Ge ee s . . Retcee Mem eaeD aetna ATA “ eae fare nave Se 5 Renate 5 = a3 oo > o@ NS ae 7 : é 4 ? ha he yi »} ~ ' — 4 : a = { e 5 = bs ¥ ra . i ) a ie i AA ; . evn : : | = A. = { ee be i ; & 7 . - » mi aN 1 Ps J - k . ‘ = . \ i ie ‘ 7 hs e ~ - - o 4 a _ - > a 7 + = . ha . ms ; = fae - 7 - ar x ©) ~ z — : “> ob ed = > Pal 1G om mgt is Aare a 4 j ne ‘ > 1 - ¢ +e) a af a ae - re oy > ny " em ow ) ' a ' « ’ * ‘ i 4 oe > Sass Ad ; Ar) Ne 5 e x, a ell i ee i, =r : Ps a. 7 ees © my +0 } = J oe ah a ~ 9 5s — - “is ee ‘ei —_ =. > a » _ ©) ¢ ’ % ‘ _ r ar tag os eis a ¢ rad me — ‘ i . ‘ i “a y Rs 4 i une > ff . a r, ii © ‘4 so J md a. ‘ zm a ¢ ir. REVISTA BRAZILEIRA JORNAL DE SCIENCIAS, LETTRAS E ARTES DIRIGIDO POR CANDIDO BAPTISTA DE OLIVEIRA PUBLICACAO TRIMENSAL TOMO I Numero i. — Julho de 1857 RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHIA UNIVERSAL DE LAEMMERT j Rua dos Invalidos, 61 B ay anlk : ad ~ REVISTA BRAZJLETRA JORNAL DE SCIENCIAS, LETTRAS E ARTES DIRIGIDO POR CANDIDO BAPTISTA DE OLIVEIRA Aref PUBLICACAO TRIMENSAL TOMO I RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHIA UNIVERSAL DE LAEMMERT RUA DOS INYALIDOS , 61 B 1857 Bid f? er, LR. | ide? SBP Y Verevelcewts.- Tea beans } eens amrecerernt . - Pr ati $ KK ‘> a ; Me Sy sta rae ite 4 wy aT od AM Wow ts 425 x > PROSPECTO A publicacao litteraria que se da hoje 4 luz, sob a denominacao de Revista Brazileira, nada mais é que a transformagdo de outro jornal do mesmo genero, 0 Guanabara, tomando maiores proporcdes, e passando a ser trimensal. . Os acanhados limites do jornal , cuja publicacgao cessdra, n&o permittiam o preciso desenvolvimento de muitos assumptos interessantes; nem o periodo men- sal dasua apparicao dava tempo sufliciente para se pre- pararem as materias que faziam o seu objecto. A redaceao da nova Revista esta confiada as mesmas pessoas que collaboraram na publicagao do Guanabara; com a unica differenca de ficar agora commettida de- signadamente a um sé desses collaboradores a direcgao dos trabalhos concernentes a publicacéo regular do noyo jornal, com a responsabilidade inherente 4 qualidade de editor. A Revista Brazleira comprehendera , em materia de sciencias, lettras e artes, tanto os trabalhos de lavra propria, como a transcripcao de artigos tirados das publicacgdes nacionaes e estrangeiras da mesma indole, cuja leitura possa interessar ao publico. Além das sciencias puramente especulativas, ou de producgées litterarias de mero gosto, faraéo regular- mente objecto da Revista quaesquer conhecimentos de utilidade pratica: comprehendendo-se especialmente nesta cathegoria 0 estudo comparativo de importantes factos historicos de qualquer ordem, nacionaes e es- trangeiros; e das materias economicas, industriaes e financeiras, com particular applicagao ao Brazil. A redaccao da Revista acceitara de bom grado, para serem nella estampados, os trabalhos litterarios que lhe forem transmittidos, uma vez que satisfagam estes a condicgaéo indispensavel da utilidade, e se recommendem por outra parte pelo merecimento da composicao. . A redacgao da Revista Brazileira empenhara final- mente os seus esforgos para bem preencher a honrosa tarefa de que se encarregara, tanto pela importancia do seu fim, como sobretudo para corresponder digna- mente ao desejos benevolos pAQuELLE, que no fas- tigio do poder somente anhela a prosperidade do Brazil, amparando com generosa proteccao e pro- movendo desveladamente a illustracéo nacional, 0 mais seguro abono da ordem e da liberdade regrada, que faz hoje a nossa felicidade, e fara tambem no futuro a dos nossos filhos. ASTRONOMIA PHYSICA MEMORIA SOBRE A THEORIA DA ORIENTACAO DO PLANO OSCILLATORIO DO PENDULO SIMPLES, E SUA APPLICACAO A DETERMINAGAO APROXIMADA DO ACHATAMENTO DO ESPHEROIDE TERRESTRE. 1. O phenomeno do desvio progressivo que mostra o plano oscillatorio do pendulo simples, no sentido invariavel da esquerda para a direita, em relacdo a um observador que no hemispherio boreal olhar para o pélo do Norte, foi com- municado pela primeira yez 4 Academia das Sciencias de Franca pelo seu secretario perpetuo M. Arago, na sessao de 3 de Fevereiro de 1851, sendo auctor desta curiosa des- ~ coberta M. Foucault; 0 qual ssmente demonstrara experi- mentalmente a existencia do facto, sem que depois» dessa época até o presente nem elle, nem algum dos sabios tanto francezes como de outras nacoes, que se tem occupado daquelle phenomeno, houvessem achado a lei que segue no seu movimento apparente o plano oscillatorio do pendulo, _ durante uma rotacio inteira da Terra. | Ja em época muito anterior a esta descoberta o celebre geometra Poisson havia feito a observacio (em uma 1 2 REVISTA BRAZILEIRA. memoria sobre o movimento dos projectis) de que a bala arre- messada por uma peca de artilharia, em qualquer latitude boreal, se desviard sempre para a direita do observador que, collocado junto 4 peca, olhar para a trajectoria que ella descreve : facto este inteiramente analogo ao precedente. Tambem a Academia del Cimento de Florenca reclamou (por occasiao do que em Franca fora publicado sobre este objecto) a honra de primeiro descobridor em favor do fa- moso Galileo, membro daquella associacio ; o qual entre as muitas e variadas observacoes que fizera acerca do movyi- mento do pendulo, diz a referida Academia, notdra jA esse mesmo desvio, que faz hoje o objecto da descoberta de M. Foucault, sem todavia prestar entao a devida attencdo a essa circumstancia. Tal é o estado em que tomo esta questio, que passo a resolver por modo simples e intelligivel para quem tiver as precisas nocoes da geometria e da trigonometria espherica. Supponho primeiramente que o pendulo de que se trata é sémente submettido 4 accio da gravidade ou da attraccao terrestre: isto é, supponho nesta investigacio que o pendulo se mova em um meio nao resistente, ou no vazio perfeito ; e que o fio de suspensio é uma recta inflexivel. 2. Representem os tracos continuos da fig. 1 * arcos de circulos descriptos sobre a superficie da Terra, sendo esta considerada como uma esphera ; a saber: mMA 0 arco de um parallelo qualquer; MPM' o arco do meridiano “que passa por dous pontos oppostos do parallelo Me M', re- presentando P o pélo da Terra; AP o arco do meridiano que passa pelo ponto A do parallelo; e a linha recta Aa a tangente do parallelo no ponto A. As linhas pontuadas representam semelhantemente arcos de circulos maximos tracados na superficie da mesma es- phera; a saber: OMP! e OM'P! pertencendo a dous cir- * Como a nossa figura é uma projeccao sobre o plano do Equador, as rectas PP’, PM, PM’ e PA representam arcos de circulos maximos. _ PLANO OSCILLATORIO DO PENDULO, 3 culos maximos, cujos planos passam pelas tangentes do parallelo nos pontos Me M!' oppostos, e cuja interseccio na superficie da esphera tera logar em dous pontos oppostos, um dos quaes é P’, existindo nas extremidades do diametro da esphera, perpendicular ao plano do meridiano MPM. Desta construccio se segue que os arcos de circulos ma- ximos MP', PP! e M'P! sido iguaes entre si, e cada um igual a 90°; que o angulo espherico MPP'=—90", e que MP=—AP==M' P. Migr Represente A a latitude do logar da superficie da Terra designado por M; P o angulo comprehendido pelos dous meridianos MP e AP; e W o angulo formado pelos planos que passam pelo centro da esphera, e pelas linhas AP! e Aa. Ter-se-ha pois : MP=—90°—a ; APM=P ; e W=P! Aa—90°— PAP". Por uma formula conhecida da trigonometria espherica tem-se no triangulo APP! O = cosAP! cosAP + senAP! senAP cosPAP' cosAP! == senAP senPP' cos (5+P) donde se deduz a formula seguinte sen > senP V 1 — cos?» sen2P (1) senW= 3. Supponha-se que a rotacao da Terra, que na figura se representa da direita para a esquerda, isto é, em relacao ao polo do Sul, se suspende por um momento, e que no ponto M seacha collocado um pendulo simples, cujo plano os- cillatorio seja dirigido no sentido da tangente do parallelo nesse ponto. A orientacao deste pendulo ficara assim deter- minada pelo plano que passar pelo centro da Terra e pela tangente no ponto M. oa Supponha-se agora que a esse mesmo tempo existe tambem A REVISTA BRASILEIRA. no ponto M' do parallelo, opposto ao primeiro, um outro pendulo inteiramente semelhante e funccionando da mesma maneira, isto é, tendo o seu plano oscillatorio dirigido no sentido da tangente do parallelo no ponto ¥!. O seu plano oscillatorio coincidira semelhantemente com o plano que passa pelo centro da Terra e pela tangente no ponto M!. Logo a linha da interseccao dos referidos planos, isto é, 0 diametro da Terra perpendicular ao plane do meridiano que passa pelos pontos M e Ji!, prolongado indefinidamente, determinara a orientacio commum dos planos oscillatorios dos dous pendulos. O ponto designado por P! na figura achar-se-ha por tanto nessa linha de orientacdo commum aos dous pendulos; e os arcos de circulos maximos MP! M'P' representarao ~ as interseccdes dos dous planos oscillatorios com a superficie da Terra. Dada a rotacao da Terra no sentido acima indicado, 0 pen- dulo collocado no ponto M sera transportado por effeito della ao ponto A do parallelo, no fim de um determinado tempo; e pelo principio da lei de inercia, ahi como em qualquer outra posicio no mesmo parallelo, devera con- servar’o seu plano oscillatorio a orientacao que tinha no ponto da partida M. Este plano osculatorio devera por con- seguinte passar pela linha (acima determinada) de orientacao commum aos dous pendulos collocados nos pontos oppostos do parallelo M e M!; e 0 arco de circulo maximo AP! representara a interseccao desse plano com a superficie da Terra. O arco de circulo maximo PP! representara conseguin- temente a interseccio do plano que passa pelo eixo de ro- tacao da Terra, e pela linha de commum orientacao, para qualquer posicio em que se achar o pendulo no parallelo dado; ou por outros termos, pelo eixo da esphera fixa, cujo polo é P!, 4 qual darei a denominacao de esphera de orien- facdo, em relacao ao parallelo e ao ponto M, que nelle se i PLANO OSCILLATORIO DO PENDULO a) considera ; e a supponho por esta razao immovel, em quanto a Terra completa a sua rotacao ao redor do seu pdlo P. O angulo, que fora designado por W na formula (1), re- presentara por tanto para um tempo qualquer dado da ro- taco da Terra (ou para qualquer angulo P dado) o desvio do plano oscillatorio do pendulo, em relacdo 4 tangente do parallelo nesse ponto, em direccao contraria 4 que tem logar no hemispherio boreal. A construccdo representada pela figura faz conhecer que o angulo W € da mesma especie do angulo P, podendo crescer desde 0° até 360°. A formula (1) da para os 4 quadrantes da rotacao inteira da Terra os seguintes valores de W : | I NA Ir me eae gt A PASO). baa ge de IDO” P31"). he 8: oe OO? Pn tat fae aU O plano oscillatorio fara pois uma revolucao inteira ao redor da vertical do pendulo, no-mesmo tempo em que a Terra completar a sua rotacdéo, movendo-se em sentido con- trario desta, com a mesma velocidade media; isto @, 15° por hora sideral. Se na formula (1) suppozer-se successivamente Ao, € a=90", ter-se-ha o valor de W no Equador terrestre, ou no polo, a saber: : he sent Se oer W =0 O primeiro resultado quer dizer que o plano oscillatorio do pendulo nao se desvia da sua posicao inicial na direccao da tangente -do parallelo, funecionando 0 pendulo no Equa- dor; e o segundo, que dado um pendulo, cujo ponto de suspensao estivesse no prolongamento do eixo de rotacao, o desvio do plano oscillatorio seria igual ao angulo da ro- tacao: como deveéra ser tanto n’um como n outro caso. 6 REVISTA BRAZILEIRA. Com effeito, no primeiro caso a linha de commum orien- tacio existe no plano do Equador ; e no segundo é ella a projeccao do plano oscillatorio (na sua posicio inicial) sobre o horisonte. A formula (1) dara o desvio do plano oscillatorio, qualquer que seja aorientacao inicial do pendulo. Com effeito se n’um ponto dado do parallelo se suppozer que um pendulo oscilla em uma direccao qualquer, ao mesmo tempo que outro pen- dulo oscilla na direccao da tangente do parallelo , é evidente que o plano oscillatorio do primeiro deve guardar a respeito do plano em que oscilla o segundo a mesma orientacao re- lativa. Logo ambos esses planos de oscillacio devem desviar-se da sua posicao inicial no mesmo sentido e seguindo a mesma lei representada na formula (1). 4, Para tornar a formula (1) applicavel a todos os casos, ponha-se nella W-+a em logar de W; P-+-p em logar de P ; e ter-se-ha: (2) a (W) hs sen >, sen(P+p) V1—cos? >, sen? (P+p) sendo a o angulo da posicao inicial do plano oscillatorio, em relacio 4 tangente ao parallelo no mesmo ponto; Wo desvio do plano oscillatorio, contado da posicio dada pelo angulo ae correspondente 4 rotacao representada por P; p o angulo da rotacao correspondente ao desyio a, em relacdo 4 posicao inicial, tomada na direccéo da tangente ao parallelo. Se na formula (2) se fizer (=F ; € por conseguinte tam- rd ed bem p=5> Vira: sen» sen(P +2 » ( tq) (3) sen( W-- zt = V 4—cos* sen?(P+.2 ) 2 » cosP (4) cos w= Fagen Va 1—cos?> cos? P PLANO OSCILLATORIO DO PENDULO. 7 Ambas estas formulas sao apropriadas para achar os des- vios do plano oscillatorio, tomando para. posicao inicial das oscillacées do pendulo o meridiano do logar. Fazendo na formula (3) A==0, vird: | sen (W+5)=0; e W=—3 Este resultado mostra que oscillando o pendulo no Equa- dor terrestre, o plano oscillatorio nao soffre desvio algum ; como ja se mostrara no caso de funccionar o pendulo na direccao da tangente ao mesmo Equador, visto que o valor achado para W remove o plano oscillatorio para esta ultima posicao. Por outra parte é evidente que funccionando o pendulo no Equador, e na direccao do meridiano, nao poderd des- viar-se ao mesmo tempo para Léste, em relacio a cada um dos dous pdlos: e outro tanto se dira de qualquer orientacdo inicial do pendulo funccionando sobre o Equador. Observacdo.—Cumpre aqui prevenir o leitor que a orien- tacao, de que se trata na presente investigacao, é relativa ao plano oscillatorio do pendulo, endo 4 tangente do arco da oscillacdo inicial; por quanto esta devera necessariamente tomar posicoes diversas em relacdo ao eixo da esphera de orientacao, nos planos oscillatorios comprehendidos entre o ponto de partida e o opposto no mesmo parallelo. 8 REVISTA BRAZILEIRA. II Determinacgdo do achatamento de um ellipsoide de revolucdo osculador n’um ponto dado da superficie do espheroide ter- restre, pela latitude observada; e sendo conhecido o desvro do plano oscillatorio do pendulo simples no mesmo ponto, e para um tempo rgualmente dado. 5. Se na formula (1) se suppde conhecido pela observa- cio o desvio FW do pendulo em um logar qualquer da superficie da Terra, e para um angulo de rotacao P dado; é evidente que se podera determinar 2, isto é, a latitude geocentrica do ponto da observacao. A latitude observada nesse logar, que eu designarei por A! podera ser igual a%, e maior ou menor que A. No primeiro caso a Terra sera espherica, em relacao a esse ponto da sua superficie; e ne segundo caso podera ser um ellipsoide de revolucao osculador no ponto da observacdo, gyrando em torno de qualquer dos seus dous eixos principaes, a saber do menor ou do maior. Eu supporei, tratando desta segunda hypothese, que é a Terra um espheroide de revolugao achatado nos pélos ; isto é, que gyra ao redor do seu eixo menor, como os factos o indicam: devendo por conseguinte considerar-se sempre A’ >A. Nesta hypothese W devera ser considerado existir na su- perficie da esphera que passa pelo ponto da observacao con- centrica com oespheroide terrestre, e por conseguinte igual & projeccao do desvio observado, que eu designarei por W!. Supponha-se por agora que conhecido W! pela obser- vacio é sempre possivel determinar ”, sem dependencia do conhecimento de A, como mostrarei depois em um tra- balho especial: ou tome-se como primeira aproximacao W=W'; o que éadmissivel, considerando a Terra proxima~ mente espherica, PLANO OSCILLATORIO DO PENDULO. 9 Designando por @ o semi-eixo maior do ellipsoide os- culador no ponto da observacao, e por b o semi-eixo menor, tem-se pela theoria das seccdes conicas: Benes t : veep ; donde se tira —b t a (A) —o es —=ao achatamento do ellipsoide os- culador. Procedendo desta maneira a respeito de differentes pontos da superficie da Terra nos dous hemispherios boreal e aus- tral, poder-se-ha chegar ao conhecimento de um espheroide osculador, cujo achatamento corresponda ao medio dos re- sultados parciaes obtidos pela formula (A); e que esteja comprehendido entre os limites assignados por Laplace nas suas profundas investigacoes sobre a Precessio dos equi- 1 5 3 1 noxios e a Nutacao: a saber —— e —. 2 304 578 Ill 6. Considere-se agora o pendulo simples funccionando nas circumstancias ordinarias, isto é, submettido a resis- tencia do ar atmospherico. Pondo aqui de parte a consideracao das causas perturba- doras do movimento do pendulo, inherentes 4 sua sus- pensao material, e deixando 4 experiencia decidir que grao de influencia possa exercer a resistencia do ar atmospherico sobre 0 movimento apparente do plano oscillatorio; passo a fazer a comparacio dos resultados da formula precedente com aquelles que sao ja conhecidos pela observacao. M. Foucault achou, por meio de observacées feitas no Pantheon de Paris, e nas circumstancias mais favoraveis, a yelocidade media de 12° por hora (tempo medio), deduzida do movimento apparente do plano oscillatorio para Léste, e partindo do meridiano,. . 10 REVISTA BRAZILEIRA. Este resultado nao péde ser comparado com o que deve dar a formula (3), por ignorar-se 0 numero de horas que fizera oscillaro seu pendulo M. Foucault, para d’ahi concluir a velocidade media do plano oscillatorio.. Na hypothese de ter durado essa observacdo o espaco de seis horas (tempo sideral), teria sido a amplitude do desvio observado indicada por um angulo de 72° proximamente. Ora, durante a rotacaéo da Terra correspondente a esse tempo, o desvio calculado pela formula (1) ou (3), isto 6, a partir do parallelo ou do meridiano, é um angulo de 90° para qualquer latitude: donde resulta a differenca de 18°, a qual, distribuida pelas seis horas da observacao, da 3° de retardacao no movimento apparente do pendulo de M. Fou- cault por cada hora. Esta differenca péde ser explicada satisfactoriamente, considerando-a como effeito principalmente da friccdo no ponto de suspensao do pendulo, a qual deveria ter com- municado ao fio, ou arame de suspensao, um certo grao de torsio, no sentido contrario ao movimento apparente do plano oscillatorio, fazendo que este participasse mais ou menos da rotacao da Terra. M. Dufour (sabio distincto de Genebra, a quem tive a honra de alli conhecer e tratar no anno de 1836) fez diversas experiencias sobre o mesmo objecto no anno de 1851; e d’entre os resultados que elle obtivera tomarei o seguinte : Latitude do observatorio de Genebra....... 46°14 59" (a) Duracao da observacio 2", 11 (tempo medio) ; o que equivale ao angulo de rotacio de... 31°44! 12!'(P) Desvio observado do plano oscillatorio em | relacdo 4 tangente do parallelo para Léste. 25° Empregando os elementos dados Ae P na for- mula (1), achar-se-ha para o desvio calculado 24° 3! 30! Sendo por conseguinte a differenga entre os dotis resultados...’ auiecte © ayseie ne. Jeasisinione 56! 30! PLANO OSCILLATORIO DO PENDULO. il Esta differenca para mais (devendo ser no sentido con- trario) péde explicar-se pelo concurso de duas causas, que provavelmente influiram no resultado da observacao: a saber, o desvio inicial da linha de projeccao do pendulo, e o facto (confessado por M. Dufour) de haver descripto 0 seu pendulo sempre ellipses extremamente alongadas ; produ- zindo esta circumstancia um certo grao de incerteza na apreciacao da verdadeira posicao do eixo maior, e por con- seguinte na medigao do angulo do desvio observado. As experiencias feitas por M. Dufour o induziram a presu- mir muito judiciosamente que o movimento apparente do plano oscillatorio tem marcha diversa, partindo do parallelo ou do meridiano; sendo accelerado no primeiro caso, e retardado no segundo. E isto se acha de perfeito accdrdo com os resultados da nossa theoria. Com effeito, fazendo variar na formula (1) 0 angulo que representa a rotacao, ahi designado por P, entre os limites de P—=o, e P=360", conclue-se o seguinte : Primo. Que no 1° e 3° quadrantes da rotagao da Terra recebe oangulo do desvio, em tempos iguaes, augmentos sempre crescentes : sendo por conseguinte accelerado 0 mo- vimento apparente do plano oscillatorio, a partir do parallelo. Secundo. Que no 2.° e 4.° quadrantes sao esses augmen- tos sempre decrescentes: sendo por conseguinte retardado © movimento apparente do plano oscillatorio, a partir do meridiano , qualquer que seja a latitude, tanto neste como no caso precedente. OBSERVACAO FINAL, O perfeito accdrdo da precedente theoria com os factos observados podera ser d’ora em diante considerado como a prova directa, irrecusavel, do movimento diurno do nosso planeta: ficando assim satisfeito 0 desejo manifestado por Laplace nos seguintes termos : 12 REVISTA BRAZILEIRA. « *Quoique la rotation de la Terre soit maintenant établie avec toute la certitude que comportent les sciences physi- ques, cependant une prenuve directe de ce phenomene doit intéresser les géometres et les astronomes. » Rio de Janeiro 10 de Janeiro de 1853. Candido Baptista d’ Oliveira APPENDICE A MEMORIA SOBRE A ORIENTACAO DO PENDULO SIMPLES. Em o numero 5 II, disse eu, na questao da figura da Terra, que na hypothese de ser esta espherica, as latitudes observadas seriam sempre geocentricas. __ Esta proposicao, que é geralmente recebida na astronomia physica, esta longe de ser exacta, admittida a rotacio diurna do globo terrestre ; como passo a mostrar. Seja mum ponto do meridiano EmP, cuja latitude se quer achar pela observacio de uma altura, ou pela distancia zenithal de qualquer astro nesse plano (fig. 2). * Os angulos dados pelo instrumento em taes observacoes referem-se : no segundo caso, a direccdo da linha de prumo que passa pelo ponto m; eno primeiro caso, ao plano do horizonte (indicado por um elemento da superficie livre de um liquido qualquer, em que se supponha existir o ponto m): sendo a linha de prumo sempre normal a este plano, e podendo mover-se a massa do prumo ao redor do eixo de suspensao. ‘ A figura EmPO representa um quadrante do meridiano terrestre, na hy- pothese de ser a Terra espherica: sendo O 0 centro, P um dos pdlos do eixo de rotacdo, E o ponto de interseecao do Equador com o meridiano, Om um raio da esphera, mg o raio do parallelo que passa por m. A recta pontuada supponha-se passando pelos pontos h, s’ e m. PLANO OSCILLATORIO DO PENDULO. 13 Se a Terra fosse uma rocha homogenea de forma es- pherica, ou composta de camadas interiores concentricas, mechanicamente homogeneas , iste é¢, tendo cada uma dellas densidade uniforme; e fosse alem disso privada de movi- mento de rotacio, ao redor de um dos seus eixos: é€ fora de duvida que a direccdo da linha de prumo coincidiria com o raio Om que passa pelo ponto da observacao, e que por conseguinte o plano do horizonte seria tangente a es- phera nesse mesmo ponto. Tendo porem a Terra a rotacao diurna que é conhecida, a massa pesada do prumo ficara submettida (como todos os corpos situados na superficie da esphera acima supposta) 4 accao da forca centrifuga, combinada com a attraccao terrestre, cujaresultante dara por conseguinte 4 linha de prumo, que passa pelo ponto m, direccao diversa daquella que é indicada pelo raio Om: devendo por consequencia soffrer igual desvio o plano do horizonte, para que o ele- mento da superficie livre do liquido situado no ponto m se conserve em equilibrio. En vou determinar agora a direccao daquella resultante, em relacio ao raio da esphera, passando por qualquer ponto m do meridiano. Representando por g a intensidade absoluta da gravi- dade no ponto EF do Equador, e por f a intensidade da forea centrifuga nesse mesmo ponto, tem-se, como é sabido, Besaa tes [=389 Se f’ representar a grandeza a que se reduz f no pa- rallelo do ponto m, cuja latitude geocentrica Eom repre- sentarei por », ter-se-ha: f 3 fis: Ho: mq; ou sy !*: FO:EOxcos2; donde se tira )__ J 608% br 289 j4 REVISTA BRAZILEIRA. Seja pois /' representada, em grandeza e direccao, pelo segmento m/’, tomado no prolongamento do raio mq do parallelo: e seja essa forca decomposta na direccio de mn, prolongamento do raio Om, e da tangente mn/; represen- tando mn, mn’, em grandeza, as respectivas componentes; as quaes ficarao determinadas pelas seguintes equacées : —f! isa (1) mn= f! cos.= 556 emia J COS2.SEN gsen2>. (2). ann! =f? sen.=== OS oe A massa do prumo no ponto m sera pois solicitada por ires forcas differentes, a saber: a gravidade g no sentido de mo; a componente mn de /! na direccdo do raio Om, e obrando em sentido contrario da grayidade; € a compo- nente tangencial mn! obrando no sentido do pélo para o Equador: ou por esta ultima componente de /', e pela differenca das duas primeiras g—mn, que representarei em grandeza pelo segmento ms do raio mo. A resultante dessas duas forcas sera pois a diagonal ms! do rectangulo por ellas comprehendido: e com ella coin- cidira portanto a direccdo da linha de prumo que passar pelo ponto m. Designando por» o angulo sms’, que forma essa resul- tante com o raio mo, o desvio dalinha de prumo no ponto m sera representado por ¢. O triangulo mss! dara : ss! =sm tg 9; ou mn! = (g — in) tq. »; e substituindo nesta equacio os valores de mn! e de mn, achados acima (1) e (2), vira: : ce g sen2> ‘ Se Ha cos? ‘ > ou oat 289 2> 3) types (3) 9-9 578—2cos’> PLANO OSCILLATORIO DO PENDULO. 15 Designando por ¥ o angulo Ehm dado pela observacao, ter-se-ha : (4) 1 == /—o Substituindo na equacio (3) este valor de», e pondo em logar de 2cos*. 0 seu valor medio em todo o quadrante, a saber, a unidade ; vird finalmente: 6) ge 577 Esta formula fara conhecer o desvio da linha de prumo para qualquer latitude »’ dada pela observacdo, praticando duas operacoes successivas, para tirar della dous valores de », em primeira e segunda approximacao; isto é, fazendo primeiramente go no segundo membro da equagao (5); o resultado obtido dara o primeiro valor aproximado de ¢: e este valor, substituido no segundo membro da equacao, dara o segundo valor aproximado. Se na equacao (5) se fizer;/—», ou%==45°+2; vira: tg 2 __€08 (E22) cOs22. 577 577 Este resultado faz conhecer uma circumstancia impor- tante , a saber: que nos parallelos que se afastam igualmente do parallelo de 45° (+«), o desvio da linha de prumo con- serva-se 0 mesmo. Se na precedente equacao se fizer ==0, vira: (6) tang == yey oes donde se tira: o= 5) 57!! E’ este o maximo desvio da linha de prumo, o qual tem logar no parallelo de 45°. Se na equaciao (5) se puzer em logar de 2, no segundo membro, 0 seu maximo valor, precedentemente achado, e calcular-se o valor de tg.¢ para qualquer latitude obser- 16 REVISTA BRAZILEIRA. vada, comparando esse resultado com o que der a mesma formula, substituindo zero em logar daquelle ¢ maximum: achar-se-ha que 0 erro commettido neste segundo caso nao influe na determinacao da grandeza de ¢ sendo até uma pequenissima diflerenca menor que 1". Poder-se-ha portanto supprimir, sem inconveniente na pratica, a quantidade» no segundo membro da formula (95) ; e dando ao coefficiente constante (6), que ahi multiplica sen 22, a forma exponencial, ter-se-ha: (7) igep—= 10° send a! O expoente do numero (10) nesta equacio é 0 logarithmo da tq. 5! S7!, OBSERVACOES. 1.* O que acabo de expender, relativamente ao desvio da linha de prumo, é igualmente applicavel 4 depressao equivalente do plano do horizonte: de modo que a altura observada de um astro no meridiano tem, em excesso, 0 que falta 4 sua distancia zenithal , e vice-versa. 2.* Por esta occasido notarei o erro que commettem aquelles que, admittindo o desvio na linha de prumo, consi- deram todavia invariavel a posicao do plano do horizonte, isto é, sempre tangente 4 esphera; por quanto a mesma componente tangencial da forca centrifuga, que produz o desvio na linha de prumo, altera da mesma maneira a su- periicie livre dos liquidos, conservando-se a perpendieulari- dade daquella linha sobre o plano tangente a esta, para que sejam satisfeitas as condicoes de equilibrio, segundo os prin- cipios da hydrostatica. Na Illustracdo (jornal francez) de 1854 annunciou-se em termos encomiasticos a invencao de um apparelho destinado ademonstrar a existencia da rotacao diurna da Terra; 0 qual funda-se no erro acima notado, suppondo o seu auctor (M. Richard) que o plano do horizonte é independente da PLANO OSCILLATORIO DO PENDULO. 17 accao da forea centrifuga, em quanto produz ella na direccao da linha de prumo um dado desvio. Os resultados a que cheguei na precedente investigacao, dependendo de condicoes especiaes relativamente a consti- tuicao physica do nosso planeta, nao autorisam por certo que delles se faca rigorosa applicacio ao espheroide terres- tre, cuja figura nao coincide com a da esphera, segundo mostram os factos observados. Todavia, na ignorancia em que nos achamos sobre a de- terminada figura da Terra, péde-se afoutamente consideral-a como um espheroide de revolucéo muito proximo da es- phera; visto que as observacdes do pendulo, feitas em diversos meridianos e parallelos differentes, dio a relacdo entre os dous eixos principaes do espheroide na razao de 339 para 336 (Laplace, Mech. cel., liv. 3.°) Neste presupposto eu passo a fazer a applicacao da for- mula (7) na determinacdo dos elementos geodesicos, que tem sido empregados até o presente na investigacao da figura do espheroide terrestre. FE’ sabido que da comparacao de dous arcos, medidos no mesmo ou differente meridiano, correspondentes a 1°, e dos respectivos raios de curvatura, se deduzem as duas formulas seguintes, que dao a relacao entre os dous eixos principaes do espheroide de revolucao osculador nos pontos correspondentes 4 latitude media, em cada um dos referidos arcos, a saber : (mM) ——-=1—Vize 1—( ae (n) C= = 2 sen? L— (5) 3 senrl 3 an 18 REVISTA BRAZILEIRA. ab representam, nestas equacdes, 0 semi-eixo maior e 0 semi-eixo menor do espheroide osculador; sendo por con- : ~ a—b 4 seguinte a fraccao —— 0 achatamento desse espheroide: e a ellipticidade, isto é fe, D das grandezas diffe- a rentes de dous arcos de 1°, cujas latitudes, correspondentes ao meio de cada um, sao designadas respectivamente por | Bee Cumpre notar aqui que a grandeza do arco de {1° é deduzida da relacao entre o comprimento do arco medido no meridiano eo numero de graos comprehendido na differenga das latitudes extremas, ou na sua amplitude angular. Laplace faz mencaio de sete arcos medidos em diversos meridianos na Europa, na America e na Africa (aleém destes foram medidos posteriormente um na Suecia e outro na India); a saber: o 1.° no Pert sobre o Equador, por Bouguer: o 2.° no Cabo da Boa-Esperanca, por Lacaille: o 3.° na Pensylvania, por Mason e Dixon: o 4.° na Italia, por Boscovich e Le Maire: o 5.° em Franca, por Delambre e Mechain: o 6.° na Austria, por Licesganing: o 7.° na Laponia, por Clairaut e Maupertuis. Com os arcos de um grao, deduzidos de cada um destes ar- cos dados pelas operacdes geodesicas, tenlaram os geometras todas as combinacoes possiveis, sem que obtivessem dous resultados conformes: offerecendo mesmo algumas dessas combinacoes resultados incompativeis com o que ja era conhecido pelas observacoes do pendulo. Laplace, procurando achar com a reuniao de todos esses dados qual seria o ellipsoide osculador mais provavel, empregou um methodo novo de analyse em tal investigacao ; e d’ahi concluiu ser o achatamento desse ellipsoide sry, exprimindo-se a este respeito da maneira seguinte: « Cette PLANO OSCILLATORIO DO PENDULO. 19 Rt expression donne 86,26 (336,24 metros) pour l’erreur du degre de Laponie; erreur beaucoup trop grande pour étre admise: ce qui confirme ce que nous avons dit, savoir, que la terre s’écarte sensiblement de la figure elliptique. (Mech. cel. ibid.) » Empregando depois 0 mesmo methodo de analyse unica- mente sobre os elementos deduzidos do grande arco medido em Franca [10*, 7487 —9°,6738, entre Montjoui (Barcelona) e Dunkerque] achou um resultado que lhe pareceu mais extraordinario ainda, pela circumstancia de ser a medida : : 4 desse arco a que lhe merecia maior confianca ; a saber 150.6" 2 Combinando porém o arco de 1°, tomado na latitude media desse grande arco, com o arco correspondente ao Equador , achou para o achatamento do ellipsoide osculador 1 334° : 4 Tendo assignado 0 mesmo geometra 535,78 para o achata- mento do espheroide terrestre, deduzido das observacoes do pendulo, diz elle por essa occasiéo o seguinte: « Cela saccorde d’une maniére remarquable avec I’ellipticité conclue des mesures de France et de ’Equateur (Mech. cel. ibid.) » Se o grande geometra, quando assim se exprimia, nao estivesse dominado pelo pensamento que emittira no trecho precedente, no qual mostriara haver ja desesperado da ellipticidade do espheroide terrestre, elle tiraria sem duvida dessa mesma coincidencia, que to notavel lhe pareceu, a consequencia logica, que se apresentaria naturalmente a um espirito desprevenido; a saber: que nas outras combi- nacdes dos arcos medidos, cujos resultados se afastaram tao notavelmente do que achara naquella combinacao unica , alguma circumstancia importante devéra ter sido provayel- “ R= 3,™898: é a regoa que serviu de unidade a Delambre. 20 REVISTA BRAZILEIRA. mente desattendida pelo analysta, cuja influencia por outra parte desapparecéra naquelle caso singular. Esta illacio , com quanto pareca ousada, vai receber, segundo penso, a sua irrecusavel confirmacao de alguns resultados que passo a apresentar. 1.* combinagéo. O arco do Pert medido no Equador, e o arco de Tornea (Laponia), o mais refractario (permitta-se a expressao) dos arcos comparados. Os elementos relativos ao primeiro arco nao precisam de correccio alguma, por serem as latitudes extremas zero, e 3° 7! 1S. ; tomando-se para latitude media zero. * Pelo que respeita ao segundo, depois de corrigidas as latitudes extremas, pela formula (5) ou (7), deduzem-se da amplitude real do arco medido a grandeza do arco corres- pondente a 1.°, ea latitude media. Estes elementos assim corrigidos, e postos nas formulas m en, dao para oachatamento do espheroide osculador a ; servindo-se da amplitude angular do arco medido dada <6 1 por Laplace, a saber: 57! 28", 5; e 35 empregando a amplitude determinada por Clairaut e Maupertuis (57! 30" ,5). 2.* combinagdeo. O arco comprehendido entre Montjoui e Carcassonne, e o que vai do Panthéon de Paris até Dun- kerque: os quaes formam os extremos do grande arco me- dido em Franca. Sendo feitas em cada um destes dous arcos as devidas correccoes, deduzidos, como se praticou no caso precedente, os elementos precisos para o calculo; as formulas m en ~ . 4 dio para o achatamento do espheroide osculador 553" ‘ Em rigor devéra empregar-se como latitude media 4° 83! 30°45: mas a substituicao desta latitude por zero nao tem influencia apreciayel no resultado. _ = PLANO OSCILLATORIO DO PENDULO. 91 3.* combinacdo. O arco do Pert, eo grande arco medido em Franca. . Praticando como se procedeu nas duas precedentes com- binacgoes, acha-se para o achatamento do espheroide 4 osculador 353° Ora sendo admissivel , na opiniao de Laplace, qualquer achatamento obtido menor do que = (achado por Newton para o caso de ser aTerra um espheroide homogeneo) dentro dos limites dos erros possiveis nas operacoes geodesicas , demonstrada fica pelos resultados precedentes a necessidade de attender-se ao desvio da linha de prumo, na determinacao das latitudes terrestres, uma vez que sejam considerados como satisfactorios esses mesmos resultados. Cumpre aqui notar uma circumstancia attendivel, cujo conhecimento contribuira para fazer apreciar melhor a verdade da precedente assercdo. Ao arco medio de 1’, deduzido da total amplitude do arco medido em Franca, corresponde a latitude media 46°,117: e segundo se observou anteriormente, tratando-se de investigar a lei que segue o desvio da linha de prumo, as latitudes que se afastam igualmente do parallelo de 45° tem desvios iguaes, e no mesmo sentido. D’aqui se conclue que aquelle arco de 1° deduzido da amplitude do arco medido, ainda nao corrigida, deve aproximar-se muito da grandeza do que féra deter- minado, depois de feitas as devidas correccoes nas latitudes extremas, a saber, de Montjoui e de Dunkerque ; e que por conseguinte o resultado que cbtivera Laplace, servindo-se desse elemento, devéra semelhantemente dar uma apro- ximacao satisfactoria do achatamento do espheroide terrestre. Corroborarei ainda esta observacio produzindo um facto analogo , devido 4 influencia da mesma causa. Considere-se o arco de Franca prolongado desde For- mentera até o parallelo de Greenwich, cujo comprimento ip REVISTA BRAZILEIRA. total 6 hoje conhecido: sendo a amplitude angular 12° 48! 50. Ter-se-ha para latitude media corrigida 44°,973. A combinacio deste arco com o do Peru da o achatamento 4 ~ de 334; sem que a grandeza do arco de 1° soffra correccao alguma, por conservar-se a mesma amplitude do arco medido entre Formentera e Greenwich, ainda depois de corrigidas as latitudes extremas. 1 1 ! = 1 Tomando o termo medio das fraccoes oi Sonn eae peice fina hataueenta auediotaie— ee em-se 377 para o achatamento medio: ou 3), pondo 989 ,. 4 em logar de 375: Pela theoria da Lua achou Laplace, para o achatamento : 4 do espheroide terrestre , 375° No que venho de expender, relativamente 4 figura da Terra, tive por objecto nao sé justificar a applicagao da formula (5) [do desvio da linha de prumo] ao espheroide terrestre, com aproximacao toleravelmente satisfactoria na practica, como principalmente chamar a attencao dos geo- metras para esta questao de subido interesse para a sciencia, afim de que, uma vez admittidos os factos que acima apresentei (indicando ao mesmo tempo os meios de sua verificacio), hajam elles de investigar as modificacoes que convém fazer na referida formula, para tornal-a mais adapta- vel 4 figura espheroidal do nosso planeta. Em um trabalho especial, em que me proponho tratar deste objecto com o necessario desenvolvimento , compre- henderei nas minhas investigacoes a questao do estado primitivo e actual constituigao physica da Terra. Porei termo a este meu trabalho fazendo algumas obser- vacoes importantes acerca do emprego da formula destinada a dar em cada parallelo terrestre o desvio da linha de prumo, que eu chamarei desvio centrifugo. PLANO OSCILLATORIO DO PENDULO. 93 1.* Para corrigir do desvio centrifugo as alturas observadas fora do meridiano, sera indispensavel reportar cada uma dellas a este plano, por meio do azimuth observado ; e feita ahi a devida correccio no angulo que representa a sua projeccao, o mesmo azimuth servird, com sufficiente apro- ximacao, para transferir esse angulo assim corrigido ao verdadeiro vertical que passa pelo astro, ou pelo ponto observado. Nas observacées que tiverem por objecto a determinacio do tempo, nao ha necessidade de correceao alguma, visto que o resultado deve convir a qualquer ponto do meridiano em que se achar o observador: como seja na determinacio das longitudes pelas distancias lunares. a 2.° Na applicacao da formula do desvio centrifugo deve attender-se a que ella nao podera dar resultados admissiveis para um observador collocado dentro da zona equatorial, onde afigura da Terra se torna mais pronunciadamente ellipsoidal, sem que se faca nelles alguma correccao, a qual varie ao mesmo tempo com a posicao do observador. E em quanto a sciencia se nao pronuncia a tal respeito, eu proporia que, a partir mesmo do parallelo de 30 grdos, se fizesse uma diminuicao nos desvios calculados, na razao 4 ? ; 5 cd 5 r de 7p por cada tres graos que o observador se aproxima do Equador. 3." Cumpre advertir que na correccao das latitudes terrestres, pelo que respeita ao desvio centrifugo, nado se deve considerar a latitude corrigida [representada por a na equacdo (4)] como geocentrica, mas sim como deter- _ minada em geral pela interseccao do raio do Equador com a normal 4 superficie do espheroide terrestre, que passa pelo ponto de observacdo no meridiano ; ou que é a mesma cousa, com o raio da esphera osculadora nesse mesmo tempo. Rio de Janeiro, 30 de Outubro de 1855. Candido Baptista de Oliveira. ah REVISTA BRAZILEIRA. NOTA. Cumpre fazer aqui uma observacao curiosa. M. Swanberg, astronomo Sueco, auxiliado por alguns outros sabios da mesma nacio, se propoz verificar as ope racdes. geodesicas executadas por Maupertuis e Clairault na Laponia, no anno de 1736; das quaes deduziram estes sabios a grandeza do arco de 4° correspondendo 4 latitude media de 66° 20! prox. Para esse fim mediu Swanberg uma nova base, sobre o mesmo rio Tornéa, pouco differente, em posicaéo e compri- mento, da base de que se havia servido Maupertuis: e dos tra- balhos que executara, nos annos de 1801, 1802, 1803, para obter o comprimento do arco de 1° 39! 19’ 56, medido sobre um meridiano, na latitude media de 66° 20! 10" 04, deduziu elle para o arco de 1° o comprimento de 57,196 toesas. Ora, tendo o comprimento de 57,420 toesas o arco de 41° deter- minado por Maupertuis e Clairault, na mesma latitude media (differindo apenas 10'), resultéra da comparagao dos dous arcos de 4° a differenca de 224 toesas, a qual supporia um erro de cerca de 10", na amplitude angular do arco medido por estes sabios, para menos. M. Swanberg, comparando o seu arco de 57,196 toesas com o do Equador, medido por Bouguer, achou para expressio do achatamento do ellipsoide osculador na referida latitude =. KE notavel que a simples correccio do desvio centrifugo, applicada, segundo a nossa theoria, 4s latitudes extremas PLANO OSCILLATORIO DO PENDULO. 25 do arco medido por Maupertuis, nos houvesse dado uma differenca de 9! para mais, comparando a amplitude an- gular, dada pela observacio, com a que fora deduzida das latitudes corrigidas: achando nés com esses elementos a -expressao do achatamento muito aproximada da precedente. Daqui se conclue que, a ser exacto o nosso principio da correccao centrifuga, commettéra M. Swanberg para mais o mesmo erro que elle, e os proprios sabios francezes, haviam imputado para menos a Maupertuis e Clairault. E cousa sin- gular! a Academia das Sciencias de Franca galardoou esses trabalhos de M. Swanberg, conferindo-lhe a medalha de distinccao fundada por M. de la Lande! 26 REVISTA BRAZILEIRA. PROBLEMA. Determinar a latitude de um ponto qualquer do globo terrestre sendo ahi observadas duas alturas de uma mesma estrella , situada em qualquer dos dous hemispherios celestes, a saber : uma dessas alturas tomada no meridiano do logar, e a outra fora deste plano ; sendo tambem dado o azimuth da estrella, cuja declinacdo suppoe-se desconhecida. ° Represente (na figura 3) 4DB um arco do circulo descripto por uma estrella, na sua rotacio apparente sobre o horizonte do logar da observacdo; seja Do ponto culmi- nante da sua excursdo; e O o centro do circulo da rotacao diurna da mesma. A recta DO representara a intercepcao do plano do meridiano com o plano do circulo de rotacao da estrella: suppondo-se 0 arco AD==DB, sera a corda AB perpen- dicular a DO, e tambem ao plano do meridiano. Sejam pois dadas pela observacao aaltura vertical da estrella no ponto A, a qual representaremos por h; e a altura meridiana, que designaremos por H; sendo o angulo azimu- thal, correspondente 4 primeira posicao, representado por a. Trata-se de achar com estes dados a distancia angular entre o ponto De o ponto O em relacdo ao observador ; isto é, o angulo formado pelo raio visual dirigido 4 estrella com o eixo de rotacéo da esphera celeste, 0 qual passa pelo ponto O, e pelo olho do*observador. Representando por ¢ este angulo, e por A a latitude pedida, ter-se-ha 4 =-+(H—¢): isto 6, a latitude igual 4 elevacio ou 4 depressio do polo, em relaciéo ao horizonte do logar, estando a estrella observada no hemispherio do pélo visivel no primeiro caso; e tendo logar o segundo caso, na hypothese contraria. Reporte-se o azimuth a ao plano que passa pelo olho do DETERMINACAO DE LATITUDE. ri observador, e pela corda do arco ADB; e tenha nesse plano a grandeza a’. Reporte-se semelhantemente a altura obser- vada h ao plano do meridiano; e tenha nesse plano a grandeza hi. Ter-se-ha, pelo principio das projeccoes, * (1) sen a! =sen a cos h. (2) sen h==sen h! cos a’. E eyidente que os angulos a! e H—h' representam as distancias angulares entre os pontos de FE, Ke D, em relacao ao observador: designando por y a distancia angular entre os pontos A e D, ter-se-ha (projectando na esphera celeste as rectas AH, ED, AD) um triangulo espherico rectangulo, cujo angulo adjacente 4 hypothenusa (que éa projeccao da corda AD), no ponto correspondente a D, designaremos por A; o qual 6 commum ao triangulo isosceles espherico, que tem por vertice a projeccao do ponto Ona superficie da esphera, e cuja base é y- Ter-se-ha portanto no triangulo rectangulo (3)... cos y=cos a! cos (H—N’). (A)... sen a! ==sen x sen A . e no triangulo isosceles \ ated Aye Sees (D)evcorstQa g=s1gy of ede empregando neste caso a formula conhecida co aw s(S A+B\’ cos( 5 ig. —5— = Wg. 56 e fazendo a—=b, A—B. As equacées 1, 2, 3, 4, 5 resolvem pois completamente o problema proposto; e eliminando das referidas equacoes as * A formula geral ¢ sen a' cos p—=-sena cos p cos gq; na qual aéa projeccao do angulo a’; yo angulo comprehendido entre os dous planos; pe 7 osangulos formados pelos lados com as suas projeccdes. Quando se tem =p, vird sen a'—=sen a cos q. 28 REVISTA BRAZILEIRA. quantidades A, y, a!, ficara a solucdo practica reduzida a applicacao das duas formulas seguintes : sen h' — sen h cos (H — h') a ie sen h sen (H —h') sen ft (B). sxe), SEM Nye Pai ica Se, Vi —sen* a cos*h . Estas formulas poderd6 reduzir-se a uma sé, pela elimi- nacao de h!; ficando assim a fy. » expressa nos dados immediatos da observacao ; a saber, a, h e H: e vira (c) t _ 4 =(cos H cos h cosa + sen H senh ar 0 ere sen H cos h cosa — cos H senh A formula (B) devera ser conservada para o fim especial de reduzir qualquer altura observada ao plano do meridiano, nos casos em que for isso preciso. Rio de Janeiro, 15 de Outubro de 1854. Candido Baptista de Oliveira. ef ap Oy Gungsuey ap dur yy eoisdyd Prmouons Y FYTAATIO Pod METROLOGIA NOTA SOBRE UMA NOVA APPLICACAO DO PRINCIPIO DO NONIUS NA MEDICAO DAS GRANDEZAS, COM APROXIMACAO INDEFINIDA. 0 NONIUS PROGRESSIVO. Na applicacao das sciencias que tem por-objecto o estudo das grandezas de toda a especie, e das relacoes que estas guardam entre si; isto é, na practica das sciencias mathe- maticas, e das sciencias physicas em geral, é indispensayel o emprego de meios rigorosos para obter medidas precisas do tempo, do peso, e da extensao. Gracas 4 descoberta do pendulo por Galileo, e 4 ‘feliz applicacdo que fizera depois Huygens desse precioso instru- mento como regulador do movimento nos relogios ou chronometros, ficaram ha muito em completo desuso as imperfeitas clepsydras empregadas pelos antigos para esse fim: de modo que pdéde hoje dizer-se afoutamente que o tempo & medido com a ultima exactidao, ainda mesmo nas suas menores fraccoes. Outro tanto diremos da avaliacio do peso, cuja medida pode obter-se com precisao absoluta, usando do processo simples e engenhoso de produzir o equilibrio em uma balanca, substituindo-se alternadamente na mesma concha dous pesos equivalentes, por muito defeituosa que seja essa balanca. 30 REVISTA BRAZILEIRA. Pelo que respeita porém a eatensdo, considerada na sua especie elementar, a linha, nao se chegou ainda acon- seguir a precisa exaccao nesta parte, embora sejam co- nhecidos e se empreguem actualmente meios diversos de aproximacao, os quaes satisfazem na maior parte dos casos as necessidades da sciencia. Foram Pedro Nunes e Galileo os primeiros que, reconhe- cendo em épocas differentes essa necessidade, propuzeram a adopcao de meios artificiaes para medir as pequenas gran- dezas, que escapam 4 apreciacao dos instrumentos gra- duados. E neste intuito suggerira Galileo aidéado seu Prisma micrometrico; consistindo este em um prisma triangular metallico, revestido em uma parte do seu comprimento (0 espaco de meia polegada, por ex.) pela circumvolugao de um arame tenuissimo, guardando as espiras perfeito con- tacto umas com outras. Uma vez achada a relacdo entre uma dada divisao de um instrumento graduado (um grao por ex.) € 0 numero cor- respondente de circumvolucédes do arame, pondo-se em contacto immediato a aresta do prisma com o limbo do instrumento, facil seria determinar assim, com o auxilio de uma lente, fraccdes do grao tanto menores quanto mais delgado fosse o arame empregado no revestimento do prisma, E provavelmente desta idéa primitiva que partira a in- vencio dos diversos micrometros que estao hoje em uso, especialmente nas observacoes astronomicas, para apreciar pequenas grandezas, como sejam entre outras os diametros apparentes dos corpos celestes. Vem finalmente a escala denominada Vernier ou Nonius , a qual, por meio de uma combinacao simples e engenhosa das suas proprias divisdes com a graduacio do limbo do instrumento, fracciona o grdo em partes aliquotas expressas- em minutos e segundos; ou as divisoes de uma escala qual- quer em partes aliquotas das mesmas. NONIUS PROGRESSIVO. 31 E pois 0 nosso objecto na presente Nota explicar o principio em que se funda o uso do Vernier, e levar a applicacao desse principio as suas ultimas consequencias : conseguindo por este meio -chegar a uma aproximacio indefinida na medicao dos angulos e da extensio linear. Tome-se uma escala qualquer rectilinea ou circular, divi- dida em partes iguaes ; diga-se em 10 partes iguaes, por ex. Tomando depois uma extensdo igual a 9 dessas partes, e dividindo-a semelhantemente em 10 partes iguaes, ter-se-ha assim formado a escala que hoje se chama Vernier, a qual, como mostraremos no fim desta Nota, @€ uma judiciosa modificacio do engenhoso meio proposto por Pedro Nunes (um seculo antes de Pedro Vernier) para chegar ao mesmo fim. Do exemplo acima supposto deve concluir-se, que sendo 10 partes de Vernier iguaes a 9 partes da escala primitiva, a differenca entre duas divisoes de ambas as escalas é j da maior; de modo que, ajustado o Vernier sobre a escala, e fazendo-o marchar para direita ou para esquerda, elle avancara, em cada uma das suas divisdes que coincidirem successivamente com as da escala, 4, 7, % até }} de uma das partes da escala. Designando pois por m o numero de partes tomadas da escala ou do limbo graduado de um instrumento; por A! a grandeza de cada uma dessas divisoes; e A!’ a grandeza de cada uma das divisdes do Vernier ; ter-se-ha em geral : (1)..... n A'!== (n—1) A’: donde se tira: A! nv (2)... A! — Av— A equacio (2) mostra que A" se aproximara de A! tanto mais, quanto n for maior; isto 6, que a differenca entre as divisoes do Vernier e do limbo do instrumento , diminue indefinitamente , 4 medida que n cresce. on REVISTA BRAZILEIRA. Supponha-se que o limbo do instrumento é um circulo completo, graduado em 360°, e cada grao subdividido em tres partes iguaes, representando cada uma destas 20! (0 que tem logar de ordinario nos instrumentos cujo ralo nao excede a 5 ou 6 polegadas). Pondo na equacio (2), em logar de(A'—A"), 20", 10” 5!': os valores de n correspondentes fardo conhecer a grandeza da escala de Vernier para cada um desses casos, a saber: 20! 20!.60_ 9 2020" 00 n= 003.20 10! 20 OO n= 1203.40 py 20 20) OO n= 2403.80 yp oe 2" OP n= 1080—3.360 Vé-se pois que, segundo a applicacao que se faz do prin- cipio em que se funda o Vermer, sera 1''4 a menor diffe- renca que podera dar a escala maxima, correspondente a 360°; na hypothese de ser o limbo graduado de vinte em vinte minutos. Mostremos agora como é possivel formar sobre esse mes- mo principio escalas analogas ao Vernier ordinario, por cuja combinacao com este se obtenham successivamente as diffe- rencas de 20", 20, 20%, ete. Para esse fim supponha-se por um momento que a cir- cumferencia do limbo do instrumento se rectifica, e que a sua graduacao se repete indefinidamente sobre o prolonga- mento da linha recta que a representa; o que é admissivel. Dado isto, a equacao (2) fara conhecer, como se praticou NONIUS PROGRESSIVO. 33 ~acima, os diversos valores n, correspondentes 4s differen- eas indicadas: e ter-se-ha ! i! 60 apr 2°! — 201.60 ‘ n—60 n n ! Wt EOP sae 90" 20! __ 20 .60 ; a is 60. n n ! 1 60° ee (iv ee ee ? n=60- nr Substituindo agora os valores achados n na equacao (1) successivamente; e designando por A”, A™, A™, A’ etc., as diversas grandezas das divisées nas escalas respecti- vas; vira: 60 A™=(60—1) A'=59 A! 2 60 Au —O) ee ( 4) a: i =59 AT+ A" (oo a (60—1) 60—1 oA A oo “eee 5 rete ee (60—1) 60-4 . . . . . . . © . ° . . . . . . . . ° . . . . . . ° Ter-se-ha por conseguinte um numero indefinido de escalas successivas, correspondendo por sua ordem ds equa- coes seguintes : (Lt)... 2.) .... (3.") . (4.*) GOA" =59 A! 60 A™=959 AT Ae ¢ 60 A'Y—=59 A'+- A™ - GOA’ =—59AT AN 34 REVISTA BRAZILEIRA. A 41.* destas escalas é a mesma que é conhecida pelo nome de Vernier, a qual da differencas de 20". A 2.* férma-se dividindo em 60 partes iguaes as mesmas 59 partes do limbo do instrumento, que entram na formacao da primeira escala, e mais uma divisdo desta; e dara diffe- rencas de 20!"', sendo sobreposta ao Vernier, de modo que o zero das suas divisdes se possa ajustar com a divisao do Vermer que mais se aproximar de uma divisio do limbo. Na applicacao da (3.*), (4."), ete , se procedera de um modo semelhante ao que acaba de ser expendido relativamente a 2.* escala: isto é, a 3.* escala funccionara em relacio 4 2.*, do mesmo modo que esta em relacao 4 1.*, ete. Observagdo. As difficuldades practicas devem por um dado limite 4 construccio e uso das escalas successivas e auxiliares do Vermer. Segundo presumimos, nao sera admissivel nos instrumen- tos portateis (cujo raio é de 5 ate 6 polegadas) mais que a 2.* escala além do Vernier. E dando este, em taes instru- mentos cuja graduacao comprehende tres ou quatro partes em cada grao, differencas de 20 ou 15, podera ter-se, pela applicacio da 2.* escala, differencas de 20 e 415!', ou 1 1// gt outa ge Nos instrumentos fixos, usados nos Observatorios , po- der-se-ha empregar sem inconveniente maior numero de escalas auxiliares, até duas talvez além do Vernier. A graduaciao destes instrumentos comprehende 6 e 12 partes em cada grao, representando cada uma 10 ou 5. O Vernier dara portanto differencas de 10 ou 5!’; eas duas escalas auxiliares darao differencas de 10 ou 5, de 10 ou 5": levando assim a aproximacao a 4 qi 1 ql S e 7’ ou a 360 * NONIUS PRIMITIVO. 35 © NONIUS PRIMITIVO. 0 Dr. Pedro Nunes, o mais distincto geometra e astronomo do seu tempo, floresceu em Portugal no seculo XVI, e publicou em Lisboa, pelos annos de 1542, 0 seu muito apreciado Tratado de crepusculis; no qual descreveu o methodo que inventéra para medir mais precisamente os angulos observados com o Quadrante, que estava em uso no seu tempo ; e € 0 seguinte : Traca Pedro Nunes na superficie plana do limbo do Qua- drante 45 arcos de circulos concentricos, aproximados uns dos outros quanto baste para que possam distinguir-se com a simples vista. Divide depois em 90 partes iguaes o arco exterior (1.°): o immediato a este (2.°) em 89 partes iguaes: 0 seguinte (3.°) em 88 partes iguaes : e assim por diante até 0 ultimo arco (45°), o qual fica dividido em 46 partes iguaes. O uso practico desta graduacdo complexa é 0 seguinte : Supponha-se que, na observacio de um angulo com esse Quadrante, a linha de prumo, ou linha de fé da alidade, coincide com a 45.* divisio do 2.° arco: ter-se-ha o valor exacto do angulo observado, em graos do Quadrante, por meio da proporcao seguinte : 89 : 45 3: 90° : a= 45° 30! 20" = Se por outra parte se designar por p uma das divisdes desse mesmo arco, ter-se-ha: 0. le? Cie TC — Soe a AO 89p = 90°; 89 (p —1°)=1°; p—1 so 10" a6 _ A differenca (y—{°) multiplicada pelo numero de divisées -indicado pela alidade, juntamente com esse mesmo numero ‘Tepresentando graos, dard o mesmo angulo acima achado , a saber: ° ho S 20 [pay : Fo— 45° 30! 20" — “Al gp % 49-445 45° 30! 20 30 36 REVISTA BRAZILEIRA. Demos ainda outro exemplo: e supponha-se que a coinci- dencia da linha de fé da alidade marca a 45.* divisio do 11.° arco concentrico; isto é, aquelle que é dividido em 80 partes. Ter-se-ha o valor do angulo observado fazendo a seguinte proporcao : | 80: 45 3: 90°: w= 50° 37! 30". 80 p, = 90; 80 (p, —1..) = 10°; p,— P= ge = 7 30": € por conseguinte 7 30" 45 + 45°........==50° 37! 30". Destes exemplos conclue-se que 0 modo de proceder para obter o valor do angulo observado, em cada um dos arcos graduados do Quadrante de Pedro Nunes, é essencialmente © mesmo que se pratica no uso do Verner. Em tal caso qual a vantagem do Vernier actualmente em uso? E grandissima! Consiste ella no feliz pensamento que tivera o seu auctor: 1.° De fazer movel com a alidade do ins- trumento o segundo circulo concentrico do Quadrante de Pedro Nunes, dispensando desta sorte todos os outros cir- culos concentricos, além do primeiro: 2.° De reduzir esse arco movel ds proporcoes comparativamente diminutas da sua escala, sem que por outra parte estas alteracoes affe- ctassem substancialmente o principio do Nonius. Partilhem pois entre si Pedro Nunes e Pedro Vernier a gloria desta admiravel invencao, tao simples na apparencia, — quanto fora util 4s sciencias de observacao, e ds artes me- chanicas em geral. Damos todavia a denominacao de Nonius progressivo ao systema de escalas auxiliares do Vermer, acima des- criptas, com o fim unico de ligar ao que é obra nossa, nesse melhoramento, o honroso nome do seu primitivo inventor. Rio de Janeiro 25 de Outubro de 1854. Candido Baptista de Oliveira. Lith imp! de Rensbarg Tho de Jan? a coinci- ivisio do do em 80 fazendo a —7! 30): veder para dos arcos cialmente mente em nento que nde do ins- drante de outros cir duzir esse ninutas da icdes afle- ) Vernier a pparencia, ; artes me- progressivo 1cima des- ossa, nese » inventor. ivewra. LA leg Rend Bs inet A Maron nVeEMNtraAmMan re ORNITHOLOGIA A GRANDE AGUIA DA GUYANA (MAUDUIT} ou GRANDE HARPIA DA AMERICA (CUVIER) FALCO DESTRUCTOR (DAUDIN ) As grandes aves de rapina, pela sua ferocidade e ex- traordinaria robustez, por sua altivez e ousadia , tem ser- vido em todas as épocas para symbolisar a forca e o poder. Entre os Gregos a aguia era 0 maior attributo de Jupiter ; os Romanos, assim como algumas das mais valentes na- cées dos antigos tempos, a adoptaram por bandeira, ou como emblema nacional e guerreiro, uso que tem sido adoptado por muitas das nacoes modernas. Se alguma das nacoes da America Meridional tivesse de adoptar como emblema a algum dos tyrannos dosvares , a grande aguia equatorial deveria ter a preferencia entre to- das as aves de rapina, preferencia incontestavel pela bel- leza de suas férmas , nobreza de seu aspecto, sua coragem , sua ousadia , elegancia e vivacidade de seus movimentos. Hernandes , Marcgrave e Azara descrevem esta ave tao notavel a todos os respeitos; porém as suas descripcdes sao tao confusas que varios naturalistas deram-lhe nomes 38 REVISTA RRAZILEIRA. diversos , ou a incluiram em generos differentes, taes como os generos Aquila, Vultur, Falco e Harpyia. * Adoptei o nome de Falco destructor, dado por Daudin, por ser o que preferiram Lesson e Temminck, aquelles dos naturalistas por mim consultados que melhor o des- creveram, € em cujas obras se encontram os melhores desenhos. Em verdade estes desenhos nao se assemelham exactamente nem entre si, nem com o exemplar vivo que existe no Museu nacional; porém talvez as differencas provenham das modificacdes que experimentam todos os animaes, sobretudo os passaros , conforme a idade e 0 sexo. O desenho annexo, tirado coma maior exactidao possi- vel 4 vista do exemplar vivo do Museu, me dispensa de fazer uma minuciosa descripcio. Direi simente que o Falco destructor nao péde ser confundido com nenhuma outra ave de rapina, bastando unicamente para o distinguir o collar de plumas que tem em roda do pescoco, e acrista ou poupa que lhe orna a cabeca. Quando se encolerisa, levanta as plumas da crista e do pescoco de um modo tao particular que a sua physionomia se assemelha muito a da coruja. Esta particularidade o tornasingular , e inteiramente disse- melhante de todas as aves da mesma familia: de mais, ne- 4 Vieillot foi o naturalista que adoptou o genero Harpyia, e denominou Harpyia maxima 4 grande aguia da Guyana de Mauduit, para a distinguir da aguia pequena da Guyana, descripta pelo mesmo Mauduit, 4 qual deu o nome de Spizaétus variega- tus, € Daudin o de Falco guyanensis. Lesson e Cuvier estao em duyida se o Falco har- pyia et imperialis de Shaw, o Vultur cristatus de Jacquin, e o Falco Jacquini de Gmelin sio o mesmo individuo que o FALcO pestructor de Daudin. Temminck diz decididamente que nav. Dos tres naturalistas que citamos no texto, o mais confuso é Azara, ou antes o seu annotador, que confunde o Falco destructor coma Uruturana (Falco coronatus et superbus de Shaw), ou Falco ornatus de Daudin, que é a aguia média da Guyana de Mauduit, descripta por Marcgrave. Se o Ytzquantli, des- cripto por Hernandes, é 0 mesmo Falco destructor , como querem Cuvier e Lesson, entao esta ave éa aguia real do Mexico, que servia de emblema guerreiro dos exercites dos imperadores do Mexico , em que falla Saverio Clavigero com 0 nome d’Ysquantzli ou d’Ytzquantli. «Entre las aquilas de mayor tamatio, la mas hermosa y celebrada es Jas que se Hafiad en el paiz ¥tzquantli, la qual non solo caza pajaros grandes y libres, sino que tambien ataca las feras y los hombres.» (D. Francisco Sayerio Clavigero: Historia antigua de Megico ). Se, finalmente, o vyra’-assu’ (Uyrdé-assti significa, em lingua geral, passaro grande: os Portuguezes 0 denominaram GavyidO REAL, por ser amaior das aves de rapina que conheceram no Brazil), ou gavyiao real, de que Buffon faz mengao, é 0 Falco destructor, entio esta ave é conhecida nas proyincias de Mato-grosso, Goyaz, Minas, &c. O FALCO DESTRUCTOR. ies nhuma tem os tarsos, as garras e o bico mais robustos , nem apresenta maior luxo de plumagem. Esta plumagem é em geral bellissima, principalmente as plumas do ventre e peito: as que formam o feixe situado por baixo das rectri- _ ces sao tao alvas e delicadas como as do Marabuto. Pelo grande numero de nomes dados ao Falco destructor, e pelos diversos generos em que o tem varios naturalistas, collige-se que elle é ainda pouco conhecido; e na verdade sio tio poucos os exemplares que tem chegado perfeitos aos paizes onde floresce a historia natural, que nao deve causar sorpresa semelhante confusao. Por exemplo, Temminck, de todos os naturalistas o que parece ter melhor conhecido esta ave , diz que o individuo que serviu de modelo a figura estampada na sua obra foi fal- sificado, tirando-se-lhe pennas de um logar para por-se em outros, de sorte que algumas, que deviam ser pretas, sao brancas, e vice-versa. Se a sua férma nao é ainda bem conhecida, por mais forte razdo os seus costumes e habitos, ou confundidos com os de outros individuos da mesma familia. Colhendo tudo quanto se acha nas obras dos naturalistas modernos , em geral simples copistas de Hernandes, Maregrave Azara , e comparando estas noticias com o que tenho obser- vado acerca dos costumes e indole do exemplar vivo do Museu, vou fazer a historia desta ave, que pela sua forea, grandeza e ferocidade , representa entre os animaes atmosphericos o mesmo papel que o ledo entre os animaes terrestres. * O exemplar vivo que se acha no Museu foi mandado do Alto Amazonas pelo Sr. Jeronymo Francisco Coelho, quando presidente do Para. Foi apanhado apenas sahindo do ni- 4 «A aguia, diz Buffon, apresenta rauitas relacgdes physicas e moraes com o leao, € por consequencia o imperio sobre as outras aves, como o leao sobre os quadrupedes ; a magnanimidade que as faz desprezar os pequenos animaes , etc. ; as unhas tem a mes- ma forma : ambos lancam espantosos gritos; ambos sao inimigos de toda a sociedade, allivos e ferozes, » 40 REVISTA BRAZILEIRA. nho , e podera ter hoje pouco mais de sete a oito annos de idade. Gom tio poucos annos ja apresenta maior tamanho do que um grande peru, e esta grandeza pdéde dar idéa do tamanho a que chegaria no estado de liberdade se, como affir- ma Klein e outros naturalistas, as aves desta familia podem viver tres ou quatro seculos. Nao ha portanto exageracao em Hernandes , quando compara a sua estatura 4 de um grande carneiro, e quando affirma ter visto algumas com seis palmos d’altura, 0 que é¢ confirmado por Marcgrave. Estes dous auctores e Azara, que a viram no estado de li- berdade, dizem que ellas atacam indistinctamente a todos os animaes, mesmoaos mais fortes e ferozes , sem exceptuar 0 proprio homem , ao qual quebram o craneo a golpes de bico e garras.Todas as outras aves , mesmo 0 atrevido e voraz Caracard, fogem espavoridas logo que o Falco destructor se aproxima dellas. * « Esta especie d’aguia , diz Hernandes , arrosta os ani- maes ferozes, e nao teme atacal-os; mesmo domesticada , nao hesita em lancar-se sobre os homens pela mais leve provocacio da parte destes, e nao sao raros os casos de ma- tarem os filhos dos Indios e devoral-os, tanto o seu caracter é brigador , feroz e cruel. » Citarei ainda um exemplo, extrahido da obra recente- mente publicada por M. de Castelnau , na parte que trata 4 No Paraguay, e nos outros Estados da lingua hespanhola, chamam a este pas- saro Carancho, e no Brazil gaviao; 0 nome de Caracara é guarani, que assim o deno= minaram porque seus grilos imitam perfeitamente a pronuncia desta palayra: €0 Circus brasiliensis de Brisson, ou Falco brasiliensis de Linneo. O Caracara é a mais audaz e voraz de todas as aves de rapina. Vive de carnes corruptas e sans, d’insectos, de reptis, finalmente tudo convém 4 sua insaciayel vuracidade. Quando.est4 muito esfomeado, ataca indistinctamente a todos os passaros, mesmo ao abestruz ; tambem ataca os cabritos, carneiros, gallinhas, pintos, &c.; e se uma manada de carneiros ou de cabras nao for bem guardada, nao é raro encontrar um bando de Caracards devorando o cordao umbilical, e arrancando,.os intestinos dos ca= britos e cordeiros recemnascidos. Persegue os passaros que levam no bico alguma presa, e a forca os obrigam a largar 0 seu manjar, que apanham no are devyoram im- mediatamente. Levam finalmente o seu atrevimento a ponto d’acompanharem os ca- cadores, e de roubar-Lhe o fructo de seus trabalhos: aproyeitando-se do momento em que estes atiram, se 0 Caracard percebe que a victima ficou apenas ferida, lanca-se sobre ella, acaba de a matar, e a leya comsigo nas garras, procurando um logar onde a possa deyorar tranquillamente, ea a Fe" a" * ag a Sa ro O FALCO DESTRUCTOR. 4k da viagem do Ucayala aos Pampas del Sacramento: «Em uma casa da nacio dos Sepibos achamos uma magnifica har- pia ou aguia destruidora, que comprei aos Indios. Em quan- to elles faziam uma gaiola para prendel-a, 0 meu pequeno Indio Catama aproximando-se muito della, a aguia se lan- cou sobre elle, e em um instante a cabeca do pobre rapaz ficou coberta de sangue; foi mesmo com muito trabalho que obrigamos a este temivel passaro a largar a sua presa. Os Conibos (continua M. de Castelnau), outra horda selva- gem do Ucayala, apanham todas as harpias que podem, e as conservam em grandes gaiolas. Em certas épocas do anno elles as matam em uma festa celebrada de proposito para isso. Convidam todos os seus amigos, e no fim do banquete tiram a harpia da gaiola , formam-se em um vasto circulo em torno della, e atiram-lhe flechas antes que possa tomar o seu yoo. * » * As harpias americanas, assim como as outras especies daguias, vivem de preferencia nos logares solitarios das montanhas escarpadas , e fazem seus ninhos nas fendas dos rochedos. Parece que tem pouca affeicao a seus filhos, pols que apenas estes tem forcas para voar sdo immedia- tamente expellidos dos ninhos, e forcados a procurar a sua subsistencia, O macho, como o mais forte, nio querendo partilhar o producto de suas cacadas , sempre esfomeado, e nunca sa- ciado pela enorme quantidade d’alimentos que exige o seu voraz appetite , apenas consente que a‘femea habite perto delle quando vela sobre a sua progenitura. Parece que a natureza como que abafou na maior parte das aves de rapina , assim como em todos os quadrupedes ferozes, as ternas affeigdes com que ella soube embellezar a creacao. Talvez 4 M. de Castelnau parece adoptar para esta ave, que alias denomina Harpic destruidora, o nome especifico de Falco cristatus de Linneo; mas, como ja disse, é muito duyidoso se Linneo designa com este nome 0 Falco destructor de Daudin. (Consulte-se a este respeito a obra publicada pelos discipulos de Cuvier, que tem por malo s Reino animal, &c,, para servir d'introducgao 4 anatomia comparada de uvier, 42 REVISTA BRAZILEIRA. seja isto devido, como observa Bory de Saint-Vincent, ao uso continuo da carne e do sangue, e tudo leva a acreditar que é esta, se nao a unica, ao menos a principal causa, pois que nao se encontra a mesma crueldade , os mesmos instinctos des- truidores nas aves granivoras, nem nos doceis ruminantes. Sempre avido de carnagem e de combates, o Falco des- iructor despreza as presas faceis e timidas; e, ou por ins- tincto de carnagem, ou o que é mais provavel, pela dif- ficuldade de cacgar pequenos passaros , elle nunca os ataca , mesmo quando esta faminto, mas devora com feroz deleite as carnes palpitantes dos grandes animaes, e sémente em falta absoluta de outra alimentacio é que se lanca sobre ca- daveres corruptos. Attribuem-lhe um ydo rapido e mais elevado do que o de todos os outros volateis , e uma vista capaz de perceber do mais alto ppnto a que péde chegar os menos volumosos animaes terrestres, mesmo os reptis, sobre os quaes se lanca como uma pedra cahindo verticalmente , e com tal certeza que raras vezes a victima lhe escapa. Estes costumes podem ser attribuidos a todas as aguias , e em geral a todas as aves de rapina. E quasi impossivel ob- servar os costumes e aindole dos animaes no estado de liberdade, sobretudo quanto 4s aves. No estado de domes- ticidade um observador attento péde estudal-os , ainda que necessariamente estes costumes se alterem pelo decurso do tempo. Desde que chegou esta ave tio notavel, comecei logo a observar-lhe os instinctos e os habitos : agora passarei a dar uma succinta conta do resultado destas observacoes. Vieillot adoptou um genero 4 parte para as aguias da America, que denominou Harpias, dando o nome de Har- pyia maxima 4 que faz o objecto do presente artigo. * 4 Vicillot deu-lhe este nome para a distinguir da pequena aguia da Guyana, descripta por Mauduit, que muito se assemelha a grande ; é o Spizaclus variegatus do mesmo Vieillot, e o Falco guyanensis de Daudin. O FALCO DESTRUCTOR. AS Os caracteres deste novo genero nao pareceram até Cu- vier bastantemente assignalados para marcar os limites que separam as harpias das outras aguias ; mas, se attendermos ao que refere Virgilio a respeito dessas famosas deosas ou demonios alados, que arrebatavam e sujavam tudo quanto encontravam, o nome de harpia convem perfeitamente ao Falco destructor. Excitado pela fome continua que o devora, elle procura arrebatar todos os animaes que se lhe apresen- tam, mata-os, e lhes devora carne e ossos se sao volateis, e o mesmo faz aos pequenos quadrupedes ainda tenros. Po- de-se dizer que elle aproveita quasi todas as partes de suas victimas , e converte tudo em succos nutritivos , por quanto a massa d’excrementos que lanca é insignificante em rela- cio aos volumes devorados. Estes excrementos sao alvissimos, tem a consistencia da nata de cal, e quasi inteiramente compostos de urato d’am- moniaco e de mui pouco urato de cal. Lemery diz que 0 ex- cremento, dos Falcos passa por um efficaz resolutivo sendo applicado sobre a parte enferma, e que bebido produz o effeito de um forte sudorifico; que a sua gordura é empre- gada nas doencas de olhos, para resolver os tumores, para amollecer e fortificar os nervos; finalmente que a sua carne é muito estimada para a cura das molestias de cerebro. Es- tas virtudes, verdadeiras ou falsas, gozam de inteiro credito entre os selvagens e os civilisados do Alto Amazonas a res- peito do Falco destructor , a cujas garras se attribuem muitas virtudes medicinaes ou supersticiosas. Os excrementos sio lancados com forca para longe, e por tanto sujam tudo quanto encontram. E este um outro ponto de contacto com as fabulosas harpias; entretanto a Harpia americana é extremamente aceiada. Para ex- pellir os seus excrementos sem sujar-se, ella toma as maiores precaucoes: levanta as rectrices, e abaixa o feixe de plumas alvissimas que tem debaixo da cauda ; inclina-se para a frente, e esforca-se para langar o mais longe AA REVISTA BRAZILEIRA. possivel a massa semifluida que constitue o residuo de sua alimentacao. Nao se limita a isto o seu aceio. Quando acaba de comer, lava sempre o bico e os pés; e se a victima esta suja, ou se apresenta uma cor que denote um comeco de corrupcao, antes de a devorar ella a lanca no seu bebedouro, donde sémente a tira depois de passado aloum tempo. O resultado destas precaucoes é achar-se sempre (io limpa que nao é possivel encontrar-se a mais leve mancha em nenhuma parte de seu corpo. A grande quantidade de alimentos, que o Falco destructor pode devorar em um dia, parecera uma exageracio aquelles que nao tiverem tido occasiio de observar a sua extraordina- ria voracidade. Si eu mesmo nao fosse testemunha quoti- diana dessa monstruosa fome, nao poderia acredital-a, ainda que me fosse referida por pessoa que reputasse da mais inteira veracidadc. Para fazer-se idéa desse appetite incri vel, que deve cau- sar 0 seu tormento quando no estado de liberdade nao en- eontrar victimas, basta dizer que no dia da sua chegada de- vorou um pert, um leitao e uma gallinha , alem de quatro libras de carne de vacca *! Deita-se-lhe todos os dias maior ou menor numero de ani- maes, taes como perus, patos, gallinhas, leitoes, ratos, etc. Nunca rejeitou nenhum, a nao estar corrupto; porém em algumas occasides nio devora 0 mesmo animal de uma sé vez; come uma parte, e guarda aoutra para algum tempo depois, como um gastronomo que quer saborear lentamente um manjar delicioso. Prefere sempre os animaes vivos, e esta preferencia se 4 Conforme Spallanzani, a capacidade do papo (ingluvies) das aguias é doze yezes maior que a do yentriculo, e péde servir de reservatorio para a sua alimentagao durante muitos dias. Esta conformacao explica a causa desse jejum apparente a que se submettem quando nao lhes dao de comer durante muito tempo, ou quando no estado de liberdade nao thes é possiyelapanhar nenhum animal, A natureza foi proyi- dente em tudo } ms = i aie? dee O FALCO DESTRUCTOR. A5 manifesta por gritos , por movimentos violentos , e por um augmento de ferocidade. Sao nolaveis as precaucoes que toma para nao ser offen- ‘dido por qualquer animal que quer matar. Este singular instincto de conservacio se tornou sensivel em occasiio de se lhe lancar na gaiola um desses passaros marinhos a que o vulgo chama Mergulhao (Sula brasiliensis ; Spix). O misero passaro levantou o enorme bico, sua unica defesa , e pare- ~ceu ameacal-o. O Falco destructor, como se temesse o mal que o Mergulhao lhe podia fazer, hesitou um momento ; mas bem depressa tomou tao acertadamente as suas medi- das que, quando se atirou sobre elle, o bico da victima ‘ficou fechado entre duas de suas garras , como si estivesse encerrado em um annel. Duas cacadas feitas por sua propria industria dio plena idéa de sua destreza no estado de liberdade. Uma pequena cadella, em um estado mui adiantado de gravidez, ficou por esquecimento fechada nos saldes corres- pondentes 4 porta d’entrada central. Procurando uma sa- hida, como talvez a janella onde se acha a gaiola que serve de prisao ao Falco destructor lhe parecesse o logar proprio para isso, suppde-se que introduziraa cabeca por entre dous dos varées da mesma gaiola,, cujg intervallo é de pouco mais de polegada e meia. Ouviu-se um grito.... quando se acudiu ja a infeliz cadella estava reduzida a pedacos, e o Falco lhe bebia 0 sangue e lhe devorava as carnes com acompanhamento de gritos espantosos e visiveis signaes da mais cruel satisfacio. Outra cacada, ainda mais notavel do que esta, teve logar com um animal ao qual a natureza armou de tal maneira que parecia tel-o posto a abrigo de qualquer ataque. Enviaram ao Museu um Cuandé ou pequeno porco-espinho (Histrix msidiosa, Lieth), mui manso, mas que, nao perdendo os seus habitos silvestres, procurava logares obscuros onde se escondesse ; 4 noite sahia para o jardim, onde vagava até 46 REVISTA BRAZILEIRA. ao romper do dia. Observou-se algumas vezes que elle su- bia pelos troncos das palmeiras que existem no mesmo jar- dim. Uma destas palmeiras ' é armada de longos espinhos— desde a raiz até 4 extremidade das folhas ; porem o Cuandu, tambem todo ericado d’espinhos, subia por ella com tanta facilidade como por qualquer outra arvore. Uma manhaa achou-se por unicos vestigios do misero Cuandu os seus espinhos espalhados pela gaiola, e um pouco de sangue ! Suppoe-se que, subindo pela palmeira, se dirigira para a gaiola por um dos ramos, cujas folhas entrando pelos va- roes o Falco se diverte 4s vezes em catar com o bico. Qs animaes que elle tem morto nao soffrem uma longa agonia: sao de tal maneira apertados e feridos pelas suas possantes garras, que 0 espaco entre o ataque e a morte é inapreciavel. O Falco destructor arranca a pelle aosanimaes que a tem, e aos volateis tira as pennas com tanta destreza e tao limpa- mente como o faria o mais habil cozinheiro , sem deixar- lhes nem se quer os rudimentos. Se a victima esta suja, elle a lanca n’agua, e sé lhe pega depois de a ter deixado algum tempo de molho; outras ve- zes, segurando-a com as garras de um dos pés, passeia ~ com ella pela gaiola como se quizesse amassal-a afim de tor- nar a sua carne mais tenra. Todos estes actos sao acompa- nhados de gritos e de violentos movimentos d’azas; nunca porém comeca a devoral-a sem haver trepado em um dos poleiros, o que sem duvida é devido ao incommodo de andar em um logar plano em consequencia da grande curvatura de suas garras. Lanca umas vezes gritos agudos e repetidos, capazes d’en- surdecer ; outras vezes pia como um pinto. Os gritos estri- dentes tem logar quando esta com fome, sobretudo ao ama- nhecer, ou quando tem alguma victima nas garras; pia 4 der-se dos bracos de Iguassu, léem-se cinco ou seis versos de inimitavel yalentia, um sé dos quaes era sufficiente para remir todos os defeitos que 0 poema pudesse ter : r Bracos d’Aimbire, procellosus bragos , Acaso alguma vez frouxos temestes Cangugus e giboyas subjugando? A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. 15 Alguma vez tremestes quando a morte Em cada setta aos Lusos enviastes? Porque nao fartarei a minha raiva Com todo o sangue do inimigo odioso ? Aquella idéa de procella unida aos bragos, aquelles bragos procellosos chammejam tanta poesia, e dao tamanhe extensao ao pensamento do guerreiro, que sé lhe encon- tramos comparaveis aquelles dous magnificos versos do cantor dos Lusiadas, quando o Cabo das Tormentas narra e& sua metamorphose: « Estes membros que vés, e esta figura Por estas longas aguas se estenderam. » Wil O raiar da aurora, com todo os seus enlevos , abre a scena do quartocanto. E a hora da partida, e 14 vao Tamoyos e Francezes marchando com os chefes das tribus a frente, e Aimbire a testa de todos. Na cauda do exercito véem-se Sih d ays's sca horrendas velhas Enrugadas, medonhas como espectros , Nuas, pintadas do verniz vermelho Do fructo do uruci, e matizadas De listas transversaes ou angulosas, Amarcllas e negras. A formosa Iguassu de cima d’um monte alcantilado , melancolica, contemplativa, com o coracdo apertado de saudade, vé o exercito ir-se sumindo, e em cada arbusto divisa um guerreiro., O canto do sabia poisado n’um ramo d’aroeira eleva-a ds puras regioes de gozos ineffaveis , e em tal situacdo mysteriosa , acompanha o trinado do passarinho com estas ternissimas endeixas : « Sd, eis-me aqui no cimo da montanha, Dos meus abandonada; como um tronco Despido, inutil no alto da collina, A que os ramos quebrou Tupan co’a flecha. 76 REVISTA BRAZILEIRA. « $6, eis-me aqui, do velho pai ausente, Ausente do querido bem amado; Como viuva rola solitaria Em deserto areal seu mal carpindo, « Inda hoje o caro pai vi a meu lado, Inda hoje o amante eu vil... Fugiram ambos Velozes como os cervos da floresta : Ja fui feliz, mas hoje desgracada! » E os echos responderam : — desgracada ! « Desgracada!... E inda vivo? Antes 4 guerra O pai e o bravo amante acompanhasse : Ouvindo sua voz, seu rosto vendo, Acahar a seu lado melhor fora. » E os echos responderam : — melhor fora! « Genios, que as grotas povoais, e os valles; Genios que repelis os meus accentos; Ide, e do amado murmurai no ouvido Que a amante sua de saudade morre. » E os echos responderam: — morre... morre! A virgem cala-se por algum tempo, murmurando em segredo o estribilho dos echos, mas as lagrimas brotam-lhe de novo. O sabia, que tambem havia emmudecido, renova o canto da mais suave melodia, e a saudosa amante continua em meia voz, temendo que os echos lhe respondam como ainda ha pouco : « Porque tao cedo, oh sol, hoje raiaste? Porque flammejas como accesas brazas ? Ah! tu me queimas: teu calor modera, Que na marcha os guerreiros enlanguece. « Desta terra que é tua, destes bosques Que o grao Tamandaré depois das aguas Do diluvio plantara p’ra seus filhos , Hoje os Tamoyos em defesa marcham. « Tamandaré foi pai dos avos nossos > Sempre Tamandaré a Ui foi caro; =I =I A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. Tu, oh sol, o aqueceste na velhice ; Aquece os filhos seus; mas ah ! nao tanto. « Olhos meus, de chorar caneados olhos , Que tendes mais que ver? Ja se sumiram N’aquelles densds bosques os guerreiros Entre os ariribas e as sapucaias. « Nada mais vejo que prazer me cause. S6 estou subre a terra; vinde, oh feras! Nao ha quem me defenda: vinde, ao menos Menos dura é a morte que a saudade. « Sim, morrerci.... » E mais dizer nao péde. O estado ein que fica a sentida amante, e as imagens do poeta em similhante quadro, so de uma belleza inexpri- mivel: Os labios lhe tremiam convulsivos Como flores batidas pelos ventos. Cruza os bracos no collo, os olhos cerra , Pende a fronte, e no peito 0 queixo apoia, As derretidas perlas entornando: Tal n’um jardim a candida agueena, De matutino orvalho o calix cheio , Sio zepbyro a bafeja, a fronte inclina , Puros erystaes em lagrimas vertendo. Nao sei si dorme, ou si respira ainda; Mas parece entre pedras bella estatua. Continua a marcha d’Indios e Francezes, ate que chegam auma varzea amena, e d’ahi a um bosque cerrado. O Oriente negreja, o Occidente € um mar de sangue, e a floresta representa uma nuvem condensada, cor de violeta. Aqui o poeta interrompe a enargucia, e dirige uma bella apostro- phe ao nosso eximio pintor o Sr. Araujo Porto Alegre, incitando-o a crear pela arte as maravilhas que a natureza do Brazil ostenta ao seu engenho. Um grande rio divide a floresta em duas partes: tudo é escuridao: os insectos phosphoricos representam no solo e 78 REVISTA BRAZILEIRA. sobre as arvores mil figuras phantasticas: 0 horror recresce nos Indios com a voz da natureza em Into: Jevantam-se centenares de fogueiras, que afugentam as feras, e os Ta- moyos sobem aos troncos para repousar. Declina a noite, e um echo rouco e surdo reséa na floresta, e se repete uma e duas vezes d’ahi, gemidos e guinchos como de mocho espa- lham o pavor e a confusdo em todos. E’ um Paye que ahi apparece, com uma flecha na mao, e enfiado nella um craneo de homem, com as orbitas accesas, em forma de hor- renda lanterna. O episodio do Payé, j4 preparado pelo espectaculo lugubre dessa noite, é uma scena diabolica e phantastica, que o pin- cel de Wieland invejaria, se descrevesse as primitivas su- persticoes da America. O agoureiro exprobra a Coaquira ea Aimbire o marcha- rem afoitos para a guerra sem o consultar primeiro, e vatici- na-lhes os males que os aguardam : aconselha-lhes que fu- jam, e que deixem aos Portuguezes as margens deleitosas de Nictheroy, que elles tanto invejam, e essas varzeas, € essas aguas, e esses mattos, porque a liberdade é 0 maior dom de Deus. Recommenda-lhes que tirem sémente d’ahi os ossos de seus pais, para que os pés ferozes dos inimigos os nao pizem, e d’ahi que vao todos procurar outros sertoes mais invios, além dos grandes serros : « E onde? brada Aimbire acceso em ira, Como si o inferno lhe estourasse n’alma : E onde, estulto velho, onde acharemos O céo de Nictheroy? As ferteis plagas Do nosso Parahyba? E as doces aguas Do saudeso Carioca, que suavisam Dos cantores a voz melodiosa? Tudo deixar?.... Fugir?.... Mas tu deliras! Fugir?.... Que Curupira malfazejo Inspirou-le tao baixos pensamentos ? Fugir! sem combater?... Quem?... Nos, Tamoyos?! Ferye-te acaso 0 cajuhy nas veias , A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. 79 Ou perturba-te o fumo que se exhala Do queimado tabaco nesse craneo , Que fincado abi tens sobre essa flecha? E onde iremus nds, que nos nao sigam Esses que cuidam nao caber na terra, E toda a terra querem eo mar todo ? Que rios caudalosos, que altos serros De amparo servirdo as nossas tabas , Si elles candas tem e pés ligeiros ? Em que sertoes iremos acoutar-nos Como as tapiras que de tudo fogem ? E onde livres, e em paz esconderemos Esses ossos de nossos pais guerreiros , Que temendo estao ja que os revolvamos ? . Ossos de nossos pais! estai tranquillos : Nao temais que os Tamoyos vos aviltem , E da terra em que estais vos tirem hoje, Para entregal-a ao barbaro estrangeiro. Nao fugiremos, nado. Dizei Tamoyos, Dizei: quereis fugir? » « Queremos guerra ; Guerra, e so guerra. » Unisones bradaram. « Ouves? ouves, Payé? (Aimbire exclama De prazer exultando). Ouves 0 grito’ Que ainda forte séa?... Ja conheces Que gente‘vai aqui? Que mais lu queres? Que nos dizes agora? » Q Payé cala-se, pensa por alguns momentos, e d’ahi responde com voz pesada : «... Pois bem, Tamoyos , Vosso valor o animo me exalta. Vamos ver si Tupan, que nos escuta , Querera proteger vossas fadigas. » Assim dizendo o Aruspice dos bosques Deixa em péa lanterna pavorosa; Toma duas forquilhas de pao sécco, Como tesouras, e com forga as finca No duro chao, defronte uma da outra st) REVISTA BRAZILEIRA. Tres palmos de distancia: apds sobre ellas Deita @ amarra com torcida embira Uma clava de pennas enfeitada , A que chamam os Indios Tangapema. Tendo assim preparado o sortilegio , Chama p’ra junto a si os tocadores De cangoeira, instrumento de ossos [vito, Que os cabellos erriga cu’os sibilos. — Tocai, dangai comigo. — Ei-lo que danea Em torno a Tangapema ; e ja dangando, Seguem-lhe os passos muitos dos Tamoyos , Pelo infernal concerto arrebatados. Mais que todos as velhas se revolvem, E em coro a feias bruxas se assemelham. Cada vez mais a mais se anima a orchestra , E cada vez a danea mais se anima; Como um confuso rodopio rapido De violento uracao que gyra e zune. Mais celeros nao sao os Dervis d’ Asia No rodante bailar religioso , Com que o grande Allah honrar pretendem. Amainando ji vai a estranha danga ; Ja vao minguando os circulos valsantes ; Tontos e frouxos ja repousam muitos , Até que emtim cangados todos param, E em torno ao feiticeiro se acocoram , Como egypcias estatuas de granilo. So elle inda volteia, possuido De algum demonio, que lhe agita os membros. Que diabolicos gestos, que tripudios, Que esgares faz, os olhos nao tirando Da magica armadilha! Ja Ihe banha Todo 0 corpo o suor em grossas hagas. Com rouca voz e sons interrompidos , Que parece o bulhao d’agua que ferve, Nao sei que tetro canto sybillino, Que horrenda evocacdo ’sté murmurando. Nunca em Delphos a Pythia assim tao cheia Do deus que a enfurecia, e tao convulsa Sobre a sagrada tripode arquejando A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. Soltou com voz confusa o seu orae’lo. S6 se lhe ouve dizer: — Mando eu que poss9 ; Quero e mando: obedece, Macachera ! — Pela terceira vez isto dizendo , Como certo de ser obedecido, Incha as bochechas, firma os olhos rubros, E tres vezes assopra a Tangapema. Oh infernal prodigio! Eis de repente Sobre as forquilhas estremece a clava, Como sobre o altar do sacrificio A viclima estremece quando o ferro Lhe abreo ventre e as entranhas lhe revolve, P’ra dar algum presagio ao Adevinho. Estalam, arrebentam-se as embiras, Sem que visivel mao a elava toque. Eil-a j4 solta das prisoes que a atavam , E em torno a si gyrando, ao céo se eleva N’uma linha espiral que a prumo sobe, Deixando boquiaberto o vulgo ignaro. So Aimbire de colera roxeia, E espera conjurar o vaticinio Si contrario elle fOr ao seu intento. Sobe a clava zunindo como a pedra Pela funda com forea arremessada : Sobe, e tao alto vai que no ar se some. Mas volta... eil-a que vem... traz sangue! E’ certo! Onde foi ella? Donde vem ? Quem sabe? Vem toda ensanguentada!... Mas parece, Pelo rumo que segue, cahir deve Distante das forquilhas. ... Mao presagio! Aimbire, qu’isso vé, inda de longe, E teme o effeito do fatal annuncio, Dispara incontinente alada flecha, Que a vai ferir nos ares, e trazel-a Para onde elle quiz. A flecha e aclava, Uma encrayada n’outra, ambas ja descem , E entre as forquilhas cahem. Aimbire exulta! Mas 0 velho Payé horrorisado: « Impio ( exclama)! Tu vés? Vés tu? Entendes O que isto quer dizer ? » 81 82 REVISTA BRAZILEIRA. — «Sim; muito sangue Temos de derramar. Sim; a victoria E certa para nds.... Wai-le, agoureiro, Se a vida te ndo pesa, e aqui nao queres Ter asorte da tua Tangapema. Vai-te, que é tempo de marchar p’ra a guerra. » A euriosissima scena da feiticaria do Payé poe termo ao quarto canto. IX No quinto canto é ja chegado Jagoanharo a Sao Vicente, e ahi, dentro de uma igreja encontra elle a Tibirigd de joelhos, com varios outros nedphitos, dirigidos pelo venera- vel Anchieta, e cantando todos em coro. E porque nos nao havia de dar aqni o Sr. Magalhaes 0 texto dos psalmos sa- erados que esses simples homens recitavam, e que tao melancolico effeito produziriam , sujeitos ao grave rhythmo da sua epopéa! E’ uma falta que nao podemos perdoar ao poeta. No emtanto Jagoanharo, seduzido pelo encanto da musica, vai entrando pouco e pouco, ate se ajoelhar ao pé do tio, o qual o reconhece; e depois de se informar dos seus, lhe vai mostrar quanto de notavel ha pela nova villa. Um dialogo interessante se estabelece entre Tibirica e Jagoa- nharo, até que este ultimo da conta ao tio da sua impor- tante mensagem. Tibiricé, que ja agora se chama Martim Affonso, repelle como christio as proposicoes da embaixada ; ostenta ao sobrinho o variado luxo da civilisacao que em sua casa e pessoa se dé; mostra-lhe as vantagens da liber- dade civil sobre a liberdade natural;.mas o mensageiro rebate com a elequencia do selvagem as raz6es do chefe convertido, rejeita as promessas que elle lhe faz, e ambos ficam nas suas idéas. O filho d’Araripe, scb o pincel do Sr. Magalhaes, é o yulto inteirico do homem primitivo e in- corrupto. A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. 83 xX O sexto canto da Confederagdéo ¢ magnifico, Jagoanharo vai deitar-se com a mente accesa na luta de idéas por que passara, e ahise lhe representam ainda mais vivas todas as scenas do dia: Mas a noite declina, e branda aragem Comega a refrescar. Do céo os umes Perdem a nitidez ja desmaiando. Assim ja frouxo o pensamento do Indio, Entre a vigilia e 0 somno vagueando , Pouco a pouco se olvida, e dorme, e sonha. Concentrada a alma , sss Alto moco se lhe antolha De bello e santo aspecto, parecido Co’uma-imagem que vira atada a um tronco, E de seltas 0 corpo traspassado , N’um altar desse templo onde estivera , E que tanto na mente Ihe ficara. — Vem, lhe diz: e ambos voam pelos ares , Mais ligeiros que o raio luminoso Vibrado pelo sol no veloz gyro; E vao pousar no alcantilado monte, Que curvado domina o Guanabara. O poeta desenha o magestoso quadro de Nictheroy, vista -do alto do Corcovado; e comparando aquella nossa bahia com o golfo de Napoles, volta-se para este ultimo mar, e dirige-lhe esta apostrophe graciosissima : Nao és tao bello assim, ceruleo golfo, Onde a linda Parthénope se espelha, Tao risonha e animada como a noiva No dia nupcial leda se arréa Para mais encantar do esposo os olhos! Nao és tao bello assim, quando torrentes De purissima Juz yao esmaliando D i REVISTA BRAZILEIRA. Tuas magicas ribas apinhadas De garbosas cidades, de palacios Entre bosquetes e odorosas tempes , E combros de ruinas gloriosas Da romana grandeza que inda choras. Ou quando no teu céo voluptuoso , Onde 0 ar perfumado amor inspira , Entre os cirios da noite alveja a lua, No mar mostrando ao longe a bella Capri , E a saudosa Sorrento, onde meus olhos Cuidam ver inda infante 0 egregio Tasso Brincando a sombra de frondosos louros. Ou mesmo quando inopinado as vezes O teu voleaneo monte, contrastando A brandura da doce Natureza, Horrisono troando e estremecendo , Das sulphureas entranhas arremessa Pela bocca infernal, de fumo envolta, Altos jorros de lavas inflammadas , Como ardentes columnas crepitantes , Que estalam no ar, e rompem-se em chuveiros , E umas sobre outras cahem em catadupas , E torrentes de fogo, que lambendo Vao o seu dorso, avermelhando as nuvens. Meu patrio Nictheroy te excede em galas, Na grandeza sem par muito te excede! A alma absorta do Indio vai contemplando milhares de prodigios por entre o vasto panorama de Nictheroy; eo illustre Martyr que o guia vai-lhe pondo patentes os assom- brosos destinos do Brazil, desde a fundacao da cidsde de Jeneiro: a vinda do Senhor Dom Joao VI para a terra de Cabral; o brado da Independencia pelo heroe do Ypiranga : os milagres da industria no nosso paiz, ¢ toda a série de successos que compoem a epopéa da nossa li- berdade : « Ejl-o, egregio mancebo de alto porte, Dos filhos do Brazil ja ladeado, E desse sabio Andrada, que se ufana A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. 89 Cvu’os illustres irmaos de ter nas veias Sangue de Tib’rica e dos Tamoyos. « Satida, oh Indio, a tua patria livre Do jugo contra o qual armas teu braco ; E o espirito levanta a Deus Eterno, Que nunca deixa sem justica os homens, Pune os erros dos pais co’as maos dos filhos, E prostra o oppressor aos pés do oppresso. Thronos cahem, thronos se erguem! Reis e povos, Como as ondas do mar, sobem e descem! Do pensamento humano o sopro ardente, Que da Razao perenne a luz recebe, As novas geracoes inflamma eanima, Mao grado os antepostos refractarios ! A vida é movimento, e a humanidade Como tudo caminha e se renoya ; Mas Deus, unico, immovel permanece : « Olha, e alli vé no meio da cidade Aquella vasta praca apinhoada De longos batalhdes, de povo em turmas, Que affluem dos quatro lados, como sangue Afflue ac coracdo quando ha perigo, Nao ouves 0 estridor da vozeria Como 0 som de longinqua trovoada , Ou das ondas do mar o rumor surdo ? Nao vés como ao clardo da casta lua Relampejam em linhas ondulantes Essas polidas armas ericadas, Como si do inimigo voz de guerra, A santa paz e 0 somno perturbando, ~ Ao combate chamasse essas phalanges ? Sabe pois o qu’isso é. Uma palavra, N’um momento fatal articulada, Como a voz do destino alli retumba. O Fundador do Imperio abdica o Throno! Diz um adeus as margens do Janeiro ; Orphao deixa seu filho, tenro infante Qu'inda nao pode sopesar o sceptro, 8&6 REVISTA BRAZILEIRA. E mais tres filhas tenras sem defesa, Tanto elle cré no amor desse bom povo ! E vai por alto impulso além dos mares Oppor-se ao proprio irmao em campo Buna ; Libertar essa terra em que nascéra, Terra de seus avos, sempre querida ; E firmar em seu Throno uma Rainha, A Segunda Maria, filha sua: Eemfim morrer. O mundo dira delle : — Soube ser cidadao, ser pai, ser homem, Tendo nascido Rei. ° ° . ° . . . . . . . ° . » Mas vé ao lado do auri-verde solio Esse infante gentil, que noseu berco Pelo sol tropical foi aquecido, E as auras respirou destas devezas, Que libertade e amor bafejam n’alma. Vé o neto de Reis, de Pedro o filho, Desse prudente Lima acompanhado, ‘No seu paco, sem guardas que o defendam. Mas como 0 povo o ama! Como o guarda Com paternal cuidado e puro zelo, Sem que de imposto mando leve sombra Da espontanea affeicdo Ihe offusque o brill ! . ° . . . . . . . . » E sium Pedro Jancou do Imperio as hases, Outro o-fard subir a mor altura, E a gloria, a forga crescerdo com elle. » O santo martyr Sebastiao prediz ao Indio que o seu poder sera vencido por outro poder maior e sobrehumano, contra o qual nao valem forcas mortaes, e que a final a victoria sera da verdade, e nao dayuelles que aspiram a fruil-a por amor do ganho, sem saber que a outro fim mais alto os chama a Providencia. E d’ahi prosegue : « Indio, si amas a terra em que nasceste, E si podes amar o seu futuro, A verdade da Cruz acceita e adora. Que importa quem a traz ser inimigo, —" . A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. 87 Si o bem fica e supera os males todos ! Bons e maos, tudo serve 4 Providencia! Como de um Iructo putrido, langado Sobre a terra, a semente germinando Nova arvore produz e novos fructos ; Assim desses crueis, corruptos homens, Que vos flagellam hoje, um santo germen Aqui produzira filhos melhores. Invencivel poder tem a verdade, Que o Christo do Senhor na cruz morrendo Legou aos homens todos. .. . , — Dai-mea cruz! — brada o Indio mesmo em sonho: — Dai-mea cruz! A seus pés quero prostrar-me. E uma alvissima cruz mais resplendente Do que a prata polida, e que o brilhante Ao luzir de um relampago, apparece No céo sobre aureo fundo luminoso, Que em rosea vibragao no azul se perde. Dulios sons de suavissima barmonia Se evaporam nos ares perfumados. Estatico adorando o puro emblema, O santo guia as nuvens se levanta Por dous alados Anjos sustentado : E o Indio absorto cahe sobre os joelhos, Na cruz fitando estatelados olhos, Maos e bragos erguidos, todo immovel ; Como si 0 espanto do prodizio immenso Petrificado lhe deixasse 0 corpo, E em seu arranco lhe soltasse aalma. E o Indio mal desperto alca-se da rede em que esta, e entre o sonho ea vigilia, ao ver a grata visao esvaecer-se, brada A cruz que o salve, e cahe attonito aos pés do cacique. Tibirica, cheio de jubilo e de f€, arroja-se aos bracos do sobrinho, aperta-o, beija-o, e la se ditigem ambos para a habitacao do piedoso Anchieta. “Mas na praca da igreja véem o povo apinhado, e grandes vozerias, eno meio do tumulto alguns selvagens, velhos e 88 REVISTA BRAZILEIRA, mulheres, com as maos atadas para tras das costas. Jagoa- nharo para, olha, e reconhece cheio de pasmo a formosa Tguassti, que ia chorando. De repente arremessa-se, enfia por entre as turmas, espuma furioso, e quer que a soltem immediatamente. O cacique que o acompanha livra-o cem vezes da morte, e logra arrancal-o da multidao. O padre Anchieta apresenta-se, informa-se de quanto se passa, aplaca e consola Jagoanharo, e promette-lhe que Iguassu voltara aos bracos do pai. O Indio insta para que lh’a entreguem ja, que a quer levar elle mesmo; mas sendo isso impossivel aes esforcos do santo missionario: «Malvados ! brada o Indio, perfidos traidores | « Assassinos crueis! eu voscunheco ! E ainda fallareis de caridade ? Vossos pais o seu Deus crucificaram, Derramaram seu sangue; e vos, infames, Para mais insultar cobardemente A esse Deus, que adorais por zombaria, Vindes aqui roubar-nos e matar-nos Com palavras de amor, a cruz mostrando. Branca era a cruz que eu vi ; a vossa é negra Como as vossas acgdes e as almas vossas ! Eu chamo 0 vosso Deus para punir-vos, E contra vos lhe off’reco os nossos bracos. » E insano e precipitado entra na canda em que viera, e la vai remando de foz em {6ra com os dous Indios que o aguar- davam. A prosopopeia de S. Sebastiao, fulgurante de pompa e de interesse historico, é uma creacao indubitavelmente chris- taa. Os recursos immensos quea verdadeira religiao offerece a arte, e especialmente ao artista catholico, sao os unicos que podem elevar o genio sem grande esforco 4 sua maior altura na epopéa, como o Sr. Magalhaes acaba de fazer. Vers A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. 89 XI A sombra de selvas gigantescas, e por entre as yrimpas de successivos montes que orlam o Parahyba do Sul, esperavam os Tamoyos impacientes a resposta que lhes traria Jagoa- nharo. No emtanto, d’ahi parte Aimbire pensativo, acompanhado sdmente de Parabucu, ao brando sopro da noite, por entre aS mattas solitarias, sem que ninguem saiba para onde, mas Pensando ambos na desditosa Iguassu. Rompem emfim o silencio, e ambos encontram em si um terrivel presentt- mento, que os faz estremecer pela sorte daquella flor do deserto. Aqui, no dialogo em queambos vao, poe o Sr. Ma- galhaes na bocca de Aimbire esta tA0 curta mas tao fiel pin- tura do que e ser captivo: « Irmao de Comorim, ah tu nao sabes, Nao, tu nao sabes 0 que é ser escravo ! Nao ser senhor de si, viver sem honra, Acordar e dormir sem ter vontade ; Calado obedecer com rosto alegre, Soffrer, sem murmurar, comer chorando ; Trabalhar, trabalhar ao sol e 4 chuva, Ab! tu nao sabes 0 que é ser escravo.» Chegam emfim a um valle, e Aimbire reconhece 0 sitioem que o pai esta enterrado. - - « « . Vao-se-lhe os olhos Por esses negros troncos gigantescos, Como esqueletos de Titanea raca, Que o tempo conseryara... Um calafrio Como o sopro da morte ao peito anciado O sangue Jhe reflue.... Receia, teme Nao acharo que buscaa . . « Mas a final descobre 0 ipé que procurava, junto ao qual oulr’ora déra sepultura ao pai, abraca-lhe o tronco altissimo, 90 REVISTA BRAZILEIRA. beija-o, rega-o com lagrimas, e ambos trabalhando a porfia desenterram a urna venerada. Ao véel-a, 0 pio Aimbire rompe n’uma exclamacao dolorosa, na qual recorda os feitos illus- tres do morto e o seu captiveiro, jura de novo vingar-lhe as cinzas, e promette dar outro jazigo aos seus ossos, onde os passos do estrangeiro os nao farao mais estremecer. D’ahi partem os dous pelo campo, colhendo galhos seccos e folhas de coqueiros ; poem-nos as costas em feixes, e vao ter a um pequeno terreiro, onde arde uma grande fogueira ao lado de uma choupana, rodeada de senzalas. E Aimbire mostrando-as ao companheiro, « Nesta o cruel senhor, diz elle, habita ; E naquellas os miseros escravos. » E approximando-se da choupana, encosta os combustiveis { portae aos esteios, vai 4 fogueira vizinha buscar brazas, e num momento a casa inteira offerece o espectaculo de um terrivel incendio, Aimbire vai postar-se defronte da janella, como o cacador que espera a caca que.o cao fora levantar, e eis que um vulto de homem espavorido se atira ao chao e corre Como um phantasma que abre a campa e foge, Ou alma que do ardente inferno escapa. Aimbire reconhece-o , aferra-o rapido , Como um demonio aferra a alma damnada Que por pacto infernal lhe esta sujeita. E arrojando-o por terra enfurecido , O leva de empurroes, quasi de raslos , Té ao tronco do ipé, junto a igacaba. « Olha p’ra mim, Braz Cubas! brada o Indio Com rouca, horrenda voz e um riso hediondo : Olha-me bem, e vé si me conheces ? Nao quero que tu morras sem que saibas Quem se yinga de ti, dande-te a morte. » : A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. 91 ‘ aps A tal ameaca a viclima tremendo Mal pode articular: — Piedade, Aimbire! Tem compaixao de um pai. « Deum pal, tu dizes? Eu tambem tive um pai; e tu, malvado, Delle e de mim piedade nao tiveste. Dentro desta igacaba jaz seu corpo Pedindo o sangue teu. » — Porque? A vida, Nao a morte, lhe eu dera, si pudesse. « Sim, porque elle vivendo te servira , E eu inda hoje seria teu escravo. Escuta: quando tu p’ra aqui vieste , Ha muito tempo ja, mulher eu tinha Tao bella como a Jua que estas vendo, Tao joven, delicada, e tao mimosa Que outra esposa qual ella nao havia; Eum filho me devia dar bem eedo, Do nosso terno amor primeiro fructo. Tu a viste, e nao sei se a cubicaste. E um dia, que eu cacando longe andava , A vejo vir correndo, tropegando Pela montanha acima, ja sem forcas , Quasi a vida exhalando. Corro a ella , Nos bracos a recebo; e ella cahindo , _ Apenas dizer pode: —os Emboabas! E alli do susto e da fadiga exhausta , E das dores talvez tendo a crianca, N’um tremor expirou a malfadada , A tao cara Potira, esposa minha. » — E sera minha a culpa? « Sim: @ que outros Senao tu junto aos leus a perseguiram ? Escula ainda mais: passados tempos , Tu em paz com meu pai viver fingias. Um dia acompanhado 0 acommetteste , E como minha mai te ia fugindo, 9 REVISTA BRAZILEIRA. E gritando por mim que a soccorresse, Tu apressado apés lhe déste um liro, E a malaste, cruel, dentro do maito. Preso meu pai trouxeste, e uma crianca ; E entregar-me vim eu ao capliveiro Para estar com meu pai e minha filha, E sobre elles velar. Si nado matei-te Foi sé porque esse velho e essa crianga Nao podiam na fuga acompanhar-me , E aqui ficando os teus os matariam. Lembras-te tu do pobre Guaratiba? Tu a um troncoo amarraste, em cuja base Havia um formigueiro, e 0 acoutaste Até fazer saltar co’o sangue a pelle Das costas, que uma ehaga lhe ficaram ; E as formigas em chusmas negrejando Sobre 0 convulso corpo o remordiam! E eu, 4 casa voltando do trabalho, E vendo-o assim, por elle intercedendo , Tu furibundo me dissesle: — O mesmo Tambema ti farei, se ousado fores ! — Guaratiba morreu martyrisado ! Assim a esposa, a mai, 0 pai, 0 amigo, Tudo quanto eu arava me roubaste. Sabes em fim quem sou.... Agora morre! » « Perdao para meu pai! perdao, Aimbire! Ah nao mates meu pai! » Assim bradando Uma gentil menina, mal envolta N’uma alva de dormir, se arroja ao collo Da victima, que jaz de suslo immovel. « Ah nao 0 males, nao. » Seu debil corpo Cobre 0 corpo do pai; e um brago algado Como que apara 0 golpe, ou que o conjura. Esta scena, que nos grandes mestres poucas vezes temos visto igualada, e que por isso aqui trasladamos por inteiro , é de um bellissimo effeito dramatico neste logar. Aquella menina gentil, aquelle anjo da guarda, como lhe chama o Sr. Magalhaes, baixado alli do céo para salvar 0 A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. 93 peccador da morte, é Maria, a pobre Maria, reconhecida por Aimbire quando vai a desfechar o golpe: 4 sua vista, o Indio assombrado recta instantaneo, faz um movimento involuntario, mas... olha para o pal, volta o rosto: « — Nao tens sangue que me farte. Vamos, Parabugi! vamos, partamos. » < Isto ¢ sublime: € um movimento inimitavel de piedade acima de todo o elogio na alma heroica de um Indio: o effeito, para os que acabam de ouvir aquella voz, é de quebrar 0 coracao;— para nds, que assistimos 4 esta scena como espectadores, é de uma profunda admiracao pelo poeta, que assim realisa o ideal na terra. E 14 vao os dous, sem voltarem mais os olhos para tras. Vem surgindo a aurora; ea pratica que os entretem pelo caminho revela, para quem ainda a nao tiver adevinhado, a nobreza de motivos que influiram espontaneos no animo do guerreiro, para poupar a vida a Braz Cubas. Ao por do sol chegam ao promontorio de Cairucu; e alli, em frente ao mar, da Aimbire novo descanso, agora eterno, aos ossos do pai. Ambos os Tamoyos nesse acto solemne murmuram um cantico funebre, e sigillam os restos do velho cacique sob uma grossa pedra. No emtanto, que se passara na recente villa de Sao- Vicente? Que tera sido feito de Iguassu ?--Iguassti a formosa viviaem captiveiro, longe de quanto amava ; mas por entre os devaneios de suicidio que a assaltavam, sustentava-lhe a existencia a grata esperanca de se ver salva pelo pai, pelo amante, pelo irmao, pela taba toda, e ia assim vivendo e lutando contra a impudicicia de Francisco Dias, que a havia colhido com outras muitas mocas indias, e tomado para st como mais bella. A casta Musa christaa cala-se contristada, e nao se atreve a narrar os tratos crueis e os lascivos ataques do caudilho para violentar a pobre escrava, a0 moca e de tio nobre animo. QA REVISTA BRAZILEIRA. O veneravel Anchicta, todo brandura, vai ter com Fran- cisco Dias, descreve-lhe o perigo imminente em que se acha a villa, por causa do viver licencioso dos que provocam os Indios, e roga-lhe que Ihe entregue Iguassu, para que elle, restituindo-a, desarme os inimigos, e para que os outros colonos o imitem, libertando os captivos. O Dias responde desabrida e impiamente ao santo mis- sionario, em quem as lagrimas lhe borbulham a flux. Esta a villa de Sao-Vicente cheia de pavor, porque espera a cada momento que as tribus colligadas venham anniquilar a colonia, e os dous servos de Deus—Nobrega e Anchieta — occupam-se em prégar pelas pragas a doutrina do Evangelho, afim de inspirar idéas de justica a todos os colonos, affeitos a cacar e matar os pobres Indios. A summa destas piedosas prédicas termina o setimo canto da Confederacdo. XII. O maravilhoso do poema é sobretudo introduzido no oilavo canto. Satanaz via medrar a lei de Christo no Novo Mundo, e resolve-se a excitar as paixoes todas no coracao dos colonos contra os dous santos jesuitas, —a uns com discursos ironicos, a outros com uma philosophia sophis- tica e sensual : « O homem marcha ao bem por lei do instincto ; E’ seu guia o prazer: virlude e vicio Sao vans palavras; o inleresse é tudo. E’ vasto campo de batalha a terra ,. E oppostas forcas sem cessar se embatem Por lei da Natureza: a vida e a morte Surgem deste conflicto; e a Natureza Apoia os fortes quando os fracos gera. Justica é o poder, direito a forca, E do mando a razao sta na victoria. » - . A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. 95 Assim ¢ que os colonos, 4 maneira de tigres, em quema razao se anuviava, iam roubando e matando os pobres Indios, eagrei de Christo ia minguando cada vez mais. O inferno porem nao péde gozar por muito tempo do seu triumpho. O perigo que ameaga os colonos ameaca talvez a igreja e os padres, e € isso que os salva. Tibiricd corre 4s margens do Tamandatehy cheio dezelo, reune mil arcos para 0 combate, e dirige aos Guayands algumas palavras de incitamento, aconselhando-os a queimar as cabanas e og campos, e€ air defender Sao-Vicente omeacado. Quizeramos ver nesta especie de proclamacao do cacique nao mais extensio, porque ella de sua natureza devia ser curta, poreém mais fogo, mais vivacidade, mais vehemencia, da parte de quem pretende chamar 4 guerra uma horda indo- mita contrao feroz ¢ irritado Aimbire. Este defeito porem, que uma critica mais exigente podia chamar de situacio, é abundantemente compensado pela furia com que o poeta, transportando-nos ao campo imimigo, nos desenha achar-se Aimbire ao saber que Iguassu é captiva em Sao-Vicente, e quando no fim do quadro de mestre, em que figura anciada toda a familia da triste noiva, poe na bocca do chefe dos Tamoyos estas ultimas palavras: ep Lauto banquete Vai dar meu braco aos urubds famintos, Eia! p’ra Bertioga! Ao mar canéas; Nao ha mais que esperar. Ao mar! voemos. » E com que propriedade e belleza de semelhanca nos nao pinta o Sr, Magalhies a junccio dos Tamoyos na praia onde embarcam, ao roncar da inubia, e ao chamado terrivel do seu chefe | | Ao ver em confusao de toda parte Como da terra erguidos, nts, poentos , Correr praia centenares de Indios, A mente, ds margens do Cedron voando, Cuidara ver os mortos revocados §6 REVISTA BRAZILEIRA. Ao som da trompa do Juizo eterno, Das entranhas da terra resurgindo , A Josaphat correr em mestos bandos. Arrojam-se d’ahi innumeras candas ao mar, esquipadas de guetreiros; € 0 cantico ao som do qual yao os remos cor- tando as ondas é de tal modo combinado e deixa tal vago _walma, que é, quanto a nds, a primeira das bellezas do canto oitavo : « Voga, canda, que é maré de amigo; Ligeira voga, sem temor das ondas ; Sao bracos fortes que aqui vao remando, Bracos Tamoyos, que a remar nao cansam. « Gosto de ver-te pelo mar singrando , Cabeceando, levantando espuma ; Assim, canda, assim bufando voa, Como esses peixes que la vao fugindo. « O mar’sta manso, estado dormindo os ventos ; Mas p'ra 0 Tamoyo sempre o mar foi manso; Eia, canda! o teu balanco é doce Como na terra o balanear da réde. » Nao so aquelle singrando, cabeceando, levantando, bufando, imita perfeitamente o movimento dos lenhos que brincam e o plache das aguas que se quebram, mas a barcarolla é composta com taes echos que o ouvido juraria ser rimada. Desembarcam os Tamoyos nas praias de Sao-Vicente. E noite; e Aimbire, reunindo-os, poe-lhes diante dos olhos a historia de cada tribu, e conjura-os a acabar o mal na propria fonte, salvando a liberdade e a misera Iguassu. D’ahi, seguindo o conselho dos Francezes, divide a gente em tres columnas, marcha na do centro, e dispoe o alaque. Tibiricd porém os esperava prompto e apercebido nessa mesma noite, por aviso sobrenatural de Anchieta; e 6 aqui que o poeta, ao dar-nos conta do viver ascetico do santo eremita, nos reyelao profundo estudo que tem feito do A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. 97 espirito humano no seu estado excentrico de exaltacao religiosa. Sda o combate; e Tibiricd 14 esta firme e calmo 4 porta da igreja para defender os padres, e para affrontar todos os perigos, com seis mil arcos. Os chefes dos Tupis e dos Carijés, 4 frente das suas tribus, alli se lhe vem juntar. Para maior terror dos sitiados, sao os Francezes que dio comeco 4 accio. Ao voar das settas e ao estridor das armas que estouram, as mais com os filhinhos nos bragos, e os velhos que jA nao podem pugnar, correm todos para o templo, implorando a Deus misericordia. Na turma dos que entram vai a esposa de Ramalho com seus filhos, e a seu lado Iguasst. Féra da igreja encarnica-se desapiedado o combate, ao triste alvor da lua: Cansado de espargir mortes a esmo, Avanea Aimbire os passos, e rodando Os olhos, que o furor de sangue tinge , Procura os principaes d’entre os contrarios , Qu’elle veja morrer sob seus golpes. « Traidor Tibiricd, onde te escondes ! Cayoby! Cunhambéba! » E assim dizendo, Com Braz Cubas se encontra. « Es tu? the brada, Dei-te a vida, e Lu vens buscar a morte? » — Venho vingar-me; o Portuguez lhe volta : Vil escravo, selvagem! reconhece Em mim o teu senhor, que vem punir-te. — E assim dizendo ihe desaba 0 golpe, Que apenas resvalou na maga do Indio. « Tens a lingua mais forte do que o brago ; Pouca é a gloria de tirar-te a vida. Si a queres, eu te a deixo ; e tu bem sabes Si dessa vida alguma vez fiz caso. Mas vem comigo, ¢ mostra-me primeiro Onde jaz Iguassti, e quem roubou-a. » O Portuguez, que o julga alheio a luta, Calcula o lance, ironico dizendo: — Quero poupar-te a magoa de choral-a. 98 REVISTA BRAZILEIRA. « E ewainfamia da vida que te pesa. » E co’a prompta resposta um prompto golpe Acerta-lhe o Tamoyo, e a um tempo soam Resposta e golpe, edo infeliz a quéda. « Dar-te nao posso a morte que mereces Lenta e cruel; n’um so momento morre; Tenho pressa. » E o deixou nadando em sangue. Assim acabou Braz Cubas. Eo valente Aimbire continua a semear estragos por todo o campo. Os outros chefes, Parabucu, Coaquira, Pindobucu, Arary, bramam como oneas famintas, e juncam o chao de mortos. Distinguem-se do outro lado os caciques contrarios, e com elles o represen- tante do valor portuguez —Ramalho —, cercado de todos os colonos. Entre os mais fortes porém cabe o primeiro logar ao illustre Tibirica, primeiro defensor da igreja nestas entio incultas plagas. No ardor da luta, e no adro da capella, encontra-se com elle Jagoanharo : — Que vens tu procurar? — diz-lhe o cacique : Desta espada nao vés pendente a morte? « Nao a temo, replica-lhe o mancebo. Entrega-me Iguassu, que alli ’sta dentro. Um profugo dos teus certificou-me Que alli a vira entrar com tua filha. Vai buscal-a; sendo irei eu mesmo. » E investe para a porta: ahi arcam os dous por muito tempo, Jagoanharo 4 maca e Tibirica 4 espada, até que a luta se empenha braco a braco; e Tibirica, depois de haver subjugado o valente sobrinho, levanta-o com forca herculea, arremessa-o contra a pedra da soleira da igreja, e ahi lhe esmaga o craneo; mas vendo que ainda ancela, entra, vai buscar uma pouca d’agua benta, e baptisa-o: « Tirei-te a vida, disse, mas a0 menos Salyo-te essa alma. » A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. 99 E uma bella maneira de acabar com a vida do ardente vulto, depois da admiravel descripecio com que o illustre poeta nos desenha todos os pormenores da horrivel pugna. EF’ o triumpho do céo sobre Satanaz. E 4 essa hora estava o angelico Anchieta prostrado ante o altar, recitando em céro a Ladainha de todos os Santos, como a igreja ordena em occasiao de grandes perigos! De repente Pasma, estremece, estatico alli fica Attento olhando, como si visivel A seus olhos celeste mensageiro Ordem suprema Ihe estivesse dando! Cala-se o cdro, e Nobrega nao ousa As preces proseguir, nem despertal-c. Apés breves instantes, como aleado Por uma forea occulta, se levanta O ministro de Deus; olha, e direito Vai a Iguasst; co’a mao no hombro lhe toca: « Ergue-te, oh filha! diz-lhe, vem comigo. » Ambos da igreja sahem. Todos absortos P’ra deixal-os passar abrem caminho. Onde irao! uns aos outros se perguntam. Mas estranho prodigio esperam todos. Pelas trevas la vao silenciosos ; Ella cheia de assombro, a tudo alheia; Elle como impellido, calmo e attento, Evilando passar por onde ha sangue! Que luz na escuriddo, ou que Anjo o guia Ao campo daggatalha? Hil-o que para: — Aimbire! chama, e sua voz parece Resoar em caverna harmoniosa. Aimbire! Aimbire! —O rabido Tamoyo , Que perto combatia, se apresenta Todo escorrendo sangue, espavorido. — Toma Iguassu, lhe diz; deixa-nos, parte. Em quanto fascinado 0 Indio volvia Os olhos a Iguassi, some se Anchieta , E andando sua voz dizia: — parte. 100 REVISTA BRAZILEIRA. A inubia da o signal da retirada: os Tamoyos carregam aos hombros os seus mortos € feridos, e 14 partem todos para as suas candas. XU. Chegam as tribus Tamoyas a Iperohy, e ahi enterram os seus mortos, no meio do alarido das mulheres. O velho Coaquira, apregoado por todos como sabedor de occultas virtudes medicinaes, e vate entre todos, vai animando os feridos com a palavra, ® curando-lhes as chagas por modos varios. No emtanto Aimbire, cada vez mais ousado, incitava 0s Indios a uma nova luta, para extinguir a raca dos tyrannos, e vingar a morte de Jagoanharo. Seguro de ter cumprido o seu dever, dando honrada sepultura aos ossos do pai, cumpre tambem a sua palavra entregando a filha ao Francez Ernesto, que lh’a pedira em consorcio, e elle mesmo se declara esposo d’Iguassu, como para premiar seus proprios feitos : esposo somente em nome, ate que ella chegue a aurora das delicias, porque os Indios respeitam severos a idade da innocencia, e nao colhem o fructo ainda verde: PR isssie Amava Aimbire A sua tenra esposa, como um lyrio Prestes a abrir 0 calice mimoso Aos beijos do colibri. Pindobuct, Coaquira e os dous amantes entretem-se em graves palestras sobre a vida actualye a fulura, e sobre os mysterios da religiao de Christo, que Iguassa e Aimbire hayiam aprendido de Portuguezes e Francezes. Mas eis que divisam ao longe uma canoa esquipada, demandando a praia: — é Nobrega e Anchieta que ahi vem; e Ja ao alcance da voz, erguem-se ambos, e o primeiro dirige-se as quatro personagens que estao 4 beira-mar, e communica-lhes que yem entregar-se sem) armas em suas mios, porque sabem A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. 104 que os Tamoyos nunca recusaram hospedagem ao estran- geiro. « Quem nos procura em paz nos acha amigos ; Podeis desembarcar. Jamais Tamoyo, Para dar agasalho ao estrangeiro, Perguntou-lhe quem era, e 0 que queria. De mais, ha entre nds quem vos conhega. » Aferra o lenho a praia. Os missionarios desembarcam no meio de grande acatamento, e todos os principaes lhes vem offerecer o que tem. O banquete da chegada orna-se no chao, em frente da cabana de Coaquira, onde os apostolos sio hospedados. No dia seguinte, a0 romper d’alva, os dous santos eremitas preparam um altar tosco a sombra de um coqueiro, e 0 mais velho celebra o primeiro sacrificio incruento que esses bosques presenciaram. Finda a missa, 0s missionarios em conselho com os caci- ques Tamoyos propoem paz e amizade para sempre, mostram quantos bens traria comsigo a concordia para Indios e Lusos. Aimbire accede 4 proposta, com a condicao de selhe entregarem os prisioneiros, e com elles os tres chefes traidores, e mais Dias, que se atrevéra a raptar Iguassu. Nobrega pede aqui a Anchiefa, como mais mogo, mais ardente e mais versado na lingua tupica, que responda ao Tamoyo. Temos pena de nao poder para aqui trasladar, por sua extensio , o edificante discurso do novo Xavier: é 0 resumo da doutrina do Filho de Deus, ensinada na terra aos homens: é 0 seu mandado d’amor na ultima hora, e n’uma linguagem singela e chaa, como convinha a tal auditorio. Conta-lhe por fim o padre como Dias fora morto , e nega-se a entregar os tres chefes Indios, porque seria isso uma horrenda perfidia. Os circumstantes applaudem o orador, e o proprio Aim- bire ecde 4 forca da razao. Louva o ministerio e 0 coracao 102 REVISTA BRAZILEIRA. de ambos os padres, rememora os servicos que elles pres- taram 4 sua querida Iguassu; lembra-se ainda attonito da apparicao fascinadora da igreja; confessa ignorar quem logo depois tocdra a retirada, e propoe agora como unica condi- cao de paz o ficarem os seus Indios senhores para sempre do Guanabara, embora os Portuguezes fiquem de posse de todas as terras ja tomadas. As tribus ouvem com prazer condicao tao justa; mas Anchieta, que nada podia prometter , replica a Armbire que nao é sé de terras que se trata, visto que terras tem os Por- tuguezes de sobra, A4quem e além dos mares; mas que o dever que Deus impéz aos seus ministros é o de salvar as almas dos pobres Indios, e que é mister que os missionartos habitem no meio das tribus, para as gular 4 civilisacao. Homens incullos n’uma terra inculta, Sem haver quem os tire da ignorancia , Naufragos sio em vasto mar perdidos , Que a morte bebem no volver das ondas. Depois de reflectir ia fallar Aimbire, quando o Francez Ernesto toma a palavra, e se oppoe a proposta de paz e ami- zade com os Portuguezes, que se nao fartam de terras e de escravos. Lembra 4 assembléa que, se nao fossem os Fran- cezes, nem um sé palmo de terra ja teriam os Tupis em seus ninhos. Rejeita a instruccao que os padres offerecem em troca da liberdade, e apresenta para doutrinar os Indios muito melhor os nomes de alguns calvinistas, que se acham entre os Francos. Abre bem os cancros da civilisacao europea, es- pecialmente o do Santo-Officio ; e mostra que com a allianca dos Francezes podem os Tamoyos formar na America uma nacao nova e grande, e zombar de todos os inimigos. Ja responder Anchieta ao calvinista, quando Aimbire, interrompendo a Ernesto, bradou : « P’ra que tanto fallar inutilmente ? © qu’cu disse esta dito; e lerminemos. A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. 103 Restituam 0s nossos prisioneiros ; E si quizerem paz, em paz nos deixem. » E 4 longa discussao assim poz termo. Corria pelos sertées a nova da chegada dos missionarios como dous espias, que vinham ver o campo dos Tamoyos ; e esse boato crido pelos Indios, corriam elles em chusmas alvorocados , afim de matar os padres. Q proprio Parabucu chega com este intento a Iperohy, seguido dos seus ; mas ao dar com os dous santos dejoelhos, macerados pela penitencia e pelo jejum, retira-se envergonhado. Outros porém per- sistem na intencio de assassinal-os, ao que obsta Aimbire furioso, ameacando com a morte quem tentar contra a vida de qualquer dos dous. O padre Nobrega entende que é necessario ir um delles a Sao-Vicente patrocinar a causa dos Indios, e d’ahi escrever para Lisboa e para a Bahia, rogando a Mem de Sa que sem demora mande gente para o Rio de Janeiro, afim d’abi fun- dar uma cidade, antes que o facam os Francezes protes- tantes; e communica esta resolucio ao padre Anchieta, o qual escolhe ficar em Iperohy , como posto mais arriscado. Separam-se os santos varoes, e parte Nobrega para Sao- Vicente. Aqui termina o canto nono. XIV Quanto me apraz a egregia heroicidade Do illustrado vario, que nao movido De affecto vil, mas so de amor guiado, Mil perigos e a morte assoberbando , Todo se sacrifica a bem dos homens! Que outra virtude a tanto amor iguala? Nesta mansao de cardos e de espinhos, O vero heroismo, que o dever so segue, Floridas c’rdas p’ra exultar nao busea , Nem os applausos ¢ o pregao da fama: Mas nem por isse 0 merecido encomio 104 REVISTA BRAZILEIRA. Lhe negue a Musa da virlude amiga; Antes mais sonorosa a voz erguendo , Faca o mundo entoar do justo 0 nome. Anchieta, de ti fallo! e o céo conceda Que eterno 0 nome teu sde em meus versos. E’ com esta bella philosophia e apostrophe que o poeta abre o seu decimo e ultimo canto. Consagrava-se todo Anchieta ao bem dos Indios, e 4 pra- tica das virtudes que ensinava: aquellaalma, purificada pela fé, eracomo um altar de caridade viva, curando os enfermos, amansando os ferozes, e doutrinando a todos. No meio dessa natureza virgem , elle moco e severo, para furtar-se aos pen- samentos de concupiscencia , e a0 ocio que o podia seduzir , faz voto de cantar na lingua lacia a pureza da Virgem Santis- sima: e 1A vai todas as tardes ao por do sol vagar sésinho pela praia, coma mente cheia do celeste assumpto , que se lhe desliza dos labios em cadentes versos: Como p’ra vel-o, e alumiar-the os passos, Entre os cirios do céo se erguiaa lua, Longa zona argentina reflectindo Sobre o mar salpicado de ardentia : Disseras ser um rio de luz pura, Que de vuleao celeste 4 flux surgindo, Em campo diamantino deslizava. Quanta poesia nao val nesta imagem , e como é casto 0 esplendor que ella derrama em similhante quadro! Uma voz se espathou que alli notou-se Branca pomba adejar em torno ao vate. Oh mil vezes feliz a alma sublime Que abrazada no fogo da poesia, Tudo que a toca de harmonia envolve, Como a flor embalsama o ar que a heija! Aqui 0 pocta invoca o eéo que o viu infante beber com a A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. 105 vida nos bracos maternos o amor da harmonia, e pede-lhe que 0 inspire , e oucao seu canto derradeiro, eo seu extremo sus- piro nessas terras do saudoso Carioca, onde descansam 0s ossos de seus pais. O coracao do leitor enche-se naturalmente de tristeza e de uma doce melancolia ao recitar as ultimas aspi- racdes do cantor illustre, que ao levantar de bem longe os olbos para o horizonte da patria pronuncia cheio d’amor os nomes de Caldas, de Sao-Carlos, de Alvarenga, de Durao, de Bazilio da Gama e de Claudio. Residia em Iperohy o heroico Anchieta havia ja cinco luas, eo chefe dos Tamoyos achava mais que longa a demora da resposta de Nobrega, que ratificasse os ajustes de paz. Os Francezes, aproveitando-se da impaciencia do cacique, incitavam os Indios por diversos modos a nao esperar mais; porém o chefe dos selvagens, em cujo peito nem medo nem vileza se aninhavam, respondia-lhes quea espera era muita, mas que aresposta havia de vir. JA azizania ia apparecendo no campo, quando o santo anachoreta Ihes communicou que uma voz celeste lhe annunciara novas de paz dentro em tres dias. Com effeito, na terceira tarde véeem surgir de uma ponta de terra uma canda esquipada, e um Indio na proa fazendo acenos de amizade: — era Cunhambeba, que desembarea, beija as maos de joelhos ao veneravel An- chieta, e lhe entrega uma carta de Nobrega: d’ahi vai 4 canda, e volta com todos os remeiros carregados de pre- sentes, que depde aos pés do padre. Anchieta Jé a carta, explica-a aos Indios, exultando de prazer, da gracas a Deus pela merce recebida, reparte os presentes pelos circumstantes, robora-os nas idéas de paz, pede-lhes esquecimento do passado, e despede-se de todos : « 86 por amor de ti, voltou-lhe Aimbire , Acceilamos a paz que, nao pedida, Nos vieste propor co’o teu amigo. Vé bem que a tua gente a nao quebrante, Que entre nds ninguem falta ao promettido. » 106 REVISTA BRAZILEIRA. Ainda ahi passaram juntos essa noite, mas ao romper da aurora-separaram-se, e cada qual, no doloroso ensejo do apartamento, traz ao peregrino alguma offerenda humilde. Pindobucu, a filha e Coaquira, pedem em lagrimas ao santo vario que volte depressa aquellas plagas, onde ficam todos a suspirar por elle. Anchieta promette-lh’o, embarca-se, e ja dentro da canda lhes lanca a bengao. Porém a doce crenea da pazbem pouco durou. Um grande enxame de Tamoyos, que fogem, chega a Iperohy com Guaxara seu chefe, dando a fatal nova de que a frota por- tugueza entrara o Guanabara com grande estrondo, e des- pejara em terra gente sem conta. Era Estacio de Sa, que por ordem da Rainha Regente de Portugal D. Catharina vinha com duas naos do Tejo, e mais dous galeoes que na Bahia lhe déera Mem de Sa, governador geral do Brazil, e outros navios e barcos pequenos que tomara em Sio-Vicente, com grande copia de Indios, e os missionarios Oliveira e Anchieta, expulsar os Francezes de todo o Nic- theroy, e fundar nas saas margens a cidade do Rio de Janeiro. Ao ouvir tal annuncio as tribus ficam como fulminadas ; mas ao pasmo succede o furor, e eis que Ja vao os Indios correndo pelo campo em confusao, bradando — guerra; e sem esperar as ordens de Aimbire apresentam-se armados para marchar. « Bem vos amoestei eu, dizia Ernesto, vede se me enganei: eil-os agora, os iniquos, reforeados € jactanciosos, que vos vem dar a paga da vossa boa fé. » — « Antes assim! brada Aimbire furioso : eaters Agora ao menos Melhor conhecem todos o inimigo. Acabou-se a piedade ; e dura guerra, Guerra de morte aos perfidos faremos. Ronque da marcha a inubia: 4 guerra vamos, E por terra e por mar, cia, partamos. » E todos repetiram o brado de guerra, menos Pindobuct e FT 4 A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. 107 Coaquira, que se lembravam das prégacoes de Anchieta, e que , temendo o castigo do céo, pretendiam com razoes varias conjurar a tormenta que ia Jevantar-se. Nao lhes é isso possivel, e eil-os emfim todos chegados a Nictheroy. A’ vista das muralhas mal erguidas da nova fortaleza da Praia Vermelha, onde tremulam as Quinas portuguezas, os Ta- moyos enfurecidos investem, e comecam a disparar milhares de settas, que lhe chovem dentro. Das trincheiras bramam os arcabuzes, entre raios e fumo, que espargem a morte por toda a parte. Redobra o furor de dia em dia, e repetem-se os ataques. Dous annos se passam nesta luta cruenta , e a gente de Estacio , cansada e falta de municoes , comeca a descoro- coar. O capitao portuguez manda Anchieta 4 Bahia expora Mem de Saas suas fadigas, e pedir-lhe prompto soccorro. Cumpre Anchieta a sua missao, e ao mesmo tempo é alli or- denado presbytero. Mem de Sa, que se apraz com os perigos da guerra, manda aprestar a armada, e corre prompto a auxi- liar a Estacio. No dia dezoito de Janeiro da fundo a armada portugueza na bahia de Nictheroy, saudando a terra e 0 novo castello. Ao horrisono ribombo dos canhoes surgem dos bosques cor- rendo as praias grandes cardumes de Indios, e entre elles Aimbire, olhando attento paraa armada fatal : Passa a dextra na fronte anuviada ; Mesto os olhos do mar ergue as montunhas , Que sublimam do golfo a magestade ; E as vai como saudando. Apds os volve De um lado e d’outro aos seus, a filha, 4 esposa , Que alli com elle estado. Adeus saudoso, O ultimo adeus, dizer parece a tudo. De novo involuntario a nao attenta; E a Jagrima, que a dor lhe nega aos olhos, Lhe cahe no coracao petrificada ! D’ahi, como acordando ao brado de Ernesto, que lhe per- gunta o que conyém fazer , resolye que se ataque o inimigo f i 108 REVISTA BRAZILEIRA. nas trincheiras , e que metade da gente fique em Urucu-me- rim, para que mais segura seja a defesa, sem aventurar tudo num s6 combate. . No emtanto reunem-se em conselho Estacio e Mem de Sa, e os mais illustres da companhia dos dous: discute-se e appro- va-se o plano do atlaque, e é commettida a execucao a Estacio. O dia seguinte era consagrado ao santo padroeiro da nova cidade. Ao surgir da aurora apparelham-se devotamente para a morte os bravos Portuguezes , e la vao em rapidos bateis para terra. Francezes e Tamoyos os recebem nas trincheiras com pellouros e settas: os Portuguezes avangam corajosos, cha- mando por Sao-Sebastiao. Trava-se horrenda luta: nos fossos espuma o sangue em lagos, onde rolam innumeros cadaveres : os vivos investem como ledes 4s trincheiras. « Victoria! » brada Estacio, e o furor recresce de ume outrolado. Indios e Francezes cahem por terra em montoes na atroz carnificina. Os vencedores vao d’alli gloriosos para Parnapicuhy. La os espera Aimbire, cujo braco nao repousa: em torno delle cahem os companheiros bramindo, feridos ou mortos :—elle os conculea: os pellouros sibilam-lhe ao redor ;—desafia-os : passam-lhe pela fronte pedacos arrancados das trincheiras ; —affronta-os. E noite horrenda: é um metedro medonho, onde combatem demonios. A pintura desta luta extrema de um povo que expira é similhante em vigor e correceio a terrifica batalha do Chrys- sus do Sr. Alexandre Herculano, no seu inimitavel Eurico. Mas aqui parece 0 poeta tomado de um santo temor e de uma sympathia profunda pelo illustre guerreiro quasi mar- tyr, e prosegue: 2s, one Tnda um momento O Indio seguirei. Victima illustre De amor do patrio ninho e liberdade, Elle que aqui nasceu nos lega o exemplo De como esses dous bens amar devemos. a |. A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. 109 Poucos lhe restam da guerreira tribu , Que livre aqui nasceu e morreu livre. Iguasst, sua esposa, que 0 nao deixa, Varado 0 peito, aos pés lhe cahe e expira, Sem exhalar um ai! Para instantaneo O indomito Tamoyo. Ante 0 inimigo, Que victoria ja brada, Estacio avulta, E uma setta de Aimbire a esposa vinga, Ferindo 0 capitao, que da victoria Por poucos dias gozara dos louros. Rapido apds como um possesso toma O cadaver da esposa, a0 hombro o lanea. Empunha a herculea maca e feroz brada: « Tamoyo sou, Tamoyo morrer quero, E livre morrerei. Comigo morra O ultimo Tamoyo ; e nenhum fique Para escravo do Luso : anenhum delles Dareia gloria de tirar-mea vida. » Cheio de raiva e cego, vai abrindo com a maca uma es- trada de cadaveres por entre o inimigo, e lanca-se ao mar. No dia seguinte os valentes companheiros dos Sis apossavam- se das for ny@pe s plagas do Guanabara, e tracavam os funda- mentos do Janeiro, levantando um templo a Sao Sebastiao. O mar arroja ds praias os corpos de Aimbire e de Iguassu, e o santo e piedoso Anchieta ahilhes da sepultura. Aqui termina a accao do poema. Mas o Sr. Domingos de Magalhaes nao devia encerrar a sua epopéa sem a depor aos pés do esclarecido Soberano a quem a offerece, ea cujo berco, n’um momento de grande infortunio, se ajoelhara ainda bem moco. E’ o que elle faz com effeito na magnifica invo- cacao que segue, que é como a corda do seu bello poema : «Excelso Imperador, que justo empunhas O sceptro do Brazil, onde Teu berco Por seu ardente amor foi embalado ; Onde um s6 coragao nao ha que um throno De amor Te nao consagre; onde espontaneas De livres cidadados as gratas vozes 110 REVISTA BRAZILEIRA. Tuas grandes virtudes apregoam : Tu, cuja vida vivifica os germens Da gloria nacional, que Te circunda ; Defensor do Brazil, Tu que instruido Dos deveres de Rei, sabes que o throno, Barreira de paixdes desordenadas, O apoio deve ser da liberdade, Da justica e da paz, e o altar sagrado, Cujo fogo perenne animar deve Sciencias, leltras, arles e virludes ; Monarcha Brazileiro, acceita 0 canto Que Te dedica 0 vate agradecido ; E faze que outros muitos mais ditosos, Porém nao mais da nossa terra amigos, Eterna gloria dém 4 Ti e 4 Patria. » Ditoso o Estado a quem Deus concedeu um Principe . cuja vida vivifica os germens Da gloria nacional : e ditoso o Chefe de uma grande monarchia Onde um s6 coragao nao ha que um throne @@ D’amor lhe nao consagre } XV Resolvamos agora a ultima e mais importante questao que a principio nos propozemos:—Qual sera a forma por que aarte se deve hoje manifestar no Brazil ? A poesia acha-se actualmente n’um excellente caminho entre as nacoes mais cultas da Europa ; osnomes de guerra, as alcunhas de partido, nao tem mais significacao para nin- guem ; 0 pugilato das theorias acabou felizmente, e o ter- reno da arte nao éj4 hoje um circo de gladiadores, —é um campo fecundissimo, onde ninguem se bate, e onde todos se occupam em trabalhar, com mais ou menos fortuna. As doutrinas de liberdade litteraria espalharam a sementeira , A CONFEDERACAO DOS TAMOYOS. 11 em todo esse campo; e ja agora as geracoes novas hao de ceifar a messe. Sabemos que na realisacao do ideal se nao pdéde ir além dos Phidias, dos Raphaeis, dos Beethovens e dos Camdes, mas tambem sabemos que nao é impossivel igualal-os, por- que Deus, que enviara 4 terra aquelles seus escolhidos, pode enviar-lhe muitos outros, que valham tanto como elles, e que descubram novos caminhos para se elevarem ao abso- luto. Por que razao, portanto, querer fixar um cravo no elxo incansavel em que o espirito humano volve, e decretar uma bitola tyrannica ao genio? A bitdla do genio é a escada de Jacob: sé do alto della é que o homem descobre os ca- minhos do infinito, e escolhe aquelle em que mais se de- leita. A cada grande pensamento, a cada trophéo de victoria alcancada pelo espirito contra a materia, sobe o homem predestinado um degrao dessa escada, até que se perde na mysteriosa nuvem que 0 cerca, e se apresenta extatico diante do Throno de toda a luz, para dizer a Deus : «Senhor! eis- me aqui. E’ aquelle o caminho que eu pretendo seguir. » Nés cremos pois firmemente no futuro. Ainda se véem fluctuar aqui e acola na superficie da arte alguns trocos de velhas poeticas desmastreadas, que ha mais de vinte annos fazem agua; ainda apparecem alguns teimosos, que se lhes penduram irados a um e outro bordo do navio, e nos amos- tram de ]4 na ponta d’uma lanca o adoravel pavilhio de Aristoteles; mas elles de la est’o vendo os homens predes- tinados resolver a questao de forma segundo a vocacao de cada um, e por diversas maneiras, todas graciosas, todas se- ductoras, e sobretudo encaminhadas pelo bom senso, que sera sempre 0 guia seguro do espirito na realisacio do ideal pela arte. Comtanto que a lingua do poeta — e uma lingua tao bella como a nossa—se nao deturpe nem se vista 4 moda, porque as modas nas linguas sao a sua abjeccio; comtanto que as imagens, as figuras, os contornos, o estylo, os grandes atre- 4 ip REVISTA BRAZILEIRA. yimentos de mestre sejam formosos e naturaes, deixe-se voar o genio: toda a inspiracao é divina; toda a forma convém ao actual seculo, chame-se ella ode ou psalmo, idyllio ou epopéa. Severidade e grandeza nas formas, grandeza e se- veridade no fundo, tal éa lei actual da arte, tal 6 o modo por que ella se devemanifestar no Brazil. XVI Se nés tiveramos tido a fortuna de emprehender e execu- tar uma composicio da ordem e dimensoes dos Tamoyos, prefeririamos a oitava-rima ao hendecasyllabo solto ; nao tanto porque todos os nossos bons poetas epopaicos até hoje a hao preferido (essa seria fraca razao), mas porque nos pa- rece que o encanto da rima multiplica a harmonia, e faz quasi sempre o poeta descobrir maravilhado em seu proprio engenho bellezas de forma que elle ate ahi desconhecia, e que sémente lhe appareceram com a instigacio da rima. O Sr. Magalhaes porem preferiu a forma livre a rimada, como mais severa que €, e sob a qual elle podia dar aos seus vul- tos toda a correccdo que a arte demandava. Foi uma nobre preferencia, de que o poeta tirou todo o partido possivel. Assim mesmo, alguns versos intelramente prosaicos, ou- tros deleixados Ihe escaparam n’algumas scenas, quando nem o caracter da personagem, nein a situacao dramatica, podem justificar esse deleixo, as vezes necessario. Nem tao pouco reparouo poeta n’algumas imperfeicoes de linguagem, n’algumas transposicdes desusadas que aqui e acola appare- cem, e que sdam desagradaveis ao ouvido que fora embala- do na castigada lingua de Frei Luiz de Souza. A armada portugueza de Mem de Sa surgiu nas aguas de Nictheroy em 18 de Janeiro de 1567, quando o astro que é nosso centro visitava ainda Capricornio. O Sr. Magalhaes, no seu uliimo canto, diz-nos que : | | A CONFEDERAGAO DOS TAMOYOS. 113 No Aquario signo em meio o sol gyrava, Quando de Nictheroy no immenso golfo Entrou soberba a protectora armada. E’ um anachronismo facil de corrigir e facil de desculpar em um homem, cujo commercio é muito mais frequente com Calliope do que com Urania. E a final, todos esses raros defeitos e inexactidoes ficam totalmente offuscados pelas innumeraveis bellezas do poema, que nao tem similhante em nenhum dos publicados até hoje em nossa America do Sul, desde a Araucana de Ercilla, alé o Caramurt de Santa-Rita Durio. A cér local, que o Sr. Magalhaes espalhou em todo o drama, constitue o principal merito da sua epopéa. Aqui os episodios sao tao interessan- tes, as pugnas barbaras tao homericas, as personagens, as descripcdes, as paisagens sdo tio americanas, tao brazileiras, que elevam o poema a uma das maiores alturas a que a phi- losophia christaa se pdéde elevar pela poesia. A Confederagao dos Tamoyos sera sempre lida com orgulho por todos os amigos da patria, e considerada em todos os se- culos como um grande monumento de honra para o poeta, e de gloria perduravel para o paiz a que elle pertence. Pernambuco, 9 de Abril de 1857. José SOARES p’ AZEVEDO, RESPOSTA A UM TRECHO DO POEMA GONFEDERACGAO DOS TAMOYOS. Interpellado pelo meu amigo Magalhaes, debaixo da {forma a mais solemne, e perante a posteridade que tem de atravessar o seu poema da Confederagao dos Tamoyos, creio do meu dever publicar neste momento a resposta que dei no anno de 1854, quando recebi uma carta sua de Napoles, onde vinham transcriptos os versos que se acham hoje estampados 4 pagina 113 da edicao princeps do seu poema, feita por ordem e ds expensas de Sua Magestade o Senhor D. Pedro If. O meu nome, sem outro merecimento maior ao da antiga e fraternal amizade que lhe consagro, foi por elle collocado n’um dos mais bellos cantos da sua obra, mais com o fim de immortalisal-o do que com o intuito que revela, porque na arte nada sou para merecer tal honra; e porque elle, deposito intimo de todos os segredos do meu coragao, espirito illustrado e vidente, conhece perfeitamente as occurrencias da época em que vivemos, o pensamento predominante dos contemporaneos, e a desigualdade des _ nossos elementos civilisadores. As épocas das maiorias nao sao as das individualidades, mérmente das artisticas, que necessitam de uma tempera- tura politica mais intensa e mais regular. — ae ee et a" REVISTA BRAZILEIRA. Res Publico de antemao esta resposta porque espero merecer indulto dos que me accusarem sem saber as duras prova- coes por que passei nesta vida excepcional, ainda nao com- prehendida pela maioria de uma nacido nova, herdeira de graves preconceitos contra o homem d’arte, e alheia ao espirito e 4 practica que fomentam as bellas artes. Felizmente para a mocidade, os homens da actualidade comecam a ver que a grande patria no est4 na extensao do solo, que a nacionalidade nao é o individuo, e que o almanak official pouco significa quando o seu pessoal nao se exorna do amor da patria e dos dons da intelligencia. Se devemos 4 imprensa uma parte desta feliz modi- ficacao, devemos outra maior a illustracéo e disposicdes na- —turaes do Imperador, que mais de uma vez tem dado provas de que a intelligencia é para elle a primeira qualidade no homem: olhemos para cima, e veremos bastantes provas. Ha dezenove annos que voltei da Europa, e apezar de ser na época da menoridade, fiz alguns servicos, e dei exemplos de que era artista e desinteressado. O que aqui digo com- prehende a mais bella quadra da minha vida, a quadra da mocidade, do vigor, da esperanca, do fanatismo patrio, e a de tristes decepeoes. Tarde resignei-me; hoje nao vivo para oindividuo, nao penso mais no artista, ndo tenho ambicao de gloria nem de riquezas: trabalho porque o trabalho é uma necessidade; trabalho para as artes porque o Imperador assim o manda; mas 0 artista desappareceu: as perseguicoes de alguns egoistas, as ingratidoes de alguns discipulos e collegas, molestias graves e a desesperanca consummaram a obra. Talvez que a minha imaginacao engrandecosse as causas, avultasse os effeitos, oque nao é culpa minha; todavia o que escrevi 6 0 que se passou em mim, ou Oo que pensei ver: desejo de todo o meu coracao estar illudido, e que sé sejam causas as fatalidades de um homem que nao conhece a felicidade. 116 RESPOSTA AO DR. MAGALHAES. Eis-aqui por inteiro o periodo a que me refiro. Respondo sémente aos versos que vao em italico, porque os outros considero comofructo da cegueira de uma amizade fraternal, como um meio generoso de a justificar mais altamente. Cantor sublime dos brazilios bosques , Que fazes dos pinceis que a Natureza Com tanto amor te deu ? Caro Araujo, Tu que pintando o que tao bem descreves Com essa alma de fogo, que se abraza N’um volc&o de arrojados pensamentos, Crear podias maravilhas d’arte , Que a par dos versos teus mais te exaltassem , Porque nao mostras quanto pode o engenho , Que esta Patria accendeu p’ra gloria sua? FRAGMENTO DO COLOMBO Prosigamos no afan. Ether divino, Gremio da creacao, asylo eterno Da celeste harmonia, e dos arcanos Patentes ao mortal por Deus ungido Ao ver a luz do sol, ati me volvo. Em teu ambito puro nao se cruzam Infidos echos de paixoes terrenas. Ave canora, vou cantar no espago, No livre espaco da mansao siderea , La onde nao se escula entre saraos Sibilar a serpente; onde meus hymnos, Como os olhos da infancia 4 luz propensos, Do céo de amor, serenos, sobre a patria Um dia descerav, sem que os retrinque Ardilosa fallacia ou vil ciume. Sarjou-me a face o aguilhao das magoas; Nevou-me a fronte do infortunio 0 sopro ; Prematuro trajei vestes senectas , Mas intacta ficou minha alma artistica. FRAGMENTO DO COLOMBO. Ameigada nas azas da esperanca , O véo fito no clardo da gloria, Em meu ser te infundiste alma pintura. Tres lustros de labor, de risos, lagrimas, E a fé, virginea fé de um peito joven, O almejo ardente, 0 generoso impulso, Tudo, tudo perdi! 1) meu passado O arcabouco mirrado da belleza; Alveo de um rio que o volcao seceara; Trilho perdido por cerrada matta ; Um astro extincto, um desengano horrivel! J4 nado tenho palheta! — Odeio a téla, Painel de magoas que me corta a vida. Tantos annos de amor, de arduos empenhos, Tudo, tudo perdi! Sonhos tao bellos Como a virgeni celeste da esperanga , N’um sudario de angustias envolvidos , Jazem no campo da mortal incuria , No barathro odioso do despeito ; No porvir tenebroso dessa gente Que alegre vive na fatal descrenca, E as virtudes das artes, como os barbaros, Ulana desestima, e..... quer ser grande?! E nada o homem quando o ouro é tudo. E nada o genio, o heroismo, a honra, Quando impera a cubiga, quando o vicio Triumphante domina, quando 0 prisma Das miseras paixGes irisa 0 crime E a verdade refrange. Decepado, Como um velho que os tempos doutrinaram , Na estrada me abati: Eu vos perddo. Nao manchara meu canto vossos nomes Escuros no porvir, e so brilhantes Na idade d’ouro amoedado. Basta. Antes que as velas se desfraldem, antes Que invada as métas do oceano incognito O famoso Ligurio, 4 Lalia adeja 117 118 REVISTA BRAZILEIRA. Pensamento querido, e sobre as margens Do mar tyrrheno, na formosa estancia , Parthenope gentil, amigo pousa. Ao som da lyra do brazilio vate, Que interroga 0 meu ser, responde accorde. E sua alma minha alma, o mesmo molde Formulou-as no céo, gemeas nasceram No amor e na amizade, nfo no engenho: Do sol radiante avizinhada a sua, Da fronte espande nos paineis brazilios O lume divinal que o céo fadou-lhe. Pensamento querido, va, vda, Carinhoso agradece ao Magalhaes De haver meu nome eternisado, e a fronte De brazilos laureis, de amor lhe adorna. Como o fogs do monte, que a seus olhos Sulphurea nuvem pelo céo distende, Assim foi minha dor: o chao crestaram No momento fatal as minhas lagrimas Quando vi condemnado a inutil ocio O meu fraco pincel, e o verme impuro Em volatil carcoma transformal-o. O sceptro d’arte pertencia aos Midas, Juiz era o algoz! Entao reinava O nefando egoismo: Deus e a patria N’azinhavrado cofre se encerravam, E as virgens musas no velabro sordido. Era outra a minha fé, outro meu norte : Nascéra no Brazil. Ah! mui differe Do profugo a missio, quando sua alma Do lar deserta a demandar a patria Nos acttleos sedentos da cubica. Guai de quem nao afere os sentimentos Do homem que em seu bergo vé a lousa, E de affectos sagrados circumdado, Séus deveres conhece, adora a patria! Da inhospita e cruel mansao dos homens Resignado fugi: ao céo voltei-me, Para o céo que sorria , 0 0 céo benigno Oulorgou-me o espago generoso , -o FRAGMENTO DO COLOMBO. 119 Onde eu, liberto, a consciencia em mente, Podesse discorrer. Vi nelle um Anjo! No lucido remigio desprendia Concentos divinaes; dos virgens labios , Como estrellas canoras, as palavras Cadentes aleavam, transluzindo Consolo e quietagao ao peito afllicto,; Dizia tanto na longinqua esphera, Que o verbo humano modular nao pdde. Sereno, 4 terra deslisou, e erguido Sobre um combro de ruinas, 0 passado C’um aceno exhumou. Bem como a nevoa Do prado erguida e das sonoras brenhas Pelo vento, e em mil larvas retalhada, Assim do solo resurgiram mudas Legioes de phantasmas! Era o povo. Dos dominios da morte, 0 tempo exhausto Nas Iutas do passado , confundido Pelo codigo eterno do sepulchro. Sorriu-se 0 Anjo, e para mim fitande Os olhos caroaveis, disse: « E’ tempo: « Ja basta de soffrer , enxuga as lagrimas. « De amor celeste e de harmonias patrias « Odedo de Adonai ungiu teus labios « Quando o lume do céo abriu teus olhos « La no ameno Jacuhy , na terra ovante « Onde a infancia por brinco toma as armas! - « Canta que és vate. Deixa a téla escrava « Fanar-se ao bafo das poentas éras. « Quantas vés a meus pés, tristonhas larvas , « Artistas foram, desgracados entes « Que, a um tacito martyrio devotados , « Em premio houveram do futuro avaro « Perpetuo olvido, — A geracao que os viu , « Ea miseria offertou-lhes, jaz sem nome. « Para eterno viver-se entre os humanos « Ndo basta um nome na funerea lapida , « Como Zeuxis , Parrhasio, ou como Apelles. .. . ot 0 REVISTA BRAZILEIRA. « Onde estio seus paineis, onde o Ceramico ; « E os porticos d’outr’ora recamados « De lucidos primores?! Nao prosigas ; « A’ noite oppde a luz, idéas planta « Na puericia fecunda ; que a nobreza « Inda as artes do bello nao pediu Mais lustre a seus brazdes; nem a riqueza « A gloria que a eternisa. — Ha so futuro « No teu patrio Brazil , so esperancas. « A hora do alvanel, hora solemne, « Que exorna ocho e a patria nobilita, « Inda esti no porvir ; inda nao fallam « Com elle a pedra e o sonoro bronze: « A estatua inda é rochedo. E tu pretendes « Dar vida a téla, que do harmonio circulo « A orbita remata?! Nao te illudas ; « O fumo dos mercados escurece « As tintas de Corregio e Ticiano; « Ahi se compra tudo, ou se permuta « A gloria por miserias e agonias. a « Foi mui longa aillusao, alfim cedeste. « A andorinha animosa fende a nuvem « Que Aterra baixa de trovies pejada, « E incolume surgindo , airosa sobe « Aum céo sereno, que lhe doura a fronte « E 0 corpo irisa do matiz ethereo. « Na atalaia do tempo nao floréa « O pendao magestoso, como o tronco « De palmeira vergada por pampeiro « Se inclina o masto na supina mole; « Da fésuprema, que remoga as éras « E 0 povo regenera, a hora tarda « No teu joven paiz: 0 escambo em mente, « Eos frivolos prazeres vao gaslando « © tempo, — o mor thesouro — ea mocidade ! « A bocca do orador inda bafeja « O leite escravo que libou na infancia ! E’ forcoso esperar ; inda peleja » O verbo do Ypiranga. = FRAGMENTO DO COLOMBO. « Eia, nao pares, « Eia, pintor , a grandiosa téla « Do oceano, do espago, e do infinito ; « A luz dos astros, a palheta do iris, « A terra tao formosa e variada , « Eos prodigios do homem. Ah ! nao cesses , « Do metrico pincel espraia os rasgos , « No fiat immortal tens o modelo ! « Se um verso deres que o porvir acolha, « E ledo o exare no altar da patria, « Filho ingrato nao foste, assas fizeste. « Nao vive a prole que a mastins semelha « Em mutua refilar-se , e que ao futuro « Convicios testa: o Sybarita apathico « Nos seus fastos deslembra a humanidade. « Escravas sao do rico as artes plasticas , « Ecomo elle caducas. Peristyllos , « Douradas regias e marmoreos circos « No outono do tempo o chao alastram ; « Eo deus, que vira um Phidias no penhasco , « Ao pé do Vaticano ird mesclar-se « Quando Roma for cinza , quando o Tibre « Mudar de nome, e alvejar ao lume « A prole diva que em seu lodo esconde « Os membros mutilados! Triste é 0 circulo « Da humana crenca: 0 homem do futuro « Com pé profanador conculea altares « Por seus pais adorados , e ao deserido « Vindouro os seus entrega. Tudo morre , « Tudo perece, mas o vate nunca : « Da belleza moral , superno antiste , « Como ella amado , os coracdes conquisla ; « A inteiras geragoes pertence 0 vale, « Pertenece aos seus, ao forasteiro, ao barbaro « Dos buledes do porvir ; aos que hao de um dia « Sobre vossas caveiras vir sentar-se. « Sao seus versos padroes que o tempo annullam, « Monumentos intactos junto ao throno « Ea misera choupana. i 1 « « REVISTA BRAZILEIRA. « Quando a patria £’ madrasta cruel, e 0 rei escravo Da improba avareza, ou dos tyrannos « Que elle mesmo creara, entao silencio ; « < Que o silencio nao fere a réos dourados : Mas quando sobre o throno impera um principe Como Pedro Segundo , que combate A rudeza, e em templos de harmonia Os seus pagos converte, canta, canta. Si orei te escuta , emmudecer é crime. Abraga-te co’a lyra, adora a Musa, A Musa da harmonia, a helia virgem Em cuja fronte se mistura o lume Da videncia celeste ao canto egregio ; Ameiga os seus dictames , colhe o nardo . Que seus labios distillam quando falla A’ lua dubicsa , ao sol radiante , Ao claro rio, afugitiva nuvem , A’ selva escura, ao monolitho alpestre , A’ flor do valle, que reflecte a aurora, Ao mar, e aos voleées, ao negro abysmo , Ao homem, a virtude , e ao Deus eterno. Na estancia adora, habitagao da diva , Continuos gyram fecundando flores O colibrio amoroso , a borboleta Do ether filha e de metaes incognitos ; Adora a virgem que em perpeluas alvas O ser fluctua harmonioso e candido, E os sonhos colhe que ella mesma gera , E no espaco aviventa com magia Em vitaes primaveras , onde o enxame Das abelhas do céo se nectarisa , O orvalho da dér em mel converte ; Os extasis em hymnos, e os olhares Em raios de belleza eternisada. Encosta ao coragao a lyra mystica , Que elle nao dormira: sagrado enlevo, Mercé do céo, as pulsagdes da vida, Gloria ao amor, perpetuidade ao canto. ee ee S| eer. ee oe FRAGMENTO DO COLOMBO. 123 Amanha se erguera do aureo sepulehro « Em que Roma jazer um’outra Italia , « E no céo nao vera talhar-se a cupola « Do augusto Vaticano! O verme eterno, « Que o marmor carcomiu do Capitolio , « A cruz ovante deixara somente , « Mas nao a regia pontificia, as scenas « Germinadas na mente endeosada « De Julio e Raphael , de Miguel Angelo , « O homem de tres almas ! Sobranceiras « A tantas ruinas , luminosas, vivas , « As grandes vozes se ouvirao ainda « Do Tasso e Dante e do Ariosto egregious. « Quando a terra cobrir a ingente ossada « Do Espartaco brutal, que a mente inquina , « Vingando o captiveiro ; quando o engenho « Em regides mais puras libertar-se « Da rasoura fatal que ora o achana , « Ea cervizconcalear de seus tyrannos ; « Entao erguida, triumphante , nobre « A gentil Guanabara , ao sol dos tropicos , « Seus padroes mostrara, e os simulacros « De heroes 4 sombra de vergeis edenicos. « Seu povo livre, generoso e grande , « Hade 4s Musas prestar culto solemne , « E aos dons da intelligencia mor tributo. » Ouviste a voz desse Anjo, 6 meu amigo? Cantor de Waterloo, eis-me escusado : Obreiro nato , no labor nao canso , Votei-me a lyra, morrerei com ella. PORTO-ALEGRE. NOTICIAS DIVERSAS Opera nacional.—No dia 17 de Julho de 1857 a Aca- demia Imperial de Musica, honrada com a presenca de Suas Magestades, exhibiu no Gymnasio Dramatico a sua primeira prova musico-dramatica com a opera intitulada A estréa de uma artista. O publico fluminense applaudia esta tentativa artistica com a sua costumada benevolencia ; e nao era de esperar de uma assembléa tao distincta e illustrada outra manifestacio que nao fosse a de uma generosa animacao. A realisacao deste pensamento, que promette um lison- geiro futuro, teve origem no dia em que no Theatro Provisorio o celebre Tamberlick cantou o fragmento de uma opera escripta pelo nosso distincto litterato o Sr. Manoel de Araujo Porto-Alegre a pedido de M™ Stoltz, intitulado A restauragaéo de Pernambuco, cujo fragmento foi posto em musica pelo Sr. Giannini, mestre honorario da Capella Imperial, e professor de harmonia e contraponto do Con- servatorio de musica. Esta nova creacao tem despertado no animo dos nossos poelas e musicos um enthusiasmo extraordinario. Neste mo- mento escrevem para a opera nacional os Srs. Francisco Manoel da Silva, Joaquim Giannini, Stockmeyer e outros mes- tres, sobre libretos de assumptos brazileiros; talvez haju concorrido para este acorocoamento a pratica dos theatros da Europa adoptada pela nova Academia musical, na qual 0 artista encontra o fructo de seu trabalho sem a inter- NOTICIAS DIVERSAS. 125 ferencia ou 0 interesse dos emprezarios, as mais das vezes movidos por um calculo, que tende a sacrificar a arte ao monopolio. A Nebulosa.— Acha-se no prélo quasi a concluir-se um poema em seis cantos do Sr. Dr. Joaquim Manoel de Macedo com a denominacao de Nebulosa. O nome do illustre autor, ja conhecido por tantas e tao variadas obras em ° prosae verso, nos da certeza de que esta nova produccio sera mais um florao de gloria que elle ajuntard 4 sua tao bem merecida coréa de poeta. Poesias do Dr. Goncalves Dias. — Acaba de chegar a esta corte, impresso em Leipzig, um lindo volume con- tendo todas as obras lyricas do nosso illustre compatriota o Sr. Dr. Antonio Gonegalves Dias. Os tres volumes, que o nosso vate aqui publicara com o titulo de Primeiros, se- qundos, e ultvmos cantos, se acham reunidos nesta bella edicao, que em breve sera exposta 4 venda. Estatua equestre.— Por uma carta escripta de Pariz pelo Sr. Rochet soubemos que este habil estatuario, encar- regado do monumento, que deve ser levantado 4 memoria do Fundador do Imperio, j4 comecara os seus trabalhos; e que S. M. o Imperador dos Francezes puzera 4 sua disposicao todos os cavallos das imperiaes cavallaricas para elle escolher o mais formoso , e que elle preferira o so- berbo andaluz pertencente a Sua Magestade a Imperatriz. Sociedade Ypiranga. Esta Sociedade adoptou por una- nimidade de votos a proposta de seu socio o Sr. Manoel de Araujo Porto-Alegre para que na Praca da Constituigao se erigissem as estatuas do Visconde de Cayrtt e de José Bonifacio de Andrada. Ao primeiro destes dous Obreiros da 426 REVISTA BRAZILEIRA. Independencia se deve a iniciativa da abertura dos portos do Brazil, decretada pelo Principe Regente o Senhor Dom Joao VI: e quanto aos servicos do segundo, sao elles tao comhecidos que seria ocioso recordal-os. Academia Imperial das Bellas Artes. — A congregacao da Academia Imperial das Bellas Artes, reconhecida aos servicos prestados ao estabelecimento pelo Sr. conselheiro Luiz Pedreira do Coutto Ferraz, quando ministro e secretario de estado dos negocios do imperio, mandou fazer o seu busto em marmore de Carrara para ser collocado na bibliotheca a par do busto do visconde de S. Leopoldo, fundador da mesma academia. Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional. — O Sr. Dr. Burlamaque, actual director do Museo nacional, acaba de ser nomeado pela Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional para redigir 0 seu periodico. Os estudos especiaes deste benemerilo cidadio sao garantia sufficiente da boa escolha que delle fez aquella util associacao, e anciosamente © aguardamos a Jeitura dos excellentes artigos de tao laboriosa penna, com que sem duvida exornara o dito jornal. Orianda. — As ultimas amostras de papel para impressao typographica, desenho e escripta, que vimos sahidos da fabrica de Orianda, propriedade do Sr. Dr. Capanema, nos dao toda a esperanca de em breve poder ella rivalisar com as melhores fabricas européas. O papel para desenho é quasi igual ao da afamada fabrica de Wathmann de Londres, e as amostras do papel fabricado para o sello fixo sio muito superiores ao que o Thesouro nacional mmporta para esse fim. ! : | — NOTA A MEMORIA SOBRE A ORIENTACAO DO PLANO OSCILLATORIO DO PENDULO SIMPLES PUBLICADA NO COMECO DESTE VOLUME. Em a nossa memoria escripta no anno de 1853, sobre a theoria mathematica da orientacao do pendulo, deduzimos a formula seguinte : sen 2 sen. P V4 — cos? i sen.2 P (1) Sen. VW = na qual W representa o movimento angular apparente do plano oscillatorio do pendulo, em sentido contrario da rotacao terrestre ; na hypothese de conservar permanente- mente o plano oscillatorio a sua orientacao inicial. Se porém esta hypothese nado tem logar para um angulo de rotacio P de qualquer grandeza, ella seré rigorosamente verdadeira para um angulo de rotacao extremamente pe- queno, ou 0 que é a mesma cousa durante um tempo extre- mamente pequeno, qualquer que sejaa latitude A do parallelo terrestre em que funcciona o pendulo. Esta segunda hypothese autorisa o desprezo da quantidade (Cos? 2 sen® P|; tomando a formula (1) a seguinte expressio mui simples (2) W — P sen. Esta formula coincide perfeitamente com a que fora de- monstrada pelo illustre sabio M. Lionville, membro da Academia das Sciencias de Pariz, servindo-se para esse fim do principio mechanico da composicio das rotacoes. 128 REVISTA BRAZILEIRA. Cumpre declarar aqui que sé tivemos conhecimento ‘a dessa férmula de M. Lionyille alguns annos depois da_ publicacio daquella nossa memoria. . A nossa formula (1; offerecera portanto um methodo differente de investigacio para chegar ao resultado, que representa a férmula (2), submettendo-a 4 condigao da segunda hypothese, que serviu 4 demonstragao de M. Lionville. Rio de Janeiro, 24 de Junho de 1857. C. BAPTISTA D OLIVEIRA. INDICE DOS ARTIGOS CONTIDOS NO N.° 1|.° ASTRONOMIA PHYSICA. — Memoria sobre a theoria da orientacao do plano oscil- latorio do pendulo simples, e sua applicacdo 4 determinacao approximada do achatamento do espheroide terrestre: por C. B. de Oliveira. Problema sobre determinacao de latitude de oa ponto qualquer do globo ter- restre: por C. B. de Oliveira. METROLOGIA. — Nota sobre uma nova applicacao do principio do Nonius na me- dicao das grandezas, com approximacao indefinida : por C. B. de Oliveira. ORNITHOLOGIA. — A grande aguia da Guyana, ou grande harpia da America (Falco destructor): por F. L. C. Burlamaque. BoTanica.— O Oleo vermelho (Myrospermum erythroxylum) : pelo Dr. Fran- cisco Freire Allemao. A Urucurana (Hyeronima alchornicides) : pelo Dr. F. F. Allemao. LITTERATURA. — A Confederacao dos Tamoyos, pelo Sr. Dr. Domingos José Gon- calves de Magalhaes. Analyse feita por José Soares de Azevedo. Resposta a um trecho do poema Confederacdo dos Tamoyos, seguida de um fragmento do poema Colombo, por Manoel de Araujo Porto-Alegre. NOTICIAS DIVERSAS. — Opera nacional. — A Nebulosa. — Poesias do Dr. Gon- calves Dias. — Estatua equestre. — Sociedade Ypiranga. — Academia — Imperial das Bellas-Artes. — Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional. a — Orianda. 3 por C. B, de Oliveira. “SEG REVISTA BRAZILEIRA JORNAL DE SCIENCIAS, LETTRAS E ARTES go> | | DIRIGIDO POR CANDIDO BAPTISTA DE OLIVEIRA PUBLICACAO TRIMENSAL TOMO I Numero 2. — Outubro de 1857 RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHIA UNIVERSAL DE LAEMMERT é Rua dos Invalidos, 64 B GEOMETRIA ANALYTICA. THEORIA DA LINHA RECTA E DO PLANO CONSIDERADOS NO ESPACO. ] PROBLEMA. Sejam dadas as rectas indefinidas OD e OD’, formando no espaco um angulo qualquer W, no ponto da sua interseccao O (fig. 4): tomem-se arbitrariamente nos lados desse angulo os pontos (m, m’), cujas coordenadas, em relacao aos tres eixos orthogonaes (OX, OY, OZ), sejam res- pectivamente (x, y, 2), (x’, y', z'); e formem estas coorde- nadas com as rectas OD e OD! respectivamente os angulos (a, b, ¢}, (a’, bf, c’). Pede-se uma equacao que dé uma funccio trigonometrica do angulo 7, expressa nos seus lados de grandeza dada {A, A’), e nas coordenadas dos pontos (in, m’') ; ou sémente nos angulos formados por estas coordenadas com os referi- dos lados. Pela geometria elementar, e pela trigonometria plana, _ tem-se ts 2 “man! = A34- "2A A'Cos. W=0! —a)+- (yy)! —2) donde se tira rj " % (1) AL! Cos, W==a22'- yy! + za. pi? 9 3 es Phe 41% i 7 3, 130 REVISTA BRAZILEIRA. Dividindo ambos os membros desta equacio por AAJ, e observando que, pelas condicdes do problema, tem-se y : — == Cos. a; ——(os. b; ——Cos. c: A bS Ble e semelhantemente roy Cos. a’; ah = Cos. b!; = — = Cos. cl: PEN IF vira (2) Cos. W¥=Cos. a Cos.a'+-Cos. b Cos. b'+ Cos. ¢ Cos. ¢. As equacées (1) e (2) dio a solucao completa do problema proposto. Se o ponto O vertice do angulo W for dado no espaco pelas suas coordenadas (/, g, h), referidas aos eixos (O!X', O'Y', O'Z') respectivamente parallelos aos primeiros, refe- rindo a esses eixos as coordenadas dos pontos (m, m'); a equacao (1) tomara a seguinte forma mais geral : (3) AA! Cos. W=(e—f) (2!—f)-Hy— 9) (y'—9) + (—h) (2! — hi). Pelo que respeita 4 equacao (2), conservara ella a mesma forma : ficando porém entendido, que os angulos que entram na expressao do segundo membro referem-se as projeccoes dos lados do angulo W sobre tres rectas parallelas aos eixos do novo systema, passando pelo vertice 0 do mesmo angulo: € os cosenos daquelles angulos ficario expressos em funccao das novas coordenadas, da maneira seguinte : 9 xc—f z—h == Cos. a; “~— Cos. b; —— =Cos.¢: A 08. a BS os. b a ia = : —= Cos. a: I Gos. bi; aN roy A cing ar a! b | GEOMETRIA ANALYTICA. 13] Nas applicacdes que passamos a fazer da equacio do —angulo W considerado no espaco, usaremos por mais sim- _plicidade da equacao (1), excepto nos poucos casos em que for indispensavel 0 emprego da equacao (3). II Fazendo VW =O, na equacao (1), vira (4) AA! = aa! + yy! 4-221, Esta equacio pdéde referir-sea duas hypotheses differentes, a saber: 1° suppondo que as duas rectas (A, A\') crescemm indefinidamente até comprehenderem no infinito o angulo W—0, conservando-se constantes as coordenadas dos pontos (m, m'): 2° suppondo que aquellas mesmas rectas coin- cidem, e que por conseguinte os pontos (m, m') existem sobre a mesma linha recta, sendo determinados pelas res- pectivas coordenadas. Em ambas estas hypotheses 0s angulos formados por /\ e Q\', respectivamente com os tres eixos coordenados, ou com tres rectas parallelas aos mesmos, Serac iguaes: e a equacio (2) tomara em ume outro caso a seguinte forma: (5) 1 —Cos.?a + Cos.b +- Cos.’c. Esta equacio exprime pois a condicio que caracterisa o parallelismo de duas linhas rectas dadas no espaco: e ao mesmo tempo uma notavel propriedade inherente aos an- gulos formados por uma linha recta no espaco com tres outras parallelas aos eixos coordenados, ou com estes mas- mos eixos. A equagao (4), na hypothese de coincidirem as duas rectas (A, A’) de grandeza finita, encerra um bello theorema de §eometria, que pdde ser enunciado da mancira seguinte: 0 producto das diagonaes de dous parallelipipedos rectangu- lares é igual & somma dos productos das suas wrestas homoloyas : {32 REVISTA BRAZILEIRA. ~ ou em outros termos: 0 rectanqulo comprehendido pela dia- gonal de um parallelipipedo rectangular, e por um seqmento qualquer da mesma diagonal, é iqual ad somma dos rectangulos formados pelas projeccoes respectivas das ditas linhas sobre as tres arestas contiguas. , Ts = : Fazendo agora W — 5, nas equacoes (1) e (2); vira (6) O= an! + yy! + ze! (7) 0= Cos. a Cos. a'+- Cos. b Cos. b! +- Cos. ¢ Cos. c'. A equacao (h) corresponde ao caso em que as duas rectas Z\; ZA’) sao perpendiculares entre si: e a equacdo (7) encerra a condicao a que devem satisfazer os angulos con- cernentes a essas rectas, para que formem um angulo recto, isto é, para que tenha sempre logar a reciproca perpendicu- laridade, qualquer que seja a posicao de ambas as rectas, em relacao aos tres eixos coordenados. Se suppozer-se invariavel a posicao de A no espaco ; isto é, se forem constantes os angulos (a, b, c), podendo variar a grandeza de /\, e por conseguinte as coordenadas do ponto (m), a saber (a, y, z); a equacao (6) daa solucao do seguinte problema : Do ponto (0), tomado em uma recta dada de posigao no espaco, levantar uma perpendicular d essa mesma recta. E evidente que sendo a perpendicular pedida repre- sentada pela recta /\', 0 problema ficara indeterminado, visto que esta perpendicular podera tomar todas as posicdes possiveis ao redor da recta fixa /\, satisfazendo sempre os angulos que lhe sao concernentes (a’, b/, c') 4 equacao de condicao (7). Ficaria porém determinado o problema, se em logar de uma recta perpendicular se tratasse de um plano: porquanto a recta A’, em qualquer posicao que possa tomar relativamente aos eixos coordenados, existira sempre no plano que passar pelo ponto O perpendicularmente 4 recta — fixa /\. Nesta hypothese, dividindo a equacao (6) por A, e GEOMETRIA ANALYTICA. 133 fazendo ahi as convenientes substituicoes, ter-se-ha uma equacao propria para dar a posicao de um plano que passa pela origem das coordenadas; e ao mesmo tempo deter- minar nelle um ponto qualquer (m’), pelas suas coordenadas (x’, y!, 2!); a saber: (8) 0 =a! Cos. a+y! Cos. b+-z! Cos. c. Da equacao (6), considerada em toda a sua generalidade, deduz-se ainda um resultado assd4s curioso, a saber: 1° que os productos das projeccoes homologas das rectas (A\, /\’) sobre os tres eixcs coordenados dao uma somma, que é sempre igual a zero, qualquer que seja a posicaio dessas reclas em relacdo aos eixos coordenados, e qualquer que seja a grandeza de cada uma dellas: 2° que um desses tres productos sera necessariamente affecto de signal contrario aos dos outros dous; isto é, que sera elle positivo quando forem estes negalivos, e vice-versa; o qual tera por esta mesma razao a propriedade de ser 0 maximo dos tres, para qualquer posicao dada do angulo recto comprehendido pelas referidas linhas. Fazendo na equacao (4) A\== A’; vira (9) Lay Fsta equacao representa na geometria elementar, como se sabe, a relacio entre a diagonal de um parallelipipedo rec- langular e as suas tres arestas contiguas; e péde exprimir. em geral uma relacdo analoga entre uma recta de grandeza finita, que passa pela origem das coordenadas, e as suas pro- jeccoes orthogonaes sobre os tres eixos. Neste caso enuncia-se essa mesma propriedade em termos Mais geraes, a saber: que o quadrado de um seqmento de grandeza qualquer, tomado em uma recta dada de posicao no espago, é igual & somma dos quadrados das suas projeccdes ortho- gonaes sobre os tres eixos coordenados. 134 REVISTA BRAZILEIRA. Dividindo ambos os membros da equacao (9) por A, e fazendo ahi as devidas substituicoes, vira ~ (10) A =a Cos. a+ y Cos. b +2 Cos. c. Esta equacao refere-se a linha recta considerada no espaco, e faz ella conhecer a posicao da recta pelos angulos cons- tantes(a, b, c), determinando a posicao de um ponto qual- quer {m), tomado na recta, pelas suas coordenadas (2, y, 2) ; e por conseguinte a grandeza de A, que representa a distancia desse ponto 4 origem das coordenadas (O}. Deve porem esta equacao estar sujeita 4 condigao de ter-se sempre Zz a Goes oF = as by) Oe A A A equacao (10) exprime por outra parte uma propriedade notavel, inherente ao principio das projeccoes: porquanto sendo os tres termos, que compoem o segundo membro dessa equacio, equivalentes as projeccoes das coordenadas (x, y, 3], sobre a recla /\, da qual sao essas mesmas coor- denadas as projeccdes orthogonaes sobre os tres elxos, pdde d’ahi deduzir-se o seguinte theorema: As projeccoes de um segmento qualquer tom ado em uma linha recta dada de posigdo no espaco, sendo projectadas novamente sobre a mesma recta, determinam ahi projecgdes cuja somma é agual ao referido seymento. Ou em termos mais abreviados: é 0 segmento projectado igual a somma das suas tres projeccoes inversas. Chamando directas as primeiras projecedes do seg- ‘mento sobre os tres eixos, e inversas as que tem logar sobre arecta, em que exisle o segmento. As equacoes (9) e (10), comparadas entre si, fazem co- nhecer ainda o resultado seguinte, a saber: que a somma das projeccoes inversas representa a raiz quadrada da somma dos quadrados das projeccées directas. Querendo que a equacao (10) encerre explicitamente a eondicao de passar a recta, a que ella se refere, por um — A GEOMETRIA ANALYTICA. 135 ponto dado no espaco, pelas suas coordenadas em relacao a tres eixos parallelos aos primitivos; considerando o ponto O commum 4 origem destes eixos e 4 linha recta, como o ponto dado no espaco, a equacao (10) tomara a forma geral indicada pela equacao (3); a saber: (10 bis) A=(x—f) Cos. a4-(y—g) Cos. b+(z—h) Cos. ¢. Reportando-nos 4 equacao (10), sapponha-se que a recta A é projectada sobre o plano coordenado dos (x, z), por meio da perpendicular abaixada da sua extremidade (m) sobre este plano: e represente-se por /\, a grandeza dessa projeccio, a qual forme com o eixo dos (z) um angulo desig- 9) ad : T nado-por (¢,), sendo por conseguinte |5— ¢] 0 angulo for- mado com 0 eixo dos (2). . Fazendo agora variar a posicao da recta /\ até confun- : ee rs h T dir-se com a sua projeccao /\,; isto é, fazendo b = g © por conseguinte y==0; conservando-se invariaveis (x, z): os angulos (c, a) coincidirad respectivamente com os angulos TT (:), € (5-4). Ter-se-ha portanto para equacao da recta Z\: ho plano dos (x, z) (n) Ai.=a Cos. (5—s) +200. C= 2 Sen. +2 Cos. ¢. Praticando o mesmo relativamente ao plano dos (y, 2) ; — ter-se-ha semelhantemente a equacao da recta A, no plano _ dos (y, z); a saber: (n!) Ar = y Sen. ¢,-+ 3 Cos. 2. As equacoes (n) e (n/), que determinam em posigao e 7" 136 REVISTA BRAZILEIRA. grandeza as projeccoes (Ax, Z\:) da recta (A) considerada no espaco, podem substituir a equacao (10); por isso que, conhecidas a posi¢ao e a grandeza das projeccédes Ay, Az sobre os planos dos (x, z) e dos (y, z), uma simples cons- truccao geometrica dara a posicdo e grandeza da recta A\ no espaco ; ou porque, dadas as equacoes (n) e (n'), é sempre possivel deduzir dellas analyticamente a equacao (10): como se vai mostrar. ConsrRuccAo GEOMETRICA. Por cada uma das projeccoes (A, A:) faga-se passar um plano perpendicular ao respective plano dos (x, z), e dos (y, 2): a interseccao desses dous planos determinara evidentemente a posigao de A no espaco; € 0 ponto em que essa linha for cortada pela per- pendicular levantada na extremidade de A, ou de A», no respectivo plano normal, determinara a grandeza daquella recta. Depuccie aNnaLytica. As equacoes (n) e (n') podem ser transformadas em outras equivalentes, e de mais simples expressao, eliminando dellas /\, e A, da seguinte ma- neira: Faca-se A =tq. 44; e B= tq. ¢,. Sendo (x, z) projeccdes de A, respectivamente sobre os eixos dos (x), e dos (z); e (y, z) as projeccoes de /\, sobre os eixos dos (y), e dos (z): ter-se-ha g== J\, COs. 22 == /\,'C0S: ty. Substituindo nas equacoes (n) e (n’) os valores de A; e de 2, tirados destas duas equacoes ; vira (11) x= Az; y= Bz. Estas equacdes podem ser deduzidas directamente pela trigonometria: e sao ellas usadas de preferencia nos tratados classicos da analyse applicada. Uma vez conhecidas as tangentes A e B, ficarao por ellas determinadas nao sé a posicao de cada uma das projeccoes (A\,, A:), mas tambema GEOMETRIA ANALYTICA. 137 projeccéo, ou o ponto projectado sobre essas rectas, sendo dada uma qualquer das tres coordenadas. Resta agora s6- mente exprimir os cosenos dos angulos (a, b, c), que entram na -equacao (10), em funccao de A e de B. . Na deduccio da equacao (10) tiveram logar as equacoes seguintes : a= /\ Cos. a; y= / Cos. b; z= A Cos. ¢. Eliminando entre estas equacdes, e as duas precedentes, y rate: se as relacoes— e~; vira Ey Pane 4 Cos. a B __ Cos. “e Cos. ¢ ou Cos.a==A Cos. c; Cos. b =B Cos. c. Substituindo os valores de Cos. a, e Cos. b, na equacao de condicao (5) 1 = Cos.’ a+Cos.” b+-Cos.* ¢; vira 4 =(A’?+-B?+-1) Cos.’ c. Ter-se-ha portanto Cos? 625 FLFSI . os (12) Cos.2 b= PLB A? Cos’? a= PBI ____ Determinados assim os angulos (a, b, ¢), a equacao (10) nao podera representar outra linha recta senao aquella, eujas projeccdes sobre os planos dos (a, z) e dos (y, 2) sao _ dadas pelas equacoes (L1). As equacoes (11) podem ser transformadas em outras duas 138 REVISTA BRAZILEIRA. equivalentes, expressas nas tangentes dos angulos formados pelas projeccces (Ay, Z\:) respectivamente com os eixos dos (x) e dos (y): porquanto designando por A’, e B’, essas novas tangentes, tem-se pela trigonometria AA 4: BB 1 As equacoes (11) tomarao por conseguinte a forma sim- plesmente invertida, a saber: (11 bis) z= Alx; z= Bly. As equacoes (12), pondo nellas = aie m logar de(A,B), afim de corresponderem ds novas equacdes precedentes, ficarao transformadas nas seguintes : : Ar Br Cos. = APBP APB au Ar (12 bis) Cos. b= FBP AP LBP BP Cos’ a—" A? BPA? BP Estas expressdes dos tres cosenos sao, como se vé, menos simples do que as suas equivalentes do n° 12: e d’ahi vem a preferencia que se da as equacoes (11) nas applicacdes analyticas. Estando os angulos (a, b, ¢) subordinados 4 equacaio de condicao (5), é evidente que bastaraé sempre conhecer dous quaesquer desses angulos, para que a recta /\ fique deter- minada de posicao. Pondo na equacao (1), depois de elevar ambos os seus membros ao quadrado, (1— Sen.’ W) em logar de (Cos.? W); vira (13) aN rN Sen? W = ON L\” oun (cca! --yy!—l-zz!). i an GEOMETRIA ANALYTICA. 139 Dividindo ambos os membros desta equacao por A’, e fazendo as devidas substituic6es; vira (14) A” Sen.? V=A\"—(a! Cos. a+-y! Cos. b-+-2! Cos. c}?. (Phin w. & ¥ Representando por (p) a grandeza da perpendicular abai- be xada da extremidade da recta /\’ sobre a direccio de A, ei ter-se-ha evidentemente (15) p= /\' Sen. W - Substituindo pois o primeiro membro da equacao (14) “hk 9 9 ___ por p”, pondo em logar de /\” (no segundo membro) a ex- oe: pressio equivalente (x! + y?--z!) (Cos.? a+-Cos.*b +-Cos.? c); : e executando as operacoes indicadas; vira Mi (16) p’= (x! Cos. b —y! Cos. a) + (a! Cos. c— 2! Cos. a)? --(y! Cos. e — 2! Cos. bj. Esta equacdo resolve o seguinte problema: Dado um ponto no espago, pelas suas coordenadas (x! y, 2!) achar a capressio da perpendicular tirada desse ponto sobre uma recta, que passa por um ponto determinado (0), e cuja direceao é dada pelos angulos (a, b, c) que ella forma com os tres eixos coordenados. Se o ponto O, por onde passa a recta dada de posicao, for determinado pelas suas coordenadas (f, g, h), em relacao ao systema de eixos (O!X!, O'Y', O'Z') parallelos aos primi- tivos ; e bem assim as coordenadas (a, y!, 2!) da extremidade da perpendicular (p); a equacao (16) tera uma expressao mais geral, pondo (a! — f), (y! —q), (z/—h), em logar de (a’, y!, 2'); a saber : (L7) p’==[(a!—/'} Cos. b—(y!—g) Cos. a]?+-[(a'—f} Cos. ¢ —(2'!—h) Cos. a]? [(y'—q) Cos. c—{z'—h) Cos. b]?. Se quizer-se transferir a origem dos eixos coordenados 440 REVISTA BRAZILEIRA. para o ponto dado no espaco, pelas coordenadas (2!, y!, 2/); ou, o que é a mesma cousa, para o ponto donde é tirada a perpendicular (p) ; bastara fazer a! — f=; y!-—q=%3 z!— h==2z,: e fazendo estas substituicoes na equacav prece- dente, vira (L7 bis) p°=(a, Cos. b—y, Cos. a\?+-(a, Cos. c—z, Cos. a) ++(y, Cos. c—z, Cos. b)?. Esta equacao especial tem applicacdes importantes na mecanica racional: e deve ficar entendido que as novas coordenadas (1%, 4, %) referem-se a qualquer ponto do espaco, por onde passaa recta dada de posicao. Il Dada a equacao (1) do angulo plano considerado no espaco, havemos della deduzido as propriedades geraes da linha recta, considerada tambem no espaco: no presente arligo trataremos especialmente das particularidades inherentes a linha recta, considerada em um plano, como um caso particular da linha recta considerada no espaco. Projectando a recta /\ sobre o plano dos («, z) havemos nds achado, no art. II, para essa projeccao a equacao (r) Ai = Sen. 4-+2 Cos. ¢ Devendo nesta equacao considerar-se (x) e (z) como as projeccdes de /\, sobre os eixos dos (a) e dos (z); e repre- sentando (¢,) 0 angulo formado por (A e 0 eixo dos (3); divididos ambos os membros da equacao por /\,; e substi- ; RE Z tuindo ahi K por Sen. ¢; e ——por Cos. c; vira WA (r') 1 = Sen? ¢,+Cos.? ¢ Multiplicando ambos os membros da mesma equacao por A; e@ fazendo ahi as devidas substituicoes; vird GEOMETRIA ANALYTICA. 141 (r"") A pas? As equacoes (r/, 7!) exprimem propriedades analogas 4s que achdmos (5) e (9) para a linha recta considerada no espaco: das quaes se deduz que a posicio e grandeza de uma linha recta, em relacdo a dous eixos orthogonaes que existam no mesmo plano, e por cuja origem passe a mesma linha recta, ficario determinadas pela equacao (r); sendo dados um dos dous angulos que ella férma com os referidos eixos, e a grandeza das duas coordenadas referidas a qual- quer dos seus pontos. Designando por (A) a tangente de (c), e eliminando A, da equacao (r), por meio da equacio z= A, Cos. ¢, havemos transformado, no mencionado art., aquella equacao na seguinte : (s) g== Az. E evidente que esta equacao, mais simples do que a equacao (r), resolve os mesmos problemas, relativamente 4 linha recta que ella representa, ficando sempre suben- tendida a propriedade expressa na equacao (r"’). Projectando tambem a recta A\! sobre o plano dos (z, 2}, e designando por /\i' essa projeccao, assim como por A a tangente do angulo que ella forma com o eixo dos (z): ter- se-ha semelhantemente (t) gl = A,z' Se suppozer-se que o ponto O, origem das coordenadas, se afasta indefinidamente dos pontos representados pelas coordenadas (a, z), (a!, z'), oangulo comprehendido pelas rectas /\, e A’, decrescera tambem indefinidamente; e quando este se tornar nullo, as duas rectas ficarao rigoro- samente parallelas, sendo prolongadas ao infinito: e sendo cortadas por uma recta qualquer parallela ao eixo dos (2), fario ellas com a recta secante os angulos correspondentes 142 REVISTA BRAZILEIRA. ‘iguaes. Ter-se-ha portanto para exprimir a condicio do paral- ens de duas rectas, que formem com o eixo dos (2) angulos dados pelas tangentes (4, A;), a seguinte equagao : (u) A=A, Supponha-se agora que a recta /\,’, movendo-se no mesmo plano, toma uma posicao perpendicular a recta Ay. A equacao (7), que exprime a condicio da perpendicula- ridade entre duas rectas consideradas no espaco, tomara nesta er a seguinte forma: attendendo que deve por-se nella — 3 em logar dos angulus representados por (b, b'); : Tv T (c, cy) em logar de (¢, c’); (5—) e (5— ¢') em logar de (a) e dea’); a saber 0 = Sen. ¢ Sen. ¢! + Cos. c¢, Cos. ¢! Dividindo ambos os membros da precedente equacao por Sen. ¢ (Cos. c, Cos. c'); pondo A em logar de Cartes ;e A, em logar (v) ey Vay Desta equacao de condicao se tira Este resultado mostra que a recta A\,, na hypothese de ser perpendicular a A, deverd formar com o eixo dos (z) um angulo negativo, e ao mesmo tempo complementar do angulo formado por Ay, se for este angulo agudo: no caso porem de ser obtuso, serd aquelle primeiro angulo positivo, e complementar do supplemento do segundo» dentro dos limites de (x). GEOMETRIA ANALYTICA. 143 Se na equacao (s}, (t), (u), (v) se substituirem A e A, por 1 a..® di, respectivamente, ter-se-ha um novo systema de equacoes analogas ds precedentes, nas quaes a posicao das rectas /\;, e /\', ¢ reportada ao eixo dos (x), pelos angulos que formam com este eixo, cujas tangentes sao designadas respectivamente por A! e A’,, a saber: (s') z =A! (i) 2! ==Ala Bie Oe ai, 1 Nae he A" D’aqui se conclue em geral que, sendo dadas duas linhas rectas sobre um plano, representadas pelas suas equacoes, referidas a qualquer dos dous eixos coordenados, deverdo estas satisfazer: 1° 4 condicdo do parallelismo das duas rectas, quando as tangentes que entram nessas equacoes, sob a férma de coefficientes constantes, forem iquaes: 2° d condicao da perpendicularidade de uma sobre.a outra, quando as referidas tangentes forem reciprocas e de siynal contrario. Se de um ponto qualquer da recta A suppozer-se tira- da uma recta parallela 4 perpendicular A,'; é evidente que sera essa recta tambem perpendicular 4 recta /,: devendo por conseguinte ser applicaveis 4 essa recta as mesmas condicoes de perpendicularidade acima achadas , relativamentea /\,', que se considerou partir do ponto com- mum a origem dos eixos coordenados. Porquanto 0 supposto Seriiclismo entre a referida recta e A\'; exige que sejam as mesmas, em grandeza e signal, as tangentes que entram LAA REVISTA BRAZILEIRA. nas equacdes que as representam, quer seja em relacao ao eixo dos (z), ou ao eixo dos (2). Reportando pois a equacao (s) aos eixos coordenados (O!X!, O'Y', O'Z'), parallelos aos primitivos; e designando por ({' g' h’) as coordenadas de um ponto do espaco, differente do ponto O, pelo qual passa a recta parallela a A\’,; e por (x! y!'z'!) as coordenadas de um de seus pontos , referidas a aquelles mesmos eixos; virao’ expressas em toda a genera- lidade as equacées relativas a duas linhas rectas perpendi- culares entre si; a saber: 1 : ; Pondo | em logar ded, em ambas estas equacoes ; vird As primeiras duas das precedentes equacces referem-se a duas linhas rectas perpendiculares entre si, formando com o eixo dos (z) 0s angulos, cujas tangentes sao respecti- A dos angulos que essas mesmas rectas formam com 0 eixo dos (x), nas duas outras equacoes. Por meio de cada uma das precedentes equacoes podera determinar-se um ponto qualquer da linha recta, a que ella se refere, uma vez que seja conhecida, para cada caso, uma das duas coordenadas, que ahi se consideram simullanea- mente variaveis; as quaes tem, nos tratados classicos, as denominacoes especiaes de absissa, e de ordenada, segundo for ella adjacente, ou opposta ao angulo formado pela recta com 0 eixo dos (z), ou com o eixo dos (z). 1 1 vamente (4), e G ): sendo (A/), e (— 4y)8stangentes GEOMETRIA ANALYTICA. 145 Se porém se quizer determinar a posicao do ponto de encontro das duas rectas, em relacao aos eixos coordenados, reduz-se o problema a considerar iguaes as coordenadas homologas, em qualquer dos grupos de duas equacoes ; por- quanto € evidente que essa igualdade devera ter logar unicamente no ponto commum 4s duas rectas. Ter-se-ha pois = a!!, e z==2!!: resultando para cada um dos dous grupos, duas equacoes a duas incognilas, que resolvidas ’ 2 5 q farao conhecer as coordenadas pedidas. Tomando a primeira e a terceira das precedentes equacées, e pondo na primeira (q) em logar de (f— Ah); e na segunda (q')em logar de (h— Af); virdo as duas equacoes seguintes : k ) c= Az-+q ? Zz == Alz--q! Ambas estas equacoes sao adoptadas de preferencia nos tratados classicos, em razao da sua maior simplicidade ; mas qualquer dellas satisfaz 4s mesmas condicdes a que estio sujeitas as equacoes de que procederam : isto é, cada uma dellas deve fazer conhecer o ponto dado no plano, pelo qual passa a linha recta, a que se refere. Com effeito, fazendo na primeira equacio z—=0, tem-se %=y: quer este resultado dizer, que a recta passa por um ponto do eixo dos (x), na distancia (q) da origem das coor- denadas. _ Fazendo semelhantemente na segunda equacio x —0, tem-se z—=q!: quer dizer este resultado que a mesma recta encontra o eixo dos (z), na distancia (q') da origem das coor- denadas. E evidente que, devendo ambos estes resultados ter logar ao mesmo tempo, preciso 6 que sendo (q) positivo, se tenha (q/) negativo , e vice-versa: chamando sentido positivo aquelle que tende a augmentar as duas coorde- nadas, nos respectivos eixos; e negativo o que produz o effeito contrario, 40 146 ‘REVISTA BRAZILEIRA. Se, nas duas precedentes equncoes., se eliminar (z) da primeira, e (a) da segunda : ‘isto é, resolvendo-as pelas regras © da algebra; vira Petts Ns tage ean al i—AdA'~ 6 Alg-+q! _ Alger! __ sah PI Re a gy Estes resultados sao evidentemente inadmissiveis, visto que assignando-se 4 variavel (x) um valor finito e arbitrario, deduz-se pelo calculo de qualquer das duas equacées (k) um valor finito para (z). Restabelecam-se porém os valores pene: de (q) ede (q') nas expressoes precedentes de ‘ e de (z); e vird he a _Ah—Aif)tf—Ah _ 0 — ie: 0 6 Py A'g-+q' Aljt—Ah)-+-h— Alf D geet TET . at Estes novos resultados mostram ‘que os valores de () e de (z) ficam indeterminados , concorrendo as duas equacées (k), assim como ja oeram em cada uma das equacoes isola- damente: donde se conclue que as duas equacoes'(k) nao sao distinctas; isto é, ‘nao exprimem condicoes differentes, a que devam satisfazer as duas variaveis (a) e (z): e que por conseguinte dada uma, se podera sempre deduzir della a outra, multiplicando-a, ou dividindo-a por uma mesma quantidade ; como se ‘vai ver. Tomem-se as equacoes (s, s') que correspondem as equa- cées (k); suppondo que’a linha recta, para mais simplicidade, passa pela origem das coordenadas; a saber: 2 AZ z==Ala Ae GEOMETRIA ANALYTICA. 147 Tem-se AA!—1; multiplicando pois a segunda destas equacoes por A; vira Az=AAt=z QO ponto da analyse que vimos de discutir nao encerra por certo doutrina alguma nova; por isso que os resultados a que chegamos, tratando as equacoes (k), como se fossem distinctas, bem puderam ter sido previstos, uma vez conhe- cida a equacao de condicio entre as duas tangentes (A, A’): todaviajulgamos conveniente entrar nesse desenvolvimento, afim de fortificar o espirito dos principiantes, na perfeita intelligencia das duas equacoes reciprocas (s, s'), principal- mente quando ellas se apresentam sob a forma (k): visto que ambas essas equacoes sao usadas frequentemente nas ques- toes transcendentes da geometria analytica. ; if . 9° substituindo mais (p) por p,; € os angulos (a’, c) por (a, ¢); vira Se na equacao (17) art. II, se fizer y‘—0, g’/=0, eb = pr==[(x!—f) Cos. ¢,—(z! —h) Cos. a,]? E claro que os elementos que entram nesta equacio devem ser considerados no plano dos (a, z): e resolve ella o seguinte problema : Achar a expressio da perpendicular (p,), tirada de om ponto dado, no plano dos (x, z), pelas suas coordenadas (c’, z'), sobre uma recta, dada de posicio no mesmo plano, pelas coordenadas (f, h) referidas 4.um ponto determinado della, e pelos angulos (a, ¢) formadus respectivamente com os eixos dos (x) e dos (2). Fazendo as mesmas substituigoes na equacao (17 bis), vird (y) pr =[a, Cos. — 2 Cos. ay]? Esta equacao resolye o mesmo problema antecedente, com a unica differenca de ser, neste caso, a perpendicular (p’) 148 REVISTA BRAZILEIRA. tirada da origem das coordenadas; sendo as coordenadas variaveis (x, 2) referidas a qualquer ponto da recta dada de posicao. Cumpre dar aqui a interpretacao geometrica desta equacao, nao obstante ser claramente comprehensivel, sob este ponto de vista, a precedente e mais geral donde fora ella deduzida: 0 que passamos a fazer por meio da conslruccao especial representada na fig. 2. Sejam (O'm, O'n) segmentos dos dous eixos coordenados (O'X', O'Z'): (m, n) os pontos em que a recta dada de posicao corta os referides eixos, formando com estes respectiva- mente os angulos (a, ¢): (O's) a perpendicular tirada da origem das nourdenadad sobre a recta (mn): (o'r, rs) as coor- denadas (,, 2) referidas ao ponto (s) da mesma recta : (s') um ponto qualquer da recta (mn), representada na.equacio (u) pelas coordenadas variaveis (2, 2,): (8) o angulo formado pela perpendicular (O's) com o eixo dos (a). Ter-se-ha, nos triangulos (m O'n), e (m O's) vs Q=5 Th T a—s5 +8 TT, to? ~~ ee” Destas equacées se tira Cos. ¢, = Cos. 6 Cos. ad, = — Sen. 4 Substituindo estes valores na equacao (u); vira (u") == 2, Cos. 6-4-2, Sen. 6 ; Para que a posicao da recta (mn) fique determinada, em relacio 4 origem das coordenadas, bastard que seja dado o — valor de (a,), ou de (z), referido ao ponto em que a recta iy q (mn) corta 0 eixo dos (x), ou o eixo dos (2). GEOMETRIA ANALYTICA. 149 Seja pois dado 2, O'm: ter-se-ha z, = 0: e por conse- guinte : p~, =(O'm) Cos. 6 = Ols Resta agora mostrar que qualquer outro ponto da recta (mn), assim determinada de posigao, satisfaz a equacao (y’). Se tomar-se 0 ponto (s), referindo a elle as coordenadas (1, 2:), pondo, na equacao (u!|, (O'r) em logar de (a) e (O's) em logar de (z); vira. ~i= (O'r) Cos. 6 + (Os) Sen. 6 = O's Se porem as coordenadas (a, ,) se referirem a um ponto qualquer (s'), fazendo (Om) — (O/r') =1, ter-se-ha Cos. 6 | ee ee = (r's!) = 1. cotg. lene: 53 donde se tira ] Sen. 6 =< ——— Z Cos. 6° * Mas achou-se acima O!s= (O'm) Cos. 6 = (O'r'-+-l) Cos. 6 = (O'r'| Cos. 9+1 Cos. 4 Substituindo na ultima expressao (a) em logar de (O!r’), e o valor de (J), vira finalmente O's =a, Cos. 9 + 2 Sen. =m Este ultimo resultado faz conhecer ao mesmo tempo uma particularidade notavel do triangulo (mO'n), a saber: se dous ou mais pontos da hypothenusa (mn) forem determinados por coordenadas referidas aos eixos (O!m), (O'n), cuja origem éo vertice do angulo recto; e se deste ponto se tirar uma perpendicular a (O's) sobre a mesma hypothenusa; tera _ sempre logar a seguinte propriedade. « A somma dos productos de cada uma das duas coorde- nadas, referidas a um ponto qualquer da hypothenusa, pelo 7 150 REVISTA BRAZILEIRA. coseno e pelo seno, otdenadamente do angulo opposto ao eixo das abscissas; ou pelo seno e pelo coseno do angulo opposto ao eixo das ordenadas; entrando no primeiro producto a abscissa, e no segundo a ordenada; dara uma quantidade constante, e igual em grandeza 4 perpendicular tirada do vertice do angulo recto sobre a bypothenusa. » IV Se na equacao (1) se suppuzer invariavel, em posicao e grandeza, a recta /\; € por conseguinte invariaveis tambem as coordenadas (, y, z) do ponto (m): fazendo ao mesmo tempo A= A Cos. W; a recta /\', gyrando ao redor de A, fara descrever a0 ponto (m') da sua extremidade, para um valor qualquer dado ao angulo W, a circumferencia de um circulo no espaco, cujo raio tera a seguinte expressao mm = J! Sen. W A equacao (1) tomara nesta hypothese a seguinte forma: (18) A’=aze! + yy! +22! Se nesta equacao se assignarem valores arbitrarios 4s coordenadas variaveis (z!, y'), achar-se-ha para (z') um valor, que determinara a posicao do ponto (m’), existente na cir- cumferencia do circulo descripto por um dado raio mm, movendo-se perpendicularmente ao redor da recta /\. , 7 . Se poisse fizer variar oangulo Wde zero até 9? © Talo (mm) crescera desde zero até o infinito: e qualquer ponto repre- sentado na equacao (18) pelas coordenadas (a', y', z') devera existir necessariamente no plano descripto pelo raio (mm’), cuja grandeza é indefinida : ou por outros termos, esse ponto existira sempre no plano perpendicular 4 recta /\, passando pela sua extremidade (m). GEQMETRIA ANALYTICA. A451 _ Dividindo ambos os membros da precedente equacao por A, @ fazendo nella as devidas substituicoes; vira (19) . A =2! Gos. a+-y! Cos. b+-2! Cos. c. Os angulos (a, b, c), considerados como constantes nesta equacao, servem para determinar a posicao da recta A, em relacao aos tres eixos coordenados: e dada por outra parte a grandeza de /\, o plano perpendicular a esta recta, pas- sando pela sua extremidade, ficara determinado de posicao, em relacao aos tres planos coordenados ; e comprehendera na sua extensdo indefinida qualquer dos pontos represen- tados pelas coordenadas variaveis (z', y', z'). E neste sentido que se diz que a equacao (19) representa um plano no espaco. Observando que as coordenadas (z", y/, z/) representam, na precedente equacao, as projeccoes da recta /\' sobre os tres eixos coordenados ; e que, por outra parte, as expressoes (a! Cos. a), (y! Cos. b), (z! Cos. c) exprimem as projecedes de (z', y’, 2) respectivamente sobre a recta A; e sendo ao mesmo tempo /\ prejeccao de A’; pdde traduzir-se a equacdo (19) em um bello e importante theorema de geo- metria, cujo enunciado ¢ o seguinte : Dadas duas rectas, sendo wma dellas de grandeza finita, que passem pela origem de tres eixos orthogonaes, as tres projeccoes da linha recta finita sobre estes eixos, sendo projectadas nova- mente sobre a outra recta determinam ahi outras tres projeccoes, © cuja somma é equivalente d projeccao directa da pom sobre a segunda. Sea recta (A for dada em direccao e grandeza pelas suas projeccées sobre dous dos tres planos coordenados, os angulos (a, b, ¢) serio determinados pelas formulas (42) art. Ii, sendo expressos nas duas tangentes (A, B), que aquellas projeccoes formam respectivamente com 0 eixo dos (z\: e determinada assim a posicae e grandezade A, o plano que passar pela extremidade (m) desta recta, e por : id ae i 152 REVISTA BRAZILEIRA. quaesquer dous pontos determinados no espaco, por meio da equacao (19) satisfara em todos os casos possiveis a esta mes- ma equacao; isto é, sera perpendicular 4 recta /\ no ponto(m). A posicao deste plano no espaco pode ser ainda determi- nada por meio dos tracos, que representam duas quaesquer das suas interseccdes com os tres planos coordenados: como se val mostrar. Considerando os tracos formados pelas interseccoes do plano, de que se trata, com os planos coordenados dos (x, z) e dos (y, z), representem (I, m) as tangentes dos angulos externos que formam respectivamente com os eixos dos (z} e dos (7) os dous tracos, que tem um ponto commum com. o eixo dos (z); e designe-se por (n) a distancia deste ponto a origem das coordenadas. E’ evidente que os tres elementos (I, m, n) determinam a posicao do plano no espaco; e sé resta investigara férma da equacao, que sendo expressa nestes elementos haja de servir para determinar um ponto qualquer desse plano, representado pelas suas coordenadas (2’, y’, 2'). Chegar-se-ha a esse fim transformando a equacao (19) em outra, na qual apparecam os novos elementos constantes, em substituicao daquelles que entram naquella equacao; procedendo do modo seguinte : Projectando a recta /\ [ considerada como normal ao plano em questao] sobre os planos coordenados dos (s, 2) e dos (y, z); e prolongando as duas projeccoes, ate encon- trarem os dous tracos nos referidos planos, produzidos pelas interseccoes com o plano secante; € evidente que, sendo cada um dos planos coordenados, juntamente com o plano secante, perpendiculares ao plano da projeccao de A, tanto sobreo planodos (a, z), comosobreo plano dos (y, z), aquellas. projeccdes prolongadas deveraé formar angulos rectos com os dous tracos do plano secante. Conservando pois a notacao que empregamos no art. II, ter-se-ha GEOMETRIA ANALYTICA. 153 Cos. a Cos.b ae pairs: —l; Coc Oe acai. A=n Cos. (20) Na construccao que havemos figurado, para a hypothese de que se trata, os angulos a que se referem as tangentes designadas por (A, B) sao respectivamente iguaes aos sup- plementos dos angulos representados pelas tangentes (I, m). Eliminando agora (Cos. a, Cos. b, /\) da equacao (19), por meio das equacoes (20); ter-se-ha (21) 2! = Ia!-+my!-+n E esta portanto a equacao pedida do plano, sendo este dado de posicio por dous dos: seus tracos com os planos coordenados: e as tres equacoes do n° 19 servem para fazer a transformacao da equacao (19) nesta, e vice-versa. Se nas formulas (12) do art. II, acima citado, se substi- tuirem os valores de (A, B) dados pelas equagoes (20); vira 1 Cos. c= —————_ V (P+m+1) —m 22 Cos. b ==—__—__—_- ia?) V (P+m?+1) Cos. a= ss WV (P+m?+1) Estas equacoes servirao para determinar a posicao da normal ao plano dado pela equacao (21): ou passe essa normal pela origem das coordenadas [sendo neste caso a sua grandeza /\ determinada pela terceira das equacdes (20)]: ou passe ella por um ponto qualquer dado no espaco, ou mesmo no plano. A equacao (19) éindependente da grandeza da saiiial A; ou mais precisamente da distancia do plano 4 origem das coordenadas : de modo que, suppondo-se.que o plano, que 154 REVISTA BRAZILFIRA. ella representa, se move parallelamente a sua primeira posicio, eonservando o ponto (m/') a sua posicao relativa, a respeito dos tres eixos, até tocar a origem de /,; isto é, até que tenha um ponto commum com a origem dos etxos' coor- denados; coincidira esse plano com a perpendicular 4 recta Z\ hesse ponto: e neste caso ja se viu, no art. Il, que em qualquer posicado que se considere essa perpendicular, mo- vendo-se ao redor da recta fixa A, € ella sempre dada por um ponto (m’) commum ao plano, e determinado pela equacao (19 bis) O==2! Cos. a+-y! Cos. b+-z!' Cos. c. E pois esta equacao referida ao plano que passa pela origem das coordenadas: a qual ‘nada mais é do que a equacao (18 bis), fazendo nesta A.=0; isto é, a distancia do plano a origem dos eixos, representada por /\, e contada na normal ao plano, que passa por aquelle ponto. Se considerarmos 0 movimento do plano, sob as mesmas condicoes precedentes, em relacao aos elementos constantes, que entram na equacao (20); é evidente que 4 medida que o plano se approximar da origem das coordenadas, a dis- tancia (n) contada no eixo dos (z} ira decrescendo, conser- vando-se todavia invariaveis as tangentes (I, m); até que, sendo (n) nullo, o plano passara pela origem das coor- denadas: e a equacao (20) tomara nesta hypothese a seguinte forma (24 bis) 2! == la!+- my! Nesta nova posicio do plano, a que se refere a equacao precedente, os dous tracos que determinam os angulos, re~ presentados pelas tangentes (I, m), ficam existindo no prolon- gamento negativo dos planos dos (x,z) e dos (y,z), partindo ambos da origem dos eixos: de modo que (A, B) sao ainda respectivamente iguaes 4s tangentes dos supplementos daquelles angulos. a GEOMETRIA ANALYTICA. 455. Cumpre aqui observar que a determinacao da posicao da normal ao plano, passe este ou nao pela origem dos eixos, é sempre independente da grandeza de A, em relagao a equagao (19), ou de (n), em relagao 4 equacao (241): depen- dendo sémente dos outros elementos constantes que entram nas referidas equacdes; a saber, os cosenos de (a, ), c), pelo que respeita 4s equacoes (19), ou (19 bis); e as tangentes (l, m), nas equagoes (21), ou (24 bis): o que se deduz imme- diatamente da natureza das equacoes (22). Se suppuzer-se que asrectas (/\, /\') sao dadas de posicao, considerando-se invariaveis os angulos (a, b, ¢), (a’, b!, ec); sendo por conseguinte tambem invariavel o angulo (W); 0 plane que passar por essas duas rectas ficara determinado de posicao, em relacao aos tres planos coordenados; e devera satisfazer 4 qualquer das duas equacoes (19 bis), ou (21 bis), uma vez que os elementos constantes, que entram nestas equacoes, sejam expressds nos que determinam a posicdo das rectas (/\, A\'). Passamos pois a investigar as relacdes que ligam aquelles a estes elementos. Supponha-se que ON, fig. (1), passa pela origem dos eixos coordenados, sendo perpendicular a cada uma das rectas (A, A’), € por conseguinte normal ao plano em que ellas existem. A recta ON, sendo combinada com cada uma das rectas (A; A’), devera salisfazer [mediante os angulos («, c, ) que ella forma respectivamente com os eixos coordenados] ds duas seguintes equacées de condicao (7) art. II. 0 = Cos. a Cos. «+ Cos. b Cos. c4+-Cos. ¢ Cos. y 0 =Cos. a! Cos. a+-Cos. b! Cos. c-+-Cos. ¢! Cos. y Multiplicando a primeira destas equacoes por (Cos.a’), @ a segunda por (Cos.a); tirando esta daquella, e prati- cando a mesma operagao com os multiplicadores (Cos. U’) e (Cos. b); vira 156 REVISTA BRAZILEIRA. Cos. a Cos. c Cos. a! — Cos. c! Cos. a B \ ar / ~~ Cos. a Cos. b' — Cos. a'Cos.b —* 23 ba Cos.€ _ Cos. c' Cos. b — Cos. ¢ Cos. b' P Cos. y Cos. a Cos. b!' —Cos. a! Cos. b : As quantidades designadas, nas precedentes equacoes, por (4;, B,) sao analogas 4s que havemos designado por (A, B) nos arts. Ie lV; a saber, as tangentes dos angulos formados com o eixo dos (z! pelas projeccoes da recta ON sobre os planos dos(x, z) e dos (y, z). Ter-se-ha portanto [repetindo o processo analytico empregado nos referidos arts.] as equacdes seguintes : tT 1 2 hoe} a ee et eS Jind eg ed oe eae B 2 (—m i D4 2/1 = ee ee, Sg es ee (24) Tea AQV+BP+1 0 lP+m?+1 A? tel 2 wet RN be te age BU OE ere see i ay ERE a As quantidades designadas por (I; m,) nestas equacoes sao- analogas as que representamos por (/, m) no art. [V; a saber, as tangentes dos angulos formados respectivamente pelos tracos do plano com os eixos dos (x) e dos (y), nos planos dos (x, z) e dos (y, z). Cumpre porem notar, que no presente caso (4,, B,) nao se referem aos angulos supplementares daquelles, cujas tangentes sao aqui designadas por (l,, my): mas sim a angulos que tem os mesmos complementos que estes, aos quaes sao por conseguinte respectivamente iguaes ; sendo porém as tangentes dos primeiros tomadas em sentido contrario das tangentes dos segundos: isto é, A,=—|,; Bj, =— m,; como é facil de verificar na fig. (1). Com effeito, os angulos dados pelas tangentes (A4,, By) crescem no sentido negativo, em relacio aos angulos cujas tangentes foram designadas por,(A, B), os quaes crescem no GEOMETRIA ANALYTICA. 157 sentido positivo, na disposicao que apresenta a figura; e quando em outra posigéo da normal ON aquelles angulos se fornarem positivos, os angulos dados pelas tangentes (4: mM) serao necessariamente negativos, por identidade de razao. Substituindo nas equagoes (19 bis), em logar dos cosenos que abi entram, os dous valores que exprimem os cosenos dados pelas equacées (24); vird j 0 = A,o'+-B.y'+-2" zt "2+ my! Qualquer destas duas equacoes representa o plano das duas rectas dadas, tendo um ponto commum com a origem dos eixos coordenados: podendo determinar-se por meio della um ponto qualquer (m’) situado nesse plano, e repre- (25) sentado pelas coordenadas (2’, y/, z'). Passa-se de uma 4 outra equacao pondo nella em logar dos coefficientes de (a!, y') os coeflicientes analogos da outra, affectos do signal negativo. A primeira destas equacdes 6 evidentemente identica com a equacao (19 bis), visto que ambas se reportam 4 normal ao plano no ponto que este tem de commum com a origem dos eixos: distingue-se ella porém na forma, a saber : na equacao (19 high os elementos constantes so os angulos que determinama posicao da normal ao plano, dados pelos cosenos ; emquanto que na primeira das equacoes (25 esses elementos sao dados pelas tangentes (4), B;) dos angulos formados com 0 eixo dos (z) pelas projeccdes da normal ao plano, sobre os planos coordenados dos (x, 2) e dos (y, z.) A segunda das referidas equacoes é ao contrario, nao sé essencialmente identica, mas ainda semelhante na férma, quando comparada 4 equacao (214 bis), que encerra as mesmas condicoes analyticas ; exprimindo, como nesta, os elementos constantes (/,, g,) que nella entram as tangentes dos angulos, que determinam os tracgos do plano com os planos coor- denados dos (x, z) e dos (y, z). 158 REVISTA BRAZILEIRA. Esta equacao offerece uma interpretacao geometrica assas curiosa; a saber, que a coordenada (2'), que da a distancia do ponto (m), considerado no plano em questao, ao plano coor- denado «los (x, 2), € iqual d somma das duas ordenadas dos seus tracos nos pontos correspondentes ds absissas (x) e {y). Com effeito, se pela coordenada (z') se fizer passar um plano paralleloao plano dos (y, z), ate encontrar o plano dos (x, ay e outro plano parallelo a este até encontrar o plano dos (y, 2); ¢ evidente que a parte da interseccao produzida no plano dos (x, 2), comprehendida entre 0 eixo dos(z) e 0 traco do plano, representara a ordenada do ponto cortado nesse traco, sendo (a/) a sua abscissa; e cuja expressao sera (I, «'); e que se tera semelhante (mm %) para expressao da ordenada relativa ao traco do plano dos (y, 2). Se um dos tracos do plano, que se considera, coincidir por exemplo com o eixo dos (x), sera |, = 0; e ter-se-ha por conseguinte z'==m y" Este resultado coincide com o que é ja sabido pela geo- metria elementar, a saber, qualquer que seja a posigao do ponto (m') sobre o plano inclinado ao plano dos (x, y), € passando pelo eixo dos (x), a sua distancia a este plano. sempre dada pela interseccao do traco daquelle plano, no plano dos {y, z), por outro plano tirado pelo ponto (m’) parallelo ao plano dos (x, 2). O angulo designado por (y), sendo comprehendido pela normal ON ao plano das duas rectas (/\, A\’}, e pelo eixo dos (z), 0 qualé perpendicular, no mesmo ponto, ao plano dos (x, y), medira tambem a inclinac&o do primeiro plano sobre o segundo: e pela mesma razao o angulo (c) medira a ineli- nacao do mesmo plano sobre o plano dos (z, 2): e oangulo (2) medira a inclinacao sobre o plano dos (y, 2). Substituindo na expressao de (Cos.” 7) os valores de (A,, By) tirados das equacoes (23); vira GEOMETRIA ANALYTICA. 159 (Cos. a Cos. b' — Cos. a' Cos. b)? i 2 — Pa eee a er (Cos. a Cos. b' —.Cos. a! Cos. by? + (Gos. aos. c—Cos. a! Cos. c}’-+-(Cos. b Cos. c —Cos. b! Cos. c)’ Desta equacao se poderao deduzir as expressoes analogas de (Cos.’ ¢), (Cos.’ z), pela simples permutacao das letras; e ndés a apresentamos aqui como um importante resultado, a que se recorre em algumas investigacoes analyticas, como se vera para diante. Se o ponto de encontro\O das duas rectas(/\, /\') ¢ dado de posicao no espaco, pelas suas coordenadas (f, g, h), em relacdo aos eixos (O'X', O'Y', O'Z') parallelos aos primitivos ; reportando a esses novos eixos as coordenadas (a!, y', 2!) do ponto (m/) existente no plano a que se referem as equa- coes (25); tomarao estas equacoes a seguinte forma geral _, \O=A" ef) +.B: yg! (250i) Jy hah md y. Fazendo na equacao (1), art. I, z—0, z/=0, ficando invariaveis (x, y), (x’, y'); designando por W! a projeccao do angulo W sobre o plano dos (, y); e por (0, 0’) as projeccoes de (A, A\') sobre o mesmo plano; vira (27) do’ Cos. W! = oat! —-yy! Substituindo na equacao (1) o equivalente do segundo membro desta ; vira (28) A A! Cos. W=00! Cos. W'+-22!. Dividindo ambos.os membros desta equacao por /\A\', @ attendendo que se tem, pelamotacao adoptada, 160 REVISTA BRAZILEIRA. oO: d! a z! ' —= Sen. ¢; => =Sen. ¢; 00S. 63 = Cos. ¢: A A A A ter-se-ha (29) Cos. W = Cos. c Cos. c'-++-Sen. ¢ Sen. c Cos. W! Por meio desta equacao se péde determinar a grandeza de W', projeccao do angulo W dado de posicao no espaco; uma vez que sejam conhecidos os angulos (c, c') formados pelos seus lados com 0 eixo dos (z); 6 em geral com a recta que passa pelo vertice do angulo dado, e € perpendicular ao plano da projeccio. Mas della deduziremos uma formula mais simples, e accommodada as applicacoes praticas nesse sentido , como adiante se vera. A equacao (29) encerra tambem a expressao de um theo- vema fundamental da trigonometria espherica, do qual sao deduzidas todas as formulas empregadas na resolucao dos triangulos dessa natureza; o qual enuncia-se da seguinte maneira : O coseno de um angulo plano (W), 0 qual forma uma das tres faces, que comprehendem um angulo solido qualquer do te- traedro, éigual ao producto dos cosenos dos dous angulos planos contiquos (c, c'), auymentado do producto dos senos desses mesmos angulos multiplicado pelo coseno do angulo diédro opposto (W’'). Elevando ao quadrado ambos os'membros da equagao (27), e pondo ahi (I—Sen.* W') em logar de (Cos. W'); vira (30) = dd? Sen.? Wt =» 0°? — (aa! -yy!)? Praticando a mesma operacao na equacao (1), vird a equaciao do n° 13 art. II; a saber Bl) A2A? Sen? W= A? A? — (aal-}-yyl+-22!) Dividindo ordenadamente a primeira equacao pela se- gunda, e depois diyidindo tambem ambos os termos do GEOMETRIA ANALYTICA. 161 segundo membro da equacao resultante por (A* A”), _ fazendo nos quocientes parciaes as devidas substituicées ; vira do? Sen.” W! NA? Sen Wo __ Sen.” ¢ Sen.” ¢ —(Cos. a Cos. a!+Cos. b Cos. b') ~~ L— (Cos. a Cos. a!+Cos. b Cos. b'+-Cos. ¢ Cos. e')’ __ (Cos. a Cos. b'—Cos. a! Cos. b}? ~ (Cos. a Gos. b'—Cos. a! Cos. bY? *** + (Cos. a Cos. c—Cos. a! Cos. c)? + (Cos. b Cos. e'—Cos. b Cos. ec)’ = Cos.’ y (26) art. IV. [Sen. * ¢ Sen.* ¢==(1 —Cos.* c) (1 — Cos.’ c’) =[1—(1— Cos.’ a— Cos.’ b)] [1 —(1—Cos.? a! — Cos.” b')]; 1 = (Cos.? a+Cos.” b+-Cos.’ ¢) (Cos.? w+Cos.? b!-+Cos.’ ¢’)] Da precedente equagio se tira o importante resultado expresso na seguinte dd! Sen.W' AA! Sen. W 83) 2 2 Cos. 7 Exprimindo o primeiro membro desta equacao a area do triangulo, cujos lados (0, 0’) comprehendem o angulo W'; assim como o primeiro factor do segundo membro exprime aarea do triangulo, cujos lados(/\, A’) comprehendem o - angulo W; a saber, a area do triangulo projectado sobre o plano dos (x, y): conclue-se dahi que a relacdo entre essas duas areas é dada pelo coseno do angulo da inclinacao do plano da area projectada sobre o plano da sua projeccao. Esta propriedade tem na analyse applicada o nome de prin- — cipio da projecgao das areas: o qual é geralmente deduzido, ‘as obras classicas que tratam desta materia, por meios 44 {pe REVISTA BRAZILEIRA. indirectos, que nao se compadecem com a indole dos pro- cessos analyticos. Sirva de exemplo desses recursos auxi- liares, a que nos referimos, aquelle que é mais geralmente empregado pelos geomeltras, a saber: « considerando a area do triangulo projectado dividida em uma infinidade de linhas rectas parallelas entre si, a relacio commum entre -essas linhas e as suas projeccoes, sobre um plano dado de posicao, sera expressa pelo coseno do angulo de inclinacao, entre este plano e o do triangulo projectado. » O resultado deduzido da equacao (33), relativamente a um triangulo dado no espaco, pdde facilmente tornar-se extensivo a um polygono qualquer plano, dividindo a area deste em triangulos, por meio de diagonaes tiradas do vertice de um dos seus angulos, e tomando este ponto para origem dos eixos coordenados: pois é evidente que a relacao entre a area do polygono, e a da sua projeccao, sera a mesma achada para cada um dos triangulos que o compoem, e a respectiva projeccao. Daqui se conclue por induccao que esse principio pdde ser rigorosamente applicavel a qualquer area plana, terminada por um perimetro curvilineo. Represente-se por 7’ uma area plana de figura qualquer, dada no espaco: por (4, f,, ts) a grandeza das suas projeccoes respectivamente sobre os planos dos (x, y), dos (a, z), dos (y, 2) : ter-se-ha, em virtude da equacio (33) e das duas outras analogas, expressas em (Cos. 6), e (Cos. a) t,=T Cos. y t, = T Cos. 6 tjt=T Cos. « Elevando ao quadrado ambos os membros de cada uma destas equacdes, sommando-as depois, e attendendo que se tem 1—Cos.’ «-+-Cos.” 6+-Cos.” y: ter-se-ha (34) fe = t+t,’+-t;? GEOMETRIA ANALYTICA. 163 Considerando as quatro areas expressas em quantidades numericas, esta equacdo exprime um bello resultado, sus- ceptivel de um enunciado analytico; a saber: que 0 quadrado da area projectada sobre os tres planos coordenados é igual a somma dos quadrados das suas tres projeccoes. E bem notavel que este mesmo resultado possa dedu- zitr-se immediatamente das equacoes (30) e (31), relativa- mente ao triangulo, sem a dependencia dos cosenos, que dao na precedente investigacao a relacao entre a area pro- jectada e a sua projeccdo, sobre cada um dos tres planos coordenados ; como se vai mostrar. Pondo no segundo membro da equacao (30), em logar de d? 9"), o seu equivalente, a saber (a*-+-y’) (x!"+-y!”); vira O°! Sen.? W! = (ay! —al y)? Extrahindo a raiz quadrada de ambos os membros desta — equacao, e dividindo-os por 2; ter-se-ha do! Sen. WI ay! —aly epee Substituindo semelhantemente, na equacdo (31), em logar de (A? A\”}, 0 seu equivalente, a saber (2*+-y’-++z’) (?+-y!1-2!); e dividindo por 4 ambos os membros da equacao ; vira (35) LA" Sen? W pe yl—al y\? (e2!—a! 2y' Oe y z!—y! z 2 face) Exprimindo o primeiro membro desta equagao o quadrado da area do triangulo dado no espaco, e cada um dos tres termos, que formam o segundo membro, a respectiva pro- jeccao dessa area nos planos dos (x, y), dos (a, z), dos (y, 2), como se mostra pela equacao (35): fica assim demonstrada 164. REVISTA BRAZILEIRA. a identidade deste resultado com o que fora deduzido da equacao (34). As equacoes (35) e (36) sao além disso susceptiveis de uma outra interpretacao analytica, a saber: o segundo membro da primeira exprime a area de um triangulo, cons- truido em um plano dado, em funccao das coordenadas referidas dos vertices de dous dos seus tres angulos, exis- tindo o vertice do terceiro angulo na origem das coorde- nadas: e semelhantemente a equacao (35) faz conhecer a area de um triangulo, dado no espaco, em funccao das coordenadas (a, y, #), (x, y!, 2'), referidas aos pontos ana- logos, sendo tambem o vertice de um dos seus angulos con- siderado como origem dos tres eixos coordenados ; tomando, neste sentido, a forma seguinte: Meg! y\2 fa z!—_ al 2 \2 i sewa)a Dividindo ambos os membros da equacao (33) por A Al, e fazendo ahi as devidas substituicoes ; vira (87) Sen. ¢ Sen. ¢ Sen. W'=Sen. W Cos. ey T TT Pondo nesta equacao (5— r), j —'), em logar do an- a gulo (c), e de (¢'); ter-se-ha (37 bis) Cos. Cos. ! Sen. W' = Sen. W Cos. 7. Ambas as precedentes equacoes encerram o principio da projeccao dos angulos. A primeira (37) da a projeccao do angulo (WV) sobre o plano dos (a, y), sendo dada a inelinacao (y) dos dous planos, e os angulos formados pelos lados do _ referido angulo com o eixo dos (z); ou em geral com a recta que passar pelo yertice do angulo, perpendicular ao plano GEOMETRIA ANALYTICA. 165 da sua projeccao (W'): a segunda (37 bis) resolve 0 mesmo problema, empregando, em logar dos angulos (c, ¢'), os seus complementos (i, /); isto é, os angulos formados pelos lados ° do angulo (W) com as respectivas projecedes no plano de (W'), Qualquer destas equacoes, considerada como uma formula especial, sera sempre preferivel 4 equacao (29), nas appli- cacdes para que uma ou outra dessas formulas ¢ apropriada. Designando por (W"'), (W'"'"') as projeccoes do angulo (W) sobre os planos dos (2, z), e dos (y, z), e fazendo applicacao da formula (37) a cada um dos tres planos coordenados , vira Cos. y Sen. W = Sen. W' Sen. c Sen. c! (38) < Cos. 6 Sen. W = Sen. W" Sen. b Sen. bi Cos. « Sen. W = Sen. W" Sen. a Sen. a! Elevando ao quadrado ambos os termos de cada uma destas equacoes, e fazendo a somma dellas, pondo a unidade em logar de (Cos.* »+-Cos.’ C+-Cos.” «); ter-se-ha (38 bis) Sen.” VW = Sen.’ W' Sen.’ ¢ Sen.? ¢! +Sen.2 W" Sen.* b Sen.? b'+-Sen.? W""' Sen. a Sen.? al Dividindo ambos os membros da equacao (36) por (A?/\"), e fazendo ahi as devidas substituicoes, ter-se-ha uma nova expressao de (Sen.? W), a qual pdde ser de utilidade em alguns casos; a saber (39) Sen.” W=(Cos. a Cos. b'—Cos. a! Cos. b)’+-(Cos. a Cos. ce! — Cos. a! Cos. c)’4-(Cos. b Cos. o—Cos. b! Gos. c}? Substituindo na equacao (26), e nas duas outras analogas, expressas nos cosenos de (6), -e de («), em logar do deno- minador do segundo membro, o seu equivalente (Sen. W); ter-se-ha 166 REVISTA BRAZILEIRA. Cos. a Cos. b|\—Cos. a! Gos. b C05. Sen. W AO ee Cos. a Cos. c'-—Cos. a! Cos. ¢ (40) Cos. 6= ARNE Aah C Cos. b Cos. ¢ — Cos. b! Cos. c ig Sen. W Substituindo a expressao de cada um destes cosenos nas equacoes (38) ; ter-se-ha Cos. a Cos. b'—Cos. a! Cos. b Sen) a ee ee Sen. ¢ Sen. € Cos. a Cos. c-—Cos. a! Cos. ¢ Sen. b Sen. b! Cos. b Cos. c!— Cos. b! Cos. ¢ Sen. a Sen. a! (41) (Sen. W" = Sen. Wil = Estas formulas poderao ser uteis nos casos em que se quizer exprimir qualquer das tres projeccoes do angulo (W), em funccao dos angulos formados pelos seus lados com os tres eixos coordenados, independentemente da grandeza de (W). Dividindo a equacao (35) por (d0’); e fazendo ! ! ow q ae = (os. 3 ria Cos. a; = Cos. by = Cos. bl,: vira Sen. Wi=Cos. a, Cos. b!,— Cos. a!, Cos. by Esta equacao exprime a projeccao do angulo (W) sobre o plano dos («, y), expressa nas projeccoes dos angulos for- mados pelos seus Jados com os eixos dos («| e dos (y): e ter-se-ha portanto, para dar as tres projeccées, nos respec- tivos planos coordenados, as equagdes seguintes : Sen. W! = Cos. a Cos. b';—Cos. a, Cos. by 2/8 (42) Sen. W!=Uos. ay Cos. cy — Cos. a!, Cos. ¢ Sen. W''=Cos. b, Cos. ¢2— Cos. b!, Cos. cy cae GEOMETRIA ANALYTICA. 167 Julgamos conveniente, no interesse dos principiantes, aproveitar aqui um favoravel ensejo para confirmar, pela conformidade dos resultados, o rigor das deduccoes ana- lyticas, quando sao estas submettidas 4 prova dos processos puramente geometricos. ere a, a Se na equagao (29) se fizer W! =z; vira (29 bis) Cos. W = Cos. c Cos. c’. A significacao trigonometrica deste resultado é a seguinte : Dado um angulo triedro, cujas faces angulares sao repre- sentadas por (W, ¢, c’), sendo recto o angulo diedro opposto 4 face (W); 0 coseno deste anqulo sera sempre iqual ao producto dos cosenos dos outros dous (c, ¢!): e é esta uma propriedade dos triangulos esphericos rectangulos. Dada a devida intelligencia 4 formula precedente , pro- ponha-se achar primeiramente a expressao de (Sen. W’), pela applicacao das formulas da trigonometria plana. Se- gundoe a notacao acima adoptada devera ter-se o angulo (W') expresso de duas maneiras: 1° pela differenca (a!,—a,), entre as projeccoes dos angulos (a', a), formados por (A!, A) com 0 eixo dos (x), sobre o plano dos (x, y): 2° pela differenca (b,—b',) das projeccdes dos angulos relativos ao eixo dos (i), sobre o mesmo plano: e ter-se-ha portanto T a, — 4=h,— b!,; e +)==0',40', = 9 Sen. W'= Sen. (a!;—a,)= Sen. a;/ Cos. a, — Cos. al, Sen. a, =Cos. a, Cos. b';—Cos. a', Cos. b, Tem-se pois demonstrado assim pela trigonometria plana a exactidao das equacoes (42): resta agora passar destas ds equacoes equivalentes do n° (41). E facil de comprehender pela construccao da fig. (1) que os angulos (a,), (5 — ‘), e (a), formam um angulo solido [tendo o verticena origem dos eixos coordenados] cuja face an- gular (a) fica opposta ao angulo diedro recto, comprehendido elas outras duas faces: applicando portanto a formula bg bis) a estes tres angulos, vira 168 REVISTA BRAZILEIRA. Tw Cos. a = Cos. a, Cos. @ = =e —O(os. a, Sen. ¢ Ter-se-ha semelhantemente a considerar outro angulo triedro, no qual o angulo diedro recto é comprehendido elas faces angulares (b!,) e aoe igh , sendo opposta aaquelle P 8 3 Ppp q a face designada por (b,): empregando pois a mesma formula a este caso; vira Cos. b' =Cos. b!, Sen. c! Multiplicando esta equacao pela precedente, membro a membro, ter-se-ha Cos a Cos. bi Cos. a, Cos. b', = ———_.— : *"™~ Sen. ¢ Sen. c! Procedendo do mesmo modo a respeito dos angulos (a’;{ e (b,): viva Cos. a! Cos. b Cos. a!, Cos. 6, = —————— ; 1 Sen. c Sen. cl Fazendo agora a devida substituicao destes resultados na expressao acima achada para Sen. W’; ter-se-ha finalmente Cos. a Cos. b'—Cos. a! Cos. b Sen. Wi = Sen. ¢ Sen. cl Esta equacio 6, como se vé, a mesma que fora deduzida pela analyse (41). Concluida esta util digressao, poremos termo a este artigo, ja enriquecido com resultados de grande importancia na analyse applicada, dando as formulas do n° (40) uma nova transformacdo, que vai ligar aquelles resultados a outros obtidos nos artigos anteriores. Designando por {p) agrandeza da perpendicular, tirada do. ponto (m’) extremidade da recta (/\') sobre a direceao de A; ter-se-ha (15) art. IT. p= A! Sen. W P Pondo nas equacoes (40) Ai em logar de Sen. W; e at- GEOMETRIA ANALYTICA. 4169 tendendo que se tem A!’ Cos. a! = al; A! Cos. = yy; 00s: oe! = 2); vird | y! Cos. a — a! Cos. b Cos. — z p (43) alee z' Cos. a — a! Cos. ¢ P Po oe z! Cos. a Cos. ¢ Referindo as coordenadas (2', y!, 2') aos novos eixos parallelos aos primitivos, sendo o ponto O, vertice do angulo (W), dado de posicao pelas coordenadas (f, g, h) em relacao aos novos eixos (O!X', O'Y', O'Z'); as precedentes equacoes tomarad a seguinte forma geral t Gos ae (y!—q) Cos. a—(a!—f) Cos. b p (z'—h) Vos. a—(x'—f) Cos. ¢ C08. ats a Se (44) p eis (z'—h) Cos b—(y!—q) Cos. ¢ ee P Tanto nas equacoes (43), como nas precedentes, as coor- denadas (a', y!, 2!) representam o ponto (m') da recta AI, donde é tirada a perpendicular (p) sobre a recta dada de posicao, formando com os tres eixos coordenados os angulos (a, b, ¢). Se porém se quizer transportar a origem das coordenadas para o ponto dado (m’), isto é, para o ponto donde é tirada a perpendicular; pondo nas precedentes equacodes (a,) em logar de (a! — f'); (y;) em logar de (y! — g’); (%) em logar 42 170 REVISTA BRAZILEIRA. de (z'—h’); estas novas coordenadas determinarao, na recta dada de posicao, o ponto em que A\ a encontra; exprimindo /\/, nesta hypothese, a distancia do vertice do angulo (W) 4 origem das coordenadas: e ter-se-ha __ yn Cos. a—a, Cos. b Cos. q p 2, Cos. a—ax, Cos. ¢ C6s.6 ee (45) : Cos 2, Cos. b—y, Cos. ¢ Ge Beet ns es eee a a a : p Nas equacoes anteriores aos tres numeros precedentes (Cos. y, Cos. 6, Cos. «) determinam a posicio da perpendi- cular aos dous lados (A, A\') do angulo (W) dado no espaco, passando pelo vertice desse angulo. Nas equacoes poreém dos n® 43, 44, 45, nas quaes o lado A! e o mesmo angulo (W) foram eliminados, introduzindo-se nellas a perpendicular (p), tirada do ponto (m’) do referido lado A\' sobre a direceao do outro lado A, deverd entender-se que aquella perpen- dicular é neste caso anormal ao plano que passa por (p), e pela recta que coincide em direccao com /\, e em um ponto dado da mesma; a saber: nas equacoes do n° 43 é esse ponto a origem das coordenadas; nas do n° 44 € 0 ponto dado pelas coordenadas (f", g’, h’); nas do n° 45, final- mente, é qualquer ponto da recta. cuja direccao, em relacao aos tres eixos, é conhecida pelos angulos (a, b, ¢); e cuja posicao, em relacio 4 origem dos mesmos sera determi- nada quando forem conhecidas as coordenadas (2;, 7, z,) referidas a um ponto della. E evidente, por outra parte, que qualquer ponto tomado no plano satisfara as condicoes da normal. Todavia podera sempre representar-se o angulo (W) como tendo por vertice o ponto da recta dada de posicao, GEOMETRIA ANALYTICA. 171 por onde se fizer passar a normal ao plano, e por lados -aquella mesma recta indefinida, e a que for tirada do re- ferido, ponto 4 origem de (p); como ja se notou acima. Na determinacao dos tres cosenos, cujas expressoes sao dependentes da grandeza de (p), devera recorrer-se ds equacoes (16, 17, ou 47 bis), art. II, para ter esse elemento; segundo se empregarem as formulas dos n* 43, 44, ou 495. Notaremos ainda sobre este objecto, que as formulas do n° 43 podem deduzir-se immediatamente da equacao 26 art. [V, multiplicando ambos os termos do segundo membro por A\”, e pondo no denominador o seu equivalente (p’), dado pela equacio (16) art. Il: com attencao a mudar as denominacoes dos angulos que ahi entram, em relacao aos angulos (y, 6, «). VI. Se conjunctamente com o plano, que passa pelas rectas (A; A’), art. IV, tendo por normal nesse ponto a recta ON, se considerar outro plano passando pelo mesmo ponto O, origem das coordenadas, cuja normal nesse ponto se repre- sente por ON', determinada em posicio pelos angulos a’, 6', y'), formados por ella com os tres eixos coordenados; designando por (4) 0 angulo comprehendido pelas duas nor- maes: ter-se-ha (2) art. I. (46) - Cos. 6=Cos. «Cos. a'+ Cos. € Cos. 6'+ Cos. y Cos. ¥' Sejam os dous planos dados pelas seguintes equacoes Z=ho't+my z=, g++ Mm, yl As formulas (24) darao os valores de (Cos. , Cos. 6, Cos. ) —i' ” ’ 172 REVISTA BRAZILEIRA. e de (Cos. «', Cos. 6', Cos. 7'): os quaes, sendo substi- tuidos na equacao (46), darao o seguinte resultado CTF to Vem? +1) VW (Pm, +1) O angulo (9) mede, como se sabe, a inclinacio reciproca dos dous planos, representados pelas duas equacoes dadas : i fazendo portanto @==, na precedente equacio, ter-se-ha WIA a condicéo de perpendicularidade, dada pela seguinte equacao de condicao (A8) 0 = 1+m m+, |, Suppondo nesta equacio (m, 1) invariaveis; isto 6, dado de posicado no espaco o plano, 4 que pertencem esses ele- mentos; ¢ evidente que esta equacio ficara indeterminada, emquanto nao for conhecido qualquer dos dous elementos variaveis (m2, [,), que determinam a posicio do outro plano. Poder-se-ha porém assignar certos limites notaveis, dentro dos quaes tera logar a variacio de cada um desses ele- mentos; como se vai mostrar. Fazendo gyrar o plano variavel ao redor da normal ao outro plano, na origem dos eixos, commum 4 interseccaio dos dous planos, é evidente que aquelle plano tomara , ao redor daquella normal, todas as posicoes possiveis sobre o plano dado de posicio. Supponha-se, pois, que por effeito desse movimento 0 plano variavel toma uma posicao tal a respeito do plano dos (x, z), que o seu traco neste plano se forna perpendicular ao traco do plano invariavel, dado de posicao. E evidente que, em virtude da reciproca perpen- dicularidade dos dous planos, 0 outro traco do plano va- GEOMETRIA ANALYTICA. 173 riavel sobre o plano dos (y, z) devera necessariamente coincidir com o eixo dos (y). Ter-se-ha por conseguinte m= 0 =1+ i l, 1 oateRt A segunda das precedentes equacoes exprimindo a con- dicio da perpendicularidade dos dous tragos, a que se referem as tangentes (l,, ,), art. III, deve considerar-se como consequencia necessaria da primeira equacao. Continuando o plano variavel a mover-se no mesmo sen- tido, supponha-se que elle chega 4 posicao em que o seu traco no plano dos (x, z) se confunde com o traco do plano invariayel. Ter-se-ha neste caso Designando (A,) 0 angulo cuja tangente é representada por (l); ter-se-ha Sec.” Ay 1 pe mM =—=— SS a ee ; mM, Cos.2 Ay m Sen. 2 Ay m Chegue finalmente o plano variavel, movendo-se ainda. no mesmo sentido, a tomar a posicao em que o seu traco, movendo-se tambem sobre o plano dos (a, z), se confunda com 0 eixo dos (#). Ter-se-ha, como no primeiro caso, 174 REVISTA BRAZILEIRA. ],—=0 0—l+mm, 1 m= — — ; My Nesta posicio o plano variayel sera perpendicular ao plano dos (y, z), como ja teve logar na primeira posigio em que o consideramos 4 respeito do plano dos (a, z): sendo por conseguinte o seu traco naquelle plano tambem perpen- dicular ao traco do plano invariavel, como o mostra a segunda das precendentes equacoes. Considerando agora o movimento do plano variavel em relacao ao plano do (y, z), e continuando no mesmo sentido, supponha-se que toma elle a posicao em que o seu traco se confunde com o do plano invariavel. Ter-se-ha 1, =m, 1-+m,? 2 ho Pie Pye ene Lbs Cet A seguinte coincidencia do traco do plano variavel com o eixo dos (y) restabeleceria a posicdo inicial do mesmo plano, correspondente aos primeiros resultados acvima obtidos As tangentes (/,, m:) variam pois inversamente, em uma revolucao inteira do plano variavel ao redor da normal ao plano dado de posicao; a saber: (m,) desde zero até 5) 4 1 (I,) desde (— =) ale zero: limites.dados pela posicao do 4 plano variavel, perpendicular primeiramente ao plano dos (y, z), e depois ao plano dos (y, z). GEOMETRIA ANALYTICA. 175 Nas posicoes intermediarias, em que o plano variavel passa alternativamente pelos tracos do outro plano, cortando os planos dos (a, z), e dos (y, z); as referidas tangentes tem _ entre sia relacdo dada pela seguinte equacao i __ Sen. 2 A,. Mm, m, Sen. 2B,. 12 Cumpre ainda notar acerca da equacao de condicao (48) que, no caso de serem representados os dous planos, 4 que ella se refere, por equacoes reportadas a outros eixos coor- denados, parallelos aos actuaes, comprehendendo por isso na sua expresao geral as constantes (m, n.), (21) art. IV; seria a condicao da perpendicularidade entre os dous planos dada pela mesma equacao 48: isto é, que aquella condicao é independente das referidas constantes, visto que é sempre possivel transferir a origem dos eixos coordenados para um ponto qualquer da interseccao dos dous planos, que se con- sideram no espaco. Fazendo @=0, na equacao (47), ter-se-ha a condicao do parallelismo entre os dous planos ; a saber: (1.”+-m."+-1) (U.? + my + 1) = (l, I+ m,+-1)? Desta equacao se passara facilmente a seguinte (49) 0 —_ (I, Toke l,)? + (mM a M)°+ (mM l, aw Mz l,)? Esta equacao de condicao nao pdde ser satisfeita de outra maneira, senao fazendo ao mesmo tempo k=l,; m = Ms, Estes resultados mostram que, na hypothese de serem dea i : 176 REVISTA BRAZILEIRA. parallelos os dous planos, deverao tambem ser parallelos os seus respectivos tracos, nos planos dos (#, 2), e dos (y, 2): propriedade esta que nao tem logar por analogia a respeito dos planos perpendiculares entre si, cujos tracos nos refe- ridos planos coordenados sémente se tornam perpendi- culares, dadas certas condicoes, como acima se mostrou. Neste caso a distancia entre dous pontos quaesquer dos dous planos, tomados em uma recta parallela ao eixo dos (2), sera constante e igual a (m — m.); isto é, a differenga das duas constantes , que nas equacoes reportadas a outro sys- tema de eixos parallelos aos actuaes representam as dis- tancias do plano dos (a, y) aos pontos em que os respectivos planos encontram o eixo dos (2). Se no ponto O da interseccao dos dous planos , cuja inclinacio reciproca é dada pelo angulo (4), se suppozer uma perpendicular levantada, no plano variavel, sobre a interseccao commum dos dous planos: é evidente que a angulo da inclinagao dessa recta sobre o plano dado de posicao sera representado por (9), e dado pela mesma equacao (47). Por conseguinte as condicoes da perpendicu- laridade, e de parallelismo entre essa recta e 0 plano dado de posicio, serao as mesmas que se acharam acima para o caso de dous planos (48 e 49). Resta porém mostrar como, dado o ponto em que uma recta encontra um plano tambem dado de posicao no espaco, formando ella com os tres eixos coordenados, ou com rectas parallelas aos mesmos angulos conhecidos, e representados por (e, e', e''), sera sempre possivel deduzir destes dados os elementos (I,, m,), que determinam a posicao do plano variavel, que passa por essa recta, e cuja interseccao com o plano dado de posicao é tambem perpendicular 4 mesma recta: 0 que passamos a fazer. Designe-se por (d, d', d''} os angulos formados pela inter- seccao dos dous planos com os tres eixos coordenados: estes angulos sao desconhecidos. GEOMETRIA ANALYTICA. 177 Devendo a intersecciio dos dous planos ser perpendicular tanto a recta dada no espaco, como 4 normal ao plano que ella encontra, e no mesmo ponto; tomando este ponto para origem dos eixos coordenados : ter-se-ha, art. I 0—Cos. e Cos. d+Cos. e' Cos. d'+-Cos. e" Cos. d'' O==Cos. « Cos. d-+Cos. € Cos. d'+Cos. » Cos. dl + 1= Cos.’ d + Cos.? d'+ Cos.” d" Tratando estas equacoes, como se praticou jA com outras analogas , (23) art. IV, ficardd conhecidos os angulos (d, d’, d'’), em funccao de (e, e', e'') e de (a, 6, 7). Uma vez conhecidos os angulos formados com os tres eixos coordenados pela recta dada de posicio; e por aquella que representa a interseccao do plano dado com o que passa ao mesmo tempo pela referida recta, poder-se-ha, por meio das formulas (24), determinar os angulos formados pela normal ao plano que passa por essas recias, no ponto em que ellas se corlam: deduzindo-se d’ahi, como se praticou no referido art., as tangentes (I, m,) que determinam os tracos do plano em questio nos planos dos (c, z), e dos (y, 3), me- diante a applicacao das formulas (20). Referindo-nos ainda aos dous planos, que havemos con- siderado na precedente analyse; e reproduzindo aqui a equacao (46), a saber Cos. 6 =Cos. « Cos. «'-+Cos. 6 Cos. 6'-+Cos. y Cos. y': e observando que os angulos («, «') representam as res- pectivas inclinagoes dos dous planos sobre o plano dos (y, 2); (6, 6) sobre o plano dos (a, z); (y, y') sobre o plano dos (a, y): conclue-se da equacio precedente que a propriedade inherente ao angulo comprehendido por duas linhas rectas, 42 178 REVISTA BRAZILEIRA. que se corlam no espago, (2) art. I, € commum a dous planos, sob as mesmas condicoes. Designe-se agora por (S) a area do triangulo (mOm’), fig. (1), que se suppoz existir em um dos referidos planos: multiplicando a precedente equacao por (S), vira (50) _ S Cos. 6= (S Cos. a) Cos. a'-+-(S Cos. 6) Cos. é' + (S Cos. y) Cos. y' . O primeiro membro desta equacao exprime a projecgao da area (S) sobre o plano que férma com ella o angulo (6): as expressoes (S Cos. a), (S Cos. 6), (S Cos. y), exprimem se- melhantemente as projeccoes directas da area (S) respecti- vamente sobre os planos coordenados dos (y, z), dos (z, 2), dos (w, y): as expressoes (S Cos. a) Cos. a', (S Cos. 6) Cos. €, (S Cos. y) Cos. y', representam do mesmo modo as projecgoes das precedentes projeccdes sobre o plano, a que se referem os angulos (2', é!,y '): (33) art. V. A estas ultimas projeccoes daremos a denominacao de inversas. A equacio (50) encerra um importante theorema de geometria, que pode enunciar-se da seguinte maneira, gene- ralisando o resultado que ella exprime : As tres projeccoes de uma area qualquer, considerada no espaco, sobre os tres planos coordenados , sendo novamente projectadas sobre um plano dado de posicao, ahi determinam outras tres projecgoes, cuja somma é equivalente a projecedo directa da referida area sobre este planc. Este theorema é perfeitamente analogo ao que ja ante- riormente deduzimos da equacao (33) ao plano, relativa- mente ds projeccdes de uma linha recta. Representando por (4!) a projeccio da area (S) sobre o plano dado de posicio, e por (S,, So, S3) as projeccoes di- rectas da mesma area sobre os tres planos coordenados : demais designando por (3, 4!) as projeccoes dessa area ee GEOMETRIA ANALYTICA. 179 sobre dous outros planos, que formem com o primeiro angulos rectos ; sendo (!!, 6", y!'), (a!!", 6! y!"") as inclinacoes destes novos planos sobre os tres planos coordenados: vird6 as tres equacoes seguintes d'=8, Cos. o! +S, Cos. 6'+S8; Cos. y! (e) <=S, Cos. a!!+S8, Cos. 6"-+S; Cos. y!! Ml <= §, Cos. a!!!-+8, Cos. 6+; Cos. y"! Elevando ao quadrado ambos os membros de cada uma destas equacoes, e sommando-os ordenadamente: ter- se-ha (54) J G4 Qi — 6246.24 6,2 A symetria desta equacao faz ver que as equacées (e) terao logar tambem trocando nellas (S,, S;, Ss) por (0, o”, d!''), com os cosenos dos angulos respectivos, e vice-versa ; a saber: =0! Cos. «' +d"! Cos. «!!+0"+Cos, alll (e’) ¢S, == 0! Cos. 6'+-0"',Cos. 6!+'d" Cos. 6!” 3==0! Cos. y!+0" Cos. "+0"! Cos. 4!!! Estas equacoes podem alids ser deduzidas directamente das equacdes (¢), multiplicando-as ordenadamente por (Cos. «!, Cos. '', Cos. a!''), e sommando-as, etc. Nas precedentes operacoes cumpre attender 4s seguintes equacoes de condicao, as quaes devem ter logar simulta- neamente, em relacao aos dous systemas differentes de 180 REVISTA BRAZILEIRA. planos orthogonaes, representando cada um tres projeccées directas da supposta area (S); a saber: 1 = Cos.” «' + Cos. «!! + Cos.? a!!! 1 = Cos.” 6! +-Cos.? 6! + Cos.? 6!!! 1 = Cos.* y' + Cos.” y" +-Cos.? 0 = Cos. a! Cos. 6! + Cos. a!! Cos 6! + Cos. a!!! Cos. 6! 0 Cos. a! Cos. 7! + Cos. a!! Cos. 7"! + Cos. a!!! Cos. y'" 0 = Cos. 6! Cos. y! + Cos. &!' Cos. 7! + Cos. 6! Cos. y!"! E evidente que a equacio (50) poderia ter sido deduzida directamente, fazendo applicacao da formula (34), art. V, aos dous systemas de planos orthogonaes. A mesma equacao tera logar, qualquer que seja a area plana projectada, como ja se mostrou em outro art.; ¢ mesmo occupando uma posicao qualquer no espaco. Isto supposto, sejam dadas no espaco as areas planas, representadas por (S', S!, S!’, etc.}, existindo em planos differentes, e diversamente inclinados a respeito dos tres planos coordenados: é evidente que 4 cada uma destas areas corresponderad tres projeccdes nos planos coordenados, de modo que as que existirem no mesmo plano coordenado poderad sommar-se, e ser representadas por uma so area equivalente 4somma dellas. Designe-se pois por (S,', S,' S,') as tres projeccoes re- lativas a (S'); por (S,", S2!’, S;!’) as que sao relativas a (S!); por (S,!"", S,'!’, Ss!) as que sao relativas a {S!"’), ete., segundo a ordem dos planos dos (y, z), dos (a, y): e faca-se S,= S + S!, — S/! + etc. S2 — S/, + S!', + Sil, + etc. S; = S'; + S!, + Sl, + etc. i. GEOMETRIA ANALYTICA. 181 A somma das projeccoes inversas, designada acima por do’, sera dada pela equacdo seguinte do! = SI, Cos. a! +- S$", Cos. a + S!', Cos. a! + ete. +. S', Cos. 6! + S!', Cos. 6! + S!, Cos. 6! + etc. + S'; Cos. y! +S"; Cos. y' + S'"; Cos. y' + ete. = §, Cos. « +S, Cos. 6' + Ss Cos. 9’ Do mesmo modo se acharia para ("| e (d!’) expressoes analogas 4 precedente : donde se conclue que a equacao (50) tem ainda logar, representando (S,, S,, S;) respectivamente a somma das projeccoes de qualquer numero de areas dadas no espaco, e existindo em planos diversos, sobre os tres planos coordenados: e que semelhantemente (d’, &”, 3!) representarao, na mesma equacao, areas equivalentes ds projeccdes directas das referidas areas dadas no espaco, sobre os planos em que existem aquellas. Tirando da equacao (50) o valor de (0), vira d= iV A equacao precedente faz ver que a grandeza de (d) crescera, prescindindo dos signaes que affectam o radical no segundo membro, 4 medida que decrescerem 0”! ed", quaesquer que sejam os signaes que affectem estas quanti- dades, visto que os seus quadrados ficarao sempre positivos : e quando 0! e do! forem ao mesmo tempo nullos, a area representada por (3’) tocara o seu valor maximum, e tera a seguinte expressao 61) I= AV EFSS Esta equacio tera pois logar sempre que férem satisfeitas as seguintes equacoes de condicao 182 REVISTA BRAZILEIRA. 0 = S, Cos. a"-LS, Cos. 3" 4S, Cos. »" 0 = S, Cos. a"-S, Cos. "+8, Cos. 9" Verificada esta hypothese, chama-se plano principal aquelle em que existe (d'), e que tem a propriedade caracteristica de dara projeccao maxima, ou antes a maxima somma das projeccoes directas das areas dadas no espaco. Este resultado tem uma applicacao importante na astronomia. Para determinar a posicao do plano principal, bastara conhecer as. projeccoes representadas por (S,, S:, §3): por- quanto tem-se (33 e 34) art. VY; [ou fazendo = 0, d/'=0 nas equacoes (e’)] : S; S; Cos. a = Se lee sda Gone Shy S. 9 Cos. 6' a le rah abd a Eo. (2) a EV See Se Cos peas yo Stings 0 len ae ( 7 3 +S; + S24 Ss Os angulos (z', 6’, y') assim conhecidos determinarad a posicao da normal ao plano principal, passando pela origem dos eixos coordenados, ou a qualquer plano parallelo a este: porquanto é evidente, que todos os planos que ti- verem essa normal commum terao tambem a mesma pro- priedade do plano principal. Se a area dada no espaco fosse uma sd, representada por {S), as suas projeccdes sobre os tres planos coorde-~ nados seriam representadas por (S,, S,, S;): e ter-se-hia (34) art. V GEOMETRIA ANALYTICA. 183 S=VS,4+824+-82 =" Este resultado mostra que, no presente caso, o plano principal, ou o da maxima projeccao, é parallelo ao plano da area dada, como se sabia ja: porquanto nesta hypothese as projeccées da area (S) sobre os dous planos perpendicu- lares ao plano de (d’) sao evidentemente nullas. Supponha-se que as aveas representadas por (S', S!’, ete.) sio projectadas directamente sobre um dado plano, cuja inclinacdo sobre o plano principal seja representada pelo angulo (9): e designe-se por T a somma das projeccoes sobre este plano: sendo (, &, y:) 0s angulos formados por esse plano com os tres planos coordenados: ter-se-ha (50) T= S, Cos. %+S, Cos +8; Cos. y == (0" Cos. «') Cos. a +(3' Cos. €'\Cos. 6,-+-(0" Cos. 7") Cos. y* == 0' (Cos. «' Cos. «+Cos. 6 Cos. 6+ Cos. 7' Cos. y) = 0" Cos. 4 Substituindo em logar de (d’/) 0 seu valor, tirado da equacao (51); vira (53) T=+VS?2+S7+S?2. Cos. 6 Esta equacio’ mostra que a somma das projeccées das areas (S!, S!’, etc.), dadas no espaco em planos quaesquer, é uma quantidade constante, relativamente a todos os planos que fizerem com o plano principal o mesmo angulo (8). Fazendo na precedente equacio @ == 5 ter-se-ha T=—0 184 REVISTA BRAZILEIRA. Este resultado mostra que as projeccoes de (S!, S!', ete.), sobre qualquer plano perpendicular ao plano principal, dao uma somma igual a zero: o que ja se conhecia @ prior? como uma propriedade caracteristica do plano principal. Seja dada no espaco a pyramide triangular (ABCO), fig. 3, cujo vertice O esteja na origem dos tres eixos orthogonaes (OX, OY, OZ): sendo os vertices (A, B, C) dos tres angulos da sua base dados de posicao pelas suas coordenadas (x, y, z), (x', y', 2), (a, y!’, z!'): e represente o triangulo (abc) a projeccao da base (ABC) sobre o plano dos (a, 4). A simples inspeceao da figura faz ver que a projeccao da face triangular (COB) da pyramide comp6e-se das projeccdes das outras duas faces (COA, BOA); e do triangulo (abc) que representa a projeccio da base da pyramide: suppondo-se que é (COB) a maior das tres faces. Designe-se pot (D\a area do triangulo (ARC); e por (C, B, A) as projeccdes daquella area, respectivamente sobre os planos dos (x, y), dos (x, z), e dos (y, 2). A projeccao (abc) devendo ser expressa pela differenga entre a projeccio da maior face da pyramide, e a somma das projeccées das outras duas faces contiguas: isto é, + aquella projeccao = a somma destas; ter-se-ha, (35) art. V Fe lec xy — y'x ay! — ya" 2 2 2 gig'—ao'z" g'a—za’ za! — az" Ral (PS cuemamians or ans. a neameue ri mou 1 GEOMETRIA ANALYTICA. 185 As duas ultimas expressdes das projeccdes da mesma area (ABC) sobre os planos dos (x, z), e dos (y, z) deduzem-se evi- dentemente da primeira, fazendo a devida permutacao das letras: advertindo que a projeccdo da face (BOC) compre- hende sempre as projeccoes das outras duas, dando-se para esse fim 4 pyramide a conveniente posicao. Tem-se, (34) art. V i= AP 1G (59) D=V4ALFLE Este resultado nada mais € do que a generalisacio do que se obteve, expresso na equacao (36): isto é, a area de um triangulo dado no espaco, expressa em funccao das coordenadas que determinam a posicao dos vertices dos seus tres angulos. Tire-se do ponto O a perpendicular (OD) sobre o plano da base da pyramide: e designe-se por (%, 6, 71) 0s angulos formados por essa recta respectivamente com os eixos dos (a), dos (y), e dos (z); sendo (s) a grandeza de (OD). Ter-se-ha a equacdo do plano do triangulo (ABC), em relacao ao ponto (A), ou a outro qualquer ponto tomado no mesmo plano, expressa da maneira seguinte, (19) art. LY. (2) s6—= a Cos. a, + y Cos. 6, + 2 Cos. y Os angulos (z, 6, 71) medem, como se sabe, a respectiva inclinacao do plano em que existe o triangulo (ABC), sobre os planos coordenados dos (y, z), dos («, z), dos (a, y): e ter- se-ha, (33) art. V. C =D Cas. y, B=D Cos. 6, A=D Cos. «, 186 REVISTA BRAZILEIRA. Substituindo os valores de (Cos. %, Cos. €, Cos. y), lirados destas equacoes, na precedente; vira (56) D.s—= Aa + By + Cz O primeiro membro desta equacao exprime o volume do prisma triangular, cuja area da base é (D), ea altura (¢). Semelhantemente qualquer das tres expressoes, que entram no segundo membro, representa um prisma triangolar , cuja base é a projeccao da base triangular da pyramide sobre um dos planos coordenados, sendo a respectiva altura a coordenada que representa a dis{ancia deste plano ao vertice (A) do triangulo (ABC). Se ambos os membros da precedente equacao forem di- vididos por 3, o resultado que ella exprime se enunciara da maneira seguinte : A pyramide triangular, cujo vertice esta na origem dos eixos coordenados, tendo a base no espaco, dada pelas coor- denadas referidas ao vertice de cada um dos tres angulos da mesma, fem um volume equivalente aos das tres pyramides, ‘que tiverem por bases as projeccoes da base da pyramide sobre os tres planos coordenados, e por vertice commum qualquer dos vertices do triangulo da referida base, ou qualquer ponto tomado no plano desta. E evidente que se, na equacio (56), (D) representar uma area plana de forma qualquer, sendo (A, B, C) as projeccoes da mesma sobre os tres planos cvordenados; podera generalisar-se o precedente enunciado da maneira seguinle : O cylindro, cujas bases forem areas planas de qualquer figura, sendo uma dellas dada de posicdo no espaco, exis- tindo a outra no plano que passar pela origem dos eixos coordenados parallelammente ao plano daquella, tera um volume equivalente 4 somma dos volumes dos tres cylindros GEOMETRIA ANALYTICA. 187 formados sobre as projeccoes da base dada de posicao, tendo as bases oppostas situadas em tres planos que passem por um mesmo ponto tomado no plano da base do cylindro projectada, parallelamente aos planos coordenados das res- pectivas projeccoes. | Tanto este resultado como o precedente poderiam ter sido deduzidos coma simples applicacao da trigonometria, uma vez conhecido o principio das projecgdes das areas planas pela geometria elementar: todavia esses resultados nao se apresentariam com a generalidade, que notavel- mente os caracterisa, sendo derivados da equacao (t) , como acima se viu. Substituindo na equacao (56) os valores (A, B, C,) dados pelas equacées (54); vira ies y'z!!—z"y!! ee 1 (eles (57) ‘* =( 5 ) w+ 9 y 2 }: Esta equacao notavel di a conhecer immediatamente uma bella expressio da area do triangulo, que é a base da py- ramide, ahi designada por (D); em funcgao das tres projec- ces do triangulo, que é a maior das tres faces da pyramide, sobre os planos coordenados; das tres variaveis (x, y, 2)’ que representam 0 vertice do triangulo, cuja base € com- mum areferida face; e da grandeza do eixo do plano, em que existe o triangulo que se considera, isto é, a normal que representa a distancia desse plano 4 origem dos eixos coor- denados, designada por (c). Se na precedente equacao se fizer c=; vira 2 9 -~ Poll la fT Ill al ell Ley oT bis) p= (ASE \or(= si (HE aa Esta equacio, posto que dé o valor de (D) independente- 488 REVISTA BRAZILEIRA. mente da quantidade (c) que nao entra na sua expressao, 6 todavia sujeita a duas condicoes; a saber: 1° que o plano em que se considera existir o triangulo, cuja area é repre- sentada por (D), esta situado no espago, na distancia da unidade da origem dos eixos coordenados: 2° que o ponto desse plano, representado pelas tres coordenadas (2, y, 2), deve considerar-se collocado a respeito dos outros dous pontos representados por (a', y', 2'), (@", y", 2"), que formam as extremidades da base do triangulo; de modo que seja sempre satisfeita a condicao de ser essa base commum a maior face da pyramide: e ficando sempre comprehendida na projeccao desta face a projeccao da distancia da origem das coordenadas a aquelle ponto, sobre os planos coor- denados. Esta equacao resolve pois completa e elegantemente o problema, em que se propozer determinar a area de um triangulo qualquer, dada pelas coordenadas referidas aos vertices dos seus tres angulos, existentes em um plano de posicio conhecida, em relacio aos mesmos eixos coorde- nados: porquanto sera sempre possivel transferir esses eixos parallelamente 4 sua primitiva situagao, até que a grandeza do eixo do plano, dado de posicao, seja igual 4 unidade: e o valor de (D) vird neste caso expresso em funccao das coordenadas primitivas, e das coordenadas da nova origem dos eixos. VI. Havemos reservado para o presente e ultimo artigo a so- lucio de alguns importantes problemas da analyse applicada 4 geometria, de que tratam os classicos na materia, empre- gando para esse fim processos mais simples, e segundo pensamos mais satisfactorios. GEOMETRIA ANALYTICA. 189 1.° PROBLEMA. Dado um ponto (J) no espaco determinado pelas suas coordenadas (x, y, z) referidas a tres eixos orthogonaes ; pede-se a determinacao de cada uma destas coordenadas, em funecao de outras novas coordenadas (a', y', z'), referidas a outro systema de eixos orthogonaes, dado de posicao em relacao ao primitivo, e tendo com este uma origem com- mum. Designe-se por (X%, ¥:, Z:) os angulos comprehendidos por um dos novos eixos respectivamente com os eixos dos (x), dos (y), e dos (z) do systema primitivo: e semelhan- temente por (X2, Y2, Z,), (X3, Y3, Z;) os angulos relativos aos dous outros eixos do novo systema. Solucdo. E evidente que fazendo passar pela extremidade da coordenada, representada por (z) e pelo ponto dado de posicao (J), um plano perpendicular a aquella recta, podera esta ser considerada, no systema dos novos eixos, como 0 eixo do plano, cujo ponto (M) tem por coordenadas(z’, y', 2'); as quaes formam com o eixo do plano respectivamente os angulos (X,, X2, X;). Semelhantemente as coordenadas representadas por (y, 2), no systema primitivo, poderao ser consideradas, em 0 novo systema de eixos, como os eixos de outros dous planos que passam pelo mesmo ponto (M), dado pelas coordenadas (a', y', z'), as quaes formam respectivamente com os refe- ridos eixos dos planos (y, z) os angulos (Yi, Y2, Ys) (41, Z2, Z;). Applicando pois 4 cada um dos tres referidos planos a formula, expressa na equacao geral do plano, referida ao seu eixo, (19) LV; ter-se-ha 190 REVISTA BRAZILEIRA. x =a! Cos. X, + y! Cos. X, + 2! Cos. X; (58) \y=2! Cos. Y, + y! Cos. Y, -| 2! Cos. Ys z=! Cos. Z, + y! Cos. Z, + 2! Cos. Zs Se considerarmos agora as coordenadas (2', y', z') que representam o ponto (M) em o novo systema, como eixos dos planos, que, no systema primitivo, dao a posicao do mesmo ponto (MM) pelas suas coordenadas (2, y, z): ter-se-ha semelhantemeute a! = a! Vos. X,-+- y Cos. Y,-+- z Cos. Z, (59) Sy! =a! Cos..X.-+-y Cos. Y.+ 2 Cos. Z, 2! =a Cos. X3;+y Cos. Y;-++ z Cos. ve As equacoes (58) resolvem pois o problema proposte: e as equacoes (59) resolvem a mesma questdo com inversao dos dados. Ambos estes grupos de equacoes dependem das se- guintes equacoes de condicao, para a determinacao dos angulos comprehendidos entre cada um dos eixos de um dos dous systemas com os tres eixos do outro, a saber:. 1 = Cos.’ X, + Cos.’ Y, + Cos.’ Z, 1 = Cos.” X, + Cos.’ Y, + Cos.” Z, 1 = Cos.’ X; + Cos.’ Y; + Cos.’ Z; ) = Cos. X, Cos. X, + Cos. Y, Cos. Y, + Cos. Z, Cos. Z, 0 = Cos. X, Cos. X; +- Cos. Y, Cos. Y; +- Cos. Z, Cos. Zs 0 = Cos. X, Cos. X; + Cos. Y, Cos. Y;-+- Cos. Z, Cos. Zs Por meio destas seis equacdes ficarao determinados seis dos nove angulos que entram nas equacées de cada um dos dous grupos: donde se conclue que um dos dous systemas GEOMETRIA ANALYTICA. 191 de eixos ficara invariavelmente dado de posicao, em relacio ao outro systema, todas as vezes que forem dados tres an- gulos dos nove, que comprehendem entre si 0s eixos de ambos os systemas: comtanto que desses tres angulos sdé- mente dous se refiram a um mesmo eixo. Dado qualquer dos dous grupos de equacées (58), ou (59), é facil deduzir delle o outro, com o auxilio das seis equacdes de condicao que o acompanham: advertindo que no caso de querer-se passar do segundo grupo ao primeiro, sera necessario recorrer as seguintes equacoes de condicao, que sio relativas a esse grupo; a saber: 1 = Cos.? Y, + Cos.” Y, + Cos.” Y; 1 = Cos.” Z, + Cos.? Z, + Cos.” Z; 0 = Cos. X, Cos. Y, +- Cos. X, Cos. Y, + Cos. X; Cos. Y; 0 = Cos. X, Cos. Z, + Cos. X, Cos. Z, + Cos. X; Cos. Zs 0 = Cos. Y, Cos. Z, +~ Cos. Y, Cos. Z, + Cos. Y3 Cos. Z; Posto que os classicos na materia, tratando desta questao, contentam-se de ordinario com a apresentacao das seis equacées de condicao, com o fim de mostrar apenas a possi- bilidade de determinar por meio dellas, mediante tres an- gulos conhecidos, todos os outros que entram na expressao de qualquer dos dous referidos grupos, nao dissimularemos nds que a difficuldade das eliminacoes, na generalidade em que sao dadas essas equacdes, tornaria summamente labo- riosa a determinacao das quantidades variaveis que nellas entram, a nao recorrer-se ao auxilio de convenientes trans- formacoes. No intuito de remover esse inconveniente pra- lico, passamos a substituir as seis referidas equacées por tres outras, nas quaes existem sémente seis angulos, referindo-se dous a dous destes, 4 cada um dos tres eixos dos dous 192 REVISTA BRAZILEIRA. systemas: pois € evidente que o terceiro angulo em cada uma destas combinacdes fica sempre conhecido, uma vez determinados os outros ‘dous, pela relacio constante que ha entre a somma dos quadrados dos cosenos respectivos e a unidade. As equacées (40) art. V fazem conhecer em geral os cosenos dos tres angulos, formados pela perpendicular commum a duas rectas, que se eficontram na origem dos eixos coor- denados, comprehendendo no espaco o angulo (fV7), © por cada um dos tres eixos coordenados. Fazendo portanto W=5 nessas equacoes, os referidos cosenos exprimirao nesta hypothese os angulos, que forma um qualquer dos tres eixos de um systema orthogonal com os tres eixos de outro systema primitivo da mesma natureza. Ter-se-ha pois Cos. y = Cos. a Cos. b! — Cos. a! Cos b U ") 20s. 6 = Cos. a Cos. 7! — Cos. a! Cos y Cos. « = Cos. y Cos. 7! — Cos. y! Cos y Nestas equagoes (a, a') representam os angulos que formam dous dos novos eixos com o eixo dos (x) do systema pri- mitivo ; (b, b') os angulos formados respectivamente por esses MesmOs eixos com 0 eixo dos (y) do systema primitivo; (x, 6, y) representam os angulos formados pelo terceiro eixo do systema respectivamente com os eixos dos (z), dos (y), e dos (z). Substituindo pois nestas formulas as denominacoes que competem aos respectivos angulos, em relacao ds equa- ces (58); vird GEOMETRIA ANALYTICA. 193 Cos. Z,== Cos. X, Cos. Y, — Cos. Xz Cos. Y, (w") Cos. Y, == Cos. X, Cos. Z, — Cos. X, Cos. Z, Cos. X; = Cos. Y, Cos. Z, — Cos. Y, Cos. Z, E evidente que por meio destas equacoes sera sempre facil determinar os cosenos dos tres angulos, que nao exprimem os angulos dados; e obter depois os restantes cosenos, que com os precedentes formam os coefficientes das variaveis nas equacées (58) ; as quaes tem por objecto a transformacao das coordenadas, passando de (x, y, z) para (s', y', z'). Se se tivesse de proceder inversamente, isto é, passar das ultimas coordenadas para as primeiras, 6 manifesto que as formulas (1') teriam uma applicacio analoga neste caso. 2.° PROBLEMA. Dadas duas linhas rectas no espaco, cuja posicao seja determinada em relacao a tres eixos orthogonaes, pede-se : 1° a expresso da menor distancia de uma 4 outra: 2° a posicao, em cada uma, do ponto em que se verifica a menor distancia entre ellas; ou, por outros termos, a posicio do plano que as corta nesses dous pontos. Tome-se para origem dos eixos coordenados um ponto qualquer em uma das duas rectas dadas de posicio: e de- signe-se por (a, 6, c) os angulos que ella forma respectiva- mente com os eixos dos (x), dos (y), e dos (z). Sejam semelhantemente (a', b', c') os angulos formados pela outra recta com os referidos eixos coordenados: (P, 4, 7) as coordenadas dadas de um ponto (m) no espaco, por onde passa essa recta: e designe-se por (yu) a recta, cuja grandeza representa a menor distancia entre as duas rectas dadas. Soluao. Faca-se passar pela origem O das coordenadas uma recta parallela 4 outra dada, que existe no espaco: o 13 194 REVISTA BRAZILEIRA. que é sempre possivel, uma vez que aquella recta satisfaca a condicio de fazer com os tres eixos coordenados os mesmos angulos que com elles forma a segunda. Dadas pois de posicao duas rectas, que se encontram na origem das coordenadas, tem-se os elementos precisos para determinar os cosenos dos tres angulos, que firma com 03 eixos coordenados a sen yonibealas commum as referidas rectas: empregando para esse fim as formulas dos n* (23, 24) art. IV; a saber: (Cos. 2, Cos. 6, Cos. 7). Supponha-se pois levantada essa perpendicular sobre as referidas rectas: e imagine-se que um plano, passando pela recta existente no espaco, corta essa perpendicular, for- mando com ella angulos rectos em qualquer sentido: ou por outros termos, seja esse plano parallelo ao plano das dias recias que passam pela origem dos eixos. E evidente que a menor distancia entre as duas rectas; sera dada pela distancia entre esses dous planos parallelos : logo a parte da referida perpendicular, comprehendida entre estes planos, sera igual 4 menor distancia pedida, e podera ser por conseguinte representada por (y). A recta representada por (uv), sendo o eixo do plano que passa pela recta dada existente no espaco, na qual se acha o ponto (m) determinado pelas coordenadas (p, q, r). ficara jyualmente determinada pela equacao do plano referida a esse ponto; a saber, (19) 1V (I) p =p Cos.2+ q Cos. 6+ 7 Cos. y Fica assim resolvida geometrica e analyticamente a pri- meira parte do problema. Faca-se agora passar pela perpendicolar ‘y), e pela rec‘a dada que passa por O, um planoz indefinido: e é evidente que conhecidos os angulos (z, 2, 7), is ea coin bern deter- minar-se os cosenos dos angulus (z', d', 7') formados pelos GEOMETRIA ANALYTICA. 195 eixos coordenados com a normal a esse plano no ponto 0: empregando as formulas (23, 24) art. IV. Sejam (z', y', z') as coordenadas do ponto (m’), existente na outra recta dada, pelo qual passa a perpendicular com- mum a ambas, cuja grandeza é (u): e represente-se por (d) a distancia entre os pontos (1) e (m’). Referindo a equacao do plano, cujo eixo é(u), ao ponto (m’) que existe nelle, ter-se-ha ¢ (’) p==a! Cos. a+ y! Cos. d + 2! Cos. y Praticandoa mesma cousa no plano que passa pela origem das coordenadas e pelo eixo (v) do plano precedente, ter-se-ha (") o==2' Cos. a! + y! Cos. 8" + 2" Cos. 3" Considerando agora a distancia (d), entre os pontos (m, m') da recta dada de posicao, existente no espaco, como eixo do plano que passa pela menor distancia entre as duas rectas dadas; ter-se-ha ) dV ESV eT == (x'—p) Cos. a' +- (y'—q) Cos. b! + (2'—r) Cos. ¢' As equacoes (I', |’, l'") determinarao a posicdo do ponto (m'), e por conseguinte asua distancia (d) do outro ponto(m), dado na mesma recta; a qual é eixo do plano que corta ambas as rectas dadas, nos pontos que representam a menor distancia entre ellas, Na construccao geometrica fica determinado o ponto (m’) pela interseccao do plano normal aos dous parallelos, pas- sundo por {u), com a recta dada, que passa pelo ponto (m). 196 - REVISTA BRAZILEIRA. - Esta segunda parte do problema é susceptivel de uma solucao mui simples, tanto graphica, como analytica, mu- dando de eixos coordenados: como se vai ver, Antes de operar essa mudanea observaremos: 1° que 6 j4 conhecida a grandeza e a direccao da recta que representa a menor distancia entre as duas dadas no espaco, a qual de- signamos acima por (uy): 2° que, dados os angulos que formam as duas rectas dadas com os eixos coordenados, 6 sempre possivel ler, expressa em funccao desses angulos, a grandeza do angulo formado por uma linha recta, que corte uma das duas rectas dadas no espaco, em qualquer ponto, sendo lirada parallelamente 4 outra. Designando por (¢) esse angulo, ter-se-ha (2) art. I. Cos. 9 == Cos. a Cos a -+- Cos. b Cos. b' +- Cos. ¢ Cos. c' - Tome-se agora para eixo dos (z) a direccao da recta (y}; @ para eixo. dos (x) aquella mesma des duas dadas, que passa pela origem dos eixos, e a qual é (uv) perpendicular. Applicando ao presente caso as formulas geraes da trans- formacao das coordenadas orthogonaes, (59) Probl. 1°: sejam (p', y', 1’) as novas coordenadas do ponto (m), referidas aos novos eixos coordenados; observando que ter-se-ha r! =p. KE evidente, que os pontos (m, m'} projectados sobre 0 novo plano dos (a, y) ahi determinarao uma recta igual, em di- réccao e grandeza, ao segmento (mm’) da recta existente no espaco; visto estar esta recta em um plano parallelo ao plano dos (x, y), edever achar-se por conseguinte o ponto (m') na perpendicular que passa pela sua projeccdo no cixo dos (x), ou na outra recta dada. Considere-se pois essa projeccio como a representa a fig 4, a saber: (OX, OY, OZ) representando os novos eixos eoordenados: (mm') a recta dada existente no espaco, em GEOMETRIA ANALYTICA. 197 um plano (smm') parallelo ao plano (XOY): (n, n’) as pro- jeecoes dos pontos (m, m'); sendo o primeiro destes dado pelas suas coordenadas (xz, q', p'), a8 quaes sao representadas na figura por (mr, nh, hO); e o segundo aquelle que corres- ponde, naquella mesma recta, 4 menor distancia 4 outra recta dada, e que é, na figura, representada pelo eixo (OX). Esta construccio faz conliecer 4 posicao graphica do ponto (n') sobre uma das rectas dadas: de modo que levantando nesse ponto uma perpendicular a essa recta, sendo tambem ao plano que por ella passa parallelamente a outra recta dada, a grandeza Je {u), tomada nessa perpendicular, fara conhecer a posicao do outro ponto nesta mesma recta; 9 qual ficara tambem determinado pela parallela ao eixo dus (z) tirada do ponto (s) do eixo dos (z), que esta na distancia (uz) da origem. Para determinar analyticamente a posicao do ponto (n' sobre o eixo dos (X}; designando por (x,, y:) as coordenadas de qualquer ponto da recta (nn'); e observando que ella passa pelo ponto (n) dado de posicao, pelas suas coordenadas (y', p) : a equacao geral da linha recta, considerada n’um plano, dara fp —q =— ly. 9 (1 —p| E evidente que, na construccao dada pela fig. 4, o angulo (o) representarad ou o angulo (On'n) ou o seu supplemento (nw'X): em qualquer destes dous casos tera sempre logar a equacao precedente. Pazendo pois nessa equacdo y,==0, ter-se-ha o valor de (2), isto é, a distancia do ponto (n') 4 origem dos eixos coor- denados; a saber: o,

e por meio da substancia albuminosa collados uns aos outros em fileira. Duas questées se offerecem aqui naturalmente, ‘cuja so- lucio nao péde deixar de ter alguma importancia scientifica: ellas dizem respeito 4 maneira de viver destes animaes. A primeira é: Como e quando entraram estes molluscos para a sua reclusao? Provavelmente o fizeram ainda recem- nascidos, e aproveitando-se dos buracos feitos por outros animaes. Esta 6uma explicacio obvia, mas conjectural; no entanto 0 caso parece digno de ser averiguado. A essa ques- * ae ae oe A. f é VAGINULUS RECLUSUS. 215 (ao esta subordinada est’outra: Sera o taquaruct o logar de vivenda privativa destes animaes, ou podem elles habitar em outra parte fora d’alli? Tenho feito diligencias para descobrir alguma cousa a este respeito, ja pedindo informacoes a pessoas curiosas, ja observando por mim, fazendo cortar e abrir em minha presenca canudos de taquaruct quando os vou encontrando pelos mattos; mas infelizmente, até agora, nada tenho visto nem ouvido que me possa esclarecer, ou guiar-me na in- vestigacao deste objecto. A segunda questao é : De que se sustentam alli estes ani- maes ? Os caracdes terrestres e pulmoniferos, com os quaes elles tem as mais estreitas affinidades, nutrem-se de folhas, de fructos, de cogumelos, etc. ; ora, no interior dos gomos do taquaruci nao vemos senao agua ear. Esta agua € se- guramente uma exhalacdo propria do vegetal. Trara ella comsigo algum principio nutriente ? Gerar-se-hao ahi ani- malculos infusorios, algas ou cogumelos? E dado 0 caso que isso aconteca (o que sé a analyse chimica e microscopica po- dera mostrar) sera esse alimento sufficiente ? Emfim, estarao ahi estes molluscos a merce de alguns vermes ou insectos, que casualmente penetrem em sua clausura? Ha aqui materia para meditacao e curiosas indagacoes. Faca-as quem se achar em melhores circumstancias do que eu. Agora passo a occupar-me da descripcao e classificacao zoologica destes molluscos, que foi o que principalmente me induziu a apresentar este trabalho. Pertencem elles ao genero Vaginulus, e sao, quanto a mim, de uma especie ainda nao descripta, e que eu denomino Vaginulus reclusus. Ogenero Vaginulus de Férussac tem sido contestado, e Blainyille o incorporou no Onchidium de Bu- chanan, em o seu Manual de Malacologia. Mas Cuvier na edicio de 1829 do seu Reino animal 216 LEVISTA BRAZILEIRA. conserva 9 gencro Vaginulus distincto do Onchilium, e 6a esta opiniao que me encosto. O nome especifico reclusus, que proponho para esta especie ( se ella é, como cu acredito, nova ), me pareceu bem apropriado. E quando mesmo se venha depois a verificar que esta especie possa habitar fora do logar em que foi encontrada, julgo quo hasta o facto de ser descoberta alli para legitimar o epi- theto que lhe dou, DESCRIPCAO ABREVIADA DO VAGINULUS RECLUSUS. Corpus oblongum, depressum, 5 pollices longum, unam Jatum, dorso convexum. Velum latera et caput excedens marginansque ; postice introversus incisum ; colore taba- cino, medio dorso, et ad margines obscuriore, depinctum ; arenaccis, nigrisque punctis inspersum. Discus ventralis quam velum angustior, antice brevior, postice, ob veli emarginaturam, longior. Caput sub marginem veli recondi- tum, tentaculis quator retractilibus munitum, qucrum duo superiora maiora, ad apicem versus dorsum, oculifera, duo Jateralia minora ad extremitates subbifida : os, serrula cart:< laginea, Junulata superne armatum. Apertura ani, pulmo- nisque angulifurmis, extremo postico ad dextram posita. Orificium genitale foemineum media et dextra parte corporis locatum. Ovula subrotunda, numerosa, ope albuminis in seriem agclutinata. In cavis internodiorum bambus@, quze ab incolis taquare- cu nominatur, habitat. Rio de Janeiro 12 de Setembro de 1851. Francisco Freire Allemdo. SNSNIDHY SNTINNIOVA VACINULUS RECLUSUS. Aly Erplicatio iconis. Fig. 1.°—Animal, dorso visum, magnilud, nat. Fig. 2..—Idem, inversum. (a) caput. (h) tentacula minora. () tentacula maiora. (1) apertura ani et pulmonis. (e) orificium genifale femineum. “ig. 3.°—Tentaculum oculiferum, auctum. Fig. 4.°—Tentaculum minus, bifidus. Fiz. 5.°—Os. . (2) serrula cartilaginea. Fic. 6.°—Ovula. Fig. 7.°—Par internodii bambuem. | (a) orificiuin a vermibus factum. AGRICULTURA. FRAGMENTOS DO RELATORIO DOS COMMISSARIOS BRAZILEIROS A’ EXPOSICAO UNIVERSAL DE PARIS EM 1855. Foi a exposicio neste ramo concorrida em grande es- cala por quasi todas as nacoes da terra, que se esmera- ram em fazer apparecer a agricultura em todos os estados, desde 0 seu berco até o desenvolvimento mais completo, desde asimples lavoura dos indigenas mais atrazados das florestas americanas, africanas e asiaticas, em que a na- tureza se incumbe de auxilial-os, até esse maravilhoso appa- rato de machinas de toda especie com que o homem ci- vilisado centuplica a forca de seus bracos, e auxiliado pelas nao menos admiraveis descobertas da chimica arranca os meios da sua subsistencia a uma natureza, que cansada parece obstinadamente querer negar-lh’os. Nos nao daremos uma descripcao completa desses appa- relhos de lavoura quea practica ja declarou yantajosos, nem apresentaremos muitos detalhes sebre o modo por que func- cionam, pois entendemos que por ora sera inulil recom- mendal-os, por nao termos ainda no nosso paiz quem os applique, nem sabermos ainda quaes as circumstancias lo- caes que nos possam obrigar a modificar essa applicacao. Examinaremos portanto quaes os defeitos de nossa agri- cultura, e indicaremos depois os meios mais eflicazes de os remover. Seja-nos permittido entretanto observyar que » es AGRICULTURA. 219 otrabalho que apresentamos nao é invencao nem theoria nossa: as idéas que expendemos sio em grande parte resul- tados da practica colhidos em paizes em circumstancias se nio identicas, ao menos muito semelhantes as nossas, como sejam as colonias Hollandezas, Inglezas e Francezas, e os Es- tados do Sul da Confederacao norte-americana. Encontramos em Paris os commissarios de todos esses logares, que com a maior boa vontade nos forneceram os dados de que careciamos para este nosso trabalho, e mostraram-se sempre dispostos a nos ouvir quando pe- diamos informacées sobre a marcha da lavoura nos seus respectivos paizes, e os revezes que esta soffreu antes de chegar ao seu desenvolvimento actual. De tudo quanto deste modo pudemos colher fizemos um todo, evitando longas citacdes, repeticoes, etc.,e se alguma idéa for aprovei- tada a bem do nosso paiz, sera isso para nés a mais agradayel recompensa a que aspiramos. Se estudamos a marcha da nossa lavoura desde o seu comeco, conhecemos depressa que na maior parte de seus ramos ella ficou completamente estacionaria: os primeiros colonisadores encontraram terreno inteiramente virgem , produzindo em qualquer logar com fartura tudo quanto nelle plantavam, e por isso viram logo quanto era desnecessario adubal-o, ete., como o faziam na terra patria. Accresce a isto o diminuto custo dos bracos escravos, que formavam um ¢a- pital depressa amortizado, e que com 25 °l, de seu trabalho se sustentavam, ficando portanto 75 ‘/,de servico para 0s pro- prietarios como rendimento espontaneo, e sem o menor esforco. Debaixo destas circumstancias é muito natural que ninguem se importasse com os melhoramentos da lavoura, e ficasse firmada uma rotina, que depressa fazia esquecer as tradicdes a quem vinha se estabelecer nesta abencoada terra do Brazil. Ainda outra circumstancia actuava e fazia com que nao se désse o maximo desenvolvimento a lavoura: 950 LEVISTA BRAZILEIRA. o mercado da colonia do Brazil era a mai patria, a im- portacio cra feita na qnasi totalidade do reino, e por isso inulil era augmentar a produccao. Hoje tudo se acha mudado: na vizinhanca das grandes cidades estio os terrenos cansailos, e¢ nao produzem as yezes nem a semente que se |hes confia. Os bracos quasi gratuites desappareceram, © escravo representa um capital muito notavel, que augmenta cada vez que uma nova epi- demia vem causar scus estragos. O nosso mercado nao 6 mais um pequeno ponto da Kuropa, que comprava ¢ ven- dia nossos productos a bel-prazer, ¢ sim a Europa in- teira ec a America; nao éa pequena esquadra mercante de uma nacio que vem importar os productos manufactu- rciros que necessilamos, mas sim os navios de todv omundo civilisado. Tudo isto nos obriga a olbar scriamente para a nossa agri- cultura: se nio o fizermos, brevemente imporlaremus o alimento da nossa classe baixa, o feijio, a farinha ea carne sécca dos Estados-Unidos; de 14 ja reeebemos 0 toucinho ea banha mais barata do que a produzida na terra, nesta terra que produz quasi espontaneamente tanta especie de planta tuberosa, e com tal abundancia que se poderia criar porcos para abastecer o mundo inteiro! Ja nao € pequeno contra senso o pagarmos a carne fresca pelo mesmo prego que nos paizes onde mais da metade do anno o gado vive en- curralado, sustentado com os productos da lavoura da outra metade, nds que vivemos em paiz onde o gado se reproduz e vive todo o anno no campo! alé queijo e manteiga impor- tamos do estrangeiro! O quanto ganhariamos com a expor- {acao deste gencro se aprecia suflicientemente lembrando que a Lombardia, que cave um par de vezes na nossa pro - vincia do Rio de Janciro, por si sé produz em arligo queijo annualmente cérea de 16,000 contos, que sdo pela maior parte exportados:¢ a quinta parte da nossa produceao de cafe. AGRICULTURA. pe | Na produccio de seda (idle que trataremos em artigo espe- cial) somos nada; no entretanto a Europa importa hoje para cima de 100,00. contos! vai buszal-a até na China, pa- gando um frete duplo e mesmo triplo daquelle que pagaria se a importasse do Brazil, que poderia produzil-a com grande abundancia. Exemplos semelhantes ainda se pode- riam cilar muitos, e sempre com o mesmo resultado. Noés clamamos cortra a faltade bracosde um lado, do outro pedimos vias de communicagio, custe o que custar, para que os bracos que possam virtenham tambem para onde mandar o resultado de seus esfurcos. Tudo isto é bem calculado, nio ha duvida; mas s¢ nao procurarmos mudar o nosso systema de agricultura, e seo nao fizermos com toda a energia, acre- ditamos que as nossas estradas de ferro, em yez de nos serem uleis, virad a ser prejudiciaes. Em torno da nossa capital nao vemos senao collinas coberlas de capociras; os seus matlos primilivos desappareceram, ¢ tambem as lavouras que se lhes substituiram : hoje esta o terreno exhausto c im- productivo, ¢ quem quer boas colheitas vai paralonge procu- rar terrenos virgens, Os cafesaes proximos 4 beira-mar, que ainda ha vinte annos eram rendosos, hoje estio desprezados, ¢ nao crescem outros ; sd serra acima é que a produccao é excellente, mas no fim de alguns annos tambem 1a sera preciso abandonar o solo cansado para buscar uma zona fertil mais afastada, o que fara com que as estradas tenham de atravessar muilas leguas de terras em descanso para 6 na sua extremidade encontrar carga e ligar centros de po- pulacdo, os quaes ficaraéd por sua vez desertos quando uma estrada de ferro passar além, e elles deixarem de ser os emporios de uma zona cullivada. Sd com o melhoramento da lavoura poderemos evilar que as estradas se lornem um instrumento de devastacio. Na Europa o mesmo terreno que foi uma vez cultivado, produz todus os annos uma cerla quantidade de planta; 999 REVISTA BRAZILEIRA. a necessidade obriga a isso, e a experiencia, actividade e sciencia do homem impedem que elle fique cansado. Fazemos nés outro tanto ? cultivamos todos os annos o mesmo pedaco de terra? Nao. Passemos pois a examinar o nosso systema de lavoura para poder apontar os seus defeitos. Comecamos por gastar um ca- pital com derrubar mattos virgens,cobrimos deste modo uma poreao de terreno com folhas e galhada miuda, que pelo seu apodrecimento produziriam uma camada humifera conside- ravel, e todos os saesalcalinos ficariam nessa camada. Espe- rar porém que essa decomposicao se faca, e limpar a herva que comeca a brotar com vigor, é muito trabalhoso ; igual- mente o é tirar os paos a que nenhum destino podemos dar, e arrancar os tocos e raizes, para cujo fim ainda nao chega- ram ands as machinas; e em falta dellas simplificamos 0 pro- cesso atacando fogo, que consome a folhagem sécca e galha- da, desprende os saes alcalinos que sao levados na maior parte pela primeira chuva, tosta a camada do humo existente, e deixa ainda pelo menos 30 °/, da superficie derribada co- berta de troncos e raizes, que difficultam a plantacao e mais tardea colheita. Durante 3 a 4 annos seguidos péde-se plantar nesse terreno, alé que emfim é porém preciso abandonal-o para que cresca novo matto, e sé depois de coberto de ca- poeira bem densa presta-se 4 repeticao do processo. Ora, no fim desse tempo deve estar amortizado o capital empregado e seus juros, porque € necessario que seja agora occupado de novo eda mesma maneira, quando esse segundo dispen- dio seria bem sufliciente para pagar as despezas que se fariam com remover tocos e arrancar raizes, o que daria a vantagem que o solo assim preparado offereceria: 1° um terco mais de produccao por causa do espaco economisado; 2° se prestaria ao arado e mais apparelhos de lavoura; 3° produziria colheitas boas pelo menos durante o tempo duplo, sem haver necessi- dade de adubal-o. 0 methodo de plantacdo é tambem muito ag AGRICULTURA. 223 anti-economico: em uma cova feita com a enxada é plantada -a semente; a nova planta germina bem, mas no seu desen- volvimento posterior as raizes encontram um solo duro e re- sistente, de modo que nao podem penetrar profundamente, e tem que se contentar do alimento que lhes offerece uma camada superficial. Esse alimento sé basta para poucas culturas successivas, e exige que nao haja longa sécca. Ora, as experiencias compa- rativas tem provado que um arado com uma junta de bois e dous homens faz o servico de 20 a 50 enxadas, fazen- do trabalho as vezes que para estas € quasi inexequivel,como seja o revolver a terra até a profundidade de quatro palmos, o que, segundo a practica mostra diariamente, é hoje necessa- rio, principalmente para terrenos cultivados pela primeira vez: 1° porque torna a terra permeavel para a humidade atmospherica; 2° estando ella fofa é mais susceptivel de ab- sorver acido carbonico e ammonia do ar e dos adubos, 3° permitte as raizes de penetrar até onde a sécca nao thes pode tirar 0 alimento (as ramificacdes capillares da raiz do trigo penetram a mais de seis palmos de profundidade); 4° a camada inferior, que pelo revolver foi trazida 4 superficie, fica exposta 4 accio dos agentes atmosphericos, que a de- compoem, e produzem assim durante muito tempo saes ne- cessarios 4 vegetacado: além disso ainda se consegue com mais facilidade um sulco direito com arado, do que as co- vas enfileiradas com enxada, o que facilita as limpas, o capinar por meio de machinas, o chegara terra ds plantas tambem por meio de arados proprios, 0 que se torna em ex- tremo vantajoso para canna, milho, mandioca, etc., permit- lindo ainda empregar na colheita as machinas. Nao é porém sé do emprego de processos mecanicos que depende o melhoramento do terreno, e estes reduzirem o trabalho de bracos a pelo menos +: admittamos falta de boa direccao, e supponhamos que seja preciso !; se- 6? Saas We me a f 994 REVISTA BRAZILEIRA. gue-se que uma fazenda que hoje precisa de 19) trabalha- dores, empregando machinas fara muito melhor servico com 17, e ali temosuma enorme reduccio de capitaes, pois pelo preeo que hoje se compram seis escravos tem-3e todas as machinas para cultivar uma legua quadrada de ter reno. O que é porém muito neeessario para que se possa tor- narum solo qualquer productivo para uma planta qualquer, é introduzir nelle os agentes que essa planta precisa para a sua vegelacdo, agentes esses que variam ainda com a natureza do producto que queremos cbter. E’ necessario adubar as terras em parte com estrume, em parte com sub- slancias mineraes. Para o primeiro é indispensavel que a lavoura scja sempre acompanhada da criacao de algum gado, encurralado regularmente o mais tempo possivel: esse ga- do ¢ necessario para o servico do campo, como bois e eaval- los, ou para criacao, sustento da propria gente de casa, como vaccas, carneiros, porcos, galinhas, ete.,as quaes, alein de forneccrem o estrume necessario parao campo, ainda obrigam a pequenas industrias, que parecem insignificantes, mas sao muito rendosas;estdo neste caso o fabrico de queijo, manteiga,banha, presuntos,etc., aleém do rendimento de laa que o Brazil j4 exporta, ede gado para o cérte. Deste modo os layradores da vizinhanea das cidades poderad abastecel-as com carne fresca, melhor do que aquella que as vezes vem de uma distancia de 150 leguas e mais, viagem essa que sd por si absorve a maior parte dos lucros dos actuaes prodic- tores. Se a nossa lavoura for racionalmente conduzida, ainda pdde tirar proveito dos restos desses animaes que yao para o corte, como do sangue, cabellos, unhas, ctc., que sio materiacs essencialmente azotados, ¢ por isso adubos excellentes. O sabugo dos chifres e as ossos dao colla mag- nifica, ou carvao animal tao necessario a muila industria chimica, e por fim elles ainda podem ser utilisados para fa- brico de phosphato de cal, nio pouco importante para a ee ee ee “ t ws in? AGRICULTURA. 295 lavoura. Esses estrumes animaes sao applicaveis a todos os terrenos e especies de lavoura: nio acontece porém outro tanto com os adubos mineraes, os quaes reclamam co- nhecimento preciso do solo que se pretende cultivar, e a natureza do vegetal que se quer plantar. Disso é que nao temos a menor indicacdo que seja: nado existe uma sé analyse do terreno em que melhor da o café, a canna, a man- dioca, por exemplo;nao existem analyses de terras estereis para essas plantas, de modo que nao sabemos qual o elemento que existe naquellas e falta nestas, nem mesmo possui- mos analyses das proprias plantas. Segue-se d’ahi que nao se pode corrigir terreno defeituoso para uma certa especie de lavoura; 6 preciso ainda que o lavrador tente uma ex- periencia, e um resultado bom ou mau lhe dira se conti- nua com o seu trabalho, ou deve abandonal-o: muitos dei- xam-se gular por certos indicios que a longa practica ja ensi- nou, quer do aspecto da terra, quer da vegetacao que a cobre; esses indicios empiricos nao sio sempre rigorosos, e tambem nao nos mostram quaes agentes faltam ao terreno. Muitas vezes um terreno improprio ou esgotado produz vegetacao sujeita a molestias, como tivemos occasiio de analysar uma canna em estado perfeito, nella predomina- va o phosphato de cal; ao passo que outra, de um logar vi- zinho atacada da praga, tinha falta desse sal: nao podemos de uma sé analyse deduzir ainda que adubar o terreno com phosphato calcareo seja um meio de prevenir a praga na canna, no entretanto € um indicio que convém verifi- car. Outro exemplo temos com a bananeira: analysAmos um pé que produzia fructo pedrado, nelle predominava magnesia, em quanto um pé da mesma soqueira plantado n’outro logar produziu muito bom fructo; mas as materias inorganicas que tinha tirado do chao eram polassa, e sobre- tudo sulphato de cal. Estes dous exemplos nos mostram ja uma relacdo entre composicao da planta e qualidade do 45 226 REVISTA BRAZILEIRA. producto: tornamos a repetil-o, ndo sao sufficientes para servir de norma para sua cultura, precisam ser verificados, principalmente nas localidades que maior differenca apre- sentam. O concerto do terreno influe nao so sobre a qua- lidade dos productos, mas tambem sobre a quantidade. EK o quanto se empenham todos os Estados civilisados para conseguir este fim, provam de sobra as numerosas amos- tras de adubos remettidas para a exposicao pela maior parte delles. Alli se viam amostras muito variadas de mate- rias fecaes das cidades, completamente desinfectadas e preparadas para estercar os campos (e quanto seja produzi- do com o nome de poudretle acha compradores); residuos dos acougues preparados para o mesmo fim, ditos de di- versas fabricas, guano artificial, etc., assim camo havia tambem abundancia de saes preparados para melhorar lerrenos, e muitas dessas composicoes foram premiadas. Outra prova da necessidade de adubar as terras sao os car- regamentos de guane que a Europa manda com tanto custo e trabalho buscar nas costas do Peru. Nos Estados-Unidos o lavrador, sobretudo se vai cultivar terreno novo, manda amostras ao laboratorio chimico, para que se lhe diga qual a sua composicao, e manda ao mercado buscar o adubo de que carece, e véem-se todos os dias elogios a esse systema. A Inglaterra tambem manifestou quanto lhe devia, pelas ovacoes que teve Liebig, que praticamente applicou a chi- mica 4 agricultura quando por 1a passou. SO nés é que nos conservamos eslacionarios: a nossa la. voura, acostumada ao systema de destruigao e ao esbanja- mento de forea util, vai cahindo rapidamente; 4 medida que essa forca superflua vai fallando, o preco dos gene- ros de primeira necessidade vai subindo n’'uma progressao espantosa. Nds estamos muito longe para ter contacto com outros paizes, que nos ensinem praticamente methodos ra- AGRICULTURA. 227 cionaes. O nosso clima muitas vezes se oppoe a que ap- pliquemos o que em outros da bom resultado. Pelo que fica exposto vemos o quanto é preciso mu- dar no nosso systema agricola: os nossos lavradores certa- mente nao poderao fazel-o por sisé: em primeiro logar, porque nao foram educados para isso; depois, porque re- celam innovacoes, e sobretudo o serem victimas de especu- ladores que os podem aniquilar completamente com expe- riencias ruinosas. Elles precisam de quem lhes dé exem- plos que possam seguir, que se lhes mostre um resultado vantajoso, que tenham onde mandar educar os seus tra- balhadores habituados 4 nossa antiga rotina. Como vimos, ha muita experiencia a fazer, cujos resultados ainda serao duvidosos: sera duro exigir que os lavradores se exponham a elles; nds mesmos nao respondemos que essas receitas e systemas, que em climas identicos aos nossos provaram optimamente, aqui facam o mesmo. Quem deve tomar a iniciativa a esse respeito é 0 governo, e cremos que deve fazel-o sem perda de tempo. Nés es- peramos colonos de um anno para outro, e em quanto esperamos vao subindo de prego os viveres, e certamente que a emigracao fugira de um paiz em que custa tio cara -a subsistencia. Passamos pois a propor os meios que ainda hoje se mostram efficazes na Europa e nas colonias, e que acre- ditamos os unicos que nos poderao dar um impulso util A agricaltura. O primeiro passo a dar é a acquisicao de um pedaco de terreno com bastante extensdo, e situado de modo que possa apresentar as circumstancias as mais variadas. Deve-se ahi tirar amostras de terra de campo, capoeira, matlo virgem, e terrenos cultivados que possam existir, e submettel-as 4 analyse chimica. 228 REVISTA BRAZILEIRA. Igualmente devem ser analysadas terras de outras loca- lidades, onde crescam bem as plantas de nossa lavoura. Nesses differentes logares deve-se tentar a cultura de canna, feijao, milho, mandioca, batatas, etc., em porcoes nunca menores de cem bracas quadradas; e para obter re- sultados comparativos devera ser cultivada cada uma des- sas plantas em quatro porcoes iguaes em extensao, porém differentemente amanhadas. Uma, preparada pelo nosso methodo ordinario; outra, lavrada com arado e mais uten- silios, poreém sem adubo; outra, lavrada do mesmo modo, porém corrigida segundo o resultado que se obtiveram das analyses; o ultimo pedaco sera da mesma maneira prepa- rado, porém adubado com os saes e com estrume. Identicamente se deve proceder com terreno de capoeira ou matto, applicando allias differentes machinas para ar- rancar tocos, sobretudo as que se empregam nos Estados- Unidos. De todo este trabalho feito deve-se tomar nota. muito minuciosa, assim como do desenvolvimento das plantas, do progresso comparativo, e por fim dos productos, ecuja qualidade e quantidade deve ser examinada muito con- scienclosamente, para que nao haja prevencao a favor de um ou outro methodo. Todas essas observacoes deverdd ser publicadas pelo menos semestralmente, afim de que possam ser distribuidas pelos lavradores, Em quanto as plantacoes da primeira experiencia cres- cem, convira ensaiar os meios para obter prados artifi- ciaes, quaes as plantas de forragem que se possam acclima- tar entre nds, como luzerna (que cresce muito bem), trevo, esparceto, etc., e experimentar qual das nossas numero- sissimas especies de capim melhor se presta para fazer feno, afim de que possamos ter criacéo de gado encurra- lado; mas isto nao é possivel tentar com vantagem sem que se tenha o alimento em abundancia, e que seja eco- AGRICULTURA » 28 nomico ao mesmo tempo. Em logares pantanosos convém plantacao do inhame, cuja folhae raiz sao excellente sus- tento para porcos e vaccas. Sera tambem util ensaiar que partido se pdéde tirar das folhas de imbaiba, que al- gumas pessoas dao as vaccas de leite, e pretendem que augmenta consideravelmente a quantidade da nata. As- sim tambem algumas das nossas ortigas bravas ( Ure- ra) podem ser mesmo cultivadas com proveito para criacado de porcos eaves, como em outros logares se faz com a or- tiga commum (Urtica divica). Estes trabalhos encheraé bem o primeiro anno; no se= gundo pdde-se continuar as experiencias, rejeitando por ora aquellas que deram o resultado mefhos vantajoso: a melhor servira de comparacao para outras que se tentem. Nesse anno se pdde tratar tambem de cultivar plantas de forragem sufficientes para comecar criacao de gado, bem entendido em escala pequena ainda. Podem-se entao ad- mittir tambem para o servico alguns trabalhadores de Javradores, que queiram aprender praticamente os metho- dos que devem ser applicados, a preparar as terras, ea fazer uso das machinas. Tambem esse numero de gente deve ser limitado, porque o vigial-os, ensinal-os, etc. ,rouba- ria mais tempo do que se pode sacrificar no principio de uma empresa desta ordem, que deve dirigir toda a sua attencio sobre experiencias, verificar os resultados favora- veis das precedentes, e varial-as debaixo de differentes pontos de vista. Entende-se tambem que esses trabalha- dores vao aprender unicamente o servico material; ana- lyses, ou receitas para fazel-as, nao se lhes pdde confiar, porque elles nao terao, na maior parte dos casos, fundo sufficiente para bem applical-as, e poderao desacredital-as, assim como os methodos preconisados para concertar ter- ras cansadas. Um estabelecimento dessa ordem, sustentado pelo: go- « 230 REVISTA BRAZILEIRA. verno, tem obrigacao de experimentar qualquer systema de lavoura que seja apresentado, comtanto que. naose mostre a priori absurdo: essas experiencias devem porém ser trabalho secundario, Se ellas derem resultados negativos, servem para prevenir os particulares, que nao se podem, nem devem . metler com ensaios que os prejudiquem; sera um peque- no prejuizo que ao governo nao pesard, ao passo que sera uma economia tanto mais consideravel para os lavrado- res, quanto malur o numero que evita o ensaio. Dizemos que essas experiencias serao secundarias, porque o estabe- lecimento deve todos os annos repetir aquellas que pro- varam bem (com as modifizacoes exigidas pela relacio das plantacoes), salvo no caso de descobrir outros processos melhores, afim de que sirva continuadamente de modelo, ou de um rudimento de escola practica, onde se possa ir aprendendo os necessarios melhoramentos. Quando sobrar algum tempo, devera o estabelecimento tratar de formar viveiros de plantas uteis, as que produ- zam materia alimenticia, sobretudo (que mais adiante pas- saremos em revista) para serem distribuidas pelos munici- pios, freguezias, e mesmo a individuos que zelem pela sua propagacao: essa distribuicao sera feita gratuitamente, ou por um preco minimo, que apenas chegue para cobrir as despezas dos viveiros, pois desde ja declaramos que um estabelecimento neste sentido, fundado pelo governo, tem de consumir capitaes cuja amortizacao nao se deve exi- gir, quando nao caduca completamente o seu principio vital, e no momento que se fizer delle uma instituicao de especulacao cessaa sua ulilidade, As rendas virad lenta- mente,e o Estado devera empregal-as para engrandecimento do estabelecimento, para augmentar a actividade no muvs- mo, e nao arrecadal-as afim de lhes dar outro destino. No mesmo estabelecimento deve-se desde logo montar uma fabrica completa de machinas de lavoura, a qual ke AGRICULTURA. 931 tambem nao sera fonte de lucros; ja fara Lastante se cobrir com a venda de seus productos as despezas, por -que difficilmente podera fazer os referidos utensilios pelo mesmo preco pelo qual elles nos vem da Allemanha, Belgica e Estados-Unidos: mas o fim principal dessa fa- brica deve ser adestrar gente a poder em qualquer logar fazer 9 concerto das machinas que alli se fazem, pois é queixa geral dos lavradores que nao lhes serve de muito o arado, porque quebrado una vez, por uma dessas mui- fas causas que se dao em terras novas, véem-se obriga- dos a mandal-o de grandes distancias 4 cidade, ou man- dar vir a peso de ouro um machinista para concertal-o. Esse inconveniente é€ removido de todo logo que possam mandar um escravo ou aggregado da fazenda, que ja te- nha alguma practica de forja, entrar como aprendiz na referida fabrica de machinas de lavoura. D’ahi tambem s6 devem sahir apparelhos que forem de melhor aso, feitos com toda solidez, e empregando os melhores materiaes. _ Logo que o estabelecimento possa, deve fazer dous mu- seos, um da colleeccao completa das melhores machinas empregadas na lavoura, e outro dos seus productos, com as indicacoes detalhadas do como foram obtidos, em que tempo, a que preco, etc., etc., servindo de documentos de- monstrativos dos relatorios que regularmente se publica- rao. Util seria tambem se pudessemos obter colleccoes de produccdes de outros paizes , para comparal-as com as nOssas, Ou com as que aqui deram; assim, por exemplo, o trigo do meiodia da Europa talvez que produza muito pouco aqui; no entretanto existe uma especie em Vene- zuela que d& bem na Jamaica, e a unica que alli se aceli- matou: é muito provavel que esta especie igualmente se dé bem entre nés, mas @ questao que so ensaios compa- rativos dicidirad. Se houver graos oleosos, as amostras do museo devem ser acompanhadas de outras do azeite que 232 REVISTA BRAZILEIRA. delles se tira, indicacio do methodo que serviu para sua extraccao, custo, etc., etc. 0 estabelecimento deve offerecer tambem os necessarios commodos para receber as pessoas que queiram ir visital-o, e mesmo tenham interesse de se demorar alguns dias; mas prevenimos desde ja 0 meio de que o governo 4s vezes lanca mao: autorisar o director a fazer as despezas de hospedagem, isto so servira para distrahil-o e sacrificar o seu tempo util em tratar de hospedes. Estabeleca-se um edi- ficio vizinho sé para hospedagem, e para que os cofres publicos nao fiquem muito lesados, permitta-se a um par- ticular de alli especular, nao excedendo porém uma tabella, que se marcard com condicées razoaveis. No fim de dous ou tres annos, quando o estabelecimento tiver tomado pé firme, colhido uma porcao de dados, que Ihe permittam estabelecer regrasao menos para uma certa zona, se podera pensar em organisar uma escola practica de agricultura, onde seja ensinada a theoria rigorosa- mente necessaria, e€ © mais sO practica e muita pra- tica. Quando os lavradores virem no mercado alguns pro- ductos de boa qualidade do estabelecimento, irao elles mesmos, ou mandarao seus filhos matricular-se na nova escola, onde elles deverao esquecer-se de que tem escra- vos em casa; alli deverao fazer por suas maios todo 0 servi- co, desde oconduzir a carroca e tratar dos cavallos, até a administracdo de uma fazenda com toda a escripturacao, contabilidade rural. Homens assim formados ficarao ha- bilitados para creacio de estabelecimentos identicos nas provincias, aproveitando ja as experiencias que fizeram para modificar os processos segundo as circumstancias locaes o exigirem. Estes homens tambem dirigindo fazen- das, formam nellas outras tantas escolas practicas em ponto pequeno, que irao espalhando em torno de si o melhora- mento que praticam. AGRICULTURA. 933 Deste modo em breve teremos abuadancia no paiz; os alimentos se tornardé baratos; a emigracao estrangeira vird animada por isso aportar 4s nossas praias, e do estado pas- sivo em que vivemos se transformara em breve no contrario: muitos objectos, que hoje importamos, serdo exportados ; a industria, tao vacillante entre nos, comecara a tomar pé, e enfao nao se dara o facto de mandarmos o nosso algodao para féra, comprando-o tecido e fiado depois de ter pago os fretes de ida e volta; nao mandaremos o couro do nosso gado 4 Europa para nos voltar transformado em sapatos; sd entao poderemos cuidar em tirar proveito de nossas immensas riquezas mineraes, que hoje jazem abandona- das; nés, os possuidores das minas de ferro as mais ricas do mundo, ainda compramos todo ao estrangeiro! A execucao practica dos pensamentos que emittimos parece offerecer alguma difficuldade, tanto mais que duas tentativas dos nossos dias cahiram apenas principiaram a existir: nado compete ands examinar os motivos a que isto é devido, mas agouramos o mesmo fim a toda a empresa dessa natu- reza que por agora for posta em practica por particulares, ou isolados ou formando companhias. Pessoal tambem ainda o nao temos habilitado, é preci- so que seja formado para esse fim especial, mas formado no paiz, acompanhando passo a passo as experiencias para desenvolvimento de um systema racional de lavoura. Para formar a gente do paiz que deve dirigir e conti- nuar o estabelecimento agricola, e que possa servir mais tarde para formar o corpo de professores para a escola, devemos mandar vir um mestre, e nisso sim, concorda- mos que ha difliculdade e muita difficuldade. Os homens que estudaram nas melhores escolas e com o maior pro- veilo, servem para erigir e dirigir estabelecimentos ruraes nos paizes onde praticaram; porém para uma nova criacao, e difficil como a proposta, debaixo de certos pontos de 934 REVISTA BRAZILEIRA. vista custara a acertar. Para prova mencionaremos um facto ainda muito recente: Liebig deu a indicacao para'o preparo de um estrume mineral, e como foi idea emittida pelo pai da agricultura moderna, tomaram-na logo por voz do propheta, e agronomos muito distinctos fizeram a ap- plicacao, sem darem grande importancia a algumas res: triccoes impostas pelo proprio autor: o resultado foi in- teiramente opposto ao que se esperava, eo propheta com a sua theoria nova atacado vigorosamente: no entretanto hoje elle esta demonstrando praticamente a utilidade de sua proposta n’uma fazenda modelo estabelecida ha dous annos perto de Munich, por ordem do governo, e dirigi- da por elle Liebig. Se obtivermos um homem com todas as habilitacoes, mas com a pouca constancia daquelles agro- nomos, arriscamos nao tirar desde logo o partido util que uma experiencia offerece. Conhecemos um professor distincto de uma escola da Allemanha, cuja capacidade e caracter podemos abonar, por ter sido nosso companheiro de estudos, e que ha onze annos se occupa de mecanica agricola, trabalhos e expe- riencias ruraes : elle tambem nao se negaria a vir para ca por tres ou quatro annos, comtanto que se alcance licenea do seu governo, e lhe seja conservado o logar que hoje occupa (*). Pessoas no mesmo caso se poderdd encontrar na Prussia, Baviera, Wertemberg, e tambem na Suissa, Esse homem que vier sera bom que traga comsigo , debaixo de sua responsabilidade, os necessarios trabalha- dores de campo, como os officiaes de oflicios para a fa- brica de machinas, assim como todos os apparelhos neces- (*) O que cremos nao encontrara difliculdades, pois a Austria, que sera talvez o paiz mais difficil para semelhantes concessdes, j4 deu o exemplo, cedendo, 4 Companhia de mineracao do Morro Velho, Hocheder, Steigenberger e Helmreichen, que depuis de voltarem occupardd de novo seus antigos logares ; mais tarde fez 0 mesmo com empregados que foram pedidos para o Egypto, etc. j * » io 9 AGRICULTURA 935 sarios. A esta gente logo que chegue devem-se logo dar aprendizes do paiz em numero bem superior, para que tenhamos quem os substitua depois de terminado o tempo do seu engajamento. Dissemos que os operarios deyem ser escolhidos pelo proprio individuo que tem de vir fundar o estabeleci- mento, porque elle tera interesse em trazer gente que o coadjuve, e contribua para o bom exito da empresa. O que ja nao acontece com os nossos agentes diplomati- cos e consulares, que se véem obrigados a fiar-se em in- formacoes e attestados que se lhes fornece com ma fe. Agentes especiaes sO procuram tirar a sua commissao, e nao tem muito empenho em servir bem, sobretudo ao Brazil: disso podemos apresentar factos e variados; nao negamos que havera excepcdes, mas o saber onde sera dif- ficil. O capital que se devera empregar para o proposto esta- belecimento nao se pode marcar de antemao, pois de- pende: 1°, do custo do terreno; 2°, do engajamento de operarios; 3°, dos salarios e sustento dos mesmos no pri- meiro, e talvez ainda no segundo anno; e 4°, do custo das machinas. No preco do terreno devem necessariamente ser inclui- dos os edificios que seja indispensavel construir. O custo de machinas e ferramentas precisas para o fa- brico dos apparelhos de lavoura, com fretes, etc., nao exce- dera de 35a 40 contos. Os apparelhos para o servico rural do estabelecimento devem constar: de machinas para arrancar troncos, arados e charruas differentes , pois as suas formas e dimensoes dependem da qualidade do terreno, e da profundidade da aradura; devem vir de sobresalente, porque pedras e raizes existentes em terrenos nunca layrados produzirao quebras frequentes; outros para lavrar em morro, eos empregados 936 REVISTA BRAZILEIRA. para fazer os canaes de deseccamento : apparelhos para quebrar os torroes e igualar a superficie, para compri- mil-a, para semear, capinar, para colheita, tanto de rai- zes como de mandioca, batata, araruta, etc., como de ce- reaes Jeguminosos, e para ceifar; outros para debu- lhar milho, arroz, e mais productos. Tambem devem vir machinas para ralar mandioca e outras raizes , para preparacao da tapioca e do amylo, para extraccao de oleo de nabo, linhaca, amendoim, girasol (excellente para tempero), mamono, etc. ; os residuos desta extraccao, em parte sao bom alimento parda’o gado, em parte dao es- trume de calor, e sera necessariov obtel-o, por ser indis- pensavel a cultura dos ve:etaes que o produzem como plantas de rotacao. Moinhos de mao, ou apenas da forca de um cavallo, para fazer fuba, farinha de trigo, ete. ; ap- parelhos para descascar e limpar arroz, café, etc. ; machi- nas para fazer manteiga e queijo. Todos estes apparelhos se podem obter por menos de 20:0003000: ja se entende que os ultimos mencionados devem ser de capacidade sufficiente para satisfazer as necessidades deuma fazenda, ou das pequenas povoacoes ; a sua adopcio tem vantagens para que o lavrador nao se veja obrigado a mandar os seus productos a grandes distancias, para receber depois pelo mesmo caminho de volta e preparados, podendo elle fazel-o quanto baste para sie para vender as villas vizi- nhas. Organisado e em bom andamento o estabelecimento rural, e organisada tambem subsequentemente a escola de agricultura, e dando os resultados que della se podem es- perar, entao, e sd entao se podera adiantar mais um passo, estabelecer uma cadeira de chimica industrial, e mostrar praticamente a sua applicacao ao fabrico de assucar, aguar- dente, cerveja, etc. ; empregando sempre os productos alli mesmo cultivados. Os methodos de fabricacao devem sem- ene kei AGRICULTURA. 237 pre ser os mais completos e mais vantajosos, e se appa- recerem novas machinas e novos processos que merecam ser introduzidos, deverao ser alli postos em practica, prin- cipalmente se os proprios inventores o vierem fazer, e ga- rantir-se-lhes-ha entio o privilegio: essas experiencias de- vem ser feitas n’um centro donde todos possam saber dos resultados que dao, com a conviccdo de que foram obtidos conscienciosamente ; © particular nem sempre tem os meios, nem a paciencia, nem a confianca precisa para introduccao de um invento util, e quando mesmo elle o consiga, carece de muito tempo para que se espalhe; uma prova sao os apparelhos centrifugos, que em poucos mi- nutos separam o assucar crystallisavel do mel, permittin- do ainda laval-o; no entretanto sdo muito poucos os se- nhores d’engenho que os possuem; a maior parte ainda preferem fazer esse trabalho mais imperfeito em formas, gastando 20a 40 dias! Nesse caso se acham a maior parte das nossas industrias ruraes. Outra tenlativa, que necessariamente deve ser a conse- quencia do estabelecimento rural, é a sylvicultura: na capital do Imperio em 20 annos a lenha quadruplicou de preco, e conlinuara, se com o augmento de populacao nao se tratar de produccao artificial do combustivel. No mes- mo caso estao as nossas madeiras de construccao, que ja vem de muito longe, e a um preco exorbitante. A cama- ra municipal do Rio de Janeiro, nas suas posturas, prohibe o emprego do pinho, e apezar disso elle vai-se generali- sando cada vez mais, por ser muito mais baralo vindo da Suecia , Inglaterra e Estados-Unidos, do que a madeira de lei das nossas proprias florestas: com isso ira tambem desapparecendo a seguranca de nossas casas contra o fogo. O corte de mattas tem grande influencia sobre as aguas ; com ellas desapparecem as chuvas em parte, e mesmo es- tas quando cahem nao encontram mais um chao coberto de 238 REVISTA BRAZILEIRA. folhas, da camada de humo, e das fibras das raizes de arvores, que impedem o seu correr na superficie de um chio compacto; ao contrario, obrigam a agua a infil- trar-se no solo, assim alimentando os cdérregos e rios ; tambem a sombra do arvoredo impede que os raios solares dardejem directamente uma superficie despida, e fagam evaporar a pouca agua que ainda nao teve tempo de pe- netrar a uma profundidade sufficiente para subtrahir-se a esta accio que, muitas vezes, é duplicada por um vento quente, que nao encontrando obstaculo de folhagers no seu trajecto, varre da superficie do chao toda a camada de vapor aquoso que se forme. Em montanhas ingremes for- madas de rochedos cobertos de tenue camada de terra , de maneira nenhuma se deve cortar o matto, porque nes- sas encontram-se as nascentes perto dos cimos, e faltando a coberta protectora seccam as aguas infallivelmente. Além disso, as fortes pancadas de chuvas lavam a pouca terra, e yao entulhar os rios com bancos d’aréa, e as aguas achando esse rapido escoamento dao causa a enchentes devastadoras. As pedras a descoberto recebem de dia o ca- lor solar, e de noite o emanam lentamente, de modo que o clima é€ alterado, eentre nés para peior. Exemplos do que fica exposte podemos buscal-os na historia de remotos tempos : os populosos reinos da Assyria e Ninive, a Palesti- na, as costas norte africanas o attestam; por toda a parte onde o homem passou cultivando as gramineas para seu sustento, transformou o solo em deserto, e hoje a custo val recuperando o que seus antepassados estragaram. Nas restingas dos mares Baltico e do Norte se estao plantando mattos para fertilisal-as, para quebrar a forca dos ventos, eimpedir que estes acarretem as aréas. Nas orlas do Sa- hara se tentou com feliz resultado a cultura de arvoredo, e com elle se chama para pontos inteiramente estereis os sedimentos atmosphericos. Tambem na Banda Oriental a AGRICULTURA. 939 cultura de bosques deu logar a nascentes d’agua, que an- tes nao existiam. Somos de parecer que nao devemos espe- rar até que os acontecimentos, que em outras partes serviram de licao, venham dar-se entre néds; devemos antes preve- nil-os, estudando de que maneira plantar as nossas arvo- res florestaes para produzirem mais rapidamente: se espera- mos pela falta absoluta de madeira, teremos que esperar longo tempo, pois aquellas que crescem mais rapidamente, como os cedros, ipés, algumas canellas, etc., requerem pelo menos 60 annos para poderem produzir taboado sof- frivel; com as mais, s6 de 150 annos para cima se pdde contar. Na exposicao de Paris, alem de amostras numero- sas de madeiras de toda a parte do mundo, havia tambem uma porcao de arbustos , com indicacio das épocas de plantagio e qualidade de terreno em que foram cultivados, mostrando assim resultado comparativo dos esforcos que se fizeram para cobrir de mattos certos logares incultos, que se achavam postos de alqueive forcado.. Java tambem fez diligencias neste sentido, e entre outros da-nos um exem- plo notayel: nas capoeiras de suas montanhas plantou a Quina peruvisna, e vai crescendo muito bem: cremos que em muilas de nossas montanhas se poderd alcancar o mesmo, e com menos. trabalho que os Hollandezes, e uma plantagao desta seria sem duvida rendosa, pois os Perua- pos empenham-se em destruir as suas florestas de quinei- ras, € o precioso febrifugo vai-se tornando cada dia mais caro. Outra arvore que yegetaria com vico nos nossos mat- los é a que produz a gutta percha: nds temos muitas da mesma familia (Sapolacias), entre as quaes o jacua e al- gumas guapebas dao uma especie daquella materia, porém em quantidade diminuta. Do mesmo modo conviria tra- lar de cultivar bosques das arvores que produzem borra- cha, resinas, gommas, oleos, tintas, sobretudo pao brazil, campeche , etc. Perto das cidades podia-se aproveitar o 240 REVISTA BRAZILEIRA. matto para plantar no intervallo do arvoredo palmito : pare- ce para nds algum tanto ridicula semelhante proposta, no entretanto compare-se o quanto subiu de preco esse grelo de palmeira nos ultimos dez annos; além disso ja nos toma- ram a dianteira a esse respeito as ilhas de Franca e as An- tilhas, que mandaram 4 exposicdo latas com conservas de seu palmito plantado. Terrenos que se negama qualquer cultura, e mesmo 4 de bosque, e que pela maior parte sio invadidos pela sa- mambaia e pelo capim melado, podem-se preparar para isso, plantando piteiras, gravatas, yuccas, aloes, etc., que dao filamentos preciosos para a industria, ou plantar car- dos (cactus) e nopaleros, os quaes fornecem fructos que em muitos logares se tornam por vezes o alimento exclusivo da populacao, ou servem para criacao da cochonilha, que ain- da hoje alcanca um preco muito elevado. De ambas estas plantas com seus productos, tanto fructo como insecto, ha- via numerosas amostras na exposicao remettidas de Argel. Dr. G. S. de CAPANEMA. COMMISSAO SCIENTIFICA. INSTRUCCOES PARA A COMMISSAO SCIENTIFICA ENCARREGADA DE EXPLORAR O INTERIOR DE ALGUMSAS PROVINCIAS DO BRAZIL MENOS CONHECIDAS. Rio de Janeiro. — Ministerio dos Negocios do Imperio, em 8 de Abril de 1857. Sua Magestade o Imperador, conformando-se com o que expoz o Instituto Historico e Geographico Brazileiro : Ha por bem approvar e mandar que se executem as Instruc- cOes annexas, por mim assignadas, as quaes tem de ser observadas pela Commissao scientilica encarregada de ex- plorar o interior de algumas provincias menos conhecidas. Luiz Pepreirna po Coutto Fersaz. INSTRUCSOES. Seercao hbotanica. A seccio botanica terd a seu cargo : 1° O estudo dos vegetaes silvestres , particularmente o das arvores que fornecerem madeiras de construccao, re- a) 942 REVISTA BRAZILEIRA. sinas , oleos , gommas, ou outro qualquer producto util; e o das plantas que possam aproveitar na medicina e€ na in- dustria. . Indagara dos homens praticos do logar o nome indigena e vulgar de cada vegetal , € seus usos populares. Das arvores, além dos ramos, flores e fructos para estu- do e formacao de- hervarios, colhera amostras da madeira, resina, oleo, etc. : de tudo em quantidade sufliciente para ser distribuido pelos muséos nacionaes , . e. mesmo. estran- ea ace Das plantas que tenham, ou se presuma terem uso na medicina e nas artes, além dos ramos, flores e fructos, co- lhera de suas partes activas quanto chegue para analyse chimicae ensaios therapeuticos e industriaes. De todos os vegetaes mais importantes colhera frutas perfeitamente maduras para sementeiras ou tentativas de cultura. De cada uma destas cousas , nao se podendo na occasiao colher exemplares ou productos, procurara que alguma pessoa do logar se incumba de o fazer, indicando-lhe o modo de o praticar, e de remetter com seguranca. Observara o aspecto geral do paiz quanto a sua vegeta- cao primitiva ou secundaria, com’ relacao 4 natureza do terreno e seus accidentes, e 4s condicdes meteorologicas ordinarias. ROL ees Em cada localidade notara as especies que naturalmente ahi vegetam, com o fim de concorrer para o delineamento da geographia botanica do Brazil. Emfim, notara as matas- mais ricas em madeiras de construccéo naval, e em que seja facil a sua extraccdo para serem reservadas. 2° O estudo dos vegetaes cultivados, e o systema de cultivo adoptade no paiz ; notando a qualidade das terras, COMMISSAO SCIENTIFICA. 243 as influencias atmosphericas, e quantos outros accidentes forem beneficos ou nocivos a Javoura. Seccao geologiea e mineralogica. No que respeita 4 parte mineralogica , convém colligir toda a especie de mineral que se apresente, quer em gran- des massas, quer como componente de rochas. Quando Sejam esses mineraes crystallisados, se devera procurar o maior numero de individuos perfeitos, tendo em vista esta- belecer a serie mais completa possivel das combinacoes crystallographicas. Se forem mineraes decompostos, inves- tigar-se-ha as matrizes respectivas para obter os individuos na sua forma e composicao primitiva, estudando ao mes- mo tempo as causas de que possa provir a decomposiciao actual. Do mesmo modo se averiguara , ao encontrar mi- neraes isolados, quaes os agentes que possam ter destruido _ as matrizes, e se essa destruicao foi geral, ou se é limitada unicamente a certos districtos. t II Mineraes isolados podem muitas vezes ser transportados ao longe, nao sd pelas aguas dos ribeiros, mas tambem pelas torrentes ‘passageiras no tempo das grandes chuvas : estes mineraes devem merecer attencdo muito especial, visto poderem ser indicios de vieiros ou de formacao inclinada que aponta na superficie do solo, em um s6 ou poucos pon- tos. E no caso de se reconhecer esses mineraes como in- dicios de formacio util, principalmente metallifera, serdo as pesquizas continuadas alé que se encontre o tronco don- de partiram . O44 REVISTA BRAZILEIRA. Il Descobertos jazigos metalliferos, se procurara determinar a sua possanea, direccdo, natureza da matriz, e quaesquer outras circumstancias que possam ter influencia sobre a sua minerabilidade. Entre estas apontaremos as forcas motrizes disponiveis, a quantidade e qualidade de combustivel que se encontre nas vizinhancas, distancias dos centros de popu- lacio ou dos portos mais proximos, e meios de communi- cacéo: deve-se tambem attender ao abastecimento de man- limentos, que 6 uma das questées que mais poderao in- fluir sobre a explorabilidade de uma mina. Consideracdes analogas se fario para as outras materias dignas de exploracao , como marmores, cimentos, carvao de pedra, lenhitos, asphalto, schistos bituminosos que possam ser distillados para a produccdo de naphta, etc. IV Tambem devem ser attendidas as tradicoes reinantes nas diversas localidades sobre existencia de mineraes , porque alguma lenda de ouro encantado, terrenos exhalan- do cheiro sulphuroso, estouros subterraneos, podem condu- zir 4 descoberta de minas de pyrites em circumstancias favoraveis para supprir de enxofre e de acido sulphurico, ou de pedra-hume, os nossos mercados, que hoje com difli- culdade sao fornecidos pelo estrangeiro, e trazem em de- pendencia muita industria de grande vantagem. Importa examinar com especial cuidado todos os rios, Jagos e terrenos salgados, com vistas de achar salitre {do polassa ou soda), borax, soda, sal de Glauber, caparrosa, sal ammoniaco, etc., que valha a pena exportar sendo pro- ximo ds costas; ou sal commum indispensavel para o uso da populacao e para sustento do gado, sendo no interior. 2 COMMISSAO SCIENTIFICA. 245 ¥ No caso de existir mineracao activa nos logares que tem de ser visilados, ou exploracdo metallurgica, serdo estu- dados minuciosamente os processos em uso, estabelecida a relacio entre producto e forcas consumidas, indicando-se os defeitos existentes e os melhoramentos applicaveis. VI Encontrando-se minas ou estabelecimentos metallurgi- cos abandonados, serao indagadas as causas desse abando- no, se dependem do empcbrecimento do solo, ou de falta de gente habilitada para continuar, casos frequentes na provincia de Minas, S. Jodo de Ypanema, etc. ; e se es- tudara quanto for possivel a historia desses estabeleci- mentos e a possibilidade de sua reanimacio, fazendo um calculo aproximado da producgdo que promettam para o futuro. VII Na parte geognostica ter-se-ha de proceder aos exames secuintes : ‘ 1° A natureza das rochas, a sua composicio, dimensées, direccdo ¢ forma dos vieires que possam conter, o rumoe a queda ‘que seguem, principalmente quando stralificadas. 2° No fendimento primitivo das rochas recommenda-so maior cuidado em estudar como foi cheio, ajuntanido to- dos os dados que sirvam para complemento da theoria das betas e vieiros. 3° Achando-se rochas differentes, procurar-se-ha esta- helecer os termos de sua superposicao,e sua idade rela- liva, 946 REVISTA BRAZILFIRA. 4° Deverao ser reunidos todos os dados que possam for- necer esclarecimentos sobre a destruicao de formacdes que tenham existido, segundo vestigios actuaes, e se os agentes destruidores foram lentos ou violentos, como aguas, erupcdes, terremotos ou accdes chimicas locaes. 5° Qual a marcha da decomposicao presente das rochas, seus productos e por que agentes é ella continuada ; qual a vegetacao cellular que primeira bebe sua existencia nessa decomposicao, ese ella exerce uma accio accelerante ou vagarosa ; e qual é a vegetacao substitutiva que se segue atéa produccao de uma camada sufliciente para alimentar vegetacio vascular capaz de mudar o aspecto do paiz. 6° Os productos de decomposicao deverao ser examina- dos cuidadosamente nas chapadas, nos declives, nas bacias e valles, debaixo das aguas , porque pdde-se dar 0 caso ana- logo 4 decomposicao dos granitos do Rio de Janeiro, que produzem argillas vermelhas, amarellas, azuladas e bran- cas, terrenos barrentos impermeaveis a agua, assim como areaes, tao differentes em apparencia, eno entretanto pen: venientes todos da mesma origem. 7° Nio se deve perder de vista a procura de fosseis de qualquer natureza que sejam, principalmente foraminife- ros e infusorios, que muitas vezes representam um papel tao importante na petrographia de’ um paiz, além de ca- racterisarem perfeitamente as formacoes em que sao encon- trados. 8° Finalmente devem ser delineadas com cuidado as sec~ coes importantes do terreno, os contornos das montanhas, o maior numero de perfis. Rochas de aspecto caracteristico serio photographadas, e tambem se fara um nivelamento geologico, eum mappa, no qual se procurara marcar, com a maior exactidao que as circumstancias permittam , os limites das differentes formacoes, e os diversos jazigos e betas que nelles se descubram, ficando a cargo da secgao COMMISSAO SCIENTIFICA. QA7 astronomica fornecer as determinacoes geodesicas que se {ornarem necessarias. VUl Com referencia 4 agricultura, se procedera ainda a uma colleccaio dos differentes solos em quantidade sufficiente para que se possa delerminar o seu grao hygroscopico, de aquecimento e conservacao das temperaturas, assim como as differentes analyses chimicas. As amostras deverao tra- zer as indicacoes seguintes: se matto virgem, capoeira, capao, pasto, alagadico, etc., ou campo cultivado, e neste caso qual a planta que produz melhor nelle, si se acha es- gotado para uma ou mais plantas, com quantas culturas se esgota, e que tempo leva a regenerar-se. Acompanha- rao as ditas amostras uma porecao de tronco, folhas e fru- tos dos vegetaes que elles de preferencia produzem , afim de que se possa analysar as suas cinzas, e determinar a priori, a vista de uma vegetacao, quaes élementos se de- verad addicionar ao solo para produzir outra qualquer que se intente, servindo dest’arte o estudo geologico do paiz ‘de guia ao agronomo que procure cultival-o. IX Péde dar-se o caso de haver em alguns logares falta de agua, que sequem os rios, e seja consequencia disso a destruicao da vegetacao, mortandade do gado, e fome da populacao. Ahi devera a seccao geologica proceder a exa- mes das localidades vizinhas, estudar todas as circumstan- cias que levem a suppor a existencia de agua, e enlaio sondar o terreno para fornecimento de dados praticos para abertura de pocus artesianos. Aproveitar-se-ha igualmente esse trabalho de perforamento para estudar as camadas sobrepostas do terreno, como tambem para determinar a 948 REVISTA BRAZILEIRA. sua temperatura em diversas profundidades, e achar a quo distancia da superficie € invariavel o grao do thermometro, ea repidez com que osolo aquece e esfria. X Das aguas que assim forem obtidas, bem como das dos rios @ fontes, se determinara a qualidade e quantidade de gazes que contenham; e se ellas mostrarem_propricdades que merecam uma analyse mais rigorosa, apanhar-se-ha poredo sufficiente, que sera concentrada com todo o cul- dado afim de que se conservem os saes nellas existentes para ensaio ulterior. Nos logaresem que houver aguas mi- neraes se procederé as operacoes analyticas que indispen- savelmente devem ser feitas na fonte, remettendo-se porcao apanhada com as precaucoes necessarias para evitar perda de gazes, afim de que se verifique em algum hospital as suas virtudes medicinaes. xI Cumpre tambem determinar a quantidade de materia organica que contem as diversas aguas, e a quantidade o qualidade de materia inorganica que acarrelam em sus- pensio em differentes épocas, para d’ahi poder calcular o volume de terras levadas annualmente pelos rios, e pro- babilidade que offerecem da formacac de bancos ou de deltas. Attenta a difficuldade de obter essas observacoes em numero sufficiente, ou em circumstancias sempre propi- cias, o resultado necessariamente sé serd uma aproni- macio 4 verdade, cujos limites se irao estreitando com o andar dos tempos; porém mesmo assim inexacto, pode furnecer muitos dados Je grande utilidade a engenharia. ~~ COMMISSAO SCIENTIFICA. 949 XII E’ conveniente estudar com cuidado a formacao de ban- cos em rios e no mar pelas aréas transportadas pelo vento. Acontece que em alguns logares pequenas lagéas, bebe- douro de gado, sav is vezes completamente obstruidas, elevando-se no seu Jogar um cdmoro d’aréa, e sendo este por sua vez removido deixa uina planicie sécca, expondo assim as criacdes 4 séde. Bosques mesmo e aldéas inteiras sio ‘is vezes cobertas no correr de poucos annos, e uma tal destruicao da vegetacio e accumulacao de um elemento esteril podem em curto espaco de tempo reduzir vastos districtos a inhospitos desertos. Com conhecimento, porém, das leis a que obedece esse continuado movimento de enor- mes massas de aréa, ce alcancara talvez impedil-o por meio do plantio de arvoredo, como se tem praticado nas res- tingas do Baltico e da Hollanda, e como se tenciona mesmo ir invadindo o Sahara, 4 vista dos bons resultados que os primeiros ensaios produziram. Hardy assevera que no fozer vingar aS primeiras cem arvores esta toda a diffi- culdade : 4 sombra e ao amparo destas as outras crescem, e com pouco trabalho. XIII Nas lagdas entulhadas podem existir turbeiras que sir- vam de combustivel, ¢ se examinara se depositos de rios nio furmam lenhitos recentes. Seerao zoologica. A zoologia nio se limita a uma descripcao simples e rigorosa dos animaes distribuidos sobre a superficie do 250 REVISTA BRAZILEIRA. globo terrestre, grupando-os methodicamente; nem a co- nhecer a estructura do corpo e mecanismo de suas fune- cdes physiologicas, seus habitos e indole, seu modo de vi- ver e mulliplicar, e transformacao das especies : ella oc- cupa-se tambem, e €0 mais essencial, do proveito que as artes, a medicina e a economia domestica podem tirar das numerosas legides de viventes que povoam o ar, a agua e a terra. Concebe-se assim quao immenso € o dominio deste ramo da historia natural, e as vantagens que resul- tam do seu estudo, entendido como deve ser. I] Os animaes de qualquer paiz podem pois ser conside- rados sob dous pontos de vista : ou geralmente como ob- jectos de historia natural , e deste modo classificados segundo algum systema particular; ou estalisticamente como manancial de riqueza, e apreciados segundo a sua im- portancia. Interessa que sejain estudados de ambas as ma- neiras, 0 que compete ao membro da Expedicao scientifica encarregado da parte zoologica. Il Tera portanto a obrigacao de descrever exactamente todas as especies de animaes que encontrar, vertebrados ou in- vertebrados, com os seus nomes vulgares e synonymia dos scientificos, discriminando os exoticos dos indigenas. Notara a degeneracao que no facies dos primeiros fez soffrer a trans- ferencia do seu logar natal, assim como as modifica- coes relativas 4 cor, grandeza , costumes, etc., eo lucro que a industria tem obtido, ou provavelmente chegara a conseguir da sua acclimatacio em maior escala. Quanto aos pertencentes 4 Fauna do paiz, averiguara o seu habitat peculiar, e a sua abundancia ou escassez, distinguindo ae COMMISSAO SCIENTIFICA. 951 com maior attencao os animaes imperfeitamente descriptos, ou de todo ignotus, dos que ja estao conhecidos, e assig- nando aquelles pelos seus caracteres os logares que lhes cabem no systema geral de Cuvier, ou outro preferido segundo a classe respectiva. IV O conhecimento dos seres organisados avulta de inte- resse quando se trata dos mammiferos, entre os quaes 0 homem encontra seus indispensaveis auxiliares, tanto pelo admiravel instincto, como e nao menos pela forca. A’ frente deste primeiro grupo do grande typo dos vertebrados fi- gura o proprio homem, tao semelhante aquelles pelo plano geral de sua organisacdo physica, mas tao superior por essa sublime intelligencia, que lhe faz contemplar orgu- lhoso a cadéa successiva da creacao animal estendida abaixo delle até confundir-se na materia inorganica. Ficara po- rém o director da seccdo zoologica dispensado de tratar da anthropologia, visto estar privativamente sob a respon- sabilidade de outro membro a parte ethnographica dos trabalhos da Commissio scientifica. FE’ entre os individuos enumerados pela mammalogia que se observam as mais estranhas variedades nas formas, bem como na estatura. Os grandes mammiferos estio quasi todos conhecidos ; mas reina ainda muita incerteza quanto ds especies pequenas , e por isso abre-se um dilatado cam - po de descobertas a quem se dedicar ao seu exame. O es- tudo dos quadrupedes nao se deve cingir unicamente 4 sua classificacio methodica, como dissemos a respeito de todos os animaes em geral, pois hoje ja se comeca a com- prehender que ella € um meio de facilitar a determina- cao das especies, e nado constitue o fim absoluto das inves- tigacoes da sciencia: importa averiguar os seus actos, as s condicdes exteriores que se ligam 4 sua existencia, e a 952 REVISTA BRAZILEIRA. influencia que exercem sobre elles; tudo em uma palavra quanto concorra a derramar novas luzes sobre a historia da sua vida. Mas entre todas as nocdes que se procu- rar adquirir, merecem primazia, por importantissimas, as que se referem aos servicos que os quadrupedes podem — prestar, pois é aclasse de animaes que permitte as mais numerosas applicacdes as nossas necessidades: de uns nos utilisamos em quanto vivem, de outros sé depois de mor- tos, e de muitos tanto vivos como mortos. Neste ponto bem longe estamos de haver aproveitado as riquezas que nos offerece o nosso fertil paiz: 8 somma dellas é¢ maior do que suppomos. Nao fallando dos productos unicos no seu genero, quo os mammiferos fornecem as artes uteis e de luxo, 6 copioso o numero das especies selvagens que, domesticadas, aug- mentariam os nossos recursos alimentares. Lamenta F. Cuvier, € com razio, que a anta (Tapirus americanus) viva ainda errante nos bosques, accrescentando que quasi to- dos os pachydermes ate hoje no estado de ferocidade tem propensao para os habitos domesticos: neste caso estio tambem todas as especies dos generos Celogenys, Dasy- procta, Cervus, elc. , nos quaes se comprehendem as pacas, cutias e veados, sem fallar de outras mais ou menos apre- ciaveis. O mesmo se da a respeito das aves: apenas al- gumas pessoas conservam , por curiosidade, em suas cha- caras e quintaes, o Crax alector, e um ou outro individuo dos bellos generos Penelope, Tinamus, Psophia, etc. ; mas ainda ninguem especulou sobre a sua criacio em grande, imilando o que se pralica com as aves communs dos nossos mercados. Considerando nas modificacoes e melho- ramentos introduzidos pela accio do homem na organisa- cao, funccdes e habitos dos animaes domesticos, ficaremos convencidos que poucos quadrupedes mammiferos existem cuja domesticacdo nao seja mais ou menos provcilosa. COMMISSAO SCIENTIFICA. 253 V Immediatamente apés os mammiferos apparecem no extenso quadro zoologico as aves, talvez os seres anima- dos que mais tem attrahido a attencao dos povos, ja por seus costumes e maravilhoso instincto, ja pela suavidade do seu canto, e sobretudo pela elegancia de suas formas, grava de movimentos ¢ brilhante plumagem. A ornithologia brazileira deve por consequencia despertar a curiosidade do perscrutador da natureza, que sera sem- pre indemnisado com usura das suas fadigas por novas descobertas, a mor parte inesperadas. Descrevendo fiel- mente as aves de todas as ordens, nao se olvidara de registrar quanto for relativo a seus habitos, sustento, repro- duccao, nidificacio, incubacio e criacio da progenitura, tanto mais que os costumes da pluralidade dos passaros, maximé da America Meridional, sao ainda um segredo para o homem. E como a nomenclatura desta segunda classe dos vertebrados se ache hoje bastante confusa, porque, sem fallar do abuso do neologismo, das distinceoes subtis nas especies ce dos desmembramentos nio motivados nos genes: ros, differindo muito as aves segundo sua idade e sexos, os auctores tem frequentemente tomado individuos da mesma especie por de outra diversa, dilucidar-se-ha grandes duvi- das conseguindo reunir de cada uma, 0 que nem sempre sera facil, o macho, a femea, e de ambos o novo, o adulto eovelho. Aeconomia rural, as artes e o fasto poem em con- tribuicio e tiram grande partido de numerosas aves: € isto um assumpto merecedor de toda a ponderagdo para o com- mercio. | Com as especies que vierem preparadas é conveniente re- metter, sendo possivel, os ninhos e ovos pertencentes a cada uma, que sido objectos um pouco desprezados nos muséos, 254 » REVISTA BRAZILEIRA.. e todavia tao interessantes para o ornithologista como as mesma ayes: € na construccéo dos ninhos que ellas mais nos fazem admirar a sua industria e prevencio para que a prole nao deixe de vingar. Quando na composicao dos ninhos entrarem materias animaes, de que se servem certas aves, antes de guardados serao embebidos no licor de Smith, em uma solucao de acido arsenioso ou de strychnina. A per- feita conservacao dos ovos, principalmente dos pequenos, exige paciencia e delicadeza, e em varios auctores se encontram os processos a seguir. Nos gabinetes de historia natural a colleccao de ovos nao se deve restringir s0 aos pro- venientes das avcs; outrosim tem bom cabimento os dos Cheloneos, dos Saureos, dos Ophidios, etc. : é conveniente trazer isto em lembranca. VI. Entramos em outra parte da philosophia natural, bem fecunda em resultados. interessantes, a ichthyologia, que tem por fito o conhecimento completo dos peixes, animaes muito variados, e tambem dignos em tudo de chamar a attencao do naturalista: diversidade de familias abrangendo grande numero de especies, muitas das quaes, a par dos mammiferos e das aves, nos abastecem de preciosas mate- rias empregadas nas artes e na pharmacia; facil multipli- cacio em todos os climas, como esta hoje exuberantemente provado pelas repetidas experiencias dos mais habeis pis- cicultores de Franca, da Inglaterra e da Allemanha; e sobre- tudo prodigiosa fecundidade dos individuos, a tal ponto que certas nacoes se alimentam quasi exclusivamente de peixes, sendo alem disso o seu uso recommendado, entre outras, pelos dogmas da religido. : Resalta do exposto que nunca havera demasia de esforcos tendentes ao progresso da ichthyologia, para o qual o Brazil COMMISSAO SCIENTIFICA. 955 muito pode cooperar, pois nossos mares e rios foram sem- pre afamados pela variedade de peixes que nelles vivem. As razoes expendidas accresce a nao menos attendivel de achar- se o muséo nacional mui pobre neste ramo, e por isso convem formar uma boa colleccéo de peixes, tanto marinhos como fluviaes, consultando na sua classificacio os magnificos tra- balhos de Lacépéde, de Miller, a obra monumental de Cuvier e Valenciennes, e notando o que se souber acerca da abundancia daquelles animaes, do seu prestimo, manei- ra de procrearem, de tudo emfim quanto augmente a massa dos conhecimentos que ja possuimos. Isto sé se poder obter satisfactoriamente inquirindo os melhores pescadores, fazendo o sacrificio de acompanhal-os em seus arriscados trabalhos, com preferencia depois das grandes e aturadas tempestades, e assistindo pessoalmente a essas guerras de paciencia e de astucias, tao ferteis de episodios, que, senhores dos mysterios do officio, elles diri- gem contra os habitantes das aguas. Tornar-se-ha tambem indispensavel entreter uma correspondencia regular com pescadores de diversas paragens, principalmente das mais piscosas, dando-lhes as convenientes instrucgoes, e pagan- do com generosidade qualquer especie desconhecida que apanharem, afim de interessal-os a novas diligencias. Em- bora muitos peixes marinhos se encontrem por todaa parte, -comtudo o maior numero pertence a certos golfos, angras ou praias; e as especies de peixes de agua doce differem, nao sé segundo os paizes, mas e nao menos conforme os rios e lagos em que vivem. Constituindo a pescaria um avultado tem na riqueza de qualquer paiz, importa observar 0 seu estado actual, as causas que empecem o seu progresso e os meios de remo- vel-as, descrevendo igualmente os processos e instrumentos empregados para segurar 0 peixe, da mesma forma adoptada por Duhamel e outros que escreveram sobre a pescaria prati- 256 REVISTA BRAZILEIRA. ca. A descripcado desses processos e instrumentos, na qual se devera ter em vista as quatro classes em que os dividiu Lacépéde, tornar-se-ha mais comprehensivel se for illustra- da de desenhos exactos, ou ainda melhor acompanhada de uma colleccao de modelos das diversas espevies de curraes ou cercadas, redes, armadilhas, cestos ou cévos, esteiras, etc. Comos modelos yirdd tambem amostras das madeiras, cordas, fibras e outras materias de que sao fabricados em ponto grande. Desnecessario é lembrar que os vegetaes usados pelos habitantes do interior, e principalmente pelos indigenas, para embriagar o peixe, serao contemplados na indagacio deste assumpto, tio urgente na actualidade que o Governo Imperial se acha autorisado pelas camaras legislati- vas a promover a incorporacao de companhias para a pesca, salga e secca de peixe no littoral e rios do Brazil. VII. Resta-nos fallar da quarta e ultima classe dos vertebrados, a qual comprehende 0s reptis, abundantissimos no Brazil, ¢ divididos pelos erpetologistas em Cheloneos, Saureos, Batra- chios e Ophidios. Recommendando em geral o estudo e uma colleccao bem conservada de todos, lembraremos de passa- gem diversas particularidades relativas aos nossos ophidios. Ao horror e repugnancia que 4 maior parte da gente inspi- ra a vista © a aproximacao das serpentes podemos attribuira leutidao dos passos da ophiologia ; mas esse horror que ellas excilam, longe de ser um motivo para nos afastarmos do seu exame, nos prepara os mais extraordinarios espectacu- los. Diflicilmente acreditar-se-ha que ainda se nio acham determinadas com certeza as serpenies venenosas do Brazil, cujo numero é menor do que suppode o vulgo, no que eun- cordam muitos observadores desprevenidos. A discrepancia dos naturalistas na classificacao das ser= tregih mS 5 wea COMMISSAO SCIENTIFICA. Q57 pentes brazileiras, assim como na sua qualidade venenosa, procede quasi sempre da attencio dada aos nomes triviaes com que sao designadas no paiz: por exemplo, appellidam indistinctamente cobra coral muitas especies bem diversas do verdadeiro Elaps corallinus: o mesmo succede a respeito da Jararaca, Surucuci, Caninana, Limpa-mato, Urutié, e outras que se confundem ou variam de nomes segundo os logares. Muito interessa a dilucidacdo destas duvidas, determinando rigorosamente as especies, e juntando a cada uma a syno- nymia dos seus nomes vulgares, Tambem é de incontestavel transcendencia 0 conhecimento da forca toxica das que a possuem, € nao menos o dos antidotos apregoados como in- falliveis para neutralisal-a. Outro ponto bem curioso, pelo qual se pronunciam a favor e contra grandes autoridades, vem a ser o decan- tado poder magico ou sobrenatural attribuido 4s serpentes, que se acredita geralmente exercerem em distancia uma especie de accio magnetica sobre os outros animaes que intentam prear, obrigando-os sémente com a vista a apro- ximar-se pouco a pouco até precipitar-se nas suas fauces ; assim como o gréo de fé que merecem os nossos psyllos, mandingueiros, ou curados de cobra, os quaes se jactam de possuir o segredo de brincar impunes com toda a casta de serpentes, zombando do seu veneno, e de fazel-as obedecer aos seus momos e assobios. A’cerca da fascinacio dos ophi- dios é notavel o que se lé na Erpetologia geral de Duméril e Bibron, até hoje a mais accurada publicacao sobre os replis. Divergem tambem os auctores tratando do maior compri- mento a que chegam as nossas especies de genero Boa, entre as quaes sobresahe a gigantesca Sucury ou Sucuryt (Zunectes murinus, Wagler). Haverd talvez opportunidade de aye- riguar isto, recolhendo ao mesmo tempo as tradicdes rei- nantes entre os sertanejos relativamente a serpentes mons- 47 258 REVISTA BRAZILEIRA. truosissimas, que elles attestam apparecerem em certas épocas, e de cuja forca narram prodigios dignos de exornar as viagens de Syndbad o Marinho das Mil ¢ uma Noites. Nao se julgue futilidade o conhecimento dessas tradigoes teratolo- gicas que a crepca popular, sempre avida do maravilhoso, vai transmittindo de bocca em bocca: archivadas, quando mais nio seja servirao de thema para a poesia brazileira. Vill Passamos agora a tratar dos invertebrados, divisao vastis- sima que abrange os molluscos, crustaceos, arachnides , myriapodes, insectos, annelides, e termina nos zoophytos, subdivisio na qual se encontram esses seres ambiguos, que nos trazem indecisos sobre o limite de dous reinos, esgo- tando a paciencia dos mais tenazes micrographos, que nelles intentam sorprender os primeiros rudimentos da molecula organica. A respeito dos invertebrados militam as mesmas razoes expendidas para o estudo aprofundado dos outros animaes de organisacao mais complicada : nao repisaremos portanto o que fica dito, julgando ocioso especificar como se deve proceder quanto a malacologia, conchyologia, helmintholo- gia, ete. Exceptuaremos comtudo a entomologia, a qual, se- gundo o pensar de muitos, nao é uma sciencia frivola e pro- pria sémente para satisfazer uma vaa curiosidade, mas sim utilissima e digna de occupar os mais serios espiritos. As in- dustrias alimentadas pelos productos dos insectos, escreveu Guérin-Meéneville, dao trabalho a numerosas populacoes, rendem sommas consideraveis, e fazem gyrar immensos capitaes. Alguns exemplos tirados da estatistica 0 provario melhor: a cochonilha indispensavel para as fabricas de Franca custa annualmente mais de oito milhoes de francos ; e a seda dd tambem cada anno mais de 150 milhdes de COMMISSAO SCIENTIFICA. 259 francos aos productores da materia prima, e uma somma mais que dupla 4 industria propriamente dita, pelas mani- pulacdes que necessita antes de ser entregue ao consumo. Resulta dos mais authenticos documentos, e das proprias pa- lavras do relatorio do ministro da agricultura em 1850, que o solo francez nao produz toda a seda necessaria para as fa- bricas, pois alli se importa por anno mais de 60 milhdes sé de seda desfiada, importacao que tem subido prodigiosa- mente. Isto, e a enfermidade destruidora que tem soffrido na Europa a lagarta que prepara tao preciosos fios, explica os grandes esforcos hoje empregados pela Franca para a accli- matacao de especies exoticas de bichos daseda na Argelia. De sobejo temos dito para recommendar a indagacao dos Lepidopteros que produzem seda, devendo-se examinar qual a quantidade della fornecida por cada especie, de que vege- taes se sustentam os bichos, qual a temperatura da provincia desde que sahem as larvas até a formacio dos casulos, ete. Nao se receie a prolixidade neste assumpto: convém escre- ver tudo quanto se souber sobre a vida e costumes destes insectos, distinguindo as observacoes pessoalmente feitas das colhidas de outros individuos. O verdadeiro bicho da seda (Bombix mori, L.) nao é o unico insecto que produz tao pre- cios2 materia, como se sabe: o Dr. Chavannes publicou em 1855 0 resultado de suas indagacdes sobre diversas especies de Saturnias, entre as quaes distingue a S. aurotae S. ethra; a primeira muito commum nos arrabaldes desta cidade, ea segunda na Bahia, fornecendo aquella uma porecao de seda sete yezes mais consideravel que ado Bombix mori ou do Cynthia. Alem destas especies, possuimos outras conheci- das, e provavelmente por conhecer, de que a industria seri- cicola muito aproveitaria. Esta hoje demonstrado que as racas de bichos da seda, como as dos outros animaes domes- licos, sao suscepliveis de melhoramento, e que depende da vontade do homem fazel-as dar mais seda, assim como se 260 REVISTA BRAZILEIRA. obteve que os bois, os carneiros e porcos dessem mais carne e gordura. Na colheita dos Hymenopteros se devera attender muito as nossas especies de abelhas, que sao numerosas, fornecem céra em abundancia, e um mel mais ou menos perfumado ; e com quanto se nao possa avancar que a qualidade de seus productos chegue a rivalisar com os da abelha commum (Apis mellifica), seria de desejar que se tentasse a sua explo- racio. Na ordem dos Hemipteros existem diversos insectos do genero Coccus, que tambem produzem céras, das quaes appareceram varias amostras na grande exposicao geral de Paris, remettidas da China, e tao bellas como o sperma- ceti. Os insectos do sobredito genero sao communs em todas as provincias do Brazil; j4 muitos curiosos tem fabricado velas com a sua céra, e isto presagia um novo ramo de commercio. Ha muitos outros insectos uteis, cujo exame nao julgamos necessario lembrar, como por exemplo as can- tharidas; nem tambem o das numerosas familias prejudi- ciaes 4 agricultura, a horticultura, 4 sylvicultura e 4 econo- mia domestica, que nos causam maior damno do que todas as outras classes de grandes animaes nocivos. O estudo me- lhor dirigido dos diversos ramos das sciencias physicas e sua applicacao ds necessidades da agricultura tem produzido re- sultados de grande importancia, que nenhuma pessoa ins- truida contesta actualmente, e a entomologia é chamada a representar um papel indispensavel nas sciencias agri- colas. 1X De todas as especies de animaes colligira o numero de exemplares que entender (no caso de encontral-os em quan- tidade), segundo seu maior ou menor valor scientifico, tendo em vista que, além do muséo nacional desta corte, outros existem em algumas provincias, onde conyém COMMISSAO SCIENTIFICA. 261 sejam igualmente depositados, servindo os que sobrarem para fazer-se trocas com muséos estrangeiros. Na preparacao desses animaes, quer a sécco, quer mergu- Ihados em alcool ou em outros liquidos adequados, conforme a sua natureza, cumpre que haja o maior cuidado, atten- dendo nao sé 4 futura conservacao, mas ainda evitando que se destruam ou deformem alguns dos caracteres exteriores, cuja falta difficultaria ou impossibilitaria depois a sua clas - sificacao. Nao sera muito avaliarem um quarto a perda re- sultante do méo methodo com que sao preparados e acondi- cionados os objectos de historia natural. A Jnstrucgdo ar- ranjada pela administracao do muséo de Paris, para os viajantes e empregados nas colonias, sobre a maneira de colher, conservar e remetter os productos naturaes, servira de excellente guia ; assim como, e em alguns casos melhor, o Manual do naturalisia preparador de Boitard, e varios ou- tros tratados modernos de Taxidermia, aos quaes se devera seguir com as modificacoes que a experiencia propria e as circumstancias particulares do paiz aconselharem. Com quanto a chimica tenha descoberto processos infalli- veis para prevenir que se corrompam e deteriorem os ani- maes destinados aos muséos de historia natural, todavia muitos delles, por exemplo peixes, reptis, etc., infelizmente perdem ou mudam algumas de suas brilhantes cores logo ou poucas horas depois de introduzidos nos melhores liquidos preservativos, € mesmo apenas cessam de viver. Havendo certeza, ou desconfiando-se que as cores de alguns animaes vira6 aalterar-se, éindispensavel fazel-os desenhar imme- diatamente com toda a fidelidade de colorido; e quando qualquer inconveniente o nao permitta, recorrer-se-ha a notas por meio de uma boa escala chromatica. Se todos os Viajantes naturalistas assim praticassem, muitas figuras de animaes, alias de correctissimo desenho, que esmaltam as suas esplendidas publicacoes, nao peccariam pelo lado do 962 REVISTA BRAZILEIRA. falso colorido, como se observa principalmente na classe dos insectos. As estampas nas obras de historia natural nao sio requinte de luxo, como ha quem acredite ; a iconogra- phia quasi sempre economisa o tempo que pela simples lei- tura se perde em buscas enfadonhas e fatigantes, e suppre muilas vezes a difficuldade de exprimi ligeiras differencas e caracteres, inexprimiveis mesmo com o soccorro da melhor terminologia. xX Concordando todos os naturalistas na necessidade absoluta dos estudos osteologicos, muito mais depois que a paleon- tolegia comecou a confrontar os ossos das geracoes perdidas com os das existentes em nossos dias, para mediante essa comparacao simultanea inferir a que familias e generos de animaes pertenceram aquelles fosseis, nao se desprezara a remessa de esqueletos inteiros, ou pelo menos os craneos e algumas outras pecas mais importantes para as investigacdes da anatomia comparada. Nao carece que os esqueletos com- pletos venham armados, pois deste modo se embaracaria sem vantagem a sua conducciao, e até mesmo nunca chegariam perfeitos; basta arrumar em separado os ossos de cada es- pecie differente, de maneira que nao chocalhem dentro das caixas, e se damnifiquem rocando uns nos outros : este mal se corrige envolvendo-os em palha, musgo, serradura de madeira, ou outras substancias identicas. Uma colleccio de visceras das mais essenciaes, preserva- das em licéres espirituosos, é complemento indispensavel e facil de executar-se. Nao tanto nas formas exteriores , como na organisacio interna, se deve procurar os caracteres genericos e especilicos dos animaes, segundo ensing o im- mortal Cuvier. COMMISSAO SCIENTIFICA. 263 XI Serdo louvaveis todas as diligencias afim de que os habi- tantes do paiz apanhem vivos alguns animaes menos com- muns ou mais curiosos, cujos habitos convenha indagar, e os remettera para esta cérte em gaiolas apropriadas, dando aos seus conductores as instruccoes competentes : entre estas se recommendara, como muito essencial, além das maiores precaucoes quando os animaes forem ferozes, o asseio das galolas; que se evite o excesso de alimentos, extremamente nocivo a viventes presos e privados de exercicio; ede ma- neira nenhuma se consinta que sejam instigados ou irrita- dos. Quando o Governo Imperial nao possa ainda realisar a idéa do digno director do Jardim Botanico, o Ex” conselheiro Candido Baptista de Oliveira, de crear naquelle estabeleci- mento um parque de zoologia, 4 imilacao dos existen- tes em ovtras nacoes cultas, onde melhor se sorprenda os costumes dos irracionaes das nossas florestas, e se faculte occasiao de comparal-os com outros exoticos, serao esses animaes offerecidos 4 Sociedade Imperial zoologica da accli- matacao fundada em Paris, ouaalgum outro nucleo do mesmo genero, lucrando assim a sciencia ¢ a humanidade. XII E’ da maior vantagem que o naturalista viajante lance cada noite em um Iivro as notas que houver tomado du- rante o dia, pois estas em papeis avulsos facilmente se po- dem extraviar. Além dos seus proprios apontamentos, trans- crevera no referido jornal as informacoes que lhe ministra- rem os habitantes do paiz, aos quaes consultara segundo o conceilo de veracidade que lhe merecerem. De continuo com a natureza diante dos olhos, elles tem oceasiao de ob- servar os animaes em seu dominio, e por isso fornecerad a 264 REVISTA BRAZILEIRA. respeilo noticias apreciaveis. Nada omittira de consignar por escripto, que de muito lhe servirad para o. futuro as suas notas : sao tantos os objectos de que vai ficando sobrecar- regada a memoria de um viajante observador, que nao deve contar sempre com ella, por mais feliz quea tenha. Seecho astronomica e geographica. Art. 1°. A seccao da Gommissao exploradora, incumbida especialmente dos trabalhos astronomicos e geographicos, os dividira em duas classes distinctas; a saber: 1° classe. Esta classe comprehendera as observacoes as- tronomicas e operacoes topographicas concernentes a deter- minacao da posicao geographica dos pontos mais importantes do territorio explorado: e tambem quaesquer exames e averiguacoes que se fizerem sobre objectos, cujo conheci- mento possa interessar directamente 4 geographia. 2* classe. Nesta classe entraraé os trabalhos de mera in- vestigacao , que interessarem immediatamente 4 physica geral do globo; e bem assim os que tiverem por objecto a suggestao de importantes melhoramentos materiaes, de que carecam as provincias visitadas pela Commissao exploradora, uma vez que tenham elles alguma connexao com a natureza dos trabalhos incumbidos a referida seccao. II Especificacgao dos trabalhos da 1* classe. Art. 2°. Sendo que a Commissao exploradora, no seu tra- jecto por mar, toque algumas provincias do Imperio, diri- gindo-se aquella em que tem de encetar os seus trabalhos, COMMISSAO SCIENTIFICA. 265 convira que a seccao astronomica aproveite essa opportuni- dade para determinar a posicao geographica das cidades ad- jacentes aos referidos portos, se for isso praticavel durante os dias que ahi tiver de demorar-se a expedicao scienti- fica. Art. 3°. Nas observacdes concernentes 4 determinacao da latitude convira que, alem da altura meridiana, outra se observe em qualquer posicao da mesma estrella, antes ou depois da sua passagem pelo meridiano do logar, e ao mes- mo tempo 0 correspondente azimuth. A observacio da altura meridiana basta por si sé para determinar a latitude do logar pelo methodo geralmente praticado, mediante o conhecimento da declinagao da estrel- Ja observada. Recommenda-se porém a observacao da outra altura, to- mada féra do meridiano, com a do azimuth correspondente, para ofim de chegar a determinacao da mesma latitude, empregando os tres angulos dados pela observacao, segundo anova formula de C. Baptista, a qual dispensa o conheci- mento da declinacao da estrella. Este duplicado trabalho tem por objecto nao sdmente submetter a mencionada formula 4s provas praticas, como tambem apreciar (pelas differencas que possam apresentar os resultados comparados de um e de outro processo) os effei- tos da refraccio astronomica, a qual devera affectar diversa- mente os elementos empregados nos dous differentes modos de operar, e talvez mesmo corrigir, em alguns casos, decli- nacoes pouco exactas, dadas pelas ephemerides astrono- micas. Art. 4°. Para a determinacao da longitude geodesica se fara uso dos chronometros,e das distancias lunares ao mesmo tempo, todas as vezes que estas possam ser observadas. As longitudes assim determinadas serao referidas ao me- ridiano que passa pelo ponto culminante da rocha, que 266 REVISTA BRAZILEIRA. assignala a entrada do porto do Rio de Janeiro, denominada Pao de Assucar. A peculiar situacdo desse gigantesco monolitho, e mais ainda a circuimstancia de achar-se elle descripto nos annaes maritimos de todas as nacoes, o fazem singularmente azado para indicar, por modo perduravel, a posicao do nosso pri- meiro meridiano. Art. 5°. Afim de fixar a posicao do ponto da observa- cio, a que forem reportadas a latitude e longitude deter- minadas, convira oriental-o em relacaoa dous outros pontos notaveis, que se descubram distinctamente no horizonte do logar, pelos seus azimuths observados com o theodo- lico; ou, o que é a mesma cousa, pelos rumosa que de- moram aquelles dous pontos, em relacao ao meridiano astronomico do logar. Na falta dessas duas balisas naturaes, se fincarad na vi- zinhanca do referido ponto da observacdo tres marcos de pedra tosca, de modo que apresentem a menor face rente com o chao, e sejam collocados em tres pontos quaesquer da circumferencia do circulo, cujo centro é o ponto da ob- servacao. Na direccao da vertical que passa por esse ponto, e na profundidade de cinco palmos pelo menos, se enterrara uma garrafa de vidro commum, fechada hermeticamente ao macarico, depois de ser nella depositada uma nota es- cripta, contendo a expressao numerica da latitude e longi” tude observadas, a variacdo local da agulha magnetica de declinacao, a temperatura e pressdo barometrica medias do dia da observacao. Esta nota sera assignada pelo chefe da seccio astronomica. Art. 6°. Uma vez chegada a Commissao exploradora 4 provincia em que devera encetar os seus trabalhos regu- lares, comecara a seccao astronomica por determinar, com COMMISSAO SCIENTIFICA. 267 a possivel exactidao,a posicio geographica da capital da mesma provincia, procedendo do modo acima descripto. Em todos os pontos da provincia onde houver de fixar-se temporariamente a Commissao exploradora, a seccao as- tronomica fara a determinacao da posicao geographica dos logares que 0 merecam na opiniao della; com attengao a que taes determinacdes possam aproveitar para o futuro 4 construccio da carta geral do Imperio, ou venham.a ser- vir de base ds operacoes topographicas que forem executa- das em observancia da lei que decretou o tombamento das terras nacionaes. Art. 7°. Na escolha dos logares, cuja posicao geographica convira determinar, a seccao astronomica dara preferen- cia aos pontos situados nas margens dos lagos e dos rios, sem nunca preterir os que se referem 4 embocadura destes no Oceano, ou as confluencias dos mesmos no interior do territorio. Estes trabalhos deverao marchar de par com as averigua- coes relativas 4 natureza do leito de cada um dos rios, ao volume das suas aguas, ea velocidade da sua corrente ; 4s condicoes da navegabilidade , ou ao regimen do seu curso; e bem assim pelo que respeita ds _particularidades -proprias dos lagos. A configuracio das montanhas notaveis, ou das serra- nias do interior da provincia, assim comu o accurado exame dos portos, bahias, ou angras do seu littoral, serao objectos comprehendidos no desenvolvimento dos traba- lhos regulares da seccao astronomica. Art. 8°. Os trabalhos precedentemente especificados se- rao communs 4s demais provincias, que forem visitadas successivamente pela Commissao exploradora. Entre as observacées meteorologicas, conducentes a ca- racterisar o clima das diversas provincias exploradas, de- verA merecer particular attencao 4 secgao astronomica a 268 REVISTA BRAZILEIRA. apreciacao da temperatura media e maxima local, em cada um dos mezes de regular observacao. Para esse fim bastard observar o thermometro as 9 ho- ras da manhaa, e 4s 3 horas da tarde, em cada dia: visto que a media das indicacdes thermometricas, tomadas naquella primeira hora do dia, representa com aproxima- cao satisfactoria a temperatura media de cada mez; resul- tando d’ahi que a media dos doze mezes é, sem erro apreciavel, a temperatura media annual do logar. As indicacoes thermometricas tomadas as 3 horas da tarde farao conhecer semelhantemente a maxima tempe- ratura aproximada de cada dia, a de cada mez, ea de todo o anno. O chefe da seccao astronomica encarregara um dos seus adjuntos de descrever, em um livro apropriado para ser- vir de jornal das operacdes a seu cargo, cada um dos trabalhos executados, com a devida regularidade, e ,dis- tinceao das provincias a que dizem respeito, authentican- do-os com a sua assignatura e a do referido adjunto. Il Trabalhos de wvestiqacao. Art. 9°. A seccdo astronomica, todas as vezes que julgar opportuno, fara uma serie de observacdes de alturas meri- dianas de um mesmo astro, em dias successivos ou inter- polados, calculando a latitude geodesica relativa a cada uma das alturas observadas por dous modos differentes ; asaber: 1°, corrigindo a altura observada do effeito da refraccao modificada pelas differencas de temperatura e pressao barometrica da occasiao, em relacdo 4 tempera- tura e pressao consideradas constantes na construccao da taboa de refraccdes astronomicas ; e igualmente da paral- laxe, se for necessario, afim de deduzir desse elemento COMMISSAO SCIENTIFICA. 969 assim corrigido a latitude do logar; 2°, fazendo a deduc- cao dessa mesma latitude, sem a correccao devida 4s indicacdes do thermometro e do barometro. A media das latitudes assim calculadas, em uma e ou- tra hypothese, fara conhecer até que ponto as variacdes da temperatura e da pressao barometrica poderao influir nos resultados obtidos nas circumstancias suppostas acima. Uma investigacdo semelhante podera ter logar relati- vamente a duas observacoes de alturas meridianas do mesmo astro, feitas em dous estados hygrometricos diffe- rentes da atmosphera, conservando-se proximamente con- stantes a temperatura e a pressao barometrica: o que fara conhecer, pelos resultados comparados, a connexio que possam ter as indicacdes hygrometricas com os effeitos da refraccao astronomica; se todavia a atmosphera mais ou menos impregnada de vapores exerce diversa influencia sobre o phenomeno da refraccdo, o que é contestado por experiencias physicas, que tem em seu favor a autoridade de homens competentes. Art. 10°. A seccao astronomica deverd tambem proce- der a exames comparativos dos effeitos da refraccio astro- nomica sobre as observacdes de alturas meridianas, feitas na summidade accessivel de alguma montanha ou serra, e na planicie adjacente. E bem assim a respeito da lei do decrescimento da temperatura, em camadas differentes da atmosphera, a par do decrescimento da pressao barome- trica, com o fim especial de verificar se em algumas cir- cumstancias accidentaes tem logar o facto observado por homens da sciencia, os quaes asseyeram que a variacio da temperatura nas camadas superiores da atmosphera, para uma altura vertical dada, segue em alguns casos a marcha inversa da variacio da pressio barometrica ; isto é, aquella crescente, quando esta decresce. Convira por esta occasiao comparar as differencas de 270 REVISTA BRAZILEIRA. nivel, dadas pela formula barometrica de Laplace, em differentes dias de observacio,com os resultados de ope- racoes hygrometricas feitas para esse fim : para assim de- terminar praticamente as condicoes em que a referida formula pode ser applicada com proveito, ou sem erro attendivel; o que nao tem geralmente logar quando é essa formula empregada para determinar differencas de nivel comparativamente pequenas. O extenso e accessivel plateau que corda o cimo da serra do Araripe, na provincia do Ceara, no termo da comarca do Crato, offerecera 4 secccio astronomica as mais favora- veis condicoes talvez para levar a effeito os estudos com- parativos acima indicados. Art. 14°. A seccio astronomica fara observacées regu- lares e accuradas sobre as variacGes locaes da agulha mag- netica, tanto pelo que respeita 4 agulha de declinacao, em relacio ao meridiano astronomico, como a agulha de in- clinacio, em relacao ao plano horizontal do logar: determi- nando a grandeza media de cada um desses elementos, os quaes, com a intensidade da forca magnetica, dedu- zida das oscillacoes observadas, farao conhecer as condicdes magneticas do territorio explorado, e servirad para veri- ficar por outra parte os resultados da theoria physico-ma- thematica do magnetismo terrestre, em relacao aos loga- res da observacao. Semelhantemente determinara a mesma seceao o com- primento do pendulo simples que bate segundos sexagesi- maes, nas differentes latitudes em que possa ter logar essa operacio até o equador. Os resultados assim obtidos darao aintensidade da forea da gravidade em cada uma daquel- las latitudes, e fario igualmente conhecer a curvatura do arco do meridiano, comprehendido entre o equador e o parallelo mais remoto em que se executou a referida de- terminacao. COMMISSAO SCIENTIFICA. SA Art. 12°. Achando-se a Commissao exploradora na_pro- vincia do Ceara, a qual soffre periodicamente o flagello de séccas devastadoras, convira que a seccao astronomica, de accordo com a secgao geologica, faca alli os precisos exames de sondagem , afim de descobrir os indicios que possam servir de guia para tentar-se opportunamente a abertura de um pogo artesiano, 0 qual (no caso de surtir effeito essa primeira tentativa) possa ser considerado como norma para a abertura de outros pocos, de que carecam diversas localidades da provincia. Ha dous exemplos recentes de pocos artesianos abertos em terrenos apparentemente analogos aos do Ceara, os quaes autorisam , pelos resultados obtidos, a que se proceda nesta provincia a tentativas desse genero; a saber, um no Egypto e outro no deserto Sahara na Argelia. Este ultimo, que fora aberto até a pequena profundidade de cerca de 30 bracas, fornece diariamente aos habitantes do Jogar dous milhdes de canadas de agua potavel, ou 10,000 pipas de 200 canadas. Art. 13°. A seccao astronomica fara finalmente, quando liver opportunidade, um estudo accurado: 1°, sobre a con- veniencia e praticabilidade da abertura de communica- cdes faccis entre os centros de produccao do interior da provincia do Ceara e os seus portos; 2°, sobre os me- lhoramentos de que carecem estes portos, para que sejam accessiveis 4s embarcacoes que fazem o commercio directo com os paiz estrangeiros; devendo merecer-lhe particular atlengao as peculiares condigdes que offerece a angra de- -nominada «Porto de Jaricoacodra » situada cerca de 30 le- guas a O-N-O da cidade da Fortaleza. 972 REVISTA BRAZILEIRA. Seecao ethnographica e narrativa da viagem. I Os principaes elementos que servem para distinguir as racas humanas sao: a organisacdo physica, o caracter in- tellectual e moral, as linguas e as tradicdes historicas. Estes elementos diversos nao tem ainda sido estudados, sobre- tudo relativamente aos indigenas do Brazil, de maneira a assentar em suas verdadeiras bases a sciencia da ethnolo- gia. Como é provavel que d’aqui a duzentos annos poucos selvagens existam no seu estado primitivo, torna-se muito preciso que desde ja se comece a recolher a respeito delles tudo quanto for possivel: até hoje isto se tem feito superficialmente. Além de que, o homem genuino ameri- cano pode ser chamado a compartilhar os bens da civilisa- cao, e voluntariamente prestar-se 4 communhao brazileira, se empregarmos os melos consentaneos com a sua indole e constituicio physiologica nos primeiros tempos. Nao é necessario dizer mais para demonstrar quantas vantagens resultard0 para nds do conhecimento perfeito dos autochtho- nes do Brazil. II Sendo o ponto mais importante da ethnologia, para o estudo do homem physico, o conhecimento do typo, sé se podera adquirir nocoes sufficientes por meio de desenhos fidelissimos do todo, principalmente da cabeca, os quaes deverao ser tirados de face e de perfil, e mesmo de outras posicoes favoraveis a demonstracio de certos caracteres proprios a distinguir um typo particular, tanto no homem como na mulher. COMMISSAO SCIENTIFICA. 273 Il Além destes estudos parciaes, importa fazer muitos e variados grupos, porque nelles melhor se comparardé as formas e suas variedades, as attitudes, as physionomias e as proporcoes geraes do corpo; e para mais seguranca ha- vera o cuidado de medir grande numero de individuos adultos, assim como os seus angulos faciaes, procurando por essa occasiao verificar se a maior abertura do angulo attesta maior intelligencia , como aflirma Camper, e se a orelha inclinada para a parte posterior da 0 mesmo indi- cio, como o querem muitos physionomistas. IV Convéem igualmente colligir craneos de todas as racas dos naturaes do paiz, e moldar no vivo algumas cabecas, para 4 vista de certos dados moraes poder verificar conjuncta- mente o que ha de mais positivo no systema de Gall: se ha verdade nesta doutrina, a craneoscopia devera encontrar notaveis modificacoes entre as diversas protuberancias do craneo do Indio selvagem e as do Indio civilisado ou do mestico, conforme a raca predominante. V Ao tomar a medida da altura do corpo, sera bom avaliar sua forca por meio do dynamometro, ou de qualquer outra maneira aproximativa, se nao houver este instrumento, A attitude e a mimica do homem sao indispensaveis, porque numa e n’outra se revelam os habitos sociaes e o tempe- ramento individual. A posicao da cabeca, dos bracos e das pernas, seja no repouso, na locomocao ou no trabalho, é muito significaliva para um observador, porque por ella, 48 274 REVISTA BRAZILEIRA. pelos seus movimentos, pelo seu assento sobre 0 pescoco se conhece 0 individuo, assim como pelo modo com que move os bracos, pelo que pende as maos, e pela maneira e situacao dos pés no caminhar: 0 ocioso tem altitudes bem differen- tes do trabalhador. A férma da mao e dus pés ¢ tambem de muito proveito no estudo das racas, e portanto deve-se moldar tambem em gesso muitos individuos, para mais placidamente estudar a differenca que ha entre as formas dos dedos primeiro e quinto, do calcanhar, do peito e arca- da plantar, ete. VI Particularmente ds mulheres, nao se olvidara apanhar a forma geral e constante dos musculos externos que reves- tem o sacro e abacia, porque na forma dos gluteos ha diffe- rencas notaveis nas racas, assim como na dos selos e sua collocacio mais ou menos aproximada ao sterno, e mais ou menos vizinha das claviculas: cumpre estudar as mu- dangas destes orgios, que tem tao intima relacio com todos os phenomenos da sua vida physica. VII Para aleancar os desenhos exactos acima recommenda- dos, ha o excellente recurso da heliographia, que a sua presteza e fidelidade reune a vantagem de nao ter preven- codes favorayeis ou desfavoraveis, pois os seus resultados estio livres de todaa influencia de escola ou de maneira ar- lislica: o instrumento produz tal e qual, e em seus desenhos se pode bem comparar as formas de ambos os sexos, as suas modificacoes nos differentes periodos da vida, nos diversos exercicios, e no aspecto geral da cabeca e das extremidades, onde reside quasi sempre o typo de uma raca, i 3 COMMISSAO SCIENTIFICA. 275 Vill O estudo da lingua é um complemento necessario ao es- tudo dos caracteres physicos. As grammaticas e diccionarios que possuimos de alguimas linguas dos indigenas , assim como varios vocabularios, servirao de base nestas investi- gacoes de linguistica; e no caso de se encontrar alguma lingua nova ou dialecto extremamente pronunciado, se di- ligenciaré esbocar uma grammatica respectiva, tratando primeiramente do verbo nos seus tres tempos fundamen- (aes, presente, passado e futuro, com as modificacées das pessoas e do numero; depois do substantivo, com as varia- coes de caso e numero, fazendo conhecer a concordancia do adjectivo com elle; os pronomes, as preposicoes com um ou inais regimens, eos adverbios com o verbo. Passar-se-ha apos a indagar a filiacdo dessa lingua com outras, estabele- cendo tabellas comparativas quanto aos sons de todas as pa- Javras que representam as primeiras necessidades da vida, 0 nome de todas as partes do corpo, o nome dos parentes, os que explicam os mais salientes objectos da natureza, e tam- bem os nomes dos numeros e a maneira de contar ; conyin- do exprimir os sons por nao haver orthographia. Por esta confrontacao de vocabulos, que representam idéas communs a especie humana, se chegara a obter alguns resultados. Muitas de nossas tribus, como por exemplo a dos Botocu- dos, tem uma lingua muito pobre, que contrasla coma ri- queza da Guarany, possuidora de locucdes para ambos os SEXOS. IX Depois dos caracteres physicos e da linguistica se tratara dos costumes relativos ao individuo e 4 familia em geral, estudando-o desde 0 seu nascimento até 4 sua morte: nas 276 REVISTA BRAZILEIRA. differentes phases da vida do homem selvagem se conhece a marcha de sua educacao e o que elle é. No seu nascimento assistimos 4s ceremonias familiares; na sua infancia aos seus deleites e educacio; na puberdade aos seus ensaios e inclinacoes; na virilidade ao seu consorcio, a sua vida in- ternae externa; e na velhice aos seus conselhos, repouso e funeral. E’ mister apanhal-o em todos os seus passos, vel-o nos festins, na caca, na pesca, na guerra, na lavoura, e nos seus trabalhos industriaes ; assim como possuir seus cantos, suas nenias e epinicios ; a forma de todos os seus artefactos ; amaneira de ferrar-se e pintar-se; 0 caracter de seus de- buxos; a férma dos seus moveis, dos seus ornatos festivos, e qualidade dos seus arrebiques. xX Nao se esquecera recolher quanto se puder acerca de seus conhecimentos estrategicos, de fortificacio, de medi- cina, decirurgia, e de meteorologia ; nem os habitos feminis em toda esta successao de cousas: sao factos que ainda nao foram methodica e satisfactoriamente consignados. Procu- rar-se-ha igualmente o termo medio da vida do individuo de ambos os sexos, e se nos seus funeraes e inhumacoes ha differenca entre o homem e a mulher. No estudo do indi- viduo esta. uma parte da vida social, mas esta necessita de um estudo mais amplo e desenvolvido; a planta e forma de suas habitacoes particulares e dos seus aldeamentos ; o arranjo de suas fortificacdes, o seu systema de seguranga muiua, 0 seu commerciv, os: meios de que se servem para contar o tempo, e os que empregam em suas marchas para reconhecerem o caminho na volta, ou para orientar-se nas grandes emigracdes. Tratar-se-ha de conhecer a extensao de sua agricultura, o modo por que a fazem, e as plantas mais usuaes de sua nutricio; as farinhas e bebidas que dellas tiram, a qualidade destas bebidas, segundo as estacoes e as COMMISSAO SCIENTIFICA. Qi festas em que sao usadas; os meios que empregam na cria- cao dos quadrupedes e aves, que os seguem por todaa parle: aeste resi” |; Ma cousas muito curiosas. XI Sera curiosa a organisacio de um codigozinho de todos os actos dos indigenas que se assemelhem a uma especie de direito publico ou internacional, para destacal-o do corpo de suas leis de relacio domestica ou social: nos povos anal- phabetos prevalece o direito consuetudinario. Occupando-se da parte respectiva ao commercio, cumpre avaliar pelas suas permutacdes qual o genero que serve de moeda ou unidade de um valor: neste ponto muito convira saber o grado da sua probidade commercial, porque desta se pdde avaliar o seu estado moral. XII Sera registrado tudo quanto se conhecer a respeito de sua religiao, crencas e supersticoes, procurando saber-se por que tramites passa o Indio que chega a ser Pagé, e se esta especie de sacerdocio é adquirida por alguma formalidade ou eventos da vida, ou se € transmittida como sciencia exo- terica ou hereditaria. Outrosim interessa muito apanhar seus contos, lendas e allocucoes diversas: talvez que a ar- cheologia por meio das applicacoes de Vico e seus meios ordinarios possa descobrir alguima cousa a respeito de sua origem, ou pelo menos de sua historia particular. E’ igualmente de grande utilidade indagar qual a opiniao em que elles nos tem, quaes suas queixas de receios funda- mentaes, para estudar os meios de remover este obstaculo com o fim de chamar 4 industria tantos bracos perdidos, e diminuir o numero de inimigos internos. 278 REVISTA BRAZILEIRA. XI Alem das descripcdes e desenhos, far-se-ha colleccdes de todos os enfeites, utensilios, instrumentos de musica, armas, de tudo emfim quanto possa servir de prova da industria, usos e costumes dos indigenas, inclusive suas mumias e sepulturas, reparando-se, entre outras circum- stancias dignas de nota, na posicao que ellas occupavam em relacao aos pontos cardeaes. X1V Quanto 4 parte narrativa da viagem, fara um diario cir- cumstanciado, e com toda a fidelidade, descrevendo tudo 0 que vir de curioso e merecedor de memoria durante o trajecto da Commissao scientifica. No mesmo jornal ira tam- bem notando diariamente tudo quanto occorrer de notavel relativo 4 expedicao em geral, e mesmo a cada membro em particular. XV Em todas as cidades, villas ou povoacoes onde a Com- missao estacionar, diligenciara obter copias authenticas de documentos interessantes 2 historia e geographia do Brazil, assim como extractos de noticias compiladas das se- erelarias, archivos e cartorios, tanto civis como ecclesiasti- cos; e tambem copias de manuscriptos importantes sobre o mesmo objecto pertencentes a particulares, no caso de lhe nao serem cedidos os proprios originaes. XVI A tudo acima recommendado ajuntara finalmente o conhecimento do commercio interno e externo da provincia, ; COMMISSAO SCIENTIFICA. 279 de todos os dados estatisticos que puder, da fundacao, pros- peridade ou decadencia das povoacoes, procurando avaliar a superficie dos terrenos cultivados e incultos, e o valor das areas occupadas ainda por florestas virgens, por capoeiras, pantanos, etc. ; assim como chegar a uma probabilidade do numero de selvagens que habitam essas florestas. Palacio do Rio de Janeiro em 8 des Abril de 1857. Luiz PepREIRA po Coutto Ferraz. ASTRONOMIA PHYSICA. NOTA. No appendice das Ephemerides de 1855 e no 1° numero da Revista Brazileira foi publicada a solucio que demos ao problema da determinacao da latitude terrestre, servindo- nos smente de duas alturas observadas da mesma estrella, sendo uma destas no meridiano do logar, e do azimuth correspondente a outra observacdo; e designando a altura observada no meridiano por H, a outra por h, o angulo azimuthal observado por a, a distancia angular da estrella ao eixo de rotacdo da terra, ou ao polo da mesma, por 9, e a latitude do logar por 4, havemos obtido as seguintes formulas, que comprehendem a solucao completa do pro- blema ; a saber: it oes 41 — Cos. H Cos. h Cos. a — Sen. h Sen. H ( df Sen. H Cos. h Cos.a — Sen. h Cos. H — (2) Ast (H—9) Esta solucio é susceptivel de generalisar-se, observando a estrella em tres differentes posicoes da sua excursao diurna apparente, tantv pelo que respeita 4 altura sobre o horizonte do logar, como tambem 4s duas differencas azimuthaes correspondentes as tres alturas observadas, sem dependencia por conseguinte do conhecimento previo da declinagdo da estrella, e da posigéo do meridiano do logar. i - = ASTRONOMIA PHYSICA. 281 1.° Supponha-se que, entre as tres observacoes da estrella, se fazem duas correspondentes, 0 que & sempre praticavel, cuja altura commum seja representada por h’, e os angulos azimuthaes por + a', e—a. Sejam por outra parte h e aa altura e azimuth da terceira observacao. Ter-se-ha para qualquer das duas observac6es correspon- dentes 4 seguinte expressao de fg. 9 3) % __1— Cos. H Cos. h' Cos. a! — Sen. H Sen. h! ce Sen. H Cos. h' Cos. a! — Cos. H Sen. hi Tgualando os dous valores de tg. 9, e fazendo | = Cos. h! Cos. a’ Sen. h — Cos. h Cos. a Sen. I’, m == Cos. h Cos. a — Cos. h' Cos. a’, » = Sen. h — Sen. hi ;sx ter-se-ha (4) 1+ m Sen. H =n Cos. H Esta equacio subira sémente ao segundo grao, conside- rando-se como incognita Sen. H, ou Cos. H. Por outra parte as differencas azimuthaes observadas darao as duas equacoes seguintes : (5) a—a'=d, a-+al—d As tres incognitas H, a, a’, ficarao evidentemente deter- minadas pelas tres equacdes (4) e (5): e por conseguinte tj. 9, por meio da equacao (1); e a latitude A, pela equacao (2). 49 983 REVISTA BRAZILEIRA. b Lf 2° Supponha- se agora que a estrella ¢ observada em tres posicoes quaesquer da sua excursao diurna, e sejam as alturas, dadas pela observacao, representadas por h, h’, hs com as differencas azimuthaes 0 e a’. Procedendo, como se praticou na hypothese antecedente, ter-se-ha a equacao seguinte : (6) l' + m! Sen. H = 1! Cos. H As duas differencas azimuthaes observadas darao as equa- codes seguintes : (7) a—a'=9d, a—al=d, As quatro incognitas H, a, a’, a!', serao determinadas pelas quatro equacoes (4), (6), (7): e por conseguinte 9, e, como no precedente caso. Osservacao. — Mr. Babinet, membro da Academia das sciencias de Paris, acaba de publicar uma memoria, na qual deduz as formulas precisas para a determinacao da latitude terrestre, por meio dos azimuths e alturas observadas fora do meridiano, ficando porém esse novo processo depen- dente ainda do conhecimento da declinagdo da estrella. Rio de Janeiro 1° de Maio de 1857. Canpipo Baptista D’OLIVEIRA. — ee ERRATA Paginas. Linha 1°, debaixo para cima, leia~se: — e semelhantes — depois da pala- WraN(PeClaneWlareS)) ss:sj0eiceves el siaceies sin e.siere atarefaienaalarel niet stats Aides elad Linha 5°, debaixo para cima, leia-se: — plano que passa por /\ e a sua projecco — em logar de (plano da projeccao de Z\)......... Seta 152 Linha 11°, leia-se : — 20 — em logar de (19).........0.ccceceus sees 153 Linhas 19* e 24", leia-se : — 21 — em logar de (20)...........e0eceees 154 Linhas 5*e 6*, debaixo para cima , nas expressdes —Cos. b Cos. c, Cos, b! cos. C, — leia-se: Cos. € — em logar de (Cos. c)......+. 5 OBIGO DOES 455 Linhas 2* e 14°, leia-se: — Cos. 6 — em logar de — Cos. ¢..... aisters tenets 156 Linha 7°, leia-se: — (l, 7!) — em logar de (@!).....eccecceecee cease 157 Linha 3°, debaixo para cima, leia-se : — (/,, m,) — em logar de (f, g,)... 457 Linha 4’, leia-se : — x, y —em logar de (a, 2)... seseeees Somooaghoadr 158 Linha 5°, leia-se : — a! e y! — em logar de (a) € (y)......cceeeeneees 158 Linha 5*, debaixo para cima, leia-se : —§ — em logar de (c)......20+. 158 Linha 6°, leia-se — Cos.” 6 — em logar de (Cos.2 c)...+..0 Ws stappienten LO Linha 4°, no fim, leia-se : — Cos. c' — em logar de (Qos. c)..... sisialeiefeds 160 Linha 9°, leia-se : — 36 — em logar de (35).... ceessececscevscceeess 164 Linha 16°, leia-se : — membros — em logar de (termos)........+.+0.++ 465 Linha 4*, no principio, leia-se : — (w, z) — em logar de (y, z)......000 A7h Linha 26, leia-se : — 56 — em logar de (50).. ....csecesccccssceseves 184 Linha 3°, debaixo para cima, leia-se : — 54 bis — em logar de (50)..... 4184 Linha 7*, debaixo para cima, leia-se : — 54 bis ~ em logar de (54)..... 183 Linha 45, debaixo para cima, leia-se : — uma perpendicular — em logar de (a perpendicular OD)....... Biofoleisistetevesteaiels’eta 81010 eleleje vi slelsisiainl ey ai OO Linha 12", debaixo para cima, leia~se : — da referida perpendicular — em GEC OD) i seritee i aocs whe akeie as ae sane egal ewonneem tee NLS SOLON INDICE DOS ARTIGOS CONTIDOS NO N.° 2. ‘ GEOMETRIA ANALYTICA. — Theoria da linha recta e do plano considerados no espato: por C. B. de Oliveira. BoTaNnica. — Artocapea. Oiti ou Oiti-cica (Soaresia nitida): pelo Dr. Francisco Freire Allemao. MALACOLOGIA. -— O Vaginulus reclusus: pelo Dr. F. F. Allemao. AGRICULTURA. — Fragmentos do relatorio dos Commissarios Brazileiros 4 Expo- sicao universal de Paris em 1855: pelo Dr. G. S. de Capanema. COMMISSAO SCIENTIFICA. — Instruccdes para a Commissao scientifica encarre- gada de explorar o interior de algumas proyincias do Brazil menos conhe- cidas. Ri . ASTRONOMIA PuYsIGA. — Nota: por C. B, de Oliveira. ss ay “RES - REVISTA BRAZILEIRA wy JORNAL DE SCIENCIAS, LETTRAS E ARTES DIRIGIDO POR CANDIDO BAPTISTA DE OLIVEIRA PUBLICACAO TRIMENSAL — TOMO I Numero 3. — Jameiro de 1858 RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHIA UNIVERSAL DE LAEMMERT Rua dos tnvalidos, 61 B - iy eae ‘ ere Go # ot-hee 2) a ay pas na EXPOSICAG UNIVERSAL EM PARIS. RELATORIO DO COMMISSARIO BRAZILEIRO G SR. DR. ANTONIO GONCALVES DIAS, As reflexdes que apresento acerca dos objectos sobre os quaes me coube dissertar, por accordo entre os Commissa- rios que assistimos 4 Exposicao franceza por parte do Brazil, sao oO resultado de algum estudo que fiz dessas materias, e das informacdes que me foi possivel obter de pessoas compe- tentes; mas nem esse estudo pode deixar de ser superficial pela falta de tempo, nem essas informacdes menos in- completas, por dependerem de pessoas estranhas, que rara- mente julgavam conveniente prestarem-se com franqueza a darem os esclarecimentos que lhes eram pedidos. Na necessidade de concluir estes trabalhos de um modo menos imperfeito, consultei os escriptos que me pareceram mais desinteressados e conscienciosos; e com esse estudo, informacdes e adjutorio, elaborei o presente trabalho, que tenho a honra de apresentar ao Governo de Sua Magestade o Imperador. Paris, 24 de Janeiro de 1856. Antonio Goncalves Dias. © 20 284 REVISTA BRAZILEIRA. Generos coloniaes. No sentido generico da-se 0 nome de « generos coloniaes » atodos os productos agricolas que nao sao cultivados na Europa, ou cujas especies foram nestes ultimos seculos im- portadas das demais partes do mundo, quer fosse a America, India ou Oceania. Collocamos a America em primeiro logar porque, como as colonias ahi estabelecidas foram as mais importantes que teve a Europa nesta idade, sao principal- mente os seus generos os conhecidos sob essa designagao de « coloniaes », e ainda hoje os mais considerados no mercado da Europa. O algodao, 0 tabaco, 0 café, 0 assucar, 0 cha; as tintas como o pao brazil, o anil, a cochonilha, 0 urucu; as especiarias, como a baunilha, canella, noz moscada, cacao, pimenta; as substancias vegetaes alimenticias, ao que poderia- mos ainda accrescentar as drogas, todas deveriam pertencer a este capitulo, se nos conhecessemos com forgas para isso, « Generos coloniaes » sao emfim todos os productos das colo- nias, presentes ou passadas, que servem a industria; porém mais especialmente 4 manutencao do homem. Pela rapida resenha que acabamos de fazer, vé-se que 0 Brazil, prodigamente favorecido, pode concorrer com qual- quer outro paiz, tanto na variedade como na qualidade dos productos chamados « coloniaes ». Trataremos dos mais importantes. Algodao. O prodigioso incremento que lem tido neste seculo, e prin- cipalmente nestes ultimos annos, a manufactura dos algodoes, promette tao abundante manancial de riquezas para os paizes tanto productores como manufactureiros, que a. Franga e a Inglaterra promoyem e favorecem a cultura do algodao em EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 285 todas assuas colonias, apezar de nao concordarem as opinides no favor que merece do governo destas duas nacdes auelle ramo da agricultura. Apresentaram-se na Exposicao ricas e¢ variadas amostras de algodao, sendo os principaes expositores Estados-Unidos, Cu- ba, Costa Rica, Guyana Franceza, Guadelupe, Uruguay, Javae Argel, alem de muitos outros paizes: mas se pode ser curiosa a lista dos que se occupam actualmente com esta cultura, se- rao sem duvida mais significativos os algarismos que de- monstram qual € 0 seu consumo na Europa. Os Estados-Unidos da America, que comecaram a cultivar esta planta em meiados do seculo passado, exportaram em 4747 de Charlestown para Inglaterra sete balas de algodao; e quando do mesmo porto, em 1784, se expediram 71 balas, pesando cérca de dezesete mil libras, 0 carregamento foi apprehendido na Inglaterra como contrabando, por se dizer impossivel que em tao curto espaco tivesse semelhante cultura prosperado de modo tao assombroso. Todavia a progressao foi sendo mais e mais forte, e nem parece que haja de diminuir, apezar de que o desenvolvimento da industria e manufacturas dos Estados-Unidos tenda alimitar a exportacao desta materia prima. Estes Estados exportaram: Em 14820 460 milhdes de libras. > 1840 316 d > » 1850 896 > ae oe ? 1853 1,174 > > representando 0 valor de mais de quinhentos milhdes da nossa moeda. Os Estados-Unidos sio os mais fortes, porém nao os unicos productores do algodao. Nesse anno de 1853, em quea sua exportagao se eleyou a 1,174 milhdes de libras, o Egypto produziu 62 milhdes, as Indias Orientaes 60, 6 Brazil 50, e 286 REVISTA BRAZILEIRA. outros paizes 12, dando o total de 1,358 milhdes de libras. Por consequencia 0s Estados-Unidos produzem 6 ou 7 vezes mais do que todos os outros paizes que cultivam o algodao. O valor total da produccao sera de 650 milhdes da nossa moeda; e como este se quadruplica com a mao d’obra, temos que esta industria representa por si sO a enorme somma de 2,600 milhoes de cruzados. « Concebe-se (escreve Tresca, de quem extrahimos estes dados) que a importancia do mercado que se abre a produccao, devera tentar fortemente os paizes aos quaes as condicdes climatericas e agricolas deixarem entrever a esperanca de bom exito com a cultura do algodao. » Por este e outros motivos a Gra-Bretanha tratou de pro- mover esta cultura nas suas colonias Guyana, Australia e da India. A Inglaterra comtudo nao pugna em favor da produccaio da materia prima, senao por temer o desenvolvimento das manufacturas americanas; teme sobreiudo pelo seu mercado da China, que conta trezentos milhdes de consumidores, — mercado que os Estados-Unidos vao ja invadindo com a in- troduccao dos seus tecidos de algodao. Por este motivo (diziamos) a Gra-Bretanha occupa-se do adiantamento da cultura do algodao; mas nao parece que os seus esforcos tenham sido coroados dos mais felizes resulta- dos. A Guyana Ingleza, cujo principal genero de exportacao, até bem pouco tempo, era 0 algodao, ja recuou ante a produc- cao da America do Norte. A Australia apresenta exeellentes amostras ; mas teme-se tambem que a falta de bracgos nao seja obstaculo serio paraa realisacao das vistas da metropole. A Franc¢a, acaso por espirito de imitacao, adoptou 0 mesmo systema para Argelia, nao obstante alguns espiritos reflectidos acharem menos vantajosa esta cultura. O governo francez fornece carocos aos colonos de Argel, compra e promette comprar até 1857 0 que os agricultores produzirem, concede recompensas aos que alliintroduzirem novas machinas de des- EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 287 carocar, distribue premios provinciaes, aleém de um premio grande de vinte mil francos para quem colher mais e melhores algodoes. - Entendem porém outros, e talvez com razao, que se deve antes promover acultura dos cereaes para abastecimento da Fran¢a, e de las para supprimento de suas manufacturas. Em verdade, as amostras dos algoddes de Argel, quanto dellas se pode julgar pelo que se vé ao travez de vidrose vidracas em que estao, sao de bella apparencia, e rivalisam, segundo se diz, comos algoddes da Georgia; mas outros argu- mentam ainda que taes resultados se tem podido conseguir por se fazer a culturaem pequena escala, de modo que o fazen- deiro vé e zela a sua plantacao, 0 que ja nao tera logar com 0 desenvolvimento deste ramo da lavoura. E quando mesmo 0 consigam (voltam de novo 4 sua these), insistem em que o futuro da colonia deve assentar sobre outras bases para sua prosperidade e maior proveito da metropole. No tempo que medeia desde a nossa independencia até agora, 0S Estados-Unidos tem centuplicado os seus algodoes ; nds pelo contrario abandonamo-los aos esforcos das menos povoadas provincias do norte, porque parece-me que as prin- cipaes localidades productoras do algodao no Brazil sao, come- gando do norte, Maranhao, Ceara, Rio Grande, Parahyba, Pernambuco, e talvez algum districto das Alagoas. Algumas destas provincias, sirva 0 Maranhao de exemplo, em vez de procurarem melhorar este producto, vao infelizmente adop- tando a cultura do assucar, que nao promette tanto futuro; porque a beterraba invade os mercados da Europa, apoiada em nao pequenos direitos, que a protegem. O motivo que para isso tiveram os nossos agricultores foi, segundo parece, 0 ter-se-lhes feito acreditar que os nossos algoddes eram de qualidade muito inferior aos dos Estados Unidos; opiniao sem muito fundamento, porque sei de partidas do nosso algodio commum, mas convenientemente prepara- 288 REVISTA BRAZILEIRA. do, reputadas por bom preco na Europa, e recorda-me ter visto na fazenda do P. Nina, estabelecido nas margens do Ita- picuri (), variadas amostras de algodao, e uma entre outras preferivel ao algodao georgia-longa-seda, porque dava maior capulho de algodao, tao alvo, lustroso e comprido como aquel- le, e que com mais facilidade se destacava do caroco. O que vai acontecer, e ja estara acontecendo com a mu- danca de cultura (porque era tao pequena que qualquer al- teracao devera influir na abastanca do mercado), é que 0s eee de Barcelona que faziam a viagem do Maranhao para e&se carregamento, assim como alguns inglezes, necessaria- mente tomarad outro rumo, quando alli nao acharem ear- regamento sufficiente , ou sd o achem por precos exagerados, No entanto largo tempo se tera de passar , antes que para alli concorram os exportadores de assucares. Aquelles lavradores reconhecerad por fim a desvantagem da mudan¢a que effectuaram, quando por experiencia sabem que o algodao chegando ao mercado tem logo sahida, ainda que por baixo preco, em quanto os assucares se conservam nos armazens a espera de navios, ou se repartem lentamente pelas lojas de consumo, sujeitos a deterioracdes e desfalques nao pequenos , com empate dos recursos dos fazendeiros. A causa do desanimo dos cultivadores do algodao nao dependeu, como elles suppoem, da maior producgao e su- perior qualidade dos algoddes dos Estados-Unidos. Nao ha em parte alguma algoddes empatados, e vendem-se os mais inferiores que apparecam. Baixaram de preco, mas 0s nossos baixaram mais do que deviam pela fraude dos revendedores, que ensacavam paos, pedras e carogos de mistura com o algodao. Descobriu-se a ma fé do miseravel commercio dos nossos vendilhdes, e o genero baixou de prego, nao tanto pela concurrencia estranha, como principalmente porque o (*) © sitio do padre Nina é um pouco arredado da margem do rio. EXPOSIGAO UNIVERSAL EM PARIS, 289 exportador estava e esta sempre com receio de se achar illu- dido, Sendo o minimo destas falsificacdes a mistura usual do algodao de machina com o de moenda. Se 0 governo impozer fortes penas ao productor caviloso , € principalmente aos revendedores de ma fé, porque sao esses em geral os que abusam; si se fizer constar isto na Europa, se as penas decretadas forem rigorosamente cum- pridas, nao teremos de perder este genero de exportacao, como ja perdemos o anil, e perderemos todos os mais em que se for introduzindo a falsificagao sem que se lhe ponha cobro. Medidas ha que foram executadas no regimen colonial, e hoje reputadas vexatorias ou cahidas em desuso com graye prejuizo do paiz: entre estas merecem nota especial as que tinham por fim fiscalisar a qualidade dos productos expor- fados, e principalmente do algodao. Estas medidas restabele- cidas e fortalecidas com uma justa distribuicao de recom- pensas, e quando for preciso de castigos, servirad para inspirar confianca nos exportadores, e para garantir fora do paiz a venda e reputacao dos nossos productos. Antes de concluir este artigo , deverei fazer alzumas obser- vacoes , que nao serao por ventura inteiramente destituidas de interesse. . Os nossos fazendeiros plantam os seus algodoaes em um anno, @ no seguinte ainda aproveitam a capoeira, depois da colheita da roga nova; mas ja no terceiro anno deixam crescer 0 matto e perder-se 0 algodoal, quando nos quintaes, quasi sem trabalho algum , chegam a grande altura e pro- duzem abundantemente durante alguns annos. Deixam perder a casca, que da fibras aproveitaveis como materia textil, e 0 lenho que poderia servir de combustivel: isto porém sera de pouca monta, porque nem nos falta lenha, nem materias textis. O que é muito mais digno de reparo é@ que o caroco do 290 REVISTA BRAZILEIRA. algodao, exceptuado o que se reserva para nova plan- tacao, nao é para o lavrador de utilidade alguma; mas pelo contrario um onus, visto que o tem de mandar por fora em algum monturo, onde nao embarace o transito e apodreca inutilmente. Destes restos, poreém, sem prestimo na nossa lavoura se aproveitam os Egypcios e Americanos do Norte, fabricando excellente azeite , que até Ihes serve de alimento. Na Exposicao franceza um agricultor do Cairo expoz tres differentes qualidades deste azeite — os chamados de 12 e de 2? qualidade, e o impuro ou bruto, do qual se extrahe o de 4° qualidade com 15 °/, de quebra, e o da 2* com 10 °/o. Aquelle é@ optimo para alimento, — este para luz, que é in- tensa, sem fumo nem mao cheiro, e muito aproveitavel no fabrico do sabao. O preco de cem kilds, postos em Alexandria, é de 120 francos o de 1* qualidade, e de 105 o da 2.8 Do residuo que deixam estes carocos, depois de quebrados e extrahido o oleo, faz-se uma especie de tijolo ou pasta para nutricao de animaes, ou, convenientemente preparados, se aproveitam para estrume. Os resultados economicos deste fabrico serao estupendos. No Norte extrahe-se uma arroba de algodao em pluma de tres de caroco, e no Sul de quatro. Supponhamos o menos 2/3 de caroco; supponhamos ainda que o Brazil, como diz Tresca, exportou em 41854 vinte e cinco milhodes de kilds. Sendo cada mil kilés igual a 2,180 libras nossas, 25 milhodes de kilds correspondem a 52 milhodes de libras , que suppoe nada menos de 104 milhdes de libras de caroco. Suppondo mais que na extraccao do azeite esta este para 0 peso do caroco na razao de 41:4 (e talvez a proporcao nao seja tao forte), temos que 104 milhdes de libras de caroco, que se perderam, produziriam , além de 78 mihdes de libras de estrume , 26 milhdes de libras de azeite; 0 qual, quando nao servisse senao para luz, e vendido como se vende 0 azeite EXPOSIGAO UNIVERSAL EM PARIS. 291 ordinario no Rio, dio valor annual de 26 milhdes de cru- zados!! Estes algarismos nao precisam de commentario. Passamos a outro assumpto. Tabaco. O uso do fumo tem-se tornado extraordinariamente popular na Europa e em todas as mais partes do mundo, e pro- mette adquirir ainda maior extensao , ao passo que as-classes menos abastadas se forem achando em circumstancias de condescender com a moda, ou quando de todo se nao pu- derem eximir deste habito, verdadeira e imperiosa necessi- dade para aquelles que 0 contrahem. EF’ uma grande fonte de prosperidade para os governos da Europa, em cujas receitas figura o tabaco no valor de muitos milhdes; e nao sera menos @mportante para o Brazil, como gencro de exportacao. Como paiz donde, segundo todas as probabilidades , foi exportada em primeiro logar esta planta, produzindo-a sem muito custo e de exceliente qualidade, e podendo d’ahi tirar-se consi- derayeis lucros, merece ser promovida entre nds a sua cul- tura, preparacao e manipulacao. O uso do fumo perde-se na noite dos tempos e da barbaria americana. Quando os Hespanhdes chegaram a Cuba, no- taram indiyiduos de ambos os sexos que tinham na bocca hervas séccas e inflammadas, cujo perfume aspiravam. Isto poderia pela novidade ter causado alguma estranheza aos Hespanhoes , mas nao consta que elles exportassem amostras destas hervas, cuja introduccao tio rapida como pouco crivel teria de arrostar com ama vontade dos governos, que hoje lucram com ella, favorecida pelos particulares, qu. no seu consumo despendem nao despreziveis sommas. Como quer que seja, parece que ji de aleuma forma se tinha o fumo introduzido em Portugal, quando em 1560 o Francez Nicot, embaixador de Luiz XIII junto ao rei D. Se- 292 REVISTA BRAZILEIRA. bastiao, teve della conhecimento. A herva do Grao-Prior , como foi chamada, veio diplomaticamente 4 Franc¢a, e foi apresentada arainha Catharina de Medicis — tao grande so- berana que a nao baniu logo da sua real presenca, como faria qualquer outra do seusexo, mas antes a recebeu no seu real agrado e proteccao, como cousa que devia render algum dia uns cem milhdes annuaes ao governo dos seus successo- res. Desde esse dia chamou-se 0 tabaco — herva da rainha. Outra rainha nao menos grande mulher do que esta , apezar de ser, segundo rezam as chronicas, excessivamente apai- xonada de essencias e pivetes, permittiu que 0 seu aven- tureiro Raleigh disfargasse na sua presencao cheiro do alcatrao de bordo, aspirando e soltando baforadas daquella entao crida panacéa. Os principes da Igreja nestes primeiros tempos nao jul- garam que ficasse impuro 0 breviario por se impregnar dd» odor do fumo. O cardeal Santa Croce e Nicolao Tornabone, legado do Papa em Franca, a mandaram para Italia; ea herva do Grao-Prior, a herva da Rainha, a Nicotiana, no- bilisando-se cada vez mais, ajuntou mais dous appellidos a0 seu nome, chamando-se — herva de Santa Cruz e de Torna- bone; e nao contente com isto, foi sendo dignificada com os titulos mais pomposos de — Panacéa antarctica — herva para tudo, e por fim canonisada — herva santa. Este favor cedo se converteu em terriveis perseguicoes , que assim passam as glorias deste mundo. Jacques I de Inglaterra foi o primeiro a anathematisal-a, julgando-a fatal e merece- dora de ser extirpada da face da terra. As vozes do throno chegaram 4 Santa Séde; e Urbano VII, em 1624, declarou anathema e excommungados os que fizessem uso do tabaco dentro da igreja ; — tentacao do demonio , que fazia fugir os sentidos da austeridade religiosa e recolhimento devoto para as vaidades do seculo e damnacao da carne. Taes eram 0s en- cantos portentosos desta filha mais nova do demonio. a EXPOSIGAO UNIVERSAL EM PARIS. 293 A imperatriz Elizabeth , menos severa, mas pouco menos indigna do que o rei seu irmao, e 0 Papa seu padre em Christo, baniu o tabaco das igrejas, e autorisou os bedeis.a confiscarem em proveito proprio as caixas que sahissem in- discretamente das algibeiras profanas dentro do sagrado re- cinto. Assim estes abencoados filhos da Igreja tinham por lei 0 direito e a facilidade de se besuntarem de esturro pelo amor de Deos ; e ao passo que devotamente sorviam a sua pi- tada, incitavam as pituitas irreverentes dos proximos, e po- diam correr e perscrutar com olhos malsins quem se deixava vencer da tentacao para cahir sobre elle com todas as varas e bacalhaos do officio. Na Transilvania declarou-se a pena de confisco de bens contra os que plantassem 0 tabaco, e uma multa nao pe- quena aos que fossem apanhados em flagrante , mostrando nos dedos ou nas ventas o indicio do crime perpetrado. Fora da Europa nao era menos activa a perseguicao. Consta que Amurath IV, rei da Persia, e 0 grao-duque da Moscovia prohibiram nos seus dominios 0 uso do fumo e do rapé, sob pena de perdimento do nariz sem appellacao nem aggravo ; pena terrivel, principalmente num paiz e em tempo em que a sciencia nao tinha ainda aprendido a repor no seu logar este ponto culminante da belleza humana. Comtudo, a pobre planta perseguida conseguiu achar de- fensores: a imprensa, essa grande desfazedora de ageravos € injusticas , tomou corajosamente a sua defesa no latim classico de Raphael Thorisio, e na Macarronea de Ferrio. Depois da poesia veio a sciencia medica; depois della a economia politica, e gracas ao magico poder dos algarismos , rehabilitou-se definitivamente 0 tabaco, como: todo bom traficante que chegou a representar na vida o valor de alguns milhdes, que podem prestar, mas nio se emprestam, ao Estado. A Franga porém parece ter procedido de diversa ma- 294 REVISTA BRAZILEIRA. neira: ao principio estabeleceu um leve direito de consumo ; depois, crescendo 0 numero dos fumistas e tabaquistas , Luiz XIV arrendou o contracto do tabaco por seis annos a preco de setecentos mil francos. Este monopolio foi cedido 4 Companhia das Indias em 1720 por milhao e meio annuaes , que em 25 annos subiu a 25 1/2 milhdes. Emfim, crescendo cada vez mais 0 consumo, fez-se 0 governo monopolista, com o que lucra uma centena de milhdes annualmente. O consumo que faz a Inglaterra deste genero foi nestes ultimos annos o seguinte : Em 41824 — 45.598,152 libras. » 4834 — 19.533,841 >” » 4841 — 22,309,360 >» » 4854 — 28.062,841 > A renda deste mesmo paiz, proveniente dos direitos do tabaco, foi: Em 4852 — 4.560,742 libras st. » 4853 — 4.751,760 » A continuar a mesma progressao, vira o fumo a ser a principal renda de alguns Estados da Europa, como é a principal industria de algumas ce suas cidades. De Hamburgo, por exemplo, lemos ha alguns mezes no jornal francez Le Siécle : , « OQ fabrico dos charutos @ sem contradiccao a mais im- portante das industrias de Hamburgo. Ella occupa mais de dez mil individuos, pela maior parte mulheres e meninos, e confecciona por anno 15 milhdes de charutos, que repre- sentam o valor de 8 a9 milhdes de francos. Uma imprensa com numeroso pessoal se emprega exclusivamente na im- pressao de rotulos necessarios para atar os massos e cobrir as caixas de charutos. Além disso, Hamburgo importa da _ EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 295 Havana e Manilha 18 milhdes de charutos por anno, de sorte que entram antualmente neste commercio 468 milhdes de charutos, dos quaes 153 sio exportados, e os 15 milhdes restantes se consomem em Hamburgo, 0 que corresponde a 40,000 charutos por dia: algarismo bastante elevado , quando se attende a que a populacdo masculina do territorio de Hamburgo conta apenas 45,000 individuos. Os Estados-Unidos nao expozeram tabacos em rama, nem manufacturados; consta porém que de 1821 a 1847 elles venderam a Europa mais de 450 milhdes deste genero. A Allemanha expoz excellentes amostras de fumo e cha- rutos bem trabalhados: os do Paraguay sao pessimos; os das colonias portuguezas soffriveis, mas parece que eram feitos de encommenda para a Exposicao, porque desses nao os vendem os seus estanques. Os de Hespanha e suas colonias, excellentes, Em Argel esta cultura progride rapidamente. Em 1845 0 governo francez comprou Walli 85,000 kilés de tabaco , e em 1847 mais de 400,000 kilés. Os principaes logares productores do tabaco sao: Na America — Brazil, Virginia, Maryland, Luisiania, Havana, Macuba e Tabaco, Na Asia — a China. Na Oceania — toda ella. Em Africa — Argel e Egypto. Na Europa — Hespanha, Franca, Italia, Allemanha , Hollanda, Belgica, o Levante, a Silesia e Ukrania. Nao obstante o grande numero de paizes na Europa ém que se cultiva o tabaco , a sua importacao deyera ir sempre em crescimento, porque é de esperar que as classes menos abastadas hoje se achem algum dia em circumstancias de poderem condescender com as necessidades ficticias da ci- Vilisagao, mas (40 imperiosas como qualquer outra. 296 REVISTA BRAZILEIRA. Deve-se notar poreém que 0 consumo do tabaco em pod tem nestes ultimos tempos diminuido consideravelmente , em quanto que o uso do charuto se tem espalhado de modo assombroso. Infelizmente os tabacos do Brazil eram e sao empregados na Europa para preparacao dos seus rapés; e comtudo, nem so é reconhecida a superioridade dos tabacos da America Meridional, e as propriedades que os tornam in- questionavelmente proprios para serem fumados ; mas ainda, sendo na Europa os mais estimados para esse fim 0s tabacos do Palatinato, e entre elles 0 chamado — Brazil — de folhas muito leves, em forma de coracao, que exhala um agradavel odor de violetas. O motivo porém porque os fumos em rama do Brazil nao sao tao estimados como os de outras partes, nao é po- sitivamente pela sua inferioridade relativa : quer me parecer que isso depende de que nao preparamos convenientemente senao o fumo para cachimbo, e deste os hano Brazil como em parte nenhuma: os do Para e Piauhy sao de superior qualidade. . Os nossos charutos da Bahia sao de ordinario feitos sem demasiado escrupulo, como em officinas que nao bastam para 0 consumo do paiz. Por esse motivo algumas de nossas pro- vincias importam, em pequena quantidade, mas importam ordinarissimos charutos dos Estados-Unidos. Para occorrer ds exigencias do nosso consumo interno, as fabricas da Ca- choeira, e de outros logares da Bahia, seccam os charutos a estufa, 0 que os torna detestavelmente desenxabidos. Esta- belecida a concurrencia em mais larga escala, havera mais cuidado com tal industria, e sO de entao convira exportar-se esse producto, porque o poderemos sem muita desvantagem, mesmo quando concorrermos com os paizes que hoje sao os mais afamados fabricantes de charutos. EXPOSIGAO UNIVERSAL EM PARIS. 297 Chas. Como se sabe, o cha é a principal riqueza da China: os Inglezes 0 introduziram com algum successo na India; e assim tambem os Hollandezes, que apresentaram bellissimas amostras dos chas de Java, de muitas especies, e muitas qualidades de cada especie: sendo as principaes: — 0 Baei, Bohea ou Woo-e, assim chamado de uns ou- teiros na provincia de Fokien , onde é cultivado ; — O Pongo, ou propriamente Komgfo (trabalho ou perse- veranca) ; — O Kempoei, Campay ou Kienpoey, cha escolhido , sécco a0 fogo , formado das folhas mais delicadas da terceira co- lheita ; — 0 Sonchon ou Seaou-choung, tambem da terceira co- lheita, quando as folhas chegaram ao seu estado de ma- turidade ; — O Peceo, Pekoe ou Pakho, o mais fino dos chas pretos, sao os arrebentos da planta, antes do apparecimento das folhas ; — 0 Thunkay, Tonkay ou Tunke, da ultima colheita do estio ; — Skin , Hyson-skin, ou rebute ; — Hysant, Hyson ou He-chun (feliz flor da primavera) , primeira colheita do cha verde: — Uxim, Hyson Junior (Yu-tseen), colhido antes das chuvas, e formado de pequenas folhas muito delicadas , sio de cor verde-amarellada e de perfume muito agradavel ; — Imperial, como o cha perola, mas s6mente mais grosso, porque as folhas sio mais largas : ‘— Por fim, 0 Chu-cha, ou cha perola. Vé-se que neste ramo foi brilhante a exposicao de Java, e que os Hollandezes fizeram bem em cultivar alli essa planta. 298 REVISTA BRAZILEIRA. Nem todos porém tiveram a mesma fortuna: os ensaios feitos pela Frang¢a para introduccao da cultura do cha na ilha de Franca quasi nao tiveram resultado algum ; nem se suppde que o consigam em Argel, onde comegam nova- mente as suas tentativas. O jury da Exposicao de Londres manifestou o sentimento, honroso para 0 nosso producto, de que Ihes nao tivessem sido enviadas as. amostras dos chas da Madeira , e principal- mente do Rio de Janeiro, e outras partes onde é cultivado com mais ou menos successo. Na Exposicao de Paris apre- sentaram-se algumas amostras nossas, mas chegaram a0 Co- nhecimento de poucos; e além disso, encerradas em pe- quenas caixas de papelao, mais pareciam o resultado da curiosidade de algum particular do que um genero offerecido ao commercio. « No Brazil, diz Tresca, conseguiram-se alguns resul- tados quanto a cultura, mas nao sob o ponto de vista commercial: isto 6, a planta bem tratada alli tem prosperado, mas o producto vinha a sahir excessivamente caro, e ficava muito longe dos chas da China quanto ao aroma. » Tresca foi mal informado: os precos do cha em Paris sao de 8, 10 e mais francosalibra, e nao ha nenhum que nao seja mais ou menos falsificado. O nosso Paquequer, de 1$600 a libra, @ certamente preferivel ao que aqui se compra em retalho a 8 francos, 2$880 da nossa moeda. A opiniao de Tresca, e dos que pensam de igual modo, nao obstou a que o governo francez mandasse de proposito ao Brazil estudar a nossa plantacdo, cultura e preparacgao do cha. Na publicacao que tem por titulo: Compte rendu de lAca- démie des sciences de Paris (n. 14 do t. 44), lé-se um arligo: « Note sur les nouvelles variétés de theieres observées dans les plantations du Brésil, » publicado pelo director das culturas do cha em Argel, Mr. de-.. EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 299 Este homem fizera uma viagem ao Brazil, em missio que tinha por objecto o estudo da cultura e preparacao do nosso cha; e a este proposito faz elle algumas observacgdes, que Passamos a extractar. Os plantadores brazileiros tinham assignalado a existencia de novas variedades de chazeiros, produzidas espontanea- mente em S. Paulo e nas outras provincias do Imperio, onde esta cultura tem tomado grande desenvolvimento. O padre Leandro do Sacramento, que organisou esta cultura no Jardim Botanico, para provar as suas assercoes acerca das mudangas que a planta deveria necessariamente soffrer nos differentes climas do Brazil, publicou uma memoria, em 1825, na qual cita uma carta do marechal Arouche, de S. Paulo, que dizia haver alli tres qualidades de chas : 0 de folhas grandes, lanceoladas; 0 de folhas mais pequenas e arredondadas ; eo de folha tio pequena que se assemelhava as do myrto. O padre Leandro suppunha que estas variacdes se deveriam multiplicar na razio das variacdes climatericas. O autor do artigo accrescenta que ha no Rio quatro qualidades de chas, e em S. Paulo cinco. Trouxe para Franca algumas amostras da plantagao de S. Bernardo (Cubatio). « Se conseguirmos, diz o autor, acclimatar na Europa estas diferentes ragas, ¢ evidente que teremos as mesmas facili- dades que os Chinezes para obter productos variados, seme- Ihantes aquelles que devemos ao commercio. Isto é 0 que os cultivadores brazileiros parecem ainda nio ter comprehen- dido: em logar de separar as diversas variedades de arvores é de as collocar em terrenos differentes em elevacao, expo- sicao , etc. , deixam-nas crescer promiscuamente nas mesmas plantagdes, sem se darem ao trabalho nem ainda de sepa- rarem as folhas no acto da colheita, privando-se assim das vantagens de uma cultura variada, que o acaso parece ter- lhes procurado. » 24 300 REVISTA BRAZILEIRA. Café. Ainda que desde tempos muito remotos fosse 0 café usado pelos Arabes, nao data de muitos seculos a sua introduccao na Europa; ao menos a historia recorda a sua introduccao diplomatica na cérte de Luiz XIV, offerecido ao grande rei por um embaixador turco. Foram os Hollandezes os que o transplantaram de Moka para Batavia, e depois para Hollanda. Da Hollanda foram transplantados alguns cafezeiros para o Jardim das Plantas de Paris, donde em 1720 se mandaram tres pés para Mar- tinica. De um destes, que foi o unico que chegou ao seu destino, deram-se mudas para as Antilhas, e querem aes que tambem para o Brazil. Os principaes productores de café sao: Berbice, S. Do- mingos, Costa Rica, Brazil, Manilha e Java. O do Rio é de primeira qualidade, e 0 mesmo que se vende nos mercados da Europa com o nome de Moka. Os de Java, quanto se pode avaliar pelas amostras que appareceram nesta Expo- sicao , sao de excellente qualidade. Calcula-se que nos ultimos dez annos a Inglaterra consumiu 15 milhdes de kilds (800 mil quintaes) de café ; e a Franga 46 milhdes ou cerca de 850 mil quintaes por anno. Atten- dendo-se a populacao de ambos estes paizes, vem na In- glaterra a caber uma libra por cabeca, e na Franca 4/5 de libra. Nesta exportacao a India representa 1/4 do consumo ; as colonias francezas 7 a8 °/,; e 0 resto, que sao 66 %/, é supprido pelo Brazil e Java. Nao obstante ter-se generalisado tanto 0 uso do café, de- seja-se que elle setorne de mais em mais geral, tanto para interesse das colonias que se applicam a esta cultura, dos assucares que a Europa esta produzindo, como principal- mente por amor da hygiene; porque o uso do café, como EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 301 em algumas partes e em muitos individuos se tem observado, Substitue 0 das bebidas alcoolicas, cuja producca’o diminue na Europa com a molestia das vinhas, e cujo consumo se restringe em consequencia dos direitos com que se acham sobrecarregadas aquellas bebidas. Seria para desejar que o Brazil tivesse concorrido 4 Ex- posicao com as variadas amostras de seus cafés , para mostrar a fraude do commercio francez, pois que as melhores qua- lidades de cafés que aqui se vendem sao productos nossos ; em quanto o chamado café do Rio é 0 rebute desse e de outros cafés que se vendem , segundo os nomes que lhes dio, por pregos mais ou menos elevados. Substancias alimenticias. Trataremos neste capitulo da conservacaio e preparacao das substancias alimentares. Ainda que se dé mais ou menos la- titude a significacio destas palavras — preparacio e conser- vacgao , — para nds que nao escrevemos nenhum tratado, e sO queremos expor brevemente 0 que neste ramo nos parece digno de nota, basta precisar de algum modo o valor dessas palavras. Definimos exemplificando : Preparam-se 0 cha, o assucar, as farinhas, etc.: conser- vam-se as frutas, carnes , legumes verdes, etc. Neste sentido, ds comidas submettidas a processos especiaes de conservacio chamamos conservas: tages sao as de carnes, de frutas, de legumes, de leite, e muitas outras. Se é extremamente difficilo estudo dos objectos apresen- lados nesta Exposicao, accumulados e sobrepostos em um pequeno espago, apenas distribuidos pela ordem dos paizes, 0 que produz nao pequena confusio; muito mais dificil , se nao impossivel, é a apreciacao dos generos alimenticios, 302 REVISTA BRAZILEIRA. que se mostram encerrados em papel, latas, vidros, barricas ou tinas. Para bem julgar da sua qualidade, seria preciso confrontal-os, proval-os , e muitas vezes sujeital-os a exames scientificos , dos quaes se deprehendesse a qualidade e quan- tidade do alimento que cada conserva contém. Isto nao foi possivel a ninguem, a nao ser aos membros do jury in- ternacional, que nao sei si se deram a semelhante tra- balho. Contentar-me-hei pois com fazer uma rapida resenha destes productos, indicando summariamente os processos mais usuaes, que modernamente comecam a ser empregados nesta industria. Aos que os quizerem praticar, nao lhes fal- tarad autores a quem consultem com proveito. O que deve merecer a attencao do philantropo e estadista é a cultura dos generos que constituem a base do sustento de qualquer povo. Os principaes destes generos sao as fa- rinhas: nos temoso arroz, o milho, o feijao, a mandioca, os inhames, e em summa uma grande variedade de plantas feculentas , leguminosas e tuberculosas. Nao tratarei especial- . mente de nenhuma destas, ainda que nenhum paiz houve, dos que concorreram a Exposicao, que nao apresentasse estes ou identicos productos, revelando por essa forma o cuidado que lhe merecia este ramo da agricultura. Todos esses sao cultivados entre nds, ainda que o po- dessem e devessem ser em escala muito mais vasta. De tres especies nos occuparemos aqui: a arvore do pao, o sagh, e a banana. A arvore do pao ja é cultivada entre nds, porém mais por curiosidade do que por se ter reconhecido a sua utilidade. Os Hollandezes favorecem quanto podem a sua cullura em Java, e com razao, porque a fertilidade da arvore com- pensa o deleixo da agricultura, fornecendo com pouco tra- balho grande copia de alimento saudavel. Por este motivo es colonos inglezes dos tropicos supplicaram do seu governo i ‘ e is tale ya . . Ml EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 303 0 beneficio desta plantagio; e o governo, accedendo ao seu pedido, mandou para esse fim duas expedicdes A Oceania, que dalli-transportaram mil e tantas mudas dessa arvore , de cada vez. Esta arvore, da mesma familia das nossas jaqueiras , pro- duz oito mezes consecutivos no anno, e se reproduz como as bananeiras. O fructo é comido assado, em quanto verde , como se poderia fazer com a jaca, ou depois de maduro; mas como a jaca tambem, nao sera talvez tio substancial neste estado, no qual o amylo se transforma em assucar, O sag @ o producto de uma arvore preciosa, que de- veriamos procurar introduzir no Brazil, e cuja cultura ahi prosperaria sem duvida, porque as melhores especies das que produzem farinha semelhante — 0 Sagus farinifera e o Sagus Eunefii— pertencem a grande familia das palmeiras, de que o Brazil abunda com tanta variedade. A arvore do sagt amadurece em sete annos, e produz sete- centas libras de farinha: vé-se pois que o lavrador ou pro- prietario que plantasse dez destas arvores , colheria no fim de sete annos sete mil libras de farinha de sagu, o que cor- responde a produccao diaria de 2 3/4 libras. FE’ principalmente quando nos vao faltando os bracos da lavoura que nos devemos aproveitar da fertilidade do nosso solo, 0 mais que puder ser, em modo que se escacearem os generos da grande lavoura e da exportagao mais rendosa , como parece que infelizmente tera de acontecer, nao sofframos a0 menos necessidades mais graves e de mais funestos resul- tados. Rir-se-hao talvez alguns de que aconselhemos a plantacio de bananeiras: todavia, se importassemos esta fruta da Europa, como importamos da Franga tantos frascos de morangos, peras €ameixas, que nao valemo que custam, dar-lhe-hiam por ventura mais apreco , ainda que narealidade nos fosse infinita- mente menos proveitosa. Nisto, como em muitas outras cousas, 304 REVISTA BRAZILEIRA. tera sido preciso que o estrangeiro nos venha mostrar qual é a importancia dos nossos productos. Nao tratamos da facilidade desta cultura, mas somente do proveito que ella pode offerecer. Humboldt, segundo o calculo que Tresca reproduz, diz que uma bananeira pode dar um cacho de até 180 fructos, pesan- do 30 kilos ou duas arrobas (e este ainda nao éo0 maximo no Brazil) ; mas elle suppde o termo medio de 17 kilos para cada cacho, e acha que uma plantacao de bananeiras, em uma superficie de cem metros quadrados, produziria cerca de 1,600 a 1,700 kilds de materia alimenticia; em quanto no mesmo espaco se nao poderia colher mais de 15 kilds de fro- mento ou 45 de batatas: o producto da bananeira, quanto ao peso, seria 120 vezes maior que 0 do trigo ou 40 vezes mais que o das batatas; de forma que, nao obstante a ma- teria alimenticia da banana nao poder ser em igualdade de peso comparada com a do trigo, ou mesmo com a das ha- tatas, Humboldt ainda assim cré que n’uma superficie dada a produccao das bananas alimentaria vinte e cinco indi- viduos mais que a do trigo. Nao offerece tanta duracao, 6 certo; porem a especie mais productiva, a da banana da terra, conserva-se com summa economia, mediante o processo facil da deseccacao ao ar ; e assim preparada resiste alguns mezes a accao do tempo, e ainda 4 mudan¢a rapida de temperatura nas viagens de longo curso. A proposito de frutas, e antes de passarmos adiante, notaremos as conservas de ananaz, expostas pela Guadelupe, Jamaica e Martinica, feitas ha muito tempo, e nao parecendo terem soffrido alteracio alguma. O processo é tao efficaz , como simples: deitam em um boiao um ananaz inteiro com casca e sd coma rama cortada para occupar menos espaco ; enchem 0 vaso com o succo de dous outros, tapam-no e lacram-no , e esta feita a conserva. | | a : ; | } EXPOSIGAO UNIVERSAL EM PARIS. 305 Outros meios de se conservarem frutas vao sendo intro- duzidos hoje, de que mais abaixo daremos noticia. Verduras. Ainda que a conservacao das hortaligas nao seja tao util para nds como para a Europa, onde sem este recurso as povoagoes se achariam privadas deste regimen hygienico durante os mezes em que a terra se recusa a produzil-as ; comtudo podem ser vantajosas para uso do exercito, nas viagens do sertao, ou para que, imitando nds os precessos hoje empregados para isso, possamos supprir mais larga- mente com os nossos generos os logares vexados pela fome, quando infelizmente essas desgracas se repitam. A principal vantagem que terao para nds estas conservas de verduras nao é, como na Europa, a possibilidade de serem conservadas durante alguns mezes do. anno. Com a falta que temos de vias commodas de communicac¢ao , essa vantagem consiste na reduccao de volume, e portanto tambem na facilidade de transporte em costas de animaes, o que per- milte o uso de taes substancias em viagens por terras mal povoadas. Os mais antigos, e ainda hoje os mais usados destes pro- cessos , sao os de Masson, cedidos a casa Chollet e C.*, que hoje com elles negocia. Este processo consiste na desec- cacao da hortalica por meio de uma corrente de ar quente e€ da compressio em uma prensa hydraulica. As hortalicas ficam reduzidas a placas tao compactas que 0 espaco de uma vara cubica pide conter 27 a 28 mil ragdes de 25 grammas cada uma, que representam o decuplo em legumes frescos. Outro processo, inteiramente differente deste, é 0 do ce- lebre embalsamador Gannal, que o cedeu 4 casa Moret Fatio e C.2, cujos productos sao ja de ha alguns annos co- nhecidos no Rio de Janeiro. O que julgam acerca destes dous 306 REVISTA BRAZILEIRA. methodos autoridades competentes 6: no processo Gannal 0 bello aspecto das hortalicas, e a menor perda do aroma; e no de Masson, a reduccgao dos seus productos a menor volume , e portanto a maior facilidade do transporte. De outros processos mais recentes trataremos mais adiante. Conservacao de carnes. Os paizes em que hoje se exerce esta industria sao a Ame- rica (Buenos-Ayres e Estados-Unidos), e Europa (Inglaterra , Franca, e principalmente as Cidades Anseaticas). As Cidades Anseaticas, e sobretudo a de Lubeck , gozam de merecida reputacao neste ramo , como cidades maritimas que tem de cuidar do abastecimento de grande numero de navios mercantes. A marinha da Gra-Bretanha reclama iguaes e maiores cuidados do governo daquellas ilhas , prin- cipalmente na crise por que esta passando com a guerra do Oriente , e sustento de um consideravel exercito. Na actuali- dade se esforcam os seus estadistas para que as Ilhas Bri- tannicas, applicando-se a criacao dos animaes domesticos , concorram com as especies mais uteis para 0 consumo, em- quanto nas colonias favorecem a criacao dos mais impor- tantes para a industria. Todavia, assim como York, Canada expde magnificos presuntos, e a Australia enormes barricas de carnes salgadas. O methodo quasi geralmente praticado na Europa até algum tempo para a conservacao das carnes era o da Sal- moura; mas esse tinha o grave inconveniente de que, es- coando-se o liquido preservador, as carnes se damnificavam promptamente ; ¢ como se guardavam e transportavam em grandes barricas , as perdas eram consideraveis, e até mesmo irreparaveis , quando se dava 0 caso nos generos do consumo de um navio. Procurou-se obviar a este inconveniente , guar- dando-se as carnes em vidros, comparativamente pequenos, q : ; ¢ . : : EXPOSIGAO UNIVERSAL EM PARIS. 307 reduzindo-se de alguma forma o seu volume com a extraccao dos ossos. Ja era isso um progresso ; mas por ventura menos preferivel aos meios desde tempos remotos empregados no Brazil para a conservacao das carnes do gado vaccum. A possdca tambem— carne assada ou moqueada pisada com farinha — era usada pelos indigenas, que a transmittiram aos nossos sertanejos. No entanto aquelle melhoramento, que deixamos consigna- do neste ramo da industria européa, merece occupar por alguns momentos a nossa attencao, por ser o primeiro que offereceu um processo geral para a conservacgao das sub- stancias alimenticias. Este processo foi devido a um cozinheiro ou pouco menos do que isso, do qual para louvor se escreveu que tinha descoberto o meio de engarrafar as estagdes. Todavia, por isso nao obteve elle em recompensa mais do que doze mil francos, com a condicao de fazer publico o seu segredo. Appert acceitou a condicao que lhe era imposta, publicando a obra: Livre de tous les ménages ou art de conserver pen- dant plusieurs années toutes les substances animales ou vé- gétales. O seu processo é extremamente simples: pde-se em um frasco 0 que se pretende conservar , lacra-se bem, e colloca- se em uma vasilha de agua quente, na qual se conserva por certo espaco: depois desta operacao, a materia conteuda no vidro se acha resguardada de qualquer alteracao por muitos annos. Feita a descoberta, a sciencia verificou-a, e demonstrou depois, gracas as experiencias de Gay-Lussac, como por este processo se obtinha a conservacao das substancias ali- mentares — animaes ou vegetaes. Os vidros foram substituidos por latas, como ainda se usam; e pdde-se facilmente reconhecer nellas , pela appa- rencia exterior, se as conservas estado em bom estado, se a f 308 REVISTA BRAZILEIRA. tampa da lata é@ concava; se € convexa pelo contrario , é isso indicio de que se manifesta um comeco de fermentacao. Em Inglaterra modificou-se ligeiramente’ 0 processo de Appert pelo methodo chamado de Fartier, que consiste em fazer um pequeno orificio nas latas de conservas ; submet- tem-se estas a fervura, o ar é expellido pelo orificio, e quando se julga nao conter alata mais nenhum ar, deixa-se cahir no orificio uma gotta de chumbo derretido. FE’ de notar porém que estes processos nao sao infalliveis. Ha causas inexplicaveis, além das que sao conhecidas, que influem para a alteragao da conserva. As latas fendem-se , sem que se adivinhe 0 motivo; mesmo sem isso estragam- se as conservas, e observa-se nos tempos de cholera que as alteragdes sao mais frequentes do que nos tempos ordi- narios. Outras descobertas se tem feito ultimamente, com as quaes parece ter-se conseguido neste particular 0 mais que era para desejar. O Americano Gail Borden foi 0 primeiro que ousou com felicidade dar um passo fora da rotina, merecendo a attencgao do mundo na Exposicao de Londres de 1851. Os biscoutos de carne, ou tambem chamados pelo nome do seu inventor — de Gail Borden, — compoem-se de farinha de trigo e carne de vacca. E’ um bolo inodoro, que com facilidade se quebra , transporta-se , e pode-se guardar sem deterioracao por muito tempo. O jury inglez confirmou a assercao do inventor, isto é, que dez libras deste biscouto, desfeito em uma quantidade sufficiente de agua, bastavam, tanto pela quantidade como pelas propriedades nutritivas, para renovar duraute um mez as forcas de um trabalhador. A imitacao dos biscoutos de Gail Borden, foram appare- cendo outros, para cada um dos quaes, segundo o velho costume dos pseudo-descobridores de todos os tempos, se reclama a primazia, com pomposo elogio de suas inesti- ee. eo eee GE tie al os EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 309 maveis propriedades. Neste caso esta o pao e biscoutos de gluten, e os chamados — de Callamand. Felizmente resta-nos a consignar progressos mais sensiveis, ainda que Os processos que os determinam nao sejam suffi- cientemente conhecidos. A Companhia alimentar de Buenos-Ayres, instituida com 0 . fim de se aproveitarem as carnes do gado vaccum na America Meridional, expoz carnes, pastas e biscoutos, obtidos me- diante processos secretos, privativamente seus. Estas carnes tinham apparecido no mercado de Paris, mezes antes da Ex- posicao ; e tem de notavel conservar a cor vermelha e 0 sabor da carne fresca, vertendo sangue quando se corta. Dizem que nesse estado se conserva por tempo indefinido, trans- porta-se sem ser necessario tomar-se a precaucao de a fechar em vasos hermeticos. As pastas compoem-se da mesma carne no estado de fres- cura, isto é, sem ter soffrido a accao da agua nem do fogo, misturada com uma porcao de legumes seccos , de modo que em meia hora se pode fazer um caldo substancial. e ex- cellente. A mesma sociedade confecciona biscoutos, que assevera serem superiores aos de Gail Borden: constam elles de farinha e carne fresca; isto é, nem cozida nem salgada, em pro- porcdes mais ou menos consideraveis. Outra sociedade, constituida para 0 mesmo objecto, @ a Sociedade geral para a conservacao das carnes, por meio do principio que se designa sob 0 nome de conservatina. Conservam-se as carnes — cozida, assada ou crua — por um anno ao menos, e transportam-se como se quizer, em Cai- xotes ou expostas ao ar, sem receio dos agentes exteriores. A experiencia feita sobre uma perna de boi, que seis mezes antes havia sido posta de conserva, parece dever garantir 0 futuro da sociedade: a carne estava fresca, 0s ossos, tutano 310 REVISTA BRAZILEIRA. e gordura, como se se tivesse acabado de matar a rez na- quelle momento. Resta-nos explicar 0 que se chama « conservatina. » As carnes miudas, fato, cauda, ossos quebrados em pequenos pedacos, mistura-se tudo isto com uma porcao dagua na razao de dous litros d’agua para cada um kilé de carne ; sub- mette-se tudo 4 accao do fogo, espreme-se fortemente 0 re- siduo, eo liquido volta novamente ao fogo até tornar-se consistente. Entao ajunta-se-lhe assucar e gomma, e esta feito o xarope ou gelatina, na qual se immergem duas vezes e mais, em dias differentes , as carnes que hao de ser postas de conserva. Outro processo emfim, nao filho do acaso, mas resultado da applicacao de principios scientificos, é 0 do Francez Lamy, 0 qual, entre outras conservas, expoz duas pernas de car- neiro, guardadas em perfeito estado, uma ha cinco, outra ha dez annos. Vé-se pois que o invento no é de data muito recente , mas por isso mesmo 6 mais seguro. Lamy procede aniquilando a causa do fermento, e afas- tando 0 oxygenio. Para as carnes menos corruptiveis basta & primeira operacao, prolongada por alguns dias, para que, segundo o autor, a substancia se torne indefinidamente in- alteravel. Para as substancias mais delicadas, como caca, frutas e hortaliga, 6 preciso completar-se a primeira operacao com a segunda. O processo de Lamy nao esta ainda bastante conhecido, mas tem-se publicado que elle procura aniquilar o fermento , obrigando a precipitar-se ou coagular-se por meio de certos corpos gazosos o principio albuminoide que determina a fermentacao, e vem deste modo a ser causa da decomposicao € corrup¢ao das materias organicas. O segundo processo consiste em tirar 0 oxygenio da athmosphera d’entorno da substancia que se pretende con- EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 344 servar. Emprega para isso certos saes, que nao ficam, nem se poem em contacto com o alimento. M. Lamy expoz conservas de carnes, de legumes, de hortalicas , de frutas, e de leite guardado ha seis mezes pelos seus processos, que differem dos de M. Lignac, ainda agora empregados para a conservacao do leite. Jacta-se emfim de conservar as substancias mais delicadas no seu estado natural, sem as submetter previamente a ne- nhum processo de deseccacao , cozimento ou compressao , sem as fechar hermeticamente em vasos privados de ar, e em alguns casos sem as proteger com involucros de natureza alguma. Para o Brazil, que ha ja muitos annos se occupa com a preparacao das carnes séccas, nao serao estas noticias in- teiramente inuteis; porque, nem sd podera augmentar a quantidade , como melhorar a qualidade deste producto. E’ certo que infinitas rezes se perdem nos nossos sertoes , por estarem em tal estado de magreza que nao seria pru- dente aproveitar-se-lhes a carne quando morrem nesse es- tado. Mas isso se remediaria em parte, tratando de as en- gordar um pouco antes de serem levadas ao matadouro, e quando isso se podesse fazer no proprio logar da criagao. O que é mais serio inconveniente é a falta, ou pelo menos a carestia do sal nesses logares , e 0 disperdicio que delle ha ha preparacao da carne. Era preciso, creio eu, um paneiro do peso de quatro arrobas de sal para salga de uma rez, cujo va- lor se acha deste modo mais que triplicado. Quando falta o sal, 0 que nao raro acontece nos sert0es, as perdas sao enormes, - porque o fazendeiro, para ter algum rendimento, mata muitas rezes para lhes aproveitar 0 couro, e da carne apenas 0 _ que basta para costeio da fazenda. A necessidade tem a alguns ensinado processos mais economicos, taes como 0 emprego do sal pisado em muita farinha. A vista do exposto, concluimos que os meios para a con- . 312 REVISTA BRAZILEIRA. servacao das carnes sem 0 emprego do sal é da mais alta importancia para 0 Brazil, nao sd pela variedade dos pro- ductos que elle do contrario poderia apresentar, mas tam- bem por se evitarem enormes perdas com que os criadores deveriam contar em suas fazendas, principalmente no desci- mento das boiadas em distancias de centenares de leguas; porque em taes casos, como se sabe, lhes ficam pelo caminho as cabecas que se extraviam, as mais gordas que cansam, e€ aS mais magras que nao aturam a jornada, aleém das mo- lestias e mortandades produzidas pela mudanca de pastos; de modo que uma boiada luzida chega sempre ao seu destino no mais deploravel estado. Gomma elastica. A variedade, assim como a importancia das applicacdes que a industria faz da gomma elastica, tem despertado a attencao dos homens da sciencia, e ainda dos curiosos que procuram saber quem foi 0 primeiro que a importou e apre- sentou nos mercados da Europa. Divergem a este respeito as opinides, e no entanto a ninguem até agora occorreu inves- tigar se antes que essa materia fosse importada para Ingla- terra e Franga, nao era jé empregada pelos colonos do Para, e vendida nos mercados de Portugal. FE’ isso effectivamente muito para suppor; e comtudo nao devemos taxar de incuriosos aquelles que, tratando resumida- mente deste ramo de industria, poem de parte os Portuguezes, nem tratam de saber se por ventura nos seus mercados se vendia a gomma elastica sob a forma de animaes americanos mal imitados pelos indigenas, ou de objectos que sd eram curiosos attendendo-se aos obreiros que os fabricavam: ob- jectos de utilidade, porém, sd se foram alguns sapatos feitos grosseiramente; porém mais geralmente a gomma elastica no — Para foi nos primeiros tempos utilisada para borrachas , como EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 313 seu nome vulgar 0 indica; e mais ainda para certos instru- mentos, donde ficou até hoje o nome de — seringueiros — aos que vivem de recolher a gomma elastica. Nao ¢ portanto de estranhar que, quando se trata de his- toriar o desenvolvimento desta industria , fiquem esquecidos aquelles que nao aventaram a sua importancia, nem conse- quentemente contribuiram de nenhum modo para que esse producto fosse bem ou mal conhecido do resto da Europa , que hoje tanto 0 aprecia, sendo de facto a mais importante de todas as industrias de data recente. Foi 0 celebre academico francez La-Condamine quem em meiados do seculo passado desgreveu a gomma elastica de modo exacto; mas ja nesse tempo era ella empregada em Franga, ainda que fosse quasi nullo o seu emprego. As bor- rachas do Para, exportadas em quantidades minimas sob a forma por que lhes davam esse nome, eram cortadas em tiras é serviam para apagar os tracgos do lapis no papel, ou para confeccao de brinquedos de crianea. Nao obstante porém ser melhor conhecido este producto depois da viagem de La-Condamine, o seu emprego conser- vou-se estacionario por quasi meio seculo: era isso devido, tanto 4 ignorancia em que se estava das suas mais importantes propriedades, como ac atrazo da chimica, que ainda lhe nao tinha dado o seu poderoso auxilio; e talvez principalmente , como se cré, 0 nao existir a gomma elastica na Europa Senao em pequenas quantidades , mais como objecto de cu- riosidade , do que de utilidade, de forma que nao podia ser ensaiada com proveito. Foi somente em 1794 (segundo es- crevem Os Fraucezes) que Besson comecou a fabricar estofos impermeaveis, e Champion em 1815; mas estes ensaios feitos em pequena escala nao prometteram nem tiveram grande resultado: todavia é desde essas tentativas que data realmente 0 emprego industrial da gomma elastica.. Hoje porém depois que combinada com outras substan- 344 REVISTA BRAZILEIRA. cias se tem prestado a usos a que parecia menos propria, tanto se tem vulgarisado 0 seu emprego, que apezar da grande quantidade de productos preparados com ella, que se apre- sentaram na Exposicao franceza, acha-se ella mal represen- tada quanto ao numero dos expositores. A Franca, como era de esperar, concorreu largamente apresentando 34 exposi- tores , todos elles donos de estabelecimentos mais ou menos importantes; mas fra destes, 0 catalogo apenas indica 8 da Prussia , 4 da Inglaterra, 2 da America, 2 da Hespanha, 4 dos Paizes-Baixos, outro da Dinamarca, outro emfim da Belgica, isto 6, pouco mais de metade dos que apresentara a Franea. Notou-se a abstencao dos Estados da Allemanha , € principalmente o pequeno numero de expositores inglezes e americanos , sendo que estes ultimos tanto tem contribuido para a voga da gomma elastica. Tres differentes partes do mundo — America, Oceania e Africa— produzem gomma. elastica. Na America o Para, Guyana Franceza (dizem que tambem se encontra no rio Mearim do Maranhiao), Paraguay e Mexico. — Na Oceania Java, Sumatra, Singhapura e Madagascar. — Na Africa o Gabon. O producto do Brazil, extrahido da Siphonia cachucha (donde veio a palavra franceza — caoutchouc —), ou como escreveu Humboldt — Siphonia braziliensis, — é@ inquestio- navelmente superior a todos os outros, e reputado por mais alto preco. Chega 4 Europa bem acondicionado, no estado de pureza quasi absoluta; em quanto o de Java, extrahido da Ficus-elastica, e o de outras partes da Oceania, vem mis- turado com gravetos, pedras, terra e outras impurezas, de que é mister purifical-o. Assim, em quanto o do Para se vende, como agora, em Franca a 5,50, o de Java apenas alcanca 0 preco tres vezes inferior de 1,80. O gabon porém, quasi fora de comparacao, aproxima-se no aspecto 4 gutta-percha; mas della differe essencialmente ee a a EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 315 quanto as suas propriedades , nem pode ainda ser empregado com bons resultados. Vendido no principio a 4,50, hoje cahiu a 4/3 do seu primeiro preco, e nem assim é muito procu- rado. Voltemos porém a historia das phases por que tem pas- sado esta industria. Os grosseiros ensaios de Besson, assim como os do seu successor Champion, nao promettiam nenhum futuro a esta industria, porque os seus tecidos impregnados de gomma elastica pouca extraccio tiveram. Parecia um daquelles in- ventos que apparecem ricos de promessas e de esperanc¢as, e pouco a pouco se vao desacreditando até recahirem no aban- dono. Assim talvez aconteceria com a gomma elastica, a nio ser um homem em Inglaterra que se nao deixou acobardar pelos mios resultados dos seus antecessores em differentes paizes. Mackintosh dissolveu a gomma elastica em certos oleos, € principalmente no de carvao de pedra, e depois de a reduzir a massa, applicou-a a tecidos ordinarios, submettendo-os a uma forte pressdo para que fosse completa a incorporacao da gomma no tecido. Foi isto em 1820. Rattier e Guibal introdu- ziram em Franca os processos de Mackintosh, modificando-os em parte, melhorando-os com seus inventos; e desde entio, apezar das alternativas por que passam todas as industrias no seu comeco, estava decidida a sorte da gomma elastica. Os relatorios do governo francez vao confirmar esta asserczo, se sao verdadeiras as cifras que apresentou o jornal francez La Presse. Passo a cital-o integralmente, na impossibilidade em que estou de verificar os seus dados pelos documentos Officiaes de que elles sem duvida se terdo servido. « Em 1830 era ainda insignificante a importagao da gomma elastica: a Franca comprou nesse anno vinte e cinco mil francos desse genero. Foram subindo essas compras a 39,327 francos em 1831, e dous annos depois, em 1833, a 165,382 francos. Em 1834 fabricaram-se productos de gomma 22 316 REVISTA BRAZILEIRA. no valor de 750,000 francos, sendo que mais de metade delles se exportaram para fora do paiz. Em 1839 a Franca comprou mais de 400,000 francos de gomma elastica, e retornou com quatro milhdes em objectos preparados com ella. » Todavia a voga de que por este tempo fruia a gomma elastica esteve sujeita a graves alternativas: aceita e pre- conisada ao passo que se ia accommodando as diversas ap- plicagdes da industria — estimada sobremodo como materia que se reduz a placa e a fio, que se corta e prepara em forma de tubos e de objectos de toda acasta, e emfim que por si mesma se soldava—comecou a decahir no conceito pu- blico, e pareceu por um momento, em 1839, que tinha che- gado ao seu periodo de decadencia. As correias applicadas a mecanica eram abandonadas, os instrumentos de cirurgia desprezados como maos, e mesmo os tecidos impermeaveis como que iam passando de moda. Era isto devido a algumas das propriedades da gomma elastica, a que se nao tinha dado muita attencao ao principio: ella endurece-se e contrahe-se com 0 frio, e com o calor se amollece e dilata: quanto as correias porem, essas despedacavam-se com a traccao, ou quando menos relaxavam-se e perdiam quasi toda a elasti- cidade. A isto accrescia 0 mao cheiro que dava aos vestidos impermeaveis, a viscosidade incommoda ao tacto, e por fim, 0 que era mais serio inconveniente que os dous ultimos, dissolvia-se nos oleos e corpos gordurosos. Obviaram-se a estes inconvenientes da gomma elastica no seu estado natural por meio do processo que chamam de vulcanisacao, e que melhor se diria de sulphurisagdo, com 0 qual se obtem da gomma elastica dous productos diffe- rentes e quasi oppostos. Mistura-se intimamente a gomma elastica com uma pe- quena ddse de enxofre, a vigesima parte do seu peso, por exemplo; submette-se esta mistura a uma temperatura mais | — » 4 f “s - el ye Seo) eS eS EXPOSIGAO UNIVERSAL EM PARIS. 355 ficos volumes — cinzelados, gravados , adornados de placas douro, enriquecidos de pedras preciosas. A Allemanha ainda hoje apresenta amostras destas encadernagoes artisticas, magnificas sem duvida, mas que pelo alto prego por que sahem sO podem servir para presentes de soberanos a so- beranos. Qs Arabes, mestres da verdadeira encadernacao, que deve ser a0 mesmo tempo ligeira , duradoura e commoda, come- caram a empregar o marroquim, em cujo fabrico Marrocos foi por muito tempo afamado. Este modo de encadernacao passou a Italia, e d’alli se estendeu pelo resto da Europa e do mundo; mas os marroquins do Levante ainda sao afa- mados, apezar da arte com que os Russos aperfeigoaram o cortume dos couros; apezar das tintas, pao-brazil, cam- peche, anil, etc., com que na Europa ha alguns seculos se preparam. Depois dos de Marrocos, sio mais procuradas as pelles de carneiro de Hespanha. N outro tempo a encadernacao era uma arte; mas arte por demais complicada, por exigir do operario 0 complexo de industrias , que hoje occupam duzias de profissdes diffe- rentes. Ao passo porém que os livros se foram tornando de uso mais vulgar, e a leitura como uma necessidade, foi preciso que a rapidez da encadernacao acompanhasse de perto a da propagacao dos livros, e que o seu prego nao fosse exorbitante. O encadernador tornou-se um official mecanico; mas os seus productos, se bem que muito mais baratos do que outr’ora, estao longe de terem descido na proporgao da barateza por que se estao vendendo os livros. Comtudo € tal a vulgarisacao da lingua franceza , € 0 con- sumo dos seus productos litterarios, que esta industria sd- mente em Paris occupa 400 officinas ; poucas dellas realmente boas, mas cujas transaccdes, durante o curso do anno, montam, segundo se diz, a quatro milhdes de francos. Nella se oc- cupam dous mil obreiros de quasi todos os sexos e idades. 356 REVISTA BRAZILEIRA. Mas todos estes productos se assemelham, a0 menos na apparencia, porque forcados a produzir muito e barato, nao era possivel que cada um conservasse 0 cunho de sua individualidade. No relatorio, ja algumas vezes citado, de M. Didot, aconselha este habil impressor, cuja casa se tem tornado notavel em todos os ramos da sua profissao, 0 emprego de certas cores na encadernacao de obras de certa natureza ; de modo que numa colleccao de livros bastasse a simples inspeccao para se conhecer a ordem de materias contidas em cada volume. Esta idéa nao nos parece extraordinaria- mente proveitosa. Pretendem os Francezes que as suas encadernacdes se po- deriam chamar artisticas, comparadas as inglezas; comtudo os Allemaes , que sao entendidos neste ramo, confessam que | os Inglezes lhes levam a palma; e de certo sao os primeiros encadernadores do mundo. tanto em solidez como em per- feicao. Appareceram na Exposicao de Londres encadernacdes de luxo de 80 libras cada uma; e quanto ds_ ordinarias convem notar-se que, se os livros sao mais caros do que em Franca, as encadernacoes sao alli mais baratas. Depende isto de querer 0 encadernador francez executar por suas maos — todas as partes de que se compoe a encadernacao, em quanto 0 inglez divide e simplifica o trabalho, creando por assim dizer dentro do seu estabelecimento tantas outras manu- facturas, onde essas differentes operacdes se executam. No que brilham os Inglezes (porque assim se vendem os seus livros de ordinario) é na cartonagem. Ha officinas em Lon- dres, taes como as de Rennant, Leigthon, de Westley , que podem em seis horas dobrar, cozer , cobrir e dourar até 1,000 volumes, se ja tiverem promptas as capas. Os desenhos sao ricos e variados (no papel das capas), em harmonia com a materia de que se trata em cada volume, o dourado ex- cellente e a costura solida. : ‘ : 7 —_— ry EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 357 Sa0 poucos os expositores inglezes neste ramo: excitou a curiosidade um volume encadernado por Francisco Bedford , de Londres, magnifico in-folio, em marroquim verde com ornato de ouro e cores. M. Riviere expozo Relatorio dos commissarios 4 Exposicao de 1854; Leighton e Hodge uma rica colleccao, onde se nota o volume « As artes industriaes no seculo XIX , por Wyatt. » Brockhause Devrient, de Leipzig; Murquardt, de Bruxellas ; Beck, de Stockholmo, apresentaram tambem magnificas enca- dernacoes. Apresentaram-se igualmente os Francezes Simier , Lebrun, Curmer, Despierres, Engelmann, M™ Gruel, de Paris, e Mame, de Tours. Antes de fecharmos este capitulo devemos deixar consigna- do que a Inglaterra, Allemanha e Estados-Unidos, apre- sentaram differentes modos de encadernacao de registros , notaveis pela solidez da capa e igualdade do pautado. Me- receu elogio o Livro-mestre exposto por Garté, de Paris: é solido , elegante, com dorso e cantos metallicos , abrindo-se facilmente, apresentando 4 penna uma superficie toda plana: cravejada de botdes nos angulos, que impedem o rocar da capa contra a mesa. Observaremos, por fim, que o luxo e riqueza das antigas encadernacoes foram causa de se perderem preciosidades litterarias; porque nesses tempos de lutas ec devastacdes, a cobica da soldadesca nao poupava objectos de preco que lhe cahissem debaixo das maos. Causas differentes, mas origi- nadas do mesmo principio, produziriam hoje iguaes resul- tados. O vandalisno moderno, em algum recanto da Europa, nao poupou as encadernacdes communs, por isso mesmo que nao tinham preco. Em Portugal, por exemplo, com a ex- tinccao das ordens monasticas , assolaram-se impiedosamente ricas bibliothecas , de cujos volumes se arrancavam as capas para serem vendidos a peso, como papel de embrulho nas tabernas. 358 REVISTA BRAZILEIRA. Hoje, o que se exige das encadernacodes € solidez , como garantia de duracao; elegancia com simplicidade , commo- didade e ligeireza do volume, e bom preco da mao dobra. Os Inglezes , Allemaes e Norte-Americanos, parecem ser 0s que de mais perto yao alcancando estes resultados. Prenzas. Asseveram 0s profissionaes , que ainda que nesta Expo- si¢ao aS prensas typographicas nao apresentem nenhum sys- tema realmente novo, muitas, se nao todas, se distinguem por importantes aperfeicoamentos e acabada execucao. As de origem franceza nao se prestam porém as enormes tiragens das americanas ou inglezas, pois que as mais rapidas sao aschamadas wniversaes , de Marinoni, que nao dao mais de seis mil folhas por hora. Ha duas especies de prensas typographicas, para fazer uma divisao geral das que foram expostas: as de cylindro , em que um ou mais cylindros desdobram a sua superficie sobre os typos; e as de platina, nas quaes a pressao se exerce como nas prensas de mio, ainda que sejam movidas mecanicamente. Nestas, como a pressao se exerce simul- taneamente sobre toda a forma, todos os caracteres resistem conjunctamente, e por isso nao estao tao sujeitos a dammno : nas de cylindro, porém, a pressao tem logar em uma aresta dos typos, supportada por um numero comparativamente pequeno de outros; tem porém a vantagem da rapidez da tiragem, e era por isso exclusivamente empregada na im- prensa periodica ou diaria, até que Dutastre, com as suas prensas de cylindro, provou a facilidade de se tirar com ellas obras que reclamavam maior cuidado. M. Dupont expoz algumas prensas de platina, movidas mecanicamente. Dermiane, um dos seus operarios, expoz uma engenhosa machina de tirar provas, que poupa Os typos | F § EXPOSICGAO UNIVERSAL EM PARIS. 359 e o tempo, dando provas tao legiveis quanto € preciso desejar-se. O mesmo fabricante apresentou uma prensa li- thographica, na qual o operario daa tinta e 0 vapor deter- mina a pressao. Notaremos de passagem as engenhosas machinas de Lecoq, de summa utilidade nos caminhos de ferro, onde houver muita concurrencia. Uma imprime e numera 10,000 bilhetes por hora, ou, termo medio, 70,000 por dia, com o trabalho de uma sé pessoa. Outra para contar e verificar estes bi- lhetes, permittindo reconhecer facilmente qualquer subtrac- ¢a0 ou substituicio, e produzindo o dobro daquella primeira, isto é, 140,000 por dia. Outra emfim para datar e dis- tribuir; operacao a que se procede poucos minutos antes da partida do trem, porque cada bilhete indica o dia da partida e comboi em que vai o portador. Estas podem datar mais de 1,200, ou com mais exactidao, 1,350 bilhetes em meia hora, Concluiremos esta rapida resenha com a noticia de uma das machinas mais curiosas que se apresentaram na Ex- posicao franceza, quanto 4 novidade, e talvez mesmo quanto aresuliados subsequentes. Na typographia do Froedeldnder, jornal de Copenhague, funcciona uma machina de compdr, semelhante a esta que passamos a descrever. Supponha-se um cylindro vertical, com tantas hastes de cobre quantos sao os diversos caracteres ou signaes que é preciso empregar na composicao. Este cylindro divide-se em dous; 0 superior se move ao impulso de um pedal, gyrando sobre o inferior, e neste movimento de rotagao para um momento, quando coincidem os seus entalhes com os do cylindro inferior ; estes entalhes sao differentes em cada haste, e correspondentes 4 forma de cada classe de typos. Assim , quando os typos agglomerados no cylindro superior que roda chegam ao seu entalhe, cahem na haste do cy- lindro inferior, occupada cada uma por uma sd ordem de 360 REVISTA BRAZILEIRA. typos, — a—, por exemplo. Esta machina tem teclado com um numero de teclas correspondentes as hastes do cylindro, e marcadas cada uma com as letras ou signaes que lhes compete — a, b, c, etc. . O compositor , depois de ter enchido as hastes do cylindro superior com os caracteres que vai encontrando , sem exame nem escolha, assenta-se ao teclado, move o pedal, 0 cy- lindro gyra, e as letras vao cahindo mecanicamente nas hastes ou fios a que pertencem. Se ao mesmo tempo fere o teclado, a letra correspondente a cada tecla encontra uma aberta, e soltando-se do cylindro inferior, entra por pe- quenas divisdes, tomando pouco a pouco a posigao perpen- dicular, e indo enfileirar-se em uma pequena calhe, onde formam syllabas, palavras , linhas, que depois se paginam com facilidade. De todas as tentativas feitas para a impressao mecanica, esta é sem duvida a mais importante e engenhosa , porque toda a machina nao importa em mais de 7,000 francos, occupa um limitadissimo espaco , e sobretudo porque o tra- balho difficil da distribuicao dos typos se faz aqui de modo prompto, correcto, e sem perda alguma de tempo. Reflexées acercatde uma imprensa modelo. Os productos da imprensa moderna, que vimos expostos no palacio da Exposicao , nos suggerem algumas reflexdes, com que julgamos dever encerrar estas informacdes. A typographia nio 6 simplesmente como qualquer outra industria, que pdde ser exercida por quem o quizer, sem mais effeito que o de enriquecer o industrial que nisso se emprega ; enriquece e illustra ao mesmo tempo a nacao onde ella se desenvolve, eé, por assim dizer, o thermometro da illustragao de qualquer povo. Os Vieweg, Brockhaus, Ben- tlys e Didots, nao sao so industriaes intelligentes e felizes; | : EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 364 sao homens benemeritos da Allemanha, da Inglaterra e da Franga , sobre cujos paizes reverte em grande parte a sua gloria, e 0 nome que na sua arte adquiriram. Por isso todos os paizes, mais ou menos illustrados, até o Mexico, India e Australia, apresentaram os productos da sua im- prensa como documento dos passos que vao dando no ¢a- minho da civilisacio e do progresso. Por isso todos, ou quasi todos os governos, auxiliaram a imprensa no seu comeco , e alguns ainda hoje sacrificam sommas enormes , sustentando vastissimos estabelecimentos desta ordem; e com razao 0 fazem , porque aimprensa, como muitas outras das indus- trias que mais ou menos intimamente se ligam 4s bellas- artes, parece nao poder chegar ao pleno desenvolvimento que cada paiz comporta senao com o auxilio e forte pro- teccao do governo. E os governos, qualquer que seja a sua forma, nao julgam impolitico, mesmo quando cerceam toda a liberdade 4 imprensa, dar-lhe todo o adjutorio para que ella materialmente se desenvolva e prospere. As coértes de Vienna, Paris e Roma, tem magnificas typographias. Em Hespanha e Portugal as melhores imprensas sao as do go- verno ; e quasi 0 mesmo se pode dizer da— do Parlamento — em Londres. O Brazil estaria no caso de ter uma typographia ampla- mente dotada, comprehendendo pelo menos a fundicao , impressao , lithographia e encadernacao. A nossa forma de governo, quando nao fossem outras consideracdes, exigiria esse sacrificio, para nos nao acharmos em todas as Cir- cumstancias na dependencia dos particulares. As despezas - seriam de certo muito grandes; mas convira attender-se a que se nao gasta pouco coma publicacao dos actos officiaes e debates das camaras, com o auxilio pecuniario a diversas corporacdes scientificas ; auxilio que poderia ser diminuido, imprimindo-lhes 0 governo os seus trabalhos. A verba destas economias avultaria extraordinariamente, ae 362 REVISTA BRAZILEIRA. si se attende a que o governo faz imprimir fora o seu papel sellado, bilhetes do thesouro, notas, passaportes, etc. A Imprensa nacional se poderia encarregar dessa tarefa, como a Imprensa de Vienna, a qual imprime tambem todas as obras e trabalhos que della exigem as autoridades publicas do Estado; acorocoam as artes e sciencias, nos casos em que nao bastam os meios dos estabelecimentos particulares ; e emfim, ao aperfeicoamento de todas as artes graphicas, no que tem conseguido merecida reputacao. Ainda uma outra vantagem haveria nisso para nds: é€ que essa imprensa poderia ser, e necessariamente se tornaria , com uma boa direcgao, uma excellente escola de operarios e artistas, que podessem bastar para as exigencias da typo- graphia na corte e no Brazil. PHILOSOPHIA. BOSSUET E VICO. A espada do Apocalypse, que esta pendente dos labids de Deos, como uma chave que fecha o sacrario da creacao -e de todas as verdades, foi em 1681 tocada pela mao de “um theologo, e quarenta annos mais tarde pela de um ‘philosopho. O que revelara o theologo se acha estampado em um livro intitulado: Discours sur Vhistoire universelle’; ‘€ 0 que observara o philosopho resumiu-se n’um outro livro denominado: Principi di una scienza nuova intorno ‘alla natura delle nazioni, li quali ritrovano altri pr sew del dritto universale delle genti. O theologo chamou-se Bossuet , e 0 philosopho Vico. Bae ‘suet collocou-se fronteiro a todas as idades e tempos da ferra, circumvoou com olhos aquilinos por sobre todos. os factos humanos, abarcou-os com a grandeza do seu engenho, pautou-os chronologica e rapidamente, e offereceu a con+ templacao do pensador esse painel de maravilhas, illuminado pelo olho da Providencia. Antes delle nenhum mortal. havia Temontado a tanta alteza, nem havia tentado em tao vasta escala, nem mesmo Santo Agostinho, explicar as leis secretas pelas quaes a humanidade se desenvolve ; nenhum havia achado na Biblia a demonstragao do problema que resolve - todas e@ as mais difficeis questdes humanitarias. 25 364 REVISTA BRAZILEIRA. A resultante das muitas for¢as que actuaram em todas as peripecias do genero humano, para elle, esta no céo. A forca altriz e motriz, no dedo de Deos ; e os effeitos, na causa providencial. Cicero e Platao, os maiores arrojos da antiguidade, ficaram muito aquem da aguia de Meaux , que ousou balisar e assignalar todos os passos da humanidade pelas pedras dos altares, certamente os padrodes mais significativos do pensamento organico da sociedade, os seus mais solidos alicerces, € os documentos mais veridicos de sua existencia; porque reflectem os segredos do coracao na vida do pen- samento e da carne, na dér e na esperanca, e€ na corpo- Tificagdo das idéas, quando sao interrogados pela sa phi- losophia. * Bossuet, olhado como pensador e escriptor, como pro- ductor na materia e na forma, ¢ 0 primeiro vulto pensante do seculo de Luiz XIV, e o representante de um cyclo que viu florescer successivamente Newton e Leibnitz. O histo- riador da Providencia vai nas idades do mundo marcando as. differentes épocas , caracterisando-as pelos seus mais no- ‘taveis acontecimentos, e subtilmente indagando as vias se- cretas e os designios arcanos pelos quaes fundaram-se , floresceram e decahiram tantos imperios ; indaga 0 como baixa a luz ou se espalham as trevas, afim de que se cumpra a vontade immutavel de Deos; e nao contente com 0 haver assistido aos acontecimentos de todas as ‘épocas da.creacao até.o dia em que escreveu seu livro, e de os ter explicado pelos seus principios orthodoxos, a sua mente - parece lancar-se no futuro, e mostrar 4 posteridade a melhor senda e os meios verdadeiros e mais seguros para se co- nhecer a causa e origem de todos os acontecimentos hu- manos. . Naquella narragao, tudo se concatena admiravelmente, tudo se concentra. e se desenvolve como n’uma - epopéa, i . BOSSUET FE °V1e0. - 365 -onde a magia d’arte, a forca do raciocinio ,“ ea Toucania @ gravidade do estylo, nos obrigam a confessar a accao perpetua, unica e exclusiva da Divindade sobre o homem. Deos é 0 herde do poema,. os. seculos seus cantos , a hu- Manidade a narragio, e 0 maravilhoso aquella phenix ‘perpetua que se abraza, consome-se , e renasce nesse lume que marcha do Oriente para o Occidente, e que em cada “phase de sua orbita providencial recebe uma centelha que -O augmenta e 0 engrandece progressivamente. Collocado n’uma esphera superior , naquella esphera’ de- »sejada por Archimedes para apoiar um extremo da sua alavanca, elle vé, ao aceno de Deos , cahirem nacoes , ‘Tesurgirem de seus tumulos outras, e a humanidade asse- ‘melhar-se ao gigante do Ariosto, que , depois de espedacado, ‘unia e recompunha todos os seus membros , erguia-se , ‘caminhava , e de novo combatia. Bossuet tinha aquellas virtudes singulares que Michelet encontra nos homens da renascenca, a que elle alcunha de solitarios , porque elevava tudo quanto via, transformava quanto manipulava , e sublimava tudo o que havia parecido grande nas maos dos outros. Entre elle e Vico ha um ponto concorde e inalteravel : 0 da divindade d’alma na espiritualisagao da humanidade. Vico nao se collocou nas alturas das vistas theologicas , nao se convenceu de gue os designios da Providencia eram por elle conjecturados , como Bossuet, e nao explicou:a historia como se ella fosse sua feitura ; austero e positivo, procura nao so a lei dos acontecimentos nos proprios acon- lecimentos, mas ainda a lei de todas as cousas que ex- _ primem o pensamento humano, e tambem aquella em que _ Se comprehende 0 mesmo pensamento. __Bossuet nos ensina a crer pela autoridade e pela reve- Jagao ; Vico pelos processos da philosophia e da razio. ~ Bossuet nos apresenta 0 homem transmudado de suc- 366 REVISTA BRAZILEIRA. cessivas maneiras , mas perpetuamente sujeito a accao im- mediata de Deos, quer na sua exaltacao, quer no seu de- clinio e no seu aviltamento; sempre o encara como um instrumento nas maos da Providencia, cujos decretos se devem cumprir. Vico, empregando os seus profundos es- tudos na historia de todos os tempos e de todas as nagoes , com uma rara e arguta philosophia, estabelece os eternos principios da sua scIENCIA Nova, segundo os quaes 0 homem, independente da natureza externa, sempre e por toda a parte se desenvolve da mesma maneira; e quasi que se ma- nifesta como a argila nas maos do menino fluminense e do africano quando ambos, nascidos e educados em zonas op- postas, querem figurar um artefacto, um homem, um animal, _ que se modela com a mesma apparencia e rudeza de ca- racter na imitacao. Das leis absolutas do pensamento deriva este desenvolvimento apés um longo esforco de indagacgdes ‘ metaphysicas e apreciacdes subtilissimas e sensatas. O primeiro modo nos conduz a predestinagao da theologia, 0 segundo germina em certo modo um fatalismo que repre- senta a estrada da razao cultivada: num ha um movimento de idéas e de consequencias systematicas, onde os factos e as cousas tomam todas as formas possiveis e justificam igual- mente todas as theorias, 4 primeira vista contradictorias; no outro, com quanto seja uma luta continuada do methodo geometrico e do methodo de induccao, nao deve parecer- nos um affan perpetuo no explicar a idéa do pensamento — universal que preside em todas as obras, e no assimilar a — investigacao e observacao historica 4 investigacao intima da consciencia humana. Bossuet brilha sempre pela elegancia da forma, e Vico procede com pouca amenidade, porque é rude e secco como um archeologo. Bossuet lampeja vivissima luz, que offusca a vista, e ra= " a BOSSUET E VICO. 367 pidamente esclarece a escuridaio que seu genio tornara ve- neranda. Vico é um astro vivificante, que na pompa de todo o seu esplendor diffunde os seus raios, e tuda aquece e fecunda. O theologo francez explica os eventos da historia como um interprete systematico da Divindade; e o philosopho napolitano os explica como grave e severo indagador. Ambos receberam a luz do engenho, a missao de edificar o espirito na indagacao da verdade pelo passado, mas ambos deram uma direccdo diversa a sociedade. Um, cheio de sentimentos religiosos , voltou 0 pensamento humano para 0 céo; 0 outro olhou para a terra com o intuito de felicitar os povos ; mas ambos concordaram na divindade da humanidade pelo in- suflo da Divindade e preexistencia de suas leis. Amo Bossuet porque me fez entender a Biblia e achar em ‘tudo uma causa providencial; e a Vico porque me illuminou no caminho da historia, nas pesquizas da verdade, ja partindo da materia para o espirito, ou do espirito ca- minhando para a materia. Vico fez um livro para 0 homem preparado, e Bossuet uma historia para todas as idades, e mérmente para a juventude. Bossuet, no meu fraco entender, deve ser 0 compendio historico preferido pelo Conselho da Instruc¢ao publica, por- que da arazao de todos os acontecimentos , e nao desvia a educacao moral dos meninos dos preceitos da religiao de Jesus Christo. A educacao sé é@ proveitosa quando forma o cidadao e gsobe delle 4 familia e 4 nacao, pela equipendencia de seus elementos moraes, nao sd na unidade do dogma da religiao como no da patria. 1857. BOTANICA. DESCRIPGAO DA ARVORE DENOMINADA .PELO YULGO BAINHA DE. ESPADA PERTENCENTE A’. ORDEM..NATURAL DAS ARTOCARPEAS.,: E PROPOSTA’ ~ COMO .TYPO. DE UM GENERO NOVO. Acanthinophyllum, Genus novum, Ordini Artocarpearum pertinens, - ‘quod judicio Botanicorum subjicit Francisco Freire Alleméo. GENERIS CARACTERES. Flores dioici. Masculorum receptacula ‘stipitata, cylin- dracea, toto ambitu bracteis peltatis, pedicellatis, ad per- pendiculum insertis, stricte cooperta: inter quas flores emer- . gunt numerosi, monandri , nudi; filamentis crassis, rectis, vix bracteas superantibus; antere loculis oppositis, apici filamenti oblique dorso adnatis, supra conjunctis, rima superne apperientibus. Foeminarum receptacula globosa, pedunculata ,. bracteis.. destituta, undique florifera. Fores perigoniati, sessiles. Pe- rigonium urceolatam , herbaceum apice incrassato perfo- ratum. Ovarium, ante foecundationem superum, postea semiinferum, unicellulare ,ovulum unum, anatropum, prope verlicem cavitatis pensum, continens. Stylus crassus, in-. clusus, in lobos duos stigmaticos, latos, exclusos, diver- gentes divisus. i 1/ é BAINHA DE ESPADA. 369 Fructus, perigonio aucto pulposo reconditus, baccze- formis. Pericarpium membranaceum, pulpa perigonii semi- immersum. Seminis testa membranacea, chalaza ampla re- ticulata, portionem immersam totam occupante, insignita. Embryo crassus , ex albuminosus, rectus ; radicula minima, inclusa, supera; cotyledonibus hemisphericis, equalibus. Arbor, cujus genitalia hic succinte sunt descripta, affi- nitates habet cum eis, que ad Genus Brosimum, seu Soro- ceam, aut Perebeam pertinent: cum autem singulis non in omnibus caracteribus conveniat , preecipue quoad embryonis conformationem attinet, typum novi generis visa est mihi constituere ; eamque denominavi : Acanthinophyllum strepitans. Arbor mediocris, lactescens; gemmis, et organis sareils subtiliter pubescens. Folia alterna, disticha, mutuo contactu strepitantia; peciolo brevi; limbo magno, membranoso- papyraceo , glabro, obovali-oblongo, basi acuto, apice abrupte, et longe acuminato , margine remote, et obsolete sinuato-dentato ; dentibus, sicut et acumine, in aculeos _rigidos, pungentes desinentibus. Stipule minime acute, caduce. Masculina receptacula, vix pollicaria, numero varia 6 _ramulo brevissimo, axillari successive prodeunt. Foemenina autem solitaria. Ex ovariorum numero pauca cat fructuosa, cetera, com- -pressionis causa (?) sterilia evadunt. _ Bacce vivide rubro-aurantiaco colorate , tenuiter pube- ‘rule, in syncarpium coalescunt. Embryo lactescens, viride- ceruleus. Nomen genericum e fonte greco desumptum, spinosum folium significat. Nomem specificum strepitans, quia folia tacta strepitum edunt. Rio de Janeiro, Outubro de 1857. 42 Qa 38 Ae 5a 63 = 78 ge ge 10° ii* 42" 43° 14° 15° 46" 47* REVISTA BRAZILEIRA. Iccnum explicatio. — Inflorescentia mascula, nat. magn. — Ejus ramus, seu receptaculum unum, valde auctum. — Stamen, ante pollinis emissionem. — ld. post emissionem pollinis. — Bractea. — Receptaculum feemeninum, nat. magn. — Id.. valde auctum. — Flos foemineus. — Id, verticaliter sectus. — Portio rami Acanthinophylli strepitantis , fructus maturos gerentis, nat. magn. — Bacca una separata. — Eadem dimidia parte perianthii dempta. — Fructus, perianthio denudato. — Id. pericarpio verticaliter secto. | — Semen. — Embryo. — Id. cotyledone una separata, ut radicula, et gemmula videantur. . * & | - “ “SNVLIGGMES WO TXHAONIEENVOY UP] BpleUcly SPT “Simqauey prep dacp yey , “USP QeUBI LY SELF T “SNVLIGHHS WO'TAHCONTHINVOY Smqousy, zap lucy 4 syn vromrry Aan Mv wpowery ep ae ep ET young ] e) = SS = r—} an, pitantis , hago ipta. radicula, ESTRUCTURA E USOS DE ALGUNS PELLOS. 374 CONSIDERACOES SOBRE A ESTRUCTURA E USOS DE ALGUNS PELLOS E ORGAOS ANALOGOS. O estudo dos pellos vegetaes nao é destituido de attractivos; e delle podem, sem duvida, resultar nogdes uteis e impor- tantes para a physiologia das plantas. Nenhum trabalho es- pecial e satisfactorio conheco a respeito destes orgaos: e provavelmente ainda por muito tempo, visto como sao va- riaveis na universalidade das plantas, a sciencia carecera de novas investigacdes neste assumpto , nao sé quanto a infinita diversidade de formas, mas tambem quanto ao co- nhecimento de suas funcgdes na economia vegetal. Por pe- — quena pois que pareca, e 4 primeira vista insignificante, qualquer observacio anatomica ou physiologica sobre esta parte da sciencia , pode todavia contribuir para o seu adianta- mento. E é esta consideracao que me anima a offerecer-vos este pequeno ensaio. As sementes de uma Apocynea (Echites arborea (-), Vell.) (*) Flora Fluminensis, Vol. 3°, Tab. 47. Esta planta é uma verdadeira Echites, nota.cl por suas proporcdes arboreas; algumas tenho eu visto nas matas virgens de 30 e mais pés de altura. Foi provavelmente esta circum- stancia que induziuem erro o Sr. Alfonse de Candolle, que julga ser a planta de Velloso a Tabernemontana leta de Martius, suppondo ainda que ha erro na estampa de Velloso, por isso que ahi se representam as sementes comosas (Exclusa figura seminis (diz elle) que virisimiliter diversissime speciet. Pro- drom. vol. 8°, pag. 364). Em tudo isto ha perfeito engano. Nao posso deixar de fazer sentir nesta occasido a sagacidade que Velloso muitas vezes mostrou na denominacao scientifica das plantas ; como se vé aqui na distincgao espe- _ cifica — arborea —e em outras muitas occasides , privado como estava de como esta, livros e conselhos. Nenhuma outra especie das conhecidas até hoje é arvore 372° REVISTA BRAZILEIRA. tem a superficie toda (") coberta de longos pellos brancos, finissimos , assetinados. (A. fig. 41%). Uma porcao do epi- derme dessa semente, tirados alguns pellos e conservados outros, é representada, com grande augmento, na fig. 2.* Vé-se de cada cellula da epiderme sahir um pello, de. ta- manho variavel, como se fossem produzidos em épocas di- versas. Cada um é formado de uma unica cellula, cuja membrana perfeitamenta diaphana apresenta duas listas es- piraes, parallelas, que sao seguramente devidas a adelga- camento da parede membranosa, ou verdadeiros sulcos. A fig. 3* mostra uma porcao do pello em proporgdes exageradas para melhor manifestar sua estructura. No estado natural. estao estes pellos cheios de substancia gazeiforme ou aerea. Elles tem por fim claramente servirem como de baldeszinhos. por meio dos quaes suspensas as sementes vagueam no ar por mais ou menos tempo, até que chegam 4 terra, natural- mente disseminadas. . A accao absorvente destes pellos é admiravel: foi casual- . mente que dei por este phenomeno, mas verifiquei-o de-.. pois por observacoes directas, das quaes referirei as se- guintes : Tomei um pedacinho dum pello bem secco, assentei-o- sobre um vidro, fixando-o, e ao mesmo tempo levantando as pontas por meio de rolinhos de céra (fig. 4"); submetti-o assim ao foco do microscopio, tendo antes feito cahir uma gotta de agua no vidro, junto ao pello, mas de sorte que 0 (*) Toda a superficie, menos 0 raphe, & coberta de pellos: no entanto for- mulando 0 Gen. Echites, dizem os autores: « Semina papposa, Lin.— Semina ad catremitatem umbilicalem comosa, Sprengel, Kunth.— Semina ad um- bilicum comosa, Endlicher. —Semina superne comosa, De Cand. » E’ claro que ha aqui emenda a fazer-se’, que nao me parece futil, porquanto estou bem persuadido que a nossa planta é uma Echtles. Devo ainda observar que Endlicher, expondo os caracteres genericos, diz: « Stamina inclusa,» mas a Echites. arborea tem as antheras exclusas ; deve-se portanto accrescentar: « aut easerta » como traz Kunth, ou supprimir-se este caracter, como fez , com razao, Alfonse De Candolle. ESTRUCTURA E USOS DE ALGUNS PELLOS. 373° | nio molhava; e em quanto observaya fui inclinando 0 instra- | mento; para fazer correr a gotta d’agua para o pello: esta ~ apenas 0 tocou encheu-o completamente, ficando algumas ~ polhas de ar presas (fig. 4*, a a). A embebicao foi tao rapida: . que, apezar de toda a.attencao, nao a pude apreciar. Recorria © outra experiencia, fazendo-a com um pello inteiro e pegado’ . A semente’, para queo gaz interior demorasse 0 phenomeno e 0 tornasse perceptivel: puz para isso uma gotta d’agua * no vidro, collocado no foco do microscopio; e observando, - levei a ponta do pello a tocar n’agua (fig. 2**), e a ab- sorpeao foi igualmente instantanea e inapreciavel ; ficando, ° como no caso precedente, algumas bolhas de ar suspensas no liquido. Passam-se nesta experiencia dous phenomenos , que sao dignos de alguma discussio, e sao :°a passagem instantanea d’agua atravez das paredes do pello, e o desapparecimento - da substancia gazoza contida nelle. Comecarei pelo ultimo. De que natureza sera 0 gaz en-— cerrado no pello? Puro ar atmospherico, ou antes algum © outro, que junte 4 uma forca de tensio igual menor den- sidade , em relacao ao ar exterior. A ultima destas opinides © seria mais consentanea com as vistas da natureza, que sao 0 transporte das sementes pelo ar; 4 chimica compete — a solucao desta questao, se é que vale a pena. Mas, sem duvida, 0 que nao pdéde deixar de ter algum valor é 0 ~ desapparecimento desse gaz qualquer, tao rapido como a entrada da agua na cavidade do pello. Que fim levou elle ? Ou foi expellido, ou dissolvido n’agua. A expulsao instan- fanea nao me parece admissivel, quando a experiencia se fez com 0 pello inteiro; seria necessario que para isso hou- -vesse aberturas, que a observacao nao mostra. Resta pois (*) Para nao multiplicar as figuras, servi-me desta; se bem que na ex~- ‘periencia © pello estava preso 4 semente inteira. 374 REVISTA BRAZILEIRA, a dissolucao: mas de duas uma, ou a agua passando pelas paredes do pello se despoja dos gazes aereos , ou 0 gaz in- terior, sendo de natureza particular, a agua, mesmo sa- turada de ar, tem ainda capacidade dissolvente para elle. Em quanto a experiencia directa 0 nao decidir, eu me inclino para a primeira supposicao ; isto é, que a agua, ao entrar, solta o ar atmospherico, e vai dissolver 0 gaz interior até saturar-se , ficando o excedente formando as bolhas de que tenho fallado. Quanto ao outro phenomeno, ou embebicao do pello, o facto é admiravel pela extrema rapidez com que isso se faz. Nao ha ahi seguramente rigorosa endosmose; tambem nao sei se a mera capillaridade o explica satisfactoriamente. O que porem @ mais que provavel, é que a embebicao se faz pelos dous sulcos espiraes, onde a membrana do pello é delgada. Isto tem logar igualmente a respeito dos vasos e cellulas no intimo dos tecidos, sempre que é necessario so- lidez, e a0 mesmo tempo movimento facil dos liquidos: por isso esses orgaos se ajuntam e se correspondem pelas partes adelgacadas , que permanecem no mesmo estado, quando no resto as paredes podem tomar grande espessura. Em tudo isto nao faco senao apresentar as minhas du- vidas, e chamar assim a attencao para este objecto. A natureza com admiravel sabedoria produz sempre com oS meios mais simples os effeitos mais variados. Temos visto que um dos usos destes pellos € o de transportar ao longe e dispersar as sementes; para isso os fez gazeiferos; mas fazendo-os ao mesmo tempo eminentemente hygroscopicos, prové a sua germinacao: porquanto, logo que as sementes caiam na terra, uma gotta d’agua, o sereno da noite bastara para os encher; e esta funceao, que deve ser continuada, fornecera agua bastante para entreter 0 processo germina- tivo. Seria curioso investigar-se todas as sementes, ou parte ESTRUCTURA E USOS-DE ALGUNS PELLOS. *.BN5 - dellas ; teria alguma cousa de analogo a este apparelho de absorpcao. Por minha parte tenho ja outra observagao, que vem em apoio desta idéa. As sementes da nossa Peroba ver- melha (Aspidosperma Peroba, Nobis), que, nao conformes - as das outras especies deste genero, tem uma aza oblonga e dirigida para baixo, sao de uma superficie lisa, mas que examinadas com attencao parecem cobertas dum pd mui subtil. (B. fig. 412). | Submettida a0 microscopio uma por¢ao da epiderme desta semente, os pontinhos lucidos, que tinham uma apparencia de po fino, engrandecidos manifestam sua estructura; sao vesiculas, quasi orbiculares ou oblongas, de paredes re- ticuladas, e formadas pelas cellulas da epiderme (fig. 23). Estas vesiculas sao evidentemente da mesma natureza que os pellos da Echites arborea; e convem nao esquecer que estas duas plantas tem grandes affinidades entre si, pois que pertencem ambas a mesma ordem natural. Aqui na Peroba as sementes, sendo providas de azas por meio das quaes podem suster-se no ar por algum tempo, os pellos nao tendo a preencher essa funccaio ficam em estado ru- dimentario , e destinados , como eu julgo, a servir de appa- relho da absorpcao durante a germinacao, sem que todavia deixem de auxiliar 0 seu vdo. Passarei agora de salto a objecto diverso, mas onde se achara estructura e funcedes identicas as que venho de -expor. As raizes aereas das Orchideas tem a superficie coberta de varias camadas de utriculos reticulados, formando a sub- stancia branca, secca e fungosa, que da um aspecto par- ticular a estas raizes (C. fig. 2%). Ora, sendo estes utriculos de estructura mui semelhante 4 das vesiculas epidermas da semente da Peroba (fig. 3), @ mais que provavel que tenham os mesmos usos ; pois que estas raizes sao verdadeiros 376 REVISTA. BRAZILEIRA. orgaos absorventes , com que taes plantas aereas bebem-na atmosphera agua para sua nutricao. A fig. 2° da uma idéa assis completa da. organisacao destas raizes: (d) mostra cellulas grandes oblongas, repre- sentando a medulla — (c) cellulas alongadas, no meio das quaes estao os fasciculos de tubos escalariformes (c’) repre- sentando a parte fibro-lenhosa da raiz — (b) tecido cellular cortical, por entre o qual se estende uma rede de vyasos la- ticiferos, de perfeita transparencia (b’)— (a) mostra as ca- madas de utriculos. absorventes , formando 0 envoltorio su- beroso. ; Nao achei aqui verdadeiras tracheas, que existem nas raizes de-varias plantas monocotyledoneas, mas unicamente yasos rajados ou escalariformes (fig. 47): por estes deve a seiva, ou liquidos absorvidos pelas raizes, ser levada ao corpo da planta, e o systema laticifero é provavelmente encarregado de trazer a nutricao ou seiva elaborada para a raiz. As raizes das Orchideas epiphyteas apresentam a singulari- dade de se dirigirem para o ar, em vez de tenderem para a terra (fig. 1*). Com que fim isto se faz? Tendo ellas de exercer suas funcedes no seio da atmosphera, o dirigirem-se para esta ou aquella parte lhes seria indifferente. Mas nao trago este facto senao para,fazer sentir quanto mal andaram os observadores, alias cheios de talento e perspicacia , como foram Knight e Dutrochet, quando procuraram por meio de experiencias descobrir a razao da tendencia das raizes para a terra; nao porque o objecto nao fosse digno de investi- gacdes, mas sim porque tanto valia indagar arazao da di- reccao da raiz para a terra, como a da do caule para 0 céo; e ainda mesmo o porque uma folha, torcido o ramo, ella por si se volta até offerecer o dorso 4 terra e a face ao ceo, O vicio principal destas tentativas esta no desejo de se attribuir 4 causas puramente physicas phenomenos vitaes , ESTRUCTURA E USOS DE ALGUNS PELLOS. 877 nos quaes é impossivel deixar de reconhecer-se uma. sorte “de instincto vegetal. Voltando ao nosso objecto, creio ter mostrado entre estes utriculos suberosos, ou epidermicos, e os pellos, muita ana- logia de estructura, e provavelmente de funccdes : e de tudo ja se pode deduzir que o uso principal dos pellos é a ab- “sorp¢eao d’agua, seja liquida, seja em vapor. Outras obser- “vacoes vem ainda reforcar esta opiniao: assim vemos que ‘elles se manifestam em tanta maior abundancia, quanto a ‘necessidade da absorpcao é mais urgente; uma planta ye- “getando em logar humido pode ser glabra, mas ella mesma “transportada para uma posicdo arejada e secca se cobrira logo de pellos mais ou menos bastos; as partes tenras, os ‘grelos das arvores, que precisam de muita agua para a sua “vegetacao , sao quasi sempre revestidos de pellos. -Emfim, se os pellos nao sao mais do que uma amplifi- caciio das cellulas epidermicas, cujo fim parece ser aug- “mentar a superficie absorvente , deve-se tambem concluir que a epiderme no seu estado normal tem tambem 0 mesmo uso: e quando ella se destrée nos caules idosos, € o tecido suberoso que a substitue como orgao absorvente. Isto supposto, julgo conveniente referir o que achei de singular na estructura da epiderme de algumas Cactaceas, @ que parece contrariar a opiniio que acabo de emittir. Tem essas plantas a superficie lisa, lustrosa, e como se fosse co- berta d@uma camada de céra. Submettidas ao microscopio apresentam a epiderme revestida de uma membrana assas espessa, consistente, e quasi cornea; ora perfeitamente lisa (D. fig. 4* a), ora com pequenas intumescencias conicas (fig. 2" a). Nao tive tempo de averiguar se esta membrana é um orgao distincto, ou cuticula epidermica, ou se era for- mada pelo encorpamento das paredes externas das cellulas da epiderme. Quanto ao seu uso, este orgao parece antes dever servir de obstaculo 4 sahida dos liquidos interiores , 378 _ REVISTA BRAZILEIRA. do que de orgao absorvente, bem que nao se possa asseverar _que elle nao seja susceptivel de embebicao. | Do que fica exposto, e do que se pdde deduzir por ana- -logia, parece-me que me sera permittido concluir que os pellos sao principalmente orgaos de absorpgao, apezar do diverso pensar de alguns autores, e dos mais modernos, dos quaes uns os consideram mais como orgaos exhalantes, outros ‘secretores, e alguns como simples partes protectoras. Nao foi porém com o intuito de sustentar esta opiniao que em- ‘prehendi este pequeno trabalho; mas sim para apresentar a idéa, que julgo nova, de funcgdes dos pellos, como auxiliares da germinaciao. No correr da penna deixei as vezes 0 meu fito principal , digressando sobre pontos, que bem que nao vinham para o assumpto, eram todavia suscitados por elle. Disso nenhum mal provém, além de certa irregularidade na exposigao ; ‘mas repito, nao tomo a peito tratar methodicamente destas materias. & de Julho de 1854. Francisco Freire Allemao. Aap OWUIO|IY ALO Pa Sinqeaye pa ap jdoup ay AML O Prot gyongAG Fig. Fig. qa 9a 3a 4a ESTRUCTURA E USOS DE ALGUNS PELLOS. 379 Explieacho da estampa. guaDRO — A — — Semente da Echites arborea, vista de face , e do tamanho natural. (a) hilo. (b) raphe. — Porcao da epiderme da mesma semente, con- servando alguns pellos. (a aa) bolhas de ar n’um pello cheio d’agua. — Porcao d’um pello, muito augmentada. — Porcao dum pello disposta para se observar a sua accao absorvente. (a a) bolhas de ar. guaDRO — B— — Semente de Peroba vermelha, de tamanho na- tural. — Parte da epiderme, muito augmentada. (a) epiderme. (b) utriculos reticulados, formados pelas cel- lulas da epiderme. QuADRO — C — — Caule e raizes aereas d’uma Orchidea epi- phytea. — Lamina delgada, cortada no sentido longi- tudinal e diametral da mesma raiz, repre- sentando sd metade. (a) Camadas de utriculos reticulados, ou ca- mada suberosa. 26 380 REVISTA BRAZILEIRA. - (b) Tecido cellular cortical (b’) vasos laticiferos. (c) Tecido cellular alongado. (c’) fasciculo de tubos escalariformes. (d) Tecido cellular medullar. Fig 3* — Utriculo suberoso, muito augmentado. -» 48 — Tubo escalariforme, muito augmentado. guapRo — D — Fig. 4° — Seccao transversal da epiderme d’uma Pe- reskia. (a) Cuticula, ou paredes externas da epi- derme. (b) Crystaes de forma estrellada. » 28® — Idem de outra Cactacea. (a) Cuticula, com eminencias conicas. PALESTRA SCLENTIFICA. EXTRACTOS DAS ACTAS DAS SESSOES. i* sessa0 em 25 de Junho de 1856. PRESIDENCIA DO EX™° SR. GONSELHEIRO CANDIDO BAPTISTA DE OLIVEIRA. No dia 25 de Junho de 1856, 4 uma hora da tarde, acham- se presentes em uma das salas da Escola militar os Srs. con- selheiros Candido Baptista de Oliveira e Antonio Manoel de Mello, Drs. Guilherme Schuch de Capanema, Francisco Freire Allemao, Manoel Ferreira Lagos, Frederico Leopoldo Cesar Burlamaque, e Manoel de Araujo Porto-Alegre. O Sr. Dr. Capanema, tomando a palavra, communica aos mesmos Srs. havel-os convidado para aquella reuniao, assim como aos Srs. Dr. José Mauricio Nunes Garcia e Ignacio Jose Malta, que por incommodos physicos nao poderam compa- recer, afim de fundarem uma sociedade com a denominagao de Palestra Scientifica, a qual se occupe do estudo das sciencias physicas e mathematicas, principalmente com ap- plicacdo ao Brazil; e faz em seguida uma allocugao demons- trando a urgente necessidade e incontestaveis vantagens que devem resultar dos trabalhos da sobredita sociedade. Concordando todos com as idéas do Sr. Dr. Capanema, declaram estarem promptos a fazer parte da nova associacao, 382 REVISTA BRAZILEIRA. e dispostos a concorrerem para a sua prosperidade e bom exito: entao o Sr. Dr. Lagos apresenta um projecto de Esta- tutos, Os quaes sao approvados sem emenda-depois de varias observacdes de alguns membros; e delibera-se que, segundo 0 estylo, se leve ao conhecimento do Governo Imperial a fundacao da Palestra Scientifica , remettendo-se igualmente uma copia da sua lei organica. Em observancia dos Estatutos approvados passa a occupar a cadeira da presidencia o Sr. conselheiro Candido Baptista de Oliveira, e é escolhido para secretario interino o Sr. Dr. Manoel Ferreira Lagos. Resolve a Palestra Scientifica que as suas sessdes sejam na primeira sexta-feira de cada mez em que houver reuniao do Instituto Historico e Geographico Brazileiro, devendo 0 Secretario avisar com antecedencia por escripto aos Srs. socios. 0 Sr. Dr. Capanema participa que se acha no prélo um novo periodico scientifico e litterario, com o titulo de Revista Brazileira , publicado por ordem e a expensas de Sua Ma- gestade o Imperador, e que 0 Mesmo Augusto Senhor se dignara permittir que nelle fossem impressos os trabalhos da Palestra Scientifica : 0 que foi ouvido com grande satisfacaio €& acatamento. Annuncia tambem o mesmo socio que 0 Sr. Dr. José Mau- ricio se occupa em preparar com todo 0 esmero uma col- leccao de craneos de diversos animaes, a qual tenciona offe- recer para 0 museu da Palestra. O Sr. Dr. Freire Allemao faz leitura da descripcao , acom- panhada dos respectivos desenhos, de duas arvores dos nossos bosques bastante conhecidas, e por elle classificadas como especies novas sob os nomes de Hyeronima alchornoides (vulgo, Urucurana), e Myrospermum erythroxylum (vulgo, Oleo vermelho) ; a primeira pertencente a familia das Euphor- biaceas, e a segunda 4 familia das Leguminosas. — Por Or i Ak Bie, * PALESTRA SCIENTIFICA. 383 decisao unanime resolve-se a publicagao destes dous impor- tantes trabalhos. ! Levanta-se a sessao as duas horas e meia da tarde. 2 sessao em fi de Julho de 1856. PRESIDENCIA DO EX™° SR. CONSELHEIRO ANTONIO MANOEL DE MELLO. Lida e approvada a acta da ultima sessao, o Sr. Dr. Malta desculpa-se de nao ter comparecido na reuniao precedente por motivo de molestia. O Sr. Dr. Freire Allemao apresenta e faz donativo a Socie- dade de diversos estudos seus sobre physiologia vegetal, que ja anteriormente havia lido perante a Sociedade Vellosiana. 0 Sr. conselheiro Mello communica acharem-se quasi _ concluidas as tabellas das suas observacdes meteorologicas pertencentes ao primeiro semestre do corrente anno, e que as entregara para serem impressas na Revista Brazileira , quando a Palestra assim o entenda. Segue-se depois uma longa discussao sobre diversos ob- jectos de historia natural que necessitam ser melhor estu- dados, visto as inexactiddes de que abundam a tal respeito as obras estrangeiras. Levanta-se a sessao as 2 horas da tarde. 3 sessao0 em Sde Agosto de 1856, PRESIDENCIA DO ILL™° SR. DR. FREDERICO LEOPOLDO CESAR BURLAMAQUE. E’ lida e approvada a acta da sessao precedente. 384° REVISTA BRAZILEIRA. Depois do expediente , o Sr. Dr. Capanema apresenta um microtomo de sua invencao para fazer seccdes tenuissimas, tio importantes no estudo da physiologia botanica e zoolo- gica, e estende-se em consideracdes sobre a utilidade e uso do mesmo instrumento, as quaes sao ouvidas com attencao. Achando-se a hora adiantada, o Illm° Sr. Presidente le- vanta a sessao. 4‘ sessno em 4 de Setembro de 1856. PRESIDENCIA DO ILL™® SR. DR. FRANCISCO FREIRE ALLEMAO. O Sr. Secretario faz leitura da acta da sessao antecedente, que é approvada. Por occasiao de communicar 0 mesmo Sr. que esta pro- cedendo a uma serie de experiencias sobre a forca toxica da serpente vulgarmente appellidada Jararaca preguicosa , o Sr. Dr. Freire Allemao faz algumas consideragdes verbaes sobre 0 Crotalus horridus, e principalmente a respeito dos cascaveis que rematam a cauda deste ophidio, e maneira com jue se reproduzem e se acham articulados uns nos outros ; e termina convidando ao Sr. Dr. Lagos que se entregue ao estudo desse objecto, visto possuir um exemplar vivo da- quelle terrivel reptil, recebido do Ceara, onde existem em grande abundancia, e causam muitas mortes, sobretudo na escravatura das fazendas. O Sr. Dr. Capanema apresenta 0 principio immediato que extrahira da arvore conhecida na Serra da Estrella pelo nome de Milho cozido (Lycania incana), em razao do cheiro da sua madeira, e passa depois a leitura da sua analyse da mesma substancia, 4 qual appellidou Lycanina. Levanta-se a sessao as 2 horas da tarde. PALESTRA SCIENTIFICA. 385 3 sessio em 14 de Novembro de 1856. Honrada com a Augusta Presenga de Sua Magestade o Imperador. PRESIDENCIA DO EX™° SR. CONSELHEIRO ANTONIO MANOEL DE MELLO. Approvada a acta da sessao antecedente, o Sr. Dr. Capa- nema lé uma extensa carta escripta de Copenhague pelo distincto zoologo o Sr. Dr. Reinhardt, director do Museu Real daquella capital , felicitando ao Brazil pela luminosa e feliz idéa de fazer explorar por uma Commissao scientifica, com- posta de engenheiros e naturalistas, o interior de algumas provincias menos conhecidas, e apresentando varias consi- deracdes sobre os logares que, segundo sua opiniao, devem ser visitados de preferencia, assim como acerca de diversos ‘ objectos que cumpre averiguar com maior cuidado. Ouvindo com a maior attencao a leitura da sobredita carta, resolve a Palestra que ella seja transmittida ao conheci- mento dos Srs. membros da Commissao scientifica explora- dora, € que se agradeca ao Sr. Dr. Reinhardt as suas lison- jeiras expressdes, como e nado menos 0 interesse que mostra pelo progresso deste paiz. O Sr. Dr. Lagos offerece um manuscripto original de Joao Manso, datado de S. Paulo em 17 de Novembro de 1798, dando conta de suas tentativas para a descoberta de salitre é minas de ferro naquella provincia. — Remettido ao Sr. Dr. Capanema para emittir 0 seu parecer a respeilto. O mesmo Sr. Dr. Capanema faz leitura de um trabalho sobre a Bohemeria nivea, demonstrando as vanlagens e pro- veito que no Brazil se péde tirar da acclimatagao deste vegetal; e termina com as suas observagoes acerca do pro- gresso de algumas mudas da referida planta que trouxe da Europa, e se acham plantadas na Serra da Estrella. 386 REVISTA BRAZILEIRA. O Sr. Dr. Burlamaque leu depois uma memoria sobre al- gumas rochas e mineraes de varias provincias do Imperio, recebidos no Museu nacional durante 0 anno de 1855. Levanta-se a sessao as 2 horas da tarde. 6 sessao em 12 de Dezembro de 1856. PRESIDENCIA DO EX™® SR. CONSELHEIRO CANDIDO BAPTISTA DE OLIVEIRA. E’ approvada a acta da sessao anterior. O Sr. Secretario, dando conta do expediente, lé o se- guinte : « Pela Secretaria de Estado dos Negocios do Imperio se remette 4 sociedade Palestra Scientifica, nao sd a copia do Decreto n. 1,820 de 13 de Setembro ultimo , que approvou os seus Estatutos, mas tambem a dos mesmos Estatutos. « Secretaria de Estado dos Negocios do Imperio, em 25 de Novembro de 1856.— Fausto Augusto de Aquar. » « Copia.—Decrete n. 1,820 de 13 de Setembro de 1856. — Approva os Estatutos da sociedade Palestra Scientifica , a qual tem por fim occupar-se do estudo das sciencias phy- sicas &€ mathematicas, principalmente com applicagao ao Brazil. « Attendendo ao que me requereu o conselheiro Candido Baptista de Oliveira, Hei por bem approvar os Estatutos da sociedade Palestra Scientifica, a qual tem por fim occupar- se do estudo das sciencias physicas e mathematicas, prin- cipalmente com applicacao ao Brazil. « Luiz Pedreira do Coutto Ferraz, do meu Conselho , Mi- nistro e Secretario de Estado dos Negocios do Imperio, assim 0 tenha entendido e faga executar. Palacio do Rio de Janeiro, em treze de Setembro de mil oitocentos e cincoenta e seis; oot te eee: me ee : , : j PALESTRA SCIENTIFICA. 387 trigesimo-quinto da Independencia e do Imperio.— Com a rubrica de Sua Macrsrape 0 IMprrRApor.— Luiz Pereira do Coutto Ferraz.—Conforme. Fausto Augusto de Aquiar. « Cdpia.— Estatutos da sociedade Palestra Scientifica : « Art. 1.° A Palestra Scientifica tem por fim 0 estudo das sciencias physicas e mathematicas, principalmente com ap- plicagao ao Brazil. « Art. 2.° Compor-se-ha de um numero indeterminado de socios effectivos, de honorarios, e de adjuntos corres- pondentes. « Art. 3.° Para ser admittido socio effectivo é mister, além de reconhecidos conhecimentos em qualquer dos ramos das sciencias physicas ou mathematicas, apresentar 4 Pa- lestra algum trabalho de lavra propria sobre o objecto de seus estudos. « Art. 4.° Serao considerados socios honorarios somente Os individuos respeitaveis por seu saber, que houverem pu- blicado trabalhos importantes sobre as sciencias de que se occupa a Palestra. « Art. 5.° O titulo de adjuntos correspondentes sera. con- ferido aquellas pessoas que fizerem algum donativo de valor para a bibliotheca ou museu da sociedade. « Art. 6.° O eseripto enviado por qualquer candidato 4 admissao de socio effectivo sera submettido ao juizo de uma commissao, cujo parecer sobre 0 merecimento do mesmo entrara em discussao para ser approvado ou rejeitado, pas- sando-se no primeiro caso a yotar por escrutinio secreto acerca da entrada do candidato. « Art. 7.° Ninguem sera admittido a fazer parte da socie- dade obtendo tres votos contrarios. « Art. 8.° Para socio honorario ou adjunto correspon- dente haverad tambem votacao por escrutinio secreto, mas 0 proposto sdmente sera recusado por maioria absoluta de / " oa hae 388 REVISTA BRAZILEIRA. votos dos membros presentes. No caso de empate, compete ao Presidente decidir. « Art. 9.° Toda a proposta para socio sera assignada pelo menos por dous membros, e nella sera claramente especi- . ficado 0 motivo da admissao. « Art. 10.° A commissao encarregada de julgar qualquer trabalho sera composta de tres membros, e nomeada pelo Presidente da sessio em que elle for apresentado. « Art. 11.° O parecer acerca de qualquer candidato ficara sobre a mesa por espaco de um mez, para que os membros da Palestra, querendo, possam examinal-o, « Art. 12.° Igualmente ficara sobre a mesa a proposta para socio honorario ou adjunto correspondente, afim de ser su- jeita a votacao na seguinte reuniao, salvo 0 caso de algum membro requerer urgencia motivada. « Art. 13.° Todo 0 socio effectivo contrahe a restricta obri- gacao de apresentar pelo menos um trabalho annualmente, e nao o cumprindo sera despedido da Palestra. « Art. 14.° O trabalho lido por qualquer socio passara tambem pelo exame de uma commissao especial , competindo a Palestra, a vista do mesmo, decidir se convém ou nao ser impresso. « Art. 15.° E’ permittido a qualquer pessoa estranha fazer \eitura perante a Palestra de algum trabalho, com prévio consentimento do Secretario. « Art. 16.° No.caso do trabalho sobredito ser bem aceito, ficara pertencendo 4 sociedade , que o fara imprimir no seu jornal , do qual dara vinte numeros ao autor. « Art. 17.° As sessdes da Palestra terado logar uma vez mensalmente, nos dias annunciados, excepto quando oc- correr algum motivo extraordinario, 4 vista do qual o Pre- sidente entenda dever convocar a reuniao. « Art. 18.° As sessdes serao publicas, e annunciadas pelos jornaes com tres dias de antecedencia. ee, a Me ee ee es ee PALESTRA SCIENTIFICA. 389. « Art. 19.° A Palestra nao tem presidente certo, mas sera presidida em cada reuniao pelo socio mais idoso, que regera. a sociedade até a sessao seguinte ,em que passara a pre- sidencia a outro, e assim por diante, até de novo lhe tocar a sua vez. « Art. 20.° Tera porém dous Secretarios, que serao per- petuos, um encarregado da correspondencia exterior, e outro da interior, da expedicao dos diplomas e das actas. « Art. 24.° Havera tambem um Thesoureiro eleito annual- - mente, a cujo cargo fica tudo quanto diz respeito a receita e despeza da sociedade. « Art. 22.° A eleigao para os dous Secretarios e para o Thesoureiro sera feila por escrutinio secreto, e so serao con- siderados como taes obtendo a maioria absoluta de votos dos socios presentes. « Art. 23.° No impedimento de algum dos Secretarios ou do Thesoureiro, sera nomeado pelo Presidente outro socio para servir interinamente. « Art. 24.° As despezas da sociedade serao feitas por co- tisacao entre os socios effectivos, a quem compete votal-as. « Art. 25.° A Palestra publicara um jornal, redigido pelos Secretarios, 0 qual nao sahira 4 luz em tempo determinado, mas sim quando houver materia. « Art. 26.° Os socios effectivos e honorarios tem direito a um exemplar das publicagdes da Palestra. « Art. 27.° Além da sua bibliotheca, composta de obras relativas aos estudos de que se occupa a Palestra , tratara esta tambem de organisar um museu de productos somente do Brazil. « Art. 28.° A Palestra resolvera sobre todos os casos nao previstos nos presentes Estatutos. « Art, 29.0 Depois de approvados, os actuaes Estatutos so -poderao soffrer alteraca’o no fim de tres annos da fundacao aS 390 REVISTA BRAZILEIRA. da sociedade, e para que ella se dé é necessario ser votada por dous tercos dos socios effectivos. « Art. 30.° Os presentes Eslatutos serao impressos, e um exemplar subira 4 presenca do Governo Imperial. « Rio de Janeiro, 25 de Junho de 1856.—Conforme. Ma- noel Ferreira Lagos, Secretario.—Conforme. Fausto Augusto de Aguiar. » O Sr. Dr. Capanema occupa a attencao da Palestra com a leitura de um trabalho sobre a materia corante do Ipé, e faz verbalmente varias observacdes em additamento as suas ex- periencias relativas ao mesmo objecto. Levanta-se a sessao 4 hora e meia da tarde. 27 sessa0o em 5 de Junho de 1857. PRESIDENCIA DO EX™® SR. CONSELHEIRO ANTONIO MANOEL DE MELLO. E’ approvada a acta da sessao precedente. O Sr. Dr. Capanema lé o seguinte parecer: « O manuscripto offerecido 4 Palestra pelo nosso consocio o Sr. Lagos, em sessao de 14 de Novembro ultimo, vem a ser um Officio original de Joio Manso, dirigido de S. Paulo a D. Rodrigo de Souza Coutinho em 17 de Novembro de 1798. « No principio da Joao Manso conta da viagem infructi- fera que fizera a Sorocaba e Porto Feliz 4 procura de salitre ; consigna o facto que morria 0 gado que se ia cevar no barreiro de Inhapopundava ; a tradigao da existencia de sal marinho na vizinhanca de Porto Feliz; e que encontrara — potassa (alcali vegetal) em Forte Santa. Pelos exames que: fizera em barros mandados vir de todas as villas da provineia, achou algum salitre n’uma amostra remettida da villa de — PALESTRA SCIENTIFICA. 391 Castro. Mais adiante da Joao Manso algumas idéas sobre formacoes de nitreiras, que abonam o seu saber em chimica, sobretudo naquelle tempo (ha 60 annos). « Da tambem conta das minas de ferro que visitara, nega a existencia deste em Arrassicaba, mas recommenda o do morro da Penha, de que vira amostras, eo do Arasayaba que examinara: refere-se a uma representacao que da noticia de uma fabrica alli erigida trinta e quatro annos antes: indica porém outro mais vantajoso por causa da maior abun- dancia. Igualmente menciona a existencia de pedra iman, e num dos grupos do Arasayaba falla em duas escavacdes que encontrara, sem saber para-o que foram feitas (eram talvez para procurar a prata, que outr’ora se dizia haver na- quella paragem). Analysou o ferro, o qual achou tao bom como o de Dannemora, sem mistura de arsenico ou enxofre: transformou parte delle em aco. . : « QO unico inconveniente que Joao Manso encontrou para _ produccao economica de bom ferro foi a carestia dos tra- . balhadores, que ganhavam 100 réis por dia! « Elle protesta ja naquelle tempo contra 0 abominavel uso das derrubadas, e recommenda ao governo que mande con- servar as mattas, pelo menos seis leguas em torno da mon- ‘tanha, para poder-se obter 0 carvao necessario. « Vemos pois recommendada com conhecimento de causa e com sabias medidas em 1798 a construccao da fabrica de Ypanema ao mesmo D. Rodrigo de Souza Coutinho, que doze annos depois, sendo conde de Linhares, a fez co- mecar. « Joao Manso nega a existencia (lo estanho, chumbo, -ouro e prata, que tinham denunciado ao governo: talvez fosse uma mystificacao , como ainda ha poucos annos se deu, tendo um individuo mandado de Santa Catharina granito sem vestigio de mineral metallico (salvo o ferro da mica), com amostras de estanho que pretendéra ter tirado delle. 392 REVISTA BRAZILEIRA. « Joao Manso refere as experiencias que fizera com pyrites de Taboaté (Taubate?), villa distante sé vinte leguas de Ubatuba, e delles extrahiu 12 1/2 °/, de enxofre, bom ferro, vitriolo e pedra-hume: elle recommenda ao governo que mande trabalhar essa mina, ainda mesmo com prejuizo , na esperanca de se encontrar na vizinhanca algum deposito de carvao de pedra, de que elle espera tirara 0 paiz im- mensas vantagens, e quando mais nao fosse , segurar a exis- tencia das fabricas de assucar , que se fecharam por falta de combustivel. Oxala se tivesse dado ouvidos a tao uteis conselhos! teriamos talvez acido sulphurico, que nos vem da Europa pagando um frete exorbitante , por um prego ra- zoavel, e mais adiantada estaria por certo a industria. « Termina o officio com a promessa de ir respondendo as ordens que recebéra, 4 medida que as fosse executando. Joao Manso mostra-se homem de conhecimentos muito ele- vados para aguella epoca, e 0 que mais é, homem conscien- cioso: por isso julgamos que seria util procurar todos os trabalhos que delle se possam aleancar, afim de que sejam publicados, pois poder-se-ha colher delles muitas informa- cdes uteis, e ao mesmo tempo rehabilitar-se 0 merito scienti- fico de um Brazileiro, que no pensar de muita gente nao passava de um habil oleiro.— Guilherme Schuch de Capa- nema. » ‘ O mesmo socio apresenta o desenho, acompanhado da — respectiva descripcao, da qual faz leitura, de uma nova | especie de alga ainda nao classificada, denominando-a — Protococcus (Heematoccocus) mammillosus. Antes de encerrar-se a sessao, 0 Sr. Secretario lembra que estando a chegar a fragata Novara, conduzindo a Com- missao scientifica encarregada pelo Governo Austriaco de executar uma viagem em roda do mundo, julgava conveniente convidar os sabios membros da referida expedigao para assis- tirem as sessdes da Palestra. Foi unanimemente approvado. ae ee i $ é > - PALESTRA SCIENTIFICA. 393 Levanta-se a sessao a uma hora e tres quartos depois do meio dia. 8 sessao em 22 de Agosto de 1857. PRESIDENCIA DO ILL™° SR. MANOEL DE ARAUJO PORTO-ALEGRE. Além de varios socios, acham-se presentes os Srs. Drs. Scherzer, Hochstetter, Frauenfeld e Zelebor, membros da ~Commissao scientifica austriaca. Em conformidade dos Estatutos , occupa a cadeira da pre- sidencia 0 Sr. Manoel de Araujo Porto-Alegre. Approvada a acta da sessao precedente, o Sr. Secretario offerece os seguintes manuscriptos originaes : Memoria sobre as antigas lavras de ouro da Mangabeira (na provincia do Ceara), escripta pelo Dr. naturalista Joao da Silva Feijé; Informacao dada em 1798 ao vice-rei conde de Rezende por Joao Alberto de Miranda Ribeiro, sobre as qualidades de linho que ha na ilha de Santa Catharina, com a noticia do tempo em que se plantam, do seu crescimento e colheita, etc. ; dous officios dirigidos em 1788 ao vice-rei Luiz de Vas- concellos e Souza, pelo superintendente Manoel Pinto da Cunha e Souza, dando conta e remettendo varios docu- mentos acerca de tentativas mineraes no Rio Negro. Foi en- carregado o Sr. Dr. Capanema de dar o seu parecer sobre os tres manuscriptos. O mesmo Sr. Lagos apresenta tambem alguns exemplares impressos das Instruccdes dadas pelo Governo Imperial 4 ~Commissao scientifica incumbida de explorar o interior das provincias do Brazil menos conhecidas, os quaes foram distribuidos. 0 Sr. Dr. Capanema offerece um vocabulario (inedito) francez , coroado e puri, organisado em 1850 pelo viajante | 394 REVISTA BRAZILEIRA. H. R. F. des Genettes.— Ao socio Sr. Malta para emittir 0 seu juizo a respeito. O Sr. Dr. Frauenfeld offerta os sete folhetos seguintes, sobre zoologia, produccao de sua penna: 41° Die Gattung Carychium, com uma estampa; 2° Die Linsengallen der os- terreichischen Eichen. Ein Versuch zur vergleichenden Be- schreibung der Gallengebilde, com uma estampa; 3° Bertrage zur Naturgeschichte der Trypeten nebst Beschreibung einiger never Arten, com uma estampa; 4° Ueber Raymondia Fr., Strebla Wd. und Brachytarsina Mcq. ; 5° Ueber die Paludinen - | aus der Gruppe der Paludina viridis, Pow., com uma es- tampa; 6° Uber eine neue Flhegengattung : Raymondia , aus der Familie der Coriaceen, nebst Beschreibung zweier Arten derselben, com umaestampa; 7° Beitrag zur Fauna Dal- matien’s. — Recebidos com muito especial agrado. O Sr. conselheiro Dr. Antonio Manoel de Mello apresenta os quadros de observacdes meteorologicas feitas no Imperial Observatorio, de 1854 a 1856, com os desenhos das curvas de iguaes alturas tanto do thermometro, como do barometro e hygrometro. O Sr. Dr. Capanema continua a leitura , comecada na sessao anterior, da sua descripcao das Algas brazileiras nao conhe- cidas, occupando-se de uma nova especie, que appellidou Protococcus velutinus. O Sr. conselheiro Candido Baptista communicou um addi- tamento 4 sua formula, ja publicada, sobre determinacao de latitude sem conhecimento de declinacgao, generalisada agora de modo que hastam tres alturas da mesma estrella , qualquer que esta seja, observadas em tres differentes pontos — da sua excursao diurna, & vontade do observavor. — To- mando o giz, o illustre mathematico explicou na pedra 0 seu novo methodo. O Sr. Dr. Lagos propoz para socios da Palestra os Srs. membros da Commissao scientifica austriaca , a saber: com 3 4 ’ 7 : 2 * me : ¥ Oe ae eee eee ee 7” —-- PALESTRA SCIENTIFICA. 395 modore Bernardo de Wullerstorf-Urbair, Dr. Carlos Scherzer, Dr. Fernando Hochstetter, Dr. Jorge Frauenfeld, Dr. Eduardo Schwartz e Joao Zelebor. — Unanimemente approvados. Antes de terminar a sessio, o Sr. Porto-Alegre dirigiu em francez as seguintes expressdes aos sabios Viajantes pre- sentes : -« Senhores.—Encerrando esta sessio da Palestra Scienti- fica, é do meu dever testemunhar, em nome de meus col- legas, a grande satisfacio que tivemos com a vossa illustre companhia, e na respectiva acta faremos inserir vossos nomes como uma recordagao duradoura deste feliz encontro. Bas- tante sinto que nossas reunides periodicas nio possam con- linuar a ser honradas com vossa presen¢a e illustradas por vossas luzes.... mas ah! em breve desta allianca transitoria apenas nos restara o reconhecimento e aquella doce lem- branca que chamamos saudade , para consolar-nos de vossa ausencia. « Nos vos desejamos , como irmaos, uma prospera viagem, € conquistas scientificas que augmentem o circulo dos conhe- cimentos humanos e o dominio da intelligencia, dessa patria celeste que fraternisa a todos os que admiram nas obras da creagao o Creador. « Da mesma maneira que aquelles que sé amam se en- contram a uma hora marecada no espaco olhando para um asit0, nds nos encontraremos fitando a vista n’uma pagina de nossos trabalhos reciprocos. « Viestes como hospedes, e vos ausentais como irmaos. » O Sr. Dr. Scherzer respondeu: « Senhores.— Acceito com o maior prazer em meu nome, € em nome de meus collegas, 0 favor com que vos dig- nastes nomear-nos membros de vossa Sociedade scientifica. « Aproveito esta occasiao para vos agradecer mui sincera- mente o bom acolhimento que nos preparastes nesta capital, Na verdade, custa-me a acreditar que me acho a algumas 27 396 REVISTA BRAZILEIRA. mil leguas distante de meu paiz, de minha familia , de meus amigos; por vossa amizade e attencdes nos fizestes esquecer que o grande Oceano nos separa de nossa patria! « Senhores! Em quanto a munificencia de nosso monarcha nos chama a fazer a viagem em roda do mundo, para fins scientificos, vos nao seguis um rumo menos invejavel, ex- plorando algumas provincias de vossa vasta patria. KE’ a vos, Senhores membros da Commissao scientifica , que coube des- cobrir segunda vez para a sciencia as terras do Brazil ainda completamente desconhecidas; ¢ a vos, Senhores, que com- pete tornar-vos bemfeitores de vossa patria, patenteando os thesouros dispersos no solo abencoado do Brazil, abrindo essas terras com suas riquezas innumerayeis & sciencia, ao trabalho, ao commercio ! « NOs sd aspiramos a ser collaboradores em vossos tra- balhos, a trocar a nossa volta os resultados de nossas pes- quizas, de nossas investigacdes e exploragdes , e continuar a entreter sempre as mais amigaveis relacoes comyosco e com vosso bello paiz, por cuja prosperidade e bem-estar fazemos os mais sinceros votos! » Levanta-se a sessio as duas horas da_ tarde. 9 gessho em ff de Novembro de 1857. PRESIDENCIA DO ILL™® SR. DR. FRANCISCO FREIRE ALLEMAO. I’ approvada a acta da sessao anterior. O Sr. Secretario, dando conta do expediente, leu um officio do Ex™e Sr. conselheiro Candido Baptista de Oliveira, parti- cipando nao poder comparecer em consecuencia de se achar incommodado, 0 que bastante sentia, pois desejava apre- | sentar um trabalho, a que liga alguma importancia pratica ; a saber; « a determinacio dos limites da differenea entre - ae PALESTRA SCIENTIFICA. 397 uma distancia lunar apparente, e a distancia verdadeira, deduzida dos dados da observacio. » Accrescentou o mesmo socio que offerecendo esse unico objecto materia para em- pregar o tempo de uma sessao inteira, pedia uma reuniio da Palestra na proxima semana, se nisso concordassem os seus collegas, afim de fazer a exposicao do referido trabalho. — A Palestra vota unanimemente que se satisfaca 4 justa re- quisicao do seu sabio e laborioso membro. Foram tambem lidos os dous seguintes officios : Traduc¢ao do francez.— « Ao Sr. Dr. Manoel Ferreira Lagos, Secretario da illustre sociedade Palestra Scientifica. Rio de Janeiro, fragata Novara, 30 de Agosto de 1857.— Sr. Seere- lario! Extremamente agradavel é para mim poder exprimir- vos, Sr. Secretario, todo o meu reconhecimento pela. no- meacgao com que a illustre sociedade Palestra Scientifica se dignou honrar-me. « Ufano-me do titulo de membro correspondente dessa illustre Sociedade, e tanto mais satisfeito me acho com tal nomeacao por isso que tenho, de alguma maneira, a possi- bilidade de me fazer recordar por aquelles que neste bello paiz despenderam tanta bondade para comigo e mais mem- bros da expedicao que tenho a honra de dirigir. « Rogo-vos, Sr. Secretario, 0 obsequio de communicar a illustre Palestra Scientifica, nado s6 os meus agradecimentos, como o desejo de me tornar util a uma associacio cujo fim 6 0 progresso das sciencias. espargindo luzes sobre um paiz onde Deos accumulou todas as riquezas deste mundo. « Acceitai, Sr. Secretario, a seguranca da minha mais alta consideracao.— O commodore, commandante da expedicio a bordoda fragata de S. M. I. R. A. la Novara, Wut- LERSTORE. » Traduceao.— « Rio de Janeiro, 30 de Agosto de 1857,.— Senhor! Agradeco-vos mui sinceramente a honra de ter sido nomeado membro da Palestra Scientifica. KF’ sobmente uma 398 REVISTA BRAZILEIRA. continuacao das attencdes e amizade com que soubestes embellecer nossa estada em vossa hospitaleira capital. « Retiramo-nos todos, eu vos asseguro, penetrados da mais alta veneracao pelo illustre Protector das sciencias e das artes, esses importantes agentes para elevar um povo nascente ao cumulo da civilisacao do seculo! Retiramo-nos fazendo os mais sinceros votos pela prosperidade e progresso de vosso bello paiz! Que nao esteja longe o dia em que 0 Brazil , cortado em todos os sentidos por boas estradas e ca- minhos de ferro, seus rios navegados por barcos a vapor, suas terras ferteis, mas desertas, povoadas por uma emi- gracao intelligente elaboriosa, apresente ao mundo o especta- culo sublime de um paiz o mais rico, o mais prospero, o mais feliz do globo ! « Rogo-vos de ser 0 interprete de meus sentimentos, que sao igualmente os de meus collegas. perante a Palestra Scientifica, e que de nds conserveis tao boa lembranga como a que conservaremos sempre de vs todos, de vossas ama- bilidades, e de vossos servicos amigaveis. « Aceitai, Sr. Seeretario, os protestos da mais alta conside- racao de vosso dedicado amigo e criado —Dr. Karl Scherzer. — Ao Sr. Dr. Lagos, ete. , ete. » O Sr. Dr. Freire Allemao apresentou o desenho, acompa- nhado da respectiva descripcao, da arvore vulgarmente deno- minada Bainha de espada , pertencente a ordem natural das Artocarpeas, e proposta por elle como typo de um novo genero. O Sr. Dr. Capanema passou a ler algumas observagdes e notas geologicas sobre o retrocesso do mar na costa do Brazil. Levanta-se a sessao as 2 horas da tarde. _—s i -A ge eee ee ere PALESTRA SCIENTIFIGA. 399 10° sescao em 23 de Novembro de 1937. Hlovrada com a Augusta Presenga de Sua Magestade o Imperador. PRESIDENCIA DO EX™°® SR. CONSELHEIRO ANTONIO MANOEL DE MELLO. Ao meio dia, achando-se presentes todos os Srs. socios, a excepcao dos Srs. Dr. Freire Allemao e Malta, que nao po- deram comparecer, 0 primeiro em consequencia de achar-se ausente da corte, e o segundo por incommodos physicos , 0 Sr. conselheiro Antonio Manoel de Mello abriu a sessao, 4 qual tambem assistiram o Ex™° Sr. Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Guerra, Director da Escola militar, varios lentes da mesina, e outras notabilidades scientificas. Depois de approvada a acta da sessio anterior, o Sr. Dr. Lagos , dando conta do expediente, fez leitura de uma carta gue lhe fora dirigida de Nictheroy pelo Sr. Joaquim Harris , acompanhando a remessa de uma lagarta em cujo abdomen se desenvolvéra com vigor um cogumelo.— Recebida com especial agrado, e foi mandada conservar no museu da So- ciedade. O mesmo socio mostrou a Palestra varias preparacoes ichthyologicas por elle perfeitamente conservadas, commu- nicando tambem estar colligindo e classificando as diversas especies de peixes que habitam no interior desta bahia, e que em tempo opportuno offerecera para 0 museu da So- ciedade a sobredita colleccao. O Sr. Dr. Capanema offertou uma copia das Taboas de Kobell para determinacao dos mineraes, por elle traduzidas para uso dos alumnos da Escola militar desta cérte ; e fez em seguida uma exposicao do seu novo methodo para analyse da polvora. O Sr. conselheiro Candido Baptista de Oliveira, depois de 400 REVISTA BRAZILEIRA. passar em resenha o processo e formulas usadas na determi- nacio das distancias lunares , que se empregam no calculo das longitudes terrestres, indicou 0 meio pratico de ave- riguar se os principios dados da observagao se acham cor- rectos, antes de instituir sobre elles o calculo das formas. Demonstrou depois disso que a differenga entre as dis- lancias apparente e a verdadeira @ comprehendida dentro de determinados limites; podendo na maior parte dos casos predizer-se 0 sentido dessa diflerenga, isto ¢, para mais ou para menos, em relacao a qualquer das duas distancias. E terminou o illustre socio a sua exposicao apresentando uma nova formula destinada a verificar os resultados obtidos pelas formulas que dao directamente a grandeza da distancia geocentrica, ow a verdadeira entre a lua e o outro astro observado. Levanta-se a sessio 4s 3 horas da tarde. eT SS ES COMMISSAO SCIENTIFICA RELATORIO APRESENTADO AO INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAPHICO BRAZILEIRO Pelo Sr. Dr. G. S. de Capanema NA SESSAO PUBLICA ANNIVERSARIA DE 15 DE DEZEMBRO DE 1857 Senhores.— Tendo partido do Instituto Historico e Geogra- phico Brazileiro a proposta para que sejam exploradas scien- tificamente algumas provincias do Brazil menos conhecidas , e havendo o Governo Imperial encarregado ao mesmo Insti- tuto, por avisos de 30 de Junho e 1° de Outubro do anno proximo findo, de formular as instruccoes e indicar as pessoas que por suas habilitagdes lhe parecessem nas circumstancias de bem desempenhar a projectada expedicao scientifica , julgo um dever informar-vos do andamento dos preparativos indispensaveis para a realisacao de tao util idea. O Ex"? Sr. conselheiro Luiz Pedreira do Coutto Ferraz , entao Ministro do Imperio, escreveu-me para que me in- cumbisse da acquisicao dos objectos necessarios & Commissao exploradora. Prestando-me de boa vontade a (ao honroso convite, dirigi as encommendas dos instrumentos aos prin- cipaes fabricantes de Franca, da Inglaterra e da Allemanha, conforme a especialidade em que cada um tem adquirido fama: assim, mandei fazer os apparelhos geodesicos pelos successores de Frauenhofer em Munich; os instrumentos magnelicos por Meyerstein, que trabalhou continuamente para Gauss e Weber, e foi mais tarde recommendado pelo general Sabine de Londres, o qual confessou que seriamos 402 REVISTA BRAZILEIRA. melhor servidos por aquelle mecanico do que por qualquer outro na Inglaterra. Os microscopios vem de Pléssl de Vienna, pois pela ex- periencia que temos 6 mesmo superior a Oberhauser de Paris. Os apparelhos meteorologicos foram pedidos de di- versos logares, e tambem os de analyses chimicas que devem. ser feitas sem demora. Os vidros para conservacao de objectos zoologicos em liquidos foram mandados fabricar sob a direccao dos chefes. das seccdes do museu de Vienna, os quaes estao perfeitamente habilitados para nos aconselhar neste genero, pois tem 4 vista as numerosas colleccdes de Mikan, de Pohl, e principalmente de Natterer, que residiu 47 annos entre nds, colligindo somente para aquelle museu. - Os apparelhos para as sondagens, a que tem de proceder a seccao geologica na provincia do Ceara, foram encom- mendados a Degoussé, que ha longos annos se occupa es- pecialmente deste importante ramo. Pedi ao Sr. conselheiro Pedreira que aproveitasse a estada na Europa dos dous membros da Commissao scientifica , os Srs. Drs. Giacomo Raja Gabaglia e Antonio Goncalves Dias, encarregando-os de vigiar as encommendas, e de comple- tarem, do melhor modo que lhes parecesse, a relagao dos abjectos pertencentes as suas respectivas seccdes , tendo em vista que 0 Governo Imperial resolveu fornecer aos membros da expedicao tudo quanto solicitem para o seu desempenho, afim de podel-os responsabilisar pelos resultados. Pedi igual- mente a S. Ex® se dignasse confiar ao autor da proposta da expedicao, o nosso distincto consocio o Sr. Dr. Lagos, a acquisicao dos objectos que se pudessem obter nesta cérte com mais vantagem, quer em relacao a sua melhor quali- dade, quer ao seu preco: S. Ex* teve a bondade de annuir a esta requisicao, facilitando-nos logo todos os meios. Em virtude da autorisacao dada por aviso do Ministerio do Imperio de 19 de Fevereiro do corrente anno, o Sr. Dr. 2 : COMMISSAO SCIENTIFIGCA BRAZILEIRA. 403 Lagos mandou fazer barracas apropriadas ao paiz, escolheu armas para caga e sua competente municao, ferramentas , utensilios, ingredientes para as preparacdes zoologicas, e muitos outros artigos, cuja longa lista nao cabe aqui, tanto para uso de cada uma das cinco secedes em particular, como da expedicao em geral. Escusado é dizer que se nao esqueceu dos melhores agentes therapeuticos, e em quantidade sufficiente para que os me- dicos empregados na expedicao possam prestar os soccorros da sua arte nos logares onde houver falta de taes recursos. Tudo se acha prompto e encaixotado para seguir viagem , no que elle empregou 0 maior cuidado e seguranca, nao se poupando a trabalho algum, e attendendo ainda 4 economia na compra dos objectos ; por esta razio mandou vir alguns da Europa, cujo prego é aqui exorbitante , como por exemplo, o sulphureto de carbono, que se vende a 48000, chegou de Franca a 240 rs.! Por ordem do Ex" Sr. Ministro da Marinha, nos forneceu © respectivo arsenal espingardas , pistolas revolvers, sabres, polvora, balas, etc., para defesa da expedicao, no caso de ser assaltada nos sertdes por qualquer tribu de indigenas, das quaes todavia so fara°uso no ultimo recurso. Ja chegou dos Estados-Unidos uma candéa portatil de gamma elastica, destinada para o exame de rios e lagéas nos lo- gares onde nao houver vehiculos de especie alguma, @ seja difficil e vagarosa a construcgao delles. Igualmente re- cebemos as sondas para 0s pocos artezianos, os bocaes para conservacao dos productos zoologicos, os microscopios, elec. Os chronometros, devidos a habeis artistas da Inglaterra, ja foram verificados e entregues ao Sr. Dr. Gabaglia. Os livros encommendados para os trabalhos da Commissao nao tardam a chegar , e seu numero é bastante consideravel, apezar de somente pedirmos as obras indispensaveis e que se nao encontram nas bibliothecas publicas desta cidade, le- 4O4K REVISTA BRAZILEIRA. vando mesmo em conta as possuidas por particulares, e de que temos conhecimento: por isso deixamos de pedir as esplendidas publicaedes de Humboldt ec Bompland, de Spix e Martius, de Pohl, de Saint-Hilaire, e de outros autores existentes na Bibliotheca nacional e na do nosso Instituto ; e bem assim as obras de Reaumur, Olivier, Schoenherr, Fa- bricius, Guérin-Méneville, Meigen, Macquart, Déjean, e muitas outras bellas monographias que possue 0 nosso amigo e companheiro da expedicao o Sr. Dr. Lagos, em cuja ex- cellente bibliotheca se encontra tambem as preciosas collec- codes completas dos Annaes da Sociedade Entomologica de Franea, das Suites a Buffon publicadas por Roret, a Historia natural dos peixes, por Cuvier e Valenciennes, etc., ete. Relativamente a jornaes scientificos, poucos se pediram por ora, para nao avultar a despeza; porem as series completas de muitos sio de absoluta necessidade, pois nellas se acham insertas numerosas memorias de importancia sobre a geo- graphia e historia natural do Brazil, e cumpre que a Com- missio esteja em dia com esses trabalhos, para nao dar o triste espectaculo de isolamento scientifico e oa do que se tem escripto sobre 0 proprio paiz. O chefe da secgao astronomica requisitou autorisagao , que lhe foi concedida, para engajamento de um operario encar- regado de concertar, no caso de desarranjo , os instrumentos mathematicos da expedicio, 4 qual elle deveré acompanhar munido dos competentes apparelhos e ferramenta. Finda a commissao, esse artista sera de grande utilidade aqui no Rio de Janeiro, onde nao the faltara trabalho, cuidando dos instrumentos do observatorio astronomico, da repartic¢ao das lerras publicas, da escola militar, da academia de marinha, elc., que hoje ficam perdidos por falta de quem os concerte capazmente. Os instrumentos geodesicos sao hoje a causa da demora da partida da expedicio; foram promettidos para meiado ‘, COMMISSAO SCIENTIFICA BRAZILEIRA. 4ODS de Fevereiro proximo futuro, e duvidamos que a promessa seja cumprida : temos pratica neste assumpto , e conhecemos a grande difficuldade que ha em obter bons instrumentos de constructores acreditados, que nao os deixam sahir de suas officinas sem os haver antes conscienciosamente veri- ficado e corrigido, e determinado com a maior exactidao os coefficentes das quantidades constantes com que se tem de entrar em caleulo tendo por argumento as observacoes. SO assim poderam alcanear celebridade, e conservam desde longa data o seu credito, os nomes de Ramsden , Troughton, Dollond, Repsold, Ertel, as officinas da Escola polytechnica Viennense, elc. Concebe-se tambem que homens dessa plana nao se cansam em fazer instrumentos para armazenar ;. li- mitam-se unicamente a execular as encommendas que re- cebem. e€ mesmo a essas dao vasao muitas vezes por seu turno: assim Dollond levou cinco annos para dar os instru- ~ mentos do nosso. observatorio ; e quanto aos theodolitos para a Commissio de limites do Sul, foi necessario recorrer aos tribunaes afim de que fossem entregues quatro mezes depois do tempo promettido. A Escola polytechnica linha annunciado nos jornaes que por espaco de um anno nao receberia encommenda alguma, e sd por muito obsequio acceitou alguns pequenos pedidos nossos. Nao se julgue que taes delongas se restringem mera- mente as encommendas brazileiras. O observatorio de Green- wich mandou fazer em Munich uma objectiva para um te- lescopio , a qual lhe foi entregue passados cinco annos, Muita gente, mesmo sensata, estranha que se nao tenha comprado instrumentos ja promptos, os quaes se encontram no mercado em quantidade: observaremos que esses sao _ proprios para pilotos, que nao carecem de grande exactidao ; - porém trabalhos como os que se exige da Commissao explo- radora devem reduzir os erros inevilaveis ao minimo , porque elles se multiplicam, e no fim de algumas leguas podem 4O6 REVISTA BRAZILEIRA. fornar inuteis as observacdes. Além disso, ja la se foi o tempo em que um Eschwege inventava “Fpl: dizendo: « Quem as verificara? » Accrescentaremos finalmente que a anoxia é nossa, € menos no Brazil do que na Europa, onde a no- ticia da Commissao exploradora foi muito bem acolhida: sirva de prova, alem de varios artigos nos periodicos, o trecho de uma carta do sabio presidente da Academia das sciencias do Instituto de Franga, o Sr. Izidoro Geoffroy Saint-Hilaire, que se exprimiu nos seguintes termos: « O Instituto recebeu com viva satisfacao a noticia da nomeacao de uma Commissao exploradora no Brazil, e ex- primiu por parte da sciencia a sua gratidao para com um mo- narcha que mostra tanto interesse em promover Os progressos della no seu imperio. » Rio de Janeiro, 4 de Dezembro de 1857. Dr. GUILHERME ScHUCH DE CAPANEMA. a. POESIA 0 GIQUITIBA DA SERRA DE SANTA ANNA. SSD BRASILIANA DEDICADA AO DR. FRANCISCO FREIRE ALLEMAOQ. I. Quando o Tolteca do polar deserto Para o gremio do sol movéra 0s passos ; Quando Hobo cruel, a luz do Cancer, No imo ardente calcinava a iifancia, Como outr’ora em Carthago o deus Saturno ; Quando Colombo os deltas do Orinoco Ovante perlustrava, ja 6 Tamoyo No pino altivo do virente monte Teu vulto contemplava , dominando O flanco alpestre do Tingua fronteiro , E os valles, e as collinas, e as planicies. E o campo azul do dilatado Oceano, Que ao longe empanam duvidosas nuvens, Labeo do fraco que aspirava o mando Teu cimo fora, quando a tribu acephala Trocava © sceptro pela flecha alada, Que em recto surto no teu cimo ingente Abatia o colibrio variavel , Entre as flores mimoso bandoleiro. 408 REVISTA BRAZILEIRA. II. A mio do colono, o ferro empunhando , Da obra do tempo ignara zombando, — No chao baqueou O filho da terra, ‘Tiffio da espessura Que ao gremio do sol altivo elevou A nobre estatura. De sobre a montanha florida atalaia, — Co’a fronte media dos longes a raia; Seu porte avistava Saudoso tropeiro, que as horas da calma Contente, risonho, alli repousava, Creando nova alma. As leguas cansadas, ea base do céo Coberta de nuvens, de cérulo véo, Brioso media ; Seu passo dobrava, dobrava a pujanca, Que_o grande madeiro, seu hospite e guia Lhe dava esperanca. Aquelle que 0 raio nao pode vencer O vimos ao braco de um bruto ceder: Das nuvens cahiu O fero gigante, outr’ora tio fausto ! A flamma seu vulto a po reduziu Km grande holocausto. No flanco da rocha batendo medonho A rocha no rio rolou como um conho ; O céo borrifaram As aguas do valle em franjas ardentes, Nee . O GIOUITIBA, E as ondas curvando alli rebentaram Ruidosas, frementes. Assim cascavel na relva escondida Assalta o cacique, devora-lhe a vida; . O rei desconhece , E lanea por terra tao grande entidade, A gloria aniquila, os louros fenece E a magestade ! IHL. Como um gigante horripilado, as auras Co’a fronte hirsuta, serpeando os bracos, Eu o vi na montanha: a copa excelsa Floreava ao tufao, nuvens cardando : E do monte surgia, qual se eleva Desmedido condor supino aos Andes. Nunca 0 vigia da mourisca plaga Mais alto se elevou, nem campanario Que o Rheno mede da altaneira grimpa, E Waguia alpina se equipara ao vdo. Rei da montanha, amesquinhava o bosque , Quando, supino, no ambiente lucido Sombreava o perfil, e Ja nos longes , Na montanha azulada e nos convalles Saudava as caravanas tintinantes Dos tardos lotes, que o poento guia Cantando impelle 4 turbulenta cdrte. Vi a nuvem do céo toucar-lhe a fronte De translucida facha. e caroavel Banhar-ihe os membros de vital conforto, Infundir-Ihe no cerne evos sem conta; 409 410 REVISTA BRAZILEIRA. Erguel-o esbelto as regides ethereas , Para orgulho da selva millenaria , Para assombro do homem, que por elle Aos céos subia cum olhar sémente. Quem do solo varreu seu vulto augusto, E em seu throno assentou rasteira messe ? ! IV. Pejada nuvem de medonhos raios O seu ser respeitou : evos ingenitos Co’a natura, de annaes que o ceo colhéra, Ao embate continuo das tormentas, A furia do pampeiro, nao poderam Unir-lhe 0 tope ao chao, vel-o um prescito Zoas , que beija a terra fulminado. Firmado, como o sol, dos feros Euros Constante triumphou: nunca seu tronco Levemente tremeu ao largo impulso Do flanco do tapir, quando, pungido Da mutuca, dispara e no trajecto Estala os troncos, a raiz revolve , Marca a senda ruinosa, mil segures No passo vence, e sobre 0 chao descreve A rota immersa, o fabulado impulso Do ingente minhocao, que estala as pedras, Desvia as aguas, eshoroa os montes. Como eras bella portentosa mole Da devesa, e do vate que te vira —Briareo da floresta — aleando os membros Em extasis perpetuo ao céo formoso, E aspirando no céo perpetuo lume, O GIQUITIBA, AAA Grandeza e magestade! e meigos zephyros E as aves e as fléres nessa fronte Odoras harmonias derramarem. Mil vezes, ao rugir dos vendavaes , Vi teu vulto bradir no ar as franc¢as Como aguia amazonia dormitando Em aura etherea, deslembrando 0 cibo. E sorrindo a tempestade , Como na estacao de amores, A serra toda juncavas Com tuas mimosas flores. Os ventos furibundos , Os mestos turbilhdes De horrendos furacdes , Terror da terra e mar, Em roda do teu throno Humildes circulavam , Humildes se amainavam , Morriam de cansar ; Co’a copa grandiosa Que em brincos floreavas , Os raios perfumavas Com teu brasileo odor ; E a voz aterradora Do temporal medonho Ouvias como um sonho, Como um carmen de amor. 28 4A2 REVISTA BRAZILEIRA. V. O monte nao cordas, nao alegras O filho d’Ouro-Preto , nem 0 servo Mensageiro, o Goyano que ledo te saudava Das fronteiras da patria. Eras a estrella Derrante peregrino, 0 pouso ameno Do incansavel poento boiadeiro ; A balisa de amor, 0 marco aereo Do lesto viandeiro. Em yao teu porte Magestoso demanda o viajante , Em vao a serra 0 pede, como outr’ora Brilhante nos Botaes. Ah! nao o encontra! Infeliz, 0 nao vé, qual vi risonho Do alto do Simplao, na bella Italia, O bronze de Baveno abencoando Da marmorea montanha o lago ameno E as ferteis veigas da lombarda gente. A perda inopinada do que amamos Num tristonho deserto a vida envolve ; No fertil campo das visdes, no bereo Amoroso da ardente phantasia, No gremio da saudade, retrahida Fica nossa alma a prantear; e geme Ante a gleba afflictiva que acoberta A doce imagem que comnosco vive Nos thesouros donosos da memoria Vi. Quantas vezes 4 sombra impervia, odora, Do florido colosso, ao lume esquivo O GIQUITIBA. 443 Da tacita Lucina, alli, contentes Vincularam ¢os os labios duas almas Ardentes coracdes, longe do mundo, Deslembrados da terra, sds, felizes , Como as aves que dormem sobre a nuvem Que o vento leva as regides elysias ! Quantas vezes, 0 tronco, tu do alto Igualmente amoroso coroaste Esta doce effusio, esta ventura , Cum chuveiro de fléres, sem que o sonho, O doce devaneio entrecortasse Pio agoureiro de sinistras aves? A tua larga sombra, o vate e o sabio Em delirante arroubo quantas vezes Na esponja cerebral nao embeberam Esse nectar de luz que o céo derrama , Essa fluida harmonia que constante A natura ridente e magestosa No seu seio fecundo altriz renova? E apds, rolando os olhos pelos valles , Pelas navas que vao no mar perder-se , A imagem viam grandiosa e bella Do panorama insolito da esphera De teu reino sem par, 0 rei da selva! Agora, sO na tela imaginaria Do amigo espaco vejo a larga umbella Protectora da selva espadanar-se ; E o polvo immenso da raiz, que 0 monte Com mil bracos herculeos abragava, No chao, troncado , irradiar-se putrido ; E o tronco, que vencia os obeliscos De Memphis, pela terra envolto em cinzas. 414 REVISTA BRAZILEIRA. Pode o ferro de um bruto mais que o tempo! A nova gente, a geracao futura, Nunca mais 0 vera! Maldita seja A mao profana que levanta o ferro, E tala insana com brutal sevicia O padrao millenario da natura , E insulta a terra, que coréda a relva, E ao homem pede da cultura a graga. VIL. De aligeros cantores verde lica N’Arcadia aerea quantas vezes foste . Antes que o Indio, teu collaco, as brenhas Pedisse asylo contra o ferro luso? Quao bello te ostentavas, quando a avicula Princeza da floresta ahi pousava Sorrindo @ luz da aurora, saltitando Na florente alcatifa, e retinindo Seus floreios risonhos; quando 4 tarde Ceruleos tingaras ledas choréas Por tuas niveas fléres espargiam, E as fléres n’um conjuncto harmonioso Ao céo mandavam perfumado accento ; Quando ao reclamo do canoro encontro Formosos gaturamos respondiam Com seus aureos gorgeios; quando, oh tempos Da virgem natureza, em tua copa Co’a tromba alada buzinava aos ares O supino tocano, resplendendo A mursa imperial entre as bromelias Que teus bracos ornavam, como enfeitam Do gentio garrido as varias pennas ! iA. O GIQUITIBA. 4A5 Dir-se-hia que Ganeso do Himalaya Alli vinha saudar o céo brazileo. Qual ponto cardeal d’ave emigrada , Ou cabo que a derrota verifica, Eras tu sobre a serra dos Botaes, A meta do descanco e (alegria. Eras 0 pouso do nocturno gallo Que a verde esquadra dos says dirige: Da escamigera fanagra, do quazi, De rubros tapirangas, Warapongas, Cyclopes da floresta. Nos feus ramos Nao mais veremos, repicando as azas, Pendendo 0 corpo, como o proprio ninho. O canoro jap soltando endeixas ; Nem tao pouco o sublime sabidsica Que as aves falla em gorgeados hymnos. : Ao homem co’a palavra animadora, , E imita os uivos das cruentas féras ! No arbusto fronteiro, ao largo espaco Que outr’ora preenchias grandioso , Mosqueadas nogueras , compungidas , Irao chorar e a rola gemebunda Tua ausencia sem fim, sem lenitivo. Na memoria do vate e no instincto D’avicula celeste, como um sonho, 0 teu porte frondoso, altivo e bello, De amazonia grandeza, se retraca. Para mim vivirds, pois que em meu album Em vagas linhas te guardei fatidico ; Nesse livro em que o lapis vence a lyra Quando a lyra contorna a natureza. Alli ao tronco alpino avizinhado , 4AG REVISTA BRAZILEIRA. Que a neve bebe co’a raiz marmorea , E de auroras boreaes corda 0 vertice; Junto ao valle amoroso de Alba-lunga, Ao platano do Tibre, as veigas do Arno, Saudoso ficaras, como essas paginas Que em meus olhos embebem caroaveis, Delicias que se foram, juventude! VII. Embora sobre a giba acroceraunea Do soberbo Tingua o sol fagueiro Se debruce mil annos radiante : Sobre o monte despido nao te encontra A luz que te animara em almos dias, Que bondosa a seu gremio te achegava, Para mais te avultar; que a tua sombra No infinito langava quando a aurora Nos valles duvidosa se espalhava, Ou quando entre listdes de fogo a tarde Ao mar de Nictheroy a conduzia! Como em ermo infecundo, no teu solio O vento ora perpassa, e nem sibila! Auras de amor, estereis, se deslisam Sem colher em teu seio odoro a vida. Vedaram-te o libar eternamente Beijos de luz no thalamo dos astros, E os mimos encendidos , feiticeiros , Dos zephyros vernaes, que em tuas flores Com pronubas meiguices derramavam Formosura sem par, amor e vida. Sobre tanta grandeza agora passa 0 GIQUITIBA. Tristonha a vista, o coracao lanhado ! No feio descampado ora mal vinga Mesquinha palma de barbado milho , E a consocia da relva, flor silvestre. O fauno da floresta, a simia astuta, Alli nio dancara; nem o barbado. Sultio da relva, cantara monotono Espumante cancao entre as esposas. Ao mudo passo do precauto joven Que a espingarda’ lhe aponta, a fugaz prole Nao irda esconder-se “entre as grinaldas Que a terra descem pelo tronco, e subita Em salto areo se retrahe ao tiro, Galgando o valle e a cerrada matta Onde eterno crepusc’lo se alimenta. Hoje meus olhos no vingar a serra Tua imagem nao véem, patriarcha Da virginea devesa, que o teu vulto Do céo volveu ao chao, do chao ao nada! Choram-te as aves, tao somente as aves, AAT Que a estulticia em delirio, em rude applauso, Tua guéda exaltou, tripudiando ! Envolto em trevas, n’um culpado olvido Nao te deixo morrer; pois tantas vezes Arroubado de encantos, plena a vista De tanta magestade, contemplei-te. Jo serds transitorio monumento Na vida do meu ser contemplativo , Nem aos olhos do mundo, como nuvem Que no céo descreveu seres informes , Passaras. Sim, nao vives mais na terra, Mas vives na memoria do teu vate : 418 REVISTA BRAZILEIRA. Sera teu epitaphio este meu canto, Canto de indignagio e de saudade, Que impreca o brago iniquo, o feroz brago De teu algoz, Gigante Americano. OBLATA. A ti, modesto Freire , antiste amavel Do templo da natura, este meu canto Na rude selva escripto hei dedicado. Consente aqui teu nome, illustre amigo. Deus infinito e bom quiz em teu seio Casto amor infundir, perpetuo, immenso, E a teus olhos abriu a natureza Formosa e bella, variada e grande. As flores fez-te amar como o colibrio, E no tronco altaneiro achar a escala Que o ser eleva as regides celestes. Esposaste uma flor, e a flor deu fructo, E esse fructo, meu Freire, é tua gloria. S. Pedro, 14 de Dezembro de 1845. Porto-ALEGRE. ASTRONOMIA. RELATORIO Dos trabalhos executados pela Commissdéo astronomica encarregada pelo Governo Imperial de observar na cidade de Paranagua o ' eolipse total do sol que ahi teve logar no dia 7 de Setembro de 1858, A importancia scientifica da observacao deste interessante phenomeno nao podia deixar de manifestar-se no Brazil , onde devéra ser apreciada em grande parte do seu territorio, e principalmente no Rio de Janeiro, que goza da immediata influencia do alto Protector das sciencias, ¢ possue ja um nascente observatorio astronomico. Assim, dous artigos ap- pareceram logo nas folhas publicas desta cidade, um delles indicando Cananéa, e o outro Iguape como o logar da costa onde se deveria’ observar a phase total e central do eclipse. No dia 24 de Julho o Sr. director do observatorio apre- sentou ao Governo Imperial uma tabella de seis pontos da linha central, os mais proximos da costa, e indicou o porto de Paranagua como apropriado para a observacao do eclipse, visto que o Governo estava deliberado a mandar uma com- missao astronomica para esse fim. Em 4 de Agosto teve-se conhecimento por meio de Mr. Emmanuel Liais (astronomo do observatorio imperial de Paris, chegado da Europa a 29 de Julho, em commissao scientifica) de um novo calculo do mesmo eclipse, feito por Mr. Carrengton, astronomo inglez, fundado sobre as taboas 420 REVISTA BRAZILEIRA. lunares de Hausen, recentemente publicadas na Europa; e, comparando a linha central determinada nesse caleulo com a calculada pelo Sr. director do observatorio do Rio de Ja- neiro, achou-se ficar ella um pouco ao sul desta, porém ainda no porto de Paranagua; e por esta razao nenhuma alteracao se fez a tal respeito. Em 6 de Agosto nomeou 0 Governo a commissao astro- nomica, composta dos Srs.: Conselheiro Candido Baptista de Oliveira. Dr. Antonio Manoel de Mello, director do observatorio. Dr. Emmanuel Liais. Capitao Francisco Duarte Nunes. Dito Bazilio da Silva Barauna. Dito Rufino Enéas Gustavo Galvao. Tenente Jeronymo Francisco Coelho. (Ajudantes do observatorio). Em 18 de Agosto partiram deste porto quasi todos os membros da commissao na corveta a vapor Pedro I, le- vando os instrumentos astronomicos e physicos necessarios. Em 20 de Agosto chegou a corveta a Paranagua, e 0s seus habeis officiaes prestaram-se de bom grado a tomar parte nos trabalhos da commissaio; reunindo-se a esta como ad- juntos os seguintes Senhores: Capitao-tenente, commandante, Theotonio Raymundo de Brito. 1° tenente, immediato, Carlos Augusto Nascentes de Azambuja. 90 dito Francisco Jorge da Silva Araujo. 2° dito Geraldo Candido Martins. Commissario Francisco de Paula Sena Pereira. Escrivao Francisco Dias da Motta Franga. Em 23 de Agosto, que foi.o primeiro dia de hom tempo, fizeram-se as observacdes preliminares indispensaveis , para ECLIPSE DO SOL. 4Qh determinar o ponto da linha central do eclipse, no qual se deveria estabelecer 0 observatorio. Achado este ponto na longitude de 48° 26’ 58”,95, a oéste de Greenwich, e latitude austral de 25° 80° 33”,24, corres- pondendo 4 casa de campo do Dr. suisso Carlos Tobias Rei- chsteiner, situada a beira-mar, e sendo essa casa cedida a commissao pelo seu proprietario, estabeleceu-se 0 observato- rio no jardim da mesma. Em 27 de Agosto concordou-se em distribuir todo o pessoal da commissao por tres differentes estagdes, alem do observa- torio central, a saber: 4° estacao, na Campina, posicao situada serra-acima, na distancia de cerca de 12 leguas a oéste do observatorio central, e no limite sul da facha do eclipse total. Esta estacao foi confiada aos Srs. capities Galvao e Barauna, que para alli partiram no dia 314. 2@ estacao, na ilha dos Pinheiros, distante do observa- torio central cerca de 8 leguas a nordeste, e proxima do limite norte da facha do eclipse total. Esta estacao foi con- fiada aos Srs. capitaio-tenente Brito e 2° tenente Araujo , que para alli partiram ne dia 4 de Setembro. 32 estacko, a bordo do vapor Pedro II, fundeado a du- zentas bracas para N. N. E. do observatorio central. Esta -estacao foi confiada ao Sr. 1° tenente Azambuja. Em 4 de Setembro, tendo chegado o resto da commissao na canhoneira a vapor Tiefé, entraram em o numero dos adjuntos mais dous habeis officiaes de marinha, os Srs. 1° tenente, commandante, Caio Pinheiro de Vasconcellos, e 2° tenente, immediato, Augusto Netto de Mendonga. No dia 6 de Setembro 4 noite o céo se achava encoberto , como se tinha conservado desde 25 de Agosto, tendo sido raros os dias em que nao choveu, eo mao tempo que ainda ameacava quasi que fez perder a esperanga de se poder observar 0 eclipse na manhia do dia seguinte, 422 REVISTA BRAZILEIRA. No dia 7 de Setembro, as 6 horas da manhaa, foram collocados os instrumentos nos logares anteriormente pre- parados e ensaiados, apezar do ceo se conservar encoberto. A’s 7 horas choveu por alguns minutos, ficando expostos a esse aguaceiro os observadores e os instrumentos: depois disto comecou a clarear, e os observadores aguardaram 0 phenomeno na disposicaio seguinte : Na extremidade de O. do jardim o Sr. Mello observava com o refractor do equatorial do Rio, montado parallatica- mente, mesmo na estacao, e munido de um micrometro de posicao; perto delle, o Sr. Nunes observava com um theo- dolito de Gambey, e o Sr. Vasconcellos com um sextante ; na proximidade destes observadores 0 Sr. Netto contava no chronometro. A alguns passos do grande equatorial, o Sr. Baptista de Oliveira observava com um cometoscopio montado paralla- ticamente; um pouco mais longe o Sr. Coelho servia-se de um bis refractor; perto deste o Sr. Sena Pereira observava no pyrheliometro e no actinometro. Na extremidade E. da estacao Mr. Liais servia-se de um instrumento parallatico , composto de quatro oculos refrac- tores parallelos, afim de que o sol apparecesse em todos ao mesmo tempo, e um desses oculos, de 2,184 metros de foco, podia receber um caixilho photographico ; outro oculo continha divisdes, e 0 mesmo pé sostinha um photometro. Perto de si Mr. Liais tinha uma colleceao de polariscopios, um theodolito, um apparelho para as rajas do spectro e um chronometro. Um pouco atras deste, e na sombra da casa, o Sr. Martins observava 0 barometro, 0 thermometro funda eo psychrometro funda. Ema @in ECLIPSE DO SOL. 423 OBSERVACAO DOS CONTACTOS. Primeiro contacto exterior. Na estagao central de Paranagua, e na da Campina, as nuvens impediram a observacio do 4° contacto. Na ilha dos Pinheiros , pela latitude S. de 25° 23° 34”, e longitude de 11’ 6”,5 a E. da estacio central, ou 5° 8’ 46”,45 ’ a0. do Rio de Janeiro (longitude referida 4 da estacao central por meio do chronometro e no espago de um sé dia) 0 4° contacto foi observado as 9° 36" 13°, No imperial observatorio do Rio de Janeiro, onde o eclipse foi parcial, 0 1° contacto teve logar ds 10" 4™ 22° 5. No observatorio do arsenal de marinha de Pernambuco observou-se esse phenomeno ds 10° 27" 47°. Primeiro contacto interior. Na estacao central de Paranagua este contacto foi notado pelos Srs. Mello e Nunes as 14" 0" 24°,8. A bordo do vapor Pedro IT notou o Sr. Azambuja este mesmo contacto as 11° 0" 24°,9. A differenca entre esta ob- servagao e a dos Srs. Mello e Nunes poderia provir de ir- regularidade na marcha do relogio de segundos do Sr. Azam- buja, pois que o chronometro de bordo tinha sido levado para os Pinheiros pelo commandante do vapor. Na estagao dos Pinheiros 0 1° contacto interior teve logar ag 44" 4" 46',21. Na estagao da Campina, situada aos 25° 30° 44” de la- titude S., e pelo chronometro a 23’ 37”,5 para O. da estacao central, ou 5° 43’ 30”,45 a0. do Rio de Janeiro, este 1° contacto interior teve logar 4s 10" 59” 5. Infelizmente nao pode a hora do chronometro ser deter- minada no mesmo dia do eclipse, porque o sol apenas 4Qh REVISTA BRAZILEIRA. mostrou-se por alguns instantes no momento da obscuridade total e no derradeiro contacto. Segundo contacto interior, Na estacao central, a bordo do Pedro II, foi 0 2° con- tacto interior notado pelo Sr. Azambuja as 14" 4" 33°,3. Os outros observadores da estagéo nao o notaram, sorprendidos durante as suas observacdes physicas pela reapparicao do so] muito antes do que indicavam os calculos. Na estacio dos Pinheiros 0 2° contacto interior teve lo gar as 14° 4” 46°,21. Na estacao da Campina este contacto teve logar as 10° 59" 6°, e a obscuridade ahi durou menos de um segundo. Ultimo contacto exterior. Na estacao central o ultimo contacto foi notado pelos Srs. Mello e Nunes a 0" 28” 32°,8, por Mr. Liais a 0° 28™ 40°,6, e no vapor pelo Sr. Azambuja a 0" 28™ 40° ,4. Por projeccao foi notado sobre o vidro hago por diversas pessoas a 0° 28" 36°. O Sr. Mello observou que este ultimo contacto teve logar’ a 35° do vertical do sol para léste. O Sr. Nunes observou no theodolito uma serie de alturas do sol na proximidade dos diversos contactos , além de outra serie de alturas em diversos instantes do eclipse , que tam- bem foram observados no sextante pelo Sr. Vasconcellos, Estas observagdes poderam servir para o estudo das re- fraccOes anormaes, que a distribuigao especial da tempera- tura durante o eclipse pdde produzir. Nos Pinheiros 0 ultimo contacto nao pdde ser observado por causa das nuvens que encobriram o sol. Na Campina o ultimo contacto teve logar a O° 25" 5°. — ~~. es 4) . ECLIPSE DO SOL. 45 No observatorio do Rio de Janeiro foi este contacto a O° 547 18',5. Em Pernambuco 0 ultimo contacto observou-se a 0" 54™ 1415. PASSAGEM DA LUA SOBRE AS MANCHAS DO SOL. As manchas solares foram observadas e desenhadas no palacio imperial de S. Christovao nos dias 25 de Agosto as 8’ 30" da manhia, 27 as 2" 45" da tarde, 30 as 3° 30" da tarde, 34 as 9° 30" da manhaa, 2 de Setembro as 40" 30" da manhaa, 3 das 9° 15" as 9° 45" da manhaa, e 4 as 44 horas da manhaa. De 4 até 7 0 estado do céo nao foi favoravel, ao menos nas horas em que oultras occupacdes nao distrahiam a attencao do observador. A comparacao desses desenhos faz notar grandes va- riagdes na forma, numero e disposicdes das manchas, o que indica que nesta época a superficie do sol estava em grande agitacao. No dia 3 viu-se uma mancha assas consideravel e redonda perto do centro do astro, dividida por uma lingueta da sub- stancia brilhante da photophera. No dia 4 esta mesma mancha, ja sem o traco brilhante , havia tomado a forma de losango, com os lados um tanto curvos; forma que foi igualmente notada em Paranagua du- rante um breve ciareamento do céo. Esta mancha estava rodeada de muitas outras mais pequenas. Na manhaa de 7 de Setembro esta mancha era visivel a olho nu, na parte sudoeste do sol, sendo precedida de um grupo de pequenas manchas e seguida por outro composto de numerosos nucleos em uma grande penumbra. Viam-se algumas faculas pouco brilhantes perto destas manchas, e 0 pontuado do sol era muito notavel e ondulante. Na estacaio central de Paranaguéa notou Mr. Liais que o limbo da lua se achava em contacto com a borda da pe- 496 REVISTA BRAZILEIRA. numbra do grupo de manchas mais proximo do centro do sol as 10" 13” 32°,4. Notou elle mais que, 4 medida que o limbo da lua ia cobrindo a penumbra, parecia que esta mudava um pouco de forma, achatando-se o seu contorno parallelamente ao limbo da lua. Uma semelhante apparencia se reproduziu na segunda parte do eclipse, na reapparicao das manchas ; tendo sido feitas estas observagdes com a amplificacao de 300 vezes. O observador entende que nesta apparencia existe um effeito de irradiacio ou de contraste, ou talvez de difraccio, ou mesmo de refraccao anormal. O Sr. Coelho notou que no momento em que o limbo da lua ia oceultar as manchas, estas nao mostravam alguma variagao de in- tensidade, como teria logar se houvesse a interposicao de uma atmosphera lunar. No imperial observatorio do Rio de Janeiro, onde obser- vyavam os Srs. ajudantes capitao José Francisco de Castro Leal, tenentes Joao Baptista da Silva e Glicerio Eudoxio da Silva Bomfim, notou-se que a mancha do meio, da forma de losango arredondado, que era vizivel com um bom oculo, e de cor escura, foi eclipsada as 10" 25". A terceira mancha, de forma oblonga e composta de pequenos nucleos em uma grande penumbra, foi eclipsada as 10" 30" e 8°. Alem dos grandes grupos de manchas, notou-se tres outras pequenas, circulares e dispostas em linha recta, que foram successiva- mente eclipsadas: a 4°, ds 40"e 57™; a 2%, as 10°, 57” e 44”: e a 38, as 10°, 59" e 58° 5. Todas estas manchas pa- reciam gradualmente mais distinctas e augmentando de gran- deza A medida que a lua avancava, tendo logar a apparencia contraria quando a lua se retirava. No palacio imperial de S. Christovao observou-se, visando o sol por um poderoso oculo munido de vidro verde, que quando a lua se approximou da grande mancha e da se- cuinte, pareceu ver-se espalhada sobre ellas uma cor ama- 4 tus OE ae a ae a ee ECLIPSE DO SOL. 427 rellada. Esta cor pareceu dispersar-se logo sobre 0 grupo das pequenas manchas, quando a lua cobria ja a metade da grande. Em Paranagua Mr. Liais notou sobre o nucleo negro da maior mancha nuvens assas numerosas, que permittiam ver 0 nucleo central do astro, como ja anteriormente assigna- laram os Srs. Darres e Sechi. Esta mancha apresentava tambem sobre a borda um grande chanfro, que nao se reproduzia na penumbra. Ella mudou notavelmente de forma do dia do eclipse para o seguinte. VISIBILIDADE DA LUA FORA DO CONTORNO SOLAR. No principio do eclipse a lua foi vista na estacao central fora do contorno solar. Com um refractor de 4 polegadas de abertura, o Sr. Mello viu os seus arcos no prolonga- mento do crescente solar durante 4 ou 5 minutos. Mr. Liais, que tinha quatro oculos sobre 0 mesmo pé, nao pdde ver este prolongamento em um oculo de duas polegadas e am- plificagao de 60 vezes, nem no seu oculo dividido; porém _ no menor dos oculos, que amplificava 30 vezes, elle pode : seguir 0 contorno da lua fora das pontas do crescente solar, até uma distancia de 7 a 8’, sobretudo perto da ponta appa- rentemente inferior. Com o oculo de 3 polegadas e a amplificagao de 179 _ vezes, elle viu 0 prolongamento da lua por 1 a 2 minutos do lado da ponta apparentemente inferior. Estas observagdes tiveram logar entre 10" 7" e 10° 12”. Mais tarde 0 mesmo _observador procurou de novo, mas nao lhe foi mais possivel, - tornar a ver o limbo da lua fora do contorno solar, No instante mais ou menos em que se faziam estas ob- servacdes, a imagem da lua projectada sobre um yidro _ baco, por um oculo de 3 polegadas e 2,184 metros de dis- 29 428 REVISTA BRAZILEIRA. tancia local, via-se toda inteira e distinclamente. Esta imagem projectada da lua fora do contorno solar parecia sobre o vidro baco mais branca do que a regiao vizinha do ceo. Esta apparencia foi ainda vista 4s 10" e 40", porém ja mais fraca, e algum tempo depois ja nao foi possivel tornar a vel-a. Um phenomeno muito singular e inteiramente novo que se produziu, foi a apparicao desta imagem sobre as photo- graphias do sol, tiradas 4s 10" 6" 56°. 4; 10" 8" 17° 9; 40° 10" 59°,6; e 10° 14" 36°,6. Esta imagem, principalmente sobre as duas primeiras , era muito apparente, ainda que fraca, quando as provas estavam ainda humidas, ao sahir do banho do acido gallico. Ainda se avistam os tracos sobre as duas primeiras proyas que nio entraram no banho de hydrosulphito de soda, para as desiodar, temendo Mr. Liais que esta operagao nao apagasse os tracos da imagem lunar, que elle desejava conservar. As mencionadas provas photographicas foram obtidas pelo processo sécco sobre vidro collodionado e albuminado, dando assim provas negativas onde a imagem da lua se apresentava | branca, o que indicava ser ella mais escura do que a regiao vizinha do céo, ao contrario do que se produziu no vidro 4 baco; porém sabe-se que a exposigao em muito breve tempo : da geralmente sobre o vidro provas positivas : ora, NO Caso em questao, a exposic¢ao nao passou de um decimo de se- : oundo, o que é insufficiente para o collodion sécco, a nao — ser o corpo brilhante como o sol. Isto da logar a pensar : que a prova da imagem lJunar podia ser positiva, e por conseguinte que a imagem da lua era mais brilhante do que $ a regiao vizinha do céo. ECLIPSE DO SOL. 429 _« A partir do 1° contacto, a lua, continuando sempre a sua marcha para leste, se mostrou perfeitamente redonda e obscura até as 10" 5” e 410°, instante em que ella se ap- proximava das manchas sombrias que se percebiam no sol. Noés notamos que o limbo inverso era mais claro, e que, depois que as manchas se encobriram, voltou ao resto do astro a cér obscura. » No observatorio do arsenal de marinha de Pernambuco os Srs. capitao de fragata Eliziario Antonio dos Santos, 4° tenente Manoel Antonio Vital de Oliveira e 2° tenente Manoel Antonio Viegas, dizem que logo depois do 1° contacto elles poderam distinguir claramente o disco de um corpo opaco que invadia o limbg do sol, e notaram tambem que no momento da maior phase a parte eclipsada nao era muito escura. . COLORACAO DO CEO, DO MAR E DOS OBJECTOS TERRESTRES DURANTE O ECLIPSE. Em Paranagua notava-se na estacao central desde as 10" e 27" que os rostos das pessoas tomavam a cor bronzeada e um tanto cadaverica, e que geralmente todas as cores es- tavam alteradas. A’s 10" 40” 0 céo tinha tomado acima do sol essa cOr azul-escura que no crepusculo das regides intertropicaes se faz notar entre 0 1° € 0 2° dos arcos cre- pusculares. Perto do horizonte de léste a cor ainda era azul-clara ; para o norte e abaixo do sol viam-se nuvens brancas de uma cdr singular: os seis decimos do céo, proximamente, estavam entao descobertos e os altos das montanhas ne- voados. Mais proximo ainda da obscuridade, as 10" e 55”, 0 mar tinha tomado a cor amarellada, e 0 azul do céo se achaya sombreado. A natureza mostrava um aspecto extraordinario e indefinivel. 4.30 REVISTA BRAZILEIRA. A bordo do vapor Pedro IT, 0 Sr. Azambuja notou que a cor amarellada se tornava predominante a partir do quarto do eclipse e 4 medida que o ar ia escurecendo. Elle notou particularmente que as aguas da bahia tinham a superficie cor de enxofre, e que a espuma, proveniente da maré que enchia, apresentava a mesma cOr mais pronunciada. Depois da obscuridade total notou elle que ao descobrir-se 0 sol voltaram os objectos 4 mesma cér amarella que antes tinham, 4 excepcao da espuma do mar, que nao apresentou mais a cér de enxofre. A’s 40° 55™ Mr. Liais examinou as rajas do espectro for- necido pela luz do dia, e nellas procurou especialmente as variacoes que tinha notado no eclipse de 15 de Marco de 1858, mas nao viu o grande enfraquecimento da luz violeta que entao notara; porém achou que a luz amarella tornava- se mais predominante do que no principio do phenomeno , e que as rajas nao tinham variado. Na ilha dos Piuheiros, os Srs. Brito e Araujo notaram is 10° 29" 47° que as montanhas e omar do lado de O. co- mecaram amudar de cor, tornando-se de um verde ama- rellado, cor esta que tomavam todos os objectos de O. para E., 4 medida que o eclipse progredia. As 10" 29" 50° todos os objectos collocados a oeste do logar em que observavam tinham tomado esta mesma cér, entretanto que os de léste ainda conservavam as COres naturaes. Na proximidade do eclipse total dizem elles: « A sombra dos nossos corpos era de uma cor escura, sobresahindo sempre sobre a cor amarellada do terreno. A cor que cobria os objectos neste momento era em geral mais escura e dava aos rostos a tintura cadaverica, sendo esta mais pronunciada as pessoas mais morenas do que nas mais claras. A’ medida que se operou a emersao, a cor dos objectos de oeste clareou gradualmente , seguindo a luz no mesmo sentido que seguira a obscuridade na occasiao da emersao. » : : ; ‘ ® ite, ‘eel sa ECLIPSE DO SOL. 43 No palacio de S. Christovao ag 11" 44” foi notado no céo um aspecto cor de chumbo azulado, 0 qual tornowse mais sombrio as 14" 44™, No observatorio do Rio de Janeiro notou-se que a sombra dos corpos projectada sobre os muros brancos tornava-se de cor cinzenta, e que as cores dos objectos ficavam ama- rellas; achando-se todo 0 horizonte nevoado . eo do norte mais carregado. Em Pernambuco notou-se que durante a maior phase a luz do dia se tornou pallida e brancacenta. ESTADO DO CONTORNO DA LUA, CONTAS DE ROSARIO. O contorno da lua projectado sobre o sol apresentou em Paranagud, como no observatorio do Rio de Janeiro e no palacio de S. Christovao, uma regularidade notavel. Nao sé via, com amplificacdes inferiores a 100 vezes , algum ponto saliente. Com a ainplificacao de 302 vezes, Mr. Liais, perto da ponta do crescente apparentemente inferior, des- Cobriu montanhas muito baixas e alongadas : 0 resto do con- lorno, mesmo com esta amplificagao , parecia assis regular , € eram entao 10" e 27". Apezar do perfeito ajustamento da ocular sobre o limbo do sol, e nao obstante esta regularidade apparente do limbo da lua, que parecia completa, observou o Sr. Mello no seu refractor de 4 polegadas de abertura e 72 vezes de am- plificagao 0 phenomeno das Baily-Beads. No momento em que o sol ia desapparecer, 0 limbo da lua recortou-se, e esses recortes separaram , como perolas, 0 delgadissimo crescente solar. Na reapparigao do astro o mesmo phenomeno se repro- duziu em sentido contrario, Este phenomeno dos Baily Beads nao foi notado no oculo de 3 polegadas e de 2”, 184 de foco; neste o crescente 432 REVISTA BRAZILEIRA. solar desappareceu rapidamente, approximando-se as ex- tremidades. Sua infensidade, comtudo, nao pareceu igual em todas as mais partes, tanto quanto se pide julgar em um phe- nomeno de tao curta duracao. Durante a totalidade do eclipse foi notado que as pontas do crescente foram sempre bem claras e afiladas , sem nunca manifestar alguma deformacao. Esta observacao foi feita no palacio' de S. Christovao , no observatorio do Rio de Janeiro, como em Paranagua, e nestas estagdes procurou-se cuida- dosamente avistar alguns pontos luminosos ou fulguracao sobre a lua, mas nada se notou. INTENSIDADE DA LUZ DO SOL SOBRE OS LIMBOS DO ASTRO. A reapparicao do 1° ponto solar, vista a olho nu, produzia o mesmo effeito que a illuminacao pela luz electrica. As som- bras dos corpos se apresentaram muito bem pronunciadas, e 0 pequeno ponto solar péde ser por 2a 3 segundos visto a olho nu. Elle produzia sobre a retina exactamente o effeito do radiamento da luz electrica. Nao havia a menor scintil- lacio, e na estacao central, sobre os muros brancos da casa vizinha, bem como na dos Pinheiros, sobre um panno branco estendido para este fim, nao se notou algum trago das som- bras moventes e coroadas descriptas por Arago na occasiao do eclipse de 1842, tanto no principio como no fim da obscuridade total. No palacio de S. Christovao a mesma observacao teve logar, e ainda com resultado negativo. Quando appareceu o 1° ponto solar o Sr. Mello supportou- lhe o brilho a olho nu no seu refractor por 1 a 2 segundos, mas foi logo obrigado a empregar o seu vidro corado, no qual viu outra vez 0 sol formado de perolas, e depois 0 limbo da ' — "i oe ECLIPSE DO SOL. 433 lua recortado como uma serra, € esse limbo se tornou outra vez liso logo que se afastou pouco mais. Aos 6 a 7 minutos antes da obscuridade total, quando o crescente solar estava mutto reduzido e a intensidade da luz atmospherica muito fraca, Mr. Liais collocou sobre o seu oculo a amplificacao de 302 vezes, & depois, afastando do campo o crescente solar, A excepeao da extremidade de uma ponta , elle ensaiou se o olho podia supportar o brilho, e - isto com o fim de verificar se o limbo extremo do sol nao apre- sentava uma grande diminuigao de intensidade , como pa- reciam indicar, tanfo uma observacaio antiga de Halley, se- gundo a qual o crescente solar muito reduzido é vizivel a olho nu, como as photographias do sol obtidas em Paris por Mr. Porro com o. seu grande oculo. Mr. Liais fez esta observagao por duas ou tres vezes, © certificou-se que a olho nua poderia supportar , com algum incommodo, a imagem assim am- plificada de 302 vezes, com a abertura de 3 polegadas ; porém, temendo um deslumbramento que lhe obstasse a observacao do phenomeno principal que ia ter logar, dentro de alguns minutos elle deixou essa observagao. INTENSIDADE DA LUZ ATMOSPHERICA DURANTE 0 ECLIPSE TOTAL. O planeta Venus foi visto na estacao central as 10° e 54”, e na ilha dos Pinheiros as 40° 44" 45° de tempo local. No meio do eclipse viu-se ainda Venus na estagao central, e ainda Saturno, Syrio , Ganopo & tres estrellas ao sul, que pareciam ser @ & B do Centauro e @ da Cruz. Regulo nao foi visto; o Sr. Mello olhou especialmente por alguns in- stantes na direccao do meridiano onde devia achar-se , € nao a descobriu. Na ilha dos Pinheiros viram., aleém de Venus, 9 outras estrellas, uma a0. 5. O., outra a S. O., e tres aS. S. E. em 434 REVISTA BRAZILEIRA. rumo magnetico. Estes astros desappareceram pouco tempo depois da occultacao do sol. No observatorio do Rio de Janeiro mesmo , onde 0 eclipse foi parcial, foram vistos Mercurio, Venus, Saturno e Syrio. A obseuridade durante o eclipse totalem Paranagua nao foi grande, pois que se podia ler a escripta a lapis, e 6 céo nao era negro, porem de azul plumbeo-cinzento. Durante 4 obscuridade total a lua mostrava-se com disco negro ou antes azul cinzento escuro, sobre o qual nao se distinguiam as manchas do astro. A’s 10" e 30" tinha Mr. Liais observado as folhas das acacias de uma cerca vizinha da estacao central do eclipse, e ellas manifestavam uma leve tendenciaa se fecharem. A’s 10" e 55", alguns momentos antes da obscuridade, esta observacao foi repetida, e as folhas nao pareceram ter mu- dado sensivelmente depois das 10" e 30". Convem notar , comtudo, que a baixa temperatura que havia reinado nos dias anteriores, devéra ter diminuido a sensibilidade das folhas. : No Rio de Janeiro, onde o eclipse foi parcial, as folhas das nogueiras da Africa, plantadas perto do observatorio, comecaram a fechar-se, 6 ima sensitiva observada no palacio imperial de S. Christovao nao manifestou mudanga apre- ciavel. Neste ultimo logara luz parecia as 14" e 44" como as 6" da tarde, e ds 14° e 44" a obscuridade parecia ainda maior. Em Paranagua um papel albuminado e sensibilisado pelo nitrato de prata, como para a extraccao das provas pho- tographicas positivas, nao mudou sensivelmente de cor > sendo exposto durante 30° a accao do sol, entretanto que no principio e no fim do eclipse um papel semelhante se tinha tornado violeto pallido durante 0 mesmo tempo. No observatorio do Rio de Janeiro a obscuridade foi ob- servada com 0 photometro de Rumfard. ty 8 ECLIPSE DO SOL. 435 Os numeros seguintes foram obtidos , tomando por unidade a intensidade da luz solar no fim do eclipse : h m h in 10 Orie oe ee 14 BO er Se MO ADS, shi alii 98 Ad MI TTT, 88,0 BED? BO). 2 piss vc 98 0 ORAL YS 93,0 _| | RE eee 97,5 Dae GAGES er 94,0 MM Oi aceat} 94,5 Ls | aa a 95,0 44 1 cot ae 92,5 @ 43> )°. .~ 100,0 | ay ero 87,0 O. SS. >. -. - 100,60 COROA. Assim que desappareceu o ultimo ponto da photosphera solar, todos os observadores viram instantaneamente a coréa — luminosa que cingiu o disco da lua; a disposic&o que ella apresentava em seus raios era excessivamente complicada, e a curta duracao do eclipse nao permittiu a cada observador apreciar todas as particularidades ; assim, cada um con- centrou sua attencao sobre certas partes do limbo da lua ou sobre certos grupos de raios. Um primeiro facto perfeitamente estabelecido é a ausencia de annel definido, formado de luz homogenea, em torno do astro; ausencia notada por todos os observadores da estagao central. A cordéa apresentava uma degradacao apre- ciavel de intensidade , desde o limbo da lua até o seu limite vizivel. Esta degradacao era rapida a partir de certa dis- fancia do limbo do astro, e mais lenta depois. Os limites da expansio da coréa eram muito mal definidos. Em sua totalidade ella formava uma zona circular , cuja lar- gura, a partir do limbo da lua, tomava 28 divisdes do oculo de Mr. Liais, dividido em 33’ ,6. Do lado de léste notou este observador que ella se estendia de 4 a 5 minutos mais longe no prolongamento de um feixe de raios parabolicos que elle , . ; ) - 436 REVISTA BRAZILEIRA. notou alli. A olho nu a lua parecia orlada de um filete del- gado de luz amarella e pallida, cingindo-a como um annel em torno della; porém esta apparencia annullar nao passava da porcao mais luminosa da coréa vista no oculo. Sobre o fundo luminoso appareciam grupos de raios, que terminavam antes de chegar ao limite desse fundo. O fundo nao era uniforme, e parecia, segundo notaram os Srs. Bap- tista de Oliveira e Liais , ser formado de uma combinagao de raios de todas as naturezas, apresentando um pontuado variavel e scintillante como o da superficie do sol, sem que se percebesse comtudo sobre esse fundo algum intervallo tao sombrio como 0 parecia a superficie da lua. O Sr. Azambuja notou em torno da lua 5 grandes grupos de raios formando cones com as bases apoiadas sobre a lua- Destes 5 grupos appareciam 2 na parte superior do astro, um a direita e outro 4 esquerda da vertical; e 2 outros na parte inferior, igualmente 4 direita e 4 esquerda da vertical, eo quinto grupo ficava a léste da lua e partia da extremidade dodiametro horizontal. Todos estes grupos terminavam muito antes de attingirem o limite exterior do fundo luminoso. Mr. Liais notou a mesma disposicao nos raios conicos, e mediu- lhes 0 comprimento por meio do seu oculo dividido. Elles occupavam 11 divisdes deste oculo, o que thes dava 13° de, comprimento. Segundo Mr. Liais, 0 raio de leéste, sobre o qual elle concentron especialmente a sua attencao, nao for- mava como os outros um cone normal a lua, porém era inclinado e encurvado, tendo a ponta dirigida para cima. Em sua base elle cruzava 0 grupo inferior de léste, e era. elle mesmo atravessado por um grupo de raios parallelos, — e ambos projectados sobre um largo grupo parabolico de — raios fracos, que partiam do diametro horizontal da lua para léste. O Sr. Mello, cuja luneta nao abrangia o contorno inteiro da lua, fez percorrer ao seu instrumento todo o limbo do i * ECLIPSE DO SOL. 437 astro, e notou sdmente 4 grupos de raios conicos , mas tendo um delles duas pontas; 0 que parece corresponder ao grupo conico visto por Mr. Liais na parte inferior a léste da lua ; e que era cruzado pelo 5° grupo inclinado e encurvado, o que Ihe dava com effeito o aspecto de um grupo conico de duas pontas. Segundo os Srs. Liais e Azambuja, os lados destes grupos conicos eram CUrvOs € CONVeXOS , 0 que tambem se achava no desenho do Sr. Mello a respeito do grupo duplo. O sr. Baptista de Oliveira viu igualmente 5 grupos de raios conicos, e elle notou especialmente que a posicao relativa desses raios nio variou em toda a duracao do phenomeno, sendo esta circumstancia confirmada pelos outros observa- dores. . Na parte inferior da lua a oeste, um pouco acima do raio conico collocado deste lado, e perto da sua base, partia um feixe de raios parallelos normal ao limbo do astro. Este feixe visto a olho nu parecia como um raio largo, mais brilhante do que todos os outros, ¢ visto no oculo ainda se tornava muito notavel, parecendo porem composto de raios tenuissimos. - Além destes grupos principaes notavam-se muitos outros raios mais curtos e normaes ao limbo da lua. . O Sr. Baptista de Oliveira notou que a luz nebulosa do fundo da corda era mais brilhante em alguns logares do que em outros , formando como especies de nuvens brancas ; e Mr. Liais notou para a direita e assas longe do limbo do astro uma destas nuvens ou manchas brancas , formada por uma reuniio de raios misturados e pouco distinctos. Na ilha dos Pinheiros os Srs. Brito e Araujo notaram 8 feixes de raios, sendo 5 os principaes. Estes feixes apresentavam igualmente a forma conica de -jados convexos, correspondendo assim aos 5 feixes conicos observados na estacao central. Dous destes feixes eram re- 438 REVISTA BRAZILEIRA. unidos nas bases, 0 que corresponde ao cone duplo notado pelo Sr. Mello. Sobre o desenho do Sr. Araujo nota-se um grande feixe correspondendo aquelle de raios parallelos acima mencio- nado. Em summa, a disposi¢ao geral da coréa nestas duas esta- goes parece ter sido identica. Os observadores da ilha dos Pinheiros fallam ainda de um circulo alvacento que rodeava a lua e do qual partiam os raios; comtudo este circulo nio esta claramente limitado sobre 0 desenho, e tudo induz a crer que so se trata aqui da parte mais luminosa da corda, que na estacao central apresentava a olho nto aspecto de um filete dourado, e no oculo uma degradacio continua de intensidade, e muito rapida a partir de ceria distancia da lua. 0 que sem duvida fez julgar 4 primeira vista qae era um annel. Nos Pinheiros, como na estacao central, uma multidao de peqnenos raids Iuminosos emanavam-em todos os sentidos , normalmente do limbo da lua para o exterior da regiao mais brilhante da corda, estendendo-se de 4 a 2 minutos. Na estacao central foi claramente notado que uma parte dos grandes raios partiam do limbo mesmo da lua. Na Campina o phenomeno foi tao instautanéo e a atmos- phera tio pouco favoravel. que a corda nao pédde ser des- eripta. Passemos agora a um phenomenod inteiramente novo e muito notavel, observado nos Pinheiros pelo Sr. Brito, e na estacao central pelo Sr. Azambuja. Trata-se de um circulo corado apresentando as cores do iris, e que rodeava a corda. Segundo o Sr. Azambuja, este circulo estava um pouco fora da coréa, as cores eram fracas e a vermelha estava para o exterior, tendo sido visto o phenomeno a olho nt é mostrando-se pouco sensivel no oculo. ECLIPSE DO SOL. 439 Para que esta apparencia fosse 0 phenomeno meteorologico ordinario da corda que circumda o sole a lua, quando leves vapores vesiculares estao sobrepostos, 0 estado de pureza do céo na estacio central apresenta difficuldades a tal ex- plicacao. Poder-se-hia pelo contrario invocar em seu favor a nota feita pelo Sr. Brito, que uma nuvem estimada a 25° para oeste do sol tinha tomado as mesmas cores. Esta po- sigao, admittindo um ligeiro erro sobre a avaliacio da dis- lancia, corresponde com effeito 4 posicao do parhelio; porém “nota-se que a corda e o hald sao devidos a nuvens de na- tureza muito differente,e que quasi nunca existem ao mesmo : tempo: a consideragao da nuvem corada vista pelo Sr. Brito _perde, pois, todo o seu valor, para dar ao phenomeno do _irisem torno da corda solar uma causa meteorologica. Talvez -seja admissivel que a corda solar, visto a fraqueza de sua luz, tenha podido dar logar ao phenomeno da corda me- teorologica com céres sensiveis , sobretudo projectando-se “sobre 0 fundo luminoso da atmosphera: é@ 0 que deixamos indeciso ; e talvez mesmo se possa attribuir o phenomeno 4 diffracedo dos raios solares tangenciando o limbo da lua. Todos os observadores notaram que a cordéa tinha a cor branca amarellada perto do limbo da lua, e prateada mais ao longe. e o Sr. Coelho achou que era amarella nos seus limites. A coréa no principio do phenomeno apresentava uma luz ais intensa do que no fim. e muito menos intensa para léste do que para oeste. 0 Sr. Mello estava preparado para no caso de apresentar ella um annel bem definido medil-a de um mesmo lado, no principio e no fim do phenomeno, para saber sobre qual dos siros era centralisada: porém o aspecto da corda se opp6z t esta indagacao. Mr. Liais fez uma observagio, a qual indica que acoréa Slava situada atras da lua, e por consequencia que ella 440 REVISTA BRAZILEIRA. pertencia a atmosphera do sol; sobre este ponto se exprime elle assim no seu relatorio : : « Sete a oito segundos depois do principio da obscuridade total eu fixei minha attencao do lado de léste sobre o feixe — de raios tangentes (que era aquelle dos raios conicos e -curvos | que tinha a ponta voltada para cima,e que no ponto de : partida tangenciava a lua), e minha attencao ficou dirigida por 15 a 20 segundos sobre este feixe e sobre uma protu- — berancia branca, bordada de preto, da qual elle partia. Um dos raios do feixe, em particular, tocava a extremidade desta protuberancia, e prolongando-se além, vinha en- contrar a lua em uma pequena distancia de 2° proxima- mente. Eu vi esta distancia desapparecer pouco a pouco, ficando comtudo o raio fixo na extremidade da protuberancia, e contrastando por sua claridade com a bordadura negra desta ultima. « Visuccessivamente a parte brilhante da protuberancia — desapparecer atras da lua, ficando um ponto negro, que des- appareceu quasi 3 segundos depois. O ponto de partida sobre a lua do raio mencionado se achava nesse instante exacta-— mente no logar onde esse ponto negro, que se assemelhava a projeccao de uma montanha lunar, desappareceu. » Mr. Liais observou a cordéa em seu oculo, sobrepondo uma turmalina 4 ocular, e notou entao um enfraquecimento geral dos raios e do fundo da corda, no sentido do eixo da tur- malina. Este enfraquecimento era pouco pronunciado, porem sensivel. Fazendo gyrar a turmalina, este enfraquecimento | no sentido do eixo foi notado todo 4 roda do sol, e parecia, ter igualmente logar para os raios de todas as naturezas. A regiao da lua nao parecia pelo contrario mudar de inten- sidade, 0 que prova que nao havia polarisacao atmospherica, bem apreciavel nesta direccao. O mesmo observador langou depois a olho nie com o polariscopio de Savart um olhar rapido sobre a atmosphera na regiao da lua. Elle notou al+ ECLIPSE DO SOL. : AAA guns tracos de bandas sobre a corda e nada de apreciavel nos arredores. As bandas eram muito fracas sobre a corda, e asua coloracao nao era sensivel. | Nas extremidades do campo do polariscopio comecava a polarisagao atmospherica, porem o sentido nao foi deter- minado abaixo e acima da lua, attenta a fraqueza da luz, e esta observacao tomaria muito tempo ; resultando do que precede que a corda é polarisada, porem fracamente. Duas observacdes foram feitas sobre a intensidade da luz da corda: a 4* pelo Sr. Azambuja, o qual nofou que a corda nao produzia sombras dos corpos: e a 98 por Mr. Liais , que empregou um photometro que imaginara para este fim, € que se compunha de um pequeno oculo de campo estreito e rectangular, collocado sobre o mesmo pé dos outros oculos do mesmo observador, e paralielo a estes, de maneira que elle estava jd apontado para a lua no principio da obser- vacio. A imagem desse campo era duplicada por um prisma birefrangente , e uma turmalina gyrava diante deste prisma. O observador conduziu rapidamente a turmalina a uma - posicao tal, que na fenda da esquerda a porcao desta fenda que se projectava sobre a corda lhe pareceu da mesma in- tensidade que a porcao da outra imagem da fenda, na qual se projectava o centro dalua. Elle deixou depois a turmalina nesta situacio, adiando a leitura para depois da volta do sol, e passou a outras observagoes. Ao depois , quando foi examinada a posicao dada a \urmalina, elle reconheceu que o seu eixo fazia um angulo de 2° 15° com a seccao prin- cipal do prisma birefrangente. A relacio da intensidade da luz atmospherica na regiao da lua, sommada com a luz cinzenta, para a luz da corda épois igual 4 tangente de 2° 15" ou a 0,039. Em outros termos, a.corda (e aqui se trata da regiao mais brilhante para o meio da totalidade, e nao da parte a mais infensa, isto é, para léste da lua no principio do phenomeno, e 442 REVISTA BRAZILEIRA. para oeste no fim) é quasi 25 vezes mais luminosa do que a atmosphera na regiao da lua , sommada com a luz ¢in- zenta. Ora, a intensidade da luz at mospherica sendo medida pela visibilidade das estrellas, isso completa a medida pho- — tometrica acima. Tinham-se feito preparativos para photographar a coréa, mas no momento em que se ia tentar a experiencia, e quando, segundo o calculo, ainda deviam decorrer 42 se- gundos de obscuridade, o sol appareceu, e logo uma viva luz encheu os campos dos oculos, e a corda deixou de ser visivel para todos os observadores. Porém , tomando a pre- caugao de afastar o crescente solar do campo do oculo , ainda Mr. Liais avistou a corda por 18 a 20 segundos depois do apparecimento do sol. « ' No principio do phenomeno a coréa foi vista por Mr. Liais projectada sobre o vidro baco, no fico de uma objectiva de 3 polegadas e de 2,184 metros de distancia focal. O olho estava entao na obscuridade, e nenhuma luz estranha cahia sobre o vidro, em consequencia das disposicdes tomadas no instrumento. Nenhum phenomeno concernente 4 corda foi visto no Rio de Janeiro. PROTUBERANCIAS. Durante a obscuridade total muitas protuberancias se mos- traram sobre 0 contorno da lua, mas nenhum dos observa- dores notou cdr vermelha nesse phenomeno. Essas protuberancias eram umas brancas e outras leve- mente rosadas. O Sr. Coelho, que sé fixou a sua attencao sobre as tres do limbo de oeste, foi o unico que viu a cér mais avermelhada. QO numero das protuberancias variou na duragio do phe- nomeno, Assim que o sol desappareceu mostraram-se 3 dellas —— a a : ECLIPSE DO SOL. 443 sobre o limbo de léste do astro. Segundo Mr. Liais, que tinha em um dos seus oculos 0 campo rodeado de cortes para ava- liagao dos angulos, a 1* estava a 45° proximamente do ponto inferior do sol, a 2°.a 105°, e a 38a 135°. Estas 3 protu- ‘berancias eram muito baixas, e mais largas do que altas, prin- cipalmente a 4?. Ellas eram de um branco vivo, sendo a 4*e 2 hordadas de preto. A oeste duas protuberancias se no. taramy a maior dellas situada a 110°, e a 2? a 170° do ponto inferior. Estas duas protuberancias eram brancas, levemente rosadas. A 4? via-se a olho nu como um ponto brilhante e rosado, e foi a unica das protuberancias que assim se pode ver. No oculo ella se compunha de uma ponta conicas de larga base, de lados arredondados, com uma pequena sa- liencia junto 4 basee situada acima. Mr. Liais notou que 7a 8 segundos depois do principio da obscuridade total ella occupava os 8 decimos de uma divisao do seu oculo dividido, 0 que lhe daria entao 58” de altura. Segundo o Sr. Coelho, a 2? protuberancia tinha a forma de um-ectangulo alonga- do e inclinado sobre o limbo da lua. No meio do phenomeno as protuberancias de léste haviam desapparecido: a parte clara das protuberancias bordadas de negro, tendo desapparecido atras da lua, antes da extremidade negra da bordadura, fica- ram ainda estas, e a da 1* ainda durou 3 segundos depois da parte clara, parecendo-se durante esses instantes com a projeccio de uma montanha lunar. No mesmo tempo uma 3* protuberancia appareceu para oeste, proximamente a 60° do ponto inferior do sol; ella era pouco rosada como as duas outras do mesmo lado, e de pequena altura. Segundo 0 Sr. Coe- tho, ella se compunha de um pequeno rectangulo inclina- _ do para baixo, e sobre este uma saliencia conica de lados den- - tados. No fim da obscuridade total, Mr. Liais mediu de novo : a protuberancia a mais elevada, que ja tinha medido, e notou : que ella tomava pouco mais de uma divisao do seu oculo, 0 que the dava de 1’ 12” a1’ 18”. a 30 Ah REVISTA BRAZILEIRA. Esta protuberancia, que no principio do phenomeno sé tinha 2 saliencias, apresentava agora 3, e a 44, que entao apenas apontava, enchia ja os dous decimos de uma divisao do oculo, ou 14 a45”. Apenas se completava esta medida, quando 0 sol, annun- ciado pelo augmento de brilho desse lado da corda, se mos- lou, e€ as protuberancias desappareceram, sem que fosse possivel avistal-as, nem mesmo desviando o disco do sol do campo do oculo, porque ellas sahiram tambem. QO Sr. Melloe o Sr. Nunes notaram na grande protuberan- cia, além das tres proeminencias principaes, muitas outras mais pequenas, que alongavam esta protuberancia para cima. . Para este o Sr. Mello sé notou uma protuberancia, a segunda, que era mais elevada desse lado ; isto provém de ter esta proeminencia desapparecido depois das outras, e de ser ja a unica vizivel quando elle dirigiu o seu oculo para essa direccao. Q Sr. Coelho so notou as protuberancia de oeste, pois que a sua attencao pouco se dirigin para o lado opposto. Na estacgao dos Pinheiros nenhuma_ protuberancia foi notada; talvez por lerem apparecido brancas, e nao verme- Ihas, como se esperava que ellas se mostrassem, fazendo parte da corda. Na estacao da Campina viu-se para oestle, e na parte supe- rior da lua, uma serie de protuberancias, oceupando toda a regiao situada entre as duas vistas desse lado na estacao central. Essas protuberancias diz o Sr. Galvao que pareciam chumbo fundido e em oscillacao; ellas foram vistas atraves de um yidro vermelho, e o desenho dos Srs. Barauna e Galvaio apresentava uma linha dentada e com as proeminen- cias mais elevadas na direccao da grande protuberancia vista na estacao central. Este phenomeno, tendo sido instantaneo, nao deu tempo a tirar-se 0 vidro vermelho. oe ECLIPSE DO SOL. AAS Na estacio central Mr. Liais duplicou com um prisma bire- frangente a imagem das protuberancias, sem notar alguma differenca de intensidade entre as duas imagens. O mesmo observador notou igualmente aimagem das protuberancias projectada sobre o vidro baco. Quasi todos os observadores notaram no principio da obscu- ridade total, do lado em que o sol tinha desapparecido, e no fim, do lado onde ia apparecer de novo, uma linha branca muito estreita e brilhante, bordando o limbo da lua, e que teve a duracio de 1 a 3 segundos, e era ondulada sobre o limbo. Nos Pinheiros, segundo o Sr. Brito , viu-se, antes da obscu- ridade total e antes que a corda se formasse, a lua rodeada de uma zona muito estreita cor de mercurio e ondulada. Este phenomeno foi instantaneo, e immediatamente depois a corda appareceu. Na estacao central o Sr. Azambuja viu igualmente uma franja de fogo instantaneamente em torno da lua. Sem duvida taes apparencias se podem attribuir ao deslumbra- mento, que ao primeiro momento sd deixou ver a parte mais brilhante da coréa. Segundo Mr. Liais, no principio do eclipse total 0 arco _ branco era limitado nas duas proeminencias extremas do lado de leste, e no fim elle excedia um pouco as proeminencias : extremas do lado de oeste. O Sr. Coelho notou um arco bran- co amarellado com uma leve bordadura vermelha, por fora desta uma outra de azul muito fraco, occupando no principio da totalidade o limbo léste do sol, e mesmo a parte superior e inferior desse limbo, onde a linha vermelha a elle se approxi- mava: 0 seu oculo era achromatico e visava por vidros azues. Na vespera do eclipse o mao estado da atmosphera nao - permittira observar as manchas do sol. - No dia seguinte do phenomeno uma nova mancha appare- ceu sobre o limbo do sol, muito perto da 3° protuberancia de léste, mas nao se viu mancha alguma correspondendo ds ou- AAG REVISTA BRAZILEIRA. tras protuberancias do mesmo lado ; igualmente nao se achou alguma facula correspondendo as posicdes das protuberancias. No dia 9 outras manchas appareceram sobre 0 mesmo limbo do sol, mas nao parece possivel que ellas podessem correspon- der as posicoes das protuberancias. Antes do eclipse as manchas solares foram desenhadas no palacio imperial deS. Christovao , sendo 0 ultimo desenho de | 4de Setembro. Alli se viaa grande mancha em losango, que tinha mudado um pouco de forma, e era vizivel a olho nti no dia do eclipse; porém nao se encontram nesse desenho tres manchas ou tres grupos de manchas que podessem attingir 0 limbo occidental do sol no dia 7 de Setembro em posicdes correspondentes as tres proeminencias vistas sobre 0 limbo; e sdmente um dos grupos alli se conservou nos dias seguintes : teria talvez correspondido 4 posicio da grande protuberancia. INFLUENCIA DO ECLIPSE SOBRE OS HOMENS E OS ANIMAES. Com quanto a impressao produzida pelos eclipses sobre os homens e os animaes nao seja do dominio da astronomia, a commissao, conformando-se com o uso seguido pelos obser- vadores de eclipses anteriores, reuniu os factos seguintes . que chegaram ao seu conhecimento : As coloragdes singulares do céo e dos objectos davam ao phenomeno um aspecto medonho para as pessoas que nao estavam instruidas da existencia do phenomeno, ou que nao comprehendiam a sua causa. Nao é@ pois de admirar que na Campina, além das mon- tanhas, os observadores notassem um grande susto em muitos dos habitantes. Em Paranagua mesmo algumas pessoas, ainda que prevenidas , ficaram sorprezas; porém a maior parte da populagao experimentou mui differente impressao, partilhada tambem pelos astronomos da expedicao , que foi a da admira- ECLIPSE DO SOL. 447 cao da magnificencia do espectaculo que se manifestava a seus olhos. Na estacao central de Paranagua houve um grande silencio nomomento da obscuridade total; mas, desde que o sol reap- pareceu, Os passaros no bosque vizinho, as cigarras e varios orthopteros tornaram a comecar 0 seuruido em torno de nos. A bordo do vapor Pedro IT notou-se que as gailinhas, que tinham sido soltas, correram apressadas para a capoeira, eas gaivotas, que esvoacavam em torno do navio se reuniram, em srupos, pousadas na superficie do mar até a volta da clari- dade, em quanto que nos Pinheiros um cao que tinham atado perto dos observadores nao manifestou inquietacio alguma. Na Campina notou-se que os bois, os cavallos e outros quadrupedes corriam espantados pelo campo, e que as aves de terreiro serecolheram apressadamente para onde costuma- vam dormir. Os passaros silvestres voavam assustados por cima dos observadores, procurando um abrigo. No palacio imperial de S. Christovao , onde o eclipse ape- nas foi parcial, viu-se passarem-os urubus para o lado onde costumam ir pernoitar; os passaros de gaiola diminuiram o seu canto, e quasi que emmudeceram , e um caozinho escon- deu-se debaixo de uma cadeira, como para dormir. A’s 14" 53" ainda se viam voar os urubls como que aturdidos. OBSERVACOES PHOTOGRAPHICAS. Foram extrahidas 15 photographias do sol em Paranagua , por Mr. Liais, em quanto o eclipse era parcial. Foram ellas obtidas nas horas seguintes: 1* 9" 42" 5°,6 alguns minutos depois do principio do 2" 10 6 56,4 — eclipse, quando o sol se mostrou em 3° 40 8 17,9 um claro. 4° 40 410 59,6 Bt 40... A4,.'36,.6 448 REVISTA BRAZILEIRA. 63 10 39 23,3 72 4020 S258 8° 10 44 17,8 -92 10 59 16,2 102 44 6 23,0 Peasy ad “9679 Te oki ed ha HOE) 1390 Vb SAA Aha qd 56 °F 9852 ( Desejava-se esperar ainda para empregar estes dous vi- » dros, que eram os ullimos preparados ; mas 0 receio das 453 44 58 30; Y ( nuvens fez apressar a extraccao. Immediatamente depois do eclipse tratou-se de fazer appa- recer no acido gallico estas provas, obtidas sobre 0 vidro sécco, collodionado e albuminado. Doze d’entre ellas, as de n. 4, 2, 3, 4, 5, 6,7, 8, 10, 12, 13 e 14 sahiram perfeitas; a prova n. 9 nao appareceu, as de ns. 14 e 45 appareceram im- perfeitas por ter havido algum abalo no instrumento, apezar das precaucdes tomadas em contrario, quando se fez passar 0 obturador de corredica, onde havia uma fenda para a entrada, da luz. Todas as provas foram obtidas directamente no foco do oculo de 3 polegadas, e de 2,184 metros de foco, disposto especialmente para este fim. Nao se fez augmentar a imagem por uma ocular por causa das alteracdes que assim se produzem na forma da imagem e na distribuicao da luz. A difficuldade de sujeitar o instrumento em um terreno arenoso nao permittiu a Mr. Liais empregar uma maior dis- tancia focal de outra objectiva, da qual estava munido para esse fim. As provas obtidas apresentam um phenomeno singular. Todas aquellas onde o crescente solar é muito pequeno, @ onde por consequencia as pontas deviam ser muito afiladas, como appareciam no oculo, apresentavam pontas um pouco . ECLIPSE DO SOL. 4A _arredondadas, como se existisse quer um foco chimico, quer uma especie de irradiacao photographica. Uma unica prova, a de n. 8, faz excepcao, porque apre- sentou as pontas perfeitamente agudas; o que mostra que © phenomeno visto nas outras nao provinha de um féco chimico, porque a mesma distancia focal foi sempre empre- gada. Talvez se possa attribuir este effeito ao aquecimento do tubo do oculo, 0 que modifica a refraccao do ar interior, e sobre o que Mr. Faye chamou por muitas vezes a attencao. Pode-se affirmar comtudo que sobre o vidro baco as ima- gens appareceram sempre perfeitas. Resulta da discussio dos angulos de posicao da linha das pontas, e do diametro norte sul do sol, que a estacao de Para- nagua estava bem sobre a linha central do eclipse. E’ com ‘effeito evidente que o centro da lua se movia proxima- mente em linha recta sobre o sol, pois que o angulo da linha das pontas com a linha norte sul do sol nao variava, o que sO aconteceria se o centro da lua descrevesse um dia- metro do sol ; entretanto que, se percorresse uma corda, have- ria grande variacao mesmo para uma mul fraca excentrici- dade, na vizinhanga do meio do eclipse. Existe comtudo uma pequena variagao do angulo de posicao no caso de eclipse central, porque 0 movimento appa- rente da lua sobre o sol nao é inteiramente em linha recta, porém a curvatura 6 mui pequena, e pode ser calculada por meio das taboas. ’ Ora, acha-se assim que em 7 de Setembro, eim nossa esta- cao, supposta sobre a linha central, o angulo da linha das pontas nao devia variar entre os instantes das provas ns. 8 e 10, as mais proximas do eclipse central, antes e depois. Acha-se, demais, que 0 angulo da linha dos centros (que é perpendicular 4 linha das pontas) com o diametro norte sul do sol, que era de 48°, segundo o ecalculo no principio do eclipse, devia diminuir até um pouco depois do meio, onde se 450 REVISTA BRAZILEIRA, reduziria a 43°, para augmentar depois até o fim do gia no, onde devia ser de 44°, Ora, as doze photographias do sol dao os angulos se- guintes : Num. das provas. 1 45° 50 2 45 27 3 4D 0 4 43 4h pa 440 0’. Estas duas provas foram extrahidas 5 4A 45 { com alguns segundos de intervallo. 6 42 20 ) Media 429 40’. Estas duas proyas tambem foram vA 1) 20 \ extrahidas com alguns segundos de interyallo, 8 42 36 10 43 0 12 43 45 13 4h =—3 14 42 0 A incerteza sobre estes angulos é de alguns minutos, e nao chega a 1°, devido isso a pequenas flexdes que certamente soffreu o instrumento quando, no momento de photographar, era elle sujeitado fortemente com escoras fixas perto do caixi7 lho e apoiadas sobre a terra; estas precaucdes eram indis- pensaveis para que 0 movimento do obturador de corredi¢a nao imprimisse alguma oscillacao ao instrumento. Vé-se comtudo no mappa acima que o angulo da linha das pontas e do diametro norte sul do sol apresentou uma leve diminuicao, bastante regular, desde o principio até o meio do phenomeno, para crescer depois, e que entre as provas ns. 8 e 10 apenas houve uma differenca de alguns minutos, entre- tanto que, para uma hem pequena excentricidade, teriam havido muitos graos. Attendendo mesmo ao maximo erro possivel sobre os angulos, nao se pode admittir que a differenca entre os angu- ECLIPSE DO SOL. ADA los das provas ns. 8 e 10 tenha notavelmente excedido 1°; ora, Na prova n. 10a distancia dos centros era de 125” pro- ximamente, e naprova n. 8, de 358". Vé-se, pois, que a maior distancia angular dos centros, que se pode suppor que tivemos na nossa estacaéo, nao excede- ra 1,5. Ora, esta excentricidade sé teria diminuido de 0,'7 a duragao do eclipse: logo, a grande differenca de duracio do eclipse total, entre o calculo de Mr. Carrington e a obser- vacao, sd pode provir de um erro sobre os diametros dos astros. Esta conclusio é confirmada pelas medidas dos dia- metros dos astros, deduzidas das medidas das cordas, e das flexas feitas sobre a prova n. 8, onde nao ha tracos sensi- veis de irradiacao ou de fico chimico. A irradiacio, que augmentava o diametro do sol e diminuia o dalua de uma mesma quantidade, foi por outro modo calculada, compa- rando-se a differenca dos dous diametros dados, um pela photographia, e outro pela duracao da obscuridade total; ao depois attiendeu-se a esta irradiacao, e foi assim que se che- gou ao resultado que se acaba de expor. Para poder transformar em angulos as medidas lunares feitas sobre as chapas photographicas, tiraram-se em 9 de Setembro duas imagens do sol sobre 0 mesmo vidro duas vezes eaintervallos dados. MEDIDAS DAS DISTANCIAS DAS PONTAS DO CRESCENTE SOLAR. Alem das photographias do sol lomadas emi diversos ins- tantes do eclipse, e que deram as medidas das distancias das pontas, o Sr. Pinheiro de Vasconcellos observou com o sextante as distancias seguintes na estacio central de Paranagua : 452 4° serie. 2° serie. 32 serie. A*® serie. 5* serie. O mesmo observador mediu ainda as distancias seguintes REVISTA BRAZILEIRA. Horas do logar. {10" 40" 59:8 \10 4 10 412 10 13 \10. 44 10 36 Be 37 (40 37 Mb 33 10 44 410 45 10 46 | £4 46 t li 1 +i8 (41 495 44. 47 Nay 47 56,8 39,8 46,8 42,8 2,8 0,8 6,8 43,8 21,8 22,8 25,8 31,8 27,8 41515 32,8 11,8 07,8 dos limbos da lua a Venus: Horas do logar. 10° 45" 54°8 10 56 54,8. i 63 «37,8 11 4 44,8 = 2s. ee ie ~~ ad Distancias das pontas. 0° 27 28 27 27 26 32 32 34 34 32 32 32 33 32 33 30 29 28 SIO AOS Si SOnS ois o 6 oo°C °° Distancias ao limbo pro- ximo da lua. hho 34! Ah 33 Distance. ao limb. remot. ae | 45 58 40” | 40 0 50 20 | 0 10 40 0 20 30 20 30 AO 20 0 10 0 50" 0 10 20 a See eS a ee ere rr. ECLIPSE DO SOL. 453 PW +6) 25,8 45 6A 10 Pieeth 91,8 45 4&4 20 A OT 4978 45 2 30 die 29 G38 AGF 2A BO: 414 10 48,8 45 3 40 No observatorio do Rio de Janeiro, e pouco antes da maior phase, tomou-se a distancia das pontas do crescente solar. A’s 10" 54™ 40° Distancia 0° 20° 33” OBSERVACOES METEOROLOGICAS. Em Paranagua, na manhaa do eclipse, ventava O. perto da superficie da terra, e asnuvens impellidas nessa direccao jam parar nas montanhas. A partir do principio do eclipse diminuiu a intensidade do vento, e o Sr. Azambuja no- tou a-bordo do vapor Pedro IJ cue o vento se acalmou totalmente no momento em que principiou o eclipse total. Immediatamente depois do apparecimento do soi apontou, diz 0 mesmo observador, um vento fraco da parte de E., que pouco a pouco se tornou regular, e impelliu as nu- vens, que se achavam formando uma camada inferior. Em 7 de Setembro de madrugada choveu abundante- mente; poreém ao nascer do sol cessou a chuva, e 0 ar clareou um pouco, ficando o céo sempre coberto de pequenas nuvens. A’s 7° 25" uma destas nuvens deu chuva, depois do que o sol apparecia por cima de um grosso de nuvens que corriam deE. para N., e formou-se um arco-iris : a chuva durou 5 minutos. A’s 7" 35" 0 sol se encobriu de novo, e sd foi apparecendo por intervallos. A’s 9" havia numerosos claros, aS Nuvens eram stratus, e pertenciam a camadas distinctas. As nuvens occultaram o primeiro contacto. A’s 9° 40™ 53° 0 sol tornou-se perfeitamente vizivel, e comegou a enco- brir-se de nuvens 30° depois. A’s 10" 5" sobreveio do oéste 454. REVISTA BRAZILEIRA. uma nuvem que deu alguma chuva, e logo depois o sol se tornou vizivel e brilhante por todo 0 tempo que durou 0 eclipse. A’s10° 40" os 0,6 do céo, proximamente, estavam descobertos, nenhum traco de cirrus se via, as nuvens for- mavam strato-cumulus, e sd se distinguia uma camada. A’s 11" 55” algumas dellas impellidas pelo vento de éste ameagavam invadir 0 sol, porém dissiparam-se antes de o attingir. A serenidade do céo nao passava de 0,4. A 1° as nuvens tornaram a cobrir 0 sol, formando claros durante a tarde. A’ noite as nuvens se dissiparam pouco depois do occaso do sol, e 0 céo conservou-se durante a primeira metade da noite de uma admiravel limpidez. A luz zodiacal era muito notavel. Antes do eclipse, e durante o principio do phenomeno , Mr. Liais observou o barometro, o thermometro funda e 0 psychrometro funda; e achou: Bar. a0® = Th. cent. Tenséo dovapor. Humidade. mn mm A’s.. 9°.0"...755,21 ,16°,0 11,20 0,78 9 30....755,09 17,8 12,00 0,79 10 0....756,05 O Sr. Martins continuou estas observacdes com os mesmos instrumentos, e achou: Bar.a0®. Th. cent. Tensdodo Humidade. vapor. A’s10°415".... 756,04 17°,25 43,15 0,90 10° 30122. 756,46 18, 00 14,59 0,76 10 45...... 794,93 18, 50 40,57 0,67 MM. 0.6... 7886 17, 00 11,59 0,76 11 15......754,30 17, 00 14,42 1,00 ECLIPSE DO SOL. 455 14 30....754,79 15, 50 12.25 0,99 141 45....754,64 16, 25 £4.99 0,98 0 0....754,32 17, 00 10,76 0,75 0 15....753,98 18, 00 10,17 0,67 0 30....754,37 18, 25 9,68 0,62 Estas observagdes indicam que 0 minimo da tempera- tura teve logar um pouco depois do eclipse, e que o abaixamento devido a esse phenomeno foi de quasi 3°. A humidade attingiu 0 maximo pouco depois do eclipse; e este maximo, resultado provavel da fusio das nuvens, . fez subir 0 barometro, que descia no principio do phe- nomeno, mais rapidamente do que a variacao diurna. 0 Sr. Senna Pereira, o pyrheliometro directo, e€ 0 acti- nometro de Pouillet; elle achou: Pyrheliometro. Actinometro. A’s.. 9" 25".27°.50 sombra. Constantem® dirigido parao sol. 9 30...26, 25 sol (muvens). 9 35...23, 00 sombra. 9 40...23, 50 sol (nimbus). 9 45...21, 75 sombra (chuva). 9 50...24, 00 sol (chuva), 9 55...20, 75 sombra (nuvens). 10 0...241, 00 sol (nuvens). 22°,00 10 5...24, 75 sombra. 23, 00 10 10...23, 25 sol (nuvens). 23, 50 10 15...23,.75 sombra. 32, 50 10 20...24, 25 sol. 31, 00 10 25...23, 00 sombra. 29, 50 10 30...23, 50 sol (nuvens). 27, 00 10 35...22, 00 sombra (nuvens). 25, 50 10 40...22, 25 sol (nuvens). 26, 00 10 45,..22, 25 sombra. 26, 00 456 REVISTA BRAZILEIRA. 10 50 ..24, 00 sol (vapores!. 23, 00 40 55...20, 25 sombra. 24, 50 14 0...19, 00 sol. 19, 00 44 5...48, 75 sombra. 47, 50 14 10...48, 50 sol: (nevoa). 17, 00 44 45...48, 00 sombra. 47,75 44 20...49, 00 sol. 20, 00 44 25...49, 25 sombra. 29.575 14 30...24, 00 sol. 25, 50 44 35...20, 75 sombra. 28, 75 14 40...23, 00 sol. 34, 50 44 45...22, 25 sombra. 33, 75 11 50...25, 00 sol. 36, 50 44 55...24, 00 sombra. 39, 50 4 V0. 272065801: 42, 00 0 5...25, 75 sombra. 43, 75 ) 0 10...26, 75 sol. 41, 45 | 0 15...26, 00 sombra. 44, 00 0 20...27, 50 sol. 41, 50 | 0 25...26, 75 sombra. 40, 00 0 30...28, 50 sol. 40, 50 ' Na Campina, um vento de éste fraco reinava desde manhiaa, e accumulava nuvens nas montanhas. Estas nuvens occullaram o 4° contacto, formou-se depois um claro na occasiao da totalidade, e na do ultimo contacto. Nos Pinheiros o ceo estava muito nublado, e as nuvens impediram a observacio do ultimo contacto. No imperial observatorio do Rio Janeiro fizeram-se as seguintes observacodes meteorologicas: Th. cent. a sombra. Th. cent. ao sol. Bar. de Fortin a 0. Mygr, de Saussure b m mm 6 As 10 0 ...19°,3 27°,9 766,62 93 10 5 ...19,4 25,2 766,50 . 93 10 10...49,5 10 10 10 10 10 10 10 10 10 14 11 44 | if 14 14 i M4 At ni 44 0 0 0 Oui 0 15. 20... 2a 30... 35... 40. 4D... $.19;5 49,5 19,4 1194 . 19,35 . 49,25 PAOAS io49:4 249,41 219.0 4.49.4 49:0 ZAOA Odd od ph 9A me. 9.4 kA 654952 ...19,25 pak Ose A 19,35 19,35 sod Oe 956 19,5 19,4 19,5 19,45 19,4 19,4 19,5 ECLIPSE DO SOL. 25,6 28,4 26,5 25,4 26,5 24,0 23,6 23.6 23,4 22,2 21,9 21,3 20,9 20,6 20,3 20,2 20,15 20,4 20,2 20,4 20,6 20,9 24,4 24,3 21,2 22,4 22,2 22,9 22,85 22,6 23,1 23,6 24,1 23,9 766,37 766,37 766,70 766,57 766,63 766,70 766,70 766,52 766,52 766,42 766,54 766,40 766,46 766,58 766,66 766,27 766,27 766,39 766,27 766,39 766,27 766,24 766,27 766,27 766,27 766,27 766,14 766,08 765,92. 766,02 765,96 766,06 765,87 765,80 457 458 REVISTA BRAZILEIRA. 4 0....19,7 244 765,97 92 4 5....19,75 26,6 765,84 94 110....19,9 . O44 765,62; 94 4 415....19,9 Qh. 765,62 . 94 4:20.2.19,9-~ - 23:9 -- 765,62 92 No principio destas observagdes 0 céo estava carregado de nimbus sobre o horizonte, alguns cirrus e cumulus viam-se na direccao do phenomeno, o vento estava de N. 0., e as puvens seguiam lentamente para 8.0. ds 40" 10". A’s 40" 30" 0 ‘vento tornou-se N. E. muito fresco, e as 10° 36" 30° comecou a diminuir voltando para. S. E.; todo o horizonte estava nevoado, e carregado para oN. A\’s 10" 55™ ventava S. E. muito forte e frio, o que foi desembaracando pouco a pouco 0 céo dos cirrus e cumulus que se achavam dispersos sobre fundo limpido e azul. A’s 14° 4° 38° continuava o vento S. E. forte: ds 11" 20" o vento mudou para S. S. E. fresco, e tudo assim se conservou até 1" 25" em que o céo se encheu de cumulus, € as nuvens corriam com grande velocidade impellidas ae fortis- simo de S. S. E. No palacio imperial de S. Christovao 0 théthometro de Fahrenheit abaixou de 1° das 14" da manhia até as 11" 15", depois subiu 4°,5 as 11° 40°. O hygrometro, que mar- cava 45 4s 14", indicava 46 as 14" 15”. Em Pernambuco notou-se que a maior phase do eclipse fez abaixar o thermometro de Fahrenheit de 2°,3. a ee “PCY Ap OLGuyny) op ZIU OU OJSIA DINU) 1p ea ab WY ‘BUDDUDLD,] Ud YGEY] OLQUIAJAS ap J ap asd estava carregado CHTUS & cumulus lo estava de N. 0 ». a3 10" 10 uilo fresco, e des ) para S. E.; todo para oN fr0,, 0 que foi S cirrus e@ cumulus impido e azul fortes as 11° 90 SSIM $e Conseryou ulus, @ as nuyen 3 pelo vento fortis » thermometro de anhija até as 44 rometro, que mat- : phase do eclipse NAGA ard. 8 em Pe ee Sedembro / Cometa visto no mez de Outubro de 180 NOTA. COMETA. O cometa que ainda se apresenta sobre o nosso horizonte apenas pode ser observado em a noite de 23 de Outubro, em razao do estado desfavoravel do céo. Determinei entio pela observacao, que se achava elle distante de («) do Triangulo Austral — 36° 20°; de () da Aguia — 25° 48’. A cauda, cuja luz era de intensidade uniforme em toda a sua extensao, apresentava a grandeza angular'de—4° 30’, no sentido do seu comprimento. Observatorio do Rio de Janeiro. 5 de Novembro de 41858. O director, A. M. DE MELLO. 1 APR 1886 ith sith deh Skene tek Hest f° , Oyen See sF. were Ca - < ar mera < gis ob £43 ehh cig sheers firs €¢lery2 £ Saw be SKE ba « 4 v4 r t 5 , : a (poesrin armen serene Gh mi Sant an calnallanmaimimmecenmy me Medy bean eter § rt ” ; ; ho das Vou Ap ptiereue Baits t t ‘ nies BG f i it ral ; a icon j ‘ nae ¥ ORES bays b 25 ‘ a ae : oe am, : } i 2 i ae rk ; pet “ H iA a Se Ro ge the > Nal ~ Ls me INDICE DOS ARTIGOS CONTIDOS NO N.° 3. . EXPOSIGAO UNIVERSAL EM PARIS. — Relatorio do commissario brazileiro o Sr. Antonio Goncalves Dias. PHILOSOPHIA.— Bossuet e Vico. Botanica. — Descripcao da arvore denominada pelo vulgo Bainha de Espada, pertencente 4 ordem natural das Artocarpeas, e proposta como typo de um genero novo: pelo Sr. Dr. Freire Allemao. : — Consideracdes sobre a estru@tura e usos de alguns péllos e orgaos analogos : pelo mesmo. PALESTRA SCIENTIFICA. — Extractos das actas das sessdes, COMMISSAO SCIENTIFICA. — Relatorio apresentado ao Institudo Llistorico e Geo- graphico Brazileiro pelo Sr. Dr. G. S. de Capanema, na sessao publica anniversaria de 15 de Dezembro de 1857. PorsiA. — O Giquitiba da serra de Sant’Anna: Braziliana dedicada ao Dr. Francisco Freire Allemao pelo Sr. Porto-Alegre. ASTRONOMIA. —-Relatorio dos trabalhos executados pela Commissao astrono- mica encarregada pelo Governo Imperial de observar na cidade de Para- nagud o eclipse total do sol que ahi teve logar no dia 7 de Setembro de 1858. i ComEtTA. — Pelo Sr. Dr. A. M. de Mello. (A estampa da botanica que falta, pertencente ao artigo sobre a estructura e usos de alguns péllos, sera publicada no proximo numero.) |" i 1" eae Sree eens erate ees eT Sarees Se et ae Pare ee ee