^ '<■• 'í^^^^i^ ^^:5Ék^ ^- »\-*^^ív Vçvf*ài'V. J-* A^«fc_^!^~ -W^S- A (f^ M k./tVOl Presenteei to the UBKAKY ofthe UNIVERSITY OF TORONTO by Professor Ralph G. Stanton /: RECREAÇÃO FILOSÓFICA, O u DIALOGO Sobre a Filofofía Natural , para inftruc- ção de peíToas curiofas, que náo frequentarão as aulas. PELO P. THEODORO D'ALMEIDA Da Con2ires^i!ção do Oratório de S, Fllippe Iseri , Sócio da Keal Sociedade de Londres , e da de Bi/caia. Quinta imprefsão muito mais coirecla , que as precedentes. TOMO ir. Trata das qualidades feníiveis. LISBOA NA REGIA OFFICINA TYPOGRAFICx\. AN NO ]\1. D C C. LXXXVIII. Com licença da Real M ra ilTo , nem fem vós ohaviamos det.- Tarãe quinta. IJ poros doar; cm quanto remove, ha luz j lanto que fe acaba eíle movimenco , aca- ba-fe a luz. Eftando a janella aberta , a matéria de tora communica com a de den- tro ; e como a de fora eftá movida pelo Sol , também a de dentro fe move j tanto po- rém que fe fecháo as janellas , já a maté- ria , que eftà lá fora , náo pôde mover a que eilà dentro ; por ilTo acabou-fe o feu movimento tremulo , e ficou tudo ás efcu- ras : le huma vela acceza torna a pôr em movimento a matéria ethérea, temos outra vez a cala com claridade, Sihú, líTo tem contra fi etla objecção con- vincente , que vou a dizer: ainda quando a janella eítá aberta , e o Sol entra pela caía dentro , vemos que onde dá o Sol , eílá muito mais claro , que para as ilhar- gas ; e feguindo os voííos principios , to- da a matéria, que eftá na eala ^ fe move com eíTe movimento. Theod. AJlimhe, roda fe move ; porém com hum movimento mais , ou menos rápido ', o que vai por linha direita para diante, he mais forte, que o de ilharga: ufemos de huma comparação. Quando por huma porta dentro vem entrando hum grande tropel de gente, mais padecem, os que dentro da ca- ía ficáo bem dctronte da porta, do que os que ficáo ás ilhargas , ainda que tambcm participáo da moleília do tumulto ; aíHm também quando a luz do Sol entra pela Gafa dentro , as partículas da matéria ethé- Tom. II, B rca . i8 "Recreação Tihjofica rea , que ficão defronte por linha direita ao Sol , háo de ícr movidas mais forte- mente y do que a que fica aos lados ; e quanto menos fronteira ficar ao Sol , me- nos movimento ha de ter , e mais eicura ha de eílar a caía para elTa parte. Eug, E poderemos dar a razáo , porque a luz humns vezes he mais forte , outras vezes mais remilTa ? v. g, huns dias eíláo mais fombrios , outros mais claros ? Theod. Se o Ceo eftá toldado de nuvens , he clara a razáo de ficar a terra com menos luz; pois as nuvens impedem que fe com- munique o movimento da matéria ethcrea, que fica porfima, á matéria ethcrea cá de- baixo; e quanto mais groffa he a nuvem , mais embaraça efte m.ovi mento. Sih. Se as nuvens embaraçáo o communicar- fe o movimento da matéria, que fica em íim.a á outra , que eftá cá debaixo , fe- gue-fe que náo ló ha de ficar o dia fom- brio , fenáo que havemos de ficar total- mente ás efcuras , como fe fora noite. Tbecd. Náo ha de ler aíhm ; porque as nu- vens náo embaraçáo o movimento total- mente , ló impedem que náo feja táo forte , como íeria, íe náo houvelTem nuvens: as nuvens sáo como hum turno , e por entre o fumo pafía vifivelmente a luz. Além de que 5 a luz, que fe diíFunde pelas ilhargas da nuvem 5 também nos allumia, Eug. E como fe faz efta mudança alterna- - tivamente de dia^ e noite j porventura de I Tarde quinta. jç de noite nao ha efte movimento na maté- ria ethérea ? Tbtod. De noite não anda o Sol càporfima, e alíim náo communica movimento à maté- ria echcrea 5 que ha nas nofias terras: anda lâ por baixo 3 allumia os antipodas , iílo he , os homens , que lá vivem, porque commu- nica movimento à matéria ethérea das fuás regiões : quando tornar a vir cá para fi- ma 5 então teremos luz , porque tornará a pôr emmovimenio a matéria ethérea , que ha neítas nolías regiões. Porém devemos advertir, que de noite a matéria ethérea, que temos íobre nós , fempre recebe al- gum movimento das Eílrellas , da Lua, e dos mais Planetas ; por ilTo quando o Ceo eftá limpo, ainda fem haver luar, eftá a noite mais clara com a luz procedida das Eilrellas : ás vezes de Vénus , a que chamáo vulgarmente Eíhella d'alva , e de Júpiter , que he outro Planeta o maior de todos, íahe tão forte luz , que entrando pela ja- nella dentro , fazem as grades fua fom.bra- zinha 5 como fehouveíTe luar i mas fe eílár o Ceo cuberto , a luz he mui pouca, e ás vezes pela rua vamos topando com as pa- redes ; porém elía luz que ha , procede de algum movimento mui ténue na matéria, o qual nafce do Sol , que anda lá por baixo. O modo, com que iílo pode Ter, vê-te claramente , porque aflim como quan- do o Sol entra pela janella , direitamente íò move a matéria, que lhe fica fronteira, B ii « -20 'Recreação Filofofca e eíle vai movendo a oi^rra , c efta a ou- tra, de forte 5 que na terceira, ou quarta faia ainda Te percebe alguma luz , poíío que mui pouca , caulada pela luz da pri- meira fala ■■, afíim também no nolTo cafo- Valhamc-nos da penna , e tinta , para enten- derdes iílo bem. ( Vcja-fe na Èfíarny. i. a fg. 2.) Erta bola reconda he ateira; aqui Ihepuz o leu nome: embaixo bem vedes que eftá o ^ol } fupponde que nós vive- mos na pane fuperior da bola : ncíles ter- mos bem vedes que ba de íer noiíe para nós; porem fempre ba de haver alguma luz em c , porque o Sol move toda a marc- ria , que eltà em a , e em b -, e como eiia matéria eílá continuada com a outra , que eftá nomeio, também lhe ha de communi- car algum movimento, eporiíTo faz algu- ma luz. Ora eu pinco agora as nuvens: vedes que fem.pre a matéria , que eftá em /i 5 he movida pelo Sol, e pode mover a outra, que tem junto a fi até c pela mef- ma razão da agua do tanque , que já diíTe. Sih» Bem diTcorrido efiá ; mas com as nof- fas qualidades tudo iílo fe explicava fem tanto cuflo. Thtoà. Eu náo reputo por melhor o que cuf- ra menos; porém náoaííiimo que tile fyf- tema feja verdadeiro : contentc-me com que lhe concedais fua tal , ou qual veri- fimilhança. Eug. Porque! vós não feguís iílo m.efmo? Thsoà, O que eu figo , para mim íica por ago- Tareie quinta. ir agora : quero explicar-vos o outro fyfte- ma , e cntáo efcolhereis. Os Newtonianos dizem, que a luz he fogo, pofto que mui renue, e brando: os feus tundamencos sáo dignos de íe ouvirem, e ponderarem. Pri- meiramenre nós vemos na luz do Sol to- dos os eíFeiros do fogo i o fogo em mui pequena diftancia queima , em maior diT- tancia aquenta, em diftancia ainda maior, allumia; e iíl:o vemos na luz do Sol. Quan- do a ajuntamos com hum elpelho uflorio, ou lente de queimar, como vereis efta tar- de , naquelle ponco , em que feajuntão os raios do Sol , queima , e derrete os me- taes ; em alguma diftancia maior aquentáo , até que diminuindo o calor, ló fica fenfi- vel a luz ; e temos bom argumento para julgar que duas coufas são da mefma na- tureza , vendo que tem as mefmas proprie- dades 3 e fazem do mefmo modo os mef- mos eífeitos. Ainda mais: o fogo calcina muitos corpos 5 e outros os reduz a vidro, ou matéria femelhante ; e outro tanto fc chega a fazer com os raios do Sol reuni- dos pelo efpelho uftorio. Mais : dos raios do Sol fetiráo 7 cores, como vereis eftes dias, e o mefmo fe tira dos raios de luz , que vem de huma chamma. Silni. Porem como he a luz do Sol fogo , fem proceder do fogo ? Tbeod. E quem nos diz a nós que o Sol não he huma fogueira de immenfa grandeza , cu- jo calor , e eíFei tos cheguem até à terra í Eu ex- 22' Resreação Filofofica experimento no Sol todos os effeiros que faz o fo^o ; e porque não crerei qae o he ? Silv. E de que fe íudenta efta fogueira ? Jbeoà, De fi meíma : precifo me he explicar- VQS de palTágem (o que n'oucro dia farei de propofuo) o que hehuma íoi^ueira acce- za : nos madeiros que le queimâo \\á mui- tas particulas de fogo , as quaes nenhum eííeico íazem 5 por eitar prezjs , cenreira- das na fubílancia dos madeiros i tanco que fe vão foltando , vão fahindo como em hum rio 5 e íobcm para íima , porcaufa do pe- zo do ar 5 formando a chamma : com que, ilto que chamamos furientai-fe o fogo da lenha , náo he mais que lahirem delia as par- tículas, que eftaváo denrro , e fórmáo a chamma. Como cila dourrina pertence a ou- tra matéria , entáo vos tirarei os elcrupu- los que tendcí agora nella. Por ranto fe as particulas de fogo , que fahem y\?L lenha , náo livelTem a caula que as faz fugir para íi- ma 5 e que as elpalha , ficaria a mefma chamma annos , e annos , fem neceííitar de nova matéria para íe nurrir : a chamma he hum rio de fogo , que fahe da madeira ; e allim como hum rio para fe confervar necef- íica qae a fonte lhe va dando fempre nova agua ; alRm rambem a chamma neceliita que a lenha lhe vá dando novas particulas de fo- go. Porem allim como , fe o rio náo fugilTe,. confervar-íe- lia , ainda que a fonte feccalTe ; aííim fe a chamma náo fugílTe 5 eípalhaniio- fe pelo ar as fuás partículas, cgníervar-fe hia Tarde quinta. 23 fem nova lenlia. Suppofto iílo. Sendo o Soí huma íoguenacreada porDeos para allumiar o mundo 5 náo fugindo as fuás partículas para fora delie , fenáo as que o íeu movi- mento facode , confervar-íe-ha a fogueira muitos mil annos , fem lhe fer preciU mateiia em que fe fuftente. Silu. Pois elTas partículas que vós dizeis , que facode de fi o 'Sol , náo vão diminu- indo o leu volume? Tbeod. Razáo parece que tendes ; e ainda mais Ouvindo o como le explica a diffusáo da luz y a qual fe faz náo por communicaçáo do mo- vimento , masporhuma dimanaçáo da fub- -ífancia do Sol, e movimento local delias particulas de togo , que com huma velocida- de incrivel arravefsãoelTas immenfas regiões para chegar a nós. lífo parece que deve tazer no Sol humadeipeza muiro confideravel de particulas de fogo , attendendo á immenf- dade dos efpaços por onde fe diíFunde a fua luz: mas he de advertir 5 que aílim como os vapores da terra, que continuam.enre fe cf- táo exhalando 5 e íubindo pelo ar, náo po- dem diminuir o volume da terra , porque ultimamente , mais tarde , ou mais fedo ca- bem para a terra donde fahiráo ; aíiim tam- bém eftes como vapores do Sol , que fahem delle continuamente 5 náo diminuirão nota- velmente ofeuvolume, porque Deos lhes deo a mefma inclinação para o Sol , que deo a tudo o que he da terra paracahir fo- bre a terra. Quando tratar da Aftronomia vos 34 Recreação Filofojica vos provarei , que ameíma gravidade que fazcjhir a chuva para a terra, faz cahir pa- ra o Sol tudo o que Deos creou nos efpa- ços dos Planetas ; donde infiro que le a gravidade para o Sol chegi ate Saturno, que diila 11^% milhares de léguas Portu- guezas , que muito he que todas as partí- culas do Sol , que delle fahiráó , gozem da meim.i gravidade : a íeu tempo vos falia- rei diílo mais devagar, (i) Além deque, depois de feita efta piimeira deípeza dt; partículas de fogo , que fe efpalháo pelo immenlo eípaço dos Ceos , náo hc preciia nova defpeza confiJeravel ; pois asmeimas particulas de fogo , que ja eftáo eipalha- das, havendo novo impulfo do Sol , repe- tem a acção que fazem nos corpos inferio- res. Ora convém fazer attençáo a muitas coufas para conhecer que efta defpeza náo ha de ler lenílvel pela diminuição do Sol. Huma he a immenfa quantidade do Sol, cujo volume hc 1,455.025 vezes maior que toda a terra: fc^undi , a quafi infinita divifibi- lidade da melma terra ; pois hum gráo de pczo fe pôde dividir em 450 mil contos de contos de partículas , das quaes cada huma fe)a igual a hum animal inteiro : terceira, que as partículas da luz são de liuma pequenez tal que faz pafmar ; e da- qui fe infere que as partículas de fogo, que o Sol diíFunde, não podem diminuir o íeu ( I ) Cartai Fyficas de Theotloílo a Eugc- nio. Tarde quinta. 25' feu volume ; huma ^ porque feira a primeira deipeza , tantas lança de novo > quantas re- cebe depois pela gravidade, que tudo traz para o Sol i outra , porque amais pequena iubílancia do Sol fe pôde dividir em partí- culas quafi innumeraveis de luz. Silv. A mim nenhuma experiência me po- de obrigar a crer , que os raios do Sol tra- gáo fogo comfigo. Tbeod. Eu vo-las reíirirei ; vós dar-lhe-heis o valor que merecerem. Primeiramente , os raios do Sol juntando-fe n'hum ponto , quei- máo 5 como diííe ha pouco í o que he eifeiro próprio do fogo: demais, alguns corpos, que calcinados , e póllos ás elcuras luzem de noite 5 fe perdem ultimamente a luz, e\'pondo-os por baílanre tempo ao Sol for- te, tornão a recuperalla , e váo continuan- do a luzir, como vos direi logo , quando fallar dos Fósforos (i) : o que eu nâo íqí que polia explicar-fe , fenáo dizendo que com os raios do Sol fe introduzirão par- tículas de fogo , as quacs depois váo lu- zindo até fe evaporarem. Outros corpos calcinados com o efpelho , ou lente uíloria , augmenta-fe-lhes o pezo da mefma íorte , que felhes augmenta , quando fe calcináo ao fogo , poílo que o augmento Icja menor ; o que náo pôde explicar-le , fenáo dizendo que com os raios do Sol fe introduzem partículas de fogo , do mefmo modo que fe lhes introduzem, calcinando-os íobre o lu- { I ) í. vr. 20 Recreação Filoíofíca lume 5 como vos direi quando fallar do fo- go (i). Eu bem íei que nos volTos prin- cípios achareis muica repugnância a tudo o que eu digo ; porém quando tratarmos do fogo , teremos occafiáo de tirar todos eíTes efcrupulos : por agora contcnto-me com tocar os fundamentos deita opinião. Coníirma-fe ella com huma experiência^ a meu ver mui force. Succede mui frequen- temente de veráo , as grades de ferro , que renhj na janella , aquecerem de modo com a força do Sol 5 que pondo-fe-lhe a mão, efcaldáo como fe eftiveíTcm ao lume: ora eífe calor confcrva-fe por baftante tempo, ainda que depois as cubrais com hum pan- no que as defenda do Sol. Daqui infiro eu , que o Sol introduzio particulas de fogo no ferro 5 aílim como as introduziria o lume de huma fornalha; pois a náo fcr alíim , quem pôde confervar o calor no ferro poi' tanto tempo? Vós náo achareis muita for- ça neffe argumento i porém os Modernos , le bem ponderáo elfa experiência vulgar, confelsáo que náo póJe eíle tremor conler- var-fe longo tempo, iVm que hiija dentro do ferro grande quantidade de partículas de fogo , que o caufe \ pois fó o movimen- to da matéria ethcrea náo pôde ler caufa baftante para eíla conferv.?çáo ; alíim como o náo he a pancada do badalo para confervar o tremor no fino , nem o golpe da penna para o confervar nas cordas do cravo , pois ef- ( I ) Tom. III. Tarde X. $. III. Tarde quinta, 27 eile tremor fò ft^ confcrva neíles corpos em quanto dura o fom. Porém cu náo di- go que lou Newtoniaao , riem Carrezia- no , vós-oucros jul^^* do merecimento ^c^r- ta c.iufa , e fenicnccai livremente. Eug, Porém fcmpre haveis de dizer o que leguis neíla matéria. Tbeod. Eu ligo , que a luz he huma fub- ftancia , ou hum corpo íubtiliílimo , pois tralpaíTj o vidro: figo que com a luz do Sol vem innumeravcis partículas de togo : nifto aíTenio eu firmemente. \'amos a ex- plicar as propriedades da luz. Trata-fe da reflexão ia Lu%, Silv. T7^ Que propriedades quereis explicar? Tbeod. S—J As leis de movimento, que a luz íegue na reflexão , e na retracção. (1) Vós, Eugénio, citais perfuadido, que a luz verdadeiramente he Tubftancia, e que tem corpo? Ora efta matéria compõe- ie de partes mui pequeninas , e fubtis ; porém náo obftante a fua íubtileza , hão óc ter al- guma figura: os Cartefianos, e Gazendif- tas dizem , que são como huns globozinhos ; e o feu fundamento he eile. Nós vemos , que ( i) As leis , e experiências que pertencem á inflexão da luz , e qu^ provão evidentemente que cHa he attrahida , e repelliJi pelos corp;is , fe aclia- . ráõ nas Cartas FyfiCÀS Ue Theodofio a Eugénio. ■2 8 Recreação Filofofica que a luz retlede dos efpclhos ^ e corpos femelhanccs , feguinJo inteiramente as leis , que obferváo na reiiexáo os corpos redon- dos, V. g. as pélas, as bolas de marfim, &;c. , e por eiTa razáo dizem , que as fuás partículas são redondas. \qs fabeis , que ie as pélas náo forem redondas , náo hão de fahar com regra ; logo também fe as par- tes da luz náo forem redondas, náo háo de reBeíílir com regra , como vemos que fa- zem. Pelo ^melmo fundc^mento dizem, que as partes da matéria fubtil sáo elafticas, porque vemos que reíiecí^lem do mefmo modo , que os corpos elalticos. Suppoílo if- to , aíT;;n:ão , que lium raio de luz he huma ferie de bolinhas , humas atrás das ourras 5 toJas com o movimento que dilTemos : ora fe eílâs bolinhas, ou fe tjls raio de Iwz, cahir pcrpeniicularmeute fobrs bum efpelbo y ha de reflectir outra 'vez i>elo rnsjmo caminho i Eui. E porque í Tbeod. Porque todas as vezes que bum cor- po elaftico redondo cahe perpendicularmen- te fobreourroj refiecle pela mefma linha 5 como vos moílrei ante-hon-em com o exem- plo da péla. A razáo que ahi demos para todos os corpos elallicos , milita também no raio de luz , neíla ienrença. Eug. Bem me lembro deíTa lei í;eral. Tbeod. Demos outro paíTo. Se o raio d: luz y ou efta ferie de bolinhas , cahir fobre o efpe- lho obliquamente , ba de refleSlir todo o raio fa- rá a outra [>artç y fazendo hum angulo igual ao Tarde quinta. 29 ao qíis fez y quando cahio nn efpelho. A ra2áo he am^íma, ^ue dei para a reflexão obli- qua dos corpos ciafticos ; porém para a en- tenderdes melhor 3 aqui ttmos já humaíi- gura feiía^ que tu linha prevenido. (^Ve- Fíl. r, ja^fe a fg. 5. Ej?avip. i.) Aqui tendes hum ^^g- j. efpelho nni deitado no cháo : o raio, que vem do Sol 5 cahe no eTpelho obliquamen- te , e he con^pcfto de bclinhas claiticas: efta primeiía bolinha u cahe pela linha obli- qua 5 e refie<íie conforme a Jei geral pela linha de pontinhos 5 que vedes aqui; atrás delia cahe no mefmo lítio a legunda boli- nha o , e vai pelo mefmo caminho que a ou- tra i fegue-fe a bolinha i , e atrás delia as ou- tras , e váo pelo meímo caminho i e deíla forte reflecle o raio , fazendo hum angulo na reflexão igual ao que fez quando cahio. £ug. Suppoftas as regras geracs , eílas fa- cilmente fe entendem y porque são hijma applicaçáo daquellas. Theoà, Pois eis-ahi tendes a razão de alguns eifeitos curiofos , que fe fundão nefta lei. Primeiramente fuccede muitas vezes eftar pofta junto á janella huma bacia com agua, ou algum pedaço de efpelho deitado no chão ; e entrando o Sol pela janella den- tro, vemos hum clarão no tefí:o da cafa, o qual muitas vezes treme , trem.endo a agua da bacia ; e a razão não he outra maais , que efta lei da reflexão , que tenho expli- cado: entrão pela janella os raios do Sol , e cahem obliquamente ou noeipelho^ ou na 30 'Recreação FilG^^ofica na fuperficie da ng'ja , e retlediem para dentro da cala por huma linha ^ que vai parar ao rcvlio , ou alguma parede da ca- la , conforme eítà polio o elpelho a ref- peiro do Sol j obfervando fempre a igual- ò:*Ac dos argulos ^ quando rcBedlem do cf- pelho, e quando cahem nelle ; c ccnio io- dos os raios vem p.irallelos , eoeipcliio he plano , rodos reilecl:em fem fe efpalhar , nem ajunrar , como moílrei que íuccedia a muitas bolas 5 que cahiáo obliqurmenre, e emparelhadas : reflcilindo pcis todos os raios para o redo , da mefma rorrc que cahíráo no efpelhojháo àc fazer no icdto hum claráo* Eug. Ê porque treme efíe clarão, tremendo a 2gua , ou movendo nós o elpelho? Tbtod. He porque movendo nós o efpelho , humas vezes Hcáo os raies do Sol mais in- clinados a refpeico do efpelho , outras ve- zes menos , e afiim humas vezes hão de re- ficíftir mais altos 5 outras maisb^ixo?; por- que lempre os raios, quando reficdirem , l-.áo de lazer hum angulo igual aoquetize- ráo , qu.uido cahiráo no efpelho ; por illo fe os raios do Sol vierem mui baixos, e com pouca inclinação para o efpelho, lam^bem háo de rericílir muitos baixos , e com pou- ca elevaçáo do cháo , ou do cípelho lan- çado nellc. Aqui tendes iamb(m a razão do que eliamos vendo agora. Olhai para o mar, lá para a parte da barra , e vereis que eflá prateado , e brilha tão vivamen- te , que fe não pôde olhar para elle lem mor- Tarde quima, 31 ' rnortihcacão dos olhos. O Sol cílá Já no Ceo muito além do mar 5 e os ftus raios dáo obliquamente na agua^ como Te folTe no efpelho 5 e lefíedcm para nós ; daqui fegue-fe 5 que como os raios do Sol reíic que náo forem defte "género Se os raios do Sol 'vindo parallelos cahirem fobre bum corpo lifo , e convexo y hcTo às reflsãir , efpalbando-Jc todos, Lembrai-vos do que ante-hontem vos diíTe , que íe muitas bolas elafticas cahiiíem por linhâsparallelas fobre huma pedra conve- xa , haviáo de refled:ir, feparandc-fe entre íi. Uug. Bem me lembro ; e a razáo era , por- que fó huma bola cahia por linha perpen- dicular, e as outras cahiáo por linhas obli- quas ; pois vindo por linhas a prumo, achaváo a ruperficie da pedra inclinada pa- i'a baixo, e aíKm cahiáo obliquamente, c • r«fledliág para as ilhargas. 3S Recreação Filofofíca Tbcod, Ifto fuppofto, fácil vos hc o applicar cf* ta mefma lei aos raios ór luz , fuppondo que «áo compoilos de bolinhas ; e aHim vindo todos parallclos ^ e cahindo íobrc hum vidro convexo , hão de reHcclir , eípaliiando-fe ro- Eíl. I. dos. Nerta iigura ( Ejlamp. i, Jig. 5.) vedes fig 5. que os raios do Sol vem todos parallelos , e cahem no vidro (A) redondo ^ e conve- xo ; todos os raios, excepro o do meio, acnáo a luperíicie inclinada, por ilTo não tornáo pelo mefmo caminho , mas rerlc- d:cm para a ilharga , huns mais , ourro5 menos, conforme a inclinação que acháo na fuperficie. Eug. Quando me explicaílcs cilas leis , náo me pareceo que tivetíem ranra utilidade. Tbeod. Náo o conhecereis cabalmente , acé não verdes explicados por ellas alguns et- feitos : reparai ncíèa girrafa redonda de vidro, que eíèá na janclia ; em qualquer íitio que vos ponhais, com tanro que ve- jais a parte ailumiada da garrata, fcmpre vereis nella brilhando huma eihciinha : fazei experiência, e vede. Eug. Aííim he : dai-me a razão. Tbeod. Os raios do Sol dando nefte vidro re- dondo , c convexo, erpalháo-fe para toda a parte ; e alTim em qualquer fitio que vos ponhais, íempre aos vollos olhos ha de ir parar algum raio dos que refleclem do vidro; e confeguintemente femprc o haveis de ver luzir , e brilhar ; e ifto não ha de fuc- ceder em qualquer vidro, íenáo for con- ve- Tarde quinta, "39 vexo : aqui tendes hum efpelho pequenino 9 ponde-o ao Sol , e obícrvareis , que íó ponJo-vos em hum iuio determinado, he que o vedes brilhar; e que em vos aífaftando para a ilharga , jà o náo vedes luzir. A razão já fe deo 5 quando Te fallou dos pe- , daços de vidro 5 que ás vezes briihâo no meio òo campo. Ora daqui mefmo íi- ca clata a razão de outro effeito , e he , que no efpelho pequeno , quando o che- cais a ver luzir, todo elle luz, e toda a lua fupcrficie ; na garrafa porém fomente luz huma pequena parte : e a razão he , porque do efpelho refledem parallelos to- dos os raios, que nelle dão, e da garrafa letleclcm efpalhados i e aíHm no efpelho apanhais muitos raios , na garrafa mui poucos. "Nifto eftá dito o que baila, va- mos aos vidros , e efpelhos côncavos. Eug. E como reflectem delies os raios? Tbeoi, Dizei-me vós primeiro como refle- ílem as bolas elafticas , cahindo por linhas parallelas fobre huma pedra concava ? Eug, Reflectem, fe bem me lembro 5 ajun- tando-fe para o meio ; eis-aqui a figura , (^Tom. I, Eflam^, 7^. fig. 15.) que vós fizef- tes para me explicar eíTa lei ; e também me lembra muito bem a razão. ThcoL Suppofto ifto 5 vós já fabeis que pode- mos confiderar os raios do Sol como humas feries de bola^ elafticas mui pequcninis ; e que hão de refleíflir todas , como re^edlem as primeiras , que chegáo a tocar no corpo ii- 40 Recreação Filofofica lifo: logo Te quaesquer bolas elaTticas, ca- hindo fobre huma pedra concava , reíieftem , ajuncando-íe para o meio; tambcm os raios do Sol vindo parallelos , e cahindo fobrc hum efpelho concavo , hão de reílcftir, ajunrando-fe para o meio. ^ug, He natural, ruppoíla alei da reflexão. Tbeod. Vamos a ver com os olhos o que en- Eft. r. íina o diícurfo. (^Veja-fs a fig. 6. na Ej?amp, Hg. 6, f.) Aqui tendes efte efpelho uílorio , iílo he, eípelho 5 que íerve para queimar; he concavo para dentro , como vereis , fe o apalpardes com amáo; fe opuzcr voltado para o Sol, que entra porefta janella, to- dos os raios do Sol , que nelle dáo , íe ajuntáo em hum ponto (O) aqui no meio doar; a eíle pomo charaáo toco os Mathe- maticos ; pondc-vos de ilharj^a , e vereis na poeira que os raios feaiuniáo nomeio; porem para o verdes com mais diQinçáo, quero íacudir por fima huma bolota de polvilhos. £ug. ]á íe vk claramente, que fe unem no meio. Vedes, Silvio^ Silv. Vejo. Thíod. Reparai agora no que fu cce de : vede que tanto que chegar com efte pedaço de pào ao lugar , onde fe a)unráo os raios , para logo arde, c lança turno. Mug. Aílim he ; a mim não me admira fó o eíFcito , fenáo também a promptidáo cora que fe obra. Já agora não tenho por fabu- la o que dizem de Archimcdes ^ que ef- can- TTarde quinta, 41 tanJo em Sicília queimara a Armada dos Romanos , fem outro inílrumenro mais, que unicamenre hum efpeiho^ (|ue punha defronte do Sol, fabricado com tal arte, <\UQ o leu reflexo abrazou os navios, que eftaváo em grandiUima diftancia. . Silnj. Náo fejais táo crédulo, Euj^enio ; iíTo he huma couía mui divería da que eíiamos vendo, e que nâo cabe na credulidade de pelToas prudentes. Tbeod. Direi o que enrendo : eu cambem ti- nha elTe efpelho por Fabulofo ; porem Mv, de BufFon niventou huns efpelhos y que queimáo em grande diltancia. Sug. Pois que particularidade tem eíTes ef- pelhos í Theod. Conílão de muitos vidros planos, os quaes le inclináo, huns mais, outros me- nos ; e o Sol reílcdindo de rodos , cahe io- bre hum fó lugar : por iíTo o íeu effeito pôde fer em muito maior diftancia. O maior, que efte Cavalheiro tem feito, confta de 208 vidros , e queima na diftan- cia de 500 palmos. Em Lisboa vi eu ha poucos dias nos Padres do Oratório outro mais pequeno , que confta de 144 ; mas neftes efpelhos a razão do eíFeito he a tnefma que nos outros. Sih, Em todos elles fe vê hum Princípio da nofía Filofofia ; que a virtude eftando unida , e junta , obra mais fortemente; porque cada raio do Sol tem virtude de íi para produzir calor ; como neíTe lugar fc '' ajun- j{z Recrsação VilofofiCiz ajuntlo muitos raios, prod^jzem hum ca- lor tio incenío, que accende í^os^o. Thtaà. Náo nego que a cauta deííe fogo he o intenfiilimo calor caufado pelos muitos raios do Sol 5 que íe a)untáo nefte fuio ; porem tomara faber, porque razão Tc hão de ajuntar os raios nelte efpclho , e em qualquer outro náo ? í/Z-u. Iifo he virtude própria, que tem eíTe cfpeiho para produzir hum tal eífeito. Tbfod, Dizeis muito bem; íó reparo em que precifamente por mudar de fiçura o efpe- iho, perde, ou ganha eíla virtude. Se a luz verdadeiramente náo he corpo , mas hum mero accidcnre , como vós quereis , porque razão ha de rerledlir d'humeipelho concavo , ajuntando-le os raios para o meio , e de hum convexo , eípalhando-lc para tora í Sih. Tudo ilTo vai de que o cfpeiho con- cavo teti virtude occulta para ajuntar ^ e o convexo para efpalhar. Theoi, E que quer dizer virtude? Sibj. Poder para obrar o effeito , mas po- der efcondido. Tb:od. Vindes logo a dizer , que he hum po- der , ou razão eícondida, que fc náo íabe o que he. Delle modo podia refponder Eu- génio, antes de ouvir fallar cmPilofofia: náo havia de ter ditKculdade , vendo os e.x- pcrimcntos, em dizer, que hum cípelho ajuntava os raios , outro os efpalhava , por- que hum os podia ajuntar, outro efpalhar; mas que náo fabia o porque podiáo fazer ilTo , Tarde quinta, 45 1^0^ que iíto quer dizer ter virtude, mas occulta. "Eug. Certamente até alii diria eu. Tbeod. Nós cá temos o trabalho de andar averignando leis de movimento , de que vós íazeis pouco cafo ^ e tomamos por outro caminho. Silv, Pois ide por ciTe caminho , que eu náo eftou agora com a paciência de o fe- guir: depois de explicar o vollo ryltema , dar-me-heis huma tarde para eu também dizer alguma coufa contra elle ; e então vereis vós , Eugénio , as difHculdades que me embaração. Thçod, Huma tarde 5 emais vos deixarei òt^- embaraçada para pordes as volTas dúvidas i porem quero primeiramente que Eugénio efteja baftantemente inftruido para enten- der a foluçáo delias. Mas vamos ao que nos refta fobre a reflexão da luz. §. III. JDa reflexão da Luz no fyftcma Newtonia7i9, £ug, /^ Que tendes dito da reflexão da V^ luz, fupponho que he coufa cer- ta , e alTentada entre todos os Modernos. Tbeod. Não ha controverfia , fe falíamos das leis da reflexão; mas fe falíamos da ca ufa da reflexão , muita controverfia ha : os que não são Newtonianos dizem, que a luz ba- te n- 44 Recreação Filofojica tcnJo na fuperficie do vijro poliJo, como acha Itjitu luperticie nriilizi, re^lefie re- galarmenre ; e fe acha h'jm.i íuperíicie af- pera , perrarba-fc , e retlecle dcTorJenaJa- menre > coti o ejcemplo da pela , ou das bolas de marlim , e da di veria difp^Gçáj com que eíHo as partes fuliJas do vidro , dizem que depende a reflexão da luz, por quanro pelos poros palia , e não refle£í:e. IVIas os Newtonianos dizem , que a luz náo refle(íte ài fuperticie dos corpos , mas an- Efc. }. tes de cocar nella : vede efti F.ílampa ( ^. fig- 5' nx figura 5". ) eitc vidro p q dizem ellcs , que até cerca diftancia e i arcrahe a luz ; e que dahi para íima 2ic outra diftancia a o a repele : fuppollo ifto , fica claro que na lua opinião a luz não reriecte do vidro , mas do eípiço de repulsão, o qual fica em alguma diftancia ances da íua íuperficie , poilo que imperceprivel. JEtfT. Que couia tão eftranha ! e iiTo he aíKm ? Tb:oi. Dir-vos-hei os fundamentos que ha pa- ra allim o dizerem. Primeiramente a fuperfi- cie do vidro, por mais polida que pareça , verdadeiramente he mui elcabroTa na reali- dade , pois o vidro fe pule necctTariamentc com pó 5 o qual por mui miúdo que leja , não fe pôde negar que cada grãozinho do pó, esfregando o vidro com torça iobre elle , ou o náo ha de gaftar , e então não pode polillo , ou o ha de gaílar, e então cada grãozinho de per fi ha de fazer feu rego na fuperficie áo vidros ora fendo muitos. Tareie quinta. 45* £csra roJa a fuperficie cheia c3e regos , e cfcabrofa. Quando nós esfregamos o vidro porarêa grolla , todo elle fica cheio de re- gos , que íazem os gráos paííando , e gaílan- do o vidro: pois o meímo faz todo o pó, por miúdo que feja , fomente cem a diife- icnça de lerem os tacs regos, erilcosmais íubtis 5 e infenfiveis. líro pofío , as partícu- las da luz sáodehuma íubtileza incrível , c alíim ainda que a Tuperficie do vidro feja liza por reípeito anos, he muíro efcabroTa por ordem ás parriculas da luz ; pois he certo que por mui delicado que feja o grãozi- nho de pó t^ue fez o re^o, mais delicada he a partícula da luz que ^bàt entrai celle , c rerteciir das Tuas paredes irregularmeiue. Alguns refpcndem que eíles regos eíláo cheios de globos de luz ^ e que as partícu- las que vem de novo acháo eflas conca- vidades cheias , e podem refledír corro de luperíicie lifa. Siln}. Eiía refpoíla he bem delicada. Theod. Ebem fraca por rernirr.iamente deli- cada. Ora dizei-me : E porque não íuccedc iílo 5 quando roçamos o vidro por arêa grof- fa 1 eíles regos lenfivcis ramhem í"e podem encher de globozinhos de luz , como elles dizem dos regos mais eítreitos; e fe a luz ref!e<^e com dcíordem delTes globozinhos, que enchem os regos grandes , porque não ha de reBedír do mefmo m.odo deíTcs mef- mos globozinhos, que enchem t»s reges cí- íreitQSí Mais: elTes globo^^inhos deluz ^quc cn- j^6 B cere a cão Filofofica enchem os regos ào vidro, sáo iguaes aos outros que vtm de fima : fupponhamos ago- ra que atirav:imos comhuma bola de mar- fim a hum ccíio cheio de bolas de marfim lemelh.inues , poderia eíla bola fazer a íua leHexào ordenada como no jogo de Taco í cerramcnre leria rediculo elptrar lemc- Ihanre efrciío. Ora o meímo digo das bo- linhas de luz 5 cahindo nos regos do vidro cheios de globozinhos femclhanres. Eug, A rerpofta me parecia a mim láo boa^ e acercada, como pareceo a Silvio ; mas agora confelTo que a acho táo fraca ^ e inútil como vós a achais. Sihj. Lá íe avenháo huns com os outros ^ que eu não apadrinho nenhuns. Tbeod. Outros contentác-fc com voltar eflc melmo argumento contra os Ncwtonianos ; porque le aluperficie do vidro he efcabro- Eíl. j. la, como Te vè nefta Eftampa ("i^.Jig- 6.^ y i^. ó. também oefpaço de repuháo, que princi- pia a huma cerca, e determinada diífancia do corpo («) fera huma linha irregular, e lerá como a linha ío; por confe^uinte , le refledindo a luz da fuperficie efcabroía náo podia rclledlir ordenadamente , rarrbem refle(flindo do eipaço da repulsão , refleílirà irregularmente: de forte que efta he a ra- zão por que a luz náo refle<^e ordenadamen- te do vidro lenfivclmcnte afpero , fíizendo a aípereza da fua fuperficie irregular oef- paço da repulsão: logo também a aípere- za dp vidro infcnfivçl fará irregular o ef- pa- Tarde quhitã, 47 pnço da repulsão , pofto que menos irre- gular. Porém o Graveíande rclponJe (i) que efta irregularidade da íuperhcie fevai diminuindo conforme a diftancia : e a razão creio que he ^ porque como cada particuU per fi tem eípaço de attracçáo em redondo para toda a parte, vem a iicar cada partí- cula do vidro como centro do elpaço da fua attracçáo; e aílim tomando na fuperli- cie deiíe cipaço da attracçáo huma medida igual á partícula do vidro , nunca lerá táo convexa 3 como a partícula do vidro era; pois quanto miaiores são asesíéras, menos convexa he cada porçáo igual da lua fuper- licie ; e aííim fendo mui leníivel á luz a irregularidade das partículas do vidro, íica menos íenfivel a irregularidade que fazem toJos os efpaços de attracçáo juntos, Accreí- centai 3 que eítes efpaços de attracçáo como fe communicáoje penetráo huns com outros, onde fecommunicáo crelcerá a attracçáo, e íupprirá ella cova que deveria haver,caulad3 pelas prominencias do eípaço de attracçáo, A feu tempo vos direi fobre iíto mais al- gumas couias , que vos faráo crer á força cila attracçáo, e repulsão, que eu muito tempo não cri. Vamos agora ás experiên- cias com que os Nevtonianos prováo , que a caula da refiexáo da luz náo procede de bater o raio nas partículas , que náo pódc penetrar, e que não he por iíío que ellas rornâo para trás ; eu as faço diante dos voC íos (i) Gravíf. Tom. II. pag, S40. n. >:62. 4 8 Recreação Filofofca fosolhos, qii€ sáo igualmenre fáceis > e a(í* £(1.4. rriiraveis QEj:amp.4. /|. i.). Aqui tendes fig. I. elle copo A quafi cheio de a^ua : depois de fechada a janella, o raio do Sol, que deixo entrar , eu o recebo ncile efpelho (w»), e o faço reflcftir para o copo, a ver íe entrando pela ilharga fahe pela íu- perficie fuperior da agua , e paíTa para o ar .... Yedc que retiedio todo para bai- xo, e náo fahio nada do raio para fima. No- tai que fe o raio folTe a fahir da agua mais perpendicularmente , fahiria parte delle. Fa- çamos agora outra experiência : nomcímo copo deixemos cahir obliquarr-ente o raio do Eft.4. Sol (/i f £/?(jr?2p. 4. fig. 1.^ vindo do ar para hg. 2. a agua , c por mais obliquo que venha , nun- ca rcHeclirá rodo para fima , fempre entrara parte delle dentro da agua. Façamo-la..., Eug, Aflim he : para fima rerie(íle efte raio {e o) i mas para baixo vem elioutro (f w) : e reparo em que le lorceo no caminho, e apparece no cháo com cores bem agradáveis. Thcod, DiíTo fallaremos nós logo ; mas agora bafta faber que na primeira experiência re- fieília rodo o raio, e na fecunda náo. Fa- çamos terceira experiência , e o difcurfo T.Ct. 4, cahirá fobre iodas ellas (^ fjhmp. ^.fig, ^.'). H' 5* Aqui tendes hum vidro triangular PQ ,3 que chamãoprirma , o qual viílo de topo he co- íit. 4. mo hum triangulo (m n EJlamp, A- fig- ?•) fj;. j. he todofólido, e maííiço. Se o raio do Sol Çai) cahir obliquamente na lua primeira fuperíicic (m 11) , rcíledirá para fima : lá o ve- Tarde quinta. 49 vedes em (^) ; mas feja qu2l for a incli- naçáo do raio, fempre entrará parte delle para bai\'o, trafpalTando o vidro ; la o ve- des no cháo (em 0)5 c com cores bem vi- vas, lilo he o que fuccede á luz , vindo pe- lo ar , e dando no vidro; vejamos agora o que lhe íuccede vindo pelo vidro dentro , c querendo fahir para o ar; QEj'}amp, 4 fg» Eíl. 4. 4.) entrará o raio pelo vidro 5 e quando for t^^. 4- a fahir pela íuperticie do vidro para o ar, todo o raio refledirá outra vez para den- tro do vidro, fem íahir nada para fora : if- to he no cafo que a inclinação do raio palTe de 40 gráos , como agora vereis. Silv. Tendes razão : o raio (^bc^ deo na mefma fuperiicie do vidro ( r/2 7z ) ; e em vez de fahir para o ar , refledio para fi- ma , e lá apparece no rc£lo (íi). Thsoà, Agora vai o argumento dos Newto- nianos. He totalmente incrivel que a luz, quando vai a fahir do vidro, ou da agua para o ar , encontre tantas partículas que lhe refifláo , e batendo nellas refliâ:a todo para trás, fem que particula feníivel paíTe para diante ; porque eftas partículas ou são do vidro, ou áo ar ; do vidro não póJc fer, pois láo denfo he nafuperficie, como por dentro, e por dentro do vidro paíTou o raio de luz com toda a facilidade, fem fe perturbar fenfivelmente. Ora para dizer- mos que são partículas de ar as que fa7em reHeftir todo o raio, quem o poderá crer? Principalmente vendo ncSs que mais re^e- Tom. H. D ae 5'o 'Recreação Filofqfica CtQ 2l luz 5 querendo fabir do vidro , do que querendo entrnr nelle '■, pois qijerendo en- trar no vidro , fempre palía para dentro al- guma parte do raio, e he a maior , feja qual for a inclinação do raio; e querendo faliir do vidro , baila a inclinação de 40 gràos para o tazer refltcbir todo: iflo pof- to 3 quem dilTer que a caufa de rerteí^ir a luz he o encontrar partículas em que bare , ha de dizer que mais partículas encontra no ar , quando quer íahir para clle , do que no viuro , quando quer entrar nelle. Silnj, IlTo nenhum homem de juízo pode di- zer ', pois fabemos todos que muito mais denfo he o vidro, do que o ar. Eug. E o mefmo argumento fe pode fazer na agua ? Tbeod. Dizeis bem. Ainda fe aperra mais o argumento : porque entrando a luz pelo £(1.4. pnima de vidro ( Ejfamp. 4-fg' 5-) 5 fe eu fig. 5. o vou voltando lobre o leu eixo , vejo que conforme he a inclinação do raio fobre a fuperficic por onde ha defahir, aílim ou refle(:le todo , ou fomente parte i porque quando o raio quer iahir com pouca incli- nação 5 com clfeiro fahe parte dciie , e refle- Eft. 4. ^'^e a outra parte: aqui o vedes Ç E/í amp. 4, ^Z' ^' fil'^') quando o raio (^f) entra no prif- ma , e chega á íuperficie inferior com efta inclinação (f /) quehe menor de4Cgráos, parte do raio fahe para fora , e apparece no chão (tmo) ; c a outra parte rcBede den- tro clovidro^ e vai para o tédio («O > ^^^ fc Ta7'de quinta. 5*1 íc eu vou voltando o prifma de forre que a rerpcito delle fique o raio mais obliquo , como fizemos ha pouco (^Jig. 4. ) 5 todo o raio reflecte para otcdo, e náo palTa nada para o cháo : fendo ifio aííim , quem fe ha de perfuadir que hum gráo mais de in- clinação fará que o raio enconrre tantas partículas de ar, que ablolutamente náo poíTa paffar para tora •■, e hum gráo menos de incli- nação faça quepaííe a maior parte do raio? SiH. líío náo fe pode dizer : eu antes me lembrara das particulas do vidro, que po- deriáo emb.iraçar o raio mui inclinado ; mas ilío era para a entrada delle no vidro, e náo para a fahida ; e a experiência moftrou que na entrada netihuma inclinação bailava a prohibilla totalmencei mas bafta na fahiJa, náo achando o raio o vidro mais denfo na íuperficie^do que o achou lá por deniro:aílim como não acha afuperficic da agua mais ef- peíTa 5 do que achou toda a agua mais agua. Tbeod. Difcorreis bem ; m^as tira-fe toda a ef- perança de refpofta , pondo-íe o prifma den- tro da máquina Pneumática 3 tirandc-lhe o ar, e voltando a máquina de forte que o raio de luz entre no prifma , e vá bater na fegunda fuperficie paralahir para fora, e fuccede refle£lir todo para dentro , quan- do eílá o prifma com a devida inclinação, quer haja ar, quer o não haja: logo náo são as particulas do ar as que fazem re- fledir o raio de luz , quando quer fahir do vidro, ou da agua para íóra. D ii Sth. 5*2 Recreação FiJofofica Silv. Pois c]ue caufa dáo os Ne^vtoníanos a eíía reflexão í Thcod, Dizem que he a aitraccão do vidro, ou da agua : eu vos debuxo aqui deprclía líl, 4. huma figura (j, E/hmp. 4.) para me enicn- f>g- 7' derdes. Éiic triangulo vi repreíenta o prif- ma vifto do topo ; o raio K depois de en- trar noprifma , vai a querer fahir pela fu- perficie i o : lupponhamos que fahio ; haveis de faber que o vidro attrahe uraio '^e luz até huma cerra diftancia , a que chamáo efpsço de attracçáo; o qual íupponhamos que íe cílende ate á linha nin : fahindo pois o raio do vidro para fora ^ como fahe obliquo, começa afencir a força da attrac- çáo pelo lado mais vizinho ao vidro , e tor- ce o caminho 3 carre^^ando lobrc efTe lado, e encurvando mais; e le chega aencurvar- íe tanto , que fique parallelo com a lupcr- íicie do priTma 5 então a attracçáo com.eçaa fazeilo chegar para elle , e mettc-o outra vez para dentro, e vai dar ar. Ora como eila attracçáo fe não eftende a hum efpaço tão fenfivcl 5 como eu aqui debuxei para me explicar , parece que o raio náo íahe do vidro, mas tocando naluperficie, vol- ta logo para dencro. Eug. È porque náo íuccede iíTo , vindo o raio menos obliquo, como na experiência em que elle paifa de algum modo ? (Ji^. 6.) Tbeod. Quando o raio fahe do vidro menos obliquo, neceílita de maior curvatura para íc lazer paiailelo á lupcríicie j e aílim quan- do) Tarde qtdnta. yj do fc acaba o efpaço da atrracçáo ainda o raio fugia do vidro: deí^e modo efcapa do eípaço da stiracçào ; mas If mpre lorcco o caminho por caula da attracçáo , ao que nós chamamos refracçáo ; mas difto logo eu fallarei de propofuo. Silv, E temos nos experiência que nos con- firme niiío ? Tbeod. As niefmas que referi o provão ; por quanro a actracçáo regularmente fallando, hc maior nos corpos mais denlos ; porque co- mo cada partícula attrahe , onde ha maior nu^ mero de partículas , maior attracçáo haverá ; por ilío mais reflecte o raio no vidro , que na agua : mv^s outra experiência vos fa- rei, que tira todo o efcrupulo. Metterei o prifma nella caixa ( F G EjJamp. 4. Jig. 8. ) Ei^. 4. de forte que os feus eixos defcancem nas ^Z' *♦ bordas da caixa , e verei que poílura hc conveniente para que o raio (A) que vem da janella, entrando neile refliíta todo para o téílo (B) : reparai agora ; fe eu lançar agua nefta caixa , tanto que vier fubindo a agua , de forte que toque na fuperhcic do prifma, o raio que ate alli retledia to- do , agora pela maior parte íahirá pela agua , e apparecerá no fundo da c^ixa , ou talvez no chão 5 que para iíTo cfta face (Cr) da . caixa he de vidro. Ora para verdes queef- te eíFeifo he da agua , com hum canudinho a irei chupando fem tocar no prifma; e tan- to que a agua náo tocar na face do vidro 5 tornará o raio a reíledir todo; e mil ve- zes 5'4 "Recreação Tilofofica zes ^Tiid. o raio a muJjnça referida, fe mil vez'^s a a^ua crclcer , ou Ic diminuir até tocar 5 ou náo tocar no vidro. Vede-o 5 que eu o taco. Sili). Paímola experiência na verdade 1 Tbcod. A razáo dei la he ; porque a n^ua tam- bém aitrahe a luz, menos porem do que o vidro 5 por íer mais leve i aílim quando chega o raio a tocar na legunda tace do piiima, a atcracçáo do vidro, que o puxa- va até alli totalmcnre para lima, zomban- do da débil attracçáo doar, agora aciía já maior contrario na attracçáo da agua i e aííim parre obedece ao vidro , e parte á agua : por quanto a curvatura íó procede do excedo da attracçáo do vidro lobre a atti-acçáo da agua , c allim he mui pequena a curvatura; e náo pode torcer tanto o raio dentro doefpaço da attracçáo , que náoef- cape grande parte dellc para baixo. Eug, Para mim efta experiência hedecifiva; porque nem íe muda o priíma , nem ou- tra alguma circumftancia , a que Te polia atribuir elTe eíFeito, fenáo á agua. Tbeod. Concluindo pois eíle ponto, digo, que no íyfterna dos Xewtonianos acauía da re- flexão da luz nunca he a pancada, que dá a luz no corpo íolido que náo poíTa pene- trar; aíTim quando a luz refleíle da primei- ra fuperíicie do vidro, ou agua , refleâ:e, porque o vidro a repelle ; e a que entra para o vidro , entra, porque o vidro a attrahe; de íorte , que vindo o raio obliquo, tanto que Tarde qutnta, ^^ que cíiega a fentir a repulsão do vidro, começa a encurvar-fe fugindo delle ; mas náo he táo torce a repulsão , que o encur- ve de maneira, que parte do raio náo en- tre no efpaço da atcracçáo ; e afíim efte começa a encurvar-fe para o vidro , e en- tra para dencro ; porém tanto que chegou à ultima íuperficie do vidro , e quer lahir parar o ar , a porção que refle<í^e para dencro do vidro , refleíbe por caufa da attrac- ção do mefmo vidro, que depois do raio fahir , o torna a puxar para dencro do mo- do que já e^ipliquei. Silv. Senão folíem as experiências , nunca poueria crer lemelhance doutrina. Tbeod. Nem também eu ; porilTo refifti mui- to tempo. Mas agora antes que palTemos a tratar da Refracçáo da luz , quero que lai- bais que nem todos os raios de luz tem igual promptidão para reBe£lir : eu me ex- plico. Dizem os Newtonianos , que na luz do Sol vem 7 caftas de raios , huns de cor vermelha 5 outros de cor verde, outros de cor azul, &c. Ora deftes raios dizem elles que huns sáo mais aptos do que outros pa- ra reHe(ftir, quando o raio quer fahir do vi- dro para o ar i e prováo ifloafíim. {_EJiamf>. Eft. 4, 4./^. 6.) Quando nós pomos o prilma , de fig. ê, force que o raio (^ ^) que entra nelle, parte o traípaíTa, e fahe para fora (í 0) i parte refledle na fegunda luperficie òo vi- dro, e cm vez de fahir para fora, reflede para dentro do prifma , como viítcs; iuc- ce- 5^6 Recreação Filofofica cede iilo 5 porque o raio , que quer faíiir do piifrja, náo fahe muito obliquo : deíoite, c]ue fe formos voltando o pníma lobre es eixos 5 psra que cada vez íaia oraiodelle mais obliquo 5 chegará a termos que nada íaia para íóra , mas todo reíli(í^a para den- tro 5 como vimos. Lembrais-vos da expe- riência que fizemos? {fig*A-^ Eug, Lembro-me perfeitamente, Tbcod. Também vos lembra ^ que o raio quando tralpalTava o prifma^ apparecia no chão pintando as cores que vittes^ encar- nada , verde , roxa , &c. Eug. Lembro-me , e eráo bem vivas. Tbeod. Reparai a^ora , que quando chega o priíma avolrar-!e de modo que o raio pin- tado no chão blce , porque reilec^le para dentro ào priíma , não falta rodo o raio de repente : primeiram.ente falta o raio ro- xo, dahi o azul, depois o verde, dahi o amarello, em fim o ultimo que falta he o vermelho. Efta mcfma experiência feita de outro modo he mais legura , pcrcm mais dithcil. Recebem-íe as cores do priíma nu- ma laboa como efta p q y que eílá pintada EA. 4. nefta Ej7amp. (4../Í£. 9.)- ^^^ taboa ha hum fi^. 9. buiaquinho /; ora revolvendo nós o prií- ma abe fobre os feus eixos , váo defcen- do as cores pela taboa , de forte que ora Inima, ora outra corpaíTa pelo buraco /. Sup- pofto iíto 5 atrás da taboa póe-fe outro prifma (ww) ; e póe-fc de maneira, que o raio que paíTa pelo buraco i entre no prií- Tarde quinta. 5'7 prifma, c cliegue obliquamente á fua íe- gunda fuperíicie. Succede então que ás ve- zes o raio vermelho fahe do legundo prif- ma 5 e o verde já não fahe , mas refiedle para dentro delle : outras vezes Ishc tam- bém o verde , mas não o azul , conforme a portura do íegundo prifmaj delorte que acha-le poftura em que huns raios o traf- paísão 5 outros não , mas rePie£lem dentro delle. E para que íenão attribua ifto a tre- mer o fegundo priíma, póe-fe fixo, e re- volvendo-ie o primeiro, fazemos que ora caia no buraco a cor vermelha , e palTa o prifma, ora a azul , e não o palTa. Donde fe infere que os raios vermelhos não re- fle(!^em dentro do prifma tão facilmente como os verdes , nem eíles tanto como os azues. Mas quando chegáo a reiie£lir , fem- pre fazem o mefmo angulo, que i:ez o raio que cahio neíTa íuperíicie donde reflectem. Porem vamos a tratar da rcfracção da luz, e então talvez que entendais iílo melhor. Sil^-i). Humas doutrinas mutuamente le dão luz ás outras. §. IV. Trata-fs da Refracçao da luz y e Jeus efftitos, ^^Z' Tj* Que quer dizer Refracçao da Iw^ ? Thsod. -L/ He o quebrarem os raios da luz o caminho que levavão ^ como vós acabais de 5 8 Recreação Filofofica òc vernertes raios , entrando, e fahinJo obli- quamenic do vidro , ou da agua. Primeira- mence haveis de faber, que todos os cor- pos diáfanos dáo palTagem áluz; porém ha grande diverfidade entre os corpos diáfa- nos, porque huns são mais deníos que ou- tros. Ifto fuppofto, quando a luz paíTa de hum diáfano para outro de diverfa denfida- de 5 fuccede ir para diante , mas quebrar , e torcer o feu caminlio ; ao que fe chama rcfracç:To da luz. Vamos agora a quatro leis da rei:racçáo , em que le comprehendem todos 05 cafos polliveis. Q Primeira lei. Uanào o raio de lur, pnjfri perpetidicular- mentc de hum corpo diáfano para outro , qualquer que for^ não quebra ^ mas 'vai feguindo o feu caminho que U^^ja^oa. Com a ell.impa à vilia facilmente me entendereis. Eft. I. ÇE/tamp. i.fig.y.) Efte efpaço debaixo mais %• 7- preto, fuppomos que he agua, ou vidro, ou outro corpo diáfano mais denfo que o ar , que fica por fima : cfta bola e fuppo- mos que he huma partícula de luz: digo pois, queefla bola, fecahir no vidro, ou na agua perpendicularmente pela linha /jr, lia de ir continuando o leu caminho para baixo até o , lem inclinar mais para hu- ma parte, que para a outra. Eug. Agora entendo perfeitamente a lei i dai-me a razão delia. Tbsod, Tarde quinta. 5'^ Theod. Dous fyftemas ha mui diverfos fobre a caufa da Ketracçáo da luz , hum he o de Ga- zendo , e outros Filoíotos antes de New- ton, o outro he dos Newtonianos. Eu vos explico as;ora a cauía darcíracçáo no íyf- rema deGazendo, e depois o tarei no de Newton. Dizem pois , que vindo a luz per- pendicularmente , náo quebra; porque eíta bola quando entra no vidro v. g. fim acha mais embaraço para o movimento do que no ar, porque o vidro tem os poros mais apertados ; porém eíle embaraço tem-no igualmente de todos os lados ; nem podeis dizer , que da parte direita v. g. tem al- gum embaraço, que náo tenha is;ua!mcnte da efquerda ; ora como tem embaraço igual por todos os lados, náo torce o caminho, vai por linha reí^a para diante. O meimo fe deve dizer quando íahir do vidro para o ar ; porque então também fe livra por todos os lados juntam.ente do aperto ; e allim como náo ha quem faça torcer o ca- minho ao raio da luz , náo quebra fahin- do do vidro para o ar. Eu^g;. No que refpeita a cfta primeira lei , ficai dcfcançado , que já eftou inftruido; paliemos ás outras. Tbsod, Vamos agora á P Segunda lei. Uando o raio de luz fajfa obliquamente d: hum corpo diáfano ^ara outro mais dsnfo y ou mais tavo , fem^rc quebra fobre 6o Recreação Filofqfica o lado 5 gue ejt.i vizinho ao corpo àenfo : ciV' tcnder-me-heis melhor á viíla da eltampa, Eíl. I. (^Veja-fe a fg. (;, da EjJamp. i.) Aqui ten- í^g. 9* àes hum vidro, no qual ie reprefenia que cahe obliquamente hum raio de luz , que do Sol vem ao ponto a ; efte raio tem deus lados , hum da parte de fima a , outro da parte debaixo j: ciado debaixo x eíla mais chegado ao vidro, do que o outro , que olha para fima; ifto he claro: também náo admitce quertáo 5 que o vidro he corpo mais denfo que o ar. Digo pois , que o raio àc luz quebrara fobre aquelle lado , que mais vizinho ficar ao vidro : ette he o la- do <• ; aííim ha de quebrar para baixo do- brando fobre s ; e em vez de ir parar ao canto do vidro e , ha de ir ao fitio i r. Eug. E quando eííe raio fahir do vidro para o ar 5 vai parar direito a «^ , ou também torna a quebrar? Thsod. Ha de quebrar fegunda vez , porque palTa obliquamente de hum diaf^mo para ou- tro mais raro ; e quebrará fobre o lado , que depois defahir do vidro ficar mais vi- zinho a ellc: eiie raio fe vielTe direito a m y fempre tinha efte lado i mais vizinho ao vidro 5 do que eftoutro lado r : logo conforme a lei quebrará fobre o lado iy c dcíle modo vai parar a o. Eug, Ora 5 Theodofio, eíTa lei ha de ter fua r;i2áo em que fe funde. Eíl:. f. Thsod. Sim tem : vamos a eíta fii;ura (8. "ií- S' Enamp, I. ) > 4^J^ nos ha de facilitar a in- tel- Tarde quinta. 61 telligencia : efte elpaço mais efcuro finge fer a agua ,, ou vidro v. g. cila cova r i reprefenta Hum pòro do vidro , no qual vem entrando huma bolinha do raio de iuz. Orj he coufa bem íabida , que quando hum corpo íemove, eacha algum embaraço de hum lado, e náo do outro , delia parte que lem o embaraço vai mais de vagar ^ e da outra mais ligeiro, eaílim neceílariamente torce o caminho, carregando iobre elTe impe- dimento que da ilharga o embaraça. Ifto vemos em huma Tege, quando lhe pega huma roda ; ou em hum navio , quando carregáo o leme para o lado. Por eila meíma ra- zão os globos da matéria de que neíte fyf- tema le compõe o raio de luz , quebia- ráó entrando obliquamente no vidro; por- que efta bola r : vindo porcíia linha obli- qua, pega na efquina do pòro : a parte, que toca neíía eíquina 5 íica ahi hum pouco retardada i e a outra pane r , que ainda vem dcfcmbaraçada , continua amoyer-fe: além dillo a outra bola , cue vem de fi- ma, opprim.e, e obriga a bola r z a miO- ver-fe para baixo ; daqui procede que a bola ri anda hum pouco á roda, e lorce o caminho ^ ínclinando-fe febre a efquina / , e não vai parar a w , como iria , fe ella náo torceíle o caminho ^ mas vai parar a e. Supfofto ifto , bem vedes que o raio de luz aqui quebra , ou dobra Iobre o la- do , que antes de enuar no vidro lhe fi- cava mais vizinho. 6i Recreação Filofojica. Eug. Mas dizei-me agora: E quando o raio da luz fahe do vidro , ou da agua para o ar , também ha eiTa meíma razáo ? Thsod. Também : olhai para eílouira figura Eft. r. (9. Eftarn^, I.). Quando o raio de luz iahe ^í' 9' do vidro para o ar , pc^áo os globos de mareria erhérea neíta efquina i; o lado do globo 5 que ahi pegou , algum ranto fe de- mora ; porem o lado r como náo tem em- baraço, move-íe mais ligeiramente i alíim voltou, e torceo o caminho, e náo vem parar a m , mns inclina , e quebra para fi- ma , e vai dar cm o : nefte cafo também vedes que quebra , dobrando-íe fobre o la- do ^ que depois de fahir do vidro lhe fica- va mais chegado a eile. Eug. Ora já formo conceito náo fó da lei , mas da razáo , em que íe funda. Sih. Porem eu ainda náo vi a prova da experiência , que h.e a que con\ence. Tbeodí Agora a vereis com voiTos olhos , fe- chemos asjanellas, e deixemos eíta peque- Eft. r. ri^ abertura para entrar o Sol. (jí^. 10. Bg.io. Efíamp. i.) Aqui rendes hum copo meiodc agua , eu o cubro com hum panno opaco ; mas de tal forte , que o Sol poíTa entrar por elre buraquinho (:) , que tem aberto de propoluo : ponJe-vos deíia parte ef- querda , que eu levanto a ponta do panno. Vedes que aííim que o raio tocou na fu- perficie (o) da agua , náo continuou para diante ate o lado (a') do copo 5 mas que- brou , e fe inclinou para o fundo (O- Tarde quinta. 63 Sih, Bem fe vê: agora náo o poíTo negar. Eug. E quebra tambcm íobre o lado (0) , que fica mais vizinho à agua , que he diá- fano mais denfo que o ar , donde veio o raio para a agua , verificando-fe a lei , que etlabeleceftes. Tbeod. Allim havia de Ter , porque he a mef- marazáo; e o que dilTe do vidro, fe pôde dizer da agua, e todos os mais diáfanos, quando eftiverem junro de outros mais ra- ros. Faltáo agora duas leis , que sáo co- iTio confequcncias deflas antecedentes. Terceira lei. ^^ Vando muitos raios le Iwx, njiiido paralle- V^ los cabem numa lente con'vexa , quebrcTo , ajuntando-fe num ponto. Primjeiramcnte lente chamáo os Filoiofos a huns vidros circulares, e redondos, como os que tra- zeis nos volTos óculos. Aqui tendes debu- xadas varias efpecies dolentes, humas sáo planas de ambas as faces , como a primeira (^EJ}am. \. fig. II.); outras sáo convexas eí^. r. de ambas as bandas, como a legunda ; ou- fig.ii, trás dehuma^ e outra parte sáo concavas , como a terceira : ha outras, quetemhuma face plana , outra convexa , v. g. ella , que tem o numero 4 ; outras tem huma face plana 5 outra convexa, como a do num.e- ro 5 ; finalmente outras sáo por hum lado convexas , e por outro concavas , como a do numero 6; aflim sáo 0$ vidros dos rc- lo- 64 Recreação Filofqfica logíos de algibeira. Vamos agora a dar a razão di lei : aqui temos outra cframpa, que he própria para o intenro. ( Veja-Je a Ift. 2. fg. i.àa 1. E/íamp.) Efte vidro p 9 he huma fig- I- lente convexa ; fe cahircm r.ella três raios do Sol , como aqui fe pinráo A , B , C , háo de quebrar de tal forte , que Te ajun- tem no ponto a. Porque o raio B, que he o do meio , como cahe perpendicularmente , náo ha de quebrar para huma , nem para ou- tra parte , tanto ao entrar no vidro , como ao íahir delle , pois entra 5 e fahc perpendi- cularmente. O raio A ^ quando chega á fuperficie da lente, toc£-a obliquamenie ; e conforme ao que temos dito, ha de que- brar íobre o lado em que fica mais vizi- nho ao vidro; eaiíim chega-fe para o raio B. Ora cite mefmo raio fahe do vidro para o ar obliquamente , e o lado i eftá mais chegado ao vidro: logo loire elTe lado ha de quebrar , e aííim vem-ie a ajuntar com o raio ào meio em a. Eug. Entendo , e agora já fei para onde ha de quebrar o raio C ; pela mcíma razáo. Tbeod, He porem precifo advertir , que le a lence for plana por baixo, como he a len- Eil. r. te numero 4. (^Efiamp. 1. fig. 11.) também ftg.ii, os raios (e háo de ajuntar nomeio; porem quando lahirem do vidro, náo háo de que- brar tanto 5 e por ilTo o róco , ou o ponto , em que feajuntáG os raios, náo ha de al- tar táo chegado á lente , como agora eiià o ponto a, por ca u la de fer efta lente con- vexa por ambos os lados, Sil^j. Tarde quintéi, 6y Sílv. E poderemos ver com os olhos , que he verdadeiro o volTo dilcurfo ? Thtod. Vamos a ilTo , anres.que o Sol nos falte. (^fig. 2. EjJar/if). 2.) Efíe vidro (/i) he Eft. 2. como os que vuli;armente chamáo vidros ^i- 2. de queimar , he convexo de ambas as ban- das j íe o puzer ao Sol , todos os raios háo de quebrar, junrandc-rc em hum pon- to 5 e queimarão com grande facilidade.. Eis-ahi o vedes; e o fumo, que felevan- — ta do madeiro 5 dá fmal que arde. Eu abai* xo o madeiro ardendo, de lorre que o íu- mo paiTando pelos raios do Sol , os taça mais villvei?. Eug. Advertiítcs bem: agora já fe vem cla- ramente ajuntar em hum ponto. Tbcod. Eíle mefmo eífeíto fe vê em huma garrafa cryft^lhna cheia de agua ; porque como hc convexa de ambas asparres, faz o mefmo , que hum.a Icnre convexa de hum , e outro lado : advertindo porém , ^ue ajunta os raios m^uito mais perto do que a lente; porque os raios da luz, que cahem obliquamente , quebráo mais ^ quan- do cahem mais oblíquos ; e cahem ranço mais obliquamente , quanto maior he o bojo, ou convexidade do vidro ; ora co- mo a garrafa fem^re cem maior bojo, ou convexidade que a lente, por ilTo os raios quebráo mais fortemente na garrafa , e i~e ajuntáo mais depreiTa, Sug. E heprcciío que a garrafa cíleja cheia de agua? Tgm. II. E Thí9d. 66 'Recreação Filofofica Tbeod, Se eftiver vafia , como a garrafa por dentro he concava, vem o Sol a paliar por duas lenres , de huma parte concavas , de ou- tra convexas; o que náo pôde fervir para ajuntar os raios , como vos confiará de outra lei : eilando porem a garrafa com agua, faz hum globo cryftailino , ou huma lente convexa por ambos os lados. Eug, E qual he a razáo , 1 iieodoíio , por- que eítes raios juntos hão de queimar, ainda que a agua efleja fria ? Tbeod. He ameíma do efpelho uftotio : cada raio do Sol aquenta, e caula calor: logo muitos raios juntos emhumponto, háo de caufar hum calor excelKvo , e por illo o pão íe queima ; porem i lío pertence a outra ma- téria; cu me lembrarei quando for tempo. \^amos agora ver como quebráo os raios nas lentes concavas. Sobre ifto he a s Quarta lei. E os raios do Sol cahirem nuyna Unte con- cava 5 "iião de quebrar ef^alhando-fe todos, Eft. 2. Aqui tendes nella Effampa a figura. (Jig. 5. fig. }. Fj}ar/ip. 2.) Se os raios do Sol bcd cahi- rem na lente concava A E , h?.o de apar- tar-fe todos. Primeiramente o do meio c vai direito Tem quebrar , porque cahe per- pendicularmente ; porém o raio b como quando chega ao vidro , toca-o obliqua- mente, ha de quebrar para n, pois dahi elfá o vi dl o mais peno, e alFim ajarta-fe pa- Tarde quinta, dj para fora : quando chega á outra faperficíe debaixo , também fahe obliquamence , c ha de quebrar ; e iíTo ha de íer também do- brando lebre o , que depois de fahir do vidro fica mais chegado h íua fuperíicie i aííim torna a apartar-lc para fora. £«!;. Do outro raio íí he a mefma razão. Tbeod. Dizeis muito bem: por onde haveis Jol , ainda o vereis por al- guns: poriíio fendo os vcos poucos 5 ainda íicáo hum tanto diáfanos. Supponde agora que fe ajuntáo huma , ou duas dúzias del- les , já entáo he crivei que náo hajáo bu- raquinhos defcmbaraçados para paliar a luz de parte a parte i de forte que aos poros do Tarde quinta, 8i áo primeiro véo háo de correfponJer os fios dos outros , que rem por detrás , e allim náo ficáo os poros poitos por ordem, nem os véos diáfanos. Eug. Efta experiência prova claramente o que dizeis , e no pRpcl ie vè o meirro : huma folha de p.Tpel fó he tranfparente ; porém huma relma , ou hum caderno he opaco , nem deixa paíTar a luz. Theod. D*aqui fe lira a razáo , porque quaíi todos os corpos 5 íe os dividirmos em fo- lhas mui delgadas , ficáo diáfanos ^ ainda que antes de os dividirem toiTcm opacos: V. g. as aparas j que os carpinteiros tirão das taboas quando as aplaináo, sáo diáfa- nas, e o pao todos fabem que he opaco: a razáo he ; porque como eflas aparas, ou folhas sáo mui delgadas, alguns poros háo de ficar dcfcmbaraçados ; o que náo fucce- de nas taboas mui groiTas , porque encão íemipre háo de ficar os |?óros pela maior par- te tapados com algumas partes iolidas , que mais aqui, mais alli não deixem car- reira direita nos poros ^ defde huma fuper- ficie até á outra. £«;. Entendo eílas matérias com grande fa- cilidade : mas dizci-me, Theodofio , efle vidro do meu relógio , que era mui iranf- parente , agora eítá baftantemence opaco , de que procedeo iito ? Silv, He que lhe entortarão os poros : to- mara faber quem lhe toi lá torcer os po- ros em ordem a perder a diafancidade. Tom. II. F Tbeod. 2^ Recreação Filofofica. Theod. Oradizei-me, meu Doutor , vós não vedes que efte vidro eltà roíTado ? Náo vedes que a lua fuperficie eftá mais afpe- ra ? Logo mudáiáo-fe algumas partes do feu lugar ; fó aílim fe podia mudar a fu- perficie : pois le com a rolTadura íe mu- darão algumas partes do feu iugdr , que difHculdade ha em crer , que ficzráo tapan- do os poros , que ames dilTo eftaváo àt^f^ embaraçados ? Ifto meím.o íuccede vifivei- menre com a poeira ; porque a poeira pe- gada á fuperficie do vidro tapa muitos po- ros , que eftaváo deíembaraçados para po- der a luz paliar por eiles. Silv. Ainda tenho outra difFiculdade. Con- forme a elTas doutrinas ^ aquellas coufas , que foliem mais leves, haviâo de fer mais diáfanas , porque tem mais poros , ou maiores ; e iiio he contra a experiência , pois vemos que a madeira , fenJomais le- ve que o vidro 3 he opaca, e o vidro diá- fano. Tbíod. DelTe golpe me defende hum efcu- óo , que vós tendes por impenetrável: Ariítoteles, em cujas palavras, e doutri- nas dizem os Peripateticos que jurão , já íe propoz a fi efta diííiculdade , quando tratou dtríte ponto ; a lua refpofta , e a fua razão bem moflráo quanto com as íuas doutrinas fe conformáo os Modernos. Síhj Pois que refponde Ariftoteles a eíla diiTiculdade? Tbeod, Tarde quinta. 83 Theod. O que eu agora refpondo (i). Set hum corpo diáfano náo eltá íómente em ter poros , como já dilTe , eftà em os ter direicos, e poftos por linhas redlas ; por tanto ainda que o vidro tenha menos po- ros do que a cortiça v. g. tem-nos com tudo mais direitos, e enfiados, e na cor- tiça eftáo todos perturbados; de forte que ainda que a luz entre pelos poros , que eftáo na liiperficie, dá logo em partes ío- lidas, e náo palia para diante. Tendes vós outra difíiculdade ? Síh. Tenho. Se he verdade o que dizeis ^ náo pôde a agua de hum rio fer diáfana^ e tranfparente ; porque como toda vai cor- rendo 5 he impoííivel que fe confervem fempre direitas elTas feries , ou linhas de poros. Tbeod. Se diante dos olhos tiverdes dous véos em fí diáfanos, e tranfparenres , náo haveis de ver o Sol , ainda que fe mováo efíes véos, ora ambos , ora ló hum ? náo vereis ainda o Sol por elles ? Sílv, Ainda hei de ver o Sol como antes. Tbeod. R com tudo he certo que vós náo haveis de ver o Sol , fenáo pelos buraqui- nhos dos vcos , que correfpondem entre fi ; F ii e ( I ) Problemat. Cect. ir. Problem. 6í. J-Ltc eadem cnuía efl , cur etiarn per vitmm , quoJ den^ Jijfimuni ejl y tran/picere liceat ; per fíruhm ^ quéu rara , (olntaaue eP„ , n^n liceat t in altero , eiúm meatiis refpondent Inter je ^ in altero vai iant , nec éjuid^juam juvat amplos elJe meatus , ni/i re^è ad lineam pojili /int. 84 Recreação FiJofofica e movendc-le hum fó vco , miiiras vezes ha de iucceder que os buraojuinhov , que antes eítaváo corrclj-ondenici» ^ le defen- contrem , e nada dilTo embaraça o palia- rem os raios do Sol para ob vclíos olht)s; peque 5 que imporia que a li'z do Sol, depois de entrar por hum buraquinho Jo primeiro véo , náo ache detron e o bura- quinho do Tegundo vco, por onde aré alli paliava , fe em feu lui^ar acha já oníro , e dahi a nada outro? Come) o Ic^undo vco fe move, e em íl tem muitos poros, itm- pre alguns hão de licar dctron'e ^ os poros do primeiro, ora huns , ora outros, com que lempre a luz do Sol tem caminho íSí^^' embaraçado para palTar. O mclmo di§o da agua: quando le move, forçolamtnte fe háo demover também o^ poros ; porém iemprc aos poros, que eftáo na luperhcie de fima , háo de correfj^onder alguns da agua inferior: náo lerão os meimo' , que eráo, quando a agua eilava parada \ po- rem lerão outros , por onde a luz palTe do mefmo modo, e dahi a nada outros, por ilío meimo que a agua lempre vaicoiren- do , e del^le modo íempre a luz tem por onde paílar. Eug. Fu acho que efta rcfpofta náo tem in'dancia. SiH. Ainda aílím , fempre háo de ficar os poros mais perturbados , do que le a agua eíliveíTe parada. Tbcod. Xáo o duvido i e dahi pode fer que ie Tarde quinta. 85: fe tire a razão de náo eílar a agua tão clara quanJo fe move. Eug. O mdino íe obierva nos rios ; por- cjue os que correm mais lentamente , são os que deixáo ver melhor as pedrinhas ^ e arèj , que elHo no fundo. Tbtod, Também conduz muiro para ilTo não ler a a^ua mui alra ; porque iendo muita a altura da a^ua , he mais difficultoio haver feues de poros livres , e deiembaraçadas dclde a fiiperficie até ao fundo i como tam- bém luccede o m.elmo no vidro, quando he nnniamente groilo , porque nelle cafo hão de ícr menos as ienes de poros detemba»- raçadis de huma parte á outra. Edaqui íe tira também a razão , pc^rque quando o rio vai com muica terra ^ íica a agua turva, e pouco traníparente , e não he lenáo por- que as partes miudillimas de terra , que ef- tão miUuraJas com as da agua, tapo, e embaração as feries de poros , que eí-fcavão livres 5 e deiembaraçadas ; de lorte que a mefma ferie de poros ^ que antes hia direi- ta de fima até baixo , mettendo-fe-lhe no meio huma particuia de terra , já fica cor- tada , e o caminho embaraçado para a luz. Sih, Agora pergunto eu : E a luz náo pô- de torcer o caminho? Tbeod. Sim pode ; porém fica muito mais fraca 5 porque fe debilita o movimento da matéria. Sih. Tenles diro muiro bem ; mas com a inlslicidade , que náo pôde efTa doutrina con- 86 Recreação Filofofica concordar com a experiência. PoreíTe vof- fo dl leu rio , a luz náo palía fenão pelos poros do vidro: ora hum vidro ^ pofto que lenlia muitos poros , náo he codo póios ; e nós quando por num vidro olh.imos para o Sol , vemos o vidro ráo penetrado da luz, que nelle náo podemos moftrar parte alguma, onde náo haja luz. Além de que, ie a luz náo palía pelas parces loiidas do vidro , ie nós rccebeiTemos em hum papel a luz, que palia por hum vidro cryftallino , havíamos dever no papel algumas Tombras chufadas pelas partes iolidas do vidro , aílim como vemos que as jelozias fazem fombra no cháo , quando por ellas entra o Sol. Eug. Na verdade, Theodofio, que efte ar- gumento de Silvio me parece convincente. Tbsod. Eu tarei por lhe dar refporta. Dizei- me , Silvio : Se lançardes num copo de agua a quarta parte de vinho tinro , náo fica toda a agua vermelha , e da cor do vinho 1 Síiv. Náo ha dúvida. Thsoà. E com tudo he certo, que as partí- culas de agua náo mudáo de cor , ficáo íim táo divididas , e ráo miíturadas com as de vinho, que a vifta mais perfpicaz náo pode diftinguir humas das outras ; aííim aquelle todo parece inteiramente vermelho. Eug, E quem nos diz a nós , que as partí- culas de agua náo mudarão de cor, e to- mà;áo a do vinho ? Thcod, Tarde quinta. 87 Tbeod. A experiência , porque ainda depois de miílurada por muito tempo , fe pode feparar a agua do vinho , ficando ambos os licores com a Tua cor coftumada i e náo he crivei que elieja a a^ua mudando de cor a cada palío 5 le a etti verem mif- turando ^ e íeparando frequeniemente do vinho. Sth, Encaminhai agora eíTe exemplo ao noiTo ponco. Theod. Alíim como a agua verdadeiramente náo he vermelha , e com tudo fendo aqui muito mais que o vinho , náo íe pode perceber com a vilta, por fe ter dividido em particuias mui miúdas , as quaes fe miiluráráo com o vinho ; aflim também as partes folidas do vidro verdadeiramente náo eftáo cheias de luz ; mas sáo táo miú- das, e eiUo mifturadas com os poros táo frequentemente , que a vifta as náo pode perceber, quando por hum vidro olha para o Sol. E por elia mefma razáo as partes íolidas do vidro náo fazem íombra ienfi- vel num papel , como fazem humas gra- des 5 por quanto fim fazem muitas íom- brazinhas , mas sáo táo miúdas 5 que a vifta náo pôde perceber cada huma em particular; pela mefma razáo que náo po- de perceber as particuias de agua no calo que referi. Sih, Mas ao menos devem-íe perceber eíTas íombras confufamente , aííim como na cor vermelha fe percebe a agua confufamente 5 pois 8(5 Recreação Filofofíca pois n^jnca fica o vinho acuado com açor táo viva, como íe íolTe puro. Tbcod. Náo ha dúvida qiie alíim íuccede tam- bém no vidro : quem ha de negar que hum papel potlo ao Sol immediatamenie fica mais claro , do que le encre o Sol , e o papel rrec^ermos hum vidro ? Pois elTa me- nor cl.iridade náo he outra coufa mais que as lombras , que fazem as partes íolidas do vidro viftas confufamtnce ; allim como a debilidade da cor vermelha dilTelies vós , que eráo as particulas de agua viftas con- fufamence. Confirma-fc ifto ; porque íe em hum papel puzerdes muitos pontinhos miúdos de tinta , náo poderá a viíla em íilguma diftancia ver cada pontinho em particular, mas verá o papel mais cfcuro, do que fe eftivclTe limpo : o melmo digo das íombrazinhas , que fazem as partes Ío- lidas do vidro ; advertindo que sáo incri- velmente mais pequenas , que o minimo pontinho que icpóJc finalar cem a penna. Silv. Eílá mui bem dito; mas ainda tenho outra difficuldade. Eu vejo que quando o Sol entra por huma janella , íe lhe corre- mos huma cortina branca^ e lavada, fica 3 cala mais clira do que eftava ; e ifto náo pode fer , fe a luz fó entra pelos po- ros , porque cntáo tem menos por onde paíT.ir, do que anucs rinha. Theod. Também eu já reparei nilTo , e me fez diíticuldâ.le , aré que adverti que a cor- lina fuz eípalhar a luz^ que hia direita a hum Tarde quinta. S9 hum lugar determinado ; por ilTo fe repa- rardes , aquelle ficio , onde eftava o Sol an- tes de Te correr a cortina, fica muiro m^íis eícuro, e a luz que alii falra , elpalbou a cortina por todo o outro campo. líto luc- ccde 5 porque a luz entrando pelos bura- quinhos da cortina, dá nos léus tios bran- cos 5 e reBecle de algum modo para as ilhargas , por ilTo fe elpalháo os raios. Sihj. Õra íeja como quizerdes, agrada-vos a vós , Eugénio , efta íentença ? Bug» Eu teniio entendido, e ellou farisfei- ro 5 e já faço conceito do que he corpo diáfano , como também do corpo opaco '-, mas quero íaber a Íentença dos >s'e\v tonia- nos. Theod. Os Newtoníanos fallando da diafanci- d^de dizem , que lerem os corpos tranf-' parentes de nenhum modo procede dos po- ros, mas fomente de que náo haja entre as partículas do corpo matéria dediverfa vir- tude refringente. Já eu vos diííe , que nem todos os corpos quebráo a luz com força igual : fuppofto ifto, quando entre as particulas de hum corpo ha maieria, que quebra a luz mais, ou menos do que eííe corpo 5 ficará opaco. Os fundamentos sáo - as leguíntes experiências. Qualquer liqui- do, por tranfparente que feja , fcfacudin- do-o formar efpuma , fica opaco 5 porque já entre as particulas do liquido fe mette ar, que náo tem tanta força de quebrar a luz, como o liquido. E por ilío as nuvens for- po Recreação Filofofica formadas de ar , e agua, ambos diáfanos, sáo opacas. Mais: o azeite, e agua, ícn- do ambos diahinos , mifturando-fe bem , íi- cáo opacos 5 porque rem diverfa virtude rctrin^ence. Hum vidro que raxou , já fica opaco na raxa , nem le vem os objedlos de ilharga através da raxa ; porque fendo CS dous pedaços diáfanos , no meio le in- troduzio alguma porção de ar , que tem diverfalorça de quebrar a luz. Ainda mais. O vidro mais traniparente que houver , moí- do em pó , fica opaco , porque entre as íuas partículas fica muito ar, que he ma- téria elbanha dedivcrfa força refringente : ora a razão difto he ; porque ainda que ambos os corpos fejáo tranlparentes 5 fe náo tem a melma denfidade , ou a mefma virtude de quebrar a luz , napaiíagem de hum para o outro quebrará a luz ora mais, ora menos ; e ifto tantas vezes , quantas palia do vidro para o ar , e do ar para o vidro; e como quando eftá feito em pó, a luz a querer atravelíallo ha de paliar innu- meraveis vezes de hum grãozinho de vi- dro para ar inrermedio , edahí para outro grãozinho , eftas innumeraveis refracçóes da luz a enfraquecem de modo , que le extingue, e náo paiía, ou palia mui de- bilitada. Siln), Eile difcurfo nos vollos Princípios he naturaliiiimo , o bem fundado. Tbeod. Confirma-fe com outras experiências ; porque ailim como havendo eiladiveríidade de Tarde quinta. çi de matéria ha opacidade, aíítm tambcm , enchendo os póios , ou efpaços intermé- dios de maceria íemelhanie na virtude le- fi ingente , temos dh^raneidade. O papel com óleo , ou com agua fica mais diata- no , porque qualquer deftes liquidos tem mais femelhança na virtude refringente com as partes lolidas do papel , ào que tem o ar 5 que por entre os feus poros eíiarámet- tido. Demais. Ponhamos muitos vidros juntos bem tranfparentes , e polidos, que façáo todos a groiTura de duas pollegadas , íera opaco todo elle a^gregado : ponhamos agora hum vidro polido de toda efta grof- fura , fera muito mais diáfano; e aqui náo ha mais nada, fenáo eftarem os raios , que havia entre vidro e vidro, totalmente oc- cupados damefma matéria. Porém eíla ex- periência que direi agora ainda convence mais. Ajuíèemos três vidros, deque le fa- zem osefpelhos, e poíla arèa entre iiuns, e outros, os roilemos de forte que fiquem afperos , com erta diligencia ficaráó opa- cos , de maneira que pnftos todos três jun- tos fobre huma carta fe náo vcráo as le- tras. Quereis agora tornallos diáfanos ? ve- de fc podeis fazer que nos váos que ha neceflariamente entre huns , e outros , haja matéria mais femelriantc ao vidro do que he o ar, na virtude de quebrar a luz. Bug, E como havemos nós de fazer ilTo ? Tbeod. Untai as fuperficies interiores , e af- peras com óleo de Tormentina, eapplicai-as aí- 92 Recreação Filofofíca aílim cnrre fi , íicdraõ os vidrí^s muito mais dutanos. Com outro qualquer oleu , ou aindi comai^ua, te faz a txpeneiicia , pof- lo que menos perkMta. Outra experiência vi eu fazer lia poucos dias, que me encheo de admiração: num copo lançarão azeite ordinário , que lie baílantemcnce tranfparen- te , e lançarão dentro hum pedaço de Tri;/- cal (a que os Latin s chamáo Bórax , oU Cbrypcolla^ o qual he hum mineral tranf- parence , mas tão irregular que através delle nenhuma figura fe podia ver peU grande irregularidade de figura , e afpcre- za de fuperricie ; porem lançado o Trincai dentro do azeite , ficava como invifivtl, e viáo-fe os objectos através do Trincai , c azeite, como fe loíTe ló o azeite : e a razão difto hc , porque numa , e noutra coufa ha a mefma virtude rerringente. E nella fenrença cxplica-fe bellillimamenre como em tedos os corpos as partículas mí- nimas viftas ao microícopio sáo tranlpa- rentes ; não porque ahi lendo mui curtas as feries dos poros poderá haver muitos defembaraçâdos , mas porque náo ha em táo pequeno efpaço mareria eílranha de diverfa virtude reíringenre. Eug. E que me dizeis deiTa opinião? Tbsod. Táo fortalecida eílá ella com experí- , encias, e tão claras, que não 3 polTo re- jeitar; antes alTento que rodos os Moder- nos, ainda os da outra Sentença , devem allentar firmemente , que todas as vezes que Tarde quinta. 93 que no corpo houver marerias ò\vçr{^s y na refracçáo que tazem aos raios da luz, ncceíTariamenie o corpo ha de ier opaco pela infinidade de refracçóes 5 e inflexões que padece a luz, em quanto vai trafpaf- fando o corpo. Nem íómente pela reíla Jirpofíçáo de poros fe pôde reíponder a todas ^i\2i5 experiências , como tambcm fe lhe náo pode refponder na opinião de Silvio i porém efte ponto lá o meditem de vagar os que o quizerem averiguar, que hoje afsás vos tenho eníadado com eftas converlaçóes : vamos ás noticias da Cor- re, que vos feráo mais agradáveis. Sihú. Nem a Eugénio , nem a mim o fe- ráo, porque o volTo difcurío ncítas maté- rias nos recreia '■, porém fe a matéria de hoje cílá acabada 5 dai-me licença , que me he preciío o retirar- me. E quizera de- ver-vos a mercê de hum dia me honrar- des a caía , que ainda Eugénio me náo fez efta mercê. Eug, A.' manha o faremos com muito gof- to. SiH, ]á fico com eíTe alvoroço : lá vos ef- pero. TAR- 94 Recreação Filofofica TARDE VI. Trata-fe das cores , e tnnibem das refle* xÕes , e refracçoes dos raios corados. §• I- ExpUca-fg em que confíJ}em a: cores em commum, Silnj, ^ Ejais bem vinJos , Thcodofio, c ^^ Eugénio ; já o deíejo que tinha ^~^ da voíTa compinhia me fazia pa- recer as horas b.iílanrcmente vagaroía?. Eug. Ha mais tempo teriamos vindo a náo eftar hoje o tempo ráo calmofo. Sih. Nem eu defejava que por meu ref- peito ti vedeis , além doincommodo do ca- minho, também o de íupportar o calor do Sol. Scntemo-nos em quanio o Sol nos embaraça ir para o jardim. Tbeod. Ainda náo sáo horas de haver nellc viração hefca , que nos recree. Sil'v. Eia pois 5 Eugénio , aqui eftá o theano das noíTas contendas por eíla t;írde. Propon- de vós, Tlieodoíio , a matéria dadiíputa. Theod, Hoje tinh3mos determinado tratar das cores y explicar o que fcjáo , e allinar as fuás propried.ules. Eug, Primeiramente me he precifo faber o que Tarde fexta. 95* que dizem os Peripateticos acerca das co- res. Silnj. Nós dizemos 5 que as cores são humas qualidades realmente difíinâ-as de tudo o que he matéria , as quaes poftas nos corpos , os fazem corados: advirto, que corpo co- rado fe chama todo o corpo , que tem al- guma cor, ou branca , ou verde , ou ama- rella , &c. ainda que vulgarmente fó cha- máo corados aos corpos vermelhos. JE.ug, Fizeftes bem em me advertir deíTa equivocaçáo que podia ter. Dizei-me ago- ra, Theodofio , a opinião dos Modernos. Tbeod. Todos aíTentáo que as cores náo sáo outra coufa fenáo luz modificada na íuper- ficie dos corpos, mas por diveríos medos. Para me entenderdes, haveis de reparar nu- ma coufa bem fabida , e he , que huma pélla quando cahe no chão , falta , e reflede ; po- rem nem fempre do meímo modo : le o pavimento efl;á direito , e lizo , rer]e(fi:e or- denadamente 3 fazendo os tempos cerros i porem [e eíik cheio de altos, e covas , re- í\e^e ora para aqui , ora para alli , con- forme a inclinação do pavimento. Damel- ma forre fuccede na luz : ella he fubílancia, e corpo , como já vimos; vem movida, e agitada pelo Sol ; dá na fuperficie dos còt- pos , e conforme he afiiperficie, aííim re- flecte; enosdiverfos modos, com que re- fle â:e , toma diverfas cores: de forte , que a mefma luz dando em hum corpo , e re- fledindo de hum certo modo , fica lendo cor 96 Recreação Tilofojica cor azul; fe refle£lir de ourro modo, fe- ra cor roxa v. §. Scc. eis-aqui o que di- zem os que não são Newtonianos. Eug. E com que experiências o prováo ? Tbíod, Nefte ponto náo faháo. Prinxiiarren^ te quero-vos moftrar , que os raios da luz , por fe rnndif.carem de hum Viodo , ou de outro , fazem ora hurna cor , ora outra. Ha humas len- tes de vidro de varias cores , humas ver- des , outras azues , outras encarnadas , aqui as tendes 5 que de proposto as trouxe co- migo na algibeira. Se puzerdes humas t^tí' tas lentes ao Sol , claramente veieis como os raios 5 que pafsáo porella, fahem timos da cor que tinha o vidro ; de lorre, que os meimos raios de luz paliando pelo vi- dro verde mod:ficáo-re de tal forte , que fahem com a cor verde 3 e tudo cm que dáo 5 tingem àc'^?. cor; fe puzermos o vi- dro encarnado, já os raios , | orque tomáo no vidro oucra modificação , fe veftem (deix3Í-mo ailim dizer) de encarnado ; e IcnJo aííim, náo podeis negar que a mef- ma luz fó por tomar varias modificações faz varias cores. Aqui tendes as lentes , fechemos as janellas , e ponh.imo-las aos raios do Sol , que entrarem por algum buraquinho. Bug. Aáo ha dúvida : a minha mão parece verde 5 fó porque lhe dão os raios do Sol , que paisáo pelo vidro verde. Silv. IiTo íerá porque as cores já cíláo nos vidros. Tbeoi, Tarde fexta, 97 tJjsod. Eílejão , ou náo eílejáo , fempre pro- vo o que quero: que os raios de luz , por. fe modificarem de vários modos , fazem diverías cores. .Porém ainda ha outra expe- riência mais convincente. Dai-me cá, Sil- vio , aquelle vidro, que eu vos mandei efta manha pelo meu criado : os Filcíotos chamác-lhe prifma , ou trigono. Silnj» Aqui o rendes. Tbeod. Vedes, Eugénio, efte vidro ? ÇJig, Eíl, «. 4. EJlam^. 2.) He branco, e traníparente ng. 4. como vedes: reparai agora: poílo aoSoi, fahem delle os raios do Sol tintos com di- verías cores, huns de cor vermelha, ou- tros de cor amareila, outros verdes, ou- tros azues , outros com outras cores. Eu vos faço a experiência : não neceílica de mais preparos , cue pôr o vidro aos raios do Sol 5 que enrráo por aquella janella : ferremo-la hum pouco : baíla que entre hum raio eltreito do Sol. Reparai para aquella parede fronteira. Que vedes? Eug. Náo ha coufi mais agradável ! Vejo humas cores lindiííimas , e viviílimas efpa- Ihadas pela parede: tirai o vidro do Sol .. • Eis-ahi defapparecem. Tbsod. Pois agora náo fe pôde negar, que elias cores procedem dos raios de luz mo- dificados naquelle vidro : nem podeis di- zer , que as cores cíHo no vidro , pois vedes que as cores são mui difierentes; e além diiTo o vidro he rodo branco. Alguns ka que são hum tanto verdes ^ mas fazem o Tom, II. G mef- 9 3 Recreação Vilofofica mefmo effeiro ; e em minha cafa o farei com huma caixa criangular de vidro cheia de agua. Sil'o. L qu.indo náo ha vidros , que dem eiTas modiíicaçóes aos raios de luz, quem havemos de dizer que faz as cores ? Tbeod. Eu o vou a dizer; porem já temos o primeiro principio deíle ívltcma ; iílo he , que or rains da luz tendo -^jarias modi- ficaçÕss 5 t:m di^-jerfas cores. \''amos adian- te > e demos outro paíTo. Dizem pois crtes ^Iodemos , que as fupsrjicies dos corpos y fem outra couja algunii , dao aos raios da luz eflas dÍDerfas modificações , com que ficao corados. Eug. Eternos experiências, que o provem ? Tbeod. Fáceis, e claras. Se vós lá fora da ja- nella na parede fronteira mandardes eften- der hum panno verde , ou vermelho , de for- te que lhe dè o Sol , vereis como a luz , que entra pela janella den:ro , he averme- lhada, ou quafi verde 5 conforme açor do panno, onde dá o Sol: o meimo luccede pondo pannos de outras cores. Ora eis-aqui vedes como os raios do Sol, que dáo no panno vermelho , refleodo , e vereis que as cores durão annos. Se o Sol fe náo mover de hum lugar , nem as pingas de agua , vereis que as cores deíla elpecie de arco íris durão muitos annos. Sil"j. Ainda aílim , íempre tem grande diffe- rença humas cores, que logo pafsáo, ou humas } que dufáo largos tempos. ic6 Recreação Filojofíca Tbeod. Alguma differença tem ; porem ífTo não faz c]ue náo íejáo verdadeiras cores. Também o fogo da pólvora dura muiro me- nos rcmpo , que o de huma fogueira , c com tudo náo haveis denegar , que he verdadei- ro fogo. O eftrondo de hum tiro, que lo- go le acabou , deixou por ventura de fer verdadeiro eftrondo, porque íe acabou de- prcíía, e náo durou muitas horas? A dor que logo palia , deixa de fer verdadeira dor , aiHra como o he a que dura muiro tempo? A luz do relâmpago , que logo íe acaba, deixa de fer verdadeira luz, por- que dura pouco tempo ? Parece-me que náo haveis de dizer lemelhante coufa ; pois entáo náo podeis dizer , que as cores do íris, ou outras femeihantes, náo sáo cores verdadeiras, porque logo paisão : donde in- firo , que fe eftas confiftem na luz modifi- cada, niílo háo de confiftir todas as cores ; porque náo ha mais razáo para humas , do que para as outras. Alem de que , em muitas cores , que permanecem , como sáo as das flores de borragens, e outras, fe vê claramente que procedem da luz. Eug. Pois hum veftido de noite náo tinha cor ? Tbend. Muita gente fe embaraça com eíTa dif- ficuldade. Olhai , Eugénio : para a cor con- correm duas couías , huma he a luz , outra he a fuperficie dos corpos , donde ha de re- fieclir a luz : d Iwz. , que rcfleSts com deter- minada modijicaçâo ^ chamamos cor formal \ à Tarde fexta, 107 Juperficie , quede/í he capa-x. de dar a lux, ej^a modificação , chamamos cor 'virtual 3 ou radi' cal : luppoito ifto^ digo, que hum veílido de noi[e tem a cor virmal , ou radical, por- que fempre tem a íuperiicie diípofta de tal lorte 3 que dando-lhe os raios da iuz , os ha de fazer refleftir de modo, que íaçáo cor verde v. ^. porem náo tem cor verde for- mal ; porque cor verde formal he illo que nos enrra pelos olhos , ou para dizer me- lhor , que nos faz ver os objectos, e fem luz abíolutamente ninguém vio, nem pô- de ver cor em coula alguma, Silv. Nâo levem 3 porque os olhos íem luz náo podem ver; poicm as cores fempre lá eítáo nosobjedlos, ainda que náo haja luz. Thsod. Façamos huma experiência ; Aqui eftais neíia fala , qiie eíta bem clara : ellas cafas , que fe feguem porahi adiante, to- das eltáo ás efcuras ; porque como de tar- de lhe entra o Sol pelas janellas , íupponho que de propofito as mandaftes fechar ; as portas eftáo abertas de par em par '■, náo me direis , Silvio , de que cor sáo as ca- deiras , e armações de todas ellas lalas? Vós dillo^heis , porque fabeis mui bem os traftcs , que tendes em cafa '■, mas Eugé- nio , que vè muito bem, não dillinguirá cá de tora cor alguma por elTas lalas adi- ante , que eftáo ás efcuras ; e mais os ieus olhos, eosvolTos eftáo bem cheios de luz , e claridade: aqui já náo podeis dizer, que os olhos náo vem por falta de luz , pois tem ic8 Recreação Filofqfica tem luz baftante, c vem muito bem tudo o que fe paíTa cá tora : além difto a por- ta eftà aberta , e o caminho defembaraça- do para verdes as cores , que lá houver dentro. Logo fe náo vedes cores algumas, he hnal que nas lalas ás efcuras verdadei- ramente náo ha cores tormaes , e por ilTo as náo vedes. Siln). IlTo aílim fera ; mas as doutrinas , com que os nolTos Antigos nos creáráo , náo me deixáo alTentir a huma opinião láo nova, pol-to que reconheça eftar erpecioiamente fundada. Sc tendes mais que dizer fobre eíie ponto 5 vamos cá para o jardim, que já o Sol nos náo ha de molefíar. Theod, \'amos , Eugénio ^ e vereis hum jardim o mais lindo , c bem concertado, que ha por eftes fitios. §• n. ExplicifO'Jc rt-f cores em particular , efpscialnjeH' te a cor branca , e preta, Eug. "VT Ao ha coufa mais viftofa , e agra- is davcl ; aqui a arte parece que an- dou apoíbda com a natureza , a qual ha- via de fazer cftc fino mais dcliciofo : a natureza na producçáo de tantas , e táo lindas flores ; a arte na bella dilpoíiçáo, com que as foube matizar. Sih, Náo tendes que admirar , Eugénio , ahi Tarde fexta» 109 ahi não ha artificio, nem o podia haver; todas eíTas cores táo lindas, e cáo diverlas, que vos parece eítáo neíTjs flores , tudo iiTo náo he mais que os raios da luz modiiica- dos de hum modo, ou de outro ; amanhã em nafcendo o Sol poderão modificar-le de outro modo os raios de luz , haverá ou- tras cores differentes ; allim he inutii to- do o traLalho do jardineiro. Eug. Vós 5 Silvio 5 zombais defte fyilema de Theodofio. Theod. Ide ouvindo , e depois me direis o juizo que lormais. Como já tratámos dai cores em commum, jufto he que traremos de algumas em particular. Primeiramente nefte íyftema a cor branca daquelles jalming, c daquellas angélicas confilte em que da íu- perficie relliíí^a muita luz delordenadamen- te : a luz, Eugénio, refle(íle ordenadamen- te , quando os íeus raios reilcdem com or- dem , Tem fe perturbarem , como íuccede no efpelho ; porem quando os raios reRe- £lem perturbadamente 5 e lem ordem, in- do cada hum por leu rumo difFerente, por caufa de fer a íuperficie mui eicabrofa, então dizemos , que redeclera deíordena- damente. Eug. Já entendo , dizeis agora , que para bavsr cor branca be precifo que da fupsrficig do corpo rsfiicia muita luz defordenadamsii' te, e como provais iiTo ? Tbeod. Xós vemos que huma cafa caiada fi- ca muito mais clara do que antes, ainda que TIO Recreação FiJofofíca que pela janclU entre a mefma luz: logo he final que a luz agora retieíle mais das paredes 5 e por iífo tica a cifa mais clara. Por erta melma razão , fe defronte de hu- ma janella mandardes eítender hum panno branco , dando-lhe o 5ol , vereis a cafa mui- to miis clara , do que íe cm lugar do panno branco mandaíTeis eílender outro de qualquer outra cor. Eug. Já lei que a cor branca confifte em muita luz reflexa; mas ainda náo me dil- íeftcs a razáo , porque efta luz para fazer cor branca havia de refle£lir defordenada- mente. Tbeod. Se a luz refleclir ordenadamente , não faz cor alguma ; porque como os raios coníerváo a melma difpoíiçáo , que tra- ziáo antes de refledir, hão de reprefentar aos olhos o meímo , que enráo reprefen- taváo 5 que he o Sol , ou a chamma do fogo donde ao principio fahiráo ; e por ilTo no cf- pelho náo vemos cor alguma própria , por- que refledem os raios di melma íorrc que foráo para elle : logo para haver cor branca 5 he prccifo que haja reflexão def- ordenada. Eug. E que difpofição ha de ter a fuperíi- cíe de qualquer corpo para delia reíie£lir muita luz defordenadamcnre ? Tbeod. Dizem, que ha de fer afpera , éter humas como meias bolas levantadas para íi- ma -y porque , como )á vos moflrei , os raios da luz dando nos corpos esféricos, re- 7arde fexta. Til refleiílem , cfpalhando-re para toda a parte : logo íehum corpo tiver na fuperácie mui- tas deitas bolinhas, ou esferaszinhas , os raios da luz d ndo nellas háo de reíieclir todos, efpalhando-fe para toda a parte, e deíle modo refie<íiirá da luperficie do cor- po muita luz desordenadamente. Siln). Por elTe difcurfo , Theodofio , ficais obrigado a conceder , que náo ha corpo al- gum branco , que feja lizo ; porque tendo eíTas bolinhas na luperficicjnáo pôde Ter lizo. Tbeod. Meu Doutor, as bolinhas , donde ha de refleftir a luz , sáo proporcionadas ás partes , de que conftáo os raios da luz ; eftas bem fabeisquesáo fubtiliílimas 5 mais do que podeis imaginar , porque palsáo pelos poros do corpo mais folido ; logo as esf^eraszinhas , que digo ha de haver na íuperficte de todo o corpo branco , tam- bém háo de fer iubtiliilimas ; e por ilTo náo embaraçáo que leja fenfivelmentc lizo o corpo , que tiver eftas estcraszinhas. Huma feda de cordão bem fe vê com os olhos, que tem na íuperíicie altos , e baixos, irregularidade cauíada pelo mefmo cordáo , de que he leciJa , e com tudo ienfivel- mente ao ta£lo he liza i porque os altos , e baixos, que ha na fuperficie , sáo mais fubcis que o tado ; o meimo digo à pro- porção no corpo branco. Eug. Já vejo que a razão não encontra o volTo iyftema ; vamos a ver fe â experi- ência o períuade. Tbeod. lia Recreação VUofofica Theoi. A prata cm pinha , ou barra , quan» ào fe parte 5 moitia hama alvura paimofa naqueiia parte, onde lenfivelmentc leve a fuperiicie alpera com os gráoszinhos ; pelo contrario naqueiia parte , onde chegou o terro, que a partioj como elii liza, fen- fivclmenie cHi muito mais efcura j o mef- mo obfervareis de qualquer outro modo , que brunirdes a praça , ou alizardcs a íua luperíicie, porque infallivelmenie fe dimi- nue muito a alvura : e bem fe vê , que quando a prata íe brune não fe lhe faz ou- tra coufa mais , que abater aquelles gráos- zinhos, ou parteszinhas , que eftavâo mais altas , e tazer que todas as partes da lu- perficie fiquem iguaes , e por linha recla. O mefmo fuccede no papel , e em qual- quer outro corpo branco , como v. g. no letim de feda ^ que he mais eícuro , que a outra feda , porque hc mais lizo. Eug. Xáo ha dúvida , que he experiência labida , que qualquer corpo , quando fe brune , fica menos claro. Tbeod. Ainda temos mais experiências : a ef- puma porque cuidais vós que he branca , ainda que o licor, de que fe forma, não feja mui branco ? Náo he fenáo porque confta de muitas bolinhas , que sáo pedaços de esfe- ras , que fazem a fuperficie do licor na forma, que eu dizia, haviáo de ter os cor- pos brancos ; e daqui vem que quanto mais miúdos sáo os olhos daefpuma, mais bran- ca he , como le ve na de fabáo , e na efj-U- ma da boca do cavallo. £ug. Tarde fexta^ 113 ^f,!^. EíTas experiências confirmão a vofTa doutrina com evidencia. Thíoà. Ainda ella i'e connrma mais 5 por ver que Te ajuita com e lie dilcurio tudo o que oblervámos nos corpos brancos : as coufas brancas naturalmente moleiláo a vifra ; por iíío dando St)l no papel , ou em alguma parede branca y náo podemos fem moriiíi- caçáo olhar para o papel , ou parede ; por- que como reflectem muita luz para os olhos 5 tem anofia v!Íl:a opprelsáo com tan- ta luz. Demais: dous corpos iguaes , v. g* dous pedaços de pedra , hum preto, outrcj branco, íe os puzerem ao Sol juntamen- te , mais ha de aquecer a pedra preta , do que a branca j e a razão he , portjue como apedra branca refle^fbe mais luz para fora , náo dá tanto lu£;ar a que os raios do Sol a aquentem como a preta , que admicte mais .a luz do Sol , e náo a lança tanto para tora ; em quacfquer ouíros corpos podeis fazer a experiência, Eomefmoruc- cede 3 Te com os vidros, que vulgarmente fe chamáo de queimar, quizerdes queimar hum papel branco j e outro preto; porque efte arde muito mais deprelTa do que o branco, e l>e pela meími razáo. ^ug. Por certo , que ainda tal experiência náo tinha feito : agora já vejo qual leria o principio que houve, para no veráo íe preterir a cor branca para os veftidos , e fupponiio que leria eiTa lazáo^ que diíTef- les i porque allim como a cor branca im- Tom. II. H pe« 114 Recreação Filofqfica peJe que huma pedra branca cobre tanro calor, como concebe a preta ^ aílimosvel- tidos brancos nos defenderão mais do ca- lor, e calma excerna , do que os de ourra cor. Mas vamos agora a ver em que con- fifte a cor preta neítc íyíterra. Tbeod. Como a cor preta he contraria da branca 3 ha de confiitir em pouca, ou ne- nhuma luz 5 que rcHiíí^a dos corpos. Por ilTo huma cova, onde náo entra luz ^ pare- ce preta , e tudo que eílà ás efcuras pa- rece preto. Hum elpclho ainda pofto ao Sol 5 villo de muitas partes 3 parece preto : a razão he , porque como todos os raios vão para huma parte determinada , nenhum vai para as outras partes, e por illo a quem lá eíiivcr ha de parecer preto. E geralmente tudo aquillo, donde reflecle pouca , ou ne- nhuma luz, parece preto j como também de tudo o que heprero, retlede pouca , ou nenhuma luz ; daqui vem que armando huma caía de pannos pretos , fica muito mais eícura , ainda que as janellas fiquem tão abertas como eftaváo , e não ha outra ra- zão mais, que a que tenho dito: fim en- tra pelas janellas a mefma luz i porém dan- do nos pannos pretos , não reHt£^e quaíi nada , e aílim fica a caía mais eicura. Eug, EiTh experiência bem vulgar he , e bem evidente ; mas que diípoíição ha de ter a fuperficie do corpo, quando refiedlir delle pouca , ou nenhuma luz ? Tkíod. O corpo preto dizem que ha de ter a íua ' Tarde fexta. li^ . Tua fuperficie cheia de cavidades , ou co- vas: a razão he , porque a luz dando nef^ tas covas , dentro delias retieC^e de huma parte para a outra, e ahi íe extingue i de iorte cjue muito pouca luz lahe para tora; allim como íucceue á péla quando cahe em alguma cova , que de huma parte reflede para a outra , e muitas vezes náo íahe para fora , e como eoíVumáo dizer 5 morre là dentro. Eug. Náo ha dúvida , que aíiim fuccede. Tfjeod. Pois o mefmo ha de íucceder aos raios àã luz 5 quando as luperíicies dos corpos cftiverem cheias de covas : daqui vem, que os buracos , que íicáo nas paredes , quando fe fazem algumas cafas ^ viítos de longe parecem negros , porque a luz en- trando por tiles, de hum lado reflecte para o outro 5 e náo fahe para fora ; e como não hhç para fora , não reilecie dahi luz para os olhos , e parecem-nos pretos. O meímo íuc= ceÒQ 5 e peia meíma razão , ás janelias abertas viftas de fora em grande diílancia : a razão he, porque ainda que a caía eile- ja mui ciara 5 a luz, que entra pelajanel- la , lá dentro reFlefte de torre , que pou- ca , ou nenhuma fdhe peia janelia para fora ; e aíiim como lá de dentro nos náo reflefte ÍUí para os nollos olhos , ha de parecer a ja- nella , e o interior da caia negro , e eícu- ro. Pelo contrario j de noite citando a ca- . ia aliumiada, como a luz íahe para fora, •■iiáo parecerá entáo a caia ne^ra , ainda H ii que Ii6 Recreação Filofofica que verdadciramenre efteja mais efcura^ do que eitá agora de dia. Eug. Todas eiTas experiências são bem no- tórias ) porém era ral a minha inadvertên- cia 3 que náo reparava no que merecia huma attenta obfcrvaçáo^ e curioía inda- gação da lua cauía. Siln}, Eu palmo de ver a facilidade , com que vós 3 Eugénio , dais credito a eftas doutrinas , como fe foiTem do Evangelho ; mas fe vos parece bem efte fyftema , le- gui-o, que vos náo quero mortificar com as minhas dúvidas. Eug. Náo ha dúvida que me ai;raJa muito: mas expiicai-me vós, Theodofio , as mais cores, a vermelha, verde, roxa, Scq. Tbeod. Nas demais cores náo fe pode dar doutrina clara nefte fyftema ; porque he cer- to que humas confiftem em maior , ou me- nor luz reflexa dos corpos , conforme a or- dem que digo, vermelha, amarella , ver- de, azul , e roxa ^ pois feguindo cfta mef- ma ordem , vemos que de cada vez reile- ^e menos luz dos corpos cubertos com pan- nos deltas cores ; mas também he cerro, que a maior, ou menor quantidade de luz rellexa não bafta para fazer cor vermelha, ou Verde. Alguns dizem , que depende ef- ta diverfidade do divcrlo movirrenro das partículas da luz quando reBeclem , humas vezes rodando fobre os feus centros , ou- tras vezes amiudando as vibrações , Scc. mas ludo iilo he adivinhar, ehoje |á nin- guém Tarde Jexta, 1 17 guem diz tal. Huma coufa porém me pare- ' ce cerca 5 e vem a ler, que a diveríidade que ha dentro de huma mefma cor ás ve- zes procede meramenre da diverlidaJe da fuperíicie 5 e miíl:urar-re mais, ou menos luz, como íuccede no damafco. Odanivif- co vermelho he mais claro nos ramos 5 do que no cháo lobre que elles allenráo , que he como íetim , porque a fuperficie do da- mafco nos ramos he mais afpera ; por illo dentro dos limites da cor vermelha Te che- ga mais para açor branca, e fica hum ver- melho mais claro: pelo contrario ofetim, ou o cháo do damalco , com.o tem a íu - períicie menos aípera , náo refled^e delíe tanta luz, como dos ramos, por iiTo tem cor vermelha mais efcura. O mefmo fe obierva em todas as mais cores de damaf- co, fempre os ramos sáo mais claros, iílo he pelo direito, que pelo avelTo da feda os ramos sáo mais lizos , e por iíTo mais cf- curos. Notai agora, íjilvio, tudo he teci- do do mefmo lio de leda , e da me ima cor; e com tudo iiTo vós bem vedes que bafta o diverlo modo, com que Te tece ^ para fazer efta diverfidade das cores. Silv. DelTa experiência , que aiiegaftes , fe forma hum terrível arg^umento contra vós. A*s vezes vè-fe o damafco de huma tal pof- tura , que fica o cháo , ou o fecim mais cla- ro que os ramoí. Ora vede agora aonde vai parar todo o volTo dilcurfo, dizendo que os ramos tem cor mais clara por terem a luper- ficie mais afpera. Tkeod, ii8 Recreação TiloTofica Tbeod. Hum efpellio poíto ao. Sol , já vos á'if- f e , que fazia relleíbir os raios Topara hum fitio determinado, de ibrte que le vos pu^ zerdes nclTe lugar, e olhardes para oelpe- Iho , vcllo-hcis táo claro , e relplandecente , que cega; e le vos pu?erJes em qualquer oucro lítio, parecer-vo£-ha oeípelho clcu- ro , e bem elcuro. A razão dillo vos dei hontem (pag. ^i.)- ^^^ y q^^ ^^^ ^ cfpe- Iho 5 taz todo ocorpolizo á proporção , e aííim faz o fetim à luz, que recebe da janella, refleftindo-a em maior copia para hum de- terminado fitio j quem Ic puzer neila pof- tura, verá oletim comhuma cor mui cia- ra; mas quem eftiver em ouira qualquer poftura 5 ha de receber menos raios , e por ilTo verá o fetim mais efcuro. Eis-aqui , meu Doutor, como lem haver mudança na fuperficie , pôde haver mudança na cor j fò porque mudando de poiiura , e fitio , re- cebo huma vez mais raios reliexos , outra vez menos. Efta he a razão da mudança da cor, quando o damafco cila immovel, e mais a luz > e íó nós nos mudamos ; po- rém fuccede ás vezes, que eftando nós immo- veis , e a luz, muda de cor o damafco, íó por mudar de poftura a refpcito da luz : . para o que he prccilo advertir, que o fe- tim he tecido de huma tal maneira , que cor- rendo-o com o dedo ao comprido da icda , he mui lizo j mas conendo-o com o dedo | através , lem fua alpereza : por eilia razão quando o damalco eílá de tal modo, que a Tarde fexta. iip a luz calie fobre o fetim ao comprido , re- flede mais ordenadamente, que quando dá no lecim atravelTado i eeita mudança baila para humas vezes ficar o fetim mais claro , que os ramos , outras mais efcuro , que elles : o que tudo confirma a feniença , que as cores eftâo no dl veio modo da refle- xão de luz. Eug, ]á que entrámos a fallar nas cores das fedas 5 náo medireis qual he a razão, por que o veludo 5 de qualquer cor que ícja , fempre tem a cor mais eícura ? Por exem- plo, o veludo preto bem vedes que he mais negro, que qualquer outra feda; o velu- do carmezim tem hum encarnado muito mais eícuro , que as mais ledas encarna- das 5 &c. ]á me lembrou fe iíTo iria da tinta , com que tingem os fios de feda an- tes de entrarem no tear ; mas iíTo já vejo que he falfo, porquanto no veludo lavra- do , que he todo tecido de feda de huma cor uniforme fem diíierença alguma , ha grande differença de cor no peiío cortado, no chão do veludo, e em alguns ramos, que tem com o pello dobrado ) de forte que onde eftá o pello dobrado , he a cor mais clara ; no chão he mais efcura ; po- rém no pello cortado ainda muito mais efcura. Vós haveis de faber a razão difio, Theod. A razão tira-fe do que fica dito; a luz, que dá no pello cortado do vtludo, não pôde dahi refleílir facilmente para fora por caufa das innumeraveis concavidades que 120 Recreação Filofofica que adia ; fó os raios , que derem be-m nis uhim.is pontinhas dos peUos , sáo os que podem refleílir, que por iiTo o velu- do tem cor, e leve; porém rodos os mais que cabem enrre os pellos, de huns reBe- ^em para os outros , de lorte que náo fa- hem para fora facilmenre. Eis-.Aqui porque roda açor no veludo he muiro mais eicura. Eug, Já entendo 5 e eftou farisfeito. Sili). Em quanto a iiTo que dizeis, de Ter huma cor mais efcura , ou mais clara por caufa da diverlldade das fuperhcics , algu- ma probabilidade tem o volío fyílemp, viilas as experiências ; mas o que para mim he toralmenre fora de toda a verollmeihan- ça 5 he o dizerdes , que a diverfidade da cor verde a reípeiro da encarnada v. g. também procede da diverfidade das fupcr- ficies : fe illo loííe verdade, pelo raílo íe conheceriáo as cores. "Iheoi. A divcrfidade que hi ms fuperíicies para caufar diverlas cores, he fó nas par- tes infenfiveis, que sáo asqnebaíláo para a retle^^áo das pariiculas da luz , de cuja pequenez fe náo \>òàQ formar jurta idéa ; e o ícntido do ta^o he o mais grcíTciro fcntido que ha : náo queirais que perceba todas as diffcrenças que houver nas fuper- ficies dos corpos. Mas fe havemos de dar credito ao que nos dizem oslivros, chiO^ torias , confeiíaremos que também eft a àl- veríidiJe de íuperficies , donde naíccm as divcrfas cores , fe pôde perceber com Q Tarde fexta. 12 r ò taclo. No Jour?ial dss Scavaiis fi) ^efaz menção de hum cego mm bomElcultor, «que conhecia as cores unic.imente pelo tacbo : além defte houve oucro homem, que com os olhos vendados conhecia rer- feiramenre as cores pelo taf^o. (^ Gráo Du- que de Tofcana quiz certific.ír-ie deita ex- periência , e chamqndc-o á lua prcíença , fez vir varias peiías de íedas de di verias cores 5 e conheceo-as , Tem íe eng.^nar em ali^uma : mandou virhamapeíTà de feda de matizes , e com a meíma certeza diílin- guio as cores, de que conítava (2). Tam- bém fe conta (5) de hum Or^anifta cc^o, que jogava as c.irtas , e ganhava trcquen- temente , princip.ilmenre quando elle as dava ; porque pelo tacto conhecia não 16 os naipes das iuas , mas também os das cartas dos contrários , a quem elle as dif- tribaia. Sih, Eu não fou dos mais credalos : fe eíías noticias sáo verdadeiras, lá vai o di- tado , com que nos creáráo , que os cegos não podem jul^p.r de cores. Theod. Silvio , eiles cafos contáo-fe por ex- traordinários, e os provérbios vulgares to- máo-fe do que commummtnre acontece; mas quando Icjáo falíos , vós bem vedes que o (i) 15. de Ju'ho de ló/j. pag. io6. (2) Journal des Scavans p de Agollo de 1666. p3g. 41 r. (5) JournrJ des Svavr.ns 7 de Setembro do J685. pag. 239. 122 Recreação Filofojica o meu fvílema náo depende da fua verda- de; porque 5 com ) hca dito, a diverfida- de das íuperhcies , que he precifa para as diverlas cores, he mais fubtil, do que o pode lencir o tac^o. Eug, Dai-me licença, Theodoílo. Lo^o fe eltes calos forem verdadeiros , haveis , Silvio, de confeliar, que lambem o he o fyilema de Theodofio í Sibj, Enráo fim. Eug. ElKi bem. Ora fabei que aqui em Portugal temos hum cé^o delèes , e creio que ainda terá vivo. E!Ie he natural da\'^il- la de Barcelos , hoje íe acha cafado na Fre- guezia de Fragofo , que fica duas léguas para o Norte; e ha poucos dias que hum Religiofo Bento meu amigo , que alíifte no Mofteiro da Eítrella , me certificou, que em caía de António Ribeiro na Fre- guezia de Villa-Cova o vio jogar por ef- paço de duas horas, fem padecer o míni- mo engano : dou-vos de confelho , que gafteis o voíTo dinheiro em mandar tirar huma exacla inquirição dilto. Thcoi, Náo he pequeno caíligo da fua in- credulidade. Sihj. lifo agora náo : o meu dinheiro náo mo hão de levar as Filofofias modernas. Era coufa bem digna de rifo, que o cego fem jogar comigo, me fizelTe perder. Se- gui o que quizerdes, que eu cá feguirei o que me parecer. Thsod. Antes que vòs> Eugénio ^ inclineis o Tarde fexta, 123 - © vofTo juizo a abraçar efta opinião , que .' vos referi , deixai-me que vos exponha o íyftema dos Newconianos. §. ni. Do fyjiema de Newton fobre as cores. Eug, /^ Certo he , Theodoíio , que ninguém V^ pode eleger prudentemenic hum caminho lem ter conhecido os outros. Thsod. Hoje he tão applaudido, etáoreguido o fyftema de Newton no que pertence ás cores 5 que julgo eu que feriíico de gran- de crime, íe vos náo dé-Tc hnma íuccinta inrtrucçáo nel'e. Dizem pois os Newtonia- nos y que hum riio de luz , que vem do Sol , ou de qualquer corpo luminolo , ainda que íeja claro 5 e branco, com tTido conf- ia de 7 raios de cores diíferences , que sào vermelho , cor de ouro , amarello , verde, azul, gredelem , e roxo: eiles 7 raios de cor juntos todos , e mifturados fazem hum raio de luz ; porém feparados , cada hum mottra a cor que tem de lua natureza. Síl''o. E quem ha de feparar eíTes raios de cor huns dos outros? F.fti anatomia parece-me que fò pela imaginação íe pôde fazer. Theod, De dous mojos Te podem feparar os raios de cor huns dos outros , ou por re- . flexão dos corpos opacos , ou por refrac- çáo. 124 Recreação Filofofica çáo. (i) Vamos 20 primeiro modo: o cor- po quando he opaco, e recebe hum r;»io de luz , nelle recebe como dilíe 7 raios de cor , cjue compõem o raio de luz ; porém como eíles 7 raios de cor sáo de di verias natu- rezas, pôde fer que nem todos iejáo i^^ual- mente artrahidos, nem igualmente repellidos do corpo opaco. Se o corpo repelle os ver- melhos íòmente , c attrahe , ou embebe em íi todos os demais , o corpo chama-fe ver- melho ; pois vermelhos sáo os raios que delle reflectem para os olhos. Se lómente redecte os amareilos , ocorpo heamarello , &c. Se reiiecle todos os 7 raios , o corpo he branco ; fe reflecte mui poucos , ou quafj nenhuns, cnráo ocorpo he preto; le refle- Cte huns vermelhos , outros verdes , a cor he milèuradâ das duas ; e o mefmo fc pôde dizer fe reflecte :5 , ou 4 cai^tas de raios, e embebe em li os mais. Eis-aqui ccmo os raios de cor , que compõem hum raio de luz, íe podem Icparar huns dos outros , para ca- da hum delles moilrar a Tua cor. O fegun- do modo hc mais vifivel , que he o da re- fracçáo : para o que havemos de faber que neíte fyftema eQes? raios , ailim como dif- ferem na cor, diíferem mmbem na natu- reza, e na fua refrangibilidade. ■^^£- QjJe chamais vôs refrangibilidaie^. Theod. Chamo j^f Tangibilidade áquella di roo- (i) Nas Cartas FyHcas de Thfodcfio a Eugé- nio fe provará cct» evidencia , que a luz he attra- hida, e he repellida pelos çóipoj. Tarde fexta, 12^ fjçáo querem qualquer raio de luz , ou cor . para padecer retracção ^ paliando de hum diaíano para outro. ^ug. Tenho entendido : continuai. Tbeod, Digo pois que os 7 raios decorrem divería rcfrangibilidade : iílo he 5 cahindo todos obliquamente no mefmo diáfano ^ v.g. no vidro 5 ou agua , huns quebráo mais , ou- tros menos; e ifto conllantemente. Os ver- melhos quebráo menos , os cor de ouro mais, e mais ainda os amartllos, os ver- des, os azues , os gredelens, e os roxos 5 feguindo ella meimia ordem. Ifto fuppoílio y como na rerraccáo da luz todos os 7 raios quebráo, e huns miais doque outros, ne- celTariamente le háo de Teparar ; e tanto que fe lepararem bafiantemente huns dos ou- tros , moftrara cada qu^l a cor que tem. Silv. Sendo ilTo aílim, em toda a refracçáo da luz teriamos nós feparação de raios, e haveria cor , o que nâo lucccde aílim. Tbeod. Eu vos relpondo : Quando a luz en- tra no vidro obliquamenie , também muitas vezes iahe obliquamente, e então ou a fe- gunda reíracçáo emenda a prim.eira , ou a confirma ; fe a emenda , de forre que feja para a parte contraria , então não podem os raios de cores feparar-le entre íi ; por- que huma refracçáo deim^anchou o que a ourra poderia fazer ; agora fe a fegunda refracçáo confirma , e augmenta a primeira , ehe para a meíma parte , como acontece no priima, então pôde haver feparação de co- res. 120 Recreação Tilofoficd res. ]á fabeis que pnTma chamamos áquel- Efr. 2. le vidro triangular Ç Ejlamp. z.fig,^.) que fig. 4. imita as cores do Iiisi e por ilTo os raios do ^ol 5 que palíaváo por elle 5 fe leparaváo , e moltraváo as 7 cores que dilTe, que são as que temos no íris. Aqui tendes eíla El- Eít. 5. tampa própria para o caio (^Ejlamp. l.fig. 8.)- fig. s. Silv. Se de voiia cala náo tivelTeis a pre- venção de trazer os iivrinhos precilos pa- ra a explicação , na minha livraria certa- mente os náo terieis. Tbeod. Náo são da volía faculdade, nem do volío goilo ; mas vamos adiante. Por efta janella e luppóe-le que entra hum raio de luZjO q'ial dando no triangulo de vidro a b f, quebra à entrada , e quebra á lahida lempre para íima ; por ilTo lendo o raio redondo , os raios le íeparáo de modo quepintáo no papelão fg huma imagem comprida compollar de 7 coies 5 que aqui elláo finaladas '■, e aqui vedes como o raio 10x0 he o que que<* bra maia 5 e o raio vermelho he o que que- bra menos, e os outros á proporção. Silv, Ainda náo eílou iatisleito. Por efíe diicurfo as lentes de queimar deviáo de corar os raios de luz , ou ao menos as lentes concavas que eípaiháo os raios '■, e vemos que nem humas , nem outras tin«* gem de cor os raios deiuz, como faz clíe vidro triangular. Tbeod. As lentes convexas náo tingem os raios do Sol, como faz o prifma, porque ainda que as refracçóes iio ambas p.ira a meí- Tarde fexta. lij - mefma parte , ambas são para dentro , o que taz que os raios le ajuntem , ainda mais do cjue ellaváo ; e a lente concava firn efpalha os raios 5 mas efpalha-os pro- mílcuamente 5 fazendo que huns quebrem mais do que outros por cauía da maior obiiquidade da luperncie do vidro conca- vo: de foite que eíla maior refracçáo não he entre os raios , que cabem igualmente na mt-Tma fuperíicie , igualmicnte inclinada; mas a diíierença da reíracçáo naice da di- vciía inclinação das partes da iuperficie concava i e iilo não íó náo faz íeparar as cores 5 mas antes coníunde-as i porque os raios roxos 5 que entrarão por hum lugar da lente , vão miíturar-le com os vermelhos V. g. c]ue entrarão por outro lugar, e náo quubraráo tanto, e allim fe mitiuráo. Sil^-ú. jh entendo: mas quizera íaber ie eíTe fyílema tem fundamentos da experiência fobre que íe eílribe. Theod, Experiências tem, e bem admiráveis. Vamos por partes. Qiie os raios de di ver- ia cor tem divería refrsngibijidade , he cou- fa demonílrada. Primeiramente reparai neí- ta Eft^mpa (4./^. 10.) : temos o raio do Efl:. 4^ Sol, que entra pelo buraco da janella f , e fig-i6. paliando ^elo priíma ahc , faz no plano p 7 a imagem corada. (Chamo imagem co- rada á collecçáo das 7 cores pintadas na ra° boa). Em / el^^á hum buraco, que deixa > l^atTar o raio que ahi cahir , que na elLimpa ie reprefenta ler o vermelho : agora atrás do 128 Recreação Filopofica do buraco (í) eftá outro prifma w « , que recebe elTe raio vermelho , que he certo ha de quebrar paíTsndo p©r elie : poflo firme eíTe fegundo priíma, vai-íe revolvendo o primeiro priJma abe nos Teus eixos , e váo deícendo as cores todas pelo papeláo abaixo, e íuccellivamente váo entrando to- das , mas cada huma de perfi, pelo bura- co í, por onde entrava o raio vermelho; e por confeguinte váo todas fucceilivamente dando no legundo priima vini iito feito, oblerva-fe que os raios de diverfa cor náo quebrão no íegundo prifma domclmo mo- do ; íempre o roxo quebra mais do que o vermelho , c á proporção rodos os do meio i porque o vermelho vai parar a -i; , o verde a « , e o roxo a r. Ora como o íegundo priima mu eilá fixo , e a taboa \> q fixa, legue-íe que o raio, que do bu* raco i fixo vai ao priima fixo wm, leva a meíma inclinação á fuperficie do vidro i e aiíim íempre havia de quebrar do meímo modo, ie elle tiveííe a melma refrangibi- lidade ; mas como vemos que huns que- brão mais do que outros , inferimos que rem diverfa refrangibilidade , a qual íem- pre he conforme a ordem dtís 7 cores , lendo maior no roxo , indico , ou grcdelem , Eíl. 4. &c. AinJ.r temos outra experiência: { Ef- Éjii. tanip. 4. fg. II.) fe dpj ois do priima abe fe puzer outro priima ao alto , de lorte que apanhe nU:T a face ss 7 cores, que haviáo de ir parar á laboap^ , veremos iium effeito bem admirável. lug. Tarde fexta. 129 %'dg» Qjic effeito ? thiod. O prifaia poílo ao alro faz quebrac para a ilharga a iraagem corada 5 a cjual le efcapalfc do fegundo priíma , ficaria poí- ta a prumo 3 porqus o primeiro ahc iup- póe^fe ellar bem horizontal. Ifto fuppofto , vemos que o iegundo priíma gg náo pinta a imagem a prumo , mas tombada bum pouco 5 e a razáo hc , porque como o raio roxo cahindo no iegundo prifma gg que- bra mais que o vermelho , hum vai mais para a ilharga , outro vai menos 5 e já hum r.áo fica em iima do outro a prumo ^ e fi- ca a imagem inclinada ora para a direita, ora para a efqucrda , conforme eftá o Te» gundo priíma^ mas lempre quebra o raio 10x0 muiío mais que o vermelho , e os outros á proporção. Mais experiências vos podia allegar 3 m:?s como as circumítancias náo permittem o íazellas , bailará o fuppol« las; e iilo he hoje certo 5 e certiííimo poc qualquer parte que fe queira obfervar , que CS raios de diverla cor tem diverfa reírangibilidade. Ifto fuppofto , explica-fc como lendo redondo o raio de luz antes que caia no priíma 5 fem.pre fahe huma imagem corada comprida ; porque como no raio de luz vem raios de 7 cores, ehuns mais fáceis de quebrar do que outros , necella- riamente háo de ir huns quebrando mais do que outros , e temos a imagem com- prida. ÇEjiãmp.4. Jig' i-O Aqui vedes ei^ Èã. 4, les 7 círculos de cores a b c d e f g , que fig.is. Tom, II. 1 jun- Cljo Recreação Filofojica juntos fazem huma fig^jra comprida. E re- parai que neftas imagens lempre o raio roxo quebra mais que todos, c o verme- - lho menos que todos. Silv. Com eifas experiências fempre conf- tantes bom tunJamenro ha para afieniar , que os 7 raios de cor tem diverfa re^ran- gibilidade; mas que razão haverá para huns raios quebrarem mais do que outros ? Tbeed* Alguns Newtonianos adiantáo-le a iu (peitar a razáo , e dizem que como os raios quebráo por torça da attracçáo do vi- dro 5 ou agiia , &c. le huns raios conftarem de particulas mais miúdas , ertes mais fa- ciimenre poderão ceder á attracçáo do que outros^ que conftarem de particulas n:aio- res : pois nós labemos que quando dous corpos vâo defpedidos com i^ual velocida- de, o que he mais pezado leva mais tor- ça, e cufta maisj tanto a fazcllo parar, como a torcer-lhe o caminho (conforme as certillimas leis Ò3 Mecânica) : lo^o vindo no raio do Sol todos os raios de cor def- pedidos com igual velocidade , aquelles que conftarem de particulas maioresjou mais pezadas , levaráò maior força , e cuífará • mais ao vidro com a íua attracçáo lazellos defviar do caminho que levaváo i e aílim o raio azul quebrará mais que o verde, o verde mais que oamarello, &c. Porém ifto fomente o dizem como conjedura , e iíTo sáo alguns. Sug. Mas eu acho eíTa conjedura racionavel. Jhtod, Tarde fexta» 131 ^'H:ià, O cutro ponto deite fyílema he fer eíta corclíencial aos raios; d.e forre que o laio vermelho náo pode deixar de fer ver- melho. E também he cerro que com refrac- çóes 5 nem reflexões ordenadas íe náo pô- de mudar a cor dos raios. Tornemos á Ef- rampa (4. fig, 10.). Se depois do raio e £11,4, paiTar pelo prifmafl/^c, e le corar, epin- fig.io, tar no plano P9 asy cores, formos revol- vendo nos feus eixos o priíma ah c ^ fare- mos que todas as cores váo fuccelíivamen- te paíTiindo peio buraco i do plano: feiro iíto , ponhan^os lá atiàs do plano outro priírr^a m n , o qual receba os raios que paíbão pelo buraco z, e veremos que cífe ícgundo prifma náo muda a cor aos raios; fesáo vermelhos, vermelhos ficáo, e aílim dos mais : em fim o raio, que chegou a moftrar a cor vermelha , nem trinta prif- m3s 5 fe os pudelTe paíTar, Ihemudariáo a cor. Confirmja-fe ifto; porque hum defies raios vermelhos paliando por hum vidro ver- de , cuamarello, ou azul, iempre fica ver- melho ^ o que bailantemente perluadc fer invariável . e clTencial a cor de cada hum dos taios. Ainda mais: fe Hum raio vermelho cahir fobre hum. panno branco , fica verme- lho; íe cnhir íobre hum panno verdejOU azul ou de qualquer outra cor, fempre he ver- melho ; o m.efmo fuccede ás mais cores. Porém advertem os Newtonianos huma cou- fa dÍ2,na de reflexão madura : o raio de luz que cahe no prifma de ordinário here- I ii don- '3 13- Recreação Filofofica dondo , e redondos sáo os fete raios decor^ que mifturados entre li tazem o raio de luz ; nias como huns sáo mais refrangiveis do que outros ^ eftes 7 círculos corados Eí^. 4. ( Ej?amp.4. Jig. 12.) cie aue Te deve com- fi^.i2. por a imagem 3 que fe pinta no plano , ticâo como hum cartuxo de moedas, quando fe começa aelpalhar, que íicáo íempre humas dobras em parte íobre as outras ; do mef- mo modo luccede aos círculos de cores y que não íe íeparáo totalmente 5 mas huns cahem em parte íobre os outros : d'aqui reíulta que ie miíluráo algumas cores, e por ilío algum raio dos que parecem fimpliccs íe pódc dividir em diverfos , mas Icmpre he naquclles que miíturados dariáo a cor do que le dividio. Advertem illo para lohar algum argumento que fe torme em con- trario. £ug. E com razão ; porque vendo eu que algum delTes raios le dividia cm dous de di verias cores, julgaria que náo eráo eííen- ciaes 5 como elles dizem. Tbeud. D'aqui le tira a refpofta a huma ex- periência do P. M. ]cáo Baptiita ài^ Ora- tório contra efte ryftema. l.u a refiro. A'a- En. 5. rnos outra vez á Eftampa ( 3. fig. 8.) em íg. S. que eftà debuxada a experiência , como íe deve tazer. Fin|e-íe aqui que por efta ;.i- nella e entra hum raio de luz: eile raio dá nefte triangulo abe ^ que le luppóe Ter o priíma de vidro villo de ropo , o qual Íãz as cores 3 de que nos jáfalláirios: o raio que? Tarde fexta, 133 «[uebra no entrar, e ao fahir dopríTma, e leparáo-fe entre ii os raios , e tomáo as co- res 5 que eitáo aqui elcritas , as quaes le pinráo nefte papelão pq. Supponhamos que emz ha hum bur.^co ; por elle palia o raio vermelho , o qual paliando por eila lente convexa nui le ajunta , coniervando lem- pre a fua cor, e entra dentro delia caixa rf 5 que vedes aqui pintada : efta caixa por dentro eilá' toda forrada de biarco , tem hum buraco em r, pelo qual entra o raio vermelho, c outro emj na parte pof- terior da caixa , poílo que náo eílá aqui pintado , por onde fe vè o que fuccede dentro delia. Eug. E que fe vè ^ Tbeod. Vè-ie hum vermelho esbranquiçado , donde íe tira hum argumento contra os New- ton>anos. i\o5 nao poaemos ver coula al- guma branca , Tem que aos nollos olhos ve- nháo raios brancos ; logo fe nós vemos o forro branco da caixa , he certo que delle re- fleífbem raios brancos para os nollos olhos : na caixa íó entrarão os raios vermelhos , porque todos os mais íicáráo leparados dcl- les pelo prifma, e pintados no p?peláo p 7 : lo^o jcá os raios vermelhos fe podem mu- dar em brancos. Eug. E que refpondem a iílo? Tbfod. Qiie he mui diflicil a tora! feparação dos raios de liuma cor fem Tc mifturarem com alguns dos heterogéneos , e que ella millura com poucos heterogéneos faz o ver- melho esbranquiçado. Eug, i34 "Recreação Filafojica "Bug. IsTo lá quadra com o que acabáveis de dizer. Tbsod. Ainda cfte grande homem forma ou- tro argumenLo contra os Newtonianos ; e Eft. 7. he o q^ie reprcíenta ella fiíiura (7. 71a P.jlamp^. ^Z' 5* 5')- '^^ depois de hum raio de luz p.iíTar pelo prilma lhe puzerdes hum plano, co^ IDO elie bc y em pouca diilancia do prif- ma , vereis no plano hum clarão quaíi re- dondo 5 porém de íima , e debaixo com liurnas orclas de cor, huma roxa, outra vermelha : irto iucceJe aííim , porque co- mo o plano eftá em pouca dillancia , ain- da náo tem os raios cimpo para ie fepa- rarem totalmente huns dos outros j porém os roxos 3 e os vermelhos , como sáo os uUimos , facilm.ente lefcparáo dosoutros, e moílráo a Tua cor. Eug. Mas como fe forma dahi argumento contra os Newtoni.inos ? Theod. Deíl:e modo : Os raios , que váo pa- rar ao lugar a , elHo íeparados dos raios de outra cor (i) , c por iiTo moftráo a cor roxa ; o meímo digo dos raios vermelhos , que váo parar a e. Q^uereis agnra ver co- mo le fazem mudar de cor cftes raios ? Quereis ver mudarem-!e em vermelhos os raios roxos? Pegai n'hum pedaço de pape- lão , ou papel 5 e idc-o levantando parsi íima, cortando os raios dalviz; vereis co- mo a oréla vermcliia vai fubindo fempre pelo plano b c ^ que le fuppõe fixo , de for- (i) Newton Optlc. lib. i. p. 2. prop. S, Yarde fexta. 135' fortr que fe vê cor vermelha , onJe anres fe via cor roxa: o melmo luccede le pe- la parte de fima vierdes mectendo o pimpei, cortando fuccellivamente para baixo os raios i porque eniáo vem defcenJo a orcla roxa pelo plano h c ^ e fe vê a oreia ro- xa y onde antes fe via a cor verrr.elha. Eis-3qui como os raios vermelhos paiece que le mudáo em roxos ^ e os roxos em vermelhos. 'Eug. E que fe refponde a ilTo? Tbeod. Voamos ámeima fig. 7. da mefmaFr- Eft. 5. tampa (^). Os raios de cor que lâhem do ^g- 7- prifma , náo eftáode todo feparados ,qu.uiJo dáo no plano b c y c por iíTo temos hum cla- rão branco no meio da imagem , c vè-fe que ahi eíláo ainda todas as cores i porque le fi- zermos hum buraco neiíe plano b c , vere- mos que la em maior diftancia atrás do plano apparecem as 7 cores )á feparad.^s , e diíèin£Vas ; e he certo que o buraco as náo pôde íormar de modo nenhum , fó pôde fazer que paíTem a maior diftancia , epofí-áo íeparar-íe entre ii , e moírrar cada raio a fua cor. Ora ifto meímo íuccede, confor- me o mefmo Author teftiíica , ainda pondo o buraco do plano h c fucceííivamente ora na oréla roxa , ora na vermelha '■, o que prova baftantemente , que nem ainda neiías orélas eftáo totaimen;e feparados os raios vermelhos de todos os outros > mas que sio os vermelhos em m^uito maior abun- dância i e por iíTo também das 7 cores , que 135 Recreação Filofojica que efTe raio paliando pelo buraco > que fuppomos no plano h c ^ tórma lá ao loií^e , delias cores , digo , o maior cípaço íerá vermelho , como fera maior o efpaço ro- xo, paliando o buraco para a orcla roxa, Supporto tudo iílo 5 pódc-je explicar como • com o papelão , que eu vou levantando junto do prilma, quando vou cortando os raios, vai íubinJo a creia vermelha, Icm que os raios mudem a cor , que tem de íua natureza. í.ug, E como explicais ilTo? Tbeod. Para fe ver orcla vermelha no pla- no 5 duas couías sáo preciías , que hajáo raios vermelhos nellemeimo lugar, e que náo caiáo ahi meím.o raios de ourra cor ^^ que confundáo o vermelho , ou que caiáo muito menos. Ora iito faço eu com ir le-» vanrando o papelío junto do prifma _, cor- tando os raios com elle. Eug. E como ? Theod. Eu o digo. Supponde vós que eu já cortei ametade dos raios que fahiáo do prif- rna ; como elles ahi quafi que náo tinháo leparaçáo nenhuma, cortei ametade de tO" das as 7 cores , ametade dos vermelhos , ametade dos verdes , c ametade dos roxos , Scc. Sendo irto aílim , no melmo lugar , em que eftá agora o meio do cUráo , fe verá orcla vermelhi , porque ahi eftáo raios vermelhos (como fica moílra.io , e íe co-» nhece abrindo ahi hum buraco , pois lá ao longe apparecem , e todas as nuis coies) : Tarde fexta* 137 eílando ahi raios vermelhos, para elles fe vcrfcfn ^ baita que não caiáo ahi raios de ou- tras cores i e ilto hço cu cortando os raios junco ao prilma , porque cortei , como diííc , smerade dos raios roxos: eíta anietade he a inferior ,63 que antes de fe cortarem cahiria naturalmente no meio da imagem, e ainda para baixo : logo cortados eíles raios roxos que ahi cahiriáo , já náo em- baraçáo os vermelhos ; c o meímo digo dos raios verdes, &c. Ficando pois os raios vermelhos mais delembaraçados dos ou- tros , apparecerá a lua cor. Eug. Eu vou-vos achando razão. Tbeod. Deixai-me dar outra volta a illo mef- mo. Se o prilma na face por onde lanem os raios foíte tapado, e iómenre íahitlem os raios por hum buraco, lempre haveria as meimas orclas , polio que a imagem feria mais pequena, fendo o buraco mais ellrei- to : pois eu cortando os raios na fegunda face do prifma, faço o mefmo que íaria , fendo o bur.ico mais eftreito : logo, mera- mente por caufa de fer maior a refracçáo dos raios roxos que a dos vermelho^ , neceíla- riamente ha de ir fubindo a oiéla vermelha , fem mudarem os raios de cor. Ora irto que prova, que conforme os princípios de iSíewton , neceiTariamente ha de fubir a ore- la pelo plano bc aííima , por todo oefpaço branco, prova que também chegará á ore- la fuperior, feacafo ahi eíliverem lambem jilguns raios vermelhos , podo que por Ide- iem 13S Recreação Filofojica rem muito menos que os roxos prevale- cera a cor roxa , aures de te corcarem os raios. E que ahi eliejáo al^nns raios verme- lhos, feperfuade, qnanro a mim baftante- men^e, le aberto hum buraco no plano ^ í , e fazendo-o correiponJer á oréla roxa, ap- parecerem la atras do plano b c em diilan- cia competente às 7 cores, como o Author delia experiência teítihca ; pois como dilTe , be totalmente incrível ^ que hum buraco dè nova modiíicação decores aos raios que a não tiverem i e le nelTa oréla roxa hou- ver mifturados alguns raios vermelhos , devemos explicar eireeífeito, como expli- cámos o fubir a oréla vermelha pelo cam- po claro. Advirto porém, que cortados ro- dos 05 raios até a oréla , ticáo tio fracos , que fe equivocará mui tacilmente huma cor com a outra. Eug. ]á tenho entendido : mas ainda reftão outros pontos, que fomente tocámos. Dil- felles de paliarem , que quando hum cor- po reiiecle todas as 7 cores , parecia bran- co: explicai-me ifto. Tbeod. Dizem os \e\vtonianos , que a cor branca he compoRa dai7 cores primitivas , vermelha, cor d*ouro , amarella, verde, azul, gre-elem, e roxa. Prováo ifto pri- meiramente; porque os 7 raios de cor , que o prtfma pinta no plano , íe os receber- mos n'huma lente convexa que os ajunte no foco , veremos que neíTe foco remos cor branca, recebendo o foco em hum pa- pel i Tarde fex ta. 139 tie! ; e anres , ou depois do foco vere- rnos outra vez as cores feparadas : o que prova duas coufas evidencemcnce : primeira, que quando as 7 cores le ajuntarão iize- ráo cor branca: a íegunda he , queahinão fe deftruiráo as 7 cores; porque concinu- ando para diante , e havendo lugar para a íeparaçáo , tornáo a apparecer como de an« tes 5 pofto que com a ordem trocada. Silv. Élía experiência baítantemcnte decide o ponto. Theod. Ainda temos outras : huma roda de papelão dividida do centro para a circum- ierencia com diverfos raios , de force que fiquem 7 vãos, cada hum delles pintado de huma cor das 7 primitivas 5 poíta ao Sol , c revolvendo-fe velozmente lobre o centro , parece branco o papelão ; porque a pretla do movimento faz ajuntar nos olhos as im- prcísões das 7 cores. Advirto que allim como na imagem corada do prilma , as 7 cores não occupáo lugares iguaes, aílim tam- bém os vãos pintados de 7 cores náo de- vem fer iguaes. Em fim , íe nós miílurar- nics tinta cm pó das 7 cores, porém com porções deuguaes , proporcionadas ao ef- paço que cilas occupáo na imagem do prií- ma 5 fica huma cor esbranquiçada: pinte- mos hum plano branco com cila , de forre que fique ametade pingada, eaoutraame- tade com a fua corna;ural; feito ifto , po- nhamos elle plano ao Sol , de maneira íjuc loài a parte que não toi pintada fi- que 140 Recreação Filofojica que à fombra i villo de longe efte plano,' parecerá toJo branco. Loíio a cor branca -ri compoe-le ile 7 cores. J/V^j. Sáo experiências admiráveis i masnef- tas duas ultimas reparo que náo fahe cor branca 5 mas esbranquiçada ; e he precita a diligencia de expor ao Sol ertes corpos para parecerem brancos. Tbeod. IlTo que vos faz dúvida , confirma eíla doutrina. Quando hum raio de Sol , que he branco, fe divide em 7 cores, occupa hum eípaço muico maior do que occupava : lo- go le a luz, que dá emcodo eiTe eípaço, le miíluralTc , m.is occupan<]o rodo elTe ef- paço, he cerco que náo podia ficar a bran- cura táo viva j como era a delia luz roda junca 5 antes de fe efpalhar : ficaria pois huma brancura mais frojca , c eícura ; e tanto mais eícura , quanto por mais efpaço fe eípalhalTc a luz. lílo fuppoflo , quando temos hum plano pintado com as 7 cores , ef- tá el^palhada por7 poilegadas v. g. a luz que devera toda eitar n^huma , para haver ahi cor branca perfeitiíKma ; mas como elTa luz elfá toda elpalhada por efpaço táo grande, quando com o movimento rápido íe mif- turarem nos olhos humas cores com outras, ficará branca açor , mas efcuriluma ; e fo- mente poíta ao Sol parecerá branca , por- que o Sol com a abund.incia da luz fupprc a íalta delia. Eu me explico por outro mo- do : a pintura vermelha confome em íi quafi todos os raios , menos os vermelhos , a Tarde federa. 141 ã amarclla qoafi rodos , menos os amsrel- los 3 e allim as demais , de lorte que cada parte daquelle plano pincado conlome 6 raios , e reíiede hum ; logo todo o plano das 7 partes de luz quelhecahe, conlome em li 6 3 e reflefie huma; e le folTe todo pintado de branco, havia de retieíí^ir todas as 7 partes de luz: íuppoílo iilo, bem ve- des que efte corpo aílim pintado , e movi- do veloztncntc , fe parecer branco , ha de ler mui elcuro , e precilo lerá fupprir-lhe com o Sol mais luz para parecer branco. Eis-aqui como elTa eicuridade que le acha nefta miftura de cores 3 náo Tò náo con- tradiz eíta íentença ^ mas antes a confir- ma. Silnj. Tenho entendido : e fe houvefle de ler m.oderno 5 íó N^ewtoniano feria. Eug. O que a mim me náo agrada muito he o que ha pouco diiTciles , de confumi- rem os corpos vermelhos em fi todos os raios j menos os vermelhos. Tbeod. Náo confomem cm íí todos os raios 9 mas a maior pane delles : digo iílo, por- que quando a imagem córacía do prilma cahe íobre hum coipo amarello v. g. vem-fc todas as cores; ímal de oue o amarello náo abíorbe todos os raios defemelhantcs ; e por eOa razão fe vè a imagem corada , cahinJo fobre plano negro i porque o corpo negro náo abforbe em Ç\ todos os raios , mas re- flede mui poucos de cada cor. Sth. Mas que tundamentos tem elles para cf- 142. Recreação ViJofofica eftabelecer elTa àiveríidade de abforber crrj íi huns raios, e rcRcdir outros? Tbeod. Primeiramence , que os corpos ver- melhos reileftem mais raios vermelhos que azues y ou verdes ( e o meím.o digo dos mais) coihe-re facilmente doque já diíTe: quando a imagem corada do prilma cahe fo- bre panno de alguma cor , íica mais viva açor, íemelliante á do panno ; final de que o panno reiledio os raios da íua cor enl maior abundância do que os outros. Ora fe o panno vermelho não refiecle tantos raios verdes como vermelhos , he Imal que os fo* me , cu abforbe dentro em. fi , Teja pelo mo- do que for, porque até aqui eníina a ex- periência. Agora \os direi outra experiên- cia, que prova baílantemente que pôde ler que nos corpos opacos haja eíta diverfida» de: que le reHeclem huns raios vermelhos V. g. íum5.o em fi netíe mefmo lugar ou- tros de divevía cor. Tomemos duas lentes convexas, mss muito pouco convexas, quaes sáo as objeêlivas dos Telelcopios de 20 pcs , pouco mais ou menos *, apertemios com cautela huma contra a outra , e portas ío- bre hum panno negro , viftasdeGma, aj^pa- rece nomeio huma nódoa negra, e depois vários circulos á roda de diverlas cores , c alguns circulos brancos: depois de bem oblervados cíles circulos , e notados com miudeza os lugares em que fe vem , fe pegarmos neiTas lentes aílim apertadas , e as puzcrriio* tnirc os olhos , e á clarida- Tarde fexta. 143 de , obfervaremos rambem vários círculos de cores ; mas com eíia circumít^ncia , que bz ao calo : á nódoa prera ^ que ap- parecia no meio, viítas as ienres de lima, correlponde huma malha branca viítas as lentes da outra parte ; como também ás avelías , os círculos c]ue virtas as lentes por fima eráo brancos j viítas agora as len- tes pela ouira parte, são circules negros : aos círculos vermelhos correlpondem cír- culos ouazues, ou verdes azulados ; e aos círculos azues correípondem ou vermelhos, ou amarellos avermelhados ; outras vezes aos verdes correípondem vermeliios , e ás avelTas : em íim , nunca i~e vè a mefma cor no circulo viilo da parte da claridade , e vífto da outra parte; íempre a cor que le vè por redexo he divería da que íe vê ptnetrando as duas lentes. O que prova , que quando íe refleclem para os olhos os raios de huma cor, romem-fe , e penetráo para dentro os raios de outra cor diverla. lí^o mclmo acontece fc lançarmos agua en- tre hums, e outra lenre. CJra íe o ar , ou agua entre as duas lentes^ conforme a di- verla grofiura do feu volume^ pôde fazer cftas reflexões , e eftas artracçóes dos raios corados, que muito he que o meí^mo íucceda ás íiiperficies tenuiliimas , e diáfa- nas , que h.^ em todos os corpos opacos. \^ós bem labeis que todo o corpo opaco íe pô- de dividir em folhas mui ténues ^ e rranf- parentes , das quaes juntas íe compõem : ef- 144 'Recreação Filofojica eftas ou sáo mais grolTas , ou menos , coíl^ forme a conílituiçâo das parciculas de que contta o corpo i por ilTo eftas tolhas ora repelem os raios vermelhos 5 e deixáo paf-* far os oucros , ora repelem os verdt;s , e deixáo paliar os demais ; e eis-aqui como huns corpos sáo vermelhos , outros verdes* Sili}. Mas por elTe dilcurio todos os corpos íeriáo tranfparentes para alguns raios. Tbsod. Ailim feria le folTem compoftos de ma^ teria íemelhante, e íe as muitas folhas tranf- parentes 5 de que le compõe a lubilancia de qualquer corpo , náo tiveffem entre fi matéria de diveria virtude rehingente ; por» que havendo-a , na paíTagem da luz haverei innumeraveis refracçóes , c cada vez lerá mais fraca até fe extinguir , e perder , como já vos expliquei hontem à tarde ; com que ^ d^aqui he que depende a opacidade dos cor- pos. £ug. A mim me lembra agora outra dilTi* caldade , e vem fer o que já vimos, que os vidros verdes deixaváo pafTar os raios 5 tingindo-os de verde , e alIim mefmo os oucros vidros corados; eporciíe dilcurfo ^ parece que os vidros que rcflefiem raios verdes, náo deixariáo paliar raios defta caíia* Sil^v, Mui grande dilHculdade tocaftes vós agora. Tbeod. -As partículas verdes, que mifluradas com as do vidro lhe dáo açor, devem ter a propriedade seral dos corpos corados, que acabo de explicar ; devem reflectir ^iat- Tarde fexta, I4jr jpatte dos raios verdes ^ e abfotber outra parte i os repeli idos , e os arirahidos fazem eíTes eífeiros differenies. Tan.bem fe pôde dizer , que as partículas do vidro podem fer de diverla groílura , e por caufa delTa diverfidade (aílim como na experiência das lentes aperradas) hu mas repeliu em os raios verdes para íòra , outras deixarem paíT?.r outros raios verdes ;, c alllm acharemos cor verde nos raios que pafsáo , e nos raios que reflecbem. Advirto-vos que a meíma ex- , periencia das lentes apertadas fe pôde íup- prir em parte comhuma bola delias, que fazem os rapazes com agua de fabão , pcn- do-a em hum patino nc-^ro , e cubrindo-a €om hum vafo de vidro , para que o ar não a perturbe; porque deíenJendo-a eíti roda com algum corpo eicuro, para que a claridade que lhe da feja pela parte de íi- ma , apparecem círculos de cores , as quaes principiào em uma em roxo, eacabáo em vermelho ; e he de notar que a a«ua, da bola vai cada vez cahindo mais para bai- xo , e quanto mais para íima , n-^.ais delga- da deve ier a groflura da bola ; o que taz crer que a groiíura defta folha de agua conduz para as cores , ora remedindo huns raios 5 ora deixando»os palTar. f.ug. Ja tinha viílo varias coies nelTas bolas de fabáo , mas eráo perturbadas. Thíoi. Procedia ella perturbação ou da acei- tação do venro ^ ou da reilexáo dos cbj^- d:os eftranhos 5 que íe iaz na íuperiíc.ie da Tom. II, K bo- 14^ Recreação Filofojíca bola. Muitas outras coufas ha neíle fyftema ^ mas não sáo táo claras , que as poíTais perce- ber nas circumílancias em que vos coníideroo Íí7"j. Eu eftou-me mortificando , porque fei que o vento aqui vos incommoda : dizia eu que nos retiraífemos às calas, e lá po- deríeis continuar as conferencias. Tbeod, Tendes razáo ; e vamos não para a livraria , mas para a volTa antecamera y que temos que fazer algumas obícrvaçóes nos eípelhos. Sih. Vamos para onde vós determinardes. §. IV. Trata-fe das reflexões das cores , ou do modo , com que fe njem os ohjtãos nos efpelhos, Tbeod. /^ Ra aqui eftamos melhor : fenre- V-/ mo-nos j e tratemos do modo com que refleífcm os raios de cor ^ e conhece- reis a razão porque os eípelhos nos repre- fentão aos olhos as noíTas imagens. Já vos tenho dito, que a cor não he mais, que í)s raios de luz modificados ; ou feja mera feparaçáo, como dizem os Newtonianos , ou por outro modo. Eftes raios de luz, antes de receberem eíla modificação, cha- mão-fe raios de luz ; depois que recebem efta modificação, chamão-fe raios de cor. £ug. ]á eítou no que sáo : dizei-me agora como reflcdem. Tbeod, Tarde fexta. ' 147 Theod, Defles raios de cor havemos de dizer o meímo 5 que dos raios da luz t Se dão em fuperjicie ejcahrofa , refle ciem com irregw laridade \ porém íe dáo em fuperficie Jiza^ coníerváo ameíma modiíicaçáo , que já le- vaváo , e por ilTo rambem coníerváo amef- ma cor : Se o corpo he ylano , como são os ef- f)elbos ordinários , refle ciem os raios fem fs iijuiitarem ^ nem fe apartarem mais ^ do que fs (ijuntarião , ou feparariao , fe fojfem pelo feti caminho direito , fem dar 110 efpslho ', e por iíío reprefentáo o objecflo do melmo ramn- nho 5 c]ue reria , íe íe viíle fem eipelho. Porem le o eTpelho be convexo , repre- fenta-fe o ob]c(^o mais pequeno ; e f e ó efpeliio he concavo , reprelenta-íe o ob;e- <í^o maior: a razão difto pertence á Cato- ptrica , e eu a darei algum dia (i). Eug, Áo menos explicai-me o que íuccede nos elpclhos planos, e lizoSj de que uía- mos com irequencia. Theod, Vós cftais lemibrado , que fe os raios da luz derem perpendicularmente no eípe- lho, hão dereíiedTir pelo meímo caminiio. Pois o meJmo digo dos raios de cor: por efta razão , Te vos puderdes detronte de hum efpelho plano , haveis de ver a volTa figura ; porque os raios de cor, que refledem de vós para o eipclho ^ dão nelle perpendicu- larmente, e tornão outra vez pelo meímo caminho para os voílos olhos, eaííim hão de repreíenrar nos volíos olhos avollameí- K ii ma ( I } Tom. IV. 148 Recreação Filofojica ma figura ; porque os raios reprefentão a objecio , donde fahem , e onde tomáo a íua modificação. Ifto claramenre ie vê no Olho artificial , de que já hoje faliámos : como os raios de luz 5 que vos dáo norofto, e vcí- tidos, tomáo ahi a fua modificação, e cor determinada 5 onde quer que forem , haven- do quem os ajunte do modo devido , háo de rcpreíentar o volTo rofto , veílidos , &c» Se eu me puzeíTe diante de vós , entraváo- me efies raios de cor pelos meus olhos , e neiles me pintaváo a volla figura , e por ilTo eu vos havia dever avós: logo fe eu me tirar de defronte de vós ^ e le puzer em meu lugar humelpelho, que vos mande os raios que fahem de vós, outra vez para iá, entrarão nos volTos clhos, e pintarão nelles a voíTa figura. Eis-aqui , Silvio , para que fervem as leis do movimento- Sil'v. Para que sáo preciías leis de movi- mento ; em fe dizendo, que as efpecics, que váo do objcd^o , parando no efpelho , pintáo nelle o objcôo , eítà tudo faiisíei- to 5 c com bem grande facilidade. Tbcod. Mas também com mui grande falfida- de. No eíj>elho 5 Silvio, não le pinta afi- gura do cbjcíro , que eftá fronteiro: ráo vamos mais longe i cu me ponho defron- te detle eípelho , ponde-vos vós agora nos cantos , cada hum em íeu ; eu , que eílou no meio da cala defronte dcfte eipelho J-Pt. 5. ( EJ}am\). 2. fig.6. ), vejc-me nelle rerrata- u§. 6, do 3 e vós não me vereis no eípelho : ora a Taríle fexta, 149 a minha figura náo eftá pintada nelle ; e fe eítà pintada, porque a náo vedes nelle, vendo todo o elpeiho í Se cm lugar do eí- pelho eíiivelTe hum quadro com o meu retraro 5 por cerro que o lavieis dever de qualquer parte deíla cafa : logo fe no ef- pelho a^ora eftá pintada a minha figura, porque náo a vedes de qualquer parte , ao me imo tempo que eu me eftou vendo perfeitamente ? Sil^j^ Mas vós confeíTais , que vedes no ef- pelho retratada a voíTa figura , logo eílà pintada nelle. Theod. Também iíTo náo he aíKm ; eu não vejo a minha figura no efpelho, vejo-me a mim mefmo muito alem do cfpelho: lá para dentro muitos palmos, tantos, quan- tos váo de mim a elle. Eug. lílo aílim he ; porque verdadeiramen- te no efpelho íe repreícntáo as coufas, como Te elHveíTem là muito dentro. Theod. Além de que , fe iffo que dizeis, meu Doutor, he alhm , porque razáo me náo hei de ver no etpelho , fe elle não eftiver voltado para mim: Vós agora nef- fe fitio, onde eílais, vedes-vos retratado no eípelho ? Silv. "Náo. Theod. Pois porque fenáo ha de pintar nelíe a voíTa figura, aJKni como íe pinta a mi- nha ? Náo tendes mais remédio, que re- correr ás leis do movimento , e ao modo die explicar , que nós damos. Silv. 15' o Recreação Filofofica Silv. Em eu dizendo, que he condição pre« cifa o eítar o elpelho direito para mim para nelle fe pinrar a minha figura, já fi- ca reípondido a tudo. Tbsod. Não póJe íer; porque eis-ahi eftan- do vós no canto delTa cafa (F) , náo ten- des o elpelho voltado para vós , e com tu- do Eugénio 5 que eílá da outra parte (vS) , vê a voila figura no efpelho ; aííim como vós haveis de ver no el[ielho a Eugénio , fe eíliverdes em corroipondencia. Logo iem que o eípelHo efteja voltado para vós, haveis de conceder, que cCú nelle pintada a voíía figura , fe acafo ainda di- zeis 3 que fe pinta no elpelho a figura, que nel!e fe vê. Eug, Eu vejo a Silvio dentro do efpelho. Sih. F> eu também vos veio a vós. Tbeod. Ainda mais , que nem eu vos vejo a vós no eTpelho, nem vós a mim, p.- rcm eu vejo-me a mim me imo. Eug. Quero a razáo de tudo iíTo. Th'rod. A razáo , porque vós me náo vedes a mim, que eiiou no meio, )á qunfi que alâbereis: hc porque como os raios de cor , que lahem de mim , dáo no efpelho per- pendicularmente, tornáo para mim todos, e aíIim náo vão para os voiTos olhos , e náo me poJeis ver a mim no elpelho. Eug. Em quanto a ifto já entcíuio. Tb^od. Eu também , queeftou no meio, (O) náo vos polTo ver a vós, em qu.into eíH- verdes ahi ; porque allim como o raio de luz 3 Tarde fexta, i^i luz 5 que cahe obliquamence no efpelho , re- flecte para a ourra parte , íazendo na refle- xão anE^ulo' igual ao que íez quando òqo no erpeího , como já diííe , aílim fazem tam- bém os raios de cor ; os r.iios 5 que de vós rePicdrem para o eípelho , Jáo ne-!e obliquamenie 5 e vão parar aonde eílá Síl- vio , por ilTo elle vos vè , e eu nâo. Eug. E porque háo de ir parar a elle? Theod. Eu o digo; porque alinha, que vai do efpelho ao lugar, onde Silvio eítá , e a linha , que do melnio elpeiho vai ao lu- gar, onde vós eílais , fazem com a pare- de, onde eílá o elpeiho, ângulos i^^uaes ; e aílim os raios , que vierem de vós para o efpelho, refieífiem do efpelho para Sil- vio; e os que íahirem de Silvio, refledlem para vós, Eugénio. Eis-ahi a razão, por que cada hum de vós vê ao ourro, e tam- bém porque fe não vê a fi meímo ; por- que os raios de cor , que fahem de cada hum , náo tornáo para elle , mas vão pa- rar ao outro cjnto. Silv. E por onde vos coníla a vós , que elTes ângulos , que com o efpelho fazem as linhas , que dellc vem para mim , e para Eugénio, sáo iguacs? Theod. Por onde ? Reparai no xadrez da ca- ía : não vedes que elTas tiras de taboas , fobre que vós ambos tendes os pcs , vão parar debaixo do efpelho? Como o xadrez ellh certo, tanta inclinação ha deter pira a parede ataboa, fobre que vóseuais, co- mo 15' 2 "Recreaçrio Filofofica mo a ourra , fobre que eftá Eugénio ; e tendo igual inclimçio para a parede , fa« zem com ella anguios iguaés : ora como elT:as laboas leváo unir com a parede bem debaixo do elpelho, le^^ue-fe que a mef- ma inclinação , que tem as caboas a re- fpeito da parede 3 lem os raios de cor a re- ípeiro do elpelho j por ilTo dille , quefaziáo ângulos i^uaes , quando os volíos raios dan- do no eípelho retieífiiáo para Lugenio , e os de Eugénio para vós. Eug, Pergunto mais : E fe eu me chegar iTíiis perto áo eípeibo 5 ou me aíFallar mais de lie 5 lempre me ha de ver Silvio, eíbn- do como eftá ? Tbcod. Sevos vos moverdes fempre porfima deJa taboa , que vai dar aoelpel.ho, que- ro dizer 5 pela meíma liniia re(fVa , que vai de vós aoclpelho, como fempre fazeis o mefmo ang-jío , fempre haveis de ler vifio como an:es ; porque eu já vos diffe , que para os angu es importava pouco ferem as linhas curtas, ou compridas ; e também liáveis de ver a Silvio , fe elle fe não aírai-liar para as ilhargas. £ug. Tenjes razáo : agora fiz experiência, e vi que alTim era ; que mais experiências tendes para fazer acerca dos efpelhos? Tbsod. Mandai vir aquella caixinha de efpe- Jhos , que vos mandei effa manha. He , Eugénio , huma caixa quadrada , por den- tro forraJa dcelpelhos, tem no fundo hum iardim , e huma figurinha de barro ; porem olhar,- Tarde fexta, 15*5 ©liiando para algum dos erpelhos , vem-fe Jhum^s campinas incerminaveis de hum fó jardim continuado, emuica geme pallean- do as fuás ruas. SiN. Aílim luccede na verdade : aqui aten- des, obiervai 5 Eugénio, e vede , que he • verdade tudo , quanto diífe Theodofio (£/- Eít- 2- . tam\). 2. f.g, 5. ). ^-Z' 5- Eug. Náo acabo de me admirar de liuma rio agradável viila : não le vê fim aos jardins, e ás fontes; a gente be innume- ravel (deixai-me enganar a mim melmo, que sáo agradáveis ettes enganos ). Porem já me inquieta o delejo de fabcr a razáo defte encanto. Theod. A razáo já a tendes ouvido em ma- téria mui iemelhance. Lembra-vos huma experiência , que hontem fizemos , quando , tendo dous eípelhos , hnm fronteiro ao ou- tro 5 pondo huma 16 vela acceza entre el- les 3 vieis luzes quaíi infinitas: Mug. Bem me lembro, e me explicaíles elTe effeito, valendo-vos de huma eítampa pa- ra iíío prevenida. (Ej^amp. i. fg, 4.) Eíl. r, Thfod. Pois aqui he a mefma razáo: o que fig* 4- então dilTe dos raios da luz , que lahiáo da vela, e alternativamente refiediiáo de hum efpelho para outro, digo dos raios de luz modificada; quero dizer, dos raios de cor , que lahem da figurinha , queeftá dentro da caixa, erefiedlem de hum efpelho para ou- tro : eftes raios pehi mefma razáo háo de repre Tentar muitas figuras i e eis-aqui ren- des 15' 4 Recreação Filofofica des a Tízáo 5 por que nos efpelhos vedei muita gente , íendo huma lò a figura ver- dadeira. O mefmo digo da mulciplicaçáo das fontes 5 fendo fò huma na realidade i e o mefmo fe deve dizer do quarteirão do jardim, que também fe ha de niuhiplicar nos efpelhos , e fazer hum jardim conti- nuado. Porém como na caixa ha efpelhos pelos quatro lados, não íó haveis de ver os objectos muhiplicados para diante, fe- náo também para as ilhargas. Eug, Tenho entendido 5 e dtieio fummamen- te fazer huma caixa como cfta : dizei-me o artificio, que deve ter; porque náo quero que o trabalho fique baldado por omittir al- gTimas circumftancias , que lejáo precifas, Theod. Mandai fazer huma caixa bem qTiadra- da , de forte que os feus lados fiquem per- feitamente em efquadria ; depois mandai cortar quatro vidros de efpelho do mefmo tamanho dos lados da caixa pela parte de dentro , e forrai com elles a caixa por dentro , de forte que nos cantinhos ajuf- tem o mais que puder fcr huns efpelhos com outros , nem háo de ficar com inclina- ção alguma : podeis fegurallos por fima com alguns alfinetes 5 que entortando as cabeças para dentro, os náo deixem cahir ; e em baixo podeis pôr huma taboa , ou papelão groffo quadrado do mefmo tamanho , que o fundo da caixa 5 que entale os efpelhos : feito ifto 5 nefte papelão podeis mandar pintar com cores vivas hum pedaço de jar- dim. Tarde fexta. 15' 5' <3im, e melhor fera, fe o jaruim for bor- dado com froco verde , ou folhinhas de iTiurra contrafeitas mui miúdas : deixai al- gum efpaço vafio , que finja fer rua de jardim: nella podeis por huma figurinha de barro , e huma fonte ; e com iilo vereis os efreitos que defejais. He preciío porém advertir , que num lado da caixa ha de haver hum buraco, como vedes nefte e {Eftam^. Eíl. 2. 2'/^-5.)5 por onde caiba hum dedo, e no ^s» J* efpelho, que tapar efte buraco pela parte de dentro , haveis iubcilmenre roçar o aço , de forte que por ahi polTais olhar para den- tro da caixa ; m.as fe nâo puderdes fazer effe buraco comm.odamence , pela borda da caixa podeis olhar , e vereis o melmo. 'Bug, Agora já eífou foceg-ido neífa parte; vamos a outro cfFeito, que ha tempo me tem dado em que cuidar. Tenho em Lis- boa no meu gabinete dous efpelhos fron- teiros hum ao outro , e íuccede que vejo nelles as m^inhas coftas, o que me he pre- ciío 5 quando faio para fora ; neftes dias porém quiz fazer o mefm'^ em volla cala, onde também ha dous efpelhos fronteiros hum ao outro , e náo foi pollivel ver as minhas coftis. Th?oà, A razão ha de fer efta infallivelmen- te : no voíTo g.ibinere ao menos hum elpe- Iho ha de eftar inclinado para baixo ; e baf- ta iiTo , para que vós vejais as volTas coifas. ILug. Náo ha dúvida que aííim he ; e em vof- ia cafa eftáo os efpelhos ambos direitos a pru- 15*6 Recreação Filofofica prumo fcm inclinação alguma; mas ramoí à razão delTa diverndadc. Tbeod. Não me liav^eis de encender , fem ao menos debuxarmos ali^uma figura , que nos facilite a incelligencia : eu a faço: dai-me, Silvio, penna , e tinca. Silv. Melhor he explicardes ifto mefmo na praxe com efpelhos verdadeiros ; vinde cá denrro a e'.-ta anre-camera. Tbsod. Ilío he melhor. Eug. Ora vós , Silvio , também lá no vof- lo fvílema vos atreveis a dar a razão def- te effeito ? Silv. Nós diípucamos acerca de coufas mais lubftanciaes , e fticnrificas ; não nos canfa- mos cm averiguar fe os efpclhos eftáo tortos, ou direitos, que tem cá iilo com a FUoloíia : Thcod. Aílim he , Silvio : vamos nós , Eugé- nio , ao nolTo ponto: aqui temos huma fa- la, que tem os efpelhos, como íupponho EH:. 2. que os tendes novoílo gabinete (Ejiamu. i. fite- 7- í^l' 7')- D^ huma parte eftá efte efpelho (áf) direito 5 deíronte eftá eftoutro incli- nado i pondc-vos , Silvio, defronte defte , que eftá inclinado i reparai agora, Eugé- nio : o raio de luz modificada , ou de cor, que rerleclí das coftas de Silvio pa- ra efte elpelho direito , vem dar aqui ( em í ) ; mas como cahe obliquamente, náo torna pela mefma linha , e aílim refie- cbe por fima da cabeça de Silvio , e vai parar ao outro efpelho > e da aqui v. g. (em Tarde fexta. í i , que fe continua a iuperficie da agua aíé onde eu ertou , já entendo, Tbeod, Eíla m.efma he a razáo de outro effei- to mui ordinário, e he , que quando met- íeis hum bordão na agua obliquam.entc , parece que o bordão eítà quebr.^Jo ; e náo he o bordão o que cila quebrado , sáo os raios da luz, quj refledem Jelie para tora , e ao íahir da a^ua quebrào. Para me eK- L ii pH- 164 Recreação Filofofica plicar melhor , he precifo valer-me de huma eftampa, que já uouxe de propofito para Eíl. j. explicar cite ponto. ÇVeja-fe a fig. 2. Ef- fíg. 2. r/i»;^.^.) Supponhamos que w 7; hehum valo com agua ^ e que metteis dencro o voíTo bor- dão , allim como aqui fe reprelenra ; ha de parccer-vos que íc quebrou : porque a pon- ta do bordão a , que eftá quafi no fundo do vaio , ie vos ha de reprcfentar em di- reitura de «. Porque os raios de luz, que refleftcm da pcnra do bordão , e fobem pela agua ate á lupcríicie o , tanto que cnegão ahi , não váo direitos para/', que- bráo , e entortáo-ie para i : ora vós não podeis ver os objeclos , fenáo pelos raios de luz 5 que refltdlem delles , e entrão pe- los volTos olhos : e além dilTo o objedlo íempre íe reprelenta por linha refta , que- ro dizer, o raio í o he o que vos repre- íenta a ponta do bordão, eha de reprefen- talla em direitura de ?i , porque efte he o lugar, onde vai parar eíTe raio continua- do por linha redla : eis-ahi porque o bor- dão vos parece que eftá quebrado ; por- que verdadeiramente o eftaria , fe eftando a ametade de fmia , como aqui fe repre- fenta , a ponta eRiveíTe junto de 7/ , como parece que eftá a quem vê de 7. Eug. Agora me lembro , que quando no efca- ler paiTeio pelo rio , todos os remos me pare- cem quebrados^tanto que le mettem na agua, Theod. He amelma razão; como também o he de outra experiência mui vulgar, con- vém Tnrde fexta, i6^ vem a faber , que rodo o vafo cheio de agua , e viílo cie fima , parece que náo tem ranta altura, como quando le vè va- fio ; e he porque de qualquer parte do fundo reflcíbem raios, que ao fahir da agua que- bráo como os do bordáo , e reprelcntáo o fundo mais alto do que na verdade eftá. §il'V. Ora já que tratamos desenganos, que padece a vifta , vendo os objeílos, onde elles náo eíláo na verdade, dizei-me qual he a razão, porque eíles vidros dos meus óculos fazem as coufas maiores do que ellas são? líug. Nos meus fuccede pelo contrario , por- que fazem os objeâ:os mais pequenos ; qual he a razáo deite efTci to , Theodofio , fehe que náo vem fora de propofito o pergun- tar iílo agora ^ Tbeod, De hum , e outro cfíèiro remos a razão nos principios, que acabámos de eílabele- cer. Os vidros dos volTos óculos , Eugé- nio , são côncavos de huma parte , ou de ambas ; aííim coftumão fer os dos óculos , a que chamão de gráos , e eftcs vidros côn- cavos fazem os objectos mais pequenos. Pelo contrario os vidros dos óculos , a que chamáo de velho , são algum tanto convexos , e efres augmentáo os objeílos. SiLnj. Vamos nós á razáo óqíTq eífeito. Tbeod. Ainda que mais largamente hei de ejc- plicar ill:o , quando tratar do modo com que obra o fentido da viíla , refponderei agora á voíTa pergunta brevemente. Faça- Eíl. ?. mos huma figura : (ysja-Je afig.'^. EJ^amp.'].) fig- J» £f- l66 Recreação Filofofica Efte corpo h p finge fer huma lente conve- x.i viíb ce ilharga : os raios c^ue rtBe- íbem deíla lagofta ae, pafíando pela leme convexa 5 ainniáo-fe enr« o : loí^o fe ahi pu- zercies os olhos , a cabeça da lagofta /i ha de parecer-vos que eftá em / ^ porque a elle lu- gar vai parar o raio o b ^ (e o continuardes por linha redla ; e jà dilTe , como a nós íempre nos parece que os obiecftos eíláo nos lugzres 5 onde ináo parar os raios , que nos entráo pelos olhos , fe os conrinízaiTemos por linha reí^a. (N'áo provo aqui ifto , por- que pertence a ourro lugar). Da rrelma for e a cauda da lag -fta f ha de vos parecer que eítà em r/z ; porque o raio op, que he o que a repreíenra, le fe continualTe por linha rec3-:i y ii ia parar 3 m: e parecendo-vos a vós que a lagofta tem a cabeça em z, e a cauda em m , parecera muito maior, porque occupa muito maior efpaço. Eu . Agora vejo que náo de balde fe can- çáo os Filoíoíos com eftas leis de reue- xóes , e retracções, pois fervem para ex- plicar tantos efflifos. Tb.od. Efta mefma ra?áo ferve para explicar eftoutro effeito^ que direi : Se encherdes hum copo de agua, e tiverdes hum dedo pofto ao alto 5 eencoílado ao vidro pela par- te de fora , olhando da outra pane , de forre que fique o copo entre os voíTos olhos , e o dedo, parecer-vos-ha dedo de gigante : c he a mefma r^^záo ; porque o copo cheio de agua fazomefmo que huma len- Tarde Jexta. 167 íenre de vidro convexa de ambas as partes. Fazei experiência, Eugénio, e vereis. Sih. Aqui efta tudo o precifo^ temos co- po de vidro , e a agua, que íervio para à experiência da moeda. Eug. Que monílruoridade ! Parece-me dedo de Polifemo ! Náo ha veneno tão forte, que faça inchar os corpos tanto 5 e táo depreda , como o faz eife copo de agua. Que dizeis, Silvio ? Sil^-o. ]á tenho hum remédio que dar aos lificos para engordarem. Eug, Vamos agora dar a razão , por que os óculos de que ufo fazem as couías mais pequenas. Talvez que vós, Silvio, acheis r.iílo algum remédio para emmagrecer os hi- dropicos. Sil-j, Beni pvóde fer. Theod. Aqui milita a razão contraria : as len- tes convexas , porque ajunráo os raios, fa- zem parecer as couías maiores ; as concavas , porque os efpalhão , háo de fazer que as coufas nos pareçáo mais pequenas. Façamos huma figura, que nosexplique iíto (^fig-4- Eil. 5. Ejhmp. :5.). Os raios, que fahem das duas fig. 4. extremidades dafetca, palTando pela lente concava , quebrão , apartando-fe entre fi , de forte que fc náo íoiTe a lente, ajuntaváo- fe em a; porém como a lente os aparta, ajuntáo-fe mais tarde em^: fuppofto ifto , o raio e o , que repreíenra a ponta da íet- ta , fe o continualTemos direito para diante, iria parar a ?» j e por confeguinte ha de repre- fen- i68 Recreação Viloíofica fenrar eíTa pcnia da fctta em w ; damefma furce o raio ei, que reprefenta as pennas da fetta , f e o coniinuarmos direito , vai parar a;;, e ha de rcpreientar as pennas cm 11 : ora repreícntandc-fe a pontada ietra em 777 , e as pennas em n , fica a íecta mui pe- quena : eis-ac]ui como as lentes concavas fazem os objeclos mais pequenos: e bafte- vos itlo por agora j porque eftes , e outros effeiros lemtJÍiantes fe explicarão com mais commo-iiJade , quando rrara-mos dos olhos , e do modo de ver os objecios : então vos explicarei codas eíTas curiofidades. Eug, Acceiro a promelTa para entáo ; por- que he incrível o dcleio que tenho de íaber as cauías deiles efFeitos ordinários, que eílamos vendo rodos os dias. Sibj. Tenho grande fentimento , Eugénio, de náo vos terdes applicado aos eltudos , para poderdes com mais facilidade latisia- zer aos voiíos deíej s. Theod^ E dou por acabada a conferencia. Agora, Eugénio, parece-me que sáo ho- ras de nos retirarmos > para que fique a Silvio tempo livre para o feu eftudo. Sih. Hoje náo quero ter mais eftudo , que na voiTa converfaçáo. Converfemos noutras matérias, e hoje vos tenho prevenido hum concerto de mufica , porque íei que Eu- génio he mui apaixonado por ella. Eug. Tendes razão , e cada vez vos fou mais obrigado , porque me quereis dar goílo em íudo. TAR. Tarde fetima, 169 TARDE VIL Trata-fe do Som , Cheiro , e Sabor. §. I. Ex^Iica-fe qus coufa feja Som y ç como fe difunde. Etíg, T^Arece-me, Theodofio , que hoje r^ temos o tempo accommodado para "^ o palTeio pelas praias ^ porque o Sol eftá encuberto com as nuvens , e náo remos vento que nos perturbe. Theod, Saiamos embora , e enconrraremiOS 3 Silvio, quando eile nos vier buícsr. Eug. Náo vos fei explicar, Theodoíio , a im.prelsáo que no m.eu animo fez a muiica de honrem á noire ; a fer Silvio inteira- inente íabedor do meu animio, ráo pode- ria preparar- me divertimento , que mais tranlportalTe toda a minha alm.a. Mas há vem já Silvio ; aprefiemos o paíTo a cn- conirar-nos com elle. Theod. Eu perfuado-me que fó ânimos ro- lalmenre infenfiveis deixarão de fecommo- ver , e abalar com a Mufica , quando ella he como a de honrem á noite 5 táo harmo- niofa, táo patética, e táo bem ajuíl:ada. Sil^. Pelo que vejo , já tardava. ThsQd, O eàí^rmgs já no caminho prompros pa- ijo 'B.ecreaçãõ Filofofica para o palTeio não foi em nós impaciên- cia 5 foi ílm prevenção para vos não dar tanro trabalho. Siln). E para onde fe dirige hoje o palTeio ^ Tbend. Será por eft^s praias adiante , fervin- do-nos de diverrimento aviíla do rio, que para Eugénio he muico agradável. Silnj. E que matéria efcolíieis para a con- vei íaçáo ? Theoà, Seja a mefma em que vínhamos fal» lando , a miifica com que hontem nos re- creares : encáo tiveráo exercício os ouvi- dos, agora dem elTas vozes, e inftrumen- tos mareria ao difcurfo , e cratemos do Som 5 e da Muíica ; e fe houver tempo , tra- taremos do Cheiro, Sabor, e outras marerias pertencentes ao ufo dos outros Sentidos. Eug, Boa matéria me parece que fera ; e fe o diicurío tiver igual recreação á dos ouvidos, náo defejo mais. Silu. EÍ3 5 principiemos ; porque como Eugé- nio hc íummamenre ambicioio defte tempo , náo quer perder nem hum minuto , que náo ie empregue nefta recreação literária. Na minha opinião já fabereis , Eugénio, o que he o lom : fuperflua he a pergunta; mas para ficardes com noticia mais indi- vidual, eu o digo em poucas palavras. O corpo fonoro produz no ar humaenti lade , ou qualidade, a qual vai produzindo ou- tras no ar vizinho, e eftas vão produzin- do outras , até que chegâo a entrar nos noííos ouvidos^ e aílim ouvimos o íom. Tarde fetima, 17 r ■Eug, Dizei vós agora ^ Theodono 5 que he o fom no voiTo iVílema ? Theod. Digo 5 que o lom coníííte no movi- mento do ar : movimenio , digo, vibra- tório, e tremulo: duas coulas tenho aqui que provar; primeira, que o íom confiftc no movimento do ar ; fegunda , que eíTe movím.enío ha de ler vibratório, e tremiu- lo: vamos âs experiências, que são a me- lhor prova para o incenio. Dizei-me , tu- genio : Em que coníifte o ícm , que tem huma frauta, quando a tocáo ? Bem vedes que he o ar m.ovido ; por iíTo , fe não fo- prardes , não loa j e fe lhe rapardes todos os buracos 5 como náo fahe o ar, não lahe o fom. Mais. Em que coníifte o fom , que faz evento, quando herijo, entrando pe- las gretas das portas , e das jancllas , que parece que aOobia ? Claro eftá que he o ar movido. Em que conGlle o fom da nolía voz? A experiência quotidiana nos enfma , que confiite no ar m.ovido ; porque para fallarmos, tomamos primeiro arelpiração^ e em fe acabando de lançar o ar pela bo- ca , náo podemos fallar , fem tomarmos novo ar na nova rerpiraçâo. iSí/-j. Alguns Peripateticos também diíTeráo iiTo ; mas a mim nunca me pode agradar femelhani-e opinião. Eug. Nem eu ainda lhe dou aíTenfo , por- que eis-aqui íe move o ar , pois fentimos huma freíca viração \ e com tudo não ou- vimos ígm algum, Thcod. 172 Recreação Filofofica TbeQd. Eu logo ao principio difíe , que o fom não conliftia em qualquer movimento do ar, mas em movimento do ar cremu- lo , e vibratório ; e eíle movimento tre- mulo , e vibratório do ar ha de fer em ca- da numa das particulas mínimas , e infcníi- veis do ar 5 de íorte que cada huma trema de per fi. Xáo he movimento total, como íuccede na viração 5 onde todas as particu- las váo junrapienie para huma parte. Eug. Pois rodo o lom conUfte nelTe movi- mento tremulo í Th:od. Sim : na voz humana temos experiên- cia. Quando nós cantamos , fe puzermos a máo levemente na garganta , a fentire- mos tremer com hum tremor miudiíIimo> porém reiífivel ao taílo ; e efte mefmo tre- mor, que tem os orgáos da garganta, fe communica ao ar , que por ella fahe. Além dliío , a corda de hum inftrumento mufico , que chamamos Cravo , por iíTo loa , porque treme ; e tremendo , communica ao ar o mef- mo tremor; de forte que fe lhe puzermos o dedo em fima, e tocarmos a tecla, que lhe correfponde , já não Toa, porque o de- do lhe impede o movimento tremulo. Ain- da mais: Humfmo, depois de dar huma ba- dalada y em quanto fica foando , fenfivcl- mente úcn tremendo , como experimenta com facilidade quem lhe põe a máo leve- mente ; e tanto que fe acaba aquelle fom, ou zunido , que coftuma ficar depois da badalada, também fe acaba o tremor. Hum tim- Tarde fethna. ly^ limbale, fe tiver o couro tão laço , que to» cando-ihe náo trema ^ também não loa ; o melmo fe obfcrva na corda de qualquer inílrumento , íe efta demaziadamentc tro- xa : e de ambas as experiências he amef- ma razão; porque náo tremendo o couro, ou a corda , náo le pôde communicar ao ar efte movimento vibratório, e tremulo, e allim náo ha fom. Sil-v, A mim faz-fe-me dií^cultofo de crer, que le communique o movimento da cor- da , ou do couro ao ar. Tbíod. Temos para prova diíTo muitas expe- riências ; primeiramente eilando junto de alguns finos , quando fe repicáo , luccede muitas vezes que o chapeo , que eftá na máo , principia a tremer com hum tremor femelhante ao que le experimenta na gar- ganta , quando huma pelica canta, c lhe póe levemente a mão : o m.eímo me tem luccedido ellando junto de alguns inftru- mcnros maiores 3 como rabecão grande , ou orgáo , que tendo o chapeo na máo o Ten- tia tremer , elpecialmente quando íoavão os canudos maiores. Ora he bem evidente , que os inílrumentos, ou íinos náo me po- dem fazer tremer o chapeo , ou coufa le- melhante, lenáo em quanto fazem tremer o ar ; e o movimento, ou tremer do ar, por ler neftes calos m.ui forte , faz tremer o chapeo, íe eítá na máo, e deíampara- do , por eftar mais prompto para receber íenfivelmcnte cíle tremor. 174 Recreação Filofofica Silnj, Ainda náo fiz cíTas experiências; efò quando as vir , poderei crer o que agora accreícencais ; que náo íó as couías que íoáo comm-jnicáo ao ar o íeu movi memo , fenáo que o ar alíim movido, e tremulo Lz tre- mer os cornos fólidos que enconrra. Thcod. Podeis fazellas cada vez que tiver- des occaíiáo 5 e achareis que sáo certas : pelo menos tereis obfervadu muitas vezes, que quando Te dilpara huma peça de arti- Iheria 5 tremem as calas , que cttáo í^opc, e muicas vezes le quebráo as vidraças ; - pois aqui náo ha outra caula , que poíla fa- zer eitceífeiro, íenáo o movimento do ar ^ e íe náo , dizei-me ; Quem abala eitas cafas ? Quem faz tremer as portas r Quem fazef- talar as vidraças, fenáo o ar movido? Silv. Ahi não duvido , porque he hum mo- vimento mui forte ; mas nos órgãos , e nos inftrumcntos muficos , e ainda nos finos, náo pode fer tão forte o movimento. Tbeod. Também o tremer hum ch.ípeo v. g. ou outra coufa íemeihance ^ náo pede cau- fa tão forte , como o tremerem as cafas , e as portas, e qucbrarem-fe as vidraças. Euo;. Eu também eílava admirado, e duví- dofo ; ptjrcm contelTo a verdade , já me vou dando por convencido. Tbeod. Ainda eu vos náo referi 3 experiên- cia mais evidente, que ha nefta matéria ; c vem a fer efta. Na máquina Pneumática , que viftes tm minha cafa , fe póe hum Recipiente de vidro baílantemente grande (cha. ; T^rde fe tinia. ly^ (chama-fe Recipiente , como já diíTe, a qualquer manga de vidro , donde íe tira o ar). Se dentro deílc Recipiente pendu- ramos huma campainha por cordel , e náo couía de metal ( Eftamp. 5. fig. 1:5.) obfer- Eft. j.. vam.os iíl:o , que íe abalando a máquina fa- fig.ij. zemos que a campainha de algumas bada- ladas 5 ouvem-le baftantem.ente ; porém fe lhe tiramos hum pouco de ar, já fe ouve muito menos 5 e parece que eílá mais ao longe a campainha ; continúa-íe a tirar o ar 5 e finalmente ou não íe ouve , ou qua- fi que fe náo ouve ; e parece que a cam- painha íe toca numa diftancia grandiiíima 5 e iíio ainda que fe toque com força. Sil^j. Já experimentares ilIo ? Tbeod. Muitas vezes i e quando quizerdes, vos farei a experiência em minha cafa. A mefmia experiência fe hiz ainda melhor com hum, relógio , que de horas , poílo ío- bre huma almofadinha bem iofa 5 em^ ordem a que íe náo communique o movimento a maquina. Silv. lífo também pode proceder de eftar a campainha tapada com o Recipiente por to- da aparte, e porilTo náo íe ouvirá o íom. Theod. Que efla náo he a cauía principal , vê- f e i porque eítando a campainha tapada da meíma forre , á medida que lhe tiramos o ar, . fe vai ouvindo menos o fom ; de forte, que íe lhe tornarm.os ametter o ar dentro, ^ torna aouvir-fe perfeitamente o fom , ain- da que eileja tág tapada a campainha co- mo 176 Recreação Vilofojict mo antes : fempre porém fe houve menos do que ciranJo a manga de vidro ; porém ilTo rambcm prova o que eu digoi porque como o ar náo tem por onde pa»lar , náo fe diífunde láo facilmente o Tom , como íe náo eftiveiTe a campainha tapada. íz/t;. Pois nós por ventura havemos de di- zer, que huma peíTa deartilheria move o ar em redondo até á diftancia de dez lé- guas, e mais ! E he certo que a eílas dii- tancias chegi o fom do tiro. Tbsod. Huma pequena pedrinha cahindo num grande tanque de agua, move toda a íu- perficie de agua; porque tanto que a pe- drinha cahe , fc principiáo a formar huns cír- culos na agua , os qu.^es váo rucceííivamer>- te creícendo, e deíia forte le move roda a fuperíicie, O me imo digo do ar : bem vejo que vai grande diíferença de hum tan- que ao efpaço de dez léguas , ou mais ; mas também vai grande diíFcrença da com- moção 5 que caufa hum tiro de pelTa á com- moçáo 5 que caufa huma pequena pedrinha cahindo na agua : além de que , o ar como he muito mais fluido que a agua, tambcm fe move muito mais facilmente que ella. Eug. E qual fera a razáo , por que os mef- mos fmos ao longe humas vezes Ic ouvem mais , outras menos ? Tbeod. A razáo he ; porque como o fom con- fille no ar movido , quando o vento eílá de lá , lança para cá as particulas do ar, que vem com o feu movimento vibrató- rio^ Tarde fe tinia, 177 rio , e eíle mefmo levem communicanJcT ás outras até os ouvidos, e aílim mais fa- cilmente vem o lom para cá i pelo contra- rio , quando o vento eílá de. cá, as partí- culas do ar , que o fino fez tremer, vão para lá , e aílim mais communicáo o tremor ás outras, que encontrão da banda de lá , do que às outras , que ficáo da nolTa par- te ; por ilTo o íom vai para lá , e de cá fe ouve menos. Eug. Até ahi bem fe explica ; porém antes que paliemos adiante, haveis de dsr a ra- zão de iiuma couia, que me tem admirado. Huma delias noites paliadas obierveí , que as torres de S. Gião , e do Bogio atira- váo , c tardava o lom muito tempo de- pois de eu ver o lume. Já tinha obferva- do em Lisboa coufa Icmelhante : muitas ve- zes ao longe via eílar os carpinteiros tra- balhando nos telhados , pregando algum prego, e quando eu ouvia o Tom da pan- cada, já o martelo ellava levantado no ar para dar íegunda ; couia, que quanto mais oblervava para me certificar , canto mais provocava a minha admiração. Sih. Quando faz trovoada , obfervamos o mefmo; porque primeiro vemos fuziilar o relâmpago 5 e dahi a muito tempo ouvimos o trovão , lendo que hum vem juntamen- te com o outro. Tbsod, Tudo tem a raefma caufa , e he ; por- que comj o fom confifte no movimento áo ar , todo eííe efpaeo de tempo hc preci- Tom. II. ' M fo 178 Recreação Filofofíca fo para fe vir communicando o movimen- to de humas partículas de ar ás outras , até chegar a nós: náo cuideis que he preciío vir até nós omelmo ar, que citava junto da peça , e le moveo ao principio i bafta que elTe mova o que tem junto a fi , c eíTe o outro, &:c. até fe mover o que eftá junto dos nolTos ouvidos , como luccedc nos circulos do tanque. 5i7''j. Tende máo , TheodoGo , que mife- ravelmente vos condemnalres agora ; dizeis que o íom tarda tanto em vir deide a pe- ça de arrilheria aré nós, porque todo eiíe lempo he precifo para fe communicar o mo- vimento de humas partículas a ontias delde a peça are nós : tanibem a luz dilíeftes vós , cjue le diffundia , communicando-íe o movi- mento de humas partículas ás outras i e ain- da aflim nso gaita tanto tempo em chegar aos noíTos olhos , porque dando-le o tiro TIO mefmo inftante , em que fe accende a pólvora 3 muito primeiro vemos o lume da peça 5 do que ouçamos o tiro: por on- de , amigo Theodofio , ou elTa razão náo chega 5 ou a luz náo coníille noraovimen- ro que dilTeftes. Tbeod. Ora focegai , que náo haveis de ficar fem refpofta : a luz, e o fom confiftem no movimento de partículas ; porém a luz con- Cfte no movimento das partículas da ma- téria ethérea , ou do fogo , c o íom no mo- vimento das partículas do ar ^ e a diveríl- dade qwe ha entre humas partículas ^ e ou- tras, Tarde fetima, 1 79 trás 5 lie a ca ufa de le diífundir o movimen- to mais depreiía na luz do que no fom. Silv» Pois que differença ha ^ que faça pa- ra o ponto ? Tbeod. Duas: a primeira lie, que a matéria da luz He muito mais fluida que o ar , e por ilTo íe communica por elia maisdeprelTa o movimento : fegunda , porque as partí- culas do ar, dizem os Modernos , que sáo mui flexivcis , como evidentemente moí- tráo muitas experiências ; e quanto mais flexiveis sáo humas partículas , mais lenta- mente communicáo movimento ás outras: efba pedra , que ahi cftá no chão , facil- mente a movereis com eíla bengala, que íe não dobra; e fe aquízerdes mover com a ponta do efpadim , haveis de gaitar mais tempo , porque antes que a pedra ic mo- va, le ha de dobrar muito o eipadim : pois o mcfmo fe deve dizer , á proporção das particulas doar; por ilTo gafta mais tempo o fom em vir ao noíTos fentidos, do que a luz; mas com tudo iíTo náo he tão vaga- rofo , que em hura minuto fegundo 5 itto he 5 na fexagefima parte de hum minut® , náo corra 524 varas das nolTas : e por eíle modo fe pôde medir com bem facilidade , e íegurança a diftancia de dous lugares , mandando dar hum tiro em hum, e obfer- vando 3 , ou 4 vezes para fegurança o tem- po que tarda o fom. Eug. He para louvar certamente a grande curiofidade , que os Modernos tem para M ii ave- i8o Recreação Filofofica averiguar até as mínimas eircumftancias , que luccedem nos eíícicos naruraes , para que ordinariamence íe olha tanco em grof- fo 3 como dizem. Sil^o. Ora dizci-me, Thcodofio : Como lie poílivel que o fora confiíla no movi men- to do ar 5 íe o ícm fe communica de huma caía para oucra , eftando a primeira bem fechada; Tbeod. ^'empre pelas gretas das portas paíTa algum ar; porem íe o ar náo puder paíTar de nenhum modo , como íuccede no Reci- piente bem tapado , ie o eítrondo for pe- queno, não le ouvirá; e fe for mui gran- de, fará mover o vidro, e eífe o ar , que eílá tora 5 e aílim Te communicará o fom. Sil^j. llío he impollivel. Theod. ]á vos provei , como o ar movido com movim.enco vibratório, movia os cor- pos folidos , que encontrava , e iflo com hum tremor fenfivcl i e não he necellario para o fom , que o tremor íeia fcnfivel ao tado , como hc nas experiências, que referi : menor miovi mento bafta ; por itío menos força he necelTaria para íe commu- nicar aos corpos folidos o movimento pre- ciio para o lom. SiliK Ainais agudo do que ou- tro ? (Som agudo chamo eu áquelle , que eftá em tom mais alto , v. g. como os ti- ples 5 e contraltos ; fom grave áquelle , que eftá em tom mais baixo). Vós, Theodo- fio , como fois inteliigente demufica, per- cebeis os termos próprios. Theod. Advertiftes bem i porque muita gente cuida que he o mcímo tom mais alto , e mais i86 Recreação Filofojíca mais agudo, do que fom mais forre, e ri- jo; e he eng.íno , porque hum fino grande tem voz m.ais torte , que hum paliai inho, c o pafíarinlio tem voz muito mais alta, c aguda do que o fmo. Sili), Bom he eilarmos livres delíe engano. Thsoà, Refpondendo pois , Eugénio , á voíTa pergunta , digo , que o fom mais agudo coníifte em que as vibrações do ar lejáo m.ais amiudadas ; e o íom grave pelo con- trario em que fcjáo mais vagarofas. ]á dif- f e , que o fom confiília no movimento tre- mulo do ar , caufado pelo movimento tremulo do corpo fonoro , v. g. da corda do inítrumento. O movimento tremulo já íabereis, que he omeímo que movimento vibratório, ou movimento, que confia de vibrações '■, porque a corda tremendo vai para huma parte , dahi torna para outra , depois volta outra vez para a parte con- traria até íc aquietar ; eftas idas , e vol- tas chamáo-fe vibrações; e de caminho he precifo faber , que eftas vibrações , ou tremores nalcem doelaíterio da corda , ou da força , com que eftendendo-a , e puxan- do-a com o dedo para a ilharga , ella fe reftitue ao feu eftado natural; porilTo ef- tando folta de huma parte , náo treme ; porque ainda que a mováo para a ilhar- ga , náo fe eftende \ e largandc-a , náo fc refticue, nem treme, nem faz fom algum. Dizemos agora , que quando eftas vibra- ções forem mais breves, e mais amiuda- diis. Tarde fethna, 187 áas , Terá o fom mais agudo , e o tom mais alto j e quando forem mais vagaro- fas , Terá o íom mais grave ^ e o com mais baixo. Eug. Eu eftou coflumado a não dar credi- to a nada íem experiência. Tbeod. Sou contente. Chegai-vos a hum cra- vo ^ defcubri-o, e ide fucceííivamente to- cando todas as iuas teclas ; e obíervareis com os olhos hum tremor íenfivel nas cordas y <]ue fazem tom mais grave ; porem quan- to mais forem fubindo de tom , menos fe perceberá o íeu tremor ^ por caufa de fer tão veloz , que a vilia já o náo alcança. !Mais : Ponde a máo na garganta , e ide levantando vários tons fucceííivamente, e vereis que nos tons mais graves he o tre- mor mais feníivel ; porém nos mais agu- dos he muito mais rápido, e miúdo. Fa- zei experiência, que a folidáo do fuio dá liberdade a tudo. Eug. Tendes razáo; não hadíividâ, que fe conhece bem grande diíFerença. Tbeod, Reparai, Eugénio, nelTe Por^o , que por ahi anda paftando ; fenfivel mente fe percebe com os ouvidos o tremor , e as vibrações do fom do feu grunhido , por- que grunhe num tom baixiílimo. Eug. Aíhm he ; mas dai-me a razáo , por que a mefma corda apertando-a mais, faz hum fom mais agudo ? Theod. He 5 porque apertando-a mais, refif- te mais a «luem a q^aer puxar para a ilhar- ga í iSo Recreação Tilofofica ga ; e como refifte mais , tambcm faz mais força para le reftiruir ■■, por confe- guinre quando a largarem ^ ha dereílicuir- ie com mais torça, e fazer as fuás vibra- ções mais ligeiras, e mais amiudadas , e alíim fica o lom mais alro, cagado. Pelo contrario íe aíFrouxarmos a corda , já náo reíiíle tanto, quando a puxáo para a ilhar- ga ; e ailim náo ic rcílitue com tanta for- ça , e taz as vibrações mais devassar , e. o lom mais grave. £«^. Ainda pergunto mais: Equal he a ra- zão, porque quanto m.ais curta be a cor- da , mais alto he o fom ? Tbíod. He a m.eíma ; porque quanto mais curta he a corda , eílando igualmente teza , mais rchíle a quem a puxa para a ilharga, e rcftiiue-fc com mais força ; e como faz as vibrações mais concifas, he o fom mais agudo: a mefma razáo ferve para a diíFe- rença de duas cordas apertadas com força igual , e iguaes no comprimento , que quanto mais grolTas sáo , mais grave he o íbm , porque fereftituem, e tremem mais devagar. Tus^. já fei em que eftâ o fom grave , e agudo i vamos agora a mifturar hum com o outro , e faber a razáo , porque humas miíluras sáo agradáveis aos ouvidos , e outras náo. Sih. Anres que vamos a ilTo , dizei-mcvós, Theodofio : E como fe podem ao mefmo tempo ouvir dous fçns í O gr ou tem vi- bra- Tarde f et ima . 189 brações mais breves , ou tem vibrações mais vagaroías ; aílim hum dos fons he cjue íe pôde ouvir, e náo ambos juncos. Th^od. Reparai , Silvio : ivjmas parciculas do ar movidas pela voz mais groíía , tremem com vibrações mais vag^rolas 3 porem outras partículas do ar movidas pela voz mais lina , tremem com vibrações mais breves; e como humas váo mill:uradas com outras, todas ciitráo juntamente pelos ou- vidoSí e aílim íe percebem ambos os tons. E latisfazendo á pergunta de Eugénio , di- go que todas as vezes , qye o timpano re- cebe lom mais agudo, enteza-íe mais; e quando recebe íom mais grave , a íiVou xa- le ; mas quando vem dous lons juntos, eítá-re movendo continuamente 5 ora eílen- dendo-fe ma>is para receber as vibrações do fom mais a^udo , ora aíírouxando-le para receber as vibrações do íom mais grave: quando as vibrações concordáo, e batem ao meímo tempo no tímpano , en- tão recebe-as juntamente, e cm certo mo- do defcança ; porém quando as vibrações fe defencontráo , he precifo eílar o timpa- no alternativamente eftendendo-fe , e affrou- xando-le. Daqui nafce , que lendo duas vo- zes uniíonas, como as vibrações dehuma fe ajuftáo com as da outra , fazem huma harmonia agradável, porque o timpano def- cança , e recebe as vibrações de duas vo- zes, como fe foliem de huma íó. Mug. Porem quando as vozes náo são uni- lo- ipo Recreação Filofqfica fonas 5 quando canra o aluo junto com o contrabaixo em conlonancia , a que os Mu- ficGS chamáo Oita'va , que acontece ? Tbeod, Então dcfcança menos o tímpano ; porque como humas vibrações são mais de- prefla , outras mais vagarofas, muitas ve- zes Te delencontráo j porém de duas a duas vibrações íe ajuítáo, e ferem juntamente o tímpano : de forte , que cm quanto a voz do contralto taz duas vibrações no ar, faz a voz do contrabaixo huma ; c em quan- to o baixo faz dez , faz o alto vinte , &c. e aífim fempre de duas a duas fe ajuífáo, e como fe ajuftáo, defcança então o rim- pano. Por tanto (regra geral) quanto mais frequentemente fe ajulláo as vibrações do fom grave com as do fom agudo , mais ve- zes defcança o tímpano ; e quantas mais vibrações houver defencontradas , mais tra- balha 5 ellendendo-fe , e aíFrouxando-fc com fumma velocidade ; e neftc trabalhar do tím- pano he que eftá a diíTonancia , que nos afllige os ouvidos. Sih, Tudo ííTo eílá muito bem ideado ; mas tudo he fingido pela imaginação. Quem averiguou já mais, ou como provais vós, que quando huma voz eífá em oitava da outra ^ faz amais alta duas vibrações, em quanto a outra faz íó huma ? Tbeod. Com huma experiência clara : deixai- me rifcar aqui com o lápis num papel •£([, j, humas linhas para melhor me entenderdes figii' (/^. II. Eftavi^. 5.)' ^Aas duas rifcas /?/, Tarde fet ima. 191 l d fupponho que são duas cordas do mef- mo comprimento , cgrollura, e igualmente apertadas: ie as tocarem, farão fom uni- lono : aqui fica provado c3c caminho, que no Ibm unifono as vibrações todas con- cordáo 5 e ie ajuíláo i porque fendo eftas cordas iguaes no comprimento 3 grolTura , e tensão , iílo he , igualmente aperradas , tam» bem Ie háo de reítituir a hum tempo , e fa- zer vibrações iguaes , e a hum tem.po ; nem ha razão para que huma fe aprelTc mais que a outra. Paliemos adiante. Sc nós 5 eífando eftas mefmas cerdas num tom , puzcrmos o dedo fobre huma bem no meio , V. g. em í 5 a ametade da corda tf fica em oitava a refpeito da outra inteira bd: a experiência aílim o prova ; mas vamos agora moftrar como efta ametade da cor- da 5 quando a tocáo , faz duas vibrações , em quanto a outra corda inteira faz humafò. Para evitar a contusão , aqui rifco outras duas cordas (^fg. 12. EJIamp. ^. ) das quaes Ed. ?. huma tenha comprimento dobrado areípei- ^z i-» to da outra, já moftrei que a corda quan- to mais curta era , mais depreíTa fe reíii- tuia 5 e fazia as fuás vibrações mais bre- ves: logo íendo efta corda mn ametade da outra , ha de fazer as vibrações em ame- tade do tempo , em que a grande faz as fuás ; e aílim em quanto a grande fizer huma vibração, fará a pequena duas. £ug. Já vejo o fundamento deíTe volTo fyíte- ma 5 e eftou pafmado, vendo o que p6- 1^2 Recreação Filofofíca de averiguar a induílria humana. Porém jíi que eltamos meccidos nefta matéria , ex- plicai-me brevemente as outras coníonan- cias, e dillonancias^ porque íou curioío , e he matéria efta , que nunca me veio ao penfamento , que me explicalTem filoíoíi- camente. Iheod. Depois da Oiiã^ja a maior coníonan- cia que ha 5 he a que chimio Quijit a , que he a que faz ut com foi : eíta confiíte em que a voz mais alta faz três vibrações , em quanto a voz mais baixa faz duas j e pro- va-fe com a experiência das corças unifo- Eft. j. lias i (^Jlg. II. EJIamp. 7,.) porque fe puzer- fi^.ii. mos o dedo numa , e noutra , de lorte que huma tenha três palmos de comprimento V. g. í e outra dous , fjzem a conlonancia de f^inía : daqui íe infere , que le a corda quanto mais comprida h.e , mais tempo gaf- ta nas vibrações , tendo a corda maior trcs palmos , gaitará três inftantes v. g. em huma vibração, e por coníeguinte em duas vibrações gaitará íeis inílantes. Vamos agora acorda mais pequena: ella tem dous palmos, gaitará, vifto ilTo , dous inftantes cm huma vibração; e cm duas gaitará qua- tro inftantes, e em três gaitará feís i c co- Uío íeis inllantes sáo os que gaíla a corda maior cm duas vibrações fomente, fegue- íe que em quanto a pc juena faz três vi- brações , faz a grande duas; c allim de três cm três vibrações da corda pequena ajun- láo-fe , e concordáo as vibrações de am- bas Tarde fet ima. 195 bas as cordas 5 e defcança o tímpano. Po- rém como as vibrações íe náo ajuncáo de duas em duas, como na Oita^va , por iflo a Quinta náo he tão grande confonancia. £ug. Tudo vai concordando com a experi- ência , e com a razáo. ^^amos a explicar outra confonancia , a que chamáo Terceira maior. Theod. A Terceira maior he a que faz ut com mi , efta confiíle em que a voz mais alua faça fmco vibrações , em quanto a mais grave faz quatro: ealíim fó íeajunrão de- pois de finco vibrações, e por confeguin- le já não he tão grande confonancia , como as duas precedentes : a prova defira verda- de faz-!e com as cordas da experiência pre- cedente , dando á maior finco palmos , e á menor quatro. Das conlonancias , que faltáo 5 dizemos o mefmo ; e conforme fe ajuntáo mais cedo , ou mais tarde as vibrações , maior he a confonancia. As dilTonancias pelo contrario confiftem cm que de tal forte fe defencontrão as vibra- ções , qu^ não fe ajuntáo , fenão depois de m,uito tempo. O Tritono v. g. confiíle em que a voz mais alta faz quarenta e fin- co vibrações, em quanto amais grave faz trinta e duas ; e a (Quinta falfd, que he â peior de todas 5 confifi:e em que a voz mais aguda façalefienta e quatro vibrações , em quanto a mais grave taz quarenta e finco: donde fe infere, que fó depois de feilenta e quatro vibrações de voz mais alta, He Tom. IL N que 194 Recreação Filofojica que defcança o tímpano , e entretanto fe move cento e lete vezes ; humas para fe accommodar ás vibrações mais agudas , ou- tras para receber as vibrações mais gra- ves 'i por iíío ie moleftáo de lal lorce os ouvidos y cjue os tapamos mui deprelTa. Eug. Agora já fel a razáo , por que citan- do as vozes cm bella conlonancia , fe huma le levanta hum pouco mais , defalina , e faz dilTonancia ; e he > porque como as vi- brações de huma fe aprefsaráo mais 3 jánáo ccncordáo com as ourras como anres , e aílim tem o tímpano muito maior trabalho. Theod. A mim pareci a-me que baftava de Mufica 3 porcjue e!la he maií<" goílola na praxe , que n.i efpeculaçáo. Sentemo-nos aqui á fombra deiie arvoredo , e vereis, Eugénio ;, hum dos mais admiráveis Ecos que ha por cites iltios. Eug. Sentemo-nos. §. iir. E::^Uca-fe ,como }s forma 9 Eco : e trata- fc de outras curiofidades acerca do fom. Sih, A Gora que não faz venro fe per- ceberá o Eco com baftanre diftin- çáo. Deixai-me clamar, e ouvireis, Eu- génio, hum Eco perfeitiííimo. Eug. Náo parece que polTa proceder efla voz , que vos relponde, fenáo de outro SU- J Tarde fetima, 195' Silvio , que defde aquelle canto vos eftà fallando. Theod, Reparai , que outra fegunda refpoíla fe ouve á máo elquerda y la de dentro do arvoredo. Eug, Tendes razão; masjáeílavcz hemais canfada. Ora dizei-me , Thcodofio, que he efte Eco que nos refponde í Thcod, O Eco náohe outra couía mais que o fom reflexo. Tanto que fe profere alguma voz com vehemencia , vai-le communican- do o movimenco do ar de hiumas partes a outras : íe acalo encontrarem com algum corpo , que as náo elpalhe , háo de refle- ftir para trás as partículas do ar^ e tornáo a mover as outras antecedentes^ e vem o fom delle modo até aos nolTos ouvidos j e eis-aqui como tornamos a ouvir a voz , tenuc-fe paliado aigum tempo depois de a proferirmos. Succede ao fom com os fitios em que fe íórma o Eco , como aos raios da luz, ou de cor com os eípelhos : aííim como a reflexão feita nos efpelhos nos faz crer que o objed^o eilá lá dentro do ef- ptiho ; também a reflexão do fom feita na parede nos faz crer , que lá da parede nos refponde m. £ug. Se nillo efiá o Eco y o havíamos de ouvir a cada palTo. Silv, Advcrtilles bem, Eugénio; porque a cada paífo ha paredes altas , e outras coufas femelhantes, em que pôde rcfledir o lom. Tbsod, Muitas coufas sáo precifas para fe N ii per- 196 'Recreação Filoíofíca perceber o fom que refledle : prímeíra- nien:e he precilo que haja baílanre diítan- cia encre o corpo, donde reíie<í^e o lom , e 05 nollos ouvidos ; porque le vós elli- verdes quatro , ou íinco varas v. g. longe daquella parede proferindo huma voz , cm brevillimo tempo vai aré á parede, e tor- na ; e qunndo o íom reflexo vem, ainda temos nos ouvidos o fom , que para lá entrou antes de reflectir ; e alíim náo íe diílingue hum do outro ^ nem percebemos o Eco. Eug. líTo concorda com a experiência ; por- que muitas vezí^s metem íuccedido ouvir hum Eco perfeitiílimo , e com bem diílin- çáo 3 e indo-me chegando para o íirio, donde reípondia o Eco, repetindo dcq an- do em quando a mefma palavra , de cada vez le repetia com menos leparaçáo da mi- nha voz 5 ate que em pequena diftancia fó repetia a ultima iyllaba i e chegando-me pa- ra mais perto , nada repetia. Tbsod. He por eíla razão que dilTe. Sih. E como explicais vós o Eco , quan- do fe repete muitas vezes , como agora ex- perimentámos, ejá me fuccedeo repeti r-fe- me em outro fitio huma palavra 3 vezes ? Titoi. Náo he de admirar ilTo, porque jun- to de Milláo ha huma cafa , que repete a vez mais de vinte vezes , como teítilica o Padre Kirker. Eug. He muito : já agora dou credito ao que li num certo livro, que antigamente cm Tarde fetinia. 197 cm Olympia houvera hum célebre pórti- co, cjue repetia a voz, lendo deduasíyl- labas ^ fete vezes. Tbeod. Para explicar ifío, rupponhamos que allim como temos à máo eíquerda aqueile bofque 5 e defronte de nós aquellas cafas airas 5 que tínhamos aqui á m-áo direita hum oitciro; e que o monte difta 50pr'iros5 as caias 100 , o bofque 2CO paíTos ; fe eu proferir huma voz gritando, vii o Tom pa- ra todas eílas partes )untam.ente ; e ranto que chega a dar neftes obitaculos ^ refíe- fte , e torna outra vez para nós : porem como o monte da parte direica difta fó fmcoenta paíTos , vem de lá o fom muito primeiro que do palácio , que temos de- fronte ; porque para chegar cá o fom , que foi para o palácio , ha de andar cem palTos para lá, e cem pálios para cá, mas lem- pre ha devir, e tornaremos a ouvir a mef- ina palavra ; e como ainda faita a refpof- tâ do fom, que foi para o bofque , o qual tem que andar duzentos paiTos para lá , e outros tantos para cá , ainda havemos de ouvir outra vez a voz. Eis-aqui a razão , por que ouvimos três refpoítas da mefma voz; porque vem em tempos djíFerentes, por caufa de fer maior o caminho , que tem para andar o Eco , que vem de huma parte , do que o que vem das outras. Eug. Aqui percebo eu qual he a caufa , donde procede efta repetição *, porém na cafa, que diííeftes havia junto de Ivlillão, não 198 Recreação Filofojíca nâo podemos recorrer a elTas diverfas dif- tancias de paredes, ou montes , que taçáo eLla defii;ualdade nos Ecos. Tbeod. Ahi explica-íe a retlexáo do fom , como a da luz na fala dos eípelhos , de cjue tallàmos ante-honcem (Tarde V. §. II. )• Neíta caía de Miliáo por caula da íua fi- gura fuccede 5 que humas partículas de ar rerledem para os ouvidos depois de huma retiexáo fó j outras de huma parte váo re- ficctinJo para a outra , e vem para os ou- vidos depois de três, ou quatro, ou mais reflexões , e aííim tardáo mais tempo ; de- pois deftas chegarão aos ouvidos outras partículas de ar , que tcnháo feito lete> ou oito reflexões, e depois deitas outras, que reflediráó ainda mais vezes ; porem neftes cafos de cada vez he o fom mais fraco 5 porque as reflexões fempre o de- biiitáo. Eug. E todas as vezes que houver eftes fitios, que pofsáo refledir o fom, ha de haver Eco ? Thsod. Para o haver , heprecifo que o ar ef- teja focegado i porque fe faz vento, baila o movimento rápido, que então tem o ar, para efpalhar o fom , e náo o deixar re- fle<íl:ir táo ordenadamente , como he precifo para haver Eco. Também conduz muito pa- ra fe ouvir o Eco , que náo haja muita bulha, nem cflrondo de vozes, além do fom, que fe pertcnde ouvir no Eco ; por- que como eíTes eftrondos sáo movimentos do Tarde fetima, 199 do ar, perturbáo o do Eco ; por iíTo cie noite eílando tudo foces^ado , e eftando a noite lerena , Te ouvem melhor as refpoftss dos Fcos ainda do que de eiia. He também neceíTario advertir , que conforme he adif- tancia 5 aííim deve Ter a oração que íe pro- fere ; porque lendo a diftancia náo mui grande, fe a oração for comprida, quando vier o Eco da primeira palavra, ainda fe proferem as ultimas, e alIim náo íe podem ouvir, o que fe evita fendo a oração cur- ta i e ás vezes nem ifiobafta, e be preciío que feja huma palavra fó , por fer a diít.m- cia mui pequena. Mas agora me lembra explicar-vos hum effeito bem admirável ; po- rém quero que o vejais comvolTos olho?: vamos a entrar na Torre de Belém : ide perguntando entretanto o que vos lembrar. Eug. Lembra-me huma coula , que talvez venha em boa occafião ; dizei-me qual he a caufa , por que quando íe defarma hu- ma cafa , e ie lhe tira toda a tapeccria, e ornato 5 fentimos diverfidade no modo, com que ouvimos as vozes? Silnj. Aííim fuccede , parece que as vezes retinem nas paredes. Theod, Como a cafa eftá defarmada , e li- vre de traíles , íicáo as paredes miais li- vres , e promptâs para o íom das vozes refle£lir; porque bem vedes que o ar mo- vido , ou o fom das vozes , dando nos pan- nos de ras , ou em qualquer género de ar- mações y ahi fe extingue , e náo rcfleéí:e na- 200 "Recreação Filofojica nada, ou quafi nada, o que náo fuccede eftando as paredes nuas , porque encáo re- flecte de huma parte para a oucra --, e iíto he que vuigarmenre íuccede, quando di- zem que renncm as vozes nas paredes. Eug. ]à enrendo , vamos ao que nos refta. Jbeod. Aqui também tendes a razáo , por- que numa cala fechada fe percebe muico melhor huma vozremilTa, do que eftando DO c.ímpo livre ; porque na cafa náo ie penurba o movimento do ar , em que conlifte o fom , e no campo efpalha-ie mais o fom , e perdc-fe mais. Eug. Dianre dos olhos temos hum eíreito , que tomara me explicalleis: na Torre de Belém, que remjos ávifta, eftâo gritando com huma buíina : defejava faber a razáo , por que a bufina augmenta de tal forte o fom , que a voz humana fe ouve em lu* §,ir táo remoto ? Theod. O mefmo íuccede nos clarins, trom- betas 5 e trompas , de que fe ufa nas iMu- ficas ; e fe acafo a buíina tiver mais de fcis palmos de comprido , e tiver o pri- meiro bocal feito de tal forte, que ambos os lábios fe pofsáo mover dentro delle , Eft. j. {yeja-fe a fig. [). Elamp. 5.) ouvir-íe-háo as fg- 9- vozes mais de mil paffos de diftancia: di- zem que efta bufma fora inventada por hum celebre Iníilez chamado Morlando, A razáo, por que fe augmenra o fom cm to- dos eíèes cafos, hc ; porque primeiramente todo o ar^ que huma peíToa faliando no ar U- Tarde Je tinia, loi livre 5 havia demover em roda para roda a parte , todo move ló para dentro da bu- íina i donde nalcc^ que o ar íahe com hum movimenio muito forte ; allim como no eí- pelho uftorio , no qual porque le ajuntão os raios , que íe ráo folie o efpelho , fe cfpalhariáo , temos huma luz fortiílima. Além difto , como a bufina ao principio he eftreita , o ar vai mui compreíío , e vai reflectindo de hum lado para o outro '■, e deífa forte quando chega a fahir , leva hum movimento fortiílimo •-, por iíTo quanto mais comprida for abuíina^ mais longe fehade ouvir a voz \ poique em quanto o ar vai por dentro da bufma , vai-fe-Ihe augmen- tando o movimiento. Temos hum exemplo ro canudo de efpingarda , que quanto mais comprido he^ tanto mais longe defpede a ' bala ; porque em quanto vai por dentro do canudo , mais fe lhe augmenta o movi- mento , como vos explicarei a feu tempo. T.ug. Agora faço eu reiicxáo nas trombetas , que como dão muitas voltas, verdadeira- mente são huns canudos muito mais com- pridos y que as buílnas , e por iffo' o feu fom íe ouve muito mais longe. Tbeod. Daqui podeis rambem tirar a razão de hum effeito , que fe conta ou verdadeira , ou fabulofamence. Dizem que em Çara- goça de Siciiia ainda ha hum cárcere chama- do de Dionyfio Tyranno , no qual fe fallar- des , ainda que feja com voz branda, pa- rece que eftôJs gritando. Dizem que he huma cò- 302 Recreação Filofojíca cova comprida, aberra em rocha viva pof modo de abobeda i e lendo aílim, pode luc- ceder naturalmente o que dizem; porque alem de fer hum íirio fechado , e não ter o ar, por onde le elpalhe, pôde o íom re- fle£tir de humas partes para as outras de force, que fe augmente muito o movimen- to do ar , e as vozes brandas fe facão for- res 5 á maneira do que fuccede nos inftru- menros muficos. Nós vemos que o fom , que faz acorda de huma viola, leaugmen- ta muito , por reflectir varias vezes den- tro da viola; daqui nafce , que fe ertivcr arrombada , tem mui pequenas vozes , e foáo pouco as cordis ; e náo acho dificul- dade em que fucceda ás vozes na concavi- dade deftâ rocha o que fuccede ao fom da corda na concavidade de huma viola ^ cu rabecão. Eug. Effeitos mui femelhanres a elTe tenho eu obfervado dentro de algumas cilfernas mui efpaçofas , onde entrei por curiolldade. Tbeod. Ahi ha a mefma razão. Mas agora que- ro que vejais com volTos olhos outra ca- ía, que vos náo ha de admirar menos , aqui na Torre de Belém. \'^amos entrando . . . Ora, Silvio, Te eu me puzer num canto da cafa , e vós, Eugénio, no outro can- to oppolto , fallando eu mui brandamente , me haveis de ouvir facilmente; equemef- tiver no meio da cafa nada ha de perceber do que fe diz. Eug, Eu appéllo para a experiência. Tbeod, Tarde fe tinia, 103 Theod. Aqui a rendes: (^ Efamp. '^. Jig. ic. ) Eil. j. ponde-vos , Eugénio , num canto (£), t^s-io. que eu me ponho no canto oppoíio (^A) , e vós , meu Doutor , ficai no meio da cafa ; eu me volto com acara para o can- to , fazei vós o mefmo , Eugénio ; e di- zei-me logo, fe me ouvis o que eu vou a dizer com voz fubmifla. 'Eug. Ouço diítindamente tudo , quanto di- zeis. Siln). Pois eu nada ouvi : vós ajuílaftes-vos a enganar-me. í.ug. Náo tenhais eíTa defconfiança : ponde- vos no meu lugar, e eu irei para orneio; porque rambcm náo poíTo crer , que vós deixaiTeis de ouvir o que TheodofiomediíTe, Siln). Náo tenho dúvida ; troquemos. Ora fallai vós 5 Theodoíio , de m^anío para ex- perimentar fe eu vos ouço. Eug. Eu nada percebi ', bem ouvi algum fu- Turro , porém não percebi palavra diítindla. SiH, Pois cu ouvi tudo diílinclamente. E nos outros cantos , Theodofio , também fuccede o mefmo ? Theod. Também; com tanto que as duas pef- foas que fallâo , eftejáo em cantos cppof- tos , como nós ag;ora. Vamos á razáo , por- que iá vos conlidero impaciente. Reparai no té(í^o defta cafa , que he formado em abobada , e que náo tem cimalha á roda : alcmdiffo, defte canto, em que eu eftou , vai pelo angulo das paredes hum rego, ou meia cana (??, m^ 0) aberta na parede, que 204 Recreação Filofofica que pelo te£lo vai continuando até ao canto oppofto da cafa. Eug. AHim he , agora reparo niíTo ; e o mefmo ha nos outros dous cantos. Theod. Suppofto ifto , quando eu me volto para o canto , e fallo , vai o ar encanado pelo canto da caía, epelo rego, que eftá aberto nas paredes , e aíKm encanado Te continua pela abobada , e volta até o can- to oppofto , fem fe efpalhar ; por ilTo fallan- do de manfo me ouvis lá; pelo contrario fuccede aquém eftá nomeio da cafa; por- que como o ar para lá não vai encanado, facilmente fe efpalha , e perde o movi- mento, que eu lhe dei , por fer mui dé- bil, pois fallei de m»anro ; e allim quando muito ouvirá algum Tom emconfufoj mas náo diílinguirá as palavras. ^^K- Agora vejo eu a razáo , por que náo fi- zeráo nefta cafa cimalha á roda ; creio que foi para náo perturbar a paíTagem ao ar , que hia encoftado pelo canto da caía aílima, Sih» Eu náo acabo de crer o que eílou vendo ; porem o certo he , que mui pode- rofa he a induftria humana. Theod. Ainda fc podia fazer outra cafa mais paímofa 5 como huma , que fez já hum cu- rioío ; mandou pôr numa fala algumas ef- tatuas fobre fuás peanhas totalmente apar- tadas da parede , e era hum enleio do juí- zo entrar nel^a fala , e ouvir as eftatuas fallando , e converfando entre fi , como fe foliem figuras vivas. Eug, Tarde fe tinia. 205' Eug. E como era ilTo ? Tbsod. Tinha mandado furar as eftamas até ás bocas, como também as peanhas ; e os canudos , que íe tinháo mettido pelos tu- ros 5 hiáo lahir a outras caías diíFerentes , e ahi tinháo a boca íarga , como de trombe- ta 5 ncítas falas mandava fallar tantas pef- foas quantas eftatuas , que tivelíem vozes accommodadas ás figuras que repreíentaváo as eítatuas ; daqui refuhava , que o ar movido pela voz entrava pela boca larga do canudo 5 que eftava pegado na parede, ehia pelo canudo adiante por baixo docháo até fahir aboca da eftatua; os que eftaváo junto áeilatua ouvindo íahir o lom da íua boca 3 parecia-lhcs que fallava : he também de notar , que como o fom tinha vindo en- canado , chegava aboca da eftatua fem di- minuição i por ilTo náo parecia íom , que fe tiveíTe proferido longe daquelle íltio, fenáo que alli mefmo le tinha formado. O mefmo fuccedia ás mais eftatuas ; e defta forte fe enganaváo os que náo fabiáo do artificio. Sih. Ahi era defculpavel todo o engano. £ug, E também defculpavel toda a defpeza , porque era hum divertimento bem goflofo. Tb£oi, Ora defcancemos aqui hum pouco do paíTeio 5 depois voltaremos para cafa. Silv, Sq aqui náo ha mais que fazer, dizia eu que foliemos palTeando , porque lá fo- ra corre mais frefca viração. JEug. Vamos, e no caminho defcançaremos. §. IV. 20 6 Recreação Filofojica §. IV. Trata-fe do Cheiro. Eug. T7 Na verdade a cafa não citava pa- J — ' ra deícançarmos nella , porque ti- nha algum tetido procedido da humidade. Sil'v. Eu náo reparei niíTo. Eug. Eu fim, que tenho o olfa(flo mui vi- vo ; tanto que ás vezes me perjudica a faude ; porque ha humas certas qualidades de cheiros , que me provoc^o a vomito. Sih, Que dilTeftcs, Eugénio! Qualidades ds cheiros , ilTo he coufa que diga hum Mo- derno ! Eila palavra íó parece bem na bo- ca de hum Penpatetico , como eu v. g. porque ló nós dizemos , que os cheiros sáo humas qualidades realmente diíiinífias dos corpos cheirofos , que eíláo efpalha- das pelo ar i mas vós ! Eug, Eu ainda náo aprendi cfTa queftáo. Tbsod. Agora tratarei delia , porque do fom náo me lembra mais nada. O cheiro di- zem os Modernos ^ que confifte cm hum fumo 5 ou vapor mui ténue , a que cha- máo effiuxios , que fahem do corpo odorí- fero, e fe eípalháo pelo ar. Sih. Vifto ilío, agora vai todo efte cami- nho cheio de fumo y porque feniimos hu- ma bella fragrância: galante Filofofia ! Eug, Por certo j que eíle cheiro he bem fua- Tarde fetima, 207 fuave : a mim cheira-me a flor de laran- Tbeod, He de huns pomares deefpinno, que nos íicáo perro j mas para náo perdermos o tio 5 di2t'i-me vós, Silvio: Em que con- fiiie o cheiro do pivete, das paftilhas , das caçoilas í ikc. Creio que náo podereis ne- gar , que confiíle no vapor , ou nos effíu- vios que de fi lançáo : por ilío quando quei- mamos eíTes corpos , ou os pomos ao lu- me, lançáo muico maior cheiro, porque lançáo maior vapor, e fumo ; e tanro que a caçoila Te tira do lume , diminue no chei- ro , porque diminue o turno, ou vapor. Sih. Nelíes corpos aromáticos , que Te quei- máo , náo duvido que tenha lugar a voíTa doutrina ; porem nos outros náo mo ha- veis de perfuadir. Tbeod. Nos mais havemos de dizer o mefmo ; porque a natureza cm cafos femelhantes obra do melmo modo : Ic o cheiro mais force , qual he o delles perfumes , coníitl:c nos vapores que íahem delles , também os outros cheiros menos tones hão de confiftir em vapores mais ténues , que delles pro- cedem , porque he a mefma razáo. Silv. Não he a mefma razão ; porque num cafo vemos com os noíTos olhos que aílim he , e no outro não. Tbeod. Oh, que cfía razáo não he de homem , que ula de difcurfo. Porventura havemos de fer os homens tão materiaes , que fò havemos de crer o que vemos com os olhos ? llTo 2o8 Recreação Tilofofxa IlTo fazem os brutos , que náo conhecem ir.ais, que o que lhes perfuadem os íenti- dos ; mas deixai-me fazer efta pergunta: Vós vedes com os voiTos olhos eiTa entida- de , ou qualidade diftincla de toda a ma- téria , em que no volío íyítema dizeis, que eílà o cheiro. J/Zt;. Náo a vejo, nem ella he coufa, que fe polia ver. Tbeod. E com tudo iiTo admittis cíTa entida- de ; pois como dais por razáo de náo ad- mittir os eff-uvios , ou vapores na rofa v. g. aílim como os admittis no pivete, o náo le verem ? Para hum caio deífes he que fer- ve odifcurfo; tirarmos por aquillo que ve- mos, o que náo podemos ver: vemos que o cheiro, quando he mui forte , confiíieem vapor fenfivel , e vifivel ; daqui tirv^mos fundamento para dizer , que os mais cor- pos odoríferos, quando cheiráo , também lançáo de fi hum vapor j porém muito mais ténue, e invifivel. Silv. Ainda aílim, Theodofio, tereuhuma roía na máo , e lançar ella fumo, e náo o ver I Para iífo he neceífario fer mui cc^o. Tbeod. Ora dizei-me : Xunca vos fuccedeo fazer jornada pela manha , e ao longe ver- des os vales cubertos de névoa, e chegan- do ao perto náo a verdes ? Silv. Muitas vezes ; e he coufa muito or- dinária , eftando huma pelToa dentro da névoa , náo a ver. Tbeod. E com tudo iíTo ha eíTe vapor, e eíTa ne- Tarde fetima. 209 Tievoa •, e tendo vós mui boa vifta 5 e eftan- do junío aella, não a vedes : logo porque vos admirais de eu dizer, que huma roia lança de fi vapores íem vós os verdes ? lEiig. Tenho poi-cm huma dúvida, e he : 5e o cheiro confitie nelles eftiuvios, ou vapo- res 3 qual he a razão , por que avinda não fentimos o cheiro , que experimentamos agora : acafo ainda então o pomar não ti- nha lançado oseftiuvios, que lança agora ? Tbcod. Sim os tinha exhalado ; porem o ven- to j que encáo foprava algum tanto do mar, os lançava lá para aterrai agora po- rém 5 que o vento inclinou mais para o T^íorre, traz-nos para cã osefiiuvios, que eíiaváo efpalhados pelo ar. Silv, IiTo alhm íerá ; mas deixai-me colher efta rola, que he bem engraçada; aqui a rendes, Eugénio, ereparai que vai fume- gando, quero dizer, cheirando, que tudo he o meímo no íyílema de Theodoíio. Eug. Vós, Silvio, galLi is bom humor ; mas defenganai-vos , que aííim não me apartais nem hum ponto do fyitema de Theodoíio , porque não he o cheiro iumo vifivel , co- mo o que r^he de qualquer corpo que fu- megi. Dizei-mevós, Theodoíio; Qual hs a razão, porque efta rofa fó ha de cheirar em quanto eiíà freíca , e tanto que for murchando, ha de ir perdendo o cheiro? Tbeod. He porque feccando-fe , já não exhala tantos efrluvios , ou vapores, eaííimiánão cheira. Se eftivelíe pegada á vara, donde Tom. II. O st 2X0 Recreação Filofofca a cortarão , da terra hia íempre recebendo nova fubftancia para recuperar os eí^tluvios , c]ue hia evaporando, por ilTo lhe duraria o cheiro muito tempo; porém depois de cer- rada, vai lançando os effluvics, que tem dentro em fi , acabados os quaes acabou- fe o cheiro. Eug. Porem fe eu a puzer na agua, ha de lhe durar alguns dias. Theoà, Alíim he ; porque ca agua vai chu- p.nido a lubítancia j que lhe hc prcciía pa- ra recuperar os vapores que lança : o que ie prova ; porque a agua diminut-fe algum ramo ^ e a ílor não crelceo : logo evapo- lou-fe a fuhftancia da rola , em cujo lu- gar entrou a agua. Sih, Pois he crivei , Theodoíio , que hu- ma roía lance de ú tantos etrluvios , que cncháo huma caía í Nós vemos que bu- irias poucas de tlores poftas numa lala a enchem toda ác cheiro. Tljsod. E he crivei que huns poucos grãos de pólvora encháo de lumo toda huma cafa , e que huns poucos grãos de incenlo encháo de fumo toda huma Igreja? Pois iílo efta- mos vendo todos os dias^ nem o podemos negar ; pois os eífluvios não são mais que hum fumo muito mais ténue; por onde fe náo tendes por impoííivel que huns poucos de grãos de pólvora enchão toda huma ca- fa de tumo grolTo, e lenfivel , como vos parece impoilivel que humas tíores enchão a mefma caía de fumo muito mais lenue, e Tarde fethna, 211 e infenfivel : que ilTo são oseftluvios , em C|-ae dizemos que eílá o cheiro? £^j. Agora tirou-íe-me huma dúvida ; po- rém vieráo-me duas de novo : náo àuxX" òo que íucceda iíTo alíimi porém náo fei o como pôde iiio íer nem num , nem nou- tro cafo. Theoi, A razão em ambos he a mefma ; por- que no fumo, e nosetlluvios eftáo íepsra- das ^ e mifturadas cornar aquellas partes, que anres de íe evaporarem eRaváo jun- tas j e affim não he de admirar, que ainda que junras occupalTem pouco campo ^ eípa- IhaJas encháo huma cala. Nós vemos que hum canudo de polvilhos cheio , e bem cal- cado occupa pouco campo; porém fe os cf- palharmos peio ar , cncheráó muicas lalas. Por efta mefma razão hum pouco de vinho tinto íe o mifturarmos com grande por- ção de agua , a tinge roda ; porque aquel- las partes vermelhas do vinho , que jun- tas cabiáo em hum pequeno cópO;, íe elpa- Iháo por grande quantidade de agua. O meímo luccede nos effluvios : aquellas partí- culas , que fe háo de exhalar em vapores , ou cheiro, juntas occupão pequeno eípa- ÇO5 e cabiâo dentro de huma roía i eípalha- das 5 enchem hum efpaço mui confideravel. Bug. Já tenho entendido. Sil-v. Porém vós , Theodoíío , não podeis negar, que ha muitas coufas, que nunca perdem o cheiro : ell:e bordão, que levo aqui ^ tem comfigo erta propriedade, que O ii es- 212 Recreação Filofofica esfregando-o com força por hum panno, cheira. Fazei experiência, Eugénio. Eug, Afiim he ; cheira a canclla. Silv, A mim mandaráo-mo do Brazil , di- zendo-me , que fçra cortado da arvore, donde a canella fc tira. Tbsod. Erte bordão tanco que fe esfjega, cobra algum calor 5 e com o calor exhala alguns eíriuvios , porém mui poucos , e a pouca dif- rancia , porque íó ie percebe o cheiro che- gando o bordão miui perco do olfaíto ; e co- mo iílo não he lempre, e he em mui pouca quantidade 3 não he de admirar que fe con- fcrve muico tempo o cheiro no bardáo. Sih. Porem no âmbar, no almifcar, e em oucros corpos odoriícros femelhantes , tam- bém o cheiro dura muito tempo , e elpa- Iha-fe a efpaço muito maior. Tbeod. Aílim he ; mas dizei-me: EíTes cor- pos fechados numa gaveta náo confervão o cheiro muito mais tempo , do que eivan- do expoftos ao ar livre i Silv. Náo tem dúvida. Tbeod. Pois náo he outra razão, fenão por- que citando fechados eíTes corpos odorife- ros numa gaveta , nella fe confervão os efduvios ; de forte que ficáo como embe- bidos em muitas coufas, que fe achão na meíma gaveta ; e daqui procede cheirarem depois eilas coufas ao .que efteve fechada juntamente comellas: como eftes eftiuvios fenão efpalhão, nemdiJíípáo, náo he para admirar que fe conleivem por muito tem- po i Tarde fetima, 213 po ; o cjue náo rnccederia^ fe eíTes cóx^-pos cíliveiTem expoítos ao ar ; porque en:áo dillipando-re mais tacilmenre os et-riuvios^ mais facilmente perdcriáo o cheiro. Silnj. Mas qual he a razão , por que neftcs corpos ainJaaliim dura o cheiro mais tem- po , do que em outros? Tbeod. A razão iie ; porque huns vapores são mais viícofos, do que outros, iftohe, nuns vapores as partes elláo mais pe^^adas do que em outros; por ilTo náo iedifíipâo tão facilmente, como era outros, e fe con- ferva mais o cheiro. Eug. Agora iò rcila dar a razão , por que huns eírluvios são cheirolos , outros fétidos. Tbeod. IlTo procede da clpecial figura, que tem as partículas dos effluvios. Haveis de ía- ber , que na parte interior do nariz ha huns raminhos de nervos próprios para a fenfa- çáo do olfado , que eiráo efpalhados por toda aqueila cavidade : os effluvios, que fe exhaUo do corpo odorifero , entrão pelo olfafto ; e conforme a figura, que tem ag particulas dos effluvios , aliim movem eftes nervos : em humas occalióes o movimento • deftes nervos he agradável, outras defagra- davel , e por iíTo huns corpos cheirão bem , outros mal. Quando tratarmos do fentido do Olfaclo ( I ) vos explicarei ií^o com mais miudeza , porque agora fò trato das qualidades fenfiveis , e náo dos fentidcs. Eug. Mas dizei-me agora : Qual he a razão, por ( I ) Tom. IV. Tarde XIX. i. II. i: iT4 Recreação Filofofica )or que algumas Hores eftando viçofas tert )om cheiro, e depois de eíèarem murchas o tem mào í Theod. A razão he , porque a flor em quanto eílá viçoía , vai lançaniio os Teus efdvivios ; tanto porém que vai feccando 3 ha na flor huma tal, ou qual corrupção, e aílim vai já lançando aquellas partículas , que não lançaria, fe náo murchaíTe ; e vindo eftas pariicuias da flor , que tem tal ou qual corrupção , náo he de admirar , que le- nháo máo cheiro , porque ]á rem outra fi- gura. Confirma-ie iílo ; porque fe puzer- des as ilores na agua , e lha náo mudar- des por muitos dias , já a a^ua tem féti- do 5 porque pela corrupção le dilTolvem , e defatáo as partículas, que náo íe avapo- rariáo a náo haver a corrupção. Por tan- to , eftando a flor viçoía, e a agua freíca , náo fe defa:áo das mais , nem fe evapo- ráo as particulas , que podem moleilar o olfaCto 5 fò vem aç outras , que odeleitáoi porem acabadas eífas , e vindo de novo a corrupção , evaporác-fe as outras , que eftaváo muito mais pegadas , e unidas , e que tem figura capaz de moleftar os ner- vos do oUa(ílo. Eug. Tenho entendido perfeitamente. Tbeod. Ora nós já ellamos perto de cafa; a tarde ainda dá lugar para mais; fentemo- nos junto a efta fonte , e vamos conver- fando 5 e de caminho nos recreamos com -O frcfco, que efiá deliciofo. Tarde fetínia* 215' Eug. Sentemo-nos y e matarei a fede , que já lia tempo me opprimia baitantemenre. Síh. Pois a agua defta fonte he faliuitera, podeis beber à voCfa vontade Tem receio. §• V. Explicão-Jí OT Sabores, Eug. Ç Empre he conveniente a Iium bo- O mem andar acompanhado de hum Medico , porque tem quem cuide na fua faude, já prohibindo-lhe o que he nocivo , e já accnfelhando-lhe o que he y ou pôde ler provei toío. Tbeod. Huma íó coufa tenho contra os fe- nhores Médicos, c he , que nos manjares mais íaboroíos quafi fempre acháo razão para nos perfuadir, que fazem mal á lau- de 5 e que nos devemos acautelar delies. Silv. Náo falta quem diga, queilloemnós he negocio ; prohibimos aos m3Ís o que que- remos para nós, para que aíFim lendo me- nos gaílo , nos hque mais barato. Mas a verd.íde he , que muitas sáo ascoulas labo- ro fa? , que lá tem fuás qualidades nocivas. Eug. E que são elTas qualidades nocivas ? Silv. Eitamos mettidos na queílão. Eu digo, que sáo humas entidades t-itlindjs de toda 3 matéria , as quaes fe acháo nos manjares , que nós dizemos, que sáo nocivos; e pelo conrrario nos faluúteros ha outras qualida- des oppoftas. ^ Lug, 21 6 Recreação Filofofica Eug. E os diverfos fabores também fuppo- nho que dizeis sáo outras qualidades íe- melhantcs ? Silv. E porque não direi iiío, havendo de proceder coheíentemenie à doutrina dos Peripatecicos 5 com que os nolTos Antigos nos creáráo t Eug. E contorme ao voíTo fyftema , Theo- duílo 5 que he o fabor ? Tbcod. O fabor no rr)eu fyftema confifte nas particulas miudiííimas do manjar , que con* forme a figura que tem , aílim movem o ncíTo pádar ; Te tem a figura afpera , e accu- minoía 5 háo de moieftar alingua; Te pelo contrario afigura for fuave aocontaílo da lingua , ha de o fabor íer agradável. Para o que he precifo faber , que qualquer cou* ia que fe come , confia de partes mui pequenas , que todas juntas fazem huma grande porção; eilas partes háo de ter algu- ma figura y ou feitio neceíTariamente , e conforme for a fua figura, aílim ha defer o fabor do manjar que comemos. Eug. Mas como ha de a língua perceber a figura delias partículas mínimas , que o manjar tem dentro em fi? Tbeod. Direi : Nós para percebermos o fabor de qualquer coufa , he precilo desfazella , e feparai-ihes de algum m.odo as partes : para ilTo he o maftigar ; por ifTo a pi rola fe náo fe maffciga ^ e paiTa ligeiramente, nao fe lhe conhece o fabor , que fe expe- rimenta, quando fe maíliga. Tarde feiima. 1 1 7 Eug, Porém muiras vezes percebemos o fa- bor de muitas coufas , lem as maftigar. Tbeod. AHim he ; porem entáo a fali va amole- cendo o manjar , fcpara-ihe algumas partes , ainda que pequenas : ifto contirma-íe , por- que íe trouxermios alguma couía na boc.-i por eípaço confideravel , lenfivelmente ie vai diminuindo, e desfazendo ; o que be fi- nal infallivel, que com a faliva le lhe fo- ráo tirando, e feparando algumas partes, as quaes leparadas das mais 5 com a fua fi- gura movem os nervos , que eftáo eípa- Ihados pela lingua , onde fe faz a fenfa- çáo do gofto , como fabem mui bem os Anatómicos. Daqui le tira a razão , por que ordinariamente os comeres, que rcm mais humidade , tem íabor mais vivo , v. g* a fruta mais fumarenta, como dizem, he mais gortofa ; e porque nos guizados lem- pre ufamos de algum molho 5 ou couía, que faça o comer húmido , pois o comer demaziadamente fecco náo tem ranro gofto ; porque tendo o manjar alguma humidade , facilmente fe feparão as partículas do co- mer, em ordem a mover os nervos , onde fe faz a fenfação : porém quando eu tratar dosfencidos do homem, entáo vos explica- rei como os nervos , que fervem ao pá- dar , podem fer movidos pelas partículas do comer, (i) £ug. Porém vós ainda me náo explicaftes, í como as partículas , por ter efta figura, ou { I } Tom. IV. Tarde XIX. >\. lU, 2i8 Recreação Filofojíca ou aquella , haviáo de mover de diverío modo os nervos do pádar , ou da língua. Theod, Agora o direi : \^ós bem vedes que a mio roçando pela lixa fe oífcnde , e mais ainda, le roçar por huma lima groíTa ; pelo concrario fente confolaçáo , e gofto , roçan- do pelo arminho , e veludo : da mefma force fuccede à lingua; Te as particulas do comer forem agudas , neceíTariamenre háo de picar, e oííender os nervos da lingua, e não ha de faber bem o que le come; porém fe a fua figura for cal , que náo offenJa a lingua , ances finca leu gofto , ou regalo , ha de faber bem o m.anjar. Eug. Mas reparo , que humas peííoas tem o pádar mais efperro, do que ourras. Tbsod. liTo nafce de que a primeira pcllezi- nha 5 que temos na lingua fobre os nervos do pádar , nuns he mais grolTa , do que em outros ; e aííim nuns mais facilmente do que noutros podem as particulas do manjar mover as fibras dos nervos para excitar a fenfaçáo ; c por ilTo eftes, que tem apclle mais grofTa , náo percebem táo depre:^a o fabor. Também pôde proceder eíla diiTerença de ferem em maior ^ ou menor abundância os nervos do pádar ef- palhados pela lingua. Eug. Emendo; dizei-me agora: Qual he a razão , por que os comeres que cheiráo bem 5 regularmente tem bom fabor ? Tbsod. A razáo dilTohe; porque como o bom cheiro confiíle nas partículas , cuja figura náo Tarde fethna. 219 não lie aípera , nem aguda , fegue-fe que cfie manjar hadelaber bem; porque fe as partículas não tem figura capaz de efcanda- iizar o olfacto 5 tarribem elTasmcimas par- tículas , antes de le evaporarem , náo háo de cTcandalízar a língua: bem vejo que mui- tas vezes náoíucccde íiTo allim , porque as partículas, que fervem para mover a lín- gua, nem fempre fervem para mover o ol- ta(fro ; porcmordínariamente aílim fuccede. Sil^j. Ora dízei-me , Theodoiío : Se ella vof- fa doutrina he verdadeira, como explicais a diíFerençâ defabor, que temhuma pêra em diverlas occaílóes , acafo quando efíá madura , náo tem as meímas parriculas que tinha, quando eilava verde í \'edes , Êugcnio , que eíle fyílema náo concorda com a experiência. Thsod, Tem as meímas partículas ; porém ellas nem fempre tem a mefma ngura. Silv* E quem faz mudar de figura as partí- culas da mefma fruta ? Theod, Eu o digo : De três modos pode Iiuma partícula mudar de figura, ou divídindo- ie , ou acere ícentandc-fe-Ihe alguma couJa , ou torccndo-íe ; como le vê num pedaço de papel, que dobrando-o , ou cortandc-o 3 ou accreícentandc-o , podemos fazer que tome todas as figuras. De todos efres mo- dos podem mudar de figura as partículas do manjar, feja qualquer que for: a fruta em quanto eftá na arvore , bem vedes que da terra lhe vem novas partículas; o Sol 210 Recreação Filofojica Sol faz-lhe evaporar outras , e com o fcu calor lhe póe outras em movimento ^ de forte , que fe feparáo , ou torcem. Eis- aqui como pôde a fruta mudar de fabor, quando amadurece na arvore. Sil"ú* E quando a fruta amadurece fora da arvore , ou apodrece ^ como mudáo de fi- gura as partículas? Theoà. Quando a fruta apodrece, ninguém" pôde negar , que ha grande mudança nas partículas da fruta, porque íe dilfolvem , e íeparáo mutuamente ; faz-fe mole , e deçora-fe , o que náo pôde fer fcm movi- mento das íuas partículas : pois a mefma caula 3 que as faz feparar , quando apo- drece , faz por eíle modo que mudem de figura ; porque bem claro hc , que hu- ma partícula redonda fe pôde dividir em duas , ou três clquinadas. O mefmo á proporção digo da truta de cama , que por íi meíma amadurece , porque fe vão as partículas pondo em movimento , e fer- mentando , (como explicarei quando tra- tar das plantas 5 ie houver tempo) e pelo movimento , e fermentação bem claro fi- ca , que podem mudar de figura algumas partículas, e de íabor a fruta. Eug. A mefma doutrina fe deve entender, fe me náo engano, dos outros manjares ; o mefmo manjar cru tem hum fabor , e quando fe coze cem outro, e outro terá, fe o aíTarcm. Thçoá,, Dizeis bem ; porque ahi o fogo pondo em Tarde fetima* 221 em movimento as partículas 5 c accrefcen- tandc-as com algumas fuás , ou dos tempe- ros 5 que fe incromettem pelos poros do manjar \ e por outra parte dividindo-as , e fazendo evaporar outras , as faz mudar de figura. Eis-aqui porque ha diverlo iabor. "Eug, E qual he.a razáo , por que lançando cinza 5 ou a^ua fria no comer fica iníípi- do 5 e Tem goílo ? Theod. A razão he a mcfma ; porque a agua iniromettendo-le pelos poros do corpo 5 ou dividindo, ou accrefcentando , faz mudar de figura as partículas do corpo ; por ilTo as partes 5 que antes moviáo fuavemente a lingua, agora ou a movem ingratamen- te, ou de hum modo indiíFerente ^ c nem grato , nem ingrato , por já não terem as particulas figura proporcionada para mo- ver o pádar. Eug. Eu nefta matéria já eftou inftruido quanto a minha capacidade pódc alcançar. Thsod. Pois então demos por acabada a con- ferencia defta Tarde : á manhã trataremos do calor 3 frio, humidade, Scc. e depois da manhã faço tenção de vos deixar , Sil- vio, a tarde livre para expordes contra o nolFo fyftema^ tudo quanto tiverdes con- tra elle. Eug. Parece-me acertado, para que não di- gais vós , Silvio , que eu vou perfuadiJo do fyftema dos Modernos , por não vos ouvir a vós. Silnj* Acceito apromcíTa, e então defabafa- rei 222 Recreação Filofofica. rei do muiro que tenho que dizer. Agora como já eftais perco de cala , dai-me li- cença que me retire à minha. A' manha vos bufcarei às melmas horas. Tbeod. Nós vos efperamos : A Deos. Va- mos, Eugénio, para cala, que sáo horas de dcípachar para Liiboa hum criado cora as cartas do correio. Eug. Vamos. TAR- Tarde oitava. TARDE VIII. Trata-fe do Calor, do Frio, e de ou- tras qualidades , que pertencem ao fentido do Taclo. §. I. Explicn-fe em que conftJ}e o Calor, SiH. I ,^ Altei ás lioras prometiidas, por- |Í que a calma náo deo lugar a fa- "^ hir mais cedo para fora. Eug. Como efle motivo nos era notório , náo podinmos eitranhar que tardaíTeis al- gum tanto. Theod. Nem eca juíio que nos fizelTeis efta mercê com detrimento da voíTa faude ; porque ainda que a diftancia náo he mui- ta ^ o calor do Sol era excelíivo. Sih. E já que por meu oiilcio aconfelho aos m.ais , que fe retirem do Sol , juílo era que tomalTe para mim o mclmo con- ftlho , que dou aos outros, ^^amos agora a tratar da matéria , que hoje tendes de- putada para a nolTa recreação. Theod. A matéria íeja embora a mefma , em que eftamos faliando, tratemos do ca- lor ^ que experimentamos. £ug. Para a doutrina íer mais uiil , lerá pre- 224 Recreação Filofojíca precifo que a traceis em termos mais ge- raes ; iílo he, que expliqueis em que con- fiite geralmenre o calor de qualquer coufa. Thíod. Vòsy meu Douror, niílo , e em lu- áo O mais fempre tendes o primeiro lu- gar: dizei pois aqui a Eugénio, em que confifte o calor no Ty^ema Periparerico. Sih. Reipondo , que he huma qualidade diílinca de tudo o que he matéria, que faz que o corpo 5 em que eílà , leia cálido. Eug, E no voíTo Tyl^ema, Theodorio , que coufa he o calor í Iheoà. Nós dizemos , que o calor confiíle no movimento tremulo das partes inícnfi- veis do corpo , que eftá quente , caulado pelas partículas de fo^o , que eftáo ou fe intromettem neíTe melmo corpo, que aque- ce. Quando nós fallarmos do fogo , que ha elpalhado por todos os corpos (i) então vos explicarei acaufa immediata defte mo- vimento : agora quero provar-vos como relle confiíle o calor. Vamos ás experiên- cias 5 que sáo a prova mais convincente. Huma pouca de agua ^ quando fe eftá aquentando, treme vifivelmente , princi- palmente quando o calor he forte , que cliega a ferver; e quanto mais fcaugmcn- ta 5 ou diminue o tremor , tanto le au- gmcnta, ou diminue o calor da agua. Sili), Sim; mas antes que ferva tem calor , e não lhe vemos movimento algum nas íuas partes infenfiveis. ThcoL (i) Tom. Hl. Tarde XI. $. I. Tarde oitava, 225' Theoà. Náo lho vemos 3 aíTimhe; mas dalii náo fe legue que o não tem : já vos dil- fe 5 que era mào argumento para hum homem Filolofo: náo íe vê huma coula, lo^o náo a ha. Quando vemos que hum effeiro mais íorte conliíle em certo tremor fenfivel 5 havemos dejulgar que elíe mef- moeíFeito^ quando íor menos forte ^ ha de confiltir em outro rremor, ainda que me- nos íenfivel i porque le hc eifeico da mef- ma cafta , ha de ter natureza íemelhante, principalmente vendo nós que as mais ex- periências, que ícobíervâo, náo contradiz zem 5 antes confirmão o nolTo peniamento. Eug^. Vamos a ellas^ que a fua multiplici- òòÒQ faz hum argumento irrefragavel. Tbíod. Limais hum ferro , aquece a lima , e o ferro; e tanto mais aquece, quanto ma- ior he o movimenio. Os eixos dos coches , quando váo deípedidos , ás vezes conce- bem tanto calor 5 que pégáo fogo. Se aca- fo fucceder elcapar-vos da máo algum pe- zo, de lorte que acorda, em que eitá pre- zo 5 vos roce peia máo com muita velo- cidade , fentireis na máo hum tal calor, como fe vos cícaldadeis : e para náo ir mais longe , toíhs as vezes que queremos aque- cer as mios , náo fazemos mais que roçar huma pela outra ; e a razáo em todos ef- tes cafos he efta : com o roçar exciíáo-fe as partículas de fogo que ahi ha: eflas põem em movimento todas as mais partículas do corpo y e todo elie cobra calor , porque Tom. II. P ca- 220 Recreação Filofofica calor he cile movimento perturbado dag partes mínimas do corpo. "Eug. Quando o ferro ic lima , náo fó as partículas infcnfiveís fe movem , m.as tam- bém toda a lima : como logo dizeis que o calor eílà no movimento das partes in- íenfiveís i Tbcod. Olhai , Eugénio , dous movimentos ha na lima , quando roça pelo ferro , v. g. hum miovimenio total ^ que he o cem que a lima vai , e vem ; outro movimento das partes infcnfiveís da lima. que tremem in- lenlivelmente : o movimento do calor náo he o movimenro total, ou do todo , he o movimento tremulo dccadri huma das par- tes em fí ; por ilTo a roda do coche não aquece nas pinas 5 ou nos pregos , e chapas > que tem á roda , tendo ahi hum movimen- to mui rápido ; aquece lo onde roça pelo eixo, porque com o roçar concebe movi- mento tremulo nas partes iiilenliveis. Eug. Eu ainda náo entendo bem , como quando huma coufa roça pela outra , tre- mem as partes inlenfiveis de ambas. Tbeod. Eu vo-lo explicarei agora. Quando hum corpo roça pelo outro , muitas vezes íe gaíUo ambos ; e he final que as partes iníenfiveis de hum , movem, e arrancão as partes iníenfiveis do outro: ora fe o corpo he mole, as fuás partes facilmente fe fepa- ráo humas das outras; porém feheduro, e rijo, não hetáo fácil o fepararem-íe ; caf- íim antes que fe feparem , tremem: ponl^a- Tarde oitava. 227 mos exemplo na lima limando o ferro : co- mo as partículas iníenilveis do ferro eíHo forcemenie unidas , e tem feu eiafterio^ quando palTa hum denre da lima por fima delias, dobráo-le i porém tanto que efcapá- ráo , tornáráo-fe a reftituir ao leu lugar: vem logo outro dente da lima, e torna a dobrallas 5 paííou para diante , e tornáráo-fe a rcílituir: leguio-íe o terceiro dente , e depois o quarto, &c. e todos váo dobrando as mefmas particulas , as quaes 'nos inter- vallos que ha de hum a outro dente , fe reítitucm 5 porque sáo elaííicasi e depois de palTar hum dente ate vir o outro, náo tem quem as comprima: e como efta inile- xáo , e rertituiçáo he miudillima , por ilfo as particulas do ferro , em quanto íelima, concebem tremor, e aquecem. Eug. Ku náo íei como fe podem rerrítuír elfas particulas dobradas pelo primeiro den- te da lima, íe logo atrás deile vem outro dente. Thsod. Sempre ha algum intervallo, e efíe he o que bafta ', porque eu fallo das particu- las lenuiílimas, e mui miúdas, as quaes, tanto que acaba depaíTar hum dente, e fe . váo a levantar , encontrão logo outro , que vem pafTando , e tornáo a dobrar-fe ; porém femprenifto ha de l-uaver movimento tremulo de dobrar , e tornar a reflituir: daqui vem, que quanto mais depreíía paf- fou a lima por fmia do ferro, mais aque- ce , porque foi mais miúdo o tremor das P ii fuás 228 Recreação Filofojica fuás partes. Efta também he a razão 5 por que quanto mais duro he o corpo , que fe lima, maior calor concebe; porque lendo mole, facilmente as partículas fe feparáo , e depois de feparadas , já náo tremem , váo- íe para fora em pó ', e as que ficáo em leu lugar, aturáo pouco tempo o movimento tremulo , porque brevemente fe vão : e da- qui vem , que o ferro limado cobra mais calor que o chumbo. Eug, Agora faço retlexáo que aílim he : por i*To osmetaes^ quando os limão, aquecem mais que as madeiras ; e eílas quanto mais rijas são entre fi , mais aquecem. Sihj. Porém que havemos de dizer dos cor- pos , que concebem calor por fe esfrega- rem huns pelos outros, ainda lem que al- gum delles feja lima ? Theod, Todos os corpos , ou quafi todos tem nas Tuas inperficies humas partes mais altas que outras ; lá tem femprc fua tal , ou qual efcabrofidade , ainda que infenfi- vel muitas vezes ao taâ:o i ora luppoíto if- to , fazem o mefmo , que fe foliem duas limas mui miudj-s roçando huma pela ou- tra. Daqui nafcc , que quanto mais afpe- ro he hum corpo , mais aquece o outro, que fe roça por ellc : prova-íc ifto mani- fcftamcnte; porque dous ladrilhos, e aílim he a maior pane dos corpos , roçando hum pelo ourro por muito tempo, e com for- ça 5 fazem-fe mais lizos ; e fe (e fazem mais lizos, he fmal que as partes da fu- pcr- Tarde oitava, 229 perficie de hum corpo arrancarão da íuper- jticie do outro algumas parriculas , que a faziáo mais afpera ; e efte he oeíTeiro que faz a lima : com que em certo modo ro- dos 5 ou quafi todos os corpos são humas como limas , com que fe lim.ío huns aos curros , e tirão das luperncies as partes mais altiís 5 que as faziáo afperas; e deíle modo eílá- entendido , que em quanto não fe feparáo eftas partículas, hâo de tremer, e conceber calor. Sil^v. Faz-le-me incrível que as partes do ferro 5 fendo duriílimo , tremáo. Theod. Eís-ahieftá o bronze do fmo , que he corpo bem íolido, e duro, e lambcm tre- mem as luas partes , quando ie lhe dá huma badalada , como le experimenta com a máo 5 e íílo eílando o fmo mui quieto; onde ie deve advertir de caminho , que as partes , cujo tremor fazem calor , são muito mais miúdas , e iníenfiveis 5 que aquellas 5 cujo movimento tremulo cauía fom. Prova- fe , porque quando o fmo foa , fcnte-fe com o tad:o o tremor das partes ; c quando o fino eftá quente, com o x^&o náo fe percebe o tremor das fuás partes ; e he coufa bem evidente, que as partes , cujo tremor fe percebe com o tafto , são maiores, e mais fenfiveis , que as que náo fe fentem tremer com eíle fentido. Silnj, E quando as coufas aquecem por ef- tarem polias ao Sol , v. g. fem que esfre- guemos huma por outra , quem he que lhes dá 230 Recreação Tilofofica dá o movimento rremulo ás partes infen- fiveis ?. Theod. A luz do Sol , fegundo os Newtonia- nos , he fogo i e pelo menos não íe pode negar que rraz comfi^o muitas partículas de íogo j as quaes forçofamenre háo de a- quecer os corpos onde le empre^âo ; e no outro fyftema , como a luz coniiíle na ma- téria ethcrea movida com hum movimeuLo tremulo, e vibracorio ; fendo a luz forre, também o ha de fero movimento : e he cou- fa bem natural , que as particulas de ma- téria ethcrea , movidas com hum movimento tremulo, e dando por muito tempo íobre hunm pedra , communiquem ás particulas , que eíUo na fua fuperíicie , movimento tremulo j e ahi temos já calor. Daqui le tira a razão , por que os raios do Sol jun- tos num ponto com oefpelho uftorio , ou lente convexa , queimáo com facilidade qualquer corpo combuftivel , porque sáo ahi muito mais em numero as particulas de fogo, e muito maior, c mais vivo o mo- vimento da matéria da luz, e afíim os cor- pos ou fe derretem , ou fe queimáo , con- forme a fua natureza. Mas íallando do fo- go , fe entenderá ifto miclhor ; porque então hei de dizer, que as particulas de fogo tem de fua natureza hum movimento tremulo rapidiílimo ; e he facil entender o modo, com que communica femelhanre movimento aos corpos , em que fe emprega. Sih, Tendes difcorrido maravilhofamente ; mas Tarde oitava. ^ 231 mas tende paciência 3 que ainda quero apu- rar mais efte ponto : e quando nós aque- cemos , íem ler por cauía do Sol , nem do fogo, nem de movimento algum, fó porque nos abafamos muito , ou nos mer- remos na cama ? Os veftidos, ou a rou- pa , que são a caufa do calor , mais de- prelTa embaraçarão o movimento, do que o caufaràõ. Tbeod. Pois parece-vos que a roupa he a verdadeira caufa do calor nelTe calo ? Sil^v, Parece-me que fim ; nem entro em ra- zão de duvidar. Thsod. Eftá bem ; porem fe ifTo be aflim , pe- gai numa pedra, abafai-a bem, ou fazei- Ihe huma cama a ver fe aquece. Silv. IlTo náo : fe fria eftava , fria ha de ficar. Tbeod. Logo a roupa náo he caufa do calor propriamente ; fó he caufa do calor em quanto impede que o ar de fora nos náo esfrie ; porém a caufa verdadeira do ca- lor, que concebemos, he o fogo , que te- mos dentro em nós mefmos , e o nolTo mo- vimento interno e vital : ponhamos hum exemplo. Se numa fala eífi ver hum peque- no hrazido de lume, e as janellas, e por- tas todas fechadas , hade eOa fala cobrar grande calor; e fe as portas, c janellas ef- tivcrem abertas, pouco calor, ou nenhum haverá na cafa. Pergunto agora : Qual have- mos de dizer , que he a caufa do calor , que ha neífa cafa? Propriamente he o bra- zidoi mas também fe diz, que o eítarem as 232' Recreação Filofqfica as pofras fechadas he caufa do calor ^ pois impedem que o ar não esfrie o que o fogo aquentvi : o melmo digo da roupa. Quando eftamos delenroupados , fim temos dentro em nós caufa , que nos aquente ; mas por fora esfria-nos o ar^ e allim náo aquecemos ; porém fe eftamos abadados , náo pôde o ar esíriar-nos tanto , e allim con- ferva-fe, e augmcnta-fe o calor interno. Silrj. Agora fó me refta huma experiência, que delarma todos os v o lios dilcurfos. Por elíe dilcurfo , huma braza de lume também havia de ter eíle movimento ^ e nós vemos que o náo tem. Tbeod. Donde vos confta iíTo ? Sih, Porque vemos que a cinza ^ ou po- eira , que rem pof fmia , fe con ferva fobre a braza ; o que náo feria fácil , fe acafo as particulas da braza tivefrem movimento tremulo , porque entáo delappareceria a cin- za , que com lium leve fopro defapparece. Tbeod. Antes que vos relponda , conlcnti que vos diga, que hum fino bem cheio de poei- ra , fe o repicarem, tremem as luas par- ter inlenfiveis com hum tremor táo forte, que com a máo fe experimenta , e fica cu- berto de pó , como antes ; e fe foprardes , voará o pó. Mais: fe fobre huma tolha de papel efpalhardes alguma arêa defta óe eC- crever , de forte que náo fique em mon- tão, e peg-indo numa penna afpera , derdes algumas penadas 5 vereis como os gráoszi- nhos de arêa tremem juntamente com o fr». "arde oitai:a, 233 papel, fem com tudo iírofahirem para fora do papel i o que fucccdcrá tanto que lhes derdes hum fopro. ítt?. Alíim ha de ler naturalmente. Tbeod. Ora o meímo digo da braza de lume : as partículas da braza tremem , e também ha de tremer a cinza i porem não bafta efte tremor, para que a cinza voe; aliim como náo baila o tremor das partes do fi- no para voar o pó , Scc. bailando para qual- quer deftes eíFeitos hum leve lopro para voar a poeira ; he preciío que o ar a leve , paliando com movimento total, á maneira da enxorrada de agoa que vai correndo, e levando o que encontra, que ifto he o lo- pro ; mas para efte eífcito náo bafla o tre- rr.er íobre ficada partícula de poeira. Pelo que, náo remos argumento que faça mu- dar a Eugénio do conceito que hía forman- do acerca do calor. Silv, Nem ííTo feria fácil , fuppofta a paixão que asvolTas doutrinas lhe devem ^ na ver- dade bem merecida. §. 11. Explicao-fe alguns effeitos do calor, ^«1;. llj^ Sta doutrina geral , que tendes da- -L* do acerca do calor , tomara que a contrahilíeis á calma , que experimentá- mos eíta tarde. De que procede ; Theo- do- 234 Recreação Filofofica doíio , haver maior calma de verão, que ÒQ inverno r acafo procede de andar o Sol mais perto de nós ? Tbeod. Allim o julgáo muiros vulgarmente , porem he engano: de inverno anda o Sol muito mais perco, e deverão mais longe. Eug. Qjjal hc logo a razão , porque andan- do mais alto de verão , fentimos maior calor que de invefno? Tbeod. A razáo he , porque de verão anda o Sol mais a prumo fobre nós , que de in- verno i daqui procede o cahirem íobre nós maior quantidade de raios do Sol, e íen- tirmjs maior calor. O Sol difFunde os feus raios igualmente para toda a parte ; porem aquelles corpos , a rcfpeito dos quaes ficáo perpendiculares os raios do Sol , dentro de huma determinada extensão , recebem ma- ior numero de raios , como Te demonftra geometricamente 5 e vereis facilmente com efta experiência : Pegai num papel branco, ponde-o defronte de huma vela acceza , e vereis que quando o papel eftá pofto de tal forte, que os raios de luz lhe dem de chapa , iica o papel mais claro , do que quando cftá de tal forte inclinado, que os raios de luz, que fahem da vela, lhe dem obliquamente. Eug. EíTa experiência he certa. Tbeod. Pois le o papel fica mais claro, final he que recebe maior numero de raios de luz ; o mefmo fe deve dizer dos raios do Sol^ quecahem mais juntos fobre aquelles cór- Tarde oitava, 235' corpos, a refpeito dos quaes ficáo perpen- diculares i e como no verão eftá o Sol mais a prumo febre nós , do que de in- verno ^ por ilío fentimos maior calor. Ad- verti , Eugénio , que ainda que diile qre o Sol de verão eftá mais a prurno lobie nós 5 nunca verdadeiramente chega a eílar a prumo 5 nem o pôde eftar arelpeito dos que vivemos nas zonas temperadas, como algum dia vos explicarei : digo , que eftá menos obliquo de verão, que de inverno. Siln). Mui boa eftá eíTa refpoíta , íallanJo do calor, que experimentamos de dia; porém muitas vezes de noite também ha calma, e efta não pôde proceder de eftar o Sol mais perpendicular. Thsod. Sempre dahi procede: vós, Silvio, mui bem íabeis , que qualquer corpo, que chega a conceber calor grande , o confer- va por muito tempo ; do mefmo moJo a terra," e o ar , que de dia receberão gran- de calor do Sol , o confervão ainda de noi- te , efpecialmente íe não ha vento que os refrefque : e como de verão são os dias maiores , e ha mais horas , em que a terra íe aquenta , e menos em que íe refrefque , naturalmente ha de conceber muito maior calor , e ajuntar maior numero das parti- culas de fogo , que traz o Sol. SíId> Ainda tenho outra difhculdade ; e he, que fe o grande calor , que ex'perimenra- mos de verão , procedeíTe de eftar o Sol mais a prumo lobre nós , ifiáo os calores cref- 236 Recreação Filofofíca crefcendo á proporção ate o Solfticio ão verão ( Soirticic do verão , Eugénio , he aquelle ponto do Ce o , aonde o Sol chega a vime e hum de Junho) , e defte dia por diante irião diminuindo os calores ; porque no ponro do Solfticio ellá o Sol mais 2 prumo lobre nos , que em nenhum outro lugar do Ceo , como vós , Theodolio , mui- to bem labeis. Ora nós vemos que iílo não concorda com a experiência , porque ordinariamente nos mezes de Julho, e A- gofto he que experimentamos a maior for- ça da calma. Thíoi. Relponderei por partes. Primeiramen- te onão creicerem 5 ou diminuirem as cal- mas á proporção que o Sol fe chega , ou fe aíFalta do Soliticio , de forte que muitas vezes em Maio , quando o Sol eftá mais longe do SoUticio, ha maior calma, que em alguns dias de Junho , em que o Sol eftá mais chegado ao Solfticio: iiTo proce- de da irregularidade dos ventos , que numas vezes refrefcáo mais a terra , outras me- nos; por i lio ainda que emvinte de Junho V. g. efteja o Sol mais aprumo fobre nós, do que em dez defte mez ; com tudo pô- de fucceder que a vinte haja vento Norte, que he mais frcfco , e a dez não o haja ; e aííim maior calma fará no dia dez, que no dia vinte; porem, regularmente fallando, bem vedes , que quanto mais peno efta- mos do S. Joáo , maior he acalma. \^amos agora ás calmas grandes depois do S. Joáo. Tarde oitava» 237 O Sol em Agofto verdade he que eílá táo a prumo areípeito de nòs , como emJVlaio pouco mais , ou mencs ; porem acha a ter- ra jà mui quente com os calores dos me- zes antecedenres 5 o quenáo tem o Sol em Waio j e por ilío do S. João por diante Tcn- timos maior calor , que r.os mezes ante- cedentes 5 havendo em huns , e outros à pro- porção quafi igual diilancia do Sol a ref- peito doSoII^icio : e eíla he a razão , por que ordinariamente de tarde faz maior cal- ma , que de manliá , ainda nas horas ^ que diftáo Igualmente do meio dia , porque fe váo ajunrando as partículas de íogo : e da- qui procede haver às vezes hum vento íuáo que queima 5 porque palTa por terras , que eitáo cheias de partículas de t^ogo , que trou- xe o Sol 5 e náo acha mar ^ nem terras alagadas ^ que com a humidade embarace elTas partículas de togo, e por ilTo queima tudo , e ainda de noite cauía hum calor horrendo. Silv. Eítà feito 3 vamos adiante. Theod. Agora me lembra huma coufa, que vos ha de parecer que deíhce tudo o que fica dito ; e he , que as regiões, que fi- cáo por baixo do pólo do Norte , parece que nunca haviáo de experimentar gran- de calor, por iíTo mefmo que o Sol, ain- da na maior força do verão , eflà mais obliquo a refpeito delias , do que eíià a refpeito de nós no rigor do inverno; po- rém havemos de coníeiíar , que às vezes íc ex- 238 Recreação Filofofica experimentáo calmas muito maiores, que no nolTo paiz. Xa Laponia baltáo cjuinzc dias de calor para tazerem crefcer as tV Jhas das arvores tanto, como nonoíTopaiz crefcem por muitos mezes : táo [grande he o Calor neílas regiões, que eftando huma pcJra expoíla ao Sol por algum tempo, difHcuhoiamenrc íe lhe poderáó pôr os pés nús em fima , íem le queimarem. Na Ilha de Gherri em huma occafiâo ospeícadores , que andaváo peicando os bois marinhos , lendráo a 21 dw Junho táo grande calor, que o biêo dos barcos fe derretia, e cor- ria pela embarcação : o meímo Tuccedeo em Spitzberg no mez de Julho. ( i) Silv. E como explicais vós elTes efteitos, íem vos concradizerdes ^ Tbeod. Nos pólos haveis de faber , que os dias sáo muito mais dilatados , do que aqui nasnofTas regiões ; ahi em cada anno ha hum dia iómente ; mas hum dia, que dura íeis mezes continuados , e mai^ , Íem nun- ca fe lhe efconder o Sol , íenáo no fim dellcs i e aiíim como náo ha os intervallcs dfis noites 3 em que a terra Te refrigere, o calor continuado vai crcfcendo de ma- neira, que faz eíles eíFeitos que ouviftes. Eug. Terrível paiz para fe viver ! Eu náo polTo foffrer os calores de Lisboa , que fa- ria neffas partes ? Thcod. Lisboa , e feus contornos , haveis de fa- ( r ) Meuioir. de Tievoux 17 17. pag. 1906. xoio. Tarde oitava, 239 faber , Eugénio 5 que he dos paizes mais íupportaveis no verão: que tarieis vós 5 fe eítivelTeis emMontpilher em 1705. no dia 30 de Julho ? Neíle dia foi ahi a calma ráo grande , que os ovos 5 que ic punháo ao Sol 5 iahiáo cozidos. ( i ) Eug. Neile dia, l"e ahi eftivelTe , havia de vi- ver mais na agoa como peixe , do que na terra ao ar. Mas agora me lembra pergun- rar-vos a razão de huma coula , que me tem caufado admiração ; ás vezes quando eniro em algum banho, raettendo a mâo , fmro a agua quencc; e quando o mais cor- po entra na agua , íinio-a fria : dizei-me donde procede iílo? Tbeod. Os noíTos íenridos tem huma coufa comfigo , que conforme o eftado , em que elles eftâo, aílím percebem as qualidades , ou accidences que acháo nos corpos : quando entramos numa cafa com pouca luz , os que vem da claridade acháo-na totalmente ás efcuras ; e os que vem de oi'tra cafa to- talmente efcura , acháo-na baifantemente clara. Do mefmo modo depois de comer- mos doce , humm.anjar que feja hum pou- co defabrido 3 nos labe muito mal; e fe o comeíTemos depois de outro falgado 5 ia- ber-noshia muito bem. Aflim he no calor: quando a noíTa pele tem maior calor que a agua, fente a fria ; e quando tem me- nor calor, fente-a quente. Ora a m.áo co- mo anda expofta ao ar , anda mais fria que o { I ) Hlftoir. dç PAcadenile an. 1704. pag. }o» 240 Recreação Filofofica o reílo òo corpo ; por ilío eftando a agua fomente tépida , a rr.áo mais fria que a agua 5 aclia-a quente ; rras o brjço mais quente que ella , acha-a tria. Confirmrí-fe efte meu dilcurlo com efta experiência : mettei huma mão em neve, e a outra em agua quente , quanto puderdes aturar fem niolertia ; depois dil^o fe metcerdes ambas as máos em agua tépida , juntamente a achareis fria, e quente; na máo , que ti- ralles da neve , fentireis a agua quente, e na outra máo fentireis a aguá fna. Eug. Ahi claramente fevê fcr verdadeiro o voiTo difcurfo. Tbfod. Ora a razão ultima diílo he ; porque fe a agua eftá menos quente que o braço, diminue-lhe, e embaraça-lhe o movimen- to, e também o calor i ie a agua eftá mais quente que a máo , augmenta lhe omovi- menro , c o calor. Quando tratar do foso difperío pelos corpos , me entendereis me- lhor. Eug. Agora me lembra pergunrar-vos , que fegredo he o de huns canudinhos de vidro, que trazem alguns Eílrangeiros , e fervem para conhecer o calor do tempo ? Theod. A cíTes vidros chamáo Termómetros : eu vos explico efte inftrumento : o Termó- metro confta de huma garrafinha de vidro: efta garrafinha tem pegado hum canudinho mui delgado , e comprido , e cftà cheia de efpiíito de vinho, que com o calor fe rare- faz , eíóbe paraíimaj indicando osdiver- fos Tarde citava^ 241 fbs grhos de calor. Em oucra occaíiáo vos darei mais cabal inítrucçáo fobre os Ter- mom^iros (i) = Dizem, que leu inventor foi Sanciorio, Os melhores sáo os de Mr, lUaumur 3 e de Fahreubetio. Eug. Ainda falta a razáo , por que e((c ín- llrumento indica os gráos , que ha de calor. Tbcod. Eu o digo. Hum dos mais ordinários effeitos do calor, he orareiazer, e dilatar os corpos j o modo 3 com que o calor ra- refaz CS corpos 5 vos direi logo, quando explicar em que confirte a rarelacçáo. Abe- mos que a agua quando fe aquenta , cref- ce ; alíim fuccede ao clpirito de vinho, ou qu-ilquer outro fluido, qUe eftá dentro do Termómetro. Qijando ha grande calma , com o calor rareíaz-fe o efpiriro de vinho i e crefcendo, fóbe pelo canudo síííma ; e íóbe mais, ou mienos 3 quanto maior 3 ou me- nor he o calor que ha no ar ; e pela mefma razão defce, quando taz trio r e tanto mais deice , quanto maior he o trio: eis-aqui a razão j por que quando o licor do Termó- metro cftá mui alto ^ he fmalque ha grande calma; quando efta mui bai::o , ha grande frio; e quando eftá no meio, eílá o tem- po temperado. £ug. Parecía-me incrível , que o calor do ar fizeiTe dilatar o licor ^ que etlá lá den- tro do Termómetro. Tbeod. NilTo não tenhais dávida, que além da experiência, que o moítra quotidiana- Tom. II, Q^ men* ( I ) Tom. 111. Tarde XI. v^. IH- 2^2 Recreação FiJofoJica menre , a razão o peiTuade. He incrível a prompcidáo com que muitos corpos fe dilatáo com o calor, ainda que leiáo ao nolTo parecer pouco aptos para illo. Ha hum inftrumento, a que chamáo Pirómetro y no qual claramente le vè cumo com o calor fe dilatáo , e eítendem os mecaes. Todo o feu artificio ertá niilo; pcga-íe numa del- gada barra de latão 5 ou outro metal , pôe-fe fixa numa extremidade , e a outra luftenra-fe fobre huma rodinha mui íacil a rnover-íe ; mâs de íorte , que toque nos dentes de hum certo carrete , o qual lá prende com eixo de hum moftrador , co- mo de relógio; preparado iilo alíim , mct- tem-íe algumas luzes debaixo da dita bar- ra de latáo , e com o calor fe ellende lo- go, e faz andar o moftrador á roda. Mas o que admira mais , sáo os pêndulos dos relógios. Tcmmoílrado a experiência , que fendo de ferro, le dilatáo com a calma ^ e íe encolhem com o frio (i). Eu, que ao principio duvidava deíle eííeito , me certi- fiquei com a própria experiência ; porque ainda que adiífcrença no comprimento do pêndulo he inienfivci em fi , faz-fe fenfivel pelo movimento dos relógios , que he al- gum tanto vagarolo , quando o pêndulo he mais comprido > ainda que leja totalm.ente imperceptível aos olhos a diíFerença ; po- rém ( I ) McTíoir. PlMlofophic. de Ia Socíft. Roya- le de Londres. Memoir. Litcr. de la Gran-Bretagne tom. S. pjg. 54 5. à Tarde oitava* l4j ^ rcm fé o calor for excellivo , Terá viTivel o excello , ou augmento , que haverá no fer- ro. Mv. de b Hire expoz n'uma uccafiáo ao Sol na força do Eítio hunia regoa de ferro i e paliadas três horas ^ achou a regoa mais comprida dous terços dehuma linha, que correlpondem pouco mais , ou menos à grolTura dehuma dobra de64CO. Outra ex* periencia li cu ha poucos dias (1)5 ^^^ confirma efte meudiro: fe tomarmos dous pedaços de mármore perfeitamente iguaes , e os expuzermos por tempo dilatado ao ar no ri soro fo do inverno j depois mettendo hum cm agua bem quente , de íone que conceba grande calor , ficará hum pouco maior que o oufro marm.ore , que eftá trio, e não ajuftrírá hum com o ourro como an- tes. Notai agora i fe o calor pode dilatar a pedra ^ e o tcrro ^ como náo l^ará dilatar o espirito de vinho no Termómetro? Eug, Contra a experiência náo ha argu- mento. Sil^j. Dizeis bem; mas tam.bem ha huma ex« periencia contra efle voilo dilcurío. Ha pou- cos dias, etfando eu em cala de hum meti amigo , íez elle huma experiência , que con- tarei : num valo , onde tinha agua ferven- do 5 m.etteo de repente a bola do Termome» Tro , e o cípirito de vinho, que elfava no Termómetro , defceo de repente , e de- pois foi íubindo pelo canudo aflima (2)í Q^ii CO' ( r ) P. RenmuTf. tom. c pag. 105. (2} Gravezund. Jiv. 4. cap. xo, n. 24J4, 344 Recreação Filofofica como concordais efta experiência com- o q'je fica dito? Tbeod. Iiío mefmo tenho eu obfervado , e ex- plica-fe com t.^cilidâde ; o calor da agua, antes que lecommunicalTeao efpirito ce vi- nho, primeiro fe havia de communicar ao vi- dro da garrafinha ; efte vidro com o calor • havia de dilatar- fe ; dilaiando-Te , ficava o ef- paço 5 ou váo da garrafa iTiaior do que anres; delTe modo era torçofo , que o ef- pirito de vinho dektlTe, pois íe dilatava o efpaço 5 em que elle fe continha; porem como o calor breviílimamente ie havia de communicar ao eípirito de vinho , também efte íe havia de dilatar, e crefcer por efte modo pelo canudo aílima. Siiv. Eile vollo difcurfo , Theodoíio , cHiara muito bom , mas para mim he inverofimil, Tbeod. Comprovallo-hei com outra experiên- cia : tomemos du:is garrafinhas pequenas com . íeus canudinhos mui elheiíos , como o do Termómetro ; huma das garrafinhas fcja co- mo numa bola , outra leja chata , e com co- vas para dentro , ce forte que a fuperfi- cie convexa do vidro feja para dentro, e a concava para tora ; enchamos eftas duas garrafinhas de agua até determinada altura dos canudos , e mcttamo-Ias ambas em agua bem quenic; oblervarcmos que na 8,arra» finha redonda 5 e por modo de bola , a agua defce algum i.into , e dahi íòbe ; na outra garrara , que tem as covas para dentro, náo defce a agua^ principia logo a fubir. Mais: Tarde oitava, 245' Mais: tiremos eftas duas garrannhas da a- ^ua quente, e mectamo-L^s em agua bem fria; obrervamos que na garrafa , que tem feitio de bola , íóbe a agua algum tanto , e dahi òcícQ •■, na outra garrafinha principia logo a deícer. ( i ) Ora aqui íe vè mani- feftamente ler verdadeiro o diícurlo , que €u formava. Com o calor dilaca-le o vidro, como já vimos , que fe dilatava o ferro, e as pedras , &c. ; dilatando-le o vidro, fica na garrafa com feitio de bola 5 fica, digo, maior o váo i pelo contrario na outra, que tem covas para dentro , quando o vidro fe dilata, e crefce 5 fica mais yequeno o váo; por iiTo a agua , que eílà dencro , defce nu- ma , e na outra fóbe : pela mtima razão com o frio conienla-fe o vidro , ficando íIqÍ" te modo mais pequeno o váo da bola de vidro i e por iiío principia a lubir a agua inrcrior, até que omeimoftio faça estriar a agua , que da experiência precedente ef- tava rarefeita 5 e faz que vádtfcendo: pe- io contrario fuccederá na outra garrala ; por- que condenfando-le o vidro, ficáo as co- vas mais pequenas , e maior o váo da gar- rafa , por iifo abi principia adeicer a agua interior. ^ug. Effa experiência convence, Sili). Eftá mui bem dito , vamos aos rrais eff^itos do calor. Theod, Aiuitos maiseíFcifos ha no calor , e de pro- ( I ) Regnault Entretíens Phyfiq. tom. 2. pag. I44« 146 Recreação Fi!oQ)fica propofíro os relervo para quando tratar do l"ogo , porque ahi tem feu luçar , e en- láo percebereis meihor acauía ileiies : paf- íem 5 agora ao frio. iSíVr. E pulemos náo fó na converfaçáo , mas também na realidade : mandai-nos vu agua frefca. Tbeod. Hoje temos neve, tomareis forvetc : eu o m.mJo preparar. Síh, Gom boa vontade, pois o tempo aííim o pede. §. III. Trata-fs do Frio. Eug. "P? M quanto o fon^ete fe j^elía , tra- i—' temos do trio, que he matéria pró- pria áà occafiáo. Theod Suppoíl; • o modo de difrorrer , que 05 reripareticos tem zctrc? diís mais qualida- des, hcilmente íe entende o que dirão defta. SiliJ, IfTo rerfis obíervado no nol7o fyftema , iLugcnio, que procedemos em tudo cohe- ren es : vamos a ver o que he o frio na opinião dos Modernos. Thcod. Nós os Nío-jernos, que náo guarda- mos menor coherencii , afíim como diíTemos que o caior conílllia no movimento tre- mulo, e mlenfivel das partes do corpo ca^ lido; aííim agora dizemos , que ofríocon. . íiilc nâ quietação , e fixação das me imas par- Tarde oitaua. 247 partes; de forte que Te huma pecra tiver todas as fuás partes quietas ítm movirren- to algum , fica fria: eaííim como dilTemos que a caula proxims deite movimenro eráo as partículas de fogo , que eftáo metti- das em todos os corpos ; aílim dizemos agora , que a caula próxima delia quieta- ção ou são os corpos que roubáo as par- tículas de fo2;o aos corpos cálidos , ou sáo partículas eftranhas , que fixáo^ e prendem as partes inlenfiveis do corpo que Te eshia. Efte nolfo diícurlo , quando náo livelTeporíi a experiência , tem a razáo , porque todos fabem que o frio he oppolto ao calor: fe o calor confiile no movimento tremulo das partes infenliveis , he claro que o frio ha de eílar na quietação deíTas mefmas partes. •JSm^, ElTa razáo boa parece ; mas amimcon- vencem-me mais as experiências. Tbeod, Nós vemos por experiência ^ que qualquer corpo, tanto que célía a caula, que póe em movimenro as luas partes in- fenfiveis, naturalmente esfria ; aiíim ove- mos na agua , quando a tiramos do lume; no ferro 5 quando deixamos de o limar; na pedra , quando a tiramos do Sol , &:c. e o tempo, que fe coniervào eftas couías quen- tes, he o que he precifo , para que as par- tes 5 que ie moviáo , venhào pouco a pou- co a aquietar-fe ; donde fe infere, que nef- fa quietação eftá o frio : por onde tudo o que- prova que o c^lor coníiile no movimen- ■ta , confirma também que o trio eilà neíla quietação. £ug. 24^ Recreação Filo fo fica Eug. Se o frio confifte neíía quietação â^$ parces , leí^ue-fe que quando Kum corpo fe move, náo poderá eílar frio; e nós vemos que a agua de hum rio corre, e he fri^iJiiíima. Tbeod. Eu náo digo, que eftar humacoufa fria confitle em ter as panes quietas ablo- luíaiTiviicei digo, que conílÍLe em nâo ter rids partes inlenllveis aquelle movimento tremulo , em que ellà o calor : a agua, quando corre pelo rio , tem movimento ; porém náo he movimento tremulo, e con- ciío nds partes infenilveis , como he precifo para o caior , tem hum movimento total pe- lo rio abaixo. Sil^u. Pergunto eu agora : E que cau fas põem em quietação as partes de qualquer corpo , que eílava quenre r Thsoà, Humas vezes , quando hum corpo íe csíria por íi melmo, as luas meimas partes fe aquiecáo , porque lhe era violtnto o mo- vimento crernulo que tinháo i outras vezes , quando hum corpo he esí"riado por outro , ef- fria-íe o que eiliva qutnte , porque as par- tículas Ígneas fahiráo para fora : elie modo (âe esfriar vos explicarei mais miudamente , quando tratar ào fogo ( i ) i em fim , ou- tras vezes hum corpo he esfriado por outro , porque pelos poros lhe eniráo partículas que encaláo , e prendem de marreira as do corpo cálido, que úiHicuItoíamente fe po- dem mover: eílas paniculas dizem os Fi- lofotos , que sáo ordir^ariamente íalinaso ( r ) Tom. III. Taril. XI. ^ lU / Tarde oitava. 249 Para preoccupar algumas aamiraçóes de Eugénio 5 he preciTo norar o que vós mui tem labereis por caiifa da Ckimica , que ha muicas caftas de íaes , alem do ial com- muni 5 que he o que conhece o vuigo. As partículas pois 5 que fervem para estriar os corpos 5 náo são ió as de lai commum , fe- náo também as do nitro , ou laiitre , e ou- tras , as quaes mettendo-Te pelos poros dos còrpo<5 embaraçáo o movimento das partes inícnfiveisi e deita Torre causáo trio. Silv. V^^mos de vagar i e como provais vós ilTo ? Tbeod. Com muitas experiências; primeira* mente com efta , que temos diante dos ©lhos : dentro defta tolha de Flandres , em cue eftà o íorvete , bem vedes que Ic lançou huma pouca de limonada liquida; depois tanto que roJeám.os a folha de Flandres com neve , e fal commum , e íe principiou a andar á roda com a folha y como vedes , principiou a desbzer-fe o fal 5 e a neve, e as ítias partículas entra- rão pelos poros da folha de Flandres , e foráo-fe mettendo pela limonada ; e de tal force lhe váo entalando as particiiias , que já fe não podem mover tacilmcnte, e itto heo que vós ch:im.iis congellar ; daqui vem, que o forvece primeiro Te conc^^ella , e ef- fria nas partes, que ficáo pegadas á íolha de Flandres pela parte interior ^ porque as partículas de fal , e neve , que entráo pe- íos ppros da folha > primeiro fazem o íeu et- 2^3 Recreação Filofojica effeito nas partes da limonada 3 que achão mais perto. Eug. E porque he precifo andar com a fo- lha de Flandres á roda , em ordem a geilar- fe a limonada ? Thçod. He precifo , porque deíTa forte desfaz- íe mais depreífa a neve, e o fal ; e as fuás partículas , quando a neve fe desbz , entráo em maior abundância pelos poros da fo- lha de Flandres para tixar , e prender as partículas da limonada. Eug. E onde temos ahi partículas de nitro? Tbeod. Na neve em grande quantidade. Silv, Dizeí-me vós agora , Theodofio : E todas as occaíióes , em que os líquidos fe gelláo , he por caufa delias partículas falinas, e nitrofas í Se allim r.e, como fe podem gellar os rios fó com o ar de inverno í Theoi. Deíle modo: no ar vem muitas par- tículas de nitro , e eítas partículas váo fi- xando , e como íe folTem liumas cunhas, vão entalando as partes á^ agua, de lorte que le gel!a: por ilTo os rios prmcipiáo a gellar-íe pela parte luperior, porque lem- pre a agua, que fica mais vizinha ao ar, eílá mais cheia de partículas falínas , e por ilío mais geliaiin, Eug. Entáo havia de fer a neve falgada, fe he verdade o que dizeis, que a agua eftá gellada , porque cílá cheia de particulas íalinas. Theoi. Já vosdilTe, que havia muitas caftas de fal dl ver ias do fal conimum, que faz o . -> CO- T/trâe oitava, 1 5* T comer falgaJo. Vermos a ouTas experien- icias. Se num quartilho de agu.í pura , e trelca lançarmos finco , ou fcis onçís de fal amoníaco moido, eslria-Te incrivelmenrc ; e fe n(Ss neila mirtura estriarmos duiis traf- quinlios, hum com ]uaa-o onças deite fal , outro com oito de at;ua pura , e fizermos com e lie !al , eagua nova miftur.i , íucccde ás vezes íicar táo fria , que ^ella a agua de hum canudo de vidro bem delgado , que fe introduzir na iei;unda miitura. Aqui ve- mos que as parriculis deRe Tal penetrando pelos' poros da agua , a f^zem mais Iria : lo- go náo he deadaiirar, que outras particu- las femelhances , encrando pelos poros de qualquer corpo, fi\'em5 e prenJão 3S par- tes iníeníiveis , ái force que nào fiquem aptas para o movimenrodo calor. Huma das experiências mais palm-ifas neíte pomo he a que traz o Gravezande ( i) ; e rambem a traz o Journ.il de Sca vans (2) , e a Hiílo- ria òa. Academia das Scienci.^s , (O ^ ^^^ hum modo facil de gellar a agua com o fogo. Silnj. liío he huiiia coufa impollivel : como - fe faz efta experiência ? ' Tbeod, Ru o digo. Pegii em hum.i garrafa com a^ua , e merrei-a denrro dehumv^ío, onde efteja neve, e lai commiim; mifturados em porções ii;u3es , de lorte que a gar- rafa fique enterrada no fal, e neve j feito if- ( r ) Llv. 4. cap. 14, n. 2606. • ( 2 ) Anno lie 170^ Julho pi^. 4)4* ( j ) Anno de 1Ó99. ' ^^z Recreação Filofojica ifto , ponJe tudo ao lume ; obferva-fc , que tanto que a miftura do íal , e neve íe der- rete 3 congeila-fe a agua , que eftava den- tro da garraía. Silv. He palmo fa experiência ! Eug. Ha poucos tempos ouvi dizer , q^ie havia hum modo de fazer neve artiíicial , de force que ainJa nospaizes, cm que náo coil:aíTH havcUa , fe podia tazer forvere , e Kutas gelladas ; agora já lhe dou credi- to 5 vendo que pôde ier de algum deíícs modos; mas vamos nós á razáo delle, que certamente he hum eííeito bem pafmoío. Thiod, A razão tira-fe da doutrina que te- nho dado : as partículas de fal , e neve derretidos 5 entráo pelos poros do vidro, e principiáo a íixar , e gcUar a agua , que eíYi dentro , como agora fe faz na lorve- teira. Mas náo he íó cíle o modo de gellar artificialmente a agua , ainda na força do veráo. O Padre (3zanan ( i ) traz outro modo fácil de gellar a agua. Milluremos meia onça de Íris de Florença , e duas on- ças de íalitrc refinado ; lancemos tudo ifio num frafco de barro , onde eileja agua fer- vendo ; rapemo-lo bem , e meitamos logo o Iralco dentro de hum poço ; e veremos que dentro de três horas hcs gellada a agua do fi;ilco, que eftava fervendo: aqui ha a mefma razão , que na experiência prece- dente. Sih, (i ) Jlecreacão Mathematlca tom. j. p^g. 127. da edição moderna. Tarde oitava, 253 Sil'v, Mas que faz ahi a circumftancia de ir a agua fervendo ? Ti;fOíi. IlTo faz que fe diíTolváo , c mifíu- lem com mais facilidade ns partículas dos ingredientes , que ie lançáo dentro da agua. Eíia meíma razáo ferve para explicar ou- tro modo de fazer neve , que iraz o Pa- dre Regnault (i). Tomemos hiima garra- fa 5 que tenha o gargallo baílantcmente ef- treiro , lancemos-lhe agua répida , c tape- mo-la mui bem ; depois diíto cubramiO-Ia por fora com neve miifturada com falitre, e fal commum, e brevemente fe geíiaiá a agua 5 ainda na torça do Eítio. Também fe gella a agua, miílurando-lhe íimplesmente gello, falitre, falcomimum, e pedra Kum.e (2). tis-aqui vedes que eílas partículas íxáo de tal íorte a agua , que a conver- tem em gello, pois eftas mtfmas particu- 3as em menor quantidade sáo as que eí- friáo a agua , e qualquer outro corpo. Ewo. Porém , Theodolio , nem fempre a agua , quando q9í?. fria , eftá gellada i e efta- ria gcllada , fe as luas partículas eíliveflem lixadas pelos faes. Tbeod. Para eftar gellada a agua, heprecifo que as fuás partes náo fó cfl:e]áo c^uieras, mas que eftejáo totalmente prezas 5 e en- taladas com as partículas de fal , ou fali- tre, e que ie náo polsáo mjover humas lem as outras i porém para a agua eltar fria , náo ( I ) Entr«t. Phyilq. tom. 2. pag. 114. (3} Re^^n. Entrét. tom 2. pag. uj. 25*4 Recreação 'Bilofof.ca náo hc precilo tanio 5 batia que as fnas par- tes ieiáo de lA lorte lixadas , e prezas , que náo poísio ter o movimenro próprio do calor, ainda que tcnliáo o movimento total, que ha nos iiquidos ordinariamente : ja tabeis que o movimenco próprio do calor iic l'.um inovimenio tumulo , que tem cada partícula de por fi , e eíte movimen- to pôde mui bem embauçar-fe , ainda que todas as partículas ie mováo juntamente para huma parte. £tt£. 3á tenho percebido como as partícu- las de lai 5 e falitre íixáo , e entaláo as partículas dos corpos , de lorte que náo len» o movimenco próprio do calor i mas como explicais aquella fenlaçáo molella ouelentimos, quando mcttemos a máo na agua mui Iria ? Tbeoi. Deiie modo. Quando a ag;ua eíih mui tria , iie ÍJnal que efta mui cheia de partí- culas de íalitrc , as quaes cravando-le pe- los poros da máo , íixáo , e pieiidem de tal lor:c as partes interiores , que íica enrcgel- ladri 5 por ílTo a nino íica como tolhida: e dacui n.Tfcem também as fiieiras ; porque as parriculas do íangue , que eítaváo nas ex[rci> idades , lá ficáo como coalhadiis. D.ioui fj tira também a razáo de ticarem as mãos roxas , por iiTo me mo que o fanguc 5 que efti mais vizinho á cútis, fi- ca deaíg!]ma lorre con^ellado , e faz aquel- le cor ; náo dic^o que le coni^ella o lan- gue dâi veias maiores j mas íò mente de al- gu- Títrde oitava, 2^^ gumas veias capilares mais vizinhas à cu- llb. Eug. E donde vem á agua fria o falirre ? Tb£od. Muiras parriculas traz ella comllgo -da fome, onde n^fce ; daqui vem, que ha humas aguas mais cheias de ialicre do que outras; mas também co ar lhe vem muitas partí- culas de ialitre j porque como na terra ha muito Ialitre , do^qual íe cíláo levantan- do coniinuos vapores , íe^ue-íe que o ar ha de ter milíuradas muitas deftas partícu- las ; e coniorme os ventos , e outras cir- cumltancias , aílim humas vezes tem mais partículas falinas , do que outras : por iíTo a aí^ua, que de inverno efiá expofta ao ar, fica muito mais fria, que a que eftá den- tro em câfa. Quando tratar da a^ua ( i), fallarei outra vez do gel lo : agora alliviemo- nos hum pouco da calma com o lorvete. §. IV. Expiicao^fe outros ejfeitos do 'Frio, Sth, XT Eíle noíTopaiz não ha tanta com- i-^ modidade de tomar neve , como ha noutras partes. Em Eíeípanha hc baratilli- ma , todo o povo tem eile grande retrige- rio para a caima. Thcoà. Muito maior abundância ha lá para as regiões do Norte : ahi ha montanhas pafmo- , fas todas formadas de neve i os rios fre- quen- CO Tom. lil. Tard. XII. í- V'II. 25 é Recreação Filofojica c]uentiíl:mamente ie acnáo gellaJos; ea/n«^ da o nielmo mir nas regiões Seprentrio- nacs 5 principalmente junro Jas praias , Ic cobre de huma luperficie de gello , muitas vezes 3[e á diftancia de quarenra let^uas dab praias. Em Spiczberg fe viráo em huma occaíiáo lete monraniias Je eftranha gran- deza , formadas de gello , c neve (i). Em ouuas par:es le tem, viíto outras monta- nl^as de gello nadando no mar, táo ^^an- des , t]ue parecem Ilhas, como me contou Madama Bidigarai , vindo de Lima , paf- fando pelo cabo de Horn , lá para o pólo do Sul. PoTcm iil:o nas regiões do Norte náo admira tanto; porque ellas regiões s-áo frigidillimas 5 e abundantiílimas dcfalitrc, acu)as partículas aitribuimos eíles eftcitos. C) que cauia maior admiração he oqueluc- cedeo em França , perto da V^illa de Chaux , que cíi:á linco léguas pouco mais , ou me- nos dilranie de Bezanlon, no mez de Se- tembro de 171 1. Huma caverna grandilli- n\:x , que ahi ha , e tem 210 palmos de com- primtnro , e 18^ de largura , toi achada com o chão todo cuberto de gello da altura de palmo e meio ; e alem dilTo havia três pi- râmides formadas de gello de quatro até í:nco varas de alto. (2)* Sih. IlTo em qualquer outro tempo era di- gno de admiração ; porem muito mais o he no mcz (\c Setembro , em ejue ha ainda grande calma. Eug, ( I ) Memoir. de Trevoux 17 17. pa^. 199$» (2) Hiitoii-. de rAcaikm. 1712-. pag. 21^ Tarde oitava, i^j Fug. E como explicais vós fyficamente eíTe tífcito natural? Tbèod. Aas vizinhanças , e nrui principaimen- ie nas terras , que íicáo por fima deíla grande concavidade , ha muito grande abun- • dancia de íalitre , o cjual com 2 força da calma podia penetrar pela terra , e corri mu- nicar-le a alguns regatos, que corriáo pa- ra elTa concavidade , e rormar-le>hia o gello dentro da cova , da mefma íorte que o formamos ariincialmentc cá íóra , como dif- íe ha pouco. Bug. £ ccmo íe formarão as pyramides? Theoà. Podiáo formar- íe , íe por algumas fendas da abobeda , que ficava por fima deiía caverna, vielíe pingando, e cahindo agua , a qual trouxeíle ja comfigo baftance porção de íalitre, e outros íaes^ que foí- lem baRantes para acongellar; e vindo ei- ra agua cahindo pouco a pouco ^ e gcilan- do-ie , formaria elTes montes de gelio à maneira de pyramides. íiug, Eíía concavidade íubterranea boa era para o veráo. ^ihj. Acho que havia de fer demaziadamen- te freíca. í.ug. Agora me lembra perguntar-vos , qual he a razão , por que os lugares íubterra- neos , ordinariamenre de veráo , os acha- mos frei cos 5 e pelo contrario de inverno os achamos mais quentes , que os outros fitios altos ? itbiQd, Dá verág como o maior calor pro^ ^5*5 Recreação Tilofojica cede dos raios do Sol , e os liiga^^es fub* terraneos ellâo mais defendidos do Sol , por ilío eftáo m.^is frefcos ; e de inverno 5 como o frio procede ordinariainente dos ventos , e os lugares fubrerraneos eftáo mais defendidos dos vemos , eftáo menos frios ; porém verdadeiramente os lugares fubrerraneos de inverno íempre eftáo mais frios j que de veráo , ainda que a nós nos pareça o contrario. Sil-j. Eu não convenho niíTo. Tbeod. Já íe cem averiguado ifto por meio do Termómetro ( i ) em varias cavernas fub:erraneas , e íc tem achado mais frias de inverno 5 que de veráo. A caufa po- rem do noiTo engano he efta : como nós quando entramos num lugar fubterraneo de inverno, vamos da fuperíicie da terra, que eftá mais fria , parecenos a nós que a caverna eftá qucn e ; pelo contrario de veráo , como quando entramos em alguma concavidaJe , vamos ca da íuperficie da terra , que eftá mais quente , parece-nos que a caverna eftá fria , fendo certo que tcimbem tem calor, e mais que de inver- no i porem como nós vamos de hum hi- g.ir , que eftá mais cálido^ foiçofamente nos ha de parecer a caverna íreica ; aílim como nos parece fria a agua , que verda- deiramente eftá tépida , le nós antes que mettamos a máo na agua tépida, a tiver- mos ( I ) Mr. Marlotte, Tratado do calor, e do frio pag. 189. Tarde oitava» 25'^ mos mettido immeciatamente em outro muito mais quenie. £tf.?. IlTo concorda com a razão: vamos aos mais efFeitos do trio. Tbeod, Hum dos eíièitos que faz o frio mui- tas vezes , he o conlervar os corpos poc algum tempo mais dilatado illéfos da cor- rupção. Bem vedes que de vcráo mais facilmente fe corrompe qualquer coufa , do que de inverno : a razão defle eíFeiro também fetira do que fica dito i porque as partículas de faes ^ que entráo pelos poros , embaraçáo o movimento , por onde prin^ cipia a dilToluçáo 5 e corrupção. Outras ve- ies porém fsz o frio effeitos contrários , o orií^ina a corrupção. Conta-fe de varias pef- foas na Xoruega , e outras regiões mais chegadas ao Pólo 3 que com a vehemencia do trio lhes deo gangrena nos narizes , e orelhas. liug. E como podem proceder da mefma caufa eííèitos contrários ? Tbsod, Pelas diverías circurrftancias : na-^ quelles corpos, em que he precilo o mo- vimenro interno dos humores para a lua con- fervaçáo, quando o hio impede eíte movi-^ mento , impede confeguiníemente a con- íervaçáo dos taes cóipos : ifto he o que luc- cede a eftes mem.hros , que apodrecem com o trio 5 porque fe lhes impede o movimento interno dos humores , que he necelíario para a fua nutrição 5 e ccnfervaçâo ; e aílim ficão . como membros mortos iujeitos à corrupção, íl ii íih> iCo Recreação Filofofica Siln)» Ficâiáó embora íujeiros à corrupção por eiíe principio ; ni3s o trio, que prc- Icrva os outros corpos da corrupção , pre- lervarà cambem cíTes. Tbsod. Sim os prelervão por alguns dias; mas não fera baíiance para abioiucamence embaraçar a lua corrupção. Eug. Dizei-me vós agora: E qual hc a ra- zão 5 porque alguns animaes engordão com o trio ? Thtod. Pôde proceder dillo : Cem o Frio íi- cão os poros mais capados ', não ha lanca iranlpiração inlenfivcl , e defte modo po- de haver maior nutrição : também pôde proceder de que o langue, e os hunioies com o trio não cftejào táo líquidos , e mais tacilmentc Te convcrtáo nos íolidos do corpo do animal ; porem el^es eíFeitos do trio são pouco attendiveis, os mais no- táveis são os que já temos tocado empar- ■ te 5 c ainda a leu tempo le explicarão mais largamente ; eil:es são a condenlaçáo de huns ' corpos, a raretacção de outros, e confor lidação de alguns líquidos. §. V. Trata- fs do corpo Fluido , e do corpo Solidol ^^í* p Ara mim hum dos eíFeitos mais no* JL caveis he a conlolidaçáo dos liqui- ' dos : vemos que a limonada íe gellou >de Tarde oitava,. ' "iCn tal forre , que mais parece corpo folido, que tluido. Dizei-me vós agora , Silvio, como fuccedeo erta mudança. Silv, Havia antes huma qualidade, que fazia efte corpo fluido ; depois por caufa do frio e mui intenfo dclíruio-fe eíla qualidad produzio-fc oucra contraria, que tez loli- do âquillo meímo que ate ahi era liquido. Agora fegue-ie dizer Theodofio o que fen- te acerca dilTo. Theod. Já e.vpliquei elTc eíreito pelo que ref- peita ao irio ; aib^ora explicarei em que ef- tá a folidez prefente , como tâmbem a flui- dez paliada. Eug, Para a doutrina fer mais proveirofa , ex- piicai-mc vós em geral , que he o que faz que humas couías Tejáo fluidas , outras náo. Theod. Para náo qucílionarmos febre ncmes , dizei-me : Que entendeis vós por corpo flui- do , e por ccrpo folido ? Eug. Corpo fluido chamo eu aquelle , que fe entorna facilmente , fe o recebem, em al- gum vafo roto , e que toma a figura do v^^o y em que o recebemos 5 accommodan- do-fe a elle ; e o contrario defte he que eu tenho por corpo lolido. fhsod. E que dizeis vós, meu Doutor? ifz7-u. Digo o mefmo , porque afiim o define o Filofofo, ( I ) Tbeod, Suppofto ifto, digo, que hum corpo fer fluido confifte em ter as partes mui miu- ( r ) (iHod terminis alienis faclle aptotur , dip'» , cik autem propriis. 3^2 'Recreação Filojofíca niiutJas, e de tal forre uni Jas , que faci!- mence Te poísáo feparar entre fi. lílo me obriga a dizer o que fe vè a cada pâllo : nós vemos que não ha coufa láo folida, e tão dura 3 que le náo taça fluida , ou qua- fi fluida, todas as vezes que a reduzirem a parces pequenas , e que facilmente le íeparem entre li; v. g. o pó de pedra, e a limalha de ferro sáo humjs couias, que mais fe parecem com os corpos fluidos , que com os folidos i e com tudo ilTo a pedra , e o ferro sáo corpos bem folidos. Logo ainda que hum corpo fcja folido, íe o dividirem cm partes mui miúdas, e que fe Íeparem facilmente , he liquido, ouqua- fi liquido ; e por conlequencia necelTaria fer huma coufa fluida , náo conílíèe mais que em ter as parres como digo. 'Eug, Que dizeis a ifto , meu Doutor? Sii-j. O pó de pedra , ou limalha de ferro verdadeiramente náo he corpo fluido. Theod. Para evitar eiTa inftancia he que ea vos preveni com a pergunta que fiz , para faber o que tinheis vós por corpo fluido: o pó de pedra v. g. entorna- ie , e accom- mola-le ao feitio do vafo , em que o re- cebem, como os córpoJ fluidos. Silv. Mas o pó de pedra faz hum monte, c eu náo vi mon^es de agua. Theod. Huma pinga de a^ua fobre huma fal- ya de prata v. g. faz hum.a como bola, ou hum monte pequenino ^ e com tudo ííIq he fluida. Sihf Tarde oitava. 265 Silv, Porém o pó Je pedra não humedece os corpos que o tocáo , como faz a sgua. Tbeod. Também o azougue não molha a máo 5 que vós metterdes no valo^ cm que elle cítá , nem deixa húmido o meimo va- io, e com tudo iíTo he liquido; mas nâo teimemos nelle ponco , que eu não dit^o que o pó de pedra v. g. he corpo &blolu- tamence fluido ; para mdm baita-me que tenha as propriedades de corpo liuido. Sih. IlTo fim, porque fe encorna facilmen- te , accommoda-ie à figura do valo , em que o recebem, com a máo tacilmence o divi- dimos, e torna a unir-le da meimia fone, &c. Thsod. Logo hum corpo folido , como o fer- ro , íe o dividirem em partes rrui miú- das , e que facilmente Ic leparem , ou fica liquido 5 ou com as propriedades de cor- po liquido. Contirma-le iilo ^ porqu» os mefmos liquidos barendo-os miuico, de for- te que as particulas fe taçáo mais miú- das, e fe feparem mais facilmente , ficáo mais líquidos : ifto vemos nadara de ovo , que batida , íica muito mais fluida ; o m.ef- mo obfervamos em outras coulas feme- Ihantes. Advertindo porém , que no corpo liquido devem ícr. leparaveis entre fi r-áo fó as partes fenfiveis , como na área , S ícc. as partes que 164 Recrear {10 Fi!ofofí:a que são feparaveis facilmente entre fl , sãa partes fenilveis ; e para hum corpo fer ab- folucamente fluido, he precifo que as fu^s partes mínimas , e infenfiveis Icjáo tacili- mamente ieparaveis eníre fi. Eug. Bem elta ; dizei-mc agora: Como VO' de o fogo com o feu calor fazer líquidos os mctaes , derretendo os i Tbeod. He porque o fogo póe as partes do metal em movimento , conforme ao que diíTemos do calor: quando eíle calor, ou efte movimento, he mui forte, chega a íeparar as partes mínimas humas das outras , c aííim fica o metal derretido , e liquido ; depois esfriando o metal , como célTa o movimento das partes , váo-fe outra vez unindo humas com as outras ^ efica outra vez o corpo folido. V?io que fucccdc aos metaes , não fuccede á pedra , madeiras 3 &c. por caufa da efpecial conre: confiíle em ter as partículas inlenfivcis não íò mui miúdas, c com fácil nexo en- tre íí y mas de cal forte figuradas , que fa- cilmente podem ficar pegadas aos outros corpos. Vamos ás experiências : vós fe met- terdes a mão neffe tanque , fahe molhada , evem as partículas pegadas ámáoi nem de outra forte podia ficar molhada a máo. Eu^. E de que modo podem, ficar as partí- culas de agua pegidas á mão ? Tbeod. Eu o digo: como são mui pequena? , facilmente fe mertem pelos poros da pri- meira pelle , e nas covazinhas que ha na fuperficic da mefma máo : iffo provn-fe pela experiência ; porque quanto mai^J lizo he hum corpo , e mais tapado , menos fe lhe pcgi a agua : daqui vem , que numa falva de prata bem liza , fc lançardes humas . gottas de agua , e depois as va7ardes fora , fica a falva em muitas partes limpa, e ícc- ca , como fe não tivelTe nunca agua : c a raz.ío he ; porque como tem os poros mui apertados , e por fer liza tinha poucas co- vas na fuperficie , não tinháo as partículas de agua onde fe fegurar para poderem fi- car pegadas á prata. ^ug. Tendes razão , e fabeí que já eíTa ex- Tarde oitava. 269 experiência me tinha dado em que cui- dar. Thsod. Vemos além diíTo , qi^e pelo contra- rio fc o ccrpo tem muitos póios ^ e gran- des, ea íuperíicie mui eicabrofa , falieniui- ro mais molhado da agua 5 porque tem mais lu^^ares , onde le podem pegar as partículas de agua : por iíTo huma elponja V. g. mettida na agua íahe eníopada, por- que pelos pòios 5 que sáo largos, e mui- tos 5 entrarão as paiticulas de agua em grande abundância. Eug, Ora já que íallamos nifto 5 quero m.e deis a razão, por que as pedras, e azule- jos de inverno fuáo agua , íis vezes em tão grande abundância , que chega acorrer em fio. Thíod, Não vos perfuadais , Eugénio ^ que as pedras íuem verdadeiramente sgua. £ug. Pois que i Enganão-m^e os olhos ? Theod. Náo ; porém elTa agua não fahe da pedra: sáo humas partículas de agua, que vem milturadas com o ar, as quaes feváo pegando às pedras; e vindo outras, e ou- iras de novo, ahi fe váo ajuntando, até que fazem humas pingas viíiveis de agua ; por iíío fe bem reparardes , nunca as pe- dras fuáo agua, íenáo com vento húmido , e tempo de chuva. Silv. Sendo iíío aílim, igualmente havíamos de ver a agua no pão , e outros corpos femelhantes , porque também eíles elUo expoílos ag ar húmido. a 70 'Recreação Viloiofica Tbeod. Também o páo recebe eíTas partículas de agua , que traz o ar i porém como o páo tem mais poros, e maiores do que a pedra , entráo as particuias de agua mais para dentro , e por ifio náo íe a|untáo cá ióra na primeira luperficie exterior , co- mo íuccede na pedra. Na pedra as partícu- las de agua náo podem penetrar tanto den- tro y íó entráo o que bafta para ficarem pegadas , e ahi le váo ajuntando humas com outras. SiliK IlTo eftá bem armado ; mas quem nos legura que he como vós o dizeis? Tbeod, A experiência frequente: íe lançar- mos huma pouca de agua fobre huma pe- dra lifa, e por fima de huma taboa , mais facilmente havemos de enxugar com hum panno a pedra , do que a taboa ; e náo pôde fer por outra razáo , íenáo por íe terem entranhado as partículas da agua mais pela taboa , que pela pedra. ^ug. Agora ve)o que o volTo difcurfo , Theo- dofio , he verdadeiro ; e juntamente venho ro conhecimento da razáo de huma coula, que tenho obfervado ; e he , que o páo quan- to mais folid), mais fmaes dá de agua no tempo hum.ido : digo ifto , porque tenho hu- ma lala , cujo pavimento he lavrado com varias caftas Je madeiras ; e renho reparado , que em eftando o tempo húmido , tudo o que he madeira mais foi ida , fica muiro mais preta, e molhada, do que a outra madei- f a i e íupponho que à razáo que déftea ácer- Tarde oitava. 27 1 acerca da pedra ^ também tem feu lugaf neíbs madeiras mais folidas. Theoà, Dizeis bem \ porque <]uanto mais fo- lido he o páo , mais apercados sáo os po- ros , e menos entra a agua ; como entra menos 5 mais facilmente le ajunta na fupcr- licie 5 e dá íinaes deeltar o tempo huniido. Bug, ^'uppoíto o que tendes dito do corpo húmido, facilmente ie entende o que fe pô- de dizer do corpo fecco. Tbeod, Pouco 5 ou nada reíla que dizer ; por- que fe hum corpo náo tiver as partículas com fácil feparação entre fi , ou fe náo as tiver de tal lorte figuradas 5 que f.quem pegadas aos mais corpos , já náo he humJdo p mas lecco i porém íempre he ptecifo adver- tir y que não he o mefmo fer hum corpo lec- co , ou eilar fecco; fer íecco , he náo ter particulas capazes de ficarem pegadas aos mais corpos ; porém eftar lecco , he náo ter pegadas a fi as particulas de corpos húmidos. £íig. Bem entendo ; o mel mo fe deve di- zer do húmido ; porque náo he o meímo fer húmido, que eftar húmido i fer húmido he ter parces inieníiveis capazes de ficarem pe- ^ gadas aos mais corpos, como tendes dito; porém eftar hum corpo húmido, he ter pega- das a fi paniculas de outros corpos liqui- des. Vamos adiante ; e quando for occa- fiâojexpliciír-me-heis huma circumftancia da sgua quando fe gella , que ciefce, a qual râo me lembrou perguntar-vos y quando íailavamos de Gello. 1J^ Resreação Filofofíca Tbfod. Agora he occafiáo ; e para aJoutrina vos fervir para mais ca Tos , dir-vos-hci pri- meiramente cm commum , que couia he ler hum corpo Raro , ou Dcnío i c como pô- de a mcfma coufa crefcer na Tua exten- são, cu diminuir-le : quando creice , dize- mos que íe rarefaz i e quando íe diminuo, que le condcnfa. Eug. Ulai dú methodo que quizerdes : em que coní:ílc pois Ter huma coufa rara? Tbeod, Conliíle em ter os poros mais aber-» tos, ou mais em numero , como tambcm fer hum corpo denlo conhíre em ter poucos psros , ou mui miiudos , iito he, ícm diffc- rença alguríia , o que vos diíTe na primeira tarde, quando vos expliquei a razáo, poi: que hanías couTas eráo mais pezadss que ou- tras ; porque itlo de pezar mais, he eíFeito de fer mais denío ; como também o pezar me- noé , he Inial de que o corpo he mais raro; por ilTo a a^ua congellada vem ao de lima, e nada na outra , que ainda eftà liquida , porque he mais rara, e mais leve. •JEug, £ como le podem augmentar os poros de qualquer corpo de forte , que humas ve- zes fique mais raro que outras ? Tbeod. De muiros modos. Primeiramente com o calor : nós vemos que a agua quente crefce , efpecialmcnte quando ferve ; e ryef- te caio como o fogo põe em movimen- to as partes da agua , necelTariamenre humas íe háo de feparar mais das outras , fuppoília a fua fumma diyiliiíilidâde , o q^e íe faz Vi- Tarde oitava. 273 %M*fivel quando ferve; porque aquellas bo- lhas muhiplicadss quetaz^ sáo huns váos que ha entre as parres de agua j e deíle mo- do leparando-ie mais humas partes das ou- tras, ticáo maiores os poros, ou mais em . numero. Éug. E qual he o outro modo de alargar os poros t Tbeod. He mettendo-lhe partículas de algum liquido de tora : allim ie dilaiáo os poros da cortiça , quando lançada na agua incha. Alem deites modos ainda ha outro , que he a fermencaçáo: deite modo crelce a maífa de trigo quando Te leveda j porque fe bem reparardes , também nelle caio fe dilatáo os poros àà malTa : vê-ie iilo claramente 5 porque íe da melma malTa , antes de íe le- vedar , tirardes huma parte , e fizerdes hum páo , ha de lahir muito mais abeiumado do que os outros , que Te formarem da mef- ma malTa depois de leveda : nem no pri- meiro.pão, que heafmo, vereis tantos bu- raquinhos, como nos outros, por iiío náo creice tanto. O modo ^ com que o fermen» to faz iíl:o 5 náo o entendereis bem por agora ; baila faber que he por huma alte- ração , que fe faz na n^alTa por caufa do fermento , o qual náo he mais que hum.i pouca de malTa corrupra, a qual caufa, oti occailona alguma alteração, ou fermenta- ; çáo no reílante da malTa. J^ug. Agora já lei dar a razão , por que a agua crei"ce quando faz efpuma , porque Tom. II. S íi- !174 Recreação Filofofica ficáo h-uns poros mui grandes entre as faas partes , as quaes como fe alargáo mais, háo de occupar maior campo. Theod. Pelo contrario Te deve dizer da Con- denfaçáo ; porque todos os corpos, que fe reduzem a menor eípaço , ou tem menos poros, ou mais pequenos; íeja como for, háo de ter as íuas partículas mais chegadas entre li : aííim vemos que luccede á efponja , quando a apertamos na máa i á eipuma, quando fe desfaz, á lá , quando le calca, &c. e por ilTo occupáo menos campo. íí/t. Mas como explicais vós o creicer a agua com o frio, quando le congella ? Theod. QuanJo eu tratar da a^ua, enráo fal- larei de propofito do Gtilo ( i ) , e íabe- reis a razáo de creicer, e da força que faz para rebentar os corpos, que o náo deixáo dilatar tanto. Por agora de paíTagem vos digo , que a caufa da dilatação da agua íjuando íe gelb , era parte he o ar querem dentro em íi. Ell:e ar , que eftá nos poros da agua, conforme as oblervaçóes de Mr. Mariote (2), eftá ahiíete, ou oito vezes mais comprelTo , do que o ar cá fora na fua natural confiftencia. ijuppofto ifto , quando as partículas defalitre, &c. entráo a aper- tar, eunir as partículas de agua humas com outras, fuccedc que apertando duas partí- culas de agua enrre íi por liuma parte, fa- zem que o ar, que eftava entre ellas, Taia pc- (1) Tom. irr. Tarde XII. $. Vil. (2) Dâ naureza do ar pag. 164* Tarde oitava, 275: f.eia outra : como lhe dâo alguma liberda- de , e elle ettá mui compreíío , começa a fazer força para fe dilatar 5 e taz os poros maiores i e como o- mcímo luccede ás ou- tras partículas de ar , vai creiccndo a agua, D^atj 111 procede 5 que quando a agua fe gel- la em hum copo, luccede ás vezes gellar-fe primeiramente a íuperfície de fima ; e de- pois quando le vai gellando o reílanie da agua, rebenta a fuperíiçie fuperior do gel- lo , e íâhe por ahi alguma agua , aqualtam* bem Tegella, ficando delia iorie a luperfi- cie mais alta. A força que faz a agua pa- ra íe dilatar quando íe gella , he ráo gran- de , que varias vezes le tem villo reben- tar canudos de ferro com baítante groíTura. Numa AlTemblca da Academia Keal das Sciencias em França fe fez experiência em hum canudo de ferro de três palmos de com- primento baftantemente groiío , cheio to- talmenre de agua y e perfeitamente tapado W por ambas as bandas ; e rebentou , tanto que a agua chegou a termos de fe gellar (i) : a meíma experiência tem repetido outras pelíoas varias vexes 5 mas diífo fallaremos outra vez. ^ug. He eíieito paímofo na verdade. Jávejo que náo ló o calor dilata os corpos , co- mo até aqui julgava , também o frio oâ rarefaz ; mas fupponho que ordinariamente o frio condenfa os corpos. Theoà, O mais ordinário he iíTo y e efte cfTei- S ii . 10 { I } Maiiote da natureza Uo ar pag. i6S. 176 Recreação Filofqfica to facilmente íe entende ; pois como ag partículas 5 que causáo o frio , apertão fiu- mas partículas com as outras á maneira de pregos 5 he natural que as facão chegar mais entre i 1 ; e deite medo condenia-íe o corpo com o frio. Eug, Dizci-me agora , Theodofio : a humida- de cambem pôde cauíar rarefacção , ou con- denlaçáo nos corpos í Pergunto iílo , por- que as cordas no tempo húmido íicáo mais rezas. Tbeod. As cordas de linho com a humidade entezáo-^ie 5 as cordas feitas dcinreíiinos de animaes, como as de viola , com a humi- dade aíFrouxàc-ie , ambos eftes eflcitos são huma dilatação das cordas; as de linho di- la tâo-ie , e incháo na groíTura , por ilTo fe encurtáo no comprimento ; as outras dila- lác-lc no comprimento , por ilTo aíiroxáo. A razão provem da diverfa contextura, que tem humas, e outras; deita diveríida- de naice , que as partículas de agua, qufc fe intromertem pelos poros das cordas , em humas alargâo os poros , que eftâo no com- primento das fibras , em outras os poros, que elUo na largura. Também as madei- ras inchão com a humidade, e com tanta força , que ás vezes fazem eftalar as pe- dras. Contarâo-me o outro dia hum modo , com que cortarão huma grande mó de pe- dra , dividindo-a em duas: com o efcopro forão formando huma divisão em roda da l^cárâ i e porque os eícopros não chega- \áo Tarde oitava, 277 vão até o centro da pedra , mettèrão-lhe cunhas de pão em roda, e depois de bem atochadas as molharão ; fó com efta dili- gencia incharão tanto as cunhas , que fize- ráo ellalar apedra, acabando de a dividir. Tudo ill:o procede de que as partículas de agua , intromeutendo-íe pelos poros das cu- nhas , neceilariamenre as havião fazer in- char , e augmentar o feu volume. ^ihj. Agora quero pergunta r-vos a razão de huma couf.í , que vi em cala de hum Inglez. Tinha huma corda de linho atada de huma parede á outra, encoftada ao topo da cala , e no meio defta corda pendurada huma ca- deia com huma meia bola de chumbo no fim , e no íim da bola hum ponteiro , como moftrador de relógio : perguntei-lhe qual era o fim do que via , e relpcndeo-mc , que era para conhecer o tempo de chuva, e o bom tempo , aílim como íe conhecia nos barómetros : epara ilTo fervia huma ta- boa graduada, que tinha pregada no topo da cafa por detrás da cadeia que diíTe : ex- plicai-me como iílo podia íer. Theod, Deíle modo. No tempo de chuva elTa corda havia de entezar-fe com a humidade i enrezando-fe, havia de levantar-le para fima , e fubir a cadeia com abola, e moftrador; pelo contrario no tempo feceo a corda havia de eftender-íe , e abaixar-íe mais a bola com o moft:rador 5 e iílo á proporção da Tec- eu ra , ou humidade do tempo ; e por ilTo ef- tâva graduada ataboa, a que correrpondia o 178 Recreação Filofòfica o moílraclor , para conhecer pela fubi Ja , ou delciia do moftrador o grão de feccura, ou humidjJe que h^via no ar, Sil"o. Ertá bem lembrada ella idca. Theod. E vós , Eu^emo 5 tendes mais alg-uma couía , que náo entenj.iis acerca deíle ponco? Eug. Eftou inteiramente intiruido : íic^i dc^- cançado. Theod. Viílo i:To, demos por acabada a re- creação de hoje. Aí;ora tem lu^ar opporruno as dificuldades, que vós, Silvio, tendes contra o nollo íyltema em commumjque tan- to damno vos tem feito i porque vos tem de tal forte prezo, e manietado o juizo, que náo vos tem permittido dar alTenio a algu- mas doutrinas , a que eu vos via inclina- do , á manhã á tarde tendes todo o tempo livre para fatisfaçáo das volTas dúvidas. $ilv. Eftimarei expollas para ver o que re- fpondeis , e para que Eugénio faiba , que náo he deftituido de fundamentos o nolío fyllema. Eug. ]á linha meus receios de me retirar para Lisboa 5 fem os ouvir ; os negócios de minha cafa me obrigáo a ir para a Corte , e amanhã hei de partir fem falta bem con- tra minha vontade ; porem como a diilan- cia náo he muita, hei de ter a tarde livre para vos ouvir; agora, fe vos parece, re- tiremo-nos para cala , que tenho que ex- pedir ainda hoje cartas para Lisboa. Sth. Eu cambem me retiro á minha, porque sáq as horas do meu coftume. Tbsod, Tarde oitavai 279 Theod. Pois vamos todos , e eu vos feguro ^ Eugénio , que á manha náo carde Silvio em vir para a conferencia. Silu. Por duas razões taco tenção devir ce« do: primeira, por náo dar defcommodo a Eu- génio, que quer ir para Lisboa i fegunda, porque remos muito que contender , pois náo me haveis de achar derprevenido, co» mo me fuccedeo eftas tardes, em que tra- taftes algumas matérias , que eu nunca ti- nha eftudado ; á manhã náo ha de feraílim. Tbeod. PoÍ5 eu aqui vos efpero. A Deos, TAR. iSo Recreação Filofofica TARDE IX. Expoem-fe as principaes difficuldades, que os Peripatetico? oíTcrecem contra os Modernos. PRIMEIRA PARTE. Trata-fe do argumento^ que fe àeduz dos Accuhntes Euchariflicos. §■ I. Eyplica-f: qua^s fej.To o; Accidentes , rue Jicaa na Eucbarijiia y e como JicSo, £ug. TJ" f' che^aJo onolTo amigo Dou- I I tor : eílimo bem que venha táo cedo. Theod. \'amos efperallo á porra : tratemo-lo hoje com mais cortczia , porque tem que fe a^aílar muito comigo .... Sejais bem vindo, Silvio, aqui vcs eftou elperando : quem elpera no campo , bem mollira que náo tem medo. Sih. "N'em cu rambem o tenho, pois venho bufcar o inimij^o. Ora alTenremo-nos. Theod. Antes que entremos a contender , he precifo fabermcs as armas com que pcr- ren- Tarde nona, 281 tendeis peleijar. Se forem dicberios , inju- rias, e nomes affrontolos , que sáo asprin- cipaes armas , de que íe valem alguns Pe- ripateticos dos nolTos tempos, já daqui me dou por convencido , pois com femelhanrcs armas mais injurioía me fica a vicloria , que a fugida. SiH, Náo ; náo efpereis ifío de mim ; pois nem he razão perturbar a boa harmonia, com que nos temos tratado, nem acho eíTas ar- mas precifas ; e náo polTo defculpar alguns Peripateticos , que dizem mil injurias aos WoJernos , polto que o amor da verdade tudo defculpa. 'Eug. Eu perluado-ine que iíTo, quando mui- to , fera particularmente por dcíabafar a paixão, ou alguma galanteria. Theod. IlTo vós o julgareis. Elles chegáo a efcrever em papeis Latinos , e ainda vulga- res , que nós tomos hereges , ou quafi here- ges. Aas orações publicas o alíumpto prin- cipal he declamar contra os Modernos , ex» borrando vivamente os Portuguezes , que a ferro y e fogo extingao sjia pejle. DiíTeráo-me , que até nos Sermões de Quarefma , c Ad- vento , (em que le recommenda ao povo Chriftáo a doutrina mais importante para a falvaçáo ) entre osconielhos do Evange- lho , feperluadíra eftc ódio aos Modernos ; e ifto náo nas Aldeias , mas em Cidades populofas , ( o que cu náo poíTo crer ) . Sil- vio vos pode dar boas confirmações para o que digo. * ' Sih, 282 Recreação Filofojíca Silv. Ku tenho huma fatyra impreíTa 3 em que na verdade ha cxpreísócs indignas, até de fe reíerirem aqui na converfaçáo de homens ferios. Mas fe me dais licença , referirei algumas , que me lembrào. Xuma parce diz, que os Modernos sáo huns Psralnjilhos y que o que dizem he defaforo y atren^imento y injuria^ efcandalo y loucura y delírio ^ e def» propofito incrhjsl. Pois o que fediz aoAu- thor de huns livrinhos de Filofofia moderna ( I ) ainda he muito peior. Mandão-lhe que pegue nos livros, e que os mande para a tenda para embrulhar adubos ; outro dà-lhe fentença mais favorável i ordena que man- de os Teus livros para a cfcola , para os rapazes aprenderem a ler. Noutra parte gricáo á que delRei contra clle : em fim tratáo eile pobre Moderno táo indignamen- te, que mcfezpafmar. Eu bem vejo que fallo contra os da minha elcola ; mas hei de dizer o que entendo : e ainda eu calo o peior ; porque até eu me envergonho de referir eftas coufas 9 que acho num papel intitulado Palinoiia. Eug. Eu náo acabo de me admirar : acafo elTe Author teria provocado os Peripatcticos com alguma in]iiria ? Tbsod. Por nenhum modo : tendes-me vós ouvido eftas tardes ? Pois o aue effe Au- thor diz, e o que vvós me ouviftes, he tu- do o mcfmo. Porém illo náo duvido que feja dito por graça, e galanteria; princi- pal- ( I ) A Kccreaqão Filofonca^ Tarde nona. 2S5 palmenre porque eu conheço o Auchor defta íatyra, e lei queelle, como todos os mais , de quem tenho feito menção, pelo feu ca- raJiáo dizer ifto , e o ir.ais que Silvio cala ; mas ifro náo quer dizer nada , como nós náo uíemos deftas armas , os concrarios podem uíar das que quizerem. "Eug. Náo cuidei que chegaiTe a tanto a pai- xão. Si^a cada qual o leu caminho, lem ir infultar a quem vai pelo oucro. Theod. Ainda vós náo reparaitcs numa cir- cumlíancia atrendivel. Klles dizem que o noíTo iyftema he fallo, e nós hereges, ou quafi hereges i nós defcndemo-nos , provan- do que náo i>e aílim j com iílo ie cnfadão de tal maneira, que chegáo a dizer o que tendes ouvido. Ora pareci a-me que fe em alguns era delculpavel o fahir fora de fi , era nos Modernos, por fe verem injufta- mence affrontados ; mas nos ourros , aquém nós náo fazemos mais injúria , que deixar de feguir as Tuas pizadas ! He coufa que tem pouca defculpa. Sihj. Como elles fe perfuadem que o volTo fyftema he contra a Fe , o zelo da honra de Deos os obriga a declamar contra vós. Thcod. DilTo mefmo me admiro, de que fe- riamente fe perfuadão, vendo a quem in- volvem neila cenfura. Se he verdade o que dizem , neiíe defgraçado numero dos que elles chamão hereges, entra p»imeiram.ente Q nolío Beaciílimo Papa reinante Benedido XIV. 2S4 Recreação Filofojlc^ XÍV, como protector , e fautor de herS ^es 5 pois mandou ler efta Filoloíia na fua Xlniverllds Je de Bolonha, e ainda na mef- ma Roma. 1 ambem íica por elta cenlura condemnado o Papa Innocencio XI. que por dous Breves feus approva , e louva muito hum excellente livro doBiípo BoiTuet, no qual fe enílna efta doucrina , e parricular- men:e o ponro dos accidenres Eucharifti- cos , no qual dizem que fomos hereges (i) . Por tanto, meu amigo Silvio, fe nós fo- mos hereges, váo comnofco os Summos Pon- tífices , e de caminho váo também envol- vidos neíTa tcrrivel condemn.içáo muitos Cardeaes , Bifpos , e Theologos , que louva- rão muito , e approváráo o dito hvro ; alem de outros Cardeaes , e Bifpos , que em obras fuás feguem o fyílema moderno. Lá váo também incluías nelTa terrível cenfura muU tas ( I ^ Na Expofif^ao da doutrina Catholica con- tra os Proterianres pa^. i2o, da edição de Paris de 17)'-). O primeiro Kreve diz : Libellus de Ca- thoUc£ Fldii expo/ítione á Fnuernltate tua compo/í- iu$ f nohifqtic ohtíttus , ca áolnna ^ caque methoAo conjcripícis cjl ^ ut cxiorquere pojjlt etiam ah inviiis , cuthoUct veritíUh confejjiontm. Itaqiie not* JoUim à nohis conimendavi , fed ah omnihui legi at- çiii in pj\*:ilo hahcrl meretur , i3'c. dado eiii 4 de Janeiro de 1679. ^ fegundo diz : Et quidcm li- benti animo confirmamtts uherei lauda , quas tibi de prjecbro opere mérito tnbitlmus , dado em 12 de Julho de 1Ó79. andáo no principio deíle livro da edição citada. Tarde nona. 1%$ tas Religiões inteiras , ou q-uafi inteiras, como vos diíTe o primeiro dia; na Itália, em França, naHefpanha, e em Portugal; alem de muitos Authores , ainda Religio- íos , e das principaes Religiões. Nem ii- cáo livres da cenfura os retíliffimos Tribu- naes do Santo Oííicio de Roma , Heípanha , e Portugal , permittindo lahir livros com ei- ra doutrina , que os volTos Peripateticos chamáo quafi herética , e o que he mais, dei- xando-a deíender continuamente em con- clusões imprelTas com licença defte Tanto Tribunal (que os noiTos livros náo sáo dos papeis , que le imprimem fem ella ) . E finalmente também íicáo condemnados mui- tos Peripateticos, que delapaixonadamen- te dizem , que a nolTa opinião náo deve íer cenlurada. E o que mais admira, meu amigo Eugénio , he , que náo podem alle- gar ignorância 5 que os Summos Pontiiices lem prohibido feveramente , que fe cenlu- rem as opiniões , que fe controvertem en- tre Catholicos. Ifto mandou InnocencoXI, por hum Decreto feu (1)3 depois de ter lido , approvado , e louvado o livro de Bof- fuet , dequcfallei. Além defte Pontifice, Clemente Xí. declarou por outro Breve feu (2), que as opiniões, que Te defen- diáo à yií^a do Romano Pontífice , ficaváo li- ( I ) Dado em 2. de Marco de 1679. (2) Dado cm 8 de Setembro deiyiS. priíV cipia Pa/ioralis officli , iXe. 226 Recreação Tilofojica livres de toda a cenfura ; o mefmo tornou a determinar Clemente XII. ( i ) Eug. R tudo ifto fe atropela para defcompôf huns homens, que náo oíicndem a ninguém í Silnj. Olliai vós , Eugénio : dando o leu a Teu dono 3 elles lá tem leu fundamenro. Eug. Pois p(Sde haver fundamento para eu ceníurar huma opinião , qr.e os Papas prohi- bem lob graves penas 5 que ninguém cenfu* re ; e além dillo permitiem publicamente , e louváo , e mandão polirivamcnte enfinar na Igreja de Deos ? Ora iílo , Silvio.... Thsoà. Socegai , Eugénio, náo vos altereis , deixai ellar, que algum dia ( e náo ha de tardar muitos annos) elTcs meímos Peripa- teticos íe háo de envergonhar do que agora chegáo a dizer ; que por iíTo feconlerváo, e guaidão todos eíles papeis impreflbs , pa- ra algum dia apparecerem com o nome de feus Authores 5 quando for tempo. Quereis vós agora ouvir huma refpofta , que a elTa volTa admiração deo hum Religiofo Portu- guez 5 igualmente illuílre por Teu langue, letras, e dignidade, que toiPeripatetico > e ainda hoje vive ^ Eug. E que rcípondco? Tkcod. Relpondeo certamente com difcrição : Quem f)erde , tem lie eriça ^)ara rafgar aí car» tas 5 e fa7,er quantos foguetes quixer, Eug. DilTe bem: parece-fe ella refpofta com a que deo humDefembargador aElReiD„ Pc- ( I ) Em hum Breve dado ím 2 de Outubro de ^7})' principia ApcJioIicA ProvideníÍA cálcio. T^arãe nona. 287 Pedro. Dera elle fentença contra hum ho- mem , o qual em deípique foi a fua caía , e o delcompoz de palavra ; o Deiembargador gaíbva bom humor , foffreo com toda a manildáo i e perguntado porElRei da cau- ía de lua paciência , refpondeo : Senhor^ nós Id na Rclaqão 5 quando di%smos morra morte natural , não accrefcentamos , e não per7iearã^ quando eJHnjer na forca. Se eu dei fentença con- tra o homem , era natural que j)ernea[J'e, Sihj, Não eftà máo o remoque. Thecd, Mas nilTo vai-fe gaftando o tempo: vamos ao ponto , exponde 5 Silvio ^ todas as dirticuldades que tendes contra nós. Silni, A primeira difhculdade he a que toquei na primeira tarde, em que nos ajuntámos, e he a dos Accidentes Eucharifticos. Nós havemos de dizer dos accidentes de páo , e do vinho o meímo que diílemos dos accidentes das outras coufas: ora ifto em- baraça-me fortemente com a Fé, e na ver- dade eu náo fei como vós-outros os Mo- dernos podeis focegar as confciencias ; por- que vós dizeis , que os accidentes de qual- quer couía nâo sáo entidades realm.entedif- tindas delia , mas que fó confiftem numas certas difpoíições 5 ou modos da matéria; e fe iílo heallim, fegue-fe que os acciden- tes de pão náo fe podem feparar do páo 9 pois náo são entidades realmente diílinftas delle. Iflo bem vedes que he contra o que nos enfina a Fé, pois nos diz, que na Eu- chariftia iicáo os accidentes de páo , e vinho , fem 2 88 Recreação Filofojica fcm que ai li haja a fubílancia Je nenhtirn delles. Ora vejirnos como delarnis ellenó. Tbeod. Bem facilmente, ^'ós dizeis, que na Euchariftia hcáo os accidences de pão , e vinho. Pois o mclmo digo eu , e com lu- do Tou Moderno. ' Silnj. Pois que, Theodofio ? Admitcis com Lu- thero, que no Sacramento íica y^áo ? Thcod. Por nenhum modo ; porém Tem ficar páo y explicamos bellamente como fica a cor, o cheiro 5 o pczo , a figura , e os mais accidentcs do páo. Dizei-me , Eugé- nio: Em que coníiítem as cores no íyftema dos Modernos ? Sug, As cores confiftem na luz modificada . de vários modos. Tbeod. Dizei-me mais, Eugénio: Efla luz modificada , na qual dizem os Modernos , que eíláo as cores, em fi que he í Eug.Hc huma fubftancia mui rubtil5a que huns Modernos chamáo matéria hetcrea , outros dizem que he amelma lubrtancia do fogo. Tbeod. Logo 5 meu Doutor , a cor do páo confifte na íubil:ancia da luz modificada de hum certo modj pela fuperficie do páo. Di- zei-mc agora : Achais que he impollivel , que deftruindo-fe o páo, Deos coníerve a luz, que delle reflcftia , e que a coníerve modificada , da mefma fone que eílava , quando havia páo ? Sih. Impolíibilidade não a acho , dificulda- de fim ■■, porque fem milagre náo pôde a luz agora ( que náo ha páo ) ficar com a Tarde nonct', iS^ â mefmi modificação que linha ^ quando havia pão. Iltoi. Trinibem eu eílou niíTo mcfmo , e con- fe.Fo 5 qie leni milagre náo \oÒíQ iíTo lucce- dcT i p.)icm a li^rcja nos enfina , que no Sacramento íuccedem niuiros milagres. Hum dciles dizemos nós 5 que eftá nifiomermo; faltando o pão , e poílo em íeu lugar o Corpo de], C. a luz náo havia dcromar a niodihcaçáo que tema no páo i porém Deos para provar a notlli íc, faz que na luz náó haja mudança alguma 5 ances íe conferve da meíma lorteque le ainda alli houveííe pão i acalo negais 3 que Deos pôde fazer iilio^ Siiii, Náo o nego. Tbeod. Bem ellá : logo no nolTo ryííema pó'* de Icm páo ficar a cor de pão. Dizei-nve mais, Eugénio: Em que confiíle o cheiro no fyftema dos Wodernos ? Eug. Co^llile emi hum vapor ténue, a que chaniáo eíiiuvios, o qual fahindo do corpã odoritero, íe elpalha pelo ar vizinho. Tbeod. Pergunto mais: E^ elTes el-fiuvios que são em íi verdadeiramente ? Eug. Slo fubtíancia, nem temoUtra diíferença do fumo 3 que íahe do pão quente, mais que cm ler li um vapor ^ ou fumo muito mais lubiil. Thtod. Dizei-me ainda : E eíTa fubílancia , ou efies cffiuvios são verdadeiramente páo? Eug. Por nenhum modo : foráo páo , anres que fahilTem delie ; porém já agora não tem a natureza de páo ^ mas de fumo j aHím Tom. IL T c©^ 29^ Recreação Filofojica corno as partículas defumo, que fahem do . páo quence 5 antes de l^hirem conltituiáo o meímo páo ; porém depois que lahem , ver- dadeiramente náo tem a natureza de páo: nem alguém dirá, que o íumo, que lahe do páo quence , he pão j ailim também são as parriculas ào cheiro , ou os ettiuvios^ antes de fe evaporarem , conÍLÍtuiáo o páo ; porém depois que fe evaporáo , jánáoconl- tituem o páo , nem são páo. Tbeod. Dizei-me agora , Silvio : E náo podetá Deos fazer por milagre , que faltando o páo , íe coníervem no ar circumvizinho os mcf- mos efliuvios, que tinháo lahido do páo, quando ahi o havia ? 5:7 V. Qjjem o duvida, Tbeod. Pois fe Deos hzer iílo , fica na Eucha- riíliia o cheiro do páo 5 fem haver páo: aqui tendes já claramente, como no no lio fyite- ma fica o mefmo cheiro na Euchariília. 5ih. Tende máo, que ilTo náo pôde íer : os Concilios dizem ^ que íe deiiroe toda a íubliancia de páo : logo também fc deíL-oem elTes effluvios , porque fcmpre sáo a mefma matéria , polfo que tenha outra combina- ção : aliás fe toda a matéria de páo ficaíTe no Sacramento junto com Chrifto , pofto que com outra difpoíiçáo , também havieis de dizer, nue íe veriticaváo os Concilios. Tbeod. Oradizei-me: Se hum S.icerdote con- ía^rar hum páo quente , e fumeg;ando , tam- bém o tumo , que eftá efpalhado pelo ar, íe converte no Corpo de Chriíio^ Tarde 72ona. 291 Silv. TlTo não. Thcod. Bem : pois que ! já não tendes efcru- pulo de dizer, que fica o turno, não ren- do elle oatra maieria , lenào a que ancece* dencemente fora páo ? Silv. Náo , porque as palavras da eonfagra- çâo fó convertem em Corpo de Chriílo a- quillo, íobre que cahem ; e fó cahem fobre a maceria , que actualmente he páo , quando dias le prokrcm ; e então já o fumo náo be páo. Tbeod. Dizeis muito bem: pois outro rarro digo eu dos etiluvios , porque elles sáo hum fumo mais fuUtil, que já tinha íahido do páo. Sihj. Eftá bem ; mas dizei-me: Quando fe Ijva o Santillimo aos enfermos 3 váo pelo ar eiTes meímos efiiuvios, ou produz Deos outros de novo ? Tbeod. Pergunto eu também : Se o páo quen« te , e fumegando 5 depois de conlagrado^ o mudaíTem de hurn lugar para outro, iria o melmo fumo 5 ou produziria Deos outro? Dizei o que quizcrdes , porque o que diíTerdes do turno ^ digo eu dos efiiu- vios , que sáo hum fumo mais ténue. Sihj. Éftá feiro. Vamos adiante^ continuai com o que ieis dizendo. Thend. Vejamos agora como experimenta- mos na divisão da hoítia o mefmo lom, tan- to an:es, como depois da conlagraçáo. Lem* bra-vos , Eugénio , cm que confiíle o lom no fyftema dos Wodernosí T ii £u^> 29^ Recreação Filofofica Eug* Vós diíTcftes , que o fom confiflia fio movimenro vibrarorio doar proccctiiJo òo corpo ^ que cauf.i elle fom. Theod, Ora parece-me que não tem impli- cância fazer Deos por milagre, que quan- do íe diviJe a hoítia , le mova o ar com hum movimento femelhanre áquelle , que teria, íe fe dividiíTe o páo. E le Deos fizer iílo por milagre , bem ved^s que havemos de ouvir o melmo fom, que ouviriam.os, íe le dividiííe o páo verdadeiro : eis-aqui como ficáo no Sacramento a mefma cor, ó mefmo cheiro , o mcfmo fum , que havia no páo , Tem que fique o páo. Sih. B?m , logo já temos accidentes realmen- te diítinclos 5 e feparaveis de toda a iub- ftancia. Ora acabai já com ilTo. Tbeod. Eftais equivocado, Silvio: doquefi- ca dito , fó íe intere que ha accidentes re- almente diftintos do páo ', iífo allim he, , porque nem o ar movido , nem a luz mo- dificada, nem os effiuvios de páo fe pôde dizer com verdade, que fejáo páo; porem como eítes accidentes em fi sáo lubliancias , não fe infere que le dem accidentes diílin- £los realmente de toda a íubílancia^ que he o fyftema dos Peripareticos. J;/t. E os outros accidentes , que vós ate aqui tendes dito , que sáo modos d.t matéria, que confiitem cm figuras, c modificações, e contexturas, e movimentos, &c. como podem ficar ? Tbcod, EíTes accidentes também ficáo, porrrri náo Tarde nona, 193 não do mefmo modo; vamos ao fabor: o íabor dillemos nós, qnc coníiítia nas partí- culas do manjar , figuradas de hum cerro mo- do capaz de mover o nolTo pádar; e como no Sacramento náo fica o páo , tambcm r áo podem ficar as partículas dellc , que lervcm para mover o pádar , porém fica o melmo fabor virruslmente ^ iUo he , em quanto aos effeítos. De dous m.odos pôde ficar huma coula y ou íormal mente a melma, ou fó vir- tualmente. Ponhimos exemplo : Se numa balança puzermos hum arrátel de chumbo, e depois tirarmos efte pezo , e puzermos dous meios arráteis, dizemos, que fica o melmo pezo virtualmoire , porque fazem omefmoeffeiro os dous meios arráteis, do que fazia o arrátel inreiro 3 e íe nós tirar- mos os dous meios arráteis , e carregarmos com a máo na balança , da melma forre que carregava o chumbo , também deve- mos dizer, que fica o m.eímo pezo virtu- almente 3 porque fempre fica o melmo efiH- to : íemelhantemente havemos dedilcortec acerca do íabor: náo ficáo as partículas de páo, que moviáo a língua; porém move Deos por fi mefmo a língua do melmo mo- do que 3 moveriáo as particulas de páo , fe ahi eíliveííem i e iílo he ficar o mefmo fabor virtualmente , porque fica o mefmo eífeito. Da gravidade dizemos também , que fica virtualmente a meíma , em quanto Deos move para baixo a máo, que íuíl:;;n- ta o Sacraipento , da mçfma forte que. a mo- 294 Recreação Filofofíca moveria o pão com o feu pezo , fe alii eílivelfe verdadeiramente. Silv. E como dizeis vós, que fica a meíma Hgura no Sacramento í Tbeod. Se tomardes a figiira meramente pelo eípaço que occupa o corpo , digo que fi- ca a melma figura foi malmente i porque o Corpo de Chriíto occupa todo , e fò o efpaço , que occupava o páo. Porém le to- mais a figura pela exten^áo , ç diípefiçáo das partes , dizemos que fica a melma fi- gura do páo fc) virtualmente. De dous mo- dos conhecemos nòs a fiiíura de q-ialqucr corpo 5 ou pelo taclo , ou pela viíia , e ambos eftes fenridos experimcntáo no Sa- cramento a melma figura, quecxperimei^ taváo no páo ; primeiramenre como a. luz retiecle do meímo lui^ar, de que rctlec^lia , quando iiavia páo, e\:pei imen;áo os olhos a mefma fig-ira , que enrào experimenta- váo : o meímo fuccede aofcntido do tafto ; os dedos percebiáo a figura do páo, quan-* do o havia, pela rellLlencia que cncontra- váo naquelle efpaço circular , que occupava o páo 5 ao melmo tempo que pooiáo paf- far livremente pelo outro elj^aço ; o mef- mo lhe fuccede agora , quando náo ha páo ; embaraça Dcos pela lua Omnipotência que os dedos p.ilfem poraqueile lu^ar 5 emque ames eitava o páo , permittindo-lhes paíTa- grm livre pelo ar vizmho ; e como os de- dos experimeníáo a melma rcfiílencia eni çodo aquulie cípajo redondo ^ em que an- Tarde nona, 195' les a e\'perimenraváo , cjuando havia pão, parece-nos que ainda ahi eí^h páo , e dcíla forte e^perimenca o fcntido do ia<í^o o rret- moeifeico quetazia a figura do páo , quan- do o havia; e iíto he ficar amelmaligura vircualmente. $ilv. E que dizeis vós da qunnridade? Theod. Digo o mefmo que da figura: como a quantidade coníifte na grandeza , ou pc- quenhez dtí qualquer coula , explicado a modo , com que fica a figura do páo, fe infere manií-eftamente o modo com que fica a i"ua quantidade. Silv. Tenho feito conceito do modo com que explicais os accidentes , que íicão no Sacramento ; porém não polTo focegar a mi- nha coníciencia ; porque náo ficáo verda- deiramente o meímo pezo , o mel mo la- bor, &:c. , mas fò virtualmente ", e iíto por mais voltas que lhe deis , náo he conforme nem á experiência . nem á Fe. Theod. Em quanto á experiência, não pódc haver a menor dúvida ; porque íe Deos taz os mefmos eífeitos nosnotíos fentidos , que faziáo eftes accidentes , em quanto havia páo 5 fegue-fe que náo havemos deterfmal algum, por onde conhcçáo os no!Íos fenti- dos, que alli náo eílá verdadeiramente o páo: fe os homens com alguns vidros, ou pinturas nosenganáo de íorte , que os nof- fos fentidos náo percebem a mini ma Sffs' rença do objeíto fingido ao verdadeiro, porque náo poderá Deos de tal íorte imi- tar 296 Recreação Filofof.ca tar os efFeitos , que nos noíTos fentidos fa- zia o páo, com tanta propriedade , e le- jnelhança ^ que de nenhum modo pofsáo conhecer que aiii não ha pão , por mais exa- mes 5 e reflexões que façamos? Silv. Mas que me dizeis á Fe , que nos en- fma , que ricáo os mcímos accidenresí Thcod. Digo o mefmo que dizemmuitos dos Peripaueticos (O , que leguem , que a quantidade, e a gravidade áo páo náo sáo cntid.ides realmenre diTtindas delle , e por conleguinie dizem , que ló ficáo no Sacra- mento virtualmente. O que ellesiiizem da quantidade , e gravidade , fem fe embaraça-? rem com a Fé , também nós podemos di- zer dertes 5 e m.iis alguns accidentes i por- que tanto he de Fé que íiquem h^ms , como os outros ; e táo heiege he quem nega dous , como quem nega leis, ou leie. ^iln}. Bem lei que muitos Peripateticos aílim o dizem j mas eu náo figo iíío , nem o poíío leguir 3 attendendo ao que dizem os C^ín-? çilios , pois aftirmáo que iicáo as mefmas erpecies.AquijTheodofio^ha converbáo: logo ha de haver alguma conía ccmmua a ambos os eftados , que houvelTe antes , e agora haja. Ora ii^o náo fe pôde entender, nem veri- ficar das efpecies, que vós explicais ; por- que primeiramente as efpecies que ficáo, náo podem confilliir nas leniaçócs , ou im- prelsóes dos fentidos, porque cilas fazem que ( í ) Arrinça na Fyíic. foi. 414 C na Metaí, ^1. 625. e outros muitos. Tarde nona, 297 <|iie o objeclo íe finca , mas não que feja fenfivel ; e as eípecies , qus iicáo no Sa- cramento 5 sáo as que o fazem feníivel. Demais: eítas eípecies náo podem conriftir na Omnipotência de Deos capjz de tazer eíles eliciíos, nem na potencia humana ca- paz de os perceber; porque líTo íempre o ha , ainda quando o páo fe converte em bichos 5 V. g. e mais he certo que cntáo náo Iicáo as efpecies de páo. Ale.Ti de que de noite. Thsod. Vamos de vag.ír 5 deixai-me refponder a iiío 5 lo£;o accrelcentareis o que quizer- des. As erj-iecies , que iicáo no Sacramen- to ^ náo conlillem todas na meíma couía ; as efpecies que fazem o Sacramento fen- fivel á viíla y ao olíado , e aos ouvidos, confiífem na mefma cor, cheiro, e ivm ão páo , e sáo a meíma luz , os melmos efiiu- vios , o mefmo ar movido que havia , ou haveria anres da conf32,raçáo ; as efpecies 5 que fazem fenfivel o Sacramento com a gravidade do páo , coníiftem na acção de Deos actualmente carregando nos corpos inferiores , da mefma lorte que anual- mente carrei^aria o páo verdadeiro , íe ahi o houveiTe ; do mefmo modo as efpecies > que fazem fenfivel o Sacramento com a fi- gura de páo 5 confiíie na acçáo de Deos actualmente embaraçando o ar , e mais cor- pos circumvizinhos , que náo entrem na- queile lugar que antes occupava o páo : as çfpecies finalmente. í^ue o fazem fenfvel cora ipS Recreação Filofoftca com o fabor do páo , com a lua dureza, &€. confiílem na Omnipocencia cie Deos prompca , edecerminada para fazer as mef- mas impreísóes no tacto , e pádar , que fa- ria o páo y fe ahi o houvelTe. De force, que as efpccies , que fazem o Sacramento leníivel , náo confillem nas fenfaçóes acluaes , nem na Omnipotência mcramence , podendo obrar, como vós dizeis ; mas humas conílftem na mefma luz, efduvios , Scc. outras na acção de Dcos actualmente obrando , outras na Omnipotência de Deos determinada afazer as meimas imprefsócs, que faria o páo. Siln). Eftá bem : logo ao mtnos clTas efpecies > que conliítem na Omnipotência , ou obran- do , ou determinada a obrar, náo sáo as meimas que havia no páo , pois o fabor no páo náo le diftin^ue dclle , e no Sacramento he a (^mnipocencia : logo náo sáo as mefmas efpecies 5 pois sáo couías de diverfa eípecie. Tbeod. Cancelo que cfTas mefmas efpecies náo sáo as mefmas reslmente , mas sáo as mefmas virtualmente , e em quanto aos eífei- los 5 que podem perceber osfentidos, que he unicamente o que fe deve attender. Exem- plo. Se hum ourives eftiver pezando pra- ta, e lhe tirarem da balança hum arrátel de chumbo 5 e puzerem cm leu lugar outro de latáo , náo ha de ter dúvida em dizer, que he o mcimo pezo ; porque como aqui fe attende fomente a dar a conhecer quan- to pcza a prata , e ifto tanto fe conhece pelo arrátel de chumbo , como pelo de la- táo , Tarde nona, 299 tão, ninguém tem dúvida cm dizer, que fie;? o meímo pezo 3 e com tudo chumbo , e latáo são coufas de diveiTa elpecie. O mefmo dij^o no noíTo calo ; o que Deos aqui intenta , he fazer que o Corpo de Chri- fío feja íenfivel debaixo da apparencia de páo 5 de forte que náo haia Imal algum , por onde conheçamos que alli náo ha páo ; ora ifto tanto fuccede quando ha páo , como quando o náo ha , fupprindo Deos do modo que dilíe , a taica que naturalmente taria o páo j por iiTo dizemos que tica o melmo pezo , íabor, ^c. porque em quanto aos lentidos he o mefmo : tanto importa fer a fenlaçáo caulada pelo páo verdadeiro, co- mo por Deos j aíhm como d i lie mos dos pe- zos. Silnj. Mas de noite , quando o Sacramento eftà fechado no facrario , he certo que he íeníivcl ; e conforme a voHa doutrina, náo íicáo elTas elpecies , pois Deos entáo nada obra nosfentidos. \^edes que cahis mifera- velmente I Thsod. De noite, eflando o Sacramento fecha- do no facrario, he o Sacramento táo íenfi- vel , como he o páo verdadeiro fechado em liuma caixa , porque ha os mefmos eíFeitos. O páo fech-ido na caixa faz que efleja ^(ftualmente cheia dos etPiUvios , que delle fahem i iílo fuccede no facrario: o páo fe- chado na arca carres^a a^tualm.ente nos cor- pos inferiores , ifto íaz o Saci amento no fa- crario : o páo na caixa impede o ar, e os pá es 30 D Recreação Filofofíca páes fuperiores , que náo entrem no lu- gar que eile occupa ; o mefmo taz o -Sacra- menco ; o pão fechaJo náo move a£lual- mente opádar, nem o tacto i mas elrâo as coulas dirpoítas de íorce ^ que a qualquer hora que a lin^ua , ou as mãos tocarem o páo , achem hum certo íabor , e dureza , &c. o melmo luccede no Sacramento , náo move actualmente o pádir , nem o ta(!^o ; mas eiuo as coufas dilpoltas de íorte , que a qualquer hora que a língua , ou as máos ro- çarem o ò'acramento , experimentarão hum certo fabor 5 e dureza, &c. o mefmo digo da cor, &c. FJs-aqui como de noite no Sa- cramento ficio as efpecies , que fazem o Sacramento ieníivcl. Numa palavra : Os accidentes , que sáo realmente diQinclos do páo 5 como a cor, o cheiro, Scc. cftes fi- cáo osmdmDs na realidade; porem os que sáo modiftcaçóes da matéria do páo, eiies íicáo virtualmente os melmos , fazendo a Omnipotência todos aquelles effeitos , que faria o páo le ahi eíliveiTe , fem diíFerençi alguma ; advertindo , que Deos fò faz eítes efPeitos, quan.io o páo os faria , fe o hou- ve iTe ; e cm quanto os náo faz, eftá a O- mniporencia preparada , e determinada a obrallos , aflim como no páo verdadeiro cm femelhantes circumí^ancias eífáo as coufas dilpoilas , e preparada^; para íazer elTes eftei- ros ; e quando os efteitos sáo os mefmos fem diíferença , diz-fe abíolutamente que íica a inerma coufa virtualmente com o exem* Tarde nona. gci exemplo do pezo. Agora fupponho que não negais 3 que Deos laiba , e polTa mui bem imicar todos oseíFeitos, que nos nollos fen- tidos faria o páo , tão propriamente , que nós náo percebamos diíierença alguma. Silv. Náo uigo que Deos náo polTa fazer if- f o ; mas náo o ha de fazer , porque iOo he enganaT-nos , e illudir-nos , como fazem os teiticeiros , e mágicos. Tbcod, Di^os náo nos engana ; nós fomos os que nos enganamos , que nos fiamos nos noíTos lentidos mais do que devemos. Sihj, Mas Deos com o miilagre que faz , mo- vendo os nolTos fentidos, da mefma forte que os moveria o páo^ dá occaiiáo a elTe engano. Theod. EfTa difHculdade tendes tsnibem contra vós; porque fiquem osaccidentes como fi- carem, fe ahi náo fica fubífancia de páo, como he certo , já Deos com elTe milagre dl occafiáo ao noiTo engano i porque nós fe juig:írmos pelos fentidos , náo íó have- mos de dizer que alli ha a cor de pão , v. g. mas que alli ha afubllancia de páo; e bem vedes que niflo nos encanamos. Siiv. ElTe engano jà procede de nós , porque os fentidos fó nos perfuadem que alli ha accidentcs de páo ; e íe daqui inferimos q']e ha também a fubftancia de páo , ahi he qi.ie eilá o engano. Theod. Outro tanto refpondemos os Moder- nos ; também os femidos fó nos perlua- dem', que alli ha alguma coufa, quenelles faz 302 "Recreação Filofojica faz as mefmas imprefsócs , que coftuma fazer o páo 5 e ilio he verdade: a^ora fe nós daqui inferimos, que cííe ob)c(ílo ^ que faz as mefmas imprelsões , que col^u-' ma fazer o páo , verdadeiramence he páo , ahi he que elLi o engano ; mas deíle nós lo- mos os que temos a culpa. Bem vejo que Deos com o milagre occaiiona eíte nolTo en- gano ; alíim como occailona no volTo íyfte* ma i mas ilio não he indecente a Deos : alias diremos, que sáo indecentes a Deos os mo- dos com que íe tem maniíeftado a fi , e aos Anjos, ulando deftas immutaçóes dos nof- fos lentidos , como ufava todas as vezes que apparccia com al?,uma efpecie corpó- rea , e Icníivel , Tem haver ahi corpo fenfi- vel. Quando Abraháo , e Tobias viáo, e trataváo os Anjos : quando Deos apparecia a nolTos primeiros pais noParaifo, a Moy- fcs, a Ezequiel , e aos mais Profetas, e a S. Joáo Evan^elirta na Ilha de Patmos , &c* e quando o Efpirito Santo apparecco no Jor- dão em forma de pomba , náo hc crivei que lempre pioduzilTe para o eífeito da ap* pariçáo os corpos verdadeiros , de quem eráo as lemc'hanças , c eipecies , com que fc re- vertia para os homens o verem, como íe- guem S. joáo Chryíoftomo , Santo Ambro- íio com a opinião mais commua dos Padres, fallando particularmente da appariçáo da Jordão. Aqui temos occafionado por Deos o mel mo engano , fem ifto ícr indecente a Deos. Ainda omcímo Chriíla, quando ap- pa* Tarde nona, 303 pareceo aos Difcipulos de Errmaús em forma de Pere;;iino , eà Magdalena em tórma de Horteláo,occultando-re milaa^rofamenie com repreleniaçóes etbanhas , occalionou o en- cano dos Difcipulos. Mas Deos niílo lem- pre tem algum iim ; e elta ^ que parece illusáo , ítmpre Te ordena para figni ficar, e dar a conhecer alguma verdade ^ como diz mui bem Santo Tbomaz (1)5 íallanJo exprelTamente das appariçóes deJESU Chri- fto na Holtia com elpecie de menino , ou de varão chagado , porque efla repreíentaçáo tórma-le para dar a conhecer a exiitencia do verdadeiro Corpo de Chriilo , que ertá prerentei e aliega a Santo Agoilinho, que diz (2) , que quando a ficção, ou immutaçáo dos noíTjs lentidos fe ordena para íignificar alguma verdade 5 náo ha aqui mentira, ha huma figura da verdade. Irto fuppoílo , Deos Senhor noiío occulra-fe debaixo da leme- Ihança de páo , para íignificar que elle he o pâo celeitial 5 e lobrerubllancial da nolTa al- ma, como muitas vezes o dilTe no Evange- lho. Alem de que, outra razão me occorre , que me parece náo deixa lugar a iníl:ancia. Sih, Que razáo he ? Tbeod. Que importa que Deos fe disfarce com reprefentaçáo do páo , le elle nos efti dizendo 5 que não nos fiemos delTa repre- ien- ( I ) Part. ^. q. 77. a. S. (a) L. d. quxíl. Evang. ^ucií cum ficllo ncp.ra refertur ad olíguam Ji<^niHcatÍQn«Tn , nçn iji mtniA* eium , [t'4 figura viriíalis» 304 Recreação Filofofica fenração *, pois o que Te occulta debaixor da femelhança de pão 5 náohepáo, mas o leu verdadeiro Corpo. Ltrr;br2-me iifar de hu- ma comparação : S'j}>ponhamos que hum Príncipe andava com traje alheio, láobem disfarçado, que todos abíoluramente fe cn- ganafiem ; mas que elie tinha declarado a lua Elpola , que quem Ic occuliava debaixo daquelle traje, ou maicara , era verdadei- lamenie alua pelTo;^ real , peito que onáo parccelTe ; le , náo obllante elle avilo , a El- pola fe enganaiíe , a li devia attribuir o engano 5 e náo ao Príncipe. SiH. Claro ellá. Theod. Pois eltes sáo os rermos que Chriflo ufa com a íua Igreja, diz que o que anos nos parece pão , verdadeiramente he íeu Corpo; ja aqui lenós nos enganarmos , he culpa noiía , e náo íe deve eíte engano attribuir aDeos por nenhum modo i princi- palmente quando o disiarçar-le tanto , he pa- ra provar a nolTa Ic , e ver fedamos credi- to á fua palavra, e ao que elle nos certi- fica 5 ainda que os Tentidos nos perfuadáo o contrario. Mas no cafo que eftas relpol- ias vos náo agradem, bulcai outras, pois a diiticuldade he igualmente contra vós-, como )a drlTe, Eui. DiiTeftes bem , que eiTa refpoíla não dei- xava lugar a inftancia alguma , porque ahi náo ha que replicar. Sil^v. Alas a fer ilToaíIim , náo feria o Sacra- reento hum milagre táo eitupenuo , como íeii- Tarde nona. 3CÍ5' fente a Isjreja , pois qualquer Anjo ou bom , ou mào poderia fazer femelhantes impreísóes nos nolTos fentidos. Tbeod. Qualquer Anjo pcSde tazer eíTas impref- sócs noslentidos; rras dahi náo le íegue, que o Sacramenro náo he milagre ; qualquer Anjo pode íazer .muitas coulas , que sáo milagres. .Suílcncar hum homem no ar fem cahir, mover hum grande penedo de hum pa- ra outro lugar , sáo coufas que a Igreja con- ta por milagres; e náo haveis de negar ^ que qualquer Anjo polTa naturalmenre fa- zer ell:as obras , e outras íemelhantes. Sihj. ò'im ; mas nunca feria o Sacramento hum milagre tão eítupendo , e extraordi- nário, le elTa coníervaçáo das elpecies coii« belíe na virtude de qualquer Anjo. Theod. Adverti , Silvio , que o que faz o mi- lagre do Sacramento táo eíiupendo ^ náo he que pareça páo iem o ler ^ que iiío tem. luccedido mil vezes em milagres bem ordi- nários , que a Igreja náo encarece ranto^ Qiianras vezes parecerão rofas o que era dinheiro, cupão, que hia para os pobres ! O que faz íingularmente eítupendo o mi- lagre do Sacramento , alem de outras , sáo eftas circumftancias ; primieira , eflar ahi Chriflo prelentc : fecunda , eílar em cada minima partícula da Fíoíiia : terceira , a pre- fença do Corpo de Chriífo em muitos mil lugares a hum tempo: quarta, a obediên- cia a quatro palavras de hum puio homem , € ás vezes bem peccador : quinta , a perr Tom. II, V nu- 306 Kecreação Filofofica manencia , e frequência dcfte milagre , que não íuccede huma vez , ou outra , mas todas quantas vezes quizerem os homens : e eftas circumliancias , como também outras, não cabem na virtude de todos os Anjos jun- tos. Por ranto ainda na nolía doutrina fica o Sacramento hum bem eltupendo milagre. Com que bem podeis íoce^ar o voiTo ef- crupulo. Silv. Náo fera fácil. Tbsod. Pois que! Náo vos moftrei já , que, conforme o nolTo fyrtema , tambcm íicaváo os accidenres no Sacramento ? Silv. Mas que accidentes: Huns accidentes , que náo sáo mais que quatro armações in- ventadas por alguns eftrangeiros idiotas na matéria. Tbeod. Ora muito deveis a Deos , por não vos fazer eftrangeiro. \^amos ao caio : vós jul- gais que he de íc ficarem os accidentes Peripateticos lá da volla elcola ? Silv. Se náo he de íc , lerá pouco menos : eu lenho por tão certa a minha opinião , co- mo a que diz que os Anjos sáo efpiritos: e a volta náodi^o que he herefia clara , co- mo alguns dizem ; mas alTento que ao me- nos he erronsa, vml foante ^ e que Id fabe a berefta. Xáo vos efcandalizeis , que eu náo digo ifto de mim 5 dizem-no grandes ho- mens , que bem modernamente tem agora eicrito contra ella doutrina. Tbeod. L náo leites o que efcrevèráo cá os homens pequeninos contra eíloutros homens gran- Tarde nona. 307 grandes \ Ora vamos cá para dentro para a livraria : talvez que feja precifo abrir aiguns livros para examinar efte ponto. Silij. Vamos embora, que para tudo venho preparado. §. n. Aver:guã-fe fe he fegura ^ e sa a explicação qu-s Jica d.ida aos accideutes da Eucharijlia ; oit fe pelo contrnrio he quafi de fe ficarem os accidentes dos Peripateiiccs, Eiig. A Nres que entreis em difputa , deí^ -í^ xai-me ver íe tenho percebido a queftáo toda. Ambos vvós concordais em que no Sacramento ficáo os accidentes de páo ; os Peripateticos dizem, que ficáo os ieus accidentes lá conforme á íua efcola ; os Modernos dizem , queflcío os íeus acci- dentes do modo que explicou Theodofio. Dizeis vós agora, Silvio, que do que en- ílna a Fe fe infere claramente 5 que ficáo no Sacramento os accidentes Peripateticos, He ilfo, ou enganei-me ? Siiv. llTo he. Tbeod, Reíla a^^ora dar a razão , porque di- zeis, que he quafi de Fe ficarem os acci- den-es Peripateticos , e náo cá os nolTos ; acato conlta da Efcritura? Sílv. Da Elcritura náo ; porém he Tradição íintiquiíKma, recebida univerfalireniepela 3c8 Recreação Fílofofíca Igreja, e Santos Padres, definida repetidas vezes nos Concílios , e pelos Summos Pon- tífices. Tbeod. De vagar 5 que temos ahi muito que dizer. Primeiramente Te efte ponto conf- talTe por Tradição Apoílolica , não ha dú- vida que feria de Fé i mas ilTo he que eu nei^o, nem vós o podereis provar íem mof- trarJes cita queftáo nos Santos Padres an- tigos 5 que receberão os dogmas da Fé ca dos Apoftolos, ou dos fcus difcipulos fuc- ceíKvamente , porque fò no teitemunho delles he que confiíte a Tradição , que he regra de Fé. Alguns Santos, que elcrevê- - rão neítes últimos íeculos , fim falláo em accidentes ; porém vós não haveis de di- zer, que do icltemunho deftes Santos , que dill:áráo do tempo dos Apoftolos mais de mil annos , fe pôde inferir Tradição Apoi- tolica , alias íerá regra de Fé , e Tradição tudo quanto dilTerem Santo ThomúZ , ou outros Santos deites fcculos. Silv. IlTo não, meramente por elles o dize- rem náo he Tradição ; mas fe elles difiTe- . rem o que fempre Ic crèo , e enfinou na Igreja , fim. Theod. Concordo nilTo ; porem iíTo náo haveis vós de moiirar. Nos primeiros finco, ou íeis fiículos da Tgreia 5 em que , como mais chegados aos tempos dos Apoftolos , havia de eltar mais viva, e treica a notícia das verda.^es por elles comm.unicadas , não ap- parece hum Santo Padre 5 que talle huma lò pa- Tarde nona, 309 palavra emaccidsjites^ fallando innumeraveis nePce lacro ianto Mvfterio : as palavras de que usâo sáo imagsrn , rcprefentaçÃo , fgu- ra , femelbança , appareiícia , (^c. porém tm accidentes de pâo , e vinho r,o Sacramcnco náo me mollrareis hum íó ccftes antigos, que talle huma palavra. Aqui tendes na el- tante os piincipaes ; lede-os , iequizerdes, que os tenho regiltados para efte , e cu- rros encontros femelhantes : alíim fe explica S. Joáo Ciuyioítomo , S. Cyrillo , o Cicero Eccleílaftico meu grande S.Cypriano, S.Ma- cario, S. Dionyho Areopagita, Santo Am- brofio 5 Santo Kdmijndo , Sanco Eligio 3 Pe- dro Ceienle , e outros. Por tanto náo po- demos dizer, que alguns Santos, que ef- crevèráo do íeculo XI. para cá ^ recebelTem eíla doutrina da permanência dos accidentes dos Doutores antigos da Igreja. Enáoconf- tando a revelação defta verdade pelos tef- lemunhos dos Padres , por onde ha de conf- tar ? Efte he o argumento , de que ufa S. Irc- neo (i) , refutando as pertendidas tradições, que os hereges allegaváo, convencendo-as de falfas^por náo haver noticia delias nos Bifpos Catholicos, a quem iucceííivamenre com o encargo das almas dos Fieis fe tinháo com- municado defde os Apoílolos as verdades reveladas por Deos á fua Igreja. 4S//0. Para que nos sáo neceíTarios teflemu- nhos de Padres, onde eftáo as decisões dos Concílios í \^òs náo íabeis que efte ponto ef- ú (i) Llb. j. advMf, h^eief. cap. 3. 3 IO Recreação Filofofica tá declarado nos Concilies Lateranenfe, Florentino, Tridentino , &c. ? Tbeod. Paliemos neli es com elies à vida , que íempre ifto he melhor. Eij-aqui eftáo lobre o bofece re;^i liados. Lcde-os , e vereis, que nem palavra hlláo emacciden^es. \^iíta faz f c : aqui tendes o Larcranenfe 1\'. no lu- gar, em que trata do Sacramento, lede-o (O- Sih. Tenho lido. Vedes que expreíTa mente diz, que o Corpo, e Sani^ue de nolío Se- nhor Jefu Chrifto eíiá verdadeiramente de- baixo das efpecies de pão, e vinho? Tbeod. E falia ahi em accidentes ? Sílv, Falia em efpecies, que he o mefmo. Tbeod. Logo refponderei a ilTo ; vamos ao Florentino: aqui eílá , lede (2): vedes que não falia em accidentes ? que ròmente diz , que rodo C:iriílo le conrcm debaixo da efpecie de páo , e todo debaixo daelpecic de vinho ? Sth. Ailim he , mastudo flgnifica o mefmo. "^beod. Logo veremos iiío : vejamos agora o Tridentino, oue dos ires he o mais moder- no : ( 1 ) Cap. Firiniter de Summa Triíiitate : Cfjus Corpus t ^ Sjn^iiis in Sacramento AUarts juU Jpe- (lebits pernis , í3' vini veracttcr conúncitir y trunfubjlatt' liaàs paiic in corpus , CT* vino in Jan^ tinem pote/lute J^ivina. ( 2 ) Piinis in Corpus Chr^fll , iS* fulflanúa vini in Janzuriem convcrtttntur ; itu tamen quod lotiii Chri- fiut çomineatur fub fpeclc punis , €?' totiis fub. /pcci4 vini. Tarde nona. 311 no: aqrii eftá a fefsáo 13. que He a que faz aoponro: remos vários lugares, o primei- ro He eíle (i) , onde diz fomente , que Chri- fto efta debaixo Ò3. eipecie deltas coufas íenfiveis , que sáo o pão, e vinho ; e no Canon II. ula rambem da melma palavra fpecies : vede-o que he breve (2) , e da mef- ma palavra fyccies ula em todos os mais lugares 5 e nem huma fó vez falia em acci- dences. Silv. Importa pouco que não ufe delTa pa- lavra , porque a palavra fpscies figniíica os accidentes. Jheod. Tomara que me provaíTeis iíTo ; mas parece-me que o náo podereis fazer ; olbai , efta palavra ou a haveis de tomar como bom Latino, ou como bom Filofofo , ou como bom Theologo : como bom Latino, náo podeis dizer que a palavra flecte: (O SefT. XIIT. in Decret. deF.uchar. czp. i. Principio (íocet fanda Siinodus , ^ aperte , acf.mpli' eiter profitetnr in almo Sanfl£ E'.icháriiTi£ Sacrtimen- to , poli panis , iS" vini co^ifecrationc/n , Dominum nof- iritm J. C. veriim Deinn , iitíjrte hominem vere , reali" ier , (2C ftthfhmtialiíer jub Jpicii iUaruni rcruin fenji" bdiuni coniinai , ^c, (2) Siquis dixerit , in SacrofanSlo Eacharj/lije Sitcrainento rcmanere fub/lantiam punis , ©" vini iinà cum Corpore , ©* Sanguine D. N. J. C. negíiveritqu& viirabiUm illani , ac f.ngiilaren; converfioncm totiasfub- jlanti£ panis in corpus , Ç?* totiiis fcth/Junti.-e vini injan- guinem , manentibus duntaxatfpecicbits panli , ^' vini , . , . . anuthema fit* 312, Recreação Tihfofíca íignifica accidentes ; pelo menos eu , qije averiguei o ponto de propolko , náo achei algum Diccionario 5 que Ihedciíe efta figni- ficaçáo ; a fignificaçáo que lhe acho , he de fgura ^ imagem^ reprefentaçJo ^ femelbança y appayencia j <ò^c. e náo encontrei que fi^ni- íicaíTe accidentes. Sih. Tendfs vós aqui oDiccionario de Fa- ciolato ? Lede-o , e vereis que a palavra fpecies também fignifica accidentes. (i) Tbeod. ]á li , diz o melmo que eu dizia ; diz que fignitica afigura , a lemelhança , oroí- ro , a imagem, e que íe deriva do verbo fpecio 5 que ligniíica ver ; e que a razáo , por que Te deriva he , porque efpecic propria- mente be o que íe vò em alguma coufaj nillo concordo eu, e accrefcento , porque em qualquer coufa vejo a Tua tigura , a lua repreleníaçáo , tscc. de forte que (reparai bem) ou haja no objeclo verdadeiros acci- dentes de páo , ou náo os liaja , Te ha repre* fencaçáo , hgura ^ e fcmelhança de páo , ve- jo páo; il^o he , os meus olhos dizem-me que ha páo \ por iíío ha efpecie de páo , quer haja , quer nao haja accidentes de páo. Logo quem diz que /pfríV; lignihca o que fe vè , náo diz que figniíica os accidentes do ob- jecto , mas ílm que fignifica /^«>/í , repre^ /ei}tação , imagem , eí^-í. ou eíla repreíenta- çáo ( I ) Siecies — rei alicujus forma , eflfigies , fá- cies , imago , a fpecio , qiioi notat videre , cerne- re; nan proprie y/icci^i eíl id , quod ia aliqua re «srnÍLur. Tarde nona, 313 ção fe faça comaccidenres ver dadeiro* , ou com apparencia delies lómente. Jj/i;. IlTo 5 Theodoíio , ainda tinha muito que averiguar ; mas eu náo eílou para gallar tempo nellis miudezas : vamos adiante , e reparai que nunca concluis na da i porque nós os Filoíoros náo nos obrigamos a uiar à\% palavras no rigor da Lacinidade : bem fabeis que temos liberdade náo ló para inventar novas palavras , ícnáo também pa- ra lhes dar nova figniticaçáo. Ihsoà. Eftà bem ; mas eu ainda digo mais, que como bons Filoíofos náo devemos por efpecies tomar os accidenres intrinfecos , co- mo os que admittis os Peripateticos. Por- que nenhum Filofofo já mais tora defta qucíláo encendeo por efyecier os accidentes Peripateticos , ao mcfmo tempo que falláo em efpecies por vezes innumeraveis : o que todos geralmente entendem por efpecies, fora defta queftáo , como vós fabeis, he a repreíentaçáo de qualquer objed:o , ou o que nos reprefenta o obieclo aos fentidos; por iíTb a humas ( deixai-me explicar ifto mais para Eugénio me entender ) chamão clpecies viluaes , porque nos reprefentáo o obje(ÍTo aos olhos; a outras chamáo au- ditivas , porque no-lo reprefentáo aos ou- vidos, Scc.j porém eftas efpecies na fen- tença dos Peripateticos náo são os acciden- tes intrinfecos, de que he a queftáo , e de que querem fazer argumento contra nós , porque eftes accidentes intrinfecos do pão eí- 314 Recreação Filofojica eftâo intrinfecamente unidos zi pão, e na- turalmente não íe leparâo delle ; porém as eípecies do páo naturalmente fe ícparáo del- le , e vem delle para os nodos íentidos i e aíTim dizem elles , que nos percebemos o páo 5 que ertá lon^^e de nós , em quanto tielle vem as Tuas eípecies ; e entrando pe- los noiTos íentidos , no-lo dáo a conhecer. Donde le intere , que os meímos Peripate- lícos fora deita queítáo nunca entendem por efpecies os léus accidentes. Não he aí- fim y Silvio ? Sth. Não, porque as eípecies também ílgni- íicáo razões abllraílas , como quando di- zemos , que o homem he animal de outra elpecie òo que o bruto. Tbeod. A que vem cá ilTo ? Ahi fignificáo acci- dentes por ventura ? Sih. Aqui náo ; mas ás vezes fignificío os accidentes, que veílem qualquer coufa. Tbeod. Fora derta qucíláo ainda náo achei ilTo que dizeis , tallando do modo com- mum, com que os Filoíofos falláo. Silv. Seja embora nas mais queftòes , não me quero a2;ora embaraçar com ilTo ; mas neíla fempre entenderão por efpecies de páo os accidentes de páo ; porque efte foi íempre o fentido dos Theologos , a quem propriamente pertence elie ponto. Tbeod. Logo refpon jerei a ilTo ; mas de cami- nho já temos , que procedendo como bons Latinos , ou como meramente Filofofos , náo havemos de entender por eípecies de páo Tarde 7wna> 315' pão os feus accidentes ; vamos agora adian- te a ver que nem lhe havemos de dar elTa fi- gniíicaçáo , como bons f hcqlogos. Os Thec- logos cievem tomar as palavras na il^nifi- caçáo 3 em que fe acháo na Sagrada Eicri- tura 5 tomada no fentido lirteral , e na mef- ma figniiicaçáo , em que a coilumáo tomar os Padres, ufando delia. Ora na Efcritura varias vezes vem eila palavra fpecies , e toma-fe pelos Theologos na fignincaçáo de appareíiciay imagem , femelbn?iça, 'b'0. que he a fua fignificação , e não por accidences intrin- fecosj ou Peripatecicos. No cap. ^. de S. Lu- cas fe diz, que o Eípirico Santo appareceo no Jordão com a efpecie de pomba ; e niílo náo fe quer dizer, queunio a fi osacciden- tes incriníecos da pomba , mas que appare- ceo com a femelhança , e reprcfentaçáo de pomba. No cap. 9. dos Numeros , quando íe diz, que cubria o Tabernáculo de noite huma eipecie de íogo , o que íe entende he , que havia huma reprcfentaçáo de fogo; e não he preciío dizer que eftaváo alii os acciden- tes intrinfecos de fogo. No Êxodo ( cap. 24.) fe falia da eipecie da gloria de Deos , quando deo a Lei a xMoyfés , e fe diz , que a efpecie da gloria de Deos era como fogo ardendo; aqui bem fe vê, que efpecie íi- gnifica imagem, ereprefentaçao ; nem a glo- ria de Deos tem accidentes intrinfecos , que aqui fepofsáo figni ficar pela palavra //j^íí-^-t. O mefmo feobferva nos mais lugares. lílo hepelo que toca à. Efcritura : que pelo que to- 3i6 Recreação Fílofojíca toca aos Padres , já fica moftrado cõma nâo fo ablolutamcnce , mas decerminada- mencc ás elpecies Euchariíttcas náo dão o nome de accidentes , mas 16 á^imagem ^ /i- gura y reprejentaç.w , 'ò<, ]a fabeis de que Padres fa lio •, e por conle*uin:e temos , que ainda procedendo como bons Theologos , náo devemos tomar a palavra fpecieí , que le acha nos Concílios 5 por accidentes incrin- Iccos de páo 5 mas pelo le-j fi^niticado na- tural , que he apyarencia , c f^mslbança de p-ão. Silv. Olhai vós 5 Theodofio , que na Elcritu- ra muitas vezes fpecies fi^nitica outra cou- ía j que náo he figura , reprelentaçáo , Scc. V. g. quando diz: Specis tua ^ ^^ pulcbritu- dine tua. Spíciem mulieris alienj^í multi admi' rati y <ò^c. Theod. Eu bem fei de quem são eíTas inftan- cias tão fora do ponto: náo podiáo ler voí- ías. Aíliin he , que muitas vezes efyecieí Ti- gnmca o rofto , ou a lua lormolura , ou de- formidade i masque faz iiío ao ponto? He bem claro , que os Concilios pela palavra efpeciss náo quizeráo íigniíicar o rofto do páo, ou a lua lormofura: logo le os Con- cílios feaccommodáo a íignihcaçáo da Eicri- tura, lo querem por efpecie fignlncar imã' gem , repreíentação , t?<. Alem de que , huma coufa tenho obfervado nos Concilios , quan- do falláo deite ponto, c he, que regular- mente quando lalláo do páo , lo dizem efpe^ cie 5 e o meímo quando falláo lo do vi- nho i porém failando de ambos juncos, di* zem Tarde nona. 317 sem Npecies y e ainda defte modo ás vezes àizi^mefpscie ( i ). Sinal infallivel ^ que íal- láo da finielbança ^ reprefentaçao ^ <ú)'C. aliás ráo hiz bom fentido dizer que Chrifto le occulca debaixo do accidenre de pão, e vi- nho ; pois tanto o páo 5 como o vinho tem muitos 5 e mui diverlos accidentes. Pelo contrario , dando-le á palavra ejpecie a intel- ligencia de femelhança , faz bello fentido. Sihj. Tudo ilTo náo vale nada , porque os Theologos commummente naselcolas tomáo efpecies por accidentes 5 quando falláo nefta matéria j e como os Padres dos Concilios , que fizerão as definições , eráo Theologos , haviáo de tomar efta palavra fpecies no m.eí- mo fentido, em que a tomaváo nas eico- las. Bug, Aguda inftancia na verdade. Theod. Ora ouvi. Os PP. de qualquer Con- cilio , quando cntráo a definir algum pon- to , fe oacháo ja definido por outros Con- cílios precedentes , fempre usáo das pala- vras 5 e termos , de que elles usáráo , e usáo delias no mefmo fentido ; aliás feria coula indigna da gravidade daquelles Padres sífeclarem ufar das mefmas palavras dos Concilies precedentes, dando-lhe lá men- talmente outra fignificaçáo ( excepto quan- do he precifo por cauia de novas herefias ular de palavras novas) , e como os Con- cílios j, de que fallais , usáo do melmo tcr- ( I ) Trid. Sea: XIII. cap. i, Sué fpecii iUarum Tirum [enjibilíum contnuri. 3i8 Recreação Filofojíca termo, e palavra fpecies , havemos de af- íenrar , que o fentido, em que a tomarão os Padres do primeiro Concilio, que he o Later.menie ^ elle íoi tambcm olencido cm que usai âo da palavra Jysciss os Padres do íe^undo Concilio , que he o Florenrino, e os áo Tndenrino , que he o terceiro , peh"? meima razão: o que íuppcllo , averi- guado o fenrido do Concilio Lareraneníe, eftà averiguado o fentido de todos três. Sibj. Não ha duvida. Theod. O Concilio Lareranenfe foi celebrado em 12 15: Jie de notar, que os Conciiios quando definem de novo algum ponto , que ainda le não tem rrarado tm Conciiios an- teriores, efquadrinháo as Efcrituras , e os Padres primitivos , e usáo da doutrina , e palavras , que nelles acharão , e no leu mel- mo ientido; e já viíles que os Padres pri- mitivos, fallando delfe ponto, ufaváo das palavras , imagem , femelhanca , repre/efitação , (ò^c. e por confeguinte pela palavra /pfczVr quiz o Concilio figniticar eita repreíenraçáo, ou Icmclhança. Silv. Ilío eílava muito bem , fe efTes Thcolo- gos , c Padres , que aíliiliráo ao Concilio, riáo loubelTem o ellilo das efcolas : eíTes Padres he crivei quefoíTem Peripareticos ; c alíim haviáo de tomar por efpecies acciden- tcs. Tbíod. Amigo Silvio, os Conciiios quando acháo hum ponto na Ffcritura , e nos Padreá primitivos ^ que beberão as verdades do tvan- Tarde nona. 319 Evangelfio , dos Apoílolos, e feus diTcípu- los , encoftáo-le á Elcricura, e Padres, e náo ás Efcolas. Mas ainda no calo que os Padres do Concilio foíTem Peripaceticos , e nas Eícoías entendeíTem por eípecies os ac- cidentes 5 náo ficava definido que no S'acra- menio havíáo accidenres. Também os Theo- logos do Concilio Tiidentino pela maior parre leriáo Thomiflas, os quaes nas Eíco- ías por graça erHcaz entendem as íuas pre- deierminaçóes fyficas , oii lomente moraes, ou pelo menos graça independente da pre- visão do confenti mento para fer eíKcaz (porque efta doutrina 5 cujo author foi Mo- lina , apparecco 2^ annos depois de fechado o Concilio ) : e com tudo daqui náo íc infere , que nas definições do Concilio acerca da graça efíicaz ficáráo definidas as predeterminações , ou graça efficaz inde- pendentemence da previsão do confenti- mento 5 porque os Padres prefcindiráo âcí' fa queíUo. Outro tanto fe deve dizer no nolTo caio. Porém na verdade nós eílamos noutros termos ainda mais favoráveis , por- que os Padres do Concilio Lateraneníe náo forão Peripateticos. No tempo do Concilio Lateranenfe I\^. ainda náo eiiava introdu- zida a Elcola Peripatetica na Igreja ; antes a Filofofia de Ariíioteles , e cfpecialmen- te a fua Fyfica , e Metafyfica eráo commum- mence rejeitadas , e prohibidas : tanto allim , que em hum Concilio Provincial celebrado era Paris no anno de 1 2 10. finco annos antes de 320 Recreação Filofofica . cie fe abrir o Concilio Lareraneníe , fotáo queimauos os livros de Ari lloteJcs , eprohi- bida a lua liçáo com pena Je exccmmunháo. Sil^j. llío parece-me incohercncia. Se a Filo- ioiía de Ariítorcles foi prohibiJa , logo )á eftava introduzida, lílo he claro. Thcoá. E btm claro ; ora ouvi. Quando huma doutrina, que loa mal, le principia a pu- blicar , ás vezes le prohibe , para que fe não introduza ; nem todas as doutrinas le prohi- bem depois de introduzidas , tambcm le prohibem algumas logo aílim que nalcem, ou pofto que nafcidas muito ames, quan- do Te querem introduzir nas Efcolas. De mais 5 ainda que a Filofofia de Ariíloreles por eíles tempos houveile eftado introduzi- da 5 as repetidas prohibiçóes dos Papas , e Concílios a deílerráráo da Igreja , princi- palmente pelos tempos do Concilio ; por- que alem delTa prohibiçáo quedilTe, bouve outra no mel mo anno de 1215. em que Te abrio o Concilio Latcrancnfe ; depois dilTo em outro Concilio confirmfado pelo Car- deal do titulo de Santo Efteváo , Legado do Papa , foráo ablblutamente prohibidas a Fy- íica 5 e Metafyfica de Ariftotelcs , e fó foi pcrmittida a liçáo da íua Lógica : eftas pro- hibiçóes continuarão , c fe reforçarão ainda depois do Concilio; porque em 12^1. tre- ze annos depois de fechado o Concilio La- reranenfe , probibio Gregório IX. a Fyfica , e MetaFyfica deArilloteles ate que Te cor- ligilTem. Depois pelos annos de iiAí^- Santo Tho- Tarde nona^ 321 Thomaz , e o B. Alberto Magno efcrevê- ráo lobre AriftoteJes por mandado do Pa- pa , como diz o Campanella^ e então he (]ue principiou a ter leqiiito nas Eicolag da Igreja a doutrina Pcripacetica , até que em 1566. cento e quarenta e oito annos depois de fechado o Concilio Lateranenfe, os Cardeaes do Titulo de S. Mauricio, e S. Martinl.o, CommilTarios deputados por Urbano \ . para reformar a Univerfidade de Paris 3 permiitiráo abfolutamente a li-* çáo dos livros de Ariíloteles , a qual per- mifsáo approvou depois Nicoiáo V. ( i ) ^\'de a^ora fe os Padres , que celebrarão o Concilio Lateranenle ^ podião fer Peri- patericos. Sibõ. Himia dúvida fó tenbo centra ilTo, e he 5 que Santo Agoílinho foi Peripatetico , e viveo muiro antes do Concilio Lateranenle. Tbeod. C)s Padres dos primeiros reculoS3 ou todos , ou pela maior parte , erâo Plató- nicos (2) : de Santo Agoftinho, e S. Ba- Tom. IL X 11- (1) Dii-Pleílis Collea.Jud. de Nov. Èrr. tom. I. ad an. 121c. Du-Boulay Hiíl. Univ. Parif. tom. 3. ad an. 1215. WarteneThelaur. Anedoííl. tom. 4. pag. 16Ó. (2) Theologi veteres otvnes , ijiii (S' jQicrpfan⣠Vida jecerunt fundamenta , •23' EccUfiam ante nxtru" s-:crunt , D. Dicmjfus , Jnlíinus , Clevisns Alexcindri^ viis , Orlgenes , Ci/rillus , Bajiltus , Eujthhts , Thco" dorettis , Arnolhis , Luííantius , Aiif^ulUnus , Ambrc» jiiis , alii^iie piei ique omncs , qitiajcirent paucis mma* tis VlaionisosfaciUÇhr'ijUanosfÍ€ripoUc {Angujiini vé/*- 322 Recreação Filofojíca filio o diz expreíTa mente Santo Thomaz Silv, Dndo que foífem Platónicos , náo conda que Platão náo íeguiiTe edes mefmos acci-í dentes Peripateticos , antes fe coUigc que os feguio 5 pois fe náo acha alguma dií- fertaçáo de Ariftoteies contra Placáo neíle ponto. Theod, E fe apparecer aqui o mefmo Pla- tão 5 e explicar os accidentes , como os Modernos o fazem , e náo como vós os explicais 5 que direis vós? Silv, Ellou cerro que não ha de apparecer. Theod, Ora eis-aqui tendes as obras de Pla- tão (2)5 lede, fe quereis, o feu Timeo y que hh ifrr') rialonem ejinque fiâator^s hofce Philofophos reli/uis onutlbus antctuUruv.t. Francilco Patrício na Dedicatória da fua Filofofia ao Papa Gregório XIV. da edição de 1591. (1) I). Th, 2. Sent. dift. il. a. 2. Bii filha cr.im , cr Aiio^uflinia jíquuntur in Phílclophicls , qii£ ad ji' de>n non fpcâant cplniones Pl.iíonis. (2) Platão no Ti ince , pa?. icóy. explica o ca- lor pelo movimento de paiticulas ígneas de figura acuniinola , paj. looS. explua o frio peio eílilo dos Moderaos, pag. 1371. trata dos cheiros, como os Modernos ; e ali: niefmo dá iiuma explicação das cores nvji femeltuníe á de Newton , e também ex» plica a diatT.ineidade pelos poros ; á confonancia dos fons da huina explicação , que ahjuma femelhanca tem com a nolla , e nunca encontrei nelle explica- ção de acci Jente<; no fentido dos Peripateticos, An- da nas obras de Platão, jmprefTas em FrancforC anna de 1602. lendo interprete Alarfilio Ficino. Tarde nona» 323 que aqui tenho regiftac-lo , e vereis que explica os acci dentes como hum Moderno, E niíto náo o impui^nou Ariítctcles 5 por- que os acciJentes diltinCtos dos Peripateri- cos , Ariítoteles nunca os adriíittio , nem íonhoii admittir \ no que náo quero con- tender comvoico, porque náo faz ao pon- to, Icnáo depois de lerdes > e relponderdes aos excellentes livros do Padre joâo B^iptilra da Congregação do Oratório, em que lar- gan^.enie prova eiíe ponro de propoíito. Sil'v, Para que he eílarmos com dúvidas em huma couía parente. Se lermos as obras dos Sanros Padres, acharemos, que admittiáo accidentes diítindlos da íubUancia : que im- porta agora que náo folTem Peripateticos ? Tbeod. Para fegurança vejamos iíTo. Ve- nháo eiles textos todos. Sílv. Quer Deos que eftamos na livraria . . . Lede a S. Bafilio ( i) neíie lugar , em quanco eu vos rcgilto a Santo Agofti- ^X ii nho (]') In Hexam. Hom. 6. PrJwtim cnlni res omnes coiupofiite flc a nchis dhldi fohnt ,* in ipfam efjciuluin fafceptriccni , €?' /.'J €(:m (ju£ \pfi accidit ^u^Uliiíeiu. Ui Igiiar êlvcrja funt h£c natura albeJj Inijiiam , V corpus dccílhatum , ^c. Diz , que tudo quanto ha neile nuindo ou !ie ílibrtancia , ou qt:r.!idade da fubflnncia : e o niefmo dizem os Modernos ; n^as eíía qualidade dÍ7em elles que he o modo da fubriancia : diz irais o Santo , que a brancura fe difi.iní;ue do corpo branco ; o mel^ mo dizemos nós , porque a côr da parede , l'e he % còr a^ual , como he a luz , ha de fcr diflJiicU 324 "Recreação Filofoficéi nho (1)5 a Santo Ifidoro (2), a S. Gre- gório NyíTeno (0> 9^^ -^o os de que por a^ora me lembro.... Ahi os tendes aber- tos lobre o bofetc. Lede , e vede o que haveis de reíponder. Tbsod, Tenho lido ', porém tudo o que elles di- da parede ; e fe Paliarmos da cór radical , tam- bém fe diflingue modalmente da parede , coiiio fe diííe em feu Juzar. (1) Aug. de Trin. lib. 7. cap. l. Candor corpcrh von ejl ejentia , qttoniam ip/um corpus cjjentta ejl , & itU ejus (juaHias. Diz , que a brancura do corpo não he a fua elTencia , e nirto concordão os Modernos ; tanto aíFim , que expjicão como pôde o mefino corpo , confervando a mefma eíTencia , e a mef- nia matéria, mu -lar de cór. ( pag- ici.) (2) líid. C. de Cat. Ília vero accidcnva , qu£ in Juh/i/lcnte , atqiie fuhjeiío funt , /nhiV:nt'ijs Jion Jant , cuia nonJiil)/í/hini. Oiz , que os accidentes não são fubrtancia. Iflb he coufa certa entre os iModernos ; porque os accidentes modaes , que são os que abfo- lutamente fe chamão accidentes , são huns mocos da fuortancia , os cuaes em fi não tem entidade ; por ifTo a dirtinção que ha entre elles, e a fub- íiancia não he real , como fe diíTe Tf)m. I. (j) Grei^. NyfT. de Hom. opific. cap. 2 5. Corpus non ejl quod colore , Jorwa , folidltate , fpatio , çr<7- vitjte , attributis cjiíeris pr^editum non c/i , ficui CT hí£c finziàa corpus non junt. Dn , que nem a figu- ra , nem a foi i dez , nem o elpaço, pezo , ou cór são corpos. Mo mefino dizem os Alodernos ; pois os accidentes modaes , cue são os que são abfo- lutanietue accidentes , são modos da matéria ; e OS modos não são lubfianciâ^ nem corpo. Tarde nona, 32 j dizem , digo eu , que Tou Moderno. Ora reparai: eu já cnfinei a Eugénio, que os accidentes ablolucos'Veráo huns modos da maceria , que em fi náo eráo fubftancia, nem tinháo entidade , nem eráo corpo: também liie diiTe , que a brancura da pa- lede 5 V. g. náo era a elTencia da parede , e que fe diitinguia delia ou real , ou mo- dalmente 5 conforme fallaííemos ou da cor aduai, ou da radical i pois iTto he o que dizem as authoridades , que me fizeiles ler , e nada mais» Silv. Ora o cerco he que náo ha enten- der-vos ; íois como as cobras , que dais mil voltas para vos náo apanharem. Theod. Sim , Senhor, tudo quanto qui?er- des i mas vamos ao ponto principal. Ten- des viíèo que os Padres primitivos náo foráo Peripaceticos ; e no cafo que alguns depois do feculo Xí. fallem em acciden- tes 5 bem fabeis que náo são efles os que fazem re^ra , a que fe encorem es Padres dos Concílios; pois fó nos primitivos , em quem eftá mais freíca a Tradição , he que coOiumáo bulcar náo fó a doutrina, mas as palavras para a explicar , e tam- bém o lentido delias. Donde íe infere , e parece-me que com alguma evidencia , que os Padres dos Ccncilios náo quizeráa figni ficar pela palavra efptQtes os acciden- tes Peripateticos , como vós dizíeis , mas unicamente a femelba?iça , imagem , &c» que he a fu4 figniíic^çáo natural. Mas por- 316 Recriação Filofofíca . ' porque efte ponto hc o em que fazem os Peripateticos mais bulha ( rende paciência , Eu;^enio) , deixai-me dizer mais alguma couía fobrc elle. Eug, Sabei que ellou fummamenre goílo- fo , e atcenco ; porque cudo o que aqui diiTerdes, me pôde ler precifo para varies encontros, que poderei ter. Tbeod, Continuando pois o fio do diícurio, digo , Silvio , que ainda no cafo que os Concílios pnT efpecies lomalTem accidentes , náo era de fé o ficarem os accidcnies : náo vos a(Ti2íl:eis , que eu náo digo, nem hei de dizer nada , fenáo o que diílerem os Doutores commummente recebidos , e venerados ainda pelos Peripateticos. He doutrina communiílima dos Doutores, que os Pí além do que principalmente íe traia , tem força de deliniçáo , íica definido, que sáo genuínas duas Epirtolas , que ahi fccitáo, huma áo Papa Alexandre, outra do Papa JuIio ; e com tudo he couía hoje aíTentada entre todos , ou quafi todos os Críticos Modernos, que tanto eftas duas, como as mais da Collecçáo de líidoro MercaJor sáo fingidas. Também he digno de le no- tar , que as palavras do Concilio Floren- tino , que falláo neíte ponto das efpecies Euchariílicas , não sáo do Concilio Floren- tino Geral ; porque os Padres Gregos fe auíentáráo no mez de Julho para as fuás terras , e o Decreto aos Arménios , onde fe acháo as dicas palavras , foi dado no mez de Dezembro , como fe pôde ver nas Adas do meímo Concilio. Finahnente o rnelmo fe deve dizer do Tridentino ; por- que nos lugares, que ha pouco leftes , o que o Concilio trata de propofito , he a tranfubftanciaçáo do pão , e vinho em o Corpo, e Sangue deChrifto, de forte que ahi efteja o verdadeiro Chrifto , e náo ef- teja íubftancia slguma de pão, porque if- to he o que fomente negaváo os hereges ; c nem os Lutheranos , nem os Zuingliftas , nem outros alguns hereges , contra quem íe celebrou o Concilio, negarão jà mais, que 330 Recreação Filofojica que no Sacramento ficaváo cilas efpecles cie; pão ; por tanco, em quanco á perma- nência das efpecies 5 fallou o Concilio mais como quem o íuppimha , do que como quem o definia , porque ninguém o nega- va ; e aílim c:ihe na doutrina geral dos Tiíeolo^os ainja Peripateticos. Silv. Elta bem : eu vos quero já conceder ' ludo quanto quizerdes acerca deiTes Con- cilios : ainda temos novas armas , cujo golpe me parece nio podereis declinar por modo al^um. Primeiramente he o Conci- lio Golonienle celebrado em 1556 (i). Efte Concilio maniíeltamente diz, que as elpecies lacramentaes não sáo outra coula mais, que accidentes fem lu)eito. Tomara eu ver a^ora como refpondeis a ifto. ( Não íci que tem iílo da verdade , Eugénio, que fempre apparece.) Bug, Ate o fim náo digo nada. Tberd, Primeiramente , Silvio, eu venero eíTe Concilio ; mas náo taz nada para o ponto : nós quellionamos fe iie , ou náo de té, ou quafi de Fe ficarem os accidentes ; para que me allegais hum Concilio , que náo he regra de Fe ? Os Concílios Provinciaes Te náo sáo approvados pelo Papa , náo sáo regra de Fe , como he cerco ; tanto aíKm , que o dou- tilíimo Bellarmino (2) eftcndc ella refolu- çáo (1) Part. 7. can. t>. Quld enhn panis , vlniguc fpecics almd junt poli coníecrationem , quam fpccies Jacramentalei , ©* acdientia fine fuhjeão. (2) Di Cone. Tom. 2. lib. 2, cap. 10. e 11. Tarde nona, ' 331 - cão ainda aos Concílios geraes 9 que náo sáo determinadamente approvados pelo Pa- pa, no que he íeguido de rodos os Icâlia- nos , e Helpanhoes, ou quaíi rodos; com que fendo eíle Concilio meramente Pro- vincial , e náo conftando que íolle sppro- vado pelo Papa , ou algum Legado leu , como íe pôde ver em Spondano (i)^ náo he 5 nem pode íer regra ce Fe. S//-J. Mas fempre tem grande authoridade. Thsoà, Náo duvido ; mas tem tanta authori- dade como aquelles , em que le prohibio a Filofotia de Ariftoteles. Mas ainda pre- fcindindo diílo, e luppondo que etle Con- cilio folTe geral, e approvado pelo Papa, náo convence , pela doutrina que fica ex- plicada ; porque ie lerdes elTe capitulo do Concilio Colonienfe , vereis que todo o feu intento he perfuadir aos Fieis, que le contentem com a communháo do Corpo de Chrillo debaixo de huma lò efpecie ; e pa- ra os focegar da queixa que podiáo ter, lhes allegáo que n;?o perdem nada commun- gando ló numa efpccie ; porquanto o que alli ha de lubílancia he Chriílo , o qual rece- bem todo; e as efpecies náo sáo mais que huns accidentes fem fubftancia; aquivalê- láo-fe da opiniáo dos Peripareticos , que por eiles annos de 15^6. era a mais commua ; mas as razões 5 de que fe valem os Padres pa- ra mover os Fieis à prompta obfervancia de qualquer preceito, nemporilTo sáo artigos de (i) Tom» 2. in ann. 1556, 33^ Recreação Filofojica cie Fé; alem de (^'Je, na opinião dos Mo* dernos ainda os Fieis tinháo menos razáo pira fe queixarem de commungar fò numa elpecie. Por tanto bem vedes que daqui por principio nenhum íe pode fazer ars^u- mento contra nós. Vamos a outra dilTicuU dade, que fupponho ainda tereis algumas íobre o pouco. §• ni. Examifia-fe fe de algumas propo/tçÕe: condenuia- das fi póds tirar argumento , que pro^je que Jicão 110 Sacramento os accidcntcs Peri- patéticos, Sih, A Tnda tenho duas diííículdades fub- •IX. ftanciaes, fe lhe refponJerdes : dou aqueftáo por acabada. Hurna he a fegunda propofiçáo de Wiklefo^condemnada no Con- cilio deConíi.^nça, que foi o X\'ll. Con- cilio geral : dizia o herei^e : Os accidentef de pão 11.10 ficAO fem fujeito no Sacramento : condemnou o Concilio elia propofiçáo , e fi- cou definido como de Fé o contrario ; con- vém a laber , que os accidentes de pao Jicão fsra fujeito no Sacramento : logo he de Fé , que fi- cáo. El^a diíKculdade náo tem boa refpofta , por mais que lha tenháo excogirado. Theod. Refpondo , que náo ha dúvida que fe condemnou elía propofiçáo ; mas dahi náo fe infere nada contra nós; vamos por parrcs. Quando íe condemna alguma propofiçáo, náo Tarde nojia, 333 nSo fe attende meramente ao material das palavras , mas também principalmente ao lentido delias; e por conleguinte, para la- bermos o íentido emi que íoi condem.nada eíla propofiçáo, havemos dever c íentido em que 3 proferio o herege , porque ló neíTe fentido fica condemnada ■■, e íe alguém pro- ferir a mefma propoliçáo , porem em íen- tido diÍTerenre, ou oppoílo , náo ficará con- demnada a propoíiçáo em eítoutro íentido. SiliK Até ahi he certiííimo. Tbeod, Bem ettamos. Ora, Silvio^ vós haveis de íaber, que Wikleío nunca negou, nem duvidou que íicalTem os accidcntes , íó ne- gou que iicaííem íem íujeito. Elle dizia, que no Sacramento ficava páo , como confta de outra propoíiçáo íua também condemna- da ; e parece-vos a vós ^ que dizendo elle que no Sacramento ficava páo, havia de di- zer que náo ficaváo os accidentes de páo j que le eítáo vendo com os olhos ? Sih. Na cabeça de hum herege náo ha deí- propofiro que não caiba. Theod. Náo duvido , mas olhai : o diícurío de W iklefo era eíle : No Sacravanto fie ao os acci' dentes de pão ; ( iíto íuppunha elle como cou- fa certa ) os accidentes de pão não ficao fe*7i fujeito : ( efta he a propoíiçáo condemnada ) logo no Sacramento Jica fuh/iancia de pão , que era o leu ponto. Notai agora. O herege di- zia , que ficava tudo no Sacramento , íub- ftancia de páo , e accidentes ; e por ilTo di- zia, que náo ficaváo os accidentes fem íub- ítan- 3;^ 4 Recreação Filofnjica ftancia ; os Modernos fe ciizcm que náo íicáo accidentes ( lupponhamos iíTo), dizem que lambem náo fiw íubítancii de páo ; c ncitc (enndo ncgáo qtae fiquem accidcnces fem íubílancia , porquanto nem accidentes , nem iubíèancia de páo ficáo no Sacramenco : vede ^^ora íe o lencido ^ qwq os Moder- nos lem , he o mefmo, ou le he differente do de Xviklefa. Elle dizia, que ficava tu- do *, os Modernos , que náo fica nada. Per- gunro agora: Tudo he o mefmo fentido ? 5i7^'. Tudo iilo hc huma mera conjeíílura í.rmada no ar pelos Modernos ^ para efca- parem dcRa ccnfura, que lhes cahe direi- tamente fohre elles. Náo ha muitos dias que ea li eíla queftáo ; e pelo que li , af- fento 5 como coula cerra, que Wihlefo ne- gou os accidentes ; e moílrar-vos-hei quem diz íílo, íe o quizerdes ver (O* Thcõd. Ora appareça WikIeFo , e diga qual foi o fentido da íua propofiçáo , e qual a fiia doutrina. -Aqui tendes o infernal livro dos íeus Diálogos , que he rarilhmo, e náo fei íe achareis outro em todo Poriugal. Va- mos ao livro quarto dos feus Diálogos 5 que he o que trata da Euchariil:ia : lede aqui eftas palavras (2) , e lede com attcnção. Silv, (O Converf. fam. pag. 486. (2) riacet qitod fJcin de De o , t^rn accnraie , C?" rccentcr reívlcis , Ideo expedlt param procedcrc fi- ciiniirn quod nttionis iflius victerije €x'i^tmt , itt ve- rítJS Fi(i<;'i pltts clarejciit. Supponendum ergo quoa imer omncs fcnfus extrinjecos , (juos Deus dat horni" Tarde nona. 335* Sil'v. Teníio lido. Tbeod. Pois que ? Wiklefo nega os acciden- tes , ou aíTenca que ticáo ? Faz , ou náo o argun-.ento^ que eu vos dizia? Sih, Náo ha dúvida que Wiklefo iíTo diz, por- tii , iaélíts , Ç?* giiflus ftint in ftàs jadlcils ma^h cer» li , fcd illos jenfiis h-e , oportet dare aliq'iod Jubjeãum quod in iliu qualitatibus tranfmutaíur, Quan-» 33^ Recreação FUofqfica porque as fuás palavras bem cbras efláo , c admiro-me muito , porque ha poucos Xiklefo, eelle nos dirá fe nelTe Concilio íe determinou alguma couía contra os Apie- demos : podemos confiar no íeu tcfiemu- nho , (i) Natal. Alex feoil, 14. §. 6. da edição de l uca de 17 34- tom. 8 pag. 121. (2) ^atai. Alex. no \u'^. cit. pag. 122. Tarde nona. 341 nho , alem de outras razoes , porque era Periparetico. Ora vinde cà , Silvio , lede aqui efte lui;ar (i) ^ e vertei-o lo§o em Porcu^uez , para que Eugénio o entenda. Sil'v, Diz, que ficarem osaccidences na Eu- charifiia nem he evidente, nem expreíío na Efcritura, nem determinado pela Igre- ja , que he huma opinião provável com- mummente recebida na Efcola Peripateti- ca ; mas que fe alguém dilTer o contrario , não fe íia de condemnar como herege. Po- rém ifto , Theodotio, náo vale nada. Theoi* Pois nada? Silv, Náo , porque o Cardeal efcreveo eftas obras alguns vinte e hum annos antes do Concilio , e aílim náo podia já fallar do Concilio de Conftança. Tbsoà, Ora ide ouvindo. Ainda dado iíTo , fe no Concilio de Conftança íe determinou que ficaváo accidentes , lendo efle negocio principalmente dirigido pelo Cardeal, for- çofamente fe havia de lembrar do que ellc li- (l) Sent. ij. q. 6. art. 5. Modo quod acci- dentia panis manent ibi , hoc infertur ex hoc , quod praefupponitur , quod fubíldiitia panis tran- lubflantiatur , er accidenna panis jant alia dh ejiis Juhjlantia ; iflud tíinen feciindum noii efl evic!en<> , nec e!l in Scriptura expreíTuin , nec nh Ecch/iu de- terminatum , fed efl unum probabile receptirn comiiiuniter ab illis , qui fequuntur coiDmi.inen Philolophiam Peripateticam ; fed f aUqitis ejjct qut diccrct oppo/iíum hijus , nan ejct propiu" hoc ta»i- f^uaiH híSi-çúcui habendus. 542^ Recreação Filofofica tinha efcrito em contrario , dizeric^o , que quem ne^^alTe que licaváo accidentes , não dizia nada contra a dererminaçáo da Igreja , nem era Herege ; e allim acabado o Conci- lio, devia emendar o que tinha efcrito. Aliás osWikleficas ficariáo mui contentes, vendo no Cardeal exprellamente defendida da ceníura de herefia a lua fegunda propo- íiçáo. Eug, Talvez que as obras já eíliveíTem im- p relias. Theod. Não eftavão certamente ; porque a primeira vez que fe imprimirão as obras dcfte Cardeal 5 foi em 1490 (1). Alem de que, nelTe tempo ainda náo havia na Eu- ropa eífe maravilhoío invento da impref- são 5 o qual principiou pouco antes de 145c. e o Concilio techou-fc em 1418. SiH. Náo cílava impreffa 3 maseftava já ef- crita ; e o pobre velho eivando já numa idade deciepira, e cheio de negócios^ náo teve tempo para a emendar. Theod. Primeiramente a idade náo era tão de- crépita , como a fingis. O Cardeal , quando fe acabou o Concilio, tinha 68 annos de ida- de , e viveo ate á idade de 75 (2). No que reípcita aos negócios , nenhuns podia ter o Cardeal mais importantes que os da Igre- ja, á qual era mui importante a retracla- çáo (i) Dii-Pin 1. Part. Hiíí. contr. EccI. iç. faecul. edic. 2. foi. 217. Guilh. Cav^ Hift. liter. fíçcui. Wikiev. ( 2 ) Cave no lugar citado. Tarde nona. 343 çao do que tinha cfcrito ; aílim como dei- xar de o fazer , era mui conveniente aos hereges, comodilTe. Além de que , vós não reparais numa circumftancia mui atcendivel ; íendo o Cardeal Pcripacetico , como vós , vendo que com efta emenda arruinava por huma vez os Modernos , parece-vos que dei- xaria de o fazer 5 le elie julgalTe que havia que emendar? E em quanto ao tempo 5 pa- recia-me que no efpaço deíete annos aíTas tempo havia para fazer o que levaria , quan- do muito hum quarto de hora. Reparai ago- ra : f e o Cardeal não emendou o que tinha dito, he claro que eílava pelomelmo. De mais : fe os hereges fe não valerão das obras do Cardeal, que já neíTe tempo eráo vul- gares, he final que nenhum prefidio tinháo nellas ; e he cerco, que fe na fegunds pro- pofiçáo de W^iklefo fe determinou que fi- caváo os accidentes , como vós querieis , tinhão os hereges bello argumento no que ti- nha dito, c nâo emendava o Cardeal ; con- vém a faber, que quem diíTelTe que náo fi- çaváo eíTes accidentes , náo devia fer repu- tado por herege. Logo fe o Cardeal dá a noíTa doutrina por sá , náo tendes que ar- gumentar com a definição do Concilio de Gonftança. Eug, Eu confedo , que quando ouvi a refpof- ta de Silvio, parece-me que tinha concluí- do ; mas agora vejo que á inftancia não fe refponde. ThsoL Ainda temos mais que dizer, tende pa- 544 Recreação Filofojica. f acíencia , ide ouvindo. A condemnaçáo que o Concilio de Conllança deo às pro- j?onç5es de Wiklefo , foi em quanto á íubibncia a meíma que folemneraente fe linha dado ás meímas propofiçócs em Con- cílios anteriores , como sáo o Concilio Lon- dincnfe em 1^82. e o Cantuarienfe em \yj6. o de Oxonia em 1408. o Romano po tempo de Joáo XXIII. em 141^. e no mefmo anno outro em Londres ; deftes Concílios alguns foráo antes do Cardeal cfcrever (i) Pergunto agora : Ou das con- demnações deftes Concilies fe prova que ficáo os accidrnies, ou náo ? Se íe prova, logo o Cardeal , quando depois delias à\i'íc , que náo havia determinação da Igreja acer- ca de ficarem os accidentcs Pcripateticos , que elle íeguia , náo loube o que diflc; e he de admirar que no elpaço de 45 an- nos , que tantos houve òqÍ^c o primeiro Concilio, em que le condemnou a propo- ilçáo de Wiklefo, até que morreo o Car- deal , náo conheceíTe o feu erro , fendo lium homem táo douto , e que tanto tra- balhou acerca de Wiklefo ■■, e fe diíTereis que eftas condcmnaçôes não determináo que licão os accidentes , também náo le prova à3i condemnaçáo do Conftancienfe , que hc a melma lubftancialmenre ; pois a Igreja náo muda do conceito que huma vez fo- lemnemcnte fez da mefnía propofição. Sih. Aílim fera i mas o Cardeal lá diz, que ( I ) Langlct du-Frefnoi Tablet Chronolog, fr\ ^âvde nona, 345' a doutrina da Igreja favorece mais a dou- trina dos Peripatericos. (i). Tbeod. Alíim he ; porém juntamente adver- te , que elTa opinião nem he evidente , nem exprelTa na Efcritura^ 7:em determinada pela Igreja , e que era huma opinião provável commummente recebida pelos Peripateri- cos: vede como lendo Peripaterico 5 náo o cegou a paixão , para deixar de confeíTar que a fua opinião 7ião ejfanja determinada pela Igreja y mas era fó prova^ve!, Silnj. Eílá feito, vamos adiante, que ainda temos mais argumentos. Tbeod. Efperai , que ainda tenho que dizer acerca deíle , fe Eugénio náo eftá já en- faíliado por gaílarmcs muito tempo. Eug. Não tenhais elTe receio , porque a tarde he grande , e ainda agora ferão ilnco horas , e a noite he do tamanho de que nós a qui- zermos fazer. Tbeod. Se vós , Silvio , e os Peripateticos achais que da condemnação da propofiçáo de \VikIefo fe infere, que he de Fé a fua contradiíloria , haveis de dar por bom hum argumento, que faz o celebre Proteftante Jurieu contra a Immutabilidade doVerbo.Eu o refumo em duas palavras , podereis, fe quizerdes , vellq no BoíTuet (2). Diziáo os Aria- CO (2.^'iJrteí , V communtor opinio ^ €5* cui fí2Vtt niíígis doârin.z Eccle/í£ , efl qiiod in Sacramento , acciJentla , qu.e fuerunt panis , remanent /int; fubje- ílo Í5^ hanc teneo. (2) Hift. des Var. Tom.4. Part.I. art. 7. fol.óg. 34^ Recreação Filofofíca Arianos eftns três propofiçóes: Howve hum tenir po , em 'iju! n Filho de Díoí nSo exiftia ; legun- da : Elle n fo exibia ames que nafcejfe •■, tercei- ra : FJls foi tirado do naia. Di lie ráo os Padres do Concilio >íilTeno anathema, â quem profe- riiTe eftas propofiçóes, diz a^^ora o Proteftan- te Jurieu : Os Padres do Concilio condemná- ráo a fegunda propofiçáo Ariana : loi;o a op- poíVi he Carholica , e por confeg^jince o Filho de Dsoí exi/Ha antes de nafoer : Ç he de notar, que aqui fallava-fe donafcimento do Filho cm quanto Deos ) ; e daqui inferia o Pro- t€llantedous nafcimentos no Vcibo Eterno > donJe argumentava contra a Immurabilida- de do Verbo. Iilo ruppo'l:o , nenhum Catho- lico ha de achar que he bom elie modo de ar- gumentar do Proteít-iníe i pois o modo , com que elle inferia cegamente de eítar cond^mnaJa huma propofiçáo , que a fua op- pofta era Catholica 5 he o mefmo , com que vós da conJemnaçáo da propofiçáo de Wi- klefo tirais a contradicloria como de Fé. QuínJo huma propofiçáo heílmples, e tem fó hum fenrido obvio , condemna Ja eila , in- fere-fe como de Fé a contradi(íloria ) mas quinJo humi propofiçáo he connplexa , ou pòJe ter vários fencidos, náo íe condemna em todos juntamente : afíim heprecifo faber qual toi o lentido , em que foi condemnada , para inferir a concradií^oria delTa propofiçáo neiTe fentído fó ; e muitas vezes a contradi- íloria da propofiçáo no fcr»tido em que foi condemnada, náo he a que á primeira vifta pa- Tarde mfia. 347 parece Ter contraditória da propofíção ab- íblutamente. Perdoai, Eugcnio, que fallo a Silvio pelos termos próprios das aulas. Sih. Eftá feito : eíTe argumento do Jurieu náo He cá dos meus eftuJos : vamos á ulti- ma difficuldade , que he huma propoíiçáo de Joáo Hús 5 herege que foi condemnado com Wiklefo no Concilio de Conílança ; dizia a propofiçáo : QjiS não baina dcteryninação algU' ma da Igreja , àc queficajfem os accidentcs fem fuieito. Efta propofiçáo foi condemnada por herética na Sefsáo XV. Vede agora o que haveis de relponder a ifto. Tbeod. ElTa propofiçáo tem a mefma refpofta , que a de Wiklefo. João Hús náo queria jirovar que não ficavão os accidentes , por- que elle dizia expreífamente que ficavão com fujeito (i) ; fó queria que elles náofi- calíem fem fujeito , efubftancia de pão ; c por iílo não dizia, que não havia determi- nação da Igreja de que ficaíTem os acciden- tes; que íe diíTelTe ifto fó^ náo feria con- demnado , afiim como o não foi o Cardeal AJliaco 5 que difle iílo mefmo (2) ; mas dif- fe, que náo havia determinação de que fi- caífem os accidentes fem fujeito , no que errou ; porque fendo cerco que ficáo 5 tem a (O Lab. Tom. ló. Cone. col. 2$4.. Manevepa- pem pêji confccraiioncm ficttt ante , ^«/V? viik^ albe- dincni , rotundnatem , faporem panls , GJ* Jraãuram aitdt!. (2) Q^itoi (icciiUntia pants maneant ihi .... non ^ evidins .... «ec ab Ecclefia dítcrininatam. 348 Recreação Filofofica a igreja dersrminado muiras vezes , que náo cem fujeico. Eis-aq'ii o que baíta para rcfponder a eiíi diíicul iaJe. lilo he no cafo que João Hás diiTeTe e.ía propofiçáo , e folTe con jemnadi no Gjnciiio ; porque le hei de dizer a verdaJe, dig") que erta propofiçáo náo foi con JerniaJa pelo Concilio; porque entre trinca propofiçôes àt Joáo Hás , e qujrenca c finco de Wiklero, que íoráo condemnidas nei^e Concilio, náo fe acha efuí. Alem de que das Aclis do melmo Con- cilio coníla , que neTa lefsáo XV. em que dizeis foi con.lemnaia eiía propofiçáo de Joáo Hás, náo allilliio o Poncihce Roma- no nem por íi , nem por íeus Lenidos , como rambem náo aííiftio na fefsáo \''ni. e nel^ti? Juas fefsóes foráo conJemnadas humag duzenras e fe íenca propo-içóes de Wiklc- f o , que refere o Du-Pleiíis : donde fe in- fere, que neiTas fefsóes náo fc eílabeleceo Re^-a alguma de Fe , por náo haver ahi aílif- tencia , ou auchoridade do Summo Pontifi- ce ; e poreftacaufa dáo os Theologos com- mummenre por nullos os Cânones , que fe eílabelecèráo no mefino Concilio acerca da fujeiçáo <^o Papa ao Concilio univerfal. E ei^i refpoíta he geral para todas as outras propoílçóes de Wi vlci"o , que náo fe en- ce:-ráo nis quarenta e fmco condemnadas por Mirtinho V. Silv, Pois que \ Os Perlparericos levantáo ef- fas propofiçóes de fua cabeça ? Tb^od, Ditei: O principio de toda a equivo- ca- Tarde nona* 349 cação neftas prcporções eflá em que o Prorr.otor Fifcal tíitieceo ao Concilio hum catalogo mui grande de propoíiçóes deites hereges , ccnden^nacas pela Lniveil:dade de Oxonia 5 poncx-lhes as cenluias , que lhe parecia \ porem vós btm libeis que nem o Prorrotor Filcal , rem Vniverídade al- guma tem authoiidade para íazer Regra de Fé; e allim como pelo Concilio fcráo ccn- demnadas quarenta e finco prcpcí:çces de Wiklefo^ e trinta de joáo Eús , rodas as mais, que fe ráo encerráo nefias , não ie pôde dizer que foráo condemnadas neíle Concilio como heréticas ; e ainda as qua- renta e finco da Eulla de Martinho de tal lor- te foráo ccndennadís , que febre nenhuma determinadamente cahe a ceníura de herfticãy porque íoráo todas juntas condemnadas ; ca cenlura que fe lhes poz , foi que algumas eráo heréticas, outras erróneas, outras cfFcr^ íivas dos ouvidos pios , &c. \'ede vós ago- ra como da condemnsçáo deitas quarenta e fmco propofçces íe } óde inferir, que a de que tratamos , ou outra alguma íeme- Ihante , foi de:erminadam;eme condemnada por herética. Silv, Eftá feito , eu me dou por ratisfeito defta dificuldade , vam-os a outra matéria, Theod. r^cixai-mie fazer hum. epilogo para Eu- génio. OsModernoS; Eugénio, dizemque na Euchariftia flcáo os accidentes do modo que VOS expliqtjci , oquehe coula aftnra- da '? agora quererem provar com os CmcU lios , 35*0 Recreação Filofifica lios, econdemnaçóes de hereges , queficáo os acciJences Peripaíeticos , e que a nolTa doutrina he errónea, e labe a hcrella , he muica paixão. Ultimamente advirto , que he doucrina do Padre Saguens (i) 5 que fe funda na de S. Gregório (2) , que fendo certo fi- carem as efpecies de pão ( prelcindindo de íyítema elpecial ) , com tudo não he deFé> e aílim conforme efta doutrina , fe alguém dilTeiTe , que no Sacramento náo ficarão os accidentes de modo algum , illo he , que a Hoília não tinha cor de páo ;, nem fabia a páo , Scc. mais depre tia o mandariáo para o Hofpital como cego , ou doudo , do que para o SantoOfiicio como herege i c todos os argumentos , que vos puzcrem , além dos que ficâo tocados , fabei que náo fazem para o ponto ; porque fe forem Concilios Geraes , ou que façáo regra de Fé, fó de- termináo o que fica determinado por eíles que tratamos i fesáo condemnaçóes depro- pofiçóes , tem a mcfma refpofta que as paf- fadas ; e a náo fer allim , affentai que ha alguma equi vocação , porque he ponto efte viiio mui de vagar , e examinado com cui- da- (1) Accid. proílig. q. j.art. 1. num. 12Ò. pag, ^2) ProfiJío li(]uet (juocf fides illantm rcrum at' gumentum ejl , quje iippcrere non poffiint : (jaje tnini apparent , jani fidevi non habent , fed agnitionem, S. GreZ' hom. 2Ó. fobre as palavras doApoíl. E/Í ontem fides fperandaruni fubjhnlia rerum , argumcf^ mm non apparent ium. Tarde nona. 35"! dado por homens doutos , e iimor?ios. E vós 5 Silvio, íe depois de nos spanarn-.os , tiverdes mais alguma difficuldade , ou fe quizerdes ver titã quciUo tratada com to- da aexacçáo, ItÒQ os excellcnies livros áo Padre Joáo Baptifta , \çò.q o Saguens no feu Tratado AccideintA ^rofligata , lede o Na- xera , lede o Fortunato de Brixia ca edi- ção de 1745. e ainda melhor a de de 1749. lede os livros do Barbadinho , ou do novo Meihodo 5 e os cxcellentes papeis , que fa- hírão em lua defenfa , e achareis grande par- te do que tenho dito , e ainda muito mais , com que ficareis inieiram.ente íatisfeito: aílim como muitos , que eílavâo táo for- tes, como vós 5 aos quaes hoje já náo em- baraça efta difficuldade. E íe vos fizerem dif- ficuldade os accidentes eipirituaes da alma, ou os feus aclos , tende o trabalho de ler os noíTos livros de Theologia , eMetaf-yfica fobre efte ponto, e achareis dous íyílcmas diveríos ambos bons , porque não cftou a^ora com paciência de vos explicar Theo- logia 5 nem Metafyíica , nem a occafiáo per- mitteiíío. Agora vamos até ao jardim , por- que a tarde jà tem refreícado , e tem fido baílantemente enfadonha , porcaufa de tan- ta contenda. ^ug. Para mim tem íido ainda mais diverti- da do que as antecedentes y porque gófío incrivelmente de tudo o que me dá inítruc- çáo , pjincipalmente quando vejo que ifto me pôde fervir em muitas occafices. Va- mos 35'i Recreação Filofofica mos agora ao paffeio, mas não larguemos a matéria da converfaçáo. Silv. Não venho nilío; agora demos tregoas ao juizo , porque as cabeças náo são de ferro; defcancemos hum pouco, e depois entraremos adiíputar fobre a outra difHcul- dade, que náo he menor. Tbeod. Em tudo difponde de mim como for volTo gofto. Vamos por efta rua , que eftá agora mui cheirofa, por caufa das muitas flores , que a reveftem. SEGUNDA PARTE. Trata-fe da fegunãa dlfficuldaãe contra. o fyjlema Moderno acerca da alma dos Brutos, §. IV. ExpUca-fs em que confijle a alma dos Brutos, Eug. A Qui eftava o fitio bem accommo- /-% dado para a converlaçáo , fe vós, Silvio, achaíTcis quejá era tem- po : corre huma frefca viração, as avezi- nhas com o fcu canto , as flores com o feu cheiro, o fufurro das arvores, que bran- damente fe movem , o murmurinho das aguas , que nefta fonre cíláo correndo, quafi que nos obrigáo a náo nos apartar- mos de hum tão agradável lítio. Sih, Oficio fim eftá convidando para acon- ver- Tarde nona, 35^5 verçáo , mas o tempo parece-me que he poii-» CO para Te Jeb:icer o outro ponto, que eu tinha determinado 5 porque he mui ^rave, e vós tendes que ir ainda hoje para voila cala. Eug. Para iíTo huma hora me bníla , todo o mais tempo , que reíta antes da meia noi- te, o podemos empregar ncila quefíáo. Sih. Por mim eftou prompto. A outra diííi- culdade he acerca áà alma dos brutos ; por- que fe os Modernos não admictem íórma alguma material , que íeja diítincla da ma- téria, náo podem conceder a alma aos bru- tos. Theod. Eu fazia tenção de tratar eiTe ponto no feu lugar, quando iallalTe dos viventes (i); porem eu náo tujo ao inimigo 5 quando elle me accommette. Que dizeis vós, iJilvio, áà alma dos brutos ? 5"//^. Nós os Peripateticos dizemos, que a alma dos brutos he huma entidade material diílinda de toda a matéria , que vivifica os membros do bruro, e que governa to- das as íuas acções com aquella ordem , e induftría, que admiramos. Eu^. E que he a alma dos brutos na fenrcnça dos Modernos ? Theod. Na opinião dos iVíodernos a alma dos brutos confiíle nos cfpiritos animaes , que difcorrendo pelos membros do bruto , os ani- máo , e governáo. Eug. Que chamais vós crpiritos animaes V Tom. II. Z Thíod. O Tom, V. Tard. XXII. §. I, 35*4 Recreação Filojqfica Tbeod. São huma parre do fangiie mais fubiií ^ mais pura 5 e mais efpiritijora , que elabo- ra nocerebelo, que he huma parte da cabe- ça , que vos explicarei noutra occafiáo (i) * Eug. Com que^ iílo íuppoflo 5 a alma dos briiros vem a fer parte do langue, ainda que mais efpirituofa? Tbeod. Aílim he , porque eíla parre do Tangue, ou eftes efpiriíos animaes . difcorrendo pe- los membios do bruto, os animáo, e re- ^em , como logo diíei. Sihj, E que fundamento ba para ilTo ? Tbeod, O primeiro he dizello a Efcritura. No cap. 17. do Lcvir. diz Deos ; Cueni caçar al- guma a^e daquellas , que he licito comer , em to- do o cafo derrame , e lance fora o Jangue ; por- que a alma de todos os brutos eji.i 110 Jangue. No meímo cap. mais abaixo diz: Não co^ mus o Jangue de toda n carnes (quer dizer dos brutos) porque ajua almaejld no Jangue, Em fim no Deuteronomio cap. 1 2. diz Deos : Ifío fó acautela^ que não comas o Jangue \ por* que o Jangue delles ( falia dos brutos ) ej}â em lugar de alma, Sil'v, A Elcritura tem muitos fen tidos : Cevos tomardes a Efcritura meramente como foa , também diremos , que a alma dos brutos he efpiriro. ( 2 ) Tbeod. Aflimhe; mas a torrente commua dos Pa- (0 Tom. IV. Tard. XX. § ITT. (2} Quis novtt , Ji fpiriíns fUtorum Àdtim afcen- êat fiiriom , t^ JfHrhiiJ jumentontm de/ccnàat deor- Jum i Ecclef. 3. y. ai. Tarde mna. 35'5' Padres 5 e mais Interpretes fempre gmrdáráo relpeito ao íenrido literal , e obvio da Ei- critura , de forte que he Canon eftabtlccido por S. Bafilio , Tcrtulliano , S. Jeronymo, e Santo Agoíiinho, e geralmente recebido pelos melhores Interpretes, e Theologos, que rratáo deíla matéria (i), que íempre devemos rumar as palavras da Elcritura na fua própria fignificaçáo, em quanto náo hou- ver huma razáo vehemenre , que nos obri- gue ao conrrario ; razáo digo láo vebemen- le , que nos obrigue a ilTo ; e não bafta qualquer razão , que nos pareça forte , por- que de outra forte fcmpre a Efcritura di- ria o que nós quízelTemos , e náo o que o Efpiriío Santo por ella nos quiz revelar; nem haveria argum.ento algum contra os he- reges tirado da Ffcritura , principalmente contra os Calviniftas, Socinianos , Luthera- nos , &c. porque aos lugares terminantiííi- mos da Efcritura refpondem, entendendo-os no fentido metafórico 5 e figurativo. Quan- do a Efcritura chama efpirito à alma dos brutos 5 ha razáo vehementiílima para náo entender a palavra Efyirito em todo o rigor; poílo que alguns feguem , que a alma dos Z ii bru- (i) Salnieirão prologom. IX. quinquagen. i. can. 2]. Tdurnely difput. prcevia quxft. 4. de locis Theologicis de blcriptura Sacra reg. 4. Tho- maíTinus cap. 7. de Prologom. Theolog. §. 17. Lamy Apparat. Bibiic. lib. 2. cap. 8. rt^. a.Beiiarm. tom. j. de Controveifis controv. 3. lib. i. cap. 9, controv. 2, cap. 4, 35^6 Recreação Filofofica bruto? heefpiritual , como vos drrer , falTán- do depropofito dos vivcnLCs (i) ; mas para náo entendçfr no íentfdo literal os lugares que vos cirei , náo ha razão evidente , como vos moftrarei ; e adverti^ que náo barta qual- quer razáo 5 que cada hum finja rer , para náo dar anca aos hereges , principalmente quando os Padres entendem eíles lugares no fentido rigorofo , e literal. Se lerdes a S. Bafilio, (2) vereis como clariílimamente diz, que a alma dos brutos, conforme o que diz aEfcritura, he fangue; e porque o fangue fe converte em carne , e acame em rerra , aíiirma que a alma dos brutos cm certo modo he terra. Ora dizei-mc fem pai- (0 Tom. V. Tard. XXIT. § I. (2) Ho!T!Íl. 8. in Hexamer. explicando aqiieílas palavras ; Educai terra ammam vivcntem , diz : Citr anhnavi viver tem telltif educJt ? ut (juid J:t inter anl" Ttir.m jawenii , cr (rnimum homlnls difcas : at anima cuidem honiinis paulo pofi (juomcdo aheat , fcies ; nunc Ínterim cudl de /inlmantitmi únima raíicne non pr£- ditoriun. Cuni juxta qiiod fcriptum ejl anlmalis cm" nis í:nitva fan^uis f.t ipfMS ^ fatiptis aiiteni coaâus in icrram juapte nafnra vtrtatur ; Cf.roqtie corrupta in tcrrtvn rejclvi folcat : viortuiim qnid óptimo jure e(l íinima jumcntorrnn. Igitur animam terra vix>entem cducút. Vide confcguentiam oríiincir.qus , anlm^e ad Jartgirnem f Janfiuinii ad carnem ^ camis ad tctrani: contra fado reidiitrne per cadem retreditur à terra in carncm , /; carne in fav.^uincv} , à fan^nine in ani- jnatn ipjain , ^jumentovntn animam inveneris teream Tarde nona. ^^j paixão 3 fe huma alma diftincla de todi a m.^teria íe converte em carne ^ e uhima- menre em terra ? Silu. O Santo fóquíz dizer, que a alma dos brutos era lajeita á corrupção. No que nós concordamos. Tbeod, O Santo fim quiz dizer ilTo , mas pro- vou-o com o mais que eu di^o : prova que he fujeita á corrupção , porque , coníor?- nie o que diz aEfcritura, he iani^ne, e o Jangue le converte em carne, e e.n terra. Eíla meíma doutrina fegue S.-mto Aíi^ofti- nho no livro intitulado de C^g?iitione ^jsr£ ''jit£ , (i) que anda em feu nome. Diz elle , que a vida , ou alma dos bru-:os coníla de ar , e fan^ue dos animaes. Sili}. EGTa auchoridade prova contra vós , pois diz, que a alma confta de ar, eo ar não he iangue. Tbeod. Amií^o Silvio , o Tangue onde eíli- verem mifturadas partículas de ar , não dei- xa de fer íangue ; nem a agua, onde eí- tiverem miíluradas particulas de fal, (co- mo he a do mar) deixa de Ter agua. Silv, Além do que, eíTe livro não he ver- dadeiramente de Santo Agoliinho. Theod. Náo íerà ; mas ou he dcUe , ou de ou- tro Efcritor antigo, pio, e douto , pois le equivocarão as íuas obras com as do San- to , e aíTim fempre tem fua auchoridade , ao menos para provar , que elTa opinião não he (i) Cap. 5. Vila hratoriim e(l fplntià vhulli çopjUns de asn , 25* [an^uim animalli , O^c, 5 5" o Re cr edição Filofofca he ráo nova, e tão ridiciila , como alguns Peripareticos dizem : o que Te confirma bem evidentemente com o que Santo Agoftinho ciz em ouiro livro , que certamente he Teu : (i) Por ^ventura (diz o vSanto) fs dizemos ^ que a alma dos brutos ejlà nofnngue y />or i[fo taremos de dizer , (jue no fangus ejld a ahna do bomem } Por nenhura modo. Silv, Ahi náo diz o Santo , que a almi dos brutos eftá no Tangue , mas íòmente , que fe ertiver no langue; nío fe fegue que o mefmo fe lia de dizer do homem. De mais , que Santo Agolhnho aiíim nelTe lugar , cc- mo no livro contra Adimanro, manifelta- menre diz , que náo fe mcnQ na queíláo da alma dos brutos ie eítá , ou náo no fangue 5 e interpreta em feniido figurado os lugares da Eicritura, que vós citais; e hum dia deíèes li num Peri pai eriço , (juí a S. Baftlio , nem a Santo Agnf:inho nunca lhes ya[fou pela imaginaçh tal defpropofito. Tbeod. IlTo tem pilhas de graça , depois de vos ter m.oftrado o que evidentemente d;z S. Baldio ; e no que toca a Santo Agofi:!- nho , tomara eítar agora na livraria, para que lelTeis o lugar que vos citei ; e acha- ríeis , que o Santo aqui nefte lu^ar náo duvida que a alma dos bru:os elieja no fangue ; fomente repara cm que a Efcri- tura neftc lugar diga geralmente , que a alma de toda a carne ejli no fangue ; e òc^-' te modo comprehende também o homem , cu- (O Q"^**^'^' ^^ Heptateuc. q. 57. fup. Levit. Tarde nona. 35'9 raja alma não eílá no fangue. E para re- fponder a iíto, dá trcs refpoílas , ludo por caufa da Eícricura fallar com huma pala- vra, que também involve o homem i por ilTo o Sanco claramente diz, que íe fa liar- mos fó dos brutos y e dilTermos , que a fuaalma he l":ingue , que neiía queftáo não ha para que trabalhar , mas fó em que a alma do homem náo feja lanj^ue. Quando fordes para cafa, \çáQ a queftáo toda, que he pequena , e vereis fe he afiim , como eu dií^o. (i) Sih, Mas nunca o Santo diz pofiiivamence , que a alma dos brutos hc lan2;ue. Tbsod, Allim lerá ^ mas vamos de vagar : pri- mei- (i) Num qivdnam fi animam pecoris fàngidnem itcimn$ , etiam anima hominis fano^ats piiianJa eíl í Ahfit, QjiomoAo eigo non ait. Anima omnis carnts pecoris jan^uis ejiis e(l , fed anima , incjnií , omnis earnls Jantais eias cfl f In omni ittiqne carne etiam hominis caro dci)utatur, An guia viiale aliguid e/í irt fans^uine , {jitla per ipfwn maxime in hac carne vi- vittir , (eis-aqui a primeira refpofla ) .... folet etiam res , qt^-e /ignificat ejtis rei nomine , quam Ji' S^nificat , nuncnpari , Jicut Jcriatiim ejl fev.tem /pic^e , feptem anni funt (eis-aqui a fegiinda refpofta ) » . . Verwn li qnifqaam putat animam pecoris efe fangui- nem , non efl in ifla qn^ílione laheran htm, Tantnm ne anima hominis , qu£ carnem humanam vivific.it , er eil rationalis , fan^'tis pureiur , valde cavenJuni efl , íí* hic error modts omnibus refutandiis. (^'i.ercn- d£ etiam loquutiones , qiúh'is per id , quod contlnci , Jignificetur id , quod contin^uur ( eis-aqui d terceira relpoíla. ) 3^0 Recreação Filosófica rneiramenrc asp.''lavr3s do Santo sãoeílas: Ss dizetnos que a alwa dos brutos bejaugue y e náo merameme : Se àil^írmos , e \ ai grande diíFcTtnça enrie 2 palavra / (O porque ahi fò quer, (1) Lib. contr. Adim. Alanich. difc. cap. 12. De CO , quod fcnpium e/í , non ej/e wanductuidum Janguinem , quod anima fit carnif fanguis. Huic len- tenti^ .... Al.iniclijei .... ill/(d oppcnunt .... /i Jíin- giiis anhna e/i , qtioinodo houiinei poteluitew in eum non hahent . . . Additnt eilam . . .Ji fiwe^itls efl (tniwa mdh ir.venieittr anima pofje re^num Deo íiêlpifci. Clã ctílumn/a: primo refyondendum efl , ut ip/i cis^an (juoà fcriptum e(i fanguxnem pecoris oiúmam ejiit ejjc pi'i€ter Id t (juodjnpa dixi y non ad me per tine re tjuid íigatitr de pecoris anima , poijum etiam inierpre- tari prx^ceptnm illud in /ignn eije poflium, Nân enim Doinimis ditbitavit diceret Hoc eíl corpus nieum , ccim /ignam daret corporis fui. Logo aííim como eíle final do corpo de Chriflo era junto com realidade (cnmo fe deve dizer para não dar arcjumento aos Zuiriglirtas) : também o final da alma náo he pu- ;') fmal vallo de ttida a realidade. O que concor- da com a doutrina do mefmo Santo (lib. 8 ?. quacfl.) Citm res fdl\£ ailto^oriíantur , %^í^-^ ''^' jidem ncn ítmiictnt. (2) Aug. lib. 85. Qu.TEÍl. quKÍl. 54. Nairc in^ 362 Recreação Filofofíca forçofamente havia de aííentar que hc corpo. Silv. Eftá feito; já cftou enfadaJo de averi- guar elTe ponco , porque ahi ainda h:ivia muito que dizer : íómente tomara faber comj relpondeis a Sanco Thomaz , que expreíTamente diz, que he erro julgar que a alrni he hum corpo, que coní^a de par- tes fubtilillimis (i) . Tbsoi. Santo Thomaz ahi não impugna a nof- fa opinião, porque não talla da alma dos brutos em particular , mas da alma cm commum ; e le eu diíTelfe, que alma ge- ralmente era hum corpo, dizia hum erro, porque aqui envolvia também a alma do homem , que he eípiriíual , e ifto he o que condemna Santo Thomaz i aliim como Smeo Agoftinho repara em fe dizer geral- mente, que a alma de toda a carne he Tan- gue , como alTima moftrei. SiH. Ora eítá bem , não me he neceíTario canfar-me comiíTo; quero-vos conceder tu- do de barato , para cjue vejais a minha liberalidade: quero que os lugares da Ef- critura Te oncendáo no Tentido literal , e ri- tertm ratio comperit nihil inter corpus , ^ animam çán meramente mate- rial , a qual náo confiíle lenáo em que á alma do bruto , ( íeja qual for) que rc- Tarde nona. 569 ííde principalmente no cérebro, Te lhe fa- ça prefenre o toque , que le íaz cá fóni nos fentidos externos ; e por efte modo lambem le lhe faz prefente o objedo, donde fe originou eíTe toque, v. g. a cor, o cheiro, a vara, com que lhe dáo , òcc. Por hum femelhsnte modo he que fe faz em r.ós a fenfaçáo ; porque eftando a nof- fa alma efpirirual principalmente dentro do cérebro, tem noticia das imprefsõcs, e lo- ques , que pelos objc(flos externos fe fa- zem nos fentidos exteriores ; e eíta noti- cia interna , ou efíe fazer-fe prefente á al- ma o toque do objeílo externo , e poc efte modo também o objedlo , he que eu chamo fenfaçáo ; em nós he hum movimen- to dos órgãos do cérebro , acompanhado do movimento efpiritual da alma ; mas nos brutos náo pode haver o movimento da al- ma 3 porem ha eílc movim.cnto dos órgãos do cérebro, e da alma material. Ora ifto fuppofto , infiro que todas as vezes que á alma do bruto , ( ícja qual for ) eftando den- tro delie , fe fizerem prefentes eíles toques , movimentos , ou impreísócs , que fe fazem cá fora nos fentidos exterioies , ha fenlação do bruto. Que dizeis, Etigenio? Eug. Concedo i mas como fe pôde fazer iíío? Theod, Defle modo. Havemos de faber , que , como enfma a Anatomia , de todos os fen- tidos exteriores vão nervos ao cérebro , e por eftes nervos fe movem os tipi ri tos Tom. II. A a ani- -^jo Recreação Filofofica animaes; e aííim toda a impreísao, que (e faz nos fenudos exteriores , ahi move os nervos 5 e oselpiritos animaes, e efte mo- vimento lecommunica are ao cérebro, co- mo o movimento que faz na aí^ua huma pedrinha, fe communica a ioda a agua , qiie eftcí no tanque. Eug. AíKm o períuade a r.izáo. Tbíod. Agora concluo : Aos eípiriros animaes, que eítáo noccrebro do bruto , íe commu- nica , e faz prefente todo o movimiento, que fe faz cá tora nos íenriJos exteriores; iífo mefmo he que nós chamamos ienfaçáo : logo com verdade fe pôde dizer, que os brutos Tentem. Eug. Efte difcurfo , meu Doutor, ajufta-fe com a razáo : eu cuidava que os Moder- nos diziáo 5 que os brutos náo fentem , por ilTo eu vos dava razáo a vós. SiliJ, O calo he , que muitos náo tem pejo de o dizer claramente. Thcod. Aílimhei mas na realidade todos vi- mos a dizer o mefmo; porque todos dize- mos , que a alma dos brutos confifte nef- les efpiritos animaes ; que a fenfaçáo em nós íe forma do modo que já dilTe i que á imprefsáo , que fe faz cá nos fentidos exteriores, lá fe comimunica pelos nervos are o cérebro i com que toda a difíerença eftá err, palavras , que huns chamarão aiítofen-- façáo , outros náo lhe darão efte nome , por« que náo heccmo a que cm nós experimen- tamos. Ora d^qui bem fe infere, que os bru- Tarde nona, ^yt ^ briítos hão Je ter dor; porque eíTe roque ^ que fe lhes íaz nos lentidos excernos , ie for violenco , já a fenfaçáo ha de fer dtía- gradavel ; e iílo he o que fe chama dor. Eug. Derta diíHculdade já eilou livre. Sil^v. Pois en náo : tendes ahi dito muiia cou- fa falia: primeiramcnre , que a nutTa íen- façáo não íeja como a dcs bmros hc doutri- na , que tem terríveis coniequtncias. Por- que fe no homem a fenfaçáo he juntamenre material , e elpiritual , temos no homem duas almas feniitivas ; huma n-iarerial , co- mo a dos brutos i outra efpirituaii e fc concedeis ilTo • . . . Tbeod. Efperai , náo vades adiante. Pois vós duvidais que a fenfaçáo no homem feja jun- tamente material , eefpiritual? Vós ^ e to- dos os Peripatcticos necelTariamente liáveis de dizer ido mefmo. Quando o homem fen- te , dizei-me , os orgáos do corpo , náo tem alguma acçáo^ ou niovimento ? náo o po- deis negar; que por ilTo hum homem com huma appoplexia náo lente, porque os ór- gãos do corpo náo podem trabalhar. Lo- go já a fenfaçáo he matenal. Demais, a al- ma 5 quando o homem lente , também, expe- rimenta effa fenfaçáo 5 e tem noticia do ob- jeíí^o q\]e a caufou ; pois efta percepçáo, ou noticia, que a alma eipiritual tem, he acçáo , ou aao da alma; e ifto he coufâ cfpiritual : logo a fenfaçáo do homem jun- tamente he material, e efpiritual ; pois a corpo j e alma ambos tem. acção , quando o Al ii ho- 37i Recreação Filofqfíca homem fente : por tanto , nem o corpo fó fem alma , nem a alma íó fem corpo te- ria huma fenfaçáo , como a que temos ; com cjue illo he doutrina geral para ambos os lyí^emas i feja qual for a união da alma ao corpo, que he matéria mais delicada do que vós cuidais , a leu tempo vos explicarei ; mas que ieis vós dizendo das duas almas? Sil'v. Dii;o , que fe os efpiritos animaes no bruto sáo a iua alma fenfuiva , como no homem , além da alma racional temos os mefmos efpiritos animiaes, temos duas al- mas ; e ifto he hum erro de Jacob , e de alguns Siros , contra quem eícreveo Santo Agoftinho (O 5 e daqui fcguem-fe abfur- dos pemicioíiflimos 5 e perigofillimos em matéria de coftumes , no que heneceííario ter grande cautela. Theoà Socegai , Silvio , focegai , não tenhais íuftos : dji-me atrençáo. Vós dizeis que no homem ha tle haver duas almas , porque além da efpiritual, temos os eípiritos animaes, os quaes no bruro sáo alma fenfitiva. Ora eu digo , que no homem os efpiritos animaes náo sáo alnia , sáo criados da alma. A al- ma, (deixai-me ular de huma comparação proporcionada á intelligencia de Eugénio) a alma em qualquer vivente he como o dono da cafa em qualquer ramilia ; nunca ha dous donos da cafa ; o principal he o do- ro , os demais sáo miniílros 5 e criados. No bruto 3 o principal que alli ha, sáo os ef- pi.. (1) Lib. de Dojm. Ecclef, Tarde nona, 375 píritos animaes , elles são a alma , porque eí- les governáo aquella caía interior do bruio ; porém no homem ertes efpiritos anim: rodas as fen facões íe fazem por meio de huma tal , ou qual iuiprefsáo, que fe faz nos íeniidos exterio- res, as quaes pelos nervos , e eípiritos ani- maes , que eíláo efpalhados por elles 5 fe communicáo ao cérebro. Supponhamos ago- ra que quando o bruto vio a primeira vez bumobieâio, v. g. feu dono , recebeodeUe algum afFago, ncfte cafo efle aíFago , para o bruto o perceber, havia rambem de fa- zer fua imprefsáo no fentido externo , e communicar-fe pelos nervos ate ao cérebro \ e eíla imprefsáo le havia de fdzer no cére- bro junrúmente com a imprefsáo, que cau- fava a vifla do dono ; com que temos , que o veftigio, que fez a vifta do dono, e o <]ue fez o affago , fe imprimírào jun- tos Tarde nona, "^yj tos no cérebro. Ora fuppofto ficarem eftes veílijios juntos , quando depois o bruço torna a ver a Teu dono , excica-fc-lhe a im- prefsáo . que o bru:o delie tem no cérebro ; e como junto deite veíligio eítá o do aíFjgo 3 também íe excita eíle veíligio , e faz no bruto o mefmo eíteico que fez, quando íe imprimio â primeira vez : donde le vê, que ainda que lhe não façáo agora aírago^ o bruto fe alegra, porque fe lhe excitou o veftigio do que lhe fizerão 5 e ainda lá fe conlervava no cérebro. E rodas as ve- zes que fe excitar a efpecie , ou veftigio do dono , fe ha de alegrar o bruto , por- que fe excita o veftigio do aiFago , que eftá junto do veíligio do dono; e os eipi- ritos animaes incorrendo n'um veftigio , facilmente incorrem no outro , que eftá junto delle, e podem cftar eftes veftigios tão altamente imprelTos, que durem mui- tos annos ; e tanto tempo dura a que cha- máo memoria no bruto. Eug, E creio que haveis de dizer do aggra- vo o mefmo que do beneficio? Th6od. Sim, porque he a mefraa razão; e já aqui tendes explicada a razão , por que o cão V. g. tanto quevc a vara, com que o caftigáráo huma vez, foge. Eug, Ora dizei , Silvio, o que tendes con- tra aqiiella doutrina , fenão , paíTemos a outra coufa. $ilnj. Eu não me poíTo perfuadir de femelhan- te doutrina 7 nem fei como n*uma porção tão 37B Recreação Filofofíca lio pcq'jeia do cérebro poí"sáo caber tantos mil veiti^i:)S ,, qujncassáo as cousas de que podemos lembrar-nos ; mis como haveis de trarar efta m.iteria em feu lugar , para enráo refervo as dirRcuI Jades. Tbiod, (>jando tratarmos do fentido da viíla , vos moftrarei vifivelmence , que o homem nío diilini^ue com os olhos coufa alguma, a quil ne:Te mefmo tempo fe lhe náo pin- te lá na retina com as mefmas cores, com que os olhos as vem ; e quando de hum monte olhamos para huma Cidade , tudo quanto vemos fe pinta nos olhos com tan- ta diftinçio, quanta he a com «que vemos. Ifto náo tem queíláo , e faz hum grande ar- gumento para o que cu di^o da memoria náo parecer incrível. Quando tratarmos do fcncido da vifta (i) fallaremos. Sih, Eílá feito, deixemos iiTo , vamos ao ponto principal: vamos a ver como expli- cais as aJmiraveis operações dos brutos Já com avoTaalma, que he pura matéria. Nós, que lhe damos huma alma diílinfta Ó2 matéria , remos nifto grande trabalho ; que fareis vós ? Tbeod. Direi o que fouber. §. VL CO Tom. IV. Tard. XVI. §. II. Tarde JíOJía^ 379 §. VI. Sxplicjcfe as operações admiráveis ^ que vemcs nos brutos, Silv, \jO's^ Theodofio, não podeis nc- y gar , qiie as opernçóes dos brutos são tão ardiloías , e fagazes , que parece que excedem aos mefmos homens. Eug. ' Tal he o medo , com que os bugios pafsáo os rios, Tem moiiiarem pé^ como vi muiras vezes na America ; porque íu- bindo-fe todos a alguma arvore das mais altas, que eíiáo junto ao rio^ Te princi- piáo a arar com as caudas, eenLiçar huns com outros , de forte que fazem huma corda comprida , e fe váo embalançando de tal mo- do , que vem o ultimo a chegar á arvore fronteira da outra parte do rio , e fubin- do-fe por eJla aílima , larga o primeiro a arvore , em que fe fuílentava , e toda a corda de bugios naturalmente cahe para a outra parte do rio, fem tocarem na agua, por ferem as arvores muito altas , e os rios em paragens eíheiros. Silv, Não acho menos galanteria no modo, com que também pafiáo os rios os veados ; porque como a grande armação, que tem nas cabeças , lhes bz grande pezo , de forre que náo feria fácil confervarem as cabeças fempre fora da agua , usáo defta galante induílria : p5em-fe era fileira , e 9 3 83 Recreaçãy FiJofofica o que vai atras defcança a cabeçi fobre o onero 3 quebrai dianre , e efte no outro; aíTirn fe aliviáo codos , menos o que vai em primeiro lu^ir , porque eíTe náo tem emq'iem defcançar; porém ranto que can- cã , fe vem pôr em ulcimo lugar , e aííim defcança , ficando entretanto com o traba- lho de íer guia o que eftiva em íegundo lugar. E«£. N^as formigas fe vem acções não me- nos induitriol •»s. Theod. Toda elTa indaftria parece manvilho- fa confiderada em fi , mis náo admira co- nliecida na cíufa. Eu me explico : rodas ciTjs operações táo ordenadas nafccm da admirável difpoíiçáo de orgaos , que ha nos bruros ; a qual , pofto que em fi he paímo- ía , não admira , fe a compararmos com a fabia mão do Artífice que a formou. Todo o engano dos homens (deixai-mo di- zer ailim^ eftà em bufcar nos brutos a or- denação das fuás operações, e he engano; e tomira que rodos fizeiTem reflexão nif- lo ; porque a difpoíiçáo, e ordenação de humas para outras não eftá nos brutos , eftá no Artifice Divino , que as formou, como engenhofamente di\Te Santo Thomaz. Sílv. Santo Thomaz náo podia dizer tal. Tbeod. O feu lugar por exrcnío podeis ver nas fuás obras: CO agora dir-vos-hei a fua fub- (O t)- Th. I. 2. q. M- art. 2. Virtus moven- tis apparet in aclu mohilis ; propter hoc in oirni- bas, quae moventur a racione, apparet ordo raiic- Tarde mnã. 381 íubftancia. Diz que quando Kiim agente ra- cional move algumas couías com boa or- dem ^ ncíTas ccufas aii.m ncvicias le vê a idéa 3 e orcenaçáo de qutm as mcveo, pofto que as couias cm íi náo lenháo uTo da razáo ; por illo a letra caminha direita ao alvo, como reellativcíTe ufo da razáo , que a dirigifíe; mas na verdade a direcção veio de quem a delfcdio do arco; o meí- mo fe vê nos relógios, c outros arteíadios humanos ; e do n^efm.o m^odo que us ar- tefados fe ccmparáo á fabedoria dos ho- mens 5 fe devem comparar todas as cou- fas naturaes à fabedoria Divina ■-, e por iflb tanto nas couías naturaes , comiO nas arti- fi- nis motoris , licet ipfa , quse ratione moventur , rationem non habeant , ílcenim fagitta tendit ad fignum e ratione fagiltantis : ac li ipfa rationeni liaberet dirigentem : & idem apparet iii motu ho- roloíiioriim , & omnium > cuze in£eniorum hurra- iioium arte fiunt ; licut enim coinparantur artifí- cialia ad artem hun-.anarn , ita coinparantur onínia naturalia ad Artem Divinam , & ideo ordo appa- ret in his , quse moventur feciindiim naturam, ficut & Jn his , quaí iViOveatur fecundum artem, ut diciíur in 2. Ph^ilc. 6c hoc continoit cuod ex operibus brutorum animalium apparent cuxdam fagacitates in brutis , in cuantuni habent ordina- tionem ad quofdam ordinatiffimos proceíTus , tit- pôte a lumma Arte ordinatos ; & propter hoc etiam quaedam animalia dicuntur fagacia , non qiiod in eis lit alit^ua ratio, vel eledio; cjuod ex Jioc apparet , quod omnia , cusc Tunt ejuldeni naturK, Timiliter operaruur. 382 Recreação Filojofíca íiciaes apparece huma certa orJem cora que le movem. Daqui proceJe , que nas obras dos bruros le vem humas certas aitucias ; mas illo he , porque tem inclina- çáo natural para huns movimentos legu- íadiííimos, porque são regulados pela Ar- te Divina , e por efta r^záo al>^uns ani- maes le diz que sáo prudentes , e Taga- zes ; mas náo porque nelles haja ufo da lazáo , ou eleição ; o que le conhece , porque todos os que sáo da mefma natu- reza, obráo da mefma for:e. Até aqui sáo, pouco mais 5 ou menos 5 aspal.wras do San- to. \^ede Te he irto o qne eu dizia , que a ordenação , e proporção que ha nos movimentos dos bruros, fim apparece , c fe vè nas acções dos brutos, mas náo tem a origem nelles , mas no fupremo Arrifi- ce , que lhes regulou elTes movimentos, e por ilTo íicárão perfeitilíimamence regu- lados CO : aflim como a harmonia, que apparece nos movimentos do relógio , a direcção do movimento da fetta , náo fc ha de bufcar , nem tem a origem na fetta onde apparece , mas no Ariiíice do reló- gio , e atirador da fetta. Sih, Santo Thomaz quer dizer, que Deos fóhequemfabe os fins , a que a lua Provi- dencia dirige , e encaminha todas as cou- fas ; e por ilTo falia em todas ascouías na- tu- CO Inclinationem ad quofdam ordinatilTimos proceíTus, utpote a íumma Arte ordiniios. Tarde 7Jona, 3 ?3 turaes , onde involve os homens ^ nem qiíer dizer outra coula. Theod. Dai-lhe a intelligencia que quizerdes; elle diz , que quando algumas coulas^ que cm íi náo tem ( i ) ulo de razáo ( aqui exclue-íe o homem) quando digo, le rr.o- vem com movimentos btm ordenados , qi;e a boa ordem deíies m^ovim^entos naíceo de algum agente racionai , ccmo v. g. nos brutos nafce de Deos , que he a fuma Ar- te ; nos relógios naice do reJogeiro ; na fetta nafce do atirador, lllodizelle expreí- fiilímamente ; nem haverá quem faiba ler , e entender, que o negue ; e iito m-efmiO he o que eu digo : vamos adiante , que o mais He teimar. Sihj. Para que eílais com iíTo ; osFilofo^os fempre abominarão comoafylo da ignorân- cia recorrer a Deos , quando querem ex- plicar os eíFeitos naturacs. Theod. Alíim he ; mas ainda eu m.e não expli- quei de todo : ouvi , e eniáo vereis quão longe eftáo os Modernos de fe refugiar nefleafylo. Dizei-mevós, rr eu Doutor, a coordenação 5 e harmonias , que tem enire íi os movimentos de hum relógio, (vamos com o exemplo de Sanro Thomiaz) náo he bem admirável? elle íignala as hoias, os minutos , os dias do mez , e fe quizercm , pôde moílrar o anno : ellemoftra tudo ií^.o aos olhos, e aos ouvidos , e ás vezes ao ca- (i) Licet ipfa , qii?e ratione iroventur, ratio nem non habeant, ó, Ihcmax. n» litgnr citudo* 384 Recreação Filofofica tatflo: todos os feus movimentos fe regu- láo pelo movimento do Sol , fendo efte tão dilèante, e tão vario. Ora fe nunca fe tivelíe viílo relógio no mundo , náo ha- víamos de palmar , vendo como todos aqueiles movimentos concordaváo , e íc a)uíl:.iváo do mefmo modo 5 e talvez me- lhor, que fe foíTem movimentos de viven- te racional i Silnj, Xáo tem dúvida. Tbeod. E mais agora q'Je fabemos que tu- do eftá no artificio , e na diípollçáo das partes do relógio; vendo eílr.s coufas, ad- miramos, náo o relógio 5 mas a engenho- fa máo 5 que o fabricou ; de forte que os movimentos do relógio nafcem da mol- la 5 ou do pezo ; mas a ordenação 5 a har- monia , e proporção, que admiramos nef- les movimentos , ellá no artificio do re- lógio, e nafceo do Relogeiro , que dil- poz as rodas com aquelle artificio. Toma- ra agora imprimir-vos na alma efta com- paração, e diftinçáo para a terdes femprc preíente ao entendimento. Aílim fuccede nos brutos; os movimentos procedem da al- ma ; mas a ordem, que ha entre elles , pro- cede do artificio que ha nos órgãos do bruto, ordenado, e difpoílo pelo Artifice Divmo: Ioíío aílim como attribuimos toda a harmonia dos movimentos do relógio ao artifice , aííim também havemos de attribuir toda a harmonia, que ha nos movimentos do bruto, ao feu Artifice, que hc Deos. TarJe nona* 355* ill^o. Aílíni lie; mas nos brutos vemos cof- ias muito mais admiráveis. Tbsod. Náo duvido; mas rambem ha máqui- nas muito mais admiráveis , que o reló- gio 5 nas quaes tudo fe faz por artificio , e dirpofiçáo da matéria. Se vós , meu Doutor , nunca o tivelTeis vill:o , e vos dif- lelíe hum volTo amigo : Eu atrevo-me , fem abrir a boca , nem algumas das pelfoas > que eftáo comigo , a fazer cantai nefta cafa todo o papel , que quizerem , corti todas [as cadencias , pontos , e afhnaçóes que pedirem , e iito na voz que quize- rem , branda, ou forte, cm tom. aho, oti baixo ; ou com muitas vozes , ou com huma fó ; finalmente tudo quanto quizerem na matéria de fcm , farei. Se (digo) alguém vos dilíelTe iíto , poderíeis crer que cabia tudo no artificio, e dirpofiçáo da matéria? Certamente náo, em quanto o náo viíleis. Pois ifto vemos cada dia , que faz hum órgão. E mais he certo, que toda adirpo- fiçáo deites movimentos eílá no artiíice , que formou a máquina ; e huma vez fei- ta , náo ha que pafmar dos íeus efrcitos, fenáo da fabedoria doorganeiro, que for- mou o orgáo. Silnj. Aííim he; mas iílo tem huma grande diverfídade 5 que elTas máquinas íempre fa- zem o mefmo , e os brutos fazem acções diveríiííimas. Tbsod. Direi: Huma coufa tenho obrervado* nos brutos ^ e já Santo Thomaz reparou Tom. li. Bb nií- 386 Recreação Tilojofica niiTo, e he 5 que todos da mefma efpecié fazem íemelhanres obras. Exemplo: os bo- gios ( fallando do modo ordinário ) fazem lemelhinces gilanre: ias , os cães lemelhan- tes habilidades , os cavallos Temelhanues mo- vimentos, de lorte que fallando do modo ordinário , todos os animaes de huma ei- pecie , ou cafta fazem as meimas opera- ções , aííim como todas as máquinas de hu- ma cafta fazem 05 mel mos movimenros. Sili). Mas h.í alguns , que fazem operações mui diilinclas dos mais. Thsod. Também ha maquinas , que fazem movimentos, e eífeitos mais extraordiná- rios , V. g. em género de relógios ha reló- gios efpecialiiíimos ; e em género de ór- gão , ha orgáos mais extraordmarios , S ou cheirarem 3 ou uíarem de outro íenti- do ? Eu creio que náo ; porque fe puzer- mos hum ciío , que náo ve]a, nem ouça, nem fmta cheiro algum, nem-pelToa algu- ma lhe toque, náo ha de fazer movimen- to al^um defles , que admiramos. Sth. -Pelo menos, fallando ordinariamente, quando fazem eíles movimentos , Icmpre he pelo que vem , ou pelo que fenrem com outro qualquer fentido. Theod. Logo náo fazem operação algum.a , fem lhe tocarem , por quanto já me concedef- les , que toda a fenfaçáo era huma efpecie de toque 5 que fe fazia nos orgáos dos fcn- tiJos i e aííim niílo os temios também fcmc- Ihantes ás máquinas; fó com efta diferen- ça, que nas máquinas artiíiciaes heprecifo hum toque mais forte, e nos brutos bafla aquelle toque , que podem fazer os raios da lu/, ou o movimento do ar (cm que confiifô o fom) Ôcc. j mas a origem defta dif- Tarde nona. 591 áifferença eftá em que as máquinas feiras pelos homens sáo muito mais groíTeiras, que as maquinas feitas porDeos, que sáo os brutos. Sil'\), Ora he muito duro conceder , que todas eíTas acções dos brutos 5 que admi- ramos 5 procedáo da diípofiçáo dos órgãos do bruto. Theod. Faz-fe duro a quem Te não livra de preoccupações do juizo , mas náo a quem fmceramente quer conhecer a verdade , e náo tem huma coufa por im; oílivel 5 (como muitos) preciíamente , porque nunca a ouvio , ou nunca lhe deo alíenfo. O certo he , que muitas couías sáo na realidade ò^^- quelle modo ^ que nos parecia impolíivel que foíTem 5 até que a experiência nosdef- enganou. AlTentemos que Deos he mais fácil em obrar 5 do que nós em conhecer ; e que pode fazer couías , que cabendo na fua Omnipotência 5 náo cabem bem na nof- fa comprehensáo. Por ventura achais que náo cabe naiabedoria de Deos fazer huma tal difpoíiçáo nos orgáos dos biuros, que a efta fenfaçáo fe íigão eftes movimentos 5 a outra feníaçáo outros movimentos , e a outra outros ; e movimentos láo ordena- dos , e táo diverlos , como vemos ros^ brutos, de forte que nós não experimen- temos differença alguma ? Dizei ílncera- mcnte : Achais que Deos não pode fazer eítas máquinas do modo que nós dize- mos, que sáo os brutos? 59^ 'Recreação VUofofícéi Sihj. IT05 no cafo que Deos o fizeíTe, fe^ ria hum grande milagre ^ e huma obra el^upendilhma. Tbeod. E ainJa a^ora eíl?.mos em que todas as obras, que Dcos fez, e creou no prin- cipio do munJo 5 íoráo huns grandes mila- gres , e qualquer delles eftupendiífimo ? Ha rnaior milagre , que a dilpofiçáo maravi- Ihofa dos Ceos 5 e movimcnros dos Af- tros ? Náo he milagre , e bem grande, a conTervsçáo defta máquina do mundo , a dirpofiçáo admirável , que tem.os nos nof- fos melmos corpos í Quem conliderar arien- tamente o modo, com que nos nutrimos, com que nos movemos, com que fe con- ferva a noíTa vida, a geração das plantas , e mais vivcnrcs , ha de ter iito por maior mi!a.;re , do que a refurreição de miorros : m;is etlis obras náo admiráo , parque sáo muito ordinárias , c, como diz Santo Agoi- tmho (i) com o coílume fe tazcm menos admiráveis : com que ainda que rendes muito de que vos admirar , náo deveis por iiTo negar , que Deos taça de ordiná- rio hum.is obras tão eílupendas , como eftas máquin.is dos brutos. Sílv. AinJaaíhm cu náo polTo perceber iiTo: tomara que me explicaíltis por eile modo aquel- CO r). Auçf. Serm. 147. de Tempor. Miie- ra qirdcin miracula funt tct qncudie honiines nafci , ijui non e^únt , qiium pancas rc.nrrtxVje , qai er^mt , cr tanien líla mivucula non con/zJerutionc CQmpruhsn" Jo juiií j Jcd ôjjiduitíite VÍlu€lLUlt, Tarde nona. 395 aqiiellss paTmofas acções dos veados , bó- cios, &:c. de que fallámcs no principio. Tbsod. Explicar cada hiima acçáo em particu- lar he impolTivel ; aíiim como be impoffivel que fem abrirmos hum relógio digamos em particular, como fe faz eíle , ou aquelle movim.enco ; mas eílamos certos , que to- dos elles procedem da difporiçáo das fuás rodas 5 e por cila le explicáo rodos em com- mum; aíHm luccede também nos brutos. Sth. Pois explicai-me , ao menos em com- iTiUm 5 como podem nos brutos as diver- fas lenfaçces caular diverfas operações. §. VIL Explica-fe como as di^verfas fenfaçÕes causao nos brutos dii-erfos monimentoí, Theod, /^ Om muito goílo: prirreiramenre V^í havemos de alTenrar, que todas eíTas operações admiráveis dos brutos con- íiílem em certos movimentos do corpo , ou íeus membros. Silv. Não tem dúvida, Theod. Eíles movimentos também havemos de fuppôr, como coufa certa, que fe fa- zem maquinalmente , náo íò nos brutos, n^ias aindí nos homens: iíl:o he, que para huma pelToa mover huma máo v. g. náo baila querer , he prcciío que fe mováo de tal forte os efpiritos animaes, queencháo ©s mufculos , e eltes fe váo connahindo de 594 Recreação Tilofofica. de force , que puxem pelos tendões , os quaes eíl:áo prezes aos oííos \ ailim he que fe faz o movimento. "Eug. £ por onde nos conda iíío ? Tbeod, Porque aííim fe vê com os olhos , nem difto duvida quem tem qualquer luz de Anaromia; por ilTo os que tem paraleíia , por mais que queiráo, náo podem mover o pé 5 ou braço Icfo ; porque es duclos, e canos , por onde os efpiricos animaes haviáo de vir encher os mufculos , eftáo impedidos , e embaraçados ; além dilTo , fe hum homem quizer mover as orelhas , como move os deJos , por mais que trabalhe, náo o ha de fazer 5 porque náo tem mufcu- los para iíTo : logo para huma peíToa mo- ver hum membro , náo bafta querer. Eug. Mas também ás vezes move huma pef- foa os membros lem querer^ como vemos nas convulsões. Tbsod. He porque os efpiritos animaes incor- rem nelfes mufculos , c íazem todas as ope- rações precilas para o movimento ; com que he torça que fe miOváo os membros , ou nós queiramos, ou náo. Sili), IiTo náo tem dúvida , vamos adiante. Tbeod. Pois em quanto a ifto , o melmo fuc- c^ÒQ nos brutos : nenhum movimento fa- zem , íenáo medi.inLe efle maquiniímo , em quanro os eípiritos animaes incorrem nos mufculo , e os enchem , &c. Huma difFeren- ça porém ha entre os brutos , e os horriens ; e hc 5 que nos homens o movimenio dos ef- pU Tarde nona. 395' piritos animaes em ordem a eftes effeiros eftá pendente da vontade ; (prelcindo da enfermidade;, ou Tono, cu outra qualquer coula 5 que tire a liberdade) porem nos brutos, quem llies determina os léus efpi- ritos animaes para mover agora cíícs mem- bros, e depois outros 5 sáo asdiverfas im- prefsóes que fe fazem no cérebro do bru- to pelas fenfaçóes dos íentidos externos. (Advirto que náo fallo daquelles movimen- tos 5 que sáo vitaes , com.o he o do cora- ção ; fallo dcs movimentos, que chamáo efpontaneos). Eu explico iflo mais clara- mente : Nós já aileniámos , que todas as íeníaçôes do bruto faziáo Tua imprefsáo no cérebro; rambem íupponho queeílais lem- brado de que eítas imprefsóes íe fazem, porque o ob]e£ro movendo o fentido ex- terior , ba de mover necellariamjente os eípi- ritos animaes , que refidem nos nervos , os quaes em ramos tenuiííimos eftáo cfpa- Ihados pelo corpo do bruto 5 e que pelos efpiritos animaes, que refidem nos nervos , íe vai continuando eíle movimento até ao cérebro; e deite modo fe faz lá aimpreí- sáo do objecto 5 que cftà cá fora, e que nós percebemos com o fentido externo. SUn). De tudo ilTo miC lembro : continuai. Tbeod. Ora eíles nervos podemos chamar fenforios , ifto he , nervos , que fervem aos íentidos para os náo confundirmos com os que fervem ao movimento dos memíbros; porque ha huns nervos , que fervem aos fen- 39^ Recreação FiJofqfíca fentidos externos , outros que fervem fò para o movimento dos membros. Silnj. Dahi vem que ha huns eftupores , que priváo aos eníermos íó do miovimento , po- rém deixáo livre a lenlacáo : outros ha pelo contrario, que huma , e outra coulatiráo. Ihsci. Adiantemos ai;;ora o difcurfo. EiTes nerv^os todos tem íua oriij;em no cérebro , ou cerebelo ; e he de advertir , que por todos eíics nervos le movem eípiíitos ani- maes ou da mcfma , ou dediverlas caftas ; mas com grande differença , porque nos nervos fenlorios principia o movimento pela pane inferior , que eílà no fcniido externo , e íe vai continuando até á cabe- ça i porém nos nervos , que fervem ao mo- vimento dos membros , principia o mcvi- menío dos efpiritos pela parte da cabeça, e ie vai coniinuando ate ao membro, que fe ha de mover: de forte, que o m.ovi- mento dos efpiíiros, que cíláo nos nervos ieníorios , he determinado pelo obit p.ig. 37p. Borragens , as fuás jfloreií de noite tem hu- das covfas mais not azoeis. 441 huma cor , e outra de dia ^ e porque , pag. loi. Breies Pontificios ^ que approvão a doutrina dos Modernos fobre os accidences , pag. 285. Brutos^ em que confiíle a fua alma, e como obráo , pag. 352. Como fe devem entender os lugares da Ef- critura 5 e Padres acerca da alma dos bru- tos, pag. 554. Explica-fe como fentem, pag. 367. Que dilFerença tem a fua fenfação da nolTa , pag. 368. Explica-fe a fua memoria , pag. 375. A fua artucia donde nafce , pag. 380. Explica-fe a harmonia de feus movimentos, pag. 380. Bu%ina 5 porque augmenta a vós notavelmen- te , pag. 200. c y^ Ai:^a 5 forrada de efpelhos , porque mul- O tiplica os obje£í:os incrivelmente, p. 152. Calor 3 em que confiíla nos dous fyftemas , pag. 223. Experiências acerca do calor, pag. 224. Cawão de psdra , á fua luz tudo -parece ama- rello, pag. loi. Canjallo artificial , capaz de andar fete léguas por caminho plano, pag. 4c6. Canjallo , que faz operações extraordinárias, pag. 406. 442 índice Cegos 5 que conheciáo as cores pelo ta£lo, pag. 12 1. Cheiro 5 em que confiíla ^ e as fuás proprie- dades, pag. 2c6. Como fica o mefmona Euchariftia , p. 289. Concílios Ecuménicos y o que tem delinido ácer* ca dos accidentes, pag. 307. Concilio Colonienfe , o que determina acerca dos accidentes, pag. i^^o. Confonancia da mufica 5 em que confiáe , pag. 184. Cores 5 o que sáo no fyftema Peripatetico y pag. (j4. O quesâo no fyílcma geral dos Modernos , O que sáo no fyftema de Carteíio , pag. 95:. O que láo no íyftema de Newton , p. 12:;. Humas reiledem mais facilmente que ou- tras , pag. 55. Tem diverfa refrangibilidade , pag. 124. Sáo fere as cores primitivas , pag. 123. Sáo immutaveis as cores , pag. 1:51. Todas vem formadas no raio de luz , psg. 123. Apparecem , quando Te feparáo entre fi 3 pag. 112,. Dificuldade contra eíle fyftema , pag. 132. Cor branca , em que confitle no íyftema de Cartefio 5 pag. ic8. No íyftema de Newton compõe-fe djs fete cores primitivas, pag. 138- Porque he molefta á vifta, pag. 113. Purque hc própria para o verão j pag. 113. Cor ãas cotifas mais fiotaveís. 443 Cor preta, em que confifte, pag. 114. Em que coníiftem as outras cores no ryf- tema dos Carreííanos, pag. 116. No lyí^ema de Newron , pag. 125, Como reflectem os raios de cor , e como quebráo , pag. 146. e 161. Como fica no Sacramento 5 pag. 288. Cordas dos inftrum.entos muficos , porque tre- mem, quando íoão , pag. 172. Porque mudáo de tom , qusndo as apertão , ou aíFroxáo, e porque fazem fom mais grave as que sáo mais groíTas , p. 187. De qualquer corda de linho fe pôde fazer huma efpecie de barómetro para conhecer o tempo húmido 3 ou íecco, pag. 277. D T^ En/ldãâe , em que confiíle , pag. 272. JL^ Diafaneiàaàe y em que confifle no fylfe- ma de Cartefio, pag. 7g. Em que coníifle no fyftema de Newton , pag. 89. Dias y porque sáo mais claros huns^ que ou- tros, pag. 18. Como fe faz a mudança de dia em noite, pag. 18. Viífonancia y em que confiíle, pag. 184. ECOy 444 índice E ECo , como fe forma , pag. ip4. Como pôde repetir a mefma voz mui- tas vezes 5 pag. i(>5. Efpecies , o que são no rigor da latinidade, pag. :5ii. O que fignificãona boaFilofofia 5 pag. ^i^. O que são no lencir dos Padres antigos, e Elcritura. pag. ^ 15. Efpelbos 3 como refle^le delles a luz , lendo pla- nos, pag. 27. Porque muhiplicão os objeclos , quando eftáo fronceiros hum ao outro, e paralle- los, pag. 7,2. e 152. Porque eílando poftos ao Sol , viflos de huma parte brilháo , e viftos de outra parecem efcuros, pag. 25^. Porque fevènelles afigura de quem fe lhes póe diante , pag. 147. Porque citando nós fronteiros ao eípelho , náo vemos o objecto , que fica muiro de ilharga, nem fomos viftos de quem eftiver da ilharga, pag. 15c. Porque efiiando dous efpelhos fronteiros hum do outro 5 e ambos poílos aprumo, náo vemos as noíTas coftas j e porque as ve-» mos, íe ao menos hum eftiver inclinado, pag. 155. Efpelho uftorio , porque queima com facilida- de qualquer corpo, pag. 40. ES' das coufas mais rwtaveís, 445' E/pelho de Archimedes , verificado pela idca de Mr. de BuíFon , pag. 40. Efpuma , porque he branca 3 pag. 112. Ejiatua , que por cauía do mecanifmo fahio de huma piizáo , e foi preíentar hum me- moriai a palácio , pag. 402. Expericiicias acerca da luz , pag. 10. À'cerca da diafaneidade , cores, Tons, &c. Veja-fe a matéria a que pertencem. F FErro ^ porque aquece com a lima, mais que o chumbo, pag. 228- Dilata-íe com o calor, pag. 242. Figura y accidente, como fica no Sacramento , pag. 2P4. Figura^ que por caufa do mecanifmo dança- va, e tocava huma viola-, e outra, que trazia aos circumftantes o que lhe pediáo , pag. 400. Outra figura, que da prizáo foi até palá- cio, e tornou para ella, pag. 402. Flores y porque cheiráo mais eftando frefcas, pag. 209. Flutder, 5 em que confiíle , pag. 260. Foco do efpelho uftorio , ou lente , pag. 40. Fogo , porque derrete com o feu calor os me- taes , e náo as pedras , pag. 264. Fósforos , ou corpos que luzem . de noite , pag. 72. Frieiras , o que fejáo;, pag. 254. Frio 446 índice Brio , em que confille , pag. 246. Porque preierva os corpos da corrupção, pag. 259. Porque gela a agua , pag. 248. Porque a faz creícer , pag. 274. Porque fc fazem as mãos roícas em tempo de frio ^ pag. 254. Porque parecem os lugares TubLerraneos maJs frefcos deverão, que de inverno 3 pag. 257. G GArrafa de vidro cheia de agua , poíla ao Sol 3 porque queima, pag. 65. Gelo , veja-fe a palavra Ne'-ce , Gra'^j:dade , como iíca a meima no Sacramen- to , pag. 2(ji, I /Oao Huz dizia 5 que ficava a fubftancia de pão, e os accidenres na Euchariftia ; e em que fenrido foi condem.nado , pag. 34"^. 'jurieu , argum>ento que fazia concra os Catholicos 5 femelhante ao que fazem os Peripateticos concra os Modernos , pag- ?45. íris ) porque dando os raios do Sol no Prif- ma de vidro ^ formão as cores do Iris^ pag. 126. Co- das coufas jnais 7Wtavets. 447 Como fe podem formar as mefmas cores nas pingas de agua^ pag. 105. L LEnte àe njídro , as fuás díverfas caftas, pag. 64. ^ As convexas aj-antão os raios da luz ^ p. 6t,. As concavas eípalháo os raios, pag. 66. As lentes coradas, porque communicáo a lua cor aos raios, que pafsáo por ellas , pag. p6. L«% , em que confiíle no Tyftema dos Peripa- tecicos , pag. 3. Ko íyftema dos Cartefianos , pag. 10. No lyil:ema dos Newronianos. pag. 21. • Quanto tempo gaíla em le communicardef- de o Sol até nós, pag. 14- As leis 5 que obíerva na reflexão , pag. 27. A caufa da reflexão no fyíl:ema Cartefia- no , ^ pag. 4?. Ko fyílema de Newton he ou attracçáo 3 ou repulsão , p3g. 44. c 51. Experiências, que o convencem , p. 44. e 47. As leis 5 que obíerva na refracçáo 5 pag. 58- Qual he a íua caufa no fyílema de Ga- zendo , pag. 59. Procede da attracção no fyftema de New- ton , pag. 6^, Experiências acerca da refracção da luz , pag. Ó2. 448 índice M MAquhia para fazer luz , pag. 10. jMuquinas , que imiráo OS movimentos efpoataneos dos bruços, e dos homens, pag. 400. e 406. Mar ^ porque brilha , danJo-lhe o Sol, pag. 50. Matéria ethérea ^ o que Teja , e qual a figura dis fuás partículas , pag. 4. e 27. Memoria do homem, e dos brutos, como fe explica, pag. 375. N N Ei;f 5 porque congela os líquidos, pag. 249. Neve artificial como fe faz , pag. 252. Montanhas , e ilhas de novo de eltranha grandeza formadas de neve, pag. 255, o /^ Cz^?or 5 qual he a razáo, por que huns fazem v>^ os objeclos maiores, outros mais pe- quenos , pag. 165. Olho artificial , como fe forma , pag. 98. Opacidade , no fylliema de Gazendo , pag. 80^ O que he no íyílema de Newton, pag. 89. Gr- das coujas mais notaueis* 449 Orféo de artificio 5 que parecia attrahir os ani- maes com a íud lira ^ pag. 40Í» p P Aires antigos , que Filofofia íeguíráo , pag. 521. Refponde-fe a alguns lugares , em que pare- ce fe oppóe aos Modernos 5 pag. ^i^, Piromstro , inílrumcnio , com que fe conhece a dilatação dos metaes ^ pag. 242, Flatão j a fua Filoíoíia era geralmente feguí- da na Igreja , pag. 321. A lua doutrina concorda muito cem a dos Modernos 5 pag. 522» Prata , porque depois de brunida he menos branca do que em quanto eftava aipera, pag. 112. Preto 5 os corpos , que rem eíla cor , aque- cem mais facilmente poiios ao -Sol , pag. 115. A pedra preta brunida reprefenta melhor os objeílos , que le lhe póe dianre, do que fe tiver outra cor ^ pag. 160. Prifrna da 'vidro , porque íe fórmáo as cores do íris , quando os raios do Sol entráo nelle , pag. 126. Experiências do prifma^ pag. 123» Tom. lí. Ff 2«íiM- 45'o índice Q Í^Uantidade y como fica a mefma no Sacra- A^ mento, pag. 295. Quinta, conlonancia da mufica , em que con- luie , pa^. 192, R Ty Aridade dos corpos , em que confifte , X\ pag. Z-7Z, Raios de cor , o que fejáo , pag. lA^* Reflex.fo da luz, e Tuas leis, pag. 27. As íuas cauTas no fyftema de Gazendo , pag. 27. No lyftema de Newton , pag. 44. Nem todas as cores rerleclem com igual facilidade , pag. 55'. KefracqXo , e.\'plicáo-fe as fuás leis , pag. s^. £xplica-fe a lua cauía no fyftema de Ga- zendo , pag. S9' No de Newton , pag. CÒ. Refrangibilidade he diverfa nos raios das cores > pag. 124. Caufa da diverfa refrangibilidade , p. 150. tíFeitos da retracção dos raios vifuaes , 011 de cores, pag. 161, Remos 5 porque parecem quebrados , quando ertáo mertidos na agua , pag. 164. Reyuisão da Iut* he caufa dà luà reflexão ; p. 45. das coufãs mais notaxeis. 451 s Ç Ahof ^ em que conGíle, e as fiiss diver- O fas elpecies, pag. 2 15. Como fica o meímo no Sacr?menro , p. 2^3. Secco 5 em que conlilie Iti hum corpo fecco , pag. 2-71. Sino , porque dura o leu lom algum tempo depois de o tocarem , pag. i""2. Porque íe ouvem humas vezes m.ais , outras menos pa D* 1-6. Sol j porque quando os léus raios fc ajuntáo, queima, pag. 40. Porque aguenta m.ais as coufas pretas , que as brancas , pag. 11^. Porque aquenta mais de verão ^ que de inverno ^ pag. 2:53, 5'o//^í'% dos corpos , em que confiíte ;, pag. 266. Som^ em que coníifte, pag. i-o. Experiências acerca do Tom, pag. 172. Ccm.o íe digxrnde , ya c '!) Como Te formão os diverfcs rons 5 p. 184. CumiO fica o m.eimo no Sacramento 3 p. 25^1. T TFrrnometro o que he^ e porque indica os gráos do calor, pag. 240. Tradição , delia não coníla que fiquem os acci- dentes Peripateticos no Sacramento^p. ^cy. Trí- 45'2. Índice das couCas 'tjiais notav, Triíono , diíTonp.ncia mufica, o que íeja , p. i^^. TroDOis , porque fe ouvem muito depois de fulilar o relâmpago , pag. 177. V ÍV" Fados j modo com que pafsão os rios ^ pag. ^79. Veludo, porque fempre tem cor mais efcura do que as outras fedas , pag. ic^. Vidraças, porque brilháo com o Sol , vendo-le de hum fitio determinado, e dos outros náo 5 pag. :;2. Vidro , porque perde a diafaneidade quando eftá rofado , pag. 91. Porque não reprefenta os obje^los táo cJa- ramence j fe náo tem aço, pag. 158. Jíurnido , em que conllfte Ter hum corpo hú- mido, pag. 267. Porque fe dilatáo os corpos com a humi- dade, pag. 276. \Y^ik!efo náo negava os accidentes Peripa- tericos , pag. ^^4. Da íegunda propoíiçáo condcm.nada náo fe íegue nada conrra os ^^odernos , pag. ^^2. Que cenfura deráo os Padres à fua Icgun- da propofiçáo , png. ^^7. O que le deve dizer acerca de outras pro- poíi^róes deWiklcfo^ pag. 348. IN- Vi índice Dos lugares, onde fe explicao as figuras das EílaiTipas feguintes. F EJlam^a primeira, ígura I, pag. lo. Figura 2. -----..- pag. 20. Figura 3 pag. 29. ^'^^^^ 4 p?g. 55. eI5^ Figura 5. pag. .8. Fí^^ira 6 pag. 40. ^!S^^^ 7. - - - pag: 58. Figura 8. pag. 60. Figura 9. pag. 60.62. e 161. Figura IO. pag. 62. Figura II. - - . - - - pag. 65. e64. Efiampa fecunda. F F F F F F F V Tgura I. .---.- - paa. ^4. 1^'gura 2. pag. (<^-. g^ra 3. pae. 66. g'^^^ 4. pag. 97. e 126. g^'"^ 5» pag. 15^. e 155. gura 6. ^ . pag. 148. g^'3 7. p3^. ,^5^ gu''^ 8. paç. 6p. gura f?. ---.--. . pag. 70. ^/- 45'4 índice das Ejlampas. E/íawpa terceira. Figura I. Figura 2. rigura 5- Figura 4. Figura 5. Figura 6. Figura 7. Figura 8. Figura 9- Figura IO. Figura 1 1. Figura 12. Figura 13' Ih' Ig^ra r Fig ura Figura 3- Figura 4' Figura 5. Figura 6. Figura 7. Figura 8. Figura í>' Figura IO. Figura II. Figura 12. - - - p3g. 1^2. - - - pag. 164. - - - pag. 1C5. ' " - Pa^- i<^7- - - - pag. 44. - - - pag. 45. pag. 154. e 1:55:. pag. 126. e 132. - - - pas. 200. pag. 205. - • - - pag. 1^2. - pag. 226.3 e ij;i. EJlampa quarta. P^'í§- 175. I. 2. - - pag. 48. - - pa^. 48. pag. 48. e\Cs* - - pag. 49. 48. e 50. 50. e S5. - - - pag. 52. ■ - - Pííg. 55. " - - pag. 5^. pag. 12-7. e i^r. - - - pag. 128. pag. i2p. e 132. pag P3g. I '1 — /•'stani/^a I . 1 Fi