ja y EE 1 f t E Iser a= us; it Tasitutis tinto pus p ts ra bebi toso fr btados grito 5 Hasisieaii, TM bata pçdr e deis te CIP RADaISaSES: FeTeca ce FREE gs ApURy et ILph II Wielstetetataeo Ar SE ess tss 1 HEstyi + 2154 = + Es eee Te Ee t+ A so 44 Hi: É rsss rt < U SEprDE Sa deja 1 Hos Delel Te Sel dis Toieds Da criei sitecaios $ St: Sists e Free: Es ne5 ç ESSE Tr Es rrerecel ist ESA Eetere gesso sa: ste = Ei nmada Tess: =: = ESCE SEE eTesS Ceteio [EI ro leia, a Cylai es: So péqia Corpore de = times mel - TSE ieTa ta Eres e i HE Ee ; ú , ti dtt hate nd nim tata b É ER bri seagate tt te t + nes a SUMMARIO MEMORIAS ORIGINAES O mytho chaldeo-babylonico dos amores de Istar na tradi- cão occidental, por LacopmiLo BRAGA Cm e Notas sobre à linguagem vulgar do Porto, por J. Leite DE VAscoNcELLOS . NRO EE pn E Liste des odonates du Ped et note critique sur les Out - cHoGomepaus Genel, Selys et Hacentr, Selys, par At= BERT (FIRARD | VARIA Effects de la semi-domestication sur le daim CDaria vulga- TIS) d'aprês M. Ro paro €: OS MORTOS Antonio co Pereira Cóinnneo por R. Pp. pas. pag. pas. pas: pag. IO: 46 g E REVISTA DE SCIENCIAS NATURAES E SOCIAES ORGÃO DOS TRABALHOS DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO O MYTHO CHALDEO-BABYLONICO DOS AMORES DE ISTAR NA TRADIÇÃO OCCIDENTAL (ESTUDO SOBRE O CYCLO ROMANESCO DE JULIANA E JORGE) eem|PPOIS de termos determinado nos romances da ) 5 | y Gayarra das Asturias, e da Serrana de la Vera, Ê O A da Extremadura, que matam todos os seus =—————— amantes, os vestigios do antigo mytho da deusa Istar, da civilisação accádica, o Diabo-Venus da Edade média, outros desenvolvimentos do mesmo mytho appa- recem no romance popular de Juliana e Jorge, commum a - quasi todos os povos da Europa. Este romance, reduzido “à simplicidade do seu thema, resume-se no castigo que uma amante dá ao namorado, no momentolem que lhe annuncia que vae casar com outra mulher, A mesma sim- plicidade ou vulgaridade do assumpto faria com que o ro- anamce ce decompozesse. em prosa anedoctica, se é que elle tivesse origem n'umá idealisação da realidade; a sua conservação em povos diversissimos, e sempre na fórma poetica, explicam-nos que essa persistencia é devida à uni- versalidade de um mytho, que se transformou em lenda VOL. 1 i 1 to REVISTA -.DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO popular, e se adaptou entre aquelles povos em que exis- tiam concepções analogas, apesar da diversidade das raças em que elle se encontra. As duas mulheres rivaes, são Istar e Allat, as duas manifestações divinas do principio feminino Belt; Istar, era adorada no planeta Venus, com as suas apparições ao anoitecer e de madrugada, (1) ou a luz dos dois crepus- culos matutino e vespertino. Allat, é a noite, ou o Paiz immutavel da região escura do Inferno. Comprehende-se a antinomia entre as duas deusas, a que é a manifesta- ção do mundo das estrellas, e a que é a Grande Senhora da Terra, a deusa chtoniana e infernal, Douzi, Douwasi ([hammuz) o esposo mysterioso de Istar, apresenta um caracter solar indiscutível; a sua entrada na região das sombras, no Paiz immutavel cahindo sob o poder de Allat, mostra como o mytho nasceu da personificação do phe- nomeno da natureza. Lenormant, caracterisando o aspecto planetario nas religiões chaldeo-babylonicas como conse- quencia de uma systematisação dos antigos elementos, conclue: « À unica divindade, que desde os tempos mais antigos apresenta uma physionomia planetaria bem deter- minada é Istar. Em contraposição, nada mais claro e mais bem estabelecido do que o caracter solar de seu esposo Douzi ou Fhammuz; reconheceu-se desde longo tempo na religião da Phenicia, onde, demais, desempenhava uma acção muito mais consideravel na mythologia babylonica. Estes deuses, que morrem e resuscitam periodicamente, proprios do culto da Asia anterior, são personificação do Sol nas phases successivas do seu curso diurno e da sua carreira annual. » (2) | A idealisação d'este phenomeno, o Sol descendo ao occaso, ou para as trevas da Noite, e para o solsticio do (1) Lenormant, Magie, p. 108. (2) Gldi ib pero, REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO o 2) Inverno, deu-se tambem nos povos áricos, e é a base ge- ral da sua mythologia. O aspecto planetario é exclusiva- mente chaldeo-babylonico, mas os mythos baseados sobre elle, podem facilmente adaptar-se ao aspecto crepuscular e solar das mythologias indo-europêas. Como Istar, a deusa com as duas apparições da es- trella da tarde e da manhã, e esposa de Thammuz, Allat é tambem a esposa do Sol. Diz Tiele, na Historia compa- rada das antigas Religiões: « Os Babylonios tinham tam- bem a sua Allat, a raanha do imperio dos mortos, a es- posa do Sol, residindo no mundo infernal, a sombria deusa que lança veneno nas vêas d'aquelles que violam os seus juramentos, de sorte que resultam as mais terriveis doenças.» (1) No romance de Juliana e Jorge, é com ve- neno que ella castiga o perjurio do amante que lhe an- nuncia que se vae desposar com outra mulher; e elle, montado no seu cavallo, sente que lhe vae faltando a luz. Esta tradição apparece em uma duma da Ukrania (Gre- gorio), em um canto da Suecia (a Historia de Olaf), em “um canto da Escossia (Lord Randal e Sir William), na Bretanha franceza (J'a fait un rêéve), nas Asturias (El Convite), na Catalunha (La inoble venganza), e em Por- tugal, em Traz-os-Montes (D. Ausenia), ilhas dos Açores (O caso de Juliana e Jorge), no Brazil, Ceará e Pernambuco (Juliana e Jorge) e em um Plhego suelto castellano do se- culo xvr (Moriana). A quasi universalidade d'esta tradição entre povos tão diversos, como slavos, scandinavos, ger- manicos, bretãos e romanicos, prova-nos a profundidade primitiva das suas raizes ethnicas, e os varios grãos de transformação do thema primordial fundado sobre uma concepção mythica. A transformação dos mythos chaldeo-babylonicos E) e eles pr! Cit, Divioo: En? d REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO operou-se ainda na grande civilisação da Asia anterior; basta recordar a relação entre a lenda de Semiramis com o mytho de Samouramat, o céo elevado, do Peixe Oannes com o mytho de Hea ou Ea-Han ou Dagan, o peixe Sal- vador, que ainda persiste nos Contos populares europeus. Nas dez versões do romance de Juliana e Jorge ha differentes grãos de elaboração do mesmo thema; na tra- dição scandinava, a Historia de Olaf representa o con- flicto de dois amores do mancebo entre o Elf e a noiva: conserva ainda o elemento mythico, quando o Sol no seu giro atravessando a floresta, é vencido pelo crepusculo da noite ou a Aurora vespertina sobre os amores da Aurora matutina. Na tradição da Finlandia, onde os vestigios tu-: ranianos são mais persistentes como se observa pelo es- tudo da epopêa mythica do Kalevala, a tradição desen- volve-se na fórma de lenda, e o noivo que sacrifica a sua namorada é envenenado. Sabendo-se como nas povoações primitivas da Europa entrou um elemento mongoloide, da mesma raça que na Ásia anterior creou a grande civi- lisação accádica, e conhecendo-se como persistem vesti- gios de superstições e cultos chtonianos, que os monu- mentos da Chaldêa hoje explicam, torna-se logico o ac- ceitar a proveniencia d'estes vestigios poeticos conservados no Romanceiro popular, a que já se referia Strabão ma- ravilhado da sua enorme antiguidade. Nas Notas aos Cantos populares do Brazil, (t. 11, p. 199) aproximando os paradigmas do romance de Juliana e Jorge, fomos levado pela versão da Catalunha à seguinte affirmação: « O nome de Gudriana faz-nos lembrar o da heromna germanica Gudruna, e o quadro descripto esse thema violento das cantilenas normandas da epopêa al- lemã. Sigurd, segundo a tradição epica do Edda, esque- ce-se de Brunhilde com quem estava para casar, por effeito de uma bebida magica que lhe deu a mãe de Gu- druna, com a qual elle depois casa. Como o Jorge, do = = po E - REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO romance insulano e brazileiro, Sigurd tambem tem um cavallo, o Grani que atravessa o fogo.» Esta primeira in- terpretação não contradiz a conclusão actual, porque a situação de Sigurd entre os dois amores deriva da sua origem como heroe solar. A referencia mais antiga conhecida d'este romance na tradição peninsular, acha-se em uma Ensalada ou folha- volante de Romances, da Bibliotheca de Praga, publicada por F. Wolf, onde apparecem dois versos de um romance que não chegou a ser collhgido no seculo xvr: 1) à Que me diestes, Mariana Que me diestes en el vino? X Menendez Pidal, nos Viejos romances asturianos, no- tou que estes: dois versos pertenciam ao cyclo de Juliana e Jorge, conhecido nas Asturias sob o titulo El Convite. Gil Vicente allude ao canto popular Moliana, Mo- lana; e nas ilhas dos Açores ainda se diz em tom de ameaça: « Heide-te fazer cantar a Moliana.» Aproximaremos todas as versões d'este romance pela ordem em que as fomos encontrando nas lições oraes ou. escriptas, para se deduzir da, mutua similaridade ,o seu indiscutivel caracter mythico. 2) A. — JULIANA (veRrSsÃO DE PERNAMBUCO) — Deus vos salve, Juliana, No teu estrado assentada. « Deus vos salve, rei Dom Jóca No teu cavallo montado. Rei Dom Joca, me contaram Que tu estavas p'ra casar? — Quem t'o disse, Juliana, Fez bem em te desenganar, REVISTA. DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO « Rei Dom Jóca, se casaes, Tornae ao bem querer, Poderás enviuvar E tornar ao meu poder. — Eu ainda que enviuve, E que torne enviuvar, Acho mais facil morrer, Do que comtigo casar. « Espera ahi, meu Dom Jóca, Deixa subir meu sobrado, Vou vêr um cópo de vinho, Que p'ra ti tenho guardado. — Juliana, eu te peço Que não faças falsidade, Vejaes que somos parentes, Prima minha da minha alma. Que me deste, Juliana, N'ºeste copinho de vinho, Que estou co'a rédea na mão, Não conheço o meu caminho ? A minha mãe bem cuidava Que tinha o seu filho vivo! « À minha tambem cuidava Que tu casavas commigo. — Oh meu pae, senhora mãe Me bote a sua benção, Abrace bem apertado O meu maninho João, Meu pae, senhora mãe Me bote a sua benção ; Lembranças á Dona Maria, Tambem á Dona Cellerencia. A minha alma entrego a Deus, O corpo á terra fria, À fazenda e o dinheiro Entregue a Dona Maria. — « Cale a bocca, meu Dom Jóca, Ponde o coração em Deus, Que este copo de veneno Quem te hade vingar sou eu. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS - Já acabou-se, já acabou-se, Oh flor de Alexandria ! Com quem casará agora Aquella moça Maria ? Já acabou-se, já acabou-se, Já acabou-se, já deu fim, Nossa Senhora da Guia Queira-se lembrar de mim. B. — vERSÃO DO CEARA Dom Jorge se namorava D'uma mocinha mui bella; Pois que apanhando servido Ousou logo de ausentar-se, Em procura de outra moça Para com ella cnsar. Juliana que isto soube Pegou logo a chorar ; A mãe lhe perguntou: RIBEIRO -— De que choras, minha filha ? « E Dom Jorge, minha mãe Que com outra vae casar. — Bem te disse, Juliana, Que em homens não te fiasses ; Não era dos primeiros Que as mulheres enganasse. — « Deus te salve, Juliana, No teu sobrado assentada ! « Deus te salve, rei Dom Jorge, No teu cavallo montado. Ouvi dizer, rei Dom Jorge Que estavas para casar ? — « É verdade, Juliana, Já te vinha desenganar. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO « Esperae, rei Dom Jorge, Deixa eu subir a sobrado; Deixa buscar um copinho Que tenho p'ra ti guardado. — « Eu lhe peço, Juliana, Que não haja falsidade ; Olhe que somos parentes, Prima minha da minha alma. « Eu lhe juro por minha mãe, Pelo Deus que me creou, Que rei Dom Jorge não logra Esse seu novo amor. — « Que me deitas, Juliana Nºeste seu copo de vinho ? Estou com as redeas nas mãos Não enxergo meu rucinho? Ai, que é do meu paesinho, Por elle pergunto eu? Eu morro, é do veneno Que Juliana me deu. — Morra, morra o meu filhinho, Morra contrito com Deus, Que a morte que te fizeram Ella quem vinga sou eu. — « Valha-me Deus do céo Que estou com uma grande dôr; A maior pena que levo É não vêr meu novo amor. C. -- VERSÃO DA ILHA DE S. MIGUEL « Deus te salve, Juliana, Sentada no teu estrado ! -— Deus te salve a ti, D. Jorge, Em cima do teu cavallo ! REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO « Eu venho-te convidar Se queres ir ao meu noivado ? -—— Espera-me ahi, D. Jorge, Espera-me um poucachinho, Emquanto-te vou buscar Uma taça com bom vinho. « Que me deste, Juliana, Nesta taça com bom vinho ? Que tenho o freio na mão, Não enxergo o cavallinho ? — Ahi servirá de exemplo A quem o quizer tomar; Quem deve as honras alheias Comsigo ira pagar. « Já minha madre o sabe Que não tem o seu menino ! — Já minha madre o sabe Que eu não tenho meu marido. D. — vERSÃO DE TRAZ-OS-MONTES — Apeia-te, oh cavalleiro, “Vamos d'ahi merendar. « Tu que tens, oh Dona Ausênia Guardado para me dar ? — Tenho vinho de ha sete annos Guardado para te dar. « Eu não sei, oh Dona Ausênia Se será muito guardar. oo... . se. e jo ta ia “e soco cogse Que botaste a este vinho ? — Eu botei-lhe resalgar, E pós de lagarto moido. REVISTA -DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO « Oh meus filhos sem ter pae, Minha mulher sem marido! -— Triste de ti, Dona Ausênia Co'o teu credito perdido, 3) LA INNOBLE VENGANZA (versão DA CATALUNHA) Aqui esta la Gudriana En su jardi delicado, Collintne lindas floretas Per su lindo enamorado. Mientras las estay cullendo Don Guespo n'es arribado. | — Deu la guart, la Gudriana ! « Don Guespo ben arribado. — Domingo eu sun de bodas ; Agui vincho á convidarla. « Que se senti aqui, Don Guespo, En esta pedraípicada, Tomará un bocadito Y en beurá una vegada. Quant Don Guespo ho que begut Ya no veya el seu caballo. — Que m'has dat la Gudriana, Que no veo mi caballo ? « L'hi dada una medicina Qu'el Doctó no lha ordenado. — S1 tingués papé y tintero Per escriure una carta A la triste de mi madre Que no'm veurá torná á casa. A diez horas de la noche Guespo malo yá n'estaba, A las doce de la noche Guespo muriendo ya n'estaba; REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO La punta de "alba clara Guespo enterrado estaba, Ya portan la Gudriana Que Vanavan á cremarla. 4) El, CONVITE (versÃO DAS ASTURIAS) — Vengo brindado, Mariana, Para una boda el domingo. . « Esa boda, Don Alonso, Debiera ser comigo. — Non es comigo, Mariana, Es con un hermano mio. « Siéntate aqui, Don Alonso En este escafio florido, Que me lo dejó mi padre Para el que case comigo. Se sentára Don Alonso, Presto se quedó dormido ; Mariana como discreta Se fue á un jardin florido. Tres onzas de soliman Cuatro de acero molido, La sangre de tres culebras La piel de un lagarto vivo, Y la espinilla del sapo, Todo se la echó en el vino, « Bebe vino, Don Alonso, Don Alonso, bebe vino. — Bebe primero, Mariana, Que asi está puesto en estilo. Mariana, como discreta, Por el pecho lo ha vertido, Don Alonso, como joven Todo el vino se ha bebido. Con la fuerza del veneno Los dientes se le han caido. I2 REVISTA DA: SOCIEDADE. CARLOS, RIBEIRO — Que es esto, Mariana ? Que es esto que tiene el vino ? « Tres onzas de soliman, Cuatro de acero molido, La sangre de tres culebras, La piel de un lagarto vivo, Y la espinilla del sapo Para robarte el sentido. — Sáname, buena Mariana, Que me casaré contigo. « No puede ser, Don Alonso, Que el corazon te ha partido. — Adios esposa del alma, Presto quedas sin marido ; Adios padres de mi vida, Presto quedaron sin hijo. Cuando sali de mi casa Sali en un caballo pio, Y ahora voy para la iglesia En una caja de pino. Nos Cantos populares da Ukrania, colligidos por Chodakowshi, e publicados em 1834 em Moscou por Ma- ximowicz (Piresni Ukrainskic, wydane pzez P. Maxymo- wiza) encontra-se uma duma, ou narrativa epica tradicio- nal, cujo thema é em tudo similhante ao romance portu- . guez de Juliana e Jorge. Transcrevemol-o, da traducção publicada na Revista britanica (1845, t. 1, p. 634): 5) Oh! não vás á festa esta noite, | Gregorio, oh Gregorio ! Ha bruxas entre as raparigas formosas; Gregorio, oh Gregorio ! Acautella-te da de cara trigueira, Gregorio, oh Gregorio ! Porque ella deita-te o olhado fatal ; Gregorio, oh Gregorio ! t ) REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Ella desenterrou a erva do domingo, Ai! foi para ti, Gregorio ! Segunda feira de manhã layvou-a, Ai! para o Gregorio ! Na terça feira ferveu a erva venenosa, Ai! para o Gregorio |! Na quarta a peçonha estava feita, Ai! para o Gregorio. Quando na quinta, elle veiu, já não respirava, Gregorio, oh Gregorio ! Na sexta feira levaram-no para a cova, Gregorio, oh Gregorio ! | A mãe bateu na filha, no sabbado Gregorio, oh Gregorio ! — Filha ruim, porque o mataste tu? Gregorio, oh Gregorio ? « Mãe, oh mãe, a afilicção não conhece justiça ; Gregorio, oh Gregorio ! Porque é que elle fez promessas fihgidas a duas raparigas, Gregorio, oh Gregorio ? Agora, elle já não pertence nem a uma nem a outra; Gregorio, o perfido Gregorio |! Elle sustenta-se de terra fria e humida, Gregorio, o falso Gregorio ! Tiveste a pága que mereceste Gregorio, falso Gregorio ! Quatro taboas e um coval estreito e negro. Gregorio, falso Gregorio ! Que os moços saibam o que os espera, Gregorio, oh Gregorio |! Quando dão a palavra mentida a duas donzellas, Gregorio, oh Gregorio ! Agora a tua sorte é ser pasto dos bixos, Gregorio, oh Gregorio ! Emquanto eu vou logrando alegrias da vida, Gregorio, oh Gregorio ! Oh judia, vem cá, traze-me o copo de vinho, Gregorio, oh Gregorio! : Quero entoar o canto funeral do traidor Gregorio, oh Gregorio! 1] REVISTA DA SOCIEDADE GARLOS RIBEIRO Na Historia do Lied, ou a Canção popular na Allema- nha, Edouard Schuré, traz uma ballada de origem sueca, intitulada A historia de Olaf, que pertence ao mesmo thema tradicional de Juliana e Jorge (p. 106 a 108): 6) Olaf, de noite pela floresta cavalgava destemido, para o convite da boda: cantarolava divertido. Os Elfs, dançaritando, atravessam-se- lhe no caminho, e a rainha da selva estende-lhe a sua mão branca, — Salve, senhor Olaf ! muito bemvindo seja ! Não foi para dansar commigo que viestes aqui ?. « Dansar ? não, eu não posso, não me apetece dansar, Amanhã, ao romper do dia é o meu casamento. — Ouve lá, bello Olaf, vem dançar commigo, Tenho duas esporas de ouro que guardo para ti. Tenho o mais bello vestido, e o mais rico manto, Meus dedos o teceram, e a lua os córou. « Dansar ? não, eu não posso, eu não quero dansar, Amanhã, ao romper do dia devo de estar casado. — Ouve lá, bello Olaf, vem dansar commigo No meu verde palacio tenho um montão de ouro para ti. « De ti um montão de ouro bem quizera acceitar, Mas, por amor de Deus, eu não posso dansar. — Pois então, tu recusas-te a dansar commigo ? Que sem demora a morte vá comtigo na garupa. Ella levanta o braço e toca-lhe sobre o coração. « Meu Deus, que senti eu? Meu Deus, que dor ! É depois collocando-o pallido sobre o seu cavallo : — Vae dansar ámanhã com tua amada no baile. RIGVISDA DA SOCIEDADE CARLOS INUBIETRO ] A E quando ellefchegou ao limiar dojseu castello Sua mãe o esperava, e lhe disse logo : — Meu filho, o que é que tens? Filho, metes-me medo. Porque trazes os olhos tão baços? de que é essa pallidez? « Socegue, minha mãe! minha mãe, não tenha medo, Uma E Ife das florestas me bateu sobre o coração, Deita-te, filho querido; seja o teu somno socegado, A tua noiva, ai! o que é que lhe contaremos? « Dizei-lhe que eu cavalgo por montes e por valles, Que experimento na caça os meus cães e cavallos. Elle deitou-se e dormiu. Ao romper da alvorada Chegou a'noiva, já pelo caminho cantando. — « Que é isto? choraes, mãe? o que tendes? dizei-m'o. Porque é que o meu amado não está ao pé de ti? — Oh filha, elle cavalga por montes e por valles, Experimenta na caça os seus cães e os cavallos. A donzella levantou a coberta bordada a ouro, . E o senhor Olaf estava ali pallidoJe morto. Nos Cantos populares da Escossia, ha um com o ti- tulo Lord Randal, que é o mesmo thema da Juliana e org : 7) — Onde estiveste, lord Randal, meu filho? Onde é que esti- veste, meu lindo rapaz. « Andei pelo bosque, minha mãe; fazei-me a cama depressa, pois que venho cansado da caça, e preciso deitar-me. — Onde é que jantaste. lord Randal, meu filho ? Onde é que jan- taste, meu lindo rapaz? « Jantei em casa da minha fiel amada, minha mãe; arranjae-me a cama depressa, porque venho cansado da caça, e preciso bastante dei- tar-me, LO REVISTA DA SOCIEDADE ICARLOS7RIBEIRO — O que é que tu comeste ao jantar, lord Randal, meu filho ? Que foi que comeste ao jantar, meu lindo rapaz. « Comi enguias cosidas, minha mãe; arranjae-me a cama depres- sa, porque venho cansado da caça e preciso bastante deitar me. — Que é dos teus cães, lord Randal, meu filho? Que é feito dos teus cães, meu lindo rapaz? « Elles incharam e morreram, minha mãe; arranjae-me a camà depressa, pois que eu venho cansado da caça, e bem preciso deitar-me. — Oh! desconfio que estás envenenado, lord Randal, meu filho! Receio que estejas envenenado, meu lindo rapaz. « Oh, sim, eu estou envenenado, minha mãe. Arranjae-me a cama depressa, porque estou a arder por dentro, e preciso deitar-me. Walter Scott, Cantos populares das fronteiras meridionaes da Escossia, t. 11, p. 252» Trad. Artaud. Aproxima-se mais da versão sueca este outro canto: da Escossia, Lord William : 8) « William era o mais destemido cavalleiro, que a bella Escos sia alimentava; e, ainda que afamado em França e Hespanha, caiu sob a mão de uma dama. « Passeava sósinha uma donzella na orla d'esta floresta sombria, quando ella ouviu telintar umas rédeas; e desejou que este ruido fosse signal de uma aventura feliz. | | « — Vem a meus braços, meu caro William, sê o bem vindo na minha casa; alt terás boa meza, vasta lareira e archotes em barda. « — Eu não quero parar, não me atrevo a parar; não quero ir a teus braços; uma donzella mais linda do que tu dez vezes espera-me em Castlelaw. « — Mais linda do que eu, Willie! donzella mais linda dez vezes do que eu, isso nunca viram os teus olhos, de « Inclinou-se sobre a sella para abraçal-a antes de partir; e com um punhalsinho muito agudo, ella lhe atravessou o peito.. « — Galopa, galopa, sir William, galopa, crava ambos os acicates; a tua linda menina de Castlelaw desespera de te não vêr chegar. « Então fallou um bello passaro no alto de uma arvore: — Para que mataste este senhor tão nobre ? Elle vinha para te desposar. .. (1) f (1) hants populaires de VEcosse, 11, 234º REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 7 No resto do canto a donzella esconde o corpo do as- sassinado no seu aposento e só ao fim de um anno é que o disse à dama que a servia, deitando ambas o cadaver a uma corrente larga e profunda onde se sumiu, 9) (vERSÃO DA BRETANHA FRANCEZA) —J'ai fait un rêve cetre nuit Que m'amie était morte, Sellez, bridez-mot mon cheval, Que j'aille voir m'amie. Son cheval 1l s'est arreté Prês d'un buisson de roses. De trois l'amant prit le plus beau Ê Pour donner à s'amie. — Tenez, belle, prenez mon coeur, Ce beau bouton de roses La bell”, je viens vous convier De venir à mes noces. La bell, la bell”, si vous m'aimez Ne changez pas de robes. La premiêrc est de satin blanc, Lºautre est de satin rose. La troistême est de beau drap d'or Pour fair'voir qu'elle est noble. Du plus loin qu'on la voit venir « Voici la mariée ! — La mariée point ne la suis, Je suis la délaissée. L'amant vient, la prend par la main, Et la mêne à la danse Aprês le quatriême tour Lia belle est tombée morte. VOL. II t IS REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Elle est tombée du côté droit L'amant du côté gauche. Tous les gens qui étatent présents S'disatent les uns aux autres: « Voilà le sort des amoureux Qui en épousent d'autres. (1) O nome de Jorge conserva a reminiscencia ligada ao typo de S. Jorge e da Donzella, que em Portugal apresenta os caracteres do: mytho solar; o. parentesco: com a 'don- zella é a relação do Sol com a Aurora: a eircumstancia do cavallo define melhor o aspecto solar, que vae festejar o seu casamento no Domingo, dia consagrado ao Sol. E à meia noite, que Don Guespo succumbe, e enterrado ao despontar da alvorada, quando prevalece o crepusculo matutino. Nas versões da poesia do norte define-se me- lhor o caracter da amante; a cara trigueira, de olhar fa- tal, é o crepusculo vespertino, e o cavalleiro, que atravessa a floresta escura é seduzido pelo elf e encontrado morto pela noiva que o vem procurar de madrugada. Uma sim- ples aventura romanesca de rivalidade amorosa não podia encontrar uma tão vasta idealisação:; essa extensão nas tradições das Asturias e Catalunha, de Traz-os-Montes, ilhaide S: Miguel, Ceara e Pernambuco, da Ukrama dal Suecia da Escossia e da Bretanha, leva-nos à inferencia da constante elaboração de um mytho. TweorniLo Braca. (') J. J. Ampére, nas Instructions relatives au Recucil de Poesies populaires de la France traz este canto colligido na Bretanha pelo Dr. Roulin. NOTAS SOBRE A LINGUAGEM VULGAR DO PORTO (1) Lá na leal cidade, donde teve Origem (como é fama) 9 nome eterno De Portugal. Camões, Lus., Vi, 52. No nosso pais, pelo que respeita à linguagem littera- ria, não ha só incertezas e hesitações na orthographia, ha-as tambem quando se falla; ainda assim, a lingua es- crita é mais uniforme que a oral. Num é noutro caso ha certos typos communs. Com relação à falla, tem-se, por exemplo, como culto pronunciar o s eo 7 à maneira do Porto (para a gente do Norte e de parte do centro do pais), ou á de Lisboa (para a gente do Sul e do restante do pais) em vez do s e 7 reversos, não confundir o » com o b, dizer al, el, etc. por dur, éur (minhotos), dizer -ã e -ão por -ão e -óum (1d.), etc.; ainda assim, se uma pessoa bem educada nunca em caso algum dirá v por b, dur e Sos congeneres, por al, etc, mao.raro: porém à gente do Norte se ouve o s reverso e o b por », mesmo fal- lando quanto ao resto com perfeição lhtteraria. Cer- tos sons, como é por ei (meridional), que não devem (1) D'este artigo far-se-ha uma edição separada em volume, com o titulo de Dialectos interamnenses, 1x (Linguagem vulgar do Porto), — como continuação de outros artigos que com aquelle titulo tenho pu- blicado na Revista de Guimarães, d'onde tambem se fizeram edições em separado. Indico isto por causa das citações e referencias biblio- graphicas dos meus artigos ulteriores. 20 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO occorrer na linguagem culta, e que destoam completa- mente do que se passa nos dialectos septentrionaes, ou- vem-se tambem uma vez ou outra no extremo Sul (Alem- tejo e Algarve) às pessoas instruidas; assim, em pleno parlamento, ouvi uma vez um deputado alemtejano dizer ribêra. (= ribeira). Em summa: pon a lingua escrita represente um padrão, notam-se quasi sempre na pronúncia influencias lo- caes. De modo que muitas das particularidades provincia- nas não são apenas populares, pertencem juntamente às pessoas civilizadas. A regra geral é ésta: quando essas particularidades não destoarem muito do que se escreve ou do que se tem como norma, não se evitam. Todo o bom portuense dirá, por exemplo, embora inconsciente- mente, Puórto, muórto, etc., e substituirá com facilidade o b ao v, dizendo binho, etc.; a mim mesmo, que não sou do Porto, e pertenço a uma região dialectal onde o ô se não ditonga em uó, já no fim dos dez annos que vivi naquella cidade, e apesar da natureza dos meus estudos, os ouvidos da gente do Sul me notaram às vezes tal pro- núncia. Vê-se daqui como a linguagem é em grande parte extremamente automatica. O estudo dos dialectos tem pois maior significação do que parece à primeira vista, porque nelles não se en- cerra só a linguagem estrictamente popular. E certo que, ao lerem isto que estou escrevendo, muitas pessoas, d'aquellas proprias que dizem Puórto e binho, hão-de negar a minha affirmação, porque nestas questões de linguagem o habito inveterado de escrever de certo modo, e o cuidar-se que se diz tambem de tal ou qual maneira, não deixam reflectir nos sons que realmente se pronunciam: mas nem por isso o que digo é menos verdadeiro. Já uma occasião me aconteceu notar eu na pronúncia de um meu condiscipulo beirão o s especial da sua terra (3), e elle, que tinha mais vaidade do que prática CSI TA Sa REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 21 de observar, responder-me enfurecido: não sinhor, não si- nhor..., proferindo ao mesmo tempo, inconscientemente, e com grande emphase, o tals! Interessa por muitos motivos o estudo dos dialectos po- pulares: em primeiro logar interessa à linguistica, porque elles, alem de serem boa e regular linguagem, fallada pela maioria da população do pais, e cujas relações com o la- tim é as outras linguas importa conhecer, dão às vezes grande luz às questões da linguagem litteraria, que não raro so por elles em muitos pontos se explica; em se- gundo logar interessa à psychologia e à glottologia geral, porque, tendo elles desenvolvimento mais livre e mais espontaneo do.que a lingua culta, que esta em parte muito subordinada à tradição litteraria, e sujeita, no estylo, no vocabulario, e ainda na syntaxe, aos caprichos dos escri- ptores de fama, podem então as leis vivas da linguagem ser mais facilmente surprehendidas na sua acção; em ter- ceiro logar interessa à anthropologia, porque, do mesmo modo que a constituição geologica, a flora, a fauna, o clima caracterizam physicamente uma região, os dialectos, como os costumes, o typo anatomico, as aptidões estheti- cas, intellectuaes e moraes, as tendencias morbidas, cara- cterizam de certo modo as populações que se servem d'el- les; por último, ainda o seu estudo aproveita aos tribu- naes para a averiguação da identidade de pessoa, aos criticos para a determinação da procedencia de certos es- critos, e aos romancistas, dramaturgos e folhetinistas, que a cada passo põem nos labios dos seus personagens a fallar do povo. | Estas considerações, postoque summarias, e sem exemplificação, justificam o vir eu occupar-me aqui da linguagem vulgar do Porto, — com quanto o que princi- palmente me mova a tal estudo seja a necessidade que te- nho de conhecer por meudo, e classificar, todos os nossos idiomas locaes, para organizar por completo um dia a 22 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Dialectologia “Portuguesa, que absorve ha alguns annos grande parte da minha actividade, Sobre a linguagem vulgar do Porto, além de uma ou outra observação isolada, devida a este ou áquelle inves- tigador, não existe, que eu saiba, nenhum trabalho espe- cial, a não ser um pequeno artigo publicado pelo Sr. Soeiro de Brito in, Elvense, n.º 151, de ig de Julho de 1882, com o titulo de Carta da Foz do Douro, m. O au- ctor não pôs a mira em fazer um artigo philologico, e sim sômente em apresentar ligeiras considerações a correr, como dilettante ; por isso não devo sugjeitá-lo à critica: senão eu diria que quasi todas as suas observações são inexactas ou mal expostas. Desejo porém tocar num ponto. Diz o Sr. Soeiro de Brito: « Talvez pela grande affluencia de gente vinda do Brazil, de Inglaterra e outras partes, nestas terras as inflexões são diversas das do resto do pais, é os sons por vezes emittidos com uma falta de pureza que faz lembrar a lingua britannica». Uma das questões mais difficeis da glottologia é determinar as causas primeiras das mutações phoneticas; todavia as pessoas estranhas ao assumpto julgam a este proposito com a maior facilidade. Evidente- mente o Sr. Soeiro de Brito não poderia provar a sua affirmação, porque todos os sons da linguagem do Porto se manifestam, quer isoladamente, quer em grupos mais ou menos extensos, nos diversos pontos do pais. Não pareça isto contradicção com asseverar eu adeante que o e do ditongo ei e em (cer, &7) se aproxima do a inglês de bad e man; se faller aqui no inglês foi a titulo de compa- ração, e não porque eu reconhecesse ao som portuense origem britannica. Tambem se podia dizer que o som ch do Norte esta proximo do do c italiano antes dee e 1,e ninguem supporia que elle viesse de Italia. Ha em todas as inguas muitos sons iguaes ou parecidos que tem ori- gem diflerente. Por tanto ás palavras do Sr. Brito oppo- nho eu a seguinte proposição: NEM NA PHONETICA, NEM NA REVISTA DA SOCIEDALE GARLOS RIBEIRO to tm MORPHOLOGIA, NEM NA SYNTAXE, HA NA LINGUAGEM PORTUENSE UM UNICO PHENOMENO QUE POSSA ATERIBUIR-SE A INFLUENCIA BRAZILEIRA OU INGLESA. (Com relação mesmo ao vocabula- nio que é cousa perieitamente externa c 'accidental, não conheço factos que demonstrem que no Porto a propor- ção dos vocabulos de origem estrangeira seja maior do que no demais Portugal. Eu quisera no presente escrito oflerecer aos leitores maior número de considerações, tanto mais que tenho pela cidade do Porto o affecto que se tem por uma se- gunda patria; mas, sendo-me preciso organizar estas no- tas à pressa, para satisfazer o pedido da redacção da Re- pista da Sociedade Carlos Ribeiro, foi-me impossivel ser mais extenso por agora, e só noutra occasião completarei o estudo. Como porém vou em breve publicar um longo artigo sobre a linguagem de Guimarães, a qual tem inti- mas relações com a do Porto, fica em parte attenuada essa falta. A a ONES A: OBSERVAÇÕES SOBRE A PRONUNCIA nO sido Porto difiere do de Lisboa. e é exacta- mente igual ao que eu ouvi a um natural do concelho de Olivença, provincia de Badajoz, em palavras taes como soy, santo, etc. Na minha Evolução da linguagem, Porto 1886, pag. 28-29, descrevi este som como uma lingual dorso-apical, gingival superior, dental inferior, 1. é, como um som que se obtem tocando com o extremo dorsal da lingua nas gingivas superiores, e a ponta nos dentes in-. 24 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO feriores. Aos corresponde a sonora z (1). O se o 2, que,. para commodidade representarer aqui por ç e 2, só tem este som quando iniciaes e mediaes. O s e z finaes e an- tes de consoante surda, excepto ch, parece-me serem os beirão attenuado, que aqui represento por s; antes de consoante sonora, excepto 7 e rr, parece-me serem 0 2 beirão, tambem attenuado, que aqui represento por Z: as- sim temos çá, pásta, nós, nóço (==nosso), e zánga, cáza, pás (== paz) (2). Antes de ch,j e sr, o s e z finaes confun- dem-se com o som seguinte. Antes de s porém não posso dizer agora se ha assimilação geral, se não; apenas posso dizer que a algumas pessoas cultas do Porto tenho ou- vido pronunciar as tálas (-=as salas). 2. Às vogaes são gutturalizadas, ao contrário do que succede no Sul; ésta gutturalização, augmentada da aber- tura da vogal, dá a certas nasaes um tom mui esquisito para os ouvidos meridionaes. — Cfr. Gonçalves Vianna, Essa: de phonétigue de la langue port., pag. 9, nota. 3. O ditongo ou, quer oral, quer nasal, é aberto, 1. é, pronuncia-se Ou. Cfr. 8 q-a. 4. O ditongo ez, quer oral, quer nasal (representado neste caso na lingua litteraria por -em), parece ter um. som especial, comprehendido entre é e à1, onde o som do e se aproxima do do a na palavra inglesa man, bad, (1) Tanto os como o z, em virtude do íntimo apêrto dos orgãos factores, produzem grande sibillo, que se torna muito sensivel ás pes- soas estranhas á pronuncia portuense. (2) Nos dois casos digo parece-me, porque talvez sejam x e 7 attenuados,—em todo o caso x e q diversos dos de Lisboa nas mesmas condições. Esses sons são difficeis de precisar, e eu não pude fazer ainda a observação completa. É u ] REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 25 ete. Este som não é especial ao Porto. Representando-o por «e temos assim ci (==re)), bée (= bem), óntei (= ontem), etc. — Tambem Barbosa Leão, nos Elementos de grammat. port., Porto 1886, pag. 97, se aproxima da PERU quando escrever «o ditongo de mãi eum, e o de bem é outro» (pag. 97); mas elle imaginava que em bem era ê nasal, o que não é. Este som é: nasal só se manifesta no Sul. — Cfr. adeante. s. O p é levemente aspirado em piéna, prencipio (o segundo %), ópio, etc. Nota. Por commodidade typographica não noto es- tes diversos sons com signaes proprios, mas fique sabido que em final vale ce, que ei vale er, e oçe o 2, bem como o s final e antes de consoante conforme as posições, tem os valores assignalados no $ 1. ” (Continua ). J. Leite DE VasconcELLOS. LISTE DES ODONATES DU PORTUGAL ET NOTE CRITIQUE SUR LES Onychogomphus Genei, SeLYs et Hagen, SELYS Depuis plusicurs années je réuni des Odonates de tous les points du territoire portugais, dans le but de pu- bler un travail étendu sur leur distribution géographi- que. Le résultat de ces recherches, que je crois pouvoir considérer comme à peu prés complet, paraitra bientôt, mais je crois utile de publier déjà, quand ce ne serait que pour prendre date, la liste des espéces qui habitent notre pays, et je profite de loccasion pour faire connaitre une des plus intéressantes | Onychogomphus Gener. Je dois laidéeconverte: de cette especela um desiimes plus zélés correspondants mon regretté ami M. Antonio Guimarães, aide-naturaliste au Muséum, qui m'en a adres- sé un couple de Coruche en 1883. Cet envor fut bientót suivi de plusieurs autres, mais comme Vétude des Ony- chogomphus de ce proupe est três difficile et que je man- quais de types de comparaison j ajournai leur étude. Ré- cemment:MC le; Brof, Achilles Costa” avant ch liextremie obligeance de me communiquer un des máâles types de son Gomphus excelsus de Sardaigne je suis en demeure de publer mes observations sur la rare Gomphine portu- gaise, interessante addition à la faune de la Péninsule. Section Zoologique du Muséum — Ce 10 Septembre 1890. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 27 I.—-LISTE DES ODONATES DU PORTUGAL Un três petit nombre d'autcurs s'est jusqu à présent occupé des odonates de la Pénimsule; en réunissant tou- tes leurs citations relatives au Portugal on ne trouve men- tionnées que yo especes dont trois doivent certainement être retranchées, ce sont Lestes macrostigma, Erytromma najas et Platicnemis pennipes. Aux 37 espéces restantes que j'ai toutes retrouvées, mes recherches me permettent den ajouter 12, ce qui porte à 49 le nombre total des es- peces authentiques de notre pays. Dans la liste suivante yai marqué d'un astérique (*) les espéces que Ion a aussi signalées en Espagne et du signe f celleés que j ai récem- ment découvertes. Eme mr LIBETLUULIDA SusB-Fam, 1. LIBELLULINAS + Mes vulgata, L. e vista Folio Charpentier » — meridionalis, Selys » Fonscolombir, Selys y e plaveola, E» Eesanguinca, Niúller | * Libellula depressa, L. Bo » quadiimaculata, I.. * Labella corulescens, Fab. é » — brunnea, Fonscolombe PR oo mtidinervis, Selys Ro CO banbara, Selys ipa 4, rue scancellata; 1. Crocothemis erythroca, Brull. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO SusB-ram. 2 CORDULINAES "“ Oxygastra Curtisa, Dale. Fam. ii. ESCHANIDA Sus-Fam. 1. GOMPHINZE * Onychogomphus uncatus, Chp. A » Torerpatus E. » Gener, Selys Gomphus simillimus, Selys » pulchellus, Selys » Graslinii, Ramb. * Cordulegaster annulatus, Latr. E Sus-Fam. 2. ESCHNIN E * Anax formosus, v. d. Linden: * Aeschna cyanea, Latr. » juncea, L. » mixta, Latr. É » amas, avo o. » rufescens, v. d. L. Fonscolombia irene, Fonsc. Fam. ur. AGRIONIDA SUB-FAM 1 CALORTERYVGINAS Calopteryx virgo, L. » splendens, Harris » homorrhoidalis, v. d. L. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 20 | SusB-ram. 2. AGRIONINZE * Lestes viridis, v. d. L. » nympha, Selys pe amens «Cp. e Ab anba ra, Sm pnrcnafescar vw dl. Platycnemis acutipennis, Selys EE » diversa, Rbr. 4 » latipes, Rbr. * Pyrrhosoma minium, Harris f » tenellum, De Villers * Ischnura Graellsiti, Rbr. * Enallagma cyathigerum, Chp. a Morton pulchellum, vw di. RR pueldar e EA » coerulescens, Fonsc. dE Linden Selys. Cette liste montre qu à Vexception de cing, toutes nos 'espéces ont déjá été signalées en Espagne et qu'au point de vue des Odonates notre pays nc présente aucun facies caractéristique. Par contre [ensemble de la Péninsule forme peut-être une des faunes les mieux caractérisées de VEurope. Aux espeéces déjá citées pour | Espagne 1l faut ajouter: Diplax pedemontana, All. Lúbella albystila, Selys Urothemis advena, Selys Brachytron pratense, Muúll. Lestes macrostigma, Eversman Platycnemis pennipes, Pallas Ischnura pumilio, Chap. Do Ro ele is iv «ed, “a. ", = ” o is o co o 30 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO et deux espeéces douteuses, Erythromma nazas et Pla- tiycnemis pennipes, ce qui porte à 57 le chiffre total des espéces Péninsulaires. Quand on considere cependant la situation géographique, la variété de climats et extension de | Espagne, on a lieu de croire ce chifre bien au dessous de la vérité quand I'Italie renferme 85 espéces, la France 74 et la Belgique 61. De ces 57 espéces, une seule Urothemis advena, est spéciale à | Espagne: deux Líbella nitidinervis et Onycho- gomphus Genei, ne se retrouvent en Europe qu'en Sicile ou en Sardaigne, et deux autres Libella barbara et Ichnu- ra: Graellsy, ne se retrouvent pas'en Europe, mais sont communes avec | Algérie. II—NOTE SUR V'ONYCHOGOMPHUS, Genei L'Onvchogomphus Genei forme avec les O. Hagenii, Selys et pumilio, Rbr. un groupe três naturel dont les es- péces sont três difficiles à distinguer, ceci tenant d'une part à ce que quelques caractéres disparaissent presque par dessication, d une autre part au petit nombre d'échan- tillons étudiés et en troisseme lreu à ce que les deux se- xes ont Cle prio Isolcment | On a longtemps ignoré que) etait' le vrai male du G. Genei 2 décrit par De Selys en 1841. Sa découverte en Sardaigne en 1882 par le professeur A. Costa, un an avant que je ai reçu du Portugal, est venue combler un grand desiderata des entomologastes. | M. de Selysi na décri queila femelle di Gene: et M. Costa na publié gu'une diagnose du mále, etil me parait indispensable de donner la description complête des individus du Portugal, que ja1 précédée de la synonimie REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 31 de toutes les espéces avec lesquelles on a confondu le G. Memes ce qui fera sentir tout lLintérêt que présente la (romphine portugaise. BIBLIOGRAPHIE DES Onychogomphus Hagenii, Selys, Genei, Selys et pumilio, Rbr. X 1817.—Savigny, J. C.— Description de VE gypte; Nevropt. Be le no ns den ta S. L'auteur figure deux individus de ce groupe sans les nommer, 1838.—Burmeister— Handbuch der Entomologie: Zweiter Dad pr S5o: Burmeister rapporte les figures précédentes au genre Diasta- toma. “1841. Selys Longchamps, E. de. — Nouvelles Libellulidées d Europe; Rev. Zoologique, p. 246. L'auteur donne le signalement d'une Gomphine femelle qu'il a examinée au Musée de Turin, lors dun voyage en Italie et qui a été recueillie en Sicile par Victor Ghiliant. Il la nomme Gomphus Genei en supposant que le mãle doit ap- S partenir à la Section du Gomphus unguiculatus. 1842.—Rambur, Hist. Nat. des Insectes Nevroptêres. Le Gomphus pumilio est décrit d'apres un individu mále d'Egy- pte de la coll. du Mus. de Paris; Rambur rapporte à cette espéece le couple figuré par Savigny. by REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Sad 1850.—Selys Longchamps, E. de et Hagen, H. — Revue des Odonates ou Labellules d'Europe; pp. 101 et 384. Dans ce traité classique des Odonates on trouve d'abord avec peu de différence la caractéristique du G. Genei q publiée en 1841 et à l'appendice à cet ouvrage une description complête du même individu. M. Hagen, collaborateur de M. de Selys croit pouvoir rapporter au G. Genei une fe- melle reçue d'Egypte qui se trouve au Mus. de Berlin. 1854.— Selys Longchamps, E. de—Synopsis des Gomplha- Wes Pano. Dans cet ouvrage qui est le Prodromus de la monographie Vau- teur mantient les O. Genei et pumilio et assigne pour pa- trie au premier la Sicile (Mus. de Turin) et I'Egypte d'aprês un couple existant au Mus. de Berlin. | 1858.-—Selys Longchamps, E. de et Hagen, H.—Monc- gvraphie des Gomphines, Mém. Soc. Roy. Se. Liege. M. de Selys, tout en reconnaissant que VÔO. pumilto differe à peine de O. Genei de Sicile, maintient ces deux espêces; PO. Genei étant connu par la femelle prise en Sicile et le couple d'Esypte; PO. pumilio par un male type incomplet du Mus. de Paris, par deux individus pris en Egypte (coll. Selys), par un mâle de Chartum (Alyssinie) recueilli par Miller, par plusieurs rapportés de la même contrée par le Dr. Ruppell et par d'autres provenant d'Egypte ct sc trou- vant au Mus. de Berlin. M. Hagen figure en outre l'extrémité abdominale et les orga- nes génitaux des deux espéces : pour VÔ. Genei d'apres le couple d'Egypte (fide Selys, Odon. Alg., p. 9). 1871.—Selys Longchamps, E. de. — Nouvelle Révision des Odonates de VAloérie; — Ann. Soc. Ent. de Belg., ton: INE po. Une Gomphine recueillic à Oran par M. C Van-Volxem est considérce par Vauteur comme le vrai mâále de "O. Genet. M. de Selys le décrit, figure les appendices et reconnait qu'il a réuni à tort à la femelle de Sicile le couple d'Egy- REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO E] ad pte examiné par M. Hagen et propose de le nommer /la- genit, en remarquant qu'il est extrémement voisin du fa- milio dont il se sépare par de légêres différences. 1873. Selys Longchamps, E. de.—3*"s addrtions au Sy- nopsis des Gomphaines. L'auteur caractérise de nouveau les O, Genei et Hagenii; le Genei d'aprês le mâále d'Oran et la femelle de Sicile. 1'Ha- genii Saprês le couple du Musée de Berlin, en remar- quant qu'il est tellement voisin du pumilio qu'on ne peut Ven séparer que par des caractêres três minuticux qui font croire à M. Hagen que ces deux cespéces sont distinctes. Dans lappendice, sur la Iiste des Gomphines connues, PO. Hagenii est indiqué « Race de pumiílio ?» 1876. — Brauer, F.— Die Neuropteren Europa's und insbe- sondere Oestesreich mat Kiicksicht auf ihre geographis- che verbeitung. Wien. L'O. Genei est cité d'Italie (Turin) et d'Oran, 1878. —Selys Longchamps, E, de.— “rs additions au Sy- nopsis des Gomphines. M. de Selys dit avoir reçu un mãle de PO. Hagenii de Beyrut (Asie mineure) Dr. Standinger, en avoir examiné un autre de PAbyssinie (coll. Mc Lachlan) et que le Dr. Hagen Ia reçu de Syrie communiqué per Lederer. L'examen de ces indiv. le conduit à considérer VO. Hagenii decidément distinct du pumílio, 1879.— Pirotta, Romualdo. —Libellulidi Ttaliani. Dans cet excellent mémoire Vauteur cite PO. Genei de Turin? — et de Sicile, et il fait remarquer que M. Braver a certai- - nement signálé par erreur cette espece de Turin et non de Sicile, parceque WVexemplaire unique trouvé en Sicile est au Mus. de Turin. VOL. 11 3 7 gi REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO “add / 1883.— Costa, Achille. fauna Sarda: memoria seconda. Notizie ed osservazioni sulla Geo- En publiant ces intéressantes recherches sur la faune terrestre de la Sardaigne, M. Costa deécrit une Gomphine nouvelle le G. excelsus, Costa recueillie par lui en!Mai er Juin 1882. En Sept. de l'année précedente lauteur avait dejá signalé une femelle de cette rare espece. 1885.—Selys Longchamps, E. de.—Rectification concer- nani O Gene Compi mnt Belo netos tos CRENTE: M. de Selys ayant examíné un couple du G. excelsus, Costa reconnait que la femelle est identique avec le type q de Sicile de PO. Genei et que le mâãle qui y appartient cer- tainement ctait inconnu jusque là, tout au moins comme exemplaire europcen. H propose d'appeler O. Costoe, Selys "exemplaire d'Oran con- sidéré à tort comme le mãle du Genei de Sicile et recon- nait que VÔO. Hagenir est três voisin des types de Sardai- gne dont il est peut-être une simple race locale. En réunissant toutes ces données la synonimie de ces Onychogomphus doi être étable ainsi: ONYCHOGOMBRUS GENEL (Setys) 1841.—Gomphus Gener, ? Selys, Nouv. Libell. Europe, 1. Cipa to: - 1850-Gomphus Genei, 9? Selys, Rev. Odonates, pp. 191 EL G94: 1854— Onychogomphus Gener, 9 (pars) Selys, Synopsis des Gomphaines, p. 17. 1858—Onychogomphus Gener, ? (pars) Selys, Monogr. des Compile es ren pa | REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 35 1873— Onychogomphus Gener, (pars) £2 Selys, 9º" add, Syn. Gomph. p. 9. 1883—Gomphus excelsus, d 2 Costa, Geo-fauna Sarda, nen 240 D:100. 1885 — Onychogomphus Genei, Selys. Rectif; 1. cit, p. CXLYVI. Eviens. ocog.—1 2 Sicile (V. CGhiliani) Mus. de Turin o Co Sie Nuoro; En Onistano (Sardajene) en Mar Jum, Septembre (AD Costa) ONYCHOGOMPHUS HAGENIL Serys 1850 — — q a els cen. Odomnates, p: 384 (citation). 1o51 - Onvchogomphus Gener à; 2 (pars) Selys, Sam. So OA e ON Ri rogo (Onychogomplas Genei d: 9 (pars) Selys,: Mon. Compl Is e par 1871—Onychogomphus Hagemi, Selys Nouv. Rév. Od. Enio te or 5 Wectiheanonh; Rena Onvehocomphus. Hagemi, é, 2 delys, q" add. Sour Comphi par. neo Unychosomphus Elagenim, Selys, q" add. Syn: Gomph., p. 21. | bas. DEDO. ne o Covote (Mus. de Berlim). 1 é,—Abyssinie (Coll. Maclachlan) W dm Deyrut (Syrie) Dr. Staúdinger (Coll. Selys). Domus mr erencm (Coll amem, 36 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO ONYCHOGOMPHUS PUMILIO (RBr.) 1817— — — E 9, Savigny, Descript. Egnpte, Nérropt., pl. 1, fg. 13 et 14. 18422—Gomphus pumulio, &, Rambur, Hist. Névropt. p. IS4. 1854—Onychogomphus pumilio, à 9 Selys, Syn. Gomgph., pRIS: 1858—Onychogomphus pumilio, É G Selys, Monogr. des Compl es pi SIA: Extens ceo gr E mote (Must Danisi pr (1do (col Seljs): 1 à Chartum, Abyssinie (coll. Selys). 3. (A byssimie) Dr >Rumppell. ei E ovpte (Mus Benim ONYCHOGOMPHUS COSTA, SeLys 1871—Onychogomphus Genei, / Selys, Nouv. Rev. Od. Aloeéme, 1. pr LA 1873— Onychogomphus Genei (pars) 3, Selys, 3.ºmes add. Eyn Gon pr po: 1885— Onychogomphus Coste, Selys, Rectification Onyc. Genet, 1. c., p. cxLvi (Rectification). Extens. géog.—1 £ Oran (Cam. V. Volxem), Coll. Selys. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO o ” 3 ONYCHOGOMPHUS GENEI, S!LIS bu Porrucar DESCRIPTION É ADULTE (D APRÊS TI INDIVIDUS) Tire—Levre inféricure gris-perle; supérieure blanche légerement verdátre, à pemme roussâátre à la base sur les pé cotés. Face et front vert-gar; front proéminent, échancré, un peu déprimé au centre, ayant à la base devant les an- tennes, une bande brune, étroite, simucuse, Interrompue au milieu. L'espace des ocelles et celles-ci, noir. Vertex et occiput jaunes, séparés-par une impression un peu roussátre. Occiput plat; lame presque droite, lé- gerement garnie de poils jaunátres, courts, présentant sur deux individus une petite dent noirâtre de chaque côté, et sur trois autres une seule d'un côté. Yeux gris-verdátre; postérieurement jaune légêrement lavés de roussátre. ProrHorax — Jaunâtre, brun noir au-milieu et un peu sur les côtés, bord postérieur un peu élevé, arrondi, non échancré. Tuorax— Vert comme le front, tirant sur le jaune pos- téricurement, et en dessous lavé de jaune un peu rous- sâtre et marqué de plusieurs traits d'un brun clair. Les bandes bien visibles dun roux ferrugineux. Mé- dianes à peine séparées par l'arete verdâtre, étroites pos- tériecurement, arquées en dehors, três larges antérieure- 38 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO ment ou elles sont confluentes avec les anté-humeérales. Celles-ci un peu. simucuses, assez épaisses, assez rappro- chées des humérales jusqu' aux deux tiers de leur hauteur, ou elles tendent à leur envoyer un petit prolongement, puis sen écartant et s amincissant pour se joindre aux média- nes et renfermer un espace allongé. Humeérales droites, épaisses, touchant par en bas les anté-humérales. 1.%ºla- 7 r o 1 | a e VR ) x A R térale reduite "a un veste imibmeur molmatre, hienas pléte, presque aussi large que l'humérale, 3.7 nulle. Tou- tes trois réunies en dessous par une bande flexueuse nol- Celtre: Attaches des ailes marquées de noir. Anes—Hyalines, quelques fois tres légérement lavées de jaunátre le long du bord costal à reticulation nore. Costale jaune pále en dehors jusqu'au pterostigma qui est grand, un peu dilaté, jaune-vert, entre deux ner- vures noires três épaisses, et largement bordé de noirâtre antérieurement. Deux rangs de cellules postrigonales aux quatre aJ- les, précédés presque toujours de trois cellules aux infé- rieures, três rarement aux supérieures. Bord anal três excavé, denticulé dans l'excavation. Angle droit. Membranule blanche, presque nulle. Pieps courts. Fémurs jaune-vert à épines norres, for- tes, três courtes. Les 4 postéricurs noirs en dedans. Sur les quatre antérieurs extéricurement une bande rousse, sur les postérieurs trois lignes brunes dont deux plus au moins réunies. Tibias jaunes en dehors, noirs en dedans, à épines longues noires. Une ligne noire extérieure sur les quatre premiers, double sur les postérieurs. . Jarses noirs; les 4 antérieurs jaunes en dehors, les postérieurs un peu roussátres. A cEsçad REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 39 Aspomen - Cylindrigue, épaissi au 1.º et 2.º segments, diminuant à la base du 3.º, trés mince du 3.º au 6.º, les 4 derniers épaissis. Les 8.º et 9.º ont les bords três dilatés en feuilles. Le ro.º est court d'uns tiers moins long que le 9.º, large, à bord largement échancré peu denticulé. Feuille du 8.º segment augmentant rapidement de la base jusqu'aux deux tiers du segment, puis paralléle et prolongée en un lobe arrondi, qui recouvre sensible- mente la feulle du segment suivant. Celle-ci arrondie en demi-cercle, un peu prolongée postéricurement, et pres- qué aussi large que la précédente. CouLeurRs—1.“ segment en dessus jaune vert avec une tache basale brune atteignant le milieu, sur les côtés d'un jaune plus pur. 2.º jaune-vert en dessus, dun beau jaune sur les cô- tés, avec un cercle basilaire brun à peine séparé par le fond d'un demi-cercle noir situé aprés le tiers basal; tous deux divisés par larête dorsale. Deux points médians noirs un-peu aprês le milicu. Une tache brune apreés les oreillettes qui sont vertes. | 3.º 4.º 6.º 6.º à articulations étroitement cerclées de noir, d'un jaune-vert em dessus et sur les côtés; blancs en dessous. Un cercle étroit noir au tiers antérieur, for- mant une petite croix avec l'arête dorsale de même cou- leur, et se croisant avec une bande latérale longitudinale brun noirâtre, inclinée d'avant en arriére, entiére ou di- visée au milieu. Au tiers postérieurs deux points médians noirs, entourés de brun qui augmente insensiblement du Dao Ri scoments, ou il occupe tout le trers posté- rICUr. Ro ele meme que les précédents, mars: le fond est dun jaune plus pur, les lignes noirs ont presque entié- rement desparu, les latérales sout reduites à un vestige postérieur, et les deux points forment en dessus une ta- 40 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO che noirâtre bilobce en avant occupant le tiers posté- rIeur. beira 8."º en dessus d'un jaune brunâtre, plus claar sur les côtés; bordé en dessus aux deux extrémités de noirátre qui s'étend quelquefois plus au moins longitudinalement jusqu à seéparer du fond une tache en forme-de tréfle, n at- teignant par les bords. Deux points medians noirs. 9.º même couleurs, mais la bordure noirâtre anté- rieure est seule un peu prolongée en angle de chaque côté. Pas de points médians noirs. Feuilles latérales de ces 2 segments largement bordées de noirâtre. 1o.”"* comme le 9.”* mais d'un jaune plus pur au mi- leu du dessus et en dessous, et 2 points medians noirs à peine visibles. ParTIES GENITALES— Appendices anals supérieurs jau- nátres, à pointe brune, presque aussi longs que les deux derniers segments, épaissis à la base, comprimés dans leur premiere moitié, sub-cylindriques ensuite, bifides à leur extrémité: écartés autant que leur épaisseur jusqu à leur milheu, ou se termine un petit sillon interne supérieur, puis contigus et courbés réguligrement vers le bas. Appendice inférieur jaunátre, plus ou moins bordé de brun, de moitié plus court, divisé aprés son milieu en deux branches d'abord écartées, puis se touchant à leurs extrémités, et portant aprés leur origine un coude exté- rieur, puis une trés petite dent, separés par une échan- crure; le bout interne renílé, arrondi, cilié. Vu de profil cet appendice est recourbé en haut dans ces deux premiers tiers et sa tête qui est dans le plan de labdomen a une double courbure qui fait presque insen- siblement suite à la premiere. Parties gémitales du 2.”º segment peu proeminentes. Piece antérieure jaune à base noirátre. Hameçons antéricurs tout noirs, postérieurs jaunes + A va Ta , DT qui A) REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 41 avec le bord supéricur noir. Cuseller, penis et sa gaine, noirs excepté la coulisse qui est jaunâtre. Les oreillettes du 2.º segm. sont assez fortes triangu- laires, à dentellures variables. à JEUNE duftére de I adulte par : La face et le front d'un blanc grisátre; le thorax jaune légerement verdátre et les bandes plus claires, les média- me e Demo wisibles et représentees par un vestige figu- rant leur bord externe, la premiére latérale un peu moins rudimentaire ; le Ptérostigma jaune pále entre deux ner- vures noires épaisses et non bordé de noirátre ; les Fémurs jaunes; le fond des 1.º=6.º segments de Jabdomen jaune três légeremement verdátre, les dessins noirs du 8.º-ro.º segments brun clair et un peu oblitérés. 2 ADULTE (d'aprés 6 individus). Ressemble au mále adulte pour la coloration ; voici les principales différences : 1.º-Bande brune devant les antennes plus étroite à peine marquée. E 2.º—[ ame occipitale présentant de chaque côté 4-7 petites dentellures noirâátres à peine visibles. 3.º—Bandes du thorax plus claires, moins distinctes; lanté-humérale un peu plus fine et un peu plus éloignée de Ihumeérale. 4.º— Ailes un peu plus lavées de jaunâtre; ptéros- tigma jaune moins bordé de noirátre antérieurement. s.º-—Lignes des fémurs moins marquées, tarses pos- térieurs plus clairs, presque comme les antérieurs. 6.º -Abdomen mince, un peu comprimé, epaissi aux deux premiers segments et un peu vers lextrémité; bords gs et o ses. apeme dilatés. 7.º—3.*-7.º segments comme chez le mále, mais I'a- rête dorsale noire est à peine marquée et les deux points 42 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO médians ne sont pas entourés de brun; 8.º et 9.º bordés de noirâtre seulement aux deux extrémités:; 10.º tout jaune, à bord postéricur noir au dessus. k 8.º—Abdomen terminé par une protubérance conique, à ponte émousscée, presqu aussi longue quele To seoment, jaune, séparant les appendices qui sont três minces, trés pointus, jaunes à ponte brune, doubles de la protubér rance. 9.º—Ecaille vulvaire courte, triangulaire, jaune bor- dée de noir, divisée en deux pointes aigues par une échan- crure étroite, quadrangularre. — Oreillettes du 2.º segments, rudimentaires. £ jeunE différe de l'adulte par; La face et le front dun blanc grisátre; la bande de- vant les antennes redute à quelques traits peu marqués ; le thorax jaune légérement verdátre; les bandes médianes nulles, la 1.º latérale un peu moins rudimentaire; le pté- rostigma jaune três pâle non bordé de noir; les fémurs jaunes: le fond des 1.º-6.º segments de [abdomen jaune três legerement verdatre. 2 TRÊS JEUNE. Voici ses differences de la femelle jeune: Fond de la couleur jaune pâále, excepté les lêvres, le rhinarium, les côtés du thorax, et la poitrine blanchatres. Bande brune devant les antennes, nulle. Espace des ocelles jaune pále. Lame occipitale inerme. Lobes du prothorax séparés par une impression bru- nâtre. Bandes du thorax d'un jaune roussâtre, à peine visi- bles. Médianes plus subitement élargies en avant; 1.º et 3.º latérales complétes. Nervures jaunes et brunes excepté la médiane noire:; bord anal plus arrondi. ” REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 43 Les preds jaunes tre à | extrêmité des 1 long. RR seDments tout jalines excepte um cercle Etroit noir au tiers antéricur interrompu au milieu et deux points medians au tiers postérieur, marqués aussi sur le 8.º: tout les autres entitrement jaunes. App. anals un peu plus courts, plus épais moins pointus, tout jaunes. Protubérance pointue. Echancrure de Vécaille vulvaire un peu moins étroite. Ex a un vestige en ligne bruná- émur , les postéricurs un peu plus Has. ex PortuGaL — Coruche, sur les bords du Rio Sorraya en Jum et Juillet (Antonio Guimarães). E csA Ê A e AS 2 qr ÃO 1 MS ES "unuixeuw oouonbory (cz) "Solo us (1) 9-0 9 | 9 Q-L OI 5 L-g || S1N9LI9JUI « « p-sS QE As L-Q 9 v 9-S "oJna11gdns :sojepouysod « 6-6 ol Q 01-6 01 Q ano a e Cod « « II-II feras ET VI-cI | VI OI ZI “oJn91t1dns 9[Ie : Sofepouggue sojnadoN e ç | ç | y | 9 ç S-b - aquowIns jr nb sajnjpr) ç PA a e a Do BUISNSOINA 2/; É O Sino) qu olo | celso la Ss cu ci « E, O 9 5/4 O SA do pa ano ns soInatiodns SoJie Sop InagIer] Co ie else 4 92 | esc Ge on REA SOIN9LIZJUT « « « Sz | ao SR Lo Qu te lr Sc |ge-Sz ' SoIMolIgdns sofre sop InanduoT h9 | hllsho| L bh 9|8:9 2391 BJ 9p InodieT ea a a Rae O GO SR SIN9IJg]SOd SINO, fa E TRe OP ql O / di | een E ERRO sinoriodns sjeue sooipuoddy 1a Rare ÃO o 16 Ore TC Os pis USUIOpay vy | OW, pts TRA gd pls Cy ob SRP RASA ge Rss uso [2307 Inonduo”T Ras pos = = = = | E o poe Sá = = a Ea Fen a pol pon disso E de pra = se a 5 | | 5 9 (1) SNOISNHNIG REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 45 Raprorrs E7 pirrÉRENCES.—LLe mále de Sardaigne est parfaitement identique à quelques individus du Portu- gal et la 9 type De Sicile décrite par de Selys ne difiére pas des femelles presque adultes que j ai sous les ycux. Quand à VOnychogomphus Hagenir, voici en quoi À différe : | Taille un peu plus petite; ailes relativement un peu plus courtes ; | Ptérostigma un peu plus court, surmontant 3 cellul- les et demi; 10 à 12 nervules anténodales aux alles su- perieures, 6-9 aux inféricures; s à 6 post-nodales aux quatre alles; ) | Feuilles du 8.” segment paraissant moins paralléle et prolongée par un lobe moins arrondi;. Appendice anal inféricur un peu plus élargi vers lextrémité et appendices supérieurs paraissant plus bifi- des que chez le Genei. L'écaille vulvaire de la femelle est identique. Ops. —Les différences indiquées montrent que IO. Ilagenú est extrêmement voisin du Genei dont 1l ne cons- titue certainement qu'une race habitant la Syrie, 1 Egy- pte et | Abyssinie. [es deux formes se distinguent micux de VÔO. pumi- lo quoique par des caractéres três minutieux, mais les appendices du mãâle sont trés diflérents. Quand à PO. Coste il appartient au groupe de TO, grammieus par ses appendices anals. ALBerT À. GiRARD. aà E md, VARIA Effets de la semi-domestication sur le daim (Dama vulgaris), d'aprês M. Keilhack. (1) Le daim, originaire des contrées méditerrancennes, a Cté intro- duit dans "Europe centrale et septentrionale pendant l'ere chrétienne et 1l n'y a même que quelques siecles qu'il a été introduit dans 'Alle- magne du Nord. Ce fut donc une découverte fort intéressante que celle d'une ar- mure complete de daim faite à 10 lieues de Berlin, dans des alluvions préglaciaires. M. Keilhack mesura 106 dimensions sur cette armure, et mit les chiffres obtenus en regard des mêmes dimensions mesurces sur les 30 plus grandes armures provenant de daims actuels de "Allemagne du Nord. | Ce tableau comparatif fait voir une série de différences entre le daim fossile et le daim actuel. La meule, la perche, les andouillers et la palmature ont une épaisseur plus grande; Vandouiller inférieur pa- rait avoir été devié vers le bas et V'andouiller supérieur dévié vers le haut. La longueur totale du bois est moindre, ce qui concourt avec sa plus grande épaisseur pour le faire paraitre plus ramassé. L'angle for mé par la base des deux bois est moins obtus, ce qui les fait paraitre plus rapprochés. ['armure du daim actuel montre donc une tendance à Vaffarblissement, au béncfice de Vélégance. M. Keilhack voulut constater si la même tendance se trvuve aussi chez les daims habitant les contrées considérées comme leurs pays (1) Keilhack. Ueber cinen Damhbirsch aus dem deutschem Diluvium. (Jahrbuch der Preussischen geologischen Landesanstall und Bengakademie fúr 1857. Berlin, 1888, p. 2873-290, pl. XI). REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO | 2 d'origine et, dans ce but, demanda des renseignements à Lisbonne et à Athenes. º L'armure du daim grec se rapproche d'une façon remarquable de Varmure fossile, tandis que la plus grande armure qui se trouvait alors au musce de Lisbonne (1) présente exactement les caracttres de celles qui proviennent des daims actuels de "Allemagne du Nord. Or 1l est à remarquer que le daim Yit en Gréce à Vcétat sauvage, tandis qu'en Portugal 1l est entretenu dans des pares, exactement comme en Allemagne, ou il subit depuis plusieurs siécles une semi- domestication à laquelle on peut attribuer les modifications précitées. Ayant eu dernitrement à faire une excursion au Monte Junto (point culminant, 566M), jentendis les vieillards de la contrée dire qu'il y a une cinquantaine d'annces cette montagne ctait couverte d'une Cpaisse forêt qui abritait des daims et des loups, animaux actuellement completement disparus de cette contrée. Ils admettent que les daims s'étaient échappés d'un parc des environs d'Alcoentre, mais ne donnent pas de preuves à Vappuis. IH semble plus naturel de considérer le Monte Junto comme le dernier reluge du daim sauvage dans cette partie du Portugal. En tous cas, cette montagne a été habitée par des cervides depuis les temps les plus reculés, car des fouilles faites dans les cavernes ont fourni des restes de cervides de I'époque néolithique. En outre, une grotte si- tué sur la crête orientale, à environ 1200" au N. E. du signal trigo- noméctrique d'Espigão, et à Valtitude d'environ 370 metres parmi les- quels ceux des cervides se trouvent en grande quantité. Mentionnons encore la présence de cervides dans des depôts d'une autre contrée, d'âge intermédiairc entre ceux de époque quaternaire et ceux de l'époque ncolithique, los kjoekkenmoedding de la vallée du Tage. | | Malheureusement les bois ne sont représentés que par des fra- gments, aussi bien dans ces derniers dépôts que dans les précédents. (1) Cette armure n'apparticnt pas au Musce national, elle avait été envoyée au préparatcur par un habitant de la ville, OS MORTOS ANTONIO ROBERTO PEREIRA GUIMARÃES Foi Pereira Guimarães quem succedeu a Felix de Brito Capello no estudo ec determinação das collecções carcinologicas e ichtyologicas do Museu Nacional. Tam infeliz como o seu antecessor, Pereira Gui- marães falleceu depois de uma longa e afílictiva doença, deixando um espolio scientifico que affirma bellas qualidades de intelligencia e de trabalho e do qual destacamos os estudos seguintes: Liste de quelques espêces de poissons d'eru douce de Pintérieur d'eAngola, in Jornal da Academia, vol. VIII, n.º XXX, Lisboa, 1881. Description d'un nouveau poisson du Portugal, in Jornal da eia, vol. VALE ano EXT Lisboa SS Listi dós peixes da ilha da Madeira, Açores e das possessões portuguesas da Africa, que existem no Museu de Lisboa, in Jornal da Academia, vol. IX, n.º XXXIII, Lisboa, 1882. Description d'un nouveru poisson de Vintérieur d' Angola, in Jornal da Acade- mia, vol. 1X, n.º XXXIV, Lisboa, 1882. Diagnoses de trois nouveaux poissons d'Angola, in Jornal da Academia, vol. X, n.º XXXVII, Lisboa, :884. Supplemento à Lista dos peixes da Madeira, etc., in Jornal da Academia, vol. X, n.º XXXVII, Lisboa, 1884. SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO. (Propaganda de sciencias naturaes e sociaes em Portugal) “À SociedaDE CarLos RiBeIRO tem recebido as seguin- tes publicações, d'algumas das quaes se occupará na sec- ção bibliographica da sua Revista: Em. pe Munck. — Proposition pour lorganisation d'une excursion éologico-archéologique à faire à Maestricht, 8º,7 pag., Bru- - xelles, 1888. ss Documents pour servir à Vétude des mour Sud ÃO et des usages au XVIII siêcle dans le Luxembourg bclge, 8.º, 8 pag., Bruxel- les, 1888. — Les Micault belges, 8.º 4 pag., II pl., Bruxelles, 1889. — Mémoire de Em. de Munck répondant en parte aux questions : — 1.º Phomme a-t-il vêcu à: Vépoque tertimine? — 2.º Quel est Vétat de la question de lhomme tertiaire en Belgique 2 8.0, 23 pas. Bruxelles, 1888. — Etude 4 faire sur les gisements, les caractêres physiques, chimi- “ques, minéralogiques et paléontologiques Ges ruches tarllés pour Vhomme préhistorique, 8.º, 11 pag., Bruxelles, 1887. Prince ALBERT DE Monaco. = de flotlage sur les courants superficiels de l'cAtlantique-nord, 8.º, 14 pag, Paris, 1890. | — Sur la Ed des eaux profondes de la Méditerranée au large de Monaco, 4.º, 3 pag., Paris, 1890. : SOCIEDADE DE Cc DE LisBoa. — Mensagem, Ao ret, sobre (0) Tratado Luso-britannico, Lisboa, 1890. - F. Aporpno CorLHo. — Contos populares da tuguezes, 8 * 1605 pag. à SILVA en — Materiaes para a historia sos tradições opubires do Lisboa, 1879. concelho de Espozende, 1n-16,º, 114 pag., Espozende, 1888. “— Ramalhete de canções populares colhidas no concelho de Espozende. in-16.º, 15 pag., Espozende, 1887. ARMANDO DA Sicva, — Folk-lore e Dialectologia de Espozende (Noticia bibliographica) in-16, 32 pag.. Espozende, 1890. - SoEIRO DE BRITO. — Linguagem infantil, in-10 º, 18 pag., Espozende, 1890. —. Litteratura popular alemtezana: — Às E rolo in-16.º, 9 pag., Es- pozende, 1890. — À poesia popular alemtejana, in-16, 51 pag. » Espozende, 1890. Pau Cnorrar. —- Sur une station pr éhistorique à Obidos et sur la dis- persion de VOstrea edulis aux temps préhastoriques, in 2 pao Lisboa, 1890. Dir Sesttcor — Les pendus, 8.º, 19 pag., Vannes, 1890. — Etudes maritimes (Les coquillages de la mer. Les zoophytes. Les crustacês), 8.º, 20 pag. Vannes, Foo RE Revista d Lthnotogra é de (ilottologia, lasc. 1-4, Lisboa, 80-81. . Revista Archeologica, “TOM PN nº, Lisboa, 1390. ”, Revista de Guimarães, Vol. VII, n.0S 3- -4, Guimarães, 1890, Revista do Minho (para o estudo do Folk-lore), Vol, VI, n.º 10, Espo- zende, 1890. É SA da Sociedade BOA Tom. VII, fasc. 4 e tom. VII, fascs. -2, Coimbra, 1889. O E o Vol. “XXXVI, n.º 11-12 e vol, XXXVIII, n.º 1. Ei Coim- bra, 1890. | Revista de Obras publicas e minas, Vol. XXI n.º 249-250, Lis- DEAN DO. Revue scientifique. Tom; 45:.h.º8 1-2,6 toi: 47,0 DS 2h amis o Mélusine, Vom:V. nº 2-8, Paris, 1890. Revue de philologie française et provençale, Tom. IV, fase, 2-4, Pa-. ris, 1880. Bulletin de la Société Loologique de France, Tom, XV, n.º 6-10 Pa. | ris, 1840. Verhandlungen der Berliner Gesellscha/ft fiir Anta Etimolos oie und Ur geschichte, n.ºs de fevereiro-dezembro, Berlin, 1890. Bulletin de la Société Vaudoise des sciences naturelles, Vol, Sao n.ºS 101-102, Lausanne, 1S90 Feuwille des jeunes natiralistes, Tom. XX, nºs 238-241, Paris, 1890. Bulletin de PInstitut Egyplien, 2me série, n.º 10, Cairo, 1890. Bulletin de la Société des Sciences historiques et naturelles de Semur, ame série, n.º 4, Semur, 1890. Bulletinidu Comte géologique de St. Peter shourg, Tom. IX, n.º 1-8, St. Pétersbourg, 1890. Supplément aux Bulletins du Comité géologique de A Pelersbourg, 190. Mémoires du Comité Géologique de e Petersbourg, Tom, IV, n.º 5, Tom. YVinºr ese Tom X nbr Petersinnrei 1390. Verhandlungen der hawserlich- “Joniglichen zoologisch-botanischen Gesellsc haft in Wien, N.ºS de outubro-dezembro de 1890, Vienna. The journal of the anthropological institute of Great “Britain and Ireland, N.º de Fevereiro de 1890, Londres. Annales de la Société belge de microscopie, Tom. XIV, Bruxellas, 1890. Bulletin de la Société “belge de microscopie, Tom, XVI, n.s8-11 € tom. XVII, n 0 2-4, Bruxelles, 1890. Abstracts of me procedings of e geological Sociely of London, n o 551, Londres, 1891. Revista de Selen Li Net e Sócia Publicação da Sociedade Carlos Ribeiro CONDIÇÕES DE PUBLICAÇÃO A Revista sahirá remain que vezes por anno em fascicu- los de 48 pag., 8.º “Portu gal — Anno ou serie de 4 numeros...! 18200 reis “Numero avulso ...... Ra Pa aa DO “Paizes comprehendidos. na União postal: Alano: : esa Pee O a DO 8 fr. Numero avulso ....... 00.00. ; 2» Para os outros paizes não fiientio parte da União accresce o porte do correio. “ORGÃO DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Publicação trimestral Y Eae PORTOs E : " TYPOGRAPHIA OCCIDENTAL x ; “80, Rua da Fabrica, 80. a is 1891. o | «RICARDO SEVERO «ROCHA PEIXOTO aU Do SUMMARIO MEMORIAS ORIGINAES Notas sobre a linguagem vulgar do Porto. (conclusão), por J. Leite DE A scoNERuD: Car Contribuições para a fauna malacologica o a por Augusto NosRE VARIA Explorações archeologicas, por SANTOS RocHA . BIBLIOGRAPHIA pag. pas: pas. Communicações da Commissão dos Trabalhos Geologicos de Portugal I—F. Paura E OLiverra — Note sur les ossements humains existants dans le musée de la Commission des travaux DEOlooAquEs, por RS. jo a ç : II — Acrrevo Ben-SauDe — Note sur une météorite ferraque trouvée à S. Julião de Moreira, pres de Ponte de Lima (Portugal), por R. S. Es : : “NI— Dr. WeLwrrsca — Quelques notes sur ê péolócce d' Angola, coordonnées et annotées par M. Paul Choffat, por: R. 9» : : Su NV Ji E Nery Dea e A dos cjazigos de marmore e alabastro de Santo Adrião e das grutas comprehendidas nos mesmos jazigos, por R. S.. NOTICIA cÃs conferencias do dr. Julio de Mattos sobre o caso Char- les Petit, por). Bro dq a pas. pag. pas- pag. pag. - 49 hs 85 88 88 89 89 EIN ar Fi muntânha bánho Ro E o câminho “zàn gar. CC pânninho "abrandar: ; tâmánho — cântoneiro aa arrânhár. | DS et O ED E à E da 50 REVISTA DA SOCIEDADE GARLOS RIBEIRO b) O a é igualmente aberto em má? (mãe), que não rima com bem, ainda soqne e alguns poetas portuenses, a imi- tação dos do Sul, ete., pertendem às vezes fazer rimar essas palavras, por ex.: pe Braga nas Feras e violetas, Ee 1869, pg. do e 235; 0 mesmo poeta faz rimar mãe com estas palavras: mnguem 200), tem (pg. 61, 62 e 260) é tambem (pe. 2Sve 240) "Como Rdisses ACE a repugnam aos ouvidos Re c) Ao lado de sángue, tambem tenho ouvido. no Porto dizer sáingue, mas não geralmente. 7. q) Ao archaico -om, ao moderno “om, e às vezes (por confusão) ao moderno -ão, quando tonicos, corres- ponde -óum (1. é, óu nasal) com o um pouco aberto, mas menos que em dó (isto é, com um o --ao de ou portuense em pouco, vou, etc). lixemplos | Bulhóum (Bolhão, nome de uma pu móum (== mão) curaçõum carbóum póum (plur. puóis). cóum (==com em pausa) irmóum (plur. irmiúóis) SO SOMA): Este facto, que eu já notei em 1885 nos Dial. Ma nhotos, 1, 1, foi tambem observado, em parte, por Barbosa Leão nos seus Elementos de gramatica portugueza, Porto 1886: «.. devemos aqui apreciar uma pronuncia que eziste no Minho..... E inquestionavel que nesta provincia a pa- s 2 A 6 ds o modo aqui a DRE pa não pisa pr o em “pessõas Eae como ER ê de regressão phonetica. A professores de ensino " tenho eu ouvido no Porto dizer são (=som), pe de. tm con do Minho ouvi uma vez “No E da faixão (2); GE MENS lá os publicados mom as 2 do jornal. O mio : ; 4 : 5 ] É á 4 f Y 5; o o / Rue jamais tua FERA en ia boca articulasse um som. ig ; , É x x ode ao repente julgar-se que aqui se deve pro- r sóum, paixóum e allusóum, em harmonia com o x uia. fa dia passim. a 4% pas. “102. Ernesto Pires não era do Porto, mas. por aqui 52 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO S 7-a, mas tal não me parece o caso, porque gente de al- guma cultura não diria facilmente paixóum, etc. (1) c) Sobre o nasal quando tonico e não está em ter- minaçao, vid. S qo-c elSizo! d) Ao arc. -om atono (mod. -ão) corresponde geral- mente -o (1. é, u abalado), ex: fóro (==arc. forom mod Jfôrão ou foram), viero (==arc. vierom, mod. vierão ou vie- ram) etc. e) Geralmente on (om) atono medial muda-se em Ia (ui). TE cumboro cumiigo cumprar cum préssa tumbar “ acuntecer. Este facto, que é parallelo ao que se nota no VS) é commum a todo o Baixo-Minho, e denuncia imme- diatamente qualquer habitante d esta região, culto ou 1n- culto. As cacographias com un (um), por on (om) são em grande abundancia: até uma vez na dissertação de um estudante do 5.º anno de Medicina, do Porto, vi que elle tinha escrito com perfeita consciencia puntada (=pontada)! Cf. Gonçalves Vianna, Essa: de phona de la langue portug., pg. 46, nota. (1) Nos «Rascunhos sobre a gramm. da ling. portug.» de B. C. (Baptista Caetano). Rio de Janeiro 1881, pag. 167, diz o A. que no Brazil, em vez de bom, se diz bão. Citando esta passagem, diz tambem o sr. Adolpho Coelho: «A fórma bão que o dr. Caetano cita como popular no Brazil encontra-se ao norte de Portugal com frequencia, como são por san, tão por tam, e ainda irmão, vão, chão, etc. por irmã, va, cha»; vid. Os Dial. roman. ou neo-lat. na cAfrica, cAsia e cÂmerica, IL, 7. 53 stas palavras on atono medial (antes de s) des- e: custipar (constipar), cussigo (==comsigo). ê Ê, o no Edo nasal. HDL GE Vis : ; | é 2) Rindo RE da bentosa () j : Úw abender arrendar. No povo ouve-se tambem no (== principio), | sinhor e sim o Po que se poderão ex- “ho litterario Qi(- an; o) corresponde -do (com a “ah nos EX, mo do ia “minha irmão (==minha irmã) mação (- maçã. No plur. maçáis). (1) Nisto oro: fis. 125 lê-se maçães; mas talvez seja erro do 54 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Cf. Adolpho Coelho, Os dial. roman. ou neo-latinos na Arica, cterepo him H. - Dironcação. 10. a) Ao e que na lingua usual soa é, quando tos . E . . 1 nico, corresponde 27é em qualquer circumstancia. Ex; Ç VU. Têma préna VU. EA vêlle maiênos Ú UV. biênio (= vento) (1) zêu 2) ava quiênte mau o] 4 to siêémpre trêu. b) As syllabas -elho (-elha), e -enho (-enha) pronun- ciam-sé assim -éilho (-éilha) e -émho (einha), por ex.: teilha, véilho, etc. Numa cacographia moderna achei tam- bem: conséilho, joéilho. Já em ms. portuenses (papeis particulares) do sec. XVIII achei Botéilho. Assim velho e velha rimam bem com todas as mais palavras em -elho e -elha, o que se não da noutras pro- vincias Eme | | A luz do pôr do sol tornava-te vermelha De ir puxar pela capa á tua irmã mais velha. (2) * imprensa, pois no m:smolivro, a fls. 62 r. ev., ha varias vezes maçaás. Sem embargo, na ed. de 1785, pag. 207, repete-se maçaes — O mod. plural portuense (e baixo-minhoto) maçáis é por analogia com outros nomes de sing. -à e plur. -ães. (1) Devo dizer que em palavras com en medial tonico várias vêzes ouvi pronunciar esta syllaba não ién, mas sim ch, ou com um som parecido, por ex.: voento, rende, fenda, aconde. Mas este pheno- meno, ainda que não seja esporadico, como talvez é, não tem grande extensão. (2) G. Braga, Heras e violetas, pag. 43. | AD CARLOS memo II4, vêem-se | “mas todas os Rats que cito porque eu conheço. de bird! e, sa “cuônde oa Ruóma. * puônie RE ode — fúónto Pe meduórra “muônte E uônda — descúônio RR Ro “suôno “luódo. é principalmente sensivel, junto e À iré Re nico com repouso Scintl e and mo I e o dos poetas do Sul, pois tal rima é impossivel no Porto. | Este som é um, Ro crescente, cuja base é ó e cujo Us no am ê pain na do 1 1. é, com c liffere da de o ôsso us phonetica do Sul, E |) 56 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO labiaes (cf. Dial. interamn., VI, 4); mas dá-se tambem no o inicial e junto de outras consoantes, como mostram os exemplos indicados. Quem primeiro notou, que eu saiba, embora incom- pletamente, este phenomeno de ditongação forão os aucto- res da Livraria classica portugueza (1), no vol. III, Rio de Janeiro, 1865, pag. 349. À respeito do verso do Cancio- . neiro de Resende | Pola maldade do erro passado dizem elles: «como ainda hoje se pronuncia no Porto, puola» (2). d) Sobre outros casos de ditongação vid. 88 4 e 7. WI. Lincuars. 11. a) Geralmente no Baixo-Minho a vogal (a, e, 2, o) que precede o | que fecha syllaba ditonga-se em u, passando de ordinario o l a r. Com relação ao Porto te- nho nas minhas notas os seguintes factos : cdul (= cal, ouvido em Paranhos) aurto (==alto) pármo (= palmo) carcanhar (==calcanhar) árcançar (== alcançar) gdurgo (==galgo) çe úrtimo (==uúltimo) azur (== azul) Liupurdina (==Leopoldina) bórta (==volta) cállo (sendo gutturalisado o primeiro 1). (ouvidos em Grijó, c. de Gaya). (1) Castilhos (Antonio & José). (2) Pas. 129: REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 57 b) Im grupo de cons. + |, este | dá 7: suprimiênio (== supplemento), cumpréto (== completo). c) De deslocar fez-se desnucar. d) O eatono que precede r muda-se em a porinfluen- cia da lingal: libaral, amaricâno (ao lado de mericáno). A 4 IN Apoio. 12. Não só depois das consoantes finaes, mas ainda depois dos ditongos finaes, apparece um e surdo (na em- phase talvez ás vezes 1): máre “dóuze (==dous) Juóue (isto é, mulhére megae (ES reis) Ju-du-e). E) Em pausa, no acto de chamar, creio ter ouvido: O Manuéli... O Raúli..., com prolongamento de e e u. Este phenomeno do apoio é já notado no seculo XVI por João de Barros, que diz: «Paragoge, quer dizer acreçentamento: cometefe este uiçio (sic), quando em fim dalguã paláura fe acreçenta letera ou syllaba, como fe faz nos rimãçes antigos, que por fazerem cóloante diziã, — os que me foe GUARDARE, por guardar». Vid. Compilação de varias obras, ed. de 1785, pag. 163.— O mesmo se dá em gallego antigo e moderno: vid. Saco Arce, Gramat. gal- lega, Lugo 1868, pag. 20-21 e nota. — Tambem o mesmo succede noutras linguas. V. Dissimicação. 13. a) De consoante: Ç cangriêna (== gangrena) selativa (= sedativa) 58 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO reflêtario (= refractario) alurisma (== aneurisma, * anurisma) OUT ERRA OS ATO A b) De vogal; rezóum (= razão e razom; ou ha in- fluencia de rezar? Já no sec. XVI ha rezão.) meduôrra (== modorra) Bergina (==Virginia) Nada disto é porém caracteristico da linguagem d aqui. VI. AssimiLação : 14 a) De consoante: mm nada (==mais nada) mmeições (==ileições [clr. S 19 -a] — eleições qué-los (== quer los). b) De vogal: inzeminar letrina | “ queridade Demidum E Md a VIL + Elnto: 15. a) O hiato annúla-se frequentemente por inter- calação de vogaes que podem formar ditongo com a vo- gal antecedente: (Cir, Dial: beimoes; NV. Sex: qi u-Ana (= a PO aa réu q-1- elle gi=t- -água ea at- q posse EC en bo E Ra -oa dá -óua: ou (bóu- -a), etc. Numa ro Cop Re fannâncio) o pão broua.. - | “A Pd | Ra Ho] dissyllabo ruim sôa, ruim (rái nasal, mono- Pr RAD, A t vitro “Syncope. nl a ms a do 1 em sáóte e mãór (mas é Ro às e se Ra |) “Ouve se às vezes umazmána (=uma semana). o é palavra proclitica, O e syncopou-se, e os, Fê de consoante “sonora, deu normalmente z. E | ; ouvi: «no principio dasmána» (da semana). Rn Ea Lamnes. o e a Es as já observado ha séculos que no Mi- ] o» » se troca facilmente pelo b, dizendo-se binho, bós, |; “Muitas vezes o povo, úlgado exprimir-se com mais Era diz vótas (== botas), vóum (==bom), etc. As pro- “pessõas cultas dizem frequentemente b por » (mas o inverso), como em geral em todo o Norte. Os poe- até não põem dúvida em rimar palavras em que en- b com palavras em que entra », como: Os sonhos em que te absorves A" luz no seio dos orbes. (1) G. Braga, Heras e violetas, Porto 1869, pag. 18. 60 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Nemrod e Constantino admiram quem ós salva: A clemencia do archanjo envolve o duque d'Alba (1). Infinito azul sem nuvens Foram das virgens de “Rubens (2) Nos dois quartetos de um soneto achei tambem ri- mando entre si: enraivas saibas caibas laivas (3). E' claro que em todos esses casos o v se pronuncia inconscientemente b. Os exemplos mostram bem a exten- são e intensidade do phenomeno. b) Por influencia das labiaes b e m, diz-se dubaixo (= de baixo), bubiér (= beber), etc. Em flagrante ouvi uma vez: «ar! que mu matam !», onde o u de mu (== me) resulta da influencia do m seguinte, como em rumendo (= remendo); naquella phrase me é proclitico, e portanto, quanto ao som, faz parte da palavra seguinte. X: PaLATAES. 18. a) Contrariamente ao que succede no Sul, diz-se câixa, báixo, feixe, etc. Em Guilherme Braga encontro tambem as rimas. Não ha depois quem se queixe Das rodas do teu caleche (4) o que indica a pronúncia caleiche (ch soando aqui x). b) Sobre -elh- e -enh-, vid. $ 10-b. (1) Clds cbiiipag 224: (2) E. Pires, Scintillações e sombras, Porto 1883, pag. 55. (3) M. de Moura, in O cartão de visita (periodico litterario), de 10 de Agosto de 1886, pag. 57. (4) Heras e violetas, pag. 168. Ea d, à q LR Do UE: Eu Nag RIR UA io: Putin “REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 61 XI, NasaLação (cfr. cap. 1) “19. a) O e (1) inicial nasala-se, por ex.: invaporar (= evaporar) induriêto (== 1dureto ==10dureto) “unânginar (== imaginar) irrar (== errar). “inzeminar (== examinar). Em a =beir. amotolia), de almotolia, om XII. Noras vÁRIAS SOBRE AS VOGAES E DITONGOS. 20, a) Esdruxulos. Nos esdruxulos, o 1 postonico, ra E o) primeiro passo para a syncope. Quando se segue vogal, o 1 cae às vezes, como em Antóno, mulésta (= mo- Ld a pc. mas este facto, que é caracteristico de Ed Cd | o Ó nao eu é reduzido a u em alurisma.— Vid. o eo Vocabulario. RA (1) Vid. o Vocabulario, nao se segue consoante, muda- se e facilmente em e: md- 02 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO d) Diz-se préza (==arc. pésa, mod. pésa), tife (=tifo), premeiro (== primeiro), suféca (do verbo suffocar).— Vid. o Vocabulario — Diz se tambem desdelogo (= desde logo), com o primeiro e surdo, por causa da proclise. e) O -iu pronuncia-se como ditongo (e não dissylla- bico, como na Beira): assim fugiu, mentiu não podem rimar com fio, ro, etc. Na palavra periodo o -10-' sda tambem iu (ditongo), de modo que a palavra tem só tres syllabas, —ou duas, quando se disser p'riudo. b) Diz-se ugual (igual), e apocopa-se o a em méri- cáno (==carro americano). XII. Noras vÁRIAS SOBRE AS CONSOANTES. 21. va) Aces E cons. corresponde =s. Ex: “sprar, star, sprito (= espirito), screbiêr (== escrever). ln b) A palavra vomitar deu gomitar,' como noutros pontos do pais. Bj» MORPHOLOGIA Do VEneDe! 22. Formas varias: | oméndes (— a 1éu puôs (—=eu pus), d'onde tambem puô-lo ; pus (= pôs) (1): strébe (1) Aproveito a occasião para explicar a formação do verbo pór. Em port. arc. era, como se sabe, poér (de outra fórma mais arc. fõer, 1. é, poér, com aççento no é) que vem do lat. ponere (1. é, ponére); Do A E O o a RAS + ! ] Ad Por VE fy DIPRLAR y | E / a Io à e Pa em dd NI À MA a n p , ! REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 63 (= estive). A uma regateira no Porto ouvi fazo (=faço), 'mas não sei d'onde era. Nos verbos temos que notar as seguintes inflexões das vogaes: mêémo, vemes, teme, Lemiémos, “témiei; cuômo, cómes, cóme, cumiémos, cómici,— o que é ex- * cepção ao $ 10 -a-c,— Cf, Gonçalves Vianna, Essar de pho-. nétique de la langue portug., 46, nota. Este facto entra numa || categoria mais geral: vid. Epiphanio Dias, «Gramm. por- RR ug. clementar», 8.* ed., pag. 46-50. IL AN RTIGO Si! 23. (Como noutras partes do pais, conserva-se ainda — a antiga pronúncia va (— modern. uma). E' notavel que "Os proprios poetas em certos casos a adoptem, por exemplo: Oh não insulteis nunca Za mulher perdida (1) Como as canções d'ia mãe (2) O archanjo da poesia estende-te ua mão (3) Se levanto xa mortalha (4) Julgo-a assim como ua vaga (5) Nem mesmo espelha ia imagem (6) Ao ver passar ua mãe (7) Que destinava ao peito d'ia amada (8) poer tinha, segundo a regra, o futuro e condicional poerei e poeria, que na phonetica vulgar se deviam pronunciar porei e poria (cfr. posia = poesia). Ora como os condicionaes e futuros são formados do infinitivo com -e:i (1. é, hei) e -1a (de havia), em porei e poria viu-se “tambem for-ei e por-ia, 1. é, destacou-se um infinitivo pór. E” escu- sado pois recorrer á contracção inorganica de poer em pôr, ou à hy- pothese, que me parece inverosimil, de p0er com o accento tonico no o. - € (o GM Braga. Meras e violetas, Porto 1860, pas. 609. BR (ladra. pas, 94. fed dh Vade Tã 0. Ca ido nn ipão. OO 7: na Leto o os o a MO LA dos» aa Ala á | Eme vb, o pas 200: A» MB Pures Sermtvll Re combras, Porto 1983; pas. Li2. = o a Rad e EA a; mad e rd e Moro “jo o Cod 04 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Se a memoria me não falha, Garret propõe numa nota das suas obras (não posso agora verificar) que se adopte ua quando se seguir m, para evitar cacophaton. Nos cita- dos exemplos colhidos em Guilherme Braga, vê-se que cinco vezes va fica effectivamente antes de m, apezar de no 5.º exemplo resultar o cacophaton comia (que no N. é synonimo de sentina, pelo menos na Beira-Alta). No ex. de Pires o emprego do ua em vez de uma foi tambem para evitar o cacophaton u-mâmáda. WI. PARTÍCULAS: 24. a) Em vez do adyv, antes diz-se, e também às vezes se escreve, em antes (pronúncia im ántes). Assim ouvi muitissimas vezes a pessoas illustradas, e até a pro- fessores meus, e vi frequentemente nos jornaes; aqui só posso citar estes versos publicados em folhetim da Discussão : E' um templo a officina. Em antes d'esbanjar Aprende com suor quanto vale o trabalho. Este phenomeno, que é muito commum no Porto, não sei se se estende a todo o Baixo-Minho. b) O adv. mal foi adjectivado no deminutivo, nesta phrase: «F, está málzinho». Poisque se diz está mal como está bom (correspondentemente a está bem), o mal foi to- mado por adjectivo. Outro modo interessante de dizer é: vou uond'á fúdnte: cfr. Dial. Minh., 1, 14. c) Antes de vogal ouvi pronunciar mas como mei... em emphase, ex. «mei um dia», ete. d) Vid. no «Vocabulario» antre d'onte, f » R E Eu der: e ) k , dé | Da Pe MAGE a j : ] Vas, Le CANA 5 Sia k NM 7 8 k ER MT 4 der: ga, o, Es DA SOCIEDADE. CARLOS RIBEIRO 65 o K pRhAção DE PALAVRAS My “Notem- se as seguintes palavras, sobre algumas po oa Es! vid. o VocaBuLARIO: averdado (por esverdeado), Ro ado, queimiôr, bolar, pagadeira, lavradeira, can- Ecs À (por cantora), nubéla, malcriadeza, desapartar, ó dA o fine. do Rcc e desminuir. | FO V. ErymoLocia POPULAR. Aga o pe E ne mo nem » REA EA ; ; fi bpa a , EO SIA 5 Cree várias vezes: vocês q riêndes. a Com o “verbo dever emprega-se de, ex.: «tu debes AA Dial. extrem. 1, pag. a tenho ouvido às ças phrases como estas: «a giênte bâmos brincar», nte num cine FA ar dP tás or No h e F dade a) qto A 00 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Aee?) Dj TEXTOS A's vezes os romanceistas, os dramaturgos, e em ge- ral os litteratos, querendo dar às suas composições certo tom local, põem a pente do povo a fallar dialecto (1); Póde pois por aqui fazer-se ideia da falla do povo. Outras vezes apparecem mesmo textos mais extensos, embora. nem sempre com rigor phonetico. À este propósito é in- teressante notar que num jornal de caricaturas, do Porto, chamado Charivari, ha a gun escritas em lingua popular “por satyra- OC ncia esse jornal é de 13 de. Novembro de 1886; percorri OS 109 primeiros numeros, e nelles achei cartas em quasi todos até ao n.º 48 nelas: desse n.º até ao r09.º não ha nenhuma, e d'ahr em deante não sei, porque não pude obter a colleceção (2). Quem falla na primeira carta é um cidadão eleitor, que diz ser da Cal- laccia, tomando-se agui Callaecia como synonimo de todo Minho; outras cartas porém são datadas da Penajoia, terra que se escolheu de proposito, por ser uma das mui. tas no nosso pais cujos habitantes são apodados sem dó. pelos das terras vizinhas (3). O auctor ou auctores das. artas, com quanto às vezes tenham graça, cahiram no . contra-senso de commetter propositadamente erros de . orthographia, imaginando que era com elles, e não com a — transcripção phoncetica, rigorosa ou aproximada, da ln- guagem vulgar, que davam relévo ao dizer do povo! Assim. se vê lá escrito: à (= ha) ao lado de chrubim, pençam ao (1) A nossa litteratura de cordel é abundante a este respeito. Já tenho publicado alguns espécimes, e tenho ainda bastantes para publicar. — Por falta de temp» não menciono aqui alguns casos em romances do Porto. E (2) Ao meu amigo Rocha Peixoto agradeço o ter- me ossada quatro numeros. (3) Cf. os meus Dictados topicos de Portugal, pag. ES 20 ne Pg 8 = 2 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 67 RES di 0 Mao 1 Pe RR Rd der Po. co dos A DR aa - Rits É te ent Je pasiensia, anus e - annos) ao lado de anos, pur ao ) de no, pasçar ao lado de cun/eso, u ao lado de veio, -Ce, as du, EURO sete Ol imixtrtorio- = Cra, claro está não é escrevendo- SEGUE CR SELL ELO, "QUIG Se TC= | 1 não, “pronuncia assim. es das ae da orthographia e do variado das fórmas, vê-se que a lin- ; agem. que se tentou representar nestas cartas foi ado ntre-Douro- c-Minho ( (1): parciom (== pareciam), minhão - manhã), onde (: = hão- de), saverom (aliás -óum, == sa- « da do o Edo duda e cum 4 O Se quem escreveu as cartas soubesse que a linguagem da | enajoia pertence a outro systema dialectologico diverso do do Baixu- Minho, não teria escolhido certamente essa terra para assumpto da dec ias stóum. (3) Aliás giênte. 4) Eesconheco Csta fórma, que é curiosa, se é authentica. 15) Cir. 8 2o-a. o a poxo usa cffectivamente a fórma apparentemente impes- E (7) oro ue diz cum ethos um bei dito. (8) Outra fórma irmã de qn Influencia da labial; cfr. o) pis po DART o SRD AN 1 UN CENA, 68 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO zer-le (1) que esti (2) ano a respeito de carneiro cum va- tatas nas inleições, (3) — quero qué déle — , nicles (4)! 1 olhe (5) quê (6) foi uma falta de todo-los diavos; por- quê, imfim, (7) eu cá 1 mais alguns rapazes du éco sempre arranjavamos uns 10 têstos (8) cada um, 1 o vandulho (9) xeio (10) du tal agnós de: cum élas, acumpanhado (11) com um verdasco (12) di xupêta! Era mesmo um fartóte dialto lá cum êle! Mais (13) u quê eu num (14) póso luvar (15) à pasiencia, 1 u quê me léva de todo-los diavos é dezerem us priódicos que cà um ómeim (16) cumo eu num tem ópiniães (17) pulitegas!». Etc. Com um pouco de estudo, e de bom senso no ortho- graphar, ficavam aqui uns bellos textos de linguagem 3 portuense, e em geral minhota. Claro está que numa or- thographia phonetica ou sonica se póde adoptar u, nu, du, etc. (em doc. mess, do” sec. xi, cm- portngnes tenho (1) Em ling. culta, dizer-lhe. (2) O e final antes de vogal sabe-se que vale 1. (3) Cfr.S 19-a. (4) mnicles significa nada. Esta palavra não é mais, quanto a mim, que o latim medievel nichil (==nihil), tornado xnikel anicle (cfr. pop. utel =util; arratle, etc.) com a adjuncção do -s que se cos- tuma juntar a certos adverbios. (5) E”, de certo, erro typographico, talvez por ólhe. (6) Só se diz quê na pausa, por emphase. (7) Cfr. S 19-a. | (8) =tostões, por zombaria. À fórma arch., ainda pop., é testões (cfr. fr. teston, it. testone — De testa). (9) v=D. (10) E' outro exemplo da pouca critica de quem escreveu a carta, pois o povo do Norte diz ch e não x. (11) Cfr. $7-e. O agnôs =agnus é por graça borrego. (12) Por vinho verde. : (13) Por mas, lat. magas. É muito usado no Norte e em gallego. (14) Cfr. 8 7-e. Isto é, arc. nom em proclise. (15) Influencia da labial. Cfr. 8 17-D. (16) Cir SA; (15). Cr/S o, nota ir: a ar REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 69 ECO nai mera ções eee emmpemerrr rir rr nteara mr tesao omirremos “mente essa notação em todo o discurso, — porque o texto “não é para os olhos, é para os ouvidos e para a intelli- — gencia. E) VOCABULARIO | Aguneie, agonie (agoniar). Por confusão entre os ver- — bos em —ear e —tzar. Derivado de agonia, que vem do “gr. dyovia. — Fórma de au litteraria. | dic aneurisma. — A fórma intermédia é xaleu- “visma por dissimilação (1... m==n... m), onde o eu atono “foi reduzido a u como em pop. Uropa (==Europa), pop. di Ulaia (= Ro ADO lat. aneurisma (orig. grega). Fór- ; RS onda (na Beira-A. amotolia, etc.) — * Aqui a nasal provém da influencia do m inicial, como — em múito,-arc. e dial. múito. De origem arabe, almotli, E por dissimilação de !...l. “Anegrestado, tirante a negro, 1. é, escuro. —A palavra EA oo se em a- Ed onde -est é suffixo " analogico e raro; cfr. agreste. — Antre d'onte, antes de ontem. — Assim ouvi a uma * regateira, mas não sei d'onde era. O s antes de d dá às * vezes 1, como amor-dois (=-amos dois ambos), dérde. (==desde), na Estremadura. a A Apagar, apagar. — Cfr. pagár, onde o a aberto resulta da analogia do participio págo. — Formado de a-fagar RO pacare). e de i Ea Ea Aquélla, Na phrase: «não me o aquélia nenhuma», oa 1. é, «não me faz transtórno, duvida, etc. Diga 7 ER É Aultúrio, cArihur aredndes SEO) Es So fórma E E termédia é “Altur por dissimilação : segundo. a regra do 3 S11-a, al deu dul (ditongo). Foo e e Averdado, tirante a verde (est) SE quanto: a bn pe azulado, ni etc. I. é, —a-verd-ado. Do Tat: vulg. ER virdis (Schuhardt, Der Vokalismus d. Sa H, q sa EEE Eubkes Grid Rom. Spr: fi LS cone SL | Bagár vagar. Igualmente: de bágar. — Aqui o oa a é resulta da influencia de ao (= ge : che ação —Do E o Maca re Bergina, Virginia. - Dissimilação de E dd derem Dc. E 20-4. — q de origem litteraria. e bo Ee inia. da ES focada Bolar. Nuns versos. populares de Avintes (arredores do Porto) diz- se: ese Eu já lhe mandei der Tres bolos com tres bolarc es. donde se vê que bel é E Re ai rima a (alive — E ração), como ha mais casos na nossa. nu SE Bório, nolia. (Vid. $ 11-0). = Do lat, a volta. (Meyer-L., Gr., sos E | a Ra Cangriêna, gangrena. (Vid. se e es -=— Do ie sam, sa graena (org. gr a e órma de origem. hiteraria a | Cheminê, Asa ai Popular é que é neste É da não qe c+ta E em ant o que | é normal. naquela ling.; cfr. cheval =1. cabal- Para, a no vid. Diez, E Wo, 18 v. comic. Fo dc 0) Plnafidelênse no 562, lê-se, pag. 2: » SA cá os e. se a memoria me não falha, melo o e mer E he fera = Ch. : Cunfêsso, ias cão. o commum a outras Ee Feia de Fere como noutros pon- oro não sei se é Ee 1á). eae varias Sind roman- s mostram. ane o) “ty mon de confessar é uma fórma lat. E - SARA datas Ea E RREO Se TEVE LS ORE SS DRE Ei RR TÁ o a aà = E AS es UE SEN Ea ty REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO =] Cussigo, comsigo. Ex.: «cu binha cussigo» (co-sigo). Vidy Sar Custipar, constipar. Vid. 8 7-7. Demióum, Damião. — Cfr. Deniel (= Daniel), usada na Beira-Alta. Desapartar, apartar. — Aqui o prefixo des- refórça a ideia fundamental, como em desinquieto (= inquieto), desinfeliz (==infeliz), etc. — Isto é, des-a-part-ar ; o radical é parte. Desmenuir, diminuir (pop. deminuir).— A syllaba ini- cial de foi substituida analogicamente pelo prefixo des-, que contém a ideia de destruir, apoucar, etc., como em desbastar, desarrangar, desfazer, e outros. Cfr. desapartar. — Do lat. diminuere (cfr. cast. diminuir, it. dimi- nuire). — Fórma de origem litteraria. : Desnucar, deslocar. — Dissimilação das linguo-dentaes. — De des- +lat. locare. Origem litteraria. ; Destiêmpo, /óra do tempo. Ex.: ó destémpo. Cir. a des- horas. Vid. desminuir. Fueiro, estadulho.— Do lat. funarius. Fuligem. Assim se diz no Porto: lat. fuligo, -inis. Na Galliza fluje (adj. flujento) e na Beira-Alta felugem. — Se a fórma é de origem popular, resta explicar a ma- | nutenção do [ intervocalico. Fuôsco, fusco. Ex.: «vidro fuósco».—Do lat. fuscus. Gaz, nome que se dá tambem ao petroleo, como na j E Tap. tp ap ; pre disso bras Ani bd ao dr endada DE o PS ator bes cad = PGR e Pr ah PDS | E .- +, | REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 73 ri eee eres cio aaa mm pe rm mr ep a cedo act em ee re eta pe ae pm eira me mto eme Bei a- Na a Do fr. gaz, que tem origem historica (vid. Brachet, Dici. éiym. Jr. So Vo 7 na E pómito, Mr a ph lat: vomitu's: Sobre q =», vid. Mer E Gr der Rom. Spr., 1, 8 416.— Orig. semi-pop. E róino, homem. Cfr. 8 7-d. Muito vulgar no Norte. — Do Tat. homine (m), através do arc. homêe. A desnasa- * lização que aqui se deu, e que nesta e noutras palavras : “semelhantes É vulgarissima no Norte, deu-se tambem em nome (hoje pop. e litter.), que vem do arc. nome (no “cap. qu e xa da o de Vespesiano, sec. xv, se não erro pographico, pois apparece muitas vezes nome), do lat. o de nomen, que de neutro passou a asc., como. tambem. ice com vimem, donde o o ra vimem, que deve ter vindo de *«viminem.:; cfr. cast. v mbre E ab que não podem vir de vimen e no- Den, mas só de aviminem esnominem. a Inneições (léde incições), eleições. — No povo do Norte | 01 inicial tende para se nasalar, dizendo-se assim tambem ileições: depois o | foi assimilado à nasal precedente, como Ro are co no- com lo; no--arc. eno are. em no=- : em la; arc. até no = até lo. — A fórma eleição, do lat. e 1 ec tionem, tem cunho semi- htterario. | “Inundear, mundar. Esta fórma creio ser privativa do poeta Guilherme Braga, que a empregou nas Feras e Vio- “ lêétas, Porto 1869, nestes versos, pedida pela rima: Ai! nem valeis sequer os grãos de areia Que revolve o Simoun e que inundêa Dos desertos o Sol. Ê ita evaporar. em S1g-a.—lL.evaporare. di re litter, o PR EE ires Co ROO nau ” o A END a > Xp E ENE a Ç age 4 t gs es » us. soe ENA A = o E CV nal RAS 1 e a ) É e e es E et PE dao + - T : ua RR Cd CAD no Pago 74 REVISTA DA SOC [EDADE CARLOS RIBEIRO o li dd E, RA EN AND Malcriadeza. má creação. — Formada pelo suffixo -eza, que alterna em port. com o suff, -ez, aquelle do lat. -ilia, pe este do lat. -sties, onde -tie deu -z, como em assáz, que | vem não de 1. dd si como diem mas do lat. ad satiem, que apparece em Juvencus, de saties,-e1.. (cfr. portiare, az 1 aciemresta minha explicação de assaz é confirmada pelo cast. assaz (cfr. cast. haz ==1. fa- ciem); nem o cast. nem o port. podião vir phonetica-. mente de satis (cfr. port. amaes==1. amatis), podendo. vir porém o fr. assez (cfr/ Gimez==l, amat1is),€ O proy. assatz (cfr. -atz == -atis). Ha varios adv. lat. assim forma- dos, como admodum, adfatim, etc., de ad com um accusa- tivo. Mãór, maior. — Cir. saote. — Do lat. ma jore em. 2 litteraria. Meduôrra, modorra. — Sobre a etym., que é duvidosa, clr. J. Cornu, Die portug. Sprache, S 121. Mêmo, mesmo.—Só em proclse; nos outros casos mesmo. — Da fôrma arc. meesmo = «medesmo (efr. it. me- desimo)==lat. medipsimus (cfr. Meyer-Lúbke, Gram. der Rom Sgpr., 1, 443; se a origem fosse Rena e o) d deveria eia o se conservado em port.). Méricáno,. ou américano, carro-americano. — O e aberto: resulta da influencia do de América. e Mulésta, molesiia. — Do lat. RE pao Jit- ter aria. Nubéla, nuvem peguena.— Deminuitivo de nube (a par | Máquena, machina. E Ro «ma china origem Eee : na aa = dê Ee vagina. — im o nosso pop. b » cfr. Cant e otal múbe trinue: — Outros exemplos de » | ção adventicia creio estarem em pagem, do fr. page e q de ave: | O pe : ua di E a o . ; Ê - Piêsa, pás Ex.: «núm se présa».— Esta deve ter sido a pronúncia geral antigamente, pois ainda hoje se diz Ee pêsames ; a fórma fêsame, que se decompõe em: a tomado | como a Es joatso cpa a io, à de oa prim m a Tius. ELES ” é Préncipio, nr incipio. — Do lat. prinecipivm. Fórma origem” Rs pio AR Zon Cuando acima,smo S.22, not; der no sendo nova a etymologia de pór (infinitivo baseado e porei — poerei), havia-me escapado que já o Sr. J. | rnu a apontára no seu excellente estudo Die portug. 1 ache, S 296. Os que trabalham com o mesmo methodo ] ) Me NO VIA. Pa HA chegam muitas vezes a resultados identicos, embora in- dependentes. Mas julgo de meu dever indicar aqui a prio- ridade da observação do meu amigo Sr. Cornu. A mesma comprovação que elle dá de moesteiro, tornado mosteiro, me tinha a mim occorrido tambem! Queimuôr, calor, que faz queimar. —E' formada seme- lhantemente a pintor de pintar (ex.: «o pintor das uvas», Norte). Aqui pintor é outra palavra diversa da que pro- veiu do lat: pictorem: esta exprime o agente, aquella a acção, qualidade, etc). Sobre a etym: qua “Corno Bi 4 port. Spr., 9 7: e Meyer-Lúbke, Gram den Roman: chen Sprach., 1, 180. Queridade, caridade. (Quanto ao som, cfr. meniar== manear). Doat; caritáte (mm) Reflêtario, refractario. — O | resulta de dissimilação; o e tornou-se aberto por analogia de reflectir, reflexão, etc., e não por influencia do c que não existe na pronúncia de refractario, palavra moderna e de orig. litteraria (1. refra- Cia ris Reins (fem.), rins. — Ex.: «estou hoje com dóres nas réins». Lat. renes; mas houve mudança de genero. Rúim (monosyll.), ruim. — O wu attrahiu o 7, formando ditongo com elle, facto mui vulgar no Baixo-Minho, A etym. já dada pelos nossos AA., acceita tambem por J. Cornu, Die. Port. Spr., 8 304, é | rúina; mas olferece cer- tas dificuldades (cfr. arrumhar, pop. e are.; e elr. cast. ruína ao lado de ruin): talvez de uma fórma sruine (2). Sáóte, saiote. — Cfr. maor, etc. — Deriv. de saia com o suff. -ote. oe ES Cio RES = sl E Lo =" ide digo ro Sac aj Apos, pe BD VS 2 pd do J Eee E Pitt cs; qu Te ii ati agita do SED a a RNP PRA ABRE SR PG RSP E EE Fo * y Nai TR OR e o ul o A, p Pa ! Pe Fa nu Art VER A Pis a RD Wah pis ; “A EEN RR pi, Dry REVISTA, DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO MA fa O er er erre 1 re per r pita) Ria S atom E E blatidea, niiia, Na expressão calo nica água pre Dissimil, Ga aid Formação a aseda- O; o etc. vid. o = de rigem likteraria. | e Suféca, sufóca. — Assenta em sufecar == *sefucar == We | sullocare [forma de origem lttera- ) se ef a je sóme- a “Etr: ba o imperat. arc. é pop. e (lite Jogo) Parece que do lat. sumere. E e supplemento — O grupo pi da às vezes pr. a ad L. supplementum. % littcraria. É | o É iaeco; tisico.— Cfr. sismatego. — Tambem é fórma “moderna. Lat. phthisicws: é a; uma.—Vid. supra, $ 23. = Bat uma (cir lya- Scuitar, escutar. — De escuitar (arc. )==1. v. ascultare . “Tite, a ia l. ao hus (orig. grega). — Fórma 78 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO —00 0101 — end en copies ci, nilton pe Da ee Urtimo, último. Vid. S 11- adote Do to) Cu : Talvez fôrma de origem htteraria. a Viêla, travessa, ou rua pequena—Demin. de ma. | Xiculate, chocolate. — À tórma Caiado é checolate po que tambem se ouve algures. — Para a etym. Vid. Dies d'etym. fr. de Scheler, s. v. chocolat. af E Pelo ditongo -óum nos casos mencionados no $ 7-a, “abertura do a nasalado e do a antes de consoantes nasaes, pelo som «er, orale nasal, pela reducção do e inicial +s im- Ecs furo as, Dela guttural zação das nasaes, juntamente com a E confusão do b com o », por certos modas de evitar os hiatos, e certos factos de morphologia, phraseado e vo- cabulario,— a linguagem do Porto entra no systema ge- - ral do esto interamnense (1); pelo modo de tratar o . Ôcoé ooneo enatonos, e a syllaba constituida. por ss vogal + |, —factosque são muito e muito característicos, — o parte do sub-dialecto baixo-minhoto (2); finalmente, E pelo seu s e q especiaes, além da entonação geral, Eco constitue uma variedade nesse sub-dialecto (3). Lisboa, Março de 1890. CT Cons DESVASCONÇRLHO (1) Cfr. os meus Dial. interamnenses, VIII, pg. 23, e Rev. | Lusit., |, 192.— Chamo dialecto interamnense ao que se falla no En- . tre-Duuro-e-Minho. | = E (2): = Cfr. Deal interamnV SBD qr (3) Cfr. Dial. interamn., VHI, pg. 23-nota. Eai E Re O PARA A a do snr. Ernesto SR cujo Ria o es d a s especies é muito notavel e as odificações pos os snipas o ahi sofrem em re- a im Nwcda PM, +. PERO Me a E Ve pr» E ae AY A Da z 4 Fa Da. do? ; E : E O te So DEDE 7 ATO ARA Mesa q q Eds . eo “ E du! pt; dia: Gel 7 : io SAO RAMO y a! E R à “ Lo j a q + o io a ERA q , ' € Pe sb A 7 a ; à “ [UA ERRAR ge So - REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO - Né Crêmos bem que, assim como os typos especificos, que ahi soffrem modificações que os chegam a transfor- . mhar em especies de transição são muito numerosos, o | numero de especies novas tambem deve ser elevado o tendendo ao sufficiente isolamento d'estas ilhas e à pro- fundidade das agoas que as cercam. : Race A fauna profunda das agoas circumvisinhas de Aço ; res demonstra-o claramente. | Porto, Junho de 1891. oa | | “Aucusto NoBRE. t — CEPHALOPODA SPIRULIDEOS SPIRULA “Spirula Peroni, Lk. | a : Spirula Peron, dk Anim.s. vento, p. bor, vol, E Hab. Madeira; Porto Santo, no Nic de Baixo. | GASTEROPODA OPISTOBRAN CHIA TA AURICULIDEOS PEDIPES Pedipes afer, (smelin (Helix). e Pedipes afer, Gmelin. pq des Aço- E fes up es a a Hab. Madeira. EM RR OMR RR 0 o ro ÁS ca a FAN TR 7 À : ” RN TER To O Em Em Ê a SR 5 (Mio E ! pao AE | o RR ; Ro REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 81 SCAPHANDRIDEOS CYLICGHNA ylichna no e Pennant (Bulla). Cylichna cylindracea, Penn. — Sars. Moll. Norvegic, | o p. 283, pl. 17. É 12, Christiania, 1878. ) Hab, Madeira. BULLIDEOS| BULLA “Bula ini E: É made, Anim. s. vert. vol. VI, SD o 1) Orbigny, Mollusques des. Canaries, p. 45. Hab. Madeira. Os exemplares que teem «Guel recolhidos na iadea UM LIDOS UMBRELLA : “Umbrella a anea, E — Payrandeau, Molhus- ques de Corse, p. 92, pl. 4, f. 4. Hab, Madeira, fara: | O uian Pos RINGICULA Regiao oa None odio — J. de Conch., RO pics Panis; 1877. — Conchiglie Sr p. 140, Palermo, 1884. — Morlet, Monogr. g. Rms cula, Nobre, Contrib. 4. fauna da Madeira, p. 16. à ú Hab. Bahia do Funchal; recolhida em abundancia nas dragagens VOL. 13 6 -Tectura virginea, Miller. irei Ê É Es Pás To À + e Rj ; á E à ps Nah pe E Rg pe a AR RTV O A 82. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO RAR Ringicula Someri, de Folin. Ringicula Someri, de Folin, — Morlet, bp are genre Ringicula in J. de gu vol. II. —-Nobre, Condab: 2. fauna malac. da Madeira, pro Coim- bra, 1889. Hab. Dragagens na | bahia do ao S.-0. — DIOTOCARDIOS. E: —ZYGOBRANCHIOS fa = RHIPIDOGLOSSA | HALIOTIDEOS | | HALIOTIS | Haliotis tuberculata, IE Haliotis tuberculata, 1. Hidiico Mol. mar. piSo tidos. — Nobre, Contribuições, e “Hab. Funchal, Porto Santo, Desertas. Gases | EMARGINULA. Emarginula Sicula, Gray. Emarginula reticulata, Risso. Hab. Madeira, dragagens no Caniçal. DOGOGLOSSA TECTURIDEOS TECTURA Tectura virginea, Múller (Patella). — Jefiess, British, Conchology, pl. 58, f. de Hab. Funchal. Ra a jo S( 4 is IEDADE PR . Patellastra, Monts. ella h yP ea À chinensis, JE & re spirata, Madeira. % ih “o E PAÇO vê or 7 ) E? ' ú io O ARO E : ! e" K ML + ! ge” a RE o . PM a E Eat e é N - Hoc AR Jr De ae pe h | vê E NE, a PE K WE TIAS [9,0] Sa REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO RE A G. — AZYGOBRANCHIOS | sea —CHIASTONEUROS | (DYAL.) a onda E — TURBONIDEOS E o TURBO Turbo rugosus, E Turbo rugosus, L. nus Da dê Doll, Mol. du al Frouss o ; ERA Hab. Madeira. EODORA A Edo Shine, E: e Tudo Je Rc É ER Phasianella pullus, Bucq. Dautz. et Dollf,, Mol. a : IROUSS: pe 357, PU. a 1-8, II-I2. - Nobre, Con tribuições, pre Po Haby Bunchal, did no Caniçal. Es PHASIANEMA ú Phasianema costatum, Brocchi (Nerita ) É a “Fossarus costatus, Brocchi, Bucq. Dautz. EU Dollfus, Moll. du Rouss. É | Hab. Funchal. x : (Continua ). Augusto NoBRE VARIA EXPLORAÇÕES ARCHEOLOGICAS MEGALITHO DA MAMA DO FURO No anno passado tinham-se descoberto nas visinhanças do Cabo Mondego, ao poente da estrada municipal da Figueira a Quiaios, duas series de monumentos muito interessantes. Uma era formada por alguns tumulos ou mammoinhas, que até então se suppunha que não existiriam para o lado do O. da pyramide geodesica de 1.º classe, que ha no alto da Serra, ao norte de Quiaios. Outra, pelas ruínas soterradas de um po- voado, nas proximidades da Amortinheira, entre os dois pequenos valles d'Anta e da Espadaneira, Alguns reconhecimentos alli fizemos em outubro, para termos a. certeza d'estas descobertas; mas, sendo muito trabalhosa e demorada a exploração, não a encetámos, por ser a epocha impropria. Foi só no corrente mez de setembro que abrimos esses trabalhos, cujos resultados vamos noticiar ligeiramente. Rompeu-se um grande tumulus, em fórma de cone troncado, co- nhecido pelo nome de Mama do Euro, ao N. magnetico de Buarcos, no alto da Serra, dois kilometros seguramente ao O. do Casal da Serra, - nas visinhanças da solitaria capellinha de Santo Amaro. Os terrenos d'esta região são baldios, agrestes, cobertos de matto rasteiro e cheios de depressões a que os povos da Serra dão o nome de Algarves. Começou a excavação do monumento pelo lado de L., justamente na mesma direcção da galeria da grande anta das Carniçosas. Depois “ atacou-se verticalmente o centro do cone. O solo, superficialmente, es- tava muito compacto e endurecido; mas, á medida que a excavação descia, a terra era mais branda e por fim muito solta e pulverulenta. No centro descemos até ao solo natural. 4 Assim puzémos a descoberto parte d'uma galeria coberta e as rui- nas d'uma camara sepulchral. A parte da galeria tinha 111,95 de compri- - mento por cerca de om,8 de largura. tra formada por dois supportes de grés, orientados a L. O., que sustentavam uma meza delgada da mesma rocha. Na mesma direcção, seguindo para a circumferencia do tumulo, encontraram se muitos fragmentos de pedra que naturalmente faziam parte das lages do resto da galeria. 86 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Na camara encontraram-se duas grandes lages tombadas do lado do norte, um fragmento do lado do sul e uma pequena lage cahida na boc- ca da galeria. Mas o facto mais interessante, que aliás não nos surprehendeu, foi não encontrarmos vestígio algum de ossos humanos nem de objectos da primitiva industria. Nada ! Apenas fragmentos de ceramica moderna e alguns carvôcs que tambem não nos parecem antigos. Notámos, porém, que ao fundo da camara e galeria o entulho estava um pouco empastado. E não nos surprehendeu aquelle facto, não só porque já assim ha- viamos encontrado uma das antas das Carniçosas, mas porque na pro- pria região que exploravamos. proximo da referida pyramide geodesica, tinhamos achado no tumulus denominado Mammoinha de José Marques os vestígios d'um megalitho sem outros objectos que indicassem o homem. ; Um dos nossos trabalhadores. disse-nos que lhe constava terem ha muitos annos explorado a Mama do Furo, para lhe arrancarem as la- ges, umas para mós de moinhos, outras para construcções. | Este facto explica o estado em que encontrámos o monumento; mas a ausencia de vestigios d'inhumações e da industria primitiva ? Como explicar que não tivesse apparecido uma esquirola d'osso, ou um fragmento da ceramica nos entulhos-cuidadosamente examinados? À resposta é difficil. Mesmo admittindo a hypothese de que os ex- ploradores das lages, encontrando uma sepultura, removessem os ossos, não é crivel que levassem todos os miudos fragmentos d'estes e quaes- quer outros objectos. Entretanto a descoberta do monumento, em si, é já importante, como faremos notar opportunamente. das RUINAS DA ESPADANEIRA Dois kilometros aproximadamente para o N. do monumento de que acabamos de fallar, démos nas ruinas de umas seis casas. Afloravam O solo compacto, de terra vegetal, coberto de matto, que fica proximo das altas rochas da Bandeira, entre os dois pequenos valles da Espa- daneira e de Anta, umas pedras de pequenas dimensões, de calcareo local, formando mui nitidamente figuras quadrangulares, que o relevo do terreno em que se achavam mais fazia sobresahir. Excavámos o espaço interior d'uma d'estas figuras, e puzémos a descoberto os alicerces de uma casa, feitos só de pedras, a que se dá o nome de alvenaria em secco. No entulho, muitas cinzas e carvões, e muitos fragmentos de ceramica. Entre elles, parte do rebordo d'uma telha romana. ã Depois fizémos excavar parte de outra casa semelhante, apparecen- do no entulho fortemente concreccionado os carvões e as cinzas, fra- gmentos de vasos e uma especie de prego de ferro, grande, mas extra- ordinariamente corroido pela oxydação.. Em cada uma das casas notámos, no pavimento formado pelo solo natural, uma lage assente junto a uma das paredes. Estas casas são evidentemente da mesma epocha das ruinas s de Porto ' - o de Brenha, Endloi encontrámos. uma casa semelhante, le ryasos, tambem semelhantes e alguns pedaços de entos de vasos. têem todos os caracteres da roda do oleiro, re | ção. ais emprehendemos. EO RAos uma fórma sin- ore ( “por emquanto. fazer um. juizo sobre estas ruinas, aver duvida que são dos tempos historicos; mas da epocha jores? Alguem se lembrou da Citania de Briteiros ; E aiderento Só depois d'uma exploração em maior es- n do detido dos. Cha arriscaremos uma opinião sobre RS Foz, 1 7 E 1890. “Antonio DOS SANTOS RocHaA. " BIBLIOGRAPHIA Communicações da Commissão dos Trabalhos Geologicos de Portugal — Tomo Il —Fasc. 1 — 1888-89 [I— |. Pavia E OLciveira — Note sur les ossements humains existants dans le musée de la Commission des tra- vaux géologigues. | Este trabalho do nosso fallecido authropologo constitue integral- mente o capitulo Anthropologie da obra notavel do sr. Cartailhac «Les | Ages Préhistoriques en Espagne et Portugal» e, com algunias modifica- | ções, a memoria contida no Relatorio do Congresso de 1880. Já em outra publicação, sob o titulo d'esta Sociedade, nos occupa- . mos d'este trabalho prestando minguada e justa homenagem á memoria | inolvidavel do seu auctor, muito trabalhador e muito modesto. Este facto e a sua vulgarisação no mundo dos especialistas por intermedio do livro do sr. Cartailhac, dispensa-nos a repetição de notas bibliographi- cas anteriores a esta nova edição do excellente trabalho de Paula e Oli- veira, assim como das conclusões, já bem conhecidas, que dos seus es- tudos se inferem como valiosos subsidios para a nossa anthropologia prehistorica. ; II — Arrrevo Ben-Saupe— Note sur une météorite ferra- que trouvée à S. Julião de Moreira, prés de Ponte de Lima (Portugal). Estudo interessante e valioso, pela natureza especial do assumpto —a meteorite de S. Julião, primeira estudada em Portugal — e pela precisão do methodo, clareza e correcção de analyse bem sabidas nos trabalhos do dr. Alfredo Ben-Saude, tão estimados entre nós, quanto apreciados entre os especialistas estrangeiros. : Este estudo foi feito em alguns fragmentos da meteorite (Museu da Commissão dos trabalhos geologicos), cujo estado de decomposição “do littoral, perfis e córtes, cujo merito está REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 89 faz suppor ao nosso distincto mineralogista uma data pouco recente “para o phenomeno da sua queda, Estudadas as propriedades physicas e chimicas do mineral meteorico. em que são notados com notavel minu- cia, pelo exame microscopico, os caracteres da corrosão pelos acidos, figuras caracteristicas, propriedades crystallographicas, systemas de clivagem, etc., é separado o specimen nos seus elementos (ferro, troi= lite, um phosphoreto e graphite), observados quanto ao seu valor chi- mico e caracteres especiaes; em seguida conclue o dr. Ben-Saude por lhe marcar o logar. que lhe definem as suas propriedades mineralogi- cas, nas classificações actualmente mais usadas: grupo (b) de Rose, ho- losidero de Daubrée e ferros hexaedricos brechiformes de Brezina. HI — Dr. WeLwirsca — Quelgues notes sur la géologie dcÂngola, coordonnées et annotées par M. Paul Choffat. - O dr. Welwitsch foi encarregado em 1850 pelo governo portuguez da exploração scientifica da provincia de Angola, onde se demorou sete annos, passados os quaes. e de volta, se fixou em Londres para estudar specimens colhidos nas suas explorações, fallecendo em 1872, sem dei- xar completa a sua obra. A botanica era o fim principal das suas pesquizas, e os trabalhos sobre este ramo da sua especialidade foram publicados nos cAmmnaes do Concelho Ultramarino — outros colligidos por Bernardino Gomes e A. Morelet. Não desprezou, porém, as observações geologicas que, sob a “fórma de notas, para uso pessoal, o sabio geologo sr. P, Choffat apre- senta n'este seu trabalho, com alguns desenhos originaes de panoramas faz notar o sr. Choffat — em terem sido executados por um naturalista e não um paisagista, sem sacrificar ao pittoresco os caracteres da natureza. Estas notas, geralmente sem ligação alguma, teem no entanto o valor de procederem de um observador meticuloso, como era Welwi- tsch, e innegavelmente uteis a futuros estudos geologicos n'aquella nossa provincia africana. Tendo-as methodisado e annotado, o sr, Chof- fat tornou-as um conjuncto ordenado e interessante de observações, pro- fusamente esclarecidas com a sua larga competencia sobre o assumpto. IV—J. F. Nery DeccaDvo — Reconhecimento screntifico dos jazigos de marmore e alabastro de Santo Adrião e das grutas comprehendidas nos mesmos jazigos. Estes jazigos, celebres pela momentanea popularidade na nossa tm- prensa diaria, e mais notaveis ainda pela sua importancia industrial, constituem uma longa facha de 6 kilometros comprehendida nos distri- ctos de Vimioso e Miranda do Douro, Do seu reconhecimento pelo nosso eminente geologo Nery Delgado, resultou a constatação desta descoberta duplamente valiosa: a pureza dos calcareos crystallinos e «. ar yr Ea Ta at. Es E NUR ns N ee 7 va - 9 E a 90 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO a alabastros calcareos em condições de jazigo verdadeiramente notaveis, e-o valor archeologico das suas grutas, fonte de documentos sempre in- teressantes para o nosso passado préhistorico. e No monte de Ferreiros, ponto culminante d'esta formação, deu-sz começo ás pesquizas preliminares da exploração dos jazigos, Ahi a eru- pção granitica, dobrando as camadas subjacentes do siluriano, concor- reu, pela sua acção poderosa de metamorphismo, para o aspecto crystal- lino dos calcarecos e o caracter maclifero dos schistos. E” nas zonas pro» ximas á mancha granitica que se encontram os marmores mais puros pela sua fina contextura, de uma côr branca nacarada, excellentes — como faz notar o sr. N. Delgado — para ornamentação e estatuaria. E” este o termo mais alto na escala d'estes marmores, que vão variando chromaticamente até ao cinzento-azulado e pardo-amarellado, dispos- tos em fachas distinctas, tambem differenciaveis pela sua textura espe- cial. O alabastro calcareo — a primeira vez descoberto no paiz em jazi- gos de importancia commercial — precipitou-se da agua que circulava pelas fendas, algares e grutas abertas no calcareo por corrosão anterior. Ha todas as presumpções de que seja vasta a extensão d'estes vazios in- teriores, alguns completamente cheios do precioso deposito branco ne- buloso, geralmente zonado e sempre de uma translucidez notoria, | A” riqueza d estes jazigos, que o sr. Delgado considera inexgotaveis quanto aos marmores, acrescem circumstancias felizes de uma lavra fa- cil, e a ausencia de marmores no norte do paiz e províncias adjacentes de Hespanha. E isto basta para confirmar o valor industrial d'esta formação calcarea, cuji importancia bem merece como subsídio a attenção dos nacionaes e especialmente das artes e industrias respectivas, que alli teem um deposito permanente de valiosa materia prima. EE Descobriram-se já n'esta formação de calcareos quatro grutas, «de | Ferreiros, gruta Grande, gruta da Ribeira e gruta do Geraldes ». Não. se completou ainda a exploração d'estas grutas, a qual, de accordo com as pesquizas em outras estações exhistoricas dos arredores, produziria al-. guma luz sobre as relações, para o nosso paiz, entre as civilisações neo- lithicas, do bronze e proto-historica. à Na interessante memoria do eminente geologo são, comtudo, apre- sentados desenhos de alguns objectos de pedra e metal, entre os quaes resalta pela novidade uma folha de punhal de bronze, proveniente do Alto de Pereira, reforçada por um seio longitudinal e ornada com 3 es- + trias parallelas ao gume. (Conclue). NOTICIA ENS CONFERENCIAS DO DR. JULIO DE MATTOS SOBRE O CASO CHARLES PETIT (SIMPLES COMPTE-RENDU) O dr. Julio de Mattos, illustre presidente da Sociedade Carlos Ri- beiro, uma das mais lucidas figuras do mundo medico portuguez e um dos espiritos mais nitidamente formados da moderna geração de psy- chiatras, realisou uma série de conferencias sobre Charles Petit, cida- dão francez condemnado a uma reclusão penitenciaria de dois annos pela responsabilidade moral d'um crime de roubo, seguido de tentativa de assassinato. Começou o illustre conferente por declarar que nada o surprehendeu a noticia da condemnação, facto banal ainda hoje pela di- * vergencia que se accentua entre os interesses sociaes, filhos da tradicção, e as afirmações medico-legaes, consequencia logica das investigações scientificas. Nos centros em que, pela crescente intensidade intellectual, as ideias modernas tem uma mais ampla acolhida, em Pariz, na Italia, mãe da psychiatria moderna, semelhante facto é ainda hoje vulgar e uma vi- ctoria certa para O arbitro dos legistas Um simples golpe de-vista sobre as linhas dominantes do crime, um “exame psychologico geral sobre as circumstancias do roubo, demonstram logo uma anomalia moral e a falta, no criminoso, dos dois sentimentos gue constituem a base moral do homem civilisado e que são uma acqui- sição das raças superiores: o sentimento de probidade e o sentimento de piedade, respeito da propriedade e respeito do individuo. Estes senti- mentos geram-se na marcha ascencional da especie e, pela sua suprema- “cia e intensidade, abafam os instinctos dá rapacidade e homicídio. Estes, - adormecidos no fundo da natureza humana, agitam-se e rugem, filões atavicos de uma longinqua existencia do crime, e gritam dominando o valor dos sentimentos adquiridos, quando uma circumstancia estimulan- - te faça accordar no homem esses restos da animalidade primitiva. No homem normal, as acquisições do civilisado triumpham, os sentimentos “de equidade manteem-se. | Para o caso em questão, visto como psychologo, a ausencia d'esses factores de resistencia bastava, a anormalidade moral ficava demonstra- da, mas como psychiatra era insuficiente, e a filiação de Charles Petit n'uma classificação criminogene impunha-se para ser completa á mono- graphia do curioso degenerado. Integrou-o, pois, na classificação de Ferri, historiando-a com os varios typos de criminosos que ella compre- 92 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO hende: predominio das circumstancias criminogenes extrinsecas, typo de transição predomínio das circumstancias criminogenes intrinsecas. Charles Petit não podia pertencer á primeira cathegoria visto que as suas circumstancias de meio lhe eram regularmente favoraveis; vívia sem difficuldades, recebia dinheiro do pae e tinha mesmo de receber uma pequena quantia do empregado contra quem aitentára Não era tambem um typo de criminoso profissional visto que era aquelle o pri- meiro crime da sua vida; forçoso era incluil:o no typo de Ferri, — cri- minogene dos em que predominam as circumstancias intrinsecas: ser inferior em que a anomalia psychica é profunda. em que a influencia das causas extrinsecas desempenha um factor insignificante ou nullo. O typo humano representa, na sua evolução individual, a philogenese da especie. Na creança dá-se a falta dos sentimentos altruistas que ca- racterisam o homem perfeito physiologicamente; são os representantes do homem no estado selvagem : correspondem ao periodo denominado pre- moral. Ora no desenvolvimento regular das suas faculdades, passa o typo humano por um certo numero de étapes, periodos de transicção cuja sequencia logica se encadeia sem perturbações funccionaes no in- dividuo normal, e que corresponde, no homem pervertido, a epochas críticas durante as quaes n'elle se dá uma excitação manifesta. Charles Petit tinha dezeseis annos, periodo da puberdade, estado de transicção para o desabrochar completo dos sentimentos altruistas. Era uma das epochas criticas da sua vida de degenerado hereditario: as circumstancias intrinsecas deviam gritar n'este periodo de indecisão physiologica com uma intensidade forte; o terreno preparado por toda uma familia de ne- vrosados devia surgir agora para a sua acção psychica. Analysando além d'isso o periodo infantil do criminoso vê-se que n'elle, segundo teste- munhos de familia que devem ser tidos por insuspeitos, vista a ignorancia dos paes e a curiosa precisão dos documentos que lhes dá um valor de documento clinico, se deram crises de ordem convulsionante com allu- cinações auditivas. Um dia lançára-se pela janella suppondo que o cha- mavam da rua. Iguaes accídentes se deram aos tres, aos sete e aos dez annos do rapaz. Toda a serie de condições physiologicas expressas no do- cumento que leu, não podiam consentir n'uma hesitação sobre a classi- ficação psychiatrica de Charles Petit: elle era positivamente um dege- nerado, e um degenerado hereditario por toda uma serie de documentos ancestraes. Percorrendo os documentos qué dizem respeito á historia mental do criminoso. fornecidos pelo notavel psychiatra dr. Bettencourt Rodri- gues, demonstrou que Charles Petit é um degenerado hereditario, ex- plicando-lhe a vasta genealogia morbida n'um quadro typico em que, até aos bisavós, a ascendencia vae verificando uma curiosa familia de desequilibrados. O pae um psychopata, a mãe uma hysterica, avós com doenças de peito, loucura circular, estados diathesicos diferentes, car- cinomas, delirio das perseguições. O avô paterno um suicida, o bisavô materno morto subitamente aos setenta e dois annos, talvez de uma apoplexia ou de qualquer lesão: vascular, unicas admittidas em morte subita n'esta edade. com excepção de accidente, o que não consta. Toda esta genealogia é typica, os filhos continuam a marcha dos estados dia- thesicos n'uma logica hereditariedade morbida, o typo pathologico pre- domina com toda a serie das consequencias funccionaes e com fatalidade impositiva das leis organicas. O typo criminogene de Charles Petit é tão claramente demonstra- “ e REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 93 |) 7 À | do, a sua filiação por tal fórma segura no encadeamento logico dos an- | tepassados, a sua pobre existencia geme por tal fórma sob o concurso de um tão implacavel dominio de factores que, no dizer de um illustre clinico, elle não devia ser outra coisa e mostrou-se o digno representan- te da sua raça. Além d'isso ha na historia pregressa de Charles Petitum traumatis- | mo cuja acção mental modificadora citou em curiosos casos da sua clínica e do dr. Magalhães Lemos. Citou tambem a lei de Morulli sobre o ata- | vismo psychico dos degenerados ; e fallou de individuos cuja historia an- | cestral não accusa typos anormaes mas cujo funccionalismo sofire, no | periodo fcetal, a acção das commoções moraes da mãe: o povo parisien- se designava enfants du siége os individuos fracos de espirito gerados durante o periodo agitado do cerco. E ainda para mais accrescentar á triste herança organica de Petit, o lucido conferente citou a lei de Antonio Marco segundo a qual a percentagem de individuos anormaes é maior ou menor quando a epo- | cha de concepção corresponde a periodos diversos da vida dos progeni- E tores. Ora Charles Petit nasceu quando os paes tinham menos de 26 an- hj nos, edade comprehendida dentro do periodo de immaturidade que, dando uma percentagem de 15 por cento de ladrões e 17 por cento de ne alienados. dá apenas 8 por cento de individuos normaes. O reu, pois, tal como o destino o empurrou para a vida, não tem, psychicamente considerado, nada de extranho. Resta verificar n'elle algumas das gran- “des leis da criminalogia moderna. Referindo-se ás circumstancias especiaes do crime analysadas n'uma curiosa auto-biographia do reu, o dr. Julio de Mattos detalhou com re- levo intenso os accidentes do roubo e as suas correspondentes psy- N | chicas A não premeditação, a falta de cumplicidade, a serenidade do tra- balho, a contagem tranquilla do dinheiro, a sahida para o almoço, a volta e o facto impulsivo do rovbo, as incoherencias da defeza, taes como o ferimento do empregado que aggravava assim a importunidade futura, a ida para casa, a lavagem da cabeça com agua fria e o repouso | E final, tudo isto corresponde a phases successiyas de uma crise impulsiva € que foram estudadas com superior criterio. Todos estes factos coinci- | dem com a symptomatologia propria. j Estes symptomas succedem-se n'um encadeamento logico, mas de intensidade variavel segundo os individuos. Ha no primeiro periodo a obsessão caracterisada por uma allucinação do mundo real, dominio da ideia imposta que invade todo o campo psychico, tortura moral se ain- | da restam no homem forças de resistencia, aniguillação d'estas forças | nos casos de anormalidade forte. Era esta a psychicidade de Charles Petit no momento do roubo e elle mesmo o confessa na sua auto-bio- graphia quando diz: Je m'était pas à mon aise, y avais la tête trouble. E ainda: 1) avarit en moi lidée d'avoir de argent à toute force. Idéa imposta, estado impulsivo claramente demonstrado. Succede a este o periodo de angustia acompanhado de tremores, suores frios, lucta travada pelas forças de resistencia, forte nos indívi« duos fortes, minima n'aquelles em que uns pallidos factores moraes nem quasi se levantam. Tal o caso de Charles Petit; com a ideia de roubar no espírito foi ffelmente dominado pela obsessão, o seu periodo de an- gustia foi pequeno, elle mesmo o confessa quando diz que sentia um mal estar (agacement) pouco pronunciado. Succede a este o periodo 94 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO denominado de obnublação concomitante com o acto criminoso: ha um escurecimento psychico com assistencia da consciencia — diagnostico differencial dos casos de epilepsia em que se manifesta uma amnesia | completa. Este periodo passou tambem no drama intimo de Charles Pe- tit, a sua face ecra pallida, o seu braço tremia ao disparar o rewolver contra o homem que o perseguiu. Se a lucta foi enorme, o allivio eguala-a, o criminoso cahe n'uma prostração completa : é vulgar o facto de um assassino dormir profun- damente ao pé da victima que elle crivou de facadas. A Jucta, minima n'este caso, deu uma phase de allivio pouco pronunciada. Charles Pe- | tit confessa: y'étais accablé de fatigue. Foi para casa, sentiu a necessi- dade de molhar a cabeça, estava n'um vago quebranto, e, deitando-se, não conseguiu adormecer. Aqui está a synthese completa dos actos, fatalmente, logicamente encadeada no caso em questão o que demonstra de uma maneira posi- | tiva e indestructivel que Charles Petit é um degenerado hereditario do | grupo dos impulsivos. O diagnostico especifico veio confirmar eloquen- temente o diagnostico hereditario. Es e Referiu a theoria de Gall defensora da autonomia das faculdades, a reacção violenta que se lhe seguiu enfeixando-as n'uma solidariedade energica, a impotencia manifesta da intelligencia sobre a vontade larga-: mente escripta em toda a historia incoherente dos homens do pensa- mento, cujos factos de degenerescencia moral passou rapidamente em revista. E collocando-se n'um campo eclectico, tracejou a admiravel theoria das compensações psychicas que encerra tudo o que ha de ver- dade na theoria das localisações e na theoria solidaria. As faculdades compensam-se : quando uma se impõe as outras esmorecem, se a intel- ligencia toma conta do campo psychico, as faculdades affectivas affrou- xam e tanto mais quanto a esphera do pensamento se alarga. Os homens de espirito são, em geral, destituidos de senso moral, a . sua emotividade é pallida, as investigações puramente intellectuaes ex- pulsam do campo da actividade cerebral tudo o que não seja gemeo da . sua ancia. Dizia Madame de Sevigné que estas creaturas eram boas só. para se verem em estatua. E quando as dores os assaltam elles refugiam-se no estudo para que o ardor da intelligencia expulse os tumultos do coração: exemplo esse caso de Claude Bernard cuja vida foi uma tragica lucta entre o culto da sciencia e as imposições mesquinhas da vida pratica. Adquirem habitos de immobilidade, são vacillantes nas decisões da concorrencia vital, param na duvida como esse eterno exemplo do melancholico Ham-. let sempre perplexo entre os espinhos da intelligencia e os apellos vãos da vontade. E' o typo de Bourget, Adrien Sixte, indeciso nos tourments d'idées ; Kant, espantando os burguezes de Koenisberg pelo facto, na apparencia banal, de mudar o passeio diario, quando a Revolução Fran- ceza constou á sua curiosidade de analysta. Entrando no campo pathologico citou o caso dos melancholicos do- minados por uma dôr moral em que o afrouxamento é determinado por um exagero de emotividade, depressão que se manifesta de egual modo nas faculdades activas. j Ora por esta somma de factos fica claramente visto o erro funesto dos que consideram são de espirito o homem que tem uma intelligencia regular posto que com desvio mais ou menos manifesto das faculdades affectivas. Pela theoria do balancement psychico, vê-se que póde haver REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 95 / um desarranjo profundo no campo emotivo sem um compromisso, por menor que seja, nas faculdades intellectuaes — estado pathologico que caracterisa esse typo de degenerados envolvidos sobre a designação psychiatrica de loucos lucidos. É Além d'isso não se dá a menor ideia da significação completa d'um homem pelo estudo, ainda que profundo, de uma das faces da sua per- sonalidade. Para se estudar a personalidade de Kant não basta catalo- gar-lhe as obras da intelligencia, estudal-as independentemente do cere- bro que as creou: é preciso vêr como as impressões, as emoções deter- minaram n'aquelle espirito a reacção de que os livros são o producto, é preciso analysar a eclosão das suas theorias pelo conhecimento da vi- bração especial de todas as faculdades, vêr como todo o homem produ- “giu toda a obra. - Ora representando a loucura moral um compromisso da personali- dade, pretender cural-a é pretender modificar radicalmente a persona- lidade, fazer de um homem outro. Charles Petit pertencendo a este gru- po de desequilibrados, para dar d'elle e dos seus actos uma ideia com- pleta, é preciso estudal-o em todos os accidentes em que as suas facul- “dades se manifestam, em todas as anomalias das suas funcções physiolo= gicas e no estudo dos seus desvios anatomicos, Sendo a loucura lucida uma doença geral, o exame psychico não basta, é preciso recorrer ás investigações somaticas e anthropologicas: na PESA k 5. o “paralysia geral dá-se uma decadencia em massa das faculdades intelle- ctuaes, esta ás vezes suspende-se, o doente analysado psychicamente melhorou, mas a doença progride e a morte é inevitavel. Sem estudo " Somatico, pois, só se póde suspeitar mas nunca diagnosticar. - Para o exame somatico foi o corpo de Petit dividido em regiões homologas verificando-se anomalias de sensibilidade. Tem um estreita- “mento manifesto do campo visual, tics nervosos faciaes e nos hombros, symptoma futuro de todas as creaturas que soffreram nevroses convul- sivas e, além d'isso, carie precoce nos dentes. No exame anthropologico foram verificadas as assymetrias —- desvio do typo normal que não o levam nem aostypos ancestraes nem ás defor- mações denominadas teratologicas: são a desigual repartição da sensibi- lidade e o enfraquecimento muscular. As medidas craneologicas para a determinação do typo craneano declaram-no rasgadamente brachycephalo; quanto ao angulo facial, pos- “to não quizesse exagerar o valor dado a esta medida, é certo, disse, que elle era tão importante como a historia ancestral, e tem por fim deter- minar as relações entre o craneo e a face. Explicou-o pois, e as variantes que resultam do seu maior ou me- nor abaixamento; mostrou um craneo normal comparando-o com os typos pathologicos e ainda com a celebre cabeça da microcephala Bem- vinda, um dos exemplos typicos de microcephalia, cujo busto em gesso foi mandado pelo dr. Sousa Martins. O angulo facial de Charles Petit, dada a ausencia do prognatismo, é bastante agudo pois mede apenas 71.º Como conclusão d'este feixe de observações medico -legaes, per- gunta se: porque é que Charles Petit foi condemnado ? Em que se ba- seou a lei para a reclusão em dois annos na Penitenciaria? O que signi- fica esta prisão temporaria ? () problema medico-legal reduz-se a um simples problema de dia- gnostico: cifra-se em dizer a especie de doença do criminoso, reduz-se 96 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO á sua integração n'um grupo criminogene. Ora já ficou cabalmente de- monstrada a irresponsabilidade do reu pela classificação em que elle foi incluído; disse-se que elle era um alienado involuntario do grupo dos impulsivos passando por uma serie de phases lucidamente expostas nas conferenctas. E o alienado impulsivo é, para todos os psychopatas, o typo do alienado irresponsavel. Foi, pois condemnado pela applicação do art. 26 do codigo penal? Mas esse artigo apenas declara irresponsaveis os criminosos em que ha uma accusada perturbação da intelligencia e Charles Petit é rasoavel- mente lucido. O art. 114 não lhe póde ser applicado porque a luci- dez desappareceu no acto do crime. Charles Petit, disse-se, foi condem- nado em nome do alto princípio da defeza social, foi uma sequestração temporaria que, como o demonstrou o illustre alienista é absolutamen- te pueril, visto Oo caracter incuravel d'esta especie de doenças moraes. A sociedade deve defender-se, mas esta defeza é futil no caso dos im- pulsivos porque as recidivas hão-de fatalmente dar-se e as reclusões temporarias não obstam a que se repitam. Charles Petit tem 17 annos, aos 19 está livre, volta ao meio da sociedade armado das mesmas im- pulsões, obrigado pelas mesmas crises. Peior talvez attendendo aos seus habitos solitarios, á alimentação deficiente das cadeias e á exasperação que o systema penitenciario provoque nos seus nervos doentes. Terminou o dr. Julio de Mattos dizendo que não é escondendo as differenças entre a sciencia e a lei que se resolvem as questões d'esta | natureza, mas pelo auxílio reciproco e pela aclaração das suas divergen- cias, pelo estudo das suas relacionações e das questões que mutuamen- te se tratam. Concluiu pela necessidade de um manicomio criminal com todas as condições indispensaveis em estabelecimentos d'esta ordem, creação d'uma alta urgencia e que de vez acaba com a difficuldade da, resolução criminal e com a injustiça e inconsequencia das condemna- ções. Em todas as phases das admiraveis conferencias, o dr. Julio de Mat- tos foi de uma clareza e d'uma precisão verdadeiramente notaveis. O seu espirito lucidissimo illuminou brilhantemente essa extranha perso- nalidade morbida, fazendo-lhe destacar a linha de degenerescencia com. “uma precisão cheia de vigor e com uma eloquencia cheia de drama, No estudo d'essa lucta tremenda entre a animalidade criminosa e a es- piritualidade redemptora, a sua expressão era elevada, quente, vaga- mente febril fazendo-nos lembrar pela sua intensidade evocativa, essas paginas que Zola faz estremecer tragicamente, quando arrasta o pobre. Jacques á beira de um talude por uma noite impassivel, luctando tam- bem na angustia contra a obsessão, e accusando toda uma vasta genea- logia de criminosos. A lucidez da sua exposição e o espirito suggestivo que encheu as suas conferencias, acharam echo sympathico em todos os novos que o ouviram, e sempre o notavel alienísta encontrará uma acolhida enthu- stasta nos rapazes desejosos de aprenderem nas suas lições tão cheias de elevada sciencia e tão interessantes de questões actuaes. 5 Ea Pie PES | Ceia Vcs E “A Soompade Caros Risriro tem recebido as seguin- Eni cações, d. E das quaes se occupará na sec- “MARTINS (so PRA PR argonautas, 8.º, 292 pag. e 2 map. Porto, 1887, SocrrbaDE MARTINS Sarmento—Catalogo da Biblrotheca publica de - Guimarães, 8.º, 517 pag. Porto, 1888. “al Relatorio e estatutos, Porto, 1883. E Relatorio da EposicRo industrial o Guimarães em 1884, 8.º, 255 pag. Porto, 1884. E DE LorioL—Description de la faune, qurassique du Portugal. 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Verneau, Ra nolahos ratorio de anthropologia do Muséum de Paris, com um prefacio de cA. De Quatrefages, professor de. anthropologia no Museu. Um vol. m-6. 750 par ES sos RSS Ee qui LA PLUME DES OISEAUX, histoire naturelle et industriello, par La- croix-Danliard, 1 vol. in-r6, 350 pag. e 100 fig... o EAR x o o e y 1 é À fe. Da k, E | ra MBB Pts é ç S y PRA A o q fo ORGÃO DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO. ICARDO SEVERO é ROCHA PEIXOTO Pod do—N.º 7. A) FI RORIO + TYPOGRAPHIA OCCIDENTAL 2047 Bo, Rua da Fabrica, 8o MERAS dor ves ess RD So e “dos “Borges de Paoueiredo, por RS bia — MEMORIAS ORIGINAES | CA tatuagem em Portu por Ra PerxÓTo a a DAR. Pequenas hachas de pedra das estações neolithicas do con- celho da Figueira, po Santos Rocua Ro a “pag. 1 Rr rhe (é Di? f k 4 ira a cy y À ves to? E pk , , Poe VA! RA : VARIA RN RR |; y A a) ip + pes g: mM dino y H E to A Ud a ( EAR vo NA “id 1 sm, À y Os tr E boihos uledetbmdio é Gicos: no Algarme, go sur, Estas AR a crio da Veiga, por R. Ss: E pe ont DI Um « vaso romano de barro Ea por R. ce pç CENA o ar DL aee Communicações da Gi dos Trabalhos Geologicos, ad por R. Sa Soro Nota sobre os cephalopodes de Portugal, fe Arsmer Gr a RARD, por R. P. . Re E! pitliaras ca iRo Etudes maritimes, de Bi Cu ot, por R. pi RA PN “Passeio geologico de Lisboa a Leiria, de Paur. Chorrar, ; por R. P. Naa Re fo Sur les plus anciennes Dicoinlées apa obserpées E gt dans le gisement de Cerc al; en nua de G. eine a SAPORTA, porre. Dag. 100. Description de ae jurassique du Portuga al, de P. DESSE a LorioL; DE Re Ê: ASTROS e pa RS ; a CANDAE, DO onças o O museu agricola | e florestal de: Roda por R. RAR goto. pusem de mineralogia, geologia e paleontologia Mao a eAcademia Re technica Ro Porto, a RES. : os MORTOS. ano dé alien Barbosa, por Ro Sara de e Estácio e Veiga. CR RE GRAVURA. Um vaso romano de-barro cosido «e Qi as se ER Dora esta noticia acerca da tatuagem em Portugal — dispuz, proximamente, de duas centenas de materiaes col- E ligidos quer directamente, quer por intermedio de alguns hi “collaboradores que, com uma solicita obsequiosidade, E - quizeram, satisfazer às perguntas exaradas n um questiona- S Esto) que distribui. Na nossa litteratura medica escasseiam, É “como se sabe, referencias a esta e a outras ordens le a “mutilações, encontrando-se apenas nos trabalhos do snr. ar “A. A. Castello Branco alguns elementos de valor e pres- E timo ; São pois novos, na quasi generalidade, os docu- — mentos apresentados. A ordem d'este estudo é a adoptada E pelos anthropologistas que, sobre o assumpto, escreveram — excellentes monographias e de tal sorte que, na cathego-. E TIA especial Guta nos occupa — tatuagem por picadas RA: “deixaram quasi exgottada. É especialmente nos trabalhos “ de Berchon, Lacassagne e Lombroso onde se encontram : -* os mais completos subsidios sobre a interessante mutila- ção a que esta nota se reporta, não só quanto à parte des- — criptiva mas ainda à sua interpretação anthropologica. + O esboço historico do primeiro capitulo, talvez dis- - pensavel se este escripto fosse apenas destinado aos fami-- * liarisados com semelhantes estudos, pouco mais é do que a reprodueção duma insignificante parcella dos factos 7 ES REVISTA DA SOCIEDADE « — numerosos em que e os trabalhos dos medio referidos ; e sobre as fundas analogias a nossa À tatua gem com a de outras populações; por ultimo, uma. nota. ie bibliographica final dispensa as chamadas Pre aaa Sa instrue todo o que, desconhecendo esta parte da littera- | py tura anthropologica, a queira estudar ou consultar. Cumpre deixar assignalado um grato. lhos micro Dar aos snrs. Eduardo Moura, Fonseca Cardozo, João Bar. — reira, Nunes de Oliveira, Pinto Rolla e Ro Rocha, | que Ra pao me force os materiaes mais Witeis o bem como ao snr. Eduardo Fernandes Pinto a quem devo magnificos serviços pelo desvélo ue pôz na execução el exactidão das gravuras. | REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 99 ANTIGUIDADE, PERPETUIDADE E UNIVERSALIDADE DA TATUAGEM Definição da tatuagem e seu logar no quadro das mutilações ethnicas. Os primeiros vesti- gios na pre e na protohistoria: Belgica, França e Portugal. Fins da tatuagem ; sua significação como caracteristica de raças, de religiões, de seitas, de castas c dc ins- tituições. A tatuagem e a medicina legal. Expansão geographica. No quadro das mutilações ethnicas — cephalicas, fa- ciaes, dentarias, genitaes e cutaneas — estas ultimas, pela variedade dos seus processos, generalisação e persistencia, occupam talvez o logar de maior evidencia. Tal prática, que consiste em imprimir na pelle desenhos ou signaes traduzindo toda a sorte de ideias ou sentimentos, é accu- sada provavelmente desde os tempos prehistoricos e attes- tada das epochas protohistoricas até hoje. Nas estações so- lutreannas e especialmente nas grutas magdalencannas de Chaleux (Belgica) e Mongodier e Eyzies (França) encon- traram-se, juntos a fragmentos de limonite, peroxydo de ferro hydratado e outras substancias capazes de produzi- rem côr, objectos cuja fórma inculca esse uso, corrobo- rado ainda mais tarde com a similitude d'outros que, para eguaes intenções, possulam e possuem varias tribus ame- ricanas. À existencia de varios minerios de ferro (hematite e limonite), que foram utilisados pelo troglodyta da nossa gruta da Hurninha em colorir alguns dos vasos encontra- dos nesta estação quaternaria, póde fazer suspeitar, na opinião do snr. Nery Delgado e em virtude da sua asso- ciação com objectos característicos, que esses homens tam- bem cobriam a pelle com desenhos. As mais antigas se- pulturas egypcias encerram puncções e agulhas de ferro ai V REVISTA DA SOCIEDADE aids RIBEIRO. Ed finissimas juntas à plombagina, então adoptada como E substancia córante. ? A Entre os povos da is ia de que existem noti- cias cseriptas, a tatuagem assignalava não só os homens da - mesma origem, mas até seitas, castas, escravos, soldados e vencidos. Os aryas, segundo a affirmativa de Tacito re- | produzida por Lacassagne, adoptaram a córação negra da pelle para denunciar maior ferocidade; os pictos tiram o nome do uso de pinturas no corpo, distinctivas de raça. D'entre os povos que adoptavam desenhos caracteristicos de seitas citam-se os .assyrios que prestavam culto à IM mesma deusa; os phenicios com o signal da sua divin- dade gravada na testa; as antigas mulheres da Bretanha; os judeus convertidos à religião de Baccho; os primeiros christãos aque desenhavam a cruz ou o monogramma de Christo e que, a despeito de numerosas prohibições desde Moysés no Levítico até às decisões ulteriores dos padres e dos concilios, que condemnavam taes signaes como ves- tigios de iniciações pagãs, continuaram a tatuar-se, vigo- rando ainda hoje o costume em Jerusalem e varios loga- res da Italia; certas tribus semiticas algumas das quaes, ao deante, se converteram ao mahometismo. Nos Macio! a tatuagem indicava uma ascendencia nobre, facto excepcional pois que em quasi todos os ou- tros povos era indicio de escravidão ou origem plebeia, Os athenienses, vencidos pelos habitantes de Samos, fo- ram marcados por estes com ferro em braza; mais tarde, ja vencedores os soldados de Athenas, impozeram aos adversarios uma tatuagem indicativa da sua victoria. As mulheres thracias procuravam disfarçar as marcas infa-. mantes que lhes haviam imposto as seythas, modifican-. do-as sob um pretexto de belleza; nas guerras da Persia c da Grecia os exercitos ás ordens de Alexandre e de Xer- xes tatuavam os prisioneiros. | Velhos monarchas adoptaram signaes especiaes com . E - E nota indelevel e Rd uma certa bate denunciava o que cahira no desagrado d'um rei. A dois monges que haviam censurado o oi iconoclasta do im- X: rador E coptno mandára este imprimir na testa onze kt a havia licitido a lb prisdu de dum Neem que “salvára dum naufragio, ordenou que lhe desenhassem na | * fronte os signaes indicativos d'esta avidez torpe; Caligula, “sem motivo, mandava tatuar os romanos nobres. “No periodo da decadencia de Roma a tatuagem teve ma grande expansão. Leis regulamentares prescreviam S signaes adoptados cuja existencia provava a inscripção. finitiva nas fileiras e sobre as quaes se fazia o juramento militar. O intento d'esta ordenança, que vigorou ainda 9T bastante tempo, era analogo ao que justificava os de- enhos nos escravos visto que, já degenerado o espirito ivico do povo, o exercito se o então de homens jercenarios os quaes, se fugissem, deveriam portanto ser econhecidos, perseguidos e prezos. Ainda recentemente sta prática, mas como indicio de virilidade, adoptavam s soldados do exercito piemontez. ç A tatuagem distinguiu pois, em todos os logares e m E as epocas, os membros da mesma raça ou reli- * grão, de castas, de instituições e de sociedades; os capti- "vos e os condemnados, os sacrilegos e os delatores; ta- * tuava-se para exprimir a vaidade, a humilhação, o luto e o martyrio; como astucia de guerra e como meio de “transmissão de correspondencia e de segredos; symbolo “de paixões e representação litteral ou ideographica dos a “mais diversos sentimentos humanos. Obedeça esta prática “a uma influencia atavica ou apenas documente as tenden- “cias fetichistas do espirito do homem, a tatuagem, com “os seus processos operatorios multiplos e as intenções “mais distinctas e oppostas prevaleceu, em todos os povos a | E c atravez do tempo, com a desegual frequencia natural- | mente derivada do grau de civilisação. IZ facil encontrar, na historia moderna das populações europeias, referencias a este habito realisado em todas as epochas; o estigma dos condemnados em varios codigos europeus, as marcas das sociedades franco-maçonicas e d'outras instituições secretas, os emblemas profissionaes, isoladamente ou dis- tinguindo os membros de varias associações de oficios, os soldados da marinha e do exercito, emfim, contribui- ram intensamente para a perpetmida de da mutilação. g Mais, porém, que todos estes, os criminosos, pela necessidade instinctiva de manifestarem as suas paixões, os estados de espirito e os acontecimentos mais celebres da sua existencia, concorreram para a persistencia e mul- tiplicidade da tatuagem, factos, de resto, favorecidos -. ainda com a quasi insensibilidade que os delinquentes | teem para a dôr. Do seu numero, natureza e séde collige actualmente a anthropologia criminal subsidios de valor “além de representarem, em medicina legal, um meio quasi sempre seguro e efficaz de constatação da identi- dade individual. Outrora a tatuagem serviu já como sena de reco- nhecimento; na tradição figura o caso de Habis, um dos | primeiros reis da Iberia, que, votado a perigos fabulosos por um seu avô, for destarte e mais tarde reconheci- do. Analogamente nos hospicios dos expostos se marca- vam estes para, de futuro, poderem ser reclamados pelos paes. A actual expansão geographica da tatuagem, no caso restricto da sua execução por agulhas, é resumida por Ma- gitot do modo seguinte : Polynesia, excepção da Nova Zelandia ; ilhas Marque- zas, fóra Rapa; ilhas das Paschoas; Micronesia; Nova Guiie: os dayaks de Borneo. E Na cAmerica meridional : os charruas e as tribus do 1 “Os pelles vermelhas na cAmerica do norte. | “Na Africa os kabylas, os arabes, os egypcios, os — niam-niam, os senegambianos e as povoações das mar- - gens do Senegal. — Na cAsia: os seng-li da ilha Hainam; os chin-ham, E antigos povos da Coreia; os baitos e os uen-chin do Ja- E pão, das Kurilhas e das Aleoutiannas ; os antigos annami- - tas; os habitantes da Formosa; os uen-mien-po, povo “barbaro do sudoeste do imperio RA Por ultimo todos os da Europa, ou simples ou mixtas. Póde- se affirmar a universalidade da tatuagem sa- “ bendo- se que, sob outros methodos operatorios, é prati- “cada nas restantes partes do globo. De sorte que, se a circumcisão attingiu, pelos motivos conhecidos, um nu- “mero de individuos que hoje quasi seria pol cal- cular, a mutilação que nos occupa é incontroversamente “a mais espalhada e sel-o-ha por muito tempo apesar do ento que dia a dia se vae registrando. e À | É O! ANATOMIA, PHYSIOLOGIA E PATHOLOGIA DA TATUAGEM | O processo operatorio ; instrumentos e substancias córantes. Séde anatomica. Consequencias pathologicas da mutilação; sua therapeutica popular. A tatuagem como transmissora de virus. A indelebilidade da tatuagem ou dos seus vestígios provada pelas conse- quencias physiologicas da RRcTESAR Topicos em uso para a destruição dos desenhos c sua incíficacia. O processo operatorio ordinariamente seguido entre nós não difere do adoptado em todos os outros paizes "4 y “ co ) ds Ra É » , REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO e europeus, no caso da tatuagem executada com agulhas, | unica que nos importa. À operação é realisada ou por. curiosos ou operadores que geralmente existem nas ca-. deias, nos quarteis e nas populações maritimas. Com tres agulhas solidamente fixas a um pequeno cabo de madeira ou simplesmente ligadas e unidas por um fio, e tinta da China, de escrever ou carvão triturado c em suspensão na agua, tem o operador com que levar a effeito a prática. A figura, cuja séde é extremamente variavel — mãos, ante-braço, braço, peito, costas, abdomen, verga, nadê: gas, pernas e pés—ou se desenha previamente ou é pra- ticada directamente com as agulhas na região escolhida. N'um e n'outro caso a applicação do instrumento faz-se | por picadas dirigidas obliqua ou perpendicularmente e precedidas d'uma immersão no liquido córante. As partes mais escuras ou os traços mais duros obteem-se repicando os contornos primitivos. Este methodo, que é o mais geral, differiu media para alguns pad o contacto com os operadores de | fóra, e nomeadamente do Brazil, modificou a applicação do. processo ou a adopção da substancia córante. N aquelle paiz encontra o nosso marinheiro padrões já desenhados em pranchetas de madeira onde os contornos das figuras são cobertos de pontas de aço, dando assim logar a exe- cutar-se a operação d'uma vez só; as substancias córan-. tes apontadas são tambem substituídas frequentemente pela polvora triturada ou pelo azul de brunideira. O ope- rado pode escolher a côr e o ornato desejado, sobretudo entre aquelles que teem já figurados n um album os de- senhos que podem realisar. A viveza e duração da tatuagem promanam de cir- cumstancias multiplas d'entre as quaes convem enumerar a grossura das agulhas, o sentido da sua introducção, a multiplicidade das picadas, a profundidade que alcançam no tecido tegumentar, a finura cutanea e a natureza da a. PR : y - dra: E” E v d au A DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO “105 ) ma o dr da derme visto que uma tatuagem. q “simplesmente sob-epidermica seria de pequena duração. ia RE tam convencidos d'este facto estão, de resto, certos á R * operadores que, para que c desenho seja de elo fa - | E zem, penetrar as agulhas perpendicularmente até, muitas | vezes, aos ganglios lymphaticos. E A introducção das agulhas é seguida d'uma irritação “mais ou menos incommoda a que succedem tumelacções * que se prolongam diversamente segundo o urau. de sen 2d] “sibilidade do tatuado. Uma pequena serosidade sangui- nea surge e a absorpção das particulas córantes comple- “ta-se então. Para impedir a inflammação e a febre, mesmo - quando aquella é irritante, o operado adopta como topico. “a saliva ou a urina, sendo manifesto que nada remedeia com tal therapeutica. Quinze dias passados, quando “muito, estão extinctos os vestigios da irritação passageira . “que a operação provocou e a nitidez do desenho é então definitiva e provavelmente indelevel. É — Nos registros colhidos para o estudo da tatuagem — em Portugal não ha indicação de consequencias graves Í consecutivas da operação, talvez pela não adopção do ver- E - melhão que origina sempre pruridos demasiado irritan- “tes. Abundam comtudo nas memorias que se occupam da | — tatuagem realisada como entre nós; e é realmente a tal - ponto perigosa a irritação produzida na derme pela intro- E “ducção repetida das agulhas, a natureza chimica do li- 4 “ quido ou a inopportunidade e inefficacia da applicação do h SM que, além de ulceras, erysipelas, phlegmons e gan- — grenas consequentes, a amputação d'um membro é às vezes reclamada e a morte, mesmo, inevitavel em alguns ç RO casos. | | RO o A adopção da saliva como obstaculo aos accidentes enunciados occasionou já a inoculação do virus syphili- | tico; o caso seguinte, entre muitos descriptos, é classico. rar dh bo ESA EO REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Um militar ainda virgem foi tatuado por um outro ata- cado de cancros na bocca; a tinta da China com que o operador se servia diluia-a n'uma concha com saliva ; tanto bastou para em breve o operado apresentar todos os symptomas da doença e quast ser necessario amputar- lhe o braço. A transmissão da syphilis tem-se feito mes- mo quando é já secundaria e em virtude do tatuado, es- tando affectado de placas mucosas, se servir na operação da propria saliva. A indelebilidade da tatuagem está averiguada, isto é, os vestigios da prática prevalecem de qualquer modo. E manifesto ejuctas circumstancias já mencionadas. que igai= fluem na nitidez do desenho favorecem ou prejudicam- lhe a duração, excluindo evidentemente o caso duma ta- tuagem muito superficial. A riqueza do sangue e a acti- | vidade circulatoria, além d'outras qualidades particulares. do meio em que as materias córantes são depostas bem como os conflictos que surjam entre um e outras e ainda o grau de resistencia das substancias às alterações per- manentes que se dão em toda a economia, pódem concor- rer para o desapparecimento parcial e mesmo total da “tatuagem. Admitte-se até que a simples transpiração cu- tanea póde, de per si, eliminar o desenho por completo ; mas pelo modo como a operação é geralmente effectuada deve-se concluir a persistencia, pelo menos, dos seus vestigios. Effectivamente é um facto adquirido o trans- porte das substancias atravez dos lymphaticos: estão ob- servados casos varios em que a materia córante emigrára do ante-braço para os ganglos axillares — caso vulgar — e o de uma mulher que, tatuada nas coxas, tinha invadi- dos todos os ganglios lymphaticos da região crural. A | acquisição d'estes factos é deveras importante no dominio da medicina legal, dando assim margem a estender-se a inquirição da identidade nas investigações post-mortem, e comprovando a persistencia dos indicios dado o caso ; Revista. DE, SOGHEDADE CARLOS RIBEIRO | “pouco commum do apagamento total dos desenhos. A Ri inalterabilidade clestes na fórma e no tempo é uma con- “ vicção dos nossos tatuados ; aquelles para quem mais tarde a presença da Rem é odiosa, procuram varios “meios de a eliminar, entre os quacs avulta o de repicar os - contornos com leite ou acido acetico na persuasão de que “o liquido córante é dissolvido: a tentativa, aqui como em outros logares onde existe a mesma crença, nunca dá sa- — tisfactoriamente o resultado appetecido: se o desenho se “extingue prevalece a cicatriz denunciativa. HI CLASSIFICAÇÃO DA TATUAGEM Limite minimo de edade nos tatuados. Classe social. Grau de frequencia nos dois sexos. Séde mais commum. Córação. A moralidade dos tatuados deduzida da natureza dos desenhos e da sua multiplicidade. Lista descriptiva e comparada dos emblemas, sym- ) bolos e inscripções entre tatuados portuguezes, italianos e francezes. LA ; Nos registros que servem de base para estas hotas “acerca da tatuagem em Portugal a precocidade na opera- ção é accusada apenas n um individuo que se sujeitou à prática aos 12 annos. Entre os criminosos o desejo de ser tatuado revela-se muito cedo como o documenta Lom- broso; Lacassagne, para quem a influencia do atelier é manifesta, encontrou tatuados de 6 annos. Os adultos, depois de inscriptos na armada e no exercito e, em maior proporção, seguidamente à permanencia nas cadeias, é que REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO | nn se entregam à prática com mais frequencia. Nas mulhe-. res a tatuagem apparece raramente c, quando tal acon- tece, é devido à convivencia com tatuados ou violentadas por elles; está n este ultimo caso uma mulher que habi- tava à Ribeira (Porto) à qual haviam desenhado a agu-. lha, nas coxas e no ventre, enormes barcos de vela. Os | symbolos amorosos e as iniciaes do nome dos amantes são a tatuagem commum no numero diminuto de mulhe- res das quaes poude haver noticia. Lá fóra os inqueritos no sexo feminino teem. dado o mesmo resultado. À frequencia é minima comparada com a averiguada nos homens e, a significação dos desenhos, amorosa e raramente erotica: em França, as iniciaes P.L. V. (pour la vie) entre dois corações entrelaçados ; as inscripções à la vie, à la mort; os nomes dos amantes acima do pubis, etc.; na Italia, emblemas e lettras com as significações precedentes e, como caso excepcional, uma cruz no braço de certas montanhezas do Trentino, etc. na | A séde mais vulgar e, a bem dizer, geral é em qual- quer dos ante-braços. Nos delinquentes encontra-se fre- quentemente uma serie de desenhos em todo o braço ou. em ambos, executados em epochas diversas e que corres- pondem de ordinario a cada permanencia nas cadeias; as figuras que exigem mais espaço são desenhadas no peito. 1º facil, todavia, encontrar tatuados com figuras em partes varias io corpo; um ex-soldado da armada possuia no ante-braço esquerdo uma mulher nua, um coração atra- vessado por uma flecha e uma anccra; no direito, um ho- mem nu em attitude extremamente obscena; no peito, emblemas de marinha; na glande, o numero da compa- nhia; num dedo do pé direito o signo-saimão. Um preso da Penitenciaria de Lisboa deixou gravar nos braços, pei- to, ventre e pernas, varios emblemas symbolicos, cora- ções, nomes de amantes, na perna esquscda un hon2:n ATE ARA Dea DO io pe: REVISTA DA SOCIEDADE CARL OS RIBEIRO E CD O Soa. DE ans mem ' nu, uma mulher nua na direita, uma serpente num dos RE braços, um lagarto no outro, etc. (A. A. Castello Bran- E co). À seguinte, encontrada num mendigo e provavel. mente desertor, foi noticiada pelos jornaes do seguinte — modo: no braço esquerdo um peixe e um coração tres- * passado por uma setta; ao lado, uma cruz e as iniciaes A. GC. F. Q, (Antonio Cypriano Ferreira Querido, nome Elo tatuado) depois MF. Que E. € O, imciaes:dos “nomes do pace e mãe; abaixo, uma ancora e uma pedra de dominó: junto, um signo saimão e lateralmente a me- “ dalha da Torre e Espada (como em alguns soldados fran- cezes a da Legião de Honra e em alguns criminosos ita- “Jianos as armas da casa de Saboya); abaixo do signo o habito de Christo e a data 3 6 88, morte do pae; no pei- to, lado direito, a figura da Republica; esquerdo, a ban- deira franceza; nas costas da mão esquerda uma estrella e as cinco chagas. Berchon assignala factos interessantissimos de mul- tiplicidade e extensão das tatuagens: um marinheiro, além de numerosos desenhos em quasi todo o corpo, fi- zera tatuar nas costas, com extraordinaria minucia, uma esquadra navegando num mar estranhamente revolto. Lombroso apresenta no seu atlas tatuados com desenhos numerosos de que um — e dos menos dotados — servira - de exemplo”: no pé direito o nome d'um amigo; na perna »esquerda a inscripção Piglia il questore di Napoli, ameaça ao prefeito de policia que o havia detido; na direita, uma flór; no peito e braço esquerdo — Amero fino alla tomba N. P. — declaração de amor a N. P.: a lua e um diabo ainda n'este braço; lado direito do peito, um vaso com flóres; no braço direito uma ancora, as iniciaes N. P., RS, M A. D. M. de amantes é cinco cruzes repre- sentando outros tantos juramentos de assassinato. Um criminoso celebre de Italia estava de tal sorte desenhado REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO que, excepção feita da face e dos rins, não havia a super- ficie dum escudo que não possuisse tatuagem. Lacas- sagne figura na sua memoria o desenho representativo do accidente do duque de Orleães, na estrada de Neuilly, que occupa duas paginas; refere-se a outras que cobriam todo. o corpo de certos tatuados e representavam uniformes de generaes e de almirantes; menciona um Jean Bart com o",37 de altura e o”",33 de largura e uma Jeanne d'Arc de 02,41. de alto por 0421 deilando, cre; | À córação dos desenhos nos tatuados portuguezes é azul escura; nem recolhi nem ha noticia entre nós da operação praticada com vermelhão a qual tem dado lo- gar, como observou Hutin, a figurar corações a vermelho com chammas azues ou trespassados por uma flecha azul, soldados com a face e mãos vermelhas c o, corpo azul, etc. Este uso d'um duplo liquido corante suggeriu calo: a lembrança de aproveitar certas manchas da pelle na execução do desenho. Os exemplos são, lá fóra, numero- sos, e o seguinte dos mais interessantes: um marina tinha no peito uma placa dum vermelho vivo; o tatua- dor aproveitou-a de modo a não se suspeitar da existencia anterior da marca congenita, desenhando uma Liberdade cujo barrete phrygio, pregas do vestido e bandeira eram naturalmente produzidas pela côr preexistente. º Do que precede e do que vae seguir-se poder-se-ha in- |. ferir a moralidade do maior numero dos tatuados. À su tiplicidade, a séde, de ordinario escolhida nas regiões do “corpo Muleonimente occultas, a intenção pornographica duma grande percentagem de desenhos, denunciam a insensibilidade à dôr, o impudor e a obliteração, ou me- lhor, a ausencia de elevação moral da maior parte dos tatuados. A systematisação das tatuagens em cathegorias é difficultosa visto que muitas vezes ha logar de cos ú; Edo À nesmo ER cmo em mais do que uma. Provisoriamente C der-se-hão adoptar as seguintes : y o ionaes — amorosos e eroticos religiosos — — metaphoras e bhantasistas na Inscripções. Rocma Peixoto. PEQUENAS HACHAS DE PEDRA DAS ESTAÇÕES NEOLITHICAS DO CONCELHO DA FIGUEIRA | Entre os machados de pedra, que se teem recolhido nas estações neolithicas da Europa, ha muitos que se tor- nam notaveis pelas suas pequenas dimensões, e cujo des- tino, segundo pensamos, não se acha ainda completa- mente esclarecido. “Não é sem grandes embaraços que nós, a cada obje- cto d'estes que vamos colligindo, tentamos dar-lhes uma . explicação que satisfaça o nosso espirito. Uns, muito pe- quenos, de rochas vistosas, com fórmas bastante regula- res, polidos e acabados com extremo cuidado, parecem, à primeira vista, verdadeiras joias do homem primitivo, que na sua rude simplicidade faria a representação artistica do instrumento mais util e mais poderoso que o genio. humano, na sua infancia, tinha inventado. Outros, maio- res, de rochas unicolores, sem brilho, com fórmas irregu- lares, não polidos em todas as suas superfícies, e sem vestigios de accessorios que podessem fazer suspeitar a. sua applicação, nem parecem ter o caracter dos primei- ros, nem favorecer a hypothese de um emprego util. Dir- se-jam meros brinquedos de creanças ! : Não será, pois, sem interesse expor algumas obser- vações que temos feito, afim de chamar sobre taes obje- . ctos a attenção de outras pessoas mais competentes. Mas. “1 antes di isto convém lembrar e reunir aqui certas indica- “ções que encontramos espalhadas por alguns livros, e que — muito interessam ao nosso proposito. h “Os sr. Mortillet dá noticia de pequenas hachas de pe- E. ra lida provenientes de regiões muito diversas, Men- * ciona as dos dolmens do Morbihan, que chegam a ter - apenas 0",032; as de outras estações de França, que me- — dem 0",039 e 0",025, havendo uma no Museu de Saint- “a “Germain que tem 0",023; as da Dinamarca, cuja dimen- | - são minima é de or dom eras Elas palalittas da Suissa, ; — que diminuem até 0",033, 07,029 e o" 027; € apresenta Eos desenhos d'algumas nas figuras 445.º, 449:*, 455º, A 456: | 469.º e 474.º do seu Museu prehistorico. (1) ; O sr. Barão )J. de Baye encontrou nas grutas do E Marne, valle do Petit-Morin, uma que só media o”,os e - outras que, por uma salao quasi Insensivel, 1am attin- gir o maximo de o0",18. (2) — Quanto à nossa Peninsula, o sr. Cartailhac falla de — hachas muito pequenas das grutas de Gibraltar; dá o de-. “ senho de uma proveniente de Cascaes; e menciona ainda “outra encontrada na Casa da Moura, estação sabiamente — explorada pelo sr. Nery Delgado, que mede om,04 por — omos. (3) E No dolmen do Monte Abrahão encontrou o sr. Cn - Jos Ribeiro um exemplar qué media o” 5066; e outros fo- - ram recolhidos na gruta da Furninha, em Peniche, pelo sr. Nery Delgado. (1) Le “Prehistorique, pag. 540 e 541. E | OE LAncicologie prehistorique, pag. 246. Í k la) Les a ees prehist. de VEspagne et du ERR pag. 66, 96 g e 104. VOL. II Sobre o destino d'estes objectos o sr. Mortillet dis- tingue uns que eram utilisados como instrumentos e ou- tros que apenas serviam de amuletos. Os primeiros pre- paravam-se de algum dos modos seguintes : — embutidos q pelo lado opposto ao gume em bases de pau de veado E, com um esgalho a servir de cabo, ou em uma especie de estojo (gaine) da mesma substancia, que umas vezes en- trava e se fixava em um cabo de madeira, outras era fu- rado e atravessado pelo cabo. Effectivamente de todos estes typos se encontraram exemplares em França, na Suissa e na Italia, e que se acham representados nas fi- guras 438.º, 443.º e 444.º do Museu prehistorico do mesmo | escriptor, o qual nas figuras 431.2 e433.º a 436.º tam- E bem apresenta os desenhos em depaço d' aquelles esto- jos. (1) ane tambem notar que algumas hachas eram às vezes picadas, de modo a tornal-as asperas na parte que entrava no cabo, afim de poderem fixar-se com mais so- lidez; e o sr. Mortillet diz que «esta operação era feita principalmente nas hachas susceptíveis de receberem uma 4 bella polidura. (2) E Os mais pequenos dos objectos de que tratamos, E * 40 “2 como o da figura 456.º do Museu, e ainda os fabricados de rochas brandas ou que teem um orificio, eram, se- . 4 “gundo o illustre paleoethnologo, verdadeiros amuletos, visto não poderem ter outro destino. Justifica esta opi- não, considerando que a hacha era o instrumento por excellencia dos povos primitivos, que com elle exerciam os mais rudes misteres, e que assim era natural que se tornasse o emblema da prosperidade, da força; do poder, da divindade, emfim, suprema dispensadora de todos es- (1) Le Prehist., pag. 544545. | 8 (2) Museu cit., estampa XLVII. E “tes attributos; e accrescenta que o culto da hacha se con- irma pelas numerosas gravuras da epocha neolithica, * que a representam. (1) | | ] Mas este culto da hacha póde effectivamente expli- | car só por si os pequenos exemplares que não teem a ap- * parencia de outro destino conhecido? Nós duvidamos, "apesar da auctoridade do mestre. As hachas manifesta- * mente usuaes e de maiores dimensões deviam ser objecto “do mesmo culto; e encontram-se com effeito em identi- “cas circumstancias, isto é, nos dolmens e nas grutas se- - pulchraes, logares indubitavelmente religiosos : por conse- “guinte as pequenas dimensões d'aquelles objectos não 4 podem ser caracteristicas de um destino meramente reli- gloso, ou de amuletos ou objectos de Suncreticao: Cara- cteristica seria apenas a fórma. O que póde com muita probabilidade considerar-se “amuleto é a hacha Jurada. O orificio indica que era sus- “pensa; e de facto já tem sido encontrada como fazendo parte de colares nas sepulturas. Ora um objecto, cuja - fórma tinha um certo prestigio entre os povos neolithicos, e que se usava suspenso ao pescoço, póde bem ser um “amuleto; e por isso os archeologos não hesitam em attri- “buir-lhe este caracter. | — - Às interessantissimas descobertas feitas pelo sabio explorador das grutas da Marne auctorisam até certo ponto aquella nossa duvida. O sr. de Baye opina, com judiciosos fundamentos, que realmente as hachas eram objecto de um apreço muito elevado entre os povos pri- mitivos, visto que se achavam esculpidas nas paredes das grutas, onde tambem appareceram outras figuras que se "* suppõem de divindades, e estavam muitas collocadas de - um modo singular junto aos esqueletos; e, para tornar (1) Le Prehist., pag. 604. plausivel a hypothese, cita, a proposito dos tempos ici toricos, esta notabilisssma passagem de J. Evans: «É curioso notar que os antigos. gregos parecem ter q attribuido à hacha certa importancia sagrada. Segundo Plutarco, Jupiter Labrandeus tomou este titulo da hacha, e M. de Longpérier cita uma passagem de que resulta “que Baccho, pelo menos em,um caso, era adorado sob a É 1órma d'uma hacha ou xékexoe, M. de Longpérier tambem — descreve um cylindro chaldaico, no qual se vê um sacer- — “dote fazendo offertas a uma hacha erguida sobre um - throno; e, além d'isto, chama a attenção para o facto se- . guinte—que o hieroglyphico egypcio que representa | Nouter, Deus, é simplesmente a figura duma hacha.» Inclina-se mesmo o sr. de Baye a que a importancia | “dada a esse objecto pelos povos neolithicos era de cara- cter religioso; e cita a opinião respeitabilissima do sr. de . Quatrefages, que pensa do mesmo modo, e que vê tam- “bem nas pequenas hachas furadas. verdadeiros amuletos. Emfim, a proposito das hachas que encontrou nas referi- “das grutas, diz o seguinte: — «Não é simplesmente um instrumento [unerario, mas um objecto votivo, consagra- | “do, ijetado assim | sob a ineparação dum sentimento reli- g1OSO.) ins ao mesmo. tempo» apresenta estas observações “muito importantes: — que todas as hachas, desde a mais “pequena, que, como dissémos, tinha sómente om,os, esta- “vam dispostas para serem usadas e completamente acabadas “segundo os seus respectivos typos; — que as mais pequenas que não estavam acompanhadas de seus estojos, deviam ser | encabadas de um modo diferente das outras que se acha- . vam providas d'esse accessorio; e que algumas estavam | “lascadas, mutiladas ou picadas, para facilitar a sua fixa- ção no estojo. O modo como se achavam montadas as que eram providas de cabo, era o indicado pelo sr. Mortillet: isto é, card O di VE O Cc O a RES REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO “estavam embutidas em um estojo de pau de veado e este a “estojo atravessado por um cabo de madeira. Assim tam- “bem se achavam. representadas nas esculpturas. Estas observações provam: — 1.º que as hachas pe- * quenas tambem eram utilisadas como instrumentos, não * havendo indicações algumas de a as inferiores a 0",05 “deixassem de ter este destino;— 2.º que aos mortos se - votavam hachas usuaes sem distincção quanto a dimen- z sões, symbolisando todas um pensamento religioso. “Quanto às hachas furadas, o illustre sabio, tendo en- “contrado um exemplar, não duvida di ssneal-o como | amuleto. (1) pis | E É facil e commodo digero que hachas mui pequenas, — inferiores a o",os ou o”,04, não poderiam ser applicadas como taes; mas, não conhecêndo nós todos os processos “da arte ou mdnétma primitiva, nada nos auctorisa a rejei- “tar a hypothese de terem essa applicação, como verda- * deiros instrumentos, e de que seriam encabadas por um -* modo diverso das outras, como indica o sr. de Baye.- Entretanto é forçoso confessar que hachas de o”,023, 0" ,027 € 0?,0209, como as de que faz menção o sr. Mor- tillet, dificilmente poderiam servir ao mister de cortar, pelo menos em competencia com as maiores, de modo a tornar util o seu fabrico. Não podendo manifestamente ser utilisadas à mão, devia ser um processo embaraçoso o de fixal-as em algum cabo, ficando o gume bastante saliente para ser empregado: e isto, quando a: operação de cortar facilmente se realisava com as hachas mais pro- - prias, pelas suas dimensões, e montadas com segurança. E: Assim, é possivel que estas miniaturas de que falla o sr. Mortillet fossem joias sagradas, amuletos, ou cousa semelhante. Tambem no fim da epocha “o bar e co- E (1) Obra cit., pag. 98 e ss., 103, 10%, 239 E 8s. €'309. 118 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO meço da epocha do ferro a pequena hacha apparece, se- gundo alguns, como um objecto meramente votivo. À ci- vilisação villanovianna, na Italia, que se attribue a esses tempos, fornece um exemplo no mobiliario das suas se- pulturas. «As armas, diz o sr. Jules Martha, que alli se recolhem, são em miniatura, pequenas ER por exem- plo, reducções fabricadas sem duvida em vista de um destino funerario. É assim que na Grecia se fabricavam para os tumulos joias ligeiras, sem consistencia, que não | tinham de verdadeiras joias senão a apparencia.» (1) - Mas tambem pensamos que esses objectos poderiam ter algum outro emprego desconhecido: e que, assim, novas descobertas são necessarias para resoli inteira- mente o na com relação às miniaturas neolithicas. Por isso é para desejar que todos aquelles que se dedi- cam ás explorações archeologicas não deixem de observar cuidadosamente as circumstancias em que encontrarem esses objectos, porque só por este meio se conseguirá se. 18 pe resultado. E Pela nossa parte temos registado todas as indicações colhidas na observação dos objectos desta gue que temos colligido. Já na primeira parte do nosso und cobre l as «An- tiguidades prehistoricas do concelho da Figueira», sob a designação — Hachas pequenas de pedra polida — descreve- mos dez que foram encontradas dispersas em diversos lo- gares da Serra do Cabo Mondego, El Fipesi o ou a | pe- E quena profundidade do solo. Na segunda parte d esse estudo, au já se aca im- (1) Manual d'cArcheol. etrusque et romaine, pag. 19. al a EC po E PT O TORO SD go Sn REI ER A 2 A LS SR IS et - E = és. E REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO ILO pressa, descrevemos mais dois exemplares: um de quartzo hyalino, simplesmente lascado, e outro de schisto verde, perfeitamente polido, ambos encontrados à superficie db solo na estação neolithica da Varzea de Lirio. O primeiro, “de secção hexagonal, mede approximadamente 0",04 no comprimento e 0”",026 na maior largura; o segundo com a fórma do que o sr. Mortillet representa a pag. 540 da ' sua obra— Le Prehistorique, de faces convexas, mas acha- tado, com gume à maneira das herminettes, mede 0”",063 no comprimento e o",o51 de largura junto ao gume. Vão ambos representados nas fig. e e 89.º daquella publi- cação. Mas ha outro, achado na freguezia de Paião, ao sul do Mondego, onde são frequentes os vestigios dispersos da industria neolithica. É um bello exemplar, feito d'uma rocha amarella, manchada de negro, que ainda não nos foi classificada, perfeitamente polido e lustroso, com fórma trapezoidal, semelhante ao da fig. 36.º da primeira parte do referido estudo. Era acuminado de dois lados, isto é, na base e no topo: o gume da base tem algumas fracti ras; o outro está completamente destruido. Mede 0”,07 no comprimento, o”",036 de largura junto ao gume da base, e o",o2 do lado opposto. Analysando e confrontando entre si estes treze exem- plares, notamos que predomina n'elles o schisto, como materia prima; poisque sete são fabricados d'esta rocha, dois de quartzite, um de quartzo hyalino, outro de ser- pentina e dois de rochas não classificadas. As de schisto são em regra as maiores: medem no comprimento de o”",067 a o”,086, havendo uma que attinge o”,093 e outra o”,063, e na maxima largura de “0”,034 à o",052; emquanto que as outras variam, no com- primento, entre o”",o4 e o”,066, havendo só uma que attinge o",07, e, na largura, entre 0",026 e o”,04. Vistas de face, as de schisto teem fórmas que se ap- REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO proximam muito de um typo commum; as outras apre- sentam a fórma triangular ou trapezoidal, se exceptuar- mos a de quartzo hyalino, que se assemelha a uma cunha, Vistas de perfil, apenas algumas de schisto teem o typo das herminettes. Só a de quartzo é simplesmente lascada: todas as outras são polidas. Quasi todas, sem distincção, são mais ou menos achatadas. Mas a de quartzo tem a secção que indicamos, e uma de schisto é muito espessa e roliça. Esta ultima é tambem a unica que, em vez de gume, apresenta uma superficie polida, como certas hachas. grandes que temos encontrado, proveniente do desbaste do mesmo gume; e por isso lembrámos a hypothese de ter servido para polir ou alisar outros objectos de pedra ou osso. Duas são acuminadas na base e no topo: todas as outras só são acuminadas do lado da base. Algumas d'estas hachas acuminadas apresentam ves- tigios duso, consistindo em certas fracturas, manifesta- mente antigas, no gume. Mas faltam a todas, no lado. opposto a este, se exceptuarmos a de quartzo, as aspere- zas reconhecidamente intencionaes para bem as fixar em qualquer cabo: apenas a de serpentina tem extrahida d'esse lado uma lasca, a do Paião tem o gume do topo. fracturado, e algumas de schisto não estão n'essa parte polidas de modo a apagar todas as rugosidades resultan- tes do trabalho preparatorio de lascar os fragmentos da rocha, para os approximar da fórma procurada. Algumas até estão acabadas e polidas com tanta perfeição, que pa- recem repellir inteiramente a hypothese de serem encaba- das. É por isto que nós apresentâmos a duvida, na pri- meira parte do nosso referido estudo, de que estas hacha- sinhas polidas e perfeitamente ad fossem empregã- das como instrumentos, e lembrámos a hypothese de serem meros symbolos ou insignias. Tambem all men- “cionámos a hypothese de serem amuletos, proposta pelo REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO sr. Mortillet, ou a de serem objectos votivos; todavia no- tâmos que os nossos exemplares não tinham orificio de “suspensão, nem foram encontrados nas sepulturas. - Agora, porém, já temos um facto que derrama algu- ma luz n'esta questão, relativa ás estações da Figueira. Podemos affirmar que não eram só as hachas grandes que se votavam aos mortos, como aliás indicavam os exemplares encontrados nas antas do Cabeço dos Moi- "a - nhos, da Serra de Brenha e das Carniçosas: tambem as | de mui pequenas dimensões. O desejo de esclarecer-nos E cobre: este assumpto levou-nos a proceder a novas exca- “vações no Cabeço dos Moinhos, onde fomos adquirir a | certeza da existencia de uma necropole importante, que aliás tinhamos pe indo por occasião dos pras tras RO balhos.. All recolhemos de entre it humanos descon- juntados e n'uma grande desordem, associada a um pe- E queno, mas interessante mobiliario, uma hachasinha de fibrolithe, rocha estranha ao paiz, segundo nos informam, - de fórma alongada como um dedo e muito semelhante à das goivas representadas na fig. 43.º das nossas « Anti-. guidades prehistoricas», com uma das faces muito ar- ““queada e à outra ligeiramente convexa, no sentido trans- versal, completamente polida, com o gume convexo e A perfeito, e apresentando na extremidade opposta uma | fractura, que parece ser defeito do fragmento de rocha de q que foi fabricado. Mede o",06 no comprimento e o",021 | "na maior largura, e não tem orificio algum. E Mas esta descoberta não basta : resta ainda a questão 1 de saber se estes objectos das nossas estações seriam ou não tambem usados como instrumentos: e sobre este ponto nós arriscaremos algumas considerações. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Não ha duvida que o fim é que dá a fórma aos pro- ductos da industria humana: e por isso podemos muitas vezes pela fórma descobrir o destino dos objectos. A fórma acuminada das hachas e a dureza das rochas de que são fabricadas, para epochas em que os metaes não eram conhecidos, indicam sufficientemente que serviam de instrumentos cortantes: os accessorios do cabo, que teem sido descobertos, e o exemplo dos povos que em epochas historicas teem permanecido na edade da pedra confirmam essa interpretação. Grandes ou pequenas, mais ou menos espessas, e seja qual fôr o seu typo, sempre as hachas apresentam indubitavelmente o caracter de instru- mentos d'aquella natureza. Só um dos nossos exemplares, o de quartzo hyalino, mede o”",04; os outros são superio- res a o",058: todos são fabricados de rochas duras, como os machados grandes: por conseguinte, se os descobertos nas grutas sepulchraes da Marne, que descem ao minimo de o”,os eram utilisados como instrumentos, porque não admittir que os nossos tinham o mesmo destino, fóra das sepulturas? As fracturas que notâmos nos gumes não nos deixam grandes hesitações; e por outro lado não ha en- tre os nossos exemplares algum que tenha orificio ou as exiguas dimensões d'aquelles que o sr. Mortillet apresenta como simples amuletos. E que aquelle que tem o gume desbastado pelo attricto foi tambem usado como instrumento, não póde haver duvida: sendo certo, por outro lado, que a peça é bastante forte para indicar que seria primitivamente em- pregada como instrumento cortante. Quanto ao de quar- tzo, não podendo considerar-se um objecto regular, para lhe attribuirmos um caracter puramente symbolico, é fa- cil admittir que fosse destinado simplesmente ao mister de cortar. so Mas uma difficuldade surge: todos esses objectos não . podiam ser empregados à mão; por mais que tentemos a REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 123 experiencia, não conseguimos dar com elles um golpe aproveitavel: por isso o auxilio de um cabo era necessa- TIO; € É precisamente este que nos causa sérios embaraços. Não admira que não tenhamos encontrado nas sepul- turas qualquer cabo de madeira, porque esta devia ter “sido destruida; mas os cabos ou estojos de osso ou chifre de veado, que podiam conservar-se através milhares d'an- nos, como outros objectos d osso alli recolhidos? Como E lar a sua falta? Por outro lado faltam-nos exemplares peliths, como notâmos, as asperezas reconhecidamente intencionaes, praticadas no lado opposto ao do gume, para se fixarem solidamente nos cabos; e nem mesmo parece verosimil que peças perfeitamente acabadas d'esse lado fossem fei- tas com o destino de serem mutiladas ou de ficar escon- “dida esta parte dos instrumentos nos cabos. E as de dois gumes? Como suppor que, por exem- plo, a da fig. 36.º das cÂntiguidades prehistoricas seria encabada por um delles, ainda que o mais pequeno? Este gume daria pouca solidez ao instrumento, porque seria fracturado facilmente com o uso; e tambem não pa- rece verosimil que fosse feito para ser destruido fóra da sua applicação como «aresta cortante. Entretanto estas objecções não são bastantes para nos levarem a renunciar à ideia de que taes objectos eram utilisados como instrumentos. Pelo facto de não termos “encontrado ainda vestigios de cabos, não póde já con- cluir-se que estes não existiram. Não são ainda muitas as antas exploradas; e em todas, com excepção do cisto de pedra da Asseiceira, que não continha objectos alguns de industria, as profanações tinham posto tudo em tal desor- dem, fazendo até sair nos entulhos alguns objectos que se encontraram fóra das camaras e galerias sepulchraes, que é facil admittir a hypothese de cabos d'osso ou de pau de veado terem sido d'alli extraviados. Tambem ou- 124 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO tros objectos d'osso eram muito raros até ha pouco tem- po; e todavia novas excavações nos terrenos que cercam os pi nos descobriram já mais alguns exempla- . E, pois, licito esperar que ainda encontraremos nas nossas estações alguns d aquelles de que se trata. Mas os cabos tambem podiam ser só de madeira. (o) sr. Mortillet representa nas fig. 439.º e 440. * do seu Mu- seu dois exemplares de hachas grandes assim preparadas, provenientes da estação lacustre de Locras, lago de Bien- ne, na Ouissa; é na fel 41 uma semelhante, prove- niente da Inglaterra. D'este modo a falta de emelhanio accessorios pôde realmente explicar-se pela acção destrui- dora do tempo. Nem admira que as proprias peças de pau de veado tenham tambem sofírido egual destruição. O sr. Barão J. de Baye encontrou em grutas sepulchraes, que aliás estavam intactas, muitos d'esses objectos des- truidos. « Muitas vezes, diz o sabio archeologo na obra já citada, não restavam. senão pedaços desaggregados (dos cabos), entre os quaes alguns fragmentos de chifre per- mittiam distinguir o genero e determinar as dimensões. » Mais facilmente no seio da terra, atacados pelos. an | estavam sujeitos a destruição. A falta de mutilação, reconhecidamente intencional, da parte superior das hachas tambem não nos demove. Notaremos antes de tudo que a de quartzo está nas con- | dições que podiam desejar-se, pela sua fórma hexagonal. Quanto às polidas e acuminadas, é preciso ter em vista que umas teem vestígios de uso, como dissémos, e outras não; e que, a julgar pelo perfeito estado da que foi en- contrada na necropole do Cabeço dos Moinhos, e dos gu- mes de todas as hachas grandes descobertas nos megali- thos da Serra, as que não teem vestigios de uso são pro- vavelmente proventanto de monumentos sepulchraes des- truidos. Assim, não é para estranhar que não tivessem sido ainda preparadas para receberem os cabos. SOC IEDADE Cc; ARL JOS | Por outro lado esta preparação não era essencial. Tanto o sr. Mortillet como 6 sr. de Baye observam que umas hachas eram picadas ou lascadas, e outras não. (1) Por isso em grandes series d'estes instrumentos facil será encontrar exemplares das primeiras; mas em onze, que nós colligimos, não surprehende a sua falta. Comtudo as irregularidades que o artista deixou em quasi todas e as pequenas fracturas d'algumas não pode- rão ter sido destinadas a esse fim? Para as hachasinhas perfeitamente acabadas e polidas em todos os pontos, que são só duas, não haveria algum processo, por nós igno- rado, de as fixar solidamente nos cabos, sem as damnif- car? Tudo isto dá logar a muitas conjecturas, mais ou menos plausiveis. Mas o que é certo é que o bello exem- plar da freguezia do Paião tem o gume do topo comple- tamente abatido e vestigios d'uso no gume da base; o “que nos leva a pensar que o objecto fôra lee tirano “encabado. Ou se abateu o gume do: topo, para que as su- * perficies da fractura encontrassem mais resistencia no | cabo, ou aquelle se fracturou, depois de embutido neste, com o uso do instrumento. - Concluímos, pois, segundo o estado actual dos nos- “sos conhecimentos, que as pequenas hachas de pedra po- lida das nossas estações eram indubitavelmente objectos -“votivos; ínas que, fóra das sepulturas, deviam tambem, salvo melhor. juizo, ter sido usadas « como instrumentos cortantes. ÂnTONIO DOS SANTOS ROCHA. (1) Le Prehist., pag. 544; Musée, estampas 47.º, 49:* e 50.º; HrArchéolog, Prehast., pag. 246 e 247. | Os trabalhos paleoethnologicos no Algarve, do sr. Estacio da Veiga. (1) — Programma para a instituição dos es- tudos archeologicos em Portugal. ] As antiguidades prehistoricas do Algarve constituem já um pe- queno museu, realmente notavel pela extensa serie dós seus exemplares que, differenciando-o por algumas peças de caracter especialmente re- gional, marcam no entanto todas as epochas e factos na evolução pre- historica dos antigos povoadores. E nas grandes lacunas, separadas no cyclo ex-historico das civilisações pelas deficiencias do nosso estudo, 4 ha tambem, como em outras varias provincias, factos interessantes que | “aa obrigam a discutir theorias e hypotheses, de cuja interferencia sempre “aa tem resultado o avanço lento e prospero das sciencias archeologicas. Região favoravel ao estudioso é tambem merecidamente a mais bem conhecida. Tem, pois, o seu archeologo, um interessante museu, as suas cartas paleoethnologicas, e, ultimamente, a monographia da sua prehistoria. São quatro grossos volumes, cheios de gravuras, em que o Estacio da Veiga, o dedicado estudioso d'esta zona privilegiada, agrupou e descreveu os factos sobre a prehistoria da sua bella provin- cia, volumosc recueil de documentos, expostos assim livremente á ob- servação universal de todos os que trabalham e procuram, na justa am- bição das suas theorias, um ponto de comparação e de apoio, esse ele- mento original de inducção, que muitas vezes se perde esqueado em regiões ignoradas de todo o estudo. j Nos paizes em que se estuda e que progridem, tem-se deliberado harmonicamente com este ideal, sonhado desde"os papyrus do oriente; (1) cAntiguidades monumentaes do Algarve — Tempos prehistoricos, por Sebastião Philippes Martins Estacio da Veiga. Lisboa 1891, 4 vol. in-8.º e n'esta ancia de synthese e de verdade, espalham-se os trabalhadores em busca de materiaes, breve documentados e largamente expostos á erudição da velha Europa, avida de claridade na meia-luz duvidosa que envolve os seus grandes problemas. Mas, n'este paiz estagnante, sem elementos hereditarios de lucta — sob a influencia morbida de uma imbecilidade de atavismo — hesita-se ainda systematicamente em face d'esta necessidade flagrante de progresso, com o protesto silencioso e indiferente de quem ignora o valor essencial ou a utilidade abstracta de todas estas coisas. E, no fim de contas, ainda ha ahi pelo paiz quem, — como os apostolos esquecidos de crenças novas — levante o pregão de protesto a valorisar uma causa de abstracta justiça. Entre muitos, o exemplo do sr. Estacio da Veiga, implorando ha longos annos um misero subsidio para reorganisar convenientemente o seu museu, e desde então esperando uma resposta, é perfeitamente cara- cteristico da nossa inferioridade no quadro estatístico das nações cultas. E” assim a queixa desalentada de alguns periodos da sua obra, que a estreiteza do espaço nos impede de bibliographar, mas a que é devido todo o elogio, como trabalho meticuloso de colleccionação, em que se classificam materiaes numerosos, de innegavel valor para a pre- historia da Peninsula. São grandes volumes que seria materialmente impossivel resumir em alguns pequenos períodos. Ficará para outros trabalhos sobre a es- pecialidade, na ordem do nosso programma, a analyse d'este recueil nacional, cujo methodo me parece discutivel, e assim uma parte dos seus modos de vêr, por vezes algum tanto prejudicados com a preoccu- pação de certo occidentalismo, sempre contestavel quando applicado em exagerada generalidade. Occupar-nos-ha por agora, tam sómente, o seu «programma para a instituição dos estudos archeologicos em Portugal » (prologo do vol. IV), assumpto que entre nós tem todo o interesse de actualidade, visto que nada se propõe officialmente de serio e utilisante a favor dos monumentos de archeologia e historia, encarados como documentos de analyse scientifica ou symbolos nacionaes de velho fetichismo patriotico. Aproveitando a occasião de se ter creado o ministerio de instruc- ção publica e bellas-artes, a quem competia a superior ingerencia nas questões d'esta especialidade, o sr. Estacio da Veiga abalançou-se a re- novar a sua proposta com uma dedicação tanto mais para louvar, quanto é sabido um esforço perdido na inercia immobilisante dos nos- sos corpos dirigentes. Dever-se-hia primeiro do que tudo inventariar rigorosamente to- & k E é $ E ia é? Ras a [4 a q N e k AT 280» REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO dos os nossos monumentos archeologicos, distribuindo-os methodica- mente em cartas regionaes, decalcadas sobre a mesma formula regula- mentar, para a composição final de um mappa harmonico e uniforme da archeologia nacional. Uma direcção geral de archeologia e bellas- artes, annexa ao Ministerio, legislaria no sentido de harmonisar prati- camente estes serviços, executados sob a vigia de dois inspectores, a cargo de quem ficaria a conservação e reparação dos monumentos, as- sim como a fiscalisação dos museus. Completo o trabalho de colleccio- nação de documentos, estes ficariam distribuidos em seis museus, cor-. respondentes ás circumscripções em que se suppõe dividido o reino, systema que o sr. E. da Veiga prefere ao de um só museu central de archeologia. Os exploradores de cada circumscripção seriam obrigados a colligir, parallelamente aos materiaes de estudos archeologicos e his- toricos, todos os documentos de caracter ethnologico que iriam com- por, com outros subsidios affins, um museu central de anthropologia, Ahi fundar-se-hiam laboratorios e um curso especial de anthropologia, a cargo do director do museu, ao mesmo tempo que se introduzia no Lyceu de Lisboa uma cadeira de archeologia, distribuida, dois annos depois, aos outros lyceus do reino. fia Assim é, muito resumidamente, o « programma » do sr. Estacio da Veiga. A exposição que o Auctor faz do seu projecto deixa a impressão confusa de um systema imperfeito — deficiente ou excessivo — em que se apparenta uma certa difficuldade de structura, realmente pouco fa- voravel á realisação immediata das suas proposições. Poder-se-ha notar, por exemplo, uma distribuição pouco explicita “das funcções pelos elementos que formariam esse organismo official; um funccionalismo mal limitado em quantidade; deficiencia de indica- 'ções sobre o valor legal da inscripção dos moveis ou immoveis de valor “archeologico ou historico; falta de indicações sobre as restricções, por legislação especial, do direito de propriedade sobre os objectos ou mo- 'mumentos inscriptos, e tambem carencia de uma apresentação resumida “do modo como se organisaria o serviço de reparação e conservação dos monumentos. Estas considerações, que devem preoccupar o organisador “de uma legislação em que se accionam interesses muito diversos, pare- cem talvez estreitos detalhes, que mais minuciosamente cabem a um ante-projecto do que a um simples programma. Não obstante, a sua apresentação summaria teria o valor de uma aclaração justificativa para alguns elementos vagos da proposta, ao mesmo tempo que imprimiria ao conjuncto organico do projecto um caracter profundo de justa utili- dade e sabia inteireza de todas as circumstancias previstas da sua applir cação. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 120 O DO o a me) cmo me cem mv cerne om cr ds cata 0 em | Um «regulamento especial», que o sr. Estacio da Veiga faz deter: minar ulteriormente a serie de todos os serviços, incluiria certamente aquelles; mas, nos extensos limites do seu título e funcções, é uma causa de confusão em assumpto que deve impor a sua clareza axioma- tica e a urgencia evidente da sua importancia indiscutivel, Um facto ha ainda para notar na organisação do « programma », e é a desharmonia entre uma tendencia centralisadora na disposição dos estudos anthropologicos e a acção descentralisadora de toda a regula- risação dos serviços de archeologia. ' Sabida a relação intima entre as duas sciencias, pela troca de do- cumentos ethnologicos, parece defeituoso este modo de regularisar es- tudos perfeitamente concordantes. Um Museu Nacional de Anthropolo- gta, abrangendo os materiaes recolhidos para as duas sciencias, realisa- ria materialmente a unidade synthetica que deve existir n'esta serie de estudos, a que não faltam soluções de continuidade, mais avolumadas pela deficiencia intima de elementos completos de inducção. Ensine-se claramente nas escholas o que sejam estas sciencias, os seus processos e os seus resultados superiores; formem-se com dados nacionaes collecções apropriadas ao estudo, completas com a modela- gem dos originaes raros; e isso basta para incentivo, creando dedica- ções pelo raciocinio, sem necessidade de impressionar exteriormente pela exposição apparatosa de todas as riguezas provenientes da circum- scripção ou districto. | Os monumentos ahi ficam, intactos no seu velho arcabouço, cui- dadosamente reparados e conservados pelo Estado, bens pertencentes de direito a toda a nação, sem que a sua deslocação, geralmente ab- surda, vá affectar o chauvinisme ronceiro do concelho ou parochia, possuidores nominaes de simples acaso. | Todos os outros materiaes, separados e espalhados pelo paiz, se- riam como folhas soltas de um grande livro, sem valor particular na desconnexão das ideias e factos, valiosos, porém, na harmonia final da sua combinação, como elementos constituintes de um todo superior. E assim me parece que deve ser a consideração dominante de todo o trabalho n'este sentido, fazendo irradiar todos os esforços e con- centrar os resultados, dispondo os materiaes correspondentes segundo uma classificação sabiamente estudada, monographando todos os-docu- mentos e archivando o conjuncto harmonicamente, depois da analyse critica lhes ter marcado definitivamente a impressão propria dos seus caracteres especiaes. São estas as considerações que me fez lembrar o « programma » apresentado pelo sr. Estacio da Veiga — indicação vagamente esboçada de topicos antecedentemente estudados para um trabalho desenvolvido VOLs 1I 9 I30 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO sobre esta questão especial. Em nada, porém, isto vae affectar a alta importancia d'esta iniciativa, incontestadamente elogiavel, a que de boa- mente prestamos o apoio de todo o nosso enthusiasmo e o concurso insignificante dos nossos esforços e dedicação. R.s. Um vaso romano de barro cozido E' mais um documento a juntar ás numerosas descobertas archeo- logicas feitas no paiz, do tempo em que dominaram a Peninsula legiões de romanos. | Conservando em toda a parte a sua feição dominante de povo con- quistador, estes factos destacados são de somenos importancia, conside- rados como elementos historicos para o estu- do vastíssimo do povo-rei — a sua ethnogra- phia está feita. Ha, porém, a deduzir d'esse longo período de dominação /a influencia sobre as povoações indígenas, a historia es- pecial dos povos peninsulares, muito deficien- te nas suas primeiras epochas, perdida nas citações contradictorias dos auctores classicos. Eis um exemplo que justifica, além de mui- tos outros, a necessidade de tornar publicos estes pequenos materiaes: aproveitarão mais facilmente a quem se especialisar n'estes es- tudos, e não ficam esquecidos na inutilidade prejudicial das collecções particulares. Assim é a vantagem principal d'esta secção da nossa Revista. O vaso que desenhamos, não tem a valorisal-o como documento archeologico os dados precisos sobre a natureza do jazigo e caracter especial da sua estação. Foi encontrado em 1886 na freguezia de S. Ma- mede de Negrellos, por occasião das minhas excursões aos arredores de Santo Thyrso, em busca de materiaes de estudo. Ahi, no logar de Por-: tellas, construía-se, a meia encosta, uma casita, que apenas mostrava O começo das suas alvenarias; e, na abertura do cabouco para assentar de nivel os alicerces, descobriram entre a camada superior da terra vege- tal varios restos de louça e alguns vasos ainda completos. Todos se par - tiram ao choque do alvião, e só este se conseguiu completo, por um tra- balho cauteloso de sapa. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO SR! a SS Ts e a a rt ma rm e ea ea er rm e me rp mem “Tem, como se vê, fórma muito vulgar nos mobiliarios dos roma- nos, que plenamente justifica esta sua classificação. De um barro grosseiro, ligeiramente micaceo, conserva o estriado e a regularidade circular que dá o torno do oleiro, caracteres identicos aos dos outros restos de louça que ainda pude examinar, fragmentos de grandes vasos, “de fórma indeterminavel. k Disseram-me que tinham apparecido exemplares analogos no logar dos Mouros (freguezia de Moreira), a pequena distancia, no lado op- posto da via ferrea, e que esta estação havia sido em tempo explorada pelo nosso distincto archeologo Martins Sarmento. Da visita a este lo- “gar nada mais obtive, além de alguns restos de louça e fragmentos de ferro muito oxydado; e o mesmo me succedeu em outras pequenas estações, rodeando em zona pouco extensa a grande citania de Roriz. N'isto se resumem os apontamentos que se obtiveram sobre este exemplar de ceramica romana; o facto ahi fica publicamente consigna- do, exposto á disposição de outros investigadores. A R. ss. E MRE Ca TOS MID 7 DD E PRN + pd Capes mn 8 7 BIBLIOGRAPHIA Communicações da Commissão dos Trabalhos Geologicos de Portugal. Tomo Il —Fasc. I — 1888-89 V—F.ve Paura Oriveira — Noupvelles fouilles faites dans les hgoekkenmoêddings de la vallée du Tage. Paula Oliveira foi o continuador dos trabalhos de Carlos Ribeiro e dr. Pereira da Costa sobre os kjoekkenmoêddings do valle do Tejo. N'esta pequena monographia coordenou as suas observações de 1884 € 1885, que veem confirmar e completar os estudos dos seus distinctos antecessores. E, como todos os seus trabalhos, este é apreciavel pela seriedade nos methodos de analyse e a extensa erudição da especiali- dade do assumpto. A questão da anthropophagia, attribuida aos pescadores de Mugem, é atacada com argumentos de uma verdade flagrante, nada mais que a conclusão propria dos factos, demonstrada nos caractéres especiaes dos cabeços explorados. Rigorosamente observador, tanto basta ao estudo d'estas questões, e especialmente d'esta sciencia, em que ha a antepôr- se o sophisma duvidoso da phantasia de muitos e a deficiencia de alguns. Citando as conclusões de archeologos brasileiros quanto ao cara- cter das povoações exoticas dos sambaquis, em emigrações periodicas para o littoral, chega contrariamente a definir o caracter sedentario dos povos de Mugem, hypothese cuja verosimilhança vem appoiar o predo- minio dos esqueletos de mulheres e creanças, assim como a presença de numerosos objectos de difficil transporte. O methodo fundado sobre os restos de animaes, applicado ás estações analogas da Dinamarca pelo professor Steenstrup, confirma tambem este facto notavel: a fixação do homem ao solo antes do conhecimento da agricultura. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 133 VI— F. Paura Ociveira — Antiquités prehistoriques et ro- maines des environs de Cascaes (mémorre posthume). Entre as antiguidades prehistoricas dos arredores de Cascaes, Pau- la Oliveira apresenta algumas completamente novas, descobertas durante as suas investigações n'esta região, abundante em documentos archeologicos de velhas civilisações. Assim, devemos registrar, além de algumas cavernas naturaes, a gruta artificial de Alapraia, o subter- raneo do Casal da Lobeira, e os depositos, á superficie do solo, na al- deia de Manique de Cima. Isto basta para assegurar a permanencia do homem n'esta zona durante as epochas prehistoricas, prolongando-se ainda sob a influencia das invasões, posteriores do povo romano. Às suas descobertas d'esta epocha protohistorica são verdadeiramente interessantes pelas consi- derações de caracter ethnologico a que conduziam, e que Paula Oli- veira nos deixou por concluir, surprehendido pela morte, antes de poder | terminar a sua bella memoria. Os vestígios da epocha romana consistem em sepulturas, umas ve- zes isoladas formando pequenos grupos, outras vezes reunidas consti- tuindo verdadeiros cemiterios; e d'estes os mais notaveis são os de Al- coutão, Abujarda e Murches. O caracter especial dos tumulos, por inhumação, e a observação dos objectos artísticos que ahi se encontráram, conduziram Paula Oli- veira a datar estes cemiterios do seculo II (a. de C.), quando princi- piou no paiz a influencia do dominio romano. Comparando estes tumu- los com outros typos similares de Portugal, em epochas anteriores, nota-se a persistencia do mesmo rito, originariamente préromano. Os restos osseos encontrados nas necropoles de Cascaes pertenceriam, pois, a uma povoação préromana, pura ainda de toda a influencia do povo invasor. - Paula Oliveira concluia attribuindo aos Celtas estes tumulos, o que comprovava por meio de documentos historicos, e a approximação de estações analogas do periodo marniano em França, correspondentes á preponderancia política das povoações gaulezas d'além-Rheno. N'esta parte da sua notavel monographia, ficou ella interceptada, privando-nos da sequencia interessante desta questão, verdadeiramente captivante pelo modo especial como era apresentada e discutida. VHF. Pavia Orivéira — Caractéres describtivos dos craneos de Cesareda (memoria posthuma). N'esta memoria são apresentados methodicamente os craneos de Cesareda, estudados metricamente e nos seus caractéres descriptivos, sendo destrinçadas as suas particularidades differenciaveis com notavel subtileza de observação, Falha-nos o espaço para considerar miudamente o estudo especial que Paula Oliveira fez de cada individuo, analysando em conjuncto alguns caractéres bem notados, que produziriam para a anthropologia prehistorica interessantes considerações. | | 134 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO VII — Arrrevo Ben-Saupe — Notice sur quelgues obzets préhistoriques du Portugal fabriquês en cuivre. Esta questão da edade do cobre na Peninsula, levantada pelos ar- cheologos hespanhoes Vilanova e Tubino, adquiriu um certo desenvol- vimento com as importantes descobertas dos irmãos Siret no sud-este da Hespanha, No entanto, o problema afastar-se-ha continuamente da sua resolução, emquanto se menosprezarem os dados fornecidos pela analyse chimica dos objectos de metal, classificados nos museus archeo- logicos como exemplares da edade do bronze. O nosso eminente mineralogista sr. A. Ben-Saude, comprehen- dendo nitidamente a necessidade de reduzir a formulas experimentaes um certo numero d'estas hypotheses scientificas, fornece com a sua me- moria a este nosso problema ethnographico o auxílio de um elemento estudado e definido, ao passo que sollicitamente corresponde ao appello não ha muito dirigido aos paleoethnologos em uma revista franceza de archeologia. E, d'esta fórma, com os documentos que resultam do seu authori- sado estudo, mais se confirma a these que sempre defendemos da exis- tencia de uma industria indigena do cobre, precedendo na Peninsula a do bronze, comprovada por ultimo na analyse chimica dos objectos em questão, procedentes de localidades portuguezas, rigorosamente ca- racterisadas pela feição especial d'esta industria nossa. IX— Cm. ScarumBercEr — Nota dcerca dos foraminiferos fosseis da provincia de Angola. Este estudo foi feito, a pedido do sr. Choffat, sobre um fragmento - de marne amarellado proveniente do Dombe Grande, provincia de Angola. Os caractéres paleontologicos d'este marne, que o sr. Schlum- berger classifica de miocénico, teem muita analogia com os das cama- das de Baden, proximas de Vienna. E d'ahi se conclue analogamente para a Africa Occidental que estes depositos são formados em agoas profundas. pela pel de caractéres que approximam estas faunas da actual fauna das profundi- dades, como foi estudada pelo sr. Schlumberger a 1:000 e 1:200 me- tros no Golfo de Gasconha, por meio das dragagens executadas de bordo do Travailleur. R$ RR PAU NR | NA hi Ed 0 | REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 135 ia o Dub AEE o EA DS 2 Albert Girard — NOTA SOBRE OS CEPHALOPODES DE PORTUGAL, 8.º, 6 pag; Revision des mollusques du Mustum de Lis- bonne : 1. — Cephalopodes, 8.º, 36 pag. e 1 pl; Addittons ao op. precedente, 8.0, [2/pag é I phot.; Lisboa, 1890» Os tres opusculos citados ennumeram, como se deprehende dos titulos, os exemplares theuthologicos que existem no Museu da Escóla Polytechnica. No primeiro são assignaladas as 14 especies até hoje re- colhidas em Portugal, d'entre as quaes destacamos uma nova para a sciencia: Ommastrephes (s. gen. Todaropsis) Veranyi, Girard. Esta interessante especie que fórma a transição dos Illex para os Todarodes, foi colhida em duplo (macho e femea) a 10 milhas do Cabo da Roca, em junho de 1889. A sua descripção é deveras um modelo de observa- ção, de precisão e de intelligencia, revelando no nosso illustre colla- borador qualidades que não estavamos infelizmente habituados a regis- trar depois do passamento do desditoso Arruda Furtado. Confirmam-as ainda as lucidas observações que, ácerca d'outras especies mencionadas, o sr. Albert Girard nos apresenta. E só lamentamos o ser-nos vedado reproduzir na integra todo o trabalho sobre os cephalopodes. o que, a ser possivel, inteiraria o leitor da Revista de que a secção malacologica do Museu está felizmente a cargo dum bom criterio e d'um forte e perseverante trabalhador. RR. Paul Sébillot — rTuDES maritimes. (Les coquillages de la mer; les zoophytes; les mollusques; les crustacés) 8.º, 19 pag. Vannes, 1890. Nomes, proverbios, adivinhas, contos, lendas, crenças, superstições e usos dos animaes referidos. O distincto folklorista francez, cujos estu- dos de zoologia popular são deveras notaveis pela abundancia dos ma- teriaes ineditós colligidos, completa n'este estudo a interessante mono- graphia publicada, ha annos, na Revue de Ethnographre ácerca das su- perstições sobre as conchas marinhas. O snr. Paul Sébillot teve a gen- lileza de fazer amaveis referencias ás minhas Notas sobre a malacologia popular, publicadas no nº 2 do I vol. desta Revista, traduzindo uma grande parte da memoria e fazendo-a publicar, antes, na sua excellente Revue des traditions populaires. O meu trabalho, o Folk-lore del mar de Braulio Vigon e algumas observações originaes do auctor fazem “d'est'arte um complemento aos trabalhos precedentes do illustre ethno- grapho francez. Mais uma vez lhe agradeço a sua obsequiosa amabi- lidade. RUE: Mg Es E e | 136 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO em ms rr eee e eta e e e Paul Choffat — PASSEIO GEOLOGICO DE LISBOA A LEIRIA, 8.º, 51 pag., Lisboa, 1891. Este opusculo abrange uma serie de artigos publicados n'uma re- vista pedagogica de Lisboa. E' uma descripção pittoresca de parte da Extremadura atravessada pela via ferrea Lisboa-Figueira, feita com o tempo que comporta uma viagem geologica em caminho de ferro e des- tinada principalmente aos que, não se occupando especialmente de taes estudos, desejam todavia conhecer os factos geraes. À serie de trabalhos em que se decalca a interessante notícia é, na maxima parte, obra do illustre geologo suisso, já de sobejo conhecida para que nos demoremos com mais dilatada referencia. RR G. de Saporta. — SUR LES PLUS ANCIENNES DICOTYLÉES EURO- PEENNES OBSERVEES DANS LE GISEMENT DE CERCAL, EN PORTUGAL — 4:º peq., 4 pag» Paris, 1891. Noticia ácerca do interessante grupo das dicotyleas cujo estudo ' está sendo um dos mais notaveis e delicados da paleobotanica. Com- porta a monographia do eminente paleophytologista francez referencias á flora de Cercal, jazigo intercalado no cenomaniano fossilifero e no neo-jurassico. As especies recolhidas e que servem de base para a noti- cia foram em numero de trinta e cinco, pouco mais ou menos; osr. G. de Saporta resume os caracteres mais salientes de todos os typos por- tuguezes e encontra varias especies novas, duas das quaes constituem um typo a que dá o nome generico de Delgadoa, sympathica e mere- cida homenagem ao sabio director da nossa Commissão Geologica. R. P, P. de Loriol. — DESCRIPTION DE LA FAUNE JURASSIQUE DU PORTUGAL. Embranchement des échinodermes — 4:º, 179 pag. e XXIX pl. Lisbonne, 1890-1891. O sr. P. de Loriol, a quem havia sido confiado o estudo dos echi- nodermes do cretacico portuguez, publicou ha tempos a sua monogra- phia da fauna echinitica jurassica de Portugal, egualmente incumbencia da nossa Commissão Geologica. E” outro trabalho que denuncia a com- petencia do notavel echinodermista suisso e que vem occupar na nossa litteratura scientifica um logar de assignalada evidencia, A lista das es- pecies descriptas abrange 95 especies de echinides endocyclicos, 16 de echinides exocyclicos, 1 asteria e 34 crinoides; d'estas 146 especies, 69 são novas para a sciencia. Postoque bastante restricta, a fauna echino- RR O 2 O a ES RENO E — E DA eo 4 REVISTA D VA DO, o Ny PRN) ] au Ned E DV A A VA» Cia A SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO | 137 pi ve treta qemaçõs reminp etam ess mem eres » É 1 ! Ny | ica portugueza é notavel principalmente pela grande percentagem - especies até ao presente desconhecidas; e é provavel que o seu nu- o ainda augmente depois de colheitas ulteriores que se proseguirão nedida que os trabalhos. estratigraphicos correlativos se forem execu- ado. Nas XXIX planchas que terminam a memoria são figuradas to- as especies ineditas 1 Hr CR | E - f Ro: Re mat maes spas “Mp cr o o eis ig Am a 2 e A N ORGIAS O MUSEU AGRICOLA E FLORESTAL DE LISBOA Foi nos primeiros dias do anno passado que se inaugurou a nova installação d'este museu, no antigo palacio do conde de Almada, ao Rocio. | Eram espaços vagos de solidão essas longas salas do velho solar de aristocratas, em que se diluiam, como as sonoridades apagadas de um echo, recordações nebulosas do passado, repercutindo surdamente, aos quatro cantos, lamentos infinitos de saudade — d'esse vasto passado em: que havia crenças e felicidades, a existencia viva e independente de ideaes aventurados. Sahiu d'ahi, '“cellula escondida de revolta, o movi- mento de protesto e restauração, caso archaico da historia patria, onde se firmava a superior envergadura de um caracter, acorrentado pela grilheta da fatalidade historica, mas luctando superiormente contra a humildade soffredora de longos periodos esgotados, O palacio foi permanecendo, erecto na sua rigidez antiga de inva- lido, no meio d'este esborcinar de monumentos e glorias. Veio depois o decreto official, com honrarias de funccionario publico, dar utilisação moderna ao velho paradeiro, que agora tem numero na lista civil, com taboleta de estanco na portada nobre. E ahi que se installa o nosso museu de agricultura, as suas sete salas etiquetadas com designações de zonas aBrOnONUCAS e exemplares em ordem de productos cultivados. Materialmente, eis um benefico avanço nas quEstous agricolas e um impulso proteccionista a favor da archeologia nacional, tão desvia- da das responsabilidades officiaes, impostas geralmente pelos monumen- tos historicos dos factos e civilisações quê se justapõem no relato bio- graphico dos povos. Ha satisfação em vêr interesse pelo caminhar progressivo do paiz; e o solo, onde se accumulam elementos morbidos de vida, a germina- ção latente de forças conservadoras e impulsivas, tem sido julgado en- tre nós a summula de recursos que despertarão a nossa actividade adormecida, no meio da concorrencia atropelante e esmagadora dos outros povos. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 139 ira ar peer reina sem mr Está pois ahi a nova restauração, e esta coincidencia interessante valorisa o acaso da installação actual do museu, por si altamente valio- so, desde que manifesta a uniformidade de um methodo ou sciencia, acceite praticamente nas suas leis poderosamente utilisaveis. Desculpa- se, por isso, a interferencia de aspectos incompatíveis, no empastamen- to da ornamentação moderna, com objectos industriaes da actualidade, no fundo amarellado e poeirento d'aquellas velhas relíquias, irritavel, como o polido novo em um bric-à-brac artistico, ou a pintura espessa sobre a patine corroida dos tempos. Admittido então o Museu Agricola na sua nova installação, ao Rocio, resta agora dar-lhe a largueza que compete ao desenvolvimento actual das sciencias agricolas. Nasceram modernamente sciencias de applicação geral á cultura do solo, ramos de sciencias technicas, separados pelas necessidades que foram apparecendo na larga expansão dós conhecimentos. ' Havendo um instituto de agronomia, em que se cursam, melhor ou peior, essas leis que regulam a productividade das terras, necessario é pois dar-lhes o maximo desenvolvimento com a organisação concor- dante de museus, em que se aproveite proficuamente o seu duplo valor de series documentadas de elementos de estudo, e de exposição emula- tiva dos productos regionaes. Pela comparação dos especimens conclue- se a caracterisação completa de uma fórma melhor, faz-se artificialmente uma selecção cuidadosa de variedades pelas suas alterações uteis, e apprendem-se novas receitas ou processos novos do mechanismo indus- trial e agricola. Teem tambem estes museus valor ethnographico, e esse está prin- cipalmente na apresentação de typos indigenas, especimens de costumes populares, completos com exemplares ou modelos das alfaias agricolas e pequenos objectos intimos de lareira. Este aspecto não foi esquecido na disposição do Museu Agricola de Lisboa, que lhe prepara a impressão agradavel de uma obra, d'onde resalta a preoccupação artistica da fórma, na sua harmonia esthetica, ao mesmo tempo que evidenceia flagrantemente uma utilidade univer- sal, proficuo ensinamento á multidão que passa n'estas galerias com- memorativas do trabalho. | Raio: O MUSEU DE MINERALOGIA, GEOLOGIA E PALEONTOLOGIA DA ACADEMIA POLYTECHNICA DO PORTO Publicou-se no Annuario de 1890-91 O catalogo d'este gabinete, e esse documento é bastante para confirmar o desenvolvimento ultimo d'esta secção em instituto scientifico que, desde algum tempo, se pro- punha formar engenheiros de minas. Existia para a regularisação geral d'este curso um programma exacto; ahi attendia-se ao ensino theorico da mineralogia, geologia e paleontologia, com o preciso desenvolvimento para as subsequentes ge- neralisações technicas da sciencia applicada. O modo, porém, como eram cumpridas as disposições normaes d'esse programma, não é desco- a a o co A I40 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO nhecido de quem tivesse observado a falta habitual de probidade na des- connexão final, entre o systema que regularisava a prática escolar da sciencia, e O modo imperfeito como eram realisadas essas disposições, no que diz respeito á eschola e seus cursos, Ainda hoje se estuda n'este estabelecimento polytechnico segundo o regimen didatico da exposição dos grandes cursos, feitos em estabe- lecimentos similares, mas completos, do estrangeiro ; segue-se a feição dogmatica dos velhos typos universitarios, quando o processo intimo “da analy se é a formula constitutiva das sciencias experimentaes, em que a deducção final dos principios fundamentaes se concretisa no estudo em- pirico dos proprios factos. D'ahi veio a expressão ultima dos aaa educativos, falsamente comprehendidos, quando se presuppõe um resultado completo com a accumulação erudita de conhecimentos sobre phenomenos, que não se sentiram, a lição de caracteres, que é dificil abstrahir do proprio obje- cto, pelo processo incompleto das fórmas descriptivas. Assim se fazia antigamente nas nossas escholas, e ainda hoje se faz de um modo geral, havendo a registrar, como manifestação moderna de progresso, um ou outro pequeno melhoramento, devido á iniciativa e esforço dos profes- sores, no sentido de organisar um material mais ou menos completo de estudo. N'este trabalho continuado de propaganda em favor da sciencia nacional, habituados a encontrar, como obstaculo insuperavel, um meio inexpressivo na sua unica manifestação de insufficiencia organica, é agra- davel encontrar d'estes factos, outros tantos documentos para a medida estatistica da cerebração nacional. Havia, pois, na Academia Polytechnica, um curso de mineralogia, geologia e paleontologia, sem collecções de estudo. Tal designação não mereciam, decerto, alguns poucos exemplares desordenados de prove- niencia estrangeira e problematica, accumulados em vitrines multifor- mes, como os grupos exoticos de antigas anatomias, em uma floresta de algas e polypos, onde passeiam, de mistura, insectos de côres vivas e aves pintalgadas dos paizes afastados. Gerações de alumnos passáram, sem quasi distinguirem os ele- mentos de um granito vulgar, e havia sobretudo ignorancia da i incom- petencia fundamental para estudos subsequentes de qualquer outra scien- cia. No entanto, formavam-se engenheiros, e as cartas attestavam co- nhecimentos amplamente comprovados das materias do programma, aliás bastante completo na sua constituição apparatosa, Hoje apparece-nos tudo exposto segundo uma disposição scienti- fica e moderna: adquiriram-se especimens-typos de estudo, exemplifi- cados em collecções portuguezas, e começou-se um pequeno atelier para o estudo da micrographia, elemento poderoso na determinação das rochas e estudo geometrico dos elementos crystallisados — as suas propriedades e a sua genése. Isto deve-se em parte, assim como um já extincto gabinete de microscopia vegetal, ao subsídio e especiaes esforços do professor, sr. dr. Amandio Gonçalves, cuja dedicação pelo desenvolvimento dos. seus gabinetes merece justamente todo o elogio, uma excepção a regis- trar entre o funccionalismo das nossas escholas, geralmente caracteri- sado pela falta de pessoalidade e interesse, manifestada em absoluta in- differença pelos methodos e resultados, O nosso distincto collega Rocha Peixoto, que tem desempenhado PAM Dia Ai do! Mo IR JH PRO Pira UPAR À bA “ash ! EN TR TU AAA, VM [1 Pt OA N REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 141 o trabalho de naturalista adjuncto, veio trazer á iniciativa do sr. Gon- galves o auxilio forte de todo o seu enthusiasmo, a nota flagrante e proficua de um novo, intimamente dedicado a todos os methodos actuaes da sciencia moderna. E assim foram dispostas as collecções segundo uma classificação rigorosamente scientifica, muitos outros especimens vieram, e tudo se refundiu em um aspecto completamente novo, appa- recendo pela primeira vez um gabinete tal como elle basta ás exigencias de uma sciencia de applicação em eschola technica. Imperfeições ha, devidas especialmente á ausencia de largos'sub- sídios que auctorisem a formação de maiores collecções ; isto, porém, nada modifica o valor que merece o trabalho dosíque directamente actuaram n'este melhoramento, que é de justiça se faça sobresahir entre as deficienctas geraes dos nossos estabelecimentos de instrucção. E' especialmente interessante n'este pequeno museu uma collec- ção portugueza de paleontologia, que Rocha Peixoto formou com exem- plares escolhidos nos duplicados das collecções da Commissão dos Tra- balhos Geologicos, em Lisboa. O valor d'estas series regionaes em mu- “seus de estudo é indiscutivel; não se comprehende mesmo como se pos- sam concretisar formulas especiaes de applicação, sem a noção distincta do facies regional. Supposto o caracter technico d'esta Academia, e que ella se propõe scientificar entre nós algumas profissões immediatamente uteis, demonstra falta absoluta de todo o criterio educativo esta antiga carencia de modelos nacionaes de estudo, com a exemplificação docu- mentada de phenomenos produzidos no paiz. Ha typos classicos, assim como modelos universaes, que são ele- mentos-base da sciencia geral, completamente alheia ao nosso paiz, largamente affastado de todo esse colossal movimento de revelação scientifica, onde ha sobretudo muito talento e muito trabalho. Mas, “apparece, parallelamente a este curso geral, a necessidade de, pelo menos, nacionalisar na sua applicação methodos e processos, que utili- sarão directa e especialmente o paiz, nos ramos diversos da mesquinha actividade nacional. E” um minimo tolerado de bom-senso, que nem sempre se encon- tra nos nossos institutos e academias, razão de mais para se julgar realmente valioso e expressivo este pequeno exemplo, que me alegro em registrar, prestando-lhe simplesmente a justiça que merece. R. Ss. PEçes PMDE e peso OS MORTOS IGNACIO DE VILHENA BARBOZA 1811-1890 Deixou um numero grande de trabalhos sobre os nossos monu- mentos historicos e archeologicos. Encontram-se espalhados em publi- cações diversas; e, se não constituem uma serie ordenada de monogra- phias com o caracter de estudos especiaes e intimos de cada monumento, formam no entanto um conjuncto interessante de documentos, uma obra valiosa de vulgarisação, com o fim de «recomendar taes monumentos á attenção e apreço dos portuguezes, e á desvelada dneo dos pode- res publicos» (Mon. de Port.). Alguns artigos, modificados e ampliados, compozeram os volumes que nos deixou: As cidades e villas da monarchia portugueza que teem brazão d'armas (1860-62), Exemplo de virtudes crvicas (1872), Estudos hastoricos e archeologicos (1874-75), Monumentos de Portugal (1886). Foi membro da commissão nomeada em 1831 para adquirir obje- ctos artísticos e archeologicos para a exposição do museu britannico de South Kensington, que depois pretextáram a exposição ornamental de Lisboa no anno de 1882. Não era um observador, com o criterio de analyse, hoje elemento fundamental nos estudos scientificos d'esta especialidade; mas nem por isso deixa de ter merecimento o seu trabalho, que difficilmente esque- cerá, com a memoria do bondoso velho, honrado patriota cheio de crenças e dedicação. R. o ADE a dad) O RP io A a 4 a É é O Agi (o A PARAR ML UTAD : , DMA ANP TAVA “REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 143 E TS as 1 US a er pr sr mera cem ver A. C. BORGES DE FIGUEIREDO 1851-1890 Houve epocha, depois do centenario, em que o poema de Ca- mões foi miudamente analysado, à lupa, em todos os seus elementos — dissecados e metricamente classificados os materiaes que se juxtapõem no arcabouço complexo de uma civilisação ; havia ahi a impressão firme de uma nacionalidade, diluída no seu meio proprio, superiormente com- prehendido, flagrante em todas as manifestações minimas, intimamente sentidas e caracterisadas. | Applicaram-lhe então os processos experimentaes das sciencias d'hoje, zoologia, botanica, ethnographia, archeologia, linguistica, etc. o que produziu algumas monographias, de interesse, talvez, para o es- tudo profundo d'aquella grande epocha, ou para o inquerito curioso das quantidades elementares do poema. A Borges de Figueiredo coube des- trinçar-lhe as designações geographicas, que compilou e dispoz em um mappa especial-Carta da Geographia dos Lusiadas, A geographia dos Lusiadas, (1883); a carta foi submettida ao parecer da Academia e im- pressa depois sob a protecção official. º Foi este o começo' dos seus trabalhos scientificos. Collaborou em seguida dedicadamente em assumptos de archeologia historica, e espe- cialmente de epigraphia, onde seriam realmente preciosos os seus ser- viços, auxiliando parallelamente outros trabalhos na reconstituição da ethnica peninsular. Publicou dois livros de somenos valor scientifico, Coimbra Antiga e Moderna (1886), O Mosteiro de Odivellas (1889), onde no entanto transparece um grande trabalho de investigação historica e erudição, a que se pretendeu dar uma fórma litteraria, por vezes menos feliz. Ia em meio o quarto volume da sua interessante Revista cArcheologica ; e os que sabem dos esforços que exige no paiz a publicação d'um pe- riodico scientifico, podem bem medir o valor d'este grande esforço, sem- pre contrariado pelo desalento de uma parte e a indifferença de todos. R,S. ESTACIO DA VEIGA Entrava no prélo esta ultima folha da nossa RevisTA, quando nos “veio a noticia da morte do archeologo Estacio da Veiga. Vae longa esta serie de necrologios, como um symptoma triste de fatalidade, m 'este esboroar colossal de tudo o que possuiamos em elementos superiores, de GR actividade e trabalho. be | CE e Tipo POL VA Falta-nos agora o espaço para apresentar a obra interessante de ns Estacio da Veiga e a sua alta valoria como fesudo detalhado de casos um archeologicos. | ECN a No proximo numero procuratemos eua esta à funebre mis» | são de chronistas. a T PPA = casadas E E Ed - e PS “SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO (Propaganda das sciencias naturaés é PERA em Portugal) “A SocimpaDe CarLOS Rino tem recebido as seguin- tes publicações, d'algumas das quaes se occupara na sec- "ção o da sua Revista. Santos: RocHa E fado ant prehistoricas o concelho da Figuei- ra. (Segunda parte), 4 4.º, 90 pag.. V pl. Coimbra, 1891. G. DE SAPORTA — Sur les plus anciennes “Dicotylées uno pÉcanes obser- “ouges dans le grsement de Cercal, Em com tanO a raro, TA pag E Paris ISOr: | | CAD Ei es coquilles marines des cótes de France, 8.0 Er 383 pag. e 348 grav. no texto. Paris, 1891, Ta. Huxcey — Les sciences naturelles et Véducation, in- 16, 360 pag. Pci Parisy 1801 — La place de: Phomme dans la nature, in-16, 358 pag. e 84 fig. — Paris, 1891. : RAMALHO Ontigão A a das dálias da Rainha, 8.º, 22 pag. Porto Sor Pau Cuorrar — Note sur le crétacique des environs de Torres Ve- | dras, de “Peniche et de Cercal, 8.º, 43 pag. Lisbonne, 1891. — Espagne et “Portugal sa de PA nnuúaire Géologique universel, de dea O 18 pag. baris, 1691. Exemplo Wrisante da importancia da ulilisação dos Ra geologicos na escolha dos traçados dos caminhos de ferro. 18º, 0 pag. e L cart. Lisboa, 1891. Na DeLcaDo — cÃs cavernas em geral e especialmente as de Santo E eAdrião em Traz-os-Montes (extracto da Revista de Por tugal), Sa 16 pag. 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AVISO A correspondencia, publicações e 'communicações destinadas á Sociedade Carlos Ribeiro ou à Revista de Sciencias Naturaes e Sociaes, deverão ser endereçadas | d'ora avante á Livraria Lugan & Genelioux, rua dos. Cle- rigos, 96 e 98 — Porto. Í ULTIMAS PUBLICAÇÕES LIVRARIA J. B. BAILLIÊRE & FILS | “ rue Hautefeuille — Paris | Tum. HuxLey — Les sciences naturelles et Véducation. — Um vol. in- e : COI J50 pag. oo ai mca PO GN ND DO AR — La place de lhomme dans la nature. — Um vol. ina6) com 358 pag. e 84 fig. DR doa ando: 311.00 ArnouLD Locarp — Les coquilles marines des cótes de France. — Um | vol. in-8.º gr. com 384 pag. e 348 grav.. 18 fr. REMUE MENSUELLE DE VECOLE D ANTHROPOLOGIE DE RS Prix d'abonnement - Un'an,'pout tous pays sd a a Librairio FELIX ALCAN, 108, boulevard: Saint-Germain. — PARIS SEVERO e ROCHA PEIXOTO o PAR E) didi ga MORTO Cad RE RA BHiA OCCMENTAL O UN , “Bo, Rua da Fabrica, 80 a o RUA a RAN mu! 4 mms ; AAA 2 Pd (8) À j y | v p . PA À So a 203 e poa CTA F pot TER b , . " » ) , ) | oh ) ' j Ida à ) aa PM Wu RAM | OA (1 : | 1] y Cf Crime o crimine um — Marros | a P y , a a é ps Estacio da, Veiga por Fonseca CarDoSOo. E, A TATUAGEM EM PORTUGAL (Conclusão ) 1.º Emblemas profissionaes Raros os que se referem a officios; communs, as an- coras nos marinheiros, simples ou ornadas. Instrumentos de musica — violas, guitarras (fig. 1, pl. 1), etc. — nos toca- dores. Lacassagne dá uma lista extensa das tatuagens ado- ptadas por membros de grande numero de profissões — esquadro e fio de prumo, nos pedreiros; parafusos, nos ser- ralheiros: pinceis, nos pintores; violino e arco, nos mu- sicos; compasso, nos carpinteiros; cabeças de boi, nos magarefes; pistolas, nos armeiros; ancoras, nos marinhei- ros; botas, nos sapateiros, etc. — accusando a sua Impor- tancia como signal de identidade, que realmente é valiosa. Os emblemas militares são pouco communs, mas em maior numero do que os precedentes: datas da inscripção nas fileiras; numeros de matricula, de companhia, de bateria e de regimento; um tambor e duas baquetas cru- zadas; espadas, peças de artilheria. Estes signaes appa- recem em soldados dos exercitos italiano e francez é ha-os mesmo especiaes para distinguir os membros de diversas armas: cavallos e clarins, na cavallaria; espingardas, na infanteria; canhões e granadas, na artilheria, etc. Tanto VOL, II 10 PO ac EE E E E A E SS o TT e ETR mí 146 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO basta para incluir os emblemas militares na cathegoria dos profissionaes. 2º Emblemas amorosos e eroticos Os emblemas amorosos e eroticos são dos que mais predominam nos nossos tatuados. Umas vezes apenas as iniciaes da mulher estimada ; outras, seguidas das iniciaes dos operados; outras ainda, fundidas, ex.: A. J. N. (Anna e José das Neves, mulher e marido); frequentemente a data da iniciação no amor. Corações simples encimados por uma eruz (he. 2, pl! Dum triangulo (e 6. pla signo-saimão, uma corôa real, um desenho ornamental (fig. 4, pl. D; corações inflammados, trespassados por settas (fig) 5, pl. 1), ou com''as cinco. chagas no imtenior de contorno corações duplos (halo pllle meo unidos, com ou sem iniciaes. Estas lettras, inscripções ou symbolos são precisamente analogos aos descriptos por Lombroso e, nomeadamente, aos das populações da Lom- bardia e do Piemonte. As tatuagens que se referem ao amor filial ou a amizade são mais raras: lettras, nomes e datas. Entre as primeiras exemplificarei com a seguinte, levantada no ante-braço esquerdo d'um soldado: A. M. L., iniciaes do nome do tatuado; em seguida .M. C., iniciaes do nome da mãe; depois a palavra AMOR que o tatuado dizia re- ferir-se ao profundo sentimento maternal; por ultimo, duas mãos entrelaçadas, a da mãe e a do rapaz (fig. 8, pl. ID). Das segundas é curiosa a seguinte, relatada pelo snr. Castello Branco: n'um delinquente de existencia desregradissima, viciosa é turbulenta deparou-se-lhe o desenho d um tu- mulo como recordação do seu unico amigo, lastimando o tatuado não poder ter-lhe erguido um mausoleu de mar- more. Convem approximar d'este caso o figurado no Atlas Cá AS a nçio Eita a Mp ção REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 147 de Lombroso em que um tatuado fez desenhar no braço esquerdo o tumulo do pae. As eroticas são numerosas e encontram-se quasi exclusivamente nos que habitam assiduamente as prisões ; algumas não poderiam ser descriptas, como diz Lacas- sagne algures, nem em latim. As mais vulgares são os phallus, ornamentados por vezes, outras pretendendo accusar uma erecção burlescamente exaggerada. As ta- tuagens d'alguns encarcerados da Penitenciaria de Lisboa — um homem nú com um erotismo de satyro na perna esquerda e uma mulher núa na direita — são communs nestas ou em outras regiões do corpo. Às mulheres são ordinariamente desenhadas sob formas rotundas; n'um tatuado que examinei recentemente havia no ante-braço esquerdo a figura d'uma mulher em que a preoccupação dominante fôra a amplitude dos seios, do ventre e das. nadegas:; no ante-braço direito um homem egualmente nu com o orgão sexual caracteristico de dimensões quasi eguaes às de todo o desenho. O distincto medico-ahenista dr. Julio de Mattos informou-me que tivera noticia dum tatuado que fizera desenhar no braço um Christo com um phallus em erecção de dimensões desproporcionadas. Um tatuado, autochtone de Lisboa, tinha no lado direito do peito duas figuras em attitude e nudez que fa- ziam lembrar os conhecidos vicios de Sodoma : referencias a esta depravação do instincto genesico apparecem mais, embora com pequena percentagem. Das desta natureza enumeradas por Lombroso bastará referir a de um cão sodomisando um gendarme, conforme as palavras do pro- prio tatuado: un chien gui emmanche un gendarme. De saphistas e pederastes, nos quaes allusões litteraes ou symbolicas a essas preversões torpes são vulgares, nada observei nem sequer recebi noticia. As mãos entrelaçadas em que Lacassagne julga ver a marca denunciativa dos pederastes, significam, nos desenhos que examinei, ou * pç E ' “sit q A ct 4 Ea u e. À A e "222" 148 REVISTA DA SOCIEDADE .CARLOS RIBEIRO amizade, ou amor absolutamente naturaes. E' presumivel todavia que, dada a analogia das tatuagens portuguezas com as das populações que nos servem de comparação, se encontrem desenhos ou inscripções com os intuitos das seguintes: mãos entrelaçadas e a phrase — L'amitié unit les cours; a simples inscripção flagrantemente significa- tiva — Ami du contraire, etc. | A existencia de tatuagens nos logares mais sensiveis da pelle e sobre a qual Berchon, Lacassagne e Lombroso accummularam excellentes materiaes, foi verificada tam pouco entre alguns tatuados portuguezes. O eminente anthropologista francez refere, entre muitas que é desne- cessario ennumerar, as inscripções desenhadas logo acima do pubis: Plassir des dames, Venez, mesdames, au robinet d'amour, etc.; ou n uma nadega: um zuavo com a bayo- neta cruzada e sustentando uma bandeira onde se lê— On n'entre pas. Lombroso narra, entre outros, o facto d'um tatuado que fizera desenhar na glande a cara d'uma mulher e, de modo tal, que a bocca correspondia ao meato urinario; ainda outro tinha escripto ao longo da verga: Entra tutto. j Trez tatuados portuguezes tinham no penis: um, o numero da companhia a que pertencera quando era mili- tar; outro, um phallus grosseiramente desenhado; o ter- ceiro, as iniciaes do nome da amante. | gra Emblemas religiosos Os symbolos de religião, especialmente nos individuos não criminosos, são os mais vulgares e variadissimos na fórma, na extensão e na séde. Já se alludiu à antiguidade d'esta fórma da tatuagem em grande numero de povos e principalmente entre os christãos, os quaes viram tal pra- tica condemnada desde Moysés até às aflastadas delibe- REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO I49 rações prohibitivas dos concilhos; a despeito de tudo, o emblema religioso persistiu nas populações profunda- mente devotas, como diz o anthropologista de Turim quando se refere ao povo de Italia e todos nós relativa- mente aos portuguezes, uma vez conhecida a proporção avultada dos symbolos catholicos. Essa persistencia que é explicada satisfactoriamente e a um tempo pelo atavismo e, mais ainda, pela vitalidade que a religião conserva nas tradições, teve periodos, certo, de desegual generalisação. Por tempos do Desejado, antes de Alcacer Quibir, raro era o popular que não marcasse no peito o Christo ou as inscripções e emblemas figurativos da sua tragedia neste mundo; e mesmo porque a guerra vinha proxima, se ficassem em terras de moiros, restasse ao menos o vestigio de que haviam morrido abraçados na inabalavel fé do seu Deus. E' este sentimento ainda o que domina em alguns tatuados francezes fazendo desenhar Christos, anjos e santos da sua devoção ; certos marinhei- ros de Italia, afim de que os reconheçam se morrerem no mar alto; os peregrinos de Lorette, para que lhes fique inolvidavel a data de sua piedosa romagem; os visitantes dos Logares Santos; muito portuguez que emigra antes ou durante a primeira viagem aos paizes longinquos; e até varias tribus-barbaras tatuando-se com ferro em braza para que, antes de entrarem no paraizo, tenham sofírido a purificação do fogo que limpa todas as impurezas ter- renas. À percentagem da figura religiosa é, pois, a mais ele- vada. Os dois traços da cruz ou cinco pontos represen- tando as cinco chagas de Christo, as lettras 1. N. R. I. sobpostas aos dois cravos cruzados com que pregaram as mãos do Senhor no madeiro, são as mais simples e ingenuas. Veem seguidamente as cruzes ornamentadas, com a corôa de espinhos ao través, a legenda que diz de que povo Jesus era rei, pedestaes onde o craneo e dois pisar Ee EPA É 5 im em dd id ns REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO femures significam a ineluctavel certeza do fim derradeiro (Ag. 9, pl. ID. Os Christos, numerosissimos, são de ordina- rio acompanhados dos emblemas que contam pittoresca- mente toda essa adoravel historia de resignação no marty- rio: o calix com que lhe appareceu o anjo no monte Oli- vete; os cilicios com que lhe applicaram os açoites: os dados com que lhe jogaram a tunica: a lança com que Lon- guinhos o varou; a esponja que lhe chegaram à bocca para beber o fel amargoso; a escada a que subiram para o desligarem da cruz; as tenazes com que lhe arrancaram os cravos; 0 Sole a Lua, emfim, que representam a passa- gem da claridade para as trevas, logo que Jesus expirou, e as pedras se partiram e o mundo tremeu (fig. 10, pl. TI). Outras vezes ainda tem o Christo desenhado lateral- mente as imagens de S. João e de Nossa Senhora, ou, em vez d'estes, as figuras de pessoas de familia do tatuado em postura de oração; os sudarios ou o rosto de Jesus inscripto na corôa de espinhos e com algum dos emble- mas referidos, embora mais ou menos modificados, são egualmente communs (fg. 11, pl. IV). Outros desenhos al- lusivos a fastos da egreja apresentam-se com uma fre- quencia e variedade dependente da vontade do tatuado ou do seu operador: santos de particular devoção (fig. 12, pl. V), os braços de S. Francisco na attitude tradiccional (fig. 13, pl. IV), o anjo da guarda dominando Satanaz sob os pés e n uma das mãos a balança que peza as cul- pas e as boas acções (fig. 14, pl. VI. Contrapõe-se a esta multipheidade de desenhos com o caracter religioso a carencia de figuras patrioticas, abundantes nos italianos, sobretudo nos militares que serviram na guerra contra a Austria, e ainda entre os fran- cezes que, além de reproduzirem os retratos dos homens mais proeminentes do seu paiz, imprimem na pelle bus- tos da Republica, imagens de alsacianos, as armas de Strasbourg, cabeças de prussianos, etc. Este facto expli- “2 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO ISI ca-se talvez pela falta de acontecimentos de vulto que, até ha pouco, tenham sobresaltado deveras o paiz e ainda pela noção de amor patrio, tam geralmente obliterado. 4º Emblemas metaphoras e phantasistas De todos os signaes encontrados entre os nossos ta- tuados o mais espalhado é o signo-samão, saimão ou sanse- limão (fig. 15, pl. IV) destinado, na crença popular, a de- fender dos maus olhados ou a afugentar as coisas ruins. Esta marca, cuja interpretação ethnographica está por fa- zer (1), apparece em todos os objectos da arte e da indus- tria populares: na ceramica, na ourivesaria, nos utensilios de pesca, nas cangas dos bois. As fórmas são modificadas como se vê na fig. 16, da pl. VII por exemplo, e, por ven- tura, fórmas estranhas identifica-as o povo com o seu amu- loco E alianças da" cruz com a marca! classica: merece re- paro visto ser desnecessaria a figuração de dois symbolos destinados provavelmente aos mesmos effeitos, facto ja ob- servado por Leite de Vasconcellos no seu estudo sobre a ornamentação dos jugos. Esta é, de resto, a nossa tatua- gem classica que convem portanto assignalar e tanto mais quanto nos trabalhos que nos teem servido de com- paração não é accusada uma só vez. Em todos os povos que se tatuam a adopção dum determinado desenho representativo d'uma ideia mais (1) Omeu amigo e illustre ethnographo J. Leite de Vasconcellos mostrou-me um trabalho em preparação destinado á Revista da Socie- dade Carlos Ribeiro e relativo ao famoso signal, o qual, sem duvida, reunirá a maior somma de documentos sobre o assumpto e me dispensa, consequentemente, de alguma consideração insignificante que poderia aqui apresentar a tal respeito. eadie N [52 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO geralmente dominante é um facto verificado; no francez o amor perfeito, «flôr da recordação e da esperança», apre- senta-se com uma singular profusão acompanhado de le- gendas que dizem bem o intuito do tatuado — à elle, à Rosalie, à Constance—ou até o retrato da amante tra- çado n uma das petalas. Os emblemas dos camorristas, dos franc-maçons, de outras sociedades secretas, de seitas e de castas, restringem o sentido quasi universal que se observa no grande numero de tatuagens já descriptas e comparadas aos grupos que as adoptam; e quando, como no nosso caso, o signal é, a bem dizer, privativo dum povo, existe algum facto de ordem social, psychologica ou ethnographica a concluir. Feita a interpretação do signo estará tam pouco explicada a razão da sua abun- dancia e persistencia. Na cathegoria dos emblemas-metaphoras ha motivos para incluir os corações trespassados simples ou unidos (fig. 17, pl. VII), cominiciaes ou datas, alguns desenhos obs- cenos mesmo, visto alludirem a aspectos varios da paixão amorosa; estão ainda n este caso as mãos que se apertam. A tatuagem exclusivamente phantasista é entre nós o peixe, o lagarto, a serpente e a ave (figs. 18 e 19, pl. VID; os vasos de flores (fig. 20, pl. VII) e o sol (fig. 21, pl. VII; o annel:; todos os desenhos, emfim, modificados na sim- plicidade primitiva pela preoccupação ornamental (fig. 22, pl. VIII gracil ou de symetria. 5º Inscripções Este capitulo quasi poderia ser supprimido do quadro pois que as iniciaes e as datas já enumeradas nas linhas que precedem constituem a grande parte das inscripções dos nossos tatuados. A existencia, porém, duma certa, com que o nosso amigo e illustre archeologo, dr. Santos REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 153 Rocha, deparou n'um tatuado da Figueira da Foz levam- me a abrir especialmente este paragrapho. Trata-se da for- mula magica da fig. 23 da pl. VII, que aqui reproduzo ATOR AREPO ENE 1 GERA RE a qual, como se vê, poderá ser egualmente lida nas qua- tro direcções indicadas pelos traços. Da sua interpretação occuparam-se Reinhold Koehler, que fez sobre ella uma communicação à Sociedade anthropologica de Berlim, e Webster, que a comentou e ampliou no jornal inglez The cAcademy; este ultimo trabalho foi trasladado para por- tuguez na Revista do Minho, pelo snr. J. Leite de Vas- concellos. E”, conforme a affirmação dos dois sabios es- trangeiros referidos, um remedio magico contra a febre dos homens e dos animaes e a sua antiguidade vae até à epocha romana, existindo ainda hoje em varios paizes da Europa e no Brazil. À origem remonta provavelmente a algum estribilho de ritual da Roma pagá, apropriada mais tarde, como muitas superstições antigas, pelo christia- nismo. As antigas nominas e ainda as orações impressas sob uma imagem gravada e cuja leitura e posse livra de epidemias e febres, approximam-se, no intuito, da for- mula transcripta. A possibilidade de ser lida horisontal e perpendicularmente da direita para a esquerda ou vice- versa é caracteristica n esta especie de amuletos; se se lê “num sentido satisfaz e torna propícios os bons deuses, attrahindo-os para a cura; contrario o resultado se é lida às vessas. E gem ia ) bom E SEP AEE I54 - REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Infelizmente quem apresentava esta singular tatuagem não deu o motivo que levou o operador a imprimir-lh'a ; seria interessante conhecer a intenção e explicação popu- lar da sua presença. ESTUDO ANTHROPOLOGICO DA TATUAGEM Similitude da mutilação, no processo e na indole, entre povos sem laço algum ethnogeni- co; sua explicação pelas viagens, emigrações, imposição pela conquista e analogia do espirito humano (Darwin). Factores: a religião, a imitação, a ociosidade, a paixão amorosa e o instincto erotico; a necessidade de exprimir ideias por symbolos, nos anaiphabetos (Lacassagne); a vitalidade da tradição (Lombroso). A diffusão da tatuagem executada por um mesmo processo e sob moldes inteiramente similares, em popula- ções cujos laços ethnogenicos são nullos ou por emquanto desconhecidos, põe de parte, consequentemente e desde o principio, a ideia d'um parentesco estreito entre muitos dos povos que a adoptam. Em paizes verdadeiramente distinctos sob o ponto de vista anthropologico ha prati- cas communs cuja explicação está nas viagens dos mem- bros de familias tam diversas, nas emigrações, na impo- sição pelas conquistas e ainda mais na similitude do ins- tincto do homem. Não se comprehende d'outro modo a coexistencia duma mesma mutilação cephalica entre cer- tos povos europeus e os habitantes da Patagonia, uma dada amputação digital em tribus das costas da Africa occidental e do Paraguay, a tatuagem por picadas, em- fim, em povos sem relação alguma conhecida nos tempos historicos. A hypothese da juncção, em periodos geologi- | cos anteriores, de continentes actualmente separados, seria ainda precoce e, em muitos casos, improvavel. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO ISS A prática da tatuagem, pelo modo como está quasi universalisada e por certas leis geraes a que se subordina em todos os tempos e em todos os logares, explica-se sa- tisfactoriamente para todos os povos que a usam com de- terminantes absolutamente as mesmas. As causas apre- sentadas pelo eminente anthropologista de Turim e que explicam a persistencia e a indole dos desenhos são, na quasi totalidade, as mesmas que satisfazem aos que estu- dam a tatuagem em Portugal. Ora é de ver — principal- mente se estendermos a pesquiza a todas as cathegorias da mutilação — que entre povos de origens diversissimas a interpretação do costume tem egualmente o mesmo ca- bimento. Tal facto demonstra que, n'este como em outros habitos, o homem procede por um instincto commum, sem intervenção, muitas vezes, de presuppostas relações de qualquer ordem. Seguindo as causas que Lombroso refere para ex- plicar a perpetuidade da mutilação temos, em primeiro logar, a religião. E manifesta, entre nós, a importancia d'este motivo; a existencia e a multiplicidade de qualquer symbolo religioso é, no grande numero de casos, justi- ficada pelos operados como signaes evidentes da sua fé christã, uma marca que os denuncie catholicos se morre- rem no mar ou nos logares distantes. O Christo é, de ordi- nario, a imagem preferida; mas o santo de particular sympathia, mais que qualquer outro, demonstra a preoc- cupação religiosa do intento. Do mesmo modo justificam a natureza d'estas tatuagens não só as populações a que precedentemente nos referimos, mas ainda povos como os birmans e os zelandezes, entre os quaes os proprios sacerdotes exercem a arte. A imitação tem egualmente valor como causa de pro- pagação da tatuagem. Um tatuado de Cascaes que, nas suas viagens pela costa, continuava a espalhar o costume, dizia que, em rapaz, era moda semelhante uso. E interes- I56 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO sante approximar d'esta explicação a que foi dada a La- cassagne por um dos varios encarcerados de certa prisão, tatuados todos no braço com a phrase Pas de chance: adoptava-a tam pouco parceque tous les prisonniers étarent ans. À permanencia nas prisões, nos navios e nos quar- teis, dando logar a periodos de grande ociosidade, origi- na tam pouco a persistencia fecunda do costume. Um pescador de Cezimbra, operador emerito, nos intervallos dos trabalhos maritimos desenhava os braços dos compa- nheiros sem proposito de lucro mas apenas para matar o tempo. O snr. Queiroz Velloso relata o facto observado numa clinica, duma mulher tatuada pelo marido nas ho- ras vagas e por não ter que fazer. Um outro operado affir- mava-me que se sujeitava à prática por brincadeira; al- guns frequentadores da Relação do Porto não explicavam de modo nenhum a existencia do desenho nem a sua si- gnificação. As paixões humanas mais elevadas explicam ainda entre nós algumas tatuagens representativas da amizade filial, de varias recordações gratas, de amor, até, em al- guns casos; certos operados em que se encontram sim- ples corações escolhiam este desenho com um sentido occulto e honesto dirigido à mulher estimada. Mas geral- mente o instincto erotico é o motivo fundamental das fi- guras amorosas e, naturalmente, das pornographicas. Acima, porém, de todas estas causas é necessario re- conhecer, com Lacassagne, a necessidade das pessoas anal- phabetas em exprimirem por figuras ou symbolos as ideias que não podiam representar d'outr'arte, facto tam remoto que, como geralmente se sabe, antes da invenção da es- cripta já o pensamento era transmittido pelo hieroglypho. Na presença d'uma tatuagem representativa do martyro- logio de Christo o operado conta uma historia que nunca saberia reproduzir litteralmente; as figuras amorosas ou REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 157 obscenas envolvem muitas vezes pensamentos relativa- mente complexos; os astros, as flores, os animaes, a an- cora, o navio, o tambor e todas as marcas profissionaes emfim são representações objectivas de ideias cuja trans- missão mal fariam por outro modo. Em appoio d'esta hy- pothese, cuja verosimilhança é attestada por muitos fa- ctos anteriormente indicados, o distincto medico francez assignala outros por ventura mais decisivos. Interessa so- bremodo attender às tatuagens simultaneamente figurati- vas e phoneticas quasi exclusivas dos individuos cuja cul- tura é demasiadamente rudimentar ; um coração em cham- mas acima do qual estava escripta a palavra mon e sob- posta a phrase à toi significava, no dizer do tatuado, mon coeur brúle pour tor; as iniciaes V. L. E. B. V. juntas a dois copos e uma garrafa queriam dizer vive Pamour et le bon vin; o numero 20 (vingt), um coração (coeur) e a Inseri- pção d belles, traduzir-se-hia pelas palavras vainqueur des belles. Por ultimo—e esta é a determinante principal para Lombroso — a tradição influe poderosamente na perpetui-. dade do costume, causa deveras importante e que não ca- rece de justificação depois de, conhecido o esboço histo- TICO já exposto, considerarmos que muitas superstições dos povos primitivos se veem transmittindo até hoje, com tanta mais tenacidade e semelhança com os typos primor- diaes, quanto os povos que a conservam estão mais atra- zados em cultura. Porto, maio, 1891. RocHa Peixoro. 158 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO e ema e ema, BIBLIOGRAPHIA A. A. Casrerto Branco. — Estudos penitenciarios e criminaes, Lis- boa, 1888. A. Lacassacne. — Les tatouages (Etude anthropologique et médico- legale), Paris, 1881. CwarLes Darwin. — La descendance de ll homme, Paris, 1881. 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Até então poucos auctores se occuparam de mineraes; e o pouco que escreveram é mais ou menos eivado dos erros provenientes da antiga e vaidosa pretensão philosophica de descobrir os segredos da natureza simplesmente com o auxilio do raciocinio e da phantasia, | As seguintes citações provam-n'o de sobejo : Trinta annos antes de J. C. sustentava vDiodorus Stculus que o crystal de rocha era formado da mais pura agua congelada, não pelo frio, mas pela força d'um fogo divino. Seneca julga o crystal de rocha egualmente agua congelada, mas por um frio prolongado em virtude do qual o gelo adquiriu tal densi- dade que o que era anteriormente humidade se transformou em pedra dura. Plinio, o naturalista, expende tambem a opinião de Seneca na sua historia natural. O proprio Linneo (1707 a 1778) a quem a botanica moderna tanto deve, tem as ídéas mais phantasticas no que respeita aos mineraes, com- quanto se lhe devam observações de algum rigor relativamente ás suas formas crystallinas, Tinha elle percebido que substancias muito diversas (1) Este artigo era destinado a outra Revista de cuja redacção um dos directores d'esta publicação fazia parte. Devidamente auctorisados pelo auctor inserimol-o n'esta sec- ção, principalmente pelo interesse das informações relativas ao tam celebrado diamante Bragança. NS da o 160 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO podem mostrar formas crystallographicas identicas; e esta semelhança de fórma levou-o á convicção de que os saes deviam ser considerados como geradores da crystallisação e que a união de um determinado sal com uma dada especie de pedra produzia a fecundação pela qual se communica a essa pedra a faculdade de crystallisar em fórma identica á do sal. O diamante, por exemplo, era comprehendido como uma es- pecie de alumen, porque mostra as mesmas formas de crystallisação que este sal tem; por isso lhe deu o nome de alumen adamas, ou alumen diamante. Desconheciam-se pois até quasi ao fim do seculo passado todos os principios da morphologia e da composição dos mineraes, cuja desco- berta gradual veio constituir a mineralogia moderna. E por isso que as litteraturas antigas, nas quaes ás vezes as scien- cias contemporaneas vão encontrar os germens das suas concepções fun- damentaes, se acham quasi por completo destituidas de indicações apro- veitaveis ácerca dos mincraes. São tão deficientes as descripções que a antiguidade nos legou e tão entremeadas de crenças phantasticas, que raras vezes se póde reconhecer a substancia descripta. Verdade é que alguns nomes antigos de mineraes se encontram mais ou menos moder- nisados na actual nomenclatura mineralogica; mas é muito duvidoso que correspondam á sua significação primitiva. Uma classe de mineraes faz porém, até certo ponto, excepção a esta regra, e o seu conhecimento e apreço perdeu-se na noite dos tem- pos. É a dos mineraes que, em virtude da suz côr agradavel, viveza de brilho e grande dureza, estavam naturalmente indicados pelo seu aspe- cto esthetico para objectos de adorno, que foram usados desde as epo- chas prehistoricas (1). São os que denominâmos pedras preciosas, as quaes foram desde a antiguidade muitas vezes descriptas em tratados especiaes cujas definições são ás vezes bastante precisas para que as re- conheçamos, comquanto seja corrente attribuirem-sé-lhes propriedades chimericas e absurdas, que no emtanto ha certo interesse em conhecer, ao menos como subsídio para a historia do desenvolvimento das conce- pções humanas. Os primeiros diamantes que se conheceram na Europa provieram da India, onde eram reservados desde os tempos mais remotos para adorno dos idolos e dos monarchas. Segundo uma antiga lenda um dos mais notaveis diamantes conhecidos (o Kohinur) pertenceu ao heroe Kar- na, filho do Sol, que viveu, segundo a mythologia indica, milhares d'an- (1) Os povos prehistoricos de Portugal usaram para o fabrico de contas uma va- riedade de turqueza a que dei o nome de Ribeirite. (Vide Congrês international d'anthro- pologie et d'archéclogie préhistoriques, 1880, pag. 693. Lisbonne, 1884). REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 161 nos À. C. Nos livros sagrados dos hindus ha varias passagens em que se allude a pedras preciosas e se lhes attribuem propriedades maravilho- sas. Os antigos poemas epicos Ramayana e Mahabhárata referem-se a ellas. O seguinte aphorismo sanscrito: «o diamante não é cortado por nenhuma pedra, mas corta todas as outras»; e ainda este outro! «o dia- mante é cortado pelo diamante» provam que a sua grande dureza era conhecida dos antigos indios, e tam pouco conhecido o segredo sobre que se baseia a arte de o lapidar. No Egypto não é certo que houvesse conhecimento do diamante, comquanto se saiba que a arte de lapidar e gravar outras pedras attin- giu n'aquelle paiz um desenvolvimento notavel, como de resto todas as artes: Na Biblia tambem se fazem referencias ao diamante, sobretudo no Exodo, quando se prescrevem as vestes do grão sacerdote; o seu nome hebraico (iáhlóm) não é, porém, só tradusivel por diamante: segundo alguns criticos póde corresponder tambem a onyx ou agata negra. É sobretudo na India que o conhecimento do diamante na anti- guidade se torna incontestavel. A grande riqueza da península hindus- tanica attrahiu desde remota antiguidade os commerciantes de diversos povos áquellas paragens, de modo que nos tempos de Roma (seculo de Augusto) existiam communicações com aquelle paiz, para onde eram levadas annualmente quantiosas sommas de dinheiro em troca das suas especiarias, sedas, marfins, pedras preciosas, etc. À opulencia dos seus monarchas despertou a cubiça dos conquistadores. No começo do seculo XI os musulmanos da Persia, condusidos por um chefe turco, Mahamud-el-Gaznevide, levaram áquelles inoffen- sivos povos a sua cubiça e o seu culto, que se tornou depois o culto de muitos hindus. Aos musulmanos seguiram-se os Mogols, cujos chefes reinaram em Dehli até ao seculo passado sob o nome de Grão-Mogols. O saque dos antigos templos, assim como a presa dos thesouros dos vencidos monar- chas indigenas, accumularam nas mãos dos Mogols tal quantidade de diamantes e pedras preciosas, que o celebre viajante Tavernier avaltava (1665) em 160 milhões de francos (23:800 contos de reis) o mais rico dos sete thronos do Grão-Mogoi Aureng Zeb. A rapida decadencia dos Mo- gols explica a difiusão de grande parte d'estas preciosidades pelos povos do occidente. VOL. TI 11 162 RVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Os nomes que o diamante recebeu em quasi todas as linguas da moderna Europa, derivam-se do grego adamas, indomavel, comquanto não haja certeza que os antigos gregos empregassem este termo para de- signar aquella pedra; primeiramente foi usado para designar a materia de que os deuses fabricam as suas armas invulneraveis. (1) Theophrasto (371-264 annos antes de J. €.) menciona o adamas incidentemente no seu tratado de pedras preciosas, sem que seja incon- testavel que por tal expressão comprehendesse o diamante. Entre as multiplas propriedades phantasticas que attribuc ás pedras, é curiosa e notavel a do sexo, cujo ultimo vestigio se encontra ainda, como vimos, nos escriptos mineralogicos de Linneu. É provavelmente na epocha que medeia entre | heophrasto e Plínio o naturalista, que o diamante foi co- nhecido na Europa, mas não é possivel fixar-se essa epocha de uma ma- neira precisa. Plínio o naturalista (victimado no anno 79 da era christã pela pri- meira erupção historica do Vesuvio) reunia sem criterio, na sua celebre Historia natural, O que em seu tempo se conhecia e dizia do dia- (1) Camões emprega algumas vezes nos Lusiadas a palavra diamante no primitivo sentido hellenico de adamas. No Canto 1, est. XXNXVII, fallando de Marte diz: A viseira do clmo de diamante Alevantando um pouco, mui seguro, “00 vos bore 2. 00 000. Vono. 0. Dc uv .o No Canto IV, est. LVI, referindo-se a praças fortes: Porem ellas emfim por força entradas Os muros abaixaram de diamante Às Portuguezas forças, . cce c.s.000 N'estes dois exemplos, assim como em algumas outras passagens, não se pode admit- tir que o poeta quizesse fallar da pedra preciosa quando emprega a palavra diamante, mas sim de substancia muito resistente, sendo expressões synonimas no pcema: muro de dia- mante, muro adamantino e muro d'aço. A maior parte das vezes, porém, emprega a palavra diamante na accepção commum, como quando escreve no Canto I, est. XXII: Com uma corôa e sceptro rutilante De outra pedra, mais clara que diamante. e ainda no Canto 1I, est. IV, Ou se queres luzente pedraria, O rubi fino, o rigido diamante : REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 163 mante. Na descripção que d'este fez, d'envolta com algumas das proprie- dades verdadeiras que se lhe attribue, menciona outras que a observa- “ção directa, para não dizer o simples bom senso, deviam repudiar. O diamante, diz elle, tem o maior valor entre as cousas humanas e foi por longo tempo conhecido apenas de poucos reis. É de uma dureza in- disivel. Malhado sobre uma bigorna repercute de tal modo a pancada, que parte o malho e a bigorna; e é tambem indestructivel pelo fogo porque nunca póde aquecer-se. Esta resistencia ao ferro e ao fogo é apenas vencida pelo sangue de bode, mas sómente quando actúa sobre o diamante, ainda fresco e quente; e antes de se partir póde quebrar ainda malhos e bigornas, Quando por fim se fracciona reduz-se a tão pe- quenas partículas que apenas se podem vêr. Os gravadores procuram avidamente os seus fragmentos para com elles gravarem nas mais du- ras pedras. O diamante tem tal antipathia pelo iman que este não atrahe o ferro na sua presença, etc. A edade média acceitou na melhor fé estas phantasias do escriptor romano mais litterato do que homem de sciencia (Littré). Albertus Magnus (1193-1280), o grande mestre de S. Thomaz d' Aquino, não só as acceita, mas accrescenta, á descripção de Plinio, que o sangue de bode é mais eflicaz para domar o diamante quando, antes de ser morto, se lhe dá vinho a beber ou salsa a comer! Na nossa peninsula existiam opiniões semelhantes segundo o «La- pidario» del Rey D. Affonso X do VIII seculo (de que existe um fac-simile na Bibliotheca publica de Lisboa). «O diamante encontra-se em um paiz onde faz seis mezes dia e seis mezes noite e por onde corre um rio cha- mado Barabicen. Ninguem ainda poude chegar ás suas nascentes, por- que ha lá muitas serpentes e outros animaes peçonhentos e — vzboras que matam solamente de la vista —». A sua duresa é igualmente referida, assim como à supposta tena- cidade ; mas, para partil-o, recommenda-se um processo differente do de Plinio. Basta envolvel-o em estanho e bater-lhe com o martello, po- dendo depois reduzir-se os fragmentos a pó n'um almofariz do mesmo metal, Tem qualidades medicamentosas, mas é venenoso; e como pro- vém de regiões onde ha animaes peçonhentos, recebeu d'elles o veneno. Mettido na bocca por algum tempo faz cahir os dentes, e um drachma de pó em bebida mata um homem, Ajuda ainda a fazer « cosa que sea de atrevimiento e esfuerzo » — mas todas as suas virtudes são mais pronunciadas quando certos astros teem determinada posição no ceu. A crença errada na impossibilidade de partir o diamante batendo- lhe simplesmente, e que proveio da confusão da duresa com a tenacida- me 164 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO — ——— — ————— nn en de, foi de certo a causa da destruição de muitas pedras preciosas sub. mettidas á prova do martello, como se vê do seguinte episodio historico, Quando Carlos o Temerario, grande rival de Luiz XI rei de França, perdeu a batalha de Gerson (Suissa), trazia comsigo todo o seu thesouro para o pôr a salvo do paiz de Flandres, então revoltado. As suas tropas. não puderam resistir ao embate das hostes suissas, que faziam retumbar as duas velhas trompas de ponta de Aurochs, offerecidas a seus antepas- sados pelo imperador Carlos Magno. Em consequencia do estridente ruido do «Touro de Uri» e da « Vacca de Unterwald» (assim chamavam os suíssos ás duas trompas) espantaram-se os cavallos do inimigo, e o exercito borgonhez foi dispersado, segundo diz a chronica, «comme fumée par vent de bise». O proprio dugue de Borgonha foi forçado a fugir deixando atraz de si, em poder dos suissos, as suas joias e até o seu chapeu ornado de pedras preciosas. Os vencedores não suspeitaram da riqueza das joias do thesouro; e como, provavelmente no seu entender, verdadeiros diamantes resistiam á prova de martello, partiram-nos na maior parte cuidando que eram apenas pedaços de vidro. Um dos maiores diamantes que o duque costumava trazer ao pescoço (o Florentino, hoje da corôa d'Austria) escapou por milagre. Foi achado no caminho por um soldado dentro de um estojo adornado de perolas, o qual lançou fóra o diamante e guardou só a caixinha; reconsiderando depois veio de novo encontral-o para o vender mais tarde a um cura dos arredores pela infima quantia de um escudo (pouco mais ou menos 200 reis). A descoberta do caminho maritimo das Indias (1438) pelos portu- guezes, veio contribuir consideravelmente para o conhecimento das pe- dras preciosas na Europa, que anteriormente vinham por permutação successiva até Beyruth e Alexandria, d'onde chegavam ao occidente por intervenção dos negociantes venezianos, genovezes e catalães que n'es- tes mercados os iam comprar. (J. de Barros. Dec, 1.2, ed. 1628, pag. 148). Os navegadores portuguezes transformaram Lisboa no deposito europeu dos ricos productos da India, e por isso são n'estes tempos os nossos escriptores quem, na Europa, têm mais claras noções das pedras preciosas. Duarte Barbosa (1) que muito singelamente nos relata tudo quanto viu nas suas longas viagens pelo oriente (no ffm do seculo XV e prin: cipio do XVI) refere-se por diversas vezes ás pedrarias da India; e se a sua narrativa não vem ornada de citações dos livros de sciencia do seu tempo, tem sobre os seus antecessores a grande vantagem de ter conhe- (1) Noticias para a Historia e Geographia das Nações ultramarinas. Lisboa, 1812, Tom. II. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 165 (nna retas matem ease emo nasesymmeme cido de perto as pedras sobre que escreve e cujo commercio não lhe era estranho, Nada se encontra no seu curioso livro relativamente ás proprieda- des phantasticas das pedras, e a seguinte passagem prova quanto era mais perfeito o conhecimento que tinha d'ellas do que o dos escriptores e poetas europeus coevos. (1) «Os topastos, diz Duarte Barbosa, nascem na ilha de Ceilão (2)... é pedra mui dura, e mui flna e do peso do Rubi e Saphira, porque to- dos trez são de uma especie...» Só a mineralogia moderna poude comprovar o que este sagaz na- vegador já adivinhára — que as tres pedras apenas se differençam pela materia córante. Sobre diamantes apenas nos diz que os ha no reino de Decan e no de Narsinga (Golconda), lapidando-se n'este ultimo paiz. Garcia d'Orta, um dos nossos sabios mais illustres, é quem, no seu tempo, mais acertadamente escreveu sobre O diamante, que aprendeu a conhecer durante a sua longa permanencia na India: Por um dos inter- locutores dos seus Coloquios (Ruano) dá-nos uma ideia clara das opi- (1) Por esta epocha (1528-1577) escrevia Remy Belleau as suas poesias ((CEuvres poétiques de R. B. 2.º ed. Rouen (1604) sobre as pedras preciosas. Citaremos apenas al- gumas passagens da poesia Le Diamant: «Sus donc avant que lon me taille Un diamant que le marteau Sur lenclume ne sauroit rompre Ni lacier ni le fer corrempre Ni consommer dans le fourneau» Depois conta o pocta que o diamante «Se ramollist et se destrempe Au plonge dans le sang de Bouc» Mais adiante refere tambem a receita do Lapidario de Alfonso X (substituindo es tanho por chumbo): «N'est-ce chose encor plus colces.o DlataRo lato r c-retov o o! ololalolo oi es o ola alo /aloio 00 Ne pouvant estre combatuê Que de soy, se voir abatuê Au fray d'une lime de plom ?» (2) Significa aqui saphiras amarellas; ainda hoje os lapidarios as chamam topa- sios orientaes. Na mineralogia topasio tem outra significação. 166 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO niões então correntes, as quaes elle se encarrega de refutar pela bocca de uma outra personagem (Orta), que expõe as opiniões do auctor (1). Eram-lhe conhecidos os diamantes do Bisnaguer (Golconda), do Decan e os do estreito de Tanjapura, nas visinhanças de Malaca. Em Goa, então importante mercado de pedras preciosas, preferiam os Canarás «os que chamam naifes, que são aquelles que a naturalezá lavrou (diamantes crystallisados) e fez perfeitos sem hirem á mó» posto que os portuguezes preferissem os lapidados. Relativamente á supposta resistencia ao choque do martello dá Orta ao seu interventor o seguinte conselho sensato: «se tiverdes algum diamam de preço não façais n'elle tal experiencia, porque quantos tiverdes tantos fareis em pedaços com hum martello; e muyto facilmente se quebram com huma mão de almo- fariz, e asi os fazem em pó pera lavrar os outros»... E n'outra parte «A maneira de conhecer os diamães se he diamam ou nam, he toqualo com outra ponta de diamam, ou com huma lasqua, e se nam fôr diamam, faz lhe risquo»... «E de amoleçerse com sangue de bode foy huma fa- bula... mas já o experementei, e he tanto como se lhe não deitasse cousa alguma»... «E ao que me dizeis de ser vençido do chumbo por causa do azougue, não traz rezam, porque pois 0 diamam vence o ferro, e a todolos outros metaes e pedras, não he bem dizer, que he vencido do chumbo por causa do azougue; porque asi o corta O diamam, como uma faca corta um nabo.» Relativamente ás propriedades venenosas do diamante declara ser um engano «e cousa nam scripta por doutores autenticos», e sem appli- cação determinada na medecina, Merece menção uma observação geologica sua, ainda que mal in- terpretada. Referindo-se aos jazigos naturaes dos diamantes diz:... «he de ver que cousa tam forte (o diamante) avia de estar metida muyto dentro na mineira, e aviase de criarse em muytos annos e vejo que se criam em dous ou tres annos; porque cavam a mineira este anno altura de um covado de medir, e dahi a dous annos tornam a cavala, e tiram diamães como primeiro.» Este phenomeno, que tanta admiração lhe causava, é devido a que, durante as temporadas chuvosas, Os sitios escavados eme de novo inva- didos por detritos alluviaes que continham diamantes, e não ao terem-se estes formado no proprio sitio á profundidade de um covado. Observa- (1) Coloquios dos Simplices e Drogas etc. Goa, 1563, Coloquio 43.º A traducção latina de Carolus Clusius (1567) tem sido muito citada, mas desfigura um tanto o origi- nal. Extractamos aqui da edição portuguezas O Snr. Conde de Ficalho fez-nos o obsequio de emprestar para este fim as provas d'imprensa da edição que prepara dos Coloquios do nosso celebre medico. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 167 ções feitas nos jazigos alluviaes, são erradamente generalisadas a todos Os jazigos naturaes de diamantes. Garcia d'Orta substituta pois todas as crendices por observações proprias e notabilissimas para o seu tempo, em que o estado embryona- rio do estudo da natureza era justamente devido á falta de observadores de bom senso como elle. Mas nem o escripto de Garcia d'Orta, celebre no seu tempo, conseguiu fazer entrar no bom caminho os auctores que posteriormente escreveram sobre pedras preciosas. Um outro medico natural de Bruges, Boettius de Boot, na sua des- cripção do diamante (1609) refuta a supposta tenacidade com que esta pedra resiste ao fogo e ao ferro; mas confere-lhe propriedades medici- naes e magicas, como tinham já sido attribuidas por auctores mais anti- gos. Segundo elle o diamante ecra reputado medicamento contra vene- nos, livrava da peste, do feitiço e dos pesadelos, acalmava o mau genio, «et nourrit et fomente amour des mariez.» (1) Não é. porém, a propria materia do diamente que tem todas estas virtudes, mas sim a sua belleza, esplendor e dignidade, que (segundo os medicos e theologos do tempo) a tornavam propria a receber e conser- var em si os bons espiritos. São pois estes e não o diamante que actuam beneficamente. No decimo setimo seculo são notaveis ainda as descripções de via- gem, na India, de Tavernier, celebre viajante e opulento negociante de pedras preciosas, pelas quaes se teve noticia circumstanciada dos jazi- gos de diamantes na India, dos methodos de exploração, do seu com- mercio e das pedras mais notaveis existentes no poder de monarchas orientaes. Os seus escriptos contribuiram muito para o conhecimento das pedras preciosas e para o desapparecimento de muitas lendas e cren- dices; no entanto ainda em 1738 escrevia o medico portuguez dr. J. Ro- drigues d'Abreu na sua « Historiologia Medica», a respeito das virtudes medicinaes das pedras preciosas em geral: «querem uns tenham virtude para curar O que negão outros... comtudo não se ignora que o Jacinto Oriental, e a Esmeralda apertão as tenrissimas membranas do corpo enfermo, por modo que as privão da sua força tonica subtil, o que nos está mostrando todos os dias, a experiencia. . O certo é foy e será sem- pre droga e especearia de boa estimação e que não ha pessoa a quem não remedeem. » (1) É em virtude desta fabulosa qualidade do diamante que em diversos paizes é costume oferecerem os noivos a suas futuras esposas, ao menos, um annel com diamantes (bague de fiançailles), Segundo uma antiga lenda, pelo maior ou menor brilho das pedras se pode avaliar da fidelidade da esposa! 168 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Escrevia-se isto quasi dois seculos depois de Garcia d'Orta! No princípio do seculo actual ainda eram imperfeitos os conheci- mentos que havia das pedras preciosas e vulgares as superstições que lhes attribuiam propriedades occultas, como refere um notavel physico francez, Babinet, nosso contemporaneo. Era então corrente mandar pe- dir emprestado ás familias ricas, pedras montadas em annel para as applicar sobre a parte doente. Quando a joia devia ser introduzida na bocca como remedio contra dores de dentes, de garganta ou de ouvi- dos, amarrava-se com um cordel para evitar que o doente a pudesse engulir. Ainda hoje, na actual sociedade portugueza, ha restos de supersti- ção relativamente aos poderes occultos das pedras. Pessoas, aliás illus- tradas, teem-me affirmado convictas, que a opala, por exemplo, é pedra de «mau agouro », e todos sabem que é vulgar entre o povo pôr um collar de contas de ambar, a que chamam collar magnetico, ao pescoço das crianças para lhes facilitar a dentição. (1) A persistencta de todas estas e outras phantasias atravez de tantos seculos mostra-nos ao menos, com dolorosa evidencia, quanto é difficil ao espírito humano o emancipar-se de crenças ainda as mais absurdas, uma vez;que tenham a tradicção a amparál-as; mas. o estudo d'essas tra- dicções facilita-nos a comprehensão de alguns habitos e costumes da vida moderna, que se radicam muitas vezes em opiniões puerís dos nossos maiores. Os antigos não tinham noção alguma sobre a natureza da substan- cia do diamante. O inglez Boyle é o primeiro que fez a seguinte obser- vação importante relativamente ás suas propriedades chimicas, no meia- do do seculo XVII. Possuido da ideia erronea de que aquella pedra, quando aquecida, desenvolvia vapores acres muito abundantes, e que- rendo verifical-o pela experiencia, observou que ella se consome pela acção do fogo intenso. Esta experiencia capital foi repetida em 1694 e 1695, em Floren- ça, pelos então celebres academicos Averont e Turgioni, de ordem e (1) É conhecida a crença do povo de que o machado de pedra da epocha neolithi- ca, a que chama pedra de raio, preserva a casa contra raios. Pelo distincto medico e meu amigo o snr. Virgilio Machado, sei que ha quem use uma gotta de mercurio em um fras- quinho pendurado ao pescoço, como remedio contra erysipela, ou um pouco de lacre no bolso, contra o rheumatismo, etc. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 169 na presença do Grão Duque Cosme 111 de Medicis, empregando para ellas ora uma fornalha, ora uma lente que concentrava os raios solares sobre os diamantes, Estes - e foram numerosos os exemplares sobre que operaram—redusiram-se pouco a pouco, sob a acção do calor, até des- apparecerem completamente passado certo tempo. Foram taes ensaios pouco tempo depois reproduzidos em Vienna, com identicos resultados, em presença do Archiduque, que mais tarde foi Francisco I d'Austria. Quasi um seculo depois da experiencia de Florença fizeram se ex- periencias analogas em França, sob a direcção de D'Arcet, Maequer, Lavoisier e outros. Maequer observou (1771) que o diamante arde com ligeirissima chamma, formando em torno de si uma aureola perceptivel. Estava, pois, demonstrado que elle se consome no fogo, a despeito da antiga lenda da sua indestructibilidade. Um joalheiro, le Blanc, que duvidava ainda d'esta verdade, forneceu á experiencia um novo exem- plar que foi egualmente consumido. Maillard, lapíidario da epocha, sustentava ainda a indestructibili- dade contra Lavoisier, Maequer e outros, e propoz fornecer tres pedras para se proceder a novo ensaio, que ficou celebre, se lhe permittissem acondicional-as no cadinho antes de aquecidas, o que tambem lhe foi admittido. Introduziu os tres diamantes lapidados na bocca de um cachimbo de barro a que tinha partido o pipo, encheu o vasio em redor com pó de carvão bem calcado, tapou o cachimbo com uma coberta de ferro e metteu cachimbo e conteúdo n'um cadinho que acabou de encher com cré. Tapou finalmente o cadinho com a respectiva tampa, guarne- cendo-o exteriormente de uma massa vitrificavel; e assim o entregou aos experimentadores, que o expuzeram durante quatro horas a fogo tão violento, que a especie de argamassa com que estava coberto se fundiu, gottejando lagrimas de vidro pelas grelhas da fornalha. Retirado do fogo para o abrir, foi necessario partir o cadinho porque a tampa lhe estava soldada: com surpresa de Maequer e satisfação do lapidario, encontraram-se não só os diamantes intactos, mas ainda com o mesmo peso que tinham antes da operação. Achavam-se muito ligeiramente tis nados com uma côr anegrada, mas só exteriormente, porque depois de limpos no torno do lapídario appareceram tão brilhantes e tão limpidos como antes. Por toda a Europa se repetiram então experiencias analo- gas; e os diamantes ora se queimavam, ora se mostravam refractarios a todo o calor. Em 1772 descreve Lavoisier uma serie de experiencias, das quaes a mais conhecida é a da combustão de um diamante em um receptaculo de vidro cheio de oxygenio, fazendo actuar sobre elle o calor do sol 170 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO concentrado por uma lente. Depois de terminada a experiencia, reco- nheceu que os gazes de combustão se comportavam como o acido car- bonico, chegando por isso á seguinte importante conclusão : « Que o diamante, que se destroe em breve tempo ao ar livre com um calor 1n- ferior ao necessario para fundir a prata, é pelo contrario um corpo muito refractario quando garantido do contacto do ar.» Smithson Tennent e Morveau consideram-no como carbone, ba- cando este ultimo a sua opinião sobre uma interessante experiencia- Sabendo que o aço é apenas uma mistura de ferro com carvão, substi- tuiu o carvão por pó de diamante e fabricou assim um pouco de aço susceptivel de adquirir, pelos processos usuaes, polos magneticos como O aço ordinario. Por outro lado Humphrey Davy, em Inglaterra (1816), fez uma se- rie de experiencias e investigações, cujo resultado final foi reconhecer que a combustão do diamante no oxygenio puro sómente fornece acido carbonico e nada mais; d'onde conclue com todo o rigor, pela medida do gaz de combustão, que o diamante é carbone puro, o qual, ligan- do-se na incandescencia com o oxygenio, produz o acido carbonico. As ultimas duvidas foram removidas pelos trabalhos de Dumas em 1840, e depois d'isso chegou se ainda ao mesmo resultado a que chegára Davy pelas investigações de chimicos do nosso tempo, como Roscoe, Friedel e outros. Com razão exclama pois Haiiy: « Assim temos que o diamante, isto é, o mais puro e o mais brilhante de todos os mineraes e um dos mais limpidos, se identifica com o carvão, isto é, com um corpo brando, negro e opaco, no estado em que o obtemos, pela combustão (imper - feita) das materias vegetaes. Nunca foi mais verdadeiro o proverbio, que quelqgues fois les extrêmes se touchent.» Antes de averiguada a natureza combustivel do diamante pela ex- periencia, já Newton havia previsto até certo ponto este resultado (1675) mas a sua previsão passou despercebida dos experimentadores anterio- res a Lavoisier. Eis o methodo inductivo empregado pelo grande physico. Tendo emprehendido a comparação do cocfficiente de refracção de diversos corpos diaphanos com os seus pesos especificos, achou que em geral to- dos os corpos estudados se podiam dividir em duas classes distinctas : uma comprehendia aquelles a que deu o nome de corpos fixos e a outra que denominou gordos, sulfurosos e unctuosos, termos que, segundo as ideias do seu tempo, eram synonymos de inflammaveis. Em ambas as classes achou que a refracção varia approximadamente na razão das densidades; mas um corpo de segunda classe com densidade egual a um REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO e outro da primeira, tinha uma refracção muito mais consideravel. O dia- mante, em virtude da sua grande refracção relativamente ao seu peso, estava collocado por Newton conjunctamente com o oleo de thereben- tina, com o ambar, etc., isto é, com os inflammaveis, ou, como diria- mos hoje, com os compostos de carbone. Newton define ainda o dia- mante como uma substancia unctuosa coagulada. Esta inducção podia ter falhado, porque ha corpos em condições eguaes ao diamante, no que respeita á relação da refracção para o peso especifico. e que não são combustiveis. Todos os que teem algumas noções de chimica sabem que as cx- periencias de combustão do diamante se podem fazer com grande faci- lidade com os mais simples apparelhos. Basta por exemplo mergulhar esta pedra em estado incandescente n'uma atmosphera de oxygenio, para a vêr consumir-se lentamente emittindo uma luz fortissima: e até podemos queimal-a facilmente n'uma lampada de espirito de vinho, de- pois de reduzida a pó, se a aquecermos até á incandescencia sobre uma lamina delgada de platina. As investigações modernas permittem reconheeer que o diamante, como aliás todos os mineraes, contem muitas vezes impuresas visíveis ao microscopio, taes como pequenos crystaes de quartzo e outras subs- tancias, e que, quando queimado, essas impuresas formam um residuo incombustivel. Se estas inclusões teem dimensões apreciaveis á simples vista prejudicam o valor da pedra e são denominadas jaças pelos nos- sos Joalheiros. Muitas vezes estas jaças, são apenas fendas interiores, que, em virtude da forte refracção do diamante, podem parecer opacas, ou produzir, ainda quando sejam estreitissimas, cores irisadas (anneis de Newton) pela interferencia da luz reflectida simultaneamente nas duas superficies que limitam cada fenda. As inclusões accidentaes não invalidam de modo aleum o resul- tado das multiplas analyses que provam ser o diamante uma modifica- ção do carbone. Este elemento, em virtude da mysteriosa propriedade a que se chama o polymorphismo, é susceptivel de se individualisar de tres modos differentes, tendo, cada uma das modificações, propriedades physicas absolutamente diversas (dureza, peso, etc.). Estas tres modifi- cações são: a, carbone amorpho, anthracite, hulha, carvão de lenha, etc.; b, graphite, o mineral brando e negro de que se faz uso para a fabricação do lapis de escrever; c, o diamante. 172 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Todas as variadas pedras preciosas teem uma composição chimica mais ou menos complexa; o diamante é a unica que é ao mesmo tempo um corpo simples. Às fórmas polyedricas que apresentam os diamantes crystallisados, pertencem todas ao chamado systema cubico de crystallisação. O nu- mero de polyedros pertencentes a este systema, é indefinido. São, po rém, vulgares sobretudo os diamantes crystallisados em fórma de octae- dro, de dodecaedro e de hexakisoctaedro ou polyedro de 48 faces. As fórmas de crystallisação do diamante só mui raras vezes são limitadas por superficies perfeitamente planas; geralmente são mais ou menos curvas. Esta particularidade torna-se ás vezes tão saliente a ponto de dar ao diamante bruto uma fórma quasi espheroida!, Mesmo quando as fórmas crystallinas sejam por qualquer razão indistinctas, como acontece quasi sempre, pode-se, partindo o diamante com cuidado, obter d'elle um nucleo octaedrico limitado por 8 trian- gulos equilateros. Esta propriedade de se dividir regularmente em la- minas segundo planos definidos, é commum aos corpos crystallisados e chama-se clivagem para a distinguir da fractura ou lascado dos cor- pos que não crystallisam, isto é, cuja estructura molecular é irregular. O vidro commum, por exemplo, que não crystallisa, parte-se em todas as direcções com egual facilidade e por isso segundo superficies irre- gulares que se não podem prever. A dureza do diamante é superior á de todos os outros corpos co- nhecidos, de modo que nenhum corpo o risca, mas sim elle a todos. O seu peso especifico regula por 3,52, isto é, pouco mais do que tres vezes o peso de igual volume d'agua pura. O seu brilho é vivissimo e assemelha-se ao do aço polido. A sua refracção (1) é muito consideravel e diversa para cada côr, por isso a luz que o atravessa se decompõe muitas vezes, produzindo os effeitos chromaticos a que se chama o fogo do diamante. Mas tanto o brilho como o fogo sómente se podem avaliar bem no diamante lapidado. Os diamantes encontram-se em quantidades industrialmente apro- veitaveis só em jazigos secundarios, isto é, associados a rochas fragmen- tares, o que prova que se não formaram no proprio sitio onde se en- contram, | Os principaes jazigos até hoje conhecidos são : na India (Reino de Nisam, Golconda, Sambalpur, Budelkhand, etc.);—no Brazil, (Minas Ge- raes,—Diamantinos, Grão Mogor—e na Bahia, etc.); e no Cabo de Boa (1) Desvio que soffre a direcção de um raio de luz ao passar de um para outro meio de densidades differentes. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Ls Esperança (Griqualand West). Relativamente á sua distribuição gcogra- phica poderia dizer-se que se encontram principalmente em regiões tro- picaes ou subtropicaes. O mesmo se póde avançar, e com mais rigor, no que respeita ás outras pedras preciosas de 1.2 ordem, como rubis, saphiras e esmeraldas. Estas pertencem a duas especies mineracs, vul- gares em mui diversas latitudes; mas geralmente só as das regiões tro- picaes teem a côr agradavel e a limpidez que as tornam verdadeira- mente pedras preciosas, Nada se conhece em geologia que possa expli- car este facto se elle não é apenas casual. A grandeza dos diamantes é muito variavel. Os individuos perten- centes á natureza viva, como as plantas e os animaes, são quasi sempre caracterisados pelo seu tamanho. A palmeira adulta, por exemplo, não excede uma altura que lhe é caracteristica, assim como a estatura do homem adulto é pouco mais ou menos a mesma em toda a parte para cada uma das suas raças. Não acontece assim no reino mineral onde as dimensões de indi- viduos (crystaes) da mesma especte são susceptiveis de variar entre lar- gos limites. Esta inconstancia de tamanho é um grande obstaculo á po- pularisação da mineralogia. No quartzo, por exemplo, são abundantes os individuos microscopicos, mas tambem se encontram outros com um metro e mais de comprimento. Póde, porém, estabelecer-se a este respeito uma regra de certo rigor, relativamente á grandeza dos indivi- duos do reino mineral, e formulál a do modo seguinte: quanto mais raro é um mineral, menores são as dimensões maximas dos seus indi- viduos. É por isto que, quando estes excedem um tamanho determina- do para cada substancia, representam verdadeiros colossos ou exce- pções. Os diamantes colossaes são pequenos, absolutamente fallando, pois que o « Regente » da antiga corôa de França, um dos maiores conheci- dos (410 quilates antes de lapidado) se tivesse a fórma regular de um octaedro, mediria 52 millimetros de comprimento em cada um dos tres eixos que ligam os vertices oppostos. À A bellesa do diamante, como objecto decorativo, só se manifesta depois de facetado e polido pelo lapidario. Quem inventou a arte de o lapidar? Parece-nos que esta pergunta ficará eternamente sem resposta. O que é certo é que, na India, ella existiu desde tempos muito remotos. Seria interessante averiguar ao menos quem a introduziu na Europa; mas é por emquanto um proble- ma obscuro. Attribue-se geralmente esta introducção, em 1476, a Luiz de Berquem, natural de Bruges, mas esta opinião não é acceitavel, [74 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO porque se conhecem, de data anterior, diamantes lapidados em joias de fapríco europeu. Outro argumento, que destróe por completo essa supposta priori- dade, é o encontrar-se, em documentos anteriores a 1476, menção de artifices que poliam o diamante e lhe davam diversas fórmas. Comtudo se está provado que Berquem não póde ter sido o introductor, no Occi- dente, da arte de lapidar, não é menos certo que elle a desenvolveu muito, pois talhou para Carlos o Temerario os mais notaveis diamantes que por muitos annos foram conhecidos na Europa. No seculo XVI tinha-se já ella gencralisado em diversas cidades eu- ropeias. No XVII o cardeal Mazarino, ministro durante a menoridade de Luiz XIV, patrocinou os lapidarios em França; e é no seu tempo e por sua ordem, que se adoptou pela primeira vez a talha em fórma de brilhante. A cidade, porém, onde tal industria se tornou uma importan- tissima fonte de riqueza, foi Amsterdam, principalmente depois da des- coberta das minas do Brazil. Ainda hoje existem alli as mais celebres officinas, que, na sua maioria, pertencem aos descendentes dos judeus expulsos de Portugal, e que foram contribuir para o engrandecimento da Hollanda. O diamante bruto, destinado a transformar-se em brilhante, é suc- cessivamente submettido a tres operações: clivagem, desbaste e lapi- dação. A clivagem tem por fim eliminar quaesquer parcellas defeituosas, e dar-lic a fórma do octaedro regular, isto é, a de um solido consti- tuido por duas pyramides cujas faces são triangulos equilateros ce que se acham juntas por uma base quadrada commum, Para isso fixa-se o dia- mante cm uma massa composta de cera, mastique e areia fina, amolle- cida préviamente ao calor; e, uma vez fixado, faz-se-lhe uma ranhura por meio de fricção com outro diamante agudo, igualmente fixado, com a mesma massa, em um cabo de madeira. Esta ranhura deve estar na direcção de um dos 8 planos de clivagem. Applica-se depois n'ella o gume d'uma faca e com uma pequena pancada nas costas d'esta se faz saltar uma lamina de clivagem do diamante. Repetindo esta operação successivamente para algumas ou para todas as oito direcções de cliva- gem consegue-se obter um nucleo da fórma de um octaedro perfeito, O desbaste consiste em gastar pela fricção de dois diamantes mo- dificados pela operação anterior, dois vertices oppostos de cada um dos octaedros. Para melhor os manejar e se poder exercer toda a força que a operação exige, fixam-se ambos os octaedros nas extremidades de dois cabos de madeira. O operario tem na sua frente, preza á mesa de tra- balho, uma pequena caixa com dois fulcros de ferro nos bordos direito REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 175 e esquerdo contra os quaes apoia os cabos em que se acham collados os diamantes, e fricciona estes um contra o outro, dando aos cabos um mo- vimento um pouco semelhante ao dos remos de um barco. Vae-se as- sim gastando até pouco menos de metade da altura de cada uma das pyramides, isto é, trunca-se o octaedro em um dos angulos solídos por uma face aspera e irregular, mas na posição das do cubo; no angulo so- lido opposto tambem se esboça outra face da posição das do cubo, mas muito menor. O diamante assim truncado em duas. extremidades oppos- tas por duas faces—uma grande (meza), outra menor (culatra) —conserva ainda intactas 4 arestas octaedricas que definem um quadrado (cintura). Na lapidação, não só se pullem as faces obtidas pela clivagem ou esboçadas pelo desbaste, mas substituem-se ainda na maior parte as 4 faces que limitam a meza por uma serie de facetas symetricamente dis- postas, quasi todas triangulares, que formam a coróa e dão á meza a fórma de um octogono; e o mesmo acontece do lado da culatra que fica tambem rodeiada de facetas triangulares na sua maioria, formando o pavilhão. Obtem-se assim finalmente o brilhante trabalho, que se cngasta pela cintura, deixando sómente a descoberto a corôa e meza, e mais ou menos occulto o pavilhão. Quasi toda a luz que penetra pelas faces da corôa ou pela meza é reflectida uma ou mais vezes pelas faces do pavilhão, o que faz que ellas appareçam como pequenos espelhos vivissimos. Mas a luz que por reflexão volta quasi toda a sahir do brilhante pela meza e pela corda, decompóe-se nas suas córes elementares em virtude da diversidade da refracção para as diversas côres; por isso se observam reflexos diversa- mente córados, sobretudo se damos ao brilhante, successivamente, posi- ções differentes. Se attendermos ainda a que uma grande parte da luz que incide sobre o brilhante não o penetra e é reflectida immediatamen- te como em aço polido, podemos dizer que n'elle se combinam a re- flexão perfeitissima dos espelhos metalicos, com a decomposição pris- matica de luz, commum aos corpos transparentes, mas que o diamante possue em mui alto gráu. O polido das faces faz-se com os mais simples apparelhos. O prin- cipal instrumento é um disco de ferro fundido, em posição horizontal, girando com grande rapidez (milhares de voltas por minuto) em torno do seu eixo, no meio de uma meza e a pouca altura acima da sua su- perficie. Fixa-se o diamante na concavidade de uma pequena capsula de co- bre, que tem um prolongamento em fórma de cabo; dentro da capsula funde-se uma mistura de chumbo com estanho, na qual se engasta a pe- 176 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO dra a polir; depois prende-se o cabo por meio de um parafuso a uma especie de tripé que assenta com dois pés de chumbo pesados sobre a meza, servindo de terceiro pé o proprio diamante, que assenta sobre o dísco untado com uma mistura de azeite e pó de diamante. Concluída uma face, dessolda-se o diamante, resolda-se n'outra posição, e de novo se applica contra a mó, repetindo-se esta operação tantas vezes quantas são as faces que devem dar-se á pedra. Só urna longa prática, alliada a muita habilidade, permittem ao artista assentar o diamante sobre a mó de tal modo que se produsam sómente as faces na posição conveniente. Quem pela primeira vez observa um habil artista lapidan- do 2, 3 e 4 diamantes ao mesmo tempo, não deixa de admirar que com tão simples meios se obtenham brilhantes de dimensões ás vezes extra- ordinariamente pequenas e de grande regularidade. Pela taiha em brilhante sacrifica-se uma grande parte do diamante bruto (7o º/9) e dois terços de altura da pedra fica escondida no en- gaste, mas tira-se das suas propriedades decorativas o maximo partido, Os fragmentos obtidos pela clivagem e pelo desbaste são cuidado- samente aproveitados: ou se reduzem a pó em almofariz de ferro, pó que serve de materia prima para a lapidação, ou quando teem dimen- sões matores são lavrados em fórma de rosas. As rosas são pedras quasi sempre de pouca altura, terminadas na parte inferior por uma snperficie de clivagem que é polida e na supe- rior por zonas de facetas triangulares. Esta fórma foi muito usada na India, mesmo para os diamantes de maiores dimensões, pois diminue pouco o tamanho da pedra. 4 A rosa dupla (talho Sancy) é uma fórma um tanto achatada, limi- tada em ambos os lados por facetas triangulares; foi usada por Luiz de Berquem. Além destas, ainda ha outras fórmas de talha cuja principal vir- tude é evitar a grande perda de material; são pouco usadas, porém, actualmente. A unidade que no commercio se adopta para o diamante é o qui- late, medida de peso equivalente a 0,205. No Cabo da Boa Esperança, onde existem actualmente as minas mais productivas de que ha tradição, os diamantes variam entre 1/5 de quilate e 409 quilates, mas, d'este ultimo peso, apenas se encontrou um unico (mina de Kimberley). No Brazil uma pedra de 20 quilates só se encontra de dois em dois ou de tres em tres annos, emquanto que em Africa as de 80 a 150 quilates, que se teem encontrado nos ultimos 20 annos, se contam já por milhares. 2 PA fd = E qo “se REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO do) “9 A mais antiga tabella de preços de diamantes é, sem contestação, a que nos fornece Duarte Barbosa relativamente aos mercados da India; infelizmente o auctor não nos diz se se trata de diamantes em bruto ou lapidados. A titulo de curiosidade daremos aqui alguns preços extrahi- dos d'ella. A unidade de peso é o mangiar (1). I diamante do peso de 1 mangiar (= 0%,3455), 100 Ífanões (2) 1 diamante do peso de 4 mangiares (= 1,3820), 550 fanões 1 diamante do peso de 8 mangiares (== 28",7640), 1400 fanões. Tavernier estabeleceu no seculo XVII a seguinte regra, conhecida pela regra dos quadrados, para achar o valor de um diamante: ele- va-se ao quadrado o numero de quilates que pesa a pedra e multipli- ca-se esse quadrado pelo valor de um diamante de um quilate. Para as pedras muito grandes chega-se, por este meio, a preços tão fabulosos que, mesmo os auctores que procuraram dar á regra uma applicação corrente, não admittem o seu emprego para as superiores a 100 quila- tes. Actualmente, que os diamantes grandes não são já tão raros e que se é muito mais exigente do que n'outro tempo no que respeita a qua lidade, a regra de Tavernier não tem valor algum. No actual commercio não existe regra mathematica de applicação corrente para avaliar qualquer diamante só pelo seu peso. Em geral o preço sobe em progressão gecmetrica com o tamanho, mas, tambem depende muito da limpidez, da cor, da perfeição, da fórma que lhe deu O lapidario e do brilho e fogo que a pedra tem. Salvas raríssimas excepções, em que a côr é carregada e agrada- vel, os diamantes mais valiosos são os perfeitamente limpidos e incolo- res e dizem-se de primeira agua. Os azues de saphira, os verdes de esmeralda e os vermelhos de rubi, são apreciadissimos pela sua grande raridade e belleza, mas-não ha para elles preço estabelecido no mer- cado. São menos raros e menos apreciados os de córes pallidas, sobre- tudo os amarellos, abundantes nas minas do Cabo da Boa Esperança. A excessiva producção das minas do Cabo tem feito baixar ultima- mente os preços além d'uma outra circumstancia que influe tambem poderosamente para isso. Nos ultimos annos diminuiu o consumo, por se considerar de mau gosto o uso de muitas joias de preço; estas duas cau- sas reunidas — producção excessiva e capricho da moda — teem produ- zido uma crise no commercio, sendo hoje difficil fixar um preço exacto a uma pedra de certa importancia. Pedras iguaes, em diversas mãos, teem differentes valores. 1) Mangiar = 2 taras e 2/3; 2 taras="1 quilate de bom peso, (08",2073?) ) A unidade de valor é o fanão igual a um real de prata. em 1) 12 [7Ô REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Os actuaes preços em Paris (março, 1802) para brilhantes de 1 qui- late, são: Branco azulado superior, 800 fr. (1608000 reis). Branco do Cabo (levemente amarellado), 500 fr. (1008000 reis). Branco do Cabo com defeitos, 300 fr. (608000 reis). De côres claras (segundo a côr), 400 a 150 fr. (S0 a 308000 reis). O preço medio da melhor qualidade corrente no mercado (branco do Cabo) é de 500 francos, emquanto no fim do seculo passado era de 1:200 francos o quilate lapidado de qualidade corrente, Esta diminuição de preço não foi gradual, pois no meiado d'este seculo regulava o qui- late lapidado de 300 a 320 francos. o se trata de comprar o diamante em bruto já o preço diminue consideravelmente. Paga-se por uma pedra de 3 quilates (crystal stone . ou river stone) na razão de 75 a 100 francos por quilate, podendo ficar reduzida, depois de lapidada, a um brilhante de 1 quilate. Para as pedras grandes e collossaes não póde estabelecer-se preço sem as submetter ao exame de peritos que conheçam não só o diamante, mas tambem o estado do mercado. As excepcionalmente grandes teem valores tão elevados que só são accessiveis ás maiores fortunas; eis porque se encontram quasi todas entre as joias das corôas das nações ricas. No que segue damcs uma descripção resumida de tres dos mais notaveis diamantes existentes na Europa e reunimos alguns dados so- bre uma pedra que fez parte das joias da corôa portugueza. Kohinir. De todas as pedras preciosas da corôa de Inglaterra é este diamante a mais notavel. O seu nome significa em lingua persica montanha de luz. E” proventente da India, e segundo a lenda, pertenceu ao heroe Karna da mythologia indiana. Passou ao poder da Companhia das Indias pela conquista do reino de Lahore e foi offerecido em 1850 á rainha d'Inglaterra pelas tropas inglezas que saquearam aquella capital. Quando trazido para Inglaterra pesava 186 !/, quilates, mas como a sua fórma era a de uma rosa muito irregular, foi de novo lapidado | por um artista hollandez, ficando reduzido ao peso ainda consideravel de 103 3/, quilates, com a fórma de um brilhante elliptico. E” uma pe- dra de primeira agua, mas de pouco fogo, em consequencia da sua pouca espessura. Foi avaliada em 600 contos antes de lapidado. O Regente é um dos mais celebres diamantes. Pertencia á antiga corôa de França e ainda hoje é propriedade da nação franceza. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO [709 Foi achado na India, 40 leguas ao sul de Golconda, St, Simon que conheceu de perto as negociações da sua compra, conta nas suas memorias que um empregado do Grão Mogol conseguiu roubal-a, tendo então o prodigioso tamanho de 410 quilates, e veio á Europa vendel-a, Foi comprada pelo Duque de Orleans, regente de França na menoridade de Luiz XV, por 2 milhões de francos (360 contos) e d'ahi lhe ficou o nome. | “A lapidação levou dois annos. Foi talhado em brilhante, perdendo 275 4. quilates, o que'o reduziu do peso de 156 1º/,; quilates, com fórma de brilhante perfeitíssimo e com um brilho e um fogo absoluta- mente unicos. Quando mais tarde rebentou a revolução franceza, as joias da co- rôa de França foram depositadas em uma pequena sala onde qualquer cidadão ou cidadã tinha o direito de ir admirar e tocar com suas mãos no diamante nacional. Solidamente engastado n'um annel de ferro e preso a uma forte cadeia, era passado por uma especie de ouichet á pessoa que reclamava a posse momentanea da maravilha de Golconda, avaliada então em 12 milhões de francos. Depois dos sangrentos dias do 10 de agosto e do 20 de setembro, julgou-se prudente arrecadar mais seguramente as joias da corôa; mas ainda assim os commissarios da communa, que tinham a seu cargo a guarda d'ellas, observaram que os armarios tinham sido violados e o thesouro roubado, sendo baldadas todas as investigações policiaes para descobrir os criminosos. Mais tarde uma carta anonyma dirigida á com- muna denunciou que parte do thesouro se achava enterrado em certo ponto dos Campos Elysios, onde effectivamente se encontrou o Regente com outros objectos unicos cuja posse era demasiado compromettedora. Em 1804, um criminoso de nome Bovurgeois, Julgado nos tribu- naes por falsario, fez uma confissão completa, accrescentando que con- fiava na misericordia do Imperador, que sem elle não estaria no throno. « Eu fui um dos ladrões do guarda-joias, exclamou elle, é fui quem es- crevcu a carta á communa indicando o sitio onde estava enterrado o Regente: não tgnoraes, senhores, que o diamante foi empenhado pelo 1.º consul (a um banqueiro de Berlin chamado Trescow) para obter os fundos necessarios depois do 18 brumario, » Depois de desempenhado, trazia-o Napoleão I no punho da sua espada. Orlow. Outro diamante muito conhecido pelo seu tamanho e pu- reza, é o chamado Orlow, que orna o sceptro do Imperador da Russia: pesa 194 º/, quilates. Está mal lapidado á maneira indiana, em fórma de rosa alta irregular. Pela sua fórma assemelha-se um pouco a um ovo de gallinha cortado pelo meio, E” originario da India, e achava-se com x TSO REVISTA DA. SOÇIEDADE CARLOS RIBEIRO outro semelhante ornando o throno do Shah Nadir da Persia. Depois do seu assassinato, em 1747 e n'uma revolta militar, o diamante foi rouba- do, e passou por compra ao poder de um armenio chamado Schafrass, que, em 1772, o vendeu em Amsterdam a Catharina I[, Imperatriz da Russia, pela somma de 450:000 rublos (approximadamente 405 contos de reis), recebendo o vendedor por esta occasião cartas de nobreza da Imperatriz. O “Bragança, tambem conhecido pela designação de diamante do rei de Portugal, é o maior de todos sobre que se tem escripto. As indi- cações que ácerca d'elle existem são muito deficientes, e não obstante as indagações que fiz, não me foi possivel ainda encontrar pessoa alguma, que me fornecesse noticias precisas a seu respeito ou sobre a sua his- toria; e-é de certo entre nós que menos d'elle se sabe. O facto de ter esta pedra pertencido á corôa portugueza justificar-me-ha de reunir aqui o mais importante do que nos livros ao meu alcance tenho encon- trado sobre ella. | A primeira notícia impressa que conheço data de 1773 e encon- tra-se no livro de Urban Friedrich Benedict Brúckmann, Abhandlung von Edelstermmen, 2.º edição, Braunschweig. A pag. 88, diz-se : « Segundo consta, existe no thesouro do rei de Portugal um diamante, não talha- do, do Brazil, que pesa 1680 quilates. Talvez haja aqui confusão de qui- lates com grãos. » O celebre tratado de John Mawe, cÁ treatise on diamonds and : precious stones, London, 1812, (1) tambem faz menção do Bragança, mas o auctor declara não o ter visto quando viajou no Brazil (1809-10), o que faz suppor que elle sabia da sua existencia n'aquelle paiz na epoca da sua viagem. E accrescenta que o não inclue na lista dos dia- mantes notaveis, porque tanto os mineralogistas como os Joalheiros es- tão de accordo em o considerarem como um topazio branco achado nas , minas de diamantes do Brazil. Pezava 1680 quilates. Charles Barbot no seu Traité complet des pierres précieuses, Pa- ris, 1358, escreve: « O maior de todos (os diamantes) é sem contestação possivel o diamante chamado do rei de Portugal... Peza, segundo Fer- Try, 1730 quilates, e 1680 segundo Mawe; nós acceitamos este ultimo pezo, como o mais provavel, visto que Ferry tomou, ao que parece, por unidade o quilate brazileiro, que é inferior de seis milligrammas ao eu- ropeu: reduzidas as duas pesagens a esta ultima unidade, concordam. (1) Não me foi possivel consultar esta obra, nem a anteriormente citada: devo ao meu illustre mestre o Dr. Emile Cohen, professor da Universidade de Greiíswald, as tran- scripções que aqui traduzo. O snr. Cohen não poude consultar o original de Mawe, e por isso o excerpto foi Íeito da traducção da mesma obra pelo Dr. Carl Gottlob Kiihn, Leip- zig, 1816, REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO [61 absolutamente entre si, O diamante é de côr amarella, c tem a fórma de um ovo de gallinha alongado : é concavo de um dos lados, Os dia- mantistas brazileiros avaliam-no, não obstante estes defeitos, em 7:500 milhões de francos (1.350:000 contos !). N'esta narrativa ha pelo menos um erro. que é o de attribuir uma das pesagens a Mawe, que declara expressamente não ter visto o dia- mante. Mas, tambem a côr amarella que lhe attribue, não é a que indica Mawe, que escreveu no tempo em que diversos « mineralogistas e joa- lheiros » o tinham examinado. Esta discordancia parece indicar que Barbot colheu estes dados de fonte diversa, que me é desconhecida, e que não copiou Mawe. Harry Emanuel, no seu livro Diamonds and precious stones, Lon- don, 1865, coptou provavelmente Mawe: mas indica um peso de 1880 quilates em vez de 1630, o que é talvez devido a erro typographico. Albrecht Schrauf no seu Handbuch der Edelsteinskunde, Wien, 1369, resume as indicações de Mawe. Edwin W. Streeter Precious Stones and Gems, London, 1879, repete o que escreveu Mawce; mas indica uma avaliação do Bragança superior a 58 milhões esterlinos; accrescenta porém, que a avaliação seria illusoria se a pedra fosse, como elle julga, um topazio. Em outro livro do mesmo auctor, The Great Diamonds of the qworld, etc. London, 1882, encontra-se um capitulo intitulado The Bra- ganza. Citam-se n'elle passagens dos escriptos de Mawe (Travels in “Brazil, London, 1813) mas que se referem evidentemente a outra pe- dra achada ao norte do Rio da Prata. O auctor desconhece as referen- cias ao Bragança que se encontram no tratado de pedras preciosas de Mawe, e chega finalmente á conclusão de que esta pedra deve ter sido achada em 1794: data sem duvida errada, porque de contrario, não viria citado o Bragança na 2.º edição do livro de Bruckmann, impressa 21 annos antes do supposto achado. Accrescenta ainda, que, segundo recen- tes auctoridades, nunca esta pedra deixou de fazer parte do thesouro portuguez, onde é cautelosamente guardada das vistas de todos, por obvias razões financeiras, pois que seria inconveniente para o credito do paiz que viesse a saber-se que não é um diamante valioso. -- Como extenso capitulo do livro de Streeter, que pretende ser rigo- roso, mas em que abundam as citações fóra de proposito, nada se adianta no conhecimento da problematica joia e antes se criam novas causas de confusão. O professor Cohen na sua memoria Ueber Siidafrikanische Dia- mantfelder, Metz, 1883, attribue tambem ao Bragança um peso de 1630 quilates, accrescentando,' todavia, que provavelmente é um topazio branco, Cita uma antiga avaliação em 1;200 milhões de marcos (270:000 IS2 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO contos), na hypothese de que seja um diamante; e accrescenta « parece que até agora se não permittiu um exame scientifico da dita pedra para não diminuir o credito do paiz ». Diversas indicações se encontram ainda em varias outras obras, mas que pouco ou nada adtantam. (1) Pelo curioso livro do snr. F. da Fonseca Benevides, intitulado As Rainhas de Portugal, vol. 2.º, 1878, pag. 149, tivemos, porém, conhe- cimento de um documento manuscripto comprovativo da existencia do Bragança, que por acaso lhe veto ás mãos quando procurava na biblio- theca do Museu Britannico documentos para a sua obra. O texto manu- scripto é destinado a servir de explicação a um desenho que representa o diamante, e (traduzido do inglez), diz o seguinte: (2) «O Diamante, actualmente em poder do Rei de Portugal, pesa 6:400 grãos — Valor 30 milhões de libras esterlinas segundo o preço de venda do diamante do fallecido Governador Pitt, sendo aquelle 14 vezes mais pesado do que este. A figura supra dá a sua secção media, e foi copiada de um papel em que se tinha feito o desenho á vista da propria pedra. Foi achado por um camponez n'um rio do Brazil, na America, e levado ao Governador, o qual lhe offereceu a recompensa ordinaria de 100 libras esterlinas, concedida pela lei (de 24 de dezembro de 1734, segundo o snr. Benevides); mas o camponez preferiu fazer presente delle ao Rei de Portugal... 1741. Julga-se que é uma saphira branca, á qual se assemelha na dureza e no peso. Tem a fórma de um ovo de perua, mas é muito maior. Avaliado em 399:166 moedas (3) (Moydores) == 538.874 libras e 2 sh, Champion, 2 de fevereiro, 1741.» Champion é evidentemente o jornal, ou revista, da qual o auctor do manuscripto extrahiu estes apontamentos, no proprio anno em que o (1) Prosper Brard: Traité des pierres précicuses, 2 vol. Paris. 1808.-Vol. T. pag. 48. Tschúdi 1. IT. von: Reisen durch Súdamerika, 5 vol. Leipzig; 1866. Vol. II, pag. 151 Diz que se sabe ao certo que o diamante de 1680 quilates é um topazio branco. Blum. R. Taschenbuch der Edelsteinskunde, Leipzig, 3.2 ed. 1887, pag. 158, julga que será provavelmente um topazio esplendido Estas duas ultimas obras e muitas outras que não cito foram a meu pedido consul- tadas pelo Dr. A. Schrauf, professor da Universidade de Vienna, porque as não possuo. Seja-me permittido repetir aqui os meus agradecimentos ao notabilissimo mineralogista que tanto tem contribuido para o desenvolvimento da mineralogia e crystallographia modernas pelos seus escriptos monumentaes. (2) N.º 14:936 (addicionaes) foiio 77 b. Possuo duas copias deste documento, uma que me foi fornecida pelo snr. Edward Scott, bibliothecario do Museu Britannico, outra ti- rada pelo snr. Walker, de Londres, conhecido em. Portugal pelo seu livro sobre o arehipe- lago dos Açores. (3) De 48800 reis. o Ta eg Vis a a qe Em Ra a = e Da RE VI 4 À MDA a EA ar REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 154 diamante foi offerecido a D. João V. Em seguida a esta passagem vem explicada a regra dos quadrados, para se achar o preço de diamantes, exemplificada com dois calculos, (2) que são obra do copista, Este documento não é de muito valor, e, na presença de melho- res, deveria mesmo desprezar-se. Na Bibliotheca Nacional, na bibliotheca: d'Ajuda e no archivo da Casa real nada pude obter para esclarecimento d'este obscuro assumpto. O enygma será provavelmente resolvido por pessoa que, por gosto ou por oficio, folheie nos nossos archivos os documentos referentes aos reinados de D. João V a D. João VI, e ser-me-hia agradavel se esta in- completa noticia despertasse o desejo de resolvel-o. Como conclusão das diversas citações anteriores póde deduzir-se com certa probabilidade que o Bragança existiu em Lisboa, «na posse» de D. João V, em 1741, € que existiu no Brazil em 1809-10, quando Mawe viajou n'aquelle paiz, Provavelmente foi levado para aquella nossa antiga colonia por D. João VI (quando ainda principe regente), por occasião da invasão franceza em 1807, junto com muitas outras preciosidades que lá ficaram ou se perderam. Qual a sua historia depois d'esta data? Não parece ter voltado do Brazil, visto que não encontrei menção d'esta pedra no inventario das joias feito por morte de D. João VI e de que se acha o original na Torre do Tombo, mas tambem não consta que exista no Brazil. Fica igualmente por averiguar se o Bragança é ou era um dia- mante ou outra pedra o que só á vista se poderia verificar. Segundo communicação verbal do snr. Pereira da Costa, antigo lente da Escola Polytechnica, ha pouco fallecido, o barão d'Eschwege, dizia « muito em segredo», que o grande diamante era apenas um pe- daço de fluorite ! Esta versão não póde referir-se ao Bragança, se atten- dermos a que Mawe falla de mineralogistas e joalheiros que examinaram uma pedra com o peso de 1680 quilates, que tomam por topazio, e que era evidentemente o Bragança. Talvez Eschwege se referisse a outra pedra, tanto mais que foram offerecidas no Brazil a D. João VI algumas ainda maiores do que aquella, julgadas diamantes pelos descobridores, e que vieram alvoroçar a córte, mas que eram simplesmente pedaços de crystal de rocha, como facilmente se reconheceu. Se fosse fluorite, que é mais facil ainda de distinguir do diamante do que o crystal de rocha. (2) Um dos caiculos refere-se ao Pitt (Regente), attribuindo-se-lhe um peso de 150 quilates, o que não é exacto. No 2.º calculo procura-se o valor de um diamante de 2:026 quilates; não comprehendo que applicação elie possa ter. Relativamente a preços ha neste documento diversas confusões. No princípio, por exemplo, diz-se que a pedra vale 36 mi- lhões de libras, e no fim 538:874 libras. Do lado esquerdo do desenho está a indicação ; 1680 quilates. Este desenho foi reproduzido pelo snr. Benevides (|, c.), 194 REVISTA DA SOGIEDADE CARLOS RIBEIRO não teria tido as honras de acompanhar o Principe Regente em 1807, pois provavelmente ter-se-hia desfeito o engano durante os 66 annos que medetaram entre a offerta a D. João V e a partida de D. João VI para o Brazil. Se não era diamante, era mais que provavel que fosse um to- pazio, pois que existe no Brazil a variedade a que chamam pingos d'agua por serem incolores, que se assemelham no aspecto aos dia- mantes e que por tal teem sido tomados, principalmente quando talha- dos em fórma de brilhante. No que diz respeito ás fabulosas avaliações que mencionam alguns dos auctores citados, diremos apenas 'que seriam fabulosas, mesmo quando a pedra existisse e fosse um diamante. Esses enormes preços foram provavelmente calculados pela regra dos quadra- dos, que nunca teve applicação para diamantes tão volumosos, e as sommas obtidas assim são naturalmente tanto mais exaggeradas quanto mais alto o preço admittido para o 1.º quilate. Um diamante de 1680 quilates depois de Japidado, ficaria reduzido a um brilhante de uns 500 quilates, portanto superior em tamanho a qualquer dos maiores diamantes lapidados conhecidos. Se o Bragança fosse realmente um brilhante de 500 quilates de boa agua, valeria talvez alguns milhares de contos de reis; mas como topasio branco valeria, quando muito, algumas centenas de mil reis. A corôa portugueza possue, ao que se diz, diamantes menos pro- blematicos; mas como nunca foram estudados nem é facil vêl-os, nada podêmos dizer a seu respeito, comquanto fosse trabalho muito interes- sante o fazer-se d'elles um estudo. ALFREDO BENSAUDE. no PR ao tp, a a SN Ro: BIBLIOGRAPHIA A DA Ferraz de Macêdo -— CRIME ET CRIMINEL, Paris. UN? um EA em que a sciencia se não cultiva pelo que é em si mos- ma, mas apenas pelo que pode praticamente representar — uma especie “de camiza de Venus permittindo, ao abrigo de perigosas escoriações, en- PA - trar nos fartos empregos, nas rendosas commissões officiaes ou na agio- tagem. governativa — um homem trabalhando, como 'o snr. Ferraz de * Macêdo, com desinteresse e com amor, annos seguidos, n'um districto pai saber, merece naturalmente o nosso respeito. A sua obra, grande ou pequena, trazendo à empreinte do genio ou sómente a marca “do ta- lento observador, rasgando horisontes : novos ou apenas projectando al- guma luz nos caminhos entrevistos, reclama, indiscutivelmente, a nossa ef E dn que á probidade scientifica e à Rian, no tra- lho allia o conhecimento e a posse integral dos processos necessarios jra realisar cóm precisão os mais delicados trabalhos da anthropome- ta. À offerta do seu novo livro, por mais de um titulo penhorante, dá-nos. a Raid Soa de publicamente affirmarmos os “Não temos nem espaço, nem tempo para uma-crítica detalhada. “do Crime et Criminel, porque á hora a que recebemos este livro ia “adiantada a composição da nossa “Revista. Isto nos força a sómente lançar aqui fugidiamente algumas notas, visando sobretudo. opiniões que ne são vulneraveis e “que, por nossa parte, não crêmos acceitaveis. Merecem desde todo o princípio o nosso reparo a maneira por que o À. passa de leve sobre a noção de crime e a classificação que nos of- ferece dos criminosos. O crime, define o snr. Macêdo, é uma infracção és regras por que “se” governa ce rege a sociedade humana ; ora, como em cada collêctivi- dade Et cada epocha essas regras variom € differem, o crime é uma noção convencional, podendo o mesmo acto merecer ou deixar de me- 13 186 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO recer aquelle nome, E como, apressa-se a accrescentar o A., o crimi- noso não é senão o fautor desse acto de significação variavel e ás vezes contradictoria, elle não pode existir como ir natural. Se tivesse completamente razão o snr. Macêdo, a anthropologia criminal seria, no fundo, um verdadeiro não senso, porque seria uma sciencia sem base e sem objecto. Se o crime fosse, com effeito, como o À. pretende, uma pura noção convencional e o criminoso apenas oin- fractor de regras ou artigos vacillantes e mudaveis de um codigo, isto é, um typo artificial, proseguir o estudo de um e outro seria, anthropo- logicamente, uma chimera. E assim, ou o A. construiu sobre areia, fazendo com os seus es- tudos um esforço em pura perda, ou não viu nitidamente o assumpto, errando as definições fundamentaes. A nosso vêr, este ultimo caso se deu. O crime, tomado como acto em si ou ainda em relação apenas á lei de que constitue uma violação, é, certamente, tudo quanto ha de variavel: o que hontem e além foi uma virtude é hoje e aqui um delicto; quem hontem, n'umas dadas condições sociaes, foi um sancto, seria hoje, porque mudaram essas condições, um delinquente. Mas o crime no Pano de vista da anthropologia é um facto diver- so: é, como Garofalo lucidamente mostrou, um acto humano que tem de julgar- se em face de certos sentimentos. Uma acção pode violar uma lei escripta e não ser para o anthropologista um crime, com quanto o seja para o magistrado: tal é, entre muitos outros, o caso dos delictos politicos e de imprensa. Para o anthropologo o crime só existe se foi violada uma fórma rudimentar das emoções de piedade e de justiça, que são os nucleos formativos do altruismo. Ora, precisamente porque es- tas emoções não são convencionaes, mas effeitos naturaes da evolução da nossa especie, é que a violação d'ellas constitue um facto de caracter universal e fixo, essa violação é o cr ime natural, como lhe chama Ga- rofalo, o crime cujo auctor, por isso só que o é, revella uma anomalia do senso moral. D'este ser que não acompanhou a evolução normal da humanidade ou d'ella se desviou, d'este ser inferior, antipathico e te- mido se occupa a anthropologia criminal, estudando-o na sua psychici- dade, nos seus costumes, na sua Jitteratura, na sua arte, nos seus ante- cedentes, nas suas aggremiações, emfim nos seus caracteres somaticos. Não comprehendeu d'este modo o assumpto o snr. Macêdo, que na primeira parte do seu livro se esforça por dar-nos uma classificação de crimes, bôa, talvez, para base de um codigo penal, mas inutil, por excessiva, pura O anthropologista, que nada tem que vêr com a grande maioria dos delictos nella enumerados. Na classificação dos criminosos não nos parece o À. mais feliz. À seu vêr, Os criminosos procedem de quatro origens fundamentaes: 1.º) a loucura; *» 2.º) a teratologta; 3.º) a pathologia adquirida ou adventicia e4 ira pathologia nativa por anomalias anatomicas, organicas ou hys- to-chimicas imperceptíveis. A confusão deste quadro é evidente. Assim, a loucura apparece n'elle abusivamente differenciada das doenças adquiridas e nativas, quan- do ella não é realmente senão uma destas coisas: ou um estado mor - bido cerebral adventicio e curavel (psycho-nevrose) ou congenito e cons- titucional (psychose degenerativa). Procurando illucidar o seu quadro, o A. não faz senão tornar mais evidente a confusão de espirito que a originou. Assim, diz-nos que o criminoso louco se reconhece pela per- df de E a e Dia a A ESA DZ o a O DITA bg ca, a 1 REVISTA DA SOCIEDADE GARLOS RIBEIRO 187 versão de idéas e que o criminoso da 4.º cathegoria se caracterisa, como verdadeiro criminoso, pela constante revolta contra as leis. Mas o snr. “Macêdo esquece os loucos affectivos e os loucos moraes de que, na opi- nião de muitos psychiatras, os seus verdadeiros criminosos não são na 1 realidade mais do que exemplares distrahidos dos manícomios para as ER penitenciarias, “A Este imperfeitissimo agrupamento, feito depois das classificações “sa de Lombroso e Ferri, não se justifica, parecendo que só uma excessiva RES preoccupação de originalidade O inspirou. A maneira por que o A. aborda o problema da frequencia das ne- vroses e das psychopathias nos criminosos, não é, depois dos ne “A existentes sobre o assumpto, de natureza a reclamar o nosso applauso, Quando criminologos e psychiatras distinctos, em numero consideravel e trabalhando em paizes diflerentes, concordam em aflirmar que nos delinquentes as doenças organicas e funccionaes dos centros nervosos são muito mais communs que na população não-criminosa, o À., sem fundamento estatístico, assevera que tal não é verdade, sob pretexto de que fóra das prisões existe um importante numero de psychopathas que as familias escondem e de que só alguns medicos teem conhecimento. Não contradictaremos esta ultima observação do A., porque a crê- mos exacta; todavia, aflirmar-lhe-hemos com a auctoridade que resulta de uma longa clinica especial, que muitos d'esses nevro e psychopathas são realmente criminosos que só aos attentos cuidados da entourage devem a não exteriorisação ruidosa das suas tendencias ageressivas. e antiso- ciaes. Estão n'este caso dezenas de epilepticos, por exemplo, cujos ac- cessos de furor extremo e cego se passam dentro das quatro paredes de uma sala desguarnecida e que, em liberdade, teriam incorrido nos mais graves crimes. Em identicas circumstancias se encontram numerosas a hystericas: impedidas pelas familias, ellas não logram exhibir as quali- dades criminaes que as caracterisam e que na vida livre fatalmente as conduziriam ás prisôces. Accrescentemos ainda que um certo numero de Eri psychopathas tendo praticado crimes entram nos manícomios sem pas- - sarem pelas cadeias, graças aos recursos das respectivas familias que devidamente os fazem, observar e os collocam ao abrigo de uma das causas derimentes da responsabilidade criminal. Todas estas considera- ções, crêmos nós, são de pezo e deveriam ter bastado para impedir o A. de lançar-se'de coração ligeiro em opposição aos assertos dos que o precederam no assumpto. O capitulo consagrado á origem e formação da sociedade é dos que mais penosamente nos impressionou. Em primeiro logar, parece-nos elle mal cabido n'um trabalho que a si mesmo se dá como um simples ensaio synthetico de observações anatomicas, physiologicas. patholo- gicas e psychicas sobre os delinquentes e que deveria, porisso, des- viar-se das questões de sociologia que se não prendem de um modo im- mediato e directo com o problema criminal; em segundo logar, dado que o A. o considerasse necessario como meio de illucidar à questão geral da génese da criminalidade, a collocação d'elle não poderia ser de modo nenhum no final do livro, mas no seu começo. Mas O que, so- bretudo, nos molesta é o espirito atrasado de todo esse capitulo em que as proposições mais innacceitaveis se ennunciam no tom de axiomas. Assim, por exemplo, segundo o A., as sciencias occultas procederiam E da «imbecilidade e da estupidez accrescentadas da cubiça e do amôr do Ro dominio»: o espiritismo seria «um invento da imaginação burlesca»; Res sind dai Pod EEE + E POUVIE Sne E Za E * ENO eve MG Tp SR MO = 4 ar. ES — E is eo ms tino, Aa Sm F > es Rd q E, OE a ER A po ea a PE RES À 6 +, 2, A, Eq 188 REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO emfim, «a hypocrisia e a rapacidade dissimulada originaram as religiões ERQ despotismo». Puro seculo XVIII no fundo e na fórma!... Vê-se, lendo esta ultima parte do livro do sur, Macêdo, que elle não possue o espirito philosophico do nosso tempo, comquanto imagine o contrario e cite com abundancia os trabalhos dos pensadores contem- porancos. Excellente observador, solido e seguro de si no terreno dos factos, o À. desequilibra-se no dominio das especulações, onde a atmosphera é mais subtil e o vôo exige mais larga envergadura. Isto se vê claramente na parte do livro em que combate a doutrina que faz do criminoso um ser atavico, uma sorte de anachronismo n'um meio civilisado. Se o À. conhecesse realmente todo o alcance d'esta concepção atavistica — tão | larga como a do proprio evolucionismo de que procede --se soubesse que ella está dando em psychiatria a explicação de um consideravel nu- mero de factos, certamente não teria passado ao lado d'ella desdenhosa- mente e, sobretudo, não lhe lançaria o argumento de que « ella contem o terrível paradoxo de basear as sociedades civilisadas sobre criminosos». Este paradoxo é uma phantasia do A.: as sociedades civilisadas nascem dos elementos perfectiveis e progressivamente adaptaveis da especie e não dos seus elementos improgressivos, inferiores e anadaptaveis, que são OS criminosos no sentido anthropologico do termo, como atraz o de- finimos. Decerto, a humanidade atravessou um periodo premoral, sem noções e sem emoções de piedade é de justiça ; essa epocha, porém, não é um periodo criminal, pois que a noção do crime é precisamente a da violação d'esses sentimentos que ainda então não existiam. Mas desde que essas noções e emoções surgiram (e a sua mesma eclosão de- monstra a perfectibilida de da especie) immediatamente e naturalmente dois typos psychicos se differenciaram : os insusceptiveis de as compre- henderem e sentirem (criminosos) e os que as integraram na conscien- cia, transmittindo as por herança ma É sobre estes e não sobre os primeiros que as sociedades civilisadas se baseam. Como, porém, os criminosos são prolíficos, ao lado da descendencia dos normues e pela mistura com estes os typos imperfeitos se geram: d'aqui a persistencia dos criminosos nos méios civilisados. A hereditariedade explica-os per- feitamente: existem como productos saltuarios, como regressões, como representantes, na dichotomia humana, do ramo imperfeito e inferior. Mas tanto as sociedades e as civilisações se não baseiam sobre elles que, por um lado, as degenerescencias accumuladas acabam por extinguir- lhes as gerações e, por outro, a justiça — expressão da colectividade” que se defende — procura segregal- Os. Estas reflexões reduzem a coisa nenhuma o argumento ingenuo do snr. Macêdo quando, fazendo a critica da doutrina | que vê no crimi- noso a reapparição do selvagem, nos diz que ainda «nenhum viajante. afirmou que todos os Australianos do centro e do littoral, que todos os indigenas da Amcrica, que todos os naturaes da Oceania. sejam crimi-, nosos ». Mas, á doutrina não era precisa para nada uma tal affirmação. N'ºesses povos, como nos primitivos (é com mais rasão ainda, porque são muito ulteriores) deve haver elementos perfectiveis e outros que o não . são. Os primeiros progredirão em contacto com as raças superiores, se este não fôr inteiramente absorvente, seguindo-as e evolucionando ; os outros persistirão como agora. E da mistura de uns e de outros sur- girão civilisações em que, como nas nossas actuaes e mais elevadas, ao lado dos normaes apparecerão excepcionalmente criminosos. REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO 189 Mais feliz na maneira de considerar o problema da repressão criminal, o A. manifesta-se a tavor da pena de morte, no que segue, contra a corrente sentimentalista, o caminho dos que, como naturalis- tas, teem estudado o delinquente. Sómente, ainda n'este ponto o A. manifesta um certo desequilibrio de principios e pontos frouxos de ra- ciocinio. Por um lado, com elfeito, elle deixa perceber que um criterio exclusivamente naturalista o conduz a acceitar a pena de morte como um processo necessario de que a sociedade se serve para defender-se dos que a perturbam; e tanto que não vacilla em affirmar que «um criminoso que premedita, com funcções physiologicas apparentemente perfeitas e fatalmente funestas aos individuos da mesma especie, me- rece tanto a morte como criminoso que é impellido por um symptoma pathologico ». Abaixo porém, falla da pena de morte como de um direito usado pela sociedade para expulsar de si aquelle que não «observa os artigos impostos pelo contracto ou convenção entre os homens», aquelle que, tendo-se tornad» incompativel com a collectividade « per- siste em querer fazer parte della ». E! evidente que o criterio do A. va- riou, desviando-se da orientação naturalista da necessidade social para a metaphysica do contracto voluntariamente violado. Ora, a pena de morte imposta ao criminoso doente é neste ultimo caso, um não- senso. Se não luctassemos com falta de espaço e de tempo, procuraria- mos mostrar ao A. que nenhum dos seus criterios extremos é hoje viavel: o da violação voluntaria do contracto social, porque a socieda- de é um organismo cuja evolução não depende de convenções, de con- tractos ou de artigos de codigos, que apenas e de um modo imperfeito reflectem o seu estado consciente; o da exclusiva necessidade social, porque a lucia pela existencia, de que elle procede, é dentro da nossa: especie uma lei cuja interpretação differe profundamente da que tem quando se trata de organismos inferiores. Depois, procurariamos-evi- denciar-lhe que a morte do criminoso-doente, sendo um não-senso na doutrina corrente dos juristas, é tambem, embora por motivos diver- Sos, inacceitavel por parte dos que sustentam as theorias positivas da repressão. Onde nos levaria, porém, esta exposição de principios ? Temos necessidade de acabar. Não o faremos, todavia, sem uma referencia de vivo applauso para tudo o que no Crime BE Oriminel representa um trabalho positivo de observação. Ahi o A. dá quanto aos mais habeis e conscienciosos se póde exigir; e será por esse lado que o seu livro entrará na circulação scientifica internacional. Os seus processos são rigorosos, as suas séries longas, as suas observações de- talhadas, os seus graphicos de primeira ordem. Se o snr. Macêdo se houvesse limitado a esta parte do seu trabalho nós não teriamos se- não a felicital-o. E” difficil possuir em doses iguaes e notaveis o espirito de analy- se, sem o qual a sciencia positiva não existiria, e O espirito de syn- these sem o qual a philosophia seria uma chimera. O snr. Macêdo tem principalmente o primeiro; exercitando-o, enriquecerá a sciencia. 20 de setembro de 1892. JuLio ve Marros OS MORTOS ESTACLOND AVEIA: Vae rareando desanimadoramente o já pequeno grupo de ho- mens de sciencia que, com o incentivo de Carlos Ribeiro, desentranha- ram os restos caracteristicos das civilisações succedidas n'um passado remotissimo n'este pequeno farrapo do occidente da velha Europa. Fre- derico de Vasconcellos, Paula Oliveira, Pereira da Costa foram os que, apoz o insigne chefe da Commissão geologica. baquearam na lu- cta, deixando outras tantas lacunas irreparaveis no nosso meio scien- tifico. Agora temos a triste missão de dar outro traço negro e este no no- me de um dos mais ardentes e dedicados pesquisadores da archeolo- gia nacional — Estacio da Veiga. Unico no Algarve, Estacio da Veiga esquadrinhou as antiguida- des d'esta bella provincia, determinando-lhe os monumentos das di- versas étapes civilisadoras, recolhendo um riquíssimo mobiliario e os restos archeologicos das populações d'então. Por occasião do Congresso d'antropologia e d'archeologia prehis- toricas, realisado em Lisboa, em 1880, essas antiguidades foram reu- nidas sob a denominação de — Museu do Algarve. Ahs estavam bel- lamente representados os periodos neolithico, do cobre, do bronze e do ferro, mcstrando quam rica era aquella região sob o ponto de vista paleoethnologico e quam incansavel e methodico tinha sido o trabalho do seu dedicado explorador. Notemos no emtanto com profundo desgosto que esta magnifica collecção foi mais tarde mandada fechar ao publico e desterrada para os baixos do museu de bellas-artes, onde ella ainda hoje se empoeira e se desarranja no negrume d'um subterraneo! Improficuos foram os i O a dA Mx H lu a] A Pd A ud Po A A 4 4 f | ' he Ay É 4 y di , : A ” le RM 4 ) My o 7 o Ram bi ty Vá neo 1 Ra j s y : ' Ê façl Pato Ê ! DO REVISTA DA SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO ga E protestos de Estacio da Veiga que teve de amargurar na alma este - grande dissabor com que lhe pagaram as canceiras e as fadigas que te- ve na pesquiza d'esses pergaminhos da nossa nacionalidade. Em 1886 começou elle a publicação da sua obra capital cAnti- guidades monumentaes do cAlgarve, onde o auctor tencionava conglo- bar tudo o que recolhera sobre a archeologia algarvia. À parte prehis- torica, formando quatro volumes, já é do dominio publico e, prepara- va Estacio de Veiga o quinto que ligava essa parte com a historica, quando a morte o veio surprehender n'esse trabalho. Nos quatro volumes referidos admira-se a grande quantidade de ma- teriaes colligidos e dispostos segundo a chronologia paleoethnologica : Estacio da Veiga assignala-nos vinte e trec grutas que ficaram inex- “ploradas; enumera-nos as estações caracteristicas do periodo neolithi- "co, entre as quaes sobresahe a de Aljezur como typica, com todo um “mobiliario robenhausiano e onde o auctor recolheu dezenove das pro- blematicas placas ornadas, de schisto, e que dão um cunho tão espe- — cial á ultima phase da edade da pedra no sul do nosso paiz; e mos- A Ae E pe “tra-nos em Alcalá — uma verdadeira necropole dolmenica — a transi- E Eri * ção d'essa phase industrial para uma outra nova, a do cobre, cujcs — vestígios o illustre archeclcgo encontrou espalhados por toda a pro- vincia. - E ve essa edade, cuja existencia tanto foi contestada, mas que teve uma plena confirmação com estas descobertas de Estacio da Veiga e com “as de Siret no sud-este da Hespanha. Os característicos das edades do bronze e do ferro que se succe- deram a ess'outra, encontrou-os o infatigavel pesquizador bem repre- sentados na sua provincia. Citemos a necropole da Donalda para a “primeira c a de Bensafrim para a segunda. Reunidos todos estes dados archeologicos, Estacio da Veiga ela- borou com elles a carta archeologica do Algarve, em 1878, que mais tarde foi ampliada em virtude de novas descobertas e finalmente pu- blicada no primeiro volume das cAntiguidades. Deve-se-lhe pois a elaboração da primeira carta archeologica que se fez no nosso paiz, trabalho este muito importante na paleoethnologia para o conheci- mento da centralisação e da dispersão, n'um dado territorio, das populações prehistoricas que n'clle existiram. Não se limitou Estacio da Veiga a estudar a sua provincia scb o ponto de vista palcocthnologico; fez tambem n'ella o estudo dos po- vos historicos que a occuparam, como os romanos, os wisigodos e os arabes. Ióra do Algarve, Estacio da Veiga, pesquizou as antiguidades de RR. . t a . o a " hd Tica Made ari Fria didi Pas À sm AA + TIA, , í As necropoles de Cácella e Castro Marim representam no Algar-. Mafra, durante a sua permanencia n'esta celebre villa: preta es em : 1779» | Além da sua obra Antiguidades monumentaes do cA lgarve, de que | acabamos de fallar, Estacio E Veiga tinha já publicado os seguintes trabalhos : Povos balsenses, folheto. Lisboa, 1866. Romanceiro do ceAlgarve. Lisboa, 1870. eAntiguidades de Mafra. Lisboa, 1879. Memoria das antiguidades de Mertola observadas em 1877. Lisboa, 1880. «4 Tabula de bronze de Aljustrel, lida, deduzida “e commentada em 187 6, me- a moria apresentada à Academia Real das Sciencias. Lisboa, 1880. | E Ainda existe d'elle um trabalho botanico sobre orchideas. | Estacio da Veiga deve occupar um lugar proeminente na Ro il “da archeologia portugueza, como um seu incansavel obreiro e distin-. E cto pesquizador. Rd A Que ao menos em homenagem ao dedicado archeologo se lhe a satisfaça emfim o seu maior desejo, expondo convenientemente o seu museu do Algarve, ha mais de nove annos fechado ao publico. E a revalidação da obra de Estacio da Veiga e um incentivo para, os que vierem. SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Rocna Peixoto — À fakuagem em Portugal. Fig. 2 plltoy Fig 3 SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO io Rocua Peixoro— A tatuagem em Portugal. A re ES Eid rat rs SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO A VEVAVAVA Roca Prrxoro — À tatuagem em Portugal. [| SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Rocna Peixoro — À tatuagem em Portugal. , ) Na NENE k ! Wi dO +“ 1 ra f A 4 k + A 4 4 “ ) 1 , “ + ' “ “ e 1 " f 4 f ) - ; I | | o Y , | f c YT - al X . - “ , - ns! , : “ . 1 4 2 + a ” [4 á a ' - f Rá o r. + =) a . º - í 4 » SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO SR Rocua Peixoto — À taluagem em Portugal. SOCIEDADE GCARI,OS RIBEIRO Recua Peixcrc — A tatuagem em Portugal. [8] a) VI SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO Rocna Peixoro— À tatuagem em Portugal. SOCIEDADE CARLOS RIBEIRO | Pio VIU Rocna Peixoto — À letuagem em Portugal, “SOCIEDADE GARLOS RIBEIRO 1 a iganda das sclencias naturacs e sociaes em Portugal) hba od >. ER ! A Socirnade. Carros RE dirod tem recebido as seguin- ies publicações, d' aleumas das quaes se occupará na sec- ão aee da sua Revista: "er reira da Silva—O reconhecimento andlbtico da cocaina e seus saes (Notas e documentos), 8º, 42 pag. Porto, 1891. o ss emprego do sulfo- -selenito de ammonto para caracterisar os alca- loides, “8. » à pap. Lisboa, 1891. “o oxydo amarello de mercurio na analyse dos vinhos, 4.º, 3 pag. Lisboa 18gt. Arthur Malheiros - A lei do trabalho maximo (Estudo critico de me- | chanica chimica), 8.º, 150 pag. Porto, 18gr. E. Hamy—L' ceuvre géographique des Reinel et la découverte des Mo- Buques, 8.º, .39 'pag. e II cart. Paris, 1891. R. 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MI, e HIS four AV, fa ic uy RO 06 225 139 LIBRARY REGULATIONS, No book shall be taken from the Library without the record of the Librarian. No person shall be allowed to retain more than five vol- umes at any one time, unless by special vote of the Council. Books may be kept out one calendar month; no longer without renewal, and renewal may not be granted more than twice. A fine of five cents per day incurred for every volume not returned within the time specified by the rules. The Librarian may demand the return of a book after the expiration of ten days from the date of borrowing. Certain books, so designated, cannot be taken from the Library without special permission. All books must be returned at least two weeks previous to the Annual Meeting. Persons are responsible for all injury or loss of books charged to their name. DIGEST OF THE : Eos : : Ro X 1 ' É nu Peba Emo ES Es came vas. a - Eid ISisa-sts = Eos est Coco teso case Eerpecssoçãos as 35: iDESRDS Es FENRELSE Precenenstaca, Ens tido Eistis=es ES Ss PREsAs. ertesatetetot: t36,