inaccessivcl a settasinlias inotfen- sivas. M' iuhal)il expor-se a que se retalie contra (luem caro 'ei* d't».sses dotes physicos, p?.la voz ingrata, pelo eneaixílhar da cabeça nos hoinbros, pelos ademães l)url'v>;cos, e outros dotes d^^ que, sí^gundo vejo. nem cons^-ioncia tiver. » Calo-me, ])^)is, e transcrevo mais :

H Todos n6> temos o veto do lápis ' hilaridwlc J , não é privilegio d:i realeza. »

No primeirí) caso uma indecencia ; neste uma iniqua injustiça um epigramma insulso, de que fallei. Vejamos mais :

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« Se uma ( não são duas; é o homem à-xs umas) lei similhante fosse votada, eu não a poderia comparar senão a essa vaga Veniis de que se falia no parecer da illustradri commis^do (hilaridule prolon^/acJa). »

Isto n'outra bocca, seria a demonstração da mais supina ig^norancia. vi, pelo illustrado relator da Commlssão, tratada esta critica de um modo irres- pondivel; não me arriscarei a dizer mal o que foi perfeitamente aquilatado. fica de a inten- ção benévola de fazer rir de um collega, polo eu- phemisrao do uma imagem: e isto no mesmo discurso em que nos ensina que a liberdade é fogo sagrado entregue ao Ímpeto, ao arrojo de um novo e sel- vagem Proraetlieo» a questão é anima rilis de uma ;uma) experiência philantropica, e matéria prima de uma (uma) coroa de triumpho » « o monstro de Horácio » « o Bemembe)\ de Milton, » e logo de- pois: « a águia de Júpiter » a Júpiter transforma- do em chuva de ouro » euuia multidão de imagens, que nem approvo, nem censuro agora, mas que lhe tiram o jus de atirar pedra ao tell^ado do visinho. ^ Continua, na interpellação, com estas excitações ao diaphrag'ma parlamentar:

« Nesta sessão, o ministro do Império tem feito apenas doas (graças ! não é um! ) trechos de discur- so (hilaridade^ , e isso mesmo ao Insco-fusco '^continua a liilaridade] »

Este engenhosissimo argumento foi apreciado. Quem inventou o provérbio « Travaram-se de ra^Oes » para exprimir descomposturas, sem duvida antevia /[ue as razões haviam de ser destas.

'i Não me admirei quando o ►Sr. Presidente do Con- selho, tomando um um^ tom de mestre, tratou de aimn^>;taros alurauos deste colleg*io. 'hilaridade da opposirão yi

Eair.* o rozario de delicadezas, fig*ura ei^tx. Se com eífeito o censurado realmente mestre parlamentar) tives^o; assumido o tom de mestre, teria no s'hi colle- gio alíifum alumno, que nem S. Luzia pode^se sal- var, pois llie daria o váo pela barba, ao doctrinal-o nos rudimentos de edncaclo politica e outras educações.

« Por ter entre as suas cartas o rei ea dama^níio conte ganhar a piri ida [hilaridade da O]^jfosirilo.)>y

Plirase^ destas não se commentam. Pr osiga a ge- ringonça:

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«Ávida do Sr. Presidente do Conselho nao tem sido mais do que um longo secretariato (hilaridade da oppoúção) »

O secretariato vai para o lexicon do Bacellar. E não admiras tu o arreganho, c orgulhoso , entono aristocrático com que o filho do sol e neto da lua alça a preclara grimpa, no intento de ludibriar a Estadista que ha largos annos, com zelo, illustraçâo e patriotismo, tem servido o seo paiz nos mais elevados cargos, e isto por que, no começo de sua brilhante cansei- ra ,toi secretario de presidência e de ministro? Mas onde se vio que estes cargos fossem dcshonrosos ou des- airosos ? Quem igmora que, ao contrario, é de uso escolher para desempenhal-os quem disponha de ele- vadas habilitações intellecluaes ? Nestas formas de governo, são esses, do mérito, os mais invejáveis per- gaminhos. Raros os ostentam, brilhantes como os do Estadista ridiciilarisado.

Em fim, diz que fez rir; então ganhou a partida.

» Des:le que S. Exa. me re^.usa os esclarecimentos que pedi, posso eii esperar que me sejam concedidos^ pela maioria que o sustenta a todo o transe ? O nobre Presidente do Conselho quer que eu recorra de S. Exa. para S. Exa. mesmo ? » hilaridade)

Está bonita esta !.. Quando fores bigorna, aguenta: e, quando malho, malha ! Agora aqui tundas por ata- cado: a maioria é nada; a questão servil mudou de face; a instituição do captiveiro foi dos pretos endossada na maioria, a qual está de tal forma escravisada ao Governo, ou ao R\ssoal,([ue nelle se consubstanciou. E' de crer que alguém risse, porem mais certo deve ser que mui outro sentimento t(»rá o orador inspirado aos cavallieiros que tem a fortuna de ser seus collegas.

« Lembro-me de artigos, que chistosamente fa- ziam a conta da despeza de cada entrelinhado ^risadas}r>

Dizo : comprehenderias tu esta hilaridade demo- critica, a não ser que os hilariantes se hilariassem dn liilarisador ? Soltarem-se gargalhadas em coro, por ap- plauso a uma conta detypographia ! Nada, não ])0(h». ser ; estes impulsos risonhc-s, estas carranquinhas d^^ cabo de chapéo de sol, estas risadas não foram i)rovoca- das por cousas alegres, mas sim pela extravagante di- ligencia do orador, debatendo-se para fazer rir, invitâ Minerva; se alguém risse n'uin caso d'esles, é porque.

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mãos invisíveis lhe estariam titillando as plantas dos pésinhos.

Conta-se que Rabelais, que tambera levou toda a vida a rir e fazer rir, egualinente se conservou na dis- posição faceta, em sua derradeira infermidade. Afinal, quando na agonia, abriu os olhos pela ultima vez, balbuciou : Pano abaixo ; esta acabada a farça !

E' de crer que, ao findar a frandulagem oratória, outro tanto exclamasse, de si para si, o nosso ridente orador,de quem gosto mais assim do que embezerrado. O certo porem é que, depois de concluir a campanha d*esse dia, apregoava, no imraediato, como tendo sido um triurapho sem par, um combate em que, sem per- der um argii montinho, desbaratara as fileiras cerra- das da maioria, reproduzindo o boletim do general Beur- noBiville, acerca das batalhas feridas em Bellygen e New-Machen : <c Após três horas de uma acção treme- bunda,em que três mil inimigos foram feitos em postas, limitou-se a perda dos fraucezes^àdo dedo minimo de um granadeiro »

Macte^ puer, sic itiir ad astra !

Teu velho amigo

ClNCINNATO.

A liiter*peIlaçao do ftJr*. Alencar*

No Jornal do Commercio^ de hontem, foi publicado o admirável improviso com que o Sr. Visconde do Rio Branco pulverisou todas as proposições que o rancoroso interpeUante tinha levado semanas a brunir. É um modelo de discussão vigorosa, fina, esmagadora, ur- bana, parlamentar ; seja-nos licito transcrever d'esse brilhante discurso uma parte que prende mais parti- cularmente com pontos que temos tratado.

O Sb. Visconde do Rio-Buanco ( Presidente do con- selho) : Com referencia ao gabinete de 7 de Março. devo declarar que elle não tem subvencionado imprensa, nem escriptor algum....

Os Srs. Ministros do Império, da Marinha, da -Igri- ruLTURA E ESTRANGEIROS : Apoiado.

O Sr. Visconde do Rio Branco ( Presidente do con- celho] : É uma grande injustiça a accusação arti- <!nlada pelo nobre deputado.

Todos sabem que nunca causa alguma teve defeii- .sores mais espontâneos, mais independentes do que esta [[muitos apoiados] ; mas nós sabemos também que

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aquelles que tem aptidão para escrever, que estão ha- bituados ás lutas da imprensa, não dispõem de grandes recursos nem podem supportar, além do trabalho intel- lectuai, as despezas com a publicação de seus escriptos.

Uma Voz : Então para que trabalham, senão para serem pagos ? Oh ! ) i

O Sii. Ministro do Império : Nunca se pagou ar- tigo algum; tem-se pago algumas publicações.

O Sr. Andrade Figueira : Não ha nisso o menor desaire *? [ Ha outros aparlcfi ; o Sr. presidente reclama altenção,)

O Sr. Visconde do Rio/Branco ( Presidente do con- selho ) : Repito á camará : o gabinete de 7 de Março não tem subvencionado a escriptor algum 'ajjoiados) ; tem autorisado a despeza com a publicação de artigos de interesse publico, escriptos com moderação e pru- dência ; não tem corrido por conta do governo tudo quanto tem sahido em defesa da questão do elemento servil. Muitos defensores da idéa tem pago á sua custa os artig-os que publiccan, e até alguns artigos são evi- dentoineute de orig*e:n liberal, pois não são unicamente os amigos do g*overno os que se empenham pela victoria da causa da emancipação,

[Tíocam-se apartes,)

O nobae deputado pela província do Ceará conhece bem os segredos da administração; quando, pois, nos dirigio a .sua interpellação, devia saber que não viria- mos aqui dar nma resposta negativa, como figurou ; porque seria mentir á camará e ao paiz negar um facto que está no conhecimento de todos, que não é de hoje,, mas de ha muito tempo, facto praticado por todos os ministérios, mesmo por aquelle de que S. Ex. fez parte. [Muitos apoiados da maioria ).

O Sr. Alencar Araripe :— E um facto licito.

O Sr. Visconde do Rio-Branco [Presidente do con- selho ) : A verdadeira causa desta interpellação, reve- lou-se no final do discurso do nobre deputado : ahi está ella claramente patenteada, S. Ex. entende que- alguns artigos que elle attribue á habillissima penua de um estrangeiro iilustre, artigos que ( ou eu estou muito illudido ou j^ me Jião recordo do que li ) nao continham injuria alguma, mas sim uma discussão muito digna de cavíÁheiros ; S. Ex. entende que esses artigos foram encommendados pelo governo, pagos pelo governo, sendo também o escriptor subvencionado í

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Senhores, é preciso estar muito apaixonado para vir a esta tribuna aventurar proposições desta ordem, com- metterdo uma g^rave e dupla injustiça contra o g-abi- nete t; contra este dislincto qscvíçíoy {muitos apoiados da maioria)^ se é o mesmo que eu presumo !

O nobre deputado nos disse que ama os estrangeiros, que os quer ver entre nós, que deseja que afluam em grande numero e com toda a confiança ao nosso paiz ; o nobre deputado também é camperio da liberdade da imprensa, é filho da imprensa, como aqui nos disse ha pouco ; mas, entflo, como S. Ex. esquepe que essa lança de Achilles cura as feridas queella própria faz*? como S. Ex. em vez de tomar o desforço que cabia á sua il- lustraçfio, empunhando também a penna c respondendo a esse esrripior, abandona a imprensa e vem viiig*ar-se no ministério, trazendo essas paixões á tribuna e fa- zendo consistir nellas o objecto principal de uma inler- pellaçHo ? !

Vozes da maioria : Muito bem !

O Sr. Visconde do Rio-Branto [Presidente do Conse- lho):— Sr. presidente: se o nobre deputado, pelas cir- cumstancias a que desreiK alludio a um iilustre estran- geiro que conheço, S. ]£\. foi summamente injusto. Esse notável homem de letras é incapaz de representar o papel que lhe atuúbuio o nobre deputado] Muitos apoiados da maioria).

(Trocam-se apartes.)

Se alguma cooperação prestasse ellc ao gabinete, seria a mesma que prestaria a qualquer outro que defendesse uma causa que interessa a todo o mundo civilisado. [Muitos apoiados da maioria,)

Senhores, o nobre deputad'j lamentou a facilidade com que entre nós se desvirtuam as intenções, se depri- mem os caracteres, o empenho com que se procura tudo nivelar, gerando o descrédito e a descrença no paiz ; mas com que direito veio S. Ex, aggredir-nos aqui pelos escriptos que attribue a um iilustre estrangeiro ? com que direito nos torna responsáveis pelos seus arti- gos, quando é temerária e inteiramente inexacta a as- serção de S. Ex., de que esses artigos fossem encom- mendados pelo ministério, ou publicados sob as vistas deste ? ! Como se anima o nobre deputado a assegurar o que nao pôde saber e o que é inteiramente inexacto '? ! E como traz S. Ex. para esta discussão um escriptor anonymo, um estrangeiro respeitável [muitos apoiados

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da maioria), quando elle nao pôde defender-se aqui e nao deve ser olyecto de discussão nesta casa ? ! (Apoia- dos da maioria.)

A discussão em paiz livre, como o nosso, é e deve ser permittida a todos, nacionaes e estrangeiros ; e se isto é certo, liade levar-se a mal que um estrangeiro, quando debater-se um assumpto de interesse uni- versal, sinta algum enthusiasmo e procure manifestar suas idéas ?!

Como quereis que sejamos julgados e apreciados nos outros paizes, como poderá haver nelles um estran- geiro que defenda o Brazil, se é um crime que o estran- geiro no Brazil possa manifestar seu pensamento sobre uma questão social desta ordem? (Muitos apoiados da maioria.) Onde estão aqui os principios da liberdade da imprensa ?! Oh! filhos da imprensa! vós esqueceis a vossa própria origem!

VozKs maioria: Muito bem! O Sr. J. de Alkncar: A questão não é essa; é a do insulto.

O Sr. Visconde do Rio-Branco (Presidente do Con- selho): — Eu nao approvo o insulto, e nenhum homem de educação o pôde approvír. O nobre deputado não ignora que a melhor resposta que se pôde dar ao in- sulto é o despreso. Se porém os artigos a que alludio são os mesmos que eu li, e, se não estou esquecido, não havia nelles injuria alguma ; havia uma discussão muito illustrada, e muito decente. (Muitos apoiados da maioria.)

O segundo ponto da interpellação é a despeza que temos feito com a publicação de artigos políticos na imprensa diária. Senhores, nunca se fez semelhante pergunta a ministério algum. (Apoiados da maioria.)

Se o nobre deputado, o que eu não creio, presume que possa haver aqui algum abuso offensivo de nossa honradez, devo dizer-lhe com toda a confiança que, se S. Ex., tão prevenido como se acha contra nós, subir ao poder e entrar em todos os escaninhos das secretarias, nada lia de encontrar com que possa ferir-nos por esse lado : ao contrario, achará provas de que temos proce- cedido e procederemos sempre como os ministros mais honestos que tem tido o Brazil. (Muitos e repetidos^ •apoiados da maioria.)

Typ. e Lith.— IMPARCIAL— Rua Sete de Setembro n- 146 A.

QUESTÕES DO DIA

isr. 6

RIO DE JANEraO ITDE SETEMBRO DE 1871.

Vendesse em casa dos Srs E. & H. Laemmert— Praça da Constituição, Loja do canto— Rua de S. José n. 119— Livraria Académica, e &uz Coutinho na mesma rua n, 75. Breco 200 reis.

A q.ii.estão d.o elexnento sex*vll

Votada na camará dos deputados a proposta do go- verno com as emendas da commi&são especial, está ella iigora sujeita & discuss&o do Senado, onde diversos oradores têm tratado do assumpto, pró e contra.

(Combatem a proposta, na forma e na essência, os Srs. Muritiba, Três Barras e Itaborahy, como j& se sabia que fariam.

Na camará dos deputados dissera o Sr. Paulino de ^uzai digno chefe da minoria, adversaria da pro- posta:

a Neste século de luzes, e para homens que profes- sam a lei do Evangelho, a causa da escravid&o está julgada, e para sempre. y>

Mas esta proposição, que devia leval-o, e & minoria, ^e fossem consequentes, ao caminho verdadeiro, por onde se chegará ao desideratum^ que naquella camará -íL minoria tantas yezos protestou ser também seu, foi no senado posta em duvida, sinao contrariada pelo illustre Sr. Visconde de Itaborahy, que tantos encó- mios teceu no seu discurso ao trabalho escravo, que sté entende que o escravo é próprio para resistir, no Berviço da lavoura, ao sol abrasador deste paiz ; e que o serviço exercido por homens livres n&o é tão lucra- tivo como por braços escravos !

Pensa também o honrado senador que a escravidão n&o é embaraço para a colonisaç&o ; e é egualmente o clima a razão poderosa que a isso se oppõe.

J& se vd que o Sr. Visconde de Itaborahy tem maior franqueza na enunciação de suas idóas, do que outros 'Contradictores da proposta. J& se que para elle, no fundo de suas opiniões regaladas pelo interesse da la^

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voura, nao é certo que, neste século de luzes, a causa da escravidão esteja julgada, no sentido em que se enunciou o distincio Sr. Paulino de Souza.

O Sr. Visconde de Itaborahy foi consequente. Con- siderando o braço escravo como o auxiliar mais útil da lavoura, dirigiu todos os seus argumentos ao fim bem manifesto de estender a instituição pelo maior tempo que for possivel, que nao pôde ser eternamente.

Possuido de taes sentimentos, nada ha que estranhar no . tom de azedume, com (J^e o orador entrou na dis- cussão, nem no modo pessimista, com que encarou a proposta, desde que ella foi levada á camará dos depu- tados.

Nao que haja perigo em ficar adiada a solução de um negocio de tanta gravidade para a sessão fu- tura do parlamento ; pensa que os lavradores não leva- rão a mal esse adiamento ; não ha nisso inconvenientes de natureza alguma. Se o governo com i.s.so se escan- dalisasse ( accrescenta o Sr. Visconde ) e tencionasse ameaçar o paiz com disposições ainda mais prej iidiciaes aos interesses da lavoura, antes que executasse algum acto dictatorial, o governo estouraria, e talvez comdleas instituições que nos regem.

Estas proposições, e outras contidas no discurso de S. Ex., confirmam bem o que sempre se disse que o Sr. Visconde de Itaborahy não é o chefe menos intole- rante da cruzada contra a proposta.

Mas haverá grande prudência em ameaçar com es- touros políticos? Deviam estas palavras sahir de tao autorisados lábios, ou ser proferidas em tão alto logar? O illustre senador, quando mais a frio, reco- nheceria a impossibilidade de pairarem na mente do governo as intenções que apaixonadamente lhe attri- buiu.

O attento exame do que se está passando na socie- dade brasileira leva á convicção de que a opinião ga- nharia forças com a resistência, e que, desgraçada- mente, si estouro houvesse, seria todo em grande cala- midade dos interesses, que S. Ex. e outros pensam defender.

Obstinam-se em ver na proposta erros e perigos, que ella nao encerra, como tao extensamente, com tanto critério de apreciação e luz de verdade, se tem de- monstrado.

Obstinam-se em transviar a opinião dos lavradores ^

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que agora vêm tanta oJB5.ciosidade n'esses amigo^;, que nunca acharam meios de suavisar-lhes os padeci- mentos, que levam uma considerabilissima parte d'elles a estar vendo todos os dias em praça, para pagamento de dividas, aggravadas por penosos juros, os seus escravos, as suas plantações, as suas terras de cultura !

Um dos pontos, tantas vezes allegados contra a pro- posta, e tantas outras victoriosamente combatidos, é a posiçílo dos nascituros livres, segundo a proposta, no meio dos escravos, creados por suas mães escravas, e vivendo na fazenda, com a obrigação de prestarem ser- viço até os 21 annos.

Ora argumentam que a própria proposta será lei de Herodes, será a degolação dos innocentes. Mas porque ? Os senhores das escravas que derem filhos, faraó com sua severidade que estes pereçam ?

Ora, que taes indivíduos serão elemento de indisci- plina nas fazendas; desorganisarao o trabalho, creando a desobediência.

Ora, que serão realmente escravos ; que o nome de livres será um som vao ; que serão galés do trabalho ; que contrahirao todos os vícios do captiveiro; que serão na sociedade membros perigosos.

Ora, finalmente, que os senhores de suas mães nao os quererão : que os entregarão ao Estado ; e que este nao terá meios de educal-os...

Em tudo isto as contradições em que caem, nao podem ser maiores.

Si os nascituros, nas condições da proposta, ficam realmente, como se diz, na posição de escravos, nao ha risco de serem elemento de desordem nas fazendas.

Demais, nao devem ainda ser elemento de desordem, attenta a sua idade até os 21 annos, em que nao podem tornar-se instrumentos de propaganda desmoralisadora; nem o podem ser depois d'essa idade, porque ou sao submissos, e seus serviços convém ao fazendeiro, e con- tinua este a conserval-os contratando-lhes os serviços; ou, nao convém ao fazendeiro a sua conservação, e os despede ; estão elles na idade de reger-se, sujeitos ás leis communs.

Nao serão instruídos, como nao sao tantos homens livres entre nós, que nascem, e sao creados no tra/- balho; mas analphabetos. Os remédios a esses inconve

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nientes vfto yindo & proporç&o que os meios de ins- trucçao do povo se forem desenvolvendo.

£' nossa firme convicç&o que as crianças nascidas livres, de mães escravas, por beneficio da lei terão os ca- rinhios maternos sem resaibo de ciúme, e antes com aquella dedicação que suas m&es poderem prestar-lbes; e taes crianças serão muito vantajosamente aproveita- das no serviço das fazendas.

Estamos no Brazil, e é pnra o Brazil que se legisla. Aqui a escravidão foi desde i83l collocada em condi- ções bem diversas da de outros paizes. '

J&nao é possivel, com o movimento no sentido eman- cipador que desde alguns annos começou, e de dia em dia vai crescendo, manter-se a instituição escrava pelo tempo indefinido que a querem os adversários da pro- posta ; é verdadeira loucura pensar-se tal cousa.

O que nos diz o Sr. Visconde de Itaborahy sobre os rigores do clima, que n&o permitte trabalho efficaz na lavoura senão por braço escravo, é desmentido por factos comprovados do norte ao sul do Brazil, e por todo esse interior, onde o homem livre supporta o trabalho da la- voura com toda a vantagem para a producç&o. Isto é bem sabido ; desde que o homem se habitua a um tra- balho, na idade conveniente, contrahe o habito para o mesmo,e para a fadiga qued'ahi provêm. Os nossos ho- mens do campo s&o nfto somente robustos,como também sóbrios. Querem todos os que guerreiam a proposta, que o impulso abolicionista nascosse da opini&o ; e que o governo fosse conduzido como a reboque ou arrastado ! Sem duvida o impulso nasceu, e nasceu de causas im- periosas; éa opinião publica que o gerou I e da parte do governo haveria grande erro, si n&o se puzesse & frente, dando-lhe direcç&o. Si tivesse continuado o ministério de 16 de Julho, o Sr. visconde de Itaborahy nfio hou- vera podido conservar-se na posiç&o que aconselha. N&o é de hoje que as republicas nossas conterrâneas nos detrahem por motivos da escravid&o. Tem-se procu- rado no exterior, e com successo, em parte, desde muito tempo, crear indisposições contra a nossa nacionali- dade, por esse motivo.

A escravid&o no Brazil tem seus dias contados desde, que no mundo christ&o ó este o único paiz que ainda conserva tal instituiç&o na sua existência social.

E pode alguém, com a m&o na consciência, qualquer que seja o jogo que faça com os algarismos, demonstrar

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que, com alforrias parciaes e limitadas, se conseguirá a extíncçao do elemento servil, continuando a fonte de producçao cora os nascituros na condição de escravos ?

sincera, é fundada a accusaçao,que fazem ao pro- jecto approvado pelatsamara dos deputados,por nao dis- por essa lei por modo que os nascituros,livres segundo a mesma lei, recebam uma educação, qual o Estado nSo aos raeni lOs livres das classes necessitadas da nossa sociedade, sinno em proporção limitada, visto como o ensino popular ainda nao está devidamente desenvol- vido eitre nós ?

E é verdade que o governo attente contra a lavoura cora a proposta, quando é certo que ella consulta todos os interesses p.usentes e futuros da lavoura ? E pode acreditar-se que nao foi um pensamento grandioso que guiou o governo, quando a razRo tranquilla reconhece qu* co'n a escravidão nao será possível que a sociedade brazileira se eleve ao ponto de melhoramento moral, industrial e económico, tao próprio das condições em que se verá coUocada com a sabia providencia?

Ftílizmente para o Brazil, si entre os antagonistas da proposta ha retardatários, nao o é a nação, nao o é a grande maioria dos representantes d'ella, não o é o go- verno.

Temos em que a proposta será lei do Estado no corrente anno.

JunÍKs.

Ol>i?as <le Sonlo— O Oaviclio.

Caretas a um amigo.)

II

Meu amifíro.

o

Nunca tive nem terei uma palavra mais severa pjira exprobrar ao moço a fraqueza, em que incorrer, arris- cando suas primeiras luctas na escabrosa arena das lettras.

A litteratura, como se ha dito tanta vez, é um sacer- do -io, e como todos os sacerdócios tem de ser ser- vida por diversas (jrdens de religionarios. O neo- phyio, em regra, paga irremissivelmente o natural

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tributo do excesso de fervor, que caracterisa todo o no- viciado. Exigir d'elle serviço completo fora impiedade.

Nao assim com os serventuários provectos, de repu- tação feita e perfeita. Si deslisam do verdadeiro trilho, é dever imperioso arguir-lhas as feitas, para que nao succeda aos sectários inexperientes seguirem o máo exemplo, na persuasão de se estarem edificando. Ha pra- ticas, que sendo apparentemente sans, nao deixam de ser no fundo heterodoxas.

Nao ponho em duvida os créditos e a auctoridade, de que Senio gosa n'este género de labor intellectual.

E justamente por estar cônscio de sua auctoridade e dos seus conceitos, é que estremeço pelas lettras pátrias, que vejx) ameaçadas de um transtorno inevitável, si fizerem escola as fátuas phantasias de uma peana phi- lauciosa, que abusa das suas faculdades procreadoras, vestindo o centauro com as roupagens da bella Juno, envolvendo na crosta côr de rosa do confeito perfuma- do a bryóuia ou o tártaro.

Tanto mais me receio dos males que da aberração possam provir, quanto é innegavel a espécie de idola- tria, que existe em certo circulo para com as obras oriundas da penna de Senio. Si a confissão d*esia ver- dade lhe desvanece ainda mais o descoinmunal amor próprio, embora; refociUe-se no ingrato gôso.

Um folhetinista conceituado, referindo-se á Pata da gazella^ chegou a declarar que, por ser ella -«scripta por quem fora, merecia as honras da alta jerar chia litteraria do auctor, e não podia passar sem as salvas do estylo. Nao penso outro tanto. A obra e a obra eis tudo, venha d'onde vier, seja de quem fôr. Pego no ^olume, sem indagar quem o escreveu ; e si fôr anonymo, tanto melhor.

antecedentemente havia dito o folhetinista que si a obra nao fora filha legUima dac/iÁelle applaitdido tor Ze/í/o, seria justo recebel-a como um mero accideníe ub litteratura.

Haverá confissão mais flagrante da idolatria ? Isto quer dizer que, a nao ser a obra de quem é, passaria com inteira inditferença. Semelhante juizo, vindo de uma penna amiga e grata, importa uma condemnaçlo. Quanto a mim, o que o folhetinista quiz em balde dis- farçar com as filigranas de seu luxuoso estylo, foi o se- guinte conceito : « A obra, por si só, nao presta. »> E cntao i Pois também pela republica das lettras

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havemos de ter oráculos indiscutiveis, auctoridades do- gmáticas ? Também por os divifios^ quando parece ter soado a hora dos papas e dos pães Soulouques... Vamos ao Gaúcho,

O romance de nacionalidade ainda por ninguém foi melhor entendido e executado do que por Cooper.

Walter Scott, de quem a Europa ta-j legitimamente se vangloria, ainda assim a certos respeitos é menos recom- merdavel do que o suberbo escriptor norte-americano. Por exemplo : antes de Walter Scott haver empre- hendido a construcçao do agigantado edifício da his- toria da Escossia, outros o haviam precedido n'este mister, colhendo e recolhendo muitos costumes, muitas superstições narionaes, como observa um profundo cri- tic J. Walter Scott nao é no todo original. Mistriss Grant. Burns, AUan-Ramsay, Buchanan, Ma.^pherson e outros ti abam explorado as virgens fontes, para onde Walter Scott nao fez mais que a-centuar com sua penna arro- jada vastos caminhos, descobrindo com amplitude pers- pectivas bellissimas, apenas entrevistas e semi-occultas. Walter Scofu achou veredas para seguir no dédalo; nao podia perdjr-se u'elle.

Antes de Cooper porem, que observação litteraria havia perlustrado as seculares solidões do Oliio, do Mississipi, do Illinois ? Que peniia rasgara a cellula virgem e immehsa de uma riaiureza acima de todos os \òos^ de todas as preoccupações das mais arrojadas phan- ta-íias, e fi^^era jorrar d'alli a veia cnudal <ia poesia a iie- ricana, para inniindar mares e coutineutes ? Quem havia (Teado e dado um cerlo molde ))ara exemplo?

«Cooper não tem predeces-for: veredas ainda nao bati- das se lhe apresentam de todos os lad)>. U na inexgo- tavel variedade de maieriaes; sceiías que exigiam um tlieatro; painéis que demandavam um (|u;Klro: p Jiiios de vista, que solieitavam um pintor: p )r lod-i a pane no- vidade, bizarria^ maravillias ; um intevesstí tido rno- derii'> ; um povo, api3nas saliido de sums faixas e pod*:*roso; uma historia, cujas primeiras pagi.ias brilliam (Ip civilisiiçao e falam de couquisía ; a singularidade de iiin Jieroismo trauqiiilio, piedoso e perseverante ; os n-iiiies de Washington, de Peun, de Kratiklin ; para o fundo do quadro as florestas seculares; para actores, os apo3:olos do Xovo Mundo, entreiendo-se com os fillios du wUjicam e ái) caluniei ; os progressos da arte eiiropea no meio d'essas solidões sem dono ; os combates de op-

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pressos e de oppressores, uns reclamando, outros que- rendo, abafar a liberdade e a tolerância ; que digo ? talvez nova éra social, fechada para o mundo, e prestes a emanar de Philadelphia 1 »

O grande merecimento de Cooper consiste em ser verdadeiro ; porque nao teve a quem imitar sinao à na- tureza ; é um payzagista completo e fidelissimo.

Nao escreveria um livro siquer, talvez, fechado em seu gabinete. primeiro, ooserva, apanha todos os matizes da natureza, estuda as sensações do eu e do não eu, o estremecimento da folhagem, o ruido das aguas, o colorido do todo ; e tudo transmitte com uma exacti- dão daguerreolypica.

Apontam-lhe o defeito de serem seus quadros um pouco sêccos, em consequência d'essa minuciosa fideli- dade de pormenores. Mas embora ; nSo deixa de occu- par o priíiíeiro logar, ao nosso ver, n'essa galeria de vultos gigantêos.

Cooi)t»r é americano, Senio também o é eis ahi um pont^ de analóíria, que os aproxima.

Ao passo pr)Vem que Cooper daguerreotypa a nalureza. Senio^ á força de querer passar por original, sacrifica a realidades ^do sonho de sua caprichosa imaginação ; des- preza a fonte, onde muita gente tem bebido, mas que é inexo-)tavel, e onde ha muito liquor iniacto. Para Senio a, verdade, dita por muitos, perde o encanto. Elle não ha de escrever pelo ramerão; fora rebaixar-se. E' preciso dar cousa nova, e eis surge o monstro repug- nante e dí^spresivel.

Senio ulo í^omprehende a poesia americana, como em geral tem sido concebida por bons talentos que o Iro precedido, e vem dar-nos o ideal da « poesia verdadei- ravxente brazileira, haurida na lingua dos selvagens » na sua etfeíninada Iracema, onde os guerreiros falam unia lin»ru.)giiem débil, esmorecida e fláccida, que não po- diam de modo alguni usar em sua braveza.

Isto importa um característico : a penna de Senio não foi talhnda para construir a epopea ; faliam-lhe azas para elevar-se nos assumptos heróicos, que demandam )S ex-elsos do pensamento, phraseologia máscula, jo^ro de piixõ^s vehemen;ese arrebatadas. A linguagem de Senio é dole.ite e languida. No dizer de um criiif^o portuguez, sua pmna pôde ter bom succ sso « na poesia dengue e cof/uelte^ poesia arrebicada, doentia, ras.ei- rinha, poesia d'alcôvas e salões, complacente, p egas.

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cousa de toilette^ feminina.... como o de arroz, o6 vinagres aromáticos, os espiritos de peíites domex e de pelits crêvés, o Ilangylang, o bouquet Manilha, e o cosmético Miranda, d

N'es3e prurido de querer passar por original c< seus exforços de imaginação sao voos de uma intelligencia, que quer crear, e que em sua impotência cria chime- ras » na phrase de um critico, apreciando Brockden Brown. Exemplo ; Diva^ Pata da Gazella^ Gaúcho.

Além do mais, Serdo tem a pretençao de conhecer a natureza, os costumes dos povos (todas essa«i variadas particularidades, que bem apanhamos em contacto com ellas), sem dar um passo fora do seu gabinete. Isto o faz cahir em frequentes inexactidões, quer se proponha a reproduzir, quer a divagar na téla.

Porque nao foi ao Rio Grande do Sul, antes de haver escripio o seu Gaúcho ? A litteratura é uma religião, e tem direito de merecer taes Sbcrificios de seus sinceros cultores. Nao nos teria então talvez dado esses esboços de physionomíafria,de cútis contradicioria, concepções hybridas, a titulo de figuras esculpturaes e legendaria.s da campanha. Muita rasao tinha Balzac : nao fundava acção nenhuma em logar que nao conhecesse.

Convençamo-nos: a imaginação, até amais viril»* opima, .se esgota, cança e desfallece. Apreciando a decadência do theatro hispanhol, diz uma auctoridade, que ella teve por causa o haver-se esquecido de que a a opulência das mais magnificas correntes exige uma renovação e uma economia na despeza ».

A renovação faz-se pela observação. A natureza offe- rece cada dia um encanto novo, que a imaginação sa- dia recolhe para dar-lhe mil feições graciosas, ainda nao conhecidas. O fluido proprÍM mente original e ima- crinoso é apenas applicado a dar o tom, o equilíbrio, o reflexo esthetico às creações reaes. Com tao comedido emprego e uso, nunca se poderá dar a bnncarôía.

A imaginação atrophiada nas cidades pôde procrear a mentira, a falsidade, quando quer estampar acções e figuras da vida florestal uii do decerto. Nflo é a leitura isolada, embora dos mais escolhidos modelos, que dará a expressão fiel da natureza. E' preciso contemplal-a, receber impressões face a face com o desconhecido, experimentar verdadeiranente todas as sensações da inapiraçílo, nao ficticia, mas real. O quê foi que contribuiu para ter cedo a America do

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Norte uma litteratura orig^inale grandiosa, graças ao trabalho de poucos obreiros ? Foi o nao fazerem outra cousa sinao copiarem fieliaeate as grandes scenas, as magaificas perspectivas d^essas regiões virgens, onde tudo offerecia um cunho de originalidade tao graciosa, que nao dispensava, porém mesmo excluía o uso da creaçao phantasiosa^ por somenos aos magestosos painéis.

O que faz Audubon ? Estuda os pássaros, suas cores, suas paixões, suas metamorphoses,para e simplesmente á sombra das florestas do Mississipi, a Audubon nao somente comprehendeu essas harmonias, no meio das quaes viveu e que repercutiram no fundo de sua alma, porém reproduziu-as em estylo admira\''el de sim- plicidade, cheio de sabor, de seiva, de eloquência e de sobriedade. »

Ao passo que esses illustres constructores vão pedir a natureza os traços harmoniosos, os painéis correctos, as cores vivas com que devem erigir e adornar o pantheon das glorias da pátria, e de sua própria immortalidade, entende Senio que conseg lirá idênticos r»^sultados, des- presando o inexhaurivel manancial ; e, cego pela vaidade, nao sua veia apparecer em seus últimos livros deprimida e exangue ? Lamentamos do coração o engano d'alma.

Na sua monomania de querer passar por creador ou melhor por cZúeí/or de novidades tem a pachorra de asseverar em sua Diva ao publico, para quem se deve ter a gravidade e a reverencia devida a tão alto senhor^ que os termos nubil^ pubescowia^ olympio^ frondes, afflar e outros (já de muito consignados nos diccionarios da lingua) sao innovações suas I e demora-se em justifi- cal-as.

Ora, todos estes vocábulos se acham em Moraes e Constâncio, e especialmente em Fonseca, edição de Pariá, de 1852 volume portátil. Núbil diz o lexi- cographo adj. de 2 gen ; em estado de casar, casa- douro. Nubilidadey s. f. idide, estado do que é núbil. Pubescenciu, s. f. puherd id ; (bot.) existência de pe- los.— Olympico, Olytnpio^ a, adj. pertencente aos jogos olympicos ou ao olympo, Frondes^ s. m. pi. [bot.) ramos de arvores folhudos. —A^ayi/c, adj. de 2 gen^ que assopra ou bafeja. Afflar v. a. lançar o hálito : soprar para alguém ou alguma cousa ; (/u/.) communi-

VI 11

caro ar como assoprando ou bafejando ; [poetj inspirar os vates. »

Na sua Iracema diz, na carta final, que « as etymo- logias dos nomes das diversas localidades sao de cunho original. » Entretanto os vocábulos Ceard^ Aracaiy, Meruóca, Quixeramobim^ Pirapora^ Pacatúba e outros, vem todos no Glossário do Dr. Martins, quasi pelos mesmos termos !

Sento tem a mania das notas. Nao ha volume seu, d'entre os últimos que assigualam a sua precoce de- cadência litteraria, que nao seja acompanhado de al- guns desses enxertos, que em sua maioria servem para desabonar o auctor. Na Pata da Gdzella escreve Tilbure^ champanhe, porque entende que devemos im- primir certo cunho portugaez nas palavras estrangei- ras adoptadas pelo uso. Por esta regra devemos escre- ver buque, soarê, etc. Nao te parece uma extravagân- cia?

No Gaúcho offerece-nos hennilo, com certos ares de novidade, por nao encoutral-o em Moraes ou em Cons- tâncio; e crê (este crê ura specimen da frivola vai- dade de quem nao quer achar auctoridade antes de si, até na própria lingua) que Fonseca hinnir ehinnito.

Notável singularidade ! Parece que Senio faz timbre de lançar a confusão nos espiriíos. Quando elle diz que inventou tal verbo, eucontra-se o verbo nos dicciona- rios mais vulgares ; quando diz que em tal diccionario vem tal termo, justamenie este termo deixa de vir no diccionario referido. E sim ; o meu Fonseca, tao in- discreto e abelhudo no afflar, na pubescencia e nos ou- tros, está mudo quanto au henniío e aohennirl Nao sao, porém, vocábulos novos ; Filinto Elysio empregou hinnitory rinchador, e modernamente Odorico Mendes faz o mesmo no seu Virgilio Brazileiro, Hinnus chamam os naturalistas ao filho da burra com o cavallo.

Diz-nos ainda Senio, no seu inexgotavel Gaúcho, a titulo de idiotismos e yiria da campanha: « carneador, o que mata a rez e a esfola e mauLêa a carne ; salgador o que salga ; que serro é monte; que lomba é ladeira; que mondongo sao tripas ; que pó/í/ro é cria da égua. »

Nao é uma mania de querer a todo o transe passar por philólogo ?

Diz-nos mais que os Yankees chamam far-west ao í£ue os russos chamam steppes e os castelhanos sabanas isto é, « as immensas planícies rasas que se dilatam

12 VI

por aquellas regiões, e que, de certo, no,dizer dos via- jantes, parecem á noite cobertas de um branco lençol. »

Está enganado : os Yankees chamam far-west ao des- conhecido^ o inexplorado ; e, talvez, mais propriamente ás mattas virgens, onde ainda nao penetrou o esforça civilisador.

Com o titulo de Far-west ha um bello livro, com auctoridade e cunho de qnem viu as cousas, e cuja lei- tura recommendamos a Senio,

Diz-nos mais que pampa é uma palavra originaria da lingua kichúa, que significa simplesmente o plaino. Porque nSo declarou de onde hou^e esta noticia sobre a lingua kichúa, tão pouco conhecida entre nós, e que nao se aprende nas academias?

A tal respeito lê-se no Guarany, de G. Aimard, pag. 41, capitulo intitulado O ?*anc/io— em seguida ao que se intitula O Gaúcho :

c( Le mot pampa appartient à la langue Qiiinchúa (langue des Incas); il signifie textuellement place, terrain plat, savane ou grande plaine. »

Ora esta ! ora esta !

Tenho-me alongado de mais nesta carta, e reservo- me para a seguinte.

As oausas das eausas.

DEDICADO AO SR. S.

Time i8 money John Bull.

Todos os males diversos que vem á terráquea bola devem-se a esses pervprsos que ignoram a inglezaeschola.

VI 13

Se nos abraza o calor , é culpa do Imperador. Se faz frio glacial, cão do Poder Pessoal !

Se de nada serve o berro, de nada a interpellaçao ; « se alguém ficou com ferro da sua atrapalhação ;

se fez fiasco algum doctor,

é culpa do Imperador.

Quem pOe bobo em arraial,

é o Poder Pessoal.

Se alguém viu saguins sem rabo ;

se viu gigantes pygmeos ;

se uma lingua do diabo

se transforma em Voz de Deus ;

se ha quem viva de rancor

é culpa do Imperador ;

a culpa de falar mal

6 do roder Pessoal.

Se um homem que calça luvas

n&o leva os dedos despidos ;

e se todas as viuvas

sao senhoras sem maridos ;

d*estes effeitos o auctor, quem será f o Imperador, que, no bem como no mal, tem um Poder Pessoal.

Se eu não quero se emancipe quem nasceu na escravid&o ; e se o cónego Philippe tem ratinhos na razSo ;

se tenho ar de inquisidor,

6 culpa do Imperador ;

sou um marquez de Pombal

co^o meu Poder Pessoal.

Se um homem que cai de costas n&o vai de ventas ao chão ; e se um João, feito em postas, fica sendo um ex-João ;

14 V

se quem ama tem amor, é culpa do Imperador ; se ter ódio é querer mal, guerra ao Poder Pessoal !

Se sao yayás as meninas, e se aos poldros chamam Jucás; se a pobre velha de Minas esperava pôr macucas ;

e se o rato é roedor,

culpado é o Imperador.

Se ha doidos no hospital,

culpo o Poder Pessoal.

Se entre Rómulo e Pilatos muito século correu ; se Adão nao calçou sapatos ; se Eva nao usou chapeo ;

se Caim foi lavrador,

é culpa do Imperador ;

e se o Abel foi zagal,

fêl-o.o Poder Pessoal.

Se houve no Egypto e na Grécia a divindade Serapis ; se hoje o grão Deus da fiicecia é o do Veto do lápis ;

se houve um sábio consultor,

foi culpa do Imperador ;

se ha mingáos que nao tem sal,

safa ! é Poder Pessoal,

A historia fala de um louco que havia em Porto Pyreo, que, ao ver naus, tinha o descôco de julgar ser tudo seu.

Quando o sol ás eiras for,

leval-o-ha o Imperador ;

e se ha chuva no nabal,

quem chove, é o Pessoal.

Se um homem de perna bamba tem o nome de cambaio ; e se nunca uma caçamba pode vir a ser balaio ;

I

VI

15

se ha escravo o se ha senhor, a culpa é do Imperador ; se ha quaresma e carnaval, culpa é do Pessoal.

Se ha quem ostente ser nimio austero^ severo e fero ; e se um dialéctico eximio fulmina o quero e o não quero ;

se li bra em >er delator

é culpa do ImiJerador.

Seja-lhe o rei pedestal !

Novo Poder Pessoal !

Se ha quem se julgue facundo, por adeinaes e tregeitos ; se ha quem calque a todo o mundo, por tributo a seus despeitos ;

se é todo o cao ladrador,

a culpa é do Imperador ;

cae em dezembro o natal,

por culpa do Pessoal.

Se eu bramo como dez fúrias contra qualquer que me vença ; se eu vomito e babo injurias* contra quem me nao incensa :

se eu sou berrante orador,

culpem o Imperador ;

se imito o lobo cerval,

é cascar no Pessoal.

Se acho a bem-aventurança no dinheiro e mais dinheiro ; se pago alta confiança, descerrando o reposteiro ;

se me acham declamador,

quem tem culpa ? o Imperador.

Vendeu-me a alma a Baal

espectro do Pessoal.

Se eu vi um tira-dentes arrancal-os sem ganir ; e se vi certos valentes a provocar é a fugir ;

se hoQtem fui conservador, tinha em vista o Imperador ; sou hoje ultra-liberal, por pirraça ao Pessoal.

Se eu souhei subir do nada

ao cume derradeiro ;

se, ao ver-me em tamanha alhada,

me sai o gado mosqueiro ;

se nao subo a senador,

quem tem culpa ? o Imperador ;

e se eu faço... et cosfra e tal,

é por birra ao Pessoal.

Emfim, se tudo no mundo

anda de pernas p'ra o ar ;

se o primeiro, sem segundo,

é o ,, -

deve-ae o inferno do Dante, e opeccado original, aos influxos (lo Imperante, e ao monstro do Pessoal.

PiTT « BlíCkstonb, em colUiboraçâo.

Typ. e Litb.— IMPARCIAL— fl<ia Sete de SeUnbro n' USA.

QUESTÕES DO DIA

N. 7

RIO DE JANEIRO 20 DE SETEMBRO DE 1871.

Vende-se «m casa dos Srs E. & H. Laemmert.— Praça da Constituição, Loja do canto .^Livraria Academicai Rua de S. José n. 119— Largo do Paço n. 12 C— Rua de Gonçalves Dias n. 79. Preço 200 reis.

Ol>x*as de Senio-^O Gai^obo.

(Cartas a \im amigo.)

III

Meu amigo.

Aqui estou outra vez^ proseguindo em meu insamo, e sem duvida inglório labor.

Â' luz dos príncipios estabelecidos na minha carta de hontem, estudemos o Gaúcho, como romance nacional.

Achou-se um dia Manoel Canho em um rancho ou pousada de Entre-Rios, onde uma égua brava tinha desbancado os mais hábeis e destemidos picadores. Ouçamos Senio:

a Fora longa e renhida a lucta dos piOes com o ani- mal, antes que lho deitassem a m&o. Em se adiantando algum mais affouto, a égua juntava, e de um salto espantoso se arremessava longe, disparando aos ares o couce terrível e encrespando o pescoço para morder.

« Conheceram a final que era impossível levar a sua avante pelos meios ordinários. Foi então laçado o ani- mal peia garupa em um dos corcovos, e jungido ou antes enrolado ao moirfto. »

antes d^essa tremenda prova da indomabilidade da

2 V.. VII

égua, D. Romero (o dono) e mais dous camaradas, que trazia, haviam empenhado, mas de balde, os maiores esforços para montal-a. Era tal a rapariga, que D. Ro- mero a dava de graça a quem a montasse, tao con- vencido estava de o nao conseguirem.

Canho, que nunca vira o animal, adianta-se, crava o olhar na pupilla brilhante da baia, solta um mur- murejo semelhante ao rincho do poldrinho, e temos a égua rendida.

Graças a esse simples olhar amoroso, a esse arrojo. Canho consegue aproximar-se e pôr-lhe a mâo nas es- padoas

«Só mandinga!» observa lim dos da pousada, attonito pelo prodígio. Nao podia deixar de ser um homem de senso, esse.

Canho cinge-llie o collo garboso. Os olhos de ambos se embeberam uns nos outros. «Que palavras mysterio.sas balbuciaram os lábios do gaúcho ao ouvido do indó- mito animal, com a mao a tiíillar-lhe os seios "^ » per- gunta Senio,

« O bruto entendia o homem responde elle mesmo. A égua estreita com o pescoço o gancho. Houve um coUoquio do bruto com o homem. Ficam todos os ran- cheiros pasmados » (Nem era para menos).

Mas Canho continua nos seus carinhos e blandicias. Amacia as finas íêdas da crina e abraça a égua. Esta volta o rosto para ver o semblante do gaúcho e agra- decer-llie a caricia. Domada, ou antes rendida ao amor, a baiu aproxima-se do terreiro, sacando com gentileza e elegância.

E' de tal força o milagre que os da pousada que- rem crer que a égua fora amansada, ou fugira ha tempos de algum pasto, e outras cousas mais.

Porém Canho, cônscio do seu estupendo prestigio, desafia a que consigam o que elle acaba de* obter de morena. Alguns temerários, levianos, se aproximani para outra vez tentarem cavalgar o animal, mas foi uma tal ccuicata de couces, que todos correm a refugiar-se no alpendre.

E comtudo mirabile dieta ! morena correu para junto do gaúcho, que estava arredio (arredado, devia dizer) e começou a roçar por elle o pescoço, como se o affagasse ; Manoel montou de novo, sem que a égua fi- ;sesse o menor movimento de impaciência. (Artes do- demo ;não tem que ver.)

VII 3

Para quem sabe o que é a égua bravia, maxime si está recem-parida, essa transfusão de sentimentos affec- tuosos^ de que nos fala Senio^ operada entre morena e Canho, é o cumulo do absurdo, senão do ridiculo.

Perguntae, desde o sertanejo do norte até o picador da cidade, e d'este até o gaiiclio da campanha do sul; per- guntae a qualquer pessoa de todos os paizes, entre os primeiros povos dados á arte de montar, mais astutos, mais férteis em artefactos e fraudes para illudir os sentidos aguçados, levados ao ultimo acíime, da égua parida, si é possivel essa scena por mera sympathia ou, influencia sentimental; e todos rirfío de vossa ingenui- dade.

« Os Americanos diz um auctor apanham os cavai- los bravos, deitando-lhes o laço ao pescoço, pondo-lhes o freio e a sella, a de^ipeito de todos os esforços do animal para se ver livre de taes obstáculos ; um domador va- lente monta então o cavalloe fal-o correr, picando-o com as suas agudas esporas, até que o animal se cance.)) Senío não seri capaz do citar, para apoio de sua concepção^ uma opinião em favor da domesticação do cavallo,pelo sentimento brando e affectuoso. Muito menos se se tratar da égua no estado de morena^ estado em que adquirem esses animaes um tal grau de excitabilidade e suscepti- bilidade que não desconhecem o próprio filho.

Senxo parece querer de algum modo insinuar ajustifi- caçãode sua desnaturalidade, pelo ornejo de Canho imi- tando o rincho débil do poldnnho recem-nascido. E' uma filigrana, que cede a uma observação : a égua cer- tifica-se do filho, não tanto pelo rincho como pelo cheiro d'elle. Mas ainda assim : pegae do filho da égua e approximae-vos d'ella com as mostras mais aflectuo-sas de vossa ternura, e duvido que a consigais abrandar. Talvez succeda o contrario, e cada vez mais a irriteis, com risco de a fazõrdes desprezar o próprio filho.

O auctor acha, entretanto, simples o segredo da proeza do gaúcho. Jamais moça ardente, sòtFreiJra de lascivos prazeres, coraprehendeu melhor um olhar de ternura, d'elle se deixou vencer, do que morena do olhar de Canho.

Morena é a encarnação pois do talento racional.' Conlicce as meaores intenções de seu dominador des- couheci<lo. Torna-se em momentos o escravo mais intel- ligente, submisso e dedicado do estranho.

A's vezes vem a contradiccão dar diversão ás idéas.

4 VII

Como comprehendesse o gaúcho que a égua estava com saudades do filho, apressou-se a satisfazel-a. Foi, « pas- sar a tronqueira do pasto e a besta desfechar n'uma corrida veloz. »(£' tranqueira e nao tronqueira.)

Pois esse animal, que assim corria instinctivamente em procura da prole ausente ; aue devia ter uma cor- rida louca, sem parar, faz alto á beira do arroio, i^õe-se a retouçar os tufos da gramma, e assim fica esquecido do filho, ponto supremo de attracç&o irresistível, que o seduzia è o arrastava por sangas e coxilhos^ galgando encostas e transpondo barrancos 1

Canho está deitado dentro do rancho, emquanto a égua solta pastava.» Porque não correu, selvagem e livrey para onde a chamava o instincto com tanta vehe- meneia? » pergunta o auctor. EUe accode logo: a Antevia que tinha necessidade do homem, carecia do seu auxilio, ou antes uma força desconhecida a prendia à vontade superior, que a domava.» A égua tinha adivinhado que succedâra ao filho algum desastre^ do qual o homem o poderia salvar ; como, pois, o deixar!

Mas emfim lembrou-se morena que nao era bem de- morar-se mais a pastar ; e em logar de seguir seu caminho, como faria qualquer outro que desde horas conhecesse o gaúcho, vejamos o que ella faz. Ouçamo» Senio :

K N'esse momento metteu a égua a cabeça pela porta. Dando com o gaúcho sentado, fitou n*elle os olhos é começou a ornejar baixinho^ como para chamar á atten- çEo do companheiro.»

O auctor nao se demora em explicar o phenomeno por «stas palavras :

<i Era a égua um intelligente animal ; e depressa aprendera a linguagem pittoresca e symbolica, inven- tada pelo gaúcho para suas relações sociaes com a raça equina.»

Que eguasinha, hein, meu amigo! !

Em poucas horas comprehendeu a giria symbolica do Gaúcho. Se esta égua frequentasse uma faculdade, que de prodígios nao operaria ! Era capaz de impro- visar discursos, recheados de sensações.

Ha por ahi talento que possa tantil

Também naoé muito para admirar, porque morena se rendera ao olhar do brazileiro, e um simples ornejo d'este lhe vencera os Ímpetos bravios, quando

vn 5

ainda eram inteiramente desconhecidos ; e isto logo ao primeiro encontro.

Um folhetinista diz que o Gaúcho é um romance pri- moroso, de vasto alcance litterario, philosophico e his- tórico (nada menos).

Espera o leitor que o profundo critico entre na vasti- dão d'essa philosophia enigmática, boudhica ou my- thica, n'esse alcouce litterario de logognpho, e cedo cahe das nuvens, fulminado pela mais atroz desillusão. O que o escriptor adduz para provar suas pomposas pro- posições, sao estas palavras:

a Tenho em m&o o primeiro volume da obra. Que belleza de imagens ! que voos audaciosos e brilhantes E vai proseguindo n'esta apologia, apologia, e nada mais que apologia !

a morena poderá explicar o lalum^ longum et pro- fundum do contexto.

A burra de Balaão falava, e, pelo que as cousas mostram, ainda assim ficava áquem de ^novena.

Tenam também as orelhas da burra biblica a virtude •de ttse enroscarem como ums. cojicha? » As orelhas da morena faziam doestas magicas. Prosigamos.

O que vemos agora ? Duas éguas que se abraçam e

acariciam : moremi e tordilha. Estamos junto da

gruta, onde cahiu e está agonisante o Juca^ o filho da

primeira.

Canho penetra na guéla pétrea, d'ondesaca o menino.

Ao vêl-o, a raae soluça e ri.

A esta gentil creança havia a tordilha^ na ausência da amiga, amamentado por alguns dias^ condoída do orphão. Tordilha é um portento de sentimentalismo : a égua parida consente tocar-lhe nas tôtas o próprio filho ; tordilha, posto que selvagem, pelo contrario : é ella, de motu próprio, que vai em soccorro depecí<r- r^icho !

Entretanto admirável contraste ou capricho da natureza! ao passo que assim procedeu com o jucá durante a ausência da mae, agora, ao contemplar com Manoel a morena deitada com a criança equina, casti- fjQva a travessura do seu próprio poldrinho, arredando-o de si, quando se elle chegava para acaricial-a. « Nao queria ella diz o auctor , a mae feliz, dar áquella mãe desventurada o espectáculo de sua alegria!

Em seguida tira Canlio o poldrinho do regaço ma- lemo. Égua nenhuma consentiria em tal, mas emfim

6 VII

morena iiuo é uma égua humana^ de sentimentos rebel- des e vnlorares ; pertence, pelo contrario, ao Olynipo, como o Péf^aso ; é uma égua divina.

Canho chama a tordilha, que ligeira accode, o/fere- cendo asívlas para amamentar o pobresinho desfallecido. então consentiu tordilha que o seu pirralho brincasse; mas ainda assim, ao longe, para mio acordar o ca- marada.

O enternecimento da amiga de worenanao fica n'isso, e vai pressurosa chamar as selvagens coudelarias, para- que venham felicitar a exilada pela sua boa volta aos serros nativos.

Espantando-se com o gaúcho, que se levantara do chão, dispararam os magotes. Morena porém corre a dissuadil-os de seus receios, contando-íhes tudo sem duvida: seus recentes amores, sua nova paixão ao Canho, os sacrifícios prestados por este a favor do jííca, filho do pae do lote, e volta a cavalhada.

Ahi então o espectáculo é edificante. O maioral da tropa, o suberbo alasão, cumprimenta Canho ; Canho- corresponde á saudação do rei do deserto, a Não houve entre elles affagos nem familiaridades » vem logo dizer-nos Senio^ para que não pensemos que elles te- riam d'essas effusões, próprias de gente-relé, faltando á corlezan pragmática^ mas uma dt.-nonstração grave de mutuo respeito e confiança.

Canho é verdadeiro heróe d'aquella festa cavallar.

Rodeiam-n'o, saúdam-n'o, cada qual mais ceremo- nioso, obsequioso e solicito. Pôde mesmo suppor-se que alli se praticou de cousas concernentes á. hippica gente^ e fallou-se compridamente da politica dopaiz era intima confiança, como n*uma. sessão de parlamento. Canho parece-se com o oráculo. Si lhe occorresse improvisar no deserto uma ceremonia das monarchias, lembrando- o beija-mão, todos teriam corrido commovidos e á poi^fia a oscular a pata do grande alasão.

Depois d'esse solemne cortejo, celebrado namagestade das solidões, sente o gaúcho exigir-lhe o coração o cumprimento do humano dever de malar um homem embora o assassino de seu pae. Esse coração era a esphinge. Tão vilão para com seu semelhante , quão pródigo de impossiveis affectos para o bruto ! Homem que, tendo o sentimento tão apurado para o animal, deixasse de o ter para a sua espécie, seria um alejão da espécie humana. Pois Canho era assim : desde mtniíka^

VII 7

jnUnneditara vingar a morte de .<;eii pae. Não tora elle tao sensível para os cavallos e as éguas, e nao se admi- raria essa r(»soluíTio. EUa estíi até na Índole e natureza do arrebatado e vingativo gaiicho, não na do simu- lacro mais imperfeito, do arremedo mais incompleto, da caricatura mais contradictoria e desnaturada do typo.

Sois vós isso, acaso, gaúcho ?

« Não se explica semelhante aberração » diz-nos o auctor.

Ah ! não se explica. E dá-se-nos a aberração como o typo ! Triste phantasia, a que não explica sua própria creacão.

Canho vai, em fim, partir para vingar-se.

Apanhou a novilha, que não tinha poldrinho para amamentar. Nenhuma resistência fez o animal. Todos se haviam rendido d influencia mystenosa do gaúcho ; e todos desejavam tanto mostrar-lhe seu affecto, que \ion\e ffuasi (luevellas e arvíffoít de ciúmes^ pela preferencia dada d novilha.

Morena^ vendo que seu bemfeitor ia partir, arrancou-se no Jubilo maternoj correu para Canho e abraçou-o. De- veria ser uma scena toda de commover, aquelle suprema lance de despedida de dons amantes, apaixonados. Quem dera um Raphael, para levar á tela o quadro portentoso doeste sublime abraço !

Não nos podemos furtar á tentação de re])etir aqui as ultimas sentidas palavras de Canho, que fazem cortar o coração :

« Pensavas tu. Morena, que me iria sem abraçar-te? Adeus í Levo de ti muitas saudades. A corrida que dêmos juntos, nunca, nunca hei de es(piecel-a. Duvido que alguém sentisse prazer igual a esse. Falam outros das delicias de alyraçar mna bonita rapariga * se dles te apertassem^ como eu, a cintura esbelta^ voando por estes ares ! »

Vade retro I Que lhe faça bom proveito, senhor Canho.

« Adeus, adeus ! conclue o gaúcho. Lembranças ao álajinofi})ího,n

Será lembrado. com Deus. E Canho partiu.

Mas apenas vencera algumas quadras, ouviu o tropel da veloz corrida de morena^ que distribuiu quatro di- zias de couces e outras tantas dentadas à novilha, por haver tido a ousadia de merecer attencOes de seu

8 VII

amante. Manoel entendeu logo podéra nao ! Eram ciúmes,

E para acabar de uma vez com esta repugnante his- toria de hippicos amores, fique-se sabende úue Canho montou na morena, põz o jucá na garupa, e toi-se.

Santo Deus I Para onde foram deportados o bom senso e o gosto litterario do Rio de Janeiro ? !

Ah qui d*el-rei ! Quem denominou jamais pha/nta$ia o que nem se alça & categoria de puerilidade ?I

Gr^tn^io^ti^,

(Cow/tn?ía)

IVona

DO ROCEIRO CINCINNATO AO CIDADÃO FABRÍCIO

Fabrício querido,

Rio de Janeiro, 18 de Setembro de 1871.

Continuam as attenções a absorver-se na questfto magna ; envolva-nos a onda. Nao estou hoje com dis- posiçtLo jovial ; tem paciência ; atura os meos azeites.

Subiu o projecto de lei sobre o elemento servil á ca- mará vitalicia. Tudo induzia a crer que nao seria impossivel repetirem-se alli as demasias,que os amantes do systema representativo haviam deplorado, mas também que a discussão correria rápida, como em casos d'esta ordem o aconselham a próceres e provectos todas as indicações da prudência. Com surpresa e pesar, vejo e ouço cousas.... difficeis de explicar; e que o programma de alguns é buscar cinco pés ao gato.

VIÍ 9

não é tempo de papas na língua. Com questões -delicadas, como a do elemento servil, não é licito brin- car ; nem são ellas das mais próprias para gymnastícas vOratorias e funambulismos parlamentares. Desde 1867, 1850, 1831, 1826 e 1817, que este assumpto se estuda -entre nós,por todas suas faces: o período platónico deve emfim transfundir-se em período pratico; as questões sociaes são como os systemas : quando amadurecidos, .03 Copernicos geram os Galileos, e estes são os precur- sores dos Newtons : e pur si muove^ e a verdade tri- umpha.

Em quanto se tratava de dissertações académicas a favor da instituição, e de thoorias especulativas, seriam innocentes as divagações ; mas chegada a hora da solução, toda a perda de tempo ó um mal e um perigo.

E que significa senão, pelo menos, perda de tempo, o j)rucedimento dos oradores, que, depois de declararem que hão de votar pela lei, ou que não esperam poder estorval-a, e nem sequer fazer acceitar emenaas ã ella, levam horas a desmoralizal-a?

Será esse o dever que a circumspecção impõe ao le- gisladora

O politico, o verdadeiramente liberal, o que toma & âerío esta forma de governo, hade respeitar os princi- .pios elementares do regimen representativo; hade,sim, .pugnar pela victoria de suas idéas, quando sinceras, mas não hade fatuamente superpor a sua ás outras in- telligeucias, nem indignar-se contra as opiniões de que divergir, nem lançar mão de armadilhas, lograções e •esparrelas, para dificultar ou impossibilitar o anda- mento legal dos negócios públicos. Mal vai á socie- dade, quando anarchico for o exemplo d'aquelles que o devem dar.

Tal não succederá certamente no senado brazileiro. •Suas nobres cadeiras, alvo das derradeiras, das má- ximas ambições, são occupadas pelos homens encane- cidos no leal serviço da nação, por cidadãos a quem a experiência e os annos devem ter apagado as labaredas das paixões tumultuosas, por estadistas versados nas doctrinas e praticas do governo, por politicos que não Lão de, em proveito ephemero de uma opinião do mo^ mento, afiar segundo gume da espada que um dia os fira. Haverá algum que esqueça estas obrigações da sua curul? Não, certamente ; ou se um impulso instan-

10 VIÍ

taneo o desvairar, razão fria o trará para log-o íi pru- dência, que uiinca devera desamparal-o.

Se os usos e o reg^imeuto do senado perinitteni it multiplicidade dos discursos stereotypados, é reflexo» de certa jurisprudência antig-a a que alg"uem alhi- diu. Entendeu-se que ura areópago de varões sábios, patrióticos e prudentes, nun(*a teria de deplorar o espec- táculos de discursos-maranhas, de expedientes proiela- torios, de embargos de matéria velha, de opposiçoes acintosas, de minorias revolucionarias. Leis assim dis- cutidas, seriam confeitos de enforcado.

Se os 58 senadores proferissem 2 discursos sobre cada artigo, um projecto em dez artigos seria illumrnado por nada menos de 160 orações! isto é, levaria, nr> senado, para ser convertido em lei, três sessões an- imas, em que fosse constantemente dado para ordem do dia !

Ora assumptos, da Índole do de que se trata,iiao se eternizam no tear do parlamento. Por isso mesmo que prendem com vastos interesses; que excitam apprecia- COes apaixonadas: que são punhaes politicos e barris de pólvora sociaes; que se prestam a ser instrumentos de de- sordem; que auctorisam receios de bons e criminosas es- peranças de máos ; que prejudicí^Ti mais pela indecisão que por qualquer golpe ; que podem, pelas perplexida- des e hesitações, trocar de repente os tempos de modo que a solução passasse a tornar-se forçada e violen- ta ; por isso tudo, urge que os Dionysios cortem os cabellos das espadas, para que o Damocles social possa ao menos dormir em paz.

A missão do corpo legislativo é legislar, e não im- pedir nem discretear. Se o orador reconhece e proclama que o projecto hade ser lei, que lucra elle ou o paiz com seus inúteis arrazoados ?

Beniy se ve que nenhum pôde fazer ; mal, certa- mente. Se no fim da sessão âunua, discutindo-se tão grave questão, taes discursos impedirem que a lei passe, sei-ão esses bacharéis os culpados de quantos inales se seguirem : aelles deverão attribuir-se o ul- terior desasocego dos ânimos os perigos da ordem pu- blica— a escravisação de alguns milheiros de infelizes, que, nascidos nos doze mezes que ora começara, esses oradores terão condemnado á escravidão. Triste Ct>usa é suspeitar que uraa corporação, tao veneraada,tao pre- cisada da respeitosa confiança nacional, corra o perigo-

VII 11

de sor victima de manejos de alguém, e considerada cúmplice da ruim obra em que ao menoiá a quasi tota- lidade do senado é por certo innocente.

Para que servem jii hoje intermináveis arengas, em que se nao apura, por nm nem outro lado, um argu- mento que, de estafado, não deite a língua de fora? Servirão talvez para brilhaturas e scintillações de algum sublime perorador; mas não é isso que o paiz requer. O programma é bacharelar : cada um tem seu plano, no qual achu salvação, e em todos os outros ruina; mas toda esta confusão tem precedentes nas reli- giões profanas, e sagrada. Na fonte de Dirce havia ura dragão que devorou os companheiros de Cadmo, o qual foi ás ventas do bicho, e arrancou-lhe e semeou as dentes ; doestes nasceram homemzarrões armados, os quaes no mesmo ponto deram cabo uns dos outros, e os superviventes fundaram então pacificamente a cidade de Thebas no lugar marcado pelo oráculo. ( O dragão é o captiveiro ; homens armados são os impugnadores, que entre si se destroem ; Thebas, prevista pelo orá- culo, é a liberdade humana decretada pelo direito.) O que estamos vendo faz também lembrar o tumulto e o labyrintho que um sábio Padre descreve nestas con- densadas palavras: « Les hommes ont bati la tojtr de Babel ^ et la femmos la tour de babíL » Noas avons aussi des assemblées liermaphrodites, o») je ve sais le/juel deff deac predomine : ta lonr de fíabel^ ou la tour de babil. Ora vejamos :

Podem diVidir-se os dizedores em três categorias : P. os que defendem o projecto, 2*. os que totalmente o impugnam, 3*. os que parcialmente o censuram, mas votam por elle.

Os que defendem o projecto, em ambas as casas do parlamento, e pela imprensa, tem rechaçado as opiniões contrarias.

Os que o impugnam, tem todos declarado que, em presença da disposição dos ânimos, perderam toda a no seu triumpho, e então, cebolas do Egypto, nisi utile est (fuod fwdmus^ stulta est gloria.

Finalmente os que se coUocam entre a cruz e a cal- deirinha, os que declaram votar pelo projecto, mas se comprazem em censural-o, praticam uma imprudência. Comprehendem-sebem as duas posições definidas ; mas não esta do qiirero^ mio quero^ mettei-me neste eapello. Quem vai, pelo seu voto, ser cooperador da lei, não deve

12 VII

começar por atacal-a; quem aspira a ser obedecido, nao desvirtua 03 seus próprios preceitos; quem lança o balão às alturas, nao lhe cani vetadas na seda.

Se alg-uem ha que assim pense e obre, affigura-se-me que mudará de systema. Bem bastam as dificuldades gravíssimas com que hao de luctar os governos que, em . seus regulamentos, tiverem de providenciar sobre as cem novas e urgentes necessidades creadas por tao ra- dical mudança; para que hão de artificialmente jun- tar-se a tantas graves exigências da situação estas ex- citações artifíciaes, estas desconfianças, estas picadas de alfinete politico ?

Convertido o projecto em lei, são precisos no governo Bryareos, Centimanos, para preparar a transformação, e fazer com que ella se opere com a possível suavidade. Quantos objectos diversíssimos e urgentíssimos não terão de chamar a attenção do poder executivo, e sem duvida também do legislativo ! A mudança progres- siva no systema do trabalho, o aperfeiçoamento das industrias, especialmente da agrícola o império da machina inanimada substituindo o da machina-homem a civílisação, tomando o logar do embrutecimento da raça negra a creação dos estabelecimentos onde o Es- tado recolha, eduque, moralize e approveíte as creanças .que houverem de ficar sob a sua tutella o desenvolvi- mento dos mil trabalhos importantes a que possam ser :applicados esses braços, n'uma região cuja opulência inter-tropical braços está pedindo o recolher dos da- dos estatísticos sobre os vários pontos ligados com a questão o providenciar com ínstruccOes e regulamentos .sobre os escravos actuaes ; o modo de os ir libertando ; o uso do seu pecúlio e da sua redempção ; os excessos vd'elles contra os senhores, ou více-versa ; a animação á constituição das famílias ; as relações entre os livres nascituros e os senhores de suas mães; afixação das obri- gações jurídicas resultantes d'estas relações interme- diarias — o regular prudentemente a matrícula dos es- cravos presentes, de modo que se evitem fraudes e abu- sos—o organizar os títulos trintannarios, que hão de •compensar a creação até os 8 annos, estudando os ele- mentos com que a esse ohus se hade fazer face— regula- xisar a transferencia de serviços estabelecer as bases das associações especiass, efiscalisal-as constantemente, para que em vez de auxiliares respeitáveis da sociedade, se não convertam em f )co de especulaçõ3S providen

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ciar sobre o (ptantum das alforrias parciaes em cada pro- Tiscia vijriar sobre a applicaçflo do fuudo de emanci- pação—dar destino aos libertos que pertenceram è na- fAo, i coroa, á^ heram;as vagas, ao evento promulgar r8g:iilameut03 sobre a forma do processo especial es- tebelecer os registros parocbiaes, propor melboramentos na lei das terras, approveitar o immenso território in- culto para a iudustria particular, rasg-ar estradas, faci- litar a immigraçau por incentivos, tratados e reformas da leg-iálaçau ; e eiiifím as mil miudezas que, em tSo- Tasto império e grave assumpto, a execução d'esta lei e<tá apertadamente demandando.

O estadista, que é guiado por amor da pátria, compreheude que, se é coroa para o governo estalei, ■fio menos os rubis que a adoranm, que os espinhos com pie ella se crava na fronle dos invejados triumpliado- tg ; e não irá, de rnSo beijada, multiplicar, com dis- «rsofi vãos, ns dii&culdades. Se alguém lia, de coração- So bolota, que de si para si approve a lei. mas a dflie por ter de ser referendada por quem o hade ser^ oiiip«aeça-.se de si mesmo p da sua cadeira, e resigne-se.

Em logar menos elevado, certos estratagemas sio xplícaveis ; mas na suprema corporação nacional, è- Itster muito calculo, muita discriçilo, muito pro-

lifj : aquellas cadeiras impOem, para a cnsa, summo-

íoro ; para o homem, summa dignidade. Quem nella.-; 1 assenta, é perpetuo conselheiro da naeao, e tem sido, t ou está nos circumstancias de ser, conselheiro dai' deveiu todos v.8ses potentados parlamentares, nliticos magnntes, ser homens da ordem, do governo, t cotwtituiçíiu'. antevendo o hodie míhi, eras tibi, devem^ ipellir todas as praticas inroustitucionues ou alicanti- eiraa, impróprias do homem publico em qualquer grau^ 'i escala, torpes no que recebeu as mais esplendidas rovaa de reverencia, da parte do povo e do rei,

A fliha de Prinmo proplietisava desgraças, e essas ealinvam-se : na primeira parte parecem-se com ellic I lUisos Cassandras políticos, mas nSo na segunda, taças s Dáus. Tem-se vaticinado perturbações, suble- kÕ^^ caíaclismoa, ruiuas ; e o certo é, que nund o ftuc prãsear-.iou mais ocinviatia pa» que desde que esta pesUto ie debate no parlamento, de cuja sabedoria a kçAo estiem conliadamente a soluç-So da crise. Mais Irídicos prophetas serão, sem dúvida, osque sustentanr i lei de que se trata, facillima de executar, em

^

i

14 VII

cou.sequeacia dos excelleiítes iustiiictosdo pov), e aurora do dia da dignidade, da liberdade, da opulência,. da grandeza, e dos esplendidos futuros d'esta nação.

E' de uso hostilisarem o projecto, por não terem sido para elle ouvidos os fazendeiros, os quaes se aílirma serein-lhe infensos, e terem uma incógnita panacéa, un spéci/hiiie unif^ue^ qai tjaéril les maiix pcissé^^ présents^ fatnrs^ nonvecmc.

E que fundamento ha para serem considerados in- fensos ? Sabemos todos perfeitamente a historia de varias representações submettidas áo parlamento ; sabemos que se os amigos do governo tivessem querido lançar miXo de iguaes expedientes, teria apparecido o décuplo das representações em sentido contrario ; sabe- mos onde diversas tem sido fabricadas ; sabemos haver casos de numerosas assignaturas, todas do mesmo punho, e de outras, que nunca foram dadas para tal fim, e contra as quaes os próprios reclamaram ; sabemos que personagens que ha bem poucos dias percorreram logares dos mais afamados pela energia das represen- tações, se espantaram de ver que nenhum d'entre centos de fazendeiros com quem praticaram, llies tocou sequçr no assumpto que se pinta aqui como desvelando todo Q^SQ interior ; sabemos de muitos cidadãos que prestaram suas firmas, por condescendências de campa- nário ; sabemos de muitos outros, cujas opiniões diver- sificam tolo coeío das que subscreveram; sabemos que, se ha certo accòrdo na destruição, não ha o minimo nas aspirações e propostas, etc, etc.

Entretanto, onde está essa mesma apregoada unani- midade, que nãLo significa senão minoria infima? Das vinte províncias do Império, de todas as quaes havia largo tempo para chegarem manifestações, sao apenas três as que mór numero de escravaria possuem, e as que tem com effeUo enviado algumas representações.

Se eu argumentasse com o que se passa em .qualquer outra, lançar-se-me-hia em rosto nao haver nella tão altos interesses comprehendidos : tomarei pois lesta mesma do Rio de Janeiro, importantíssima por sua riqueza e illustraçao de seus habitantes ; facillima '^e manejar, pela proximidade da corte e facilidade de communicações ; interessadíssima na questão, pelo numero de escravos que encerra, e por serem aqui os iseus principaes empórios. Pois bem ; o que acontece *? Ha na província do Rio de Janeiro 36 municípios, e 137

VII 15

fregiiezias ; o que tudo representa 173 naturaes focos de populaçílo agrícola ; e quantas sâo as representações recebidas d'esta província, no parlamento ? líí ! Eis ahi e>tá a unanimidade da opinião dos fazendeiros, na província onde o projecto deveria ver enfeixadas todas as condições mais desfavoráveis !

Ora agora, dado e nao concedido que os factos fossem o contrario, tenho para mim que seria insustentável o alvitre de nao decidir a questão, senão depois de ouvi- dos 05 fazendeiros.

Concedo-lhes tudo : illustraçâo, patriotismo, impar- cialidade, abnegaçílo ; mas aos legisladores hei de conceder qualidades pelo menos iguaes. O peor é que aquelltís illustres. cidadãos, considerados os mais pró- prios para decidirem o negocio, sao, por isso mesmo, aos meus olhos, p^r causa dos seus interesses, os menos aptos. A clareza de vistas perde-se no interesse pró- prio, como um rio se perde no mar ; ])or mais perfeita que seja a nossa retina intellectual, o nosso interesse pôr-nos-ha sempre óculos roxos ante os olhos, que assim verão tinctos em roxo os mais claros objectos. Nestas circumstancias todos nós, mesmo dotados da melhor fé, mentimos involuntariamente ; espar-tar-se-hia a nossa consciência se lhe fosse dado enxergar os esforços que fazemos para simplificar o que nos parece confuso, para confundir o que nos parece claro.

Se vingasse a lembrança de nao legislar senão depois de consultar os interessado?, teríamos de substituir o nosso raechanismo constitucional, convertendo todas as cKsses n'ama espécie de tribunaes de consulta, ou antes de juntas legisladoras, ou communas parlamen- tares.

Trata-se de uma lei sobre assumptos ecclesiasticos ? Congreguem-se os bispos, padres, frades, sacristães, a sineiros.

De uma lei militar? Convoquem-se os generaes, coro- néis, cabos d'esquadra, fornecedores e vivandeiras.

De alfandegas ? Tem a palavra inspectores, despa- chantes, capatazias, e trapicheiros.

De forma de processo? Consultem-se as Relações, Juizes de Paz, escrivães, porteiros e beleguins.

Do saúde pública? Legislem medicou, boticários, parteiras, applicadores de sanguesugas e enfermeiros. .

De construccao naval? Brilhem agora os coutra-mes-

16 VII

três e mandadores, polieiros e torneiros, calafates & carapinas.

Et sic de cwteris»

Deus nos livre : tal doctriua seria absurda. Ckda membro da sociedade tem sua miss&o, como cada tecla do piano tem seu som; tractent fabrilia fabri :0y carapina aplaine, o enfermeiro vele, o beleguim citeo o trapicheiro arrume, o cabo d'esquadra diga razOes, ^

sacristã chuche galhetas, , o fazendeiro agriculte-

e o legislador legisle. Tao ridiculo é um padre com mandando uma brigada, como um major dizendo* missa.

Nao sei como isto foi hoje, meu amigo. Dei o giro 1& por outros bairros mais serios,e agora observo que me esqueceu o meu ídolo; eu podia facilmente accrescentar algo mais, mas seria deslocado : quem sai da sala é im- próprio ir para a cosinha; e nSLo se tratam no corpo da folha objectos levissimos, próprios de folhetim. Por- tanto, adeusinho até a primeira.

recebi o fumo; tu mandaste-o a mais alguém? quem fuma, tem fumo; nao è assim ?

Tout à toi

ClNCINNÀTO.

Typ. e Lilh.—IMPARC1AL— Ru» Sele de Setembro o- 146 A.

QUESTÕES DO DIA

]sr. 8

RIO DE JANEIRO 22 DE SETEMBRO DE 1871.

VeDde-se em casa dos Srs E. & H. Laemmert. Praça da Constituição» Loja do canto. Livraria Académica, Rua de S. José n. 119 Largo do Paço n. 12 C— Rua de Gonçalves Dias n. 79. Preço 200 reis*

01>r*as de Senlo— O Oavkolxo.

(Cartas a um amigo.) VI

Meu amigo :

Hoje occupo-me apenas com o pampa, cuja descrip- çao no primeiro capitulo do romance tantos louvores tem grangeado a Senio.

Nao tenho tempo para mais. Escuta ! :

c Como são melancólicas e solemnes, ao pino do sol, as vas- tas campinas que cingem as margens do iJraguay e seus af- fluentes ! »

Melancólicas as campinas, ao pino do sol^l Defeito de observação.

Que as selvas o sejam sempre, as selvas que natu- ralmente vestem aspecto sombrio, de indefinivel tris- teza, comprehende-se. Mas campinas, embora immen- sas, embora solitárias, porém banhadas de luz !

Nao ha sitios descobertos, ao ar livre, como a sa- vana, que apresentem melancolia ao pino do soL A luz, que se diffunde como um diluvio, esclarecendo tudo, imprime, ao contrario, no descampado uma fei- ção radiante e bella.

E Senio tanto parece esposar esta opinião que de- clara que. (( ao pôr do sol^ a physionomia crepuscular do deserto é suave nos primeiros momentos^ e depois é que ressumbra profunda tristeza. » Oh ! Pois, si no crepúsculo da tarde, quando uma solemne melancolia envolve toda a natureza e portanto deve ser triste a savana, é, pelo contrario, no dizer de Senio^ stiave.

2 VIII

isto é, aprazível^ então ao pião do meio dia, quando tudo é luz, calor e viJa, é que o pampa ha de ser ine- ZancoZíco? Ainda mais: chega elle a dizer que nesse momento (isto é, ao pino do meio dia) o pampa é mais pavoroso do que a immensidade dos mares. Que pampa seria esse que Senio observou e estudou ?

« No seio das ondas, o nauta sente-se isolado ; é átomo en- volto n'uma dobra do infinito. As ondas se agitam em cons- tante flucluaçílt) ; tem uma voz, murmuram. No firmamento as nuvens cambiam a cada instante, ao sopro do vento ; ha nellas uma physionomia, um gesto. A tela oceânica, sempre ma- gestosa e esplendida (e porque nâo também o pampa?) ressum- bra possante vitalidade. O mesmo pego. insondável abysroo, exhubera de força creadora; miríades de animaes o povoam, que surgem á fiôr d'agua.

« O pampa, ao contrftrio, é o pasmo, o torpor da natureza. Em torno ao viandante faz-se o vácuo. »

Em torno do viandante faz-se o vácuo, no pampa ? E porque não também no mar em torno do nauta isolado t

As miriades de animaes que povoam o mar surgem (i flor d' agua? Prodigiol Nisto não pôde deixar de ha- ver milagre de Santo António de Pádua. Caracterís- tico do mar, ao pino do meio dia: os peixes deitara a cabeça de fora.

« Lavor de jaspe, imbutido na lamina azul do céo, é a nu- vem. »

As nuvens no firmamento do mar têm o direito de cambiar, e no firmamento do pampa tem a nuvem o dever de ser lavor imbutido, pela mesma razão porque alli não pôde deixar de soprar o vento, e aqui não pôde deixar de reinar a paralysia.

As ondas murmuram, é certo ; mas as altas hervas da savana nao rumorejam ? Pois Seuio nao diz que o pampa é n pátria do tufão? Nao é muito que onde reina o tufão, possam também soprar galernos. Con- clusão, que muito interessa à meteorologia: no pampa, ao pino do sol, não ha vento.

« O cliâo semelha uma vasta /ajmrfa musgosa de extenso pa- vimento. »

Ora, si a savana figura as fluctuações do mar alte- roso, como se compara a savana com a lapida ?

<( Para a fujria dos elementos inventou o Creador as rijezas cadaverícas da natureza; diante da vaga impetuosa collocou o rochedo; como leito do furacão, estendeu pela terra as infindas savanas da America e os ardentes areaes da África. »

O rochedo é com effeito uma rijeza. Mas as savanas

VIÍI 3

ondítlosaSf os areaes movediços seráo também t^ijezas cadavéricas da natureza ?

« Arroja-se o furacão pelas vastas planícies; espoja-se n'ellas como o potro indómito. »

Em suas Cartas sobre a Confederação dos Tamoyos^ estranha J. de Alencar ao poeta G. de Magalhães o haver « d águia dos Alpes^ ao cysne da Greda, ao condir dos Aiides^ opposlo por parte do Brasil a andorinha^ ave de todos os paizes, » Pois bem : Senio compara o fu- racão das savanas com o potro ! Como assim se ames- quinha um dos mais magestosos phenomenos da natu- reza americana ?! Quem dissera que Senio reproduzira o preceito que devia condemnal-o ?

Queres agora ver o contraste mais vivo e completo *? E' ura escriptor americano que vai descrever o fu- racão. E' Audubon :

« Por sobre o continente americano diz Audubon nSo pjassa o furac&o sem deixar traços. Quanto a mim, que fui tes- timunha de um desses phenomenos terríveis, tão viva lem- brança me ficou d'elie que talvez me taxassem de exaggerado.si •eu reproduzisse a sensação de assombro que ainda me invade, quando a memoria me representa os pormenores d'essa hór- rida scena.

flf Jornadeava eu a cavallo. Achava-me entre Shawaney e a ponta do Canot; lindo estava o tempo ; o ar meigo ; ia deva- garínho o meu cavallo.

« Apenas entrei na garganta ou valle que separa a ponta do Canot da d'Highland, obscureceu-se océo; cerração negra foi si- mulando noite profunda. Parei, cheio de espanto; sentia ardente aède, que saciei num arroio próximo.

« Para logo escutei uns sons vagos, sem nome em lingua humana, um como murmúrio longo. Sobre o fundo tenebroso do firmamento foi-se desenhando uma faixa oval e lívida.

« Os ramos superiores das arvores estremeceram ; depois communicou-se esse movimento aos ramos inferiores. Num relancear de olhos, vi os troncos estalarem em pedaços, desen- ralzarem-se, fugirem ao sopro da ventania, e toda a floresta

rsar ante mim como torrente de agig antados e a terra- es phantasmas. Esses troncos se embatiam e entrechoca- vam em sua viagem.

« No centro da corrente tempestuosa, viam-se os topos das mais grossas arvores forçados a tomar uma direcção obliaua, a vsrgar : abaixo e a cima d'ellas, massa espessa de ramalnada, galhos estalados, poeira erguida, tudo redemoinhava sob a mesma impulsão. O espaço até ahi occupado por todas essas arvores, nada era mais que arena vasia, ou antes coberta de raízes, c destroços ; diríeis o leito do Meschacebe inteiramente nú. As cataractas do Niagara não atroam com mais violência ; não é mais poderoso o ímpeto da sua queda terrivel.

« Quando a sanha primeira do furacão se mostrou como que tarta ou. cançada, milhões de ramos despedaçados revoavam

viir

ainda pelo ar, e a marcha da columna densa que ia assignalando á passagem da tempestade perdurou ainda horas, como que determinada por nfto sei que força de attracção.

« Cobrirase o firmamento de um véo esverdinhado e lu- ffubre: cheiro de enchofre excessivamente desagradável impre- gnava a atmosphera. Silenciosa e pasmado, esperei que a na- tureza transtornada readquirisse, sinão a forma primeira, ao menos seu costumado aspecto. i v «^

u Atravessei o leito da torrente aérea, conduzindo pela brida o cavallo, que espantavam todos esses cadáveres dar\'ore9 despojadas e derruídas. ,

«As ruinas da floresta destruída jaziam amontoadas no solo, onde formavam tâo espessa barreira, que obrigado, ora a abrir vereda nesse labyrintho, ora a arrastar-me por debaixo dos ramos enlaçados, ora a transpol-os de um salto, senti, durante o tempo que a esse trabalho co.nsagrei, íaaiga

Daortal. , j ^«*^

« Essa columna de vento, que occupava côrca de um quarto de milha, levantou telhados, arrebatou casas, forçou rebanhos inteiros a emigrar violentamente pelos ares. Achou-se uma pobre vacca morta no cimo de um pinheiro para onde a levaram as azas dofuracSo. O valle ó ainda hoje um logar desolado, coberto de musgo e de sarças, inacccssivel aos honiens: os animaes de rapina o escolheram para asylo. » f Vid. P. Liiasies, Etudes síir ta liUélrattire et les maurs des Anfflo-Américains.j)^^^' 85 e seguintes.)

Tanto tem esta descripçao de grandiosa e verdadeira, quanto a primeira de apoucada e falsa.

Além de comparar a fúria do furacão com o potro, vê, meu amigo, como Senio pinta a passagem do im- ponente e horroroso phenómeno :

« A final a natureza entra em repouso ; serena a tempestade; queda-se o deserto, como d'antes plácido e inalterável { Queria

dizer ifialterado.)

« E' a mesma face impassível ; nao ha ah surriso, nem ruga. Passou a borrasca, mas não ficaram vestígios (Que insignificantes borrascas são as do sul, julgadas por Senio ! )

« No tronco da arvore derreado, nos galhos convulsos, na to- Ihagem desgrenhada, ha uma attitude athletica. Logo se co- nhece, que a arvore luctou com o parapeiro e o venceu. »

Pois se em consequência das luctas com o pampeiro é que a arvore fica derreada, e seus galhos convulsos, e sua folhagem desgrenhada, como é que 'passou a bor- rasca e não ficaram vestígios ?

Mas a arvore luctou cora o pampeiro e venceu-o. Que arvore ! e que pampeiro! viste arvores colossaes pas- sarem arrebatadas, estranguladas nas azas do furacão, como acaba de nos referir Audubon. Senio porem affir- ma que a arvore do pampa (Nrio falando nas altas her- vas, a vegetação lenhosa do pampa é fraca e acanhada, sem proporções, nem solidez para resistir ao furacão )

VIII õ

não resistiu a este, porem venceu-o I E Senio nos diz isto ! Mas continuemos.

« A trecho passa o poldro bravio, desgarrado do magote; eil-o que se vai retouçanao alegremente babujar a grama do pro^ ximo banhado.

« Xas margens do Urugaaj, onde a civilisaçâo babujou a virgindade primitiva, etc. »

Uma das manias que perdem Senio é querer passar por outro Colombo, descobridor de mundos novos, por mares nunca d^antes navegados. Insiste, demora-se n'es- sas novidades, com a intenção de imbutil-as *io idioma vigente. Quer a todo o transe introduzir na linguagem moderna nomenclatura, phraseologia, que se attribua â sua iniciativa e sapiência.

O vocábulo babujar é empregado frequentes vezes no volume. Os diccionarios da lingua nao o trazem e so- mente babugem, vocábulo este muito usado pelos nossos homens do campo, para também significar a grama ras- teira, que aponta com as primeiras aguas. Senio não se contenta somente com dizer que o poldro baòuja ; e sem se importar com o simile pouco lisongeiro a que logar . :seu vaidoso capricho, faz também a civilisação babujar (como cavallo) s. virgindade primitiva das regiões. Aqui nao temos simplesmente o rebaixamento do homem ao nivel de irracional, idéa fixa e capital de Senio em sua obra ; temos mais que isto : o phenómeno supremo e providencial da humanidade, a civilisação, exerce a fuucção do^ bruto babuja.

Descance também o auctor : ha de pegar a moda do termo ; e d'aqui a pouco, sinão jâ, nílo o Rio de Ja- neiro, mas também o mundo em peso estará, nao a 6a- bujar, que é a tal funcção especial do bruto, mas a sa- borear, com enthusiasíica leitura, as bellezas e as novi- dades do seu Gaúcho.

« Tal é opampa— conclue Senio.— Esta palavra, originaria da lingua kicíuia (keckúa escreve o Dr. Martins em seu Glossário, dando-lhe a significação de campo] significa simplesmente o plaino ; mas sob a fria expressão do vocábulo está viva e pal- pitante a Idéa. Pronunciae o nome, como o povo, que o inventou (Como havia de ser que elle o pronunciaria ? ) Nilo vedes no som cheio da voz (Ha pouco, a expressão do vocábulo era fria, açora ha cheio som de voz ) que reboa e se vai propagando ei^- pirar no va^^o, a ima^^em fiel da savana a dilatar-se por hori- zontes infindos ? Não ouvis nessa maprestosa onomatopea re- percutir a surdina profunda e merencória da vasta solidão ? »

(Aqui a solidão, isto é, o pampa tem uma voz, a

6 VIII

surdina: murmiira. Está claro que nao ha de ser ao pino de meio dia.)

Nao ha duvida que é muito significativo o termo pampa. Por mais, porém, que o queiramos, hao pode- mos ver nelle um som (e os sons tamhem se vêem?) que reboe e se propagando, e muito menos descobnr-lhe onomatopéa.

Que indica tudo isto ? O fructo agorentado e fana- dinho de uma imaginação, farta em bagagem de cores vivazes para pintar os quadros da natureza real, mas que produz, inteiramente entregue a si, pálidos e coatradictorios desenhos, onde sobresai a confusão árida.

Lendo-se a descripçao do pampa por Senio, vê-se que « essas solidões nao lhe serviram d^ gabinete de traba- lho ; que elle nao percorreu os vastos desertos ; que nao respirou o ar carregado de emanações da vegetação primitiva » como fez o grande ornithólogp das mar- gens do Mississipi e do Ohio.

O espectáculo verdadeiro do pampa está desfigurada no Gancho.

Aquella nuvem nao está imbuíida no céo, divaga ; aquella campina nao é melancólica^ mas expande-se e surri ; aquella savana nao é o torpor ou o pasmo ou a paralysia^ agita-se ; aquelle cliao nao se parece com a lapida do claustro ou do tumulo, sinao com as sinuo- sidades do vasto oceano ; aqueíle furacão nao se espoja como o potro, mas subleva-se, contorce-se, revolve-se, devasta e tala o deserto como vórtice ou cataclysma. A natureza protesta contra o panorama traçado á custa do prolongado esforço estéril.

Queres ver, meu amigo, um painel vivo e natural ? E' a descripçao suave do pampa por G. Aimard.

Aqui nao se escreveu para encher um capitulo. Sao pinturas rápidas, mas incisivas, próprias de penna modesta e despretenciosa. Por via de regra, para dar-se noticia desta natureza meridional, que é portento de magnificência e formosura, nao se ha mister de longosr desenvolvimentos, prejudiciaes sempre ao vigor e effei- to das scenas.

« A campanha em torno de mim diz G. Aimard estava deserta e plácida como no dia da creaçSlo.

a Os cães, vigilantes sentinellas, que durante a noite nos haviam velado o repouso, levantaram-se ao ver-me, e vieram festejar-rae com latidos alegres.

VIU 7

« O aspecto do pampa é dos mais pittorescos, ao nascer do sol.

« Silencio fundo paira por sobre o deserto ; dir-se-hia que a natureza se recolhe e recupera as forcas, ao desabrochar do dia que enceta.

« Tremula docemente a fresca brisa matinal, por entre os altos macegaes que ella inclina em ondeados e leves movi- mentos

« Por aqui. por alli, erguem os veados as cabeças, tomados de espanto, e circumvagam olhares temerosos.

« Os passarinhos, encolhidos de frio sob as ramagens, pre- ludiam por algumas notas tímidas o seu matutino hosannah.

Sobre os montículos de areias, formados pelas to(ías aas vigonhas, poisam curujinhas indolentes e immoveis.como sen- tinellas ; em sua meia somnolencia, deslumbradas pelos raios do astro do dia, escondem as redondas cabeças na plumagem do pescoço.

« pelas alturas, urubus e caracanis bordejam em círculos alongados, librando-se negligentemente, á feiçflo do vento, á espera da presa sobre que hajam de cahir de siibito, com a ce- leridade do raio.

« Assemelha-sp o pampa neste momento a mar de verdes e calmas ondas, cujas margens se occiíllem por detraz das dobras do horizonte. »

Eis ahi era rápidos traços o pampa. Opulento ou po- bre de encantos, é isto. E' a natureza copiada com fi- delidade photographica.

« A imaginação dos homens ãc génio, observou um crítico, reproduz as paixões e os quadros do mundo, como espelho íieí e orilhante repete bella campina, ou rosto regular ; a imagina- ção falsa assemelha-se porém a esses vidros oblíquos, que o óptico dispõe de modo que não apresentam reflexo algum exacto ; ahi tudo nos apparcce ou diminuído ou desmedida- mente dilatado. Uma está para a outra na mesma proporção do retrato para a caricatura. »

No Gaúcho nota-se uma pompa, uma dema ia pala- vTosa, sacrificando o pensamento á forma. Pede-se ahi de mais à imag^inacão estanque.

E que succetle, afinal? Se ha hi forma que scintille,é scintillar de lentejoulas ; é lustro de ouropel ; é cas- quinha de brilho fictício e fallaz : mal roçardes o arte- facto, conhecereis o inferior quilate da quinquilharia.

Desculpa, meu amipfo, a prolixidade, e permitte-me voltar ao assumpto.

dC

[Continua)

8 VIU

Decima cax*ta

DO ROCEIRO CINCINNATO' AO CIDADÃO FABRÍCIO

Venerando amigo.

Rio de Janeiro, 21 de Septembro de 1871.

Recebi a tua carta, de 15 do corrente, e li com a maior attençao o que passaste com esse respeitável fa- zendeiro, de que me falas, homem illustrado e de bôa fé, mas que, vivendo sempre longe doestes centros das maranhas, entende que é ouro tudo o que luz, e tinha-se deixado levar pelas declamações interessadas, receando que o projecto sobre o elemento servil fosse inconveniente, por prejudicar seus direitos e interesses, por ameaçar o futuro d'este paiz,e por o stygmatizarem homens distinctos, que todos considera movidos dos mais santos impulsos do amor da pátria. Mostraste-lhe as minhas cartas, e pediu-te me consultasses ainda sobre vários quesitos; a minha opinião é desauctorisa- dissima, porém está à disposição do teu amigo, a quem rogarás que tome esta carta, como a elle dirigida.

Antes porem de entrar na matéria, direi que em al- gumas folhas da Corte appareceram, tempos ha, sob o titulo Resenha^ uns artigos de penna valente, defen- dendo theses mui diversas das que sustento, mas dis- tinguindo-se por argumentação de ordem superior, e muitas ve/.es por uma delicadeza e cortezia de formas, que mesmo combatendo a quem neste ponto conside- ravam adversário, tao dignamente o faziam, que nao houvera sido desar o render-se a suas opiniões; nao raro foram modelo de polemica. Appareceu depois um notável Parecer do Sr. Conselheiro Ottoni, mui mere- cedor de estudo attento, e bem assim uma analyse d'es3e Parecer, composta e publicada por um respei- tável Senador, sob o titulo de : Carta aos fazendeiros e comimrciantes fluminenses sobre o elemetito seroil. Con- sidero este folheto, vade-mecum em tal matéria; e pois te envio tudo isto» fora talvez mais prudente esquivar- me a emittir opinião própria, porque Deus me nao deu grande geito para echo. Entretanto, com a devida vénia, passo a responder aos quesitos do teu amigo.

Por via de regra, nada ha mais singelo e chão, que o homem dos campos; por mais alta que seja a sua in-

VIII 9

telligencia, por maiores dotes que á natureza deva, a sua convivência com as arvores e o trabalho toma-o aatural, innocente, inimigo da simulação e de tudo quanto contraste com a inteireza do caracter. Por isso que a ninguém engana, suppõe em todos sinceridade egual; por isso que núo calcula com os outros, imagina que os outros a nao tomam a elle para instrumento de seus cálculos.

Infelizmente o machinismo da forma do governo re- presentativo appresenta compensações ás vantagens d'elle ; e d'essas tristes compensações nao é a menor a perversão do espirito, gerada da politica. Onde a todos é licito aspirar a tudo, bem se concebe que a todos nos insuffle a ambição, e que o natural amor próprio, —de tudo, com verdade ou miragem, nos proclame ca- pazes.

E' assim que, entrQ nós, se entende a politica. Este vocabulo,que na sua origem significava a arte que rege a cidade^ a nação ; a arte social, por excellencia ; o grande estudo dos interesses geraes de toda a ordem, que deveria ir buscar no thesouro dos conhecimentos humanos quanto contribua para o bem dos cidadãos ; o approveitamento de todas as forças vivas para pro- gresso material e moral da commuiiidade; a creação de um impulso motor, appropriado á Índole do mecha- nismo social, e à educação, á instrucçao, às tradições, às aptidões, e á historia de cada povo ; o estudo das áuccessivas alterações das cousas, mesmo quando ainda conservam nomes que nao deveram ser os seus ; o dissipar das illusOes e o accompanhar a razão pública : vocábulo, cuja base Aristóteles assentava n'este princípio: o justo e o honesto, tem hoje sigaificaçao muito diversa: a politica é qualquer conjuncto de traças, ardis e tretas, com que se sustentem ou com que se derrubem ministérios.

nao merecem o epitheto de homens políticos os Alexandres, Césares, Pedros Grandes, Freaericos, Rí- chelieus, Washingtons, Pombaes ou Pedros Primeiros, esses que, ua pratica do poder supremo, exerceram larga influencia nos povos, e fizeram triumphar seus systemas e planos : politico de polpa é o discorredor que injuria freneticamente um ministro ; corretor eleitoral mie falsifica bem uma urna ; Protheo que bajula ou mtraja as alturas, a talante de sua conveniência.

Máxima questão politica é que o Conselheiro Quincas

10 VIII

substitua no poder o Dr. Manduca : em aquelle che- geando ao tal poder, fará o mesmo ou menos que este, mas a mudança trará os applausos dos candidatos ao coffre das graças e ás migalhas do orçamento, o que tudo constitue um dos mais flammantes capítulos de politica transcendental.

Ora como estasciencianao excava cérebros, accontece que, a par dos raros engenhos privilegiados, aptos para empunharem as rédeas de um Estado, surge ahi um formigueiro, um fervedouro de salvadores da pátria, de inventores de panacéas, de Codros e Curcios polí- ticos, de missionários sem missão, de procuradores sem procuração, de Mentores sem Telemacos, de politiquei- ros ou pelotiqueiros sem o senso commum.

Le rnonde marche em tão desabrido galopear, que o menino saldo da eschola faz bico á idéa de ser de- sembargador, deputado, ministro, e até senador com dispensa de edade.

Silo tantos, por isso, os candidatos ás elevações, e estas siio proporcionalmente tao poucas, que a nossa po- litica toda consiste no jogo do empurra: ôle-toi de fó, <yu#? je my meíle ; os dez que estão de dentro sao rechaçados pelos trezentos que estão de fora ; os alcatruzes que descem insurgem-se contra os que sobem ; e é a este vai-vem, a esta cerração da velha, que ahi decoram com o harmonioso nome de equilíbrio constitucional.

Ha quem pense que n'aquella ordem de ideas lan- ça raízes o facto que presenciamos. A questão ãt^ elemento servil, tal como o governo a concebeu é nobre, previdente, sympathica; poucos homens illus- trados a repulsam por convicção; mas não se pres- tava ella a servir de instrumento politico da tal pe- lotica ? Facillimamente.

Os dissidentes ( exceptuo sempre os de boa fé) esfre- garam as mãos, dizendo: « Bôa arnlfe politica é esta; a educação do paiz, suas tradições, alguns interesses, disposição de alguns ânimos, alguma audácia, algum talento, alguns inconvenientes reaes, tudo isto bem aproveitadinho, pôde dar com este governo eui terra: mãos á obra ! »

E na mais incestuosa união, fundiram-se as mais oppostas legiões, todas accordes no plano da demo- lição, cada uma com diverso pensamento reservado. E republicanos, diceram: « Extremos tocam-íe: Russias e Estados-Unidos sympathisam. Os toleran-

vm 11

tes que aceitam o motto: fraternidade ou morte, tam- bém aceitam a instituição do captiveiro. Toca a des- moralisar o projecto do governo; toca a attribnil-o á pressão de uma cousa, que alcunharemos Poder Pessoal; toca a tornar odioso o monarcha, odiosa a monarchia, e desfraldaremos nossa bandeira victo- riosa. »

E liberaloes, diceram: « Que importa ser tanto essa a nossa convicção que aííirmarnos terem-nos roubada uma das clausulas do nosso programma ? No thea- tro da politica, admittera-se as mudanças á vista e as magicas, et nos miitamur ia illis. Oppondo-nos ao projecto, baqueará o governo, substituil-o-bemos nós, e o Faustino tocará o liymno ! I

E dissidentes, diceram ! ! Nos quoque gens sumus; cr- ganise-se um ministério com 38 pastas, e volverá o reinado d'Astrea. Como não querem, sentiráo o peso da nossa justa indignação. Tanto faremos que o go- verno hade saltar; e visto que a situação é conserva- vadora, os naturaes herdeiros do defuncto, seremos nós. »

Eis ahi politica, politica e sempre politica !

D'est'arte cahio sobre o espirito dos fazendeiros um enxame de evangelisantes, entre os quaes ha muito advogado talentoso, muito bacharel habilitado, muito sophista destro, e também muito pescador d'agua& turvas. Depois de lhes circumcludirem os ânimos, apresentaram-lhe a papinha feita, e muitos se deixa- ram r.ahir na armadilha.

Assim se prestaram esses a servir de manivellas a aspirações monarchómacas, diametralmente oppostas aas seus pensamentos de ordem e de respeito ás ins- tituições juradas; arriscaram-se a passar indevida- mente por escravocratas, por homens que nao fossem da sua naç&o e do seu tempo ; abaixaram-se, esses, os maia beneméritos cidad&os, a servir de degraus a planos subversivos ou a combinações degradantes.

Com quanto, como demonstrei, os fazendeiros que representaram contra o projecto constituam tao infima minoria que nao chegam a um por cem, esses mesmos que se deixam adormecer por paradoxos, cedo se es-

7 uivarão á acção anesthesica do tal chloroformio po- itico,

Acordarã.0 para a verdade e para a luz, quando vi- rem:

12 VIII

que a instituição derruída no mundo inteiro nao podia perpetuar-se no Brazil;

que nobre será a sua extincção,. quando nenhuma pressão externa ou interna subjugar este paiz;

que qualquer d'estas poderia vir a surgir, se adormecêssemos ;

que então para os possiveis cálculos actuaes do rasoavel interesse, poderia dar-se aquella locução fatal: £' tarde !

que pelo systema do projecto se conciliam, até onde podem ajustar-se, os direitos dos escravos e dos senhores;

que se alei civil estabeleceu, contra jus, a insti- tuição, melhor pôde, com jus, modifical-a em tempo, em circumstancias, emjufidicos effeitos;

que a liberdade do ventre é pensamento ouasi geral, desseca a fonte da monstruosidade, e proclama um facto sem contrariar um direito;

que o pecúlio e a redempção, não somente são faculdades naturaes, mas nada innovam nos usos da terra;

que a serie de providencias destinadas a tornar cada vez mais brandas as relacOes entre o servo e o servido, são reflexo do successivo abrandamento com que os nossos costumes se temido civilisando;

que conservando-se a actual escravaria, com equivalente indemnisação do serviço pode o senhor ser privado dos braços de que dispOe;

que insultam e calumniam os senhores de escravos os que falam de degolação de innocentes, injuriando assim os sentimentos de cidadãos, que de homens trans- formam em feras;

que a lei não desorganisará o trabalho, e dará tempo e meios de o ir vantajosamente modificando;

que devendo geralmente ser approveitado pelos agricultores o serviço dos nascituros, até que comple- tem a edade dos 21 annos, teremos ainda, durante al- guns decennios esse valioso concurso;

que chegado o dia em que esses cidadãos possam dispor de si, escolherão, na máxima parte, a continua- ção do serviço nos mesmos estabelecimentos onde ten>

vni 13

parentes e onde foram nascidos e educados (sempre que liouverem sido humanamente tratados);

qne, se se considera preciso para conviverem es- cravos c livres, que estes tenham melhor alimento,, vestuário e tratamento, bem vinda seja a lei que in- duza os senhores a collocar todos no mesmo nível, quanto a estas legitimas recompensas do trabalho hu- mano;

que, desta melhoria geral do tratamento d'esses valiosos instrumentos resultará diminuição de mor- tplidade, augmento de forças e productos, alegria e bem estar dos operários, vantagens reciprocas para o servido e o servo;

que, a condição livre de largo número de homens elevará dentro em pouco a altura da civilisação;

que, todos estes progressos tornaráõ cada vez mais amigas as duas raças, que os preconceitos ainda hoje separam;

que dentro em pouco veremos entre nós honrado e facilitado o trabalho, e com elle o desenvolvimento da intelligencia, da moralidade e da riqueza nacional ;

que então accudirao espontaneamente a estas plagas hospitaleiras correntes d'immigrantes indus- triosos ;

que nesse dia o concursq do trabalho livre de es- trangeiros e indígenas operará milagres ;

que a experiência, em toda a parte, ha mostrado que a extincçao d'esta praga tem sido aurora de im- menso progresso ;

que esta modificação induzirá os agricultores a es- tudar mais a sua especialidade, a introduzir novos systemas, a empregar a machina e o vapor, a; dispen- der com melhor êxito menor copia de forças vivas ;

que finalmente nos cobrirap as bênçãos de Deus,da humanidade, da raça libertada, e da nossa consci- ência.

Tal é a minha convicção profunda, meu amigo. Er- rarei eu ? Não o creio. Sou echo da opinião pública, da imprensa, das associações, da grande maioria da camará dos deputados, da quasi unanimidade do se- nado, e do illustrado Governo a que está reservada a maior gloria com que Estadistas podem ser recompen- sados. Politica, sim, é isto. Quando actos similhantes transformam as sociedades ; quando da seara opima é por mão firme arrancado o joio ; quando a humani-

14 VIII

dade avança mais ilma etapa na marcha da grande ci- •vilisaçao, os coros da terra e dos anjos exultam 6 en- toam novo hosannah ao Senhor.

Perdão. Creio que estou mais carregado e sombrio <io que devera, e tu gostas : desculpa ; emendarei a mão.

Teu dedicado amigo

ClNCINNATO.

A Escravatura no Bx^azll.

NOTÁVEL DISCURSO DO SR. PARANHOS.

Sob este titulo publicou a Nacion, de Buenos Ayres, Tim artigo, que sentimos nEo poder reproduzir na inte- gra ; mas eis aqui alguns trechos d'elle.

. Quando a Rússia, vencida pela civilisaçao occidental emSebastópoli, em si mesma sereconcentrou, e estudou :as causas da sua debilidade e derrota, achou-as no ele- mento servil; e para logo emancipou os servos da gleba, -chamando-se desde então Rússia livre.

Quando o Brazil, vencedor na guerra contra a tyran- nia do Paraguay, deu conta a si mesmo das causas que geraram tantos esforços e resistências, e ura tanto lhe aguarentaram a victoria, achou-as na escravatura ; e para logo se occupou de extirpar cancro, que poderia acabar por corroer todo o corpo politico e social.

Quasi todos os povos que esta grtlo reforma operaram, que romperam os grilhões do escravo e arrojaram seu ultimo elo aos abysmqg do passado, fizeram-no em meio de grandes crises e dolorosas convulsões.

A America do Sul, e à testa d^ella a Republica Ar- gentina em 1813, proclamou a liberdade dos ventres, ao matutino arrebol da revolução de sua independên- cia, e resgatou os escravos com as rendas do Estado, levando os libertos de raça ao campo de batalha, a com- batera a par dos libertos coloniaes.

O Estado Oriental aboliu os últimos vestígios da es- cravatura, quando Rosas o invadiu ; os seus libertos foram núcleo e nervo da defesa, no immortal sitio de Montevideo....

VIII 15

O Brazil, como a Inglaterra, pode hoje operar esta magnifica reforma em meio da paz, sem nenhuma pres- são externa ou interna, dependepdo a sua solução no Brazil, como antes dependeu na Inglaterra, do voto illustrado e livre do parlamento, que pode immortali- zar-se em um dia, firmando a carta de emancipação dos •escravos do porvir, preparando a extincçSo da escrava- tura como instituição, e como facto inconsistente com « civilisação moderna, com a moral universal, com a •conservação social, com a prosperidade pública, e até com o decoro internacional.

Ha tempos, que esta revolução de idéas e senti- mentos se vai no Brazil operando, nao na opinião illustrada do império, senão também nos interesses bem -entendidos dos productores, que chegaram a formar 4ima espécie de consciência pública, a qual, reagindo contra o facto e o direito de tão barbara instituição, tem dado ponto de apoio á reforma no passado ; e, tor- nando-a factivel no presente, hade contribuir para fa- xel-a fecunda no futuro.

Aspiração dos grandes pensadores, desde os primei- ros dias da independência do Brazil; convicção dos eco- nomistas, que profundaram as suas questões agrícolas; paixão geuerosa em charac teres elevados, que no escravo reconheciam creatura de Deus, feita á imagem e simi- ihança do seu irmão, o branco ; previsão nos Esta- distas, enxergando a impossibilidade da prolongaçãa do captivciro, no dia era que o mundo todo emancipasse os escravos ( como succedeu ), ficando essa nação isolada no mundo, como excepção da moral e da liber- dade universal ; a extincçâo, mais ou menos gradual, da escravatura no Brazil, é facto fatal, irrevogável,

3ue obedece à lógica das idéas e â força das cousas, que omina todas as vontades como aspiração sublime, solução económica, e facto que nada e ninguém pôde impedir ou retardar.

.... A abolição da escravatura depende hoje do voto das suas camarás, ou antes não depende de niQguem, porque taes questões, quando enterreiradas, resolvem -se por si mesmas, sem que desde então de- pendam já do voto fallivel dos homens.

E não obstante, era mister coragem cívica, intrepidez politica, amor á idéa, para soltar o signal d'alarma, e romper decididamente a batalha com o facto trium-

16 VIU

f

phante, as jpreoccupações, os interesses illegitimos ou raal entendidos, e as combinações possiveis dos politi- cos de parlamento que, para seus fins particulares, fi- zessem fogo contra bandeira nao erguida por elles, ainda quando nella vissem inscripta a lenda de um dos principios do seu credo.

Prosegue o escriptor na descripçao do estado da Brazil, e dos seus partidos, bem como do amadureci- mento da grande idéa; e fazendo justiça aos altos e ex- cepcionaes dotes do alferes que empunha aquella ban- deira, em torno á qual, dentro em pouco, todo o Brazil se apinhará, o Sr. Visconde do Rio Branco, exalta e- gualmente o seu valor, a sua paixão moral....

O sr. Paranhos, com quanto comprehenda as dificul- dades e as resistências em que tropeça, nao assume at- titude arrogante. Nao se appresenta aos compatriotas como excepção, nem como propheta destinaao a con- verter incrédulos, nem como força que imponha con- vicções : é singelamente o homem da crença e da pa- lavra, que joga num dia tudo por tudo, em nome e na interesse de uma grande idéa, estribando-se nas forças sociaes, na consciência pública, nos próprios interesses: buscando seus antecedentes na tradição, sem por isso deixar de confessar a doctrina humana, e de collocal~a sob os auspicies da moral do género humano, de que os brazileiros e os seus escravos constituem parte.

Continuando no mesmo espirito este notável escripto, dà-se ampla noticia de um dos memoráveis discursos do sr. Presidente do Conselho, cuja fronte, nesta sessão

f)arlamentar se engrinaldou de tao imraarcessiveis ouros, que nos fastos do Brazil nao ficará pagina em lettras de ouro tao esplendida como a que hade ins- crever os nomes de tal Estadista e de tal Governo.

Typ. e Lith.— IMPARCIAL— Rua Sele de Setembro n* 146A.

QUESTÕES DO DIA

N. 9

BIO DE JANEIRO 28 »E SETEMBRO DE lff71.

VeDd«-s« *m rasa dos Sis. E. & H. Laemiacrl.— Pra^ da Coaslituigftg* I l,o>* do raalo.— Livraria Academi™, Rua de S. José u. 119— Larpi * paço D. I3C.— Rua ãe Gonçalvcti Dias n. 79.— Pre^ 200 reis.

D. Pedr^ Px-lmelro.

IINTE B aCATRO DE SEPTBMDEO.

Kra Umbem um rei ; também poderojo e grande. Subvertera montes, entulhara mares, erguera moiiu- meatos rom que a reg*!!!» da.i nuvens se atfroutava.

Em todo isso.... E todavia, alargando olhos, do fmiiie de um rochedo, por extensão sem fim, toda co- berta de inaiimeravel numero de homens, alag'ada d nm exercito infinito. Xerxes chorou ! E mais, exércitos 1 e montes, povos e mare.s, tudo aquillo era seu.

D Choro dixia porque, em cem aunos, d'enl.re ] tantos nem um restará. »

Nestes dias de imraeusa dôr, subamos ao rochedo de ^erxes, e roasoiemo-nos. Baixemos olhos por sobre rase universo, que iios pés nos redemoinha; observemos 9 taceisaute martellar do Tempo leve ! Mundo juncado je ruínas; perpétuo batalhar dasg-entes com as geutes, dos reis <^>m os reis, dos impérios com os impérios : triampho? e derrotas; grandezas asmagadas e insigni- flesDcia^ erg-uidas; incêndio, devastação e morte, ar- Toradai em arautos de civilização. Estendei a vista em lAmo: aqui, um apunhalado ; além, um coroado de

^touros : d'aquelle lado, um feliz, levado em carro tri- impbat a capitólio ; d'este, o mísero, (]espe.ihadu da Tarpeía. Danças e jogos ante vós: alli pranto e deses- | lersção : no longe, incensos; no perto, maldicçoes... E I iQfSiiio homem, ínstauteapós instante, segue asort« i'es«es tantos que a vista abarca: louros e dansas, |Bs««peraçao e pranto, inceusos e maldicçOes, Tarpeia e

^^aipitolio, nascimento e morte, tudo isso é commum. E oao é o exercito de Xerse.s; é toda a humani-

2 ' IX

dade, que hoje vive, e se a^ita, e se revolve, e pratica êc<í0e» grandes, e commette crines negros, e chora, e ri, e corre, e võa, e conta com uma eternidade de exis- tência, que amanhã... amanhã será toda de ca- dáver.

Paia bam I a essa lei commum da humanidade, tam- bém EiXK cedeu. O frágil involtorio caiu pedaços ; e o que era mortal, passou. Que admira'? Mocidade, belle- za, força, poder, nada retarda um instante o golpe da inevitável foice. Ainda rodeado de todas essas vanta- gens, dirieis em cada homem um conjuncto monstruoso de dons companheiros inseparáveis; ao vivo anda sem- , pre abraçado o inorlo^ que larga o companheiro no dia em que pode, triumphante, calcal-o aos pés de es- queleto.

Bem I Morreu o que podia morrer.

Mas dessa tirannica lei, libertam-se alguns raros, ra- rissimos nomes, que, desprendendo-se do que nelles era terra, sobem fulgurantes ás ethereas regiões, para d'al- li, planetas brilhantes, admiração de todos os povos e de todas as edades, affroutarem a eternidade.

Esses nomes são raros ; tal mixto de eminentes qua- lidades exigem, que a antiguidade os denominava semi- deuses, e os séculos correm sem junctar um à curta lista d'esses eleitos do Senhor.

Um d'esses, embora caia ceifado em flor : para elle não ha somno eterno, nem somno longo. No momento mesmo era que fechou os olhos, a humanidade em peso, com a sua voz grande, q^ue também é voz de Deus, bra- da como elle : Swge qui dormis, et exurge a mortais!

Succumbiu, neste dia, um d'esses que o mundo ve-. nera unanime como immortal modelo do rei, do sol* dado, do legislador, do philosopho, do esposo, do pae, do cidadão, e do homem.

D. Pedro, que ha 37 annos existia cheio de vida e força, e juventude e esperanças; que libertava dous mundos; que, nos campos da batalha, semelhava o anjo da tempestade, que, tranquillo, no seio de um turbi- lhão, dirige os ventos, impera aos furacões, e aponta ao raio onde hade ir fulminar... hoje! desengano atroz! jaz alli, naquella terra irmã, mudo e quedo, inanimado corpo sem coração, esse coi^po onde um coração im- menso palpitou, como nunca outro algum, por quanto no céo e na terra ha nobre !

IX 3

Se porém na eterna mansão dos justos podem as al- mas exultar, estará hoje o fundador deste império implorando novas bênçãos sobre esta terra tfto sua, e danda as derradeiras graças ao Senhor, por vêr emfim coroada a obra que emprehendêra, e que nunca hoav«ya sido completa, emquanto nao tivesse sido promulgada, como acaba de o ser, a redempç&o de todos os homens nascidos neste torrfto abençoado. Desta grande obra, a semente foi lançada pelo rei philosopho.

Retumbem por esses échos o estrondo dos canhões, o dobrar dos sinos, os saudosos lamentos ! Revista-se toda esta redimida sociedade de lucto e de ! E aprendam as gerações futuras, que, no século XIX, uma cousa houve, egual ao immenso amor de um monarcha... foi a perpetua e immensa gratidão dos povos que elle remiu !

•Os leitores nos agradecerão, sem duvida» que os presenteemos com o seguinte mimoso inédito, em que a delicadeza do sen- timento disputa primasias á appropriada singeleza da forma. Tivemos de vencer a modéstia de seu auctor, que se julga tanto menos do que vale,quantos outros valem menos do que se julgam. E' distincto membro de uma familia,na qual o talento, nem por ser hereditário, diminue o património de cada um, da mesma forma que a tocha nSLo diminue o fulgor da tocha a que se aceendeu. Se, nessa familia, não distingue o engenho sexos nem edades, mais de uma vez a foice da morte veiu invejosa ceifar em flor, ou em esplendido fructo, esperanças que des- cortinavam horisontes sem limite. A amostra, que oraj damos, é também sympathica, pela natureza do assumpto inspirador desta poesia : que aromas não.rescende o amor dos amores, o do joven filho a seu provecto pae I Não ha entre as harmonias da natureza outra que mais suavemente faça vibrar as fibras do coraç&o/ Oh/ feliz aquelleaquem é dado poder prestar estes preitos a ura pae !

IX Três ô« «f-ulHo. "

Hontado velho I tu na estrada da honra me pozeste.

QíLTTetí—CamôeJt.

Cada poeta na lyra

canta o amor que lh'inspira

o bater do coração.

Deixas . que eu consagre um canto

ao pae, nos risos, no pranto,

minha mais doce affeicao. *

Os mares beijam as ilhas ; as flores, dos troncos filhas, ennastram gentis o chfto, que adorna a mimosa planta, que para os céos se levanta, como que em pia oração.

Pendem os fructos dos ramos, e a beijar os encontramos annosa, tosca raiz. A flor, a fructa cahida, no tronco que lhe deu vida . tem um pae, que a fez feliz

Se a planta frágil é grata, se nos orvalhos de prata alenta a côr, que se esvae, ganha perfumes e viço, meiguice, brilho, feitiço, para coroar seu pae,

ai, não te admires se venho trazer as rosas que tenho, tua grinalda formar com tão míseras florinha-s ; pobres, como eu (que são minhas), a ti que as fazes brotar.

II

Ao meu primeiro vagido ancioso prestaste ouvido, escutaste esse meu ai! e teus olhos me disseram : « Por ti meus braços esperam ! « vem, filho, abraça teu Pae.»

E déste-me um beijo sancto ; libaste logo esse pranto com que o infante acolhe a luz : foste-me seio d^amores, como orvalho que nas ^ôres suspende o sol que reluz.

Dentro. d'um berço— meu ninho— concha d'amor e carinho—, aquecftu-me o teu amor. Deste vida ás ondas mansas doesse berço d'esperanças, que ficaram sempre em flor !

O meu passo vacillante seguiu, meu Deiís ! foi avante, guiado por tua mao. No bater igual, perfeito, deparei dentro em teu peito echo do meu coração.

Do livro a. primeira folha quem me abriu, de sua escolha ? quem a peqna me estendeu ? quem me apontou da scíencia branda luz, com paciência, foi o Pae que Deus me deu I

Plantaste muito, é verdade ; mas não qui? a divindade

Íremiar o teu suor ! iveste tantas colheitas n'outros. filhos, tao perfeitas ! devia esta ser menor.

BH

m I ■llWll^ipill.Wl^.l^ft^jn.r^:.,,..."

IX

Deram outros c'rôa e palma.... dou-te murchas flores d'alma, nascidas de puro amor. N&o tenho os raios da gloria, para teu nome na historia douràt de novo fulgor.

Sim, meus irmfU)s foram grandes ! Também meiiores que os Andes ha o monte, o valle e o chão ! E n'uns e n'outros o dia com perennal harmonia ostenta de um Deus a mSo.

Tiveste illustrados filhos. Inda esplandecem os trilhos do breve caminho seu. Nao, nâo; nfto tenho esse brilho, porém sou também teu filho, e bom Pae lambem és meu.

Ter Pae ! é cousa tao doce I O mesmo Deus humaiioii-se para ser filho. •— Jesus, quando a libertar-nos veiu, deixou o materno seio mas ao Pae voltou da cruz.

Teus filhos doçura, enleio, acham no paterno seio, remedio.s promptos á dor ! Teu coração nao tem raias : immenso mar, mas sem praias, transborda sempre de amor!

Acceita este canto. é preito, qne vem render-te meu peito eoffre de amor filial. Viiiarda a grinalda; essas fiares i)rotaram murchas, sem cores. d'este m^n peito no vai.

IX T

N'esta pude e pobre offerta vai minh'alma, em flor aberta, osculando a tua mão, no Urro de nossa vida ínscreTer agradecida um nome g-ratidao.

Rio de Janeiro, 1871.

Oaz*ta I.

wir.cir^rií^to a Síir^proaio

SemproDio amigo.

Agradeço cordialmente as admiráveis cartas em que me tens ido fazendo a analyse do famoso Gaácho^ com intelligencia e agudeza critica tal, que me parece a tuapenna, ncdelo para similhantes e.studos, e digna de applií^ar-L-c á appreciação de trabalhos de vulto. Sim, pennas, cora( a tua, devem ter mais alta missão, mas emfim, b'?m laja quem foi origem de lucubrações tao valiosas, na e;^encia e na forma, como estas cartas são.

Mandas-me com a tua 4* carta, um exemplar do (ittâcho, pnra dn^ eu, confrontando-a com o documento original, te dii^a se és severo ou justo. que me per- mittos. dir-te-iei que me não pareces justo uem seve- ro : em vez de rigor, lia ahi brandura ; longo de jus- tiça, ha favor los teus julgamentrs: afHgura-se-me que ainda (M>u'*ede ao escriptor qualidades imaginarias, em desconto de-eiis peccados. Agora que li o tal livnn^o, lenho para min que no seu auctor venernroi de bòa ii:en!c uma e%:c.lienie pessoa: mas como escri])tor, isto não é mais queim operário da couimuna lilteraria, dí-molidor feroz, petrolisador iutellcctua!, di.iruo mo:n- brod'1 direriori( da Eschola Coiívbrn.

N<»st;i lua -i"* ca-ta, dissecas brilhantemente u I" cvjpi- tulu do Gaúcho, i aiuda assim saltas ])or sobre Uiil hei- h'Z(ts^ prova\eimaite porque, para aquilatal-as todas, houveras precisalo Oi 60 volumes in- folio da Etiri/do- j ''tl.'(- Melhoúico.

Concordo ccaiiti^o : fite cscreved^r tem ;. mauiít <la

ê IX

novidade.^ U lui faut du nouveau, quand il n'y en a ptus; logo no proemio doesta cousa, nos diz elle que na no- vidade é que elle acha o sainete ; é da raça dos taes que nfto hesitarão em descrever o mar como encarnado e o circulo como bicudo, para conquistarem a gloria de ceifar estranhezas, e dar à luz novidades; foi queiA aconselhou Alcibiades a cortar o rabo ao cão. Onde a imaginação lhe parece frouxa, ou desenfreada, pou- co importa; acceíta-se tudo: às maiores hucuras, chamarse originalidade; o devaneador é chefe de es- chola, e que n&o pode brilhar pelo senso oDmmum^ contenta-se com o pechisbeque de casa:

Quand onn'a pasce que Ton aime, il faut aimer ce que Ton a.

Tons carradas de razão em quanto pondera,mas reco- nheço que muito te arriscas,porque, segund) parece,até este Deus tem seu pagode, com os competentes adorado- res ou pagodeiros. No L. 4 de varia Histeria da índia Oriental cap. 8, escreve o Padre Fr. João dos Santos, que nas terras do Malabar, de que é sentor o Çamoriy rei de Calecut, ha um pagode a que em <ertos dias d^ festas, acodem uns endiabrados devotos, chamados Amoucos^ e mettem-se pelo. meio da geite, apostados a matar quantos poderem, em^ honra e lOUvor do seu nume, até morrerem na contenda, como de ordinário succede depressa, porque, como sua vindié sabida e es- peradc^fha muita vigia que lhes sai logp ao encontro, e peleja até dar cabo d'elles ; e com esta>arbara solem- nidade se. celebram as festas d'este jagode. Fernão Mendes diz que se untam com o nngfienUminhamundy. Ouço que alguém se anda por ahi minlamundyzando, m^s por ora ainda a cousa se reduz a iicensos e genu- flexões; e isco é innocente; agora quemem dia de festa, for fazer das suas no pagode, muda o 3aso de figura.

Continuando pois, direi que o tal cçitulinho, a me- lhor cousa da melhor obrado melhor atctor, objecto dos espantos de espantadiços,tem, nas pousas linhas de que se compõe, outras muitas curiosídadbs, além das que notaste. Bem as viste certamente, mai não te abaixaste a indical-as. Permitte que eu U apcnte para algumas d'entre tantas outras :

« A savana ondula pelas sanitas, que figuram as

fluduações das vagas nesae verde ocuauo... A^ ondas «e agitam em constante fluctuação etc. »

Oiide se viu riqut:za mais pobre í Fííícípís é ouda : fluctuação é a agitação ia onda; ondular (se é (jue »\istej jt^Difica imitar o movimeuto da onda. Que eluqueacla è est« verbosidade, i^ue está dando em cíqco viubjriâ 1^ trocos dos tojtOes ! Quem diz fluduaçilo teia dito o^itacãQ das ondas, eex|)rime~se tristemente quem escre ve ; « as ondas se ugilam em ductuaçao " o restante eciparralbamentu que por alií fica.

Nao era isto que Frederico II chamava a abundância estéril de Bernis f

« à trecho passa o poldro bravio '■ Conbeço a lo- cução adverbial a trechos, sig-aitícaudo de tempo a tempo, mas no singular é ueolo^ia c&d'este clássico. o O nauta é átomo envolto u'uma dobra do infí- aito ! » Bravo ! o íniinito com dobras ! e dobras de in- finito para envolverem átomos! Que ineUio.r poderia dizer o cirurgião Rozendo, o preclaro fundador da es- chola coimbrã ? Deixem estar: esta adiniravel pbrase vai matar, de inveja aos patriarchas da escola. Apeaafi Henrique IV deu a ultima espadeirada. n\wi a famosa batalha, escreveu islo ao duque de Crillon: « Enfor- ca-te. bravo Crillon; combatemos em Arques, e tu ailo estavas . ... Adeus, bravo Crillon; gosto de ti, a Uirto e a direito. « Agora o peuaclio branco .lubs- títuirá a penna de pavão do maudarinado, e j& vai ao auclor das Odes Hodertias este bilhete: « En- \ forca-ic, bravo Q.; envolvi um atorao em dobras dn I infinito, e tu ficaste a olhar ao signal. , Adeus, bravo I Q.; gosto de ti a torto e a direito. "

t A ambula iaiuieusa tem duas faces. convexas : 1 o mar e o céo..» Ah qui d>l-rei, bravo Crillon; mor- I de-te e remorde-te. Olha! aqui estou eu denlro,d'um I aavio veudo duas faces converan ! a saber, o céo, que. I do ponto d'onde o eu vejo, me parece concavo, e ven- F do o mar, o qual me parece, que me parece liorizonlal. Oli bravo Crillon, nem tu, que podes tudo, podeste jamais dizer que uma coucavidade e uma horizonta- lidade, eram duas couvevidadeci; euforca-te ! Mas nio le enforques ainda; cuidavas que a estupenda brilha- tura ficava por aqui Qual historia ! A barra vai adeante; ha melhor: o que rodeia um nauta é uma um- btUtt imntensa; tal e qual; aquella cousa toda represen- Uk uma botija, uma garrafa; a convexidade inferior...

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10 1$:

é o mar, que ó concavo para baixo; a superior é o céo que tem o bojo pára cima; e o gargalo... o gargalo... isso façamos de conta que 1& da alt^ira do septe-estrello' ascende um tubo muito comprido, que na ultima do- bra do infínito vai dar com a imaginação pomposa do Senio, servindo-lhe de rolha.

«Em ambas as faces, a scena é vivaz e palpitante» Erro em duplicata: admittidos que fossem, no figu- rado, estes adjectivos, nem um nem outro teria a significação que o impávido escriptor aqui applica ás taes" convexidades concavo-horizontaes.

« As ondas murmuram: « Ouviu-as murmurar. D'isto agora é que eu nao duvido. Em minha igno- rância cuidava eu que o homem era inclinado á murmuração, mas dou as mãos à palmatória, e reco- nheço haver casos em que as monstruosidades são de tal casta que nem as cousas inanimadas podem ter mão em si, que as não censurem ! Na Epistola aos Pi- sões, diz Horácio; « N'uin consultor da justiça ( consid- tiis júris ', num rábula de demandas actor causarum^^j mesmo quando em facúndia e sciencia (diserlf, nec stil) esteja infinitamente abaixo de um Z. ou de um L. abest Messalce.., quantum Ca^celUns), tolera-se-lhe a medio- cridade ímédiocris^) e pode dar-se-lhe em paga o pre- ço de 600$000 rs. que elle exija por uma insignificante imput^nação tle embargos :Uimen in pretio esl]\ mas mediocridade num auctor I isso não o supportam os homens, nem os deui>es, nem as coíumaa^i

Consnltns júris et actor causaram mediocris abest virtate «liserti .Messalcp, nec scit, quantum Ca.scellius Aulns: sed tamen in pretio est: mediocribus esse poeti ^ non homines, non dí, non concessere colnifuni^.

Ora o.^ta.s rohinínas eram ms pilares das loja.; de li- vreiro: e por tanto, se os pilares re/iníi'am, n"ioé iir.iiío que as ondas murmurem. Está direito.

u As nuvens rcnnhiani a cada ins. ante; lia nellas * um fjcsío. •> Minha Nossa Senhora ! tjiie ])ro])ria acção (lo cambiar I e-jue será o gesto chis iinvo.s ? lír-sp^índe- me o (Jrillon ([ue de\e ser7'".v^f) nelf!floso\ is.- > entrí.j. sim; bem nebulosa é toda essa rudiíi iiiflifjrsiafjm' nfnlew -(Jue (!omparaç<jes, meu ami^io, que imagens ' Fa/ lem- ])rar tim ti^echo de uma en<>-rneadissimn po«\sí;i. -nie

IX 11

pinta bem a posiç&o em que se collocaifi esses caça- dores de efFeitos que levam a vida a atirar-lhes e* a falhar:

Pois bem ! vou arrojar-me pelo vago d'essas comparações que a troche-moche do romantismo o geaio nos trouxe que p'ra todas as cousas vao servindo; phautasia as rédeas sacudindo,

irei, bem como um cego; que us românticas musas desenvoltas costumam navegar a velas soltas.

« A tela oceânica re.^ssumbva possante vitalidade. » Esta phrase é inadmissível : concedendo a paparrotice da tela oceânica^ dir-se-hia : u da tela oceânica ressum- bra vitalidade » Nao é a tela que ressumbra vitali- dade, porque ressumbrar não é espremer ou expellir ; è a própria vitalidade que da tella ressumbra, còa, transluz, surge, apparere, ou emfim se deixa ver fora do lugar onde estava.

u Em turno do viandante no pampa, faz-se o vácuo. )j Que vácuo é este ? Non dalur vamum in reruíu natura. Que macliina pneumática trabalhou no pamp:' ? Eu quero crer que vácuo não é vácuo, o .sim a idéa sesquipcdalizada de solidão ; mas sendo assim, onde a antíthese com o que succede ao nauta t O viandante liça oppn?sso, por se ver a sós numa grande |ilanicie terrt^stre, onde os olhos podem medir 5 ou () legu«s de horizonte em torno, e sente-se muito do.sop- presso, e uiuito accompanhado, quando, no pLiino equoreo, aloncviudo olhos por uni circulo de ccin lé- guas, não avista um ente vivoí Pois sim.

ti Alluvio de luz. » Certamente : preceitos <jue mais obrigam ; podir quem pode mandar. E ois-aqni ju^tauicutí» purque sua tilha está muda.

<t Para a fiiria dos ehí:!i« Mitos, inventou o Creador ;is rijexas «"Kbiverica-- danature/a : deante da vaga im- petuosa, rollneoii o rooliodo etc. » Pronietto um ov'> rórido aqiKiin desalg'araviar esta enibriilhada; decidi- Jament»» »*.<crev«ír assim, é dar razão a quenidiee ler a palavra sido tlada aohonu.4n para (^115^ o não entendruu; ma-; \[\u' nos aventuram )s nesta iinuiensa nocturna .sa\ana. ac«vMidamos um pavio.

Cjme<'tMnos, antes de tudo, rebaixando Dens á eab»-

12 IX

goria de inventor ! Inventar, é dispor da facul- dade, eminenteoxente humana, que leva o bichinho terrestre a achar alguma cousii engenhosa, à força de talento e de imaginação : inTenta-se uma arte, uma sciencia, um processo, um systema, uma machina, um meio, um expediente; inventou-sc a escripta, a im-

rrensa, a música, a bússola, o barómetro, a pólvora càesta, nao foi o Senio ); em todas essas, e quejandas invenções, figura, sempre o cérebro humuio, tomando por giiia a natureza. Também o homem inventa um poema, um conto, um Gaúcho, uma astúcia, uma fa- bula, uma calúmuia ; inventa, quando convém, um poder pessoal, ou assaltos ao thesouro, denunciados por novos gansos do Capitólio. Mas de tudo isso, quem é ô inventor ? O homem ou o diabo. Deus a inventar ! Invental-K) a Elle, se nfto existisse, sim, -deveria o ho- mem, como de Lucano traduziu Voltaire ; mas Deus inventor! . j.,

Ahi restam dous dos melhpres livros- de Cícero, sobre a invenção, e nem naquella religião, toda maté- ria , se considerou Júpiter inventor. Não queres ver o Ente Supremo, Conservador de todas as cousas, Pae da Natureza, Eterno architecto, Soberano Motor, Arbitro Perpetuo, o Altissimo, o Sjr dos Seres, o Omnipotente, a .Fonte única de toda a intellígencia, que rege com poder e sabedoria, sem limites todas as espécies eo universo, o- que a uma voz extrahia do chãos mi- lhões de mundos, o que do seiovdas trevas mandava k luz que fosse, e a luz era.... não vês o Creador exca- vando o espirito para inventar uma pedra, e isto com a missão de oppõr a uma: fúria uma rijeza? '

Dissequemos mais: « Os rochedos são as rijezas ca- davéricas da natureza. » Rochedos serem rijezas, era uma definição que ainda estava por dar, e muito in- telligente. Mas porque razão serão rijezas cadavéricas? Como pôde . o rochedo ser cadáver? Se nos reinos ani- mal e vegetal se nasce, vive e morre, outro tanto não succede ao' rochedo : até à con^ummação dos séculos (a não se darem cataclis* nos ), conserva r-se-ha elle tal qual se acha desde ii creaçio ; a sua existência é aquella, aquella a sua ríjeza congénita ; es;>a rijeza nãoé cadavérica, porque o rochedo não morre.

Porque chamará pbis o auctor aos rochedos, *<c rijezas^ cadavéricas da natureza ? y^ Será porque assim como o animal morto enrijece, também o rochedo é duro?

IX 13

Santo Deus, seria a mais estapafúrdia das imagens; seria uma comparação de pernas para o ar. Se o ca- Savef enrija um tanto, ao cadáver fica todavia flexi'- biUdáde^ molleza relativa : o granito é sempre gra- nito ; se po^s a comparação é quanto & dureza, seria talvez tolerável a exaggeraçao que comparasse o ca- dáver ao rochedo, mas é eschola coimbrã egualar o rochedo ao cadáver. Estas confrontações do máximo com o minimo, de César com Jo&o Fernandes, tem o mesmo mérito que se algum inspirado, para exaltar as magnificências da natureza, comparasse o Vesúvio f!om um fogareiro.

« Passou a borrasca. A savana permanece como foi hontem, como hade ser amanhfi, até o dia em que o verme homem corroer essa crosta secular do deserto.)! Trocadilho, amphigHri^ charada ou logogripho, nao sei bem classificar isto... que é ode certamente ; mas emfim dou de barato, que inlmjo ("quero arvorar-me era mais esperto, que Deus me fez. ] Que é esta crosta xecular ¥ Ah, sei; nflo éecclesiastica; isso sim: outra accepção nao seria própria, por que, em relaçí&o àanti- guidade, é impróprio chamar secular ao que se nao conta por alguns séculos, ao que é coevo da crea- çao. Vemos para deante: Temos pois o verme homem a corroer a crosta do dese^to\ figura-se-me que isto, em portuguez, quer dizer que um dia esse deserto hade ser cultivado ou approveitado pelo homem, que ahi agricultar ou edificar. Dei com a adivinhação ? entOo me resta um grande empacho: Se hoje a savana está devastada pelo furacão, como o foi hontem, e como o hade ser amanha, por que é que o nao hade ser mais, senão aU o dia em que o homem nella arar ou constrair *? como é Que o indómito uracao, em vez de derrubar após o tal dia arvores e plantas, ; nlacios e choupanas, hade conter os seus furores ante essas obras humanas ? Quem hade nesse dia dizer ao vendaval: Pára; aqui, mais nao ? sefôr o Poder Pessoal.

« Ao pôr do sol, perde o pampa os toques ardentes da lujj meridional. » Aqui entrou coUaboraçlio do có- nego Philippe : toques ardentes são uns que geram o mal das vinnas ; mas emfim ficamos inteirados de que o sol, quando se põe, nao arde tanto como ao meio-dia; agora o que importava observar,para gloria deste sécu- lo observador, é que o tal phenomeno estupendo nao se senão no pampa.

14 IX

« Âs grandes sombras, que não intercepl;:ni moa- tes.aem selvas...» Quer dizer exactamente o contrario: Ás sombras, que nem montes nem selvas intercepi- tam » mas também, em gira d'esta casta, tanto é o sentido de deante para traz como de traz para deante; tanto vai dar-lhe na cabeça, como na cabeça lhe dar.

« Ao pôr do sol.. . a savana figura um vasto lençol desfraldado por sobre a terra. » Nunca a idéa de len- çol occorre sem acompanhamento da alyura ; pòr isso^ é bem acceita a imagem, ao desci*everem<'Se toalhas de altar, um campo coberto de neve, areaes entremeadas nas verduras etc, mas de que côr será este lençol, composto de terras, vegetaes e fundos-negros 9 Ah, sei: assim como ha mantas de retalhos, será um lençol dos sujpraditos.

« ... ressumbra tao funda tristeza que estringe a alma » temos mais ressumbramentos a dous passos de distancia. E quem é em portuguez este senhor es- tringe ? será verbo da estranja ? nao tenho a honra.

« Uma alma pampa » Nao parece assim uma alma bamba 9 Não é onomatopaico? Nao gostas doestes subs- tantivos adjectivados? Nao achas aqui muita proprie- dade na applicaçao ?

« Tem o quer que seja » ou tem o que quer que seja ?

í< Parece que o vasto e imrnenso orbe, cerra-se » Conviria neste caso fugir ao emprego de tal verbo ; mas, a ter de empregar-se, nao se deve dizer « Parece que cerra-se » e sim « Parece que se cerra w Agora quanto ao immenso^ tardava : Temos pag. 1, a im- mensidade dos mares a pag. 2, a immensa plauicie a pag. 4, a immeiísa planície, eo immenso orhe a pag. 6, immeiísa coroo a savana e tudo por hi a flux é uma immensidade de immensos, que demonstram a immensa sciencia de Senio na arte de escrever.

Basta, basta ! Um capitulosinho de 120 linhas de lettra garrafal, apontado como a melhor cousa e pór- tico da obra, deu margem para a tua carta magnifica, e deixou-me estes sobejos, ficando ainda intacta maté- ria para outras tantas observações.

Tens pois razão ás carradas, repito. Eis-ahi as bul- ias com que certos escriptores se collocam a si mesmos em nichos no pantheon litterario. Também os phariseos affectavam ser nimiamente severos, pagavam o di-

IX 15

2ÍIQ0, e ostentavam observar as cerimonias da lei; mas acharam quem lhes desmascarasse o orgulho e a hypo- crisia, e os expulsasse, Deus sabe como, do templo. Tomaram elles continuar a ter força para condemnar ao supplicio da cruz.

Teo leal amigo '

^ ClNCINNATO.

Neoessidade da assooiaoao oatlxolioa

Proposta db S. Ex. o Su. Duque de Saldanha.

Atravessam as sociedades uma crise que não parece passa geira, e a arvore da civilisaçfio apodrece pela raiz. Os leaes pensadores, encarando a situação aterradora, estudam q mal e o remédio. Muitos dos bem intencionados persuadem-se de qufí a humanidade precisa novamente retemperar-se na reli- gião, origem de toda a liberdade, egualdflde e progresso, e estrada real das vidas transitória e perenne. O Sr. Duaue de Saldanha, tâo sincero e illustrado crente, como é, soldado va- lente, exiraio patriota, e intelligencia de esfera superior, acaba de consagrar suas vigílias a assumpto de tanto mo- mento, e de lembrar providencias praticas, que S. Ex. justifica, D*um importante escripto, que julgamos útil publicar ; e é do leor seguinte :

A ordem permanente de qu« os povos necessitam

Sara que a sua felicidade seja constante, deve resultar o acordo harmónico entre a auctoridade e a liberdade, que dimana do Catholicismo, e fora do qual nem uma nem outra se accommodam à justiça, à moral, e ao verdadeiro progresso das sociedades.

A legitima liberdade do homem tem por limite o respeito do direito alheio ; nao se funda, por certo, neste principio de eterna verdade qualquer providencia que tenha por fim o coarctar essa liberdade, isto é, a ordem nao deve resultar necessariamente do emprego iinico da repressão.

O acordo da liberdade com a auctoridade deve por isso nascer principalmente da circumstancia, que a obediência resulte da convicção de que o superior deseja o bem do inferior ; da circumstancia de que este se reconheça como tal ; e da convicção de que o áuperior está prompto a tudo sacrificar, até a própria viaa, onde tanto se exija, para assegurar ao inferior o gozo de seu direito e a sua felicidade.

Em um estado tao elevado, a persuasão e o senti- mento do respeito que o superior inspira a todos os espíritos de bastante elevação para receberem a in-

16 IX

flileocia de uma natareza eminente, serSlo os mais po- derosos sustentáculos da auctoridade.

O superior será, como Nosso Senhor Jesus Christo, o servo dos servos, pois que a sua única preoccupação ser& a felicidade de seus subordinados.

Tal caridade, tal abnegação, pôde nascer nos co- rações, que tenham por exemplo o amor e o respeito que o Mestre tinha à liberdade dos homens.

E' comtudo evidente que uma jerarchia inferior, como é um poder politico, nao poderá fazer abstracção absoluta da força coerciva, mas a empregará quando veja que o homem se perde no caminho que segue, e obrará então como a mãe carinhosa que retira o filhinho da borda do precipicio em que ia despenhar-se.

A necessidade do emprego da torça coerciva será tanto meuQs frequente quanto a jerarchia £5t de ordem mais elevada. Esta jerarchia será tanto mais elevada quanto mais o Catnolicismo dominar no coraçfto do homem.

Nenhuma forma de governo á incompatível com o Catholicismo. A republica christa é bem preferível á monarchia atheista.

O governo representativo, no seu sentido genuíno, assegura a todas as classes igual justiça ; o liberalismo, C/Omo hoje o preconizam e como a experiência tem mostrado, é a mais completa perversão de uma ver- dadeira e nobre theoria.

O liberalismo, como hoje o pi-oclamamjtraz com- sigo o gérmen da sua dissolução, e, se chegasse a do- minar, nao poderia resistir, nuo poderia sobreviver aos conflictos sociaes e políticos que continuamente suscita.

No liberalismo a base fundamental, a única medida por que se afere o direito, é a vontade das maiorias numéricas, substituindo em politica, como o raciona- lismo em religião, o querer do homem ao querer de Deus.

O desenvolvimento deste principio, a sua conclusão lógica, é a guerra das classes, que uma tal theoria infallivelmente traz comsigo, guerra que afinal neces- sariamente faria succurabir o liberalismo, para dar logar ao coinmunismo, que é o seu successor natural.

(Continua')

Typ. e Lith.— Imparcial— Rua Sete de Setembro n. 146 A.

QUESTÕES DO DIA

]sr. IO

RIO DE JANEIRO 30 DE SEPTEMBRO DE 18TÍ1.

Vende-se cm casa dos Srs E. & H. Lacmmert.— Praça da Constituição, Loja do canto. Livraria Académica, Rua de S. José n. 119— Largo do Paço n. 12 C. Rua de Gonçalves Dias n. 79. Preço 200 reis.

Al>olieSo cia eâer^a vidão .

Raiou finalmente o dia grande da emancipação da raça humana. Nos fastos do Brazil inscreve-se, com lettras de ouro, a data memoranda 28 de Septembro^ em que a lei coroou as mais santas aspirações da humanidade. Desde este dia, ninguém mais no mundo nasce escravo : a liberdade é desde hoje apanágio uni- versal ; direito, tao incontestado como era incontes- tável, de todo o género humano. E' esta a aurora da verdadeira independência, autonomia, dignidade da creatura racional, fadada a altos destinos.

Ainda ahi fica uma turha de míseros innocentes, para quem nao pôde soar o doce nome. Ciirve-se o senti- mento ante a razão politica ; ceda o coração á intelli- geacia > respeitem-se as raias do possível ; Hercules gravara nas suas columnas : AU' aqui ! mais não ! Che- gámos até essas columnas. Se as nltrapassassemos, no reverso da columna de Calpe, leríamos desorganização ; da de Abyla, anarchia. Não se pôde, não se deve na- vcg'ar para mais longe.

Asrora, mui outros são os deveres, mui outros os in- teresses dos cidadãos. Se até hontem, em quanto se tratava de direito constituendo, eram naturalmente explicáveis as dissidências até apaixonadas, os esforços até irregulares, de ora avante, constituído como se acha o direito novo, ninguém terá interesse em contra- riar, na prática, a mais suave realísação do grande pensamento. Agora, a todos e cada um de nós, com- pete a sua missão.

Para o Governo, abre-se estádio novo. Concluiu glo- riosamente a mais brilhante campanha ; mas se Alcides esmagava serpentes no berço, tinha na sua virilidade

de emprehender trabalhos de maior magaitude ; ^o esseâ os que de ora avante o devem desvelar ; o en- numeral-os, assoberbaria o pensamento.

O Poder Legislativo tem ae presidir, com disposições adequadas,à transformação social porque vamos passar; tem de providenciar harmonicamente sobre muitos pontos, da sua alçada, que prendem com o futuro re- moto e próximo.

Os senhores de escravos, conhecedores dos direitos que a lei lhes consagra, serSo os mais prestimosos e desvelados auxiliares delia; como utilíssimos membros da communidade, esforçar-se-hso por facilitar a so- lução do problema; como caridosos e christãos, concor- darão em ver nos seus operários entes dotados de alma, e dignos da sua misericórdia; como illustrados mante- nedores de seus próprios interesses, tratarão com ca- rinho, alimentarão, vestirão bem os infelizes que sorte adversa ainda conserva era captiveiro, e darão a possi- vel ventura a esses instrumentos da sua prosperidade ; como previdentes, applicar-se-hão a melhorar o systema do trabalho, a approveitar mais as forças, e a dispor as cousas para os milagres originados do regimen da liberdade.

Finalmente os políticos não se dividirão mais entre vencedores e vencidos, como no senado e na imprensa se confundiram patrioticamente os votos de conserva- dores e liberaes. Por maior que a divergência fosse, es- peremos que, resolvida por lei esta base social, de ora avante surja entre as illustraçOes do paiz emula- ção, mas no sentido de depor no altar da pátria res- sentimentos sem alcance, e de enfeixar idéas e esforços para que a gradual emancipação se effectuando pa- cificamente, e com o máximo respeito a todos os inte- resses que na questãe se achão envolvidos. Oxal& !

O diade 28 Septerabro deverá ser considerado como o primeiro dia de gala d'este Império.

iVeoessidade da assoolaoSo oatliolioa

Proposta de S. Ex. o Sr. Duque de Saldanha.

(Conclusão,)

Sendo a vontade das maiorias o unico fundamento de todos os direitos, estabelecendo o liberalismo que não ha direito absoluto ou verdade no mundo que não esteja subordinada á voz do maior numero, segue-se

que a única reg^a a que o homem deve obedecer é á tal voz do maior numero.

E esta vontade suprema pôde nao se contentar com atacar as monarchias, abolir a religião ; mas , des- truindo a suprema única sancçao sobre que até agora se fundava a ordem social, pôde ir avante, e declarar que a propriedade é roubo, a superstição, a virtude utopia e crime. E quem lhe resistirá ? Neste império absoluto e despótico, nesta lei suprema e única do libe- ralismo, o que é que o homem poderá considerar como seguro, de tudo quanto possue ? Em face do movimento geral que chegaria, logo que o liberalismo conseguisse infiltrar nas massas populares (para o que emprega todos os meios) o atheismo e a desconsideração para com tudo que é auctoridade, os corypheos de tSo atroz desmoralisação seriam, elles mesmos, victimas, e rece- beriam dos seus adeptos a recompensa da sua obra in- fernal.

Porém, não obstantes os esforços empregados, e ap- parentes triumphos obtidos, o liberalismo, cujo natural herdeiro é, como dissemos, o communismo, está muito longe de occupar no mundo o lugar que suppOe ter con- seguido no espirito e no coração dos povos christãos da Europa.

A christandade, a igreja catholica, conta entre os seus lieis muitos e n^uitos nobres intellectos, a mais elevada litteratura, e vastas mós de christãos que, no dia da provação, estarão promptos para defender quanto ha sagrado no mundo.

Os inimigos de Deus, da religião revelada, e de todas as religiões, portanto da sociedade, para conseguirem seus fins diabólicos, têm buscado a força nas sociedades Becretas. Porque motivo não buscaremos nós, os catho- licos, em associações publicas e n'iima união catholica, a força para frustrar aquellas cavililaçOes infernaes?

Auctoridade e liberdadey são principies sobre que se firma a ordem moral do mundo. E' necessário não sa- crificar uma á outra.

Foi pela sua corajosa firmeza, abnegação, e indepen- dência ante o poder absoluto dos tyrannos, que o cnris- tianismo reivindicou a liberdade de consciência, e sobre ella fundou seu dominio, estabelecendo essa harmonia divina, que faz da obediência condição da liberdade, e da justiça lei superior a toda a auctoridade.

No mundo romano então ninguém fazia resistência ;

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abandonada toda a ídéa de liberdade, havia a mais abjecta submissão a todas as oppressOes. Foram os christaos que levantaram, cora o da verdade, o estan- darte do direito, e portanto a resistência legitima, mas passiva, na abnegação e na caridade, a quanto podesse ferir ou offender aquelles principios.

Duas expressões ou máximas levaram a revolução franceza em voltado mundo : «Os direitos do homem, » e as palavras « liberdade, igualdade e fraternidade. » Delias sahiram bens e males, progressos e ruinas dos nossos tempos e de um futuro desconhecido.

Tudo quanto ha bom e verdadeiro ne.^tas máximas é christao e foi proclamado pelo christianismo, que repelle e condemna tudo quanto nellas ha funesto e falso. E nao nesta assustadora e terrível confusão o christianismo proclama o bem e condemna o mal em principio, mas elle na realidade tem a auctoridade e a força moral necessárias para domar e submetter o mal, sem que o bem desappareça na lucta; e isto sopeia razão de que a verdade e o direito nao perecem; e o chris- tianismo é o triumpho glorioso destes dous principios, eternos porque vem de IJeu.s, e sobre os quaes se funda a justiça e o amor, svmbolisados na auctoridade e na lei.

Com muita razão nos ufanamos hoje de termos che- gado a considerar o homem, o individuo, a sua exis- tência, a sua liberdade pessoal, os direitos, como o fim essencial do estado social. Sahimos do profundo sulco da aníÁgnidade pagã, que subordinava e sacrificava o individuo ao estado, e abaixava e annullaim dianU de nma classe milhares de creaturas humanas, Desapparece- ram as raças ; o mundo não se compõe de romanos e de bárbaros, de homens livres e de escravos.

Foi o christianismo não o primeiro que proclamou esse principio, masquepoz em pratica essa verdade su- perior. O direito do homem, o valor da alma humana independentemente de toda a situação exterior o ponto de partid^a, a idéa fundamental, o preceito dominante da religião christa. Foi, sem a menor duvida, na socie- dade religiosa, na igreja christa nascente, que este principio foi desde logo e pela primeira vez proclamado e posto em pratica, epor ella posteriormente seguido com o escrúpulo e exactidão que pertence a quem leva por guia a inspiração divina.

As relações do homem para com Deus e para com os

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outros homens sao, pelo cbristianismo, o primeiro e o mais importante negocio da vida humana. E' perante Deus que os christãos reconhecem, e unicamente existe, igual a importância das almas ; são os christãos que eutre si se dão o nome de irmãos ; e d'esta fraternidade dimana a caridade, que é a sua principal força social. A idéa christa, tão poderosa como fecunda, mantem-se, espalha-se atravez dos séculos e dos espaços, não obs- tantes todos os obstáculos.

Jesus Christo, Deus e homem, rehahilitou o homem diante de Deus, e o homem nunca mais se deixou humi- lhar e abater diante da tyrannia humanai. Em presença das ^desigualdades terrestres mais poderosas, o nome de irmão nunca deixou de ouvir-se nas sociedades rhristãs. E hoje mesmo, depois de todos os progressos da pretendida igualdade na sociedade civil, é ainda unicamente na sociedade religiosa, nas igrejas christãs, que os homens ouvem chamar-se, tratur-se e em tudo oonsiderar-se, irmãos.

A paixão dos nossos dias é o desejo de liberdade e igualdade, n'uns inlelligente e honesta. n'outros des- regrada e cega. Esta paixão algumas \eze6 desenvolve a sua força por meio de revoluções, outras vezes des- vanece-se, e murcha nas reacções óiovidas pelos exces- sos que Hs revoluções trazem comsigo.

A liberdade do homem e a sua responsabilidade mo- ral é o que ao ser humano, a todo o ser humano, o .seu valor; é porque o homem conhece e accredita essen- cialmente na distincção do bem e do mal, e na obriga- ção que esse conhecimento lhe impõe de os seguir ou rejeitar ; é pelo uso que faz dessa liberdade, e porque tal é a natureza do homem, qu3r elL^ a reconheça ou uão, que o Evang'elho o colloca tão elevado, e lhe an- nunciatão sublimes destinos. Os philosophos teem feito grandes esforços para resolver o problema da liberdade humana, em vista da prestúencia divina :o Evangelho reconhece e proclama a liberdade humana, sem lhe importar com o problema da philosophia ; é sobre o facto que o homem é um ser livre e responsável que se lirma a religião de Jesus Christo. Convém comtudo não confundir esta liberdade intima da vontade, regulada |*elas leis da consciência e da . com a liberdade externa de nossos actos , restricta pelas leis civis, e sociaes ; embora ambas constituam o priucipio ge- nérico da liberdade christã, aquella respeita ao livre

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arbítrio do homem perante Deus, esta aos direitos de sua acção entre os mais homens.

Em todo o caso, a liberdade é o ponto de partida de tudo o que o christianismo diz e ordena á humanidade.

£' pois o christianismo essencialmente liberal, em proveito e utilidade de todos os homens, e, pela sua noçEo primeira e fundamental da natureza humana, á liberdade a base mais solida, e o mais amplo direito que a perfeição do pensamento humano pôde conceber. Tudo quanto os mais atrevidos publicistas teem escripto está muito longe de elevar a dignidade nativa e uni- versal do homem á altura que lhe marca o Evan- gelho.

O christianismo, fundando a liberdade christà, deu- lhe ao mesmo tempo a sancção prática que lhe era necessária, estabelecendo o jus de resistir com a verdade, com o direito, e pela obediência que lhes é devida, á oppressao e á tyrannia do erro. « Julgae vós «mesmos, seé justo diante de Deus obedecer-vos pri- « meiro que a D ?us (1), » resvponderam S. Pedro e S. João aos sacrificadores e chefes da synagoga, quan- do estes lhes prohibiram de ensinar em nome de Jesus. E ás instancias dos mesmos, S. Pedro responde (2) : « Primeiro está obedecer a Deus que aos homens.»

Mas, ao mesmo tempo que o christianismo afirma e proclama a liberdade, proclama e affirma igualmente a auctoridade e os seus direitos. « Dae a César o que é « de César, dae a Deus o que é de Deus, » respondeu Jesus Christo aos Phariseos, que lhe perguntaram se era ou nao permittido pagar os tributos a César. S. Pau- lo recoramenda (3) a Tito que ensine os Cretenses a se- rem submissos aos principes e ás auctoridades, e a obe- decer á sua voz. O respeito á auctoridade constituída, seja em quem fôr, pagdo ou herético, é preceito da li- berdade christa (4), que em tudo a vontade e lei de Deus, seu único limite.

Duas são as causas das desgraças dos tempos em que vivemos, causas que deploram todos os homens de espirito elevado, todos aquelles que sinceramente desejam o bem da humanidade, catholicos como pro-

!l) Actos dos Apóstolos, cap. iv. e v. 2) Actos dos Apóstolos, cap. vn. 3) S. Paulo a Tito, cap lu. (4) Ibid. ; a Tim : cap. vi, etc; S. Jeron. Comment.

testantes , conservadores como progressistas. Estas causas sao, a preponderância dos interesses materiaes, a sede dos gosos physicos e vulgares, e os hábitos do egoísmo eda molleza, que dVhi resultam. Mas, infeliz^ mente, mesmo entre os homens esclarecidos e bons que conhecem, e que sinceramente se affligem pelo mào estado das nossas sociedades, ha grande numero que nao avalia toda a grandeza do mal, nem o tremendo e horrível resultado, que infallivelmente virá, se não se remediarem as causas que hoje tao eficazmente corroem as ditas nossas sociedades.

O individuo,o povo, que quer ser livre, que quer que a liberdade de que gosa seja também herança de seus filhos e netos, necessita, é-lhe absolutamente preciso, que nao esteja, com exclusão de tudo mais,preoccupado s6 do seu bem-estar material e da satisfaccão dos seus desejos pessoaes. E contra o egoismo e contra o epi- curismo que deve estar prevenido. O epicurista gros- seiro ou delicado dificilmente se resigna a empregar esforços, a fazer sacrifícios, e facilmente se contenta, com tanto que nossa ter a certeza de satisfazer prazeres a seu sabor. O mesmo egoismo prudente e pouco exi- gente é paixão fria e estéril, que domina enervando 6 rebaixando a natureza humana. A verdadeira li- berdade, a sua duraçao,exige costumes mais vigorosos, aspirações mais elevadas, resistências mais fortes, es- tado de alma, no qual a symparhia moral e o des- interesse occupem grande logar.

Eis-aqui o que o christianismo, e o cliristianismo pôde dar ã moderna sociedade, e que tanta falta lhe faz. Ensina aos grandes e pequenos, aos ricos e pobres, a nao fazer con-^^istir toda a sua vida nas satisfacções materiaes ; chama o homem a regiOe.s mais elevadas, e, ao mesmo tempo que lhe inspira ambições mais puras, faz raiar,para elle mesmo e pelo caminho da felicidade, as mais bellas esperanças. Poderoso ou humilde , ostentoso ou modesto, o christao nao faz consistir na va panacéa da politica a sua preoccupaçao exclusiva, o seu único movei : tanto pelo que lhe diz respeito, como para com os skus similhantes , tem outro fim que attingir, outras leis para cumprir, outros sentimentos para manifestar e satisfazer ; nao pôde ser, nem egoista, nem epicurista.

Tal é a primnra e a maior utilidade que as jsociedades hoje aspirantes á liberdade podem receber

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(lo christianismo, do qual as tem progressivameate afastado a cegueira das ambições , e os erros da ignorância. A seguoda nao é menos importante. A liberdade traz sempre comsigo boa porção de licença.

É sonho julgar que podemos gosar dos benefícios de uma , sem correr o risco dos inconvenientes da outra. E também sonho pensar que com leis pe- naes , com tribunaes e agentes de policia , se pôde efficaz e convenientemente reprimir a licença. A re- pressão legal e material é necessária, mas é insuf- ticiente; n'esta lucta necessita-se de alguma cousa mais que processos e castigos. Contra a licença, que a li- berdade infallivelmente traz comsigo, é indispensável a prevenção moral e espontaDea, a influencia do bom estado dos espirites e dos costumes.

Duas cousas estão hoje fora de toda a dúvida :

!■. Em paiz livre, não é possivel reprimir completa- mente a licença, como no governo absoluto e despótico se não podem prevenir demasias e funestes abusos do poder.

2*. as forças moraes e preventivas da sociedade podem pôr os governos e os povos em estado de sup- portar a parte da licença que nao é possivel supprimir,

O christianismo importa a mais efficaz, a mais po- pulnre amais provada d'essas forcas, que elle exerce como principio e como meio. Como principio mamem á auctoridade o seu direito e a sua dignidade sem a hu- milhar diante da liberdade que lhe põe por limite, da qual elle também reconhece e reclama o direito, re.s- tricto á obediência e á caridade. Como meio, o chris- tianismo inspira aos homens um sentimento indispen- sável á auctoridade, o respeito. A falta de respeito é o maior perigo que ameaça a auctoridade, que soffre muito mais do vilipendio que da aggressao. Atacar e aviltar systematicamente a auctoridade, insulial-a sem cessar, é o que têem sempre em vista os seus ardentes inimigos, que a isso dao falsamente o nome de liber- dade, consistente em guerra infatigável à moral e á te christã, e por isso aos principios e ás instituições ca- tholicas, que sâo guarda e deposito sagrado dos the- souros do christianismo.

Nao se pôde negar que nas sociedades christas também ha licenciosos, insolentes, turbulentos, como nas outras ; mas as leis, as crenças e costumes chris- tnos suscitam e mantém nas turbas populares, como

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nas regiões elevadas , o dominio da consciência for- mada no temor de Deus, no amor do próximo, e no conhecimento da verdade; o que torna lespeitosos amigos da ordem legal e moral, homens a quem o insulto e a licença aborrece tanto quanto os assusta, e que, usando da liberdade que também lhes pertence, recorrem às máximas e ás armas que a mesma liber- dade lhes fornece para combater abusos que a viciam e destroem.

Dá-nus a historia a este respeito os mais conclu- dentes exemplos. Os povos christaos sao os únicos que a licença nao tem definitivamente levado áanar- chia ou ao despotismo; únicos que por muitas vezes e por salutares reacções têem atravessado taes peri- gos, sem succumbir moral ou politicamente aos exces- sos do poder e aos excessos da liberdade. Afastando-se do christianismo, as sociedades cedem ao principio de morte que se manifestou em quantas se formaram fora da luz da verdade e da fé. Nem os estados do antigo paganismo, nem os do oriente boudhista ou musulmano poderam resistir àquelles excessos. Tiveram dias de vida e de gloria ; mas quando a peste da liberdade ou datyrannia os atacou, succumbiram para nunca mais .<e levantarem. Gloria e honra á religião christa, que em si tem (^ò meios de curar as sociedades das suas mo- léstias como aos individues de seus desvios, e que nas suas crenças e sentimentos tem mais de uma vez for- necido, aos amigos da ordem, e aos amigos da verda- deira liberdade, asylo nos seus revezes, abrigo contra perseguições, e meios e forças de readquirir para a felicidade dos povos o perdido pelas invasões barbaras do erro, e da revolução.

A exposição que precede apresenta as considerações j>elas quaes o abaixo assignado ( que por misericórdia fie Deus teve a ventura de nascer no seio do catholi- rismo, entre um povo catholico, e que está prompto a derramar o seu sangue na sustentação de todns as verdades da sua religião, que prompto está também u expor a vida, quando seja necessário, para que os .seus concidadãos conservem as liberdades de que go- .sani; deseja ver estabelecida uma associação catholica, que, fortalecendo a união nacional nas crenças e na fé, e dando impulso à verdadeira prosperidade da pátria, tenha por objecto os meios de tanto conseguir, como são H gloria de Deus e a prosperidade da igreja, e o tra_

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balhar para que haja uma verdadeira representação nacional.

Londres, IS^l.

^aaue ae <S/a^anÁa.

Cincinnato a Sempronio

OI>x*as d.e Senlo—O Oaikolio

(Cartas a um amigo).

V.

Meu amigo.

No que fica apontado até aqui ha suficiente material para se basear um juizo ácêrca do Gaúcho. Permit- te-me, porém, nao concluir sem te chamar a attençao para uns padacitos nao menos preciosos, cuja aprecia- ção mais detida deixo inteiramente á conta do bom senso, que te adorna.

Em seu capitulo intitulado O Páreo, diz o Gaúcho.

a Para ter geito de mondar, afírouxou o paraguavo o laço, que prendia os quartos do animal fa morena) ao tronco*; e ajustando as rédeas, pôz o na soleira do estribo.

a Im mediatamente aos olhos dos campeiros attónitos passou uma cousa subitânea, confusa, estrepitosa; uma espiecie de turbilhão, para o qual ha um termo próprio; foi uma erupç&o. »

t adeante :

a Retrahiu-se o flanco sobre os quadris agachados, emquanto a tábua do pescoço arqueou, dobrando a cabeça ao peito entu- mecido. De súbito, esse corpo que se fizera bomba, estourou. »

De que espécie seria essa erupção estrepitosa que mais abaixo estourou ? Aqui ha malicia.

No capitulo seguinte :

a Suspensa na ponta dos rijos cascos, longos e delgados^ de cabeça leDantaday cruznndo a ponta das orelnas finas e canuta- daSf com o pello erriçado {adoSj ada, adoi^ ado I ) e a cauda opulenta a espasmar-se pelos rins, parecia, etc. »

Os cavallos no Gaúcho tém um sing^ular caracteris- tico: arripiam-se como fazem os gatos e os cae.<.

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Nunca oavi dizer, meu amig^o, que cavallo erriçasse o òêllo ao sentir uma commoção, por mais intensa que fosse, em condição nenhuma.

Mas com que se parecia a égua assim enriçada ?

Ao leres esse pomposo lanço, calculado para dar idéa do estado de excitação da égua, e quando o auctor, próximo de terminar, diz que o animal pareda..,, nao âuppozeste, meu amigo, que a morena ia ser comparada com um animal legendário, de grandiosos Ímpetos, animal imponente pela força, pela fereza, pelo animo descommunal? Illusao, que rápido se desvanece! A morena parecia, , . o animal prestes a desferir a corrida veloz. Um animal era morena^ e estava prestes a galo- par. Para que preveniu Senio o espirito do leitor, fa- zendo*o depois cahir das nuvens ?

No capitulo subsequente :

a Havia entre o Gaúcho e os cavallos verdadeiras relações sociaes. Alguns faziam parte de sua familin; outros eram seus amigos; aos mais tratava-os como camaradas c simples conhe- cidos. »

Canho tinha dedo para as hierarchias.

« Com os irmãos e amigos vivia em perfeita intimidade; con- sentia que lhe roçassem a cabeça pelu hombru, ou lambessem- Ihe a face. »

ouvistes dizer algures que algum cavallo lambesse a face a alguém, assim a modo da vacca que lambe o

filho?

« Muitas vezes comiam em sua mão; andavam constante- mente soltos; não havia cabresto, nem suga para elles; eram corseis livres, »

Grande novidade. Um cavallo comer n i mfio! Quanto a andarem constantemente soltos, não andam elles de outro modo na campanha, a não ser algum parelheíro de

«grande estimação.

a Aos camaradas n&o consentia o Gaúch.» aquellas familiari- dades; ao contrario os tratava com certa reserva. Saudavam se pela manhã ao despontar do dia; noite, na uccasião de recolhei .

Assim devia fazer quem era tao zelo^ío observador das distancias sociaes

<r Commumente se encontravam na hora da ração : comiam juntos, 08 brutos no embornal, o homem na palangana. »

Tem palangana, um Gaúcho, que come o chur- rasco com o punhado de farinha, e muitas vezes a carne á escoteira?

c Na opiniio de Manoel, o caVallo e o homem contrahiam obrí^açito reciproca; o cavallo de servir e transportar o homem ; o homem de nutrir e defender o cavallo. »

12 X-

Isto nao é na opinião do Canho; todo o senhor co- nhece o dever, que tem, por próprio interesse^ de nutrir

e defender seu animal.

« Nao passava elle por um legar onde visse um cavallo en- fermo ou estropeado que se não K\}Qíi%%e^ fosse embora com pressa ^ para o soccorrer. Sangrava-o, se era preciso : cauterisava-lhc as feridas, etc. »

Teriam muito que esperar os cavallos que um gaúcho siquer do Rio Grande, á excepção do Canho, tivesse

para elles taes attençOes.

« Tinha eomprado alguns cavallos que os donos arrebenta- vam-de mao tracto, unicamente para llies dar repouso e assegu- rar-lhes velhice socegada. »

As justiças do municipio deviam dar um curador a Canho, como prodig'o, nos termos da Ordenação.

í( Não via o Canho castigarem barbaramente um animal, sem tomar o partido deste. »

Esta lunnanidade não constitue uma especialidade do heróe de Senío. Geralmente fica-se indignado, ao teste- munhar espectáculos brutaes. E os jornalistas uma hora por outra estão ahi a clamar contra os carroceiros que castigam immoderadamente seus animaes.

« Por isso affirmavam que era elle o gaúcho mais popular entre os quadrúpedes habitantes das verdes coxilbas. »

Cabem aqui^os versos :

(( Que cavallos tão bregeiros^ E que Ganhos tão seiuleiros l »

Continua Senio :

« Em qualquer ponto onde estivesse, precisando de um ca- vallo. não carecia de o apanhar a laço ; oastava-lhe um signal c logo apparecia o uar/otc alegre a festejal-o, olferecendo se para seu serviço. O traballio era escolher e arredar os outros, pois todos queriam prestar-se, como seus oMigos i\\xt eram, uns por gratidão, outros por sympathia. »

De semelhante popularidade o Canho se poderia lisongeur na campanha com cíYeito! E o trabalho na escolha havia de ser cousa de dar o váo pela barba. E se todos os magotes eram assim compostos de amigou por sympathia e \)0v gratidão, onde esta\am os simpleíí conhecidos^ aquelles a quem apenas saudava pela ma- nhan e á noute, e que tratava com certa reserva? Ah! Senio, qna' te dewcntia ctejiif^ l

« Quando partia, o acompanhavam, algumas auadras cur- veteando a seu lado, como demonstração de amizade. Atinai pa- ravam para .ç<^^fa7- o com a vísia, até que sumia-se por dotray- das coNilhas. »

« Taes eram os contos, que referia a gente da Campanha (Bellos contos, não ha duvida) Verdadeiros ou não, todos nolles acreditavam (que gente crédula/ ); e até apontavam-se /i<f<yMw,ç.

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que tinham sido testemunhas dos factos » [Seino estará contem- plado neste numero? Duvido.)

Apezar de ter pressa de concluir este juizo, consente ![ue eu faça ainda por ultimo umas ligeiras observa- ções, em ordem a firmar mais a critica.

D'onde vinha o ódio do Manoel Canho á espécie hu- mana e até à sua própria família^ ou mais particular- mente á sua própria màe? De haver esta casado segun- da vez. Parece incrivel que quem tinha tao bom coração, tivesse tao máos bofes.

Digam-me o que me disserem : o Canho é uma triste ooncepçao de Senio. Por mais que este se haja esten- dido e esbaforido por justificar o repugnante aleijão, tanto peior; cada vez o mirnstro mais se accentúa e r:aracterisa.

A historia das segundas núpcias, senão a origem do tremendo ódio, conta-se em poucas palavras :

Um negociante do Alegrete, Loureiro, perseguido por castelhanos, refugiou-se em casa de João Canho, pae do Manoel. Os castelhanos nao respeitaram a casa, e depois de defeza renhida, e por uma traição, succede ser assassinado o Jofío, emquanto o Loureiro escapava em fuga, a unhas de cavallo.

A noticia da morte de JoSo chegou a Loureiro, que se penalizou em extremo com aquella desgraça de que elle fura causa. Lembrou- se da viuva, que ficara ao de- samparo com dous filhos menores; e sentiu-se obrigado a amparara família o?'/}/ia/i. Estás vendo, meu amigo, i|ue o Loureiro nao era um máo próximo, cujo con- sorcio cora Francisca, a viuva, se devesse reputar uma desgraça ou um aviltamento para a familia. Portanto nao procede o ressentimento do Manoel, a nao haver outra razão.

Loureiro diz a Francisca estas textuaes expressões:

Fui eu, sem querer, a causa da despfraça Q^e a senhora soffreu, perdendo seu marido, ^i pudesse restituil-o, sem duvida Gue o faria. Não podendo, faço quanto está era mim, offereço-lhe, para o substituir, outro que na de cstimal-a tanto ou mais.

A uma amiga de Francisca, que affirmára ao Manoel ser verdade o casamento, atiràra-se elle com furor, rasgando-lhe a roupa e arranhando-lhe o rosto com as imhas. O Canhinho era onça !

Um dia, em que Loureiro passeava pelo campo, o Manoel se lhe apresenta trazendo empunhada a faca

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do Canho ( pae ). Pergunta-lhe o noivo, recdando que o travesso menino viesse a ser victima da arma :

Para que é esta faca, Manoel ?

Para te matar.

A mim ? Que mal lhe fiz eu, meu filho ?

Nao sou teu filho I gritou a criança, querendo ferir.

Sabendo Francisca do occorrido,quiz castigar o filho» e o faria sem a intervenção de Loureiro, que em face de taes circunstancias teve escrúpulos e receios de contra- hir o casamento. Vae sempre notando, meu amigo, que nao tendo o Loureiro um máo caracter, mas revelando até ser homem de senso, generoso, compadecido, sen- sível e humano, nada justifica o ódio do menino, e muito menos o de Senio, para dar-lhe tao desastroso fim, qual o de morrer de uma queda do murzello, ca- vallo que fora do Canho velho. O murzello, senhor das intenções, do ódio do menino, jurou também auxilial-o em sua gratuita vingança; e com effeito com o ne- gociante no chão, e corre para Manoel, saltando e gin&- íeando de contente^ por ter desempenhado o seu papel com tal successo.

Vejamos agora, nao jíi o menino, porém o homem a tomar a vingança ào assassino do pae, e revelando- um grau de perversidade admirável e rara. E' galante o modo como Senio pretende justificar o Manoel. Re- produzo as palavras :

<( O gaúcho n9o tinha ódio ao Barreda [ o assassino áo* velho. ) A vingança da morte do pae nfto era para sua alma a satisfaç&o de um profundo rancor ; mas o simples cumprimento^ de um dever. EUe obedecia a uma intimação que recebera do- céo ( o céo mandando matar gente! ) ; á ordem d'aquelle que- sempre tinha presente á sua memoria. £ obedecia friamente^ com a calma e impassibilidade do juiz, que pune em obser^ tancia da lei, » ( E' bôa ! )

Depois da renhida lucta entre o Manoel e o Barreda». correu este a refugiar-se em casa, onde sua mulher chorava ; mas nao o conseguiu porque seu contendor atirou-lhe as holas, e o inimigo cahiu. O que segue

sao textuaes palavras de Senio :

« Pede perdfio a Deus, que chegou tua hora.

« A mulher do Barreda prostrava-se n^esse momento aos^ pés de Manoel, implorando compaixfto para o marido. Riu-se o gaúcho com dureza e escarneo :

« Virá outro marido para a consolar.

ff Arredando a desgraçada mulher, chegou o ferro da lamçm aos olhos do castelhano.

« Conheces 7... E' a lança com que ha doze annos feriste mea

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pae â traiçfio Eu jurei que havia de craval-a em teu coração, mas depois* de vencer -te em combate leal.

Com uma calma feroz, espetou o ferro da lança no corpo do assassino de seu pae, atravessando-lhe o coração, como faria com uma folha secca.

(( líurzello, que se conservara immovel ao lado durante esta f^cena, avançou a um signal do senhor^ pisou com a pata a face contrahida do moribundo» que ainda estremeceu ante essa der- radeira affronta.

« Em quanto a victima se debateu nas vascas da agonia, Ma- noel a contemplou friamente. Quando se apagou o ultimo vislum- bre de vida, se afastou sem lançar um olnar de compaixào á mu- lher desmaiada. »

Que tinha a pobre mulher com o crime de seu mari- do, para nao inspirar compaixão a um coração tao sen- sível como o do Manoel ? si Canho, depois de haver per- petrado a sua vingança, se voltasse para a viuva, com- padecido d'ella, daria, sim, prova de coherencia com o tal simples cumprimento do seu dever ; e tanto mais quanto uma vez, tendo oUe vindo para matar o Bar- reda e achando-o doente, medicou-o e tratou-o, posto que para tomar uma desforra mais cynica e solemne. Como tudo isto é edificante; nao é, meu amigo ?

Mas ainda nao é tudo. De repente ouve o Manoel o rincho da morena seguido da detonação de um tiro. O tiro fora disparado contra Manoel por um negro da es- tancia, onde o Barreda era capataz. A morena, que es- tava contemplando de longe a scena do combate, presenr- tira que a pontafHa, feita pelo pião, ameaçava a cxw- tenda de sei^ amigo ^ e disparara como uma bala, e, pas- sando por junto do negro, desfechara-lhe nas costas um couce que o atirara sobre a macega! Ouvindo o nitrido, Manoel adivinhou ás primeiras notcLs o sossobro do te- mor e a angustia, pela ^remu/a vibração da voz^ sempre límpida e argentina.

Em face de taes cousas, pergunto-te, sem a menor intenção hostil para com o auctor, que posso dizer que eâtimo, admiro e respeito : será um romance de costu- mes o Gaúclu)? Romance brazileiro diz o frontispício da obra ; logo nao ha duvida de que o auctor o deu como tal.

Tudo quanto conheço, por leitura de viagens e por informações pessoaes, concernente a esta face ainda tfto pouco explorada da America Austral, im- porta a negação mais completa do que nos Senio. Pe- ZBrme disel-o^ mas forçi^me ao sacrifício a consciên- cia.

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E ainda bem que temos em opposição ao Gancho au- ctoridades que nos evitarão no estrangeiro o ridiculo que attrahe esta obra sobre os costumes da campanha do Rio Grande do Sul, tao interessantes e romanescos, mas nao tao arredados da decência e da rasao publica.

Ha ahi um drama de auctor portuguez, que nao dei- xa de encerrar muita exactidão sobre este aspecto. O drama intitula-se O Monarcha das Coxilhas e é ori- ginal de César de Lacerda, que esteve no Rio Grande e estudou os costumes. Quanto a mim, tem um grande defeito o trabalho de Lacerda: é personalisar o typo do gaúcho em um portuguez, o que explica o exces- sivo" espirito de nacionalidade do auctor. Além deste defeito de essência, contém outros que entendem me- ramente com a forma litteraria; em todo o caso porém o trabalho é plausivel.

Como se explica pois, a antithese ?

O auctor nacional afasta-se, em quanto os estran- geiros se approximam da verdade das cousas.

Não te parece isso um infortúnio para as nossas let- trás, para a nossa terra tao fértil em talentos, entre os quaes o resoluto talento de Senio ?

Como é triste fazer em publico taes confissões ! Mas urge fazel-as para que lhes succeda a emenda com o que temos deinfallivelmente ganhar,segundo o espero.

Confio muito na nossa plêiade de novéis litteratos, e devo dizer-te com franqueza, confio muito no próprio bom senso reparador de Senio.

Q/em^

i^n€0.

[Conímna^

Typ. e Lith.— Imparcial Rua Sete de Setembro n. 146 A.

QUESTÕES DO DIA

isr. 11

RIO DE JANEIRO 5 DE OUTUBRO DE 1871.

Vende-s6 em casa dos Srs. E. & H. Laemmert. Praça da Constituição, Loja do canto. Livraria Académica, Rua de S. José n. 119 Largo do Paço n. C— Rua de Gonçalves Dias n. 79. Preço 200 reis.

i^essao pax^lamentax* de 1S71.

Concluiu-sea sessão d'este anno, a qual deixará, nos annaes parlamentares do Brazil, a mais esplendida pa- gina. O Presidente da Gamara Temporária, ao encerrar os trabalhos de tfto benemérita corporação, proferiu um discurso curto, mas valiosissimo, em que, fazendo jus- tiça á illustraçao e dedicação do parlamento, compen- diou em quadro breve os resultados da laboriosa tarefa dos legisladores, durante uma quadra de poucos mezes, mas que, além das occupaçOes ordinárias, dotou o paiz com progressos taes, que tornar&o o anno de 1871, para o Brazil, marco milliario na estrada da grande civilisaçao. Eis aqui esse discurso :

O Sr. Presidente : E' hoje, senhores, a ultima sessão do S"* anno da 14' legislatura, e no momento de deixar esta cadeira, eu sinto necessidade de dirigir-me aos meus illustres collega^ para agradecer a subida honra que me conferiram, elevando-me a esta alta po- sição, e auxiliando-me efficazmente no desempenho de tao importante tarefa.

Semelhante aspiração nunca poderia ser por mim alimentada, porque j&mais me julgaria habilitado a satisfazer as funcçOes do mais elevado cargo desta au- gusta camará !... [Muitos não apoiados,)

Surprendido, porém, pela vossa decisão, eu nao me julguei com o direito de recusar-me a um mandatOj cuja transcendência se augmentava pela especialidade das circumstancias em que foi dado ; e confiando no vosso patriotismo e prudência, obedeci, como me cum- pria. A minha confiança não foi illudida, e a tarefa, que se afigurava árdua e difficil, tornou-se a mais suave, pelo vosso próprio procedimento.

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Pela minha parte, senhores, tenho convicção de que me esforcei, tanto quanto era de meu dever, para exer- cer as funcções que me foram confiadas, com a impar- cialidade que exigia o seu desempenho. [Muitos apoiar- dos,) Se nfio correspondi à vossa honrosa espectativa, ao menos fizestes justiça á minha bôa vontade e á sin- ceridade do meu procedimento. Eu o agradeço.

Mas permitti também algumas palavras sobre os re- levantes serviços que prestastes á causa publica.

Ao rotirar-vos para vossos lares, levais em vossas consciências o maior galardão u que podia aspirar o vosso patriotismo, qual é a convicção de bem haver exercido o sublime mandato da nação.

A par de numerosas deliberações sobre os diversos ramos da administração do Estado, também mereceram

a '

particular solicitude desta camará alguns assumptos cuja importância e interesse se revelam da sua simples enunciação.

Assim, foram approvadas numerosas pensões conce- didas em remuneração de relevantes serviços prestados á pátria; e especialmente para protecção da viuvez e orphandade, victimas da gloriosa guerra que susten- támos contra o governo do Paraguay.

Diversas leis de animação a emprezas destinadas ao desenvolvimento material do paiz foram solicitamente elaboradas.

A providencia concernente aos estudos preparató- rios, determinando que os exames feitos em alguma das faculdades do Império sejam válidos em qualquer outra, tem a dupla vantagem de consagrar uma me- dida de equidade e grande economia de tempo para os trabalhos da assembléa geral.

A lei que regulou as fyudas de custo dos bispos, supprindo uma lacuna da nossa legislação, estabeleceu uma regra previdente e salutar.

Outra, regulando melhor as ajudas de custo dos presidentes de provincia, consultou convenientemente uma necessidade da administração.

A lei sobre a naturalisação de estrangeiros simpli- ficou o processo para a obtenção da respectiva carta, com grande proveito para a immigraçSo, condição es- sencial do nosso progresso e desenvolvimento.

O credito especial para prolongamento das estradai; de ferro D. Pedro II, S. Paulo, Pernambuco e Bahia, satisfazendo a mais vital necessidade publica, é um

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grande incentivo do progresso da industria e da ri- queza nacional.

A reforma judiciaria, que preoccupaha longos annos a attençao dos poderes do Estado e de todos os partidos políticos, tornou-se uma realidade pela lei recente- mente sanccionada que, regulando a administração da justiça, garante melhor a liberdade do cidadão.

Além destas leis, cuja execução vai satisfazer gran- des necessidades públicas, e que por isso bastariam para recommendar a actual sessão legislativa, foram ainda iniciados muitos projectos importantes, que pendem de vossa decisão.

Mas, d'entre todos os actos legislativos, sobresahe, pela sua importância e gravidade, a reforma do estado servil, medida de grande transcendência para os mais vitaes interesses do paiz.

Esta reforma, que teve por base a iniciativa parla- mentar, e sobre a qual se pronunciaram os membros desta augusta camará com a maior independência e patriotismo, ha de necessariamente produzir os seus salutares effeitos. A historia fará justiça a cada um dos representantes da nação, que com a maior abnegação e inexcedivel civismo se consagraram á solução de tao grave questão.

E' cedo para que possamos apreciar todos os bené- ficos resultados que devem auferir-se dessa lei, e dos quaes estão profundamente convencidos seus auctores. É' cedo para que se possam aquilatar os serviços pres- tados pela actual legislatura sobre tilo melindroso as- sumpto.

Mas nao é cedo, senhores, para que possamos bem- dizer a Divina Providencia, que concedeu aos legisla^- dores do Brazil a graça de poderem discutir e votar uma lei t5o importante, sem as calamidades que em outros paizes acompanharam a sua solução ( muitos apoiados j, sem nenhuma perturbação da riqueza e da tranquillidade publica. ( Apoiados ). Nfto é cedo para agradecermos ao Todo Poderoso a protecção que nos concedeu, fazendo com que a nação brazileira assumisse a mais prudente attitude em face de uma questão tâo momentosa, que podia agitar os mais perigosos estí- mulos das classes socíaes; e que em suas múltiplas relações interessa, não somente uma parte da socie- dade, mas toda ella, nao somente aos cidadãos bra-

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zileiros, mas à todos os habitantes do Brazil!... [A- poiados).

Graças, senhores, a essa protecção que tao eficaz- mente inspirou o patriotismo de nossos concidadãos, podemos apresentar um bello exemplo às outras na- ções, que depois de grandes provanças conseguiram realizar essa difficil conquista do progresso e da civi- lização. E' com ufania que devemos dizer : « A reforma do estado se7'vil não achou adversários no Brazil. »

Quanto a mim, conservarei como a mais grata e hon- rosa recordação da minha vida politica o facto de ter sido chamado à presidência desta augusta camará em condições tao graves como as que presenciámos por oc- casião da discussão desta reforma, que sem duvida é a questão mais importante que tem sido submettida á decisão dos legisladores do Brazil desde a indepen- dência do Império. { Apoiados).

E, finalmente, julgo exprimir o pensamento desta augusta camará dando um público testemunho de re- conhecimento á população desta capital, que mais de Serto accompanhou os nossos debates, e que pela gravi* ade e decoro com que se portou sempre que compare- ceu para assistir ás discussões, provou que a confiança pública em nossas sabias instituições e o respeito aos poderes do Estado sao uma realidade no Brazil. Tenho concluído.

Oarta II

Gincinnato a Sempronio

Continuo a metter-me a taralhfio: nSo venho, amigo, caçar nas tuas terras ; está bem entregue o Gaúcho ao teu braço secular, mas faz-me gosto servir-te de cama- rada ; tu és Marechal do Exercito ; eu serei Tambor ; mas o certo é que ambos pertencemos á mesma milicia. Continuemos a campanha.

Vejo que pareces ir aproando para terra, por con- siderares sufficiente o que tens dito. Seja assim; mas como me deste o gáudio de mimosear-me com um exem- plar do livro monumental, quero agradecer*t'o, pro- vando que nao deitaste agua em cesto roto, e que, tendo eu convidado a Senio para preceptor, vou prós-

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crever todas as noções que tinha do idioma, substi- tuindo-o por uma lingua incógnita, nova, moderna, triumphante, conquistadora e fresca, a que darei o nome de SeniaL Passo também a impregnar-me nas phrases, imagens, descripçOes e locuções, nao menos SeniaeSy e espero poder vir a arremedar o género pan- tafaçudo, porque onde me faltar a idéa, buscarei uma phraseologia onomatopaicamente campanuda, phraseo- logia pâââmpa, com que porei os meus admiradores boqui-abertos e zonzos. Seguirei a moda coimbrã ; seguirei a moda, proclamada pelas Cacholetas :

Hoje é moda estylo abstruso ; enrodilhar palavrões. Nunca perde por confuso quem fizer allocuções. E' moda que tem pegado , porque vem de auctor graúdo, que devera dar ào estudo o tempo mal empregado em tecer, por modo novo, os discursos nebulosos de que se ri todo o povo.

Como nao heide escrever 10 volumões para analj- sar 2 voluminhos, vou apontando o dizimo das bellezas que esfervilham por toda esta biblia do Bom gosto.

Começa o cap. 2;** :

a Çon^a o anno de 1832. Um cavalleiro co7V'ia, n toda brida..,. »

Perfeitamente: se o anno corria, o cavalleiro por força que também corria', é lógico e é elegante. Agora o que vou accrescentar aos meus estudos da língua, é a ex- pressão toda 6rií/a para significar á desfilada: na era dos Affonsinhos, dizia-se a toda a brída.

O cavalleiro levava na cabeça um chapfo desabado de baí^ta, premiado, como invenção Senial, na Exposi- ção d'aquelle anno, em que nao houve exposição ; e por dentro levava uma alma sui generis^ alma com a velocidade {!) do vôo do gavião.

Ch«^ga Manoel Canho ao rancho do Chico Baeta /'ap- pelidado o Semmedo, por ser homem sem medo de que o convertam em desabado', e entr'ambos começa um

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dialogo, opulentíssimo em grammatica e vernaculi- dade. Por exemplo :

(( Em uma corrida, ha 2 annos, o senhor nfio es- teve lá ?

(( Fui um dos que corri, »

Por minha parte, eu fui um dos que ficaram colo- ridos de vergonha, de nao ter aprendido tâo correcta lingua, e vi o Canho montado no murzello, porque tinha ainda que fazer umas cinco léguas.

Em poucas linhas, temos :— a murzellinha fez traz zas o elogio feito fazendo um esforço fazer 5 léguas farei presente— /e^ o viajante etc.,etc. o que prova com que engenho se pode conjugar um verbo todo, sem ter ar d'isso: estylos assim sao ainda menos ro- mânticos que didácticos.

Afinal pára o Canhu; come a janta^ e bebe agua '' pelo bocal do estribo " que o rapaz teve o cuidado de lavar para dar-lhe a serventia de copo. Que o rapaz era a- ceado e fez bem, nao ha dúvida nenhuma, visto que o- tal estribo devia vir porquinho, isso devia; porem o que me espanta é a sobriedade do Canho, que, tendo, ao pino do meio dia e com sol claro, aturado muitas léguas de corcovos, capriolas*, repellôes e curvetas do murzello a t> da brida, se contentava com i; pinguinho d'agua, que um bocal, de uma pollegada quando muito, po- deria conter. Os Gaúchos, em taes circumstancias, bebem pela mão, por qualquer folha larga de arvore, ou cousa assim: o P(ídro Javardo pag. 72; (( para beber agua ia ao arroio, e estendia-se de bruços pela margem. » O próprio Manoel Canho,» quando topava com cavallo es- tropeado (pag. 6G) arrastava-o para a sombra, e ia buscar-lhe agua no chapéo. » Mas, nesta memoranda occasino, o Gaúcho estava na apojadura de apurado e delambido: para sanar uma damnada sede ( não era certamente tão damnada como isso ;, não se con- tentou com um golesinho d'agiia homeopathico, mas para isso teve de pòr-se primeiro a desprender os loros dasella, a tirnr os estribos da argola, a despir delles os bocaí^s para fazer púcaro... complicada operação de per si ])astante para apagar a sede de um Dário, fugindo d*Alexandre.

« ... afrouxou as rodeas ao ruão,7?/e lançoií-st' como uma flecha» aquegirou-lhe em torno da cabeça » i( pro- seguiu o animal e lhe fendeu o craneo » « o suor que n- lagava-lhe o corpo )> c< cuja estampa descnhava-se »

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« olhos a se engolfarem » ele. etc. e idênticas locuções, que Senio reproduz a cuda passo, e se me affiguram incorrectas.

Aqui porem tem elle uma desculpa, se lia culpa : é este seu dizer assaz frequente no Brazil, e caracterís- tico dos mais seg'uros para se affirmar, prima facAe^ ter uma obra portugueza sido aqui escripta. Nem me applico a censuras, nem a proselytismo ou propag*anda ; mas deve-me ser tolerada a franqueza, g-erada da con- vicção : adeante de Platão, a verdade ! e nem receio que os sensatos me levem a mal a observaCã) que submetto respeitosamente, quanto a esta liberdade local.

Affigura-se-me pois que não será fácil mostrar, em auctor portuguez, antigo ou mcderno, não di^*o clássico, mas simplesmente de bua nota, as locuções supra-citadas ; e que a construcção d'ellas será sempre a^sim : ffiie se lançou, (jue lhe girou, fciiclea-lhe. que lhe édagarOj cuja estampa se desenJta^-a, olhos a engolfarem^ sf\ etc.

Regula-se (creio eu^ por eguaes preceitos a coUoca- ção, tanto da variação do pronome da 3\ pessoa coui que apassivamos os verbos, como dos outros pronoinc^s e casos íulverl)iaes que unimos aos verbos reílexos ou rociprocos : me, te, lhe, nos, vos, se ele. e a rei:*ra para coUocação de qualquer d'e>tes, abranij-e a todos os outros.

Phrases ha em que o uso dos dout^^ concede li- berdade mais ou menos amjda para indistinctamente antepor ou jKJspòr aos verbos a(|uelles pronomes ; porem na máxima parte, ha regras, de que não é licito eximirmo-nos, se aspiramos a não sei* tidos por muito incorrectos. A leitura dos bons modelos é o primeiro guia ; mas creio que para as seguintes normas .se não a«*hará excepção.

No seguuíio modo de apa^sivar verbos . isto é. quando juntam()s o caso sp aos sui)jtútos da *i\ pessoa. que não podem fazer a acção em si mesmos ). e quando aos verbos activos, reílexos ou recipi'ocos, ligamos o.s raso^ adv<*rbines, dá-se cnllocarão forruda^ nas seguin- tes hypotheses :

1*. Se ao verbo precede o articular demonstrativo e i-onjunctivo r/í/(\ ou outro relativo, ou couiunccão, ou os advérbios /íí/o, nunca, jn, s^^rtipr", untes, c', lu, mais, in filo, assim^hem, (^ua^i todos o< tí»rmiimd"»s em mcnt^

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(excepto, em alguns casos, os ordinaes, por outro motivo ) etc, deve sempre o pronome antepôr-se ao

VERBO.

Exemplos : que se lançou^ e nao que lançou-se ; que lhe girou, e nao que girou-lhe cuja estampa se desenhava^ e nao cuja estampa desenhava-se ; não te amOj em vez de não amo-te ; nunca te admirei^ e nao nunca admirei-te ; deixe- nie,, e nao me deixe ; jd te conheço^ e naoja conkeço-ie ; sempre te enfatuaste, e nao sempre enfatuaste-te ; antes nos divirtas, e nao antes divirtas-nos ; ca me vou, e nâo vou-nie ; Id vos espichastes, e nao espichastes-vos : mais te exaltas, e nHo mais exaltas-te ; muito te prestas, e nao muito presías-te ; assim te ajude Deus, e nSo assim ajude-te Deus ; bem me importa, e não bem importa- me ; parvoamenle se exprime, e n^o parvoamente ex- prime-se.

2.* Geralmente nos restantes casos, quando a oraça* começa pelo verbo, ou pelo seu agente, o verbo ante- põe-se AO pronome.

Exemplos : Este menino perde-se, e nao este menino se perde] as finanças evaporanv-se, e nao ^e evaporayn\ divertes-me, coiiheço-te, vou-me embora, enâo me diver- tes, te conheço, me vou embora ele, etc.

Uf ! que maçada ! nao foi ? agúenta-a, em desconto dos teus peccados, e se o andante foi tristonho, siga-se o galhofeiro alegro : refocillemos o animo na admiração do romance.

Chega o Canho ao Jaguarao, lia hora em que os sol- dados de Lavalleja vao depor as armas, com um senti- mento de humilhação, que era partilhado pela popula- ção : « un sentiment d-humiliation^ qui étail partagé pa?* ia population. » Eu também bato palmas ao neologis- mo, substitutivo do compartir, participar de, emais va- riantes indigenas ; mas então proponho que creemos o tal verbo partilhar para que signifique : dar o quinhão da herança ; e acceitemos francamente o pariajar ou partejar, para uns apertos doestes: assim ficará plirase ainda mais harmónica e gallica : « sentimento de hu- milhação, que era partajado pela população. •>

Apparece depois um ferrador e o coronel Bento Gon- çalves, vasado na mesma tempera de Osório e Andrade Neves, Ficamos pois sabendo que um homem se pôde vasar em rijeza ou consistência : ou antes que tempera, .em idioma senial, é synonymo de modelo ou molde.

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Mas, adivinhada esta charada, fica outra peior : Que Osório e Neves fossem vasados na mesma tempera, em que outr*ora o foi Bento Gonçalves, vade in pace ; mas que uma heroicidade, patenteada 30 annos antes, então fosse vasada na têmpera que havia de apparecer lima geração depois, nao deixa de ser habilidade.

E o coronel Bento era feliz, porque os homem o ado- ravam; as tnulheres o admiravam, » Pelo que as mulhe- res faziam, segundo para baixo se vê, ha exactamente aqui um chnssé croisé de verbos : eram as mulheres que o adoravam, e os homens que o admiravam ; mas isso é •o mesmo.

Segue-se um dialogo onde se um tal CoUeira allu- dir ao « degolo y que todas as manhãs fazia nas rezes destinadas ao corte de charqueada » e que geralmente nao sao degoladas; e surge uma trapalhonasinha, de 12 annos, e de excellente embocadura, chamada Catita^ nome que Bluteaudá por synonymo de Catharina.,Aiío singela, como, ás duas por três, mostrou que o era a Ca- tharininha, que, na famosa canção irónica do Mephis- topheles. serviu de pseudónymo á Margarida do Fausto, .subjeitiuha esta com quem sempre impliquei, por nol-a venderem como typo de innocencias, começando ella por ser facilmente comprada com quinquilharias do diabo, e acabando por estrefegar mííe, irmão, filho e amante, e nao obstante subir até ás bambolinas do ceo, cousa que tanto custa a qualquer simples mortal.

Esta rapariga era um demonico. Nós diriamos que ella tinha a boquinha mais gentil ; mas errariamos ; o que ella tinha, segundo Senio, era a bonfjuinha xmais gentil. Tinlia mais 1.° cabellos negros, 2." os olhos negros como os cabellos (Sina! Charaa-se mnrzello o cavallo todo negro ;e pois Canho era todo uma vul- cânica paixão equina, estava no livro dos destinos, que se lhe havia de assemelhar a namorada ao seu mur- zello . Ressumbrava graça etc, segando o systema geral do^ ressumbramentos Vide o Movo Metliodo].

Como a pequenina viera ao mundo, predestinada

f)elo menos para figuranta do Theatro Li/rico^ compre- lende-se bem a utilidade do seu requebro faceiro^ nrsinho de malícia^ esticamenlo da perna bem torneada^ nrqueamento do pisinho^ figura de danra^ e olhar bre- griro '! Sim,senlior; as musas de uns senhores homens, chamados Atiacreontes, Parnys e Pirons, inspiravam-se assim ; nao ha que dizer: o nome do General Camará

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deu euphemismo a uma rua ; e o marcial pavilhão cobriu a mercadoria.

Ha, entre aquellas expressões cândidas e significa- tivas, uma que me ainda mais no goto que o olhar bregeiro ; é o 7'e(juebro faceiro . Este sympathico auctor é enthusiasta das faceiras ; volta, a pag. 73, a Morena vergando faceiramcute o homhro ; vocábulo frequente- mente repetido.

Este faceiro, assim, sempre quisilei com elle. Eu nSo sei se o Moraes tem ou não razfio; mas descreve d'est'arte a faceira : « A carne das faces do boi. Vaidoso, pata- rata, casquilho rafado, que se sustenta com faceira de boi e o mais á proporção, e aperta a barriga, e soffre outras necessidades para se enfeitar etc. » Que, figu- radamente, a faceirice seja equivalente de bandalhice, peralvilhice, e casquilharia rafada, nao digo nada ; mas que faceiro seja synonynio de gentil, mimoso, en- graçado, airoso, galante, ai-jesus, no idioma Senial.

Continue em scena a faceira-bregeira.

Agora, o que torna o Xn\ feitiço^ prodígio nunca visto, é a descripçao do Senio, que, ao pintal-a... fez um ca- pote e um milagre. viste, ou viu alguém neste mundo, uma creança de 12 annos, de pernas bem tor- neadas, que tivesse cabcUos que dessem até d bahiha da saia, desenvolvimento este, a que a natureza nunca se presta senão em edades muito mais adeantadas? Isto podia ser visto j^or quem viu uma catita, filha de um selleiro gaúcho, arqueando o pcsinho calçado com um sapato de íiiarroquim azul, cheg^ado, pelo ultimo pa- quete, da casa Campas: e que naturalmente a feiticei- rinha comprou em Pelotas, na loja de Mlle. Elisa.

Mas isto nao é nada ; o mais está para ver. A garota queria o Canho para noivo : este estava w alheio ao que passava junto. » ; Xao sei bem o que é que passava, nem janto de quem, nem porque ) ; emfim tinha uma (( expressão de recolho. » Recolho '? recueillement ? Nada. ( Isto provavelmente é erro typographico: o Canho estava tao fecliado e redondo, que tinha erjtres^ são de repolho], E o caso nao é para menos. O Canha bem quer adcíiar o seu matrimonio paro quando a abe- lha seja ainda mais mestra ; para quando for viuva : porque emfim de cavallos gosta, mas de borracliinhos novos, não. Está pois alli enrolado como um rej'()llio, a meditar n*! vaidade das vaidades a que anda subjeit.^

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a espécie humana, e na sorte que o aguarda quando por sobre a ornada fronte lhe vier a desabar o Carmo e a Trindade.

E como poderia aquella portentosa Catita deixar em socêg-o o coração de toda a gaucharia, e mais dos bu- gres, charruas, guaicanans, guaranys, minuanos, ta- pes, e restantes ornamentos silvestres da província de S. Pedro do Rio Grande! Era vellhaquinha, que andava sempre de olhos piscos, aos 12 annos, e que quando erguia as pálpebras ( o que erafim succedia de tem- pos a tempos), « parecia que seu rosto se tinha banhado em joiTOS de luz. » Era assim mesmo : o lavar da cara daquella menina ( de mezes a mezes) era num alguidar de jorros de luz ; até aqui vai bem ; agora ser isto uma comparação para o caso da despiscadella dos olhos... verás.

O retrato da menina precisou ser feito do toutiço até à perna torneada e ao pésinho arqueado, sem faltar uma pollegada. vem o ar, a boiKjuviha^ a fronte, os cabelíos, as espáduas, o talhe, as formas, o requebro, os olhos piscos, as pálpebras róseas, a perna, o pé, a pirueta, e o olhar brejeiro ; agora .só falta o nariz e o cotovello... Ai, nâo ; falta também a tez; toca a ver:

« A tez, quem a visse, em repouso, sob a ne^rra madeixa, cuidaria ser alva ; mas nas inflexões do coUo e dos braços percebia-se, como sob a transparência de opala, uns reflexos de ouro fusco. Então conhecia-se que era morena ; e o tom cálido da sua cútis lembrava o aspecto das brancas praias de areia, illuminadas pelos últimos raios do sol. »

« A tez.quejn a visse, cuidaria,,.)) Certamente ; quem a não visse, não cuidaria nada.

« A tez, (jnem a visse em repouso.., » Tez em repouso, é bom; ver lez em repouso, é muito melhor.

M Penebia-se lUis reflexos... )> Muita palmatoada levou ura condiscípulo que eu tive em gramrn atiça, quando éramos pequenitos, e que dizia d'e>tas ! Nunca o mestre lhe poude fazer entrar nos cascos que um nominativo no plural com verbo no singuhir, é prohibido.

Vamos para deante. Olha tu para a raparifi*a. Cuidas qtie é alvíi ? tó, que te damnas. O modo de olhar para ella, não é commum : tem de s^u* examinada por uma opala, (|ue é a luneta própria para estas averigniações. tens a opala, no canto do olho ? ora, muito bem. Agora, maganão, começa por lhe olhar para as infle-

12 XI

xões do coUo ou pescoço, e dos braços, que, se sabe, sao o sovaco e o sangradouro ; e acharás que essas in- flexões sao côr de ouro fusco, e que a Catita é morena. A cara parece branca ; o gasnete é de ouro fusco ; o sangradouro é pardo ; e o sovaco é côr de opala. O que à rapariga vale é não ter nascido no tempo e na terra de D. Miguel ; tao certo como 2 e 2 serem 4, esta bel- leza ia à forca, por malhada,

E >»inda por alli não fica, no tocante ás imbirrações da cútis. Tem também um tora cálido ; e para se, não dizer que a imagem nao tem tom nem som, lembra o aspecto das brancas praias de areia ; ergo, as praias de areia náo silo pretas; sao brancas, mas, ao pôr do sol,

tingem-se em moreno ouro fusco de conformidade

com o systema das cacholelas.

Será tudo isto progresso na arte de escrever ? Será com linguagens e phantasias doestas, que derrubarão a antipathica columna Vendôme do terso dizer dos mestres ?

Nas impagáveis notas á Iracema^ cora que talvez me divirta um (Tia, diz o Sr. Alencar :

« Aquelles que censuram minha maneira de escre- ver, saberão (assim o tenham entendido, e o façam exe- cutar) que nao provera ella, mercê de Deus (esta bafo- rada, esta mercê de Deus vale quanto pesa) da ignorân- cia dos clássicos, mas de uma convicção profunda (po- bres clássicos, mais vos valera nunca terdes nascido) a respeito da decadência d^aquella eschola » « O velho estylo clássico destoa no meio doestas florestas secula- res, d'estas catadupas formidáveis, d'estes prodígios de uma natureza virgem, que nao podem sentir nem des- crever as musas gentis do Tejo ou do Mondego. »

Sim Sr. ; é assim mesmo. Ora comparemos estes mo- dernismos Seniaes com as intoleráveis antigualhas dos clássicos, e abramos um doestes ao acaso, era paginas onde também se descrevam raparigas catitas, e o ef- feito que ellas produzem em corações masculinos. Caiu- me, por exemplo, debaixo das mãos, a Eufrosina, como poderia cair qualquer outro jarreta. :

« Passando agora peUi porta da minha rapariga, achei-a falando com uma nossa vizinha ao da escada de dentro ; eu como n'estes casos súbitos mostro mi- nha SLifficiencia, e ando sempre provido de cautelas para os taes recontros, porque occasião de fazer bem nunca se ha-de perder, levo do tudesco para traz, como

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cortezao soldadesco, e chegando-me ao limiar da porta, perguntei-lhe se era ahi o senhor seu pae ? A rapariga estava bonita como o ouro de sua vasquinha amarella quartapisada, em mangas de camisa, seus cabellos ata- dos com uma fita incarnada, tao de verão que vos ride vós de mais sereia pintada, e por mais ajuda, em me vendo, ficou fraca, e dizendo-me » é fora da cidade, virá amanha por noite » ao despedir fez-me uma mi- sura com um recacho, que me aleijou ; e assentae que é um camafeo de pequena em fora: e eu com isto ve- nho espirrando, lançando mais faiscas de amor- que es- trelh\s com suão.

... E estando assim, erguia, de quando em quando, uns olhos verdes claros, húmidos, orvalhados de alegria so- cegada, tao grandes e graciosos como todo o primor das Charites ( por maneira que com razão se pode cha- mar a 4* GraÇa ) ; e pondo-os em mim, a tempos fur- tados, com um olhar quebrado surrateiro e brando, atravessam -me... sabeis que sou perdido por olhos quebrados, que fazem furtos no ar.. Quando contemplo comigo que estive á fala, rosto por rosto, com a senho- ra Eufrosina, e que ouvi aquellas doces palavras de delicada pronuncia, aquellas razões brandas e discretas, aquelles risos, aquelles temores honestos, os favores escassos da vontade liberal.... e nisto junctamente os olhos que faraó clara a noite escura, os cabellos en- trançados que representavam todo o thesouro do mundo, aquelle rosto, aquella presença, aquelles ais frautados quando se maguava. . . por certo eu me espanto como não abafei em tanta gloria, e perdidos os espirites.... E d'outra parte, quando cuido que tive coração para me apartar d'ella, fico frio, e nunca homem commetteu tal ousadia »

Levo mao doestas transcripções. Que homem de gosto ha hi, que a dizer tão singelo, elegante, vernáculo, attractivo, prefira os inqualificáveis estylos de um Senio, com os seus Ganhos escanhoados, e as suas Cati- ta.s acatingadas !

Esta guerra aos clássicos, para certos escrevedores, é precedida do manifesto da raposa, inimiga da uva. As obras dos mestres, os eternos modelos tomam-se ob- jecto do escarneo dos innovadores, capazes de desthro- nar os Demósthenes e Homeros. Tivemos a eschola da antiguidade ; depois, certo numero de regras tradicio- naes ; mais proximamente, a emancipação de todas as

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normas, proclamando-se typo único a natureza; agora, surgem os ministros do bello, sacerdotes du ideal, de- molidores do senso commum, despresadores de quanto merece veneração, e que nao produzem senão monstros litterarios, sem alcance ou de alcance detestável, sem missão ou com a missão desorganisadora, sem forma ou com tauxia das mais incongruentes formas.

Uma sub-divisão doesta casta de auctores compre- liende a dos caçadores de effeitos. Conheci eu em Ouro Preto um ratão, que desejou industriar-se na caça ; le- vou 6 mezes aprendendo a carregar a espingarda, e um anno diligenciando passarinhar ; aflB.igia-s8 porém com o estampido do tiro, de modo que, quando puxava o gatilho, virava a cara, abala seguia para o norte, o passarinho deitava a rir para o sul, e o meu caçador, encarando então a sua façanha, exclamava invaria- velmente: « Brava I fugiu. » Os taes caçadores littera- rios imitam toda esta operação ; com a difiFerença de que, quem exclama o a Brava I fugiu » é o publico.

O processo, neste caso, é singello. Proclama-se o poder pessoal da excentricidade, embora ridicula ; da originalidade, embora extravagante ; da novidade, embora absurda; e quando se tem assim embrulhado desatinos e puerilidades em esfarrapado manto de vas- cosa linguagem vasconça, imagina-se subir em carro ebúrneo ás glorias capitolinas. Arago, na sua AstronO" mia jwpular, fala de um tal Dr. Elliot, sapientissimo, e ainda mais excêntrico, e que havia demonstrado, entre outras novidades, ( e com a mesma evidencia com que o estudante de um observatório astronómico de- monstrou haver ratos na lua ) que o sol era habitado. Adergou que um dia em que o doutor estava com os seos azeites, matou, num accesso de cólera, miss BoydelU Não teve o advogado, Simmons, mais que expor ao tri- bunal a theoria do sapientissimo, para lhe obter a absol- vição, por unanimidade. Que a theoria do doutor fosse nova^ concordo, mas que egualmente nova fosse a mania do homem, isso é que não, pois remonta até os tempos do incêndio do templo de Delphos.

Participo-te que o teu Carlos está com escarlatina; as febres andam assanhadas.

«

Teu leal amigo

ClNCINNATO.

XI 15

Epigramnias e madrigaes, orlginaes ou imitados

Dialogo com. um. Rva.Poota

« Bocage descreu dos médicos ; fez-lhes muitos epigrammas. Tu, Vate Reverendissimo, aquelle exemplo nao amas ? » « Queres que eu siga, sem calculo, exemplo que me nao quadre ? Faltando defuncto e exéquias, de que hade viver um padre ? !

Quiniiliano.

Um casamonto acsfclto

Quizeste casar co' o Jucá, Matliilde; és mulher de siso. O Jucá roeu-te a corda; inda Uie acho mais juizo.

-V uma actriz qiie enviuvou Hontem.

Morreu o esposo da cantora Alpini, que hoje devia o Trovador cantar. Quel-aem scena o empresário! O homem é doido. Hoje é dia de rir, nao de chorar.

Oonaiçõos cio favor

Se eu te peço um favor, para que o seja, fal-o ! fal-o depressa e em bom humor I Se o fazes manco, ou tarde, ou de cara, o mérito perdeu ; nao é favor.

Amor fugçindo

Idolatro a que me foge. Nao desejo a que me quer. Se amor douram as recusas, menos fácil, mulher!

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A. um, que nunca ologia poetas ^vivos

de elogios a mortos nao és, Decio, nada avaro. Safa ! ser por ti louvado nao vale a pena; sai caro.

A. uma feia <lelâm'bi<la

Gertrudes, tem por amigas mulheres velhas, ou feias, ou tortas, ou aleijadas, ou vesgas, ou centopeias. Leva-as comsigo aos theatros; taes subjeitas visita. Faz bem, faz bem, que ao d'ellas alguém dirá que é bonita.

Os porquês do uma demanda perdida

« Tu ganhas más demandas» mr.u querido Balthazar ! » « Top ! o mal dos meus burricos foi quem me fez alveitar. Sem justiça, ganho sempre. Com justiça, historia ! apanho. Com ella, fiei-me... e perco; sem ella, comprei-a... e ganho.

Zero.

Questões do dia

O 1* volume, de 300 paginas, compOe-se do N. 1, de 72 pag. ( preço 500 rs.), e dos Ns. 2 a 15, cada um de 16 pag. ( a 200 rs. cada numero ). Para encadernar, dá-se grátis, nma folha, de rosto. Saem dous números em cada semana. Quem desejar que esta publicaç&o lhe seja entregue em casa, poderá avisar na loja do Canto, Praça da Constituição.

Typ. e Lith.— Imparcial— Rua Sete de Setembro n. 146 A.

QUESTÕES DO DIA

N. 13

RIO DEJASEIROT DE OCTIBHO DE 1811.

Ti!n<l«-*e am ra*» dos Sr* E. & H, Liem mo ri.— Traça ConstituiçSo. l.^a do rsDto. Livraiia Academira, Rua de S. José n. 119 Lari^j do Pav^ o. Cl— Rua de Gonçalves Dias n. 7S. Profo 20fl reis.

A sessão de 16T1.

O paix foi dotado com três leis importantes na

i «âãdão legislativa, encerrada em 30 de septemhru ul-

I timo. Com tíjfla a raKuo será a sess^ d'este aimo coasi-

Jerada nos anuaps do parlamento brazíleíro como uma

dãa mais importante.s e fecundas, siiitlo. talvez, a pri-

meim rora r«ferenciu ao immenso alcance de uma da»

1 lei*, a que alhiilimos.

Observemos rapidamente cada uma d'e.ssa.s tre.s lei». ?5ii sua ordem de datas a primeira é a que concedeu ' um credito de '20 mit contos pura o prolongamento da I e:strada da ferro, que pnrle d'esta Corte para o interior. L Com o poderoso auxilio que acaba de receber a estrada l de D. Pedro II terá de segfuir até o ponto terminal, por 'ora assestado, ia prorincia de Miniis. d'onde no futuro 1 essa e„'itnida continuará na direcção, que for entAo I jnltfRiiH mnís conveniente ao tim de irnidiar-se pelo in- * teríor do Bruzil.

O qoe ora foÍ decretado éjã muito para o futuro de ima parte importante d"essii rira província, e de di- I veraue mnnicipioí< dn nito menos rica provincia de |S. Paulo.

Nau somente na direcção da sua linha, romu ainda nm fw ramaes, que necessariamente terão de ser crea- Idofi, a estrada servirá a valiosissinios tnteresse.s mate- I riaes e ecouumicos, facilitando ã lavoura e cominer('io I dos pontos a que tem de approveitar um largo desen- I TolTimenlo de actividade industrial, que muito seri ^ para fecundaras fontes do trabalbo, da prcducçíio e da I riqueza.

[ Como Consequência oatural, a população terá de nmdeiiBar-se iia-t zonas próximas d'essa grande artéria

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de viação: o sibilo da locomotiva n'essíis rogiões dis- tantes dos grandes centros commerciaes de beira-mar despertará, com o seu echo estridente, a vida agrícola das populações dissoíninadas por área va.stissima, que até hoje tem vivido em lucrta insana cora as difficulda- des do isolamento, nascidas da falta de meios fáceis de communicacão.

Assim os vinte mil contos, com que o Estado subven- ciona essa obra importantíssima de progresso, têm de reverter ao thesouro com abundantíssimos juros; porque o augmeiito da producçao, e o progresso da industria engrossarão as rendas dos cofres públicos, em propor- ções muito vantajosas.

As facilidades de communicacão e transporte serão, também, para a colonização estrangeira, um muito po- deroso incentivo; e desde que a população assim cres- cer, e que com o seu crescimento se desenvolver o tra- bailio em escala sempre ascendente, e em suas melho- res condições e methodos, a vida da nacao se tomará gradualmente mais vigorosa; as empresas se facilita- rão; o povo animar-se-ha, tendo em si mesmo, nos seus recursos industriaes; e a família, que é o núcleo do Estado, se multiplicará convenientemente com os melhores, e mais esperançosos meios de existência.

Taes serão, em* substancia, os grandiosos benefícios, que necessariamente devemos esperar da lei que dotou a estrada de ferro de D. Pedro II com o credito de 20 mil contos; e do desenvolvimento que outras impor- tantes estradas, como a da Bahia, a de Pernambuco, a de S. Paulo, reclamam egualmente da solicitude do governo.

Temos robusta que serão attendidas, conveniente- mente, até onde o permittirem os recursos do Estado, que, infelizmente, não pôde a um tempo satisfazer a estas e outras necessidades de ordem material e eco- nómica.

Quanto á lei da reforma judiciaria,a 2* na ordem das datas, sua importância é geralmente reconhecida: era uma necessidade urgente da administração da Justiça civil e criminal, e essa necessidade foi satisfeita.

A reforma, intendendo com um e outro foro, desem- pachou a administração da justiça de certos embaraços, que a prejudicavam ; estabeleceu praxes úteis, consul- tou o bem do cidadão, deu melhores garantias á liber^ dade individual; cortou as delongas dos julgamentos

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nos tribunaes superiores; e, finalmente, deu outras pro- videncias, que a pratica terá de demonstrar como muito salutares.

A lei de 28 de septembro, a ultima votada e sanc- cionada, marca uma era nos fastos do parlamento, e na vida da naçSo.

Longamente discutida nas camarás e na imprensa, . concebèram-se sérios temores de que nao passasse no senado, na sessão d'este anno.

Quiz a bôa estrella do Brazil que assim não fosse: o paiz nao permaneceu nas incertezas perigosas do adia- mento de uma medida de tal magnitude, e a proposta do governo é hoje lei do Estado.

Pede a j ustiça que reconheçamos os importantes ser- viços, que nas duas camarás, como seus muito dignos presidentes, prestaram os Srs. Conselheiros Jeronymo Teixeira e Visconde de Abaete

Na camará dos deputados o Sr. Conde de Baependy, como presidente, consentira, na discussão da proposta, ns mais inconvenientes divagações, que deslocavam a discussão e exarcebavam as paixOes.

Substituindo-o na cadeira presidencial, o Sr. Conse- lheiro Teixeira teve de haver-se com esse precedente, e de toleral-o até certo ponto, sendo seu grande empenho moderar a exaltação nos debates, e cohibir tanto quanto possivel as divagações, antes toleradas; e n'isto provou sua muita capacidade para o lugar honroso e difficii, em que a maioria o coUocara.

No senado, o venerando Sr. Visconde de Abaete pro- •cedeu com todo aquelle tacto que lhe é reconhecido. Deade o principio da discussão, mesmo quando pelo re- gimento d'aquella camará é permittida a apreciação geral da lei em todos os seus artigos, o dislincto presi- dente fez que o debate se circum8creveí*se o mais pos- sível aos assumptos da lei, que a camará discutia.

Por isso a discussão n'aquella camará correu plácida; e da parte de alguns oradores foi muito luminosa.

Nao é menos digna de louvor a constância com que o Sr. Visconde de Abaete, o mais velho, como elle disse, dos membros do senado, se conservava na cadeira presidencial por õ longas horas. S. Ex., como o go- verno, como todo o senado, reconhecia que o assumpto eragTavissimo,e que cumpria dar-lhe solução na sessão d'este anno.

Sabe-se com que insistência um grupo de antago-

4 XII

ni8tas da proposta, que nenhum recurso poupava para obstar & sua passagem nas duas camarás, procurava fazer pressão sobre os ânimos dos legisladores, dizendo- que a lei nascia do capricho, do imperialhmo, da voU" tade do Imperador, que assim queria; e que uma tal imposição desvirtuava o mérito da grande medida.

Era uma arma de guerra desleal, e de tempera; e n&o surtiu e nem podia surtir o premeditado. eifeitOr porque a providencia em si era a expressna*de uma alta necessidade no geral reconhecida; era uma verdadeira aspiraç&o nacional: e si o Imperador e o seu governo ser punham á frente, levavam em mira um fim, que a na- Ç8.0 applaudia com enthusiasmo, como attestam os- quasi diários factos de manumissOes de escravos, de que as folhas públicas dão frequente noticia, praticados em todas as provincias do vasto império.

Sobre a subserviência das camarás à vontade do mi- nistério, assim discursou o dístincto e patriótico Sr. Visconde do Rio-Branco, repellindo o que enunciara o Sr. Silveira da Motta :

« E' notável, Sr. Presidente, como o nobre senador por Goyaz considera o procedimento das duas camarás, e suas relações com o ministério!.... Si a camará (tem- porária) approva, como approvou, esta proposta, n&O' obedeceu aos dictames da sua consciência, não consul- tou seus altos deveres, os grandes interesses nacionaes; foi impellida pelo ministeriol... O senado obedece ao impulso ministerial !... mas o senado procede conscien- ciosamente. »

Ha n'esta contradicta muita cortezia, mas muita força.

O muito respeitável Sr. Visconde de S. Vicente assim dizia :

tt O senado do Brazil, sempre fiel aos sentimentos ge- nerosos, dominado sempre por sua tranquilla sabedo- ria, depois de longa ôiscussão, parece desejoso, e pres- tes a adoptar definitivamente o grande principio, a grande medida de justiça, de progresso, e de civílisa- ção, de que se trata.

« Embora a proposta fosse susceptivel de alguns^ melhoramentos em suas disposições secunaarias, ou detalhes, o profundo critério, o saber pratico da grmode- maioria do senado com muita razão prefere adoptal-ai tal qual, antes do que adial-a por meio de emendas.

« E' porque sabe bem, que essas disposições ou de-

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talheâ a todo o tempo podem ser melhorados, se assim for conveniente; é porque sabe bem que quem vale tudo é a disposição fundamental, a idéa capital da libertação das gerações futuras; é porque comprehende que cada dia de demora vale o captiveiro para muitos seres in- nocentes, que pela primeira vez divisam a luz do sol brazileiro: é porque o addiamento para o anno importa- ria a escravidão para vinte ou trinta mil creaturas, que aliás devem gozar da liberdade. E', emfim, porque esta idéa em vez de ser apreciada pela maioria do senado •com fria indifferença, pesaria por modo penoso sobre seu coração e consciência. [Apoiados.)

c( E' porisso, e não por qualquer outra razão, que essa maioria não quer, nem admitte emendas. (Apoia- dos.) Nao é por fazer ou não o gosto ao ministério. Ainda quando o ministério adoptasse alguma emenda, ao me- nos eu, e alguns amigos não a adoptariam os. [Apoiados.) Fiquem, pois, certos os nobres opposicionistas, que não teem mais independência do que os membros da maioria.

«Como, é portanto, que o illustre senador peia Bahia se julga auctorisado a dizer que o senado se rebaixa,ou se reduz a mera chancellaria ? E' uma expressão offensiva, que sinto ouvir dos lábios de um senador ; e se alguém se rebaixa, então será quem pronuncia tal phrase, e não o senado.

«Complete este o seu alto e nobre pensamento, e pou- cos dias depois ninguém mais nascerá escravo no Bra- zil; poucos dias depois a escravidão começará a dimi- nuir até que se extinga totalmente, e para sempre, como exige a honra e a moralidade de nossa pátria. A idéa capital é tão santa que uma vez decretada será irrevogável: por certo ninguém quererá encarregar-se de propor a sua impossível abrogação. »>

Os sentimentos, que enunciou o Sr. Visconde de S. Vicentií, foram os que influirain na firme maioria da camará dos deputado.^, e no animo do senado. Foi assim que sempre apreciámos a- proposta. O governo tem agora sobre os seus hombros tarefa muito e muito espinhosa.

>ía execução da lei tem de arcar com os maiores em- baraços.

w

o governo inostra-se de todo possuído da grandeza de sua missão.

JUNIUS.

6 XII

OI>x*as cie Senlo— O Oaúclxo

(Cartas a um amigo).

VI.

Meu amigo.

Tencionava concluir n'esta carta as minhas conside- rações sobre a obra de SeniOf mas, chegando-me ás mãos o segundo volume, não quero deixar de o chamar á fala, ou antes de o receber com as honras do estylo.

O auctor vem sangrando-se na veia da saúde com estas palavras da sua nota final :

« N5o faltará quem increpe o livro de inverosímil, na parte relativa ao cavallo. Duvidar hoje, depois de tantos factos c de tão respeitáveis testemunhos, dos resultados admiráveis do ins-. tincto dos animaes, é uma excentricidade, que não vale a pena de refutar. Demais, n*este livro, a maior parte dos actos intel- lipentes praticados pelo cavallo são antes attribuidos pelo Gaú- cho ao animal, do que attestados pelo escriptor. »

O que nao vale a pena de refutar é a filigrana de se eximir da responsabilidade d'esses actos o auctor, a titulo de serem elles attribuidos pelo Gaúcho aos ani- maes, e nao attestados pelo escriptor. Longe de importar islo uma justificação, aggrava a situação do escriptor, qu^í não encontra em si mesmo vslzv^s para confirmar os devaneios de sua pbantasia.

Quanto a nós, é cousa que a boa critica menos tem que indagar, si as asserções são attestadas pelo auctor da obra, si são deixadas á mera conta dos personagens. N'uma obra em que o escriptor se limite a fazer as descripções meramente essenciaes de tempo e logar, deixando esclarecer-se o mais à conta do dialogo, nem por isso terá elle men'>s responsabilidade moral e lit- teraria.

Pelos dialo^*os, p^^las idéas n^ellos emittidas e trava- das, á que principalmente se Iride conhecer o caracter de cada figura. Não será d'.) que o auctor afflrma ej- auctorttaie sua qilíí se deduzirá m exoellencia ou infe- ri()ridad(5 da concepção.

Si uin auctor preconisar o exaltar muito os mereci- mento.í de um personagem, que no desenvolvimento da a^^ção não corresponder pelas suas obras ás premis- sas, não prevalecerá a recommendação do auctor, sinão o que se deduzir do papel desempenhado pelo persona- gem.

XII

E quando o escriptor se propOe a dar um typo nacio- nal e verdadeiro, cora maioria de razão, nâo se pode de bòa abstrahir d'essa responsabilidade legitima e intuitiva. Se o Senio nos declarara dar uo seu Gaúcho o typo de um contador de petas para divertir agente, calar-nos-hiamos ; no caso contrario, não ; tenha paci- ência.

Demais, contestamos que a maior parte d 'esses actos inlelligentes seja attribuida pelog-a^cho aos animaes; não, a maior parte é attestada pelo auctor ; abre, meu amigo, qualquer dos dous volumes, e vêl-o-hàs.

Mas disse-nos iV/*i'o que NÃO vale a pena refutara excentricidade de quem duvida dt'S admiráveis resulta- dos do inslinciodos animaes\ certamente, e muito menos nós o duvidaremos. L-rge, porem, estabelecer a devida diátincção ; uma cousa é o resultado do puro instincLo atiitnal^ e í)utra a funcção reflectida, judiciosa, da fa- culdade humana de conhecer^ ou do entendimento,

Todcs os actos que increpamos ao primeiro volume do seu fiaúrho não importam operações da razão, mas de uma razão tisclarecída e conquista de civilisa- ção adiantada, e tamb^nn do sentimento mais humano, mais jusU>, mais apurado, sempre presidiíK) polacons- rieucia da mais fina moral, antithese do ('anho.

Nã') me demorarei em fatigar a tua paciência, repe- tindo os trechos que ficam desonvolvidauitíute aj)rocia- dos e julgado.s. No entanto, como compleme.iitj ás no- tas jà adduzidas, citarei ainda os seguint-^s passos do ullimo volume d3 ^''/•W7//j,que :igora niesiuo arabo de ler :

1". o reconhecimeuto do L'icas pelo Murzollo, pag. •37 ; "2". a baia reboar que o fjgo desse signal ao ini- mit'*o, pag. 11(5 : 3". ficar escondido ni restinga cada animal da tropilha, k espera, que o Tanho fizesse o sÍLf*nal de chauial- )S, pii;r. lOò e 141 ; 4". sentir o Jucá ter sido reconhecido, não ter p:)r isso necessidade mais ih* erumu lecfT, e soltar o nitrido, pag. 210 ; Jnca e Morena repararem no movimento do C:»nho, farejanMu o cbão, e ao sahirda villa conhecerem a pista do ^av illo d»' I). Romero tão bem como o gaúcho, pag. •J2G. .lá o (riiicho conhecer o rosto de um animal que elh' vira i>onais rezes tem o que s^^ lhe diga.

Haverá (|uem creia que todas estas operaçOv^s de uma' razi j activa e previdente, desenvolvida e perspicaz.

8 XII

«ejam actos de mstincto animal ? Senio o dirá de bôa ? Quem melhor se quizer convencer do prodígio, leia a obra.

Declaro que muito poderia produzir ainda para prova das impugnações, o que deixo de fazer por me achar em extremo fatigado e até enojado da matéria, por si mesma tao pouco agradável para a quem quer que for deter por mais tempo. Seja-me, porém, licito a- venturar uma apreciação synthetica da obra, encaran- do-a ao mesmo tempo sob outro aspecto.

Diz Senio em sua alludida nota ultima c^ue «o 1". volume é o desenho de um grande scenario, o esboça de um caracter vigoroso, cuja exuberância ainda nao foi revolta e propellida pelo esto da paixão; que no 2".

volume começa o drama.

«

Nao é as.sim: a obra divide-se em quatro livros, inti- tulados— 1°. O Pião; 2°. Jucá; 3°. Morena; 4". Huppa ! Os três primeiros, o auctor gastou-os em preparar a acção, que verdadeiramente nao apresenta interesse algum sinao no ultimo livro. Antes doeste não ha movi- mento que seriamente preoccupe o leitor, posto que al- gumas circumstancias destacadas nao deixem de o im- pressionar.

Por exemplo : um subjeito que joga a amante no pacáu, cousa nao pouco verosímil, como de máo gosto, sob o aspecto estethicol a coUocação de uma cruz sobre a sepultura de um cavallo, como se fora a de um christão ! unia velha que esld ainda de camisa à beira do rio, com medo de entrar no banho ! a Catita a pôr em seu regaço a cabeça da ^lorena e cobril-a de cari- nhos e lagrimas l Outra vez a Catita a arrostar a voraci- dace dos cães chimarrões por amor da égua, e que seria victimados molossos, um dos quaes começara a des- pedaçar-llíe a saia, si não passa jrrovidenciaJmenie uma vacca ferida, que os attrahiu para longe ! finalmente o grande amor do Canho a Catita, tendo soe absoluta- mente só por origem a affeição da moça á Morena. Si a moça não trata da égua, o Canho a nao amara nunca ! Nao podia ter flin diverso do que teve um amor, que nascera sob taes auspícios.

Has de permittir-me, meu amigo, que transcreva aqui as palavras sentidas do Canho, que as proferio de joe- lhos ao lado do corpo da Morena ferida. Admira est^ rasgo do sentimento épico e sensato do gaúcho, que nao

mi 9

66 pôde ler sem se sentirem as lagrimas acudir aos

olhos :

«_A.ssim devia ser '.—balbuciaram seu? lábios frouxos.— Vivemos juneto8,morreremosjuiictos,no mesmo dia. Murzello, nosso velho amigo, foi o primeiro; deixou-nos esta manhã. Tíós ficámos para \ingal-o ; elle deve estar contente, ( Porque não ? Si estava no céo... Vid. a pag. 172. ) Jucá, a esta hora talvez esteja com o padrinho í Quem era esse heróe T j ; terá conhecido o pae e o mano. A bala sem duvida traspassou- Ihe o coracáo, porque nfto soltou um gemido, nem chamou por ti nem pôr mim ; foi mais feliz ; nSo soffreu como tu. Mo- rena { »

Conheces typo de simplório mais perfeito do que este -Canho ? !

Continua a laxjientação do bravo e másculo gaúcho:

«—Foste tu çueni te mataste, amiga, e para salvar-me ! A bala em vez de atrazar a carreira te deu azas ; sentiste que me perseguiam, e voaste para me pôr fora do alcance do inimigo. £ nem um gemido, nem um signal por onde conhecesse que estavas ferida ! Ah ! se eu adivinhasse/ Para que fugirmos ? Melhor era morrermos ambos, combatendo, e vingando o nosso Jucá ! Eu só, nfto terei forças nem coragem i Que vale um homem meio morto ? eu morri no Murzello, morri no Juea; quando acabar de morrer em ti, que fico sendo ? Uma cabeça sem corpo ( nego; um coipo sem cabeça como sempre foi ) *; uma mfto sem braço / Entáo melhor é dormirmos juiictos

no seio da terra, »

Estás alagado em pranto, meu amigo ?

Senio fez que os melhor intencionados críticos e a- niigos calassem das nuvens. Todas as espectativas fa- voráveis à obra foram enganadas.

O segundo volume veio esmagar os mais resplande- centes castellos ; dissipar as mais brilhantes esperanças cios folhetinistas benévolos, concebidas por sympathia sem dúvida ao auclor, com a publicação do pri- meiro.

L'ra d'esí»es escriptores disse :

« O episodio, que constitue o romance de Manoel e Catita, acha-se apenas esboçado; provavelmente no segundo volume, que ainda nfto appareceu, ficará accentuado aquillo que se entrevê.

« Com que mimo e delicadeza é apresentada a travessa me- nina, que consegue domar a indomável natureza do filho dos pampas !

Outro disse :

O perfil de Catita, o lyrio do matto. appareoe no meio d'a- ouellas contorsões, combates, perigos e lagrimas, como o vulto d- uma estrella limpida resplandecendo ua tempestade. »

10 . XII

Engano de ambos. Nao foi a travessa menina qnera domou a indomável natureza do gaúcho; o auctor negou a este desgraçado Canho a misericórdia de um sentimento sublime, despertado exclusivamente pela mulher ; o gaúcho amou Catita, porque Catita mostrou compadecer-se daegut».

Também Catita nao é o lyrio do matto, a estrella limpida resplandecendo na tempestade. E' uma mulher vaidosa, que acceita a corte de Romero, que com ellp conversa á janella, e por quem se perde afinal.

E' ainda astuta e velhaquèta, que pretende illudir o Manoel com os versos de sentido dúbio ou duplo, que se applicam também ao castelhano :

(( Ai. nao fuja, nao, meu bem, « Que me mata esse desdém. »

Conclusão: nao havia sinceridade no amor de Catita; nao havia espontaneidade nem exclusivismo no amor de Canho. Misérrimas concepções \ Cada qual mais triste e deplorável !

Disseram mais os escriptores referido.s :

« Tratando de Bento Gonçalves, que, adivinha-se, terá de representar um grande papel no seu romance, .José de Alencar dá-lbe ura caracter épico e esculptuAl. cobrindo de veneração o grande homem do seu paiz.

« O perfil do coronel Bento Gonçalves, que vai formar » base primordial do segundo volume ào Gnúrho, está delineado com mâo de mestre. »

Engano de ambos. Nem Bento Goncalve.s rejiresoita nrn grande papel no romance^ nem Bento (lonçalves vai formar a bcise primordial do seginido rohivto do Gaúcho.

O auctor passa por cima do nome e das l^uli(;(H^^, e, posso até dizer, da historia do grande brazib^n», como galo \)ovlrrazas. Sempre o defeito característico : des- preza a fonte perenne, inexgotavel, para ir pedir al- gumas gôttas ao arroio estanque; deixa-se a historia e a natureza, e soccorre-se ao apoucado capricho k ima- ginação exhausta.

« Quanto á parte histórica, o auctor foi mais solunotlo que desejava, e quiçá do oue esperava o leitor ; limito-me a atra- vessar de relance o prologo da revolução rio-grandense. n Vui Sento que acabou de fallar.

Todos ficam boqui-abertos, menos o que escreve »'stas linhas. Atravessar de relance o prologai Nem, ao meno.<.

XII 11

teve em consideração as previsões para dar algum de- senvolvimento á parte histórica e ás espectativas do publico. Tudo quanto pOe ligeiramente em scena com relação k revolução é incompleto, minguado e depri- mido.

« A isso o obrigaram seus escrúpulos; trinta e cinco annos, menos de meio século, não bastam para archivar factos e per- sonagens t&o lijprados ainda ao presente pelos vínculos das paixões e da familia » eis a razão ciada por Sento,

Uma cousa te digo, meu amigo, vem a ser : que poucos se julgarão com pulso para pôr a mao n'essa ceara, d^ouue lia épicos fructos a colher.

Ninguém dirá que o Gaúcho nSo seja uma espiga.

Mas devo declarar-te com franqueza: os fructos pecos e fanados servem para mais sensivel nos tornarem o damno da abundantíssima e excellente messe, que se perde nos campos nataes, á míngua de um segador idóneo.

O tempo no-lo trará decerto. Nao desanimemos.

éC

[Continua)

Uncleciíràa car*ta

DO ROCEIRO CINCINNATO AOCIDADÃO FABRÍCIO Rio de Janeiro, 6 de Octubro de 1871.

Preclaro amiíro.

'tD

Passei uns dias sem caturrar comtigo, e tinha sau- dades dVste nosso cavaco ; vamo-nos a elle.

O projecto, geralmente almejado, é lei. Deixemos o paiz regosijar-se com a nova e honrosa era, que os le- gisladores lhe depararam; o governo receber os testi- munhos internos e externos da gratidão da huruani- dadíí; e todos, como cada um, prepararem-se para a es- plendida transformação social. P] visto que voltamos a l«mpi)s normaes, é chegada a occasifio de concluir eu o paganiíuito de uma divida.

nas minhas ò». e 6*. carta, de 20 e 2'2 de ao-osto, escriptas, apenas o Jornal do Connuercio deu o leor da

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interpellaçao do Sr. Aleucar, repuUi a série de invecti- vas, falsidades e calumaias, que ( de logar onde me uao era possível dar-lhe resposta, aliás o mo ousaria) imaginou derramar .-lobre mim, se é certa a iatençao que g:eraImeDle se lhe altribue.

Eutre essas amenidades, disltnguiram-seas seg:uiri- tes: X Não dou a menor imporlancia a esses escriptos, nem a seu auctor. « Rabulices litterarias, de que lenho nojo » Esse estrangeiro acoompanhou a dis- cussão como acolyto w « . o seu iusulso arauzel n suisso da penna » « cavalleiro de injuria, para pagai* arj qual se despeja:u tis coffres públicos » « aventu- reiro )) «pertende surg-ir do despréso publico em que caiu. n «Os meus adversários [ mercê de Deus j nSo sao d'aquella urdem. » «O Presidente do Coaselho abriu-lhe o Tbesouro, que oHtr'ora se lhe fechou, n II Hade prestar a outros, e por erjual vazão, o mesmo serviço que ora está prestando, ii " Penna mercená- ria, n « Assalariado » etc. etc.

Está o extracto feito com lealdade, e condensado por tal arte que a injuria omDÍmodae.-iguicha que nem agua da fonte de compressfio^ Estimo, estimo: e se novamente desenrolo o sudário, é porque me pesaria que ulguem desconhecesse o inqualificável e ferino das provoca- ções com que correspondeu ás maiores provas de cor- tezia e deferência, quem fugiu do terreno para onde chamara. Eu que almejo por tratar cora respeito ti todo o género humano, para merecer tratamento egual, uao quizera se desconhecesse um momento a força maior, que rae constrangeu a mudnr de linguagem para com quem gratuitamente me vilipendiava e ca- íiimniava. Ha homens, que é preciso pôr no seu lugar. Declarei pois, desde logo, que levantava a luva, com a differença de que uao pagaria injuria com injuria, e mil vezes menos calumnia com calumnia; que agrade- cia a rudeza com que se saltava por sobre tDdaa as considerações, auclorizaiido-me a saltar por sobre al- gumas ; que parem aj .ivstema adverso de invenEor factos deshonrosod, corresponderia com o systema ju- rídico de allegar e provar.

Curvei-me ante a condemnaçfto da mínha intelligea- cia, mas nao ante a da rainha probidade, fsao appeliei da sentença, que m^ giroclamava rábula litterario, es- Irangeirj acolyto, auctor à.i aranzeis insulsos, e digno do dcspi'i3so (io chauceller das ri;p«taç<les. Tudo isso

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sao apreciações intellectuaes, em que S. Ex. pode ou nflo ssr acompanhado pela opiniaof acceito tudo das dadivosas mãos de S. Ex., inclusive o diploma de parvo.

Agora, o que nHo acceitei com egual humildade, foi o restante autem genuit de accusações de facto, d'aquel- las que, uma vez proferidas, ou deshonram o accusado com o stygma de miserável, ou o accusador com o fer- rete de calumniador. Declarei eu immediatamente que convidava o arrenegado orador a despir-se das suas í elásticas ) immunidades, a repetir as mesmas argui- ções pela imprensa, protestando-lhe eu habilital-o no mesmo dia a dcsmascarar-rae, provando nao todas, mas uma única das suas increpaçOes de mercenário^ assalor- riado^ cavalleiro dHiyuria, s7iisso da penna para quem se despejam os coffres públicos^ a quem o Thesouro ou- Ir ora se fechou e se abrnn arjora etc. etc. Que nome me- rece quem vem à praça com linguagem d'estas, e con- vidado pela sua victima a justificar as suas palavras, treme de repetir f^ora responsabilidade aquillo que sem responsabilidade barateia?

Se me não posso lisonjear de gabar-lhe outras qua- lidarlos, ao menos a da prudência merece os meos prol- façrt.s. R*íalmente faz muito bem, porque a invenção foi triste, porque a immunidade parlamentar (?) a tornou impune, e porque, barafustasse o accusador quanto quizesse, nunca acharia um pretexto sequer para as suas ousadas asserções.

Se S. Ex.* quizesse dar-se ao incommodo de occupar os seus espias, e se elles o nao illudissem, dir-lhe-hiam, de Cincinnato, ou de quem quer que neste nome se chrismasse, o seguinte :

E' falso que cUe seja, nem jamais fosse, assala- riado por ninguém, nem noBrazil, nem em parte al- guma, do mundo. Nunca poz a sua penna ( de ouro, ou de chumbo, isso não é o caso) á disposiç&o senão das suas convicções. Tem pejado os prelos com dezenas de volumes, impressos sempre á sua custa, ou de seus edi- torei. Tem superintendido a redacção de 7 folhas perió- dicas, durante largos annos ; tem sido escriptos seus accolhidos em mais de 30 jornaes, allemSes, francezes, portuguezes, brazileiros, sem que jamais recebesse es- tipendio algum por estas col laborações, e sendo pro- priedade sua as folhas que superintendeu. Doeste cons- tante procedimento em nada destoa o recente: ninguém

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lhe offereceu, niaguem lhe ousaria offerer^M' espécie alguma de remugieraçao por seus pobres escriptos, pelo cavalheirismo inconcusso de quem taes offereci- mentcs houvesse podido verificar, pela certeza pré- via de que bastaria o mínimo vislumbre que a tal pro- posta se assimilhasse, para o fazer não molhar a penna em tinta, mas quebral-a.

E mais lhe diriam os mexeri^^ueiros :

E' egualmente falso o tal escaucaramento do The- souro, pois, após as mais minuciosas pesquisas, achá- mos, que Cincinnato nunca directa ou indirectamente d'alli recebeu um ceitil, que nao proviesse de poderes conferidos por credores que o eram por leis ou senten- ças; que ha muitos annos e até hoje, nem mesmo nestas legitimas qualidades tem levantado nada ; e que final- mente nao tem lá, nem por si, nem por procuração de terceiro, requisição ou pertençao de espécie alguma.

Parece ser tudo isto assaz positivo, e que um dos dous falta á verdade ; qual será?

Sem applicaçao, e coma pratica entre nós ambos, dir-te-hei que em algumas de minhas recentes leituras, impressionaram-me certos estudos retrospectivos. As- sim li eu que no tempo dos imperadores romanos, quando se considerava extincta toda a vida publica, o famoso direito de accusaçRo privada deu origem aos abusos mais odiosos, e o papel de accusador tornou-se, sob o nome de delação, tão lucrativo como infame. « V.yt isso, uma das mais bellas creações do génio mo- derno ( diz a Noxm Encyclopedia) é indubitavelmente a instituição de um ministério publico, orgam da lei e representante da sociedade, substituindo as accusações particulares, eivadas geralmente de sentimentos ranco- rosos ou de interesses egoistas. »

Depois de affirmar que a obrigação do denunciante» é dirigir-se abertamente á justiça, e appresentar-lhe as provas de suas asserções, Montesquieu chama bem a attençao para este memorável uso : « Em Roma, o ac- cusador injnslo era notado de infâmia. »

Nós cá, se tivemos na lei a marca L para certos casos, nunca tivemos a marca C para calumniadores ; mas se é certo que hoje nos parlamentos reside seu quê de soberania, e tanto que os Deputados sao Augustos^ e tem o rei na barriga, lembrar-te-hei que a nossa or-

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denaçao nao era tao imprevidente como isso, pois no L. V. tit. 10, alli diz o competente Augusto : « Man- damos que toda a pessoa que nos vier dizer mentira, em prejuizo de alguma parte, seja degradado 2 annos, e pague 20 cruzados para a parte em cujo prejuizo nos assim disse a mentira, e mais ficará em arbitrío do julgador dar-lhe mór pena, e julgar á parte sua inju- ria, se for caso d'injuria. »

Graças a Deus, que as luzes do século, a liberdade da lingua, a inviolabilidade dos inventores, as con- veniências sociaes, e o monde marche^ tudo isso subs- ' tituiu o eterno direito pelo direito novo ; e d'estar'te as sociedades marcharão avante por uma estrada real ; se uâo for a da civilisaçao, será a de Pantana !

Paro aqui. Logo terei occasiao de, estupefacto, per" guntar-te quem é a bocca d'onde saíram taes accusa" •ções...! por hoje nao compliquemos.

Teu dedicado

ClNCINNATO.

"Epigraramas e madrigaes, originaes ou imitados

Dua troca

Eu mandei-te uns pobres versos ; ( Tiveste a bilha de leite ). Mandas-me um presente esplendido. ( Graças & bilha d' azeite I )

Jk. uma moça, qu.o sotore a sua otlad.e, mento sempro

« Quantos annos fazes, Ânna, neste'dia afortunado ? » «' Dezoito.» « O que! Vinte e cinco fizeste o anno passado. »

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(( Quantos ânuos fazes, Anna ^ » ft Este é o vigessimo quinto. » « Dizes sempre isso ha dez annos « Pois ahi que nao minto.»

« Quantos annos fazes, Anna ?

« Hoje faço dezesepte. »

« Nao me admira, não me admira;

essa continha promette.

Fizeste vinte, ha dous annos;

no passado, menos um;

indo assim... em poucos annos,

.nao fazes anno nenhum. »

Zero.

Ao ou-vir-se que a IRA.OE:>i A ia sor trasladaOi

a Italiano.

vao verter a Iracema em grego, e latim, e inglez. Se eu fosse o auctor do poema, vertia- o em portuguez.

Themislocles^

Typ. e Lith.^IMPARCIAL— Rua Sete de Setembro, 146.

QUESTÕES DO DIA

isr.. 13

RIO DE JANEIRO 12 DE OCTUBRO DE 1871.

Veode-se %m casa dos Srs. E. & H. Laemmert. Praça da Constituição, Loja do canto.— Livraria Académica, Rua de S. José n. 119 Largo do Paço n. C— Rua de Gonçalves Dias n. 79. Preço 200 reis.

rrendeneias desor^ganisadox^as

O que a constituição regulou sobre a existência po- litica da sociedade brasileira assenta om tao solidas bases de verdadeira sabedoria, que, alliando no interior a ordem e a liberdade, serve de exemplo, attrahe aat- tençao, e o respeito dos povos estranhos.

No entanto ha um circulo de innovadores, que, apresentando, com deturpação clamorosa da verdade, este paiz em lucta incessante com a influencia de um elemento desorganisador da liberdade politica, pre- tende, com insistência, inocular no espirito do povo principios erróneos, e .subversivos da monarchia re- presentativa.

As idéas republicanas estão desde muito desaccredi- tadas no Brazii ; e nao será hoje que conseguirão fazer fortuna ; porque hoje, mais que em tempo algum, o prestígio da monarchia, como foi pautada pela nossa constituição, acha-se justamente firmado na pessoa do actual imperante, e na augusta familia, cujas virtudas o Brazii admira.

As idéas republicanas foram vencidas pelos prin- cipios suos da nossa forma de governo, quando preten- deram os seus coriphêos irapol-as com a denominada reimbíica do Equador em 1824, com a sabinada na Ba- hia, em 1837, e com a republiqueta de Piratinim, nos primeiros annos do actual reinado.

As idéas republicanas cahíram em justo descrédito com esses e outros movimentos políticos, em que sempre triumphou a ordem constitucional da monarchia repre- sentativa. Hoje essas idéas pretendem rehabilitar-se.

2 XIII

tendo por apóstolos um ou outro liberal histórico, al- guns descontentes e insofeidos ambiciosos de mais re- cente data, e jovens sonfiadores em quem queremos» suppôr boa fe.

E, cumpre dizer, o que lhes deu animo para essa tentativa de hoje, na imprensa, foi o despeito de alguns dos nossos homens politicos, a quem, por sua posição na sociedade, corria imperioso dever de serem sempre comedidos nos seus meios de opposiçao, e em suas aspi- rações ao governo.

Temos visto, desgraçadamente, que, sempre que os partidos entre nós descem do poder, ou todas as vezes que certos homens se vêem burlados em seus cálculos politicos, é logo a peasôa do chefe irresponsável da nação o alvo certo de aggressOes ou insinuações mais ou menos manifestas, com o fim de fazel-o passar como exercendo no governo influencia indébita, e perni- ciosa !...

Temos visto, mesmo no seio das camarás, serem enunciadas, e repetidas, proposições n'esse sentido !... Deplorável desabafo I grande erro !...

Houve quem dicesse que no poder moderador es- tava consagrado o absolutismo!... E dizia-o em voz accentuada, mas nao exprimindo a verdade constitucio- nal, nem a verdade da sua consciência, porque sempre dera provas de que a sua consciência politica n'este ponto era outra : exprimia somente a paixão, mal ca- bida, do momento.

E mal cabida, porque os homens politicos, altamente coUocados, e de reconhecida intelligencia, nao podem, sem desconceituar-se, e nao devem, sendo homens de ordem, apaixonar-se por modo que appareçam em pu- blico, ou pela palavra, ou pela penna, soltando erró- neas proposições de tal gravidade.

Ainda na sessão doeste anno, por occasiao de discu tir-se a proposta do governo sobre o elemento servil, testimunnámos todos o que se disse no parlamento, o que se escreVeu imprensa, por parte dos adversários da grande providencia, sobre a influencia do supposto poder pessoal,.,.

Tudo isto tem serv do de incentivo, de tempos a esta parte, para essa cruzada que se pretende arregimentar contra a instituição da monarchia representativa entre

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nós ; contra essa forma de governo, que nos tem con- servado unidos como nação, que nos tem angariado a estima e o respeito dos povos civilisadbs; que r.os tem dado gloria, como aquella que nos veio dos nossos triumphos contra a barbaria do tyranno do Parag-uay, que ameaçava subjugar as republicas visinhas, sem- pre tao mal reconhecidas dos serviços que de nós recebem. ,

Olvidam os partidos entre nós que sao elles que se inutilizam, que se gastam depressa, e se inhabuitam para continuar no governo, quer por suas discórdias intestinas, quer por erros, ou incapacidade, ou des- gostos dos seus chefes, desgostos quasi sempre gerados por seus próprios partidários.

A situação politica decaída em 15 de julho de 1868, bem o sabem os liberaes, e progressistas de entSLo, nao foi determinada pelo capricho, pela impo- sição da corda, mas sim pela força das circumstancias, que actuaram de modo dissolvente no partido liberal.

Essa situação, como é sabido, e confessado por muitos dos principaes chefes que n'ella activamente figura- ram, nunca podéra formular programma certo, confes- savel, de governo.

Os chefes liberaes, reunindo-se por mais de uma vez para chegarem a um accôrdo n'esse sentido, nao o conseguiram.

D'ahi resultou que alguns se retrahiram, e outros fo- ram fazendo politica por sua conta.

D'ahi resultou nao menos que desde logo a situação se viu coUocada em terreno falso; e o fraccionamento do partido, composto de elementos dissolventes, tor- nou-se manifesto, denominando-se uns /i6e?'ae5 históricos e outros progressistas,

D'ahi a lucta que se tornou encarniçada ao ponto de dizerem os históricos^ em pleno parlamento, ser pre- ferível a ascensão dos conservadores.

Chegadas as cousas a este ponto, e quando o presi- dente do conselho do gabinete de 3 d*agosto, chefe da fracção dissidente, creava, calculadamente, como tudo faz crer, uma crise, com o fim duplo, ou de tornar-se dominador absoluto da situação, ou cair e dando mate aos históricos^ dos quaes se achava completamente di- vorciado, a mudança que se operou na politica do paiz foi consequente, foi natural.

4 XIII

Si logo, no outro dia, &s duas fracções decaídas se uniram, em amplexo fraternal, para guerrear a nova situação, creada pelo chefe dos progressistas do modo mais desasado, foi isso consequência? Não foi antes um desconceito para os que assim procederam ? E que im- putação justa contra o procedimento da coroa podia ser feita pela nova liga, uma vez que a coroa não tinha outro alvitre, sinão o que tomou? .

Os liberaes tinham-se inutilizado para continuarem no governo : seus chefes mais illustres, como o Sr. Nabuco e outros, tinham estado no ministério, e ha- viam-no deixado por desgostos com o partido. E si havia o Sr. Theophilo Ottoni para organisar novo mi- nistério, não era possivel que fosse bem succedido, visto como, sendo histórico^ estava em guerra aberta com o Sr. Zacarias, chefe dos progressistas, e por estes seria hostilizado.

E, sendo consultado pelo Imperador o chefe do ga- binete demissionário sobre a pessoa que lhe parecia mais adequada para, n'essa occasião. ser encarregada da organização do novo gabinete, o Sr. Zacarias não indicou o Sr. Ottoni; reconheceu que era chegada a vez de passar o governo às mãos dos conservadores, e in- dicou o Sr. Visconde de Itaborahy.

Ora, sendo tal facto determinado logicamente péla ordem dos successos, si não teve a coroa, sinão aquella influencia constitucional que justamente devia exer- cer; não podendo haver outra solução possivel; não foi um desabafo lamentável, e desleal de partido tudo quanto se escreveu então, tudo quanto se disse contra a politica pessoal da coroa, no modo porque exercera a prerogativa constitucional?....

O thema constante dos novos propugnadores dos princípios republicanos é a influencia do poder pes^ soai existente com a mouarchia; e pára isso, ou inven- tam factos, ou desfiguram os que se passam, e investem contra todos os actos do poder executivo !

Si a policia prende os criminosos, é ura abuso r.ívol- tante da politica imperial I

Si se o caso de um assassinato, é effeito dapoZtZica impe^Hai I

Si o gov^no apresenta, como apresentou, a proposta para abolição do elemento servil, é uma imposição ím-

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perial; perde todo o merecimento a grandiosa idéa, porqne se pôz & sua frente o governo do Imperador!

£ o mais é que n'isto foram animados por quasi todos os que (como j& pouco antes observámos) comba- teram a proposta, pertencentes ao partido conservador, ou como taes considerados !

Oh ! bem perniciosa é a influencia da politica do poder pessoal^ que, interpretando sabiamente a opinião pu- blica, promove o maior dos bens, que o paiz podia re- ceber dos seus legisladores.

Bem perniciosa, no vosso dizer, é a politica imperial que veda o trucidamento dos partidos entre si, como auccede nas republicas, que tanto admirais, vós outros que pregais o gpverno republicano

Pelo regular exercício das attribuições, de que se acha investida, a monarchia modera a fúria dos par- tidos. Sendo este o governo que consagra placidamente o governo das maiorias, nao sendo o Imperador crea- lura de um partido, mas chefe vitalicio, e defensor perpétuo da nação, nao pode ser sinSo o juiz impar- cial, que nas evoluções regulares dos partidos, entrega o poder & maioria em condições de governo nas pessoas de seus representantes mais auctorizados, seja a maioria liberal, seja conservadora.

Na nossa feliz forma de governo, estas operações fa- zem-se por meios naturae^, sem as commoções que âoem dar-se nos governos de forma republicana, onde, geralmente falando, as maiorias despotizam, porque sao sobre maneira intolerantes; o chefe que empunha as rédeas do goverao é o chefe do partido que vence, tem dividas de partido a pagar : tem paixões a satis- fazer.

A fé, com que os propugnadores das idéas que combatemos querem implantal-as com o descrédito da monarchia, e mesmo das qualidades pessoaes do Impe- rador como magistrado supremo da nação, essa falta de verdade com que apreciam os actos de um governo, que pode querer o bem da nação; e os perigos que na sua applicaçao encerram como gove»'no os principios itípublicanos, fazem que a opinião pública repilla entre nós taes principios; mas, nao obstante o descouceito era que sao tidos, não será de mais que os amigos da ordem mouarchica os apreciem uma ou outra vez, como agora fazemos, no interesse da defeza das boas idéas.

6 XIII

Nas condições do Brazil, nSo lhe convém outra forma de governo, sinao aquella que possue; porque offerece ét liberdade politica os precisos impulsos, como também à ordem publica.

Do que precisamos é de educação politica nos partidos militantes; que os cliefes saibam conservar-se na altura dos seus deveres; que saibam reconhecer que a lucta das opiniões deve ser sempre nas espheras constitucio- nal e moral dos partidos, nao se desprestigiando elles mesmos com soffregas ambições.

Nao será sinao com a forma de governo que feliz- mente possue, que o Brazil, grande no seu território, grande nos seus recursos naturaes inexgotaveis, ha de engrandecer-se moral e politicamente entre as nações, exercendo tranquillaraente, e com zelo patriótico, seus direitos politicos; cultivando e desenvolvendo o tra- balho e ás fontes de riqueza; fazendo cada um conveni- ente uso.de sua actividade individual.

JUNIUS.

OTbras cie Senio— O Oa-ú.olxo

(Cartas a um amigo).

VII.

Meu amigo.

Acabo de ler o Gaúcho e pergunto á memoria ou ao sentimento, si houve no decurso d'essa historieta ras- go, que me deixasse duradoura impressão no espirito

ou no coração. Embalde !

Nada, meu amigo ! Nem um lance de mestre em 499 paginas ! Por mais que se queira, nao se encontra uma scena completa, que verdadeiramente commova e ar- rebate, ou deixe traços no anima djy leitor que sobrevi- vam á leitura. Si tudo nao é pallido e frio, e n'alguma

XIII

cousa lia cores e calor, esse calor é incongruente, esse colorido é desvairado.

Sento nao escreve para explorar o sentimento. Preoc-' cupado inteiramente com os enfeites, com os arrebiques, com as exterioridades de inadmissivel estylo, pouco se importa com pintar ou nao a vida. E' de tal ordem o dizer deste livro, que, em pre sença d'elle, até se po- derá achar mimo na Lucíola, e fluente suavidade no Guarany.

No último livro, que é onde apparece certo movi- mento dramático, situações ha que offereceriam ensan- chas para um effeito commovedor; entretanto, passam frias ou com calor mediocre; o leitor adivinha, compre- hende que o lance aspira a força, mas nao o sente ; des- nerdiçam-se d'est'arte occasiões solemnes, d'onde uma "jenna proporcionada á altura das circumstancias po- UTÍa aproveitar mais de um brilhante successo.

Recuemos ao livro 3". Sabes que Senio encarece aos quatro ventos o seu Canho. Forma d*elle idéa agigan- tada que se perde nas alturas do zenílh: reputa-o ty- po, grandeza cabal organisação escuiptural e alhlé- tica.

t-m olhetinista comparou o Gaúcho ao « Cid Cam-

fícador, que se destaca das paginas do livro, à seme- hança iqs bustos de mármore nas raaos artisticas de Pradier. E a propósito: busto é de certo o Canho, isto é um organisação mutilada, amputada, que de homem se tem o rosto, e longe está do exprimir a energia vaimij em toda a sua inteireza.

Sao tanth as cousas a dizer que um volume bas- taria.

Vejamos co.q acorda aquelle coração « cujo desper- tar devia ser ^ilento, uma explosão; cujo amor nasce no meio dos coihates sanguinolentos u como nos refere o auctor. »

Entre parenthe.^ ; que combates sanguinolentos são esses, no meio d* quaes nos diz Senio ter nascido o amor de ManoeH > leitor apenas e difficilmente os poderá presuppôr, í^q oue o auctor os tenha pintado para fazer vivo, na.pal e grandiosamente original o rebentar do affecto. v gaúcho nao era mais que um botnheiro , qualidade q% q impedia de empenhar-se em lucl * serias ; era um e.^^^ q cq^qq tal o vemos escon-

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J^lLL

dendo-se no matto, fugindo ao ver troços inimigos, conduzindo cartas a Rosas, etc. Onde os combates san- guinolentos, no meio dos quaes brotou a pHÍxr.o & Ca- tita ?

Áh ! bem diversa se passou a transição. A paixão re- sultou de uma circumstancia accidental para elle a de encontrar a Catita abrigando no regaço uma égua agonisante.

« -Morta ! disse elle, precipitando-se. « Nao I balbiíciou Catita.

« Os olhos do gaúcho, encontrando os da rapariga, nao se desviaram, como outr*ora. Quem elles viram n&o era mais a mulher bonita e seductora, e sim um coração, que entendia e partilhava sua dôr ; uma alma que n'aquelle momento solemne entrava na santa com- mimhaode suas affeiçOes. » (Vid. pag. 129 e seguinte.

Eis ahi como nasceu a paixão do Hercules eunucb, do preconisado centauro com coração de pomba-rola

Depois d'isto elle nao tem o primeiro abraço para^a- tita, mas para o alazao. « então abraçou o alazo, a çwcm na véspera julgara morto. » (pag. 130.)

No meio d'esse doloroso transe, vem o Luc» cha- mal-o, e parte, sem dizer à Catita : Aqui te l?am as chaves e Id se foi ouvir, três discursos, um de Ortis, outro de Verdun, e o ultimo do furriel > ( pag-

132.)

Apresentou, porém, certa duvida para ^o seguir 03 correligionários, não em attençao à C«^ta, mas á morena^ que estava enferma.

« Porque razão nao quer você ir c^^^osco, Ma- noel ?

c( —Algum dos senhores abandonaiá- seu irmão e seu amigo, quando elle está a expirar "^

« Acima de tudo a pátria !

« —Minha pátria é a campanha, ^^^ ^orre meu ca- vallo. »

Nada ainda de grande para co* ^ °i^Ça» nem tam- bém para com a pátria, como vês,

Por fim como houvesse extr/^^^^ » bala da ferida da égua, o gaúcho a apertou/ seio o corpo trémulo damoça e desappareceu. »

/ /

XIII 9

Eacontrou-a depois montada na égua.

« Manoel ! disse Catita.

^Viva! balbuciou o gaúcho. » (pag. 145.)

Foi então que « Manoel colheu a flor dos seus lábios mimosos, que soluçaram n'um beijo » Todo entregue nos seus cavallos e às suas éguas desde creança, saberia acaso o Canho que existia no mundo uma cousa a que se chamava beijo ?

Soubesse ou nao, eis como despertou aquelle immen- so coração. Ainda procuro a explosão e nao acho. Por um olhar, por um amplexo, por um beijo principiam quasi todas as paíxOes e até as mais comezinhas e tri- viaes. O que nos deu, pois, Senio de excepcional e ma- gestoso no despertar do amor do Canho ?

Entramos agora no e ultimo livro.

Ha duas situações enérgicas neste livro, mas imper- feitas: a primeira, quando Manoel volta, creio que para casar com a Catita, e a encontra víctima de sua per- fídia ; a segunda, quando depois de haver assassinado o castelhano, e de o arrojar ao abysmo, com a moça a fazer -lhe mil protestos.

Na primeira, andou o auctor assim assim; ahi tal- vez interesse ao leitor, posto que empregando a lin- guagem do silencio. Ha muito quem seja tido por elo- quente e até sábio, por guardar silencio.

Na segunda, falta o auctor á lógica, deixando o ga- úcho tolerar a mulher lançar-se á garupa da morena e com ella desapparecer na corrida desesperada pelo de- :5erto a dentro.

Em situação nenhuma o Canho caiu tanto, como n'esta, da qual podia ter tirado o auctor o melhor par- tido, que ella a isto se prestava.

íí'aquelle auge, um homem de génio vertiginoso, de '•ar^-sTír arrebatado, nlo teria piedade para a mulher, que o tr.iliira na primeira, na uiiica excelsa paixão de sua vida. Uma ve/2 « abarcando na cai)ei"a da moca as longas trancas negras, revoltis pel) sopri) da tempes- tade »> devia arreinjssal-a ao abvsmo, <jii le se achava o chileno. Tocante verosimilhança havtjriu n*esse as- soía i de vingança bravia I

St:. ih disdeiiiia, p)rém, a naturalidade para favo- re tv o romance"!

\A vai Ciitita correiídj s)b t)los os mil azorragiie^

10 XIII

do parnpeiro, agarrada ao Canho ; e perdem-se amidos na immensidade do desconhecido. Vão viver muito- bem, talvez, muito felizes nas esplendidas oLscuri- dades do deserto.

Pobre Canho !

Ha um typo consequente: é o de Félix, que se suicida quando escapar-lhe o gaúcho, de quem elle morria de ciúmes, por causa da Catita.

E o pampeiro *?

Quando conheciamos apenas o primeiro volume da obra, censurámos a Senio a descripçâo minguada e ca- ricata, que fizera do furacfio do pampa. Agora que, no segundo, consagra especialmente um capitulo á pin- tura do pampeiro, aprecieiuol-o.

Desenhando a savana ao pino do meio dia em seu pri- meiro volume, abstrahe de toda a creatura animada que habita n'essas solidões, e chega a dar a estas a de- nominação de pasmo^ de lot^por da natureza. Acha mais natural e verosímil surgirem os peixes á flor da agua no mar para denunciarem ahi a vida, do que correrem e relincharem os cavallos, pastarem as rezes, apparece- rem veados e outros animaes, voarem aves no pampa, com o fim de deduzir d'ahiuma suppostaimniobilidade ou paralysia para a natureza. Tudo por amor de um contraste í de mero capricho í

Em quanto assim faz relativamente, á savana, ve- mol-o cahir no excesso opposto fazendo « arreraetr terem no pampeiro cem touros selvagens bastava nvi para dar idéa da braveza da natureza ) escarvando o chão ; sentir-se o convólvulo à^mil serpentes, que es- tringem as arvores colossaes e as esiilhaçam silvando ( que arvores colossaes essas, que as serpentes estilha- çam com seu convólvulo l) \ m\eLV a malilha b morder o penhasco d- onde arranca lascas da rocha do penhasco ou da rocha ? ) como lanhos da carne palpitante das víctimas; tombarem os tigres de salto sobre a presa com um rugido espantoso; finalmente ouvir-se o ronco medonho da sucury braudirdo nos ares a cauda enor- me e o frémito das, azas do condor, que me cora hór- rido estridulo. » (óptimo esdrúxulo).

Senio tinha dito : « O pampeiro é a maior chólera danaturera; o raio, a tromba, o incêndio, a inundação, todas essas terríveis convulsões dos elementos nflo pas- sam de pequenas iras, comparadas com a sanha ingente do cyclone, etc. »

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Depois de assim pomposamente apregoado o pam- peiro como a chólera maior da natureza, ante a qual sao pequenas iras as terríveis convulsões dos elementos, o que ó que vai constituir a magestade original, a des- communal grandeza do phenómeno meteorológico *? O arremesso do touro, o aperto da serpente, o uivo do cfto, o salto do tigre, o ronco da sucury (ainda serpen- te,, as azas do condor.

Ainda mais : o pampeiro é também a cauda da sucu- ry brandindo nos ares!

E as gargalhadas do raio ? E a alma do Canho a cris- par-se'^ E as tempestades fugindo pávidas com medo do pampeiro, como um bando de capivaras ouvindo o ber- ro da giboia ? ! !

« Únicos, no meio d'essa horrivel subversão, aquelle homem ( o Canho ) e aquella mulher ( a Catita ) nao se apercebiam dos furores da procella. » Estavam cadá- veres, nao ha que ver. O Canho nem via os relampa- g-os cingindo de uma auréola fulminea o semblante da moça !

Nao; « dentro de suas almas lhes tumultuava outra furiosa tormenta, que as devastava com sanha mais terrível que a do raio. »

Ainda assim não era motivo para se nao aperceberem dos furorL . da procella. Daria o auctor mais verdade e força ao lance, si fizesse esse homem e essa mulher ti- rarem novas energias e novos estimulos da própria lucta dos elementos, tendo porém d'ella clara consciên- cia.

Nota-se n^essa descripçao luxo de palavrosidade, vigor de phrases retumbantes, cijclones, athletas, gigfi^f^- tes, cobras, touros^ tigres, cães, e até demónios, que vem do bárathro, porém na verdade muito pouca cousa do real desabrido embate dos elementos.

Depíús de se haver admirado a deácripçao do furacão por Audubon, nao pôde ler-se sinao para ficar-se con- tristado, mormente si se é brazileiro, a descripçao do pampeiro por Senio.

Meu amigo : nao quero mais alongar-me n'esta fa- tigante analyse.

Amanha dnr-te-hei minha última palavra sobre o Gaúcho.

{fiontinúa)

12 XIII

I>u.odeoima eax^ta

DO ROCEIRO CINCINNATO AO CIDADÃO FABRÍCIO

Kio de Janeiro, 10 de Octubro de 1311.

Venerando de boi.

Bons dias, meu velho. volto a bater o pre^o. Queixas- te de que eu na minha correspondência tiacte ab kocet ab kac, e me nfto concentre mais. Podia responder-te que, se ha culpa em mim, 6 no opposto ; mas nilo disputemos. Ja receio parecer pefifajoso, nilo clesaferrando de tão seceante matéria : vejamos pois, se se acaba, desta feita, com a an%ljse da interpellaç&o.

provei que houve injustiça nas accusações parlamentares feitas pelo Sr. Alencar contra quem tomou por um pata-choca, contra quem n&o pertencia ao parlamento, e nem mesmo ao ser- viço puolico ; agora cumpre deslindar quem seja o marruaz que atira estas pedradas de cortiça, sonhando-as de bronze. De vitupérios, d'aqui argumentos : vós ás duras, eu ás maduras ; quem diz o que quer, ouve o que nfto quer, comquanto eu reco- nheça que onde elle é sol, nilo passo eu de pirilampo.

Mas para que me não acoimes de insultuoso, preciso primeiro varrer a testada, e deixar assente ja minha opinião sobre duas questões prévias.

Deixa tu gyrar os alcatruzes da nora I

' l.« E' punivel. na ordem criminal, moral, religiosa, civil, ou politica, o abjurar? Eu ponho-lhe muita dúvida. 2." Ha crime em ser mercenário ? Também me parece que não.

Quanto á primeira these, não ha nada mais fidalgo que os precedentes históricos : Clóvis, Turenne, Pedro III, Catharina. Christina de Suécia, Augusto de Saxonia, os sábios Zacharias Werner. conde de Stolberg. Schlegel, Hnller, e tantos outros luminares, abjuraram; assim como apostataramo padre Anto- nio,Bernardotte, e uma porção de outros tiííurões. Substituindo o barrete de clérigo p^la carapuça vermelha, muitos padres re- negaram da sua crença no altar da Deusa Razão, que a despeito do nome, não gerava senão desarrazoados horrores.

Não cxcaves muito, porque em geral acharás sempre um porquô, muito feio, nestas revira-voltas, de pássaros de bico amarello, em cada uma dns (\\v\q^ o apóstata costuma segredar a si mesmo a phra-e que Heuritiue IV dice, se é que dice : « Com :íOO pip-A^, o rein j do França vale bem uma missa. » Entretanto esta> iingicas intelh^etuaos nãi) são raras, nem obscuras ; e quando meditadas e n?.o repetidas, podem estas abjiiraçúos ser conversões. Resolva-o a consciência, e não o fulminem os homens.

Pelo que toca á segunda these, direi que se hade stygtnatisar a alma mercenária, que, nas cousas da vida, (^ue devem ser

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pautadas p^loB princípios da nobreza e dos sentimentos, t^m por pli:t:*ol o egoísmo e o calculo .Mas eu agora, quando usar do vocábulo mercenário^ n&o o tomarei senfto na accepçSLo do operário que recebe o salário de serviço ; e porque se me nio assaque depois intenção injuriosa, transcreverei aauillo, da Miicellanea, de Miguel Leit&o de Andrade, dial, 18 pag. 157 : « Mercê procedeu da palavra mercês latina, que quer aizer .falario de serciç.o, ou soldada, por onde dizemos por cortezia Vossa Mercê (como quem diz : « Vós, que me poaeis dar sol- dada, como meu maior, e eu servir-vos.) » E em rigor, é tanto 6 mais que senhoria, porque aos reis nossos de Hespanha se falou por Mercê e Senhoria, depois Alteza e Magestade^ etc. »

Os livros santos, em muitos logares, honram a posiçfto do mercenário, como em S. Lucas, quando diz (10) : « Dignns est enitn operarius »iercede siía » ; e Tobias ( 4 ) : « Quicumque tih% alicia operatus fuerit, staíim ei mercedem restitue, et mercês mer- renarti tui omnino apud te non remaneat etc. Houve uma dis- tinctissima ordem militar e depois religiosa, fundada por S. Pedro Nolasco, accompanhado de S. Raymundo de Penhaforte, e de Pedro rei de Ârag&o, denominada dos Mercenários ( com voto de trabalhar para a redempção dos captivos, como outros o fazem de barafustar por impeSil-a ), Portanto, e pelo mais dos autos, e invocados os doutos supprimentos, acceitemos a declaração de que a palavra mercenário não é desairosa; agora accrescênto :

O Sr. José de Alencar, nas varias transformações poli- ticas por gue tem passado, teve ao menos uma consistência : a de haver sido perennemente mercenário.

Se é certo o que me affirmam. tem S. Ex. sido constante- mente assoldadado para escrever na imprensa periódica.

\o tempo em que era liberal exaltado, e protegido dos a quem depois virou costas, recebeu o salário dos seus artigos.

Quando escreveu os folhetins Ao correr da penna^ eram-lhe . pagos pelo Correio MercautiL

O finado José Bernardino de pagou-lhe salário para es- crever no Diário do Rio, no principio da sua mutação para con- servador, motivada pelas razões que talvez um dia te repita.

Quando se metamorphoseou. por amor da pátria, em inimigo do poder pessoal, que antes bajulara como nenlium aulico até então o fizera, e creou o Dezeseis de Julho, d'onde saíram os fundos para costear essa publicação ?

A quem, porque, como, e para que, se fixou a mezada de "300$000, além de outros biscatos ?

Após a 4". mutação, depois que o ultra-conservador começou a commungar as idéas e as aspirações republicanas, até que oliegou a denominada Ultima phase ( que indubitavelmente não será kl f ima ) foi S. Ex. quem pagou os artigos todos, que com- poz e fez imprimir?

Quando alguns cavalheiros da lavoura e do commercio pen- saram em crear um jornal, e houve idéa de para elle angariar a i*oUaboracão retribuida do prestante escriptor, repeli iu elle o pensamento ?

S^^^^^^-^LJ^J^^^^^^^

14 XIII

Etc. etc. etc.

N5o sou eu. quem em todos estes, e muitos outros análogos factos, imprime stygma, visto como acceito a regra de S. Lucas. Quem qualifica os que assim procedem de suissos ua penna, mercenários, assalariados e vilõep) quem nfio o agreiro no seu olho, é o culpado; ora tendo o interpellante, apezar da afilrma- tiva do Sr. Presidente do Conselho, de que ninguém fora retri- buido pelos seus escriptos, continuado a sua accusaçSo por factos muito mais innocentes do que os aqui expostos, queixe- se o Sr. Alencar do ferrete que lhe imprime o Sr. Alencar, como teve egual occasião de lamentar a refutação trium- phante com que Erasmo o esmagou. Quem tem telhados de vidro nâo atira a telhas adamantinas.

Ha pessoas para quem o dinheiro é a pedra philosophal, o desiderandnm, a alma mater ; não pertence Cincinnato a esse número. Seccam-se de inveja, quando imaginam que outrem pode extrahir alguma vantagem pecuniária d'aquillo de que arremataram o monopólio ; os dedos lhes parecem hósx)edes. Está-me esfervilhando na ponta da lingua uma correnteza de anecdotas harpagonicas, mas deixemos historias de Josés Nabos, que não vem ao caso, e voltemos á interpellação do Sr. Conselheiro Alencar.

Na memorável sessão em que esse senhor, dando por páos e por pedras, pretendeu alfinetar-me, foram proferidas por elle, em sua admirável parlanda, que promettia— chuva e aeu vento, muitas phrases como estas :

« Cumpre que o suor do povo, convertido em impostos ex- cessivos... » etc. « ... o povo onerado de impostos iníquos, além de onerosos... » etc. t Aquelles que, apoderando-se do governo, pOe ao serviço de suas ambições os recursos que a re- presentação nacionaí vota para a gestão dos negócios pu- olicos » etc.

Bravo, facundo orador / Nunca as mãos lhe doam / para baixo, dê, nos aue dissipam e esbanjam os rendimentos públi- cos, nos que aão applicação ao suor do povo, nos que es- tragam o tempo que a nação paga para ser empregado no ser- viço d*ella, nos que encarregam o thesouro nacional de satisfa- zer o custo das suas particulares e individuaes questões.

E' pois de crer que o nobre orador, ao metter-se no tilbury para regressar a casa, depois d'esta verrina, terá ido monolo- gando o seu essere ó 7ion essere, da seguinte forma :

« De inconsequência^, basta. Palavras sem obras, plu- mas ao vento. Uma vez na vida, preciso ser lógico. Levei a minha, nobremente, avante. A quem me contrariou pela im- prensa, tive a circumspeeção ( ah pés, para que te c^uero T ) de nada dizer pela imprensa; mas também agora vinguei-meva- lentemente: como na camará lhe não podia ser dada a palavra» dcscompul-o á minha vontade. Se alguém o duvidava, agora todos ncam sabendo que estou despicado. Certamente : inun- da-me o prazer dos deuses; mas resta-me, confesso-o, outra dever.

« O facto de roubar aos trabalhos legislativos uma sessfio inteira, destinada a espalhar os rubis barrocos da minha

XIII 15

eloaiiencia atrabiliária, de substituir as ouestões de interesse publico pelas do meu poder pessoal ; ae inutilizar muitas noras que actualmente, quando no fim da sessSo legislativa, e pendentes graves projectos de lei, equivalem a mezes; e de mil outras cousas assim, é consummado e irremediável ; mas ha outra consideração, ligada com esta, que eu devo com- pensar, quanto possivel.'

«f Pois que ! Levei 3 horas a bramar contra o máo emprego do suor do povo, contra o estrago do tempo que a nacSo paga» contra o esbanjamento dos impostos (que não denominei <y»erosoSy mas iníquos .' ), e não vejo eu que. uma sessão da ca- mará dos Deputados custa muito dinheiro ao tal suor, aos taes estragos, e aos taes impostos iniquos ? Não deve recair sobre a minha algibeira a responsabiliaade dos gastos, como sobre a minha cabeça a do inutilizar dos trabalhos ? Não fiz eu levantar o pano d'este espectáculo para representar cm meu bene- ficio ? Vou dar um exemplo altamente moralizador; vou resti- tuir ao thesouro o que lhe fiz despender, em pura perda; ai, o «uor do povo / ui, os impostos iniquos/ Vamos ás contas.

flf Como estudo muito as cousas de dinheiro, compulsei ainda hontem o Orçame^ito da Recrita e despeza do Império para o exer- cício de 18r72— 73, e ahi vi votadas, a pag. 5 e 6, as quantias de Rs. 454:250^000, applicaveis á camará dos Deputados. Ora, como geralmente em cada sessão legislativa s^ ha umas 80 assentadas, custa cada uma ao suor do povo cerca deRs, 5:6785000, somma de que eu vou pedir guia, para entrar com cila na Recebedoria do Município. y>

No fim da sessão legislativa, é também de crer que, em attenção áquellas meritórias disposições de restituição ao cofre <los impostos iniquos, S. Ex. examinasse nos seus assentos, ou nas actas, ou nas declarações do Jornal, e achasse que em todo o anno apenas compareceu na camará, quando devia, umas 27 veze'? ; e então o venerando Hamleto ou Carlos V do Hernâni terá recitado outro monologo monumental :

Preciso cautela, eu que me adornei de plumagem de en- xertia. Com que direito reprehenderia eu nos outros a apçlicação íjue dão honradamente aos dinheiros públicos, se eu, insigne jurisconsulto, me locupletasse com a jactura alheia T A nação estabeleceu o meu subsidio para eu ao menos comparecer na camará. Se eu appareoo quando no meu escriptorio de Advocacia não tenho autos para despachar ; se é unica e ex- clusivamente porque as partes me dão boa maquia, que eu desamparo o serviço publico ; se eu recebo a um carrilho, e as «ccumulações estão prohibidas ; vou também repor tudo quanto «Tida e indevidamente recebi do suor do povo, e dos impostos iniauos. A conta é fácil : pelos 120 dias dos 4 mezes manda a Ui dar, e eu recebi Rs. 2:400jJ000; ora eu adquiri jus a 27 dias, logo estou em debito de mais Rs. 1:511$112 ; e não seria senão nm declamador, um Frei Thomaz, se, commiserando-me do suor do povo estragado por outros, me comprouvesse eu em n mim propno, e abusivamente, e pospondo o serviço desse povo aos meus lucros particulares, me alimentasse do apontado fiuor. 0

Creio piamente que assim terá succedido, e que na publica-

16 Xlli

ç5o próxima da Receita da Recebedoria do Municimo, admira- remos esta moralizadora e lógica verba de Rs. 7:189j|ll2, entre- gues pelo Catoniano interpellante.

Acabemos com a interpellaçfio, de que se pode dizer, o que- Voltaire respondeu, depois de oíivir certa oraçio fúnebre:

« Como a achou ?

« Como a espada de Carlos Magno.

« Em ser o que ?

c Longa e chata. »

Imaginou sem duvida o ílammispiranté orador que me tinha^ enguhdo; e ha quem diga que, nos seus raptos e transportes,, de mostarda ao nariz, julgando que me via a mim, ao encarar entSo um dos seus admiradores (porque emâm eu sempre reco- nheço que estou a jogar o whist com perna de páo ), essa vista lhe "produzia uns efieitos hydrophobicos, ou lembrava Salvini ao encarar o Hervondillo da tragedia famosa que o Goethe es- tudou no seu Wilhelm Meister, Se os tregeitos, de que as inno- eentes aspiracOes a invectiva eram accompanhados, vinham oom sobrescripto a mim, nfto occulto que um eíleito, sim, me excitaram : de riso e de compaixão. Toctavia, ja que repeti um^ dialogo, outro. Tendo um poeta mostrado a um critico certa ode sua A' Posteridade^ e perguntando-lhe, com philauciosa modéstia, o que achava, respondeu-lhe este :

« Acho que não chega ao seu destino. »

Outro tanto desejarei eu que nfto succeda á presente, com que remato a appreciação da catilinaria que me dispara a

Í)henix dos oradores, que na tua opinião vai trepando de )ispo a moleiro.

Adeus, meu velho. Trago uns callos, que é ver as estrellas.

Teu velho amigo

ClNCINNATO.

Typ. e Lith.— IMPARCIAL— Rua Sete de Setembro, 146.

QUESTÕES DO DIA

N. 14=

RIO DE JANEIRO 15 DE OCTUBRO DE 1871.

Vende-se «m casa dos Srs E. & H. Laemmert. Praça da Constituição, Loja do caDto. Livraria Académica, Rua de S. José d. 119 Largo do Paço n. C. Rua de Gonçalves Dias n. 79. Preço 200 reis

A política especuiativa.

As doctríaas insidiosas de uma politica aspecula- tiva» que, com iosisteate coatradicção da verdade dos factos, c com uma theoria perniciosa á ordem poli- tica existenie, pretendem impor-se, não podem convir à nação brazileira: a nação as repelle.

Possuimos uma constituição tão liberal, baseada em prin<*ipios tão salutares de governo, que é, de todo, adequada & satisfacção das mais razoáveis, das mais justas aspirações de um povo, que consagrado, em seu código fundamental, o governo do paiz pelo paiz.

Sim. porque o chefe supremo do Estado, no ex3rcicio de suas elevadas funcções, não governa por si, mas st5gundo a ordem dos principios políticos, que o facto social estabeleceu; e no modo, pelo qual se acham dis- tribuídos os poderes, ha tão perfeita harmonia no gyro da niàchina governativa, em suas funcções naturaes, que não pôde haver embate fatal á causa da liberdade, desde que o direito de livre exame e de franca discus- são é amançado na tribuna e na im prensa.

E que o é entre nós, não se pôde duvida:*. O paiz é testímunha doesta grande verdade; tem as provas mai*^ patentes de que possue em toda a sua plenitude, e ainda além de seos verdadeiros ligiite^, tão precioso direito.

A aurtoridade pública Lão exorbitaria; e ao contrario se manteria no exercício legítimo de seos deveres, se, com a lei na mão, obstasse ao vicioso uso, que da liber- dade de imprensa fazem aquelles que propalam, e pre-

2 XIV

tendem incutir no animo do povo, princípios contrários á razão constitucional da nossa organização politica.

Mas o governo com sobranceria, e perfeita con- fiança no bom senso público, esses condemnaveis ten- tames de espíritos, que se transviam por paixões polí- ticas incontinentes, que uao querem, ou nâo sabem, medir o abysmo a que arrastariam o paiz, se trium- pbassem as suas idéas.

O Dodêr tem seos attractivos, suas seducçOes ; mas egualmente os seos desgostos, suas asperezas, seos es- pinhos.

Os partidos o visam pela face dos encantos, quando o cubicam; esquecem-se, ou fogem de consideral-o com os seos escabrosos deveres, com as suas angústias !

E' sempre a eterna contradicçao do espírito humano entre os desejos, quando almeja por satisfazel-os, e a justa apreciação dos prós e dos contras, no implemento de taes desejos.

Assim vemos, de contínuo, em sua lucta, os partidos políticos mais exaltados, mais impacientes do poder, ferindo, sem escolha de armas, os adversários, que sao governo, sem reflectirem que as dores causadas lhes serão retribuídas, quando conseguirem subir ao poder.

Nos governos de instituições liberaes, a lucta entre os partidos é natural; nasce do systema; é mesmo indis- pensável, para que a auctoridade administrativa tenha salutar correctivo no exercício de sua missão.

E' isto geralmente reconhecido ; não pretendemos dizer cousa nova; mas, se é da índole do systema a opposição mais ou menos vigorosa, não o é a opposiçao, que se torna radical ao poncto de pretender substituíra fórma política do governo existente, calumniando-a, desfigurando-a, por outra fórma de governo, fundada em princípios perigosos.

Não é dos modernos séculos, mas sim desde os tampos remotos da antiguidade, a pesquiza, o estudo dos ho- mens políticos, dos philósophos, e dos sábios sobre a fórma de governo mais consentânea com o bem-estar dos povos; e o qut até hoje parece averiguado é que o melhor governo é aquelle em que a existência política, isto é, a liberdade do homem social, é mais garantida, de harmonia com o seo bem-estar na ordem e desin- volvimento moral, e condições económicas, em relaçílo aos meios de prover á sua subsistência.

XIV 3

Os experimentos, no sentido em que tractâmos este poncto, foram bem longos e dolorosos em alguns povos; tem sMo, e continuam a sel-o entre outros ; mas, nesta lucta secular, nao ficou ainda decidido, nem decidido será jamais, que a república seja o regimen mais feliz dos povos; antes, sim, o que prova a história, nos anti- gos tempos, o que attestam os exemplos contemporâ- neos, os da actualidade no mundo christao, isto é, no mundo civiliaado, é, quanto ao passado, que o go- verno republicano nunca conseguiu perpetuar-se, quer em suas verdadeiras formas democráticas, quer em suas formas mais ou menos aristocráticas; e, quanto ao presente, que é um governo sempre agitado, e em muitos casos oppressor, e subjeito às empalmaçoes do mais astuto, ou do mais audaz e menos escrupuloso, e do mais forte.

As índoles dos povos nao sao as mesmas; seos costu- mes, seos hábitos variam segundo os climas, nas diffe- rentes raças, em que se divide a humanidade; e, assim, o governo que se coaduna a um povo, pôde, como attestam os exemplos do mnndo, nao convir a outro-

Tem-se accusado as monarchias, mesmo as limitadas, ou mixtas, como a nossa, da influencia indébita da coroa no governo do Estado; e, entre nós, tem-se tor- nado esta accusaçao um thema obrigado, da parte de certos políticos, quando em opposição] a phrase consa- grada é governo pessoal.

Mas, onde o governo ou poder pessoal se ostenta com maior pujança, do que nas repúblicas? Nestas é sem- pre épocha de grande lucta a eleição do presidente, ou chefe do governo; e o indivíduo eleito exprime a vic- tória de um partido; e este passa a gosar dos principaes favores, e das boas graças do chefe vencedor.

Argumenta-se que ahi o perigo do governo pessoal desapparece, ou é menor, porque o chefe da república é temporário e responsável por seos actos, e está subjeito a ser accusado pelas câmaras; emquanto nas monar- chias representativas a irresponsabilidade do monar- cha e sua vitaliciedade sao circumstancias permanentes para crearem o poder pessoal.

Os que assim argumentam nao querem, muito de propósito, fazer cabedal da responsabilidade dos minis- tros, nas monarchias representativas; nem da acção efficaz das câmaras legislativas sobre o governo, com-

4 XIV

batendo a sua politica na tribuna e nas votações; não querem ter em linha de conta a poderosa i^ma da imprensa.

Não querem elles attender a que o monarcha, nas condições da nossa constituição, está em posição muito sobranceira às rivalidades, e aos inrédos dos partidos, dos quaes não é feitura; que o chefe da nação, conhe* eido o voto d'esta, não pôde querer siaão marchar de accõrdo com esse voto na escolha dos seos ministros, e na vereda constitucional.

Não querem attender a que não se dará o caso,porqae não poderá dar-se, de constituir-se entre nós o chefe do Estado protector de um partido para esnjagar o outroy antes será sempre o seo empenho fazer que se mode- rem, que se aproveitem devidamente todas as aptidòas, que melhor convenham para os importantes cargcs públicos.

Não querem ainda attender a que uma das vantagens políticas, mais characterística da proeminência do go- verno monárchico representativo, é a de se operarem as mudanças de política,ou suas modifícaçOes, com a subida de uns ministros ao poder, e descida de outros, sem perturbação da ordem pública.

Entte nós o chefe do Estado tem sido, felizmente, sempre da maior dedicação ao bem-estar da sua pátria. Dotado de variadíssima instrucção, e alto tino poli- tico, tem, na acção que lhe compete, quer como chefe supremo do executivo, quer como poder moderador, dado provas exhuberantíssimas de verdadeiro monarcha constitucional.

O Sr. D. Pedro II, que a Europa agora pessoalmente conhece, e admira, pelas provas esplêndidas que alli tem dado do seo muito elevado mérito, nutre, sem dú- vida, grande ambição, mas nobre, patriótica, —a de ser o m!iis dedicado servidor do seo paiz.

Outra qualidade, altamente apreciável no Sr, D. Pedro II, é a firmeza de sua vontade na abnegação das pompas da realeza, no seo viver habitual: ninguém mais lhano, mais communicativo no tracto.

Tem-se dicto, e com issj tem-se pretendido formar um capitulo de censura á sua ingerência indébita dq governo, que foi por imposição da sua vontade que a proposta para abolição do e^stado servil foi apresentad ^

XIV õ

no parlamento ; que foi, em obediência a essa imposi^ cão, que o ministério tanto se esforçou para que fosse, como felizmente é hoje, lei do Estado.

O que sobre isto acreditámos, é que o Imperador e o ministério, reconhecendo, com elevado bom senso, que -era urgente uma providencia, que determinasse a ex- tirpação do cancro da escravidão, confiaram no parla- mento, fizeram justiça à opinião pública, e nfto quize- ram que tosse addiada tão importante resoluçãos; o mi- nistério tomou sobre seos hombros o grande commetti- xnento, no qual obteve tão assignalada glória. Segue-se de tudo isto, que mais uma vez o Imperador, identifi- cando-se com^ a naçPo, mereceu as bênçãos do paiz in- teiro, que tem applaudido a lei.

Por maiores que sejam os esforços de alguns homens <le:)peitados, e de um limitado círculo, que se arvorou em paladino dos princípios republicanos, não consegui- rão desprestigiar, no conceito nacional, a sábia, salu- tarissima influencia do Imperador no governo do Es- tado.

Querem, com doctrinas erróneas, precipitar o paiz no abysmo da revolução, dissolvendo os laços da união das províncias, e reduzindo-nos ás tristíssimas condiçGes das repiiblicas nossas conterrâneas, que se dilaceram em guerras civis. Pretendem, insensatamente, fazer accreditar á nação que será ahi, n'esse chãos, que será ahi nas angústias, geradas pela oppressão das ambi- ções incarniçadas, disputando o mando, que o paiz se innobrecerá; que nos dolorosos vaivéns do governo republicano será livre !

Que loucura!.. Nem attendem a que temos deante dos olhos as desgraças da França, para aprendermos que um povo será feliz... tendo juízo.

Junius.

6 XIV

Obras de Senlo— O Oaiúiolio

(Cartai a um amigo), Vhl.

«A

Meu amigo.

Viste que o Gaúcho não pôde pretender as honras de romance de costumes, fim que aliás visa, mérito de que faz alarde.

Senio nao se parece com John Crevecceur, auctor do Agricultor, obra, onde «payzagens, costumes, lingua- gem, sentimentos, tudo é essencialmente americano; onde nao se encontram somente os objectos, mas tam- bém as sensações e as idéas de um paiz recente. »

Nao se parece com Waíshington Irving, que apezar de « dever seo renome à imitação graciosa da littera- tura ingleza » apezar de « para a Inglaterra diri- gir seos pensamentos » como a critica o atacasse, pe- netrou nas tribus bravias, explorou e estudou as flo- restas, os campos, os rios, e deu-nos o seo magestoso livro A planície [La Prairie.)

Menos se parece com Fenimore Cooper, como se dice, o auctor do Ultimo dos Mohicanos -^ohvB, para a qual debalde procurarão um parallelo em toda a bi- bliotheca de romancistas. »

Menos ainda se parece com Audubon, que um crítico coUoca superior a Buffon, e com o qual a oiais variado que Irving, mais colorido e puro que Fenimore Cooper se completa o que se pôde chamar a primeira épocha litterária dos Estados-Unidos. » P. Chasles.

Transportemo-nos.

Senio também se nao parece com Walter Scott, « que soube haurir nas fontes da natureza e da verdade um género desconhecido; allia á minuciosa exactidão das chrónicas a majestosa grandeza da história, e o in- teresse instante do romance, génio poderoso e curioso que adivinha o passado; pincel verdadeiro que traça um retrato fiel por uma sombra confusa, e nos força a reconhecer até o que nao vimos; espírito flexível e sólido que se impregna do sêllo particular de cada século e de cada paiz como cera branda,e conserva es.<ia

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marca para a posteridade, como bronze indelével. » Y , Hugo.

Nao se parece com Chateaubriand » que deu ás pai- xões innocencia que ellas nao comportam ou que nao tem sinao uma vez. Em Atala^ as paixOes sao cobertas por longos véos brancos. » *

Nao se parece com B. de Saint Pierre que no seo Paulo e Virgínia >> sabe escolher o que ha mais puro e opulento na língua; cujo estylo, se assimelha a esse famoso metal, que, no incêndio de Corintho, se forma- ra da mistura' de todos os outros metaes. » J. Joubert.

Nao se parece com Balzac, que « toma corpo a corpo a sociedade moderna, arranca a todos alguma cousa, a uns a illusao, a outros a esperança, a estes um grito, àquellés a mascara; que esquadrinha o vício, disseca a paixão; que cavae sonda o homem, a alma, o coração, as intranhas, o cérebro, o abysmo que cada um pos- sue em si mesmo. » V. Hugo.

Todavia de uma grande obra de Balzac Le Dernier des Chotians obra que prima « pelo pittoresco, pelo cunho dramático, pelos caracteres verdadeiros, pelo diálogo feliz » diz Sainte Beuve que «a imitação de Walter Scott e de Cooper é evidente, o E a Sainte Beuve chama nao sei si Paulo Raynol, que agora bem me nao lembro, « eminente juiz das cousas do espí- rito ».

Com quem se parece, pois, Senio no seo Gaúcho

5>or ventura arremedo remoto, caricato e illógico do lomo e do Ursus, do Homem que ri ?

Nao seria difficil dizêl-o, mas nao o quero fazer, li- mitando-me apenas a dizer com quem penso que Senio 86 nao parece ; e nao é pouco.

O que fica fora de toda a dúvida, quanto a mim, é que o Gaúcho nao paf sa de uma producçao cachética,de que a litteratura brazileira pouco se deverá lisonjear.

Ha duas maneiras de .ser sublime diz um crítico francez : pelas idéasou pelos sentimentos. No segundo estado tem-se palavras de fogo que penetram, que ar- rastam. No primeiro não se tem sinao palavras de luz, que pouco aquecem, mas que deslumbram. » No Gatícho o sentimento é frouxo e frio, a idéa descorada c infeliz ; é por isso que o estylo nem deslumbra, nem arrasta.

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A.X

Si estudamos o Gaúcho em seo character hUtóricOj tanto peior; é tudo vago, indeciso, maxime insignifi- cante. Lendo-o, não se fica tendo uma idéa da revolu- ção rio-grandénse. Nao ha um traço vigoroso que se deixe demorar no ânimo do leitor. A revolução appa- reee, em uma attitude fugaz, fungivel como a sombra do quadro a luz pertence aos cavallos, ou aos ar- roubos da imaginação delirante.

Intendeu Senio que, citando taes e taes nomes, que figuraram no movimento, e dizendo que este caminho vai ter aJaguarão, aquelle a S. Borja, tinha preen- chido e satisfeito a parte histórica da obra. Erro ou [Ilusão I

O espírito do tempo, o cunho varonil e incisivo do acontecimento, sua acção moral ou politica, tudo deixa addiado para d*aqui a um século talvez a quando os personagens não se achem tão ligados ainda ao pre- sente pelos vínculos das paixões e da família. »

Que família, que paixões? Pois tem alguma cousa que ver com isto o escriptor profundo, consciencioso, o crítico justo e severo, que não transige com espécie alguma de interesse, e se dirige a attingir o alvo excelso da verdade histórica? Frívola ^aze esta que não incobre os defeitos, as nodosidades do arcabouço re- pulsivo !

Falando de Alexandre Herculano, como romancista" histórico, diz um dos bons talentos críticos modernos da Península: « Nos romances histórico-nacionaes, nunca tanto como alli talvez, se eleva o escriptor a uma idea- jisação característica, pessoal, crítica e philosóphica.

« Em geral fica com Walter Scott na chrónica ro- mantizada. E esplendidamente romantizada. A história é escrupulosamente tractada: estudam-se a épocha, os costumes, as tendências, as ambições, os homens. »

Fez acaso outro tanto Senio no seu Gaúcho^ para pre- tender com razão um logar na ordem dos romancistas históricos ? Si acaso se não acha ainda inaugurada no paiz a eschóla, não ha de ser de certo a obra de Senio que servirá de modelo, tão certo é faltar- lhe a possança e a firmeza de acção e de crítica imprescindíveis em tra- balhos taes de iniciativa no género.

Si conchegámos o Gaúcho âs fórmulas geraes da plástica, aos preceitos da arte e do bello, ao purismo da

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linguag^em castiça, não se ressente elle de menos des- lÍ2es com feições de defeitos que difficilmente se po- •derão escusar.

A neologísmomania puUúlae palpita a cada pagina, infastia. A titulo de inriquecer-se a língua, de si iAo opulenta, inventam-se vocábulos por mero arbítrio. A prevalecer o abuso, quem se intenderá d'aqui a pouco ? O direito, a auctoridade que tem Senio para introduzir na língua vernácula termos novos ex aucto- ritate qnâ scribiíj muitos também o têm; e onde iremos parar, si todos esses se Jeixarem dominar pelo mesmo 'erro e vaidade de inventarem por conta própria ?

A contar da Diva para cá, justamente a obra que as- ^ignala o prin^^ipal período de decadência de Senio^ não ha trabalho seo que se possa Ier,de recheado, que vem, 4e quanta innovaçRo lhe occorre fazer, como si isso de- nunciasse grande m-i^recimento intellectnnl, e deman- <la3se alto esforço e superioridade no escriptor ! De um verbo deriva Senio um substantivo; de um vSubs- tantivo deriva um verbo e eis a que se reduz a grandiosa procreaçao philológica de Senio. Quem é <[ue nao poderia fazer outro tanto, sem, de' mais a mais, snppôr ter descoberto a pólvora, ou se julgar . çor isso com jus ao respeito e á admiração de pre- sentes 8 pósteros 1

E que razão de necessidade poderia determinar taes inn)vaçOes? Por ventura Senio cria idéas tao sublime- mente originaes, que nflo incontre na inexgotavel ri- 3ueza da língua nacional termos, que lhes correspon- am e que as exprimam ? Serão essas idéas creanças <le septe braços para quem seja mister talhar camisa.-^ ^e septe mangas ? Não será difficil na verdade deparar •era nossas últimas lettras com aleijões de tal ordem.

Em um caso indisputavelmente seria preciso inven- tar uma língua própria : no de querer fazer o homem intendido em seus mais recônditos phenómenos psychi- •cos pelos cavallos, e de intendel-os elle egualmente ; mas então inventem uma língua nova, e não queiram aviltar na ínfima funcção a illustre e heróica língua dos Barros e dos Vieiras.

Longe me levaria esta ordem de considerações, e eu

t<5uho pressa de terminar a série, apezar do muito que

me fica ainda por dizer. Aguardarei outra occasiã^), em

*que farei a apreciação da Diva, da Iracíma como ro-

10 XIV

mance typico-indiano-brazíleo, e da Pata da Gazella^. se antes d'isso nos não der Senio cousa mais nova^ como promettem os arautos e passavantes.

Segundo vès, meo amigo, seja incarado o Gaúcho* sob o aspecto, ethnógraphico, ou seja-o sob o esthé- tico, ou philológico, urge que os que sinceramente se interessam pelo lustre das pátrias lettras façam cruzada para que elle nao consiga abrir eschola.

Discutamol-o entretanto, e a vôo de pássaro, em ter- reno diverso, isto é considerado como romance iephan- tasia^ segundo te prometti em minha primeira epis- tola.

Nao condemno este género da litteratura romântica. O Ha7i rf' Islândia é horrivelmente bello. A Ondinn^ de Fouqué, é sublime. Também não deixa de ser interes- sante o Diabo côxo^ de Lesage, posto que plágio do Di(^ bio cujuelOy de Guevara. E muitos outros, que ahi fazem as delicias dos diletianíi da litteratura do impossível e do sonho ou da fábula. Nao condemno pois in limine o romance de phantasia,

Parecei\do-me, porém, que o romance tem influencia civilizadora ; que moraliza, educa, forma o sentimento pelas licções e pelas advertências ; que até certo poncto accompanha o theatro em suas vistas de conquista do ideal social prefiro o romance intimo histórico^ de cos- tumes^ e até o realista, ainda que este me nflo pareça característico dos tempos que correm.

Em uma palavra prefiro o romance verosimil^ possi- vel, quero « o homem juncto das cousas » definição da arte por Bacon.

E é justamente por isso que o Lazarillo de Tormes^ de Don Diego H. de Meudoza, exerceu tao considerável importância nao na história política da Hispanha» sinão também na história litterária de toda a Europa como diz Viardot. « O pequeno Lazaro de Tormes é umr ingeitado, quepaasa de senhor em senhor, que se vinga de os ter servido exprobrando-os' desapiedadamente, e que, em cada condição nova, faz a crítica amarga de una classe da sociedade » E' um monumento em nove- capítulos.

Mas o GaAcho não é um romance de phantasia, nem pensa em tal, desde que localiza sua acçRo n'um thea- trc; verdadeiro, e n'ella pretende offerecer a photogra-

XIV 11

phia dos costumes de uma sociedade conhecida c con- temporânea, dando ás pessoas e ás cousas seos próprios nomes.

O Gaúcho pretendia ser de costumes, mas depravou-se na aberração. « A pietençao de excessiva novidade nao pôde dar em resultado sinao uma triste mistura de comedia gruiesca e de grandeza phantdstica^ que se nao encontra em livro algum » diz Philarète, apreciando as Viagens d' Herman Melville. Dir-se-hia que o pro- fundo crítico francez talhou n'estas palavras a carapuça de Senio.

Terei sido acaso ssvero, meu amigo ? Nao, de certo, pelo que me parece.

E' preciso dizer abertamente a Sento que poucos po- dem ser Dumas ou Voltaire. A fertilidade proveitosa é partilha dos génios. Non omnia possumus omnes ; e a Coryntho nao vai quem quer.

Os graves incargos de conselheiro do Estado, de po- lítico, de advogado, de parlamentar, de opposicionista, 6 de muitas cousas mais, não permittem aos talentos lit- terários produzir sinao abortos, se querem dar creanças em menos de nove raezes.

Quando Senio era simples advogado, e não queria campar de philólogo abalizado, politico profundo, nem concebera ainda a vaidade de passar espichas nos clás- sicos e de arvorar-se em mestre de eschola, tudo ia bem.

Chegando-lhe o tempo para applicar-se ás lettras a- menas, compor seos trabalhitos com vagar, corrigil-os, à luz do gosto e do bom senso, até onde este lhe che^ gava. A prova temol-a nós no Guaraay^ na Viuvinha, e no Demónio Fa/niiliar. O têmpora.

Hoje, porém, como tudo está mudado ! Os elogios immoderados apodreceram cedo o talento útil, fazen- do-o mfunar-se da presumpçâo de ser génio. Prejuízo para a litteratura natal I porque em vez de recolher mais duas ou três producçOesinhas, dos quilates da Viuvinha ou do Guarany^ temos uma bagagem de vo- lumes, que nao valem nem o arroubo dos Ciiwo mi- nutos,

Metta a mâo em sua consciência, e diga Senio si nao temos razão.

12 XIV

Mas nada de desacoroçoar. E' ainda occasíão de re- cuperar o tempo gasto em pura perda, e reparar o mal que tem feito ao seo nome e áis lettras brazileiras.

Tenho concluído, meo amigo. Pede por mim desculpa ao pública, e a Senio que me uâo queira mal.

FIM.

O Brazll (Jor^nal.)

Sob este título começou a publicar-se em Lisboa, na dia 25 de agosto passado, um periódico cujo program- ma resulta da exposição, que d'elle transcrevemos em seguida. Com effeito, os seos três primeiros números,

Sue temos á vista, occupam-se quasi exclusivamente e um noticiário do Brazil em geral, e de cada uma das suas províncias, dissertando egualmente sobre as- sumptos de interesse para este Império, ou irando no- tícias da Europa, que prendem com o desinvolvimento do paiz. pela forma da redacção, pelo valor dos ^escriptos, ou das matérias nelles tractadas, julgámos aue serão lidos com attençao os seguintes artigos, qua a'aquellas coluranas trasladamos. (*)

INTRODUCCXO.

*

A' iiitrada do ultimo quartel do presente século existe incontíistavelmente, por entre muitos e graves motivos para lamentos, um facto innegavel, grande- mente.consolador; é o espírito de fraternisaçao, que de dia para dia se desinvolve, e cresce entre os diver- sos povos, e que nem as luctr.s políticas, nem as diffe- renças religiosas, nem os passageiros accidenies das guerras, hao de agora supplantar.

Ninguém, que metta fundo a mao na consciência, deixará de sentir em si mesmo esta benéfica, esta auspi- ciosa tendência humanitária. E' uma revolução moral

(*) Nesta corte, sfto correspondentes d'esta folha os Srs. E. e H. Laemmert, em cuja cana se tomam assignaturas ()or anno a lõjJOOO. por semestre a SjJOOO; e se recebem annúncios, para serem publicados no Brazil a 60 rs. por Unha ; tudo dinheiro do Império. (Em lAsbôa : Redacção^ António Maria de Castilho ; Administração^ Pedro A. d' Almeida.)

XIV 13

iniciada pelo Christianiámo. e perfilhada pela philoso- pbia, que sao as duas potencias, que sempre, cedo ou tarde, conseguem triumphar.

Que será porém, quando ás razões geraes do senti- mento, que leva espontaneamente o homem para os homens, accrescem interesses mais (Jefinidos, mais po- sitivos, mais palpáveis ? Enião a hospitalidade natu- ral corrobora-se ainda com todas as forças do egcismo ; é o commércio mútuo dos benefícios.

Das naçOes a que esta ponderação affeiçõa mais par- ticularmente a nossa, duas ha, que em primeiro logar se apresentam ao espirito : a Hispanha, e o Braz 11. Com a Hispanha (Iriua e não sennora) estamos, por mútuo accõrdo, estreitando cada vez mais relações scientifícas, litterárias, artisticas e commerciaes. Co- meçamos a conhecer-nos de parte a parte, e por conse- guinte a appreciar-nos, a respeitar-nos, a servir-nos. As casas d'estas duas irmãs, agora que se arra/ou o muro secular que as separava, hao de de melhorar am- bas co:n a pacífica e aprazivel convivência.

Bem com a irmfl, de quem nao temos que temer, mas tudo que esperar, resta a Portugal outro íntimo ; o seo filho emancipado : o Buazil. Um amigo útil ao da porta, outro amigo nao menos útil a uma dis- tancia, de duas mil léguas ainda ha pouco, hoje... de alguns dias, graças ao successivo desinvolvimento ue as sciencias e as arleá, á hora que lhes foi marca- a pelo Progresso (isto é, pela Providencia ; trouxeram á mais prompta reaailo, de todas as partes do mundo.

Uma das razões que à Hispanha nos affeiçoam c in- contestavelmente a similhança da língua ; essa refor- ça-se ainda para com o Brazil ; a língua é uma única nos dous povos. Todos sabem quanto contribue para nos amarmos, o intendermo-nos.

Mas nao é i.sto. As glórias de Portugal são gló- rias brdzileiras, porque as nossas origens gloriosas sfto idênticas. Nenlium portuguez, ou raro, deixará de ter, próximos ou remitos, parentes no Brazil ; nenhum brazileiro (e a generalidade dos appellidos que o diga) deixará de comptar, remoto ou próximo, algum ou muitos parentes em Portugal.

Mais ainda : uma parte dos habitantes d'aquelle Império auspiciosíssimo, de Portugal sai ; em amor pátrio se acrisola n'egsas apartadas regiões, e de volta

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14 XIV

quasi sempre ao seo ninho, ao cabo de aunos de tra- balhos úteis, galardoado pela fortuna que premeia os . seos trabalhos, e trazendo, para até á sepultura, sauda- des de uma segunda pátria.

A colónia d'estes homens, que entre nós vem acabar, úteis á nossa terra, depois de o terem sido á terra alheia, homens que mereceram, e trazem, e nao rene- gam, o título de brazileiros, sem renegarem nem des- merecerem o de porUiguezes, é de todas as colónias es- trangeiras entre nós a mais numerosa.

E' para elles especialmente que nós emprehendemos esta fólha.

Cifra-se o nosso empenho na anciã de lhes apresen- tarmos sem dilação de dias, como a outras folhas for- çadamente acontece, nas primeiras, e quasi á primeira hora, todas quantas novidades nas folnas e correspon- dências particulares do Brazil podermos receber por cada um dos vapores transatlânticos.

Conio nenhum outro assumpto nos propomos, nem admittimos, n'esta publicação, poderemos consagrar a elle o muito espaço que ao3 outros periódicos absorvem noticias políticas do mundo, as particulares do nosso paiz, e mil outras considerações imperiosas.

O Brazil é pois especialmente destinado a trazer o mais cedo e o mais abundantemente que ser possa, as novidades de todo o género, que devam interessar a todos os que manteem relações, quer de commércio, quer de amizade com aquelles nossos bons Irmãos do ultramar.

Nao sao portanto unicamente os muitos que vem ter- minar os seos dias por essas províncias, respeitados e queridos no torrão do seo nascimento, e os muitíssimos Que vem repousar-se das suas lidas no seio e nos gosos das nossas cidades principaes, os que esperamos nos aco- lham benevolamente; serão tamoem, e principalmente os filhos da sempre lembrada terra de Sancta cruz, re- sidentes entre nós, os que se hao de comprazer de estar vendo passarem-lhes por diante dos olhos do espírito quantos acontecimentos de constem.

Dêmos candidamente razão de nós. Obrigamo-nos pela boa diligencia no desempenho do nosso encargo ; e com as disposições que havemos tomado para apromp- ta obtenção de jornaes e correspondentes, curiosos e fidedignos, esperámos que este papel, de paquete para paquete, irá crescendo de importância.

XIV 15

O Bx*azil littej?a]?io.

Sabe a Europa como é esplendida a natureza no con- tinente americano ; como alli se eleva imponente a palmeira majestosa ; como o cipó se inlaça vaidoso por entre as mangueiras e as mil copadas árvores das mattas virgens do Brazil ; como os colibris gorgeiam por entre aquella riqueza de vegetação; que pittorescos sao os seos vales; que panoramas immensos se desin- rolam do alto das suas collinas; sabe, finalmente, como a Providencia foi pródiga de todas as bellezas, do Ama- zonas ao Paraguay.

Sabe a Europa quão sincero é alli o amor aos que trabalham: com que hospitalidade sao recebidos os que v5o em* busca de uma nova familia e de uma nova pátria ; com que boa e confiança vai até ao seio das famílias o homem de bem, nobre, ou plebêo, rico ou pobre; com que alegria é olhada a prosperidade de extranhos; sabe, também, finalmente, como alli se premeia a actividade e a honradez.

Eis o muito que sabe ; eis o que três séculos de expe- riência lhe tem provado ; mas ignora ainda muito, e tanto, que tem razão para alcunhar de egoísta o paiz que a todos se entrega e que de todos é pátria.

Que é feito da litteratura brazileira ? Onde estão os cantores inspirados por tanta belleza ? onde os poetas intoando hymnos ante aquella magnificência ? onde as lendas das tribus americanas ?

E o echo tem alguns nomes a repetir; a medo balbucia.... Gonçalves Dias... Magalhães... Casimiro de Abreu... Pereira da Silva... poucos mais, e em- mudece.

E cala-se sem ração ! Que egoismo é este "? porque haveis vós, poetas e prosadores, tantos que sois já, de monopolizar os fructos da vossa inspiração, a quem tanto de braços abertos vos quer também ?

Vai elevar-se agora um monumento a Gonçalves Dias, a essa glória brazileira tão invejada de Norte a Sul, que, para que todo o Brazil tivesse direito a cha- mal-o egualmente seo, se foi sepultar na immensidade do Oceano. Pois bem; segui o exemplo, que para se- g^uir é : elevae outro monumento que vos não honrará menos. Junctae todas as vossas obras; distribui-as pelas bibliothecas do velho mundo; nfto as deixeis circums- criptas ao vosso império; apresentae-vos e sereis respei-

16 . XLV

lados ; provae que, de mãos dadas com o commércio t; a agricultura, caminha e progride a litteratura bra- zileira. ^

Mal vai ao povo que tudo exige do governo, e que* entre a indecisão e a indifferença deixa que o tempo olvide o nome d^aquelies que bastariam à glória de uma nação. Nao sejaes do número d'esses: convencei- vos de que nem o bronze e o mármore resistem á acção dos tempos, e de que a história, mais duradoura do que aquelles, atravessa impassivel os séculos, senv que nem as commoçoes politicas nem os caprichos hu- manos a abalem ou destruam.

Volvei os olhos para o vosso InsiUuto Histórico ^ Geográphico^ para essa academia que tem recebido em seo seio tantos talentos privilegiados, que teminrique- eido a sua bibliotheca com tantas obras notáveis, e alli podeis medir as vossas forças.

Drtspertae! E' azado e de molde o ensejo. Prestae um tributo bem merecido e bem digno de Gonçalves Dias; e na hora em que a sua província natal vestir aa 43uasgala« ao descobrir a estatua do immortal cantorbra* zileiro,fazei com que, em honra d'esse nom<í, que vistes t&o acatado na Europa, ella poss*i conhecer-vos, ava- liar-vos e dar-vos o honroso logar que vos compete j& na litteratura contemporânea.

NOTICIÁRIO.

ELEicao. Na academia real dasbellas artes foi élei" to, pelos artistas iuscriptos como concurrentes & expo'' siçao de Madrid, para fazer parte do jury de admissão das obras destinadas àquelle certemeu, o sr. Manuel de Araújo Porto Alegre, cônsul geral do Brazil em Lisboa.

Foi s. ex.' um dos mais dísti netos cultores e pro~ fessores das bellaj artes no Rio de Janeiro, onde gran-* geou pelo seo talento uma reputaçílo noiabili^isíma.

Tjp. e Lith.— IMPARCIAL— Rua Sete de Setembro, 146.

QUESTÕES DO DIA

N. 15

BIO DE JANEIBO DE OCTUBBO DE 1811.

-Hf. *m usa dos Ses. E. & tí. LaemmpH.— Pri^a ila Consliluifão,

lo.» rffi rjintn. Livraria Arademit», Rua deS. Joae r. IV9 LMigftdo pa^ o. C— Rua de Gonçalves Dias d. 79. Pibí« 200 reis

Saber do and&nieato que teve a. honrosa idéa, ini- ãada D'esta corte, da erecção de tira monumeiítú ao ttoatre poeta do Sado, dará satiafecçao a muitos de lossoe leitores, ou por terem prestado o seo concurso i eftUzaçao do pensamento, ou pela sympathia que ^ram estan manifestações de veneração à memória de uu grande vulto, de que se honrara as lettras do nosso idioma,

Tendo-nos sido confiados varío.s documentos, rela- ÍÍT08 a este assumpto, e especialmente a act-a da ultima da commissSo central, que n'esta corte funccio- noa, obtida a devida veaia, aqui trasladamos o es- Mneiat :

COMWISSXO CBNTBAL DO MONUMENTO A BOCAGE.

Setíão exlraoráaulria em 4 de junho de 1S71.

Ae meio dia, preseotettos Srs. Ministro de Portug;*!, Coa^elheiro Mathias de Carvalho e Vascoucellos, Osn- Mlheiro José Feliciano de Castiilio Barreto e Noronha, BarSo de 8. Clemente, Visconde de Sapucahy, Com- ntendador Boaventura Gonçalves Roque, Coaselheira JoAo C»rdo,-«o de Menezes e Souza, Commendador Ao- José da Costa Braga, Quintino Bocayuva, Com- mcoidador Agoãtiaho Maria Correia de Sã, Bernardo Itooiin^uas da Silva Araújo e Ernesto CTbi-fto o pri- BUiro, a convite especial do Sr. Presiaeate dacom- miaBOo Boca^aaa, e os outros membros da mesma; preseatee mais os Srs. Commaadador Padre José Luiz d' Almeida Martins, Desembarg:ador Manoel de Freitas Travageofi, e Consellieiro Francisco Borges Xavier de lembroa da commissfio de Nictheroy e os Srs. daSilvaMelloGuimarftes, Joaquim Maria Ma-

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chado d'A8siz, António José Victorino de Barros, Gui- lherme Cândido Bellegarde, Justiniano Augusto de Fa- ria, e Dr. José Cândido de Lacerda Coutinho, membros conspícuos da grande assembléa do Jubilêo de Bocage;

O Sr. Conselheiro Castilho, Presidente da commissfto, convidou o Sr. Vice-Presidente, Barão de S. Clemente, para dirigir os trabalhos que iam inceptar-se.

O mesmo Sr. Barão abre a sessão.

Secretários os Srs. Ernesto Cybrao e Quintino Bo- cayuva.

Lê-se uma carta do Sr. Visconde do Rio-Branco, declarando que n&o pode comparecer â reunião da commissao, de que é membro, porque a outro poncto o chamam negócios urgentes do Estado.

Obtendo a palavra o Sr. Conselheiro Castilho, pro- cede á leitura do seo Relatório^ que é do teor se- guinte :

Senhores.

Reunimo-nos hoje, para que providenciei/s definiti- vamente sobre assumpto que com tanta propriedade foi commettido ao vosso zelo, quando uma numerosa e escolhida assembléa, congregada n'esta corte, vos requereu tractasseis dcu^écção de um monumento que simbolizasse o respeito tributado pelos homens da língua portugueza a um de seos mais primorosos orna- mentos, o Sadino Manuel Maria Barbosa du Bocage.

J& para esse grandioso vulto é chegado o dia da ver- dadeira e desprevenida appreciaçao ;jâo nosso julga- mento pôde assumir character de justiça recta, de fria imparcialidade. Quando nem cinzas restam das paixões que incendiaram os contemporâneos do homem grande: quando se dissiparam os preconceitos perturbadores do espirito ; quando a distancia dos tempos e dos homens permitte ficar estranho &s attracçOes do amor cego,e da ódio mais cego ainda ; quando o exame auxilia a ver- dade; é vindo o dia, fixanse a opinião, e a posteridade profere a sua sentença, de que nao ha appellação.

E então se aquilata o mérito real: os que foram seos perseguidores jazem sepultados soba mais pesada das lousas, a do esquecimento; o perseguido vive, sobre- vive, triumpha. Fará elle o laude póstera. A elle, sim^ é licito, o brado : Poateridadej és minha I porque es£» posteridade, ente de raz&o em que se fundem e perso- nificam séculos ou decennios, povos e homens que se

.s^gninm, é a (|ue decreta, em derradeira instaucia, condemnaçao ou apotheose.

Quando d'esse julgamentu houver safdo iacólume a memória de um beneraérito, e a sociedade reconhecer une esse homem se elevou, por dotes excepcionaes, muito arima do nivel commum, útil é. para prémio e incentivo, se manifestem pura com essa cara memória oa testimuuho» de respeito e gratidão.

Se isto asaira deveria ter .sidu sempre, parece que mais activaraeate se deve promover que o aeja hoje, «fim Je contrastar a actual tendência, qae faz cora que tuats vivamoii para o presente, e para a matéria, e para DÓS, que para o futuro, e para a floria, e para a bu- maniilade. discutimos se a posteridade é uma reali- dade ou um mytho ; paraella trabalhã.mos meuos que para o alfaiate, u estofador, o mordomo ; a fama coq- yerteti-jítí em mercadoria e officio ; as aspirações nobres a&o utopiaíi : as recompensas nacioíia^s, enredos; e as rolumnas-VeudOrae de todas as glórias, procuram der- rocal-ax, mesmo com o risco de se ficar esmagado pela queda dVllas.

Has os que, como v4s, ainda crêem, trabalham e es- peram, continuam na sua missão que é sancta. Para BSaes a glória, ti&o se vende nem se compra, ou antes B glúria é a moeda com que a humanidade compra o Krviço, e o preço que a memória do benemérito cou- ■seate em receber; amemoríl£í,digo, porque essas recom- pensas, para sarem supremas, hão de ser pagas pelos vi- T08 aos que sob a campa os nfio podetn escutar.

Ua â6 annos que o vulcSo, denominado cérebro de Soeage, deixou de arremessar labaredas, e lavas, e pedras, e areias leves, que do tudo havia também n'a- ■queila cratera humana. Nenhum de nós o conheceu: é o Ualba. Otho, ou Vitellíu. de quem nem benefício wm injúria recebemos; nao pôde ser averbado de sus-

Píito o nosso tribunal; e aqui repetirei o que jíi dice : oje nao estão j ulgando Bocage olhos fanatizados pelo pasmo, nem desvairados pela inveja, quasi exclusivos ]UJze» do seo engenho, omquanto pertenceu á terra. FiSne homem nascera eminentemente poeta. Pródiga latureza, ao derramar em sua alma torrentes de estro, íufaodiu-lhe parte grande da scieacia, que costuma er dominio da arte. Vida aventurosa e estragada in- lols o impediram todavia de opulentar iniraitavel- Beata as suas producçOes com aquelles toques ma^is-

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tmas.» que sói segreda meditação, estuado, leitura e a^-

Ílicaçfto. Victima de insanos applaueos, e de mk turba e adouf adoces, a elles deveu oa peiores dias da sua exialeiMna de homem, os mais ruins impulsos e os maia disooràeasons da ena lyrade poeta. Character fogose^e indómito, paixões árnã>atadas e omnipotentes, subju- garam alma ali&e melancholiea, em que até os maiS' doces sentimentos vibravam escabrosos e acerbos. Am- bicioso de todos 06 lauréis poéticos, tentou com deee- gual fortuna todos os váurios géneros e estylos. Idólatra da bannonia métrica, desencantou segredos de inexge- tavel melodia, e escravizou a locuç&o, nfto para lhe AvsieT^ mas pam cantar-lbe os pensamentos. O idicnia dfi GamOes subiu em suas mftos a tal grandeza e majee» tade, que nunca houve segundo typo que se lhe equi* parasse. Seo extremado gosto o fez ousar uma tente- tiva de reacç&o contra o caaçado estylo bucólico. Coo- ciso e claro,' metaj^órico mas natural, hyperbólico BI48 verdadeiro, as azas da sua imaginação levan- tavam o ouvinte & esphera onde reinava. J& em tAo verdes annos sem par em diversos géneros de poesia^ todos os houvera iliu^trado, se a psurca n&o tivesse eei^ tado t&o brilhante e esperançoso fio. Chefs glorioso da uma esch(da nacional, teve a dita de Moliére : lançou a barra onde ninguém lh'a poude ir buscar.

Nós, ministros humildes mas fieis da religino da arte, ousámos com mfto trómuta chegar o facho á pyra do grande morto. D'entre as chammas em que ábrazár mos quanto n'elle havia de mortal, vimea levantar-se, sob aspecto de cyme, um espírito que logo rasgou vôo seguro para osoéos da glória. Napyra se consummou a apatheose: desappareceu o homem, e dobrámos o. joelho ao humano semi-deus.

Corria o anno de 186&. Occupava-me eu de corrigir e ampliar, para a 2* ediçfto da Lwra/ria Clássica Part^^ gueza^ o meo. obscuro mas amplo estudo sobre o inexoe- divel improvisador, assumpto entllo de aturada corres- pondência com meo irmfto Ajitonio Feliciano de Oaa- tilho, um dos mais convicto» admíradopes d'aquelle ^a accesos turbilhões aa voz desato. Elle mepondeioa que, tomando a nossa geraçllo sobre si solver muita» débitos, dos que a precederam, erguendo monumentoa aos quaem suas obras nos legaram outros mouumentaa mais perennes que o mármore ou o brenze,f6» para da- seiar que justiça se fizesse á memória de Boeage,porqua

ftjtes ftctoâ eepleadidoâ de gTKtidfio nacionsl são honras 4o presente, recompensas do passado e sementes do futuro.

E eu, qae bem i^tmheço aterra onde ha um quarto Je século resido, que sei que u'eUa acham prorapta- iBcute écho iodos oh pensamentos generosos, que me costumei por doce experiência a Mo achar em taes >cs80s distiDcçio entre brazíleiros e porttiguezes, que vi que o génio que illuminava o átrio do presente sé- ■culo brilhara uo lempo em que formávamos uma &imilia.»eRdo conseg-uintti mente glória de uns e outros, que esse Petrarcha portuguez tinha uma peculiari- j daJe pam o Brazil. e era ser neto do vice-almiranta íiA du Bocage, famoso por muitas façanhas, entre as ijusesi as praticadas na defezn do Rto de Janeiro contra jut hostes de Duguay-Trouín, nao hesitei em consul- tar um auditório tao numeroso como illustrado.

Faxia um feliz acaso que a 15 de septembro de 1865 fo6*i! o anuiversário secular de Bocage, nascido om egaat dia,em 17õã. E por quanto em paizes adeantados teu estado em nobre uso celebrar o jiibilèa de homens graudes, como succedeu na AUemanha, no dia dos 100 annoi de Scliiller eim 1859. na Inglaterra no dia dos HUtianDos de Shakspeare, em 1864, na Itália em egual aono * no dia dos 600 annos de Dante etc julguei que em tSo civilisada cidade como esta, sf'ria bemacceita a idé» decelebrarmos o jubilêo dograo fidalgo do idioma, , do príncipe do improviso, do Anacreoute da lyrica, i Pulrarcha do soneto, do Rembrandt do ciúme, do 1 Kdi-i-nuor da metrificação portugueza. 1

Gstãan memória de todos a esplendida solemuidads I (l*esaa etitbusiastica noite, que tao apuradas penuas | 4escrf!Vi!ram «m todaa as folhas do Rio de Janeiro, e ' nas principaes de Portugal. Se no empyreo se é sensível ao auv os homens fazem na terra, terá estremecido dfl júbilo a alma de Bocage, tao sedenta do atfecto dos «eof, uao ao ver uma imagem collocadasob um'docel, lanieaila. t^ircumdada de flores, bagas douradas, da-J mmcos, luzes, lyra ingrinatdada de rosas, fíualmeutél aLtnr lythtirgico da religião poética mna de admirai" ^uc 800 cavalheiros se con^egasseni para victoriar um hemem morto antes de quasi todos elles terem nas- cido ; c concordassem unisonos e jubilosas em procla- mar e.>MU l]tiado digno de perpétuo respeito da poste-a rídade. Alli o mais popular dos nossos escriptoreíi tevf msi.t popular das consagrações.

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Resolveu entfto a assembléa se promovesse a erecçaa de um singelo monumento a Bocage, na própria terra do seo nascimento, Setúbal; e foi, acto continuo, no- meada para angariar donativos uma commissfto cen- tral, composta indistinctamente de brazileiros e por- tuguezes, recaindo a escolha, â excepção de um nome, em cavalheiros, por todos os titulos,distinctissimos.

Cumpre aqni recordar que ao nosso talentoso coUega, o Exm. Sr. 1*. secretario Dr. Pedro Luiz Pereira de Souza, deveu a commissão um auxilio valiosissimo, qual foi o admirável brado de excitaç&o; o sursuni corda de um formoso escripto relativo ao monumento, escripto a que foi dada a devida ampla publicidade.

Então se applicou a commissao a desempenhar-se do- seo encargo, nao espalhando listas, mas estabele- cendo commissões filiaes em todo o Império, susten- tando durante uns 3 aunos uma correspondência que representa mais de 500 oflicios recebidos e expedidos, e lançando mao de quantos meios occorriam para aug- mentar o algarismo da subscrípçao, sendo formuladas e mandadas, em todas as direcções, particulares ins- trucçOes para boa ordem dos trabalhos.

Infelizmente a quadra era péssima para similhante intento: a guerra do Paraguay nao fazia escacear geralmente os recursos, mas absorvia as attençôes; e, observando-se que as sommas agenciadas nâo subiam alto, julgou-se mais prudente sobr'estar, aguardando melhores tempos.

Todavia importa reconhecer que achámoe dedicada cooperação em muitos honrados cidadãos, que nos auxi- liaram. Se é licito particularizar, mencionarei, quanto à corte, sem falar em membros da commissao, os ser- viços que prestaram nobre e desinteressadamente ( de- sinteressadamente, digo, porque desde o principio se proclamou que esta empresa, exclusivamente patrió- tica, nao daria logar a remuneração alguma nobiliária, ou de outra espécie ) os seguintes senhores : L. C^ Furtado Coelho, que com a generosa annuencia da sua companhia dramática, nos proporcionou a vantagem de dous lucrativos benefícios, um na corte, outro em Nic- theroy— o Sr. Joaquim da Silva Mello Guimarães, que a si tomou parte grande da direcção do expediente e contas, o Sr. Joaquim Insley Pacheco, que nos con- cedeu cem photographias do poeta, que destinávamos % principio para oiBFerecer a valiosos auxiliares, etc, Tam-

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bem concorreram, por si ou por meio de listas de subscriptores, com qaantias superiores a 20$ rs. os cavalbeiros, cujos nomes se acham indicados na rela- ção juncta.

Egualmente mencionarei vários espontâneos oiBFereci- mentos, ainda não utilizados; taes como os dos Srs. pa- dre José Joaquim Correia de Almeida, de considerável número de exemplares das suas producções; Francisco Libório Fernandes, portuguez, residente no Pará, de um notável quadro , primorosamente desenhado a penna.

Uma inopinada desgraça annullou porém subita- mente os resultados de tantos esforços. O nosso hon- rado e infeliz thesoureiro, Sr, José Ricardo Moniz,para cujas mãos passavam constantemente todas as sommas, apenas por mim recebidas, depositou-as, com venci- mento de juros, na casa bancária Portinho á Moniz, a qual arrastou na sua fallencia todos os valorescom que comptavamos, e tão laboriosamente agenciados. Da exposição do nobre thesoureiro resulta que a quan- tia a elle entregue, e seos juros subiu a Rs. 8:427s640; ?ue as despezasj segundo os documentos foram •-6928420 e «jue por conseguinte lhe ficaram líquiJos Rs. 6:735$220.

Em relação a esta quantia, o único rateio pago (em maio de 1870 ) ao meo procurador, durante a minha ausência em Portugal, foi de Rs. 1628000.

Cumpre porém notar que, excedendo talvez as mi- nhas attribuiçOes, deixei de intrar para a thesouraria com as duas ultimas verbas por mim recebidas, e que já* o foram, quando eram notoriamente tristes as cir- cumstancias da casa Portinho & Moniz, e por isso fica- ram em meo poder essas duas verbas, a saber:

Da commissão da Parahyba do Sul, por mão do Sr. Dr. Cândido Mendes de Almeida 2008000.

Da dieta em Nictheroy,por lettra do Sr. José Pereira da Silva Porto 1:3838000, prefazendo as três quantias por mim guardadas Rs. 1:7458000.

De conformidade com a minha ordem, foi-me remet- tida esta quantia^ em septembro, ao cambio de 184 */o, como se da 2*. via de lettra juncta, correspondendo por tanto em Portugal a somma de minha total res- ponsabilidade, em dinheiro forte, a Rs. 6148437.

Consta-me que mais algumas quantias ha arrecada- das, que nem chegaram às mãos do Sr. thesoureiro

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nem ás minhas, sobre as quaes resolvereis o que vos approuver.

Passo agora a confessar mui respeitosamente as ex- orbitaneias a (^\xe me abalancei ( sem auctorizaçAo, e por isso com risco da vossa censura ), relativamente á tarefa que nos fora commettida.

Estive em Portugal duas vezes depois da nossa or- ganização :— em 1866 a 1867,— em 1869 a 1870.

Da primeira vez procedi a muitos estudos cçm pessoas competentes: ainda ent^o eu comptava que podessemos dispor de uns Rs. iO:000$000 dinheiro do Brazil; mas quando vi um dos principaes esculptores orçar a a estátua, independente de todo o monumento, em Rs. 7 a 8:000$000 fortes, esmoreci, e intendi que de- víamos esperar melhores dias, quando o Brazil nSlo estivesse assoberbado pela guerra, e Portugal por uma grande crise pública e particular. Nada tínhamos pois enttlo que fazer : nem havia meios para obra de algum vulto, nem possibilidade de obtel-os. Entretanto, meo irmão e eu quizemos approveitar o tempo para estudar a localidade onde o monumento devia ser coUocado, e a disposição dos espíritos em Setúbal. Junctos achareis diversos números do Jornal de Setúbal, onde apparece minuciosamente descripto tudo quanto occorreu na mi- nha visita áquella cidade, cumprindo-rae aqui declarar que tomei como feitas a todos os cooperadores do pen- samento as distincçOes de que alli fui alvo ; e qne da parte do Presidente da respectiva Camará Municipal, como dos respeitáveis oradores Setúbal enses, foram

Íior todos os modos manifestados os seos sentimentos e gratidão para com os seos irmãos brazileiros e portuguezes, residentes neste Império, tanto pela idéa em si mesma como pela sua execução. Suscitou-se alli por esta occasiao uma variante ao nosso projecto, a qual consistia em se applicarem antes os fundos á crea- çao de um estabelecimento de ii^trucção, denominado Asylo Bocage; mas nao me suppondo eu com faculdade de desviaros dinheiros da premeditada applicaç&o;tendo uma assembléa de mais de 60 membros resolvido dei- xar a solução a nosso arbítrio ; e dirigindo meo irra&o uma carta ao Presidente da Camará [ carta que juncta achareis impressa, por ordem da mesma Camará ) ; permanecemos na primitiva deliberação, quanto á erec- ç&o do monumento, quando para isso houvesse meios. Creou se em Setúbal uma commissao, dando-se-vos o

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lo^ar de hoara, pois é nessa qualidade que meo ir- mfto e eu tomámos a eleiç&o ( se que honorária ) 4l*ell6 para Presidente» e de mim para Vice-Presidente. £sta commissao poróm pouco poude angariar, e eu «reio ser vossa meate .que ^sse producto tenha o destino que a cjmmissão local julgar dever dar-lhe.

No anno de 1869 a 70 porém eu, por occasião de nova viagem a Portugal, sabia que estavam perdidos os tundos da subscrípção, excepto a pequena somma «zistente em meo poder. Éutao, considerei eu que era próprio da commissao eleita dar conta do incargo que 4U!ceitara que haviam desapparecido os meios de que dispunha que nao era da nossa dignidade ir, para 41 mesmo fim, provocar subscripções novas, tendo as anteriores tido tão máo êxito que purém o material e m^o de obra em Portugal são bons, e por baixo preço que a pequenhez da terra,e a singeleza do homem cujo mérito se commemora, nao demandam ostentosa cons- trucção que o intuito moral se preeiíclie, erigindo-se uma modesta columna e estatua que d*e.ss'arte pode- ríamos com pequeno sacrificio, e sem recorrer a subs- crípções novas fora dj nosso grémio, levar avante o que se nos incumbira.

Dirigi-me pjis ao Sr. (lermano José de Salle.s, intel- ligeuce director de um^i das primeiras officinas de cs- culptura de Lisboa, e a quem foi incarregada grande parte do trabalho do monumento recem-erigido ao immori^alSr. D. Pedro IV o I; e nesse patriótico artista achei a mais prompta acquiescencia, declarando-me que portal forma abraçava o pensamento que se promp- tificava a realizal-o, até com perda. Depois de várias conferencias, e coadjuvado pelos meos honrados ami- gos, o Sr. conselheiro Francisco de Assiz Rodrigues, Director da Academia das Bailas Artes, António da Silva TuUio, e conselheiro António José Viale, conser- vadores da Bibliotheca Nacional, Dr. António Rodri- gues Manitto, Presidentp da Camará Municipal do Setúbal, Júlio de Castilho <ítc., concordei definitiva- mente no plauD da obra; e depois de feitos os compe- tentes desenhos, e dpprovado por todos o modelo da pstátua, tal como eu a recommendara, modelo que foi obra do esculptor Sr. Pedro Carlos dos Reis, ordenei se começassem immediatamente os trabalhos, e eis-ahi o excesso de poderes pelo qual vos snpplico, se o raere cer, um voto absolutório.

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Aqui vos appresento, Srs., o plano do nosso mo- numento a Bocage. £' todo elle feito com aquella pedra lioz , extrahida das pedreiras de Pêro Pi- nheiro. , que denominam mármore de Lisboa.

Tem, em proporções menores, alguma similhança com o que se erigiu ao Sr. D. Pedro, no Rocio, de- Lisboa. Sobre uma escadaria, de quatro degraus, dos quaes o primeiro tem 4 m. de largura, sendo a altura d'elles de 1 m. 10, ergue-seum pedestal quadrado, que da base até á cornija tem 2 m. 40 de alto, 1 m. 50 de^ largo ; nos 4 ângulos é chanfrado, e nas 4 frentes- ha de levar como inscripções 4 quartetos de Bocage, dirigidos um a Deus outro á pátria terceiro aa amor quarto à amizade. Superpõe-se ao pedestal uma columna assaz elegante, de ordem corynthia, com canelluras ; e medindo o envazamento a altura de* O," 60, o fusto 4," 4 de altura e O,*" 66 de diâmetro, e o capitei O," 80; nesse capitel, entre as volutas e folhas d'acantho estão umas lyras coroadas de rosas. Por sobre a columna vê-se um supedâneo com altura der O^^ySO ; sobre este uma convexidade como topo de abó- bada, e é nessa convexidade que Bocage assenta os pès. Está o poeta com a cabeça descoberta, vestido com a trajo do tempo, casaca e calção, e unaa capa, manto ou capote ; empunha na direita uma penna de ave, na esquerda umas folhas de papel ; tem a cabeça leve- mente curvada; a altura da estatua é de 2"., e de 12". (ou cerca de um 3" andar) o total do monumento.

Tivemos a fortuna de alcançar, para guiar o esta- tuário, o melhor e mais fidedigno retrato que existe da Sadino, cuja história devo aqui reproduzir:

Quando publi(juei a 1* edição da Livraria Clássica, tinha baldado diligencias em Portugal para descobrir um retrato (que D. Gastão Fausto da Camará, o grande amigo do poeta, me asseverara ser o único fidedigno), executado por Henrique José da Silva, mezes antes, mas no mesmo anno, da morte de Bocage. Como havia eu de desincantal-o, se elle estava no Rio de Janeiro ? Henrino ficou com o retrato que tirara, e vindo para o Rio, onde foi professor de Bellas-Artes, trouxe-o ; por sua morte, passou no espólio a seo filho, porteiro do musêo, e depois por morte d'este a siios filhas^ nascidas no Brazil. Foi avaliado em 10$000, e por suas donas adjudicado, como mimo ao gratuito advogado* no inventário, Exm. Dr. Joaquim José Teixeira, que o conserva com o apreço devido. Comquanto como obra

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d'arte nao seja um primor, transverbera-lhe no rosto uma n&o sei que vaga expressão de verdade e vida, que atordoa até aos profanos, e incute convencimento de ser este o retrato authéntico.

J& por ser esta preciosidade pertencente a um cava- lheiro que razoavelmente a nao dispensava, também porque artisticamente está muito incorrecto, obtive do referido amigo a concessão de se tirar uma cópia, a qual foi confíada a Mr. Moreau, que da tarefa se saiu perfeitamente, reproduzindo com a maior fidelidade as derradeiras minúcias dos traços phjsionómicos, ma» aperfeiçoando notavelmente o incorrecto trabalho, e augmentando- lhe consideravelmente as dimensões; foi este painel que serviu de modelo ao esculptor.

A' Gamara Municipal de Setúbal offereci eu deixar- lh'o em depósito, declarando-lhe que ficaria proprie- dade sua, se esta commissão a isso auctorizasse, o que vós decidireis. Provisoriamente, e até vossa resolução, determinou aquella corporação que fosse collocado no logar de honra do vasto salão das suas conferencias.

Claro está que, desde que assumi a responsabilidade de mandar fazer a obra, subjeitei-me a completar por mim a parte do numerário, que acaso] possa vir a faltar para a conclusão da obra e seos accessórios, se me não absolverdes das minhas usurpações ; ou mesmo a satisfazer todo o custo d'ella, se o que está feito não merecer a vossa approvação.

Solliclto pois vossas resoluções sobre os seguintes ponctos :

1'. E' ou não approvado o que até hoje se tem pra- ticado e consta d'este relatório ?

2*. Convém incumbir alguém de levar ao cabo a empresa, dirigindo o que resta para fazer, e reclamando de quem os tiver, os fundos subscriptos e ainda não recolhidos ?

3^. Quer a commissão fixar o dia da inauguração, e o programma d'essa solemnidade, e nomear iis pes- soas qne em Portugal a devem representar ?

4'*.-— Auctoriza todas as despezas que se julgarem convenientes, com o monumento, medalhas, impressos, melhoramento da praça, e o mais que parecer acertado, com tanto que se não promova nova subscripção para fora dos membros da commissão?

5*. Precisam estes gastos do successivo consenti- mento da commissão, ou ficam desde auctorizados.

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bastando que, depois de effectuaáoi»^ a ^commisdao se congregae pela última vez para o exame das contas?

B^^.-^Deve dar*se publicidade a alguma cousa? ao quê ?

7». ..-.Cumpre, n'aquelle caso, mandar exemplares d^essas publicações aos contribuintes, renovando-llxes q agradecimento da coadjuYaçfto ?

tsjte resta reiterar as expressões da minha grati- dão aos que me fizeram a honra de consentir que eu me associasse aos vossos trabalhos, e a vós mesmos pela confiança e benevolência com que vos tendes dignado distinguir-me. Se a ellas n&o correspondi, culpe-se-me a insuficiência, que n&o certamente a vontade.

Rio de Janeiro, 3 áe junho de'1871.

J. F. BK Castilho Babbeto e Noronha.

Este acto foi interrompido, quasi em principio, pela presença do Sr. José Ricardo Moniz, Thesoureiro da CommissSlo, o qual declara que a urgência do caso^ e a singularidade da sua posiç&o perante os subscripto- res para o Monumento a Bocage, o forçariam a appre- seutar-se em público, no dia em que baixava á sepul- tura um de seos irm&os : por isso pedia para ser ouvido, afim de poder retirar-se.

Concedida a urgência, o Sr. Moniz leu o seo Rela- tório, que é do teor seguinte :

Senhores.

Para conhecimento de todos aquelles que tem direito de perguntar o que se ha feito dos dinheiros arreca- dados para o monumento a Bocage, de cuja commissfto fui thesoureiro, apresento o balimço, mostrando dever existir em meo poder a quantia áevs. 6:735S290.

Este algarismo, obtido às migalhas, e pode-se dioér, na sua totalidade,devidas ás relações pessoaes do Exm* Sr. Conselheiro José Feliciano de Castilho, iniciador da idéa, para realização da qual tudo tem sacrifi- cado, foi sempre por mira exclusivamente arreca- dado, e depositado a juros na casa bancária, da qual eu era sócio solidário.

O fatal desbarato dos negócios d'essa casa, levou- me á ruina em que me acho.

Julgado pelos Tribunaes do paiz, a que me submetti, devo aos cavalheiros, que na melhor confiaram na minha moralidade uma justificação.

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Por mais maliiid^M e vauda que seja, a minha po- si^ n'e^te laomeato, consolo-me por ter no meio d^ todo o meo descalabro salvado esse mesmo principio de moralidade O bom senso reconhece que eu n&u podia nem devia preferir outro estabelecimento que nAo fdsse o meo, para ser oaixa d^essas quantias que k formiga se arrecadavam.

A legalidade de meo procedei é tao intuitivo que toda a reflexão seria uma oanalidade.

lias porque nao salvastes no meio do vosso naur

fetigio 08 dinheiros da subscripQfto que se achavam a vosso cargo?

Isso importaria nada mais nem nada menos do que salvar-me a mim próprio; e nao seria moral ^ue eu trao- tasse de me salvar, sacrificando todos os pnncipios pe- los quaes me constitui responsável d'esses mesmos dinheiros.

Um tal proceder seria a negaç&o de meps foros, na sociedade que me considerou.

A moralidade n&o é trapaçaria, e embora o incadear- mento de fataes incidentes me prenda a um poste de interpretações. equivocas, confio no meo braço, eu» minha actividade, para ainda um dia poder solver esse débito contrahido pela minha dualidade de Thesour rdro e commereiante, fundida na minha própria indi- vidualidade

Nfto posso dar costas ás accusaçOes impertinentes

nno ultramar se fizeram a propósito d'este malfa- o commettimento, ao character doincançavel Sr. Conselheiro José Feliciano de Castilho, que eom tanto enthusiasmo, e nOo egualada dedicação, se applicou de oorpo e alma a traduair em facto a sua nobre idéa, pondo ao serviço d*ella o seo afanoso trabalho e o seo grande valimento.

O character d'este distincto cavalheiro, o qual se tem» deixado sacrificar até hoje para salvaguardar o meo nome, nao {>óde por dmús ten:^ continuar a partilhar de uma posição indefinida.

Segundo deveis saber, os trabalhos da commiisao ficaram reduzidos, o adstrictos a elle como Presi- dente, e a mim como Tbesoureiro; cabendo a elle toda a oorrespondencia, e a mim toda a narteeeonóm^ioa. As raias de nossas aoçoes assim estaoeleoidas demap* cavam a nossa independência ; e nao é sem grande oonfrangimento* que entro n'estas minúcias para nao

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pôr em dúvida a minha total responsabilidade, pois considero-me bastante forte para nao corar diante das impertinências, que um successo desgraçado pôde fazer nascer em espíritos que medem a honra pelo paga- mento & vista.

Nao me acastello atraz das theorias dos factos, e nfto chamo em meo soccorro os desbaratos que levaram os dinheiros da subscripção pnra o monumento a Camões, nem da Caixa de Pedro V, cuja responsabili- dade legal e moral das commissoes desappareceu deante das considerações de força maior^ porque intendo que quando os brios cavalheirosos se acham empenhados, as obrigações não prescrevem, nem a responsabilidade se divide.

E' tudo quanto tem a dizer o

Ex-Thesoureiro José' Ricardo Moniz.

Rio de Janeiro 31 de Maio de 1871.

 Âssembléa, tendo escutado attentamente as consi- derações oraes e escriptas do Sr. Thespureiro, toma parte em seo desgosto, e interrompe a sessão durante algum tempo.

Tendo-se retirado o Sr. Moniz, continuam os traba- lhos começados, e prosegue a leitura do Relatório do Sr. Conselheiro Castilho,fínda a qual o Sr. Conselheiro Cardoso de Menezes propõe que se votem os quesitos, in finSy do Relatório.

O Sr. M. de Mello lembra a conveniência de se re- lerem as conclusões do mesmo Relatório.

O Sr. Conselheiro Cardoso de Menezes accrescenta que, tendo a leitura sido interrompida, convém talvez que o Sr. Conselheiro Castilho faça um resumo do seo trabalho, e assim se resolve.

Terminada a exposição, feita por este senhor, propõe o Sr. Commendador Costa Braga, que as conclusões do Relatório sejam votadas inglobadamente. Objecta a Sr. Couselheiro Castilho que, tractando ellas4e maté- rias mui diversas entre si, convém separal-as.

Entra em discussão o P. quesito a F ou não appro^ vado o que até hoje se tem feitOy e consta doeste ReUsc tório ? )) Resolve-se pela afirmativa, unanimemente, e sem discussão.

Entra em discussão o 2^. quesito « Convêm mcunibir

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alguém de levar ao cabo a empresa^ dirigindo o que resta para fazer: e redamando de quem os tiver ^ os fundos jd subscriptos^ e ainda não recolhidos ? »

O Sr. Costa Braga declara ter em seo poder cerca de 350SÓOO rs. pertencentes & subscripçao, que reteve até iigtira, por conselho das círcamstancias. Outro tanto, e

Selas mesmas razoes, fez o Sr. Commendador Correia e Sà,que declara ter em sua mao cerca de 900$000 rs., procedente3 de egual origem.

A Assembléa agradece a estes senhores, e sob pro- posta do Sr. Conselheiro Cardoso de Menezes, resolve unanimemente que o Sr. Conselheiro Castilho seja sol- ' licitado a levar ao cabo a empresa; e dà^-lhe solemne voto de louvor.

O Sr. Conselheiro Castilho, agradecendo mais esta prova de confiança da Assembléa ( « confiança mere- d^idissiman <i simples justiça » bradam muitas vozes) , acceita todos o.^; incargos, menos o de arrecadar, o que A receber houver. Vários cavalheiros insistem embalde oom Sua Excellencia.

O Sr. Cybrfto propõe que os Srs. Presidente, Con- jflellieiro Castilho e Vice-Presidente, Barão de S. Cle- mente— ^sejam incarregados de levar ao fim a tarefa; « entr:f si dividam os trabalhos. Esta proposta é una- nimemente approvada.

Lêem-se os quesitos 3°., 4\, e 5\, e resolve-se :

Quanto ao o**. : que os Srs. Presidente e Vice-Presi- ^ente façam o que melhor lhes parecer ;

Quantj ao 4". : o mesmo, e que se as sommas arre- cadadas não derem para os gastos a que se refere, seja cada um dos membros da commissão consultado por c?%rta, a respeito da quantia com que deseja con- tribuir ;

E quanto ao 5"". : que iicam desde auctorizados todos os gastos precisos.

Lâ-âe o 6°. quesito, e resolve-se : que os Srs. Presi- dente e Vice-Presidente mandem, quando opportuno o julgarem, publicar o que ihes parecer, do occorrido n'e.sta sessão, e o que convenha acerca do seo in- cargo.

Julga-se prejudicado o quesito 7."

Mais se resolveu, em presença da promessa contida no Relatório do Sr. Thesoureiro, que a todo o tempo que este senhor possa restituir os fundos, que por uma ca- lamidade commercial se perderam, ficam os mesmos

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Srs. Presidente e Vice^Presidente auctorizados a rece* bel-oSy e i4)plical-os a qualquer objecto análogo, que julgarem conveniente.

Obtendo a palavra o Sr. Commendadór Almeida Martins, prop0e que o voto de louvor, tfio espontanea- mente offerecido ao Sr. Conselheiro Castilho pelos v»* levantissimos serviços prestados jpor S. Ex. para o bom êxito da empresa começada, seja extensivo ao Sr. Vi»* conde de Castilho, de quem nasceu a idéa d^ um Mor numento a Bocage, segundo a declaraçfto do &*. Con- selheiro. Esta proposta é accolhida com geral a]^lau60^ e a Âssembléa vota unanimemente louvores e cordiae» agradecimentos aos dous diçnos IrmSos Castiihos, o Sr. Visconde e o Sr. Conselheiro.

Levanta-se a sessfto ás 2 1/2 horas.

Ebnesto Ctbbao. Secretário.

ADVERTENCU

estava em grande adeantamenio a compósito da matéria d'este número (a qual pnecisa ainda ser conti- nuada no seguinte} quando foram successivamente en- tregues, para serem publicadas, as cartas 13*^14* e 15*, de Cincínjiato a Fabrície» Saírfto á luz, apmas o paço o permitta.

Typ. 6 Lità.— mPABCIAIr--Bm Sete dfl Setembio,,lé$.

QUESTÕES DO DIA

isr. 16

RIO DE JANEIRO 21 DE OCTUBBO DE 1871.

Pafo n. <

ísa dos 5rs K. di H. Laemniírt.— Praça da ConslituiçãD, o,— LívrnHa AcadcmUra. ttua de S. Josa d. 119— Largo do - Rua de Gonçalves Dias o. 79. Preço 200 reis.

>toiiuiuexito a Bocage.

Dêmos no precedente número a acta da última sessfto commissao central, creada n'''ãla corte para promo- Ter s erecção de um modesto monumento a M. M. Bar- hozB àu Bocage, Elmano Sadino, a qual vai verificar- se proximamente, e talvez no dia 21 de dezembro d'eate anDo, em Setúbal, cidade natal do poeta, coramemo- rnudo-se assim o 66' anno do seo passamesto, como, no dia 15 de septembro de 1865, egualmente se com- Inemorãra, n'um brilhante jubilêo, o anniversÃrio se- Eular do seo nascimento.

Nomeadas para Lisboa e Setúbal commisaOes com- postas dos cavalheiros mais competentes, tndo faz es- perar que o generoso pensamento, iniciado nesta corte, I ao qual se associaram cidadãos brazileiros eportugue- ies. seja dignameute realizado, pois consta acharem-aa mtn andamento os derradeiros trabalhos.

Este número será pois ainda inteiramente consagrado _0 mesmo assumpto, e sonos permitteo espaço pu- blicar uelle o excellente escripto do Sr. Dr. Pedro Luíe Pereira de Souza, e a correspondência trocada entre o Sr. António Feliciano de Castilho e a Camará Muni- eíp«l de Setúbal. Ficam muitos outros curiosos docu- neotos, a alguns dos quaes talvez ainda damos egnal publicidade.

Monumento a BQ:;age.

Em dias do mez de septembro, na cidade do Rio de Janeiro, celebrava-se uma festa litterária em honra & lyra de llocage.

Os amigos das lettras e de nossas antigas glórias

Itsviam sido convidados para uma reunião nas salas do

lub Fluminense, pelo Sr. Conselheiro José Feliciano

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de Castilho Baireto e Nonmha, em áeo nome, e no de seo distincto irmão o Sr. Dr. António Feliciano de Cas- tilho, de quem, como S. Ex. annunciou, recebera aquelle honroso incarjfo.

Tudo concorria para aquecer os ânimos n'essa elo- quente contemplação do passado.

A illustre personagem que apparecia á frente de tao generoso movimento conquistara de ha muito tempo a admiração dos contemporâneos. As musas carinhosas lhe embalaram o berço, e na existência litterària do illustre cego ingastaram inniimeras jóias do mais fino quilate. Alma sempre nova, espírito sempre audaz, talento sempre fecundo, ainda sonha o grande, o ideal. Nao cançou. Não descreu. Naose assentou alquebrado à beira da estrada, nem se recolheu ao sombrio silen- cio da ironia. Antes caminha sempre, carregado de trophéos, saudando com fervor a geração que tem ância de poesia e de futuro. Os olhos, que j^ara a luz se fe- charam, fitou-os elle em outro céo mais límpido.

Ainda agora se nos revela o Ovídio portuguez, e do seo Tibur nos convidava para a festa do passado,

A data em que nos reuníamos era solemne. O dia 15 de septembro de 1865 completava o século do nasci- mento de Bocage. Éramos pois convivas de um jubilôo litterárío, ceremónia poética, e original entre nós.

Não podia ficar estéril a saudação que dirigíamos á sombra de Elmano. O.Sr. Conselheiro Castilho expoz a nobre idéa de perpetuar no mármore e no bronze a ve- neração da posteridade ao assombroso poeta. Foi caloro- samente abraçada. O plano do monumento apresentado por S. Ex. circulou pela assembléa. E* simples, ele- gante e modesto. Uma escadaria de mármore leva por quatro degraus a um átrio, onde oito columnas de or- dem jónica sustentam uma cúpola, sobre a qual se eleva a musa da poesia, com a mão esquerda apoiada em uma lyra, e a direita alçada, empunhando uma coroa. Ao meio do átrio, e sobre um pedestal quadran- gular, em cujas faces se lerão versos do poeta, er- gue-se o busto de bronze de Bocage.

Desde logo foi acclamada uma commissão para levar a effeito o magnífico pensamento.

Sem dúvida merece Bocage essa oblação eloquente, ainda que singela. Aquelles que se acharam no cami- nho do poeta percebiam n'elle o deus interior, presen- tiam a chamma sagrada a incendiar-lhe o cérebro, a

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crepitar no verso que lhe rebentava de improviso, a fulgurar em seos olhos azues, que paraciam reflectir a immensidade. Esse homem, que alli andava na turba, tinha a mens divinior. Em torno d'elle havia o círculo do espanto.

Cabia á futura geração consagrar aquelle sentimento. O renome de Elmano passou pelo chrysol da posteri- dade. Entre nós e o berço do poeta se estende um sé- culo. Pois a figura de Bocage, de tEo inspirada, de tao grandiosa, assumiu a nossos olhos proporções legen- dárias. E* quasi um ente phantástico !

Para aquelle homem a musa nao tinha segredos ; de seos lábios brotava em jorros a poesia; a murmurosa lympha da Castália despenhava-se-lhe em catadupas. Seos livros ahi ficaram; attestam muiio alto aquelle maravilhoso ingenho e a febril inspiração que lhe transbordava da alma. Para elle n&o íxavia barreiras. Os horizontes, por mais remotos, era fital-os, e ao olhar do ^énio se rasgavam luminosos.

Mas nem sempre pairava nas regiões olympicas aquella suberba phantasia. Roçou de perto, e nao raro, as misérias humanas, e n'isso sentia singular prazer. Génio inquieto, louco, devorado de scismas, deixava-se arrastar pelo tropel das paixões^ como elle próprio mur- murou em hora de tristeza, n'aquelles versos que todos nós sabemos. Rastejava então por sobre o da terra. Zunia de seos l&bios o epigramma como uma setta hervada. Sua risada mordia deveras.

O soneto nascia-lhe de um jacto e primoroso. Ora parecia o fascículo das varas com que se 'comprazia em flagellar o vicio, ora um festão de lindas rosas, como que entrelaçando suspirados amores. Cançado da terra, fugla-lhe a alma então para as nuvens douradas. A cantata serena o inlevava manso e manso; a ode pomposa o arrebatava no turbilhão de fogo; e ouvidos terrestres procuravam o bardo nas regiOes do ideal.

Tal foi Bocage.

Onde pára aquelle crâneo- vulcão... ninguém o sabe. Não se desfolham goivos sobre a lousa que incobre as cinzas do poeta. Pois levante-se na terra do seo berço a pedra symbólica do futuro. E' um tributo esse que lhe devem duas naçoes : Portugal e Brazil.

A idéa do monumento a Bocage deve acordar pro- fundas sympathias áquem ealém do Atlântico. Bocage nao é o representante de uma nacionalidade: é o filho

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sublime de uma raça. Suas glórias nfto se acham pre- sas em mesquinhas circumscripções geográphicas : pertencem á língua harmoniosa que falam dous povos irm&os.

Alma errante nos paramos da poesia, assim lhe cor- reu a penosa vida. Aqui na plaga brazileira yiveu também Elmano; respirou d*este ar embalsamado; nos seos inspirados cantos flammeja o raio quente d'este sol.

Uma vez ainda e agora em nome da poesia abra- cem-se brazileiros e portuguezes.

N&o é faustoso monumento o que se quer levantar k memória do divino cantor; nao é a traducç&o d'aquelle estro em mármore, pois que o estro ahi ficou no mundo traduzido em versos immortaes: é uma offerenda sin- gela do futuro, que colherá esplendores da idéa que symboliza; um tributo gracioso e modesto; iima pe- dra que vai alegrar os manes queixosos do bardo, e ás duas nações pesará bem pouco.

Pedro Luiz.

Rio de Janeiro-*octubro de 1865.

Senhores : presidente, e vereadores da camará, no- táveis, E HABITANTES EM GERAL DA ILLUSTRB CIDADS

DE Setúbal.

Mais que atrevimento deveria parecer o dirígir-me eu hoje a vós coUectivamente, se vós mesmos, dignan- do-vo6 de me honrar com excessivas mostras de bene* volencia, me n&o houvéreis imposto necessidade e obri- gação de agradecimento.

O agradecido é um amigo; e todo o amigo tem di- reito de expor chan e lisamente os seos sentimentos» Sem mais vénias o farei.

Penhorastes-me, quanto nSo cabe em expressão, ao» ceitando-nos com alacridade um projecto, em que meo irmão e eu havíamos posto o maior empenho e diligen* cia; e esse vosso obséquio, de si tao grande, ing^ran- decestel-o ainda mais, preparando-vos para nos receber e hospedar com magnificência digna de vós, e de qud até príncipes se pagariam. Coroastes finalmente o obsequio, deferindo em parte ás nossas instâncias^ e attenuando um. pouco essas públicas manífes* taçoes, com que a nossa justa humildade se nfto

.trevia. Ainda assim, o que d'eUas ficou, sobraria para ÍDSoberbecer aos mais aoibicíosos. i

pela Toz de lueo irmão soubestes a causa que me

irivoíi de accompauhal-o, nesta que para nós em de-

TOtisaima romaria, e que a vessa urbanidade mais que

nerosa nos transformou em triumplio; mas o que

lem pela voz d'el!e podestes decerto comprehender,

;em eu por palavras vos saberia explicar, é o inliDito

^ue a vós me prendestes com as acclamaçOes, em que,

â'uiD dia todo de Bocage, o meo nome andou conso-

Eiado com o do grande Poeta, no meio dos seos conter-

neos mais tllustres. Inthesouro para glória de fa-

ilia as folhas publicas e cartas, em que sa me

l«tain eâsas memoráveis horas de 17 a 18 d'este

arco.

Glorificado por vós com o titulo de Presidente ho- lorÀrio da commissftoque deve tractar do monumento » Cysne do Sado, venho ao assumpto que sobre- ido oos interessa.

Filhos digníssimos d'este século, quereríeis, e quí- jra-o eu tambem,que os manes de Bocage se podessem lobilitar com um monumento productivo : que uo lilo se preferisfie para elle o bom; à pompa artis- ica. a educação e acaridade ; a um quasi mausoléo, berço queattrabisse as bênçãos de Deus para sfibre ^ litados da Fortuna. As pyramides do Egyplo reu- Idas nSo valem a mais humilde eschola. Tal é j& de uito a minha convicção intima: livre a expuz, e ^ diuturnamente a sustentei na lievista Vni-

•rgúlt quando se iractava do como se ergueria padrílo "igno ft D. Pedro IV : e outra vez ainda tomei voz ela civilisaçao contra a vaidade, quando se contro- vertia por D, Pedro \' qual melhor o representaria: se im colosso surdo, mudo, cego, immovel, gelado, sem ÍDtraohas : se um mestre, embora o mais obscuro, ou I mais humilde me.stra, preparando no eremitério de mos eschola o bemdicto milagre de homens e mulhe- reí para o porvir.

Que eu defendia, no quasi anachrónico pleito, a njellior parte, sabe-o a rainha consciência, e compro- T88le)-o vós tambeui.

Todavia, Senhores, como nem todos ainda o inten- detn aisim, e o.s dinheiros tributados, para a home- nagem que hoje se projecta, vieram logo. e talvez (idíÀí se retrahiriam, de-ítinados a couverter-se em mo-

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numento^na accepção vulgar do termo, intendo eu que todo e qualquer debate n^este sentido seria agora intempestivo, e inútil quando menos.

Renunciemos pois virilmente o óptimo para onde nos fugia o coração, e ousemos contentar-nos com o simples bom, que tao risonho, ainda assim, e t&o conseguivel se nos presenta.

Por sermos vencidos do número, nao havemos de fugir do campo; e esperando por dias de mais rasgada luz, consolemo-nos, que também é boa philosophia, considerando que d'entre todos os monumentos infe- cundos, estes, os dos filhos de si mesmos que se nobili- taram pelos trabalhos da intelligencia, sao sem duvida os de maior préstimo.

Quem se instrue ou se melhora com a estátua de um rei, mas que fosse Trajano,o IV Henrique,ou D. Pedro? Que diz esse mármore ou bronze, que o não diga me- lhor, mais ampla, mais alta e mais duradouramente a história ? e quantos monarchas ha para irem escutar a esse simulacro de príncipe uma exortação, que nunca lhes virá de fora, se Deus ao nascer lh'a n&o insinuou ?

O vulto de Colombo, sim; é o rei dos utopistas, por quem o mundo se duplica ; essa fígura, como a do In* mnte D. Henrique, eleva a almn ao pensamento das g^raudes cousas; pregoa o estudo, o trabalho, a perseve- rança : todo o espinhoso itinerário da Glória.

No mesmo caso estão as effigies solemnes de Galli- lêo, de Newton, de Linnêo, de Guttemberg, de Was- hington, de Franklin, e estariam a de Fulton, a de Olivier de Serres, a de Jacart, a de Cobden, a de Da- guerre e as de duzentos outros que negociaram os ta- lentos divinos, em proveito de seos irmãos.

Ainda após estes, ha logares honrosos, a chamar pelo cinzel, e podem, com interesse público outorgar- se aos homens do mundo ideal, aos devaneadores do bello, ess'outros fecundadores do mundo pelo menos; espíritos incarregados pela Providencia, de o aformo- sentar com as flores do espírito, com as saudades do bom que foi, e com os arrebóes prophéticos de me- lhores dias. Os Shakspeares, os Molières, os Schillers, os Cervantes, os Camões e os Bocages, pertencem a este número de eleitos, cuja verdadeira vida principia da sepultura.

A estátua do poeta, essa sim que nao é mlida ; por

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ella falam ainda 08 seos versos. O filho das Musas ouve-a cantar, no mundo estéril, por onde vagueia in- differente, como nos areiaes do Egypto o coUosso de Memnon modulava hymnos ao apparecimento da Au- rora sua mãe

naoé pedra aquillo; é um conselho vivo de estudo, de recolhimeoto solitário, de meditação, de paciência, de esperança, de na própria estrella, de renunciaçao ás pequenhezes, aos iurédos, a todas as misérias ca- ducas e perecedeiras.

Falei de Camões e Bocage. Que de ponctos de con- tacto, entre estas duas glórias nacionaes! Permitti-me recordar-vol-os, que será insoberbecer essa terra a que tanto devo.

Com quasi doas séculos e meio de distancia, nascem de famílias honradas, mas de pouca fortuna, os dous máximos cantores portuguezes, no prazo precisamente em que mais úteis podiam ser, como exemplares á língua e poesia nacional. Camões regulariza e fixa, com o adjutório do latim, do italiano e dohispanhol, a arte do escrever claro e culto :

..,.. um som alto e sublimado, um estylo grandíloquo e corrente. Bocage, outro Messias litterário. offusca, dispersa, qua^si anniquilla de todo a synagoga arcàdica. Fone egualmente «'om os idiomas da antiga e moderna Itá- lia, e como francez, de que elle sabe não colher senão o necessário, o útil e o bom, abelha delicada entre in- sectos impuros que venenos lhe sugavam, a ouvir pela primeira vez aos echos multiplicados e attónitos uai falar altiloquo e terso, claro e elegante, cheio e harmonioso, conij nenhum, em poesia, ainda por se ouvira, nem se tornou a ouvir, depois que elle em- mudeceu. Camões e Bocage são pois ainda hoje dous mestres; mbs o segundo, por mais achegado a nós, mestre para mais aproveitamento. Na traducçao inex- cedivel, e no soneto inegualavel.

Ingenhos peregrinos ambos, começam a colher tein- poran a celebridade; ouvem em vida os applausos dos vindouros, e por entre os susurros harmoniosos dos loureiros, também os pios importunos das invejas. D'aqui talvez a esplêndida bile que em ambos se desa- bafava em sátyra; d'aqui também, aquelles frequentes assomos com que ambos, nao sem escândalo de me- díocres, ousavam pregoar, como Ovídio, como Horácio,

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como todos os gigantes, que ardia n'elles o fogo sacro, q^ue os inspirava um nume, e que as suas obras n&o tinham de morrer.

Beprehende-se à Fortuna a sua prodigalidade para com entes vulgares, abjectos, nuUos, ao mesmo passo que pelo commum se mostra mesquinha aos espíritos eleitos! Que desarrazoado nCLo é esse queixume ! e basta uma consideracao,ommittindo vinte outras que a refor- çam : Seria por ventura justo que a Providencia dis- partisse tudo a uns, e a outros nada "? que os pobres de espirito fossem também mendigos dos bens terrestres, emquanto os talentos e génios possuíssem os palácios e parques, os cavallos da Arábia, as mesas de LucuUo? « Não escreve Lusíadas quem janta

(c em toalhas de Flandres ;

o tinha dicto Garção.

A Camões e a Bocage pois a vida pobre, atormen- tada, trabalhosa. Quem sabe se a contrária os não afo- garia !

Camões recorre á milícia; Bocage recorre á milícia. Ambos vão servir a pátria nas terras d'alem-mar,no Ori- ente, na região do sol e das palmas; a ambos os espera a inspiração, mas os infortúnios também; a ambos a ausência apura a sensibilidade; a ambos os chamam es amores para o ninho paterno.

Amores : qual dos dous levará n'isto a palma ao outro ? Nem um nem outro é Petrarcha para uma Laura, ou Dante para uma Beatriz, a quem ame viva, e a quem ame dobradamente depois da morte.

Cada um d'elles é, como o segundo por si confessou ingenuamente :

í( devoto incensador de mil deidades.

Não amam a uma formosa, inleva-os a formosura : ardera por mil; adorara a todas ; a feminidade sob qualquer fórina ou nome, é o seo iman perpétuo.

Era rumos incontrados, e com a mira em estrellas diversas, é sempre a mesma luz celeste, a belleza.quem os enamora, quem lhes chama : aos olhos, ora o riso, ora as lágrymas ; ao coração, ora a esperança, ora o ciúme; aos lábios, ora os hosannas, ora os impropérios, que são ainda amor. Por isso, nem um nem outro se atreve a escolher uma companheira para a jornada trabalhosa da vida. Por filhos e herdeiros hão de deixar as próprias obras.

A existência namorada, aventurosa, errabunda, for-

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tuita, amphíbia,quasi aérea,quasi chimérica,e quasi de •chímeras uaicameate pascida, a tal poncto os irmanou, «que Bocage nao poude abster-se de exclamar no seo «xilio indiano :

Camões, grande Camões, quão similhante acho teo fado ao meo quando os cotejo ! egual causa nos fez, perdendo o Tejo, arrostar co'o sacrílego Gigante ;

como tu, juncto ao Ganges susurrante, da penúria cruel no horror me vejo; como tu, gostos raos que em v&o desejo também carpindo estou, saudoso amante ;

ludibrio, como tu, da sorte dura, meo fim demando ao cèo, pela certeza de que terai paz na sepultura.

E ainda então, senhores, o vosso cantor, o vosso Ca- mOes II, não sabia quantas mais similhanças com o grande homem o aguardavam no futuro. Como elle, havia de experimentar por leviandades a amargura expiatória do cárcere; como elle, havia de chegar a ver a Pátria n*uma grande crise, suprema dor para um coração portuguez ! como elle, havia de se finar n'um aposento desconchegado, esoccorrido da caridade; como elle, até depois de interrado, havia de naufra- gar e perder-se com a própria sepultura; como a elle em&m havia de chegar um dia, e, foi Deus louvado! era nosso tempo, em que a gratidão pública o evo- casse glorioso d'entre os mortos. Foi necessário um sé- culo para a canonização da arte; acampa extraviada le^urgiu pedestal, quasi ara.

CamOes e Bocage vão reapparecer nas suas cidades uataes; d'estavez, de bronze para a eternidade, a domi- narem com toda a sua grandeza intellectual em meio de praça-; do seo nome; emquanto as Musas do drama e da comédia os offerecem aos applausos das turbas, Camões pelos meus exforços, Bocage pelo ingenho prestigioso de Mendes Leal, o príncipe do nosso theatro.

Um génio poético do novo mundo, inspirado cantor d'aquellas terras, ainda nossas pela fraternidade, d'a- quelle paiz único do ouro e do sol, dos diamantes, da poesia e da mocidade, Alvares de Azevedo, dera-nos o -exemplo ^pobre moço, tão em flor cortado á glória do

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Brazil e do nosso commiim e opuleiítíssinio idioma!); carpira o fim misérrimo de Bocage, em páginas digna.^ do seo assumpto, mostrando-nos por dentro e ao natu- ral o coração vulcânico, o espirito sublimemente de- lirante doeste filho pródiíjo das Musas, que ainda melo- dioso ao expirar, como a ii\e do Caistro, suspirava o pesaroso gemido que a ninguém esqueceu : « Meo ser evaporei na lida insana « do tropel das paixOes qué me arrastava. Surja pois, muito nas boas horas, no melhor Fórum de Setúbal, ao som dos vivas de Portugal e do Brazil, essa projectada rotunda, occupada por Bocage, e domi- nada da Musa lyrica, podendo-se intalhar no pedestal aquelle verso delle, então prophecia, hoje história :

<( Zoilos, tremei I Posteridade, és minha !

Todos os bons ingenhos portnguezes, hao-de sem falta acudir com os seos cantos a essa inauguração expiatória, o que será para Elmano terceiro monu- mento: o primeiro o havia elle mesmo levantado a si com os seos versos de ouro.

D'aqui me estou eu deliciando a antever essa festa nacional ! Toda a vossa cidade de gala; a capital visi- tando-acom inveja; a praça alcatifada de loiírob e mur- tas; a música alvoroçando ainda mais os coracOes; os edifícios colgados de púrpura: os representantes do município em toda a pompa official, e, a convite d*elle, as damas, indo coroar de flores o seo escravo, agora rei.

Quanto nao seria para desejíir, que esta emblemá- tica cerimónia, da coroação do talento pela formosura^ se renovasse perpetuamente de anuo a anuo, no dia do nascimento do poeta, ou no do seo renascimento em estátua!

Confessemos que n"estas cousas tao sympàthicas, e tao fáceis de si que até sao gratuitas, vai alguma cousa mais que mero regosijo popular; vai estimulo enérgico a muito ingenho. A glória também é conta- giosa; nao o haviam de ser as outras febres.

Por este lado o monumento, que a principio nos pa- receria estéril, cessa de o ser; e a Posteridade alguma cousa porventura confessará que lhe devíMi. quando der de século a século o seo balanço.

Senhores, vós tendes várias outraíi praças; vejamos se se evocam do nada futuros grandes homens, para aí> occuparem com a sua effigie.

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Setúbal recebeu da natureza boa bençam de poesia » tivera antes de Bocage o vosso Va^co Mausinbo de Quebedo, o pregoeiro épico do Affonso Africano; e Thomaz António dos Santos e Silva, o infeliz carpidor de Lésbia, génio inculto, que o estudo, e um pouca menos de adversidade houveram podido sublimar. Quem sabe quantos outros eguaes ou maiores não po- derá ainda crear um torrão, pela amenidade, pelo céo, e pelas circumvisinhanças, tao inspirativo: com a Arrábida religiosa a um lado, vestida dos seos rosma- ninhos e alecrins; e Palmella, a devanear do seo castel- lo proêsas guerreiras d'outras edades;d'outro ladoTroya, a romana antiga, que para alli se jaz; e o Oceano, a meditação immensa; torrão das laranjeiras noivas^ como a Itália; e por baixo, thesouro de jaspes e mármo- res, resguardados para estátuas de seos filhos. Solo providencialmente prendado de tudo, e d'onde, ainda ha dous dias, um insigne poeta dinamarquez, o nosso amigo Andersen, estanciando ahi depois de percorrida a Europa, me escrevia quê tinha incontrado ao cabo o Paraízo Terreal.

Se eu não temesse offeuder modéstias que venero, citaria exemplo contemporâneo, de que a terra que deu Bocage nao ficou por isso exhausta de poesia.

Mas vol:"mos ao nosso Bocage.. Nao o conheci eu pessoalmente. Despedia-se elle do mundo quando eu apenas o intrava; mas conheci e tractei depois a alguns dos que o haviam admirado, e que d'elle me falavam, como se na véspera o tivessem applaudido. Eram estes po6ca.s, seos cortezaos, nada menos que Vicente Pedro Nola.sco da Cunha, João Vicente Pimentel Maldonado, Morgado de Assentiz, D. Gastão Fausto da Camará Coi- tinho, Belchior Manoel Curvo Semmedo Torres de Sequeira, José Ni^^oláo de Massuelos Pinto, José Agos- tinho de Macedo, e duas poetisas: Condessa de Oyen- hausen, Marqueza d'Alorna, e D. Anna Pereira Mare- cos, a cada uma das quaes dedicou um dos seos tomos poéticos, e o coração também, segundo é fama.

Toda essa constellação poética vai sumida no occaso. D'entre est^s nove ingenhos não vulgares, não houve um, sem exceptuar o Padre Macedo, flagel- .lado com a mais tremenda e memorável das sáty- ras bocagianas, que me não confirmasse o que eu ou- vira a meo próprio pae, não poeta, porém juiz muito competente emcou<as litterárias: que o improvisador

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Elniaao fora ainda muito maior na facilidade e felíci- dade da improvisação, que nos seos versos esmerados para a luz pública. Como poeta, poder&o os diversos gostos contrapôr-lhe um ou outro rival; como repen- tista, nenhum. Eis ahi um novo jus ao monumento. Vão longe aquelles dias dos tão afamados oiteiros poéticos de Portugal; também agonizavam quando os «u alcancei; mas eram donosa occupação e bom esti- mulo de ingenhos, emquanto a juventude era juven- tude, e a politica nos não tinha a todos e de todo des- salgado ; mas quem nos diz que ao do vosso Bocage resuscitado, não poderiam, se os evocásseis vós, re- suscitar egualmente aquelles certames nocturnos dos ingenhos, no dia, ou no tríduo do anniversârio do monumento ?

E se resuscitassem, não seria esse um facto bem fe- cundo? não sabemos todos nós o que a história ainda Urlo esqueceu das luctas de poetas e de poetizas na 6ré- <;ia, na pátria do bom gosto e dos eternos exemplos?

Quando repomos em uso e era honra, sob o nome de regatas, as naumàchias festivas dos Troyanos, quaes Virgílio nol-as descreveu; quando imitámos as apostas dos cavallos voadores de Elide; quando se vai palmear a ferocidade sanguinosa do Circo romano, em batalhas de feras com homens, ou antes d'homens-feras com animaes forçados a infurecer-se ; porque motivo desdenharemos da sábia antiguidade o que se refere á cultura do ingenho, o que tende a amenizar a convi- vência, a polir os costumes, a approximar e reunir os sexos no convívio dos gostos delicados? Que lustre não seria para Setúbal, a Bocagiana, instaurar ella esse estádio, em memória do seo filho ! Embora o não viesse a conseguir, o tental-o a innobrecôra; nós di- ríamos no nosso poucochinho: os jogo^ setubalenses ! como a Grécia blazonava os seos jogos olyrapicos e os pythicos, a que se cria presidir o mesmo Apollo !

Os ânuos vao frios, não o iguor:) ; mas que mal faria tentar-se ainda o bello, o gracioso, o admirável ?

A' que não valia, nem vale ainda hoje, a aldeia franceza de Salency , o que ha de valer, e o que vale a vossa cidade tão bella e tão populosa ; e todavia um grave prelado, um velho, despegado do mundo, e que mereceu canonisado, S. Medardo, instituiu lá, e lo- grou-se de vêr pegada à festa annual da Roseira, de-

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pois transplantada para tantas outras partes ; e que^ extirpada passageiramente pelo tufão revolucionário, tornou a pegar, e ainda hoje se conserva. Que ricos fructos moraes, e em que larga cópia nao tem produzido aquella coroa de rosas, trançada para a meça mais virtuosa pelo risonho velho, poético e innocente Ana- creonte da caridade! Tentae vós também, e pode ser que Deus vos abençoará a tentativa, e que algum dia ainda, em recompensa d'esses esforços, vos permittirà levantar, em face do monumento de Bocage, outro da civilizaç&o: a eschola, o asylo, como vós e eu os cubi- cámos.

Sao horas de cerrar t&p larga conversação de amigo com amigos ( perdida não espero eu que ella o fique totalmente); Por agora despeço-me de vós, formando votos para que o êxito corresponda &s vossas diligencias,, e d'aqui a pouco se esteja celebrando na vossa terra, com a assistência de todos os poetas portugueses, o jubilêo de Bocage.

Setúbal é uma linda cidade: d'ahi avante, po- derá chamar-se uma cidade famosa, porque também de Sulmona, que de certo a não valia^ dizia o Bocage romano, Ovídio: <c Muralhas da minha terra, não sois- muito, não ; mas quando um viandante vos avistar de longe, dirá: Terra que tamanho poeta creaste, embora não abarques largo território, chamar-te-hei Grande! »

Permitti-me a honra de me assignar

O vosso

mais respeitoso e agradecido servo, Lisboa 20 de março de 1867.

A. F. DB Castilho.

Illm. o EjLXKtm Sr. Consellielro António Felioiano de Oastillxo.

Novos laços de gratidão prendem hoje a V. Ex. o povo de Setúbal.

Em nome dos habitantes d*esta cidade, que nos hon- ramos de representar, agradecemos do coração as be- névolas expressões, que V. Ex. se dignou de nos dirigir na sua excellente e obsequiosa carta.

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As deraonstraçõed com que este povo de >9java re- ceber as diatinctas illustraçoes, que vinhain visitar esta terra, representavam apenas uma imperfeita ma- nifestação de respeitosa komenagem ao primeiro poe- ta do áeo paiz e um singelo tributo de sincera grati- <iílo ao homem benemérito, que tanto se tem desvela- do a bem do povo, praparando-lhe pela instrucçao um melhor futuro. N'essa occasiao tornava mais vivo o enthusiasmc dos filhos d'esta terra a lembrança dos motivos que tinham determinado a visita de tao il- lustres hóspedes: honrar a memoria de um géíiio fe- cundo, de que Setúbal se orgulha de haver sido berço.

E' explendida a maneira com que V. Ex. expressa os seos elevados conceitos : será modesta a nossa res- posta, porque modestos «ao os nossos recursos. E' justo que mais quem mais possue, e a V. Ex., a quem a natureza concedeu com mao pródiga os altos •dotes da intelligencia e do coração, cal>e a vantagem e a glória de Doder dar muito mais do que pôde re- •ceber.

Seja pois lhano e cordial o nosso agradecimento, e valha pela sinceridade com (jue é offerecido o que nao pôde valer pela riqueza das imagens nem pela pompa do estylo.

Aquella carta, Exm. Sr. , devora ser lida em assem- bléa aonde concorresse o maior número possível dos conternlneos de Bocage, se nao fosse ainda mais útil dal-a á estampa e distribuil-a com profusão, para que fique bem gravada na intelligencia o no coração de todos, e seja um poderoso talisman que avive mais e mais n'este povo o amor ás instituições humanitárias, de que V. Ex. tem sido sempre incançavel propu-

gnador.

Como complemento de tao assignalados favores, ou- sámos pedir qíie V. Ex. consinta que as brilhantes páginas d^iquella carta sejam divulgadas pela impren- sa e cheguem assim ao conhecimento de innúmeros indivíduos, anciosos de admirar mais uma vez o génio de V. Ex. e inthesourar tao preciosa jóia litteÃria.

Sala das sessões da Camará Municipal de Setúbal, eixí "21 de março de 1867. António Rodrigues iíanit- to. José de Groot Pombo, Francisco Alberto dos San-^ tos, Manoel José Vieira Novaes. Martinho da Sitva Mendes. Joa/juim Pedro de Assumpção Rasteiro,

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III ms. e e:x:«$. ^n.r.9. Presidente e Vereadores d(t Oamara Municipal do S9otul>al.

Segunda ve-/- me confundem V. Exs. com a sua generosidade Ambicionar honras, é um sentimento natural, muito lícito, e muito proveitoso ; mas quando AS honras vem superiores ao merecimento, sao co- roas que miis depressa esmagam do que ingran- decem.

Dos três louvores que V. Exs. me libríralisam, des- •cabem -me dous, seja-me permittido confessal-o ; um, é o que recaí excessivo sobre a minha poesia; o outro, o que me converte em mérito, o que é simples acto de justiça : o Je.^ejo em que eu accompanho a meo irtnao, e a V. Exs. mesmos, e creio que a todos os portuguezes, de que se tributem a Bocage, mostras solemues da gratidão pública pelos altos serviços que «lie prestou à poesia nacional.

O terceiro louvor sim, que julgo nâo o ter desme- recido, e é de todos o que mais e melhor me enche e alegra o coração. Sip, meos Senhores ; creio como vós, e firmemente o creio, que nao vim inútil ao mundo, pois que alumiei, arejei, ajardinei, e tornei attractiva, philosóphica e fecunda a eschola primária, pia baptis- mal única onde os povos se podem regenerar.

Todos os meos outros livros pouco valem; o meo méthodo de ensino, fácil, rápido, e aprazível, des- «oraprehendido, mal apreciado por muitos, e por quasi todos, esse é que é a minha primeira e última obra. Se os mortos sabem o que se passa na humanidade, algum dia, d'aqui a quantos aunos nao scei, ainda me heide deliciar de ouvir isto aos nossos vindouros.

Também eu fiz uns Lusíadas', uns: foi esta carta <ie alforria da puerícia. Nao cantei os portuguezes passados, mas forcejei por que houvesse portuguezes futuros, o que nao vale menos, se è que nao vale mais.

A Camões, as palmas de cantor de génio; a mim bastam-me, e prefiro-os, os emboras de trabalhador 4)bscuro mas útil; de amigo provado das creanças, de suas mães, e da terra em que me creei.

Com a maior gratidão pois beijo a V. Exs. as mãos. que me assignam este documento, de que nao trabalhei totalmente para ingratos; este testimunho de

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que ainda ha homens-humanos nos nossos municí- pios.

Pelo que respeita à publicação da minha prece- dente carta, podem V. Exs. de lhes apraz, confe- rir-me essa nova honra; como nessas paginas eu não depositei sen&o o de que estava convencido, e o qua- se me figurava, e ainda se me figuro, de algum prés- timo, até desejo e agradeço que ellas vão conversar com maior número de espíritos.

Podem pois V. Exs. mandal-as dar & estampa^ assim como estas, assim como todas quantas por ven- tura eu haja de dirigir a V. Exs. Os obreiros civilisaç&o gostamos de trabalhar ao grande sol.

Com a maior satisfacçfto me assigno

De V. Exs. respeitoso e agradecidíssimo servo Lisboa, 29 de março de 1867,

A. F. DK Castilho.

l^p. e Lith.— IMPARCIAL— Rua Sete de Setembro, 146.£

QUESTÕES DO DIA

isr. 17

RIO DE JANEIRO 24 DE OCTUBRO DE ISTfl.

Vende-se em casa dos Srs E. & H. Laemmert. Praça da Constituição, Loja do canto.— Livraria Académica, Rua de S. José n. 119— Largo do Paço n. C— Rua de Gonçalves Dias n. 79.. Preço 200 reis

A r*epi3Ll>lloa federativa.

Se n'esta capital, ou em alguma outra das provín- cias do Brazil, um gruppo de indivíduos tentasse oi^a- nizar-se em partido do absolutismo^ creando uma folha, que servisse de orgam de suas doctrinas, e no frontis- pício do logar das suas palestras fizesse inscrever este motto Club absolutista ^ esse pretenso partido se col- locaria fora do terreno legal, como incitador contra a ordem política existente ; mas estaria tanto no seo di- reilo^ como o gruppo, que actualmente aqui se ostenta com essa publicidade, como partido republicano.

em outro artigo dicemos que datam dos primeiros annos da nossa existência como nação independente as aspirações republicanas de uma minoria, que nunca poude tornar-se verdadeiro partido , porque nunca ob- teve fazer proselytismo que lhe desse no paiz o apoio que fortalece os partidos legítimos. . A ídéa de federação das províncias sob a forma repu- blicana j& outr'ora tentou, e com muito esforço, fazer fortuna no Brazil, tanto no primeiro reinado, como depois da abdicação ; mas, assim como nao vingou a idéa republicana, por occasiao da independência, nos ânimos dos nossos grandes homens, que prepararam e eíFectuaram esse grande accontecimento, dispensando todo o seo efficaz apoio ao princípio monàrchico, por ser aquelle que assegurava a unidacie e a liberdade po- litica do paiz, sem os riscos da dissoluç&o, que seria consequente com a forma republicana, assim tam- bém o mesmo bom senso predominou entre os homens que mais influíram na situaçfto que se seguiu ao 7 de abril, na qual tivera a mais decidida influencia o par- tido liberal, dirigido por homens t&o eminentes, como Paula Souza, Vergueiro, Lino Coutinho, Paula Araújo,

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Limpo de Abreo, Costa Carvalho, Feijó, Evaristo, Vas- concellos, Alencar, e tantos outros.

Sociedades federaes com sessões públicas, onde discutia, no tom mais expressivo, a federação das pro" vindas^ existiam em varias capitães ; as idéas n'esse sentido procuravam obter triumpho ; seos jornalistas as defendiam com calor aqui, e em todos os ponctos do império, onde a politica tinha seos orgams; mas os homens políticos, que então dirigiam a sociedade brazi- leira (e eram elles, como observámos, os liberaes no- táveis e insuspeitos ) reconheceram que, sim, convinha dar mais expansão politica e administrativa ás provín- cias, mas nao federal-afi sob a forma republicana, como queriam os exaltados.

Foi assim qiie nasceu o acto addicional, nao obstante a opinião de alguns liberaes muito circumspectos, que d'este modo se enunciavam : « Da constituído, nem uma vírgula deve mudár-se : tal como é, satisfaz. O que falta é a boa prática do governo constitucional que possuímos; a educação política; é a instrucçao do povo; é o verdadeiro patriotismo, a leal coadjuvação, a firmeza e a dignidade dos homens; e leis adminis- trativas e regulamentares, que melhorem conveniente- mente os serviços públicos, sirvam de pinhor á liber- dade individual, e dêem mais vida ás administrações provinciaes: mas tudo isto se pótíe obter nos limites da constituição.»

O acto addicional foi discutido e votado sob o in- fluxo daá impressões e opiniões de tempo. Nao obstante as sábias e prudentes inspirações dos liberaes mode- rados, nao puderam estes deixar de acceder a algumas disposições, de ordem regulamentar, que nao tardaram em manifestar-se, na prática, repugnantes com a bõa ordem do governo, como confessaram liberaes cons- cienciosos.

No emtanto as províncias, ás quaes a constituição concedera seos conselhos de governo, que nao as satis- faziam, tiveram, pelo acto addicional, assembléaa le- gislativas, incarregadas de proverem ás suas necessi- dades locaes e económicas, em uma esphera sufliciente para affiançar o desinvolvimento de sua prospe- ridade.

Grande conquista foi essa ; e a exj)eriencia tem de-

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xnonstrado que o sábio exercício doeste direito tem .sido para o império, em geral, um grande beneficio.

Mas os abusos, que se foram dando no modo de se- rem desinvolvidas em algumas províncias várias dis- posições do acto addicional, abus<vs sentidos desde a primeira regência eleita de conformidade com o mes- mo acto, occasionaram a necessidade indeclinável da lei interpretativa e regulamentar, que tao cautelosa e i3abiamente provê sobre esses abusos.

Foi uma necessidade de governo, no interesse da ordem pública, e do regimen constitucional em sua marcha, convenieote ao interesse da communidade, no sentido administrativo. Isto em nada offendeu o grande principio da autonomia das províncias em sua vida intima; e o mais que, no sentido d^ facilidade admi- nistrativa, em proveito dos povos, é lícito conceder ás províncias, sem infraquecimento dos elos, que, no in- teresse commum, devem sempre ligar a nação brasi- leira, e manter a harmonia e a força indispensável do .gx>vêmo nacional, isso, cremos firmemente, que, depen- dendo somente de actos administrativos nas attribui- çoes do executivo, ou de leis regulamentares, será de- cretado, sem commoçOes politicas, sem penurbaç^lo da ordem pública; por isso pugnem os partidos !

A república federativa uilo pode convir ao Brazil ; seria o anniquilamento d'este grande paiz, porque traria -em si o gérmen fatal das luctas civis incarniçadas, (^ue sao usuaes e congéneres doesta forma de guvêrno, onde a auctoridade pública está sempre sob a influen- cia directíi das paixões dos partidos.

Este grande todo, este império, que excita o res- peito dos outros povos, e que, de annopara anuo, vai marchando para o seo ingrandecimento, nao territo- rial, porque nSo o necessita, mas económico, indus- trial, e moral, e d'ora em deante mais ainda sob o bené- fico influxo da lei de 28 de septembro, seria despeda- çado, e sentiria todos os males deploráveis doesse frac- cionamento, so por desgraça se tornasse república.

Nos tempos que correm, t*3m-se reconhecido que a unidade dos povos em respeitáveis corpos de naçílo è uma necessidaae, a bem dos mesmos povos.

Vemos a Itália, (que nunca desde o império romano existira politicamente unida, e que por largos séculos fora dividida em diversos estados, ou republicanos, ou

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mon&rchicos), completar dos nossos dias a sua unidade- sob um regimen político, e muito concorrendo para esse grande acontecimento os liberaes de todos os ma- tizeSf até os republicanos de Mazzini.

Vemos como a raça germânica, desde longos anno^ aspirando â t^ua unidade politica, tem reconstruído o- grande império germânico. E nem se diga que é so- mente fructo da ambição do novo Imperador, da poli* tica do seo chanceller, da força dos seos exércitos, e perícia dos seos generaes.

Nfto : o rei Guilherme da Prússia nfto poderia ter obtido da Allemanha a força da opinião pública, que a accompanhou e accompanha, abafando quasi a auto- nomia política, e a influencia dos chefes dos estados- secundários, so os allemaes dos vários Estados que hoje constituem partes integrantes do novo império, nao vissem no rei, hoje imperador, o representante do grande princípio da unidade germânica; e é esse senti- mento, que parece actuar sobre os 8 milhões de alle- mães, que fazem parte do império austríaco, por modo que mantém em sobresalto o chefe d'esse império.

E' que os povos, assim, manifestam justo, e natu- ral orgulhe de formarem uma grande e respeitável nacionalidade, por bem da defeza, e dignidade com- mum; porque na unifto é que está o desinvolvimento das forças,, e dos interesses communs.

Se inçáramos outro poncto da Europa, vemos a po- derosa Inglaterra zelando com o maior patriotismo a sua unidade política, nao poupando esforços para man- ter a sua auctoridade ra Irlanda, e velando pela sua grandeza, para nao descer do pedestal em que se acha coUocada.

Se da Europa volvemos olhos para o Continente Americano, temos muitas licçOespara aproveitar, mui- tos escolhos para evitar.

Na grande república do Norte vemos, sim,o governo- republicano federativo; mas em que condições ? A unidade nacional é mantida com vigor tal por parte do governo central, que, para defendel-a, se empenhou n'essa guerra colossal, espanto do mundo inteiro. Sna- força venceu, anniquillando a nova confederação dos Estados do Sul; e para domar e conter os vencidos^ nem o governo federal, nem o congresso trepidarant jio emprego dos meios repressivos.

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Intendeu-se que,fraccionaado-se, a grande república desceria das alturas a que se tem elevado no mundo, como nação una. £ é um grande problema que ao futuro pertence resolver, se, com a sua actual forma •de governo, aquelle grande paiz poderá permanecer por longos annos formando uma nação.

Estendendo as vistas sobre os paizes americanos, da língua e raça hispanhola, nada vemos oue invejar de sua forma de governo: nem é n'elles elemento de prosperidade e paz a república federativa onde ella existe, como n&o o é no geral a república unitária.

E em qual dos paizes a que nos referimos, dotados de governo republicano, existem melhores fianças de liberdade individual e política, do que noBrKzil?

Em qual d'esses paizes seria tolerado que circulasse livremente uma folha política, pregando a monarchia? e que um partido escrevesse na frente da casa de suas reuniões: Club mondrchicol

Aqui prégam-se abertamente as doctrinas mais sub- versivas da nossa forma de governo, quer na imprensa, quer em conferencias públicas, e a auctoridade nao op- põe o mcuor embaraço !... Veja-se bem como é inimiga da liberdade esta monarchia I...

Em nossa opinião, a auctoridade procede com su- bido critério. Tolera esses desabafos de ambições incontinentes e despeitadas da parte de uns, é meros sonhos da parte de outros^ ávidos de novidades; mas tolera atè o poncto, em que nSo sejam verdadeiro em- baraço para a marcha regular do governo constituído essas prédicas á revolução.

Também, è certo, essas aspirações republicanas nao couseguem exercer influencia, porque o bom-senso público sabe apreciaUas e reconhece que sUas nSo tem razão de se?.

Querem os innovadores levar o paiz do conhecido para o desconhecido, pretendendo que a nação par- ticipe, jurando em suas palavras, não de suas vi- sões, mas egualmente de suas paixões.

Não, não é a actual forma de governo, que nos pre- judica; mas sim o desregramento das ambições de to- dos quantos entre nós querem ser governo, sem saberem 4*iiperar que Jhes caiba a vez.

Isso, quanto a uns: quanto a outros, é a emprego- mania que os impelle a desejarem sempre o transtorno

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do que existe, esperançados em serem aquinhoados com. rendoso emprego em uma nova ordam de cousas.

A educação da nossa mocidade logar a isso: no* geral todos querem que seos filhos cursem estudos su- periores; e depois? O que ha de ser do bacharel, ou do doctor? E' um pretendente; e pretendente mal succe- dido é, em geral, um gritador contra o go/êrno.

Nos paizes constituidos desde séculos, ha sempre me- lhoramentos que operar na ordem administrativa: e se n'esses paizes assim é, se vemos a Inglaterra, que se nos apresenta como modelo do governo livre, sempre trabalnando em melhorar a sua legislação em ponctos muito importantes, como ainda agora no sentido elei- toral relativamente ao escrutínio secreto, e no iní^e- rêsse da melhor organização do seo exército, e em outras providencias tendentes aos interessais públicos, que muito é que entre nós haja ainda tanto que fazer no interesse d'este grande paiz ? ' Mas, cumpre repetir, isto não se conseguirá conve- nientemente, senão pelos meios regulares. Não é insi- nuando idéas demolidoras da unidade brazileira, não é procurando plantar a desconfiança entre o governo e o paiz, não é promovendo nos espíritos vontade contra a monarcaia constitucional representativa, que poderemos adeantar-nos na carreira do progresso, da civilização, e da riqueza; não será por tal guisa que seremos fortes; mas sim tendo juízo... juizo... sempre juízo.

Junius.

Decima ter*celx*a carta

DO ROCEIRO CINCINNATO AO CIDADÃO FABRÍCIO Rio, 15 de octubro de 1871.

Querido amigo.

Não Fomos nada neste mundo. Homem propOe, e ás vezes o díabj díspoe ; é porque este bípede hu- mano não é mais que uma molécula, um corpúsculo, um poncto, um nonada, emfim um átomo embrulhado n'uma dobra do infinito.

Communicara-te eu a tenção de pôr termo, com o n. 15 das Questões do dta, á minha correspondência comtigo, no tocante a Senio e C,*: Não scei dar em

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nomem morto, e durante 3 mezes nflo ouvi uma voz defendendo a quem, até ha pouco, vivia e cam- peava, e£'VÍ de uma reputação pânica. Daniel aflELr- ma que certo rei da Babylónia ( como outro arvorado em rei de uma Babylónia linguistica) destruiu Jerusa- lém ( como outro destruiria, se podesse, a Jerusalém das lettras ), errou 7 annos na forma de um animal feroz ( isso agora é que nao ) reduziu um povo in- teiro à escravidão (como est^outro, menos feliz no êxito de suas aspirações, ambicionava ), e levou o seo poder pessoal ao poncto de decretar que o ado- rassem em estátua, a qual figurava umas cousas por nhi além, mas por desgraça tinha os pés de barro, t/onde resultou que um dia, como era de razão, veiu tcda aquella caraminhola a terra. Historias velhas !

Voltando á vacca fria, repito que estava eu no fim d*esta inglória tarefa, como quem em direito hou- vess? chegado aos 29 anno.s e 11 mezes; quando ago- ra iiopinadamente vejo surgir o adversário, inter- romptndo a prescripção, á última das horas.

E' ocaso, que, hoje me trouxe um amigo o Diário do Rio^ onde, sob o título de Palestras, c a rubrica de Pubó.caçôts a fedido^ apparece um longo escripto, que prouette dar-me a vantagem e o gáudio de coníinuar, denunciando duas intenções: ai.' de in- deusar o «r. Conselheiro José de AÍencar, ou eleval-o até o incaiapitar no zenith; a 2.' de me subverter pelo chão ibaixo, até me arremeçar ao nadir.

E por coiiseguintemuda o negócio de figura. Dou- me por citau); está interrompida a prescripçflo, e co- meçam novos iOannos; rira bieii^ qui rira le dernier,

0^ nosso amigo (a quem chamarei Ticio ) vinha muito arrenegâo, e queria afinar-me pelo seu dia- pasão ; sublinhiva-me, com a voz, as palavras e phra- ses insultuosas, de que o artigo exclusivamente se compõe, e espmtava-se do meo sangue de barata, e da placidez con que eu, á sua ladainha e no logar do ora pro nofcwretorquia somente com estes palavras: .'Vôo faz ynal ! E como a minha memória nfio é^ das peores, e o diálojo está ainda fresquinho, quero dar-te uma idéa d'elle. ^il- o :

Ticio ( depois 0. haver lido com emphase ) Que é isso, sancto Deus Pois, em vez de tomares isto com ira, chólera, furo^ iracúndia, raiva, agastamento, e

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assanho, satisfazendo a ambição do escriptor, continuas a palitar os dentes, e a rir!

ciNCiNNATO. Porque nao? Que ha hi que motive in- dignação ou prejudique quem quer que seja ? Ticio. Ai, nao vês nada ? ! Olha que tudo isto as-

Í)ira a ser comtigo; e uma alforreca ficaria indif- erente a tamanhas insolências. Vae contando:!!... Reptil que levantas intromettido rasteiro es- trangeiro pretencioso especulador merecedor de desprêso profundo philaucioso audacioso chefe de empreitada diffamatória estrangeiro imprudente novo Sancho Pança calúmnias e insultos, próprios de quem os escreve, mas nao tem a precisa coragem de assignal-os lodo -^ o auct rde taes impropérios está muito conhecido nesta corte, como homem— es- criptor de tesoura— manipulador de almanaks— sabet- ça inferrujada o que ha de seo. é mofo e bobr

falador de cabinda parlapatice - parvure'las ! jogo dos disparates parvoiçadas de farça orelhido dos que pastam a relva rolho poetastro, mettid> em um farrapo de toga romana-^ Cinciuuato, por .*ausa da gafurinha em Coimbra nao metteu o »iariz !

o José..ú -^errabraz , que nascera taga*ella tenda de crítica montador de pasquino, proílaman- do-se um dos primeiros litteratos..,.

CiNC. Deixa rabiar, homem! Sao válvilas, que se abrem para a máchina nao estoirar. Ou v' dizer que um suDjeito, chamado Pope (que, valha a verdade, nao tinha das melhores línguas^ publicou um /olume; on- de nada havia de sua lavra; compunha-^ exclusiva- mente das affroutas, injúrias, impropéri)s, convicios, calúmnias e coutumélias, com que, emíalta de argu- mentos, o haviam frechado.

Tic— E depois'?

CiNC E depois, ficou sendo tno Pope como d'antes. Se bom ou máo era, tao bom ou tao raác ficou.

Tic. Mas nao ves que isto é vingançt ?

CiNC. {rindo) Vingança, i^^to? coladinho. Ora aqui : A vingança é uma satisfacçao, qtie os homens tomam diversamente, uns por modo ridículo, outros por modo inhumano. Os Getas atiraíi settas ao sol,

auaudo se pno. Os Pygmêos movem guerra aos grous» s Psyllos chamam a desafio os ventc^. Outros têm de- safogado a sua ira com estocadas < punhaladas nos

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<^adáveres de seos adversários morlos. Doestas dizia Platão, que se parecem com o cao, que morde a pe- <Lra que lhe chegou, e não na pessoa que com ella o feriu. Ticio! deixa là, quem quer que seja, mordera pedra, e morde tu este delicioso Havana.

Tic— ^uem quer que sejal Pois tu hesitas em dar <o nome aos bois ?

CiNC. E' cousa em que nem pensei, nem me im- porta.

Tic. Pois devia importar, attento um facto, de que •eu tenho sciencia certa, mas que mesmo sem isso eu iiouvera jurado, à simples leitura d'este escripto admi- rável. A divinização de Senio é jobra do próprio Senio.

CiNC. Tinha que ver! Então prestei eu mais atten- •ção à tua leitura que tu mesmo. Olha aqui o que se diz d'elle, e imagina se haveria no mundo homem tao... mo- desto, que de si mesmo dicesse o seguinte : « Brazi- leiro illustre, como cidadão, político e litterato » por fortuna para nós (!) está tao altamente coUocado, que Q&o iuxerga etc. distincto par seos merecimentos As obras de Senio sao appreciadas em seo justo valor pelos melhores talentos

Tic. Tudo isso é a minha prova ciroumstancial, pois uao haveria facilmente segunda penna que, neste estado de cousas, assim gabasse a noiva, senão a do par» que a quer casar, ou a de quem nao quer deixar o aeo crédito por maus alheias, embora saiba o que sig- nifique louvor em bôcca jírópria. Tenho mais 738 pro- vaci de que é esta... outra metamorphose de Protêo.

('ixc. Deixa-te d'isso, nao me convences. Hade ser producçio le algum dos muitos que se iiileiam, as- sombram e pasmam das magnificências do intellecto Senial: d^ algum dos s.íjs sábios -idrairadores.

Tic. Na tua edaJe. é para admirar estares ainda fom os beiços com que mamaste! A primeira regra do jui:í instructor, é profundar o ca^o, e perguntar a si mesmj: cai prodeií'] A q'iem approveita inthronizar Senio no apogôo do solV a Senio. Quem, natural d'este paiz, te brutalizou jamais d'esta forma *? ninguém, se- não Senio. E o nnnio z^lo do seo despique deitou-o a parJt^r : ainda se pnderia crer que fosse de algum admirador o escripto, sendo menos immoderado; mas

tufm traç iria tantas finezas senio quem estivesse hy- rophóbico de despeita V

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CiNC. Verdade seja que, assim como nunca maltra- ctei ninguém n'esta terra, nunca fui maltractado; e ad- miraria que hoje, sem provocação ( como aquella cota. que Senio me fez demover dos meos hábitos e systema) apparecesse segundo Ferrabraz, com grosserias da- guerreotypadas das com que Senio me mimoseou.

Tic. Qual segundo, nem meio segundo! São três bravos distinctos e um Senio verdadeiro.

CiNC. Temos mystério*? Como é isso do três e um*? Eu sou conhecedor de estylos e sinto zelos de quem se- arvora em demasiado esperto: Quem sfio esses três e um ?

Tic. Então vds com zêlos^ porque eu ja dei com a charada. Querem .... (N. B. Aqui seguia-se uma cousa muito confusa, que eu, ja ílepois de composta, c-ortei.)

CiNC. Falas-me por perlincafuzes, como diz o padre Manoel Bernardes. Nao intrujo uma palavra.

Tic. Eu te conto a história. N. 1 Senio os apon- tamentos magistraes, recommcndando que nada appa- reça por sua leira. N. 2. Salpica o discurso com amenidades próprias do sertão. N. 3.... e fica esca- broso.

CiNC. Escabroso é todo esse imbróglio. Entretanto esses, coitadinhos, não tem imputação. A questão única é com o bafejador-mór, se' o ha.

Tic. Ha; é Senio. Eu não digo que elle se não es- conda por detraz de um ou dous cujos. Faze de conta que eu assisto á tragédia Fausto, e que tu és o Valen- tim, irmão da Margarida ; quem figura dar-:e a esto- cada é o pobre Doctor (a juncta é de 3 doctores), mas quem guia o braço e a catana é Mephistópheles.

CiNC.^Nãome rendo: tem paciência. Pois se fosse obra de um luminar da imprensa^ teria similhante re- dacção? Levaria duas columnas de typos a injuriar somente, sem sombra de argumentação? Escreveria em lingua tupinamba ? A propósito de alhos, tractaria de bugalhos ?

Tic. Saneia Sxmplicilas l Cada uma d'essas cousas tem sua água no bico. Não ha alli nada, que não leve £sgada uma intenção de esperteza, esactamente no gé- nero dos hábitos Seniaes.

CiNX. Nada, nada. Com que intenção thuribularia Octaviano, Pedro Luiz (que nunca, nem um nem ou- tro, que eu saiba, publicaram juizo algum favoravev

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do escriptor Senio ), Luiz de Castro, Miizzio, Guima raes, Serra, e Salvador de Mendonça, declarando-lhes serem elles os melhores talentos d'esta terra, os pri- meiros litteratos etc. ?

Tic. Estás por conquistar. E' a hábil estratégia do <i Ohda guardai Ah qui d'el-reique me escovam l » E' o plano ja transparente, desde o tempo da mterpellaçao, quando se pretendia angariar prosélytos, iusinuanda que tu, na pessoa d'elle, injuriavas os characleres poli- ticasy e quando pedia ao povo que te desse provas tan- giveis da sua indignação.

CiNC. Digo, com a mao na consciência, que tenho a mais profunda convicção de que todos esses- escriptores ahi invocados poderão reconhecer em Senio os dotes que nem mesmo a sua iniustiça me fará ne- gar-lhe ; mas de que nem um d'elles deixará de con- cordar na procedência das censuras politicas e litterá- rias, que Semprónio e eu lhe temos íeito.

Tic— Forte dúvida! Aquillo foi uma rede de arrastar ; se nao pescou haleia nem mero, sempre pes- cará algum bagre ou siry.

CiNC. E para que é que (tractando-se de um ya- pehicho tão desprezível como diz que .^-ao as Questões do dia) vem á baila outra vez a questão dos estrangeires, e da prohibiçao de escreverem ou pensarem sobre pes- soas ou assumptos nacionaes ?

Tic. E' outra these do discurso interpellador (matéria que tractaste irrespondivelmente), e que apenas serve para confirmar que é a mesma pessoa, a que em ambos os legares echôa as mesmas idéas.

CiNC. Mas imaginando-me portuguez, porque fac elle agora tantas zumbaias a portuguezes, con- demnando-me a mim como precito, e insinuando que pôde a minha insignificante voz produzir cataclismos nas relações internacionaes ?

Tic. Tem bem que ver ! « Oh da guarda, ah qui (íel-rei^ que me escovamly> Viu que nao achou écho em parlamento; viu que o nao achou na imprensa: tem certeza de que o nao achará nos nomes illustres inten- cionalmente implorados ; bate a outra porta para que lhe acudam, e quer ver se encontra em membros de uma nacionalidade respeitável, quem te induza a dei- xal-o em socêgo, ou quem partage os preclaros inte- rêsses da eua própria conveniência Q'elle.

12 XVII

CiNC. E será tainbem para isso que invoca uns imaginários brios nacionaes, que...

Tic. Certamente, é o afogado deitando a unha ti quanta palha avista. U Brazil é Senio I Senio é o Brazil ! Quem o não proclama escriptor de trus^ poli- tico de maço e mona, vilipendia a todos os brazileiros, rebaixa o Império da Sancta Cruz. Ora olha: «O ^pirito nacional deve incher-se de indignação » a appreciaçflo de um romancista é « um negócio domés- tico )) (( os brazileiros illustrados... têm susceptibili- dades nacionaes » uo zelo é legitimo, nós o sentimos, etc, etc.» Nao estás ahi vendo outra vez o fi Oh da guarda, meo povo / » *? Repetição das provas tangiveis^ da interpellaçao.

ciNC. Realmente lhe vou achando seo furo; mas o estylo...

TIC. E' elle, sem tirar nem pôr, no pejasamento e na forma.

E se nao, repara bem !

Viste-o, na interpellaçao, estomagado por imaginar que tu ganhasses muito dinheiro ( idéa fixa como a do pessoal) '? Aqui o tens!! «o meo dinheiro em garatujas; isso é para os que vivem d^ellas, e de tudo fazem especulação E* a historia cios assoldudados, Viste-o, em quantas occasiOes se lhe deparam, vulpis ad uvam^ injuriar os clássicos? Aqui o tens, repetindo as suas exprobrações aos pernadas ds longo fôlego^ que deixam a gente sem fala, e mais cousas assim. Viste-o, na interpellaçao, dizendo que seos adversários (mercê de Deus ) nao eram da tua casta ? Aqui tens a mesma idéa : Por tortuna para nós ( nós, é cousa atada ), está tao altamente collocadoá.» Visto-o, na mesma occa- siao, responder da bua cáthedra ao Relator da Com- missão especial, que lhe nao redarguia, porque da sua altura nem escutar podia as suas palavras Y Aqui tens a variante da mesma delicadeza, na phrase : » que nem inxerga o que se levanta no rojar do reptil.» Viste-o, sempre no mesmo dia dizer que nuo fazia caso de ti, ao passo que te tornava objecto único do fiasco da sua interpellaçao ? Tal e qual agora, quando repete que o silencio da imprensa tem pro- vindo do desprêso profundo votado ás tuas publica- ções, e logo te dedica em seguida duas columuas do a- mabilidades, prom'?ttendo continuar. Viste-o, em seo

XVII 1?

brilhante discurso, dando prova da sua cultura intel- lectual, chamando a hilaridade da Camará para a ex- pressão Vaga Vénus? o apanhas com a bõcca na bo- tija, voltando à carga, e em nota (para destacar melhor) onde pergunta com graça de um urso a dansar» Este Cupido será marido da Vénus vaga ?! Viste-o, na inteipellaçao, citar erradamente o Labeao, de Horácio, e os alugadores d'iras, de Marcial ? Aqui o tens agora, citando Juvenal erradamente, tanto nas palavras como no pensamento.

ciNC. ^Ja me convenceste ; mas pára ahi, que isso è de mais. Pois é possivel que n'esse senhor, as citações- falsas se convertessem n'nma espécie de mania ?

Tic. Ohi se é ! Esta sátyra scei-a eu quasi toda de cór; e no logar alludido, tractando dos Senios do seo tempo, diz Juvenal (o que depois em distincto auctor francez tem sido citado como original : Rien ne lui bat sous la inamelle gaúche ):

... quod Iwva in parte mamilícB NiL salit arcadico juveni; e o nosso intelligente crítico imputa-lhe o contrário ! : quod IdBva parte mamillcB salil arcadico juveni. Pergunta o poeta, se acaso o coração doesse joven Arcádio (Vecto) nfto pulsa; e imagina Senio que isto allude a uns burros que pastavam a relva da Arcádia !

CiNC. Basta, meo amigo, basta . No tempo de Pey- ronnet não se exigiam tantas provas para um processo de tendência, e....

Tic. E ós neologismos estrambóticos, taes como parvnrellasj e restantes moxinifadas, não estão dela* tando o inventor do novo idioma? E os erros de Imgua- gem, taes como o emprego do verbo carecer (sem ser na significação de precisar-se cousa de que ha falta, e cuja falta se sente) ; o gallicismo do partilhar, e do tim e uma a torto e a direito ; o uso do mais ( plus ) quando o portuguez manda escrever o jd: e mil outras absolutas paridades entre o estylo d'este aranzel e o de Senio, deixa-te isso tudo no espirito sombra de diivida?

CiNC. Uf I deixa, sim senhor.

Tic. Então descobriste a quadratura do circulo.

CiNC— Contra esse exército de argumentos tenho um canhão Krupp.

Tic. Hade ser areado...

CiNc. Invencivel. O Diário do Rio não publicava a

14 XVII

cousa pílos lindos olhos do eficriptor; custava dinheiro; <linheiro! corda sensível* fibra d^alma...

Tic, Pois é Krupp, sim senhor. Ainda nao ha muito que eu vi aquelles mesmos typos d'aquelle mesmo Diário porem pela rua da amargura aquelle mesmo Senio que agora exaltam nos A pedidos. Sendo porem certo que aquelles, como estes, prestantes escriptores satisfizeram a sua espórtula, está direito. Do que eu duvido muito é de que Senio pagasse taes publicações; segredos da abelha, para desvendar os quaes tomara eu interpellar... fosse a quem fosse....

CiNC. A matéria está discutida; deixemos a autó- psia do auctor. por hi abaixo, e o que elle me as- saca, limitando-te a tirar o chapéo ao que forem insultos descarnados.

TiG. A ti, nada mais. Diz que te vai catar a tua 9*. carta, mas nao caía nada^ e como catavento^ vira logo para outra banda.

CiNC. —Ah, sim? Eatao mede-se com o amigo Sem- próaio?

Tic. Qual! n'essa nao cai elle. Em resposta ás 8 es- magadoras cartas de Semprónio, faz-lhe uma careta, chama-lhe um nome feio [arcádio) ^ e vira de rumo. E' porque com pennas d' aquellas nao se brinca; e de mai>,faltavam-lhe as muletas dos estrangeiros, das sus- ceptibilidades, das nacionalidades, e do Oh da guarda!

CiNC. Bom, bom; fecha ahi a catilinária.

Tic. Nao. Procede de modo estupendo.* poe-sea ladrar á lua. Investe contra a sombra de um dcs má- ximos vultos do nosso idioma, e farta-se de dizer ba- buzeiras acerca de quem os primeiros mestres procla- mam todos seo mestre.

CiNC. ilas porque carga d'àgua traz elle para a discussão quem reside a duas mil léguas de distancia? quem nem sequer sonha que exista similhante polé- mica? quem até nunca imaginou que existisse uma cousa, chamada Senio?

Tic. E' outra esperteza transparente. Muito lido na mythologia, occorreu-lhe a história de Castor e PoUux, e dice coinsigo : Sou um azougue de esperteza ; vou transviar o debate;vou mudar a guerra de ofFensiva em defensiva; vou substituir o assumpto por outro; escapo-

XVII 15

me da arena, sem mais arranhões e estou salvo. Vamos -a ver, se pega.

CiNC. Nao pega, nao senhor. Seria até caso de fa- zer a um raio soltar gargalhadas titânicas, ao surriar fustigando as escarpas de um rochedo, se eu me pozesse a defender António Feliciano de Castilho das inno- <!en*es frechadas de um Senio. Pode delirar a tal resr- peito quanto lhe apraza, que d'isso farei eu tanto caso •como o público faz. Comigo é que eu pergunto; co- migo, nao implica mais?

Tic. Nao; mas promette continuar. Eu te trarei o Diúiio.

CiNC. Obrigado: até mais ver.

E foi-se. Ahi tens tu, meo amigo, o em que hoje a controvérsia fica. E' outra variante. Como quem tem muito medo ingrossa muito a voz, foi primeiro plano aterrar me, fazer de papão, amiaçar-me de logar inac- cessivel, e de quartel de saúde. D. Fr. António de 4jouveia, na sua Relação da Pérsia, fala de certos Mouros-Medusas, que com o olhar matam ; cha- mara-se Cafatares; o nosso Cafatar quiz experi- mentar em mim aquelle seo poder pessoal. Parece <jue tinha perdido a virtude, por ingarrafado desde muito tempo ( sao várias as possanças ingarrafadas, que nao illudem ninguém ). Tenta agora systema novo, em que lhe nao prevejo mais fortuna ; e d'ahi, veremos. Em todo o caso, descança. que andarás sempre em dia com este curioso espectáculo. Prova- velmente de lá, segundo o uso, nao virao^ mais do que affrontas ; quanto a mim, guiar-me-hei sempre, .sem que o máo exemplo me desmande, pelos preceitos que tenho lido : considerarei eita controvérsia como liaialha litterária, onde a minha penna terá logar de espada, a língua de mao, os livros de escudo, o racio- cínio de poder.- meos tiros serão argumentas, e na razão procurarei a victória.

Desculpa a prolixidade, e crê-me inalteravelmente

Teo velho amigo

ClNCINNATO.

16 xvir

Epigrammas e madrigaes, originaes ou imitados

A lei de H:ex*odles.

Ser livre o ventre da escrava estatue lei brazileira ! Dizem que d'isto se aggrava quem nfto tem eira nem beira ;

que a raça de Can sossobra sem esperança de porto, e a funesta causa sobra no infanticídio, no aborto ;

que um ou outro fazendeiro pensa n'isto e perde o somno t

n'isto, sim ; nfto no dinheiro

que suppõe minguar ao dono.

Mentira / calumnia I as vistas sâo de alta moralidade ; nem de humanos cafézistas se desquita a caridade.

Pois, ricos e bons senhores, escutae I ( um chrístão pede-o.) Tendes contra esses horrores em vossas mãos o remédio. *

A' vossa phijanthropia por ventura nfto parece que víctimas haveria quando algozes houvesse 7

(Juintilianò,

Apprcciaçâo critica, da inAOKMA , salda diy toestunto do mco criado.

Diz um gngo, meo criado ( nue é rapaz, lido em gramroática, e dOs pronomes tem prática, que se adquire no Mercado ) « Que o tal romance Irracima (que é um romance de truz ) é dos romances a... gemma... porem... de ôvode... abestruz.ii

TkemUtorles.

Lilh.-lMrAKCIAL— Kua Sele de Fetcmbro, 146.

QUESTÕES DO DIA

isr. :

RIO DE JANEIRO 29 DE OCTUBRO DE 1871.

Vende-se em casa dos Srs. E. & H. Laemmert. Praça da Constituição, Loja do canto. Livraria Académica, Rua de S. José d. 119— Largo do Paço n. C. Rua de Gonçalves Dias n. 79. Preço 200 reis

Deelnxa q.uax*ta oar*t»

DO ROCEIRO CINCINNATO AO CiDADÃO FABRÍCIO

Rio (ie Janeiro, 17 de octubro de 1871.

Caro amigo.

Psssei hontem o dia em Andaraliy, e por isso nfto pude palestrar comtigo. Sai agora d'aqui o Tício, que me trouxe a 2*. e 3*. Palestra do V. ( ? ), publi- cadas hontem e hoje.

Lemos junctos aquellas duas peças de architectura» e discutimos largamente se era licito tomar em consi- deração escríptos redigidos com formas tao baixas, que é duvidoso merecerem resposta. Estas pugnas litterá- rias tem seo quê do duello : acceitarias tu- um repto para te bateres, nao com armas licitas, mas com pu- nhados de lodo ? Eu nem me presto a copiar as pa- lavras e expressões, que esta casta de adversários julga admissiveis em taes polémicas ; embora seja simples transcripçâo, ha certo pudor que veda reproduzir com a nossa penna linguagem que se aprende nas taber- nas e nos açougues. O sal âttico doestes senhores, é sal do cosinha, e do mais ordinário.

O idioma é em todos os géneros t&o opulento que nada houvera mais fácil do que a uma insolência res- ponder com dez insolências, a uma brutalidade com cem brutalidades ; mas ainda quando o adversário nada mereça, merece muito o público, e a nossa própria dignidade.

Depois de lidos estes dous artigos, tinha um de três arbítrios a tomar :

^2 XVIII

l®. Responder na mesma afinação, ou meio tom acima. Seria seguir um. vergonhoso exemplo ; trans- formar controvérsia em pugilato; desrespeitar o leitor e a mim mesmo.

2°. Em vista de tamanho descomedimento, guardar silencio, por nao julgar decente polémica de espécie al- guma com taes contendores. Seria deixar campear im- pune o desacerto boçal, e auctorizal-o a proclamar ir- respondiveis os seos delírios.

3". Fechar olhos a tudo quanto em taes artigos re- veste a forma brutal, extrahird'elles lealmente o que aspire a foros de argumentação, e aquilatal-a, como se fosse proferida com decência e compostura, e por

auem tivesse em mente, nao a injúria, mas a apuração e doctrinas controvertidas. Por exclusão de panes, intendi que era esta a marcha que eu tinha de seguir. Deixarei pois, de boamente, a Senio a glória do seo vocabulário. Nao reciprocarei os piegas^ MaiiianUj salsinha litterãrio^ charlatão^ casmun^o, palhaço, crili- queiro^ cacassenOy etc, etc. (*) Acceito tudo, epago-lhe, dizendo que nada d'isso me demove da posição de justiça e plena rectidão em que me coUoquei, nem me auctoriza a represálias, que em taes termos seriam in- dignas do público, de mim... e do próprio Senio.

Nao ha quem tenha esquecido a lucta entre J. A. de Macedo e Bocage, no fim do século passado. Aquelle começou a sua excellente sàtyra por estes versos :

Sempre, ó Bocage, as sátyras serviram para dar nome eterno e fama a um tolo.

A sátyra monumental em que Bocage analysou aquella, principiou assim :

Sátyras prestam, sâtyras se estimam,

quando n'ellas calúmnia o fel nao verte

quando forçado epítheto afprontoso

{ tal que nein cabe a ti ) nao cabe áquelle^

que na infância consultavam Phebo.

Eis-ahi, ao menos n'este poncto da sàtyra, um bello exemplo. Bocage tinha um arsenal provido : quem lhe chamava tolo, dava-lhe o direito de redarguir com

Y*) Em seguida a esta carta, chamo a tua attenj^o para o qua yai transcripto, sob o título de Infirmidades ãa tingia.

xviir 3

egual energia : parvo, néscio, asno, tolambana, bas- baque, asneirao, estólido, fátuo, papalvo, párvoalho, inxovôdo, inepto, insensato, parvoeirEo, tolaz, patau, simplório, sandêo, tolSo, simpleirUo, stulto, ignorante, lorpa, zote, bestial, pateta das luminárias, amente, mentecapto, lunático, tresvariado,demente, tonto, par- voinho, alarve, alvar, animal, bobles abobles, bolonio, oamfilo, caturra, orate, despro{}ositftdo,estouvado, estú- pido,patola, e mais duas dúzias de variantes, que se a- f)rendem na praça do Mercado. Tal nEo fez: começou ogo reconhecendo, nao obstante a ira que o inflammava, ufto ser aquelle epitheto applicavel a quem lh'o applica- va;como nfto faria outro tanto, eu, em quem taes violen- i^ias nao geraram agastamento, mas simples com- paixão ?

Deixarei pois aquellas energias de linguagem para quem precisar lançar poeira aos olhos ; eu, que preciso raciocinar som vitupérios, dispenso esses tristes recursos da impotência.

Pelo que vejo, abcndonai^am ao braço secular o poder pessoal, o orador, o tstadista, o escriptor. defendem o romancista. Vamos a isso. Semprónio consagrou 40 páginas á anályse do Gaúcho ; não se atreveram rom elle: eu rabusquei na vinha que o hábil vindi- mador deixara, consagrando apenas duas cartinhas ao meo supplemento de anályse, e é sobre mim que Senio cai desapiedadamente, por me saber mais fraco. Faz lembrar Cosar em Dyrráchio, investindo o campo de Torquato, por supp61-o maia fácil de derrotar do que se atacasse as forças de Pompeo. Resigne-se cada um & sua sorte, e vamos a isso.

E' um tanto difflcil conquistar attençao sobre assum- ptos já cançados, e que naturalmente saciam. Sem- prónio fez uma primorosa anályse do Gaúcho ; eu co- mecei-lhe um insignificante additamento ; agora o tal V. disseca-me a mim ; eu vou dissecara sua dissec- ção de modo que isto vem a ser anályse da anályse

do additamento á anályse da obra. Fora mister muito mais alto mérito litterário em mim, e no meo fusti- í^ador, para ser isto supportavel; todavia cumpra-se o dever, inteiro e com lealdade.

E para d'ella dar mais uma prova, quero (nao obs- tante o risco de ver converter-se-me em desar a con- fissão espontânea) declarar que houve n'estas cartas

4 XVII

uma observação inexacta. Passando pelos olhos as //w- titutas de Justiniano, de Ortolan, achei a citação de Labeon, tauto do Tácito, como do Horácio, reproduzida no discurso do Sr. Alencar: e então, examinando mais attentamente, vi que a minha afirmativa proveiu de uma ommissSlo do auctor da Taboada geral das maté- rias contidas nas diversas obras de Tácito^ o qual pro- mettendo aponctar a** logares onde o grão discípulo de Quintiliano fala de personagens notáveis, menciona sob a rubrica de Labeon outros indivíduos d'essa famí- lia, e nfto o bàbio e louco Antístio, de quem é todavia certo que o grave auctor dos Annaes tracta no L. III § 75. Nao sou como aquelles a quem í>e appresenta prova de inexactidão de suas accusaçoes e as nfto reti- ram ; em obséquio á verdade, retiro esta,sem que vies- sem notar-m*a, e com a mesma espontaneidade reti- raria qualquer outra, quando a consciência m'o pres- crevesse.

Agora, supprimindo os insultos, discutamos os pou- ctos sobre que Senio repelle as minhas observações.

§ L ii« andais se agitam em (luctuação.

Na minha i*. ca''ta a Semprónio ( Questões^ n. 9 ) censurei esta phrase do Gaúcho em 4 linhas, e respon- de-se-me com um i columna de typos. E' um desper- dício de palavras que bem se harmoniza com o da phrase censurada. Nâo sou pois eu o culpado, se tiver de seguir nesta trilhada.

Eu transcrevi do romance os seguintes trechos : « A savana ondula pelas sangas, que figuram as flvcluarôes das vagas ^ n'esse verde oceano.... As ondas se agitam em constante fluctuaçào etc. » Qualquer amigo mais prudente do auctor calar-se-hia, reconhecendo comigo que isto estava tristemente expresso e esparralhado. E como redargue o imprudente V ?

(( Nao (senhor piegas) que de propósito comea o constante^ e levantou um aleive a Senio ? isto é ser calumniador. »

Oalumniador, meo sábio mestre ! a isto é que o mestre chamaria calúmnia ? Sabe bem da língua, não ha dúvida.

E onde é que eu comi o constante^ meo leal censor *? Nao o alli, na phrase litteralmente reproduzida ? Olhe que se me nao alimentasse sendo de comida assim, dava a alma a Deus em 3 dins.

XVIII s

E note mais, que bem podia eu ter ommittido o ad- jectivo, sem fazer falta alguma. A minha repugnância não é contra o constante^ que d& idéa de que o tal movimento è aturado, duradouro; é contra (a moléstia pega-se) a redundância da pleonàstica eicpressSo do tal movimento ; e que para isso tanto importa ler como supprimir o adjectivo.

Ondas representa águas em movimento; fluctua- Ção^ representa águas em movimento; agitarem-s^ /ij'/a.ç,representa águas em movimento. O que eu digo por tanto é que a expressão as ondas se agitam em,., flucttiação, trocada em miúdos,dá isto: as águas que se movem movem-se em movimento de águas.— Se approva, também eu.

Ksta perissologia, sempre reprehensivel, ainda o é mais, quando, logo antes, tinha o auctor escrípto que a savana ondula pelas sangas, que figuram as fln:lHaçôes das vagas nesse verde oceano l Oceano sao águas; vagas o movimenio d^ellas; fluctuação, idem; ondular^ idem; de forma que bom nadador hade ser quem leia, se sair incólume deste dilúvio.

I)á-nos o Sr. V. a novidade de que «aquella plarase, exprime em estyio nobre e elegante ! este pensamento: As ondas estão em constante movimento. » D'isso é que me eu queixo; foi uma idéasingelissima, diluída em repetições de palavriado; sao dizeres de Mr. de la Falisse, ou do cónego Philippe: «Se elle nao estivesse morto, ainda estaria vivo. » Nilo ha dúvida de que, era alguns casos, sóbrias repetições augmeutam a in- tíjnativa^ mas nuo devem usar-se quando, como aqui, nãi) cnbp intenção de ingrandecimento, pois a phrase de Seuio nao descreve temporaes, e .comente ondu- lações. Quando Molière escreveu: Je Vai vu, dis-je, vw, 4Íe 7nes propines yeax vit, ccqnon appellevn » teve em mente uma idéa enérgica, energicamente expressa. Quando ao contrário os próprios escriptores da nossa lingMia escreveram os idiotismos: Eu por mim-^Su- bir para cima Parece-me amim— Descer para baixo parece-me --e cem outras flucíuações das ondas agi- /nrfífA, procederam reprehensivelmente.

Seguem-se agora as erudições polyglottas, ante a^ qaaes me curvo reverente, pois fiquei sabendo que í» nobre crlrico sabe habilmente compulsar um dic- oionario.

6 XVIII

Abre por exemplo um Calepino, onde citada a Eneida, IV. 313:

Trojaper undosum peierelur classiòus osquor^ e noticía-nos que Virgílio dice undosum (Bquor (que podia perfeitamente dizer, pois ahi n&o se acha re- petição, como a nSlo ha em maré undosum,)

Mas o mais divertido é isto. Procura no mesmo Ca- lepino a palavra fluctivagus^ e ; çuod fluctibus agir- íatuvy ut Naula flucíivagiy unda fluclivaga, Stat. 1. 3. Sylv, 1. V. 84 e Théb. I. v. 271 » Imaginou natural- mente que isto eram 3 auctores : Théb.^ senfto fosse a ex-imperatriz, condessa de Teba, seria a nympha Thebe, que Ovidio pinta, amada do rio Asopo Stat. será. . . o Statilio, cúmplice de Catilina No que nao ha dúvida é em que 5s^/v. é o escriptor Silvio, tilho d'Ascanio, segu|iao rei d' Alba.

Ergo, escreve Senio : « Em latim ^ dice Silvio: unda fluctivaga. »

Sao os inconvenientes da erudição lexicogràpliica, os ossos do officio. O infeliz Senio julgou que havia um senhor Silvio, que tinha dicto aquellas bonitas pa- lavras, e enganou-se. Houve, sim, um poeta, chamado Stácio, que J. A. de Macedo traduziu, levando u7(/ia- dan de Bocage ; esse poeta compoz iima série de Carmes ^ divididos em 5 livros, obra que denomine u Sylvas, e 2 poemas, intitulados Thebaida e Achilleida.

Portanto, o « Em latim, dice Silvio » traduz-se u'isto : « nas sUrOÃ Sylvas^ dice Stàcio » E até isso mesmo seria errado, porque aquellas referencias, nao comprelien- didas por Senio, sao a outra cousa diíferente. O verso das Sylvas n&o diz tal unda fluctivaga, e sim

Fluctivagos nautas, scrutatoresque profundi :

e portanto n&o é para o unda fluctivaga, que o diccio- nàrio o cita. Onde o Calepino indica isso, é na Thebni- da, e ahi com effeito s^ :

,..fl,uclivaga qua prceterlabitur unda.

Consaguintemeute em vez de o Silvio dice cm latim , leia-se: o Stàcio dice na Thebaida.

As superfluidades de palavras não sao invenção Se- nial. n'aquelles tempos se perpetravam. Quintiliano queixava-se da locução húmida vina e similhantes; cha- mava a esses dizeres supervacua oraíio ou abundans supra necessilatem oratio, Desadorava com as gemi-

XVIU 7

naçOas; indignava-se com discursos que vao logo sendo tiradoâ em pública-forma ; que diria elle da mesma idèa, desbotada e chata, repetida dez vezes ? placebií ?

Da sciencia lexicogràpliica romaua passa o Senio, ou V., para idêntica sciencia portugueza. Diz que são eguaes pleonasmos dguas fluctuosas (como se as aguas não podessem ser paradas ) ; mar undoso ( como se o mar nao podesse estar estanhado). Diz mais que tam- bém CamOes dice : « Eslava-se como as onda^ ondeandor* (como se Camões fizesse versos errados). E' o passo em que o poeta descreve o phenómeiio da tromba absor- vente d^agua de mar, ou manga do nuvem, e diz que ella ( man^a ) estava fazendo uns movimentos de ondu- lação similhantes aos que as ondas faziam... c o nosso preclaro crítico imagina, para justificar o seo pleonas- mo, que sao as ondas que estão ondeando. Pois sim.

O que é, porém, mais impagável é a profundidade doestas erudições, todas ellas também de diccionário (e ainda se fosse isso, seria meio mal\

1' zrudtção lusitana \ t< Emportuguez, Menezes diz : as dguas fluctuosas "> Com efleito es<e autor da ^lía/aca ConquistadAi^ dice :

Rompendo Affonso as águas fluctuosas chega >• Coulao e foi bem recebido ;

mas ndo foi no poema que V. achou isso, e sim no dic- clonàrio de Mcráes, onde se encontra, verbo ttuctuoso, a citação, tal qual a copia.

2* K Na riysséa, cap. 1 v. 24, vèse mar undoso » Vide o mesmo diccionàrio:)) undoso: que tom ou faz on- das* v. gr. o mar undoso. Ulys 1. 24» E a j)rova plena de que a cópia foi cegamente do diccionàrio, e que nem sequer se tem noção do que se cita, é que o copista so- nhou que o I era capitulo 'de um poema ! ) e o 24 era verso, quando 6 1 era o canto^ e o 24 era a estância.

;j» (( E o clássico Camões, canto V v. 20 diz : £s- tavorse como as ondas ondeando »> Veja-se ainda Moraes: »< Ondear-se: Mover-se còm as ondas: Estava-se co' as ondas ondeando. Lus. V ítO » E que nem sequer aqui foi mais do que uma cópia muito intelligente, demons- tra-se com o facto de chamar verso 20 a estância 20 porque nao comprehendeu a citação do Moraes.

«i E TM CHARLATÃO DE TAL JAEZ METTIDO A CRlTICO! ))

E' como V. conclue esta parte da sua defesa, de que acabo de rjxtrahir toda a força, pedindo licença para

8 XVIII

fechar olhos ao roceiro, maitiante, salsíaha litierário, merceeiro da critica, e restante molho de vilão termo téchaico) com que aquella cosinha se vai adubando.

Por hoje basta. Ficou-me jnuita matéria notincteiro; nao vai a matar.

Teo velho amigo

» .

ClNCINNATO.

l]aílx*iTiiaa<les da língua

O ingenhoso bacharel Manoel José de Paiva publi" cou» meado o século passado,uma porção de obras, ge* ralmente da mais fina crítica, sob o pseudónymo Silvestre Silvério da Silveira e Silva. Ha entre ellas uma, curiosís-^úma, dedicada a S. António, sob o titulo de Infirtnidades da língua^ e arte (jne a ensina a eiumude- cer para mdhoYar , livro quo o Sr. Conselheiro d'Estado José Silvestre Ribeiro diz que « supposto seja ura tra- ctado de moral prática, e de finíssima critica das ten- dências ruins do homem, deve comtudo ser comptado entre os subsídios philológicos etc. » Este livro, no maior número das suas páginas, de sabor clásf^iro, é pouco manuseado pelo geral dos leitores, mas parece ser o vade-mecum de certos escrevedores, não para se afastarem dos dizeres que elle condemna, mas para se apoderarem das torpezas que profusamente exempli- ^ca. Nao será desr-abidí», nem desagradável, ler (»ni seguida uma porção de trechos da dita obra, que sem dúvida aguçarão o desejo de recorrer ao original. Transcrevamos :

« ~Em lamentáveis ruínas se considera estar a lín- gua que a Providencia creou com tanto re^i ;uardo, e que, saindo tantas vezes fora deseos limites, se perver- teu de sorte, cora o vulgar tractaraento, que a natural limpeza se lhe tem convertido na artificial corrupção. Assim como, quem se chega ao fogo se queima, assim ficaria ferido quem se poz3Sse perto do contágio.... A língua publica, que não teme exércitos, que nao respeita monarchas, e que o mundo todo é pusillânime para seo "emulo; porque ella, cora qualquer venida de que usd, ou força que faça, aos mesmos astros podírii derribar do firmamento.... Eis-aqui a declarada ini- miga contra que este livro quer sair a carap:inha.

xvrir 9

« .... Para que uma líugua de fogo uao faça damna ao pàbulo a que se chega, afasta-se este com vigilân- cia, e assim a labareda sobe ao seo centro sem estrago, mas.... A língua deve ser luz que alumie, e não fogo que abraze... Se os homens nao intendem as cousas, •calem-se, e ficarão na opinião de homens ; mas quando .as não intendem, se falam, saibam que ficam na opi- nião de brutos.

a Reparo em duas vezes em que Christo não deu resposta a Pilatos : —uma, quando lhe perguntou, de que pátria era outra^ quando lhe dice, porque não -contrariava as accusaçOes dos judôos ? Que não respon- desse à ociosa pergunta da pátria, não me admira, porque um Senhor tão sábio bem conhece o pouco que importa a differença das pátrias etc. .

« Porfia um louco a formar de areia uma estátua,. mas da sua loucura é evidente signal esta porfia : a mesma acção com que a está compondo, é a com que a vai desfazeudo ; como não tem união substancial em que se segurem aquellas partes, apenas se vão levan- tando, quando vem caindo. Assim as palavras suber- bas, como soltas ou dissolutas, não podem admittir composição, que não seja desmancho.

u ... As palavras da emulação, da invejando ódio, 4^8 ira. e da vingança, são as bandeiras que o coração vai trt»mulaudo, para que lhe tenham medo; e o medo é it nielKop preservativo contra o estrago. Mas que suc- cedc* ? O iunocente foge, o inimigo cança-se, e ades- pe/.i qui' tem feito o deteriora, porque não faz preza qu.' Ih*!! pigue ; e por último effeito d>sta diligencia, ouvt» uma náutica gritaria com que é escarnecido. Quem jaiiTais attondeu ás palavras doestas paixOes, de- poi> í|ue \) ir taes as distinguiu? Em se conhecendo que .prokVílem de origens tão indignas, se avaliam por loucas, e se julgam por indei^entes. Diz mal o irado do objfiMM da .iua ira: e com que escárneo se não recebem u-i tumultuo^ií expressõas de ardor tão temerário? Por f >;r^i fátuo s^ uit'M*pr<Ua, na opinião dos que percebem j diffiísas lahiri>J')S, tã'» inquietas, tão desproporcio- nadus. t j ) impróprias e t>lo loucas, como as mesmas palavr2i< o dizem. (.VimpO?-se a ira da descompostura án< palavras : como pode apparecer composta a que faz u-ala da descompostura ? l^ue período se lhe obser- vou jamais com elegância, com discrição e com acôrto? Ir:im-ie contra si os que se iram.

10 XVIIl

<( Ha na língua uma espécie de borbulhas, a que chamam brotoeja, e ainda que nao è de perigo, pari»

ficar com saúde perfeita, bom será alimpar-lh'a A

língua ò o mostrador do relógio, que diz, com o acerto, o aceito que n'elle se acha ; mas quando se desmancha este, logo ella o manifesta, para que ninguém o creia.

«... Que phrases indignas nao tém composto a apprehensão dos ignorantes ! Que palavras torpes nao têm inxertado na sincera planta da linguagem, que sem necessidade chegou a ver-se tao corrupta! ...de sorte que a linguagem dos livros é diversa da lingua- gem do vulgo ; nos livros acham-se as palavras como* limadas, no vulgo incontram-se como cheias de limos ; e succede ordinariamente que a gente humilde que em sua casa e fora d'ella nunca se tracta com aceio, nau passa da immuudicie, mas a gente limpa, em quanto está em sua casa, nao se mancha, e por sair à rua so mette pela lama e se salpica.

«... Entre as innumeraveis palavras que a igno- rância tem introduzido e em que a língua tem degene- rado, escreverei as que agora me lembram e as indignas phrases de que o vulgo usa, infamando-as por indis- cretas, por loucas epor temerárias, porque nao têm recta deducçao da linguagem, porque as institniu a ignorância, porque nao sSo attendidas pela prudên- cia, já porque as nao recebeu a discrição, porque se usam nos períodos desço npostos, e porque d'ellas se tracta nas práticas deshonestas. »

Comquanto esta matéria esteja perfeitamente irac- tada, e lenha grande ])arentesco com a dos e;stylo.^ adoptados pelos S»*nios interpellantes e pelos V. escrip- tores, nao devo continuar a transcripçao, e limito-mi! a dizer que o nosso auctor pOe em seguida, e por ordem alphabética, uma multidão de termos e phra- ses, defesas a toda a penna que se respeita, e entre a> quaes appare^^em quasi na totalidade os dizeres d'estas Palestras, d'r>nde se collige que realmente os seosi auctores $ao mui lid( s n^este meio-classico, a quem impetraram auxílio, afim de lhes fornecer para sjCouso as locuções exactamente que o hábil crítico desterrou como indignas dos typos. Pelos tempos que coriHm;,, ha lógica em tudo isto : quando a propriedade é r«.ubo. a religião farça, a monarchia flagello. o incccJro

XVIII 11

meio, a destruição fim, a glória lucro, a honra phau- tasma, o progresso desordem, e a liberdade anarchia,. nada mais natural do que desinthrouizar-se a lin- guagem culta, ou sobre as cinzas d'ella fazer pom- pear a geringonça ou gíria dos ciganos e galés.

Alonurmeiato a JBooas^*(*)

Ha vontades de ferro, espíritos persistentes aosquaes nenhuma dificuldade desanima^ e que vencem e supe- ram toda a sorte de obstáculos. Cabe a esta raça pri- TÍlcgiada de lidadores saír-se vic tório ;a sempre das luctas que emprehende : a palavra ijiipossivel^ por naa ter noção correspondente em sua vida práctica, foi ha muito supprimida do vocabulário próprio.

Pertence incontestavelmente a esta família pouco numerosa, ainda mal ! o Sr. consel)u;iro José Felicia- no de Casiilho Barreto e Noronha. Documentos de toda a authencidade ahi nol-o estão a testificar, e, se de nova demonstrar&o se carec^ssse para affirmar a sua fi- liação n*aquella genealogia predestinada, o assumpto que vamos tractar nol-a ministraria cabal e perfeita.

Bocage é um vulto notabillíosimo da litteratura por- tuguesa; Mias nao est&o ainda de todu extincta^ as paixões que sublevou o seo assombroso talento. Uns o proclamam o principal poeta da península n'este século; porfiam outros que nao soube extremar-se da turba de versejadores de outeiro.

Com mfto segura e sciencía de mestre, o Sr. conse- lheiro Castilho tomou o escalpello da anályse, e \)yí^- vou que, ire os primeiros eram exaggerados na sua classihcação, peccavam os segundos por nimiamente injustos no conceito em que tinham a Elmano. N'este paciente e consciencioso trabalho, que forma os tomos vii ft VIU da Livraria Clássica, levantou o Sr. Castilho primoroso monumento á glória do grande vate setuba-

(•) Tendu dado n*este rcpcsit^rio vários dos principaes escrip- tosqae prendem com este assumpto.transereveremos alfçuns ou- tros. Os que vfto ler-8e,appareceram no jornal illustrado d'esta capital A Vtda F/iMnt»^^.accompanliando um excellente dese- nho do monumento, em que ha uma inexactidão: a de iigu- rmr armas reaes no logar onde estfto lyras. Também depois se mandou colocar emtòrno do monumento uma elegante gradaria de ferro, octógona, elevando-se, dos 8 ângulos, columnas, 4 das quaes sustentam grandes candelabros, e i alternadamente lyras. O 2.0 artigo saiu nR Gazeta ie SetvbaL

*i XVIII

leuse ; podia pois descançar repousado da sua obra» ^ue formosa e imperecedora lhe sairá ella. Mas no mauusear e estudar profundamente o nosso poeta, mai- ores motivos de admiração se lhe foram deparando, mais elevado grau de intensidade ganhou o seo enthu-

siasmo.

Bocage, que fora « uma dobadoura de bons dictos, girândola de epigrammas, azenha de graças, mâchina de repentes » é para elle ( e para quantos prezam as lettras ) « o grRo fidalgo do idioma, o 'príncipe do im- proviso, o Anacreonte à^ lyrica, o Petrarca do soneto, o Rerabrandt do ciúme, o Koh-i-noar da meti^íficaçâo portugue7-a. »

Doesta convicção lhe nasceu a idéa de que, para hon- Tar a memória de homem tal, uma estátua erecta em praça pública seria padrão bastante e condigno de seo grande renome. Formular esta idéa e tractar de a pôr em execução foram actos simultâneos.

Era no anno de 1865, poucos dias antes do centésimo anniversário do harmonioso bardo. Occorreu-lhe logo o pensamento de approveitara feliz coincidência, solem- nisando com um jubilêo litterário, celebrado segundo o moderno rito poético, aquella data memorável.

A 15 de septembro, por convite e a esforços de S. Ex., uma luzida sociedade se congregava nos saloes do Club Fluminense, e, em meio dos esplendores da festa, o projecto de se erigir a Bocage memória perdu- rável foi accolhido com unanime acquieseencia.

Nomeada uma numerosa comraissao central, com- posta de influentes e distinctos cavalheiros, brazileiros e portuguezes, em breve começaram os trabal losese iniciou a subscripçao.

A esse tempo, oorém, surge a guerra do Paraguay. e deu isto causa a que a subscripçao tivesst» êxito muito limitado, n5o obstantes grandes diligencias e constante trabalho da parte do Sr. Castilho, presidente da oom- missão. Sabidos thv^^astre.s coinráerciae.^ vieram desfal- car, quasi na totalidade, a coilocta de .si minguada ; e n'esta situação desanimadora ninguém cria ainda na possibilidade de se edificar o planejado monumtMito.

Nao esmoreceu, comtuHo, S. Ex., e comptava sempre realizar a sua concepção, embora sosinho e desajudado se viesse a achar. Em sua ultima viagem a PortugaU mais vivo se lhe reaccendeu o seo generoso intuito, e tomou então uma resolução extrema, ideando um plano

K

XVílI 13

simples e elegante, coatractoii com o Sr. Germano José de Salle^, hábil director de uma importante officina de esculptura em Lisboa, a feitura da obra, e imme* diatamente se principiaram os trabalhos, debaixo de sua exclusiva responsabilidade, correndo risco nâo- menor que o de nao ser approvada a sua deliberação, e ter conseguintemente de pagar de seo bolsinho toda a importância de t&o dispendiosa fábrica.

A commissao central, reunida a db de junho próximo- passado, approvou, porém, plenamente a nobre decisão» de S. Ex., e resolveu ratear entre os seos membros as despesas da constr ucçao, que devem exceder conside- ravelmente o pouco que ha apurado da antiga subs- cripcao. Honra lhes seja por tao assignalada munifi- cência !

O desenho com que hoje brindamos aos nossos as- signantei? é cópia fiel do do esculptor. ( Supprimimos aqui a descripção do monumento^ por jd ter sido lida no Relaíório) .

Tal será o monumento do grande satyrico, do espi- ritiiosQ epigriímmatista, do bucólico virgiliano, do mi- moso elegíaco, do arrojado, do suavíssimo Bocage, que dos ceos houve

o solemne idioma, o tom dos numes, a voz que longe vai, que longe sobe, que sôa além do mundo, além dos t3mpos.

Louvores a quantos cooperarem para o resgate d'esta divida de reconhecimento a um esplêndido ingenho, e nomeadamente ao Sr. conselheiro José Feliciano de Castilho, iniciador da idéa, e seo zeloso e infatigável promotor.

¥. O.

IVotlolax^io

Lô-se no Jornal de Setúbal^ de 24 de março de 1867y o seguinte :

Chegada. Dommgo pelas 4 horas e meia da tarde, chegou a esta cidade o Exm. Sr. José Feliciano à& Caijiilho Barreto e Noronha.

S. Ex. veiu só. O Sr. António Feliciano de Castilho ainda chegou ao cae.s dos vapores para embarcar para Setiibal, mas viu-se obrigado a retirar, em razilo do tempo estar muito mào.

U XVIII

Suas Excelleacias tinham mandado dizer era uma carta qu^^ viriam, caso o tempo estivesse inteira- mente seg-uro, e por isso a commissao incarrefarada da recepção d*aquelles cavalheiros, os nao esperava em tal dia.

Logo que, por uma participação telegráphica, se soube que S. Ex. havia chegado á estação do Barreiro, reunira m-se o presidente e alguns membros da com- missao, que o acaso fez encontrar, pois estavam dissuadidos da chegada dos illustres hóspedes, e parti- ram para a estação do es minho de ferro.

Ali poude aind& chegar, ao tempo que chegou a parte da commissao, uma deputação da camará mu- nicipal.

Feitos que foram na estação os devidos cumpri- mentos ao distincto visitante por parte dos dignos pre- sidentes da camará municipal e da commissao, dirigi- ram-se todos a visitar as praças da cidade, afim de se vor qual a queS.Ex. julgava mais appropriada para a ■erecção do monumento ao nosso illustre conterrâneo o famoso poeta Bocage, para o qual S. Ex. tem solicitado e obtido importantes donativos.

S. Ex. nao se pronunciou definitivamente pela es- colha do local, e pareceu ficar indeciso entre a linda praia, ao lado poente do cães, e a praça principal da cidade, denominada de Bocage.

Concluida a visita aos locaes que poderiam prestar-se á coUocaçao do monumento, dirigiu-se S. Ex. com as pessoas que o accompanhavam aos paços do conselho, onde antecipadamente havia manifestado desejo de <?onferenciar com as pessoas competentes sobre o as- sumpto que era motivo da sua vinda à terra do grande Elmano.

S. Ex., recusando oocupar o logar principal que lhe fora oflTerecido pelo Sr. presidente da camará, sentou-se ao lado d'e.:te,e tomando a palavra, expôz em claro e conceituoso discurso os trabalhos preparatórios, qu3 tinha levado a effeito para o monumento a Bocage, e o fim que tinha em vista na realisaçíio e forma d*e.sse monumento, declarando ser a iniciativa do monu- mento do seo Exm. irmão, o Sr. António Feliciano de Castilho.

Seguiu-se-lhe no uso da palavra o Sr. Presidente da camará, felicitando os habitantes de Setúbal pela hon-

XVllí 15

ro.>a visita quo acabavam de receber, e agradecendo 4ios Srs. Castilhos, em nome dos Setubalenses, o lou- vável e assidiio empenho que tomaram para se pagar nm tributo devido & memória de um tao illustre setu- balense.

S. Ex.. em coritinuaçílo expôz o estado de obscu- rantismo doesta terra e a grande necessidade de ins- truir o pivo, e n'e3te intuito submetteu & appreciaçao <lo Sr. Castilho a idéa de um monumento eschóla- hnvIo^ com o titulo— Bocage, e com distinctivos que dice.^sera /espeito ao poeta, a fira de que assim o mo- numento pMJectado reunisse duas qualidades úteis.

Dis^ur^iu em seguida, no mesmo sentido, o Sr. presidente d\ conmi^^ao, dpm:)iistrando a dupla utili- dade do monumento e-^chòla-a-iylo.

Respondeu ao^ dou^ oradores o Sr. Castilho, di- z,^iido que eUava em tudo disposto a empenhar-se na realisaçío do monumento, qualquer que fô-ise a respeito d'elle a vontade dos setubalenses. Notou comtudo r|ae vil diffi^uldal?^ attvíiidiveis e:n se alterar o pen- sam ^uto que tinha .-esivido de bio á offerta de quan- *iín< obtida-j para o monumento, difficuldades que íli'/5ia par^»c*r-lh? tornariam ra3no> importante o resul- tado da subícripçl,o que ainda tencionava abrir em Portugal para o fim indicado.

Djpois de alga na disca -«si o sobre a natureza do iu> uni?:i^o, o Sr. pi^endent^ da cimira repetiu o que JH havia dito, que uio punha a sua propo=?ta & votação, II •ni ra^sm) p^día discussão sobre ella, e que a siibmettia k appreciaçao de S. Ex.

C) Sr. Castilho deiniii-it.^ou ainda, se banque em •]4hriis:í em qu3 revelava a sua extrema delicadeza, e a i?fc»rencia ((ue se dignava ter com a as^embléii, que a -iUi opinilo divi^rgía d:\ qu^ tinhisido aventada em ^ui prjív^íiiçi. e manifeUoa des3Jo de ouvir a opinião íla as-;embléa.

Em seguidri o Sr. pr^^ideiite d i camará de^biroa, «4 II'* unicamsnte para anceder á> instanciai que o Sr. Castilho lhe estava fa/.endo, iaconverter em proposta tf idi*»a 4ue tinha appresentado a respeito do monu- mento e pol-a â votação.

O Sr. Castilho tinha padido aquella votação para «•«onhecer até que poncto a assembléa se manifestava à^r^rcfi de uma ou outra formado monumento; desistiu, p-or-m. d'<41a logo <[ue alguns cavalheiros propozeram

16 xvm

que se transferisse para outra reunião da assembléa e que se dessem os trabalhos d'aquella sessão por concluídos.

?soineou-8e em seguida uma commissao para couti- nuar os trabalhos precisos n'esta cidade relativamente ao monumento, ficando presidente e vice-presidente d'ella os Eims. Srs. António Feliciano de Castilho e José Feliciano de Castilho, e terminou a sessão.

Saindo dos paços do conselho , foi S. Ex. acompa- nhado pelos Srs. presidente da camará, da commissfio e por n;uitos membros d'esta até a casa que estaVa des- tinada para seo aposento. Alli se serviu ao illustre hóspede um jantar em que tomaram parte o Sr. presi- dente da camará e a direcção da commissao, e ao qual assistiram, por deferência ao Sr. Castilho, mais tres^ membros da mesma commissao.

Fizeram-se recíprocos e aflFectuosos brindes, nao es- quecendo o nome do primeiro poeta portuguez da actu- alidade, incansável apóstolo da instrucçao e iniciador do monumento a Bocage, o S. António Feliciano de Castilho.

Durante o jantar, a conversação correu animada: e o Sr. José Feliciano de Castilho mostrou grande e admi- rável profundeza de conhecimentos sobre variados as- sumpto.s,e deu as maiores provas do quanto lhe é fácil a palavra e cheia de hentenciosos conceitos, o que jà^ tinha sido objecto da admiraçat) da assembléa que o tinha escutado nos paços do concelho.

Terminado o jantar, o Sr. Castilho leu uma excel- lente biographia de Bocage, de que è auctor, a qual está escripta com mâo de mestre. Depois da leitura tra- vou-se uma brilhante conversação entre o Sr. Castilho e o talentoso mancebo o Sr. br. José Braz, que teve presas as attenções dos circumstantes, e onde appare- ceram de parte a parte luminosos raciocínios, imagens cheiíis de belleza, animadas de vivíssima inspiração.

O Sr. Castilho mostrou desejos de ver alguns dos ob- jectos descobertos han excavações de Cetóbriga,e apenas um dos membros da commissao ponde offerecer a S. Ex. algumas moedas de cobre aili encontradas.

S. Ex. partiu no primeiro comboyo de segunda-feira^ sendo accompanhado á estação pelo presidente e mais alguns membros da* commissao.

Typ. e Lith.— IMPARCIAL— Rua Sete de Bcti^mbro, 146.

QUESTÕES DO DIA

N. 19

RIO DE JANEIRO 4 DE NOVEMBRO DK 1871.

V«ide*se Mn casa dos Srs. E. & H. Laemmert.— Praça da Gonstítuiçio, Loja do canto.-*-Uvraria Académica, Rua de S. José n. 119-^ UiigQ.do I^ço D. C— Rua de Gonçalves Dias n. 79. tareco 200 reis.

m ^

Deolma ciulnta oai*ta

DO ROCEIRO CINCINN ATO AO CIDADÃO FABRÍCIO

Rio, 15 de Octubro de 1871.

Bom Fabrício.

Acabo de te escrever sobre assumpto bem fatilj e nfto resisto á teataç&o de vir novamente praticar com- tigo, sobre cousas sérias, ao toque do AragSlo, depois de ter lido uma notável memória sobre a Prússia após a emancipaç&o dos servos, cheia de considerações e factos, merecedores da mais attenta reflex&o. Tumul- tuam-me na mente idéas associadas, e vou submetter-te o fructo do meo estudo e das minhas impressões. Ponc- tos ha de paridade entre os impérios asiático-européo e americano, no tocante & grave questfto social que acaba de ser agitada; e para o nosso dia de amanha bem

£óde ser matéria de ensino aquelPoutro alheio dia de ontem.

Quem consulta um mappa-muadi, e o enorme coUosso brazileiro occupar na terra espaço egual ao de quasi toda a Europa; quem observa os rios-mares que o abraçam, e as caudalosas torrentes que o vSLo pautando de grau em grau do parallelo; quem examina auás regiões diversíssimas, e a omnimoda variedade e uberdade do seo solo; quem hesita em qual dos três raínos a natureza foi aqui mais pródiga; quem reco- nhece na raça dominante os characteristicos de uma vitalidade possante; espantasse de que este abençoado clifto esteja ainda despovoado, e de que a civilisaç&o afio haja ainda operado todos os seos usuaes mi- lagres.

2 XIX

Também a Rússia é immeasa. Para o norte, estea- deu-se até o impossível ; diríeis que em seos braços gigantêos quer abarcar o polo. A leste, separara-n'ada Ásia uma cordilheira immensa e nm rio magnífico, fi- cando-lhe um paiz maior que meia Europa. Ao sul, zombou das barreiras, cavalgou o Cáucaso, e se nSo fòsse a guerra da Crimea, houvera convertido o mar negro n'um lago russo. Para o lado de oeste, é perma- nente amiaça : Finlan-lia, provincias allemans do Bál- tico, Lithuânia, Polónia, attestam a sua insaciabili- dade. Se nao fora a guerra, e a derrota da Moscóvia» talvez ella hoie se estendesse até o Báltico e o Medi- terrâneo. Mas a sua derrota valeu-lhe mais que uma victória, o que nao é raro na história dos povos, a quem a Providencia liberaliza ás vezes estas com- pensações.

O Brazil e a Rússia tiveram de sustentar guerras me- donhas. Se aquelle nao viu ante si tao vastas mós de homens, tao possantes intelligencias, tao collossaes re- cursos béllicos, tao poderosas allianças, também esta nao teve que superar eguaes difficuldades topográphi- cas, que batalhar contra mais dedicndas hostes, que erguer da terra instantaneamente como Pompêo ba- tendo com o exércitos aguerridos, que vencer mais variados e perigosos obstáculos.

Ambos os Impérios cumpriam nobremente o que era seo triste dever, desde que desembainhavam as valenta> espadas. A Rússia foi gloriosamente infeliz. O pendão auriverde, coroou-o o louro da victória. Foi sorte das armas, que em nenhuma das bandeiras deixou labéo.

Mas ambas as grandes nações, ao retirarem-se dos campos da batalha, meditaram sobre os successos em

3ue acabavam de figurar. Remontaram ás causas, alli a sua fraqueza relativa, aqui da necessidade de esforço desproporcionado ao êxito, e ambas comprehenderam que nem o número constitue os elementos da força. Ambas, em occasiao análoga, ambas logo após a cruenta lucta, passaram em revista todas as suas ins- tituições fundamentaes, e resolveram modifical-as, quanto o temperamento da naçfto o permittisse.

Vejamos primeiro o que se passou no Império de alem-mar; mais ao porvir que ao presente caberá com- parar consequências que das sementes, ora lançadas á terra, ainda aqui nao podem germinar.

XIX 3

Das ruínas de Sebastópoli sjurgiu a Rússia livre. Uma intelligencia superior e uma vontade firme fize- ram de uma catástroplie brotar a regeneração de um povo.

A servidão na Rússia, com as suas mil gradações, differia essencialmente, no seo principio, da servidão do occidente, mas pouquíssimo no seo character e nos seos effeitos. Os servos constituiam em grande parte a ciasse dos camponezes, e esta instituição foi ^Ui creada em tempos não remotos. Quando Ivan, o Ter- rível, anniquilou em 1554 o poder dos Tártaros, achou tudo por fazer: planícies immensàs devastadas, campos incultos, aldeias destruídas; nem estradas, nem segu- rança ; mendigos e vagabundos aos milheiros. Era mister chamar o cultivador ás terras ; fixal-o ao solo. Para isso, a corte de Moscou usou, ora da persuasão, ora da violência, e acabou por crear a classe dos kre- postnoij servos addictos d gleba. Pareceu resolvido assim o complicado problema; o camponez lucrava com o solo regado pelo seo suor; mas por maisque se unctassede mel a borda do vaso, era a escravidão.

O servo pagava os impostos, servia em tempo de guerra; mas era inhibido de deixar a sua terra, de tro- cal-a por outra, ou de sair de uma aldeia para se ir estabelecer em outra diversa. Nomearam-se inspecto- res para vigiarem os camponezes, obrigal-os a ferti- lizar o terreno; estes voivodes traziam como distinctivo de auctoridade o bastão, que symbolizava o direito de serem obedecidos. O bastão caía duro nas costas do camponez, quando este negligenciava as colheitas ou as cabanas, ou nílo pagava regularmente o tributo, A' força de bater no servo, o inspector considerava-se senhor d'elle, e se o nao podia converter em cousa, ▼endél-o ou compral-o, exigia d'elle serviços forçados, e eis como, pouco a pouco, o inspector veiu realmente a tornar-se senhor absoluto do servo, que com dor se resignava, dizendo : « Deus está muito alto e o tzar muito longe. » Afinal ^^e contas, transviada a insti- tuição, passou o servo a ficar cousa, escravo : batiam- lhe, esfaimavam-n'o, transportavam-n'o, vendiam-n'o até, a despeito das leis que o escudavam contra este ixkàximo ultrage.

Pedro I prohibiu a venda dos servos nas terras que ellcs cultivassem ; mais tarde Paulo I decretou que os

4 -XIX

^eúhores nfto podessem exigir á^elles tnais c^ue os ser- vi èos^ de' três dias por semaha; Alexandre I Cfeou uma classe 'de camponezes livYes ; mas tudo isso etam in- sigfnificantes pailiativos.

O actttal Imperador, legatário, não invicto mas

invito, da g^uerra com o Occídente, acabou còm ella,

mais cedo que o precisava, para, liberto das preoccupa-

çoíbs exteriores, se consagrar todo ao interior. As

^perdas xjue lamentUVa (mínimas para quem ficava

•soberano de 70 milhões de súbditos) iam ser mais que

Compensadas coma renasctmça nacibnal. A servidão

enerva, adormece, debilita, despoja o homem de suas

' melhores qualidades; e Alexandre achava-se em' fá(5e

'^de um povo ignorante e rebaixado (Sabiam ler um

em 10, escrever um em 50).

Começaram então as grandes refortíias, taes como a buppressao do militarismo do corpo docente e 'das universidades ; o inelhorámento da instrticçâo publica ; a amnistia aos polacos; a simplificação do recrutamento e do inlpbsto ; òperdao de innumferaveis condemnados; o systema de estradas, communicações, e fefro-vias, etc, até que o grande reformador chegou à magna questão do Império, para atacal-a de rrente.

Com o augmento da classe fidalga, era innumeravel a quantidade dcs poderosos senhores de servos. Dav^a- se enorme desproporção entre o número dos habitantes ou antes dos trabalhadores, e a extens&o das terras, hk também se dizia, como aqui, que, com o regimen da liberdade, a agricultura perderia os braços, 6 pai2 a prosperidade.

Deixo a narração dos trabalhos a que a illustrada e firme vontade do Imperador Alexandre presidiu, e limito-me a dizer que a Rússia teve também o «eo grande primeiro de março ^ poisai março 1861 foi promulgada a lei, destructora dos derradeiros vestigios do dominio t&rtaro, e que, libertando o camponez, Ike dava a sua casa e o seo campo, comprados por elle, e abrindo-lhe para isso o governo um crédito (Em ja- neiro ' 1S69, mais de metade dos servos emancipados se tinham servido d'este crédito, e haviam contrahido uma divida enorme para com a coroa.)

Comprehendia a raça liberta 22 milhOes de sereos ordinários, 3 milhOes de camponezes dos apanágios, e 23 milhões de camponezes da coroa. Estas duas classes deram logar a alguns artigos addicionaes.

XPÍ 5,

Be]]ireaeni^ya isto mais de dous terços da pp vo^o da , Rúsisia, e era justo e prudente proporcionar-lhes subsis^ teAcia.d^sim como conxbater.p^a puis^ da pgopri^^4f » a. tondmcia, nómada do Russo, o que induziu a limitaj: com certas re^tricções o exercício da liberdade. Sao 9 os artigos que a regulam: 1.° O. camponez,

3ue deixa a sua aldeia perde o lote de terra que a^ocie^ ade Ibe deu ; 2.° Se a sociedade recusa acceitar o tal campo, pertence ao senhor ; 3/ Hade ter satisfeito ás leis do recrutamento ; 4.° Hade ter pago todos os im- postos, até o do anno inceptado ; 5.° Hade provar á administração do cantão que preencheu todas suas obri- gações , 6". E' preciso nao haver contra elle processo algum ; 7°. Hade fazer face primeiro ás precisões de todas as pessoas de família que deixar; 8^ Hade ter pago todos os atrazados devidos ao senhor, pejla terra que lhe foi concedida. 9". Tem finalmente que exhibir certificado das auctoridades da localidade onde se quer fixar, em como alli adquiriu um lote de terras, a me- nos de 11 milhas da aldeia, e mais que duplo do que possuia.

Como todas as reformas que mudam radicalmente a face de uma sociedade, o acto da emancipação foi por muitos accolhido com desconfiança. Aos sei^vos dd-se de mais^ diziam os senhores. De mais conservam, os seyihores^ diziam os servos. Mas apezar de certo abalo momentâneo, restabeleceií-se sem detença a tran- quillidade, e para logo se sentiram os salutares eflFeitos da liberdade, nao obstantes as sombrias predicções dos adoradores do oassado. O estrangeiro que percorre aquelles campos nota que os camponezes andam mais hera vestidos, nutridos e accommodados; vivem vida mais conchegada e com certo conforto ; as mulheres cuidara melhor de si e dos filhos. A casa do trabalha- ílor mudou de aspecto; não é a senzala do escravo, é a habitação de um homem livre.

Com quanto a iustittuição derrocada revista entre nós a*^SHz diversa natureza, ponctos ha de contacto, que merecem exame, nas paridades e nos effeitos.

;\ obra de Wil. Hepworth Dixon, em 2 volumes, ÍM)pri»í>sa em Londres, sob o titulo Free Rússia^ e a Me- 'iiória do pastor genebrez Cailliate, sobre o Estado so- riaidn Rússia, merecem a tua attençao,e a de quanto?? ^p interessam pelo importante problema com que o Bra/.il arca n'este momento. Mais uma vez proseguirei

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n'este assuiiipto, em dia próximo, se o nao considerares pesado em demasia.

E' tarde; ponho poncto agora n'isto. Amanha,se Deus me der vida e saúde, projecto continuar a entreter-me com o Senio, transformado em PalesíreirOy e servmdo-se de um pobre testa de ferro, que assigna, e realmente tem jus de assignar-se, V.

Recebe um estreito abraço do

tf

Teo amigo

ClNCINNATO.

Terceira oax*ta

DO ROCEIRO ClNCINNATO A SEMPRÒNIO

Rio de Janeiro, 18 de octubro de 1871.

Querido amigo.

Forçaram-me a trocaras politicas pelas litteratura». Em qualquer d'esses campos, sou eu um curioso muito inválido, mas emíim tudo serve : quem nao pode brandir clava, descarrega piparote, e as minhas aspi- rações nao sobem a mais. As infallibilidades sao }»ara os Papas das lettras, Senios^ V, &- 6'".; eu, na egreja do aoc, apenas invergo a opa de sacristão. Olho para os livros, como boi para palácio.

Náo tenho mSos a medir. O Sr. V., faz-me andar n'uma dobadoura. Ahi me trazem hoje 4*. PaJeístra, como as precedentes elegante, delicada, respeitosa, intelligente, inatacável e irrespondivel. Eu bem me vejo em talas, bem me sinto esmagado, e merecedor de tremenda vaia, por me nao curvar silencioso ante elo- quência tamanha ; mas que queres ? sou um iusuppor- tavel tagarella, que mesmo sem sombra de razão heide estar sempre bacharelando ! Ora isto, após tao repe- tidas qualificações da minha inópia, e tantas amiaças do olhudo instrumento de Tolentino, em tao apertado lance, ultrapassa as raias da imprudência. Mas é que eu também nao me sublevo contra os firmans de quem ludo pôde ; não tenho voz activa nem passiva; recebo com seráphica humildade as descomposturas civiliza- doras; e, apenas rosnando por entre os dentes, subraetto aos illustres infalliveis a continuação das rainhas muito rendidas e submissas dúvidas, protestando con-

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formar-me, afinal de contas, com o que for decretado pelos muito altos e poderosos Srs. Senio, A. de V. & C*. E ainda mais, elevo súpplices vozes ao céo, para que isto, em mim, nao sejam rompantes de leão. paradas de sendeiro. Dêmos tempo ao tempo.

Continuarei pois a transcrever fidelissimamente as ponderosas reflexões das Palestras^ sem saltar uma única, nem lhe attenuar no mínimo a enerofia da argur- mentaçao, reiterando somente o pedido de licença para eliminar as palavras e phrases acerbas, jíi poroue aprendi que as injúrias sao as razões de quem as nao têm, porque emfim reconheço com todo o acata- mento que ellasme pungiram no âmago das intranhas. ' Quem castiga com raiva não castiga, vinga-se ]. Vamos levando esta cruz ao calvário.

§ 2 A abundância estéril de Bermh.

Diz o meo preclaro mestre, para me abaixar a grimpa :

« A propósito de abundância estéril, fala em Fran- gi cisco I ! cita como grande auctoridade litterária um w rei ignorante. Para apoiar as sandices de um Cin- « cinnato e roceiro, um litterato como Francisco I. ti Racine tinha mais gosto litterário em uma unha do « í ou diable le goút liLierawe va-t-il se nicherl ) do " que Francisco I em toda sua real pessoa. »

Anda lá, Francisco I, leva para o teo tabaco ! Im- porta pouco teres tu sido admirador d'Erasmo; estava- te destinada, no fim de três séculos e meio, segunda Pavia; e abella Ferronière naofa pregou mais.... na menina do olho, do que este severo Senio.

Está muito bem, sim senhor, nunca as mãos lhe doam ; mas, oh tu, Senio, typo de lealdade, a que pro- pósito trazes para a dansa o pobre poeta da Donna è mobile ? Diz tíenio, ou o seo porta-voz V . que « a pro- pósiío de abundância estéril, eu citei Francisco I, » Com a devida vénia, represento a V. Ex. que nao citei tal; que esta citação é de V. Ex., illuminado discípulo de D. Quichote, que desbaratava moinhos.

O que eu dice, depois ^e me queixar da diffusao da loquacidade, e da prolixidade do palavrório dos 7 mo- vimentos das ondas pacatas, foi o seguinte, ipsis verbis ' Vid. Questões^ n. 9 ) ; « Nao era a isto que Frede- rico II chamava a dibundancia estéril de Bernis? » Esta

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minha pkrase curta, è que serviu de thema ás varia- ções longas de Senio.

Ora, se o illustre Senio licença, Frederico è, se nao me engano, personagem mui diversa de Fran- cisco 1 1 Frederico II, o mais admirável príncipe do seo século, foi cc^nominado O Grande; cultivou scien- cias e lettras com- amor ; correspondia-se cbm os sábios Wolf, Bollin, S'Gravesande, Mcwipertuis, Al- garotti etc. Sao de sua régia penna as Memárias para servirem d história da Casa de Brandeburgo História do meo tempo Memórias sobre a guerra de seple annos eto. etc. Suas numerosas poesias valem, se isto nao é heresia, um pouquinho mais que as quadrinhas de Senio; e na parte epistolar que fígura na coUecçao das obras de Voltaire, talvez que a secção mais notável seja a da correspondência que tantos annos durou entre estas duas testas coroadas. Era tao superior, tao poeta d'alma, que na famosa noite em que se viu cercado de quatro exércitos inimigos, Frederico da Prússia, em posição desesperada, e resolvido ao sui- cídio, compoz aquella admirável epístola a Voltaire, que rematava com estes nobres veri^os :

Pour moi, menacé du naufrage, je dois, en affrontant Torage, penser, vivre et raourir en roi !

Ja me está parecendo que um tal homem, apesar de rei precisa esta precaução oratória do apesar de rei, para amimar certos neóphitos, candidatos a republi- canos, que esiao querendo dar arrhas aos seos novos correligionários), nao era tao ignorante como isso, O caso é que a tal estéril abundância foi fecunda em de- sastres. Frederico satyrízava frequentemente nos seos versos as concubinas do rei de Franca e os poetas áu- licos ; entre a Pompadour e Bemis tinha havido es- treitas relações. A Frederico portanto caiu a sopa no mel, quando, entre outras facécias, escreveu o verso^ de que, segundo parece, o Sr. V. nao tinha notícia:

Evitez de Bernis la stérile abondance.

Seguiu-se logo após, a guerra de 7 annos, que alguns incadearam, de consequência em causa,áquelles versos satyricos ; e tanto que então viu a luz outra sátyra anónyma, a qual terminava assim :

XiX, 9i

Six ceets mille hommes égorgés, MoQsiear l'abbè, de grace,est-ce assez de victioies; et les méprís d'un roi poar vos petites rimes

Yous semblent-ils assez vengés ?

Basta d'isto.

Apezar de caber à defeza mais insancbas que â accusa- ç2o,receio que se me assaque também abundância estéril j « por isso mudo de rumo, terminando com esta justifi- cação : P. Nao citei Francisco I ; 2'. Citei Fre^lerico O Grande, o historiador, o prosador, o poeta ; 3°. A sua phrase feliz estava predestinada para Senio.

« E UM CHARLÂ.TÃ0 DE TAL JAEZ, METTIDO A CRITICo! »

Com estas palavras, remata Senio a discussão doeste poncto. Tenciono ir sempre repetindo o significativo estrebilho, nao com o audaz intuito de reciprocal-o, porque eu nao perco as estribeiras, mas para habilitar o nobre crítico a ir avaliando a propriedade da sua exclamação. Corre -jponcierá esta phrase slo a Irmãos^ tendes de morrer » dos Trappistas, ou ao Remernber whaí l loan thee de Milton, que o Sr. Alencar tão ele- gantemente invocou em certo final de um discurso. Nao importa, nao importa, e deu com septe navios á costa.

s5 3 Dos pleonasmos.

l)efonde-se Senio, dizendo que elle nSo é o único, e que muitos auctores têm também empregado pleonas- mo<. Forte dúvida ! Pois a sua ambição de inventor leva-o ao extremo de julgar que o suppomos inventor dos pleonasmos ? Nao, senhor; digo que dos plco- násticos carneiros de Panúrgio, Senio será o millío- néitm3 ; e em tal imitação, apenas lhe reconliecerei a glória de que, transplantado de outro solo para o seo, esse fructo toi

peor tornado no terreno alheio.

Ora agora, iutenda-se bem, não alludr eu, nesta minha censurada observação, ao derramamento das idéas, mas à impertinência das vnriante> verbaes: e seja licitD reproduzir aqui algumas ponderações sobre o genus dicendi.

Ha um mundo entre os estvlos conciso e ditfuso.

O e:^cripior conciso condensa os pensamentos no mí- nimo número de termos; emprega os mais expressi- vos ; repelle, como redundante, a expressão que algo

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nao addiciona ao sentido. Quando introduz ornatos e figuras, mais o faz por força que para graça. Nunca repete duas veies um pensamento. Descreve-o sob o aspecto que mais appropriado se lhe aflâgura; mas se a essa luz o nao comprehenderdes, nao espereis que a outra vol-o revele. Primam suas sentenças mais pelo compacto e pela energia que pela cadencia e harmo- nias. Esse dizer lacónico mais inspira a imaginação do leitor do que directamente lhe exprime.

O escriptor diffuso estira e esparralha os pensamen- tos. Appresenta-os em variadissimas apparencias, e prohibe ao leitor o coUaborar, com elle. Cuia pouco de exprimir-se, desde o princípio, com toda a força ; porque calcula que tem de reiterar a impressão, e cun- seguintemente o que lhe falta em força, hade sup- pril-o com a abundância.

O excesso de ambas estas qualidades é perigoso. Em concisão, nem todos se podem conter nas raias de Aristóteles, Tácito, Montesquieu ( no Espirito d<u Leis ), ou Filinto. E i: ditfusao magnífica, nem todos nas de Cícero, Ovídio, Addison', Temple ou Bocage.

A ditFusao torna o estylo fláccido, débil, e cança o- leitor; mas é tolerável em penna de superior ordem, por ser condão do génio até defeitos converter em bellezas.

Importa porem nao confundir: Uma cousa é o incarar do mesmo pensamento por muitas faces, outra o repro- duzir da mesma expressão com muitas palavras. No primeiro caso pôde haver sua justificação; no segundo, jamais.

Tomemos para exemplo um grande escriptor, natu- ralmente prolixo, posto que a trechos magnificamente lacónico, Ovídio. Esse poeta nao sabia decotar, dn tronco da sua idéa, os ramos, os galhos, renovos e garfos que o incobriara; muitas vezes, onde uma imagem bastaria, multiplica 4, õ e 7 símiles ! mas ainda ahi, se é lícita a expressão, nos depara na uni- formidade immensa variedade ; seria descabido, n'este escripto fugaz, aponctar cópias d*este defeito-bel- leza.

Mas nem n'esse esplendido génio é desculpável o erro, em que raras vezes caiu. de reproduzir exacta- mente a mesm i idéa por diver^^as palavras, por extímplo :

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Omnia pontus erat; deerant quoque (!) littora ponto. Semibovemque vi rum, semivirumque bovem. At vos, qua veniet, tumidi subridite montes! Et faciles curvis vallibus e.ste vioe!

e assim em outros logares. Eis-ahi pleonasmos repre- hensiveis, ou antes perissologias detestáveis, mas fi- dalgas, por virem de quem vêm.

E a critica leal e digna, que fecha olhos à grandeza do censurado, e o exprobra, quando elle diz duas vezes a mesma cousa por palavras diversas, tem rigorosa obrigação de stygmatizar cem vezes mais o vicioso uso das 7 variantes para darem a mesma idéa, como suc- cede no Gaúcho.

Para justificar o : As ondas se agitam em fhiciuação^ (o que aliás podia ser tão brando com^) O contínuo vaivém das mansas ondas, de que nos fala Bocag-e ] cita o Sr. V. dous versos de Racine, em que diz haver sido achado pleonasmo. Se o houvesse, mais nao seria isso do que mancha em sol, mas nao o vejo. Os versos de Racine sao ambos estropiados pelo docto Pales- treiro, o qual nol-os a-^sim :

Cependant sur le dos de laplauie humide^ Sf-^ve à gros bouilloiis une montagne lújuide,

(As orelhas métricas de V. erraram ambos os ver-o:>, pondo liquide onde devia ser humide^ e /iwmíí/eouJe devia ser liquide). Todos os termos aqui tem uma in- tenção sobre si, .>em que haja sombra de repetição de idéa La plaine liquide^ em relação ao mar, serve para distinguir das plaines íen^estre, celeste, azurée, rtoilce, de t'air etc. Moiitagne humideàk idéa da grande eleva- ção das águas, sendo aliátó este adjectivo appropriado, i'omj quando J. B. Rousseau escreveu :

L'humide empire oíi Vénus prit naissance.

E uem se diga que do dorso do mar era d'água que for- çosamente devia sobresair a montanha, vi.<to como podia ser uma ilha A* gros bouillons^ em grandes bor- bulhrics, também outra idèa ; de forma que nem avalio onde pos<a aqui imaginar-se pleonasmo, ou como tao elevada e poética linguagem possa invocar-se para justificação de Às ondas se agitam em fluctuaolo.

Ha PLEONASMOS 6 FLEONASNOS*

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E UM CHARLATÃO DE TAL JABZ METTIUO. A CRÍTICO !

(PhrasedeV. dirigida a Cincinoato, a qual nem por isso, como V. esperava, lhe fez crear sangue de bugio.)

§ 4 Átomo invôlto nas dobras do infinito.

Hesitei*- ante esta quinta essência das imagens, e agora transcrevo a sargentona anályse do Sr. V. <i Diz Senio : n No seio das onda^^ o nauta sente^se isolado; e átomo invôlto em vana dobra do infinito. » Imagem sublime I de um traço desenha-se o painel do homem infinitamente pequeno, perdido ' na imoiensi- dade da solidão infinitamente grande, na qual basta uma vaga, uma fraga, um destroço de navio, emfim, para escondêl-o. Nao se pôde exprimir tanto, nem com maior energia, nem menos palavras.»

Depois de assim posta a história em trocos miúdos, seguem-se as* generosas descomposturas. Argumento é istíi : um idem per idem, uma explicação que nada explica, uma demonstração de que nao comprehendeu a censura, ou buscou uma tangente para eviíal-a.

A minha questão era com as.doèra* do infinito ^ e sou realmente culpado da minha ignorância, visto como outro que tal sacerdote do Ideal me havia explicado a gerigonça nas Odes modernas :

c( Diz a eterna missa da karmonia

« o que veste a estola do infinito^

« para deitar a grande bençam Vida! »

kSe o querem mais claro, deitem-lhe água. Syllogismo evidente : l**. Todo o infinito é uma listola ; 2^ Toda a estola tem dobras ; 3"". Ergo, ha dobras do infinitjo; e .se acertam em apanhar na prega um átomo qualquer, cai na ratoeira e fica esborrachado.

Que imagem esta, sancto Deus! Infinito é o espaço que se vai sempre estendendo, sem óbices nem limites existente:?, ne:n possíveis ; e o que fosse susceptível de dobrar-se, cessaria de ser infinito ; podemos, sim, an- nexar também a idéa do infinito ao tempo, à extensão, ao número, mas nao ha uma variante do substan- tivo, que se coadune com a idéa de ruga, de termo.

Se alguma cousa ha mais ridícula do que a imagem* é a explicaçrio do Sr. V. Diz^nos que, collocado um objecto entre um nauta e.... [ e nao sei qu^ : falta o outro termo ) fica escondido e invôlto n'uma dobra do

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infinito I ha mais : essa cousa, dentro da qual o átomo se embrulha, no meio do mar, pode ser uma vaga ou uma fraga I que espécie de fragas serão estas que o B0S80 fragalhoteiro descreve no seio das ondas ? Elle caberá o que é fraga ¥

« E UM charlatKo de tal jaez mettido a crítico ! » ( Phrasede V., dirigida a Cincinnato ).

E nada mais accrescenta o' Sr. V., senão uma ima- gem extrahida do Eurico^ a qual tem tanta paridade com a de que se tracta, como um espeto com um re- queijão, e que passo a pés junctos, por nada vir ao caso.

Agora, algumas palavras mais, sem applieacão, como simples generalidade, e em que repetirei o dicto pelos reguladores do gosto.

Nada, na arte de escrever, demanda mais cautela do que o uso dos tropos, figuras e imagens. Os mais su- blimes e pathéticos passos dos mais admirados aucto- res, em prosa e verso, * acham-se expressos no estylo mais simples e sem figuras. Pôde, por outro lado, nbundar uma composição em ornamentos estudados, em linguagem artificiosa, esplendida, figuradíssima, e ser no todo affectada e glacial. Quem nao falar ao es- q)írito e ao ooraçfto, por mais gymnásticas de estylo a -que se abalance, se este fôr ostentoso, esquisito, pre- sumpçoso, impróprio ou obscuro, poderá lançar poeira aos olhos do vulgo, mas nunca aprazer a juízo dos competentes.

As imagens e figuras acceitaveis hao de adaptar-se naturalmente ao objecto : suggere-as a imaginação, quando altamente excitada, produzindo metáphoras e comparações ; suggere-as a paixão, quando o peito se commov^, gerando ent&o prosopopèas e apóstrophes. Está perdido quem deixa o curso do pensamento para se ir á caça das figuras ; nao apanha leOes nem veados, mas sombras impalpáveis e ridículas. Erra quem pensa que ornamentos de estylo se cosem á compo- sição como a gola á casaca. Eis como o Visconde de Seabra verte um trecho da Epístola aos Pisões :

A começos magníficos mil vezes

se alinhavam de púrpuras remendos,

que ao longe brilham, como quando os meandros

da &gua que gira pelo ameno prado,

14 XIX

de Cynthia o bosque, as venerandas aras, o Rheno, oii o arco pluvial, se pinta.... mas era do logar impróprio o quadro.

Os ornamentos verdadeiros nao sSo arrebiques, ou es- forços de imaginação infêrma ; devem correr no mes- mo álveo por onde se desliza o pensamento. Hade-se falar como se sente, e não pedir emprestado o effeito. Quando invila, a Mimrva vinga-se.

E por sobremesa, para gratificar o teo paladar deli- cado,lê agora comigo este final do cap. 3 do liv. IX de Quintiliano : « Auctores, que até os argumentos dão por figuras, é fugir d'elle.s. Estas, mesmo quando ver- dadeiras, se adornam o estylo, postas a propósito, tor- nam-se mais que ineptas, empregadas sem moderação. Taes ha que se julgam summos artífices, porque, sem curarem da essência das cousas, nem da solidez dos pensamentos, amontoam palavras sem sentido, e ridiculamente se empenham em procurar gesto onde não ha corpo. Até no uso das cousas legi- timas, é mister <!autela: a expressão do rosto, o vibrar dos olhos, muito ajudam ao orador ; mas se o vires contorcer esquisitamente a bôcca, e trazer testa e olhos em movimento desesperado, deitas âs gargalhadas. A oração tem também a sua face natural; nem immobi- lidade cadavérica, nem o movediço da careta. Nimio cuidado no palavrório gera desconfiança; e sempre que se ostenta artificio, tudo parece mentira. »

CaroSemprónio meo,tuhasde reconhecer sem dúvida que não é possível ser mais brando, mais dócil, mais submisso do que eu o sou para com Senio. Desde o principio d'este dize-tu direi eu, que o tracto com as formas mais blandísonas e mellínuas, e nao alcanço hada; quanto mais molle acha, mais carrega. Tomara eu que tu me ensinasses o modo de o amansar ; eu bem procuro fazer-lhe a vontade, e estou atè prompto para proclamar que Deus, que se não cançou era fazer o mundo em uns poucos de dias, levou depois muitas semanas para invental-o a elle, e ficou estafado; mas nada : pelo que coUijo das Palestras^ dictadas pelo Senio, e editadas pelo companheiro, o irado Jove To-

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nitruaate nao larga da dextra o trisulco. Estou bem servido !

Ora escuta aqui uma história :

Havia na Bahia ura homem, chamado o Sr. Gabriel, muito mal incarado, cujas delícias eram bater na pobre mulher. Dous annos supportou a infeliz a sua cruz, levando quotidianamente bôa conta de pauladas á tôa.

í< Ah! tu deixaste-me esfriar o jantar. .. Toma lá.

í< Nao deixei, menino, que está bem quente.

« Ah! tu resping'as! toma lá.

E assim approveitava todas as razOes para repetir a antiphona. Deu-lhe uma amiga um conselho : « Diga teo marido o que dicer, nao contraries. Mande o que mandar, faze logo. Assim lhe tirarás os pretextos. » Chega o Sr. Gabriel :

« Maria, descalca-me as botasl

« Prompta,

a Maria, está aquella janella aberta para intrar o sol ? {Era noite).

<( Eu vou fechal-a.

« Maria, aquelle chicote.

« Slle aqui está.

« Maria, está muito calor; vae fazer-me acama no quintal!

Foi a mulher, e fez o que se lhe mandava. Deitou-se o bom do homem, e, passado um instante, levantou-se a bater-lhe.

« Que teQS tu, meo maridinho *?

« Ainda m'o perguntas, cachorra? Foste-me pôr a cama logo por baixo da estrada de Santiago : se por tropeça um macho e cai, vem-me logo cair no toutiço.

Assim parece accontecer comigo. Se eu nao estivesse certo do meo sexo,julgar-me-hia mudado em D. Maria; todavia, para teo socêgo, asseguro-fce que tens sempre em mim

O teo velho e cordial amigo

C1NCINNA.T0.

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Noticiário

CoLONisAçao. Pfojeota-se em Inglaterra a remessa de emigrantes úteis para o Brazil, em número e bases taes que assegurem o desinToWimento do paiz e^ faci- litem as negociações no Império. O plano j& apresen- tado ao governo, por intermédio do sr. Cônsul brazileiro €m Londres, explica detida e largamente c projecto,no qual se propOe, entre outras cousas, qvte as reservas de terras férteis e desocoupadas nas províncias do Sul, en- tre 22 e 30 gráos S.-, e contíguas a algum posto esta-* belecido ou por estabelecer, sejam vendidas ; que o governo sanccione a acquisiçaó, sob sua garantia, pe- los seos agentes financeiros em Londres, de um capital nao superior a 600:000 lib., capital que será reembol- sado em um praso fixado até 30 annos, aoomptardada- ta em que aquellas terras se reservem para a venda, fi- cando os capitães obtidos em poder dos mesmos agentes do governo imperial ; que aquelle capital se applique, 400:000 lib. ao pagamento das passagens adeantadas em dinheiro e seguros de vida de cada chefe de famí- lia até 10:000 emigrantes annuaes e as restantes 200:000 lib. na abertura de estradas e mais obras públicas, para adeant amentos ás municipalidades, mediante pres- tações nao excedentes a 100:000 lib. a cada uma. E finalmente que os terrenos, urbanos ou ruraes, que forem comprados, o serão, metade pelo governo brazi- leiro e a outija metade pela respectiva municipalidade, uma vez que as terras pertencentes a cada municipali- dade offereçam segurança ao reembolso dos adeanta- mentos referidcs, para a creaçao das citadas obras? póbiicas.

( O Brazil, jornoZ de Lisboa { * )

(*) Nesta corte, sSo correspondentes doesta folha os Srs. E. e H. Laemmert, em cuja oasa se tomam assignaturas por anno a 15j||000, por semestre 8jj|000; e se recebem annúncios, para serem publicados no Braztl a 60 rs. por linha; tudo dinheiro do Império. ( Em Lisboa: Redacção^ António Maria de Castilho; AdminisltaçãOj Pedro A. de Almeida. )

Tjp. e Lith.— IMPARCIAL— Rua Sete de Setembro, 146.

QUESTÕES DO DIA

RIO DE JANEIRO 10 DE NOVEMBRO DE 1871.

Vende-se em casa dos Srs E. & H. Laemmert. ^Praça*da Constituição, Loja do canto.— Livraria Académica, Rua do S. José n- 119'^ Largo do Paço n. C— Rua de Gonçalves Dias n. 79. Preço 200 reis.

CINCINNATO À SEMPRONIO.

Meo illustre crítico .

Recebo n. tua carta, interessante como quanto sai da tua penna. N'ella me d&s a noticia de que applicarás mais algumas horas vagns ao exame das producçOes liUeràrias de Senio, com o que sem dúvidfa teremos todos muito que aprender.

Com a tua carta, recebo a de um nosso distincto a- migro commum que, referindo-se também a certo escriptor (quem seja, nao vem ao caso) se exprime d'e3t*arte : « Folgo com um tao completo desba- rato da fôfice, da pedantaria, do orgulho petulante,

e das bulias falsas Com effeito sempre lhe achei

ares excêntricos, fornias hybridas, contornos naons- trúosos, planos disformes, lavor irregularissimo, mín- gua de gosto e senso artístico, ambição impotente de eflFeitos ridículos. Depois, vindo a vez do político, ma- nifestou-se-me elle ura ambicioso vulgar, um acabado especulador, que armava tilo somente ao próprio inte- resse, e que se desmascarou, no dia da prova & & »

Mas emfím, isto nada tem com a matéria que tra- ctãmos, e portanto continuemos com a anàlyse da;:) PcUeeiras ; e preciso, antes de tudo, pôr bem claro um poncto. Saem estas palestras de debaixo do telhado de oenio : assume a paternidade d'ellas um senhor homem que se senta á mesma carteira que o primoroso escri- ptor : esta, e outras circumstancias me convencem de que, embora o estylo seja exclusivo e characterístico do dito .senhor homem, as partes da oração sao-lhe mi- nistradas pelo companheiro Senio. •£' conseguinte-

â \X

mente com este, que eu me entreteuho : se tivesse a persuasão de que o seuhor hamem era o aiictor do que copia e aduba, passaria de largo respeitosamente^ & silencioso o deixaria brilhar á vontade. Continuo, por que na lettra V. das Palestrai nSo vejo mais que outra anonymia Senial. Prosigamos:

§ O cvtdiío não deixado por mãos alheias. Tenho ante mim agora a 3*. Palestra, da qual ex- traio us seguintes trechos :

«O Gaúcho è uma das melhores creaçOes da pátria « litteratura! livro, qu^í de per si, e desaccompanhado (( qualquer outra prova, bastaria para dar um nome « e dos melhores ! !

« Dicemos c repetimos : José d' Alencar está tâo a altamente coUocado que não pode inchergar o que « se levanta, no rojar do reptil.

«O político severo ( ! ), o jurisconsulto abalizado (( (! 1, o littíírato mimoso ( ! ], o character nobre { ! ) «^.0 filhu que d^ orgulho á pátria (I ), o orador lan- ce reado por tantos triumphos ( ! ), nao pôde decair do « pedestal a que foi elevado pela opinião pública, pela a admiração dos doctos e sensatos, pelo preito e home- c< nagem de seos émulos no talento e na illustraçao.... <c Columna de mérito, em cuja cripta desponta sobran- te ceiro aquelle vuito »

E vai continuando por este modesto teor.

Pelo que toca aos adjectivos (severo, abalizado, mi- moso, nobre, orgulhoso, laureado, e pedestalizado eu ftiço choro, e ainda acho pouco.

Quanto ao preito e homenagem dos doctos e sensatos, também é muito bem proposto. Venham todos os escri- ptoies, jurisconsultos, políticos, oradores, e litteratos d'e.sta terra, ajoelhar ante o seo capitao-mór, o alto e poderrso D. Senio. Preito e homenagem se prest» a soberanos ; e é bom, em vésperas doesta solemnidade^ repetir como estas cousas se fazem. No auto de jura- mento Preito e homenagem que os Três Estados fizeram ao Infante D. Pedro & { impresso em Lisboa, no anuo de 1669 ) se indica o cerimonial. D. Vasco Luiz da Gama, marquezde Nisa, foi a primeira pes.soa que jurou : chegando ao logar marcado, ajoelhou, e postA a mão direita sobre a cruz e missal, dice todaa as pa- lavras do dicto juramento, preito, e homenagem ; e, acabando de jurar, meiteu as mEos entre as de S. Al- teza, e logo lhe beijou a mao d, e o mesmo fizeram os

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mais. O vassallo dizia ao S60 príncipe : Devenio homo vester & Fique pois assentado em irmos todos, clero, nobreza e povo, dar homenagem e preito ao rei da in- telligencia ; juremos que o seo sceptro è indisputável ; brade-lhe cada brazileiro sensato edocto: Devenio homo vester.

O ficado Senador Theóphilo Ottoní narrava com summa graça numerosas particularidades dos usos e costumes dos selvagens do Mucury. Lembro-me bem de lhe ouvir esta história ; « Para um Botecudo, toda a sua idea de superioridade e prioridade funde-sè no vocábulo : Capitão. Â mim chamam-me Capitão Pogirum, que quer dizer : Homem de posiç&o elevada e de mftos brancas. A um francez, do Mucury, chamar vam Capitão Ouioui, por que era de raça branca, e re- petia frequentemente a palavra oui ; e assim os mais. O curioso porem é que o termo applica-se nao menos a cousas inanimadas ou não humanas ; por exemplo : de um renque d' árvores, a primeira é a arvore-capita^; no delta formado por aves de emigração, a primeira é o pássaro-capitão ; de uma vara de cochinos o que vai adiante é o portxhcapitão »

Sempre me lembra o Senador Ottoni, quando ouço d'estas ; e, longe de contrariar a asserção, concordo em que Senio é o orador capitão, o advogado capitão, o politico-capitão,o litterato capitão,o Gauchista capitão, o jurisconsulto capitão, o laureado capitão, o filho que d& orgulho capitão, o character capitão, finalmente o centurião, o eapitãozarrão, o capitão general dos capi- tães. Que anais querem? Prestemos-lhe todos este - preito e homenagem.

Mas, agora com o que eu desadoro, é com o logar onde o preclaro V. pertende collocar o meo heroe : C^lumna de mérito, em cuja crypta desponta sohtanr « ceiro aquelle vulto. » Segue-se logo :

« fT irrisório I » E eu não sei se isto se refere ao próprio pensamento ou á imagem, pois irrisório é real- iBente tudo isto. é bello o despontar sobranceiro, mas na crypta I Onde será esta senhora ?

A palavra vem de um verbo grego, que significa esconder : dar-se-ha caso que V. estivesse fazendo um epigramma a Senio, dizendo-lhe que o seo vulto pôde despontar onde esteja escondido ? Aqui me diz o amigo Ticio que i^aturalmente V. ouviu cantar o gallo, e confundiu orypta com plintho^ que, na ordem tos-

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cana, é a parte superior do capitel, por o seo capitel nao ter címàcio, como na jónica.

Glória, pois, ao novo grão Vitrúvio, ou antes glória 8 ambos : ao architecto da columna do mérito^ e ao vulto que se pôz na crypta (Vdla, § 6**. O Creador inventou as rijezas cadavéricas da natu- reza (que são o rochedo),

Nao sou relógio de repetição, e por isso me refiro às minhas anteriores observações sobre o que n'esta phrase me parece incerrar dous absurdos. Descarnemos, dos- insultos adversos, cousa que aspire a foros de argu- mento:

« Inventou o Creador é de incontestável belleza... « Edificar, fabricar, etc, são attributos de Deus, que « fez o mundo, e tudo o que n'elle se contêm, com uma <( palavra. Na phrase inventou o Crtador vejo uma « soberba antithese! O Creador,ao tirar do nada quanto c< existe, inventou^ isto é, destinou ^ ordenou as rijezas (( cadavéricas para a fúria dos elementos.

« As sagradas escripturas descrevem a maneira « como Deus ordenou o mundo, alteou as montanhas e « estendeu as planicies. »

E nada mais. Que triste defeza ! Pois quem contes- tou a omnipotência do Creador? Seria acaso eu, que consagrei meia página a exaltal-a? Do que me eu queixo, é exactamente do contrário, isio é, de que Senio rebaixasse a majestade suprema, nivelaudo-a com os cancados esforços da intellifireucia humana. Grande temeridade é querer definir a Deus, mas vergo- ►nhosa profanarão 6 applicar á essência divina os attri- bui j ua natureza humana, e n'este caso e/?tá a wt- ven^ão.

Reflectem os competentes, que dizem alguns ser Deus uma primeira mente, primeiro intendimçnto, primeira substancia, primeira causa, primeiro ser ; mas Deus não é mente, não é intendimento, não é substancia, não é causa, não é ser ; é sôbre-mente, sôbre-intendimento, sôbre-si4>i5tancia, sôbre-causa, i^ôbre-ser ; superior ao ser, anterior á causa, ulterior ao intendimento, alem de substancia, e mais que ser ; mente de toda u mente, intendimento de todo o intendimento, substancia de toda a substancia, causa de toda a causa, ser de todo o ser.

Deus, ua phrase de Lactancio, mundum ènihilo fecit^ do nada fez o universo. Tolera a linguagem, applicada

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A essa estupenda obra, as palavras creou, fez, edificou, ordenou, regulou, fabricou, architectou, construiu, formou, e outras, aliás defícientiscimas todas para representarem o que nem conceber pôde o verbo hu- mano ; mas ao menos todos esses vocábulos dao va- riantes da idéa da - creacao sem esforço intellectual. Nunca jamais escriptor, que SQubesse os segredos de •qualquer idioma, diria que Deus inventara rochedos ; que V. se proclama tao lido, e alardeia a sua citação de auctores, procure n'elles se algum ousou jamais appli- car o verbo inventar ao fiat da creacao. Nao achará por certo.

« E UM CHARLi^TAO DE TAL JAEZ, MBTTIDO A CRITICO. ))

(Phrase que, por ordem de V., c& me applico a mim mesmo),

Repelli eu a locução rijeza cadavérica, como defi- nição do rochedo. Pondo de parte parte dos impropérios, eis-aqui como V. defende isto :

« o plantador de batatas críticas nao compre- « hendeu que, para exprimir as rijeza^ graníticas se « usava da expressão cadavérica. »

Cita a phrase do Eurico : « Era horribilissimo ver convertido era cadáver, de todo immovel e mudo, o Oceano. »*

( jue infeliz argumentador I No Eurico^ temos o Oce- au j, naturalmente animado e vivo, immovel e muJo ; a comparação, pois, com o cadáver, é no tocante á im- mobílidade e mudez ; imagem nobre e verdadeira.

No Gancho, confessa o próprio V. que o cadáver é impetrado para symbolizar a rijeza granítica ! isto é, em vez de alludir ao movimento e á acção, refere-se á substancia da matéria ; e para exaltar a rijeza do mármore, que é sempre duríssimo, compara-o com a carne, que no próprio cadáver, posta em parallelo com um rochedo granítico, é sempre fláccida e molle.

ícE UM CHARLATÃO DE TAL JAEZ MRTTIDO A CRÍTlCo!»

tne vou disciplinando com estas disciplinas que o bom do Senio tem a caridade de administrar-me, por inter- médio do Sr. V. E a propósito : nunca eu tinha com- prehendido a razão de se denominarem disciplinas, tanto as artes liberaes e scienciascomo certos bacalháos com que os disciplinantes até nas procissões costu- r:iMvam açoutar-se. Agora, sim senhor, intendo. Por

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nao avaliar a omnisciência do Sr. Capitão Mór em todas as disciplinas, aquellas enérgicas phrases sao a* disciplinas com que elle flagella o

Teo obediente creado

ClNCINNATO.

l^onu-iineiito a Booa^e.

De uma carta fidedigna recem-recebida de Lisboa copi&mos o seguinte, que deve interessar a muitas pes- soas n^este paiz, visto ter sido aqui iniciado o projecto, que se está tractando de levar proximamente ao cabo. Eis-aqui :

« Tem sido, em todos os ponctos,seguidas. tanto n'esta cidade, como em Setúbal, as recommendaçOes^ dos Srs. conselheiro J. F. de Castilho, e Barão de S, Clemente, Presidente e Vice-Presidente da CommissRo Central do monumento no Rio de Janeiro, incumbidos pela mesma commissao de dirigir a conclusão dos trabalhos.

Foram egualmente recr^bidos os convites d^aquelles senhores aos vários cavalheiros que designaram nas duas cidades para constituirem commissoes especiaes, A de Lisboa, presidida pelos Srs. Marquez d' Ávila e Bolama, e Visconde de Castilho, vai reunir-se para deliberar, de accôrdo com as in.strucçOes recebidas, sendo o local das suas sessões na Academia Real das Sciencias.

O desenho do monumento está muito exacto, tal qual o deu o jornal illuslrado d'essa corte Vida Flu- minense^ só com a differeuça de que no logar indicado com armas reaes, estão lyras.

A estátua, que muito honra o esculptor Reis, está prompta, como tudo mais. Gravaram-so na.? quatro frentes do pedestal os seguintes quartetos, do próprio Bocage :

1®. Frente

De Elmano èis sobre o mármore sagrado a lyra, em que chorava ou ria amores... Ser d'elles, ser das musas, foi seo fado. Honrera-lhe a lyra vates e amadores !

2". Lado esquerdo da estJtiia,

Doou-me Phebo aos séculos vindouros. Deponho a flor da vidn, e guardo o fructo.

Pagando á vil matéria um vão tributo, retenho a posse d* immortaes thesonros.

3**. Costas.

E!ste, com quem se ufana a pedra erguida. ah ! se incantou com sonorosas cores... Bocage nao é ! n&o sois, amores ! Chorae^he a morte, e celebrae-lhe a vida !

4*. Lado direito da estátua.

Um Nume, terrível ao tyranno, nao à triste mortal fragilidade, eis o Deus, que consola a humanidade, eis o Deus da razão, o Deus de Elmano.

No dia 9 do corrente (octubro) foram a Setúbal, o Sr. Salles. domno da officina ondif foi feito o monumen- to, e o Sr. A. Torquato Azedo e Silva, para esse fim êommissionado.

Apenas chegaram, passaram immediatamente a exa- minar com attenç>»o qujil a praça que melhor se pres- tava ao intuito. Acharam que a praça, denominada de Bocage, era grande e assaz desegual no seo todo ; mas que a parte que propriamente se pode chamar praça era a mais adequada, e tal qual podesse deseiar-se, se de novo houvesse de ser feiui. Nao tem casebres, ou pré- dios em máo estado, senão um, que pertence a um cavalheiro opulento, o qual acaba de construir um pa- lacete na rua que deita frente para a praia, e parece t^ír promettido erguer agora n'aquelle chão um edifício digno da elegante praça

Ha duas grandes construcções que a affrontam, e que naturalmente um dia desapparecerao ; entretanto ficam um pouco distantes, e nao no recinto da praça : sao uma egrejae o Paço da Gamara; ambos estes edificios sobresaem do alinhamento dos prédios ; mas ficam em tal distancia que nada tem com a praça propriamente dieta. Ha também um chafariz defronte do Paço da Camará ; fica no meio da rua, mas também em distan- cia, que nao prejudica o offeito, E' egualmente n'a- qiielle largo o mercado da fracta, mns mui afastado do recinto da prnça de Bocage, a qual verdadeiramente fica isolada, e é do tamanho tal que se proporciona per- feitamente com o tamanho da memória.

A Camará reuniu-se logo, e ambos aquelles senhores se lhe apnresentaram. Entregue a carta que levavam do

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Sr. Visconde de Castilho (impossibilitado de ir pes- soalmente) ao Presidente da Gamara, Sr. Dr. Manitto, que a recebeu em pé, leu-a, e dice que o Sr. Conselheiro J. F. de Castilho, quando alli fora, mostrara preferir a praça de Bocage para a erecção do monumento, mas que perguntava se levavam ordem de escjlher outra. Sendo-lhe respondido que nao, « Nesse caso (dice o venerando Presidente) a Camará Municipal decidiu que fosse posta a praça á disposição da Commissao C mtral no Rio de Janeiro. Podem começar a obra quando qui- zerem ; eeu, por deliberação da Camaia, estou auctori- zado para declarar que ella está prompta para cooperar^ da melhor vontade, com aquillo que poder, para a realisaçao do pensamento da Commissao no Brazil. »

Responderam-lhe que a Commiosao no Brazil pedia licença paranlo receber auxílio algum pecuniário, ou de outra qualquer natureza, com relação a tudo que diz respeito ao monumento ; e pedia que a Camará fi- zesse quanto podesse para que a inauguração se veri- ficasse com a grandeza devida ao vulto a quem se honrava. Foi respondido que a Camará se empenharia n*isso, quanto coubesse em seos meios e faculdades.

Immediatamente se começaram os trabalhos, por- que, nas instrucções do Brazil, se havia pedido que a inauguração .se realizasse no dia 21 de dezembro, sexagésimo sexto anniversàrio do passamento do poeta ; mas uma circumstància, que era desconhecida, torna problemática a fixação do dia. Com effeito, adquiriu-se certeza de que, a uns cinco palmos abaixo do chão, âe iílcontra água, nau alli, mas ainda muito mais distante do mar , na mesma direcção ; sendo in- dispensável possante estacaria para solidificar o ter- reno, de modo que possa aguentar o grande peso, como aliás tem sido obrigados a praticar, com assaz avultada despesa. diversos prop.-ietários que n'aquellas immediaçOes têm mandado edificar.

Ficava-se egualmente aformoseando a praça, para o que 03 moradores concorriam jubilosamente. Em Lisboa se preparava umà elegante gradaria, para ro- dear o monumento. A alguma distancia vao Sr^r col- locados quatro renques parallelogrammáticos de ár- vores, alternadas com bancos de ferro. Por fora d*estes bancos e árvores, segue, também em parallelogramma^ uma bonita calçada, de pedra miúda, da qual sobre- ssem «eis coUossaes lampeoes.

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'! Tudo estará acabado para o dia 21 de dezembro^ caso o permitta, como dicto fica, a abertura e o pre- paro, a que se procede, dos alicerces. »

CONTO.

o GRÃO SENHOR DAS LETTRAS

Um dia certo pedante da turba dos pomadistas lembrou-se de assentar praça no bando dos romancistas.

D' entre todos os assumptos nenhum lhe quadrou melhor que as ddicias dos selvagens sob o império do amor.

E elle, então todo inlevado no seo próprio aj uizar, introu logo em movimento, e poz-se a penna a aparar.

sublime operação empregou mais de hora e meia : era tempo de invernada , e a noite de lua cheia.

Por acaso, juncto & mesa onde se ^ oz a escrever, veiu miar-lhe um gatinho magrinho, quasi a mjrrer.

E o escripior emproado, intrando em meditação, tomou isto por preságio de futura elevação.

De chofre exclamou suberbo, trovejando em tom severo : « tu minha musa, oh! gato! « iuvocar a ti quero :

« Que importa que sejas macho^ « e as musas ?ní///ierps sejam? « eu creio que, ao leo influxii, 4. mais alto os cysnes adejam.

<i Vem tu, pois, abre-me os cofres « da suprema inspiração ! a faze que o meo génio exceda <x toda a humana geração !

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« Escreverei prosa e verso, « como ninguém tenha escripto ; « vou no drama e no romance a ter valor mais que infinito *

« Hei de mostrar aos oue julgpam « valer, um pouquito o Horácio, « qufto longe estava do bello « aquelle génio do Lácio :

n E se ha hi quem louca fama « proclame grãos sabedores, a nade fazer de seos louros u holocausto a meos furores. »

Segue-se ligeira pausa, e depois inthusiasraado, eis solta esplendidos voos ao seo estro sublimado

Leu, tresleu, roeu as unhas, borrou papel a valer, e um formosíssimo drama veiu então a apparecer.

O rapas ^ que da pomada faz um commér io per^nne, pôde erguer nos seos escr!ptos um monumento solemne.

Desde a hora em que lhe appronve vagar das lettras no espaço, Desbancou Virgílio, Homero, Lucano, Camões e Tasso. Como poeta e estylisía^ nenhum lhe i^anha vantagem : todos a flux, cabisbaixos, lhe prestam preito e homenagem,

E' fecundo dramaturgo, é raro folhetinista, historiador sem segundo^ delicado romancista.

Qual eschola ou meia eschola ! forma eschola por si : todas as mais são supérfluas, ninharias, fumo, pó.

O que mais alto distingue o seu mérito immortal, é o pendor que o impelle á cultura da moral.

Passa por ser um dos homens

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mais lidos n'essa cidade: Bom milagre do gatinho, que fez tanta novidade :

£' condão dos pomadistas, que tudo deixam atraz: Basta um gesto de arrogância; a prova está no rapaz.

Ck)'um escrópulo de audácia^ meia onça de franqueza^ quatro oitavas de mystérios, e a cerviz erguida e teza;

com certo ar d'aita importância^ de plebéa fidalguia^ e um pince-nez e umas lavas e a phrase nlmio bravia^

ani surge um homem grande, um htterato, um poeta^ embora na mente côncava confunda a curva co'a recta.

Mas o mundo é assim mesmo: os parvos sSo sabichões ; os sábios sao vis jarrê as, que nao vale>m attençOes.

Ser pomadistal..,. Isto agora è caso muito diverso: so quem cultiva a pomada é grande em prosa e no verso.

O exemplo é bem patê ate, eiPo ahi no grau maior:

3uem pôde negar a fama as lettras ao Grão-Senhor ?!...

Exalçado à eternidade pela inspiração de um gato ! ! quem jamais poderá crêl-o ! ? pois o conto é muito exacto.

Ouvi-o a certa velhinha, que das fidalgas d^aJèm^ e que sabe muita cousa que faz mal e que faz bem.

Asseguro que ella mesma me contou toda essa história; e eu muito crente nos contos, conse^^vpi este em memória.

Transmittindo-o agora mesiio á plena publicidade.

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dou prova de que n?io zombo dos aireitos da verdade.

Pago um tributo á pomada, saudando o mór pomadista^ o poeta^ andor de dramas, historiador^ romancista.

Deus Ihft annosde vida, para ser ainda maior. Eu lhe peço uma graça. Não desprese o meo amor.

Archiloco.

« ^Já leste, Jucá, a Iracema ? » <c Vale a pena ? »

« E' obra prima... » o Algum romance ? »

((-•E' um poema, lido... de baixo p'ra cima. »

<( Li três vezes o Gaácho, Achei-o três vezes chocho. » « Pois eu li-o uma vez, e achei-o três vezes três. »

Da tal Pala da Gazella eis o inrêdo verdadeiro. Cautela, leitor, cautela ! Quando a ii, perdi meo tempo ; quando a comprei, meo dinheiro.

Themisiocles,

FIM.

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0 r

das xiiatcirias contidas xi'cste voliune. >

( H, B. Ás A primeirat carias Cintinnato constituem o Vi. 1. O «nte vai apontado em cifra romana indica o número, que se esífnde dei a XX. O que vai em cifra arábica indica a pdgina da rf^ívectito número.)

Cartajs vh CiNaNNATo Fabru

1*. Poder pessoal . 1 :j

2*. Idem. Linguagem de um parlamentar I 29

2*. Anályse de um discurso. O projecto so- bre o elemento servil A escravidão. As iras.Se o projecto baixou do alto 1 51

4*. Os estrangeiros I 63

5". Anàlyse de um discurso de inierpella- ção. As dentadas. A imprensa. A estrangeirophobia. As calúmnias

do interpellante II 3

6*. Defesa de Cincinnato contra as accu-

saçõfts da interpellaçao .... Ill 6

7'. Elemento servil. As suppostas contra-

dicçoes . IV 6

8*. Arguições infundadas. Plano de estor- var a lei. Dos oradores lálariantes. V 4 9*. O projecto sobre elemento servil, no senado. As variadas providencias que a lei ainda demandará . . . VII 8

10'. A origem de certas opposições à lei.

Benefícios que d'ella resultarão. . VIII 8

II*. Defesa de Cincinnato contra as accu-

saçõed da interpellaçao. . . . XII II

12*. O interpellante convencido de cata-

vento e mercenário XIII 12

13'.— O Gaúcho. A 1' Palestra do Didrio

do Rio XVII 6

14'.— Idem. A 2-, e 3- XVIU I

Io\ A Rússia, depois da emancipação dos servos. O Brazil, depois da lei de 28 do septembro XIX 1

Cartas de Cincinnato a Semprónio [sobre o Gaúcho) .

1.— IX 7

2'.- Xi -4

3*. —O Gaúcho. As palestras do Wrfrio do Rio aIX 6 4'.— Idem XX I

V

IJaktas de Sempronio a um amigo (sobre o ííaí^çho)

i\\ 1—2*. VI 3—3'. VIÍ 1-4'. VIII l— 5'.X lO >^6\ XII 6—7'. XUl 6—8'. XIV 6. / Artu o db Sólon

Reforma^ Judiciária . 111 l

Aktioos de Junius

Eis a tribii de Levi, do partido conservador IV

A quesUJó do elemento servil.* .... VI

Asesslode 1871. XU

Tendências desorganisadoras XUl

A política especulativa XIV

A república federativa XVU

Proposta do Sr duque di Saldanha

Necessidade da associação cathólica. '. . IX 15 X 2

Discurso do Sr. visconde de Rio Branco

Eespoiáta & interpellaçao do Sr. Alencar . V 13

Artigos sIsm assignaTura

Vinte e quatro de septembro. D. Pedro I . IX l

Três de julho (poesia) IX 3

x\boliçâo da escravidão X 1

Sessão parlamentar de 1871 XI 1

Monumento a Bocage. Acta da sessão de

. 4 de junho de 1871 da commissao central XV 1 Idem idem. Artigo do Sr. Dr. Pedro Luiz

Pereira de Souza XVI l

Idem idem. Correspondência entre o Sr. A.

r. de Castilho e a camará de Setúbal. , XVI 4

Idem idem. Artigo da Vida Fluminense, . XVIU 11

Idem iáem. D.'' áfi Gazela de Setúbal. . . XVIU 13

Idem idem. Noticiário de Lisboa. , . . XX 6

Infermidades da língua XVIU 8

Artigos do Jornal o a Dhazil »

Introduccílo XIV 12

O Brazil litteràrio XIV 15

Noticiário XIV 16 XIX 16

Artigo du (cJornal do Recife

Dous discursos do conselheiro J. de Alencar Hl 121V 14

Artigo du Jornal «La Naliou

Notável discurso do Sr. Paranhos . . . VIU 14

CoNTOS), EPIGRAMMAS E MADR10AE8

De Quintiliano . ...'... XI 15 XVU 16

De Themistocles XU 16 XVU 16 XX 12

De Zero, XI lõ, 15, 15, 15, 16, 16, 16 XU 15, 15, 16, 16 C\)nto. por Archíloco XX 9

POKSUDE PlTT B BLACkSTONE

As causas aas causas . VI 12

OOESTOES DO DIA;

observações politicas e litterárias

eseriptas por yários

B

POR

j£uceo ^aená^ (umannaA.

TOMO U

RIO DE JANEIRO

TYPOORAPHU B LITHOGRAPHIA IMPARCIAL

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Adverlencia.

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Várias pessoas collaboram ii'esta publicação ; cada uma escolheu um pseudóuymo. Teado-se concordado em plena liberdade de redacção, cada signatário é moralmente responsável pelo que subscreve.

QUESTÕES DO DIA

N". 91

RIO DE JANEIRO 14 DE NOVEMBRO DE 1871.

Veode-se em casados Srs E. & H. Laemmert.— Agostinho de Freitas Gui- marães âí Comp., 26, rua do General Camará.— Praça da Constituição, Loja do canto.— Livraria Académica, Rua de S. José n. 119— Largo do Paço n. C— Rua de Gonçalves Dias n. 79. Preço 200 reis.

A sinoex^ldade das aooSes opposlolonlstas.- "

As opposiçOes, nos governos de livre discussão, para serem úteis, cumpre que sejam verdadeiras ; e para isto devem, nos seos justos fins, inlacar-se em máxi- mas, em princípios de ordem elevada, tendo somente como poncto objectivo o público bem.

As opposições, como systema assentado unicamente com o empenho de derrubarem os homens do poder, sem escolha de armas, servindo-se de todas, boas e más, com tanto que obtenham o descrédito do governo, ^sas opposições aninham em si elementos destruidores dos princípios regulares da ordem e das conveniências governativas: são opposiçOes pautadas somente por ambições mal contidas, que podem, sim, destruir, á força de suas incessantes martelladas, o edifício cons- tituidoy se conseguirem transviar a opinião; mas, com certeza, nada conseguirão recompor durável no terreno político.

Odillon Barrot, e quantos, na mesma plana, hosti- lizaram nos últimos annos, excitando as paixões popula- res,© governo do sábio e venerável Luiz Philippe, iai- putando-lhe erros, que não havia commettido, e reves- tindo de cores negras as menores faltas administrati- vas, sempre no tom de desconceito á monarchia de Julho, ficaram surpreendidos, quando viram baquear essa monarchia, que não queriam destruída, e, em aeo logar, erguer-se a república, com todos os seos demagógicos furores, que deram depois em resultado o impário.

Nas vistas do illustre Thiers, o grande orador, quando hostilizava o governo de Napoleão III, nfto

4 XXI

podia intrar o desialace que.se âeu. Adversário siste- mático do império, orleaniBta reconhecido, elle, sem dúyid», visava a substituição da ordem de cousas exis- tente por alguma outra; mas essa nao era a república; era uma nova monarchia.

Sem o presentir (fazemos-lhe essa justiça) concorreu para as grandes calamidades, que cairam sobre sua infeliz pátria; desmoronou-se o império, mas nSo o substituiu o governo que desejava.

Ninguém, tanta como elle (porque^ nenhum outro consegiuira tfto grande auctorídade na tribuna com im- portantes discursos, preparados com tanto esmero « talento), cavou a ruina do império : ninguém, tanto^ como elle, animou, affagou. as illusOes, os appetites guerreiros, e a incontinência politica do povo trancez, sempre inquieto, sempre vário, sempre ávido de novi- dades, como bem havia apreciado Júlio César nos seos commentáríos ha 19 séculos: mas intendera errada- mente o grande orador opposicionista, que sua voz teria o alcance que lhe queria dar; que poderia mode- rar 08 Ímpetos da naç&o, e guia!-os com osoccorro dos eiTos do império, atè onde (fazemos-lhe também esta jnstiçaj considerava exigil-o o bem do seo paiz, e a po- litica aa sua concepção.

Quando os homens importantes por suas posiçOes e por seos talentos se excedem nos seos meios de oppo- siçao contra o governo, auctorizam, com o seo ceusn- ravel exemplo, outros excessos, que, em suas consciên- cias, nao poderão approvar, mas contra os quaes nao se animam a protestar abertamente. E accontece que, assim coUocados em um plano inclinado, quasi sempre vao escorregando gradualmente para um terreno, que nunca poderá convir-lhes, e no qual, ou terão de sus- tentar posição falsa, ou de fazer grande esftrço para voltarem a melhor caminho.

Foi o que acconteceu ao illustre Thiers. Se fftsse po- litico tao eminente, ou menos apaixonado, como é no- tável orador, teria sabido regular a sua opposiçao ás faltas graves do império, de moio que evitasse o plano inclinado, por onde, a seo pesar sem dúvida, se sentiu resvalar.

Em politica as boas intenções nao absolvem dos grandes erros : estes somente podem, mas apenas eoo parte, ser attenuados, ou resgatados por importantes serviços, como aquelles que procura prestar actual*

KXI 5

mente A Franca humilhada o eminente chefe do poder «Kecntiyo.

Se a história dos pas^sados tempos é sempre instruc- tira, miais proveitosas devem ser para os governos é jpara os povos as licçOes dos factos contemporâneos de países que marcham na frente da civilisação do mundo.

 França, a orgulhosa, a poderosa, a gloriosa França d&-nas actualmente prova bem digna de estudo, -com as tristes e espantosas peripécias porque tem pas- sado n'estes últimos tempos.

D'onde tem nascido essa lucta continua d*aquelle nobre paiz, no redemoinho político ? Como o doente que não inrontra no leito posição que o satisfaça, procura o melhor governo, mas nenhum o contenta; e hoje está mais distanciado de socêgo po- litico, do que em qualquer outro período de sua exis- tência, visto como tudo alli actualmente é transitório. Nada aprendeu no passado: saberá agora aprender com a dolorosa licçao presente ?

A tribuna e a imprensa, grandes pliaróes da civili- sação moderna, e, antes d'elles, e com elles, aphiloso- phia que illustra,e guia o espirito humano,preparando os povos para bl^ grandes conquistas moraes no per- passar das edades, fízerara da França, não ha dúvida, iim grande paiz, nas lettras, nas artes, na riqueza,nas indústrias, na força, e na glória. * Consagrado como verdadeiro este princípio, a França tem sido ao mesmo tempo, mais que algum outro paiz do mundo civilizado, victima dos excessos, das paixões, dos erros, e da fallácia arguciosa da tribuna, da im- prensa, e da philosophia mendaz, que lhe cavaram a queda horrorosa no abysmo

Princípios exaggerados ou falsos fizeram alli pullu- lar escriptos de doctrinas perniciosas, influindo de modo deplorável sobre o characttr das turbas menos instruídas, e o geral do povo.

E este mal, que é grande na França, também se tem inoculado, e vai fazendo sequella era outros paizes ; ▼ai-se tornando um perigo de todos os dias, nos povos do anti»ro continente.

A commuiia^ que tao desastrosa se ostentou com esse desfaçamento, que surprendeu o mundo inteiro, alta- mente denuncia o relaxamento dos indispensáveis vín- -culos da sociedade humana.

6 XXI

A Internacional^ sua sócia 6 irmã. gémea, declarando guerra ao capital, ou querendo subordinal-o à bitola de uma insensata economia política, denuncia a au- sência de todo o bom senso nas numerosas classes ope- rárias de diversos paizes europêos; porque sem o capital o trabalho não pode ser fundado ; e se não ha capital que anime o trabalho, este não pôde existir; e, se não ha trabalho, o povo fenece na miséria.

A sociedade, em suas condições de ser, nos elos que a

f>rendem em laços necessários, pôde manter-se regu- ar com essa harmonia que resulta da reunião das for- ças de cada um, e com a troca dos serviços e auxílios de todos entre si.

Os lavores não podem ser eguaes, porque as aptidões differem, e umas são mais lucrativas do que outras ! A actividade individual e a intelligencia nao são egua- ladas pela natureza.

Uns nascem com propensão para o commércio; outros para as artes ; outros para tal ou tal industria.

Este têm queda para a poesia ; aquelle para a pin- tura : uns para as sciencias e estudos superiores, e outros para a lavoura ; e assim por deante.

Ora o que é certo é que todas as classes dependem umas das outras, as ricas como as pobres ; e d'ahi essa harmonia que fortifica a todos, arapajando-se, com o^ secs meios uns aos outros no interesse commum e geral.

A communa inspirou-se nas idéas perniciosas de es- criptores sem consciência, que empregaram e empre- gam o talento em especular sobre os ânimos da mul- tidão, qUe sonha venturas, acceitando taes doctrinas.

São despresiveis especuladores, que merecem o aná- thema da sociedade.

Mas não são somente os que assim tão baixa e peri- gosamente especulam com o povo os que devemos con- demnar.

Os demolidores políticos, que se arvoram em de- fensores de princípios que ninguém ataca, o inventam, a seo bel prazer, factos que adulteram, ou os desfigu- ram, mentindo á consciência do dever de bons cida- dãos, são justamente merecedores da expnibraçao geral.

No nosso paiz, se não ha apóstolos do communismo, nem filiados da Internacional, ha certos regeneradores da sociedade política brazileira, que estão de continuo

XXI 7

a insinar idéas contrárias à ordem politica existente, como salvatério^ que trará ao paiz uma edade de ouro.

Em outra linha de combatentes, ha muitos que in- tendem despender bem toda a sua actividade intel- lectual, e fazer justa applicação do seo patriotismo, atiçando o fogo sagrado da liberdade com uma oppo- siçâo constante aos actos do governo, e mais ainda, se taes actos têm cunho conspícuo na ordem administra- tiva.

Ora das folhas opposicionistas o governo não pôde esperar louvores ; mas entre o louvor de que prescinde e a censura baseada em falsa appreciaç&o, ha grande distancia.

Esta politica de verdadeira personalidade podia bem ser substituida por outra mais elevada, eque justamente o paiz agradeceria, occupando-se as folhas opposicio- nistas das muitas necessidades de ordem industrial e económica, e também de várias leis administrativas, no interesse da boa governança do Estado.

A licçao das desgraças estranhas, a experiência do- lorosa dos outros paizes n9o lhes insina o perigo das talsas idéas, e das ambições incontinentes ?

Dar-se-ha caso que nunca se po.ssa, ou se queira aprender nos males alheios ?

Triste obcecaçao da raça humana!... muitas vezes nem a experiência própria, por dolorosa que seja, serve de correctivo, e evita a repetição dos erros !...

Como amigo sincero da nossa pátria, sempre con- demnaremos a política regulada pelos interesses mo- veis e egoístas das facções.

JUNIUS.

Oarta

DE CINCINNATO A SEMPRÒNIO.

Rio, 9 de novembro de 1871.

Respeitável Semprónio.

Tenho a stulta manha de muitas vezes discursar de alhos quando se tracta de bugalhos ; e se me cai a talho de fouce uma leitura que me quadra, transcrevo logo, embora venha despropositada; e comod'istojá agora me nfto emendo, porque quem torto nasce, tarde ou nunca se indireita, vai uma das taes leituras, sem atilho nem vencilho.

Celebrava-se antigamente em algumas egrejas do Norte, por £ns de dezembro, uma ie^t^ denominada Libertas decemjbrka^ ou, mais commupaojiante, do Papa fytuorum. Np tempo dos officios divinos, saiam da ca* tliedral os clérigos emmascarados, ou em trajos mu* llieris, ou vestidos de bQbus e chocarreiros, dançapdo saltando e correndo, qom grandes alaridos. Junctos jQo choro, can^vam cftntigas deshonestas, faziam dos altares mesas, com grandes comesanas e galhofas, dei- tavam solas de chichellos nos thuribulos, e com fétido luuio incensavam as paredes, e com outras sacrílegas ep^travjagancias, procediam & eleição do seo Poutifíce, que tinha por titulo O Papa dos fátuos. Foi conti- nuando este b&rbaro escândalo, até que, em 1444, os theólogos da faculdade de Paris, com a circular que dirigiram aos prelados de França, e que depois foi ]àada á luz por João Savaro, extinguiram a festa do Pçipa fatuorum. Fizeram muito bem, e estou conven- cido de que nunca mais se rastabelecerà o ridículo pro- topapado.

Emfim, deixemos os assombrosos costumes da edade média, tão outros dos actus^s, e continuemos a nossa pr&tica litterária.

Uma folha d'esta capital, de aspirações adeantadis- simas, ao orbe intellectual a fausta notícia de que ás suas columnas coube a glória de serem escolhidas para uma nova brilhatura romaatica do Sr. José d'A- lencar, o conservador. Hade chamar-se-lhe.. O TU I e justificar a qualificação, dada ao seo auctor, de chefe da litteratura brazileira. Podes imaginar com que an- ciedade é esperado o novo parto da fecunda musa,para glória nacional, orgulho e desvaiíecimento (da pá- tria [sic).

E para matar o tempo, que tão moroso se espre- guiça até á chegada do apregoado Messias, vamos con- tinuando a examinar, com profundo respeito, a ele- gante defesa que Senio publica, de si mesmo, pela voz do seo confrade V., nas Palestras áo Diário. Segue- se a 4'. :

§ 7.** As citações erradas.

A primeira cousa que me chama a atteução são as duas citações, portugueza e latina, por onde a vasta erudição do meo indómito contendor começa desde logo .a patentear-se : patuit dea I

JXL 9

temos observado quão competente é Seaio na... lioguagem enérgica : ora as accumulaçoes estão pro- Mbidas, e um homem, por mais admirável que nos pareça, nao pôde ser omnisciente. As orelhas do porta- voz de Senio, quaesquer que suas dimensões sejam, -está visto que tem mal collocados os anfractos e emi- nências do seo helix e anthelix : são antípodas da har- monia métrica, e sou eu o primeiro que pugno pela coherencia do meo nobre adversário, ao menos n'este poncto: nunca emprega u ma citação, em idioma al- gum, que a não estropie radicalmente ; e tão feliz é na solução d'e3te problema, que, se Herodes tivesse sido egualmente severo em não poupar um innocen- te, o menino Jesus não houvera escapadq ao tetrarcha da Judéa! Ora eis-aqui citações feitas pelo bom do Senio n'estas Palestras. Em latim, diz elle :

SiccstidcB MusoB, paulo majora canamus. Devia escrever :

Sicelides Musob, paulo majora canamus ( Virg. Egl. 4) E até no macarróníco erra, pondo :

Pfós quoquegens samus, et cavalgara sabemus. (Palito) E n'outro íogar, trazido como Pilatos ao credo:

... trensversis tiientibus hircis, leia-se :

... transversa tuentibus hircis (Virg. Egl. 3) Em france/. erra os versos da Racine, di-^endo : CependaiU^ sur le dos de la píaine huinide, s^élève à g^oss bouillons une montugne liquide^ quando o que o harmonioso vate escreveu, foi ( como notei )

Cependant, sa^ le dos de In plaina liquide s^éUve à gros í^uillons une montagne humide. Mas quH arimira se as orelhas e o sentido, nem se- quer em portuguez o ajudam ! E' assim que cita uma quadra, que é da 3*. carta do Toleutino (ao cabellei- reiro) as.^im .*

Mil vezes travessas musas da obra o desviam ; e, mostrando -lhe o tincteiro, pós e banhas lhe escondiam,

quando no 4" verso a palavra é no singular, banha; e o 2*. é :

da baixa obra o Jesviam

^tc. etc. Nem assombra que imagine serem tudo

J -ii llj.l

10 XXI

aquillo versos, quem desde a 1". Palestra se mostrou tao intelligente d'elles, que a terminou por estes dous, nao de ane menor, mas de arte mínima :

Cobre o rosto ^ Lusitânia I Querem fazer de ti Lapónia I

E nao te ponhas tu agora a imaginar serem tudo isto innocentes incúrias typcgráphicas, como vais ver. Tendo no Jonial do Commercio^ do dia 19 de octubro, apparecido um artigo, cujo auctor te dou minha pa- lavra que ainda hoje ignoro quem seja, e em que o Sr. V. é posto no seo logar, saiu-se este critico, logo no dia seguinte, com uma Palestra avulsa^ em resposta, onde se o seguinte :

Ora pillulal e eu nao ia tomando ao sério este sub- « jeito que fala em estropeari vejam como citou o « lindo verso de Camões ! Em vez de

« Ohl tu que tens de humano o gesto e o peito « estropea-o d'esta forma :

a Ohl tu quede humano tens o gesto e o ptUo.)>

Perdeu portanto todo o direito de escudar-se com os typógraphos em suas citações, quem, depois de ter commettido todos aquelles erros, sem os emendar, e nem sequer dar por isso, se appresenta inexorável contra um erro análogo de terceiro (que talvez tivesse em vista fazer-lhe o epigramma de imital-o). E' lei da natureza que eu padeça o mesmo que eu fiz padecer a outro; é o que os Rabbinos denominavam Talião idên- tico ou pyíhagórico; ao da lettra: é a applicacao do Levitico : « Quòd si quis intulerit corporis vitiuni pró- ximo suo, quemadmodum fecit, sic fiat ei: fractura pro factura, oculus pro óculo, dens pro dente ete. »

« E UM CHARLATÃO DE TAL JAEZ METTIDO A CRÍTICO I)>

( Phrase nao minha, mas com que este mesmo ve- nerando Sr. V. devida e charidosamente síí dignou flagellar-me).

§ 8°. A ambula immensa tem duas faces convexas : o mar e o cèo.

A's vezes hesito quasi na paternidade das Palestras : sao ellas de Senio, ou de algum figadal inimigo seo ? Quando uma vez se teve a infelicidade de atirar ao papel phrases assiai, o único arbítrio prudentíí ê con- tinuar no anterior syste ma: esmagar os censores com o silencio do mais soberano desprêso ; d'esse modo ha certa coherencia com uma phrase que ouvidos fidedig-

XXI u

nos attribuem a Senio: « Eu minca leio o que se escreve, em mal^ de mim, » Ha nestas baforadas seo quê de pantafaçudo, mas lambeu de habilissimo. Agora sus- tentar polémica sobre evidencias d*estas f trazer o ite^^m' Chrispinus para uma causa perdida ! fazer do sambenito galla ! é manifestamente zombar do bom senso público. E com que vem Senio á praça ? ouça- mol-o, supprimindo sempre as phrases mais ascosas^ mas conservando toda apossança' da alta argumen- tação:

« E' claro que o auctor observa esse orbe do lado « de fora ; e comparando ( o que *? ) com uma immensa a ambula, imagina suas faces exteriormente, e portanto « convexas. »

Que defesa esta, sancto Deus ! Ignorar o que seja convexidade pôde denotar. . .isto ou aquillo,mas nao está condemnado pelo Código Penal nem pela cartilha da Padre Ignacio. Agora o que dos Códigos Penaes passa para os Moraes são as circumstancias aggravantos que n'este caso se dao de ter o delinquente reincidido em delícto da mesma natureza ser impellido por motivo reprovado dar-se a premeditaçao haver procedido cora fraude ter precedido ajuste entre 2 indivíduos para o fim de commetter-se o crime.

Ora pois, como quem nao pôde, trapaceia, eis-aqui como, ( aiuda assim para se sair com tão melancólica apologia '• Senio obrou: havia elle escripto no Go/úcho (p. 2):

« No seio das ondas, o nauta sente-se isolado ; é « átomo involto numa dobra do infinito. A ámbula « immensa tem duas faces convexas, o maré o céo »

Desenvolve o aspecto do mar e do céo, vistos pelo nauta, com o intuito de appresentar a ccmtraposição do chão e da atmosphera que em seguida pinta, vistos pelo viandante ua savana.

Então quem observa o mar e o céo ? é o. auctor ou é o nauta ?

E ha mais : Para se livrar do absurdo que se lhe pa- tenteou, cai nesta coarctada, e agora em absurdo ainda maior. CoUoca o observador-auctor da parle de fora das duas faces convexas, isto é, para alem do mar, para aleui do céo, para alem do infinito ! De esse divino Ivuce entre o qual e o nosso mar se interpõe milhões de milhões de léguas e de astros, divisa distinctamente Lão o nosso planeta, que nem em forma de nebulosa

12 XXI

lhe seria dado inxergar, e em vez de lubrigar dis- tinguiria nelle clarameute a parte equórea, e reconhe- <^eria manifestamente a sua lorma convexa ! Habilida* des ! Mas o que maior habilidade seria ainda, é a se- g-unda parte. Onde collocaria o auctor o seo observatório de alem-universo, para vir dar à humanidade a incrivel uoticia 1°. de que ha um logarfóra do infinito e das ^uas dobras, 2**. que o universo, visto d'esse logar, é convexo ?

Eis os despropósitos a que nos levam emendas fal- sas, e que ainda assim hcam peiores que o soneto.

Deixemo-nos de novas tricas e alicantinas, geradoras de ainda mais estupendos disparates, é o nauta quem, no Gaúcho, as duas convexidades, asquaes constituem . . .uma perspectiva concava,outra horizontal!

Todavia parece, quanto a estas apparencias ópticas, que ha mares e mares, e agora scei que nas viagens, por ex. até Macahé, a vista é outra, pois me ensina o Sr. V. como a cousa é.

Pergunta em que díccionário pesquei o termo hori- zontalidade^ e tenho a honra de responder-lhe que no diccionario das Necessidades e do senso commura. «Quando a lingua me ensina que a parte internado uma esphera oca constitue uma concavidade e a externa uma convexidade ye^tk-me auctorizando a chamar hori- zonlalidade[^OT nao se poder dar a idéa senão por longa periphrase)a parte superior de uma linha que se cruza em angulo recto com a vertical. Venhamos porém ao que importa, qu^. não é a minha vernaculidade, visto como todas as minhas pessoaes sabenças entrego eu, semphiláucias,ao braço secular de Senioá C. ,soberanoi5 senhores, dominadores e únicos introductores e bele- guins de todosos neologismos passados, presentes e futuros. DizV :

« Basta ter embarcado para se saber que se aíRgura <( a quem está no mar achar-se dentro de uma esphera; (( porque o horizonte visual não é como o horizonte « matliemàtico, perpendicular ao diâmetro da teri-a. w

Este porque é uma espécie de ergo rosas, porqxte nunca tal consequência poderia conter-se era simi- ihante principio, mas ronca bem, e representa a fun- dura dos conhecimentos mathemáticos do DoUore En- ciclopédico chiamato signor Se)tio, Mas peço ao nosso Newton se digne instruir-me sobre a sua curiosa de- iiuição, dissipando as dúvidas originadas da minha

XXI t^

i&ópia. O hori^íonte imaginário, que os astrónomos de- nominam racional ou geocêntrico^ será acaso uma linha que se suppOe passar pelo centro da terra, dividindo a esphera em duas metades, mas parallela ao ho- rizonte astronómico *? e este horizonte nao é o plano tangente ao logar oftde o espectador se acha ? §e to- dos os pontos do globo podem por tanto ser o ele- mento variabilíssimo do cálculo db horizonte geocên- trico, como é que o preclaro professor do observatório do infinito não nesse horizonte senfto perpétua per-

gindicular ao diâmetro da terra 1 e também se não* ra receio de infadar, quizera aprender se a tal linha é perpendicular ao diâmetro ou ao contrário perpen- dicular ao eixo da terra, pois me parece que para tudo.

resta por tanto, independentemente dosscienti- ficos porquês ^ a certeza de que o olho de quem viajA até Macahé persuade o nauta de que sulca o centro de uma esphera, a qual se compõe, se vê, de uma abóbada que vai para cima, denominada firmamento, ejà se sabe, para symetria, de outra egu ai concavi- dade para baixo que profunda alé ás profundas, fican- do necessariamente o nauta em situação dolorosa e vertiginosa, com risco de dar um trambolhão por allí abaixo, mais perigoso que o que no S. Luiz deram un& meninos no Mundo ds avessai. Eu, como nunca via- jei senão até Nictheroy, tinha tão ridículo olho que toda a água me parecia horizontal, e pôr-me-hia a rir de quem me quizesse persuadir de que se lhe afigura- va estar collocado no centro de uma esphera. Mas quem sabe, sabe.

Completam-se as amabilidades com a explicação da âmbtila. Diz V : « Confunde âmbnla (vaso sagrado e de bocca estreita e sem gargalo) com um frasco, que chamaram também âmbula os antigos, pela simi- Ihaaça de bojo. Com que sonhas, porco*? com a bo- lota etc. y>

Eu, verdade seja, tenho enorme queda para os li-

anores espirituosos, e rara ó a semana em que não vou ar com os ossos no xadrez da policia ; mas isso não tira que o termo âtnbula não signifique um vaso de vidro ou cristal, com maior ou menor bôcca ou gar- galo ; e o applicar-se o vocábulo ao receptáculo do santo chrisma ou do óleo com que os reis de França se ungiam etc. em nada lhe altera a significação.

16 xxr

passo na vida das reformas, é sempre o primeiro a der* ramar as águas do baptismo sobre a institaiçao,o prin- cipio que ha de nascer para a nova vida social. Com<> consequência d'esta verdade, toúa a homenagem ao- progresso da civilisação e da scieneia acham sempre n'elle o mais ardente partidário.

Por tudo isto brilham para D. Pedro as horas formosai de alegria e satisfacção que muitos soberano» da Europa invejariam para si ao contemplar o enthu- siasmo com que tem sido acolhido o sábio, modesto e virtuoso guarda da liberdade de um povo no mais am- plo gõso de uma existência próspera etranquilla.

Se olharmos para o Mexico;se examinarmos como em quasi toda a América vai plantado o systema queWas- nington legou aos yankees; se lançarmos um lançar de olhos do Prata ao Pacifico, ha de o coração confranger- se-nos ao ver tanta discórdia intima alterando de con** tinuo a paz das familias; e o homem observador, acy folhear a nistoria contemporânea da América, fixando toda a sua attenç&o nas páginas que tao ricos exem- plos offerecem á humanidade, e ao referir- se ao Brasil, dirá espontaneamente : Eis o paiz mais feliz da terra? : eis onde o império é paz, porque o chefe do e^adò é o primeiro cidadão da nação, pela religião do dever e da honra. [Brasil^ jornal de Lisboa).

NOTICIÁRIO.

Pantheon MARANHENSE. O cxmo. sr.dr.Antonio Hen- ríques Leal, distincto maranhense e muito considerado na república das lettras, vai publicar uma obra com o titulo doesta noticia.

Constará esta obra de três volumes em 8®. grande, contendo as biographias dos maranhenses fallecidos que honraram a província pelos seos escriptos, e pelos seos serviços á pátria, entre os quaes Odorico Mendes, Gonçalves Dias, Sotero dos Reis, Lisboa, dr. Joaquim Gomes de Souza, barão do Pindaré, Jos^ Cândido de Moraes e Silva (Pharol), brigadeiro Falcflo, senador Franco de Sá, Trajano G. de Carvalho, António Fran- cisco de etc.

Portugal que se ufana de ter em seo seio este dis^ tincto ornamento da litteratura, applaude também a notícia e espera ancioso por este trabalho, que hade de- certo ser digno do tao respeitável nome do sr. dr. Leal, (Idem).

QUESTÕES DO DIA

]sr. 22

RIO DE JANEIRO 24 DE NOVEMBRO DE 1871.

VeDde-M em casa dos Srs E. & H. Laemmert.— Agostinho de Freitas Gui- ■aries & Comp., 26, rua do General Gamara.— Praça da Constituição, Lqjado canto.— Livraria Académica, Rua de S. José n. 119 ^ Largo do Paço n. C.— Rua de Gonçalves Dias n. 79. Preço 200 reis.

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A Repiil>lloa e os estudantes.

I

Quem (mmr, sem maior reflexão, os echos de certo s órgãos da imprensa brazileira,accreditará que o her- pe lento da corrupção, lavrando surdamente pelo or- ganismo social, tem invenenado as fontes da vida a esta grande e poderosa nação, anniquilando n'ella todos 08 princípios de ordem, todas as ideas do honesto, todas as aspirações de liberdade e justiça.

«A ineptidão, a ignorância e a immoralidade ( brada um ) mcarnam-se hoje nos altos funccioná- rios do Estado, que são os depositários do poder e os directores da suprema administração. Nuilida- des, que nunca sonharam surgir da sombra, a que estavam condemnadas ; espíritos mesquinhos e ta- canhos, cujo horizonte intellectual é tão acanhado como o do campanário em que nasceram, sentam- se hoje nos conselhos da coroa. Incapazes de com- prehender ( quanto mais de desempenhar) a mis- são árdua e sublime de dirigir os destinos de um povo nobre e generoso, imprimindo-lhe a direcção aue reclama o espirito do século, servem somente ae rémoras animadas ao progresso e desinvolvi- mento d'esta parte da livre América, que recebeu e aperfeiçoou o legado de civilisação do velho mundo, a quem ha de,em breve, substituir nocyclo do processo humanitário. )>

«A monarchia (acode outro) é uma instituição caduca e anachrónica, que se esboroa e desfaz em

u

XXII

I á luz das modernas idéas, como ao contacto do

Par se dissolve o cadáver incerrado ha séculos na

catacumba. A realeza adoração de um fetiche,

fenuflexão a um symbolo illusório não está era armonia com o estado de perfeição da actual so- ciedade. E' a essa obsoleta e caduca forma de go- verno ; é a essa ficção ridícula e incompatível com a dignidade humana, que torna sagrado e infallivel fc^um nomem, collocando-o n'uma esphera superior fás fraquezas communs de seos similhantes; é a fessa mascarada ignóbil e truanesca que deve o Brazil I arrastrar^e ainda hoje na retaguarda do progresso, Lmiando outras nações menos favorecidas da Provi- Idencia, mas em cujo seio germinou e deu sasona- Idos fruclos a semente plantada por Washington e Franklin no Novo Mundo, occupam logar de honra o mappa dos povos cultos. » E em seguida a tão estranhas tbeorias, concluem b^os raptos declamatórios com o estribilho força- ■do: « Uetirae-vos do poder, toupeiras; deixae que as águias, únicas que podem incarar de frente o sol das excelsas regiões, pousem em penelraes das régias olympicas ; em vossas mãos, inexpertos Phae- tontes. afrouxam-se os bridões á quadriga do sol, e o carro vai ás tontas errando pelo espaço, até que tombe em terra, levando comsigo oincendioca devastação.

Mas para que o bom senso público, único juizo ampetente e irrecorrível, recebesse o libello ac- -cusatório e os artigos de preferencia, appresen- tados pelos apó^toIus das novas idéas, fora de mister que um e outros viessem acompanhados de provas concludentes e irrecusáveis.

Cumpria, antes de tudo. pôr em relíívo e levará luz da evidencia a falta de habilitações dos Pali- nuros que empunham o timão ao leme da nau do Estado.

Imputações de lál gravidade não são accreditadas pelo simples enunciado. Ciíae os factos I aponctae os erros f descarnae as misérias da alta adminis- tração I e a nação inteira vos será grata por haver-

XXII 19

des arrancado ás gralhas as pennas do pavão, e reduzido a suas reaes proporções os pigmeos, que tentam inculcar-se gigantes, subindo em andas de taquara. Eia, senhores da imprensa regeneradora ; despi os histriões de seos ouropéis e lentejoulas ; desfazei os embustes dos prestidigitadores, e ex-

Sonde^os á apupada da praça pública na sua ver- adeira nudez.

Mas não é este o systema, que haveis adoptado. Vossas ousadas asserções vêm sempre á luz da pu- filicidade desaccompanhadas de demonstração, sem apparencias de verdade, e até sem visos de plausibi- lidade. Abris o vocabulário das ir^júrias, escolheis n*elle os mais ferinos doestos, os mais affrontosos insultos e os arrojais a mãos cheias contra os re- presentantes do poder, que tem direito, senão a vosso respeito e deferência, ao menos á corteziá,

3ue se devem mutuamente os homens bem educa- os.

E, quando desfeita, ao sopro da anályse, a volu- mosa bolha de sabão da vossa objurgatória, o que se vê? Nada, alem de mera declamação; naua, alem de factos appreciados sob o prisma de falsos princípios e desfigurados pela vontade e por inexactas informações.

E quereis que sobre tão frágeis alicerces firme a opinião pública um veredictnm condemnatório con- tra eminentes cidadãos, cuja primeira virtude é acceitar o poder, n'uin paiz em que se cospe a saliva da injúria e o veneno da calúmuia contra os aue assim alcançam a confiança da coroa e do pana- mento ?

A opinião pública, que pretendeis embalde des- vairar e illuair, recusa aahesào e cerra ouvidos á vossa abstrusa propaganda, que tende a desmora- lizar tudo o que ainda merece o respeito e a vene- ração do mundo.

Elia não acceila sem prévio e rigoroso examo, sem escrupulosa e accurada investigação de causa, ossas sentenças proferidas por vós em processos raal instruidos e documentados, e com os quaes jul-

ao XXII

gais na vossa apaixonada mente aue apagastes os nomes de vossas victimas do rol dos cidadãos be- neméritos. Nâo ! Titulos de benemerência e apti- dão, diplomas de incapacidade ou de ignorância não são os que arvoram o estandarte da anarchla e da dissolução social que os podem distribuir.

E, reconvindo justamente contra vós, pergun- ta-vos a e recta consciência da sociedade : Quem sois vós ? D'onde vindes ? Que documentos comprovam a vossa capacidade intellectual , os vastos conhecimentos administrativos e litterários que alardeais ? Quaes os homens competentes, que vos decerniram o bastão de juizes dos que manu- seiam as rédeas da suprema administração ? Que provas de moralidade» que testimunhos de bom senso e de independência abonam o vosso passado e dão arrhas pelo vosso presente ?

O silencio da vaidade confundida responde a taes interrogações; a desconfiança olha de revez para essas typographias, que se improvisam, e para alguns d'esses redactores, que n*ellas tumultuam» quaes inxames de ephémeras, e cujos nomes, apenas conhecidos em circulo limitadissimo , ainda não resoáram aos ouvidos de seos conci- dadãos como reveladores de um rasgo de civismo ou do mínimo serviço prestado á pátria.

E a voz da verdade, echoando da consciência da sociedade, brada pujante e imparcial :

« Não ! Carecem de base, ou não são bem apreciados os factos arguidos aos actuaes chefes do poder executivo, que, unicamente por dedica- ção á pátria, exercem o ingrato, bem que hon- roso cargo a que os chamaram o eleitor dos minis- tros e os próceres da Nação.

« Não 1 os egrégios cidadãos, que vós amarrais ao poste da diffa mação, não são nuUidades philaa- ciosas, que subi. sem ás altas posições por mero acaso ou por outra influencia, diversa da que le- gitimamente lhes dão. o seo merecimento e rele^ vantes serviços ô causa pública. A Nação sabe devidamente aquilatar os sacrificios, que para ser-

TÍl-a fazem esses seos filhos, e não será a opinião peita de umpugiUo de ambiciosos, que lhe apa- H no peilo o sentimento de gratidão. < Nâo I A Monarchia no Brasil nào é rémora do progresso; é sim condição essencial do desin- volnmento d'esta nova terra de promissão; a rea- Uza não é instituição anachróhica e em deshar- inonia com o estado de civilisação do Brasil é a íórma de governo, que convém ú Índole Teste povo, e a cuja protectora sombra têm pros- perado as suas libérrimas instituições ; não é um etUhe. superstição ridicula, ou symbolo iUusório, que offenda a dignidade do homem ; 6 sim a sal- vaguarda de nossa liberdade, a égide de nossa Bonstituiçào politica, a acção benéfica, o influxo alnlarde nossa vida social.»

Os í|utí condemnam a monarchia como eraba- Bço ao livre caminhar d'este gigante do Novo Hnndo, que em breve ha de formara syntheseda ci- nlisação do continente Sul-.\.mericano, são acco- Diidos pela parte sensata da população (a quasi lolalidade dos brasileiros) com o mesmo surriso de incredulidade, que fez abortar no berço as Iheorias da moderna eschola racionalista, quando ^tr^TU que o estado de progresso do género hu- mano demandava uma religião mais perfeita que o actual catholicismo !

Quem. por conseguinte, ouvir, reflectindo, os fechos d'e3ses órgãos da imprensa brasileira, que ^^ tornaram vehiculos das reprovadas doclrinas ue consubstanciamos, não julgará que as bases i sociedade estejam abaladas, e que marchamos _ ira a anarchia c para a revolução; sentirá antes confranger-se-lhn o coração, por ver que al- guns talentos escolhidos, que podiam dedicar-se ova brilho a definir e propagar os verdadeiros princí- ãos. se desvairam pelo matagal emmaranhado de heorias sem filiação, imitando a voz que clamava to deserto, porque não terão força para abalar, Kmdeleve, em seo pedestal a monarchia. inraizada 1 fonição e no espirito dos brasileiros, nem para

22 XXII

mareara reputação illibada dosintegérrimoseillu»- trados cidadãos que se senlam nos conselhos da coroa, e que nas bênçãos dos brasileiros incootraitt recompensa ás provações por que estio passando. Pompeo. (Continua.)

I*r*lmelra oarta.

MUCrO SCCEVOLA A QUINTO CINCINNATO. Rei operam dabo.

Honrado cidadflo romano. Tenha accompanhado os vossos admiráveis escriptos, e iiSo sei o qiirj inai» poâaa maravilhar, se a dicçilo majestosa com que tão hem sabeis sustentar a fidalguia da língua tão malbaratada

Sor bofarinheiros, se a lóg:ica irresistivel com que an- ais patenteando a luz da verdade, escondida nos ecli- pses de despeitos desarrasoados, que barafustam por andurríaes e se somem nos sorvedouros subtwrfi- neos. {•)

Um célebre Basílio Valentim, imaginou uma en- tidade a que deu o nome de íl.hcheo. Paracelso e I Van Hei moul, agarraram este Sr. archéo e responsabili- saram-uQ por todos os phenómenos da economia viva. I Leibiiitz creou a sua harmonia pre^tabeháda: a inglês , Cudworth, líi forjou o seo viedindor plástico; e oa philósophos modernos, não menos opulentos de ima- ginação, e nao menos vi.sionàrios que seos anteces- sores, andaram procurando com seos mystérios caba- lísticos a pedra philosophal, e U nas suas elucubra- ções, à força do muito doudejar, crearam.... o poder pessoal, e fizeram d'este mylho o -■=«) archéo e o seo mediador plástico; fazendo d'e8te gigante da aUm- pada maravithusa de Aladino o editor responsável de tudo que de máo accontecia por este mundo sub- lunar.

Vós, Cincinnaio meo, fostes o Hércules da mytholo- gia, que entre os vossos doze trabalhos esmagastes estg

notável escripto de uma brilhantíssima penna. Esta conai- peraçio venceu a primeira, cuja fdrça aliás nío denco- alieiemos.

IXIJ 23

novo leão da Neméa, nascido aqui n^esta nossa terra, onde está ainda tudo, muito por fazer, e onde o mecha- nismo d'eâta cousa chamada liberdade, ou como melhor nome haja, est& ainda muito por compreender. Ora, depois da explanação larga e longa de vossas magni- ficas theses de direito constitucional ; depois da argu- mentação esplendida e concludente dos embargos com . Que viestes áquelle libello do poder pcissoalj era multo ae esperar-se a contrariedade cathegórica e na altura dos principies tao logicamente postos. Pois, nada d'isso aconteceu : acastellaram-se na taciturnidade do surdo-mudoy e, como este desherdado da palavra, responderam com visagens e tregeitos que os afearam, o que lhes deslustrou e anniquilou de uma vez o seo malfpdado invento do mediador plástico^ tao mal ca- bido em cousas sérias.

Ora, meo estimável Cincinnato, vós que sois homem da roça, como eu, que vivo pelos desertos d'esta Thebaida, sabeis que, à falta de convivência, a mór parte das vezes, em se acabando o ser&o fica um ho* mem sem nada que fazer ; ainda quem tem livros, 1& vai matando o tempo o melhor que pôde, mas quem nfto os tem, como eu, nada faz ; tenho aqui sobre uma tulha o Lundrio perpétuo^ o Fios Sanctorum e uma collecçSlo de folhinhas do Laemmertj tudo lido e re- lido ; mas tenho um vizinho, que faz divisa pelo rumo, e»se recebe os jornaes da côrte^ de 5 em 5 dias, e emprestá-m'os para que eu depois lhe conte o que n'elles vem; com. esta espécie de contracto synalla- gm&tico dou-me bem, porque estou i)*essas horas mais feliz, que os sonhadores de repúblicas. Leio-os detida e pausadamente, como quem tem de repetir a licçao de cór, e nas horas de folga ponho-me a scismar em todo esse descalabro que vai pelo mundo velho e pelo mundo novo e que também se reílecie com um arremedosinho n'este nosso torrão, tao feito para a paz e para a vida plácida e abastada.

Dá-me muito que pensar esse vozear descompassado que por ahi vai, dos que gritam : liberdade e mais uberdade I queremos liberdade ! 1 1 Então, digo entre mim: ou nós n&o temos a mesma noção d'este vocábulo, ou vós não sabeis o que quereis e o porque gritais. Vás dizeis, que viveis tyrannicameute opprimidos: em coacção permanente; que se vos tolhem os vossos di- reitos; dizeis tudo isto e o mais que vos apraz dizer; eis

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ahi a prova pleua e ÍQconcusda da illimítada e dema- siada liberdade de que gozais. Fazeis comicíos e a'elles aao grita quem nlo tem bofes para tanlo; escreveis deãcabelladamente, na explosão do despeito e da cbólera, quauto vos ua gaaa;expoiideâ tabolelas auuuuciando a república ; desacatais o elemento r^íligios'», e o chefe supremo do Estado; desauctorisais e atFrontais com os epilhelos mais deprimentes aos mais nobres ca- _ racteres, aos mais conspícuos e prestantes cidadãos do vosso paiz; préguis doctriaas altaineiile heterodoxas e subversivas; e idea em paz repousar das fadigas e co- lher oa louros de vossos tWumphos declamatórios, e no dia seguinte ides continuar a vossa ladainha de todos os dias. Agora dizei-me francamente, vós, cavalteiros andantes d'eata inglória cruzada! pôde haver maior somma de liberdade 1 qual é o paiz do mundo em que ella é mais ampla, mais largamente concedida, mais usada e mais abusada f

Se no vosso sonhado regimen republicano, alguém ousasse levantar o grito Viva o rei qual seria a sorte d'essemal aventurado? a mesma que tiveram mi- lhares de suspeito.-^, apenas, de idéas de ordem, ua re- publicaníssima convenção nacional, no México, na república <le Prim e de Topete, na república do Para- guay, que também era república, nas repúblicas do Prata, onde se assassinam os chr-fes dos Estados em pleno dia no meio das ruas, e onde se dilaceram os filhos da mesma terra com guerras fratricidas que nAo teem fim, e em toda parte onde o espírito revolucionário tem podido assenhorear -se e derrocar o império da lei, da ordem e do bem estar; porque emfim os taes republi- canos representam a fábula de Saturno : quaudo u&o podem mais nivelar os mais altos, pelo pescoço, come- çam a devorar-se uns aos outros, e cauçados il'esta he- catombe, desingauados pela improcedência prática de suas utopias, intregam-se de braços cruzados ao pri- meiro que lhes parece que tem juizo para os governar. Se incontram um Carlos II, vai tudo mal, porque nao é este o espirito recto, enérgico e forte para tirar da voragem, da subversão e dos destroços a ordem, a mo- Talidade e o acatamento ás instituições que se fundam no bom senso e que asseguram a inviolabilidade dos direitos de cada um; se incontram um Napoleão 1, tudo ressurge das trevas, tudo se alumia com luz espleo- dida; o paiz prostrado, exangue, invilecido e coberto

XXII 35

de minas reconquista nome, honra, glória e admira- -çao, porque n'eâte ha o génio creador, a elevação do espirito ao apogêo das concepções grandiosas; ha em summa o homem moldado e destinado por Deus para levantar pelos cabellos uma nação a quem a ferocidade sanguinária dos utopistas havia precipitado no abysmo das abjecções e do aviltamento.

Paro hoje por aqui, meo bom Cincinnato, nao posso ir adeante com o turbilhão de pensamentos que me suggere o scismar no descalabro que vai por esse mundo, que Deus em sua infinita sabedoria creon com tantas leis q^ue o regem e o dirigem, e que os homens •em seo desatmo andam a ver se podem fazer voltar ao chãos d'onde sairá, pela bondade infinita do Omni- potente.

Até outra vez.

O vosso ex-corde

MUCIO ScdVOLA..

Deolma sejcta oai^ta

DO ROCEIRO CINCINNATO AO CIDADÃO FABRÍCIO

Inappreciavel amigo*

Ja me tarda que acabes esses teos negócios na invejosa e monopolisadora Pindamonhangaba ; e até se me afl5.gura que se nao voltas breve, abalo por esses mares e terras, e dou comigo na supradicta cuja.

Comptas-me a grande figura que por ahi tens feito, o que n&o me admira, pois conheço os teos talentos, e por mim scei que quando nós na roça recebemos um figurfto da corte, esmeràmo-nos por agradar-lhe, e provar que também somos gente e avaliámos o qne ^bom.

Entre as tuas tribulações porém, narras-me a da per- seguição dos albumSf e dizes que te anda o bestunto em polvorosa, á cata de ideas miríficas e magniloquas,

Jara dar vasAo a 1798 albums que ahi tens por cima as cadeiras e do soalho, denunciantes da curiosidade intellectual d'essas damas e cavalheiros, n'uma área de 14 léguas e meia. Chegou tarde a mania a Pindamo- uhang^^aba, mas emfim chegou ; que !

Pedes-me que te ajude e te diga alguma cousa de «unca dicto ou feito em tal matéria : di/fidUm rem

26 XXII

Estes inimigos d^alma tem tradição muito antiga e aristocrática.

As auctoridades em Roma empregavam certas pa- redes muito alvas^ para n'ellas mandarem gravar, em cores vermelhas ou pretas, as suas ordenanças, privi- légio entre nós monopolisado pelos agentes do Tónico Orientai^ Relojoaria Gôndola e Vigor d' Ayer. ^ Mais por aqui, mais por alli, havia o álbum dos decu- rioes, o do pretor, o dos juizes, o dos senadores, e em fim de certas classes altas, o que tudo é muito mais velho que o tempo em que se tomou indispensável andar de chapeode sol aberto, para evitar que a cabeça do cidadão seja permanentemente inundada da chu- vinha miúda dos albums universaes.

N'esse tempo, quem punha a mao para apagar uma leltra d'esses albums era punido de morte; agora sflo os próprios albums que nos punem de morte a nós.

Que cada um tenha, para seo uso, e para a sua prá- tica, sós a sós cora a consciência, um livrinho de recor- dações, umas ephemérides íntimas, um memorial da memória, um álbum da sua própria cabeça e do seo próprio coração, comprehende-se : é condensar maté- ria prima para o dia dfis rememorações, das reflexões, das saudades, das melancholias, das comparações, das animações, da justiça ou do arrependimento. Também chamam albums a esses confidentes íntimos e perigosos, visto que devem servir para os que os traçam, sob pena de tornarem-se muito mentirosos, ou arriscada- mente denunciantes.

Nao é raro ver o viajante, sobretudo Irancez, trazer comsigo o seo a/6itm, carteira de lembranças, para lançar um esboço de paizagem, cu os aponctamentos,. que hao de senrir depois para um volume illustrado, com o titulo : Impressões de viagem. Sendo francez, a regra é esta :

Dorme o viajante n'uma estalagem, onde lhe dao uma cama, em que ha pulgas. Na descripçSo da res- pectiva cidade, lê-se : « Por contraposâçac, ha n*essa terra uma praga inaudita, peor que a dos gafanhotos. Todas as casas sao covis de pulgas, ratos, baratas, lagartixas, carochas e mais sevandija^s, que pulam, saltam, mordem, devoram, palpitam, e atormentam principalmente ao estrangeiro recem-chegado ; de modo que casa onde n&o haja um maíorcarochas fica inhabi- tavel.» Ao erguer-se, chega á janella, e vendo em.

XXII 27

frente um rapazinho a tocar realejo, atira-se logo ao álbum, e escreve : «O grande atrazo d'esta povoa-

go consiste no emprego que geralmente se d& à in- icia e juventude : todas as crianças de 7 a 12 annos passam a vida moendo musica. Como é possivel que similhante educação não embote todos os sentimentos nobres na quadra em que o coração dilatando-se e o espirito assanhando-se, tendem a... etc, etc. «

Mas a raça peor dos albums,a mais damninha, ainda não é essa. E' a que reveste a forma de um livro parai- lelogrammatico, capa de couro da Rússia, rebordos dourados, papel apergaminhado e fechos de ouro, tudo a dizer : Comei-me, comei-me I Mão mais ou menos mimosa te ofFerece as alvas páginas d'este álbum, para que tu lances n^uma d'ellasum pensamento moda de iim senhor, que todos nós conhecemos).

E' caso de embatucar. Se alguém dicesse a Triboulet ou Bertholdo : Diga Id uma graça^ bastava isso para instantaneamente o des-salgar, ou para heraclitar um Demócrito.

Celebro portanto e communico-te uma noticia que leio n'uma carta de Lisboa, e que pelo menos torna de ora avante toleráveis e não inúteis os albums, facili- tando nliás o trabalho dos míseros contribuintes para o pagamento d'éste inexorável foro.

Uma dama, distincta por talento, graça e formo- sura, tem no seo a/òtk^ uma coUecçíio muito in- teressante de autógraphos das mais illustres pennas, usando de um processo singelíssimo.

No recto de cada folha mandou imprimir, do lado da extrema esquerda, 24 perguntas. O escriptor não tem mais que lançar em frente d'ellas, em prosa ou verso, mas em phrases curtas, a resposta que lhe apraz. No exemplar que eu vi, as perguntas era \ em francez, e consistiam no seguinte :

1 Votre vertu favorite ?

2 Vos qualités favorites chez Thomme?

3 Vos qualités favorites cliez la femn^o?

4 Votre occupation favorite?

5 Le trait principal de votre carr ;tère?

6 Votre idée du bonheur?

7 Votre idée du malheur?

8 Votre couleur et votre fle ir favorites ?

9 Si voiis n'étiez pa3 vous, qui voudriez-vous être ? 10 préféreriez vous vi\re ?

28 XXII

11 Vos auteurs favorisen prose?

12 Vos poetes favoris?

13 Vos peíntres et compositeurs favoris?

14 Vos héros favoris dans la vie réelle (rHistoire)t

15 Vos héroines favorites dans la vie réelle ( THis- toire)?

16 Vos héros favoris dans les romansou lafable ?

17 Vos héroines favorites dans les romans ou la fable?

18 Votre nourriture et votre boisson favorites ?

19 Vos noms favoris?

20 L'objet de votre plus grande aversion?

21 Qiiels caracteres détestez vous le plus dans rhistoire ?

22 Quel est votre situation d'esprit actuelle ?

23 Pour quelle faute avez vous le plus d*indul- gence ?

24 Quelle est votre devise favorito?

Vi diversas respostas, mas bastando-te receberes simples amostra, para fazeres idéa do dicto systema, eis-aqui o que uma das mais brilhantes pennas por- tugue^^as redarguiu a cada item do inquérito :

l^ La compassion 2'. La loyauté 3**. La patience 4**. La rêverie— 5*. L'ántipathie contre tout ce qui est faux 6'. La vie sans remords, quelle qu'elle soit du reste 7*. Lemalheur suprême est, selonmoi, celui de ceux qu'on aime 8*. Le pourpre: la rose 9*. Pierre 11, du Brésil 10*. A' la campagne, prés de la ville, dans une patite maiso^nette, bàtie par moi 11*. Alexandre Dumas, parmi les modernes; parmi les anciens, Pline le Jeune 12°. Virgile; parmi les mo- dernes, Victor Hugo, d'autrefois— 13*. Peintre,.. toujours Virgile ; compositeur, Bellini 14". Scipion 15®. Ste. Elisabeth, de Portugal 16". Dans les ro- mans, d'Artagnan,* le mousquetaire; dans la fable, Orphée 17*. Dans le roman, Clarisse Harlowe; dans la fable, Andromaque— 18*. Les végétaux et Teau 19°. Nom d'homme, aucun: nom de femme, Marie— - 20*. Le serpent, ou bien le calomniateur 21*. Hudson Lowe 22". Apathie et raécontentement ^ií3". Pour celles qui tiennent à la faiblesse du coeur ^24*. Rien n'est beau que le vrai.

Nao achas ser este um brinquedo útil, e um grande melhoramento na indemonhinhada lida dos albums ? Tenho sobre a mesa muitas outras respostas ; mas um exemplo basta; agora é de Pindamouhangaba que ea

XXII 29

espero mais. Âffigura-se-me que assim se toma um albuai, depositário de thesouros de erudiçfto, gabinete anatómico para dissecção de corações humanos, espe- lho que retrate o pensamento intimo, theatro em que façam todos os actores, com a mesma matéria, dilfe- rente papel. Adeus, amorinhos.

Teo capellao obrigado

ClNCINNATO.

Suppx^essSo da esex^avldSo xio Bi^azll

À philosophia, o christianismo e a liberdade trajenr de gala, corõem-se de louros em toda a superfície da terra ! O juTcnil império brasileiro acaba de dar ao mundo um dos mais sublimes espectáculos, um dos mais sublimes exemplos de verdadeira civilisaçfto. Cerrando heroicamente ouvidos aos clamores de secu- lares preocupações, atirou com um sopro para o abys- mo do passado, n'uma hora bemdicta, como aqueila em que Deus proferiu façase a luz os grilhões com

Íue mais de um milhão de filhos da raça africana de- nhavam, sobre uma terra amora vel que tudo, e sob um cèo que ri sempre, condemnados, elles só, entre um povo bondoso e livre, a peor inferno que suar e padecer de contínuo ; ao tormento de se nao repro- duzir, senão para testar pelos séculos fora miséna e escravidão aos filhos precitos dos seos amores.

A magnânima proposta do governo do Brazil está emfim sanccionnda por todo o corpo legislativo, victo- riada por toda a immensa maioria pensante da nação, e saudada com alvoroço pelo mundo inteiro.

Os anniquiladores da tyrânnica omnipotência de Lopez completaram hoje a mais 4pur^<l^ página dos seos fastos nacionaes.

A nós, irmãos do heróico povo brasileiro, anos, que de herança tantas e tão bel las qualidades temos em commum com essa juvenil gente, do nosso sangue e dos nossos appellidos ; a nós, um quinhão legítimo na ufania com que elles devem estar celebrando o seo triumpho, triumpho incruento, triumpho auspiciosís- simo, triumpho em que a alegria verte lágrymas.

Está emfim iugastado na coroa de D. Pedro II o ver- dadeiro diamante Montanha de Ltiz^ que ha de as- sombrar com o seo brilho a posteridade.

Do Brazil^ jornal de Lisboa

30 XXIÍ

OolonisacSo do Br*azll

Discute se ha largos annos na imprensa port:igueza a questão da colonisaçao do Brazil ; (]^uantos epithetos desagradáveis tem a língua se applicam ao que cha- mam vulgarmente escravalara branca, e, queixando- se uns de que os colonos s&o tractados como escravos ; outros de que se illudem pobres diabos que além v&o morrer a braços com a miséria; outros de que Portugal é gravemente prejudicado com esta emigração, s&o todos accordes em pedir ao governo que de uma vez para sempre cohiba este nefa/iido tráfico.

Esta quasi unanimidade na accusaç&o faz crer boa intenção, grave o assumpto e sérias ás consequências ; parece que de facto se substituiram as negociações em Africa, pelas negociações em Portugal ; que, severa- mente vigiada a costa occidental d' Africa, convergiu a negociação illídta para o archipélago dos Açores especialmente, e para as províncias do Minho, Traz-os* Montes, Beira alta etc.

Vejamos se assim é ; examinemos se tem razão de ser esta accusação, corroborada por muitas pennas illustres, fortalecida por muitos espíritos esclarecidos. Como se tracta apenas da emigração para o Brazil, virão factos e opiniões auctorisadas em auxílio da nossa argumentação : concentraremos as nossas vistas no império, que de certo nos ha de fornecer dados para a sua defeza.

Dividiremos portanto este trabalho em quatro partes : Insalubridade do clima Falsidade nos contractos Melo tractamento aos colonos Miséria e abando^no,

I

INSALUBRIDADE DO CLIMA

Houve épocha,'e não vai longe, em que por todo Por- tugal se apregoava a facilidade de adquirir cabedais no Brazil, e volver rico á pátria e de alli se assegurar uma velhice socegada e feliz. Como é natural, isto de- safiava a cubica de muitos, senão de todos, e o ardente desejo de sacrificar alguns annos de vida, amargurados pelas saudades do torrão natal e pela ausência da fa- milia estremecida, à certeza de um futuro próspero e risonho.

Mas, como tudo no mundo, tinha reverso esta meda- lha ; dizia-se que a felicidade de um representava a vida de centenares de compatriotas, de amigos qu®

XXII 31

alli tiaham morrido, dizimados pelad terríveis e cons- tantes moléstias dos Brazis. Isto esfriava os desejos de ínriquecer; e poucos eram os que chegavam a ir, com- parativamente com os que haviam chegado a fazer castellos no ar, calculando o resultado provável, ou certo, da sua ida á América.

N'es3e tempo eram as viagens longas : navio que aportava &s terras de Santa Cruz com menos de 40 dias de derrota era comptado nos jornaes das duas capi- tães. Os homens laboriosos e decididos que haviam Jogado a vida pelo futuro dos seos, internavam-se pelas províncias, e muitos não sabiam escrever ; deixavam portanto de dar noticias aos entes que lhes eram caros, os quaes, amaldiçoando a ídéa e a hora da partida, prancteavam como morto o parente que se aventurara a ir a longes terras^ cego pela ambição.

Com o correr dos annos, foram-se multiplicando as viagens, estabelecendo carreiras quinzenaes de pa- quetes com marcha accelerada : após estas vieram as carreiras semanaes, e as cartas, recebidas mais amiuda- das vezcs e de mais moderna data, iam affastando a lúgubre idéa de morte. A par com esses progressos, começava a conhecer-se mais aquelle paiz, a falar-se e a ouvir-se falar mais do seo clima e modo de viver: vinham as estatísticas, e tudo comprovava que a idéa de horror ligada á insalubridade do clima era mais

Shantasia creada pelo affecto que deixara na pátria o lho ausonte, do que realidade. Vinham carias das provincias do sul, das colónias de Theresó[)')lis e de Petrópolis, de toda a província de Minas Ger>i;^s, de Vassouras, de Valença, de Iguassú, de NovaFribargo, finalmente da maior parle dus ponctos por ou Je a colo- nisaçao se tem desinvolvido em escala superior, a uro- varem a amenidade do clima n'aqueue3 poacios, dado o desconto à differença da temperatura , que é í empre mais ou menos .sensível aos homens que, aascidòs na Europa, passam, na edade viril, a viver na Am^^rica do sul.

Isto quanto às informações particulares. Os dados oflBciaes, quer com relação á colónia portug"iesa, quer com relação á colónia allema, provam exh^ror.rítnte- mente que a mortalidade nao attinge cifra qu*) aucto- rise a considerar insalubre o clima do Brasil, n^m mesmo na épí)cha em que a febre amarella tem feito mais víctimas, por isso que as províncias toem sido

32 XXII

sempre poupadas, grassando apenas as epidemias hr- zenao estragos no litoral.

Escusado é portanto discutir mais este poncto. Ou as estatísticas talam verdade ou nflo- se falam,destroem a accusaç&o : se n&o falam nao se pôde fazer obra por uma ou outra fazenda, onde se n&o respeita tanto a h jgiene, ou que de si própria é menos saudável. Por- tugal tem o exemplo frisante em uma das suas coló- nias. Em S. Thomé, ao passo que ha roçds mortíferas pela proximidade de pântanos, e essas s&o geralmente- as que circulam a cidade, tem outras tSLo saudáveis, e em que a temperatura differe tanto, que os liberto» africanos e os europêos sao fortes, robustos, e até, caso raro, grandemente dispostos ao trabalho. ( Continua ]

Idem,

RazSo pouoo llsoiiselr*a.

No baile, minha Senhora, n&o se despresa a etiqueta, nem cortezias penhora lapúz de grossa jaqueta. Vai perguntar joven linda"" a Diogo Madureira se Sua Excellencia ainda nao tem par para a primeira.

O homem stava disponível,

acceita o honroso convite ;

do favor nSLo é possível

considerar-se elle quite. Convidar tem sido dado, n'este caso, ao cavalheiro;

Sela dama convidado >iogo foi o primeiro.

No íntervallo da quadrilha è de assucar a palavra, e, vencendo a prata, brilha qual ouro da melhor lavra. « Discreta joven, consinta que minha ousadia inquira porque o costume desminta quem para a dansa me tiraf

« Motivo assaz cautelloso deveis ínchergar n'aquilloI Meo marido é mui zeloso, e assim fícar& tranquíllo.

QUESTÕES DO DIA

IST. 23

RIO DE JANEIRO, 1 DE DEZEMBRO DE lOTl.

9ende-se em rasa dos Srs. E. & H. Laemmert. Agostinho de Freitas Gui' maràes 6l Comp., 26, rua do General Gamara. Livraria Académica» Rua de S. José n. 119— Largo do Paço n. C.— Preço 200 reis.

A Republica c os Estudantes

II

Para levar à evidencia a asserção de que os org&os da imprensa brasileira, a que nos referimos no anterior artigo, sHo instrumentos de ruína social, basta attentar na direcção que a República deu á questão dos exa- mes dos estudantes.

Felizmente hoje a imprensa justa e imparcial p6z em reiêvo todas as principaes faces d'esse negócio, convertido pelos obreiros da destruição em catapulta contra o ministério. A razão pública, prudente e convenientemente e.^clarecida por Themístocles, foi reconduzida ao terreno da justiça, d'onde, mais por imá do que por ignorância, tentaram arredal-a aquel- les que, até das immundicies da calúmnia invejosa fazem arma oflFensiva contra o poder, que sôffregos ambicionam empolgar. Desfez-so o nevueiro de sophismas e prejuzos que adrede fora estendido ante a luz da verdade, e acalmada a paixão de momento, reduzido a suas verdadeiras proporções o principio de falso pondonor, resta somente o pejo dos próprios excessos e o arrependimento de se haver seguido errado caminho.

A terrivel catapulta, a destruidora 'arma de guerra com que imaginaram derrocar depois de dous ou três bombardeios o bastião governamental, quebrou-se nas msos dos esforçados guerreiros, como essas espingardas e lanças de frágil madeira cora que brincam as creanças. Nem a mais leve brecha apparece na praça que atacaram , a fortaleza nem se apercebeu de qu»? lhe atiravam projectís : pareceu-lhe que um

34 XXIII

vento desolador levantando do chão folhas sêccas e fazendo remoinhar o das ruina'?, lhe arrojava de incontro às muralhas alguns grãs de areia, com cujo attrito conseguia apenas polir-lhe as pedras esver- deadas pelo limo que os séculos n'ellas haviam depositado, pondo assim a descoberto a solidez e a perfeição de sua constructura.

Falhou mais esta condemnavel tentativa da anar- chia contra a ordem; mais uma vez o principio da auc- toridade, legitimamente constituída e exercendo-se dentro da esphera leg'al, poude fazer triumphar as suas justas e jurídicas prescripções. Mais uma vez os apre- goadores da insubordinação, os fautores da desordem se viram forçados a recuar e a cantar a palinódia, ater- rados aute os eflFeitos de sua subversiva propaganda.

Nao ! Este povo, protegido pela sombra damonarchia constitucional, educado nas máximas da religião do Crucificado, que pregou obediência ao poder, acceitando resignado o suppiicio,mandando que se desse a César o que é de César, e ordenando a Pedro que não ferisse a Malcho, porque ao juiz competia punil-o ; este povo que floresce e prospera rapidamente e sem abalos, ao influxo de benéficas instituições, tem em si tanto bom senso que inxerga á primeira vista nos pose nas drogas dos Dulcamaras políticos o fermento do tóxico traiço- eiro, com que lhe querem illudir o paíadir, insinuando- Ihe que o pretendem curar de males imaginários.

E que outra cousa que nao mortal peçonha tentou a República introduzir nas veias da mocidade brasileira, prégando-lhe as doctrinas que se lêm em seos us. 183 e 184 na parte editorial sob a rubrica Questão Acadé- mica'^— Com suprema habilidade tentaram os distinctos redactores d'aquella folha invenenar a arvore fron- dosa do futuro nos seos esperançosos rebentos. E' nos pimpolhos que desabrocham esplendidos de viço e seiva, ao sol da liberdade e da religião, que aquelles cul- tores do espírito público, falseando a sagrada missão da imprensa, inoculam o virus corrosivo das más ide- as e implantam os germes corruptores, que hao de trazer o corroimento do cerne e o esphacelamento do tronco.

E' na geração que puUula agora cheia de vida e actividade febril que reside a esperança do Brazil. Tanto a geração que está no pleno vigor da edade como a que vai concluindo a sua peregrinação na terra e

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camiahaudo par^ o sepulchro devem uni r-se para, de commum acordo, aponctar-lhe os bons exemplos, insi- nar-lhe os verdadeiros princípios de disciplina, e edu- cal-a em todas as grandes verdades do evangelho social.

A*quelles, que receberam em partilha o talento, das mãos munificentes da Divindade, áquelles, que assu- miram o brilhante e nobre papel de intérpretes e direc- tores da opinião pública, incumbe o rigoroso dever de formar o coração e a intelligencia da mocidade, e de traçar-lhe a renda por onde deve caminhar para con- seguir augmentar a grandeza e a glória da pátria.

Quaudo porem, esses espíritos privilegiados apagam o archote, com que devem illuminar os olhos das gera- ções contemporâneas, e, em vez da luz directora, lhes dao o negro penacho de fumo e as sombras da morte, quando trocam o seo mandato de apóstolos da verdade pelo de pseudo-prophetas commettem um attentado de lesa-humanida(le,.digno do castigo de Deus e da mais severa reprovação da sociedade.

Vejamos como a República comprehendeu e desempe- nhou o seo mandato.

No dia 14 de Novembro dizia ella :

« O nosso jornal e um homem de bem\ não se presta a nenhum papel menos digno.

Estas expressões serviram de epigraphe para justi- ficar a seguinte proposição :

« O decreto, na opinião da maioria da imprensa^ na opinião das congregações das faculdades de medicina e de direito^ na opinião dos estudantes de 5. Paulo e doesta capital^ foi reputado inopportuno, iníquo^ viole)do e aU*' illegal.n

Em seguida narra aquella folha os actos praticados pelos estudantes de medicina da corte e a deliberação/ por elles assentada, de fazerem parede^ isto é, de nenhum se inscrever para exame.

Accrescenta que no campo dos que tomaram este alvitre levanta a honra o seo estandarte, e que no con- trário « levanta seos arraiaes esse exército aaónymo^ mas que sempre acha recrutas no seio de uma sociedade cor- rompida pelas tradições peculiares ao seo regimen poli- ticOn o regimen dos genuflexões... a A's queixas da moci- dade^ offendida nos seos brios e nos seos direitos, respon- demos (conclue) com a sympathia do nosso apoio.»

:J6 XXIÍl

No dia seguinte a República incita os estudantes á resistência pacifica ; instiga-os fazendo apêllo ao senti- mento do pondonor^ a que não rompam a parede para nao merecerem o stignia inftimante, que a maioria dos estudantes de S. Paulo lançou sobre os díscolos e sobre os medrosos. « Ser-nos hia doloroso j-^exclama) ter de registrar um acto de subserviência por parte de mancc' bos, que vêem offendida nas suas pessoas a dupla dignir dade de estudantes e de cidadãos. Ao que nos consta^ a mocidade não está disposta a receber dos velhos a licção da prudência^ que se traduz em servilismo.., »

Os tópicos transcriptos suscitam um mundo de reflexões, a que se nuo prestam as dimensões, que talhámos a esta perfunctória anályse. Assignalaremos apenas de leve os coroUários, que d'elles se inferem. Nao nos faremos carg-o de demonstrar a justiça, legalidade e exequibilidade do decreto de 22 de oc- tubro, nova boceta de Pandora, a que os pessimistas do dia attribuem o inxamede males, que phantasiaram choverem d'elle sobre a classe académica e sobre a instrucçao pública ; a brilhante penna de Themisto- cies levou essa these à luz da evidencia; até a pró- pria Republica par?ce que seguiu a torrente da geral opinião e se deu por nobremente convencida, a jul* gar-se pelo silencio que tem guardado. Ainda bem que não morre impenitente e reconhece a sabedoria do brocardo : sapientis est mutare consilium.

Dado, porém, mas não concedido que o decreto contivess:í os erros e dislates, que lhe emprestaram de ; * dado que fosse iniquo e inexequível, podia o direito de resistência pacífica, aconselhado pela Repú- blica, tomar as formas de manifestação e a direcção que se lhe deu,e que ella tanto applaudiu e a princípio tão calorosamente animou em seos artigos editoriaes?

Seria legítima e digna de louvor e acoroçoamento a at- titude,que tomaram os estudantes da^s faculdades de di- reito de S. Paulo e de medicina da Corte, aos quaes nSo compete, por não serem sui-juris, o direito de petição.

O direito de petição (dir-se-ha) é permittido pela constituição a todos que habitam este paiz libérrimo (que ellcs no emtanto proclamam regido pelo despo- tismo do baixo império) !

Em virtude d'essa grande garantia, os e^^ítudantes podiam pedir ao governo o que intendessem a bem do seo direito.

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Não negamos nem podemos contestar o direito de petição ; mas o que nos parece fora de questão é que os indivíduos que nao attingiram o período da maiori- dade legal, e que nao sao, por conseguinte, capazes de direitos, possam exercer aquelle !

Dêmos ainda de barato que os estudantes, em quanto na condição de menores, possam requerer outra cousa fora do círculo de acçSo e do elencho das matérias que lhes é permittido pela lei e pelos estatutos das facul- dades e dos estabelecimentos de instruccão.

Perguntamos agora : Limitaram-í^e os estudantes de S. Paulo a requerer o que lhes era a bem do direito ? Representaram sequer contra o decreto de 22 de oc- tubro em termos convenientes e respeitosos ?

Ba^ta ler o inqualificável protesto académico de 28 de octubro último, assignado por cerca de 170 estu- dantes para adquirir a convicção de que aquelles estu- dantes insultaram e desrespeitaram os seos lentes, ar- vorando-se em juizes e censores d'aquelles que, coUo- cados para cora elles na razão de pães, tinham a seo favor, quando não a prova, ao menos a presumpção de experiência, sabedoria e dignidade.

AqueUes jovens, transviados talvez pela opinião de algum de seos mestres, que intendesse dever-s9 negar execução ao decreto de 22 de octubro, qualifi- caram de subservientes e ignorantes os que, formando a maioria da respectiva congregação, votaram para que se fizesse effectivo desde logo o systema de exames que o mesmo decreto estabelecia.

Tal não devia ser por certo o procedimento d'aquelles estudantes. A injúria é arma dos que não têm razão, e, irrogada, como foi, a seos superiores, toma cha- racter de gravidade, que se torna credor de geral reprovaçrio e severa punição.

Os que assim se portaram, deram triste idea de sua educação, do seo espírito de disciplina e subordinação.

Que pode esperar a pátria d'aquelles que, preparando- .se para auctoridades, juízes e funccionàrios da alta administração, assim faltam á deferência, á submissão e .MO rtíspeito que devem aos que estão pela edade e pela lei coUocados em posição de credores do seo preito de menagem ?

Qu.* modelos de bons cidadãos , que promessas brilhantes de excellentes servidores do Estado nao se «iifixam entrever em tao denodados campeões do

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doesto e do insulto! Que direito terá para exigir dos seos subordinados obediência e respeito, quem por forma tão descommunal inxovalhaas cans da experiência e do saber, e, afrouxando todos os vínculos da disciplina, recorre ao tumulto e á amiaça para fazer triumphar as ideas da Interjiacional e oppôr condemnavel resis- tência a ordens legaes ? !

Isto, senhores da imprensa republicana, nâo é nem pode ser (salvo por irrisão) qualificado direito de pe- tição ou de representação.

E o que é a parede ? E' a conclusão lógica, o des- fecho necessário d'aquelle acto de desobediência e opposiçao à ordem do governo.

E' a resistência da inércia, a desobediência passiva, mas nem por isso menos criminosa, às prescripções do poder competente.

E podia o corpo académico tomar tão extranlm e ex- traordinária resolução i Nao lhe aconselhava o dever que se subjeitasse ás provas exigidas pelo decreto e que foram promulgadas depois de ouvido o parecer das con- gregações e de muitas pessoas habilitadas na matéria ? Não constituo esse alvitre um desafio acintoso ao ministério? Não é um acto de tácita insubordinação contra seos pães, que correm perigo de vel-os perder o anno, com o respectivo cortejo de prejuízos e despezas, que a esse facto se ligam essencialmente ? Nilo é uma confissão implícita do não cumprimento dos deveres escholásticos no anno lectivo, revelada pelo receio de se subjeitarem ao exame ?

Responda a consciência dos próprios estudantes, que, arrependidos de seo errado proceder, se lesulveram finalmente a comparecer, com raras excepções, aos actos académicos.

E todas estas tresloucadas deliberações, fnictos mais do verdor dos annos, da inexperiência, e de incitações imprudentes, foram acoroçoadas pela imprensa repu- blicana !

Appelou-se para os falsos brios da mocidade: pintou- se-lhe como heróico e louvável o acto de resistir pas- sivamente ao decreto, e até se lhe pregou a dortrina de que incorreria no labéo de infame o que rompesse a parede.

Isto o dice a República ! ! . .

Felizmente a propaganda perigosa, partida das co- lumnas d'aquelle orgam da imprensa brazileira, nao

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incontrou terreno favorável para fazer fructificar a sua semente de morte. O bom senso do paiz reagiu contra tao louca tentativa; e a louvável energia e a poderosa força de vontade do digno e ill listrado Ministro do Im- pério oppôz insuperável barreira à invasão da onda sediciosH,e fez abortar no nascedouro os planos condem- nados dos fautores de desordens, que ficaram bem co- nhecidos á face do paiz.

Pompêo.

Qixinta cax*ta.

DECINCINNATO A SEMPRONIO

Rio, 24 Novembro 1871.

Illustrado amigo.

Recebo a tua preciosa carta, de 10 do corrente, na qual me dizes que talvez te divinas com o testa de ferro de Senio, parecendo-te porem mais methódico esperar qae elle despeje o seo vasto arsenal de co- nhecimentos, expressos em linguagem appropriada. Accrescentas : •> Far-se-ha então uma appreciaçfio syn- thética, e pôr-se-ha a a intelligencia do critico. Crê tu que o Gaúcho me otferece matéria para outra longa série de cartas, e não estou longe de escre- vêl-a. Entretanto, para mudar de assumpto por agora, vou entreter-me com a Iracema. »

Escuta cá, meo amigo. O anónymo V. das Palestras declarou depois que depunha a máscara, e que era Vasconceilos, com o que ficou mais anónymo que d'antes! A casa de Castello-melhor vai querellarda injúria, pois desde o tempo do em Rodrigues se diz de VasconcelloSy nunca em tao cerúleo sangue houve heroe d'esta casta. Consta porem que o individuo Vas- concellado se defende, declarando que aquillo nao é appellido, mas alpunha, que elle a si mesmo poz, com summa propriedade; que o seo intuito tra reco- nhecer que fala lingua vasc«jnça, que sempre era um tal sarapatel que no tempo dos romanos se nao atreveu PomponioMela a reduzir a escrip:ura os nomes í^e seos povos. Ora, bem se pode alcunhar Vascon- ceilos quem tao vascoso torna o leitor, e quem tanto lhe vasconceia.. delicadezas.

esmerilhei as criticas do pimpão. Prometteu es- magar-te a ti, e a mim ; mas depois subverteu-se

r m - ■n-mi^ir m awaia#u»wp * * íiH

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pelo chão abaixo, dizendo apenas que ia fazer uma viagem,e ha pouco accrescentou que estava de volta, e aparelhado para amarrotar-nos.. Ficámos com o juízo suspenso, o que é muito incómmodo, visto que um juizo, pendurado tanto tempo, acaba por cauçar. Roeu a chorda ; remetteu-se ao silencio, segundo a doctrina da eschola Senial. Promeítre et lenir ^ sont denx. Tam- bém nao vai longe o dia em que o Sr. José de Alencar amiaçou com a horripilante publicação de um livro do futuro, que ficou para as kaleadas greyas, como as criticas do Sr. Vasconcellos, o anónymo.

Visto, porem, que o senhor quem quer que seja se esbofa por convencer-nos de que as suas estupendas lucubracOes sao realmente suas, e nenhuma neces- sidade vejo de o desmentir, acho mais curial que de ora avante o deixemos, tu e eu, em sancta paz. demonstrou o que sabe e o que vale aquelle senhor homem. Se o senhor homem imagina que, por si^ tem direito de ser por nós contrariado, engana-se de meio a meio. Se elle é eile, parce sepullis. Nâo contribuiremos para as suas glórias, nem mesmo Eros- trdticas. Fica-lhe campo livre para repetir, sem receio de mais resposta, as suas brilhaturas.

Quem está na berlinda não é nem poderá nunca ser nenhum phantástico Sr. Vascoucellos. Poderia to- lerar-se o officio de caça-tigres^ mas nunca o de inata- carochas. Sempre suppuz que alguém assignava de cruz o que o Espirito Sancto lhe dictava, ou que pelo menos esse alj^uem tocava as .suas variações sobre o thema do mestre, de cuja alta intelligencia julga- vam todos dimanarem aquelPoutras preciosidades. Teima-se em que estas nao sao auihenticamente do inspirado ; n'esse caso, faço meia volta, e passe por muito bem o delicado Palestreiro. Algumas outras decididamente auíhenticas hei de achar. O Imperador Justiniano deixou-ços nas suas Constituições as Au- thenticas ; por fortuna da humanidade também nós temos as nossas Autheíiticce seu Novella*. Constitutiones do- mini nostri Alencaris^ inaximi magisíri atque sacratis- simi principis. Parabéns á pátria: estas Autkenticas Constituições ( visto que o oes tem um til ) chamam-se

o TIL-

Tu, que estás longe, talvez queiras andar em dia com a monumental história d'este monumento ; eu le compto o que scei.

XXII I 41

leste o vaudevUle de Scribe, intitulado A gala transformada em mulher, de que ultiraameute Offen- bach fez uma opereta ? é uma das ma:s ingraçadas e orig^inaes producçOes do inexhaurivel dramaiurgo. Um allemaosito exaltado inlouqueceu com a leitura do Fausto; accredita na metempsycose, enamora-se da sua gata. Uma prima ricaça quer cural-o da ridícula paixão, tiral-o da miséria casando com elle, e arvora-se em rival da bichanica gata. Conluia-se com um falso ni- gromante índio, que vai predispondo o novo Werther para a metamorphose do animal felino em mulher. chega o preparado momento. ELs-alli a bichana dormindo n'uma alcova, emcima de um canapé ; profe- ?idas as palavras mágicas, corre-se o panno... a E' uma mulher ? » « E* uma gata ? » Tem-se visto gato pjr lebre, mas mulher por gata... O certo é que é uma e outra, na forma de uma linda menina, que, em vez de miar, papeia e garganteia ; mas a alvura do vestido e « arminho que o borda lembram perfeitamente a ga\a ; o impagável porem é a imitação dos modos, gesros, andar, alegria, gentileza e vivacidade. A bi- cha lica nao era mais ágil, mais galante, mais volup- tuosa ; nao gostava mais das snas commodidades, nem .se espreguiçava com mais delícia sobre o veludo das cadeiras ; sao tal e qual as manhas d^ella, os seos mo- vimentos leve-í, as suhs marradinhas graciosas o soo brincar com as patinlias rosadas. Ficou-lheegualmente o !i:wi:ral, como as maneiras do quadrúpede : ágata feita mulher conserva oeíroísmo, a inclinação maléfica, a asUicia, o gosto de furtar. Para surrupiar um pud- din^r. para embaraçar as linhas de um novêllo, para atirar uma unhada, nem a verdadeira bichanica era mais hábil. Emfim é a gata sem tirar nem pôr, com fóvij^i diversa: e o allemão. felicíssimo, soUicita e al- cança a pala da bichana.

Hn um mundo de doctrina dentro d'este quadro curto. E' o tliassez le naturel, i! rerient au (jalop, posto era acção Quando vires um republicano, por índole e edu- cação, dizer ao rei que a naçílo o provoca a assumir o governo pleno do Estado que a sua missúo é a do soí— qii* basta a sua vo'itade, enunciada de um modo positivo e solemne para se tornar logo, de sua própria virtude ^ essência, facto consummado que para ella se nao concebe resistência, no domínio da lei que elle tem ante a nacao e ante Deus obrigação indeclinável

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«

de resistir á opinião pública em nome da lei e da mo- ral— e outras cousas assim, é gaia transformada em mulher. Como então o escriptor está fora da sua nat\i- reza, aquellas demasias nao têm imputação. Cuida elle que similhantes bajulações e baixezas constituem um credo conservador, quando constituem linguagem de que o mais exaggerado àulico se invergonharia ; os extremos tocam-se ; gente assim halouça-se sempre entre o César e o João Fernandes. Faze bem á gata, saltar-te-ha na cara.

Matriculada a gata como conservadora, e depois de se lhe recusar o senatorial pudding, volve á sua natu- reza : mia, arranha e apanha rates. Miau ! poder pes- soal ! Miau ! absolutismo ! Miau ! golpes de Estado ! Miau ! bayonetas, fuzil, sabre e canhílo ( que sao 4 syl- labas) ! Miau ! ab alto e in excelsisl E todos quantos outros miaus constituem os items do credo republicano, e fazem do género humano gato-sapato.

Tornando-se desnecessária a máscara, cada um volta para os seos arraiaes, e assim é melhor. Porque um ho- mem a si mesmo se chama conservador, nao se s^ue que o seja ; pode isso até ser uma antíphrase, um sim- ples Cabo da Boa Esperança. A's vezes sao illusões óp- ticas da retina physica ou intellectual. Quando eu, de bordo de um navio, vejo as casas e a praia a correr ; quando se me torna angular o pào que na agua netti direito; quando observo no horizonte a pôr-se o sol, que está para baixo d'elle, ou o vejo apparecer, quando ainda não é nado ; quando os olhos me affirmam ser redonda uma torre quadrada ; quando vejo a ninha cara feia atraz de um espelho, nao estando ella atraz nem adeante ; quando um vidro me patenteia caterva de animálculos onde eu julgava estar uma gôtta de água puríssima, e bem assim valles e montanhat na face mimosa de uma virgem; quando vejo tanta cousa, digo que é superficialidade fiar nas apparencias; que o hábito nao faz o monge, e que nao basta dizer-se que uma cousa é, para que o seja. O nobre parlamentar, por costume, denomina-se conservador, mas de facto repassou ha muito tempo o seo Rúbicon, com armas e bagagens, e está n^^ campo dos repiiblicos. fa- zendo o seo officio de dissolvente.

Era portanto naturalíssimo que levasse á República a sua nova oblação : assim como o era que o incapo- tado carrijligionário fosse bem accolhido ; tu oao mal-

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tractas quem entra na tua sala. O Sr. José d' Alencar levou, pois, o seo TU à folha ultra.

Veiu a publicação precedida de um manifesto, de- claração de guerra, proclamação, ou cousa assim, es- tampada na sobredicta, de 3 do corrente.

A parte litterária fica para depois, mas a politica é ahi impagável.

Diz que anda assignalado como republicano disfar- çado, mas que nao é tal. Peso de consciência.

Diz que é monarchista da idea. O' Sempronio, que sentido tem isto? Para dar-lhc cousa que com isso se pareça, supponhâmos que a phrase aspira a significar uma contraposição a monarchistas da pessoa ; advinha- ria eu ? Mas então ah qui d'el-rei ! Que doctrina é esta ? Ha moijarchia-idea que se nao incarne em rao- narcha-pessoa ? Intende este publicista que a raonar- chia é um ente de razão, um phantasma, um mytho? que para ma servir da phrase de Racine, a monarchia ríesíqiCune idée^unrêve ylatonujue? Admirável modo este de pugnar pela monarchia, hostilizando o monar- cha! Quer missa sem padre, victória sem soldados, ganhar na loteria sem comprar bilhete. Proclamar-se monarchista, denunciando o soberano como déspota, tyranno, usurpador, é o systema das petroleiras^ que apagavam o fogo com kerosene.

E está tao convicto, mesmo da tal ídca, que faz. saber que a presumida infallibilidade ( em itálico ) roe o cerne das monarchias. A bom intendedor, meia pa- lavra.

Acaba condignamente por este impagável treclio:

« Convencidos nós, os monarchistas, de que é passível atacar a cidadella invencível, correremos a defender a brecha, por onde, no momento do perigo, hao de fugir espavoridos os ganços do Capitólio. »

Se nao fosse a minha humilde admiração da vasta sabedoria do eminente escriptor, diria que cousas doestas nao as escreve senão quem, ou nao sabe o que diz, ou está debicando com o seo paciente público. Que signi- fica similhante phrase? Ja sabemos que um novo Man- lio fará a grande Africa de defender uma cidadella iíwencivel : mas que motivo tem Manlio para descom- por e laxar de covardes e inúteis ( caso único em que se compreenderia a intenção da phrase ) os pobres ganços do Capitólio ? Dar-se-ha caso ( tudo é por^sivel ) que o erudito romancista ouvisse cantar o ganco, sem

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saber d'onde ? que lesse algures a locução ganços do Capitólio^ a achasse bombástica, e a atirasse para ahi, fosse como fosse ? Euja não juro nada.

Tito Lívio (V. 47) compta que, estando Roma em grão perigo, cercada dos Gallos, foi Cominio incumbido pelo senado de ir a Veios buscar para dictador o desterrado Camillo ; mas tão apertado estava o sítio que era peri- gosíssima a tentativa de rompêl-o ; todavia o portador, regressando, achou artes de penetrar no Capitólio, por uns atalhos mal guardados. Talvez que observando os vestígios da passagem do mensageiro, approveita- ram os Gallos uma noite assaz clara, e nao sem muitas dificuldades, foram subindo até o alto do morro, tao caladinhos, que por ellos nem deram as senti nell^s, e nem os cães, animal que de noite o çiínimo ruído acorda. a que:n nao lograram, foi aos sacros gan- ços de Juno, que, a despeito da terrível fome, tinham sido poupados. A elles deveu Roma a salvação. Come- çaram os ganços a estrugir os ouvidos dos romanos, e a dar-lhes rebate, batendo com as azas, e gasnando estrepitosamente, d*onde resultou precipitarem-se os Romanos sobre os Gallos, que iam intrando no Capi- tólio, e darem cabo doestes, o que não succederia seos ganços houvessem demorado alguns minutos o seo chamamento.

Por tão grande foi este serviço considerado, que nas cerimónias públicas, os ganços, como qualquer con- sultor, andavam de sege, e não scei se com correio atraz , mas scei que à cerimónia chamavam anser in leclica , e que era isto tido por suprema hon- raria, em memória dos beneméritos ganços do Capi- tólio.

Será a estes que allude o atilado escriptor? Será a este Capitólio, cujo nome dizem que proveiu de alli ter sido achada a cabeça de Tolo, capul Toli, que era um quidam que elles sabiam?

Mas se os Cranços do Capitólio foram mais sollícitos que as sentinellas, se foi a sua intervenção que salvou Roma íq}i(p res salutis fnil^ diz Lívio), como imagina o Sr. Alencar que a sua locução signifique desaire, me- noscabo, labéo, desdouro?

Os patos, sim senhor, patinham; mas os ganços do Capitólio são o emblema da lealdade, da vigilância, do cuidado.

XXIII 4.>

Neste sentido foram, por famílias illustres, tomados para divisHs suas, do mesmo modo que a águia foi divisa do l.iipério romano, e depois cora 2 cabeças, alludindo á divisão do império oriental e occidental ; e a esphera do Sr. D. Manoel alludia ao domínio do mundo ; e o pelicano do Sr. D. João II, com o moito : Pola-ley e polorgr&y^ alludia ao modo como esse mo- narcha intendia o offício de reinar, etc. Era assim, alludindo às altas qualidades que história ou fábula proclama nos ganços do Capitólio, que estes se torna- ram uma honrada empresa ; mas o uosi^o nivelador- mór desadorou com o poder pessoal dos ganços, e rebaixou-os de posto, ou antes, por uma antíphrase inexpKcavel, converteu em censura o que sempre foi tido por louvor.

Eis-ahi tens tu o que seja a carta introductória do novo romance O TU : como sempre, uma baforada, uma arrogância, uma injúria.

Segue-se falar no começado, apregoado, assoprado, ingraudecido, celebrado, hyperbolizado , incarecido, exaltado e inthronizado romance. Está-me caindo da penna um verso de Boileau, mas nao quero, nao senhor.

Teo respeitoso amigo.

ClNCINNATO.

G Brasil. 11

FALSIDADE DOS CONTRACTOS

Nao menos condemnada é a questão de emigração para o Brasil, pela falsidade e que se diz presidir a todos os contractos celebrados em Portugal. Acceitâmcs a accusaçao como verdadeira, em pane; no todo nâo, e vamos dizer o porque.

Um dos fazendeiros que mais tem sido aggredido, talvez por ser o que mais colonos ajusta para os seos estabelecimentos agrícolas na província de S. Paulo, é o desembargador Bernardo Avelino Gavião Peixoto. O governo imperial celebrou n'este anuo um con- tracto cora aquelle agricultor, no qual, determinando que se observem no transporte de colonos as dis- posições do decreto do l.** de Maio de 1868, deter- mina mais : Que, antes de embarcarem nos porto . de

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sua procedência, os emigrantes assignarào perante o cônsul ou agente consular do Brasil^ ou na falta d'este perante a aucioridade /occ/, a declaração em dupli- cata, de terem conhecimciUo doà condições dos con- tractos feitos para a importação no império, nspeci- ficando-se a cláusula de nao irem por conta do go- verno, o qual fica exempto de toda e qualquer der- pezacom o transporte, desembarque, agasalho, sustento, tractamento dos colonos, e conducçâo de bagagem ;

Que o governo imperial auxilili a despe.^a com a passagem com os colonos menores, de 2 a 14 anno;?, que forem em companhia de seos pães, na pro- porção de 4 por cada família, e nao excedendo de 80S000 rs. o auxilio para cada passageiro ; e bera assim de 3508000 para a passagem dos colonos adul- tos do sexo masculino, de modo que o número de passagens auxiliadas nao exceda a 200, comprehen- didas as dos menores ;

Que da dívida dos colonos para com o importador será deduzida em favor dos mesmos a importância do auxilio concedido pelo governo imperial para as pas- sagens, tanto dos menores como dos adultos ;

Que, finalmente, a subvenção será paga em vista de um exemplar da declaração exigida e at- testada do agente consular do Brasil, na qual se mencione a edade, naturalidade, filiação, profissfio, estado, religião e o número dos emigrantes, e pre- cedendo a appresentaçao de cada um ao agente no- meado pelo governo para fiscalisaçao do contracto.

Como, pois, pôde accusar-se de falsidade nos ron- tractos o governo que toma taes medidas e o par- ticular que acceita taes condições ? Como pode haver falsidade no contracto, se elle pôde ser válido, em interessa do próprio agricultor, depois do colono haver declarado quaes as condições com que seescrip- tura e de as acceitar?

Outros haverá, e ha talvez, que sejam illudidos na sua boa fé. Mas de quem a responsabilidade ? Do governo imperial, de certo nao, (|ue o nao pôde evi- tar. Chega a qualquer poncto do império um navi'^ conduzindo colonos, que se declaram ajustados por motu-próprio e livre vontade : como ha de o governo imperial castigar o contractador, se nao ha accusaçâo. se ninguém se lhe queixa, se o próprio cônsul por-

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tuguez tem de legal isar e dar sancçao aos con- tractos ?

Sao estes contractadores os contrabandistas, e esses ha-os em todos os paizes. Claro é, portanto, que «s auctoridades locaes podem ou devem fazer com- prehender aos indivíduos que se dispõem a seguir para o Brasil, que tem dous alvitr^.s a tomar e dous caminhos distinctos a seguir : ou contractarem pe- rante auctoridades legaes e responsáveis pelos seos actos, em cujo caso uao podem ser illudidos ; ou ajus- tarem a occultas, sem conhecimento de quem quer que seja, que possa coarctar qualquer abuso ou qual- quer fraude nos seos contractos.

Em ambos os casos, absolva-se a colonisaçao para o Brasil que, se tem custado vidas, tem também salvado muita família da fome e da indigência, e feito de muito homem indolente um cidadão útil a siy a(»s seos e à sociedade.

[Continua).

Do BrasiL

ARCHILOCO A CINCINNATO.

Conheço na minha terra, meo querido Cincinnato, um charlata pequenino^ arvorado em litterato.

Dando por páos e por pedras, em fofo estylo arrogante, crê-se o magister da lingua sendo n'ella archi-ignorante.

E' mania imperdoável d'esse ingenho sem egual escrever de omni scihili.r que importa se bem ou mal !

Por vocábulos esdrúxulos que nao valem um vintém, julga-se um sábio da Grécia, e nao respeita a ninguém.

Quer o mísero ser tido em conta de novelleiro ! mas no mercado das lettras é simples bufarinheiro.

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Anda sempre atarefado em romanescos lavores ; occupa log'ar distincto na turba dos palradores.

Quer ser crítico eminente, e dnr liccões sobre tudo. Ninguém o que nao tem ; philaucia nao suppre «estudo.

Se romântica e faz dramas^ enche resma.s de papel, parece escrever na lingua que se fallava em Babel,

Brilha de um modo espantoso na abstrusa phrase.... queé linda, e deixa a perder de vista o próprio José Cabinda.

Nas talentosas imagens verão o bello e o bonito. Não é átomo, é gigante ; dobra e desdobra o infinito.

E ha quem o eleve ao throno ! por Deus ou por Belzebuth! Thronos d'estes assentam no reino de Lilliputh.

Archiloco.

E P I G R A M M A S

Ha hi quem tenha apostado que as taes dobras do infinito o fizeram pequenito e algum tanto amarrotado.

Dentro de um taquarussii veio de Itapemerim notícia para Iguassii de como o infinito assú passa a infinito merim.

Estes epigrammas como o último do precedente nú- mero sEo de Quintiliano.

Typ. e lith.— Imparcial— Rua Sete de Setembro n. 14«

QUESTÕES DO DIA

]Sr. 34

RIO DE JANEIRO, 8 DE DEZEMBRO DE 1871.

?ende-8e <m casa dos Srs E. & H.Laemmert.— Agostinho de Freitas Gui' maiies & Comp., 26, rua do General Gamara.— Livraria Académica) Rua de S. José n. 119— Largo do Paço n. C.— Pr^^ 200 reis.

Shdx*. I^tedaotox* aas « Questões do Dia »

Do excellenteescriptorSemprónio recebo, com outras, a carta inclusa, destinada & publicidade, e n&o posso enYÍar-lh'a, desaccompanhada de duas ponderações.

A primeira é que, dignando-se V. acceitar as minhas garatujas, poderá parecer vaidade ou insânia transcre- yerem-se nas mesmas páginas encómios á minha pessoa, aliás exclusivamente devidos á cega benevolência de

Srotectora amizade. Repito porém o que ja tive precisão e reflectir, e que me servirá de salvaguarda ,se por ventura alguma outra vez me achar em eguaes con- dições : Vejo-me entre a espada . e a parede. Que fazer?

Deixar de publicar estes escriptos ? Seria defraudar os leitores d'estes modelos de critica ; abusar de hon- rosa confiança ; corresponder a uma delicadeza com uma Vasconcellice.

Publicai -os, operando-lhes alterações e cortes? Seria desfigurar a producçao ; arvorar-me em censor, sem direito ; superpor a minha penna rude á aparada de quem a maneja muito melhor do que eu.

Dal-os à luz, intactos? Por exclusão, é o linico expediente lícito, supplicada, como fica, para este e todos os ca.sos análogos, a desculpa do leitor, a quem n^o me considere subjeito então a força maior.

Venhamos a outro poncto.

Na carta que vai ler-se, abaixa-se Semprónio a tomar em consideração, embora seja para esmagal-o, ao Pa- lesireiro do Diário do Rio. Está longe o conspícuo es- criptor. Pensa elle, como todos tinham pensado, que eram ou dictadas ou insufiladas por Sénio as tristes Palestras^ que lhe imitam o estylo ; que lhe reproduzem

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a argumentação ; que se sabe saírem de debaixo do iiidsiao telhado e de sobre a mesma mesa em que Sénio escreve.

Foi exclusivamente esta coEvicção que levou a raim e a Serapróaio, a descermos.ao poncto de discutir com o Palestreiro^ guardadas sempre as devidas distancias de linguagem, isto é, brandindo nós espada de aço contra espada de canna temperada em lodo.

Surge porém um çuidam^incoberto sob o pseudóaymo VasconcelloSj bradando serelle, e não Sénio^ o auctor da Nova Tripa Virada, e a reclamar para si certo privilégio, de que afirmam usava uma Viscondessa da Lourinhã.

Quer, a toda a força, celebrizar-se ; é o que os fran- cezes chamam reclame ; quer que façamos faiar nelle ; quer que annunciemos aos taberneiros o seo escriptório de* advocacia. Perde o tempo.

Quanto a mim, ja avaliei a importância do critico, e pode esbofar-se, que lhe não darei mais attenção a quantas inépcias escrevinhar, em linguagem de prós- tíbulo ou de aço^igue. Nada, não senhor. Eróstrato era um parvo obscuro, aquém atormentava o delírio da celebridade. Qieria immortalizar-se fosse como fosse, e com o petróleo de Epheso queimou aquelle Rocheford o Velho uma das 7 maravilhas do mundo. Isso foi com elle; mas eu, simples cidadão, e respeitador da lei, curvo-me á que promulgaram os Ephesianos, quando prohibiram expressamente que se proferisse o nome do inceadiàrio. Por isso, surrindo, o vejo voltar ao Dia' rio do Rio ( ha folhas, que, em se lhes pagando, pablicam tudo ; tomam a sua missão por uma tigella da casa jor- nalística ], fazendo-me tregeitos e visagens, e dizendo que o Sr. José d' Alencar E' SOL ( de quem ja obteve, e appira a m is.... certo calor que nós sabemos ), e outras bajulações tão nojentas como as diatf ibes com que sonha fulminar-nos. Coitado, reqaiescat in pace.

O que é lamentável, porém, é que Semprónio se curvasse a inxergar similhante escrevinhador, a quem faltam todos os dotes de sciencia, consciência, intel- ligencia, gosto, estudo, educação, e senso commuoi. Entretanto, submetta-se Semprónio aos ossos do oficio: isto é o (c Lembra-te que és homem l do romano trium* phador. Quando o general victorioso, ia revestido da túnica palmata e da pintada toga^ coroa de louro na fronte, ramo de louro e ebúrneo sceptro nas mãos, pouco importara que ao pescoço levasse uma nómina contra

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a inveja : atraz d'elle, no carro magnifico de marfim, pachado por 4 alvos conséis, ia um escravo ébrio, des- compoodo-o e insultando-o, e desde o Campo de Mafte até á Porta Carmental e ao Clivo Capitolino, confundia- se a voz do truSo com o Io trvumphel das multidões.

Cada um occupe o seo lugar, e Semprónio trium- phe !

Desde que, porém, nos querem convencer de que Sènio nao é o auctor das Palestras^ persu€tdo-me que o distincto escriptor fará devida justiça a si mesmo, Gondemnando ao desprêso a insolente, analphabeta e chata escripta de um V.

Semprónio vai inceptar o estudo da Iracema e da Diva. Acaba de sair à luz uma sequencia de produc- ções estupendas, incontestavelmente do Sr. José de Alencar ; para que se hade brigar com phantasmas, quando ante nós temos o corpo ?

Ahi está fresquinho o impagável TiL Temos o 2* tomo do Tronzode Ipê (que os thuribulàrios do costume proclamaram famoso, eloquente, de forma rara e mais que appreciavei etc, nada menos). Ha muito por onde esmerilhar, sem que se nos saia ao incontro com hesitações sobre authenticidades.

Ha mais outro livro, que participa de empalmaçSo ^ de roedéla de chorda, e que parte da mesma selecta intelligencia ; mas este merece duas palavras de re- miniscências.

A 23 de abril de 1870, publicou o sr. José de Alen- car uma carta muito perra, fazendo saber ao mundo que nio tinha ficado pârro, por nflo ter sido escolhido para senador, carta ds que ainda espero occupar-me. E' uma verriUfi, quanto ao passaao ; uma amiaça, quanto ao futuro. Leem-se nella estas phra^es, por exemplo :

« Sou obrigado a revelar ao paiz os motivos pes- soaeSf e as razões occultas, que determinaram minha exclus&o. Abrirei aos contemporâneos as páginas de um livro, que eu havia escripto para o futuro. Accredito que nao serão páginas perdidas para ^ história doeste paiz ; aquelles que se derem ao trabalho de a.s folhear conhecerão que essa condemnaç&o do meo ministério foi lógica. Eu a esperava como a consequência neces- sária de alguns actos de energia e m^ralidade^ que pratiquei no governo. »

i^k«W

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Ponhamos de lado o despeito e o desabrimento com que se tracta o mais que sol^ aquelle contra cuja vontade se não concebe resistência no dominio da lei, O género humano tomou nota da promessa formal. Exultou de ver que um melhor Chateaubriand pre- senteava a actualidade com umas interessantes Memó- rias destinadas à posteridade, mas que generosamente se transformavam em Memórias àe a>quem^ca/mpa. Tem- se preparado para admirar o promettido Livro do futuro, com seos foros de apocalipse. Excitara-lhe a curiosidade a certeza de que ia estudar as consequências lógicas, razões pessoaes, e motivos occultos, porque emfim, desde tempos immemoriaes, as sciencias occultas têm arte de despertar geral appetite.

vai anno e meio, e moita I O Livro do futuro assimilhava-se ás prophecias do Bandarra, e D. Se- bastião sem apparecer I Mas afinal, parabéns, surgiu, eureka^ eil-o ani .

O Sr. Alencar imprimiu os seos brilhantes discursos d*esta sessão. No prólogo (diz o Jornal do Commércio) declara o auctor que offerece estes discursos como paga- mento do promettido livro sobre a sua passagem pelas regiões do poder, e que se intitulará Dezoito mezes no podfix. Antes que este appareça, promette reproduzir, ainda como pagamentos^ os seos discursos aa sess&o de 1870, e como prefácio uma 3* edição das Cartas à^Erasmo.

Que a impavidez é dote d'aquelle descommunal talento, se tantas provas nao houvesse, bastaria esta para evidencial-o. Emfim, tem-se visto quem faça do sanbonito gala. Mas que se pague em moeda falsa, isso é que nao parece de jurisconsulto, que sabe as penalidades da lei. Deve alhos e bugalhos. Por 5 libras sterlinas egual forma em 5 vinténs. Promette livro do futuro, e diz que paga reimprimindo farelórios do passado. Obriga-se a revelar consequências lógicas, motivos pessoaes, razões occultas, e empalma tudo, pagando ern cobre o peso do que devia em ouro, e burlando uma vez mais o público paciente. Ficaremos pois intendendo que a alta novidade das Cartas de Erasmo, e àns arengas parlamentares do passado é o Livro do Futuro l !

Todavia ahi esiá matéria sem termo para appreciaçao d-o orador, do estadista, do romancista, do escriptor,

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aos quaes, a seo tempo, seguirá o jurisperito e o dramaturgo.

Peço desculpa de haver dado a estas linhas de in- troducç&o e justificação maiores dimençoes que projec- tava, e permitta subscrever-me

ClNCINNATO

NONA CARTA DE SEMPRONIO A ClNCINNATO

( Epíittola aparte.)

ínclito amigo.

Tenho sido de uma descortezia atroz.

Três cartas tuas até hoje sem resposta ! E que cartas! onde a liberalidade mais cavalleirosa confunde o ignorado escrevinhador de província I três primores de ingenho e de arte, padrões de vernaculidade, eru- dição e atticismo.

Mil perdoes.

Tu tambor, emquanto ftu marechal do exército ! Nao te lembres d'isso.

Eu, sim, é que me apresso a reconhecer em ti o mestre, capaz de me dar licçOes, ricas de insino para viagens de instrucçao n'este labyrintho inextricável da crítica. Nao sou senão justo, prestando-te do co- ração o culto a que têm indisputável direito os teos múltiplos e fecundíssimos talentos, as tuas graciosas e castiças lettras.

Acabo de chegar do arrabalde, onde a minha dete- riorada saúde me deteve cerca de quatro mezes. Tran- quillisa-te, porém ; estou disposto e preparado para a esgrima.

Vi as minhas frandulagens sobre o Gaúcho. Agra- decido.

Mal pensara eu, quando tive de escrevêl-as, a ins- tancias reiteradas de um amigo que chegara havia pouco da campanha do Rio Grande, que Sénio, em resposta e sem ler em consideração a excellencia do in- tuito, nem o comedimento e selectos modos da minha compostura, viria, arrojado e infrene, assacando-nos doestas fidalguissimas amenidades :

« To7nOj para começar^ a 1* carta em que Cindnnato^ d laia de amigOy se dirige a um Semprónio, AMBO FLO- RENTES, não na edade^ poisque o de ainda estd na esjnga e o de cajá chegou ao sabugo^ mas com certeza ÁRCADES AMBO ; e bom será que se saiba que ha dt-

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versas espécies de ARCADIOS, sendo estesdousd'aqudles de que tracta Juvenal sat. VII v. 160 : QUOD L^VA PARTE MAMILLCE SALIT JUVENI ARCADICO, qua/ndo faz aJUusão a certos ORELHUDOS de bom vo- /ume, qae pastavam a relva da Arcddia. »

Diz uma auctoridade em lettras : a Quando a alma é elevada, as palavras vem do alto, e a expressão nobre ^ accompanha sempre o nobre pensamento. » Faze a ap- plicaçao.

Orelhudo pode ser filho de burra. Ora d'esta es- pécie de animal nunca figurou, que eu saiba, na minha, posto que plebéa, estyrpe. Para onde se voltou, pois, Sénio, quando quiz achar a finíssima allusao ?

A' vista de tao polido exórdio hesitei, a principio, como tu, se devia ou nâo travar contenda com quem assaz mostrou saber torneiar d gancha.

Ora, nunca me empenhei em taes luctas verda- deiros exercícios bárbaros. De meos pães, de meos mes- tres, da boa sociedade, da civilisaçao ( da nossa civi- lisaçao que nao babuja^ como a de Sénio ] aprendi a pleitear com as armas do pensamento pela palavra, esse escudo sonoro, e pela penna, essa tersa lança do brioso lidador.

Mas deixar de accudir à intimac^lo ! isso nunca. Dou^ me também por citado, e venho á lide para discutir, se

o quizerem, e nunca para rebaixar-me. E' falar

em bom portuguez.

Quizesse eu combater d Gaúcha^ nada mais fácil, apezar da minha falta de hábitos, de gosto e de aptidão, confesso-o, para esta espécie de pugna gentílica : o amigo, de quem acima te falei, tem ainda em seo poder um rebenque e umas chilenas, que de bom grado me prestaria; e até um Jucá acharia eu defronte de mim para o cavalgar.

Mas renuncio para outros á glória de sobresair n'est6 páreo. O público da cidade , que nao confunde , como Sénio, o homem com o bruto, vai tendo o bom senso de antepor ás corridas ferozes as nobres justas do raciocínio, únicas que instruem e dao triumpho sem molestarem.

Para prova de que estou disposto a discutir, vou

occupar-rae com a continuação da gauchada de Sénio.

« Prometto continuar diz elle logo q-ue regresse t pois

que para concluir a tarefa^ que tomei sobre os homkros^

inda me resta debicar um pouco o Sr. Semprónio^ que

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também se metteu a criticaço^ e pinoteou pela campanha da litteratura^ para mostrar ao vivo como comprehende o ca/úaUo do Gaúcho. » Duas observações :

L* Sénio nao abandonou ainda o estylo equino. Vai- lhe a phantasia tão recheiada de visões hippicas, que as imagens que lhe occorrem nao sSo de outro género. Piríoteoit pela campanha da Htteratura. Que gentileza de me^Aphora ! A Htteratura convertida em campanha, onde se pinoteia ! E' da mesma ordem da civiíisaçao que babuja. Descobriu-se o Chiarini da Htteratura.

2.* O que eu disse foi como comprehendia o cavallo do pampa, e nao o cavallo do gaúcho ; sao idéas bem differentes. E' preciso que Sénio, por amor de si mesmo, tenha presente o seguinte: que & improbidade litterá- ria doá palestreiros jesuítas deveu Pascal em grande parte o seo majestoso triumpho.

Accrescenta o nosso fidalgo oppositor : « Ora, Sr. Semprónio I Vd esbrugar os seos indios do Jagiiaríbe, e fp,iando lhes tiver tirado o cascão, etc. » Bôa dúvida ! Grande achado !

Que o>í taes indios tinham cascão, e do mais espesso, foi o auctor o primeiro que o declarou, alto e bom som. Leiam a nota 1* no final do vol. 1*.

Semprónio, provinciano bronco e obscuro, nunca pretendeu ser tido por grande cousa, por formador de eschola, Htterato inatacável, philólogo inerrante, sábio illuminado. De taes velleidades não se accusa. Escre- veu, garatujou aquillo por mero desinfado. E ficará em excelso agradecido ao pio leitor, ao próprio Sénio, m se dignar indicar-lhe os erros, porque se elles nao forem irremediáveis, promette tentar emendal-os con- forme poder na 3* edição, se resolver dal-a Chateau- briand, dócil ás licções dos críticos, nunca se despresou de corrigir suas obras. E' elle mesmo quem nos con- fessa que, sendo reimpressa a Atala onze vezes, se con- frontassem essas onze edições, apenas incontrariam duas inteiramente similhantes. E' que pelo menos dez vezes a Atala teve cascão. Antes quero pensar com Cha- teaubriaud do que com Sénio (perdôe-me elle a prefe- rencia), que emperrou, emperrou

Semprónio estava uma vez muito caladinho no sea canto, quando recebeu o 1* numero da República (diá- rio que se pubHca n'essa corte) trazendo um formoso e obsequiosíssimo juízo crítico sobre os índios. Era da

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penna do Sr. Silva Maia, cavalheiro que o auctor n&o tinha nem teve ainda a fortuna de conhecer.

O Sr. Silva Maia, julgando da acção, dizia o se- guinte :

« E' esta por ventura um pouco arrastada e longa, e interrompida não poucas vezes por incidentes, talvez alheios ao seo movimento e desinvolvimento, etc. »

Semprónio toma o livro, folheia-o, medita, e conclue confessando á sua consciência, como ao público o de- clara .agora, que o Sr. Silva Maia tem carradas de razão. Eisahi.

Acceitar com reconhecimento e gáudio salutares instrucções e advertências, por mais elevada que seja a posição que se occupe, sempre foi próprio do es- col dos espíritos. O que me parece triste, e das me- diocridades desabridas, é perseverar voluntária e obstinadamente no erro por amor de preconceitos vãos.

O mundo é uma eschola, onde se pratica, não o elogio, senão o insino mútuo, com esta circumstancia porém que não ha magister super omnes.

Firme n'estes princípios é que Semprónio irá tam- bém esbrugar e dissecar a Iracema e a Diva^ que, segundo alguns, têm moléstia na pelle ( elephancia» de estylo ), e, segundo outros, talvez mais bem avi- sados, o principal defeito está em alguma mielite ou alguma viciosa disposição da espinha ( destempêros de acção e de characteres ), d'onde vêm os corcovos e B& suturas ósseas, que lhes dão a figura de monstren- gos.

Notarei : nas delicadas operações, que vou con- tinuar, nunca os erros, as fragilidades, os arroubos disformes, os caprichos frívolos do auctor farão Sem- prónio deixar de ter para com Sénio as attenções devi- das ã sua edade, posição social, admiráveis talentos, illustre pessoa, e particular character. Sénio precisa mais de ter quem lhe diga certas verdades proveitosas do que de pão para a bôcca. Hei de dizer-lh'as, apoia- do na minha bôa fé, em meo desenvolvido espírito de rectidão.

Não é de hoje, uão é no interesse de quem quer que seja, que reajo em nome das lettras nataes. As minhas cartas sobre o Gaíicho, posto que agora publicadas, foram escriptas ha perto de um anno, e, o que é mais, estiveram todo este tempo ahi na corte. Scei que de tudo isso tem Sénio notícia.

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Repito: estou plena e profundameate convencido •de que, procedendo assim, presto serviço ao Bra- 2il. A crítica, que se preza de justa e independente, é inquestionável agente de progresso ; poe diques «(deixem 1& falar) aos extravasamentos das imagi- nações superabundantes, alimenta e aguça os estímu- los productivos, apura o liquor das boas fontes sem estancal-as.

Nsio sSo mais brazileiros do que eu, os que têm o incenso que embriaga, e nunca uma palavra de ju- diciosa e firme admoestação. Muita vez o applauso é desserviço, e quando perenne, converte-se em nojenta 6 nociva idolatria. Admira que os mesmos que alar- deiam querer espancar o chamado fetichismo político^ estejam alimentando o fetichismo litterdrio^ real, fu- nesto e enervador.

Serão da injustiça mais injuriosa e acerba, se me tacharem de iconoclasta de imagens da terra ; o que faço é, do fundo da minha obscuridade, aponctar a eiva ao ídolo, e pedir que o reparem, para que nfto caia aos pedaços.

Quem souber commover-se e orgulhar-se com as grandes cousas ^da pátria nSo o ha de saber melhor do que eu ; estão enganados ! Quando J. de Alencar, â^piples neóphyto nas lettras, escrevia desabridas cartas contra um brazileiro, a todos os respeitos illus- tre e respeitável, verdadeira glória do Brazil, o con- selheiro Gonçalves de Magalhães, alguém o chamou de iconoclasta de imagens da terra 'i Pelo contrário : houve de sobra quem o applaudisse e acoroçoasse. E' que ha homens que nascem sob um signo inteira- mente feliz : J. de Alencar é doestes.

Pois bem : nSlo faço mais do que seguir o edificante exemplo de J. de Alencar.

Fico com o escalpello sobre a Iracema .

Teo amigo e admirador sincero

Sbmprónio.

o MCE30 IVO>IE3.

Apparecendo pela primeira vez perante o público doesta capital, natural é que alguém pergunte quem sou* d^onde vim, e para onde vou. Ora, como eu sou do «éculo da publicidade, vou pôr tudo aqui em pratos limpos, afim de n^o deixar a mínima dúvida.

58 XXIY

Como se verá na fralda d'esle escripto, chamoHoae Oilon. Nao é nome que me pozessem na pia do baptis- mo : assim como Ha muita gente, que abandona 06 no- mes, que seos pães lhe deram para tomar outros, qu^ muitas vezes valem menos, assim fiz eu , appro- veitando o exemplo.

Mas porque razão dei eu preferencia antes a este que* a qualquer outro ?

Eu explico. Otton é o nome de vários individnos conhecidos na história : entre elles pelo menos tres imperadores.

Ora eu queria um nome, que impozesse às turbas : pareceu-me qiie este estava muito no caso, nao tanto por ser nome essencialmente monárchico, mas porque com pequeníssima variante se transforma em outro» perfeitamente republicano.

Eu sou monarchista, isso sou eu ; porém não scel quanto tempo isto ha de durar. Nos dias que vao cor- rendo, um homem muda de posto com mais facilidade do que muda de camisa.

Supponhâmos que sou chamado ao ministério : é difficU, mas nao é impossível. Se houver eleiçSo se- natorial, là meincaixo eu ; e que hei de intrar na liâta> isso é dos livros. Mas não sou escolhido : republicano no caso. O cao dos Animaes Falantes^ de Casti, o fuib- dador da monarchia leonina, porque o demittiram,. foi para o campo do elephante.

Porventura nao houve ahi alguém que tomou o no- me de Sènio? Porque? Sem dúvida por ser com peque* na alteração o anagramma de nhcio. Eu tomei o nome» Otton, porque me serve, emquanto a cousa me correr bem , mas em me chegando a mostarda ao nariz, ldrgt> cutellos e varredouras : é apenas um risquinho e um pinguinho ; estou cá, e estou !

No tempo em que o wapor nao fazia mover carros nem barcos, e nem havia telégrapho eléctrico, a cousa nao ia a^sim : as idéas andavam tao de vagar como as pernas. Ainda por ahi ha muita gente, que para obter o seo retrato, depois de dar quinze ou vinte se^sOes ao seo pintor, tinha de esperar seis mezes. Hoje é negó- cio de segundos, a tres mil réis a dúzia.

A gente fala das cousas, segundo o modo porque as : mas os olhos sao màchinas photogràphicas que appresentam os objectos de diíFerentos modos.

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A inveja tem os olhos vesgos, nao é assim? que eu, excluído, hei de ter inveja do escolhido, isso nao admitte dúvida. Ficam-me os olhos vesg-os : de Otton que sou, passo a ser o meo simile, por outra, de monar- chista que sou, passo a ser republicano de papo ama- rello.

Tenho falado muito de mim : para outra vez falarei dos outros*

Otton.

TRAGEDIA Igtiez de Castro.

Se o nao conhecem, deixai-o-hao seguir sem atten- tar n*elle, e sem lhes passar pela mente que vai alli uma grande intelligencia, uma alma nooilissima e um coração de pomba.

Júlio de Castilho é assim : crenças, puras como a dos primeiros annos ; coração, vivíssimo como o dos vinte ; talento, profundo e sólido como o dos cin- coenta. Modesto (sincera e demasiadamente modesto), imaginando insignificância quanto faz, mesquinho quanto inventa, rachítico quanto concebe, ó pasmo de quantos lhe sabem estas virtudes a noticia de que um trabalho seo vai ser lido em público ou publicado em livro. Se o virem n'um gabinete, em que é tantas vezes o primeiro, julgal-o-hao o último, tal é a timi- dez com que expõe a sua opinifto sobre o assumpto que se discute. E, não obstante, poucas vezes hade um pae, immortal como o d^alle, confiar aguardv fu- tura do seo nome a um talento tao seguro como o de Júliq de Castilho.

Tem fácil explicação este character. Educado por uma senhora, toda virtude, toda carinho, toda saber, senhora que ainda hoje é prancteada por tantos pa- rentes e estranhos, foi-se aquella alma abrindo ás luctas da vida, entre exemplos de resignação e de amor, despretenciosa e modestamente praticados entre as quatro paredes do seo lar. Se se soltava dos braços da mfte estremecida, para voar ao collo do pae, d'a- quelle pae de quem elle foi sempre o inlêvo, via-o longas horas do dia intregue ao trabalho sem trégua, ao e>tudo sem infado, como se elle, que tanto sabia, tivesse ainda tudo que aprender. Se ouvia falar es- tranhos, podia, creança ainda, levantar a fronte aL

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tiva, pelo culto de veneração e de respeito com que era repetido o nome d'aquelle que lhe dera o ser. Se assistia aos saràos litteràrios, contemplava attónito a , multid&o que corria a ouvir a palavra do seo mestre e melhor amigo. Finalmente, se folheava o Méthodo portuguez^ segredava-lhe a posteridade o nome de seo pae.

Que mais fora preciso para fazêl-o tremer ante a idéa de firmar com um nome tão glorioso um trabalho seo ? Que importavam conselhos, que valiam incitamentos de amigos, se mais alto lhe falavam as imposições d'esse nome, e o respeito com que elle era repetido ? !

Tal foi a lucta d'aquelle espirito até 1863. N'esse anuo começava a surrir-lhe a vida : jia posse de um anjo lhe baixara uma primavera de flores. Embriagou-^ o perfume d^ellas, e cego e surdo a tudo, para vêr a candidez e ouvir a voz harmoniosa da esposa que me recêra a Deus, foi-se cantando, cantando amores, que tempos depois publicava com o titulo formosíssimo de Memórias dos vinte annos,

E fugiu.

Como a avesinha innocente que, ao som do tiro do caçador, solta o vôo em busca de outro refúgio, assim fugiu aquella creança para o campo, involto nas azas do seo anjo. Corou de si próprio, do seo ar- rojo, e a nSo lêr nos olhos d'aquella cândida pomba o bem hajas ! teria volvido a comprar todos os exemplares, para que ninguém podesse ler o seo livro.

Nas saudações da imprensa, nos parabéns dos ami- gos, via elle apenas indulgência e amizade ; e se um dia se convenceu de que a sua estreia tinha algum valor, foi preciso que um parente, tao sábio como austero, lhe dicesse largamente o que pensava do seo livro. Foi-lhe o único voto insuspeito, nao porque o dictasse menos amizade, mas porque lhe exigia a in- trega immediatade todos os seos versos inéditos, para que. áquelle volume se seguisse outro, e outro, e muitos,

Publicaram-se entfto os Primeiros versos ^ e nfio me- nos festejado foi aquelle volumesinho. Em todo elle se revelava a herança do pae ; gemia-se com o gemido d'aquella harpa ; surria-se com o surriso das flores que lhe ingrinaldavam a fronte ; respirava-se em todas as páginas poesia e amor.

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Após tao supremos esforços, pediu tréguas. Preci- sava rrpouso que nSLo tinha : prostàra-o a anciedade, o receio de insombrar as tradições dos seos, e depoz a lyra, para a tanger três annos depois, rica de nova harmonia e de sons dulcíssimos.

Um dia despertaram os seos íntimos, aquelles a quem é mais familiar o tracto das lettras,. com um convite para assistirem á leitura de uma tragédia do moço es- criptor, intitulada Ignez de Castro. O próprio cartão de convite o photographava : a um cantinho de linha, em lettra mais trémula e sumida, as palavras drama de Júlio de Castilho^ como que se escondiam invergo- nhadas I

Ninguém se escusou a tal convite, senão os que a doença impedia de tomar parte em tao appetitoso coma raro festim.

A's 7 e meia começou a leitura, perante um selecta auditório. D'aquelle róo eram juizes em primeira instan- cia Pereira da Cunha,Duarte de Sà,D. António da Costa, Freitas e Oliveira, Silva TúUio, Castilho e Mello, Dal- huaW, Biester, conselheiro Lisboa, visconde de Al- menaro, Álvaro Paes, Luiz Philippe Leite, dr. Acácio Caldeira, Júlio Machado, Roma, Bulh&o Pato, Zacha- rias Aça, Xavier, José Aboim, Silva Ramos, dr. Hen- rique Leal, e Ramiro Guedes. Se o vísseis passar a vista, inquieto e offegante, de um ao outro extrema do gabinete, veríeis que tortura lheian'alma, tor- tura <^ue ia morrer ante as cans venerandas de um astro immenso, que em frente a elle o animava e a incitava : de seo pae, o Sr. Visconde de Castilho.

Fez-se profundo silencio, apenas quebrado pelo arfar descompassado d*aquelle peito, contrastando com a serenidade do pae e a convicção em qn.e estavam todos os convivas de que o banquete havia de ser digno dos convidados.

No fim de cada acto, fugia Júlio de Castilho, a res- pirar a sós : os que o queriam abraçar, que eram to- dos, iam ihcontral-o no poncto mais escuso dos gabi- netes contíguos, e era para ver com que attençao ouvia conselhos e parabéns de todos, como a todos agrade- cia com o coraç&o nas mãos as palavras de sincera ad- miração qiie lhe tributavam.

Isto pude contar ; mais não scei, nao me cabe a mim, único que estava deslocado n'aquella sala : o oue tan- tos talentos lhe diceram, nem sequer em é aado re-

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petir. O que vou dizer, perdoem-m'o e suppoDhauí que me chegou aos ouvidos, ora aqui, ora alli, doutre os diversos gruppos que ajuizavam da tragédia.

Nao scei que Júlio ae Ca-tilho podesse metter hoin- bros a empresa mais afaiiusa. Se era muito o ter de atbender á palavra da historia, ao character dos perso- Dageus, ao estudo da épocha, ao desenho das figuras que tinham logar n^aquelle quadro, ás exigências de um poema dramático, á ligação racional das scenas e dos actos entre si, era tudo o confronto com a immensi- dade de tragédias a que tem dado assumpto aquelle thema ( algumas das quaes, de subido valor ), e a difi- culdade de prender a attençao de espectadores, que todos conhecem a fundo as peripécias da tragédia, em que nao ha o imprevisto, em que cada figura que entra em scena é esperada, e para dizer palavras que todos sabem.

Pois tudo salvou Júlio de Castilho : nenhum dos espectadores, apesar de lidos e versados nas leitras, tinha até então visto ou lido a Ignez de Castro :tudo era novidade, tudo era attrahente, commovedor, suberbo ;' ^, nao obstante, a parte histórica estava respeitada nos mais insignificantes ponctos.

Como conseguiu tanto o moço escriptor ? Como soube fazer chorar com elle, arrebatar com os arrebatamentos da sua lyra, enthusiasmar com os enthusiasmos, can- tar amores com os seos amores? Lereis um dia o livro e sabel-o-heis : com a maior opulência de estylo, com a maior suavidade de versos, dando á rainha o amor de mâe que vira na sua ; ao sr. rei D. Affonso o valor de que são capazes os reis portuguezes ; a Ignez de Castro, o céo de encantos que lhe a SUA Ignez de Castro ; ao velho Almada a lealdade, o conselho e a prudência de seo extremoso pae.

Aos 30 annos náo se escreve melhor ; aos 50 dificil- mente se escreverá tao haa : na sua edade ninguém firmou assim uma reputação de verdadeiro talento. Lede aquella scena entre o rei e a rainha, a da rainha e Ignez, a de Ignez e Pedro ; ouvi á rainha dizer o que é o povOj e convencer- vos-heis de como fica bem per- petuado em Júlio de Castilho o prodigioso talento de António Feliciano de Castilho.

Dictou a admiração, nao a amizade, estas linhas; se as tomarem por affecto, por delicadeza ou testimunho de cada um doa íntimos que ouviram a leitura da Igiits

XKIV 63

Castro^ provará i&so que sou apeaas echo de quem, com direito inço atesta vel, coroou poeta a Júlio de Castilho.

Lisboa, Octubro 31.

A. DE Castilho.

A causa do réo discute-se perante o seo julgador.

« Que houve crime, é cousa liquida » diz o forte accusador.

« Sim I A prova nao é sólida » responde-lhe o defensor.

Se de Homero o poema, antigo e celebrado, coube dentro da casca estreita de uma noz, quando o infinito fòr e bem e bem dobrado nade vir a caber n'uma casca de arroz

Quintiliano,

Dou & luz para a semana o liodo romance— Til ! E' serio ( diz a República ). Quem diz que é poisson d* Avril I

O rei das lettras brasileas vai para o meo rodapé I ! Como Sardon na FerlíUinda exclamo em júbilo : cc / »

O' folhetim de espavento, tu nos vais cobrir de glória ! D'esta feita a oossa folha grimpa ao templo da Memória I

Quem vence a Scott em Romances, e é nas Leis mais que Lycurgo; Quem desbanca atè Shakspeare se se mette a dramaturgo ;

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quem cr«ou 01 fato e Olho nas ricas Minas de Prata; quem fez a pobre Iracema parir em como pata ;

nos campos do Rio Grande quem põe rocíns a falar; o da âmbula do infinito, o que faz côncavo o mar ;

o chefe da pátria eschola, co'opseudónymo Cazuza^ cedeu-nos, ó glória, um fhicto de sua fecunda Musa.

Ides ver a flor mimosa do seo vasto repertório. O' leitores, preparae-vos para mais um purgatório !

Pompeo.

ANJVLNCIOS

Qi.E.sTr)ríf DoniA. Veiulo-se j^or 3$000 rs., brochado, ou por 4S000rs. , iuquaderiiado. o I./' volume dVsta tolha.

O Bmaval, jo^rnal (Iti Liabôa. N'esta corte, sao corres- ] oiuUnírs d'esta folhii os »Sr.s. E. e II. Laemmert, em "lija c: sti SP tem: m ^ossigiiíituras por aiino a 158000, por seii:e.síri^ a SSOOO ; c .-.e rocThem anmincios. para -rrpin i«ii^)licíido- m^ P.raztl íi 60 r?. j.or Imha ; tudo ib>'lif*ir«) t\o íiiiprri^. ;Fm Li.-Ka. rua Au{riif>ta u 188: íírtJan^ro. Ant«;ino Mana de Castiih'^ : Adminúirarão, Pedro A. d'Almeida.)

'.y, : ;::!;.- ij;i:'..i::l- Lu; íc •:• )^fl(7í'1 n- i . 1-j<* A .

QUESTÕES DO DIA

N. 25

RIO DE JANEraO, 13 DE DEZEMBRO DE 1871.

Vende-se «m casa dos Srs E- & H.LaemiDert.~Ágostinbo de Freitas Gui* narães & Comp., 26, rua do General Camará.— Livraria Académica* Rua de S. José n. 119— Largo do Paço d. C— Preço 200 reis.

Bio9rapli.la d.e SC. o Imperailor do Brasil

E' mui conhecido o Esèudo Biogrdphico^ traçado ha alguns annos pelo respeitável McHisenhor Joaquim Pinto de Campos, e puolicado no periódico litter&rio O Fuluro, redigido pelo admirável poeta da natureza, Faustino Xavier de Novaes, t&o prematuramente rou- bado ás lettras e a innumeraveis amigos.

Bem era que um dos primeiros soberanos tivesse a sua biographia feita por uma das primeiras pennas doesta terra, e publicada por um dos mais talentosos hóspedes que *nella hao sido recebidos, e reproduzida agora na nação-irmã por um dos primeiros prosa- dores de que Portugal se honra.

Coube pois, e muito naturalmente, a Cainillo Cas- tello Branco, o honroso incargo de presidir à ediç&o

?ae de parte d'esses opúsculos se acaba de fazer no torto, o que acaba de sair á luz, em nítida ediçSlo, com o retrato do Sr, D. Pedro II.

Camillo Castello Branco, tao facundo como fecundo escriptor, tornou-se uma das priífcipaes glórias do nosso idioma. Desde muitos annos ^ue 'nelíe se dis- putam primazias as mais raras qualidades de que um auctor possa orgulhar-se : pureza, vemaculidaae, ele- gância, sciencia, sentimento, graça, imaginaçSo, pro- priedade, estudo, fidelidade, tudo coUocado^ a seo tempo, tudo posto no seo lugar. Tal é a superioridade das p&ginas d'essa admirável penna, sobretudo nos últimos lo ou 15 annes, que um de nossos primeiros poetas e prosadores, considerando-o clássico em vida, tem inriquecido o sèo diccíonário com centenas de pa-

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lavras e phrases, consagradas por aquella formosa penna de Camillo Castello Branco.

Inimigo de indeusar poderosos, repugna ao sec cha- racter tractar de assumptos que prendam com encómio a elles ; mas o Sr. D. Pedro constitue uma excepção ; nunca em ser justo pode haver desar.

Damos pois em seguida a Advertência^ com que o primoroso escriptor incepta o livrinho. Formamos, por elle e pelas lettras,votos por que se restabeleça da grave e obstinada infermidade que o acabrunha. Viera Camillo a Lis^ôa,em princípios de octubro, com tenção de se demorar uns 15 dias ; mal eram passadas 24 horas, tornou-se arrebatadamente para o Porto, com medo, dizia, de morrer separado dos filhos. S apezar de tudo, e de se lamentar que sente apagada em si a luz da imaginativa, e o &nimo para trabalhar, e até para escrever, censta que nos curtos intervallos em que a doença lhe folga, vai sempre escrevendo obras novas. Esperemos que os receios do doente sejam infundados, e que tão preciosa viaa se prolongue largos annos para honfa e lustre da lingua que fa- lamos.

A citada Advertência é do seguinte teor :

A biographia do Sr. D. Pedro II, trasladada 'neste livro, é escripta por um dos mais insignes litteratos do Império brazileiro. Monsenhor Joaquim Pinto de Cam-

Sos, 'nesse primoroso trabalho, revela do:es superiores e bem pensar, de bem escrever, e o que mais realça de manter a verdade histórica, a respeito de um principej vivo, sem incorrer, se quer, na venialidade da lison a. «

Foi publicada esta biographia em um periódico lit- terârio do Rio de Janeiro, annos antes que o Brazil fosse apalpado pela mão da trabalhosa guerra "*ue mais relevantes lhe tornou os merecimentos ao louvor, após a suspirada victória. E' muito para desejar que a vigorosa penna que tao magistralmente urdiu a his- tória da pacifica existência de Sua Majestade Imperial, nos descreva os corajosos alentos insinuados peio au- gusto imperante no ânimo brioso dos generaes quo lhe honraram o reinado, tanto quanto se nobilitaram ser- vindo o império.

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Os factos, porém, relativos ao período deplorável que perturbou temporariamente a prosperiaade do Brazil, sacrificando á honra as vidas de muitíssimos filhos seos, s&o recentíssimos, bastante notórios, e vi- riam supérfluos, sobre dissonantes, :ie outro historia- dor os relatasse.

Este livro não se apresenta occasionado somente pela visita com que o festejado Imperador honrou a terra de seo augusto pae e avós. Cabe-lhe mais elevada graduação e quilate de outra mais nobre espécie, por que ha ahi páginas identificadas ás da história de Por- tugal, e relanços capitães da vida política do Brazil, mal conhecida entre nós, da lo que por amor da língua e costumes, e das relações commerciaes, e da tao vasta quanto respeitável colónia portugueza n*aquelle im-

Íério, nos estejamos sempre mutuando affectos como e irm&os.

Houve quem, possuindo o periódico em que Monsenhor Pinto de Campos publicou os seos preciosos artigos, se lembrasse de responder com este livro à curiosidade de muitíssimas pessoas que de nome apenas conhecem o augusto hóspede que tantas affeiçGes grangeou em Portugal. 'Nesse estimável pensamento fui convi- dado a coUaborar, em parte assim insignificante quanto dispensável ; porém, como na ci.ada biographia super- abundassem notas circumstanciadas de iilucidaçoes politicas menos interessantes para portuguezes, cedi a eliminar 'neste traslado as menos precisas na narra- tiva.

Nao scei que impressão deixará no ânimo do leitor a biographiade tão bondoso quanto illustrado príncipe. Deve de ser estranha, attenta a raridade dos vultos majestosos d'este porte que nos offj^rece a história con- temporânea : e deve de ser melanchólica, se inrràmos em confrontos, de que não podemos tirar senão traços que nem os thuriferários abjectos podem fazer pare- cidos entre si. Figurou-se, outr'ora, que a Providencia nos dera um rei com o coração aureolado por grandes virtudes e talentos ; mas, um dia, fechou-se uma sepultura ; e a bella alma, que se alumiou em es- treita de eterna saudade para portuguezes, não pôde baixar com os seos resplendores até o throno d'onde subira.

68 XXV

A' primeira vista, avulta-se a nas certos illumÍDadoí> na arte de governar que os reis constitucionaes dis- pensam a prática das DÍbliotheca^, c o tracto dos bons exemplares em matéria de reiaar. Nao é bem afisim, posto que 86 haja ahi eacripto qae D. João III fora rei magnifico, mas que a muito custo soubesse deletrear os Regimentos da laquisiçSo ; e que D. João II, o assassino de dons duques, aeos reaes parentes, nao era também melhor lettrado.

Seja como Fòr, a ignorância áo!j reis nfto é cousa a que devamos consagrar poemas, invocando as tágides, nem 03 Pyndaros modernos lhe poderiam ajustar os seos épodoa cantados ao tiarpejo da^ guitarras pala- cianas.

Eu, por mim e em nome do^ amantes dos scos ruis e da glória da saa terra, quereria que de todos os sobe- ranos portuguezes sapodesse dizer, sem iis fragrância» do tomilho da adulação, o que Monsenhor Pinto de Campos tfto luminosa como verdadeiramente compta do augusto Imperador do Bra^íil.

Camillo Castbllo Branco

OBKAS DE J. DE ALENCAR - A IRACEMA I

Meo respeitável amigoi

Visto que estas fartas se devera intender contí- nuaçno das outras sobro o Gaúcho, nao me deterei em nova exposiçaii deiuotivos. Inrontrarás na^ primeiras com que .npprir a deficiência das últiuiM. Entro, pois, sem mais tardança na matéria.

Representa o Gaúcho o ponto extremo da decadência da Sènio até hoje.

D'eutre todas aa obraa da sério que inceptoii sob o »ovo pscndiinymo, nenhuma, qnanto n mim churticte- riza melhor o esvaecimenlo ilris iUui^es juvenis ou viríe, a «na litteréria seriectnd-^

Açha-aa o aucior de ta! forma iil«niÍfi<rado cum este 8eniim#nto, tao despovoado o #rmo cntihene o coffni do

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deo espirito, tão regpelada a sua phantasia, lAo decré- pita a 9or dos sonhos resplaxadecentes^ que q appellido que adopta é o de Sénio. Confessa-se velno, quando a htteratura natal tinh«k o direito de o suppor moço ainda. Tiriste destino o da pátria !

Estas nossas conjecturas n&o h&o arbitrárias. Depre" hendem-se das phrases repassadas de angústia, de acerba descrença do prólogo, que vêm na Pata da 6a* zella^ que se repete ipsis verbis no Gaúcho^ e que terá talvez de ser ainda reproduzido ipst« virgulis no Til^ que pomposamente se annuncia e com antecedência se fes- teja como um primor. Dir-se-bia que o auctor, persis- tindo em nfto desligar das obras tao solemne e signifi* cativa confidencia, quer fazer crer que o sopro, que acaba de lhe crestar as mais intimas e pulchraa illusoes, foi-lke de veras certeiro ao coração, afogou-lhe as aspirações mais elevadas, derrocou-lhe de uma vez para sempre os mais esplêndidos e agigantados cas- tello.*? ! Accompanho-o de coração na sua rude e cruel dÔr.

Mas .se o Gaúcho exprime o poncto extremo, a /ra- cêmaf com que me vou occupar, é, pelo contrário, o poncto de partida da queda do astro, que descamba em marcha rápida para o occaso, quando não espargira ainda luz suficiente para que se presumisse ter chegado ao zenith.

Não incontraremos, pois, aqui aquella copiosa» aquella inexgotavel messe do Gaúcho, cnpaz de fazer, por si, a eterna fortuna de um vindimador hábil, paci- enta e desfructador. Todavia teremos muito que res- pigar. O campo promette.

Qual a razão da differença de feição e de organização, entre os dous filhos do mesmo progenitor ? Explica-se bellamente: .são seis annos antes df^ dTecadencia que vão do primeiro ao último.

Este, posto que ataviado das lentejoulas de um es- tylo deslumbrante e fallaz, logo á primeira vista é a moio de disformidade, que nada pôde disfarçar ou il- ludir, porque o volume é descommunal e enorme. Com o primeiro se não o mesmo; é preriso que o observador consciencioso se approxime mais, e estude com alguma detença aquelle character esquisito e todo de mera creação phautástica. Mas não vacilleis, não receeie um instante não achar com que cevar a boa

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critica. Pelo contrário encontrareis sem grande custo as tortuosidades ou as depresOes da débil e pállida cre- atura.

Sabes, meo amigo, que a Iracema tem a pretençfto confessa de realizar o typo da poesia brazileiral O auctor, na carta final dirigida a um amigo, assim se exprime « Este livro é^ pois^ um insaio ou antes amostra. Verd realtsadas 'nelleas minhas ideas a respeito da liltera- tura ruicional , a^hard ahi poesia inteiramente brazileira^ haurida na língua dos selvag&ns. »

Se a carta precedesse a obra, o leitor intendido teria de cair das nuvens, lendo esta. EUa importaria a de- cepção, o esmagamento mais formal da espectativa con- cebida com a pomposa promessa do auctor.

Como, porém, a carta segue o volume, e pôde ser lida quando o leitor deve ter formado idéa mais ou menos approximada d'esse poema in anima prosaica^ involuntariamente sobr'estará, e attónito c perplexo inquirirá a si mesmo: '

« Pois é esta a poesia eminentemente brazileira, offérecida como padrão de belleza e de verdade "? »

N&o se dissipam as mil hesitações. O leitor fecha o livro 6 perde-se-Ihe a mente n'um mar de conjecturas. O quQ elle sente Jistinctamente é que tem o ef; !rito cançado e oppresso, depois da leitura da obra-modêlo.

A poesia do selvagem deve ser simples, e aquella é um artefacto de múltiplas combinações.

Deve ser singela, e aquella é apparatosa o vai- dosa.

Deve ter certo cunho de energia, certa expressão de braveza, e aquella tem a feiç&o e o requebro do uma poesia fláccida e feminil.

Deve ser espoatânea, desegual nas sua^s formas, e aquella é forçada, porque se mede e bate a com- passo.

Deve arrebatar, e aquella opprime e prostra o espi- rito.

Como I Pois aquelle pôde ser o selvagem brazileiro ? Aquella a sua linguagem ? Aquella a sua masculi- nidade ? Aquelks os seos fogosos sentimentos ?

A Iracema foi localizada nos sertões do Ipú, ataquem Ibyapaba. Deixando, portanto, a savana, parece que tive de dar um salto mortal : n&o é assim, meo amigo ?

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Pois nem por isso. A transição foi fácil, embora desnaturai. Os extremos tocam^se.

A impressão, que experimentei, ao intrar no pampa, segundo os desenhos desvairados do »Sénio, foi a de quem penetrasse n'um cemitério. Lembro-me até que Sénio compara a savana com a vasta lápida.

E sim. Surprende-se ahi a raça humana rebaixada á última degeneração animal abysmada, desapparecida, morta. O pampa é uma neerópoli.

Se, porém, das solidões do pampa retrahindo-nos um pouco vamos ter às solitárias florestas e planí- cies dos tabayáras^ o espectàcula muda, a impres- são é diversa, sim, mas congénita. As extensíssimas paragens que rios bordam e florestas delimitam, figu- rara leitos de um hospital immenso,sombrio e merencó riol Contempla-se alli sei.^ annos antes, ainda a raça do homem, victima de morbidez ede lonsuni] çSo

Ora entre o hospital e o cemitério ha um passo « Bem poucos passos vào da vida d mo7*le diz o poe'

ta. O que ha notável a fazer aqui, é dar esse passo....

para traz.

E sim. Nas savanas austraes, homens e cavallo^ identificam-se, confundem-se, vasam-se uns nos outros» nas extensões do septentriao os homens, posto qu® selvagens, o que quer dizer a personificação do arro- jo, da petulância, do ardimento da correnteza ou do TÓrtice tresandam a effeminaçao e a moUeza e nao sao mais do que a negação completa da gentileza tradi- cional de Ararigboia ou de Jaguarary !

Resumamos: Da raça colossal do norte fez J. de Alen~

car um inferno; da raça esculptural do sul fez

Sénio um... cadáver! O que resta dize-me tu d'essas immensas e originaes grandezas, d'eisas pomposas e estupendas herculeidades, nunca^ assaz exaltadas, do Brazil ?

Desgraçado, misérrimo Brazil ! E é um filho, e um grande filho teo, quem d'est'ane te desfigura e rebaixa! Oh I dor I

Sim. Tao intensa e verdadeira é a pena que me punge, ao meditar um pouco sobre estes estranhos ca- prichos da sorte, que a afflicçao me vence e cai-me a pennn da mao.

Sempronio.

72 IXV

Sex.ta oai:*ta

DE CINCINNATO A SEMPHCNíO.

Rio, 8 dezembro 1871.

Le monde marche^ n&o ha dúvida nenhuma ; cami- nha por uma estrada larga ; se é estrada real, ou de Pantana, os Paduanos dirão ; mas que elle marcha, isso é de fé. O andar é lei geral de toda a animalidade: até o caranguejo ( como qualquer Sénio, ou outro bi- pede mais ou meuo."^ conhecido ) anda.

Ora eu te digo o que tenho, em parte lido, e em parte visto, demonstrativo de certa casta de progresso^ que progride a olhos visto.

Da janella de uma casa, da rua do ouvidor, gesticu- lava um bemfeitor da humanidade ante uma turba boqui-aberta :

« Meos senhores, concidadãos de fresco ! Vendo por uma tuta e meia um especiflco único, um bál- samo balsâmico, um elixir prodigioso, que opera ma- ravilhas, prodígios, milagres. E nao receeis a acçSo dos ingTedientes, illustres cidadãos! O meo elixir com- pOe-se de simples ; e em quanto eu aqui dispozér de simples, está a cousa navegada. Um boiao por 2 vinténs. A glória, a saúde, a felicidade, e tudo o mais por um cobrinho ! E' outro portento mais. Aqui está ; quem se chega ? 2 vinténs ; quem merca ? »

A raça dos charlatães ó antiquíssima, que digof a sua prosápia trepa mais longe ainda que o homem e sua creaçSo. Eu não juro nada, mas eis-aqui o que affirmam, e por conta do narrador, também antigo, pois é do século XVII, que fica mais próximo da creaçBo.

O primeiro doestes sympáthicos industriosos tomou posse da sua dignidade ( ou instaUou-se^ como dizem ) no Paraizo Terreal , e^Satanaz incarnou-se na forma de uma cobra. Dem^nstra-se esta incarnação com docu- mentos mais authênticos que innumeraveis perga- minhos qno por ahi andam, ou nEo andam... vamos a ver :

Em todos os tempos e logares, as propriedades e con- dições doesta linhagem de charlatães palreiros, e pres- tidigitadores saltimbancos, r.ão, no exercício da sua arte, nada menos de cinco:

1'. Mascarar-se. Assim o fez o pae-avô da família quando se mudou em reptil. Seguem*lho as licçoes

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modernos, quando, habilidosoa Protêos, se appreseutam, ora como reptis, ora como absolutistas, como conser- vadores, liberaes, republicanos, communistas, petrolei- ros, selon les besoins de la cause. E a final de contas, nao sfto nada d'isto, como Satan nao éra biçba, porque o que unicamente sao, ó especuladores talentosos, que a tudo quanto existe superpõem exclusivamente o poder pessoal das suas pessoinfuis.

2*. Trepar-se acima de um banco para pregar, As- sim o ínsinou mestre Satan, pois affirmam que a astuta serpe trepara por uma árvore, para conversar com Eva, e di2.er-lhe : « Comei esta maça, sem medo, porque logo se vos abrirão os olhos, e sereis como uns deuses, conhecendo o bem e o mal » Agora, ou na praça trepa- se no banco, ou no parlamento á tribuna, ou no iomal ao componedor, ou emfím a um telónio qualquer, d*onde se etnbace a humanidade.

3*. Dizer e comptar mentiras. E naquelle dia, Sa- tan segredou a Eva: Nequaquarn moritmini ! E foi por alli adeante, impingindo-íhe cada carapetao que te parto, e preparando a ampla estrada que hoje òs seos successores tao brilhantemente percorrem.

4*. Negociar com a credulidade e simplidd^zde dos outros. Assim obrou D. Satanaz, quando introu a seduzir aquelles papalvos, promettendo-lhes vida sem termo, eternidade de venturas, divinal scíencii, empregos rendasos sem trabalho nem complicação de cabeça, olhos enoriue.^, e o poder pessoal de um Deus. Tal e qual, comij os que preparam a república, pauacéa universal, que com me3ra(j>í ingredientes hade trans- formar tudo, isto é com farinha e carvão hade fazer arroz doce; instituição que hade substituir por va- rões, sparciatas, çtemi-nuines, os actuaes ambiciosos, servis, miseráveis ou desordeiros. Levou-sea tal poncto esto mandamento, que até se imagina que o povo hade accreditar nas palavra^>de quem hoje defenae o ama- rello, como hontem propugnou pelo azul e pelo roxo, amanha bradará pelo encarnado e pelo preto.

õ'. Vender elixires. A nossa avó bem caro nos com- prou a maçã que lhe vendeu a avó d'elles. E* a maça da communa, da Internacional, da liberdade, egtialdado ou morte, da república, de que Sénio seria digníssimo Presidente, cercado de um conselho que eu scei, se nao fossem certas dúvidas, que scei aíndn melhor.

74 XXV

Leio que Roberto Houdin (mestre, árbitro infal- livel em matéria de charlatanismo] narra um caso curioso, cujo resumo é este :

Passeava eu uma tarde, quando uma trombeta pró- xima me arrancou ás meditações. Corri, com muitos, e achámo-nos formando circulo à um distincto ar- tista. Era um latagao, olho vivo, atrigueirado, ca- beça que se interrava nos hombros, voz nasal, e can- galhas (ja se sabe nos olhos). Tive tempo de obser- val-o pausadamente, porque o subjeito, nao conside- rando o auditório assaz numeroso para merecer as honras da sua interpellação, poz o compadre a va^- concellar, e a estrugir-nos os ouvidos um quarto d'hora com a sua trombeta desafinada ; afinal o gruppo era satisfactório.O nobre artista circumvagou gravemente^ exhortando a recuar um pouquito, depois do que es- tacou, passou a mão pda guedelha, olhou para dentro dos óculus, recolheu-se em poética inspiração. Depois» com voz metállica e ingrata, exprimiu-se d'est*arte :

c< Claro auditório meo ! Atteução ! Eu não sou o oue pareço. Direi mais: sou o que nao pareço {Hila- ridade), Sim, nobre auditório, sim senhor: vocemecês tomam-me por um d^esses pobres diabos, que por ahi vogam á tôa,e julgam que eu venho impUrar ásua generosidade alguns cartões de bonds. Illusao, venerandos cidadãos! hallucinaçao ! deliriol Se eu vim pôr-me hoje aqui, foi simplesmente para allívio da humanidade que padece, em geral, e para bem de vo- cemecês em particular, assim como para seo diverti- timento [Vozes: muito obrigado).

Aqui o orador, que parecia de província do Nonc, pelo sotaque, passou segunda vez a mao pela gafo- rina, olhou á roda pelas cangalhas, metteu graciosa- mente o toutiço pelos hombros abaixo, dice uma pi- Ibéria á direita, outjH á esquerda, e continuou :

« O que sou, vocemecês logo verão. Assim como os profundos pensadores, os altos metaphysicos, os go- vernantes sagazes, os jurisconsultos exhorbitantes e os estadistas abstrusos, nas horas roubadas a suas enormes meditações se occupam de de§infadar e re- crear a humanidade, assim, antes de habilita-los a appreciar-me em toda a minha grandeza, peço li- cença de lhes appresentar, para os distrair, uma reles mostra df ninha perícia. (Grande homem ! bradaram dons Beócios).

XXV 75

Regularizou o circulo, abriu uma mesa de X, poz nella 3 copos de lata que parecia prata, e começou ^num chorrilho de habilidades pasmosas, tirando até com 03 dedos bolinhas do nariz de um joven especta- dor^que tanto tomou a cousa a sério,que se matou a as- soar-se para ficar certo de que nao flca^ram nos miolos mais bolinhas d'aquellas. Quando a assembléa estava emfím na melhor disposição, acabou o entr'acto, fe- chou a mesa, e fez signal de que ainda nao ficava por alli o Que tinha que dizer. Pousou ambas as patas so- bre a aita mesa, como se fosse a balaustrada de qual- quer tribuna parlamentar, e assim continuou :

" Claro auaitóríol [EUe nao era todo claro, por- que tiuha muito preto, mas isso não faz ao caso] (Aqui agora, tomou elle uns modos de modéstia virginal, conhecida caçadora de não apoiadoSy destinada a produ- zir certos effeitos oratórios). Tive a dita de fazer que vossas senhorias prestassem benévola attenção aos meoa innocentes brinquedos. MuitOÃ graf:as\ (Incli- nou a cabeça até o chão). Ora almejo por mostrar- Ihes que nfto estão lidando com um ingrato ; vou pagar-lhes a sati facção que lhes devo. Dignem-se escutar-me um instante.

(( Prometti eu a vossas senhorias dizer-llies quem sou, e vou desempenhar-i:.e. (Mudança súbita de pÂmo- gnomia^ à moda do TU ; sentimento de alta estimação de si mesmo). Os senhores têm ante si nada menos que o celebérrimo Dr. Carlosbach. assaz lhes indica a consonância du meo nome ser eu de origem angUhfrandsêo-germànicay privilegiada região, onde se vem ao mundo com uma coroa de louro sobre a fronte. Oh ! Fazer o meo elogio mais não seria que aer eu o intérprete do renome, com as suas cem bôccas de ouro e de azul.

?> CoQtentar-me-hei com dize^lhes, apenas, que tenho am talento que vai até o infinito e dobra ainda, e que a minha incomensurável reputação não pôde ser egaalada senão pelo meo puaor. Coroado pelo oscol dos liiteratos, chefe inconcusso de tudo quanto ha, águia que não inxérgo reptis, capitão mór da íntelli- gencia em todas suas applicaçoes, inclino-me ante o

1'uizo de todos os sábios (o Jucá Palreiro, o Quincas ^atusco, o Manduca Urso, e a mais concomitante caterva) que proclamaram a universalidade dos meos conhecimentos e e infallibil idade de minhas sentenças

78 XXV

alturas, como em dia de eleijio, o official de sapateiro chucha excellencia ; o caso é então que tenha um voto, como agora que tenha no bolso uma pataca).

'Nisto, lira da caixa o ex-doctor uma enorme ruma de folhetos, intitulados CoUecção dos discursos profe- ridos em diversos logares^ no anno do taly pelo pseudo- nymo Carlosbach. Vai-os offerecendo, a um e um ; e graças á sympathia que o seo disciacto talento, pro- fundo saber, e largo character haviam inspirado, vendeu toda a futrica, e teve de fazer outra ediçSU).

Finda a sessão, voltei para casa com a cabeça repleta de um mundo de sensacQes desconhecidas. Puz-me a parafusar no volume, mas o pseudo-doctor continuava 'nelle o seo systema de mysti/lcação.e.^ov mais que me mBtasse, não pude chegara comprehender uma única das tretas e peloticas, de que o auctor dava a inex- plicável explicação. Da minha pataca me consolou a interpellação que lhe ouvi, e ahi foi reproduzida.

Esta arte divina vai entre nÓ3 tomando incremento espantoso, e é para admirar o ingenho sagacíssimo com que se estende a publicidade até os derradeiros coniSns da... da não sei quê

Agora, a moda, meo a nigo, é inforcar uma toalha, ou uma verónica, de janeLla a janella fronteira 4^ ruas estreitas, e estampar nella o elixir que se vende na loja em baixo. Eis aqui alguns exemplos :

'Numa rua, vê-se uma das taes verónicas, com uma cabeça de porco pintada, e por baixo, artisticamente disposta esta inscripção : « Hotel do porco de prata. casa e cama barata. Aqui se faz óptima tripa ía- sopada, e vatapá de primeira qualidade. »

'Noutra, pin'ado um rato defuncto, e uma barata exânime, e por baix8 : «Guerra áa sevandijas ! Aqui se matam ratos, mosquitos, pulgas, persevVjos, bara- tas, e outros anicetos mais ; a 400 rs. o frasco !

Mas as que me deram mais no goto, são as veró- nicas estendidas,^ do primeiro andar do lomal Á Repún blica á casa da sapataria defronte. Uma d^ellas nuo é to- alha, é lençol: lettras góthicas e garrafaea; disposiçfto apparatosa, a que falta um realejo; e a redacção^ se me ficou bem na memória, é, pouco mais ou menos, a seguinte:

XXV 77

quem toma o meo b&lsamo, fica embalsamado por antecipação ; o homem toma-se immortal. Ah, senho- res, se bem conhecessem todas as virtudes do meo su- blime elixir, precipítar-se-hiam todos sobre mim, para m'o arrancarem, atirando-me punhados de ouro ; nao seria distribuição, seria saque, seria...

Parou um instante, para limpar a testa com uma mfto, em quanto com a outra, indicava aos ouvintes^ aue ia falar mais. A turba-mulcta queria chegar-se ao doctor ; Carlosbach fingia nao notar, e tornando á attitude dramática, proseguiu :

« Porém, dirão os senhores, que preço poderá ser o de thesouro similhante "^ Temos nós riqueza para tanto ? Pois bem I Vao ver a extensão do meo desin- teresse. Este bálsamo, para cuja confecção tenho sec- cado a minha vida, este bálsamo que soberanos com- prariam pelos seos sceptros, este bálsamo impagá- vel dou-vx)ro! ! !

A multidão, anciosa, fremente, parece ficar embasba- cada : mas para logo^ como se todos estivessem sob a impressão de um fluido eléctrico, todos estendem súp-

Slices braços, invocando a generosidade do doctor. [as... ó surpresa! é decepção I Carlosbach o cele- bérrimo, Carlosbach o bemfeitor da humanidade, larga súbito o papel de çharlatfto, e desata a rir homerica- mente. Como em mudança á vista, tran%forma-se a aoena, caem a um tempo todos os braços ; olham uos . para os outros, interrogam-se, murmuram, depois vol- tem a si, 6 sem demora propagasse o contágio do riso, €' era um choro geral de gargalhadas estrepitosas. O primeiro que pára é o saltimbanco ; pede silencio e iiz:

« Senhores meos (diz elle então com o tom mais natural do mundo], n&o me queiram mal por esta brin- cadeira:o que tive em vista com#sta comédia foi preca- vél-<os contra os çharlat&es que ahi os andam a embaír todas os dias, exactamente como agora o fiz. Nao sou doctor, mas um simples... um simples artista presti- diçitaiório, lente de mystificaçoes, e auctor de uma ocuiecçfto de discursos, como este com que ora os brin- da, e por entre os quaes vossas excellencias incontra- xfto g:mnde número de receitas de empalmaç&o. Que- rem vossas excellencias conhecer a arte de se diverti- ftm t Por uma pataquinha podem vossas aUeza.s satisfazer-se ».(Se dura mais, ia até majestade: 'uestaí^

80 XXV

Continuando 'neste systema, vê-se diariamente na 4". pagina da folha, um parallelogramma, rodeado de uma tarja, com isto :

I

ENIGMA PITTORESCO

f

DECIFRA-SB na RDA DO OUVIDOR N. 132

m

Uns teimam que aquillo é uma sobrancelha ou ujd9 sanguesuga mal feita ; mas a quem vai ao balc&o da República, dizem que é um TU mais mal feito ainda, mas que assignem para o correligionário, que é o que se quer.

Poderia dar-te muitas noticias d'este jaez, mas ja fiii mais longe do que talvez devesse. Deixemos por tanto* os accessórios,e passemos ao estudo do tal Ti/, título que ainda nSo farejo a que propósito venha, e que me pa-- rece como qualquer dns aiicantinus do Dr. Carlosbach.

Por hoje basta ; até cedo.

Teo respeitoso amigo

ClNCINNATO.

Tjp. e lith.— Imparcial— Bua Sete de Fetcrobro n. 146 A.

QUESTÕES DO DIA

]sr. 26

RIO DE JANEraO, 15 DE DEZEMBRO DE 1871.

Vende-se «m casa dos Srs E. & H.Laemmert. Agostinho de Freitas Gui- marães & Comp., 26, rua do General Gamara. Livraria Académica, Bua de S. José n. 119— Largo do Paço n. C.— Preço 200 reis

Segunda caz*ta.

DE MUCIO SCCEVOLA A QUINTO CINCINNATO

Honrado cidadão romano. Como discursámos das cousas que são, nao devemos esquecer as cousas que foram, e que nos serão sempre guias e pharol no meio doeste oceano revolto em que navegam os ntopistas e sonhadores de repúblicas platónicas, de visualidades aéreas e os íncolas do mundo da lua, que^ com toda a certeza, nao eram filhos de Adão. E% e foi sempre axioma de boa nota o seguinte : onde todos mandam^ ninguém manda. O chefe da fa- mília é sempre o supremo regulador da ordem e da direcção da casa. Ha uma perturbação no teor d*aquelle viver doméstico ; ha excessos ou afrouxa- mentos nas rédeas da vida íntima ; o que deve &zer o fâmulo mais ajuizado e mais sério da casa? é sem dúvida communicar ao chefe da família o

?[ue por alli vai de desarrazoado e mal cabido, e ázel-o com cortezia e respeito, que tudo isto se deve ao superior, para que venha elle com seo provimento impor os preceitos ^ue acabem com os transvies ; e mais deve elle premiar os bons para metter brios a quem valha esse incentivo e cas- tigar os ruins para pôr exemplos aos mal inten- cionados e turbulentos relapsos, que têm por ins- tincto a revolta e por sestro a prática de actos sub- versivos, sem outra razão de ser j^não o gosto sa- tânico da perturbação e da desordem. Ora, que se insubordinem e revoltem a mulher, os filhos e os do- mésticos contra o chefe da família ; que gritem

82 XXVi

todos e ralhem ao mesmo tempo ; que cada um se governe a seo modo ; que a mulher proclame a sua emancipação e nao queira subjeitar-se à tutella do marido e venha propugnar por sua elegibilidade e direitos à deputação e á senatória; que os rapazes nao reconheçam mais o jus paterno de um velhusco que, eivado de doctrinas obsoletas, crê ainda em Deus e no rei ; e que os domésticos proclamem a egualdade e fraternidade, e que quando tenham de ir à fonte buscar o cântaro d'água vao para a ta- berna e da taberna para a praça pública, vestida a camisa vermelha do heroe de Caprera^ apregoar os direitos do homem segundo o Emilio e o con- tracto sscial de João Jacques.... o que fora por fim de contas toda esta balbúrdia? uma verdadeira casa de orates, senão um detestável foco de immorali- dades, um núcleo de máos exemplos, e um protesto vivo contra o senso commum d'aquella gente e mais contra a energia e o juizo recto do oheft* que nao

fióde ou nao sabe pôr cobro em desmandos e trope- ias de similhante jaez.

Eu quero mil vezes, meo caro Cincinnato, aquelle velho rei Codro, que se foi metter entre o inimigo e se deixou matar e morrer porque o Oráculo lhe ha- via assegurado que da sua morte viria a salvação de seo povo ; nao quero os trinta patriotas e po- pulares de Athenas, conhecidos ainda hoje, e isto ha sua meia dúzia de annos, pelos trinta tyran- nos, posto que eram alli por imposição estranha ; todavia entre aquelles célebres democratas muitos eram athenienses e naturalmente patriotas. Nao quero Pisístratos, pescadores d'aguas turvas, que, para subirem com estado maior vistoso e luziaio, que lhes lustre e bizarria aos sentimentos de- mocráticos, em cujo nome ascendem á suprema al- tura, tenham o máS gosto de se arranharem e es- murrarem as ventas para obter a canonização de mártyres da pátria, quando a pobre pátria é que é mártyr d'elles. Quero Numa Pompilio, Antonino, Trajano e Vespasiano . Nao falem em tribunos, em decêmviros, et réliqua^ súcia de libertinos e ambi- ciosos turbulentos, porque decididamente nao os quero, e nem os tolero, assim como aos Mários e Syllas, que, exaltados da obscuridade pelo pobre povo, que a final é quem paga as favas, foram-no

XXVI 83

lavando em rios de sangue e arrancando-lhe liber- dades, direitos e tudo quanto os pães dapátriavao dizendo ao povo que elle tem, e possue, e delega, e retoma quando lhe apraz.

Meo caro Cincinnato,esta raça de cônsules, de tribu- nos, de triúm vires e de decêmvirob, v.òtá toda ella sub- jeita á lei da metempsycose de Pythágoras ; faz sua incessante transmigração, e depois de animar e vivi- ficar Marat, Collot d^Herbois, Danton,Billaud Varen- ne, Rob'»3pierre e tantos outros, que se lembravam de haver em tempos anteriores incarnado nos seos ante es^^res Cartucho e Mandrin, veiu fazer sua hy- póstasis nas figuras ridículas ou hideondas deMazzini, e de tant )S outros patriotas de blusa e camisa ver- melha, H a fin-rvl veiu animar os salteadores regicidas, e tev»* u desfaçumento de vir á luz do dia era pleno século |j',r em campo e dar vida aos patriotas republi- canos .'.»"irnunistas, ás associações internacíonaes, aos r<n grossos da paz, aos phalanstérios, ao sansimo- niaí:í-]!i ,f^ n quantas extravagâncias podem nascerdes cérel» > '.>t» 'vertidos dos apóstolos do incêndio, da devji>? i'^o e da libertinagem, do sacrilégio e dasub- ver>r.' '■*. indo quanto os homens de bem acatam e ver' r :

is i i^^-iinnla do esquadrio lazarento de toda esta díinr I I' abra vem arvorado o lábaro da peste e da devi ), com estas três palavras escriptas em chat •-: dr^ sangne : Liberdade, eguatdade e frater-

júdiK' '^Liio horror, arripiara-se-me as carnes e o cal"' I ír.ndo vejo estas três palavras fatídicas e hy;»'. ', •. ^criptas em qualquer tabolêta de fábrica de ' V i\^-. ; lembra-me a lenda do festim de Bal-

thi/ I |)'*'fíuiaç?lo dos vasos sagrados, as Ires pala- vras . \ ^. :'io^as dociphradas por Daniel na n''«it^ mal- dict.» . •>i'^;''légio e da orgia, a deftruiçâo e a q leda de H ' f) M^-ia íj o castigo exemplar dos j^rofanadores íra[)i'. ' .-íí.íTÍlegos, como s(lo os de hoje. Estes taes e quej.í \'[jj jjuriotas do archote e do cuiello, que vSlo puii II ♦'. !o jy)r toda parte como cogumelos no ester- quilÍM'" ?' n dias de chuva, .começaram sempre por uma •.** :ií\i que importa nao esquecer : principia- ram D i.f juo.agauda satânica por lisonjear os reis ca- th»')litvi , i:iduzindo-os a crer na usurpaçfto, que lhes fazia a Srv;.:ia Sé, de seos direitos e prerogativas ; in- dispuTih im o rei contra o clero e o clero contra o rei ;

84 XXVI

prepararam a reacção das prímazias do padroado contra bulias e decretaes pontifícias ; e quando viram que a reacç&o tomava caminho e que o fim estava preinchido, acabaram por sulapar os alicerces do throno, depois de haverem àiffamado as prerogativas, e a sanctidade do altar.

Esta táctica diabólica é sempre a lenda dos revolu- cionários. Robespierre, depois de matar os padres, profanar os templos, fazer de uma mulher das ruas a Deusa Razão, fez reconhecer por um decreto a exis- tência do Ente Supremo I ! !

Garibaldi é proposto para Novo Christo, no con- gresso da paz ; os revolucionários da Itália pOem em assédio o sancto padre, tomam Roma á Christandade Cathólica, reduzem a supremacia do Papa a um titulo vao, porque querem que elle preito e homenagem, e que se despoje do poder temporal, a beneficio de inventário, na partilha a que se está procedendo, e querem pôr veto ás decisões de um concílio. Isto tudo fez-se e continua a fazer-se com uma impudência que enoja.

Para subverter-se a ordem social, é necessário trans- tornar a ordem das idéas e desembaraçar o espirito dos vínculos que o ligam a Deus, desprende ndo-o do acatamento, do amor e do temor que se lhe deve; é necessário nSo crer na religião revelada e na auctori- dade da Egreja ; e no encalço de tudo isto vem a ne- cessidade de desacatar o Papa e menoscabar os mi- nistros do altar, como corollário obrigado. Em uma {)alavra, para se causar tao grande número de mã- es, cumpre que se atrophie a consciência, porque o remorso seria um juiz severo e implacável, e para revolucionários e turbulentos de officio, nao ha re- morsos.

Como se chegada obter este satânico desideratum? Pelo atheismo e pela materialidade ; por este bom ca- minho çhega-se com segurança a regenerador da so- ciedade, a modo dos iconoclastas, demolidores e mem- bros da communa. Da têmpera d'estes energúmeno» eram os Cartuchos, os Lacenaires e os Tropmanns ; todos estes heroes do crime pertenciam á grei dos e:*- píritos fortes que se desprendem das peias que os jungem ao carro do dever, da honra e da veneração ao que é sancto, e do respeito ao que é nobre e digno, O homem que tem o verdadeiro sentimento religioso

XXVI ^ 85

bem arraigado no fundo do coração, tem a consciên- cia muito prompta em accusal-o de qualquer acto menos lícito que pratique. Quem se accusa e arrepen* de de qualquer acç&o que julga menos recta, n&o pôde commetter crimes, nao pôde ser revolucionário ; por tanto não é chefe de caudilhos, nem capitão môr de iasurgentes e desordeiros. To las as tropelias de que a sociedade tem sido víctima, todas as depredares que tem soffrido a propriedade, todo o sangue que a humanidade tem derramado, todos os ultrages e sa- crilégios que tem a religião supportado, teem tido por mote, em sua bandeira de destruição e de ruínas, estas palavras fatídicas do diccionàrio da devastação e da morte: Liberdade, Egualdade^ Fraternidade. E' com estas três palavras, infeitadas por fora e vazias por dentro, que se vai embalado a credulidade dos incau- tos, que não vêem nem sabem que estes três vocá- bulos sonoros são, no sentido em que os applicam os pseudo-regeneradores, a antíthese completa da essên- cia e natureza da pobre humanidade, que Deus creou assim como ella é, foi e hade ser. Liberdade^ gosam-n'a todos e d'ella muito grande somma gosa quem a sabe gosar. Egualdade; isso là, não ; é egual quem o é; quem não qutí o idiota, o ímpio, o revolucionário, não podem ser egunes ao sábio, ao homem orthodoxo e ao cidadão pacífico e sustentador da ordem, da lei e da moral pública e privada ? Frateniidade, feito ; mas em que consiste ella ? em não fazer a outrem o que não queres que te façam a ti. Respeitae a honra alheia ; não diffameis o próximo ; soccorrei os desva- lidos ; curae os infêrmos ; levae consolações e auxilies aos »ffiictos ; em uma palavra, cumpri as obras de miãencórdia, e então tereis direito pleno de pro- ferir cora significação completa a palavra frater- nidade— .

Não scei, meo caro Cincinnato, onde me levariam estas reflexões, se eu fosse abrindo campo ao que me vai suggerindo a idea do que vi e li em tempos que vão muito longe, porque hoje nada leio, senão os joraaes do vizinho da encosta.

Estes trabalhos da roça, não me deixam lazeres. Este s€)rviço com escravos é a cousa mais estúpida que a egualdads dos homens podia crear para atormentar- nos a nós, que somos seos eguaes e seos irmãos; porém estes nossos irmãos da costa de Guiné não nos com-

86 XXVI

prebendem; nao trabalham como mácbinas, que é o que nós queremos ; comem, dormem e adoecem ; e ainda em cima de todas estas cousas ruins que elles fazem, o que é ainda peor, meo amigo, é que se fazem 6ÓCÍ0S comigo nos lucros da Fazenda, sendo eu o com- manditário, de sorte que uma boa parle da safra vai sendo passada para a tasca vizinha de um Ambrósio, que pelos modos pertence á seita dos communistas e phalansterianos.

E' necessário de uma vez acabarmos cora esta civi- lização do azorrague. Bem haja a lei de 28 de sep- tembro, que arrancou de uma e de muitas gerações o anáthema que a segregava da communhao geral no gôso de direitos e de pre rogativas sociaes.

Meo bom e illustre Cincinnato, tenho 'nestes últimos tempos visto em algumas gazetinhas ahi da corte, de que é assignante o meo vizinho do rumo, de quem vos falei na minha anterior, uma cousa que me tem feito espécie e me tem dado que seis mar. Todas estas dietas e referidas gazetinhas sao ou devem ser jornaes cathólicos e escriptos por cathólicos, segundo cremos ; pois, meo amigo, todos elles entiiusiasmam-se, extasi- am-se e glorificam-se deante das doctrinas salvadoras áoá dous mentecaj .os, Martinho Luthero e João (' .1- vino,e sobre tudo preconizam, nrbi et orbi,a concepção hybrida de cohabitaçao sacrílega das duas .^eitas que deram o aborto infiesado, rachítico e monstruoso a que puzeram o nome de egreja evangélica ! Annun- ciam elles todos os dias a hora, o dia e o logar em que se celebraram, celebram ouhaode celebrar : sessOes da egreja evangélica presbyteriana, explicações de cathe- cismo, exercício de doctrina, culto, prégaçflo de evan- gelho, leitura, themas de epístolas de S. Paulo, e que scei eu ? E' tudo ijto um armarinho de drogar^ vene- nosas, que exhalam cheiro mystico de apostasia, senão de parvoíce selvagem.

Que se tolerem as seitas heterodoxas, como o per" mitte a lei fundamental, vá. Que vão ouvir ecrei* n'essas cousas, os que tiver.im a infelicidade de nas- cer fora do grémio da egreja cathólica, isso compre- hende-se, parque em summa o cego anda às cabeçadas, porque íi4o pôde ver. Porem que se façam, aberta, os- tensiva e acintosamente, propagandas e cathecheses, e que sejam cathólicos os propagandistas e cathechi -^tas»

XXVI 87

isto é o que s*3 nuo pôde tolerar e causaria compaixão, se PEo produzisse indignação e asco.

Deante d'est;us extravaii^ancias do espirito humano, o homem nSo sabe se seja Heraclito ou Demócrito. Eu nao posso saber a que vem estes desconchavos e con- traposições de crenças ; nSo corapreliendo este renegar da de seos pães em que pôde servir ; não alcanço como estes sacrilégios e apostasi as podem aproveitar como matéria de opposição ao governo; o certo é que elles o sabem, se é que o sabe:n ; o que também é certo, é que se manifestam por toda a parte os grita- dores de liberdade e os patriotas do petróleo como pro- fanadores do altar e demolidores de todas as institui- ções que nos dãu paz e ordem.

Meo caro Cincinnato, ponho por hoje remate ás re- flexões que por ahi ficam atiradas a esmo. Não posso ser operário diligente d'esta boa cruzada de ordem, por que a nossa vida atarefada de homem da roça, nfo para sobejidões e largas no dizer. No emtanto peço fervorosamente aos sanctos da rainha devoção que vão inspirando e dando alento aos homens de bons ins- tinctos para que sejam atalaias vigilantes, e bradem muito alto contra a desorganisação, que lavra como a peste, pervertendo i)elo contágio tanias intelligencias que se transviam, por desacauteladas, que, não sendo bem incaminhadas em tempo, se exti aviam pelos la- byrinthos e ficam irremediavelmente perdidas. Até outra vez.

O vosso ex-corde

MUCIO SCOBVOLA.

Decima carta de feSeinpronio a Oinclnnato.

OBiíArf DE J. DE ALENCA|l.— A IRACEMA

II

Meo respeitável amigo ;

Volto ainda á faina com o ânimo contristado. Como, porém, o caso é de consciência, tudo sotoponho, e vou para deante.

Dice-te na minha preced^?nte (se bem me lembro) que na Iracema^ o absurdo, o paradoxo, quer de substancia quer de forma, não fere logo a vista, como no Go 'içho. Ter-me-hia acaso in<i*anado ?

88 XXVI

Affigura-se-me que o auctor nao passava ainda então por cima de certas decencias iitterárias. Guar^ dava 05 apparencia^. Como que lhe fazia peso uma cousa que se chama opinião^ que elle se interessara antes em attrahir para apoio seo, do que diligenciara concitar em seo desfavor.

E' que a sua reputação não estava consolidada. Aquelle nome ainda não era utn prestígio, um oráculo, como hoje. Os créditos, que .se accentuavam, podiam ser varridos e apagrados pelo sopro de qualquer accommet- tiraento feliz. Nao existia o forte partido, que mais tarde apavorasse e tornasse in limine impossível a manifea- tação de toda critica^ por mais espontânea e consciente de sua serventia que fosse. Por isso refreava o auctor^ como podia, as petulâncias da insolente phantasia.

Tenha, porém, o leitor da Iracema olhares desinte- ressados e perscrutadores, e attente. para estas floreB mágicaíí ; ha de perceber o fervilhar do verme, amia- çando corroer-lhes a juvenil corolla.

A planta está em plena primavera, e no seo matiz se adivinham pegadas de antecipado outomno. Mais tarde nos primeiros fructos, conhece-se que trabalham es- tragos de corrupção. Aquella deslumbrante florescên- cia, aquelles fúlgidos pomos aílo passam de productos de uma vegetação, cuja seiva, uma vez em contacto com os gazes deletérios da trêfega phantasia, principia a contaminar-se.

O escriptor propende para a aberração ; a enormidade o tenta. Queres a prova ? Eil-o mais logo a offerecer-nos na donzella do salão selecto a creaçao brutesca da amante que esbofeteia o objecto das suas affeiçOes, ea quem verdadeiramente ama depois que se sente por elle ^injuriada e aviltada, depois que d'elle apanha, como se fora vil escfava é a Diva ; ou então um nojento, abominável, immund'», servindo de protogo- nista da obra, causando horror e asco ao pio leiíor, e que dirias uma baixa miniatura excogitada do Quasi* modo é a Pala da gazella ; ou eniao o hippoceatauro chato, informe, indecoroso, repulsivo, como typo de cos- tumes brazilios e temos finalmente o Gancho.

Eis-nos na actualidade. O escriptor tem chegado á phase mais coruscante e mais elevada do seo império de vaidade e de aberração ; isto é, tem }>ttingido o período decisivo da mais manifesta decadência.

XXVI 89

E' o patriarcha da litteratura brazileira, um génio talvez, porque crea a torto e a direito, seja o que for, nao importa o quê ; crea visões ; crea disformidades ; crea uma linguagem nova;. crea vocábulos creados, velhos, incanecidos! Quando eu leio que no século XVII a pri- meira condição do candidato a génio consistia em que- brar copos na taberna do dd)oche ; que no século XVI o homem de génio esgrimia maravilhosamente, embriaga- va-se todos os dias, e sujava de ti neta e de vinho as pá- gÍTias do seo Píndaro ; quando leio que Montaigne, Cal- deron, calmo e sereno, prazenteiro e modesto, Cervantes ingénuo, e natural Shakespeare, que nao o era menos, náo realisava, nenhum d'elles, o typo do génio, e a utodos se fechavam ultrajantemente as portas da glória» comprehendo entào que se possa no século XÍX ser tido como tal, por pintar se a natureza inanimada com a feição da imbecilidade ou da loucura ; por f»zer-se de grandiosas e gigantéas raças vis caricaturas ou repu- gnantes monstros ; por converter-se a língua mais opu- lenta n'uraa saccola de pedinte I

Estamos em pleno império dos Marc Lasphyse, dos Dubartas, dos Jodelle «triste innovador, adorado do seo tempo, Com este Jodelle, innovador e adorado do seo tempo^ bem se vai parecendo J. de Alencar.

Hoje em dia entre nós, o candidato a génio deve fazer versos escabrosos e horripilantes, comédias hybridas, discursos túmidos, anasarcos, romances loucos. O que se exige de mais peso, é certo apparente arranjo na es- tructura para illudir os incautos, e poder, impune e libérrima, cabecear á vontade a idéa mais paradoxal. Os romances, repassados do sabor local, adubados do mais fino sal áttico, sensatos, naturaes, moralisadores, que sao uma fiel photcgraptíia da nossa sociedade, esses com qne cada dia nos dota a penna habilíssima de Ma- cedo, nao silo da iguaria, que mfis gratifica o paladar. h o Brazil tem um patriarcha e uma litteratura ! O que o Brazil infelizmente tem é um baixo império nas lettras. Isto sim.

Admíra-se, exalta-se a imaginação de J. de Alencar. Admirável é, nao ha dúvida ; agora exaltavel, isso é que nao.

Deve-se festejar e applaudir a imaginação que re- produz com incautos novos e novas vivacidados os gruppos, os accidentes, as attitudes, os recursos da natureza ; que faz esses grupos interessantes, esses

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accidentes pittorescos, essas altitudes graciosas, es.sas seenas animadas e felizes. Isto é imaginar, no uso rigoroso e didáctico da expressão. D'ahi vem que, quanto mais se appropria o escriptor dos matizes va- riados da creaçâo, ou das sensações e phenómenos da vida, e tanto mais fielmente os retrata ou reproduz, impregnados do cunho da sua pessoal idealisaçfto, tanto mais se diz ser elle original^ tanto mais génio.

<( Ab'. sa-^se da elasticidade de linguagem, quando se ousa fallar de intelligencias creadoras. Em defini- tiva nao ha creaçao ; reproduzir, imitar, eis quanto nos cabe. Se Homero, Cervantes, Ariosto, Byron ti- vessem vivido incerrados 'num ergástulo, o-que teriam podido imaginar ? Que creaçao teriam dado ao mun- do ? » Logo, a natureza em primeiro logar, e depois complexa e completa observação eis os dous ele- mentos, as duas possantes azas do génio.

E' consequente com estes princípios que o escriptor define a memória na esphera da esihética >? thesouro de lembranças, cuja indigeueia conslitue o que se chama o idiotismo^ cuja confusão em resultado a er- travagancia, cuja riqueza e plenitude constituem o gé- nior)

Nao sou relógio de rep.tiçao, como dizes tu ; mas nunca é ocioso adduzir certas considerações ade- quadas ao assumpto. Perdoa, pois, a ditFusão.

Paulo e Virgínia é um monumento na litteratura, justamente porque o theatro descripto, e amor so- nhado, a ingenuidade, a pureza, o devotamento dos typos estão na própria natureza, dentro das suas am- plíssimas raias e múltiplas possibilidades.

Atala é um primor, justamente porqutí os senti- mentos, os suavíssimos intrechos, a paixão plácida e morna, as manhas e as tardes bravias e bellíssimas, a expressão particulartlos characteres, a feição geral dO . conjuncto, tudo é condigno e próprio do mundo e das circumstancias do assumpto, que laz o poema.

O Guarany, de J. de Alencar, agrada algum lant^e interessa ao leitor, justamente porque as descripções parecem brazileiras. A natureza alli nao pecca por tao demasiado artificial, como no Gaúcho* O leitor ;.çha no índio modos, brio,impertérrito valor, sagacidades ^* recursos vários, dedicação sem limites, que nao des toam de uma raça, que as florestas embalaram no seo berço libérrimo de trepadeiras e de folhagens, que c^

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calores do equinóccio retingíram, e a cuja têmpera os riscos das vicissitudes, as emboscadas d) inimigo ou da fera, as conspirações da natureza deram a tensão mais apurada e ampla.

Pery parece-se com o índio do Brazil. Ressum- bram do seo todo, que é o poncto commum entre duas nacionalidades, da mesma sorte que na Evaji- gelina de Longfellow, energia bárbara e affectos, digamo-lo assim, cultos, que incantam. Selvagem, realisa o prodígio ; adventício de uma sociedade civilisada, pratica virtudes limadas.

Nesse tempo o demónio da vaidade nao tentara ainda J. de Alencar. Elle nao pretendia então , (pelo que parece) conquistar nomeada stnSo como escriptor de cunho nacional, e nao a de génio crea- dor, no sentido em que alguns hoje o consideram e que é lícito ajuizar pelas suas últimas obras. Ti- nha, seguramente, por muito honroso e acertado voltar-se para o e.spectáculo grandioso da natureza, 6 pedir-lhe alguns traçns de seos painéis de eterna poesia, alguns ligeiros matizes da sua pompi)sa e perenne efflorescencia.

Eis que uma nuvem de desgraça empana esse nome e a face resplandecente da litterdtura natal, que espargira tao auspici sos brilhos. O escriptor, longe de cultivar a mina, que a natureza tornara capaz de inriquecer um mundo, longe ('e exerci- tar-se e aprimorar-se no género, de.-ípreza-o, talvez por sediço e commum !

Franklin, Washington, Jeíferson, Governador Mor- ris, Quincy-Adams, tem medo da imaginação .* dom magnifico e perigoso •? ^ Em face das verdes sa vanas, das florestas virgens, dos lagos que sâo mares, dos rios cujas margens escapam à vista, as m&sculas virtudes dos heroes ]^uritanos ingrande- ceram, e sua imaginação permaneceu muda. ^ J. de Alencar, porém, espírito então ainda novo, ainda nao feito, e quiçá inexperiente, costas á mansão virgem, que nada pôde egualar na sua majestade e pompa, e deixa-se arrastar para o poncto procel- loso indício certo de próximo e cabal naufrágio com que lhe acena o clarão carregado da túr- bida phantasia. Sua primavera foi fugaz. O Gua- rany uSo tem irmão. As faculdades creador-s estão embotadas e corrompidas; José de Alencar esiá Sénío,

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Quando correu que elle tinha em mãos uma obra destinada a dar o padrão da poesia verdadeiramente brazileira^ os leitores, que o haviam appreciado no Guarany, tiveram de sentir grata commoçao.

Pareceu-lhes que o typo nao estaria muito longe; só, sim, despojado, estreme de toda mescla de ele- mento estrangeiro, a cousa realisaria o puro ideal da poesia nativa. A decepção foi tão esmagadora, quando appareceu a obra, como lisonjeira tinha sido a espectativa alimentada uurante a despera- dora gestação.

Se por litteratura nacional se deve intender aquel- la em que « se reflecte o character de um povo, que vida ás suas tradições e crenças, a harpa fre- mente em cujas cliordas geme, como um sopro, a alma de uma nação, com todas as dores e júbilos, que, atravez dos séculos, a foram retemperando » ; se (( cada povo tem suas paixões como cada indi- viduo, e essas paixões constituem a alma de cada poesia?»: parece de bom aviso, que o candidato a realisador do typo da litteratura propriamente bra-- zileiray quando nao era possivel estudar no vivo as paixões de uma raça quasi desapparecida, ou» pelo menos, decaída da sua primitiva grandeza, se voltasse para a história e para o estudo dos mes- tres, feito sobre o índio colonial, e d'ahi apanhasse a expressão complexa e fiel d'este, seos costumes, suas inclinações, sua poesia emfim.

havia alguns modelos realisados aobre o the- ma indígena. Sancta Rita Durão, Basílio da Ga- ma, Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães ti- nham quasi todos batido nas mesmas sendas. N&o, nao podiam haver tomado a nuvem por Juno esses illustres ingenhos, alguns dos quaes tiveram occa- sirio de estudar o ftidio em original. Podiam falhar ou desvairar-se os pormenores, nunca porém a es- sencÍM, de modo que devesse ser condemnada a ve* lha escoUi como apócripha.

I)ir-se-hia, pois, com justo fundamento que a eschola estava inaugurada, a incógnita descoberta, resolvido o problema. Fora lícito accreditar aue nao restava neste poncto,a quem ambicionasse colner novos lauréis para si, e proporcionar novo realce á pátria, mais do que alargar esses caminhos, afastar o mais possivel esses horizontes, para que surgisse na máxima pleni*

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tude a perenne mansão de incantos. Nao é o que faz J. de Alencar.

Principia, contrapondo-se aos mais auctorisados mes- tres. Sem nunca haver tido occasiao de estudar efi- cazmente o elemento de que se presume conhecedor, nutre a vaidade de suppôr que achou o character d'este na sua mesa de estudo e sem dúvida mediante os subsídios, devidos aos mesmos escriptores, contra os quaes rompe.

« O conhecimento da língua indígena é o melhor critério para a nacionalidade da litteratura, » diz-nos elle na sua carta final. Ora, como ha de conhecer essa língua quem nao penetrou nas tribus, quem nao se achou em contacto com o povo, quem a nao estudou nos tempos primevos, porque era impossível fazel-o, nem mesmo nos tempos actuaes em que o verdadeiro character indígena decahiu e se corrompeu ? Ha de forçosamente estudal-a nas obras e diccionários que nos deixaram os nossos predecessores. Pois bem : elle acha que « de quantas producçOes se publicaram sobre o thema indígena, nenhuma realisava a poesia nacional » ; e quanto aos diccionários é o primeiro a taçhal-os de « imperfeitos e espúrios. »> Ao próprio G. Dias nega o condão de realisador da poesia ame- ricana. Diga-nos quem poder e quizer : onde foi J. de Alencar buscar esse molde de poesia selvagem, fórá dos diccionários, que « são espúrios », fora das producçoes

Sublicadas, que í* nao arealisam», fora dos modelos os mestres que « exprimem idéas próprias do ho- mem civilisado, e que nao é verosimil tivesse no estado de natureza ? » No seo gabinete de improvi- sador.

Ah! justamente por nao havel-o incontrado em parte nenhuma foi que elle adoptou e nos offereceu como o verdadeiro padrão essa poesia pedantêsca e diffusa que se esparrama nas páginas da sua Iracema,

Meo amigo, estou-te escrevendo estas cartas por honra da firma. Se m'o promettêra a mim mesmo, e se ultimamente t'o prometti também a ti... o pro- mettido é devido. Mas, á fé, que estudos em que se tem de apreciar desaires e nSo sublimidades e formo- suras, cançam a final, o não pedem deixar de levar á monotonia.

Quando escrevi, ha mezes, as minhas cartas sobre o Gaiiçho estava cora disposição para a cousa. Também

94 xxvr

era a primeira ceifa, e em <; le campo I Era dar para a esquerda e para a direita, e cair espiga. Mas também pelo muito que so vindimou, sobreveiu o tédio pn i a repetição das operações.

Se aquellas cartas tivessem sido dadas á imprensa em tempo, n anàlyse da Iracema^ da Diva e da Pata da Gazella estariaoi feitas, porque, approveitado o humor do momento, um e mesmo fôlego abrangera tudo.

Mas foi o contrário. Quando eu esnerava recebel-as publicadas, chega vam-me noticias, dando-me formal desingano. ficaram por meze.s ; nao me lem- brava d'elias, e tinha-as até por extraviadas (que talve:: fõosse o melhor.)

Eis que vem a questão do elemento servil, o parecer da commissao da câmara dos deputados, os discursos parlamentares de J. de Alencar, as tuas magnificas cartas a Fabrício, e finalmente as Questões do Dia.

Ora, durante todo esse tempo, estive eu cuidando dos meos verdadeiros interesses (que isto de lettras, entre nós, nao para mandar ao açougue) como fossem algumas questões forenses, algumas garatujas para gazetas politicas, etc. Nem me lembrava mais de Sénio, senFlo como um político, e este velho, des- crentey como elle mesmo se diz.

A inspiração do momento foi-se. Veiu depois a doença, que mo forçou a retirar-me para o campo ; e ahi, quando menos o esperava eu, vejo ressuscitarem teo periódico as minhas defuncthsimas cartas.

Foi quando tive de voltar à cidade, e agora nao pareceria de bem que eu deixasse de cumprir a palavra, que imprudentemente empenhei, a pezar de nao ter « primeiro calculado das forças mínimas para em- preza tao grande. »

Pois bem : peço-te |x3rmissao para tomar fôlego e continuar na seguinte. Até lá.

Teo amigo e admirador

Semprónio.

M:o3iLTLiiieiito a Bocage

Segundo as últimas notícias de Lisboa, os alicerces que o máo estado do solo exigiu, estavam muito adean- tados, mas sendo precisos ao menos 15 dias para in- xugar, e nRo cessando a chuva desde fins de octubro

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«

ate meado novembro, ; trazou isto muito os trabalhos, por tal motivo de força maior. Para solidificar o ter- reno, foi mister suterrar estacaria de 9 palmos de al- tura, e proceder a morosos e inesperados trabalhos. Apenas segurasse o tempo, o que nao parecia próximo, ia começar a assentar-se a cantaria. 'Nestes termos, a solemnidade do dia 21 de dezembro limitar-se-ha pro- vavelmente á collocacâo dos fundamentos. Os dous Membros da Comaiissão Central 'nesta corte incumbi- dos de dirigir esta tarefa, approveiraram estas circums- lancias para recoramendar que a definitiva inauguração se reserve para quando S. M. o Sr. D. Pedro Segundo se ache em Portugal, esperando-se que, com seos au- gustos parentes, abrilhante o esplêndido acto.

A com missão em Lisboa, de que é Presidente o Sr. Marquez d' Ávila e Bolama, e Vice-Presidente o Sr. Visconde de Castilho, prosegue em seos trabalhos, de accôrdo com a commissao de Setúbal, e ambas com a Ceutral do Rio de Janeiro.

O Presidf^nte da Comniis^âo especial, que o è tpm- bem da Câmara Municipal de Setúbal, dirigiu para esta Corte as suas coinmunicações, das quaes se col- lige que a Rainha do Sado verá em dia próximo uma das mais brilhantes festas de que neste género em Portugal haja memória.

O mesmo cavalhe'iro dirigiu à Commis^ao em Lisboa um ofiicio do teor «eguinte:

« No empenho louvável de abrilhantar a festa da inauguração do monumento dedicado ao celebre poeta Bocage, corapuzerata e ofterecerain á CArnara Muni- cipal d'este conselho dous liymnovs dt stir.uJos a serem executados no ar-to da dieta inaiigur-irão, os profes- sores de musica Carlos Augusto Alves Bim^m, e Antó- nio do Nascimento e Oliveira, ambos conierràtieos do poeta, o primeiro residente em Lisbj:.t. e o segando residente nesta (.idade de Setúbal, onde k^ locoaliocido o seo mérito artístico, e cujas PhilarmÓLiiv*as tiveram partituras do segundo dos indicados hyinr.os.

Julgando a Câmara, por mais acertada drliber^çlo deixar â illiistn»da commisslo incarregada de dirigir a solemnidade alludida, tanto a apprccir.cao da poesia que faz parte do bymno de que a miisica é composta por António do Nascimento e Oliveira, ccmuo a música de ambos os hymnos, por isso tenho a honra de os re- m etter a V. Ex. afim de os fazer presentes âquella Ex*.

96 XXVI

Comraissao, que a tal respeito resolverá do modo que à sua muita competência e subida illustraçao mais justo parecer. Deus Guarde a V. Ex. Setúbal 15 de no- vembro de 1871. lUm. Ex. Sr. Visconde de Castilho. O Presidente da Câmara António Rodrigues Ma- nitto.

Quando, porêm, chegou este officio, as bandas de música da Guarda Municipal e outros corpos estavam ínsaiando um lindo hymno, expressamente composio sob o título Hymno a Bocage.

As RevoluoSes

Como ha por ahi muita gente boa, que sonha com revoluções, e se os seos desejos fossem satisfeitos, teríamos ao menos uma por dia, será bom lembrar-lhe os proveitos que d'ellas se auferem, porque muitos ha que cuidam que revolução é o mesmo que pfto com manteiga.

Tomaremos para exemplo a França, que, 'nesse gé- nero ninguém negará que seja clássica.

A grande revolução franceza, que matou a Lmz XVI, trouxe o Terror.

Do Terror, que acabou por uma revolução, veiu o Directório^ com todas as sjias torpezas.

Do Directório, que acabou por uma revolução, veiu Napoleão com todo o seo despotismo, e a^ giierras do Império.

De Napoleão, que acabou por uma revolução, veiu a Restauração com a occupação^ e os milhares de indenmi" zação.

Da Restauração, que acabou por uma revolução, veiu Luiz Philippe com todas as suas fraquezas.

De Luiz Philippe, que acabou por uma revolução, veiu Luiz Napoleão, com todas a.v suas misérias.

De Luiz Napolefb, que acabou por uma rL^Víliiívao, veiu a occupação pelos Allemães, o pagamento ih nlijuns milhares de milhões e a communa. e sabe Duus o '[ue ainda virá.

Arreda de o velho, dizia certo sexagenário, .i ij'íem comptavam que uma grande patuscada tiuha a-.wl^ado por uma grande desordem.

Otton.

Typ. e lith. Imparcial— Rua Sete de Setembro n. 146 A.

QUESTÕES DO DIA

]sr. 27

RIO DE JANEIRO, 20 DE DEZEMBRO DE 1871.

Vende-se em casa dos Srs. E. & H.Laemmert. Agostinho de Freitas Gui- maries & Corop., 26, rua do General Camará. Livraria Académica, Rua de S. JG^e n. 119— Largo do Paço n. C— Preço 200 reis

O !• volume, com perto de 400 paginas— 3$00B.

OBRAS DE J. DE ALENCAR A IRACEMA

(Oartas a Oincizinato) III

Meo ilhistre amigo: A Iracema teve por fim des- empenhar o comprcmisso que o auctor commetteu a imprudência (palavras suas e dEo dice mal) de contra- hir, quando escreveu algumas cartas sobre a Confede- ração dos Tawoyos,

Ora, a Confederação dos Tamoyos pertende as honras nSo de poema, porém de poema épico. Sinto nao ter esta ^bra, que li ha tempos, para agora averiguar a minha asserção. Quer-me, todavia, parecer que nao estou em equivoco.

J. de Alencar, criticaado-a, dice que « as tradiçOes dos indígenas davam matéria para um grande poema» que talvez um dia alguém appresenta.sse sem ruído nem apparatu. » Infelizmente ainda nao chegou este dia.

Suppozeram que o auctor se refei^ia a si, e pergunta- ram-lhe varias pe.iiôaá por elle. Tanto hastou para que se mettesse em « brios lillerarios, e começasse a oora com tal vigor que de um fôlegofa levou ao quarto canto! m

(Vid. a carta final, na pag. 193.)

Depois, por certas considerações, que nao vem ao caso recordar, f o auctor levado a dar « um ensaio das suas iuéas sobre a poejiia verdadeiramente brazi* leiva in anima prosaica. » Tal o, Iracema,

Pergunta-sy : o que é lícito conjecturar em face de todas estas circura.siancias e precedentes, a saber depois de uma critica feita a um poema candidato a

98 XXVII

épico, depois de uma solemne promessa de apresentação de um grcmde poema, jor julgar o crítico que aquelle não realizava a verdadeira poesia brazileira, e depois finalmente da amostra em prosa d'essa promeciida e perguntada obra? Seguramente que esta amostra per- tende offerecer ao mundo não o typo d'aquella poesia, senão também o de um poema épico em contraposição ao que foi julgado incapaz de satisfazer aquelle deside- ratum. Com eflFeito !

Ha um grande nome na litteratura hispanhola don Juan Ruiz de Alarcon y Mendoza, que um auctor col- loca acima de Moratin, de Montalvan, e immediata- mente depois de Lopez de Vega e de Calderon.

Era elle « infernalmente orgulhoso » na pbrAse do crítico aquém peço estas notícias. Em um dos seos prefácios se lêem estas memorareis palavras allusivas ao público (ai volgo) : « Canalha, animal feroz, dirijo- me a ti ; nada digo aos gentis-homens, que me tractam melhor do que desejo ; intrego-te as minhas peças ; Saae d*ellaso que fazes das boas cousas injusto e estú* pido, como é teo costume. Elias te inçaram e te affron* tam; seo desprêso para comtigo é soberano. Se as achares ruins, tanto melhor é que são boas. Se te agradarem, tanto peior é que para nada prestam. Paga-as, e folgarei de te haver custado alguma cousa. »

J. de Alencar poemas e romances de costumes^ sem ter estudado a natureza nem os povos, e condemnando além d'isso os estudos dos mestres e os diccionàrios existentes, que chama <c espúrios ». Essas obras» elle as do fundo do seo gabinete, assim a modo de quem expede avisos para um império inteiro. Espé- cies de encyc^icas litterdria^, trazem o cunho da aucto- ridade dogmática e infallivel : são matéria de fé. Hou- ve de certo immen%\ modéstia, quando nos dice que a Iracema era uma experiência ou amostra. E' que foi isso ha seis annos antes a esta parte, e têmpora mu* tantur. Hoje, com a sem cerimónia de quem conhece o terreno onde pisa, suas palavras para com o público seriam talvez estas : Canalha imbecil, corja de idio- tas ou de boçaes, que tens tido um luus perennis para os meos caprichos, a minha fatuidade e as mi- nhas aberrações, toma esta.... lUlada brazileira. Os que conhecem os meos erros e defeitos tractam-me

I

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melhor do que seria para esperar. Graças ao seo silSacio, filho do p uco caso ou da cobardia, a mioha reputação pãoica transpôs jâ. os umbraes da posteri- dade, e perde o tempo ou é parvo f|iiPTii t«ntBr apear- medo meo pedestal. Paga tu a obra, u ulug*iu-ii por toda a parte, como tem sido teo co-stume. «

Haveria 'oestas amabilidades alguma cousa pare- cida com as de Alarcoo, mas, umas ligeiras obser- vações: o auctor bíspanhol era de tanto génio, que Corneille vasou o seo Menleur no molde da Veraad Suspeckosa. obra (jue denomina « a maravilha do thea- tro, e para a qual nSo se acha, como elle diz, nada comparável, quer entre os antigos quer entre os mo- dernos. B Infelizmente as cousas sao muito diversas, em relação ao caso actual. O Brazil de hoje está tao di.stante da Hiapanha do século XVI e do século XVII, quando fornecia assumptos à Itália, á França, á Inglaterra, a Corneille e a Shakspeare ! O nosso compatriota, posto que muito illuslre e respeitável, está tao afastado physica, chpouólogica e litteraria- meate de Alarcon ! E depois* accresce : J. de Alencar nao teria razão p^ra m queixar do piiblico : .Mar- cou— perspicaz e profundo desconfiaria d'eR8e pe- reniie acoihimeuto ás suas obras. Bti-^eamos ao nosso I aasimpto.

Tu, que és mestre e intendei tSo bom da cousa como nem ouso pertendel-o 91, achas que a poesia brasileira tenha incontrado o seo ideal na Iracema ? A poesia de um povo, que fazia das guerras sua principal, senão ilníca, fonte de pnixOi-s, nao podia ter eaa» expressão de flaccidez e de langurir, que faz a feição completa da obra citada.

Achelos tumultuosos, affectos desinfrendos, pra- L nres lúbricos, Sí>nsaçAes intensas e bravias, rcstumam I Intunzir-do era linguagem de outrt* possança ; isto é f O que nos parece dizerem o senso critico e o es- tado das primitividades de todos os povos do mundo. O poeta, intérprete der^sa poesia, n5o tem mais que apanhar o colorido ardente, e com elle velar as impu- dldcias ou as fealdades da natureza brutal.

Cumpre mais acnrescentar que a fiirma de tal

[ po&)in, parti cularmi-nle bebida ua fonte grosseira dos

I aealidos, devia tender mais ao plástico, ao material,

do que a uma ideal ísacão que de modo nenhum cabtf

f

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em aimilbante natureza. Ura moderno archeúlogo e sábio ing^lez, Lubbock, estudando os costumes dos aborígenes da América do Norte, diz que o « estylo da sua música é magro e sem arte. » Sabe-se que a monotonia faz também um characterisíico das festas, das danças e dos cantos dos selvagens em geral ; 8 com relação aos do Brazil, é fácil deprehender do que dizem os competentes, qite lambem era traço distinctivo da sua linguagem cerio cuubo de varonilidade, repercussão do estjlo com que cele- travam suas paixOes tumultuarias.

duas fontes vejo onde o poeta açbasse para beber o character da poesia brazileira: a saber specimens na própria lingua vernácula , ou , na falta d'estes, o dizer dos histopíadores. Ora, a primeira é sabido que nos talta ; nao os índios nno escreviam, mas também quem o podia fazer n nao se dpu ao trabalho de recolher ou verter era língua portu- guesa 08 cânticos dos Índios » como diz ura litte- rato contemporâneo. Resta, portanto, a segunda, que, longe de auctorizar, conderana a perlensa eschola, inaugurada por J. de Alencar.

Em verdade, biista uma interpretai; ilo approximada da história para vermes a medida d'essa poesia. Um povo dado principal raente íis luctas viol«itas, d'onde derivam os seos mais assíduos passatempos e labores nao havia de ser frôxo o débil, quando é certo que a poesia é o reflexo raaia animado, firme e substancial das paixOes de ura povo.

Mas o que no.-í dizem os historiadores? Vejamos.

Simão de Vasconcellos diz, Iractando dos cantos : «Cantam no me.smo tora arengas de suas valentias e feitos de guerra com taes Dssobios, palmas p patoadas que atr.-ara os valles. »

Ferdinand Deny* di;!, occupaudo-se eoni o mesmo a-"Sumpto : "Cantavam alternadamente as swns faganhcu em tnm grave e compassado. » E referiu d c-.se a uma certa dansa accresreota que « do seio da mtilttdno se levantiiva um choro harmonioso, que celebrimi a glória dos antepassados e incitava os bravos a novos feitos de honra, »

Verdade seja que G. Dias nos observa: « Entre os Tupys era tudo música e poesia o nascimento <s jBOrte a guerra e as festas o amor e a reli^^^

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a linguagem e ávida era tudo poesia Na sua

linguagem harmoniosa e quasi toda labial, travada e intercalada de vogaes imitavam o ciciar dâ. brisa a correr sobre as ondas espalhadas do oceano, a agitar levemente a igara derivando á tona d'agua, e a inre- dar-se pelas folhas dos bosques, que aromatizam o littoral. » Para apoiar esta opini&o declina a de di- versos auctorizados escriptores, como o padre Figueira, Laet, Vasconcellos, Du Montei, os qua^s todos s&o accordes em que a língua geral era muito rica, suave e elegante. Devo entretanto produzir duas rápidas observações .

Primeiramente, historiadores) também ha, não menos abalisados, e entre outros p*Orbigny, que suppoem que « quasi todas as línguas americanas eram pouco ex- tensas, grosseiras, e careciam absolutamente de termos para exprimir um pensamento, uma idéa delicada, ou mesmo a paixão. » Se coubesse nos estreitos limi- tes de uma carta, escripta a vôo de pássaro^ algum desiuvolvimento sobre matéria sem dúvida transcen- dente , eu reproduziria com Lubbock, Forster, Ellis, Cook, Kolben, Thunberg, Harris e muitos outros, factos e considerações que avigoram esta opinião.

Em seguindo logar direi que,mesmo admittida a opi- nião esposada por G. Dias e pelos outros citados his- toriadores, essa suavidade, opulência e elegância, longe de se contraporem à these, que resalta da his- tória, mais a accentuam e corroboram. Quanto mais opulenta e elegante fõr a língua, tanto mais em con- dições 'de ostentar fidalguia e gentileza, quer de forma, quer de essência. E tanto assim é que o próprio G. Dias não vasou as suas poesias americanas em outro molde.

Se dos cantos passámos às dantas, o que vemos? Refere o próprio Dias : « Essas mesmas dansns não eram mero exercício de força ou simples distracção. Simulavam (os guerreiros) nos passos choreográphicos,

j& o caçador em attitude viril e ameaçadora,... já,

mais enérgicos, imitavam com6a(e5 de homem contra homem, em que se succediam as palavras aos golpes^ etc. » Confirmando esta afiBlrmativa, ajUncta P. Dinys : a Era antes ( a mais solemne das dansas ) uma ceri- mónia maixial que uma dansa propriamente dieta. »

102 XXVII

Eis, pois, ainda aqui characterisada a poesia sel- vagem pela energia e fortaleza, qae imbutiam, diga- mol-o asáim^ na linguagem, nos gestos, nas acções, as diversas formas, sempre elevadas, de decantar assumptos grandíloquos, como as batalhas, os conví- vios em honra das bárbaras proezz&s, os exercícios e noviciados béllicos.

Penso, pois, assim : ou a poesia tivesse de exprimir motivos de essência épicos as luctas gigantéas, as glórias marciaes ; ou motivoa melodramáticos, os pra- zeres eróticos, as magnificências da natureza inani- mada, os incautos da vida florestal ; ou de referir-se ás suas práticas e crenças religiosas em qualquer doestes casos ser-lh^hia impossível abstrahir do cunho de vivacidade, do colorido vigoroso, própno do sen- timento universal de braveza e do modo geral de dizer que especialmente os assignalava e que era como as tinctas predominantes de todos os seos phenómenos sociaes e moraes.

Pensando assim estou de accordo com os dous primi- tivos patriarchas da poesia brazilica, Basílio da Gama e Sancta Rita Dur&o, e também com os gfandiosos in- genhos do Dias e do Magalh&es, que nos tempos actuaes tamanho impulso deram á eschola nascente, apezar de ser de data colonial. O Dias foi infatigável, verdadeiro propagador d'essa eschola, que cultivou como o sacer- dote mais estrénuo, suctorizadoe feliz. E' elle indispu- tavelmente o nosso primeiro poeta, e difficilmente teri um successor que se lhe approxime, se a ingrata sorte arrabatar cedo á pátriít o astro mágico de Fagundes Varella, que, no meo fraco intender, é o vate mais genuíno, opulento e mavioso da moderna plêiade na- cional.

Ora, se pego a^ora mesmo do Vruguay e o abro ao acaso, o que incontro ? £' o poncto em que o índio, Cacambo, se appresenta ao general como parlameu* tário. Ouçamol-o.

t< O' general famoso, « tu tens á vista quanta gente bebe « do suberbo Uruguay a esquerda margem. « Bem que os nossos avós fossem despojo «c da perfídia de Europa, e d'aqui mesmo « co' os n&o vingados ossos dos parentes

^•>

XXVII 103fc

<t se vejam branquejar ao longe os valles, « eu, desarmado e só, buscar-te venho.

c( Âs campinas que vês, e a nossa terra í< seo e nosso suor e os nossos braços « de que serve ao teo rei ? Aqui não temos 4c nem altas minas, nem os caudalosos a rios de areias de ouro

« Pobres choupanas, e algodões tecidos, tt e o arco, e as settas, e as vistosas pennas <c silo as nossas phantàsticas riquezas.

c< Que mais queres de nós? Nao nos obrigues (( a resistir- te em campo aberto. Pôde <c custár-te muito sangue o dar um passo ; « n&o queiras ver se cortam nossas frechas; « que o nome dos reis não nos assusta. »

Mas j& n&o quero este assumpto que podem tachar de forte em si mesmo, e vou ter a outro de diversa ordem o amor. Abro o Caramwrú^ e não é um guer^ reiro, porém sim uma simples mulher quem fala. Para- guassii, promettendo a Diogo Alvares oaptizar-se e ser sua esposa:

« Esposo abella diz teo nome ignoro, « mas n?io teo coração, que no meo peito, « desde o momento on) que te vi, que o adoro: « nao scei se era amor jà, s# era respeito ; «( mas scei do que entSlo vi, do que hoje exploro, «( que de dous coraçOes um foi feito : K quero o baptismo teo, quero a tua egreja « meu povo seja o teo, teo Deos meo .^eja.

« Ter-me-has, caro, ter-me-has sempre a teo lado,

« vigia tua, se te occupa o somno :

« armada sairei, vendo-te armado;

« tao fiel nas prisões, como 'num throno .

104 xxvn

(( Outrem aao temas que me seja amado : (( tu serás seuhor, tu sómsu domuo; » « Taato lhe diz Diogo, e ambos juraram ; « e em do jurameuto as mios tocaram »

Pois bem 'ne-^se mesmo assumpto nlo ha frouxidão nem moUeza na expressão ; pelo contrário: a lin- guagem do nífecto não se deturpa, não se abastarda, não despe, nos lábios da moça, da selvagem louçania sempre, em brio e garbo, na altura condigna.

Recorro ao Dias, não no hitnpejante Canlo do guer- reiro, não no Y 7iicaP</7Vima -^modelo de pondonor é de ufania bárbara, nem no Tabyna eminentemente mar- cial o athlético, mas 'numa poesia da insinuante sentimentalismo e amor o Canto do índio. Tu bem sabes com que pujança* de idéa e galhardia de lin- guagem o poeta exalta em notas plangentes o amoc grandioso do selvícola. Ouve :

(( O' virgem, virgem, dos christúos formosa, « porque eu to visse assim, como te via, <( calcara agros espinhos sem queixar-me, « que antes me dera por feliz de ver- te. (( O tacape fatal eu terra estranha <( sobre mim sem temor veria erguido; (( dessem-me a mim somente ver teo rosto « nas águas, como a lua, retratado.... « Passara a vida inteira a contemplar-te, <( sem que dos meos irmãos ouvisse o canto, (( sem que o som do boré que incita á guerra

c( me infiltrasse o valor que me has roubado

<( Escuta, o' virgem dos chrisuios formosa.

u Odeio tanto aos teos, como te adoro ;

(( mas queiras tu ser minha, que eu prometto

(c vencer por 1»o amor meo ódio antigo,

<( trocar a maça do poder por ferros,

« e sor, por te gozar, oseravo d'elles. »

Esta magnificência, este primor comprehemlo eu como o echo da paixão sumptuosa do selvagem. Esta, sim, se não foi, presume-se que poderia ser a verdadeira poesia brazileira. As sensações e as idéas, os estimulou altivos como o coraçílo, que se expandia nas luctas eternas, que as eterntis solidões ainda mais solemnes e

XXVII 105

majestosas faziam, têm 'aestas suavíssimas, sem dei- xarem de ser seguras e másculas vozes, um echo fiel e intimo, que vai coando na alma. O selvagrem tupy, victima da paixão como soe brotar en; ânimos de tal têmpera, ou fala assim, ou não fala.

Quem ha ahi que nao conheça a poe.sia intitulada Leilo de folhas verdes do mesmo inspirado poeta ? Aquella viração da noite, aquelle rumorejar do bosque, a mangueira altiva, a flor do tamarindo, o doce aroma do bogari, valles e montes, lago e terra, a arasoya, a forisa da manha, tudo nos fala da natureza virgem, e dos « rendes vous no mato, tão simples e prosaicos em si mesmos, mas que não obstante deram assumpto a uma das mais bellas e graciosas composições do Sr. G. Dias, no dizer de J. F. Lisboa. O poeta tira da paleta onde guarda as mimosas cores da sua elegante phan- tasia,as mais appropriadas ao deâenh(>,e combinando-as com as ameníssimas galas da natureza, entretece o sendal de variegadas illusOes com que incobre o fundo material, e quiçá abjecto do motivo. O leitor haure, como ura deleite,esses esplêndidos versos, sabe o facto que elles decantam, facto em si mesmo simples e pro- saico^ e nem uma palavra sequer lhe vem estremecer a placidez d'esse véo de decência e de poesia, que se di- ria cobrir o puro leito da inaocencia. E comtudo não ha exagtiração, o mínimo desvaire no quadro. As cores são vivazes, a pintui*a é verosímil,

O contrário se na Iracema, O estylo em geral pecca por inchado, por alambicado. As imagens suc- cedein-se, atropellam-se. Ha um esbanjamento de ima- ginação, quo, desdíí a primeira vista, se nota que está muito longe de approximar-se da verdade; para que os personagens p^desseru falar assim, n'essa perenne fi- gura, fura preciso suppor *nílles o talento, e talvez a cultura do próprio auctor, tão ci^toso e trabalhado se conhecc' ter sido aquelle arranjo ostentoso. De repente, porém, o que succede, para ainda mais desabonar o pincel do artista '? O artefacto de roupagens supérfluas contrahe-í^e, e desnuda em plena luz a mais deslavada materiali.lade. Exemplo :

Abro o poemiv na pag. 71. Martim tem passado a primeira noite com a índia na cabana de Araken. Ape- zar de ter o moço u inchido sua alma com o nome e a veneração do t-eo Deus Christo ! Chriato ! » ( como

106 XXVII

diz o auctor ) o seo Deus n&o o preservou de commet- ter a vilania ( que a foi ) na « caoana hospedeira, »

Depois de ter o auctor contado o tal infortúnio da moça, que da noite para o dia deixara de ser digna de guardar os sonhos da jurema e de merecer os afféctos e as considerações do seo velho pae, com que chave de ouro achas que se sairia o auctor para fechar este pri- moroso capitulo ? Ouve :

« As dguas do rio depuraram o corpo consto da recente esposa I ( Sao textuaes. )

Considera, meo amigo, que o auctor despendeu uma nota inteira, apag. 169, em justificar a denominação de Acaraú que deu ao rio Acaracú -- áizenáo ter a usado alli da liberdade hcraciana. com o fim de evi- tar em uma obra litterària, obra de gosto e artlstica^nm som áspero e ingrato.

Que contradicçao flagrante é esta?! No trecho ci- tado, não ha a aspereza e ingratidão de um som ; ha um período inteiro, offerecendo a.> espirito do leitor uma idéa vil, expressa por palavras indecentes: depois da baixeza, a india foi tomar banho no rio para ncar limpa.

Como isso é de gosto e de arte ! E sobretudo, que fina e edificante poesia !

Nao posso mais por hoje.

Teo amigo certo

Sóptima cart:a. d.e Oinoinnato a Sempronio :

Rio, 15 de dezembro 1871.

Talentoso amigo.

Onde estávamos nós ? Ah, me lembro ; no Ttxt. Admirámos os mil modos interessantes empregados para activar a vendfll do livro monumental, tao supe- rior a qualquer outra producçao como o til o é ás pa- lavras a que se superpõe. Interrogava-ire eu a mim mesmo sobre a explicação d'este apparente puff« quando me chega ás m&os uma epistola, que esclarf ee tudo, e não posso deixar de a transcrever. Resa ella assim :

« Sr. Cincinnato. De pouco se admira Vm ; e a sua admiração cessará de todo, quando souber coma

XXVII 107

as cousas correram. O nobre auctor do Til adora afama, a glória, e a pátria, mas n&o menor apreço a certa cousa tangivei, com que se compram os melões. Foi a glória que o fez passar de liberal para conservador, em qualidade de consultor. Foi a glória, que o fez negociar com a empresa do Diário do Aio, exigindo a troca de uns papelinhos por moeda bem met&llica. Foi a glória, que o fez organizar outra folha, com gordos estipândios para casa. E a glória, que a tantos sacrifícios taes o tem condemnado, é sempre o seo pharol nas costas da litteratura. Parece pois que a Redacção da República ahi caiu 'num laço bem ar- mado. Acceitou um contracto desint&ressacíOj em que o glorioso neólogo accedeu a dar gratuitamente o seo

Jortentoso manuscripto, apenas debaixo doestas mo- estas condições .* Tirar-se a obra em volume, e receber d'este 2000 exemplares ; ir logo à porta fron- teira receber por cada um a 900 rs., e insaccar assim gloriosamente uma continha surda, e muito bem ganha, de Rs. 1:800S000 ( Quem de tao gordas lettras tamanho lucro haja tirado, nao conhece este Império ; e ainda ha 'nelle quem lhe conteste a glória ! ). Dà-se por assentado que os Redactores compraram nabos em sacco, e assim o creio : sejam boas ou más as doctrinas por esses mancebos apregoadas, ninguém lhes negará talento, ou supporá possivel que elles acceitassem similhante embroglio para as suas colum- nas, se primeiro o tivessem passado pelos olhos. Foi um fiasco abominável. No final do capitulo 15 da obra,

Íue bem pôde imprimir-se em 15 pernas, pois saiu em 5 pequenos folhetins, se fim do primeiro volume. Todas estas tricas sao da eschola do Dr. Carlosbach. Seja porém como for, ja se comprehendem as reciprocas barretadas: O Sr. Alencar ao Jornal: Esta folha é magnifica— O Jornal ao Sr. AJj^ncar : Este til, e este senhor sao magníficos. Sao os dous leigos a darem Reverendíssima um ao outro. Um agradece os 2000 exemplares ; outro quer desforrar-se, angariando 2000 dous vinténs. Tudo é glória, patriotismo, indepen- dência, desinteressa^ e amor da pátria »

A cousa ia continuando sempre na mesma afínaç&o ; mas como eu nao creio absolutamente nadada conteúdo da tal missiva, permaneço na convicção de que o ex- clusivo intuito do reformador-reitor das lettras, foi

carauguejar mais um paaao uo progreaso do seo re- gteaso... como dizia o Sr, Vhcoude de Laborira.

Ainda uao tive paciência de passar pelos olhos senão os primeiros capítulos do TU, mas ja li bastante para adi^uirir a convicção de que lia mais outras leis da physica applicaveis à ordem moral.

Todos sabem que um corpo que ahi vera caindo peios ares nSo percorre espaços pguaes em tempos eguaes; ao contrário, quanto mais se approxima do çh5o, mais corre ; o movimento do corpo é então uni- formemente accelerado, na razSo dos quadrados das distâncias. Se Atwood applicasse a sua iogeulios» màchina aos escriptos de Sénio, faria como Kepler, estendendo a lei da órbita eliiptica do planeta Marte aos outros planetas, e reconheceria na distincta intel- ligencia do honrado escriplor uma accele ração de queda, na razão do cubo das respectivas distâncias. A deca- dência vai de foz em fora, e nao tardará que faça ralar de inveja a antigos escriptores da rua da Úarioca,

Parecia recommendar a prudência ao preclaro ro- mancista ( agora que se Ihedesvaneceua fama p&nica, que ja vai sendo coUocado no logar que lhe compete) algumas férias de imprensa, ou pelo menos que se accon- selhasse com algum amigo leal que lhe desvendasse os olhos, ou lhe corrigisse os barbarismos, nao para reconquistara usurpada posição ja impossível, mas para nao aggravar mais o ridículo em que como es- cripfor tem irremsdinvelraente caído. E todavia, ou não tem um amigo que u desiugane, ou a traiçoeira vaidade lhe faz fechar ouvidos às admoestações des- interessadas.

O TU nilo parece um romance, mai uma rebemdita! .Se até hontem causava pana a successiva decadên- cia da peuniL de Sénio, hoje produz assombro este pereuiii? ataque no sei^o commum, revelador, ou do gniiidc ilesprCsii com que se tracta o pilblico. ou de mau if e,-t íi pL'<-aii'l>aríio de faculdades.

Sctíi que ó malbaratar o tempo, consaííral-o a lao fulil occu])ai:ao, mas pouco tenho qne fazer, e quem teiii va:;";»!', faz ci)lhére3. O tal folhetim e.-!tà indubi- taveimi:;!!.' nlmixo da critica, porem nao descouvei collocar um pnurol 'neste.'! pérfidos escolhos do mar d lettras. Consagremos, pois, algumas p&ginas inglória tarefa.

XXVII 109

E' mania doesta penna a creação. Tudo para elle sai do berço, do nada, para viver quando ba- fejado por seo divino sopro. Caracol da maledicên- cia, baba quanto o precedeu ; e assim como, na Re laçao do inferno, Bhadamanco sentenciava feitos, assim chama á sua barra os clássicos, os puros, o^ escriptores, os romancistas, os jurisconsultos, os es- tadistas, brandindo sobre todos a fera la cariccata.

nos proclamou que havia de insinar o que era a poesia brazileira, a política brazileira, a jurispru- dência brazileira ; agora diz que nos insma o que seja o romance brazileiro. Conquistou o universal monopólio de todas as especialidades ! . . . . Tem-se visto d'estas aberrações : contam que o poeta Accio^ de tão acanhadas dimensões que orçava por pygmêo, elevou, no templo das musas, a sua estátua, repre- sentando-o gigante, e dedicou-a à Eternidade.

Nfto é possivel levar a maior evidência que tu o tens feito, que nada ha nos romances brazileiros do Sr Alencar que represente uma litteratura parti- cular d'estas regiões, O pení?amento de todas as obras de imaginação, nem têm pátria nrm parallelo ou me- ridiano. Pode-se sentir com mais ou menos energia, ser-sb mais ou menos impressionado pela natureza ambiente, proceder de modo diverso segundo a edu caç&o ou grande civilização; mas aíBgura-se-me que o homem nao varia tanto como se aíElrma, c que o coraç&o dos trópicos nílo tem auricsila^ nem ven- trículos diflferentes do das regiões polares. E toda- via,concordo em que a poesia dv^ cada zoaa possua offere- cer matéria prima especial aos respectivos prodiictores, incauto especial aos respectivos consuininidores. Ap- plicando esta regra ao Brazil,è em que deverá con- sistir a poesia local, a merecedora d(» monçAo, a que se nfto limite a uma caric^iura i;::riobil, a que commova, instrua o arrebate, a digna dos applausos dos intendidos e das turbas?

Parece-me que essa especialidade tem do compor-se de muitos element-vs:— a reli/:''irio dos incclns, com todos seos dogmas, liíhurgiaas, bellczjK^. r.s(.s e supers- tições— as tradições f]>lles, com suns história. , lendas e mythos a sua poesia nativa, com seM.s arrojos ou singelezas, com suas harmonias ou dis 'ordànoias— os i8eos costumes, com suas generosidades ou baixezas,

110 XXVII

dedicações ou vilanias— as suas Índoles, com as com- petentes virtudes ou vícios, dignidade ou servilismo a sua nfltureza, com as peculiaridades d'ella, com os seos pheuómenos, as suas grandezas, os seos rios* mares, catadupas, florestas monumentaes, e o seo admi- rável reino animal, e as infindas opulências que ia- cerra o seio d'este magaiflco torrão. Finalmente cum- pre applicar a observaçFio mais attenta ao estudo de quanto a mesma natureza offerecc próprio, ingénito, e ao de quanto a raça humana appresenta de excepcio- nal em seo temperamento, compleição, génio, condi- ção, tendências e história.

Quem nao se sentir com pulso para erguer tamanho peso, nao se ostente creador, nem procure naturalizar producçoes desvairadas, em paiz que as não conhece nem tolera. Tudo aquillo demanda muita applicaçSo, cultura, estudo, e não certas noçOes superfíciaes, hau- ridas de outiva, e tão pingues e gordas que, do mesmo modo que nas águas abetumadas do lago Âsphaltites, tudo bóia na superfície, nada nada até o fundo.

Não ha neste romance do Sr. Alencar (ao metios no que tenho lido) cousa que justifique a ambiciosa quali- ficação. Characteres mal desenhados, pessimamente sustentados, descripções sempre defectivas, diálogos impróprios, personagens repugnantes, linguagem muitas vezes abaixo de plebéa ( não nas falas postas em bocca das figuras, mas frequentemente nos dizeres do auctor], deficiência de senso moral e de alcance do inrêdo magro e descosido, eflFeitos mal preparados, e perenne artifício impotente. Imagina este e^ríptor que, por dar, aqui e acolá, os nomes de umas terras ou cousas do Brazil, romance brazileiro! E' um ve- nerando achaque do espírito,

Nilo chegou ainda o tempo de avaliarmos o romance synthelicamente, poMue está no princípio, e não scei de quantos volumes fde 15 páginasj virá a compor-se. Conseguíutemente o que posso é chamar a tua attençSo para o chorrilho de bellezas de estylo, de grammática, de sciencia, e de vernaculidade,*^que pulíulam n*este vasto tremedal. £' o que farei nas seguintes cartas.

Creio que o coroUário será que ao nobre mestre con- viria retirar-se da scena para aprender primeiro o mui- to que lhe falta, para poder insinar. Faria bem de transportar-se para a sua soledade-çharneca, ou para a

XXVII 111

sua Thebàida. Da separação de toda a sociedade ociosa saíram os Zoroastros, os Orphâos, os Epiménides, e outros famosos contemplativos, que passados alguns anãos reappareceram cheios de sciencias e virtudes. Faria bem em epimenizar-se.

Portanto para a outra vez proseguiremos na anâlyse mais miudinha das façanhas linguisticas do Til.

Teo sincero respeitador

ClNCINNATO.

Bil>liosr*aplxla .

Nunca será muito quanto dicer a imprensa sobre um bom livro, maiormente sobre aquelies que se destinarem à infância, aos cidadãos, aos mestres; aos pães de família .futuros.

O poeta saudado em 1862 por toda a imprensa fluminense, e em seguida pelas demais do Império, por oScasiao de dar à estampa um volumesinho de versoSfílenominado flohks e fructos, o mancebo a quem, por esse tempo, a sympàthica, estudiosa e intelligente sociedade ensaios litterabios offerecêra uma rica penna de ouro, o talentoso e illustrado Sr. Bruno Seabra, querendo também ser agradável e útil aos nossos concidada isinhos, deu à luz um in- teressante livro, que lhe dedicou, intitulado O alvorge DA BOA-RAZÀo. Tcmos à mao um exemplar da nova edição d'esse livro, e posto, no seo género, nenhum, que saibamos, se avantaje no accolhimento que me- receu, sendo, immediatainente depois de publicado, approvado com louvor pelas Directorias de instruc- ^ão pública das províncias de Minas e da Bahia, transcrevemos para aqui o seguinte parecer, incerto n'uma gazeta do Maranhão, da ^mmissao composta de três membros, nomeada expressamente para sobre es.^c livro emittir sua opinião.

Eil-a :

<t Illm. Sr Lemos o livrinho que, para meninos,

sob o titulo ALFORGE UA BOA-RAZAO, dcU à luZ O

Sr. Bruno Seabra, bastante conhecido entre nos- sos homens de lettras por suas producções poéticas de subido q^érito, e cujo exemplar com este resti- tui mos a V. S.

112 XXVIl

E' nossa opinião que o Alforge da boa-razÃo preen- che bem 0 fim a que mirou seo intelligente e il- lustrado auctor, que, em sua preciosa obra, coUi- gindo grande cópia de preceitos com o fim de im- primir no espirito da infância, como em branda cera, os princípios da moral mais sa, fal-o era estylo fá- cil e natural, dicção correcta e clara, nao menos que em linguagem pura e de lei ; qualidades que, amenizando-a, muito recommendam a obra do Sr. Seabra, pondo-a ao mesmo tempo ao alcance da com- prehensao infantil d'aquelles a quem se destina.

Inspirado pelo amor paternal, e com desvelo es- cripto no intuito de dispor o filho para a felici- dade, incutindo-lhe em verde princípios que, se 'nelles se embeber, necessariamente lh'a darão, e d'elle faraó um membro utíl à Sociedade, a obra do Sr. Seabra nao desdiz dos encómios que lhe têm sido tributados, e merece ser admittida nas nos- sas escholas provinciaes. Deus guarde a V. S. lUm. Sr. Dr. Luiz António Vieira da Silva, Inspector da Instruccao Pública do Maranhão.

Pedro de Sousa Guimarães.^ Luiz Carlos Pereira Ca^stro. Trajano Cândido dos Reis. >*

Transcrevemo-la para estas páginas, crendo pres- tar algum serviço aos pães de família, indicando- Ihes, por nossa voz, um livro que, como bem dice uma illustre penna portugueza, a do Sr. Dr. An- tónio Xavier Rodrigues Cordeiro, como o Bom ho- mem Ricardo^ de Franklin^ deve andar nas mãos de todas as creaiif^aSy pelo insino que lhes dd^ formari' do-lhes as almas, e pelo modo porque o expõe^ de/et- tandO'lh'as. E tudo vHo^ e é escripto em portuguez de lei. *

Corte, 1871.

Varrâo,

Typ. e lith. Imparcial— Rua Sete de Setembro n. 146 A

QUESTÕES DO DIA

ISr. 28

mo DE JANEIRO,' 23 DE DEZEMBRO DE Iffn.

h^^

Vendesse «m casa- dos Srs. E. ãt H.Laemmert.— Agostinho de Freitas Qui- naràes ãt Comp., 26, rua do General Gamara. Livraria Académica, Bua de S. José n. 119 Largo do Paço n. C— Prevo 200 reis.

O !• Tolume, com perto de 400 paginas— StfOOO.

OBRAS DE J. DE ALENCAR— A IRACEMA

Cartas a Oix&olni&ato)

IV.

Meo amigo :

Para verdadeiramente dizer-te, é esta a vez que -me sento com melhor disposição de conversar sobre a Iracema. Quando a gente leu um livro, de que nfto gostou «atira-o para um canto, nunca mais pega n'elle ; as impressões passaram, e se pretende reexperimental-as e relê a obra , é um íngano!

Isto me acconteceu com a lenda sertaneja de J. de Alencar, e admira-me que ella me tenha dado mar- gem a três epistolas, das quaes algumas crescidinhas.

Nflo importa. Approveito o humor e.... conversemos.

Quando tive occasifto de ler, em livro de auctor es- trangeiro, um benigno juízo crítico sobre a Iracêmaj daas impressões me assaltaram oppostas, postoque congénitas uma de prazer, outra de pezar.

Se o escriptor (que reputo compr|ente) se houvesse limitado a festejar, pura e simplesmente, o illustre no- me brazileiro, e a isso, á te digo que, na qualidade de brazileiro, que também sou, tei^me-hia exclusiva- mente regozijado com l&o fidalgas finezas ; e, sem descer a indagar se seriam em si justas ou se filhas de mera vontade de fratemizar com o, por assim dizer, Go-irmao nas lettras, nem mesmo de relance com ellas me occuparia na presente occasifto. Sou muito cordato, 6 scei bem até onde deve ir o espirito de nacionalidade.

Mas nao succedeu assim. D*involta com as meiguices e delicadezas, prodigalizadas a quem certamente conta

114 xxvnr

títulos a attençoes e acato, tópicos se destacam que ia justamente desfavorecem reputações feitas, em que a pátria se re^ê com legitimo orguího reputações que j& baixaram da região dos problemas para receberem a consagração prática do reconhecimento, do respeito e da admiração nacional. Fora covardia nfto defender esses numes, sacrificados em bonra de um idolo que, se tem seo valor (o que ninguém contestp], náo está com- tudo na altura de merecer que se lhe immolem taes hóstias.

Leem-se, por exemplo, 'nesse livro, pedaços como este, tractando-se de Gonçalves Dias :

a Nsio conhecendo esse poema (os Tymbiras)^ n&o posso formar juizo sobre eile ; mas outros poemetos indianos, publicados no volunore de versos do grande poeta brazileiro, edição de Leipsick, auctorisam-me a suppor que a morte ceifou Gonçalves Dias antes d^elle ter inaugurado verdadeiramente a litteratura nacional do Brazil, e que á Iracema do Sr. José de Alencar per- tence a honra de ter dado o primeiro passo affoito na selva intrincada e magnificente das velhas tradições.)»

O Sr. Pinheiro Chagas tem dicto antes que « Qon* çalves Dias e Magalhães sulcaram o formoso lago d'uma poesia estranha ás regras e aos hábitos europêos, mas como o cysne alvejante que procura semear de pérolas a cândida plumagem, e que receia inlodar no vaso do fundo o collo nítido e correctamente airoso, a aza branca e lisa, a cabeça graciosa e fina. '>

Tem dicto egualmente que « de^^de o Caramurú de Sancta Bita Durão, o.«; poetas brazileiros têem entrevisto a mina riquíssima, d'onde podem arrancar diamantes litterários, tão fulgurantes como as pedras preciosas que resplandecem por entre as areias de Tejuco, mas até agora irenhum se ynpregou bastante 'nessa inspiração selvática.» E conclue dizendo que « a Iracema está destinada a lançar no Brazil as bases d*uma littera- tura verdadeiramente nacional. »

E' desculpável, 'num escriptor estrangeiro (postoque de talento seductor, e postoque tenha pisado, segundo cremos, n'estas terras brazueiras, e nos haja brindado com a sua Virgem Guaraciaba) cair em inganos, que bem explicam quanto ainda entre próprios irmãos está desconhecida no seo justo valor a nossa nascente, mas> accentuada litteratura. Cumpre, porém, declarar que o ingano do Sr. Pinheiro Chagas é evidente, é de-

xxvni 115

vido talvez a impressões instantâneas, deixadas por uma perfunctória leitura da Carta com que J. de Alencar fecha o seo livro.

Colhe-se com efFeito do dizer do Sr. P. Chagas que os talentos, que precederam J. de Alenrnr v-y p\iiV>rt)- çao da mina, cousa nenhuma apanUaram uu a^cuão ia- significancias, 'nesses campos esmaltados de incantado- rasgallas, 'nessas selvas solemnes, regiOes immarces- siveís da poesia mais melanchólica e mais pathética 'nessas montanhas majestosas, e nesses valles somhrios onde ainda se parecem ouvir echos de uma raça de Atlantes 'nesses rios gigantôos, que uma vegetação descommunal horda e veste de eterno viço, de louçania perenne.

Parece que tudo estava ainda por fazer, que a poesia dormia na immensidade inexplorada dos ôrmos, ou que, assim a modo de jaguar ou de ophidio venenoso se recolhia em antros profundos, 'd'onde os antecessores de J. de Alencar a tinham podido exhumar completa- mente desfigurada ou morta, ou antes onde nao haviam penetrado. Bom é comtudo observar que alguns d'esses primeiros exploradores, a quem tão peremptoriamente se recusam sagradas direitos adquiridos e reconheci- dos, tiveram, mais de uma vez, occasiao de se acharem em immediato contacto com a natureza virgem, de contemplal-a em pessoa, de perscrutar os seos augustos mystérios e de receber d'ella directos influxos e inspi- rações. Póde-se acaso dizer outro tanto de José de Alencar, que, como é sabido, arrancou essa pretensa poesia brazileira do fundo da sua phantasia palaciana, 6 lhe deu forma sobre a sua mesa de cortezao ¥

Se o symp&thico escriptor portuguez conhecesse me- lhor as cousas de nossa terra; se soubesse que, ao passo que Gonçalves Dias percorria^o Brazil do sul ao norte, penetrou nas intranhas das tribus do Ceará, do Maranhfto, do Pará, do Amazonas, atravessando rios caudalosos, margens ínvias, estudando costumes e dialectos vários, colhendo mil noticias e tradições, José de Alencar escrevia folhetins impregnados de essências de salões, frequentava os passatempos da corte, sonhava louras visOes de luvas de pellica e de crinoline na rua do Ouvidor ou no Carceller, 'numa palavra hauria a vida puramente de cidade, de filigranas, de excitações procuradas, de estimulantes fáceis e á mfto ; se soubesse que, á proporção que elle ruminava, talvez entre uma

116 XXVIII

chávena de café e um delicioso havaim, sob a abóbada caricata de um kiosoue artificial, a poesia também arti- ficial e brunidinha aa Iracema^ Gonçalves Dias combi- nava na sua grande imaginaçfto, á sombra de um gi- gante da floresta, ou & mai^gem inundada de emanações aquáticas, ou no píncaro de uma serra a topetar com a immensidade, a poesia musculosa e farta, que se per- cebe palpitar natural, vehemente e livre do menor ren- cilho nas páginas immortaes do Y-juca-pirama e dos Tymbiras ; se soubesse, finalmente qual o juízo incon- trastavel da universalidade brazileira 'neste poncto, certo nao teria aventurado idéas que nSo açnai^^, porque nao podiam nem deviam achar, a menor guarida entre nós.

Se houve alguma obra de J. de Alencar, a cujo respeito se nSlo demorasse a manifestar-se, sem hesita- ção, o juízo público, está certamente em tal caso a iracétna ; e esse juízo nao lhe foi fevoravel.

Segundo tive occasiao de observar 'numa das pre- cedentes cartas, o appareciínento da lenda sertaneja, longe de corresponaer á espectativa suscitada pelo Guarany^ do mesmo auctor, fêl-^ despenhar^-se na mais amarga e rude decepç&o. Geral frieza a recebeu, e quer-me até parecer que appreciaçffes auctorizadas lhe recusaram os direitos, que também agora lhe contesto, de filha da terra.

Nem era de esperar o contrário, porque a poesia bra- zileira estava entfto verdadeiramente inaugurada no paiz. Nem é outra senEo a que nos deixaram esplen- didamente insaiada Basílio da Gama e Sancta Rita Durão, e que deve ao portentoso pineel de Gonçalves Dias os contornos accordes, os toques magistraes, as linhas firmes, as cores feiticeiras e primorosas com que se arreia, 'numa piilavra as sólidas e inabaláveis bases em que hoje a vemos definitivamente firmada. O que J. de Alencar nos deu na sua Iracema foi uma poesia, de sua invençfto, como de sua invenção nos tem querido dar uma língua, uma natureza humana e uma natu- reza inanimada ao avesso. A poesiíBL de um povo nfto se inventa a mero arbítrio, e dizeiàos que o typo da Iracema é de pura ficção do auctor, porque elle nJlo se apoia nem na lettra ou espírito da história, nem nos modelos e estudos dos mestres.

Fique sabendo o Sr. P. Chagas que no Brazil n9o se conhece outro padr&o de litteratura indiana com foros

XXVIII 117

para interpretar fielmente o character local, senão aq\ielle que o paiz deve ao prestimoso talento do Dias,

£sà;e typo j& recebeu o sagrado baptismo das popula- ções e dos intendidos, e é o único destinado para perdurar e transmíttír-se & posteridade, porque foi bebido nas fontes autbênticas do estudo, mais conscien- temente feito, do nosso aborígene. Pois bem : d'esse typo é tao essencialmente diversa a Iracema, quanto a ^ua do vinho.

Explica-se o desacerto de J. de Alencar^ emprehen- dendo contrapor à verdade a ficç&o da sua phantasia.

Ha organísaçOes que h m&xima generosidade preju- dica primeiro do que beneficia. Guarany tinha visto a luz, e tendo direito a ser festejado na razão de 10, foi-o na razão de 100. Ora, o espirito d'esse auctor nfto é d'aquelles que as mais exaggeradas ovaçOes não des- pojam nunca da majestosa calma da consciência, o brilhante realce das grandes organisaçOes moraes. Sopitada a çhamma intima, a pretenção mais desbra- gada tomou o logar & razão e ao bom senso. O homem reputou-se logo com suficiente auctoridade e cabedaes para demolir o que a edade e o génio tinham custosa- mente construido. Mas demolir^ sem ao mesmo tempo edificar, não era decente nem plausivel. £ depois era preciso, antes de tudo, mostrar que o novo estava muito acima dos velhos archi tectos ; d'ahi a idéa de inaugu- rar eschola, que transmittisse á posteridade o nome do seo fundador. E então, bom Cincinnato ? Não podia, como vês, ser mais modesta a aspiração. Loucura! Nem ao menos reflectiu qssq homem que o seo Guarany tinha principalmente agradado, porque mostrava certo Hccõrdo com a conhecida feição histórica e tradicional do aborígene brazilico !

J. de Alencar escreveu eutão as suas célebres cartai :&ohre a Confederação dos Tamoyos.^k' sombra dos folhe- tins, e principalmente do Guarani/ (que se não foi pu- blicado antes das cartas^ o foi de certo, se bem me re- cordo, simultaneamente comellas), fizeram carreira e, comoé natural, visto que ninguém quiz antepor-se-lhe, novos créditos vieram recommendar o talento do espe- rançoso escriptor.

Suppondo este, por illusão de óptica da sua vaidade, haver suterrado o nome, consolidado jà, do poeta Gon- çalves de Magalhães, com que insânia presumes tu que seria agora tentado ? Presta attençfio !

118 XXVIIf

Barreira ingente interrompia o tõo àquellas j& des- comedidas aud&cias. Essa oarreira era o nome pres- tigioso do Dias o pae nunca assaz prancteado da poe- sia brazileira, como Cullen Bryant, Waldo Emerson e Henry Longfellow o haviam sido da poesia da Amé- rica do Norte*- do Dias, que conquista elogios <x nfio incommendados » de A. Herculano, e que Wolff ap- plaude.

Pois bem, meo amigo. Não ha respeito, nao ha con- sideração, que o detenha. Eil-o que se arroja contra o colosso formado, gõtta a gôtta, e dia a dia stalactite inaccessivel e sublime do génio, consolidado no con- ceito de mais de uma naç&o ; somente o assalto é diri- gido com mais gcito, estratégia e arte : em vez de simples critica offerece uma obra com todas as seduc- çOes da novidade; em logar de modos desabridos, prin- cipia dizendo que « Gonçalves Dias é o poeta nacional por excellência, e ninguém lhe disputa o conhecimento da natureza brazileira e dos costumes selvagens » ape- zar de concluir, declarando que « entretanto os selva- gens do seo poema f os Tymbiras ) falam uma lingua- gem clássica e exprimem idéas próprias do homem ci- vilizado, e que n&o é verosimil tivessem no estado da natureza. » Ora dize-me : que poeta nacional por ex- cellência é esse; que conhecimento da natureza brazi- leira e dos costumes selvagens pôde fazer crer que tem aquelle que faz dos seos selvagens n&o homens ci- vilizados, mas até falando linguagem clássica ? Nao se que a proposição inicial teve por fím illudir a agrura, sem diminuir-lhe a intensidade, da proposiç&o final ? Que o pomo contém verme corrosivo, e a flor veneno mortífero ? Opportunamente tocaremos *ne8se presumido classismo e civilização dos selvagens dos Tymbiras. ^

Em resumo : eis ani duas importantes auctoridades, duas grandes columnas do nosso modesto templo de lettra», victimas do c^^martello do verdadeiro icono- clasta dos nossos primeiros numes. Ah ! n&o s&o so- mente estes dous sustentáculos, que padecem golpes de destruiç&o cruel : J. de Alencar tem o descõco de dizer, mediante aquelle seo eslylo insidioso, que appa- renta o melhor desinteresse e cordura, mas em reali- dade perigoso e malfazejo, que das « producçoes que se publicavam sobre o thema indígena, nenhuma reo- lizava a poesia nacional^ tal como lhe apparecia no es-

XXVIII 119

tudo da vida selvagem dos autochthones brazileiros ; que muitos peccavam pelo abuso dos termos indígenas accumulados uns sobre outros (havemos de ver se elle nSo caiu ^neste abuso ], o que não quebrava a har- monia da lingua portugueza (quem defende a língua!) como perturbava a intelligência do texto ; que outras eram primorosas no estylo e ricas de bellas imagens,

r)rém certa rudez ingénua de pensamento e expressão e H, Iracema satisfez estas condições?^ que devia ser a linguagem dos indígenas, nao se incontrava alli. » Logo, meo amigo, a aggressao não se circumscreveu a Gonçalves Dias e a Gonçalves de Magalhães : Porto Alegre, Basílio da Gama, Fr. Sancta Rita e todos ouautos (passados e modernos) tinham escripto sobre o thema iudígena, a todos esses se dirigem os projectís d'aquella màchina de arremesso, forjada pela mais descommunal philáucia litter&ria de que haja noticia entre nós.

Chegámos emfim a este extremo : antes de J. de Alencar, ninguém! O bello nacional estava ainda in- colhido no õvo, e o ôvo escondido, como em ninho enorme, dentro do regaço opaco da natureza.

Os mais beneméritos e qualificados ingenhos tinham até então doudejado por fora da colmeia immensa, e nada de atinar com a intrada e extrahir algumas gõttas de mel virgem. O próprio Sr. Pinheiro Chagas diz que haviam sulcado o lago « como o cysne alvejante, que procura semear de pérolas a cândida plumagem, 6 que receia inlodar na vasa do fundo o collo nítido. »

Moderno Colombo, J. de Alencar, depois do seo mer- gulho nas intranhas dormentes e até então impene- tradas do desconhecido, assoma á superfície, mostran-- do-nos um mundo, ou uma maravilha. As pàllidas sombras dos nossos avós são evocadas aos túmulos das edades pelo boato, pela divulgarão do milagre ; e re- surgem infiadas de vergonha as illustres figuras dos nossos primeiros épicos,que a inquietitude do ciúme im-

Selle, como trémulas páginas de névuas para o logar a exhibição.

O que é que vedes, vultos venerandos ? A exemplo daa miragens do deserto, o sonho dissipou-se e esvae- ceu-se. Ah I foi tudo de certo um sonho, ou um delírio de louca phantasia. Perdoae a profanação, que foi imprudentemente despertar-vos dos vossos jazigos secu-

120 XXVIII

lares. Foi tudo uma farça, e eterno perd&o tos peço para quem a desempenhou.

Que novo portento de estatuária nos offerecia J. de Alencar, em substituição ás columnas camartelladas, mas nao alluidas do templo? bem, meo amigo. O <c mergulhador de Schiller » tinha-nos trazido, nto

Sérolas ou coraes raros, mas justamente a vasa inloda- õra do fundo, que G. Dias, Magalhães, Porto Alegre e outros tiveram a fidalguia de nSLo levantar para nos pouparem um triste presente. O que se na Iracema e uma composiç&o infezada e anémica, posto que con- gesta de serosidades e flatulências, para que n&o have- ria remédio, a n&o ser a morte. É na verdade tfto depressa nasceu como depressa morreu. A tentativa abortou. O õvo estava goro. Nao fosse elle posto por « aquelle applaudido talento » e d'elle n&o restaria nem mais a dilacerada casca.

O escriptor portuguez, referindo-se á Iracema^ ao- code .

u Pela primeira vez apparecem os índios falando a sua linguagem colorida e ardente ; pela primeira vez se imprime fundamente o cunho nacional ^num livro brazileiro ; pela primeira vez sao descriptos os selva- gens com aquelles toques delicados, que dao realce tao vivo aos typos do romancista da América do Norte. »

Nao, peço vénia, nao !

Pela primeira vez apparecem os índios falando uma linguagem banzeira e esmorecida ; pela primeira vez sao descriptos os selvagens com toques, com tinctas da affectaçao mais visível , mas tmctas lyinphdticas, quando o selvagem é simples e singelo na sua majt^a- tosa grandeza.

Falta-lhes o colorido próprio, expressivo, interes- sante. O que aquella linguagem tem, sfto demasias de arte. Debaixo da agglomeraçao fastidiosa de compara- ções, as mais das vSses fora de villa e termo, e que haviam de ter custado bom trabalho ao próprio auctor, a natureza subverteu-se como 'num abysmo. A palli- dez visivelmente se mostra atravéz das cores postiças, fugaces e precárias.

O que me parece que se devia achar na Iracáma^ para que se podesse dizer que 'nella estava funda- mente impresso o cunho nacional, era ruído de grandes embates, repercuss&o de magnânimas acçOes e geotile* zas, tanto no amor como em tudo.

XXVIII 131

Quizéramos ver ahí o character do índio, primando na heroicidade e no valor tradicional.

Quizéramos se nos deparassem scenas pathéticas, e nao episódios grutêscos e abaixo do nivel de uma raça que qualidades verdadeiramente superiores tornaram legendária.

Quizéramos ver travar-se a paixão com força ingente, o sentimento (principal motor da acção] rasgar situa- ções grandiosas, surprendentes e dramáticas ; mas ach&ioas iutcecho.^ triviaes e insignificantes, perfeitas bagatellas, que admira como tennam preoccupado um instante a phantasia de um espirito elevado.

Quizéramos que o modo de expressar essas luctas, essas energias profundas, esses thesouros insondáveis de affectos e de smisaçOes bárbaras, fosse impetuoso e arrogante, correspondendo ás ousadias intimas, e tra- duzindo cabalmente as expansões abruptas. Mais uma vez o diremos : J. de Alencar nao tem pulso para es- crever a epopéa.

A linguagem dos gigantes das selvas primitivas é qual se fora a de degenerados pygmêos pállida e fria, gem alentos, nem vibraç&o.

O amor da indía ó um amor çhorao, enervado, piegas. A sua compleição physiológica tem alguma cousa de inane, que repugna á organisação desabro- chada em pleno trópico, recebendo fluidos de todas as abundantes fontes damaissuberba natureza do mundo. Se quiz modelar a Iracema pela Ato/a, errou em claro: os sentimentos modestos, por assim dizer impalpáveis, d'esta última s&o d&vidos á influencia poderosa do christianismo, e por tanto diversissimos no character e até no seo ser bravio, ardendo perenncmente em todas as çhammas brutaes da natureza.

Passando do amor ás batalhas,, sancto Deus ! Aqui o desmoronamento do génio indiglna é completo, des- perta compaixão.

O guerreiro é poltrão e moUe. Está ausente a inves- tida eloquente do animo, que tanto o recommenda e particulariza sempre que pOe em contribuição o seo brio e as suas glórias.

Hei de mostrar bem ao vivo o que agora apenas de- nuncio.

£ 'neste gosto tudo vai. Que amostra de poema épico é estai!

122 XXVIII

O Sr. Pinheiro Chagas ha de afinal convir comigo em que, apezar do seo extenso olhar critico» andou errado.

Pois é pena: faço o mais vantajoso conceito do seo- elegante talento.

Mil desculpas por hoje.

E até amanha.

Teo sempre com todas as veras

á/e^<Uu..

1/ CARTA DE PLAUTO A CINCINNATO

Rio, 20 de Dezembro.

Caro amigo.

Em resposta á tua última carta, em que me per- guntas o que ha de novo pelos theatros da cõrce, res- pondo com esta, que terá apenas o merecimento... de te nao roubar muito tempo.

Intrãmos no tempo das comédias-mègicas.Shakspeare pede a demissão Molière retira-se à vida íntima !.... Vêem substituil-os nas suas funcçoes Perrault e M"* D' Aulnoyl...

Os emprezários convenceram-se, e, quanto a mira, nao se inganam, de que os contos da carochinha lhes podiam d&r contos de réis ! . . .

A tragédia, o drama, a comédia de costames e de typos, retiram-se da scena cabisbaixos, mettendo a viola no saccol... O palco povôa-se de sylphos' fadas e ondinas !... de cyclopes, demónios e feiticeiras !.. .

Triumpha o alçapão e o tam-tam I Reina o ouropel

e o fogo azul I.. De^apparecem os tyrannos que tri umpham no quarto^acto com a justiça dos hcyfnens^ e, no quinto, levam para o seo tabaco com e^ justiça de Deus ! Somem-se os pães nobres de cabelleira neva- da, os galans que recitam ao piano, os artistas de mào calqada^ e os generaes de bigode d* algodão que pa* decem de gôtta e contam historias massadoras.- O pú- blico, farto de boas idéas e bom estylo, tem cançado o bicho do ouvido, e quer gozar pela vista, e a rampa, ha tempos a esta parle, tomou a deliberação de não illuminar nenhum facto que valha menos de quatro centos mil réis ! . . .

XXVIll 123

E' por isto que a PheniX' dramática põe em acena a Princ0zaF/^HÍe-mato, com grande satisfaççao dos es- pectadores e das algibeiras do emprezário. A peça tem tido inçhentes successivas, e ha até quem se tenba arriscado a uma gymnástica perigosa para ver do alto da varanda das galerias, o demóoio que devora gente, e o dragão, devoto de Baccho, que se embriaga na fonte.

Nada, porem, d'isto teve comparação com o successo que alcançou a Pêra de SatanaZj que viu a luz da rampa no theatro de S. Luiz, e que j& começou a série de representações que promettem ser intermináveis, se o gosto do público permanecer como t&o estrepitosa» mente se manifestou.

Esta nova mágica, meo caro amigo, não é uma peça, é um mundo I... Senta-se um homem pacificamente na sua cadeira da platéa,e transporta-se em duas horas a todos os paizes conhecidos... e a muitos em que nunca ouviu falar, o que aug^menta consideravel- mente os incautos da viagem... sobremodo ins- tructivol...

Ck)mprehendendo a missão do theatro, e junctando ao útil o agradável, quer a empreza, divertindo o pú- blico, alargar-lhe a esphera dos seos conhecimentos!..

Afim de n&o alongar esta carta, peço licença, meo caro amigo, para sacudir as considerações philosóphi- cas que n'este momento me accodem aos bicos da pen- na ; e seguindo no empenho de apreciar a peça, aqui te subscripto e estampilho as impressões que ella me deixou.

Principiemos pelo principio.

Eis o inrêdo da comédia :

Era uma vez uma princeza muito linda, filha de um rei muito poderoso -^

E d'ahi, para que heide coatar-te o inrêdo?...

Seria, a meo ver, roubar- te a surpreza da representa- ção, a que tu, meo amigo, como homem de bom gosto, n&o deixarás por certo de assistir.

Nfto devo, comtudo, t-^rminar esta carta, sem te dizer que a peça está opulentamente preparada, e com mais esplenaor do que em Lisboa.

Adereços, vestuário, machinismo, mise-en-srkne^ tudo é digno de ver-se.

124 xxvin

A música ,.composiç&o original de Furtado Coelho, di á peça um realce admirável, e incerra trechos delicio- sos, que de certo hao de toruar-se populares.

Quanto ao scen&rio, direi apenas que é simples*

mente admirável, e que o Sr. Rocha, scenógrapho do theatro de S. Luiz, é decididamente um dos mais hábeis artistas que tenho visto. Tem a peça dezoito ou vinte quadros, e entre elles, são dignos de louvor, principal- mente—a apotheose, o reino d&s campainhas, a ilha da harmonia, o palácio das cartas, a casa do pintor, os

jardins do imperador da China Perdfto. A lista

vai um tanto longa. Emendemos : Sfto dignos de louvor principalmente, .... todos os quadros que a peça tem ! . . .

Por via de regra,em producçoes doesta natureza,só se procura satisfazer completamente os olhos. Esta sai do ramrão. J& te dice que nao meãos a agradecem os ouvidos, pois prima por mimosa e appropriada a mú* 8ica de Furtado Coelho, o qual toda a compôs e instru* mentou, sendo também este múltiplo talento que regeu a orchestra, j& com o piano e j& com a batuta, ao mesmo tempo que dividia a attençao por outros porme- nores da represe atacSLo, do scenário e do movimento.

Accresce por último outro mérito raríssimo em taes producções : A peça de Ed. Garrido (o qual veia cx*

Sressamente de Po/tugal para a pôr em scena) é cheia e chiste e graça desambiciosa e natural. As situações, os trocadilhos, os gracejos, tudo é tao conchegado, tao nosso de lei, que do principio ao fim, a peça se sustenta,

Srovocando a hilaridade legitima, aquella que nasce a jovialidade innocente, e n&o do reprehensivel sacri- fício das conveniências.

Se a Pêra de Satanaz deu em Portugal mais de 200 representações com inçhentes, quantas nao dará no Rio de Janeiro, ondAiao é menos bem representada, e está |)0:>ta em «^cena com tamanho esplendor! NSo haverá quem deixe de acudir ao feliz theatrinho, quando for possível achar legares. Até cedo.

Teo dedicado, Plauto.

XXVni 125

MONUMENTO A BOCAGE

Tendo melhorado o tempo, e parecendo consolidado o terreno s6bre que vai erguer-se o monumento, re- solven-se collocar a pedra fundamental, e a Câmara Mnnicinal e a commiss&o filial, de Setúbal, resolve- ram proceder a essa formalidade com pompa. ^Neste sentido, o digno Presidente d'aquellas corporações di- rigiu ao Sr. Visconde de Castilho um officio, onde se Ha o seguinte :

« Sciente de quanto V. me diz na sua carta de 15 do corrente ( é resposta a outra anterior ) tenho a responder que na próxima sexta-feira, 24, irei pro- curar V. em sua casa para o fim a que na dieta carta se refere

Approveito esta occasiao para declarar a V., que na ausência da commissao que digna e illustradameute snperintende na Aireeçao áos prep&rutivos e festejos i^ lativos ao monumento dedicado ao exímio poeta Bo- cage, resolveram a Câmara Municipal e Commissâo filial d'esta cidade fazer a cerimonia da coUocaçao da primeira pedra sobre o alicerce do dito monumento com modesta mas decente formalidade, na seguinte quarta-feira, 22 do referido mez, pelas duas horas da tarde, resolução que peço a V. leve no conhecimento e submetta & esclarecida appreciaçSo da Exma. Com- missao d*essa capital etc.

Ck>m eflfeito, tomadas as devidas providencias, rea- lizou-se a cerimonia no dia 22 de novembro, às 2 horas da tarde, 'coUocando-se sob a pedra um coflf^e açha- roado, contendo outro de zinco, onde se incerraram: 1.^ um exemplar em pergaminho do jornal SeUdfolense^ doesse dia, 2.^ o auto, também em pergaminho, assig- nado pela C&mara, pela Commis^o filial, e mais pes- soas gradas, 3.* moedas de prata e ouro, cunhadas no anno corrente.

Em toda a praça emtorno fluctuavam flsmmulas ra- riegadas, mas por sobre todas tremulavaim, próximas uma da outra, e sem logar de precedência, as ban- deiras |)ortttgueza e brazileira. No ecto da collocação da pedra subiram ao ar numerosas girftndolas de fo^ gnetes, e tocaram bandas de musica, tudo coberto pelos vivas e gritos da immenga multidão, apinhada na praça, deficiente, apezar da sua grandeza, para conter tamanho concurso de povo. Foi uma bri-

3

126 XXVUI

Ihante solemnidade, que fa-^, antever o que será a do dia da inauguração.

O suberbo retrato de Bocage, a óleo, e de ta- manho T^atural, tirado no Rio de Janeiro, pelo ar* tista MoreaUy do único retracto fidedigno, que é o ue tirou Henrique José da Silva, no último anno a vida de Bocage, retrato que é hoje propriedade do Exm. Sr. Dr. Joaquim José Teixeira, açha-se col locado em logar de honra no vasto sal&o do Paço da Câmara da cidade do Sado ; ficando as- sim também satisfeita essa resolução que a com- missão central no Rio de Janeiro commetteu aos seus dous membros, incumbidos de levar a tarefa ao cabo.

Tinha sido composto para a festividade um gran- de hymno, e dous outros foram remettidos de Se- túbal. No dia 24 vciu o Sr. Dr. Manito a Lisboa 6 com os Srs. Castilhoc e diversos membros da com- missao Ulyssiponeuse, assistiu no quartel do Carmo i execução do hymno pela excellente banda de música da guarda municipal, hymno que ha de ser executado pela músicd do 2 de infantaria, e yâ- rias philarmónicas, e que está impresso para piano.

Ficavam-se preparando tribunas para a inaugu- ração, que eflFectivamente parece dever ser hoje, 21 de dezembro. Preparavam-se em Lisboa conducçOes extraordinárias, e no Barreiro comboios para trans- portar os visitantes.

Reina em Setúbal grande enthusiasmo, por verem assim satisfeita esta aspiração, e paga esta .divida ao primoroso poeta, com que o Sado se honra. A cidade toda está em gala : os prédios renovados, pintados ou caiados, derrubados os casebres aue desfeavam a praça e suas immediaçOes, coUocaaos elegantes bancos na praça, similhantes aos que adornam o Passeio Público de Lisboa.

Dentro em pouco teremos definitivas informações, mas desde se pôde asseverar que, a despeito de contratempos, pôde considerar-se realizada a decido tomada pelos cavalheiros que em 15 de septembro de 1865 celebraram no Club Fluminense o jubilêo do grande poeta portuguez Manoel Maria Barbosa 4u Bocage.

XXVIII 127

F^óx^ma deGovêz^no.

Nas mouarchias absolutas em geral, a mudança d^ uma situação depende da vida do monarcba, que tanto laais velho quanto mais afferrado é às suas opiniões. Ser preciso commetter um crime, de que a hii»tória nos appresenta tantos exemplos, ou e^t&o esperar por sapatos de defuncto, nao sao cousas agra- dáveis. Demais, 'nessa espécie de governo, os saltos são tao grandes que ha muito risco de cair e que- brar as pernas. De um rei velho, atrazado meio sé- culo ou mais, o sceptro passa para um moço, que muitas vezes quer ir adeante do seo tempo. Talvez se as vidas de Luiz XIV e Luiz XV nao tivessem sido tao longas, Liiiz XVI nao tivesse ido ao ca- dafalso.

Nas repúblicas, as grandes questões resolvem-se a pólvora e baila, no campo da batalha. E' o juízo de Deus. (Sou muito religioso, mas accredito pouco na justiça de taes juízos).

Nas monarchias representativas ou parlamentares, uma quest&o custa mais ou menos palavras, mais ou menos papel. Os homens sobem e descem como alcatruzes de nora ; as situações sSlo mudadas com mais frequência do que conviria á causa pública: prefiro essa versatilidade â immobilidade. As opi- niões contrárias, ou apenas diversas, v&o apparecendo à luz, mixturando-se e confundindo-se de maneira, que perdendo todas as asperezas, a final se conver- tem em uma só. E' a história de todos os parla- mentos.

Otton.

O podex* pesiJoal.

Houve tempo, em que as pobres amas se viam obrigadas a custosas despezas de imaginação para conterem os meninos travessos. Phantasmas, lubisho- *mens, bruçhas, almas do outro mundo, era ahi uma multidão de cousas, cujos nomes formariam longo catálogo.

O mundo marchou : tudo isso se reuniu ; e da com- binação chimica de todos, resultou um novo ente : um biçharõco! Eu bem o queria descrever.... mas creio 4ue nunca o hei de poaêr conseguir, porque sem

128 XXVIII

o ver, nao pôde ser.... e se elle chegar ao de mim.... fecho os olhos por tal modo, que me ha de custar a abril-os outra vez.

Çhama-se.... até tenho medo de o dizer : chama* se PODER PESSOAL. Safa ! Que nome ! Olhem que o nome basta para assustar. O poder pessoal f Agora sim: não ha mais creança manhosa.

O poder pessoal! Como o Sr. Alencar fala muito 'nelle, ainda lhe hei de pedir que nos diga como elle é.... se é que S. Ex. alguma vez o viu, por- ue, segundo as suas próprias confissões, muitas vezes 'e virou as costas e fugiu espavorido. Mas que a cousa foi bem achada, foi. Quando ha or ahi tanta gente, que quer acab.ir com o podar o diabo, era preciso crear alguma cousa para pôr no seo lugar. O poder pessoal é a mais bella in- venção da humanidade! Otton,

5

Se ruim é quem em ruim conta se tem, que juízo poderemos nós fazer de uma república, que se ven- de por dous vinténs, dando ainda de quebra um fo- lhetim de Nesio ? Otton.

PROBLEMA.

Discute-se nos melhores círculos d'esta capital uma

Juestaò da maior transcendência, e de cuja soluçSo epende a felicidade do género humano: questão muito mais importante do que aquella da differenca entre o jota e o i romano, de que se occupava a mestre do bom Tolentino. Tracta-se de saber se é o Nesw^ que com o folhetim quer fazer passar a Re* pública, se é a República que pertende fazer acceí- tar o Nésio. Que dous I !

O Sr. Alencar f^da a viver a República ; será S. Ex. republicano ? Elle diz que n&o, e S. Ex. n&o é capaz de mentir. O Sr. Alencar é um ho* mem grandemente charitativo; exerce à lettra os pre- ceitos do Evangelho : soccorre e auxilia os seos inimigos. S. Ex. prepara-se para a vida, que em sua julga, que ha de vir : censural-o porque as- sim cauteloso vai arranjando o seo fardel para um dia gozar da bemaventurança, é a maior das injustiças.

Otton/

Typ. elith. ^Imparcial— Rua Sete de Setembro n. 146 A.

QUESTÕES DO DIA

n: 39

RIO DE JANEIBO, 28 DE DEZEMBRO DE 1871.

WeÊáD na tm cau dos Srs. E. & HJUemvert—AgcMtfiilio de Freitas Gui- ■Mrtes & Comp., 26, rua do Goieral Gamara.— Livraria Académica, Bus de 8. José n. 119— Largo do* Paço n. C— Preço 200 reis*

O !• voluBie, coB perto de 400 paginas— 3(000.

OBRAS DE J. DE ALENCAR IRACEMA.

Omrtas a Oinoianato»

V

Meo charo amigo :

Chegou a dilaç&o das provas e n&o a perco ; é entre- tanto ao Sr. Pinheiro Chagas que me estou dirigindo, porque tu sabes de tudo isto.

Vou dar-me ao trabalho, insano por certo, de co- piar ipsis verbis um capitulo integral da Iracèmay em qae se descreve um combate de Índios.

Hartim, Poty e Iracema vao sendo perseguidos pelos guerreiros tabajáras. E a propósito de Martim : diz J. de Alencar, na página 9o, que vendo esse heroe « os verdes mares e as alvas praias, onde as ondas murmurosas ás vezes soluçam e outras raivam de fúria, rebentando em frocos de espuma ( o que quererá elle dizer? ) seo peito suspirou, porque esse mar beijava também as brancas areias do Potengi, MO berço natal, onde elle vira a luz americana. » E mais adeante, na página 180, em%ota : « Potengi— rio que rega a ciaade do Natal, d*onde era niho Soares Moreno. »

Tenho minhas dúvidas, com o devido respeito. Southey, Lisboa, Constâncio, Pompéo e outros nSò dixem que Martim Soares Mdreno fosse natural do Bio Grande do Norte. Pelo contrário, alguns até deelaram que Martim era pairmte do sargento mór Diogo de Campos Moreno ( português ), o que de' algum modo faz presumir que Maftim pertencia á

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mesma nacionalidade. O general A. e Lima, cuja auctoridade nao se pôde com boas razões contestar, diz positivamente na sua Synopsts^ a p&gina 70, que Diogo de Menezes « contentou-se com mviar ao Ceará um official portuguez, Martim Soares Moreno, que tinha accompanhado a Pedro Coelho, etc. »

Ssio taes e tantos os testimunhos auctorizados 'neste sentido, que nao será fácil recusar-lhes fé. Chego um momento, quando vejo contrariado pelo Sr. Alencar o facto, a suppor que este Sr., dispondo d'amplos recursos, e açhando-se 'numa corte, onde ha um Instituto Histórico e uma rica Bibliotheca Nacio- nal, bebe todas estas novidades em fontes abundantes e satisfactórias, de que o pobre bisonho provinciano nao pôde nem de teve provar. Mas occorre-me logo a anecdota da invenção do verbo afflar e de outros vocábulos ; da etymologia dos nomes das diversas localidades do Ceará, que vem aliás no diccionário do Dr. Martins, e outras galantes graçolas d'esta ordem, e sou levado a crer que o Sr. Alencar na Iracema é o mesmo Sr. Alencar da Diva^ do Gaúcho^ da Pata da Gazella^ etc. Então digo comigo, a sós, depois de fundo cogitar :

^ se o Alencar ( assim se diz na auaencia ) açliou isto, ou achou aquilFoutro nas chrónicas incó- guitas, onde também achou a sua poesia banzeira, os seos selvagens mandriões, etc. Sendo assim estou calado.

Mas nao. E' que J. de Alencar nao quer fazer só- mente uma nova língua, uma nova natureza, uma nova poesia : quer fazer também uma nova história. E se o homem diz que inventou o que está claro e velho nos lexicógraphos, que mais é que a Martim uma pátria a seo geito, quando a história nao é tAo positiva n'este pon*o quanto fora para desejar ? Temos, pois, este grande serviço mais a agradecer ao Sr. Alen- car : o ir explicando e completando por serdes vós quem sois a história pátria, no que ella tiver de duvidoso ou pouco preciso. Faz muito oem. E quem fôr homem de sangue no olho que lhe ao incontro. Metta-se 'nisso I

Desculpa a digressão, e volta comigo ao campo dos tabajáras ; nao é o dos tabajáras, mas sim o dos pytiguáras. Havemos de dizer algumas palavrínhai^

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sobre a etymologia que o Sr. Alencar a esta nação de índios. Fica para logo.

Vai travar-se a pugna gigantéa, tremenda entre duas tremendas e gigantéas hordas inimigas. Pre- para-te para assistires a uma epopáa dig-na de Atlan- tes. Attençao I

« Treme a selva com o estampido da carreira do povo tabajàra.

« O grande Irapuam,* primeiro, assoma entre as árvores. Seo olhar rúbido viu o guerreiro branco entre nuvem de sangue ; o grito rouco do tigre rompe de seo peito cavernobo. (Este tigre é da família : também timbra em novidades ; até hontem dizia-se que o tigre bramava ; mas este grita I).

« O chefe tabajàra e seo povo, iam precipitar (pôde deixar de dizer-se: precipítar-se? aqui o verbo preci- pitar é verbo activo? onde está o paciente? é verbo reflexo) sobre os fugitivos como a vaga incapellada que arrebenta no Mocoripe. (Como a vaga só?).

a Eis late o cão selvagem.

tt Poty solta o grito da alegria: /'faz como o tigre).

O cao de Poty guia os guerreiros de sua taba em soccorro teo.

<x O rouco búzio (dous roucos t&o junctos 'numa obra de gôsío e artística l) dos pytiguàras estruge pela flo- resta. O grande Jacaúna, senhor das praias do mar, checava do rio das garças com seos melhores guer- reiros.

« Os pytiguàras recebem o primeiro ímpeto enne- migo (com este ennemigo depois nos entreteremos) nas

Sentas erriçadas de suas flechas, que elles despedem o arco aos molhos, como o coandú (fábula I) os espi- nhos do seo corpo. Logo após sõa a pocêma, estreita-se o espaço, e a lucta se trava face a faom. »

Quando vejo esses pytiguàras despedindo do arco flechas aos molhos^ como o coandú os espinhos do seo corpo, lembro-me do trecho de um crítico appre- ciando o Washingtorij de Robert Payne, auctor norte- americano. Bobert Payne também a pomposa qua- lificação de epopèa ruicional á sua obra, que elle foi levado a compor, despeitado por Channing haver dicto que os Estados Unidos nao possuíam uma litteratura nacional. « Robert Payne diz o crítico —representa Washington de pé, repellindo com o peito os trovOes a

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empunhando a espada núi^^a modo de conductor eléc- trico, para dirigir o raio para o oceano, onde vai apa- gpar-se. Èãte lieróe p&ra-i-aio ê a obra-príma da poesia- m&china. » Assim também esses heróes-coandú^ P^^ oem-me o nec plus ultra da poesia-mondriice. Conti- nuemos.

a Jacaúna atacou Irapuam. Prosegue o horrivel combate que bastara a dez bravos, e nfto esgotou ainda a {6rça dos grandes chefes. Quando os dons tacapes ae ineontram, a batalha toda estremece, como um g^er* reiro, até as intranhas.

« O irmão de Iracema veiu direito ao estranedro* que arrancara a filha de Âraken á cabana hospedeira ; o faro da vingança o guia ; a vista da irmft assanha a raiva eni' seo peito. O guerreiro Cauby assalta com furor o ènnemigo. d

Ent&o f J& sèi que estás tremendo de medo da tama- nha peleja. Â cousa est& mesmo f^ijpí. Mas emfim cora- gem, bum Cincinnato, que haveinós de contar da festa sem o mínimo arranhão.

Iracema, unida ao flanco do seo guerreiro e esposo, vim de longe Cauby e falou assim :

« Senhor de Iracema^ ouve o rogo da tua escrava; n&o derrama (II) o sangue do filho de Araken.Se o guer- reiro Cauby tem de morrer, morra elle por esta mfto, nfto pela tua.

(c Martim pôs no rosto da selvagem olhos de horror :

<c Iracema matará seo irm&o ?

(( Iracema antes quer que o sangue de Cauby tinja sua mfto que a tua ; porque os olnos de IraoAiaa vêem a ti, e a elle nfto. (É' uma razfto, como qualquer outra).

« Travam a lucta os guerreiros,^ Cauby combate com furor ; o «hristfto delende-se apenas ; mas a setta embebida no arco da esposa guarda a vida do guerreiro contra os botes do ennemiço.

« Poty prostrou o vdho Andirae quantoa guer- reiros topou na lucta seo válido tacape. Hariim lhe abandona o filho de Araken, e corre s6bre Irapuam.

«(—Jacaúna é um grande chefe; seo collar de guerra três voltas ao peito. O tabajára pertence ao guer- reiro branco.

A vingança é a honra do guerreiro, e Jacaúna ama o amigo de Poty.

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« O grande chefe pytigaara levou além o formidável tac&pe* O combate renhíu-se eatre Irapuam e Martim. A espada do christao, batendo na clava do selvagem, fesHse em pedaços. O chefe tabajàra avançou contra o peito inerme do advers&rio.

« Iracema silvou como a boicininga (pois a mulher silvou ?1 ), e se arremessou ante a fúria do guerreiro tabajàra. A arma rígida tremeu na dextra possante do chefe e o braço caiu-lhe desfallecido .

<c Soava a pocâma da victória. Os guerreiros pyti- guàras, conduzidos por Jacaúna e Poty, varriam a flo- resta. Os tabajàras, fugindo, arrebataram seo ç lefe ao ódio da filha de Araken que o podia abater, como a jandaia abate o prócero coqueiro roendo-lhe o cerne. (Onde foi que o Sr. Alencar viu isso ?]

« Os olhos de Iracema estendidos pela floresta, viram o çhao juncado de cadáveres de seos irmãos ; e longe o bando dos guerreiros tabajàras que fugia em nuvem negra de pó. Aquelle sangue que inrubecia a terra era o mesmo sangue brioso que lhe ardia as faces de ver- gonha

« O prancto orvalhou seo lindo semblante.

tt Martim affastou-se para n&o iavergonhar a tris- teza de Iracema. Deixou que sua dõr nua se banhasse nas l&grymas. » ( Uma dor nua a banhar-se em lá- gTjmBs I )

Acabou-se a batalha, e o capitulo, e, como vês, sftos e salvos ficámos ; ainda bem.

Ora, eis ahi ao que se pôde mesmo chamar um mo* dêlo de descripçfto de combates de índios. E um modelo devia mesmo ser um combate entre chefes taes como Irapuam (Md Redondo )j Jacaúna, eo Camai^o ; reco- nheces aoui o grande, o insigne Camz&rao ?

Muito levianos, senão mais que isso, eram esses his- toriadores da conquista. Chegarem ^ dizer que « estes americanofiLSSLo tao incarniçados nas suas guerras,que, emquanto podem meçher com pernas e braços n&o re- cuami nem dao as costas, combatem incessantemente, e isto ó 'nelles a cousa mais natural.» Quall histórias da carochinha. Esses supra mencionados guerreiros, até 08 mais afamados, n&o passai am de guerreiros coandús. E a prova está 'nesse mesmo Irapuam, tSo illustre na história pela sua braveza e perseverança^ que principiou aqui vendo tudo côr de sangtke^ e deu costas como sendeiro. Tabajáras de uma - figa, co-

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vardes tabajâras ! De que vos servia serdes o povo SENHOR ? Poty, Jacaúna, Iracema e Martim, isto é^ três homens e uma mulher vos puzeram a trote, a ver estrellas ao meio dia. Verdade é dizer-nos o auctor que Jacaúna viera com seos melhores guer- reiros. Mas também não se presume que Irapuam viesse com os peiores. E depois que melhores eram esses, dos quaes um nome se não dice?

Contraponhamos agora a esl» descri pçao, feita por quem desceu ao fundo do lago e foi ter « ás flores maravilhosas que desabrocham nas cavernas de co- ral » aos recifes de madrepérola que expandem na- carados reflexos sob a transparência das águas » a descripçao de quem nao passou da superflcie « re- ceiando inlodar o coUo nitido, e a aza branca e lisa, a cabeça graciosa e fina » e vejamos quem na ver- dade se imodou na vasa, quem extrahiu as pérolas e os coraes. E' Gonçalves Dias que vai pintar uma lucta entre dous guerreiros (nenhum dos quaes de valor histórico). Attençao.

Travaram lucta fera os doiís guerreiros. Primeiro ambos de longe as settas vibram. Amigos manitõs, que ambos protegem, nos ares as de.^jarram. Do Gamella introu a fréçha trémula 'num tronco e parou no cerne ; a do Tymbira, ciciando veloz, fugiu mais longe, roçando apenas os frondosos cimos ; incontram-se os tacapes, se partem ; ambos, o punho inútil rejeitando, •6treitam*se valentes, braço a braço. Alentando açodados, peito a peito, revolvem fundo a terra aos pés, e ao longe rouqueja o peito arfado um som confuso, d

Tudo aqui é natural, meo amigo. A lucta vai-se des- invoivendo gradualmente. Principiam os guerreiros despedindo as frechas ; depois brandem os tacapes, porque aquellas foram desgarradas pelos manitõs (ma- gistral applicaçfto da tradição ou da crença selvagem) ; e finalmente, partindo-se estas últimas armas, estrêi- tam-se, conçhegam-se corpo a corpo, e rugem no agi- gantado esforço, e revolvem a terra com os pés. Pa- rece-nos estar vendo a pugna de dous só, mas mi- rífica. Prosigo.

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Scena vistosa ! quadro appat-atoso ! Guerreiros velhos, à victória affeitos, tamanhos campeões vendo na arena, e a lucta horrível, e o combate accêso, mudos quedaram de terror tranzidos. Qual d'aquelles heróes ha-de primeiro sentir o egrégio esforço abandonai -o ? perguntam ; mas não ha quem lhes responda.

Sao ambos fortes : o Tymbira hardido, esbelto como o tronco da palmeira, flexível como a frecha bem talhada, ostenta-se robusto o rei das selvas ; - seo corpo musculoso, immenso e forte, é como rocha enorme, que desaba de serra altiva, e cai no valle inteira ; nao vale humana força desprendel-a d'alli, onde ella está ; fugaz corisco bate-lhe a calva fronte sem partil-a.

Separam-se os guerreiros um do outro',

foi d'um o pensamento... a acção foi d'ambos.

Ambos arquejam : descoberto o peito

arfa e estua, eleva-se e comprime-se,

e o ar em ondas sôffregos respiram.

Cada qual, mais pasmado que medroso,

se estranha a força que no outro incontra,

a mal cuidada resis encia o irrita.

(( itajubal Itajubal os seos exclamam.

Guerreiro, tal como elle, se descora

um momento, é dar-se por vencido »

O filho de Jaguar voltou-se rápido.

D'onde essa voz partiu ? quem n'o aguilhõa ?

Raiva de tigre annuviou lhe o rosto,

e os olhos cõr de sangue irady pulam.

a A tua vida a minha glória insulta!/] grita ao rival e de mais viveste. » Dice, e como o condor, descendo a prumo dos astros, sobre o Ihama descuidoso, pávido o prende nas torcidas garras,

e sobe audaz onde não chega o raio

võa Itajuba sobre o rei das selvas, cinge-o nos braços, contra si o aperta com força incrível, o colosso verga,

1^

M.iê

inclina-se, desaba, cai de chofre, e o levanta e atroa forte os echos. Assim cai na floresta um tronco annoso, e o som da queda se propaga ao longe/

O fero vencedor, um alçando,

« Morre I •— lhe brada e o nome teo comtigo

O desceu, batendo a arca do peito

do exânime vencido : os olhos turvos

levou, a extrema vez, o desditoso

&quelles céos de azul, áquellas mattas,

dõce-cobertas de verdura e flores !

Depois, erguendo o esqu&lido cadáver

sobre a cabeça, horrivelmente bello,

aos seos o mostra insanguentado e torpe .

Então por vezes três o horrendo grito

do triumpho soltou ; e os seos três vezes

o mesmo grito em choro repetiram.

Aquella massa emfím voa nos ares ;

porem na dextra do feliz guerreiro

dividem«se entre os dedos as melenas,

de cujo crftneo marejava o sangue ! »

Ora, diga-me sinceramente o Sr. P. Chagas, com o cavalheirismo que o distingue : em qual doestas duas descripçoes está fundamente impresso o cunho nacío* nal na de J. de Alencar, ou na de G. Dias ! Acha o illustre critico portuguez que uma pugna sangrenta, de vida e morte, entre gigantes da floresta, inimigos sanhudos e feros, como se presume que seriam Irapu- am e Poty, ou Mel-Redondo e Camar&o, havia de correr d'ess*arte pl&cida e desinxabida, e sobretudo teria aquelle desinlace mesquinho e ridículo ¥ Atten- da-se mais ; que & precedente inimizade entre ambos accrescôra a recent^uga de Iracema, devida a Mar- tim, de Iracema, que a turbara osomno do primeiro guerreiro tabaj ar a » que o fizera descer (c do seo ni- nho de águia para seguir na v&rzeaa garça do rio» ( Vid a pag. 26. ;

Mas diz-nos o Sr. P. Chagas que <c n&o conhecend o os Tymbiras (d'onde fizemos o extracto supra), nfto pôde formar juizo sobre elle; mas outros poemetos indianos, publicados no volume de versos do grande poeta bn^ zileiro (edição de Leipsick) auctorisam-n'o a suppor que a morte ceifou Gonçalves Dias antes d*elle ter

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inau^rado verdadeiramente a litteratura nacional do Brazil.

Pois nSo seja esta a dúvida ; temos tanto as Obras Pósthumas do grande poeta, como os seos Cantos (edi- ç&o de Leipsick), como suas Poesias (edição novíssima de Paris, do Sr. Gramier, precedida da biographia do auctor pelo Sr. cónego Fernandes Pinheiro. )

Abro o volume dos Cantos^s, mesma ediçfio que tem o Sr. Pinheiro Chagas, e incontro na página 155 outra descripção de um combate de índios. £' na poesia intitulada Tabyra.

Eis que os arcos de longe se incurvam ; eis que as settas aladas voam ; eis que os ares se cobrem, se turvam, de fréçh&dos, de surdos que s&o. novos gritos mais altos reboam, entre as hostes se apaga o terreno, j& tornado apoucado e pequeno, j& coberto de mortos o chão !

Mas Tabyra ! Tabyra I que é d'elle t onde agora se esconde o pujante ? Nào n'o vedes ? ! Tabyra é aquelle que. sangrento, impiedoso, vai I Vél-o-heis andar oeojpreadeante, larga esteira de mortos deixando traz de si, como o raio cortando ramos, troncos do bosque onde cai.

« Tem um olho de um tiro frechado I

« Quebra as settas que os passos lhe impedem,

<c e do rosto, em sco sangue lavado,

« frecha e olho arrebata sem^ó !

<c e aos imigo'^, que o campo não cedem

« olho e frecha mostrando extorquidos,

« diz, em voz que mais eram rugidos :

« Basta, vis, por vencer-vos um ! »

Pois estas três strophes nao valem, falando sincera- mente, cem vezes mais que o capítulo inteiro do Sr. Alencar t

Ao ler^se este episódio do Tabyra, arrancando o 4)lho com a fréçha que o cravara, e que parecerá,

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talvez, exaggerado, como em caso análogo se tem dicto de Lucf-no, íembro-me de uma história que nos conta Âudubou, muito em harmonia com aquelle episódio.

« Defronte de mim, diz o naturalista americano, estava um índio, com os cotovellos incostados aos joelhos, e a cabeça ás mãos. Segundo o uso dos in- dígenas da América, nao se moveu ao çhegar-se-lhe o homem civilizado.

« Os viajantes nao tem deixado de interpretar como indício de priguiça, de estupidez, de apathia, esse silencio nascido do mais altivo orgulho.

« Via-se, incostado á parede, um grande arco, mui- tas frechas e pássaros mortos espalhados pelo çhao. O índio nao se meçhia; nem parecia respirar. Di- rigi-lhe a palavra em francez, idioma de que a mór parte dos índios d'esses logares sabe ao menos alguns termos. Levantou a cabeça, mostrando-me com o dedo um dos olhos saídos da órbita, e o sangue correndo sobte o rosto; depois, com o outro que lhe restava lan- çou em mim um olhar singularmente significativo.

« Depois soube eu que, havendo-se a fréçha do seu arco quebrado no momento em que a chorda estava tesa, um dos pedaços da arma partida resurtira contra o olho do índio e 'nelle se cravara.

« Soffria calado. A despeito da viva dor, conser- vava imperturbada a dignidade altiva. Era bem feito, ágil, bem disposto; physionomia intell igen te e cân- dida.

« Adm irei esse valor do selvagem , stóico do deserto, e stóico sem vaidade. »

Como se vê, G. Dias e Audubon estão accordes ; quem se separa e fica só, é o Sr. Alencar.

Conhece-se 'neste trecho o índio. Ha notável firmeza e verdade no finaMo mestre, que viu o original das estampas que desenha, e nao tem a vaidade de pintar figuras de sua exclusiva concepção. Bápidos contor- nos e cores ligeiras destacam o desenho, a que falta o movimento da vida. Nem uma dVssas linhas ou tinctas provoca a menor contestação.

Mas, voltando ao assumpto: o que é que vemos no capítulo do Sr. Alencar, com o cunho nacional fundamente impresso ? A bair ininga ( á similhança da qual silva Iracema ), o tigre (que grita^ ) o coandú,. etc.

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Mas nos versos do Dias vemos o condor, o Ihama, também o tigre, etc. Dirão : o condor e o Ihamá nao sao propriamente do Brazil. Responderei : também o tigre e o coandú nao sao exclusivamente d'este paiz o primeiro incontra-se na Guyanna e Surinam, e o segtindo na Guyanna e no México. Logo

Estou fatigado em extremo. Continuarei,

Teo do coração Semprónio

A Xieox*saiilzao3o do t]?a1>aUio

A classe operária e a tndàstria no Brazit. Necessidade da rehabílitação e melhor organização do trabalho. Con- siderações sobre o meio de realizar esta grande e gene- rosa aspiração da sociedade brazUeira,

I O Brazil acaba de passar por uma profunda e radical modificação. O dia 28 de septembro de 1871 é o génesis de sua regeneração social. A lei que indirectamente aboliu a escravidão no Império é a segunda memorável épocha de sua bistória. Nova ordem de cousas nasce d'esse grande accontecimento. Triumpbo esplêndido e incruento da civilização, foi elle a aurora do progresso 6 da regeneração para este povo, fadado pela Provi- dencia a sustentar, em futuro n&o muito remoto, a balança do equilíbrio entre as naçOes da América do Sul. A terra que da cruz bavia tomado o nome, nOo

Sodia tolerar que 'nella se perpetuasse a escravid&o esmentido formal do Evangelbo que professa, contra- dicçfto viva com as doctrinas libérrimas que prega e executa anacbronismo inexplicável e absurdo no sé- culo de luz em que vivemos

Este importante facto, preparado de ba muito surda e lentamente, e nos dous últimos ^nos, precipitado pelo impulso irruptor da civilização, era previsto de longa data pelos publicistas mais notáveis da Europa, que^ fazendo justiça ao cbaracter brazileiro, viam, como diz Victor Hugo:

.. .comme une mer sur son ri vage Monter d' étage en étage L' irrésistible libené.

em 1868 o distincto economista Miguel Cbevalier escrevia « O vasto Império do Brazil prepara visivel- mente a grande transformação social. »

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Sem abalo sensivel, sem a gigantéa e sanguinoleiíta lucta de que foi theatro a república dos Estado»- Unidos, conseguimos converter em lei do Estado uma providencia que, ainda mesmo nao secundada por outras que mais tarde lhe servirão de complemento, traria dentro de alguns annos a extincçlo completa da escravidão no Império.

Abolido no futuro, e no presente diminuido conside- ravelmente este elemento da populaç&o, que na sua maioria ou quasi totalidade era o instrumento principal e quasi exclusivo de producç&o entfo nós, ficam suW tancialmente alteradas, no que diz respeito ao trabalho, as relações sociaes. Se se n&o cuidar seriamente em substituir de prompto, e do modo mais pppropriado e vantajoso possível, os braços que têm necessariamente de escacear á lavoura, em consequência da alforria dos ncLscUuros^ ou da geraç&o que vier ao mundo depois da lei de 28 de septembro a'este anuo, o paiz passará por uma crise; suas fontes de producç&o, dimmuindo em r&pido decrescimento, influirão sôbrt a receita pú- blica, que hoje tao próspera avulta.

a O grau de potência productiva a que chegou a indústria moderna ( diz um escriptor contemporâneo )

Sela intervenç&o conjuncta, e crescentemente activa, a sciéncia e do capital, fez vencer obst&culos, que outr'ora seriam reputados insuperáveis. Foi assim que se resolveram proolemas que interessavam á política geral e á boa ordem do género humano. »

Para comprovar essa verdade tomaremos, como Dareau um exemplo da história de nossos dias, tanto mais a propósito, quanto é applicavel a uma situação similhante &quella em que se acha actualmente o Brazil.

A escravidão nas co^nias foi abolida pela Inglaterra em 1833 e pela França em 1848. 'Nessas regí0e8,a8sim ouasi despovoadas de braços, os proprietários do solo ncaram em difficil posição. Os escravos alforriados reca- saram*se tenazmente a trabalhar nos ingenhos de assucar, que lhes lembravam uma história de dolorosos padecimentos, em que elleb e as gerações que os haviam precedido tinham sido as victimas. Residindo em miee* raveis cabanas « que com as próprias m&os levantavam, viviam do producto da pesca ou de alflfuns legumes que lhes davam, ouasi independente de cultÍTO, oa

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férteis torrões em que lançavam a semente. Poucos d'en- tre 08 melhores d'esses libertos se prestavam, mediante salários exaggerados,a ajudar os cultivadores na plan- taç&o e preparo da canna e dos outros géneros de sua lavoura.

Com desposas extraordinárias foram para esse fim importados da índia e da ÇUna os célebres Coolis. Foi nesta mesma occasiSo que o assucar de beterraba, preparado por excellentes processos na Europa, ameaçou destruir, pela mais terrível das concurrtacias, a indústria sacchanna das colónias.

Mas a concurrência é sempre a mola real da perfeiç&o na indústria. Foi ella que salvou as colónias aa immi- nente catástrophe. Eis o como :

As mácbmas e instrumentos aperfeiçoados, que ser- viam no velho mundo para fabrico do assacar de beter- raba, foram introduzidas nas ilhas prodnctõras do assucar de canna. 'Nessas fábricas, dotadas de excel- lentes apparelhos mechftnicos, os colonos nada mais tinham que fazer senão depositar a matéria prima ( a canna ) no mesmo estado bruto em que a colhiam^ sem necessidade de preparai-^ como antigamente. Os cultivadores davam-Ihes em pagamento de seo tra- balho um rendimento correspondente a 5 V«i pouco mais ou menos,do assucar.

Foi por esta forma que a alliança bem combinada da sciencia e do capital impediram que a emancipai çfto dos escravos nas colónias inglezas e íranceaas produzisse os funestos resultados que reduziram a república do Haiti, outr^ora t&o florescente e rica de futuro, a um theatro insanguentado, a um horrivel de- serto, em Que a barbaria assentou seo throno, àes- truindo pelo assassinato, pelo incêndio e pela de- vastaçftO) os grandes capitães que a indústria, habil- mente favoneadd, alli accumulá^.

Imitem o louvável exemplo a'aquelle6 sábios e in- telligentes capitalistas, que salvaram com sua indús- tria» servida por t&o admiráveis máchinas, a gran- deia e riqueza das mencionadas colónias. Dentro de 7 annos ( e nfto é longo o prazo para nreparar o terreno ) devem começar a tomar-se palpáveis os effeitoa da lei de 28 de septombro de 1871. Éstenda-se o manto da protecç&o do governo sobre a nossa in- dústria manutactureira e fabril, que apenas começa a insaiar os titubaates passos n*um terreno ouriçado

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de tropeços. Para isso çhame-se a immigraçao. O colono se fixará úo Império, se o ligardes ao solo pelo amor da propriedade ; se, pela abertura de estradas, que unam o littoral aos centros productores, lhe pro- porcionardes meios de dar valor a essa propriedade; se pela lei do casamento civil lhe não creardes emr baraços à família ; se por uma sábia e previdente legislação, e por magistrados justos e intelligentes, lhe assegurardes os seos direitos, o gozo de suas prerogativas, a fácil execução dos contractos que celebrar com o governo ou com os particulares.

Urge também, e mais que tudo, que providencieis sõb.re o futuro da nova geraç&o de homens livres, nascidos depois da promulgação da lei que aboliu o infando principio parias sequUur ventrem.

S&o estes os futuros operários de nossas fábricas, os manufactureiros que hao de auxiliar poderosamente o desinvolvimento da nascente indústria brazileira. Degradados até agora, physica e moralmente, pelas algemas do captiveiro, os negros n&o podiam con- currer efficaz e intelligentemente para augmentar a força productiva do paiz. O trabalho escravo, im- perfeito, infecundo, e sem character de espontaneidade, resentia-se da influência do azorrague, da amiaça e do constrangimento. Educados agora na eschola da li- berdade, tendo a intelligencia desinvolvida pelas lic- çOes do pedagogo e do párocho, tereis 'nesses ho- mens, não meras máchinas de trabalho forçado, não cegos instrumentos obedientes ao nuto do feitor, não meios materiaes de producção que não entes, que more peciidi*m,vao,como outros tantos carneiros de Panúrgio, seguindo caminho por onde os leva o maioral do rebanho e sim intelligencias que voluntariamente se pOem a serviço de nobres idéas, almas capazes de comprehen- der os grandes e ganerosos sentimentos, que se unem com suas irmans para levar seo contingente de suor e de esforço profícuo para a obra eterna da civili- zação, para a realização do destino final do género humano.

E' com apóstolos de uma nova cruzada que de- vem os homens eminentes do Bi*azil olhar para os filhos das escravas, nascidos depois da lei emancipa- dôra. Na obra social que se vai inaugurar, repre- sentam aquelles obreiros papel importantíssimo. São elementos autochthonos que muito de proveito hão de

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âer á geraç&o contemporânea e á que lhe vai succeder ; se nao forem, como é de mister, devidamente apprecia- dos e approveitadoSy converter-^e-h&o em armas des- truidoras,que será preciso inutilizar» em obstáculos ao progresso, que cumprirá remover.

Tremenda será a responsabilidade dos estadistas brazileiros, se deixarem que esta semente de bene- fícios e prosperidade, degenere,por falta de solo appro- priado em que germine, ou por carência de cultivo, em nocivo joio ou esterilisadôra parasita. Nao se deixem os grandes homens que dotaram o Brazil de tao abençoado presente, nao se deixem adormecer sob os louros, que ainda lhes verdejam nas frontes. O gabinete de um ministro nao é tenda de repouso, e sim laboratório de febril actividade, onde se agi- tam incessantemente as questões capitães que têm de decidir da sorte de uma nação. O homem pri- vado pôde descançar no conchego do lar e dissipar suas horas de ócio sub tegmine fagi^ mas para os que têm a mao no leme da náu do Estado, um momento de incúria ou de negligência constituo grave falta, crime imperdoável, quiçá, que os arrisca a terem a mesma sorte que o Palinnro, de que fala o poeta Mantuano. A sombra da faia pôde ser para os Es- tadistas tao perigosa e fatal como a da manceni- Iheira.

Alerta pois. Revolvei-vos , Srs., no leito de Pro- oruste, que nao é outra cousa a cadeira curul da su- prema administração ; o martyrio, que soffreis. para servir, a p átria, valer-vos-ha a coroa immarcessivel dos beneméritos.

No próximo número começaremos a desinvolver a nossa these, applicando-a especialmente ao estado actual do Brazil, e á geração que ha de constituir a nossa futura classe operária. pompeo

IMPRENSA PERIÓDICA DA CORTE

a OoiTJreio do iDruzil »

'Nestes últimos tempos, tem-se notado um conside' ravel desinvolvimento na imprensa periódica dVsta corte. Várias folhas antigas e importantes têm ainda melhorado a su a redacção, e outras novas, mui dignas de menç>lo, têm visto a luz pública. Na denominada imprensa barata, appareceram lidadores de valente

144 XXIX

palflo, e até na impressa de grande» dimenoeu se toi^ nou dislineto o progresso.

F6ra injustiça esquecer os grau dessenriços prestados pelo Jornal do Commértio^ folha yaliosissima, que tem sabido sempre sustentar-se na altura em que o seo prudente programma a coUooou. Extranha ú vicissi- tudes partidárias, têm sempre 'as suascolumnas eetado francas a todas as opiniões, a todos os debates, a todos os interesses' honestos,, a todos os legitimoir direitos. Vastos recursos tém sempre habilitado essa empresa para prestar serviços reaes & política,ao commércio, ao tráfego social.

Saudemos porem o apparecimento de mais um bri- lhante orgam e guia da opinifio. O Correio do BrczU^ jornal de módico preço e grande formato, recem^crea» do por uma companhia especial, acaba de inaugurar seos trabalhos com distincçao excepcional. Bedigido por uma de nossas mais elegantes pennas, coadjuvado por outras nao menos respeitáveis e por correspon- dentes adestrados nas lides da imprensa, animaao e protegido por avultado número de conspícuos cidadllos, organizado com todos os elementos desejáveis para a prosperidade e duraçSo de empresas taes, tudo &z esperar que o novo pharol da civilização cumpra o seo honroso destino.

Com quanto ainda no berço, ja esta auspiciosa folha se vai distinguindo por diversas condições jor- nalísticas, e sobretudo p or úteis e meditbdos artigos de redacção. Parece que o Co^^eio quer timbrar em considerar-se hóspede na politiquinha dos corrilhos, mas militante na grande politica em que se estriba o futuro e o verdadeiro progresso das naçGes: o estudo das grandes questões, de applicaçSo prática, e que prendem com a instrucçao alta, média e popular ; a scieucia ; o commércio ; a indústria ; as artes ; o me- lhoramento do homem pela sociedade e da sociedade pelo homem ; o approveitamento de todas as riquezas ' intellectuaes e materiaes, doadas pelo Creador.

Formando votos por que o strénuo campefto cor- responda sempre ás fundadas esperanças que fe? conceber, fiámos que 'nelle achará a cau^a do pro- gresso, ligado á ordem, um dos mais firmes sustentá- culos.

Tjp. e lith.— Imparcial>*Rua Sete de Setembro n. 146 Â.

QUESTÕES DO DIA

N.^SO

RIO DE JANEIRO, IODE JANEIRO DE 1871.

V eode-se em casa dos Srs E. & H.Laemmeil.— Agostinho de Freitas Gui aoarârs & Ccmp., 16, rua do General Camará. Livraria Académica, Rua de S. José n. 119— Largo de Paço n. C.— Preço 200 reis.

O volume, com 20 números e peito de 400 paginas— 3^000.

OITAVA CARTA DE CINCINNATO A SEMPRONIO. Rio, 29 de dezembro de 1871.

Respeitável amigo.

Nosso Sr. te muito boas festas na alma e no corpo, glória, paz de espírito e prebendas largas. Se nada d'isto te constitue felicidade^ consulta Varro, p qual desinvolve 288 opiniões sobre o verdadeiro constitutivo d'ella ; e a que mais te approuver para estréa de novo anno, essa te desejo.

Tenho lido com inexcedível interesse as tuas óptimas cartas, relativas â Iracema, Pena é que tao magistral dicção, tamanha competência, tao intelligente critica, se nao applique a mais dignos assumptos : 6 estudo dos escriptores de boa nota, a appreciaçao de seos defeitos e suas bellezas, está invocando, em proveito daslettras, a tua attenção : e affigura-se-me que uma brilhante pá- gina te será reservada na nossa história crítica. Por ahi, o uso é deprimir vagamente e sem anályse a obra do auctor antipàthico ; ou também passar calandra sobre o panno mais bruto para lustral-o,< applicar ao livro mais pífio certos termos encomiásticos e bombá.vticos, taes como : estupendo primor ; esmalte de eloquência e l)elleza ; au^re de perfeiçno ; fecho de abóbada litterária: fion plvs ultra da sapiência ; cinta, capitel e coroa da columna das lettras

Ora, toda esta algaravia, esta cascalheira, o que

significa é o dialecto do elogio mútuo, ou uma bajulação

torpe, ou uma ignorância philauciosa com que vãos sons

perteadem incobrir deficiência de ideas e incompetência

Ae julgamento.

146 XXX

Por isso, quando as palavras de um crítico, honesto e intelligente, allegam e provam, dissecam e paten- teiam, argumentam e julgam, estudam e insinam, para logo se tornam convincentes e auctorizadas, e a sua sentença é confirmada pelo Supremo Tribunal de Jus- tiça da Opinião, Taes sao os triumphos reservados a pennas como a tua.

A minha canoa ahi vai singrando na alheta da tua nau. Onde eu atiro um piparote, disparas tu o teo ca- nhão Krupp. Vamos continuando este divertimento pyrotéchnico, e abramos novamente o Til.

aguentei a leitura do que o auctor chama 1*. vo- lume, em 15 folhetinsinhos. Para indigestão, ba»- ta, e direi mal aos meos peccados, quando tiver de ia- reptar o denominado 2.°

E' isto um acervo de erros e defeitos,que nem por des- cuido resgata o bruxulear de uma sombra de belleza.

O inrôdo é chato. O diálogo desnaturai, impróprio, forçado. As imagens sao uma incrível profusão de dis- parates. A grammática mais elementar geme a cada linha. Os characteres dos personagens sao todos repel- lentes, mal trajados e peor traçados. Aqui os velhos sao creanças, e as creanças sao velhos. Descobre-se a cada momento o inaudito tractear da imaginação para gemer sem produzir senão monstros, como seio exhaus- to que, ao ser sorvido, deita sangue. A linguagem compOe-se de uns archaismos inhabilmente extrahidos de elucidários, e de gallicismos de palmatória, tudo cal- deado com uns neologismos que se nao comparam com cousa alguma senão com a eschola senial, na qual dSo Ka senão um mestre e um discípulo... que é elle mesmo. A invocação a símiles, das sciencias, nao faz senão re- velar permanentemente e mais fundamental imperícia em todas ellas.

De quanto precAe, e de muito mais, fácil fora dar provas aos cachos. O auctor terá uns méritos quaoe* quer ; é de crer ; mas da língua em que escreve, do instrumento que toca, nem a escala conhece : e perten- der alturas épicas quem carece de conhecimentos radi* mentares, é o mesmo que aspirar a tocar variações de Thalberg em tambor ou berimbau, O perfeito manu- sear de um idioma é tao indispensável condição, para quem affronta a luz pública, que nos diz o mestre:

Em Bumma, sem a lingua» o mais divino auctor» laça elle o q^e fizer, é péssimo escriptor.

XXX 147

Que será, quando á ignorância da língua se une a incoherencia das idéas, e o perenne insulto ao senso commum ? 1

Esta nossa tarefa ha muito se podéra dar por íiiida, se se tractasse somente da penna analysada ; mas a es- chola do m&o gosto, e do absurdo ataviado com o nome (loi modernice, vai indo de foz em fora, e importa que se ponha dique a um proselytismo stulto e, com capa de progressista, tremendamente retrógrado. Se ficarem ce- gos, sejam os da peor espécie : os que se obstinam em n5o querer ver.

Admiremos agora as bellezas do romance, dado por modelo do género. Tinha eu um de dous systemas para seguir : ou dar as amostras de egual natureza colhidas em todo o volume, ou il-o successivamente lendo e anno- tando algumas. Prefiro o segundo expediente, despre- gando aliás 08 nove décimos das perfeições que doeste opulento erário puUulam.

O capítulo 1®. do livro começa assim:

« Eram dous : elle e ella. »

Ja se que se toma indispensável travar conheci- mento com a ella^ e com o elle.

Vamos a vér quem era a ella^ e copiemos para isso a de.scripçao dos seos movimentos.

Ella, « buliçosa, saltita ; scintilla do prazer de pular e currer ; voluteia ; deita a currer ; de uma cur- rida alcança a tronqueira ; sobe de salto pelas travessas; balança-se com prazer infantil ; ia aos saltos ; saltou da tronqueira ; alcançou de uma currida ; os pulos que dava etc. etc. )>

O leitor cuida naturalmente que entra em scena uma cabrita ; engano d'alma ledo e cego : é uma raparigota, uma trapalhonasinha muito despresivel, muito mal oreada, protogonista muito das do gosto do illustre escri* ptor, pois vai parecendo irmã gécflea de outra heroina do Gaúcho^ e de outras mais.

A descripção da cabrita é magistral, e com quanto muito miudinha, sempre interessante, como de costume. Admiremos estes pormenores eminentemente poéticos . Eu farei a pergunta, e o ])obre romancista, ipsis verbis^ me dará a resposta.

PERGUNTA : Como vai ella de saúde ? Muito boa, muito obrigado, a O viço da saúde rebentch- jhe no incarnado » Podia ser symptoma de congestSo

48 XXX

cerebral, mas nao é ; isso fica reservado para outras figuras.

PERGUNTA : Como tem ella a cara ? Mais avelludada que a assucena escarlate recem-aheria ALLI com os orvalhos da noite. » Estes orvalhos da noite abrindo assucenas escarlates representam.... analogica- mente.... representam.... para a outra edição saberemos; mas o sôbredourado de todos estes descobrimentos, e que tem um sentido mirífico, é o recem-aberto alli.

PERGUNTA : Gomo sao os olhos? « Límpidos t brilhantes^ e olhar scintillante, e que retalha^ com o gume » Mas tudo isto é nada. Queres saber que mais ? Escuta :

<( Os grandes olhos^ NEGROS, CLAROS e serenos^ como um LAGO CRYSTALLINO IMMERSO NA SOM- BRA, tinham a DIAPHANA PROFUNDIDADE DO CÉO, cheia de inUvos e mystérios. »

Assumpto de profunda meditação! meditem e lucrarão.

Temos 1®* uns olhos que são negros e ao mesmo tempo claros, com privilégio de macha-temea; 2^*. olhares que sao serenos e retalham com o gume; 3°. lagos crystal- linos que quando se immergem na sombra ficam serenos^ como os olhos da cabrita ; 4°. olhos negros com profun- didade diáphana comparável nada menos que com a do cerúleo céo; 5°. profundidade do céo, cheia de iulêvos. Admirável ! Em menos palavras, ninguém diz mais cousas. E' um pào por um olho.

~ PERGUNTA : Como é o nariz ? Caret,

PERGUNTA : E a bôcca ? « Mimosa e breve, conhecia-ee que fora vasada no molde da bejo e do snrriso » Eu aqui tinha 17 cousas que dizer, mas nao digo nada, que é melhor ; e passo de largo.

PERGUNTA : Como é o surriso?— O seo surriso é com os lábios! o que nos evita grandes perplexidades de interpretação Noji^esco surriso dos Idiios » Um surriso dos lábios é ja bem bom, mas um suitíso fresco, muito melhor; e em todo o caso, é appropriado, porque ja nos vai insinando que a história nade ser fresca, e que fresca é a bregeirinha... (Perdão, que a palavra é do livro; logo veremos ) Lê-se 'noutra parte que ella « se banha em um suí^^iso de canduras l Percebes ?

Note-se mais que a subjeita leva a vida a rir ; ainda que lhe digam : O' menina, muito riso pouco .siso, faz ouvidos de mercador, e vai rinchando para deante.

XXX 149

PERGUNTA: A voz ? « Parecia raiiger-lhe nos lábios » O leitor faz idea? Pois então tenho-lhe inveja.

PERGUNTA: E os cabellos? « Negros cacheados ( como sao ? sao espigados ? ) longoi^, que lhe estavam mettendo figas, e zombando das suas pertenções a rapaz! »

PERGUNTA : E o vestuário ? <c Jaqueta de flanella escarlate^ mangas compridas, desabotoada sobre utn camisote /iso, collarinhos largos rebatidos sobre os honibros como os dos meninos da eschola. Saia de çhita fMreita, »

PERGUNTA :— E o toucado ?— <( Çhapeo de palha fie coco íronçnda »

PERGUNTA : Eo calçado?— a Cothurnos gros- SOS de couro de veado tão altos que pareciayn botas.

PERGUNTA:— Altura?— (( Pequeuji e e

também de pequena cstaturan

PERGUNTA : A cinctura ? Como em francez se chama a isso la taille^ muito favor lhe faz o nosso neólogo em masculinizar o vocábulo. Nós temos talhe^ para significar estatura, feição geral do corpo ; mas as obras de Sánio insinam-nos que elle naturalizou em portuguez a cinctura dos francezes.

Ora pois : era « tão delgada e flexível no talhe^ que dobravorse como o junco da varze » Conheces esta varzc ? tíu lambem nno ; o caso é que se dobrava como junco, seja d'ondp for ; mas acaso para essa flexibilidade será indispensável enorme delgadeza ?

C mtinuemos com a descripçílo erótica: n As forma da graciosa pubescencia, que um corpinho justo debu- çhara etn doce e palpitante relevo y^ Entre pubescencia e puberdade ha cartas differencinhas, que não s!Io para aqui, c lirnito-me a dizer que é preciáft mais cautela no emprôgo dos vocábulos, quando se entra a dar cabeça- das ptíUis sciencias cm que se é hóspede, e a que se ousa ir podir símiles. Quanto a todo o resto, sim senhor ; está traçado pittorescamente com a penna de Parnv.

PERGUNTA Manhas e dotes physicos ? « Li- g-eira, buliçosa, gárrula, scintillante, esbelta, gracioso vulto, movimíMitos p.ítulantes, mãos pequeninas, ore- lhas com conchinhas, espanejando-se ! ! >j

150 XXX

« Imprimia certa nerxmra a seos movimentos » Isto vem em tigella ou em garrafa ? Nervura de movimentos ! As scíenciab naturaes, por culpa da cabrita, andam em polvorosa : danos a physiologia pupillas injectadas» a entomologia chrys&lidas d'argilla, a anatomia formas de pubescencia, a botânica nervuras de movimentos, e outras bellezas mais. Nervuras eram em portugnez os filamentos que sobresaem nas folhas ou pétalas das plantas : teremos de ora avante movimentos movi- mentos filamentosos, impressos pelas cabritas.

PERGUNTA— Os modos e índole d'ella?— Agor» o verás : Tinha « affoutezas de um traquinas ! viva- cidade de faceira (que termo ridicvio) ! capetinha de mil peccados I olhardes bregeiros ! tregeitos garotos de um cai- pirinha I »

« Arrostou a sanha de um assassino cujo senho incu- tia pavor )) Elegante : matrimoniemos esta carranca com aquelle furor, este senho com aquella sanha.

(( Deu uma pÍ7*oeta » Sempre ouvi : fazer piroeta.

(( Sua existen>cia tem a constância da volubilidade. » Estes 2 substantivos tiveram a honra de se encontrar pela primeira vez, e fizeram uma careta um ao outro. Mas ha melhor:

« Na vaga fluctuaf;áo dessa alma^ como no seio da onrfa, SC desenha o mãindo que a cerca. A sombra apa*ja a luz. Uma forma desvanece a outra. Ella é a imagem de tudo^ menos de si própria, » Tudo isto é falso como Judas. As ondas nao desenham o mundo que as cerca. Sombra diminuo a luz, mas não ó apagador. Se a bregeira é como diz, de si própria é que a})enas será imagem, e nao de outra alguma cousa.

—PERGUNTA— Como ó a alma da moça V— A alma tem seiva,e então esta seiva brota-lhe pelos lúzios: a Nos olhos brotava-lh^ a seiva d^almaio Aqui temos mais uma novidade : este último plural, este lhes nao tem outro substantivo a que se refira senão aos lábios ; e portanto a linda phrase completa é : «A seiva da alma d'ella brotava aos lábios nos olhos. » Ergo, os sentimentos da alma, traz ella escriptos na palma.

Mas aquella alma estupenda não é aquillo : e também « nympha celeste a romper a argilla de sua for- mosa chrysálida. » Agora aqui temos uma metaphy- sica entomológica, descoberta, ao que parece, no Ceará. Sempre se tinha crido que os lepidópteros, antes de :5c

XXX lõl

mudarem em borboletas, e antes mesmo de serem insectos perfeitos, rompinm um ovinlio tao frágil e delicado, que houve um basbaque, çLamado Réaumur que attribuiu o nome de ehrysálidas (de chrusoSy ouro) aos brilhantes áureos e argênteos reflexos d'este8 in- sectosinhos; cores produzidas pela decomposição que 86 opera na luz, ao atravessar uma membrana temiis- sima que incerra as ehrysálidas.

A comparação com a alma da moça está perfeita : o invólucro da nympha é de argilla, ou barro, ou padra, ou bronze, emhm tale qual como o objecto comparado. E ainda estos entomologias sao o menos. Temos me- lhor : Á nympha rompe a argilla da sua chrysdlida ! Minha Xossa Senhora! Cuida pois que chrysdlida signi- fica invólucro da nympha. Sapientíssimo ! Nympha e chrysàlida eram, até hontem, o mesmo bicho; mas de ora avante, a nympha fíca sendo a gemma d'ovo e a chrysàlida a casca d'argilla ; tudo i>to em honra das conveniências da alma da cabrita.

E ainda n^o fíca por alli a tal aima desalmada ; nem as mágicas da Pêra de Satanaz dão logar a tantas transformações. Queres ver mais cousas que é esta alminha sancía V :

K Aquella alma tem jaceias como o diamante; iria-se e accende uma cor ou outra^ conforme o raio de luz que a fere. - Aqui, pela officina do lapidàriu, penetrámos no gabinete de physica. Diií-se-nos que naturalmente aquella alma tem facetas, como naturalmente tem facetas o diamante. Ora ha iim equivoco. O Padre Manoel Bernardes [Luz e Calor pag. 309) diz : Um diamante com muitas facetas^ e assim se exprimem outros clássicos, mas nunca alludem ao diamante natural, e sim ao lapidado : o artista que lavra o diamante vai, para augmentar-lhe o brilho, procurar as faces em que elle .se cristallizou, e essas superfícies, assim appresen- tadas pela arte, é que se chamam facetas. Se a ima- gem assim começa falsa, mais falsifícada ainda se os- tenta na segunda parte. ^ As diversas cores do prisma, ou do spectro solar, nao provêm do raio de luz em si mesmo, mas sim da sua direcção ; é esta que gera a dispers&o das várias cores.

Oh minha alma! De tantas qualidades estrambóticas com que te ataviaram, que ficou? nada.

Alma minha gentil, que te partiste! ' Vide : formas de pubescencia).

152

Eis-ahi, parece-me, sufficientes amostras do modo como o nosso romancista retrata as suas persouagena. Quanto 'nessas trauscripções se admira,apparece logo ao intróito do seo Til^ e as outras figuras vao sendo pintadas, jase vê, com análogas tinctas. Toma elle por observação fina, imagens elegantes, descripção pittoresca, o que nao é senão esforço impotente, falso dizer, orientalismo degenerado, portuguez-tupy.

O Sr. José d' Alencar nunca retrata ^enHO figuras congéneres, as qiiaes são todas vasadas no nieárao ca- dinho. Seos pincéis occupam-se mais dos accessórios, e esses geralmente grutescos. Faz lembrar a mania do tempo de Luiz XV : os retratistas pouco se importavam com a similhança ou com a natureza: todas as mulheres tinham olhões, boquinhas, e faces redoudris onde a saúde lhes rebentava no incarnado ; se conheciam as differenças em estarem trajadas à Diana, à Flora, á Juno, ou á Amphitrite, como os homens à Marte, â Acliilles, (>u á Automedonte: ficavam na(^ retratos, mas painéis ridículos.

O nosso Apelles litteràrio julga que para o romance» para a história imaginária de um viver curivnte, hade sempre exhibir-nos figuras div^mtnraos, impossíveis, o que é antípoda dos preceitos da arte. Ao que elle aspira é a descrever sempre umas nionsiruo.idade.s humanas. Nero, se Plínio nao mente, teve a phantasia do mandar que o piatassem 'nurr.a tela de líOp/is de altura, colosso que um raio destruiu. As personagens do àSr. Alencar sâo telas Neronianas, fulminadas polo gôáto e pela opinião.

Dêmos esto poncto por tractado, o passaremos á coa- tinuaçao do estudo do Til : ma.-; pois que esta carta ja ultrapassou as dimensões lícita^-, fiqpe a discussão addiada.

Too respeitoso admiradur

ClNClNNATO.

XXX 153

Ifçne:e cie Oastro.

Tragedia de Júlio de Castilho. (*)

Júlio de Castilho, o priraogéaito do exímio poeta que, 110 dizer de Cainillo Castello Branco, é honra da pátria^ honra dos que o presam e amara a patina, comprehende â justa que é dever seo não desdourar o lustre e glória do nome paterno ; e em tão nobre empenho porfia por mos- trar que lhe Cíihe

et par droit de coiujuétc, et par droit de naissance, umdus mais coaspíciíos lugares entre os laureados es- criptores que ora abrilhantam e opuleutam as lettras portuguezas.

Dezenove aunos hao passado de^iih^ o dia em que o Sr. Visconde de Castilho offereceu ao público as primí- cias poéticas de seo filho mais velho : as bellas estrophes, publicadas na Hcvolução de Septembro, de 6 de oclnbro de 1852.

Reveladora d^auspicioso estro, foi essa poesia inthe- sourada no V Volume' (infelizmente o único) da série .segunda da Lysia Po(»7?ca,excellente chresí»raathia dada à estampa no Rio de Janeiro, no anno de 1857, por uma associação de mancebos, recommendaveis pela intelli- gencia, nao menos que pelo amor ao estudo.

Lidador esforçado, Júlio de Castilho nao abandonou 'nessfís dezenove annos o estádio das lettras ; e, sen- tindo-se foríe p<ílos estudos que invalescemas íntelli- gencias de fina têmpera, abalançou-se a um commetti- mento realmente gií^unteo, trasladando novamente para a t{-la ilraiuática os tétricos amores e a morte escura da

inisera e mesquinha, que di'pois de ser morta, foi minha!

Alem de varias proJ;icçv5v»s litt;írárias de género di- verso, em cujo número se inclue o romance, que nao conhecemos,ma5 de que fa;: expressslmençlo o auctor do Bospiejo histórico da IxUcratnra clássica, grega, latina e poríuguez í, romance em q:in, segundo a opinião d'esso

(•) IVla última vc/. ohsfirvinvmos quo nos não leconhccemos com di- reito ilc alterar uma vírgula nos e>cri|)los dos illustrados coUaboradores d*Còta publicjivào. Pertencem t>)dos a plêiada dos nossos primeiros esorip- lore>, e desraliido seria o exercício de qualquer censura, mesmo quando legitimas considerações nos induzissem a pedir licença para introduzir alguma modilicaçio. Entre os doas useolhoa oppostos, o leitor concordará «m que ^obrc tudo nos rnmpre e\itar o do parecermos desrespeitoso para "^om os nossos companheiros de trabalhos.

154 XXX

escriptor, o esposo de Ignez de Castro intentnu eteruisar em versos seos infortúnios, celebrando a memória da innocente, fermosa^ humilde e sancta (1) ; da Castro de António Ferreira, a primeira tragédia clássica conhecidi^^ na península liispiinica, conforme a esclarecida nppre- ciaçao de Pinheiro Chagas, e da Castro^ de Domingos dos Reis Quita, que, no pensar de um crítico, bem prova que o poeta sabia com eg^ual harmonia tocar a trombeta heróica, como a frauia bucólica ; bastara o simples í'on- fronto da Ignez de Castro^ de Júlio de Castilho, com a Nova Castro^ do João Baptista Gomes, tragédia tantas vezes victoriada por iiinúmeros espectadores commovi- dos até as làgryraas, ]nira otferecer a medida da impor- tância e alcance de uma justa Utterária, na«^ condiçAes perfunctoriamente aponctadas.

Nós, a quem fallecem forças para intrar 'nesses »'er- tames, mas a quem sobeja outhusiasmo para applau- dil-os, quando inspirados por generosa emulação, accei- tàmos com alvoroço de prazer o obsequioso convite com que se dignou de distingui r-uos o Sr. Conselheiro José Feliciano de Castilho; e 'nessa disposição de ânimo assistimos hoje, no Club Fluminense^ à leitura da tra- gédia Ignez de Castro, de Júlio de Castilho.

Nao basta seguramente uma audição para juljrar tra- balho de ordem tao elevada o valor tao sabido : j>ra/,-nos romtudo externar .singelamente as impressões qiu» laais vivazes em nosso espirito se conservam, tanto niaJN que lemos a satisfação de saber que nos achámos do accòrdo com a maioria, se nao unanimidade, dos cavalheiros presentes á selecta reuuiflo convocada pelo Sr. Cnn-^p- Iheiro Castilho.

Affigura-se-nos que a composição Utterária de Juho úe Castilho nao é, rigorosamente falando, uma tragédia ; é antes ura drama da eschola Shakespeariana, realçada por amplo trabalho ne restauração histórica da époch» em que viveram os personagens que o poeta illumina com a irradiação de seo fulgida talento.

Em seo complexo é, pois, «> trabalho wna íni"?>i<7 rfiuisi prophéíica do passado, 'is rpzcs intuição mais difpr cultosa que a do futuro. [2)

fl) Verso da tragedia Castro, de A. Ferreira.

(2) Palavras do Sr. A. Herculano, no nionumentMl EPrrtco,

XXX 155

Tractando assumpto tractado por e^fcriptores de alto mérito, inclinãmo-nos entretanto a pensar que Júlio da Castilho logrou appresental-o, á parte analogfias ine- ▼itayeis, sob novo e quiçá mais elevado aspecto

O infante D. Pedro é o mancebo ardente e impetuoso, e n&o o algoz sanguisedento em que se transmudou, ao ver morta ás mãos de assassinos a mal-aventurada esposa.

AflEbnso IV nao é o cego instrumento de pérfidos conse- lheiros; é um rei tímido, irresoluto; capaz, porem, de movimentos generosos, se a voz da esposa estremecida lhe fala ao coraçfto.

D. Beatriz é uma bella creaçao do poeta. Júlio de Cas- tilho apresenta-a como a figura rediviva de Isabel, a sancta, a que trocara em frescas rosas no regaço bem* dicto esmolas preciosas. (I)

Pacheco, o mais incarniçado perseguidor de Ignez de Castro, n&o é simplesmente um verdugo cruelissimo ; é o político vendido ao ouro de Castella e o rival, sempre humilhado, do infante D. Pedro.

Sao, se a memória nos nao falha, dezoito os perso- nagens que mais ou menos activamente intervém no desinvolvimento da acção do drama; falando todos con- forme a épocha, adaptada porem a linguagem ás neces- sidades scénicas por forma que, conservando no intender de juizes competentes o .^abor do estylo do século XIV, pode ser entretanto bem comprehendida sem auxilio de glossários e léxicous.

Pareceu-nos bem combinada e deduzida a acção, e habilmente preparadas as situações e lances de effeito.

Toda a composição, exceptuada a carta de D. Ignez ao infante, é escripta em versos soltos aprimoradamente trabalhados.

No 1'. acto a narração do episódio da caçada, que termina pela morte do javardo, deparou-nos bsllissimos versos onoraatópicos.

Tao notável pela elevação do pensamento, como pela belleza da expressão, é a nosso ver, a scena do 2* acto, entre o infante D. Pedro o, Beatriz, em que a virtuosa rainha descreve o povo como deve ser considerado : não a villanagem, mas a força o o poderio dos estados cons- tituidos.

(1) Versos do Sr. visconde de Castilho.

j

156 XXX

A despedida do infante a D. Igiiez, no í** acto, evo- cou em no.sso espirito a lembrança da scena incantadora, em que Julieta, á varanda do palácio paterno, banhada a fronte gentil pelos argênteos raios da lua, ouve o ci- ciar melodioso das phrases apaixonadas de Romêo !

E a essa lembrança associou-se a saudosa e indelével recordação de Rossi e da Palladini, o grande mestre e a illustre alumna da verdadeira', da sublime arte dra- mática.

Deixando sunimariamente indicadas algumas das scenas de que conservamos mais vehemeute impressão, nao dissimularemos comtudo que o modo admirável como foi lida a composição levou-nos talvez a louval-a sem restricções ; sendo aliás possivel que, se calma e pausadamente a houvéramos estudado, nos occorresse algum reparo, embora de valor mínimo, se valor de feito tivesse.

Nem bem, nem mal poderá porem advir da mani- festaçno de nossas primeiras impressões a respeito da tragédia Ignez de Castro.

Como taes nos sejam portanto acceitas estas breves e despretenciosas palavras, que não tem nem podem ter a arrogada pretenrfio de constituir julgamento áceuca da superioridade, absoluta ou relativa, da tragédia de Júlio de Castilho sobre as de A. Ferreira, Quita e Bap- tista Gomes, tão altamente aquilatadas no conceito de críticos de legitima competência.

E, pois, como synthese do que havemos escripto, diremos, fippropritindo-nos das expressões do erudito •commentador da trnducçao paraphrástica dos Amores de Ovídio : « Ficar ab lixo de tao pi-echiros predecessores, não é de.snr ; em os egaalar, li:i mérito ; um vencel-os íílória. ))

ilio d.í Janeiro, 31 le d;\:eiabro de 1871.

Gil Braz.

XXX 15T

Prograrama

PARA

A INAUGURAÇÃO DA ESTATUA DE BOCAGE

NA

ClDADli DE SETÚBAL

A commissão central do Rio de Janeiro, promotora da subscripçao para se erigir a estátua de Bocage em Setú- bal, onde nasceu o insigne poeta, designou o dia 21 de dezembro de 1871, sexagésimo anniversàrio do seo fal- lecimento, para a inauguração solemne.

Para este acto se armará na praça de Bocnge uma tribuna, onde serão recebidas as corporações, auctori- dades, e mais pe.ssoas que forem convidadas.

3.°

 estátua estará velada com as bandeiras nacionaes de Portugal e do Brazil.

Serão convidados para esta solemnidade o ministério? as auctoridades superiores do districto ; as corporações scientíficas e litterárias ; a imprensa periódica ; os homens de lettras, e os súbditos brazileiros mais qualificados, residentes em Lisboa e Setúbal, como demonstração de reconhecimento, por haver sido a estátua do Bocage erigida por subscripçao commum de brazileiros e de portuguezes residentes no império do Brazil.

Ha um comboio especial, de Lisboa para Setúbal, ida e volta, no mesmo dia, gratuito para os que receberem convite com essa declaração.

A hora do embarque na estação do caminho de ferro do sueste, em Lisboa, será designada nos bilhetes de convite.

158 XXX

'/ •'

A' uma hora da tarde, as commíssOes filiaes de Lisboa e Setúbal, a câmara municipal doesta última cidade, e o esculptor Pedro Carlos dos Reis, descerão da tribuna para j une to da estátua, e ahi lerá o presidente da com- missão de Lisboa o discurso inaugural, a que responderá o presidente da municipalidade de Setúbal.

8.*

Em seguida os membros da mesma commissão, mar- quez d'Avila e de Bolama, vice-presidente da academia real das sciencias; conselheiro Miguel Maria Lisboa, enviado extraordinário e ministro plenipotenciário do Brazil, em Portugal ; visconde de Castilho ; Dr. António Rodrigues Manitto, presidente da câmara municipal de Setúbal, tomarão os cordoes da cortina que vela a estátua e a descobrirão.

Logo que se descobrir a estátua, as músicas tocartlo successívamente os hymnos compostos e offerecidos para esta festividade, pelos Srs. Manoel António Corrêa, Carlos Augusto Alves Braga e António do Nascimento e

Oliveira.

lO.o

Voltando o préstito para a tribuna, ahi será lido e assignado o auto da inauguração, que ficará depositado no archivo da câmara de Setúbal, enviando-se um tras- lado authentico á commissão central do Rio de Janeiro.

Sala das reuniões da commissão filial de Lisboa, na Bibliothera Nacional, em 2 de dezembro de 1871.

O Secrbtario

XXX 159

3

F*ara"beiis.

Vivia alli para os lados do ex-Largo do Paço um velho, ue contava mais de um século de edade, e cuja agra- avel appareucia attrahia as attenções geraes.

Exercia em larga escala a segunda das obras de miser ricórdia: dava profusamente de beber a quem tinha sede uma das mais crystallinas e puras águas, que jamais correram em bica de chafariz. Em harmonia com todos os moradores do bairro, era uma das bonitas cousas da cidade: quem o via, e olhava para o lado direito, e via a casa do velho Telles, para a esquerda, e via o palAcio dos antigos vice-reis, e no fundo o ex-convento do Carmo, conhecia logo que eram bons amigos, do bom velho teiJipo.

Mas o mundo marcha; e o progresso, assim à maneira do ar que se respira, entra por todos os buraquinhos. Em Athenas era crime ser justo; no Bio de Janeiro é Crime ser velho : sao cousas do tempo, e talvez com o tempo passem : mas agora são assim mesmo ; é preciso respeital-as. E se não. digam-me lá, porque razão se têm andado a chrismar as ruas e praças do Rio de Janeiro, alguns de cujos nomes faziam parte de nossa história ? Uma razão pôde haver: estavam «velhos, estavam. Ora u lUma. Câmara, a cujo cargo está attender, a que os olhos de <seos munícipes não sejam oíFendidos por espectáculos menos agradáveis, incumbiu-se de mandar lavar, penctear, e vestir camisa lavada ao sobredicto <Mijo velho, que assim se viu repentinamente transfor- mado em moço casquilho, namorando as quitandeiras da Praça do Mercado.

Intendâmo-nos: eu não sei bem se foi a Illma.Càmara. Deve ter sido; mas como isto de attribuições municipaes anda meio atrapalhado, pode ser que a cousa não seja com ella ; a quefm tocar. J

por essas Europas, de gosto depravado, taes velhos são conservados com todo o respeito : até se a roupa se lhes rompe, procuram remendar-lh'a com pedaços ti- rados de logar, onde menos falta façam. Mas a Europa é uma velha incarquilhada ; a América é uma moça <rarrida. Aqui não se admittem velharias.

Ouvi dizer a alguns patetas que o dinheiro alli gasto podia ter sido mais bem approveitado. Parvos I Pois nós precisílmos fazer economias ? O Brazil é o paiz do ouro.

160 XXX

Ainda está nas minas : mas isso o que tem ? Vão bus- cal-o; O nosso dinheiro é de papel ; mas o padeiro pao por elle. Outro offício, meos amigos !

Beber água por chafariz velho é o mesmo que beber por caneca rachada.

Parabéns, Fluminenses ! parabéns ! Tendes o vosso chafariz, assim com ares de velho que tinge os cabêllos:

que mais podeis desejar ? Levantae um monumento

de lama ao auctor da idea.

Otton.

A nnuncios.

Desappareceram as ruas Direita, das Violas, dos Pes- cadores, Largo do Paço, e outros mais logares d'e3ta corte : quem d^elles der noticias, receberá boas alvíçaras. Consta que foram subtrahidos pela lUma. Cíimara Muni- cipal : protestam-se perdas e damnos contra o sub- tractor.

Otton.

Precisa-se um nome para chrismar... a boa cidade d^ Rio de Janeiro, porque o actual ja está muito usado, em consequência do que se abre um concurso. Ao auctor da melhor Memória sobre este objecto se offerecerá em com- pensação uma penna de peru, animal characterístico de muita gente que por ahi anda.

Otton

Typ. e Hth. Imparcial— Rua Sete de Setembro n, 146 A.

QUESTÕES DO DIA

N.°31

KIO DE JA^K^RO, 14 DE JANEIRO DE 1812.

Vende-se em caaa dos srs. B. &^ H. La ammert.— Agostinho de Freitas Gui- marães 6c Comp., 26, rua de General Camará.— Livraria Académica, Rua de S. José n. 119- Largo do Paçe n. C— Preço 200 reis.

O r volume, com perto de 400 páginas— 3Í000.

OBRAS DE J. DE ALENCAR— IRACEMA.

OaT*tas a Oliicinnato,

VI. Meo generoso amigo .

Nas suas Reflexões a respeito dos Annaes Históricos de Berrêdo, diz G. Dias tstas palavras : « Hei de ser mais extenso, mais diffuso, do que talvez conviesse, porque quero ser comprehendido e porque escrevo para todos. O que fôr de sobra para alguns, será apenas suf- ficiente para outros. »

Assim eu, Cincinnato de minha alma. Tem paci- ência.

Mostrei ao Sr. Pinheiro Chagas, que tf. Dias voltara das suas excursões submarinas trazendo pérolas^e coraes, ao passo que J. de Alencar viera do seo mS*- gulho no lago com muito caramujo e muito lôd^aquá- tico. O que o primeiro nao extrahiu, nSo foi'porque o nfio tivesse visto, senão porque o nao achou digno de apanhar e erguer à altura da superfície.

Verdadeiramente falando : pótl%-se presumir que G. Dias « a quem ninguém se avantaja na opulência da imaginaçílo e no conhecimento da natnreza brazileira e dos costumes selvagens » (palavras do próprio Sr. Alencar), ignorasi^e que existia no Brazil o prudentt tamanduá, e quantos auimaes, reptis, peixes, árvores, flores e objectos ncssos se vêem com profusão inexce- divel aponctados na Iracema ? E' que o seo tacto deli- cadíssimo percebia logo onde existia o bello, e nem um instante se demorava onde uno podia haver senão o irivial ou o gruttôsco.

162 XXXI

K o ciinlio nacional d'í uma obra consistirá om n?- pr('duzir ella quanto se «çha ora a natureza, nos costu- mes (lo p')vo, nos preconciitos e frag^ilidades do uma raça ?

Sri as-iim Vi :'>, í^-intaria pouco a ser grande poet-i ou o primeiro r>:iiancista de um*i naclo. So não se exige, principalmeiíu', p-rjra que .se g^oze de tae.^ foros, que se colha e se exliiba o que pódc fazer o público deliciar-.e sem comtudo f izôl-o molestar-se ou corar; S(i o pincel, que se molha nas tin^Mas finas e elevadas, deve, para sor tido por completo, cliafurdar tambtím nos resíduos barrentos e grossí^ros. 'neste caso é certo que faço das lilteraturas a idéa mais errónea possivel.

Seg'inido penso, moo amigo, me parece reom- mendar a esthética, o artista nao tem o direito de perder de vistíi o bello ou o ideal, posto que combinando-o sempre com a natureza.

N?lo fora talvez descabido aqui emiltir o meo hu- milllssimo parecer sobre o modo de ver de alguns (muito auctorizados) que intendem que a arte é a imiUição, e de outros que opinam ser cila a interpretação da natu- reza. Kicará para logo, se me sobrar tenpo e me aprou- ver detcr-me 'neste poncto.

Mas o que ainda ninguém se lembrou de pôr em dúvida é que, ou interpretando-a, ou imitando-a. o artista visa sempre o alvo de helleza ideal, que debalde se procuraria 'nessa lenda sertaneja, mais parecida com um catálogo de zoologia e de botânica cearense, do (f^e com uma obra d^arte.

Li 4^ precioso livro, intitulado Á Sciencia do Belfn po^^L^ltaue, obra que mereceu ser coroada pir três Acaaétnlas da França. Nunca njais m*^ esqueci de um pedacito que vem, concebido 'nestes termos : a Se o romancista nHo é segão o arrolador {grefficr) da vida de todo.s 03 dias, quero antes a vida cm si mesma, qu<* é viva, e onde me nao demorarei com a vista senão sobre o que me interessar, w

Ah í mas eu esjuecia-me que estou dissecando um poema, e nfio um romance. Pois bem : se se tracta da poesia, a cousa muda de figura, sim, porém para con- demnar ainda mais a producção do »Sr. Alencar.» A poesia ingrandece todos os characteres; entre suas mJlos o bravo torna-se valente, o prudente torna-se sábio, o falante torna-se eloquente, o guerreiro um heróe, o heróe um semi-deus.» Tudo vai precisamente ao in-

XXXÍ 163

verso na Iracema ; o g'uerreiro, que devia affig'urar-se heróe,*nao passa de imbelle pusillâuime o heróe da história, que devia na poesia assumir as pr'>M ^r';;Ao^ do serni-deus, está abaixo donivel do guerreiro. E' sempre este destroço dos characteres e da harmonia artística.

Ah ! mas eu csquecia-rae que se tracta da mais su- blime manifestação da poesia a poesia épica. A Iracema nfio se inculca uma amostra no género ? Pois bera : quanto mais nos olevriraos na escala da arte, tanto mais desce esí^e bastardo filho de um talento que a vaidade perdeu como o oi^ulho a Satan.

Sempre que vem á baila falar da epop6a, lembro-me da Illuida como o modelo por excellencia. Homero é o primeiro poeta épico, desfie que o mundo é mundo.

E poderia acaso a lUtada servir de modelo a um poema americano? A vida fel vagem incerra em si bastante interesse, bastante grandeza, bastante maravi- lhoso, para sustentar movimentos d'aquelle fôlego e majestade? D'aquelle nao direi; mas se tivéssemos um Homero, a mina para as suas explorações não seria outra. Essa raça, seo passado, suas superstições, é tudo de tamanho e vigor descommunal. O gentilismo tem a sua face pomposa e formidável. A epopéa bár- bara nrio pôde deixar de ser uma das maiores epopéas.

Um dos primeiros elementos do grandeza da Illiada é o maravillijso, symbolizado na crença pagan. Também os nossos índios tinham do maravilhoso, e á farta. As suas superstições eis. no meo fraco intender, o mús- culo d'essa poesia ; e esse músculo, força é dizel-o, na% tem sido desinvolvido e distendido, como acaso cum- priria, pelos nossos épicos.

O Homero brazileiro acharia na nossa raça primitiva typos parecidos com Achilles e Ileitores, Priamos <; Menelàos. Até incontraria uma Melena, sem outro trabalho mais que o de abrir a nistória. Fernando Diniz diz : « Os '1'upinambas, depois de haverem toma- do o recôncavo, dividiram-se também, dando logar á discórdia no meio d'este povo um drama igual ao qu<» originou a Illiada. Uma rapariga de certa tribu da Ilha de Itaparica foi raptada pelos habitantes do local onde depois se edificou a cidade da Bahia ; e d'ahi accendeu-se uma guerra terrível. »

Seguramente esse Homero nao havia de intender a poesia nacional, e muito menos a poesia épica, segundo a intendeu— van e factícia J. de Alencar.

164 XXXI

Sim, elle iria belêl-a nas tradições dos iudios» mas nas tradições que, pingues e plenas^as tinham, nos pai- néis summos e monumentaes das suas batalhas, que eram batalhas titânicas. Desde a cilada ao inimigo até o ineêndio, desde o heroísmo nas luctas até o heroísmo das hóstias, tudo offerecia elevação própria, que nao destoaria do drama nem da epopèa.

Bebêl-a-hia principalmente nas superstições, suscep- tíveis dos episódios mais robustos, de agigantados pro- dígios, de que a história idea que se que é pàllida, mas que bastante colorido incerra para nos fazer conhe- cer que tinham o calor e a importância de verdadeiras maravilhas.

Bebêl-a-hia nu que o character selvagem tinha de sculptural, predominante, e athlético, e nao no que podia ter de mesquinho, ridículo ou accidental.

De dentro das soturnas cavernas, do seio dos valles intermináveis, de cima dos rios oceânicos, dos recessos da mansão opaca das selvas, acordaria os echos de dra- mas tremendos que ahi jazem adormecidos na uecró- pole de séculos, evocaria as visões mysteriosas, mythi- cas da sua theogonia, as sombras das suas divindades, dos seus lémures, que faria representar papeis pavoro- samente grandes,como no Hamlet o e no spectro de Bankof

Assim como o poeta grego fazia tremer o Olympo comum movimento de cabeça de Júpiter, o poeta ame- ricano faria abalar-se a solidão nos seos fundamentos^ com o simples tanger do maracá do sacerdote inspirado, representante de Tupan.

Faria emfim dos guerreiros heróes ; dos heróes semi- deuses; da crença religiosa a primeira fonte do poema tudo em poncto grande, compatível coma pujança de uma raça, indubitavelmente capaz dos commettimentos mais estupendos. %,

Ou escreveria assim, ou de certo nSo escreveria um poema. Agora invergonhar a pátria com uma concepção sem altura de motivos, sem elevação de vistas, sem mo- vimento, trajada degallas ephémeras,de lentej ou las im- possíveis, falando linguagem affectada, frouxa e fútil, o que tudo importa uma antíthese da poesia hemica e do génio collossal do nosso aborígene, isso é que nao. Te- ria o bom senso e a generosidade de o não fazer.

Longe me tem levado a divagação, e é tempo de re- cuar ao assumpto.

XKXI' 165

Mostrei o abysmo que ha entre uma descripçSlo de combate de índios por G. Dias, e outra por J. de Alencar. Provei que a deslumbrante e hardida poesia das batalhas falta na Iracema^ quando, pelo contrário, se incontra, nao digo nos Tymbiras ou no Tabyra^ mas no Urugnay e Caramurúy que sao dos tempos da colónia*

Por exemplo, lê-se no Uruguay: « Fez proezas Cepé 'naquelle dia. « Conhecido de todos, no perigo « mostrava descoberto o rosto e o peito, « forçando os seos co' o exemplo e co' as palavras. <c tinha despejado a aljava toda, « e, destro em atirar e irado e forte, « quantas settas da mao voar fazia, <c tantas na nossa gente insanguentava. <( Settas de novo agora lecebia, « pai*a dar outra vez princípio á guerra.

« Cepé, que o viu, tinha travado a lança, « e, atraz deitando a um tempo o corpo e o braço, « a despediu. Por entre o braço e o corpo « ao ligeiro hispanhol o ferro passa: « rompe sem fazer damno, a terra dura, « e treme fora muito tempo a hástea; <c mas de um golpe o Cepé na testa e psito « fere o governador e as rédeas corta « ao cavallo feroz. Foge o cavallo, « e leva involuntário e ardendo em ira «f por todo o campo o seo senhor; e ou fô«se « que regada de sangue aos pés cedia a a terra, ou que pozesse as m&os em falso, « rodou sobre si mesmo, e na caída « lançou longe a Cepé. Rende- te ou morre! « grita o governador; e o Tape altivo, « sem responder, incurva o |rco, e a setta <c despede, e 'nella preparara a morte. « Inganou-se esta vez. A setta um pouco « declina, e açouta o rosto a leve pluma. « Era pequeno o espaço, e fez o tiro <( no corpo desarmado estrago horrendo. <c Viam-se dentro pelas \ õtas costas <x palpitar as intranhas. Quiz três vezes íevantar-se do çhao, caiu três vezes; <x e os olhos nadando em fria morte « lhe cobriu sombra escura e férreo somno »

WWTWVHW

166 XXXi

L6-se 110 Caramnrú:

1 « se avistava bárbaro tumulto « das inimigas tropas em redondo; » e antes que empreendam o primeiro insulto « levanta-se o infernal medonho estrondo; a os marraques, napés, e o brado inculto, « todos um rumor junctos compondo, a fazem tamanha bulha na esplanada « como faz na tormenta uma trovoada.

2 « Mas quando tudo com terror fugia, <( o bravo Jacaré se lhe põe deante: (( Jacaré, que, se os tigren combatia, <( tigre não ha que lhe estivesse avante. « Treme de Jararaca a companhia, « vendo a forma do bárbaro arrogante, « que, com pelle coberto de panthera, (( ruge com mais furor que a própria fe^^a.

3 « Em quanto a selva passeava escura, « de immortaes arvoredos .rodeada, « foi Jararaca, que a cuidou segura, « ferido sobre o de uma frechada. a Ficou-lhe a planta sobre aterra dura « em tal maneira com o chão cravada, <( que por mais que arrancal-a d*alli prove a despedaca-se o pé, mas nao se move.

4 « Corre a turba a salval-o, e em continente « voam mil settas desde a espessa rama, t< e cad' árvore alli no bosque ingente a um chuveiro de tiros lhe derrama: c( cada tronco é castello: ao lado e frente t( a occulta multidão bramindo clama; « e o resto, que em cavernas se escondia ' « ao rumor da victória concurria. Do que fica ahi copiado verá o illustre Sr. Pinheiro Chagas que, até antes de (1. I)ias,já se achava nns com- posições dos primeiros épicos bra/.ileiros fundamente impresso o cunho nacional. Elles nao tinham <i entre- visto a mina » ; tinham-n'a explorado e com largueza e fiuccesso.

Como seguramente o critico portuguez deve saber, o visconde de A. Garrett, ajuiza do primeiro poema do

XXXI

1^)7

seg^uinte inudo : « O Urug-uíiy, de José linsilio dn (Jíiina, éo iiioJenio poema que mais mérito tem, na minlia opi- nião. Scenaá natiiraes mai bem pintadas, dí* írrauJe e Lella execução descriptiva; plirase pura, sem affiíctaçílo ; veráoá naturaes, sem ser prosaicos, e quando cumpre su- blimes sem ser «guindados; não são qualidades communs. Os brasileiros principaluKuite lhe devem a 7nc/lwr coroa de svu poesia^ que 'nelle é verdadeíranienln tuicioiuil^ e legítima americana. >> K Fernando Diniz, faland) do Caramurú, diz: « K' uma <q)opéa nacional br.izileira que interessa e inleva. » Copiamos estes extractos da notícia que vem annexa a estas duas obras, impressão de Lisboa, 1845.

Portanto nílo pertence a J. de Alencar (sem querer falar em (1. Dias) « a honra de ter dado o primeiro pa.sso atfoito na selva intrincada e mai:i'niíic('nle <las velhas tradições. »

Não; não não lhe pertence ^imilhante ^-lória, como até lhe pertence exclusivamente a triste <-elebridade de haver offerecido ao mundo como padrão da poesia bra- zileira, um mixto de vulg'arida(hi e de burlesco, que será sempre reconhecido ])or quem não for demasiado benévolo ou demasiado stíctário, como coutra.^te vivo da história.

Meo amig'o: d.ísejando approv(íitar o vap-u* ;([ue está prestes a lar^^ar) não vou além por hoje.

lia tanto ainda (\\H) dizer, (|uan!,o á }))li'-i;i dn Iin*i*ua, notas, carta linal.. !

Mas licide levar a missão ao cabo.

Ha 'nisso algMima C(j;isa d(i cons"ieiici:i o (Li pjitriu- tisnio. Di^ro: i'ATUionsMo!

Como sempre

Teo iVaco, mas leal amit^*!)

SlCMPUÓNlO.

A ICeoi-fçaiiiziaoâo do ti'aljaIlio.

A (lasst* opvrdrln c a indúslria no linizíl. !\ecrssl(la<lc da rtlinhiliíanlo c nictlior onjanlzação do Indndho. Con- ,vid(^rfirfies sChre o itirio de realizar esta grande a (jene- rosa asjjíraçuij da variedade hrazlleira.

W T

n

Corftí tíutr.í nó."> como verdade dr^monslrad.* umà sin- gular j/píposiclo.

i XXXI

I o Braisil ( repetem lodo:> j è paíx exclusí vãmente agrícola »

Se íi traduzirem pela frtrraiila «egiiiote: a. O Brazil até aqui se lein applicndo & agrricultura» essa pro- posição sorà apenas a confirmação de 'um facto e expri- mirá rigorosamenle a verdade das coiisa.s.

•Se, porém, a tomarem, como geralmente acconteca, por uma revclaçiio da idéa de rjue uno pôde nem deve liftver no Brazil outra indiistria, alem da da lavoura, deverá ellaser refutada como confissão explícita de um árro, que cumpre combater de frente e com todas as forças.

Quem lançar vistam altentas sobre esta região aben- çoada, que parece ser a terra da promissiio, que a Provi- dencia escolheu para 'nella derramar todos "s dons do suainexhaurivel munificência, quem avaliar a feracissima uberdadp d'este solo, em que, como uos moatRs que ser- viram de liêrço e núcleo ao género humano nasce eapon- tílueo o niais substancial alimento; quem yir piilliilar d'esta natureza esplêndida todos os thesouros de fecun- didade, todos os elemento» de riqueza, todos os princí- pios elementares e matérias priísas, que formam a indústria fabril e têxtil dos povo8 cultos, que abastecem com suaa manufactura-i todos os poncto; dn globo, ficará profundamente surprehendido de que tal opinião ca- nhasse raízes o tomassp character de axioma.

Quanto a nós, ó mais este um erro, gerado e perpe- tuado pela existência da escravidão no Império.

O lavrador brazileiro, accostumadoá indolência e ao luxo, que é um dos vícios mais fataes e derramados em todas as classes do paíz, vpudo n turra pagar-Iheem fartas colheitas oesfôrço do trabalho escravo, accreditoa facilmente, semexame.que nada mai.s tinhaquf.esperar, para complemento de sua riqueza, do que o produclo da safra d'e«e3 caunaviaes.cafezaes, e algodoaes, que flores- ciam « davam fructot, nas falda^í dcS montes e nos valles de suas extensas fazendas. Accostumado a esse systema rotineiro do trabalho, c recebundo do nego- ciante, que facilmentt! Ihoadeantava. dinheiro sobre as futuras safras, descauçava, n5o cuidoso dos acconteci- mentos, na esperança dft que a torra nâo cessaria de expandir-se em messes de dia para dia crescentes, entre- tanto que o verme roedor do áfí/iío e pesado juro, que pagava á praça, llie ia oberaudo <i estabeleci mento c todos os instrumento;) do trabalho. Chegava finalmente a

XXXI 169

hora do despertar d'esse somno de priguiçosa indiffe- rença; o credor urgia pelo pagamento, e a liquidação forçada trazia como consequência a venda da fazenda e dos escravos hypothecados,por metade do valor, e a con- sequente miséria do outr'ora abastado proprietário de fertilissimas geiras.

Se o escravo nao existisse, outra e muito mais pro- fícua seria a applicaçao do braço intelligentemente des- tinado ao trabalno agncola. Conhecr^ndo que o partido, que poderia tirar dos couros de seos bois, da pelle de auas cabras e de seos carneiros, das clinas de seos ca- vallos, e de todos esses animaes em si, bem como de outras producçOes das fazendas e ingenbos, o domno do solo approveitaria melhor e com mais vantagem todos os elementos da riqueza natural. Nao lhe accontecería então, pelo hábito do contemplar o quadro do trabalho escravo, convencer-se de que nada de melhor tivesse que esperar para sua prosperidade e bem-estar. Podemos amrmar, sem receio de ser contestados e de cair em erro, que se outra fosse a organização do trabalho, a classe operária existiria entre nós com o consequente desin volvi mento da nossa indústria manufactureira, hoje ( infelizmente) embryonária.

Nao ! O Brazil nao é exclusivamente agrícola, e nem o pôde ser; elle tem todas as proporções para occupar dentro de poucos annos uma posição brilhante entre os estados manufactureiros do mundo. Cumpre fecundar todos ósseos germes de grandeza industrial, e sobre tudo crear e preparara sua classe operária,approveitando

Sara esse fim a nova geração, que nascer dos escravos epois da lei de 28 de septembro de 1871.

Uma das principaes f oudiçOes para firmar o futuro industrial do Império é eitabelecer e proteger a liber- dade do trabalho.

Debalde a terra brotará os mais ijiros e inexhauriveis mananciaes de uberdade: debalde a natureza prodi- galizará aos homens todas as munificencias de fecunda cornacópia, se o Governo nao anniquilar as peias que ainda entre nós empecem a livre acçlo do trabalho.

Com ra-çao dizia o sábio auctor do Espírito das Levi que os p u*/*os eram cultivado*, nlo na razão de sua ferti- lidade, mas sim de aw^ liberdade.

Assignalarêmos as providencias, que tendem a manter c a desinvolver em mais larga escala a liberdade da trabalho.

170 XXXI

Utn:i (las causas intorpeceduras do livre exercício do trabalho é incoatestaveliiieate amjinia de regulamentar. A acçrio restrictiva do poder executivo é no Brazil a grand«*, senão a principal rémora da iniciativa indi- Yjdual do prog're.:so da indústria.

Cumpre, antes de tudo, acabar com as auctorizaçOes prévias por parte do Governo para o estabelecimento e fundação de certas indústrias, que manirestamente tendem a activar as torças vivas da sociedade e a dar incentivo e inchanças á riqueza pública. Quanto a este poncto, conviria que. sem perda de tempo, tosstí revista e profundamente modificada a lei de 2i de ag"òsto de 1860, a mais notável das creacOes du escliola res triciiva.

Nilo é menos nociva á livn^ marcha do trabalho a aggravação dos impostos, que oneram alfrumas das ma- térias primas.

Ksse mal importa a aspliixiacão ua mesma indústria, porqu(í põe o operário na impossibilidade de produzir, por não poder concurrer em preço com <js productos es- trang^eiros.

A ag^gravação das muletas impostas pela violação do^ Rej^u lamentos não é menos hostil á lil)erdade do tra- balho. "Neste ponclo é preciso fugir de imitar as dispo- sições anarhronicamciite repressivas do antigo re.gimen, herança de séculos de ignorância, monumentis d«j des- potismo, ([ue o presente deve rejeitar como otfensivasda c*ivilizacão.

Não ha circumslància que mais directa e rapidamente concorra par.t a liberdade do trabalho do que a liberdade dos escaimbos internacionaes, ordinariamente denomi- nada liberdade díí commércio.

Não ha muitos annos que a líuro))a, imiíando o '-os- tume do Japão, fechava seos portos á inlrada das mer- cadorias estrangeiras. Debalde o notável economista Adam Smith na Inglaterra e todos os grandes espíritos do século, em França, pregando os verdadeiros princí- pios da sciéncia moderna, tentaram lançar por terra essa insuperável barreira que as nações erguiam hostilmente á introducção dos productos de fora ; o erro persistia sempre, i)eando o vòo da indústria e servindo de obstá- culo á solidariedade induslrial e comuiercial dví tod^is os povos, pela melhor satisfacção das necessidades de todos e d(í cada um.

XXXI 171

O primeiro passo para e.staLeleci mento da iihenlade do commércio foi dado em 18ÍÍ8 ua Inglaterra com a fundação da lig^a para abolição das leis sobre os cereaes. Seonudada por John Brigth e Ricardo Cobdeu, e mais tarde por sir Robert Peei, qne a opiuino pública arras- tràra ao poncto de desamparar o systema restrictivo, do qual era acénúmo defensor, (ísta g*enerosa idéa, appre- sentada em 184(3 ao parlamento pelo Uuquti de Wel- lington, foi o começo da revolução alfandegária, que immortalizou o nome d'este estadista.

Tal, porém, era a forçado systema protector 'naquelle palz, que as reformas assim iniciadas por aquelles gran- des vultos não conseguiram abolir o n Aclo de navega- ção )) de Cromwell, que constituía privilégio exclusivo a favor dos armadores inglezes. Ainda pela tarifa, 'naquelle tempo promulgada, ficaram taxados vários artigos, cujos idênticos e similares eram produzidos no Reino Unido, onde nenhuma taxa supportavam. Koi depois da retirada de Peei que esses direitos foram sup- primidos, ficando o systema proteccionista reduzido à imposição das taxas sobre os grãos e farinhas e neos derivados(taxivs aliás moderadas e ([ue tendem a des- apparecer), e ao imposto sobre o tabaco manufacturado.

D*esta considerável exempção de tilo grande cópia de artigos, e reducção de taxa-' d'» outros, em vez de resul- tar diminuição no rendimento das aUTind^^gas inglezas, proveiu, pelo contrário, grande augmento, de modo que hoje essa renda é muito mais avultada que em 1841, anno em que Roberto Peei começou a iniciar a idéa da diminuição ou suppres.são das taxas que soffriam as maté.ias primas de indústria.

Foi com excessiva timidez, e depois de longo tempo, que as potencias continentaes seguiram o salutar exem- plo da Inghiterra. O primeiro e balbuciante insaio da França no mesmo sentido rí;alizmi-se em 1847 ; o Poder Legislativo, porém, ainda não eilucndo pela opinião, re- pelliu a reforma. Decretos do segundo império diminuí- ram grandemente alguns direitos sobre géneros alimec- tícios, especialmente o gado e o vinho ; houve também reducção quanto á lã, ao fiírro e ao aço.

Novo ^r^ljecto de lei, appresentado ás Camarás em IBÕõ, foi lambem repellido, mas e.sta rei uctancia contra o progresso incontrou salutar correctivo no tractado de "23 d«? janeiro de 1800 (j convencOtís de 12 de octubro e IG de novembro do mesmo anno, em que Napoleão JII

172 XXXI

estabeleceu a tarifa; pela qual em França deveria ser regida a intrada das mercadorias inglezas.

Este tractado, seguido por outros entro a mesma França e outras naçOes do continente trouxe o impulso e progresso da indústria para todos os paizes europêos , pelo iramenso desinvolvimeuto dado ao commércio.

a Hispanlia ficou estacionária e estranha a este civilisador movimento. E' por isso que o commércio interno e externo definha 'naquella região, c as suas dificuldades financeiras se aggravam de dia para dia. O systema proteccionista é o enervamento e a morte da indústria; e a Hispanha, isolada no continente por sua tarifa, incontra também, como diz ura escriptor contem- porâneo, meio de isolar-se pelas estradas de ferro, onde^ por causa do regimen protector, se nao desinvolve a cir- culação das mercadorias.

Estranho espectáculo é ver assim na retaguarda do progresso uma nação, que, ha três séculos, foi a pri- meira potência da Europa e do mundo !

*0s Estados Unidos conservam também uma tarifa iiltra-protectorista, tendo, em vez de diminuir, aggra- vado, 'nestes últimos annos os direitos aduaneiros, erro tanto mais grave quanto os Estados do sul, reduzidos k miséria, precisam de allívio no preço dos mecanismos destinados a fecundar o trabalho e de todas as manu- facturas. Se nao fosse o impulso da concurrência inte- rior, os effeitos doeste deplorável systema teriam sido mais fatalmente sentidos 'naquella grande República, que por certo cederá 'neste poncto á torrente da opinião universal.

Para fundar completamente a liberdade do commércio, è de grande auxilio a liberdade de cabotagem. Questão é esta que occupa seriamente a attençao dos nossos esta- distas, e que a experiência de mais alguns annos habi- litará o governo a resdíver.

Grande e fecunda em resultados será para o Brazil a abertura do Amazonas a todos os pavilhoe.5. O futuro confirmará as previsões dos que 'nesse grande acconteci- mento viram o gérmen da grandeza futura do (mpérto,

A reducçao, do número das alfandegas contribuirá também eficazmente para a liberdade do commércio» E o governo brazileiro, que ultimamente extinguiu al- gumas das alfândegas do interior, revelia te!\dência de dar por este lado protecção ao commércio. Pompeo.

[Continua.)

XXXI 173

Horas vagas.

Poesias

DE

JOAQUIM DA COSTA RIBEIRO.

EiU' nítida edição da Typographia do Imperial Instituto Artístico acaba de ser reimpresso com leves alterações um volume, que La 20 ânuos saíra dos prelos de Per- nambuco, incerrando as entfio primícias litterárias de um esperançoso talento.

Sobre esse volume se exprimia d'est'arte Alexandre Herculano, em 22 de julho de 1852 : « Bem mostra o auctor 'nestes insaios, que liade vir a ser um dos or- namentos litterários do seo paiz ».

Em 17 de junho do mesmo anno, dizia do livro An- tónio Feliciano de Castilho : « Das três partes essen- ciaes, de que se compõe um poeta phantasia co- ração e duvido , nenhuma, quanto a mim, falta em quem escreveu este voluminho, antes se que as

Íiossue todas em notável grau. Se eu o visse, e nos alássemos, havia de lhe dar, entre outros, dons conse- lhos, relativos um á forma, outro ao próprio fundo da poesia. Quanto á fòrma^ havia de lhe pedir, que em todos os ponctosa esmerasse com incançavel paciência, nao se permittindo nem construcçOes exclusivamente brazíleirasy nem na versificação hyatos, e alguns outros leves defeitos, que, inlevado nabelleza dos pensamentos, algumas vezes deixa passar. Quanto ao fmtdo^ recom- mendar-lhe-hia que, sem renunciar de forma alguma a moderna eschola de Victor Hugo e Lamartiue, a que elle me parece pertencer, se applicasse todavia, nfto um pouco, porem muito, ao estudo dos clássicos consa- grados e incontestáveis, e especialmente ao de Virgílio». Depois de dar desinvolvimento a esta these, conclue assim : «Queira V. fazer-lhesconstar, que estas suas estreias me deram muito prazer, e que eu de.<ejo e au- guro á sua musa um porvir muito brilhante. »

Quando taes mestres assim q ualificam um livro, está julgado. Uma segunda edição d'elle nao pôde deixar de ser expurgada das lacunas e deficiências que a inexpe- riência dos 4 lustros torna inevitável. Hoje que o fo- lheto de 179 páginas tomou as proporções de livro de 240, que uma apurada correcção aperfeiçoou, cremos que as lettras devem considerar esta acquisiçao como valiosa.

174 XXX^

A poesia, ííorno nós aiule ileinos, vivo no pens-iuieuto, e roiilçfi-se u.L iórma , arraig'a-so n^i alma, incarna-se na arte ; quem sente o Deus interior, e ao uiesino tempo revcote a idéa de trajo esplendido, é poeia, qualquer qm-» seja ^ applicação ([uo ás suas estrophes lhe apraza dar.

'Neste volume, a máxima parte dos cantos 6 inderes- sada ao únic.o assumpto com que o génio, aos 20 nnnos, soDredourada a natureza: a inullier. Estas pàg*i nas nos deparam o sentir ardente, as agonias, as lágrymas que rebentam de olhos que sabem chorar, de coraçílo que a dôr com mão robusta estorce. 'Noutros lo;ranís, surge o amor f«diz, satisfeiío, indeiisado, transmutando a vida em delícias, o mundo em éden. A saudade, como a Bernardim Ribeiro, foi um dos sentimentos que mais cantos dictaram ao poeta, que 'neste incarnou toda sua alma ; c que nlma parece ser a sua!

Nao St? ahsjrve porém a musa do Sr Ribeiro, exclusi- vamente nos asíuuiptos eróticos ; distinguem-se 'nesta collecçâo mimosas poesias dedicadas á religião, como (^ o Psahno ; ao amor filial, como sâo as indeixas Minha mãe ; ás harmonias da natureza, como é a poesia intitu- lada Ás flôreSy etc.

Doesta, por exemplo, vejamos alguns quartetos :

Princeza entre as flores, oh límpida ro&íi, oh glória dos prados, amores do sol, derrama os teos mimos, derrama orgulhosa, em quanto do dia não morre o pharol !

Por entre os verdores do arbusto copado alli da innocencia no branco jasmim revela-se o emblema, talvez desenhado por mao invisível de algum seraphim.

brilha a pcrpúlua ; modesta surrind*» a filha mais linda dos çhaos de Mogor; diviso-a no gesto, na cor exprimindo formosos segredos de pudico amor.

vejo a sauí/arfc... saudades acordara. vejo os sMspiroi... suspiro também. Que doces imagens que assim se recordam I Que fundo mystério que as flores contêm ! , . >..■.■«••••.•

Da noiva contente vos leva a capella. Surris innocentes no altar do Senhor. Nas salas douradas, na choça singella, se reinam folgares, brilha uma flor.

XaX 175

brilh-i dos m orlos uo lúgubre império, cobriíâdo das campas o pállido horror ; c ao pí^ do cyjiroste que se er^ue funéreo, nos fila da morte com risos de amor.

Surri-vos, oli flor'ís, nos oampos, na serra, no braço da lyra, n^)S cânticos meos ! Vós sois os brilhantf!S mais ricos da terra ; caístes na t^M-ra de um riso de Deus. Uitraimos a p'í:iaa, pois muito-; outros trechos trans- cr^-vfíríamo^, se iv) ; deix. isse^nos arrastar pelo prazer de multiplicar as pr ivas A') que a harmoniosa lyra do vale peraambu'!ano é di'^na de vibrar com distincçno ent;e as que honram ao paíz.

Os nepixtílí canos om Inglaterr-a.

Em Ing^l.iterra lambe-n ha republicanos, isso ha : o que ou nkn scei é se sao da-; três espécies, em qu*í o g^é- ner j se divi<le, ou .se apenas os ha de dua-?. Porque o género repubtícano divide-se em três espécies : pescado- res dragueis turvas, paleUvi, e alguns de boa fé. Esta liltima espéci", pcdo [»equeno número de individuos, de que consta, quasi pôde ser contada c )mo ex.^eprfio.

O; rapublicaaos ingle/,es serão das três espé.-ic:, de duas, ou de uma?

Tiveram elles sua reunião, e pregaram ao povo um sermão, de que se concluía que aquelle paiz tem até hoje andado pessimamente governado : é uma armadi- lha, que é príiciso deitar aterra, para a substituir por um*j república de papo amarello, em que mais nin- guém hade trabalhar ! o governo havendo dinheiro (sem que ninguém saiba d'onde lhe hale vir), hade maníar ai)r)mptar tantos binqui.es. que hão de ser b*.- ▼ado4 em carros "p^las casas, afim de cada ufy se servir do que qui/.er.

Talvez alguém c.iid'; qu? isto m^.r;ceu g.^^al approva- cao : (1 uai historia ! cab «ci de mjfle^ é duri: não se leva assim com duas ra^.ôíí. Ríuaiu-s.^ una porção d'elle5, que não são dos tae;; também fe/. seo sermão, em qu-j prjmííteu que por meio; morais e phffsir.os (e5tà escripto assim mesmo) havia de obstar a que che- gue essa edade, que não será de ouro, mas será de com í- zainas. Est*s esturrados parece que pausam que em Inglaterra todo o republicano ou é velhaco ou lolo. Terião elles razão ? Otton.

176 XXXI

Ao do xnal o x*eziiedio.

O Largo do Paço, cLrisin«du, \,ov giaça da JUiiia. Câmara Municipal em Praça de I). Pedi o II, (com o que certamenie muito ganhou a salubridade e hforniC.-ta- menlo d'esta Loa cidade, fim que alei esj-ecialnunie incumbiu áquella corpgraçao ) o Largo do Paço, dizía- mos, tem chafariz. Mandaram-lhe fazeraharba, e vesitir camisa lavada, mas deixaram-lhe o sieo antigo officio, que é dar de beber a quem tem sede.

E pois quando lhe deixam chegar água ás bicas (o que nem sempre accontece ), continua elle na prática d'a- quella importante obra de misericórdia. Quem tiver sede, havendo água em bica, é beber até farlar. Kem custa dinheiro, cousa que ja é bem rara no Rio de Ja- neiro. Mas é certo : água de chafariz em primeira rnHo obtem-se de graça, a nSo [ser alguma bcidoada que o pobre do preto leva de algum urbano: povtm i.^ho nSo se conta.

Mas quem bebe água, tem necessidade de a despejar : isso é dos livros.

A necessidade de um logar acc( mmodado e próprit nas immediacCes do chafariz, é de intuicfio.

Ora ahi está a razão porque em freme ao tal sòbie dicto chafariz, mandou a Illnia. colk( ai i.nja Jatrira. on como melhor nome haja.

Se está collocada bem em frente ao chafariz, é para poder ser vista dos qued'ella precisarem.

Se não foi accommodada em algum pequeno gabinete na casa, que próximo áquelle lugar, foi mandada le- vantar, foi não porque 'nesse caso deixaria de e>tar bem á vista, e sobre tudo porque o logar, em que po- deria estar esse gabinete,, poderá render á lllma. al- gumas dezenas de mil reis annualmente, o que não é cousa que se desprese.

E se é um dos priíÉeiros objectos, que incontra um es- trangeiro, que aporta a nossas praias, é para que logo possa escrever para a sua terra, fazendo ver como a nossa municipalidade se occupa de nossos cónimodos e necessidades, o que não pôde deixar de attrahir ao paia grande immigração.

Ottox.

Typ. e lith. Imparcial— Rua Sete de Setembro n. 146 A .

QUESTÕES DO DIA

DST.** 33

RIO DE JANEIBO, 11 DE JANEIRO DE W2.

"Veaáe^se em casa dos srs. E. && H. Lasiumort.— Agoslinho de Freitas Gui- marães & Comp., 26, rua de General Camará.— Livraria Académica/ Rua de S. José n. 119- Lar^^o do Paçe n. C— Preçío 200 reis. O r volume, com perto de 400 páginas— aiJOOO.

I^nez <te Oastx*o.

Tragedia de Júlio de Castilho.

I.

Os amores do infante D. Pedro, e a trágica morte de D. Ignez de Castro, em 1355, no reinado de El-rei D. Affbnso IV, que morrea 2 annos depois, sao o quadro de um amor tão majestosamente sublime, e de uma fero- cidade tao pavorosamente execravel, que nao tem simi- Uiame nos annaes do mundo. Ás mythologias do pa- ganismo, tao imaginativas, e fecundas nas creaçOes do amor e da crueldade, nada nos indicam de idêntico; 88 chrónicas dos povos, desinrolando os pergaminhos de 8608 successos notáveis, nada nos aponctam que se alce ao sublime e horrível d'aquelle singular episódio da história portugueza.

D. Pedro incoutrára um dia nos aposentos do paço real, em companhia da rainha sua mae, aquella mulher formosa, tal como nos bellos dias da arte grega a haviam sonhado Phidias, Praxiteles e Pamphylo, nos arrõbos supremos d'aquellas almas tao feitas & imagem e similhança do Omnipotente. Aquella fada das theo- gonias, na sua mais esplendida manifestação da formo- sura ideal, com seo collo de garço^ sua face de neve e carmim, seos cabellos de ouro em madeixas fluctuantes, emmoldurando o oval d'aquelle rosto de anjo ; o azul celeste d'aquelles olhos, todo aquelle complexo excelso de maravilhas lhe introu pelo intimo d'alma, e alma d*aquellc8 tempos de glórias portuguezas, tempos de e de gentilezas, tempos honrados pelas conquistas da Cruz, pelos brios de cavalheiros e pela observância do juramento.

VâP-at amaV-a, arrebatar-se, sentir-se nobilitado pelo amor, íncher-se de uma nova vida, adunar-se em corpo e alma ao objecto que lhe exalçava o espirito e os ex-

37»

XXXII

tremos acima das proporções do nivel conhecido ; foi tudo principio e fíiii, elfeito e causa, e tudo l^u asinha ahrtdhado d'aquelle primeiro incnntro, que mais parecia o súbito arremessar du cratera comprimida no bojo d'um vukao ou o improviso effeito do raio desprendido das nuvens, que n ilesbrochnr de uma paixão cm peito de homem.

Mutuaram-si- affcctos e carinlius, e aquellas duas al- mas sublimes leram e guardaram uo fundo de coração a grande epopéa de uni amor que não teye, nem tem egual na humanidade inteira.

D. Pedro, o infante herdeiro de um throuo nobilitado e afamado pela mirariilosa vic.ória do Campo d'OuriquB e pelas glórias nfio menos grandes de Alcácer .lo Sal. do reino dos Algarves conquistado aos mouros, de. Cas- iella e de Aragão, de Andaluzia e d'Africa, e dai* mar- gens do Salado, deapresava toda a linhagem gloriosa de que vinha, nao ambicionava o throuo glorificado por seos avoengos, porque seo throno, sua glrtria, .^^eo fu- turo inteiro, o éJeu de suas esperanças, estava tudo na alma de sua alma, na vida de sua vida, que tudo isto era a formosíssima ígnea, de cujo amor não- haviam des- viai'-© u'ím as forças de Portugal inteiro, nem as amia- ças da suberba Castella. Oljstâculos o cercavam por toda a parte; tramavara-se conspirações tenebrosamente, nada demovia o infante ; cavalheiro, valoroso, leal e magnânimo, tinha lavrado no livro de aeo coração o juramento de preito e homenagem á senhora absoluta de sua vontade, de seos extremos, de suas acçOes e de sua vida. Nem o sobresenho carregado e amiaçador de seo pae e seo rei, nem as lágrymas sua sancta mfte e rainha, uem a philauciosa suberba da côrle e dos no- bres do reino, nem o tumultuar do povo nas ruas etias praças, que grilava contra a alliança de um príncipe com H plebea e pea^ Ignez de Castro (ainda quede muito subida entirpe vinha ellal ; nada de tudo isto amedrontava o infante, que eraelle, e desamparado, H ilàu possante que uo meio do oceauo revolto e negco, e batida de todos os lados pelas indómitas lufadas de temporal desfeito, nao se afundava, nem ao menos roçava a quilha nos alfaques.

No em tanto, assbranceriadorei, o indusimento sinis- tro dos conselheiros, a suberba jactanciosa dos nobres, a vozeria estrugidora dos populares, eram o rugir me- donho de tempestade horrível; ennegrecia-se pavoro- -ainente aquelie céo infausto , relâmpigos sinistros cru-

XXXII 179

zavani os espaços tenebrosos de uma atmospbera de lucto ; todo este vertiginoso remoinhar desincadeado dos elementos era o prenúncio de uma catástrophe que ainda hoje, ha quasi seis séculos de diôiuucij. I íaz gelar de horror, humilha e in vergonha a humanidade.

O rei era incerto e vário na resolução, os conselheiros desalmados e sanguinários no intento, e a victima ex- piatória estava irremissivelmente votada ao sacrifício, sem embargo do sentir de nobres e leaes cavalheiros que exprimiam os sentimentos da humanidade, e o res- peito ás damas como soía haver 'naquelles tempos cavalheirosos, em que se contrastavam bravuras e pon- donores, arbítrios e cruezas. Coimbra, a rainha do Mondâgo, que corre e se recurva humilhado a seos pés; Coimbra, debruçada na incosta de seo monte, com seos afamados campos, seos frondosos salgueiraes, seo admi- rável aqueducto, e sua Sé, cuja antiguidade se perde nos tempos, tem para memória eterna de um remado e de um século a Quinta das Idgrymas^ onde geme em solidão a Fonte dos amores^ tao divinamente celebrada pelo immortal poeta dos Lusíadas \ tem esse monu- mento de angústias, de martyrio e de ferocidade, ma- culando uma história e fazendo verter prancto de a todas as gerações que se succedem.

Foi ahi que no infausto dia 7 de janeiro de 1355, os pérfidos conselheiros Álvaro Gonçalves, Diogo Pacheco e Pedro Coelho, levando comsigo o rei, de Monte-Mòr o Velho, foram juizes e algozes a um tempo ; cravando desapiedadamente punhaes no seio alabastrino da vir- tuosa Ignez de Castro, a mais esplêndida formosura de seo tempo, a mais desventurada esposa e mae de que se faz menção nos annaes da humanidade. Nada pôde apiedar os tigres sedentos de sangue ; aquella desditosa aos pés do rei com três innocentes*filhus, netos d'elle ; o gemer e soluçar d'aquelles anjos, abraçados ás plantas de seo avô, implorando misericórdia para sua sancta roSle.... nada, nada abrandou a fúria dos sicários.

E a victima innocente dos preconaaitos de seo século, caiu áos pés dos implacáveis algozes, como estátua de alabastro colorida de púrpura ; e a sua voz, intercortada na tribulação da morte, ainda proferia o nome de seo prineípe,que, t&o distanciado,nao podia soccorrer aquella que lhe era a luz e a vida.

Foi sepultada no claustro do mosteiro de Sancta Clara.

180 XXX ll

D. Pedro volta, e busca o iilolo de sua alma; infor- mado da catàMtrophe, ullulou como a liyena, corno o- lao no deserto rugiu feroz e aoiiaçador e. bradou Vingança ! ! Vingança repetiram os eclios das mon- tanhas, e o Mondego levava ao oceano a palavra tre- menda, r|ne por muitci temp) os montes, os valles o os campos repetiram. Si\bita transformação se operara no espírito do desditoso infante ; parecia que o homem ia deshumanar-se ; parecia que lodos os senti mentis de humanidade se tinham transformado no instincto da ving^ança. Parece mpsmo que a natureza estremeceu e se convulsou k vista de tamanho horror e de tilo inau- dita crueldade e do castigo horrível que tumultuava no peito do ving-ador.

A 21 de agosto de 1856 um grande terremoto causou consideráveis estragos, e mezes depois, em maio do anno seguinte, succumbia o rei D. Affonso IV, que é appellidado : filho ingralo, irmão injusto, e pae cruel. O infante, que em vida de seo pne bramira furioso, e que no excesso de seo desatino pela morte bárbara da querida Ignez sus, cego da dor que o excruciava, pegara era armas, convocam aeos amigos, devastara e posera a ferro e fogo as províncias do norte do reino, acabou todavia por ceder aos conselhos prudentes da rainha sua mfle e do arcebispo de Braga e voltou k vida de soledade onde quiçá ruminava os planos de seo peu- samento fixo a ringanrn.

Dons annos depois da catàstrnphe, subia ao throno o triste infante, orpham de tanto amor, e era proclamado pela juncta dos três estados o Sr. D. Pedrol, rei de Por- tugal, Foi seo primeiro cuidado contrahir ura tractado de alliança cora Pedro, o Cruel, rei de Casiella, contra o rei de Aragão, embora contra o voto dos conselheiros, para obter a intrega das assassinos de Ignei : colheu às mãos Alvan» Gonçalves e Pedro Coelho, tendo-ao esca- pado Diogo Pacheco. Inventaram-se os mais satânico» tormentos ; o rei qne assistia ao supplicio animava os algozes, e chegou por sua própria mao a fustigar uma das vlctiraa<!, mandando arrancar o coração a ura p^da frente, a outro pelas costas ! ! ! Este acto que toca o apogéo da crueldade, iucontra escusa no delírio de um amor sem tênno, na idéa fixa de ura martyrio excru- ciant«, no pensamento inabalável de uma punição em- parelhada à crueldade inaudita do assassinato feroz de uma victima innocente, sacrificada ao rancor do misc-

XXXII 181

Em seguida o rei convoca as cortes, declara e jura solemnemente seo casamento com D. Ignez de Castro, tendo sido celebrado em Bragança, presente o bispo da Guarda e o reposteiro mór; e de tiido se lavrou termo.

Mandou desinterrar o cadáver, cingiu-o das reaes insígnias, pÕ7<-lhe a coroa de rainha na cabeça, sentou aquelle corpo inanimado no throno de seos avós, e or- denou que todos lhe beijassem a mílo como rainha de Portugal, fazendo-lhe todas as hpuras e ordenando-lhe depois o saimento para Alcobaça com tamanho esplen- dor e magnifícência , como nunca se houvera visto, accompanhado de toda a corte, grandes do reino e fi- dalgos, todo o clero, prelados e mais dignidades, man- dando-lhe erigir um magnífico mausolêo reunido a outro que lhe era destinado ; e quando se lhe ante-

5 unham embaraços na guvernança de seos Estados ia ebruçar-se sobre q mármore frio do túmulo e pedir inspirações ás cinzas d'aquella, cujas recordações lhe ínchiam e occupavam a vida inteira. Todas estas magnificências, respeitos e acatamentos pósthumos, são o symbolo sublime do ideal do amor, da saudade eterna, da lealdade immaculada, e do pungir de uma dor sem limites.

O principe D. Pedro foi o protótypo da firmeza, e estabilidade do amor á mulher da escolha de seo cora- çfto ; foi o modelo da saudade, da reverência e da dedicação pósthumas ; foi o poeta elegíaco que soube crear uma epopéa para estampal-a no pórtico de todos os séculos e achar no coração de cada poeta um echo, e nos olhos de quantos tiverem alma capaz de sentir, uma lágryma.

Cumpre porém dizer, que D. Pedro foi como o mar, negro e furiosamente revolto durante a sanha indómita da tempestade ; calmo, plácido e sereno no repouso dos elementos. Aquietado o furoi- da vingança, tornou-se liomem ; aplacado o allívio do uesaggravo, tornou-se rei, e é chamado na história o Justiceiro.

MUCIO SCOBVOLA.

[Continua.)

NONA CARTA DE CINCINNATO A SEMPRONIO.

Rio de Janeiro, 5 de Janeiro de 1872.

Amigo.

Meo dicto, meo feito ; fui propheta ; e nem admira, que se sou alveitar, tal me fez o mal dos meos burricos ; asinha prophetiza (para deante), quem não é senão his-

182 XXXII

toriador (para traz) ; o hontem costuma trazer no bojo o amanha.

A 29 do passado, escrevia-te eu que « havia críticos' cuja praxe é applicar ao livro mais pífio certos termo®^ encomiásticos e bombásticos, taes como : estupendo pri- mor ; esmalte de eloquência e belleza ; auge de perfei- ção ; fecho de abóbada litter&ria ; non píus idtra da sapiência ; cinta, capitel e coroa da columna das let- trás

« Ora, toda esta algaravia, esta cascalheira, o que significa é o dialecto do elogio mútuo, ou uma bajulação torpe, ou uma ignorância philauciosa com que vEos sons pretendem incobrir deficiência de idéas e incompetência de julgamento. »

E logo no dia immediato me traziam um número do jornal predilecto do Sr. Alencar, a Repúblka^ o infeliz pelourinho do Ti/, com um panegyrico, do tal género pantafaçudo, ao famoso Tronco do Ipô (do que a seo tempo me occuparei), onde li cousas do arco da velha, taes como que na língua portiigueza, aqui e alem- mar, em bem poucos romances se poderá deter a atten- çao! quando este último quartode século brilha com innu- meraveis romances originaes,dos qnaes o derradeiro fica cem léguas acima do melhor do Sr. de Alencar. (*)

(*) Deixo aos outros quahfícar como lhes approuver esta injustíssima e ingratíssima accusação. E' exactamente no género romance e contos, que a litteratura d'este último quarto de século se tem inriauecido opulentamente, e de modo tal que talvez nenhum outro idioma haja produzido tão elevado número de jóias litteránas, algumas das quaes de subido valor.

A' testa d'essa aguerrida phalaage fulgura com deslumbrante brilho Camillo Castello Branco, nfto de infatigável c as<(om- brosamente fecundo estro, mas (sobre tudo nos últimoi) 12 an- nos) de valentia de imaginaçflo, elegância do phrasc, graça e mimo de expressão, originalidade e naturalidade de inrédos, riqueza de pensar e sentii^ harmonia da prosa, vernaculidadc do dizer, inthesourar de termos pittorescos desingastados da lín- guagem popular ou das páginas dos bons livros, termos c locu- ções que opulentarão os nossos léxicons ; o que tudo o rolloca em altura inaccessivel 'nesta especialidade.

Muitos outros peregrinos talentos, porém, se tôm dado a este ramo, que até verdadeiramente se pôde dizer que nasceu entre nós ha poucos annos. E pois que importa rebater uma asserc&o, tendente, como em tantos objectos é do uso de certos patriolas, a deprimir as nossas cousas 'naquillo mesmo em que ellas mais louvor merecem, acho conveniente aponctar aqui algumas das obras de alguns dos modernos auctores, que exactamente se tem occupado distinctamente de escrever romances, originaes, que o imparcial crítico stygmatiza como indignos de mençfto 1

XXXII 183

Vai indo aquillo por alli abaixo r.a mesma afinação e depois dà-rae para o meo tabaco. Denuncia que eu 7ião tenho espada e não tenho charrua^ faltas estas que me. £azem muita falta; proclama-me romano degenerado^ e

Krtanto inferior a qualquer ganço do capitólio, d'aquel- } que nós sabemos; diz que eu não posso lavrar as mo- destas geiras do meo património ^ do que os meos boi- sinhos se deram por insultados; e represonta-me in- capaz de salvar a pátria^ privilégio reservado aos Salvadores.

Como porém não é a minha triste figura que está em discussão, passemos ja á apologia do Sr. Alencar. Queres saber como se responde ás tuas profundas anályses, às tuas demonstrações, assim como ás minhas respeitosas dúvidas? Queres ver a argumentação adamantina com

íífto ha necessidade de fixar ordem nem na ohronolopia, nem no mérito das publicações. Eis-ahi indicações lançadas ao «caso:

CAMILLO CASTEhLO BRANCO :—Ap:ullia em palheiro— Amor de perdição Amor de palvaefto Anáthema Annos de prosa Aventuras de Basílio Fernandes Inxertado— O bem e o mal Bruxa de Monte-Córdova— Carlota Angela— Co raçào, Cabeça, TÇstôraafro— Cousas espantosas— A Doida do Candal— Doze Casa- mentos felizes— A Ingeitada— O esqueleto Kstréllas funestas— KstrôUas propícias A filha do arcediago— A filha do Doctor negro— Um homem de brios— O Judeo— Lágrymas abençoadas Livro negro do Padre Diniz— Lucta de gigantes— Memorias de Guilherme do Amaral— Mystérios de Fafe— Mystcrios de Lisboa A neta do arcediago Noites de Lamego— O olho de vidro Onde está a felicidade? O que fazem mulheres— A queda de um anjo— O retrato de Ricardina— O Rom«nce de um homem rico O Sancto da montanha- O Sangue— Sccnns contemporâ- neas— O Senhor do Passo de Ninàes— A sereia Ultima palavra

da Consciência (Solemnia terba) As três irmans Vingança

Vinte horas de leitura— As virtudes antigas, ou a freira *que fszia chagas e o frade que fazia reis— Os brilhantes do brazi- Iciro— ^Cavar em ruinas— Cousas leves© pesadas— Cousas espaux tosas Duas horas de leitura-Taunay— Memórias do Cárcere— Memórias do Fr. João de S. J. Queiroz— O mosaico— No Bom Jesus do Monte— Romance de um rapaz pobre— Sccnas da Fóz— Scenas innocentes da Comédia humana— A mulher fatal.

ALKXANimE IIERCDLANO:— O alcaide de Santarém— O bobo— Eurico O Monge de Cister— Lendas e narrativas O Monás- ticon.

PEREIRA DA CUNHA :— Brios heróicos de portuguezes -Contos da minha terra.

ANDRADE CORVO:— Um anno na Corte— O sentimentalismo.

JOSÉ JOAQLIW RODRIGUES DE RASTOS:— O Médico do Deserto.

TEIXEIRA DE VASCONCELLOS :— O Prato d'arroz doce— ROBERTO VALENÇA— A ermida de Castromino.

ANDRADE FERREIRA :— Tradições c phantasias.

184 XXXÍI

que se pulverizam conscienciosos estudos, e com que se justificam as taes cousas que nós pergumâmos se nao sao erros palmares ?

Escuta esta mirífica justificação :

1.® O 'B%Qod que com maior brilho ha até hoje inscripto o nome em nossos annaes litteràrios é, sem contestação razoável ( cómmodo), José de Alencar. »

Estupendo primor ! 2.° « Cada uma de suas novas composições revela o observador profundo »

Auge dk perfeição ! 3.° « Veste de mil incautos a* realidade positiva dos existências as mais simples » ( é portuguez á moda de Sénio )

Esmalte de eloquência e belleza ! 4." » O Tronco do Ipê é mais uma prova brilhante do meo asserto »

NON PLUS ULTRA DA SAPIÊNCIA !

5.** « Characteres b^ím delineados, estylo elegantíssimo, sSo os seos mais notáveis predicados » ( Que taes serfto os outros ! )

FRANCISCO MANOEL BORDALLO :— Eugénio— Viagem á roda de Lisboa.

JÚLIO DINIZ (Dr. Joaquim Guilherme Gomes Coelho) ^Morga- dinha dos Cannaviaes Uma Família Inprleza As Pupillas do Sr. Reitor— Os Novôllos da Tia Philomella— O Espólio do Sr. Cypriano As Apprchensões de uma Mãe Uma flor d'entre o golo.

REBELLO DA SILVA :— A tomada de Ceuta— Contos do Seriio Raússo por homisío A mocidade de 1). João V Lágrymas c Thesouros A Casa dos phantasmas Odio Velho nào cança A pena de TaliSio.

DR. A. SILVA GAIO :— Mário.

LOPES DE MENDONÇA:— Memórias de um Doido.

JDLIO DE CASTILHO :— Memórias dos Vinte Annos.

THOMAZ RIBEIRO:— D. Javme— Delphina do Mal.

ANTÓNIO COELHO lousaIa :— Os Tripeiros— A rua Escura— Na Consciência.

GARRETT :— Arco de SanfAnna.

ARNALDO GAMA:— O Génio do Mal— A Caldeira de Pêro Bote- lho—O Segredo do Abbade— O Sargento Mór de Villar A Ultima Dona de S. Nicoláo— O Motim— Ha cem Annos— O Filho do Baldaia Honra ou Loucura— Verdades e Ficções.

EUGÉNIO DE CASTILHO:— Miragens da Felicidade.

A. D. DE PASCHOAL:— A Morte Moral.

FRANCISCO LUIZ GOMES:— Os Brahamanes.

DR. JOAQUIM MANOEL DE MACEDO:— Os Dous Amores— O Moça Loiro— A Moreninha— llosa— Vicentina— As Víctimas-algozes ^Homance de Uma Velha.

.WLIO CfiSAR MACHADO :— Contos a Vapor— ontos ao Luar—

XXXII 185

Fecho de abóbada litteraria !

C.** « Sceuas ha em que o talento da descripçao as- sume proporções cooperiaaas; e para nao esteader-me /" a fio comprido ), basta assig^aãlar a narração da scena

do boqueirão E' dVssas obras d'arte que hao-de

passar de geração era geração como representantes de uma épocha litteraria, e iniciadoras do romance na- oional. »

Cinta, capitel e coroa da columna das lettras.

Entílo, nao estava eu adivinhando? Agora no campo republicano é natural esta linguagem para com o neó- phyto, até que a centessima revira-volta'de amanhã os tíiça apupar o hoje indeusado. E' a algaravia; é a casca- lheira; sao os palavrões sesquipedaes; os juizos superfi- ciaes e bombásticos; as appreciaçOes vagas; os ribombos pyrotéchnicos, ou as espadas Alexandrinas.

Curiosas rebem ditas ! Deraonstra-se-lhes o contrário de tudo isto; nao contestam o incontestável; e pur si ínuove l São a mulher da tesourinha

Allega-se e pròva-se que os characteres sao mal tra- çados, e como se responde ? « Os characteres são bem delineados, »

AUega-stí e prova-se que as denominadas observa- ções do romancista são falsas, e como se responde ? í< Estas composições revelam o observador profundo. »

Allega-se e prova-se que o nobre escriptor commette, a cada passo, os mais graves erros da lingua, e como se

Estevam Histórias para Gente Moça— A Vida em Lisboa— Pas- seios e Phantasias Scenas de minha Terra.

MATHEUS DE MAGALHÃES!— Mulher Funesta— Homem Funesto ^Receita para curar paixões.

MENDES LEAL:— Calabar— Sonho da Vida— Aventaras de Mar- çal-Estouro Mosqueteiros.

D. MARíA PEREGRINA DE SODZA!- Retalho do Mundo— Rhada- mantho.

PEREIRA DA SILVA :— Manoel de Moiles.

PINHEIRO CHAGAS !- A Corte de D. Jofto V— A Flor Sêcca— Tristezas á beira-mar— A Virgem Guaraciaba— Contos e Des- cripçOes .

JOSÉ DE torres: —Lendas Peninsulares.

FAUSTINO XAVIER DE NOVAES:— Mantas de Retalho— Cartas do um Roceiro .

ESCKAGSOLLE TAUNAY:— A Mocidade do Trajano.

RAUALIIO ORTIGÀO :— Em Paris Mystério da Estrada de Oynthra.

D. MARIA AMÁLIA VAZ DE CARVALHO:— Uma Primavera de Mulher.

ANTÓNIO D'OLlVEIHA MARRECA:— Manoel de Souza Sepúlveda— O Conde Soberano de Castella, etr-.etc.

186 XXXII

responde ? « O seo maior predicado é o estylo eleganlis- simo. »

El sic de ccBteris.

Comprehender-se-hia que, após uma polémica illus- trada, em que os preclaros adversários lealmente trium- phassem de ti, e de nós todos, e nos convencessem dos nossos erros e de que são bellezas o que de ílefeitos qua- lificamos, rematassem com o^íses ipl ijil livrrahs! i\(r seo actual ídolo ; mas soUicitarem o plaudile 7)ianibus antes de abrirem o bico, perdôem-nos os sapientes con- frades republicanos, nao é das mais razoáveis exigrên- cias.

'Noutra folha, que ahi vem de outra República,ap- parece também uma correspondência sobre o Guarany^ onde se lêem cousas do arco d'outra velha. Rompe assim:

n Em J. d'Alencar possuem as leltras bra/àleiras o seo Chateaubriand. »

E lè-se logo no § immediato, o "2° :

« Entre Chateaubriand e J. d^Aleucar ha um des- penhadeiro profundo, ou antes uma revolução! »

E no 3*» § lê-se mais isto :

(( Approximar-f^tí os dous escriptore^ é um impossí- vel deanie de suas obras! que o protestam! em presença da crítica, que, soparando-os, eigue-lhes 2 pedestacs etc. ctc. »

Preceitos que mais obrigam ! Pedir quem pôde mandar!

Possuímos pois um Alencar que é, tal e qual, um Chateaubriand ; mas fiquem também certos que o Cha- teaubriand e o Alencar nao s;i parecem nada ! !

Faz-me lembmr um subjeito do meo conhecimento, e muito gracioso, que um dia 'numa conversa, caindo era si, se saiu com um disparate muito galante:

*0' Cincinnato, viste hoje o Figueiredo?

Figueiredo ! N%p conheço.

Esteve hontem comno>co em casa do José Esiàcio,

Estava tanta gente ! Podes dar alguns sig- naes ?. .

E' tal e qual como o Possidóuio: a differença está em ser mais baixo, menos córádo, cabêllos mais ar- ripiados. olhos pequenitos, bôcca niuilo maicr, em falar meio tatibitati, em ter uns "20 fnuos deedade mai;?... e em nao se parecer nada.

SC que com similhaníe photograpliia, se j Sr. Figueiredo passasse 'naquelle momento deante de mim, exclamaria eu logo : Ecce homo !

XXXII 187

Chateaubriand-Alencar : vide Figueiredo-Possidónio.

No tal artigo sobre o Guarany ( outra producçao que, se Deus me dér vida e tempo inútil, também hade vir para a berlinda), egualmente fulguram, entre outras particularidades, osenthusiasmos laudatórios. Olha aqui:

« Alencar é grande pelo génio!.... No seo Gna- rany não se incontra uma lauda inferior ás do Atila e Naíchezl... Alencar é o creador do drama realista no Brazil ! Tem todas as elegâncias de um estylo a tras- bordar de opulências !.... Os personagens de Alencar remontam-se a um sentir qne se localizai... O Guarany irá inriquecer as estantes da litteratura européa, como uma bíblia sancta que recorda a legenda de um povo talhado para grandes destinos!... Esta scena incerra a syntheses do romance!... Verdadeiro triumpho é este para as lettras brazileiras, e mais ainda para as do universo !... O Brazil conquistou mais uma coroa »

Sim : « CINTA, CAPITEL E CORÔA DA COLUMNA DAS LIÍT- TBAS. »

O responso está divertido. Um leigo grita: « V. Rev. é um Octaviano » ( um olho dera elle ao demo ). O outro diz: « V. Revm. é um Fenimore Coopcr )>. Torna o primeiro : « V. Revm. vence o auctor de Ontário ». Re- dargue o segundo : « V. Revm, nao é, mas 6, Chateau- briand ». E o nutro leigo responde-lhes : « Obrigado, meo povo ; obrigado a Vossas Reverendíssimas. »

Eu sou da mesma opinião, e concordo em que o il- lustre romancista seja, por um senatus-consulto, pro- movido a semi-deus, ou a deus e meio^ o que estes bons críticos estão, por um és nao és, propondo que o proclamemos. O Rio de Janeiro está montado acavallo no trópico de Capricórnio ; ora a reminiscência àePleLÍfío^ e a metempsycose de Pythágoras fizeram dos dous tró- picos duas portas, pelas quaes sobem e baixam do céo as almas por Cancro^ as dos homens e as dos deuses, por Capricòrmo, Portanto, e pois que a fá- bula nao mente, competia a este deus baixar á terra, nao por liaependy, mas pela corte do Rio do Janeiro. Pouco perde em ter perdido a senatória, quem ganhou honras divinas.

Se eu me regular por um grande pensador, direi que embora o errar seja propriedade da natureza humana o conhecer o erro é de homem de juízo o emendal-o é de homem sábio o perseverar 'nelle é de stulto o patrocinal-o é de demónio.

188 XXXII

Porque sinto um certo cmbrulhamento de estômago, coutento-me hoje com esta dose homeopáthica, e fica o Til para a outra vez. Teo dadicado

Cincinuato.

OBRAS DE J. DE ALENCAR -A IRACEMA.

VII

Meo respeitável amigo. Sem mais preâmbulo.

Diz J. de Alencar que Martins Soares Moreno era fi- lho do Rio Grande do Norte {Iracema^ pag. 93 e 180)

Diz mais que <c em 1603, Pêro Coelho, homem no- bre da Parahyba, partiu como capitao-mór de descober- ta, chegou à foz do Jaguaribe, e ahi fundou o povoado, que teve nome de Nova-Lisbôa » (pag. 15Ô); eque « 'nesta primeira expedição (porque houve segunda, a de João Soromenho, como diz J. de Alencar) foi do Rio Grande do Norte um moço, de nome Martim Soares Moreno, que se ligou de amizade com Jacaúna, chefe dos Índios do littoral, e seo irmão Poty » (pag. 160)

Ora, que em 1603 partiu Pedro Coelho para colonizar o Ceará, e que em sua companhia foi Martim Soares Moreno, dizem-n'o todos os historiadores e chronistas do tempo. Pois bom; guarda tu bem em memória, que em 1603 Martim Soares Moreno estava no Ceará com Pedro Coelho.

Mas pergunto eu : em que data se fez a conquista do Rio Grande do Norte ? Vai responder por mira um his- toriador:

u 1397 'Neste anno fez-se a conquista do Rio Grande do Norte por ordem de Philippe I, com o intui* to de impedir aos francezes a exportação do pàj brazil, e de domar os Potyguaras, que destruíam todas as plantações dos moradores da Parahyba, e estorvavam o progresso d'esta colónia.

a D. Francisco de Souza, Governador e Capit&o General do Estado Ho Brazil, contribuiu com todas as despesas, à custa da Real Fazenda. A esquadra que se aprestara em Pernambuco, levando um Jesuíta por in- genheiro e um Franciscano por intérprete da língua dos indígenas, navegou destinadamente à embcccadura do Rio Grande, que era o porto mais visitado pelos cor- sários.

a A empresa teve principio com um fortim de ma- deira, juncto ao logar onde hoje está a fortaleza dos Reis, e cujo primeiro commandante, Jerónymo de Albuquerque, t^ve muitos e renhidos combates com os

XXXII 189

indígenas por mais de um anno, até que travando ami- zade com um dos chefes, chamado áorobabé, por me- diação de um Índio allisído, teve a opportunidade de lançar os fundamentos da cidade, que tomou o nome do Natal, por se incontrar a inauguração da sua matriz com a festividade do nsiscimento do Redemptor,no anno de 1599. » [Deducção Chronológica, do General J. I. d** Abreu e Lima, pa^:. 62).

Do que acabo de citar, o que é que se evidencia ? Que antes de 1597 nao existia no Rio Grande do Norte o menor indicio de colonização, e muito menos portu- gueza ; que 'nesse anno foi que ahi teve principio o primeiro estabelecimento, consistente em um fortim de madeira ; e que, graças à mediaç&o de um Índio allia- do, que se relacionou com o chefe Sorebabé, foi que teve Jerónymo de Albuquerque opportunidade de lan- çar os fundamentos da cidade do Natal. Cumpre adver- tir, antes de tudo, que esses mesmos fundamentos os poude Jerónymo de Albuquerque lançar em 1599, porque de 1597 até essa última data levou elle em renhidos combates com os índios. O mesmo auctor, na pag. 64 da sua citada Deducção^ diz :

« 1599.- 'Neste anno comefoti Jerónymo de Albuquer- que^ natural de Pernambuco, a fundar a cidade do Na- tal, hoje capital da província do Rio Grande do Norte. i> Admittida por tanto a hypóthese (inadmissível, como se provará) de haver Soares Moreno (segundo afBrroa J. de Alencar) nascido no Rio Grande, este facto de modo nephum poderia ter tido logar antes de 1597, porque doeste anno para traz o Rio Grande estava em pleno domínio dos selvagens Potyguáras, que, se algumas transacções tinham, era com Francezes, que « vinham traficar em páo brazil », como faziam na Parahyba. O auctor citado refere a pag. 52 o seguinte : « Os Poty- guáras, naturaes da Parahyba, unMos com os Francezes, que vinham traficar em páo-brazil, faziam graves dam- nos aos povoados de Itamaracá e de Iguarassii, etc. i^ Ora, ainda admittida a primeira hypóthese, fora ne- cessário, pnra que Soares Moreno houvesse nascido logo no primeiro unno da conquista do Rio Grande, que, ou a m&e de Moreno houvesse ido na tal esquadra de Jeró- nymo de Albuquerque, o que nfto é comtudo muito pre- sumível, porque o guerreiro devia anteceder á família e preparar-lhe os necessários cómmodos e garantias; ou qne fosse ella natural do logar, o que.em todo o caso, poderia accontecer depois de 1597.

19U XKXII

Mh!í nãi) seja esta a dúvida : dâinos de barato que a niae de Moreno fôase na expedição g-nerreira de Albu- querque, e -ãiè que fosse em eiitado de adesntada g;ra- viden, de sorte que logo uos primeiros dias da chegada tivesse o (4eo bom successo.

Cuuibiuatido as datas, a que concluiSo çheguremos*? A' segiiiuli;. que nSo deixa de ser curiosa e sobretudo dig-ua do tiileiito ini^eníivo do chefe dn nossa litteratura, a saber: que Martim Soares Moreno, nascido em 1597, tinha uecessariamente em 1603. quando accompanhou Pedro Coelho ao Ceará, annos de edade. Será isso crivei f I^^aminemos.

O citado historiador, na p»g, 70, diz que Diogo de Meneses « contentou-se con inviar ao Ceará (em 1610) um ofjiriat poriiijruez, quo linha accompunliado a Pedro Coelhi} (em 1603) e se havia conduzido bem com os iadios, t'tc- « Logo, H prevalecer a opiniSo do Sr. Alencar, temos Martim aos 6 annos de edaue feito ofjinal, e aos 6 annos c-ondazindo-se bem com os Índios. Prodígio! Esse chefe da nossa litteratura, .se coatiuuar assim, àh decididamente com a pobresita em pantanal Com a litteratura só? Coma história também, para gloriado Brasil e dos idólatras. Ahl RilhafollesI

Mas dirá u tír, Alencar {digo, algunm por elle) que. abrindo o 2' vol. das Obras de J. F. Lisboa (que subs- tanciou os diiteres dos mais accreditados historiadores) se acha uii pag. 74, o seguinte tópico em seo favor :

n Tinha Diogo de Campos um próximo parente, ao qual de TiHii tpnra edaile fizera accompauhar a expedição de Pedro Coelho.

Sim, senhor ; vi alii essa mui tenra edade. Mas, peço- llie vénia para coutinuar aleroinesino nuctor.ua mesma p&gina n no mesmo poncto, e veremos quem tem raitao.

« Tinha Diogo de Campos um próximo parente ao •jual de mui tenra edaiie fi/era accompaiibar a expedição de Pedro Coelho, afim de que, aprendendo a língua dos indígenas, e estudando oa seos coslmnes, se fizesse seo tilo familiar, que elleso tivessem como amigo, parente ou compadre, segundo usam de çli^iQ^'' ás pessoas a quem criam afFeiçao. »

Primeiramente o flm que teve em vista Diogo de Campjs, mandando Moreno na expedição de Coelho, foi aprender elle a língua dos indigenfts, e entudor os seos costumei. Pois bem: ninguém incumbe ura menino de aaiios de tarefa tal, evidentemente fora 4o alcance ain- da do mais hábil 'nesta edade, A história declara ser

XXXII 191

Martim babil e industrioso. Mas, apezar disso, na\) é ^crivei que era tao verdes annos, o intreg^asse a si somen- te Diogo de Campos, homem de aviso; e muito menos que confiasse em que, era taes circumstâncias, surtisse eflFeito o expediente. Logo as palavras mui tenra edade se devera intender muito moço^ ou rapaz ^ ou joveii, e nao menino àe 6 ãunos. 'Naquelles tempos, em que as em- presas arriscadas eram confiadas a espíritos maduros, a homens feitos e provectos, deveria nao despertar certo reparo expôr-se um moço a taes provas, como tam- bém ser pelos chronistas considerado de mui tenra edade quem talvez se achava em plena infância.

Em seguuuO logar, cumpre ainda dizer que o próprio citado historiador confirma era seguida esta interpre- tação, nos seguintes termos :

« Houve-se o Jiiancebo, chamado Martim Soares Mo- reno, com tanto aviso e discrição^ que, maliograda a expedição de Pedro Coelho, e lepelliaos depois os dous padres jevSuitas, elle continuou a conservar a affeiçao dos* índios, um dos quaes, o principal, Jacaúna, até o nomeava filho, e o accolheu com grandes alvoroços e sa- tisfacçao, quando chegou ao Ceará, despachado capitão pelo governador geral. »

Ora, priraeiramente nao é verosimil que uraa creança de 6 annos se houvesse com esse apregoado aviso e dis- crição; e tanto nao ev^ creança, que o historiador lhe o nome de mancebo ; e depois, releva observar que tam- bém inverosímil se afigura que o nomeasse capítao- mór do Ceará o governador geral se elle tivesse 10 an- nos, edade que, a prevalecer a opinião do chefe da nossa titteratura^ devia ter Martim, pois que recebeu essa no- meação em 1610.

Sempre desejara que fosse o próprio Sr. Alencar quem explicasse estes impossiveis^ e nao ninguém por nenhum. Esse chefe da nossa litteratura está-me pare- cendo que tambera pretende os louros de chefe da nossa história. E que chefe !

Mas nao é tudo. Dêmos de barato que Martim accom- panhasse a Coelho para aprender a língua e estudar os costumes dos índios, com H annos ; que com 6 annos se houvesse com todo aquelle aviso e discrição^ levando as lampas ao prático aventureiro Pedro Coelho : que, com 10 ânuos obtivesse do governo geral a nomeação de capitao-mór do Ceará, e que com 11 tivesse aqui fun- dado o presídio de Nossa Senhora do Amparo, Isto é um

192 XXXII

impossível contra a razão^ mas nada será em face do impossível contra a natureza:, Prosigamos.

Tendo Pedro Coelho ido colonizar o Ceará em 1603, ahi ee achou em 1604 porque, usando de perfídia coro os Índios e até osalliados, teve de ceder àsiusídiatíe represálias d'estes, pondo os pés em polvorosa com sua família para a Parahyba, fuga em que perdeu dous filhos de menor edade (Vid. a História do Urazil p(»r Constâncio, porSouthey, etc.)

Pergunta-se ; Martim Moreno, que viera em compa- nhia de Coelho, accompauhou-o na fuga para o primeirí> estabelecimento d'este aventureiro na Parahvba? Diz- nos o Sr, J, de Alencar, que nao ( Iracema^ pag. 10 e 11. ) Ouçamol-o :

« O estrangeiro dice [d india) :

« Sou dos guerreiros brancos, que levantaram a taba nas margens do Jaguaribe, perto do mar, onde ha- bitam os Pytiguáras ( nunca ouvi dizer que estes se- nhores habitassem no mar) ennemigos de tua nação. Meo nome é Martim que na tua língua diz como Slho de guerreiro ; meo sangue o do grande povo que pri- meiro viu as terras da tua pátria. meos destroçados companheiros voltaram por mar ás margens do Parahyba, d'onde vieram ; e o chefe ( Fedro Coelho), desampa- rado dos seos, atravessa a^ora os vastos sertões do Ano- dy. eu de tantos fiquei, porque estava entre os Py- tiguáras do Acaraii, na cabana do bravo Po ty, etc.»

Ora, se no momento em que Martim está falando ( agora, diz elle ) Pedro Coelho atravessava em fuga os vastos sertões do Apody, é evidente que a data em que Martim falava á índia era 1604.

Logo quer nos parecer que se Martim nasceu no Rio Grande em 1597, e se em 1603 tinha 6 annos, em 1604 devia necessariamente contar?. Será isto lógico? Tal- vez ponham em dúfida.

Puis bem : com 7 annrs de edade, Martim Soares Mo- reno pelejava como guerreiro consummado, desbancava o famoso chefe Irapuan ( Mel Redondo ), conquistava a índia Iracema, e tinha d*ella um filho ! Com 7 annos /

Explica-me a cousa, Cincinnato, com as tuas tSo escolhidas facécias. Faz-me essa obra de caridade.

Teo sempre fiel amigo

Semprónio.

Typ.— IMPARCIAL- Rua Sete de Setembro, 146 A .

QUESTÕES DO DIA

N.^ 33

RIO DE JANEIRO, 21 DE JAMEIRO DE 18^2.

Vende-se em casa dos srs. E. H. Laímmert.— Atfostinho de Freitas Gui- marães Òí Comp., 26, rua de General Oiinara.— Livraria Académica, Rua de S. Jose n. 119- Largo do Pa^e n. (.:.— Proç^-o 200 reis. O r volume, com i)erto de 400 pá^inaií— 3$U00.

IVIoiíixxiierito a Booage.

Açlia-se oonverlido em facto o pensamento da illus- trada assembléa que, no dia dojiibilêo de Bocage, resolveu se lhe erigisse um monumento na sua terra natal. A despeito de mil contrariedades, a idéa vingou.

E' sabido que a illiístre commisao central, d*esta corte, delegou em dons de seos membros o incargo de dirigir a conclusão dos trabalhos, conferindo-lhes para isso amplos poderes. Em consequência, depois de ter- minados aquellcs trabalhos, tendo os díctos Delegados da Commiâsão assentado em que so procedesse àinau- g^uraçílo da estátua no dia 21 de dezembro, 66. "^ anni- versário do passamento do grande poeta, pôs-se em correspondência com a commissao filial em Setúbal, e ronvídou para em Lisboa se reunirem em commissao, afim de na solemnidade representarem os brazileiros e portugueses que no Império promoveram esta manifes- tação, os Srs. Mar(^uez d' Ávila e Bolama, Visconde de Castilho, Conselheiro Miguel Maria Lisboa, Conselheiro J. M. Latino Coelho, Conselheiro L. A. Rebello da Silva, Conselheiro A. J. Viale, Conselheiro D. António da Costa de Souza de Macedo, Conselheiro J. da Silva Mandas Leal, Júlio de Castilho, e António da Silva TúUio; e agente da mesma commissao central, o Sr. António Torquato Azedo e Silva.

Todos desempenharam o incargo, menos três doestes cavalheiros : o Sr. Rebello da Silva, por ter sido inopi- nadamente arrebatado pela morte ás lettras e & sua pátria qae honrara. Os Srs. Mendes Leal e Viale, pelos motivos exarados em ofFicios que dirigiram aos Delegados da Commissao no Rio de Janeiro, motivos mencionados uos seguintes extractos :

194 xxxn

Do Exm. Sr, Viale.

íUms. e Exms. Srs.

No número dos amigos das boas lettras, admira* dores do mimoso, às vezes sublime, e sempre inspirado y ite Sadino, Manoel Maria Barbosa du Bocage» design- nados por Vs. Exs. para comporem em Lisboa a Com- missão incarregada de dirigir a inauguração da est&taa d'aquelle grande génio na terra do seo nascimento, vi, com sentimento de verdadeira ufania, incluído o raeo obscuro nome. Cv^m a mesma ufania e profundo reco- nhecimento por tao immerecida distincção, acabo de ler a carta que a este respeito Vs. Exs. me fizeram a hon- ra de escrever-me em data de 22 de agosto último. In- felizmente para mim { e de certo para mim ) tor- na-se-me impossivel approveitar-me de tao lisonjeiro convite. Nao m'o permittem as minhas quotidianas cccupaçOes a regência da 2.' cadeira do curso supe- rior de Lettras a direcção do mesmo Curso o exer- cício das funcções de conservador da Bibliotheca Nacio- nal — as licçoes a Suas Altezas Reaes.

Sirvam-se pois Vs. Exs. accolher com benignidade esta minha justificada escusa, e ao mesmo tempo accei- tar benévolos as expressões sinceras da minha gratidfto, pela bondade que tiveram de lembrar-se do menos no- tável dos portuguezes estudiosos e amantes da poesia nacional, para o associarem aos promotores de uma manifestação merecidamente solemnee merecidamente enthusiastica, em honra de um dos mais exímios cul- tores da mais divina das artes bellas.

Deus guarde a Vs. Exs. Lisboa, 10 de octubro de 1871.

Illms. e Exms. Srs. Conselheiro José Feliciano de Castilho Barreto e Noronha, e Barão de S. Clemente.

t António José Viole.

Do Exm. Sr, Mendes Leal.

Ilhn. e Exm. Sr. e Amigo presadíssimo —Tenho pre- sente a carta circular, assignada por V. Ex. e pelo Sr. Barão de S. Clemente, relativa á inauguração do monu- mento a Bocage. Escuso diztr, que bastava a alliança doestes dous grandes nomes— Bocage e Castilho o se- gundo, como de razão, tutellando o primeiro, para ea acceitar com alvoroço e reconhecimento a commÍBSiO

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conferida pela benemérita Direcçfto dos subscriptores para o respectivo monumento. Honrado porem por Sua Majestade com o àrdiio e nao desejado incargo da Le- gação em Madrid, para onde parto por estes dias, de todo me é impossivel fazer parte activa da referida commissilo, como tanto estimava. Isto mesmo rogo a V. Ex. a fineza de fazer presente ao seo coUega Vice- Presidente, e aos demais illustres vogaes, certificando a todos, como o faço aV. Ex., dos meos agradecimentos pela sua honrosa lembrança, e dos meos sentimentos de pessoal consideraç&o &.

Quanto á commissSLo filial em Setúbal , eis-aqui o officio do Presidente e a acta da sua sess&o em 25 de octubro de 1871.

Ulmo. Exm. Sr.

Satisfazendo ao que por V. Ex. é indicado em sua carta de 26 de agosto último, tenho a honra de remet- ter a V. Ex. a inclusa cópia da acta da sess&o da Com- miss&o filial do Monumento a Bocage, d'esta cidade, pelo conteúdo da qual V. Ex. tomará conhecimento da de- liberação tomada pela mesma Commissão.

Com relação à Câmara Municipal, posso asseverar a V. Ex. que ella fará quanto esteja ao seo alcance para abrilhantar o acto da inauguração do alludido monu- mento.

Pelo que respeita à minha pessoa, cumpre-me agra- decar o honrosíssimo conviíe que T. Ex. se digna fa- zer-me, e que sobremaneira me pinhora, ao qual seria descortezia não acceder, reconhecida mesmo a ausência em mim de qualidades que me tornem merecedor de tão subida distincção.

Deus Guarde a V. Ex. Setúbal 28 de octubro de 1871.

lUm. e Exmo. Sr. Conselheiro Joíé Feliciano de Cas- tilho Barreto e Noronha.

António Rodrigues Manitío.

Acta da sessão de vinte cinco de octubro de mil oi- tocentos setenta e um. Áos vinte cinco dias do mez de octubro de mil oitocentos setenta e um, estando reunida a Commissão filial do monumento a Bocage, d'esta ci- dade, pelo vogal servindo de presidente da mesma foi

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declarado, que o fim da reunião, era expor & Com- missão a carta e lembranças adjunctas, que lhe fo- ram remettidas pelos Exms. Srs. Conselheiro José Fe- liciano de Castilho Barreto e Noronha, e Barão de Sao Clemente, representantes da Commissao central do Rio de Janeiro, incarregada da erecção do monuinento ao insigne poeta Bocage, e ouvir sobre o seo conteúdo o parecer da mencionada commissao, na forma que lhe era indicada. Em seguida foram lidas pelo respectivo secretário a carta e as lembranças alludidas, concer- nentes aos festejos que se hao de fazer por occasiao da inaug«raçao d'aquelle monumento, em tudo próprias do acto a que se referem, e da subida intelligencia e apurado gosto de quem as dictou. Discutidos os ponctos em que á commissao competia resolver, concordou esta, que não permittindo mais a órbita dos seos poderes, effectuar-se a cobrança da subscripçao que havia solici- tado, i?e intregasse a somma realizada à Extna. Câmara Municipal para ser applicada ás despezas que aquella digna corporação tem que fazer com a solemnidade da inauguração, e que a commissao lhe prestasse todo o auxílio possível nos trabalhos precisos, para que a dieta solemnidade se faça por modo digno do objecto a que respeita, e tal qual desejara todos os setubalenses. Deliberou, mais, que, de quanto fica expendido, se desse conhecimento á Exma. Commissao do Rio de Ja- neiro, por intervenção do seo illustrado presidente o Exmo. Sr. Conselheiro José Feliciano de Castilho Bar- reto e Noronha ; do que para constar se lavrou a pre- sente acta, que vai devidamente assignada Manitta Manoel Maria Portella Joaquim José Barbosa du Bocage João Ignacio da Cruz Forte Carlos Torlades 0'Neill.

Está conforme Setúbal 28 de octubro de 1871.

O Secretário da Commissao.

Manoel Maria Portella.

Assim intabolados os trabalhos finaes, os Delegados noRio de Janeiro deram miúdas instrucções ao seo agente em Lisboa, Sr. A. Torquato Azedo e Silva, que as observou c»jm inexcedivel zelo, desinteresse e dedicaç&o; e dirigiram ás commissOes em Lisboa e Setúbal uma série de lembranças, das quaes pequena parte n&o poude reaiizar-se. Supprimindo aqui outras informa-

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ções, que 'nesta publicação appareceram, damos em seguida o oflflcio que a commissao em Lisboa dirigiu aos Delegados da Commissao no Rio. A este offício ac- companhou o auto da inauguração, o que tudo é do teor seguinte :

lUms. Exms. Srs.

Temos a honra de inviar a V. Exs. o traslado do auto da inauguração da estátua de Bocage, solemnidade a que presidimos, por parte da Commissao Central, de que V. Exs. sao dignos presidentes.

Pela conferência que tivemos com o presidente da Câmara Municipal de Setúbal, também presidente da Commissao filial da mesma cidade, reconhecemos nao serem exequiveis todas as indicações que V. Exs. nos inviaram em offício de 2 1 de agosto para se formular o programma da inauguração.

Tudo porem quanto permittiam as circumstâncias d'aquella localidade, e a actual estação, se executou com êxito mui satisfactório, conforme o programma impres- so, quejuncto inviamos.

Agradecendo a V. Exs. o honorífico incargo que nos confiaram, reiterámos a todos os senhores subscriptores, o testimunhu de gratidão que Portugal lhes deve, pela homenagem que prestaram ao insigne poeta do Sado.

Deus Guarde a V. Exs. Lisboa 23 de dezembro de 187i.

Ulms. e Exms. Sr.s. Conselheiro José Feliciano de Castilho e Barão de S. Clemente.

Marquez cV Ávila e Bolama,

Castilho.

M. M. Lisboa.

J. M. Latino Coelho,

José Vicente Barbosa da Bocage.

y, António dh Cosia.

Júlio de Castilho,

A. da Silva Tállio.

A^ixta da iiiau^u.iraoao solemno cia estátua cLo Booa^ê iia''eiâacLe cLe Setiil>al«

Aos vinte e wm dias do mez de dezembro do anno de mil oitocentos setenta e um, do nascimento de Jesus ChrÍ3to,na cidade de Setúbal, e praça de Bocage, no centro da qual se achava erigida, velada com as ban_

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deiras nacionaes de Portugal e do Brazil, a estátua de Manoel Maria Barbosa du Bocage, foram recebidas, na tribuna armada na mesma praça, as auctoridades do districto, as corporações scientificas e litter&rias. os re- dactores dos jomaes políticos e litter&rios, os homens de lettras e outras pessoas convidadas para este acto, na conformidade do programma que se imprimiu. Sendo duas horas da tarde, dirígiram-se para juncto do mo- numento a commissSo nomeada no Rio de Janeiro pelos subscriptores para presidir a este acto, a commissfto filial de Setúbal, a Câmara Municipal da mesma cidade, o esculptor da estátua Pedro Canos dos Reis ; e ahi proferiu o excellentissimo marquez d'Avila e de Bolama, presidente da mesma commissao, o seguinte discurso inaugural :

« Senhores : Na segunda ametade do século passado, nasceu ^nesta cidade um homem que, pela força admi- rável de seo estro, veiu a ser uma das glórias d*este paiz, e o mestre querido de q^uantos falam a nossa língua áquem e alem do Atlântico. Este homem eminente, que pelas suas obras immortaes conquistou a posteridade, foi Manoel Maria Barbosa du Bocage. Justo era, queosdous povos irm&os, de Portugal e do Brazil, falando ambos o idioma que elle tanto realçou, lhe prestassem a home- nagem a que estamos assistindo, elevando-Ihe um mo* numento duradouro na sua terra natal. A idéa de erigir este padr&o á memória do insigne poeta foi ini- ciada por dous homens illustres, os senhores conselheiro José Feliciano de Castilho, e seo irm&o Visconde de Castilho, a quem também as musas embalaram cari- nhosas, e a litteratura portugueza é devedora de ou- tros monumentos, nao menos perduráveis. Estes bene* méritos portuguezes deram assim mais um testimunho do desvelo, com au% teem constantemente contribuído

Íara o renome e illustraç&o da pátria, que tanto enno- recém. Foi na capital do Brazileiro Império, outr'ora visitada por Bocage, e no dia 15 de beptembro de mil oitocentos sessenta e cinco, centenário do seo nasci- mento, que os senhores Castilhos congregaram uma numerosa assembléa de portuguezes e brazileiros, a qual adoptou unanimemente e com vivo enthusiasmo a proposta e o plano do monumento, contribuindo logo todos para que tivesse execuç&o tão magnífica e pa- triótica idéa. A commissfto a que tenho a honra de presidir, foi nomeada por aquella illustre assembléa

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para a representar 'neste acto solemne, a que destinou o dia de hoje, por ser também um anniversário de Bocage, o da sua prematura e ainda sentida morte. Cumpriu-se o intuito dos beneméritos subscriptores, e 'nesta nu- merosa e respeitável reunião, recebam elles o testi- munho que lhes damos do nosso reconhecimento por esíBL homenagem prestada ao dulcíssimo cantor do Sado, homenagem que é um novo pinhor dos sentimentos de sympathia e de profundo aiiecto que prendem os dons povos irmãos, do velho e do novo mundo. Recebam também os illustres cavalheiros» que compõem a bene- mérita Câmara Municipal, os nossos agradecimentos, pela efficaz cooperação que nos prestou, dando t&o me- recido realce a esta demonstração solemne de gratidão nacional.

Senhores, a nossa missão está concluida. Cumpre agora aos representantes doesta formosa cidade velar pela conservação do monumento erigido á memória do grande poeta, seo conterrâneo. Não podia confiar-se a mais dignas maus este piedoso incargo. »

Por parte da cidade de Setúbal, pronunciou o doctor António Rodrigues Manitto, presidente da Câmara Mu- nicipal, a seguinte allocução :

Excellentissimos Senhores presidente e membros da commissão nomeada para presidir â inauguração da estátua de Bocage. Muito me glorio de ser o intérprete do júbilo e reconhecimento d'esta cidade, por ver realizado o grandioso pensamento para que tanto contribuíram a commissão central, eleita no Bio de Janeiro, a filial de Setúbal, e a de que V. Ex. é digníssimo presidente. Setúbal paga no dia de hoje uma divida, que não era nossa : era de todos os que falam a língua portugueza. Está solvida por este padrão, digno do talento do grande poeta. Aos beneméritos subscriptoroâ portuguezes e brazil^iros, e a vossas ex- cellencias, seos representantes, envio, em nome dos ha- bitantes d esta cidade, os protestes da nossa perpétua gratidão. Fo>lgo de ver presente a este acto o venerando escriptor, que foi, com seo illustre irmão, o proponente d*esta homenagem a Bocage. A litteratura nacional e a instrucçAo pública deviam-lhes j& muitas fadigas e muitas obras : este monumento é também obra de ambos elles. Cumpre-me dar-lhes aqui, perante todo este povo, o merecido testimunho de agradecimento nacio- nal. Senhores, a cidade de Setúbal assigna^la entre os

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maiores dias das suas glórias este da inauguraçlo da estátua do grande poeta seo conterrâneo. Uo alto d'a- quella coliiinna .será Boca.ire o incitador da civilização dos seos patrícios , guia dos nossos progressos ; e ainda depois de trabalhosa vida, é escudo da sua terra natal. O auctor, que tanto , opuleatou a poesia portugueza, eil-o redivivo na m-^sma cidade que lhe deu bôrço. Este sexagésimo se>wto aauiv/psário d i mníe d) grande can- tor, é o dia glorioso da sui ap3theóíe. Por parte da Câmara que tmhi) a honra de presidir, congratulo-me com Vossas Excelleacias pelo êxito que teve este ge- neroso empenho de tantos cultores o amigos da littera- tura nacional. »

Em a'Uo continuo, 03 exc-allentíssim )S marquez d'Avils e de Bolama, como vlce-prasidente da academia real dasscitmcias, e o conselheiro Miguel Maria Lisboa, como Ministro do Brazil em i^ortugal, o visconde de Castilho, um dos auctores da proposta para a erecção do monu- mento, e o Dr. António Rodrigues Manitto, presidente da Câmara Municipal de Setúbal, tomaram os, cordoes das bandeiras que velavam a estátua e a descobriram. E logo as musicas reunidas tocarão successivamente os hymnos compostos e offerecidos para esta festividade por Mano.íl António Corr.iia, Carlos Augusta Alvi*s Braga e António do Nascimento e Oliveira.

Dirigindo-se o préstití; para os paços do concelho, alii foi lido e assignado este auto, lavrado e subscripto por mim, Secretário da {/oinmissao nomeada para pre- sidir a esta solemnidade, António da Silva Túllio.

Antoiiio R)drigues Sampaio. Ministro Reino.

Castilho, Victí Presidente da Cominissíio de Lisboa.

José Vicente Barbosa du Bocagi».

Carlos Roma du Bocage.

Joaquim José Barl^sadu Bocng^».

António Rodrigues Manitto. Preúdc^nt.^ da Câmara de Setúbal.

Antoíiio Maria Albino, Vereador.

Francisí^o Manjues da (Jostn, Vereador.

Joaquim José Ferreira da Silva Júnior, Vereador.

José Maria Liverio, Vereador.

Miguel Maria LisbOu, ministro do Brazil e membro da Commissao.

Marquez d' Ávila e de B dama, presidente da Gom- mis.sao de Lisboa.

XXXIII 201

José Maria Latino Coelho, vogal da Comraizsao de Lisboa.

Augusto César Cau da Costa, Governador Civil de Lisboa.

U. Francisco José de Mello, administrador do con- celho de Setúbal.

Manoel d' Araújo Porto- Ale^rre, pelo Brazil.

JoPlo Ignacio da Cruz Forte, da Cnnmissáo de Setúbal,

Carlos F. O' Noill, da Cjmmissão de Setúbal.

Manoel Maria Portella, Secretário da CouiinissSlo filial de Setúbal

Conde de Fornos d' Algôdre.>, Par do Reino.

António d' Azevedo Coutinho Mello e Carvalho, Par do Reino.

ttíivmundo de Bulhão Paíto.

nu

O Corninandaate geral das guardas raunicipaes de Lisboa e Porto, Barão do Rio Zêzere, general de brigada.

António Maria Barroiros Arrobas, deputado por Setúbal.

Joio António dosSanctos e Silva, deputado da nação.

Ignácii) Francisco Silveira da Motta, deputado da

uacao.

.

José de Sande Magalhães Mexia Salema, deputado da nacao.

José Pedro António Nogueira, deputado da nação.

António AugusL > Pereira de Miranda, deputado da nacHo.

Albertí) Osório de Vasconcellos, deputado da naçilo.

Júlio de Castilho, secretário da Ci)mmissao.

Simn.0 Paes de Faria Pereira, da Coramissao de Lisboa.

Joi\o Ignácio Holbeche, Juiz d^ Direito.

Francisco Maria de Souza Brandão, ingenheiro.

Co.istanliUij Lop;)S d' Andrade Poucí»iro, general de brigada, cominandante militar.

Bernardino Pinheiro, Secn^tário dj Supremo Tribunal de Justiça.

Manoel Pinheiro Çliagas, deputado da nação.

José Baptista Cardoso Klerck, deputado da naçlo.

Conselh'íiro Augusto Sebastião de Castro Guedes, commandante da Eschola Naval e da companhia dos g'\iarda.5 marinhas.

202 XXXIII

José Joaquim Peçanha Póvoa, Brazileiro, advogado. Joaquim Possidónio Narciso da Silva, presidente da associação dos archi tectos.

Francisco Gomes d' Amorim, sócio correspondente da acauemia das sciências de Lisboa.

António José Torres Pereira, infermeiro-mór do Hos- pital de S. José.

Augusto Soromenho, da academia real das sciências^ professor.

Hermenegildo Pedro d' Alcântara, redactor do jornal « A Crença. »

José Maria António No^fueira.

João José de Souza Telles, escriptor.

Francisco Simões Margiochi Júnior.

Francisco Maria Ramos, representante da associação typográphica de Lisboa.

José de Torres, da Academia real das sciâncias.

Pedro Carlos dos Reis, estatuário.

Augusto Ernesto de Castilho e Mello, bacharel for- mado em mathemática, antigo deputado da naçfto, e primeiro oficial da Secretaria do Remo.

Albano Coutinho Júnior, jornalií?ta.

Costa Goodolphim, escriptor.

José Eduardo de C. Vilhena, jornalista e Procurador â juncta geral d' Aveiro.

Philippe Zeferino da Trindade Carvalho, da Corres- pondência de Portugal.

António José Pacheco, tenente coronel, veterano da Liberdade.

Manoel da Costa Alves, presidente da Câmara d' Al- cochete.

D. José Carlos Menezes d' Alarcão, ingenheiro- agrónomo, sócio da academia real das sciências e de outras academias estrangeiras.

Júlio d' Andrade, jornalista.

José Miguel de Barros e Seixas.

Caetano Augusto Lecor Buys.

José António Pinto, escrivão da Câmara Municipal de Setúbal.

Duarte Gonzalez de Gargamala, vice-consul de Hispanha.

Júlio Caldas Aulete. deputado da nação.

António Torquato Azedo e Silva, agente da Com- missão do Brazil em Lisboa.

O Commendador António Gonçalves Lamarfto, syn-

XXXIII 203

dico 6 presidente da Câmara dos corretores da praça de Lisboa.

O Commissario dos Estudos, Mariano Ghira.

Adriano Gaspar Coelho, secretário da redacç&o do Di&rio de Noticias, correspondente do Diário Mercantil do Porto e do jornal do Recife de Pernambuco.

Pedro Wenceslau de Brito Aranha.

Albino Augusto de Souza Pimentel.

Luiz Philippe Leite, antigo correspondente do Diário de Pernambuco.

Henrique Midosi, pelo Jornal do Commércio.

António da Silva TúUio, pela Bibliotheca Nacional de Lisboa.

Está conforme com o original ^ue fica depositado no archiyo da Câmara de Setúbal. Lisboa, 23 de dezembro de 1871.

A . da Silva Túllio.

A exposição, que ora se segue, é colhida de um minu- cioso rmatório du digno agente da commissao do Rio de Janeiro em Lisboa, e das descripçOes de vários jornaes, taes como Gazeta Setubalense^ Diário de NaticiaSy Jornal do Commércio^ de Lisboa, Revolução de Septembro^ Jor* nal da NoUe^ Gazeta do Povo etc. Supprimindo o muito que poderíamos transcrever de communicaçôes anterio- res, vimos ao que se refere á inauguração da es- tátua.

Dicémos como se effectuara, no dia 22 de novembro, a coUocaç&o da primeira pedra. A descripçflo do mo- numento é conhecida dos nossos leitores, restando accrescentar que abaixo do primeiro degrau se coUocou em torno um lagedo de meio metro, e sobre elle uma elegante gradaria, d*onde sobresaem grandes lampiões.

A commiss&o em Lisboa presida pelo sr. Marquez d'Avila e Bolama, applicou-se desveiadamente a diri- gir 08 trabalhos ; e, se entre tantos é licito distinguir, mencionaremos o seo digno secretário,sr. 5ilva TúIIio^ que foi incauçavel, applicando á realização do pensa- mento o mais inexcedivel zelo.

A* c&roara Municipal de 5etubal, e especialmente ao seo digne Presidente, são devidos louvores pela nobre coadjuvação que prestaram.

Ao 5r. Germano José de Salles, com officina de es- culptura em Lisboa, é egualmente devido o maior ap- plauso, pois correspondeu perfeitamente á confíanç^

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que 'uelle depositara o Prosidente da Commissao Central do Rio de Janeiro, quando o incumbiu do honroso in- cargo, que o Sv. Salles satisfez com summa intelligen- cia, actividade, e dedicaçlo ; é de crer que a tâo cir- cumspecto artista se dirijam as localidades que pre- tenderem honrar os seos varões illustres cora egual tes- timunho de veneração.

O Sr. Pedro Carlos dos Reis, incarregado pelo 5r. Sal- les de f-izer a estátua, merece nao menos agradecimento pelo modo digno como se desempenhou da tarefa.

Fugimos de especializar mais nomes. Todos satisfi- zeram quanto de cada um se esperava.

No dia 2 de dezembro, a commissao de Lisboa tomou as deliberações constantes do programma que publi- cámos ;e alem d'essis, outras relativas a pormenores. Taos foram, por exemplo, as que tendessem a manifestar que esta festa era tao brazileira como portugueza. Para isso, alem da inscripçílo gravada no monumento, re* soiveu-se que as bandeiras que velassem a estátua fossem abraçadas as das duas nações ; que as flammulas e galhardet(3s fossem das cores de aml)as ellas ; que re- presentantes do Brazil e Portugal puçhi;ssem os cordões das cortinas ; que se tocassem alternadamente os res- pectivos hymnos nacionaes ; e até que ninguém da com;nissíl» collocas^e sòb.^e as suas fardas no dia da inauguração decorações senão dos dons paízes.

Kmfim dispostas Iodas as cousas, raiou o dia 21 d*^ dezembro, a Gazeia Selubalcnse consagrou quasi toda a sua folha ao assumpto que occupava exclusivamente o pensainenio dos habitanies da rainha do Sado. O illus- trado membro da (tommissa) filial 'naquella cidade, Sr. Manoel Maria i\)rt^lla, sob o títuh) Homenagem ao mérito, consagrou um artigo a transcrever o que elle íIenoininv)u Oinniões deifiizes auclorízados^ relalivamente ao mhvito íiUonírio S Bocage^ extraiítando trechos de Filinto Elysio, J. A. de Macedo, F. J. Biiigre, A. M. do Couto, Link, F. J. U. Torrezão, Medina, J. R. Pi- mentt^l e Maia, Sanctos e Silva, Nvílasco da Cunha, D. M. Torres, A. Herculauí), Costa e Silva, F. P. Cardoso, D. Gas;ai), F. C. Coutinho, Condessa d'Oyenhausen, Pato Moni;^, Mendes Bordallo, Borges de Figueiredo, Rebelloda Silva, Anto;iio Feliciano de Castilho; J. F. de Castilho Barreto e Noronha, Pinheiro Chagas. De- dicaram 'nesse número outros valiosos artigos a Bocage a Sra. D. Marianna Angélica d'Andrade, o Sr. Costa

XXX III 20e=>

Goodolfim, H Redacção do Jori^al &. Todas as folhas de Lisboa chamavam 'nesse dianattençao do público para agrando soleronidade que se ia verificar.

Bocage tinha ainda algum peccado que pagar, e fo- ram os que virijaram até Setúbal que saldaram es.^a conta. Durante 15 dias, até 20 do mez, embora frio, esteve mais lindo tempo que nos melhores dias de verfio» A's 2 horas da tarde de 20 passou o vento ao sul, chu- viscou á noite, e conser'/ou-se a atmosphera carregada, mas sem chuva. Pelas 9 horas da manha de 21, reco- nieçou a chuviscar. O embarque foi ás lO 1/2 horas, mas depois de cheio o segunde vapor, é que se abriram as cataractas do céo, pai*a mais nao pararem até a noite. No Diário de Notícias^ de 25 de dezembro, foi publicado um chistoso artigo do Sr. Pinheiro Chagas, que descreve as tribulações dVste dilúvio. Como o nao podemos transcrever na Integra, extrahimos d*elle uma pequena parte :

<( Pobre poeta ! Amargurou-te o destino a tua própria apotheóse! Saíste do mundo, no vigor da mocidade, quando se rasgavam ao teo génio novos horizonies, quando o teo estro fogoso, vendo passar nos ares- o vôa scintillante d'essa águia que se chamava Byron, excla- maria talvez: n Anh*io son poeta » o, desferindo as azas, iria pairar nos céos onde adejava sublime, e soltando gritos de selvagem desespero, a musadeChild-Harold. Qiiem mais do que tu teve a imaginação potente, a phantasia arrebatada, o íntimo enthusiasmo? Perdeu-te esse claro auditórioy que te podia as bagatellas do repentista, o slrass do glosador, quando da mina inex- haurivel do teo génio podia arrancar diamantes, que reflectissem nas suas mil facetas o resplendor de um novo sol de poesia! Consumiste ávida n'uraa longa lucta cora as conveniências, os hábitos, as tradições da socie- dade avelhenta-la que te cercava: morreste porque fal- tava o ar aos teos pulmões ancio.fts de respirarem o há- lito embalsamado da poesia verdadeira ; morreste por- que eras vulc?io, o exigiam-te fogos de Bengala, foga- chos pàllidos e insignificantes, porque represaste a lava candente, e arrojaste apenas as escórias de mil sonetos e de mil glozas. Vestiram-te a libré mesquinha da Ar- cádia, a ti que eras da estitura dos grandes poetas, que surgiram quando tu caíste na arena ; pozeram-te nas mans a lyra clássica banal, quando os teos dedos con- vulsos procuravam as chordas da harpa fremente ao sopro

206 XXXllI

da iuâpiracFío ; quando os teos lábios sêccos buscavam a taça de ouro do ideal, incoatravas o copo dos dythiram- bos mesquinlios. Devorou-te a sede de desconhecidos gõsos : matou-te a nostalgia de um mundo que vaga- mente entrevias, e que julgavas incontrar talvez no âmbito mysterioso das regiões de alem-túmulo.

c( E agora que voltas, ó pàllido poeta, invõlto no manto luminoso da tua immortalidade, agora que te er- gues, estátua, acima dos rumores confusos do mundo que atravessaste, scismando, tens ainda os horizontes nebulosos, o gemido do vento, e os hymnos truncados de uma apotheóse incompleta. Procuras com os olhos vagos o límpido sol, e invoíve-te ainda o manto plúmbeo do firmamento. Ah I mas depois do hynverno virá a pri- mavera ! E nao tardará que sintas em torno de .ti o v6o ligeiro da andorinha, o, perfume das laranjeiras, e os raios de ouro do sol; nao tardará que contemples orgu- lhoso o firmamento sem nuvens; não tardará que vejas projectar-se na face da terra a tua sombra immensa ; também assim a tua glória, escurecida primeiro tanto pelas invectivas injuriosas como pelos frívolos applau- sos, se foi a pouco e pouco desprendendo das nuvens que a involviam, e resplandece hoje puríssima no nosso fir- mamento litterário. Desappareceu o gladiador das ignó- beis contendas, o tro vista de botequim, o glosador de alambicados motes, e os gritos do teo enthusiasmo, ó cantor melodioso, poeta de Leandro e HerOy hSo de se ir repercutindo de echo em echo até á mais remota poste- ridade.

« Estas reflexões devo confessar que as faço aqui pla- cidamente ao canto do raeo gabinete, porque em Setú- bal mal tive tempo de admirar o magnífico soneto de Castilho, único poeta que herdou de Bocage o segredo da música do verso, e que ainda opulentou o legado, aportuguezando o alexandrino, e dando-lhe essa harmo- niosa majestade, qu»se nota nos quatorze versos, fun- didos d'um jacto, do soneto a que alludo. »

Por conta e ordem da commissao do Rio de Janeiro, tiuham-.^e posto á disposição dos convidados, vapores do Tejo e carruagens da via férrea. Prepararam-se bilhetes especiaes. O Ministro e o Cônsul do Brazil receberam os que indicaram precisar para súbditos brazileiros; a com- missão de Lisboa dispôs dos que lhe approuve exigir; grande número foi distribuído por auctorídades, litte-

XXXni 207

ratos, associações, e particulares distinctos, a todos os quaes se facilitou assim passagem gratuita,de ida e volta. Muitas pessoas tinham partido na véspera, pelo vapor da carreira ordinária, de modo que nao havia era Se- túbal um logar livre nas estalagens, e poucas casas particulares deixavam de estar apinhadas de visitantes.

Partiram pois de Lisboa os dous vapores D. Carlos e D. Affonso, atopetados de gente. Philarmónicas, du- rante a viagem, e apezar do péssimo tempo, foram to- cando os hymnos de Bocage, de D. Luiz, brazileiro, da independência, e da Carta.

Antes do meio dia largava da estaç&o do Barr eiró um comboio com 31 carruagens, que pouco depois da uma hora chegava à estação de Setúbal. Ahi eram os visi-. tantes esperados pela câmara municipal, auctoridades civis e militares, grande concurso de cidadãos, e uma philarmónica. Todos os vehiculos da cidade estavam ''naquelle logar, por delicada lembrança dos dignos membros da commissao de Setúbal. O cortejo p6z-se sem detença a caminho para a praça de Bocage.

Magnífico era o aspecto da praça. Os lados d'ella esta- vam guarnecidos de louro, e entremeados de columnas sobre que assentavam vasos de flores, d'onde saíam fes- toes de buxo, estendidos em torno. Nas intradas, dos lados do sul e norte, hnvia figuras empunhando lyras, 5ob as quaes apparecia o nome do poeta.

Por conta e ordem da commissao do Rio levantaram- se estrados e um pavilhão era frente do monumento, forrado de tafetá azul, amarello, branco e vtrde, cores nacionaes de Portugal e Brazil, com cortinas também de seda ; alcatifas forravam o pavilhão, estrados e degraus, et«, 'Neste visioso pavilhão se achava um excellente bufete, e sobre elle uma escrevaninha, e a penna de ouro, que havia servido para assignatura do auto d*inauguraçao do monumento aCamOes, penna ofiferecida pelos portuguezes de Porto-Alegí% (província de S. Pe- dro) ao Sr. visconde de Castilho, por occasiao do perdão que este alcançou para um velho compatriota, com uma epistola dirigida a S. M. a Imperatriz do Brazil. Ao lado do pavilhão, havia tribunas descobertas, as quaes foram completamente occupadas por damas e cava- lheiros.

Tropa em grande uniforme estava postada á esquerda da estátua; o centro da praça occupavam-n'o 4 bandas de música.

208 XXXllI

Na varanda dos paços do conselho viain-se bandeiras^ galhardetes, vasos de flores, e doestes havia em todos os degraas das escadas atapetad.is.

Nas janellas dos prédios, adornadas todas de sanefas, cortinas e ricas colchas, viani-se as mais distincías da- mas da sociedade setnbalense, trajando esnieradauicnte; e muitas casas do vice-consules e de particulares acha- vam-se embandeiradas.

Pompeavam por toda a praça as bandeiras portugueza e brazileira, e innúmeros galhardetes com as cores das duas nací^es.

Assim doscripto o scenário, nu próximo número com- pletaremos a narração da formosa solemnidade.

ADVERTÊNCIA.

No precedente número, CincíQDato, repclliodo a injusta accusaçáo áh que em bem poucos romances d'ctqui e dalem-mar se pode deter a atten- çdo, cstaheloccu quo cm romances e contos, a litteratura do nosso idioma cleu, 'neste quarto de sérulOf numcr(>>as e esplêndidas provas de adeanU- mento. *Numa nota se indicaram nada menos de 33 auctores de romance» c contos, c muito mais largo poderia ser este catálogo, tanto de outros auctores, como de outras oliras dos mesmos. Na lista porem que, se man- dou copiar, não houve todo o esmero. Producções ha, que |)or serem em veri^o e chamadas poemas, qualiticAmos de romances. Obras ha, quo con- tendo alguns contos, hcm cabiam 'naquella classificação» embora também tractcm outras matérias. Mas passaram na cópia, ou na revisão das probas, ciTos que os intendidos Icrào logo emendado. Por exemplo: Entre as obras de Camillo Castcllo- Branco, indir^ram-se indevidamente como originaes Fanny (ic-se Taunay), e Uomance de um rapaz pobre. Em vez do Solemnia Verba, lllima palarra da sciéncia, lé-se LUima palavra da consciência (Solemnia Verba) Era Pereira da Cunha, os Brios heróicos portugue- zcui foi amii indevidamente classificado— O lloberto Valença^ do Sr. Tei- xeira de Vasroncellos, devia est^nr composto cm typo corrente Em Arnaldo Gama, O motim. Ha cem annos, leia-sc Lm motim ha cem annos^ etc. Ha- verá mais alguns erros, para os quaes supplicâmos \énia, mas que em nada alteram a exactidão da these quo dcfenoemos.

T.vpoi^rBphiii e litho^raphia —IMPARCIAL— Rua Sete de Setembro, 146 A

QUESTÕES DO DIA

isr.^34:

BIO DE JANEIRO, 25 DE JANEIRO DE 18^2.

Teode-Be em casa dos srs. E. & H. La?mmert.^Agostinho de Freitas Gn- joarães U Comp., 26, rua de General Camará.— Livraria Académica, Rua de S. José D. 119- Largo do Paçe n. C— Preço SOO reis. O 1* volume, com perto de 400 pá^imis— 3ff000.

Eram duas horas da tarde, qaande dos paços do con- aelho desceram as commissoes fíliaes de Lisboa e Seta- haly Ministro do Reino, Câmara Municipal, auctorldades cíyís e militares, e muitas pessoas gradas, em direcçfto ao pavilhão, onde foram proferidos os discursos; depois do que 00 cavalheiros portugiiezes e brazileiros, nomea- dos para tirarem os cordoes da cortina, que velava a estátua, composta das bandeiras de Portugal e Brazil, se dirigirany para o monumento, e procederam do modo in- dicado no auto de inauguração. Foi momento de indizi- vel enthusiasmo aquelle em que appareceu descoberto o Tulto do poeta, ao som da marcha Éomenagem a Bocage, tocada a um tempo por várias bandas de música, ao estrépito de innumeraveis girândolas, e em presença da tropa, que appresentava armas. A despeito das torrentes de chuva, todas as cabeças se descobriram; tudo era vida e animação : o rumor das vozes, o ondear dos lenços nas janellas, toda aquella alegria tomava o momento aolemne.

Emquanto durava esta scena esplêndida, foi distri- buído pelas turbas um soneto do visconde de Castilho. Bem era que a homenagem ao Petrarcha portuguez, ao primeiro mestre, em qualquer língua, da difficu forma métrica, soneto, revestisse a Bocagiana forma por excel- lènda, realçada ainda, mormente para emprego alti- loquo, pelo uso do roçagante alexandrino. O dicto soneto áeste:

Tu, qi:e nos revelaste a mágica harmonia, na lyra nacional antes de ti latente ; espirito de luz, relâmpago esplendente, que descobriste á pátria um mundo de poesia ;

210

ao Capitólio d'arte ascende entre a alegria, entre os vivas da lusa e da brazilea gente. Se um sepulchro nao tens, do berço teo florente, qual phenix immortal, resurges 'neste dia.

Emmudeceste á inveja os pérfidos agouros ; reduzistel-a ao nada, ao d'onde provinha. Em vez de cy prestai, rodeiam-te louros.

O vate no fado, e os tempos adivinha ;

nao debalde exclamaste aos séculos vindouros :

« Zoilos, estremecei! Posteridade, és minha t

Logo em seguida distribuíu-se a seguinte poesia do digno setubalense, Sr. M. M. Portella, membro da res- pectiva commiss&o filial, e ornamento da imprensa do Sado. Eil-a :

HOMENAGEM

A'

MEMORU DO DISTINCTO POETA

MANUEL MARIA DE BARBOSA DU BOCAGE

POR OCCAfilIO DB SBP INAUOUBADO O 8BO

Moxi.iixKi.exito exn Setul>als

PRESTADA PELO SEO ADMIRADOR B CONTERRÂNEO

M. M. PORTELLA

(f Este com quem se ufana a pedra erguida.

(BOCAGE).

em quanto o mundo

!}C lembrar de Camões» de Tasso e Milton,

lhe ha de lembi ar também de Elmano o nome.

(J. A. MACEDO).

Cumpriu-3e a predicçao, Nao foi uma luz fátua (jue o vate alumiou ; alçou-se emfím a est&tua!.** O applauso reapparece ; escuta-se a ovação ; e unida a voz do docto á voz da multid&o^ em júbilo é i^udada a coroada fronte do vulto que destaca em lúcido horizonte. Após nao curta edade esplende o grão fanal ; não o sumiu a crypta, o génio é immortal I Posteridade, és sua ! o monumento a Elmano, tal qual elle o predice, agora se ergue ufano I Paga-se o justo preito em honra do saber ; extingue-se o labéo, cumprido o que é dever. Julga-te, sem razão, ó século presente, o parcial censor em erro permanente,

s

XXXIV 211

negando-te o sentir, a crença, a fé, a luz, sem vêr que quanto nega em ti, melhor traduz o apreço ao que o merece, e que incessaut.' provas no tributo ao talento e em mil idéas novas, arcanos a romper, prodígios a operar, com a m&o do progresso o mundo a transformar, mais que aquelle abandono em que antes pereciam quantos a si, os seos e a p&tria ennobreciam. O sábio então tinha o cárcere e o hospital; e o bárbaro poder de occulta lei fatal nem o exempla do horror que inspira essa fereza aquella majestade, essa alta realeza, que conta por palácio a gruta de Macau, or cortez&o e amigo, um indigente, o Jau !..., ue oppróbrio nos transmitte a invelhecida história a par da heroicidade em c^ue se faz notória !.., Obelisco nao ha, nem lápide sequer, legada do passado, onde se possa ler por honroso dever que nos poupasse a ultrage aos olhos do estrangeiro Aqui nasceu Bocage !...

Na chara pátria minha entreteceu-lhe amor o berço perfumado em laranjaes em flor. O límpido regato a serpear na relva, o perfume, a frescura, os cânticos da selva, o valle d'onde surge á tarde a viraç&o que afaga o tenro arbusto, a voz da solid&o que do algar repete a queixa ao triste amante, a sombra da quebrada, o prado verdejante, em fim este vergel onde ha perenne abril, provoca, attráhi, incita a musainda infantil... Para cantar fadado o cysne da harmonia revela o seo destino, apenas balbucia. O Sado a murmurar insina-lhe á canç&o que repete depois dos mares na amplid&o, de nostalgia oppresso, em seo destino vário, 03 longes do occidente olhando, solitário.

Cresce, adeja anhelante aos cimos (^ue fitou ; que assombro! quasi implume e rápido chegou aonde poucos v&o em dilatado espaço I A frauta do Delille, hymnos d'Ovídio e Tasso vai escutar attento apenas trovador, extráhi-lhes a magia, a música, o primor e volve endeusado; e o canto que desata captiva a quem n'o ouve, as almas arrebata I...

212 XXXIV

Misterioso ingenho, harmonioso ser, difficil de attingir e mais de comprehender, ora sereno lago em que se espelha a lua, ora revolto mar, que avança e que recua, e na indomável sanha, entre hórrido bramir, pretende, intumecido, as rochas demolir ! Rival de Anacreonte, inflora a doce lyra que inleia os corações na m&gua em que suspira ; mas transmutado em breve, a sátyra mordaz, penetrante, despede, iroso e mais que audaz, e em cego delirar, de victimas sedento, na insânia que o devora ainda é um portento ! Impondo á musa a phrase e modo varonil, fulmina o ousado inepto, o torpe, o que é servil ; •« passa triumphante ; e a multidão que o acclama lhe vai da voz suspensa e o ^segue como a fama ! Refeito 'nesse applauso e no melhor que dflo os versos de Piiinto, as odes de Garç&o, revoa ao infinito, excede o que ha sublime na flamma em que sefaz,no verbo em que s'exprime! Coroas aos montões e feixes de trofeos s&o despojos da lucta aos pés do semideus t e da glóna o clara o dardeja rutilante sobro o laurel que cinge a fronte do gigante que os émulos venceu, os zoilos suffocou, e o tempo, o olvido, a morte altivo dominou!... Mas como a sorte adversa o mérito persegue ! como quem o possue ao damno deixa intregue !... Quão caro custa a Elmano o universal louvor ! quanto tempo passado em indigência e dor !... Porque, vendo surgir da liberdade a aurora pbrenétíco a saúda e •d'ella se enamora, e d&diva do céo a crê feita aos mortaes, o hypócrita ardiloso em tramas infernaes lhe tira o que mais ama e quasi do ar o priva, tiranlhe a liberdade, em ferros quer que viva... Accusa-o de impiedade... Elmano ímpio n&o é ; transi uz-lhe Deus na mente e 'nalma abriga a fé. Se alguma vez errou na ardente mocidade, quem mais do que elle exalta e preza essa verdade que segue desde o berço e origem é do bem ? quem mais exprobra o crime e mais horror lhe t^mt. . Assim contricto, um dia, achou silencioso o termo da fadiga, o leito do repouso, e os olhos que cerrava, entre milhões de soes.

XXXIV 213

sem demora reabriu na turba dos heroes, que sempre a batalhar, tnumpham pela idéa e duram como dura o bronze ou a epopéa !

Bocage nfto morreu, nos séculos por vir hade o seu nome egrégio o mundo repetir.

Distribuiram-se outras producções, taes como um fo- lheto, intitulado Salve^ Bocage I etc.

Regressou o cortâjo aos paços do conselho, onde pelo infatigável e benemérito Sr. éilva Túllio, secretário da commissão de Lisboa, foi lido o j& transcripto auto d^nauguraçfto, do qual veiu um exemplar para a com- miss&o do Rio de Janeiro.

Por um nobre acto de cortezia, o Sr. Marquez d'Avila« que j& havia offerecido o seo cordfto da cortina ao Sr. Ministro do Reino, que alli estava representando a naçfto portugueza, convidou os parentes de Bocage, que esta- vam presentes, para assignarem o auto antes de S. Ex.« como o demostra a exacta transcripçfto que d'esse auto dêmos.

Poucas pessoas, entre as muitas centenas que na praça se apinhavam « poderam, por falta de tempo, sotopõr as suas assignaturas ; mas n&o era inferior a hierarchia de innumeraveis cavalheiros presentes, cujos nomes o auto não poude mencionar. Em quanto durava esta tarefa, ouviam-se as bandas de música, e os hymnos portuguez, brazileiro, e de Bocage.

Aberto o grande sal&o da câmara municipal, offerecia aspecto deslumbrante : janellas com ricas bambinellas ; çhfto alcatifado , reposteiros de magnifico damasco ; mobília faustosa ; balcão ao centro da sala, ornado de vasos de mármore cheios de flores; suberbos cristaes ; ao fundo um bufete, com todo o serviço de prata ; e um confortante e variado copo d*àgua (que a Commiss&o do Rio mandara offerecer, mas que i»C&mara Municipal pediu para tomar a si].

Havia-se disposto para as senhoras um toucador, de muita elegância, na casa dos paços, onde funccionara a antiga juncta do sal. Estava atapetada, guarnecida de mobilia á Voltaire, e arranjada com o maior gosto.

As casas da Câmara estiveram abertas para serenai vistas pelas pessoas que as quizessem visitar. A sala principal tem as paredes forradas de pannos de raz, re- presentando quadros bíblicos e retratos dos reis, até â Sn. D. Maria I, em cujo reinado se construiu o edifício.

214 XXXIV

e tem figuras em poncto grande, e algumas bellas, embora se conheça que os annos ji as têm detenorado. Da imprensa periódica figuraram os,e gumtes repre- sentantes, na cerimónia da inauguração, posto que nem todos podessem firmar o auto : Do Jornal do Ct^mUr- do— Diário do Governo— Revolução de Sepiembro—Ihdno ãe Noticias —Diário Popular Jornal da Noite— Gajeta do Povo— Crença BoUtim do CUro e do Professorado— Partido Constituinte Gazeta Setubalense— Pnm^ro de Janeiro Didrio Mercantil e Jornal do Recife, dt Per-

iuifnbuco.

Findo o lunch, retirou-se para Lisboa o maior número di^s pessoas que haviam assistido & festa, a qufel houvera sido de inexcedivel esplendor, se a inclemência do tempo (vento, frio e chuva torrencial) a nfto houvesse nostoli- zado táo pertinazmente.

Chegada a noite, logo se atulhou o theatro, que ?stava convenientemente decorado, assistindo as auctondades civis e militares, e a Câmara ao espectáculo, em cama- rotes ornados de damasco e ouro, e reinando sempre a melhor ordem, da parte de tfto selecto piiblico, que a cada momento patenteava o seo júbilo.

Começou o espectáculo, recitando o Sr. Carlos d Al- meida os seguintes versos do Sr. Eduardo Coelho :

Salve, Bocage!

Ànniversário triste e jubiloso dia, Setúbal veneranda, é este em tua história ; a portentosa voz gelou-a a terra fria, mas tu, zelosa mEe, resgatas-lhe a memória.

Raiara o génio aqui ; brisas do Sado amenas no berço a doce luz lhe ateiam brandamente : n Das fachas inluntis (cantou) despido apenas,i> cc sentia o sacro fogo arder na inquieta mente. »

A chamma cresce mais ; domina a frágil pyra, transborda, alastra e banha em divinal calor as creaçoes de Deus. O povo absorto admira o canto ardente e audaz de Elmano, o trovador.

Mas essa inspiração que o século deslumbra

ò corpo consumiu que débil a abrigava ;

Bocage cedo a face esconde na penumbra

dia morte, onde o «tropel...» do génio.. .o «arrastava!»'

XXXIV 215

O' flor do Sado, orgulhar-te

Jodes, por ter sido o berço o Deus d^harmonia, da arte o numen, o rei do verso ; de alma aos lábios lhe acudia em jorros de melodia a mais súbita poesia que inda escut&ra o universo !

No estro febricitante refervia-lhe um vulcão, que o tornava delirante nas convulsões da paixão : mas que loucura sublime ! Com que magia se exprime ! e em áureos versos redime 08 erros do coraçfto I

Quer soltando a voz em hymnos, gemendo» ou vertendo pranctos, sentia êxtases divinos ao formular os seos cantos ; concentravanse um momento... de repente.... o pensamento irrompia-lhe violento jorrando ethéreos incautos.

Como é bello, a natureza pintando, ou cantando o amor I ou descrevendo a crueza do çiume queimador ! ou se o fere a atroz inveja, como a sátyra troveja , e o epigramma dardeja, e esmaga o provocador!

Os moldes da vida antiga ^ pozeram-lhe ao estro peias ; ^'a miséria sempre em briga nfto lhe quebrara as cadeias ; ae o inspira a liberdade, que a França agita e invade, qufto úteis, humanidade, te foram suas ideias !

As musas grega e romana abriram*lhe os seos thesouros ; conheceu da história humana

as virtudes e os desdouros ;

avistou nos voos seos

quanto ha grande em terra e céos ;

do g'éQÍo Da froute Deufi

lhe pò3 os eternos lourow

Se intregue aos « prazeres vãos, »

(I seos sócios » e 11 aeo-'* tyrannoM, •'

abrira co'aA próprias mãos

« o abyítino dos desinganos . n

80 das paixOeã iio delírio

o queiras o fúnebre cync

da morte ; após o mariyrio

fica aol entre ns humanos !

Luz fecunda, que derrama

a sua memória, é tal,

que inuDd& em vívida chamma

este sec'ln em Portugal.

Nobi^n reconhecimento

lhe rri^e esse monumento,

anto o qual o povo attento

diz : « Bocage, és immortal ! " O' bella flor do Sado, alegra a fronte ; o dia é data immorradoura em lua illustre bititória ; a portentosa voz gt;loii-a a terra fria, mas tu bradas-lbe, ó m&fí : " Renasce para a glória í » Recitada esta poesia com ralor, e accolhida cora ap- plausus, pediram unanimemente os espectadores que m orchestra tocasse a marcha Homenagem a Bocage, o qac foi feito, em meio de geral enthustasmo; e sempre em egual disposiçfio de ânimos foi seguindo a repre>entaçao. Ao mesmo tempo, havia um concorrido baile no club. Seis banda» de miisica percorriam todas as ruas, e ea- tacionando ante os pyos do conselho, o odiflcio do Seia- bixiense e outros logares. abi locavam ,a Homenafiam a Bocage ti outros hymnos, lançavam ao ar ^riràndolas. e trocavam-se discursos.

As philarraónicas iam, uma após ontfa.lucar, e atB(»r foguetes, em frente da casa ondp nas<'qu Bocage, na rua de S. DomínEros.

Estava preparada na praça de Bocage uma G^cellenta illuminaçS,o a gas, de que •• tempo não perraituii sacar todo o partido : roas grande número de casas da cidade rstiveram illumioadas. haviíudo, em al^nrans, transpa- eentes « allegoria.'*.

XXXIV 21T

Também foi devido ao máo tempo o nfto se ter lan- çado o fogo d*artifício, que se mandara preparar para remate dos festejos d 'aquelle dia.

Quando o comboio partiu, tendo alguns dos convi- dados ficado em Setúbal, accolheram-se á provada bene- volèacia do digno Presidente da Municipalidade, e dos mais vereadores, que com a mais sympáthica delicadeza tractaram aquelles seos hóspedes, incbendo-os de atten- çOes e obséquios.

O edifício da câmara municipal conservou-se interior e exteriormente adornado, assim como todas suas im- mediações, para uma jnova solemnidade, a qual se realizou no dia 24 do mesmo mez, ainda em honra do mesmo grandioso vulto, e por iaiciativa da commissão do Rio.

Com eflFeito, é j& sabido que tendo ella tido a fortuna de descobrir em poder do prestante 5r. Dr. Joaquim José Teixeira o famoso execnplar original do retrato que Henrique José da Silva fez de Bocage, no anno de seo passamento, mandou tirar d'elle uma excellente cópia, muito mais perfeita que o original, e em poncto muito maior, cópia que ficou de inexcedivel similhança, sendo portanto o único retrato que existe authêntico, e o que teve a honra de servir para modâlo da estátua.

Levou-o comsigo para Portugal o Presidente da Com- miss&o do Rio, que o depositou nos paços do Conselho de Setúbal, declarando que viria a ficar propriedade d^ella, se a Commissao central isto approvasse ; e pois que assim succedeu, pertence elle hoje 4 Câmara de Satubal, que o conservava, até receber a decisão, no antigo ora- tório ou capellada municipalidade, casa muito digna de admiração, por ser toda de legítimo xarao e de primo- roso trabalho.

Foi a inauguração d'esse retrat^ no salão do conselho que motivou terceira festividade, no dia 21. em honra do Sadino. A municipalidade convidou muitos dos seos hóspedes, do dia 21. Repeciu-se então a festa toda, com ílluminaçôes, músicas, theatro, baile etc.

Em conformidade com as instrucçoes da commissfto central, do Rio, foi o photógrapho Roquini, de Lisboa, com um ajudante, para tirar na própria oceasi&o da inauguração 2 photDgraphias, uma pela frente, outra

fmlas costas do monumento ; lambem isto nao saiu per- éito, por causa do tempo ; mas, tendo o photógrapha

218 XXXIV

ficado em Setúbal, poude depois, com quanto nfto tivesse um raio de sol, tirar as incgmmendadas vistas, embora desaccompanhadas da animação que o espcct&culo da inauguração houvera devido imprirair-lhes.

Também serão mandados para o Rio alguns exempla- res da marcha Homenagem a Bocage, tanto para piano como para banda Regimental.

Eis ahi de que modo foi realizada a idea, proclamada na Assembléa do Club Fluminense, a 15 septembro de 186t5, isto é, no dia em que se completavam cem annos, do nascimento do laureado vate Manoel Maria Barbosa du Bocage.

O Ooi3Lsex*vatoi*io de iMLiisloa

Noticia histórica e descriptiva da inauguuacào do edifício, e origem da instituição.

I

No seio doesta esplêndida natureza, cercado doestas maravilhas que se estampam no azul dos céos, uo ver- dor dos campos, no iriar das flores, no serpear dos rios; que se molduram na aspereza dos granitos que topetam com as nuvens, na rugosidade dos troncos que Be exal- çam aos ares ; que se traduz no perennal concerto dos pássaros, do ciciar dos bosques, do rugir das feras e do estrondar das cascatas, porque se conserva o brazileiro indifferente ao amor do bello e ás suas divinas creaçOes?

Porque, hao de ser, na terra fecunda, immensa, do Cruzeiro as obras do Creador tao bellas, t&o portentosas, e as da creatura tao feias, tao rachitícas ¥

Porque, como os helenos, sob um céo tao formoso, pascendo os olhos por tao pittorescas paysagens, nfto amamos nós a arte at^á iaolatria, nem rendemos ao bello o preito devido?

Porque somos nós, os filhos doesta terra que Deus se- meou com mao generosa de tantos, tao vários e tfto raros primores, os que menos comprehendemos esta laxa- riantenatureza,que nenhuma do globo supera em pompa?

Será que os brazileiros herdassem de seos avoengos o tao vergonhoso desamor que votámos ao bello?

E' sempre essa a desculpa com que de prompto nos defendemos do nosso atrazo artístico : desculpa, que nao passa de calúmnia lançada aos nossos antepassadost porque nao foram elles indifferentes aos esplendores

XXXIV 219

d*esta natureza tropical, nem avessos ao cultivo das artes, còmb nos esforçamos por insinuar.

Ahi estão esquecidos sob o dos tempos os Infolios dos chronistas portnguezes, como Gabriel áoares, Simão de Vasconcellos, Rocha Pitta e outros, que em estylo terso e fluente descreveram as bellezas agrestes d*este faracissimo solo ; ahi est&o ennegrecidas pelo perpassar dos a*)no8 as grandiosas fachadas dos nossos velhos templos, os chafarizes de arrendados contornos, os con- Tentos de severo mas imponente aspecto, e a altiva e sólida arcaria da canalizaç&o das águas da Carioca ^ a desmentirem-nos, e a provarem que esses nossos avós almejavam perpetuar suas obras em honrada posteri- dade.

Nfto ; nao foram elles que nos legaram o intranhado desamor que temos ao beilo ; outra, qualquer que seja, é a origem do nosso atraso artístico ; origem que a estreiteza da presente noticia nfto deixa indagar, nem a acanhada intelligência ae quem estas linhas traça pôde tfio accuradamente profundar quanto a transcen- dência do assumpto o estaria soUicitando.

D'emtre os quatro ramos principaes de bellas-artes, a architectura é, sem dúvida, a que mais atrazada lan- guesce entre nós ; e é todavia ella que, no dizer de Laboulaye, d& ás physionomias dos edifícios o cunho de uma edade e 'nelles imprime as aspirações de uma raça.

 architectura é uma das faces mais legíveis do cha- racter de um povo ; nas suas producçoes gravam-se, em typos indeléveis, os períodos do ingrandecimento ou decadência de uma nacEo. Nas formas de um edifício, JA vastidão ou exiguidade de suas proporções, mede-se e avalianse a nobreza ou a vilania de quem o construiu.

« E' na architectura, diz o er*^ito Dr. Velho da Sil- va, onde se revela o verdadeiro poeta, o sonhador de ideas abstractas ; e quereis saber o porque "? E' que a pintura busca tyjpos nos grandes quadros das obras da creaçdo ; a esculptura é perigrina dos três reinos da natureza, conduz preciosidades do infinito pára o finito, imita, affeiçôa, traz illusões para os olhos, illude-se á si mesma com os seos traslados, arrebata o f5go do ceo para imprimir calor e vida na estátua de mármore frio uue viveu e sentiu, porque era a mais perfeita imitação aa obra mais perfeita de Deus. A architectura, porem, n&o tem modelos na natureza, n&o acha typo na crea-

I

220 xxxrv

çKo : aqui o artista concentra em sua imag'inação, com') era fdco Iuqiídoso, tudo que sealfi. pensa, e combimi-u de raodo que transmitta aos outros a percepção e o aen- timento do seo ideal ; aqui tudo é o resultado do génio, das luzes, das paixOef; do artista, do ^õsto do seo paii; e do seo tempo. «

A architectura tem merecido dos povoa civilizador;, antig;os e modernos, toda a solicitude que para o seo a- perfe iço amento é preciso ter incessaute : e é a esse des- vello que as grandes cidades européas. e mesmo dos Estudos Unidos, devem a grandeza dos seos monumen- toa, a belleza de suas edificações, a regularidade dos seos arruamentos.

Entre nós, o gosto da architectura é ainda deficiente, e até geralmente menospresado,

A' iudifferença que temos para com tudo quanto pro- duz a arte em suas differentes manifestações é que deve- mos a irregularidade e rudeza dos nossos ediffcio.-í, par- ticulares e piiblicus.

A falta de gosto dos nossos misteiraes, unida á suft supina ignoríincia, aao parte para que os nossos e- dificios públicos não passem de servil imitação dos eu- ropéos, (jne mesmo assim sariam toleráveis se nao Ilies amesquin liassem as formas, diminuindo consideravel- mente na cópia as proporções, e applicando muila-s vezes a fins assaz diversos a caricatura do que vão procurar em longes pla^as-

Quem se n9,o doe da mutilação que se perpetrou aqui na cópia da stiberba estai;3o da estrada de terro de Stras- burgo, admirável construcçilo moderna, que Lahonlayi! reputa ;i primeira no seo génerii ? Qu5o inhabilment»* nilo foi macaqueada na façhadn da estação central da estradii de ferro de D- Pedro II".? Quem pôde vur de &nimo iranquillo um lios mais bellos edifícios das es- cholan belga.1 iristementie caricaturado na rscliola da praça OiizR de Junho"?

Para o novo edifício da Praça do Commércio da ca- pital do imp^rin du Brazil [uma das mais importan- tes do mundo), adoptoií-se um risco acanhado e de es- tyio florido, alambicado e cheio de arabescos, antípodas do fim para ijue o dbstinam, ao passo que o do Con- servatório de mi'(Jiic.it é pesado h -iombrii» como um pa- lácio de Justiça t Cerrit-.-íe-uos a alma dfi tristeza, vemlo empregada

XXXIV 221

t&o avultada somma em construcçSLo que para tudo será appropriada, menos para o mister a que vai applicar-se.

E' para lamentar que a primeira eschola que o Bra- zil po&sue, de um dos mais cultos ramos da arte, tenha habitaç&o de formas tao communs e de tão mesqui- nhas proporções. E' para sentir, qne» ligando se a história do Conservatório de música ao nome de um artista tfto eminente como Francisco Manoel, n&o pos- sa d'elle dar idóa, mais alta nas formas grandiosas que deveria ter o edifício devido aos esforços incessan- tes de tao inspirado músico.

O espirito pouco desinvolvido das associações e em- presas, a falta de acoroçoamento à iniciativa particular, (nao da parte do Governo, mas do povo que a ella com- pete auxiliar), inocularam-nos o péssimo principio de que tudo devemos esperar dos poderes do Estado, e que à custa dos cofres públicos é que deve também ser feito quanto fõr de geral utilidade e concorrer para o in- grandecimento da pÀtria. E' a este vulgar systema que devemos as grandes anomalias das nossas instituições e por consequência a injustiça com que se lança ao Go- verno unicamente a culpa de tudo quanto de máo ahi se faz entre nós.

Nenhuma associação se funda no Brazil, com intuito de concurrer para a prosperidade de qualquer dos ramos dos conhecimentos humanos, sem protecç&o do Estado, e nenhuma prospera sem subsidio do thesc»uro! D'ahi nasce esse amalgama de instituições semi of&ciaes, semi- particulares, com administrações electivas, mas depen- dentes da approvaçfto do Governo.

E' assim que o Conservatório de música^ instituído por uma sociedade particular, forma hoje a quinta secç&o da Academia de bellas artes ; estando sob a direcção geral d'esta tem economia separada e ainda pertence á associa- ção que o estabeleceu; e constituindo os seos professores parte da congregação da AcaderrAa têm ordenados meno- res do que os doesta, e recebem-n'os do património da sociedade, cujo thesoureiro serve gratuitamente.

O resultado de similhantes inconsequencias é que sendo o edifício do conservatório quasi todo feito a ex- pensas dos coffres públicos, deve sua e deffeituosa construcção ao director da sociedade que o fundou ; no emtanto,o Yulgo,auctorizado por aquelles que sem crité- rio nem consciência dão a Deus o que é de César ,e a César o què é de Deus, imputa ao Governo todos os defeitos

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d'aquella e(lifiv*açao,e até,atropellaado a própria história dos nossos dia;», chega a suppõr que foi o actual Sr. Mi- nistro do Império quem auctorizou a feitura d'essa ohra, quando ella começou em 1863.

Âccreditando-se, sem a mais leve indagaç&o, que o edifício do conservatóy^io é trabalho d'estes dous últimos ânuos, çhega-se também a emprestar a auctoria de simi- Ihante obra ao Sr. Bettencourt da Silva, que apenas foi incarregado de dirigir a sua conclusão, modificando quanto podesse, para melhor, o seo plano primitivo.

Levaao por estas considerações, seja-nos permittido bosquejar a largos traços a narrativa da fundaçilo do Conservatório^ antes de aqui fazermos a rápida descrip- çao da sua festa inaugural, de que nos achámos incarre- gados por quem confiou por demais em nossos débeis recursos.

OaPHEO.

{Continua.)

A faixiiiia.

A família é de instituiçSo natural, e é a base de todas as associações políticas. São theoremas, que nao preci- sam demonstração.

A família recebe o homem ao nascer, accompanha-o durante toda a sua vida, e nos últimos transes, um dos maiores desejos do moribundo é açhar-se cercado de sua família.

O amor de família bebe-se com o leite; dosinvolve-se com os brincos da infância; fortalece-se cora a puberda- de, buscando uma companheira: produz seos fructos na virilidade, e abriga na velhice.

O amor da família é a mais valente de todas as leis divinas e humanas. A maior parte dos homens sao con- tidos, não porque o código lhes prohibe esta ou aquella aroao, ou porque na vjda futura poderão ter este ou a- quelle castigo. Intremos em nós. A maior parte de nós, deixa de praticar certas acções, porque tem mulher, porque tem filhos, porque tem um velho pae ou velha raae, ás vezes até porque tem um irmSo, ou irmSr.

A natureza dice ao homem e á mulher, que um por outro deixaria a casa de seos pães, e que unidos gera- riam e creariam filhos, que por muito tempo neces&ita- riam de sua pfotecção, e assim deu nascimento á socie- dade familiar. Porém ao mesmo tempo, dando a todos

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forças limitadas, e aptidões diversas, obrigou-os a sepa- ra^^-se. As instituições humanas vieram dar mais força a esta necessidade. As differentes proHssOes, se tendem a conservar unidos certos homens, tendem a desunir, os membros de uma família.

Nem o corpo nem o espírito podem estar em conti- nuado trabalho. A natureza deu-nos a noite para o descanço.

Mas o próprio Deus no Sinai, e após elle todos os le- gisladores reconheceram que a noite nao bastava : por- que se bastava com o descanço, isto é ao indivíduo, nao approveitava à família. Um por fatigado, outro por ausente, não poderia approveitar-se das vantagens, que proporcionam as relações familiare.^.

Para reunir os membros das famílias dispersas, crea- ram-ae os dias de descanço. O artesão, o jornaleiro, e outros de outras profissões, no dia de descanço ficam em casa : contam a sua vida, e ouvem a vida dos mais. Estabelecem a communhao.

O catholicismo foi mais longe. Creou grandes festas, em que muitos dias de descanço seguidos dessem logar a grandes reuniões. Era assim que víamos, ainda nao ha muitos annos, que o dia de Natal reunia à roda da mesa do chefe da família todos os membros d'ella : se algum faltava, era objecto de solicitude geral : e mui- tas discórdias ahí tinham fim, muitos interesses eram ahi regulados, que hoje sao origem de incóm modos processos.

Em Roma, pelas leis das doze tábuas, o pae de famí- lia tinha poder discricionário sobre toda ella : mulher, filhos, e escravos : podia vendêl-os e até mactal-os. Conta-9e de Catão o antigo, que cedera ou antes vende- ra Márcia sua mulher a um seo amigo, recebendo-a de novo por morte d*este.

Nos tempos do feudalismo, ainda depois, famílias houve tao unidas e poderosas, que os reis eram obriga- dos a combatêl-as a mao armada. Era demais.

Os legisladores modernos tem tractado de acabar cora a família, e tudo quanto a pode conservar e sustentar. Direitos de marido sobre a mulher, do pae sobre os fi- lhos, do amo sobre os creados, ou estão extinctos ou quasi; no poncto a que as cousas v&o chegando, é o excesso contrário.

Sem respeito á família, nao ha moral. O homem hada achar sempre mil meios de escapar á sancçao externa

224 XXXIV

das leis; somente a sancç&o interna o pôde conter. Mas esta é preciso que seja immediata : o mal remoto assusta pouco. Não ha quem n&o espere confessar-se à hora da morte, e receber absolviç&o.

Isto para quem crê : para quem n&o crê, o mal é peor.

Pequenas forças nfto podem offerecer grande resis- tência ; porém também não podem produzir grande acç&o. Caminhar pelos extremos é correr o risco de a cada momento precipitar-se. Para avançar com se- gurança, é mister seguir pelo meio.

Nos séculos passados, os homens trabalhai fim para suas famílias: procuravam feitos, que podessem passar á posteridade. Hoje cada qual trabalha por si com a quasi certeza de que seos filhos, e a certeza absoluta de que seos netos, de nada se approveitar&o.

Acabaremos tudo hoje, porque amanhan havemos de morrer, dizia a phílosophia de Epicuro, e dizemos nós hoje.

Com este systema, vamos direitinhos à barbaridade.

O livro está substituído pelo jornal ; o estudo pela leitura.

Para que mais ? A sepultura que devorar o corpo, devorará também o nome. '

Ha emulação entre amigos, vizinhos ou parentes. Tirada a família, é tirado um grande principio de emu- lação, e por consequência de aperfeiçoamento.

Destruir a família é tirar a auctoridade á experiência.

O homem que procura relaxar os laços da família, certamente nunca os comprehendeu. Ottok.

Galex*a a duas amax*x*a8

O marquez de Mirabeau era, como todos sabem* grande liberal * seo irmão, o conde do mesmo titulo* tinha logar distincto no partido da corte : e este dizia áquelle : Irmão 1 estamos bem ; se vencer a corte» estou eu para tesalvarf se vencer o partido liberal, estius tu para me acudir.

O Sr. Alencar incarnou em si as duas pessoas : pro- clamou-se conservador na Câmara, mas escreve para a República. E assim preparou colxão em ambos os lados, accendendo uma vela a Dtms, outra ao Diabo.

Por amizade, que lhe temos, lembr&mos-lhe que a demaí^iada prevenção muitas vezes produz effeito con* trário. Otton.

Typograpbia e lithographia ->l]áPARCIAL^ Rua Sete de Sete iii)>«t\ ]«6

J

QUESTÕES DO DIA

2Sr.°35

RIO DE JAKEIBO;2r7D£ JAKEIRO DE 1972.

-r-m- 1^ -»_ Ml M «r i i-nt" '

TeDde-8e«m casa dos sra. B. Ac H. Laammert.— Agoetinlio de Freitas Ou- maries &c Ckimp., 36, roa de General Camará.— Livraria Académica, Rua de S. José n. 11^- Largo do Pace n. C— Pre^ !KX> reis. O r volume, com perto de 400 páginae— 34000.

lii8tx*ixcQSo Populaz*.

CARTAS DE CÍCERO AO SR. DR. CUNHA LEITÃO.

I

Confrade e amigo.

Ab Jove prindpitmi ; começftmoB pelos deuses, como diriam aquelles honestos e bons poetas, que, despren* didos das misérias da vida, passavam as horas do lazer, dedilhando as chordas do alaúde, e atirando aos ventos que susurravam na copa das árvores eançOes t&o triste- mente melanchólicas» que é prazer 161<ts e sensaçfto indefinida lembral-as. Como «qnelles bons pães da velha litteratura portuguesa, furtftmo-nos por um momento ao borborinho do mundo, que se agita, oscilla e passa, para muito & puridade, terra a terra comvosco, roubar- Tos um pouco do tempo precioso, que tfto generosamente votais ás cousas do paíz. Grande e sublime cousa é o assumpto que me traz arrastado I t&o grande e nobre que por elle me vejo obrigado a dizer-vos que o vosso nome cresce, depois que se consagrou inteiro a esses la- bores, que intendem comii dissemina^ do insino a todas as classes sociaes. E sinto-me cheio de contenta- mento, porque ao nome venerando e por todos os títulos respeitável de Castilho António, que em Portugal se pôs a evangelizar dia e noite em prA da instrucç&o pú- olica, ostentando-se como apóstolo e martyr, como licçfto e exemplo, ajunctando á palavra fecunda e elo- qnente a acçfto magnânima e produetora, vem hoje alliar-se o nome esperançoso, cheio de promessas eauspi- CÍ080 de muito futuro, qual o vosso, cnaro amigo e con- frade ! Nfto, nlo me nirto a dizeUo, porque o sinto ; vosso talento e vossas obras em matéria de instrucçfto pública no Brazil v&o levantando um ruido que ha de crescer como crescem todas as sementes, caídas em solo affeiçoado e orvalhadas pelo rocio da madrugada.

r

t

226 X.XXV

Actualmente as intelligências estiolaiD-se nas lucta^ estéreis de politica meãquaha, e os talentos perdeiD-se como a borboleta de mil cô.es, que volita, doideja, osciils DOS ares e vale apeDa:s o auurado que espaneja das azas; mas o vosso talsiito e todos os vossos estudos de muito sabere iUustraçãa aão rutilam apeuas um ins- tante como aquella «strellinha que sarg-e no canto do céo e se somo det^fazendo-se em sombras, nao; de si acho eu confronto verdadeiro na ave, que hoje insaiou 06 primeiros voos para amanhã elevar-se í altura das nuvens e incarar sobranceira os raios do sol.

Parabéns vos dou pela intelUgência que trabalha e pelo espifito que se cultiva no manuzear e no intender a licçao e doctrina de bons livros, oa melhores amig-os que conheço, que aos estão ahi todos os dias negace- andoe derramando na alma uma esteira de luz, quês mfto do tempo nunca apag^a. Agora permitti que entre no assumpto da conversação, que me impelle a dirigir- V03 estas linhas.

Ferida a ultima pugna d'essa gfuerra que o Império travou nos serros e plainoa do Paraguay, volveram-se aa vistas do paíz para questões de mór valia, que affe- ctavam de perto interesses de ordem politica, económica, social, philosúphica. A lei da Uberdade do ventre, e a reforma judiciária, realizadas pelo partido constitu- cional, eram necessidades impresciudiveis do paiz : mas outra ha, que eslá ahi supplicando o auxilio de todas as intelligências, o concurso de tod^s as forças, e a activi- dade de. todas as faculdados, o^ estudos de toijoa oa cidadãos, e o pairiotismo de toi'.>sque amam terra tao rica e fadada a preincher deitiuos tnormes. A inu- trucçao piiblíca, mais que qualquer outra, é a reforma capital, o poncto de purtida de iodas as reformas úteis, progressivas, civilizadoras.

Nao d o paiz corAdo por immensa rede de estrad&s de ferro, oem de fio eléctrico ; nao e o palz inself-govem- ment, do auffrágio universal, dos plebiscitos, e dos meolings, o mais aJeantado >6 por isso, o mais liberal e o mais progressista. Pura qu>' um povo adquira foros, cumpre que sejn illuslrado e o confrade e amigo Babe que era trevas uHo ha inie idei^-se de immunidades e prerogativas de cidadão e hunitíin livre.

Estas verdades esiao na inentc de tdos, e é sem dd- vida por isso que em todos fh ângulos do império se le- rsDta a escbola, como outr'ora se erguia a cathedral.

XXXV » 227

A eschola hoje é o logar aprazado do presente ; d'ella partem as caravanas, em busca de melhores tempos.

A vós, um dos mais estrénuos propugnadores do in. ino popular, cabem-Yos parabéns pela eloquente defesa que ides fazendo da causa do povo. Emquaato falsos após- tolos levantam tribunas, d'onde deixam cair invenenadas theorias de republicanismo e democracia, emquanto se armam até os dentes para derrubar a monarchia e o altar, a constituição e os bons costumes, summariando o inventArio da djnastia, vós pregais a instrucç&o, a necessidade do insino, o direito que o povo tem de Bshet ler e escrever, e o dever que tem o Estado de in^ sinar e disseminar nas cidades, nos municípios, nas villas, nos povoados, escholas e mais escholas, escholas e muitas e^icholas. Que parallelo entre elles e vós ? EUes que falam na liberdade dos Estados Unidos, e vós que, modesto, sem ruido, sem apparato, transformais som- bras em luz, desertos em cidades !

Mas, que fiquem em paz esses devaneadores, que se gritam é porque ainda as massas populares se n&o bap- tizaram todas nas &guas lustraes do Jordão da instrucção, Iue as ha de transformar em advogados de seos próprios ireitos e prerogativas.

Na sessSU) do anno atrazado^ apresentastes na Assem- bléa Provincial do Rio de Janeiro um projecto de ins- trucção primária, obrigatória, fundamentando-o com um discurso, em estylo nobre e cheio, que é por sem dúvida um prodi$2:io de hermenêutica e eloquência. A nomea- ção que de vós fez o Governo Imperial para Presidente de Sergipe, distinguindo em tao verdes annos vossos talentos e méritos, levou-vos para uovu terreno, onde devia levantar-sea vossa estrella, esplendente de irra- diação.

A vossa bella administração abriíi-se fle-de logo, de m')lo descommunal, assignalanJojse por um acto, que ha de ser sempre memorado nas páginas >\'i história de Siirgipe, que* vem a ser i instituiçílj d«- um ciirso de auias nocturnas f tanto de instrucçao jirun iria, como de innrucç&o secundária. Este gt^nero^o pt^ns imento rea- lizoa-se de modo digno de encómios, nlo para quem o cjncebôu e o pôs por obra, como para a |ji*ovincia de Sergipe. A imprensa do Império di *o jikí t«scrangeiros e nacionaes, professores e pessoas hIóu^ms «1'^ character respeitável, e lidas em matéria de iusiio..** o rereceram piHi leccionarem gratuitamente a todos ^titintos se ma

228 XXXV

tricaltussem no curso nocturno, Nfto pái^ ahi a minha admiraç&o, scei mesmo que inaugui^astés o ciirso com subido número de matrículas e que fostes alvò de uma das mais solemnes e estrondosas manifestações po{)o- lares. O povo é sempre grato : aquelles operários rudes e honestos, aquelles homens do trabalho manual , aquel- les artífices e obreiros que foram ao palftcio saudar- vos sabiam que o curso nocturno rasgava diante d^elles ho- rizonte, que seos olhos ainda n&o podiam medir^ porque até então andavam perdidos em trevas.

Transporto aqui para esta carta alguns trechds da manifestação popular, no meio da qual o Jornal So Ara- caju como gemmas de inestimável preço as palavras elocj^uentes com que agradecestes tao honrosa e nobi* lissima festa.

c( Derrame-se pois, diz a fnamfestttíãopoputar^ a xúb- truoç&o a <c laicos jorros sobre a calaça do povo, » e elle, banhado 'nesse novo Jordso, bemdirá a mSlo quslhe prodigalizou a agualuertit^l doip6fí:$áhiêilto.

a Instruir, instrtfir muito e iuãrtrtiir ^mpi^e : tal disve de ser o esforço de todo o governo livte e píatemaL

« Felizmente, trao tem sido V. Ex. surdo e iihpAssi- vel a esse grande reclamo da civilii^ftò é doa áeòs governados, mas apóatolo da gi^ande causa, dedicado administrador de um povo digno de altos deatíáds : illustrado, tacteando-lhe o pulso setitindò-lhe 'a f&Mte de conhecimentos que o devora, acAba de concedér-lhe o refrigerante que, extinguindo-lhe a idBicçao, êm èeo lugar geráta o gõso.

« Sim, Exm. Sr., n&o sso prt)btema as Vantagens do Curso Nocturno em bom dia imaginado e pMo ém prática por V. Efa. »

« S. Exa. o Sr. Dr. Cunha Leitão respondeu a essas manifestações com um brilhante e eloquentisaimo im- proviso, em cujo com||p> entre ^pplausos, disâe S* Eta.:

« líeos senhores, as vossas maniféstaçfiíes pinhoram o meo reconhecimento. A vida política é toda çhtfa de flores e espinhos. Agradeço- vos as floras qoe faojé me .trazeis. A maior satisfacÇ&o do homem piiblico está na consciência de haver feito algum beneficio em favor do povo ; isso que hoje me vindes dizer, pro- clamando como um benefido a creaçAo das aulas noc- turnas, enche a minha alma de júbilo, satitfaz as minhas aspirações de administrador. »

N&o parastes }K>rèm em meio do caminho : o i^ano de

XXXV 229

inatrucç&o que queríeis desinvolver era bem combinado e matbeiaaticamepte infallivel no^ resultados . Apte o curso nocturno^ creastes as conferências populaces, con- vidando por charta ao Director da lustrucçao Pública de Seiígipe para inicial«as. Permitti que me detenha, por instantes na conversaçAo que levo inceptada desde o principio e me aventure em breyes e ligeiras coosiden^- çOes , mas por n4o fatigar-vos, peço licença para resQc- var para outra missiva e^s^outras considerações.

CiCBRo. (Continua).

OBRAS DE J. DE ALENCABr^A IRACEMA.

VIII.

lUustre e docto escriptor : Parece-me haver provado, de modo irrecusável, carecer a Iracema do vigor e bri- lho, que a genuína interpretação da história attribúe & poesia indígena brazília.

Provei, cotejando capítulos inteiros ds^ obra de J. de Alencar, com extractos dos nossos nrimeirts modelos, que essa falta se lhe nota, até quanao menos o fora de esperar, isto é quando se tracta das próprias guerras foco principal, senfto único, das paixões doesse povo. E como nao havia de ser assim, se isso mesmo introu nos planos do Sr. Alencar assignalar eçsa poesia, obra sua— pelo character que lhe dí^ em todas as condições, circumstãncias e assumptos da vida sielvagem ? Fi^Ui^s illusfto, que o mais desregrado e bi^lõfo orgulho explica.

Eis o que incontro n'um historiador :

c( Tudo nos Tupys (os índios que figuram na Iracema sfto todos doesta raça) respirava guerra : o nascimento, a educaç&o, o casamento e a morte, os seos hábitos, i^ soas idéas e a sua religião. Se a in&e chorava com as dores da maternidade, aquellas l^rymas podiam cair sobre o coraç&o do menino e tornal-o covarde : convinha' portanto mactal-o. (Laet, Ind. Occ, L. 17, cap. 15.)

« Apenas nascidos, eram pintados com as cores d^ guerra, o urucú e o genipapo, como se o negro e o ver- melho d^aquellas tinctas symbolizassem o sangue e o lucto ; a seo lado depositavam um arco e frechas, que os accompanhariam meninos, jovens, adultos, guerrei- ros, e depois de velhos, e depois de mortos.

<c Apenas saldos da infância, um baptismo de sangue os aguardava ; furavam-lhes os l&bios e os lóbulos das

230 XXXV

I

orelhas, e davam-lhes um nome que com aquella pro- vança mereciam [Belation du voyage de Roulox Baro^ Trad. de Morau, pag. 233.)

« Cresciam no meio de exercícios physicos que Ihea desinvolviam todas as forças do corpo ; tomavam-se homens no meio de fadigas, e eram recebidos guer- reiros á força de martyríos. Para o casamento era pre- ciso conquistar uma mulher, e fazer um prisioneiro, ou levar a palma aos outros em força e agilidade ; na morte os grandes iriam para além das altaa montanhaSt onde os seos maiores amigos e parentes os esperavam na deliciosa beatitude do ócio entremeado dos prazeres da caça e da pesca.

« Um cântico . de guerra os accompanhava do berço & sepultura, e fabricavam as suas armas ao som de canti* gas que narravam os aggravos recebidos dos seos em tempos anteriores, e como todos aquelles que prezam em primeiro logar as forças physicas e a coragem.» G.(Dias, Obr. PosL, vol. VII, pag. 204 e 205).

Ora, se « entre os Tupys era tudo poesia e se, por outro lado, a tudo 'nelles respirava guerra » como con- ceber-se que pretenda realizar o legitimo tvno orna poesia que, além de forçada, é imbellc c molieirona, qual a aa IratAna^i !

Porém nao é 'nisso que o auctor tracta de resto,sem auctoridade nem razão, a história. Adoptado o dissol- vente systema de demolir ou innovar quand méme^ leva j^eante o sacrilégio contra o legado que 03 tempos nos transmittiram, nSo para que o proran&ssemos, senfto para que lhe rendêssemos a veneraç&o, legitimamente devida ks relíquias augustas do ingenho e da observa- ção ; n&o para que apagássemos a lâmpada, sen&o para que nos ella servisse de pharol, tanto no presente como nas edades porvindoiyas.

Mas o que queres, meo amigo ? Se o Sr. Alencar in* tende, por ser quem é, que em tudo tem carta branca

para devaneiar Se até na jurisprudência criminal,de

natureza puramente positiva (stricti júris ) tem ellaa singular pachorra de deduzir, do silêncio da lei, pena de prisão... i viste espirito mais liberal ed^nulo? Ha de ser difficil.

Ld-se na Iracema^ pag. 5.

«c Ergue a virgem os olhos, que o sol n&o deslumbra ; sua vista perturba-se. Deante d*ella, e todo a contem- içlal-o, está um guerreiro estranho, etc. (E' Martim)...

XXXV 231

Foi rápido, como o olhar o gesto de Iracema. A flecha, embebida no a^cOy partiu, d

Lê-se na pag. 27 :

<c A virgem retrabiu d'um salto o avanço, e vibrou o arco. »

Lê-se na pag. 45 :

« A virgem, avistando a figura sinistra de Irapuam, saltou sobre o arco, etc. »

Lê-se na pag. 85 :

a ... O cnristao defende-se apenas ; mas a setta em* bebida no arco da esposa, etc. »

Esse constante uso que faz a índia das armas guer- reiras é desmentido pela história. entre os Tapuyas, mais embrutecidos e bárbaros, se permittia ás mulheres usal-as. Entre os Tupys^ porém, <x ciosos da sua digni- dade », ás mulheres nao era licito trazerem armas; nEo caçavam e muito menos pelejavam. O Sr. Alencar ignora isso? Nso ignora, mas nfio acceita, está acabado.

Lô-se na pag. 24 :

«c Iracema sentiu que sua alma se escapava para em- beber-se no ósculo i^rdente. »

E na pag. 53 :

a Iracema tomou a mSU) do guerreiro branco e beijoii^a.i>

Recorrendo-se ao Glossário do Dr. Martins, incontra-se com effeito o yerbo tupico pUer (ou pêUra, segundo o muito accreditado Vocabulário do Padre M. J. S., lente de Língua Geral no Seminário Episcopal do Pará) com a accepção de beijar. Esta accepçSo é, porém, evi- dentemente figurada, ou adoptada na carência do termo primitivo ; a própria é chupar, sorver, vindo de pHêma ou petu/m ou pitum, tabaco, fumo, como se dicessem sorver, aspirar a fumaça.

Isto me confirma a crença de que, no puro estado sel- vagem, 08 nossos índios n&o conheciam o beijo, e que este lhes foi transportado e insim^o pelos colonizadores; muito menos como signal de reconhecimento, digo de gratidão, qual o emprega o auctor na segunda das pas- sagens citadas. «O oeijo diz-nos uma grande auctori- dade no assumpto se nos appresenta como a express&o natural da affeiç&o ; todavia elle era inteiramente des- conhecido dos habitantes do Taití, dos Neo-Zelandezes (D'Urville, vol. II, pag. 561), dos Papuás (Freycinet, Yol. I, pag. 56), dos aborígenes da Austrália, dos Es-

Suimaus ( Journal de Lyon, pag. 353.) )) E porque n&o OH selvagens do Brazil ?

232

Lê-se na pag. 79 :

« A virgem pendeu a fronte; velando-se com as longva tranças.... recolheu em seo pudor.»

Ena pag. 70 :

« Quando veiu a manhan, ainda achou Iracema alli debruçada.... Em seo lindo semblante accendia o pejo vivos rtJ)ores etc. »

Rubor, pôjo ? Têl-os-hiam acaso ?

'Numa sociedade, em que os instinctos e sentimentoB da honestidade feminil se gastavam desde os mais verdes annos, ao attrito e ao espectáculo permanente da vida licenciosa, que esgotava toda a sorte de abominações e turpitudes, poder-se-hia levar à puberdade o que a recato alimenta e guarda ? Por outra : podiam elles ter o que nSLo tinham por essência da sua própria sociedade? G. Dias, de todos os historiadores de índios o que mais os favorece, e ameniza a sua rudeza e fragilidades, diz (e é sabido) que a as mulheres em splt^iras.se prostituiam fddlmente. » Fala-nos elle é verdade de um cha- mado pudor ; mas em que consistia este 1 Eis o que refere o illustre escriptor : dO seo pudor (falando daa mulheres) revelava-se na honestidade dos gestos e maneiras^ e no mai5 consistia em aao mostrarem nuuca signaes de.... que, ou n&o tinham pelo frequente uso de banlioa, etc.»

N&o se que aqui o pudor, esboçado com cores tao vagas e indistinctas, parece antes generosa concessão do poeta?

Mas observa o Sr. Alencar na sua carta final : « O estudo da língua indígena, é o melhor critério para a nacionalidade da litteratura. Elle nos nao o ver- dadeiro estylo, como as imagens poéticas do selvagem, os modos do seo pensamento, as tendências do seo espi- rito, e até as menores particularidades da sua vida.»

Entre parêntheses : esta idéa não é do Sr. Alencar, bem que elle lhe haja dado tamanha latitude. Hum- boldt, que o Sr. Alen^r nfto quiz citar, sem dúvida por nao conhecer auctoridade acima de si, nem mesmo Humboldt (que loucura!) dice: «(Creio que se fòssem bem estudados os idiomas dos selvagens, açhar-se-hiam nelles mais riqueza, e gradações mais delicadas, do que se devera esperar do estado inculto dos que falavam.» D'Orbígny abunda na mesma opiní&o, que é commum a muitos outros historiadores. Caberiam aqui outras or- dens de considerações sobre alguns poactos mais da carto do Sr. Alencar, que todavia nos reservamos para ptor»

XXXV 233

duzir quaado tractarmos especialiueate da reftírída carta, por assim o acconselhar a melhor distribuição daan&lyse.

Abro o Glossário do Dr. Martius, e iacontro com effeito o vocábulo pouçú^ trazeado a seguinte sigaificaç&o : respeitar com alg^m pejo, pejo ; e esfoutro poçúçabUf naturalmente derivado do primeiro, com a significação de acatamento. Â' excepção d*estes dous vocábulos, nenhum outro ha, que eu saiba, da língua geral, expri^ mindo a idéa do attributo moral.

Mas pergunta-se : pelo simples facto de virem con- signados ahi estes termos, devem ser elles recebidos sem quarentena ¥ Ninguém dirá que sim, porque ahi lambem vêm vocábulos evidentemente intercalados na língua dos selvagens pelo tracto d'estes com os europêos ; por exem- plo : coaracyrangàbay relógio de sol, coatiçàra, escrivão, ifniràrerecoáray meirinho, imirarereoçú, ouvidor, e mui- tos outros. Logo, cumpre fazer a devida digest&o.

Primeiramente, a nossa razão indaga se a idéa expressa repugnava, ou, se, pelo contrário, era comoativel com o estado moral da sociedade dos Íncolas primevos. Com bons argumentos ninguém dirá que tal idéa o era«

Em segundo logar, sendo assim, somos inclinados a presumir que os vocábulos foram, como tantos outros, introduzidos pelos colonos estrangeiros. Além dos mo- tivos já expendidos, fortalecem-me a crença de serem esse^ vocábulos oriundos da necessidade de exprimir idéas adventícias, estas duas considerações : 1* o dar o Dr. Martius o termo poUj;A na qualidade de duvidoso ou incerto, perguntando se será portuguez ; 2* o vir este termo (somente escripto deste modo possa) no Voca- bulário já referido, com as accepções de respeitar, ter respeito. Ora, respeito não é o mesmo que pejo ; e a idéa de respeito não não repugna, como a outra, se não que é toda conforme com qualquer sociedade bárbara. Quanto a mim, pois, é manifestamente preferível a accepção trazida pelo Vocabulário,' obra de auctor na- cional, mais no caso por isso de ter estudado melhor a língua !

Mas diz o Sr. Alencar que «c os diccionáríos são im- perfeitos e espúrios » (a idéa não é d'elle, como pro- varemos opportunamente.) Quem nos dará, pois, a âoluçao do problema'? O Sr. Alencar não nos insina o meio de sairmos doesta difficuldade, mas insinam-nol-o a razão e o bom seus d. Voltemo-nos para aquelles, que têm estudado as raças selvagens no meio d^ellas ; e os

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seos estudos nos servir&o de guia ou de phaual 'neste oceano de dúvidas e incertezas. Mi nait, nas suas R&- cherches et aventures chez les insulaires des Andamanf diz que estes selvagens (e s&o selvagens modernos) sfto « destituídos de todo sentimento de pudor^ e muitos dos seos hábitos assimilham-^e aos do bruto. r> O capit&o- Cook em sua Voyage au pôle sud diz que os habitantes do Taiti s&o absolutamente carecedores de toda idéa de decência^ ou antes de indecencia, » a Sem dúvida ao- crescenta Lubbock, que cita Cook— isto provinha em

Sarte de serem as suas habitações abertas, e nSo divi- idas em compartimentos separados » (como eram as dos nossos índios). Gabriel Soares no seo Rcteiro diz: « Como os pães e as mães vêm o^ filhos com meneios para conhecer mulher^ elles lh*a buscam^ e os Insinam como a saber&o servir : as fômeas muito meninas^ es* peram o macho, etc. » 'Neste sentido haveria innúm&- ras citações que fazer, cada qual mais auetorizada. Onde, pois, a idéa de pudor? e, se a n&o havia nem *num nem 'noutro sexo, como existiria o termo, senão depois do tracto com os europêos ?

O Sr. Alencar dice que o pejo accendeu vivos rubores na Iracema. Como rubores? N&o se incontra 'nesses mesmos espúrios diccionários termo que signifique corar. No Vocabulário açha-se o verbo puçanú com esta accepç&o, mas é erro, por curar. Tanto é erro, que no Glossário vem os termos poçanoug e poçanga^ o

Srimeiro exprimindo curar, e o segundo medicina, pix e Martins asseguram que os nossos Índios « nfto sabiam o que era corar, e q^ue somente depois de longas relações com os europêos foi que a cdr se tomou entre elles o indicio de uma commoç&o da alma. » [Reise in Brazilien, vol 1. pag. 376.)

No diccionário da língua tupy austral, incontra-se o Tocábulo corar ^ mopiranyapó (fazer vermelho). Mas, além de se presumir importado, como se demonstrou, accresce aue n&o era esta língua a que se falava entre os ndios ao Ceará.

Devo declarar, meo amigo, que, se desço a taes mi- nudências, que talvez pareçam exaggerado rigor, e que eu de certo n&o teria sen&o para o chefe apregoado e ae- cantado de uma litteratura^ é porquê elle diz que os seus selvagens tem a «t rudez ingénua de pensamento e ex-- pressão, que devia ser a linguagem dos indígenas, xr

XXXV 23&

Está inganado ; n&o a tem tal, n&o no que fica dicto, como também no que a seo tempo se dirá.

Lê-se na pag. 31 :

(c Teo hóspede fica, virgem dos olhos negros : elle fica para ver abrir em tuas faces a âdr da alegria, e para colher, como a abelha, o mel de teos lábios.

<( Iracema soltou-se dos braços do mancebo, o olhou-o com tristeza :

c( Guerreiro branco I Iracema é filha do Ptigé^ e guarda o segredo da jurema. O guerreiro, que possuísse a virgem de Tupan morreria.

Martim toma a si e responde :

« Os guerreiros de meo sangue trazem a morte comsigo, filha dos Tabajaras. N&o a temem para si, n&o a poupam para o ennemig^. Mas nunca fora do combate éíi^ deixaram aberto o camocin da virgem. x>

Dize-me uma cousa : se tu n&o soubesses o que em língua geral significa camocin^ depois d'aquelle introilo do diálogo, que idéa ficarias fazendo d'esse camocifi aberto da virgem ?

E a pia leitora como n&o coraria até que verificasse o sentido do vocábulo túpico ?

Estou fatigado. Continuarei amanh&.

Teo Teal amigo e respeitoso admirador

Sbmpbónio.

DE CINCINNATO A SEMPRONIO.

Rio 10 Janeiro 1872.

Amigo

Prosigamos no estudo do !•. volume do Til, que é a parte doeste conto de carochinha que perpassei pelos olhos. Por tal arte pullulam vegetações frondosas doeste ubérrimo solo, que 'nelle acharia um Maury ma- téria para nos patentear todos o^ recursos da humana eloquência.

Travámos conhecimento com a ella d'elle (e de quan- tos a quizerem). sabes uma porç&o dos characte- rísticos, entVe os quaes sobresai o de uma vis saltitan- dí, que induz a pensar ter a subjeita molas nas pernas,

âue a faziam pular destemperadamente. Fr. Jo&o dos anctos, na sua Ethiopia^ p. o9, noticia de um peixe do rio de Sofala, a que chamam o saltão^ por ser peor ue uma pulga, nos pinotes que está sempre dando. !u suspeitaria que fosse avô da menina, se nos n&o di- cessem que elle tem a forma de uma tainha ; mas uma

i

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t^aíoh.a uSlo é capaz de gerar formas de pubescencia, e também não consta que o salt&o da Sofala tenba alma de nympha embrulhada em argilla de chrysàlida.

Or» agora a moça^ lida.no seo Molière(Du cõté de la barbe eat la toute-puissance.) era meio homem, e ás vezes homem e meio ! Julgávamos nós que bastava ser mulher para instinctivamente se rodear um. ente de certa atmosphera de delicadeza ; mas esta pim-

Sopa era mal-creada como 4 petroleiras ou como 7 eusas da Raz&o todas junctas. Eis-aqui por exemplo, como ella faz trombas ao namorado, logo a primeira vez que abre o bico, que é quando o parvo está fitando os olhos 'nella ; copio tintim por tintim :

(íQue estd olhando ahi? Nunca me viu? Ex^ clamoUy travada sempre da petulância que animava4he (leia-se : que lhe ammava) todos os movitnentos

sabem que o auctor nos denuncia, com o mais apuradQ gdsto, com o mais incorrupto atticismo, que a sereia tinha um a bregeiro olhar ^ o tregeito garoto de nm caipirinha: era um capelinha de "nU peccados; com. viva^ cidade de traquinas j e prelençoes a rapaz. n Todas estas elegâncias leem-se logo no intróito da história . assim como que a capMinha caprichava em destruir um vestU gio do seo sexo. » Que vestígio será *i Eu n&o perce- bo bem 9^ destruição, mas accredito, accredito que hade ter bem destruído tudo.

Fica portanto demonstrado que entra em scena uma desalmada virago ; e que se Acixilles se tivesse mudado de Scyros para a confluência do Atibaia com o Piraci- caba, outro gallo lhe cantara. N&o curria perigo de de* nunciar-so, quando escolheu o sabre de son père, porqujs isso nao delatava sexos, e na dieta confluência achava Quem desbancasse nao a Joanna do Arco, a Padeira d' Aljubarrota e a Maria da Fonte, mas ao próprio discí- pulo do centauro. #

Quanto ao elle, também era digno de menç&o: tt Calcava o chão sob o grosseiro sócco da bota. » Calcar debaixo da bota, em vez de calcar com a bota, era uma habilidade do heroe; mas onde o escriptor me corre a sapateta é quaudo eji matéria de bota, bota os bofes pela bõcca, para nos convencer da sua sciencia em technologia sapateiral ; e sen&o, é vêr aquella varie- dade de conhecimentos: a alp^goÂas de couro cru *> (as alpargatas ou alparcâs, que eu conheço nao sfto cal- çados de brutamontes/ « grosso^ cothumos de couro

XXXV 23^

de veado, tfto altos que míiis pareciam botas d « ta- cão do cothumo» «botas de bezerro armadas» etc. etc.

Ora como tudo isto é theatral da cabeça até os pés, bom é que estes manifestem, no calçado, que ha 'neste conto matéria para rir e pranctear : sócco e cothumo. Isto eu aprendi, mas o que tu me hasde insinar, se soiibere«(, é o que significa sócco da bota ; será o mesmo que tac&o ? n&o me constava.

Nem te dedignes de estudar disciplinas próprias das lucubraçOes de um ininistro d'£stado, visto como esta especialidade é de mui antiga data, pois se affirma que Luiz XII chamava sapateiros aos ministros de Justiça, dizendo que a estendiam as cousas, como os sapateiros o couro com os dentes. » Podia aquelle soberano, se tivesse lido um capitulo inteiro a descrever um pin- tainho feio {A sura)y e similhantes ductilidades litterÃ- rias, applicar a sua compáraçilo ào preclaro auctor do Til: sutor ultra crepidam.

Começa o auctor, descrevendo uma rechan, e diz: « Pela ramagem das arvores pbrcbbia-sb a proximi- dade de umíi maiftancial. » Em que língua se escreveu isto ? Se é em francez (com a simples desinência portu- gueza ) , entfto nfto digo nada : os francezes tém o seo apercevoir significando começar a vôr, descobrir de lon-

fe» distinguir, que é a accépç&o deste percebiarsey que o r. Alencar em|$rega em muitos logares; mas Suppunha eu que o nosso perecer n&o tinha essa significação, como a nfto tinha operbipere dos latinos: comprehender^ avisar^ receber^ ordenar j appardhár-se^ acautelar-se^ isso tudo pôde dar o nosso perceber ou perceber-se^ mas avistar^ ou cousa que com isso se pareça, creio que nfto pôde sér.

Vamos aprendendo mais :

-^ « Entre as trepUaçôes da brisa nas folhas^ como um tom opaco doesse harpejo da solidão^ ouvionse o murmure soturno do Piracicaba. y> ^

NSo te pergunto se isto é guindada, ou se é um d*estes effeitos que Mme. de Staêl diz que nunca se acham

Juando assim se procuram. O que, sim, peço, é que te ignes traduzir-me esta algaravia em linguagem acce^si* vel ás nossas ínfimas posses. Eu nunca vi este Sr. murmure ( intenda-se bem, em portuguez ); múrmur^ murmúrio ou murmuro^ isso sim. Denominar harpejo ( eu escrevo arpejo, porque o italiano, que nos deu o termo, diz a'tpeggio ) ao som monótono de uma currente d' água, parece-me um símile, tao outorgado pela arte

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musical como o sfio os similes pedidos ás scieucia^. N&o ha arpejo onde se ouve um som único; para que haja arpejo é mister que diversos tons, e pelo menos dous, se modulem r&pida e continuamente. Arpejo de solidão j nem anàlyse comporta. E finalmente pretender que haja opacidade ou transparência 'num som ou 'num tom, amguTa-se-me, que nao tem tom nem som. Nfto me demoro; tenho muito que andar.

<c Septe horas aa manhã haviam de ser » ^Este ^rro, que o Sr. Alencar perpetra a cada passo, e em que tem por sócias todas as cusinheiras da cidade, é formal ataque a um dos mais sabidos idiotismos da hngua, segundo uns, ou a uma philosóphica regra d'ella, se- gundo se me aífigura.Seja porâni qualfôr a quàlificaçfto, recebamos o facto, que é diametralmente opposto ao emprego que o Sr. Alencar costuma dar á 3.* pessoa do veroo haver. Ouçamos por ex. C&ndido Lusitano:

« Na concordância do verbo com o seo nominativo, temos um particular idiotismo do verbo haver , porque nas 3." pessoas do número singuhir nSlo concorda em número com o seo nominativo. Os ignorantes, e também muitos dos que presumem não o ser^ guvernando-se pelas regulares conjugações dos outros verbos, teem por erro crassíssimo ouvirem dizer: Houve homens que nunca haviam de ter nascido, em logar de houveram homefisA Havia muitas iguarias no banquete em vez de haviam iguarias. Porem estes presumidos s&o os que erram, porque com tod )s os clássicos da nossa língua se prova, que o estar este verbo no singular, e o seo nominativo homens ou iguarias no plural, é um idiotismo e gram- mática irregular, muito piópria da nossa linguagem. ^

Repetirei aqui ser atteadivel o reparo d*e*te ôrro, que é o C')mmettido pelo Sr. Alencar, e ir eu maia longe, pois supponho nflo ser isso um idiotismo, mas o bom talar ; porque se ha homens^ havia festas, houve tempos, haverdcasosÁ fôáseoi^eabiiente discordâncias de número enire siibjeito e verbu, nem se deveriam, nem se pode- ria n desculpar: a iiliisao está em cai«1ar-se que o verbo haoer si*^nitíca exustir. Logo que se advirta em que haver é derivado do habere, e com a mesm;i significação de ter, fica manifesto que o erroneamente çha nado subjeiío ou agente nao é senão complemento obiectivo ou paciente ; e que o agente ou sul jt^ito real se deixou occuiio, para couforuiar con o uso recebido. Assim: —Ha homens^ completa -se d*este modo O homem ha [tem) homens.

XXXV 239

O que estes modos de dizer são por tanto é ellípticos ; « nfto se confunda ellipse com idiotismo.

No próprio francez, tão naturalizado por Sénio, é mui similhante o uso do verbo avoir^ derivado, como o nosso haver ^ da mesma raíz latina, ecom idântí ca signi- ficação. Enilya des hommes (ha homens), o subjeito é il (equivalente de le monde) ; o complemento objectivo, 4es hommes.

Desculpa, se, uma ou outra vez, me vejo forçado a assumir apparência pedagógica; o faço quando as phrases analysadas não são propriedade exclusiva do escriptor insigne, mas também usadas por outros. Não quer isto dizer que a razão esteja sempre pela minha parte: ego non sum papa. Em cada jcaso competirá sempre a ti e aos competentes dissiparem os meos erros, quando seja eu que 'nelles labore.

Sigpamos, como a cabrita, aos pulos por hi abaixo.

« O c^o, essa immensa tela azul que foi cúpola de nm berço (o da /uz), e serd mais tarde véo de um leito (o da vida)^ a alma o procura^ o contemplay quando a dôr a prostra. »

Esta cousa, que não scei se ata nem desata, começa por ser um plágio. outro collega coimbrão (Sr. An- thero do Quintal), tinha dicto :

Oh f o noivado bárbaro ! o noivado sublime ! onde os céos, os céos ingentes serão leito de amor, tendo peadentes os astros por docel e cortinado.

E no Fiat luxy diz também que o velho Chãos, o Oleiro do Infíuíto, cançou-se de amassar mundos, e como não tinha mais barro, esfregou as mãos que estavam sujas, e deixou cair d'ellas por esse abysmo alem um ( que ora morcego).

migalhas dos banquetes do Principio, triste parto das sombras, atirado sobre o borco de luz do firmamento, que era um filho ingeitado, qúe se escondia pela sombra dos muros &

E' claro como um prego, ser um plágio coimbrão aquelle bArço de luz e cortinado de leito^ e mais claro aitiia, que d luz surgindo es «léndída e instantânea- m^^nte, ao simples seja I te\^e u n berço, que foi na tela azul ; e que o cé) axul ha le Sv3r vèo de leito da vida ; e quem nlo encend-jr nada, é pori^e é obtuso.

E d'ahi... talvez nem plágio seja. Ocárebro-vulcão do

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nosso romancista Bra bem capaz de gerar coudas d' aquellas, e poderá dizer dos collegas coimbrões o ^ue em caso auálogo dice Piron :

Lears écrits sont des vois qu'ils nous ont fait d'avanc6.

Com o que eu porém desadoro é com aquella ca delia d'alma, que nunca se lembra de S. Bárbara, senfto ao estampido dos trovões I Quando as cousas lhe correm bem, olha para o çhao ; quando se lhe atrapalham, levanta o lúzio para o ar, com risco de que o céo lhe responda : <i Oh senhora, deiíte-me ! quem lhe oomca a carne, que lhe rôa o osso.»

Nfto tenho mais tempo para estragar, e a minha lan- chara aqui a ferro por hoje. E' desnecessário currcr mais ; chi va ptano, t)a sano; chi va mno^ lontano.

Tudo isto, como as tuas profundas criticas, hadè ficar sem resposta, pois é mais cómmòdo aos thuribuláríoa incensar que redarguir : pára isto é precido estudo (que sempre aborrece), e razftò (qtie se nfto tem); para aquillo, basta pulmão ou penná ( qu^ ha fartura ). Amanha virfto esses célebres comparsas & sua Hosan- futh Raòba, & áua festa dos tabérníU:ulos, clam&tido que Âpollo é AjpoUo e Alencar o seo propheta; s&ò os só- cios de Uiysses, mimoseados por Circe. Assiâi como o abbade cantar, hade o acólyto accòmpanhak*.

Todavia, sempre te duero dizer que o pimpão, que continuo a cohsiderar digno int«^rpréte de Sénio, espé- cie de demónio familiar de Sócrates, salu-se (mais uma vez, que me conste) com outtas parvòiçadas qtie infdn- diam dó, mas que fizeste bem em aespre8ar,como eu tam* bem o fíz. Trazia 1& umas histórias de zenitbs, vulcOes etc. impagáveis, e tfem pretendido roer-me os calcanhar res e satyrizar-me, como se isto de s&tyras fosse para sátyros !

Nas f&bulas de Es^o, segundo leio, é célebre o ju- mento que, vendo que o senhor assentado na mesa dava boccadishos a um caosito, que se levantava èm e Ihè fazia festa, imaginou que lhe succederia o mesmo ; tats levantando as m9os, e atirando com ellas ao peito do senhor, deu com ellè e com a cadeira no çhao. Acudi- ram os creados, e com p&os moeram ao asno. Graças asininas s&o chamarizes de trancas.

Agora adeus, até quando o tempo me der vâo.

Teo admirador CIiícinn^to.

Typographia e lithographia -IMPARCIAL-- Rua Sete de Seie mbro, 146

QUESTÕES DO DIA

]Sr.^36

RIO DE JANETEO, 31 DE JANEIRO DE 1872.

Vende-se em casa dos srs. E. &c H. La3inmert.~Âgt>stiiiho de Freitas Gn- marSes &c Comp., 26, rua de Qeneral Camará.— Livraria Académica, Rua de S. José n. 119- Largo do Paoe n. C— Preço 300 reis. O r volume, com perto de 400 páginas— 319000.

ln.stz*iicçao Popixlar».

CARTAS DE CÍCERO ÂO SR. DR. CUNHA LEITÃO.

Continuando o assumpto tractado em minha carta an- terior, ponderarei agora que as conferências populares tSLO um pensamento civilizador, que nos paízes majis prósperos da Europa dao de si aprimorados fructos. Vós

Í)orém, Sr., talhastes as conferências em Sergipe com eição de insino popular ; e sendo o primeiro que ini- ciastes no paiz tao robusta concepç&o, apropriastel-a aos costumes, instituições e índole do povo. 'Nisto, alem de muita sagacidade, revelastes talentos de estadista e admi- nistrador. E' por isso que as conferências no Aracaju excitaram estímulos, accenderam brios, acordaram intel- ligdncias que se perdiam na inércia, e o povo curreu a ouvir a palavra de oradores, ainda moços, ainda inexpe- rientes, mas robustecidos de e alimentados pelo fogo sagrado do patriotismo. Cabem também aqui umas refle- xões sobre a charta que inderessastes ao director da instrucçfto pública e que tfto bons resultados produziu : é uma peça litterária, talhada no molde d'aquellas bel- las epistolas que Duruy sabia escrever de 18d7 a 1869, quando dirigia a pasta do ministério dos cultos e instruo- ç&o pública do segundo império francez ; além d*isto é cousa nova no paíz e dieta em estyk» terso e abundante. Continuando no poncto, em que alarguei os pannos do assumpto, tenho a signifícar-vos um pesar, e vem a ser o de que em todo o Brazil se nfto propagasse o gosto d*aquelle discursar ameno, fácil e instructivo das con- ferências. Entre nós, descendentes dos latinos, com uma língua tfto opulenta, seria isso facillimo e n&o é raro açharem-se vocações decididas para a tribuna e talentos provados na oratória.

Dejpois das conferências, creastes nas cinco cidades de Sergipe aulas públicas nocturnas, para os adultos, onde

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elles fossem receber instrucçfto primária elementar gra- tuitamente.

Louvar mais essa nobilíssima creaçSlo, seria repetir um a um os liymnos que a imprensa do Brasil vos inde- reçou. Cabe-me porém fazer um reparo : de todas as instituições úteis e humanitárias, que o vosso géuio fez surgir á luz, a que mais me inçheu de enthusiasmo foi a da creaçao de uma aula para os presos da penitenciária do Aracajá. A isto chamo eu guerra aos problemas do socialismo^ morte ás sombrias theorias do communismo charidade evangélica, sancta, que peitos christaos sabem sentir ! E' semente atirada a um solo até entfto subventâneo e infecundo ; é orvalho do céo descido para mitigar a sede de infelizes, sepultos nas masmorras de uma detenção. Verdadeira philosophia, que sabe que onde se abre uma eschola, se fecha um cárcere ; onde ha irradiações, fogem as sombras !

A vossa presidência em Sergipe foi curta, mas deixou muita luz. Os jornaes do Norte e do Sul, e nomeada- mente os de Sergipe, resumiram em um bello artigo a synopse brilhante de vossa administração. Nâo me furto ao prazer de mais uma vez transcrever essas phrases que curreram todo o império. E' tao bom o mister da imprensa, quando edifica ; é tao nobre recompensar-se de modo público os que se afadigam em cousas que trazem bem para a nação !

« A administração do Sr. Dr. Cunha Leitão (diz o orgam sergipano transcripto em outras provindas) posto que de curta duração, como a passagem de um meteoro, deixa comtudo traços luminosos e indeléveis, que jamais serão obliterados da memória do povo sergipense. »

Verdades são essas tao poderosas que, ao sairdes do Aracaju, recebestes as provas inequívocas das sympa* thias d'aquelle povo generoso.

Deixando a cadeiíg de primeiro magistrado de uma província, viestes tomar assento entre os legisladores da província do Rio de Jai^eiro, mostrando-vos desde logo apóstolo por excellência do insino popular.

A instrucçlo obrigatória, com cujo projecto iniciastes vossa vida pública no anuo anterior, projecto que tanto honra ao nome illustre do seo auctor, como ás luzes da Assembléa que oapprovou, foi o primeiro assumpto que mereceu as attenções do vosso talento.

A instrucçao obrigatória tem sido ventilada e deba- tida nos paizes mais adeantados da Europa. Melhores

XXXVI 243

que os longos discursos e que os arrazoados , em que cada um mette maior número de consequências, s&o as vantagens que os cantOes da Sulssa e quasi toda a Állemanha do Norte têm tirado de um systema de insino, em prol do qual militam publicistas eminentes e libera- lissimos, como Tocqueville e Pelletan. A assemblea le- gislativa do Rio de Janeiro, ouvindo a vossa voz elo- quente na defesa de um projecto de si fecundo, votou por elle ; e a imprensa da Corte nao se esqueceu de tributar ao vosso nome os louvores mais espontâneos. Um jornal inglez, memorando este facto, diz o seguinte : c< The assemblyof lhe Province o f Rio de Janeiro has passed a lato making it obrigatory on parents and guardians to sendthe children^ ofeither sex^ in their ctiarge, to viiblic or private schools, from lhe age ofl to 14 years. ChUdren for whom^ ovoing to poverty^decent clothing cannot other- wise be obtained^ are to be clad at the cost ofthe provincial treoÃwry,

« The autor ofthe bil!^ Dr. António Cândido da Cunha Leitão, deserves the highest praiae for a measure tohich unhappy experience has proved is needed to overcome the indifference of the poorer classes to the education of their children^and whichhas been employed with síich advanta- geous results in Prússia^ and other states of Germany. Dr, Cunha Leitão^ has thus proved that he is ofthe stuff from which genuine and practical refomiers aremadc^and it would be well for the country, icere more ofhis kind to he found in its representation, »

Após o luminoso projecto de iastrucçno obrigatória, necessidade imprescindível na província do Rio de Ja- neiro, por isso que, alem de ser gr..taita, se decretara o insino livre ; apresentastes o projí^cto das esc/io/íw pú- blicas nocturnas de instrucçao primária para OvS adultos do sexo masculino, em todas as cidades e víUas da pro- víncia. A utilidade d'essas iusiituiç^s de índole demo- crática, era que o homem, moco uu velho, nascido em o fundo d'ura sert&o, ou em centro populoso, pôde, nas horas do descanço, á noitinha, receber o alimento e a lu# do espírito, é por sem dúvitln manifesta. As socie- dades litterárias, os grémios políticos, os homens ver- dadeiramente patriotas estão vantando escholas. De- pois que instituístes o curso nocturno do Aracaju, quan- tos cursos e aulas nocturnas n&o tem produzido a felicíssima propaganda da disseminação do ensino po- pular ! E' uma cruzada sancta, a que se junctam todos

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os talentos, todas as vocações e todos os espíritos bem intencionados. Lamento porém que o município, o re- presentante fiel dos direitos do povo, desde as iuctas da edade média até nossos dias, nSo se tenha podido adean- tar etn reformas taes. Que honra e glória para as câ- maras municipaes, se d'ellas partisse a iniciativa de crear escholas ! mas a decadência dVstabella insiituiç&o, tfio mal approveitada no ^aíz, tem-lhe tirado o cunho characteristico da sua autonomia e reduzido à ultima penúria os seo9 orçamentos I Comprehendeis que esfés s&o os sentimentos que nutro a favor de uma causa, que não é de uma cidade, mas de um paiz: nfto de um paíz, mas da humanidade. A causa da instrucç&o,8aa disseminação, sua universalidade, entram por certo nas utopias dos philósophos. Creio mesmo que é assim que a humanidade ha de ir por deante ; emquanto porém o insino nao fér livre, a instrucçao primária obrigatória, e emquanto se nao multiplicarem as bibliothecas> os jor- naes, os livros, se nao estabelecerem conferências gra- tuitas e cursos nocturnos, nfto poderá haver progresso senão lento, imperceptível quasi.

E é» por sem dúvida, louvando-vos 'nestas ideaa que appresentastes um projecto, creando bibliothecas popu- lares. Aquillo, sim, que é trabalhar e preparar o terreno, d'onde deve rebentar a esplêndida messe do futuro. Deixemos Volney parado ante as ruínas de Palmyra e Troya, calcando aos pés as ossadas descommunaes de cem cidades batidas das areias esbrazeadas do deserto ; deixemol^ lamentar o passado ; e sintamos antes ale- gria com os apóstolos do progresso, admirando o desiii- volvimento phenomenal dos Estados Unidos, onde a in9- tracção se áerrama de modo extraordinário : todos os municípios, todos os homens ricos votam taxas propor- cionaes e legam dotações enormes para museos, bibliothe- cas e escholas. Na 4^11emanha, principalmente na Prús- sia^ ha contribuições directas, especiaes, que são votadas no reichstagy e cumpridas escrupulosamente. Mas, indo- lência nossa, apenas despontam os primeiros albores da uma luz no horizonte I E será aurora ou crepúsculo ?

A creaçfto das biòlioihecctó popular es , moldada também á feiç&o da índole do povo, vai ja excitando reparo entre nós. A imprensa, que é sempre quem anda na van- guarda da opiniso nacional ( íalo-vos aqui da imprensa nobre e generosa; da outra nao me occupo eu, que a^ baixo n&o volvo os o|ihos ) , revelou-a como utiUssima ;

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e não o diria de outro modo, a menos que fechasse os olhos às consequências benéficas que o gosto das lettras, o amor ao estudo, produzem sempre. Cabe- vos a palma da prioridade de tao bom pensamento, que o. tinheis manifestado em Sergipe, quando em carta official ao Di- rector da Instrucção Pública o convidastes a inceptar a série de conferéTudas nocturnas.

Grande contentamento deve ser o vosso, em bem servir o paíz que vos viu nascer. A que maior glória poderia aspirar o vosso bello talento do que essa de, na prima- vera da vida, na estação esperançosa dos vinte annos, contar tantos e tao assignalados serviços ao paiz e á causa do povo, inflorar tão virentes louros na eorôa brilhante que ha de ser o vosso futuro ? A vossa glória cresce de poncto, quando vos cabem os títulos de terdes iniciado no Brazil as melhores ideas, ainda n&o cui- dadas, sobre a instrucção pública. São vossos foros em Sergipe o curso nocturno^ as conferências populares^ cls escholoà nocturnas pa/ra achUtos e a aula para os presos do Aracaju ; no Rio de Janeiro os projectos de mstrueção primária obrigatória^ aulas nocturnas para adultos, e bibliothecoà populares

Quem por esse modo principia a vida pública, deve ir longe. A intelligência, quando mais trabalha, mais es- plende: é o diamante a despedir de si mil scintillaçoes. E, confrade e amigo, o paiz não pôde ser indifferente aos commettimentos nobilíssimos em que se embarca o vosso afortunado génio. Hoje, mais que nunca, a nação tem direito de exigir o concurso de vosso espírito, os labores de vosso intendimento. Trabalhae, que o alicerce de vosso futuro o firmou a vossa actividade; agora é perse- verar. Saúdo desde as alvoradas de um porvir, que ha de ser semeador de boas obras, e generosas ideas. Falei-vos do futuro, e não esconderei que Deus reservou para os seos eleitos os príncipes c|^ talento, os illumi- nados do fogo celeste as murmurações dos zoilos, as objurgatórias dos parvos, as injúrias dos obcecados, muito fel, muita provação; mas dir-vos-hei também ue, quando o sol rutila, ençhem-se de luz os cabeços as montanhas e o fundo dos valles, as campinas esmal- tadas de flores e os pântanos, onde se escondem os reptis que lhe não supportam a luz. Caminhae, que, como ao saudoso Elmano^ a posteridade é vossa.

ClCBBO.

i

246 XXXVI

OBRAS DE J. DE ALENCAR— A IRACEMA.

IX

Meo amigo.

Cumprimento-te, e continuo.

Lê-se na pag. 84 da Iracema: « ....Se o guerreiro Cauby tem de morrer^ morra elle por esta mão, e não pela

tiui.

« Martim pôs no rosto da selvagem olhos de horror :

nlracêma matará seo irmão ? Iracema antes quer que o sangue de Cauby tinja sua mão qve a tua\ porque os olhos de Iracema vêem e a ti, a dia não. »

Explica-me esta filigrana, que o Sr. Alencar n&o achou planta exótica 'numa sociedade, onde o sangue, longe de iafamar, exaltava, porque era prova de gen- tileza e bravura.

Entretanto, ao passo que tinha tal fineza para o amante, n&o vacillava deante do extermínio da tribu inteira, que uma palavra sua poderia salvar. Assim, lê- se na pag. 52:

«O estrangeiro estd salvo /'diz ella) ; os irmãos de Iracema vão morrer ^ porque ella não falará, »

'Nestes irmãos, além de Cauby, estava comprebendido o próprio pae, o page. Será tudo, muito poética, muito romântica, menos lógica, similhante sensibilidade.

N&o isso, como também o que se segue, é prova de que ella n&o sentia grande affecto a esse pae, apezar de a estimar elle em tanto. Assim, lê-se na pag. 143:

« Ainda vive Araken sobre a terra ? ( perguntava a índia a Cauby, que fora ter com ella ás praias do mar).

<íL Pena ainda ; depois que tu o deixaste^ sua cabeça VERGOU para o peito ^ b não se ergueu mais.

<( Dize-lbe que Iracema é morta j&, para que elle se console. »

E foi preparar a rg^eiç&o, armar a rede, etc.

Para n&o offender Martim, que ella, como se tem visto, superpunha às mais naturaes affeições, deixou de chamar aos Potyguáras (s, cuja tribu pertencia Poty, amigo de Martim). Potyguáras^ nome que davam os Ta- bajàras(dil-ooSr. Alencar^àquellesporescàrneo, signi- ficando comedores de camarão fVid. a pag. 51)

Mas, se ella observava tal delicadeza, que faria inveja a muita gente civilizada da sociedade em que vivemos, onde n&o nos offendem na pessoa dos nossos amigos, mas até nos assacam a nós próprios pelos diários toda

XXXVI 247

sorte de doestos, nós temos sido doestes victimas, como n&o evitava a Martim a protecção impertinente que o des- gosta/va (f&g, 45) ^ dando logar a Mel-Redondo dizer a elle : a Vil é o guerreiro, que se deixa proteger por uma mulher » (pag. 28) Se se mostrava tso íina e escru- pulosa alli, tractando-se de um amigo do amante, como n&o o fazia quando aqui se tractava do pondonor, do brio (que era tudo entre os selvagens) d'elle próprio ? Ali! Iracema, tu foste o primeiro fructo, ábsonojà, da árvore estranha, que devia mais tarde produzir a Diva, et reliqua I

Em mais de um passo se notam arranjos de pbrase, que se afiguram próprios da linguagem polida. Assim, lê-senapag. 21:

« Iracema nunca sentiu a frescura do seq

SURRISO. »

Scei que posiiuiam os Tupys o vocábulo yroiçang^ frescura, viração. Mas nfto obstante,ninguem contestará que frescura de surriso seja um dizer figurado, pos- sível na lÍBguagem de uma sociedade de outra ordem, que não a dos selvagens. Entre nós mesmos, nas classes mais elevadas se poderá usar de tal melindre e bellezaáe pensamento e de expressão.

Ha um grande erro de forma na obra do Sr. Alencar : Essa linguagem, sempre figurada, que elle poi a cada instante na bõcca dos bárbaros, como se fossem todos poetas.

Está iuganado ; o uso, que faziam dos tropos, era determinado tão somente pela necessidade, quando tinham de exprimir as idéas abstractas, para as quaes lhes faltavam termos. Fora disso, o seo modo de expri- mir-se havia de ser grosseiro, rústico e simples, porque a mais lhes não permittia subir o estado de embruteci- mento intellectuai e moral, em que o seo espirito jazia immerso. E' o que dizem todos os %uctores.

Ld-se na pag. 12 :

« Estrangeiro^ Iracema não pôde ser tua serva. E* Ma que guarda o segredo da jurema e o mystério do sonlto. Sua mão fabrica para o page a bebida de Tupan, »

E na pag. 32 :

«t O guerreiro^ que possuísse a virgem de Tupan^mor- reria. »

Inverosímil, porque a virgindade entre elles nunca foi signal de distincção ou valia, de sorte que a perda d'ella importasse oppróbrio ou menospreço; e ainda

248 XXXVI

porque, se o fabrico da tisana da jurema era segredo d'alta importância, pois que d'elle dependia o prestigio do page, nao lh'o teria este confiado. Os pagés, por isso que eram impostores, deviam necessariamente ser, e o eram, também muitíssimo ciosos da sua auctoridade, e a não exporiam (como a nao expunham) á mulher, ente reputado vil entre elles. Falando dos pagés, diz G. Dias: « Eram anachoretas austeros, que habitavam cavernas hediondas, nas quaes,so& pena de morte^ não penetravam profanos.» (Prim. Cant.^ not.) E mais : « Fugindo d^essa tal qual sociedade que tinham, retiravam-se a cabanas affastadas e obscuras, ao õco das árvores, á lapa dos rochedos ou &s cavernas tenebrosas, onde nenhum guer- reiro intrava, e de cuja vizinhança se abstinham. » [Ohr. Post.) E mais: « Os segredos, que possuíam, ob- tidos pela observação e experiência, ou herdados dos seos antecessores, eram como o sdh da sua auctoridade^ e o characterístico do seo valimento para com Deus. » (Ibid.) Como, })ois, intregaria Araken a outrem (fdsse quem fosse ] a ulma da sua impostura, que se poderia converter de chofre em arma contra elle próprio?

Se o Sr. Alencar intendeu poder justincar a anomalia com o que refere Gr. Dias 'nestes termos : « Um prestí- gio de tal ou qual considey^ação rodeava as mulheres no seo estado de virgindade, porque ds virgens era per- mittido mastigar a mandioca para fabricar o cauim » inganou-se ; primeiramente, o próprio G. Dias cita Do- brizhoffer, que « tractando do çhiçha^ que é uma espécie de cauim, parece indirar que os velhos o fabricavam» : em segundo logar carapre dizer que se os homens re- mettiam esse direito, ou melhor essa obrigação para as mulheres, era porque, segundo diz Levy » julgavam elles que isso lhes fazia mal, e o reputavam indigno do sexo. » Mas o mesmo se poderia acaso intender do fa- brico da bebida de T^pan^ que incerrava o mysUrio do sonho ?

O que, porém, principalmente admira, meo amigo, é, nao digo achar-se senhora dos segredos do sacerdote uma mulher, mas ser a cabana d'este accessivel a pro- fanos, estrangeiros, e até inimigos!

Por exemplo : na pag. 44 lê-se :

c( Araken viu intrar na sua cabana o grande chefe da nação tabajàra. y* O chefe nao introu, como ^nella amiaçou o page ; é o que se da pag. 46 : « ....a ta que amiaças em sua cabana o velho Page. »

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Mas emfim, como se tracta do chefe, o grande Ira- puam, dou de barato que o fizesse, bem que os historia- dores Q&o assignalem excepção de espécie nenhuma, e digam positivamente, como se viu, que incorria em pefia de morte quem ousava penetrar na habitação do sacerdote de Tupan.

Com espanto vemos o próprio sacerdote dizer & filha, na pag. 54 ;

a —Se os guerreiros de Irapuam viessem contra a cabana, levanta a pedra e esconde o estrangeiro no seio da terra. »

Devo dar algumas explicações. Quando Irapuam in- vadiu a cabana de Araken, com o fim de apoderar-se de Martim, de quem tinha ciúmes, pela Iracema, o velho <K avançou até o meio da cabana (palavras do Sr Alen- car), e alli ergueu a graude pedra e calcou o com força no çhfto : súbito, abriu-se a terra. Do antro pro- fundo saiu um medonho gemido, que parecia arrancado das intranhas do rochedo. »

O Sr. Alencar explica o prodígio em nota a pag. 175. Eis as suas palavras : « Todo esse episódio do rugido da terra é uma astúcia, como usavam os pagés e os sacer- dotes de toda a nação selvagem, para imporem à imagina- ção do povo. A cabana estava assentada sobre um ro- chedo, onde havia uma galeria subterrânea que com- municava com a várzea por estreita abertura ; Araken tivera o cuidado de tapar com grandes pedras as duas aberturas, para occultar a gruta dos guerreiros. 'Nessa occasiao a fenda inferior estava aberta e o Page o sabia; abrindo a fenda superior, o ar incanou-se pelo antro espiral com estridor medonho, e de que pôde dar uma idéa o susurro dos caramujos. O facto é pois natural ; a apparência, sim, é maravilhosa.»

Vemos, portanto, que essa astúcia, que devia ter cus- . tado a Araken, e que estava vl(P seo interesse manter mysteriosa e imperscrutável, a fim de impôr-se d imor- gtnação do povo, de repente a desvenda elle próprio, e a intrega a um desconhecido, que, saindo d' alli, poderia ir apregoar a impostura, dando logar a decair do pú- blico conceito quem a ella devia o prestígio, que o fazia respeitado e terrível. Certamente os pagés, pôstoque selvagens, nao cairiam em tamanha indiscrição, que importaria o suicídio de seo maravilhoso poder.

Mas emfiin, não Araken ordenou á filha que escon- desse o estrangeiro na caverna, senão que [o estrangeiro

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çheg-ou a penetrar effectivamente 'uella, como se da pag. 60 : « Iracema ce?Ta a mão do guerreiro^ e o tevo á borda do a/ntro. Somemse ambos nas intranhaa da terra.y)

D'eât'arte os preconisados sigillos e mystérios das cavernas dos pagés e dos seos ritos, de que positiva e terminantemente nos d& noticia a história, ficam ^ndo mera burla em face do capricho do Sr. Alencar. Como comprehendeu mal o Sr. Alencar as tradições e crenças dos índios, de que fez tamanho alarde nas suas Cartas sobre a Confederação dos TamoyosI Profanos e estra- nhos penetram nos recônditos recessos, vedados sem excepção a todos, menos ao sacerdote, representante de Deusy Iracema leva o estrangeiro ao bosque sagrado (pag. 26); dà-lhe a beber do liquor prestigioso, reservado aos guerreiros (pag 23) ; o que mais resta ? Está tudo anniquilado. Ingano-me; ha cou^a ainda mais aggra- vante. Queres ver, meo amigo? Pois é já.

Lê-se na pag. 63 :

a Iracema e o christao, perdidos nas intranhas da terra, descem à gruta profunda. Súbito uma voz que vinha reboando pela crasta, inçheu seos ouvidos.»

De quem avalias tu que seria a voz que profana a gúélla de Tupan? De algum guerreiro de Irapuam ? Nao- De alguma mulher? Não. De algum desconhecido ou forasteiro, como Martim? Também nao. Ouve tu :

« O guerreiro do mar escuta a fala de seo irm&olf

« E' Poty, o amigo de teo hóspede dice o christao para a virgem.»

Sim, meo amigo, era Poty, o grande chefe Potyguára, Poty, o implacável inimigo dos Tabajáras, Poty «i cuja fama (textual) subiu das ribeiras do mar ás alturas da serra » ; Poty contra quem « rara é a cabana onde não rugiu o grito de vingança, porque em quasi todas o golpe do seo válido ^acape deitou um guerreiro taba- jára em seo camocim. » (pag.' 52.)

Eis o page exposto, desmascaiado o seo embuste, por terra o seo incauto e poder, exposta também a tribu, na pessoa do seo sagrado ministro ! Tudo estava nas m&os do inimigo. Eis ao que logar fazer-se de uma mu- lher (contra o uso inveterado) acólyto do sacerdote, ou iniciarem-n'a' nos solemnes e profundos arcanos de Tupan !

E, em definitiva, quem é que tem a culpa da rude inversão, t&o estranhamente operada nos estylos, quer

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civiSy quer de religião, da familia bárbara ? Se nSo é sempre o amor, nao deixa de ser elle em grande parte. O amor de Iracema a Martim leya-a a estancar o san- gue que ella mesma derramou da face do guerreiro, e no mesmo instante em que o fez (nao muito natural] ; a vibrar, em sua defeza, o arco e a frecha (contra os usos) ; a dar-lhe a beber a tisana do sonho, a penetrar com elle no bosque do sacrifício, e, por consenso e até por ordem do page I na furna sagrada (contra o rito).

O Sr. Alencar parece ter a paixão de demolir. Basta pertencer ao passado para provocar as suas iras ; basta ser venerando para leval-o ao sacrilégio. Que índole ! Que natureza I E çhama-se aquillo conservador !

Queres tu saber, meo amigo, o que intendo que se deveria fazer, no caso do auctor da Iracema ? Ouve . Intendo que se deveria pôr o amor em lucta com a su- perstição— a paixão bárbara bracejando com a crença bárbara ; Iracema loucamente amando, mas firmemente respeitando a liturgia gentílica. D'ahi, que embates de sentimentos, que acerbos desesperos, acçoes grandiosas, episódios tremendos, sacrifícios inauditos, satisfacçoes ineffaveis I « Guerreiro branco (diria a india a Mar- tim), a gruta do sacerdote é absolutamente inaccessivel e impenetrável ; alli está o segredo do prestígio e do poder; a ninguém é dado, nem mesmo a Irapuam, sondar o mystério do abysmo ! Se lograsses recolher-te 'nesse asylo, estarias salvo ; quem se atreveria a ir disputar-te a Tupan ? Ah ! mas como não se viola impunemente o rito tremendo, eu expiarei por ti a profanação sem egual ; salva-te, que Iracema te irá esperar na deliciosa mansão das montanhas azues.» Isto, sim, estava na * Índole e na paixão decidida, heróica, stoica, do selvagem, que soffria o sacrifício rindo e cantando.

Não seria mais lógico e talvez mais bello, do que a relaxação, que se nota do i^ntimento religioso da parte do próprio, que tinha interesse em cada vez for- talecer mais o elemento da superstição ?

Responde-me : está ou não anniquilada, na obra do ^r. Alencar, a theogonia dos Brazís ? Quem mactou o gaúcho, infirmou se nãp mactou também o índio!

Mil attencoes do

Teo amigo certo

Semprónio.

252 XXXVI

o Ooiisex*vato]?lo de iviixsloa

Noticia, histórica e descriptiva da. inauguração do edifício, e origem da instituição.

II

Em 1841 uma modesta associação musical d'esta cõrte requereu & Âssembléa geral legislativa a concessão de dezeseis loterias para com o seo producto fundar e man- ter um Conservatório de música, Defferída satisfactoria- mente esta petição, por decreto de 27 de novembro d'esse mesmo anno, foi mandada executar a lei da Âs- sembléa, fazeado-se extrahir duas loterias annuaes até completar se o número das que foram solicitadas e con- cedidas.

Por decreto de 21 de janeiro de 1847, sendo ministro dos negócios do império o Sr. Conselheiro Joaquim Mar- celino de Brito, estabeleceu o Governo, de accõrdo com a Sociedade de miísica^ conforme a determinaç&o da su* pracitada lei de I84I,as bases do Conservatório, com seiB cadeiras de professorado, sendo : três de rudimentos de solfejo e canto, uma de instrumento de chorda, uma de instrumento de sopro, e uma de harmonia e composiçfto ; ficando também estabelecido nas referidas bases que o producto das loterias seria convertido em apólices e com os juros d'estas se fariam as despesas da manutenção das aulas, capitalizando-se o excesso da receita, para ser applicadoà compra de uma casa para estabelecimento das me-mas, e que o Conservatório ficaria sob a adminia* traç'3o de uma directoria de três membros, tirados da Sociedade de músicxL.

Pelas portarias de 28 de janeiro d'esse mesmo anno foram nomeados : Francisco Manoel da Silva, director do Conservatório, o padre Manoel Alves Carneiro, th^ soureiro, e Francisco da Motta, secretário ; concedendo- se uma das salas do pai^imento térreo do Muséo nacional para exercício da aula de rudimentos de solfejo, e no- meando-se para professor da respectiva cadeira Fran- cisco Luiz Pinto, com o vencimento de 600$00O an- nuaes.

Em 10 de agosto de 1848, em presença do ministro do império, então o Sr. Conselheiro José Pedro Dias de Carvalho, inauguraram-se solemnemente as aulas do Conservatório, coUocando-se 'nessa mesma occasiao o busto, esculptarado em gesso, do grande músico brazi- leiro,o padre José Maurício, cujo nao vulgar talento

253

mereceu as maiores distincçoes que o Sr. D. João VI costumava conceder aos artistas de sua predilecção, j& nomeando-o mestre da sua real capella, j& condeco- rando-o com o grau de cavalleiro da ordem de Christo, bonra esta que 'naquelles tempos era reputada como prova do mais alto e merecido apreço.

Por portaria de 31 de octubro de 1853, sendo ministro do império o Sr. Conselheiro Luiz Pedreira do Couto Ferraz, hoje BarSo do Bom Retiro, foi o Conservatório auctorizado a estabelecer a aula de rudimentos de sol- fejo para o sexo feminino, no CoUégio de Saneia Thereza, da Sociedade Amante da Instrucção, em falta de melhor logar ; sendo nomeado por outra portaria da mesma data, o finado Francisco Manoel para professor d'essa aula com os mesmos vencimentos que percebia o da aula idêntica do sexo masculino, Francisco Luiz Pinto, que, no anno seguinte, pedindo a sua demissão d'aquelle incargo, foi substituído, a 3 de junlio de 1854, pelo maestro Dionysio Vega.

Por decreto de 23 de janeiro de 1855 foi reorganizado o Conservatório com a creaçao de novas cadeiras, con- firmando-se as nomeações anteriormente feitas, de Fran- cisco Manoel e Dionysio Vega, para professores de rudi- mentos de solfejo para os sexos masculino e feminino, e nomeando-se para a de harmonia e contrapoftcto Joa- quim Giannini, de flauta Jo&o Scaramella, de clarineta António Luiz de Moura, de rebeca Demétrio Rivera e de violoncello e contrabaixo José Martini.

A 14 de março de 1855 abriram-se solemnemente as noras aulas, executando-se por essa occasifto o primeiro concerto dado pelo Conservatório y no qual tomaram parte 44 alumnas e ôO alumnos do mesmo. A 14 de maio do mesmo anno, por decreto imperial, foi a^uella eschola unida k Academia de beUas artes e constituída em quinta secç&o da mesma academia. #

A 16 de março de 1856 deu o Conservatório o seo se- gundo concerto, pela primeira vuz executado no palácio da Academia das beUas artes como complemento & festi- vidade da distribuiç&o de prémios entre os alumnos de uma e outra instituiç&o.

A portaria de 31 de março de 1857 approvou a es- colha que o Conservatório fez do seo discipulo Henrique Alves de Mesquita para primeiro pensionista do Estado nos Conservatórios ae Paris e Milfio.Este notável maestro^ que é hoje do Conservatório braziUirOj acaba de ser no-

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meado professor de uma das cadeiras doesta eschola pelo Sr. Conselheiro Jon o Alfredo, digno e actual ministro do império, que por essa forma deu mais uma prova do seo amor ás bellas artes,e de quanto deseja fazel-as pros- perar, animando e recompensando os bons artistas pela escala do mérito e importância real de cada um, e n&o pela fama que lhes emprestam artigos anónymos, muitas vezes escriptos pelo próprio punho dos interessados.

Em junho de 1857 comprou a Sociedade de miisica metade da casa da rua da Lampadosa n. 76 e o Governo a outra metade, e por egual forma foram também com- pradas as dos ns, 74 e 78 da mesma rua, sendo todas três demolidas e os seos terrenos destinados â edificação de uma casa especial e appropriad:<, ao Conservatório,

Pela portaria de 3 de janeiro tlí 1860, concedeu o Governo a Francisco Manoel e Dioiíysio Vega uma gra- tificaçfio de 2008000 rs. annuaes a cada um. que gene- rosa e espontaneamente foram cedidos pelos gratifi- cados ao património do Conservatório, Tanto era a amor e a dedicação que votavam á música estes dous notáveis professores, que, apezar de pobres como eram, abriam mão de uma quantia um tanto valiosa para quem nada possue, a favor de uma eschola da arte que tao digna- mente professavam.

Em 15 de março de 1860 deu o Conservatório ura esplêndido concerto, do qual fez parte a execução da pri- meira composição de António Carlos Gomes, então dis- cípulo d'aquella eschola, e hoje um dos seos maiores ornamentos.

A 15 de agosto do mesmo anno, falleceu o professor Joaquim Giannini, compositor de grande ingenho, que no Brazil viveu quasi ignorado e morreu totalmente esquecido ; três mezes depois doesta triste occurrencia, outra, nao menos lamentável, cobriu novamente de lucto o Conservatório: a 16 d^ novembro desceu & sepultura o insigne pianista Dionysio Vega, que tfto frenético.^ applausos colhera tantas vezes de magnas asserableas, que dtí ouvidos attentos escutaram absôrptas as má- gicas melodias que seos adestrados dedos arrancavam de um frio teclado.

Em 30 de octubro de 1862 approvou o Governo impe- rial o plano e orçamento do novo edifício para o Co^isfr- vatório, sendo o seo director Francisco Manoel, poraviáo de 15 de janeiro do anno seguinte, auctorizadoa man- dal-o construir sob a direcção do Ingenheiro José Carlos

:XXXVI 255

de Carvalho, valente e brioso militar que primeiro fez iiastear a bandeira brazileira em terras paragaayas, na ilha da Redempção, que lhe foi capitólio e túmulo.

A 15 de março de 1863, em presença de S. M. o Im- perador e de numeroso concurso de pessoas de todas as classes da sociedade, foi lançada a pedra fundamental do edifício para o Conservatório, que d'essa data em deante se constituiu em o único objecto dos mais inces- santes desvellos e incançaveis esforços que para concluil- o debalde empregou o maestro Francisco Manoel, que morreu antes de se realizarem os seos mais ardentes e patrióticos desejos.

A 2i de novembro de 1863, approvou o Governo Im- perial a escolha que o Conservatório fez do seo discípulo Carlos Gomes, para segundo pensionista do Estado na Europa, afim de estudar música. Esta escolha valeu mais tarde aos que a fizeram as bençams da pátria, quando viu aquelle seo illustre filho coroado de immar- cessiveis louros, e victoriado com retumbantes palmas, no primeiro theatro lyrico do mundo, a Scala de Milão, onde pela primeira vez se cantou a formosa opera 11 Giiarariy.

Cançado dos annos e dissabores, que sâo partilha do talento e do patriotismo, Francisco Manoel, o immor- tal compositor do hymno nacional, esse esplêndido verbo do enthusiasmo, sentindo que se lhe esvahiam as forças vitaes, s dlicita do Governo Imperial um seo substituto na direcção do Conservatório^ do qual por mais do dezoito annos fora o braço robusto e válido quo o guiou por entre alfaques e cachopos ao seguro abrigo ; mas quando prestes a tocal-o perdeu alfirn o seo adestrado palinuro.

Por proposta do próprio Francis -o Manoel é nomeado a 17 de dezembro de 1865 o Sr. Conselheiro Thomaz Go- mes, para substituil-o na dirc^^ao do Consm*vatório\ no dia seguinte ao doesta nomeação morre o maestro^ le- gando á pátria um renome illustre e à sua família uma pobreza honesta. Dir-se-hia que a alma do grande com- positor só esperava por um successor nas lides da terra para voar a receber o prémio das suas virtudes no empyreo, onde em remanso eterno goza a perenne íeli- cidade que Deus reserva a seos eleitos.

Com a morte de Francisco Manoel paralisaram-se 0.5 trabalhos do novo edifício do Conservatório^ que esta- vam em grande parte muito adeantados , a;í obras ex-

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teriores açhavam-se quasi concluidas; e das interiores faltavam apenas pequena parte dos soalhos, algumas portas e janellas, o portão de ferro, a escada principal, a pintura, e outros pequenos reparos, que nem para esses possuíam numerário sufficiente os exbaustus cofres da Sociedade de música.

Mais de três annos esteve o inacabado edifício quasi em completo desamparo ; e, em consequência da sua construcçao, até mesmo a ameaçar ruína. Fazendo parte do primeiro ministério d'esta ultima restauração, no poder, do partido conservador, foi que o Sr. Conselheiro Paulino, na qualidade de incarregado dos negócios do império, por aviso de 30 de junho de 1869, ordenou ao Sr. Commendador Bettencourt que examinasse o estado do edifício, estudasse o meio de melhoral-o quanto pos- sível, e calculasse a importância da somma precisa para a sua conclusão.

Em cumprimento d'estas ordens, procedeu o Sr. Betten- court aos respectivos estudos e cálculos, communicando ao Sr. ministro o resultado de seo exame e apresentando as bases sobre as quaes se contractou, de empreitada com o mestre Couto, a conclusão das obras, debaixo da direcção d'aquelle notabilíssimo architecto, que, com a proficiência que lhe é peculiar, introduziu grandes me- lhoramentos ne plano interno do edifício, e poude ainda disfarçar certas rudezas das formas externas por demais pesadas ou singellas.

Orpheo.

(Continua.^

Charada sem sentido.

Entre septe irmans perversas }^ deram-me o quarto logar, J e de me ver quasi cega í , tive gana ft chorar I ) sou cousa ruim como o todo, ? j como o todo cousa má. )

Valho, dizem, quando muito, o Lundu de mon roi.

Un TILL (*)

{*] Oqu&aassignatura seja em portu^ezn&o scei eu; mas em inglez parece ser uma promessa. Sendo assim, promet* tido é devido. (Tudo isto tem cara de sibyUino).

Typographia e litbograpbia —IMPARCIAL— Rua Sete de Setembro, m

QUESTÕES DO DIA

RIO DE JA^EIR0,2DE FEVEREIRO DE 18r72.

Yende-6e em casa dos srs. E. & H. La ?mmert.— Agostinho de Freitas Gn- marães òí Ck)mp., 26, rua de General Camará.— Livraria Académica, Rua de S. José n. 119- Largo do Paçe n. C— Preço 200 reis. O r volume, com perto de 400 páginas— 3i)000.

OBRAS DE J. DE ALENCAR A IRACEMA.

(Cartas a Oinciniiato)

X.

Meo amigo :

Na minha 3* carta falei-te da víllania commettida por Martim na cabana hospedeira.

Sabes como a cousa se passou ? Sonhando, meo amigo, sonhando.

EUe tomou o eléxir para gozar sem abusar^ mas foi peior a emenda que o soneto ; tão depressa o ingoliu, quanto prestes a rola (até então arisca pag. 32) curreu fiôfirega a cair entre as garras do milhafre, que, por estar adormecido e inerte, nem por isso foi menos carni- ceiro. Nunca tao facilmente « perdeu Tupan uma vir-^ gem na terrados Tabajàras^K Prodígio da jurema!

Queres que te diga uma cousa ? AUi houve finura do Martim. que o homem tinha saberêtes, tinha-os ; para se disfarçar na facção dos bárbaros que abordou a náu hollandeza, chegou a coatyar-se ! (O neologismo é do Sr. Alencar Vid. a pag. 185.J

Mas. . . . discutamos. Poder-se-hia exercer no espírito do homem culto a influência da droga do gentio ? Tenho minhas dúvidas.

Reconheço que à sciência competiria proferira últi- ma palavra na questão. E', porém, de crer que ^neste, como em tantos outros ponctos, a imaginação dos sel- vagens, dada á exaltação e ao maravilhoso, avultava effeitos, que, quando muito, seriam narcóticos.

Sabe-se que os vegetaes que tinham d'efita propriedade, eram estimados em muito apreço pelos índios. Aspirando o tabaco era que Caraíbas e Pagés transmittiam aos guer-

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XXXVII

reiros o « eupíriío da força.» Nfto proclamavam os agou- ros, nem celebravam as s\ias tnai^ .solenines festividades 011 cerímóuías, abstrahindo do uso desta planta.

Sem dúvida, uma vez conhecido que cila produzia o somno, tornando assim possível occorrerem os sonhos, q^ue eram eatre elles d<i maí^ alta importância, pulsou a ser considerada agente de sobreiíaturaes virtudes e a ter esta lata applicaçso. Da identidade de préstimo é lícito seguramente orig-inar o conceito em que era tida a acácia jurema.

Quem tiulia « feitiços, que as mais das vezes uilo pas-- savam de osso de algium animal caruívoro, de uma aranha dessecada, dos membros de sapo, ou mesmo de alguma producçSo mineral ou vrffelal sem préstimo, ramo sem virtude » não admira, que, depois de haver bebido uma preparação apregoada pelos pagos e reputada por todos miraculosa, possuísse ou fruísse em sonho, ou anteãem treavarío, aquillo que, em seo juízo anhelava.

Cabe todavia notar que, tautu para mim como para muitos, a quem tenho ouvido, é inteiramente novo o mérito attribuído pelo Sr. Alencar áquella mimoseàcea de fazer a pessoa fruir no sonho melhor do que na realidade. Nunca ouvi referir à beheragera da jurema nutro mister que nfto fosse o de fazer ver no futuro. Para mais força, declino a auctorídade de Pompeo, que ninguém dirá nao ser competente : « Jurema ]iríta planta commum em todos os taboleiros e várzeas do scrtflo. Sua casca é tónica, án natureza eãtupefacíente : os índios preparavam com ella uma tisana narcótica, e com o seo uso caiam em uma espécie de magnetismo, em cujo estado pretendiam ver o f>ititrú.» [Ens. Esl. do Ceará, vol. I. pag. 173) O Sr. AlencarnSosó lhe attri- búe u virtude de fazer gozar-se em sonho o que se al- mejava, como precisamenie a de fazer ver e reviver no ■passado : Martim, tSido bebido do elixir bárbaro. « sen- tiu perpassar nos olhos o somno da morte ; porém logo a luz inundou os seios da alma ; a fArça exhuherou no coração. Reviveu os dias passados meihor do que os tinha vivido: fruiu a realidaik de sua.'^ bellaí esperanças.» {Iracfma, pag. 23)

Outra observação me occorre adduzir : os selvageos fundavam, em geral as suas usanças nas analogiad ; um exemplo : a Para os homens escolhiam nomes que ex- primissem a fdrça, a robustez, s coragem ; era a anta, o tigre, o ipâ, a palmeira, a frecha, o arco ; para as

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mulheres os dos objectos jnais .brandos, mais doces, mais delicados das aves, dosfructos e das flores : era o romper d*alva, o cipó flexivel, a junca do brejo.» Nao deixa pois de ser estranhavel^que, para S2 trans- migrarem a bizarras delícias usassem de uma bebida de sabor amargo e de cheiro acre e nauseabundo, quando tinham o cauin o seu liquor por excellência , e outros muitos vinhos, de que, no dizer de Fernando Dinys <( se n&o contavam menos de trinta e duas castas. » A operação de adivinhar era árdua, arriscada e de grave compromettimento ; nao admira, antes é lógico, que se servissem, para intrarem no espirito prophétíco, de uma bebida desagradável, que fosse tida como á conta de provação para conseguirem o grandioso fim. Mas poder- se-ha dizer o mesmo da operação de gozar *?

Como quei que fosse, prevaleça a opinião isolada e inexplicável do Sr. Alencar, ou a de Pompêo, que está de accôrdo com a geral tradição e com a lei invariável das analogias entre o objectivo e o subjectivo, o que pa- rece dever presumir-se fora de toda dúvida é que taes ef feitos (quaesquer que fossem) n&o se exerceriam senão no espirito visionário, carregado de abusões innúmeras do índio.

Martim nao estava 'neste caso ; era espírito mais ou menos culto e sobretudo forte ; nao é natural que par- ticipasse de boa do fetiçhismo e crendices dos bár- baros. Entretanto do que nos previne a seo respeito o Sr. Alencar ? Além do que consta da citada pag. 23, offerece-nos o seguinte, que reproduzo por extenso para toda clareza :

« Quando Iracema foi de volta, o Page nao estava na cabana. (Este Page parece que quiz mesmo favore- cer o estellionato, porque, estiyjido a princípio « no recanto escuro e tendo soltado um gemido quando o estrangeiro premia (apertava) ao seio a moça » (pag 67) retirou-se depois a deshoras e a propósito, deixando-os sós e á vontade) Tirou do seio o vaso, que alli trazia occulto ::ob a carioba de algodão entretecida de pennas. Martim ih'o atTebatou das mãos (que gana !), e libou as gôttas poucas do verde e amargo liquor. Nao tardou que a rede recebesse seo corpo desfallecido.

a Agora podia viver com Iracema, e colher nos seos lábios o beijo, que ali viçava entre risos, como o fructo na corolla da flor. Podia amal-a, e sugar d'esse amor

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o mel e o perfume, sem deixar veneno no seio da virgem.

« O gozo era vida, pois o sentia mais vivo e intenso ; o mal era sonho e illusao, que da virgem elle nao pos- suía mais que a imagem.» (Nao intendo.] <c Iracema se affastàra oppressa e suspirosa « Abriram-se os braços do guerreiro e seos lábios; o nome da virgem resoou docemente ; etc, etc, etc. (pag. 69)» O capítulo conclue-se com estas significa- tivas palavras : « A jandaia nSlo tornou à cabana. Tupan nao tinha sua virgem na terra dos Tabajáras.» A jandaia, conforme se vê, parecia ter mais sentimento moral do que a Índia (que nao quiz guardar a do seo cargo), do que o próprio Martim (que abusou, é verdade que em sonho ^ da confiança e da hospedagem.)

Com effeito, depois da catástrophe, a tal avesinha emigrou e foi-se, até que uma vez reappareceu, quando c( a formosa filha de Araken se lamentava á beira da

lagoa da Mocejana Iracema lembrou-se ent&o que

tinha sido ingrata para a jandaia, esquecendo-a no tempo da felicidade. » (pag. 126.) Admira que, repu- tando-se ingrata para a jandaia, nao se reputasse tal para seo pae e os seos, tanto que « nao se arrependera ainda de os ter abandonado.» /pag. 125) « A linda ave nao deixou mais sua senhora ; ou porque depois da longa ausência não se fartasse de a ver, ou porque adivinhasse que ella tinha necessidade de quem a accompanhasse em sua solidão » (ibi.) Nao parece que a penna que lançou estas idéas, teria mais tarde de lançar estas outras, senão as mesmas e nas mesmas? expressões, referindo-se a uma égua : « Antevia que tinha necessidade do homem, carecia do seo auxilio, etc. » ? (Vide Gaúcho.) Voltemos a Martim.

Eil-o, pois, presa também das abusões dos selvagens, crendo nos sonhos dosl^etiçhes, nos manitôs sem dúvida, nas pernas da aranha e nos membros de sapo.

Nao colhe o dizer o Sr. Alencar em a nota a pag. 165 : <( Desde advertimos que nao se estranhe a ma- neira porque o estrangeiro se exprime falando cora os selvagens; ao seo perfeito conhecimento dos usos e língua dos indígenas, e sobretudo a ter-se conformado com elles a poncto de deixar os trajos europêos e pintar- se, deveu Martim Soares Moreno a influência que adquí* riu entre os índios do Ceará. » Nao colhe, repetimol-o porque todos sabem que, assim fazendo, nao leve

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Martim em vista senão captar a confiança e a amizade d'elles em favor dos seos reservados fíns.

Sendo assim, todos têem razão de estranhar que o Sr. Alencar pintasse o portuguez ( que nada tinha de sim- plóHOj e sim tudo de sagaz ) crédulo ao poncto de beber a jurema, e ver e gozar no imaginário sonho o que com os selvagens se poderia dar por força da superstição grosseira em que jaziam immersos.

Ora dize-me ; nao seria pelo contrário verosimil que, em logar de ser bebida a tisana por Martim, o fosse também pela índia ? Que Martim, incontrando da parte d*ella objecção na circumstância de ser filha do page e guardar o segredo da jurema ( vid. a pag. 32 ) a fizesse crer que, tomando egualmente comelle do elixir, fruiriam em sonhos sem risco o que ambos anhelavam e 'neste inlêvo a possuísse ? A ser vilão, vilão com a verosimilhança e com a natureza.

Meo amigo : visto que estou inçhendo alguns claros deixados em cartas precedentes, por nfto querer tornar- me então demasiado extenso, passo a fazer agora uns ligeiros extractos, no sentido de mostrar mais uma vez, quão mal o Sr. Alencar comprehendeu o amor bárbaro, quer na lioguagem, quer nas acçOes dos typos. £ ainda antes de começar a operação, quatro palavras, que se devem intender complemento de quanto dice na minha última carta com relação á theogonia tupy.

Fala-se 'nesta Iracema, poema selvagem brazílio, de um bosque sagrado^ de vasos de sacrifício, de uma virgem consagi^ada a Tupan, etc: Parece que o auctor tresleu, se não sou eii que estou treslendo.

Não ha, que eu saiba, um escriptor de quantos se têem occupado com a matéria, que atteste a existência de taes ritos entre os selvagens brasUicos, quer da língua gerai ou Tupys, quer Tapuyas.

Pelo que respeita a estes últimos fíndios da língua tra- vada, para me servir da expressão de Theberge) chegou a parecer a auctores de nota e a viajantes que com os taes conviveram e tiveram occasião de observal-os de perto, que elles desconheciam inteiramente uma religião. £'que a que tinham era «mui pouco complicada» no dizer de G. Dias ), e reduzia-se ao «c ridículo tabernáculo, de impor^ t&ncia immensa, sob o nome de maracd, emblema sym- bólico da divindade » ( na phrase de Fernando Dinys ). Quanto aos Tupys <c em quem admiraremos um tal ou qual desinvolvimento metaphysico, que parece characte-

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262 XXXV U

risal-os » o seo Tuptin a diviadade grande, majestosa, tremenda n que tinha por essência o bem « nfto carecia de preces para inclinar-se á compaixilo, nem o sangue mançh^rin os seos altares, quando os tir.esso Se al- gum culto lhe tributavauí, era sómeute o intervo. i> Para. dizer de uma vez: tanto Tupijs^ como Tapuijívi, tinham seos pagéa ou vidantes, o maracd. o.s manilôs, Tupan, etc. SSo estas as idéas geralmente assentadas a respeito dos nossos aborígenes.

Onde foi portanto buscar o auctor da Imcfma esse bosque sagrado, essa virgem, espécie de sacerdotiza, etc?

A religião dos Quixúas, o culto dos Incas, de certo lhe nfto deram insançhas para isso. Nao será mais presu- mível que os tivesse ido pedir à religião dos Uallos 1

íiBaão-se os MystiÍTÍos do Pox^o, incontra-se ahi o epi- sódio da virgemda ilha de S^n, muito parecido em mais de um poncto com o poema do Sr. Alencar. é a tribu de Karnak, aqui é a tribu do.s Tabajàras; lá. Hêna, Slha de Joel, aqui Iracema, filha do Araken; \h o bosque sa- grado dos carvalhos, o bosque sagrado das jurámas; a dniidica de Hósus, cá.... a sacerdotiza de Tupan; um desconhecido, que fora recebido como traosviado em casa dopaede Hêna, ó o íkefe dos cem valles; aqui um desconhecido qun se perdera e fora dar á caban;i do

{lae de Iracema é Martim. Singular e pasmosa ana- ogía ! (Vid. Myst. doPovo,voL III.) Mas quem suppozéra que tamanha similhança havia de terminar pela contraposição mais formal o surprea- dente ? ! Hêna, por esse heroísmo innsto e patriótico do bárbaro, e por esse fervor lúgico danatureza contempla- tiva, ofFerece-se em holocausto a Hésus para que livre a Gállia, sua pátria, do jugo dos Romanos, u A lilha de Joel cantou ella com uma voz pura como sua alma a filha de Joel e de Margarida vem com alegria sacrificar aHèsualO' Todo-Poieroso..,. do estrangeiro livra a terra dos nossos paetí.' Galloi da Bretanha, vós tendes lança e espada! A filha de JohI e de Margarida nfto possile mais que o seo sangue; offerece-o voluntaria- mente a fiésus! O' Deus omnipotente, torna invencíveis a lança e a espada gallus! O' Hésus.... acceitameo sangue, pertonce-le.... salva nossa saucta pátria! i>

Isto 6 beroismOjbem que feroz e cruento, nem jmr isso miinos admirável e grande; e sobretudo de naturalidade, de lógica iri-efra^uvel. Ão passo porém, que a vestal daa Gállías se como hóstia pura que sua pátria seja lirre

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do jugo de estrangeiro » a impossivel vestal do Sr. Alencar é a primeira que em bem do estrangeiro profana com a presença d*este a majestade do bosque sagrado, ▼iola o segredo imperscrutável da gruta do druida túpico, anniquila e calca aos pés a theogonia pagãnica mais venerada do seo povo ' E' o bello defronte do horrível; a elevação, a nobreza bárbara deante da vileza, da tur- pitude selvagem I

Ha um abysmo immenso, insondável, eterno, entre os Mystèriosdo Povo e a Iracema, entre Eugénio Sue.génio cheio de liberdade e de amor, que escrevia em nome da humanidade, e José de Alencar.... que escreve em nome do seo nome.

Ninguém ignora que é incerta a origem dos nossos autocthones ; que alguns os fazem descender das tribus de Israel ; outros de um cataclismo que houvesse sepa- rado o único continente terrestre em porções diversas, dando logar & dispersão de famílias, k variedade de formas e & multiplicidade de línguas, e nao sendo os differentes povos do globo senSlo contemporâneos, entre fii mesmos; outros dos Índios da Ásia, dos Egyp- cios, dos Carthaginezes, dos Lacedemónios ; outros dos Germanos, com quem acham a maior similhança pos- sível.

Dever-se-ha acaso suppor que o Sr. Alencar, querendo como de costume offerecer-nos uma theoria que se diga sua sobre a matéria, apezar de j& t&o elucidada, tivesse em vista, ao dar-nos 'numa lenda túpica-cearense esse mutilado arremedo da mythologia galla, insinuar que 08 nossos aborígenes vieram da Gàllia? Seria dimcil jastifícal-o, em face do estado actual da sciência, e prin- cipalmente depoÍH de se ter lido esse magnífico capítulo de Herder, que se inscreve sob a epígraphe^Or^am^o- fão dos Americanos (Vid. este auctor, Phílosoph. de Vhis- toir. de Vhuman. vol. I, pag. 296.)

Viria a(jui a pêllo tractar daíquestao^se os Ameri- canos cammhavam para o progresso ou para a decadên- cia, no tempo da conquista ; mas, alem de reputal-a do maior pézo para os meos huroillíssimoshombro5, accresce que te tenho roubado muito tempo por hoje, e urge eoDcluir. Peço-te comtudo vénia para o fazer, depois de haver transcnpto as seguintes palavras, de um emi- nente sábio moderno :

« A opinlfto commum diz esse auctor é que os sel- TAgens n&o sfto, em these, senfto miseráveis restos de

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nações outr*ora, mais civilizadas ; mas, posto que exis- tam casos bem estabelecidos de decadência de nações, nada nos auctoriza scientificainente a admittir que cons- titua isso o caso geral.

« Sem dúvida, ha muitos exemplos de nações, que» outr'ora progressivas, nao somente cessaram de avançar em civilização, mas até recuaram. E comtudo, se com* paramos as relações dos primeiros viajantes com o es- tado de cousas actualmente existente, nao achamos prova em apoio da theoria de um geral declínio.

« Os Australianos, os Boschimanos e os naturaes da Terra do Fogo viviam, ao tempo em que pela primeira vez foram observados, quasi exactamente como vivem hoje.

<c Em muitas tribus selvagens achámos até traços de progresso ; os Baçhapinos, quando Burchell os visitou, acabavam de introduzir em seo seio a arte de trabalhar no ferro ; o maior edifício do Taiti foi construído pela geração contemporânea da visitado capitão C.ok, e tinham, havia pouco, renunciado a prática do canniba- lismo ( Forster, Observ, de voyag. autour du mondei pag. 372) ; e se certas raças, como por exemplo muitas das tribus americanas^ retrogradaram, este resultado é tal- vez menos devido a uma tendência inherenle que ao mao effeito da influência dos Europeos. »

No meo fraco pensar, seria indispensável para quem pretendesse dar-nos o typo de uma poesia « verdadeira- mente nacional^ haurida nn língua dos selvagens>y assentar idéas 'neste sentido: se elles progrediam ou se decaíam» quando foi do descobrimento. D'ahi se projectaria graa- de somma de luz sobre a procedência ou n&o do pretenso typo; a poesia, tanto na forma como na essência, de um povo que progride, nfto pôde ser a mesma que a de um povo que j^ecaí.

Entretanto o Sr. Alencar, tendo de romper contra o padrão secular da poej^ia brazileira, tido e havido, quer por nós, quer pelo estrangeiro, como o genuíno e puro nosso, nem de relance mostrou ter meditado, instantes sequer, sobre o assumpto ; nao nos dice d'ondt^ veitt, como se se nao fizesse mister sabêl-o para bem ter-ôe idéa da sua marcha e do seo destino. Singular modo de fazer eschola, este I

E comtudo um forte apoio se offerece para quem quizesse desinvolver um estudo mais vasto e mais seguro a respeito do character dos nossos aborígenes, do

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•660 estado social, da sua acanhada indústria, do seo

{irogresso emfim na escala da humanidade ; é a archeo- ogia.

Se applicássemos ao exame das toscas obras e instru- mentos que nos deixaram os nossos selvagens, os pro- cessos e méthodos d'esta sciência, parece-nos que pode- ríamos sem contestação classifícal-os na épocha a néo- líthica » ou « edade das pedras polidas », isto é na segunda das grandes edades, conforme a divisão feita pela archeologia moderna.

Ha quem diga positivamente com toda auctoridade estas palavras : « E' evidente que alguns povos, taes como os naturaes da ilha do Fogo e os das ilhas d'Au- daman, estão ainda presentemente na edade de ped^a. »

As edades da archeologia ante-historica dividem-se em quatro, a saber : primeira, a do dilúvio ou « paloe- olíthica » ; segunda, a das pedras polidas ou a neo- líthica » ; terceira a edade de bronze ; e quarta a edade de ferro.

Posto que alguns archeólogos opinem que a pedra, o bronze e o ferro foram simultaneamente empregados no fabrico das armas e instrumentos, a classificação acima parece-nos tão consentânea com o instincto do progresso ascensional e gradual dos povos, que a adoptamos de plena convicção.

Ora, prevalecendo essa classificação, é fora de dúvida que os nossos selvagens se achavam ainda na edade de pedra, como os habitantes do Paiz do Fogo, segundo o provam os instrumentos de que se serviam, e a sua inteira ignorância do metal, a não ser o ouro ou a prata, de que não faziam caso ; logo, é também innegavel que elles iam em marcha ascendente, e não descendente, na escala da humanidade.

A hypóthese de tamanha decadência, que houvessem completamente esquecido o uso d^ ferro e do bronze, é inadmissivel ; primeiramente, porque não consta ter-se íncontrado d'elles o menor objecto fabricado de algum doestes metaes,o que certamente teria succedido se hou- vessem existido, ainda da mais remota antiguidade ; em segundo logar porque, por muito que descesse um povo em todos os sentidos, nunca perderia o uso de objectos e instrumentos tão immediatamente ligados ás práticas materiaes e necessárias da vida.

L nge^ pois, de pensarmos com G. Dias,collocando-se entre Martins eChateaubriand,o primeiro que reputa os

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nossos índios decaidos de um alto grau de culturSi e o segundo que opina estarem ainda por dar os primeiros passos no caminho da civilizaç&o, confessãmo-nos intei- ramente de accôrdo com este último, que nos parece mais verdadeiro e mais lógico em sua conjectura his- tórica.

E sem me ter apercebido, meo amigo, ia-me arris- cando no inextricável labyríntho, e desviando-me do assumpto, que prende com o objecto da presente carta !

Desculpa. O estudo das antiguidades tem para mim tal seducç&o, apezar do nada, do verdadeiro nada (cré que sou sincero) que me reconheço ser ^isso, como em tudo mais I

Vou concluir por esta vez.

Tivessem, ou n&o, vindo os nossos índios dos Scy- thas, dos Phenícios, ou mesmo dos Gallos, o que n&o pôde duvidar-se é que elles n&o possuíam bosque sagrado^ nem sacerdotizas^ e muito menos virgens voUdas a Tupan.

Logo, a Iracema 'neste poncto, coma em outros, n&o passa de mero inxêrto, filho de uma imaginaç&o dada a arrojos que nada justifica, porque n&o precisa trans- plantações exóticas quem tem, como nós, a mais guapa e inexhaurivel flora.

Teo amigo

Sbmprónio.

Deoima Oai?ta

DE CINCINNATO A SEMPRONIO.

Rio 20 Janeiro 1872.

Respeitável amigo

Ecce iterum Chrispinus, et est mihi saepe vocandus.

Vamos continuando a admirar o Til, se dás licença, e deleitando-nos agor%[ com os estudos de vernaculi- dade, estylo, elegancia,^ imagens, poesia e senso com- mum (se n&o é como dous).

Entra em.scena uma figura de tombai ôbos, um trangalhasdanças, de camisola de baeta preta, com faca de ponta. «Em uma das bandoleiras trazia o polva- rinho e munição; na outra suspendia um bacamarte, cuja bòcca negra e sinistra apparccia-lhe na altura do joelho esquerdo, como a fauce de um dragão que Ibp servisse de rafeiro. »

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Toca a esmerilhar.

Bandoleira, é o cinto d'onde o bacamarte pôde pen- der; mas c& este bandido traz bandoleiras aos pares, ou antes chama bandoleira ao que o é, e ao que tal n&o é.

Accresce que,seguindo este falar,pólvora nao é muni- ção.

Temos mais um bacamarte de bocca negra e sinistra.

Sinistra ; porque ?

Porque aquelle bacamarte disp&ra tiros que matam.

Ai, meo senhor, mas ent&o isso é aquelle ? Eu nunca vi bacamartes destinados a disparar violetas nem água de colónia. E agora negra^ porque ?

Porque o metal d'aquelle bacamarte ^ de côr es- cura.

Ai, meo senhor, mas então isso é aquelle ? ! Eu nunca vi bacamartes verdes nem côr de rosa.

Conseguintemente, bacamarte de bõcca negra e si- nistra é... mel doce, segundo Plínio.

Mas as bellezas máximas d'este trecho est&o no resto: bôcca sinistra e negra I —na altura do joelho I^— como fauce de dragão I servindo-lhe de rafeiro I Noli me tangere ; 'nestas arcas sanctas é defeso tocar ; todo o commentário seria pallido; sSLo sol que é sol; patenteiam- ae de per si; ellas sao quem sfto.

1( Uma aba larga occultava-lhe grande parte da physiognomia. »

Nós cá, simples mortaes, diriamos que lhe occultava parte da fronte, do rosto, das feições, do semblante, ou qualquer outra loeuçfto tfto pedestre quanto o é a idéa que se representa ; mas os Deuses do Olympo lêem por outro oreviário (elles tém breviário ?) : Ostentam-se às Semeies ccruscantes e tonitruantes, com o intuito de manifestarem á pequenina humanidade açhar^se transfundido para as suas pess§as o disputado poder pessoal.

Suppondo porém que, em estylo aspirante a elevado, se possa substituir semblante por physionomia (n&o quero multiplicar questões), o que pergunto é d'onde veiu a transformação doeste vocábulo em physiognomia^ como o Sr. Alencar escrevbu 20 vezes 'nesle volume com que me flagellei ? O termo que as linguas modernas adop- taram foi physionomia, derivado do grego physis^ na- tureza ou Índole, e nomos^ lei, ou indicio, ou regulador ; d'onde se coilige que o sentido verdadeiro do termo

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(antes de passarão figurado) é— complexo de feiçOes re- veladoras da iudole do indivíduo.

Nao seria descabido empregar a palavra physiognomia^ ou antes physiognoinonia^ porque os gregos tinham também o seo gnomé^ ou gnomos^ ou antes gnoinon (in- dicador ; mas a sciencia reservou esse vocábulo, nao para exprimir, como o Sr. Alencar, a cara de um lio- mem, mas para denominar uma verdadeira ou supposta arte que insina a conhecer o temperamento e as incli- nações e qualidades do homem pelas feições do rosto e formas do corpo. Aristóteles lançara as primeiras linhas d'esta arte, asseverando que os génios de cada subjeito eram similhantes aos de um ou outro volátil ou quadrúpedcr, com quem por força se parecia. Ha os Tractados do velho Amâncio De physiogiiornica^ e de J. B. Porta De humana physiognomica \ e entre outras muitas obras análogas, ha as Tentativas physiognoniónicasy de Lavater, depois do qual vieram Bacharach e outros. E' pois uma arte curiosa, que nem mesmo é lícito senten- ciar de çharlataria, e que d e da phrenologia e re- cebe auxílio. Parece que da convicção d'esta verdade, veiu o annexim dos nossos antigos : Máos bofes e boa cara, se elle ha d'isso, é cousa rara.

A que vem pois, no Til^ o nunca empregado neologis- mo de physiognomia'^ Virá elle inçher algum vácuo? nao, que se a palavra pfti/5Ío?iomíaj a isso, a tínhamos na largo tempo. Mostrar a sciencia do neólogo ? per- dôe-nos elle, que serviu para patentear sua ignorân- cia em assumptos, sobre que nao tem obrigação de ser profissional, mas que melhor faria em deixar onde estão, desde que os nao intende.

O número lim, logo 'neste capitulo, de que ainda me nao foi possível arrancar-me, apparece 600 vezes, e o auctor tem suas trazões : Bizarria de um prín- cipe— por U7na reçhan um grande manancial nin tom opaco um sol esplendido o firmamento é tima terra uma d 'essas occasioes um cardeal tima pal- meira— um poncto além uma lividez um homem— com uma camisola uma das bandoleiras um baca- marte— íim dragão um gesto de contrariedade um asco mixto uma travessura um passo um bera a mim um arquejo lim pulo um fungar.... E isto tudo, logo 'num capitulinho, de meia dúzia de linhas, o primeiro, e o mais aprimorado do livro!

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O que isto significa é um despréso da língua; é uma incorrecção pouco decente ; é um gallicismo de légua e meia. Se nfto todos, pelo menos as três quartas partes doestes uns seriam supprimidos por quem soubesse es- crever. O francez (por outros motivos) segue outra regra, que lhe derrama nas suas páginas esse dilúvio de uns ; mas no portuguez, constitue este surdo mar- tellar, menos ainda uma ingrata monotonia, que um erro grammatical. O um^ em portuguez, nao é cavilha, partícula sem sentido, arbitrariamente entremeada nas orações, como os cantores italianos entremeiam ad li- bitum o siy quando lhes faz conta : o nosso um tem missão especial, e é a de limitar o respectivo nome individualizautto-o, isto é, separando-o dos da mesma espécie. Com esse adjectivo articular deve pois ter-se cuidado, porque gera ou incorrecção, quando empre- gado desnecessariamente ou erro formal, quando des- virtuada a sua índole. Com o Sr. Alencar dá-se uma ou outra d'estas hypótheses, nos nove décimos dos casos.

« ..• assomo de terror, que lhe embotava os brios de valente e galhardo. »

Aqui, depois de darmos graças a Deus, por ja uma vez, por ingano, apparecer, o lhe collocado em seo de- vido logar, admiremos logo em seguida a facúndia do valente e galhardo. Galhardo (quando nao na intenção de elegante e bem feito ) pôde significar animoso^ mas nao tem a força, áenommBÀa inlimativa, da palavra valente^ com quanto represente exactamente a mesma ordem de ideas ; ergo, valente e galhardo é um dizer que vai de bispo a moleiro, e orça por óptimo e menos mdo. « E, promovendo um passo....» Promover passos parece-me outro neologismo desne- cessário c inadmissível. Como porém quero sempre ficar bem com a minha consciência, e nem a um sabedor dos teos quilates seria prudente iabmetter observações infundadas, permitte-me desinvolver-te o sentido da minha hesitação.

Diz-se incontestavelmente em bom portuguez mover os passos. Assim Manoel de Galhegos, no seo Templo da Memória^ cant. I. est. 114, escreveu: Ní»m quando a Aurora aljôfre e raios chove, com tanta bizarria os passos moi:e. E classicamente foi traduzido o famoso el incessu pa- tuit Dea^ por : u E na bizarria com que moina os passos^ mostrou que era deusa. » &. Isto é tudo de fidalga

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procedência, pois os latinos, (como Séneca, Tr.,) diziam também movere grndum.

Mas o que me nao consta é que ninguém escrevesse jamais promover passo, nem promovere gradum^ e isto por um motivo muito simples, ter Deus feito o ho- mem com um tarso, metatarso e phalanges, tudo vira- do só para deante ; e ter a perna músculos, dos chamados da vida animal, dispostos para o movimento natural 'naquella mesma direcção. Portanto, quem dicer mover o passOj ja se sabe que significa para deante^ e a addição da preposição latina pro, nem aquenta nem arrefenta, sendo uma innovaçao para que o Sr. Alencar nao tem direito, e completamente ociosa, ou antes pre- judicial, porque, sem addiccionar . ombra de idea, viria multiplicar inconvenientemente a^ accepçOes, ja dema- siadas, de um verbo, que tem sentido diverso.

« Açhou-se o facínora a rosto com o rapaz. »

Concordo em que o vocábulo fadnora^ nascido, nao ha muitos annos, entre os estudantes de Coimbra, é porahi frequentemente repetido.Direi porem que, quasquer que sejam os lábios que o profiram, representa ura dizer des- necessário e incorrecto i— .desnecessário^ porque temos facinoroso, criminoso, perverso, flagicioso,assassino, ma- tador, malvado, scelerado, nefário, desalmado, ímpio, iníquo, protervo, ímprobo, homicida, sicário, e outros muitos nomes,entre os quaes o auctor pode achar a me- nor oumaior energia,que lhe convenha applicar; incor- recto,porque, derivando-se do latim, a palavra era 'nesse idioma tomada á boa ou parte: quando á boa ( como em Sallústio, ingenii egrégia facínora^ productos egré- gios de ingenho), nao pôde dar origem á tal interpre- tação ; quando á má, nunca em Ifetim se referiu a quem pratica o attentado, mas ao próprio attentado.

Pelo que toca ao a 'rosto j também nao conheço. Rosto a rosto, sim Sr., tenh(f visto muita vez, por ex, na Ma- laca Conquistada :

Quando vi o céo a meo valor opposto, e nao ha com Miguel pôr rosto a rosto ; mas a rosto com o rapaz, persuado-me que nunca fora dicto.

Onde iria eu dar comigo, se analysasse um baca- marte, de 3 volumes, denunciando todas suas bellezas, como o tenho feito a «Igiimas so do 1* capitulo do ro- mance ? E' um livro de estudo, é quem bem o meditar, lucrará ; é vernáculo, neólogo, docto, elegante e fa-

X XX vil , 271

cundo. Â respeito de eloquência tal, por mim repito as grandes palavras : Eloquência ! artífice peritíssima, que sabe usar todo o género de instrumentos, e 'nelles des- tramente se converte: prende como cadeia; alumia como tocha ; pica como espora ; reprime como freio ; corta como espada ; defende como escudo ; inunda como torrente ; fere e derruba como raio ; inventa como o lUm, Sr. C. Urso.

Para a outra vez dobraremos este Cabo Tormentório, denominado O Capanga, primeiro capitulo do TU.

E^ confesso que ainda nao tenho opinião bem assente sobre o intuito que preside & publicação d'este deno- minado romance. ;Vir com uma cousa assim à praça I Será zombar do público ou do editor ? Explicação plau- sível só a entrevejo, no facto da mercancia : a República muitos exemplares ; o auctor produz muitos volu- mes ; o editor paga muitos tostões ; e a história vai currendo como um manso ribeiro.

Um predecessor do nosso digno ex-ministro çhamava- se Mazarino. Entre as muitas anecdotas que d'este narra a Princeza Palatina, acho graça a esta : PuUulavam contra Mazarino os libellos, os artigos, as cantigas ; Mazarino mandava perseguir e apprehender tudo aquillo; augmentava assim o appetite da leitura ; logo em se- guida, mandava secretamente vender as sátyras appre- hendidas ; ganhou assim muito honradamente dez mil escudos.

Modus vivendi ; desde que a cousa pinga, pinga ou bri- lhante, ó deixar ir.

Teo sincero admirador

ClNCINNATO.

ILill>ex*dacle politica

Em todos os tempos têm havido certas expressões bom- básticas, com o privilégio de fascinar os homens, e leval-os a fazer muita asneira, em quanto que, exami- nadas com alguma seriedade, conhece-se que nfto sSlo mais que bolhas de sab&o» ou lindas miragens, cuja rea- lidade é zero.

Âs palavras liberdade política s&o das que mais fortuna têm feito, e que menos deviam fazer, porque contêm em

272 XXXV n

si um antagonismo, que as nunca devia deixar andar junctas.

A liberdade politica é a liberdade que nao é livre. A liberdade políiica deveria existir nas associações políti- cas ; mas uma associação politica nunca foi livre. A união política de muitos homens suppoí sempre a existência de uma entidade superior, que tem direito de mandar, e á qual todos devem obedecer.

A idéa governo está tao implicitamente comprehen- dida na idea associação politica, como a idea figura está implicitamente comprehendida na idéa corpo. Mas a idéa governo tem outra, que lhe é correlativa : é a idéa gu- vernado ou súbdito.

Nao ha definição de liberdade, que nao contenha a idéa de conformidade com a lei : o homem é livre porque tem a faculdade de fazer o que lhe a lei nao prohibe: o que quer dizer que o homem é livre,emquanto lh'o a lei consente. E como a lei é a vontade do legislador, segue- se que o homem em sociedade tem apenas a somma de liberdade, que lhe consente ou permitte o legislador,, que nao é mais do que um homem.

Lembra-se o legislador de que se nao ande a certas horas, nao se anda; de que se fechem as portas a certas horas,feçham-se as portas a certas horas; de que se nfto reúna certo número de indivíduos,sem satisfazer a certas práticas, nao se reúnem e assim milhares de outras cousas. Em alguns casos até prescreve as horas a que se deve comer, e nao observadas.

Onde então está a liberdade política ? Nem no direita de eleger existe,porque esse direito,e o seo exercício, está subordinado ás prescripções de legislador.

Dir-me-hao que tudo isto é assim exigido pelo bem commum. Mas quem dafine o bem commum, é ainda o legislador.

O homem nasceu para a sociedade e nao para a plena liberdade ; a sociedade e a liberdade sao duas cousas

muito differentes.

Otton.

Typoerraphia e lithoeraphia —IMPARCIAL— Rua Sete de Sete mbro, 146

QUESTÕES DO DIA

isr.°38

RIO DE JANEIEO, 9 DE FEVEREIRO DE !»».

Tcode-m em caaa dos sn. K. te B. La>mmett.— AcoKtinho de Freitas Oui- marSes Ac Comp., 36, rua de Oeneral Gamar».— Livraria Académica, Rua de S. Joaé n. 119- Largo do Paço n. C— Preço 200 reis. O I* volume, com perto de 400 pÉ^nas— 8R000.

OBRAS DE J. DE ALENCAR— A IRACEMA.

(Cartas a Olnolnnato)

XI

Meo charo amigo.

Fiquei de mostrar- te ao vivo como o Sr. Alencar con- cebeu o amor bárbaro abaixo das forças da natureza e jnrejudicando usanças e reputações históricas, de subido Talor. E' esta a occasiSo.

Abrindo o poema.... «prosaico» (experiência tn anima prosaica o çbama o auctor) na pag. 25, leio :

a Iracema ! exclamou o guerreirO;^ recuando. »

« Anhangá turbou sem dúvida o somno de Ira-

puam, que o trouxe perdido ao bosque da jurema, onde

nenhum guerreiro penetra sem a vontade de Araken. »

(Só Martim, estrangeiro e desconhecido, teve d'este pri-

Tilégio. )

« Nao foi Anhangá, mas a lembrança de Iracema,

?ue turbou o somno do primeiro guerreiro tabajara. rapuam desceu de seo ninho de águia para seguir na Tinea a garça do rio. Chegou, e Iracema fugiu dos £608 olhos. D (Devia ser um grandeii mor este, que fazia o próprio chefe tentar contra o rito— cousa inaudita entre tacs povos I Vejamos porém que de prodígios fará esse amor.)

« As vozes da taba continuou elle contaram ao envido do chefe, que um estrangeiro era vindo á caba- na. »

A virgem estremeceu. O guerreiro cravou 'nella o olhar abrazado.

« O coração, aqui no peito de Irapuam, ficou tigre. Pulou de raiva. Veiu farejando a presa. O estrangeiro «8tá DO bosque,e Iracema o accompanhava. Quero beber-

274 XXXVIII

lhe o sangue todo : quando o sangue do guerreiro braa- CO currer nas veias do chefe tabajàra, talvez o ame a filha de Araken. » (Um chefe, dos quilates de Irapuam^ ou antes qualquer guerreiro, que sentisse para com a sa- cerdotiza vehemente paixão, ao poncto de postergar 'nisso o preceito religioso, estaria em face do felix rival.

« A pupilla negra da virgem scintillou na treva, e do seo lábio borbulhou como gôttas do leite cáustico da euphórbia, um surriso de desprezo » (O que seria natu- ral é que ella se aterrasse, e negasse o facto : a culpa, ft em condições tao graves, sempre acobarda o espirito que pela primeira vez commette o crime.

cc Nunca Iracema daria seo seio, que o espirito Tupaa habita só, ao guerreiro mais vil dos guerreiro» tabajàras I Torpe é o morcego, porque foge da luz e be- be o sangue da victima adormecida I )> (Que razlo ha- via para tal desabrimento ?)

« Filha de Araken I Nao assanha o jaguar ! » (Estava um jaguar muito discreto e tolerante este)» <( O nome de Irapuam voa mais longe que o goanâ do lago, quando sente a chuva além das serras. Que a guerreiro branco venha, e o seio de Iracema se abra para o vencedor. » (O pseudo-heróe tinha vistas e parolas).

<c O guerreiro branco é hóspede de Araken. (EntSo^ por ser hóspede, tinha charta branca para fazer das suas?) A paz o trouxe aos campos do Ipú. Quem offeudera estrangeiro, offende o Page » (E quem oíFendesse a reli- gião, nao oflfenderia também o Page ?

(( Rugiu de sanha o chefe tabajàra :

« A raiva de Irapuam ouve agora o grito da vingança. O estrangeiro vai morrer. » (Beaucoup de bruit pour rien. )

« A filha de Araken é mais forte que o chefe dos guerreiros, dica Iracema, travando da indbia. Ella tem aqui a voz de Tupan, que chama o seo povo. » (Or&> convertido em juiz e com que poderes? I )

(c Mas ella nao chamará ! respondeu o chefe, es- carnecendo.

í( Não, porque Irapuam vai ser punido pela mâa de Iracema. Seo primeiro passo, éo passo da morie«

<( A virgem retrahiu d'um salto o avanço que Lomir- ra, e vibrou o arco. » (Lembro-me d'aqUelle trecho dU> gaúcho : » A égua retrahiu o flanco sobre os quadris

XXXVIIl 275

-agachados, e esse corpo, que se fizera bomba, estou^ rouy>).[0 chefe cerrou ainda o punho do formidável taca- pe ; mas pela vez primeira sentiu que pesava ao braço robusto. O golpe .que devia ferir Iracema, ainda nao alçado, lhe trespassava, a elle próprio, o coração. » (Mesmo depois do que via e ouvia ? Chefe imbelle, . guerreiro maricas] )

A final Irapuam desappareceu entre as árvores, e Ira- cema voltou a proteger o somno do estrangeiro no bos- que sagrado.

Pensas tu, bom Cincinnato, que esse chefe que sur- prendêra assim o nefando sacrilégio ; que tantas provas recolhera, até uma declaração confessa da sacerdotiza, de que o desconhecido estava no bosque onde era veda- do penetrar ; que, além do mais, se devia reputar atroz- mente ultrajado pelo desprezo infligido ao seo desvaira- do amor, e pela preferencia tributada ao forasteiro; pen- sas tu que esse chefe saí.sse d!ahi para dar o grito de alarma, delatar o crime, exigir a punição immediata dos delinquentes, ser fervorosamente coadjuvado (como fora de esperar) na applicaçao dos castigos tremendos para cabal desaffronta dos preceitos postergados, e exemplo estrondoso a presentes e pósteros? Qual, meo amigo ! Vais ver o que acconteceu.

Irapuam cousa nenhuma communicou ao page até á tarde seguinte, quando, com cem guerreiros, foi tomar o estrangeiro ao Cauby, irmão de Iracema. Seguramen- te o chefe ter-lhe-hia contado í ao iiltimol os successos da noite ; mas longe de ficar esce, como era natural, es- candalizado,na dupla qualidade da guern»iro e de irmão da moça, suas palavras foram estas : « Mactae Cauby antes ! »

Eis reboa o rouco som da inúl):a j)ela mata ; ostaba- járas estremecem, reconhecendo 'nesse annúncio a voz inimiga do búzio dos Pytiguàrus. AbinJonam Martim e seo protector, batem as matas, procuram, esmerilham, e nada incoutram.

Suppõi com razdo Irapuam qui^ o aviso falso fora ardil de Iracema para fazer diver^sao ao ódio d'elle, e entre- mentes dar escapula ao amante : e então procura o Page para referir-lhe o arcontecido.

«( Araken, a vingança dos tabajáras espera o guer- reiro branco, Irapuam veiu buscal-o. »

Queres saber a resposta do sacerdote, instituído para •velar perennemente pelo rito, e impedir por todos os

276 XXXVIU

meios ao aeo alcance que elle chegasse a ser de leve estremecido? Ouve lá;

« O hóspede é amigo de Tupan ; quem oflFender o- estrangeiro ouvirá rugir o trovão. »

Qué dizes a isto ? Ura quero confundir es^e 'page re- misso e refractário, que n&o sahe exercer o seo oficio, com uma licç&o que me ministra G. Dias, insinando como era intendida a hospedagem entre os verdadeiros Índios a hospedagem, que o Sr. Alencar tornou elástica, áo poncto de fazêl-a absorver um dos mais accentnados characterlsticos do povo bárbaro a veneraç&o das suas práticas religiosas. « Hospitaleiros para com os estra- nhos— diz o historiador os seos próprios inimigo» achavam accolhimento e gazalhado nas suas tabas » E mais adeante : a Desconfiado o índio com os estranhos^ principalmente quando 'nelles percebia deslealdade o caso}, um indício, um vislumhre de intenção sinistra, bastava muitas vezes para o tornar suspeitoso, e da sus- peita, sem mais exame^ precipitava-se na traiçEo.D Ora, se com índios d*esta ordem, Martim e Iracema te- riam feito septe montes!

Mas emfim, Irapuam torna a Âraken :

a O estrangeiro foi quem offendeu a Tupan, rou- bando a tua virgem, que guarda os sonhos da jurema.

« Tua bôcca mente como o ronco da giboia excla- mou Iracema, d

O chefe insta e insiste pela vingança ; até que a Âra< ken ergueu a grande pedra e calcou o com fôvea no çhao » e ouviu-se o ronco de Tupan. Irapuam, por outro- lado, bem merecia d'isso, attenta a sua frouxid&o. Dous insêjos, cada qual mais propício, perdeu de dar de garra ao estrangeiro um no bosque, onde, se este penetrou, com maioria de razão poderia penetrar aquelle que ia punir um sacrílego, e a quem a opposiçao de uma fraca mulher, nrincipal culpada, nao deveria de- ter ; outro, quando, tendo cem guerreiros de seo lado, o foi incontrar com Cauby. Eis ahi o cacique esculp-^ tural da Ibyapaba ! Que amor o ibeo, que sentimento ae* vingança, que denodo, que desvelo pela defeza do rito t Uma mulher (que e!le devia então odiar] o amiaçava^ eil-o tolhido ; incon trava o rival (que nao era isso» mas também profanador da liturgia sagrada) a sós com o irmão da mulher que o ultrajara, e tanto bastava para frustrarem-se os seos ímpetos, apezar de açhar*8e accompanhado de cem guerreiros !

XXXVIII 877

Na batalha em que mais tarde se empenha com os Pityguáras, como 7Ímos, nSo faz maiores prodfgios 4e bravura ; e, para incurtar razoes, se foram sem uin arranhão Martim e a índia ; e esse preclaro cabecilha, que nos dizem as chrónicas mandar sobre mais de 30 aldeias, que nos diz o próprio Sr. Alencar a tantas vezes tsr guiado os seos guerreiros ao combate, quantas à TÍCtória » (pag. 61) volta cabisbaixo e derrotado, dando •o mais formal e vergonhoso desmentido ao passado re- nome ! Eitt como são reduzidos a zero typos colossaes, que o valor e o poder illustraram nas guerras da con- quista ! O Sr. Alencar pôde jactar-se de intendedor da história, e de chefe da nossa htteratura. Tem dôdo !

O typo de Poty, posto que njienos falso que o de Mel Bedondo, fica ainda assim muito somenos & grande fi- .^ra, que subsiste e perdurará indelével entre os brilhos áe homérico heroismo nas nossas p&ginas da restau- nçfto.

O que faz, na verdade, Poty, na lenda do Sr. Alen- car, que se mostre na altura das altas façanhas d*es8e braziliano, no período da guerra hollandeza ¥ Accom- panhemol-o, desde que apparece até ao fim da lenda.

Martim está na cabana do page. cc Levantado no re- ^omno da noite um grito vibrante, que remonta ao céo » ípag. 5n,E* o grito da gaivota, que ires vezes resôa (pag. (55), ou antes é a voz de Poty, que de dentro do tanque da aldeia dava signal a Martim.

Nos sertões do Ipú n&o ha gaivota, tanto que a índia •desconhece esse grito, o que Martim acha muito natural, TÍsto como a gaivota é « a garça do mar » ; ao passo que Iracema é a a virgem da serraj que nunca desceu ás (Uvas praias r> (pag. 51)

Mas se o grito da garça do mar er^ desconhecido da índia, presume-se que também o fosse dos guerreiros ta- bajàras em incessantes guerras com os pityguáras, e senhores dos seos costumes e modos de aununciar-se ? Decerto que nao. Ora, se o nao era, presume-se que Poty, prudonte e matreiro, se arriscasse de tal modo 4t no resomno da noite » e ao alcance immediato dos ini- migos f E isso, quando a aldeia suspeitosa deveria estar 4e sôbr'aviso, depois do facto de haver soado « o búzio guerreiro dos Pityguáras» que horas antes a tinha alar- mado (pag. 42)? O verdadeiro Camarão nao se teria met-

278 xxxviir

tido em tal giqui. (1) E é tao verdade que em tal situa- ção estava exposto o prudente abaete, que a índia a foi direito ao logar d'onde partiu o grito e chegou à borda do tanque » (pag. 55.) Se a índia foi, como nao iriam os Índios?

^ D'aqui o vamos achar no combate na floresta, do qual te dei noticia na minha V carta, e que, sem embar- go de ser travado entre figuras tao legitimamente afa- madas, taes como Mel Redondo, Jacaúna, Camarão e Soares Moreno, appresenta, como visle, a feição burlesca da caricatura o termo).

O que fez de certo digno de si o Camarão 'nesse prélio de athletas? O Sr. Alencar o vai dizer : « Poty pos- trou o velho x\ndira e quantos guerreiros topou na lucta seo válido tacape. » Verdade é que conclúe 'nestes ter- mos ; » Martim lhe abandona (a Po^yj o filho de Ara- ken, e corre sobre Irapuam. » O íilho de Araken, Cauby é certo parece que era am guerreiro moço e valoroso; mas também certo é que Poty lhe nao levou grande e cabal vantagem, pois que o vemos apparecer depois nas praias do Ceará, onde foi ter com a irmã sao como um pêro (pag. 142). Logo, em rigor e subs- tanciando, em que se resumem os grandes feitos ou proezas do Camarão 'nesse renhido combate ou antes em toda a lenda ? Em prostrar o velho Andira. O velho l Terás idéa approximada do valor d'este, pelas seguintes palavras de Irapuam, que o invectivou com acerbo me- noscabo, quando elle votou contra o combate: « Fica tu, escondido entre as igaçabas de ninho, fica, velha morcego, porque temes a luz do dia, e bebes o san- gue da víctima que dorme »> (pag. 19) Eis ahi quem Poty prostrou.

E depois d'isso, nada mais occorre na altura de r©- commendar este último. Vemol-o pintar Martim com os <<riscos vermelhos e pretos, que ornavam a grande nação pityguara " (pag. 11.:!), frechar o camoropim de cima do coqueiro, ou do morro do Mocoripe etc. Cousas d'estas. E acabou-se. Será este o próprio Cama- rão grande, ou o Camarão, le petit ? Que houve diver- sos Camarões, dil-o a história.

Antes de fazer poncto por hoje, permitte-me trasla- dar ainda uns ligeiros extractos.

1) Armadilha selvagem de pegar camarão.

XXXVIII 279

Lè-se na pag. 10 do poema :

« - Bem vieste ! O estrangeiro é senhor na cabana de Araken. Os Tabajàras tem mil guerreiros. »

E na pag. 52 .*

" - Nao vale um guerreiro contra mil guerreiros. » Se o vocábulo mil foi empregado aqui na acce- pç&o de grande número, muitos, pa^se ; mas se o foi na accepçao de dez vezes cem seria isso tao grossei- ro erro, que d'elle nao reputo capaz o Sr. Alencar. Os nossos Índios para os números l,2,3,e 100 tinham termos próprios, a saber; um, oiepen ; dous, mocôtn; três, moçapoêr; cem, papaçà. De quatro a 10 contavam c^ompoudo 03 niimoros com os três primeiros, d'este modo ; quatro, m,òcoia mocòin ; cinco, (mao, ou cinco dedos); seis, moçapuer moçapuer ; eic. (Vide o Vocabulário do padre M. J. S.)

A lingua Kechàa tinha o vocábulo huaranca^ mil ; sias seria erro usar do termo entre índios que falavam s lingua geral, como os tabajàras, ou melhor como todos es nossos aborígenes.

O Sr. Alencar, seguramente seguindo 'nisso d'Orbi- gny, que opina haver em toda a América meridional uma religião— a dos Quichúas^ intercala nas prag- máticas bárbaras dos Índios do peará práticas que eram evidentemente peculiares aos Incas, que professavam esta religião. A supposta festa que nos dá, sob o nome sonoro e pomposo de festa <( á lua das flores » está 'neste caso.

Os chronistas nao falam de tal instituição entre es «utochthones brazileiros. Ainda aqui,portanto,o corajoso e temerário romancista quiz dar-nos um mero producto do seo génio inventivo ou creador.

Mas, além do mais, foi infeliz na lettra do liymno, que saiu chilro e çhôçho,como vais ver:

« Veiu no céu a mae dos gu|rreirrs; volta o rosto para vêr seos filhos. Ella traz as águas, que enchem os rios e a polpa do caju.

« veiu a esposa do sol: surri ás virgens da terra,

'filhas suas. A doce luz accende o amor no coração dos

{guerreiros e fecund^a o seio da joven mae. » (pag. 72).

E mais nao dic**.

A qualificação de esposa do sol applicada á lua, é pro- priamente da religião dos Incas, segundo a qual aPaçha- €ana4i^ deus invisível, creador de todalas cousas, tinha

ZOU JLAiLVUJ.

O podâr supremo, imperava sobre o sol e a lua sua mur- Iher, »

Como a cousa não vai também a morrer, nfto me de- terei mais DO texto e passo às notas.

Teo leal amigo e admirador.

Sbmprónio* Ignez de Oastro.

POR

JULIO DE CASTILHO.

II.

Houvemos como necessário expor a syaopsis do epi- sódio da história portugueza. E' ella, pelo teor por que à fizemos, o pequeno esboço de um quadro granae. Tivemos para nós ^ue era mister lembrar o accoate- cimento e suas peripécias, para que se mostre o porquft tantos ingenlios portentosos se teem occupado d'e9te assumpto e sempre com garal assenso e beneplácito dos intendidos. Foi o insigne doctor António Ferreira^ desembargador e lente na universidade de Coimbra, o primeiro que urdiu e p5s na scena aquelle triste e Ia* ctuoso successo; e viu a luz em Portugal a primeira tragédia d^ Ignez de Castro, cerca de 250 annos depois da espantosa catástrophe dos paços de Coimbra. Foi eia 1598 que veiu á imprensa o escripto do insigne juris- consulto e poeta portuguez. Escreveu elle a sua exeel- lente tragédia— Castro— em 5 actos e em versos deca- syllabos soltos, eatresaçhando-a de choros e concluiada p4^ acto por 38 versos sáphicos. Sao 8 as pessoas d&^ tragédia, afora o choro das moças de Coimbra,

Consta o 1*" acto de longos diálogos entre Castro e sua ama, em que se expoim miudamente os amores do infante e de Castro; o casameato forçado d*aquelle com Constança, de Castell^ a morte d'esta; o casamento occulto d'ella com Castro, a escolhida de seo coraçaoi constando mais este acto de extensos diálogos entre o^ secretário e o infante, em que aquelle ancião e velho servidor do reino procura com argumentos enârgioos, e a maior insistência, dissuadir o infante de uma paiicSo que o transvia, de um amor que o abate e ame^uitiba aos olhos de seo pae, da corte e dos populares; seoa argumentos, suas razões de Estado, sao rebatidas, oc&

XXXVIII 281

*com súpplicas e calma em que transparece a raz&o em repouso, ora com o ímpeto e a violência de um coração cheio de amor ardente e contrariado por quem nSlo sabe nem pôde comprehendêl-o. Doesta lucta tremenda entre o coração de um mancebo, incendido nas çbammas de uma paix&o que lhe domina os sentidos, e a razfto calma de um ancião cujo espirito gélido não pôde compre- hender aquelle mundo de amor, ternura e dedicação sem exemplo ; d'esta pugna longa e tenaz, em que se esfor- çavam tao denodados cam piões, venceu a paix&o do príncipe ; e o adversário retirou-se derrotado e conven- ^cido de que nenhum poder humano seria capaz de ar- rancar d'aquelle peito uma paixão que lhe havia senho- reado todo o alvedrio.

Entram no 2.' acto el-rei D. Affonso IV, Diogo Lopes Pacheco e Pêro Coelho.

Sao thema d'este acto os conselhos pérfidos e sangui- nários de Pacheco e Coalho, e as hesitações do rei, que ora antepoi aos conselhos a grande crueldade de mactar uma innocente, ora cede ás razões com que insistem -aquelles espíritos maléficos. O 3.^ acto consta de mono* iogos entre Castro e a ama, narrando aquella os sonhos fatídicos e aterradores que a haviam assaltado durante a noite ; vindo o choro annunciar-lhe a resoluç&o irrevo- gável do conselho em que se lhe havia decretado a morte, 6 que perto vinham os assassinos p5r em execução o que se tinha resolvido em conselho, com assentimento do rei. O 4." acto é verdadeiramente o último e principal suc- cesso da tragédia. Âçham-se em scena, e em face uns dos outros, o rei, Castro! Paçliêco e Coelho. A lucta ó tre- menda. Castro e seos iunocentes filhos, ajoelhtidos aos pés do Rei; as tribulações daquella almainnocentee cândida desataudo-se em guaieis excruciantes ; seos rogos e ge- mi^los; o çhura^r e soluçar d*aquellas creanças tão sem •culpa; as incertezas do rei, que tuctua entre a piedade e as instancias d'aquelles malvados conselheiros ; a te nacidade satânica daquelles monstros ávidos de sangue; e a retirada do rei , deixando a víctima, fraca e despro- tegida, intregue á fúria implacável de ferozes algozes ; tudo isto forma um complexo de contraposições onde ha tanta acção, tanto movimento e tamanha exuberância ÁQ vida, que nos razão do sobra para admirarmos o grande ingenho, creador d'este transumpto sublime de inaudito successo histórico dos paços de Óoímbra.

I

282 XXMV III

O 5." acto da tragédia da Ferreira, é curlo e descai ; consta apenas de um mensageiro que vem dar ao deso- lado infante a triste nova, e das imprecaçOe;; do inÍBnle, promettendo vincar a morte da sua idolatrada Castro, e fazer-llie as lioiirad pósthumas de ralulm de Porlng-al.

Escreveu também sobre este assumpto o insigiii poeta portiiguez Domingos dos Reis Quita; e em llún foi dada à luz da imprensa, a sua tragédia - Castro. Este melo- dioso po3la concentrou o pensamento da obra, redu- zindo'Ibe as dimensões; sua triig^édia é em 3 actos. SfW> actores o príncipe U. f edro, D. Iguez de Castro, el-rei 11. Affonso IV, Coelho e Faoliêco, um embaixador de Uispanha, Aliâeida conKdentu de D. Pedro, e Leonor, aia de D Ignez, pnssaudo-se a scena nu jardim da Quinta das Làgrymas.

Apparecetii no M' acto os assassinos com as espadas tiuctas do smi^ne, e em uma porta ao fundo o cadáver de Igmrfz de Castro. A verdade histórica è aqui um pouco sacrificada, porque o embaixador de Hispanha, que vem a Fonugal exigir, em nome de seo rei, cum- primento de contractos, e satisfacçOes por siippostus of- fensas. ficando cimmovido e interessando-se pela desdi- tosa Castro, é o primeiro que desiste de suns preteurOes e que intercede em neo favor e reconhece a validade do cousórciol!! leto é inverosimil e inadmissivel.

E', sem duvida alguma, amais popular de to<In.s as tragédias escriptas na língua portugueza,a Nova Castro de João Baptistb Gomes Júnior. Este joven eacriptor, que tilo m^iço foi arrebatado às lellras, e que nos havia dado as IriiducçOes de Faiei, de Arnaud, e Aos Ma- cliabè.ja, de Lamotte, em bons vnrsos portugueses, era- simples guarda-livrfs de uma casa coinraercial no Porto (d'onde era nniural), qnHiido escreveu a sua popularís- sima— Nova Castro t4a3 lia quem lhe nao tenha de cór ãcciías inteiras; nao h^ pelo menos, quem lhe nao saiba muito verso, que por ser^m muito vií^toa e muito repe- tidos, cairam em uma espécie de trivialidade .\ ver- siticarão é túrgida; o pensamento liy^ierbólico; ha .sohe- jidoes no dizer e demasias nos epillictus; mas por pouco que ,se conheça a eschola do tempo e que se considere no PStylo dos árcades, e sobre tmlo no chamado elaia- nieuio, que ainda dominou por muito tempo, vèr-se-ha que o estjlo de JoSo Baptista era o da ischola d'>mi- nante, e que tem tantos esplendnre-^ ii tantas galas, que hnde ser adminida sempre pela riq^ieza de língua que

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possuíam aquelles beneméritos das lettras e a quem hoje ninguém, com as lisuras e simplicidades apregoadas, póde,nem sabe imitar.

E' H tragédia de Joíio Baptista Gomes em 5 actos ; en- tram n'ella nove personagens e maisdousmeninos,fillios de D. Pedro e de D. Ignez; a scena é em Coimbra, 'numa. sala do palácio; é composta em versos decasyllabos soltos, .gnez de Castro é a mulher tímida, visionária, sonhando sempre com espectros, tendo sempre deante dos olhos scenas lúgubres, e misturando aos poucos mo- mentos de ventura, que lhe sao curtos e fugidios, sécu- los de amargura, de pranctos e terrores.

O príncipe é um character impetuoso e arrebatado sem trégua; o rei é um tyranno violento; em suas curtaS' e passageiras intermissOes inclina-se á piedade ; porém essa estrel asinha, que apparece 'naquelle horizonte tene- broso, s(íme-se logo debaixo das nuvens espessas d'a- quelle céo de tormentos e nevueiros.

Pacheco e Coelho sao dous monstros sanguinários, sedentos do sangue innocente da miseranda Castro; não se descobre, desde a perfídia do Conselho até o commet- timento cobarde do assassinato, um motivo de simi- Ihante atrocidade ; nílo ha uma razfto que justifique a idéa fixa dos conselheiros e algozes que tudo ao mesmo tempo o foram. O terceiro acto d*esta tragédia é uma verdadeira tempestade, de princípio afim; parece que, desincadeados os elementos, não ha mais repouso, nem trégmas 'naquelle oceano de fúria»?. Como na tragédia de Quita, apparece também o compassivo embaixador de Hispanha, que entra furibundo e amiaçador nqg paços do rei, proraettendo afogar tudo em guerra para sustentar com toda a força o decoro do throno e da filha do seo rei, que ja pisa as fronteiras dos domínios do rei portuguez, e depoia por sua c^nta e risco delibera por si; pede perdão para Ignez de Castro; re?ponzabiIiza-se pelo bom resultado da negociação; e volta em boa paz com a princeza para sua Hispanha, e tudo ficou como se nada tivesí?e havido !!! fato mostra que Jojío Baptista Gomes vasou boa parte de sua, aliás formosa, tra<rédia no molde de Quita. Esta tra^rédia, que foi impressa em 1813, tem tido muitas edições, e ha d'ella uma versão allema em verso.

Escreveram sobre este assumpto, e em diversos tempos e no género de que traclamos, muitos distinctos poeta?

^4 xxxvin

tr&gicos portugaezes que eternizaram espleadidamente a luctuosa catástrophe

, ... da misera e mesquinha que depois de ser morta foi rainha.

Escreveram, com maior ou menor felicidade na concepção e no desempenho, Nicolau Luiz em 1760, António d' Araújo e Azevedo, Joaquim José Sabino, âouza da Câmara e outros; e nao . portuguezjs têm invocado e alcançado favor da musa trágica n*este as- sumpto tao seo, senão também grande número de poetas trágicos francezes, hispanboes e italianos. O colher incessante de t&o sazonados fructos 'neste campo, dá-nos prova do que vale para os coraçOes sensíveis e para os oons ingenhos esse memorável e lachrymoso episódio da história portugueza.

MUCIO SCOBVOLA.

{Continua.)

Oax*ta Px^iimeix^a*

DE CINCINNATO A CUJÁCCIO.

lUustrado Cujáccio.

Dizes tu que lês habitualmente as Questões do dia^ e 'nessa publicação te chamam a attençao de um modo muito particular as eruditas cartas de Semprónio. Accrescentas que recentemente viras 'numa d'ellas um trecho, que deixa em dúvida os conhecimentos jurídicos do venerando Sr. Alencar, tão apregoados, ao menos ^or elle mesmo. Perguntas-me sobre esta matéria a minha opinião, e, emb'ora desauctorizada, não devo occuUar-t'a.

Persuado-me eu aue, tendo-se aquelle senhor appli- cado a tanta cousa, toi vicflma de uma lei da pkysica : o que ganhou em superfície, perdeu-oem profundidade. N&o se pode accumular a universalidade das superiori- dades, porque essa perfeição pertence ao Ente Su* Íremo, e elle ainda o não é, posto para caminhe, erá de contentar-se com ser estupendo romancista, e litterato, e prosador, e poeta, e dramaturgo, e jornalista» e político, e orador. Como a jurisprudência lhe ficou para as horas vagas, 'nella a cada passo claudica e esbarra.

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S&0 innumeraveis as provas, que ySo ahi por todo esse foro, da infelicidade do perito jurisperto. Admira não teres seguido também, pela imprensa, algumas das polémitaí^ jurídicas, em que o nosso causídico tem sido' anniquillado por muito mais habilitadas pennas.

Nfto alludirei aqui a pònctos controvertiveis. Não só* as sciências positivas se prestam frequentemente a boa ãustentação de theses oppostas, mas um advogado, obri*- gado a defender o seo cliente, nem sempre tem con*- vicçao da sua justiça absoluta, e d'est'arte vè-se obri- gado a sustentar doctrinas, pelo menos duvidosas.

Concedendo porém tanto á profiss&o de advogado, uma barreira que lhe nfto é lícito ultrapassar. Nenk pôde contrariar os princípios elementares do direito, nem ignorar cousas sabidas por qualquer triste fiel feitos. N&o scei se o distincto lettrado nao estará 'neste caso. E como tenho o hábito do allegado e provado, vejamos alguns factos, ou desconhecidos, ou tra- ctados pela imprensa. E como d'estes mostras nsio ter notícia, por elles começarei.

Ainda ha poucos mezes se agitou pela imprensa uma discussão jurídica entre o Sr. Alencar e outro muito mais valente e competente contendor, o Sr. Lafayette Bodrigues Pereira. O epílogo doesta polémica foi uni artigo em que se resumia o que do debate resultara, e que o Sr. Dr. Lafayette formulou nas seguintes pa- lavras:

... c( ExplosSLo da vaidade offendida; é o odre qu-e arrebentou. O sábio conselheiro que, de ha ânuos a esta parte, traz ás costas um pesado fatr<xs litterário, andava a campar de jurisconsulto de polpa. A discussão rom- < peu-lhe as falsas bulias, que, é verdade, se tinham tor- nado um pouco suspeitas, depois da publicação de uns^ célebres projectos de reforma judiciária, que a esta hora terão sido approveitados p^ra alguma encyclope- diana.

<c As estupendas heresias jurídicas que o sábio conse- lheiro, com invejável gravidade!, denomina fructos de fneditação^ mbsidios da sciência^ puzeram patente a do- ctos e a indoctos uma verdade pungente, e que fora melhor se conservasse occulta ; a saber : que S. Ex. não andava muito familiarizado com as Pandectas.

« Ntinca me passou pela mente desconhecer os subli- mes (alentos do sapientíssimo conselheiro, como folhe- tinista, poeta, roíiiaucista e auctor de dramas. E, para

286 XXXVIll

•^prova da miiilia sinceridade, approveito a occasiao para lhe dizer que desde muitos aunos professo a mais viva admiração pelos inoiísirengos laoraes c\wq ornam a sua linguagem litterària, e pela língua divina que falam, língua que a nós, míseros mortaes, pôde p«recer fcrfr- ba7*a estropiada. »

Ja vês, amigo, como um distiiicto jurisconsulto avalia 3, sciência do Sr. Alencar. Nem se diga que apenas alludia a uma dissidência em poucto de diictrina. Quem argiie a outrem de proferir heresias jurídicas, de cam- par com bulias falsas, de desconhecer as Pandectas, etc, characteriza a sciência d'osse outrem em matérias ge- raes de direito, e nfio em q lalquer especialidade.

Foi o referido artigo re- posta ao último do Sr. Alen- car, intitulado Simples advertências, repleto das mais Audaciosas baforadas, e onde apparecem dos taes dizeres, que sao propriedade exclusiva d'este .senhor. Por exemplo :

c( O amor próprio e o despeito sao fumo do coração» que tolda o espírito e obscurece o intendimento. »» Bravo ! Temos aqui obscurecido um intendimento quô .nao é espírito, e toldado um espírito que nao é intendi- mento, e tudo isto defumado polo despeito, que é fumo, e fumo de que 1 do coração. Impagável I

Diz que « Ov^ídio entre os Getas escreveu este veeso Barbarus ego siim, quia non inielligor illis » como se Ovídio fizesse versos errados ; sendo este vêso de nunca citar certo, um dos elementos da minha con- vicção de que o famoso V., das Palestras^ n5o era mais que um copista do patrão. , Emfira deixemos essas minúcias, e venhamos ao as- sumpto, que então se agitou.

Involvi:i elle muitas circumstâncias era que a contro- vérsia era tolerável, mas um poncto ha que docios e indoctos reconhecerão j^rimà /acíe, que o Sr. Alencar errou desastradamente.

Um devedor hypothecário, nao satisfazendo o seo débito, foi executado ; procedeu-se a avaliações, que se dizem exaggeradas, dos respectivos immoveis, os quaes por quantia muito superior ao débito foram adjudit^ados Ao credor, que nao quiz consignar o valor do denominado excesso, no praso que lhe foi marcado.

Queria o Sr. Alencar que o credor adjudicatário fosse levado á prisão, e 'nella permanecesse até que eatrô^ ^asse o tal chamado excesso !

XXXVIII 287

Existe alguma lei no Império que tal cousa prescreva? Nao ; mas o liberalismo do actual ueóphyto republicano é Hdsim : liberdade do cidadão é para elle uma insi- gnificância, um brinco ; deroga a constituição ; estabe- lece umas theorias cerebrinas, que se convertem em práticas iuquisitoriaes ; incarcera....por analogias! A detenção corporal, a pena, susceptivel sim de restrin- gir-se, nunca de ampliar-se, o novo Torquemada a ful- mina arbitrária, despótica, tyrannicameute, sem sombra •de legislação em que se estribe. Se o legislador, excep- cional e raramente, preveniu algum caso de commina- ção de prisão, circumscreveu-o, limitou-o, definiu-o. Se em dadas hypótlieses, a lei permittiu esse meio contra depositários e arrematantes, nunca o auctorizou contra 08 adjudicatários, que nem arrematantes nem depositá- rios são.

Tudo isto é eiemeutar ; mas o Sr. Alencar, que nos seos projectos de reforma judiciária se patenteara adora- dor dos cárceres, masmorras e ergástulos, quiz ir j& fazendo experiências in anima vili de um cidadão. Para elle, a liberdade natural é um abuso, ou pelo menoa uma mercê de S.Ex., que assim pode ací /i&iíum coarctal-a!

Para honra do paiz, cumpre declarar que não houve uma voz no foro, no paiz, nos tribunaes, que fizesse choro com a menos inquisitorial que absurda doctrina. Consultados, todos os advogados unanimemente clama- ram contra a stulta pretenção ; egual uniformidade se repetiu nos tribunaes ; egual, na opinião dos sabedores de direito, e até dos mais extranhos ao estudo da juris- prudência. Ficou S. Ex. collocado na menos invejável unidade ; foi o pur si muove do absurdo. «

Por hoje aqui me fico ; proximamente trarei outras brilhaturas do digno jurisperito ao teo conhecimento.

Teo respeitoso amigo ^ C1NCINNA.T0,

Os inglezes e 09 x*epiil>iioaiios.

Ha três meios efificazea de convencer : o raciocínio, o pão e o dinheiro.

A grande maioria da nação ingleza intendeu que convém convencer os republicanos d'aquella terra, a que não tentem mudança na forma do seo governo.

Mas também intendeu, que o raciocínio nem sempre é eflicaz, pirque uns não podem, e outros n&o querem, comprehender.

288 xxxvm

o dinlieiro tem o inconveniente da água na hydropi- sia: quanto mais se desse, mais fora preciso dar. Tudo^ ahi ficava republicano, para receber a maquia.

Resta o tercejro meio. A grande maioria da naçfio- ingleza proclamou aos &eos patrícios republicanos, que os hade levar a soco (se nâo for a páo). Assim está es- cripto no Boletim do Jornal do Commércio^ de 5 do cor- rente.

Socos em republicanos ! Como sfto ignorantes aquelles inglezes I Un republicano ou liberal de papo amarello tem direito de mactar, esfolar, roubar, incendiar, estu- prar, fazer emfim o que lhe der na cabeça : mas é pri- vilégio exclusivo : nao tem correlativo.

Otton.

Pelo dedo o gl^axite.

Em todos os tempos gustaram os homens de deixar de jsi recordações á posteridade. Antigamente esses monu- mentos affrontavam os séculos : eram as pyràmides do Egypto ou o colosso de Bhodes, e mais pjoximamente Belém ou a Batalha em Portugal, o Escurial em His- panha, e outros por ahi adeante.

Vao-se os homens amesquinhando, e com elles aa Buas obras. O marquez de Pombal mandou levantar a estátua equestre de D. José I, no Terreiro do Paço, em Lisboa ; porém mandou ao mesmo tempo fazer uma praça condigna. Quem tem visitado aquella capital sabe que a praça em que existe a estátua, poucas eguaes tem na Europa*. No Rio de Janeiro mandou-se levantar a estátua equestre de D. Pedro I, porém a praça ficoa ^1 Qual era : nenhuma providência se tomou para o seO melnoramento.

A illustrissima câmara actual n&o quiz ficar atraz de suas antecessoras. « Efga-se, disseram os illustríssi- mos, um monumento que atteste aos vindouros, que nós passamos por esta terra. Fique memória de nósl » E ficou.

está no ex-Largo do Paço, actual praça de D. Pedro II, está... uma latrina pública, exhalanda suavíssimos perfumes, com que sao deleitados es nari- zes de quantos passam pela estrada.

E pelo monumento se conhece quem o mandou le- vantar. Otton.

L Typographia e lithographia —IMPARCIAL— Rua Sete de Setembm, 146 A **

QUESTÕES DO DIA

RIO DE JANEIRO, 15 DE FEVEREIRO DE 1872.

Teode-Be em casa dos srs. E. & H. La^mmert. AgfObtinho de Freitas Gui- maries & Comp., 2G, rua de General Camará.— Livraria Académica, Rua de S. Jobé n. 119- Lar^o do Paço n. C— Preço 200 reis. O r volume, com i.erto de 400pá£icas— 3|?GC0.

OBRAS DE J. DE ALENCAR— A IRACEMA.

(Cartas a Oiixoinnato)

XII

Meo amigo :

Nao entro no argumento histórico da lenda, nem na questão da nacionalidade do Camarão.

Do primeiro dice quanto se me oflferecia, em referência a Martim Soares Moreno; quanto à segunda, dou-me por «suspeito, com o fím de me poupar uma col- lisfto.

Explico-me : de um lado, sou natural da província para a qual reclama o Sr. Alencar a glória do haver dado o berço ao Camarão ; do outro, vejo no commen- dador Mello, que ao Ceará contesta essa glória, além de uma auctoridade, um amigo, cuja illustre ancianidade, litter&ria como politica, desde muito me accostumei a venerar.

Se nao tivermos attenções para esses últimos Aben- cerrages das priscas eras da pátria lumes serenos, que o s&pro impiedoso da morte está amiaçando apagar-nos a caaa instante, quem nol-as merecerá melhor? Aca^o fechos improvisados de hontem, c^ja çhamma afc guea- da por insólito egoísmo, nntes no.b desvaira do que nos guia nos parcéis da história ? N^o vou para ahi.

A primeira nota que ^e nos depara, inscrcve-se sob a «pfgraphe Onde canta a jandaia. 'Nella agita-se a queatao de sater d'onde veiu a palavra Ceará. dice a esse respeito em outro Igar o que é escusado repetir

Do verbo rw^ í/ar, que o auctor compôs, como declara, auctorizado pelo exemplo de Filinto Elysio, que creou Tvídar (de ruído) tractarei quando houver de arriscar

290

tímidas considerações sobre a polícia da língua. Hoje a meo despretencioso exame limita-se á parte própria:- mente indígena ; e d'esta áquelles termos que devem ao Sr. Alencar etymologia com que me nao conforma . Principiemos.

Lê-se :

« Gard, Ave palludal, muito conhecida pelo nome de Guard. Penso eu que esse nome anda corrompido de sua verdadeira oriorem que é ij, agua e ard arara^ arara d'agua, pela bella côr vermelha. »

A esta opponho as opiniões auctorizadas do Martios e do Dias.

Diz o primeiro :

a Guard Contracção de Guá, variegado, eGtdraz

Guaguirà, ave multicor, porque, pequena, cobre-se de pennas brancas, adulta de pennas pretas, e por ultimo de incarnadas. »

Agora o Dias :

<c Guard, ave ; nasce branca, torna-se preta, e por fim, de um incarnado vivíssimo. »

Se é certo que a ave passa por todas estas transfor- mações, d'ella characteristicas, quem nos auçtoríxaa despresar a etymologia que cabalmente as exprime parm ir buscar outra, errónea, alem do mais ? De ser ella errónea, fornece-me prova o próprio Alencar na nota seguiu 3, para a qual çham,o a tua attençao :

<c Árd periquito. Os indígenas como augmentativo usavam repetir a ultima syllaba da palavra e às vezea toda a palavra como murémuri. Maré frauta munS- muro grandt? frauta. Ardra vinha a ser pois o augmeií- tativo de ard, e significaria a espécie maior do género.»

Se elles dobravam a syllaba, e até a palavra, quando quoriam exprimir augLuentativo, segue se que 'neste caso, querendo exprimir ardra d^agua^ diriam gardra^ iáto é dobrariam ard, oiicí singella significa simplus- mente periquito: e nao diriam garà, como que teriam periquito d*àgaa. O Sr. Alencar morre com as suas próprias armas.

Na vau pretençSo de tudo poetizar no seo aborto de poema (succede o contrário as mais das vezes) a cami- nhos directos e fáceis prefere tortu jsos rodeios. Nfta foi outro seguramente o motivo que o levou a ingeudrar a etymologia de Pi/í^-jwara.s, quando «» nome evidentemente verdadeiro é o de Poliguaraa ou guerreiros do Camarfto. Lè-se :

XXXIX 291

« Pitiguaras. Grande nação de índios que habitava o littoral da província e estendia-se desde o Paraahyba até o Rio Grande do Norte. A orthographia do nome anda mui viciada nas differentes versões, pelo que se tornou difficil conhecer a etymologia.

a Iby significa terra; ihy tira veiu a significar serra, ou tçrra alta. Aos valles chamavam os indígenas iby tira cua cintura das montanhas. A desinência jara, senhor, accrescentada, formou a palavra Ibyticuara que por corrupção deu Pilygudra senhores dos valles»

Nao procede, ao nosso ver, a combinação. De Iby ti cua—jàra (como fica a palavra composta, e nao Iby ii^-ma—ra^ como diz o escriptor ) vai grande diflfe- rença para Pity-guara-, nada menos que absorver o / inicial, mudar o 6 em p, supprimir a syllaba ra de tira^ mudar o c de cud em g para dur guáj supprimir a syl- laba ja de jdra. bem se executam taes absorpções e mutilações no gabinete, onde a penna corta impune e á vontade; o povo, até mesmo o selvagem, é mais respei- tador do que pareça das relíquias do passado.

Al accresce, que devo lembrar: a opinião do escriptor levaria ao contrasenso. Ibitiracud^ significando cintura da montanha^ não podia significar valle, porque valle nunca foi cintura de montanha.

O que é valle ? « Planície juncto, ao de monte, ou entre montes » diz o lexicógrapho. Se é ao pé, como pôde ser cinturay que idéa de meio de cousa ou pessoa? Ao valle chamavam elles Ibyty-^godya ou ibyitygoaia e não Ibyticud.

O Sr. Alencar quiz dar origem de sua lavra, e fez esta confusão inadmissível combinação, que não traz gló- ria, porque não fora diflBlcíl, com diccionários e folga e sobretudo fama, preparar laes in:iêrtos. Queres tu vêr quantas combinações arrumo 'num momento sem o mí- nimo esforço, sem folga, sem fama e sem grandes recurso n pliilológicos sobre a pretendida origem da pa- lavra Pilygudra ou Potigudra "? Ouve lá.

Py pé, /j/roàra— misturar* com água, ou pés mo- lhados, por frequentarem esseí selvagens os rios, visto como (( habitavam as praias e viviam em grande parle da pesca » segundo diz o próprio J. de Alencar na pag. l70. Não se faça beiço á denominação de pis molhadosy por quanto havia os Índios Uotuys ou de —pás virados.

292 XXXIX

Pd— rnSlo e tycuàra^ ou indios de mílos molhadas, na mesma conformidade.

/py— primeiro, iby terra, e juára - senhor, ou primeiros senhores da terra, na accepçao de prioridade de domínio, ou de supremacia do \alf>r guerreiro.

Ipy e tecuàra^ ou os que estão primeiro.

Iby -terra, íecò— poder, e vdra senhor, ou podero- sos senhores da terra.

Quando sejam illegltimas taes raízes, nao o serão mais do que a raiz do Sr. Alencar. Mas aiuda que o fossem, poderiam caber no caso, à vista daa seguintes palavras de ura historiador de nota :

a Nao é posíivel intenderem-se os escriptores ácêrca dos nomes próprios das hordas selvagens do Brazil, lao variados sao e discordantes entre si. O certo é que Po- tyguarés, Putyguaras, Pitiguarés ou Pitagoares, tao diversos em suas escripturas, sao comtudo uma e a mesma casta de indios, que h.ihitavam desde Pernam- buco até o Piauhy, e ainda além, como querem al- guns por isto se pôde ver quão estúpida

nao é a pretençao do tal que queria subraetter

todos estes nomes a uma escriptura sua, inventando com este fim uma orthographia selvagem : tao certo é que ha no mundo gente para tudo. »

Lê-se :

« Boicininga ó a cobra cascavel: de boia^ cobra, e cv- ningay chocalho. '>

Referindo-me eu 'noutra occasi3o e 'noutro logar a esta nota da Iracema, tive de ajunctar a obs<^rvaçao se- guinte ; « Entretanto áiA G. Dias que o vocábulo boia^ na composição, vrecede o adjectivo, e pospõi-se ao subs- tantivo ; e exemplo: ardra—boyn, cobra de ar&ra, bóia ' pinimay cobra pintada. Ora, por esta regra o termo cinmga ixTio po4e significar chocalho, e deve ser adjectivo para que sq posponha à hoia. Ignoro o termo cininga etc.

Nao tinha eu então o Glossário, onde agora Sti me offerecem elementrs para decifrar o enigma.

« Cobra Hnnidó^í^a » a chama o Glossário y do 6o ia e ocinimy tinnir.

Tivo, do mais, occasiao de ver que no tupy— austral (d*on(1o vem ocinim ou antes ôsinim) o termo boiciínm significa-assobiar. D'onde, pois, se originou em defini- tiva a exp-es.-:ao : do cascavel ou do silvo da cobra ?

XXXIX 293

9

Devo afinal declarar que se confirma a regra estabe- lecida por G. Dias ; cininga pospoi-se a òoya, porque, longe de significar chocalho, como erradamente diz o Sr. Alencar, isto é longe de ser substantivo, é adjectivo com a accepçao de cousa, que tinne.

Lê-se :

a Poíyuara comedor de camarão de poty e uàra. Nome que por desprezo davam os ennemigos aos piti- guàras, que habitavam as praias e viviam em grande parte da pesca.

c< Este nome dao alguns escriptores aos pityguàras, porque os receberam de seos ennemigos. »

O Sr. Alencar foi sem dúvida levado a conceber taes idéas, depois de ter lido no Glossário (pag. 523) o seguinte :

« Potiguares, Potijaras^ Potyuaras ^laáios da gente de Tupi, que comem poti. »

Fosse então lógico, e nao restringisse ao nome Poty- uaras a qualidade que indistinctamente se attribúe nao a este, como também aos dous primeiros termos. Mas discutamos a etymologia.

Guará, yara ou iara^jara ou uara jamais teve a signi- ficação de comedor, mas sim a de guerreiro, ou senhor, ou habitante : Poliguara guerreiro de Poti ; Tabajara ou Tabayara ou Tabaiara, senhor da aldeia ; Parduara^ habitante do Pará, e Capinara habitante do Capim. ( Vid. o Diccionário Tupy).

Mas S3 quer dizer que a palavra se compOe de Poiy, o verbo u-comer, e a partícula pospositiva ara, ainda assim está em erro, porque a esta partícula sempre .se juncta um ç : Capiçara, o que penteia actualmente. /'Vid. o Dicciondrio).

Convém ainda notar que, no final dos veibos, ella sempre indica a pcs>oa que na actualidade exercita a sua significação, como no exemplo dado.

Asáim, pois, para que procedesse a errónea intelli- gência dada pelo Sr. Alencar de comedore.? de camarão áquelle nome, deveria elle ser escripto—Po/yi/para; e fora além d*isso mister que os dictos índios levassem toda sua vida a comer camarão, porqur, como se dice, a partícula indica exercício actual da pessoa a que se o no.ne. Ora isto é o cúmulo do absurao.

Mas, ainda quando, com postergação flagrante dos preceitos da língua, se applicasse a denominação aos guerreiros do chefe Poty, d'onde, ou de quem houve o

294 XXXIX

Sr. Alencar a notícia de que tal denominação lhes era applicada pelos inimigos em mostra de desprezo ?

O que se presume com toda razão é que o fariam com o fim simplesmente decharactcrizal-os, como era de costu- me entre elles.

Tao plausiveis nos parece serem taes conjecturas que o próprio chefe da tribu nao se desdourava de çhamar-se o Camarão.

Lê-se :

« Senhor do caminho assim chamavam os indígenas ao guia de py caminho, e gvara senhor. »

Abro o diccionário do idioma vulg-ar tupy, e vejo que ao caminho chamavam— p/?.

No dialecto dos índios Apiacàs çhamavam-n-o pea.

No dialecto dos Cayowàs pe.

No dos Om águas o mesmo.

No da língua geral por G. Dias, idem.

No diccionàrio da Lingua Tupypelo Martins, idem.

Porque, pois, ha de o Sr. Alencar dizer pyguara e nao peguara? O terem-n-o outros dicto antes de si nao é razão para o nao acceitar, e menos para attribuir ao vo- cábulo significação que nao tem.

-Py significa-pé, e nao caminho.

Lê-se :

« Gíboia. Cobra conhecida: de gi machado, e bóia cobra. O nome foi tirado da maneira porque a serpente lança o bote, similhante ao golpe do machado; pôde traduzir-se bem, cobra de arremesso. »

Parece-me forçada esta etymologia.

O arremesso ou bote, além de ser commum a muitas castas de cobras, nao é a qualidade que mais distingue o individuo emquesta.. Seo principal characterístico é inlaçar a vlctima; esta especialidade nao podia escapar aos índios para que deixassem de deduzir d'ella a cor- respondente expressão, c

Duas combinações offereco em substituição.

Primeira: tj— água, e bo2/a ou— cobra d'água, por ser insigne nadadora. (Ver Hist. Nat. Pop. por Austet.)

Segunda: yefcj/ affogar, apertar, e boya, ou cobra que aperta, que affoga. A corrupção poderia haver dado, sem ser admiração, jeboia, como alguns escrevem, ou mesmo jyboia.

Esta se me affigura d^entre todas a mais exacta ety- mologia. ^

295

Lê-se :

« Sucury A serpente gigante que habita nos grandes lios e ingole um boi. De Smi^ animal, e cury ou cnrUy roncador. Animal roncador, porque de feito o ronco da sncury é medonho. »

Pois quem diz animal roncador idéa da sucury?

Acho manifestamente errónea, nao no heniido como nos termos. Curu e menos airy é palavra que nílo conheço na liugua geral.

Curvrúca^ sim; é o verbo neutro rosnar, rugir, roncar.

Nao virá melhor de çoo, animal, acú de açú grande, ^ Ay água, ou grande animal ou monstro do rio ou das águas ? E' curioso quanto acerca d*este ophid^o vem nas scenas de viagem do tenente A. de Taun^y, pag. 96.

Eis aqui, para concluir por agora, os nomes das di- versas localidades que o Sr. Alencar diz serem de cunho original, e que no emtanto se incontram no Glossário, e alguns também no Ensaio Estatístico da Província do Ceard^ por Pomneo.

« Ipú. Chamam aiiida h(»je no Ceará certa quali- dade de terra muito fértil, que forma grandes coroas ou ilhas no meio dos taboleiros e sertões, e ô de preferência procurada para a cultura. D'ahi se deriva o nome d'e.>sa comarca da província. » { Iracema^ pag. 164 )

« Estes terrenos çhamam-se vulgarmente Ypús, e sno d'um barro preto, massapé, que tem muito húmus ve- getal, ou decomposirilo veg^Hal e animal, que as águas aicarretnm das serras, e por i^so muito substancioso. E' 'nestes F/>í/.v ou valles, (jue >e fazem as maiores planta- ções de cannas » [Ens. EHal. vol. i, pag, 140)

a Bífpa^fa, Ipaiie corr. e //.///aie, tudo água ; d'onde os hrazileirns usam da vo-^s pflí/c5 para qualqut r água es- tarque ou alagadiça, n { Gloss. fag 502 )

a Aracaty, SigniSca este nome bom tempo : de ara e caíú. Os selvagens do sertão assim çliamavam as brisas do mar que soprauj regularmente ao ca\r da tarde, e cnrrecdo pelo valle do Jaguaribe se derramam pelo in- terior e refrigeram da calma abrazadora do verão. D'ahi resultou rh?»Tnar se Árnraty o lojrnr d'nnflp vinha a monçSlo. Aintiii h<»je no icó o nome é conservado á brisa da tarde, que sopra do mar. » ( Irac. pag. 171)

Aracaty. Ara tempo, catú bom; vento do Norte^ ^tc. » ( Glos. pag. 49 1 )

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296 XXXIX

« No sertão, principalmente no valle do Jag'usribe9 reina um vento forte em tempo de sêcca que se çhams Aracaiy - vi apparece ao cair da noite quasi de repente. Este vento é uma providência para os habitantes do paíz, porque vai refrescar a atmosphera elevada a um alto grau de calor etc. » ( Ens. Estat. pag. 123 vol. 1. )

« Meruóca, Demerw, mosca, e oca, casa. Serra juncta de Sobral, fértil em mantimentos. »( Irac. pag. 180 )

a Meruóca ( Ceará, Serra. ) merui oca^ casa de moscas. » [Glos. pag. 515. )

« Uruburetama pátria ou ninlio de urubus: terra bastante aUa. » ( Irac. pag. 180 )

« Uruburetama, ( Ceará, Serra ) urubu retè taba casa de muitos urubâs. » ( Gloss. pag. 532 )

« As saborosas Irahiras. E' o rio Trahiry trinta lé- guas ao norte da capital. De trahíriy peixe e y, rio. Hoje é povoação e districto de paz. » [Irac. pag. 180.)

(( Trahiri (Ceará, Povoação)— taraira^hy ^rio das Taraíras » [Gloss. pag. 530.)

« Pirapora Ri) do "Mirnníru ipe, notável pela fres- cura de suas áí>'ua.s e oxcellências dos banhos chamados de Pirapjra, iiologar das caçho^dras. Provêm o nome de P/ra peixe, /n^re salto: salto do peixe. » [Irac. pag. 183.)

(( Pira;)ora 'i^Miiias, etc.) ^/rirapore salto de peixe oa porá habUante Lo^ar onde os peixes saltam ou habi- tam » [G'os. pa^^. 5'i2.)

(( Púcaldha à^ paca e tuba, leito ou couto das pacas. Rííceiíle, :nas imi)ort-.:ite ])ovoaí;jLu em um bello valle da .s M*ra da Ai-aiinha. » {Iiac. ]).ig. 18i,)

« Paca-uba —[>òi'g[Oi, Alúei-i) paca ty ha L»gar do aniniril /'-./crt » [(jlos. pag. -317.)

Vem ua iraceiua uma nota, que nâo quero deixar passir sem re;jaro.

(( Giiayab'i- [iv/^ o au?cor.j D » goaia, valle, y, àgua^ jur, vir, /;e, ;)i)r onde ; por onde vem as águas do valle. Rio, que nns^- ; ua Aiatanlia, ele. »

O. ide .foi í|;ie o Sr. A.Ieii.:ai' achou joaia sigaífícando valle "? Vallí é ihyUgoúa. j*or si vSÓ, g )aia r-erve de desi- nência, qie en:rit na co in)osiçílo da palavra ; sem ilfli non'aíev-^ n n-.Tençlo d<' vnl.t».

A quví veiu ciáií ./a/' / l^hvh favorecera deuomiuaç3o poética se vè) que lhe approuve dar ao io pur onde vem as águis do valle? Que prejuízo!

JXXXIX 297

Porque nSlo hade o Sr. Alencar perder o mâo costu- me de improvizar, com mostras e tom de sapiência? Isto nao accredita nem eleva.

A etymologia exacta é a qiie vem no Glossário, que o Sr. Alencar nao teve razão de desprezar, 'neste, quando tanto se tem d'elle servido em outros muitos vocábulos.

Prosigamos.

« Jacarecunga Morro de areia na praia do Ceará, afamado pela fonte de água puríssima. Vem o nome de Jacaré, crocodilo e acanga cabeça » [Irac. pag. 187.)

« Jacaracanga (Bahia, Povoação) Jacaré crocodilo, acanga cabeça. C.beça de jacaré. » {Glos. pag. 507.)

« Bahia dos papagaios E' a bahia da Jericoacura, de jeruj papagaio, ena, várzea, coara, buraco ou seio ; in- seada da várzea dos papagaios. E' um dos bons portos do Ceará. » [Irac. pag 188. j

«c Jericoacara (Ceará : Enseada, Morro, Povoação) jerú, ajerií ave, papagaio, gúa variada, coara buraco. Morada de variegados papagaios. » [Glos. pag. 510.J

Onde foi que o' Sr. Alencar achou cua significando várzea ? Significa cintura, e portanto nao cabe aqui ; o que cabe é guà como diz Martins. Para que improviza?

Nao posso mais. Estou exhausto.

A princípio nao me pareceu haver tanto que colher, lugauei-me. Podes crer que a mina é inexgotavel.

Quanto mais me detenho 'nestes ligeiros estudos, mais o illustre auctor desce no meo conceito.

hora em que me resolvi a emprehendel-os. Têem- se-me ido tantas illusOes... !

Teo de veras

Sempronio.

Undécima Oar*ta

DE CINCINNATO A SEMPRONIO.

Rio, 3 de Fevereiro, 1872.

Preclaro amigo.

Começo, contando-te uma história.

Como dos perennes títulos de glória do Sr. Alencar ainda faltava um para expor á admiraçflo do público o de seos triíimphos scênicos commetti essa tarefa a um illustrado amigo, competentíssimo na matéria, a quem roguei que imparcialmente emitti^se a sua opi* niao sobre algum drama do infatigável escriptor.

298 XXXI X

se sabe por morar longe, ignorava elle que o arco de S. Ex. tivesse também essa chorda (vergonhosa igno- rância ; áquelle arco que chorda faltará?). Pediu-me lhe mandasse uma das taes cousas ; apressei-me em satisfazel-o, remettendo-lhe As azas de um anjo. Cái-me a cara no çhao : quando eu esperava uma anályse detida, um pnnegyrico, uma viagem extática, recebo uma carta, d'onde transcrevo os seguintes trechos litteralmente:

«Li. Esperava muito, porem tanto nao. Aquillo 6 menos que coUegial. Como se hade intrar com obra de taes dimensões, tao semsabor que se nao presta á pilhéria, 6 tao nulla que o analysal-a é dar-lhe corpo e força ? Confesso que nao scei. Trascrever trechos seria a melhor anályse ; mas começar a transcrever, era copiar a peça toda. Aquillo é abaixo de toda a critica.»

Em carta posterior, accrescenta : « E' uma produc- çao inaccreditavel. Eu li as primeiras duas scenas e nao pude continuar. Passados dias, vencendo a repugmlncia^ como quem tem de tomar um cálix de óleo de rícino^ recomecei, e cheio de tédio, levei ao cabo tal leitura. Nao acho por onde se pegue em similhante escripto : tudo alli é tao nojoso, tao ascoroso, tao puerii, tao néscio e tao immoral, que o peor serviço que ao auctor se pôde fazer é propagar tal obra.

« Aquellas figuras sao vulgaríssimas, e nada as accen- tua vigorosamente. As inverosimilhanças puUulam a cada phrase. O meio em que se arrastam aquelles im- possiveis actos é ignóbil. Aquelles typos nao commo- vem, nao instruem, nao moralizam, nao divertem; enojam. Em ponctos de estylo e linguagem, isso então ^nem toquemos ; nao se imaj^ina, sem ter lido.

« 'Numa palavra tudo que d'aquillo se dicesse em lettra redonda e:*a uma superfluidade : a própria expro- braçao, precedida de anályses d'aquelle intreçho t d'aqnellas personagens, ^ d*aquelle dizer, seria hrnra monumental a um escripto, para que a gargalhada é favor. Um homem está delinido, quando chama azas de anjo a umas fitas que uma tola deixa cair da ca- beça, etc, etc, etc.»

Eu nem me atrevo a tnanscrever o mais que por alli vai, nao senhor. Que os anjos tenham azas, ou sejam desazados, sao espiritei relestes com que se nao brinca ; e portanto continuemos cora o nosso Til.

Acabou-se o capitulo 1', ficando ainda por fazer duas dúzias de refiexOes ; mas como se eu continuasse com o

XXXIX 299

mesmo méthodo, inçhería 50 volumes com esta aná- lyse, agora toca por ahi adeante segando e respiganda aqui e acolá. Vamos a isto :

O titulo do 2** cap. é Na tronqueira Paremos 'neste êrro. Ou seja porque ignore o valor dos vocábulos, ou porque intenda que desde que uma cusinheira pro- fere um termo, entra este logo no thesouro da língua,^ tem o Sr. Alencar por costume semiar nas suas páginas os termos mais vulgares, os vocábulos mais corruptos, o que é altamente censurável. Que taes corruptelas figu- rem no diálogo de analphabetos, tolera-se, uma vez que d'ellas nao esteja a cada passo destoando o restante dizer; mas que o auctor, próprio Marte^ empregue essas desa- certadas palavras,

non homines, non di, non concessere columnce. N'estas circumstâncias está o termo tronqueira^ que sem dúvida é proferido, mas por lábios rudes. A palavra por- tugueza é tranqueira^ porque se tranca com uma tranca.

Leio que se deu uma « lucta, que era procella a subverter o pélago insondável da consciência. » Como se faz esta habilidade ? Que uma procella turve e revolva o mar, concebe-se ; mas que o subverta ! ha de lhe dar o váo pela barba.

« Custava-lhe a arrancar do çhao a palma do » Palma do ! Isto agora nem a tal cusinheira o diria, porque este êrro é tao crasso, que nem nas ínfimas clas- ses se commette. Nunca, desde que o portuguez foi idioma, se dice senão palma da mão, planta do ; dizer palma do valh) tanto como dizer cotovelo do nariz. O sábio 6r. conselheiro, que tao bem conhece e cita o latim, ganharia a dous carrilhos era ler nos Prov, de Vai. Má- ximo : Supra plantam ascendere^ d'onde colligiria 1' que 03 latinos chamavam planta á tal palma do pé, que usavam esta phrase para insinuar que nSo deve um ho- mem guindar-se acima das suas habilitações, nem falar do que não sabe.

E' curiosa a infelicidade do docto escriptor : está sem- pre a caçar nas terras das sciôncias, e .^empre a falhar o alvo. E' por exemplo cômo a phrase que tu citaste na tua X í*firta : « biijo que viçava entre risos, como o fructo na corolla da flor.» Comparar um fructo com um beijo, é fino ; m^is o superlativo são os fructos viçando nas ror^llas das flores I

O illustrado naturalista fez bem em aos certificar de que era das corollas das flores que elle nos falava, para

"■-»-- JB "1 ■«. 1-IC_ M' . LJ

300 XXXIX

nSo ficarmos em dúvida se seria das coroUas das. ..dos... das nao sei que, pois de outras nao conheço. Mas o curioso é a applicaçao do seo poder pessoal até ás obras da natureza. Frudos viçando em coroUas I E' assim mesmo.

Até agora intendia-se que a coroUa era um cortinado dethàlamo nupcial (frequentemente gracioso, brilhante perfumado) destinado a cercar e proteger os orgaos da flor, estames e pistillo ,• que no fundo do pistillo é que ficava o ovário ; que doeste nascia o fructo ; que finalmente quando o fructo chegava a pompear, era uma vez corolla ; nao havia.

De ora avante, ficam intimados os fructos para viça- rem nas coroUas, assim como os pés para terem palmas. Profundidades Aíencariuas de sciências botânicas e ana- tómicas.

(( Admiração pela coragem da companheira. » Esta incorrecção apparece a cada passo. E' admiração de; nao por. Seria interminável se fosse reproduzir todos os por incorrectos que puUulam 'nesta obra, trazidos da Gállia em linha recta.

« Sentia elle uma íincia, qual tem-na (qual a íem, ou a sente) o artista, olhando o tÓ7*o de mármore d'onde seo cinzel vai crear uma estátua. Mas essa, que lhe vive e palpita 'nalma, ainda o mármore nao a recebeu, e quem sabe se poderá eíle nunca moldal-a como a desenhou a imaginação.»

Que imaginação esta, tao de foz em fora !

Começa pelo toro de mármore ; nao conheço : brelho, canto, seixo, matacão, e outras variantes, sim; mas toro para mármore, suspeito ser outra novidade.

<( Mas essa ( mulher ) que lhe palpita na alma^ ainda o mármore a nao recebeu. » Como vai esta comparação? que significa este masl Poíh o toro, d'onde hade ser creada a estátua, já, efh sua qualidade de toro, a tinha recebido ?

Também aquelle moldar, se se refere ao mármore, deixa me muita dúvida: é verbo menos de esculptor que de ourives ou fundidor. Molda-se, vasando metal derre- tido em molde feito de matéria appropriada. Também se modela^ fazendo em chumbo, cera, barro, ou análoga substância, uma imagem que depois se imite em poncto grande; porem moldar uma esrátua de mármore, para significar o acto de cini^elar (de a jplicar o maço e o oiuzel) creio nao ser o termo da estatuária.

XXXIX 301

Vamos por hi deante aos pulos, como a cabrita.

« Alli os infelizes se ficav-dm insepultos e devo- rados pelos urubus » Como faziam aquelles infelizes similhante infelicidade ? Se elles eram devorados pelos urubus, ndo ficavam alli insepultos ; se ficavam alli insepultos, é que os urubus os nao devoravam.

Aqui me cai agora, nSto debaixo do escalpello,mas do mais vivo sentimento d^ admiração, a descripçao da metamorphose da phisiognomia do João Fera. Nao per- camos uma virgula; é tau incrivel como inimitável :

« O perfil adunco e chanfrado (!) que revestia a belleza (!) feroz e sinistra (!) do abutre, embotou a ris- pidez (!) saturando-se (!) de uma bruteza alvar (I). latumeceram-se as faces, pouco antes crispadas pela cerração habitual das maxillas (I), e tornou a ter um tom fouveiro (I), indicio da ebulição do sangue a fer- ver-lhe em bolhas (l) no coração.

<c As fulvas (!) pupillas que se incovavam pelas têin-

fforas (!) como tigres nas furnas, saltaram das órbitas I), dilatadas (!) por um fluido espesso que tinha a phos- pliorescencia felina (!). De ordinário avincava-lhe a fronte uma ruga saliente (!) que depois de fender-lhe o sobr'ôlho (!) partia-se em duas plicas profundas (!) como gilvazes a lho cortarem o rosto (l). A temulência da paixão, injectando os músculos (/).... » &

Safa ! Nao posso mais. Olha por ahi abaixo todos esses poucos de admiração. A tua intelligência e pers- picácia instantaneamente fará justiça a todos e cada um d'esses dizeres, antípodas ou du gosto, ou da sciên- cia, ou da linguagem, ou do senso commum.

Pois ha ahi uma phraso que sequer mereça anályse ? Injuriaria eu a tua intelligiJncia, especificando os hor- rores de locução d'es.=5as espaniosas linhas, que até estão inspirando coiipaixao do .•'co auctor, por transluzir d'ellas que ficou muito satisfeho de si, ao ^rnçal-asl Tudo isto ó novidade, meo amigo, 6 novidade; e esta palavra justificai á a quem descrever o mar como incar- nado, e o círculo como bicudo. Quando porém uma vez o génio se incarapitou no zenith da omnisciência e da irresponsabilidade, deixam-.^e cair d'estas e nao se a.iÍTaxn mai^garidas a porcoí^; n*Io se dAo satisfacçoes.

Dizem que, tendo Euripides introduzido 'numa tra- gédia certa sentença, o povo a quem elln desagradara iutrcu a exigir em altos brados, que a supprimisso im- medíatamente ; o poeta que estava 'num dos cúneos,

302 SXXIX

arremessou-.- ao proscénio, e de lá, com voz stento- riaaa, exclamou'- Ku com[Hjiiho as miuhas tragèdius para os insinar a vobcês, e nao para vobcês me iosi- iiarem a inim ! n E o mais é que o applaudiratn. O Sr. Alencar é Ctateaubriaml; poiy eutao também o ser Eurípidas [até uo tal vobcês, do gregoj lhe fica a mactar. Tout fi toi

ClNClNNATO.

;Meii(lloltlade estx'angeii^a compara ti va-

Temos á vista ura mapp;i da polícia de Buenos- Ayres, em cujos descarnados algm Íamos achámos ioexcedivei eloquência. E' sabido que !i tendência dos imraigTiintes é especialmente de ttaliauns para as repúblicas platinas, como o é de porLng;uezes para o Brazll. Não admira pois qua 'naquellas re^ifies seja, ua respectiva proporçHo, mais avultado o coutiiigeute dos italianos em todas as re- laçOes socÍaes;mas por maior que essa desigualdade seja, nunca poderíamos nccreditar, se documeotos ofliciaes nol-o nao revelassem nem que tao enorme fosse a men- dicidade dos e.strangeiros na cidade de Buenos Ayres nem sobretudo que seja tao desproporcionada a dos ita- liauos. Veja-se este sudário :

Mendigos argeatin'3s 109

» hispaahóes ,...,. 72

M iuglezes ....... 11

» francezes 29

a " italianos 682 f

» de várias nacionalidades . 101

lOlS Em quanto no Brazil ^mendicidade é rara, nas re~ públicas vizintias vê-se quantos hóspedes que haviam sonhadj ir ahi achar Eldorados, incontram a miséria. Em quanlo uo Brazil os naiuraes immigraates, portu- guezes, vindos em muito mais larga escala que os ita- lianos para o Rio da Prat:i, acham immediatameiite occupaçio e trabalho, os que ae transportam para aquel- las repúblicas vêem ja tarde as suas illusOes desvane- cidas

Aquelles algarismos deveriam eer reproduzidos em todas as folhas do Império e da Europa. Constituem ellea

em I

lea I

XXXIX 303

a synthese comparativa das instituições e da riqueza dos doas paizes ; e coavencem da preferência que os emi- grantes europêos deveriam dar ás plagas brazileiras.

Vlx^tizs post XLumxnios

Para resolver as nossas questões de dinheiro, algumas bem insignificantes, susteritârnos numeroso corpo de ma- gistrados, de quem requeremos avultadas provas,a quem impomos grave responsabilidade, a quem pagámos bons vencimentos, e dos quaes exigimos severo estudo da causa.

Para resolver nossas questões acerca da nossa liber- dade, honra e vida, colligimos ahi uma porção de no- mes, cuja habilitação consiste em ter duzentos mil reis de renda(metade do que realiza qualquer preto do ganho); lançâmol-os em uma urna : e d'alli tiramos certo número & sorte, e sejam ricos ou pobres, sábios ou ignorantes, velhos ou moços, solteiros ou casados, probos ou velha- cos, reunímol-os em uma sala; e nem lhes permittindo que ao menos se acconselhem, obrigãmol-os a decidir; e a sua decis&o diremos que é a verdade veredictum.

Da decisão dos magistrados ha recurso ; da decisão do jury não o ha I

Consequência lógica:

Os jurados são mais aptos para julgar que os desem- bargadores, ou o dinheiro vale mais que liberdade, honra e vida.

E ha quem se admire de ver dar tanta consideração ao di jheiro, e ter em tão pequena conta a virtude I

Otton.

IV(aiox*ias

Pretende-se que o governo sejac]^ maiorias : concordo. Mas porqi^í ? Porque a maioria tem força para se fazer obedecer. Quem não tem força nlo é obedecido; quem não é obedecido, não governa. Ém uma disputa entre dous pretendentes, o vencido é rebelde;porque não teve torça : o vencedor é heróe, porque leve o que faltou ao seo con- trário.

Organizem a sociedade como quizerem : será go- verno quem do seo lado tiver a força.

Otton.

304 XXXIX

Oj?d.eiis irellglosas

Na Itália, Hiápanlm, e Portugal deu-se cabo das or- dens religiosas, tirando os bens aoá religiosos : no Bra- zil pretende-se chegar ao mesmo resultado, tirando os religiosos aos bens.

E ainda dizem que no Brazil procurámos imitar; qual l Originaes como nós, ninguém.

Otton.

I-ill>oi?d.ad.e e Indepondêncla cia

Egrej a.

Dia feliz ! a Egreja ha de ser livre e independente I Quer dizer : o Thesouro nao pagar/v mais côngruas, em- b'ora continue a receber os direitos de imj:oriaçao, que substituíram os dízimos, que eram pagos pelos fieis para sustentação do culto.

E' preciso confessar que ha muita palavra bonita, para illudir papalvos !

Otton.

Typographia e lithograibia —IMPARCIAL— Buu Sete de Setembro, 146 A

QUESTÕES DO DIA

BIO DE JANEIRO, 20 DE FEVEREIRO DE 18TO.

TcBd«-8e em casa dou srs. E. & H. LaBinmert.—A^roRtinho de Freitas Oni- aMTies (k Comp., 36, rua de Oeneral Camará.— Livraria Académica, Rvado S. Joaé n. 119- Largo do Paeo n. C— Preço SOO reis. O r Tolome, com perto de 400 páginas—SflOOO.

Xieforaia Jucllclax*la.

I. {Considerações gerties.)

Pmra o discreto exame de uma lei, nao costumam os espiritou rectos tomar como base principal a maior ou menor força concedida ao principio da auctoridade^ ou ao demento popular. O que cumpre, antes de tudo^ é investigar com escrúpulo a opportunidade dos pre- ceitos legislativos, e o accôrdo em que deverfto estar com as condições peculiares do paiz.

O que valem as leis sem bons costuma ? Axioma trivial, one nem por isto tem sido devidamente attendido, em Ineoria ou na pr&tíca, por algumas das nossas intelli- gdncías superiores, deslumbradas talvez pela auréola da popularídade,ou por um falso prisma na appreciaç&o das circumstâncias.

*Neste momento presumimos somente a bôa das opiniões, sem contarmos com o espirito de novidade^ capricho, ftncia de renome, cubica do mando, e outros motivos que podem ser movei de especuladores, mais ou menos disfarçados.

Pessoas que parecem considerar a sociedade brazi* laira no caso de acclimar desde logo em seo seio as idéas mais adeantadas^ quanto à liberdade e franquezas^ argu- mentam com a bôa índole do povo. Todos nós folgámos de reconhecer que esta feliz predisposição existe em gr&n subido : mas ainda ha muito que fazer para corro- boral-a e desinvolvâl-a pela educaç&o intellectual, mo- raU religiosa e politica.

Sem este preparo indispensável pôde acontecer que certas instituições precoces produzam pernicioso effeito jBÒhre essa mesma índole, tfto justamente louvada.

306 XL

ííonaidere-se iim Impérja tW .il.7i>0,(Kll' lia^itíiiites (') etó^ai^dis 'Dbtjà irea quê; iíd.iépMhij-íi^^v/^jÍív Amé- rica do Sul e contòm prDYiiiciaw luaiorçá i[ne alguns Estados da Europa ;(dfc4íizaoiííC d'e3áa exttíusao umas 2.311.974 raillias de superfície, pada a Jua da civilizaçJU» uao penptróii ; atteiida-se á 'éxístè'i!icíà de 1.'40D.000 ea- ft«weae-59O;000 indígenas Enraiiie.'; tioí bosqups ;ac- CcesceQte-se, .finalmente, a esUis ligoirns traços uma. edncaçxo ainda pouco efficaz, qiiandu nriti dnacuiada, a deficiência da prédica na parócliia, a inJoIPncià que alimenta os víciosj a e^cas^ez da fòrçH públtc» e de outros meios. para a pravoíiçiloe naftreesio dos delictoa. Tudo isto ponderado, imagíne-se mu systema iie legisla^ çao que tenha por fim aMrgar Ímpriide:iteiaenl« a fti- lada esphera das franqueias fopitlaí'es, e debilitar a acç8» do poder púhlico, que jii nao sendo de si mui vig^oroso, -pela insufficifinn.ia dos clPmen-tos materiaôs: qliasi que 'tira 860 maior presti>;Ío de' cerlo tlpparaío do attribni- -çOtíS, alem do acatamento que òs fuuccionàrios possam merucer porseós predicados pessbaes.

UtOA veE iufraquecido o priórlpio da' aucloridadb, & consequência será o afrouxalraeiíto progressivo dos laços de obediência e respeito, a relactflueia. a animação J»». o crime.

Assim Scarà desnaturado o tinimo tílo dócil 'd'este excelíentfl povo. E se p,irventurB surg'Íro intf^tilo de reapçao fora da lei, como remídio ao mal qii^ se déixotz de prevenir, importará este facui consequências graTOS. além do fúio contraste entre a tbeuria e prática.

A este respeito nos occorre, a par de outros factos co- nhecidoíi. o que se deu 'nnma das mais impurtanies pn>- ■'.Incias do Império. O respeito devido ao túmulo, e o despjo de evitar 'neste escrípto o mais leve resaíbo de invectiva pessoal obriga-nos a omittir o nome do pi^o- goiíisia. g

Dominava o partido liberal. As reuniões piiblicag, as putseiatas com vivna est^epilo^■os, tudo emfim concurria para lisonjear e (ixcitar as liliimas camadas da populs- ^o. 'Em uma noite de festividade, o entliusiasmo coQ- verteu-íie em delírio ultra-patriótico,e passou âs olfenss» pbysica^, involvendo também os estrangeiros, O próprio chefia de policia coiifessára-se impotente para restabole-

j, [•) Eteaienlos EsíatlslUos do Dr Ferreira Soares,

?L . 307

cer a. ordefn e se&^urafiça individual. Em ífto triste ^mer-

j^ôiiciá. ò allatlidp'p^oto»bnis^, aeai.'iiçliar-so,^'ç,v>;3tido

■■"díi.cíiàfiiclei* "dé'aHctonlà(lei arremessou-de acavállo e

' 'dé' vergasta' óiii'pwijhòj'.solJ'ro' a. miiltidaòe..., hqteu-a,

dispersando á procissOpaTiártljica.

',,', "Predía-se o tacto, nátiirfilméiitQ á.ura commentàrio

edificante. Õ d'eiiiocráta'que pouco arités advogava com

tanta vel, ■■.■■■. 'i i 'ij^íiliii- ]i ; /-.i-'- ;,(ju'e cíaliava o

'^['&m<ir-^rL ■•■ ; i huii . ; -i[i.líj-.seapar'd'elle

'^é'bòijaúc] . iao'ti,.:"i .:■, ■u-i {jthinlio: que

''itínóciíla . (ia''fj' ., . ;. i:i^ '.V ^ '>■■■■-,

','^e cjut: ti l'a iizi - , ,.■■■-■ l"

" ",çJieÇár'i os fru ~"'

diividou.ciijpreí^ar um intíii; .. j .;'.-i .-i,

porque parEicipava respc ■/t".

Aióân' issim, o bafejo à.i paixces populares deixou feúuaiia gérmen para uma conspiração posterior, e mais tarde uma sublevação ioeanguentada, que teve por chefe principal o mesmo distincto cidadão tao empenhado outr'orti'ém déVellar o motim dá'p'ráça publica'. ' Se recordfimo3'tae3 áaccessos, nSO é coiri a mttligna intenção d'e revolverão passado pbr espirito partidário. Nosso fito é demonstrar, 'Cdm um exemplo d'entre tan- tos, o grave írro do polític? P(i legislador que estimula aspiraç^íes de certa ordem, aem attender ao estado do

■pírtzí * ' -1

■' Podem algrtns apóitolos oao drerqneas sequâhcias de ''Sua doctrÍn;i fxcedam Certos termos. ..' Mis é que,

aherto o dltjiie, {"lleí próprios à3.o incapa/'''^ de conter a impetiiósídadc da torrente, que tam,bè*ii os arrasta. . . como a história noa insiua em liccflt.',-! Li^vcraa, tflo mal appfOTeitadas. . .

Convencidos d'esta verdade, rarossfio úslinm;ms leaes qufl, percorrendo rrrto estádio, nílc sinwm moder.ir-sc a sOffregft exaltação de suas teiiifinfia-; ref.trmialas. Alguns nem precisam attingir a edad'.: provocia: desil-

ludcm-so ao clnWo de qualquer expiTJâm-ia profícua. Ha IiomPii."? dotados de tao nobr,í fran.jufiza que nem sophismam a retractaçao. Outros recuam lentamente, o chegam d tranaformaV-se de todo, se a mono os nao

' eurprendo antes do insejo para uma deceii',p e completa ' transição.

Poucos slío o3 que morrem aferrados aonlcorno de suas "utopias. Se algum se mostra irapenitíule, vSde que o

308 XL

domina a coheréncia ão capriçHo, o orgulho que nfto petmitte confessar o erro, ou grande ambiç&o que vai ao túmulo agarrada & esperança de triumpho proveitoso ou da aura popular de uma glória pósthuma.

Da propagação de idéas perigosas, ou exaggeradas, também se usa no propósito de obter concessões, incu- tindo medo.

Mas elevada o propagandista â cúpola do podér,e ddmos que elle se nOo revele um nerverso condemnado a cair sob o peso de suas iniquidaaes ; se na prática nfto reagir, aberta ou disfarçadamente, contra as próprias doctrinas, tornar-se-ha mais tíbio no seo enthusiasmo, senão pela vos da consciência, ao menos pelos desinganos, emba-* raços e exigências inherentes & missSo do mando.

Ulpiako.

(Continua)»

O <7oxidex*vatox^Io de Mixsioâ.

Noticia histórica b obscriptiva da inauouraçIo zx> bdificio, e obigbm da instituição*

111

(Conclusão)

Graças aos incessantes exforços do Sr. Commeiliâa* dor Bettencourt da Silva, notabilissimo artista que comprehende e desempenha dignamente o sacerdócio da honrada profissão que exerce, concluiu-se afinal o edifício do Conservatório de música, melhorado em grande parte no*plano interior, que, segundo o primi- tivo risco, ficaria, quasi se pôde dizer, incompleto, quer pela disti4buiç&o das salas das aulas, quer pela tal ta dos compartimentos secundários de que nSo- podebfi prescindirmos edifícios destinados ao insino, principalmente para sexos diversos.

A casa destinada ao conservatório de música estava sendo feita sem reservados e nem sequer um quarto

fiara toucador das alumnas ; n&o havia água no esiabe- ecimento, nem canalisaçâo para o gas. Todas essas faltas reparou-as o illustrado architecto Bettencourt, e, nao satisfeito com tao grandes melhoramentos, ap- proveitou ainda os fundos do salão dos concertos do pavimento superior, e^^paço vazio e inútil no primitivo plano, para 'nelle construir um pequeno palco, com a

ZL 300

sua caixa de movimentos, guarda-roupa, camarins etc. ; idéa essa de subido alcance para dous fins que o Conservatório pôde obter a um tempo, sem dispêndio, se o Sr. Ministro do Império attender & necessidade palpitante que temos de uma eschola dram&tica e de ópera nacional.

A' similbança do Conservatório de música de Paris, pôde também ao nosso addicionar-se uma eschola dra- m&tica, creaç&o que muito deve concurrer para próxi- mo e preciso desinvolvimento de um dos ramos de arte em que mais cuidam as nações cultas e que entre nós vegeta em condemnavel esquecimento.

O theatro nacional, pôde hoje dizer-se, está de todo extincto : o velho e histórico theatro de S. Pedro jaz em vergonhoso desaií]t)aro, e os três pequenos, Gymna- sio, S. Luiz e Phenix, ou repetem cançadas peças dos antigos repertórios de melhores tempos, ou exhibem mágicas e paródias, nas quaes a immoralidade corre pa- relhas com a semsaboria. O público, indifferente a tudo S tanto n&o tiver cunho de esc&ndalo, n&o procura o eatro senão como passatempo, e passatempo que o faça rir a larga, emb'ora com grande prejuizo da ho- nestidade e do bom senso ; se o sábio Governo de S* M. imperial nao tomar a si a regeneração da arte de Talma, com certeza nao passaremos tao cedo de povo inculto e avesso ao gosto do bello.

O Sr^ Bettencourt da Silva,iucançavel lidador do pro- gresso, infatigável operário da cívilisaçao, offereceu no anuo próximo passado as suas luzes conhecimentos ao Oovérno Imperial para dirigir uma eschola dramática; e até,se nos n&o falha a memória, chegou a organisal-a,de accõrdo com o Conservatório dramático, com nessoal escolhido e habilitado; até o presente porém aincía n&o começou a f unccionar es^n institui^o, da qual tanto tem .;ue esperar o theatro nacional. Se esse marasmo pro- vinha, como pensámos, da falta de local appropriado, ahi tem o Sr. Ministro do Império o Conservatório de música que pôde preincher satisfactoriamente essa lacuna.

Cônscio de quanto ama e deseja a prosperidade das bellas artes, temos que o Sr. Conselheiro Jo&o Al- fredo n&o deixará de pôr em prática essa patriótica idea do fundador do importantíssimo Lycêo de artes e oSicios,

310 XL'

hoje a primeira esrfholà' de; iòsinò .pópúlar, riáiV áa Brazil, bòxno íàtvêz 'dá Amérita do Sul^* '

..Ao, Sr. .Çonsell^eiro Jo.ap . A.lfrê^o muito i)ov(uu os filhos, dp:ZUu/DÍcip;p jpieutTQv DP i^ino.das ,belW,artç£ o primeiras lettras. Para o aformoseamento d'estu cidâdi? e desiuvolvimento d!esses dous ramos de instrucçaô.prí- hlicA, muito tem feito 'S.Ex/uestes últimos tempo-^ ; $6 os mbàumentaeâ edifícios para * eschdlas primárias das fregiièizías de St.'* Rita elGlóría,* que se estaò ergíi(^ndt> sot a direcção e plaUo dò' Sr. Commendador Betíencoiift da Silva, na praça Dilque Caxias é rua da Harmoiiia, hastariam, se tanto.4 outrpâ títulos o n^o recomraòndns- semv paraqueonbmié doi.actaálSr. Ministro do Império passasse á posteridade'.' . ' .

Dedicado pòrêin â causa ào'irigTàndecimentò dopalz, úao se. tem limitado o Sr. Conselheiro Jôáo Alfredo à construcçáô d^aquelles grandiosos edificib.^i; pn^loii' tamberii todo o sep Valioso áújjclTiónara à cbúchisaó díV Conservatóri j de música; e matidou procederá desappró- priaçaòdé umas casas ruo- da Lampádosa e praça da' Coifisíituiçao, para .romper 6 proloiji^amento da rua D, Léoppldínk atíS está '^raòa/ nielhotaipento esseâiièto- rizado pela Assèmblea (jera? ha maís de trinta annos. Graças ja S. Ex. e áindá ad prestimoso árchitecto RetT tencoúrt da Silva, á pequena mas elegant:^. fachada do palácio da Academia das Bèll as Artes dèsvenda-se hoje ás vistas da praça em que levanta o perdurável mo- nnmento do immortal fundador d'68te império*

Para ».. tríplice festa. dí^ ioauguraçfto dp . edifício dó' Conjseirvatório, à^, aber.tu^a da rua, ^e distribuição .d^ prémios aosalumnQS,4ã Academia^ desigjjiofi S, A. .Im- perial á Senhoria ,Priuceza Regente p dia 9 d? janeijro do currQuie annq, çm o tu,al a história mçirca a memorável data em que o Príncipe ds^. Beira, mais, t^rde D. Pedro .1, 6 sucoesçivíimeinte o glorioso. Dvique d^. Br^igança, de- clarou ficar upiPrazil, qi^e ante^ de.decurrida um aniw çra império livre e independente. ..• . '

Seriam cinco horas da tarde d^aquelle memorável dia; o sol illuminava com seos raios esp^endentes* a .fo^niqsa pátria d^ Monte Alv^rne ; quando, a excelsa Princejsa e sep augusto espojo, acpomp^nhadus de pes3Ó)!is,,.da maia alta bierarchia ei compz^cta m>í&sa de,j^v6^ tf iljmr^in a nova rua que pòs em communicaçaò directa ouuicô

XL 311

monumento que possuímos cora o edifício único também de TáloT artistico. ' -

Aborta a rua D. Ltíopo^dima, S. A. Imperial, seo con- sorte) o 'Sr. Mioist;ío do Império, Direcítor, Oo Agregação da Academia, e grai>de mimerod'e^convidados,pa$saram-' ee para 'O recem-eonsti*nido edifício do Conservatório de m^ca «na principal siala do mesmo assiístiram h ití- naram: parte no cerímoiliAi da inauguração e distri- buição de prémios. ; < »

Desmando b Sr. Oons^lbi^írí) Thomaz Gomes ãòs San- dos, dtgnissimo direciw da Academia de BeHas Artes, que o di^scurso inaugural fôttèíe feito por quem mais con- Gorrdu para a realisaçS^odo tao ^mptuosa festa urtíistica, designou o Sr. Commei^cjl^or Bettencourt da Silva para; preinc^ier esâa formalidade, que por nenhum outro melhor .seria satisfeita, .cpmo realmente o foi com unâ^- nime applauso dos assistentes, doctos e ind(^tos.

Debalde tentou aii;iyej£^^umesquinhar a subida, valia de 1A0 brilhante or^içao, , censurando aorimonioa^mente os louvores 'pella tecidps. ao Sr; Cpa»QUieiro Jo3uo Al- fredo; debalde tentou o despeito morder upméri to do orador, propalando .^ibivosauienik^. pe^a impt^jilsa que elleali fora, em falta do competente ; applausos dos homens illustres e dos litteratos que alli concurreram a ouvil-o, tríumpharam d'essas e outras mesquinhas. odip7 aidades; mais uma cdrõa de virentes louros iuramou.^ j4 laureada fronte do poeta-artista.

Acoimarem-n'a de lisonjeiro para como Sr. Conse- lheiro João Alfredo I Que ministro do império,' 'ne^es últimos vinte annos, concnrreu maf& do qiie elle para o desinvolvimento das bellas artes e derramamento 'do insiao público?

Para provar os relevantes serviços prestado^ 0.0 pajz, pelo actual Sr. Ministro do impíjio, .basta aponctar ps dous primorosos edifícios para escholas de 3t/ Rita ei Glória* em via de construcçao, a abertura da rua D. L'3opoldína, o uonativo um espaçoso terreno na rua. da Guarda- velha para 'nelle se construir um edificip ap- propriado ao Lycêo *e artes e officios, a instituição ao Conservatório dramático, q as remunerações honoríficas : concedidas M írrande númoro de nrtistas, naciohaes e es- trangeirofj, do !nconte>tavel merecimento. \ .

E* defeito nosso, velho e arraigado,,. tudo censurar, eem mais detido exam3 nem reflexão, nós actos dos que

312

âe dedicam & causa pública, até os niak bem ioteneio-' nados. Se a indiffereaça e a critica affectasse os nobrw e elevados seatimeatos dos que se applicam ao serviço público, ai de nós e da pátria, que nenhum se animaria aaffrontaros doestos da inveja por puro patrioiisoio ; felizmente porem aos beneméritos o Senhor alma forte e coraç&o generoso, para, despresando a calúmnia dos maldizentes, proseguirem ousados na senda do progresso e da civilização. O Sr. Conselheiro Jofto Al- fredo tem bastante consciência dos seos actos para que se doesse da ingratidão com que uns e a parcialidade ooot que outros o stygmatisassem.

O discurso do Sr. Commendador Bettencourt da

Silva é, por todos os títulos, uma bella peça litterária,

que não pôde nem deve ficar no limbo dos seus valiosos

inéditos ; seja elle pois dado a lume da publicidade, que

^ assim o requerem as artes e as lettras.

Depois da brilhante oração inaugural, executou^-se uma linda abertura do maestro Fiorito, por elle meamo regida, e em seguida fez-se a distribuição dos prémioB, que a estreiteza do espaço de que aqui immerecida* mente dispomos nos não deixa memorar.

Após os prémios, executou-se o hymno das artes» mú- sica do inspirado Francisco Manoel, e lettras de Porta Alegre, que serviu de introducção ao concerto vocal e instrumental, que constou das peças seguintes :

Grande clássico^ para piano, rebeca e violonorilo^ do Sr. Carlos Cavalier, executado pelo mesmo Sr. e Rivera e José MartinK

O joven Carlos Cavalier é approveitado discípulo do nosso Conservatório de música, que concluiu os teos estudos no de Paris, do qual é professor adjuncto. Qua- lidade essa que muitu honra a nossa eschola musical.

Balata da ópera Guafany, de Carlos Gomes, cantada por D. Maria das Dores.

Dizer o que é e o que vale esse mimoso trecho daf assaz conhecida ópera do nosso grande maestro, è tarafa que não cabe em tão rápida noticia qual a oue bosque- jámos ; quanto á execução da Sra. D. Maria aas Dores^sá nos cumpre mais uma vez depor justo<^ louvores aoa pés da digua condiscípula de Carlos Gomes.

Grande phantasia de Allard, executada no violino por Vicente Cernicchiari.

XL âl3

O Sr. Ceraicchrari é discípulo do nosso Conservatório, que promette muito ; dotado de grande talento e su m- ma aptid&o para o instrumento que maneja com pe- rícia, é de esperar que venha a ser um dos ornamentos da arte musical do Èrazil ; possa elle, guiado pelos con- selhos de seos bons mestres, vencer as sérias dificul- dades e graves embaraços que se antolham na carreira que tao brilhantemente incepta.

40 Dueto da opera do Vagabundo^ de Henrique de Mesquita, cantado pela Sra. Pazzi e o Sr. Dupont.

O Vagaíywndo nfto é, sem dúvida, ópera cómica de alto merecimento, mas é innegavelmente exhuberante prova da génio n&o vulgar do seo inspirado auctor ; muito é para lastimar que Henrique de Mesquita, vocação fe* 45unda e creadora, nfto empregue o seo valioso tempo e os recursos de seo possante talento em compor ópera de grande força, que para tanto dispõi elle de sobejos meios intellectuaes.

A Sra. Pazzi, cantora de muito merecimento, inter- pretou magistralmente a sua parte ; outro tanto se n&o pôde com justiça dizer do Sr. Dupont : no emtanto am- bos receberam enthusiasticos appíausos ; sendo todavia á primeira que maior somma coube das palmas com qu» foram saudados.

5* FincU sonata de Weber, executada pelo Sr. Ca- ▼alier.

6"^ Grande hymno de Mercadante, cantado por todos os alumnos do Conservaiório, sob a regência do maestro Fiorito.

Assim terminou essa grande* festa artística que nos «nnaes da história marca épocha memorável para as artei^ nacionaes, e illuatra o curto mas admirável periodo da regência no segundo reinado, regência que constitue j& uma p&gina de ouro para a biographia da excelsa Prin- ceza Imperial, de qnem tanUf tem de esperar o Brazil /"oxalá todavia que bem tarde), quando vier a reger os destinos d*este vasto e florescente Império.

Orpbbo.

[

Xfe

Ovi-v«rao barato.

IÍ-. O

Noa Estados Unidos o pag^atoenlo db'!iil^ííSÍ<íM*él' uniforme : emquanto em nas estadia si pafíii triarfl/efil- outros se paga menoí. Em Boston 'por exernpin p!i;,-ani- SC amitiulmenK; 36 duilars por cnbeça, emqiVAmo eiíi' New-York se pagam sura^mle 29 dollats: ' ''

S II PP unham os porém este liltimo nlg^ftrisino, o ;i^-Wb^' remos que cada americano paga ao thesour-J' TiH' uliL réis anmiaes. . i ..m '. . ;

A renda g^ral do Brazi! »■ inftírior a 90 (hil cínntOB r* supponhíVmoa porém este algariamo, e acct^SfteiitéiúAs mai.s 50 por cento para rendas provineinee e itt'wniei"' paes. o que aliíií é ir alftm do possível, teremos 1^' mil contos, que, divididos por 10 milhões de haliilftlf^ tes, mínimo a que podetnoa levar a população do -Idí^- pérío, dar-Dos-hao treíB mil e quinhentos rpM por' cabeça. ' '

Esles algarismos respondam tiírmiuanferaeiíte, áijuel- les, quojulg-am muito i!aro o nosao guvérnO,' e preten- dera tornal-o barato, proclamando nnia TepúbHHa."

Pergunta Injioconte

A um menino que fazia exame de doctriua para séT' admittido ao coUegio do Pedro 11 quiiium eliaminaditr, sacerdote, explicar o ' mystério da Encarnação, fazeo- do-o compreheuder, como S. José nilo era pae do Jesusi Chriato, apezar de íier oaaado com a míiCL * Este padre é lolo, nfto é ? , Oitnn. ib

O Juízo dos pax*et«

O jiirj éojuizo dos pares. Mas quando? aníeS dé" julgar, quando jillga, ou depois? Aiiteâ nem depois nSO- pode ser, porque ojury s6 existe qusudo julga. Dú-* rante o julgamento, a paridade nan é : sao pares un» que pode mandar inforcar o pobre diabo, e o pobre diabo que nao pode rugir nem mugir. E com estes pa- lavrões eeguveraao mundo.

Otton.

XL âl5

Um. livro Impor jtaixte

Anda ahi nas mãos dos meninos, que- frequentam así. escholas pública? um livro que diz que na Austrália, no hynverno, nâo se o sol.

Queín será maissagaa: quem escreveu o livro^ ou quem o approTOu ? ' Qlton, -

QUESTÕES DO X>I-A.

Eis-nos chegados ao tôrmo do segnindo volume d'esta^ publicação, a que deram importância os esoriptos das primeiras pennas do paíz, taes como as que adoptaramr os cryptónymos de Sémprónio, Pompêo,Múcio Scoevola,' Otton, Gil Braz, e restantes collaboradores, a todos os quaes tributámos cordiaea agradecímenteâ.

Sem recurrer a meios artíficiaes, sem assumir com-' promisso algum, jsem empregai» o recurso dos encómios incommendados pela imprensa, ahi temos sàccessiva** mente, ha uns 6 mezes, submettido à publicidade essas páginas desprçtenciosas, mas que n&o deixar&m de cor* responder à intenção que ao seo apparecimento presidiu.

Tencionamos inceptar 3." volume, e progrediremos em quanto nos nao abhorrecermos do incargo. Aos nossos benévolos leitores agradecemos, porém nada prometr- temos : liberdade antes de tudo.

Fácil seria dar a esta publicação mais regularidade, mais desinvolvimeuto, mais utilidade. Sendo as 16 p^ ginas de cada número de matéria sempre original, pou- cas folhas periódicas dao^-jA— ioje tanta escriptura inédita ; mas se convertêssemos esta em diária, muito mais ampla poderia ser a su« missão.

'Num dos últimos números da Bibliographia da França^ lemos que a casa Victor Palme, de Paris, se preparava para dar á luz, sob o nosso titulo : Questões do dia^ uma série de folhetos populares, precedidos do motto : União dos homens de bem. Segundo aquelle projecto sympj^ tbico, eis-aqui alguns dos aí?sumptos que os auctores se propunham a tractar :

A internacional A questão romana O catholicismo e o progresso A religião na França em 1871 A de- pravação dos costumes, origem das desordens sociaes

"^16 XL

—A decadência da familia O despovoar dos campos > A lei do domingo— O ínsino A instrucçfto primária As classes oper&rias e as instituições de charidade A liberdade pública, para de 17a9 - A fortuna e a pros- peridade pública, depois da revolução— As fontes do «uffrágio universal A descentralisaç&o— O direito das gentes na Europa civi lizada A bandeira da França Os direitos feudaes &.

se a que altura se eleva o plano das Questões do dia^ parisienses, e de que vantagem nfto poderfto ser, se as pennas forem dignas da missão, para revocarem ao»

{princípios da liberdade pela ordem e da ordem pela iberdade os espíritos transviados, que abundam 'na- quella grande sociedade, cujo pêndulo oscillará ainda antes de (como importa á religi&o, á liberdade, à digni- dade humana^ á civilização) cair a prumo.

Todas aquellas matérias sa.o de suprema actualidade para a França e Europa ; e muitas d'ellas nos tocam egualmente por casa ; mas se é certo que outras nos s&o mais estranhas, nao menos o é que muitos problemas

S»li ticos sAo peculiares á nossa sociedade, e estão pe* ndo o concurso de todas as intelligêucias superiores, de todos os corações bem intencionados. Resolva-os quem se sentir com a capacidade, que a Providencia s6 aos seos eleitos liberaliza.

XL

317

das matérias contidas 'neste 2^ Yolime.

i\r. B, ^0 que vai aponctado eín cifra romana indica o número^, que se estende de XXi a XL. O que vai em cifra arábica indica a página do yo>ame.

ÀRTIGe DB UlPIANO.

Beforma Judiciaria (l.*) XL 30&

Artigo de Junius. A sinceridade das acções opposicionistás . . XXI 3

Artigos de ^ifpâo.

A República e os Estudantes /!.• art.) . . XXII 17

Id. (2.« art.) . . XXIIT 83

A reorganisaçáo do trabalho (!.• art.) . . . XXIX 189

Id.^ (2.« art.) . . . XXXI 187

Artigos de Muao Scoevola.

i.* Sobre os abusos da liberdade XXII 22

2.« Id XXVI 81

3.» Ignez de Castro, tragédia de Júlio de Cas- tilho m . . . . XXXII 177

4.- Id. (II) XXXVIII «80

Artigos de Orphbo.

O conservatório de músicaVl*; XXXIV 218

Id, (2.<^ XXXVI 252

Id. (3.*) XL 308

Artigo de Varrão.

Um liTro do Sr. Bruno Seabra ' . XXVII 111

Artigo de Gil Braz.

Ignez de Castro, tragédia de Júlio de Castilho . XXX 153

Carta de Plauto a Cikcinnato. Sobre thcatro XXVIII 122

^B

•318 XL

'■ •■ . ■^.

C :{TAS DE SeMPRÓMO a ClNCINNATO.

9.« As Palestras. Plano da anályse das obras

do Sr. Alencar XXIV 53

10.» (2l) a Iracema (h^) XXV 68

10.» (b) Id. A litteratura nacional (2.») . XXVI 87

11.» Id. (3.«) XXVII 97

12.» Id. r4.V XXVIII 113

13.» Id. r5.»j XXIX 129

U.» Id. fO.^V] '. i.Jí j.V^ 1 . XXXI 161

15.» Id. n-'). . . ^ . . . . XXXII 188

16.» Id. (8.»; XXXV 229

17.» ^,Id. (9,»). .... ..... . . . . XXXVI 246

18.» rd. (10.^). . ' . .• '. ' .' .'' ' . ' XXXVII 257

19.» Id. fll.»). . XXXVIII 273

20.» Id, fl2.N XXXIX 289

t- ' ' * ' ■■■ ... -i .■•'•• : ' '. . . ' '■.■.■•:■■■ i .«. . - A

Cartas de Cincinnvto a Semprókio-

5.» (aj O Gaúcho, As Palestras do DiáHo . . XXI 7

S.» (h) Id. A carta do Sr. Alencar á Re-.i .- . , .

pública XXIII 39

6.» A raça dos charlatães. O Til '. . XXV 72

7.» . O r«? . .' XXVII 106

8.» ' ' Id. . . ..... ... XXX 145

9.» Os thuriferárioa. Os romancistas, em

portuguez XXXII 181

^ Advertência. . . . . . . •. . XXXIII, 208

aO.»/aYOra. . . . : XXXV 235

^10.» (b) Id .....;. XXXVII 266

^11.» Id. O Sr. Alencar, como dramaturgo. XXXIX 297

Cartas dk Cincinnato a Fabrício.

16.» Osalbums XXII 25

Carta de Cincinnato a Cujácoio.,

* 1.» O Sr. Alencar, como jurisconsulto. . XXXVIII 284

Carta de Cincinnato ao Redactor das Questões do dia.

Sobre as cartas dfe Semprónio XXIV 49

Cartas de Cícero.

Instrucção popular. Ao Sr. Dr. Cunha Lei- tão (!.») XXXV 225

Id. (2.*; XXXVI 241

XL

319

57 96 127 127 128 128 159 160 175 232 224 272 287 288 303 303 304 304 314 315 314 314

Artigos de Oiton.

O meo nome v\írr

As revoluções. yyvttt

Forma de guvérno vvttttt

O poder pessoal Íyvttt

Pergunta , ,rTTT

Problema XXVIII

Parabéns qq^

Annxmcios yyyt

Os republicanos em Inglaterra vvvAr

A família yyvÍv

Galera a duas amarras yyyvtt

Liberdade politica yyyvttt

Os infçlezes e os republicanos yyvttt

Pelo dedo o gigante ^Í^yty

Virtus post nummos ^ yt v

Maiorias yyyty

Ordens religiosas ^"^ Iy

Liberdade e independência da egreja . . ^^^j

Guvôrno barato XL

Um livro importante Xi^

Ojuizodos pares X*^

Pergunta innocente XL

Artigos sem assignatura.

Biographia de S. M. o Imperador do Brazil. . XXV 65

Monumento a Bocage .... XX\ 94 „„«.,,, o/^

XXVIII 125 -XXX 157 - XXXII) 193- XXXIV 209 Imprensa periódica da corte. O Correio do

Brazil XXIX 14á

Horas vagas, Poesias, de Joaquim da Costa -.-^^t i»w

Ribeiro XXXI HS

Mendicidade estrangeira comparativa . . XXaIA w^

Questões do Dia . . . , XL 31»

ARTrr.os DO Jornaj. f O Brazil; »

O Brazil .- . . . XXI

Pantheon Maranhense XXI

SuppressSLo da escravidão no Brazil .... XXII

Colonizac&o do Brazil (art. L°j XXIi

* Id. (art. 2,^ XXIÍI

Júlio de Castilho (tragédia Ignez de Castro^ . XXiV

Epigrammas e contos.

De Quintiliano . . . XXII 32- XXIII 48. XXIV 63

De Archíloco XXIIl 47

De Pompôo XXIV 63

DeUnTill XXXVI 256

14 16 29 30 45 59

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