e por meio da substancia albuminosa collados uns aos outros em fileira. Duas questées se offerecem aqui naturalmente, ‘cuja so- lucio nao péde deixar de ter alguma importancia scientifica: ellas dizem respeito 4 maneira de viver destes animaes. A primeira é: Como e quando entraram estes molluscos para a sua reclusao? Provavelmente o fizeram ainda recem- nascidos, e aproveitando-se dos buracos feitos por outros animaes. Esta 6uma explicacio obvia, mas conjectural; no entanto 0 caso parece digno de ser averiguado. A essa ques- * ae ae oe A. f é VAGINULUS RECLUSUS. 215 (ao esta subordinada est’outra: Sera o taquaruct o logar de vivenda privativa destes animaes, ou podem elles habitar em outra parte fora d’alli? Tenho feito diligencias para descobrir alguma cousa a este respeito, ja pedindo informacoes a pessoas curiosas, ja observando por mim, fazendo cortar e abrir em minha presenca canudos de taquaruct quando os vou encontrando pelos mattos; mas infelizmente, até agora, nada tenho visto nem ouvido que me possa esclarecer, ou guiar-me na in- vestigacao deste objecto. A segunda questao é : De que se sustentam alli estes ani- maes ? Os caracdes terrestres e pulmoniferos, com os quaes elles tem as mais estreitas affinidades, nutrem-se de folhas, de fructos, de cogumelos, etc. ; ora, no interior dos gomos do taquaruci nao vemos senao agua ear. Esta agua € se- guramente uma exhalacdo propria do vegetal. Trara ella comsigo algum principio nutriente ? Gerar-se-hao ahi ani- malculos infusorios, algas ou cogumelos? E dado 0 caso que isso aconteca (o que sé a analyse chimica e microscopica po- dera mostrar) sera esse alimento sufficiente ? Emfim, estarao ahi estes molluscos a merce de alguns vermes ou insectos, que casualmente penetrem em sua clausura? Ha aqui materia para meditacao e curiosas indagacoes. Faca-as quem se achar em melhores circumstancias do que eu. Agora passo a occupar-me da descripcao e classificacao zoologica destes molluscos, que foi o que principalmente me induziu a apresentar este trabalho. Pertencem elles ao genero Vaginulus, e sao, quanto a mim, de uma especie ainda nao descripta, e que eu denomino Vaginulus reclusus. Ogenero Vaginulus de Férussac tem sido contestado, e Blainyille o incorporou no Onchidium de Bu- chanan, em o seu Manual de Malacologia. Mas Cuvier na edicio de 1829 do seu Reino animal 216 LEVISTA BRAZILEIRA. conserva 9 gencro Vaginulus distincto do Onchilium, e 6a esta opiniao que me encosto. O nome especifico reclusus, que proponho para esta especie ( se ella é, como cu acredito, nova ), me pareceu bem apropriado. E quando mesmo se venha depois a verificar que esta especie possa habitar fora do logar em que foi encontrada, julgo quo hasta o facto de ser descoberta alli para legitimar o epi- theto que lhe dou, DESCRIPCAO ABREVIADA DO VAGINULUS RECLUSUS. Corpus oblongum, depressum, 5 pollices longum, unam Jatum, dorso convexum. Velum latera et caput excedens marginansque ; postice introversus incisum ; colore taba- cino, medio dorso, et ad margines obscuriore, depinctum ; arenaccis, nigrisque punctis inspersum. Discus ventralis quam velum angustior, antice brevior, postice, ob veli emarginaturam, longior. Caput sub marginem veli recondi- tum, tentaculis quator retractilibus munitum, qucrum duo superiora maiora, ad apicem versus dorsum, oculifera, duo Jateralia minora ad extremitates subbifida : os, serrula cart:< laginea, Junulata superne armatum. Apertura ani, pulmo- nisque angulifurmis, extremo postico ad dextram posita. Orificium genitale foemineum media et dextra parte corporis locatum. Ovula subrotunda, numerosa, ope albuminis in seriem agclutinata. In cavis internodiorum bambus@, quze ab incolis taquare- cu nominatur, habitat. Rio de Janeiro 12 de Setembro de 1851. Francisco Freire Allemdo. SNSNIDHY SNTINNIOVA VACINULUS RECLUSUS. Aly Erplicatio iconis. Fig. 1.°—Animal, dorso visum, magnilud, nat. Fig. 2..—Idem, inversum. (a) caput. (h) tentacula minora. () tentacula maiora. (1) apertura ani et pulmonis. (e) orificium genifale femineum. “ig. 3.°—Tentaculum oculiferum, auctum. Fig. 4.°—Tentaculum minus, bifidus. Fiz. 5.°—Os. . (2) serrula cartilaginea. Fic. 6.°—Ovula. Fig. 7.°—Par internodii bambuem. | (a) orificiuin a vermibus factum. AGRICULTURA. FRAGMENTOS DO RELATORIO DOS COMMISSARIOS BRAZILEIROS A’ EXPOSICAO UNIVERSAL DE PARIS EM 1855. Foi a exposicio neste ramo concorrida em grande es- cala por quasi todas as nacoes da terra, que se esmera- ram em fazer apparecer a agricultura em todos os estados, desde 0 seu berco até o desenvolvimento mais completo, desde asimples lavoura dos indigenas mais atrazados das florestas americanas, africanas e asiaticas, em que a na- tureza se incumbe de auxilial-os, até esse maravilhoso appa- rato de machinas de toda especie com que o homem ci- vilisado centuplica a forca de seus bracos, e auxiliado pelas nao menos admiraveis descobertas da chimica arranca os meios da sua subsistencia a uma natureza, que cansada parece obstinadamente querer negar-lh’os. Nos nao daremos uma descripcao completa desses appa- relhos de lavoura quea practica ja declarou yantajosos, nem apresentaremos muitos detalhes sebre o modo por que func- cionam, pois entendemos que por ora sera inulil recom- mendal-os, por nao termos ainda no nosso paiz quem os applique, nem sabermos ainda quaes as circumstancias lo- caes que nos possam obrigar a modificar essa applicacao. Examinaremos portanto quaes os defeitos de nossa agri- cultura, e indicaremos depois os meios mais eflicazes de os remover. Seja-nos permittido entretanto observyar que » es AGRICULTURA. 219 otrabalho que apresentamos nao é invencao nem theoria nossa: as idéas que expendemos sio em grande parte resul- tados da practica colhidos em paizes em circumstancias se nio identicas, ao menos muito semelhantes as nossas, como sejam as colonias Hollandezas, Inglezas e Francezas, e os Es- tados do Sul da Confederacao norte-americana. Encontramos em Paris os commissarios de todos esses logares, que com a maior boa vontade nos forneceram os dados de que careciamos para este nosso trabalho, e mostraram-se sempre dispostos a nos ouvir quando pe- diamos informacées sobre a marcha da lavoura nos seus respectivos paizes, e os revezes que esta soffreu antes de chegar ao seu desenvolvimento actual. De tudo quanto deste modo pudemos colher fizemos um todo, evitando longas citacdes, repeticoes, etc.,e se alguma idéa for aprovei- tada a bem do nosso paiz, sera isso para nés a mais agradayel recompensa a que aspiramos. Se estudamos a marcha da nossa lavoura desde o seu comeco, conhecemos depressa que na maior parte de seus ramos ella ficou completamente estacionaria: os primeiros colonisadores encontraram terreno inteiramente virgem , produzindo em qualquer logar com fartura tudo quanto nelle plantavam, e por isso viram logo quanto era desnecessario adubal-o, ete., como o faziam na terra patria. Accresce a isto o diminuto custo dos bracos escravos, que formavam um ¢a- pital depressa amortizado, e que com 25 °l, de seu trabalho se sustentavam, ficando portanto 75 ‘/,de servico para 0s pro- prietarios como rendimento espontaneo, e sem o menor esforco. Debaixo destas circumstancias é muito natural que ninguem se importasse com os melhoramentos da lavoura, e ficasse firmada uma rotina, que depressa fazia esquecer as tradicdes a quem vinha se estabelecer nesta abencoada terra do Brazil. Ainda outra circumstancia actuava e fazia com que nao se désse o maximo desenvolvimento a lavoura: 950 LEVISTA BRAZILEIRA. o mercado da colonia do Brazil era a mai patria, a im- portacio cra feita na qnasi totalidade do reino, e por isso inulil era augmentar a produccao. Hoje tudo se acha mudado: na vizinhanca das grandes cidades estio os terrenos cansailos, e¢ nao produzem as yezes nem a semente que se |hes confia. Os bracos quasi gratuites desappareceram, © escravo representa um capital muito notavel, que augmenta cada vez que uma nova epi- demia vem causar scus estragos. O nosso mercado nao 6 mais um pequeno ponto da Kuropa, que comprava ¢ ven- dia nossos productos a bel-prazer, ¢ sim a Europa in- teira ec a America; nao éa pequena esquadra mercante de uma nacio que vem importar os productos manufactu- rciros que necessilamos, mas sim os navios de todv omundo civilisado. Tudo isto nos obriga a olbar scriamente para a nossa agri- cultura: se nio o fizermos, brevemente imporlaremus o alimento da nossa classe baixa, o feijio, a farinha ea carne sécca dos Estados-Unidos; de 14 ja reeebemos 0 toucinho ea banha mais barata do que a produzida na terra, nesta terra que produz quasi espontaneamente tanta especie de planta tuberosa, e com tal abundancia que se poderia criar porcos para abastecer o mundo inteiro! Ja nao € pequeno contra senso o pagarmos a carne fresca pelo mesmo prego que nos paizes onde mais da metade do anno o gado vive en- curralado, sustentado com os productos da lavoura da outra metade, nds que vivemos em paiz onde o gado se reproduz e vive todo o anno no campo! alé queijo e manteiga impor- tamos do estrangeiro! O quanto ganhariamos com a expor- {acao deste gencro se aprecia suflicientemente lembrando que a Lombardia, que cave um par de vezes na nossa pro - vincia do Rio de Janciro, por si sé produz em arligo queijo annualmente cérea de 16,000 contos, que sdo pela maior parte exportados:¢ a quinta parte da nossa produceao de cafe. AGRICULTURA. pe | Na produccio de seda (idle que trataremos em artigo espe- cial) somos nada; no entretanto a Europa importa hoje para cima de 100,00. contos! vai buszal-a até na China, pa- gando um frete duplo e mesmo triplo daquelle que pagaria se a importasse do Brazil, que poderia produzil-a com grande abundancia. Exemplos semelhantes ainda se pode- riam cilar muitos, e sempre com o mesmo resultado. Noés clamamos cortra a faltade bracosde um lado, do outro pedimos vias de communicagio, custe o que custar, para que os bracos que possam virtenham tambem para onde mandar o resultado de seus esfurcos. Tudo isto é bem calculado, nio ha duvida; mas s¢ nao procurarmos mudar o nosso systema de agricultura, e seo nao fizermos com toda a energia, acre- ditamos que as nossas estradas de ferro, em yez de nos serem uleis, virad a ser prejudiciaes. Em torno da nossa capital nao vemos senao collinas coberlas de capociras; os seus matlos primilivos desappareceram, ¢ tambem as lavouras que se lhes substituiram : hoje esta o terreno exhausto c im- productivo, ¢ quem quer boas colheitas vai paralonge procu- rar terrenos virgens, Os cafesaes proximos 4 beira-mar, que ainda ha vinte annos eram rendosos, hoje estio desprezados, ¢ nao crescem outros ; sd serra acima é que a produccao é excellente, mas no fim de alguns annos tambem 1a sera preciso abandonar o solo cansado para buscar uma zona fertil mais afastada, o que fara com que as estradas tenham de atravessar muilas leguas de terras em descanso para 6 na sua extremidade encontrar carga e ligar centros de po- pulacdo, os quaes ficaraéd por sua vez desertos quando uma estrada de ferro passar além, e elles deixarem de ser os emporios de uma zona cullivada. Sd com o melhoramento da lavoura poderemos evilar que as estradas se lornem um instrumento de devastacio. Na Europa o mesmo terreno que foi uma vez cultivado, produz todus os annos uma cerla quantidade de planta; 999 REVISTA BRAZILEIRA. a necessidade obriga a isso, e a experiencia, actividade e sciencia do homem impedem que elle fique cansado. Fazemos nés outro tanto ? cultivamos todos os annos o mesmo pedaco de terra? Nao. Passemos pois a examinar o nosso systema de lavoura para poder apontar os seus defeitos. Comecamos por gastar um ca- pital com derrubar mattos virgens,cobrimos deste modo uma poreao de terreno com folhas e galhada miuda, que pelo seu apodrecimento produziriam uma camada humifera conside- ravel, e todos os saesalcalinos ficariam nessa camada. Espe- rar porém que essa decomposicao se faca, e limpar a herva que comeca a brotar com vigor, é muito trabalhoso ; igual- mente o é tirar os paos a que nenhum destino podemos dar, e arrancar os tocos e raizes, para cujo fim ainda nao chega- ram ands as machinas; e em falta dellas simplificamos 0 pro- cesso atacando fogo, que consome a folhagem sécca e galha- da, desprende os saes alcalinos que sao levados na maior parte pela primeira chuva, tosta a camada do humo existente, e deixa ainda pelo menos 30 °/, da superficie derribada co- berta de troncos e raizes, que difficultam a plantacao e mais tardea colheita. Durante 3 a 4 annos seguidos péde-se plantar nesse terreno, alé que emfim é porém preciso abandonal-o para que cresca novo matto, e sé depois de coberto de ca- poeira bem densa presta-se 4 repeticao do processo. Ora, no fim desse tempo deve estar amortizado o capital empregado e seus juros, porque € necessario que seja agora occupado de novo eda mesma maneira, quando esse segundo dispen- dio seria bem sufliciente para pagar as despezas que se fariam com remover tocos e arrancar raizes, o que daria a vantagem que o solo assim preparado offereceria: 1° um terco mais de produccao por causa do espaco economisado; 2° se prestaria ao arado e mais apparelhos de lavoura; 3° produziria colheitas boas pelo menos durante o tempo duplo, sem haver necessi- dade de adubal-o. 0 methodo de plantacdo é tambem muito ag AGRICULTURA. 223 anti-economico: em uma cova feita com a enxada é plantada -a semente; a nova planta germina bem, mas no seu desen- volvimento posterior as raizes encontram um solo duro e re- sistente, de modo que nao podem penetrar profundamente, e tem que se contentar do alimento que lhes offerece uma camada superficial. Esse alimento sé basta para poucas culturas successivas, e exige que nao haja longa sécca. Ora, as experiencias compa- rativas tem provado que um arado com uma junta de bois e dous homens faz o servico de 20 a 50 enxadas, fazen- do trabalho as vezes que para estas € quasi inexequivel,como seja o revolver a terra até a profundidade de quatro palmos, o que, segundo a practica mostra diariamente, é hoje necessa- rio, principalmente para terrenos cultivados pela primeira vez: 1° porque torna a terra permeavel para a humidade atmospherica; 2° estando ella fofa é mais susceptivel de ab- sorver acido carbonico e ammonia do ar e dos adubos, 3° permitte as raizes de penetrar até onde a sécca nao thes pode tirar 0 alimento (as ramificacdes capillares da raiz do trigo penetram a mais de seis palmos de profundidade); 4° a camada inferior, que pelo revolver foi trazida 4 superficie, fica exposta 4 accio dos agentes atmosphericos, que a de- compoem, e produzem assim durante muito tempo saes ne- cessarios 4 vegetacado: além disso ainda se consegue com mais facilidade um sulco direito com arado, do que as co- vas enfileiradas com enxada, o que facilita as limpas, o capinar por meio de machinas, o chegara terra ds plantas tambem por meio de arados proprios, 0 que se torna em ex- tremo vantajoso para canna, milho, mandioca, etc., permit- lindo ainda empregar na colheita as machinas. Nao é porém sé do emprego de processos mecanicos que depende o melhoramento do terreno, e estes reduzirem o trabalho de bracos a pelo menos +: admittamos falta de boa direccao, e supponhamos que seja preciso !; se- 6? Saas We me a f 994 REVISTA BRAZILEIRA. gue-se que uma fazenda que hoje precisa de 19) trabalha- dores, empregando machinas fara muito melhor servico com 17, e ali temosuma enorme reduccio de capitaes, pois pelo preeo que hoje se compram seis escravos tem-3e todas as machinas para cultivar uma legua quadrada de ter reno. O que é porém muito neeessario para que se possa tor- narum solo qualquer productivo para uma planta qualquer, é introduzir nelle os agentes que essa planta precisa para a sua vegelacdo, agentes esses que variam ainda com a natureza do producto que queremos cbter. E’ necessario adubar as terras em parte com estrume, em parte com sub- slancias mineraes. Para o primeiro é indispensavel que a lavoura scja sempre acompanhada da criacao de algum gado, encurralado regularmente o mais tempo possivel: esse ga- do ¢ necessario para o servico do campo, como bois e eaval- los, ou para criacao, sustento da propria gente de casa, como vaccas, carneiros, porcos, galinhas, ete.,as quaes, alein de forneccrem o estrume necessario parao campo, ainda obrigam a pequenas industrias, que parecem insignificantes, mas sao muito rendosas;estdo neste caso o fabrico de queijo, manteiga,banha, presuntos,etc., aleém do rendimento de laa que o Brazil j4 exporta, ede gado para o cérte. Deste modo os layradores da vizinhanea das cidades poderad abastecel-as com carne fresca, melhor do que aquella que as vezes vem de uma distancia de 150 leguas e mais, viagem essa que sd por si absorve a maior parte dos lucros dos actuaes prodic- tores. Se a nossa lavoura for racionalmente conduzida, ainda pdde tirar proveito dos restos desses animaes que yao para o corte, como do sangue, cabellos, unhas, ctc., que sio materiacs essencialmente azotados, ¢ por isso adubos excellentes. O sabugo dos chifres e as ossos dao colla mag- nifica, ou carvao animal tao necessario a muila industria chimica, e por fim elles ainda podem ser utilisados para fa- brico de phosphato de cal, nio pouco importante para a ee ee ee “ t ws in? AGRICULTURA. 295 lavoura. Esses estrumes animaes sao applicaveis a todos os terrenos e especies de lavoura: nio acontece porém outro tanto com os adubos mineraes, os quaes reclamam co- nhecimento preciso do solo que se pretende cultivar, e a natureza do vegetal que se quer plantar. Disso é que nao temos a menor indicacdo que seja: nado existe uma sé analyse do terreno em que melhor da o café, a canna, a man- dioca, por exemplo;nao existem analyses de terras estereis para essas plantas, de modo que nao sabemos qual o elemento que existe naquellas e falta nestas, nem mesmo possui- mos analyses das proprias plantas. Segue-se d’ahi que nao se pode corrigir terreno defeituoso para uma certa especie de lavoura; 6 preciso ainda que o lavrador tente uma ex- periencia, e um resultado bom ou mau lhe dira se conti- nua com o seu trabalho, ou deve abandonal-o: muitos dei- xam-se gular por certos indicios que a longa practica ja ensi- nou, quer do aspecto da terra, quer da vegetacao que a cobre; esses indicios empiricos nao sio sempre rigorosos, e tambem nao nos mostram quaes agentes faltam ao terreno. Muitas vezes um terreno improprio ou esgotado produz vegetacao sujeita a molestias, como tivemos occasiio de analysar uma canna em estado perfeito, nella predomina- va o phosphato de cal; ao passo que outra, de um logar vi- zinho atacada da praga, tinha falta desse sal: nao podemos de uma sé analyse deduzir ainda que adubar o terreno com phosphato calcareo seja um meio de prevenir a praga na canna, no entretanto € um indicio que convém verifi- car. Outro exemplo temos com a bananeira: analysAmos um pé que produzia fructo pedrado, nelle predominava magnesia, em quanto um pé da mesma soqueira plantado n’outro logar produziu muito bom fructo; mas as materias inorganicas que tinha tirado do chao eram polassa, e sobre- tudo sulphato de cal. Estes dous exemplos nos mostram ja uma relacdo entre composicao da planta e qualidade do 45 226 REVISTA BRAZILEIRA. producto: tornamos a repetil-o, ndo sao sufficientes para servir de norma para sua cultura, precisam ser verificados, principalmente nas localidades que maior differenca apre- sentam. O concerto do terreno influe nao so sobre a qua- lidade dos productos, mas tambem sobre a quantidade. EK o quanto se empenham todos os Estados civilisados para conseguir este fim, provam de sobra as numerosas amos- tras de adubos remettidas para a exposicao pela maior parte delles. Alli se viam amostras muito variadas de mate- rias fecaes das cidades, completamente desinfectadas e preparadas para estercar os campos (e quanto seja produzi- do com o nome de poudretle acha compradores); residuos dos acougues preparados para o mesmo fim, ditos de di- versas fabricas, guano artificial, etc., assim camo havia tambem abundancia de saes preparados para melhorar lerrenos, e muitas dessas composicoes foram premiadas. Outra prova da necessidade de adubar as terras sao os car- regamentos de guane que a Europa manda com tanto custo e trabalho buscar nas costas do Peru. Nos Estados-Unidos o lavrador, sobretudo se vai cultivar terreno novo, manda amostras ao laboratorio chimico, para que se lhe diga qual a sua composicao, e manda ao mercado buscar o adubo de que carece, e véem-se todos os dias elogios a esse systema. A Inglaterra tambem manifestou quanto lhe devia, pelas ovacoes que teve Liebig, que praticamente applicou a chi- mica 4 agricultura quando por 1a passou. SO nés é que nos conservamos eslacionarios: a nossa la. voura, acostumada ao systema de destruigao e ao esbanja- mento de forea util, vai cahindo rapidamente; 4 medida que essa forca superflua vai fallando, o preco dos gene- ros de primeira necessidade vai subindo n’'uma progressao espantosa. Nds estamos muito longe para ter contacto com outros paizes, que nos ensinem praticamente methodos ra- AGRICULTURA. 227 cionaes. O nosso clima muitas vezes se oppoe a que ap- pliquemos o que em outros da bom resultado. Pelo que fica exposto vemos o quanto é preciso mu- dar no nosso systema agricola: os nossos lavradores certa- mente nao poderao fazel-o por sisé: em primeiro logar, porque nao foram educados para isso; depois, porque re- celam innovacoes, e sobretudo o serem victimas de especu- ladores que os podem aniquilar completamente com expe- riencias ruinosas. Elles precisam de quem lhes dé exem- plos que possam seguir, que se lhes mostre um resultado vantajoso, que tenham onde mandar educar os seus tra- balhadores habituados 4 nossa antiga rotina. Como vimos, ha muita experiencia a fazer, cujos resultados ainda serao duvidosos: sera duro exigir que os lavradores se exponham a elles; nds mesmos nao respondemos que essas receitas e systemas, que em climas identicos aos nossos provaram optimamente, aqui facam o mesmo. Quem deve tomar a iniciativa a esse respeito é 0 governo, e cremos que deve fazel-o sem perda de tempo. Nés es- peramos colonos de um anno para outro, e em quanto esperamos vao subindo de prego os viveres, e certamente que a emigracao fugira de um paiz em que custa tio cara -a subsistencia. Passamos pois a propor os meios que ainda hoje se mostram efficazes na Europa e nas colonias, e que acre- ditamos os unicos que nos poderao dar um impulso util A agricaltura. O primeiro passo a dar é a acquisicao de um pedaco de terreno com bastante extensdo, e situado de modo que possa apresentar as circumstancias as mais variadas. Deve-se ahi tirar amostras de terra de campo, capoeira, matlo virgem, e terrenos cultivados que possam existir, e submettel-as 4 analyse chimica. 228 REVISTA BRAZILEIRA. Igualmente devem ser analysadas terras de outras loca- lidades, onde crescam bem as plantas de nossa lavoura. Nesses differentes logares deve-se tentar a cultura de canna, feijao, milho, mandioca, batatas, etc., em porcoes nunca menores de cem bracas quadradas; e para obter re- sultados comparativos devera ser cultivada cada uma des- sas plantas em quatro porcoes iguaes em extensao, porém differentemente amanhadas. Uma, preparada pelo nosso methodo ordinario; outra, lavrada com arado e mais uten- silios, poreém sem adubo; outra, lavrada do mesmo modo, porém corrigida segundo o resultado que se obtiveram das analyses; o ultimo pedaco sera da mesma maneira prepa- rado, porém adubado com os saes e com estrume. Identicamente se deve proceder com terreno de capoeira ou matto, applicando allias differentes machinas para ar- rancar tocos, sobretudo as que se empregam nos Estados- Unidos. De todo este trabalho feito deve-se tomar nota. muito minuciosa, assim como do desenvolvimento das plantas, do progresso comparativo, e por fim dos productos, ecuja qualidade e quantidade deve ser examinada muito con- scienclosamente, para que nao haja prevencao a favor de um ou outro methodo. Todas essas observacoes deverdd ser publicadas pelo menos semestralmente, afim de que possam ser distribuidas pelos lavradores, Em quanto as plantacoes da primeira experiencia cres- cem, convira ensaiar os meios para obter prados artifi- ciaes, quaes as plantas de forragem que se possam acclima- tar entre nds, como luzerna (que cresce muito bem), trevo, esparceto, etc., e experimentar qual das nossas numero- sissimas especies de capim melhor se presta para fazer feno, afim de que possamos ter criacéo de gado encurra- lado; mas isto nao é possivel tentar com vantagem sem que se tenha o alimento em abundancia, e que seja eco- AGRICULTURA » 28 nomico ao mesmo tempo. Em logares pantanosos convém plantacao do inhame, cuja folhae raiz sao excellente sus- tento para porcos e vaccas. Sera tambem util ensaiar que partido se pdéde tirar das folhas de imbaiba, que al- gumas pessoas dao as vaccas de leite, e pretendem que augmenta consideravelmente a quantidade da nata. As- sim tambem algumas das nossas ortigas bravas ( Ure- ra) podem ser mesmo cultivadas com proveito para criacado de porcos eaves, como em outros logares se faz com a or- tiga commum (Urtica divica). Estes trabalhos encheraé bem o primeiro anno; no se= gundo pdde-se continuar as experiencias, rejeitando por ora aquellas que deram o resultado mefhos vantajoso: a melhor servira de comparacao para outras que se tentem. Nesse anno se pdde tratar tambem de cultivar plantas de forragem sufficientes para comecar criacao de gado, bem entendido em escala pequena ainda. Podem-se entao ad- mittir tambem para o servico alguns trabalhadores de Javradores, que queiram aprender praticamente os metho- dos que devem ser applicados, a preparar as terras, ea fazer uso das machinas. Tambem esse numero de gente deve ser limitado, porque o vigial-os, ensinal-os, etc. ,rouba- ria mais tempo do que se pode sacrificar no principio de uma empresa desta ordem, que deve dirigir toda a sua attencio sobre experiencias, verificar os resultados favora- veis das precedentes, e varial-as debaixo de differentes pontos de vista. Entende-se tambem que esses trabalha- dores vao aprender unicamente o servico material; ana- lyses, ou receitas para fazel-as, nao se lhes pdde confiar, porque elles nao terao, na maior parte dos casos, fundo sufficiente para bem applical-as, e poderao desacredital-as, assim como os methodos preconisados para concertar ter- ras cansadas. Um estabelecimento dessa ordem, sustentado pelo: go- « 230 REVISTA BRAZILEIRA. verno, tem obrigacao de experimentar qualquer systema de lavoura que seja apresentado, comtanto que. naose mostre a priori absurdo: essas experiencias devem porém ser trabalho secundario, Se ellas derem resultados negativos, servem para prevenir os particulares, que nao se podem, nem devem . metler com ensaios que os prejudiquem; sera um peque- no prejuizo que ao governo nao pesard, ao passo que sera uma economia tanto mais consideravel para os lavrado- res, quanto malur o numero que evita o ensaio. Dizemos que essas experiencias serao secundarias, porque o estabe- lecimento deve todos os annos repetir aquellas que pro- varam bem (com as modifizacoes exigidas pela relacio das plantacoes), salvo no caso de descobrir outros processos melhores, afim de que sirva continuadamente de modelo, ou de um rudimento de escola practica, onde se possa ir aprendendo os necessarios melhoramentos. Quando sobrar algum tempo, devera o estabelecimento tratar de formar viveiros de plantas uteis, as que produ- zam materia alimenticia, sobretudo (que mais adiante pas- saremos em revista) para serem distribuidas pelos munici- pios, freguezias, e mesmo a individuos que zelem pela sua propagacao: essa distribuicao sera feita gratuitamente, ou por um preco minimo, que apenas chegue para cobrir as despezas dos viveiros, pois desde ja declaramos que um estabelecimento neste sentido, fundado pelo governo, tem de consumir capitaes cuja amortizacao nao se deve exi- gir, quando nao caduca completamente o seu principio vital, e no momento que se fizer delle uma instituicao de especulacao cessaa sua ulilidade, As rendas virad lenta- mente,e o Estado devera empregal-as para engrandecimento do estabelecimento, para augmentar a actividade no muvs- mo, e nao arrecadal-as afim de lhes dar outro destino. No mesmo estabelecimento deve-se desde logo montar uma fabrica completa de machinas de lavoura, a qual ke AGRICULTURA. 931 tambem nao sera fonte de lucros; ja fara Lastante se cobrir com a venda de seus productos as despezas, por -que difficilmente podera fazer os referidos utensilios pelo mesmo preco pelo qual elles nos vem da Allemanha, Belgica e Estados-Unidos: mas o fim principal dessa fa- brica deve ser adestrar gente a poder em qualquer logar fazer 9 concerto das machinas que alli se fazem, pois é queixa geral dos lavradores que nao lhes serve de muito o arado, porque quebrado una vez, por uma dessas mui- fas causas que se dao em terras novas, véem-se obriga- dos a mandal-o de grandes distancias 4 cidade, ou man- dar vir a peso de ouro um machinista para concertal-o. Esse inconveniente é€ removido de todo logo que possam mandar um escravo ou aggregado da fazenda, que ja te- nha alguma practica de forja, entrar como aprendiz na referida fabrica de machinas de lavoura. D’ahi tambem s6 devem sahir apparelhos que forem de melhor aso, feitos com toda solidez, e empregando os melhores materiaes. _ Logo que o estabelecimento possa, deve fazer dous mu- seos, um da colleeccao completa das melhores machinas empregadas na lavoura, e outro dos seus productos, com as indicacoes detalhadas do como foram obtidos, em que tempo, a que preco, etc., etc., servindo de documentos de- monstrativos dos relatorios que regularmente se publica- rao. Util seria tambem se pudessemos obter colleccoes de produccdes de outros paizes , para comparal-as com as nOssas, Ou com as que aqui deram; assim, por exemplo, o trigo do meiodia da Europa talvez que produza muito pouco aqui; no entretanto existe uma especie em Vene- zuela que d& bem na Jamaica, e a unica que alli se aceli- matou: é muito provavel que esta especie igualmente se dé bem entre nés, mas @ questao que so ensaios compa- rativos dicidirad. Se houver graos oleosos, as amostras do museo devem ser acompanhadas de outras do azeite que 232 REVISTA BRAZILEIRA. delles se tira, indicacio do methodo que serviu para sua extraccao, custo, etc., etc. 0 estabelecimento deve offerecer tambem os necessarios commodos para receber as pessoas que queiram ir visital-o, e mesmo tenham interesse de se demorar alguns dias; mas prevenimos desde ja 0 meio de que o governo 4s vezes lanca mao: autorisar o director a fazer as despezas de hospedagem, isto so servira para distrahil-o e sacrificar o seu tempo util em tratar de hospedes. Estabeleca-se um edi- ficio vizinho sé para hospedagem, e para que os cofres publicos nao fiquem muito lesados, permitta-se a um par- ticular de alli especular, nao excedendo porém uma tabella, que se marcard com condicées razoaveis. No fim de dous ou tres annos, quando o estabelecimento tiver tomado pé firme, colhido uma porcao de dados, que Ihe permittam estabelecer regrasao menos para uma certa zona, se podera pensar em organisar uma escola practica de agricultura, onde seja ensinada a theoria rigorosa- mente necessaria, e€ © mais sO practica e muita pra- tica. Quando os lavradores virem no mercado alguns pro- ductos de boa qualidade do estabelecimento, irao elles mesmos, ou mandarao seus filhos matricular-se na nova escola, onde elles deverao esquecer-se de que tem escra- vos em casa; alli deverao fazer por suas maios todo 0 servi- co, desde oconduzir a carroca e tratar dos cavallos, até a administracdo de uma fazenda com toda a escripturacao, contabilidade rural. Homens assim formados ficarao ha- bilitados para creacio de estabelecimentos identicos nas provincias, aproveitando ja as experiencias que fizeram para modificar os processos segundo as circumstancias locaes o exigirem. Estes homens tambem dirigindo fazen- das, formam nellas outras tantas escolas practicas em ponto pequeno, que irao espalhando em torno de si o melhora- mento que praticam. AGRICULTURA. 933 Deste modo em breve teremos abuadancia no paiz; os alimentos se tornardé baratos; a emigracao estrangeira vird animada por isso aportar 4s nossas praias, e do estado pas- sivo em que vivemos se transformara em breve no contrario: muitos objectos, que hoje importamos, serdo exportados ; a industria, tao vacillante entre nos, comecara a tomar pé, e enfao nao se dara o facto de mandarmos o nosso algodao para féra, comprando-o tecido e fiado depois de ter pago os fretes de ida e volta; nao mandaremos o couro do nosso gado 4 Europa para nos voltar transformado em sapatos; sd entao poderemos cuidar em tirar proveito de nossas immensas riquezas mineraes, que hoje jazem abandona- das; nés, os possuidores das minas de ferro as mais ricas do mundo, ainda compramos todo ao estrangeiro! A execucao practica dos pensamentos que emittimos parece offerecer alguma difficuldade, tanto mais que duas tentativas dos nossos dias cahiram apenas principiaram a existir: nado compete ands examinar os motivos a que isto é devido, mas agouramos o mesmo fim a toda a empresa dessa natu- reza que por agora for posta em practica por particulares, ou isolados ou formando companhias. Pessoal tambem ainda o nao temos habilitado, é preci- so que seja formado para esse fim especial, mas formado no paiz, acompanhando passo a passo as experiencias para desenvolvimento de um systema racional de lavoura. Para formar a gente do paiz que deve dirigir e conti- nuar o estabelecimento agricola, e que possa servir mais tarde para formar o corpo de professores para a escola, devemos mandar vir um mestre, e nisso sim, concorda- mos que ha difliculdade e muita difficuldade. Os homens que estudaram nas melhores escolas e com o maior pro- veilo, servem para erigir e dirigir estabelecimentos ruraes nos paizes onde praticaram; porém para uma nova criacao, e difficil como a proposta, debaixo de certos pontos de 934 REVISTA BRAZILEIRA. vista custara a acertar. Para prova mencionaremos um facto ainda muito recente: Liebig deu a indicacao para'o preparo de um estrume mineral, e como foi idea emittida pelo pai da agricultura moderna, tomaram-na logo por voz do propheta, e agronomos muito distinctos fizeram a ap- plicacao, sem darem grande importancia a algumas res: triccoes impostas pelo proprio autor: o resultado foi in- teiramente opposto ao que se esperava, eo propheta com a sua theoria nova atacado vigorosamente: no entretanto hoje elle esta demonstrando praticamente a utilidade de sua proposta n’uma fazenda modelo estabelecida ha dous annos perto de Munich, por ordem do governo, e dirigi- da por elle Liebig. Se obtivermos um homem com todas as habilitacoes, mas com a pouca constancia daquelles agro- nomos, arriscamos nao tirar desde logo o partido util que uma experiencia offerece. Conhecemos um professor distincto de uma escola da Allemanha, cuja capacidade e caracter podemos abonar, por ter sido nosso companheiro de estudos, e que ha onze annos se occupa de mecanica agricola, trabalhos e expe- riencias ruraes : elle tambem nao se negaria a vir para ca por tres ou quatro annos, comtanto que se alcance licenea do seu governo, e lhe seja conservado o logar que hoje occupa (*). Pessoas no mesmo caso se poderdd encontrar na Prussia, Baviera, Wertemberg, e tambem na Suissa, Esse homem que vier sera bom que traga comsigo , debaixo de sua responsabilidade, os necessarios trabalha- dores de campo, como os officiaes de oflicios para a fa- brica de machinas, assim como todos os apparelhos neces- (*) O que cremos nao encontrara difliculdades, pois a Austria, que sera talvez o paiz mais difficil para semelhantes concessdes, j4 deu o exemplo, cedendo, 4 Companhia de mineracao do Morro Velho, Hocheder, Steigenberger e Helmreichen, que depuis de voltarem occupardd de novo seus antigos logares ; mais tarde fez 0 mesmo com empregados que foram pedidos para o Egypto, etc. j * » io 9 AGRICULTURA 935 sarios. A esta gente logo que chegue devem-se logo dar aprendizes do paiz em numero bem superior, para que tenhamos quem os substitua depois de terminado o tempo do seu engajamento. Dissemos que os operarios deyem ser escolhidos pelo proprio individuo que tem de vir fundar o estabeleci- mento, porque elle tera interesse em trazer gente que o coadjuve, e contribua para o bom exito da empresa. O que ja nao acontece com os nossos agentes diplomati- cos e consulares, que se véem obrigados a fiar-se em in- formacoes e attestados que se lhes fornece com ma fe. Agentes especiaes sO procuram tirar a sua commissao, e nao tem muito empenho em servir bem, sobretudo ao Brazil: disso podemos apresentar factos e variados; nao negamos que havera excepcdes, mas o saber onde sera dif- ficil. O capital que se devera empregar para o proposto esta- belecimento nao se pode marcar de antemao, pois de- pende: 1°, do custo do terreno; 2°, do engajamento de operarios; 3°, dos salarios e sustento dos mesmos no pri- meiro, e talvez ainda no segundo anno; e 4°, do custo das machinas. No preco do terreno devem necessariamente ser inclui- dos os edificios que seja indispensavel construir. O custo de machinas e ferramentas precisas para o fa- brico dos apparelhos de lavoura, com fretes, etc., nao exce- dera de 35a 40 contos. Os apparelhos para o servico rural do estabelecimento devem constar: de machinas para arrancar troncos, arados e charruas differentes , pois as suas formas e dimensoes dependem da qualidade do terreno, e da profundidade da aradura; devem vir de sobresalente, porque pedras e raizes existentes em terrenos nunca layrados produzirao quebras frequentes; outros para lavrar em morro, eos empregados 936 REVISTA BRAZILEIRA. para fazer os canaes de deseccamento : apparelhos para quebrar os torroes e igualar a superficie, para compri- mil-a, para semear, capinar, para colheita, tanto de rai- zes como de mandioca, batata, araruta, etc., como de ce- reaes Jeguminosos, e para ceifar; outros para debu- lhar milho, arroz, e mais productos. Tambem devem vir machinas para ralar mandioca e outras raizes , para preparacao da tapioca e do amylo, para extraccao de oleo de nabo, linhaca, amendoim, girasol (excellente para tempero), mamono, etc. ; os residuos desta extraccao, em parte sao bom alimento parda’o gado, em parte dao es- trume de calor, e sera necessariov obtel-o, por ser indis- pensavel a cultura dos ve:etaes que o produzem como plantas de rotacao. Moinhos de mao, ou apenas da forca de um cavallo, para fazer fuba, farinha de trigo, ete. ; ap- parelhos para descascar e limpar arroz, café, etc. ; machi- nas para fazer manteiga e queijo. Todos estes apparelhos se podem obter por menos de 20:0003000: ja se entende que os ultimos mencionados devem ser de capacidade sufficiente para satisfazer as necessidades deuma fazenda, ou das pequenas povoacoes ; a sua adopcio tem vantagens para que o lavrador nao se veja obrigado a mandar os seus productos a grandes distancias, para receber depois pelo mesmo caminho de volta e preparados, podendo elle fazel-o quanto baste para sie para vender as villas vizi- nhas. Organisado e em bom andamento o estabelecimento rural, e organisada tambem subsequentemente a escola de agricultura, e dando os resultados que della se podem es- perar, entao, e sd entao se podera adiantar mais um passo, estabelecer uma cadeira de chimica industrial, e mostrar praticamente a sua applicacao ao fabrico de assucar, aguar- dente, cerveja, etc. ; empregando sempre os productos alli mesmo cultivados. Os methodos de fabricacao devem sem- ene kei AGRICULTURA. 237 pre ser os mais completos e mais vantajosos, e se appa- recerem novas machinas e novos processos que merecam ser introduzidos, deverao ser alli postos em practica, prin- cipalmente se os proprios inventores o vierem fazer, e ga- rantir-se-lhes-ha entio o privilegio: essas experiencias de- vem ser feitas n’um centro donde todos possam saber dos resultados que dao, com a conviccdo de que foram obtidos conscienciosamente ; © particular nem sempre tem os meios, nem a paciencia, nem a confianca precisa para introduccao de um invento util, e quando mesmo elle o consiga, carece de muito tempo para que se espalhe; uma prova sao os apparelhos centrifugos, que em poucos mi- nutos separam o assucar crystallisavel do mel, permittin- do ainda laval-o; no entretanto sdo muito poucos os se- nhores d’engenho que os possuem; a maior parte ainda preferem fazer esse trabalho mais imperfeito em formas, gastando 20a 40 dias! Nesse caso se acham a maior parte das nossas industrias ruraes. Outra tenlativa, que necessariamente deve ser a conse- quencia do estabelecimento rural, é a sylvicultura: na capital do Imperio em 20 annos a lenha quadruplicou de preco, e conlinuara, se com o augmento de populacao nao se tratar de produccao artificial do combustivel. No mes- mo caso estao as nossas madeiras de construccao, que ja vem de muito longe, e a um preco exorbitante. A cama- ra municipal do Rio de Janeiro, nas suas posturas, prohibe o emprego do pinho, e apezar disso elle vai-se generali- sando cada vez mais, por ser muito mais baralo vindo da Suecia , Inglaterra e Estados-Unidos, do que a madeira de lei das nossas proprias florestas: com isso ira tambem desapparecendo a seguranca de nossas casas contra o fogo. O corte de mattas tem grande influencia sobre as aguas ; com ellas desapparecem as chuvas em parte, e mesmo es- tas quando cahem nao encontram mais um chao coberto de 238 REVISTA BRAZILEIRA. folhas, da camada de humo, e das fibras das raizes de arvores, que impedem o seu correr na superficie de um chio compacto; ao contrario, obrigam a agua a infil- trar-se no solo, assim alimentando os cdérregos e rios ; tambem a sombra do arvoredo impede que os raios solares dardejem directamente uma superficie despida, e fagam evaporar a pouca agua que ainda nao teve tempo de pe- netrar a uma profundidade sufficiente para subtrahir-se a esta accio que, muitas vezes, é duplicada por um vento quente, que nao encontrando obstaculo de folhagers no seu trajecto, varre da superficie do chao toda a camada de vapor aquoso que se forme. Em montanhas ingremes for- madas de rochedos cobertos de tenue camada de terra , de maneira nenhuma se deve cortar o matto, porque nes- sas encontram-se as nascentes perto dos cimos, e faltando a coberta protectora seccam as aguas infallivelmente. Além disso, as fortes pancadas de chuvas lavam a pouca terra, e yao entulhar os rios com bancos d’aréa, e as aguas achando esse rapido escoamento dao causa a enchentes devastadoras. As pedras a descoberto recebem de dia o ca- lor solar, e de noite o emanam lentamente, de modo que o clima é€ alterado, eentre nés para peior. Exemplos do que fica exposte podemos buscal-os na historia de remotos tempos : os populosos reinos da Assyria e Ninive, a Palesti- na, as costas norte africanas o attestam; por toda a parte onde o homem passou cultivando as gramineas para seu sustento, transformou o solo em deserto, e hoje a custo val recuperando o que seus antepassados estragaram. Nas restingas dos mares Baltico e do Norte se estao plantando mattos para fertilisal-as, para quebrar a forca dos ventos, eimpedir que estes acarretem as aréas. Nas orlas do Sa- hara se tentou com feliz resultado a cultura de arvoredo, e com elle se chama para pontos inteiramente estereis os sedimentos atmosphericos. Tambem na Banda Oriental a AGRICULTURA. 939 cultura de bosques deu logar a nascentes d’agua, que an- tes nao existiam. Somos de parecer que nao devemos espe- rar até que os acontecimentos, que em outras partes serviram de licao, venham dar-se entre néds; devemos antes preve- nil-os, estudando de que maneira plantar as nossas arvo- res florestaes para produzirem mais rapidamente: se espera- mos pela falta absoluta de madeira, teremos que esperar longo tempo, pois aquellas que crescem mais rapidamente, como os cedros, ipés, algumas canellas, etc., requerem pelo menos 60 annos para poderem produzir taboado sof- frivel; com as mais, s6 de 150 annos para cima se pdde contar. Na exposicao de Paris, alem de amostras numero- sas de madeiras de toda a parte do mundo, havia tambem uma porcao de arbustos , com indicacio das épocas de plantagio e qualidade de terreno em que foram cultivados, mostrando assim resultado comparativo dos esforcos que se fizeram para cobrir de mattos certos logares incultos, que se achavam postos de alqueive forcado.. Java tambem fez diligencias neste sentido, e entre outros da-nos um exem- plo notayel: nas capoeiras de suas montanhas plantou a Quina peruvisna, e vai crescendo muito bem: cremos que em muilas de nossas montanhas se poderd alcancar o mesmo, e com menos. trabalho que os Hollandezes, e uma plantagao desta seria sem duvida rendosa, pois os Perua- pos empenham-se em destruir as suas florestas de quinei- ras, € o precioso febrifugo vai-se tornando cada dia mais caro. Outra arvore que yegetaria com vico nos nossos mat- los é a que produz a gutta percha: nds temos muitas da mesma familia (Sapolacias), entre as quaes o jacua e al- gumas guapebas dao uma especie daquella materia, porém em quantidade diminuta. Do mesmo modo conviria tra- lar de cultivar bosques das arvores que produzem borra- cha, resinas, gommas, oleos, tintas, sobretudo pao brazil, campeche , etc. Perto das cidades podia-se aproveitar o 240 REVISTA BRAZILEIRA. matto para plantar no intervallo do arvoredo palmito : pare- ce para nds algum tanto ridicula semelhante proposta, no entretanto compare-se o quanto subiu de preco esse grelo de palmeira nos ultimos dez annos; além disso ja nos toma- ram a dianteira a esse respeito as ilhas de Franca e as An- tilhas, que mandaram 4 exposicdo latas com conservas de seu palmito plantado. Terrenos que se negama qualquer cultura, e mesmo 4 de bosque, e que pela maior parte sio invadidos pela sa- mambaia e pelo capim melado, podem-se preparar para isso, plantando piteiras, gravatas, yuccas, aloes, etc., que dao filamentos preciosos para a industria, ou plantar car- dos (cactus) e nopaleros, os quaes fornecem fructos que em muitos logares se tornam por vezes o alimento exclusivo da populacao, ou servem para criacao da cochonilha, que ain- da hoje alcanca um preco muito elevado. De ambas estas plantas com seus productos, tanto fructo como insecto, ha- via numerosas amostras na exposicao remettidas de Argel. Dr. G. S. de CAPANEMA. COMMISSAO SCIENTIFICA. INSTRUCCOES PARA A COMMISSAO SCIENTIFICA ENCARREGADA DE EXPLORAR O INTERIOR DE ALGUMSAS PROVINCIAS DO BRAZIL MENOS CONHECIDAS. Rio de Janeiro. — Ministerio dos Negocios do Imperio, em 8 de Abril de 1857. Sua Magestade o Imperador, conformando-se com o que expoz o Instituto Historico e Geographico Brazileiro : Ha por bem approvar e mandar que se executem as Instruc- cOes annexas, por mim assignadas, as quaes tem de ser observadas pela Commissao scientilica encarregada de ex- plorar o interior de algumas provincias menos conhecidas. Luiz Pepreirna po Coutto Fersaz. INSTRUCSOES. Seercao hbotanica. A seccio botanica terd a seu cargo : 1° O estudo dos vegetaes silvestres , particularmente o das arvores que fornecerem madeiras de construccao, re- a) 942 REVISTA BRAZILEIRA. sinas , oleos , gommas, ou outro qualquer producto util; e o das plantas que possam aproveitar na medicina e€ na in- dustria. . Indagara dos homens praticos do logar o nome indigena e vulgar de cada vegetal , € seus usos populares. Das arvores, além dos ramos, flores e fructos para estu- do e formacao de- hervarios, colhera amostras da madeira, resina, oleo, etc. : de tudo em quantidade sufliciente para ser distribuido pelos muséos nacionaes , . e. mesmo. estran- ea ace Das plantas que tenham, ou se presuma terem uso na medicina e nas artes, além dos ramos, flores e fructos, co- lhera de suas partes activas quanto chegue para analyse chimicae ensaios therapeuticos e industriaes. De todos os vegetaes mais importantes colhera frutas perfeitamente maduras para sementeiras ou tentativas de cultura. De cada uma destas cousas , nao se podendo na occasiao colher exemplares ou productos, procurara que alguma pessoa do logar se incumba de o fazer, indicando-lhe o modo de o praticar, e de remetter com seguranca. Observara o aspecto geral do paiz quanto a sua vegeta- cao primitiva ou secundaria, com’ relacao 4 natureza do terreno e seus accidentes, e 4s condicdes meteorologicas ordinarias. ROL ees Em cada localidade notara as especies que naturalmente ahi vegetam, com o fim de concorrer para o delineamento da geographia botanica do Brazil. Emfim, notara as matas- mais ricas em madeiras de construccéo naval, e em que seja facil a sua extraccdo para serem reservadas. 2° O estudo dos vegetaes cultivados, e o systema de cultivo adoptade no paiz ; notando a qualidade das terras, COMMISSAO SCIENTIFICA. 243 as influencias atmosphericas, e quantos outros accidentes forem beneficos ou nocivos a Javoura. Seccao geologiea e mineralogica. No que respeita 4 parte mineralogica , convém colligir toda a especie de mineral que se apresente, quer em gran- des massas, quer como componente de rochas. Quando Sejam esses mineraes crystallisados, se devera procurar o maior numero de individuos perfeitos, tendo em vista esta- belecer a serie mais completa possivel das combinacoes crystallographicas. Se forem mineraes decompostos, inves- tigar-se-ha as matrizes respectivas para obter os individuos na sua forma e composicao primitiva, estudando ao mes- mo tempo as causas de que possa provir a decomposiciao actual. Do mesmo modo se averiguara , ao encontrar mi- neraes isolados, quaes os agentes que possam ter destruido _ as matrizes, e se essa destruicao foi geral, ou se é limitada unicamente a certos districtos. t II Mineraes isolados podem muitas vezes ser transportados ao longe, nao sd pelas aguas dos ribeiros, mas tambem pelas torrentes ‘passageiras no tempo das grandes chuvas : estes mineraes devem merecer attencdo muito especial, visto poderem ser indicios de vieiros ou de formacao inclinada que aponta na superficie do solo, em um s6 ou poucos pon- tos. E no caso de se reconhecer esses mineraes como in- dicios de formacio util, principalmente metallifera, serdo as pesquizas continuadas alé que se encontre o tronco don- de partiram . O44 REVISTA BRAZILEIRA. Il Descobertos jazigos metalliferos, se procurara determinar a sua possanea, direccdo, natureza da matriz, e quaesquer outras circumstancias que possam ter influencia sobre a sua minerabilidade. Entre estas apontaremos as forcas motrizes disponiveis, a quantidade e qualidade de combustivel que se encontre nas vizinhancas, distancias dos centros de popu- lacio ou dos portos mais proximos, e meios de communi- cacéo: deve-se tambem attender ao abastecimento de man- limentos, que 6 uma das questées que mais poderao in- fluir sobre a explorabilidade de uma mina. Consideracdes analogas se fario para as outras materias dignas de exploracao , como marmores, cimentos, carvao de pedra, lenhitos, asphalto, schistos bituminosos que possam ser distillados para a produccdo de naphta, etc. IV Tambem devem ser attendidas as tradicoes reinantes nas diversas localidades sobre existencia de mineraes , porque alguma lenda de ouro encantado, terrenos exhalan- do cheiro sulphuroso, estouros subterraneos, podem condu- zir 4 descoberta de minas de pyrites em circumstancias favoraveis para supprir de enxofre e de acido sulphurico, ou de pedra-hume, os nossos mercados, que hoje com difli- culdade sao fornecidos pelo estrangeiro, e trazem em de- pendencia muita industria de grande vantagem. Importa examinar com especial cuidado todos os rios, Jagos e terrenos salgados, com vistas de achar salitre {do polassa ou soda), borax, soda, sal de Glauber, caparrosa, sal ammoniaco, etc., que valha a pena exportar sendo pro- ximo ds costas; ou sal commum indispensavel para o uso da populacao e para sustento do gado, sendo no interior. 2 COMMISSAO SCIENTIFICA. 245 ¥ No caso de existir mineracao activa nos logares que tem de ser visilados, ou exploracdo metallurgica, serdo estu- dados minuciosamente os processos em uso, estabelecida a relacio entre producto e forcas consumidas, indicando-se os defeitos existentes e os melhoramentos applicaveis. VI Encontrando-se minas ou estabelecimentos metallurgi- cos abandonados, serao indagadas as causas desse abando- no, se dependem do empcbrecimento do solo, ou de falta de gente habilitada para continuar, casos frequentes na provincia de Minas, S. Jodo de Ypanema, etc. ; e se es- tudara quanto for possivel a historia desses estabeleci- mentos e a possibilidade de sua reanimacio, fazendo um calculo aproximado da producgdo que promettam para o futuro. VII Na parte geognostica ter-se-ha de proceder aos exames secuintes : ‘ 1° A natureza das rochas, a sua composicio, dimensées, direccdo ¢ forma dos vieires que possam conter, o rumoe a queda ‘que seguem, principalmente quando stralificadas. 2° No fendimento primitivo das rochas recommenda-so maior cuidado em estudar como foi cheio, ajuntanido to- dos os dados que sirvam para complemento da theoria das betas e vieiros. 3° Achando-se rochas differentes, procurar-se-ha esta- helecer os termos de sua superposicao,e sua idade rela- liva, 946 REVISTA BRAZILFIRA. 4° Deverao ser reunidos todos os dados que possam for- necer esclarecimentos sobre a destruicao de formacdes que tenham existido, segundo vestigios actuaes, e se os agentes destruidores foram lentos ou violentos, como aguas, erupcdes, terremotos ou accdes chimicas locaes. 5° Qual a marcha da decomposicao presente das rochas, seus productos e por que agentes é ella continuada ; qual a vegetacao cellular que primeira bebe sua existencia nessa decomposicao, ese ella exerce uma accio accelerante ou vagarosa ; e qual é a vegetacao substitutiva que se segue atéa produccao de uma camada sufliciente para alimentar vegetacio vascular capaz de mudar o aspecto do paiz. 6° Os productos de decomposicao deverao ser examina- dos cuidadosamente nas chapadas, nos declives, nas bacias e valles, debaixo das aguas , porque pdde-se dar 0 caso ana- logo 4 decomposicao dos granitos do Rio de Janeiro, que produzem argillas vermelhas, amarellas, azuladas e bran- cas, terrenos barrentos impermeaveis a agua, assim como areaes, tao differentes em apparencia, eno entretanto pen: venientes todos da mesma origem. 7° Nio se deve perder de vista a procura de fosseis de qualquer natureza que sejam, principalmente foraminife- ros e infusorios, que muitas vezes representam um papel tao importante na petrographia de’ um paiz, além de ca- racterisarem perfeitamente as formacoes em que sao encon- trados. 8° Finalmente devem ser delineadas com cuidado as sec~ coes importantes do terreno, os contornos das montanhas, o maior numero de perfis. Rochas de aspecto caracteristico serio photographadas, e tambem se fara um nivelamento geologico, eum mappa, no qual se procurara marcar, com a maior exactidao que as circumstancias permittam , os limites das differentes formacoes, e os diversos jazigos e betas que nelles se descubram, ficando a cargo da secgao COMMISSAO SCIENTIFICA. QA7 astronomica fornecer as determinacoes geodesicas que se {ornarem necessarias. VUl Com referencia 4 agricultura, se procedera ainda a uma colleccaio dos differentes solos em quantidade sufficiente para que se possa delerminar o seu grao hygroscopico, de aquecimento e conservacao das temperaturas, assim como as differentes analyses chimicas. As amostras deverao tra- zer as indicacoes seguintes: se matto virgem, capoeira, capao, pasto, alagadico, etc., ou campo cultivado, e neste caso qual a planta que produz melhor nelle, si se acha es- gotado para uma ou mais plantas, com quantas culturas se esgota, e que tempo leva a regenerar-se. Acompanha- rao as ditas amostras uma porecao de tronco, folhas e fru- tos dos vegetaes que elles de preferencia produzem , afim de que se possa analysar as suas cinzas, e determinar a priori, a vista de uma vegetacao, quaes élementos se de- verad addicionar ao solo para produzir outra qualquer que se intente, servindo dest’arte o estudo geologico do paiz ‘de guia ao agronomo que procure cultival-o. IX Péde dar-se o caso de haver em alguns logares falta de agua, que sequem os rios, e seja consequencia disso a destruicao da vegetacao, mortandade do gado, e fome da populacao. Ahi devera a seccao geologica proceder a exa- mes das localidades vizinhas, estudar todas as circumstan- cias que levem a suppor a existencia de agua, e enlaio sondar o terreno para fornecimento de dados praticos para abertura de pocus artesianos. Aproveitar-se-ha igualmente esse trabalho de perforamento para estudar as camadas sobrepostas do terreno, como tambem para determinar a 948 REVISTA BRAZILEIRA. sua temperatura em diversas profundidades, e achar a quo distancia da superficie € invariavel o grao do thermometro, ea repidez com que osolo aquece e esfria. X Das aguas que assim forem obtidas, bem como das dos rios @ fontes, se determinara a qualidade e quantidade de gazes que contenham; e se ellas mostrarem_propricdades que merecam uma analyse mais rigorosa, apanhar-se-ha poredo sufficiente, que sera concentrada com todo o cul- dado afim de que se conservem os saes nellas existentes para ensaio ulterior. Nos logaresem que houver aguas mi- neraes se procederé as operacoes analyticas que indispen- savelmente devem ser feitas na fonte, remettendo-se porcao apanhada com as precaucoes necessarias para evitar perda de gazes, afim de que se verifique em algum hospital as suas virtudes medicinaes. xI Cumpre tambem determinar a quantidade de materia organica que contem as diversas aguas, e a quantidade o qualidade de materia inorganica que acarrelam em sus- pensio em differentes épocas, para d’ahi poder calcular o volume de terras levadas annualmente pelos rios, e pro- babilidade que offerecem da formacac de bancos ou de deltas. Attenta a difficuldade de obter essas observacoes em numero sufficiente, ou em circumstancias sempre propi- cias, o resultado necessariamente sé serd uma aproni- macio 4 verdade, cujos limites se irao estreitando com o andar dos tempos; porém mesmo assim inexacto, pode furnecer muitos dados Je grande utilidade a engenharia. ~~ COMMISSAO SCIENTIFICA. 949 XII E’ conveniente estudar com cuidado a formacao de ban- cos em rios e no mar pelas aréas transportadas pelo vento. Acontece que em alguns logares pequenas lagéas, bebe- douro de gado, sav is vezes completamente obstruidas, elevando-se no seu Jogar um cdmoro d’aréa, e sendo este por sua vez removido deixa uina planicie sécca, expondo assim as criacdes 4 séde. Bosques mesmo e aldéas inteiras sio ‘is vezes cobertas no correr de poucos annos, e uma tal destruicao da vegetacio e accumulacao de um elemento esteril podem em curto espaco de tempo reduzir vastos districtos a inhospitos desertos. Com conhecimento, porém, das leis a que obedece esse continuado movimento de enor- mes massas de aréa, ce alcancara talvez impedil-o por meio do plantio de arvoredo, como se tem praticado nas res- tingas do Baltico e da Hollanda, e como se tenciona mesmo ir invadindo o Sahara, 4 vista dos bons resultados que os primeiros ensaios produziram. Hardy assevera que no fozer vingar aS primeiras cem arvores esta toda a diffi- culdade : 4 sombra e ao amparo destas as outras crescem, e com pouco trabalho. XIII Nas lagdas entulhadas podem existir turbeiras que sir- vam de combustivel, ¢ se examinara se depositos de rios nio furmam lenhitos recentes. Seerao zoologica. A zoologia nio se limita a uma descripcao simples e rigorosa dos animaes distribuidos sobre a superficie do 250 REVISTA BRAZILEIRA. globo terrestre, grupando-os methodicamente; nem a co- nhecer a estructura do corpo e mecanismo de suas fune- cdes physiologicas, seus habitos e indole, seu modo de vi- ver e mulliplicar, e transformacao das especies : ella oc- cupa-se tambem, e €0 mais essencial, do proveito que as artes, a medicina e a economia domestica podem tirar das numerosas legides de viventes que povoam o ar, a agua e a terra. Concebe-se assim quao immenso € o dominio deste ramo da historia natural, e as vantagens que resul- tam do seu estudo, entendido como deve ser. I] Os animaes de qualquer paiz podem pois ser conside- rados sob dous pontos de vista : ou geralmente como ob- jectos de historia natural , e deste modo classificados segundo algum systema particular; ou estalisticamente como manancial de riqueza, e apreciados segundo a sua im- portancia. Interessa que sejain estudados de ambas as ma- neiras, 0 que compete ao membro da Expedicao scientifica encarregado da parte zoologica. Il Tera portanto a obrigacao de descrever exactamente todas as especies de animaes que encontrar, vertebrados ou in- vertebrados, com os seus nomes vulgares e synonymia dos scientificos, discriminando os exoticos dos indigenas. Notara a degeneracao que no facies dos primeiros fez soffrer a trans- ferencia do seu logar natal, assim como as modifica- coes relativas 4 cor, grandeza , costumes, etc., eo lucro que a industria tem obtido, ou provavelmente chegara a conseguir da sua acclimatacio em maior escala. Quanto aos pertencentes 4 Fauna do paiz, averiguara o seu habitat peculiar, e a sua abundancia ou escassez, distinguindo ae COMMISSAO SCIENTIFICA. 951 com maior attencao os animaes imperfeitamente descriptos, ou de todo ignotus, dos que ja estao conhecidos, e assig- nando aquelles pelos seus caracteres os logares que lhes cabem no systema geral de Cuvier, ou outro preferido segundo a classe respectiva. IV O conhecimento dos seres organisados avulta de inte- resse quando se trata dos mammiferos, entre os quaes 0 homem encontra seus indispensaveis auxiliares, tanto pelo admiravel instincto, como e nao menos pela forca. A’ frente deste primeiro grupo do grande typo dos vertebrados fi- gura o proprio homem, tao semelhante aquelles pelo plano geral de sua organisacdo physica, mas tao superior por essa sublime intelligencia, que lhe faz contemplar orgu- lhoso a cadéa successiva da creacao animal estendida abaixo delle até confundir-se na materia inorganica. Ficara po- rém o director da seccdo zoologica dispensado de tratar da anthropologia, visto estar privativamente sob a respon- sabilidade de outro membro a parte ethnographica dos trabalhos da Commissio scientifica. FE’ entre os individuos enumerados pela mammalogia que se observam as mais estranhas variedades nas formas, bem como na estatura. Os grandes mammiferos estio quasi todos conhecidos ; mas reina ainda muita incerteza quanto ds especies pequenas , e por isso abre-se um dilatado cam - po de descobertas a quem se dedicar ao seu exame. O es- tudo dos quadrupedes nao se deve cingir unicamente 4 sua classificacio methodica, como dissemos a respeito de todos os animaes em geral, pois hoje ja se comeca a com- prehender que ella € um meio de facilitar a determina- cao das especies, e nado constitue o fim absoluto das inves- tigacoes da sciencia: importa averiguar os seus actos, as s condicdes exteriores que se ligam 4 sua existencia, e a 952 REVISTA BRAZILEIRA. influencia que exercem sobre elles; tudo em uma palavra quanto concorra a derramar novas luzes sobre a historia da sua vida. Mas entre todas as nocdes que se procu- rar adquirir, merecem primazia, por importantissimas, as que se referem aos servicos que os quadrupedes podem — prestar, pois é aclasse de animaes que permitte as mais numerosas applicacdes as nossas necessidades: de uns nos utilisamos em quanto vivem, de outros sé depois de mor- tos, e de muitos tanto vivos como mortos. Neste ponto bem longe estamos de haver aproveitado as riquezas que nos offerece o nosso fertil paiz: 8 somma dellas é¢ maior do que suppomos. Nao fallando dos productos unicos no seu genero, quo os mammiferos fornecem as artes uteis e de luxo, 6 copioso o numero das especies selvagens que, domesticadas, aug- mentariam os nossos recursos alimentares. Lamenta F. Cuvier, € com razio, que a anta (Tapirus americanus) viva ainda errante nos bosques, accrescentando que quasi to- dos os pachydermes ate hoje no estado de ferocidade tem propensao para os habitos domesticos: neste caso estio tambem todas as especies dos generos Celogenys, Dasy- procta, Cervus, elc. , nos quaes se comprehendem as pacas, cutias e veados, sem fallar de outras mais ou menos apre- ciaveis. O mesmo se da a respeito das aves: apenas al- gumas pessoas conservam , por curiosidade, em suas cha- caras e quintaes, o Crax alector, e um ou outro individuo dos bellos generos Penelope, Tinamus, Psophia, etc. ; mas ainda ninguem especulou sobre a sua criacio em grande, imilando o que se pralica com as aves communs dos nossos mercados. Considerando nas modificacoes e melho- ramentos introduzidos pela accio do homem na organisa- cao, funccdes e habitos dos animaes domesticos, ficaremos convencidos que poucos quadrupedes mammiferos existem cuja domesticacdo nao seja mais ou menos provcilosa. COMMISSAO SCIENTIFICA. 253 V Immediatamente apés os mammiferos apparecem no extenso quadro zoologico as aves, talvez os seres anima- dos que mais tem attrahido a attencao dos povos, ja por seus costumes e maravilhoso instincto, ja pela suavidade do seu canto, e sobretudo pela elegancia de suas formas, grava de movimentos ¢ brilhante plumagem. A ornithologia brazileira deve por consequencia despertar a curiosidade do perscrutador da natureza, que sera sem- pre indemnisado com usura das suas fadigas por novas descobertas, a mor parte inesperadas. Descrevendo fiel- mente as aves de todas as ordens, nao se olvidara de registrar quanto for relativo a seus habitos, sustento, repro- duccao, nidificacio, incubacio e criacio da progenitura, tanto mais que os costumes da pluralidade dos passaros, maximé da America Meridional, sao ainda um segredo para o homem. E como a nomenclatura desta segunda classe dos vertebrados se ache hoje bastante confusa, porque, sem fallar do abuso do neologismo, das distinceoes subtis nas especies ce dos desmembramentos nio motivados nos genes: ros, differindo muito as aves segundo sua idade e sexos, os auctores tem frequentemente tomado individuos da mesma especie por de outra diversa, dilucidar-se-ha grandes duvi- das conseguindo reunir de cada uma, 0 que nem sempre sera facil, o macho, a femea, e de ambos o novo, o adulto eovelho. Aeconomia rural, as artes e o fasto poem em con- tribuicio e tiram grande partido de numerosas aves: € isto um assumpto merecedor de toda a ponderagdo para o com- mercio. | Com as especies que vierem preparadas é conveniente re- metter, sendo possivel, os ninhos e ovos pertencentes a cada uma, que sido objectos um pouco desprezados nos muséos, 254 » REVISTA BRAZILEIRA.. e todavia tao interessantes para o ornithologista como as mesma ayes: € na construccéo dos ninhos que ellas mais nos fazem admirar a sua industria e prevencio para que a prole nao deixe de vingar. Quando na composicao dos ninhos entrarem materias animaes, de que se servem certas aves, antes de guardados serao embebidos no licor de Smith, em uma solucao de acido arsenioso ou de strychnina. A per- feita conservacao dos ovos, principalmente dos pequenos, exige paciencia e delicadeza, e em varios auctores se encontram os processos a seguir. Nos gabinetes de historia natural a colleccao de ovos nao se deve restringir s0 aos pro- venientes das avcs; outrosim tem bom cabimento os dos Cheloneos, dos Saureos, dos Ophidios, etc. : é conveniente trazer isto em lembranca. VI. Entramos em outra parte da philosophia natural, bem fecunda em resultados. interessantes, a ichthyologia, que tem por fito o conhecimento completo dos peixes, animaes muito variados, e tambem dignos em tudo de chamar a attencao do naturalista: diversidade de familias abrangendo grande numero de especies, muitas das quaes, a par dos mammiferos e das aves, nos abastecem de preciosas mate- rias empregadas nas artes e na pharmacia; facil multipli- cacio em todos os climas, como esta hoje exuberantemente provado pelas repetidas experiencias dos mais habeis pis- cicultores de Franca, da Inglaterra e da Allemanha; e sobre- tudo prodigiosa fecundidade dos individuos, a tal ponto que certas nacoes se alimentam quasi exclusivamente de peixes, sendo alem disso o seu uso recommendado, entre outras, pelos dogmas da religido. : Resalta do exposto que nunca havera demasia de esforcos tendentes ao progresso da ichthyologia, para o qual o Brazil COMMISSAO SCIENTIFICA. 955 muito pode cooperar, pois nossos mares e rios foram sem- pre afamados pela variedade de peixes que nelles vivem. As razoes expendidas accresce a nao menos attendivel de achar- se o muséo nacional mui pobre neste ramo, e por isso convem formar uma boa colleccéo de peixes, tanto marinhos como fluviaes, consultando na sua classificacio os magnificos tra- balhos de Lacépéde, de Miller, a obra monumental de Cuvier e Valenciennes, e notando o que se souber acerca da abundancia daquelles animaes, do seu prestimo, manei- ra de procrearem, de tudo emfim quanto augmente a massa dos conhecimentos que ja possuimos. Isto sé se poder obter satisfactoriamente inquirindo os melhores pescadores, fazendo o sacrificio de acompanhal-os em seus arriscados trabalhos, com preferencia depois das grandes e aturadas tempestades, e assistindo pessoalmente a essas guerras de paciencia e de astucias, tao ferteis de episodios, que, senhores dos mysterios do officio, elles diri- gem contra os habitantes das aguas. Tornar-se-ha tambem indispensavel entreter uma correspondencia regular com pescadores de diversas paragens, principalmente das mais piscosas, dando-lhes as convenientes instrucgoes, e pagan- do com generosidade qualquer especie desconhecida que apanharem, afim de interessal-os a novas diligencias. Em- bora muitos peixes marinhos se encontrem por todaa parte, -comtudo o maior numero pertence a certos golfos, angras ou praias; e as especies de peixes de agua doce differem, nao sé segundo os paizes, mas e nao menos conforme os rios e lagos em que vivem. Constituindo a pescaria um avultado tem na riqueza de qualquer paiz, importa observar 0 seu estado actual, as causas que empecem o seu progresso e os meios de remo- vel-as, descrevendo igualmente os processos e instrumentos empregados para segurar 0 peixe, da mesma forma adoptada por Duhamel e outros que escreveram sobre a pescaria prati- 256 REVISTA BRAZILEIRA. ca. A descripcado desses processos e instrumentos, na qual se devera ter em vista as quatro classes em que os dividiu Lacépéde, tornar-se-ha mais comprehensivel se for illustra- da de desenhos exactos, ou ainda melhor acompanhada de uma colleccao de modelos das diversas espevies de curraes ou cercadas, redes, armadilhas, cestos ou cévos, esteiras, etc. Comos modelos yirdd tambem amostras das madeiras, cordas, fibras e outras materias de que sao fabricados em ponto grande. Desnecessario é lembrar que os vegetaes usados pelos habitantes do interior, e principalmente pelos indigenas, para embriagar o peixe, serao contemplados na indagacio deste assumpto, tio urgente na actualidade que o Governo Imperial se acha autorisado pelas camaras legislati- vas a promover a incorporacao de companhias para a pesca, salga e secca de peixe no littoral e rios do Brazil. VII. Resta-nos fallar da quarta e ultima classe dos vertebrados, a qual comprehende 0s reptis, abundantissimos no Brazil, ¢ divididos pelos erpetologistas em Cheloneos, Saureos, Batra- chios e Ophidios. Recommendando em geral o estudo e uma colleccao bem conservada de todos, lembraremos de passa- gem diversas particularidades relativas aos nossos ophidios. Ao horror e repugnancia que 4 maior parte da gente inspi- ra a vista © a aproximacao das serpentes podemos attribuira leutidao dos passos da ophiologia ; mas esse horror que ellas excilam, longe de ser um motivo para nos afastarmos do seu exame, nos prepara os mais extraordinarios espectacu- los. Diflicilmente acreditar-se-ha que ainda se nio acham determinadas com certeza as serpenies venenosas do Brazil, cujo numero é menor do que suppode o vulgo, no que eun- cordam muitos observadores desprevenidos. A discrepancia dos naturalistas na classificacao das ser= tregih mS 5 wea COMMISSAO SCIENTIFICA. Q57 pentes brazileiras, assim como na sua qualidade venenosa, procede quasi sempre da attencio dada aos nomes triviaes com que sao designadas no paiz: por exemplo, appellidam indistinctamente cobra coral muitas especies bem diversas do verdadeiro Elaps corallinus: o mesmo succede a respeito da Jararaca, Surucuci, Caninana, Limpa-mato, Urutié, e outras que se confundem ou variam de nomes segundo os logares. Muito interessa a dilucidacdo destas duvidas, determinando rigorosamente as especies, e juntando a cada uma a syno- nymia dos seus nomes vulgares, Tambem é de incontestavel transcendencia 0 conhecimento da forca toxica das que a possuem, € nao menos o dos antidotos apregoados como in- falliveis para neutralisal-a. Outro ponto bem curioso, pelo qual se pronunciam a favor e contra grandes autoridades, vem a ser o decan- tado poder magico ou sobrenatural attribuido 4s serpentes, que se acredita geralmente exercerem em distancia uma especie de accio magnetica sobre os outros animaes que intentam prear, obrigando-os sémente com a vista a apro- ximar-se pouco a pouco até precipitar-se nas suas fauces ; assim como o gréo de fé que merecem os nossos psyllos, mandingueiros, ou curados de cobra, os quaes se jactam de possuir o segredo de brincar impunes com toda a casta de serpentes, zombando do seu veneno, e de fazel-as obedecer aos seus momos e assobios. A’cerca da fascinacio dos ophi- dios é notavel o que se lé na Erpetologia geral de Duméril e Bibron, até hoje a mais accurada publicacao sobre os replis. Divergem tambem os auctores tratando do maior compri- mento a que chegam as nossas especies de genero Boa, entre as quaes sobresahe a gigantesca Sucury ou Sucuryt (Zunectes murinus, Wagler). Haverd talvez opportunidade de aye- riguar isto, recolhendo ao mesmo tempo as tradicdes rei- nantes entre os sertanejos relativamente a serpentes mons- 47 258 REVISTA BRAZILEIRA. truosissimas, que elles attestam apparecerem em certas épocas, e de cuja forca narram prodigios dignos de exornar as viagens de Syndbad o Marinho das Mil ¢ uma Noites. Nao se julgue futilidade o conhecimento dessas tradigoes teratolo- gicas que a crepca popular, sempre avida do maravilhoso, vai transmittindo de bocca em bocca: archivadas, quando mais nio seja servirao de thema para a poesia brazileira. Vill Passamos agora a tratar dos invertebrados, divisao vastis- sima que abrange os molluscos, crustaceos, arachnides , myriapodes, insectos, annelides, e termina nos zoophytos, subdivisio na qual se encontram esses seres ambiguos, que nos trazem indecisos sobre o limite de dous reinos, esgo- tando a paciencia dos mais tenazes micrographos, que nelles intentam sorprender os primeiros rudimentos da molecula organica. A respeito dos invertebrados militam as mesmas razoes expendidas para o estudo aprofundado dos outros animaes de organisacao mais complicada : nao repisaremos portanto o que fica dito, julgando ocioso especificar como se deve proceder quanto a malacologia, conchyologia, helmintholo- gia, ete. Exceptuaremos comtudo a entomologia, a qual, se- gundo o pensar de muitos, nao é uma sciencia frivola e pro- pria sémente para satisfazer uma vaa curiosidade, mas sim utilissima e digna de occupar os mais serios espiritos. As in- dustrias alimentadas pelos productos dos insectos, escreveu Guérin-Meéneville, dao trabalho a numerosas populacoes, rendem sommas consideraveis, e fazem gyrar immensos capitaes. Alguns exemplos tirados da estatistica 0 provario melhor: a cochonilha indispensavel para as fabricas de Franca custa annualmente mais de oito milhoes de francos ; e a seda dd tambem cada anno mais de 150 milhdes de COMMISSAO SCIENTIFICA. 259 francos aos productores da materia prima, e uma somma mais que dupla 4 industria propriamente dita, pelas mani- pulacdes que necessita antes de ser entregue ao consumo. Resulta dos mais authenticos documentos, e das proprias pa- lavras do relatorio do ministro da agricultura em 1850, que o solo francez nao produz toda a seda necessaria para as fa- bricas, pois alli se importa por anno mais de 60 milhdes sé de seda desfiada, importacao que tem subido prodigiosa- mente. Isto, e a enfermidade destruidora que tem soffrido na Europa a lagarta que prepara tao preciosos fios, explica os grandes esforcos hoje empregados pela Franca para a accli- matacao de especies exoticas de bichos daseda na Argelia. De sobejo temos dito para recommendar a indagacao dos Lepidopteros que produzem seda, devendo-se examinar qual a quantidade della fornecida por cada especie, de que vege- taes se sustentam os bichos, qual a temperatura da provincia desde que sahem as larvas até a formacio dos casulos, ete. Nao se receie a prolixidade neste assumpto: convém escre- ver tudo quanto se souber sobre a vida e costumes destes insectos, distinguindo as observacoes pessoalmente feitas das colhidas de outros individuos. O verdadeiro bicho da seda (Bombix mori, L.) nao é o unico insecto que produz tao pre- cios2 materia, como se sabe: o Dr. Chavannes publicou em 1855 0 resultado de suas indagacdes sobre diversas especies de Saturnias, entre as quaes distingue a S. aurotae S. ethra; a primeira muito commum nos arrabaldes desta cidade, ea segunda na Bahia, fornecendo aquella uma porecao de seda sete yezes mais consideravel que ado Bombix mori ou do Cynthia. Alem destas especies, possuimos outras conheci- das, e provavelmente por conhecer, de que a industria seri- cicola muito aproveitaria. Esta hoje demonstrado que as racas de bichos da seda, como as dos outros animaes domes- licos, sao suscepliveis de melhoramento, e que depende da vontade do homem fazel-as dar mais seda, assim como se 260 REVISTA BRAZILEIRA. obteve que os bois, os carneiros e porcos dessem mais carne e gordura. Na colheita dos Hymenopteros se devera attender muito as nossas especies de abelhas, que sao numerosas, fornecem céra em abundancia, e um mel mais ou menos perfumado ; e com quanto se nao possa avancar que a qualidade de seus productos chegue a rivalisar com os da abelha commum (Apis mellifica), seria de desejar que se tentasse a sua explo- racio. Na ordem dos Hemipteros existem diversos insectos do genero Coccus, que tambem produzem céras, das quaes appareceram varias amostras na grande exposicao geral de Paris, remettidas da China, e tao bellas como o sperma- ceti. Os insectos do sobredito genero sao communs em todas as provincias do Brazil; j4 muitos curiosos tem fabricado velas com a sua céra, e isto presagia um novo ramo de commercio. Ha muitos outros insectos uteis, cujo exame nao julgamos necessario lembrar, como por exemplo as can- tharidas; nem tambem o das numerosas familias prejudi- ciaes 4 agricultura, a horticultura, 4 sylvicultura e 4 econo- mia domestica, que nos causam maior damno do que todas as outras classes de grandes animaes nocivos. O estudo me- lhor dirigido dos diversos ramos das sciencias physicas e sua applicacao ds necessidades da agricultura tem produzido re- sultados de grande importancia, que nenhuma pessoa ins- truida contesta actualmente, e a entomologia é chamada a representar um papel indispensavel nas sciencias agri- colas. 1X De todas as especies de animaes colligira o numero de exemplares que entender (no caso de encontral-os em quan- tidade), segundo seu maior ou menor valor scientifico, tendo em vista que, além do muséo nacional desta corte, outros existem em algumas provincias, onde conyém COMMISSAO SCIENTIFICA. 261 sejam igualmente depositados, servindo os que sobrarem para fazer-se trocas com muséos estrangeiros. Na preparacao desses animaes, quer a sécco, quer mergu- Ihados em alcool ou em outros liquidos adequados, conforme a sua natureza, cumpre que haja o maior cuidado, atten- dendo nao sé 4 futura conservacao, mas ainda evitando que se destruam ou deformem alguns dos caracteres exteriores, cuja falta difficultaria ou impossibilitaria depois a sua clas - sificacao. Nao sera muito avaliarem um quarto a perda re- sultante do méo methodo com que sao preparados e acondi- cionados os objectos de historia natural. A Jnstrucgdo ar- ranjada pela administracao do muséo de Paris, para os viajantes e empregados nas colonias, sobre a maneira de colher, conservar e remetter os productos naturaes, servira de excellente guia ; assim como, e em alguns casos melhor, o Manual do naturalisia preparador de Boitard, e varios ou- tros tratados modernos de Taxidermia, aos quaes se devera seguir com as modificacoes que a experiencia propria e as circumstancias particulares do paiz aconselharem. Com quanto a chimica tenha descoberto processos infalli- veis para prevenir que se corrompam e deteriorem os ani- maes destinados aos muséos de historia natural, todavia muitos delles, por exemplo peixes, reptis, etc., infelizmente perdem ou mudam algumas de suas brilhantes cores logo ou poucas horas depois de introduzidos nos melhores liquidos preservativos, € mesmo apenas cessam de viver. Havendo certeza, ou desconfiando-se que as cores de alguns animaes vira6 aalterar-se, éindispensavel fazel-os desenhar imme- diatamente com toda a fidelidade de colorido; e quando qualquer inconveniente o nao permitta, recorrer-se-ha a notas por meio de uma boa escala chromatica. Se todos os Viajantes naturalistas assim praticassem, muitas figuras de animaes, alias de correctissimo desenho, que esmaltam as suas esplendidas publicacoes, nao peccariam pelo lado do 962 REVISTA BRAZILEIRA. falso colorido, como se observa principalmente na classe dos insectos. As estampas nas obras de historia natural nao sio requinte de luxo, como ha quem acredite ; a iconogra- phia quasi sempre economisa o tempo que pela simples lei- tura se perde em buscas enfadonhas e fatigantes, e suppre muilas vezes a difficuldade de exprimi ligeiras differencas e caracteres, inexprimiveis mesmo com o soccorro da melhor terminologia. xX Concordando todos os naturalistas na necessidade absoluta dos estudos osteologicos, muito mais depois que a paleon- tolegia comecou a confrontar os ossos das geracoes perdidas com os das existentes em nossos dias, para mediante essa comparacao simultanea inferir a que familias e generos de animaes pertenceram aquelles fosseis, nao se desprezara a remessa de esqueletos inteiros, ou pelo menos os craneos e algumas outras pecas mais importantes para as investigacdes da anatomia comparada. Nao carece que os esqueletos com- pletos venham armados, pois deste modo se embaracaria sem vantagem a sua conducciao, e até mesmo nunca chegariam perfeitos; basta arrumar em separado os ossos de cada es- pecie differente, de maneira que nao chocalhem dentro das caixas, e se damnifiquem rocando uns nos outros : este mal se corrige envolvendo-os em palha, musgo, serradura de madeira, ou outras substancias identicas. Uma colleccio de visceras das mais essenciaes, preserva- das em licéres espirituosos, é complemento indispensavel e facil de executar-se. Nao tanto nas formas exteriores , como na organisacio interna, se deve procurar os caracteres genericos e especilicos dos animaes, segundo ensing o im- mortal Cuvier. COMMISSAO SCIENTIFICA. 263 XI Serdo louvaveis todas as diligencias afim de que os habi- tantes do paiz apanhem vivos alguns animaes menos com- muns ou mais curiosos, cujos habitos convenha indagar, e os remettera para esta cérte em gaiolas apropriadas, dando aos seus conductores as instruccoes competentes : entre estas se recommendara, como muito essencial, além das maiores precaucoes quando os animaes forem ferozes, o asseio das galolas; que se evite o excesso de alimentos, extremamente nocivo a viventes presos e privados de exercicio; ede ma- neira nenhuma se consinta que sejam instigados ou irrita- dos. Quando o Governo Imperial nao possa ainda realisar a idéa do digno director do Jardim Botanico, o Ex” conselheiro Candido Baptista de Oliveira, de crear naquelle estabeleci- mento um parque de zoologia, 4 imilacao dos existen- tes em ovtras nacoes cultas, onde melhor se sorprenda os costumes dos irracionaes das nossas florestas, e se faculte occasiao de comparal-os com outros exoticos, serao esses animaes offerecidos 4 Sociedade Imperial zoologica da accli- matacao fundada em Paris, ouaalgum outro nucleo do mesmo genero, lucrando assim a sciencia ¢ a humanidade. XII E’ da maior vantagem que o naturalista viajante lance cada noite em um Iivro as notas que houver tomado du- rante o dia, pois estas em papeis avulsos facilmente se po- dem extraviar. Além dos seus proprios apontamentos, trans- crevera no referido jornal as informacoes que lhe ministra- rem os habitantes do paiz, aos quaes consultara segundo o conceilo de veracidade que lhe merecerem. De continuo com a natureza diante dos olhos, elles tem oceasiao de ob- servar os animaes em seu dominio, e por isso fornecerad a 264 REVISTA BRAZILEIRA. respeilo noticias apreciaveis. Nada omittira de consignar por escripto, que de muito lhe servirad para o. futuro as suas notas : sao tantos os objectos de que vai ficando sobrecar- regada a memoria de um viajante observador, que nao deve contar sempre com ella, por mais feliz quea tenha. Seecho astronomica e geographica. Art. 1°. A seccao da Gommissao exploradora, incumbida especialmente dos trabalhos astronomicos e geographicos, os dividira em duas classes distinctas; a saber: 1° classe. Esta classe comprehendera as observacoes as- tronomicas e operacoes topographicas concernentes a deter- minacao da posicao geographica dos pontos mais importantes do territorio explorado: e tambem quaesquer exames e averiguacoes que se fizerem sobre objectos, cujo conheci- mento possa interessar directamente 4 geographia. 2* classe. Nesta classe entraraé os trabalhos de mera in- vestigacao , que interessarem immediatamente 4 physica geral do globo; e bem assim os que tiverem por objecto a suggestao de importantes melhoramentos materiaes, de que carecam as provincias visitadas pela Commissao exploradora, uma vez que tenham elles alguma connexao com a natureza dos trabalhos incumbidos a referida seccao. II Especificacgao dos trabalhos da 1* classe. Art. 2°. Sendo que a Commissao exploradora, no seu tra- jecto por mar, toque algumas provincias do Imperio, diri- gindo-se aquella em que tem de encetar os seus trabalhos, COMMISSAO SCIENTIFICA. 265 convira que a seccao astronomica aproveite essa opportuni- dade para determinar a posicao geographica das cidades ad- jacentes aos referidos portos, se for isso praticavel durante os dias que ahi tiver de demorar-se a expedicao scienti- fica. Art. 3°. Nas observacdes concernentes 4 determinacao da latitude convira que, alem da altura meridiana, outra se observe em qualquer posicao da mesma estrella, antes ou depois da sua passagem pelo meridiano do logar, e ao mes- mo tempo 0 correspondente azimuth. A observacio da altura meridiana basta por si sé para determinar a latitude do logar pelo methodo geralmente praticado, mediante o conhecimento da declinagao da estrel- Ja observada. Recommenda-se porém a observacao da outra altura, to- mada féra do meridiano, com a do azimuth correspondente, para ofim de chegar a determinacao da mesma latitude, empregando os tres angulos dados pela observacao, segundo anova formula de C. Baptista, a qual dispensa o conheci- mento da declinacao da estrella. Este duplicado trabalho tem por objecto nao sdmente submetter a mencionada formula 4s provas praticas, como tambem apreciar (pelas differencas que possam apresentar os resultados comparados de um e de outro processo) os effei- tos da refraccio astronomica, a qual devera affectar diversa- mente os elementos empregados nos dous differentes modos de operar, e talvez mesmo corrigir, em alguns casos, decli- nacoes pouco exactas, dadas pelas ephemerides astrono- micas. Art. 4°. Para a determinacao da longitude geodesica se fara uso dos chronometros,e das distancias lunares ao mesmo tempo, todas as vezes que estas possam ser observadas. As longitudes assim determinadas serao referidas ao me- ridiano que passa pelo ponto culminante da rocha, que 266 REVISTA BRAZILEIRA. assignala a entrada do porto do Rio de Janeiro, denominada Pao de Assucar. A peculiar situacdo desse gigantesco monolitho, e mais ainda a circuimstancia de achar-se elle descripto nos annaes maritimos de todas as nacoes, o fazem singularmente azado para indicar, por modo perduravel, a posicao do nosso pri- meiro meridiano. Art. 5°. Afim de fixar a posicao do ponto da observa- cio, a que forem reportadas a latitude e longitude deter- minadas, convira oriental-o em relacaoa dous outros pontos notaveis, que se descubram distinctamente no horizonte do logar, pelos seus azimuths observados com o theodo- lico; ou, o que é a mesma cousa, pelos rumosa que de- moram aquelles dous pontos, em relacao ao meridiano astronomico do logar. Na falta dessas duas balisas naturaes, se fincarad na vi- zinhanca do referido ponto da observacdo tres marcos de pedra tosca, de modo que apresentem a menor face rente com o chao, e sejam collocados em tres pontos quaesquer da circumferencia do circulo, cujo centro é o ponto da ob- servacao. Na direccao da vertical que passa por esse ponto, e na profundidade de cinco palmos pelo menos, se enterrara uma garrafa de vidro commum, fechada hermeticamente ao macarico, depois de ser nella depositada uma nota es- cripta, contendo a expressao numerica da latitude e longi” tude observadas, a variacdo local da agulha magnetica de declinacao, a temperatura e pressdo barometrica medias do dia da observacao. Esta nota sera assignada pelo chefe da seccio astronomica. Art. 6°. Uma vez chegada a Commissao exploradora 4 provincia em que devera encetar os seus trabalhos regu- lares, comecara a seccao astronomica por determinar, com COMMISSAO SCIENTIFICA. 267 a possivel exactidao,a posicio geographica da capital da mesma provincia, procedendo do modo acima descripto. Em todos os pontos da provincia onde houver de fixar-se temporariamente a Commissao exploradora, a seccao as- tronomica fara a determinacao da posicao geographica dos logares que 0 merecam na opiniao della; com attengao a que taes determinacdes possam aproveitar para o futuro 4 construccio da carta geral do Imperio, ou venham.a ser- vir de base ds operacoes topographicas que forem executa- das em observancia da lei que decretou o tombamento das terras nacionaes. Art. 7°. Na escolha dos logares, cuja posicao geographica convira determinar, a seccao astronomica dara preferen- cia aos pontos situados nas margens dos lagos e dos rios, sem nunca preterir os que se referem 4 embocadura destes no Oceano, ou as confluencias dos mesmos no interior do territorio. Estes trabalhos deverao marchar de par com as averigua- coes relativas 4 natureza do leito de cada um dos rios, ao volume das suas aguas, ea velocidade da sua corrente ; 4s condicoes da navegabilidade , ou ao regimen do seu curso; e bem assim pelo que respeita ds _particularidades -proprias dos lagos. A configuracio das montanhas notaveis, ou das serra- nias do interior da provincia, assim comu o accurado exame dos portos, bahias, ou angras do seu littoral, serao objectos comprehendidos no desenvolvimento dos traba- lhos regulares da seccao astronomica. Art. 8°. Os trabalhos precedentemente especificados se- rao communs 4s demais provincias, que forem visitadas successivamente pela Commissao exploradora. Entre as observacées meteorologicas, conducentes a ca- racterisar o clima das diversas provincias exploradas, de- verA merecer particular attencao 4 secgao astronomica a 268 REVISTA BRAZILEIRA. apreciacao da temperatura media e maxima local, em cada um dos mezes de regular observacao. Para esse fim bastard observar o thermometro as 9 ho- ras da manhaa, e 4s 3 horas da tarde, em cada dia: visto que a media das indicacdes thermometricas, tomadas naquella primeira hora do dia, representa com aproxima- cao satisfactoria a temperatura media de cada mez; resul- tando d’ahi que a media dos doze mezes é, sem erro apreciavel, a temperatura media annual do logar. As indicacoes thermometricas tomadas as 3 horas da tarde farao conhecer semelhantemente a maxima tempe- ratura aproximada de cada dia, a de cada mez, ea de todo o anno. O chefe da seccao astronomica encarregara um dos seus adjuntos de descrever, em um livro apropriado para ser- vir de jornal das operacdes a seu cargo, cada um dos trabalhos executados, com a devida regularidade, e ,dis- tinceao das provincias a que dizem respeito, authentican- do-os com a sua assignatura e a do referido adjunto. Il Trabalhos de wvestiqacao. Art. 9°. A seccdo astronomica, todas as vezes que julgar opportuno, fara uma serie de observacdes de alturas meri- dianas de um mesmo astro, em dias successivos ou inter- polados, calculando a latitude geodesica relativa a cada uma das alturas observadas por dous modos differentes ; asaber: 1°, corrigindo a altura observada do effeito da refraccao modificada pelas differencas de temperatura e pressao barometrica da occasiao, em relacdo 4 tempera- tura e pressao consideradas constantes na construccao da taboa de refraccdes astronomicas ; e igualmente da paral- laxe, se for necessario, afim de deduzir desse elemento COMMISSAO SCIENTIFICA. 969 assim corrigido a latitude do logar; 2°, fazendo a deduc- cao dessa mesma latitude, sem a correccao devida 4s indicacdes do thermometro e do barometro. A media das latitudes assim calculadas, em uma e ou- tra hypothese, fara conhecer até que ponto as variacdes da temperatura e da pressao barometrica poderao influir nos resultados obtidos nas circumstancias suppostas acima. Uma investigacdo semelhante podera ter logar relati- vamente a duas observacoes de alturas meridianas do mesmo astro, feitas em dous estados hygrometricos diffe- rentes da atmosphera, conservando-se proximamente con- stantes a temperatura e a pressao barometrica: o que fara conhecer, pelos resultados comparados, a connexio que possam ter as indicacdes hygrometricas com os effeitos da refraccao astronomica; se todavia a atmosphera mais ou menos impregnada de vapores exerce diversa influencia sobre o phenomeno da refraccdo, o que é contestado por experiencias physicas, que tem em seu favor a autoridade de homens competentes. Art. 10°. A seccao astronomica deverd tambem proce- der a exames comparativos dos effeitos da refraccio astro- nomica sobre as observacdes de alturas meridianas, feitas na summidade accessivel de alguma montanha ou serra, e na planicie adjacente. E bem assim a respeito da lei do decrescimento da temperatura, em camadas differentes da atmosphera, a par do decrescimento da pressao barome- trica, com o fim especial de verificar se em algumas cir- cumstancias accidentaes tem logar o facto observado por homens da sciencia, os quaes asseyeram que a variacio da temperatura nas camadas superiores da atmosphera, para uma altura vertical dada, segue em alguns casos a marcha inversa da variacio da pressio barometrica ; isto é, aquella crescente, quando esta decresce. Convira por esta occasiao comparar as differencas de 270 REVISTA BRAZILEIRA. nivel, dadas pela formula barometrica de Laplace, em differentes dias de observacio,com os resultados de ope- racoes hygrometricas feitas para esse fim : para assim de- terminar praticamente as condicoes em que a referida formula pode ser applicada com proveito, ou sem erro attendivel; o que nao tem geralmente logar quando é essa formula empregada para determinar differencas de nivel comparativamente pequenas. O extenso e accessivel plateau que corda o cimo da serra do Araripe, na provincia do Ceara, no termo da comarca do Crato, offerecera 4 secccio astronomica as mais favora- veis condicoes talvez para levar a effeito os estudos com- parativos acima indicados. Art. 14°. A seccio astronomica fara observacées regu- lares e accuradas sobre as variacGes locaes da agulha mag- netica, tanto pelo que respeita 4 agulha de declinacao, em relacio ao meridiano astronomico, como a agulha de in- clinacio, em relacao ao plano horizontal do logar: determi- nando a grandeza media de cada um desses elementos, os quaes, com a intensidade da forca magnetica, dedu- zida das oscillacoes observadas, farao conhecer as condicdes magneticas do territorio explorado, e servirad para veri- ficar por outra parte os resultados da theoria physico-ma- thematica do magnetismo terrestre, em relacao aos loga- res da observacao. Semelhantemente determinara a mesma seceao o com- primento do pendulo simples que bate segundos sexagesi- maes, nas differentes latitudes em que possa ter logar essa operacio até o equador. Os resultados assim obtidos darao aintensidade da forea da gravidade em cada uma daquel- las latitudes, e fario igualmente conhecer a curvatura do arco do meridiano, comprehendido entre o equador e o parallelo mais remoto em que se executou a referida de- terminacao. COMMISSAO SCIENTIFICA. SA Art. 12°. Achando-se a Commissao exploradora na_pro- vincia do Ceara, a qual soffre periodicamente o flagello de séccas devastadoras, convira que a seccao astronomica, de accordo com a secgao geologica, faca alli os precisos exames de sondagem , afim de descobrir os indicios que possam servir de guia para tentar-se opportunamente a abertura de um pogo artesiano, 0 qual (no caso de surtir effeito essa primeira tentativa) possa ser considerado como norma para a abertura de outros pocos, de que carecam diversas localidades da provincia. Ha dous exemplos recentes de pocos artesianos abertos em terrenos apparentemente analogos aos do Ceara, os quaes autorisam , pelos resultados obtidos, a que se proceda nesta provincia a tentativas desse genero; a saber, um no Egypto e outro no deserto Sahara na Argelia. Este ultimo, que fora aberto até a pequena profundidade de cerca de 30 bracas, fornece diariamente aos habitantes do Jogar dous milhdes de canadas de agua potavel, ou 10,000 pipas de 200 canadas. Art. 13°. A seccao astronomica fara finalmente, quando liver opportunidade, um estudo accurado: 1°, sobre a con- veniencia e praticabilidade da abertura de communica- cdes faccis entre os centros de produccao do interior da provincia do Ceara e os seus portos; 2°, sobre os me- lhoramentos de que carecem estes portos, para que sejam accessiveis 4s embarcacoes que fazem o commercio directo com os paiz estrangeiros; devendo merecer-lhe particular atlengao as peculiares condigdes que offerece a angra de- -nominada «Porto de Jaricoacodra » situada cerca de 30 le- guas a O-N-O da cidade da Fortaleza. 972 REVISTA BRAZILEIRA. Seecao ethnographica e narrativa da viagem. I Os principaes elementos que servem para distinguir as racas humanas sao: a organisacdo physica, o caracter in- tellectual e moral, as linguas e as tradicdes historicas. Estes elementos diversos nao tem ainda sido estudados, sobre- tudo relativamente aos indigenas do Brazil, de maneira a assentar em suas verdadeiras bases a sciencia da ethnolo- gia. Como é provavel que d’aqui a duzentos annos poucos selvagens existam no seu estado primitivo, torna-se muito preciso que desde ja se comece a recolher a respeito delles tudo quanto for possivel: até hoje isto se tem feito superficialmente. Além de que, o homem genuino ameri- cano pode ser chamado a compartilhar os bens da civilisa- cao, e voluntariamente prestar-se 4 communhao brazileira, se empregarmos os melos consentaneos com a sua indole e constituicio physiologica nos primeiros tempos. Nao é necessario dizer mais para demonstrar quantas vantagens resultard0 para nds do conhecimento perfeito dos autochtho- nes do Brazil. II Sendo o ponto mais importante da ethnologia, para o estudo do homem physico, o conhecimento do typo, sé se podera adquirir nocoes sufficientes por meio de desenhos fidelissimos do todo, principalmente da cabeca, os quaes deverao ser tirados de face e de perfil, e mesmo de outras posicoes favoraveis a demonstracio de certos caracteres proprios a distinguir um typo particular, tanto no homem como na mulher. COMMISSAO SCIENTIFICA. 273 Il Além destes estudos parciaes, importa fazer muitos e variados grupos, porque nelles melhor se comparardé as formas e suas variedades, as attitudes, as physionomias e as proporcoes geraes do corpo; e para mais seguranca ha- vera o cuidado de medir grande numero de individuos adultos, assim como os seus angulos faciaes, procurando por essa occasiao verificar se a maior abertura do angulo attesta maior intelligencia , como aflirma Camper, e se a orelha inclinada para a parte posterior da 0 mesmo indi- cio, como o querem muitos physionomistas. IV Convéem igualmente colligir craneos de todas as racas dos naturaes do paiz, e moldar no vivo algumas cabecas, para 4 vista de certos dados moraes poder verificar conjuncta- mente o que ha de mais positivo no systema de Gall: se ha verdade nesta doutrina, a craneoscopia devera encontrar notaveis modificacoes entre as diversas protuberancias do craneo do Indio selvagem e as do Indio civilisado ou do mestico, conforme a raca predominante. V Ao tomar a medida da altura do corpo, sera bom avaliar sua forca por meio do dynamometro, ou de qualquer outra maneira aproximativa, se nao houver este instrumento, A attitude e a mimica do homem sao indispensaveis, porque numa e n’outra se revelam os habitos sociaes e o tempe- ramento individual. A posicao da cabeca, dos bracos e das pernas, seja no repouso, na locomocao ou no trabalho, é muito significaliva para um observador, porque por ella, 48 274 REVISTA BRAZILEIRA. pelos seus movimentos, pelo seu assento sobre 0 pescoco se conhece 0 individuo, assim como pelo modo com que move os bracos, pelo que pende as maos, e pela maneira e situacao dos pés no caminhar: 0 ocioso tem altitudes bem differen- tes do trabalhador. A férma da mao e dus pés ¢ tambem de muito proveito no estudo das racas, e portanto deve-se moldar tambem em gesso muitos individuos, para mais placidamente estudar a differenca que ha entre as formas dos dedos primeiro e quinto, do calcanhar, do peito e arca- da plantar, ete. VI Particularmente ds mulheres, nao se olvidara apanhar a forma geral e constante dos musculos externos que reves- tem o sacro e abacia, porque na forma dos gluteos ha diffe- rencas notaveis nas racas, assim como na dos selos e sua collocacio mais ou menos aproximada ao sterno, e mais ou menos vizinha das claviculas: cumpre estudar as mu- dangas destes orgios, que tem tao intima relacio com todos os phenomenos da sua vida physica. VII Para aleancar os desenhos exactos acima recommenda- dos, ha o excellente recurso da heliographia, que a sua presteza e fidelidade reune a vantagem de nao ter preven- codes favorayeis ou desfavoraveis, pois os seus resultados estio livres de todaa influencia de escola ou de maneira ar- lislica: o instrumento produz tal e qual, e em seus desenhos se pode bem comparar as formas de ambos os sexos, as suas modificacoes nos differentes periodos da vida, nos diversos exercicios, e no aspecto geral da cabeca e das extremidades, onde reside quasi sempre o typo de uma raca, i 3 COMMISSAO SCIENTIFICA. 275 Vill O estudo da lingua é um complemento necessario ao es- tudo dos caracteres physicos. As grammaticas e diccionarios que possuimos de alguimas linguas dos indigenas , assim como varios vocabularios, servirao de base nestas investi- gacoes de linguistica; e no caso de se encontrar alguma lingua nova ou dialecto extremamente pronunciado, se di- ligenciaré esbocar uma grammatica respectiva, tratando primeiramente do verbo nos seus tres tempos fundamen- (aes, presente, passado e futuro, com as modificacées das pessoas e do numero; depois do substantivo, com as varia- coes de caso e numero, fazendo conhecer a concordancia do adjectivo com elle; os pronomes, as preposicoes com um ou inais regimens, eos adverbios com o verbo. Passar-se-ha apos a indagar a filiacdo dessa lingua com outras, estabele- cendo tabellas comparativas quanto aos sons de todas as pa- Javras que representam as primeiras necessidades da vida, 0 nome de todas as partes do corpo, o nome dos parentes, os que explicam os mais salientes objectos da natureza, e tam- bem os nomes dos numeros e a maneira de contar ; conyin- do exprimir os sons por nao haver orthographia. Por esta confrontacao de vocabulos, que representam idéas communs a especie humana, se chegara a obter alguns resultados. Muitas de nossas tribus, como por exemplo a dos Botocu- dos, tem uma lingua muito pobre, que contrasla coma ri- queza da Guarany, possuidora de locucdes para ambos os SEXOS. IX Depois dos caracteres physicos e da linguistica se tratara dos costumes relativos ao individuo e 4 familia em geral, estudando-o desde 0 seu nascimento até 4 sua morte: nas 276 REVISTA BRAZILEIRA. differentes phases da vida do homem selvagem se conhece a marcha de sua educacao e o que elle é. No seu nascimento assistimos 4s ceremonias familiares; na sua infancia aos seus deleites e educacio; na puberdade aos seus ensaios e inclinacoes; na virilidade ao seu consorcio, a sua vida in- ternae externa; e na velhice aos seus conselhos, repouso e funeral. E’ mister apanhal-o em todos os seus passos, vel-o nos festins, na caca, na pesca, na guerra, na lavoura, e nos seus trabalhos industriaes ; assim como possuir seus cantos, suas nenias e epinicios ; a forma de todos os seus artefactos ; amaneira de ferrar-se e pintar-se; 0 caracter de seus de- buxos; a férma dos seus moveis, dos seus ornatos festivos, e qualidade dos seus arrebiques. xX Nao se esquecera recolher quanto se puder acerca de seus conhecimentos estrategicos, de fortificacio, de medi- cina, decirurgia, e de meteorologia ; nem os habitos feminis em toda esta successao de cousas: sao factos que ainda nao foram methodica e satisfactoriamente consignados. Procu- rar-se-ha igualmente o termo medio da vida do individuo de ambos os sexos, e se nos seus funeraes e inhumacoes ha differenca entre o homem e a mulher. No estudo do indi- viduo esta. uma parte da vida social, mas esta necessita de um estudo mais amplo e desenvolvido; a planta e forma de suas habitacoes particulares e dos seus aldeamentos ; o arranjo de suas fortificacdes, o seu systema de seguranga muiua, 0 seu commerciv, os: meios de que se servem para contar o tempo, e os que empregam em suas marchas para reconhecerem o caminho na volta, ou para orientar-se nas grandes emigracdes. Tratar-se-ha de conhecer a extensao de sua agricultura, o modo por que a fazem, e as plantas mais usuaes de sua nutricio; as farinhas e bebidas que dellas tiram, a qualidade destas bebidas, segundo as estacoes e as COMMISSAO SCIENTIFICA. Qi festas em que sao usadas; os meios que empregam na cria- cao dos quadrupedes e aves, que os seguem por todaa parle: aeste resi” |; Ma cousas muito curiosas. XI Sera curiosa a organisacio de um codigozinho de todos os actos dos indigenas que se assemelhem a uma especie de direito publico ou internacional, para destacal-o do corpo de suas leis de relacio domestica ou social: nos povos anal- phabetos prevalece o direito consuetudinario. Occupando-se da parte respectiva ao commercio, cumpre avaliar pelas suas permutacdes qual o genero que serve de moeda ou unidade de um valor: neste ponto muito convira saber o grado da sua probidade commercial, porque desta se pdde avaliar o seu estado moral. XII Sera registrado tudo quanto se conhecer a respeito de sua religiao, crencas e supersticoes, procurando saber-se por que tramites passa o Indio que chega a ser Pagé, e se esta especie de sacerdocio é adquirida por alguma formalidade ou eventos da vida, ou se € transmittida como sciencia exo- terica ou hereditaria. Outrosim interessa muito apanhar seus contos, lendas e allocucoes diversas: talvez que a ar- cheologia por meio das applicacoes de Vico e seus meios ordinarios possa descobrir alguima cousa a respeito de sua origem, ou pelo menos de sua historia particular. E’ igualmente de grande utilidade indagar qual a opiniao em que elles nos tem, quaes suas queixas de receios funda- mentaes, para estudar os meios de remover este obstaculo com o fim de chamar 4 industria tantos bracos perdidos, e diminuir o numero de inimigos internos. 278 REVISTA BRAZILEIRA. XI Alem das descripcdes e desenhos, far-se-ha colleccdes de todos os enfeites, utensilios, instrumentos de musica, armas, de tudo emfim quanto possa servir de prova da industria, usos e costumes dos indigenas, inclusive suas mumias e sepulturas, reparando-se, entre outras circum- stancias dignas de nota, na posicao que ellas occupavam em relacao aos pontos cardeaes. X1V Quanto 4 parte narrativa da viagem, fara um diario cir- cumstanciado, e com toda a fidelidade, descrevendo tudo 0 que vir de curioso e merecedor de memoria durante o trajecto da Commissao scientifica. No mesmo jornal ira tam- bem notando diariamente tudo quanto occorrer de notavel relativo 4 expedicao em geral, e mesmo a cada membro em particular. XV Em todas as cidades, villas ou povoacoes onde a Com- missao estacionar, diligenciara obter copias authenticas de documentos interessantes 2 historia e geographia do Brazil, assim como extractos de noticias compiladas das se- erelarias, archivos e cartorios, tanto civis como ecclesiasti- cos; e tambem copias de manuscriptos importantes sobre o mesmo objecto pertencentes a particulares, no caso de lhe nao serem cedidos os proprios originaes. XVI A tudo acima recommendado ajuntara finalmente o conhecimento do commercio interno e externo da provincia, ; COMMISSAO SCIENTIFICA. 279 de todos os dados estatisticos que puder, da fundacao, pros- peridade ou decadencia das povoacoes, procurando avaliar a superficie dos terrenos cultivados e incultos, e o valor das areas occupadas ainda por florestas virgens, por capoeiras, pantanos, etc. ; assim como chegar a uma probabilidade do numero de selvagens que habitam essas florestas. Palacio do Rio de Janeiro em 8 des Abril de 1857. Luiz PepREIRA po Coutto Ferraz. ASTRONOMIA PHYSICA. NOTA. No appendice das Ephemerides de 1855 e no 1° numero da Revista Brazileira foi publicada a solucio que demos ao problema da determinacao da latitude terrestre, servindo- nos smente de duas alturas observadas da mesma estrella, sendo uma destas no meridiano do logar, e do azimuth correspondente a outra observacdo; e designando a altura observada no meridiano por H, a outra por h, o angulo azimuthal observado por a, a distancia angular da estrella ao eixo de rotacdo da terra, ou ao polo da mesma, por 9, e a latitude do logar por 4, havemos obtido as seguintes formulas, que comprehendem a solucao completa do pro- blema ; a saber: it oes 41 — Cos. H Cos. h Cos. a — Sen. h Sen. H ( df Sen. H Cos. h Cos.a — Sen. h Cos. H — (2) Ast (H—9) Esta solucio é susceptivel de generalisar-se, observando a estrella em tres differentes posicoes da sua excursao diurna apparente, tantv pelo que respeita 4 altura sobre o horizonte do logar, como tambem 4s duas differencas azimuthaes correspondentes as tres alturas observadas, sem dependencia por conseguinte do conhecimento previo da declinagdo da estrella, e da posigéo do meridiano do logar. i - = ASTRONOMIA PHYSICA. 281 1.° Supponha-se que, entre as tres observacoes da estrella, se fazem duas correspondentes, 0 que & sempre praticavel, cuja altura commum seja representada por h’, e os angulos azimuthaes por + a', e—a. Sejam por outra parte h e aa altura e azimuth da terceira observacao. Ter-se-ha para qualquer das duas observac6es correspon- dentes 4 seguinte expressao de fg. 9 3) % __1— Cos. H Cos. h' Cos. a! — Sen. H Sen. h! ce Sen. H Cos. h' Cos. a! — Cos. H Sen. hi Tgualando os dous valores de tg. 9, e fazendo | = Cos. h! Cos. a’ Sen. h — Cos. h Cos. a Sen. I’, m == Cos. h Cos. a — Cos. h' Cos. a’, » = Sen. h — Sen. hi ;sx ter-se-ha (4) 1+ m Sen. H =n Cos. H Esta equacio subira sémente ao segundo grao, conside- rando-se como incognita Sen. H, ou Cos. H. Por outra parte as differencas azimuthaes observadas darao as duas equacoes seguintes : (5) a—a'=d, a-+al—d As tres incognitas H, a, a’, ficarao evidentemente deter- minadas pelas tres equacdes (4) e (5): e por conseguinte tj. 9, por meio da equacao (1); e a latitude A, pela equacao (2). 49 983 REVISTA BRAZILEIRA. b Lf 2° Supponha- se agora que a estrella ¢ observada em tres posicoes quaesquer da sua excursao diurna, e sejam as alturas, dadas pela observacao, representadas por h, h’, hs com as differencas azimuthaes 0 e a’. Procedendo, como se praticou na hypothese antecedente, ter-se-ha a equacao seguinte : (6) l' + m! Sen. H = 1! Cos. H As duas differencas azimuthaes observadas darao as equa- codes seguintes : (7) a—a'=9d, a—al=d, As quatro incognitas H, a, a’, a!', serao determinadas pelas quatro equacoes (4), (6), (7): e por conseguinte 9, e, como no precedente caso. Osservacao. — Mr. Babinet, membro da Academia das sciencias de Paris, acaba de publicar uma memoria, na qual deduz as formulas precisas para a determinacao da latitude terrestre, por meio dos azimuths e alturas observadas fora do meridiano, ficando porém esse novo processo depen- dente ainda do conhecimento da declinagdo da estrella. Rio de Janeiro 1° de Maio de 1857. Canpipo Baptista D’OLIVEIRA. — ee ERRATA Paginas. Linha 1°, debaixo para cima, leia~se: — e semelhantes — depois da pala- WraN(PeClaneWlareS)) ss:sj0eiceves el siaceies sin e.siere atarefaienaalarel niet stats Aides elad Linha 5°, debaixo para cima, leia-se: — plano que passa por /\ e a sua projecco — em logar de (plano da projeccao de Z\)......... Seta 152 Linha 11°, leia-se : — 20 — em logar de (19).........0.ccceceus sees 153 Linhas 19* e 24", leia-se : — 21 — em logar de (20)...........e0eceees 154 Linhas 5*e 6*, debaixo para cima , nas expressdes —Cos. b Cos. c, Cos, b! cos. C, — leia-se: Cos. € — em logar de (Cos. c)......+. 5 OBIGO DOES 455 Linhas 2* e 14°, leia-se: — Cos. 6 — em logar de — Cos. ¢..... aisters tenets 156 Linha 7°, leia-se: — (l, 7!) — em logar de (@!).....eccecceecee cease 157 Linha 3°, debaixo para cima, leia-se : — (/,, m,) — em logar de (f, g,)... 457 Linha 4’, leia-se : — x, y —em logar de (a, 2)... seseeees Somooaghoadr 158 Linha 5°, leia-se : — a! e y! — em logar de (a) € (y)......cceeeeneees 158 Linha 5*, debaixo para cima, leia-se : —§ — em logar de (c)......20+. 158 Linha 6°, leia-se — Cos.” 6 — em logar de (Cos.2 c)...+..0 Ws stappienten LO Linha 4°, no fim, leia-se : — Cos. c' — em logar de (Qos. c)..... sisialeiefeds 160 Linha 9°, leia-se : — 36 — em logar de (35).... ceessececscevscceeess 164 Linha 16°, leia-se : — membros — em logar de (termos)........+.+0.++ 465 Linha 4*, no principio, leia-se : — (w, z) — em logar de (y, z)......000 A7h Linha 26, leia-se : — 56 — em logar de (50).. ....csecesccccssceseves 184 Linha 3°, debaixo para cima, leia-se : — 54 bis — em logar de (50)..... 4184 Linha 7*, debaixo para cima, leia-se : — 54 bis ~ em logar de (54)..... 183 Linha 45, debaixo para cima, leia-se : — uma perpendicular — em logar de (a perpendicular OD)....... Biofoleisistetevesteaiels’eta 81010 eleleje vi slelsisiainl ey ai OO Linha 12", debaixo para cima, leia~se : — da referida perpendicular — em GEC OD) i seritee i aocs whe akeie as ae sane egal ewonneem tee NLS SOLON INDICE DOS ARTIGOS CONTIDOS NO N.° 2. ‘ GEOMETRIA ANALYTICA. — Theoria da linha recta e do plano considerados no espato: por C. B. de Oliveira. BoTaNnica. — Artocapea. Oiti ou Oiti-cica (Soaresia nitida): pelo Dr. Francisco Freire Allemao. MALACOLOGIA. -— O Vaginulus reclusus: pelo Dr. F. F. Allemao. AGRICULTURA. — Fragmentos do relatorio dos Commissarios Brazileiros 4 Expo- sicao universal de Paris em 1855: pelo Dr. G. S. de Capanema. COMMISSAO SCIENTIFICA. — Instruccdes para a Commissao scientifica encarre- gada de explorar o interior de algumas proyincias do Brazil menos conhe- cidas. Ri . ASTRONOMIA PuYsIGA. — Nota: por C. B, de Oliveira. ss ay “RES - REVISTA BRAZILEIRA wy JORNAL DE SCIENCIAS, LETTRAS E ARTES DIRIGIDO POR CANDIDO BAPTISTA DE OLIVEIRA PUBLICACAO TRIMENSAL — TOMO I Numero 3. — Jameiro de 1858 RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHIA UNIVERSAL DE LAEMMERT Rua dos tnvalidos, 61 B - iy eae ‘ ere Go # ot-hee 2) a ay pas na EXPOSICAG UNIVERSAL EM PARIS. RELATORIO DO COMMISSARIO BRAZILEIRO G SR. DR. ANTONIO GONCALVES DIAS, As reflexdes que apresento acerca dos objectos sobre os quaes me coube dissertar, por accordo entre os Commissa- rios que assistimos 4 Exposicao franceza por parte do Brazil, sao oO resultado de algum estudo que fiz dessas materias, e das informacdes que me foi possivel obter de pessoas compe- tentes; mas nem esse estudo pode deixar de ser superficial pela falta de tempo, nem essas informacdes menos in- completas, por dependerem de pessoas estranhas, que rara- mente julgavam conveniente prestarem-se com franqueza a darem os esclarecimentos que lhes eram pedidos. Na necessidade de concluir estes trabalhos de um modo menos imperfeito, consultei os escriptos que me pareceram mais desinteressados e conscienciosos; e com esse estudo, informacdes e adjutorio, elaborei o presente trabalho, que tenho a honra de apresentar ao Governo de Sua Magestade o Imperador. Paris, 24 de Janeiro de 1856. Antonio Goncalves Dias. © 20 284 REVISTA BRAZILEIRA. Generos coloniaes. No sentido generico da-se 0 nome de « generos coloniaes » atodos os productos agricolas que nao sao cultivados na Europa, ou cujas especies foram nestes ultimos seculos im- portadas das demais partes do mundo, quer fosse a America, India ou Oceania. Collocamos a America em primeiro logar porque, como as colonias ahi estabelecidas foram as mais importantes que teve a Europa nesta idade, sao principal- mente os seus generos os conhecidos sob essa designagao de « coloniaes », e ainda hoje os mais considerados no mercado da Europa. O algodao, 0 tabaco, 0 café, 0 assucar, 0 cha; as tintas como o pao brazil, o anil, a cochonilha, 0 urucu; as especiarias, como a baunilha, canella, noz moscada, cacao, pimenta; as substancias vegetaes alimenticias, ao que poderia- mos ainda accrescentar as drogas, todas deveriam pertencer a este capitulo, se nos conhecessemos com forgas para isso, « Generos coloniaes » sao emfim todos os productos das colo- nias, presentes ou passadas, que servem a industria; porém mais especialmente 4 manutencao do homem. Pela rapida resenha que acabamos de fazer, vé-se que 0 Brazil, prodigamente favorecido, pode concorrer com qual- quer outro paiz, tanto na variedade como na qualidade dos productos chamados « coloniaes ». Trataremos dos mais importantes. Algodao. O prodigioso incremento que lem tido neste seculo, e prin- cipalmente nestes ultimos annos, a manufactura dos algodoes, promette tao abundante manancial de riquezas para os paizes tanto productores como manufactureiros, que a. Franga e a Inglaterra promoyem e favorecem a cultura do algodao em EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 285 todas assuas colonias, apezar de nao concordarem as opinides no favor que merece do governo destas duas nacdes auelle ramo da agricultura. Apresentaram-se na Exposicao ricas e¢ variadas amostras de algodao, sendo os principaes expositores Estados-Unidos, Cu- ba, Costa Rica, Guyana Franceza, Guadelupe, Uruguay, Javae Argel, alem de muitos outros paizes: mas se pode ser curiosa a lista dos que se occupam actualmente com esta cultura, se- rao sem duvida mais significativos os algarismos que de- monstram qual € 0 seu consumo na Europa. Os Estados-Unidos da America, que comecaram a cultivar esta planta em meiados do seculo passado, exportaram em 4747 de Charlestown para Inglaterra sete balas de algodao; e quando do mesmo porto, em 1784, se expediram 71 balas, pesando cérca de dezesete mil libras, 0 carregamento foi apprehendido na Inglaterra como contrabando, por se dizer impossivel que em tao curto espaco tivesse semelhante cultura prosperado de modo tao assombroso. Todavia a progressao foi sendo mais e mais forte, e nem parece que haja de diminuir, apezar de que o desenvolvimento da industria e manufacturas dos Estados-Unidos tenda alimitar a exportacao desta materia prima. Estes Estados exportaram: Em 14820 460 milhdes de libras. > 1840 316 d > » 1850 896 > ae oe ? 1853 1,174 > > representando 0 valor de mais de quinhentos milhdes da nossa moeda. Os Estados-Unidos sio os mais fortes, porém nao os unicos productores do algodao. Nesse anno de 1853, em quea sua exportagao se eleyou a 1,174 milhdes de libras, o Egypto produziu 62 milhdes, as Indias Orientaes 60, 6 Brazil 50, e 286 REVISTA BRAZILEIRA. outros paizes 12, dando o total de 1,358 milhdes de libras. Por consequencia 0s Estados-Unidos produzem 6 ou 7 vezes mais do que todos os outros paizes que cultivam o algodao. O valor total da produccao sera de 650 milhdes da nossa moeda; e como este se quadruplica com a mao d’obra, temos que esta industria representa por si sO a enorme somma de 2,600 milhoes de cruzados. « Concebe-se (escreve Tresca, de quem extrahimos estes dados) que a importancia do mercado que se abre a produccao, devera tentar fortemente os paizes aos quaes as condicdes climatericas e agricolas deixarem entrever a esperanca de bom exito com a cultura do algodao. » Por este e outros motivos a Gra-Bretanha tratou de pro- mover esta cultura nas suas colonias Guyana, Australia e da India. A Inglaterra comtudo nao pugna em favor da produccaio da materia prima, senao por temer o desenvolvimento das manufacturas americanas; teme sobreiudo pelo seu mercado da China, que conta trezentos milhdes de consumidores, — mercado que os Estados-Unidos vao ja invadindo com a in- troduccao dos seus tecidos de algodao. Por este motivo (diziamos) a Gra-Bretanha occupa-se do adiantamento da cultura do algodao; mas nao parece que os seus esforcos tenham sido coroados dos mais felizes resulta- dos. A Guyana Ingleza, cujo principal genero de exportacao, até bem pouco tempo, era 0 algodao, ja recuou ante a produc- cao da America do Norte. A Australia apresenta exeellentes amostras ; mas teme-se tambem que a falta de bracgos nao seja obstaculo serio paraa realisacao das vistas da metropole. A Franc¢a, acaso por espirito de imitacao, adoptou 0 mesmo systema para Argelia, nao obstante alguns espiritos reflectidos acharem menos vantajosa esta cultura. O governo francez fornece carocos aos colonos de Argel, compra e promette comprar até 1857 0 que os agricultores produzirem, concede recompensas aos que alliintroduzirem novas machinas de des- EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 287 carocar, distribue premios provinciaes, aleém de um premio grande de vinte mil francos para quem colher mais e melhores algodoes. - Entendem porém outros, e talvez com razao, que se deve antes promover acultura dos cereaes para abastecimento da Fran¢a, e de las para supprimento de suas manufacturas. Em verdade, as amostras dos algoddes de Argel, quanto dellas se pode julgar pelo que se vé ao travez de vidrose vidracas em que estao, sao de bella apparencia, e rivalisam, segundo se diz, comos algoddes da Georgia; mas outros argu- mentam ainda que taes resultados se tem podido conseguir por se fazer a culturaem pequena escala, de modo que o fazen- deiro vé e zela a sua plantacao, 0 que ja nao tera logar com 0 desenvolvimento deste ramo da lavoura. E quando mesmo 0 consigam (voltam de novo 4 sua these), insistem em que o futuro da colonia deve assentar sobre outras bases para sua prosperidade e maior proveito da metropole. No tempo que medeia desde a nossa independencia até agora, 0S Estados-Unidos tem centuplicado os seus algodoes ; nds pelo contrario abandonamo-los aos esforcos das menos povoadas provincias do norte, porque parece-me que as prin- cipaes localidades productoras do algodao no Brazil sao, come- gando do norte, Maranhao, Ceara, Rio Grande, Parahyba, Pernambuco, e talvez algum districto das Alagoas. Algumas destas provincias, sirva 0 Maranhao de exemplo, em vez de procurarem melhorar este producto, vao infelizmente adop- tando a cultura do assucar, que nao promette tanto futuro; porque a beterraba invade os mercados da Europa, apoiada em nao pequenos direitos, que a protegem. O motivo que para isso tiveram os nossos agricultores foi, segundo parece, 0 ter-se-lhes feito acreditar que os nossos algoddes eram de qualidade muito inferior aos dos Estados Unidos; opiniao sem muito fundamento, porque sei de partidas do nosso algodio commum, mas convenientemente prepara- 288 REVISTA BRAZILEIRA. do, reputadas por bom preco na Europa, e recorda-me ter visto na fazenda do P. Nina, estabelecido nas margens do Ita- picuri (), variadas amostras de algodao, e uma entre outras preferivel ao algodao georgia-longa-seda, porque dava maior capulho de algodao, tao alvo, lustroso e comprido como aquel- le, e que com mais facilidade se destacava do caroco. O que vai acontecer, e ja estara acontecendo com a mu- danca de cultura (porque era tao pequena que qualquer al- teracao devera influir na abastanca do mercado), é que 0s eee de Barcelona que faziam a viagem do Maranhao para e&se carregamento, assim como alguns inglezes, necessaria- mente tomarad outro rumo, quando alli nao acharem ear- regamento sufficiente , ou sd o achem por precos exagerados, No entanto largo tempo se tera de passar , antes que para alli concorram os exportadores de assucares. Aquelles lavradores reconhecerad por fim a desvantagem da mudan¢a que effectuaram, quando por experiencia sabem que o algodao chegando ao mercado tem logo sahida, ainda que por baixo preco, em quanto os assucares se conservam nos armazens a espera de navios, ou se repartem lentamente pelas lojas de consumo, sujeitos a deterioracdes e desfalques nao pequenos , com empate dos recursos dos fazendeiros. A causa do desanimo dos cultivadores do algodao nao dependeu, como elles suppoem, da maior producgao e su- perior qualidade dos algoddes dos Estados-Unidos. Nao ha em parte alguma algoddes empatados, e vendem-se os mais inferiores que apparecam. Baixaram de preco, mas 0s nossos baixaram mais do que deviam pela fraude dos revendedores, que ensacavam paos, pedras e carogos de mistura com o algodao. Descobriu-se a ma fé do miseravel commercio dos nossos vendilhdes, e o genero baixou de prego, nao tanto pela concurrencia estranha, como principalmente porque o (*) © sitio do padre Nina é um pouco arredado da margem do rio. EXPOSIGAO UNIVERSAL EM PARIS, 289 exportador estava e esta sempre com receio de se achar illu- dido, Sendo o minimo destas falsificacdes a mistura usual do algodao de machina com o de moenda. Se 0 governo impozer fortes penas ao productor caviloso , € principalmente aos revendedores de ma fé, porque sao esses em geral os que abusam; si se fizer constar isto na Europa, se as penas decretadas forem rigorosamente cum- pridas, nao teremos de perder este genero de exportacao, como ja perdemos o anil, e perderemos todos os mais em que se for introduzindo a falsificagao sem que se lhe ponha cobro. Medidas ha que foram executadas no regimen colonial, e hoje reputadas vexatorias ou cahidas em desuso com graye prejuizo do paiz: entre estas merecem nota especial as que tinham por fim fiscalisar a qualidade dos productos expor- fados, e principalmente do algodao. Estas medidas restabele- cidas e fortalecidas com uma justa distribuicao de recom- pensas, e quando for preciso de castigos, servirad para inspirar confianca nos exportadores, e para garantir fora do paiz a venda e reputacao dos nossos productos. Antes de concluir este artigo , deverei fazer alzumas obser- vacoes , que nao serao por ventura inteiramente destituidas de interesse. . Os nossos fazendeiros plantam os seus algodoaes em um anno, @ no seguinte ainda aproveitam a capoeira, depois da colheita da roga nova; mas ja no terceiro anno deixam crescer 0 matto e perder-se 0 algodoal, quando nos quintaes, quasi sem trabalho algum , chegam a grande altura e pro- duzem abundantemente durante alguns annos. Deixam perder a casca, que da fibras aproveitaveis como materia textil, e 0 lenho que poderia servir de combustivel: isto porém sera de pouca monta, porque nem nos falta lenha, nem materias textis. O que é muito mais digno de reparo é@ que o caroco do 290 REVISTA BRAZILEIRA. algodao, exceptuado o que se reserva para nova plan- tacao, nao é para o lavrador de utilidade alguma; mas pelo contrario um onus, visto que o tem de mandar por fora em algum monturo, onde nao embarace o transito e apodreca inutilmente. Destes restos, poreém, sem prestimo na nossa lavoura se aproveitam os Egypcios e Americanos do Norte, fabricando excellente azeite , que até Ihes serve de alimento. Na Exposicao franceza um agricultor do Cairo expoz tres differentes qualidades deste azeite — os chamados de 12 e de 2? qualidade, e o impuro ou bruto, do qual se extrahe o de 4° qualidade com 15 °/, de quebra, e o da 2* com 10 °/o. Aquelle é@ optimo para alimento, — este para luz, que é in- tensa, sem fumo nem mao cheiro, e muito aproveitavel no fabrico do sabao. O preco de cem kilds, postos em Alexandria, é de 120 francos o de 1* qualidade, e de 105 o da 2.8 Do residuo que deixam estes carocos, depois de quebrados e extrahido o oleo, faz-se uma especie de tijolo ou pasta para nutricao de animaes, ou, convenientemente preparados, se aproveitam para estrume. Os resultados economicos deste fabrico serao estupendos. No Norte extrahe-se uma arroba de algodao em pluma de tres de caroco, e no Sul de quatro. Supponhamos o menos 2/3 de caroco; supponhamos ainda que o Brazil, como diz Tresca, exportou em 41854 vinte e cinco milhodes de kilds. Sendo cada mil kilés igual a 2,180 libras nossas, 25 milhodes de kilds correspondem a 52 milhodes de libras , que suppoe nada menos de 104 milhdes de libras de caroco. Suppondo mais que na extraccao do azeite esta este para 0 peso do caroco na razao de 41:4 (e talvez a proporcao nao seja tao forte), temos que 104 milhdes de libras de caroco, que se perderam, produziriam , além de 78 mihdes de libras de estrume , 26 milhdes de libras de azeite; 0 qual, quando nao servisse senao para luz, e vendido como se vende 0 azeite EXPOSIGAO UNIVERSAL EM PARIS. 291 ordinario no Rio, dio valor annual de 26 milhdes de cru- zados!! Estes algarismos nao precisam de commentario. Passamos a outro assumpto. Tabaco. O uso do fumo tem-se tornado extraordinariamente popular na Europa e em todas as mais partes do mundo, e pro- mette adquirir ainda maior extensao , ao passo que as-classes menos abastadas se forem achando em circumstancias de condescender com a moda, ou quando de todo se nao pu- derem eximir deste habito, verdadeira e imperiosa necessi- dade para aquelles que 0 contrahem. EF’ uma grande fonte de prosperidade para os governos da Europa, em cujas receitas figura o tabaco no valor de muitos milhdes; e nao sera menos @mportante para o Brazil, como gencro de exportacao. Como paiz donde, segundo todas as probabilidades , foi exportada em primeiro logar esta planta, produzindo-a sem muito custo e de exceliente qualidade, e podendo d’ahi tirar-se consi- derayeis lucros, merece ser promovida entre nds a sua cul- tura, preparacao e manipulacao. O uso do fumo perde-se na noite dos tempos e da barbaria americana. Quando os Hespanhdes chegaram a Cuba, no- taram indiyiduos de ambos os sexos que tinham na bocca hervas séccas e inflammadas, cujo perfume aspiravam. Isto poderia pela novidade ter causado alguma estranheza aos Hespanhoes , mas nao consta que elles exportassem amostras destas hervas, cuja introduccao tio rapida como pouco crivel teria de arrostar com ama vontade dos governos, que hoje lucram com ella, favorecida pelos particulares, qu. no seu consumo despendem nao despreziveis sommas. Como quer que seja, parece que ji de aleuma forma se tinha o fumo introduzido em Portugal, quando em 1560 o Francez Nicot, embaixador de Luiz XIII junto ao rei D. Se- 292 REVISTA BRAZILEIRA. bastiao, teve della conhecimento. A herva do Grao-Prior , como foi chamada, veio diplomaticamente 4 Franc¢a, e foi apresentada arainha Catharina de Medicis — tao grande so- berana que a nao baniu logo da sua real presenca, como faria qualquer outra do seusexo, mas antes a recebeu no seu real agrado e proteccao, como cousa que devia render algum dia uns cem milhdes annuaes ao governo dos seus successo- res. Desde esse dia chamou-se 0 tabaco — herva da rainha. Outra rainha nao menos grande mulher do que esta , apezar de ser, segundo rezam as chronicas, excessivamente apai- xonada de essencias e pivetes, permittiu que 0 seu aven- tureiro Raleigh disfargasse na sua presencao cheiro do alcatrao de bordo, aspirando e soltando baforadas daquella entao crida panacéa. Os principes da Igreja nestes primeiros tempos nao jul- garam que ficasse impuro 0 breviario por se impregnar dd» odor do fumo. O cardeal Santa Croce e Nicolao Tornabone, legado do Papa em Franca, a mandaram para Italia; ea herva do Grao-Prior, a herva da Rainha, a Nicotiana, no- bilisando-se cada vez mais, ajuntou mais dous appellidos a0 seu nome, chamando-se — herva de Santa Cruz e de Torna- bone; e nao contente com isto, foi sendo dignificada com os titulos mais pomposos de — Panacéa antarctica — herva para tudo, e por fim canonisada — herva santa. Este favor cedo se converteu em terriveis perseguicoes , que assim passam as glorias deste mundo. Jacques I de Inglaterra foi o primeiro a anathematisal-a, julgando-a fatal e merece- dora de ser extirpada da face da terra. As vozes do throno chegaram 4 Santa Séde; e Urbano VII, em 1624, declarou anathema e excommungados os que fizessem uso do tabaco dentro da igreja ; — tentacao do demonio , que fazia fugir os sentidos da austeridade religiosa e recolhimento devoto para as vaidades do seculo e damnacao da carne. Taes eram 0s en- cantos portentosos desta filha mais nova do demonio. a EXPOSIGAO UNIVERSAL EM PARIS. 293 A imperatriz Elizabeth , menos severa, mas pouco menos indigna do que o rei seu irmao, e 0 Papa seu padre em Christo, baniu o tabaco das igrejas, e autorisou os bedeis.a confiscarem em proveito proprio as caixas que sahissem in- discretamente das algibeiras profanas dentro do sagrado re- cinto. Assim estes abencoados filhos da Igreja tinham por lei 0 direito e a facilidade de se besuntarem de esturro pelo amor de Deos ; e ao passo que devotamente sorviam a sua pi- tada, incitavam as pituitas irreverentes dos proximos, e po- diam correr e perscrutar com olhos malsins quem se deixava vencer da tentacao para cahir sobre elle com todas as varas e bacalhaos do officio. Na Transilvania declarou-se a pena de confisco de bens contra os que plantassem 0 tabaco, e uma multa nao pe- quena aos que fossem apanhados em flagrante , mostrando nos dedos ou nas ventas o indicio do crime perpetrado. Fora da Europa nao era menos activa a perseguicao. Consta que Amurath IV, rei da Persia, e 0 grao-duque da Moscovia prohibiram nos seus dominios 0 uso do fumo e do rapé, sob pena de perdimento do nariz sem appellacao nem aggravo ; pena terrivel, principalmente num paiz e em tempo em que a sciencia nao tinha ainda aprendido a repor no seu logar este ponto culminante da belleza humana. Comtudo, a pobre planta perseguida conseguiu achar de- fensores: a imprensa, essa grande desfazedora de ageravos € injusticas , tomou corajosamente a sua defesa no latim classico de Raphael Thorisio, e na Macarronea de Ferrio. Depois da poesia veio a sciencia medica; depois della a economia politica, e gracas ao magico poder dos algarismos , rehabilitou-se definitivamente 0 tabaco, como: todo bom traficante que chegou a representar na vida o valor de alguns milhdes, que podem prestar, mas nio se emprestam, ao Estado. A Franga porém parece ter procedido de diversa ma- 294 REVISTA BRAZILEIRA. neira: ao principio estabeleceu um leve direito de consumo ; depois, crescendo 0 numero dos fumistas e tabaquistas , Luiz XIV arrendou o contracto do tabaco por seis annos a preco de setecentos mil francos. Este monopolio foi cedido 4 Companhia das Indias em 1720 por milhao e meio annuaes , que em 25 annos subiu a 25 1/2 milhdes. Emfim, crescendo cada vez mais 0 consumo, fez-se 0 governo monopolista, com o que lucra uma centena de milhdes annualmente. O consumo que faz a Inglaterra deste genero foi nestes ultimos annos o seguinte : Em 41824 — 45.598,152 libras. » 4834 — 19.533,841 >” » 4841 — 22,309,360 >» » 4854 — 28.062,841 > A renda deste mesmo paiz, proveniente dos direitos do tabaco, foi: Em 4852 — 4.560,742 libras st. » 4853 — 4.751,760 » A continuar a mesma progressao, vira o fumo a ser a principal renda de alguns Estados da Europa, como é a principal industria de algumas ce suas cidades. De Hamburgo, por exemplo, lemos ha alguns mezes no jornal francez Le Siécle : , « OQ fabrico dos charutos @ sem contradiccao a mais im- portante das industrias de Hamburgo. Ella occupa mais de dez mil individuos, pela maior parte mulheres e meninos, e confecciona por anno 15 milhdes de charutos, que repre- sentam o valor de 8 a9 milhdes de francos. Uma imprensa com numeroso pessoal se emprega exclusivamente na im- pressao de rotulos necessarios para atar os massos e cobrir as caixas de charutos. Além disso, Hamburgo importa da _ EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 295 Havana e Manilha 18 milhdes de charutos por anno, de sorte que entram antualmente neste commercio 468 milhdes de charutos, dos quaes 153 sio exportados, e os 15 milhdes restantes se consomem em Hamburgo, 0 que corresponde a 40,000 charutos por dia: algarismo bastante elevado , quando se attende a que a populacdo masculina do territorio de Hamburgo conta apenas 45,000 individuos. Os Estados-Unidos nao expozeram tabacos em rama, nem manufacturados; consta porém que de 1821 a 1847 elles venderam a Europa mais de 450 milhdes deste genero. A Allemanha expoz excellentes amostras de fumo e cha- rutos bem trabalhados: os do Paraguay sao pessimos; os das colonias portuguezas soffriveis, mas parece que eram feitos de encommenda para a Exposicao, porque desses nao os vendem os seus estanques. Os de Hespanha e suas colonias, excellentes, Em Argel esta cultura progride rapidamente. Em 1845 0 governo francez comprou Walli 85,000 kilés de tabaco , e em 1847 mais de 400,000 kilés. Os principaes logares productores do tabaco sao: Na America — Brazil, Virginia, Maryland, Luisiania, Havana, Macuba e Tabaco, Na Asia — a China. Na Oceania — toda ella. Em Africa — Argel e Egypto. Na Europa — Hespanha, Franca, Italia, Allemanha , Hollanda, Belgica, o Levante, a Silesia e Ukrania. Nao obstante o grande numero de paizes na Europa ém que se cultiva o tabaco , a sua importacao deyera ir sempre em crescimento, porque é de esperar que as classes menos abastadas hoje se achem algum dia em circumstancias de poderem condescender com as necessidades ficticias da ci- Vilisagao, mas (40 imperiosas como qualquer outra. 296 REVISTA BRAZILEIRA. Deve-se notar poreém que 0 consumo do tabaco em pod tem nestes ultimos tempos diminuido consideravelmente , em quanto que o uso do charuto se tem espalhado de modo assombroso. Infelizmente os tabacos do Brazil eram e sao empregados na Europa para preparacao dos seus rapés; e comtudo, nem so é reconhecida a superioridade dos tabacos da America Meridional, e as propriedades que os tornam in- questionavelmente proprios para serem fumados ; mas ainda, sendo na Europa os mais estimados para esse fim 0s tabacos do Palatinato, e entre elles 0 chamado — Brazil — de folhas muito leves, em forma de coracao, que exhala um agradavel odor de violetas. O motivo porém porque os fumos em rama do Brazil nao sao tao estimados como os de outras partes, nao é po- sitivamente pela sua inferioridade relativa : quer me parecer que isso depende de que nao preparamos convenientemente senao o fumo para cachimbo, e deste os hano Brazil como em parte nenhuma: os do Para e Piauhy sao de superior qualidade. . Os nossos charutos da Bahia sao de ordinario feitos sem demasiado escrupulo, como em officinas que nao bastam para 0 consumo do paiz. Por esse motivo algumas de nossas pro- vincias importam, em pequena quantidade, mas importam ordinarissimos charutos dos Estados-Unidos. Para occorrer ds exigencias do nosso consumo interno, as fabricas da Ca- choeira, e de outros logares da Bahia, seccam os charutos a estufa, 0 que os torna detestavelmente desenxabidos. Esta- belecida a concurrencia em mais larga escala, havera mais cuidado com tal industria, e sO de entao convira exportar-se esse producto, porque o poderemos sem muita desvantagem, mesmo quando concorrermos com os paizes que hoje sao os mais afamados fabricantes de charutos. EXPOSIGAO UNIVERSAL EM PARIS. 297 Chas. Como se sabe, o cha é a principal riqueza da China: os Inglezes 0 introduziram com algum successo na India; e assim tambem os Hollandezes, que apresentaram bellissimas amostras dos chas de Java, de muitas especies, e muitas qualidades de cada especie: sendo as principaes: — 0 Baei, Bohea ou Woo-e, assim chamado de uns ou- teiros na provincia de Fokien , onde é cultivado ; — O Pongo, ou propriamente Komgfo (trabalho ou perse- veranca) ; — O Kempoei, Campay ou Kienpoey, cha escolhido , sécco a0 fogo , formado das folhas mais delicadas da terceira co- lheita ; — 0 Sonchon ou Seaou-choung, tambem da terceira co- lheita, quando as folhas chegaram ao seu estado de ma- turidade ; — O Peceo, Pekoe ou Pakho, o mais fino dos chas pretos, sao os arrebentos da planta, antes do apparecimento das folhas ; — 0 Thunkay, Tonkay ou Tunke, da ultima colheita do estio ; — Skin , Hyson-skin, ou rebute ; — Hysant, Hyson ou He-chun (feliz flor da primavera) , primeira colheita do cha verde: — Uxim, Hyson Junior (Yu-tseen), colhido antes das chuvas, e formado de pequenas folhas muito delicadas , sio de cor verde-amarellada e de perfume muito agradavel ; — Imperial, como o cha perola, mas s6mente mais grosso, porque as folhas sio mais largas : ‘— Por fim, 0 Chu-cha, ou cha perola. Vé-se que neste ramo foi brilhante a exposicao de Java, e que os Hollandezes fizeram bem em cultivar alli essa planta. 298 REVISTA BRAZILEIRA. Nem todos porém tiveram a mesma fortuna: os ensaios feitos pela Frang¢a para introduccao da cultura do cha na ilha de Franca quasi nao tiveram resultado algum ; nem se suppde que o consigam em Argel, onde comegam nova- mente as suas tentativas. O jury da Exposicao de Londres manifestou o sentimento, honroso para 0 nosso producto, de que Ihes nao tivessem sido enviadas as. amostras dos chas da Madeira , e principal- mente do Rio de Janeiro, e outras partes onde é cultivado com mais ou menos successo. Na Exposicao de Paris apre- sentaram-se algumas amostras nossas, mas chegaram a0 Co- nhecimento de poucos; e além disso, encerradas em pe- quenas caixas de papelao, mais pareciam o resultado da curiosidade de algum particular do que um genero offerecido ao commercio. « No Brazil, diz Tresca, conseguiram-se alguns resul- tados quanto a cultura, mas nao sob o ponto de vista commercial: isto 6, a planta bem tratada alli tem prosperado, mas o producto vinha a sahir excessivamente caro, e ficava muito longe dos chas da China quanto ao aroma. » Tresca foi mal informado: os precos do cha em Paris sao de 8, 10 e mais francosalibra, e nao ha nenhum que nao seja mais ou menos falsificado. O nosso Paquequer, de 1$600 a libra, @ certamente preferivel ao que aqui se compra em retalho a 8 francos, 2$880 da nossa moeda. A opiniao de Tresca, e dos que pensam de igual modo, nao obstou a que o governo francez mandasse de proposito ao Brazil estudar a nossa plantacdo, cultura e preparacgao do cha. Na publicacao que tem por titulo: Compte rendu de lAca- démie des sciences de Paris (n. 14 do t. 44), lé-se um arligo: « Note sur les nouvelles variétés de theieres observées dans les plantations du Brésil, » publicado pelo director das culturas do cha em Argel, Mr. de-.. EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 299 Este homem fizera uma viagem ao Brazil, em missio que tinha por objecto o estudo da cultura e preparacao do nosso cha; e a este proposito faz elle algumas observacgdes, que Passamos a extractar. Os plantadores brazileiros tinham assignalado a existencia de novas variedades de chazeiros, produzidas espontanea- mente em S. Paulo e nas outras provincias do Imperio, onde esta cultura tem tomado grande desenvolvimento. O padre Leandro do Sacramento, que organisou esta cultura no Jardim Botanico, para provar as suas assercoes acerca das mudangas que a planta deveria necessariamente soffrer nos differentes climas do Brazil, publicou uma memoria, em 1825, na qual cita uma carta do marechal Arouche, de S. Paulo, que dizia haver alli tres qualidades de chas : 0 de folhas grandes, lanceoladas; 0 de folhas mais pequenas e arredondadas ; eo de folha tio pequena que se assemelhava as do myrto. O padre Leandro suppunha que estas variacdes se deveriam multiplicar na razio das variacdes climatericas. O autor do artigo accrescenta que ha no Rio quatro qualidades de chas, e em S. Paulo cinco. Trouxe para Franca algumas amostras da plantagao de S. Bernardo (Cubatio). « Se conseguirmos, diz o autor, acclimatar na Europa estas diferentes ragas, ¢ evidente que teremos as mesmas facili- dades que os Chinezes para obter productos variados, seme- Ihantes aquelles que devemos ao commercio. Isto é 0 que os cultivadores brazileiros parecem ainda nio ter comprehen- dido: em logar de separar as diversas variedades de arvores é de as collocar em terrenos differentes em elevacao, expo- sicao , etc. , deixam-nas crescer promiscuamente nas mesmas plantagdes, sem se darem ao trabalho nem ainda de sepa- rarem as folhas no acto da colheita, privando-se assim das vantagens de uma cultura variada, que o acaso parece ter- lhes procurado. » 24 300 REVISTA BRAZILEIRA. Café. Ainda que desde tempos muito remotos fosse 0 café usado pelos Arabes, nao data de muitos seculos a sua introduccao na Europa; ao menos a historia recorda a sua introduccao diplomatica na cérte de Luiz XIV, offerecido ao grande rei por um embaixador turco. Foram os Hollandezes os que o transplantaram de Moka para Batavia, e depois para Hollanda. Da Hollanda foram transplantados alguns cafezeiros para o Jardim das Plantas de Paris, donde em 1720 se mandaram tres pés para Mar- tinica. De um destes, que foi o unico que chegou ao seu destino, deram-se mudas para as Antilhas, e querem aes que tambem para o Brazil. Os principaes productores de café sao: Berbice, S. Do- mingos, Costa Rica, Brazil, Manilha e Java. O do Rio é de primeira qualidade, e 0 mesmo que se vende nos mercados da Europa com o nome de Moka. Os de Java, quanto se pode avaliar pelas amostras que appareceram nesta Expo- sicao , sao de excellente qualidade. Calcula-se que nos ultimos dez annos a Inglaterra consumiu 15 milhdes de kilds (800 mil quintaes) de café ; e a Franga 46 milhdes ou cerca de 850 mil quintaes por anno. Atten- dendo-se a populacao de ambos estes paizes, vem na In- glaterra a caber uma libra por cabeca, e na Franca 4/5 de libra. Nesta exportacao a India representa 1/4 do consumo ; as colonias francezas 7 a8 °/,; e 0 resto, que sao 66 %/, é supprido pelo Brazil e Java. Nao obstante ter-se generalisado tanto 0 uso do café, de- seja-se que elle setorne de mais em mais geral, tanto para interesse das colonias que se applicam a esta cultura, dos assucares que a Europa esta produzindo, como principal- mente por amor da hygiene; porque o uso do café, como EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 301 em algumas partes e em muitos individuos se tem observado, Substitue 0 das bebidas alcoolicas, cuja producca’o diminue na Europa com a molestia das vinhas, e cujo consumo se restringe em consequencia dos direitos com que se acham sobrecarregadas aquellas bebidas. Seria para desejar que o Brazil tivesse concorrido 4 Ex- posicao com as variadas amostras de seus cafés , para mostrar a fraude do commercio francez, pois que as melhores qua- lidades de cafés que aqui se vendem sao productos nossos ; em quanto o chamado café do Rio é 0 rebute desse e de outros cafés que se vendem , segundo os nomes que lhes dio, por pregos mais ou menos elevados. Substancias alimenticias. Trataremos neste capitulo da conservacaio e preparacao das substancias alimentares. Ainda que se dé mais ou menos la- titude a significacio destas palavras — preparacio e conser- vacgao , — para nds que nao escrevemos nenhum tratado, e sO queremos expor brevemente 0 que neste ramo nos parece digno de nota, basta precisar de algum modo o valor dessas palavras. Definimos exemplificando : Preparam-se 0 cha, o assucar, as farinhas, etc.: conser- vam-se as frutas, carnes , legumes verdes, etc. Neste sentido, ds comidas submettidas a processos especiaes de conservacio chamamos conservas: tages sao as de carnes, de frutas, de legumes, de leite, e muitas outras. Se é extremamente difficilo estudo dos objectos apresen- lados nesta Exposicao, accumulados e sobrepostos em um pequeno espago, apenas distribuidos pela ordem dos paizes, 0 que produz nao pequena confusio; muito mais dificil , se nao impossivel, é a apreciacao dos generos alimenticios, 302 REVISTA BRAZILEIRA. que se mostram encerrados em papel, latas, vidros, barricas ou tinas. Para bem julgar da sua qualidade, seria preciso confrontal-os, proval-os , e muitas vezes sujeital-os a exames scientificos , dos quaes se deprehendesse a qualidade e quan- tidade do alimento que cada conserva contém. Isto nao foi possivel a ninguem, a nao ser aos membros do jury in- ternacional, que nao sei si se deram a semelhante tra- balho. Contentar-me-hei pois com fazer uma rapida resenha destes productos, indicando summariamente os processos mais usuaes, que modernamente comecam a ser empregados nesta industria. Aos que os quizerem praticar, nao lhes fal- tarad autores a quem consultem com proveito. O que deve merecer a attencao do philantropo e estadista é a cultura dos generos que constituem a base do sustento de qualquer povo. Os principaes destes generos sao as fa- rinhas: nos temoso arroz, o milho, o feijao, a mandioca, os inhames, e em summa uma grande variedade de plantas feculentas , leguminosas e tuberculosas. Nao tratarei especial- . mente de nenhuma destas, ainda que nenhum paiz houve, dos que concorreram a Exposicao, que nao apresentasse estes ou identicos productos, revelando por essa forma o cuidado que lhe merecia este ramo da agricultura. Todos esses sao cultivados entre nds, ainda que o po- dessem e devessem ser em escala muito mais vasta. De tres especies nos occuparemos aqui: a arvore do pao, o sagh, e a banana. A arvore do pao ja é cultivada entre nds, porém mais por curiosidade do que por se ter reconhecido a sua utilidade. Os Hollandezes favorecem quanto podem a sua cullura em Java, e com razao, porque a fertilidade da arvore com- pensa o deleixo da agricultura, fornecendo com pouco tra- balho grande copia de alimento saudavel. Por este motivo es colonos inglezes dos tropicos supplicaram do seu governo i ‘ e is tale ya . . Ml EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 303 0 beneficio desta plantagio; e o governo, accedendo ao seu pedido, mandou para esse fim duas expedicdes A Oceania, que dalli-transportaram mil e tantas mudas dessa arvore , de cada vez. Esta arvore, da mesma familia das nossas jaqueiras , pro- duz oito mezes consecutivos no anno, e se reproduz como as bananeiras. O fructo é comido assado, em quanto verde , como se poderia fazer com a jaca, ou depois de maduro; mas como a jaca tambem, nao sera talvez tio substancial neste estado, no qual o amylo se transforma em assucar, O sag @ o producto de uma arvore preciosa, que de- veriamos procurar introduzir no Brazil, e cuja cultura ahi prosperaria sem duvida, porque as melhores especies das que produzem farinha semelhante — 0 Sagus farinifera e o Sagus Eunefii— pertencem a grande familia das palmeiras, de que o Brazil abunda com tanta variedade. A arvore do sagt amadurece em sete annos, e produz sete- centas libras de farinha: vé-se pois que o lavrador ou pro- prietario que plantasse dez destas arvores , colheria no fim de sete annos sete mil libras de farinha de sagu, o que cor- responde a produccao diaria de 2 3/4 libras. FE’ principalmente quando nos vao faltando os bracos da lavoura que nos devemos aproveitar da fertilidade do nosso solo, 0 mais que puder ser, em modo que se escacearem os generos da grande lavoura e da exportagao mais rendosa , como parece que infelizmente tera de acontecer, nao sofframos a0 menos necessidades mais graves e de mais funestos resul- tados. Rir-se-hao talvez alguns de que aconselhemos a plantacio de bananeiras: todavia, se importassemos esta fruta da Europa, como importamos da Franga tantos frascos de morangos, peras €ameixas, que nao valemo que custam, dar-lhe-hiam por ventura mais apreco , ainda que narealidade nos fosse infinita- mente menos proveitosa. Nisto, como em muitas outras cousas, 304 REVISTA BRAZILEIRA. tera sido preciso que o estrangeiro nos venha mostrar qual é a importancia dos nossos productos. Nao tratamos da facilidade desta cultura, mas somente do proveito que ella pode offerecer. Humboldt, segundo o calculo que Tresca reproduz, diz que uma bananeira pode dar um cacho de até 180 fructos, pesan- do 30 kilos ou duas arrobas (e este ainda nao éo0 maximo no Brazil) ; mas elle suppde o termo medio de 17 kilos para cada cacho, e acha que uma plantacao de bananeiras, em uma superficie de cem metros quadrados, produziria cerca de 1,600 a 1,700 kilds de materia alimenticia; em quanto no mesmo espaco se nao poderia colher mais de 15 kilds de fro- mento ou 45 de batatas: o producto da bananeira, quanto ao peso, seria 120 vezes maior que 0 do trigo ou 40 vezes mais que o das batatas; de forma que, nao obstante a ma- teria alimenticia da banana nao poder ser em igualdade de peso comparada com a do trigo, ou mesmo com a das ha- tatas, Humboldt ainda assim cré que n’uma superficie dada a produccao das bananas alimentaria vinte e cinco indi- viduos mais que a do trigo. Nao offerece tanta duracao, 6 certo; porem a especie mais productiva, a da banana da terra, conserva-se com summa economia, mediante o processo facil da deseccacao ao ar ; e assim preparada resiste alguns mezes a accao do tempo, e ainda 4 mudan¢a rapida de temperatura nas viagens de longo curso. A proposito de frutas, e antes de passarmos adiante, notaremos as conservas de ananaz, expostas pela Guadelupe, Jamaica e Martinica, feitas ha muito tempo, e nao parecendo terem soffrido alteracio alguma. O processo é tao efficaz , como simples: deitam em um boiao um ananaz inteiro com casca e sd coma rama cortada para occupar menos espaco ; enchem 0 vaso com o succo de dous outros, tapam-no e lacram-no , e esta feita a conserva. | | a : ; | } EXPOSIGAO UNIVERSAL EM PARIS. 305 Outros meios de se conservarem frutas vao sendo intro- duzidos hoje, de que mais abaixo daremos noticia. Verduras. Ainda que a conservacao das hortaligas nao seja tao util para nds como para a Europa, onde sem este recurso as povoagoes se achariam privadas deste regimen hygienico durante os mezes em que a terra se recusa a produzil-as ; comtudo podem ser vantajosas para uso do exercito, nas viagens do sertao, ou para que, imitando nds os precessos hoje empregados para isso, possamos supprir mais larga- mente com os nossos generos os logares vexados pela fome, quando infelizmente essas desgracas se repitam. A principal vantagem que terao para nds estas conservas de verduras nao é, como na Europa, a possibilidade de serem conservadas durante alguns mezes do. anno. Com a falta que temos de vias commodas de communicac¢ao , essa vantagem consiste na reduccao de volume, e portanto tambem na facilidade de transporte em costas de animaes, o que per- milte o uso de taes substancias em viagens por terras mal povoadas. Os mais antigos, e ainda hoje os mais usados destes pro- cessos , sao os de Masson, cedidos a casa Chollet e C.*, que hoje com elles negocia. Este processo consiste na desec- cacao da hortalica por meio de uma corrente de ar quente e€ da compressio em uma prensa hydraulica. As hortalicas ficam reduzidas a placas tao compactas que 0 espaco de uma vara cubica pide conter 27 a 28 mil ragdes de 25 grammas cada uma, que representam o decuplo em legumes frescos. Outro processo, inteiramente differente deste, é 0 do ce- lebre embalsamador Gannal, que o cedeu 4 casa Moret Fatio e C.2, cujos productos sao ja de ha alguns annos co- nhecidos no Rio de Janeiro. O que julgam acerca destes dous 306 REVISTA BRAZILEIRA. methodos autoridades competentes 6: no processo Gannal 0 bello aspecto das hortalicas, e a menor perda do aroma; e no de Masson, a reduccgao dos seus productos a menor volume , e portanto a maior facilidade do transporte. De outros processos mais recentes trataremos mais adiante. Conservacao de carnes. Os paizes em que hoje se exerce esta industria sao a Ame- rica (Buenos-Ayres e Estados-Unidos), e Europa (Inglaterra , Franca, e principalmente as Cidades Anseaticas). As Cidades Anseaticas, e sobretudo a de Lubeck , gozam de merecida reputacao neste ramo , como cidades maritimas que tem de cuidar do abastecimento de grande numero de navios mercantes. A marinha da Gra-Bretanha reclama iguaes e maiores cuidados do governo daquellas ilhas , prin- cipalmente na crise por que esta passando com a guerra do Oriente , e sustento de um consideravel exercito. Na actuali- dade se esforcam os seus estadistas para que as Ilhas Bri- tannicas, applicando-se a criacao dos animaes domesticos , concorram com as especies mais uteis para 0 consumo, em- quanto nas colonias favorecem a criacao dos mais impor- tantes para a industria. Todavia, assim como York, Canada expde magnificos presuntos, e a Australia enormes barricas de carnes salgadas. O methodo quasi geralmente praticado na Europa até algum tempo para a conservacao das carnes era o da Sal- moura; mas esse tinha o grave inconveniente de que, es- coando-se o liquido preservador, as carnes se damnificavam promptamente ; ¢ como se guardavam e transportavam em grandes barricas , as perdas eram consideraveis, e até mesmo irreparaveis , quando se dava 0 caso nos generos do consumo de um navio. Procurou-se obviar a este inconveniente , guar- dando-se as carnes em vidros, comparativamente pequenos, q : ; ¢ . : : EXPOSIGAO UNIVERSAL EM PARIS. 307 reduzindo-se de alguma forma o seu volume com a extraccao dos ossos. Ja era isso um progresso ; mas por ventura menos preferivel aos meios desde tempos remotos empregados no Brazil para a conservacao das carnes do gado vaccum. A possdca tambem— carne assada ou moqueada pisada com farinha — era usada pelos indigenas, que a transmittiram aos nossos sertanejos. No entanto aquelle melhoramento, que deixamos consigna- do neste ramo da industria européa, merece occupar por alguns momentos a nossa attencao, por ser o primeiro que offereceu um processo geral para a conservacgao das sub- stancias alimenticias. Este processo foi devido a um cozinheiro ou pouco menos do que isso, do qual para louvor se escreveu que tinha descoberto o meio de engarrafar as estagdes. Todavia, por isso nao obteve elle em recompensa mais do que doze mil francos, com a condicao de fazer publico o seu segredo. Appert acceitou a condicao que lhe era imposta, publicando a obra: Livre de tous les ménages ou art de conserver pen- dant plusieurs années toutes les substances animales ou vé- gétales. O seu processo é extremamente simples: pde-se em um frasco 0 que se pretende conservar , lacra-se bem, e colloca- se em uma vasilha de agua quente, na qual se conserva por certo espaco: depois desta operacao, a materia conteuda no vidro se acha resguardada de qualquer alteracao por muitos annos. Feita a descoberta, a sciencia verificou-a, e demonstrou depois, gracas as experiencias de Gay-Lussac, como por este processo se obtinha a conservacao das substancias ali- mentares — animaes ou vegetaes. Os vidros foram substituidos por latas, como ainda se usam; e pdde-se facilmente reconhecer nellas , pela appa- rencia exterior, se as conservas estado em bom estado, se a f 308 REVISTA BRAZILEIRA. tampa da lata é@ concava; se € convexa pelo contrario , é isso indicio de que se manifesta um comeco de fermentacao. Em Inglaterra modificou-se ligeiramente’ 0 processo de Appert pelo methodo chamado de Fartier, que consiste em fazer um pequeno orificio nas latas de conservas ; submet- tem-se estas a fervura, o ar é expellido pelo orificio, e quando se julga nao conter alata mais nenhum ar, deixa-se cahir no orificio uma gotta de chumbo derretido. FE’ de notar porém que estes processos nao sao infalliveis. Ha causas inexplicaveis, além das que sao conhecidas, que influem para a alteragao da conserva. As latas fendem-se , sem que se adivinhe 0 motivo; mesmo sem isso estragam- se as conservas, e observa-se nos tempos de cholera que as alteragdes sao mais frequentes do que nos tempos ordi- narios. Outras descobertas se tem feito ultimamente, com as quaes parece ter-se conseguido neste particular 0 mais que era para desejar. O Americano Gail Borden foi 0 primeiro que ousou com felicidade dar um passo fora da rotina, merecendo a attencgao do mundo na Exposicao de Londres de 1851. Os biscoutos de carne, ou tambem chamados pelo nome do seu inventor — de Gail Borden, — compoem-se de farinha de trigo e carne de vacca. E’ um bolo inodoro, que com facilidade se quebra , transporta-se , e pode-se guardar sem deterioracao por muito tempo. O jury inglez confirmou a assercao do inventor, isto é, que dez libras deste biscouto, desfeito em uma quantidade sufficiente de agua, bastavam, tanto pela quantidade como pelas propriedades nutritivas, para renovar duraute um mez as forcas de um trabalhador. A imitacao dos biscoutos de Gail Borden, foram appare- cendo outros, para cada um dos quaes, segundo o velho costume dos pseudo-descobridores de todos os tempos, se reclama a primazia, com pomposo elogio de suas inesti- ee. eo eee GE tie al os EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 309 maveis propriedades. Neste caso esta o pao e biscoutos de gluten, e os chamados — de Callamand. Felizmente resta-nos a consignar progressos mais sensiveis, ainda que Os processos que os determinam nao sejam suffi- cientemente conhecidos. A Companhia alimentar de Buenos-Ayres, instituida com 0 . fim de se aproveitarem as carnes do gado vaccum na America Meridional, expoz carnes, pastas e biscoutos, obtidos me- diante processos secretos, privativamente seus. Estas carnes tinham apparecido no mercado de Paris, mezes antes da Ex- posicao ; e tem de notavel conservar a cor vermelha e 0 sabor da carne fresca, vertendo sangue quando se corta. Dizem que nesse estado se conserva por tempo indefinido, trans- porta-se sem ser necessario tomar-se a precaucao de a fechar em vasos hermeticos. As pastas compoem-se da mesma carne no estado de fres- cura, isto é, sem ter soffrido a accao da agua nem do fogo, misturada com uma porcao de legumes seccos , de modo que em meia hora se pode fazer um caldo substancial. e ex- cellente. A mesma sociedade confecciona biscoutos, que assevera serem superiores aos de Gail Borden: constam elles de farinha e carne fresca; isto é, nem cozida nem salgada, em pro- porcdes mais ou menos consideraveis. Outra sociedade, constituida para 0 mesmo objecto, @ a Sociedade geral para a conservacao das carnes, por meio do principio que se designa sob 0 nome de conservatina. Conservam-se as carnes — cozida, assada ou crua — por um anno ao menos, e transportam-se como se quizer, em Cai- xotes ou expostas ao ar, sem receio dos agentes exteriores. A experiencia feita sobre uma perna de boi, que seis mezes antes havia sido posta de conserva, parece dever garantir 0 futuro da sociedade: a carne estava fresca, 0s ossos, tutano 310 REVISTA BRAZILEIRA. e gordura, como se se tivesse acabado de matar a rez na- quelle momento. Resta-nos explicar 0 que se chama « conservatina. » As carnes miudas, fato, cauda, ossos quebrados em pequenos pedacos, mistura-se tudo isto com uma porcao dagua na razao de dous litros d’agua para cada um kilé de carne ; sub- mette-se tudo 4 accao do fogo, espreme-se fortemente 0 re- siduo, eo liquido volta novamente ao fogo até tornar-se consistente. Entao ajunta-se-lhe assucar e gomma, e esta feito o xarope ou gelatina, na qual se immergem duas vezes e mais, em dias differentes , as carnes que hao de ser postas de conserva. Outro processo emfim, nao filho do acaso, mas resultado da applicacao de principios scientificos, é 0 do Francez Lamy, 0 qual, entre outras conservas, expoz duas pernas de car- neiro, guardadas em perfeito estado, uma ha cinco, outra ha dez annos. Vé-se pois que o invento no é de data muito recente , mas por isso mesmo 6 mais seguro. Lamy procede aniquilando a causa do fermento, e afas- tando 0 oxygenio. Para as carnes menos corruptiveis basta & primeira operacao, prolongada por alguns dias, para que, segundo o autor, a substancia se torne indefinidamente in- alteravel. Para as substancias mais delicadas, como caca, frutas e hortaliga, 6 preciso completar-se a primeira operacao com a segunda. O processo de Lamy nao esta ainda bastante conhecido, mas tem-se publicado que elle procura aniquilar o fermento , obrigando a precipitar-se ou coagular-se por meio de certos corpos gazosos o principio albuminoide que determina a fermentacao, e vem deste modo a ser causa da decomposicao € corrup¢ao das materias organicas. O segundo processo consiste em tirar 0 oxygenio da athmosphera d’entorno da substancia que se pretende con- EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 344 servar. Emprega para isso certos saes, que nao ficam, nem se poem em contacto com o alimento. M. Lamy expoz conservas de carnes, de legumes, de hortalicas , de frutas, e de leite guardado ha seis mezes pelos seus processos, que differem dos de M. Lignac, ainda agora empregados para a conservacao do leite. Jacta-se emfim de conservar as substancias mais delicadas no seu estado natural, sem as submetter previamente a ne- nhum processo de deseccacao , cozimento ou compressao , sem as fechar hermeticamente em vasos privados de ar, e em alguns casos sem as proteger com involucros de natureza alguma. Para o Brazil, que ha ja muitos annos se occupa com a preparacao das carnes séccas, nao serao estas noticias in- teiramente inuteis; porque, nem sd podera augmentar a quantidade , como melhorar a qualidade deste producto. E’ certo que infinitas rezes se perdem nos nossos sertoes , por estarem em tal estado de magreza que nao seria pru- dente aproveitar-se-lhes a carne quando morrem nesse es- tado. Mas isso se remediaria em parte, tratando de as en- gordar um pouco antes de serem levadas ao matadouro, e quando isso se podesse fazer no proprio logar da criagao. O que é mais serio inconveniente é a falta, ou pelo menos a carestia do sal nesses logares , e 0 disperdicio que delle ha ha preparacao da carne. Era preciso, creio eu, um paneiro do peso de quatro arrobas de sal para salga de uma rez, cujo va- lor se acha deste modo mais que triplicado. Quando falta o sal, 0 que nao raro acontece nos sert0es, as perdas sao enormes, - porque o fazendeiro, para ter algum rendimento, mata muitas rezes para lhes aproveitar 0 couro, e da carne apenas 0 _ que basta para costeio da fazenda. A necessidade tem a alguns ensinado processos mais economicos, taes como 0 emprego do sal pisado em muita farinha. A vista do exposto, concluimos que os meios para a con- . 312 REVISTA BRAZILEIRA. servacao das carnes sem 0 emprego do sal é da mais alta importancia para 0 Brazil, nao sd pela variedade dos pro- ductos que elle do contrario poderia apresentar, mas tam- bem por se evitarem enormes perdas com que os criadores deveriam contar em suas fazendas, principalmente no desci- mento das boiadas em distancias de centenares de leguas; porque em taes casos, como se sabe, lhes ficam pelo caminho as cabecas que se extraviam, as mais gordas que cansam, e€ aS mais magras que nao aturam a jornada, aleém das mo- lestias e mortandades produzidas pela mudanca de pastos; de modo que uma boiada luzida chega sempre ao seu destino no mais deploravel estado. Gomma elastica. A variedade, assim como a importancia das applicacdes que a industria faz da gomma elastica, tem despertado a attencao dos homens da sciencia, e ainda dos curiosos que procuram saber quem foi 0 primeiro que a importou e apre- sentou nos mercados da Europa. Divergem a este respeito as opinides, e no entanto a ninguem até agora occorreu inves- tigar se antes que essa materia fosse importada para Ingla- terra e Franga, nao era jé empregada pelos colonos do Para, e vendida nos mercados de Portugal. FE’ isso effectivamente muito para suppor; e comtudo nao devemos taxar de incuriosos aquelles que, tratando resumida- mente deste ramo de industria, poem de parte os Portuguezes, nem tratam de saber se por ventura nos seus mercados se vendia a gomma elastica sob a forma de animaes americanos mal imitados pelos indigenas, ou de objectos que sd eram curiosos attendendo-se aos obreiros que os fabricavam: ob- jectos de utilidade, porém, sd se foram alguns sapatos feitos grosseiramente; porém mais geralmente a gomma elastica no — Para foi nos primeiros tempos utilisada para borrachas , como EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 313 seu nome vulgar 0 indica; e mais ainda para certos instru- mentos, donde ficou até hoje o nome de — seringueiros — aos que vivem de recolher a gomma elastica. Nao ¢ portanto de estranhar que, quando se trata de his- toriar o desenvolvimento desta industria , fiquem esquecidos aquelles que nao aventaram a sua importancia, nem conse- quentemente contribuiram de nenhum modo para que esse producto fosse bem ou mal conhecido do resto da Europa , que hoje tanto 0 aprecia, sendo de facto a mais importante de todas as industrias de data recente. Foi 0 celebre academico francez La-Condamine quem em meiados do seculo passado desgreveu a gomma elastica de modo exacto; mas ja nesse tempo era ella empregada em Franga, ainda que fosse quasi nullo o seu emprego. As bor- rachas do Para, exportadas em quantidades minimas sob a forma por que lhes davam esse nome, eram cortadas em tiras é serviam para apagar os tracgos do lapis no papel, ou para confeccao de brinquedos de crianea. Nao obstante porém ser melhor conhecido este producto depois da viagem de La-Condamine, o seu emprego conser- vou-se estacionario por quasi meio seculo: era isso devido, tanto 4 ignorancia em que se estava das suas mais importantes propriedades, como ac atrazo da chimica, que ainda lhe nao tinha dado o seu poderoso auxilio; e talvez principalmente , como se cré, 0 nao existir a gomma elastica na Europa Senao em pequenas quantidades , mais como objecto de cu- riosidade , do que de utilidade, de forma que nao podia ser ensaiada com proveito. Foi somente em 1794 (segundo es- crevem Os Fraucezes) que Besson comecou a fabricar estofos impermeaveis, e Champion em 1815; mas estes ensaios feitos em pequena escala nao prometteram nem tiveram grande resultado: todavia é desde essas tentativas que data realmente 0 emprego industrial da gomma elastica.. Hoje porém depois que combinada com outras substan- 344 REVISTA BRAZILEIRA. cias se tem prestado a usos a que parecia menos propria, tanto se tem vulgarisado 0 seu emprego, que apezar da grande quantidade de productos preparados com ella, que se apre- sentaram na Exposicao franceza, acha-se ella mal represen- tada quanto ao numero dos expositores. A Franca, como era de esperar, concorreu largamente apresentando 34 exposi- tores , todos elles donos de estabelecimentos mais ou menos importantes; mas fra destes, 0 catalogo apenas indica 8 da Prussia , 4 da Inglaterra, 2 da America, 2 da Hespanha, 4 dos Paizes-Baixos, outro da Dinamarca, outro emfim da Belgica, isto 6, pouco mais de metade dos que apresentara a Franea. Notou-se a abstencao dos Estados da Allemanha , € principalmente o pequeno numero de expositores inglezes e americanos , sendo que estes ultimos tanto tem contribuido para a voga da gomma elastica. Tres differentes partes do mundo — America, Oceania e Africa— produzem gomma. elastica. Na America o Para, Guyana Franceza (dizem que tambem se encontra no rio Mearim do Maranhiao), Paraguay e Mexico. — Na Oceania Java, Sumatra, Singhapura e Madagascar. — Na Africa o Gabon. O producto do Brazil, extrahido da Siphonia cachucha (donde veio a palavra franceza — caoutchouc —), ou como escreveu Humboldt — Siphonia braziliensis, — é@ inquestio- navelmente superior a todos os outros, e reputado por mais alto preco. Chega 4 Europa bem acondicionado, no estado de pureza quasi absoluta; em quanto o de Java, extrahido da Ficus-elastica, e o de outras partes da Oceania, vem mis- turado com gravetos, pedras, terra e outras impurezas, de que é mister purifical-o. Assim, em quanto o do Para se vende, como agora, em Franca a 5,50, o de Java apenas alcanca 0 preco tres vezes inferior de 1,80. O gabon porém, quasi fora de comparacao, aproxima-se no aspecto 4 gutta-percha; mas della differe essencialmente ee a a EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 315 quanto as suas propriedades , nem pode ainda ser empregado com bons resultados. Vendido no principio a 4,50, hoje cahiu a 4/3 do seu primeiro preco, e nem assim é muito procu- rado. Voltemos porém a historia das phases por que tem pas- sado esta industria. Os grosseiros ensaios de Besson, assim como os do seu successor Champion, nao promettiam nenhum futuro a esta industria, porque os seus tecidos impregnados de gomma elastica pouca extraccio tiveram. Parecia um daquelles in- ventos que apparecem ricos de promessas e de esperanc¢as, e pouco a pouco se vao desacreditando até recahirem no aban- dono. Assim talvez aconteceria com a gomma elastica, a nio ser um homem em Inglaterra que se nao deixou acobardar pelos mios resultados dos seus antecessores em differentes paizes. Mackintosh dissolveu a gomma elastica em certos oleos, € principalmente no de carvao de pedra, e depois de a reduzir a massa, applicou-a a tecidos ordinarios, submettendo-os a uma forte pressdo para que fosse completa a incorporacao da gomma no tecido. Foi isto em 1820. Rattier e Guibal introdu- ziram em Franca os processos de Mackintosh, modificando-os em parte, melhorando-os com seus inventos; e desde entio, apezar das alternativas por que passam todas as industrias no seu comeco, estava decidida a sorte da gomma elastica. Os relatorios do governo francez vao confirmar esta asserczo, se sao verdadeiras as cifras que apresentou o jornal francez La Presse. Passo a cital-o integralmente, na impossibilidade em que estou de verificar os seus dados pelos documentos Officiaes de que elles sem duvida se terdo servido. « Em 1830 era ainda insignificante a importagao da gomma elastica: a Franca comprou nesse anno vinte e cinco mil francos desse genero. Foram subindo essas compras a 39,327 francos em 1831, e dous annos depois, em 1833, a 165,382 francos. Em 1834 fabricaram-se productos de gomma 22 316 REVISTA BRAZILEIRA. no valor de 750,000 francos, sendo que mais de metade delles se exportaram para fora do paiz. Em 1839 a Franca comprou mais de 400,000 francos de gomma elastica, e retornou com quatro milhdes em objectos preparados com ella. » Todavia a voga de que por este tempo fruia a gomma elastica esteve sujeita a graves alternativas: aceita e pre- conisada ao passo que se ia accommodando as diversas ap- plicagdes da industria — estimada sobremodo como materia que se reduz a placa e a fio, que se corta e prepara em forma de tubos e de objectos de toda acasta, e emfim que por si mesma se soldava—comecou a decahir no conceito pu- blico, e pareceu por um momento, em 1839, que tinha che- gado ao seu periodo de decadencia. As correias applicadas a mecanica eram abandonadas, os instrumentos de cirurgia desprezados como maos, e mesmo os tecidos impermeaveis como que iam passando de moda. Era isto devido a algumas das propriedades da gomma elastica, a que se nao tinha dado muita attencao ao principio: ella endurece-se e contrahe-se com 0 frio, e com o calor se amollece e dilata: quanto as correias porem, essas despedacavam-se com a traccao, ou quando menos relaxavam-se e perdiam quasi toda a elasti- cidade. A isto accrescia 0 mao cheiro que dava aos vestidos impermeaveis, a viscosidade incommoda ao tacto, e por fim, 0 que era mais serio inconveniente que os dous ultimos, dissolvia-se nos oleos e corpos gordurosos. Obviaram-se a estes inconvenientes da gomma elastica no seu estado natural por meio do processo que chamam de vulcanisacao, e que melhor se diria de sulphurisagdo, com 0 qual se obtem da gomma elastica dous productos diffe- rentes e quasi oppostos. Mistura-se intimamente a gomma elastica com uma pe- quena ddse de enxofre, a vigesima parte do seu peso, por exemplo; submette-se esta mistura a uma temperatura mais | — » 4 f “s - el ye Seo) eS eS EXPOSIGAO UNIVERSAL EM PARIS. 355 ficos volumes — cinzelados, gravados , adornados de placas douro, enriquecidos de pedras preciosas. A Allemanha ainda hoje apresenta amostras destas encadernagoes artisticas, magnificas sem duvida, mas que pelo alto prego por que sahem sO podem servir para presentes de soberanos a so- beranos. Qs Arabes, mestres da verdadeira encadernacao, que deve ser a0 mesmo tempo ligeira , duradoura e commoda, come- caram a empregar o marroquim, em cujo fabrico Marrocos foi por muito tempo afamado. Este modo de encadernacao passou a Italia, e d’alli se estendeu pelo resto da Europa e do mundo; mas os marroquins do Levante ainda sao afa- mados, apezar da arte com que os Russos aperfeigoaram o cortume dos couros; apezar das tintas, pao-brazil, cam- peche, anil, etc., com que na Europa ha alguns seculos se preparam. Depois dos de Marrocos, sio mais procuradas as pelles de carneiro de Hespanha. N outro tempo a encadernacao era uma arte; mas arte por demais complicada, por exigir do operario 0 complexo de industrias , que hoje occupam duzias de profissdes diffe- rentes. Ao passo porém que os livros se foram tornando de uso mais vulgar, e a leitura como uma necessidade, foi preciso que a rapidez da encadernacao acompanhasse de perto a da propagacao dos livros, e que o seu prego nao fosse exorbitante. O encadernador tornou-se um official mecanico; mas os seus productos, se bem que muito mais baratos do que outr’ora, estao longe de terem descido na proporgao da barateza por que se estao vendendo os livros. Comtudo € tal a vulgarisacao da lingua franceza , € 0 con- sumo dos seus productos litterarios, que esta industria sd- mente em Paris occupa 400 officinas ; poucas dellas realmente boas, mas cujas transaccdes, durante o curso do anno, montam, segundo se diz, a quatro milhdes de francos. Nella se oc- cupam dous mil obreiros de quasi todos os sexos e idades. 356 REVISTA BRAZILEIRA. Mas todos estes productos se assemelham, a0 menos na apparencia, porque forcados a produzir muito e barato, nao era possivel que cada um conservasse 0 cunho de sua individualidade. No relatorio, ja algumas vezes citado, de M. Didot, aconselha este habil impressor, cuja casa se tem tornado notavel em todos os ramos da sua profissao, 0 emprego de certas cores na encadernacao de obras de certa natureza ; de modo que numa colleccao de livros bastasse a simples inspeccao para se conhecer a ordem de materias contidas em cada volume. Esta idéa nao nos parece extraordinaria- mente proveitosa. Pretendem os Francezes que as suas encadernacdes se po- deriam chamar artisticas, comparadas as inglezas; comtudo os Allemaes , que sao entendidos neste ramo, confessam que | os Inglezes lhes levam a palma; e de certo sao os primeiros encadernadores do mundo. tanto em solidez como em per- feicao. Appareceram na Exposicao de Londres encadernacdes de luxo de 80 libras cada uma; e quanto ds_ ordinarias convem notar-se que, se os livros sao mais caros do que em Franca, as encadernacoes sao alli mais baratas. Depende isto de querer 0 encadernador francez executar por suas maos — todas as partes de que se compoe a encadernacao, em quanto 0 inglez divide e simplifica o trabalho, creando por assim dizer dentro do seu estabelecimento tantas outras manu- facturas, onde essas differentes operacdes se executam. No que brilham os Inglezes (porque assim se vendem os seus livros de ordinario) é na cartonagem. Ha officinas em Lon- dres, taes como as de Rennant, Leigthon, de Westley , que podem em seis horas dobrar, cozer , cobrir e dourar até 1,000 volumes, se ja tiverem promptas as capas. Os desenhos sao ricos e variados (no papel das capas), em harmonia com a materia de que se trata em cada volume, o dourado ex- cellente e a costura solida. : ‘ : 7 —_— ry EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 357 Sa0 poucos os expositores inglezes neste ramo: excitou a curiosidade um volume encadernado por Francisco Bedford , de Londres, magnifico in-folio, em marroquim verde com ornato de ouro e cores. M. Riviere expozo Relatorio dos commissarios 4 Exposicao de 1854; Leighton e Hodge uma rica colleccao, onde se nota o volume « As artes industriaes no seculo XIX , por Wyatt. » Brockhause Devrient, de Leipzig; Murquardt, de Bruxellas ; Beck, de Stockholmo, apresentaram tambem magnificas enca- dernacoes. Apresentaram-se igualmente os Francezes Simier , Lebrun, Curmer, Despierres, Engelmann, M™ Gruel, de Paris, e Mame, de Tours. Antes de fecharmos este capitulo devemos deixar consigna- do que a Inglaterra, Allemanha e Estados-Unidos, apre- sentaram differentes modos de encadernacao de registros , notaveis pela solidez da capa e igualdade do pautado. Me- receu elogio o Livro-mestre exposto por Garté, de Paris: é solido , elegante, com dorso e cantos metallicos , abrindo-se facilmente, apresentando 4 penna uma superficie toda plana: cravejada de botdes nos angulos, que impedem o rocar da capa contra a mesa. Observaremos, por fim, que o luxo e riqueza das antigas encadernacoes foram causa de se perderem preciosidades litterarias; porque nesses tempos de lutas ec devastacdes, a cobica da soldadesca nao poupava objectos de preco que lhe cahissem debaixo das maos. Causas differentes, mas origi- nadas do mesmo principio, produziriam hoje iguaes resul- tados. O vandalisno moderno, em algum recanto da Europa, nao poupou as encadernacdes communs, por isso mesmo que nao tinham preco. Em Portugal, por exemplo, com a ex- tinccao das ordens monasticas , assolaram-se impiedosamente ricas bibliothecas , de cujos volumes se arrancavam as capas para serem vendidos a peso, como papel de embrulho nas tabernas. 358 REVISTA BRAZILEIRA. Hoje, o que se exige das encadernacodes € solidez , como garantia de duracao; elegancia com simplicidade , commo- didade e ligeireza do volume, e bom preco da mao dobra. Os Inglezes , Allemaes e Norte-Americanos, parecem ser 0s que de mais perto yao alcancando estes resultados. Prenzas. Asseveram 0s profissionaes , que ainda que nesta Expo- si¢ao aS prensas typographicas nao apresentem nenhum sys- tema realmente novo, muitas, se nao todas, se distinguem por importantes aperfeicoamentos e acabada execucao. As de origem franceza nao se prestam porém as enormes tiragens das americanas ou inglezas, pois que as mais rapidas sao aschamadas wniversaes , de Marinoni, que nao dao mais de seis mil folhas por hora. Ha duas especies de prensas typographicas, para fazer uma divisao geral das que foram expostas: as de cylindro , em que um ou mais cylindros desdobram a sua superficie sobre os typos; e as de platina, nas quaes a pressao se exerce como nas prensas de mio, ainda que sejam movidas mecanicamente. Nestas, como a pressao se exerce simul- taneamente sobre toda a forma, todos os caracteres resistem conjunctamente, e por isso nao estao tao sujeitos a dammno : nas de cylindro, porém, a pressao tem logar em uma aresta dos typos, supportada por um numero comparativamente pequeno de outros; tem porém a vantagem da rapidez da tiragem, e era por isso exclusivamente empregada na im- prensa periodica ou diaria, até que Dutastre, com as suas prensas de cylindro, provou a facilidade de se tirar com ellas obras que reclamavam maior cuidado. M. Dupont expoz algumas prensas de platina, movidas mecanicamente. Dermiane, um dos seus operarios, expoz uma engenhosa machina de tirar provas, que poupa Os typos | F § EXPOSICGAO UNIVERSAL EM PARIS. 359 e o tempo, dando provas tao legiveis quanto € preciso desejar-se. O mesmo fabricante apresentou uma prensa li- thographica, na qual o operario daa tinta e 0 vapor deter- mina a pressao. Notaremos de passagem as engenhosas machinas de Lecoq, de summa utilidade nos caminhos de ferro, onde houver muita concurrencia. Uma imprime e numera 10,000 bilhetes por hora, ou, termo medio, 70,000 por dia, com o trabalho de uma sé pessoa. Outra para contar e verificar estes bi- lhetes, permittindo reconhecer facilmente qualquer subtrac- ¢a0 ou substituicio, e produzindo o dobro daquella primeira, isto é, 140,000 por dia. Outra emfim para datar e dis- tribuir; operacao a que se procede poucos minutos antes da partida do trem, porque cada bilhete indica o dia da partida e comboi em que vai o portador. Estas podem datar mais de 1,200, ou com mais exactidao, 1,350 bilhetes em meia hora, Concluiremos esta rapida resenha com a noticia de uma das machinas mais curiosas que se apresentaram na Ex- posicao franceza, quanto 4 novidade, e talvez mesmo quanto aresuliados subsequentes. Na typographia do Froedeldnder, jornal de Copenhague, funcciona uma machina de compdr, semelhante a esta que passamos a descrever. Supponha-se um cylindro vertical, com tantas hastes de cobre quantos sao os diversos caracteres ou signaes que é preciso empregar na composicao. Este cylindro divide-se em dous; 0 superior se move ao impulso de um pedal, gyrando sobre o inferior, e neste movimento de rotagao para um momento, quando coincidem os seus entalhes com os do cylindro inferior ; estes entalhes sao differentes em cada haste, e correspondentes 4 forma de cada classe de typos. Assim , quando os typos agglomerados no cylindro superior que roda chegam ao seu entalhe, cahem na haste do cy- lindro inferior, occupada cada uma por uma sd ordem de 360 REVISTA BRAZILEIRA. typos, — a—, por exemplo. Esta machina tem teclado com um numero de teclas correspondentes as hastes do cylindro, e marcadas cada uma com as letras ou signaes que lhes compete — a, b, c, etc. . O compositor , depois de ter enchido as hastes do cylindro superior com os caracteres que vai encontrando , sem exame nem escolha, assenta-se ao teclado, move o pedal, 0 cy- lindro gyra, e as letras vao cahindo mecanicamente nas hastes ou fios a que pertencem. Se ao mesmo tempo fere o teclado, a letra correspondente a cada tecla encontra uma aberta, e soltando-se do cylindro inferior, entra por pe- quenas divisdes, tomando pouco a pouco a posigao perpen- dicular, e indo enfileirar-se em uma pequena calhe, onde formam syllabas, palavras , linhas, que depois se paginam com facilidade. De todas as tentativas feitas para a impressao mecanica, esta é sem duvida a mais importante e engenhosa , porque toda a machina nao importa em mais de 7,000 francos, occupa um limitadissimo espaco , e sobretudo porque o tra- balho difficil da distribuicao dos typos se faz aqui de modo prompto, correcto, e sem perda alguma de tempo. Reflexées acercatde uma imprensa modelo. Os productos da imprensa moderna, que vimos expostos no palacio da Exposicao , nos suggerem algumas reflexdes, com que julgamos dever encerrar estas informacdes. A typographia nio 6 simplesmente como qualquer outra industria, que pdde ser exercida por quem o quizer, sem mais effeito que o de enriquecer o industrial que nisso se emprega ; enriquece e illustra ao mesmo tempo a nacao onde ella se desenvolve, eé, por assim dizer, o thermometro da illustragao de qualquer povo. Os Vieweg, Brockhaus, Ben- tlys e Didots, nao sao so industriaes intelligentes e felizes; | : EXPOSICAO UNIVERSAL EM PARIS. 364 sao homens benemeritos da Allemanha, da Inglaterra e da Franga , sobre cujos paizes reverte em grande parte a sua gloria, e 0 nome que na sua arte adquiriram. Por isso todos os paizes, mais ou menos illustrados, até o Mexico, India e Australia, apresentaram os productos da sua im- prensa como documento dos passos que vao dando no ¢a- minho da civilisacio e do progresso. Por isso todos, ou quasi todos os governos, auxiliaram a imprensa no seu comeco , e alguns ainda hoje sacrificam sommas enormes , sustentando vastissimos estabelecimentos desta ordem; e com razao 0 fazem , porque aimprensa, como muitas outras das indus- trias que mais ou menos intimamente se ligam 4s bellas- artes, parece nao poder chegar ao pleno desenvolvimento que cada paiz comporta senao com o auxilio e forte pro- teccao do governo. E os governos, qualquer que seja a sua forma, nao julgam impolitico, mesmo quando cerceam toda a liberdade 4 imprensa, dar-lhe todo o adjutorio para que ella materialmente se desenvolva e prospere. As coértes de Vienna, Paris e Roma, tem magnificas typographias. Em Hespanha e Portugal as melhores imprensas sao as do go- verno ; e quasi 0 mesmo se pode dizer da— do Parlamento — em Londres. O Brazil estaria no caso de ter uma typographia ampla- mente dotada, comprehendendo pelo menos a fundicao , impressao , lithographia e encadernacao. A nossa forma de governo, quando nao fossem outras consideracdes, exigiria esse sacrificio, para nos nao acharmos em todas as Cir- cumstancias na dependencia dos particulares. As despezas - seriam de certo muito grandes; mas convira attender-se a que se nao gasta pouco coma publicacao dos actos officiaes e debates das camaras, com o auxilio pecuniario a diversas corporacdes scientificas ; auxilio que poderia ser diminuido, imprimindo-lhes 0 governo os seus trabalhos. A verba destas economias avultaria extraordinariamente, ae 362 REVISTA BRAZILEIRA. si se attende a que o governo faz imprimir fora o seu papel sellado, bilhetes do thesouro, notas, passaportes, etc. A Imprensa nacional se poderia encarregar dessa tarefa, como a Imprensa de Vienna, a qual imprime tambem todas as obras e trabalhos que della exigem as autoridades publicas do Estado; acorocoam as artes e sciencias, nos casos em que nao bastam os meios dos estabelecimentos particulares ; e emfim, ao aperfeicoamento de todas as artes graphicas, no que tem conseguido merecida reputacao. Ainda uma outra vantagem haveria nisso para nds: é€ que essa imprensa poderia ser, e necessariamente se tornaria , com uma boa direcgao, uma excellente escola de operarios e artistas, que podessem bastar para as exigencias da typo- graphia na corte e no Brazil. PHILOSOPHIA. BOSSUET E VICO. A espada do Apocalypse, que esta pendente dos labids de Deos, como uma chave que fecha o sacrario da creacao -e de todas as verdades, foi em 1681 tocada pela mao de “um theologo, e quarenta annos mais tarde pela de um ‘philosopho. O que revelara o theologo se acha estampado em um livro intitulado: Discours sur Vhistoire universelle’; ‘€ 0 que observara o philosopho resumiu-se n’um outro livro denominado: Principi di una scienza nuova intorno ‘alla natura delle nazioni, li quali ritrovano altri pr sew del dritto universale delle genti. O theologo chamou-se Bossuet , e 0 philosopho Vico. Bae ‘suet collocou-se fronteiro a todas as idades e tempos da ferra, circumvoou com olhos aquilinos por sobre todos. os factos humanos, abarcou-os com a grandeza do seu engenho, pautou-os chronologica e rapidamente, e offereceu a con+ templacao do pensador esse painel de maravilhas, illuminado pelo olho da Providencia. Antes delle nenhum mortal. havia Temontado a tanta alteza, nem havia tentado em tao vasta escala, nem mesmo Santo Agostinho, explicar as leis secretas pelas quaes a humanidade se desenvolve ; nenhum havia achado na Biblia a demonstragao do problema que resolve - todas e@ as mais difficeis questdes humanitarias. 25 364 REVISTA BRAZILEIRA. A resultante das muitas for¢as que actuaram em todas as peripecias do genero humano, para elle, esta no céo. A forca altriz e motriz, no dedo de Deos ; e os effeitos, na causa providencial. Cicero e Platao, os maiores arrojos da antiguidade, ficaram muito aquem da aguia de Meaux , que ousou balisar e assignalar todos os passos da humanidade pelas pedras dos altares, certamente os padrodes mais significativos do pensamento organico da sociedade, os seus mais solidos alicerces, € os documentos mais veridicos de sua existencia; porque reflectem os segredos do coracao na vida do pen- samento e da carne, na dér e na esperanca, e€ na corpo- Tificagdo das idéas, quando sao interrogados pela sa phi- losophia. * Bossuet, olhado como pensador e escriptor, como pro- ductor na materia e na forma, ¢ 0 primeiro vulto pensante do seculo de Luiz XIV, e o representante de um cyclo que viu florescer successivamente Newton e Leibnitz. O histo- riador da Providencia vai nas idades do mundo marcando as. differentes épocas , caracterisando-as pelos seus mais no- ‘taveis acontecimentos, e subtilmente indagando as vias se- cretas e os designios arcanos pelos quaes fundaram-se , floresceram e decahiram tantos imperios ; indaga 0 como baixa a luz ou se espalham as trevas, afim de que se cumpra a vontade immutavel de Deos; e nao contente com 0 haver assistido aos acontecimentos de todas as ‘épocas da.creacao até.o dia em que escreveu seu livro, e de os ter explicado pelos seus principios orthodoxos, a sua mente - parece lancar-se no futuro, e mostrar 4 posteridade a melhor senda e os meios verdadeiros e mais seguros para se co- nhecer a causa e origem de todos os acontecimentos hu- manos. . Naquella narragao, tudo se concatena admiravelmente, tudo se concentra. e se desenvolve como n’uma - epopéa, i . BOSSUET FE °V1e0. - 365 -onde a magia d’arte, a forca do raciocinio ,“ ea Toucania @ gravidade do estylo, nos obrigam a confessar a accao perpetua, unica e exclusiva da Divindade sobre o homem. Deos é 0 herde do poema,. os. seculos seus cantos , a hu- Manidade a narragio, e 0 maravilhoso aquella phenix ‘perpetua que se abraza, consome-se , e renasce nesse lume que marcha do Oriente para o Occidente, e que em cada “phase de sua orbita providencial recebe uma centelha que -O augmenta e 0 engrandece progressivamente. Collocado n’uma esphera superior , naquella esphera’ de- »sejada por Archimedes para apoiar um extremo da sua alavanca, elle vé, ao aceno de Deos , cahirem nacoes , ‘Tesurgirem de seus tumulos outras, e a humanidade asse- ‘melhar-se ao gigante do Ariosto, que , depois de espedacado, ‘unia e recompunha todos os seus membros , erguia-se , ‘caminhava , e de novo combatia. Bossuet tinha aquellas virtudes singulares que Michelet encontra nos homens da renascenca, a que elle alcunha de solitarios , porque elevava tudo quanto via, transformava quanto manipulava , e sublimava tudo o que havia parecido grande nas maos dos outros. Entre elle e Vico ha um ponto concorde e inalteravel : 0 da divindade d’alma na espiritualisagao da humanidade. Vico nao se collocou nas alturas das vistas theologicas , nao se convenceu de gue os designios da Providencia eram por elle conjecturados , como Bossuet, e nao explicou:a historia como se ella fosse sua feitura ; austero e positivo, procura nao so a lei dos acontecimentos nos proprios acon- lecimentos, mas ainda a lei de todas as cousas que ex- _ primem o pensamento humano, e tambem aquella em que _ Se comprehende 0 mesmo pensamento. __Bossuet nos ensina a crer pela autoridade e pela reve- Jagao ; Vico pelos processos da philosophia e da razio. ~ Bossuet nos apresenta 0 homem transmudado de suc- 366 REVISTA BRAZILEIRA. cessivas maneiras , mas perpetuamente sujeito a accao im- mediata de Deos, quer na sua exaltacao, quer no seu de- clinio e no seu aviltamento; sempre o encara como um instrumento nas maos da Providencia, cujos decretos se devem cumprir. Vico, empregando os seus profundos es- tudos na historia de todos os tempos e de todas as nagoes , com uma rara e arguta philosophia, estabelece os eternos principios da sua scIENCIA Nova, segundo os quaes 0 homem, independente da natureza externa, sempre e por toda a parte se desenvolve da mesma maneira; e quasi que se ma- nifesta como a argila nas maos do menino fluminense e do africano quando ambos, nascidos e educados em zonas op- postas, querem figurar um artefacto, um homem, um animal, _ que se modela com a mesma apparencia e rudeza de ca- racter na imitacao. Das leis absolutas do pensamento deriva este desenvolvimento apés um longo esforco de indagacgdes ‘ metaphysicas e apreciacdes subtilissimas e sensatas. O primeiro modo nos conduz a predestinagao da theologia, 0 segundo germina em certo modo um fatalismo que repre- senta a estrada da razao cultivada: num ha um movimento de idéas e de consequencias systematicas, onde os factos e as cousas tomam todas as formas possiveis e justificam igual- mente todas as theorias, 4 primeira vista contradictorias; no outro, com quanto seja uma luta continuada do methodo geometrico e do methodo de induccao, nao deve parecer- nos um affan perpetuo no explicar a idéa do pensamento — universal que preside em todas as obras, e no assimilar a — investigacao e observacao historica 4 investigacao intima da consciencia humana. Bossuet brilha sempre pela elegancia da forma, e Vico procede com pouca amenidade, porque é rude e secco como um archeologo. Bossuet lampeja vivissima luz, que offusca a vista, e ra= " a BOSSUET E VICO. 367 pidamente esclarece a escuridaio que seu genio tornara ve- neranda. Vico é um astro vivificante, que na pompa de todo o seu esplendor diffunde os seus raios, e tuda aquece e fecunda. O theologo francez explica os eventos da historia como um interprete systematico da Divindade; e o philosopho napolitano os explica como grave e severo indagador. Ambos receberam a luz do engenho, a missao de edificar o espirito na indagacao da verdade pelo passado, mas ambos deram uma direccdo diversa a sociedade. Um, cheio de sentimentos religiosos , voltou 0 pensamento humano para 0 céo; 0 outro olhou para a terra com o intuito de felicitar os povos ; mas ambos concordaram na divindade da humanidade pelo in- suflo da Divindade e preexistencia de suas leis. Amo Bossuet porque me fez entender a Biblia e achar em ‘tudo uma causa providencial; e a Vico porque me illuminou no caminho da historia, nas pesquizas da verdade, ja partindo da materia para o espirito, ou do espirito ca- minhando para a materia. Vico fez um livro para 0 homem preparado, e Bossuet uma historia para todas as idades, e mérmente para a juventude. Bossuet, no meu fraco entender, deve ser 0 compendio historico preferido pelo Conselho da Instruc¢ao publica, por- que da arazao de todos os acontecimentos , e nao desvia a educacao moral dos meninos dos preceitos da religiao de Jesus Christo. A educacao sé é@ proveitosa quando forma o cidadao e gsobe delle 4 familia e 4 nacao, pela equipendencia de seus elementos moraes, nao sd na unidade do dogma da religiao como no da patria. 1857. BOTANICA. DESCRIPGAO DA ARVORE DENOMINADA .PELO YULGO BAINHA DE. ESPADA PERTENCENTE A’. ORDEM..NATURAL DAS ARTOCARPEAS.,: E PROPOSTA’ ~ COMO .TYPO. DE UM GENERO NOVO. Acanthinophyllum, Genus novum, Ordini Artocarpearum pertinens, - ‘quod judicio Botanicorum subjicit Francisco Freire Alleméo. GENERIS CARACTERES. Flores dioici. Masculorum receptacula ‘stipitata, cylin- dracea, toto ambitu bracteis peltatis, pedicellatis, ad per- pendiculum insertis, stricte cooperta: inter quas flores emer- . gunt numerosi, monandri , nudi; filamentis crassis, rectis, vix bracteas superantibus; antere loculis oppositis, apici filamenti oblique dorso adnatis, supra conjunctis, rima superne apperientibus. Foeminarum receptacula globosa, pedunculata ,. bracteis.. destituta, undique florifera. Fores perigoniati, sessiles. Pe- rigonium urceolatam , herbaceum apice incrassato perfo- ratum. Ovarium, ante foecundationem superum, postea semiinferum, unicellulare ,ovulum unum, anatropum, prope verlicem cavitatis pensum, continens. Stylus crassus, in-. clusus, in lobos duos stigmaticos, latos, exclusos, diver- gentes divisus. i 1/ é BAINHA DE ESPADA. 369 Fructus, perigonio aucto pulposo reconditus, baccze- formis. Pericarpium membranaceum, pulpa perigonii semi- immersum. Seminis testa membranacea, chalaza ampla re- ticulata, portionem immersam totam occupante, insignita. Embryo crassus , ex albuminosus, rectus ; radicula minima, inclusa, supera; cotyledonibus hemisphericis, equalibus. Arbor, cujus genitalia hic succinte sunt descripta, affi- nitates habet cum eis, que ad Genus Brosimum, seu Soro- ceam, aut Perebeam pertinent: cum autem singulis non in omnibus caracteribus conveniat , preecipue quoad embryonis conformationem attinet, typum novi generis visa est mihi constituere ; eamque denominavi : Acanthinophyllum strepitans. Arbor mediocris, lactescens; gemmis, et organis sareils subtiliter pubescens. Folia alterna, disticha, mutuo contactu strepitantia; peciolo brevi; limbo magno, membranoso- papyraceo , glabro, obovali-oblongo, basi acuto, apice abrupte, et longe acuminato , margine remote, et obsolete sinuato-dentato ; dentibus, sicut et acumine, in aculeos _rigidos, pungentes desinentibus. Stipule minime acute, caduce. Masculina receptacula, vix pollicaria, numero varia 6 _ramulo brevissimo, axillari successive prodeunt. Foemenina autem solitaria. Ex ovariorum numero pauca cat fructuosa, cetera, com- -pressionis causa (?) sterilia evadunt. _ Bacce vivide rubro-aurantiaco colorate , tenuiter pube- ‘rule, in syncarpium coalescunt. Embryo lactescens, viride- ceruleus. Nomen genericum e fonte greco desumptum, spinosum folium significat. Nomem specificum strepitans, quia folia tacta strepitum edunt. Rio de Janeiro, Outubro de 1857. 42 Qa 38 Ae 5a 63 = 78 ge ge 10° ii* 42" 43° 14° 15° 46" 47* REVISTA BRAZILEIRA. Iccnum explicatio. — Inflorescentia mascula, nat. magn. — Ejus ramus, seu receptaculum unum, valde auctum. — Stamen, ante pollinis emissionem. — ld. post emissionem pollinis. — Bractea. — Receptaculum feemeninum, nat. magn. — Id.. valde auctum. — Flos foemineus. — Id, verticaliter sectus. — Portio rami Acanthinophylli strepitantis , fructus maturos gerentis, nat. magn. — Bacca una separata. — Eadem dimidia parte perianthii dempta. — Fructus, perianthio denudato. — Id. pericarpio verticaliter secto. | — Semen. — Embryo. — Id. cotyledone una separata, ut radicula, et gemmula videantur. . * & | - “ “SNVLIGGMES WO TXHAONIEENVOY UP] BpleUcly SPT “Simqauey prep dacp yey , “USP QeUBI LY SELF T “SNVLIGHHS WO'TAHCONTHINVOY Smqousy, zap lucy 4 syn vromrry Aan Mv wpowery ep ae ep ET young ] e) = SS = r—} an, pitantis , hago ipta. radicula, ESTRUCTURA E USOS DE ALGUNS PELLOS. 374 CONSIDERACOES SOBRE A ESTRUCTURA E USOS DE ALGUNS PELLOS E ORGAOS ANALOGOS. O estudo dos pellos vegetaes nao é destituido de attractivos; e delle podem, sem duvida, resultar nogdes uteis e impor- tantes para a physiologia das plantas. Nenhum trabalho es- pecial e satisfactorio conheco a respeito destes orgaos: e provavelmente ainda por muito tempo, visto como sao va- riaveis na universalidade das plantas, a sciencia carecera de novas investigacdes neste assumpto , nao sé quanto a infinita diversidade de formas, mas tambem quanto ao co- nhecimento de suas funcgdes na economia vegetal. Por pe- — quena pois que pareca, e 4 primeira vista insignificante, qualquer observacio anatomica ou physiologica sobre esta parte da sciencia , pode todavia contribuir para o seu adianta- mento. E é esta consideracao que me anima a offerecer-vos este pequeno ensaio. As sementes de uma Apocynea (Echites arborea (-), Vell.) (*) Flora Fluminensis, Vol. 3°, Tab. 47. Esta planta é uma verdadeira Echites, nota.cl por suas proporcdes arboreas; algumas tenho eu visto nas matas virgens de 30 e mais pés de altura. Foi provavelmente esta circum- stancia que induziuem erro o Sr. Alfonse de Candolle, que julga ser a planta de Velloso a Tabernemontana leta de Martius, suppondo ainda que ha erro na estampa de Velloso, por isso que ahi se representam as sementes comosas (Exclusa figura seminis (diz elle) que virisimiliter diversissime speciet. Pro- drom. vol. 8°, pag. 364). Em tudo isto ha perfeito engano. Nao posso deixar de fazer sentir nesta occasido a sagacidade que Velloso muitas vezes mostrou na denominacao scientifica das plantas ; como se vé aqui na distincgao espe- _ cifica — arborea —e em outras muitas occasides , privado como estava de como esta, livros e conselhos. Nenhuma outra especie das conhecidas até hoje é arvore 372° REVISTA BRAZILEIRA. tem a superficie toda (") coberta de longos pellos brancos, finissimos , assetinados. (A. fig. 41%). Uma porcao do epi- derme dessa semente, tirados alguns pellos e conservados outros, é representada, com grande augmento, na fig. 2.* Vé-se de cada cellula da epiderme sahir um pello, de. ta- manho variavel, como se fossem produzidos em épocas di- versas. Cada um é formado de uma unica cellula, cuja membrana perfeitamenta diaphana apresenta duas listas es- piraes, parallelas, que sao seguramente devidas a adelga- camento da parede membranosa, ou verdadeiros sulcos. A fig. 3* mostra uma porcao do pello em proporgdes exageradas para melhor manifestar sua estructura. No estado natural. estao estes pellos cheios de substancia gazeiforme ou aerea. Elles tem por fim claramente servirem como de baldeszinhos. por meio dos quaes suspensas as sementes vagueam no ar por mais ou menos tempo, até que chegam 4 terra, natural- mente disseminadas. . A accao absorvente destes pellos é admiravel: foi casual- . mente que dei por este phenomeno, mas verifiquei-o de-.. pois por observacoes directas, das quaes referirei as se- guintes : Tomei um pedacinho dum pello bem secco, assentei-o- sobre um vidro, fixando-o, e ao mesmo tempo levantando as pontas por meio de rolinhos de céra (fig. 4"); submetti-o assim ao foco do microscopio, tendo antes feito cahir uma gotta de agua no vidro, junto ao pello, mas de sorte que 0 (*) Toda a superficie, menos 0 raphe, & coberta de pellos: no entanto for- mulando 0 Gen. Echites, dizem os autores: « Semina papposa, Lin.— Semina ad catremitatem umbilicalem comosa, Sprengel, Kunth.— Semina ad um- bilicum comosa, Endlicher. —Semina superne comosa, De Cand. » E’ claro que ha aqui emenda a fazer-se’, que nao me parece futil, porquanto estou bem persuadido que a nossa planta é uma Echtles. Devo ainda observar que Endlicher, expondo os caracteres genericos, diz: « Stamina inclusa,» mas a Echites. arborea tem as antheras exclusas ; deve-se portanto accrescentar: « aut easerta » como traz Kunth, ou supprimir-se este caracter, como fez , com razao, Alfonse De Candolle. ESTRUCTURA E USOS DE ALGUNS PELLOS. 373° | nio molhava; e em quanto observaya fui inclinando 0 instra- | mento; para fazer correr a gotta d’agua para o pello: esta ~ apenas 0 tocou encheu-o completamente, ficando algumas ~ polhas de ar presas (fig. 4*, a a). A embebicao foi tao rapida: . que, apezar de toda a.attencao, nao a pude apreciar. Recorria © outra experiencia, fazendo-a com um pello inteiro e pegado’ . A semente’, para queo gaz interior demorasse 0 phenomeno e 0 tornasse perceptivel: puz para isso uma gotta d’agua * no vidro, collocado no foco do microscopio; e observando, - levei a ponta do pello a tocar n’agua (fig. 2**), e a ab- sorpeao foi igualmente instantanea e inapreciavel ; ficando, ° como no caso precedente, algumas bolhas de ar suspensas no liquido. Passam-se nesta experiencia dous phenomenos , que sao dignos de alguma discussio, e sao :°a passagem instantanea d’agua atravez das paredes do pello, e o desapparecimento - da substancia gazoza contida nelle. Comecarei pelo ultimo. De que natureza sera 0 gaz en-— cerrado no pello? Puro ar atmospherico, ou antes algum © outro, que junte 4 uma forca de tensio igual menor den- sidade , em relacao ao ar exterior. A ultima destas opinides © seria mais consentanea com as vistas da natureza, que sao 0 transporte das sementes pelo ar; 4 chimica compete — a solucao desta questao, se é que vale a pena. Mas, sem duvida, 0 que nao pdéde deixar de ter algum valor é 0 ~ desapparecimento desse gaz qualquer, tao rapido como a entrada da agua na cavidade do pello. Que fim levou elle ? Ou foi expellido, ou dissolvido n’agua. A expulsao instan- fanea nao me parece admissivel, quando a experiencia se fez com 0 pello inteiro; seria necessario que para isso hou- -vesse aberturas, que a observacao nao mostra. Resta pois (*) Para nao multiplicar as figuras, servi-me desta; se bem que na ex~- ‘periencia © pello estava preso 4 semente inteira. 374 REVISTA BRAZILEIRA, a dissolucao: mas de duas uma, ou a agua passando pelas paredes do pello se despoja dos gazes aereos , ou 0 gaz in- terior, sendo de natureza particular, a agua, mesmo sa- turada de ar, tem ainda capacidade dissolvente para elle. Em quanto a experiencia directa 0 nao decidir, eu me inclino para a primeira supposicao ; isto é, que a agua, ao entrar, solta o ar atmospherico, e vai dissolver 0 gaz interior até saturar-se , ficando o excedente formando as bolhas de que tenho fallado. Quanto ao outro phenomeno, ou embebicao do pello, o facto é admiravel pela extrema rapidez com que isso se faz. Nao ha ahi seguramente rigorosa endosmose; tambem nao sei se a mera capillaridade o explica satisfactoriamente. O que porem @ mais que provavel, é que a embebicao se faz pelos dous sulcos espiraes, onde a membrana do pello é delgada. Isto tem logar igualmente a respeito dos vasos e cellulas no intimo dos tecidos, sempre que é necessario so- lidez, e a0 mesmo tempo movimento facil dos liquidos: por isso esses orgaos se ajuntam e se correspondem pelas partes adelgacadas , que permanecem no mesmo estado, quando no resto as paredes podem tomar grande espessura. Em tudo isto nao faco senao apresentar as minhas du- vidas, e chamar assim a attencao para este objecto. A natureza com admiravel sabedoria produz sempre com oS meios mais simples os effeitos mais variados. Temos visto que um dos usos destes pellos € o de transportar ao longe e dispersar as sementes; para isso os fez gazeiferos; mas fazendo-os ao mesmo tempo eminentemente hygroscopicos, prové a sua germinacao: porquanto, logo que as sementes caiam na terra, uma gotta d’agua, o sereno da noite bastara para os encher; e esta funceao, que deve ser continuada, fornecera agua bastante para entreter 0 processo germina- tivo. Seria curioso investigar-se todas as sementes, ou parte ESTRUCTURA E USOS-DE ALGUNS PELLOS. *.BN5 - dellas ; teria alguma cousa de analogo a este apparelho de absorpcao. Por minha parte tenho ja outra observagao, que vem em apoio desta idéa. As sementes da nossa Peroba ver- melha (Aspidosperma Peroba, Nobis), que, nao conformes - as das outras especies deste genero, tem uma aza oblonga e dirigida para baixo, sao de uma superficie lisa, mas que examinadas com attencao parecem cobertas dum pd mui subtil. (B. fig. 412). | Submettida a0 microscopio uma por¢ao da epiderme desta semente, os pontinhos lucidos, que tinham uma apparencia de po fino, engrandecidos manifestam sua estructura; sao vesiculas, quasi orbiculares ou oblongas, de paredes re- ticuladas, e formadas pelas cellulas da epiderme (fig. 23). Estas vesiculas sao evidentemente da mesma natureza que os pellos da Echites arborea; e convem nao esquecer que estas duas plantas tem grandes affinidades entre si, pois que pertencem ambas a mesma ordem natural. Aqui na Peroba as sementes, sendo providas de azas por meio das quaes podem suster-se no ar por algum tempo, os pellos nao tendo a preencher essa funccaio ficam em estado ru- dimentario , e destinados , como eu julgo, a servir de appa- relho da absorpcao durante a germinacao, sem que todavia deixem de auxiliar 0 seu vdo. Passarei agora de salto a objecto diverso, mas onde se achara estructura e funcedes identicas as que venho de -expor. As raizes aereas das Orchideas tem a superficie coberta de varias camadas de utriculos reticulados, formando a sub- stancia branca, secca e fungosa, que da um aspecto par- ticular a estas raizes (C. fig. 2%). Ora, sendo estes utriculos de estructura mui semelhante 4 das vesiculas epidermas da semente da Peroba (fig. 3), @ mais que provavel que tenham os mesmos usos ; pois que estas raizes sao verdadeiros 376 REVISTA. BRAZILEIRA. orgaos absorventes , com que taes plantas aereas bebem-na atmosphera agua para sua nutricao. A fig. 2° da uma idéa assis completa da. organisacao destas raizes: (d) mostra cellulas grandes oblongas, repre- sentando a medulla — (c) cellulas alongadas, no meio das quaes estao os fasciculos de tubos escalariformes (c’) repre- sentando a parte fibro-lenhosa da raiz — (b) tecido cellular cortical, por entre o qual se estende uma rede de vyasos la- ticiferos, de perfeita transparencia (b’)— (a) mostra as ca- madas de utriculos. absorventes , formando 0 envoltorio su- beroso. ; Nao achei aqui verdadeiras tracheas, que existem nas raizes de-varias plantas monocotyledoneas, mas unicamente yasos rajados ou escalariformes (fig. 47): por estes deve a seiva, ou liquidos absorvidos pelas raizes, ser levada ao corpo da planta, e o systema laticifero é provavelmente encarregado de trazer a nutricao ou seiva elaborada para a raiz. As raizes das Orchideas epiphyteas apresentam a singulari- dade de se dirigirem para o ar, em vez de tenderem para a terra (fig. 1*). Com que fim isto se faz? Tendo ellas de exercer suas funcedes no seio da atmosphera, o dirigirem-se para esta ou aquella parte lhes seria indifferente. Mas nao trago este facto senao para,fazer sentir quanto mal andaram os observadores, alias cheios de talento e perspicacia , como foram Knight e Dutrochet, quando procuraram por meio de experiencias descobrir a razao da tendencia das raizes para a terra; nao porque o objecto nao fosse digno de investi- gacdes, mas sim porque tanto valia indagar arazao da di- reccao da raiz para a terra, como a da do caule para 0 céo; e ainda mesmo o porque uma folha, torcido o ramo, ella por si se volta até offerecer o dorso 4 terra e a face ao ceo, O vicio principal destas tentativas esta no desejo de se attribuir 4 causas puramente physicas phenomenos vitaes , ESTRUCTURA E USOS DE ALGUNS PELLOS. 877 nos quaes é impossivel deixar de reconhecer-se uma. sorte “de instincto vegetal. Voltando ao nosso objecto, creio ter mostrado entre estes utriculos suberosos, ou epidermicos, e os pellos, muita ana- logia de estructura, e provavelmente de funccdes : e de tudo ja se pode deduzir que o uso principal dos pellos é a ab- “sorp¢eao d’agua, seja liquida, seja em vapor. Outras obser- “vacoes vem ainda reforcar esta opiniao: assim vemos que ‘elles se manifestam em tanta maior abundancia, quanto a ‘necessidade da absorpcao é mais urgente; uma planta ye- “getando em logar humido pode ser glabra, mas ella mesma “transportada para uma posicdo arejada e secca se cobrira logo de pellos mais ou menos bastos; as partes tenras, os ‘grelos das arvores, que precisam de muita agua para a sua “vegetacao , sao quasi sempre revestidos de pellos. -Emfim, se os pellos nao sao mais do que uma amplifi- caciio das cellulas epidermicas, cujo fim parece ser aug- “mentar a superficie absorvente , deve-se tambem concluir que a epiderme no seu estado normal tem tambem 0 mesmo uso: e quando ella se destrée nos caules idosos, € o tecido suberoso que a substitue como orgao absorvente. Isto supposto, julgo conveniente referir o que achei de singular na estructura da epiderme de algumas Cactaceas, @ que parece contrariar a opiniio que acabo de emittir. Tem essas plantas a superficie lisa, lustrosa, e como se fosse co- berta d@uma camada de céra. Submettidas ao microscopio apresentam a epiderme revestida de uma membrana assas espessa, consistente, e quasi cornea; ora perfeitamente lisa (D. fig. 4* a), ora com pequenas intumescencias conicas (fig. 2" a). Nao tive tempo de averiguar se esta membrana é um orgao distincto, ou cuticula epidermica, ou se era for- mada pelo encorpamento das paredes externas das cellulas da epiderme. Quanto ao seu uso, este orgao parece antes dever servir de obstaculo 4 sahida dos liquidos interiores , 378 _ REVISTA BRAZILEIRA. do que de orgao absorvente, bem que nao se possa asseverar _que elle nao seja susceptivel de embebicao. | Do que fica exposto, e do que se pdde deduzir por ana- -logia, parece-me que me sera permittido concluir que os pellos sao principalmente orgaos de absorpgao, apezar do diverso pensar de alguns autores, e dos mais modernos, dos quaes uns os consideram mais como orgaos exhalantes, outros ‘secretores, e alguns como simples partes protectoras. Nao foi porém com o intuito de sustentar esta opiniao que em- ‘prehendi este pequeno trabalho; mas sim para apresentar a idéa, que julgo nova, de funcgdes dos pellos, como auxiliares da germinaciao. No correr da penna deixei as vezes 0 meu fito principal , digressando sobre pontos, que bem que nao vinham para o assumpto, eram todavia suscitados por elle. Disso nenhum mal provém, além de certa irregularidade na exposigao ; ‘mas repito, nao tomo a peito tratar methodicamente destas materias. & de Julho de 1854. Francisco Freire Allemao. Aap OWUIO|IY ALO Pa Sinqeaye pa ap jdoup ay AML O Prot gyongAG Fig. Fig. qa 9a 3a 4a ESTRUCTURA E USOS DE ALGUNS PELLOS. 379 Explieacho da estampa. guaDRO — A — — Semente da Echites arborea, vista de face , e do tamanho natural. (a) hilo. (b) raphe. — Porcao da epiderme da mesma semente, con- servando alguns pellos. (a aa) bolhas de ar n’um pello cheio d’agua. — Porcao d’um pello, muito augmentada. — Porcao dum pello disposta para se observar a sua accao absorvente. (a a) bolhas de ar. guaDRO — B— — Semente de Peroba vermelha, de tamanho na- tural. — Parte da epiderme, muito augmentada. (a) epiderme. (b) utriculos reticulados, formados pelas cel- lulas da epiderme. QuADRO — C — — Caule e raizes aereas d’uma Orchidea epi- phytea. — Lamina delgada, cortada no sentido longi- tudinal e diametral da mesma raiz, repre- sentando sd metade. (a) Camadas de utriculos reticulados, ou ca- mada suberosa. 26 380 REVISTA BRAZILEIRA. - (b) Tecido cellular cortical (b’) vasos laticiferos. (c) Tecido cellular alongado. (c’) fasciculo de tubos escalariformes. (d) Tecido cellular medullar. Fig 3* — Utriculo suberoso, muito augmentado. -» 48 — Tubo escalariforme, muito augmentado. guapRo — D — Fig. 4° — Seccao transversal da epiderme d’uma Pe- reskia. (a) Cuticula, ou paredes externas da epi- derme. (b) Crystaes de forma estrellada. » 28® — Idem de outra Cactacea. (a) Cuticula, com eminencias conicas. PALESTRA SCLENTIFICA. EXTRACTOS DAS ACTAS DAS SESSOES. i* sessa0 em 25 de Junho de 1856. PRESIDENCIA DO EX™° SR. GONSELHEIRO CANDIDO BAPTISTA DE OLIVEIRA. No dia 25 de Junho de 1856, 4 uma hora da tarde, acham- se presentes em uma das salas da Escola militar os Srs. con- selheiros Candido Baptista de Oliveira e Antonio Manoel de Mello, Drs. Guilherme Schuch de Capanema, Francisco Freire Allemao, Manoel Ferreira Lagos, Frederico Leopoldo Cesar Burlamaque, e Manoel de Araujo Porto-Alegre. O Sr. Dr. Capanema, tomando a palavra, communica aos mesmos Srs. havel-os convidado para aquella reuniao, assim como aos Srs. Dr. José Mauricio Nunes Garcia e Ignacio Jose Malta, que por incommodos physicos nao poderam compa- recer, afim de fundarem uma sociedade com a denominagao de Palestra Scientifica, a qual se occupe do estudo das sciencias physicas e mathematicas, principalmente com ap- plicacdo ao Brazil; e faz em seguida uma allocugao demons- trando a urgente necessidade e incontestaveis vantagens que devem resultar dos trabalhos da sobredita sociedade. Concordando todos com as idéas do Sr. Dr. Capanema, declaram estarem promptos a fazer parte da nova associacao, 382 REVISTA BRAZILEIRA. e dispostos a concorrerem para a sua prosperidade e bom exito: entao o Sr. Dr. Lagos apresenta um projecto de Esta- tutos, Os quaes sao approvados sem emenda-depois de varias observacdes de alguns membros; e delibera-se que, segundo 0 estylo, se leve ao conhecimento do Governo Imperial a fundacao da Palestra Scientifica , remettendo-se igualmente uma copia da sua lei organica. Em observancia dos Estatutos approvados passa a occupar a cadeira da presidencia o Sr. conselheiro Candido Baptista de Oliveira, e é escolhido para secretario interino o Sr. Dr. Manoel Ferreira Lagos. Resolve a Palestra Scientifica que as suas sessdes sejam na primeira sexta-feira de cada mez em que houver reuniao do Instituto Historico e Geographico Brazileiro, devendo 0 Secretario avisar com antecedencia por escripto aos Srs. socios. 0 Sr. Dr. Capanema participa que se acha no prélo um novo periodico scientifico e litterario, com o titulo de Revista Brazileira , publicado por ordem e a expensas de Sua Ma- gestade o Imperador, e que 0 Mesmo Augusto Senhor se dignara permittir que nelle fossem impressos os trabalhos da Palestra Scientifica : 0 que foi ouvido com grande satisfacaio €& acatamento. Annuncia tambem o mesmo socio que 0 Sr. Dr. José Mau- ricio se occupa em preparar com todo 0 esmero uma col- leccao de craneos de diversos animaes, a qual tenciona offe- recer para 0 museu da Palestra. O Sr. Dr. Freire Allemao faz leitura da descripcao , acom- panhada dos respectivos desenhos, de duas arvores dos nossos bosques bastante conhecidas, e por elle classificadas como especies novas sob os nomes de Hyeronima alchornoides (vulgo, Urucurana), e Myrospermum erythroxylum (vulgo, Oleo vermelho) ; a primeira pertencente a familia das Euphor- biaceas, e a segunda 4 familia das Leguminosas. — Por Or i Ak Bie, * PALESTRA SCIENTIFICA. 383 decisao unanime resolve-se a publicagao destes dous impor- tantes trabalhos. ! Levanta-se a sessao as duas horas e meia da tarde. 2 sessao em fi de Julho de 1856. PRESIDENCIA DO EX™° SR. CONSELHEIRO ANTONIO MANOEL DE MELLO. Lida e approvada a acta da ultima sessao, o Sr. Dr. Malta desculpa-se de nao ter comparecido na reuniao precedente por motivo de molestia. O Sr. Dr. Freire Allemao apresenta e faz donativo a Socie- dade de diversos estudos seus sobre physiologia vegetal, que ja anteriormente havia lido perante a Sociedade Vellosiana. 0 Sr. conselheiro Mello communica acharem-se quasi _ concluidas as tabellas das suas observacdes meteorologicas pertencentes ao primeiro semestre do corrente anno, e que as entregara para serem impressas na Revista Brazileira , quando a Palestra assim o entenda. Segue-se depois uma longa discussao sobre diversos ob- jectos de historia natural que necessitam ser melhor estu- dados, visto as inexactiddes de que abundam a tal respeito as obras estrangeiras. Levanta-se a sessao as 2 horas da tarde. 3 sessao0 em Sde Agosto de 1856, PRESIDENCIA DO ILL™° SR. DR. FREDERICO LEOPOLDO CESAR BURLAMAQUE. E’ lida e approvada a acta da sessao precedente. 384° REVISTA BRAZILEIRA. Depois do expediente , o Sr. Dr. Capanema apresenta um microtomo de sua invencao para fazer seccdes tenuissimas, tio importantes no estudo da physiologia botanica e zoolo- gica, e estende-se em consideracdes sobre a utilidade e uso do mesmo instrumento, as quaes sao ouvidas com attencao. Achando-se a hora adiantada, o Illm° Sr. Presidente le- vanta a sessao. 4‘ sessno em 4 de Setembro de 1856. PRESIDENCIA DO ILL™® SR. DR. FRANCISCO FREIRE ALLEMAO. O Sr. Secretario faz leitura da acta da sessao antecedente, que é approvada. Por occasiao de communicar 0 mesmo Sr. que esta pro- cedendo a uma serie de experiencias sobre a forca toxica da serpente vulgarmente appellidada Jararaca preguicosa , o Sr. Dr. Freire Allemao faz algumas consideragdes verbaes sobre 0 Crotalus horridus, e principalmente a respeito dos cascaveis que rematam a cauda deste ophidio, e maneira com jue se reproduzem e se acham articulados uns nos outros ; e termina convidando ao Sr. Dr. Lagos que se entregue ao estudo desse objecto, visto possuir um exemplar vivo da- quelle terrivel reptil, recebido do Ceara, onde existem em grande abundancia, e causam muitas mortes, sobretudo na escravatura das fazendas. O Sr. Dr. Capanema apresenta 0 principio immediato que extrahira da arvore conhecida na Serra da Estrella pelo nome de Milho cozido (Lycania incana), em razao do cheiro da sua madeira, e passa depois a leitura da sua analyse da mesma substancia, 4 qual appellidou Lycanina. Levanta-se a sessao as 2 horas da tarde. PALESTRA SCIENTIFICA. 385 3 sessio em 14 de Novembro de 1856. Honrada com a Augusta Presenga de Sua Magestade o Imperador. PRESIDENCIA DO EX™° SR. CONSELHEIRO ANTONIO MANOEL DE MELLO. Approvada a acta da sessao antecedente, o Sr. Dr. Capa- nema lé uma extensa carta escripta de Copenhague pelo distincto zoologo o Sr. Dr. Reinhardt, director do Museu Real daquella capital , felicitando ao Brazil pela luminosa e feliz idéa de fazer explorar por uma Commissao scientifica, com- posta de engenheiros e naturalistas, o interior de algumas provincias menos conhecidas, e apresentando varias consi- deracdes sobre os logares que, segundo sua opiniao, devem ser visitados de preferencia, assim como acerca de diversos ‘ objectos que cumpre averiguar com maior cuidado. Ouvindo com a maior attencao a leitura da sobredita carta, resolve a Palestra que ella seja transmittida ao conheci- mento dos Srs. membros da Commissao scientifica explora- dora, € que se agradeca ao Sr. Dr. Reinhardt as suas lison- jeiras expressdes, como e nado menos 0 interesse que mostra pelo progresso deste paiz. O Sr. Dr. Lagos offerece um manuscripto original de Joao Manso, datado de S. Paulo em 17 de Novembro de 1798, dando conta de suas tentativas para a descoberta de salitre é minas de ferro naquella provincia. — Remettido ao Sr. Dr. Capanema para emittir 0 seu parecer a respeilto. O mesmo Sr. Dr. Capanema faz leitura de um trabalho sobre a Bohemeria nivea, demonstrando as vanlagens e pro- veito que no Brazil se péde tirar da acclimatagao deste vegetal; e termina com as suas observagoes acerca do pro- gresso de algumas mudas da referida planta que trouxe da Europa, e se acham plantadas na Serra da Estrella. 386 REVISTA BRAZILEIRA. O Sr. Dr. Burlamaque leu depois uma memoria sobre al- gumas rochas e mineraes de varias provincias do Imperio, recebidos no Museu nacional durante 0 anno de 1855. Levanta-se a sessao as 2 horas da tarde. 6 sessao em 12 de Dezembro de 1856. PRESIDENCIA DO EX™® SR. CONSELHEIRO CANDIDO BAPTISTA DE OLIVEIRA. E’ approvada a acta da sessao anterior. O Sr. Secretario, dando conta do expediente, lé o se- guinte : « Pela Secretaria de Estado dos Negocios do Imperio se remette 4 sociedade Palestra Scientifica, nao sd a copia do Decreto n. 1,820 de 13 de Setembro ultimo , que approvou os seus Estatutos, mas tambem a dos mesmos Estatutos. « Secretaria de Estado dos Negocios do Imperio, em 25 de Novembro de 1856.— Fausto Augusto de Aquar. » « Copia.—Decrete n. 1,820 de 13 de Setembro de 1856. — Approva os Estatutos da sociedade Palestra Scientifica , a qual tem por fim occupar-se do estudo das sciencias phy- sicas &€ mathematicas, principalmente com applicagao ao Brazil. « Attendendo ao que me requereu o conselheiro Candido Baptista de Oliveira, Hei por bem approvar os Estatutos da sociedade Palestra Scientifica, a qual tem por fim occupar- se do estudo das sciencias physicas e mathematicas, prin- cipalmente com applicacao ao Brazil. « Luiz Pedreira do Coutto Ferraz, do meu Conselho , Mi- nistro e Secretario de Estado dos Negocios do Imperio, assim 0 tenha entendido e faga executar. Palacio do Rio de Janeiro, em treze de Setembro de mil oitocentos e cincoenta e seis; oot te eee: me ee : , : j PALESTRA SCIENTIFICA. 387 trigesimo-quinto da Independencia e do Imperio.— Com a rubrica de Sua Macrsrape 0 IMprrRApor.— Luiz Pereira do Coutto Ferraz.—Conforme. Fausto Augusto de Aquiar. « Cdpia.— Estatutos da sociedade Palestra Scientifica : « Art. 1.° A Palestra Scientifica tem por fim 0 estudo das sciencias physicas e mathematicas, principalmente com ap- plicagao ao Brazil. « Art. 2.° Compor-se-ha de um numero indeterminado de socios effectivos, de honorarios, e de adjuntos corres- pondentes. « Art. 3.° Para ser admittido socio effectivo é mister, além de reconhecidos conhecimentos em qualquer dos ramos das sciencias physicas ou mathematicas, apresentar 4 Pa- lestra algum trabalho de lavra propria sobre o objecto de seus estudos. « Art. 4.° Serao considerados socios honorarios somente Os individuos respeitaveis por seu saber, que houverem pu- blicado trabalhos importantes sobre as sciencias de que se occupa a Palestra. « Art. 5.° O titulo de adjuntos correspondentes sera. con- ferido aquellas pessoas que fizerem algum donativo de valor para a bibliotheca ou museu da sociedade. « Art. 6.° O eseripto enviado por qualquer candidato 4 admissao de socio effectivo sera submettido ao juizo de uma commissao, cujo parecer sobre 0 merecimento do mesmo entrara em discussao para ser approvado ou rejeitado, pas- sando-se no primeiro caso a yotar por escrutinio secreto acerca da entrada do candidato. « Art. 7.° Ninguem sera admittido a fazer parte da socie- dade obtendo tres votos contrarios. « Art. 8.° Para socio honorario ou adjunto correspon- dente haverad tambem votacao por escrutinio secreto, mas 0 proposto sdmente sera recusado por maioria absoluta de / " oa hae 388 REVISTA BRAZILEIRA. votos dos membros presentes. No caso de empate, compete ao Presidente decidir. « Art. 9.° Toda a proposta para socio sera assignada pelo menos por dous membros, e nella sera claramente especi- . ficado 0 motivo da admissao. « Art. 10.° A commissao encarregada de julgar qualquer trabalho sera composta de tres membros, e nomeada pelo Presidente da sessio em que elle for apresentado. « Art. 11.° O parecer acerca de qualquer candidato ficara sobre a mesa por espaco de um mez, para que os membros da Palestra, querendo, possam examinal-o, « Art. 12.° Igualmente ficara sobre a mesa a proposta para socio honorario ou adjunto correspondente, afim de ser su- jeita a votacao na seguinte reuniao, salvo 0 caso de algum membro requerer urgencia motivada. « Art. 13.° Todo 0 socio effectivo contrahe a restricta obri- gacao de apresentar pelo menos um trabalho annualmente, e nao o cumprindo sera despedido da Palestra. « Art. 14.° O trabalho lido por qualquer socio passara tambem pelo exame de uma commissao especial , competindo a Palestra, a vista do mesmo, decidir se convém ou nao ser impresso. « Art. 15.° E’ permittido a qualquer pessoa estranha fazer \eitura perante a Palestra de algum trabalho, com prévio consentimento do Secretario. « Art. 16.° No.caso do trabalho sobredito ser bem aceito, ficara pertencendo 4 sociedade , que o fara imprimir no seu jornal , do qual dara vinte numeros ao autor. « Art. 17.° As sessdes da Palestra terado logar uma vez mensalmente, nos dias annunciados, excepto quando oc- correr algum motivo extraordinario, 4 vista do qual o Pre- sidente entenda dever convocar a reuniao. « Art. 18.° As sessdes serao publicas, e annunciadas pelos jornaes com tres dias de antecedencia. ee, a Me ee ee es ee PALESTRA SCIENTIFICA. 389. « Art. 19.° A Palestra nao tem presidente certo, mas sera presidida em cada reuniao pelo socio mais idoso, que regera. a sociedade até a sessao seguinte ,em que passara a pre- sidencia a outro, e assim por diante, até de novo lhe tocar a sua vez. « Art. 20.° Tera porém dous Secretarios, que serao per- petuos, um encarregado da correspondencia exterior, e outro da interior, da expedicao dos diplomas e das actas. « Art. 24.° Havera tambem um Thesoureiro eleito annual- - mente, a cujo cargo fica tudo quanto diz respeito a receita e despeza da sociedade. « Art. 22.° A eleigao para os dous Secretarios e para o Thesoureiro sera feila por escrutinio secreto, e so serao con- siderados como taes obtendo a maioria absoluta de votos dos socios presentes. « Art. 23.° No impedimento de algum dos Secretarios ou do Thesoureiro, sera nomeado pelo Presidente outro socio para servir interinamente. « Art. 24.° As despezas da sociedade serao feitas por co- tisacao entre os socios effectivos, a quem compete votal-as. « Art. 25.° A Palestra publicara um jornal, redigido pelos Secretarios, 0 qual nao sahira 4 luz em tempo determinado, mas sim quando houver materia. « Art. 26.° Os socios effectivos e honorarios tem direito a um exemplar das publicagdes da Palestra. « Art. 27.° Além da sua bibliotheca, composta de obras relativas aos estudos de que se occupa a Palestra , tratara esta tambem de organisar um museu de productos somente do Brazil. « Art. 28.° A Palestra resolvera sobre todos os casos nao previstos nos presentes Estatutos. « Art, 29.0 Depois de approvados, os actuaes Estatutos so -poderao soffrer alteraca’o no fim de tres annos da fundacao aS 390 REVISTA BRAZILEIRA. da sociedade, e para que ella se dé é necessario ser votada por dous tercos dos socios effectivos. « Art. 30.° Os presentes Eslatutos serao impressos, e um exemplar subira 4 presenca do Governo Imperial. « Rio de Janeiro, 25 de Junho de 1856.—Conforme. Ma- noel Ferreira Lagos, Secretario.—Conforme. Fausto Augusto de Aguiar. » O Sr. Dr. Capanema occupa a attencao da Palestra com a leitura de um trabalho sobre a materia corante do Ipé, e faz verbalmente varias observacdes em additamento as suas ex- periencias relativas ao mesmo objecto. Levanta-se a sessao 4 hora e meia da tarde. 27 sessa0o em 5 de Junho de 1857. PRESIDENCIA DO EX™® SR. CONSELHEIRO ANTONIO MANOEL DE MELLO. E’ approvada a acta da sessao precedente. O Sr. Dr. Capanema lé o seguinte parecer: « O manuscripto offerecido 4 Palestra pelo nosso consocio o Sr. Lagos, em sessao de 14 de Novembro ultimo, vem a ser um Officio original de Joio Manso, dirigido de S. Paulo a D. Rodrigo de Souza Coutinho em 17 de Novembro de 1798. « No principio da Joao Manso conta da viagem infructi- fera que fizera a Sorocaba e Porto Feliz 4 procura de salitre ; consigna o facto que morria 0 gado que se ia cevar no barreiro de Inhapopundava ; a tradigao da existencia de sal marinho na vizinhanca de Porto Feliz; e que encontrara — potassa (alcali vegetal) em Forte Santa. Pelos exames que: fizera em barros mandados vir de todas as villas da provineia, achou algum salitre n’uma amostra remettida da villa de — PALESTRA SCIENTIFICA. 391 Castro. Mais adiante da Joao Manso algumas idéas sobre formacoes de nitreiras, que abonam o seu saber em chimica, sobretudo naquelle tempo (ha 60 annos). « Da tambem conta das minas de ferro que visitara, nega a existencia deste em Arrassicaba, mas recommenda o do morro da Penha, de que vira amostras, eo do Arasayaba que examinara: refere-se a uma representacao que da noticia de uma fabrica alli erigida trinta e quatro annos antes: indica porém outro mais vantajoso por causa da maior abun- dancia. Igualmente menciona a existencia de pedra iman, e num dos grupos do Arasayaba falla em duas escavacdes que encontrara, sem saber para-o que foram feitas (eram talvez para procurar a prata, que outr’ora se dizia haver na- quella paragem). Analysou o ferro, o qual achou tao bom como o de Dannemora, sem mistura de arsenico ou enxofre: transformou parte delle em aco. . : « QO unico inconveniente que Joao Manso encontrou para _ produccao economica de bom ferro foi a carestia dos tra- . balhadores, que ganhavam 100 réis por dia! « Elle protesta ja naquelle tempo contra 0 abominavel uso das derrubadas, e recommenda ao governo que mande con- servar as mattas, pelo menos seis leguas em torno da mon- ‘tanha, para poder-se obter 0 carvao necessario. « Vemos pois recommendada com conhecimento de causa e com sabias medidas em 1798 a construccao da fabrica de Ypanema ao mesmo D. Rodrigo de Souza Coutinho, que doze annos depois, sendo conde de Linhares, a fez co- mecar. « Joao Manso nega a existencia (lo estanho, chumbo, -ouro e prata, que tinham denunciado ao governo: talvez fosse uma mystificacao , como ainda ha poucos annos se deu, tendo um individuo mandado de Santa Catharina granito sem vestigio de mineral metallico (salvo o ferro da mica), com amostras de estanho que pretendéra ter tirado delle. 392 REVISTA BRAZILEIRA. « Joao Manso refere as experiencias que fizera com pyrites de Taboaté (Taubate?), villa distante sé vinte leguas de Ubatuba, e delles extrahiu 12 1/2 °/, de enxofre, bom ferro, vitriolo e pedra-hume: elle recommenda ao governo que mande trabalhar essa mina, ainda mesmo com prejuizo , na esperanca de se encontrar na vizinhanca algum deposito de carvao de pedra, de que elle espera tirara 0 paiz im- mensas vantagens, e quando mais nao fosse , segurar a exis- tencia das fabricas de assucar , que se fecharam por falta de combustivel. Oxala se tivesse dado ouvidos a tao uteis conselhos! teriamos talvez acido sulphurico, que nos vem da Europa pagando um frete exorbitante , por um prego ra- zoavel, e mais adiantada estaria por certo a industria. « Termina o officio com a promessa de ir respondendo as ordens que recebéra, 4 medida que as fosse executando. Joao Manso mostra-se homem de conhecimentos muito ele- vados para aguella epoca, e 0 que mais é, homem conscien- cioso: por isso julgamos que seria util procurar todos os trabalhos que delle se possam aleancar, afim de que sejam publicados, pois poder-se-ha colher delles muitas informa- cdes uteis, e ao mesmo tempo rehabilitar-se 0 merito scienti- fico de um Brazileiro, que no pensar de muita gente nao passava de um habil oleiro.— Guilherme Schuch de Capa- nema. » ‘ O mesmo socio apresenta o desenho, acompanhado da — respectiva descripcao, da qual faz leitura, de uma nova | especie de alga ainda nao classificada, denominando-a — Protococcus (Heematoccocus) mammillosus. Antes de encerrar-se a sessao, 0 Sr. Secretario lembra que estando a chegar a fragata Novara, conduzindo a Com- missao scientifica encarregada pelo Governo Austriaco de executar uma viagem em roda do mundo, julgava conveniente convidar os sabios membros da referida expedigao para assis- tirem as sessdes da Palestra. Foi unanimemente approvado. ae ee i $ é > - PALESTRA SCIENTIFICA. 393 Levanta-se a sessao a uma hora e tres quartos depois do meio dia. 8 sessao em 22 de Agosto de 1857. PRESIDENCIA DO ILL™° SR. MANOEL DE ARAUJO PORTO-ALEGRE. Além de varios socios, acham-se presentes os Srs. Drs. Scherzer, Hochstetter, Frauenfeld e Zelebor, membros da ~Commissao scientifica austriaca. Em conformidade dos Estatutos , occupa a cadeira da pre- sidencia 0 Sr. Manoel de Araujo Porto-Alegre. Approvada a acta da sessao precedente, o Sr. Secretario offerece os seguintes manuscriptos originaes : Memoria sobre as antigas lavras de ouro da Mangabeira (na provincia do Ceara), escripta pelo Dr. naturalista Joao da Silva Feijé; Informacao dada em 1798 ao vice-rei conde de Rezende por Joao Alberto de Miranda Ribeiro, sobre as qualidades de linho que ha na ilha de Santa Catharina, com a noticia do tempo em que se plantam, do seu crescimento e colheita, etc. ; dous officios dirigidos em 1788 ao vice-rei Luiz de Vas- concellos e Souza, pelo superintendente Manoel Pinto da Cunha e Souza, dando conta e remettendo varios docu- mentos acerca de tentativas mineraes no Rio Negro. Foi en- carregado o Sr. Dr. Capanema de dar o seu parecer sobre os tres manuscriptos. O mesmo Sr. Lagos apresenta tambem alguns exemplares impressos das Instruccdes dadas pelo Governo Imperial 4 ~Commissao scientifica incumbida de explorar o interior das provincias do Brazil menos conhecidas, os quaes foram distribuidos. 0 Sr. Dr. Capanema offerece um vocabulario (inedito) francez , coroado e puri, organisado em 1850 pelo viajante | 394 REVISTA BRAZILEIRA. H. R. F. des Genettes.— Ao socio Sr. Malta para emittir 0 seu juizo a respeito. O Sr. Dr. Frauenfeld offerta os sete folhetos seguintes, sobre zoologia, produccao de sua penna: 41° Die Gattung Carychium, com uma estampa; 2° Die Linsengallen der os- terreichischen Eichen. Ein Versuch zur vergleichenden Be- schreibung der Gallengebilde, com uma estampa; 3° Bertrage zur Naturgeschichte der Trypeten nebst Beschreibung einiger never Arten, com uma estampa; 4° Ueber Raymondia Fr., Strebla Wd. und Brachytarsina Mcq. ; 5° Ueber die Paludinen - | aus der Gruppe der Paludina viridis, Pow., com uma es- tampa; 6° Uber eine neue Flhegengattung : Raymondia , aus der Familie der Coriaceen, nebst Beschreibung zweier Arten derselben, com umaestampa; 7° Beitrag zur Fauna Dal- matien’s. — Recebidos com muito especial agrado. O Sr. conselheiro Dr. Antonio Manoel de Mello apresenta os quadros de observacdes meteorologicas feitas no Imperial Observatorio, de 1854 a 1856, com os desenhos das curvas de iguaes alturas tanto do thermometro, como do barometro e hygrometro. O Sr. Dr. Capanema continua a leitura , comecada na sessao anterior, da sua descripcao das Algas brazileiras nao conhe- cidas, occupando-se de uma nova especie, que appellidou Protococcus velutinus. O Sr. conselheiro Candido Baptista communicou um addi- tamento 4 sua formula, ja publicada, sobre determinacao de latitude sem conhecimento de declinacgao, generalisada agora de modo que hastam tres alturas da mesma estrella , qualquer que esta seja, observadas em tres differentes pontos — da sua excursao diurna, & vontade do observavor. — To- mando o giz, o illustre mathematico explicou na pedra 0 seu novo methodo. O Sr. Dr. Lagos propoz para socios da Palestra os Srs. membros da Commissao scientifica austriaca , a saber: com 3 4 ’ 7 : 2 * me : ¥ Oe ae eee eee ee 7” —-- PALESTRA SCIENTIFICA. 395 modore Bernardo de Wullerstorf-Urbair, Dr. Carlos Scherzer, Dr. Fernando Hochstetter, Dr. Jorge Frauenfeld, Dr. Eduardo Schwartz e Joao Zelebor. — Unanimemente approvados. Antes de terminar a sessio, o Sr. Porto-Alegre dirigiu em francez as seguintes expressdes aos sabios Viajantes pre- sentes : -« Senhores.—Encerrando esta sessio da Palestra Scienti- fica, é do meu dever testemunhar, em nome de meus col- legas, a grande satisfacio que tivemos com a vossa illustre companhia, e na respectiva acta faremos inserir vossos nomes como uma recordagao duradoura deste feliz encontro. Bas- tante sinto que nossas reunides periodicas nio possam con- linuar a ser honradas com vossa presen¢a e illustradas por vossas luzes.... mas ah! em breve desta allianca transitoria apenas nos restara o reconhecimento e aquella doce lem- branca que chamamos saudade , para consolar-nos de vossa ausencia. « Nos vos desejamos , como irmaos, uma prospera viagem, € conquistas scientificas que augmentem o circulo dos conhe- cimentos humanos e o dominio da intelligencia, dessa patria celeste que fraternisa a todos os que admiram nas obras da creagao o Creador. « Da mesma maneira que aquelles que sé amam se en- contram a uma hora marecada no espaco olhando para um asit0, nds nos encontraremos fitando a vista n’uma pagina de nossos trabalhos reciprocos. « Viestes como hospedes, e vos ausentais como irmaos. » O Sr. Dr. Scherzer respondeu: « Senhores.— Acceito com o maior prazer em meu nome, € em nome de meus collegas, 0 favor com que vos dig- nastes nomear-nos membros de vossa Sociedade scientifica. « Aproveito esta occasiao para vos agradecer mui sincera- mente o bom acolhimento que nos preparastes nesta capital, Na verdade, custa-me a acreditar que me acho a algumas 27 396 REVISTA BRAZILEIRA. mil leguas distante de meu paiz, de minha familia , de meus amigos; por vossa amizade e attencdes nos fizestes esquecer que o grande Oceano nos separa de nossa patria! « Senhores! Em quanto a munificencia de nosso monarcha nos chama a fazer a viagem em roda do mundo, para fins scientificos, vos nao seguis um rumo menos invejavel, ex- plorando algumas provincias de vossa vasta patria. KE’ a vos, Senhores membros da Commissao scientifica , que coube des- cobrir segunda vez para a sciencia as terras do Brazil ainda completamente desconhecidas; ¢ a vos, Senhores, que com- pete tornar-vos bemfeitores de vossa patria, patenteando os thesouros dispersos no solo abencoado do Brazil, abrindo essas terras com suas riquezas innumerayeis & sciencia, ao trabalho, ao commercio ! « NOs sd aspiramos a ser collaboradores em vossos tra- balhos, a trocar a nossa volta os resultados de nossas pes- quizas, de nossas investigacdes e exploragdes , e continuar a entreter sempre as mais amigaveis relacoes comyosco e com vosso bello paiz, por cuja prosperidade e bem-estar fazemos os mais sinceros votos! » Levanta-se a sessio as duas horas da_ tarde. 9 gessho em ff de Novembro de 1857. PRESIDENCIA DO ILL™® SR. DR. FRANCISCO FREIRE ALLEMAO. I’ approvada a acta da sessao anterior. O Sr. Secretario, dando conta do expediente, leu um officio do Ex™e Sr. conselheiro Candido Baptista de Oliveira, parti- cipando nao poder comparecer em consecuencia de se achar incommodado, 0 que bastante sentia, pois desejava apre- | sentar um trabalho, a que liga alguma importancia pratica ; a saber; « a determinacio dos limites da differenea entre - ae PALESTRA SCIENTIFICA. 397 uma distancia lunar apparente, e a distancia verdadeira, deduzida dos dados da observacio. » Accrescentou o mesmo socio que offerecendo esse unico objecto materia para em- pregar o tempo de uma sessao inteira, pedia uma reuniio da Palestra na proxima semana, se nisso concordassem os seus collegas, afim de fazer a exposicao do referido trabalho. — A Palestra vota unanimemente que se satisfaca 4 justa re- quisicao do seu sabio e laborioso membro. Foram tambem lidos os dous seguintes officios : Traduc¢ao do francez.— « Ao Sr. Dr. Manoel Ferreira Lagos, Secretario da illustre sociedade Palestra Scientifica. Rio de Janeiro, fragata Novara, 30 de Agosto de 1857.— Sr. Seere- lario! Extremamente agradavel é para mim poder exprimir- vos, Sr. Secretario, todo o meu reconhecimento pela. no- meacgao com que a illustre sociedade Palestra Scientifica se dignou honrar-me. « Ufano-me do titulo de membro correspondente dessa illustre Sociedade, e tanto mais satisfeito me acho com tal nomeacao por isso que tenho, de alguma maneira, a possi- bilidade de me fazer recordar por aquelles que neste bello paiz despenderam tanta bondade para comigo e mais mem- bros da expedicao que tenho a honra de dirigir. « Rogo-vos, Sr. Secretario, 0 obsequio de communicar a illustre Palestra Scientifica, nado s6 os meus agradecimentos, como o desejo de me tornar util a uma associacio cujo fim 6 0 progresso das sciencias. espargindo luzes sobre um paiz onde Deos accumulou todas as riquezas deste mundo. « Acceitai, Sr. Secretario, a seguranca da minha mais alta consideracao.— O commodore, commandante da expedicio a bordoda fragata de S. M. I. R. A. la Novara, Wut- LERSTORE. » Traduceao.— « Rio de Janeiro, 30 de Agosto de 1857,.— Senhor! Agradeco-vos mui sinceramente a honra de ter sido nomeado membro da Palestra Scientifica. KF’ sobmente uma 398 REVISTA BRAZILEIRA. continuacao das attencdes e amizade com que soubestes embellecer nossa estada em vossa hospitaleira capital. « Retiramo-nos todos, eu vos asseguro, penetrados da mais alta veneracao pelo illustre Protector das sciencias e das artes, esses importantes agentes para elevar um povo nascente ao cumulo da civilisacao do seculo! Retiramo-nos fazendo os mais sinceros votos pela prosperidade e progresso de vosso bello paiz! Que nao esteja longe o dia em que 0 Brazil , cortado em todos os sentidos por boas estradas e ca- minhos de ferro, seus rios navegados por barcos a vapor, suas terras ferteis, mas desertas, povoadas por uma emi- gracao intelligente elaboriosa, apresente ao mundo o especta- culo sublime de um paiz o mais rico, o mais prospero, o mais feliz do globo ! « Rogo-vos de ser 0 interprete de meus sentimentos, que sao igualmente os de meus collegas. perante a Palestra Scientifica, e que de nds conserveis tao boa lembranga como a que conservaremos sempre de vs todos, de vossas ama- bilidades, e de vossos servicos amigaveis. « Aceitai, Sr. Seeretario, os protestos da mais alta conside- racao de vosso dedicado amigo e criado —Dr. Karl Scherzer. — Ao Sr. Dr. Lagos, ete. , ete. » O Sr. Dr. Freire Allemao apresentou o desenho, acompa- nhado da respectiva descripcao, da arvore vulgarmente deno- minada Bainha de espada , pertencente a ordem natural das Artocarpeas, e proposta por elle como typo de um novo genero. O Sr. Dr. Capanema passou a ler algumas observagdes e notas geologicas sobre o retrocesso do mar na costa do Brazil. Levanta-se a sessao as 2 horas da tarde. _—s i -A ge eee ee ere PALESTRA SCIENTIFIGA. 399 10° sescao em 23 de Novembro de 1937. Hlovrada com a Augusta Presenga de Sua Magestade o Imperador. PRESIDENCIA DO EX™°® SR. CONSELHEIRO ANTONIO MANOEL DE MELLO. Ao meio dia, achando-se presentes todos os Srs. socios, a excepcao dos Srs. Dr. Freire Allemao e Malta, que nao po- deram comparecer, 0 primeiro em consequencia de achar-se ausente da corte, e o segundo por incommodos physicos , 0 Sr. conselheiro Antonio Manoel de Mello abriu a sessao, 4 qual tambem assistiram o Ex™° Sr. Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Guerra, Director da Escola militar, varios lentes da mesina, e outras notabilidades scientificas. Depois de approvada a acta da sessio anterior, o Sr. Dr. Lagos , dando conta do expediente, fez leitura de uma carta gue lhe fora dirigida de Nictheroy pelo Sr. Joaquim Harris , acompanhando a remessa de uma lagarta em cujo abdomen se desenvolvéra com vigor um cogumelo.— Recebida com especial agrado, e foi mandada conservar no museu da So- ciedade. O mesmo socio mostrou a Palestra varias preparacoes ichthyologicas por elle perfeitamente conservadas, commu- nicando tambem estar colligindo e classificando as diversas especies de peixes que habitam no interior desta bahia, e que em tempo opportuno offerecera para 0 museu da So- ciedade a sobredita colleccao. O Sr. Dr. Capanema offertou uma copia das Taboas de Kobell para determinacao dos mineraes, por elle traduzidas para uso dos alumnos da Escola militar desta cérte ; e fez em seguida uma exposicao do seu novo methodo para analyse da polvora. O Sr. conselheiro Candido Baptista de Oliveira, depois de 400 REVISTA BRAZILEIRA. passar em resenha o processo e formulas usadas na determi- nacio das distancias lunares , que se empregam no calculo das longitudes terrestres, indicou 0 meio pratico de ave- riguar se os principios dados da observagao se acham cor- rectos, antes de instituir sobre elles o calculo das formas. Demonstrou depois disso que a differenga entre as dis- lancias apparente e a verdadeira @ comprehendida dentro de determinados limites; podendo na maior parte dos casos predizer-se 0 sentido dessa diflerenga, isto ¢, para mais ou para menos, em relacao a qualquer das duas distancias. E terminou o illustre socio a sua exposicao apresentando uma nova formula destinada a verificar os resultados obtidos pelas formulas que dao directamente a grandeza da distancia geocentrica, ow a verdadeira entre a lua e o outro astro observado. Levanta-se a sessio 4s 3 horas da tarde. eT SS ES COMMISSAO SCIENTIFICA RELATORIO APRESENTADO AO INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAPHICO BRAZILEIRO Pelo Sr. Dr. G. S. de Capanema NA SESSAO PUBLICA ANNIVERSARIA DE 15 DE DEZEMBRO DE 1857 Senhores.— Tendo partido do Instituto Historico e Geogra- phico Brazileiro a proposta para que sejam exploradas scien- tificamente algumas provincias do Brazil menos conhecidas , e havendo o Governo Imperial encarregado ao mesmo Insti- tuto, por avisos de 30 de Junho e 1° de Outubro do anno proximo findo, de formular as instruccoes e indicar as pessoas que por suas habilitagdes lhe parecessem nas circumstancias de bem desempenhar a projectada expedicao scientifica , julgo um dever informar-vos do andamento dos preparativos indispensaveis para a realisacao de tao util idea. O Ex"? Sr. conselheiro Luiz Pedreira do Coutto Ferraz , entao Ministro do Imperio, escreveu-me para que me in- cumbisse da acquisicao dos objectos necessarios & Commissao exploradora. Prestando-me de boa vontade a (ao honroso convite, dirigi as encommendas dos instrumentos aos prin- cipaes fabricantes de Franca, da Inglaterra e da Allemanha, conforme a especialidade em que cada um tem adquirido fama: assim, mandei fazer os apparelhos geodesicos pelos successores de Frauenhofer em Munich; os instrumentos magnelicos por Meyerstein, que trabalhou continuamente para Gauss e Weber, e foi mais tarde recommendado pelo general Sabine de Londres, o qual confessou que seriamos 402 REVISTA BRAZILEIRA. melhor servidos por aquelle mecanico do que por qualquer outro na Inglaterra. Os microscopios vem de Pléssl de Vienna, pois pela ex- periencia que temos 6 mesmo superior a Oberhauser de Paris. Os apparelhos meteorologicos foram pedidos de di- versos logares, e tambem os de analyses chimicas que devem. ser feitas sem demora. Os vidros para conservacao de objectos zoologicos em liquidos foram mandados fabricar sob a direccao dos chefes. das seccdes do museu de Vienna, os quaes estao perfeitamente habilitados para nos aconselhar neste genero, pois tem 4 vista as numerosas colleccdes de Mikan, de Pohl, e principalmente de Natterer, que residiu 47 annos entre nds, colligindo somente para aquelle museu. - Os apparelhos para as sondagens, a que tem de proceder a seccao geologica na provincia do Ceara, foram encom- mendados a Degoussé, que ha longos annos se occupa es- pecialmente deste importante ramo. Pedi ao Sr. conselheiro Pedreira que aproveitasse a estada na Europa dos dous membros da Commissao scientifica , os Srs. Drs. Giacomo Raja Gabaglia e Antonio Goncalves Dias, encarregando-os de vigiar as encommendas, e de comple- tarem, do melhor modo que lhes parecesse, a relagao dos abjectos pertencentes as suas respectivas seccdes , tendo em vista que 0 Governo Imperial resolveu fornecer aos membros da expedicao tudo quanto solicitem para o seu desempenho, afim de podel-os responsabilisar pelos resultados. Pedi igual- mente a S. Ex® se dignasse confiar ao autor da proposta da expedicao, o nosso distincto consocio o Sr. Dr. Lagos, a acquisicao dos objectos que se pudessem obter nesta cérte com mais vantagem, quer em relacao a sua melhor quali- dade, quer ao seu preco: S. Ex* teve a bondade de annuir a esta requisicao, facilitando-nos logo todos os meios. Em virtude da autorisacao dada por aviso do Ministerio do Imperio de 19 de Fevereiro do corrente anno, o Sr. Dr. 2 : COMMISSAO SCIENTIFIGCA BRAZILEIRA. 403 Lagos mandou fazer barracas apropriadas ao paiz, escolheu armas para caga e sua competente municao, ferramentas , utensilios, ingredientes para as preparacdes zoologicas, e muitos outros artigos, cuja longa lista nao cabe aqui, tanto para uso de cada uma das cinco secedes em particular, como da expedicao em geral. Escusado é dizer que se nao esqueceu dos melhores agentes therapeuticos, e em quantidade sufficiente para que os me- dicos empregados na expedicao possam prestar os soccorros da sua arte nos logares onde houver falta de taes recursos. Tudo se acha prompto e encaixotado para seguir viagem , no que elle empregou 0 maior cuidado e seguranca, nao se poupando a trabalho algum, e attendendo ainda 4 economia na compra dos objectos ; por esta razio mandou vir alguns da Europa, cujo prego é aqui exorbitante , como por exemplo, o sulphureto de carbono, que se vende a 48000, chegou de Franca a 240 rs.! Por ordem do Ex" Sr. Ministro da Marinha, nos forneceu © respectivo arsenal espingardas , pistolas revolvers, sabres, polvora, balas, etc., para defesa da expedicao, no caso de ser assaltada nos sertdes por qualquer tribu de indigenas, das quaes todavia so fara°uso no ultimo recurso. Ja chegou dos Estados-Unidos uma candéa portatil de gamma elastica, destinada para o exame de rios e lagéas nos lo- gares onde nao houver vehiculos de especie alguma, @ seja difficil e vagarosa a construcgao delles. Igualmente re- cebemos as sondas para 0s pocos artezianos, os bocaes para conservacao dos productos zoologicos, os microscopios, elec. Os chronometros, devidos a habeis artistas da Inglaterra, ja foram verificados e entregues ao Sr. Dr. Gabaglia. Os livros encommendados para os trabalhos da Commissao nao tardam a chegar , e seu numero é bastante consideravel, apezar de somente pedirmos as obras indispensaveis e que se nao encontram nas bibliothecas publicas desta cidade, le- 4O4K REVISTA BRAZILEIRA. vando mesmo em conta as possuidas por particulares, e de que temos conhecimento: por isso deixamos de pedir as esplendidas publicaedes de Humboldt ec Bompland, de Spix e Martius, de Pohl, de Saint-Hilaire, e de outros autores existentes na Bibliotheca nacional e na do nosso Instituto ; e bem assim as obras de Reaumur, Olivier, Schoenherr, Fa- bricius, Guérin-Méneville, Meigen, Macquart, Déjean, e muitas outras bellas monographias que possue 0 nosso amigo e companheiro da expedicao o Sr. Dr. Lagos, em cuja ex- cellente bibliotheca se encontra tambem as preciosas collec- codes completas dos Annaes da Sociedade Entomologica de Franea, das Suites a Buffon publicadas por Roret, a Historia natural dos peixes, por Cuvier e Valenciennes, etc., ete. Relativamente a jornaes scientificos, poucos se pediram por ora, para nao avultar a despeza; porem as series completas de muitos sio de absoluta necessidade, pois nellas se acham insertas numerosas memorias de importancia sobre a geo- graphia e historia natural do Brazil, e cumpre que a Com- missio esteja em dia com esses trabalhos, para nao dar o triste espectaculo de isolamento scientifico e oa do que se tem escripto sobre 0 proprio paiz. O chefe da secgao astronomica requisitou autorisagao , que lhe foi concedida, para engajamento de um operario encar- regado de concertar, no caso de desarranjo , os instrumentos mathematicos da expedicio, 4 qual elle deveré acompanhar munido dos competentes apparelhos e ferramenta. Finda a commissao, esse artista sera de grande utilidade aqui no Rio de Janeiro, onde nao the faltara trabalho, cuidando dos instrumentos do observatorio astronomico, da repartic¢ao das lerras publicas, da escola militar, da academia de marinha, elc., que hoje ficam perdidos por falta de quem os concerte capazmente. Os instrumentos geodesicos sao hoje a causa da demora da partida da expedicio; foram promettidos para meiado ‘, COMMISSAO SCIENTIFICA BRAZILEIRA. 4ODS de Fevereiro proximo futuro, e duvidamos que a promessa seja cumprida : temos pratica neste assumpto , e conhecemos a grande difficuldade que ha em obter bons instrumentos de constructores acreditados, que nao os deixam sahir de suas officinas sem os haver antes conscienciosamente veri- ficado e corrigido, e determinado com a maior exactidao os coefficentes das quantidades constantes com que se tem de entrar em caleulo tendo por argumento as observacoes. SO assim poderam alcanear celebridade, e conservam desde longa data o seu credito, os nomes de Ramsden , Troughton, Dollond, Repsold, Ertel, as officinas da Escola polytechnica Viennense, elc. Concebe-se tambem que homens dessa plana nao se cansam em fazer instrumentos para armazenar ;. li- mitam-se unicamente a execular as encommendas que re- cebem. e€ mesmo a essas dao vasao muitas vezes por seu turno: assim Dollond levou cinco annos para dar os instru- ~ mentos do nosso. observatorio ; e quanto aos theodolitos para a Commissio de limites do Sul, foi necessario recorrer aos tribunaes afim de que fossem entregues quatro mezes depois do tempo promettido. A Escola polytechnica linha annunciado nos jornaes que por espaco de um anno nao receberia encommenda alguma, e sd por muito obsequio acceitou alguns pequenos pedidos nossos. Nao se julgue que taes delongas se restringem mera- mente as encommendas brazileiras. O observatorio de Green- wich mandou fazer em Munich uma objectiva para um te- lescopio , a qual lhe foi entregue passados cinco annos, Muita gente, mesmo sensata, estranha que se nao tenha comprado instrumentos ja promptos, os quaes se encontram no mercado em quantidade: observaremos que esses sao _ proprios para pilotos, que nao carecem de grande exactidao ; - porém trabalhos como os que se exige da Commissao explo- radora devem reduzir os erros inevilaveis ao minimo , porque elles se multiplicam, e no fim de algumas leguas podem 4O6 REVISTA BRAZILEIRA. fornar inuteis as observacdes. Além disso, ja la se foi o tempo em que um Eschwege inventava “Fpl: dizendo: « Quem as verificara? » Accrescentaremos finalmente que a anoxia é nossa, € menos no Brazil do que na Europa, onde a no- ticia da Commissao exploradora foi muito bem acolhida: sirva de prova, alem de varios artigos nos periodicos, o trecho de uma carta do sabio presidente da Academia das sciencias do Instituto de Franga, o Sr. Izidoro Geoffroy Saint-Hilaire, que se exprimiu nos seguintes termos: « O Instituto recebeu com viva satisfacao a noticia da nomeacao de uma Commissao exploradora no Brazil, e ex- primiu por parte da sciencia a sua gratidao para com um mo- narcha que mostra tanto interesse em promover Os progressos della no seu imperio. » Rio de Janeiro, 4 de Dezembro de 1857. Dr. GUILHERME ScHUCH DE CAPANEMA. a. POESIA 0 GIQUITIBA DA SERRA DE SANTA ANNA. SSD BRASILIANA DEDICADA AO DR. FRANCISCO FREIRE ALLEMAOQ. I. Quando o Tolteca do polar deserto Para o gremio do sol movéra 0s passos ; Quando Hobo cruel, a luz do Cancer, No imo ardente calcinava a iifancia, Como outr’ora em Carthago o deus Saturno ; Quando Colombo os deltas do Orinoco Ovante perlustrava, ja 6 Tamoyo No pino altivo do virente monte Teu vulto contemplava , dominando O flanco alpestre do Tingua fronteiro , E os valles, e as collinas, e as planicies. E o campo azul do dilatado Oceano, Que ao longe empanam duvidosas nuvens, Labeo do fraco que aspirava o mando Teu cimo fora, quando a tribu acephala Trocava © sceptro pela flecha alada, Que em recto surto no teu cimo ingente Abatia o colibrio variavel , Entre as flores mimoso bandoleiro. 408 REVISTA BRAZILEIRA. II. A mio do colono, o ferro empunhando , Da obra do tempo ignara zombando, — No chao baqueou O filho da terra, ‘Tiffio da espessura Que ao gremio do sol altivo elevou A nobre estatura. De sobre a montanha florida atalaia, — Co’a fronte media dos longes a raia; Seu porte avistava Saudoso tropeiro, que as horas da calma Contente, risonho, alli repousava, Creando nova alma. As leguas cansadas, ea base do céo Coberta de nuvens, de cérulo véo, Brioso media ; Seu passo dobrava, dobrava a pujanca, Que_o grande madeiro, seu hospite e guia Lhe dava esperanca. Aquelle que 0 raio nao pode vencer O vimos ao braco de um bruto ceder: Das nuvens cahiu O fero gigante, outr’ora tio fausto ! A flamma seu vulto a po reduziu Km grande holocausto. No flanco da rocha batendo medonho A rocha no rio rolou como um conho ; O céo borrifaram As aguas do valle em franjas ardentes, Nee . O GIOUITIBA, E as ondas curvando alli rebentaram Ruidosas, frementes. Assim cascavel na relva escondida Assalta o cacique, devora-lhe a vida; . O rei desconhece , E lanea por terra tao grande entidade, A gloria aniquila, os louros fenece E a magestade ! IHL. Como um gigante horripilado, as auras Co’a fronte hirsuta, serpeando os bracos, Eu o vi na montanha: a copa excelsa Floreava ao tufao, nuvens cardando : E do monte surgia, qual se eleva Desmedido condor supino aos Andes. Nunca 0 vigia da mourisca plaga Mais alto se elevou, nem campanario Que o Rheno mede da altaneira grimpa, E Waguia alpina se equipara ao vdo. Rei da montanha, amesquinhava o bosque , Quando, supino, no ambiente lucido Sombreava o perfil, e Ja nos longes , Na montanha azulada e nos convalles Saudava as caravanas tintinantes Dos tardos lotes, que o poento guia Cantando impelle 4 turbulenta cdrte. Vi a nuvem do céo toucar-lhe a fronte De translucida facha. e caroavel Banhar-ihe os membros de vital conforto, Infundir-Ihe no cerne evos sem conta; 409 410 REVISTA BRAZILEIRA. Erguel-o esbelto as regides ethereas , Para orgulho da selva millenaria , Para assombro do homem, que por elle Aos céos subia cum olhar sémente. Quem do solo varreu seu vulto augusto, E em seu throno assentou rasteira messe ? ! IV. Pejada nuvem de medonhos raios O seu ser respeitou : evos ingenitos Co’a natura, de annaes que o ceo colhéra, Ao embate continuo das tormentas, A furia do pampeiro, nao poderam Unir-lhe 0 tope ao chao, vel-o um prescito Zoas , que beija a terra fulminado. Firmado, como o sol, dos feros Euros Constante triumphou: nunca seu tronco Levemente tremeu ao largo impulso Do flanco do tapir, quando, pungido Da mutuca, dispara e no trajecto Estala os troncos, a raiz revolve , Marca a senda ruinosa, mil segures No passo vence, e sobre 0 chao descreve A rota immersa, o fabulado impulso Do ingente minhocao, que estala as pedras, Desvia as aguas, eshoroa os montes. Como eras bella portentosa mole Da devesa, e do vate que te vira —Briareo da floresta — aleando os membros Em extasis perpetuo ao céo formoso, E aspirando no céo perpetuo lume, O GIQUITIBA, AAA Grandeza e magestade! e meigos zephyros E as aves e as fléres nessa fronte Odoras harmonias derramarem. Mil vezes, ao rugir dos vendavaes , Vi teu vulto bradir no ar as franc¢as Como aguia amazonia dormitando Em aura etherea, deslembrando 0 cibo. E sorrindo a tempestade , Como na estacao de amores, A serra toda juncavas Com tuas mimosas flores. Os ventos furibundos , Os mestos turbilhdes De horrendos furacdes , Terror da terra e mar, Em roda do teu throno Humildes circulavam , Humildes se amainavam , Morriam de cansar ; Co’a copa grandiosa Que em brincos floreavas , Os raios perfumavas Com teu brasileo odor ; E a voz aterradora Do temporal medonho Ouvias como um sonho, Como um carmen de amor. 28 4A2 REVISTA BRAZILEIRA. V. O monte nao cordas, nao alegras O filho d’Ouro-Preto , nem 0 servo Mensageiro, o Goyano que ledo te saudava Das fronteiras da patria. Eras a estrella Derrante peregrino, 0 pouso ameno Do incansavel poento boiadeiro ; A balisa de amor, 0 marco aereo Do lesto viandeiro. Em yao teu porte Magestoso demanda o viajante , Em vao a serra 0 pede, como outr’ora Brilhante nos Botaes. Ah! nao o encontra! Infeliz, 0 nao vé, qual vi risonho Do alto do Simplao, na bella Italia, O bronze de Baveno abencoando Da marmorea montanha o lago ameno E as ferteis veigas da lombarda gente. A perda inopinada do que amamos Num tristonho deserto a vida envolve ; No fertil campo das visdes, no bereo Amoroso da ardente phantasia, No gremio da saudade, retrahida Fica nossa alma a prantear; e geme Ante a gleba afflictiva que acoberta A doce imagem que comnosco vive Nos thesouros donosos da memoria Vi. Quantas vezes 4 sombra impervia, odora, Do florido colosso, ao lume esquivo O GIQUITIBA. 443 Da tacita Lucina, alli, contentes Vincularam ¢os os labios duas almas Ardentes coracdes, longe do mundo, Deslembrados da terra, sds, felizes , Como as aves que dormem sobre a nuvem Que o vento leva as regides elysias ! Quantas vezes, 0 tronco, tu do alto Igualmente amoroso coroaste Esta doce effusio, esta ventura , Cum chuveiro de fléres, sem que o sonho, O doce devaneio entrecortasse Pio agoureiro de sinistras aves? A tua larga sombra, o vate e o sabio Em delirante arroubo quantas vezes Na esponja cerebral nao embeberam Esse nectar de luz que o céo derrama , Essa fluida harmonia que constante A natura ridente e magestosa No seu seio fecundo altriz renova? E apds, rolando os olhos pelos valles , Pelas navas que vao no mar perder-se , A imagem viam grandiosa e bella Do panorama insolito da esphera De teu reino sem par, 0 rei da selva! Agora, sO na tela imaginaria Do amigo espaco vejo a larga umbella Protectora da selva espadanar-se ; E o polvo immenso da raiz, que 0 monte Com mil bracos herculeos abragava, No chao, troncado , irradiar-se putrido ; E o tronco, que vencia os obeliscos De Memphis, pela terra envolto em cinzas. 414 REVISTA BRAZILEIRA. Pode o ferro de um bruto mais que o tempo! A nova gente, a geracao futura, Nunca mais 0 vera! Maldita seja A mao profana que levanta o ferro, E tala insana com brutal sevicia O padrao millenario da natura , E insulta a terra, que coréda a relva, E ao homem pede da cultura a graga. VIL. De aligeros cantores verde lica N’Arcadia aerea quantas vezes foste . Antes que o Indio, teu collaco, as brenhas Pedisse asylo contra o ferro luso? Quao bello te ostentavas, quando a avicula Princeza da floresta ahi pousava Sorrindo @ luz da aurora, saltitando Na florente alcatifa, e retinindo Seus floreios risonhos; quando 4 tarde Ceruleos tingaras ledas choréas Por tuas niveas fléres espargiam, E as fléres n’um conjuncto harmonioso Ao céo mandavam perfumado accento ; Quando ao reclamo do canoro encontro Formosos gaturamos respondiam Com seus aureos gorgeios; quando, oh tempos Da virgem natureza, em tua copa Co’a tromba alada buzinava aos ares O supino tocano, resplendendo A mursa imperial entre as bromelias Que teus bracos ornavam, como enfeitam Do gentio garrido as varias pennas ! iA. O GIQUITIBA. 4A5 Dir-se-hia que Ganeso do Himalaya Alli vinha saudar o céo brazileo. Qual ponto cardeal d’ave emigrada , Ou cabo que a derrota verifica, Eras tu sobre a serra dos Botaes, A meta do descanco e (alegria. Eras 0 pouso do nocturno gallo Que a verde esquadra dos says dirige: Da escamigera fanagra, do quazi, De rubros tapirangas, Warapongas, Cyclopes da floresta. Nos feus ramos Nao mais veremos, repicando as azas, Pendendo 0 corpo, como o proprio ninho. O canoro jap soltando endeixas ; Nem tao pouco o sublime sabidsica Que as aves falla em gorgeados hymnos. : Ao homem co’a palavra animadora, , E imita os uivos das cruentas féras ! No arbusto fronteiro, ao largo espaco Que outr’ora preenchias grandioso , Mosqueadas nogueras , compungidas , Irao chorar e a rola gemebunda Tua ausencia sem fim, sem lenitivo. Na memoria do vate e no instincto D’avicula celeste, como um sonho, 0 teu porte frondoso, altivo e bello, De amazonia grandeza, se retraca. Para mim vivirds, pois que em meu album Em vagas linhas te guardei fatidico ; Nesse livro em que o lapis vence a lyra Quando a lyra contorna a natureza. Alli ao tronco alpino avizinhado , 4AG REVISTA BRAZILEIRA. Que a neve bebe co’a raiz marmorea , E de auroras boreaes corda 0 vertice; Junto ao valle amoroso de Alba-lunga, Ao platano do Tibre, as veigas do Arno, Saudoso ficaras, como essas paginas Que em meus olhos embebem caroaveis, Delicias que se foram, juventude! VII. Embora sobre a giba acroceraunea Do soberbo Tingua o sol fagueiro Se debruce mil annos radiante : Sobre o monte despido nao te encontra A luz que te animara em almos dias, Que bondosa a seu gremio te achegava, Para mais te avultar; que a tua sombra No infinito langava quando a aurora Nos valles duvidosa se espalhava, Ou quando entre listdes de fogo a tarde Ao mar de Nictheroy a conduzia! Como em ermo infecundo, no teu solio O vento ora perpassa, e nem sibila! Auras de amor, estereis, se deslisam Sem colher em teu seio odoro a vida. Vedaram-te o libar eternamente Beijos de luz no thalamo dos astros, E os mimos encendidos , feiticeiros , Dos zephyros vernaes, que em tuas flores Com pronubas meiguices derramavam Formosura sem par, amor e vida. Sobre tanta grandeza agora passa 0 GIQUITIBA. Tristonha a vista, o coracao lanhado ! No feio descampado ora mal vinga Mesquinha palma de barbado milho , E a consocia da relva, flor silvestre. O fauno da floresta, a simia astuta, Alli nio dancara; nem o barbado. Sultio da relva, cantara monotono Espumante cancao entre as esposas. Ao mudo passo do precauto joven Que a espingarda’ lhe aponta, a fugaz prole Nao irda esconder-se “entre as grinaldas Que a terra descem pelo tronco, e subita Em salto areo se retrahe ao tiro, Galgando o valle e a cerrada matta Onde eterno crepusc’lo se alimenta. Hoje meus olhos no vingar a serra Tua imagem nao véem, patriarcha Da virginea devesa, que o teu vulto Do céo volveu ao chao, do chao ao nada! Choram-te as aves, tao somente as aves, AAT Que a estulticia em delirio, em rude applauso, Tua guéda exaltou, tripudiando ! Envolto em trevas, n’um culpado olvido Nao te deixo morrer; pois tantas vezes Arroubado de encantos, plena a vista De tanta magestade, contemplei-te. Jo serds transitorio monumento Na vida do meu ser contemplativo , Nem aos olhos do mundo, como nuvem Que no céo descreveu seres informes , Passaras. Sim, nao vives mais na terra, Mas vives na memoria do teu vate : 418 REVISTA BRAZILEIRA. Sera teu epitaphio este meu canto, Canto de indignagio e de saudade, Que impreca o brago iniquo, o feroz brago De teu algoz, Gigante Americano. OBLATA. A ti, modesto Freire , antiste amavel Do templo da natura, este meu canto Na rude selva escripto hei dedicado. Consente aqui teu nome, illustre amigo. Deus infinito e bom quiz em teu seio Casto amor infundir, perpetuo, immenso, E a teus olhos abriu a natureza Formosa e bella, variada e grande. As flores fez-te amar como o colibrio, E no tronco altaneiro achar a escala Que o ser eleva as regides celestes. Esposaste uma flor, e a flor deu fructo, E esse fructo, meu Freire, é tua gloria. S. Pedro, 14 de Dezembro de 1845. Porto-ALEGRE. ASTRONOMIA. RELATORIO Dos trabalhos executados pela Commissdéo astronomica encarregada pelo Governo Imperial de observar na cidade de Paranagua o ' eolipse total do sol que ahi teve logar no dia 7 de Setembro de 1858, A importancia scientifica da observacao deste interessante phenomeno nao podia deixar de manifestar-se no Brazil , onde devéra ser apreciada em grande parte do seu territorio, e principalmente no Rio de Janeiro, que goza da immediata influencia do alto Protector das sciencias, ¢ possue ja um nascente observatorio astronomico. Assim, dous artigos ap- pareceram logo nas folhas publicas desta cidade, um delles indicando Cananéa, e o outro Iguape como o logar da costa onde se deveria’ observar a phase total e central do eclipse. No dia 24 de Julho o Sr. director do observatorio apre- sentou ao Governo Imperial uma tabella de seis pontos da linha central, os mais proximos da costa, e indicou o porto de Paranagua como apropriado para a observacao do eclipse, visto que o Governo estava deliberado a mandar uma com- missao astronomica para esse fim. Em 4 de Agosto teve-se conhecimento por meio de Mr. Emmanuel Liais (astronomo do observatorio imperial de Paris, chegado da Europa a 29 de Julho, em commissao scientifica) de um novo calculo do mesmo eclipse, feito por Mr. Carrengton, astronomo inglez, fundado sobre as taboas 420 REVISTA BRAZILEIRA. lunares de Hausen, recentemente publicadas na Europa; e, comparando a linha central determinada nesse caleulo com a calculada pelo Sr. director do observatorio do Rio de Ja- neiro, achou-se ficar ella um pouco ao sul desta, porém ainda no porto de Paranagua; e por esta razao nenhuma alteracao se fez a tal respeito. Em 6 de Agosto nomeou 0 Governo a commissao astro- nomica, composta dos Srs.: Conselheiro Candido Baptista de Oliveira. Dr. Antonio Manoel de Mello, director do observatorio. Dr. Emmanuel Liais. Capitao Francisco Duarte Nunes. Dito Bazilio da Silva Barauna. Dito Rufino Enéas Gustavo Galvao. Tenente Jeronymo Francisco Coelho. (Ajudantes do observatorio). Em 18 de Agosto partiram deste porto quasi todos os membros da commissao na corveta a vapor Pedro I, le- vando os instrumentos astronomicos e physicos necessarios. Em 20 de Agosto chegou a corveta a Paranagua, e 0s seus habeis officiaes prestaram-se de bom grado a tomar parte nos trabalhos da commissaio; reunindo-se a esta como ad- juntos os seguintes Senhores: Capitao-tenente, commandante, Theotonio Raymundo de Brito. 1° tenente, immediato, Carlos Augusto Nascentes de Azambuja. 90 dito Francisco Jorge da Silva Araujo. 2° dito Geraldo Candido Martins. Commissario Francisco de Paula Sena Pereira. Escrivao Francisco Dias da Motta Franga. Em 23 de Agosto, que foi.o primeiro dia de hom tempo, fizeram-se as observacdes preliminares indispensaveis , para ECLIPSE DO SOL. 4Qh determinar o ponto da linha central do eclipse, no qual se deveria estabelecer 0 observatorio. Achado este ponto na longitude de 48° 26’ 58”,95, a oéste de Greenwich, e latitude austral de 25° 80° 33”,24, corres- pondendo 4 casa de campo do Dr. suisso Carlos Tobias Rei- chsteiner, situada a beira-mar, e sendo essa casa cedida a commissao pelo seu proprietario, estabeleceu-se 0 observato- rio no jardim da mesma. Em 27 de Agosto concordou-se em distribuir todo o pessoal da commissao por tres differentes estagdes, alem do observa- torio central, a saber: 4° estacao, na Campina, posicao situada serra-acima, na distancia de cerca de 12 leguas a oéste do observatorio central, e no limite sul da facha do eclipse total. Esta estacao foi confiada aos Srs. capities Galvao e Barauna, que para alli partiram no dia 314. 2@ estacao, na ilha dos Pinheiros, distante do observa- torio central cerca de 8 leguas a nordeste, e proxima do limite norte da facha do eclipse total. Esta estacao foi con- fiada aos Srs. capitaio-tenente Brito e 2° tenente Araujo , que para alli partiram ne dia 4 de Setembro. 32 estacko, a bordo do vapor Pedro II, fundeado a du- zentas bracas para N. N. E. do observatorio central. Esta -estacao foi confiada ao Sr. 1° tenente Azambuja. Em 4 de Setembro, tendo chegado o resto da commissao na canhoneira a vapor Tiefé, entraram em o numero dos adjuntos mais dous habeis officiaes de marinha, os Srs. 1° tenente, commandante, Caio Pinheiro de Vasconcellos, e 2° tenente, immediato, Augusto Netto de Mendonga. No dia 6 de Setembro 4 noite o céo se achava encoberto , como se tinha conservado desde 25 de Agosto, tendo sido raros os dias em que nao choveu, eo mao tempo que ainda ameacava quasi que fez perder a esperanga de se poder observar 0 eclipse na manhia do dia seguinte, 422 REVISTA BRAZILEIRA. No dia 7 de Setembro, as 6 horas da manhaa, foram collocados os instrumentos nos logares anteriormente pre- parados e ensaiados, apezar do ceo se conservar encoberto. A’s 7 horas choveu por alguns minutos, ficando expostos a esse aguaceiro os observadores e os instrumentos: depois disto comecou a clarear, e os observadores aguardaram 0 phenomeno na disposicaio seguinte : Na extremidade de O. do jardim o Sr. Mello observava com o refractor do equatorial do Rio, montado parallatica- mente, mesmo na estacao, e munido de um micrometro de posicao; perto delle, o Sr. Nunes observava com um theo- dolito de Gambey, e o Sr. Vasconcellos com um sextante ; na proximidade destes observadores 0 Sr. Netto contava no chronometro. A alguns passos do grande equatorial, o Sr. Baptista de Oliveira observava com um cometoscopio montado paralla- ticamente; um pouco mais longe o Sr. Coelho servia-se de um bis refractor; perto deste o Sr. Sena Pereira observava no pyrheliometro e no actinometro. Na extremidade E. da estacao Mr. Liais servia-se de um instrumento parallatico , composto de quatro oculos refrac- tores parallelos, afim de que o sol apparecesse em todos ao mesmo tempo, e um desses oculos, de 2,184 metros de foco, podia receber um caixilho photographico ; outro oculo continha divisdes, e 0 mesmo pé sostinha um photometro. Perto de si Mr. Liais tinha uma colleceao de polariscopios, um theodolito, um apparelho para as rajas do spectro e um chronometro. Um pouco atras deste, e na sombra da casa, o Sr. Martins observava 0 barometro, 0 thermometro funda eo psychrometro funda. Ema @in ECLIPSE DO SOL. 423 OBSERVACAO DOS CONTACTOS. Primeiro contacto exterior. Na estagao central de Paranagua, e na da Campina, as nuvens impediram a observacio do 4° contacto. Na ilha dos Pinheiros , pela latitude S. de 25° 23° 34”, e longitude de 11’ 6”,5 a E. da estacio central, ou 5° 8’ 46”,45 ’ a0. do Rio de Janeiro (longitude referida 4 da estacao central por meio do chronometro e no espago de um sé dia) 0 4° contacto foi observado as 9° 36" 13°, No imperial observatorio do Rio de Janeiro, onde o eclipse foi parcial, 0 1° contacto teve logar ds 10" 4™ 22° 5. No observatorio do arsenal de marinha de Pernambuco observou-se esse phenomeno ds 10° 27" 47°. Primeiro contacto interior. Na estacao central de Paranagua este contacto foi notado pelos Srs. Mello e Nunes as 14" 0" 24°,8. A bordo do vapor Pedro IT notou o Sr. Azambuja este mesmo contacto as 11° 0" 24°,9. A differenca entre esta ob- servagao e a dos Srs. Mello e Nunes poderia provir de ir- regularidade na marcha do relogio de segundos do Sr. Azam- buja, pois que o chronometro de bordo tinha sido levado para os Pinheiros pelo commandante do vapor. Na estagao dos Pinheiros 0 1° contacto interior teve logar ag 44" 4" 46',21. Na estagao da Campina, situada aos 25° 30° 44” de la- titude S., e pelo chronometro a 23’ 37”,5 para O. da estacao central, ou 5° 43’ 30”,45 a0. do Rio de Janeiro, este 1° contacto interior teve logar 4s 10" 59” 5. Infelizmente nao pode a hora do chronometro ser deter- minada no mesmo dia do eclipse, porque o sol apenas 4Qh REVISTA BRAZILEIRA. mostrou-se por alguns instantes no momento da obscuridade total e no derradeiro contacto. Segundo contacto interior, Na estacao central, a bordo do Pedro II, foi 0 2° con- tacto interior notado pelo Sr. Azambuja as 14" 4" 33°,3. Os outros observadores da estagéo nao o notaram, sorprendidos durante as suas observacdes physicas pela reapparicao do so] muito antes do que indicavam os calculos. Na estacio dos Pinheiros 0 2° contacto interior teve lo gar as 14° 4” 46°,21. Na estacao da Campina este contacto teve logar as 10° 59" 6°, e a obscuridade ahi durou menos de um segundo. Ultimo contacto exterior. Na estacao central o ultimo contacto foi notado pelos Srs. Mello e Nunes a 0" 28” 32°,8, por Mr. Liais a 0° 28™ 40°,6, e no vapor pelo Sr. Azambuja a 0" 28™ 40° ,4. Por projeccao foi notado sobre o vidro hago por diversas pessoas a 0° 28" 36°. O Sr. Mello observou que este ultimo contacto teve logar’ a 35° do vertical do sol para léste. O Sr. Nunes observou no theodolito uma serie de alturas do sol na proximidade dos diversos contactos , além de outra serie de alturas em diversos instantes do eclipse , que tam- bem foram observados no sextante pelo Sr. Vasconcellos, Estas observagdes poderam servir para o estudo das re- fraccOes anormaes, que a distribuigao especial da tempera- tura durante o eclipse pdde produzir. Nos Pinheiros 0 ultimo contacto nao pdde ser observado por causa das nuvens que encobriram o sol. Na Campina o ultimo contacto teve logar a O° 25" 5°. — ~~. es 4) . ECLIPSE DO SOL. 45 No observatorio do Rio de Janeiro foi este contacto a O° 547 18',5. Em Pernambuco 0 ultimo contacto observou-se a 0" 54™ 1415. PASSAGEM DA LUA SOBRE AS MANCHAS DO SOL. As manchas solares foram observadas e desenhadas no palacio imperial de S. Christovao nos dias 25 de Agosto as 8’ 30" da manhia, 27 as 2" 45" da tarde, 30 as 3° 30" da tarde, 34 as 9° 30" da manhaa, 2 de Setembro as 40" 30" da manhaa, 3 das 9° 15" as 9° 45" da manhaa, e 4 as 44 horas da manhaa. De 4 até 7 0 estado do céo nao foi favoravel, ao menos nas horas em que oultras occupacdes nao distrahiam a attencao do observador. A comparacao desses desenhos faz notar grandes va- riagdes na forma, numero e disposicdes das manchas, o que indica que nesta época a superficie do sol estava em grande agitacao. No dia 3 viu-se uma mancha assas consideravel e redonda perto do centro do astro, dividida por uma lingueta da sub- stancia brilhante da photophera. No dia 4 esta mesma mancha, ja sem o traco brilhante , havia tomado a forma de losango, com os lados um tanto curvos; forma que foi igualmente notada em Paranagua du- rante um breve ciareamento do céo. Esta mancha estava rodeada de muitas outras mais pequenas. Na manhaa de 7 de Setembro esta mancha era visivel a olho nu, na parte sudoeste do sol, sendo precedida de um grupo de pequenas manchas e seguida por outro composto de numerosos nucleos em uma grande penumbra. Viam-se algumas faculas pouco brilhantes perto destas manchas, e 0 pontuado do sol era muito notavel e ondulante. Na estacaio central de Paranaguéa notou Mr. Liais que o limbo da lua se achava em contacto com a borda da pe- 496 REVISTA BRAZILEIRA. numbra do grupo de manchas mais proximo do centro do sol as 10" 13” 32°,4. Notou elle mais que, 4 medida que o limbo da lua ia cobrindo a penumbra, parecia que esta mudava um pouco de forma, achatando-se o seu contorno parallelamente ao limbo da lua. Uma semelhante apparencia se reproduziu na segunda parte do eclipse, na reapparicao das manchas ; tendo sido feitas estas observagdes com a amplificacao de 300 vezes. O observador entende que nesta apparencia existe um effeito de irradiacio ou de contraste, ou talvez de difraccio, ou mesmo de refraccao anormal. O Sr. Coelho notou que no momento em que o limbo da lua ia oceultar as manchas, estas nao mostravam alguma variagao de in- tensidade, como teria logar se houvesse a interposicao de uma atmosphera lunar. No imperial observatorio do Rio de Janeiro, onde obser- vyavam os Srs. ajudantes capitao José Francisco de Castro Leal, tenentes Joao Baptista da Silva e Glicerio Eudoxio da Silva Bomfim, notou-se que a mancha do meio, da forma de losango arredondado, que era vizivel com um bom oculo, e de cor escura, foi eclipsada as 10" 25". A terceira mancha, de forma oblonga e composta de pequenos nucleos em uma grande penumbra, foi eclipsada as 10" 30" e 8°. Alem dos grandes grupos de manchas, notou-se tres outras pequenas, circulares e dispostas em linha recta, que foram successiva- mente eclipsadas: a 4°, ds 40"e 57™; a 2%, as 10°, 57” e 44”: e a 38, as 10°, 59" e 58° 5. Todas estas manchas pa- reciam gradualmente mais distinctas e augmentando de gran- deza A medida que a lua avancava, tendo logar a apparencia contraria quando a lua se retirava. No palacio imperial de S. Christovao observou-se, visando o sol por um poderoso oculo munido de vidro verde, que quando a lua se approximou da grande mancha e da se- cuinte, pareceu ver-se espalhada sobre ellas uma cor ama- 4 tus OE ae a ae a ee ECLIPSE DO SOL. 427 rellada. Esta cor pareceu dispersar-se logo sobre 0 grupo das pequenas manchas, quando a lua cobria ja a metade da grande. Em Paranagua Mr. Liais notou sobre o nucleo negro da maior mancha nuvens assas numerosas, que permittiam ver 0 nucleo central do astro, como ja anteriormente assigna- laram os Srs. Darres e Sechi. Esta mancha apresentava tambem sobre a borda um grande chanfro, que nao se reproduzia na penumbra. Ella mudou notavelmente de forma do dia do eclipse para o seguinte. VISIBILIDADE DA LUA FORA DO CONTORNO SOLAR. No principio do eclipse a lua foi vista na estacao central fora do contorno solar. Com um refractor de 4 polegadas de abertura, o Sr. Mello viu os seus arcos no prolonga- mento do crescente solar durante 4 ou 5 minutos. Mr. Liais, que tinha quatro oculos sobre 0 mesmo pé, nao pdde ver este prolongamento em um oculo de duas polegadas e am- plificagao de 60 vezes, nem no seu oculo dividido; porém _ no menor dos oculos, que amplificava 30 vezes, elle pode : seguir 0 contorno da lua fora das pontas do crescente solar, até uma distancia de 7 a 8’, sobretudo perto da ponta appa- rentemente inferior. Com o oculo de 3 polegadas e a amplificagao de 179 _ vezes, elle viu 0 prolongamento da lua por 1 a 2 minutos do lado da ponta apparentemente inferior. Estas observagdes tiveram logar entre 10" 7" e 10° 12”. Mais tarde 0 mesmo _observador procurou de novo, mas nao lhe foi mais possivel, - tornar a ver o limbo da lua fora do contorno solar, No instante mais ou menos em que se faziam estas ob- servacdes, a imagem da lua projectada sobre um yidro _ baco, por um oculo de 3 polegadas e 2,184 metros de dis- 29 428 REVISTA BRAZILEIRA. tancia local, via-se toda inteira e distinclamente. Esta imagem projectada da lua fora do contorno solar parecia sobre o vidro baco mais branca do que a regiao vizinha do ceo. Esta apparencia foi ainda vista 4s 10" e 40", porém ja mais fraca, e algum tempo depois ja nao foi possivel tornar a vel-a. Um phenomeno muito singular e inteiramente novo que se produziu, foi a apparicao desta imagem sobre as photo- graphias do sol, tiradas 4s 10" 6" 56°. 4; 10" 8" 17° 9; 40° 10" 59°,6; e 10° 14" 36°,6. Esta imagem, principalmente sobre as duas primeiras , era muito apparente, ainda que fraca, quando as provas estavam ainda humidas, ao sahir do banho do acido gallico. Ainda se avistam os tracos sobre as duas primeiras proyas que nio entraram no banho de hydrosulphito de soda, para as desiodar, temendo Mr. Liais que esta operagao nao apagasse os tracos da imagem lunar, que elle desejava conservar. As mencionadas provas photographicas foram obtidas pelo processo sécco sobre vidro collodionado e albuminado, dando assim provas negativas onde a imagem da lua se apresentava | branca, o que indicava ser ella mais escura do que a regiao vizinha do céo, ao contrario do que se produziu no vidro 4 baco; porém sabe-se que a exposigao em muito breve tempo : da geralmente sobre o vidro provas positivas : ora, NO Caso em questao, a exposic¢ao nao passou de um decimo de se- : oundo, o que é insufficiente para o collodion sécco, a nao — ser o corpo brilhante como o sol. Isto da logar a pensar : que a prova da imagem lJunar podia ser positiva, e por conseguinte que a imagem da lua era mais brilhante do que $ a regiao vizinha do céo. ECLIPSE DO SOL. 429 _« A partir do 1° contacto, a lua, continuando sempre a sua marcha para leste, se mostrou perfeitamente redonda e obscura até as 10" 5” e 410°, instante em que ella se ap- proximava das manchas sombrias que se percebiam no sol. Noés notamos que o limbo inverso era mais claro, e que, depois que as manchas se encobriram, voltou ao resto do astro a cér obscura. » No observatorio do arsenal de marinha de Pernambuco os Srs. capitao de fragata Eliziario Antonio dos Santos, 4° tenente Manoel Antonio Vital de Oliveira e 2° tenente Manoel Antonio Viegas, dizem que logo depois do 1° contacto elles poderam distinguir claramente o disco de um corpo opaco que invadia o limbg do sol, e notaram tambem que no momento da maior phase a parte eclipsada nao era muito escura. . COLORACAO DO CEO, DO MAR E DOS OBJECTOS TERRESTRES DURANTE O ECLIPSE. Em Paranagua notava-se na estacao central desde as 10" e 27" que os rostos das pessoas tomavam a cor bronzeada e um tanto cadaverica, e que geralmente todas as cores es- tavam alteradas. A’s 10" 40” 0 céo tinha tomado acima do sol essa cOr azul-escura que no crepusculo das regides intertropicaes se faz notar entre 0 1° € 0 2° dos arcos cre- pusculares. Perto do horizonte de léste a cor ainda era azul-clara ; para o norte e abaixo do sol viam-se nuvens brancas de uma cdr singular: os seis decimos do céo, proximamente, estavam entao descobertos e os altos das montanhas ne- voados. Mais proximo ainda da obscuridade, as 10" e 55”, 0 mar tinha tomado a cor amarellada, e 0 azul do céo se achaya sombreado. A natureza mostrava um aspecto extraordinario e indefinivel. 4.30 REVISTA BRAZILEIRA. A bordo do vapor Pedro IT, 0 Sr. Azambuja notou que a cor amarellada se tornava predominante a partir do quarto do eclipse e 4 medida que o ar ia escurecendo. Elle notou particularmente que as aguas da bahia tinham a superficie cor de enxofre, e que a espuma, proveniente da maré que enchia, apresentava a mesma cOr mais pronunciada. Depois da obscuridade total notou elle que ao descobrir-se 0 sol voltaram os objectos 4 mesma cér amarella que antes tinham, 4 excepcao da espuma do mar, que nao apresentou mais a cér de enxofre. A’s 40° 55™ Mr. Liais examinou as rajas do espectro for- necido pela luz do dia, e nellas procurou especialmente as variacoes que tinha notado no eclipse de 15 de Marco de 1858, mas nao viu o grande enfraquecimento da luz violeta que entao notara; porém achou que a luz amarella tornava- se mais predominante do que no principio do phenomeno , e que as rajas nao tinham variado. Na ilha dos Piuheiros, os Srs. Brito e Araujo notaram is 10° 29" 47° que as montanhas e omar do lado de O. co- mecaram amudar de cor, tornando-se de um verde ama- rellado, cor esta que tomavam todos os objectos de O. para E., 4 medida que o eclipse progredia. As 10" 29" 50° todos os objectos collocados a oeste do logar em que observavam tinham tomado esta mesma cér, entretanto que os de léste ainda conservavam as COres naturaes. Na proximidade do eclipse total dizem elles: « A sombra dos nossos corpos era de uma cor escura, sobresahindo sempre sobre a cor amarellada do terreno. A cor que cobria os objectos neste momento era em geral mais escura e dava aos rostos a tintura cadaverica, sendo esta mais pronunciada as pessoas mais morenas do que nas mais claras. A’ medida que se operou a emersao, a cor dos objectos de oeste clareou gradualmente , seguindo a luz no mesmo sentido que seguira a obscuridade na occasiao da emersao. » : : ; ‘ ® ite, ‘eel sa ECLIPSE DO SOL. 43 No palacio de S. Christovao ag 11" 44” foi notado no céo um aspecto cor de chumbo azulado, 0 qual tornowse mais sombrio as 14" 44™, No observatorio do Rio de Janeiro notou-se que a sombra dos corpos projectada sobre os muros brancos tornava-se de cor cinzenta, e que as cores dos objectos ficavam ama- rellas; achando-se todo 0 horizonte nevoado . eo do norte mais carregado. Em Pernambuco notou-se que durante a maior phase a luz do dia se tornou pallida e brancacenta. ESTADO DO CONTORNO DA LUA, CONTAS DE ROSARIO. O contorno da lua projectado sobre o sol apresentou em Paranagud, como no observatorio do Rio de Janeiro e no palacio de S. Christovao, uma regularidade notavel. Nao sé via, com amplificacdes inferiores a 100 vezes , algum ponto saliente. Com a ainplificacao de 302 vezes, Mr. Liais, perto da ponta do crescente apparentemente inferior, des- Cobriu montanhas muito baixas e alongadas : 0 resto do con- lorno, mesmo com esta amplificagao , parecia assis regular , € eram entao 10" e 27". Apezar do perfeito ajustamento da ocular sobre o limbo do sol, e nao obstante esta regularidade apparente do limbo da lua, que parecia completa, observou o Sr. Mello no seu refractor de 4 polegadas de abertura e 72 vezes de am- plificagao 0 phenomeno das Baily-Beads. No momento em que o sol ia desapparecer, 0 limbo da lua recortou-se, e esses recortes separaram , como perolas, 0 delgadissimo crescente solar. Na reapparigao do astro o mesmo phenomeno se repro- duziu em sentido contrario, Este phenomeno dos Baily Beads nao foi notado no oculo de 3 polegadas e de 2”, 184 de foco; neste o crescente 432 REVISTA BRAZILEIRA. solar desappareceu rapidamente, approximando-se as ex- tremidades. Sua infensidade, comtudo, nao pareceu igual em todas as mais partes, tanto quanto se pide julgar em um phe- nomeno de tao curta duracao. Durante a totalidade do eclipse foi notado que as pontas do crescente foram sempre bem claras e afiladas , sem nunca manifestar alguma deformacao. Esta observacao foi feita no palacio' de S. Christovao , no observatorio do Rio de Janeiro, como em Paranagua, e nestas estagdes procurou-se cuida- dosamente avistar alguns pontos luminosos ou fulguracao sobre a lua, mas nada se notou. INTENSIDADE DA LUZ DO SOL SOBRE OS LIMBOS DO ASTRO. A reapparicao do 1° ponto solar, vista a olho nu, produzia o mesmo effeito que a illuminacao pela luz electrica. As som- bras dos corpos se apresentaram muito bem pronunciadas, e 0 pequeno ponto solar péde ser por 2a 3 segundos visto a olho nu. Elle produzia sobre a retina exactamente o effeito do radiamento da luz electrica. Nao havia a menor scintil- lacio, e na estacao central, sobre os muros brancos da casa vizinha, bem como na dos Pinheiros, sobre um panno branco estendido para este fim, nao se notou algum trago das som- bras moventes e coroadas descriptas por Arago na occasiao do eclipse de 1842, tanto no principio como no fim da obscuridade total. No palacio de S. Christovao a mesma observacao teve logar, e ainda com resultado negativo. Quando appareceu o 1° ponto solar o Sr. Mello supportou- lhe o brilho a olho nu no seu refractor por 1 a 2 segundos, mas foi logo obrigado a empregar o seu vidro corado, no qual viu outra vez 0 sol formado de perolas, e depois 0 limbo da ' — "i oe ECLIPSE DO SOL. 433 lua recortado como uma serra, € esse limbo se tornou outra vez liso logo que se afastou pouco mais. Aos 6 a 7 minutos antes da obscuridade total, quando o crescente solar estava mutto reduzido e a intensidade da luz atmospherica muito fraca, Mr. Liais collocou sobre o seu oculo a amplificacao de 302 vezes, & depois, afastando do campo o crescente solar, A excepeao da extremidade de uma ponta , elle ensaiou se o olho podia supportar o brilho, e - isto com o fim de verificar se o limbo extremo do sol nao apre- sentava uma grande diminuigao de intensidade , como pa- reciam indicar, tanfo uma observacaio antiga de Halley, se- gundo a qual o crescente solar muito reduzido é vizivel a olho nu, como as photographias do sol obtidas em Paris por Mr. Porro com o. seu grande oculo. Mr. Liais fez esta observagao por duas ou tres vezes, © certificou-se que a olho nua poderia supportar , com algum incommodo, a imagem assim am- plificada de 302 vezes, com a abertura de 3 polegadas ; porém, temendo um deslumbramento que lhe obstasse a observacao do phenomeno principal que ia ter logar, dentro de alguns minutos elle deixou essa observagao. INTENSIDADE DA LUZ ATMOSPHERICA DURANTE 0 ECLIPSE TOTAL. O planeta Venus foi visto na estacao central as 10° e 54”, e na ilha dos Pinheiros as 40° 44" 45° de tempo local. No meio do eclipse viu-se ainda Venus na estagao central, e ainda Saturno, Syrio , Ganopo & tres estrellas ao sul, que pareciam ser @ & B do Centauro e @ da Cruz. Regulo nao foi visto; o Sr. Mello olhou especialmente por alguns in- stantes na direccao do meridiano onde devia achar-se , € nao a descobriu. Na ilha dos Pinheiros viram., aleém de Venus, 9 outras estrellas, uma a0. 5. O., outra a S. O., e tres aS. S. E. em 434 REVISTA BRAZILEIRA. rumo magnetico. Estes astros desappareceram pouco tempo depois da occultacao do sol. No observatorio do Rio de Janeiro mesmo , onde 0 eclipse foi parcial, foram vistos Mercurio, Venus, Saturno e Syrio. A obseuridade durante o eclipse totalem Paranagua nao foi grande, pois que se podia ler a escripta a lapis, e 6 céo nao era negro, porem de azul plumbeo-cinzento. Durante 4 obscuridade total a lua mostrava-se com disco negro ou antes azul cinzento escuro, sobre o qual nao se distinguiam as manchas do astro. A’s 10" e 30" tinha Mr. Liais observado as folhas das acacias de uma cerca vizinha da estacao central do eclipse, e ellas manifestavam uma leve tendenciaa se fecharem. A’s 10" e 55", alguns momentos antes da obscuridade, esta observacao foi repetida, e as folhas nao pareceram ter mu- dado sensivelmente depois das 10" e 30". Convem notar , comtudo, que a baixa temperatura que havia reinado nos dias anteriores, devéra ter diminuido a sensibilidade das folhas. : No Rio de Janeiro, onde o eclipse foi parcial, as folhas das nogueiras da Africa, plantadas perto do observatorio, comecaram a fechar-se, 6 ima sensitiva observada no palacio imperial de S. Christovao nao manifestou mudanga apre- ciavel. Neste ultimo logara luz parecia as 14" e 44" como as 6" da tarde, e ds 14° e 44" a obscuridade parecia ainda maior. Em Paranagua um papel albuminado e sensibilisado pelo nitrato de prata, como para a extraccao das provas pho- tographicas positivas, nao mudou sensivelmente de cor > sendo exposto durante 30° a accao do sol, entretanto que no principio e no fim do eclipse um papel semelhante se tinha tornado violeto pallido durante 0 mesmo tempo. No observatorio do Rio de Janeiro a obscuridade foi ob- servada com 0 photometro de Rumfard. ty 8 ECLIPSE DO SOL. 435 Os numeros seguintes foram obtidos , tomando por unidade a intensidade da luz solar no fim do eclipse : h m h in 10 Orie oe ee 14 BO er Se MO ADS, shi alii 98 Ad MI TTT, 88,0 BED? BO). 2 piss vc 98 0 ORAL YS 93,0 _| | RE eee 97,5 Dae GAGES er 94,0 MM Oi aceat} 94,5 Ls | aa a 95,0 44 1 cot ae 92,5 @ 43> )°. .~ 100,0 | ay ero 87,0 O. SS. >. -. - 100,60 COROA. Assim que desappareceu o ultimo ponto da photosphera solar, todos os observadores viram instantaneamente a coréa — luminosa que cingiu o disco da lua; a disposic&o que ella apresentava em seus raios era excessivamente complicada, e a curta duracao do eclipse nao permittiu a cada observador apreciar todas as particularidades ; assim, cada um con- centrou sua attencao sobre certas partes do limbo da lua ou sobre certos grupos de raios. Um primeiro facto perfeitamente estabelecido é a ausencia de annel definido, formado de luz homogenea, em torno do astro; ausencia notada por todos os observadores da estagao central. A cordéa apresentava uma degradacao apre- ciavel de intensidade , desde o limbo da lua até o seu limite vizivel. Esta degradacao era rapida a partir de certa dis- fancia do limbo do astro, e mais lenta depois. Os limites da expansio da coréa eram muito mal definidos. Em sua totalidade ella formava uma zona circular , cuja lar- gura, a partir do limbo da lua, tomava 28 divisdes do oculo de Mr. Liais, dividido em 33’ ,6. Do lado de léste notou este observador que ella se estendia de 4 a 5 minutos mais longe no prolongamento de um feixe de raios parabolicos que elle , . ; ) - 436 REVISTA BRAZILEIRA. notou alli. A olho nu a lua parecia orlada de um filete del- gado de luz amarella e pallida, cingindo-a como um annel em torno della; porém esta apparencia annullar nao passava da porcao mais luminosa da coréa vista no oculo. Sobre o fundo luminoso appareciam grupos de raios, que terminavam antes de chegar ao limite desse fundo. O fundo nao era uniforme, e parecia, segundo notaram os Srs. Bap- tista de Oliveira e Liais , ser formado de uma combinagao de raios de todas as naturezas, apresentando um pontuado variavel e scintillante como o da superficie do sol, sem que se percebesse comtudo sobre esse fundo algum intervallo tao sombrio como 0 parecia a superficie da lua. O Sr. Azambuja notou em torno da lua 5 grandes grupos de raios formando cones com as bases apoiadas sobre a lua- Destes 5 grupos appareciam 2 na parte superior do astro, um a direita e outro 4 esquerda da vertical; e 2 outros na parte inferior, igualmente 4 direita e 4 esquerda da vertical, eo quinto grupo ficava a léste da lua e partia da extremidade dodiametro horizontal. Todos estes grupos terminavam muito antes de attingirem o limite exterior do fundo luminoso. Mr. Liais notou a mesma disposicao nos raios conicos, e mediu- lhes 0 comprimento por meio do seu oculo dividido. Elles occupavam 11 divisdes deste oculo, o que thes dava 13° de, comprimento. Segundo Mr. Liais, 0 raio de leéste, sobre o qual elle concentron especialmente a sua attencao, nao for- mava como os outros um cone normal a lua, porém era inclinado e encurvado, tendo a ponta dirigida para cima. Em sua base elle cruzava 0 grupo inferior de léste, e era. elle mesmo atravessado por um grupo de raios parallelos, — e ambos projectados sobre um largo grupo parabolico de — raios fracos, que partiam do diametro horizontal da lua para léste. O Sr. Mello, cuja luneta nao abrangia o contorno inteiro da lua, fez percorrer ao seu instrumento todo o limbo do i * ECLIPSE DO SOL. 437 astro, e notou sdmente 4 grupos de raios conicos , mas tendo um delles duas pontas; 0 que parece corresponder ao grupo conico visto por Mr. Liais na parte inferior a léste da lua ; e que era cruzado pelo 5° grupo inclinado e encurvado, o que Ihe dava com effeito o aspecto de um grupo conico de duas pontas. Segundo os Srs. Liais e Azambuja, os lados destes grupos conicos eram CUrvOs € CONVeXOS , 0 que tambem se achava no desenho do Sr. Mello a respeito do grupo duplo. O sr. Baptista de Oliveira viu igualmente 5 grupos de raios conicos, e elle notou especialmente que a posicao relativa desses raios nio variou em toda a duracao do phenomeno, sendo esta circumstancia confirmada pelos outros observa- dores. . Na parte inferior da lua a oeste, um pouco acima do raio conico collocado deste lado, e perto da sua base, partia um feixe de raios parallelos normal ao limbo do astro. Este feixe visto a olho nu parecia como um raio largo, mais brilhante do que todos os outros, ¢ visto no oculo ainda se tornava muito notavel, parecendo porem composto de raios tenuissimos. - Além destes grupos principaes notavam-se muitos outros raios mais curtos e normaes ao limbo da lua. . O Sr. Baptista de Oliveira notou que a luz nebulosa do fundo da corda era mais brilhante em alguns logares do que em outros , formando como especies de nuvens brancas ; e Mr. Liais notou para a direita e assas longe do limbo do astro uma destas nuvens ou manchas brancas , formada por uma reuniio de raios misturados e pouco distinctos. Na ilha dos Pinheiros os Srs. Brito e Araujo notaram 8 feixes de raios, sendo 5 os principaes. Estes feixes apresentavam igualmente a forma conica de -jados convexos, correspondendo assim aos 5 feixes conicos observados na estacao central. Dous destes feixes eram re- 438 REVISTA BRAZILEIRA. unidos nas bases, 0 que corresponde ao cone duplo notado pelo Sr. Mello. Sobre o desenho do Sr. Araujo nota-se um grande feixe correspondendo aquelle de raios parallelos acima mencio- nado. Em summa, a disposi¢ao geral da coréa nestas duas esta- goes parece ter sido identica. Os observadores da ilha dos Pinheiros fallam ainda de um circulo alvacento que rodeava a lua e do qual partiam os raios; comtudo este circulo nio esta claramente limitado sobre 0 desenho, e tudo induz a crer que so se trata aqui da parte mais luminosa da corda, que na estacao central apresentava a olho nto aspecto de um filete dourado, e no oculo uma degradacio continua de intensidade, e muito rapida a partir de ceria distancia da lua. 0 que sem duvida fez julgar 4 primeira vista qae era um annel. Nos Pinheiros, como na estacao central, uma multidao de peqnenos raids Iuminosos emanavam-em todos os sentidos , normalmente do limbo da lua para o exterior da regiao mais brilhante da corda, estendendo-se de 4 a 2 minutos. Na estacao central foi claramente notado que uma parte dos grandes raios partiam do limbo mesmo da lua. Na Campina o phenomeno foi tao instautanéo e a atmos- phera tio pouco favoravel. que a corda nao pédde ser des- eripta. Passemos agora a um phenomenod inteiramente novo e muito notavel, observado nos Pinheiros pelo Sr. Brito, e na estacao central pelo Sr. Azambuja. Trata-se de um circulo corado apresentando as cores do iris, e que rodeava a corda. Segundo o Sr. Azambuja, este circulo estava um pouco fora da coréa, as cores eram fracas e a vermelha estava para o exterior, tendo sido visto o phenomeno a olho nt é mostrando-se pouco sensivel no oculo. ECLIPSE DO SOL. 439 Para que esta apparencia fosse 0 phenomeno meteorologico ordinario da corda que circumda o sole a lua, quando leves vapores vesiculares estao sobrepostos, 0 estado de pureza do céo na estacio central apresenta difficuldades a tal ex- plicacao. Poder-se-hia pelo contrario invocar em seu favor a nota feita pelo Sr. Brito, que uma nuvem estimada a 25° para oeste do sol tinha tomado as mesmas cores. Esta po- sigao, admittindo um ligeiro erro sobre a avaliacio da dis- lancia, corresponde com effeito 4 posicao do parhelio; porém “nota-se que a corda e o hald sao devidos a nuvens de na- tureza muito differente,e que quasi nunca existem ao mesmo : tempo: a consideragao da nuvem corada vista pelo Sr. Brito _perde, pois, todo o seu valor, para dar ao phenomeno do _irisem torno da corda solar uma causa meteorologica. Talvez -seja admissivel que a corda solar, visto a fraqueza de sua luz, tenha podido dar logar ao phenomeno da corda me- teorologica com céres sensiveis , sobretudo projectando-se “sobre 0 fundo luminoso da atmosphera: é@ 0 que deixamos indeciso ; e talvez mesmo se possa attribuir o phenomeno 4 diffracedo dos raios solares tangenciando o limbo da lua. Todos os observadores notaram que a cordéa tinha a cor branca amarellada perto do limbo da lua, e prateada mais ao longe. e o Sr. Coelho achou que era amarella nos seus limites. A coréa no principio do phenomeno apresentava uma luz ais intensa do que no fim. e muito menos intensa para léste do que para oeste. 0 Sr. Mello estava preparado para no caso de apresentar ella um annel bem definido medil-a de um mesmo lado, no principio e no fim do phenomeno, para saber sobre qual dos siros era centralisada: porém o aspecto da corda se opp6z t esta indagacao. Mr. Liais fez uma observagio, a qual indica que acoréa Slava situada atras da lua, e por consequencia que ella 440 REVISTA BRAZILEIRA. pertencia a atmosphera do sol; sobre este ponto se exprime elle assim no seu relatorio : : « Sete a oito segundos depois do principio da obscuridade total eu fixei minha attencao do lado de léste sobre o feixe — de raios tangentes (que era aquelle dos raios conicos e -curvos | que tinha a ponta voltada para cima,e que no ponto de : partida tangenciava a lua), e minha attencao ficou dirigida por 15 a 20 segundos sobre este feixe e sobre uma protu- — berancia branca, bordada de preto, da qual elle partia. Um dos raios do feixe, em particular, tocava a extremidade desta protuberancia, e prolongando-se além, vinha en- contrar a lua em uma pequena distancia de 2° proxima- mente. Eu vi esta distancia desapparecer pouco a pouco, ficando comtudo o raio fixo na extremidade da protuberancia, e contrastando por sua claridade com a bordadura negra desta ultima. « Visuccessivamente a parte brilhante da protuberancia — desapparecer atras da lua, ficando um ponto negro, que des- appareceu quasi 3 segundos depois. O ponto de partida sobre a lua do raio mencionado se achava nesse instante exacta-— mente no logar onde esse ponto negro, que se assemelhava a projeccao de uma montanha lunar, desappareceu. » Mr. Liais observou a cordéa em seu oculo, sobrepondo uma turmalina 4 ocular, e notou entao um enfraquecimento geral dos raios e do fundo da corda, no sentido do eixo da tur- malina. Este enfraquecimento era pouco pronunciado, porem sensivel. Fazendo gyrar a turmalina, este enfraquecimento | no sentido do eixo foi notado todo 4 roda do sol, e parecia, ter igualmente logar para os raios de todas as naturezas. A regiao da lua nao parecia pelo contrario mudar de inten- sidade, 0 que prova que nao havia polarisacao atmospherica, bem apreciavel nesta direccao. O mesmo observador langou depois a olho nie com o polariscopio de Savart um olhar rapido sobre a atmosphera na regiao da lua. Elle notou al+ ECLIPSE DO SOL. : AAA guns tracos de bandas sobre a corda e nada de apreciavel nos arredores. As bandas eram muito fracas sobre a corda, e asua coloracao nao era sensivel. | Nas extremidades do campo do polariscopio comecava a polarisagao atmospherica, porem o sentido nao foi deter- minado abaixo e acima da lua, attenta a fraqueza da luz, e esta observacao tomaria muito tempo ; resultando do que precede que a corda é polarisada, porem fracamente. Duas observacdes foram feitas sobre a intensidade da luz da corda: a 4* pelo Sr. Azambuja, o qual nofou que a corda nao produzia sombras dos corpos: e a 98 por Mr. Liais , que empregou um photometro que imaginara para este fim, € que se compunha de um pequeno oculo de campo estreito e rectangular, collocado sobre o mesmo pé dos outros oculos do mesmo observador, e paralielo a estes, de maneira que elle estava jd apontado para a lua no principio da obser- vacio. A imagem desse campo era duplicada por um prisma birefrangente , e uma turmalina gyrava diante deste prisma. O observador conduziu rapidamente a turmalina a uma - posicao tal, que na fenda da esquerda a porcao desta fenda que se projectava sobre a corda lhe pareceu da mesma in- tensidade que a porcao da outra imagem da fenda, na qual se projectava o centro dalua. Elle deixou depois a turmalina nesta situacio, adiando a leitura para depois da volta do sol, e passou a outras observagoes. Ao depois , quando foi examinada a posicao dada a \urmalina, elle reconheceu que o seu eixo fazia um angulo de 2° 15° com a seccao prin- cipal do prisma birefrangente. A relacio da intensidade da luz atmospherica na regiao da lua, sommada com a luz cinzenta, para a luz da corda épois igual 4 tangente de 2° 15" ou a 0,039. Em outros termos, a.corda (e aqui se trata da regiao mais brilhante para o meio da totalidade, e nao da parte a mais infensa, isto é, para léste da lua no principio do phenomeno, e 442 REVISTA BRAZILEIRA. para oeste no fim) é quasi 25 vezes mais luminosa do que a atmosphera na regiao da lua , sommada com a luz ¢in- zenta. Ora, a intensidade da luz at mospherica sendo medida pela visibilidade das estrellas, isso completa a medida pho- — tometrica acima. Tinham-se feito preparativos para photographar a coréa, mas no momento em que se ia tentar a experiencia, e quando, segundo o calculo, ainda deviam decorrer 42 se- gundos de obscuridade, o sol appareceu, e logo uma viva luz encheu os campos dos oculos, e a corda deixou de ser visivel para todos os observadores. Porém , tomando a pre- caugao de afastar o crescente solar do campo do oculo , ainda Mr. Liais avistou a corda por 18 a 20 segundos depois do apparecimento do sol. « ' No principio do phenomeno a coréa foi vista por Mr. Liais projectada sobre o vidro baco, no fico de uma objectiva de 3 polegadas e de 2,184 metros de distancia focal. O olho estava entao na obscuridade, e nenhuma luz estranha cahia sobre o vidro, em consequencia das disposicdes tomadas no instrumento. Nenhum phenomeno concernente 4 corda foi visto no Rio de Janeiro. PROTUBERANCIAS. Durante a obscuridade total muitas protuberancias se mos- traram sobre 0 contorno da lua, mas nenhum dos observa- dores notou cdr vermelha nesse phenomeno. Essas protuberancias eram umas brancas e outras leve- mente rosadas. O Sr. Coelho, que sé fixou a sua attencao sobre as tres do limbo de oeste, foi o unico que viu a cér mais avermelhada. QO numero das protuberancias variou na duragio do phe- nomeno, Assim que o sol desappareceu mostraram-se 3 dellas —— a a : ECLIPSE DO SOL. 443 sobre o limbo de léste do astro. Segundo Mr. Liais, que tinha em um dos seus oculos 0 campo rodeado de cortes para ava- liagao dos angulos, a 1* estava a 45° proximamente do ponto inferior do sol, a 2°.a 105°, e a 38a 135°. Estas 3 protu- ‘berancias eram muito baixas, e mais largas do que altas, prin- cipalmente a 4?. Ellas eram de um branco vivo, sendo a 4*e 2 hordadas de preto. A oeste duas protuberancias se no. taramy a maior dellas situada a 110°, e a 2? a 170° do ponto inferior. Estas duas protuberancias eram brancas, levemente rosadas. A 4? via-se a olho nu como um ponto brilhante e rosado, e foi a unica das protuberancias que assim se pode ver. No oculo ella se compunha de uma ponta conicas de larga base, de lados arredondados, com uma pequena sa- liencia junto 4 basee situada acima. Mr. Liais notou que 7a 8 segundos depois do principio da obscuridade total ella occupava os 8 decimos de uma divisao do seu oculo dividido, 0 que lhe daria entao 58” de altura. Segundo o Sr. Coelho, a 2? protuberancia tinha a forma de um-ectangulo alonga- do e inclinado sobre o limbo da lua. No meio do phenomeno as protuberancias de léste haviam desapparecido: a parte clara das protuberancias bordadas de negro, tendo desapparecido atras da lua, antes da extremidade negra da bordadura, fica- ram ainda estas, e a da 1* ainda durou 3 segundos depois da parte clara, parecendo-se durante esses instantes com a projeccio de uma montanha lunar. No mesmo tempo uma 3* protuberancia appareceu para oeste, proximamente a 60° do ponto inferior do sol; ella era pouco rosada como as duas outras do mesmo lado, e de pequena altura. Segundo 0 Sr. Coe- tho, ella se compunha de um pequeno rectangulo inclina- _ do para baixo, e sobre este uma saliencia conica de lados den- - tados. No fim da obscuridade total, Mr. Liais mediu de novo : a protuberancia a mais elevada, que ja tinha medido, e notou : que ella tomava pouco mais de uma divisao do seu oculo, 0 que the dava de 1’ 12” a1’ 18”. a 30 Ah REVISTA BRAZILEIRA. Esta protuberancia, que no principio do phenomeno sé tinha 2 saliencias, apresentava agora 3, e a 44, que entao apenas apontava, enchia ja os dous decimos de uma divisao do oculo, ou 14 a45”. Apenas se completava esta medida, quando 0 sol, annun- ciado pelo augmento de brilho desse lado da corda, se mos- lou, e€ as protuberancias desappareceram, sem que fosse possivel avistal-as, nem mesmo desviando o disco do sol do campo do oculo, porque ellas sahiram tambem. QO Sr. Melloe o Sr. Nunes notaram na grande protuberan- cia, além das tres proeminencias principaes, muitas outras mais pequenas, que alongavam esta protuberancia para cima. . Para este o Sr. Mello sé notou uma protuberancia, a segunda, que era mais elevada desse lado ; isto provém de ter esta proeminencia desapparecido depois das outras, e de ser ja a unica vizivel quando elle dirigiu o seu oculo para essa direccao. Q Sr. Coelho so notou as protuberancia de oeste, pois que a sua attencao pouco se dirigin para o lado opposto. Na estacgao dos Pinheiros nenhuma_ protuberancia foi notada; talvez por lerem apparecido brancas, e nao verme- Ihas, como se esperava que ellas se mostrassem, fazendo parte da corda. Na estacao da Campina viu-se para oestle, e na parte supe- rior da lua, uma serie de protuberancias, oceupando toda a regiao situada entre as duas vistas desse lado na estacao central. Essas protuberancias diz o Sr. Galvao que pareciam chumbo fundido e em oscillacao; ellas foram vistas atraves de um yidro vermelho, e o desenho dos Srs. Barauna e Galvaio apresentava uma linha dentada e com as proeminen- cias mais elevadas na direccao da grande protuberancia vista na estacao central. Este phenomeno, tendo sido instantaneo, nao deu tempo a tirar-se 0 vidro vermelho. oe ECLIPSE DO SOL. AAS Na estacio central Mr. Liais duplicou com um prisma bire- frangente a imagem das protuberancias, sem notar alguma differenca de intensidade entre as duas imagens. O mesmo observador notou igualmente aimagem das protuberancias projectada sobre o vidro baco. Quasi todos os observadores notaram no principio da obscu- ridade total, do lado em que o sol tinha desapparecido, e no fim, do lado onde ia apparecer de novo, uma linha branca muito estreita e brilhante, bordando o limbo da lua, e que teve a duracio de 1 a 3 segundos, e era ondulada sobre o limbo. Nos Pinheiros, segundo o Sr. Brito , viu-se, antes da obscu- ridade total e antes que a corda se formasse, a lua rodeada de uma zona muito estreita cor de mercurio e ondulada. Este phenomeno foi instantaneo, e immediatamente depois a corda appareceu. Na estacao central o Sr. Azambuja viu igualmente uma franja de fogo instantaneamente em torno da lua. Sem duvida taes apparencias se podem attribuir ao deslumbra- mento, que ao primeiro momento sd deixou ver a parte mais brilhante da coréa. Segundo Mr. Liais, no principio do eclipse total 0 arco _ branco era limitado nas duas proeminencias extremas do lado de leste, e no fim elle excedia um pouco as proeminencias : extremas do lado de oeste. O Sr. Coelho notou um arco bran- co amarellado com uma leve bordadura vermelha, por fora desta uma outra de azul muito fraco, occupando no principio da totalidade o limbo léste do sol, e mesmo a parte superior e inferior desse limbo, onde a linha vermelha a elle se approxi- mava: 0 seu oculo era achromatico e visava por vidros azues. Na vespera do eclipse o mao estado da atmosphera nao - permittira observar as manchas do sol. - No dia seguinte do phenomeno uma nova mancha appare- ceu sobre o limbo do sol, muito perto da 3° protuberancia de léste, mas nao se viu mancha alguma correspondendo ds ou- AAG REVISTA BRAZILEIRA. tras protuberancias do mesmo lado ; igualmente nao se achou alguma facula correspondendo as posicdes das protuberancias. No dia 9 outras manchas appareceram sobre 0 mesmo limbo do sol, mas nao parece possivel que ellas podessem correspon- der as posicoes das protuberancias. Antes do eclipse as manchas solares foram desenhadas no palacio imperial deS. Christovao , sendo 0 ultimo desenho de | 4de Setembro. Alli se viaa grande mancha em losango, que tinha mudado um pouco de forma, e era vizivel a olho nti no dia do eclipse; porém nao se encontram nesse desenho tres manchas ou tres grupos de manchas que podessem attingir 0 limbo occidental do sol no dia 7 de Setembro em posicdes correspondentes as tres proeminencias vistas sobre 0 limbo; e sdmente um dos grupos alli se conservou nos dias seguintes : teria talvez correspondido 4 posicio da grande protuberancia. INFLUENCIA DO ECLIPSE SOBRE OS HOMENS E OS ANIMAES. Com quanto a impressao produzida pelos eclipses sobre os homens e os animaes nao seja do dominio da astronomia, a commissao, conformando-se com o uso seguido pelos obser- vadores de eclipses anteriores, reuniu os factos seguintes . que chegaram ao seu conhecimento : As coloragdes singulares do céo e dos objectos davam ao phenomeno um aspecto medonho para as pessoas que nao estavam instruidas da existencia do phenomeno, ou que nao comprehendiam a sua causa. Nao é@ pois de admirar que na Campina, além das mon- tanhas, os observadores notassem um grande susto em muitos dos habitantes. Em Paranagua mesmo algumas pessoas, ainda que prevenidas , ficaram sorprezas; porém a maior parte da populagao experimentou mui differente impressao, partilhada tambem pelos astronomos da expedicao , que foi a da admira- ECLIPSE DO SOL. 447 cao da magnificencia do espectaculo que se manifestava a seus olhos. Na estacao central de Paranagua houve um grande silencio nomomento da obscuridade total; mas, desde que o sol reap- pareceu, Os passaros no bosque vizinho, as cigarras e varios orthopteros tornaram a comecar 0 seuruido em torno de nos. A bordo do vapor Pedro IT notou-se que as gailinhas, que tinham sido soltas, correram apressadas para a capoeira, eas gaivotas, que esvoacavam em torno do navio se reuniram, em srupos, pousadas na superficie do mar até a volta da clari- dade, em quanto que nos Pinheiros um cao que tinham atado perto dos observadores nao manifestou inquietacio alguma. Na Campina notou-se que os bois, os cavallos e outros quadrupedes corriam espantados pelo campo, e que as aves de terreiro serecolheram apressadamente para onde costuma- vam dormir. Os passaros silvestres voavam assustados por cima dos observadores, procurando um abrigo. No palacio imperial de S. Christovao , onde o eclipse ape- nas foi parcial, viu-se passarem-os urubus para o lado onde costumam ir pernoitar; os passaros de gaiola diminuiram o seu canto, e quasi que emmudeceram , e um caozinho escon- deu-se debaixo de uma cadeira, como para dormir. A’s 14" 53" ainda se viam voar os urubls como que aturdidos. OBSERVACOES PHOTOGRAPHICAS. Foram extrahidas 15 photographias do sol em Paranagua , por Mr. Liais, em quanto o eclipse era parcial. Foram ellas obtidas nas horas seguintes: 1* 9" 42" 5°,6 alguns minutos depois do principio do 2" 10 6 56,4 — eclipse, quando o sol se mostrou em 3° 40 8 17,9 um claro. 4° 40 410 59,6 Bt 40... A4,.'36,.6 448 REVISTA BRAZILEIRA. 63 10 39 23,3 72 4020 S258 8° 10 44 17,8 -92 10 59 16,2 102 44 6 23,0 Peasy ad “9679 Te oki ed ha HOE) 1390 Vb SAA Aha qd 56 °F 9852 ( Desejava-se esperar ainda para empregar estes dous vi- » dros, que eram os ullimos preparados ; mas 0 receio das 453 44 58 30; Y ( nuvens fez apressar a extraccao. Immediatamente depois do eclipse tratou-se de fazer appa- recer no acido gallico estas provas, obtidas sobre 0 vidro sécco, collodionado e albuminado. Doze d’entre ellas, as de n. 4, 2, 3, 4, 5, 6,7, 8, 10, 12, 13 e 14 sahiram perfeitas; a prova n. 9 nao appareceu, as de ns. 14 e 45 appareceram im- perfeitas por ter havido algum abalo no instrumento, apezar das precaucdes tomadas em contrario, quando se fez passar 0 obturador de corredica, onde havia uma fenda para a entrada, da luz. Todas as provas foram obtidas directamente no foco do oculo de 3 polegadas, e de 2,184 metros de foco, disposto especialmente para este fim. Nao se fez augmentar a imagem por uma ocular por causa das alteracdes que assim se produzem na forma da imagem e na distribuicao da luz. A difficuldade de sujeitar o instrumento em um terreno arenoso nao permittiu a Mr. Liais empregar uma maior dis- tancia focal de outra objectiva, da qual estava munido para esse fim. As provas obtidas apresentam um phenomeno singular. Todas aquellas onde o crescente solar é muito pequeno, @ onde por consequencia as pontas deviam ser muito afiladas, como appareciam no oculo, apresentavam pontas um pouco . ECLIPSE DO SOL. 4A _arredondadas, como se existisse quer um foco chimico, quer uma especie de irradiacao photographica. Uma unica prova, a de n. 8, faz excepcao, porque apre- sentou as pontas perfeitamente agudas; o que mostra que © phenomeno visto nas outras nao provinha de um féco chimico, porque a mesma distancia focal foi sempre empre- gada. Talvez se possa attribuir este effeito ao aquecimento do tubo do oculo, 0 que modifica a refraccao do ar interior, e sobre o que Mr. Faye chamou por muitas vezes a attencao. Pode-se affirmar comtudo que sobre o vidro baco as ima- gens appareceram sempre perfeitas. Resulta da discussio dos angulos de posicao da linha das pontas, e do diametro norte sul do sol, que a estacao de Para- nagua estava bem sobre a linha central do eclipse. E’ com ‘effeito evidente que o centro da lua se movia proxima- mente em linha recta sobre o sol, pois que o angulo da linha das pontas com a linha norte sul do sol nao variava, o que sO aconteceria se o centro da lua descrevesse um dia- metro do sol ; entretanto que, se percorresse uma corda, have- ria grande variacao mesmo para uma mul fraca excentrici- dade, na vizinhanga do meio do eclipse. Existe comtudo uma pequena variagao do angulo de posicao no caso de eclipse central, porque 0 movimento appa- rente da lua sobre o sol nao é inteiramente em linha recta, porém a curvatura 6 mui pequena, e pode ser calculada por meio das taboas. ’ Ora, acha-se assim que em 7 de Setembro, eim nossa esta- cao, supposta sobre a linha central, o angulo da linha das pontas nao devia variar entre os instantes das provas ns. 8 e 10, as mais proximas do eclipse central, antes e depois. Acha-se, demais, que 0 angulo da linha dos centros (que é perpendicular 4 linha das pontas) com o diametro norte sul do sol, que era de 48°, segundo o ecalculo no principio do eclipse, devia diminuir até um pouco depois do meio, onde se 450 REVISTA BRAZILEIRA, reduziria a 43°, para augmentar depois até o fim do gia no, onde devia ser de 44°, Ora, as doze photographias do sol dao os angulos se- guintes : Num. das provas. 1 45° 50 2 45 27 3 4D 0 4 43 4h pa 440 0’. Estas duas provas foram extrahidas 5 4A 45 { com alguns segundos de intervallo. 6 42 20 ) Media 429 40’. Estas duas proyas tambem foram vA 1) 20 \ extrahidas com alguns segundos de interyallo, 8 42 36 10 43 0 12 43 45 13 4h =—3 14 42 0 A incerteza sobre estes angulos é de alguns minutos, e nao chega a 1°, devido isso a pequenas flexdes que certamente soffreu o instrumento quando, no momento de photographar, era elle sujeitado fortemente com escoras fixas perto do caixi7 lho e apoiadas sobre a terra; estas precaucdes eram indis- pensaveis para que 0 movimento do obturador de corredi¢a nao imprimisse alguma oscillacao ao instrumento. Vé-se comtudo no mappa acima que o angulo da linha das pontas e do diametro norte sul do sol apresentou uma leve diminuicao, bastante regular, desde o principio até o meio do phenomeno, para crescer depois, e que entre as provas ns. 8 e 10 apenas houve uma differenca de alguns minutos, entre- tanto que, para uma hem pequena excentricidade, teriam havido muitos graos. Attendendo mesmo ao maximo erro possivel sobre os angulos, nao se pode admittir que a differenca entre os angu- ECLIPSE DO SOL. ADA los das provas ns. 8 e 10 tenha notavelmente excedido 1°; ora, Na prova n. 10a distancia dos centros era de 125” pro- ximamente, e naprova n. 8, de 358". Vé-se, pois, que a maior distancia angular dos centros, que se pode suppor que tivemos na nossa estacaéo, nao excede- ra 1,5. Ora, esta excentricidade sé teria diminuido de 0,'7 a duragao do eclipse: logo, a grande differenca de duracio do eclipse total, entre o calculo de Mr. Carrington e a obser- vacao, sd pode provir de um erro sobre os diametros dos astros. Esta conclusio é confirmada pelas medidas dos dia- metros dos astros, deduzidas das medidas das cordas, e das flexas feitas sobre a prova n. 8, onde nao ha tracos sensi- veis de irradiacao ou de fico chimico. A irradiacio, que augmentava o diametro do sol e diminuia o dalua de uma mesma quantidade, foi por outro modo calculada, compa- rando-se a differenca dos dous diametros dados, um pela photographia, e outro pela duracao da obscuridade total; ao depois attiendeu-se a esta irradiacao, e foi assim que se che- gou ao resultado que se acaba de expor. Para poder transformar em angulos as medidas lunares feitas sobre as chapas photographicas, tiraram-se em 9 de Setembro duas imagens do sol sobre 0 mesmo vidro duas vezes eaintervallos dados. MEDIDAS DAS DISTANCIAS DAS PONTAS DO CRESCENTE SOLAR. Alem das photographias do sol lomadas emi diversos ins- tantes do eclipse, e que deram as medidas das distancias das pontas, o Sr. Pinheiro de Vasconcellos observou com o sextante as distancias seguintes na estacio central de Paranagua : 452 4° serie. 2° serie. 32 serie. A*® serie. 5* serie. O mesmo observador mediu ainda as distancias seguintes REVISTA BRAZILEIRA. Horas do logar. {10" 40" 59:8 \10 4 10 412 10 13 \10. 44 10 36 Be 37 (40 37 Mb 33 10 44 410 45 10 46 | £4 46 t li 1 +i8 (41 495 44. 47 Nay 47 56,8 39,8 46,8 42,8 2,8 0,8 6,8 43,8 21,8 22,8 25,8 31,8 27,8 41515 32,8 11,8 07,8 dos limbos da lua a Venus: Horas do logar. 10° 45" 54°8 10 56 54,8. i 63 «37,8 11 4 44,8 = 2s. ee ie ~~ ad Distancias das pontas. 0° 27 28 27 27 26 32 32 34 34 32 32 32 33 32 33 30 29 28 SIO AOS Si SOnS ois o 6 oo°C °° Distancias ao limbo pro- ximo da lua. hho 34! Ah 33 Distance. ao limb. remot. ae | 45 58 40” | 40 0 50 20 | 0 10 40 0 20 30 20 30 AO 20 0 10 0 50" 0 10 20 a See eS a ee ere rr. ECLIPSE DO SOL. 453 PW +6) 25,8 45 6A 10 Pieeth 91,8 45 4&4 20 A OT 4978 45 2 30 die 29 G38 AGF 2A BO: 414 10 48,8 45 3 40 No observatorio do Rio de Janeiro, e pouco antes da maior phase, tomou-se a distancia das pontas do crescente solar. A’s 10" 54™ 40° Distancia 0° 20° 33” OBSERVACOES METEOROLOGICAS. Em Paranagua, na manhaa do eclipse, ventava O. perto da superficie da terra, e asnuvens impellidas nessa direccao jam parar nas montanhas. A partir do principio do eclipse diminuiu a intensidade do vento, e o Sr. Azambuja no- tou a-bordo do vapor Pedro IJ cue o vento se acalmou totalmente no momento em que principiou o eclipse total. Immediatamente depois do apparecimento do soi apontou, diz 0 mesmo observador, um vento fraco da parte de E., que pouco a pouco se tornou regular, e impelliu as nu- vens, que se achavam formando uma camada inferior. Em 7 de Setembro de madrugada choveu abundante- mente; poreém ao nascer do sol cessou a chuva, e 0 ar clareou um pouco, ficando o céo sempre coberto de pequenas nuvens. A’s 7° 25" uma destas nuvens deu chuva, depois do que o sol apparecia por cima de um grosso de nuvens que corriam deE. para N., e formou-se um arco-iris : a chuva durou 5 minutos. A’s 7" 35" 0 sol se encobriu de novo, e sd foi apparecendo por intervallos. A’s 9" havia numerosos claros, aS Nuvens eram stratus, e pertenciam a camadas distinctas. As nuvens occultaram o primeiro contacto. A’s 9° 40™ 53° 0 sol tornou-se perfeitamente vizivel, e comegou a enco- brir-se de nuvens 30° depois. A’s 10" 5" sobreveio do oéste 454. REVISTA BRAZILEIRA. uma nuvem que deu alguma chuva, e logo depois o sol se tornou vizivel e brilhante por todo 0 tempo que durou 0 eclipse. A’s10° 40" os 0,6 do céo, proximamente, estavam descobertos, nenhum traco de cirrus se via, as nuvens for- mavam strato-cumulus, e sd se distinguia uma camada. A’s 11" 55” algumas dellas impellidas pelo vento de éste ameagavam invadir 0 sol, porém dissiparam-se antes de o attingir. A serenidade do céo nao passava de 0,4. A 1° as nuvens tornaram a cobrir 0 sol, formando claros durante a tarde. A’ noite as nuvens se dissiparam pouco depois do occaso do sol, e 0 céo conservou-se durante a primeira metade da noite de uma admiravel limpidez. A luz zodiacal era muito notavel. Antes do eclipse, e durante o principio do phenomeno , Mr. Liais observou o barometro, o thermometro funda e 0 psychrometro funda; e achou: Bar. a0® = Th. cent. Tenséo dovapor. Humidade. mn mm A’s.. 9°.0"...755,21 ,16°,0 11,20 0,78 9 30....755,09 17,8 12,00 0,79 10 0....756,05 O Sr. Martins continuou estas observacdes com os mesmos instrumentos, e achou: Bar.a0®. Th. cent. Tensdodo Humidade. vapor. A’s10°415".... 756,04 17°,25 43,15 0,90 10° 30122. 756,46 18, 00 14,59 0,76 10 45...... 794,93 18, 50 40,57 0,67 MM. 0.6... 7886 17, 00 11,59 0,76 11 15......754,30 17, 00 14,42 1,00 ECLIPSE DO SOL. 455 14 30....754,79 15, 50 12.25 0,99 141 45....754,64 16, 25 £4.99 0,98 0 0....754,32 17, 00 10,76 0,75 0 15....753,98 18, 00 10,17 0,67 0 30....754,37 18, 25 9,68 0,62 Estas observagdes indicam que 0 minimo da tempera- tura teve logar um pouco depois do eclipse, e que o abaixamento devido a esse phenomeno foi de quasi 3°. A humidade attingiu 0 maximo pouco depois do eclipse; e este maximo, resultado provavel da fusio das nuvens, . fez subir 0 barometro, que descia no principio do phe- nomeno, mais rapidamente do que a variacao diurna. 0 Sr. Senna Pereira, o pyrheliometro directo, e€ 0 acti- nometro de Pouillet; elle achou: Pyrheliometro. Actinometro. A’s.. 9" 25".27°.50 sombra. Constantem® dirigido parao sol. 9 30...26, 25 sol (muvens). 9 35...23, 00 sombra. 9 40...23, 50 sol (nimbus). 9 45...21, 75 sombra (chuva). 9 50...24, 00 sol (chuva), 9 55...20, 75 sombra (nuvens). 10 0...241, 00 sol (nuvens). 22°,00 10 5...24, 75 sombra. 23, 00 10 10...23, 25 sol (nuvens). 23, 50 10 15...23,.75 sombra. 32, 50 10 20...24, 25 sol. 31, 00 10 25...23, 00 sombra. 29, 50 10 30...23, 50 sol (nuvens). 27, 00 10 35...22, 00 sombra (nuvens). 25, 50 10 40...22, 25 sol (nuvens). 26, 00 10 45,..22, 25 sombra. 26, 00 456 REVISTA BRAZILEIRA. 10 50 ..24, 00 sol (vapores!. 23, 00 40 55...20, 25 sombra. 24, 50 14 0...19, 00 sol. 19, 00 44 5...48, 75 sombra. 47, 50 14 10...48, 50 sol: (nevoa). 17, 00 44 45...48, 00 sombra. 47,75 44 20...49, 00 sol. 20, 00 44 25...49, 25 sombra. 29.575 14 30...24, 00 sol. 25, 50 44 35...20, 75 sombra. 28, 75 14 40...23, 00 sol. 34, 50 44 45...22, 25 sombra. 33, 75 11 50...25, 00 sol. 36, 50 44 55...24, 00 sombra. 39, 50 4 V0. 272065801: 42, 00 0 5...25, 75 sombra. 43, 75 ) 0 10...26, 75 sol. 41, 45 | 0 15...26, 00 sombra. 44, 00 0 20...27, 50 sol. 41, 50 | 0 25...26, 75 sombra. 40, 00 0 30...28, 50 sol. 40, 50 ' Na Campina, um vento de éste fraco reinava desde manhiaa, e accumulava nuvens nas montanhas. Estas nuvens occullaram o 4° contacto, formou-se depois um claro na occasiao da totalidade, e na do ultimo contacto. Nos Pinheiros o ceo estava muito nublado, e as nuvens impediram a observacio do ultimo contacto. No imperial observatorio do Rio Janeiro fizeram-se as seguintes observacodes meteorologicas: Th. cent. a sombra. Th. cent. ao sol. Bar. de Fortin a 0. Mygr, de Saussure b m mm 6 As 10 0 ...19°,3 27°,9 766,62 93 10 5 ...19,4 25,2 766,50 . 93 10 10...49,5 10 10 10 10 10 10 10 10 10 14 11 44 | if 14 14 i M4 At ni 44 0 0 0 Oui 0 15. 20... 2a 30... 35... 40. 4D... $.19;5 49,5 19,4 1194 . 19,35 . 49,25 PAOAS io49:4 249,41 219.0 4.49.4 49:0 ZAOA Odd od ph 9A me. 9.4 kA 654952 ...19,25 pak Ose A 19,35 19,35 sod Oe 956 19,5 19,4 19,5 19,45 19,4 19,4 19,5 ECLIPSE DO SOL. 25,6 28,4 26,5 25,4 26,5 24,0 23,6 23.6 23,4 22,2 21,9 21,3 20,9 20,6 20,3 20,2 20,15 20,4 20,2 20,4 20,6 20,9 24,4 24,3 21,2 22,4 22,2 22,9 22,85 22,6 23,1 23,6 24,1 23,9 766,37 766,37 766,70 766,57 766,63 766,70 766,70 766,52 766,52 766,42 766,54 766,40 766,46 766,58 766,66 766,27 766,27 766,39 766,27 766,39 766,27 766,24 766,27 766,27 766,27 766,27 766,14 766,08 765,92. 766,02 765,96 766,06 765,87 765,80 457 458 REVISTA BRAZILEIRA. 4 0....19,7 244 765,97 92 4 5....19,75 26,6 765,84 94 110....19,9 . O44 765,62; 94 4 415....19,9 Qh. 765,62 . 94 4:20.2.19,9-~ - 23:9 -- 765,62 92 No principio destas observagdes 0 céo estava carregado de nimbus sobre o horizonte, alguns cirrus e cumulus viam-se na direccao do phenomeno, o vento estava de N. 0., e as puvens seguiam lentamente para 8.0. ds 40" 10". A’s 40" 30" 0 ‘vento tornou-se N. E. muito fresco, e as 10° 36" 30° comecou a diminuir voltando para. S. E.; todo o horizonte estava nevoado, e carregado para oN. A\’s 10" 55™ ventava S. E. muito forte e frio, o que foi desembaracando pouco a pouco 0 céo dos cirrus e cumulus que se achavam dispersos sobre fundo limpido e azul. A’s 14° 4° 38° continuava o vento S. E. forte: ds 11" 20" o vento mudou para S. S. E. fresco, e tudo assim se conservou até 1" 25" em que o céo se encheu de cumulus, € as nuvens corriam com grande velocidade impellidas ae fortis- simo de S. S. E. No palacio imperial de S. Christovao 0 théthometro de Fahrenheit abaixou de 1° das 14" da manhia até as 11" 15", depois subiu 4°,5 as 11° 40°. O hygrometro, que mar- cava 45 4s 14", indicava 46 as 14" 15”. Em Pernambuco notou-se que a maior phase do eclipse fez abaixar o thermometro de Fahrenheit de 2°,3. a ee “PCY Ap OLGuyny) op ZIU OU OJSIA DINU) 1p ea ab WY ‘BUDDUDLD,] Ud YGEY] OLQUIAJAS ap J ap asd estava carregado CHTUS & cumulus lo estava de N. 0 ». a3 10" 10 uilo fresco, e des ) para S. E.; todo para oN fr0,, 0 que foi S cirrus e@ cumulus impido e azul fortes as 11° 90 SSIM $e Conseryou ulus, @ as nuyen 3 pelo vento fortis » thermometro de anhija até as 44 rometro, que mat- : phase do eclipse NAGA ard. 8 em Pe ee Sedembro / Cometa visto no mez de Outubro de 180 NOTA. COMETA. O cometa que ainda se apresenta sobre o nosso horizonte apenas pode ser observado em a noite de 23 de Outubro, em razao do estado desfavoravel do céo. Determinei entio pela observacao, que se achava elle distante de («) do Triangulo Austral — 36° 20°; de () da Aguia — 25° 48’. A cauda, cuja luz era de intensidade uniforme em toda a sua extensao, apresentava a grandeza angular'de—4° 30’, no sentido do seu comprimento. Observatorio do Rio de Janeiro. 5 de Novembro de 41858. O director, A. M. DE MELLO. 1 APR 1886 ith sith deh Skene tek Hest f° , Oyen See sF. were Ca - < ar mera < gis ob £43 ehh cig sheers firs €¢lery2 £ Saw be SKE ba « 4 v4 r t 5 , : a (poesrin armen serene Gh mi Sant an calnallanmaimimmecenmy me Medy bean eter § rt ” ; ; ho das Vou Ap ptiereue Baits t t ‘ nies BG f i it ral ; a icon j ‘ nae ¥ ORES bays b 25 ‘ a ae : oe am, : } i 2 i ae rk ; pet “ H iA a Se Ro ge the > Nal ~ Ls me INDICE DOS ARTIGOS CONTIDOS NO N.° 3. . EXPOSIGAO UNIVERSAL EM PARIS. — Relatorio do commissario brazileiro o Sr. Antonio Goncalves Dias. PHILOSOPHIA.— Bossuet e Vico. Botanica. — Descripcao da arvore denominada pelo vulgo Bainha de Espada, pertencente 4 ordem natural das Artocarpeas, e proposta como typo de um genero novo: pelo Sr. Dr. Freire Allemao. : — Consideracdes sobre a estru@tura e usos de alguns péllos e orgaos analogos : pelo mesmo. PALESTRA SCIENTIFICA. — Extractos das actas das sessdes, COMMISSAO SCIENTIFICA. — Relatorio apresentado ao Institudo Llistorico e Geo- graphico Brazileiro pelo Sr. Dr. G. S. de Capanema, na sessao publica anniversaria de 15 de Dezembro de 1857. PorsiA. — O Giquitiba da serra de Sant’Anna: Braziliana dedicada ao Dr. Francisco Freire Allemao pelo Sr. Porto-Alegre. ASTRONOMIA. —-Relatorio dos trabalhos executados pela Commissao astrono- mica encarregada pelo Governo Imperial de observar na cidade de Para- nagud o eclipse total do sol que ahi teve logar no dia 7 de Setembro de 1858. i ComEtTA. — Pelo Sr. Dr. A. M. de Mello. (A estampa da botanica que falta, pertencente ao artigo sobre a estructura e usos de alguns péllos, sera publicada no proximo numero.) |" i 1" eae Sree eens erate ees eT Sarees Se et ae Pare ee ee