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Fundado no Hio de Janeiro em 1838

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A um m DA MISERmili OO RH) DE JAIEilíO

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No trabalho A Santa Casa da MiseHcoráia Huminense^ Félix Ferreira esse estabelocimento como fundado cm 1545.

No artigo ^o se segao, loavando-se em docameutos existentes 'no aVchivo da^mesni^iinstituicãò'^ erudito Br. 'José Vieira Fazenda contraria â opinião daquelle ' adioir e prova que o promotor da fun- dação deial estabelecimento foi o jesuíta José do Anchieta.

Corrige ainda o Dr. Vieira Fazenda o engano quanto á pa- droeira da Misericórdia, demonstrando que a Senhora do Bom Sue- cesso não exerceu cjssfi funcção ató 1639.

Encontra-se iúais no mosmo' artigo uma succinta descripção do tempU e do Hospital Velho.

(Xota da Commissão de lUdacqão),

li Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro

FUNDAÇÃO

Commemora, mais ama tok, a benemérita Irmandade da Misericórdia a tradicional ítota da Visita^.

Vem, pois, de molde recordar os primórdios e antiguidades deste santo e humanitário instituto a quem a pobreza enferma, os orphãose engeitados devem tantos e tão importantes serTiços.

Qnem transpõe o limiar do grandioso hospital da praia de Santa Luzia, divisa logo, á direita do vestibulo, duas estatuas colossaes, mandadas fazer pelo grande provedor Josô Clemente Pereira : a primeira, de Arei Miguel de Contreiras, instituidor da Misericórdia de Lisboa, e a segunda, do padre jesuíta Josô de Anchieta, fundador do primitivo hospital da Santa Casa do Rio de Janeiro.

Dois escriptores, entretanto, que se occuparam desse assum- pto, pretenderam, em vEo, arrancar de Josó de Anchieta a gloria de ter, por sua iniciativa, lançado os fundamentos daqaillo que todos hoje vêm e admiram, gloria authenticada pelos teste- munhos dos coevos, dos chronistas e incontestável, em face dos argumentos quo apresentarei.

Na yida do Venerável Padre Jasé de Anchieta^ refore o padre Simão de Vasconcellos o seguinte : « Por esto tempo e principio do anno de 158S, aportou á Cidade do Rio de Janeiro a armada de Diogo Flores Baldez, que constava de dezeseis velas. Foi esta armada aaquella Cidade oausa de grande temor, mas a José causa de novas maravilhas. Appareoeu de repente, nAo. es- perada, defronte da barra, uma légua ao mar, lançando abi fetro.

8 REVISTA DO INSTITUTO lilSTORICO

P«rtarbar!un-ie os moradores ; não tinham noUotas que de Portogalou d*outra parte hourease. naqueUes mares, numeh) de Telaa tSo ezceasíTo ao poder da terra.

«Julgaram que eram iaimigaa e cuidara cada qual doa cidadSo» de oomp haria de pôr em cobro suas ooisas : tudo era eooftuSo è Mpaoto. A' iVilMo áot demais «oa)o«»TaQi também 08 padres do Collegio a pôr em salvo as coisas sagradas da Bgr^ía. Porém José, com o seu alto espirito, fez sooegar a todos ' adisse ; ninguém se pertube, aquella armada n&o 6 inimiga e olhando do alto de uma janella, donde se descobria, aocrescentou : antes, aquellas náos vos tmum um homem, grande offloial de carpinteiro, que ha de entrar em nossa Companhia e nella ha de fluer grandes serviços & ReiigiSo e grande aogmento nas vir" tades.

«Aodicto do Joíô. doou em sooogo a Cidade, todos espe. íaTMB ooeasiSo o souberam que era armada castelhana, de três Biu&eepaohoes, «omque el-rel Dom Philíppe 11 mandava asse ' f«»r o estreito MagalhSes e vinha por general delia Diogo noras Baldes, homem de grandes parteí. Poi reeeblda com «g^l atogílft ú. grande pertobaolo passada e veie lan«ar ferro no porto ordinário cora paz e amigável eonfraternldade.

« Aqui se Tio o grande espirito de caridade de José. Trazia «*a annada nuOloM át^tta* « ntce*»itado* da demora « eontratUis d* longa viagam, deu trata eomque $e lh$t oeHgnatassê eua àospital, ,«* aUenUonao havia naquella cidade, a esta fez trazer os do«ites e d»$Un»m os Religiosos para servit-os e assistir ás •oasouras com olrurglio, medico e toJo o necessário com grande a«pe» do CoUeglo j e para sSos pobres e necessitados man- dara dar todos os dias. na portaria, ama arroba de carne ou 9Mn. «om toda a ferinha nMesaarta par-x qaantos viwsem e andava o mesmo padra volante pelas casas dos que necessitavam e nso podiam vir á portaria e lhes tirava esmolas particulares. ooosiUndocom as suas palavras a todos e;n terra estranha. »

Bsi sea Samluario Uai-immo, refere também ft»i Ages- tinho de tanta Maria: « Pelos aanos de 1588 se entende («w prhMpw» Om» lOnrUordim do Rio do Janeiro OM poucos aMosantesj porque neste anno chegou iquelle porto uma ar- BUdade Castella, que e<«stava de dasesels nAus que iam três

A SANTA.CASA DA MISERICÓRDIA 9

mil hespaalioes mandados por Phllippe II de Hespanha e I de Portagal assegurar o estreito de Magalhães, de que era general Diogo Flores Baldez. Com os temporaes padeceu esta armada muitOf porque lhe adoe3eu muita gente e assim chegou ao Rio de Janeiro bem necessitados de remédio e de agasalho.

Achava^se naqueila cidaule o venerável padre Josó de An- chieta visitando o GoUegío, que alli tem a Companhia fundado, no anno do 1567. Como o venerável padre José de Anchieta era Varão Santo levado da Caridade, tomou muito por sua conta a cura e o remédio de todos aquelies enfermos, dando traça como se lhes assignasse unta casa em que pudessem ser curados todos e assistidos ; para o que destinou alguos Reli- giosos e assistindo tambcm ello aos mais com as medicinas, medico e cirurgião.

€Çom esta occasião teve principio o Hospital da Cidade de S, Se» bastião do Rio de Janeiro^ entendendo muitos que ontSLo tivera prin- cipio a Santa Casa da Misericórdia que hoje ô nobilíssima. Nesse tempo como dizem os Irmãos daquella Santa Casa novamente erecta tomaram por sua conta acudir também ao hospital, o que fizeram com grande caridade e o foram aagmentando no mate- rial oom tanta grandeza e tâo perfeitas enfermarias, como hoje se vôm, aondo se curam os enformes de um e outro sexo com eximia caridade.»

Quanto á armada de Diogo Piores, refere frei Vicente do Salvador: «Foi este nomeado pelo Rei General delia, para piloto mór Antâò Paulo Corso e Pedro Sarmento g>vernador dos fortes e povoações. Sahio a referida armada do S. Lucas em 2o de se- tembro de 1581, com tfto mio tempo que depois de três dias ar* ribou com tormenta ú, bahia de Cadiz oom perda do três navios, havendo se afogado a maior parte da gente e tão destroçada que para repararem se deteve mais de 40 dias* Tornou a sahir com deeesete navios e chegou ao Rio de Janeiro onde invernou seis mezes; « porque ainda que chegou a 25 de março, que em Hespanha é a primavera, em estes portqs é o principio do hin- verno, em que se não se pôde navegar para o Estreito. . . e pa* recendo que era tempo para navegar sahiram da barra do Rio a 2 de otttabro com dezaseis navios, deixando um por inutil.>

10 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Tomando a derrota do Estreito, chegou a armada ao Rio da Prata, onde se levantou um temporal. A esquadra esteve 22 dias, mar em travos, sem poder pôr um palmo de vela. Em 2 de dezembro Diogo Flores, amainado o vento, voltou buscando porto para reparar avarias. Foi a Santa Gatharina e alli a cabo de 22 dias deixa três naus com ordem de voltarem ao Rio do Ja- neiro e deu outras três a Equinon, que ia por governador do Chile para levar a sua gente pelo rio da Prata ao porto de Buenos Aires. Em 6 de janeiro de 1583 tornou a Yoltar do Es- treito. Lék foi de novo a armada assaltada por terrível borrasca.

Pondo de parte minúcias, Diogo Flores retrocedeu desani- mado, chegou a S. Vicente e passou ao Rio de Janeiro onde en- controu D. Diogo do Azega que, por mandado do rei, vinha soo- correr o mesmo Baidez, etc. Desta segunda vez, ó de crer, re- cebeu ainda o general de Anchieta e dos Irmãos da Misericórdia todos 08 bons officios de caridade.

Que o general hespanhol se mostrou sempre grato a An« chieta prova o seguinte facto, narrado por seu biographo, o padre Pedro Rodrigues. Ello Baidez, tratou muito famili- armente com o padre José, que entoo era Provincial^ e o ia buscar muitas vezes em pessoa ao collegio e alcançou muito de sua virtude. Mandou o padre José ao padre João Baptista fosse pedirão general D. Diogo Flores desse liberdade a um inglez que ahi prendera. Não tomou bem a petição e mostrou-se bem agastado e ezcusou-se de o fazer. O padre so desculpou, di- zendo que seu superior o padre José mandava falar na- quelle negocio . Ouvindo o goneral falar no padre Josó, manso G mudado acudio dizondo: « Solto-se logo e fuça-so assim como o padre José manda ; porque nunca Dp.us queira que eu deixe do fazer o que elle mo man*lar ; poi^que a primeira' vez que o vi nunca coisa mas abjecta c desprosivel so me representou, porém depois olhando bom para elle nunca em pressnça de alguma ma- gestade me senti muis apoucado do que dcanto delio.»

Em 1577, foi Anchieta eleito Provincial, cargo que occupou até 1588, em que o substituiu o padre Marçal Belliarte. Segundo Simão do Vasconcellos, em 1578, o Provincial visitou a Capitania de Pernambuco (visita a respeito da qual faltam relações). Nesse mesmo anno, partiu para o Rio de Janeiro e daqui para

A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA U

S. Vicente, onde estava a 4 de agosto. Em 82 e 83, estava no Rio de Janeiro, onde, graças ao prestigio do seu cargo e suas essenciaes virtudes, poade instituir o velho Hospital -da Miseri- córdia. Em 5 das kalendas de janeiro de 84, se achava na Bahia, conforme prova a carta, esoripta em latim no volume 19<» dos Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, pag. 64.

Daí Narrativa jET/H^/o/ar do padre Fernão Cardim se concluo que Anchieta, na qualidade ainda de Provincial, acompanhou na vista da província o padre visitador Christovâo de Gouvôa, nomeado pelo padre geral Cláudio de Aquaviva.

Em 20 de dezembro de 1584 chegou ao Rio de Janeiro. Aqui passou o Natal, e, em uma das oitavas deste, assiste à festa em honra do padroeiro da cidade, o martyr S. Sebastião, e ao auto celebrado d porta da Misericórdia, onde se armou um iheatro com uma tolda de uma vela .

AUI, o padre Cardim, por ser a egreja dosjesuitas pequena, fez sermão sobre os milagres do santo acima e as mercês que o martyr de Narbona havia feito á sua cidade.

Nesse tempo, poude o venerando jesuíta vôr que a semente lançada em terra havia se transformado em frondosa arvore, a cuja sombra se acolhiam muitos iafellzes. Foi sob a im« pressão de tio agradáveis resultados, tendo a Misericórdia um hospital e egreja própria, que na primeira Informação aqui es- cripta, segundo Gapistrano de Abreu, em 31 de dezembro 1584, o santo varão escreveu: c Em todas as capitanias ha casas do Misericórdia, que servena de hospitaes, edificadas e sustentadas pelos moradores da terra, com muita devoção, em que se dão muitas esmolas, assim em vida como em morte, o se casam muitas orphãs, curam os enfermos do toda a sorte e fazem outras obras pias, conformo o seu instituto o a possibilidade do cada u.7ia e anda o regimento delias nas principaes da terra.»

Em vista do exposto, como recusar ao venerável padre José de Anchieta o papel de fundador do Hospital da Misericórdia ? Como pretender recuar a época da instituição da Confraria ao anno de 1545 ?

Contra tal anachronismo, provarei, protesta a verdade da historia.

12 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Em minha humilde opinião, foi ainda Anehieta quem obteve de seu amigo, o primeiro prelado eoolesiagtioo, o padre Bartholomen Simões Pereira, a proviaio de 1 de julho de 1691, pela qual a Irmandade da Miserioordia flcoa isenta da Jurii* dleção parochial.

Em princípios do século XYII, a administração da Miseri- oordia dirigiu á metrópole o seguinte requerimento: «Dizem o Provedor e Irmãos da Santa Casa da MiseriooiHiia da cidade de 8. Sebastião, partes do Brazil, quo ha sê$senta annos que tem feito ea$a com o seu hospital para enfermos, sacristia, par- latorio o é uma das boas da Costa e a algumas faz vantagem notável com sempre ter sua irmandade guardado o compro* misso, fazendo muitas esmolas, casando orphãs e dando ordi- nárias, todos os sabbados conforma a possibilidado da terra. B, porquanto, ató agora não tem pro^sões para ser Misericórdia pede a Vossa Magestade lho mande passar provitão para que aquella casa possa gozar de todos os privilégios o graças, honras e liberdades que tem e gozão as Casas desta cidade de Lisboa e a da vília de Setúbal e as mais do Reino.»

Philippe III de Hespanha e II de Portugal deu ao reque- rimento o seguinte despacho: < £u El^Rei faço saber aos que este Alvará virem que havendo respeito ao que na petição atrás escripta dizem o Provedor e Irmãos da Santa Miserioordia da cidade do Rio de Janeiro, partes do Firazil e vistas as oausas que allegam, Hei por bem e Me praz que elles possam gozar e usar do todos as provisões e privilégios concedidos á Casa da Misericórdia desta cidade de Lisboa e isto naquellas coisas em que se lhes poderem applicar e ás justiças a que este Al- vará fôr mostrado e o conhecimento pertencer o cumpram como nelio se contém, o qual Hei por bem que valha como oarta sem embargo da Ordenação do segundo livro titulo quarenta em contrario. João Feo o fez em Lisboa oito de outubro de mil seiscentos e cinco e Duarte Corrêa o fez escrever.»

Estes dois documentos, aliás de incontestável authentieidade, pois que, no segundo delles, está armada a asaignatura

A 8ANTA CASA DA MISERICÓRDIA 13

âulograplifb do ReJ« iôtit servido para 06 pretender sustentar (|U6 a nossa Misericórdia data do anno de 1545. monsenhor Piaarro e Duarte Nanes protestavam, oomo adeante se verá, quanto i veracidade dos seuenta annos^ contraria aos factos h sietioos.

No dia 8 de julho do 1880, appareceu no Jornal do Com- merciú erudito e curioso artigo, depois reduzido a opúsculo e firmado por F. S. Soube-se depois que o seu autor era o emérito b dedicado ohefe da secretaria da Misericórdia, Fran- cisco Augusto de S&, ctgo nome jamais será esquecido por todos qaantoe trataram com tão distincto cavalheiro e exemplar f unc- etonario.

Compulsando os livros do Arohivo da benemérita instituído e lendo no chamado livro dos Privilegias os documentos acima copiados, aventou com toda a convicção o conceito de que José de Anchieta nao íôra o fundador do primitivo hospital. Rssa oplttlfto foi, com maior desenvolvimento, seguida também de perto pelo operoso autor (Feiix Ferreira) da Noticia Histó- rica— A Santa Casa da Misericórdia Huminense-^Fundada no Século X 7 {i894 1898) .

As raeões de um e outro desses dois escriptores não podem satisfazer a quem conhecer um pouco a historia da descoberta do Rio de Janeiro e fundação desta cidade. Por ora, aualy- sarei o que escreveu Francisco de Sá, cuja argumentação não pôde resistir aos mais simples commentarios. Tomando o texto do JSawÀuario Mariano :

Fiea este (Hospital) situado dos muros a dentro daquella ct- dade e junto á Casa da Misericórdia^ diz o referido escriptor de 1880 : <De firme propósito para esclarecer o ponto duvidoso sobre a data da fundação da Santa Casa da Misericórdia do Rio Janeiro copiamos textualmente o ultimo periodo da nota extra- hidado Sanotuario Mariano, que diz fica este (o hospital creado pelo Venerável Anchieta) situado dos muros a dentro daquella cidade e junto á Casa da Misericórdia. Do que citamos, se de- prebende que, quando o Padre Anchieta croou o seu hospital, a Santa Casa existia.»

Frei Agostinho de Santa Maria, autor do Sancluario, es- creveu o seu volume X, de conformidade com a relação que daqui

14 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

lhe foi enviada pelo fi*aiici8cano Frei Miguel de S. Francisco e quando ella asseverava que o hospital estava situado junto da Santa Casa^ dizia uma verdade. Frei Agostinho escreveu aquelle volume em 1713 e, nesse tempo, com toda a certeza, o hospital estava Junto da Egrc^a, em cujo adro, como se refere Fern&o Gardim, em 1585, se representou o auto de S. Sebastifto.

Quando, pois. Santa Maria se refere á sltuaçSo do hospital, trata da actualidade (1713) e, por não algum, pretendeu sus-, tentar que, quando o venerável Jesuíta oreou o seu hospital, J& o da Santa Casa existia. A Egreja, como mais tarde provarei, foi edificada pelo mesmo tempo mais ou menos que o hospital.

« Nao procedem também, continua F. de Sá, as razões apre- sentadas pelos citados historiadores, de quo a capitania de São Vicente, povoada pelos portuguezes muito antes que a do Rio de Janeiro, principiou a ter Casa da Misericórdia no anno de 1643 e que era impossível se fundasse outra no Rio de Janeiro antes de se estabelecer e povoar a cidade ; porquanto o padre Nóbrega dirigindo-se ao cardeal D. Henrique, por carta de 1 do julho de 1564, disse : « Esta Capitania (de S.Vicente) se tem por a melhor coisa do Brazil, depois do Rio do Janeiro.»

Em primeiro logar, o autor da missiva não se refere a São Vicente mas positivamente ao Espirito Santo, capitania de Vasco Fernandes Coutinho, e trata de condições topographicas inferiores ás do Rio. Demais, nessa mesma carta se encontra o período seguinte, que bem serve para provar não haver, por esse tempo, Ducleo algum de população na nossa bahia, aliás conhe* cidae desde os primeiros tempos visitada por vários viajantes, por Martim Affonso, Thomé de Souza, etc.

Eis o trecho : Parece muito necessário povoar^se o Rio de Janeiro e fazer-se nelle outra cidade como a da BalUa, porque com ella ficará tudo guardado, assim esta capitania de S. Vi- cente (de onde foi escripta a carta) como a do Espirito Santo, que agora estão bem fracas, e os Franceses lançados de todo Í5ra e os índios se poderem melhor sujeitar e para isso ó mandar fnais moradores que soldados, >

Apoia-se também o articulista na carta escripta na Bahia, por Anchieta, em 9 de Julho de 1565, cujas primeiras palavras são : De S. Vicente so escreveu largamente o que aconteceu á

A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA 15

Armada desta Cidade do Salrador que foi povoar o Rio de Ja- neiro este anno passado de 1564. > Exactamente, porém, nesta longa misslTa dirigida ao Dr. Diogo Mii^o, corroborada em ra* rios pontos peia do paire Quiricio Qaaxa, enviado ao mesmo Dr« Mirfto ( 13 de julho de 65), não se encontra ama palavra que nEo seja a da necessidade do povoamento do Rio de Janeirof até então entregue ao commercio dos Franceses.

Quando Thomó de Souza resolveu ( 1552 ) visitar as Gapi« tanias do Sul, dizia, escrevendo ao Rei com relaçSo ao Rio de Janeiro, por elle Tliomé visitado:

Parece-me que Vossa Alteza deve mandar /nzer aUi uma povoação honrada e boa ; porque jék nesta costa não ha rio em que entrem Francezes senão neste. E tiram delle muita pimenta e M sabedor que um anno tiraram cincoenta pipas ; e tirarão quantas quiserem, porque os mattos a dão da qualidade destas de cà, de que Vossa Alteza deve ter informação. £ escusar-se-hia com esta povoação armada nesta costa . E não ponha Vossa Alteza isso em traspasso.

«...E so eu não fiz fortaleza esto anno no dito rio, como Vossa Alteza me escrevia, foi porque o não pude fazer por ter pouca gente o não me parecer siso derramar-mo por t&ntas partes. »

Quando em 1560, derrotados os flrancezes por Mem de Sà, opinaram alguns chefes da expedição deixar forte guarnição na ilha de Coligay conquistada, para impedir a volta dos inimigos, hypotheso que se realizou, preponderou o voto de não ser oon< veniente a divisão das forças. Nessa conformidade, ordenou Mem de fosse totalmente arrazado o forte o recolhidos aos navios portuguezos toda a artilharia tomada e grande quantidade do despojos.

Desta vez ainda não foi realizado o povoamento do Rio de Janeiro, do qual se apoderaram de novo os Francezes até 1507.

Pela attenta leitura da obra de Hans Staden se conclue: a principio muitos navios portuguezes traficavam com os indi- geoas, cm boa companhia com os navios francezes e a bordo destes últimos, apezar das penas severas em que incorriam, vi- nham engajados marinheiros portuguezes. Admitto por hy- pothese que um ou outro ficasse entro os selvagens ou vivesse

16 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

om harmonia com os franoezes, póde-se admiUir formassem tacs elementos dispersos núcleo ou agremiação que se pare- cesse com a Irmandade da Misericórdia ?

Logo, a asserção de existir aqui em 1515 a Santa Casa, carece de todo o fundamento. Esse idéa tem tomado yulto e até sem grande critério tal data tem sido reproduzida em diversas publicaç9es-*entre outras o mui conhecido Âlmanack de La- emmert.

Demais, em nenhum dos trabalhos publicados de 1880 até hoje se encontra o menor vestígio que patrocino semelhante absurdo histórico.

De tudo, pois, se podo concluir: os sessenta annos citados no requerimento referido são ou um ft*ucto de oxaggeração ( ante^ lapso de memoria ) ou podem ser explicados também por ma- neii*a mais próxima da verdade.

Isto procurarei analysar, quando tratar das opiniões de Félix Ferreira, que no seu trabalho, aliás de muito mereci- mento, insiste pela certeza da data 1545 !

Com a epigraphe : Quando^ como e por quem foi fundada a cidade do Rio de Janeiro^ escreveu, no Jornal do Commercio de 31 de julho de 1802, Félix Ferreira extenso e curioso artigo sobre os primeiros tempos de nossa historia.

Segundo este escriptor, a Gonçalo Ck>elho, chefe da ex- pedição enviada ao Brazil por D. Manoel, em 1503, cabo a gloria daquillo que foi realizado, em 1565» pop Estacio do Sá.

A povoação, no dizer do articulista, fundada por Gonçalo, na Praia, hoje da Saudade, esteve sob as vistas do chefe da ex- pediçãOy durante dois annos. Ia ella om via do florescimento, atô que foi atacada pelos selvagens que trucidaram todos os habitantes, inclusive dois frades Arrabidos.

Para tal fim, sem maior exame localiza Félix Porreira, no Rio de Janoiro, um faeto narrado por Frei António da Piedado, na Chronica do Arrábida e repetido por JaboaLão no sen Orbe Seraphico^

A SANTA CASA DA MISBRIGORDIA 17

Ora, ezaotamente esses dois chronistas mencionam aooutecimenio como ocoorrido em 1503, em Porto Seguro. Conforme, porém, % opinião de Capistrano de Abreu, os Arra- bidos (Franciscanos) Yieram noa primeiros tempos duas vezes ao Brazil: uma, em 1503, á Parahyba do Norte e a outra, em 1551, a Porto Seguro. Quanto aos Religiosos Franciscanos, che- garam ao Rio de Janeiro em 1592, quando, pela segunda vez, governara Salvador (Corrêa de Sá, sobrinho de Mem de Sá. A ezplicacSo de Capistrano de Abreu foi dada em uma nota ás Informações e fragmentos Históricos do Padre José Anchieta^ pa« blicados em 1886, na Imprensa Nacional.

Por ahi se deixa ver o modo superficial por que o histo- riographo, encarregado pela Santa Casa de escrever a Memoria Histórica, pretendeu explicar os primórdios da antiga e piedosa institui^. B porque, segundo informa Frei Agostinho de Santa Maria, a egreja da Misericórdia teve a principio a invocação de Noesa Senhora da Copacabana, Feliz Ferreira, suggestionado sempre pelo seu enthusiasmo para com o chefe da expedi^ de 1503, condue o capitulo da íúndagSo da Santa Casa do modo seguinte: c Ora, si essa invoca^^o (Copacabana), se desligou da Santa Casa, náo desappareoeu das cercanias onde Qonçalo Coelho primeiramente e depois delle Mem de ! (sio) lançaram os fun* damentos da extincta VUla Velha. Copacabana persiste náo s6 no aetual bairro que se está desenvolvendo tfto promettedora- mente, oomo na secular capellinha alli levantada onde se venera a Senhora cqja imagem seria talvez erecta como succes- sora da primitiva Padroeira da nossa Misericórdia.»

A fundação da capella de Copacabana, na antiga praia de Sacopenapan, obedeceu talvez a outras razões e nada tem com Gonçalo Coelho, em cujo tempo, com toda a certeza, não se cogi* tava de Misericórdia, no Rio de Janeiro. A ermida supra assim como foi fundada alli poderia ter sido estabelecida em outra qual- quer praia das redondezas desta cidade.

No intuito de sustentar a verdade da data de 1645 para a Amda(^ da Santa Casa, guiando-sa pelo anno de 1605, exarado no despaoho régio, exclama com toda a convicção o chronista da Santa Casa: < B tanto isto é verdade que nas primeiras cartas dirigidas á metrópole por três vexes sncoessivas se sustenta que

4&i^f^ Tomo lxzx ?• i*

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a Casa FiumiaoQâo contava nessa époea sessenta annos de oxis- tencia, o que equivale a coliocar ( o grypho é meu ) s%m fundação efitre os annos i5 Í5 a Í548, isto é, justamenie gitando a incipiente cidade ainda se achaca na Villa Velha, onde Estado de Sd (sio), . concentrava as suas farças e fazia o centro de suas sortidas contra ílrancezes e tamoyos.>

Além de, na nota da pagina 120, Feliz Ferreira nSo citar as datas de taes despachos, adultera o chronista, por modo im- perdoável, a verdade dos factos. Onde foi elle descobrir que em 1545 a 1548 Estacio, em Villa Vellia, fazia desta centro do ope- rações ? 03 francezes de Villegaignon s6 vieram ao Rio de Ja- neiro em 1555, quasi dex annos depois. Demais, é hoje sabido : Bstacio de veia pela primeira vez ao Rio de Janeiro em 1560, em companhia de seu tio Mem de Sá, quando este terceiro Gover- nador Qeral desalojou os francezes, sob a chefia de Bois Le Comte, sobrinho de Villegaignon, que partira para a França.

Em 1545, Estacio era seguramente menino. Ainda ha poucos dias, deu-me conhecimento desse facto o illustro pro- fessor Capistrano de Abreu, dizendo-me que o sobrinho de Mem de falleoera com 24 annos de cdade em 1567 ; porque, con- forme uma carta oncontrada, por elle, Capistrano, na Biblio- theoa Nacional, soube que Estacio tinha de edade 17 annos, quando veio ao Brazil.

Para evidenciar o pouco cuidado com que Félix Ferreira escreveu a introducção da sua Noticia Histórica e pôr do sobre- aviso o leitor contra o que aquelle sustenta, basta citar o se- guinte facto por si eloquente : O despacho do rei, em data de 8 de outubro de 1605, n3u> podia ser firmado por Felippe II de Hes- panha e I do Portugal, mas sim pelo filho, Felippe III de Hes- panho e II do Portugal, que reinou de 1598 a 1621 . No entre- tanto, Félix Ferreira, em vários pontos da Noticia Histórica^ assignala sempre o nome do primeiro daquelles monarchas» faUe- eido em 17 de setembro de 1598.

Feitos estes reparos, cumpre entrar em matéria. Procurando combater a opinião de monsenhor Pizarro, é, a meu vêr, injusto o autor da Noticia Histórica A Santa Casa Fluminense. Com muito critério, o autor das Memorias Histó- ricas do Rio de Janeiro {Píiaxro)^ pondo em duvida o$ sessenta

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annos da petição^ disse: cnSo era a Misericórdia tão antiga, como quizoram afflrmar o Provedor e Irmãos delia, na sapplioa, de que resultou a Provisão de 8 de outubro de 1605, alli conser- vada>. . Si 03 impetrantes pretenderam, sem fundamento, de- duzir a origem dessa casa da era de 1556, em que no Rio de Janeiro se estabeleceram os primeiros francezes, não podiam chegar os annos a mais de 49 ; e, si contaram desde a fundação da cidade, eram passados apenas 38 annos, segundo a data da provisão sobredita.»

Fazendo referencias á Misericórdia de Santos, ainda muito bem escreveu Pizarro : Si aquella Capitania de S. Vicente, povoada pelos portuguezes, muito antes que a do Rio de Janeiro, principiou a ter Casa de Misericórdia, no anno de 1543, como seria possível que se fundasse outra similhante aqui, antes de se estabelecer e povoar a cidade ?>

o mesmo reparo fizera antes o Tenente de Bombeiros An- tónio Duarte Nunes^-no seu Almanach Histórico da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro^ manuscripto (anno de 1799) ofTer^cidO ao Instituto Histórico e Qeographico Brasileiro por Josó Pedro Werneck Ribeiro de Aguilar e em 1858 impresso no Volume 21 da Revista do mesmo Instituto. < Sem embargo, diz Duarte Nunes, do não corresponder a datado dito alvará (8 de outubro de 1605) á do cumpra-se que teve nesta cidade, comtudo devo suppôr engano (os gryphos são meus) de quem o lavrou ; porque, computando a era da fundação da cidade em 1567, com a do cumpra-se do alvará de 1630, vem-se a conhecer que são (com pouca differença) os sessenta annos da posse que allegam no re* querimento e daqui infiro que a crea^ desta casa principiou logo depois da fundação da Cidade^ em 1568 ou 1569, porque a differença que ha seria a demora que teve o requerimento em ir a Lisboa e voltar.»

Para combater a prioridade do venerável padre Josô de Anchieta na fundação do primitivo Hospital de Misericórdia e pôr em duvida a opinião de Pizarro, baseada nas de frei Agos- tinho de Santa Maria e padre Simão de Vasconcellos, estabelece Folix Ferreira hypotheses que não provou.

Ora diz que o Hospital de Anchieta era differente do que a Irmandade da Misericórdia estava construindo (1582); ora

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qao O Jesuíta assignal&u oom a nada mais ; ora qne uma casa pari^ agasalhar tão grande namero de doentes, oomo trazia a osquadra de Baldez, nSo se improvisa de momento, tSo pouco se encontra de um dia para outro em uma cidade nascente, como era então a nossa, que* transferida da Villa Velha fsio), na Praia Vermelha (sic), para o morro do S. Januário ou do GastellQ* como passou posteriormente a denominarse, «não poderia em quinxe annos, de 15Ô7 a 1582, ter casa particular capaz de servir tão promptamente de hospital».

As considerações que se seguem apoiam os argumentos que tenho apresentado para Justificar os enganos em que incorreu o pperoso Sr, Feliz Ferreira. Todas as vezes que eram fundadas villas e cidades nos domínios portuguezes, institoia-se Jogo 1^ Santa Casa de Misericórdia, isto é, a Irmandade ou Corpora^o com os fins humanitários estatuídos no oompn>« misso da Misericórdia de Lisboa, (ormulados por Frei Miguel de Contreiras, Os encarregados da governação, os membros dos Concelhos e os homens bons davam-se as mãos para auxiliar tão santo instituto.

Foi o que aconteceu aqui, conforme se deprehende das palavras de Gabriel Soares de Souza, quando se refere ã par- tida de Mem de em 15Ô8, depois de ter permanecido no Rio de Janeiro perto de anno e meio.

Estabelecida a agremiação, tratavam os membros delia de construir a casa ou templo onde podessem celebrar actos re- ligiosos. Quando não era isso possível, por falta de recursos, recorriam os Irmãos da Misericórdia a templos, capellas ou ermidas alheias.

Ainda tal facto se deu, entre nós: os Jesuítas construíram logo no alto do monte a sua capella de pàu a pique (Annaes da Bibliotheca Nac. Vol. 19). Alli se celebravam as cere- monias do culto offlciaes. Os Jesuítas eram então, exclusiva- mente até nomeação do P vigário Matheus Nunes, os únicos curas d*alma. Salvador Corroa resolveu levantar um templo a S. Sebastião, no morro. As obras pararam com a partida desse lo Governador, continuaram depois no seu segundo governo e ficaram terminadas em 1583. Nesse anuo, foram para alli trasladados da Cidade Velha os restos de Estado de Sã, que,

A SANf A CASA DA MISBRIGORDIA 21

desde 1567, repousavam na capella sita na várzea janto ao hoje morro de S. João*

Não é crível qae os Irmãos da Misericórdia, tendo á miú) a pequena egreja dos Jesuítas, atravessassem o mar para ouvir missas, ir á desobriga, etc, na vellia ermida de que Í6ra juix Francisco Velho.

Até então não haviam os confrades da Misericórdia podido construir o hospital e egreja própria. Ha um acontecimento extraordinário— a chegada de Baldez e entiío o Venerável Josô de Anchieta estabelece o Hospital de que a Irmandade tomou conta.

Dado o impulso, faltava a egr^a e esta foi levantada em seguida a 1582 ; serve de prova o testamento de Diogo Martins Mourão ; de sorte que existia em 1585, quando por aqui passou Fernão Cardim. Era tão pequena como a dos Jesuítas, pois o auto de S. Sebastião e a prégagão foram Mtos em um tablado e em plena rua não longe da praia.

Tudo isso ó possível e pôde ser provado com factos análogos que occorrem nos magistraes trabalhos de Gosta Oodolphim As Mis&ricêrdias ; de Victor Ribeiro A Santa Casa de Misericórdia de Lisboa; de Arthur Vianna A Miséria cordia do Pard^ etc, etc.

£ os ses&enta annos, dirá o leitor ? Ou a rubrica do rei na Provisão de 1605 é mesmo de Felippe III, de Hespanha, ou de seu filho e sucoessor. No prim^ro caso* a explicação será ama« e, no segundo, outra muito mais evidente e segura*

E* problema que vou estudar, tendo em mira as pálavraá de Duarte Nunes.

Obedecendo sempre ã orientação escolhida, contintia Félix Ferreira: « Destruída a aldeia de Gonçalo Coelho pelos in- dómitos selvagens, logo que o navegador se ausentou e seguiu no cumprimento de sua missão em busca do caminho de Malaca, antes de um quarto de século aqui vinha Martim Afbnso abri* gar-se na enseada, que por muito tempo lhe conservou o nome

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onde, segando nos informa o irmão Pêro Lopes de Souza, fez constrair dous bergantins de (][uinze bancoa cada um.

« Meio século depois da primeira fundação^ ó que Mem de tentou a segunda na Praia Vermelha (sio), onde se acastelou posteriormente (sic) Estacio de Sá. com sua gente para dar repe- tidos combates aos ft*ancezcs atô conseguir, afinal, a victoria de 1564 (sio), seguida da transferencia da povoação e fundação offlcial da cidade.»

Pretende em seguida o chronista da Misericórdia « que de todos esses ephemeros povoamentos^ incluindo o da ilha de Ville- gagnorij iam ficando residuos em torno da hahia^ de forma que antes do melado do século XVI a população, ainda que muito disseminada, era saffictente para formação de uma nova ca- pitania »•

AUade a algumas sesmarias concedidas pelo donatário Martim Affonso e seus loco-tenentes e entro as quaes a da ilha Grande, dada ao dezembargador Manoel da Fonseca. Não cita, porém, nenhuma delias no interior da bahia do Rio de Janeiro. Fala na aldeia de S. Lourenço, concedida muito mais tarde ao Ararigboia, bem como na zona de Itaóca e na sesmaria de Garcia Ayi^es, em Marapicú, coisas que nada tôm com o assumpto. < A' vista desta rápida resenha, prosegue, e não seria difllcil addicionar muitos outros exemplos (porque não o fez ?) de aldeia- mentos e povoados , prosegue o autor da Memoria, comprehende- se perfeitamente que, muito antes da fundação offlcial da cidade do Rio de Janeiro era relativamente bastante considerável (?) a população fluminense por aquelles tempos e a ponto de rivalisar com a do S. Vicente. »

Cita em seu apoio a carta de Manoel da Nóbrega, a qual provei se referia ao Espirito Santo e não a S. Vicente. « Si em 1560 o padre Manoel da Nóbrega considerava a capitania de S. Vicente (sic) depois do Rio de Janeiro, isto ô, ioferior, como> nãoadmittirque, quinze annos antes, pelo menos, não estivessem ambas no mesmo de igualdade e por conseguinte pudessem ambas ter a sua Irmandade da Misericórdia ?. . . Tendo-se fun- dado a Misericórdia de Santos em 1543, não poderia fundar-se a de S. Sebastião em 1545 ? E' bem possível, atô mesmo por $%mples imitação, 1^

A SANTA CASA DA AÍISBRICORDIA 23

Mas easa imitação, observarei, poderia ser realizada* pelo menos, vinte annos depois, isto é, em 1565, quando Estado de Sá, com seus 180 companheiros, por ordem régia, lançou os alicerces da cidade de S. Sebastião junto ao morro Cara de Cão.

Para combater à opinião de monsenhor Pizarro a propósito de Braz Cubas, ítmdador da Misericórdia de Santos (1543), men* ciona ainda Félix Ferreira um documento que fornece armas exactamente contra suas opiniões anteriores. Esse documento, também citado por Azevedo Marques, ó do teor seguinte:

« D. Jeronymo de Athayde, conde de Athouguia, do Con- selho de Sua Magestade, capitão general do Estado do Brazil, etc. Faço saber aos que esta previsão virem que os Irmãos da Misericórdia da Viila de Santos, capitania de S. Vicente, me representaram por sua petição que por não haver na dita villa casa separada da Mixericordia celebravam seus offieios divinos na Matriz e por ser grande a necessidade que aUi ha de hospital, por ser o posto por onde frequenta o commercio de toda a ca- pitania, haviam resolvido fazer casa de Misericórdia e hospital, mas que por serem todos elles pobres, não podiam concorrer com as despezas necessárias para aquellas obras, por cujo re- speito me pediam lhes fizesse mercê em nome de Sua Magestade, que Deus Guarde, conceder para as ditas obras o dinheiro que existe em deposito naquella capitania do pedido que se fez por ordem deste governo e tendo em consideração a informação, que sobre este particular deu o procurador da Faztnda Real deste Estado e constar da certidão da mesma capitania, não haver nella mais do que 300$ em deposito, hei por bem de lhe conceder de esmola, em nomo de Sua Magestade, 100$ para as referidas obras, os quaes se despenderão com assistência do procurador da Fazenda e com mandado em forma que se passará em virtude desta provisão. Dada na cidade do Sal- vador da Bahia de Todos os Santos em 3 de outubro de 1654.» Pois si em -Santos as coisas se passavam desse modo, como admittlr em 1545 melhores condições para a Misericórdia do Rio Janeiro ? Havia também aqui, desde os principies da cidade, a corporação beneficente pouco numerosa dando esmolas e levando a caridade a dojpicilios d2^ n^cente povoação.

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ApreteDta-se, repetirei, oocasião extraordinária, a chegada da esquadra de Diogo Piores Baldez e os Irmãos da Santa Caia, segaindo o exemplo de Josô de Anchieta o ajudam nesia fitina e, passada a crise, tomam a si o encargo do estabelocímento fundado pslo venerável jesuita. Esse facto tem em seu favor a tradição.

Isto dea-se também no Espirito Santo, onde desde 1551 existia a Confraria, a mesma que, em 1597, prestava honras fanebres ao supradito Anchieta, Aindador do nosso velho Hos- pital.

Sem querer acompanhar o chronista da Misericórdia Flu* minense em divagações históricas que não vêm ao caso e para provar a incerteza de sua opinião citarei apenas as suas ultimas palavras com que parece dar as mãos & palmatória : « Dando de barato tudo quanto tenho produzido em defesa da affirmaçã^ sustentada pelas petições da nossa Misericórdia, em 1605 e em 1671, admittindo-se mesmo que a administração deste anno se baseasse no que encontrou escripto no requerimento daquelle anno e que o escriptor desta solicitação se houvesse enganado^ esse engano não podia ser tamanho como quer monsenhor Pixarro, flrmando-se no que escreveu ílrei Agostinho de Santa Maria, bem como aquelies que o seguiram nos seus insustentáveis argu» mentos, esse engano seria quando muito de vinte annos^ podendo Ur-se na petição de 1605, em vez de sessenta annoe quarenta, o que remontaria a 1564 (sic), quando Betado de (slc) ainda se encastellava na Villa Velha (sic), eto

E foi para cbegar a tal resultado que o autor da Memoria escreveu paginas e paginas deturpando os fkctos históricos e enchendo-as de anachronismos imperdoáveis I Essa é a ver* dade : ou houve erro na petição e em vez de sessenta deve ler-se quarenta annos, ou não está certo o anno do despacho e em vez de 1605 seja 1625 : nem isso é caso unioo de engano de datas ou de numero de annos. Haja vista o celebre testamento de Joio Ramalho, que tanto tem dado de si.

Comparando a data do alvará (8 de outubro de 1605) com 08 primeiros Cwnpra-se (1630), António Duarte Nunes suppOe talvez houvesse engano de quem lavrou o documento assignado pelo Rei. Para deita hypothese formar opinião segura seria

A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA 25

mister ter presente a rubrica aathentica ou um fac símile de Philippe III de Hespanha e II de Portugal para poder comparar com a assignatura régia do documento da Santa Casa. A des- peito da maior iiligenciat não me foi possivel encontrar aqui no Rio de Janeiro o que tanto desejava e vinha muito de molde (*).

João Feo, entretanto, cujo nome figura no precitado docu- mento, foi, em verdade, do serviço de Philippe III de Hespanha (II de Portugal). Fez elle vários alvarás no tempo desse mo- narcha, como tive occasião de verificar na precisa coUecção (ma- nuscripta) de Leis, constante de 37 volumes e existente no ar- chivo do Instituto Histórico Geographicô Brasileiro.

Feo, porém, serviu também com Philippe IV de Hespanha e III de Portugal. Nas Memorias Historico-Genealogicas dos Duques Portuguezes do século XIX, de João Carlos Feo de Car- doso Castello Branco e Torres e visconde de Sanches Baena, a paginas 682, vê-se o referido Feo assignando em 9 de novembro de 1626 um alvará com referencia a D. Luiza da Motta Feo, viuva de Manoel Lopes Pinto.

Este João Feo nfto deve ser confundido com João Feo Cabral, beneficiado de uma das egrejas de Cintra e proprietário do offlcio de aljubeiro do Aljube de Lisboa. Em 1624, estava doido, como se infere da pag. 672 das referida*? Memorias Eis- toricO'Genealogicas

1 Algum tempo depois de escriptas estas linhas regressava da Eu- ropa o Sr. Dr. José Carlos Rodrigues. O illustre director do Joimal do Commercio e benemérito mordomo lo Hospital da Misericórdia em- pre8tou-me,da sua riquíssima collrtcção,var os documentos assignados pelos ires Philippes de Castella. Do detido exame comparativo que o Sr. Dr. Rodrigues e eu fizemos, chegámos á conclusão: assignatura de Philippe 111(1605) do documento da Misericórdia é completamente authentica.

Mais tarde, foi isso corroborado por uma carta oscripta por alto funccionario da Torre do Tombo ao meu amigo o Sr. barão de Vasconcellos. Este distincto cavalheiro havia enviado p ira Lisboa uma copia ou /y*o st miVe que eu havia tirado do livro dos priviltgios da Mi- sericórdia.

\ mais aceitavol explicação dos sessenta annos ê a seguinte: muito.^ dos auxiliar. ís de E<tacio de tinham vindo com esto di? São Vicmtft. Lá, havi.im sido Irmãos da Misoricor«lia ^\^ Sautoa e, che- gados ao Rio d* Janeiro, continuaram a obra do frei Miguel de Con- treiras.

Julgavam-se confrade? de um único instituto, tendo em vista a fandação da 1* Mifdricordia do Brazil, estabeiecida por Brai Guhas.

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Não foi mais feliz ainda Felix Ferreira, na argumentado apresentada contra as duvidas de Duarte Nunes, isto é, que os ses- senta annos da petição dos Irmãos da Misericórdia podiam estar certos, porém errada a data 8 de outubro de 1605. Depois de in- terpretar os nomes dos signatários dos diversos -^Cumpra^se—^ todos posteriores a 1625, assevera F. Ferreira que a letra da petição era de Mar ti m de Sá, que governou entre os annos de Í607 o Í608 ; sem se lembrar que Martira governou por duas vezes o Rio do Janeiro e que poderia ter oscripto om 1625, o que Ferreira suppõe ter o filho de Salvador Correia de feito vinte annos antes.

O mesmo acontece com a assignatura do prelado e-^clesias- tico Matheus da Costa Aborim. Este exerceu o cargo, como é sa- bido, de 2 de outubro de 1607 a 8 de fevereiro de 1629 e podia ter posto o seu— cumpra-se— tanto em documento do tempo de Philippe III, como de seu filho e successor, que começou a reinar em 1621.

Do exposto, salvo melhor juizo, póde-se concluir: nem Fran- cisco Augusto do Sá, nem Felix Ferreira conseguiram tirar ao venerável padre José de Anchieta a gloria de ter iniciado a creação do velho hospital da Misericórdia.

Os confrades, pois, desta grande agremiação bem fizeram coUooando a estatua do inolvidável jesuita ao lado da de frei Miguel de Contreiras, fundador da Misericórdia de Lisboa, no vestíbulo do grandioso edificio da praia de Santa Luzia.

CAPELLA

Para escrever grande parto do decimo volume do Sancluario Mariano, frei Agostinho do Santa Maria mandou de Portugal pedir seguras informações a frei Miguel de S. Francisco, natural do Rio de Janeiro. Eite religioso, que exercera por três vozes o cargo de provincial, havia terminado a incumb«3ncia, quando os francezes, em 1711, saqueando esta cidade, invadiram o Con- vento de Santo António, destruindo os papeis encontradjs nas

A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA 27

differentes cellas. Não desanimou, porém, frei Miguel, que deu principio a uma nova Relação e a enviou a seu destino. Dahi se infere: tudo quanto relata o autor do Sanctuario é fundado no testemunho presencial, e os factos narrados de conformidade com a historia e a tradição.

Descrevendo a capella da Misericórdia, assim se exprime o supracitado frei Agostinho :< He a igreja da Misericórdia formosa e ricamente adornada e ornada de ricos ornamentos. Tem cinco capellas e a maior com um retábulo dourado magestoso e com duas oapellas de cada parte ; e tem uma formosa tribuna, aonde nas occasiões festivas se expõe o Santíssimo Sacramento e onde está o sacrário de onde se administra o Yiatico aos enfermos. Das referidas capellas na primeira que âca da parte da Epistola está a milagrosa imagem de Nossa Senhora do Soccorro. Esta capella e a que lhe fica em parallelo da parte do Evangelho, dedicada a S. Thomô ficam no mesmo pavimento do Altar Mór ; porque delle se desce por seis degraus para o pavimento do corpo da igreja. . A primeira capella depois da maior e que fica da parte da Epistola ò dedicada á Rainha dos Anjos com o titulo de Bom- successo.»

Ainda mais á pag. 105 do livro do Tombo encontra-se a escriptura de 6 de abril do 1648, pela qual Manoel Rabello se compromettia a fazer os ornatos do altar de S. Martinho, do lado do Evangelho e defronte do de Nossa Senhora do Bomsuccesso, de oonformidade com os do Altar-Mór.

Do exposto se concluo: até 1713 não era padroeira da Mise- ricórdia a Senhora do Bomsuccesso, ouja imagem nSo ocoupava o logar de honra e foi collocada na antiga egreja muito depois desta haver sido construída.

Refere ainda frei Agostinho de Santa Maria: < Indo de Por- tugal para aquelle porto do Rio de Janeiro, no anno do 1637 ou 38, o padre Miguel da Costa, Presby tero do habito de S. Pedro, levou em sua companhia uma imagem de Nossa Senhora, a quem havia imposto ou venerava com o titulo de Bomsuccesso ; a qual imagem (depois de estar assente naquella cidade) coUocou na- quella egreja (Misericórdia) com licença do Provedor e Irmãos daquella casa. E quando o fez (porque estavam as capellas delia occupadas e não teria mais que duas do corpo da egreja) foi na

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capella e altar de Nossa Senhora de Capacavana aonde esteve alguns annos. O mesmo Padre Miguel da Ck>sta, que muito vene- rava esta Santíssima Imagem, com os desejos que tinha de que fosse servida com toda a veneração e culto, que lhe era devido, convocou alguns moradores daquella cidade dos que achou mais devotos da Senhora, para que elles a festejassem e servissem como mordomos e elle era o Procurador e Thesoureiro. Esses de* votos com as suas esmolas e de outros mais que se lhes aggre- garam flzeram á Senhora outra capella particular, que ó a que fica referida e se junto d porta da sacristia e próxima d capéUa mór>.

Interpretando mal as palavras de frei Agostinho, pre- tendeu Félix Ferreira, em sua Memoria (pag. 129), fosse a Senhora da Ck}pacavana a primitiva padroeira e da nossa Mi^ sericordia»

Do que acima vae referido se concluo que a imagem dessa ultima invocação também não occupava logar especial e sim um dos altares do corpo da egreja onde foi collocada a Senhora do Bomsuccesso.

Demais, escreveu ainda frei Agostinho de Santa Maria : Agora como tratamos da casa de Misericórdia do Rio de Ja- neiro, aonde a Senhora da Copacavana deu lagar no seu aUar á Senhora do Bomsuccesso, ô bem que delia não deixemos de fazer memoria ; sem embargo que delia se nos devam muito poucas noticias.

c Do que fica referido no titulo antecedente se que no altar da Senhora da Copacavana coilocou o Padre Miguel da Ckista a imagem de Nossa Senhora do Bomsuccesso ; de onde se colhe que logo nos principios daquella casa se coi- locou em sua egreja a Imagem da Senhora ; e porque nos não referiram nada delia digo o que se me ropresonta e é que como a Senhora é tida em todo o Império do Purú por um grande proJigio poios contínuos milag^os que continua- mento obra niquella sua Sagrada Imagem Peruana, poderia bem ser a trouxesse do lá. algum portu^uez como a trazem muitos em uns relicários de prata e por ella poderia mandar fazer esta Santa Imagem e por sua devoção a coUocarla na- quella Egreja. »

A 8AMTA CASA DA MISERICÓRDIA 29

O Ikoto do commercio oom o Peru é attestado pelas se- cintes palavras de Yarnhagen: No Rio de Janeiro sabemos qae esteva D. Fraacisco de Souza, em outubro de 1598. O commercio tomara aqui um prodigioso incremento com a sajeiçSo a Castella, que franqueava ao Brazil, por meio do Rio da Prata, o trato oom o Peru, de cujas minas vinham negociantes por fazendas, que pagavam á vista, por preços enormes e quando aqui as não encontravam iam bus- oal-as & Bahia e a Pernambuco... A consulta de 29 de no- vembro de 1605 orçava a entrada do que descia pelo Rio da Prata para o Brazil em mais de quinhentos mil cru- ■ados. »

Tudo isto é perfeitamente comprovado pela carta de Fran- cisco Soares, escripta do Rio de Janeiro a um seu irmão, em junho de 1596, e impressa em inglez em 1600. Essa mis- siva foi por mim vertida para o portuguez e reproduzida no Boletim da Associação Gommercial (1904) em uns apontamentos meus sobre o antigo commercio do Rio de Janeiro.

Quando, porém, esse movimento se incrementou, a nossa egreja da Misericórdia estava fundada e, si algum devoto da Se- nhora da Copacabana collocou a imagem delia no referido san- otuario o fez em um altar secundário, repito, e nunca na oapella-mór.

Que a Senhora do Bomsuccesso começou a ser fes- tejada mais tarde, na Misericórdia, prova ainda frei Agos- tinho, ílizendo menção da tola commemorativa de um grande milagre occorrido em 11 de setembro de 1639, dia em que se ceMfrou a primeira festa de Nossa Senhora do Bomsuccesso,

Esse quadro de pouco merecimento artístico, mas de valor histórico, citado em 1713, pelo autor do Sanctuario, desappa- receu, ha poucos anno0, da sacristia da Misericórdia. Sobre elle escrevi algumas notas, em um dos primeiros números á'ÂNúiicia.

Deixando de parte pormenores narrados pelo supradito autor sobre o assumpto, os quaes me levariam longe, filarei apenas uma ultima consideração. A Senhora do Bomsuccesso tinha a sua confraria de todo independente da Irmandade da Miserioordia.

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Eis ainda as palavras de frei Agostiako : « Nosta forma continuaram aquelies devotos da Senhora, até vinte de setembro deí652, em que^ sendo juiz daquella irmandade da Senhora, Je- ronymo Barbalho Bezerra, fez, com os mais Mordomos e Irmãos da Senhora, entrega e doação daquella Confraria ao Provedor daquella Santa Casa, entregando-lhe também tudo o que a ella pertencia, o qual, com os mais Irmãos, por justas causas, accei* taram a entrega.»

Desse accordo existe, si bem me recordo, importante do- cumento—a escriptura transcripta no !<> Livro dos Accordãos da Santa Casa e cugas paginas, como as de todos os outros livros do importante archivo da Misericórdia, pacientemente folheei, ha annos, com consentimento do finado provedor, conselheiro Paulino de Souza.

Foi depois de 1652 que a Irmandade da Misericórdia tomou a si 08 bens da Confraria do Bonosuccesso e o encargo de celebrar a respectiva festa que so devia realizar na dominga infra oclavam da Natividade.

Entretanto, essa commemoraçâo cahiu por vezes em des« uso, e, ení nossos dias, desde 1861 a 1873. Nesse ultimo anno, o provedor, conselheiro Zacarias, a restabeleceu e, em documento oâ9oial,proclamou de novo a Senhora do Bomsuc- cesso padroeira da Misericórdia. Refiro-mo ao discurso por esse illustre brazileiro pronunciado por ocoasião do lançamento da pedra fundamental do novo templo que tem de ser construído ao lado do Hospital Geral, em terreno próximo da Faculdade de Medicina.

Qual, porém, a imagem venerada no altar-mór da primitiva egreja da Santa Casa, no magestoso retábulo de que nos fala (1713) o padre Agostinho de Santa Maria? Por muito tempo tive a vaga opinião de que o logar de honra da primitiva ca- pella fora occupado pelo grande painel representando a Senhora da Misericórdia, o qual esta na antiga portaria do velho hos- pital, hoje sala do banco do consultório de gynecologia, a cargo do Sr. Dr. Feijó Júnior. Quando para alli foi removido o velho quadro 6 impossível dizer.

Pela leitura da importantíssima obra do Victor Ribeiro (190^) A Santx Casa de Misericórdia de Lisboa, fiquei convencido

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do que a referida tola da primitiva padroeira ô talvez repro- ducQao mais ou menos artística do grande painel de Garcia Fernandes, feito em 1534, e que existia no altar-mór do gran- dioso templo da Misericórdia daquella cidade, mandado con- struir por D. Manoel e concluído por D. Jo&o III.

Esse templo, como ó sabido^ foi quasi completamente des- traido pelo terremoto de 1755. No tempo de Pombal a Miseri- córdia passou-se para o templo de S. Roque, antiga casa dos jesuítas. Dos restos da egreja do tempo do D. João III tomaram conta os Freires de Christo que lhe deram nova invocação.

A teia da antiga portaria representa o grupo da Senhora da Misericórdia abrigando sob as dobras de seu manto : um papa, vários prelados, a figura de frei Miguel de Contreiras, um rei, uma raiuha, fidalgos e homens do povo.

Esse grupo figurava também em uma das faces das ban- deiras de todas as Misericórdias, as quaes, pelo alvará de 24 de abril de 1ÔB7, eram obrigadas a seguir o modelo das de Lisboa.

No frontão do novo hospital ostenta-se, magnificamente executado, o grande medalhão representando a Senhora da Mi- sericórdia, pela maneira acima referida.

£ com razão, porque foi sob os auspioios desse titulo que os fundadores da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro le« yantaram de pãu a pique a sua primitiva capella.

Conforme se concluo da acta de do agosto de 1671, sondo Provedor Thomô Corrêa de Alvarenga, a humidade e o cupim haviam inutilizado os papeis o primeiros livros da Santa Casa.

E', pois, quasi impossível determinar hoje com segurança o anno em que foi construída a primitiva egreja, a qual j4 existia em 1585, segundo se deprehendo da Narrativa Epistolar do jesuita Fernão Cardira.

Felizmente, porém, da destruição escapou o primeiro livro dos Aecordoos (1682-1658), onde se encontra mencioníwlo um

S2 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

dooamento qae serve para iodirectamente provar o se^ruinte: foram alada os companheiros de Bstacio e Mem os qae levaram a cabo a coastrucgao do modesto sanctaario dedicado a Nossa Senhora da Misericardia.

Reílro-me ao testamento feito em 2^ de setembro de 1031 por Diogo Martins Mourão, íllho de Duarte Martins Moa- riU) e de Jeronyma Fartado e casado com Francisca Serrão de Thoar.

Entre as disposições de altima vontade estão as verbas do teor segainte : Declaro qué sou irmão da Santa Casa da Misericórdia, de que foi também meu pae Duarte Martins Mourão dos primeiros que ajudaram a faser a egreja conforme o tem declarado em seu testamento. Peço ao Provedor da dita Casa e mais irmãos da mesma me enterrem como irmão que sou da dita Santa Casa á qual deixo para o Hospital dez mH réis.

Deixo em capella á Egreja da Misericórdia dois lances de casas de sobrado com suas lojas e qaintaes que flcão á face da rua Direita para a banda do poço, eto. Declaro que afora das ditas casas qae deixo em capella âoa outro lanço de casas pare^les em meio de sobrado e lojas com seu quintal defronte da porta tra* vessa da Misericórdia que fieão ã parte de minha mulher Fran- cisca Serrão de Thoar emqoanto fizer nellas moradia como suas que são.»

Abrindo aqui um parenthesis, é bom declarar que Diogo Martins não foi sepultado na Misericórdia, de ciga irmandade pedia apenas os suffragios e acompanhamento ; mas sim no Convento de Santo António.

Prova-se isto com outra verba do supradito testamento, na qual «pede ser sepultado no templo dos Franciscanos, na ca- pella-mórdas grades, para dentro, na cova de D. Margarida mnlher que foi de Constantino de Menelau^ deftmto «a qual tova me concedeu o Rvdmo. Padre Custodio Frei António dos Anjos a mim e a minha mulher Francisca Serrão de Thoar como se das letras escriptas na campa que está sobre a sepultura».

Dahi se que a mulher do governador Menelau fallecen o foi sepultada no Rio de Janeiro e obamavanie Margarida; que

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]á, om 1631 era fallocido o povoador de Cabo Frio. (Governou o Rio do Janeiro de 1613 a ]617.)

Mas qaem era esse Duarte Martins Mourão, cujo filho se orgulhava de ter por progenitor um dos fundadores da pri- mitiva capella da Misericórdia? Por duas vezes ó o nome de Mourão citado por frei Vicente do Salvador» na sim Historia do Brazil: a primeira entre as pessoas que da Bahia aoonKpa- nharam Estacio de S& ao Rio de Janeiro, taes como o ouvidor geral Braz Fragoso, Paulo Dias Adorno, oommendador de Santiago, Melchior de Azeredo, António da Costa, Chdstovão de Aguiar, Domingos Fernandes. A segunda, a propósito do Ara- rigboia, quando este em sua aldeia (1568) foi atacado pelos Francezes e Tamoyos.

« A este vinhão os Tamoyos ajudados dos Francezes sal- tear e prender, para fazerem em sua terra hum solemne ban- quete de saas carnes, segundo elles o mandarão por hum men- sageiro dizer ao capitão-mór Salvador Corrêa de Sá, o qual temeroso que tomada a aldeia tornassem para a cidade a for- tificou muito ã pressa e mandou aos moradores e soldados que estivessem em armas e não menos solicito da saúde do Índio amigo lhe mandou logo soccorro de gente Portugueza, ainda que pouca, animosa e governada, por Duarte Martins Mourão, seu capitão.»

Em 2 de novembro de 1566 obtinha Duarte Mourão 600 braças ao longo da agua e 800 para o sertão em Magé. Em 14 de janeiro de 1572, com Domingos Mourâo e Estevão de FigueiredOt 6.000 braças no rio Acaramandahyba, da banda de cima. Em 6 de agosto de 1590, terra de praia de Taipú até á lagôa de Ma- ricá, 3.0Q0 de costa e 4.500 para o sertão. Em 10 de novembro do mesmo anuo, sobejos na praia e costa do mar entre a la- gôa e Maricá. Finalmente, em 23 de janeiro de 1602, terras e campos no Cabo Frio. Tudo consta da Relação das Sesmarias {Manuscripto do Archivo do Instituto Histórico e impresso no tomo 63^ parte í», da Revista Trimensal do mesmo Ins- tituto).

Sendo homem importante do tempo, não á diffloil snppõr fizesse parte Martins Mourão das primeiras administrações da Misericórdia e fosse com seus companheiros de lutas,

491—3 Tomo lxix. p, i.

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povoadores todos do Rio de Janeiro, cooperador de Anchieta na caridosa e elevada missão de erguer o relho hospital e a an- tiga egreja«

Eâta, no correr de tantos annos, tem soffrido varias mo- dificações. Conforme o acoordão de 8 de julho de 1697, quando provedor Manoel de Barros Araújo, achando-se completamente perdida a cobertura, contraeton-fle um novo madeiramento por 500$, 86 a parte da carpintaria, correndo a expensas da Casa a obra de pedreiro.

Por aeeordâo de 9 de janeiro de 1705, ílcou resolvida a re- eonstme^ do templo, dando-se-lhe maior largura. Em 1708, es- tavam as obras concluídas, conservando, porém, a capella-mór as suas antigas e acanhadas proporções. Depois da ultima recon- stmcçâo, ficou a egreja, por mais de quinze annos, com as pa- redes rebocadas, sem pintura, e o altar-mór com um throno de taboas, cobertas por velludilho, até que, em 1725, se tratou com um entalhador novo throno e mais obras de talha, por 3.000 crusados, recebendo logo o artista 1.000, por conta. Con- cluídas as obras, s^nstou-se a pintura e douramento de toda a egreja com Francisco Mauoel de Moraes, por 750$000.

Bm 1733, foi também substituído o altar-mór por outro novo da provedoria do Dr. Manoel Correia Vasqoes, que ajustou a*esculptnra com o entalhador Bernardo Machado, por 4d0$000. Em 3 de agosto de 1818, reuntu-se a Mesa e Junta, sob a presidência do Provedor Tenente-Coronel Joaquim Ribeiro de Almeida (por alcunha o Padre Eterno) e deliberaram: vista do estado de mina em que se achava a Capella Mór e o perigo q«e oflTereoia, a n&o se lhe fazer algum reparo e á, vista do es- tado de finanças em que se achava a Casa, pela grande di- vida do Real Erário, por falta de legados para esse fim», que se tratasse da reedificando da mesma capella-mór, por meio de esmolas dos irmãos e bemfeitores.

Em 11 de outubro seguinte, foi approvado o plano apre- sentado A Mesa e autori2on-se o Thesoureiro a mandar demolir a obra velha e dar começo nova, que flcou concluída em 18S0, com muito bom effeito architectonico ; pois nao se deu maior altura ao âmbito, como se rasgou uma clarabóia coroada por um peqaoio Slmborio.

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Manda a verdade declarar : estefl ultimos apontamentos cDja veracidade coníéri com os livros da Misericórdia, são ex- trahidos de umas pagrinas impressas da continuação da Memoria de Félix Ferreira, as qnaes me foram dadas pelo illostrado Dr. Pires de Almeida. Elias, poróm, não foram incorporadas â obra do finado escriptor, sendo, por isso, inteiramente desconhecidas.

A Egrei^k da Misericórdia tem passado por importantes re- formas nsus Provedorias de José Clemente Pereira, Zacarias, Co- tegipe e Panlino de Souza. Tudo isso consta dos respectivos re- latórios.

Ultimamente, o templo passou por grandes melhoramentos, graças A iniciativa da actual adminiijtração.

Em 1623, existia por traz da Kgreja da Misericórdia um becoo que estava em matto sem sahida e sem se usar delle. Og Vereadores daquelle anno, Diogo Lopes Pegado, Francisco da Costa Homem, Francisco de Siqueira e Francisco Fernandes Que- vedo cederam á Santa Casa essa via publica, a titulo de esmola.

Em uma petição dirigida ao Conselho, allegara a Irman- dade «ter necessidade de alargar a cerca e muro para augmento do cemitério ; pois não tinha logar para enterrar os mortos, o que não podia fazer sem ficar dentro um becco sem sahida que existia entre o muro da Santa Casa junto dos chãos que foram de Amaro Affonso, o qual becco ficava em meio e de cujos chãos ella Misericórdia havia comprado seis braças para o referido fim »•

Outro becco separava a egrcja do quarteirão, hoje oo- cupado pela Faculdade de Medicina (antigo Recolhimento). Para este logradouro dava a porta travessa do templo. Nas alludidas paginas impressas, pretende Félix Ferreira que tal becco deeap- parecera em 1708. Essa opinião ó nuUiflcada pelos trechos de duas escripturas constantes dos livros da Misericórdia: a pri- meira de 1715, pela qual consta que a Santa Casa comprou a Francisco da Silva Costa e sua mulher Sebastiana Antunes cinco braças de chãos na travessa que vae da porta da Misericórdia para Santa Luxia defronte da porta travessa daquella egreja. Bsses chãos tinham vindo aos possuidores por escriptura de dote de seu sogro João Gomes Sardinha, os quaes partiam na dita travessa com chãos de D. Maria de Mariz.

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A seguQda escriptura de 1716, pela qual a Santa Casa com- prou a Clirístovâo de Almeida Corrêa seis braças de chãos de testada, silos em uma ilharga da Sanla Casa com a rua em meiOf 1'ronleiras d capella do Apostolo S. T/tomá— quo as comprou a Francisco da Silva Costa e sua mulher Sebastiana Antunes, por oscriptura feita na villa de Santo António de Sá. Partem de uma bania com chãos que foram de D. Maria de Mariz, ao da dita Santa Casa e pela outra fazem canto.

Convém não confundir esses terrenos de D. Maria de Mariz com os que outra de ogual nome legou á Santa Casa, no canto do becco da Musica, onde foi levantado o sobrado, ora em Tia do demolição.

No quarteirão occapatlo hoje pela Faculdade de Medicina existiam cm 1631 a casa de residência do S-.vrgento-Mór João Dantas, a logaia pelo Padro Bartbolomeu de Oliveira ã Sanla Casa e outra deixada por esto sacerdote ao Prelado Aborim, o qual, por sua vez, a deixou ã Misericórdia. Preciso é nSo con- fundir este sacerdote com o padre Bartholomeu de Franca, que, em 173S, logou casas fronteiras ao Hospital.

Estas ultimas davam fundos para os qaintaes das casas de Lopo Gago da Camará, Domingos Gomes e Manoel Nunes Fayal, sitas em outra travessa, mais tarde chamada do Recolhimento.

Tudo isso vem a propósito para dar ligeira idéa dessa an- tiga zona da cidade, cuja topographia, dífflcil do fazer-so pela deficiência de muitos documentos, não deixa de ser curiosa.

o HOSPiTAL V£LHO

Para se ter suffleiente idéa do que, ainda na primeira me- tade do século passado, era o antigo Hospital da Misericórdia, existem felizmente dois documentos: o relatório apresentado em 1830 á primeira Camará Municipal e a Planta Topographica levantada, em 13:^9, pelo tâuente-coronel do engenheiros Do- mingos Monteiro.

Etn virtude do art. 56 da Carta da Lei de 1 de outubro de 1828, a qual reformou as nossas antigas Municipalidades, a

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Cí>mara do Rio de Janeiro nomeou os cidadãos: João Silveira do Pilar, José Martins da Cruz Jobim, António Ildefonso Gomes, João Pedro da Silva Ferraz, António Ribeiro Fernandes Fortes, Gypriano José de Almeida e José Augusto Ce«ar de Menezes para formarem a Commús(!ro destinada a visitar as pris(!ies civis, militares e ecclesíasticas, os cárceres dos conventos dos Regu- lares e todos os estabelecimentos públicos de caridade.

Dando cabal cumprimento a essa missão, os nomeados apre- sentaram extenso relatório, do qual destacarei os principaes topleos, oom referencia á Santa Casa: « O hospital da Miseri- córdia, situado junto ao mar, nas fraldas de uma montanha, e exposto a toda a violência das variações e transportes do ar, que são próprios dos paizes marítimos, occupa uma das posi- ções mais insalubres desta cidade : a humidade, causa de innu- merams moléstias, deve ser alli excessiva, por ficar o estabe- lecimento pouco elevado do nivel do mar, porque deve receber deste um ar mais saturado do vapor aquoso, porque, final- mente» ficando junto de uma montanha, recebe as oxhalações de vapor, que esta transmitto continuamente & atmosphera, além do flue a experiência tem mostrado, ao menos na Europa, a respeito de todos os estabele8imentos, onde ha grande ajunta- mento de homens, situados em legares expostos a uma venti- lação excessiva e desegual, como são o cimo da montanha c o logar em que se acha o hospital, por ciusa das variações diárias queelles são sigeitos á grande mortalidade.

« A commissão, porém, ainda relevaria a situação deste estabelecimento, si outras coisas contribuíssem para contraba- lançar 08 males que delia procederão; infelizmente, nada vimos digno de louvor, nada de que é indispensável para um bom hospital : tudo ô mesquinho, tudo indica uma ignorância abeo- luta da hyglene daquellas casas: ventilação, asseio, commodi- dade para o tratamento o distracção dos doentes, tudo, emfim, se teve em pouca conta na construcção daqueile miserável edificio, feito aos pedaços, desde o seu principio, á medida que o exigia o accresoimo da população.

< Aconteceu-lhe o mesmo que a essas grandes cidades que attestam a imprevidência humana ou o poueo apreço em quo se (em as gerações Alturas : para qualquer parte que volte, não

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se encontra nelle nada qae agrade» nada do que ó dictado pelas mais simples regras de hygiene : o payimento inferior está quasi ao ni^ei do terreno circumyisinho ; ô por isso muito hú- mido, quando era necessário que o soalho tivesse alguns palmos de elevado e que por baixo pudesse circular algum ar, em al- gumas partes, sendo simplesmente ladrilhado, o tijolo repousa immediatamente sobre a terra e transraitte toda a sua humi- dade.

< Neste payimento estfio yarias enfermarias : a dos doidos» a dos invalides e doas de cirurgia. Nestas ultimas é tal a aceumu- lacão dos doentes e a fiJta de circulação do ar que os enfer- meiros asseguram que durante a noite lhes é penoso entrar nellas o que sfto obrigados a abrir as Janellas, preferindo expor aquellos desgraçados ao ar nocivo da noite, a deizal-KM perecer abafados.

< A primeira destas salas tem de comprimento 11 braças, de largura 4 Vt* ^ P^ qnando muito de altura e contém 88 camaa efléctivas. Ora, sendo o preceito dado por Tenon e oonfirmado por todos os autores que têm esoripto sobre hygiene dos hospi- taes, que uma sala com 13 toezas de oomprimento, 4 de lar- gura e 14 pés de altura, não deve conter mais de 18 doentes, segue-se que esta pôde oonter 9 ou um terço, pouoo mais ou menos, dos que contém. Adverte-se que algumas Teses ella contém 40.

« Mette-se um angulo escuro onde estão 8 doentes e segue-eo outra enfermaria com 14 braças de oomprimento, 4 de largura, oomprehendido o espaço ocoupado por uma parede do meio, damo5-lhQ 14 pés de altura que de certo não tem. Segundo o mosmo preceito, ella não pôde conter mais de 26 doentes e contém 65 effecti vos .

< Bsta sala é, demais, um subterrâneo abaixo do terreno que flca ao lado do morro e tem janellas da parte opposta ao Norte. Segue-se a casa dos inválidos: é um pequeno telheiro, conhecido no hospital pelo nome de galUnheiro^ no qual chove por todos os 1 idos e que não pôde servir para residência de vi* vente algum.

« B* aqui que vimos penetrados do maior horror 17 doentes oondemnados a solfrer até 4 morte e quem poderá orer que é

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no Rio éb Janeiro, na Capital do Brazii, que se encontram seme. Ihantes misérias t Mas ainda nio é tudo: no mesmo pavimento eetfto 09 doidos quasi todos juntos em uma sala, a que chamam madrez^ por onde passa um cano, que conduz as immundicies jàa hospital. Aqai vimos uma ordem do tarimbas sobre que dormem aquelles miseráveis, sem mais nada do que algum colchão podre, algum lençol e travesseiro de aspecto hediondo ; também vimos um tronco, que é o único meio que ha de conter 00 furiosos, resto desses tempos bárbaros de que a medicina se . envergonha hoje, quando se procurava conter os que tinham a daegraga de perder a razSo com os azorragues e toda sorte de martyrios. Ha alguns quartos em que mettem os mais furiosos em um tronco commum deitados no chão onde passam os dias e as noites, debatendo-ee contra o tronco e soalho, no que se ferem todos, quando ainda não vem outro, que com elles esteja e que os maltrate horrivelmente com pancadas.

« Nas enfermarias de medicina encontra-se uma primeira sala, onde o ar não pôde circular, porque de um lado tem janeUas abertas e no que fica em face ha três que se conservam Cachadas para livrar os quartos oontiguos da infeccibo da sala.

Da parte da entrada não pôde vir sinão um ar corrompido peias enCarmarias visinhas. Do lado opposto não ha uma Janelia, mas duas espécies de ^vemas onde apenas penetra alf um ar e luz e que servem também para gente doente.

< Segue-se a grande enfermaria, oonstrulda a angulo recto sobre a primeira, eUa lhe truismitte por meio de uma grande porta de communicação todo o ar que serviu para mais de eem doentes e que vae de novo alimentar o de 30 a 50 que eetio da maneira que dlMemos. Algumas janellas das que estão do lado do náar ainda se fecharam ató o meio com um telheiro em que estão as catacumbas.

As camas teem entre si uma distancia de quatro a seis palmos e no intervallode cada uma se fizeram nichos na parede para guardar os vasos de precisão doe doentes e que são outros tantos focos de infecção para toda a sala, quando era indispen- sável que se fizesse uma latrina para todos os que tivessem forças suffieientes para irem e que os impossibilitados tivessem junto de si os vasos necessários hermeticamente feshados»

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Esta latrina deverá ser ocmstraida segando o methodo de Darcet e se poderá aproveitar para estabelecer a corrente de ar no tubo de appaliacao a chaminé da cozinha, que âea ao desta enfermaria.

« As camas são de páu, quando deveriam ser de ferro por oansji dos insectos, porque elle ó de duração perpetua e porque não transmitte com o páu os principies miasmaticos ezhalados pelos doentes. A roupa da cama pareceu-nos pouco acseiada, mas os mesmos doentes nos pareceram menos asseiados. Os colchões e os travesseiros, dizem que servem de doente a doente até que se corrompam do todo. As camas, estando tão unidas que quasi que se tocam em algumas partes, não teem cortinados, trastes desconhecidos no Hospital e que consolo para um desgraçado doente estar vendo expirar ao de si o pobre companheiro, com quem, ha pouco, conversava 1 Não nos animamos a proseguir com receio de fatigaj» a vossa paciência.

« No resto do ediâcio tudo está pouco mais ou menos da mesma sorte e o serviço interior corresponde a estas misérias pa- tentes. Nada alli vimos do que é necessário para a salubridade de um bom hospital : enfermarias comprimidas, a maior parte sem ser forradas, janellas em cima muito distantes, salas sem venti- lação alguma, como por exemplo a chamada do axou^e que não pede servir para ente que respire, latrinas de construção tal, que infeccionam os legares circumvisinhos, um cano que empesta quasi todo o Hospital e conduz também as immundicies do Hos- pital Militar e com tudo isso ha de mais um cemitério ao dos doentes, no qual se enterram todos os dias para cima de vinte cadáveres quasi á íiôr da terra, por não ser possível aproAindar-se muito ; com um poço que não devia servir nem para lavar roupa e que se acha em íogar que j& serviu também de cemitério. Domais não ha agua dentro do estabelecimento. Não ha uma casado banhos, não ha recreio algum para os convalescentes.

«Finalmente, os construotores de semelhante casa parece que tiveram em vista a opinião paradoxal de Arthur Young que, por motivos de economia politica, pretendia que aquellas casas devem ser um objecto de horror para o povo, aftm de diminuir o mais possível o numero de infelizes que tentasse recorrer a ellas nas suas moléstias !

A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA 41

< Assim dizia o economista : Tornae o povo mais pre- vidente e diminuireis o numero de vadios. Mas oh ! delir io humano, o que poderá reservar para as suas precisões extra- ordinárias um desgraçado trabalhador que apenas ganha para sustentar-se a si e a sua familia ? E a socic<iade que recebe o beneficio desse trabalho ha de abandonai- o a todos os horrores da miséria ?

< Façam leis severas contida os vadios, nóa o reclamamos em beneficio da nossa pátria e do hospital que os trata em grande numero nesta cidade, mas tenhamos um Estabeleoimento, que é indispensável e que não sirva para vergonha nossa aos olhos de todo o mundo. »

Conforme roza a tradição, os terrenos cm que foram con- struídos o velho hospital e a egreja da Misericórdia perten- ceram a um particular, que os cedeu por esmola para fun- dação da Santa Casa.

Sou do opinião, salvo melhor juizo, que esse primeiro protector, suggestionado talvez pelo venerável Anchieta, fosse Gonçalo Gonçalves o velho , assim chamado para se diíTe- renciar de outro de igual nome, também mais tarde bemfeitor da Misericórdia. O retrato deste e de sua mulher figuram em um dos oorredores do Hospital Novo.

Que Gonçalo Gonçalves, o velho, possuía grande zona de terreno no sopó do antigo morro da ou de S. Sebastião (Castello) e por onie foi aberta a rua outr*ora Direita e hoje da Misericórdia, não ha menor duvida. *

Em seu testamento, feito em 20 de outubro de 1620, le- gava elle á Santa Casa o restante de soas propriedades •— casas de pedra e cal e terrenos que iam á praia, situados no lado impar daquella rua e as quaes ainda fazem parte do pa- trimónio da Misericórdia. Estavam situados em frente da pedreira que ainda hoje pôde ser vista nos fundos dos prédios 116 a 128 da mencionada rua.

Demais, como é sabido, no segundo governo de Salvador Corroa de (1592), vieram a esta cidade, com o intuito de

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fundar convento, os pa4r68 capuchos frei António doi Mar- tyres e frei António das Chagas. O governador deu-lhei a es- colha de differontes localidades ; mas aquelles religiosos se ooii- tentaram com a ermida de Santa Luzia, situada em logar di- verso da actual egreja desta santa e mais nas proximidades da Misericórdia.

De accordo com o prelado ecclesiastico Bartholomeu Si- mOes Pereira, os confrades de Santa Luzia resolveram ceder aos franciscanos não a capelia como também os bens patri- moniaes a esta pertencentes.

Além disso, obtiveram os religiosos para sua clausura ê r#- colhimento (diz a escriptura de 28 de fevereiíD de 1592, lavrada pelo tabellião Pedro da Costa) c todo o chão que ha, começando de uma cruz que está antes da dita ermida (Santa Luzia), vindo pelo caminho debaixo e partindo com os chãos de Gonçalo Gon^ çalves e dahi irão correndo ao longo da cerca dos padres da companhia ató o forte dito que está abaixo da Sé, deixando á mão direita o caminho e rua publica e do dito baluarte irfto correndo pelo trasto desta cida^le, partindo com elle pela banda de baixo atô os chãos de Anna Barroso e dahi rumo directo ao mar ficando sempre o caminho livre e serventia pela praia ao longo e irão correndo atô dar com o chão do dito Gonçalo Gon- çalves pela parte do mar e dahi irão correndo direito A cruz donde começamos a demarcação, etc., etc.»

Ejse documento, reproduzido no Arohivo Municipal, anno 1894, pags. 52-54, está assignado por Salvador Corrêa, o administrador ecclesiastico, André de Leão, J<mU) de Bastos, Estevão de Araújo, Pedro Gonçalves, Domingos Machado, Julião Rangel, Gonçalo de Aguiar, Álvaro Fernandes, Bartholomeu Vaz, Thomé de Alvarenga, Gonçalo Gonçalves, Álvaro Pemandes Teixeira, Pedro Gomes, João Dias, Bartholomeu Peres Ferreira, Manoel do Brito, Manoel de Torres, cujos nomes figuram tam- bém nos antigos livros da Misericórdia.

Em 20 de íovereiro de 1607, chegou ao Rio de Janeiro o cus- todio dos Franciscanos Frei Leonardo de Jesus, trazendo em sua companhia, além de outros, o muito conhecido Frei Vicente de Salvador, que escreveu a sua HiHoria do Brazil^ publicada pela Blbliotheca Nacional (1889). Frei Leoniurdo e mui

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companheiros foram hospedados nas proximidades da Miseri- córdia, em casa de Pedro AfTonsOf por traz do Hospital, propriedades que, como ylmos, a Misercordia comprou, mais tarde, a Amaro AíTonso, herdeiro de Pedro AíTonso.

Frei Leonardo não achou, porém, conveniente o sitio de Santa Luzia, doado em 1592 e acceitou,de accôrdo com o Gover- nador Martim de Sá, outro logar qu« se chamava então o outeiro do Carmo (hoje morro de Santo António), defronte da várzea e bairro de Nossa Senhora e a cavalleiro de uma antiga lagoa, onde o pae de Philippe Fernandes tinha o seu cortume. Aquello outeiro havia sido doado aos Carmelitas, que delle não se qui- zeram utilizar.

Feita a competente escriptura em O de abril, diz Jaboatão,e tomada posse do logar, os Religiosos que ató então assistiam em a Santa Casa da Misericórdia, logo na seguinte segunda^feira, dia de Nossa Senhora dos Prazeres (25 de abril), se passavam para sua nova residência, elevando um hospício próximo ao logar em que está, hoje, a Imprensa Nacional.

Dizem os chronifltas que Frei Leonardo do Jesus se desgostara do sitio de Santa Luzia pela vizinhança dos Padres da Com- panhia de Jesus. E' mais provável que aquelle Religioso cedesse ás insinuações do Governador Martim de Sá, então Provedor da Misericórdia, o qual mostrara a Frei Leonardo a necessidade que tinha a Santa Casa dos terrenos para ampliar a área do pri- mitivo hospital e o cemitério que lhe ficava próximo.

Mas, perguntará o leitor, a contiguidade dos terrenos per- tencentes a Gonçalo Gonçalves, os quaes começavam na rua da Misericórdia, era cortada pela ladeira do Collegio? Não. A primitiva ladeira tinha outra direcção, feita por Mem de Sá, e calçada em 1620; terminava na rua, hoje, da Misericórdia, quasi em frente dos prédios 109 e 113 da numeração actual. Quem noi-o af&rma é o vice-rei conde da Cunha, successor de Gomes Freire de Andrade, conde de Bobadelia.

Quando aquelle vice-rei peiiu e obteve da metrópole a mu- dança da residência das casas da praça do Carmo (hoje Repar- tição dos Telegraphos e antes Palácio Imporia!) para o Collegio dos Jesuítas, deu nova dii*acção á antiga e primitiva ladeira.

Na carta dirigida, em 8 de março de 1767, pelo vice-rei conda

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da Cuaha ao ministro FraDcLsco Xavier d3 Mendonça Furtado, leio: ta esta régia casa paz nomo de Palácio de S. Sebastião por concorrerem muitos motivos para dever ter este grande nomo. Fica-s0 trabalhando em um caminho novo para sua serventia ; porque o que até agora teve sendo feito para redes e não para car- ruagens de rodas ora excessivamente áspero por íngreme e n&o tinha romcdio por não ter terreno para onde se pudesse pro- longar e suavísar, também por estreito era incapaz, porgue nâo cabia por elle mais que uma sege e com aperto, tendo d parte do mar o despenhadeiro, que 6 horroroso, e pela da terra o monte do Castdllo, que se nâo podia cortar, por ser altíssimo e a prumo sobre o mesmo caminho. O novo se faz pela Misericórdia que será muito suave e com largura bastante para se poder desemba- raçar as carruagens, etc. {Códice do Archivo do Jnst. Histórico e Geo. Brás, Correspondência dos vice- reis 1763 Í777,)

Não sei como conseguiria o condo da Cunha fazer subir carros na hoje ainda muito Íngreme ladeira da Misericórdia,

Seu sucoessor, o conde de Azambuja, porém, preferira con- tinuar a residir na nntiga casa da Praça, indicando & metrópole o CoUegio dos Jesuítas para ahi ser estabelecido o Hospital Militar.

Entre outras razões escrevia quo a nova ladeira era de tão difflcil accesso quo para se ir ao alto de paquebote era necessário amarrar-lhe as rodas com cordas !

Foi nesse ponto occupado pelo aterro da ladeira nova que, a mou ver, foi levantado o primeiro hospital, grande galpão de taipa do mão, coberto de sapo feito ás pressas para ac- commodar os marinheiros enfermos da esquadra de Diogo Flores Valdez.

Nas proximidaiJes do morro, tendo casa pela parto poste- rior, apresentava fi*ente voltada para a praia ou antes para o antigo forte (depois de Santiago e ora Arsenal de Guerra).

Além de um lanço quo ainda hoje existe junto ao edifício antigo, é a minha opinião justificada pelo documeuto seguinte que encontrei no livro dos Accórdãos( 1622-1658). Ref!ro-me ães- criptura de 14 de agosto de 1626, pela qual a Misericórdia com- prou, -a Francisco Fernandes, chãos partindo com casas que foram de João Gomes Sardinha, que partem com esta Santa Casa de

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uma banda e da outra fazendo canto de rua com a ladeira e calçada que vae para o Gollegío e por trás com as casas que foram de Amaro Affonso e diversos herdeiros, os quacs, ora são da Santa Casa. Os prédios, parto do hospital, de João Gomes SarJinha, haviam sido pela Misericórdia permutados com outros legados por Gonçalo d' Aguiar. Essas permutas e compras foram feitas no tempo da Provedoria do Prelado Ecclesiastico Ma- theus da Gosta Moreira, também bemfeítor da Misericórdia.

Félix Ferreira, na sua Memoria, diz vagamente que o padre Aborim emprehondeu grandes obras para ampliar o velho hospital. Que o administrador ecclesiastico ora amante de con- strucQÕes temos a prova em uma petição dirigida ao Conselho Municipal e existente em um dos livros do antigo Senado da Gamara.

Diz Simão Pires, pedreiro, que tem cem braças de terra no districto da Carioca, por uma carta de aforamento da Gamara qao ora apresentava e porque elie snpplicante não tem possibilidades para nellas fazer bemfeitorias neces- sárias 03 queria passar ao Senhor Administrador padre Ma- theus da Costa Aborim por lhe serem muito necessárias em razão de terem feito nellas ambos uma olaria para se fazer ti- jolo e telhas para muitas obras que o dito senhor queria fazer e fasta nesta cidade^ pedia houvessem por bem lhe darem li- cença para traspassar ao dito Matheus e darem-lhe nova carta com as originaes obrigações Daspacho Qao pagando o foro que pagava Simão Pires lhe farião aforamento para pre- fazer o tempo qae faltava ao dito Simão Pires da quantia de dois novos annos declarados e nomeados na primeira carta que o ditoSímáo Pires teve de aforamento desta Gamara. ~ 'Em 29 de outubro de 1611.

Antes de, succiotamente, descrever as condições topogra- pbicas do velho hospital, no primeiro quartel do século jpassado, algo dlret acerca das suas visinhanças.

Situando no pequeno largo que tomou o nome de Mise- ricórdia, tendo em frente a terminação da Ladeira Nova, a antiga casa de caridade estava contígua ã cgreja e em seguida a esta corria a flrontaria do ediâcio do Recolhimento das Orphãs (hoje Escola de Medicina).

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Neste ponto desembocava o Becco dos Tambores, cortando em angulo quasi recto o becco do Calabouço, em cujo Am ficava, até 1835, a antiga entrada da Casa do Trem, depois Arsenal de Guerra. Este becco (do Calabouço) não era mais que o prolon- gamento da antiga rua Direita, da Misericórdia para S. Bento. Do lado opposto do hospitat abria-se o Bec^co do Trem e junto a este viase a Casa dos Expostos, construída em 1821 (hoje Biblio- theca da Faculdade de Medicina).

E' de notar que não havia o angulo hoje existente no edificio do Arsenal. O local occupado por um janpo do quartel de arti- lharia, foi demolido, quando ministro da guerra José Clemente Pereira, de sorto que o becco do Calabouço principiava junto do becco do Trem, em frente à portaria do Recolhimento, piesente. mente occupada pela casa do porteiro da Escola de Medicina.

Quem quizesse passar do largo da Misericórdia para Santa Luzia tinha dous caminhos a seguir : pelo becco do Calabouço dobrava o becco dos Tambores e depois o do RecoViimento (por detrás deste edificio), continuava pela rua de Santa Luzia, dei' xando á esquerda o cães do Vigário, assim chamado por ter re sidoncia, alli, o padre Bernardo José da Silva Veiga, parocho de José.

O becco dos Tambores era bastante estreito e foi alargado, demolidas varias casas compradas por José Clemente Pereira, quando teve de ampliar o Recolhimento. Desse logradouro pu* blico, doado pelo benemérito provedor, apoderou-se o governo, fazendo, ha annos, construir, alli, o edificio do Laboratório de Hygiene.

A segunda passagem podia ser feita por baixo de um arco (como o do Telles) formando uma espécie de tunnel ciga parede superior era o soalho do !"> andar do Recolhimento. Esta pas- sagem alumiada á noite por um lampião de aceite de peixe era perigosa. Alli reuniam-se mendigos e gente da peior espécie, havendo constantes desordens è praticas de actos de pouca moralidade. Foi fechada em 1837. Ainda hoje, se notam os ves- tígios do arco na froate da dependência, occopada pela Empreza Funerária para fabrico de caixões. Por essa passagem deixando â esquerda o becco do Recolhimento e á direita o lado do Evan- gelho da Egreja ia se ter ás catacumbas, parte das quaes ainda

A SANTA CASA DA MISBRICOHDU 47

86 notam na Botica Velha e, costeando o lado do Hospital velho da parte do mar, sahia-se ao lado do Cemitério Novo^ eqjo muro principal olhava para a Praia de Santa Luzia.

Ck>mo ô sabido, o velho cemitério, que fUncoionou até 1829, estava mais para junto do morro do Gastello, perto de uma das enfermarias de dmrgia, situadas no pavimento inferior parte do velho hospital, demolido para construcçâo das obras do novo, e encetadas no tempo de Jos6 Clemente. Foi no referido anno (1829) que a Misericórdia obteve do governo do primeiro Imperador, mediante certas condições, a faculdade de ampliar a área do primitivo e antiquíssimo cemitério, onde, por annos e annos, foram sepultados milhares de cadáveres.

Voltando ao largo, e contemplando a fachada do templo, notarei qne esta nada roíhreu em suas condições de architectura.

Somente as duas janellas, gnamecidas de grossos varões de ferro, ha poncof annos foram substituídas por balaustres de mármore*

Ck>nvém lembrar que, no átrio da egreja foi sepultado como pedira em testamento, o provedor Thomô Corrêa de Al- varenga, cd^ serviços á Misericórdia foram dignamente com- memorados por Félix Ferreira, em sua interessante Ifsmorúx. Thomé Corroa, como é sabido, governou por vezes a Capitania do Rio de Janeiro, e, em 1661, foi o bode expiatório das iras po- pulares, quando substituía Salvador Benevides, ausente em São Paulo, no entabolamento das minas. ^ ' -

A fachada do hospital velho apresentava, como ainda hoje, além do pavimento térreo, mais dois superiores com sois ja- nellas. Estas foram por muito tempo de peitoril, guarnecidas, a principio de rotulas, de madeira e, mais tarde, por grades de íSnrro. Isto vd-se perfeitamente no retrato dobemfeitor capitão Manoel Jorge da Silva, fallecido em 1820, existente na respe- ctiva galeria.

Até & provedoria do Dr. Manoel Corrêa Yasques (1734), o hospital apresentava um pavimento superior. Nesse tempo, havendo afiSnencia de enfermos pensionistas, a mesa deliberou constrair um segondo andar, passando para elle a Sala do Des- pacho e destinando o primeiro para aquelle alludido âm. Em tempos mais próximos, no primeiro andar funccionou por muitos

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annos a secretaria, da qual foram chefes o velho Caminha e Daniel Colonua. Hoje, estÀallí um dormitório de asyladas e no segundo pavimento funociona a maternidade, a cargo do Sr. Dr. Feijó. ( Enfermaria n. 27.)

Construído aos poucos, conforme as rendas da Irmandade, o augmento da população e a affluencía de enfermos, o velho hos- pital não podis^ obedecer a um plano regular ; dahl, os prolon- gamentos e accrescimos que, ainda hoje, na parte conservada se notam.

As -primitivas enfermarias foram oonstruidas, como re- feri, junto ao morro do Castello e separadas da egreja por prédios.

B' esta a parte mais antiga. Em seguida, por meio de compra ou de doações, a Confraria conseguiu unir as antigas de- pendências ao lado da epistola do templo. Essas duas partes completamente melhoradas, ainda hoje podem ser vistas.

Mais tardo, segundo se dos livros de AccordOos^ foram oonstruidas novas enfermarias, buscando a direcção da praia de Santa Luzia. Esta terceira parte, relativamente mais moderna» desappareceu para dar logar, como disse, ãconstrucção da mo* derna e sumptuosa casa hospitalar, levantada por José Cle- mente.

Desta ultima porção demolida darei idéa soccorrendo-me do mappa de Domingos Monteiro, do que por muitas vezes ouvi do Dr. Pereira Portugal, antigo director do serviço sanitário, de velhos empregados e de testemunhas que ainda vivem. Era constituido por um vasto parallelogramma, em ci\jo centro exis- tia um pateo ajardinado, tendo, no meio, profundo poço. Do lado esquerdo de quem entrava existia a continuação do longo corre- dor que começava na portaria. No fim delle, havia uma porta, por onde a noite os escravos do hospital faziam os despejos, na praia próxima.

Do lado esquerdo, ainda no pavimento térreo, viam-se os quartos de empregados e, no lado do fundo do paraiielogramma, os quartos e enfermaria de doudos. Voltando pelo lado do morro oxistia a grande enfermaria de que falia a commissão de 1830» cortando em angulo recto duas outras pequenas salas, também de cirurgia.

A SAMTA CASA DA MISERICÓRDIA 49

No pavimento superior eiistíam as enformarias de medi- cina, as quaes, no dizer de Debret, eram em numero de seis. Não tinham essas salas janellas, mas amplos mezaninos, collooados sem grande altura das paredes. Nas proximidades, notavam-se outras Tarias dependências, taes como deposito de utensilios» cocheira, telheiro, gallinheiro, etc.

Na segunda parte, ainda conservada, existia a portaria (hoje sala do banco do gabinete de gynecologia). Alli estava postada uma guarda para evitar distúrbios entre empregados do hospital, enfermos, convalecent€se soldados dos quartéis próximos.

Ao lado esquerdo de quem entra, além do altar de que j& falei, vê-se ainda a escada da antiga secretaria e a porta da Casa da Fazenda deitando uma janella para o largo.

Ao lado direito, abre-se a porta de uma sala (clinica gyne- cologica] . Este aposento e outro quo lhe fica próximo eram ou- trora occupados pela Botica e Laboratório. Xo segundo delles, effectuava-se depois a extracção das loterias. Seguia-se o grande corredor, tendo á esquerda, além da sacristia da egreja e o pequeno pateo annexo, a dispensa e um quarto de deposito. Esses dois compartimentos, completamente transformados, servem hoje de sala de descanso aos Irmãos da Misericórdia, em occasião do festividades.

A' direita^ estão ainda quatro arcos que, com mais doze, cir* culam pelos outros três lados, pequeno pateo, em cujas galerias vêm ter diversas accommodações, que em outros tempos tiveram diversos destinos, bem como casa da lenha, deposito do farinha, quarto de empregados, etc.

Existia também alli uma escada antiga que dava accesso ao primeiro pavimento. Neste notavam-se diversos quartos sobre as galerias ou corredores do patoo, transformados hoje emdarog e espaçosos corredores.

Nesse andar estão hoje aproveitadas as salas onde fun- ccionam as 23 o 25 enfermarias, para os quaes se sobe por ampla escada moderna. Ha ahi mais outro pavimento superior occu- pado pela enfermaria das velhas (26), circulada de amplas Janellas por onde penetram fartamente ar o luz.

Na parte primitiva *do velho hospital e no pavimento térreo estava a' velha cosinha e outras muitas dependências 491 4 Tomo lxix. p. i.

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gujD soria fastidioso mencionar. Na parte superior existem liojo dormitórios do asyladas, quarto de irmãs de caridade, sala de costuras etc.

Tal era em rápida e qai;& eafadonha descripção o hospital Tellio da Misericórdia, o qual terá de desapparecer; mas que em todo caso presta ainda bons serviços á pia e benemérita instituição.

Em differentes paginas da Memoria de Félix Ferreira en- coutram-se vagas noticias sobre os antigos facultativos do Hos- pital o seus ordenados, serviço, enfermeiros, receita e despeza, tratamento dos soldados e contracto que tem a Santa Casa com os homens do mar, despacho marítimo, serviço Amerario, etc.

Em 1798, era este» segundo o Aimanach de Duarte Nunes, o pessoal clinico : Médicos os Drs. António Fran- cisco Leal o José Carlos de Moraes, cirorgião-mor João António Damasceno, dito do Banco o cirurgião José António Pereira de Godoy (Bisavô do Dr. Oscar Godoy) o Boticário Joaquim Custodio.

Em sua obra, Sigaud apresenta uma estatística do movi- mento hospitalar do 1821 a 1842, a qual lho Tora fornecida pelo Dr. De Simoni. Notava o illustre medico francez que a mor- tandade se mantinha em grau elevado por motivo da entrada tardia dos doentes no hospital, grande parte delles indo (como ainda hoje acontece), reclamar soccorros em estado adeautado das moléstias.

Sobre preciosas informações acerca da estatística da Misericórdia, tanto do velho como do novo Hospital» não posso deixar de citar o paciente trabalho organizado pelo Dr. Pires de Almeida e publicado no Jornal doCormniercio de 2 de julho de 1899, sob o titulo Movimento do Serviço Interno e Gratuito do Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia desde o Anno Compromissal de 1G98 1699 a 1898 1899.

Ao terminar estas simples notas, tenho a declarar que não me propaz escrever o histórico da grande o trisecular insti- tuição, mas 86 estudar certos pontos obscuros, devido ã falta de documentos.

A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA 51

Quem precisar de mais amplas noticias, é dirigir-se ao Dr. Bernardo Ribeiro de Freitaff, a qaem, em boa hora, a Administracçâo actual confiou a organisação do Tombo da Santa Casa e de seu riquissimo e precioso Archivo.

1905

Dr. José Vieira Fazenda.

CARTA

Ff.. Francisco de Menezes paia o Duque de Cadaval

SscripU lo Rio J&nairoi sobre a iaV&sio de Dadero ( 1710)

(Copla extrabida do Códice Msa. n. 00?, de As. 1^ a 167, exitiente na Real Blbllotheea Publica da Cidade do Porto e reprodaiida no Códice do IneUtuio Histórico e Oeographico Brasileiro com o tltnlo Doewnenton varíoB 9còrê o BrazU Diff'êr$ntei'Arehiv08)»

Nota O aignaUrlo desta oarta é o celobre Trado qae^antai façanhas praticou em as lutas ontre paulistas o emboabas.

Famigerado caudilho do dictador Manoel Nunes Vianna, foi, por este e seus sequaaes, encarrega lo da ir a Lisboa obter do Rei o com- petente indulto.

Satisfeita sua, misaiQ volven aqualle religioso trinitario ao Rio de Janeiro, sendo-lhe prohibido ragraisar ás Minas.

Nesta cidade asaistiu olle á invasão franceza de Duclerc (1710).

Conforme testemunho dos contemporâneos, Frei Meneses pra- ticou actos de bravura, fazendo fronte aos invasores na altura do morro do Desterro (hoje de Santa Theresa).

Co 0)4) ell^ mesmo f^ declara ao Duaue dp Cadaval, estava resolvido a ypH^Í á |f)et^t)Q)e e pcftlWr-s^ | spa co|iyant^. Por ispo o seu noma nao figura entre oa combatentes contra os soldados de Duguay Trouin.

A cafU ppi guestâp cpntpin pcirtiouU rodados njÍQ mancionadas nas chrooícas e rfa pcff«itaid(^a do caractar desse homem, em quem mais assentava a farda de soldado do que o habito de sacerdote.

Algumas de suas previsões infelizmente so realizaram no anno seguinte. São dignas Me nota suas consi(lorac<»e8 sobre as fortifícações da cidade o a construccão da prçtendida muralha que, mais tarde, edificada nenhum resultado deu. C^l Votnmissão de Bfdaccâ^.}

Carla it Fr. Inmm Je Imms pira 0 Dsque de Cadaval, eeeripta do tio de Janeiro, flobre a invasão de Dnelerf

Senhor Acho-mo nesta torra, porqne assim foi Sua Ma- gestado, que Deus guarde, servido, e como a V.Ex.* fiz presente anti^s da minha parcida, e parece-me forçoso dar-lhe noras delia para cumprir com a minha obrigaçfio, olhando também para a que V. Bx*. tem para reparar o Reino, razão porque não faço este aviso a outrem, e porque sepultará o meu erro, se o merecer, ou remediará o que for possível, sem me entalar.

Aqui vierão os francezes em 17 d' Agosto, vindo por um avizo de um pescador do alto, que apparecião, de que se re- solyeo o Governador Francisco de Castro de Moraes a toear a rebate naquella noute e nella cuidadosamente remetteo a guar- nição que lhe pareceo necessária. No dia seguinte de tarde Com a viração costumada quizerão os 6 navios, bnma Balandra, que era 1 de 60 peçan, 3 de 40, e hum de 18 e a dita Balandra, entrar todos com bandeiras inglezas oomo J& presumíamos mal pela noticia que o Paquete havia trazido ás fortalezas, lh*o impe. diram para que deitassem primeiro lancha fora e querendo continuar, por que os primeiros tiros forao sem baila, lhe tet outros oom huma Colombrina, que lhe fez algum damno, e os obrigou a leborarem-*se para fora, e se flzerão na alta do mar, e na manham seguinte tomaram o rumo do sul. Segundo o que se vio, vinha a entrar e assim mo disse o seu General e os mais pri- sioneiros^ e dizem deixaram do o íh.zer por ser pouca a viração. He certo que, se o fizessem, nos succederia mal pela primeira tenção, mas havíamos de melhorar, sem duvida, com o tempoi porque as fortalezas estavão muito mal prevenidas d*Artilherla, por ser muito pouca, e que não canço a V. Ex*. eom a nar- ração, a qual porei em papel á parte o a que estava montada, com tão m&s carretas, como a experiência mostrou, que muito

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poucas eatavão capazes para dar mais de doas tiros e por este estylo estavâo as armas de pederneira e marrão. Desenganado o Governador que nos buscavão 03 Francezes, que o não podia c.*er, dou logo ordem a montar artilharia, fazer carretas e mandar serrar reparos para cila com louvaTel zelo e trabalho pessoal, sem se poupar dia nem noute, e fez mais naquelíes dias até os primeiros de Setembro, que havia feito de 28 de Junho até os 17 d'Agosto, que foi quando veio o Paquete, e quando vierão & barra os Francezes ; c atrevo-me a dizer mais que todos os Gk>vernadores flzerão ; he verdade que a paz que lográ- vamos, lhe permittia essa omissão ; estes navios forão para a Ilha Grande.

Em 9 de Setembro appareceram dous destes navios na nossa barra, tocou-se a rebato com uma peça d'artilhai*iay por signal que neste, assim como no primeiro, acudiram poucos de fora da Cidade, porque se não ouvia como ou adverti ao Governador, quoixando-se de que não vinhãOr o lho disse: eu moro daqui 3 léguas, e não ouvi nom um rebato c esta torra t&m longos de maia de 10 legoas, e oão é possível ouvir-se. Seria bom que houve.^se mais peças ou signaes em lugar propor- cionados e por Odta falta nos podia succeder muito mal, 83 os Francezes entrassem, o esto risco todo provinha da ordem do rebate. Pertendoram os Francezes deitar gente em terra em uma praia d'onde chamavão Sapopênopáo, distante desta Cidade duas léguas, a qual tom muito máu desem- barque assim, porque o mar é nella multo furioso e, saltando, não o podem conseguir cem se molharem, e as armas com muita segurança nossa os pôde destruir e impedir. Os Paizanos da- quella praia aentindo-os, lho flzerão alguns tiros, mas o certo que os inimigos nâo desembarcaram naquella neuto, não por serem sentidos, mas confessa que foi pela imposibilidade. Deste intento do inimigo se fez avizo ao Governador, que logo pòz gente pronta para hir tomar o encontro, pixra o que^nomeou ao Mestre de Campo João de Paiva Sôto-Maior: como se reti- ravão íoi escusado a marcha.

Bom fui conhecer- se a nica ao ioimigo para entrar, porque até aquelle tomp3 havia muitas omissões, porque dizião que o inimigo não queria desembarque, porém ainda

CARTA DE KR. FRANCISCO DE MENEZES 57

se faltou ao principal, porque um Vassallo leal sem lho tocar por obrigação de lugar» me consta, advertio repetidas vezes que do inimigo se devia suppôr grande resolução, bons soldados e muitos que não vinbão de tão longe para fal- tarem ás diligencias, e que elles erão soldados e nós bisonhos, e como os successos corrião por conta de Deos, devíamos prevê- nir^nos porque bem poiião bs Francezos ganhar a cidade, e para podermos restaura-la, seria muito necessário fazer-se re- serva de armas e pólvora fora, para o que nomeou o Campo de Irajà, distante três léguas e 1/2 desta Cidade, sitio proporcionado para todo o alojamento e conservação porque ficávamos senho- riando a terra e senhores do mar por onde nos entrassem os mantimentos, ficando pobres delles os inimigos e entrando estes por onde o fizerão, era onde os podíamos esperar para que não cheguem ã cidade, a qual nunca ganhava em vê-los, porem como esto não governava cá, e quem governa tem juizo, rião-80 muito disto, e muito mais que era impossível entrar-no3 o inimigo por terra, porque os mattos o não permittião, ao que instou o mesmo dizendo que o matto se não defendia por si, e se era ajuda paranós.que era favorável para elles,e fechou dizendo que erão os mattos do género commum de dous e que trácias- sem de os prevenir e defende^*, porque o iaimigo não podia entrar por outra parte. (Permita-me V. Ez^. osta oxtençãoque toda é necessária,) porque a barra que os nossos suppunhão impenetrável, disía este sujeito, ó a parte mais fácil e de menor vUoo para o inimigo, porque tem pouca artilharia e menos Arti- lheiros, porque pouco importa ter alguns, se estes o não en- tendem, e que as virações mareiras costumão ser fortes em muitas occasiões o que se perigasse algum, havião entrar outros c, como trazia lanchas de desembarque, sempre se re- mediaria. Ha de advertir que neste tempo não se sabia se havia mais navios que os qu3 digo, pjrquo como havia apparociio om varias partes, assim do norte como o sul, havia pre- snmpção quo orão muitos mais e a razão em que fundavão seu dictame era que o inimigo ainda que tivesse bom su- cceiso, entrando pela barra e vencesse a Cidade, que nunca podia lograr o intimo que trazia de senhorear e saquear, por- que delxando-lhe nós por força de desgraça a dita Cidade,

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nonoa passaria delia, teado nós aoade noa flzessemoi fortes e tivéssemos munições que lhe impediríamos os mantimentos e oom fiicilidade a restauraríamos, e na dita lhe flcariio as paredost e deste modo ficavSo sem despojo e sem conserração, porque lhe faltava os meios : o entrando por terra, se Deus lhe desse bom sucoossoque âcavão senhoreando um^ c outra couza e oomo este era o seu intento, infaliveimento os meios haviio de ser estes. Sem desfazerem estos fundamentos nem apontarem outros, seguio-se a contraria opet*ação de que nas- ceu ver- se esta torra arriscada, porque do reponte saltou o inimigo em uma Lagoa ou praia pequena quo parecia incapaz» e resoluto, em uma nouto oom lucernas, marchou até se alojar em parte que se segurou, como estavio illusos os nossos per- suadiram-se que o inimigo não queria marchar 14 léguas, que tantas são para esta Gid ide, persuadiram s^e que querião fazer carnes nos campos de Santa Cruz, contíguos àquelle districto, e nessa oonsideração destacou o Governador um destacamento de 30 homens da ordenança e por Cabo delles a Jerónimo Barbalho a unirse com o Capitão de Cavallos Josó Ferreira Barreto, que era o Cabo que guarnecia aquella marinha na qual haveria 900 armas queoobrião, ontre outros Gabos, dous Capitães d'Infante- ria, que hião com animo ou ordem para fazer embarcar ao ini- migo.

A ordem que tinha o Cabo daqueila guarn}<^o polo que soa, era para impedir o desembarque, porem como o não advertio, não lhe ordenou o que havii de fazer, entrado que fosse, o que se coUige de escrever o dito ao Governador que o inimigo era entrando e lhe ordenasse o que havia de fazer, a que respondeu, com o destacamento que digo, foi e eu vi mandar sem mais ordem nem escripto que o que tinha dito. Continuou o inimigo na marcha, de que avisou ao Governador ao mesmo Cabo, mandou outro destacamento que, dizem, constaria de 10 homens, por Cabo delles ao Tenente General da fortifleação José Vieira Soares, o qual hia a tomar*llie caminho, também não levou Regimento para o que havia de obrar, variando o ini- migo ou os caminhos ou as disposições. Escando o dito Tenente General a cavallo para marchar, chegou avizo que o inimigo estava mais avizinhado a nós, e ainda assim não houve nova

CARTA DE FR, FRANCISCO DE MENEZES 69

forma nem Regimanto, lendo o^to que a íálta dellet, foi mo- tivo para que os menos aaimogos oanzassem desordens, d^onde naseeu rermog, apezar do noaao sentiofiento, Tencidas pelo inimigo as impossibilidades que eu ouvia a todos que havia nos caminhos, e, para dizermos tudo, marchou o dito as 14 léguas em os 4 dias sem impedimento algum, e eu o vi assim, e assim o escreveo o General Prancez ao Oapitão de Mar e Guerra para dar parte ao seu Rei.

Com esta noUcia que sérvio para desenganar ao Governa- dor e a todos» e pôde ser para criar muitos receios, logo sem demora montou o Governador, seria meia noute, a cavallo, a retirar a gente da marinha, e hi-la formar no Campo desta Cidade, e quando amanheceo, o estavâo, e haveria 2.500 homens, porque as Fortalezas e algumas Praias estavEo guar- necidas e naquelle tempo andavão fora perto de 500 armas» que no destacamento e guarnição da Marinha, aonde saltaram os Prancezes, havia hido.

Pela manham, principiou o Governador numa trincheira que bastasse para íb.zer aigum reparo aos nossos. Como teve mais tempo desistio desta e fez outra que principiava em o monte de N. Senhora da ConceiQão, o acabava no monte de Santo António, ficando no meio a Igreja de N. Senhora do Ro- sário e, se fizesse 3.*, ainda havia do sor melhor, qae a pressa nSo dava lugar a conhecer-se os defeitos.

Guarnecia com 6 peças d'Artilharia no torno diroito e no esquerdo que era por onde o inimigo havendo de vir seria por elle, guarneceo com 2 e uma delias ora coiqo pedreiro com advertência que, se esto não era maior que o derradeiro, não era menor, e isto com escândalo geral do Rxorcito.

Quando o Governador partiu de Caza para o alojamento que digo, foi tal a confusão nesta Cidade, e verdadeiramente não sei como o diga, foi de medo, que uma pessoa doendo-se do desamparo, e prevendo o muito que faltava para o Exer- cito, e que nada se previa e que nos faltavão 500 homens, entre os quaes erão muitos Capitães d'Iofanteria pagos, e Tenente Genoral da Praça e o da Fortificação, e que estes não obravão nada, 6 verdade que pela desunião, outros dizem que por medo de quasi todos, mas apegaram*se a

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dizer: nós não temos Regimento nem ordem para aoaometter e constava que todos esta vão espalhados, e tanto que um Capitão pago vi eu vir só, e disse que vinha dar parte, e eu me psrsuado que vinha recolhendo-se, para maior segu- rança disse ao Governador que se lembrasse da gente que tinha fora, porque não deixassem de obrar por falta de ordem ou que a mandasse recolher e enoorporar com o Exercito. O Gover- nador disse que era bom que fosse o Regimento» e que lho mandassem sem dizer a forma, replicou o Sujeito: será bom que assim, e assim conveio o Governador e, adiantando-se com pressa, não houve tempo para mais.

Pouco importava hii* eate Regimento se, nio hia assfgnado pelo Governador, e como a occasião presente não permittia di- lações o havia mais dependências tão importantes ou mais, e se via que delias se esquecia o Governador, levado de outras attoncôes lambem precisas e communicar-lhe estas, parece im- possível porque se ausentou o não ora fácil acha-lo, que as partes aonde tinha de acudir, erão muitas e disparadas, e elle falto de oíllcjacs.

Neste aperto mandou oste Vassallo Leal um recado ao 111°°". Bispo que acudisse ao Palácio, que assim importava ao serviço do Sua Magestade, que Deos Guarde, e foi áquella hora chamar á Gama o Ouvidor Geral e lhe disse que a terra estava em grande risco pelas circumstancias referidas e que olla ora muita : que viofse para o Palácio que jd havia mandado recado ao senhor Bispo e junt.imento á Gamara, ao Secretario do Es- tado, o a Jozé Corrêa de Castro quo havia chegado do gover* nar S. Thomó, fará que consultassem o quo se devia fazer. O Ouvidor rosolvoj com alguns dos quo hivião chegido quo ainda que ora diíllcultoso o achar-sc o Governador, fossem a fazer diligencia, por cllo, com cíTeito, foi escutado OuviJor Gemi, José Corrêa do Castra o a pessoa que movia diligencia ; no que se gastou até amanhecer, até quo o acharam andando na for- matura do arraial, o mesmo vindo achar o Governador no Palácio que se colhia para elle, lhe foi com bom modo e ami- sado, que como dito tinha a causa que havia para não ter mandado o Regimento, expressando! he algumas couzss para elle que todns lhe pareceram boas e lhe recommendou segunda

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vez que o mandasse fazer e o remettesse, com eHeito foi à Se« oretaria e o lançou» cujo theor é o seguinte, para que a Y. Ex.^ seja tudo presente. P. virA V. M.^^^na retaguarda do ini- migo» de modo que não seja presentido delle e o nSo picará, sal- vo elle o quizer com medos» porem no caso que os nossos na vanguarda do inimigo o busquem nestes termos a todo risco V.M^^. o accometta ; e sendo-llie possível vencer a marcha do dito inimigo por diflèrente caminho sem que nisso corra risco o menor Soldado, V. M.''* o façae se encorporar com o Tenente General da Fortificação Joseph Vieira Soares e seguirá a ordem que vocalmente tenho dado ao dito, porque ainda que lhe não havia dito o que faria em novos incidentes, fiava-se delle e de seu valor, acoeitasse as occasiões que o tempo lhe desse, mas quando Deus não ó sorvido, nada basta, não houve mais que desuniões, sem se faier nada que chegou a tanto, que Ignacio Henriques Capitão da Guarda do Governador que se havia offerecido para hir, se poz em termos de governar alguma gente e mostrou o muito desejo que tinha de ver as nossas armas bem succedidas e assim o vi eu em uma Carta e tudo o que mais se obrou, e o que deixou de se obrar também vi.

O que ouço dizer ó que nunca se fizera Conselho para esta guerra, nem se dispoz batalha ao inimigo, estando elle á vista, que á nossa fizerão eUes seu conselho, mas a n6s não nos foi necessário, mas hia-nos custando muito caro e eu, como não estava longe, não lhe vi forma alguma, nem soccorrer aos poucos por livre vontade ou obrigado do zelo de Vassallos qui- zerão tomar o encontro ao inimigo c sendo estos 850 que não forão mais, ainda que haja quem lho queira accrescentar o numero, nunca chegarc^m a fazer-lhe cara mais de 200 dos nossos e sempre estes forão dos que não orão pagos e houve encontro que não teve mais que 24, o se conservou com 1 1 como foi no Desterro, o que supponho constará mais claramente das Gazetas (ainda que pelo impedimento do Governador estão in- capazes de se lerem e dar credito) e nunca o Governador soc- oorreo aos nossos e isto mesmo fiz ató o fim, que durou a bulha duaa horas e enti*ando o inimigo na cidade que a teve levada, vendo o Governador não sei que esperava, até que um mais ousado se foi a elle para acudir ao nosso Estandarte» que

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suppuDha em olla no corpo Guarda que havia floadto em Palaoio, teye a fortana que com a tal que erA de estudantes, formaado-os em duas travessas fji*onteiras, deu 3 eurgas ao iiii^ migo para lhe fazer horror, enÉLmiando-lhe ettava guameoido o lagar ; pdrque nao tioha geuÊe para esperar o iaiiMifo: nisto M gastou largo tempo, nem com tacto isto acudio o GoTemador, nem mandou saccorrer aos pobres rapazes, qae todot o erão sem barba, que se achavfto com alguns negros e pardos qoe na oocasifto se lhe ajuntaram e pareceu a todos que aio tinha remédio e por estarazSo não vier^ soccore-ros: foi necessário que o mesmo que havia sido causa de se fazer cara ao inimigo, quo ficava estacado, recomendar ao dito capitão qne continnaíase o receio ao inimigo com tiros suocessivos, mae qne nSo lhe dessem carga redonda, porque o inimigo os nSo rompesse et deixada esta ordem, se foi ao exercito e achando nelie multe sentimento, porque sen etceptuaçSo de pessoa, suppanhfio todos estar a cidade tomada, e p3r formaes palavras lhe disse o Gk)- vernador: estamos mal, temos a cidade perdida, a que respon- deu: perdido est& o inimigo 9em remédio, porque está atacado oa rua direita em tal parte: e com gosto perguntou quem lhe fez isso ? A companhia dos estudantes, o alguma gonte mais negra e paixla que ajuntei, e continuou : agora é necessário fuo uma companhia de estudantes de soccore-ros e um troço de gente e mais grosso pela parto de S. Bento e da mesma se lhe burna uma peça de Artilharia e eu o vou buscar pela teta* guarda e o ficarei de modo que elle se por picado com adver- tência que olie, se virar a cara sobre mim, os nossos o car- reguem.

Até aqui náo vimes mal^ ordem que estas, quo nenhu- ma emanou do Governador nem ello soccorreo, até este tempo se conservava com o corpo de Exercito na trincheira, teia que esperando o inimigo, ou que sappunha que elles haviio deixado retaguarda, oomo se isto nao tinha remédio pam abrigar-se mandando exploradores, e eu tiverap^, seg^e^' nára, ignorar as operações que o inimigo fazia no meu pai2^, quando sem risco podifto ser explorados.

Não duvido que ftiltasse este accordo ao Governador oií a quem mandasse, porqne eu sen testemunha que no di» én

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bulha (que lhe não sei outro nome) erão 8 horas da ma- nham, não havia do nosso Exercito noticia do poder que o inimigo trazia, e ora commua a opinião, que nenhum dos nossos os tiahao visto porque muito os receavão e, se 03 vião, era tão longe e tão depressa, que' esta lhe não dava lugar a formar conceito, e as novas que trazião erão in- formadas mais de medrosa imaginação que da potencia visiva. Este Portuguez se offereceu ao Governador para o ir fazer, e com effeito o íéz de modo que se senhoreou dos que erão, e não o fez, mas lhe deixou umas bem de^jostas emboscadas que de varias companhias havião sido mandados muitos can*ijód de Arco o frecha e para os incitar mais prometteu a todo o soldado até Ajadante que apresionasôe ou rendesse ao Cabo dos Francezcs cem moedas de ouro e d'ahi pai*a cima :^00 o 400 mil róis a qualquer escravo ou negro, e recolheu-se ao Exercito a dar conta ao Governador o alegrar a todos, dando-lhes os parabéns da grande viotoria que os esperava peios poucos que erão os ini- migos, a quem avaliava em 600, havendo quem os tinha avaliado em 800 e segunda vez havendo no Exercito duvidas e huma pouca de gonto, para ali aparecião em uns montes fronteiros á nossa trincheira, não mandou ninguém certificar-se, cuja falta supprio o dito de seu motu próprio e como este mesmo não lhe soíTreu o animo estar intrincheirado, entrando-nos o inimigo, não ficou quem fosse explorar o campo e seguro a V.Ex."" que lhe não havia de estar na duvida, ou entendo que cata se conservou para terem pretexto para se conservarem mais decorosos, que a verdade sabia Deus e não falta quem a entenda.

Com esta noticia que o inimigo estava estacado, mandou o Governador a seu sobrinho Franciseo Xavier com a sua com- panhia de forças ao do Corpo da Guarda, e, ao aparecer, o ferio um Prancez em uma ilharga levemente, o qual hia fugindo a unir-se com os seus, que ainda se conservavão na mesnrn para alguns, havião roto a companhia dos estudantes ; destes uns avançaram ao Palácio os quaes valorosamente mataram uns os estudantes, e renderam outros os que legaram com murrão que ali acharam e os ataram ás cadôas. Emquanto os estudantes em cuja contenda morreram 6, veio Gregório de Castro Mora»;, Mestre de Campo e Irmão do Governador, e logo de uma bala

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morreo, assim que apparecea e não tevo lagar de mostrar o seu valor que lh'o suppunha. Neste couílicto houve algumas mortes dos nossos, que por mal ordenado suocederam, e bem se vio o que nelle faltou, o que tinha ordenado os quo até aquelle tempo fiouve, neste não assistio, nem bosoou a reta- guarda do inimigo, porque, inteatando-o, Ibe veio um soldado mineiro trazer um prisioneiro, o qual levou ao Governador, que lhe recommendou o quanto importava segurar-lhe a vida para sabermos os intentos do inimigo e a gente quê trazia, e o seu respeito o guardaria, porque o vulgo irado o pertsndia matar e sucoessivameate lhe foram levando prisioneiros e correndo os nossos feridos por necessitados.

Neste conflito em que morreu o Mestre de Campo, morreu valorosamente o Capitão de Cavallos António Dultra e enteada Y. Bx.*" que esta S. Magestade obrigado a reconhece-lo assim para que não desfoleçâo os que servem, porque o seu mereci mento foi gi'ande, aqui me não leva aíTeição que eu nunca o vi senão no conflito o outra vez, quando isto andava inquieto, mas foi valente e se houverão muitos como elle, não duraria tanto tempo a balha o seria batalha que deixou do o ser^ não porque não houvesse occasião, mas que todos arecoavão, elle tem um filho pequeno : sahio ferido em duas partes o Capitão Jozél d' Almeida do 3^. Francisco Ribeiro, que veio da torra nova o qual se houve com reconhecido valor, mais algumas pessoas, como o Ajudante e Luiz de Matos, mas nenhum passou a excessos. Hum Religioso dos 3»% filho de Angola, que aqui se achava, a quem chamão Fr. António da Conceição, morrendo o Mestre de Campo, ficando sem quem governasse, cujo desamparo lastimaram os Soldados, sa oífereceu para capitanear e o fez com muito grande valor, assim o ouço geralmente, que eu o não vi, o um Clérigo chamado Josô Machado, filho de S. Paulo, depois de fazer grandes façanhas: huma companhia a quem faltava ca- pitão (sem lh'o matarem) mandou o Governador que a cobrisse, eque fosse ter encontro ao inimigo á misericórdia, e sempre fez tudo com ooniiecido valor. Não pareça a V. Bx.» affectação mi- nha, porque o não sei fazer, a mesma noticia ha-de achar no Vulgo, que estes são os que fallão verdade, até á rua direita não appareceram soldados pagos e ofiioiaes nem ordens nem

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soooorros, porque uni que houvo, levou-o os Padres Fr. João da Yiotoria natural deste Reiao e o Padre Fr. Igaaoio de Santa Oatharina, ambos Religiosos de Santo António.

Finalmente, oonoluia-se a pendência com os Franceses leva- rem uma porta de Trapiche» que serye de armazém de caixas 6 feebar-se dentro e render as armas e 1)andeiras e ficarem pri- sioneiros á vontade do Governador e acharam-se dentro o nos mais que havíamos prisionado, entrando feridos 600, que sSLo os que hcge se achão, depois de morrerem muitos quo havião sabido feridos.

Quando desembarcaram, ajustaram que medissem o tempo, e que ao mesmo se achassem uns commettendo a Cidade., e ou- tros batendo a Fortaleza de Santa Cruz» porem p vento ou Deus fê-los desencontrar, de modo que os de terra chegaram á O* feira 19, dia de S. Januário, e os Navios a âi, dia de S. Matheoi o sup- posto s4 vierão dous e a Carcaça, era notável o medo quo se tinha das Bombas. Vierão chegando a dar fundo perto da for* taleia, imaginando que os tiros delia os não offendessemi porem acharam que lhe foi preciso levarem-se para mais largo espaço.

Naquelia nouto lançaram 6 Bombas. Como a distancia era grande, parece, não proporcionava os tiros por serem as ditas de menos conta, conformo ouvi dizer. Suspenderam-se estas bom- bas por uma carta que o General Francez oífereeeu, ou lhe ia* sinuaram, como é mais provável, a tempo que por o querer re- mediar um Vasallo que havia principiado a destruição delles, of- ferecendO'Se para hir reudel-as,queima«las ou mette-las a jÂque» que o Governador o não quiz consentir e porque não tivesse a desculpa do gasto que S. Mageetade podia fazer sem frncto, se oífereeeu a faze-lo ã sua cu^ta, e que não queira mais que a li- cença, e sempre S. Mageetade tioha da preza a parte que lhe toca, e não tem duvida que havião de vir os Navios, porque es- tavão sem gonte de guarnição. Isto se tem estraokado muito nesta terra e deu motivos a varias murmurações que por outros caminhos chegaram a V. Ez.

Assentaram 03 Franoezes com o Governador que viria para dentro o fato dos Prisioneiros, e que nos venderião uma Sumaoa» que nos tomaram na barra com as bandeiras inglezai e a carga que trazia da Bahia e juntamente a Carcaça que o procedido

^91—5 Tomo lxix. p. i.

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seria para o sastento dos prisioneiros. Veio a parar isto em rir ás claras a Samaca gue oomproa o mesmo Mestre delia» e a carga não se sabe delia, e, se sabe, esoonde-se e a oarcaga dizem e folao nisto rariamente, e, para dizer o qao sinto tudo sSo con- veniências pouco úteis para a Corte. Com esta entrega se acabou a guerra e se forão os Navios que estlverão neste porto tantos dias que dava a entender que se ^ostavão pazes o a gento assoUando-so, que tudo se compõem das ordenanças, e as fazendas dostruindo-se, e nSLo ha safra d*as- sacar este anno, porque vierão no tempo de moer, e se os Na- vios se tomaram ou despediram logo, ainda os liomens acudi- rião á sua lavoura; partiram d'aquL cm 18 d'oatabro, e o que nos deixaram foi umas casas queimadas de um mer- cador, que o deixou perdido, mas se elles entenderam que não havião de vencer, deixarião tudo assollado, mas vinhão dizendo que querião as Fazendas para suas quintas, e algumas fica- ram escolhidas.

Por desgraça pegou o fogo em a Casa dos contos em uma pouca de pólvora que ardeo e mais uma morada contigua e do mesmo modo o Palácio e Alfandega ; as duas moradas primeiras não podião ter remédio, mas o Palácio bem se lhe podia acudir e facilissimamente a Alfandega, porque esta era a ulti- ma, e os Francezes ainda não esta vão por render, estavão prezos em uma Caza com um grosso cordão e a gente que havia ainda no Exercito e a que andava por demais nas ruas bem lho podião valer, se houvera accordo, ou se quizessem, e quando o não remediassem, acerto podião tirar-lhe as fazendas que tinhão dentro e os livros, mas bem pode ser que fosse provldenoia di- vina para se principiarem outros, que aquelles por velhos estavão desencadernados.

Meu Senhor, nesta terra não ha mais que desordens, ninguém olha para conveniências da Coroa, todos lhe roubão o que podem Q o que não podem. Esta guerra fez gastar muita fazenda real e as desordens delia teve a culpa do inceniio em que se perdeu muita fazenda e fica com ella caminho aberto para dizerem que se queimou o que lhe parecerem e dar despezas á, sua vontade e crescerão dividas á Fazenda Real e aqui se nome a quem lhe deve 90.000 cruzados, e disto ha muito, os Almoxarifes

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dispõem da Fazenda Real como sua, mas Dão tem culpa que elles não dão contas nem ha quem lh'as tome.

Não é o men animo dizer mal do Provedor, porque o tenho em boa conta, ainda que com elle não tenho trato, tenho no- ticia do 83U procedimento, mas este erro yem muito atrasado e melhor constara d'onde nasce, mandando S. Magestade iníbr- mar-se ; o mau é que não encontrará muitos que o fIsKão com yerdado. He verdade que os descaminhos são tantos que se isto se procurar não hão de poder encobrir tudo, e ainda que o Ou- vidor Geral é na terra moderno, consta-me que sabe principal- mente dos 90.000 cruzados. Grandes rendas tem nesta America a Coroa, porem se S. Magestade não mandar reformar isto por pessoa que seja izenta dos Governadores e de tal supposição e verdade que se não deixe subornar, brevemente se achará sem nada : os Governadores são os que dissipão a Fazenda Real, e emquanto 8. Magestade não remediar e determinar nova forma de despezas e que os Governadores não tenfaão jurisdição na Fa* zenda Real, sempre hade ser assim, porque com a dependência que delles tem lhe tapão a boca com o que pedem, e deste modo se vive por inventando cada vez novos modos de dissiparem, O Governador vendo que o inimigo entrou por terra as 14 le- goas, que digo sem advertir, que de algum modo tem a culpa, porque o não podia conseguir se lh'o quizessem impedir, porque deixada a impossibilidade que tem pelos maus caminhos ásperos, pastos estreitos, e que lhe podemos deixar todo sem manti- mentos, e a maior parte sem agua, e que nos alojamentos se lhe podia impedir sem muito risco nosso, até a dormir em bus- car-lhe umas peças d*Artiiheria, fazer-ihe algumas minas e que a tudo se faltou por falta de Conselho e resolução, isto digoe eu, outros alargão-se mais.

Quer remediar o damno futuro com murar a cidade pela parte da terra: esta obra sempre é boa, mas parece-me moito escusada esta despesa, a qual hade ser muito considerável, assim pela entidade da ub.^a, como pelos descaminhos que hade dar ao dinheiro quem corre com ella, que tanto que ha em que mexer, ha caminho aberto. Nesta cidade não podo entrar inimigo por terra, salvo o deixarem como agora: isto sabem todos quantos tem conhecimento desta terra : oella ha

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mailft sente, e, se não vai nas listas do Governador, 6 porqae ficaram fora» se n&o puxou por negros e carijós ou ladios, que são todos bons soldados, estes andio occupados nas minas por quem governa, e isto nâo serve a Republica e para estes mattos no 08 mais úteis : os negros esquecerão o tudo isto querem remediar com amofinar a Bl-Rei, pedindo-llie soldados a tempo que nesse Reino sio procisos para as Fronteiras.

S. Magestade tem muita gente para a defensão desta torra e, quando lhe fosse necessária, c& a tem nas minas, que kão*de acudir com presteza e pela parte de terra com pouca gento se deíénde, e havendo quem governe, porom elles querem levar isto a poder de milagres e terços, mas por isto os vi na occasião enfiados» A verdade é esta: S. Magestade precisa Fover o lugar de Mestrd de Campo em quem seja soldado ; este morreu, e tem Pranoisoo Ribeiro, que ó o Mestre do Campo da terra nova, que está incapaz de andar, nem eu o vi sahir fora e no exer- cito o vi, e para se pôr a cavallo lho trouxerão um banco e ainda chegaram uns ofllciaes a pô-lo a cavallo: ou o não co- nheço, nem elle nesta occasião mostrar o seu valor, que será grande soldado, mas ainda que o tivesse, a idade ou achaques o havião de escusar: este não serve a S. Magestade deste nocdo.

Nesta terra tom S. Magestade um vaierozo soldado, quo é o Tonente Qeneral da Fortificação, que ô José Vieira Soares, quo nesta occasião o vi proceder com todo o valor, desprezando oe maiores ris^sos : eu nunca o tractoi nem o conheci senão neste guerra. Tambam procedeu admiravelmente o Capitito José de Almeida, do da Colónia, e sahio gravemente ferido ; também o não conheci senão na occasião presente. Dos mortos com grande valor o Capitão de Cavallos António Dultra: estes são os a quem a fama publica valentes ; fora estes, ha outros que por ordinários ■e lhe não sabe o nome, e também ha muitos que o fkvor de quem governa quer fazer valerozos, ainda que na occasião o não mostraram.

Os Navios franceses baterão com muitas bailas e bombas a Ilha grande, a qual o Governador com boa advertência tinha guarnecido ; pouco ou nenhum estrago fizeram, nunca poderam saiter em terra, por lhe sor impedido pelo cabo, que era o

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Capitão João Gonçalves Vieira, do S.*" da Ck>loaia, o qual é vos ooQStaato haver obrado com grande valor e admiração de todos e s6 lhe mataram am Alferes, porque se oonservava bem en- trincheirado, c, supposto foi desamparado dos Paizanos, sempre se defendeu com igual animo. Os Paulistas moradorei de Taubuaté e de Goratingaetá pedindo lho soooorro, lh*o derio, e com isto mostrarão a sua lealdade de que se presumia mal e o mesmo derão a Parati, que guarnecia o Capitão Fran- cisco de Seixas, que não sei de que 3.» he.

Com o aviso que o Governador mandou logo a Santos ouidan- do-se fosse por o acoomettimento dos inimigos, se preparou o Governador, que houve com todo o lello e cuidado, e se pos de modo que não entraria o inimigo. Pedio soocorroa S. Paulo« que lhe veio logo um grande e com louvável zello, porque tudo o que era capas de armas veio, e mostraram que não querião Rei Francês, no que tiverão grandes descommodos, por ser muito o tempo que esti verão fora de suas cazas e muitos gastos.

António de Albuquerque, como conheceu o erro em que havia cabido de se auzentar de S. Paulo, aonde Francisco do Castro avizou das novas do Paquete e que havia presum- pção dos Paulistas e desprezar a mesma noticia que lhe mandou o Mestre de Campo Gregório de Castro ( que morreo na occa- sião presente), o qual estava nas Miuas por ausência do mesmo António d*Albuquerque escrevendo^ihe que elle tinha aviso de seu irmão o Governador, que se espera vão por instantes os Franceses no Rio, ou em Santos pelo que se recolhia acudir, e que as Minas não necessitavão de nada, estavão sujeitas, que saria muito conveniente não se ausentar de S. Paulo aonde estava, como o não entondeo assim, foi para as Minas, e chegado a ellas teve a certeza da chegada do inimigo : voltou logo para S. Paulo com muito trabalho, e deixou ordem para com aviso seu partisse um d."* com um Capitão-Mór para esta cidade, outro para Parati, que ó perto do mar, outro para S.Paulo, tudo se escusou com o bom successo que Deus nos deu em duas horas depois de tudo concluído, e' passados mais de 15 dias proveo o Governador em Capitão a seu Sobrinho e alguns postos mais ; veio reparar assim no tempo em que fez o provimento, como nas pessoas de que ha bastantes queixosos.

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Seguio-se a esta victoria uma novena de festas sempre com luminárias a que obrigou o Governador em varias Igrejas com Senhor exposto e sermão, o que alguns chamarão sátiras ao Divino, porque consta vão de que por milagre se venceo e eu não vi milagre mais escusado, porque nós éramos muitos ( se todos brigassem ou tivessem essa ordem ) e elLes muito poucos, festas de Cavalio e no fim uma procissão de triampho com carros triumphantes. Em um delles hia nma figura com uma bandeira alvorada com as armas do Governador e ao delias as Armas d*El-Rei de Franga, e os mais Estandartes Francezes os ievavão figuras a cavallo assas pizados : tudo parecia não escusado, mas vergonha nossa, que tudo mostravão ao3 Prisioneiros, huni se rião, entendo quem aprazivel gosto tinha, d'onde inflrião o quão temidos havião sido ; outros chora vão, não entendo porque, mas não lhes faltavão motivos ; outros se escuzaram de ver, e alguns pregantaram se Portu^;al havia conquistado a EI-Rei de França e despojara do seu Reino : estas festas, de todos forão estranhadas, serviram de mostrar-se aos Francezes, a muita gente que a Cidade tinha, sem entrar as das mais povoa- ções, porque, como no conílito a não virão, ficaram na duvida se era por medo ou por não ter tanto de que agora lhe fica o conhecimento para olreeeio.

O General Francez a quem chamão Duderc está no Col- legio, ó fatal homem; e eu assim o experimentei, porque estando ajustando a íórma do Quartel que o Governador me havia encarregado, porque eu não vim no que elle quiz, me disse estando sem nenhum partido que o negocio para oUe não estava acabado e que para elle não havia empreza que por diíficultosa deixasse de emprohende-la, ao que eu lhe re* spondi pelo mesmo theor. Aponto ist j para dar a conhecer o seu animo. Com elle vem cavalheiros de grande supposição e Cabos do mesmo género o uns que deixaram de o ser em França, para virem na occasião e muitos guardas marinhas : eu disse e apontei ao Governador o ao Ouvidor que seria conveniente que estes ao monos o General sem se faltar ã palavra, se podião impossibilitar de voltarem á França, mandando-se para Ben- guela e Caoonda, outros para Moçambique para onde ha aqui Navio, outros para Cabo-Verdo, terras onde se vivo pouco e

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agora partio nm navio do António de Albuquerque para Angola, que podia levar alguns, que Portugal aoommoda-lhe que eate General não torne á França e não se lhe tàz injuria, porque são 4!onqui8ta8 nossas, e não nos acommoda tê-los nesta, o se morre- rem naquellas, seria por conta e risco seu, e peor nos íázem aos nossos prisioneiros que rendendo-os em as nossas fronteiras 08 mandão de Castella para França, que não é província sua, porem como o não vejo fazer não deve ser bom o meu diotame, porque o Governator tudo quanto tem entendido, tudo tem obrado e confesso ser bom servidor d'£l-Rei, principalmente para a paz, e nunca lhe conheci erros da vontade, lhe noto não ouvir nem querer consultar o que ouve*

Ouço aqui fallar em que se quer fortificar a Ilha das Cobras» oiijo trabalho será muito prejudicial a esta terra« porque é uma ilha junto & Cidade em lugar emminente a ella em uma ponta se o inimigo entrar as Fortalezas, em a ganhando, assolla a cidade, e mais facilmente achando lugar em que monte artilharia, se não uzar da nossa, que para se defender e guarnecer a dita Ilha, ha de mister mais de 2.500 homens, e se se nãohade guarnecer de gente, para que se fortifica? e se, a guarnecer, empobrece a cidade, e expoem-se a que se não possa retirar, porque podom sor impedidos dos inimigos : e esta ilha se pode conservar como está, e para oífender ao inimigo que- rendo a occupar, da mesma Cidade se fará, porque nelLa tem o monte de S. Sebastião, emmincnto a dita ilha e o de S. Bento, que lhe fica tiro de peça ou da Conceição com pouca mais diífo- rença, aondo se pôde fazer iluas cidadclias que não dofendão a Illia mas sir vão para guardar e defender a Própria Cidade o se recollião as melhores, feitas estas, pouco importa que o inimigo entro na Cidade, quo logo se sujeita c me parece que é a única obra nova quo hado mister esta cidade. Eu não me obrigo a acertar, mas devo dize-lo o parece me se so ponderar, e^ta fortificação da Ilha que se não fará, e. fazendo se, será pela parte do mar aonde 6 conveniente para oflender os Navios que quizerem bombear a cidade.

As Fortalezas da barra são as que bastão, mas não tem a artilharia necessária, e a que pode ser nem Artilheiros, e não se faz diligencia para que os haja, porque eu conheço

j

72 RRVI8TA DO INSTITUTO HISTÓRICO

60ta torra ha annos e nuoca Ti faser exorcioio a Ar4i- Iharla, e a pólvora apodrece como succede a soldadesca. A Barra tem 8 fortalesas e, se se fortificar tudo, não bas- tará quanto o BraEil tem, porqae é costa, o que seria bom conservar o que tem mal prevenido, que estando na terra das madeiras, não tem as carretas reparos, e o mesmo achei em Pernambuco, e que ve&hfto cabos para a guerra, qne para a pas ha quantidade.

Eu lulo passei as Minas, porque António de Albuquerque me escusou diiendo que maior serviço faria eu a S. Magestade ficando nesta terra ; foi meu irmio Pr. Jerónimo Pereira a buscar alguma cousa que escapou das perdig^os e determino com o &vor de Deus recolher-me ao meu convento nesta primeira Frota.

António d*Albuquerque foi a S. Paulo, nomeou a 3 capitSes de Infantaria pagos, passou as Minas e nomeou outros ainda que estio sem patentos mas devia tratar por onde havia de sahir com que se lhe pagar. Ató agora n&o tratou de cousa alguma ; supponho que não teve occasião ou tempo. Os quintos ainda estão com a mesma forma, que não pode ser peor, porem assim accommoda a quem por está, masS. Magestade cada vezoom menos lucros. Aigora se diz aqui publicamente que Francisco de Castro manda para a Parahiba, que ó aonde ha o registo do ouro e aonde pende tudo, a seu irmão Capitão Francisco de Moraes ; fará tudo muito bem feito e emendará os erros: 6 verdade quo ninguém o suppord, porque o lugar ó sus- peito, o Provodor irmão do Governador não será mau. mas não parece bem. O negocio desta terra feito para as Minas cada vez tem mais abrolhos ; ainda quos. MagostadefVanquea o caminho, taes intelligencias lhe poom que tudo se virá acabar de todo e virá a servir para os quo govornão e mexem e. se ello hado ser assim, melhor será que S. Magestade o faça por sua conta. que o Reino está tão empenhado. Agora tem inven- tado o Governador que haja uma Companhia do Mineiros nesta terra ; veja V.Ei.» como pôde ser isto, uns quo são almocreves da estrada, os que d'qui escapão, que sempre tem passagem, tanto que ha moedas, não tornão.

A estrada da Bahia se conserva impedida, mas é para que renda mais, porque todos entrão e difflcuUosamente terá isto

CARTA DE FR. FRANCISCO DE MBNBZES 73

remédio em qasmto não governar pessoa de consciência e deseje servir a S. Majestade e a Ooroa. Elias estfto qnietas, mas reoeio-lhe alguma inquietaçio se lhe lerantarem o 3/, porque nelias nSo ha senão gente qoe entra e sahe eom negocio e mo- radoresde S. Paulo que vem buscar ouro para se reoolherem em suas eazas e muito poucas pessoas assistentes, e estes n&o devem ser soldados.

Os mercadores que são os que povoão oom continuo curso as Minas se os fizerem soldados, âcão impossibilitados e os Paulistas se os ftierem solteiros ha poucos, os casados hão de hir-se e todos senão se inquietarem, fuglião, e despovoão-se as Minas que o estavão, porque quem se receava» hia para ellas viver, e quem necessitava, agjra poem-se em termo de fugirem todos delias, e não ha metter-lhe na cabeça que as Minas as povoon a isenção e o commercio, este evitado tudo se desva- neceu.

Nas Minas, estando como estão quietas, não é necessário 3.<> pago, bastará quo o haja, e 03 Capitães sejão em districtos repartidos para quando for necessária alguma diligencia a Aise- rem que no Sertão não hado haver invasão dos inimigos, e estes Capitães podem ser dos que residem e ter-lhe S. Magestade respeito ao serviço que fizeram que sempre será a maior parte com escravos seus e cuido que servira para alguma prisão oii observância de alguma ordem, o para guardado Governador bastará que hajão duas Companhias, como esta terra tinha quando ou a conheci o todo o Brasil; o mais é talhar obra, gastar tempo, atropelar os Yassallos, podendo aproveita-lo em grangear para a Coroa muitos milhões e cobrar a multa fazenda que S . Magestade tem perdida nas Mimis, como eu apontei a D. Fernando Martins Mascarenhas, que não emporta em pouco, mas o Governador tem muito a que acudir, não pôde tudo : finalmente matérias de tanta importância deiza-Fas & disposição de um, (^ não as querer ver bem snccedidas, muito perdoo S.Ma- gostado em o Bispo não hir ás Minas como lhe ordenava, mas havia de ser ouvindo-o e servindo-se do seu parecer» que 6 um sorvidor d'El-Rei, e tem claro entendimento, mas estes não são os que servem ; parece-me que não hade ser António de Albu- querque o que hade servir a S. Magestade de lhe aocresoentar

74 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

as rendas nas Minas, vejoo muito divertidQ oom o negocio e fiii^- se muito dependente dos homens.

Agora quando ohegou ás Minas mandou pedir ao Capitão- Mór e Superintendente do Rio das Velhas oavallos para virem a Parati buscar 300 cargas, e porque neste tempo lhe chegou a nova dos Francozes, se aproveitou para comboiar mantimento para escravos seus que tem a minerar em outras minas. S. Ma- gestade deu liberdade aos Governadores para negociarem, hade logo encontrar-lh'o, porque elles o obrigaram: até agora sempre governavão e negodavão, mas era com receio, sempre tinhSo mão em si, agora tem o mesmo soldo que S. Magestade lhe accrescentou quando lhe prohibio o negocio, e vfto pondo isto em taes termos que não ha negocio senão o sen, negros são para quem governa e tudo, mas elles vão-se conservando porque impedem cartas para ess3 Reino e d&o-lhe a côr que qaerem, e, se vão algumas, vem-lhe á mão, ou a noticia, e vingão-se.

António d'Albuquerque as Impedio no Paquete, agora o fás Francisco de Castro e as Gazetas ou RolaçOes das operações do inimigo e das nossas e também a algumas pessoas que lho pa- recem falarão, e querendo a Camará escrever a Bl-Rei a não tem deixado, parece até querer notar a carta, se Sua Magestade não acudir a isto não sabarã o que se passa, c querendo mandar um Procurador lh*o não deixa embarcar, se governa despoticamente, e ho mal quasi sem remédio.

Sobre estas guerras não quer que carta, eu faço esta o entrego-a ao Capitão do Paquete.

Todos os annos esta Costa do Brasil 6 infestada pelos Fran- cezes G sempre dolla levão um grndo cabedal o vera com toda segurança, porque sabem não ha com que se lho faça mal isto haver mister remédio; ou bem vejo que S. Magestade teve aqui uma GuarJa-Costa, o que lho fez oxccssivos gastos, mas se S. Magestade castigara isto, estaria capaz do pôr agora outra.

Eu escrevo esta que bom mostra o ser minha, porque vai desencadornada, oscrupoliso se não der esta conta, se a V Ex* lhe parecer alguma couza destas convenientes o remedeie, e se informe, a mim desculpa-me o zello, o o ser para V. Ex." me anima, ro.i^o a V. Ez.« me não por Author, não

CARTA DE FR. FRANCISCO DB MENEZES 75

porque falte á verdade, maB tenho em qae se me (Saga mal, razão porque me nio aooommoda, e porqae perderá por minha a informaçfio.

N08S0 Senhor oonserre a V. Ex.* a vida para oonserracio do Reino e protee^^ dos seus Capellãei e o guarde por muitos e felizes annos. Rio de Janeiro 6 de Novembro de 1710.

De V. £x> Ex.»» Sr. Duque do Cadaval. Humilde Greado Fr, Francisco de MensMes.

CARTA

VíWmR»! do Brtzil Conda dt Cunlii

A FRANCISCO XAVIER DE MENDONÇA FURTADO, ACERCA DOS MOTIVOS QUE TEVE PARA PEDIR NOMEAÇÃO DE SUCGESSOR

(1767)

(Ezirabida do Códice do Inatitato Histórico G«ographico BrftxUoiro Doe. STÍ ~ Archivo do Conselho Ultraniarioo Rio Janeiro ^ Com$- pandmêia doê Vieê-Reia i763 - ÍTTÍ,)

A presente carta é a juatificação do Conde da Cunha, mal apre- ciado por algana historiadores. Gomo poderia elle continuar a go- vernar bem, tendo contra a si os militares, os commerciantes, os membros da Relação e o próprio clero, inclusive o Bispo ?

(Xota da Commissão de Redacção,)

Oarta do 7io6«Bei do Braiil Conde da Ouha a Franelsoo Xavier de ICendoBça Fiurtado, aoeroa doi motWos que teye para pedir nomeaçio de BiMcetsor.

Iltmo. o Exmo. Snr. Na ultima occasião em que tive a honra de me pôr aos reaes pez de £1 Rey Nosso Senhor, lho pedi (com aquella perturbação que naturalmente costumo ter na sua real presença) que fosse servido mandar-me um sucoessor logo que lho constasse que por cauza de minha curta capacidade obrava alguns desacertos, e porque a Praça do Lisboa e a desta terra, descobriram em mim muitos que eu não sabia que o erão, pois 00 de que elles me podem criminar serão tão somente, os de se terem executado flelmento as reaes ordens, que Sua Ma- gestade foi servido dar-me na sua regia carta de 16 de Dezem- bro de 1753, para serem prezes e sequestrados os eztraviadores dos seus reaes direitos, não me podia persuadir que observando eu religiosamente, o que na mesma real oarta se me ordenava eicedia a minha obrigação, porém para me capacitar de que não sirvo, nesta parte, a meu amo tão bem como devia, basta-me o ver que o mesmo Senhor me manda promover o zelo com que o sirvo, com a prudência e a dissimulação, e como não obstante esta determinação, não alcanço o como a posso praticar, peço a El Rey Nosso Senhor, que se alguns dos meus serviços tem ai* gum merecimento, por remuneração delles, me íaça a merco de me mandar suocessor, pois também por outros motivos que nesta referirei se vô, que com bastante cauza peço esta graça, que também ô preciza para o bem commum e quietação d'esta Capital.

O primeiro motivo consiste o que em outras ocoaziões tenho dito a V. Ex*., que os meus muitos annos, os esquecimentos que ellee me cauzam, os achaques que padeço, e o não poder oom o excessivo pezo deste governo me obrigava a pedir sucoes- sor» aftm de que Sua Magestade podesse ser mais bem servido.

80 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Isto ó O que tenho pedido nas minhas supplicas, sendo tão verdadeiras como justas, porem como ainda ha outi*os motivos graves que parece sor necessário, que por cauza delles Sua Magestade queira mudar de Governador, os devo relatar a Y. £z*. para que cheguem á real prewnga do mesmo Senhor.

Segundo motivo é sera duvida , ser necessário que o Governa- dor seja bem quisto com todos, especialmonte com os militares ; e com estes por infelicidade minha o não posso conseguir, não obstante o estarem todos fardados e pagos, ató do que lho ficaram devendo meus aateoessoresi alóm do que tem sido muito accresceutados nos postos, at tendidos por mim em todos os seus particulares, e estimados como nunoa nesta terra so vio. Estes mesmos a quem tantos beneficios tenho feito me desejam ver vendido, porque se lembram da liberdade que houve no tempo do Condo de Dobadclla, e ainda a apotocem para poderem gozar aquella soltura e desobodiencia em que se criaram e viveram não menos que trinta annos completos , peio que todos esperam que meu saccessor queira seguir aquelle systema.

Terceiro, os Ministros desta Relação que deviam ocmcorrer para a boa harmonia do mesmo Tribunal, e para a boa arreca- dação da Real Fazenda, se uniram ao Chancdlicr João Alberto Castello Branco, pura protegerem homens indignos, o outros de* vedores em quantias graves à Real Fazenda ; estes procedi mea- tos foram tão excessivos que ató na mesma Relação e fora delia fizeram algumas desattençõos ao Procurador da Coroa, e ainda que a scena vao prezontemonte mudada, e a meu entender mi- ihorada com a posse do novo Chancollor elles me temem o me desejam fura desta terra, mas podará ser que succedendo assim elles se emmendem e venham a ser muito bons iMinistros; porem agora por nenhum modo poderão ser meus bons amigos: e pelo que tenho dito a alguns dolles sobre o seu procedimento me de- zejam ver fora daqui, e se Gonçalo Jozt^ e o Procurador da Coroa ficarem nesta terra depois de eu sahir delia, os hão de apedre- jar por terem servido até ao prezento com muita honra, e um grande zelo da Real Fazenda e isto com desinteresse o verdade polo que rogo a V. Ex». os pa troei u.í para que possa haver muitos Ministros que os queiram imitar.

CARTA DO VICE-RBI DO BRAZIL 81

Quarto, o Bispo (se me ó permittido repetir alguns dos fiíetos que com elle tem sucoedido) posso dizer o muito que se tem interessado pelo Thesoureiro da Casa da Moeda Alexandre de Faria» o intento que teve de intimidar o Desembargador Procurador da Ck>roa para que não applicasse as contas que a este homem se deyiam tomar, o muito que a este Prelado custou largar a prata que a Sua Magestade pertencia, e que estava no deposito eodeziastico, as vergonhosas diligencias que ali se fize- ram para a não darem que tudo é notório; pelo que claro está que também este Bispo me não gostará, ainda que aparente- mente mostra ser meu amigo.

Quinto, a Camará Ecclesiastica e Clero que poucos erão os oabedaes desta Capitania, para o quo elles lhe tiravam com as habilitações dos que se queriam ordenar, e estes por não pode^ rem prezentemente conseguir as ordens, julgam uns e outros que eu lhe causei este prejuízo, que quando me auzentar poderão milhorar de fortuna, pelo que todos elles me não gostam.

Sexto, tendo os frades vivido sempre (nesta Capitania) com escandaloza liberdade, e vendo que esta se lhe tem quartado alguma couza, no meu tempo, e neste experimentam o emba- raço de não poderem tomar noviços, se persuadem de que eu sou o que lhe tenho feito este damno que tem experimentado, e por esta cauza também com elles estou mal quisto.

Sétimo, ó infalível que nem os homens de negocio hão de deixar de continuar os contrabandos, nem eu ao que deva obrar para os evitar, porque isto é o que Sua Magestado prezente- mente me ordena, e como elles mal quistando-me nas duas praças conseguem o perdão dos seus excessos, pode Sua Ma- gestade estar na certeza que estes homens se queixarão sempre de mim, sem deixarem de extraviar os diamantes ouro e direitos das fazendas.

Oitavo, também é certo que nenhum Governador se pode bem quistar, não tendo com que pague a quem manda tomar géneros que preciza, para manter e prover as praças do sul e satisfisuser o soldo das tropas ; e porque a falta das frotas tem oauzado um grande embaraço na commercio, se experimenta uma grande diminuição no rendimento da Alfandega, e com

491 6 Tomo lxix. p. i.

82 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

estes motíToe oomo pode um GoTemtdor remediar estas fitltas de meios para ser hem quisto, oom a mesma tropa e eom os ne- gociantes a quem não poderá pagar f : a meu suocessor não será difficii o remediar este fiilia, porque se lhe permittirá logo o poder se Taier da casa da moeda, liberdade esta que o Oonde da Bobadella teve, e de que também usaram oom iargoeia os Go- vernadores interinos, e que eu não pude conseguir não obstante o tei-a pedido ha três para quatro annos, sem merecer nem a resposta desta representação ; pelo que naturalmente por este motivoy tombem me hirei mal quietando cada vez mais.

Nono, sabe-se que a maior rua deste terra e a mais po- pulosa ó a dos Ourives, e que este innomeravel gente se sus- tonteva daqneiies offlcioe de que não pode usar, e todos suppdem que foi arbítrio a sua eztinc^, pelo que de mim se queizam incessantemente, e este motivo basteva para me malqnister, e íkier aborrecido no Rio de Janeiro.

10«, neste Capitulo mostrarei ultimamente outros motivoe pelos quaes se claramente que com tedos me tentio mal* quistado, e que por este causa me parece ser necessário que para este terra venha com brevidade Governador que se possa íázer amaio.

Toios os offlciaes da Alflindega vendo o cuidado em que nella esteu e no seu despacho, se não satisfskzem deste novo zelo, os da Fazenda, como pela nova regulação perdem os offi« cios de que se susteotevam, persuademnse que eu fui o arbitro deste novidade e se queixam de mim.

Os da Casa da Moeda com as necessárias e importentoi dili- gencias que tenho feite nella, e^tos mais que todos me desejam o sucoeHKV que peço ; e porque em descaminhos da Real Fá« lenda tenho achado cúmplices alguns offlciaes militares, que tenho prezos e lhe estou averiguando as culpas particularmente, tombem estes e seus camaradas anciosamente desejam novo governo.

Estes grandes motivos me impossibilitam para me poder bem quistar, o que será multe fácil a qualquer outro que me Tier succeder, porque conhecendo estas gentes que elle não podia ter parto nos meut desacertos se poderá fazer muito amado o que muito importa ao real serviço de Sua Magestadot

CARTA DO VICE-REI DO BRAZIL 83

qne não tem conquista tão importaate como esta, a qual achei perdida por todos os modos, e por todas ais suas partes mais importantes, porque não haria nelia mais que dezordens insultos ruinas— pobresas— e roubos» sendo nestes a Fazenda Real a mais prejudicada, as conquistas do Sul, V.Ez*. sabe o deplorável estado em que estavam, e como tudo se reformou ; satisí^bço-me com que o digam as pessoas que na praça de Lisboa e na desta Capitai me malquistaram ; e para que o be- neficio (que com tanta despeia da Real Fazenda e trabalho meu) possa permanecer, conheço que ó preciso novo Governador como todos desejam, para que com a sua prudência e dissimulagãOt venha consolar os que ainda lamentam a perda que tiveram na Iklta do Conde de Bobadella, e na brevidade do Gk)vemo in- terino.

Deus Guarde a V.Ez^. muitos annos^Rio de Janeiro a 7 de Julho de 1767— Senhor Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Coi/kl4 da Cunha.

TRASLADO

DE

âdIa de deligODCía sobre a arribada do navio N. í do kario e M AntdDio

( 1645 )

^Bibllolhec* Public» piorení^ Cod, C.V.I. 2—2 f. ÍW)

Este traslado comprova o que disse o nosso consoeio Sr. Ca- pistrano di Abreu em sua notável obra denominada «Gapitolot de Historia Colonial (1&00 a 1800)», pag. 98.

(Nota da ÇammissSo de Redacção,)

Tniliii íeiíi Alto de itUieicii lOtR t arriiwli a esta Ma to HaTia ekaialG Nima Snlion «o Rezarit, e Saitt AiMe me talio ia tmiMiUa ia Amadi de Pernantraco, le m foi w Capital Hír. o Csniel HíMine Semo te Paira e Capltio le Mar e Saem to llto Mo Mo ilTei e Mestre e Filoto Maioel Ferreira Lina.

Aono do Naaeimento de Nosso Senhor Jezas Ghristo de mil seisoeiíios eqnareotae cídoo, ao primeiro dia do mez de Betem-* bro do dito anno, nesta Cidade do Salvador Bahia de todos os Santos, nas Gazas dos Contos delia, o Provedor mor da fa- seada de Soa Mageatade deste estado do Braiil, Pedro Ferrai Barreto, mandou a mim escrivão da ditta Real ftkzenda, e de saa cargo ao diante nomeado, Aaiaar a ponaria que se segue do dito António Telles da Silva, Governador e CapitSo geral deste estado, em que lhe ordena tire testemunhas para se informar da Cansa que ouve para arribar a esta porto o Navio chamado Nossa Senhora do Rosário, que hindo em oompanhla da Armada que mandou a Pernambuco, de que foi por OapitiLo mór o Coronel Hironimo Serrão de Paiva, e por Capitão de Mar e Guerra do mesmo Navio João Alves Soares, e Mestre e Piloto Manoel Fer- reira Uma, arribara, e chegara a este porto em vinte nove de Agosto próximo passado, e dos mais particulares que a dita Portaria conthem; perguntando o ditto Capitão, e Mestre» e Pi- loto, e os mais oflQciaes, e Marinheiros do dito Navio que pare- oesse» elhe mandasse dar os traslados autênticos de tudo, para os inviar a Sua Magestade, que Deos Guarde, e lhe fez todo pre- sente, em comprimento do que autuei a dita portaria, e ajuntei aqui, e he a que se segue, Oongalo Pinto de Freitas, escrivão da fkzenda Real deste estado. Provedoria mor delia por soa Magestade o escrevi.

88 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

PORTARIA

Porquanto chegou arribado a este Porto o Navio Santo António, de que he Capitão de Mar e Guerra João Alves Soares, hum dos que forão na Armada que mandei a Pernambuco a cargo do Capitão mor Hieronimo Serrão de Paiva, e convém saber se a cauza de sua arribada navegação que teve assim a ditta Ar- mada como a de Salvador Corrêa de Sãa do Porto de Tamanda- donde havião chegado, até 6 Porto do R<icife, couza porque no de Tamandaré se não fez Concelho para se rezolver o que fos- ^e mais conveniente e de maior segurança, em razaõ do tempo e das agoas, modo com que ambos estiverao sobre o Recife, tempo que ali se detiverão, motivo porque levavão anchora, que derrota levou, hua e outra Armada e modo de velejarem, sua navegação, e donde ficarão ambos, o Provedor mor da fa- zenda do Sua Magestade deste Estado foça logo fazer hum Auto perguntando exactamente nelle tudo o assima refferido, e mais circumstancías tocantes a este particular, assim ao ditto Capitão de Maré Guerra do ditto Navio Santo António, como ao Piloto, contra mestre. Marinheiros e mais pessoas que nelie vem, dan- do-se-Ihe a todos Juramento para que com a verdade que deste Auto rezultar seja tudo prezente a Sua Magestade, para cego effeito o mandava copiar pelas vias que se lhe pedirem. Bahia primeiro de Setembro de mil seiscentos e quarenta e cinco.

Inquerição que fez o Provedor mór da fazenda pela porta- ria do Senhor Governador.

Ao primeiro dia do Mez de Setembro de mil seiscentos quarenta e cinco, nesta Cidade do Salvador Bahia de todos os Santos, na Caza dos Contos, o Provedor da fazenda de Sua Ma- gestade deste Estado, Pêro Ferraz Barreto, comigo escrivão delia tirou as testemunhas seguintes que pelo contheudo no Auto e Portaria junta forão porguntadas. Gonçallo Pinto de Freitas o escrevi.

O Capitão João Alves Soares, de idade que disse ter de vinte e quatro annos pouco mais ou menos, a que o Provedor mór deu juramento dos Santos Evangelhos, sob cargo do qual pro- meteo dizer verdade.

TRASLADO DR HUM AUTO DE DELIGENCIA 89

E perguntado pelo contheado no Aato e Portaria do Senhor Governador, que tudo lhe foi lido e declarado, disse elle dito Capitão, que estando a Armada de que he Capitão mór Hiero- nimo Serrão de Paiva, e em que elle testemunha hia por Capi- tão da Não Santo António, no porto de Tamandare, surta dentro do Recife, a honde lançarão os Mestres de Campo agente em terra, em nove do mez de Agosto próximo passado, lhes veio recado, em como o Galleao do General das frotas Salvador Corrêa de Sáa e benavides com a frota estava surto, duas, ou três legoas do ditto Porto, e ao outro dia que fotSio dez do ditto mez, sahio a Armada a encontrarse com o ditto General, o qual sem aguardar a tomar falia nem fazer Concelho, foi vellejando na volta do Cabo de Santo Agostinho, e hindo assim ambcs as Armadas tirado a do Almeirante Paulo de Barros que ficava no porto» porque ainda sinão esperou, forão dar fundo no porto de Pernambuco, de íironte do Recife» e em onze do ditto mez ã noite, e naquella noite naõ ouvera mais, que estarem as Ar- madas surtas, e tanto que amanheceo virão que estavão fora seis Embarcações Holandezas de alto bordo, em que entravão hum Pingue e hum Pataxe, e, as mesmas embarcações tinhão visto ã noite antes de surgirem e amanhecendo em doze do ditto mez, vio elle Capitão sahir da Capitania de Salvador Corroa hum Barco da Companhia da Armada, em que ao despois soube foraO chamados, o Capitão mor Hieronimo Serrão, digo íorãe huns Embaixadores que o ditto General mandava, sem até então ter chamado os Capitães da Armada, e despois de despedido o ditto Barco, forão chamados o Capitão mor Hieronimo Serrão com todos 08 seus Capitães a Capitania de Salvador Corrêa, donde lhe foi dilto pelo mesmo General, o que lhes parecia que se devia fazer, a que todos responderão que, como tinha man. dado os Embaixadores a terra, naõ se deliberavaõ sem sua vinda e resposta dos Holandezes, nem saberem o que continha a Em- baixada, mais que levarem as Cartas que o Senhor Governador mandava para os do Concelho de Holanda, assim por huma Armada como a outra e huma que o dittio General Salvador Corroa de disse lhe escrevera, e outra do Capitão mor Hiero- nimo Serrão. E estando neste Concelho, apareceo a Não Almei- rante de Paulo de Barros com mais um Barco de Sua Magestade,

90 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

que havia ficado no porto de Tam&ndare, que tronxe Cartas dos Mestres de Campo que estaraS em terra Martim Soares Mo- reno, e André Vidal de Negreiros, em que avizarão, e erão de pareoer que aqueilas Armadas era miihor estarem a balrarento do Gabo de Santo A^stinho ou no porto de Tamandare, ou Ilha de Santo Aleixo, ou andarem de hna Tolta noutra a balrarento do ditto cabo até passar este mez de Agosto, em que aquella Costa era muito verde. E logo o ditto General Salvador Corroa pro- pez se se poderia seroar aquelie porto para lhe nSo poder entrar socorro, e se acentou que não era possível, e assim mais que se acentou, que se esperasse ate o outro dia pelos Embaixadores, e que então se viria para balravento do Cabo como parecia aos Mestres de Campo, visto dizer o ditto General que naõ havia de brigar com as Náos dos Holandeses que estavfio fora, e ainda quellex o quizessem, o havia de fazer sempre com ban* deira branca, porque nâo tinha ordem de Sua Magestade nem do Governador para pelleijar com os Holandeses. B com isto» se foi cada hum para seu Navio, e amanheceo em trero do ditto mez de Agosto sem serem vindos os Embaixadores e ao meio dia veio hum Batel dos Holandeses sem trazer os Embaixadores, antes lhe vinhaõ pedir o foto e aviados dos mesmos Embaixado- res por Cartas suas sem trazerem reposta alguma da Embaixada, e deixando hir o dito Batel sem lhe dar o foto nem criados, mas antes os despedio, dando hum Anel de preço ao Cabo do Batel, e Patacas aos Marinheiros, e Salvando-os com três peças de Artelharia. E isto sabe elle Capitão no que toca as Patacas » Anel por lho dizer o Padre Frei António da Cnu, Relegioeo Clt« pocho da ordem de SaO Francisco, que estava na CÉipitasla, e o passou o General para a mão delle Capitão neste dia sucedee ventar vento rijo sueste com que alguns Navios se foriU> fozen- do a Vélla, e parecia perderem Amarras, e a Capitania de Sal« vador Corrêa se féz também a Vóila pela hua hora depois do meio dia, donde por lhe escacear o vento tornou a dar Aindo mais perto da terra e pelas quatro horas da mesma tarde se tornon a fazer ã Vélla na volta do mar, entendendo elle Capitão que de huma e outra ves perdera Ancoras, e assim lho afirmou despois o ditto General. E pelas cinco horas da tarde, vendo elle Capitão que o Capitão mor Hleronimo Sernlo mandara fozer

TRASLADO DE HUM AUTO DB DELIGBNGIA 91

á VéUa a Charrua do Calabar Náo da sua Armada, que estava pela proa a delle Capitão, e que largara hama Amarra, elle Capitão levoa também ferro, tirando primeiro a Anohorae amarra da ditta Charrua, e fazendo-39 tambam na volta do mar oom o batel da ditta Charrua, a qual andava á Vôlla com Navios da ditta Armada por se serrar a noite lhe não pode dar o Batel» nem amarra e arribando á Capitania lhe disse Salvador Corroa o seguisse, porque na meia noite havia de virar na volta terra. E declara elle Capitão, que antes de serrar a noite vio que se não tinha levado do porto a Capitania de Hieronimo Serrão, e sua Almiranta e duas Cravellas e dous ou três Navios da íh)ta, e seguindo toda esta noite o farol da Ca« pítania, amanheoeo em quatorze do dito mez com ella com nebrina etc. Despois do moio dia se aoharião dezaoete Navios em que não enu) de Guerra mais que Capitaina e Almirante de Salvador Corrêa, e ello Capitão que pelas três horas da tarde se foi a Capitaina em hum Batel que delia lhe mandarão e fa- lando com Salvador Corrêa lhe disse quo lhe desse licenoa para hir bttsoar seu Capitão mor, que conforme ao assento que estava tomando, havia de estar para balravento, e Sua Senhoria se so- taventeava muito, ao que o ditto General lho ordenou dando-lhe Cartas para o Senhor Governador, e para os Mestres de Campo e para o Capitão mor Hieronimo Serrão. E dizendo-lhe elle Ca- pitão que se não achasse seu Capitão mor, e Armada a balra- vento, como queria hir por ser bom Navio de VóUa, que nesse cazo havia de tornar, conforme o seu Regimento* á Bahia da- treição, ao que o Piloto delle Capitão Manoel Ferreira Lima re- plicou que não havia de tornar & dita Bahia, por não tor pra- tica do Porto, a que respondeo Salvador Corrêa se Vm**. quer vir comigo ã noite estamos e elle Capitão lhe disse que se sua Senhoria lhe ordenava, o faria e, se naõ, segueria sua viagem para balravento, porque hir á Bahia da troição era o derradeiro remédio. E então Salvador Corrêa se foi a balravento para a ditta Bahia, e elle Capitão na volta do mar tratando de vir para balravento buscar a sua Capitaina e então lhe deo ditto General as Cartas e papeis e entregou o frade Capucho re« ferido com dous Escravos mais que viahão com tenção de saltar em terra de Pernambuco. E navegando elle Capitão onze diaa

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om difer6nto3 rumos sempre para balrarento, veio avistar a torra das alagóas e vindo correndo a costa qara buscar a sua Armada na paragem de Tamandaró ou Ilha de Santo Aleixo» ouve vista, junto ao porto Calvo, do hum Navio cora três em- barcações pequenas, e chegando ao reconhecer acharSo ser o Navio Holandez com três sumacas, o tratando ainda de hir buscar a sua Armada ate á Bahia da treiçâo o seu Mestre o Pi- loto Manoel Ferreira Lima lhe fizera protestos que nao sabia o porto e que o Navio não estava capaz por fazer muita agoa, e estava aberto pela Proa e então olle Capitão por todas as razões referidas, e ver dar á, bomba, se veio a esta Bala para concertar o Navio, e seguir a ordem que lha der o senr. Governador, e chegou aqui a vinto nove do passado. E esta he a cauza de sua arribada, e mais não disse do oontheudo no Auto nem do costume, e assignou com o Provedor mor, e eu Oonçallo Pinto de Freitas o escrevi,— Ferraz.— João Alves Soares.

Manoel Ferreira Lima, Mestre e Piloto, e Senhorio om parte do Navio nossa Senhora do Rozario, e Santo António, de idade que disse ser do quarenta o cinco annos, pouco mais ou menos, a quem o Provedor mor deu juramento dos Santos Evan- gelhos, sob cargo do qual prometteo dizer verdade.

E perguntado pelo contheudo no Auto e Portaria do Se- nhor Governador que lhe foi lida e declarada, disse elle Mestre que estando em nove de Agosto a Armada desta Bahia dentro no porto de Tamandaré, veio recado por hum Barco, em como Salvador Corrêa vinha com a sua frota, a qual ã noite ainda apareceo, e amanhecendo em dez veio saindo a armada para fora e virão que Salvador Corrêa hia navegando na volta de Pernambuco, e neste dia pelas quatro horas da tarde a Capi- tania de Hieronimo Serrão de Paiva o foi salvar abatendo a bandeira, o tirandoa, o pondo hum rabo de gallo. E ao outro dia onze do mez de noite derão as Armadas fundo de fí*onte do porto de Pernambuco, passando a noite em quietação com f&roes acêzos, eem amanhecendo em doze virão que esta vão a par delles cinco Nãos, e hum Perigue, todos com as Véllas dalto Holan- dezes e aparelhados para se poderem fazer á Vélla. E pelas outo horas vio clle testemunha que ã nossa Capitania chegara Iium Barco dos nossos, e nelle dizem que sahirão oa Emba^adores

TRASLADO DE HUM AUTO DE DELIGBNCIA 93

que Salvador Ck)riêa mandava para a terra, e ao despedir salvou com cinco ou sete pessas, e o Barco foi a Capitania Holan- deza, e detendo-se ham espaço o vio tornar a sahir para terra e o Holandez os Salvar com cinco ou sete pessas, e neste dia não vio mais que alguns Barcos Holandezes andarem por entre a nossa Armada e o Pirigue, e vio chamar a Concelho á Capitania de Salvador Corrêa os Capitães da Armada de Hieronimo Serrão. E amanhecendo em treze tempo sueste rijo e ao meio dia pouco mais ou menos veio de terra hum Batel Holandez á Yélla, que vinha buscar o fato e criados dos Embaxadores, e Salvador Corrêa lho não dera, e os brindava, e lhe disse a elle testemunha que os Framengos que ali vinhão, vierão disfor- cados em habito de marinheiros, mas que hum era o Almeirante, e alguns Capitães e ou vio dizer que Salvador Corrêa lhe dera hum Anel de sua Mulher de preço, e patacas aos Marinheiros, e estando o ditto Batel a bordo veio carregando o tempo de ma- neira que se fez o GalleSo á Yélla, e foi dar fundo, por não poder dar por devante junto a terra onde esteve com risco lhe entrou a viração, e se fez outra vez a Yélla em que devia de per- der anchora e amarras. E declara que emquanto esteve no perigo dispersou duas, ou três pessas por vezes, e hindo-se assim na volta do mar salvou com sete pessas sem baila, a que de terra nem dos Navios Holandezes se lhe respondeo, e neste tempo avizou o Capitão n^ór Hieronimo Serão a Náo Charrua do Ca- labar que se levasse, e fazendo-o ella deixou a amarra pela mão, e elle testemunha lha tomou, e levou-a despois com o seu Navio, se fez á. Yélla pelo seu Capitão de mar e guerra lho mandar e que seguisse a Capitania de Salvador Corrêa, como o fez deixando no porto ainda surtos o Capitão mór Hieronimo, e sua almiranta e duas Caravellas da Armada, e potLcos Navios mais, e nesta tarde chega vão á falia com Sal- vador Corrêa e o salvarão com sete pessas, e elle lhes or- denou que o seguissem, porque até a meia noite havia de hir na volta do mar, c despois tornar na da terra, o que não fez senão na madrugada, em que elle testemunha também virou com elle e amanhecendo com nebrina perto da Ilha de Tama- racà, na volta da terra, o sendo pelas dez horas do dia, cha- mara elle Salvador Corrêa ao Capitão, e a elle Mestre e

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Piloto que fossem a bordo da sua Capitaiaa e lhes mandoa para isso hum Batel em que forão, e lhes disse que se querião hir para a Bahia da treição para honde elie hia, folgaria muito e elie Piloto lhe disse que lhe parecia bem, ao que o seu Capitão João Alves Soares respondeo que se queria vir para balrravento buscar a sua Capitaiaa, o elie Pilloto lhe pro- testou diante do mesmo Geueral que, se o havia de fazer, o fizesse logo, p >rque se não atrevia dospois a fazeUo, por não ser pratico, ao que o seu Capitão lhe respondeo que viria para bordo, e faria o que elie quizesse. B então Sal^ yador Corroa se pos a escrever para o Senhor Governador, Mestres de Campo, e mais Cartas que com hum frade de Saõ Francisco, e dois Negros lhe meteo no Navio para lan- çar em terra em Tamandaré, para o qual effeito os levava elie mesmo e sendo das quatro para cinco horas da tarde» hindo Salvador Corrêa para balravento com quinze Navios da sua frota somente, elie Pilloto e Mestre se veo embarcar com o seu Capitão, frade, e negros, e se vierão na volta do mar, honde andarão onze dias em diferentes voltas e ra- mos, forçando o Navio para balravento, e avistarâo a terra das alagoas, e tornarão na volta de Tamandaró correndo a Costa buscando a sua Armada, e defronte do porto Calvo ou- vera vista de huma Não e três sumacas e chegando perto delias as reconhecerão serem Holandesas, e por virem e se íázerem na voltado seu Navio, confirmou mais serem 'Holandezes e por esse respeito se forão desviando delles, por não terem ordem de pelle^arem com elles, os vierão seguindo todo aquelle dia, e lhes amanheoeo ao outro de Tamandaré para esta Bahia sem ver terra. £ então lhe ordenou o Capitão fossem a Bahia da treição, e elie Pilloto lhe respondeo que estava prestes para isso, se lhes desse pessoa que soubesse o porto como lhe tinha ditto di- ante do Qoneral Salvador Corrêa, e que mal o poderia faEer e agora estando com o Navio aberto com as bombas nas mãos, então se rezol verão em vir na volta desta Bahia e sendo-lhe per- guntado pelo Provedor mór, que rezão tivera para n&o hir ao porto de Tamandaré, ou Ilha de Santo Aleixo, conforme seu regimento, disse que o Capitão lho não mandara e por isso o não fizera, e por se rezolYer o ditto Capitão que pois ali andavão

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aqaellAS embarcaoSes Halaodezas, não andava a aaa Arnouida na Ck>8ta, e rindo na volta deata Bahia ohegarâo aqui em vinte Aove do passado, abertos e faaendo agoa como se via. £ mais não disse nem do costume, e assinou com o Provedor mór, e eu Gon- çalo Pinto de Freitas o escrevi^Perraz— Manoel Ferreira Lima.

Manoel Fernandeá, Marinlieiro Vezinho de Magarellos, junto da Cidade do Porto, de idade que disse ser de vinte e sete annos, pouco mais, ou menos, a quem o Provedor mór deu Juramento dos Santos £ vangellios,sob cargo do qual prometeo dizer verdade.

£ perguntado pelo Auto e Portaria do Senhor Governador, que todo lhe foi lido, disse que he verdade que estando dentro em Tamandaré toda a Armada que foi desta Bahia, em nove de Agosto, tiverão novas da Armada de Salvador Corrêa de São, o em dez do ditto sahio a Armada e ouve vista da Capitaina de Salvador Corrêa, que andava á Véila, e ouvio dizer que surgira de noite, e que perdeira hoa amarra e naqneile dia a tarde se encontrou a Capitaina da Bahia oom a de Salvador Corrêa, e salvou com sete possas e tiiou a sua Bandeira e ficou oom hum rabo de gallo, e a de Salvador Corrêa respondeo oom três, e ao outro dia onze do mez chegarão os mais Navios da Armada da Bahia a salva-lo e ella lhe respondia com hua pessa de Arte- Iharia, e no mesmo dia a noite surgirão todos deflronte do Recife, onde estavão da banda de fora, quatro Nãos Holandezas, hum Pataxo, e hum Pingue e amanhecendo em doze vio hir hum Bareo nosso, a Capitaina de Salvador Corrêa, que dizem levou oe Bmbazadores para terra, e ao tempo de sua sabida disparou cinco, ou sete possas, e hindo o Barco a bordo dos Holandeze{>» se deteve couza de meia hora e, quando se apartou delia, lhe des- pararão cinco, ou sete pessas, e neste dia não ouve mais que andar o Pingue, e alguns Bateis dos Hdandezee entre a nossa Armada, fallando por ser dia de bonança e em treze amanheceo o vento sueste rijo, com que algumas Nãos hião desgarrando, e pelo meio dia veio hum Batel de terra Holandez a Capitaina de Salvador Corrêa, que ouvio dizer que vinha pedir o fato e Criados dos nossos £mbaxaálores, e logo eetando a bordo vio largar a Capitaina & Yella na volta do Sul, e por não poder tomar por davante surgio junto da terra, e por vezes atirou três pessas alhe aouditem, ate que o vento se melhorou, oom que se tornou

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a fkzer á Vella, e passando pelos Holandezes os Salvou com sete pessas, e elles lhe não responderão, e Capitaina de Hieronimo Serrão avizou á, Charrua do Galabar, que estava pela sua Proa que se levasse, porque se queria elle também levar. B levandosse a ditta Charrua, largou a sua amarra por mão e foi na volta do Sul, e outros com ella e então se levou o Navio de Joaõ Alves Soares em que hia elle testomimha, e tomou a amarra da ditta Urca Calabar e a levou com sigo o se forão na volta do Mar seguindo a Capitaina de Salvador Corrêa, e a Capitaina de Jero* nimo Serrão e Almirante e o Navio do Picouttos e duas Cra- vellas âcaraõ surtos. E chegando á falia da Capitaina perto da noite lhes disse o Qeneral que o seguissem a mela noite na volta do mar, e a seguirão to pela manhãa em que tinhao virado na volta de terra, e ftiUando ao Qeneral, e dizendo-Ihe que querião hir a buscar a sua Capitaina e Armada lhes disse que fossem a bordo da Capitaina, o Capitão e Mestre e lhes mandou hum Batel em que fossem, como na verdade forão e tornario de Junto da noite a vista de Tamaracà, e lhes disse o Piloto, quando veio, que se fizesse na volta do mar, porque Salvador Corroa hia na volta da Bahia da treição, e logo navegarão onze dias em diferentes voltas e rumos forsejando sempre para bal- ravento. E então abrío o Navio agoa e a primeira terra que forão ver foi a das Alagoas, e tornando a correr a terra pelo cabo de Santo Agostinho na altura do porto Calvo, ouverão vista de huma Náo, e três Sumacas, as quaes forão reconhecer, e virão claramente serem Holandezes, e muito mais se firmarão vendo que ató noite lhe vierão dando cassa e o seguirão. E vendo-se ao outro dia sem a Não e Sumacas, e dizendo o Capitão que navegasem para a Bahia da treição, lhe disse o Pi- loto que isso ouvera de fazer quando estava com Salvador Corrêa, como então lhe requerera e não agora que não tinha pratico, e fazia o Navio muita agoa, e que assim não podia vir se não na volta da Bahia, como flzerão, e chegarão aqui em vinte nove do passado e Al não disse e do costume que he Marinheiro do mesmo Navio, e assinou com o Provedor mor ; e eu Gonçalo Pinto de Freitas o escrevi. Ferraz.— Manoel Fernandes.

Domingos Duarte, marinheiro do dito Navio, vezinho de Peniche, de idade que disse ser de vinte quatro annos pouco

TRASLADO DE HUM AUTO DE DELIGBNCIA 97

mais oa menos, a quem o Provedor mor deu o juramento dos Santos Evangelhos, sob cargo do qus^l prometeo dizer verdade. Perguntado pelo contheudo no Auto e Portaria do Senhor Governador, que tudo lhe foi lido e declarado, disse elie teste- munha que he verdade que estando em nove de Agosto reco- lhidos os Navios da Armada da Bahia no porto de Tamandaré, lhe chegarão novas, que aparecia a Capitaina, e Almiranta e Arota de Salvadpr Corrêa de Sàa, e ao outro dia em dez do ditto sahio a Armada para fora e encontrarão a Armada pelo meio dia, e a nossa Capitaina salvou a de Salvador Corrêa com sete 'pessas, e tirou a Bandeira, e pos hum rabo de gallo, e Salvador Corrêa lhe respondeo com cinco possas, o forão navegando até o outro dia onze do mez a noite em que todos derão fundo no porto de Pernambuco, a honde esta vão da banda de fora quatro Náos Holandezas, hum Pataxe, e hum Perigue, o naquelle dia se- guinte que foi de bonança, pelas oito, nove horas, chamou o' General um Barco nosso, em que mandou Embaixadores & terra e disparou pessas de Artelharia ; e o Barco foi a bordo da Capi- taina dos HoUandezes, aonde esteve hum pouco, e á sabida os Holandezes o salvarão também com três pessas, e se foi para terra, e neste dia não ouve mais que andarem os Holandezes com Bateis e Pingue, por entre a nossa Armada reconhecendo tudo, e amanhecendo ao outro dia treze de Agosto vento sueste e rijo, sendo horas do meio dia, viera de terra hum Batel de Ho- landezes, segundo se diz, a buscar o fato e Criados dos nossos Em- baixadores ; e também se diz que o General lhos não quiz mandar, c ouvio dizer que dera hum Anel a hum dos Holan- dezes, o Patacas a outros, e logo neste tempo, estando ello ainda a bordo largou a Capitaina, e se fez na volta do Sul, e por não poder tomar por devante, tornou a dar Aindo tão perto de terra, que atirou duas ou três pessas que lhe acudissem, e me- Ihorando-se o vento por sima da terra, largou a amarra por mão e se foi na volta do mar com alguns Navios seus que ja andavão á Vélla. E neste oomenos mandou Heironimo Serrão ã Náo Ca- labar que estava por sua Popa, se levasse para elle também o fazer e a ditta Charrua Calabar largou a amarra por noão que o Navio delle testemunha levantou e recolheo, e logo se fez também ã Vella na volta de Salvador Corrêa, deixando ainda

491 7 ToM0. LXix p, 1.

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surto no porto ao Capitão mor Hieronimo Sen*ão e sua Almi- ranta, o Navio de Picoatos, e duas Caravellas, e chegando á Capitaina este Navio delle t^^stemunha perto da noite, llie deo por ordem o Qenoral o segui ssem te a meia ooiie, por que entaõ havia de virar na volta de terra, e hiado te pela maohãa que virou se achar&o 6 vista de Tamaraca, e perguntando a Capi-*- taina para honde hião, lhe mandou o General hum Batel, e que íbssem 1& o Capitão e Mestre como forão e tornarão à tarde e lhes disse o Piloto: alhos vamos na volta do mar, que Salvador Corrêa vai para a Bahia da treiçaG, como de effeito foi com algumas dezoito véllas da sua frota, e nenhuma da nossa Ar- mada da Bahia, e navogarfto onze dias sós por diferentes rumos, até virem avistar as Alagoas, e tornando a voltar, na volta do cabo de Santo Agostinho de fronte do porto Calvo, ouverão vista de hama NAo, e três Sumacas para as quaos se deixarão hir entendendo ser da nossa Armada, o quando reconhecerão que eraO Holandezes, virarão na volt-x do mar para lhes ganhar o balravento, e a ditta Não, e Sumacas lhes vierão dando cassa ate ã noite, omqae se mllhorouo seu Navio. E quando amanhecee nad apareceo nada, o então o Capitão João Alves Soares re*- quereo ao Piloto que fossem na volta da Bahia da treição, e o Piloto IhiB disse que isso ouvera elle de fazer, quando lho re- quereo e estavão com Salvador Corrêa, e não agora que tinha o Navio aborto fttzenio muita agoa, o não tendo pratico da ditta Bahia, o que assim hora necessário virem na volta desta Bahia a concertar, donde farião o que o Senhor Governador ordenasse e chegarão a ella a vinte nove lio passado. K osta foi a cauza de sua arribada e mais naõ disse nem do costume, e assinou com o Provedor mor, e eu Gonçalo Pinto de Freitas o escrevi. FerráB— de Domingos + Duarte, testemunha. O qual Auto Por- taria do Governador, e Capitão Geral destr Estado, o deligencia que por ^Ma delle se fez eu Gonçalo Pinto de Freitas, escrivão ÚBk ílikénáK.Real por Sua Magestade âz traladar do próprio que fica em^iâou poder a que me reporto, com que este concertei e o sobesorcvi/ o assinei por duas vias na Bahia em treze de Setembro de mil seSeentos quaren^ e cinco Gonçalo Pinto de Fr^iias.

REaiMJENTO

POKNBGIOO AO

(kvernador à Rio k hmn

(éiUM 4e 7 ie jaMiN 4e 167»)

(Archivo da Torre do Tombo Livro dos Regimentos do Con- selho Ultramarino, fls. 190 v. Documento mandado copiar pelo Dr. Norival Soares de Freitas, em missão do Instituto Histórico nas bibliothecas e archivos de Portugal).

Raforindo-s^ a esto regimouto o ao dado ao governador de Pernambuco disse João Francisco Lisboa (pag. 336, Jorn, Timon, volume 3^): «cada um delles cm vinte c nove artigos, o de Per- nambuco de 19 de agosto de 1670 e o do Rio em 9 de janeiro de 1679, segundo lemos cm uma cópia existente no'Archivo do ex- tincto Gonsalho Ultramarino e remettida pelo governador de Qoyaz em officio de 20 de julho de 1803. Porém como o regimento transcripto do governador geral e datado em 23 de janeiro de 1677, refere a artigos do regimento do Rio da Janeiro, ou existiria outro anterior ou a data attnbuida ao ultimo é «m erro de cópia, que, todavia, ainda não podemos verificar e que torna-ae aliás de pouca consequência estando eleitor prevenido».

fisse regimento é de valor por se ver a importância que ao Governo merecia o Rio de Janeiro, máxima depois da fundação da colónia do Sacramento e das luctas com os liospanhoes. Destas foi viòtima D. Manoel Lobo quo morreu prisioneiro dos castelhanos.

(Xota da CommisscM de licdacção.)

BegimMito forneoldo ao Ckyemdor do Bio do Jftuolro, datado do 7 do Janolro do 1879

Ea o Príncipe oomo Regente e governador dos Reynoã de Portugal e Algarves tàço saber a vos Dom Manoel Lobo fidalgo da minha casa que ora emvio por governador da capitania do Rio de Jaoeiro que hey por bem que emqaanto a governardes guardeis o Regimento seguinte :

1 Partireis desta cidade em direitura ao Porto de Sao Sebastião do Rio de Janeiro aonde fareis a vossa assistência e delia não sahireis para parte algua sem expressa ordem minha por que volo mande fora das que aquy vão declaradas.

2 ~ Tanto que chegares a dita cidade apresentareis ao go- vernador que nella está Patente que vos mandey passar, e os mais despachos que levais para logo vos entregar o governo o que fora na forma costumada sendo presentes as pessoas que neste auto he estillo acharem-se ordinaviamente e da entrega se farão autos que se me hão de emviar para a todo o tempo constar que se prooedeo comforme a ordem que sempre se pra- ticou em autos semilhantes.

8 Logo que vos for entregue o governo ireis pesoalmente visitar e ver as fortalezas da dita capitania e os Armazéns ; e ordenareis que se foça emventario pello escrivão de minha fo« zenda de todaa as cousas que nelles estiverem, MunioSes Armas e artilharia que houver de que me emviareis a copia, e jun- tamente a planta de todas as fortificações que estilo em pee da capitania do nosso distrícto, e fortalezas ; e estas vizltareis cada seis mezes dando-me conta da folta que houver nellas, quando vos não seja pos^vel remediallas para que vos vm o que pedirdes para seu fornecimento advertindo- vos que a Artilharia tenha suas mantas pello grande damno que os reparos recebem sem estarem cnbertos.^

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4 A principal caufla gue obrigou aos Senhores Reys meus predecessores mandarão povoar aquella capitania e as mais do estado do Brazil foy a redação do gentio delias de nossa santa fee oatholica, e assy tos emcomendo fiiçacs guardar aos nova- íáente comyertidos os privilégios qoe llies sfio comcedMos t^ partindo lhes terras oomforme as leys que tenho feito sobre saa liberdade e fazendo lhes todo o mais íáyor qae for Justo de ma- neira que emtend&o que em se fazerem christãos não somente ganhão o espiritual» mas também o temporal» e seja exemplo para outros se comverterem, e em seus Aggravos e yexaçoes e proToreis comforme Minhas leys e Provisões dandome conta do que se fizer como também as Aldeãs que ha quem as admi- nistra no espiritual e temporal, e se o faz de modo que vSo em aiigmento e nio em diminuição.

5 Da mesma maneira vos encomendo muito o bom trata- mento dos menistros que se ocupSo na comverção e doutrina dos gentios favoreoendo-os e ajudando-os em tudo o que para esse effeito for necessário, tendo com elles a conta que he rezão fiizondo-lbes fazer bom pagamento das ordinárias que tem de minha fazenda para sua snsteotagão e porque de todo o bom effeito» me averey por bem servido de vos : o mesmo usareis com os vigários das Igr^as e mais eclesiásticos da dita Capitania..

6 Das casas da Misericórdia e Hospitaesqnehanaquella ca- pitania vos emcomendo também muito tenhaes particular cuida- do pello serviço que se faz a Deos nosso senhor nas obras de oha* ridade que em hua e outra cousa se ezercitão favorecendo a seus offlciaes íkzendo-lhes pagar as ordiaarias que tiverem de minha íkzenda e as dividas e legados que lhes perteacorem para que por esta causa não deixem de comprir com suas [obrigações.

7 ^ Informar-voâ heis dos offeciaes de Justiça guerra e &- zeoda que ha na dita cupitania porque cartas e Provisões ser- vem os postos e oíilcios é me dareis conta de todas as -pessoas que 08 ezercitão de propriedade ou de serventia, emviando-me Rellação das que o fazem e por que provimentos.

8 -^ Informar-vos heis das rendas que tenho, e pertencem a minha fiuenda, e a forma em que se arrecidão e dispendem, e da que o Provedor toma conta e resão e das pescas que a tem a seu cargo; segundo a de seu Regimento de que particular-

REGIMENTO AO GOVERNADOR 103

mente me dareis conta ; E pareoendo-vos necessário reoenciar as dos feitores e Almoxarifes e podereis fazer com asistencia do Provedor da fazenda ao qual ordenareis também tome as contas dos Almioxarifes que servirão e remeta ao meu Concelho Ultra- marino os trealados delias na forma do estiUo e não consintirels se paguem dividas nem soldos atresadoa sem provisão minha como por muitas vezes tenho mandado.

9 Atendereis com muito cnidado o vigilância n^ guarda e defença de todos os Portos daquella capitania, e fprtalesas prevenindo as fortificações da Marinha e aaa artelharia» pólvora Armas e tudo o mais que puder ser necessário de maneira que em nehua parte vos acheis desapercebidos.

10 Também vos emformareis de toda a Artelharia que ha nas praças de nosso distrioto assy a que estiver cavalgada, como apeada calibres e serviço que tem, armas e monições que houver, e se esta tudo carregado em receita aos officiaes a que toca, e quando não o fareis carregar assy as que forem em nossa companhia como as que eu mandar ao diante, para que carregadas em receita se tirem conhecimentos em forma, que mandareis por vias todos os annos da pólvora que se dis- pender e as armas que faltarem para que se possam prover de novo e para este effeito dareis as ordens necessárias aos officiaes de nosso districto, e que estes tenham as ditas armas limpas e concertadas para o que se oíferecer.

11 •— Muito vos emcomendo que os moradores da dita capitania sejam repartidos em ordenança por companhias com capitães e mais offldaes necessários e que todos tenham suas Armas, fasendo-os exercitar nos dias que vos parecer na forma que se dispõem no Regimento geral das ordenanças o que íkreis oomprir assy na gente de pee como na de oavallo ; e pêra que se faça com prompta execu.ão vos emcomendo muito que asistaes as mais vezes que puderdes aos Alardes que mandares fazer pois he o meio mais prompto de se acodir a defensa da capi- tania ; e quando os moradores não tenham todas as armas com que hão de servir assy de pee, como de cavallo me dareis ponta para se vos emviarem advertindo que os officiaes da gente me- leciana não hande vencer soldo nem ordenado algum a custa de minha fazenda, nem das camarás excepto os sargentos mores.

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12 Hey por bem que todos os offlciaes majores soldados qne me servem naquella capitania sejâo pagos com toda a pontuali- dade pello Rendimento de minha fasenda e mais consignações qne 'se cobram para esse effeito para o que fareis passar as mostras e nella serão obrigados todos a traserem suas Armas limpas e concertadas, não comsentindo que haja pragas fantásticas e pro- cedereis comtra aquellas pessoas que as passarem, ou comsen- tirem na forma que se dispõem no Regimento das fronteiras.

13 As mesmas mostras se fará aos Artelheiros que me servem nessa capitania, e seus offlciaes tomando noticia dos que são sufflcientes ordenando4he que para os que o não forem de todo, se faça nos dias que parecer exames e haja barreira aonde se exercitem com pega de menor calibre, e a despesa que se fizer na pólvora o bailas deste exercício o fareis levar em conta as pessoas de cujo recebimento sahirem, e quaudo nesses portos hajam navios do meus váçallos obrigareis aos comdestavels e Artelheiros delles vão também ao exame á Barreira p\ra que a competência faça adestrar a todos.

14 Tratareis muito que se augmente a [dita capitania, o qu) seus mora^lores cultivem e povoem palia terra dentro o que pudor ser fÍB^endo cultivar as terras e que se edifiquem novos emgenhos, e aos que de novo reedificarem, ou|flserem Iheslman- darais guardar seus previllegios, e aquelles que tiverem terrai de sesmarias obrlgarôis que as cultivem e abrãoe os que a não cultivarem na forma da ordenação, o Regimen(o|da8>e8marias mandareis proceder contra elles como se dispOe na mesma orde- nação do Regimento, e também procurareis que se não dem mais terras de sesmarias que aquellas que*cadahum poder cultivar.

15 E porque eu mandey passar Provisão para que os go- vernadores nem Ministros de Justiça, guerra, e fasenda se não emtremetão nos negócios mercantis e menos nos contratos pro- hibindo-lhes não terem logeas publicas em suas casas, nem menos tomarem sobre sy dividas alheas, por ser tudo isto hum dos grandes inconvenientes e damnos que recebem meus vá- çallos hey por bem que vos guardeis a dita provisão e a fareis guardar para o que se vos dará a copia delia com este Regi- mento sem embargo de achares registada nos livros de minha fazenda e camará da dita cidade de são sebastião.

REGIMENTO AO GOVERNADOR 105

16 Encarrego-Y08 muito o bom tratamento que deveis faser aos offlciaes de jostioa e fasenda da mesma capitania deixando obrar na administração de justiça e fasenda na forma dr seus Regimentos ; emcomendando«Ihes de oomo devem procedee em seus cargos ; e quando de sua parte haja omissão lho adver- tireis, e comtenuando nella me dareis conta para resolver o que for servido, e para os negocies que tocarem a meu serviço, os podereis mandar chamar a vossa casa, todas as vezes que vos parecer sem lhes admottir escusa.

17 E porque comvem ao meu serviço que cada hum em sua jurisdição guarde o que lhe he ordenado nSo consln- taes que nessa capitania tomem os ecelesiasticos mais Júris- diçio que a que lhes tocar, nem Donatários havendo-os e tendo nisto muita vigilância e cuidado ; e vos nem meus offl- ciaes de justiça lhes tomeis nem quebreis seus previllegios nem Doações antes em tudo o que lhes pertencer lhos fareis comprir e guardar.

18 Podereis prover os officios de Justiça e fazenda que vagarem no tempo de vosso governo no intre por seis meses somente por não parar o curslo dos negócios pertencentes a Justiça e fazenda e dareis conta ao governador gorai do es* tado tanto que negarem, e provendo elle os taes officios nas pessoas que vos apresentarem os taes provimentos lhes poreis o cumpra-se e entrarão a serviilos, porem de acabados os seis meses de vosso provimento assy o governador geral oomo vos me dareis conta por quem vagaram òs ditos officios seu Ren- dimento e se âcarão filhos dos proprietários e quem os floa servindo dando me logo conta pela primeira embarcação que vier ao Reyno.

19 ^ Provereis os postos melecianos das ordenanças de vosso governo, e seu distrioto nas pessoas mais idonias, e ca* pases sem dependência do governador do estado, e os providos mandariU) tirar a este Reyno dentro de hum anno a ooníirma^^ por my como esta disposto, e dos i>ostos de guerra assy como vagarem dareis parte ao governador do estado» quaes sejão, e por que vagarâo e lhe emviareis emformação do sugeitos bene- méritos que houver no vosso governo, para que sendo tudo presente ao governador me pAiponhatres pessoas qu^ lhe pare*

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cer para o dito posto, que tenhfio m reqaesitos a annos de ser- tíqqb que dtopoem o Regimeato das flroatoiras, o goTernado ^ geral e tob me dareU oonta, e aoa oapikàes do iDOftotaria que Tagareia, oem voa nem elle prorereis as companhias e serTirão oa AlíSnret delias goveroando-as emqaanto eu nSo proyer as dites companhias nem menod podereis fttser capitães de passa- gem por ser cootra as minhas ordens.

SO Hey por bem que não possaes criar ofllcio algam do noYo assy de jnstica como de fhsenda ou guerra, nem aos cria dos acrescenteis ordenados ou soldos, e menos possaea dar interinamente soldo de reíbrmados praças mortas oa escudo de yentagem ; e fásendo o contrario o que vos não espero se DOS dará em culpa, e sereis obrigado a pagar por vossa (ázenda o que assy mandares despender contra a forma deste capitulo.

21 As pessoas que deste Reyno forem degradadas para assa capitania e as mais de vossa Jurisdição oixienareis que tanto que a eila chegarem, se lhes asente praça naquollas partes aonde lhes ordenarão vão comprir seus degredos, e que sojão confrontados com Pays terras sinais e annos de degredo ; o posto que hão de vencer soldo não poderão ser ocupados em postos ou offloios na forma da ordenação as taes pessoas fós de offlcios se lhes passarão com todas estas declarações para que lhes não sirva de premio a pena do delioto como mais em par- ticular o mandey declarar por carta do 31 de mayo de 670 qoe ordenei se registasse nas partes necessárias de que me dareis conta de assy se houver executado.

22 » Por ser de grande inconveniência a meu serviço e (iBkser damno o comercio dedtrangeiros nesji c\pitania, houve por bem de llio prohebir conforme as leys e prohibições que mandey passar, e purque convém muito qno os que sem licença minha e contra a forma do capitulo das psises celebradas emtre está coroa e a da InglatBrra o dos estados de Holiaada forem tratar e comerciar a dita capitania sejão castigasios comforme as ditas leys prohlbições : os que assy forem oomprehendidos procedereis comtraelles naformi delias e contra os Imglesos, e Holandeses, como se declara no capitulo das inesmas pases do que se vos emviãoas copias. B com os vaçallos de El-Rey christianisbimo que forem aos Portos desse governo e seu districto mandareis

REGIMENTO AO GOVERNADOR 107

ter toda a boa correspondência e reciproca amisade, como» se ooQthem no capitulo do tratado qae com este Regimento se vos da, mandando aos offlciaes de Tossa jurisdtçSo que assy o exe^ cntem. E sucedendo al^^am navio francos derrotar nossos ma- res e ser lhe necessário tomar os de no^o districto o valerse de algam fornecimento oa ajada ordenareis qae se lhe não falte com a correspondência qae ped3 hna boa amisade de aliança qae tenho com el Rey de ft'ança, mas por nenhn modo se lhes premita comprar, nem vcmler fasendas algumas péllo damno que disso poderá resultar, e he o mesmo que mandey ordenar ao governador do estado em carta de 13 de setembro de 663 pella minha secretaria de estado.

23 E porqae a Pas celebrada entre esta coroa e a de oastella não declara o reciproco comercio que ha de haver em- tre ambas e somente no Artigo do tratado, que vaçallos de hua e outra coroa, poderão usar e exercitar com toda a segurança comercio por mar e por terra assy e da maneira que se usava em tempo do senhor Rey Dom Sebastião quando os vacai los de Castella forem sem licença ao porto dass3 governo, mandareis proceder contra elles na forma das teys o prohibiçOos que são passadas, mas aos navios que vierem das índias occideiitaes, Rio da Prata, Buenos Ayres com prata, ouro ou outras flskzen- das, como não sejão fasondas da Kuropa, e índia ocidental, lhes mandareis dar entrada, e poderão comerciar levando em troca 08 escravos, e géneros dessa capitania, e pagando os direitos costumados, e os mais que se dedarão nas ordeas que se pas- sarão em 19 de Agosto de 651 30 de julho de 653, 28 de ja- neiro de 654, 9 de mxrço do mesmo anno 28 de setembro de 656, e 9 de novembro da 660 por assy comvir a meu serviço. E quando se não obra esto comercio por parte do castelhano, poreis tolo o cuidado e diligencia p^ra vor se por via de Por- tuguezes desse governo S3 pode Abrir o do Rio da Prata e Bue- nos Ayres peios meyos mais convenientes que possa ser, o que vos terei a particular serviço.

24 Tereis particular cuidado do procurar de todos os Mestres dos navios que forem deste Reyno a essa capitania, se levãoas ordens ou cartas minhas ou despacho do meu Conselho Ultramarino porque consto que o não havia» e não vos entre*

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108 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

gando hua e outra oousa fareis alguma demostracSo para ex- emplo ao diante, em matéria de tanta importância em que delles nao recebem dano ou dillação.

35 Sereis advertido que todos os negócios de Justiça, guerra e ftuienda, mehaveis de dar conta pello meu Gonsellio Uitramarino aonde honde yir as ordens derigidas, a quem pre- vativamente tocão todas as matérias das conquistas e o mesmo advertireis aos Menistros de vossa jurisdição e assy vos como elles nao comprireis as ordens que forem passadas por outros Tribnnaes excepto as que se expiderem pela secretaria de estado, e expediente, e pela mesa daconciencia c ordens que tocarem ao eclesiástico, defuntos e absentes ; e as pessoas que forem pro- vidas em beneficios e vigairarias que houverem do vencer or- denados por conta de minha fazenda serio obrigadas a levar Alvarás de mantimento passados pello Conselho Ultramarino para lhe serem asentadas e sem elles se lhes nao asentarSo as taes ordinárias ; e assy guardareis as cartas passadas pello desembargador do Paço ao ouvidor geral dessa capitania que também ha de levar Alvará de maatimento expedido pello Ck)nselho Ultramarino para vencer seus ordenados e sem elle lhes não asent^rão, e assy comprireis a3 provi::ões e Alvarás X^assados pello meu concelho da faseada sobre as licenças dos navios emqucnto eu não mandar o contrario.

26 E se omquanto me servires nesse governo sucederem alguas cousas que por este Regimento não vão providas e comprir faser-se nella obra como seija Ruyna de alguma for* tifloação a co^o reparo se deva promptamente acodir por correr risco detença, mandareis faser o tal reparo, o me dareis conta do seu custo e ao governador do estado ; e dos outros casos que tiverem dilação dareis a mesma conta, não obrando sem resolução sua emquanto eu ordeno o que mais convier a meu serviço.

27 Houve por b3m de mandar largar a meus vaçallos o lavor das minas de ouro desse estado, com declaração que elles pagassem os quintos a minha fasenda por ella se não achar em estado de poder acodir a essas despesas, e lhes íkser a elles mercê, para o que se lhes passou Regimento, assy vos emoomendo que avendo pessoas que queirão tratar do desço-

REGIMENTO AO GOVBBNADOH 109

Crlmeato das minas os íáTorecaes para que se animem a descobriUtui* e lhes ftica por isso as meroes que hoaver por bem 28 Tanto qae tomardes posse desse governo me enviarei logo hum pee de lista da infantaria que achardes nessa Praça e suas anexas emtrando as primeiras planas oom o que cada hum vem, e por que patentes Alvarás e provisões. E o mesmo fitrels nos Offlciaes da Artelharia comdestables e Artilheiros e assy htia RellacSo do que emporta a folha eclesiástica, e secular emtrando as tenças que nesse governo se pagfto e a Rellaçfio com destin<^ das pessoas do que cada hum vence e por que ordens, e os que tiverem escudos de ventagem quantos seJSU) e de que tempos os vencem assy offlciaes como soldados, e porque Alvarás e Provisões, e outra Rella<^ dos gastos extraordinários que nio entrSo na dita folha, livranças repato das fortalezas despeza da artilharia concertos de Armas e Armasens ; E quanto se paga a mesericordia dessa cidade da oura dos soldados, e a quem se entrega este dinheiro, è por que ordem se faz este pagamento e lista dos soldados doentes que em hum anno por outro emtrão no dito Hospital, e se nos socorros que fazem os soldados se desconta algua cousa para o mesmo Hospital e quanto importara por anno ; E outra semilhante Rellação me enviareis muito por menor de todas as despesas que fiser o senado, e a ordem que para isso tem ou sejfio por conta de minha fazenda, ou pella das camarás delias, e subsídios que tiverem impostos, e quanta he a ordinária que se da aos capuchos flranceses e com que ordem ftcar&o ahy, e quantos assistem : e por que neste governo, e seu destricto ha vários offlciaes de Justiça fasenda e guerra que tem seus Regimentos, e outros tem estos muito confusos e émcontrados com varias Provisões e Alvarás e cartas e por esta rezSo se não observa e ser comvenient<j assy pello que toca a meu serviço como para bem da justiça e bom governo desses povos emmendarem-se e reformarem-se tendo-se con- sideraçio ao tempo presente ; vos emcomendo e mando que também façaes tresladar todos os Regimentos ; ordens, cartas, alvarás e decretos que se tenlião passado asy meus como dos senhores Reys meus predecessores e do governador geral do estalo» e outras psssoas que tivessem ordens minhas para as

110 RBVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

pasmr e os mais papeis que a «sto pertemserem enviados dos governadorefl vossos antooessoros. E esta doligencia maudarels fazer desde o tempo que achareis noticia dos litros e papeis antigos que houver assy nos offlciaes de Justiça fasenda ou Camará dessa capitania ate o preseatj, e os mais papeis Rellações e pees de lista que por eslie capitulo vos ordeno e mando ; sereis obrigado a mandar tirar e remeter ao meu Conselho Ultramarino dentro de hum anno desde o dia em que tomares posse com vosso parecer e informac&o e dos offe- oiaes que em tenderes o podem dar para melhor se reformarem as ditas ordens e Regimentos. B sendo caso o que de vos não espero ^ que haja omissão nesta matéria tereis entendido qoe paanmdo o auno. e não tendo noe satisfeito ao que vos ordeno por este capitulo Hey por meu serviço que logo o con- celho Ultramarino me possa consultar este governo de que agora nos fls merge e eu nomear pesoa que vos va suceder alem do que mais ordenar ; e para este effeito e bem desta deligeneia tanto de meu serviço ordeno aos offlciaes de justiça (Suenda ou guerra dessa capitania cumprão vossas ordens e mandadoe como devem e são obrigados.

^ B porque sobretudo o quo por este Regimento vos ordeno conâo tereis em todas as matérias assy do eclesiástico, como de Justiça fasenda ou guerra» e as mais tocantes ao bom governo dessa capitania tal procedimento como he a comfiança que faço de vossa pesoa, para vos encarregar delle ; vos ordeno e mando que de todas mo deis particular conta, e das que sucederem, e entenderes comvem ter eu noticia assy no que a experiência vos mostrar ser necessário para bom governo dessa capitania, como dos procedimentos das pessoas que nellas me swvem, o que fareis em todos os navios que partirem desse Porto e não empedireis aos oâeciaes da Camará Menistrofl oíTeciaes de justiça fasenda o guerra de oscreveropi ainda que aeião queixas, peilo que cumpro a meu serviço e administração da mesma Justiça. E quando se vos pessão infor- mações as mandareis com toda a claresa o distincção que puder ser.

E este Regimento cumprireis como nelle se conthem, em tudo o que nelle ha declarado sem duvida algua, e sem em-

REGIMENTO AO GOVERNADOR Hl

bargo de quaesquer outros Regimentos ou Provisões em contrario e de nâo ser passado pella chamcellaria, o qual mandareis registar nos livros de minha fasenda, e nos da camará enviando-me certid&o de como fica registado, Manoel Roiz de Amorim o fes em Lisboa a sete de janeiro de seis centos e setenta e nove o secretario André Lopes de Laura o fiz escrever Príncipe.

PROVISÃO DO príncipe

SOBRE SESMARIA

(1675)

(Cod. CIX^ 2-5 Bib. Pub. d'Bvora)

(Doe. mandado copiar pelo Dr. Norival Soares de Freitas, em mssáo do Instituto Histórico nas bibliothecas e archiyos de Portugal.)

401—8 ToMôtxix P.i.

DemoaiCra 0ft« docruBesto o respeito trilmUdo pela metrópole aof iadividttaa (^úe pSSkÚiátci sesiaariad na antiga Capitania de S. Thomé. De facto D. Pedro TI, regente, concedea ao !<> Visconde de Âsaeca e a João Corrêa de 81 (amboé fllhoá de Salvador Benevides) a donatária sob certas oondiçOes, da referida capitania. Dessa regea doaoào originaram-se acontecimentos que podem ser apreciados na obra do Snr. Augusto de Carvalho e anm opaaculo pnbhcado em 1900 sobre uma questão da Camará Municipal de Campos com a Ordem Benediotina.

(Nota da Gommisião de Redacção;)

FroMo lo Fmcioe solire Sninula

CIX Cod. B. P. d'ETor*

Ea O Prlndpe eto. Faço saber ao0 qne egta m* ProTis^ Ti- rem q* havendo-se visto no meu Cons."» Ultramarino o treslado aatentioo dos Autos q^ se prooessar&o na Oaredr.» Q.*^ do Rio de Janr"^. entre p/*' embarg>'o8 offl.** da Cam.* daquella Cap.''^* e os possuidores de Sesmarias da Paraiba do Sul o em- barga Salv ^ Corrêa de p' seu Proo»' Thome de Sz». Corr». se resolTeo no dito Oons.« q^ não erão de receber os d^. emb»". visto sua matéria e o que sobre isso respondeu o Proo* da Coroa a q"" se deo vista. Pelo q"* mando ao d* Ouv^^ O*' da Cap.°^ do Rio de Janr°. á execução p' sy ou pelo Min® q* nomear as doaçSens embargadas p^ se fundarem as V .^ na Gap*"^* q* foi de Qil de Góes de q"* ítd servido fazer m"^ ao Visconde d'Asseoa e a seu Irmão João Corr» de S&, Donatários delias ; com decla- ração q* das d*' Y." se Cará medição e demarcação na forma das suas doaçCas e sem prejui») das pessoas q^ nas d*' terras tiverem as suas Sesmarias, por q^. se lhes não tira a posse delias na forma em que lhe fòriío dadas pelos Donatários anti- gos. E esta se cumprirá m^ inteiramente como nellase contem a qual valerá como carta sem emb^. da Ord. do L. 29 n<>. 40 em contr<». e se passou p' duas vias. Pascoal d^Azevedo a fez em Lz*. a 28 de Nov«. de 675. O Secretario. M.^ Barreto de Sampaio a fiz escrever.— PriVtctpe.

ALVARÁ

PELO QUAL É NOMEADO DUARTE CORRÊA VASQUEANNES

PARA O EXTABOLAMEXTO DAS MIXAS

NA AUSÊNCIA DE SALVADOR CORRÊA DE K BENEVIDES

(1644)

(Archivo da Torre do Tombo -^ Livro dos Regimentos do Conselho Ultramarino, fl. 40 v. Documento mandado copiar pelo Dr Norival Soares de Freitas em missão do Instituto Histórico nas bibiiothecas e archivos de Portngal).

Não no entâbolam^nto das minas substituiu Martim Corrêa Vasquoannes a seu sobrinho Salrador Corrêa de Sá, mas também no governo do Rio do Janeiro. Sabe-se que não obstante as vantagens promettidas aos doas pela metrópole as minas de S. Panlo não deram o resultado que se esperava.

(Xoia da Commissão de íífdaeção,)

Akará p»lo qual 6 nomoado Dui^rte Oerria y^sqnean&es para o eu- tabolamraio das muai na ausoiioU da Salrador Corria ip Si eBaneyidaa.

Eu El-Rey íi^^o saber aos que este Alvará Tirem qae eu informado qae convém muito a mea aerylQO e ao benelloio oomnm da meiu Reinos e senhorios e dos naturais deites e proveito de minha teenda âonqaiatarem<4e beneficlarem-se e administrarem-sa as minas de ouro e prata e oatros metaes, descubertas a par desoubrir nos dístrictos das duas cappitanias de aSo Paulo e sSo Visente daa partes do Brazil, euio descubrimento e entabolamento emcarre- gei a Salvador Corrêa de Saa e Benevides* peia contança qoa tenho de soa pessoa, e experienoia qoa tem das cousas daqnelias partos, e pellas que conoorrem em soa pessoa verdade a zelo que tem do men servisao, e esperar deite que neste oegooio me ser«- virà a toda a minha satisútçio e contantamepto. B porque o dito Salvador Corrêa, depois da ter entaboladas as ditas minas, ha de voltar para este Reino oom a flrota que teva a seu cargo, da . que he general, e ter a mesma confiança de Duarte Corrêa Vai* queannes, seu tio, em quem coneorrem ai mesmas partes, Hey p(M^ bem que o dito Duarte Corrêa sirva o dito cargo nas auaen.* das e impedimentos de dito Salvador Corrêa e huie ám mesmos poderes e Regimentos que lhe mandei dar para as ditas minas, epor des^ar de lhe Huser gragaemeroe pete tiabalho que jémíú ha de ter, e ajuda que a de dar neste negocio ao dito Salvador Corrêa de Sá. Hey outrosy por bem de lhe fazer mercê ao dito Duarte Corrêa que ajudando ao dito Salvador Corrêa e a desco- brir e entabolar as minas e polas em suas perfeições de modo que Rendão para minha fazenda em cada hum anno quatrocen- tos mil cruzados de ouro de minerais e betas e nfto de lavagens livres de todos os gastos e custos, do Gk)verno da cappitania do Rio de Janeiro por seis annos e de promessa de bua comenda

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ejffoctiva de lotte do cento e vinte mil rs., com f^uldade qae a possa nomear em seu íllho, e para minha lembrança e sua guar- da lhe mandei dar este Alvará que a sen tempo se comprira como nelie se oonthem, o qual Hey por bem que valha como carta posto que o efiTeito delle haja de durar mais de hum anno sem embargo da ordena^^ em contrario. Pasohoal d* Azevedo o fez em Lixboa a 22 de junho de Bj° Rny Rey e eu o secre- tario António de Barros Caminha o fiz escrever.

A' margem do registo do alvará acima trasladado encon- tra-se também registada a seguinte Apostilla:

Tendo respeito a que pello alvará atras escrito, de vinte e dous de junho do presente anno de seis oentos e quarenta e qua- tro, que se passou a Duarte Corrêa Yasqueanes, se lhe concedeu que servisse no descubrimento das minas de São Paulo e Sao Vicente, nas abzencias de Salvador Corrêa de e Benevides ; B que ajudando no mesmo desoubrimento e entabolamento delias de modo que rendessem quatro centos mil cruzados, livres de todo o custo ; lhe faria eu mercê do cargo de Governador do Rio de Janeiro por seis annos, e de promega de hua comenda de lote de cento e vinte mil réis, com faculdade de a poder testar em seu filho ; E em consideração do mais que ora por sua parte se me representou, Hey por bem de declarar qae conforme ao ser- viço que for fazendo, terei respeito para lhe fazer mercê sem ser necessário chegarem a render as mesmas Minas os quatro- oentos mil cruzados referidos ; E esta apostilla com o dito alvará se oomprirao inteiramente, sem davida nem contradição algua, a qual vallerá como carta sem embargo da ordenação do 2^ livro titulo 40 que dispõem o contrario. E desta apostilla e alvará referido pagara o novo direito se, conforme ao Regimento, o dever. Paschoaldazevedoa fez em Lisboa a S3 de novembro de 644. E eu o secretario Afonço de Barros Caminha a fiz escrever.

CARTA DB FORAL

POVOAÇÃO, NATURIZAMEiNTO, NO ESTADO DO GRÃO PARA,

E RIO DAS AMAZONAS NO MARANHÃO,

DE QUE SUA MAGESTADE FAS MERCÊ AO. CAPITÃO PEDRO SULTMAN,

IRLANDEZ DE NAÇÃO, E AOS MÃES DE SUA FACÇÃO

REZIDENTES NA ILHA DE SÃO CHRISTOVÃO

(1644)

(Arehivo da lorre do Tombo Livro dos Regimentos do Conselho Ultramarino, fí, 37, Documento mandado copiar pelo Dr. Noriyal Soares de Freitas em missão do Instituto Histórico nas bibliothecas e archivos de Portugal).

Curiosa é rata carta foral, em que o Gorar no da metrópole concod > sesmarias c direitos d ' portuguezes a estrangeiros*-

Pedro SuUman e seiu patricios viviam na ilha de S. Cbristovão (África) e começaram a s r perseguidos piUos inglezes.

Sultman pediu t ^rras do BrazU ao Rei de Portugal, que as con- cedeu com grandes privilegies,

(Xota da Commissão da Redacção.)

OftrtA de foralp PoTOaçio, Bâturliamonto, no Estado do srao Pará, e Bio das Amaionas no Uaranhão do qno Sna Vaitostado fas morco ao oapitSo Pedro Snltman Irlandei de nação, e aos mães de sna boglo residentes na Ilha de sio Ohrlstovio.

Dom João per graça de deus Rey de Portugal e doe algar- ves daqaem e dalém mar em Africa senhor do Brazil, de Gaine e da conquista navegação comercio de Bthlopia, Arábia Perçia e da índia, etc, faço saber a todos os que esta minha carta de foral, Povoação e Doação, e naturizamento dado a Pedro SuUman Irlandez catholioo reaidente na Ilha de são Chviatovão, virem e aquém o conhecimento pertencer, Que por parte do dito capitão Pedro Sultman, em seu nome, e dos mães Irlandezes de sua companhia, e familiaridade, abbittadores da ditta Ilha, me foi proposto, Que elles ei^o verdadeiros catho- licos, reconhecendo a sancta Madre Igreja de Roma, e vivendo debaixo de sua obbediencia, profeçando a sancta oatholica, e por sua proâção padecerão grandes persiguiçoes e trabalhos, e pello aperto das guerras, e terra« forão povoar e abbltar a ditta Ilha de lâo Christovão, cento e setenta legoas da costa do meu estado do Brazil, que esta occupada e abbitada de Irlandezes; B elle Pedro Sultman, levara a sua custa, e por sua conta, muitos lavradores e soldados, pêra povoarem e romperem, e abrirem a terra, e recrescendo as guerras entre Inglaterra, e os seus naturaes de Irlanda, os Inglezes senhores da ditta Ilha, por serem mais em numero e poder, e de diversa profl^, os per-* çiguirâo, e tiranizarão, de sorte que elle capitão, E Principal delles, e muitos dos dittos Irlandezes, que serião quatro centos» e entre elles çincoenta, ou sessenta cazados, com sua familia, dei6javão,e detremina vão saísse, c ir povoar a outra Provín- cia, em que profeçassem livremente a sancta fee oatholica, os

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quaes lhe derSo seu aprazimento, que se ajuntara nesta carta* o foral, oom a qual recorrera a my, como Príncipe tão catho- lico, e favorecedor e protector de todo o catholico desterrado, e em particular, da ditta Nação, reoebendoos, e dando-lhes neste Reino comentos, e mosteiros de Rilligiosos, e RiUigiosas ; B siminarios de sua nação, com grandes esmoUas e particular piedade; E assy me pediâo lho flzesso a mesma mcrçe e amparo. Para que nas minhas Províncias do Brazil, de que muitas os- tavão dezabitadas por falta de moradores, lho fizesse merçe, ou na Província Do Maranhão, ou do Grão Pará, e Rio das Ama- zonas, de lhes assinar, e conceder terras para abbitarem e po- voarem nella, e a deffonderião, e se daríão annos como aos mães Vasallos, e collonias da diUa Provinoia, reconhecendo-me, como Rey e senhor natural, acodindo com seus direitos, e tributos, como os mces Portuguezes naturaes ; E mandando ver sou ro- quorimento, depois de rezol ver de os amparar o admittir, e fa- zer merçe no que pedião, Mandey que pello Doutor Thomé Pi- nheiro da Veiga do meu Conselho Dezembargador do Paço o Procurador da Coroa, ajustar a forma, clauzulas e condições, com que se lhes concedesse, e selebrasse a ditta merçe, foral e Doação, as$y com o ditto Capitão, como com os de sua compa- nhia ; E Visto tudo o que me roprezentou, e ajustou oom a mayor informação e parecer dos do meu conselho, segundo a forma em que os senhores Reis meus antecessores, gaardariío nas terras do Reino, De novo conquistadas, as derão a povoar por seus foraes, a seus vasallos, e o que nas capitanias do Bra* zil se tem observado, para sua povoação, e abbittação, e honra dos vasallos beneméritos ; E quorendo fazer graça e merçe ao ditto Pedro Sultmam, e aos dittos Irlandezes catholicos de sua oompanhia e conducção ; Hey por bem e me praz, do minha certa sçienoia, poder Real, absollotto, sem embargo das leis, regimentos e prohibições, e capittulios de cortes, por que ho deffezo, e se não permitta a nação nenhuma estrangeira, nem de Espanha, nem pessoas, nem navios, entrar nem abbittar nas dittas partes do Brazil, De lhes conceder, como faço, ao ditto Capitão e aos mães de sua companhia, até cento o trinta abbitta- dores da ditta Ilha, por hora, que possam entrar, povoar, e abbittar na dita capitania do Pará, na forma deste foral, e

CARTA DE FORAL 125

carta de povoação e Doação, que lhes concedo na maneira segointe :

Primeiro que o ditto Pedro Saltman, e os dittos Irlandeses de sua companhia, que forem catholicos (que he a razão prin- cipal porque lhes faço esta merçe e acolhimento) tanto que fo- rem entrando na ditta terra, com ministro, ou ministros que eu ordenar para sua conducção, vão em direitura ao porto da ci-. dadedeBetlem, onde rezide o meu governador, e se lhes de todo o acolhimento, e tempo necessário, ate lhes assinar as terras, e lugares de sua abbittação e povoação. Aonde seirão assentados e escritos em hum livro que para esse eífeito ha- verá na camará da ditta cidade, assistindo o Capitão mor e o ouvidor geral da ditta Provinda que lhe nomear ; B pello ditto acto, Logo lhes faço, e hei por feita merçe de os naturalizar nel- les, e seus descendentes, e haver por Portuguezes naturaes vas- sallos e súbditos desta Coroa, e obbedientes a saneia se apposto- liça, como Bons, e verdadeiros christoes, com todas as graças, Previlegiose liberdades, e eizenções que tem agora os natnraes destes Reinos de Portugal, e seus domínios, como se o foi^ por origem naçimento, e abbittação, e elles como taes vassallos subdittos por sy' e seus deçendentes, me reconhecerão por Rey e senhor, como os mais vasallos naturaes, renunciando outro qualquer senhorio, natureza, e domínio, e como se cada hum fora naçido no Reino, e fizera preito e omenagem particular, e juramento de fedilidade, como pella assinação do ditto livro, se entenderá, feita a todos, para todos os previlegios. ; E assy pelo contrario, incorrendo nas penas de infedilidade, e crime de le2a magestade, divina e humana, como os mães vasallos, e subdiitos, so jeitos a minhas leis e justiça, o da sancta Inquisi- ção, e cençura Ecclesiastioa, em todo por todo, assy casados com filhos, como solteiros, e que eazassem na terra, e com mo- Iheres que vão do Reino, ou quaesquer outras, ou de sua Ilha, e terras.

E nesta conformidade, o ditto capittão poderá levar em cada húa das dittas viagens que declarou que podia fazer no anno, sessenta, ou setenta dos dittos Irlandezes, cazaea de sua companhia dos dittos cento e trinta, eos mães, para quç depois lhe der faculdade, procurando que serão os ipaes que

126 REVISTA DO INSTITUTO HISTORICSO

pader 0er oazadoB, ou easem na terra ; E tanto qm entra rem na sobreditta forma na ditta capitania e cidade do Pará, a metade pouoo mães oo menos, a que vier melhor, e mais a prasimento seu, e do ditto caplttSo, serSo recebidos por oi- dadõet, e moradores da ditta cidade, seus arrabaldes, e termo, e suas Aldeãs, onde melhor lhes estiver abblttar, com todos os previllegios e liberdades dos mais cidadões, para entrarem nos cargos da governança, na paz, e na guerra, com todas perrogatiras dos naturaes ; para o que Hey por bem que dontf dos mais nobres casados, entre logo hd por vereador, outro por Almotaçe, sendo em tudo tavorecidos ; para o que o Go- vernador, e ouvidor, e pessoa que mandar a ditta eonducção com o ditto capitibo ; e dous de sua companhia, e duas pes^ soas mães da cidade, Ikçâo repartiç&o de terras bastantes, com largneta, no ditio distrioto, em gitios mais aooomodados, e de mães fertilidade que lhes assinem, que serfio todas as que puderem cultivar e abrir, para sy, e serem suas próprias, di- zimo a deus, como taes virem a seus herdeiros, e disporem delias como próprias, como os mães naturaes, repartindo-as com a ditta largueza, que de presente, e adiante puderem redduzir. A cultura, e para seus gados, quintas, e abegoarias, o mães sem prejuízo dos abbitadores da cidade, que pudef ser, de maneira que tenhSo as terras que puderem apro- veitar, como os 'mães, ficando com tudo da companhia do ditto seu capitão, como os das ordenanças, como adiante se declara. O qual capit&o com a outra a metade, pouoo mães ou menos, por hora poderei ftmdar outra povoaçfto, e villa prin- cipal com os seus e qb mães da terra, que de presente, ou adiante nella quizerem abbitar pelo Rio e terra acima, enl çitio competente algúas legoas, que se chamará slo Joio, a que dareis as armas, e Inçinias, cem os Previileglos das mães villas do Reino, e do ditto Estado, para o que o ditto Gover- nador, e capitão, e as sobredittajs pessoas, verão o citio mães aocomodado, e í^nda^o, e deffencão, correspondência da ditta cidade do Parft, e menos contradição do gentio da terra, o terrenho de Agoas, e fertilidade tal, que se possa substentar e floreçer ; B o ditto Governador em meu nome» a levitntará em YiUa, c<« Peilourinho, Gamara, Jurisdição, e (bral» e

CARTA DE FORAL 127

Previliegios do Pará ou são Luís ; £ oom as dittas pessoas lhe assinará de termo, e districto, as legoas, e terras bastantes para todos os dittos povoadores, e os que com elles quizerem habbi- tar, e aos qae eu adiante der' faculdade com largueza bas- tante, não de logradouros, e pastos do comu da Villa, mas para lavoura, planta. Engenhos, pastos de gado, e quintas, e Aldeãs* e se repartirem com os povoadores, e as abrirem como suas para sempre, na forma sobreditta, e como os mães na- turaes.

B do ditto Pedro Sultman, hey por bem, se lhe assine húa legoa em quadro, de terra, que seia sua própria, para seu uzo, e dispor e fazer delia, e seus fructos, e rendas, como cousa própria, haforar. Arrendar, dar, ou vender, como lhe estiver melhor, com o reconhecimento, e obrigação das pessoas â que fis meroe de terras no ditto Estado, naquella villa, e fora delia» e em todas as mães partes, se guardarem em todo minhas leis, e ordenações» no crime, e no eivei, e seu governo, na paz, d na guerra, com seus juizes, vereadores, e Procurador, Almotaçeis, e Escrivães, e Alcaide, e mais oíficios, como nas mães do Reino, e do ditto Estado, fazendo suad EUeições, Pos- turas, e acordos, e bordem de governo.

Para o que esta primeira vez, para instrucção, e crea^o dos officiaes, Hey por bem, que a pessoa que faz com o ditto capitão, ou la estiver Assistindo o ditto capitão, chamem» os dittos povoadores, com os mães que nesse acto se acharem para virem votar em offlciaes, a som de campa, e facão Ellei- ^ na forma da ordenação, tomando os vottos, e appurando os pellouros o ditto julgador, com o ditto capitão E esta pri- meira EUeição, será hum juiz dos povoadores, e outra dos da terra para se instruírem nas leis, e governo» E hum escrivão natural, e os mães vereadores, Almotace, e Escrivão dos po- voadores» e os mães offlcios, B dahi em diante sem disthição de huns e outros, e virão os EUeitos a confirmar ao Oover* nador em meu nome, sem pagarem outjos direitos dos offl- ciaes.

E poderão os Portuguezes e mais pessoas da terra a que estiver bem vir abbittar na ditta villa» e suas Aldeãs, E os Irlandezes ir abbittar com os naturaes em suas povoações» sem

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80 prohibir a huns, nem a outros, a Elleiçâo, o a abbitiacão, como as mais villas ontre sy, e o mesmo na comonicagão, tratto, e cazamontos, e contrair domiçillio sem distinção ; K outro sy poderSo do Reino e da Ilha onde estão, e de sua terra levar por via do Reino, levar suas molhares e filhos, e as que com elles se contratarem de casamento, e com bordem da ca- mará e governador, se deixarão ir, e assy os casaes, e pes- soas natnraes do Reino, que com elles quizerem hir abbittar, e povoar, com seus previlegios.

£ ao ditto capitão Pedro de Sultman, Hey por bem de fazer merçe que seia, e se chame Alcaide mor da ditta villa, desde que chegar a ella, com os direitos, perrogativos, e privilégios que tem os Alcaides mores por minha ordenado, e que por ella lhe compete, fò.zendo-me preito e omenagem, ou em mãos do meu Governador, para que se lhe passará carta minha ; B outro sy, seija, e se chame seu capitão e dos de sua, com- panhia, onde quer que estiverem, como capitão da ordenança, com seu Tenente, e os do Pará. com o regimento das dittas ordenanças ; E isto em sua vida por hora, assy Alcaidaria mor, como a capitania, e com subordinação Ao Qovernador, e Go- vernador Qeral do Estado, e seu ouvidor, na forma das outras villas, e povoações da Província.

E hey por bem que estes primeiros cinco annos possa no- mear hu ouvidor confirmado pello Governador, que seia natural. A que venhão as appellações e . aggravos, e nelle tenhão fim, até dez mil réis de Alçada no cível, e quatro nas penas, e dous annos de degredo nos crimes, e dez mil réis em dinheiro nelles,que será posto por elle» e se nomeará por my ; E isto nos moradores da dita villa e termo que nella tiver^n con- tráhido domiçillio, ou nelle cométterem o delicto, ou naturaes, ou estrangeirob, E nos Escravos, e Plebeyos em que cabe penna vil, até Assou tes, e degredo por dous annos.

E huns e outros da ditta companhia, pagarão inteiramente 08 disimos e permiçias e mães cousas devidas á Igreja, e sedes, assy e da maneira que pagão os naturaes, com todo o reco, nhecimento, e obrigação da Igreja, e Perlados, e herdem dos sagrados cânones, sem exeição no costume em contrario, em todo, e por todo, como os mães naturaes.

CARTA DE FORAL j 29

E de oairos direitos Reaes, o contribaiçõoa serSo isentos, DO que de novo cultivarem, e abrirem, e Eagenhos que flze- rem de Açúcar, e mães lavouras, na forma, e pelloB annos que são isentos os que Eddiâcão Abem de novo, e rompem as terras por foral dos do estado ; E Hey por bem de os isentar mães, ate nove annos, pagando os mais direitos, e Alfandegas, assy na Ilha, como no Reino, onde manejarem suas merca- dorias, e fruotos da terra, e aoquiridos, c mercancias, para o que se lhes dará todo o favor, e embarcações, e a suas todo o bom despacho para as dittas fazendas, e mercancias, e fructos; E pela mesma maneira, para manejarem, e trazerem os da ditta provincia, os seus fretes, e despacharem nas minhas Al- fandegas, onde despachão os mães natoraes, pagando seus di- reitos na terra, B Reino, salvo os sobredittos do seu foral, ou por outras provisões, lhe fazer merçe do os isentar.

E serão obrigados a guardar inteiramente os regimentos e prohibições do ditto Estado do Brazil, para não admittirem navio nem pessoa estrangeira, da nenhúa qualidade, nem de sua nação, sem expreça hordem minha, nem de Castella, nem outra nação, nem navegação para ella, salvo para este Reino e suas Ilhas, na forma dos regimentos e ordenações, e hordeos dadas nesta matéria, sem differença nenhúa dos outros mães vassallos, e os mães que for servido ; E por firmeza de tudo lhe mandey dar esta carta de foral, e naturi- zamento, por my assinada e cellada com o çello pendente ; Belthezar Gomes a fez em lixboa aos quatro de março, Anno do Nasimento de nosso senhor Jesus Ghristo de mil e seiscentos 6 quarenta e quatro ; Balthazar Roiz de Abreu a fiz escrever. El-Rey.

POSTILLA

O que tudo se entendera, com declaração, que a sobre- ditta gente que o ditto Pedro Sultman, levar em sua com- panhia, seja toda de nação Irlandeza, sem entrar pessoa algua de outra nação, E o Governador do Maranhão, logo que en* trarem naquelle Estado» tome a todos» e a cada hu^m par- 491 0 Tomo lxiz. í. i.

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ticular, juramento de .omenagem» e fidelidade no ditto livro nesta carta e para este effoito ordenado ; E desta postilla se porÀ verba nos registos ; Lixboa a dezassete de janho de mil e seiscentos e quarenta e quatro.— fiey.

Archivo da Torre do Tombo. Livro dos Regimentos do Conselho Ultramarino, íls. 37.

Repnento que a de usar o Send da Frota

SALVADOR CORRÊA DE SA

(1644)

(Arehwo da Torre do Tombo, Liwo dos Regimentos do Conselho Ultramarino, fl»i3 v. Docamento mandado eopiar peloDr. NoriTal Soares de Freitas, em misefto do Instituto Historioo nas bibliothecas arohlTOB de Portugal).

Sobr.í a niaioria dost.) repri mento dado ao general da frota Sal- vador Benevides, veja-Sí o que escreveu o illustrado Dr. Vieira Fazenda no Boletim Co7mnercialf annos de 10O4«5-6, sobre o coui- niercio do Rio d* Janeiro nos S'Culos 16* c 17*.

(Xota da Commissão de Redacção*)

Retíieito ie me a it m o Beienl la mta SalTalor Corro de 8i

Ea El-Rey faço saber, a vos Salvador Corrêa de y bena- Yides, fidalgo de minha c^isa, que por jostas considerações de meu serviso bem de meãs vassalos e melhor segurança da na- vegação do Estado do Brazil. Mandei ordenar hda frotta para dar escolta, aos navios da navegaçSo para que se possão opor, a qualquer acometimento dos enemigos e meus vassalos logrem com segurança as rezultas, dos cabedaes que nelles meterem. Ouve por bem, de vos, nomear, por general da ditta frotta pela experiência que tendes das couzas do mar, e vosso zello, en meu servisso e por confiar de vos quo em tudo procedereis conforme vossa obriga(^ e por Almirante a Diogo Martins Ma- deira na qual se guardará o Regimento seguinte :

Primeiramente os n%vios que ou verem de servir nesta frotta de Cappitana Almirante delia, serão meus, que eu Man- darej nomear, dos de Minha Armada Real, comprados, provi- dos e Armados, por conta dos fretes e avarias dos assucares e fazendas que nelles se carregarem, e será cada hfi delles de porte de seiscentas tonelladas, bem artilhados, com cem in* lentes cada hum, e seu capitão de mar e guerra com hfi AI, feres e sargento nos quaes se meterá somente duas partes da- carga, para que com os frettes e avarias, que se hão de pagar pela maneira ao diante declarada, se supra o gasto da infantaria do mar.

2 Averá na dita frotta hfi sargento mor e h(l ajudante pessoas de valor e de servissos. E se pello tempo em diante a experiência mostrar que se necessita de outro Ajadante man- dareis prover delle.

3 Averá também hfi auditor que conhesa de todas as cauzas çiveis e crimes, das pessoas que andarô enbarcadas, nestas frottas que forem dependentes da gente delias, e forem

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criadas, depois de terem, aaentado praça, nas dittas frottas, com o mesmo poder e jurisdiccão que tem, e de qae se aza nas ArmaJas da lodia o qual eu mandarey nomear, e asy a pessoa que com elle ba de sernr de escrivão.

4 - - Averá. tão bem hum feitor que sirva juntamente de Almoxarife para areoadar e feitorizar o direito da avaria que se a de arecadar das caixas de asuquar e fazendas que se car- regarem em todos as navios da fh>ta para sustento e pagas da gente de Guerra e monições, vosso soldo e do Almirante e dos mais ministros qae nella servirem.

5 Sendo os donos dos navios que servirem na dita frota de tal valor partes e experiência que possão ser capitães de mar e guerra nelles, os aprovarei, e não concorrendo nelles estas partes, ou não o querendo ser, poderão nomear pessoas em quem ellas concorrâo a qual, tendo estes requesitos será por mira aprovado.

6 Aos cappittais e soldados.e capitães qae em seas navios servirem de mar e guerra nestas f^ottas, lhe averei o servisse» quo nellas me fizerem» como se fosse feito nas Armadas Reais deste Reino, e aos homens do mar terei também respeito, nas ocaziões de seus acressentamentos.

7 ^ Os Baixeis qae onverem de navegar para as ditas partes serão ao menos do porte de duzentas tonelladas, com dez pes- soas de Artilliarla, as quais serão mandados examinar pelo Ck)n- selho Ultramarino, e os que forem de menor porte, não averão avarias, porem as qne se lhe deverem, se hirão depositando na mão do feitor para a compra de dous bons galeõis que sirvão de cappitana e Almirante da dita ft*otta para qae por este modo, se vão extinguindo as embarcações pequenas, e os Arma- dores se disponhão a íl&bricallas do major porte que for possível porque disso não somente lhe rozultarão seus interesses mas maior segurança em sua navegação e reputação do Reyno.

8 Partirá a ftota do Porto desta cidade ate os derra- deiros dias do mez de setembro de cada anno, para a Bahia e e daly pêra o Rio de Janeiro e daqaella cappitania voltarão os navios pêra a Bahia qae ouverem de vir em companhia da frota ate o derradeiro de março para qae elles e os da Bahia salft^bA abril, qae são as monções mais aprovadas em respeito

REGIMENTO DO GENERAL DA FROTA 135

de vir a ft*otta mais coiiBervada, e em que se acha a Armada Real fora, vindo por altura de quarenta e hum grãos e meio dei- xando os navios do Porto e Viana recolhidos em seus porttos e com os mais vireis seguindo nossa Rotta ate o porto desta cidade.

9 E porque obrigando aos vassalios a que deste Reino na- veguem em ft*ottas pêra o Brasil ajuntandosse pêra este eíTeito no porto desta cidade, lhe seria de grande dagno e perjuizo asy pelo Risco que correrão em rezão dos tompos e dos ene- migos que de ordinário andão nestes mares, como tão bem por lhe ser necessário hirem pellas Ilhas fazer suas escallas e pro- vimentos de farinhas vinhos o outros géneros que hão de levar as ditas partes ; e juntamente para que possão os ditos navios, ter tempo de fazer nollas suas oarregaçoís para que ao tempo da chegada da flrotta e de sua partida para este Reyno, se achem prestes, e não tenham detença; Hey por bem que pêra as ditas partes do Brazll possão os ditos navios navegar em todos 00 tempos que quiserem o lhe bem estiverem sem esperar pelas ditas frottas, porem a volta para este Reyno, não poderão vir, senão em sua conserva para se evitar o dano que ao pode seguir de em rezão de vir caírem em mãos dos enemigos e nem vós nem o governador gerai do dito Estado, ou Gappitao mor do Rio de Janeiro lhe poderão dar licença em contrario salvo quando for pêra se trazer algum aviso, muito de meu servisse e para este effeito se elegerão as embarcaçõis mais pe- quenas que ouver para que possão com mais brevidade vir a este Reyno, e trazerem o dito aviso.

10 Na carga dos ditos navios prefferirão os que forem de msOor porte e aos de menor porte se darã so meia carga porque assy virão as fazendas dos particulares e carregadores mais seguros, e os Armadores procurarão avantajarse nas fabricas que fiserom aos que forem de maior porte ass^ por se não arriscar a ficarem sem carga, como também por gozarem do beneficio da avaria que não hão de lograr se os ditos navios não forem ao menos de duzentas tonel- ladas e daby pêra sima como fica dito no cappltulo sétimo deste regimento.

11 Sendo os ditos Baixeis de duzentas tonelladas e des peças de artilharia averao de flretes da Bahia por cada sio-

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coenta e quatro arobas qae he húa tonellada portogeta doso mil rs. e os de treseatas tonelladas e quinze possas quatone mil rs. e 06 de quatrocentas tonelladas e vinte pessas dezaseis mil rs. e vindo do Rio de Janeiro haverio pela mesma ordem que flea dito dous mil rs. mas por tonelladas, e avaria quer sela da Bahia, quer sela do Rio de Janeiro, será de hum tostão por cada arroba.

12 E Porque cada hum destes navios ha de carregar ao menos seiscentas caixas de assnear, que a vinte arrobas eada eaiza como he custnme, fozem doze mil arrobas, e pagando a testio de avaria por arroba importiU) três mil cruzados, e desta avaria, ha de aver o dono do navio a quarenta ni. por cada tostão e 06 sesenta rs. que âcio se aplicSo pêra o sustento e soldo do capitão e soldados que hão de hir embarcados em cada hum para a sua defença, que hão de ser vinte e sinco que im- portSo seteeentos e vinte mil rs. não bastão e he necessário sup- prir-se esta falta pelos melhores e mais suaves meios que ser possa ; Hey por bem que eo cada hum dos ditos navios (de mais dos asucares que ouver de carregar) se earregem quatrocentos quintaes de pao Brazil por conta de minha faienda, dos quaes se pagará quatrocentos rs. de firete por cada quintal e destes quatrosentos rs. haverá o dono do navio duzentos rs. e os outros duzentos, se aplicarão também ao sustento e soldo da gente, e os navios que carregarem no Rio de Janeiro ou em qualquer outra parte do estado do Brasil que não trouxerem pao, pagara cinco tostões de eada tonellada que carregar para iguda de custo.

13 —E porque os navios que hão de navegar para a Bahia somente hão de carregar quatrosentos quintaes de pao, cada hum por conta de minha íkienda em rezão do pao do Rio de Ja- neiro ser de qualidade que não tem conta neste Reino, de que 06 donos dos ditos navios não hão de aver mais que duzentos rs. de frette por cada quintal eomo fica dito no cappitulo ante- cedente no que se lhe flcão ocupando perto de trinta tonelladas con pouca utilidade; Hey por bem que a cappitana da dita frota e Almiranta delia carregue cada húa pelo menos duzentas tonel- ladas de pao Brazil, o qual o meu governador geral do dito Estado, e Provedor mor de minha (kienda em elle e a nos, pela

REGIMENTO DO GENERAL DA FROTA 137

parte qne nos <oca fareis carregar em oada hum dos ditos navios inyiolayelmente.

14 E porquanto nestes princípios he força permitirse a navegado das embaroagOes de menor porte de duzentas tonel- ladas até ellas se acabaram e se fsiserem outras de major porte, como fica declarado neste Regimento considerando também que se de todo se lhe prohibir que não naveguem para as partes do Brazil, não tão somente ficarão meus vassalos com dano consi- derável nos cabedaes que nas ditas fábricas tem metido mas tão bem se não dará vazão a saca dos asuqueres do dito Estado ; Hey por bem que as ditas embarcações, como ja fica declarado, possão navegar pêra as ditas partes, ató S3 extinguirem, e que indo a Bahia se lhe de de frotte a dose mil rs. por tonellada, e hindo ao Rio de Janeiro a quatorse mil rs. com que tãobem se evita o dano que pode rezultar aos carregadores da dilação esperando com a carga não a querendo meter nos navios de major porte porem do dito fírete serâo os mestres de tais em- barcações obrigados a entregar ao meu feitor e Almoxarife dous mil rs.de oada tonellada para ajuda do sustento da infiinteria que nos mais navios armados os ha de comboiar, E vos mando que nas licenças que ouveres de dar a estes navios para carregar seião preferidos aquelles que tiverem algúa artelharia e forem novos, e nos pareserem melhores pêra acompanhar a frotta.

15 Sendo necessário valerense alguns dos navios de par- ticulares de algúa artilharia minha, ou sendo necessário meter lha para sua melhor defença e guarnição venserão cada duas peças que asim levarem o soldo de um marinheiro pêra também se dispender nas couzas necessárias á conservação e aumento das ditas frottas.

16 ^ Com o soldo dos marinheiros se não alterará couza algúa o qual se lhe pagará na forma que sempre se fez De tudo o que tocar ao direito de avaria se cobrará no Estado do Brazil para pagas da gente de guerra e mais despezas que forem necessário fazerense os navios da frotta a metade, e a outra ametade se pagará neste Reyno, o qual dinheiro ha de cobrar e despender o feitor e Almoxarife com ordem do meu general» e para a cobrança se ha de fazer um livro de Receita nume- rado e Rubricado pelo auditor, e se lhe ha de carregar em Re-

i38 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

ceita tudo o que assy oobrjir, o qaal será obrigado a dar fianga nesta cidade, ató quantia de três mil cruzados, e de cada viagem que fizer dará conta dos meus contos do Reyno e caza e tirará quitaçáo.

17 Outro sy Hey por bem que a despeza que o dito feitor e Almoxarife fizer, pelo toca ao vosso soldo que são dous mil cruzados cada anno sem nenhúa liberdade mais, e o Almirante trezentos mil reis cada anno, que se Repartirão aos mezes, e asy os soldos do auditor, sargento mor, ajudante, cappitaes. Alferes, sargentos e mais offlciaes que serão os que pellos mesmos, cargos lhe pertencerem sei^á pella maneira seguinte, a saber, no Brazil da terça parto de .seus soldos e neste Reino as duas partes, tomando quitações das tais pessoas com as decla- rações costumadas para a conta do dito feitor e Almoxarife, e por esta mesma maneira a Infanteria o mantimentos delia que tudo ha do sahir do dito direito da avaria.

18 E porque pode acontecer ser necessário fazeremse outras despezas extraordinárias na Cappitana e Almiranta da dita frota, mando ao dito feitor e Almoxarife que he húa s6 posfloa que por despachos nossos as faça e com vossa asistençla lênbrando vos que não sejão as tais despezas, senão aqueilas que forem presizamente necessárias e não sendo utis e necessárias se lhe não levarão en conta.

19 Outro sy haverá outro livro da despeza, também numerado e Rubricado pello mesmo auditor e servirá de es- crivão da Receita e despeza o mesmo que ha de servir na audi- toria, no qual se lansarão todas as despezas que se fizerem asinadas por vos, e pello dito feitor e Almoxarife declarandose o em que a dita despeza se fez, e a cauza que ouve pêra se íkzer, e isto alem da ordem por escrito que haveis de passar para que a dita despeza se faça e no livro da Receita em que se ha de carregar ao dito feitor e Almoxarife tudo aquilo que cobrar da avaria se dõc'arara tambimi em cada assento o que cobrou quanto de cada pessoa decl.iranduas por seus nomes, dia, mez e ano, dos quacs as 'nttos hâo de proceder as quitações que se ao de dar as partes que pagarem a dita avarii para sua guarda asinados pelo escrivão e pello dito feitor e por vos para que por este modo vos seja prezente o dinheiro que tem en-

REGIMENTO DO GENERAL DA FROTA 139

trado em poder do ditto feitor, o que se tem despendido, e o que âca ainda em seu.

20 O dito feittor e Almoxarife terá de ordenado cada anno duzentos m!I réis, tendosse consideração ao muito trabalho que ha de ter no exercido deste officío andando enbarcado e sendo obrigado a dar fiança e contas cada anno o qual se poderá, pagar eni sy próprio do mesmo Rendimento da avaria, e o escrivão de seu cargo, que o ha de ser também da auditoria haverá de ordenado em cada hum anno oitenta mil réis, de que também houvera pagamento pelo mesmo modo que o vos aveis de haver, e os mais offlciaes e soldados, os quais feitor e escrivão sendo necessário encarregaios de outros officios, nem por isso haverão outro ordenado, mais que hum por ser asy conforme as minhas leis e Regimentos.

21 Para que não haja demoras que obrigem a despezas inúteis ; Hey por bem e vo8 mando que com toda a brevidade possível procureis abreviar a viagem asy da hida como da volta para que se possa fakzer a viagem da frotta todos os annos.

22 E para que isto não tenha nenhu estrovo e melhor se possa conseguir, Hey por bem e mando a todas as justiças asy deste Reyno, como do dito Estado, íação, breve e summaria- mente pagar os fretes ou dividas pertencentes a estas viagens aos mestres, mercadores, pajssageiros e mais interessados que vierem nas dittas ft*ottas constando do que liquidamente lhe deverem

23 E porquanto para a dofença e segurança dos navios marchantes convém que os donos delles lhe metam armas para a geote do mar que nelles hão de trazer. Hey por bem que tragão nos ditos navios, tantos mosquetes e chuços quantas forem as pessoas que nelles trouxerem.

24 * E Hey outro sy por bem que nem neste Reino, nem no estado do Brazil se possa fabricar navio ou caravella que s eia de menos de duzentas tonelladas e dahy pêra sima porque nen- hua a de navegar nas ditas írottas de menos porte, depois que se acabarem as que estão fabricadas, e as caravellas que assyse fabricarem de porte de duzentus tonelladas serão armadas com doz peças de Artilharia como os navios do mesmo porte, e isto se entendera nas caravellas e navios que ouverem de nave-

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gar pára o Brazil, porqae para oatros irattos, poderâo fabricar os navios que lhe estiver a conta.

25 Os navios que forem ao Rio de Janeiro e mais partes do sul virão demandar com a carga que tiverem a cidade da Bahia no tempo que por nos lhe for ordenado, pêra virem daly em nossa conserva, medindo o tompo de tal modo que, nem Yonhlko muito antes da partida da frotta para evitar os gastos e despezas que podeão fazer na Bahia, sendo muita a detença» nem, tãobem, que venbão sendo nos partido.

26 * E porque as couzas do mar são insertas e ha cazos que se não podem prevenir antesipadamente, Hey por bom que vos com o Almirante do dita frotta, auditor e sargento mor, e cappitão de mar e guerra da cappitana disponhaes nos taes cazos o que se venser por mais votos, lembrandovos que mi- nha tenção he tratar se sempre do milhor acerto em meu ser- visso,e não se podendo por algum asidente juntar o conselho na forma referida rezolvereis o cazo com a maior parte dos que se poderem ajuntar fazendosse de tudo papeis pêra se me dar conta sendo necessário, e sendo cazo quo se aparte aAlmirante poderá rezolver os cazos não cuidados com o Mestre Pilloto, e ao dito Almirante dareis uma copia deste Regimento pêra se saber como se ha de haver om semelhante cazos.

27 E porque podo acontesser que tenhais boa ocasião de voltar com brevidade com a frotta para este Reino, e vos possa ser de impedimento não terdes en quantidade os offlciaes de calafates* carpiu toiros, ferreiros, madeiras, embarcaçoeis pe- quenas gente de mar e tudo o mais de que se necessita para se- melhantes jornadas ; Hey por bem que as possais ao governador geral e aos cappitais e mais mioistros de guerra e fazenda das cappitanias e porttos a que fores ter aos quais mando volos dem e pagandose lhes seu estupendio tendo consideração a que como isto he para tempo tão breve nunca pode ficar de prejuízo a nin- gem, antes en grande beneficio de meus vassallos a que prinsi- palmente atendo e que nos dem assy para isto como para tudo o mais de que necessitardes toda ainda e favor que nelles for.

28 E porque minha tenção he evitar toda a ocazião de competências em matérias de jurisdição que podem prejudicar ao bem e conservação das frottas. Hey por bem e mando aos

REGIMENTO DO GENERAL DA FROTA 141

ministros da justiça e fazeoda do Bstado do Brazil, Utias e de outra qualquer parto donde chegar a dita frotta, se não intro- motão em couza elgua das dispostas e declaradas neste Regi- mento antes mando a todos em geral e a cada hum em parti- cular, e aos ministros e offlciaes de guerra que nas ditas partes asistirem, que apor tando-vos com a dita frotta em seus portos, vos dem toda ainda e favor que vos for necessário para melhor conseguirdes o que neste Regimeato vos ordeno os quaes o gar- darão como se com cada hum delles em particular falara.

29 E sendo cazo que no mar se encontre esta minha frotta com as nãos da índia em que venha ou va cappitam mor delias faiuo a frotta e nãos salva de três peças igualmente hna a outra, e a frota seguira o farol e derrota das nãos, e isto nao vindo nellas YisQ Rey, porque vindo abatera a frotta a bandeira e abatida a tornara a arvorar, e sendo quaesquer outros navios que venhSo das ditas partes que não seião nãos da india lhe fa- reis farol e dareis Regimento.

30 E encontrandosse a frotta com a Armada Real levara a cappitana hna flâmula no tope em lugar de bandeira e a Al- mirante outra no mastro do traqueto, e as salvas an de ser as da cappitana do mar oceano de menos hua peça as sinco com que a hão do salvar e as da boca de menos hua boa viagem respon- dendo com trombettas ou charamellaa a ella, e a Almiranta da frotta o mesmo, a Almirante da Armada Real, e os mais navios da frotta e a cappitana e Almiranta deve responder somente com trombettas ou oharamellas sem Artilharia nem boa viagem da boca.

31 fi sendo cazo que vos encontreis com esquadras ou navios de onimigos desta coroa âo de vos que procedereis do maneira que tenha eu multo que vos agradecer e folgue de vos hontrar e fazer mercê e da mesma maneira o hey por muy re- comendado ao Almirante da frotta a quem vos de minha parte o fareis saber e aos mais cappitais para nas ocaziois que se offe* reçerem vos aludem e procedão como lhes espero e tenha ocazião de lhe fazer merçe conforme aos servisses que me flzerem, e va« gando por esta cauza alguns cargos na frotta de justiça guerra e fazenda nomeados neste Regimento que eu não possa prover com^ a brevidade que convém ; Hey por b^ que vos provejais

142 RBVISTÀ DO INSTITUTO HISTÓRICO

neste ínterim de serventia os de justiça e fazenda em taia pes- soas que conhesão todas as mais que não antepondes respeitos particulares a merecimentos próprios, e os de Guerra os devem servir as pessoas a que toca fazello por fiilta de seus maiores porquanto estes senão podem prover de serventia.

32 Todo o disposto e declarado neste meu Regimento vos hey por muy encarregado, lenbrando vos que fio de vossa possoa que obrareis nestes particulares de tal maneira que fique de exemplo aos mais para qae á nossa imitação haja quem siga o procedimento que de vos espero e da mesma maneira o Hey por encarregado as mais pessoas nelles declaradas para que proçe- dão como convém a meu servisse e ao bem de meus vasaUos. Paschoal de Azevedo o fez em lisboa a zzb de março de BJc Rii^ , ea o secretario Aflònsso de Barros Caminhão fiz escrever. Rey. o Marquez de Montalvão ^ Regimento de que se a de azar nas Viagens das frottas do Brazil.

PELO QUAL É CONCEDIDO A SALVADOR CORRÊA DE SA E

BENEVIDES FAZER MERCÊS AOS QUE

SE DISTINGUIREM NO DESCOBRIMENTO DAS MINAS

(1646)

(Archivo da Torre do Tombo. Lwro de Regimentos do Conselho Ultramtkrinoy fl, 4í)

(Doe. mandado copiar pelo Dr. Noriyal Soares de Freitas, em missão do Instituto Histórico nas bibliothecas e archiTos do Portugal.)

136 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

coenta e quatro arobas que he hua tonellada portugesa doso mil rs. e os de tresentas tonelladas e quinze possas quatorze mil rs. e os de quatrocentas tonelladas e vinte possas dezaseis mil rs. e vindo do Rio de Janeiro haverão pela mesma ordem que ílsa dito dous mil rs. mas por tonelladas, e avaria quer sela da Bahia, quer seia do Rio de Janeiro, será de hum tostão por cada arroba.

12 E Porque cada hum destes navios ha de carregar ao menos seiscentas caixas de assucar, que a vinte arrobas oada oaixa como he custume, fazem doze mil arrobas, e pagando a tostão de avaria por arroba importão três mil cruzados, e desta avaria, ha de aver o dono do navio a quarenta rs. por cada tostão e os sesenta rs. que flcãose aplicão pêra o sustento e soldo do capitão e soldados que hão de hir embarcados em cada liam para a sua defença, que hão de ser vinte e slnco que im- portão setesentos e vinte mil rs. não bastão e he necessário sup- prir-se esta falta pelos melhoi*es e mais suaves meios que ser possa ; Hey por bom que en cada hum dos ditos navios (de nutfs dos asucares que ouver de carregar) se carregem quatrocentos quintaes de pao Brazil por conta de minha fazenda, dos quaes se pagará, quatrocentos rs. de í^te por cada quintal e destes quatrosentos rs. haverá o dono do navio duzentos rs. e os outros duzentos, se aplicarão também ao austonto e soldo da gente, e os navios que carregarem no Rio de Janeiro ou em qualquer outra parte do estado do Brazil que não trouxerem pao, pagara cinco tostões de cada tonellada que carregar para ajuda de custo.

13 E porque os navios que hão de navegar pira a Bahia somente hão de carregar quatrosentos quintaea de pao, cada hum por conta de minha fozenda em rezão do pao do Rio de Ja- neiro ser de qualidade que não tem conta neste Reino, de que os donos dos ditos navios não hão de aver mais que duzentos rs. de frette por cada quintal como fica dito no cappitulo ante* çeiente no que se lhe íioão ocupando perto de trinta tonelladas con pouca utilidade; Hey por bem que a cappitana da dita frota e Almiranta delia carregue cada húa pelo menos duzentas tonel- ladas de pao Brazil, o qual o meu governador geral do dito Estado, e Provedor mor de minha fazenda em elle e a nos, pela

REGIMENTO DO GENERAL DA FROTA 137

parte qae no9 ^oca fareis carregar em eada ham dos ditos navios inyioiayelmente.

14 E porquanto nestes prinoipios he força permitlrse a navegado das embaroagOes de menor porte de duzentas tonel- ladaa até ellas se acabaram e se fazerem outras de major porte, como fica declarado neste Regimento considerando também que se de todo se lhe prohibir que não navegaem para as partes do Brazil, não tão somente flcai^ meus vassalos com dano consi- derável nos cabedaes que nas ditas fabricas tem metido mas tão bem se não dará vazão a saca dos asuqueres do dito Estado ; Hey por bem que as ditas embarcações, como ja fica declarado, pos^o navegar pêra as ditas partes, até S3 extinguirem, e que indo a Bahia se lhe de de firatte a dose mil rs. por tonellada, e hindo ao Rio de Janeiro a quatorse mil rs. com que tãobem se evita o dano que pode rezultar aos carregadores da dilação esperando com a carga não a querendo meter nos navios de major porte porem do dito Arete serao os mestres de tais em- baroaç(!les obrigados a entregar ao meu feitor e Almoxarife dous mil rs.de cada tonellada para ajuda do sustento da infonteria que nos mais navios armados os ha de comboiar, E vos mando que nas licenças que ouveres de dar a estes navios para carregar seiSo preferidos aquelles que tiverem algúa artelharia e forem novos, e nos pareserem melhores pêra acompanhar a frotta.

15 Sendo necessário valerense alguns dos navios de par- ticulares de algúa artilharia minha, ou sendo necessário meter lha para sua melhor defença e guarnição venserão cada duas peças que asim levarem o soldo de um marinheiro pêra também se dispender nas couzaa necessárias á conservação e aumento das ditas íirottas.

16 - Com o soldo dos marinheiros se não alterará couza algúa o qual se lhe pagará na forma que sempre se fez De tudo o que tocar ao direito de avaria se cobrará no Estado do Brazil para pagas da gente de guerra e mais despezas que forem necessário fazerense os navios da frotta a metade, e a outra ametade se pagará neste Reyao, o qual dinheiro ha de cobrar e despender o feitor e Almoxarife com ordem do meu general, e para a cobrança se ha de fazer um livro de Receita nume- rado e Rubricado pelo auditor, e se lhe ha de oarregar em Re-

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coenta e quatro arobas que he hôa tonellada portugota doso mil rs. o os de tresentas tonelladas e quinze possas quatorze mil rs. e os de quatrocentas tonelladas e vinte pessas dezaseis mil rs. e vindo do Rio de Janeiro haverão pela mesma ordem que ílea dito dous mil rs. mas por tonelladas, e avaria quer seia da Bahia, quer seia do Rio de Janeiro, será de hum tostão por cada arroha.

12 E Porque cada hum destes navios ha de carregar ao menos seiscentas caixas de assucar, que a vinte arrobas oada oaiza como he custume, fazem doze mil arrobas, e pagando a tostão de avaria por arroba importão três mil cruzados, e desta avaria, ha de aver o dono do navio a quarenta rs. por cada tostão e os sesenta rs. que ílcão se aplicão pêra o sustento e soldo do capitão e soldados que hão de hir embarcados em cada hum para a sua defença, que hão de ser vinte e sinco que Im- portão setesentos e vinte mil rs. não bastão e he necessário snp- prir-se esta falta pelos melhores e mais suaves meios que ser possa ; Hey por bom que en cada hum dos ditos navios (de mais dos asucares que ouver de carregar) se carregem quatrocentos quintaes de pao Brazil por conta de minha fazenda, dos quaes se pagará quatrocentos rs. de frete por cada quintal e destes quatrosentos rs. haverá o dono do navio duzentos rs. e os outros duzontos, se aplicarão também ao sustento e soldo da gente, e os navios que carregarem no Rio de Janeiro ou em qualquer outra parte do estado do Braiií que não trouxerem pao, pagara cinco tostões de cada tonellada que carregar para ajuda de custo.

13 E porque os navios que hão de navegar pira a Bahia somente hão de carregar quatrosentos quintaes de pao, cada hum por conta de minha fozenda em rezão do pao do Rio de Ja- neiro ser de qualidade que não tem conta neste Reino, de que os donos dos ditos navios não hão de aver mais que duzentos rs. de frette por cada quintal como fica dito no cappitulo ante- çeiente no que se lhe ficão ocupando perto de trinta tonelladas con pouca utilidade; Hey por bem que a cappitana da dita frota e Almiranta delia carregue cada húa pelo menos duzentas tonel- ladas de pao Brazil, o qual o meu governador geral do dito Estado, e Provedor mor de minha fazenda em elle e a nos, pela

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parte qoe nos ^oca fareis carregar em eada hum dos ditos nayios inviiHayelmente.

14 *E porquanto nestes principies he força permitirse a navegado das emtoroagões de menor porte de duzentas tonel - ladas até ellas se aoabarom e se fazerem outras de major porte, como fica declarado neste Regimento considerando também que se de todo se lhe prohibir que não naveguem para as partes do Brazil, não tão somente ficarao meus vassalos com dano consi- derável nos cabedaes que nas ditas fabricas tem metido mas tão bem se não dará vazão a saca dos asuqueres do dito Estado ; Hey por bem que as ditas embarcações, como ja fica declarado, possão navegar pêra as ditas partes, até S3 extinguirem, e que indo a Bahia se lhe de de frette a dose mil rs. por tonellada, e hindo ao Rio de Janeiro a quatorse mil rs. com que tãobem se evita o dano que pode rezultar aos carregadores da dilação esperando com a carga não a querendo meter nos navios de major porte porem do dito flrete seião os mestres de tais em- barcações obrigados a entregar ao meu feitor e Almoxarife dous mil rs.de cada tonellada para ajuda do sustento da iníánteria que nos mais navios armados os ha de comboiar, E vos mando que nas licenças que ouveres de dar a estes navios para carregar seião preferidos aquelles que tiverem algúa artelharia e forem novos, e nos pareserem melhores pêra acompanhar a ftrotta.

15 Sendo necessário valerense alguns dos navios de par- ticulares de algúa artilharia minha, ou sendo necessário meter lha para sua melhor defénça e guarnição venserão cada duas peças que asim levarem o soldo de um marinheiro pêra também se dispender nas couzas necessárias á conservação e aumento das ditas frottas.

16 Com o soldo doe marinheiros se não alterará couza algúa o qual se lhe pagara na forma que sempre se fez De tudo o que tocar ao direito de avaria se cobrará no Estado do Brazil para pagas da gente de guerra e mais despezas que forem necessário fazerense c5 os navios da frotta a metade, e a outra ametade se pagará neste Reyno, o qual dinheiro ha de cobrar e despender o feitor e Almoxarife com ordem do meu general, e para a cobrança se ha de fazer um livro de Receita num^ rado e Rubricado pelo auditor, e se lha ha de eanogar em Re-

Este doetimenio rem corroborar o que no Conselho Ultramarino •jn 3 da maio ée 1677 disae Salvador Corrêa de e Benevides. (Vide volume 63 da líevista o artigo com o titulo «Subsidio para a Historia das Minas»»)

(Xota da Commiss&o de Jicdacção,)

Ált«r& ptlo q9«l í ooftcodiAo a tolraAor Oorrla te 84 i («a^ Tites e g««8 te86o&te&t«B r^aUnwioi UviAoi^ te iw

prodaslrem as minas te ouro o prata

Eu BURey faço saber aos qnc este AlTara Tirem que sendo eu informado, que convém muito a meu seryisso, e ao beneficio comum, de meus Reinos, e senhorios, e doi naturaes delles, e proveito do minha fazenda, conquista- rem-se, benaftciarem-se, e administrarem-se, as minas, de ouro, prata, e outros metais, descubertajs e por descubrir nos dis- tritos das duas cappitanias de São Paulo, e sam Visente, das Partes do Brazil, E pela confiança que tenho de Sal* vador Corrêa de o Benevides, fidalgo de minha oaza, general da frotta do ditto Estado que neste negossio ma servira-a a toda minha satisfação e contentamento e de tal maneira que me possa eu haver delle por bem servido, oomo ate agora o fez, nas couzas de que o encarregei, E por de- zejar muito de lhe fazer honra e merçe pellos servisses que nesta empresa espero que me faça; Hey por bem e me praz de fazer merçe ao dito Salvador Corrêa de Sft que Rendendo as ditas minas quatrocentos mil cruzados cada anno de ouro de mineraes e betas, e nSo de lavagens livres de todos os custos e despezas, haja elle e todos seus de- sendentes de juro e herdade quatro mil cruzados de Renda cada anno, no* Rendimento das mesmas minas, e o senhorio e jurisdição do primeiro lugar que povoar tendo sincoenta vizinhos para sua caiza, e subindo á Renda das ditas minas, a quinhentos mil cruzados, na maneira asima Reíbrida fi- cara com a dita Renda dos quatro mil cruzados e com o titulo de conde do dito lugar, com condição que ordenara a fiibrica e mineiros e todo o mais neçassario ao des- eubrimento e entabolamento das ditas minas a sua custa e

j

150 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

para minha lembrança e soa guarda lhe Mandei dar eate Alvará que a seu tempo se comprira como nelle se oontem, o qual Hey por bem que valha como carta, posto que o effeito delle, haja de durar mais de hum anno sem en- bargo da ordenaçSLo em oontrario. Bertolamen daraujo o foz em lixboa a oito de junho de BJ xxzxxiii e eu o secretario António de Barros Caminha o fiz escrerer, Rey.

CARTA

DS

ANTÓNIO TELLES DA SILVA

A SUA MAGBSTADB ( 1645 )

(líib. Pub, Eborense -^Cod, CV.^IÍ^» f. i85)

Netta carta o Governador Telles da Silva parte ao Rei oomo Henrique Dias, de accordo com elle Oovernador, deixou do ir com aeuB negros para Angola, como queria, o seguiu para Rio Real. A convite de Vieira, depois de chegados a Rio Real, passaram-se os negros para o lado de Paraambnco. Quando a gente de Vieira come- çou a agitar-^o, Telles da Silva enviou embarcados dous terços sob o commando de Martim Soares Moreno e André Vidal do Negrei- ros. Como é sabido, os dons mestres de campo a 23 de Julho de 1645 desembarcaram próximo de Serinhaem. A 4 de Agosto ren- deu-se o forte hoUandez e a 3 de Setembro Hoogstraten entre- gou-lhes o forte de Pontal.

(Xota da Commissão de Bedaoção,)

CARTA DE ANTÓNIO TELLES DA SILVi A SUA MABESTASE

SeàhQt

Por eyitar alguns deseoncertor que os soldados pretos -d* Henriqae Dias fasiSo nesta praça e aliriar a inftmtaria que assiste de f nami^^o no porto do Rio Real lhe ordsnei qae se íbsse oom todos para elle nSo lhe admetindo as causas oom que qtiasi repugnava por suas, oonTeniencias» sentido desta mudança e de eu o nSo hayer enviado a Angola eomo per- tendia, e de outros motivos de muito menor momento se passou em hnma noite oom os dittos seus soldados & parte dos Holandeiss e suspeitando o Mestre de Campo André Vidal de Negreiros que neste aoeidente se aehou por aquellas partes donde havia hido com licença minha a partieulares próprios que seriSo demonstrações exteriores suas para graagear mais favor mandou em seu seguimento ao Capitão mor Dom An- tónio Felipe Camarfio com huma tropa de índios bastante ao redusir por violência quando nILo quisesse ohedeoer*lhe» e su- geitarse á segurança oom que da minha parte lhe prometia perdão do excesso e melhoramento de sua pessoa de que me deu logo conta pela Carta ei^a cópia envio a Vossa Magss- tade, chamei a Concelho, e conslderando-se nelle o animo que o dito Henrique Dias trasia de hir dar em huma povoação de Escravos fugitivos a que chamão Mocambo dos Palmares nos oonílns do Rio de Sam Prancisoo e que era provável que dissimulasse a jornada, assim pela ambição da preza como por saber que lhe não havia eu de dar licença para ella se teve por conveniente que se não mandasse mais gente em seu alcance, tanto por lhe não acrecentar a desconfiança, como por que a não tivessem os Holandeses de que se alterava com sua entrada nas terras que possuem o sooego da paz em que es- távamos, de que se fez o assento cuja cópia envio a Vossa Ma- gsstade, e crendo eu na opinião de todos pela tardança do dito

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Capitão mor e ser grande a distancia dos Palmares, que se congregaria com Henrique Dias para aqnella asaltada, temendo que. por ambos haverem excedido se deixariSo ficir por aquellas Brenhas donde se lhes não podia dar castigo, nem elles podi^ conduzir os Escravos aos moradores ájk Cam- XMinha, mandei o Joaõ Lais Religiozo da Companhia de Jezns com outro companheiro seu a Reduzlllos, e ambos se tor- narão sem os poder desistir, e ante o tempo que forão dezacete deste prezenbe mez de Julho me chegou hum avizo, de como chegando noticia destaa duas Tropas aos dittos moradores de PernaObuoo e vendo que com seu favor se podião levantar e acciamar naqueila Capitania a Vossa Magestade os mandarão persuadir ocultamente neste fim, c elies como sugeitos de menos descurço que vallor imaginando indeacretamente que acertavão, baixarão á Campanha a tempo que os moradores delia se havião rezolnto a negar declaradamente a obediência aos Holandezes, e tomar as Armas em deffença do sua liber- dade, com esta nova me enviarão os dittos moradores Por- taguezcs huma suplica firmada por todos, reprozentandome ò manifesto perigo a que íicavão expostos, o deprecando-me os socoorresse como a leaes Vassallos que erSo de Vossa Mages- tade. £ Imaginando eu que seria rdvolução daquelles povos ocoa9Íonada do alguma exasperação do trato dos Holandezes que se poderião sooegar por tal intelligenoia que elles ficassem seguros da roina que temião os liolandezes obedecidos e eu sem dar motivo a se entender em nenhum tempo de mim que dava impulços a esta sua acQão, chamei logo a Conoellio todos os Ministros superiores da Guerra, o politico, e Pro* lados do todaa as Religiões o nelle fiz a proposta ouja copia envio a Vos^a Magestade para que consto a Vossa Magestado o modo com que procedi noste caso o a in viola vol observância com que de minli» parte so conservarão sempre as capitula- ções das pazes, que ainda que eu entondia que na realidade as não oífendia este socorro, antes as confirmava na tençaõ com que deveria mandar, pois era a valor aos nossos em favor dos Holandezos, todavia respeitava mais o temor das apertadas ordens do Vossa Magestade que a mesma razão e necessidade prezente, mas todos se levantarão, e por assen-

CARTA DE ANTÓNIO TELLES DA SILVA 155

timento comnm votarão uaiformemente qae devia eu mandar aocorrer com toda a brevidade aquelies Povos, pois sendo tam grande o empenho em que se aohavão era maior a iaha- manidade que com elles se uzaria faltando-lhes a prote^ que taõ justamente devião esperar das Armas de Vossa Ma- gestade e que sendo oouza tSo praticada entre todos o^ Prin- oepes do mundo, e ainda entre os mais bárbaros darem favor a qnaesquer naçSes e Estrangeiras que se quiserem valier de sua tutella, se não haveria Vossa Magestade por bem servido de mi, se a negasse aos Vassallos de Vossa Magestade em um acto tão nacido de sua confidencia o lealdade, estimulado agora tanto mais das violências de dominio Estrangeiro, quanto era maior o da Liberdade aos olhos de um Rey natural de que sorião privados, alôm de outras muitas razoes mui vehementes que todos me propuzerão, e coneiderando-as eu vondo-me vencido nos votos, o que pareceria que podendo não faltar ao exacto cumprimento das capitulações, faltava a obri* gação de amparar aos Vassallos do Vossa Magestade maior-* mente quando o intento não era fazer hostilidade alguma aos Holandezes sanão livrar aos nossos por meio puramente de- fencivos da oprcção pubUca em qne ficavão e reconciliai) os com os Holindezes prosontindo também, que se cnzergavfto algumas demonstrações de que se eu duvidasse de mandar este socorro se occazionarfa nesta praça outro movimento peor do qne o prezente por ser a maior parte dos soldados deste Exer- cito, o moradores desta Cidade, naturaes de PernaGbuco, e retirados de todas aquellas Capitani<is, me pareceo tomar por rezolução evitar o excesso que se receava com mandar reme- dear o socedido, quo suposto que se pudera reprimir por outro meio tive por mais acertado o de condecender com a suplica dos dittos Portuguezes, e acordo geral de todo o Concelho e enviar o ditto socorro, pois com ello se devertia mais suavemente qualquer dozordem nesta Praça, e apa- ziguava todo o tumulto naquella Capitania de que tudo se fez o auto cuja copia autentica envio também a Vossa Magestade. A este mesmo ponto entrou nesta Bahia hum navio Ho- landez com dois Embaixadores dos do Concelho do Supremo Governadores em Pernambuco, hum pulitico, e outro Qover-

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nador do oabo de Saoto Agostinlxo os qaaes me offerecerâo a Carta cuja oopia traduzida por alies mesmo, eavio auten- tica a Vossa Magestade dandome conta do sucesso que tenho refferido, e pedindo-me quizesse mandar recolher as Tropas, que naquella Campanha anda vão pelos meios e demonstrações que me parecessem mais oonstrangentes, e vendo eu o que ellei pediãot e protestavão era o mesmo que se havia re- soluto, que era mandar este socorro fazendo-mo com elle me- dianeiro, entro uma e outra nagão, e dezejando mostrar-lhes a benevolência, e affecto com que os quizer fazer, obedecer o respeitar, lhes respondi com a Carta cuji oopia autentica envio a Vossa Magestade. Mas atteodendo eu á prevenção que os Ilolandezes havião feito do quatro mil Tapuas Bárbaros que tinhao no Maranhão, o que sou socorro que fosse nao levasse poder bastante a sugeitar por violência aos que presistissom em suas obstinação e repugnância,' ficaria infhictuosa esta jornada, me pareceo enviar a aquella Capitania hum golpe de Infantaria a cargo dos dous Mestres de Campo Martim Soares Moreno, André Viáú do Nagreiros, sugeitos do cuja prudência fiei iodo o acerto, assim na correspondência com os liolandezes, como no socego e quietação dos moradores como ultimo âm desta Missão e para ella me vali de huns navios que neste posto aprestava para impedir o socorro que Vossa Magestade foi servido mandar-me escrever por Carta de dezaceis de Fevereiro próximo passado, que de São Lucas man- dava El Rey de Castella ao de Congo, fazendo delies Capitão mor ao Coronel Hieronimo Serrão de Paiva pessoa de muita satisfa- ção, e por esto meo espero em Nosso Senhor se soceguem as inquietações, e fiquem os Holandezes seguros de seos receos. Mas porque pode. Senhor, acontecer que desta resolu^^ que tomei, se me forme diante de Vossa Magestade alguma oulpa que diminua o zello com que procurei acertar na indefferença e pezo das obrigações que conoorrem juntas nesta matéria de tanta considera^, me pareceo justificar, prostrado humildemente aos Reaes pés de Vossa Magestade, a pureza com que desde que en- trei neste Governo pretendi estreitar nelle os vincules da ami- zade, e boa correspondência, que Vossa Magestade se sérvio mandar-me expressamente que tivesse com os Holandezes; por-

CARTA DE ANTÓNIO TELLES DA SILVA IÒÍ

que se meu animo fora romper com elles e restaurar a Vossa Magestade as Praças de Pernaõbuco, grandes foi^o as oocazioes que me offerecerão oom suas dizigualdades em tempos mais op- partanos, porque os procedimentos que nestas partes tiverão, despoisda felice acclamação de Vossa Magestade, forão sempre mais de Inimigos declarados, do que de amigos fingidos, pois no mesmo tempo como tudo ho prezente a Vossa Magestade em que os Estados geraes estarão ajudando com suas Náos as Armas de Vossa Magestade nesse Reino, e os nossos Embaixadores que ontros Govwnadores que forão deste Estado emviarão ao ReciíFe» mandando nelle retirar da Campanha as Tropas que actualmente lha talavãocomperdataõsemcivel de seus súbditos, e protesta- rão, vendo aprestar huma Armada, que as não mandasem invadir porto algum dos senhorios de Vosaa Magestade ásua mesma vista a expedirão, e partio oom vós de hir dar em índias a conquistar Angola, e chegando eu a esta praça» mandando pedir ao Conde de Nasau e aos de seu Concelho supremo Cartas e ordens para que naquelie Reino cessasem também as Armas e so gozasse da paz que neste estado, me responderão que era jurisdição aeparada e independente da sua de maneira que tiverão poder para em- prender a facção antes da retiflcação das pazes havendo-se j& publicado tregoas neste Estado e não o tiverão despois de confir- madas parasuspenderem a guerra, e o damno de seus effeitos naquelie Reino, e menos o concurço dos socorros, que até hoje se lhe emviarão sempre do Reciffe. De ci;^^ cavilação e engano com que acometerão e conquistarão também as Ilhas de São Thomee cidade de São Luiz no estado do Maranhão lhes re- sultou o escrúpulo que para dar sombra a estes eflèitos de sua amizade, quizerão conceber da nossa chiando a mandalla ezpri- mentar como testefica bem a oarta que oscreveo um Comissário seu por nome João Gzening que a esta Cidade veio comprar fari- nhas que lhe mandei por ser manifesta a esterilidade grande que delias havia como elle muito bem vio,o qualpedindo-lhadeíkvor António da Fonceca de Ornellas para o Director de Loanda para donde hia por mandado de Vossa Magestade diz neila. Assim que mais se me mandou a esta Commissão a experimentar a amizade quepor necessidade, mas elles aconheoerão melhor, queizando- le-me despois do Capitão Agostinho Gardozo que transcedendo ás

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ordem oom que o eaviel ao Rio Real chegou á Campaaha a caia de hum súbdito seu a quem dizem que tomara algamas fa« zdndas e de hum Domingos da Rooha que para esta Bahia fuglo com hum Barco de asucares, porque no mesmo tempo e instante mandei logo meter ao G apitão em hua áspera prixSo, donde m/eí com elle de maior rigor que me foi licito, ate o remeter a Vossa Megestade, e lhes fiz restituir todos os asucares que no ditto Barco vinlião, e a correspondência oom que mo agradecerão foi mandarem infestar oom suas Náos estes mares donde renderão hum Navio nosso que sahia da Capitania do Espirito Santo carregado de asucares, e roubando-ihe logo tudo o que levava entre as cobertas como se forão piratas o remete- rão por prezo para o Reoiffe donde fora, te os poucos Portu- guezes que nelle bião o não tornarão a rocobrar, do que se in- fere evidentemente ser ordem particular que o Capitão da Não trazia, e não excesso seu como a queria relevar pois ocultava o furto se sentira que era culpa de que dei contra a Vossa Ma- gestade, remetendo os mesmos seis flamengos, que o levavão naj Caravellas' do Sabastião Vaz, e Braz Vicente Negrão, que desta Cidade partirão em quatro de Fevereiro do anno passado de seiscentos quarenta e quatro ; e queixando-me eu por hum Embaixador deste atrevimento, e protestando pela Jus* tiça, recompença de todo o damno que delle resultasse ao fu- turo, chegou a Pernaõbuco hum Pataxo de Angola co m os Por- tuguezes expulços da quele Reino que havião escapado d* Asso- lação do ARaial do Bengo, e reprezeotando o dito Embaixador ao Conde de Nasau, e aos do sou Concelho a aleivozía e traição com que os Dircitores de Loanda se ouveriío com o Governador P.° Cezar do Menezes debaixo da palavra e segurança das^api- talações que do novo havião com elle celebrado para que se lhes desse o castigo que merociõo, e se restituísse aos nossos o que se lhes havia i*oubado, que ora o mais precioso de todo o Reino; elles lhe responderão também que não era aquelle Governo subordinado ao seu; escasando-se com este dezabrimento de dar remédio a tantas Iniolencias como os que os miseráveis mora- dores daquelle Reino tolorão de que não foi a menor chegarem a tratar ao dito Governador P.<» Cezar na umildo prizao em que o meterão com as maiores indecencias que sua qualidade podia

CARTA DE ANTÓNIO TELLES DA SILVA 159

padecer, e a retrlbulç&o que tomei destas eso andalos íbl mandar enforcar a ham soldado, e a hum mercador desta Capitania que passando & Campanha cometeiAo nella alguns insultos sem se me íiBkzer queixa alguma por sua parte que tal foi a pontualidade com que procurei acreditar comos Holandezes abeneyolencia deste Governo.efé de nossa boa veziohanQa, etal adifferen^a com que elies a corresponderão em tudo o que lhes premetioo tempo preferindo sempre os Respeitos de sua conciencia aos de nosia amizade e singeleza e se tendo eu todos estes piutivos, e em oucaziões em que esta praça se achava cam maiores forças que as que havia em Pornaobuco para tomar satisfação de todos elles, como de violências, que tão positivamente cometerão contra a publica, estatuto das Capitulações me não descuidei hum ponto de as guardar, ainda na menor acção, bem se verifica, Senhor, que não concorreria eu nesta de socorrer aos Portnguezes, por intento de vir a rompimento com os Holandeses, S3 não mera mente por obrigaçío preciza e natural de dar auxilio a quem adcclama o de Vossa Magestade, e ser medianeiro entre elies, o 03 Governadores daquelle Concelho Supremo, porque se minha tenção fora recuperar Pernãobuco menos diâcultoza era a facção por intrepreza subjeita que por disposições tão oocazionadas a um sucesso infelice como pudera ser o prezente se eu mandara estas tropas senloellasde negros e de tam pouca confiança poiá estava mais certa a boa fortuna no conhecimento das poucas forças que o Reciffe tinha que na contigencia de se saber o intento e resul- tarem delle as das nossas consequências que deixão considerar em matéria tão grande, e em que suas mesmas impossibilidades são a maior abjno e ju^tidcação da sinceridade do meu animo, o do cuidado com que tratei de obedecer a Vossa Magestade na infa- lível observância das pazes com os Holandezes de que me pareoeo dar esta devida conta a Vossa Magestade com toda a brevidade deste successo, e suas dependências, e noticias precedentes para que tudo seja prezente a Vossa Magestade. Quarde Nosso Senhor a Real pessoa de Vossa Magestade como a Christandade, e todos, seus Vassallos havemos mister. Bihia a dezanove de Julho de mil seiscentos quarenta e cinco, António Telles da Silva.

TRASLADO DE UK ASSENTO

QUK SB TOMOU EM PRESENÇA DO GOVERNADOR DESTE ESTADO

DO BRAZIL SOBRB A OARTA QUE S8CRETE0

O TENENTE DB MESTRE DE CAMPO GERAL ANDRÉ VIDAL

DB NEGREIROS IM QUE CONTA Dl SER FUQIDO

HENRIQUE DIAS

(1645)

(Bibliotheca Publica Eborense Cod. GVI ^ 2^B f. iQ4). 49 -> 11 Tomo uuz p* i.

Este documento esclarece um ponto da historia da guerra hol- landesa. Por alie se proTa a fuga de Han^igi^e Dias, a 28 de Março de 1645, da estancia do Rio Real para Pernambuco. Henrique quei- xou-se do Governador por não lhe dar licença para Ter a família. Nunca lhe deram nada da fazenda rea^. Serviram -se delia como si fora capiivo. Bssas queixas foram traasmittidas a Anlonio Telles da Silva por André Vidal de Negreiros que, segundo communicou, mandou o Gamarão com os seus indios no encalço do Henrique Dias.

(SoUik <Í0 Commissão de Bedaoção.)

Traslado de ham asaento que se tomou em presença do OoTornador deste estado do Brasil sobre a carta que eacreTeo o Tenente de Mestre de Oampo Ger&l André Vidal da Negreiros em que da conta de ser fugido Henrique XMas»

Km os trinta e hum dia0 do mes do Março de seiscentOj^ quarenta e oinco» nesta cidade do Salvador* Bahia de todos Santos, nospftçosdo Sua Magestade mandou o Sr. Governador e Oapitto geral deste Estado António Telles da Silva chamar à sua presença os Mestres de Campos João de Araújo e Francisco. * Rebello e oe Tenentes de Mestre de Campo geral P"* Corrêa da.Qama si António de Freitas da Silva e os Sargentos moreai Joio Rodrigues de Sousa, Domingos Delgado e Qaapar de Soas» Uohoa, e o Provedor mor da fazenda de Sua liagestade Sehaa* tiio Panis de Brito, e o Doutor António da Silva e Souza, Ou- vidor geral Provedor mor dos deftmtos e auzei^tes, e Procure- dor da Ikienda eCoroadeite Estado, e sendo todos assim Juntos he mandou ler hnma carta que havia recebido do Tenente de Mestre do Campo geral André Vidal de Negreiros qoe está na flronteira do Uo fteal, em que diz que em vinte e oinco deste mez de Margo pelas duas horas depois meia noite, fogiu Hen- rique Dias daqoella estancia com toda a sua gente, e que vai alrllha deUa na volta de Pemambuoo e que como tioha a es- trada provida eom osssus soldados não foi sentido, nemo soube senio depois de claro dia, e que antes da Aiglr se q[ueizava do Senhor Governador por nSo lhe dar licença para vir ver suas filhas e molhar que estava morrendo e que nomca lhe derSo nada da flazenda Real, mais que servirem-se delle como se fora cativo, e que a semana antecedente o quizera mandar prezo por estas e outras liberdades que dizia, mas^-nlinca lhe pareceu que huma eouza tão mal íbita, mais que como negro que era

164 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

merecia ham grande castigo para exemplo dos mais; que logo maadaya o Camarão ti*as delle com os seus índios para que o tragão prezo, ea bom recado, aiaiaque custara algumas mortes, de huma e outra parte, que considerassem os ditos Ministros o que lhe paiH3cia se devia fazer no cazo e lhe dessem seus pra- zei^s.

B vista a ditta Carta, e conciderado o cazo votar&o cada hum o que llie pareceo, e concordarão que o Tenente de Mestre do Campo geral André Vidal de Negreiros tinha feito o que naqaelle fragante se podia fazer» e que posto que ocaso era feio» o mere- cedor de grande castigo, sa o prendessem, por hora não se podia mandar mais gente em seu seguimento, por que se tinha animo damnado em se passar aos Holandeses, tinha tempo de estar do Rio de São Francisco para Pernambaco de vinte e cinco desto to agora que chegou o avizo, e em tornar estaria mais longe e que se o prenderem então se tratará do castigo que merece, e quando o não prendão e deserto se saiba que foi para os Holan- dezes, ou se passou a Pernambuco a roubar e fazer outros ' maleficios, será bom avizar aos mesmos Holandeses que vai le- vantado e ftigido, para que se o prenderem prender o cas- tiguem como tal.

E o Senhor Governador so conformou com o mesmo parecer e resolveu que assim se fizesse e mandou disto fazer este assento que a«sinou e os ditos ministros, e eu Gonçalo Pinto de Freitas, escrivão da fazenda de Sua Magestade o esorivi António Telles da Silva, João de Araújo, Francisco Rabello, Corrêa da Gama, António de Freitas da Silva, João Rodrigues de Souza Domingos I)elgado, Gaspar de Souza Uchoa, Sebastião Panis de Brito, António da Silva o Souza; o qual acento em Gonçalio Pinto de Freitas escrivão da fazenda de Bi Rei nosso Senhor deste Estado de Brazil fiz trasladar do próprio que fica cm meu poder no que derem dos assentos das Juntas e concelhos a que me reporto com que este treslado concertei; e sobescrevi e as- sinei na Bahia em primeiro de Abril de mil seisoentose quarenta e cinco, Gançalh Pinto de BVeitas,

TKASLADO

DO

Asseoto qoe se fez sobre as coQsas de PeroaAkco

(1645)

(Bib. Pub. Eboretiae Cod. CV)

(Basta ler este documento para conhecer o sou valor. £* uma pagina em que se patenteia o proteito dos Brazileiros contra ò do- mínio dos Hollandeses).

(Nota da Commissão Bedacção.)

TrasIaJo i% Assento qm 8e fei sobre as ooaias h Pernaobico

Anno do Nascimento da Nosso Senhor Jezos Christo de mil e seis centos e quarenta e cinco em os dezoito dias do mez de Julho do dito anno nesta Cidade do Salvador, Bahia de todos os Santos nos paços de Sua Magestade os Senhores António Telles da Silva, Ooyernador, e Capitão geral de Mar, e terra deste es- tado do Brazil, mandou ajuntar a sua presença os Provinciaes* e Prelados, das quatro Religiões desta Cidade, Companhia de Jezns, São Bento, Carmo, e São Francisco, e os quatro mestres de Campo deste Exercito Martin Soares Moreno, João de Araújo» André Vidal de Negreiros, Francisco Rebello, e os três Tenentes de Mestre de Campo Oeneral, Pedro Corrêa da Gama, João de Lucena de Vasconcellos, e António de Freitas da Silva, e os Sar- gentos maiores Gaspar de Souza Uchoa e António de Brito de Castro, e o Proved >r m.>r d;* fiz mia i) Sua \íag;ís-xle. desjie estadot Pedro Ferraz Barreto, o o Licenciado Sebastião Paruy de Brito, que agora exercitou o dito cargo, e o Doutor António da Silva e Souza, Provedor mor dos defuntos, e anzentes desta estado, que hora serve o cargo de ouvidor geral e os Juizes or- dinários Vereadores, e mais Oíficiaes da Camará desta Cidade, e alguns homens principaes do povo, e governança delia aomo forão o Coronel da gente da Ordenança Jerónimo Serrão da Paiva, e o Alcaide mor António da Silva Pimentel, e o Doutor Francisco Bravo da Silveira, os Capitães Paulo de Barros, Paulo Cardozo de Vargas, Felipe d^^ Moura de Albuquerque, e Diogo da Aragão Pereira, a sendo todos juntos lhes mandou ler a pro« posta seguinte :

168 RBVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

PROPOSTA DO SENHOR OOVIRNADOR

De Pei*Q&obaoo chegarão esta noite Corrôos com avizo que me íázem os moradores daquella Capitania, de como oão podendo sofrer as intoleráveis, rioloncias tirania, sogei^^o dos Holan- deses, considerando o excesso grare, com que de noYO, se lhes duplicava o pezo dos tributos, e a insolência de seu domínio, se fuzia mais iacomportavel a Iqjusta direcção de sen governo, e qne nesta miserável fortuna, a que se vião reduzidos, se lhes impossibilitava tanto mais o remédio, e ainda a esperança de melhora quanto era mayor desejo da liberdade, o o natural sen- timento, de que sendo elles Vassalos de El-Rey Nosso Senhor es- tivessem padeoendo havia tantos annos o prlvão deste nome, e a ignominia de conquistador de outra nação, e s6 a elles não ti- vessem aloda chegado os venturozos effoltos da Mllz acclama^o de Sua Magestade que Deos Quarde levado sdestos dous Incita- mentos de sua opressão e lealdade, se dellberariLo todos a igualar os intentos a dezesperação, e a negar a obediência aos Holan- dezes, querendo antes morrer gloriosamente em deffenção da liberdade, e restauração de sua pátria, do que o poder das inju* rias, que naquelle cativeiro padeoião, reprezentandu*me o es- tado om que flcão Implorando os socorra, com toda a brevidade pois he tão grande o perigo da vingança que temem dos Holan ~ dezes, como a obrigação que me occore de lhes não faltar com a Proteção que tão justamente devem esperar das Armas de seu próprio Rey e Senhor, e ooosiderando eu este success?, e que ainda que nelle se me offerocia ocoazlão tão disposta para poder tomar dos Holandezes a devida recompença das disiguaes corres- pondências, de seu procedimento nestas partos, pois quando este governo estava com aquelle logrando a mayor pas mandando re- tirar as tropas da Campanha, e cessar nella todo o acto de hos- tilidade, e confirmando, com estas demonstrações de benevo- lência a conservação da amizade, em que nos víamos elles a es- tlmavão tão pouco, que de baixo dessa mesma segurança nos mandarão invadir, e occupar o Reino de Angola, Ilha do São Thomé, e Cidade de São Luiz, no estado do Maranhão, chegando a infestar com seus Navios esta costa, e a vender nella um nosso, que sahia carregado de Asuqueres da Capitania do Espi-

COUSAS DB pernAobuco 169

rito Santo oomo he notório, sendo todas estas aoçSes tSo dignas de eu me nSo esquecer delias, com tado he tão apertado o yin- ciiio da pablica, e palavra Real oom qae Saa Magestade se sérvio que se oontrahissem as pazes, e rateftcassem as Capitu- lações delias, oom estados das Provincias unidas e tão inviolável a observância, oom que expressamente me manda, que as guarde, que não dão lugar, a se relaxarem por nenhum acontecimento assim impostas estas duas obrigações, tão precisas que neste ac' cidente concorrerão Juntamente de socorrer aos moradores de Pernãobuco, e não íkltar ã conservação das pases vendo-me in- diferente na consideração de ambas, e das graves consequências, que de qualquer delias podem rezultar, dezejando tomar reso- luç^ com tal acerto, que experimentam nella tanto os Portu- guezes, a humanidade com que lhes quizera valer, como os Hol- landezes a sinceridade, e pureza de animo com que pertendo perpetuar, com elles a amizade que professamos ; me pareceo mandar chamar a este Conselho a iodos os Perlados das Reli- giões, e Ministros Superiores da Guerra, Politica, (kzenda, e Jus- tiça que se achão presentes, e fozer-lhes esta proposta em que todos votem livremente o que sentem nesta matoria, e se he justo mandar-se este socorro o não mandar-se para que me de- libere no que mais convier ao serviço de Sua Magestade segu- rança daquelles Povos, e estabelidado da paz com os Holandezes, que he o que pretendo e protesto.

E logo lhes mandou ler a Carta que recebo dos moradores de Pernãobuco cujo traslado é o seguinte:

CARTA

Os Affelictos moradores de Pernãobuco oppremidos ã tantos annos de moléstias tiranias da Nação Holandesa, a quem estão sugeitos, com exemplos tão notórios do sua crueldade, como por muitas vezes temos exprimentado em tempos pas- sados vendo de hum General chamado Sigismnndo para destruir e n^tar os miseráveis moradores tomou hua pequena occazião de virem a evta campanha Soldados do Porto do Calvo que então governava o Conde de Banholo, e com este mào animo, partio o dito General, de Sesinhaen oom Tapuyas, que para esse eífeitò

170 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

mandou descer o sertSo, o sahiu até Matiope distancia de trinta legoas matando degolando, o entregando aos ditos Tapuyas homens, meninos, o mulheres para em sua prezença fazerem extraordinárias tiranias, e na mesma maneira succedeu em goyana, que três dias naturais largarão o gentio, c soldados destruir o povo fazendo em molhe rcs Cazadas, e donzellas, tais vitupérios quais única no mundo sevirão fazer a nação Herética nenhuma, e alem d'outras muitas crueldades que cada dia es- tamos padecendo agora de novo dezejosos os índios de nos verem acabados, e destruídos, como inimigos da Christandado, com falsidades arguirão entre os Hollandozes, que hojd governão, mentirosos levantamentos com que os ditos Governadores man- darão descer do sertão quatro mil Tapuyas e os tem no Rio Grande, cora ordem que a todo tempo que tivessem recado seu, viessem matando, e abrazando este povo; e inteirados os de sua danada tenção vista de tantas crueldades monidos da natural de ffunção, cinco dias antes de fazermos esta a vossa Sinhoria nos levantamos geralmente em toias as partes de Pernãobuco e nos puzemos em detTença como melhor podemos tratando de remediar as vidas fazendo por escapar o ímpeto deste tirano golpe, e assim ficamos neste risco com tanta afllição qual Vossa Sinhoria poderá considerar como tão Ga-* tholico lhe pedimos e requeremos hua e muitas vozes, da parte de Deos e de El Rey nos socorra, e acuda alibertar as vidas como Vassallos de El Rey, Dom João, e tão grande risco em que nos vemos que se Vossa Sonhoria nos não acudir com muita brevidade e abrigar do desamparo em que nus vemoa clamaremos justiça aos céus, e mandaremos pedir socorro a El Rey de Hespanhae a outros Reys Gatholicos; que assim o premitem semilhantes extremos, o que não esperamos de Vossa Senhoria antes que logo nos acudx aremediar as vidas doeste miserável povo, no que fará muito grande serviço a Deos e o £1 Rey Nosso Senhor, o nos assinamos em nome de todo o Po70, João Fernandes Vieira, Bernardin de Carvalho, Bastião do Carvalho, Manoel Calvacante, António Calvacante, Cosmo de Crasto Pasços, João Posçoa Bezerra, Gonçalo Cabral de Caldas Diogo Dias Leite, Gaspar Antunes dos Reis Gosmo do Rego Barros, Arnáo de Olinda Barreto, Miguel Bezerra,

COUSAS DE PERNAOBUCO 171

Vicente Cerqueira, Padre Matheus de Souza Uchoa, António Borges Uchoa Gonçalo de Sooza Velho, Luiz da Costa Se- polveda Manoel Alvares Deos dará, Amaro Lopes Madeira, o Vigário Francisoo da Costa Falo£o, Jerónimo da Rootia, João Veiho de Souza, João Pimenta, Aiberto Lopes da Rocba João Pessoa Baralho, Simão Furtado de Mendonça, Manoel Pereira Corte Real, Manoel Jaime Bizerra, Álvaro Fragozo de Albu- querque, Pedro Marinho Falcão, João Gomes de Mello, Lioen- ciado António Pereira, João Paes Cabral, Francisoo Berengel de Andrade, Francisco Bezerra Monteiro, Alyaro Teixeira de Mesquita, Josó Gomes de Mello, o Padre Diogo Roiz da Silva, Prey Anselmo da Trindade, Dom Abbade de São Bento, Diogo de Araújo, Paulo de Araújo de Azevedo, Feliciano de Araújo de Azevedo, Francisco Gomes Moniz, João Soares Lopo Curado Gano^ Amador de Araújo, Gonçalo da Rocha, Simão Lopes, Manoel de Queiroz de Siqueira, Padre Vigário João de Abreu Soarez, Frei Pedro de Albuquerque, Gonçalo de Barros Pereira, Domingos Gomez de Brito, Franoisoo Gomes de Abreu.

CARTA QUE ESCRKVErXo OS MORADORES DE PERNAOBUCO AOS HOLLANDEZES PA BOLÇA

Mui nobres senhores. Os moradores deste estado súbditos de vossas senhorias opremidos tantos annos de agravos e males e moléstias, vondo-se matar, destruírem tempos passados^ com- tanto Tigot que sem indícios de culpas, padecião inocentes, entre outros exorbitantes cazos que nelles succederâo sempre ossofrerâo com muita paciência guardando toda a fidelidade, per- mitida, e agora estando quietos tratando de suas vidas e fa- zendas, nas veio á notisia por ditos de muitos judeos desse Re- cife que Vossas Senhorias pertoúdião arruinas a todos òs ditos moradores portuguezes imputando-lhe culpas graves com que nosconfiscassem nossas fazendas, e os premitissem a outros da na^ Flamengo, que para esse effeito tinham mandado vir de Hollanda; e como taes ditos comegarão geralmente entre os ditos judeos muitos tempos levantamentos de traições contra

172 . REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

este povo, que Vossas senhorias sempre experimentarão serem falsos nem mostrar&o occasião provável» de que muitas vezes nos queixamos sem Vossas Senhorias prohlblrem semilhantes, oocasiôes com que sempre vivemos veceosos, e agrora com o rigor das prisões que Vossas Senhorias mandai^ fazer aos principaes moradores, e temerosos do risco das vidas nos re- tiramos aos Maios, deixando nossas mulheres, filhos, e fazendas por nfto estar sujeitos a inclinado de pessoaes pouco nossas alfeiçoadas sugeitando^nos antes aos rigores, e incomodidades de trabalhos, moléstias, que ficamos padecendo com tonçSo dever o fim de semilhante rigor, pondonos em extremos de huã dezesperacão agora de novo nos veio anoticia que Vossas Senhorias mandarâo fixar hun Edital, que dentro em cinco diaz paressesem em sua presenoa os retirados, exceptuando al- gumas pessoa como autores da culpa, no que flcamoscertos duma prezun(^, que de nos tem e o credito que Vossas Senhorias dao asemelhantes maldades, com que mais ficamos comentrentados considerando, que a culpa pode cahir em cada qual dando mais limitade tempo, para nos recolhermos, que mal bastará para chegar á noticia de todos, porque alguns com o medo estarão tSo longe, que antes do tempo a não tenhão; Vossas Senhorias considerem bam oremedio de nossa quieta^ sem deixar ca- minhoz por onde nos fiquem receios, e assim lhe requeremos huã e muitas vezes da parte de Deos a quem havemoz de chamar justiças; e aos Reis e Príncipes Catholicos do mundo pro« testando portodas as perdas, e ruínas, que Vossas Senhorias nos devem, dividas e fazendas, sem haver mais causas, que os ditos levantamentos de falsidades e de pessoas forçadas, que Vossas Senhorias mandarão prender que por remir vidas deram o que mais acommodar a seu remédio, o que Vossas Senhorias devem attentar, querendo-nos conservar como são obrigados; cujas pes- soas Deos Guarde. Vinte dois de junho de seis centos e quarenta e cinco. João Fernandes Vieira, António Gavalcanty. João Pes- soa, António Bezerras Manoel Gavalcanty, Cosmo Crasto Paços.

E assim mais mandou ler outro papel que com adita Carta veio de que o traslado he o seguinte.

COPIA DA CARTA

QUK ÍJS DO SUPREMO CONCELHO GOVERNADORES EM PERNAMÍIUCO

ESCREVERÃO AO SENHOR

ANTÓNIO TELLES DA SILVA, GOVERNADOR

E CAPITÃO GENERAL DESTE ESTADO, POR DOUS EMBAIXADORES

QUE A ESTA CIDADE MANDARÃO

(1645)

(Bibliotheca Publica Eborense -^Cod. CVJ ^ ^^

Esta carta esclarece pontos da historia do domínio hollandes» Dahi a sua importância. Delia se a resposta altiva e- politica que aos emissários do Supremo Concelho de Perna mbnco deu o QoTernador Geral Telles da Silva.

(Nota da CammiêMão d$ AtdoooSoJ

Copla da carta gno os do supremo conoeiho governador es em Per naml)xico escreverão ao senbor Antonk Telles da SilTa, gover- nador e capitão general deste Estado, por dous embaisadores que a esta cidade mandarão.

Com quanta pontualidade as pazes confirmadas entre o Serenissimmo Rey de Portugal Dom João o quarto, e os mui pode- rosos Senhores do estados geraes das Províncias unidas, que os moradores destas Capitanias comprirão em tudo» e em cada hum dos Artigos delias, consta pellas Cartas e Embaixadores da boa correspondência a Vossa Excellencia, enviados, e o devem testemunhar todos os que da Bahia, e outras partes vierão a estas Capitanias pelo menos nâo se achará quem mostre sombra de alguma falta; o mesmo sempre se esperou da sua Magestade e da Vossa Excellenciu, e nunca se pode recear que da sua parte se permetisse, que seus Vassallos, fizessem ou intentassem cousa que fosse contra contratos tão formaes como aquelles ; e ainda que alguns Portuguezes, Vassallos dos ditos mui Poderosos Senhores quebrando sua âdelidade jurada, intentarfto huma conjuração publica, o tomarão armas contra este estado tanto que veio ásua noticia, que o Gamarão, e Henrique Dias oom seus índios, e negros em companhia de outros Portuguezes, chegarão da Bahia a estas Capitanias de pancada sem licença e sem a pedir, oontra o direito publico, e geral ajuntando suas tropas, e armas com as dos levantados movem, e fazem hama guerra, mais oomo deshumanos ladrões e piratas, que oomo os soldados usSo em Europa, não podemos prezumir, que esta gente decâra por ordem ou permissão de Sua Magestade, onde Vossa Excellenoía contra seus federados taes autos intentarão; Graças a Deos não nos falta ordem, nem forças bastantes oom que obrigar a estes amotinados, que senão saião da soa devida obediência, e obrigação, e para fazer despejar os de fora, oom total ruina sua ; eomtodo para que todo o mundo saiba, quanto foi, e ainda o nosso deseje de viver oom toda a pas e quietação oom Sua

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Mag60tade, e seus Vassallos assim como nossos saperiores oon- tinuamente nos enoomendão» e para tirar as sospaitas que os Róis, Prinoipes, e Potentados por a chegada desta gente poderão presumir, e que oonstas.se a disculpa de Sua Magestade o de Vossa Exoelleocia, e se provasse que não tom dado a origem a esta conjuração nem a sustenta e uniamos em nome, e da parte dos ditos mui poderosos Senhores, os Estados Qeneraes, Sua Alteza, o Príncipe de Orange, e os nobres Senhores da outorgada Companhia das índias ocidentaes, commandado e Ordem plenária a declarar a Vossa Ezcellencia todos os Artigos allegados, o pedir que Vossa Exoellencia sega servido que logo com a chegada destes nossos Deputados por públicos éditos, ou outras demon- straçSes constrangentes mande ao dito Gamarão, Henrique Dias o a outra qualquer cabeça que estiver nessas Capitanias, se recolhão logo, com todas suas tropas, e gente-úe guerra, e sejão castigados oom todo o rigor, e não obedecendo sejão elles todos, e cada hum delles declarados por inimigos de Sua Magestade por quanto não achamos outra via por onde os ditos mui pode- rosos Senhores. Sua Alteza e os nobres Senhores desta Illustre Companhia, se a satisfação que esperamos de Vossa Exoel- lencia que esta vão assinados do Vossa Excellencia mui affciçoados amigos Henric, Hamel, Adriam, Van-Bullestrata, PieterDan- senbas ; Recife a sete de Julho de seis centos quarenta e cinco annos ; por ordem dos mui nobres Senhores do Supremo, e segredo Conselho, estava firmado D. van Walbeng, este he o traslado da Carta flamenga, que os mui nobres Senhores do I Supremo e segredo Concelho nos derfto em eonússão, de entregar

I a Sua Exoellencia Bahia de todos os Santos aos vinte do mez

! de Julho de seis centos e quarenta e oinoo, Balthaiar Bande

í Hoogestratera.

Reposta que deu o Senhor António Telles da Silva Qover- nador, e Capitão Geral deste Estado do Brazil, ã Carta acima e outros trasladadas.

Os Senhores Balthazar Vande Voorde, Conselheiro da Justiça, e Theodoro Vanhoo Estratem Comendador no cabo de Santo Agostinho digníssimos deputados de Vossas Senhorias me derão a C^rta em que Vossas Senhorias se servirão repre^Bentar-me o Inconsiderado movimento com que esses moradores se delibe-

COPIA DA CARTA 177

rarão a ne^rar a obediência a Vossas Senhorias, nora que en senti como devo, e sentira ainda com maior extremo do que o signifiquei aos ditos Senhores Deputados se nSo Tira a justis- sima segurança com que Vossas Senhorias orem que não podia ter impulsos deste governo, acção tao indigna por tantas cicun- stancias da fidelidade e valor dos Portugueses, e suposto que eu pudera justificar melhor esta merecida opinião da nossa com 00 procedimentos da correspondência, que havemos tido neste estado deduzindo-a desde seus principies para mostrar a Vossas Senhorias e ser prezente a todos os Reis e Potentados do mundo, que foi sompre da nossa parte esta amizade tão firme nas experiências como a de Vossas Senhorias encarecida nesta aua Carta, com tudo por não magoar mais o sofrimento e ílaizer manifesto ás gentes das occasiões em que positiva e declarada- mente se violou pelos súbditos de Vossas Senhorias na maior ignorância confiança nossa a pureza das tregoas, e capitulação das pazes contrahidas, e ratificadas entre a Magestade Serenís- sima de El Rey meu Senhor e os altos poderes dos Senhores Es- tados gerais das províncias unidas, quero antes deixar no si- lencio de nossa mesma vizinhança os deireitos,que nella puderão desculpar qualquer intento, do quo fundar o meu em lembrar a Vossas Senhorias todos os que tem precedido, e em particular a expedição da Armada para Angola, ao mesmo tempo, em que os Senhores Estados geraes estavSo capitulando em Portugal com suas Nãos as Armas desta Coroa e nesse Recife os nossos Embaixadores fazendo retirar as tropas que tanto erão temidas na campanha e aproveitarão a não mandassem invadir porto algum dos de El Rey meu Senhor despachando-a a sua mesma vista, com vós de hir dar em índias de Castella a conquistar aquelle Reino, a entrada e ocupai das Ilhas de São Thomô Q Cidade de São Luiz do estado do Maranhão ; o excesso com que chegarão a mandar infestar esta costa, e arrender nella um Navio nosso que sabia carregado de Assucares da Capitania do Espirito Santo, a esperiencia que mandarão fleizer de minha pelo Commissario João Greving com sombra de pedir farinhas na esterilidade em que esta Cidade se achava oomo elle mesmo testeflcou em huma carta sua, em que diz assim que mal? se me mandou a esta comissão a experimentar a amizade, que por 491—12 Tomo lxix i». i.

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neadMidAdey caatella oom que og Diretoreg de Loanda capitalarfio oom o Governador P.» Cezar de Menezes, a aleivozia e aso* lação do nosso arraial do Bengo a ezpulcio dos mizerayeifl moradores daqnelle Reiao, as indeoendas com que tratarão ao dito Governador P."* Cezar sendo hum General de Sna Mages- tade tão vituperadas em sna qualidade, e posto oomo contrarias a toda a humanidade, e estilos Militares, não digo eu de Nações politicas, de Europa mas ainda das mais barbaras do mundo, e finalmente o desabrimento, oom que nesse Ck)noelho Supremo 00 respondeo sempre a todas as Embaixadas, com quepertendi que naquelle Reino cessassem também todo oacto de hostilidade dizen- dome que era jurisdição separada e independente da sua, esque- cendo-me também da pontualidade com que ã vista destes dezenganos qualifiquei mais a f é e singeleza de animo» com que tenho procedido, pois mandando-me Vossas Senhorias fazer queixa do Capitão Agostinho Cardoso, e de hum Domingos da Itocha que para esta Cidade fogio com um Barco de Assucres 08 fiz Jogo restituir metendo ao dito Capitão em huma áspera prizão até o remeter a Sua Magestade e ultimamente sendo eu informado que hum soldado, e hum morador desta Capitania chamados João de Campos, e Domingos Velho o Segismundo passarão a essa de Pernãobuco e âzer£U> nella alguns insultos, os mandei logo enforcar, sem mais incitamento que o da publica da amizade, que professamos, e juntamente nos devemos, e se havendo-me o tempo oilèrecido todos estes motivos tão merese- dores de toda a devida recompença me nSo quiz nunca lembrar mais que das Expressas e apertadíssimas ordens com que Sua Magestade se sérvio mandar-me, que guardasse estabellecesse, e çoncervasse com Vossas Senhorias os efeitos da reciproca paz e alianças que tinha assentado com os altos poderes dos Senhores Estados geraes, bem se verifica, que ainda na opinião de sol- dado, quando não quizesse respeitar as obrigações, e consequên- cias de estado, não devia eu deixar perder tantas occaziões passadas, e muito mais opportunas, para na prezente dar sombra aos intentos de quatro Portuguezes desarmados, e a fugida de um negro descontente, e união de outro quais rebe- lado para huma facção tão árdua, e de dependências tão diffl- çultosai, donde se infere evidentissimamente que. nem por

COPIA DA CARTA 179

pençamenfos podia mie governo ser oculta cansa deste acidente como Vossas Senhorias devidamente o oonfessio, e mo qais mostrar, na repiti^ destas particularidades para esta satis- íáçio que privadamente dou a Vossas Senhorias de meu natural affecto e obrigação deste lugar, e para que Vossas Senhorias* tenhão verdadeira noticia da ausência de Henrique Dias elle se passou hua noite do porto do Rio Real, donde estava á parte de Vossas Senhorias, e mandando-se em seu alcance ao GapitSo mor dos índios Dom António Felipe Camario, vendo eu que tardavio ambos havendo sido imaglnaç&o de todos, que hiria dar na pouvoa(^ e mocambo dos Palmares do Rio de Sfio Francisco, mandei em seu seguimento, por n&o parecer que alterava o sooego, da paz commeter na campanha tropas de Inftmtaria deus Religlozos da Gompanhiade Jezas,aredu2iloseâe nenhum lhe quiz obedecer, ou por estarem temerozos do castigo ou inficio- nados do intento dos moradores dessa Capitania, segundo agora colíjo, e delles não tive mais noticias que as que Vossas Se- nhorias se servirão mandar-me.

Agora me chegarão avizos dos mesmos Portugueses reme- tendo-me hum manifesto das couzas que os constragerik) a levan* tar-se, e implorando>me os socorresse como a verdadeiros Vassallos que erão de El Rey meu Senhor por ficarem expostos ao rigor e fereza de quatro mil Tapuyas que Vossas Senhorias tinhão no Rio grande a inclemência das brenhas para donde se havião retirado, deixando suas molheres, e famílias á indignação e vingança de Vossas Senhorias, com temor dos perigos que Vossas Senhorias hião fazendo íUlminando-lhes, graves culpas, para lhes confiscarem as fazendas, tudo por indu- ção e maldade dos índios inimigos tão pérfidos da Chrlstandade, couza que eu não crera da prudência de Vossas Senhoriafrpois chegarão a dar credito as simulações de homens tão desaforados e temidos, que afflrmarão a Vossas Senhorias que andavão na Campanha pessoas que os Senhores Deputados virão nesta praça e suposto que eu me persuado que nas disposições deste sucôsso seria mais officaz o amor da liberdade desses povos, e a magoa de se verem agora privados do bem de hum Rey natural que Deos nos havia dado, do que á exasperação dos receios em que ficão com tudo considerando eu por huma parte o fim com que

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Vossaa Senhorias me esoroyerão, e 03 ditos Senhores Depatadofi mo propuzorão e rogar&o mandasse recolher os ditos Capitão mor Camarão, e Henrique Dias e apaziguar esses Portagnezes tumultaozos pelos meios que me parecesse mais idóneos e por outra a opressão publica em que se me reprezentarâo sentindo não ter o remédio tão propinqno como o dezejo pois he certo que se estes dous Capitães não me obedecerão persuadidos menos se sogeitarâo violentados e mais em paizes e brenhas tão des- tantes, e em qae todos elles andão tão versados, condescendendo com promptissima vontade, ao que Vossas Senhorias mesmos são servidos, e quereodo eu mostrai* em todo o tempo, e parte qual he a fidelidade dos Portuguezes, e a sinceridade cândida, que neiies resplandece para com todos seus oonfedrados, e qne não sabem attentar para conveniências próprias por mais que o tempo as offereça e sejão de maior importância pela menor (luebra, ou falência que delias possa rezultar om sua sempre incontrastavel confidencia e pactos de Aliança, e união como outras Nações, me pareceo tomar por resolução ser eu hum medianeiro commum, e socegar com a interposição de minha authoridade as inquietações intrínsecas dessa Capitania oomo dezapaizonado amigo, e bom vezinho, e assim me pareceo dizer por esta a Vossas Senhorias que fico tratando como Remédio mais efilcaz do enviar a essa Capitânia com toda a brevidade que me for possível pessoas de tal prudência que por sua dispo- sição, o inteligência em nome de Sua Magestade El Rey meu Senhor se aquietem estes movimentos, e soceguem de todos os Portuguezes para o qne vão prevenidos, do mineira que quando nãD quelrão sjjeitir se por suavidade e bom modo, os constran- jão por violência a obedecer a seu pezar a Vossas Senhorias, e se fique continuando daqui em diante nelles a sojelçao que devem espei*ar da benevolência de Vossas Senhorias, e entre nós a boa correspondência e demonstrações de amizade, que confio em Nosso Senhor se perpetuo e conserve entre estas nossas duasNações como tão amigas, e conformes que são, Quarde Nosso Senhor as mui nobres pessoas de Vossas Senhorias.

Bahia 19 de Julho de 1645 annos. As quais cartas ; Eu Gonçalo Pinto de Freitas, escrivão da fazenda fiz trasladar das próprias que estão na Secretaria

COPIA DA CARTA 181

do Senhor Governador, a que me reporto, e as conferi so- bescrevi, e assinei na Bahia em 22 de Jalho de mil seiscentos e quarenta e dnco, Gonçalo Pinto de Freitas, Bernardo Vieira Ha/vaico»

COFIA DE HDIA CARTA

QUE ESCREVERÃO DE PERNAMBUCO

MARTIM SOARES MORENO E ANDRÉ VIDAL DE NEGREIROS

A ANTÓNIO TELLES DA SILVA

1645

(Dib. Puh. Eborense ^Cod. OVl-^S »^f. i98}

( o presente documento orientará o leitor sobre yarioi pontos da historiado dominio hoUandez uo Brazil c de sua importância não é licito duvidar atteuto o papel quo repr^^sentaram os 83TU signa- tários .

(Xota da Commissão da Redacção,)

Ctpia le tuna arta une mrnn la Caimka de Fenaitiiin a Mntra le Caipo HartiD soarei Moreno, e Anilre Yiial de Necreini, ao OOTenalor Gapitio geril le Mar e Terra leite Eitalo lo Brazil Aitoiio Tellei la Silva e le oitni m ellei eiTlano ao Recife.

Senhor

Presente he a Vossa Senhoria o ef&caz aperto com qne os que Qoyernão o Recife enviarão a toda a deligencia a Vossa Se- nlioria sua Embaixada, significando nelia a alteração que João Fernandes Vieira tinha movido nesta Capitania, e como em oorpo de gente lhe fazia guerra, impedindo-lhe os mantimentos, e a liberdade de seu trato, e como também rogarão a Vossa Senhoria por cansa sua se servisse interpor sna-Authoridade com o meio, que a Vossa Senhoria parecesse mais conveniente rezervando a sua elei^ para effectivamente socegar e por em paz commua tal alvoroço para conservação de hum e outro estado.

Da mesma maneira serã bem mais prezente a Vossa Se- nhoria a lastimosa a encarecida Carta que estes moradores no mesmo dia da Embaixada a Vossa Senhoria fizerão. mostrando a ultima razão natural, com que se puzerão em deftenca com paos tostados por não poderem aotrer a insolência de tantas injurias que com desaforo e sem recato, que com atre- vimento, e sem petjo, lhe fazião no maior aperto da honra mais publico agravo, não fazendo reparo na ozurpação dos bens, no mão tratamento das pessoas que tcdas trazião em sinal de seu Cativeiro hua vara de medir por bordão mas íázendo o grande do impedimento o posto ao exercício divino da inaudita lacivia, com que ã vista dos honrados Paes stru- pavão as bem criadas donzellas e ái vista dos corridos por en- vergonhados. Maridos manchavão a virtude das respeitadas

186 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

doDas, encarecendo por ultima razão a petição gae a Vossas Senhorias fazião de socorro com o protesto de que lhe seria força buscarem Rey Catholico, inda que contrario, remédio a seus males, quando da parte de Vossa Senhoria se lhes de- negace. Com tão grandas novidades se sérvio Vossa Senhoria i^liamar a Concelho, em Claustro pleno, os mais doutos Padres, os Letrados mais escolhidos, os Mestres de campo de maior ex- periência, 08 Sargentos maiores de mais madura disposição, os Capitães de maior prudência com os homens bons de toda essa Republica e a todos propoz Vossa Senhoria assim a suplicada Embaixada, como a agonia da Carta de seus Portuguezes, que em mizerayel aperto de hereges intrusos na terra que não her- darão imploravão socorro a seu Rey huma das Colunas da Christandade, porque poderião, e a buscavão em Vossa Senho- ria dados na piedade, no valor, no illustre herdado por Vossa Senhoria de seus claros progenitores, lhe não podia faltar em afflição tão gi*ande e que votando-se com toda a ponderação que cazos de tanta importância pedião, consideradas as mais fortes razões, assim naturaes como estadistas, por toda se concluir sem discrepância de voto algum e ainda por communs requerimentos e protestos dos Letrados devia Vossa Senhoria, com toda quanta deligencia pudesse, acudir a tantas mil almas Portuguezas e Christãas, que com tanta anciã lhe pedião amparo para se exa- mirem do cruel cutello que herege ameaçava suas gargantas, maiormente quando Vossa Senhoria tinha tão fácil occazião na Embaixada que lhe ezpunhão os do Recife e em satisfação da qual pela urbaoidade comprometida nos concertos da paz, podia Vossa Senhoria compor hua e outra queixa rednzindo ambas a hua amiga conformação, mas que sempre Vossa Senhoria ficava obrigado, suposta a eleição do meio mais conveniente que se deixav^k na de Vossa Senhoria que esta fosso de que Vossa Se- nhoria mandasse sempre tal poder que obrigasse aos Governa- dores no Recife a não uzar de sua natureza conhecida tanto & custa de nosso inocente sangue, e não sei se á do nosso sofredor brio pois he certo que se não enxergasse este poder chamariio dobradamente nossos Partuguezes, e despois de seguros os des pedaçarião, como muitas vezes íizerão.

Resoluta, Senhor, esta Consulta, oom ella respondeo Vossa

CARTA A ANTÓNIO TELLES DA SILVA 187

Senhoria na obtorga e despacho da Embaixada, e em breyes dias nomeou nossas pessoas para que oom Carta sua viéssemos a esta Província a por em paz tantas e tâo crecidas alterações e mandaado Vossa Senboria aparelhar algumas das embarcações que çostum&o fazer escalla nessa Bahia, nos mandou basear a terra de Tamandaró nesta Capitania, a qual chegados, nos foi publico não o aberto que nossa gente padecia andando com sen Governador Joaõ Fernandes Vieira, escondido pelos matos, zoas que estes mesmos, Senhor, que impetrarão e interpuzerão a autboridade de Vossa Senhoria na conveniência de sua paz nos ataUayavão e eeperavio com exercito formado em Cam- panha, tendo entfto de prezonte chamado com simulado trato a trinta e taotos Portognezes moradores no Rio grande a sua Igrqja e aeUa a sangue frio os despedaçavão sem perdoar á de- oreplta velhice nem à infttncia inocento, acutilando atrevidos as Imagens sagradas, até sacrílegos profanando a contaminada Igreja, porem suas atrevidas mãos na Rainha dos Anjos cujas roupas roubarão, e 9 divino rosto ferirão, passando a tantas insQleodAã que uM hum Velho Hermitão que com hum menino se veio lhes a hua Ermida, acerbamente matarão, como tam* heis\ o teerão a hum Sacerdote de Missa, deflorando na varge muitas e aobres donzellasã vista de seus agonisados Paes, sem se doerem dos suspiros, dos clamores, dos gemidos de tantos ma^ goados, n^as antes para mais incitar a justiça divina mandarão recusar nas pacientes gimidoras os brutos, os indómitos Cabou* colos» que a todo o desaforo contumeleavão, manoyavão e exer- oitarfto apetites de seu desenfreado natural.

Certo, Senhor, afflrmamos a Vossa Senhoria não puderiamos nunca crer, se bem a experiência nos persuado, taes insultos taes traições nem tão livres desaforos, e confessamos a Vossa Se- nhoria que ainda informados nos não persuadimos atô que a notoriedade com a de tantas e tão fldedignsts pessoas que a recontavão nos fez ter por certo o que duvidávamos com tanto que havendo nos de marohar aquella jornada a Serinhaem soubemos que nesta villa o Holandez nos aguardava de mão armada em hua força, em outra caza fora e em hum reduto feito eoi hua Igreja, pela qual razaõ consultando entre nós o nono ouvidor g^» e noMos OapltSai, eouvienoios piarohar a

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oautellados da traição, e prevenidos ao suoeaao, e que man- dássemos ( como mandamos ) a Carta de qne vai a oopia pri- meira a Vossa Senhoria ao Comendor dos Holandezes, manifes- tando lhe a cansa do nossa vinda, e estranhando a novidade de snas Armas a que responderão com a Carta original que por terra he hida a Vossa Senhoria, paleando nella neutralidades que a nos nos formarão bem findadas desconfinnças para nos rezolver com os momentos dos Governador P«. Cezar, em Angola, a não poder dar numa por desculpa não cuidávamos e assim chegados d Villa que nos esperou em arma com bandeiras de Guerra tendidas, nos determinamos a não deixar suas forças nas espaldas, e sendo logo hospedados oom Embaixada saa que continha ameaços de bailas, minas e cutiladas, lhe respondemos com a cortezia, com a mansidão, com os protestos da paz por Vossa Senhoria tão encomendada, que tudo lhe sérvio de maior lavareda para suas soberbas, mas como virão que nossos soldados hião com a derrota em suas forças do Exercito de suas arrogâncias, derão no de pedir quartel as suas vidas que com toda a benevolência lhe concedemos com as mais capitulações de qne vai a copia segunda.

Rendidos forão mais de cento e trinta ; nestes entrarão se- centa índios que por serem muito Portuguezes na lingua nas- cidos e criados muitos nessa Bahia o todos Baptizados oom a profissão da Igreja Romana, e Vassallos de Sua Magestade haverem tomado armas oom os Infiéis inimigos nossos haverem feito atrozes injurias aos Christãos moradoi-es daqueiia Villa, como consta por huma petição por elles assinados, mãdamos delles padecer morte natural a trinta e nove, e os mais perdo* amos por menores, de que nos peza, por alguns delles bave- rom fugido para o Recife, os bastimentoe que se acharão não forão de sustancia de que se possa fazer menção as Armas, si que forão quazi tantas como soldados e vierão a muito bom tempo para guarnição das mesmas forças de que fizemos Ca- pitão mor Álvaro Fragozo de Albuquerque, pelo muito que merece nesta e em outras muitas ocasiões de que lhe passamos patente de que vai copia terceira.

Desta Villa marchamos a Bojuco com muitíssimo trabalho pelas innimdaçOes dos Campos^ e pelf» grandes tereicOs a qi|e

CARtA A ANTÓNIO TELLES DA SILVA l89

he SDgeito este território, eomtuJo chegados oatendemos com algumas cousas de que necessitava esti povoação por ser muito populoza, cujo governo demos por então a João Carneiro do Kariz e depois confirmamos em Amador de Araújo.

Aqui tivemos dous avizos, hum que Jeão Fernandes Vieira era chegado ao cabo que distava trea legoas, e outro de que o Holandoz do forte de Nazaret, com o corpo de gente que ha- via sabido em companhia do Capitão de Gavallos João de Van- derlens que se lhe tinha agregado campeava livre com asso- lação dos moradores com o que rezolvemos hir o Mestre de campo André Vidal de Negreiros fosee logo com alguns homens ligeiros a prender João Fernandes Vieira, como tudo se obrou na forma determinada, e o Mestre de Campo Martim Soares se ficou segurando os moradores e referiando os excessos destes Senhores de Holanda, e o Mestre de Campo André Vidal fez o que hia e levando prezo a João Fernandes Vieira que lhe ma- nifestou o como o Exercito do Holanda o perseguira, de maneira que não tendo para onde se recuar estando situado nas ta- boeas se pos em deffença, e naturalmente rechaçou a estes Senhores com perda de trezentos mortos e feridos ; marchando pois o dito Mestre de Campo com seu prezo tanto avante como no lugar da Moribequa que dista outras três legoas do Cabo achou ali tal clamor, descompostura e pranto, desconsolação e ritiro de molheres que podemos significar a Vossa Senhoria nio ouvi mais lastimoso acto porque ver molheres nobres com filhas donzellas meninos de peito, e outros de tenra idade re-^ tirados a distancia de três legoas que tanto fica a varge, roubados os vestidos, mal tratadas as pessoas, enxovalhada a ho<^ nestidade, todas emlodadas, banhadas em lagrimas, cheias de mortaes acoidenies, he couza digna de toda a compaixão que provoca os mais sofk^edores corações, e os mais humildes so- geitos como nesta occazião fez não em nos em quem fazia reparos a prudência, e suspendia a paixão que sua de Vossa Si- nhoria trazíamos da conserva^^ão da paz mas nos mesmos mo- radores, cuja dor por propia lhe irritava a razão para demandar o castigo.

Aqui trabalhou ò Mestre de Campo muito sobrenatural- mente e não sei se com demaziado sofrimento por não encon-

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traf a ordem de Vossa Senhoria, e eom iodo o exoesso conso- lara ali hum rancho com acarretadas razSes impedia aoollá hum pranto com mimos, e com afagos, atemorizara em oatra parte hum ramor qae formara apostada anlio, qaando da Varge chegarão noras, que nâo contente o Exercito Holandez com os roubos, afrontas que haria feito lerara ainda prezas quatro qualificadas molheres amarradas aos Caralios com o que 08 moradores de todo deliberados, e Juramentados entre si tomando seu Goremador Jo&o Fernandes Vieira sem o Mestre de Campo lhe poder impedir, forSo logo a buscar o Exercito contrario com o que bem cheios de aftwntas buscarão a honra aonde lha lerarào riolentada, e porque a hora em qae arran- carão erSo J& quatro da tarde, e o Mestre de Campo le presu- adio não puderão encontrar o qoe buscarão ajantoa a mais gente que pode por ter pouca consigo, e seguindo o aloaaoe dof nossos por maior diligencia que fez os não pode topar, qu* tanto exporea o brio o excesso do agraro.

Aquelia noite sondo muito churoia e de temirel tempes- tade fez o Mestre de Campo albergue no engenho de Dona Cosma Ja na rarge para antes de amanhecer mandar com sua gente a rer se podia impedir o encontro, e sendo Ja dons terços do quarto da lua muito escuro porem pelo tempo muito deflouitozo pela impossibilidade dos eaminhos marchou com sua gente a toda a preça ao Rio de Capibaribe para ali obrar sea intento mas quiz a Justiça dirina que he o mais certo que nad bastarão os excessos de sua deligencia para impedir despacho do queixume, que do Céo alcançou porque quando Ja chegou ao Rio achou que a retaguarda da gente da terra hJa Ja pas- sando com a agoa pelo pescoço, para o engenho do Torlão aonde o Exercito contrario se tinha posentado aquella noite« tendo-lhe Ja morto duas espias, que tinhão ao largo sem to- car em arma.

Como o Mcscre de Campo rio quo este sucesso ef a mais que ordinário tratou de ajuntar assi a sua gente que rinha de ragar em razão da lama para que com essa pouca incorporada tratar de remediar o que pudessi, e logo no intre ordenou ao Dezembargaior Francisco Braro da Silreira Auditor gmieral passMe em hum Garallo ligeiro o Rio, e a tod« a pressa note-

CARTA A ANTÓNIO TELLES DA SILVA 191

floafse a todos da retaguarda, e a vangarda não rompessem em Qaerra com es Senbores Holandezes o que eilí3 logo fez e dando a execução e ordonado com todo a di4goacia e agilidade correo o flo da gente que molbada do Rio hia com pouco folgo t@rri- tando raivas de chegar, e tolos por huma boca, e todo^ llie responderão hiâo buscar suas honras que lhe iovavã o furtadas com as mulheres dos homens que os governciva, e quando Ja chegou a vanguarda vio que em hum boqueirão que dezem- boca em hum grande terreiro em frente o engenho do torião duas sentinelias Holandezcis toca vão arma a vanguarda por- tugueza que marchava em carreira como formigas, de ma-- neira que suposto o contrario estar alerta lhe deu lugar a nossa gente da espera que fez para ajaatar bua única Compa- nhia para o Exercito Holandez se formar em quadro com duas Companhias volantes de mosqueteiros nos lados que logo os moradores envlstirão aj mesmo passo que o contrario reforçava suas mangas, e a nos nos hia socorrendo a gente que hia entrando de maneira que se aqui se perdião vinte passos acolá se cobra vão; coatiauando assim o aperto da Querra sahio de hum lado a Companhia do João d ) Albuquerque que com pouca gente se havia emboscado e entrado taborda que pelo mesmo lado encuberto do mato hia picar a retaguarda e de todo topou cem homens do Holandez emboscados que imagi- nando-se cortados se puzeram em fugida em cujo alcance se lançarão matando e ferindo, e a este mesmo instante fizerâo entrada no terreiro pela frente os Capitães António Jacome, e António Leite, e António Gonçalves Picão, e João de Magalhães para ver se podlão por em paz porem em ocazião que ja não havia remédio de maneira que junto estes motivos com os de huma voz que gritou à espada o Exercito contrario se poz em fugida com quinhentos homens todo:? mosqueteiros, e cravinei- ros, que consigo tinha gente velha e bem exercitada no Brazil da primeira de sua conquista o contrario se retirou de Rondão para a Caza forte do engenho em cujas janellns tinha prepa- rados ciocoenta homens de mão posta que ílzerão apartar os nossos do ímpeto que leva vão, ferindo e atropelando os Holan- dezes que se ílzerio fortes, juntamente na Caza que o era muito por arte porque sendo de pedra e eal e paredes dobradtus tinha

192 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

tres sobrados de aadames de janelas de barandas em roda que pódio gaaraição do mais de trezentos homeas como tiaha o para maior segurança, porque os alioeroes ficasem mais seguros lhe fizerão suas estacadas fortes gaarnecidas de Mosqueteiros o que fiz a dar e receber cargas tam a miúdo que era hum espanto ver o valor com que os nossos Portuguezes envestirão a peito descuberto e íkzer tiroi as seteiras de hua muralha e o pior he que os s3nhores Holandezes que por esta maneira lhe matarSo muitos com as feridas do naris até o cabelo e porque entre nos havia dous outros mortos e alguns feridos tratarão de en vestir a sua estacada oomo flzer&o com machados derubarão parte, e entradas nos baixos da primeira varanda lhe applicavão os materiaes para lhe por fogo, neste estado e aperto se virão os Holandezes quando a todoo oorror chega o Mestre de Campo An- di*é Vidal de Negreiros, o reunindo e estranhando a todos 03 soldados os tiros que tazião tomou logo um a tambor, e hum soldado com huma bandeira branca na mão e se foi andando para o engenho para assim remir aos que nelle esta vão, do fogo que se lhe aplicava mas oomo elies nunca mudem de natureza pagavão esta boa obx*a, ao Mestre de Campo com huma carga serrada com que logo lhe matarão o da Bandeira e lhe ferirão com duas pelouradas o cavallo o que tudo naõ bastou para deixar de lhe conceder o quartel das vidas que logo lhe pedirão com partido de serem enviados a suas terras pela Bahia.

Os Rendidos e mortos forâo quatrocentos entre cabououlos, e tramengos os prizioneiros de conta forão o seu Oovernador das Armas Henrique Bús, hum Sargento maior, o Capitão JoãoBelar, o Capitão mor dos Cabouculos que todos vão a /ossa Senhoria.

De Serrinhaem escrevemos aos Governadores do Supremo do Recife a Carta que vai copia quarta que enviamos pelo Alferes Manoel António e porque o detiverão alguns dias lhe envia- mos, segunda Carta depois do sucesso do turlão de que vai copia quinta, a todas respondem sem poder negar seus decretos oomo a Vossa Senhoria serã. prezente. Estes senhores tem mandado decer quantidade de gentio e ja nos tem feito muitas crueldades com que nos vemos em estado que se acaso trataremos de nos- querer retirar nos matarão a todos e quantas mil almai tem esta Província, pelo que consideradas as razoes naturaes as de

CARTA A ANTÓNIO TELLES DA SILVA 193

todo O direito caaooioo eivei, e ainda os mais delicados de es- tado, parece coaza dura que huns mercadores com- hama so- ciedade e companhia de mercancia separados dos senhores Estados de Holanda faça tantos acintes tantas traições, e uzem de termos iSo elicitos como os de Angola, São Thome, Maranhão* navegação destas costas e ainda dos prezenteíi aqui relatados con- tra hum Príncipe Soberano cujo sangue ec^jas Armasse fizerSo sempre tanto respeitar, e que ajusta de publicidade de tão de- maziados feitos continue o sofrimento com a certeza de evi* dente perigo ponderados senhor tantas táo justas e tão eficazes razoes nos pereceo antes expor a jusUça de Y . Mg«. e do Vossa Senhoria o fundamento de nossa cauza fiando da Mizericordia divina avogará nossa defensa que arriscar a Christandade de huma tam dilatada Provinda ainda de tantos milhares de ino- centes, e sobre tudo de perder a oucazião que Deos houvera razão nos de restituir a V. Mg^. as terras que com o sangue de seus Vassallos, e despeza de sua Real fazenda conquistarão ainda que por comua repartição dos Princepes da Europa, os senhores Rey seus predecesores e isto para semear neste novo mundo a ceita de Calvino e escrever o sol da de Jezus Christo pelo que fasendo da necessidade virtude, da virtude obrigação nos resolvemos pois a obrigação he tam super abundante e a causa delia por parte destes senhores tantas vezes a romperem Guerra e desembuçar a vergonha que emmascarada por obe- diente sufria ató não poder mais e assim lhe mandamos sitiar atacar por todas as partes o Recife aonde os temos metidos ou os encarcerou seu peccado e ruindade e deixando o sitio posto o pusemos também na fortaleza de Nasaret a quem quizemos logo escalar pois nos ameaçava a sua armada no mar e depois de tiros e combates mortes e outros sucessas de guerra de que se não &Z menção entendendo seroados nossos intentos se venderão a partido com as capitulações de maiores favores que ja mais se fizerão que nos lhe concedemos por que vejão que quando ti- ranos uzavão com nosso crueldades nos vencedores lhe fazemos mimos e mercês. Os rendidos são mais de dozentos todos lu- zidos soldados o forte muito valente de cava e faxina, estacada e baluartes com dez peças de artelharia de bronze de m9 e doze t6 vinte e quatro, alguns mantimentos de Carne de Porco, Ari- 491 13 Tomo lzix z.

J

194 REVISTA 00 INSTITUTO HISTÓRICO

nhãs de sentelo muaiçõds poaoas pesgoaB de ooata algumas em partiòulAr . o sargento maior Tlieodoro o Capitão de Ga-* yalios Gaspar de Venderley, o Teneate Joio Beque tem seu Irmão Joio Bequo, e oatros Ajudantes e pesssoas de nome na Guerra os quaes hiao para êssa Bahia exoepto os que quise- rem âcar na forma de suas capitulações tamliem temos o for« teeinho da barra oom três pegas de ferro para maior ainda lhe tomamos com o Ajudante Barreiros que he Capitão duas ÍAn- tíias, h«ma que Tinha de socorro, e outra que hia de ariso. Neste estado ficamos Vossa Senhoria se sirva como quem he tam boa testemunha do ofléreeido representar a Sua Majestade nossa justiça para que oom eila nos acuda Deos; Guarde a Voesa Senhoria muitos anoos Nasare pontal^ e Porte do Santíssimo Sacramento seis de Setembro de seis centos quarduta e cinco Martin Soares Moreno, André Vidal de Negreiros.

Cópia da primeira Carta que Mestres de Campo Martin Soares Moreno e André Vidal de Negreiros mandario aos Go- vernadores ao Recife e escripta em Serinhaem.

Das graves alterações e encorporadas sedições que es Por* toguezes levantarão nesta Capitania tomarão Vossas Senhorias motivo para representar ao Senhor António Telles da Silva* Governador e Capitão Geral do Brazii, sua perturbação e a todo o encarecimento lhe pedio mandasse socegar aquelie alvorosso pelos meios que lhe parecesse mais constrangentes a este mesmo tempo por todos os moradores desta Província foi exclamado perante o mesmo Senhor emparo e ajuda para serem livres das aflrontas, das mortes dos roubos, dos strupos que actualmente padecião com que deliberarão animados procla- marem sua liberdade e em Exercito formado com pios tostadee pela impossebelidade a que esses tinhão reduiido seu cativeiro querião defender suas honras por tantas vias manchando flraude da jura divina quando este ja de tanto sangue frio derramado fazendo presente outros a Sua Senhoria e obrigação em que estava de os socorrer e sgudar ou j& por Português Catholtco de ssu mesmo sangue e nação ou por que compadecido de suas mizerlas pois quando não forão estes bastará no mais apertado termo de rm&o natural e ainda da mais politica de estado implo* rarem seu auxilio para lhe não faltar fechando por ultima razão

CARTA A ANTÓNIO TELLES DA SILVA 195

qae quando Saa Senhoria lhe não acudisse oorreria por sua oonta dá-la Deos de elleã buscarem Principe estranho o que o seu natural lhe negava : ponderadas pelo Senhor Governador OapitSo Geral tão apertadas e orgentes razões com a devida cortesia com que devia responder a Vossas Senhorias adver- tindo nos meios mais oonstrangentes que Vossas Senhorias rezervavão a sua eleição e a efflcacia dos apertados gemidos de seus Portuguezes resolveo por meio único e singular na forma da Embaixada mandar socegar tão grande Inquietado, mas porque a união Portugueza era grande se bem maior a dér, e da parte de Vossas Senhorias ameassava execução, determinou viesse a esta Proviocia taes pessoas e tal poder que igualmente a- braee a prudência e a guerra para a effectiva quieta^ pedida e dezejada, nesta forma Senhores somos enviados governando nosso poder á petiçflío de Vossas Senhorias a conveniência soa dando- Ihe nossa iguda na conformidade de nossa paz, e aliança tratada com a despesa que Vossas Senhorias poderão ter entendido em que não &zemos reparo e apenas pizamos esta terra quando do Rio formoso nos ferem os ouvidos e iastimão o Cora^ os inocentes com gemidos de quarenta Portuguezes nossos Oatho- Íleos e naturaes mortoe a sangue frio em uma Igreja onde com fingidas caricias foram chamados por Ministros de Vossas Senhorias sem reparar na autoridade ancian do velho nem na inocência pueril do menino que nos peitos de sua Mãi devorou o gentio como sustento, como também na Vargea de São Lou- renço os. suspiros das nobres donzellas que violentadas stru- pavão 08 gentios, e soldados de Vossas Senborias, procedendo a mortes, e descompostas lacivias, c5 outras multas que seus Ministros de Vossa Senhoria mandarão executar em ipojuca com tam publica crueldade chegando a espedaçar um velho Irmitiío e hum menino na sua mesma Igreja contaminando e profiittando os lugares sagrados ferindo os santos e com mãos sacrílegas despindo a Rainha dos Céos a Virgem Sagrada e Nossa Senhora; cazos todos inauditos que digo, que tàxem tremer por inauditos os mais acerbos corações e o fazem recear e desconfiar os mais generosos peitos e como nós vimos que tendo Vossas Senhorias interposta autoridade do Senhor Go* veroador, e Oaq[iitão general, inovarão tantas variedades de

196 RBVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

cousas, e ainda formarão hum Eiercito tam cupioso qne aotual- mente tem esta campanha seado força avistar menos com Vossas Senhorias nesse Recife na forma de nossa ordem nos determinamos com effeito a não deixar nas Costas poder algum que nos possa acresentar magoa a magoaa, e assim com a cortezia e agazalho que profeçamos levamos comnosco a solda- desca desta Viila de Serinhaen até com Vossas Senhorias assen- tarmos o que mais convenha a servisse de Deos e de nossas Republicas e pedimos a Vossas Senhorias queir&o dar e remediar o excesso de seus soldados sem permittirem que de sua parte se de causa a hum rompimento guerreiro porque da parte de Deos e de Gl-Rey Nosso Senhor Dom João o quarto que Deos Guarde, e da dos Senhores Mstados que Deos aumente, reque- remos e protestamos a Vossas Senhorias hua o muitas vozes a concervação do nossa tratada paz, que trazemos por guia, e inviolável ordem que nos fica autentica para satisfação dos Príncipes da Europa e para que o seja maior a Vossas Senhorias Uie enviamos a cópia dos quartéis que nesta Capitania temoe mandado fixar, Deos Quarde a Vossas Senhorias, Francisco Bravo da Silveira.

Copia da Carta segunda que os mesmos Mestres de Campo mandarão ao Gk>vernador do Recife depois da Batalha do En- geniio de Turlão.

Pelo Ajudante Manoel António fizemos pi^ezente a Vossa Senhoria como er.imos chegados a esta Capitania, e enviados pelo General do Bratil o Senhor António Telles da Silva a rogo de sua Embaixada do Vossas Senhorias pelos meios mais urgentes havemos de meter em paz e quietação as alterações que se tinhão levantado, e também das muitas novidades não merecidas nem esperadas que achamos no lastimoso clamor das nobres Donzellas strupadas a poder da violência despojadas ã tirânica crueldade, ja na lamentação dos moradores do Rio grande cujas quarenta, dos mais nobres hum simulado chama- mento a hua Igi*eja, despedaçou a sangae frio, com hum Clérigo Sacerdote de Missa e dous homens ontem nas salinas, e da profana obstinação com que nossos templos, e Imagens sagradas foi^io maltratadas ati3 sacrílegos roubarem as roupas da Virgem sagrada Mãy de Deos com tal ezceoso e demazia

CARTA A ANTÓNIO TELLES DA SILVA 197

que faz impedir a declaração pelo respeito e como pslo aperto destas rasõas, e por Vossas Senhorias terem sea Exercito em Campanha nos obrigou a defeza natural, e estilo da Milícia a não deixar em nossa vangaar Ja poder de qae nos pudéssemos rocentir até ajustarmos com Vossas Senhorias a melhor conve* nicncia para mais firme estabelecimento de nossas pazes pois este he único intento de nossa vinda. Seguindo pois nossa missão a esto Recife ja com João Fernandes Vieira prezo peia mão do Governador André Vidal de Negreiros, que na Viila do Cabo com doze ho.nens de sua guarda aprisionou, achamos tal retirada de mulheres, de meninos, de Clérigos que roubados e afrontados, o fazião desta vargea, publicando as tiranias, as iqjuriasque padecei^o do Capitão João Blar, e sua soldadesca, que não contente com o relatado ainda para maior contumelia levou consigo com incrível desprezo três nobilíssimas mulheres metendo-as em suas Casas, e as demais de que os moradores abrigados da dor e irritados da sem razão sem nos o podermos remedear tomarão seu Governador João Fernandi^s Vieira, e a todo o Ímpeto nos deixai'ão, e por mais que fomos em seu seguimento de noite, lhe não pudemos dar alcance, senão des- pois de terem ja brigado no Engenho de Izabel Gonçalves e nelle sitiado o Governador das Armas, e sua soldadesca de Voflsa Senhoria. Perparádo o material necessário nas Casas baixas do dito Engenho para lhe dar fogo, o que toda força acudimos interpondo nossas pessoas a salvação da gente como o fizemos guardada a cortezla devida ainda que nos custou muito por da parte de Vossas Senhorias se plejir com bailas encravadas, ervadas, e cotn palanquotas, e porque estas sedições crescem com as hostilidades, que da p^irte da Vossas Senhorias com- nosco se uzão lhe fazemos prezente a Vossa Senhoria a procla- mação e ratificação de nossas pazes de que protestamos perante Deos e Vossas Senhorias hua e muitas vezes c da parte de El-Rey Nosso Senhor D<.»m Joilo o quarto, e da dos Senhores Estados, e ainda do tolos os Príncipes nossos aliaios, Vossas Sjuhorías não entrem em romplmecito de nossa celebrada paz, e nos não dem occazião com suas offenças a romper<aos em Guerra, parecem bastão os de tanto clamor que ainda desoulpão e deixam crer os motivos de João Fernandes Vieira,

198 RBVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

pois DOS eonsta tratou de deffender o sangue de tantos ino- centes, e podendo faier com suas Armas sua gente, o nfto íéz, antes andou de hum em muitos sitios, vendo se podia escusar a peleja, até não ter mais para onde recuar, e ser força o defender-se.

Queirao Vossas Senhorias ver este nosso papel, e olkalo com a consideração que convém a nossos Repúblicos porque até mesmo o Céo parece se oflTonde de nosso sufrimento. Deos Guarde a \ossas Senhorias Francisco Bravo da Silveira. A qual Carta dos Mestres de Campo, e tratados dos protestos que man- darão aos Holandozes. Eu Gonçalo Pinto de Freitas escrivão da fazenda Real deste Estado do Brazil por Sua Magestado fiz trasladar das próprias que para isso me deu o Governador Capitão geral do dito Estado a quem as tornei e a ellas me reporto, e delias este traslado e concertei, e o sobescrivi, e assinei por duas vias na Bahia em treze de setembro de mil seiscentos e quarenta e cinco. Gonçalo Pinto de Freitas.

REGIMENTO

QUE HA DE USAR NAS MINAS DE SÃO PAULO E SiO VIGENTE

DO ESTADO DO BRAZIL

SALVADOR CORRÊA DE E BENEVIDES

(1644)

(Archivo da Torre do Tombo, Livro dos Regimentos do Conselho Ultramarino, fs. 4ív, Documento mandado copiar pelo Dr. Xorival Soares de Freitas, em missão do Instituto Histórico nas bibliotheo<ts d arohii>os de Portngal),

Este re^^imento jastifioa o quo diss^ Pedro Taquos de Almeida Paes Lome na sua inrormação sobre a.s minas de S. Paulo e dos sertOes da saa eapitania desd ^ o anno iU 1597 atA o de 1772 c o qae sobro as Minas do Brazil escreveu o nosso i Ilustre consócio Pandiá Calogeras (1904).

(Xota da Comniis$ão de Redacção.)

Begime&to de que h* de xusar nas minas de São Paulo e Slo Vioente do Estado do Brasil Salvador Corrêa de e Benevides .

Eu El Rej faço saber aos que este meu alvará virem, que ea mandei passar outro, em qainse de agosto, do anno de 603 sobre largar a meus vassallos as minas que nas partes do Brazil bavia descobertas e por descobrir, e a forma e modo em que na fobrica delias e seu descobrimento se havia de prooeder do qual o treslado ho o seguinte:

Eu El Rej faço saber aos que este meu alvará virem que eu sou informado que nas partes do Brazil são descobertas Ai- giias minas de ouro e prata e que facilmente se poderão des- . cobrir outras, e querendo nisso fazer graça e meroe a meus vassallos e por outros Respeitos de meu servisso, Hey por bem e me praz de largar as ditas minas aos descobridores delias e que elles as possão benificiar e aproveitar a sua custa e des- peza pagando a minha ftizenda o quinto somente de todo o ouro e prata que das ditas minas se tirar salvo de todos os custos depois dos ditos metaes serem fundidos e apurados e no descobri- mento repartição e tudo o mais tocantes as ditas minas se guar- dara o Rerimento seguinte ;

Qualquer pessoa que quiser descobrir minas se aprezentara ao provedor delias que tenho ordenado que htya nas ditas par- ^ e lhe declarara como quer fazer o tal descobrimento e la- vrar e tirar os metaes que nellas forem achados a sua própria custa do que pagara o quinto forro de todas as despezas a minha fazenda sem ella ter obrigação de lhe dar pêra isso oouza algua de que se fará asento pelo escrivão do dito Provedor em hum livro que pêra isso haverá asignado e numerado por elle e em que a tal pessoa asinara, e com sertidão do dito asento mando ao Governador do dito Estado, Cappitais das Cappltanias delle Provedor mor de minha flizenda quaesquer outros ofllciaea

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assy delia como da ju3tíQa que lhe deixem dosoobrir as ditas minis e lhe de toda ainda e favor que pêra isso for necessário.

£ tanto que for descoberta algua mina se Registrara loj2:o pello dito escrivão com todas as declarações e oonfrontaçoens ne- cessárias ao do asento que devia fazer quando o descobridor delia se apresentou ao Provedor das minas na maneira atras declarada.

E depois de o discobrldor tirar metal da dita mina será obrigado apareser com elle e a o manifestar ao Provedor pre- sente sen escrivão dentro de trinta dias ; E por juramento que lho será dado declarara como o dito metal de ouro on pratta he da própria mina que tem registada e achandosse não ser delia será castigado como for justiça o pagara todas as perdas e dannos que se seguir em aquellas pessoas qae pedirem parte na dita mina e sendo passados os trinta dias ditos sem fazerem a dita roanifestaç&o do metal que tiver tirado não gozara do pre- vilegio de descobridor salvo se alegar e justificar tal cauza empedimento ao Provedor porque pareça que deve ser Relevado.

Ao descobridor do beta do metal de ouro ou prata se lhe dará nella huma mina de oitenta varas de comprido e quarenta de largo medidas pela vara de cinoo palmos de que se uia neste Reino e se lhe dará mais na mesma beta oHtra mina de sesenta varas de comprido e trinta de largo em lugar apartado que elle escolher. B a vendo porem entre bua e outra distanoia de duas minas de sesenta varas eada hua e querendo o dito descobridor on outra pessoa a quem se der Repartiçam e mina tomar mais em largo que em comprido o poderão fttzer oomeseando de hum em ontro e pelo dito modo se Repartirão as minas, entre as pessoas qua na dita Betta desouberta as vierem pedir para Delias trabalharem.

Conoorrendo duas ou mais pessoas no descobrimento de algna mina o que primeiro achar e tirar delia metal se enten- dera ser descobridor e gozara do privilegio ainda que outro tenha primeiro buscado a dita mina e betta com tanto que o nfio va tirar da beta que for seguindo.

E acontecendo que duas ou mais pessoas busquem a ditta betta em divorsas partes e achem metal no mesmo dia sem se poder abreguar quem o aohou e tirou primeiro aquelle sêrâ

REGIMENTO A SALVADOR CORRÊA 203

havido por descobridor que primeiro apareser com o dito metal ante o Provedor e sendo ausente o manisfestara perante o juiz da terra se o ouver e uão o hivendo perante duas pessoas dignas de de que cobrara certidão para constar por ella ao prodedor como elle foi o primeiro descobridor e se fará disso asento no livro das minas.

O descobridor da mina poderá buscar e cavar toda a betta que descobrir e tirar delia metal emquanto nfío ouver quem lhe peça mina na mesma betta, mas avendo quem lhe pessa e que se demarque a abalize será obrigado a dentro em quinze dias, es- colher, signalar, e demarcar as suas oitenta varas em comprido no lagar e parte que quiser, e depois de foi ta a dita escolha não poderá varear nem f^zer outra e o que primeiro pedir a mina e Repartição ao descobridor delia medira e demarcará a sua mina dentro em dous dias e o mesmo farão os outros que susesi- vãmente após ello a vierem pedir e não o fazendo alguns delles aasy o seguinte em ordem poderá demarcar livremente sua mina como se o outro que não quiz demarcar no dito tempo não estivera diante e nenhuns dos sobreditos depois de ser feita huma vez a sua demarcação poderá varear nem mudar os marcos e balizas para outra parte sob pena de perder o direito que na dita mina tiver.

As quarenta varas que ao descobridor se consedem e as trinta aos mais que pedem minas e Repartição em largo e qua- drada não serão obrigados a demaroalas até que haja quem venha pedir minas repartição daquella parte e avendo quem a pessa será o descobridor obrigado a demarcar a sua quadra no mesmo termo de quinze diase os outros a quem for dado mina dentro de três dias para a parte que quizerem sem poderem varear do que hua vez escolherem e não se demarcando neste termo o que pedir a demarcação poderá tomar e balizar sua mina para a parte que mais quizer da beta descuberta deixando ao descobridor vinte varas em largo e aos outros a quem forem dadas minas quinze varas comtanto que o que assy se demarcar e tomar mina descubra betta de novo na parte em que se demarcar e a Registe.

E quando se pedir demarcação de quadra e largura da mina do descobridor ou de outra pessoa a quem for dada será

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demarcada a dita quadra por cortei direito fazendo quatro cantos iguais e direitos e dentro ficara o estaca e sinal da sorte que se deu pêra se cavar a mina.

As Balizas e marcos do que nestas demarcações se ha de uzar para saber cada hum o que he seu, se^to de pedra ou terra levaLtida bem amassada em altura de hum cavado de modo que o tempo as nao desfaça o se possi sempre saber o que a cada hum pertence os quais marcos se porã3 sendo prezeute o Provedor e seu escrivão e o que assy o nâo fizer, perdera a mina que lhe for dada para quem a pedir como que se fosse vaga.

E para que a medida das varas que cada hua a de haver cm toda será sertã e igual onie a terra das minas for montuosa e mais alta em hua parto que outra se porá hua vara ou lança da altura que for necessário no lugar mais baixo da dita mina e do alto da vara se deitara hum cordel do tamanho da medida das varas que a mina a d ) ter e assy direito se medira até par- to de sima da terra onde chogar o dito cordel e ahy se porá ou baliza.

E se para se desmontarem o alimparem as minas for neces- sário mudarense os marcos ou balizas delias o poderão fazer sendo presente o Provedor e seu escrivão com as mais partes a quem tocar as quais não querendo ser presentes sendo para isso Requeridas se procedera na mudança dos ditos marcos as suas Re verias.

E porque algumas vezes se pedem minas e demarcaçõis na parte a quadra e largura das minas que ao descobridor e aos mais se tem dado e medido com tensão de lhes empadir quo não possão por aly dezemtulhar o que das suas minas sae e a essa conta os avexão e obrigão a lhe pagarem e delxalos por aly dei- tar seus entulhos ou lhe venderem suas quadras que he grande prejuízo dos que lavram as ditas minas ; Hey por bem e mando que o que vier pedir a tal demarcado das ditas minas seja obrigado a dar em beta fixa do metal dentro de quarenta dias do em que se lhe fizer a dita demarcado e não bastará achar metal como muitas vezes se acoatesse no que o dito Provedor fárà grande diligencia o não dando no dito tempo em beta fixa do met'\l não poderá empedir e tolher ao outro dono da mina lansar para a dita parte seu entulho mas se ao dito Provedor

REGIMENTO A SALVADOR CORRÊA 205

parecer por outros siaaea e experiências que aly ha beta fixa e que por estar muito funda ou peila callidade da terra se lhe não pode chegar nos ditos quarenta dias lhe dará mais algum para o poder seguir e buscar a dita beta não passando de outros qua- renta dias.

E para que aja mais pessoas que enteadão em descobrir e lavrar minas aquelles a que nas minas descobertas for dado sorte e Repartição a não poderão vender aos descobridores e senhorios das minas principais antes de terem descuberto metal fixo sob penna do compilador perder o preço que por ella dor e o vendedor o direito que na dita mina tiver.

Se depois que se for cavando a mina em altura ouver deífe- rença sobre a medida e pertença delia entre dous senhorios por se não poderem dar os poucos direitos poderão os donos das mi- nas que estam da parte de sima o da debaixo pedir hum ao outro que lhe de igualdade e direitura para correr com a sua obra o qual será obrigado a lha dar atravessando um pao na boca da dita mina e atando no meio delle hum cordel com hum chumbo o qual abaixara até onde se vay lavrando o metal e aly onde o chumbo assentar se fará hum sinal estando prezentes as partes o qual servirá de marco o daly pêra baixo se poderá hir íkzendo o mesmo e as partes serão obrigadas a flsizelo quantas vezes hum vizinho o pedir ao outro dentro em vinte e quatro oras e não o comprindo assy dentro no dito termo o dono da mina ou o que em ssu nome fizer a obra o Provedor fará a dita medida a reveria da parte quo sendo requerida não quiz es(ar prezente.

Tendo Algaa pessoa mais quantidade de varas das que lhe são consedidas qualquer outra lhe poderá pedir as que tiver de maise elle será obrigado a lhas largar dentro en dez dias esco- lhendo primeiro a parte em que quizer que lhe fiquem as varas que lhe forãó consedidas comtanto que sejão juntas e contíguas o não apartadas em diferentes partes e dizendo que tem vendi- do a dita demazia não será ouvido e o Provedor lha fará largar.

E o que pedir as ditas demazlas ou sejão de mais varas ou de mais minas das que cada hum pode ter não terá mina na mesma Beta nem ao derredor em distancia de lego a e meia.

J

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Neohama pessoa poderá bussar minas e betas na repartição de outrem conforme as varas que llie farão consedidas de com- prido e largo sem primeiro lhe pedir que se d3marqu6 e Balize em quadra da maneira asima dita e satisfeito poderá buscar Beta dentro da sua repartição e não na alliea.

Sendo descoberta bota de que o descobridor se dera o privi- legio que por a descobrir se lhe consede por este Regimento e depois se descobrir e achar alguma beta Junto ao logar onde a primeira se descobrio ou ao Redor delia por espaço de legoa e meia o que achar a tal beta não poderá gozar do previlegio de- descobridor como o primoiro somente poderá tomar nella huma mina de sessenta varas em comprido e trinta em largo na parte e lugar que delia escolher.

Qualquer pessoa poderá buscar e seguir mina em herdade e terra alhea contanto que o que a achar e os que a lavrarem dem âança a pagarem o danno que por resão da dita mina vierâo dono da tal herdade.

Ninguém poderá ter mais que huma mina das ditas sessenta varas deniro do termo de legoa e mela e poderá ter as ditas varas repartidas nas betas que ouver na dita distancia não as tendo primeiro escolhidas e tomadas em mina inteira na bet« descobridora ou em outra salvo comprando algmna mina porquê com titulo de compra poderá ter mais que huma e o mesmo swa se vendendo a sua tomar outra mina na beta ou betas que de novo se descobrirem.

Se dentro na dita distancia de legoa e mea se descobrirem algumas betas de metal pobre poderá ter nellas huma mina o que tiver outra na beta principal e Rica porque sendo de prata custume he mesturar-se o metal pobre com o Rico para qae na fundição corra o Rico e se derreta melhor e assy poderá mais ter e lavrar todas as betas que se achar dentro nas suoui quadras e marcas.

Qualquer beta que se dono for lavrando ou s^a a principal ou a que a que depois achou em sua quadra e Reparti^ poderá hir seguindo ainda que va entrando pelas quadras alheas sem lhe poder S3r posto empedimeato al>rum até que a tal beta que assy vay seguindo entre na beta principal ou quadra aleha.

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Acliandosse bettas nas ilhargas da beta principal e estando tão perto que os donos delias se não pu^^ão todos quadrar em meio deixando a huma o outra parto espaço se possa deitar entulho e terra que se tira das minas o da beta mais antiga se quadrara e demarcara primeiro ainda que o não Requelrão e estando algum dos ditos donos das minas ja demarcado não poderá, variar nem demarcar-se para outra parte co:iio fica dito.

Yindosse huma beta ajuntar e encorporar em outra como muitas vezes acontesse farçea companhia entre os donos que lavrarem as ditas betas para que beneficiem e lavrem do meãs e partao aproveitando a hum como ao outro ainda que hnma das betas seja mais larga e prinsipal por ser de menos e con- veniente partirse tudo entre elles por igual parte do que será averiguar qual das betas he melhor e mais larga.

Os que ouverem de cavar minas primeiro que nellas metão gente as assegurarão e desmontarão de moio que não aja pe- rigo noB que nellas entrarem a trabalhar e não o fazendo assy encorrerSo nas penas que por direito merecerem e pagarão todo o dano que dahy rezultar as partes danificadas.

Cada pessoa no Repartimonto da sua mina fará caminho en todas as betas que nelle se acharem para que se possa ver e andar de humas minas em outras o para que esta obra se faça como convém o Provedor com hum oficial mineiro pratico e entendido entrarão nas ditas minas e verão como se lavrão e seguiuo e se lhes fazom paredes e repairos necessários par que não caião em prejuízo dos que nellas trabalhão e das minas dos vizinhos. £ o dito Provedor obrigará com as pessoas que lhe parecer a se fazerem os concertos que nisto forem ne-

E porque pode acontesser que o descobridor da beta por cauza da sua pobreza não possa chegar ao metal e os outros que nelle tem suas minas e repartiçõis não querem trabalhar nellas ate verem o metal que o descobridor tira o que he contra meu servisse e bem das mesmas partes, Hey por bem e mando que todos os que na dita beti tiverem parte serão obrigados a dar ajuda ao descobridor para cavar na sua mina ate altura de dez braças pagando elle a quarta parte do gasto que nisso so fizer e tanto qae elle chegar ao metal tao lhe poderão as

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oairas partes pedir perante o Provedor das minas tudo o que para a dita ajada lhe derão.

Se os que em algama mina tiverem repartição tem poeto seus maroos e balizas na parte e lugar por onde a beta não corre e vierem outros depois a registrar a mesma beta demar-* cando-a e abalizando-^ por onde na verdade corre e descobrirem a acharem nelia metal serão preíTeridos aos primeiros a que as minas forão dadas não sendo elies os descobridores prinsi- pais por quanto estes por rezão de seu privilegio podem tomar a demarcar e balizar suas miacusasy o prinsipal de oitenta varas como a sobre saltada de sesenta na parte e lugar por onde a beta realmente corre e o mesmo poderá fazer qualquer outro que descobrir bota dentro da distancia de logoa o meia a que se dará somente huma mina do sesenta varas como fica dito.

E porque das minas se não lavrarem nem estarem povoa- das se seguira muito prejuízo a minha fazenda e dano a meus vassallos ordeno e mando que se nãa dem senão a pessoas que as hfigão de povoar e beneficiar as quais não as lavrando den- tro de sincoenta dias depois de serem registadas se haverão as ditas minas por perdidas e despovoadas e o mesmo se guardara com os descobridores se dentro do dito termo depois de regis- tadas minas não beneficiarem o para se ter huma mina por povoada andarão nella contino dois escravos ou quatro traba- lhadores ou por o dono dz mina ser pobre andara continua- mente no dito trabalho.

Se algua pessoa pedir mina como despovoada e vaga por serem passados os sincoenta dias sem nella se ftizer beneficio algum o Provedor sitada o parte es^«ando em lugar certo onde possa ser ou por éditos de trinta dias sendo auzente sem se saber delle ouvira o que cada um hum alegar por sy e tomara emfor- maçãodo estado em que a dita mina estiver e da causa porque esta despovoada de que mand ira fo,zer autos em que pronunciar o que conforme a este Regimento com justiça lhe parecer tendo particular advertência em que não aja nisto conluio nem se tome a mina por vaga do que a tem sem para isso aver causa muy bastante e de sua pronunoiação poderão as partes appeiar ou aggravítíP,

REGIMBNTO A SALVADOR CORRÊA 209

O que provido de mina por rezão do se aver por vaga e des- povoada será obrigo dentro de três meses abrir nella altura de seis bragas e estando ja aberta em a mesma altura doseis braças abrira outras seis mais ao fundo sob pena de se perder a dita mina e se dar por vaga a quem a pedir.

E porque podeaoontesser que o que tem Registado a mina e demarcada a nfto poderá lavrar no tempo atras deolarado por ÍUta de ferramenta ou de alga*» outra causa para isso ne. cessaria o dito Provedor lhe poderá reíbrmar o tempo que lhe parecer com respeito da qualidade e possibilidade da pessoa não entrevindo nisso malida ou animo de dilatar.

Tendo huma pessoa duas minas em diversas partes e dis- tancia de legoa e meia será obrigado a lavralas ambas sob pena de se lhe poderem tomar por despovoadas ou aquella que não lavrar salvo se huma for Rica e a outra pobre porque em tal caso tendo povoada a mina Rica não se lhe poderá tomwr o pobre do metal.

Tendo duas ou mais pessoas alguma mioa misticamente ou por partir qualquer delias que a lavrar será insto &sollo em nome de todos para que se não possa pedir por despovoada.

E porque o melhor lavor das minas he ouro e prata quando as betas são fixas e ítmdas e nãose lavrarem nem cavarem a pique senão em traves por ser assy a obra mais forte e mais segura para as que nella trabalharem poderem chagar melhor ao metal como a experiência tem mostrado em muitas partes do Peru e nova espanha trabalharão quanto for possível os que lavrarem minas de as abrirem cavando as por baixo em traves pêra o que poderão comessar a boca da tal socava donde melhor lhes parecer ainda que seja longe das suas minas e qualquer dono de mina descoberta será obrigado a dar entrada ao da mina que estiver por cavar por tempo de sincoenta dias que poderão bastar para pela dita socava se abrir hum poço por bnde a dita mina se possa servir.

E antes de se comessar a socava se pedira ao provedor que aslnale e demarque o caminho direito por onde se a de abrir ató a mina e quando se delle trosser em prejuízo dalgum o Provedor fará que a socava corra direita e que se satisfaça o dano a pessoa que o Recebeo e entretanto que se trabalhar na

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socava para chegar a mina não se poderá pedir nem tomar por despoToada a dita mina continoandoBse porem sempre na obra da dita socava sem entre vir nisso malicia nem simalaçam.

O que nas quadras das saas minas acliar algumas bettas ou lUmos delias podelo ba seguir o lavrar e ter por suas assj como a mina principal a que vay derlgido pella dita socava po- rem Hâo poderá nas ditas bettas que ass/ descobrir lavrar mais em larga nem em comprido que o que se contem na sua demar- cado e quadra.

E sendo casso que buscandoese em a socava a mina e betta principal se achem no caminho outras bettas princlpaes a que assy as descobrir terá tanta parte nellas quanta paresser que tem a betta a que vay deregido sem embargo de atras ficar declarado que dentro de legoa e mea não possa hua pessoa ter moitas minas o que não haverá lagar quando a beta que se achar for descoberta e Registrada ou alguma mina lavrada porque então passa adiante com a socava deixando o metal ao senhorio da ditta betta sem fazer maior caminho assy de alto como de largo do que leva com a socava e avendo sobre isso alguma duvida o Provedor vera tido com algumas pessoas pra- ticas e entendidas e a determinara oomo lhe paresser justiça.

O Provedor asinara e demarcara a quadra e largura que ha de levar a socana porque por ella se não possa abrir outra sem pediremse huns aos outros querendo porem lavrar algua a sua mina pella socava alhea será obrigada a lhe dar a quarta parte do metal que tirar sem dolla descontar custo algum.

Ao que descobrir em quebrada seca ou com agoa se lhe dará hnma mina como descobridor de sesenta varas em com- prida o aos mais que vierem pedir se lhe darão de quarenta varas susesl vãmente pella ordem que as pedirem. E porque nas minas que se abrem em quebradas Regatos ou Rios caudais ordi- nário he darse por quebrada tudo o que banha a agoa quo nas quebradas he pouco Hey por bem que nellas se de de largo as minas sois varas de cada parte pondo huma estaca ou baliza no meio do Rio da agoa donde comessara a dita medida para cada huma das partes.

O que descobrir mina ou Regato a tomara iior descobridor de sesBQuta varas de comprido e o quo banhar o Regato em

tlEGIMENTO A SALVADOR CORRÊA 211

largo e poderaeha alargar pella vargea em campo seis varas pella parte que quizer para por ahy enxugar e despejar a agoa o qual despejo fará primeiro que tudo com a obra fixa e segara buscando metal na sua mina ate chegar a pedra e não a fa- zendo assy não poderá ter as ditas seis varas e quem quizer lhas poderá tomar e o dito descobridor será obrigado a dar minas e demarcar com quem lhas pedir as quaes serão de sin- coenta varas em comprido e da mesma medida serâo as minas sobresaltadas.

Se descobrir ouro em Rio caudal poderá o descobridor to- mar huma mina de oitenta varas e aos mais se darão de se- tenta varas e averão mais seis varas de largo para beneficio e fabrico década mina,

O que descobrir ouro em vargeas, campos, seiTas, oiteiros, fontes. Rios, quebradas o Regatos poderá tomar huma mina o descobridor de trinta varas em quadra e os que depois pedirem Repartição se dará mina de viate varas e cada hum e a estas minas chamão menores e sendo curta a terra em que estas minas se acharem o Provedor fiiça nellas repartição com demi* nuição da medida conforme a gente que para ellas ouver para que todos ajão sua parte e quinhão e o descobridor poderá so- mente gosar da mina sobresaltada.

E porque nestas minas menores se evite os inconvenientes de os mineiros dizerem cada ora que fazem novos descobrimen- tos Hey por bem e mando que feito hum se não admita outro de nenhuma parte da quebrada Rio ou campo onde se descobrir dentro de meia legoa. .

O entulho e matto que se tirar e cortar para se lavrar as minas se lansara em parte donde a corrente da agoa em que a mina se lavra o não possão levar nem empedir o lavor e sem- pre será dentro de quadra da mina de quem o tirar e avendo nas ilhargas outras minas que o defendão farsea repairos de terra e Rama que R ecolham o sustentem o dito entalho em modo que a corrente da agoa a não possa levar e avendo entre as partes sobre isso algumas duvidas o Provedor tomando o pareser de pessoas entendidas e praticas as determinara.

Qualquer pessoa que buscar ouro em quebrada, Regato, Rio caudal ou qualquer outra parte seguira a busca até dar na

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pedra porque de senão fazerem assy se siguíra não se desoo- brir muitas vozes o ouro qae ss asenta na pedra e carando ate chegar a ella se entendera que foi abjuacado e se escusara tra- balhar se aiy mais em vão.

Nenhuma pessoa poderá tomar mina para lavrar en nome do outrem nem como seu procurador e o poderá fazer sendo criado ou salariado para a lavrar em nome de quem a tiver c quem ílzer o contrario perdera o direito que na dita mina tiver e pagara sinooeota cruzados para aocuzador e capptivos.

E para que as minas possão ser melhor beneficiadas o apro* veitadas e se fazerem engenhos, cazas, asentos e mais couzas necessárias os senhorios delias se poderão aproveitar de todas as madeiras campos e Rossios de que se logriLo e uzão os mora- dores da vi lia ou lugar em cujo limite estiverem sendo os tais campos comuns e do conselho e não de Particulares e assy pode* rão trazer nas defezas prados e campos públicos que estiveram por todos asentos das minas todas as bestas gados que servirem e forem necessários para beneficio delias e sendo em defezas par- ticulares pagarão aos donos delias o pasto que se estimar e avaliar sem lho poderem empedir e vedar.

B pello grande prejuízo que se seguira a se empedir o lavor das minas Hey por bem que os donos delias não possão ser presos por dividem emquanto uellas trabalharem nem penho- rados nos escravos, ferramentas, mantimentos o mais pretextos que para lavor e beneficio delias forem necessários e as justiças a qu(^ p3r tecer farão que pagem elles suas dividas com o pro- cedido e ganho quctivereni das ditas minas.

O Provedor terá particular cuidado de as vizitar as mais vezes que poder ser com o seu escrivão para ver se estão lim- pas e seguras e comessadas forttes se se lavrão sem prejuízo de outras minas dos vezinhos e se se guardão nelias todo o oon- theudo nesse Regimento paressendo lho necessário levar com* sigo mala alguma pessoa pratica e entendida nesta matéria e poderá fazer e não consentira aver nas ditas minas gente ostosa e vadias e obrigara aos que andarem nelias para trabalhar que comeífeito o facão e de outra maneira não as consentirá estarem nellos.

REGIMENTO A SALVADOR CORRÊA 213

O Provedor thesoureiro e escrivão e quaisquer outros officiais que forem das ditas minas não poderão ter parte nem companhia nellas nem tratarão com metal algum por sy nem por outrem sob penna de perdimento de sua fazenda e privação de seus officios e na mesma penna de perda de sua fazenda eneorrerão os que lhe derem parte ou tiverem companhia e huns e outros serão wibarcados para o Reino e não poderão tomar mais as ditas partes.

O Governador do dito Estado com parecer do Provedor mor da fazenda e Provedor das minas o dos mestres da fundição mandará fazer huma caza a custa do minha fazenda no lugar que parecer mais acommodado assy por rezão do sitio como de agoa e lenha para a fundição o qual vira todo o metal de ouro e prata que das minas se tirar para nella se fundir e tanto que entrar na dita caza se pezara perante o Provedor thesoureiro e escrivão de que se fará acento em livro e depois que for fimdldo e apurado se Registara ao pe do dito asento e se marcara todo com as Minhas Armas Reais deste Reino e se fará conta do que pertence a minha íleizenda pello quinto que a ella se deve o qual se pagara logo no mesmo metal que se fundir e se carregara em receita em ham livro que para isso haverá sobre o thesoareiro pello escrivão do Provedor que Hcy por bem que sirva tambemoom o dito thesoureiro emquanto eu não mandar o contrario e se meterá em huma arca de três chaves das quais terá huma o thesoureiro e outra ao escrivão e a terceira o Prove- dor e sem estarem todos três prezentes se nãapoderaa dita Arca abrir nem fechar e dentro delia estará a marca de minhas armas com que todo o ouro e prata se a de marcar donde se não tirara nem metera sem estarem prezentes todos os sobreditos três officiais.

Os donos das minas podei^ ter suas marcas particulares para marcarem o metal que lhes pertencer alem da marca que a de ter das minhas armas como esta dito e por conta delles farão todas as despegas que se fizerem na fundição do metal.

E nenhuma pessoa de qualquer sorte e condição que seja poderá ter fora da caza da ftmdição vender, trazer, doar nem embarcar para qualquer outra parte nietal algum de ouro e prata que das ditas minas so tirar sem ser marcado com as

214 REVISTA DO INSTITUTO HISTORICX)

ditas minhaa armas da maneira assima declarada sob peaa de morte o do perdi mento de sua fazenda as duas partes para minha camará Real e a terça pà.rte para o aouzador.

Achandosse algum metal do ouro ou prata fora da caza da fundição ou dentro nelia sem se lhe saber dono certo será entregue ao thesoureiro e se lhe fará delle Receita por depozito com todas as declarações necessárias e que com o thesourciro asinara o Provedor para a todo o tempo se saber o que he e se entregar a quem pertencer o a justiça mandar.

Terá o Provedor muita adrertencia em nâo consentir que na caza da fundição entrem pessoas de sospeita e desnecessá- rias nem que delia se tire fazenda alguma sem sua licença para ver se tudo ostá na forma devida e ordenara que nisto aja muita vigia e para esse effeito e para as mais diligencias que forem necessárias em couzas tocantes as ditas, minas Hey por bem que haja hum meirinho e três guardas a que o Provedor dará ordem do que hão de fazer os qnais haverão de ser orde- nado o que por outra provisão minha serã declarado.

Todas as duvidas que se moverem entre quaisquer partes sobre as ditas minas ou couzas tocantes a ellas o Provedor as determinara summariamente indo pessoalmente ver as couzas sobre que forem as contendas nas quais lera alçada ate quantia de sesenta mil rs. e passando delia para appellaçao e aggravo para o provedor mor de minha fazenda do dito estado e porem so a cauza for tal que impida ou possa impidir o lavor das minas o dito Provedor para cumprir sua sentença sem em- bargo de se ter apellado delia dando a parte em cujo favor for dada fiança a tomar ou pagar tudo o em que a outra for me- lhorada o nas contendas que não forem desta calidade se sobes* tara até no cazo da appellaçao se dar anal determinação na mor Alçada.

E porque convém muito a meu servisse hir se me dando particular informação do descobrimento e lavor que se flzer nas ditas minas e do proveito que delias se rezulta a minha fazenda e aos descobridores delias encomendo e mando ao dito Provedor que em cada hum anno ftiça fazer huma folha muito distinta o declarada de tudo o que no tal anno for descoberto nas minas e de todo o ouro e prata que delias se tirou e levçu

REGIMENTO A SALVADOR CORRÊA 215

a caza da fundição e qae' ficou em limpo depois de fundido e quanto importou o que delie pertenceo a minha fazenda e quanto as partes a qual folha será feita pello dito escrivão e assignada pello Provedor e thesourolro e se a experiência do tempo for mostrando que ha algumas couzas e que se deve prover assy em mudar ou declarar as conthendas neste Regimento como em acrescentar outras do novo o dito Provedor me avizara delias para eu mandar o que ou ver por men servisse.

E porque atras neste Regimento se trata somente das minas de ouro e prata sendo cazo que nas ditas partes se achem algumas de que se tire cobre nelias haverá lugar o qae nelle se contem com declaração que as pessoas que o tirarem serão obrigadas a venderem a minha fazenda todo o que lhes ficar depois de pagarem o quinto pelo preço que comumente valer e avendo pescaria do pérolas quaisquer pessoas o poderão fazer tendo para isso licença do dito provedor das quais pagarão o quinto a minha fazenda e avendo eu por bem que as ditas pé- rolas se tomem porá mi serão as partes obrigadas a vendellas pello preço que vallerem a dinheiro ou por desconto dos di- reitos deoutfas pérolas que pescarem.

Terá o governador Muito Particular cuidado de saber se o Provedor das minas thesoureiro e escrivão e quaisquer outros officiaes delias cumprem com as obrigações de seus cargos e ílEkzem nelles o que devem e achando que o não fazem assy pro- cedera contra os culpados como for justiça e me avizara iavian- do*me os treslados de suas culpas.

E Mando ao dito Governador e a todos os offlciais das ditas partes do Brazil assy da justiça como da fazenda que cumprâo e guardem e fazam inteiramente cumprir e guardar este Regi- mento o qual farão publicar nos lugares públicos delias para que venha a noticia de todos e se Registara nos livros das co- marcas das cappitanias e assy se Registara nos livros do meu Conselho Ultramarino e Hey por bem que valha tenha força e vigor como se fosse carta feita em meu nome por mim asina- da e passada pella Ghancellaria posto que por olla não passe sem enbargo das ordenaçõis que o contrario dispõem Manoel Roiz o fez em Valhadolid a quinze dagosto de mil e seissentos e três E cu o secretario Luis de Figueiredo o fis escrever.

216 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

E este Regimento se oumpriri tão inteiramente como nelie se contem sem davida nem contradição algaa. Pasohoal dAzeyedo o fez em Lisboa a z de Jnnho Bj"^ R i i i j. £ eu o secretario António de Barros Caminha o íiz escreyer Ray.

NOTICIAS

QUE AO P. M.* DIOOO SOARES O ALFERES JOSÉ PEIXOTO

DA SILVA BRAOA DO QUE PASSOU DA PRIMEIRA

BANDEIRA, QUE ENTROU AO DESCOBRIldENTO

DAS MINAS DOS GUAYASES ATÉ SAHIR DA CIDADE

DE BELÉM DO ORÃO-PARÂ

(Bib. Pub. Eboren$e Cod. CV,)

Os documentos que se seguem até a pagina 909 constituem a preciosa colleccão denominada de Diogo Soares. Consta do roteiros de bandeirantes e sertanistas, recolhidos por aquolle opToso sacer- dote da Companhia do Jesus, Como é sabido. Soares o Domingos Cappací, também da Companhia de Jesus, vieram aoBrazil cm vir- tude do Alvará do 18 de Novembro de 1739 com a missão de demar- car terras, levantar plantas o proceder a trabalhos astronómicos, etc. Para tal íira o Rei D, João V determinou aos diversos Gover- nadores das Capitanias dessoui-lhes todo o apoio. Os referidos documentos foram copiados por Varnhagen nos Archivos de Portu* gal c a Revista os publica na ordem do Códice existente no Archivo do Instituto.

{Xota da Com missão de Redacção, )

NOTICIA !.• PRATICA

Que ao P. M®. Diogo Soares o Alferes José Peixoto da Silva Braga, do que passou na Primeira Bandeira, que entrou ao doBcobrimento das Minas do Guayses até sahir na Cidade de Belem do Grâo-Par&.

Sahi da Cidade de S. Paulo a três de Julho de 1723 em companhia do Capitão Bartholomeu Bueno da Silva, o Anhan- guera de alcunha, que era o cabo da Tropa com 39 cavallos, dois Religiosos Bentos, Fr, António da Conceição, e Frei Luiz de SanfAnna, um Franciscano Fr. Cusme de Santo André, e 152 armas, entre as quaes ião também 20 Índios, que o Sr. Rodrigo Cezar, General que então era de S. Paulo deu ao cabo Bar- tholomeu Bueno, para a conducção das cargas e necessário. Doa brancos quasi todos erão filhos de Portugal, um da Bahia, e cinco ou aeis Paulistas com os seus índios, e negros c todos á Bua custa.

2.— Passado o Rio Theató fomos pousar neste dia junto ao matto do Jundiahy, quatro legoas distante da Cidade de S. Paulo ; na manhaã seguinte entramos no Matto, e gastámos nelle quatro dias. Sabidos do Matto passámos o Rio Mogy, que he rio de canoa, e muito peixe tem, e mostras de ouro, mas com pouca conta ; aqui falhamos um dia, e no seguinte, marchando sempre ao Norte, demos com um rio também de

Canoa, a que posemos o nome

e nelle pousamos esta noite. E' o caminlio todo campo com alguns capões de mattos, bons pastos e bastantes agoadas.

3.— No dia seguinte passamos o rio em um váo com agoa pelos peitos, e fomos pousar no meio do campo distanoia de três para quatro legoas ; 6 todo bom caminho, bons pastos, muita caça, e tem alguns Córregos com bastante peixe.

220 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Desbe ponto fomos dormir distancia de quatro legoas Janto a um Córrego, que entra como os mais do Rio Qrande. Daqui passámos no outro dia a fazer pouso nas margens de um riacho, que passámos na manhaã seguinte encostados a uns p&os, e presos com uns cipós para vencermos a muita violência e grande força d*agoa, com que corria. Neste pouso falhámos um dia, sendo a causa o requerer toda a Tropa a Anhanguera, lhe âzesse a resenha que lhe tinha promettido antes fazer em Mogy, e a que tinha faltado, flsousou-se este com a promessa, de que em chegando o Capitão João Leite da Silva Ortiz, seu Genro, que nos tinha ficado atraz, e era o oulro descobridor, a faria, e caso, que este não chegasse a tempo competente, a fsiria elle cabo no Rio Grande.

4.— Com esta esperança marchou toda a Tropa, sete dias ou oito dias, sempre por campos, e mattos grossos, e pousando sempre á beira de Córregos, e rios : não faltou em todos elles caga e peixe. Deste ultimo pouso fomos ao Rio Grande, passamo-lo em canoas feitas de páos de samauma depois de dormirmos; e falharmos nelle dois dias, esperando se nos fizesse a resenha promettida, mas faltou como sempre, o Anhan- guera. Partio deste sitio toda a Tropa ainda junta, mas desconfiada, e foi dormir distancia de quatro legoas junto a um Córrego, que desagoa no Rio Grande. Aqui nos começou a faltar o mantimento, e assim nos foi preciso marchar cinco dias passando com o que dava a espingarda, pássaros, macacos, palmitos, e algum mel.

5.— No fim destes cinco dias chegámos ao rio das Yelhas,que entra no Rio Grande, é caudeloso, tem bastante peixe, mas sem mostras de ouro. Falhámos nelle dois dias, pescando, e caçando por ter bons mattos, e para provimento da viagem. Aqui nos deixou o Anhanguera adiantando-se com parte de tropa, ficando a mais expedindo-se para o seguir. Neste tempo e ausente o cabo, chegou João Leite com a sua gente, por cuga causa fiilh&mos mais esse dia. No seguinte seguimos com João Leite ao Anhanguera, e depois de quatro dias de marcha o achámos oom ranchos feito entre o matto, passámos do ca- minho alguns córregos, que nos permittit^o o vadealos por 3er tempo de seca*

NOTICIA 1.* PRATICA 221

6.— Avistada a Tropa com o cabo lhe pedio João Leite, que fizesse a resenha promettida taatas vezes não em 8. Paulo, mas no Certão, porque avia desconfiada, e temia se malojiri^a-âse por esta causa a empreza que ambos tinhão offe- recido não 86 ao General Rodrigo Gezar, mas ao mesmo Soberano. Respondeu-lhes que a resenha era escusada, porqua os Amboabas, assim phamão aos Reynoes, não era gente que lho merecesse. Com esta resposta desconfiados não os Amboabas, mas ainda os poucos Paulistas, que nos acompa^ nhavão, determinarão voltar-se logo para S. Paulo, mas aòudindo a isto João Leite, os obrigou oom rogos, e com promessas, e muito mais com o seu natural agrado, a que o não desamparassem.

7.~Reduzida a Tropa se poz em marcha depois de quinze dias do falhas, que se gastaram nestas desordens, como também em fazer algum provimento do que permettia o matto, e como este não era muito, nem todos tinhão quem lhe caçasse, obrigou a alguns a matarem, e comerem um cavallo que tinha quebrado uma perna, e eu fui um dos que nos aproveitamos delia. Aqui quisemos falhar mais alguns dias por entrarem as agoas, e temer-mos não os rios, e córregos, mas a falta de mattos, e com ella o necessário, e preciso para o sus* tento. Resolveu porem o cabo a marchar em ódio dos Am- boabas de quem era o voto. Seguio a tropa, e fomos dormir nesse dia Junto de um córrego, que tinha algum peixe com melhores pastos, e bastante matto. Aqui desconfiámos de todo persuadidos, que o Anhanguera, nos queria acabar no meio daquelles mattos, e alguns houve que se resolvião a ficar, lançando rossas, e plantando alguns poucos pratos de milho, que tinhão ainda para o seu sustento : mas o Capitão JdU) Leite, os tornou de novo a animar, o reduzir a que passassem avante como passai^.

8.— Passados alguns dias de marchas, e nelles alguns rios, e Córregos com assaz tmbalho, e perigo, por serem as agoas muitas, e maior a fome, nos fomos arranchar perto da meia ponte. £* a Meia Ponte um rio caudeloso, tem bastante peixe, bons pastos e muito matto. Passado este rio em umas pe- quenas Canoas, que fizemos de cascas de arvores, fomos dormir

222 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

na outra banda do rio» que nos hospedou toda a noite com uma formosa trovoada, que durou até a manhaã seguinte com tanta agoa, que não nos deu logar a podermos faser ranchos, e por isso me vaii de uma tolda, que tinha comigo. Da Meia Ponte distancia de dois dias de viagem se deixou flcar Fr. An* tonio com animo de lançar rossa com des negros, um sea sobrinho, e um mulato, com outro branco Paulista* que com» sigo tinha. Sen tio toda a Tropa naquella noite a falta do dito Religioso, deu-se parte ao Anhanguera, mandoa-o este persuadir a que voltasse e marchasse adiante, como faiiSo os mais. Mas teve por resposta vista que, a falsidade que S. M"**. tinha asado com todos, faltando a tudo, o que lhes tinha pro- mettido em S. Paulo, lhe nâo era possível o pode-lo acom- panhar, que elle determinava plantar algum milho, com que se podasse recolher a Povoado.

9. ^Desenganado o Anhanguera, marchou com a mais tropa e julgando, que indo sempre ao Norte, como até ali tinha feito, lhe ficavam jáatraz oa.Guayazes, que procurava, mudou de rumo, e seguio a Nordeste 4'' do Norte.

Passar&o de cento e tantas léguas, as que andamos a este rumo sem mais sustento, que o que dava o matto, e esse pouco. Nestes dias lhe fugirão ao cabo oito Índios dos seus» publicando primeiro todos, que iamoe errados, porque os Quaya- zes nos flcavfto atraz. Destes índios forão apanhados depois de alguns dias três, que trouxe presos João Leite, que se expedio a buscal-os com dois negros e quatro brancos : trouxe também nesta volta comsigo a Frei António, que nos ficava distante perto de oitenta iegoas : mas ainda que veio Frei An- tónio, nem por isso desamparou a sua rossa, porque deixou nella o sobrinho comquasi todos os negros. Nesta occasiio de- mos em uSs grandes chapadas íkltas de todo o neceesario, sem mattos, nemmantimentoB, sim com bastantes córregos, em que havia algum peixe, dourados, trayras, e upiabas, que forão todo o nosso remédio, achamos também algum palmito, do que chamão jaguaroba, que comíamos assado, e ainda que é amar* goeo sustenta mais, que os mais.

Aqui nos começou agente a desfliillecer de todo: morreriLo* nos quarenta e tantas pessoas entre brancos e negros, ao

NOTICIA 1.* PRATICA 223

desamparo, e o eu ficar oom vida o devo ao meu cavallo, que para me montar nelle pela nimia ík^aqueza» em que me achara, me era preciso o lauçar^me primeiro nelle de braços leTantado sobre o primeiro copim que encontrava.

10.-*Vendo-se o Cabo nessa miséria, e temendo a falta, e mortandade de gente, e muito mais considerando o erro que tinha dado no rumo que entfto seguia, se valeu do Ceo, e foi a primeira vez que o vi lembrar-^ de Deos, promettendo, 6 fazendo varias novenas a Santo António para que nos deparasse algum gentio, que conquistado, nos valêssemos dos mantimen- tos que lhe achássemos, para remédio da fome, que padecia* mos. Passados quinze dias com bastante moléstia, e trabalho, demos em uma picada nos mesmos campos, seguimol-a nove dias, achando nella alguns ranchos feitos de pâu e ramo8« com alguns grSíosde milho, nascidos: no fim destes nove diaâ chegamos a uma Serra, cujas vertentes desagoão para o Norte, e lançando adiante quatro índias a farejar o gentio os seguimos ires dias de viagem. Éramos dezeseis com o Cabo, porque a mais tropa, e bagagem a deixamos atraz oom os doentes.

Na noite do terceiro dia avistámos as rancharias do Gentio, e seus fogos : embosoamo-nos no matto para lhe dar-mos na madrugada, mas sendo sentidos dos cachorros, que tinhfto mui« tos, e bons, quando os avançámos, nos receberam com os seus arcos e frechas.

11.— Náo demos um tiro por o*rdem d o Cabo, de que resultou o fugir-nos quasl todo o gentio, o envestif um deiles ao sobrinho do Cabo com tal animo, que lançando^ihe a mão á rédea do oavailo lhe tirou a espingarda da máo, e da cinta o traçado, e dando-lhe com ella um famoso golpe em um dos hombros, e outro no braço esquerdo, fngio levando-lhe comsigo as armas. Desembaraçado do Tapuia o Paulista correu sobre elle sem mais effeito, que recuperar a espingarda que lhe largou o Tapuia, retirando-se oom o traçado.

Nesta mesma occasiáo outro Tapuia em uma das suas por- tas ferio levemente no peito com uma ft!echa a um Francisco Carvalho de Lordelo, e acodindo outro lhe deu na cabeça oom um porrete de que cahlo logo, eahindo*lhe dou outra porretada outro Tapuia, que appareceu denovo, deixando-o por morto.

224 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

E* para admirar, que em todo este oonâicto nSo fizeasè ao(^ alguma mais o noaso Cabo, que o andar sempre ao longe, gritando, e requerendo-nos, que atirássemos ao vento por não atemorisar o gentio.

Foi Deus servido levar-mos os ranchos chovendo sobre nós as fireohas, e os porretes.

12.— Retirario-se para o matto os Tapuias, mas sem nunca no8 perderem de vista, e tanto, que querendo darmos sepul- tura ao Carvalho persuadidos, a que estaria morto, procuraram em duas avançadas que nos derâo, o tira-lo e oomô-lo, e ven- do-se rebatidos nos pedirão por acenos lhe déssemos ao menos a metade para a comerem, por ser diversa a língua da geral. Retirado o dito Francisco de Carvalho, o achamos com a boca, narizes, e feridas cheias de bichos, mas vendo que lhe palpitava ainda o coragfto, e que tinha outros mais signaes de vida, o recolhemos na rancharia, curando-lhe as feridas com ourina, e ftimo, e sangrando-o com a ponta de uma faca, por não termos melhor lanceta : aproveitou tanto a cura, que o Carvalho pela noite tornou em si, abrio os olhos, mas não pôde ftillar, senão no dia seguinte : o regimento que teve, não passou d'um pouco de angu, e algumas batatas, das que achámos nas ran« charlas.

13.— Em todo esse tempo nos não deixou o gentio, perse- guindo-no8 os negros, que nos ião conduzir algumas batatas de vinte e cinco batataes que tinhio grandes, e exoellentes no gosto : destes negros nos mataram um, e um cavallo, o que visto pelo Cabo se fez forte em um dos ranchos, que lhe pare- ceu melhor, mandando recolher todo o milho, que se achou, a um payol, a que poz guardas, como o fez também a sete ín- dios, que cativámos, mandando-lhe lançar a todoe suas corren- tes, ezcetuando um indio torto, também cativo, a que ao depois deu liberdade. Recolhido no seu rancho o Anhanguera mandou logo buscar os doentes, e mais bagagem.

Neste tempo se tinha humauisado mais o gentio, busoan- do-nos, e servindo-nos sem arco e frecha, e admirando moito as nossas armas. Oífereoerão-nos paus, trazendo-nosem um destes dias dezeseís india^ ainda moças, muito claras e bem feitas, Aio éramos mais os brancos, em slgaal de amizade. Repugnou

NOTiaA 1.* PRATICA 225

O Cabo a aceita-las, contradizendo todos os mais companheiros, c eu fai o que mais o persuadia a aceita-las, dizendo-lhe, que na consideração de sermos tão poucos, e estes fracos, e mortos de fome, e muito o gentio o não esoandalisassemos, e que postas em guarda as ditas índias com as mais, que se achavão prezas, podíamos facilmente cathequisar a todo o mais gentio, não a ajuste das pazes, mas a darem-nos alguns, que nos ensinassem o verdadeiro caminho dos Quayases. Mas a nada disto se mo- yen o Anhanguera com a ambição de querer para si todo o gentio, motivo, porque escusou sempre a resenha, e porquê desconfiado o gentio desapareceu logo no outro dia : temeroso, que ao entrar nova ^ente nas rancharias, erão os doentes, e bagagens, os queríamos matar para os comermos a todos; assim no-lo certiâcarão as índias, que se achavão entre nós. Desesperado o Cabo com a ausência do Gentio, largou o torto com algumas iácas, tesouras, e outras galanterias, para que as persuadisse a voltar, mas o torto foi, e nunca mais o vimos.

14— Chama-se este Gentio Quirizá, vive aldeiado, usa de arco, frecha, e porrete, é muito claro, e bem feito; anda todo nu, assim homens como mulheres. Tinhão 19 ranchos todos re« doudos, bastantemente altos, e coberto de palmito, com. uns buracos juntos ao chão em logar do portas ; em cada um destes vivião 20 e 30. cazaes juntos, as camas erão uns cestos de bu- ritis, que lhes servião de colchão, e cobertor ; erão pouco mais de 600 almas; estava situada toda esta aldeia, junto d*um grande córrego com bastante peixe, e bom:— no 2<> dia, que marchamos a busca-la, encontrámos um rio caudaloso, em que havia muito peixes cayjus, palmito, e muita e grande caça^ que nos sérvio de muito. Nesta aldeia achamos 200 mãos de milho, vinte e cinco batataes, muitas araras, e também alguns periquitos, que nos servião de sustento, e de regalo : tinhão também bastante copia de cabaços, e panelas, e uma grande multidão de cães, que matarão quando fugirão, e se retiram de todo, afim de não serem sentidos das nossas armas, como experimantámos depois nas Bandeiras, que se lançaram-a espia-los .

15— Aqui nos detivemos três mezes sem nelles nos o cabo milho nenhum* reservando-K) todo para si só, e para a sua 491 15 Tomo lxix p. i.

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comitiva, desculpando esta sua tiraunia com dizer-Dos lhe era preciso para as Bandeiras, que havia de lançar, mas supposto lançou duas, nem por isso foi muito o milho, de que os proveu ; não faltou este, nem farinhas aos seus cavallos, e a sua comi- tiva. Bu tive a fortuna de me darem 17 espigas, e se tive mais algum milho o devo ao trabalho, c perigo, com que o recolhi das rossas, quo tinha deixado, o gentio de reAigo ; assim o íizerão todos os mais não se isentando do mesmo tra- balho ainda os religiosos, porque se o quiaerão, o carregarão, e tirarâo por suas próprias mãos, escoltados sempre de outros por medo do gentio. Antes do nos ausentarmos nos fugiram quatro doa índios, que o Cabo tinha prezas, e nuuca mais so virão.

16— Na demora que azemos n^sta aldeia, vendo toda a Tropa que o Cabo sobre faltar a resenha tantas vezes promettida. tinha a culpa de perdermos o gentio, se amotinou, e tanto que se resolveram dois bastardos e um mulato Mamaluco com alguns Paulistas a querer-lhe tirar a vida, e levantar a seu irmão Simão Bneno por cabo, por ser de melhor, e mais dócil con- dição. Eu que soubo a sua resolução, não obstante o não mo merecer o Anhanguera, fiz todo o possível pelos dissuadir de aimilhante intento, insinuando -lhe o muito que devião a João - Leite. Dissuadidos os Bastardos, e seus sequazes, seguimos viagem costeando o córrego da ranoharia, ou aldeia, ató dar-mos em um rio, que fomos costeando também pela parte do norte a buscar nuvo gentio, que nos podesse ensinar o caminho dos Gnayases. Nestas marchas gastámos 76 dias, andando dois delles sem achar agoa, de sorte, que quando chegámos ás margens d*um rio, foi tal a alegria em nós, que cobrámos nova alma, e tanto, que nem os cavallos havia que os tirasse da agoa por mais pancadas que para isso lhe da vão. Aqui falhámos 12 ou 15 dias, esperando por João Leite, que nos tinha ficado atras em busca das índias, e não chegava.

17— Neste sitio ouvindo dizer ao cabo nos licava perto o Maranhão me resolvi a deixa-lo, e rodar rio abaixo buscando alguma terra povoada, por não perecer a fome e sede no meio daquelles mattos. Seguirão*me três camaradas, que forão José Alves, Francisco de Carvalho, seu irmão, Manoel de Oliveira,

NOTICIA 1,* PRATICA 22t

Paulista, 6 João da Matta« filho da Bahia, ainda rapaz. Jozô Alves, com um negro, e uma negra, sen irmão com um negro, eu com ires, e um mulato, que forão todas as peças, que nos escaparam da viagem do Anhanguera, entrando eu com seis n^ros, e o mulato, o Alves com cinco, e o irmão com três. Repugnou o cabo a que sahissem comigo os dois irmãos sem que primeiro lhe satisâzessem quarenta e seis mil róis, que devião o João Leite, que era chegado com Frei António, paguei por elles, porque lhe não vi outro remédio. Porem João Leite ven- do-me ausentar insistiu, e com elle Frei António quanto lhe foi possível, a que não cm desamparássemos ; mas as insolências do cabo que dizia publicamente havia de enforcar aos Amboabas, me obriganLo a dar gosto a João Leite, e a Frei António. O certo era, que o Anhaguera tinha passado ordem a um dos seus Tapuias para matar ao Alves por uma bem leve causa, o peior, foi, que vendo o mesmo Anhanguera, que eu o deixava, me catheqoisou um negro bom matteiro, chamado Pascoal, e o deixou ficar comsigo. Vendo-me sem elie voltei ao sitio do cabo distancia de meia legoa, rogando-lhe me restituísse o negro ; respondeu-me que o negro não estava em seu poder, ' nem sabia delle* Fiz então procuração a Frei António para que o tomasse a si, e me remettesse o procedido delle, caso que o vendesse, a minha mulher Leonarda Peixota, & Cidade de Braga. Soube João Leite, desta procuração, e estranhando esta aoção de seu sogro, me mandou offerecer um moleque por Estevão Maçaste Franoez, em logar do negro, que aceitei logo por ser preciso mais gente para remar nas canoas ; publicando neste tempo o cabo, que j& que nos iamos, e o deixávamos, morreríamos naqaelles rios, e maitos, por nosso próprio gosto, sendo que melhor seria o matar-nos, que o deixar- nos pe- recer entre as agoas ; não duvido que nos quizesse herdar os negros, como tinha feito a todos os mais sócios.

18 Feitafl duas canoas, e dado o meu cavallo a Frei Luiz, para m*o dizer em missas a N. S.^ da Boa Viagem, por lhe ter morrido o seu— rodamos rio abaixo pelo interesse do peixe, e oaga, que era muita; passados oito dias de prospera viagem dêmos na barra d'outro Rio, que vinhão da mão direita, e terras de Portugal, tão grande, como o porque rodávamos; passada esta

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barra, e dopois do quatro dias avistámos outra barra d*um rio mais pequeno, quo viaha da mesma parte direita, e desta a 15 ou ^ dias, buscando sempre o Norte, que ora o rumo a quo corria o nosso, dêmos em outro rio maior, que vinha da parte esquerda, em que achámos com as cheias innumeraveis jan- gadas feitas de buritis, que tinhão rodado com ellas signal de haver gentio perto. Navegámos adiante, e depois de oinco ou seis dias avistámos alguns recifes de pedras, e náo poucas ca- choeiras, que passámos junto á terra da parte direita, cirgando as canoas por entre os penedos, mas não com tanta cautela, que não topasse uma em uma pedra, e partisse pelo meio. perdendo nella duas canastras com ropas, ouro, e prata, tachos, espingardas, traçados, ansoes, linhas, e outros trastes neces- sários no sertão, e que nello se precisão ; entre estes foi mais sensível a perda a d'um pacote de chumbo com duas arrobas, escapando outro com o mesmo numero, e um pequeno barril de pólvora, que veio boyando acima ; escaparam também três espingardas de oito que trazíamos, o tudo o mais se perdeu. 19 Passado este perigo fomos na outra canoa buscar a parte esquerda por baixo da cachoeira, onde o rio fazia re- manco com umaexccllonte praia : nella matámos dois porcos, que nos servirão de matalotaoro para a viagem, o fizemos de novo outra Canoa com tros machados, e duas enx6s, que tam- bém nos escaparam, vertendo sangue as mãos por ser de tam- boril duríssimo o pàu de que a Azemos, gastámos na sua fa- brica 12 dias abrigados á sombra daquelles mattos, e como pordemos os ansoes, e linhas, perdemos também gosto ao peixe, e nos valiamos do palmito bocajuba, que depois de esfolado, o feito em uns pequenos pedaços secávamos ao fogo, e seoo o socavamos em uma pedra, e o oomiamos em mingáos, servin- do-nos de tacho ou panella uma pequena bacia de arame, que também nos escapou. Feita a Canoa seguimos* nossa derrota, e passados tros dias de viagem dêmos com um pàu cortado na beira do mesmo i*io : abordamos as Canoas a expiar algum maeaco pai*a comer-mos e matar-mos a fome, que éra muita quando descobrimos um arraial de gentio pouco menos distante que um ou dois tiros de espingarda ; era o arraial grande, e teria mai9 de trinta ou quarenta ranchos redondos* Visto nos

NOTICIA !.• PRATICA 229

tornámos logo a embarcar, fbgindo a todo o remar por não sermos sentidos delles, e tanto qae fomos dormir distancia da qaatro ou cinco legaas rio abaixo, arrancliando-nos no matto da parte esquerda, onde achámos algum palmito Indayá» maa foi tal a perseguição dos morcegos nessa noite, que sobre nos tirarem o somno, nos cuatou muito a livrar delles ; por- que como vínhamos nús, tanto, que fechávamos os olhos, se prega vão logo em nós, e nos sangra v2lo de sorte, que acordá- vamos banhados todos em sangue, motivo porque desampa- rámos mais cedo do que queríamos aquelle sitio.

20 Daqui rodámos rio abaixo e demos em um junipa- peiro, com cuja fruta nos regalamos dois dias, e no flm destes eomo a fome era muita entramos pelas sementes das ditas frutas ; mas estas nos poserão em tal estado, e impedirão de tal sorte o curso, que nos considerámos mortos, valemo-nos d'uos pequenos paus, e com elles em logar de cristel obrigámos a natureza a alguma evacuação. Falhamos neste ponto 4 ou 5 dias, que gastámos em buscar alguma caça para comer-mos, e para que nos não fiiltasse também o peixe, Hzomos do virote d*uma espada, que cortámos a enxó, um formoso ansol, e agu- sado com uma pedra tirámos bastante peixe, servindo-nos de linha um pouco de ambó, era o peixe exoellente, muito, e grande, e tanto como o do mar : matámos também aqui muitos barbados que postos de moquem, nos serviram de nova matalo- tagem para o oaminho— Caminhámos rio abaixo e depois d*alguns dias nós quebrou a outra Canoa em uma pedra, que estava na beira d'nma grande correntesa, em que demos, aqui se nos aca- bou de perder tudo, e eu como não sabia nadar, me peguei á mesma Ganóa, valendo-me d*um cipó, com que me atei a ella e ítai sahir em um recife de pedras : peior succedeu a um dos meus negros, que rodou pela cachoeira abaixo mais de dois ou três tiros de espingarda levado da correnteza da agoa, e quando o supúnhamos morto o achámos sentado sobre um grande penedo, que havia no meio do rio, tinha este um quarto bom de legoa de largo. Perdemos também aqui o nosso esti- mado ansol, que nos roubou um formoso e grande peixe, e assim ficámos a palmito e janipapo, e esses quando os ochâTamos.

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21 —Neste pooBo concertámos a Canoa, e, rodando pelo rio mais de quinze dias abaixo nos vimos obrigados em todos elles a domir-mos nas soas Ilhas, que erão muitas, enterradas na areia por medo do gentio, que era InnumeraTel, e o mais 6 sem poder-mos dar um tiro, para remédio da fome, que nSo era pouca. Aqui vimos varias barras d'oatros rios pequenos, que d^uma e d'outra parte se mettião no em qne rodávamos : passadas estas descobrimos a poucas legoas a barra d 'ura grande rio, que vinha da mão direita, dormimos essa noite entre uma e outra barra, mas sahindo na manhaS seguinte costeando o rio pela mesma parte direita, pela eztraordiaaria largura, que aqui tinha, dêmos com um grande palmital, e nelle com três gentios Junto á praia, pegou um dos companheiros na es« pingarda, tirou a um, e ferio^o, ferido aoudio logo todo o mais gentio, que andava ao Corredio, {Sic) dando taes urros, e to- cando tfto horríveis tararacas, que parecia se nos abrira naquelle sitio o iaferno, valeu-nos n^ ter este gentio de Canoa, atra- vessámos logo o rio, fugindo quanto então nos (bt possivel; aqui nos vimos perdidos novamente porque as ondas, e mar- retas ei^o taes, ao atravessar da corrente, que tememos muito nos submergissem, chegámos bem cauçados, e quasi mortos a uma Ilha, e prendendo as Canoas em uma das suas pontas nos ÍOmos arranohar na outra enterraodo-nos na areia para evitar o gentio se viesse sobre nós.

S2 Passado este susto, depois de dois dias de viagem sem mais sustento, que o dos coquinhos, que nos davão alguns pal- mitos, com algum palmito indaia, onde se achava» dêmos em um outro novo perigo, topando no meio do rio com um redfe de pedras, em que a minha Canoa se vio perdida, porque sabida das pedras deu em um Juplá, aonde depois de 17 ou 18 voltas, que nelle deu a mesma violência d*agoa, alançon fora : a outra tomou melhor caminho foi encostada á terra, e passou sem susto: dormimos esta aoite na beira do mesmo rio janto a um matto, com não menos fome, e chuva que foi muita e durou toda a noite. Passados dois dias de viagem matamos uma anta mas tão magra, que por tal nos esperou um tiro, de que cahio, e mal assada se comeu : nessa noite dámoi em trilha de brancos com que cobrámos sem duvida novos alentos : e vimos entrar

NOTICIA 1.* PRATICA 281

no nosso da parte esqnerda um rio, que ao depois soubemos ser o Aragoay, e o porque navegávamos o Tooátis* Seguimos a dita trilha por ser esta sempre a beira do rio, e dando dahi a três dias com oito ilhas, nos vimos perplexos por não saber- mos o Canal, que seguiríamos, buscámos então a terra, e junto a ella, e d'nns penedos quizemos varar as canoas, e não pode- mos pela pouca agoa que ali havia.

23 * Falhamos aqui qnatro dias buscando algum palmito, ou caça, que era pouca, e como a fome era mais, mandei ao meu mulato a matar alguma coisa para comer; voltou este sem nada, mas com o seguro de ter achado picada certa de branco, peguei da espingarda, e assim nú, como estava, segui a dita picada, acompanhado do Paulista, e a menos de quarto de legoas avistámos uma Missão dos R. R. P. P* da Com- panhia que formava de novo. Vendo-nos um dos Padres nds, e com armas, fugio logo, e deu aviso ao mais persuadido que era Gentio Manas, que também usa de armas de fogo pelo eommer- cio qne tem com os Hollandezes, e são nossos inimigos. Acudio promptamente o Capitão mór, que se achava entre os Padres, com toda a sua soldadesca armada, e tocando caixas ; aoudião também os indios com os seus arcos, e frechas : lan- çando em terra as armas, e batendo as palmas em signal de paz nos veio buscar logo o R. P. Marcos Coelho, que era o superior da Missão, e vendo que éramos Portagaezes nos levou oomsigo com extraordinária alegria e amor, e ouvindo-nos contar o que tínhamos padecido não podia reter as lagrimas, e assim sabendo, que tínhamos mais oompanheiros os mandou logo boflcar pelos seus Índios em uma das suas Canoas, e chegados por não haver na pequena Capeila outro sino, aos recebeu com três alegres repiques, que formavão os golpes d'nm pequeno ferro em uma pedra,

^ Nesta primeira e amorosa hospedagem começámos a matar logo a fome: não faltou feijão e peixe, e como um e outro era temperado» não deixou de o estranhar por muito tempo o estômago. Durou-nos esta alegria quinze dias, porque no fim delles nos remetteu ao Pará o dito Capitão-Mór Domingos Por- tella de Mello, gastando 20 dias na viagem. Chegados ao Pará, se deu parte ao Governador João da Maia da Gama, veiu oste

j

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TÔr-nos logo ao porto, e ouviado os tragioos sucoeasos da viagem, qae trazíamos, nos nao dea credito, aates iatontou prender-nos para justificarmos, se os negros, que o trazíamos crão nossos, ou íúrtados á mesma Tropa, de que tínhamos desertado; respondi- lhe que oathequísasse os negros e que seoathequísados confessas* sem não serem nossos, nos castigasse, o que não obstante e menos a miséria em que nos Tia, pois estávamos todòe nús, e com a pelle sobre os ossos, nos deixou ficar na mesma praia, e porto das canoas sem resolver nada, e sem mais sustento, o cama que a que nos derão os cavacos e cascas dos paus do esta- leiro Real.

Porem emendarão logo na manhaã seguinte os particulares a indispensável foJta deste sen Governador, vindo-nos buscar á praia do estaleiro o R, Cónego JoSo de Mello, com mais algumas pessoas graves da Cidade, e compadecidos do miserável estado em que nos vião, nos levarão a todos para suas oazas. Eu tivo a do mesmo R. Cónego João de Mello ; José Alves foi p{ira a de Manoel de Góes oom seu irmão ; Manoel d*01íveira para a de João de Souza, filho de Basto, e João da Matta para a de João da Silva, filho de Guimarães ; ->- No Pará adoeci depois d*algun8 meze3d*uma febre que me poz em perigo, e tanto que degene- rando em maleitas estive ungido ; durarão-me estas oito mezes emquanto estive de cama levaram alguns dos negros mão cami- nho, porque um me morreu de bobas, e o mulato de veneno que lhe deu uma Tapuia : e assim me embarquei com dois para o Maranhão ; destes conservo ainda um, porque o outro me foi preciso vendel-o para comprar dois cavallos que me con- duziram a estas Minas, gastando no caminho dez únicos mezes com alguns dias falhos ; e desde que deixamos o grande Anhan- guera até Deus nos trazer ao Pará quatro mezes e onze dias, entrando nestes as flUhas.

26 Lembra-me que antes de dar-mos no Jupiá, quando íbgimos do gentia de que fallo acima nos ns. 21 e 22, por ser o rio muito largo, e quasi morto, nos lançamos á matroca aquella noite, prendendo uma Canoa á outra, e dormindo todos os mais eu por mais temeroso e acautelado vigiei toda a noite, e não me valeu de pouco ; porque ouvindo roncar ao longe o mesmo rio, os aooordei gritando, que tínhamos perto cachoeira, e assim

NOTICIA !.• PRATICA 233

foi porque varados em uma liha, Timos logo na madrugada o perigo de que escapámos de noite: porque a cachoeira era horrí- vel, e tão alta, que teria 500 palmos, e entre penedo hruto, que a fazia mais formidável, e com tantas ondas, fumaças, e cachões que parecia um inferno ; passamos por cima d*uns recifes lan- çando as Canoas pelo Canal á fortuna: sahiram estas abaixo da cachoeira cheias de agua, e rombos, tiramol*a, então a nado, e concertadas como podòmof, seguimos nossa derrota. Estes sao, R. Senhor os trabalhos, as misérias, e as grandes conveniências que tirei das novas Minas dos Guayazes, etc.

Minas Geraes Passagem das Congonhas, 25 d*Agosto do 1734. José Peixoto da Silva.

NOTICIAS PRATICAS

NOVO CAMINHO QUE SE DESCOBRtO DAS CAMPANHAS

DO RIO GRANDE E NOVA COLÓNIA DO SACRAMENTO PARA A VILLA

DE CORITIBA NO ANNO DE 1727

POR ORDEM DO GOVERNADOR E GENERAL DE S. PAULO

ANTÓNIO DA SILVA CALDEIRA PIMENTEL

(jBtb, Pub. JZ^orente Cod. CV)

NOTICIAS PRATICAS

Do noTo oaminlio que se descobrio das Campanlias do Rio Grande, e nova Ck)lonia do Sacramento i»ara a Villa da Coritiba no anno. de 1727 por ordem do Governador e General de S. Panlo, António da SilTa Caldeira Pi- mentel.

NOTICLV PRATICA

Dada ao R. P. M. Diogo Soares, pelo Sargento Mór da Cavallaria Francisco de Sonza e Faria, primeiro descobridor, e abridor do dito Caminho.

Justa com o General de S. Paulo a abertura do Caminho e provido das instrucções e ordens necessárias para se me assis- tir na Fazenda Real de Santos, com gente e muniçOes; me embarquei na dita Villa, para de Parnaguá com 35 pessoas, entre Índios e brancos em a pequena Sumaca do M.» João Martins Roza ; Gastei três dias nesta viagem, e na Villa de Pamagud um mez, fazendo nella alguma gente mais para a diligencia em que ia.

De Pamaguá, junta a gente, me embarquei com ella para a Villa de S. Francisco, gastei cinco dias na viagem, e um mez na dita Villa, procurando nova gente que me quizesse seguir.

Da Villa de S. Francisco passei na mesma Sumaca a Ilha do S.t&.Catharina: gastei na viagem oito dias, e nove na dita Ilha, e adquirida nella alguma gente mais, passei com toda ella, que seriao pessoas, por terra a Villa da Laguna» onde gastei dois mezes, não para dar descanço a toda a tropa, prepara-la do necessário, e prover-me de novos Práticos* mas lambem para consultar ao CapitSo-Mór da dita Villa, segundo as instrucções que trazia do S. Paulo.

Sabido da Laguna marchei com toda tropa pela praia a buscar o Rio Araranguá, e nelle o sitio a que chamão os Con- ventos, distantes da Laguna, e ao Sul delia pouco mais de 15 léguas.

238 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Neste sitio, e em 11 de Fevereiro de 1728 dei principio ao caminho rompendo mattos fechados, e dando a pouoo mais d'ama legoa com um pântano, que teria meia de largo, em que me foi preciso fazer-lhe uma boa estiva para o podermoi pas- sar ; passado elle dei quasi a meia legoa com nm grande ri- beirão que desagua no Araranguá, se chama Cangioassú, e como não dava váo lhe Hz uma boa ponte de 12 braças e meia de comprido, e braça e meia de largo.

Passado o Cangicassú busquei logo a margem do Rio Aran- ranaguã, e seguindo-a passei nella vários córregos e ribeiros Dftzendo em uns pontos, e desbarrancando outros para os poder passar. Chegado ao logar, que chamão as Itaypabas passei o Araranguá, que terá no dito sitio pouco mais de 90 braças de largo ; passado o rio caminhei sempre ao Norte, cortando mattos em toras alagadissas, estiva ndo-as com assas trabalho, e com não menos fazendo pontes em alguns rios, até que anda- das cinco léguas me foi preciso buscar outra vez o Rio Araran- guá, por me livrar dis serras, e morrarias altíssimas em que dei, e me era impossível o subilas.

Segui rio acima, e o tornei a passar nas cabeceiras, em o sitio onde chamão a Orqueta, e aonde principião os morros da serra chamada Paranapiacaba, e de que nascem muitos e vá- rios ribeirSes todos de pedras. Entre os morros achei um espi- gão por onde subi com toda a tropa, depois de 11 mezes de contínuo trabalho, fazendo o caminho a talho aberto, e é o único por onde se pode subir a serra. Desde os Conventos até este sitio que terão 23 léguas tudo são mattos, e terras alago- dissas, cortadas de vários córregos, e rios, em que entre pontes e estivas passarão de 73 as que lhe fiz, tudo a força de braço, e com 65 pessoas, e 32 cavalgaduras, por me ter fu- gido, e desamparado a mais gente, e parte desta a devo ao General de S. Paulo, que me mandou de novo.

Subida a Serra dei logo em campos e pastos admiráveis, e nelles immensidade de gado, tirado das Campanhas da nova Colónia, e lançado naquelle sitio pelos Tapes das aldeias dos P. P, Jezuitas no anno de 1712.

Nestes campos me demorei seis mezes esperando por nova recluta, qoe tinha pedido a S. Paulo, e sustentando-me nellas

NOTICIAS PRATICAS 239

do mesmo gado. morto a espingardat além de 500 e tantai vacas» qae reservei, e levei comigo para a viagem. Em todo o tempo qne aqai estive me animei a correr uma grande parte de toda aqaella Campanlia, em que passIU), segundo jalgo* de duzentas mil as vacas que neila lia, tem muitas, e boas agoas, bastante caça, alguns pinheiros, e umas pedras de coco quo arrebentão com o sol, e dentro outras pedrinhas que» parecem diamantes j4 lapidados, umas roxas, outras brancas, amarellas; cór de vinho, e algumas esverdiadas.

Destes campos segui viagem arrumado sempre a serra do mar, e a pouco mais de 7 legoas de caminho achei uma grande cruz feita de um pinheiro e este letreiro nella Maries 16 de Denembro anno de i727 pipe Capitolo Aéreos Omopo. Descida a Cruz e adorada com toda a veneração, lhe mandei tirar o titulo, olhepuzeste I. N. R. J. e junto á mesma cruz em um bom padrão de páu este outro —Viva El-Rei de Portugal D. João o &>, anno 1729.

Deste sitio a que dêmos o nome da Cruz dos Tapos^ segui viagem encostado sempre á serra» e a pouco mais do quarto de légua demos com um rio com matto diurna e outra parte, a que chamei o Rio dos Porcos, e até elle chega o gado de que acima fallo. Passado este Rio segui caminho 6 léguas ao nor- deste, em que achei um sitio em uma lomba que chamei a Boa Vista, aqui fiz uma grande rancharia, que depois chamarão as Tajttcas, e destas é que Christovão Pereira d* Abreu, dali a dois annos entrando comigo ao mesmo caminho, fez nelle o atalho que agora tem.

Das Tajucas fui sempre acompanhando a mesma Serra do mar, e achando sempre campos com alguns capões de matto e não poucos ribeirões, ató chegar ao grande Cambiera, ou Morro de Sta. Anua, fi^)nteiro a Uha de Santa Catharina neste me foi preciso gastar alguns dias para abrir um grande matto, que teria 6 legoas de comprido, e aberto dei com um rio, a que chamei S*^ Luzia.

Deste rio segui viagem por os Campos, e passando nelles algumas restingas de mattos dei um outro campo mais alto, e alegre, de donde avistei um morro, que pelo roteiro que levava dos Gertonystas antigos julguei ser o rico^e sempre procurado

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morro Tajó, e o mesmo pareceu ao moa Piloto , bons desejos tive de os socavar, mas a fome e miséria em que nos viamos todos, nos obrigoa, nfio a deixar o morro, mais ainda a mesma serra do mar, pela muita aspereza, oom que um e outro nos ameaçava, e assim fugindo a morte, e abrindo novo cami- nho por mattos grossos, distancia de quatro legoas sahimos com nSo pouco trabalho nas primeiras cabeceiras do rio Urnru- guay, e passámos nellas com duas braças de largo.

Deste passo seguindo rio abaixo dei com pastos admira* veis d*uma e outra parte do rio que, pelo passar 15 vezes» lhe paz o nome de Passaquinze, e tornando a procurar o morro do BirimbÀo, que era a nossa balisa do caminho, me fui afastando mais da serra e avisinhando mais para o campo, cortando varias restingas, e passando alguns córregos até sahir pela ponta de outra serra a que chamarei Serra Negra, e que vae afossinhar sobre o rio Passaquinze, e este é o logar em que Christavão Pereira sahio com o seu atalho.

Deste sitio passei ao campo chamado dos Coritibanos, cami- nhando sempre por campos em que ha algumas restingas e ca- pOes de mattos, e nestes nSo poucos córregos e rios.

Dos Coritibanos segui viagem, c passado um campo alto entrei em um matto grosso chamado Espigão, fiz nelle nSo estivas e algumas pontes mas também um bom cami- nho aberto & força de braço. Passado o matto, cheguei a um rio em que achei canoas, e passando nellas segui por campos e mattos ató o matto grande de S. João, e passado este com assas moléstia e trabalho, segui por campos e mattos até outro rio que chamei de S. Lourenço, que ter& de largara 20 braças, e passado este tornei a seguir por campos e restingas até outro rio, que por muito negro e fundo lhe chamão o Rio Una, nelle fiz alguns pastos, e lhe deixei uma boa canoa de pinheiro, e nelle achei indicies de gente.

Passado o Una, e seguindo sempre por campos e restingas cheguei ao Rio Grande pequeno, o destes aos Campos Oeraes da Coritiba e Rio do Registo em dia de Nossa Senhora da Luz de 1730, sahindo de S. Paulo a 20 de Setembro de 1727.

Todo este caminho desde a Serra da Vacaria até os Campos Geraes de Coritiba é em seu tempo, isto é, de Março

NOTICIAS PRATICAS 241

ató Setembro abundante de caga e pinhão, principalmente Antas e Porcos. O mel é em tanta abundância, que não serve de regalo, mas de sustento às tropas : todo elle é sadio e de 63 pessoas com que entrei, morreu um negro meu é outro de Manoel de Corrêa, de pura fome e miséria : também morrerão nelLe um branco, e um índio pelo muito pi- nhão e mel de que se fartaram.

B' o que se me offerece dizer e informar por ora a V. Rma., debaixo do Juramento do meu cargo. Porto do Rio Grande de S. Pedro, 21 do Ferereiro de 1738. Francisco de Sousa e Faria.

ROTEIRO

DO CBRTÃO E MINAS DE INHANGUERA, VINDO DA VILLA DO CORITIBA PAKA ELLAS

Partlndo-se da povoação de Coritiba, pa^sandose o rio Grande da dita povoação, se vai logo buscar o rio Grande pequeno, que é o que chamão Iguassú-merim, e passando este se irã alongando mais para o campo largo, por não ir rompendo mattos por cima da serra.

Dahi começarão a buscar o rio Negro, chamado Una, que é rio de Jangada por ser fundo. Passando-se este rio caminhando pelo rumo du Sudueste, darão com um ribeirão que cortando um pinheiro alto passarão por cima delle ; o qual ribeirão foi agoada do Gentio Gabelhudo, e o Rio pela lingua da terra Inhanguera.

Logo passarão outro ribeirão pequeno chamado Itupeba e avistarão logo a uma serra que corre para o poente, não alta, que pôde estar desviada da nossa serra do mar, 2 léguas o meia pouco mais ou menos.

Pela ponta desta serra passarão e darão com faobina dos Certanistas do tompo do gentio, chamada Garcelhos, e logo aviitarâo o morro Negro, chamado pela lingua da terra Biturúna, o qual morro vae afossinhar sobre o rio Uruguay»

491—10 Tomo j-xix r. i.

^42 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Este morro negro tem um campo ao mui grande, mui razo, e com moitissimos veados^ maltas Emas, muitos Cervos, e muitos Botiás, que dão muito e boa farinha, e por baixo dos Botiàs tem muita erva mimosa.

Desta Serra Negra caminho de Leste nao poderão errar o morro chamado Ta^ó, que é o que se vae buscar.

Peio da Serra Negra corre um ribelr&o que vae buscar as cabeceiras do dito morro Taijó, o qual morro ó baixo, re. doudo, e agudo çom sua campina ao pó, e tem este feitio.

Tem também sua campina da banda do Norte, e da banda do Sul matto grosso carrasquenho, pelo deste morro podem buscar ouro ; e quando se queirão alongar para os mattos do mar,não seja pela parte do Sul, seja pela parte do Nordeste, que dali maaão as cabaceiras todas do Pajay-merim, que n&o pode- rfto deixar de achar ouro.

Estas s&o as chamadas Minas de lohanguera, tão afamadas como as antigas, e ficfto no certão da Enseada das Guaroupas e Ilha de Santa Catharina.

As Serras da Costa do mar vão acabar e afossinhar perto a um rio chamado Taramandy, o qual está abaixo da Laguna 40 léguas pouco mais ou menos ; deste Rio ao Rio Grande de S. Pedro *da Costa do mar fazem 35 legoas pouco mais ou menos, e doado acabão estas Serras para adiante se não tem mais terras aUas, nem serra aiguma, até o dito Rio Grande e sua Campanha,

Na dita paragem onde acabão estas serras do mar ó que se sobe, por ter menos diffioaidade a chegar ao campo, no qual se dará com pinhejraes, e na dita paisagem vindo mais para a banda da Laguua farão diligencia por umas pedras toscas as quaes chamão pedras de coco, estas arrebentão com o sal, e do âmago lhe sahem umas pedras pequenas toscas, a outras lizas, uma cor de bagos de romã, outras roxas e oqitraSí brancas como cristai, e todas estas pedras são finas dcy^is de lavradas.

Para se descobrir e entrar para as minas de Inhanguera» é mais perto, e mais fácil entrar por este caminho donde acabão as serras do mar como fica dito, dq quo pela Yilla de Coritiba.

NOTÍCIAS PRAtlCAS 243

Este roteiro ó o mesmo, que diz trouxera comsigo o Sargento-mór Francisco de Souza e Faria, que se o seguira abrindo o caminho a onde acabão as serras e não em Ara- ranguà, nunca experimentaria em perto de três annos que gastou nelle, as fomes e as misérias que são notórias, verdade 6 que culpão nesta parte ao Capitio-mór da Laguna, que por seus particulares interesses, llie quiz fazer ímpossirel a jornada e o caminho, Ílausilitando-Ihe a entrada pela parte mais difficuN tosa que ha para esta abertura.

NOTICIA 2/ PRATICA

DADA AO P. M. DIOGO SOARES SOBRE A ABERTURA DO NOVO CAMINHO PELO PILOTO JOSÉ lONAClO, QIE FOI E ACOM- PANHOU EM TODO ELLE AO MESMO SARGENTO MÔR FRANCISCO DE SOUZA E FARIA

NOTICIA— 2.» PRATICA

Dada ao P. M, Diogo Soares sobro a abertura do novo caminho pelo Piloto José Ignacio, que foi o acompanhou em todo elle ao mesmo sargenlo-mór Francisco de Souza e Paria.

Subidti a Serra, e sahiDdo no alto delia se logo, R>^*. Sr., com um campo admirável, que á uivei da mesma Serra, e abunda de capões, pinheiraes, e em partes de mattos carras- qaentaos, com muitos e rarios córregos» de que a maior parte desagoSo otm^o dentro, caminho de noroeste e poente*

I^go da sabida do matto ao Norte distancia de um quinto de légua pouco mais ou menos se uma cruz ao d^uma lomba, e beira de um riacho, que corre como os mais ao poente, mais adiaato ao mesmo Norto se passa logo outra Lomba não menos alta quo a passada, tem varias pedras no cume, e pelo lhe possa um riacho, que nasce na girande serra do mar.

. Passada esta Lomba caminho de Noroeste, e distancia d'uma legoa se encontra outra cmz em um alto que se chama Ar- raial Grande, de onde continuando ao Norte achamos outras cruzes a pouca distancia umas das outras, até chegarmos a uns pequenos morretea que se avistSo da Real grande, distáo delia 3 legoas.

Passados estes morretes seguimos ao Nordeste, encostados sempre á Serra, achando sempre os mesmos vestfgios de Fap^, e por entre os capões algumas picadas abertas, e seguidas, muitas Lombas, riachos, e catingas, emAm terra toda enchar- cada, por respeito das muitas lages que em si tem. Neste mesmo caminho 2 legoas dos morretes a Lesnor leste está o ribeirão das Lages, com multo bôa passagem, e pouoo mais de meia legoa adiante ao Nordeste e dos Porcos, com não menos igual passo entre dois morros, um e outro, não sendo tempo de agoas, oão tem de ftando mais que 3 palmos.

248 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Seguido avante 6 legoas ao Nordeste dêmos em uma Lomba bastantemente alta, que chamámos a Boa Vista, e dalla vimos na costa do mar a LAgoa de Guarupaba que está íhm- teira aos morros de Santa Martha. A dita Lomba corre coisa de meia legoa Leste Oeste, e floa Noroeste Sueste com a dita Lagoa Gaarupaba : pelo Sul desta mesma Lomba ha bastante matto, e nelle caminho f^ito, e no alto uma espaçosa chapada com uma formosa cruz.

Desta Lomba, seguindo sempi^e a serra, e o mesmo rumo, dêmos com vários morretes, em que ach&mos um bom caminho feito a fouce e machado, mas durou pouco, por que nos mette- mos logo em uns taes matagaos do taquari miúdo, e tSo fechado que apenas divisávamos a Serra que era a nos^a balisa : nSo nos faltarão antas, mas muito pouco pinhfto, por causa da hu- midade, e fragosidade da Serra. Chegamos finalmente a uma baixa que fica entre dois morros dos quaes o que fica para a parte da Serra ô o mais alto, e se chama o morro do Incêndio : com o mesmo nome de Incêndio lhe passa pelo um ribeirôo que corro a Leste Sudoeste* e distará pouco mais de 6 lagoas da Boavista.

Passado, e seguido avante ao mesmo rumo por campos sem- pre, e alguns capões de matto, entramos logo a mui pouca dis- tancia de caminho no matto doe desertores. Consta este de vá- rios campinhos, mattos carrasquenhos, terras encharcadas, e descidas e subidas d 'alguns morros.

Passado o matto dêmos logo em outro muito mais grosso* e nelle com o rio das santas que distará 5 legoas do morro do Incêndio ; corre ao Noroeste, e tem de largo na passagem 15 braças, o 4 palmos do fundo. Tem todo este matto muita caça, multo pinhão, excellcntes pastos, boa cera, mas* muito pouco mel.

Passado o rio das Antas nos avesinhamos mais á Serra su- bindo e descendo grandes morros, atô darmos em um campo quechamão da retirada : terá este pouco menos de legoa de comprido, e em partes meia de largo ; deste campo seguimos ao Noroeste afastando-nos da Serra, e a pouco mais de 2 lé- guas dêmos no Rio da Vaca com 4 braças de largo, e de fundo 2 palmos : seguimos o mesmo Rio, qne corre ao

NOTICIA •2.* PRATICA 249

poente, e depois de o passarmos 15 yeees chegámos ao de Santo André com 12 braças de largo, e de fundo pouco mais de O palmos. Este Rio de Santo André á o mesmo Rio da Vaca, esó nesta ultima passagem muda o nome ; não falta por aqui caça, e mel, tem algum pasto, campos queimados, e algumas restingas do matto grosso : Dista o campo da retirada do Rio da Anta 6 legoas, e o da Vaoa pouco mais de 7 de Santo André.

Passado este a pouco mais de 2 legoas camintio de Norte e Noroeste, chegamos a um campo que cham&o Santa Luzia, e caminhando por elle meia legoa ao Ponente dêmos no ribeirão da Faxina e é em si pequeno, mas para se passar necessita de es- tiva, porque atoUa muito.

Passado este 4 legoas ao Noroeste corre ode S. Thomô com 10 braças de largo, e 4 palmos de fundo na passagem mas encantilado d'uma e d'outra parte ; e caminhando avante chegámos ao ribeirão do Norte distante do de S. Thomé p^moo mais de legoa e meia: 4 legoas ou 5 ao Pouente, cominhando sempre pelo mesmo campo pass&mos o ribeirão dos Cavallo0 com 10 braças de largo, e 13 palmos de fundo, quando ha aguas.

Noste Ribeirão dão flm os campos de Santa Luzia, que estão cercados todos de grandes morros, e terão em circuito 20 le- goas ; tem porém em si muitas catingas, capões, pinheiros, e taquaras o por baixo muHa congonha, e algum mel, pouca caça, e em parte nenhuma : é tudo terra enchuta, e com muitos bons pastos para gados.

* Quasi pelo meio dos ditos campos, passa o Rio da Vaca, ou o Passaqainze, buscando sempre o Poente, e engrossando-se do cada vez mais. A Serra desde o campo da retirada até o ribei- rão dos Cavallos corre a Lesto, o deste ribeirão começão os campos de Tayó, como também a avistar-se o dito morro quasi ao Noroeste : seguindo avante pelos mesmos campos a Leste e Oesnoroeste chegámos outra ves a passar o ribeirão dos Caval- los por cima d'uns paus que lançamos para isso; d*uma e d'oatra parte, haverá entre estas duas passagens pouco mais de 12 lé- guas : 3 legoas mais adiante caminho de Leste o tomá- mos a passar em outra semelhante ponte, e seguindo daqui ao Nornoroeste em basca no Tayò dêmos com o Birirobáo, e assim

250 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

deve-se advertir, qne no traressio desta primeira e seg^anda passagem do ribeirão dos Cavallos, adonde virem dois ribeirões que correm para a Serra, ambos de lages, reparem qoe o morro que delies se avista a Loesnoroeste, estando o tempo claro nâo é o Tajó, mas o Birimbáo.

Pica este Birimbào sobre a serra do mar e delle nasce uma outra serra que corta ao sudoeste, e parece negra ; ohama-se a Serra do engano, terá de comprido 5 legoas, e olhando^se de longe para eUa parece qua se divide do morro do Birimbào, mas Ô engano, porque toda é a mesma: tem ao seus campestres, e captes, e para mais conheconça alguns pés de Botiàs grandes, o que se não acha desde a ultima passagem do ribeirão dos Ca- vaUos at6 ã ponta do Sudoeste desta Serra do engano, que se- rão pouco mais de 8 legoas: neste travessio se passão 5 ribei- rões, que em tempos d*agoas, são rios de 2 e 3 braças de l\indo, e 12 e 15 de largo.

Seis legoas mais avante caminho do pouente demos com um campo razo j& queimado, e nelle com muitas cruzes. Aqui volta a Serrado mar caminho de nornordeste, e daqui se avista também ao mesmo rumo outra serra quasi tão alta como a do Engano, lançada de Leste Oeste, chama-se a Serra da Onça, terá de comprido 5 legoas, e tem por conhecença uma lomba que despede da ponta, e olha para o nascente.

Pela ponta desta lomba ó que seguimos caminho por cam- pestres o restingas. Da berra do Engano a esta Serra da Onça haverá 18 legoas, e no travessio 7 ribeirões grandes, mas tudo campos, ficando-lhe os mattos da serra sempre á vtsta, os quaes vem afossinhar no mesmo campo, formando outros quando rematão.

Duas legoas mais adeante da ponta da dita Lomba, e ca- minho de noi*deste, entramos na restinga grossa, tem 3 legoas de travessia, pouco matto grosso, sem pasto algum de capim, mas muito e boa folha de taquara.

Sabidos deste matto passamos 7 campinas com bellos pastos, distancia de legoa e meia, e no (Lm delias o rio das Canoas que costuma ser o desembarque dos que rodão de Curitiba pelo rio grande abaixo. Legoa e meia mais adiante chegamos ao alto da , Lomba grande, da qual se próximo á parte do nascente uma

NOTICIA 2. •PRATICA 251

l&rguesa grande de matta» qae segundo julgo vio feneoer, na Serra do Mar: tem a dita Lomba grande om despenhadeiro para a parte do Nascente, e olàsundo delia para a parte do Sueste se estar sobre a Serra do Mar, um morro só, quasi redondo, do feitio de uma oella: floa a dita Lomba no matto de S, Joio, ò qual terá de traressia 7 ou 8 legoas ; no meio deste matto ha um ribeirfto que oorre para o nascente o<Hn grande bar- rooada, d\ima parte, e outra, muita pedra, e 4 bragas de largo com 2 palmos de Aindo, e se chama o Ribeirio de S. Joio.

Qoasi na sabida deste matto floa outro ribeirão que ohamib o Criste, oom 4 palmos de fundo na passagem, e 7 braças de largo: passado este, subimos uma ladeira, e continuando pelo mesmo matto, caminho de nomoroeste qnasi nm quarto de legoa chegamos a Desejada. E* .esta uma campina que terá 2 legoas de circuito, com muito e bom pasto, tem porém um pan« tanal que a cinge quasi toda pelo Norte, e no mais estreito uma grande estiva com 128 pranxOes: aqui ha também um ribeiro chamado o Desejado com pouco mais de 5 braças de largo, e de íhndo 3 palmos, e daqui é que começa o matto do Desenganei e a pouco mais de 2 legoas o ribeiro do mesmo nome : passado este caminho de nornordeste, e O legoas de distancia por mattos e campinas, chegamos a outro ribeiro chamado de S. Lourenço, terá IO braças de largo, e 4 palmos de fundo, e daqui principia o Oampo Alegre.

Entrado nelle caminho de nordeste, e distancia de 2 legoas, Uca o rio do mesmo nome do Campo, tem 5 braças de largo, e 3 de ftmdo, e deste a legoa e meia, e sempro do mesmo rumo âca e ribeinU) de Bartholomeu com 8 braças de largo, e 3* palmos de íhndo no sitio em que o passamos: mais adiante caminho do norte fica o rio Qrande pequeno ; terá de largo 12 braças, e pouco mais de 5 palmos de fundo, e distará do de S. Bartho- lomeu 5 legoas.

Seguindo o mesmo rumo do norte 7 legoas mais avante demos no rio Grande da Coritiba, e passado este sahimos com o caminho pouco mais de 9 legoas distante da mesma villa, junto ao Capio Bonito, que é uma legoa digo das Fazendas do Sar- gento raór de Santos, Manoel Gonçalves d'Aguiar.

252 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Isto 6 o qne poeso iaformar a V. Rma», segando o que obserrei neste caminho, no que tooa as alturas nSo posso diaer nada, porque nem as misérias que pafisei nelle, Jantas oom a fiBilta de mantimento, nem a pouca saúde que sempre tive me deriU) logar algum para a mais minima observação. Porto do Rio Grande de S. Pedro 29 de março de 1738, José Ignacio.

Desta laformaçSo se colhe com evidencia a facilidade com que se asseverou ao General de S. Pulo, e este á Corte, que a sabida do matto, e entrada do campo da Vacaria no alto da Serra» estava em 28 e 20 de latitude Austral, motivo que obri- gou a crer-ae de que estes campos e gados entestavão não com a Ilha de Santa Catharina, que segundo o Roteiro Português está na mesma altura, mas ainda cora a Villa de S. Francisco» porque nem este Piloto tomou altui*a alguma, nem a ilha est& na em que diz o nosso roteiro Portuguez, mas muito mais ao norte, como o está também o morro de SanfAnna» ou Gambi- rera, distante tantas legoas quantas diz o primeiro descobridor do rio dos Poieoi até onde chega o gado.

Ougamos agora ao coronel Christovão Pereira d*Abreu, e ao seu Piloto» qae foriU> os segundos que entrarão ao caminho» oomferidas as soas com as minhas observações feitas não na ilha mas no rio Ararangaá, se verá manifestamente o erro daquelle informe, além de que, se da ilha de Santa Catharina ã laguna ha 18 legoas» e desta ao rio Araranguá 15 legoas ou 13» e o dito caminho sahe no alto da serra ao sul do rio, como é pos- sivel enteste com a ilha de Santa Catharina ?

NOTICIA. 3/ PRATICA

DADA PELO CORONAL GHRISTOVAO PEREIRA DE ABREU, SOBRE O HESMO CAMINHO AO R. P. M*. DIOGO SOARES

NOTICIA 3.» PRATICA

Dada pelu coronel Christovâo Pereira d' Abreu, sobre o mesmo caminho, ao R. P. M. Diogo Soares

Pede-me V. Rma. o informe do novo caminha qao abri peio oertâo para a Yilla de Coritiba, as utilidades que so podem seguir delle, e também osseus inconvenientes. Melhor poderá íV zer esta deligencia, se me achara aqui com um mappa que fiz do dito caminho, e dei ao Exm. Sr. Conde de Sarzedas, Gover- nador e capitão general que foi da Capitania de S. Paulo, mas na falta delle, direi o que tiver presente na minha lembrança, certo, de que a prudência de V. Rvma. disculpará os meus erros.

£* bem sabido» que por tdâtA de gados, e principalmente de cavalgaduras, se não tem desfrutado mais os grande, e ricos thesouroSy oom que a providencia divina dotou e enriqueceu nesta America os vastos domínios que S. Magestade nella possuo, e que nas goucas que ha pelo seu grande valor con- somem os vassallos muita parte dos seus cabedaes.

Querendo dar-lhe remédio António da Silva Caldeira Pi- mentel, que Governava S. Paulo, discorreu mandar abrir o caminho para por elle se introduzirem destas campanhas na- quella Capitania, e nas das Minas, gados e cavalgaduras, (to sorte que se utilisassem osVassallos, e augmentasse a Fazenda Real de Magestade.

A esta diligencia forão sempre oppostos vários moradores das ilhas de Santos, Parnaguá, e Coritiba, e da mesma sorte os da Villa da Laguna, e de Sta. Catharina, estes porque vi« vendo retirados, ou por crimes, ou por outros iguaes motivos, como régulos sem obediência nem terror algum de justiça, re- oeosos de que eom a abertura do novo caminho perderião as suas liberdades, o fazião impossível; e aquelles, porque senda

256 KKVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

S^enhores d^aiguiuas J imitadas fazenlajs, queba aos Caaipi>6 dt^ Ooritiba, temião o flcar com muito meuos valor, o por segui- rem a sua opiQíào, publícaudo com arestos íalsos de Paulistas antigos serem aquellos Certoes impraticáveis, querendo tam- bém persuadir-nos, que b'endo aquollas terras confinantes com aa Aldeias dos P. P. Castelhanos, poderíamos sul* invadidoà pelo Oonnollas aldeiados.

Contra todas estas opposições resolveu o dito (ioueral An- tónio da Silva Caldeira, mandar penetrar o dito Certâo, prin- cipiando deste Rio Grande de S. Pedro, o a e^ta diligencia despachou ao Sargento- mór Francisco d(s Souza e Faria, man- dando-lhe assistir com todo o necessário por conta da Kaeeuda Real» e dando-ilio ordens amplas, para que as Gamaras da todas as ViUas, e Capitães-móres delias lhe dessem toda a gente, u o mais que lhes pedisse.

Neste tempo me achava eu na nova Colónia do Sacramento, o tendo esta noticia, me puz Logo a caminho a ver o estado em que se achava esta diligencia, e chegando á Villa da Laguna achei ao dito Francisco de Souzx com alguma gente, mas quasi impossibilitado a dar a execução ao que se lhe ordenava, por- que oCapitão-mór da dita Villa, ou pelos motivos ditos, ou por oontemplação dos moradores das Villas de Santos, Parna- guá, eCoritiba, com quem era aparentado, simuladamente lhe fttzia impossível, principalmente na gente» porque tanto se lhe alistava de dia como lhe fugia de noite; o vendo-o eu neste es- tado, cuidei em applicar-lhe o remédio, fazendo-o primeiro oongraciar o dito Francisco de Souza, com o Capitão* mór a qoem não íiUlava, e tive a fortuna de que oLle se puzesse a ca- minho com boa ordem e a gente necessária em Fevereiro do 728.

Deizando-o nestes termos me recolhi à Colónia, cuidando em fazer vma tropa de cavallos, c bostas muares para metter pelo novo caminho, e na consideração de que o acharia feito, parti daquella Praça com 800 cavalgaduras, e cheguei a este porto nos fins d'Outubro de 1731, e passando a parte do Norte achei varias pessoas com um grande numero do animaes para entra« rem ao dtto caminho, e sem embargo de haver noticia certa, que 06 descobridores tiohão sahido fora, nenhum se auimava a

NOTICIAS A DIOGO SOARES 257

i88o; assim por se dizer que o tal caminho necessitava de refor- mado, e de muito beneficio, como pot umas vozes vagas que corrião do haver gentio dos P. P. em cima da Serra, o que me resolvi a ir em pessoa examinar levando comigo três peisoas, confiado em trazer cartas do Provincial das Missões para o General de S. Paulo, e para quem commandasse o dito gentio, e chegando acima da Serra me demorei dois dias, s^b ver mais que campos e gados.

Voltando desta diligencia deixei a tropa da banda do Norte, passei a Santos, e a S. Paulo a fisLlIar ao General António da Silva Caldeira, como também a buscar nova providencia de gente, armas, ferramentas, e munições, para a dita entrada com novas ordens do dito Qeneral, que mo deu liberalmente, e com effelto chegando de volta, e seguindo 00 ramos dos pri- meiros descobridores entrei pelo Rio Araranguá com um Pi- loto, e sessenta e tantas pessoas, occupando muita parte delia no beneficio do caminho, em que gastei dilatado tempo em até sahir a Serra, por serem mattos muitos espessos, morros, rios* córregos, e pântanos, em que precisamente se havião de fazer pontes e estivas.

Feita esta diligencia mandei marchar as tropas divididas em trossos, que entre a minha, e a dos particulares erão perto de três mil cavalgaduras, e cento e trinta e tantas pessosas ; sahidas esta me acampei, o mandei ver, e examinar logo o caminho dos primeiros descobridores, o vendo que a pouca mais distancia tornava a entrar em grandes asperezas, por se encontrar sempre a serra, e que precisamente dava uma grande volta pelo rumo que levava, determinei buscar outro s entrando mais pela campanha, o receando a grande demora que poderia ter, tomei a providencia de levar comigo perto de 500 vacas qne mandei colher naquelles campos, e nesta forma ftii continuando a minha diligencia, que conclui, gastando nella treze mezes, e topando em partes como o caminho ou picada dos novos descobridores: cheguei a Villa de Coritiba. deixando-o na ultima perfeição com estivas, canoas em rios, e mais da 300 pontes, de sorte, que em menos d*um mez gente escoteia a podia passar todo o em que gastei 13.

491 17 Tomo lxix p, 1.

258 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Sabida a Serra se compõem aquellas terras d'ama apra. zivel vista, com campos mui dilatados, cruzados todos de vários córregos de cbristallioas aguas, que correndo para liCste, formão vários rios caudelosos, que sem duvida irão desagoar no Grande Rio da Prata, ha também nelles muitas qiadeiras, bons mattos, e grande numero de pinbaes.

Logo a subir se topa com gados que cbegSo aomente aeom- panhando o caminho ató a cruz chamada dos Tapes, por um^ que ali acharão os primeiros abridores, .mas entrando para dentro se topa um grande numero do dito gado em campos nçioi dilatados, que vâx) confinar com uma grande Serra, em uma grande distancia que se mette de per meio com as terras das aldeias dos P. P. da Companhia, a qual Serra fez uma quebrada com mattos mui espessos, e ó por onde os di- tos P. P. ha poucos annos, com muito trabalho, e força do braço, e machado, abrirão caminho para passar os primeiros gados, o que aei pelo mandar examinar por duas possoas de quem me fiava.

{Istando eu naquellea campos por varias vezes do dia vi pegar fogos, e. a primeira me deu algum cuidado, e toda a tropa, por entender-mos seria gentio, mas mandando*se exa- minar se não achou signal algum disso, e viemos a en- tender, que nascia do grande numero de christaes que ha por aqueJUes campos e córregos, não de varias cores, mas lapi- dados, e tão finos, que com a força do sol pegão fogo, ou d*uns cocos de diUèrentes tamanho formados pela natureza por fora d' uma fina pederneira, e por dentro de uma pinha de cristãos lapidados, que ao arrebentar com o sol faz o m^mo efifeito.

Além do referido com que a natureza formou e creou aquellas terras tem admiráveis paragens para creações de giidos, e tem mais a ezcellencia de serem tão salutiferas, que em todo o tempo que gastei naquelle sertão não houve uma sangria, nem me morreu mais que um homem, que entrou mui doente. São também muito farta de todo o género de caça, mel e pinhão, e mui férteis para todo o género de plantas^ como eu experimentei nos campos dos Coritlbanos, onde tive alguma demora.

NOTICIAS A DIOGO SOARES 259

Sobre tudo isso promettem muitos haveres, e nSo meoos augmento para a Fazenda de S. Magestade, pois as cavalga- duras que entrarão em minha companhia renderão para a mesma Fazenda mais de 10 mil cruzados, e se tivera conti- nuado, se com a occasi&o da guerra do Rio da Prata não fora preciso vedar o dito caminho para não divirtir assim a gente como os cavallos, de que se podia necessitar, e isto sem experi- mentarem já tanta mortandade nelles, como eu, e os que forão comigo experimentámos, assim (lor estar o dito caminho perfeito, como por se povoarem os campos de viamão, e se descobrir nelles novo atalho á subida da serra, que ô onde se experimentava a maior perda, sem que possa haver inconve- niente algum que o embarace.

Porque o affectado temor, que nos querem introduzir os apaixonados de sermos invadidos pelos Tapes, se não pode recear em nenhum tempo, assim pela estreita garganta por onde sabemos entrão naquellas terras, com 50 armas se lhe pôde cortar o passo : como por ser aquella nação tão traidora, como cobarde, incapaz de por si combaterem com outra alguma, como á poucos annos se vio nas differenças que tiverão com os Paragaes que bastarão 500 destes para passar á es- pada 4000 para mais de Tapes.

Menos nos devemos persuadir que peção socoorro aos Hes- panhoes, pelo grande ciúme que os P. P. teem de que estos lhe entrem nas Aldeias, temendo perde-las ; finalmente parece indigno de vir á imaginação, que por temor de semelhante gente haja S. Magestade se deixar usurpar os seus dominios, e perder as grandes conveniências, que pelo dito caminho podem resultar á Sua Real Fazenda e vassallos.

NOTICIAS PRATICAS

MINAS GERAES DO OURO E DIAMANTES

QUE Vk DO R.P. DIOGO SOARES O CAPITAO-MÓR I.UIZ BORGES PlXTO,

SOBRE OS SEUS DESCOBRIMENTOS DA CEI.EBRE

CASA DA CASCA COMPREIIENDIDOS

NOS ANNOS DE 1726-27 E 28, SENDO GOVERNADOR E CAPITÃO

GENERAL D. LOURENÇO D*ALMEIDA

NOTICIA- 1.» PRATÍCA

Que d& ao R P. Diogo Soares, o Gapitão-mór Lais Borges Pinto, sobre os seus deacobrimeatos da celebre oasa da casca oompre- hendidos nos annos de 1726-27 e 28, sendo GoTernador e Capitão General D. Lourenço d'AImeida.

I*RIMBIRA. TIÂOBIC

Sahl do Arraial da Gnarapiranga nos princípios d*Abril de 1726, com 97 armas toda>< A minha casta, e providas de fkcSeSi patronas, pólvora, e ohambo, o Pratico a oitava, e os mais á propor^ : sahio também comigo o R. P. Manoel da Silva Borgos, que sempre nos disso Missa a meia oitava de esmola. A primeira marcha qae fizemos, foi á barra do Xipotó,gastAmos nella dois dias por est ir por a^uella parte feito todo o ca- minho, é todo matto geral com bastantes rossas, fazendas e lavras, e algnmas n^ tem dado pouco ouro. Passado o Guará»* piranga, e o Xipotó, no sitio de Manoel Valente, comecei a romper o matto, que ha, e grosso, buscando o sul, e costeando o Xipotó ; depois de IS ou 13 dias de boa marcha, voltando quasi ao sueste, fui dar com um quilombo de negros, que ttve ao principio por alguma aldeia de gentio pela forma, rossas e ranchos, de que estava provida: forão cercados, en vestidos, e mortos quatro, e os restantes se amarrarão para serem remet- . tidos a seus Senhores.

2 Ficava este quilombo n&9 cabeceiras d*um córrego, que cham&o o Turvo, e desagoa no Guaraplranga 6 tegoas abaixo do Xipotó, e antes do sumidouro. Daqui fui buscar logo as cabe- ceiras do rio dos (Coroados seguindo o rumo do susudoeste: gastei na viagem 17 dias, é tudo matto grosso com bastante caça e vargeria. Nestas eabecettas íhi ameaçado do gentio chamado

264 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Lopo, que habita ncllas, e por todo o rio Lopo, qoe lhe o nome. Este rio é o que vem do Pinlio novo, e Velho, a se passa nelles no cAminho geral do Rio de Janeiro para estas Minas, o com outra cabeceira, ou riacho, que nasce, e corre da ponta da tromba da serra da Casca, forma por entre a mesma serra, e o morro redondo, que lhe fica quasi ao Oesnoroeste, o dito Rio Lopo, que recebendo em si da parte do Leste ao Rio Fundo com mais alguns córregos se vai metter no Parabuna e esta na Parahyba.

3 Das Cabeceiras dos Coroados abri picada costeando o mesmo rio e encostado sempre a serra com bastante trabalho e perigo ; cheguei ao Rio da Casca que desagoa nelle, e nasce na mesma Serra, gastando neste caminho 81 dias.

Fiz rossas na 'sua barra de uma e outra parte do rio^ e para mais deligcncias, que nelle fiz, não achei o ouro que precisou aos paulistas a deixarem as suas casas pelo «eu descobrimento, porque ó tudo vargeria e matto grosso.

Desta barra dos Coroados correndo abaixo o mesmo rio dei em um córrego, a que puz o nome Poço grande, gastei 7 dias nesta picada. Puz*lheuma cruz por mostrar algumas ílsiiscas d'ouro.

Não passei adianto por me faltar o mantimento e temer ao gentio, c assim atravessando os Coroados, vim com a nova picada, e mais direita, sahir ao quilombo por entre maito fe^ chado, e vargerias. No quilombo lancei novas rossas, e delle parti com toda a tropa para a Gnarapiranga, trazendo comigo os negros, que tinha deixado nello com guardas, e sahindo nos principies de abril chegou nos de Outubro do mesmo anno.

SEGUNDA VIAGEM

No anno seguinte de 1727 sahi segundo vei aos 17 de Maio com 44 armas, vinte cargas, e sem o R. P, Manoel da Silva Borges, que seguiu diversa picada. Passei o Gnarapiranga no Sitio do Medeiros, o Xipotó no do Velloso, e abrindo picada até o primeiro bi^açode um pequeno rio, que entra no mesmo Xi- potó da parte do Leste, ti*es legoas abaixo do Velloso, reparti

NOTICIAS A DIOGO SOARES 265

nelle a gente, elevando comigo dezoito armas, foi costeando o rio, e o Xipotó, basoando-lhe as cabeceiras, nellas achei o Mello, que trouxe então comigo para me servir de Pratioo, e valerme também com algumas armas.

Pela mesma picada voltamos ao Sitio, onde tínhamos repar- tido a gente, e achávamos no quilombo.

2— Nesta picada que Az para o Mello, achei signaes de gen- tio ; e com efiEéito tinhSo morto ao mesmo Mello no seu mesmo sitio a uma india, e nos mattos visinhos dois mulatos. Do qui- lombo fui buscando o caminho e picada, que tinha deixado feita no anno antscedeute, e para ella as rossas do Rio da Casca ; cheguei aellas depois de alguns dias de viagem a 26 de Julho dia de N. S. de SaQt*Anna,«e achei nellaR. P. M^moel da Silva, com a mais tropa, que o acompanharão.

Aqui me deixou o Mello, deixaado-me também sete ar- mas, por lhe ser preciso voltar as ua oasa, e não sem risco pela noticia que teve de lhe fugirem delia os negros na sua ausência.

3— Nestas rossas acheijà colhido os milhos, e feita nova matalotagem, marchei abrindo picada ató o da Serra, onde cheguei depois de quatro dias de marcha ; Subia no primeiro de agosto com insuportável trabalho, em que gastei 7 dias, e quatro em a descer, para que ó altíssima; passada esta, subi logo outra Serra, entrando por uma quebrada delia, mas não com tanta facilidade que não gastasse três dias em a subir e descer ; e deixando outra a mão esquerda, que tem a ponta ao Sul e corre como as mais qiiasi ao Norte, dei em um grande ribeiro, a que dei o nome de Rio Fundo: e costeando por elle abaixo sempre ao Sul encontrei outro, que se mete no mesmo Rio Fundo, da parte de Leste, e nascem ambos nas ditas serras da parte do Sul, e um e outro desagoa no Rio e Lopo e este na Parabuna.

Gastei nesta picada 57 dias com os de falha que forão nove, para descanço da Tropa.

Restabelecida a Tropa passei na barra este rio, e costeando o Fundo um ou dois dias, me resolvi a voltar pelo evidente perigo do gentio, que habita por todo o Rio Lopo, e tanto que nos cahião noa ranchos, e nas picadas as folhas das suas

266 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

queimadas, e assim seguiu pela mesma picada o caminho das serras, e antes delias tive algumas das folhas aoima ditas, e descobri também no mencionado ribeiro, que entra no Rio Fundo, boas mostras d'ouro.

4— Tornei a subir a Serra, e vendo, que era tempo de planta precisa para sustento da Tropa, busquei entre as duas serras as cabeceiras do Poço Grande, e nellas lancei uma rossa ; oocupou-se neste servigo alguma gente, em quanto eu com a mais marchava ás rossas da casa da casca a prover- me de man- timentos, conduzido esto á cabeça dos negros segui logo a mes- ma serra pela volta que faz ao Norte, e desci por uma quebrada gastando na viagem cinco dias.

Nestes dei com as oaBeceiras do Rio Abatipó, e correndo por elle abaixo lhe encontrei as aguas mortas, e vermelhas em bastante distancia, e vi, que estas despediâo ao depois em uma grande e forte correnteza, que segui, e esperimontei achando nella alguns signaes de ouro.

No ílm desta correnteza passei o Rio para a outra parte de Leste, e socavando-o também achei ouro. Passado este dei em outro rio, que nao sei, se é o que chamão Capibari e desagoa no Ribeirão do Carmo, ou Rio Doce, se braço ou cabeceira Rio Tapeba, porque lhe nSo vi a barra.

õ^Passado este busquei logo o Taplba, e depois o Rio CnyetÒ, mas antes de chegar a ellè, me vi precisado a voltar-me por medo e receio do gentio, que nelle habita, e é innumeravel, de que eiuo signaes certos as muitas panella que achamos suas por todo este caminho a lem de que me achava a 8 de outu- bro, visinho ás aguas, e era preciso plantar as rossas da Casca e quilombo para sustento da Tropa, porque as da serra se tinhao' plantado no mesmo teioapo que andei nesta derrota, e asam volteia Casca em oito dias, o desta ao quilombo em cinco, dei lo ao Xipotó em três, e desta ao Guarapiranga em um que foi aos ^ de outubro, deixando tudo preparado e prompto para no anno seguinte fazer nova viagem com as plantas das três rossas pelas mesmas picadas antecedentes, e passar a buscar os Rice Arary, Preto e Pardo, e descer a ver na parte do Norte a oele- bre Bituruna, onde dizem ha muito ouro, e sítios capazes de uma boa Povoaçáo.

NOTICIAS A DIOGO SOAhES 267

TEROBIRA VIAGEM

Nesta terceira viagem, qae emprehendi para os meuâ des- cobrimentos determiaava sahir no principio de Mayo de 1728» e estando preparado com 50 armas, poucas para o fim que intentava, todas como sempre a minha custa, o com o mais necessário de pólvora, chumbo e bala, me resolvi a dar parte ao general D. Lourenço d* Almeida, e valer-me juntamenta da sua actividade, e protecção para me por prompta mais alguma gente, pois a expedição a que agora sabia, era muito mais arriscada que as duas antecedentes, e o sitio habitado de innumeravel gentio : mas como as ordens que para isso se derao, nSo sortissem efléito algum, &ltando-me não s6 a gente, mas consumindo-se-me nestas demoras o tempo, e os mantimentos, que tinha promptos, me resolvi a deixar a viagem do Arary e Rio Pardo, e com élles a da Bituruna, e assim costeando novamente a Xipotó, busquei outra ves o Mello resoluto a lançar fora daqusUes mat- tos um bon^ lote de gentio ooroado, que nos dias antecedentes tinhão morto a taes brancos, e com effeito o flz gastando dais mezes com esta viagem por me entrarem mais cedo as aguas, e não me darem logar a poder passar adiante. Luix Borges Pinto*

NOTICIA 2/ PRATICA

DADA PELO ALFERES MOREIRA AO P. M*. DIOGO SOARES

DAS SUAS BANDEIRAS NO DESCOBRIMENTO

DO CELEBRADO MORRO DA ESPERANÇA EMPREIIENDIDO

NOS ANNOS DE 1731 E 1732

SENDO GENERAL LOURENÇO DE ALMEIDA

notícia 2.» PRATICA

Dada pelo Alferes Moreira ao ?• M. Diogo Soares

das suaa Bandeiras no descobrimento do celebrado Morro Esperança euiprehendido nos annos de 1731 e 1732, sendo General D. Lourenço d' Almeida.

1. Sahi da Villa de N. Sdf^. da Piedade no Pitangul a 15 d* Agosto de 1731, com 20 armas, todas á minha custa. Cheguei ao Bamboy, que ô ultima Fazenda do Rio de S. Francisco, rio acima, depois de 20 dias de viagem, abrindo em todos elles picada por mattos carrasqucnhoB» campos cobertos, e catan* dubas : a poucas marchas passei o Lambary, que é um rio, que nascendo emparelhado com o do Pitangui, entra nelle oito Idgoas abaixo da Villa do seu mesmo nome : mas como perdi o rumo, e temi as agoas foi-me preciso o voltar pela mesmi^ picada, em que gastei 15 dias.

2. Tornei a tentar fortuna, vendo que se demoravSo as agoas, nos princípios de Setembro sahindo pela picada antiga, que vai do Pitangui para S. Paulo, mas abrindo-a de novo por estar já. cerrada com o matto cheguei ao Cururú em 23 dias com marchas pequenas, e algumas falhas, depois de passado outra vez o Lambary.

B* o Cururú um brejo grande, distar& pelo caminho velho de S. Paulo da Villa do Pitangui, donde sahi três dias de viagem. Passado o Cururú cortei ao Pouente a buscar o Rio^ Grande com intento de emprehender o descobrimento do Morro da Esperança, de que dizem os Certanistas antigos ter muito e excellente ouro. Depois soube, que fora lançada, e plantada esta rossa por outros aventureiros do mesmo Morro, mas sem effeito. Situado fiz logo duas canoas, rodei nellas rio abaixo dia e meio de viagem achando d'uma e outra parte do Rio varias i*ancharias que ao depois me constou tinhão sido de

272 REVISTA IX) INSTITUTO HISTÓRICO

duis Tropas qu« sahirão do Rio dos Mortos para os Quayases, pola parte em que a serra das Carrancas faz a primeira cabeça do Rio Graode, e passado o Piauy entraram peia primeira bocayaa, onde sabe um dos braços, oa primeira cabeceira do Rio do Francisco, e buscando o oampo dos Cayapós, forão sabir A estrada de S. Paulo, nu sitio a que chamão de Lanboso. S. A parte, que rodei do Rio Grande é limpa o boa, mas para baixo tem innumeraveis cachoeiras principalmente até o sitio, onde chamão o somidoiro que fica abaixo da barra do Rio Sapuoay oito dias de viagem. São chapadas tudo, e morrerias. Da rossa ou sitio em que ne arranchei lancei uma bandeira, que se recolheu no ftm de cinco mezes de passados innumeraveis trabalhos, perigos, fomes, e todas as mais misé- rias, que costumamos experimentar em semelhantes emprezas os Gertanistas. Busoon-me esta na rossa, não me achou ja nelia por me ter recolhido a Pitangui suppondo-a perdi a.

4. Nesta retirada que foi da rossa para o Pitaagui en« centrei perdido naqnelles mattos ao Capitão Thomaz de Souza, natural das Ilhas, que com outra bandeira buscava a altura dos Guayases com o signal de três morros, em que nasce um formoso Rio, que chamão o 'Rio das Velhas, desagoa no Par- nahiba, este no Rio Grande ; recolhemos ambos ao Pitangui onde ohegamoe a 23 de Junho véspera de S. João. Descansámos na Villa alguns dias, os que bastaram para nos prover-mo.s de pólvora, e munição, e voltando ao oertão seguimos ã minha mesma picada, e a primeira que eu nelia abri, passamos o Bamboy, e nos fomos arranchar no Piauy : gastamos nesta derrota 23 dias por respeito dos cavalloi, em que conduzíamos 00 trastes e mantimentos.

5. —Do Piauy lancei uma bandeira que me gastou hum - mez e foi buscar o Morro, onde as carrancas atravessão o

Rio Grande, e socavado o morro, aohou não ser o da Espe- rança, eomo dizia o Guia : emfim não consegui então aquelle descobrimento ; porque quando o quiz emprohender de novo me desamparou o Guia, indusido d' um Bautista Maciel Paulista, que se acha situado no Piauy, e o mais foi, que não m) me privou do guia. mas ainda de cinco escravas menos, a quem induzio também a me deixarem; e assim

NOTICIA —2.* PRATICA 27B

veado-me som gente, e sem meio para a dezejada oonquista me tornei a reoolher ao Pitangui sem mais lacro, que o que V. R. pôde inferir destas misérias.

6. E' de advertir, que da Bocayna, ou primeira oabeceira do Rio do S. Francisco a estrada gerai de S. Paulo para 03 Guayases, cortando os campos dos Cayapós, são onze dias de viagem ; e da barra do Rio Grande ao Sapuoay seri um mez por matto, e quinze dias pelo rio. Do Sapucay ao Morro da Esperancei serão ires dias : neste corta o Rio a Serra íicando-lhe esta sempre & mfto direita ; fronteira ao morro da Esperança fica o Bituruna— gaassu, este morro exhala fogo, e ha muitas tormentos nelle : dizem que tem muito ouro, e que pouco abaixo delle está uma boa aldeia de Gentio. Do morro da Blturuna á primeira bocayna da serra talhada serão oito dias de viagem, e desta & segunda bocayna quando muito meia iegoa. Entre o Piauy, e a terra ha um grande tremedal, em que são innumeraveis os mosquitos tem: porem muito peixe e algumas poagàs de ouro. Os rios canoas são os rios Grande e pequeno, o Lambary, o Rio Verde, o Juruoca e o Sapucay, que é maior que este nosso rio das velhas, e com muito mais cachoeiras, mas tem bom peixe, a agua ó limpissima, e muito clara. O Alpsres Moreira.

491 18 Tomo lxiv p* i.

XOTICIA 3.' PRATICA

QUE L>A AO R. r**. DIOGO SOARES O MESTRE DE CAMPO

JOSÉ HEBELLO VERDXQÂO. SOBRE OS PRIMEIROS DESCOBRIMENTOS

TAS MINAS GERAES DE OURO

NOTICIA 3.» PRATICA

Quo ao R. P. Dio<;o Soaro.s o Mf^stre do Campo Jozó Rebollo P.Tdijrão, sobre os primoipos descobrimentos das Minas Ooraes do Ouro.

Manda-me Y. Revm", quo por serviço de S. Mag. que Deo0 Gde. e como habitador dos mais antigos destas Minas, o informe dos primeiros descobrimentos digo descobridores delias principalmente do celebro, e precioso Ribeirão de Ouro Preto, e dos mais que nelle entrão ató formar o famoso RibeirSo de N. Snr*. do Carmo ; com particular individuações do qne neista matéria souber, e como para semelhantes em- pregos é a minha obediência cega direi o que se informou ao primeiro Oenerai, que com esta incumbência passou ás Capitanias de S. Paulo, de quem vim por Secretario do seu Governo.

2. Tendo-se feito presente a S. liAagestade o muito alto e poderoso Rei D. Pedro 2.« de gloriosa memoria, qne para estes oertões tinhão vindo os primeiros descobridores do ouro, foi o mesmo Senhor servido mandar a Arthur de e Me- nezes, ás Capitanias de S. Paulo para lhe pôr em arrecadação 08 seus Reaes quintos, e passar igualmeute a estes grandes e preciosos oertdes, e dar as primeiras normas precisas ao au- gmento da Sua Real Fazenda, o que com eíTeJto fez indo pri- meiro a S. Paulo onde se informou dos homens e certanistas mais práticos, e fidedignos, do principio que ti verão estas mi- nas, e sitio em qne se achavão, e com as suas informações formou o Regimento, que fundamos nesta Capitania, com a experiência do que vimos, e experimentamos nestas Minas, o ô o mesmo, que hoje se observa uellas, remetteodo-se pri« meiro ao Conselho Ultramarino, segundo o que ordenou o mesmo Soberano ao Desembargador Josà Vaz Pinto, primeiro superintendente das mesmas Minas.

HEVISTA DO INSTITUTO HlSTOniGO

278

3. Pelas noticias que derão em S. Panlo os primeiros Certanistas, quo yierão do descobrimento das esmeraldas oom o Capitão-Mór Fernando Dias Paes, e principalmente pela d*um Duarte Lopes, quo bzendo experiência em um certo Ribeirão, que disse desaguava no Rio Guarapiranga, de que com uma bateya tirava ouro, e tanto que chegava em Povoado a fazer delle varias peças lavradas para o uso de sua casa, se animario os moradores de todas aquellas Villas a formarem uma Tropa com o intento de buscarem e descobrirem a paragem, ou certão da dezejada casa da casca, onde disião era muito e precioso o ouro.

4. SabiriLo estes do Povoado no Verfto de 1694, trazendo por seus primeiros cabos, Manoel de Camargo, sen cunhado Bartholomeu Bueno, seu gearo Miguel d'Almeida, e Joio Lopes Camargo, seu sobrinho, que ainda hoje existe nestas Minas. Chegados a Itaberaba flzerfto na sua serra as suas primaras experiências, e descobrirão nella o primeiro ouro ; mas oomo este descobrimento nSo fosse de grande lucro, pfosegnlo, o dito Manoel de Camargo, oom seu filho Sebastifto de Camafgo, a sua primeira derrota da ideada casa da oasoa, mas anios de chegar a ella teve a infelicidade do o matar o seu gentio« deixando com vida ao tiiho com mais alguns negros, oom quo este retrocedeu a viagem, retlrandose o gentio para o matto, oomo natural delle.

5. Depois deste primeiro descobrimento se animou a em. prehender segundo um Miguel Qarcia, descobrindo na íbz da Swra da Itatiaya um ribeirão a que deu entSo o nome, e se chama agora o Qualaxas do Sul ; mas como neste descobri- mento recusarão oa Paulistas, ou naturaes de S. Paulo, a dar partilha nas lavras aos de Taubaté, desconfiados astes lan» çarara sua Bandeira, e por cabo deila a um Manoel Garcia, e oom tanta f^iicidaJo que em breve tempo descobriram o oe* lobrado o rico ouro preto. Com osta notícia chegou de Po« voado tanta gente, que apenas se repartiram três braças dn torra a cada um dos mineiros por cuja cansa lançou nova Ran« deira um António Dias, e correndo a mesma Sorra de^cobrio o ribeiro que hoje ohamão do mesmo nome, que com a con« tinuação e disposição que lhe derio, ó agora uma continuada ru^, e forma a rica Yilla de Ouro Preto.

NOTICIAS A DXOGO SOARES 279

6. •— Com a mesma emulado fez 8ua tropa o P.* João da Faria» e em breve tempo descobrio o Ribeiro de sea aome: porém ooma os qoa tiabão mais armas, e mais séquito erão seiw^ nestes desoobrimeiítos os mais bem aquinhoados, deter- minaram os mal contentes formarem noras Bandeiras: uma dietas deseobrio e socavou o Ribeiro que oluanão Bento Roiz, Bome do Cabo, de tanta grandeza, que tiraram nel^ algumas batesradas da duzentas e trezentas oitavas: sendo a pinta geral de doas, e três oitavas ; e foi tanta a gente, que concorreu, qqe no anno de IÔ97, valeu o alqueire de milho sessenta e quatro oitavas» e o mais & proporção.

7. -** Outra Bandeira fez também o Capitão João lopes de Uma, morador no Tibaya de s. Paulo, levando ooQudgo ap P.^ Manoel liOpes, seu irmão ; o Buá, de alcunha^ e desço- bilram o fiunoso ribeirão do Carmo, que mandou r^partir^ es- tando já em S. Paulo, o meu General, nomeando para M^o por Quarda-M6r destas Minas ao Sargento-Mór Manoel iiopes de Medeiros ; O ouro deste novo ribeirão se avaliou então por melbor, que a do ouro preto, por este der miUs agro, e de se ftier em j^daços ao pâr-se-lhe o cunho, tanto que se Julgou por inútil, çhegando*se a vender a oitava por doze e treze vin- téns, na Cidade da S. Paulo, motivo porque se abandonou três vezes aquelle descobrimento, como ou presenciei.

8. Este ribeirão do Carmo se repartio coisa de duas legoas em 15 de Agosto de 1700, dando o descobridor a esperanoa do que para baixo se seguião maiores pintas, e assim se tem ex- perimentado em tantos annos, que se tem lavrado o dito Ri- beirão. Passados dois annos se descobrio também o Ribeirão de António Pereira, nome do descobridor ; a que chamão hoje Qualaxos do Norte : e como este descobrimento foi nas ca* beceiras do dito ribeiro, passou a descobril-o uo n^eio Sebastião Roiz da Qama,porque o seu fim ou barra a descobrio um João Pedroso, descobridor ^também do Rio Brumado, e da do Semi- douro, que não derão menos riqueza. Estes rios desagoão ambos no de Miguel Oaroia, ou Qualaxos do Sul, e todos no RibelrSq do Carmo Junto ao Forquim»

9. No mesmo Ribeirão do Carmo desagoa o Ribeiro do Bom Successo, que descobrio o Coronel Salvador Fernandes

280 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Fartado, deu muita grandeza, e foi o sou descobrimento um anno depois do de Ribeirfio, e o mesmo Coronel o repartio por ordem do meu General, com este exemplo continuaram os mais Mineiros a proseguir os seus descobrimentos, Ribeirio abaixo: e o primeiro que o investigou, foi o GapitSo António Rodova- lho, distancir de dez léguas pouco mais oa menos, hoje do Ouro Preto, e enUo 6 dias de viagem, e se situou, onde V. R."^ me acha agora situado. Passou mais abaixo JoSo Lima Bom- íistnte, e se sitiou, onde hoje é a Freguezia do Bom Jesus do Ifonte, chamado commummente Forquim, e o que depois foi mais abaixo, foi o P.^ Alvarenga, que investigou muita parte deste Cert&o. O ultimo de todos que se situou neste Rio foi Francisco Bueno de Camargo, grande Certanista, e lançou o seu primeiro sitio junto a barra, em que este Rlbeir&o se íd- corpora com o Rio (luarapiranga, maior que todos os mais, e que desagoa nelle por três grandes bocas.

10. Todos estes descobrimentos se íiserSo do anno de 1700 para diante. Esta informação a dou a V. R."** por me achar morador nessas Minas, e neste Ribeir&o do Carmo ha perto de 32 annos, e como V. R.»* me nio encarrega a noticia das mais partes, a não dou, o que íkrei sendo necessário. D.* G/<» a V. R.»* Sr. Ribeirio abaixo, 2 de Janeiro de 1733, José Rehello Perdigão,

NOTA PRIMEIRA

Depois de alcançada esta noticia que ao depois experi- mentei ser verdadeira, se me dice no arraial de S. Caetano 3 legoas antes do do Forquim, e aonde fiz esta mesma di- ligencia que os primeiros seus descobridores forâo sim o dito António Rodovalho da Foncooa, mas acompanhado do Capitão Francisco Alvares Correia, e Sebastião de Fieltas Moreira, e que estando arranchados no Pissarão cam suas rossas, as deixaram ; e entraram a descobrir pelo RibeiriLo abaixo tudo, o que corre até o Forquim, e que a primeira rancharia, que tiohão feito, fora no morro Grande, oode e:?tiveram

NOTICIA A DIOGO SOARES 281

alguns mezos lavrando o dito Ribeirot donde passaram de

pois ao Forquim arranchando-8C e lavrando nelle, e qae isso haveria pouco menos de 30 annos.

NOTA SEGUNDA

o Ribeiro a que esta Noticia chama de Miguel Garcia mm primeiro descobridor, não é o verdadeiro Gualazos do Sul, ainda qne é cabeceira sua ; porque este nasce na Serra da Itatiaya» e o Garcia unido com o do ouro branco entra no do Gualaxo pela parte direita junto ao sitio, onde hoje tem as suas lavras o Dr. Guido. O mesmo succede ao Gua- laxo do Norte, com o de António Pereira, que sendo diver- sos Ribeiros correm a unir-se com o mesmo nome. Notas Ao estas, que nSo mudSo a sustancia desta noticia, mas sâo precisas para algum escrupaloso, etc.

NOTICI\ 4. \ PRATICA

QUE T)A AO R. P. DIOGO SOARES O SARGENTO MÓR JOSÉ MATTOS SOBRE OS DESCOBRIMENTOS DO FAMOSO RIO DAS MORTES

NOTÍCIA 4.» PRATICA

Que ao R. P. Diogo Soares, o ISargento-aiôr José Maltos sobre os descobrimentos do Famoso Rio das Mortes.

O que posso iaformar á V. Revma. sobre o qae me ordeaa, é, quo oo aono de 1702, pouoo mais ou meãos, des- cobrio Thomó Portos d'£l-Rei juoto ao sitio, em que boje está a Villa do S. José, um Ribeiro que ello, como substituto, do Guarda-mór Garcia Roiz Paes, repartio entre si, e alguns Taubatoaoos, onde formaram todos um arraial, a que dorão o uomo de Santo António, levantando nelle uma pequena Capella com a invocação do mesmo Santo, e nesta teve principio a primeira Freguezia deste districto.

2. No anno de 1704, com pouca differenca, morando sobro o Rio das Mortes desta parte, aonde hojo é, e foi sompro o porto da passagem, António Garcia da Cunha Ta- batiano, que por morto do dito Thomó Portos, sen sogro, succedeu em Guarda-mór para a repartição das terras mi- neraes, assistia na sua visinhança um Lourenço da Costa» natural do S. Paulo, que sorvia ao dito António Garcia de bou escrivão das datas ; osto descobrio o Ribeiro que corre por detraz dos morros dejta Villa de São João, para a parto do Noroeste, e foi repartido entre varias pessoas oom o nome do S.' Francisco Xavier, e tem dado, e ainda hoje ouro, e n^ no principio do seu descobrimento, mas em alguns annos depois so lhe acharam em algumas paragens pintas ricas.

3. Neste mesmo tempo um alho de Portugal chamado Manoel João Barcellos, descobrio pelo morro desta Villa, em que hoje so minera muito, e bom ouro, o foi o primeiro quo se descobrio polo campo fora dos ribeiros, e suas mar- gens. Descoberto e repartido o dito morro, o primeiro que nelle se poz a faiscar foi um Sr. Pedro do Rosário, da Ordem

286 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

de S. Panlo e a seu exemplo os mai« que tinhSo na dita repartição sua parte, acharam estes pela raiz do capim muitas e boas manchas, a que naquelle tempo chamavão pa- nollas, de 300, 500 e 700 e mais citaras com tanta flMilidade que convidados delia alguns dos visinhos, e outros vindos de fora, uns pedindo alguns restos do dito moiTO, e outros assoeiaudo-se, formarão arraial ao do mesoio morro, pela paragem que está da Matriz atô ao mesmo morro, com uma Gapelia dedicada a N. S. do Pilar, que depois foi a segunda ft*eguezia, e assim lhe deram o nome de Arraial Novo de N. S. do Pilar em razão do Arraial de Santo António ser primeiro, pelo que ficou sondo arraial velho nome que perdeu creando*o Villa no anno de 1718, ò Condo d^Assumar, D. Pedro d' Almeida, sendo Governador e Gene- ral destas Minas, e dando-lhe o nome de S. José quatro annos depois da erecção desta por D. Braz Balthazar da Silveira, seu antecessor no anno de 1714, debaixo do titulo de S. João d'El-Rei.

4. Nesta, e na de S. José, e seus termos se lavra atô ó presente por terra, e pelo mesmo rio das Mortes, e suas margens, e se tem topado em difforontes tempos com boas pintas, o grandes manchas ; porque da outra parte do rio, aonde chamam o Córrego, que também ó descoberto desde o principio destas Minas, se tem dado varias catas de grandes conventos, como também por matto dentro da Villa de S. José, e ainda na mesma VlUa com boas e ricas Guapiaras.

5. Nesta rossa de S. João se tem achado polo do morro delia varias manchas de consideração na primeira fbrmação, e na que chamam segunda muito maiores pxo- í\indanão*a alguns dos mineiros, que a tem lavrado pela baixa do mesmo morro, que corre da parte do Ribeiro da Villa para o poente, por alguns signaeSi que toparão na primeira formação ; como também pela vargem, que se estendo pelo mesmo Ribeiro da Villa até onde chamão o Tejuco, se tem extrahido muito ouro*

6. Tanibem no mesmo rio das Mortes no sítio a que chamão o Cuyabã se tirou estes annos próximos uma grande

NOTICIA A DIOGO SOARES 287

mancha de pedaços d*ouro, no mesmo anno de 1730 tirou o CapitSo Jofto Ferreira dos Santos, uma ezeessiya grandeza» harendo tirado no mesmo Cuyabá, 5 ou 6 antes, em todos elles bastante ouro: no mesmo anno de 1730 teve a mesma íòrtnna João d^Oliveira, e seus sócios, tirando igual gran- deza a de João Ferreira dos Santos, e com a diíTerença, que este o achou no yeio do Rio, e aquelle no barranco do mesmo Rio, e no sitio, que partia com o veio, que lacrou o dito João Ferreira dor Santos ; e assim por todos 06 barrancos de ama e outra parte se tira actualmente bas- tante ouro. Como também pelo veio do mesmo Rio nas suas Itaybas, ou ilhas cobertas d'agoa, tirando-se de mer- gulho ; porque onde as nâo ha de faísca com Oanôas ar- madas de uns ferros á maneira de colheres.

Todo este louvor se faz excessivo trabalho, valendo«so todo para esgotar a agoa da força de negros com bateas ou outros engenhos de rodas e rodas sobro rodas mas com ser igual o trabalho o proveito é de peuoos porque os haveres são para quem Deus os tem determinado eto.

A' pag. zn Noticia, pratica * Nota (2), ha esta lacuna:

Chegando ao Rio Grande com bastante dias de viagem me arranchei em uma rossa que achei plantada nelle : re- colhi o mantimento, rossei e plantei de novo outro •> Depois soube etc...

NOTICIAS PRATICAS

COSTA E POVOAÇÕES DO MAR DO SUL

B RS8P03TA QUE DBU O 8AR0BNT0-MÓH DA PRAÇA DB SANTOS MANUBL

GONÇALVBB DB AGUIAR, ÁS PBROUNTAS

QUE LIIB FBZ O GOVERNADOR B CAPITÃO-OBNBRAL DA GIDADI

DO RIO DB JANBIRO E CAPITANIAS DO 0UL.

ANTÓNIO DB BRITO B MENEZBS, 80RRB A GOSTA B POVOAÇÕB.S

DO M£!JMO NOMB

491—19 Tomo lxix p. i.

KotitiM pmicag li CMtii e FDTOKfin lo Mar ii

NOTICIA- 1.» PRATICA

E resposta que líen o Sar-ento-mór da Praça de Santos, Manoel Gonçalves do Aguiar, ás perguntas que lhe fea o Governador e Capitão General da Cidade do Rio de Jaiíeiro, e Capitanias do Sul, António de Brito e Menezes, sobre a costa e povoações do mesmo mar.

1.» PE Ra UNTA

Se a entrada da Ilha de Santa Catharína ó fácil a toda a casta de navios, ou se necessita de monção alguma, assim de ventos, como de correntes de aguas?

RESPOSTA

Digo que a dita entrada da Ilha de Santa Catharina é sim fácil a toda a casta de embarcação, mas não tanto, que possão estas passar da Ilha de Ratonez, onde costumavão dar fundo os navios Francezes, que ião e vinhão do mar do sul em tempo, que tínhamos guerras com eUes, como ainda agora o •stão também fazendo, uns a refrescar-se, e fazerem agoada, e lenha, e outros a esperarem o tempo das monções chegando ali antes, ou depois delias ; porque dos Ratonez até a Povoação podem entrar Samaoas, ou Patachos pequenos, que demandem pouca agoa, porque em partes tem somente duas braças de fundo, o que se entende entrando os ditos navios, pela barra do Norte, que entrando pela do Sul Sumacas grandes, ou Pa- tachos pequenos podem chegar á Povoação, sahindo por uma barra e entrando por outra, tudo por dentro d% Ilha e terra

292 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Também na barra do Sul costumão dar ftindo os Francezes entre uma Ilha que fica na boca da mesma barra, e a Ponta da terra flrme. onde puzerio um marco ou padrão que amda h(we extete sobre adita Ponta daa Pedra», e ahl fezUto agoada, e lenha, mas com nSo pouco risco do darem i costa, entrando iCue^ ventos Sueste ou Sul. Para se buscar ^ta l^a nio 2e necessita de monção, e menos o esperar mar6s. mas com torrS^mpo se navega para cila por (kzer um como cabo

H Aflta Gosta do Sul .

sem embargo de que revirando os ventos Sues no seu tempo dar* detrimento a se alcançar.

a.* PERGUNTA

se os navios que estão ancorados no Porto da Ilha estão seguros de todos os ventos, o do todo o mar?

RESPOSTA

Respondo, que os navios na Ilha. e porto dos Ratonez estão seiruroBdos ventos tendo boas amarras, e do mar muito melhor, por estarem entre a terra arme, e a Ilha onde so- ment^ ha mat quando venta. E' verdade que no Porto da Povotc-al) tem as Sumacas o Patachos, que nelle «tão muito mais abrigo, assim dos ventos, cómodo mar.

3.» PBRGUNTA

Se ha abundância de peixe, e se tem capacidade para se fazerem nella pescarias de Baleias ?

RESPOSTA

Não ha duvida, que ha na dita Ilha bastante peixe i«ira so moradores que nella morão. o tanto que fazem suas secas ; que ^írcgâo as Suniacas. que ali vão para negocio, mas se se po- ^r^combasunte gente, terão o preciso para o sustento líf^ra secas as poderão fazer no tempo do P^^aq"^ ^o íuercspeit. a pescaria das baleias, respondo, que nao tema dUaíha capacidade alguma panv isso ; porque pelos baixos que

NOTICIAS A DlOr.O SOARES 203

tem nao entrão baleias nella. no Rio de Francisco se poderá fazer uma boa pescaria, e melhor, e mais suave que a do Rio de Janeiro. A mesma so pôde fazer em Santos com não menos commodidade.

4.» PERGUNTA

Se a Ilha ó sadia, se tem bons ares, e boas agoas ?

RESPOSTA

E' sem questão, que de todas as terras, que ha povoadas nesta costa, é esta a Ilha a melhor, e a mais sadia, e com as melhores, e mais saudáveis agoas, e com os ares semelhantes aos de Portugal, assim na Ilha, como na sua terra íirme.

5.* PERGUNTA

Se a terra é montuosa, ou campina das a que chamão Massapé ?

RESPOSTA

Digo que a terra da Ilha é toda Lavradia, tem algamas campinas, e os montes, e serras que tom so lavra ao delias ; não é massapé, ma? é uma terra de areia grossa que sempre está (Vesca, e ])or isso produzem nellas todos os mantimentos por sor a mais delia com pedregulho miúdo.

6.* PERGtJNT.V

Se do tempo em que foi povoada lho íicou algum gado^, que moradores tem, e se farão mais em outros tempos, que frutos dá, o de que se sustentão seus moradores ^

RESPOSTA

Não ha duvida, que, do principio que foi povoada esta Ilha atô o presente, sempre teve moradores, o o gado sempre o conservarão, ou pouco ou muito antes que França tivesse guerra comnosco havia mais do que hoje tem poros seus corsários lhe matarão quasi todo em um campo chamado Aracatuba, que flca na barra do Sul na terra firme.

294 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Este gado teve sea principio na Ilha, pelo lerar a ella da Villa de Coritiba um morador da mesma Ilha: passando-o em balças pela mesma costa do mar. Os moradores que actual- mente tem nâo passâo de vinte e dois oazaes. todos os frutos do Brazil, e também os da Europa, como trigo, uvas, a flgos. O de que por ora se sustentão é mandioca em ftirinha, milho, feijão, ftimo, e peixe.

7.» PERGUNTA

Se a Ilha pela parte do mar tem algam desembarcadoiro» ou se a terra ó em alguma parte baixa com capacidade para elle?

RESPOSTA

Em toda a Ilha, assim pela parte do mar, como pela da terra ha varias enseadas com suas praias de areias, onde se pôde facilmente desembarcar, e nas mais das ditas parages tem terra raza, sem embargo de que pela parte do mar, s3ndo o tempo ruim, não se desembarcará sem perigo» principalmente nSo sendo pratioo.

8.* PERGUNTA

Se a Ilha da Galé tem porto em alguma parte, agoa, e lenha ?

RESPOSTA

A Ilha da Galo ó rocha toda do feitio, e forma de uma Galo que lhe o nome e assim não tem porto algum, agoa, ou lenha.

9.» PERGUNTA

Se a Ilha do Arvoredo, que também ahi fl&a tem algumas das ditas cousas ou propriedades ?

RESPOSTA

A Ilha do Arvoredo, que est& fronteira a da Galé, é sim maior que elia, e coberta toda de arvores ; tem alguma agoa, mas pouca, e sem porto nenhum, por ser tudo pedras em roda.

NOTICIAS A DIOGO SOARBS SÔ5

10> PBÍIGUNTA

Se a terra flrnie froateira & Ilha de Banta CAtliarina a que chaiúto Maodtíy é monttio0&, coberta de tnattô, abundante de Agoas, 6 de boná ares ?

11K3P0STA

A terra quo fica fronteira á Ilha de Santa caihari&a nito le chama Maodiiy, mas Mariguy : esta tem seas montes não muito altos : tem vargens lattudiaá todas cobertas de mattos, tem aboadanciu de agoas com vários rios, e com os loesmos ares que 06 da Ilha por estar & vista uma da outra.

11.» PERGUNTA

Que coisa é a Bnseada das Guaroupas, e se defronte delia, ou da Ilha da Galé, ha também alguma Bafaia f

RESPOSTA

A Enseada das Giiaroupasi é uttta enseada eapaa de reééMr em si uma armada, e aonde pôde fkíèr ésti a^a^ e lenh&, mn hottò adooi^as é afnafras : e de nma llbotà ()úe teiíl da dit& Shséadá pái^a a terfa podem estAr Sttffièu^ se^nras de todds os ventos amarradas com qualquer cabo: mas nem pc^i* Mo 6 capaz de se povoar, por que as suae serras vem ter ao mar, e assim não tem terras, mais quo s6 praias.

De fronte da Uha da Galo fica uma Bnseada ou bahia, a que chamão da tojuca a Lés-sudoeste delia ; e esta Enseada ou Bahia poucas embarcações dão fundo nella, porque os f erraoa são sempre ali continues, e eon grande força, alem de ter também bastantes lages sobre agoadas.

12.* PERGtJNtA

911 entre o Rio TamàúdaM e Mandtiy ha gentio algum, e te M r^ssgate f Sle ós tátíipoÉ Ma perto, e tl^ ha ftedétt gééô í

296 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

RESPOSTA

Em toda esta costa do mar do sul nSo ha rio, que se obama Tamandaré, Dom Manduy : 86 abaixo da Povoação da Laguna ha um rio chamado Taramandy 30 léguas pouco mais ou menos ao sul da dita Povoação ; e ao Norte deste rio está ontro a qae chamão Ibopetaba ; e nem em um nem om outro ha gentio, nem fbmo delle, e nelles tudo são campos até o das serras com muitas e varias Lagdas.

13." PERGUNTA.

Se ha noticia, que os castelhanos neste oertão, ou nesta visinhança venhão buscar a Erva chamada Congonha, ou fazer alguma descoberta, de que tenhão noticia os Paulistas ?

RESPOSTA

Pelas noticias que me derão os moradores da Laguna no anno de 1716 em Janeiro que ali estive sei, que os Castelhanos, donde se provião das congonhas era da Cidade a que chamão Paraguay, e outros legares circumvesinhos, e princijBalmente das aldeias dos P. P. da Companhia Castelhanos, que todos flcão pelo rio de Buenos Aires acima e da nossa parte, e que ahi fazião negocio para a levarem para a outra banda da parte do Peru ; e sobre fazerem alguma descoberta não ha noticia alguma.

14.* PERGUNTA

Se fazendo-se uma fortaleza na Terra arme, ou na Ilha de Santa Catharina defendera, e impedirá a entrada do seu porto a todas as embarcações ?

RBBPOGTA

Ainda que se fizessem não uma fortaleza, mas quatro, era impossível o impedir-se a entrada de navios, e defender aquelle porto, ou fossem na terra firme, ou na Ilha, principal- mente na barra do Norte, que ô a melhor, e a mais segura ; porque onde os Navios dão fundo nos Ratones ha de ter mais de

NOTICIA A DIOGO SOARES 297

nma legoa de largo ; e na paragem onde chamão o estreito, ou na terra firme, ou na Ilha, é« que se poderá faier uma boa fortaleza para defesa da Povoaçfto ; porque de qualquer das partes a descobre* por ser um tiro de mosquete seguro de pon- taria de uma, e outra parte.

15.* PKRGUNTA

Que Rios ha desde a Ilha de Santa Catharína até o Porto ou Rio Grande da Lagoa de S. Pedro ?

RBSPOSTA

Da Ilha de Santa Catharina até a Laguna ha 3 rios : o I ."^ junto á Uha, a que cbamâo Ivay, o 2.<» que sabe de uma Lagoa chamada Blariqnira, o 3.« queé a barra da Laguna. Deste ao porto de S. Pedro ha outros 3. O I .'^ é o rio Ara- ranguá, o 2.o o Ibopetuba, e o S.** o Taramandy. Antes de chegar ao dito Porto ha também uma lagoa que terá de oomprido 14 ou 15 legoas pouco mais ou menos chamada Boripú, que em occasiio d*agoa8 abre barra. Em todos estes rios nao entrSo nem ainda lanchas, excepto no da la^na, em que cntrão também Sumacas*

16.* PERGUNTA

Que distancia ha do Rio Taramandy ao Porto de S. Pedro, que qualidade tem este Porto, se tem terras altas, ou campinas, se tem muito gado, boas agoas, bons ares, e se ó fértil, e habi- tado de gentio, que fluça algum resgate ?

RBSPOSTA

Do Rio Taramandy a barra do Rio Qrande, e Porto de S. Pedro fazem 30 legoas. As qualidades das terras, segundo as noticias, que me deráo vários moradores de todas aquellas Povoações, que cruzarão estas Campanhas no tempo do Gentio, sâo as melhores, e as de mais fertilidade, que tem todo este Brazíl, o que tudo melhor consta das certidões, que me derâo Gamaras, e moradores de todas as Povoações desta costa, em

298 REVISTA DO INStlTUTO HISTÓRICO

daas òòeasiões, que fai a ellas em diligenoias do serriço de S. Mageatade. a 1.* por ordem de Francisco de Castro Moraes, sendo Governador e Capitfto General da Cidade do Rio de Ja- neiro, sobre haverem informado a S. Mageatade de ser capaz a enseada daa Guaroupas para nella se ftmdar uma cidade, a 2.* por mandado do Governador e Capitão General Francisco de Távora, acerca dos mesmos particulares, e outros mais do serviço de S. Mageatade que umas e outras certidões remetti aos ditos Governadores, das quaes constSo as conveniências que se podem ter de as povoarem S. Magestade e seus Vassalloa, como também das qualidades das terras.

SSo as mais destas, campos, e por alguns rios tem algumas madeiras boas, e de toda a casta. O gado, que ha nellas é da outra parte do Rio chamado de Buenos Aires. Dizem-me, que iUdo-Se por um rio dentro, a que chamSo Cabopoana, por onde pode navegar a maior Sumaca,ou Patacho, se vai matando da mesma embarcação o gado preciso para o sustento, e que este lio éorta por toda a campanha até dar perto dos Cas- telhanos.

Dizem mais que as agoas todas até a Barra do Rio Grande g&o doees, os ares os mesmos de Buenos Aires, e com muita mais ventagem a sua fertilidade, porque os veados, e mais caça é como o gado,— o peixe tanto, que pôde carregar ftottas, e que nos Lagamares se apanha com cestos : são pouco habitadas da Gentio, e ao da Serra, e antes de chegar a qUa se voem bastantes fumaças de Gentio bravo, mas este não oommercea oom ninguém.

1?.* PERGUNTA

Se a lagoa tem mais de 18 ou 13 legoas, em que logar fica. •e tem peixe, e se é habitada de Gentio ?

RESPOSTA

A lagoa a que hoje chamão Laguna tem 10 legoas de comprido, e fica ao Sul da Ilha de Santa Catharina 15 legoas, e é tão abundante de peixe, que todos os annos sahem delia três e quatro embarcaçóes carregadas, é podeito sahir mais se

NOTICIAS A niOGO SOARES 299

houvessem nella moradores bastantes para fazerem: tem actualmente triata oasaes, e a povoa^^o o TituLo de Santo António da Laguna, que ó Orago da Matriz. Foi o seu primeiro Povoador o Capitão-mór Domingos de Brito Peixoto, com mais alguns camaradas, e assim n&o ha nella mais gentio algum mais, que o que assiste oom os moradores.

18.* PERGUNTA

Se o Porto, e entrada do Rio Grande de S. Pedro é fácil em todo o tempo a toda a embarcação, que altura tem de fundo e que distancia do boca ?

RESPOSTA

A entrada do Rio Grande de S. Pedro é ao presente difflcultosa, por não ter agora entrado na dita barra, Sumaca alguma grande; mas será muito fácil a qualquer Sumaca ou Patacho o entrar nella se levar bom pratico, e se governar pelo mappa, qu3 agora fiz desta Costa, principalmente navegando na monção de Setembro atô Janeiro do N. para o S. A altura que tem entre os bancos íóra da barra são 3 braças, e obra de legoa e meia ao mar tem duas braças e meia de ftindo, em um banco que tem, mas não quebra nelle o mar, de sorte que tenhão as embarcações perigo nelle : sem embargo de que eu fallei nesta Villa de Santos com um Inglez, e me disse haveria 8 aunos, pouco mais ou menos entrara no dito Rio Grande com uma fragatinha corrido do tempo, vindo do mar do sul, o que sahira com bom suocesso. Terã este porto na barra pouco mais de legoa, mas dentro pôde estar, e andar a maior nao que houver.

19.* PERGUNTA

Depois de entrada a barra, que forma ioma a terra ? á que rumo corre, e se lhe entrão muitos Rios f

RESPOSTA

A Costa corre Nordeste Sudoeste, e o mesmo corre a terra. O Rio dentro corre ao noroeste, recebendo em si 6 rios, e uma Lagoa, alem de vários riachos, de que se nfto faz conta.

300 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

20.« PBROUNTA

Qae gentio povoa esta marinha, e se o que liabita o fundo desta Enseada tem tido algum commeroio com algumas embar- cações nossas, e se fez algum resgate com ellas, se tem ouro, e ák mostras de haver grande abundância delle, como também de gados para se fazer courama ?

RESPOSTA

O Gentio que habita esta marinha chega até Castilhos, Maldonado, o Monte Vodio; 6 gentio livre, o os mais delles das Aldeias dos Padi'es da Companhia Castelhanos: uns em quanto tivemos guerras vinh&o acompanhar aos Castelhanos que estavão de guarda em Monte Vedio, e Maldonado, como também o fazião 03 das Aldeias: outros nesse mesmo tempo negociavão com os Francezes, receosos sempre de que os Portuguezes passassem aos doâ Portos a povoa-los, e assim quasi todos os mezes se achavão nelles três, e quatro navios carregando courama, e cebos, que lhes vendião os Índios : o que sei pela noticia de um mesmo Castelhano, que esteve em um dos ditos navios Francezes naquelles portos, o qual se acha hoje casado no Rio de S. Francisco em que o deixou um navio Francez voltando dos mesmos portos: e não tenho noticia nem até ao presente a h4, de que embarcação alguma Portugueza passasse aos ditos portos a commerciar com o.^ Castelhanos, ou índios ; o que sei é que alguns moradoros da Laguna forão ao centro desta campanha a resgatar algum gado, e cavalgaduras, e com t^eito fizerão o dito resgate com os Índios, e as conduzirão para a mesma Laguna, trazendo em sua companhia alguns dos índios, que tornarão a voltar para as suas toldarias, o campanhas.

A noticia que tenho, e me d')r&o os moradores da Laguna sobre o ouro, é que das cabeceiras do rio a que ch:imão Tecuary havia bastante copia delle, e que as o buscassem em todos os mais, que desagoão, como este no mesmo Rio Grande o acharião, segundo as disposições das terras, ;y o não estar )i descoberto fora por estimarem mais que o Ouro, o gentio para so servirem doUe, como também por não ter ma*s valor entre elles que 320

NOTICIAS A DIOGO SOARES ^ 301

a oitava, e menos qaintado. Também me disserâo que em direitura do mesmo rio grande na serra chamada Botucarayba havião minas de prata, por noticias, que havia dado um Índio apanhado naquellas partes a Francisco Dias Velho, e ao Capitao- mór Domingos de Brito Peixoto ; e com eífeito forão estes com uma boa tropa a certificar-se do dito, e subindo peia serra chegarão perto do morro, onde o Índio dizia havia a prata, mas ouvindo alguns tiros 4e espingardas, e mandando explorar o que )seria, acharam situados naquella mesma parte aos P. P. Joznitas Castelhanos com os seus índios com caminhos feitos de Carros, e cavalgaduras em que conduzião a prata para as suas Aldeias, e como forâo sentidos, vendo ser maior o poder dos ditos P. P., o receando o ficarem todos mortos na empreza, se retiraram logo par < a Laguna, e certificaram que desde as cabeceiras do Rio (irando a estas minas pozerão 15 dias viagem, e 6 unicamente na volta pulo medo de que os seguissem. No que toca a abundância de gado dizom-me que em tempo de secas descem inumerável ao dito Rio a beber agoa, e que no mais do tempo para se fazer courama é fácil sahir a campanha a faze-la principalmente havendo cavallos, o que os mesmos índios nos vendem, excepto no Rio Cabopoana, como disse em que pelo gentio, que o habilitava, ser bravo, é mais diíficultosa a courama.

21.» PERGUNTA

Em que parte se pode fazer uma Povoação conveniente assim para se aproveitar de toda a utilidade, como para o augmento da nova Colónia, e promptidão para os seus soocorros, assim dentro deste Porto do Rio Grande como fora da Costa do mar, ou perto da Ilha de âanta Catharina?

RESPOSTA

Duas paragens julgo próprias para duas Povoações que sirvão de soccorro, e utilidade a nova Colonix do Sacramento, no Rio Grande de S. Pedro, dizem todos os que nelle estiverão, e cuidaram aquellas campanhas, Rios, mattos, e serras, que não se pode fazer uma cidade muito grande, mas de grandes conveniências para sua Magestade, e seus Vassalios, segundo

302 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

oonsta das Certidões das Gamaras, e moradorea das Povoações ddsta Gosta, em que affirmio haver nelle ouro e pedras de valor, achadas por yezes naquellas terras, como também abuadancia grande de prata, e muito maior de gado, que com facilidade se pôde conduzir da campaaha, e crear aaquelles campos havendo moradores, que o domestique. Do peixe se podem carregar muitas embarcações que o trausportem á Colónia quando o não quainiiO levar por terra em cavallos ou carros, por sar tudo campanha rasa, e de bons caminhos para isso.

ESsta mesma bondade dos caminhos facilita á mesma Colónia iodo o socorro, que se lhe queira fajser por terra em caso de necessidade, por que pode succeder ser em tempo, que nSo possam sahir daquelle porto as embarcações destinadas para isso por neisasitarem da ooigunção, tempo, e marés. Verdade ó que nSo pode entrar por ora navio na dita barra, mas segundo me parece, de se povoar, e houver navegação, £»rá a Continuação t^\U o que agora se julgar dificultoso, como suceedeu ao princií^o na barra da Laguna, que sendo peri- gosa ao principio a entrada, hoje a faz Bem receio qualquer Sumaoa.

B* preciso porem se faça na barra do mesmo rio uma Torre, eu no Pontal do Norte, ou no Sul para divisa não das em- barcações que a buscarem por ser tudo terra raza, mas ainda para impedir, o reprezar os soldados que desertao da Colónia.

A outra parte própria para o socorro da Colónia ó a ilha de Santa Gatharina pela facilidade com que se lhe pode aeodir daqnèila Ilha por mar, e em todo o tempo, assim com madein» que as tem exeellentes, como com mantimentos que os produs de todo o género com abundância. Povoando-se esta Ilha po- derão formar nella seus moradores alguns Bngenhos de assuear, porque as suas canas, são tão pingues e assucaradas, que qual- quer pingo delias se íiiz em assuear; a sua entrada não de- pende de monção, de dia ou de noite a pode tomar qualquer navio, e sahir delia; e para a sua defesa bastara uma única fortaleza no Estreito, e para impedir dos inimigos as lenhas, e as aguadas com uma companhia de Infstn teria paga entre aquelles mattos se consegue fibcilmente como o tem conse« gvsiào por vezes os poucos moradores que ali se aehão.

NOTICIA A DIOGO SOARES 303

Isto ó O que respondo ás perguntas que se me íáiem com declacaçSo, que da Laguna, ultima povoação desta Costa do Sul até a Cidade do Rio de Janeiro vi, oorri, e examinei, e sondei em pessoa, e do Rio Grande, sua campanha ató dentro de Buenos Aires me informei de pessoas âdedignas, que cursarão todas a- quellas campanhas moitos annos, o que tudo constará das cer- tidões que tenho por vezes remettido aos Srs. Governadoree do Rio de Janeiro de todas as Gamaras, e moradores das Vilias, e Povoações desta Costa Jurados aos Santos Evangelhos, ede como todo o referido passa na verdade o juro também aos mesmos Santos Evangelhos. Praça de Santos, de Agosto de 1721 Manoel Gançalveê d*Aguiar.

Declaro que o Rio Grande de S. Pedro terá de distancia da barra ás suas cabeceiras 50 legoas pouco mais ou menos, se- gundo dizem as pessoas que por melhor andaram, e em partes 6 tão largo, que se não terra d*uma para outra parte, e parece tudo um mar.

Declaro também, que a Ilha de Santa Catharina tem de comprido 9 legoas pelo rumo de N. S. e de largo em partes terá 3 legoas pouco mais ou menos, e me parece, que se S. Ma- gestade a povoar será de mais utilidade a Povoação a fortaleza feita na barra, e terra firme na ponta do Estreito, em que em algum tempo esteve a primeira povoação, e por causa de gentio bravo que então ainda ali havia, a pasmarão para a Ilha, na mesma ponta da terra firme se pode fazer também a Povoa^^o por receio dos iaimigos, sem embargo de que os navios onde dão ÍUndo, que ó na Ilha dos Ratões pouco mal lhe podem fazer por, distarem 3 legoas da Povoação, e menos o podem íi&zer pela barra do Sul distante 5 legoas da mesma Povoação.

NOTICIA 2/ PRATICA

QUE AO P. M. DlOOO SOARES, O CAPITÃO GHRISTOVÃO

PEREIRA, SOBRE AS CAMPANHAS DA NOVA

COLÓNIA, £ RIO GRANDE OU PORTO DE 8. PEDRO

491 20 Tomo lxix p. i.

NOTICIA 2.* PRATICA

Qae ao P. M. Diogo Soares, o Capitão Christovão Pereira, sobra as Campanhas da nova Colónia, e Rio Grande ou Porto de S. Pedro,

Pede-me VR.°^* o informe da capacidade destas terras ató o Rio Graade, Lagana e Ilha de Santa Cathariaa, e das utili- dades que delias se podem segair, assim aos vassallos, como á Coroa, e Fazenda Real, e supposto me sobra o desejo de acertar, me falta a capacidade para discorrer, mas na cooâaaQa dd que VR.>'*'^discuIpará os erros nascidos da minha ignorância, e obri- gado da obediência, exporei o que tenho visto, e palpado em onze ah nos que tenho do experiência destas campanhas, e o qae sente a rudez do meu discurso, e mo ficará grande gloria, e desvani- timento se limitado, e aperfeiçoado no utlI engenho de VR.^'<^ cirardelle algum fruto.

Comp5e-se este Paiz d*um clima muito ameno, saudável, e criador de riquissimas e férteis terras em que produz em grande maneira, e com vantagem mui crescida todos os frutos da Europa, assim Trigos, como vinhos, liaho e toda a Casta de frutas, que pôde causar inveji as de qualquer parte do mundo, oom perto de cento e cincoenta lagoas de Campanha até o Rio Grande toda cruzada, da rios, revestidos de soberbos o vistosos arvoredos, que servem de sombra ás suas correntes compostas de riquissimas e salutiferas agoas, nascidas d'uma serra, que começando do Maldonado vai cortando a Campanha, correndo ao Nordeste até altura de Castilhos, a qual com ri- quíssimos, e amenos valles pelo meio, da generoso iogar a que se possa crusar, e communicar d*uma a outra parte.

Em Castilhos, ou pouco mais adiante, correndo ao Noroeste vai buscar as Cabeceiras do Rio Grande, e logo da parte do Norte se torna a restttuir a costa, e a vai acompanhando até

308 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

S. Paulo, deitando pelais suas fraldas da parte domar vistosos e aprasiveis Campos em distancia de 80 iegoas desde o Rio Grande até a Yiila da Laguna, que crusão três caudolosos rios, nascidos da mesma Serra. O Primeiro chamado Taramandy na lingoa do gentio, 30 Iegoas distante do Rio Grande a que se segue o 2""^ 20 Iegoas mais adiante chamado Ibopetuba, e logo em distancia do 15 iegoas se segue o Terceiro a que chamSo Ara- ranguá, todos d'agoa doce e nestes meios abundância de lagoas, e mattos com providencia do lenhas, o vistosos campos.

E tornando ao Rio Grande não digo ó uma das mais vis- tosas coisas, que criou a natureza, por não parecer encarecido, ou cahir na censura de ignorante ; mas expondo a sua grandeza, deixarei, o louvor á ponderação de VR"'*. Corre de Oeste a Leste, e na entrada distancia pouco menos de 2 Iegoas, com meia de largo, para a parte do Norte faz uma barra, ou praia de areia com uma enseada em que podem ancorar grande numero de Navios, boa tença, seis ou sete braças de fundo, todo limpo, encostado a uma planície, que lhe fica supe- rior, a que alguns que ali tem chegado, puzerão o nome de Cidade, e não sem mistério pelo que naquelle logar se pôde fazer com um rio de excellente agoa doce, que permanente por um lado se mette no Rio Grande.

Neste logar é a única parte em que se pode povoar, o passar, e ainda que tem bastante largura, não é diifioultoso o passar nelia anlmaes em razão de que com marô vasia tem bancos em que descanção» e tem passado muitos com felici- dade conduzidos pelos mercadores da Laguna, e eu passei alguns em minha companhia.

Pouco mais acima entra nesto Rio na parto do Sul uma lagoa de extremada grandeza, a que chamão Braço, na boca estreita, e logo para dentro vai alargando até se perder de vista d' uma a outra parte, e vem entrando a Campanha para o Sudoeste, distancia pouco mais ou menos de 30 Iegoas aonde recebe em si vários rios sahidos da Serra, e entre elles o mais principal se chama Sabolhaty.

Da parte do Norte faz um saco a moio de enseada, que arrimada a falda da Serra entra pela Campanha também perto de 30 Iegoas até o Rio chamado Taramandy: logo para dentro

NOTICIA A DIOGO SOARES 309

faz um bolso que a vista não aloança, a que chamão Rio Grande de que não posso dar mais noticia, que a que adquiri de algumas pessoas antigas na Villa ds Lagana, que me disserão entrava pela terra mais de 60 legoas, e que nas suas cabeceiras en- travão vários rios, com muitos mattos, e terras muito vistosas onde se podião fazer muitas PoYoacods, e rendozas fazendas, e por noticia de algum gentio so afflrmava haver nellas abun- dância de Ouro, e pedra? de valor. Bom desejo tive de examinar a sua grandeza mas faltarão-me os meios para o poder fazer, sendo o principal de que se necessita, embarcação capaz, porem qual ella seja, se pôde considerar d'um Corpo que tem seme- lhantes braços.

Da barra também não poderei dizer mais que o que alcancei de alguns homens maritimos, que levados dos seus interesses se animaram.

o PRIMITIVO NOME DO BRAZIL

POR

DOMINSOS DE CASTRO L0FE8

o PRIMITIVO NOME DO BRAZIL

AO ILLUSTRE MBSTRE DR. VIEIRA FAZENDA

São acoordes todos os modernos historiadores de nossa pá- tria em declarar que Vera-Oruz^ ou ilha de Vera-Crus foi o nome que recebeu ella immediatamente após o seu descobri- mento.

Citemos, para corroborar a nossa asserção, os mais conhe- cidos desses actuaes expositores;

« O nome de Vera-OruM foi posto á terra, quarta-feira 22 de Abril.» Moreira Pinto, Epitome da Historia do BrazU.

O (nome) de Vera-CruM foi dado & nova terra descoberta.» R. Villa-Lobos,'. i7ú(orta do Braxil.

Suppoz Cabral que a terra descoberta fosse uma ilha; con- decorou-a com o nome de V^ro-Cnij, que dentro em breve mudou no de Santa Cruz.i^ Padre Raphael M. Qalanti, Lições de Historia do Brazil,

£ porque esse dia fosse o do oitavario da Paschoa, deu Cabral o nome de Paschoal ao monte primeiro descoberto ; e, quanto á terra, o de Yera-Cruz^ mudado depois para o de Terra de Santa Cruz e mais tarde para o de Brazih António Vieira da Rocha, Resumo da Historia do Brazil,

< Cabral deu á nova terra o nome de Yera^Cruz^ que depois foi mudado no de Terra de Santa Cruz, e mais tarde substituído pelo nome actual de ^ra^t7.> Dr. Joaquim Maria de Lacerda, Peqi*eHa Historia do Brasil»

< A nova terra descoberta fi>i sapposta uma ilha, recebendo por isso (?!) o nome do Vera^Cruz; mais tarde, reconhecendo-se o erro, foi esse nome mudado pain. o de Terra de Santa Cruz . Este ultimo nome também não prevaleceu, sendo mudado para o

314 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

de BrazUt peia grande quantidade de pao-brazil existente na nova terra.» Sara VillareB Ferreira, Pontos de Historia do BraxU.

Finda a ceremonia religiosa (a M missa), reunia Cabral um conselho de offlciaes da expediç&o, e resolveram mandar a Lisboa GasiM&r de Lemos, commandante do navio de manti- mentos, levar a D. Manoel a notieia do descobrimento da terra de Yera^rux^ que suppunham ser uma ilha.» Mattoso Maia, Lições de Historia do BrazU.

«A terra supposta ilha foi chamada de Vera-Cruz^ ao depois Santa CriAz. Prevaleceu porém o nome de BrazU. i^ João Ribeiro, Historia do Brazil,

«A torra que suppunham erroneamente os ousados descobri- dores fosse uma ilha, chamou-se a principio Vera^Cruz, depois Santa Cruze finalmente Brazil.» Sylvio Romero, A historia do Brazil ensinada pela biographia de seus heroes.

«Cabral reputou a terra que descobrira uma grande ilha e chamou-a ilha de Vera-Cruz^ nome dado em recordação da festa que celebra a igreja no dia l^ de Maio ; esse nome trocou-se em breve pelo de Terra de Santa Cruz e poucos annos depois pelo de Brazil^ em consequência da madeira preciosa, etc.» Dr. Joaquim Manoel de Macedo, Lições de Historia do Brazil.

«Pelas informações que pareciam dar os naturaes se julgou ser a terra uma ilha outra Antilha mais. Nesta hypothese, Cabral a denominou Ilha da Vera-Cruz, comme- morando por este nome a festa que no principio do mez Immediato devia celebrar a Igreja.» Yarnhagen, Historia Geral do Brazil.

Não ohBtante'ser^hoje conhecimento elementar e comesinho, como o mostram os compêndios supracitados, que Vera-Cruz foi a primitiva denominação do Brazil, é de notar que nenhum dos antigos historiadores da nossa pátria houvesse referido tal denominação, mas sim e sempre, em vez delia, a de Santa Cruz, que igualmente figurava nos primeiros mappas geographicos do XYI século, mais recentes da data do descobrimento do nosso earo torrão, quaes os de Cantino (1502), João Ruijsch (1508), Jo- hannes Schôaer {Glohus de Johannes Schôner, I5I5), MaioIIo 0519), etc.

o t>RlMlTÍVO NOME DO BRAZIL 315

Vejamos:

Na Primeira Parte da Chrônica Serenissimo Senhor Rei D. Emanuel, escrita por Damião de Góes, e no' Ôapitulé £V, intitalado: De como a frota partio do porto de Betketem, & do des- cobrimento da terra de Sacta Crus^ a que chamão do BrazU, le- se o seguinte:

«Estando ja sobrancora se aleuantoa de noite hum tem* poral, com que correrao de longo da costa até tomarem hum porto mui bom, onde Pedraluarez surgio com as outras nãos, êí por ser tal lhe pos nome Porto seguro. . .Antes que Pedralilareí partisse deste lugar, mandou poer em terra huma Cruz dtt pedra, quomo por padrSo, com que tomatta posse de toda aquella prouincia, pêra Coroa dos rognos de Portugal, a qual pos nome de Sacta Cruz, posto que se agora (orradaméte) efaamie do Brasil, por caso do pao vermelho que delia vem, a que ehaiâSo Brasil. >

Gabriel Soareii de Souaía, no Roteiro do Brarfi (obra cviã authenticidade é, alUs, contestada peio Dr. Zeferino Cândido, nd capitulo VIII do seu livi'o Brasil, commemorativo do Qtiarto Centenário do nosso descobrimento, e que por Franclseo A<folpho de Varnhagen foi publicada sob o titulo Tratado Desthripiito de Brazil em 1587, edição castigada pelo estudo e exame de mitUeiÊ códices manuscriptos existentes no Brazil, em Portugal, tiespanha e Prança, e accrescentados de alguns commentarios) escreve estas palavras:

«Esta terra se descobriu aos $5 dias do mez de Abril de 1500 annospor Pedro Alvares Cabral, que neste tempo ia pòi^càpfiAè* môr para a índia por mandado de £1-Rei D. Manoel, èm 6aJo nome tomou posse desta província, onde agora é a capitania M Porto Soguro, no logar onde jA esteve a ilha de Santa Crtiis, que assim se chamou por se aqui arvorar uma muito grande, por toatidado de Pedro Alvares Cabral, ao da qual mandou dizer, em seu dia, a 3 de Maio, uma solemne missa oom muita festa, pelo qnal respeito se chama a villa do mesmo nome, e a provineia muitos annos foi nome&da por de Santa Cru» e maitos Nova Lusitânia.»

fiada nos diz, com relaç&o ao primitivo nome da nossa terra, o Padre João de Souza Ferreira, no Capitulo II da sua

31G REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

America abreviada (Como se descobrio, o que delia toca d Oorôa de Portugal, eío.)

Em compensação, a Historia do Braxil^ de Frei Vicente do Salvador, que antes do dito padre floresceu, refere, no Capitulo segundo^ Do nome do Brasil-. «O dia que o Capitão-Mór Pedro Alvares Cabral levantou a Cruz, que no capitulo atraz dissemos era a três de Maio, quando se celebra a Invenção da Santa Cruz, em que Chriato Nosso Redemptor morreo por nós, e por esta causa poz nome á terra, que havia descuberta, de Santa Cruz, e por este nome foi conhecida muitos annos.»

Citemos também Sebastião da Rocha Pitta, o qual diz no lÂvro Primeiro da Historia da America Portugueza:

Nella surgindo as nãos, pagou o General a aquoUa ribeira a segurança, que achara depois de tfto evidentes perigos, com lhe chamar Porto Seguro, e à terra Imanta Cruz, pelo Estan- darte da nossa Fó, que nella arvorou com os mais exemplares júbilos, e ao som de todos os instrumentos e artliheriada Armada, eto.»

Qual, porém, o motivo por que todos esses antigos autores que a historia de nossa terra escreveram, calaram desta o nome primevo— <ytfra-Oru;r, nome que somente nos modernos compêndios de historia do Brazil âgura ?

Fácil e prompta será, sem duvida, a resposta por parte dos eruditos e profundos mestres na matéria. Mas não ô a estes qne se dirigem estas toscas linhas, sinão aos menos apparelhados, que não hajam, como nós, para elucidar á nossa incompetência este ponto, esmerilhado o assumpto, o qual naquelies modernos compendies não ó esclarecido, nem mesmo tratado, e poderá, por isso, suscitar duvidas e causar em- baraços para responder & interrogação que acima formulamos.

E de facto. Em Novembro de 1905, tivemos a honra de terçar armas, pelas columnas do órgão niteroiense A Capital, com um distincto critico do mesmo apreciado contemporâneo, o qual, no correr da discussão, escreveu a locu^ seguinte: €a Terra de Santa Cruz de Í500, ...»

Replicando nós que, em lõOO, o Brazil ainda se não chamava terra de Santa Cruz, mas sim Vera-Crtiz, e ilha de Vera-Crus, redarguiu o nosso digno contendor, contrapondo-nos

o PRIMITIVO NOME DO BRAZIL 317

a seguiate passagem do João de Barros, por elle tirada - GxpUcou—á ArUhologia Nacional , coliectanea collegial organi- zada pelos Drs. Fausto Barreto e Carlos de Laet: «. . . . mandou arvorar uma cruz mui grande no mais alto logar de uma arvore, e ao delia se disse missa, a qual foi posta com solemnidade de bênçãos de sacerdotes, dando este nome á terra Sanla Crus, quasi como, etc» .

£ accresceotou o nosso nobre antagonista: «Isto osoreveu João de Barros, que vivia ao tempo da descoberta do Brazil, referindo-se ao anno de 1500, tendo sido a missa a que se refere o citado esoriptor, celebrada no mez de Maio.

« Assim sendo, como de facto o é, não sei si errei, mas, Si tal aconteceu, fll-o emexcellente companhia».

Ora, temos azo de responder ao nossso gentil adversário (jã que, na occasião, não lográmos o prazer de ser acceita peF A Capital a nossa tréplica), aclarando, ao mesmo tempo, o ponto que nos ocoupa, contido na interrogação que, ha pouco, azemos.

João de Barros não empregou, é certo, a expressão Vercí- Cruz, mas sim Sancta Cruz^ não no trecho exemplificado, que vem no Livro Quinto^ Capitulo II da !■ Década^ como tambom no summario do dito capitulo, onde se lê: «^ seguindo a sua derrota descobrio a grande terra a que commummente chamamjs Brasil^ a qual elle pos nome Sancta Cruz ».

Vivou o chronlsta do Emperador Clarimundo de 149Ô a 1570. Como se sabe, quando escreveu a sua Ásia (Dos fectos que os portugueses fiíeram no descobrimento e conquista das terras e dos mares do OrieMe)^ mais conhecida por Décadas (que assim se de- nominam os vários tomos da obra, continuada por Diogo do Couto), e quando escreveu a sua historia da Terra de Sancta Orut, que se perdeu, bem como se perdeu a America Portugueza^ de Manoel de Faria, Já, o Brazil. é bem de ver, estava desco- berto, havia uns tantos annos (pois, em 1500, João de Barros tinha quatro annos de idade). Em todo oaso, o autor das Décadas sabia que a nova terra foi tomada por uma ilha; tanto assim que, nessa mesma í* Década, diz o Tito Livio portoguez:

« A qual terra estavam os hómôs tam crentes em auer algua arme oocidental a toda a costa de Africa, que os mais

I

318 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

dos pilotos se afflrm&aâ ser algua graaáe ilha, assi como as terceiras, etc».

Por que então não disse eila, seado recente o ftKsto, que assa sappostailha foi, a priacipio, chamada Vera^Orus ? Ignoraria, acaso, João de Barros, ignorariam os outros antigos historiadores do Brazil, por nói citados, essa primitiva denominação f

Tudo faz crer que sim, e difEleil nio ser& hoje prorar, como Tamos ílatzê-io.

A í» Década de João de Barros, convém otervar, foi publicada, a primeira vez, em Lisboa, em 1558| Isto é» mais de meio século após o descoMmento da nossa terra, e^por con- seguinte, o tempo suflloiente para ser esquecida uma denomi- nação ephemera.

Nem mesmo o livro impresso mais antigo que existe» narrando o « Descbrimento do Brazil» e descripto pelo Dr. José Carlos Rodrigues, na noticia que a respeito desse acon- tecimento publicou, a 3 de Maio 1905, no Jornal do Commerdo e, depois, em folheto, nem mesmo esâe livro a locução Vera- Crus como o primitivo nome do Brazil.

Páeêi nuovamenie riirouaii assim se intitula tal livro, para o qual muito concorreram as noticiai sobre as nave- gações da época, do almirante Domenico Maliplero, celebre historiador da Republica de Veneza, Sérvulo Angelo 'l>e- vigiano, embaixador veneziano junto aos reis Hespanha, o Lourenço Gretieo, ciigo verdadeiro nome era Oiovanni Matteo Cretico, embaixador veneziano em Lisboa.

E' o Paetf , que constituo também o livro IV de uma collecção de viagens de Prancanzano Moutalboddo, homem culto e pro« fessor de literatura em Vicencia, a transcrip^ de um opús- culo intitulado LibreUo de Tutta la Navigoiione de Rede Spagna. De le Isole ei Terreno Naouamenio Trowui^ que foi dado & estampa por Albertino Veroellese, de Lisona, a 10 de Abril de 1504, no qual— capítulos LXIII a LX Vil— vem a narrativa do deacobrimento do Brazil.

Mas em nenhum desses capítulos figura, repetimos, a ez« pressão Yera-Cruz.

Como^ pois, explicar que os modernos autores de historias do Braxil Mem na prima designação V#ra-Crti^ que lhe foi dada t

o PRIMITIVO NOME DO BRAZIL 319

Em que fonte, em que dooumeato fon^meUes i^aquisar e liaorir essa desigoação, quai|4o os vetustos e des^ngauados textos pass^r^m em slianaio tal appelUdo?

£i0 que aitingimofto escopo. do preeeata artigo, o ponto que mqito oouvirá seja eaclaneoido naq futuras edIçSes das nossas Jiistorias patpias, i^Im de evitar, talvez, a mesAia ofekjecQãjO que im>3 offereoou j^VA Cc^tal o nosso jov^n e affarel contradictor.

Dois cutâneos e jLoooutrastay eis testQiw^^hos noa dizem foi Vera-Ctiu o nome que primeiro teve a terra defa9her.ta.B0r Cabr^al. São esses preciosos cipielios as duas cartas, escriptas a l^» de Maio de 1500, em que o cbrooista Pere Vaz de Gamintta e «o bacharel mestre Joham Moo e cirurgyaae» d' el-rei, os quaes fwKiam parte da expediglbo do almirante portnguaz, no- ticiaram a D. Manoel o desoobfHmeato da nova terra; é ac;8^ta de Gaminba datada de Uha da Vera-Cruz, e de Vêra-Cruz^ sim- plesmente* a do mestre João.

Jouveram ató ao século XIX na Torre do Tombo, q^ifi& ignorados, tâo impartantes documentos; sóentâo foi que ÀycâS do Casal e, poBteriormento» Varnhagen oa deseopovaram». cada documento por seu turno.

Diz Varnhagon {op cU, no<. 6*); «Sendo mui. couUeeijla a carta do Fero Vaz de Caixúalia, que desde que foi pela primeira vez publicada por Gazal ha sido reproduzida em vaii^ias obs^Sf contentar-noft-hemos por agora de incluir aqui a do physico oftestre Jioão, qoe demos em outro logar a conhecer, apenas ti- yemjQsa fortunado a descobrir na Torro áoTombo em I,Júiboa« (Corp. Ghron. P. 9^m. 2, doe. 2>

E, reíèriado-se á dita carta de Caminha, declara Manoel Ayres de Cazai, logo na 1* edição, hoje muito rara, da sua Co- rographia Br<Mi/tca,apparecida em 1817: cO original conserra- se no Arquivo Real da Torre do Tombo, gaveta 8, mac- ^41- 8.>

Está, pqis, explicada a razão pela qual os historiadores do BrazU anteriores ao século XIX omittiram o nome Y^ra-Cruz^ dado primitivamente ao nosso paiz.

Ainda quanto ao primitivo nome da no^sa terra, adverte Vaçahagen: «Tapubemnos coosta que o aspecto e novidade 4^ cores das grandes araras, enviadas a Lisboa, impressionaram

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ahi a alguns de tal modo que oliegaram a deôigaar com o nome de Terrados Papagaios o novo descobrimento.»

Mas de curta duração, é sabido, foi aqaella designação pri- meva de Vera-Oruz^ para logo substituída pela de Santa Cruz, O próprio D. Manoel, na carta escripta em Santarém, aE9 de Julho de 1501, communicanio aos reis de Hespanha, seus sogros, não o descobrimento da nova terra, como todo o suc- cedido na viagem de Cabral, pela costa d* Africa até ao mar Vermelho, occuUou esse primeiro nome.

Bem como o Roteiro do Brazil^ de Gabriel Soares de Souza, a authenticldade dessa carta, trasladada para o hespanhol no tomo III de Lo5 Yiages menores, de Don M. F. de Navarrete,o qual declara que ella cezistia em Saragoça no archiro da antiga deputação de Aragão, destruído na guerra da Independência, cópia tirada por D. Joaquim Traggia», é contestada pelo Dr, Zeferino Cândido, no capitulo IX do seu citado trabalho.

Transcrevamos, comtudo, ainda que apocrypha a r4gia missiva, cujo original portuguez se perdeu, mas por colher ao nosso ponto, o que nella relatava, através a traducção hespa- nhola, D. Manoel, o Venturoso:

<B1 dicho mi capitan con trece nãos partió de Lisboa & nueve de Marzo dei ano pasado. En las octavas de la pascua segulente llegó à una tierra que nuevamente descubrió, ã la cHal puso nombre de Santa Cruz^ en la cual halló las gentes desnudas como en la primera inocência, mansas y pacificas.»

Vem de molde apontar alguns equívocos do finado e pro- vecto professor Dr. Mattoso Maia, o qual, no capitulo III do seu compendio por nós referido, diz que cem Julho desse mesmo anno de i500^ D. Manoel commnnicára aos soberanos da Europa que o capitão-mór de uma expedição portugueza para a Aflia tinha descoberto no Novo Mundo uma ilha grande e boa para refrescarem e fazerem aguada suas armadas da índia, e que a essa terra se tinha dado o nome de ilha. de vbra-cruz »

Relativamente á substituição do nome Vera^Cruz pelo de Santa Cruz, expende o Dr. Zeferino Cândido, no capitulo III do seu mencionado livro BrazU, as seguintes considerações:

«Santa Cruz é nome posterior (ao de Vera-Cruz), mas muito próximo da descoberta. Mantém a palavra essencial e

o PRIMITIVO NOME DO BRÂZIL 321

apenas diverge no qualificativo. Bacontram-se ainda outras íórmas, todas contemporâneas, que couser vam a palavra cara- cterística, como i7Aa da Cruz, terra da Cruz. Neste oscillar do appellativot uma forma prevaleceu— 6fanto Cruz» B* muito pro- .vavei que a preferencia se baseie n*uma selec^^ religiosa. Vera- Crus estabdlecia de prefere acia uma data, e nesse sentido en- volvia um erro, ou apenas inculcava uma recordaçfto ; ílAa e terra da Oruz tinham o desprimor de aíkstar da preoocupação religiosa e envolver uma questSo geográfica. Santa Oruz tinha realmente condições vigorosas para triumphar.

cA palavra BrazU é também coevft. Bncontra-se cartogra- flcamente estampada, em synonymia com Santa Cruz, desde 1504, pelo menos. B*nome de origem oommercial.»

Foi, talvez, em virtude dessa «selecção religiosa», que Cabral e D. Manoel desprezaram logo o nome Vera^Cruz, preferindo- lhe o de Santa CruM»

Confirmando essa preferencia, que patenteava o espirito re- ligíoso da época, pondera João de Barros, na sua citada i* Década : «Porem como o demónio per o sinal da Cruz perdeo o dominio que tinha sobre nós, mediante a Paixã de Christo Jesu, consumada n* eila: tanto que daquella terra começou do viro páo vermelho chamado brasil, trabalhou que este nomo ficasse na boca do pouo, que se perdese o de Sancta Cru». Como que importaua mais o nome de hu páo que tinge panos, que daquelie pão que deu tintura a todolos Sacramentos per que somos salvos, per o sangue de Christo Jesu que nelle foy derramado.»

Frei Vicente do Sal valor, que escreveu a sua Historia d(y BrazU cerca de um século ("1627; após o apparecimento da Década^ de João de Barros, comprova também essa selecção, essa preferencia religiosa, nas seguintes palavras, cópia quasi tex- tual das do autor da Ásia e accrescentadas ao trecho. por nóa transcripto da sua Historia do BrazU:

«... porem como o Demónio com o signal da Cruz perdeo todo o Dominio, que tinha sobre os homens, receando perder também o muito,que tioha em os desta terra, trabalhou que se esquecesse o primeiro nome, e lhe ficasse o de Brasil, por causa de hum pauassim chamado <ie odrabrasada.e vermelha, comque

491— 2i Tomo lxix p. i

322 RfiVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

tiogeni paaoa, que o daquaUe di7iao páa, que deo tinta e vir^ tude a todos os Sacrameatos da Igrotía, etc.»

A cseleog&o religíjsa», de que MaoDr, Zeferiao Cândido» fez, d provarei, trocar em breve a primitiva denominação V&ra- Oru* pela de Sanla Crus, Mas o motivo pelo qual os antlgoii liistoriadures de nossa pátria silenciaram esse primeiro nome, foi, certamente, porqne o ignoravam; qne aos pósteros o re- velaram Ayres de Casal e Yarnhagen, na benemérita exca- vaçSo das cartas de Caminha e de mestre João.

Rio de Janeiro, 1906?

nriDioB

Matérias contidas no tomo LXIX, parte I

PA08,

A Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, pelo Dr. José

Vieira Fazenda.. , . . . 5

Carta de Frei Francisco de Menezes para o Dnque de Cadaval. 53

Carta do Yice-Rei do Bri|zil, . Conde da Cunha, a Francisco Xavier de Mendonga Furtado, acerca doa motivos que iere pi^li, pedir snccessor. ,•»•••,«..,•. 77

TrasU^Q de nin auto de diUgencia sobre a arribada do navio

Nossa Senhora do Rosário e Santq Ântonto 85

Kegimento fornecido ao Governador do Rio de Janeiro, (datado

de 7 de janeiro de i079). 99

Proviaão do Príncipe aobrc) Sesmaria . . 113

Alvará pelo qual é nomeado Duarte Corrêa yasqueann?8 para o entabolamento de Minas na aoaencia de Salvador Corrêa de Sa e Benevides. 116

Carta de foral povoação, naturi ta mento» no Fstado do Grão Pará e.rio do Amazonas no Maranhão, de que Sua Ma- gestade faz mercê ao capitão Pedro Sultman, Jrlaedez de Naçfio e aos mais de sua facção residentes na ilha de SSo C^stovão. 121

Regimento qu ; ha de usar e general da Frota Salvador Corrêa > de 131

Alvará pelo qual é concedido a Salvador Corrêa de Sao Be- nevides fazer mercê aos que se distinguirem no descobri- mento das Minaa 143

Alvará pelo qual é concedido a Salvador Corrêa de Bene- vides e seus desoendentea rendimentos tirados do que pro- duzirem aa minas de ouro e prata 147

1

324 índice

41 .

Curta de António Telles da Silva a Sua Mageetade. . . . 511

Traslado de um asaânto que se tomou em presença do Go- vernador deste Estado do Brazil sobre a carta que escraTeo o tenente de Mestre de Campo General André Vidal da Ne- greiros em que oonta de ser fugido Henrique Dias. 161 \

Traslado do assento que se fez sobre as cousas de Pernambuco. 165

Copia da carta que os do Supremo Conselho Governadores em Pernambuco escreveram ao Sr. António Telles da Silva, GoTernador o Capitão Geral deste Bstado, por dons em- baixadores que a esti cidade mandara o 173

Copia de uma carta que escreverão de Pernambuco Martim Soares Moreno e André Vidal de Negreiros a António Telles daSiWa 18?

Regimento que ha de usar as Minas de São Paulo e São Vi- cente, do Estado do Brazil, Salvador Corrêa de e Be- nevides 199

Noticias que ao Padre Mestre Diogo Soares o alferes José Peixoto da Silva Braga do que passou da primeira ban- deira, que entrou ao descobrimento das Minas dos Guayases até sahir da cidade de Belém do Grão Pará 217

Noticias praticas do novo caminho que se descobria das cam- panhas do Rio Grande e Nova Colónia do Sacramento para a villa de Coritiba os annos de 1727 por ordem do Go- vernadsr de São Paulo António da Silva Caldeira Pi- mentel 29&

Noticias praticas das Minas Geraes do Ouro e Diamantes que do R. E. Diogo Soares o Capitão-Mór Luiz Borges Pinto sobre os seus de^^cobrimentos d? celebre oasa de casca comprehendldos nos annos de 1726-27 e 28 sendo Go- vernador e Capitão General D. Luiz de Almeida. . . 861

Noticias praticas de Costa e povoaçGes do Mar do Sal e res- posta que deu o sargento- môr de praça de Santos Ma- j noel Gonçalves de Aguiar ás perguntas que lho fez o Go- vernador e Capitão General da cidade do Rio de Janeiro J e Capitania do Sul António de Brito e Menezes sobre costa e povoações do mesmo nome 29^ *

O primitivo nome do Brasil, por Domingos de Castro Lopes. 311

491 Rio de Janeiro Imprensa Naeional 1908

Fins do Instituto*— Revista* Admissão de sócios*— Sessões*— Correspondências*

o Instituto tem por fim colligir, estudar, dWulgar, investigar e ar- chiTar os documentos concernentes á historia, geographia, athnographia e archeología, principalmente do Brazil.

Publica desde 1839 uma Rtívista, a qual no fim do aano torma um tomo em duas partes: ai* constando dos documentos relativos ao Brazil e a 2* comprehende os trabalhos de sócios e as actas das sessões, assim como os discursos do Presidente e do Orador e o relatório do Secretario, apre- sentados nas cessões anni versarias.

Os sócios são: efTectivos em numero de 50, correspondentes em numero de 100, honorários em numero de 50, beneméritos em nnmero de 10 bemfeitores, havendo uma classe de presidentes honorários, i qual podem pertencer o chefe do Estado e os chefes de outras nações.

Admittem-se como sócios, tanto os nacionaes coroo os estrangeiros, medi- ante oirereciniento de obras e aprosentação, por escripto, da respectiva candidatura.

Os sócios do Instifuto têm como distinctivos um oollar e medalha de ouro e uma roseta de côr azul celeste.

As sessões ordinárias do Instituto, a que podem assistir todos os sócios, realizam-se mensalmente de Abril a Outubro, á noite.

A corre3pon<tencia e todas as remessas ilevem ser dirigidas ao 1^ Secre- tario e encaminhadas para o Instituto, aberto todos os dias das II horas da manhã ás 5 da tarde.

Presidente do Instituto

(1908)

Barão do Rio-Branco.

Gommissão de redacção da Revista

(X908)

Max Fleruss.

Conde de Affonso Celso.

Alfredo Nascimento.

Augusto Olympio Viveiros de Castro.

Alfredo Ferreira de Carvalho.

l"" Secretario Perpetuo do Instituto

Max Fleiuss.

Thesoureiro do Instituto

Arthur Ferreira Machado Guimarães.

Bibliothecario do Instituto

Dr. José Vieira Fazenda.

-áLVISO

Art. 54 dos Estatutos :

Os sócios que satisflzorem a jóia e as cuiitribuiçoes torão di- reito a ura exemplar da Revista fio Instituto, desde o dia da sua admissão era diaate, pagando o porto do Correio.

§ I Aqutíllo que dever as preataçõoa de tros annos perderá o direito do reoober a Revista,

§ 2.<> O V Secretario flca incumbido da sua distribuição aos sócios e a outras pessoas, residentes no Brazil e fóradelle.»

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REVISTA

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ITUTO fllSTOfilGO E GEOGBAPfflCO

BRAZILEIRO

Fundado no Elo ás Jsndra em 1B33

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INSTITUTO HISTÓRICO E GEOaRAFHICO

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BRAZILEIRO

Fundado no Rio de Janeiro em. 1833

TOMO LXIX

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Í^BIEXXI OCTOflIUSj

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RIO DE JANEIRO

1908

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DA INDEPENDÊNCIA A RBPDBLICA

PBLO

DR. EOaYDES DA CUNHA

Sócio effectivo do Institato Histórico e Qeographiop

Brasileiro

Esto trabalho do nosso illustrado consócio Dr. Euclydes da Cunha foi cscripto em maio do 1901 o publicado, então, no Estado de S. Paulo, com o titulo O Bràzil no Século XIX,

Deliberando a Gommídaio de Redacçto inoluil-o na Revista, prcstou-se gentilmente o autor a refundil-o e ampliai- o na sua maior parte, augmentando assim o seu valor.

(Xota da Commissão de Redacção,)

DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBUCA

Chegamos ao século XIX na plenitude da expansão territo- rial, expressa nos Tratados de Madrid (1750) e Santo Ildefonso (1777). Apagara-se a linha ideal da concordata de Tordesillas» e a penetração colonizadora, j& seguindo a rota accelerada das bandeiras, o passo tardo dos missionários, irradiara por três quadrantes para o norte, buscando os thalwegs do Oyapock e do Amapá ; para o occidente, a encontrar as missões do Equador e as terras bolivianas, e para o sul, procnrando o Prata, onde se erigira a balisa extrema da colónia do Sacra- mento.

O grande tracto de terras retratava desde então a configu- rando actual do Brazil. Mas indefinida e dubla. Firmada a leste e ao sul pela desmedida faixa de uma costa massiça, pelo poente e norte derivava em traços indecisos, raro modelados pelas conformações geographicas e ambíguos no fugitivo de linhas imaginarias lançadas em regiões desconhecidas, ou scindindo as cabeceiras de rios problemáticos.

Extremava a desmedida fronteira um único ponto astrono* mioamente determinado na foz do arroio do Chuy, ao Sul (33® 45'L. S.;53o25'05" L. O. G.).

Partia dalli num traçado fiexuoso, pela lagoa Mirim, inter- ferindo saocessi vãmente as cabeceiras dos Rios Negro e Ibicuhy, ctga correnteza a conduzia ao Uruguay. Desatava-se depois pelo Pepiri, buscando-lhe as nascentes; alcançava-as ; transpunha-as; descia pelo Santo António até ao Iguassú, seguindo-o ató ao Paraná ; e alongando-se ao arrepio da corrente deste attingia a confluência do Igurey. Subia-o «té ás cabeceiras, volvendo ao

8 REVISTA DO INí=!TITUTO HISTÓRICO

ocoidente e depois em cheio para o norte, quasi ao acaso, diva- gante entre vertentes indecisas até ao Parasruay. Proseguia inflectindo outra vez ao norte pelo Paragnay acima ató ás cer- canias da Bahia Negra, onde o deixava, illogicamente, para formar as lindes da Bolivia demarcadas pelos mais apagados pontos determinantes, rompendo pelo meio das « corixas » ala- gadas que salpintam vasta região de nível, até á foz do Jaarú, onde uma recta para o occidente um capricho de oartographo a distendia ató á confluência do Quaporé com o Sararé. Descia em dilatada longura por esta divisa firme ató um ponto no Madeira, módio entre a sua foz e a do Mamoré para se estirar de novo no desconhecido, em longo e imaginoso traçado rectilíneo, procurando as fontes problemáticas do Javary, seguindo ao som das aguas ató á eàtrada no Amazonas. Depois novas lindes imaginarias, em que mal se fixa o traço se- guro do Japurá, atóattingir, numa inflexão definitiva para leste, o c divortium aquarum » do Amazonas e o Orinoco.

Seguindo esta extensa moldura, mal delimitando o theatro da nossa existência naquelle século, a carência de divisas arcifl- nias prendeu-nos, na phase decisiva da nossa organização nacional, a sérios problemas de organização do território.

Os limites com o Uruguay se firmaram em 1857, depois dos successivos accordos de 12-10-1851 e 15-5-1852 em que intervieram o marquez de Paraná e o visconde de Uruguay.

Com a Republica Argentina originaram a questão quasi secular das Missões, em que uma troca de nomes dos rios extre- menhos tendo annullado todo o esforço do visoonde do Rio Branco, em 57, se destinava, depois de longas negociações» á solução pela arbitragem em nossos dias (1895), e a reviver no de um digno herdeiro o nome daquelle grande estadista.

Depois de uma campanha victoriosa, fixamos definitivamente as fronteiras, com o Paraguay, desde a foz do Iguassú á do Apa, passando pelas magistraes das serras de Maracajú e Amambahy, conforme o Tratado de 9 de Janeiro de 1872, nego- ciado com admirável brilho pelo barâo de Cotegipe.

As extremaduras extensíssimas da Bolivia, poróm, mal reguladas pelo Tratado de 27 do Março de 1807^ do Conselheiro

DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 9

Lopes Natto, onde se trocoo o critério geographico das linhas naturaes que nos garantiam a posse dos tributários meri- dion ies do Amazonas, pela l>ase indefinida do uli possideiis, destinavam-se a chegar indeterminadas ao século XX, sob o aspecto ameaçador das questões incandescentes do Acre travadas em torno da linha imaginaria que, partindo de uma coordenada fixa naqnelle tratado (lO^ 20' L. S.)» ha margem esquerda do Madeira, se alonga ás cabeceiras do Javary.

As do Pcrú accordaram-se pelo Tratado de 23 de outubro de 1851, sob o principio, expresso, da posse, tragando-se, defi- nitivamente, em 1874.

As do Equador o da Colômbia ficaram insolúveis durante o cori*er do século. Autepunham-se-lhes, como preliminar indis- pensável, as questões do limites entre estas republicas e a do Peru. Quanto ás da Colômbia, adscriptas, por sua vez, a sérias duvidas com a Venezuela o ò Equador, encerravam germens de complexo litigio nas paragens desconhecidas do alto Rio Negro.

Attingido o norte, liquidamos, pelo Tratado de 5 de maio de 1859, negociado por Pereira Leal, as nossas divisas com a Venezuela, restando-nos, adeante, no rumo de leste, duas outras: com a Guyana Ingleza, vizando a posse do território neutro de Pirara, e com a Franceza, relativa á região contermina que se desdobra entre o Amapá e o Oyapock.

Velha de três séculos, porque podemos consideral-a nas- cente desde 1605 com La Revardiòro; transitando em successivos tratados e convénios que fora longo rememorar; parando no statu quo do arranjo de 5 de julho de 1841, constituindo o t Contestado»; permanecendo inextricável a despeito das ne- gociações entaboladas de 1853 a 1856 ; revivendo mais tarde na republica extravagante de Cunani (1887) ; provocando, em 1895, um choque pelas armas entre nacionaes e franeezes aquella ultima destinava-se á mais bella consagração do principio civi« lisador da arbitragem rematando, nos ultimes dias do século (1900), á luz do vigoroso espirito dobarão do Rio-Branco, todo esse longo trabalho de reivindica^ do solo.

10 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

E flBemos, oerto, muito, nesse reatar e corrigir tantas

linhas oonfinaes enleadas, ou partidas pelo repentino abalo d o

dominio hespanhol dissociando-se, de chofre, em nore estados.

Porque no flm da quadra colonial não havia curar-se do

laes oompromisflos, entregues ao futuro. O Brazil era amplo

demais para os seus três milhões de povoadores em 1800.

Além disto, ft contiguidade territorial, delineada numa costa

inteiriça, contrapunha-se completa separa^^ de destinos.

00 vários agrupamentos em que se repartia o povoamento rare-

léitoi evolvendo emperradamente sob o influxo longínquo dos

alvarás da metrópole, e de todo desquitados entre si, não

tinham uniformidade de sentimentos e ideas que os impel-

lissem a procurar na continuidade da terra a base physica de

ama Pátria.

Formações mestiças, surgindo de uma dosagem variável 4e três raças divergentes em todos os caracteres, em que as comHnações dispares e múltiplas se engraveciam com o influxo diflérenoiador do meio phjslco, de par com as mais oppostas ooadições geographicas, num desdobramento de 35 grãos de latitude, ^ chegavam ao alvorar da nossa edade com os traços deaunciadores de nacionalidades dístinctas.

Dixem-n'o todos os suocessosdos tempos anteriores. O drama da Inconfidência terminara recentemente no sul. sem que o seu desenlace trágico oommovesse o norte, onde« por sua ve2| em quadra mais remota, a lueta contra os bata- vos ae abrira e se encerrara com o divorcio completo das gentes meridionaes.

Entretanto, sobre wím divergências de ordem politica reinava inteira uniformidade nas situações mental, moral sooial da colónia. As duas primeiras tinham o lastro uniforme das crenças catholicas triplamente inquinadas pelas superstições medievas, pelo fetichismo indígena e pelo animismo aítíoano ; e a ultima, caracterizando um estado semi-barbaro em que todo mérito estava na coragem pessoal e todo prestigio na gloria militar, repousava sobre a escravidão.

Dest*arte, insulados no paiz vastíssimo om que se per- diam, os nossos patrícios de ha cem annos, tinham frágeis

DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA H

laços de solidariedade. Dlstaadavsi-os o melo; 8eparayam-n*os profundamente as discordâncias ethnicas. A directriz da nossa historia retorcia- se sem uma caracterização precisa, em movi- mentos paroellados, estrictamente locaes. E punha-se de mani- festo um corollarlo único : a formação de algumas republicas turbulentas, sem a afflaidade fortalecedora do uma tradição secular profunda.

Alguém, porôm, ci^Ja missão prejudicial ô hoje ponto incon- troverso, mau grado o brilho de uma gloria discutivol, la realizar, sem o querjr, completa transmutação em nossos destinos.

Napoleão, que se propunha derramar sobre a terra o fulgor da elaboração cmancipadora da Encyelopedia num lampejar de fuzilarias, lançou, cm 1807, as tropas de Junot sobre a Penín- sula Ibérica. E foi, como se sabe, um rude passeio militar...

O immortal sargeatão entrou pelas ft*onteira8 desguar» necidas de Portugal, e apavorou o mais inoíTensivo dos reis.

O príncipe regente da terra, D. João VI, não se modelara para aquelle transe.

Representara, desde 1792, em que assumira a regência de Portugal, iníblicissimo papel nas agitações da Europa, oscu- lando entre as mais oppostas attitudes. Partidário, a principio, da Liga contra-revolucionaria, abondonara-a, depois da paz de Basilóa, para cortejar o Directório. Volvera-so depois ã velha alliança ingleza applaudíndo o revido fulminante de Nelson; para a deixar logo, numa curvatura lastimável ã aureola im- perial do menor dos grandes homens, emergente do 18 de Bru- mário. Completara, afinal, a fraqueza, prendendo-se ás clau- sulas humilhantes do tratado de Madrid (1801) e pagando ã peso de ouro a própria neutralidade, até surgir, em 1806, a conjunctura do bloqueio continental, acarretando-lhe novas oscillaçOcs o novos desastres.

Titubeando entro a Inglaterra e o seu tenaz adversário, despertara o desquerer deste ultimo. Procurara serodiamente afastal-o, enviando os passaportes ao ministro britannico vis-

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coDde de Strangford, o extremando-so no excesso de zelo de deter- minar o sequestro das propriedades inglezas em Portugal.

Mas deflnira-se tarde. O próprio chefe da esquadra britan- nica, que começara o bloqueio do Tejo, Sidney Smith, remetteu- lho, ironicamente, o numero docMonitonr» em que se estampava o Tratado de 27 de Outubro do 1807, de Fontainebleau, dividindo- Ihe o reino entre a Franga e a Hespanha ; o, simultaneamente, a noticia da invasão íranceza.

Não a aguardou. Fugiu para escrerermos o verbo que lho sombreia a memoria, empanando o significado mais verda- deiro de uma hábil retirada. Embarcou com a família e a corte alarmada (29 de novembro de 1807) nos restos de uma frota que abrira esteiras nos lAares nunca dantes navegados, e, passível do mais caprichoso joguetear do destino, comboiado pelos próprios navios inglezcs, inimigos da véspera, seguiu para o Brazil.

Ora, estes factos, vertiginosamente desencadeados no passo do carga do uma invasão, iam ter consequências memoráveis.

Lançavam á nossa terra o único estadista capaz de a trani- i)gurar.

De facto, na situação em que nos achávamos imprópria vamo- nos por egnal ao império de um caracter forte o aos lances do um reformador de génio. O primeiro seria novo estimulo ás revoluções parciaeá, acarretando á desaggregação inevitável ; o ultimo agitar-se-ia inútil como um revolucionário incompre- hendido. Precisávamos de alguém capaz de nos ceder, transito- riamente, feito um minorativo ãs scisões esboçadas, o anel do alliança da j^^. tradição monarchica, mas que a não soubesse implantar ; e não pudesse, por outro lado, impedir o advento das aspirações nacionaes, embora, apparecessem, paradoxal- mente, no seio de uma diotadura dcsvigorada e frouxa.

E D. João VI, um medíocre, foi um predestinado. Aveaiso a bravuras, alma ingénua ornada de uma placabilldade burgueza, abatido ademais pelas desordens de um lar infeliz, entristecido pela figura da velha rainha D. Maria 1, que enlouquecera -* a

DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 13

iQercia foi-lhe attribnto preemioeDto : permittia que lhe agisse intacta, sobre o animo, a vontade de alguns homens superiores queorodeiavam.

ReTelam-n'o todos os factos subsecutivos & sua chegada a Bahia, em 22 de janeiro de 1808.

Alli, o sen primeiro acto foi um golpe sulcando a fundo todo

0 regimen colonial, pela franquia dos portos brazileiros ao com- mercio das nações amigas, que ooram todas, exceptuada a França. Mas na Carta Rôgia de 28 de janeiro daqnelle anno, que a esta- tuiu, reflete-se, exclusiva, a suggestão directa do nosso primeiro economista, José da Silva Lisboa, visconde de Cayrú.

Gomipletou-a, depois de chegar ao Rio de Janeiro, com a de

1 de abril, desafogando as actividades e derogando a lei do 5 de janeiro de 1785, que ordenara o fechamento de todas as fabricas, extravagante traço legal sublinhando a ociosidade indígena.

Estes dois decretos, equivalentes a duas revoluções liberaes, bastavam a ennobreeer-lhe o nome. Relegam a segundo plano todas as falhas de uma educação imperfeita que, ligadas ao do- sadorar os mínimos rigores da pragmática, o tornaram inferior & própria dignidade real, jungindo*o para sempre ao humorismo nem sempre justo dos chronistas, ou historiadores do anecdotas. Porque quem lhe restaura hoje a figura expungida de sem numero de pormenores lastima velmentc hilares e enquadrada, de preferencia, logo em principio, naquelles decretos decisivos e quasi revolucionários, aprecia-a sob outro aspecto.

Foi, em primeiro iogar, um stoico.

Não o abatera o súbito declinio de uma pátria em despenhos do fastígio ephemoro em que a alcandorara a dictadura de Pombal ; não o abalara, depois, a troca de uma capital sumptuosa pelo Rio de Janeiro de então, grande aldeia de 45.000 almas, salpintada de mangues, invadida pelas marés, que lhe intumesciam as lagoas, e construída desageitadamente com as suas viollas em tor- eioollos, orladas de gelosias de urupema, pelas quaes embitesgava, o paupérrimo trem real de velhas seges de cortinas decouro, recordando os últimos frangalhos de uma opulência extincta.

Depois, um convencido e um sincero.

Se não traçou, pelo próprio punho, no manifesto de 1 de maio

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O compromiBso do «levantar a voz do seio do novo império que ia orear», comprchendeu-o, lucidamente.

Pelo menos deixou vacillante o juizo da historia, inclinaado-o de preferencia ao parecer de um contemporâneo illustre« Luckok, quando escreveu que elle «possuía mais sentimento e energia do caracter do que ordinariamente lhe attribuiam amigos e inimigos >»•

E' o qae, de facto» delatam todos 03 actos subsequente! que vamos apontar apenas, neste relancear o passado da nossa terra.

Foi a principio uma reação contra o inimigo longínquo .

Uma expeiição militar fulminante, ao mando do general Marques d'i:ivas, dirigiu-se para a Guyana Franoeza, chegando, a 15 do dezembro ás cercanias de Cayenna. Assediou-a ; o expugnou-« a 12 de janeiro do anno seguinte (1809), expulsando o governador Victor Ilugues e toda a guarnição. Deste moda a nossa primeira acção externa no século XIX tem todos os pontos de contacto com a ultima: áquoUe choquo armado da dictadura real contrapor-se-ia, em 1901, victorlosa pela arbitragem, contra os mesmos adversários e no mesmo campo, a acção pacifica da Repablica.

A segunda extremou-se no sul, e prolongar-se-ia intermiten- temente ató aos nossos dias. Traha, ao parecer, mal encoberto anhelo da esposa de D.João, D. Carlota Joaquina, que imagi- nara restaurar, no vice-reinado doPrania, o throno oastelhano desabado na Europa com Fernando VII. Mas realizou se ao reclamo do próprio governador hespanhol. General Blio, que, depois da revolução emancipadora de 25 do maio de 1810, em Raenos Aires, se viu cercado no anno seguinte na praça de Montevideo pelas tropas argentinas o orientaes do General Rondeau e Josô Artigas. Depois de alguns combates inúteis om que o Capitão General do Rio Grande, D. Diogo do Souza, invadindo o Kstado Oriental, desbaratou os guerrilheiros que se lhe antepuzeram— , a lucta terminou (1812), pela intervenção do ministro Rademaker, dedicado físcal da politica britannica, e teve como resultado mais próximo ligar-nos á convivência perigosa dos caudilhos, de que Artigas foi o primeiro molde.

Fallecendo por este tempo o condo de Linhares, ministro

DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 15

quo estimulara estas duas aventaras gaerreiras, poade D. JoKo applicar-se à administração interna do paiz.

Começou a reagir, então, effloazmente, sobre os nos«o8 deíi* tinos, por uma série de medidas que, reflectidas mais tarde m ordem politica, com a resolução do 16 de dezembro de 1815, el0- vando o Brazil á categoria de Reino, tiveram» segundo outra ordem de idéas, uma significação mais alta no propelliram o nosso desenvolvimento intcllectual.

Foi a sua acção realmente útil.

Propiciara-a de algum modo o meio em que se ezffi*citava*

O espirito nacional, apozar da situação inferúNr da massa da oolonia, começara a despertar alguns annoi antes»

Revolam-n'o alguns nomes expressivos.

Conceição Yelloso, o nosso primeiro botânico, fôra na própria metrópole um vulgarizador de trabalhos utilíssimos. Vicente Seabra, Nogueira da Gama e José Bonifaoio de Andrada e Silva, induiam-SG entre os lentes da Universidade de Coimbra e Escola de marinha de Lisboa. José da Silva LisbOa era um digno discípulo de Adam Smith e oriterioso oommentaáor de Burke. HippolJto José da Costa, no Correio BraHiimisê^ pnbli« cado em Londres, agitava com brilhantismo raro dois sérios problemas a independência politica e emancipa^^ dos escra- vos. Arruda Camará, Josó de Bettencourt e Josó Vieira Ck)uto, nos sertões de Pernambuco, Bahia e Minas, abriam em nossa terra as primeiras veredas ã soiencia fora das picadas tortuosas das bandeiras.

Silva Alvarenga, Tenreiro Aranha, Villela Barbosa e Souza Caldas, esboçavam a nossa vida litteraria. £ sobre todos, de muito superior ã sua época, grande mathematioo eeo^ nomista notável, aquella rara mentalidade do hísgo Aieredo Coutinho, caracterizando, no versar os mais dispares assumptos, o traço essencial do nosso espirito vesado ás generalizações brilhantes em detrimento das especializações fecundas.

Ora, o attributo preexcellente da dictadura real consistia em favorecer esse germinar da expansão civilisadora.

Fundou a Imprensa Régia ; e a Gazeta do Mio, ovgun official, appareceu iniciando a imprensa no Brazil.

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Alli se imprimiram paginas que ainda hoje delettreamos com vantagem : o cDicoionario da Lingua Portugaeza», de A. Moraes e Silva e a c Ghorographia Brasilica», de Ayres de Casai; livros que com a «Historia do Brasil», de Southey (1822), os volumes descriptivos do príncipe de Newied, os tra- balhos de ArrndaCamara, as primeiras linhas de Martius, os esoriptos de Aug.Saint-Hilaire, Eschwege, Varnhagen, Feldner, e as memorias históricas de Pizarro, ou Annaes do Rio de Ja- neiro, de Balthazar Lisboa delinearam o primeiro quadro da nossa cultora.

Concorrentemente, outros pioneiros substituíam o bandei- rante 6 o missionário no desvendar a terra, prolongando os esforços, até então esparsos, de Qabriel Soares, Lacerda e Almeida e Alexandre Ferreira. Eram uns nomes extranhos Mawe, Koster, Waterton...— batedores de outros mais illustres, nacionalisados todos entre nós pelo carinho com que olharam para uma natureza portentosa. O agasalho que encon- travam denunciava novos estímulos no governo.

Havia pouco ainda, no começo do século, um governador fluspicaz lançara, zeloso, um decreto de expulsão «contra um tal Barão de Humboldt », individuo suspeito, que andava pelas extremas septentrionaes do Amazonas. .

Mudavam-se evidentemente os tempos. A oóne attrahia os abnegados naturalistas, alguns dos quaes, sob o razoável pretexto de enriqueoerem as coUecções do Museu Nacional, reoemoreado, se tornaram pensionistas do Estado.

Renovou-sedo mesmo pajsso o movimento artístico quo, apenas iniciado, ao norte, durante o domínio hollandez, por Eckhout e Pieter Post, e escassamente animado por alguns ta- lentos nacionaes, sem cultura teve, desde 1816, o amparo permanente da Academia de Bailas Artes, que a recente paz com a França apparelhara de todos os elemontos de successo com avinda de Joacbim Le Breton, membro do Instituto, que a dirigiu, auxiliado por um pintor notável, Debret, por um artista ci^o nome se vincularia ã nossa historia numa progénie i Ilustre, Nicolau Taunay, por um architecto de génio, Grandjean de Montigny e o escuiptor Marc-Ferrez.

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Volvendo a outros ramos administrativos, fundou, d. João, as Aoademias de Marinha e Artilharia, o Archivo Militar e ^frizemos esta circumstancia digna de nota— desfazendo-se dos seus livros, a Bibliotheca Nacional ; e gisou o primeiro es- boço de um Jardim Botânico, futuro Índice da nossa flora.

Rematou tudo isto com a creação da primeira instituição de credito do paiz, o Banco do Brazil.

Bsta imperfeita resenha, diz tudo p(.r si mesma. Traduz inestimável legado que outros factos, sem a mesma altitude, não empanam.

Nestes incluem-se todos os renovamentos das supérfluas velharias de uma sociedade desfibrada, em que a burocracia se tornara e ideal da vadiagem paga : a Mesa de Consciência e outras, que nos forramos de citar, entre as quaes uma Inten- dência Qeral da Policia, centralisada na corte, como se pela vasti- dão do Brazil um Pina Manique titânico pudesse alongar dois braços de Briareu... E, mais nefasto ainda, despontando com a « Ordem da Torre e Espada », um prodigalizar fabuloso de oommendas em tal cópia que, segundo Armltage, ultrapassaram as doadas por toda a dynastia ; iniciando-se nesta terra a mais achamboada das aristocracias e e3<io dissipar de « honras >, que tanto desaira a honra purae simples.

Accrescente-so a annexação inútil, da Banda Oriental, (16 de julho de 1821), constituindo a provinda Cisplatina, que devíamos perder mais tarde depois de longas fainas guerreiras, e teremos completado a única face obscura do quadro. Releva^ entretanto, considerar que neste lance a politica exterior de D. João VI feriu, por acaso, a questão mais séria deste conti- nente. Aprovei tando-se das discórdias entre os orientaes de Josô Artigas eos argentinos, para firmar desde 1817, com a espada do Barão da Laguna, o seu domínio em Montevideo, ella lançara as primeiras linhas de uma opposição ató hoje victoriosa contra o pensamento da raconstituiçao do Vice-reinado platino, que se planeara desde 1811, na Junta Ooveroativa de Buenos Aires, e erigiu-se ató aos nossos dias como ideal preeminente do patriotismo argentino.

43:83 ^ 2 Tomo lxix. p. ii.

18 RB VISTA INSTITUTO HISTÓRICO

 dictadura de D. João VI encerrara com esta abção ex- terna a sua phase reconstractora e utll.

Iam assaltai-^ e abatel-a dois movimentos inopinados a revolução de 17, em Pernambuco, e a de Portugal, em 1820.

A primeira, i, parte as causas secundarias e immediatai de uma revolta militar, estampando o rotulo falso das agi- tações nacionaes, tinha origens profundas.

Domingos Theotonio Jorge e o impetuoso Barros Lima, o < Leão Coroado », assassinando o commandanto militar do Re- cife, e expulsando o capitão general António Pinto de Miranda Montenegro, agiam, heróes autómatos, sob o impulso incoercível das tendencial nativistas, sob o disfarce republicano, cujos chefes reaes, o commerciante Domingos Martins, o padre Miguei Joaquim de Almeida e o mallogrado padro Roma, secundados pelo seminarista Martiniano de Alencar, pertenciam a profissões pacificas por excollencia.

Depois de um successo epbemero, em que à Junta Revo- lucionaria, legando-nos exemplo que não foi esquecido, adoptou como mais urgentes medidas o augmento do soldo ás tropas, o accesso de três postos aos officiacs revoltosos e o tratamento oílicial de vós^ o revide legal vibrado polo pulso vigoroso do conde dos Arcos, governador da Bahia, sopeou-a, niaculando-ie depois com levar ao patíbulo os rebeldes supplantados.

D. João VI vencera, porém, a tempo de attender a outros antagonistas, que lhe surgiam na própria pátria com a revolução liberal de 24 de dezembro de 1820, no Porto.

Na revolta portugueza o que apparece no primeiro plano é a corrente generalizada do constitucionalismo que ia assober- bando a Europa, depois da Restauração. Mas os seus reagentes mais enérgicos eram outros. Resumiam-se na circumstancia cte haver-se deslocado o throno para o Brazil instituindo, aqui, a autonomia económica, preliminar da autonomia politica è còl- looando o reino ém situação visivelmente inferior.

Houvera, de fticto, uma troca de papeis : Portugal, empo- brecido desde a franquia dos portos, aggravada com o escoar-se- Ihe, de Lisboa para o Rio, as rendas da realeza e do seu séquito ' era a colónia de Y^cto.

DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 19

Assim, aquella a^tagão era menos a lucta por um prin- cipio que a revolta de uma nacionalidade illudida e melindrada.

A nora chAgou ao Rio de Janeiro trazendo, desde o Pará, a sobrecarga aggravante da adhesão das tropas lusitanas dai provincías. £ reviveu na alma timorata do rei antigas e des- lembradas commoçôes a resonancia longínqua do tropear dos granadeiros de Junot. . .

D. João VI não balanceou a crise. Tergiversou, entretanto, irresoluto, entre os brazileiros, que o attrahlam, e portuguezes, que o intimavam a acceitar a constituição da Junta revolucio- naria de Lisboa e a voltar para o Reino.

Jurada aquella, e marcadas, de accordo com o que estatuirá (7 de março de 1821), as eleições de deputados ás Gôrtes, novas vacillaçT^es no deixar a terra a que se affeiçoara, originaram sanguinolentos recontros nas ruas do Rio de Janeiro entre os nacionaes e as tropas auxiliares portuguezas.

Por fim, encerrando a sua carreira politica do mesmo modo por que a inaugurara, com uma fuga ou com uma hábil retirada, oscillante entre dispares desígnios, com as mesmas peripécias dolorosamente ridículas, que temos por excusado reviver, partiu, a 2Q de abril, para Portugal, deixando ao filho, D. Pedro de Alcântara, uma corda que Julgava passível de ser preada por um aventureiro qualquer.

Houve, entSo, na nossa historia uma antinomia notável.

O nativismo nacional que, á parte a breve irritação per- nambucana, tolerara o absolutismo da realeza, começou de ser rudemente aferroado pelo liberalismo portuguez.

Contravindo ao espirito superior do pensamento politico que as inspirara, as Cortes de Lisboa planearam revogar as reformas feitas anteriormente e adoptaram quanto ao Brazil o programroa extravagante de rocolonização : votaram a sup- pressão das escolas e tribunaes superiores ; a dissolução do governo geral do Rio, completada cora a tentativa de revocação do príncipe D. Pedro; e fraccionando a administração inteira, com o impor a cada provinda a oorrespondenciti directa da me-

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tropole remota, phantajiiaram um Brazil aoterior a Thomé de Souza.

Não trancaram os portos porque o commorcio gorai era, em ultima analyse, o commercio inglez.

A minoria do representantes brazileiros om Lisboa em quo se destacavam um orador impetuoso e vibrante, António Carlos, um pensador por egual poeta e mathematico, Viliela Barbosa, um argumentador tenaz, Lino Coutinho, e aquelle perfil esculptural de Diogo Feij j, e o lúcido Arai^Jo Lima, Ver- gueiro e outros mal se oppoz áquelle recuo.

Protestando, pela voz de António Carlos, e abandonando um posto inútil, emigraram os deputados para a Inglaterra, ou de- mandaram a Pátria.

Aqui, a discordância dos partidos, espelhando todos os cam- blantea, do nativista exaltado ao reaccionário, se engravecia com o antagonismo crescente dos dois elementos nacional e portuguez.E no baralhamento das paixões vivamente acirradas pelas noticias gravíssimas de ultra-mar, o primeiro, scindido de facções, sem coiHmando porque havia chefes demais, certo não pulsearia o ultimo, mais unido e centralizado pela divisão auanliadara do goneral Jorge de Avilez, onde so csteiava de resistência da metrópole.

Dado o divorcio, que até aquelle tempo isolara os vários agrupamentos em que se subdividia o paiz, punha*se de mani- festo o seu desmembramento.

AS revoltas parciaes, que iriam irromper repellindo a ameaça recolonisadora, sujeitar-se-iam a destinos vários nos diversos pontos do território, e na melhor hypothese presa- giavam, a exemplo do que succedera no Vioe-Reinado do Prata, a formação de minúsculos estados, entregues ás intrigas im- punes do extrangeiro, ou á phantasmagoria de uma liberdade sangrando sob a espora dos caudilhos.

Impediu-o o Príncipe Regente.

Menos pelo valor pessoal quo pelo prestigio da posição, fez-se arbitro entre os partidos, e o inclinar-se para os natu- raes propiciou-Ihes o iriumpho, creando á monarchia o seu mais elevado destino úa nossa terra.

PA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 21

D. Pedro de Bragança talhara-ae, realmente, para aquella crise. Mediano cm tudo parte soldado, rei em parte, em parte condotieri^essa, ausência de uma linba firme, no caracter, dava-Ihe plasticidade para se amoldar ao incoherente da socie- dade em que surgia. A situação histórica lhe exigia a indole cavalheiresca, brilhante e arrebatada, a bravura impetuosa e, por fim, a própria inconstância que o levaria, tempos depois, após representar o seu papel revolucionário, a abandonar o paiz, ao despontar a phase roconstructora de 1831.

A exemplo do pae, ia agir sob a influencia dos homens de valor que o circundavam.

Tinhamol-os, felizmente.

José Bonifj.cio chegara da Europa com renome feito de proeminente cultor da philosophia natural, o tornara-se a figura dominante de um grupo de patriotas apercebidos para as exigências complexas do momento.

Mas como entravamos em periodo forçadamente demolidor e critico, coube ao jornalismo os primeiros passos na empreza.

Gonçalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa, no Reverbero ; fr. Francisco de Sampaio e Soares Lisboa, no Correio do Rio, esboçaram a reacção nati vista, deslocando para o á.mago das agitações nacionaes o que ellas ainda não haviam tido, o vigor moral da opinião publica. E como nas provindas, desde Maranhão até S. Paulo, outros jornaes seftindaram, reforçando- lhes os esforços, a imprensa fez-se instrumento preexcellente da lacta iniciada, genoralizando-a a todos os ângulos do paiz e favorecendo um movimento de conjuncto que ainda não existira.

Eivada de uma metaphysica dissolvente, e desse lyrismo politico, que tanto compromettera a elaboração recente do século XVIII, o seu papel, embora exclusivamente critioo* traduziu-se como uma redistribuição de alentos e não dilatou a energia centrífuga além dessa propa<iranda tenaz.

Porque se lhe contrapunha, no Rio, a força central da realeza.

Não vacinemos em reconhecei-o.

Somos o único oaso histórico de uma nacionalidade feita por uma theoria politica. Vimos, de um salto, da homogenei-

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dade áa^ colónia para o regimea coDstitucionaL Dos alvarás para aa leis. E ao entrarmos de improviso na orbita dos nossos destinos, fizemol-o com um único equilíbrio possível naquella quadra: o equilíbrio dynamlco entre as aspirações populares e as tradições dyaasticas. Somente estas, mais tarde, permit- tiriam que entre os «£zaltados>, utopistas avantajando-se de- masiado para o futuro ató entestarem com a Republica pre- matura, e QB «Reaccionários», absolutistas em recuos excessivos para o passado, repontasse o influxo conservador dos «Mode- rado6>, da Regência, o que equivalia a conciliação entre o Progresso e a Ordem, ainda não formulada em axioma peio mais robusto pensador do século.

DesVarte, a lucta da Independência teve, no englobar elementos destruidores e reconstructores, o caracter positivo de uma revolução.

£ desenrolou-se com uma finalidade irresistível. Mas o principio foi esparso, dispartindo nos mesmos actos sem solidariedade, tão oaracteristicos da nossa historia. As fJuntas Governativas», qqe para logo se fundaram constituindo- se em pequenos estados, volviam ao aspecto exacto dos tempos ooloniaes, numa espécie de decomposição espontânea. Algumas, como a de Pernambuco, mesmo reassumindo a attitude batalha- dora, tendo supplantado o elemento portuguez na cCapitulaçâo do Beberibe», (outubro de 1821), subtrahiam-se ao influxo do governo do Rio, revivendo o antigo sonho da existência autónoma. Outivas, as demais do norte, volvendo a obedecer ao!( antigos dominadores, fiicilitavam o programmadarecolonisaçao. Apenas quatro Minas, S. Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul— acceitaram desde logo o governo do príncipe. Nessa instabilidade, é claro que o pensamento libertador, adstrioto á contingência de captar o beneplácito preliminar dos aggrupamentos de novo dissociados, tinha um signiflcado duplo: confundiam-se, penetrando-se entrelaçados, o ideal da indepen- dência e o da unidade nacional.

E coube ao Sul levantal-o, a começar pelo Rio de Janeiro, onde chegavam directamente os decretos retrógrados da metro« polé.

DA INDEPENDEIÍCIA A REPUBLICA 23

Occorrera ademais, alli, ama transigência forçada, contra- produoente no irritar os ânimos: as tro]^ de Avilez haviam, desde Jqnho, imposto o juramento da Coostituição das Cortes portuguezas, combatida pelos deputados brazileiros, e a forma- ção de uma Janota governativa destinada, como as patras^ a agir em coirrespondencia directa com o governo de Lisboa.

F9Í no regimen transitório desta victoria ephemera, gue entraram 09 decretos recolonisadores: declara vam-se indepen- dentes do Rio os goyarnos das provincias e supprimidos todos os tribunaes superiores.

Impunha-se, por fim, a partida improro^vel de D. Pedro para a Europa.

Esta ultima clausula rompeu a represa d% revolta.

Sublevou-sea multidão no Rio, (9 de janeiro de 1822), estimulada pela propaganda anterior de Gonçalves Ledo e Janu- ário Barbosa, chefiada pelo presidente do senado da camará, José Clemente Pereira, impondo ao príncipe, talvez yacillante, a permanência no Brasil.

Impondo, ó o termo. A representação de oito mil assigna- turas, qu6 lho foi lida, não çra um pedido; era uma intimativa.

Redigira-a um luctador, que não tem o rQuome mere- cido, fr. Francisco de Sampaio; e o sacerdote rebelde fora singularmente í^anco na primeira phrase que traçara: < a par- tida de S. A. seria o decreto que teria de sanccionar a indepen- denciç. do Brazll. ^

O príncipe cedeif ; e este rompimento, não da solidariedade politica, senão da do sangue, completado, três dias depois, pela capitulação da divisão auxiliadora de Avilez, apoio material da acção longínqua de ultramar, foi o traço mais intenso, i^aquell^ quadra, da reacção nati vista.

Aq mesmo tempo deâniam-^e as provincias. A Junçta de S. Paulo, ci:go presidente, Oyenhausen, se norteava pela, vontade firme de José Bonifácio, ligara-se em manifestq en^r^ gico aos SUCC68SOS anteriores e no norte, a antiga fidelidade ^ metrópole partia-se ( 19 de fevereiro ) precisamente na terra onde era clássica, a Bahia, levantada, em ma«sa qontrf^ 9 general Madeira de Mello.

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Estava declarada a campanha libertadora.

Dado o primeiro choque victorioso contra o exercito estran- geiro, antes mesmo que a sua repercussão nas províncias se coroasse de idêntico sucoesso, o governo recem-organizado» dirigido por José Bonifácio, começou a deliberar, sobranceando os tumultos, como se o não rodeiassem as maiores dificuldades.

Caraoterizaram-n*o três medidas radicaes, de prompto decre- tadas: a chamada dos representantes das províncias para concer- tarem nas reformas urgentes ; a preliminar do <cumpra-se» do príncipe d. Pedro imposta á effectividade das leis portuguezas; e por fim, medida mais séria, a convocação de uma Assembléa Constituinte (decreto de 3 de junho).

Emquanto isto succedía, o príncipe, numa viagem trium- phal a Minas, em março, onde á sua chegada se apagaram nocivas discórdias emergentes, representava o seu papel real o único o da acção de presença-— como se nas transformações sociaes se torne também preciso, ás vezes, essa mysteriosa força catalytioa, que desencadeia asaí&nidades da matéria.

O titulo que anteriormente lhe fora offerecido, numa data que se tornaria ainda mais celebre, (13 de maio) de « Defensor perpetuo do Brazil », j& valia por um pallido euphemismo, escondendo o de Imperador, em que desfechariam todos os acontecimentos.

Ampliou-o a proclamação de l de agosto. Ahi elle se declara defensor da independência das províncias, e pede cqua o grito de união dos brazileiros ecoe do Amazonas ao Prata».

Redigida por Gonçalves Ledo, agitador que recorda um girondino desgarrado em nossa terra, ella foi por isto mesmo altamente expressiva. Expunha o único destino da monarchia entre nós, o de agente unificador ; e como este seria nullo sem o alento das expansões populares, o pensamento do futuro imperante devia realmente vibrar na penna de um nervoso chefe liberal.

E' inexplicável, por isto, quoaquella data tenha escapado & consagração do futuro. Falta-lhe talvez a exterioridade de outras, menos eloquentes e mais raidosas: a de 7 de setembro, por exemplo.

DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 25

Com efTeito, o interessante episodio da viagem que levara o príncipe a S. Paalo, com o mesmo intuito da ida anterior, a Minas,— em nada modifloou o curso natural dos factos. Apenas teve, deante da comprehensão tarda e rudimentar do povo, a clareza suggestiva das imagens, e deu-lhe a minúcia singular- mente valiosa de umsymbolo, o tope nacional, auri-verde, substituindo a velha divisa portugaeza quando esta foi violenta- mente despedaçada peio régio itinerante ao receber, sobre a collina do Ypiranga, a noticia das decisões arbitrarias das Cortes, que lhe annullavam todas as reformas praticadas. . .

Independência ou morto! », brcvdou varonilmente, no meio da comitiva electrizada. E a revolução teve afinal uma for- mula synthetica, armada ao apercebimento immediato do povo, oncautando-o pela nota romântica e theatral, e, como tantas entras por egual detonantes, desferindo o repentino surto da energia potencial das idéas.

Proseguiu dalli por deante vertiginosamente.

Acclamado e coroado (12 de outubro e 1 de dezembro de 1822) Imperador constitucional, d. Pedro I não lhe cerrara o cyclo inflexível. Dilatarão.

O movimento libertador teve, então, o inconveniente da própria força adquirida ; e agindo num meio inconsistente ' conduziria a resultados desastrosos.

Era forçoso regulai o.

Foi a notável missão de José Bonifácio, cujo ministério salvou a revolução, com uma politica terrível, de Saturno: esmagando os revolucionários.

Sombreamn*o,com eíTeito, ante uma observação superficial, medidas odiosas: destruiu a liberdade de imprensa, suppri- mindo os jornaes que o applaudiam na véspera; e, com rigor excessivo, arredou da scona ruidosa, om que eram prota- gonistas. Clemente Pereira, Gonçalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa, desterrando-os para o Rio da Prata e para a França.

C que o grande homem vingara, num lanço genial, o fastí- gio de uma crise. Iniciava a funcção reconstractora urgente, sobre o terreno movei das paix5es.

26 REVISTA PO INSTITUTO HISTÓRICO

Mostra-o suocesso capital, subsequente: a Assembléa Geral Constituinte, reunida a 3 de maio de 1823.

A' parte as desordens que a agitaram numa curta exis- tência de seis mezes, atô 12 de novembro, quando foi dissol- vida por « lia ver perjurado na defeza da pátria e da dynastia », previa-se que, ainda quando transcorressem calmos, os seus trabalhos provocariam agitações profundas.

Porque nma constituição sendo uma resultante histórica de componentes seculares, accumuladas no evolver das idéas e dos costumes, ó sempre um passo para o futuro garantido pela energia conservadora do passado. Tradicional e relativa, des- pontando de leis que se não fazem, senão que se descobrem no conciliar novas aspirações e necessidades com os esforços das gerações anteriores, é um traço de alliança na solidariedade dos povos.

E nós iamos partil-o.

Com effeito, legislar para o Brazll de 1823 agrupamentos ethnicae historicamente distinctos seria tudo menos obedecer á consulta lúcida do meio. £ra trabalho todo subjectivo, ou capricho de minoria erudita iniiiferente ao modo de ser da maioria. Porque a nossa única tradição generalizada era a do ódio ao dominador recente ainda em armas, e esta, servindo como recurso de momento no propagar a rebeldia, extinguir-se-ia com a yictoria, deixando aos formadores da nova pátria um problema formidável: erguer, unido, ao regimen constitucional, novo na própria Europa, um povo disperso, que não atravessara uma das phases sociaes preparatórias. Um salto desmesurado e perigoso. A execução temerária da mais grave das revoluções, essa paradoxal revolução < pelo alto >, que o génio de Turgot, poucos annos antes, concebera, como recurso extremo para salvar Luiz XVI, aos rumores profundos de 89.

Invertidas as suas fontes naturaes, as reformas liberalis- simas, ampliando todas as franquias do pensamento e da activi- dade, iriam a descer a golpes de decretos, & maneira de deci- sões tyranicas.

Impol-as um grupo de homens, que mais do que represen- tantes deste paiz, eram representantes de seu tempo. Despeadoi

DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 27

das tradiQõdfl aacionaes, qae a bem dizer n&o existiam, arreba- taya-08, exclusiva, a miragem do futuro.

Mas esta deu-lhes intuição genial, esclarecendo-us na tarefo extranha de formar uma nacionalidade sem a própria base orgânica da unidade de raga.

Porque estávamos destinados a formar uma raça histórica, segundo o conceito de Littré, através de um longo curso de existência politica autónoma. Violada a ordem natural dos fEictos, a nossa integridade etbnica teria de manter-se garantida pela evolução social. Condemnavam-nos á civilisação. Ou progredir, ou desapparecer.

E nas aperturas desta alternativa a intervenç&o monarchlca foi decisiva, opportuna e benéfica.

Os trabalhos da Constituinte principiaram malignados, desde os primeiros dias, pelo lyrismo revolucionário dos que a com- punham. Insurgindo-se contra o ministério Andrada, no impu- gnar as medidas repressivas que este resolvera, a opposição accarretou-lhe a queda, após successivos revezes: retirando-lhe a confiança, ao eleger-se a mesa, toda com adversários ; favore- cendo a absolvição dos desterrados políticos ; e repellindo um imponderado projecto de suspeição contra os portnguezes domici- liados, que tivera, lastima veimen te, o apoio da palavra infiammada de António Carlos.

Apeada do poder, a trindade illustre dos Andradas appellou para os recursos que condemnara na véspera. Aproveitando-se da liberdade de imprensa, restaurada pelo novo governo, de Carneiro de Campos (Marquez de Caravellas} fez de seu jornal, o Tamoyo^ orgam de um radicalismo infrene; e, emparceirando-se com 08 exaltados da Constituinte, rodeou a nova situaçfto de toda a espécie de empeços erigindo-se, por fim, inspiradora da lei que incompatibilizaria de todo aquella Assembléa com o impe- rante: a que tornava independente do veto imperial o código orgânico que se elaborava.

Era collocal-o sob o golpe de Estado.

De fiioto, ao appareoer, em 30 de agosto, o projecto oonsti-

28 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

tucional, quasi aborticio ou temporSo, precipitado nas votações atropelladas ou tangidas pelos ultra-radtcaes, estava prompto o ambiente que o afogaria. O antagonismo pessoal de D. Pedro I 08tentara-se na protecção desafiadora que elle dera aos officiaes e soldados portuguezes da Bahia, onde, entretanto, se traçara a legenda patriótica do 2 de julho; o, se não occorressem as difflcul- dades de oommunicaçoes, lord Cochrane e Qronfeld não com- pletariam a rota pacificadora do norte, do Maranhão ao Pará (junho a agosto de 23), nem Frederico Lecor( Barão da Lacuna) debellaria em Montevideo (18 de novembro) a ultima resistência das forças addictas á metrópole.

Porque o divorcio do Imperador e da Assembléa attingira o desenlace tempestuoso da dissolução desta, logo apósá formação do ministério contra-revohicionario de Villcla Barbosa (marquez de Paranaguá) (12 de novembro de 1823).

Ao mesmo tempo foz-se o avesso da situação anterior: os cascos dos batalhões portuguezes, do Rio, aggremiados cm São Cbristovam, tornaram-se a ultima garantia dj throno, tendo sido um dos seus commandantes o portador do decreto dieta toriaU Comminou-se o desterro aos Andradas, Montezuma e outros patriotas ferventes. E, como suppletivo do rompimento, a multidão, no Rio, entre alegrias inexplicáveis, realizou, pela primeira vez, a sua symbiose moral com um triumphador do dia, applaudindo-o.

Felizmente nos livraram de todos os cífeitos da contra - revolução, de um lado, o temor Je um levante nas provincial c de outro, a própria indole sonhadora e cavalheiresca do monarcha, que não abdicara o sou papel de cortezão pertioaz da Liberdade.

Aàsim, congregou os melhores espíritos que o rodeavam Carneiro de Campos, Villela Barbosa, Carvalho o Mello, Nogueira da Gama, Pereira da Fonseca (marquez de Maricá), e outros, oommettendo-lhes a tarefa de escrever em um Código Or- gânico.

Aquelles eruditos, olhos fixos na Europa e no constitu- cionalismo nascente, não a elaboraram. Reuniram as me- lhores conquistas Uberaes, joeirando-^as dos exaggeros dQmo*

DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 29

oratiooSt e sobrelevaram, por fliUt inattingiveis, sobre a cultura do paiz, na Constituição jurada a 25 de Março de 1824.

Tinham cravado um marco, ao longe, no futuro.

A nossa historia dahi por doante recorda um fatigante esforço para o alcançar.

A carta outorgada, que ainda hoje seria um código li- beral, despertou, incomprehendida, revoltas. Mas, nestas, quem lhes destrama a meada dos factos secundários, verifica apenas a incompatibilidade dos vários grupos brazileiros para a existência autónoma e unida. A de 24, em Pernambuco, teve o lastro único das tendências separatistas. A* primeira vista, surge daqnella anomalia do regimen constitucional imposto sobre asruinas de uma constituinte» aquelle bizarro contrasenso da Uberdade doada arrogantemente por um decreto ; mas o que vislumbram as linhas do « Desengano Brazileiro >, de Soares Lisboa, ou os períodos explosivos de frei Caneca, o terrível pamphletario do «Typhlis», jornalistas e representantes naturaes de Pernambuco, é o eterno perigo da unidade politica contras- tando com a heterogeneidade da raça.

De sorte que a ephemera < Confederaçlio do Equador » ligando as províncias, de Alagoas ao Ceará, precisamente no tracto do terras em que as vicissitudes da historia mais se uoi- formisaram nas luctas contra os hollandezes, ô um caso franco de diiferenciação ethnica.

Dirigida per um dos patriotas da revolução de 1817, Paes de Andrade, reflete-lhe os mesmos estímulos ; e ao ser esmagada pelas forças combinadas de F. Lima e Silva e lord Cochrane, deixou, a exemplo de todas as revoltas infelizes, na memoria de seus martyres, os germens de outros elementos revolucionários.

Estes reuniram-secom um traço legal nas camarás de 1826, que a constituição instituirá, e onde se agruparam, sob todos os matizes, federalistas e republicanos.

A maioria, do liberaos monarchistas, adeptos do regimen parlamentar inglez, deliberava no tumulto.

Excusamo-nos de o pormenorizar. Archivou-o o jorna- lismo da época. Aevelaram-n'o as perturbações do governo.

Cahiodo o ministério Paranaguá, que durara três annos, o

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qne lhe saccedeu (16 de Janeiro de 1827), do ▼iscoade de 8. Leo* poldo, teve $, existência inútil de alguns mezes atô ao primeiro ministério parlamentar, de Pedro de Araújo Lima, marquez de Olinda (novembro de 1887).

Dahi por deante o desequilíbrio goremamental vai aooen- toando-se nam crescendo, até ao desabamento de 31

O imperador vacilla, sondando a opinião, proeurando-a mesmo entre os liberaes extremados, com chamar ao governo José Clemente Pereira (15 de junho de 1828) ; e volta-se, intermitteniemente, para o homem qne lhe moaopoliz&ra a confiança, Paranaguá .

Intervêm factos externos acirrando a crise.

A Banda Oriental levantase, á voz de La valida, píDtegido pelo governo de Buenos- Aires, e trava-se a mais inglória das nossas guerras numa successão de combates inúteis, onde apenas sobrosahem as victorias de Rodrigo Lobo contra o almi- rante Brown. Os exaltados, no Rio, tomam-se qnasi sócios dos orientaes rebeldes. O fracasso do marquez de Barbacena, em Itozaingo, (28 de fevereiro de 1827), no recontro desegual com o exercito de Alvear, provoca-lhes singulares Jubilas, como se por ama intuição profunda prefigurassem os perigos da volta triumphante de um general victorioso para a pátria anarchizada, depois de cnrsar, nos pampas, a escola tradicional da caudi- Ihagem. E, quando, depois da guerra, a esquadra do barão de Roussin, exigiu imperativamente a entrega de alguns navios francezes preados no bloqueio do Prata, a coi^unctura em que se encontrou o governo, dobrando-se á intimativa, feriu fhndo as susceptibilidades patrióticas e arrancou da fronte do Impe- rador a sua aureola de valente.

Elle estava, além disto, em situaçSo que o impropriava a afoltar-se com a adversidade crescente. De posse da corõa portugueza por morte de D. João VI (1826), repartia-se em preoccupaçoes oppostas. Mas embora o animasse o desejo de transpor o mar para fazer-se paladino do constitucionalismo em Portugal, tentou ainda em 1831 (19 de março) um ultimo esforço de reconciliaçSo, abraçando-se ao partido liberal, com o ministério de Carneiro de Campos.

DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA SI

Era tarde. Nas eleições de 1830 haviam iriumphado, em maior Damero ainda, radicaes e federalistas; e a imprensa, com um vigor que nanca mais teria no Brazil, dirigida >éla Avírora fluminense, de Evaristo da Veiga, tom&ra a direcção do movimento, tornando-o irreprimível, generalizandose nas províncias com o «Observador Constitucional», de Lll^ero Badarô, em S. Paulo, com o « Uiiiversal », em Minas, e no norte, com o Bahiano, de Rebouças.

O ministério Carneiro de Campos durou uin mez.

O paiz era ingovernavel . O baralhamento das idõas princi- piava a alastrar-se nas ruas em desordens sanguinolentas entre nacionaes e portuguezes, de que foi modelo à tormentosa < noite das garrafádas » (13 e 14 de março de 1831).

Nesta emergência, o imperador appellou mais uma vez para Villela Barbosa, constituindo um ministério de senadores, velhos serventuários, leaea, mas ^agilimos.

Foi o pretexto de maiores tumultos.

O povo do Rio enviou uma deputação a S. Christovam exi- gindo a reposição do ministério anterior. Repellindo-a nobre- mente D. Pedro, a multidão aivorotou-se e, captado o apoio da tropa (7 de abril), confiou a um dos chefes militares, o major Miguel de Frias, nova intimativa imperiosa.

Era o desfecho. D. Pedro I abdicou no imperador infante, confiado á tutela de José Bonifkcio, repatriado em 1830, e, embarcando na náo ingleza « Warspite », cerrou a primeira phase da soa carreira aventurosa.

O 7 de abril era Inevitável.

Tinha dez annos o embate entre as correntes monarchica e democrática e como a divergência das idéas at tingisse a úm maximum gravíssimo, empunha-se o domínio de uma delias.

Maã embora o favorecessem todos os resultados de uma acção que abatera não o príneipio mooarohico, como também, 'pelo caracter militar que assumira, o prestigio da auctorídadé civil— o liberalismo triumphante não foi levado ás suas ultimas consequências. Porque entro as forças adversas dos íbderaiistasi

32 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

extremados o triumphantes (partido Liberal Exaltado) e rea- ccionários absolutistas (partido Restaurador ou Caramurú), surgira, ierlius gaudet, na lucta que não compartira, fortalecido pela situação neutral entre aquelles rivaes que se maniatavam, um outro, o Liberal Monarchista (partido Moderado), que, conciliando as conquistas dos combatentes da véspera com as reservas da sociedade conservadora retrahida, lhes repellira por egual as tendências exclusivas, evitando dois perigos extremos que se fronteavam : a Republica prematui*a e o Absolutismo revivente.

O papel da Regência, ponto culminante da nossa historia politica, instituiu-se, assim, como um ponderador das agi- tações nacionaes : um volante regulando a potencia revolta de tantas forças disparatadas. Comprehenderam-a'o os homens extraordinários que ao assumirem naquelle momento o governo < se temiam de si mesmos, do enthusiasmo sagrado do patrio- tismo e do próprio amor da liberdade», que os armara.

Nem careciam para isto de aquilinos lances de vistas.

Os perigos da situação nfto lhes demandavam a cogitação mais breve. Assoberbavam-nos. Estadeiavam-se, francos, impres- sionadoramente. E entre olles, peior do que uma dictadura real, surgia a aspiração federalista, collímando o rompimento definitivo dos frágeis elos entre as províncias.

Um extrangeiro illustre, Augusto de Saint-Hilaire, depois de caracterizar o estado revolto das republicas platinas, volvia naquella ópoca o olhar para o Brazil, e aponta va-lhe idêntico destino, se fossem satisfeitos, pelo regimen federal, os desejos de mando das patriarchias aristocráticas, que o retalhavam : . . <que os brazileiros se acautelem contra a anarchia 'le uma multidão de tyrannetes mais insupportaveis do que um déspota único.» (l)

(l) Deanto do quadro lastimavol da politica nacional, têm ainda hqjp a mais porlVita opportunidado as palavras austeras do frraudc naturalista, em 32: «Les brésiliens ne sauraient ótablir chez eux le système iêdôral sans co um. sncr par rompr les laiblos liens qui les unisscnt encore Impatietits de toutc supcriorité, plusieuts chefs hautaiiis de ces patriachies aristo^ratiques dont Ic Brésil cst couvcrt, appellent sans doute U fédéralisme de tous leurs v<»ux ;

DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 33

Ora, a missão da Regência consistia em afastal-os%

Contratta em tanta maneira com as rerolta» anteriores qqe o 7 de abril passou em julgado como ut%e jottmée de dnpes : Uludidof 08 Eialtados que o precipitaram, o exercito que ds amparou e a própria nação para quem a abdicação íõra uma surpresa. (1)

Mas o conceito é falso. Dos víctoriosos da véspera desponta- riam 08 três maiores homens do tempo, Evaristo da Veiga, Bernardo Pereira de Vssconcellos e o padre Diogo António Feijó; e o general que chefiara o movimento,?, de Lima e Silva, seria membro immutavel dos triumviratos, de 31 a 35.

O que houve foi o caso vulgar nas revoluções triumphantes: o radical, extincta a sua funcção demolidora, fazia-se conserva- dor, no governo, e vibrava a auctoridade resem-adquirida con- tra 06 que o haviam auxiliado a destruir a auctoridade antiga.

Mudavam por coherencia.

Adivinhando a missão histórica do império, Evaristo salvou o principio monarchico, identificado, então, com a unidade ák pátria ; prevendo a anarchia em que esphacelaria o paiz, Feijó restaurou, por um milagre de energia incõinparavel, a auctoridade civil.

Completam-se. São dois nomes que são dois Índices de uma época inteira.

O ultimo, sobretrdo, domina inteiramente o quadro.

Recorda o heróe providencial, de Thomaz Carlyle.

Ministro da justiça, na primeira Regência Permanente Trina, soffreiou rijamente todo o Ímpeto da torrente revolucio- naria.

O S6U primeiro golpe foi contra os companheiros da vés- pera» aupplantando (14 e 15 de julho) fortes levantamentos militares que estalaram no Rio. Foi um golpe fulminante.

^aÍ8 que tes hrésiliens se ticnncnt en garde contre une dêception qui les conduirtHt a ranarchit et aux^ vexations d'une foule âe petits tyrans, mUlc fois plus insupportaòles que ne Veet un teul dcspote.»

(l) Joaqtdm Nabuco í/m estadista Império, T.i^. 4323— 3 Tomo lxix. p. ii.

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Reprimiu as desordens; dissolvea alguns corpos indisciplinados; fragmentou os demais, destacando-os para as provindas»

Nunca se vira auctoridade egual. Ella golpeiou de espanto o próprio governo, det,erminando a sabida do alguns ministros assombrados e a entrada de Bernardo de Vasconcellos e Lino Coutinho.

Diogo Pejyó proseguiu, inílexivel. Tendo-se apenas armado de estoicismo raro, que o fevava intremulo ás decisões mais arriscadas, creou a Guarda Nacional (18 de Agosto de 1831) e com ella, logo depois (7 de outubro), reprimiu novo levante do corpo de infantaria de marinba, que foi por sua vez dissolvido, depois de severamente corrigido, sendo entregues os negócios da marinha a um lente da academia militar destinado a longa carreira, Rodrigues Torres.

Deste modo, em poucos mezes a anarchia emergente da indisciplina militar, dobrava-so, jugulada sob mãos inermes de um padre. Eo governo poudo devotar-se á organização adminis- trativa creando o Tbesouro Nacional e thcsourarias provinciaes; sanccionando e procurando applicar, ainda que inutilmente, a primeira lei de repressão do trafico (7 de novembro de 31) ; e reorganizando as Escolas.

Edificava sobre o solo vibrante da revolução.

O anno do 1832 antolhou-selhe repleto de ameaças.

Os três partidos que se enterreiravam nas camarás tinham elementos que se contrabalançavam. Aos Moderados diri- gidos por Evaristo, Vergueiro, Limpo de Abreu, Carneiro Leão e Paula de Souza, contrapunham -se os Exaltados, de Paes da Andrade, de Bernardo Pereii*a de Vasconcellos. dos Franças, da Bahia, e de Miguel de Frias, emquanto o cCaramurú» enfeixava os nomes tradicionaes de Josô Bonifácio, Paranaguá» Cayrú e Martim Francisco.

Na imprensa, o Republico, de Borges da Fonseca, e a Aurora^ batiam-so sob ataques convergentes dos jornaes federa- lidtas (o Exaltado, a Matraca o a Sentinella, de Cypriano Barata) e raaccionarios (o Caramurà^ o Tempo e o Diário do Rio), E, fora destes dois campos, a Sociedade Federal, a Socie- dade Militar, dos absolutistas, e a notável Sociedade Defensora,

DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 35

Evaristo, transmittiam, aggri^ayadas, ao povo, estas diver- gências insanáveis.

A 3 de abril rebentou novo motim, impellido por Miguel de Frias, liberal extremado; foi supplantado. Segnia-se-llie, dias depois, um outro, desencadeado pelos absolutistas e dirigido por um allemão aventureiro, o conde Von Bulow. Foi completa- mente supplantado. O inflexível ministro da justiça firmava definitivamente a ordem. De sorte que, a exemplo do anno anterior, os trabilbos do governo e das camarás puderam traduzir se em medidas fecundas, em que sobresabem a sanccão do novo Código do Processo Criminal, á, luz das modificações profundas que o constitucionalismo imprimira na antiga legislação portugueza; a reforma das Ordenações; a instituição do jnry e o abandono de uma velharia colonial, a Casa da Supplioação.

Os poderes constituídos galvanizados pelo animo inflexível de Diogo Feijó atravessaram, afinal, mais firmes, todo o anno de 33, extremando-se mesmo em actos de energia inúteis e oondemnaveis: a destruição, pela justiça snmmaria do empastel- lamento, da imprensa adversa; e, a 15 de dezembro, a prisão do José Bonifácio, suspenso do cargo do tutor da família dynastíca.

O partido Moderado, preponderou por fim, incondicional- mente, desde 34.

Pertence-lhe, inteira, a lei de 3 de agosto, daquelle anno, o Acto Addicional. Ahi ha um transigir cauteloso com o liberalismo attonuado, senão com as próprias tendências federalistas : 8ubstituem-se os conselhos pelas Assembléas provinciaes ; sop* prime-se o Conselho de Estado e, como um minoratívo a estas franquias, faz-se a concentração do governo na Regoncia Una, o institue-se o Poder Moderador.

Uma proposta dos separatistas para que os presidentes das províncias se escolhessem numa lista tríplice das respectivas assembléas, cahiu, impugnando-a Evaristo da Veiga, o grande inspirador dos Moderados que lhe lobrigara nas entrolhinhas o fraccionamento do paiz,

Justiâcavam-n'o todos os factos, além dos que occor- riam na capital. As revoltas nas províncias desata vam-se em

36 RBVISTA DO INSTITUTO HLSTORICO

datas, Tinoaladas em série : no Ceará (1831-1832), otn Pernam- buco (1832-1835), no Pará (1835-1837), na Bahia (1837-1838), no láaranhSo (1838-1841) e abrangcndo-as, sommando-as, a longa agitação no Rio Grande (1835-1845).

Debeilada a primeira pela Regência Ti*ina, as duas seguintes deparariam adversário mais tenaz.

Diogo Feijó fora eleito regente (18 de outubro do 1835).

Mas parecia mudado.

As luctas ferozes que compartira liaviam-n*o tornado vacil- lante sobre o futuro. As clausulas que impoz pira aoceitar o governo, uma das quaes, a S**, prevô a bypothese da soecessão das províncias, mostram-n'o salteado de desânimos. Compre- bendera, talvez, a enormidade do problema que sa propunha atacar; e que os tumultos federalistas, os mais lógicos entre os que abalavam o paiz, tinham génesis inacccssivel, exgindo ope- rac^io mais séria do que cargas das bayonetas. Uma daquellas revoltas, a do Pará, vencida pelo general Soares de Andréa, em 1836, dera um typo novo á nossa historia— o «cabano». Symbo- lisava o repontar de questão mais séria, que passou despercebida A sua visão aguda, o se destinava a permanecer na sombra até aos nossos dias.

Era o crescente desequilíbrio entre os homens do sort&o e os do litoral. O raio civilisador, refrangendo na costa, deixava na penumbra os planaltos. O massiço de um oonlinente compacto e vasto talhava uma physionomia dupla à nacionalidade nas- cente. Ainda quando se fundissem os grupos abeirados do mar, restariam, ameaçadores, affeitos ás mais remotas tradições, distanciando-se do nosso meio e do nosso tempo, aquelles rudes patrícios perdidos no iosulamento das chapadas. Ao «cabano», substituiriam no correr do tempo o «balaio», no Maranhão, o €chimango», no Geará, o «cangaceiro», em Pernambuco, nomes diversos de uma diathese social única, que chegaria até hoje, projectando nos deslumbramentos da Republica a sUhouêtU trágica do « jagunço»... Observe-se, comtudo, de passagem, que nâo escapou de todo ao discortino excepcional de Peijó o meio preexcoUente para remover-se em parte esta fatalidade physica. Na lei de 31 de outubro de 1835, a primeira que pro-

DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 37

malgou ao asgumir a Regência Una, tracam-se as primeiras linhas do nosso desenvolvimento económico: anctorisava-se a constr acção de uma estrada de ferro para ligar-se a Capital do Império ás provinoias de Minas e S. Paulo. Mas o bello pensa- mento governameotal avantajava-se demais i, própria sociedade. Foi inviável. Ao grande homsm íloou, porém, a gloria de baver adivinhado esse antagonismo formidável do deserto e das distancias, que ainda hoje tanto impece o pleno desdobramento da vida nacional.

Vencida a «cabanada», curou o regente da insurreigão rio- grandense, dirigida por um campeador, Bento Gonçalves da Silva, com quem naodesadoravahombrear um outro predestinado a maior fama, Giuseppe Garibaldi.

A pcção do governo foi, entretanto, frouxa» permittindo que, apezar de aprisiona io o pnmeiro em sangrento combate de três dias (2, 3 e 4 do dezembro de 1836) se avantajassem os «Farrapos», sobr anccii*os ao revoz, ao ponto de proclamarem um mez depois a Republica de Piratinim, sendo eleito presidente o próprio general prisioneiro.

As vacinações governamentaes favoreciam-n*o8.

Bento Gonçalves, conseguindo evadir-se do Forte do Mar, na Bahia, dera-lhos novo alonto; e o melhor chefe legalista, Bento Manoel, que se notabilizara em 1818 na campanha contra Artigas, com elle se bandeou numa defecção lastimável.

Ao mesmo tempo, aggravavase nas camarás a opposição liberal dirigida por Bernardo de Vasconcellos, Epara malignar as coisas, a morto de D. Pedro (1836), que se âgurava circum- stancia favorável, destruindo de golpe as esperanças dos reaccio- nários, occasionara a alliança destes com a opposição parla- mentar, creando-se o partido «Conservador», triumphante nas eleições daquelle mesmo aono e maniatando de todo o go- verno.

Diogo Feijó avaliando a situação resolveu-a com a autiga rectitude. Nomeou ministro do império o seu principal adver- sário, o chefe opposicionista, Arauio Lima ; e no dia seguia te (19 de setembro de 1837) entregou-lhe o cargo da Regepcia, altimando<se a missão histórica do partido Moderado.

áÊ

38 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Desapparecia nobremente e no momeato opportuno.

Nobilitara a lei ; resuscitara a autoridade ; dignificara o governo.

Deante de sua alma de romano, quebrara-se, amortecida, a vaga de uma Revolução.

Ficava-lhe adeante, um remanso : o segundo império.

Depois do 1836 a historia politica do Brazil se resume na lucta dos dois partidos, o conservador e o liberal. » (Barão do Rio- Branco.)

Mas, desde logo, ô claro o descambar do principio demo- crático, até então predominante. A regência de Ararsjo Lima esboça a reacção monarchica, favorecida inesperadamente pelos dois maiores paladinos das franquias liberaes, E. da Veiga o B. de Vasconcellos*

O ultimo traçou com incomparável lucidez a sua nova altitude :

«Fui liberal, entfio a liberdade era nova nopaiz ; estava nas aspirações de todos, mas não nas leis, não nas idôas praticas: o poder era tudo : fiii liberal. Hoje, porém, ô diverso o aspecto da sociedade: os princípios democráticos tudo ganharam e muito comprometteram ; a sociedade, que então corria risco pelo ppder, corre agora risco pela desorganização e pela anarchia. Gomo então quiz, quero hoje servil-a, e por isto sou regressista. Não sou transíuga, não abandono a causa que defendo no dia de seus perigos, de sua íY^queza; deixo-a no dia em que tão ;^guro ô o seu triumpho que atti o excesso a comprometto.»

Ahi está todo o ementário da época. Não temos em toda a nossa vida politica, em tão poucas linhas, programma tão vasto.

O grande homem aprumando-se na encruzilliada a que che- gara a phase preparatória da Regência, trancava a passagem para a Republica. O Império surgiria com a maioridade antecipada, e inconstitucional, feito anhelo commum dos liberaes de António Carlos e conservadores de Paranaguã.

Foi o que sucoedeu a 23 de julho de 1840.

A maioria do paiz estava em paz» Debellara-se na Bahia a

DA INDEPENDENQA A REPUBLICA 39

«Sabiaada» (1838) e a ephemera «Repablica Bahiense» ; e no Maranhão os «Balaios» fagiam deante de um general íbliz, L. A. de Lima e Silva (Caxias), cajá espada seria a escora de am reinado. No sul, mau grado dois lidadores eguaes no destemor e no brilho, separados depois por uma variação de soenario, David Canavarro e Garibaldi, os rebeldes recuavam ante a firmeza do general Andréa (Barão de Caçapava).

Decahiam as paixões. A própria imprensa abdicara de si o papel agitador que monopolizara. Dois Jornaes, o Brazil^ do Justiniano Josô da Rocha, e o Maiorista, de Salles Torres- Homem, bem escriptos, phrases limadas, sem o affogo e a sinceridade dos anteriores, bastavam ás exigências politicas. Percebia-se a infiltração do arthritismo monarchico no corpo fatigado do paiz. Vão surgir ainda algumas revoltas, as in- timas. E nestas, nas de Minas e S. Paulo (1842) suflocadas por Lima e Silva, nos combates de Santa Luzia e Venda-Orande ; na de Pernambuco (1848), o que se observa ô apenas o desaponta* mento partidário. Os rebeldes timbram no conclamar a ádheSão ao tbrono. Batem-se saudando a realeza.

Imprimira-se uma inflexão na directriz da nossa historia.

Era obrigatória. O nosso desenvolvimento social fora até allí quasi nuUo. A vida nacional ativera-se aos interesses absorventes da politica.

A cultura litteraria, permanecera inapreciável. A philoso- phica papagueava no eclectismo massudo do Padre MonfAlverno. Os talentos que appareciam, resumamol-os em Araújo Porto- Alegre, Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias, tinham educação alienígena, através da preliminar obrigada de uma viagem á Europa, de onde nos vinham os únicos contingentes da sciencia, emmalados. Nas sciencias restringiamo-nos á figura' solitária daquelle notável Padre Custodio Alves Ferrão (1 842) incomprehendido e inútil nas salas desfrequontadas do Maseo Nacional incipiente.

Seguindo o exemplo de Saint-Hilaire, alguns eleitos* sal- tavam, envoltos na indiíTereaça geral, num ponto qualquer da costa, e iam descerrar as opulências de uma natureza sem par, immensa pagina da historia natural que não sabíamos lêr.

40 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

D*OrbigDy segue para Matto Qrosao ; Pedro Clauaen (1841) para Minas; Helmreichen (1846) para Bahia; Gardner, para o extremo norte ; Pisais delineia o nosso primeiro mappa geolo«* 9ÍQ0 ; Castelneau (1843) afunda nos planaltos, e mais iUustre que todos, Willíam Lund, de seu retiro tranqtuillo da Lagôa Santa, principiara a abalar o mundo sciantiflco oom as suas extraordinárias descobertas»

Ninguém os percebia.

$ob o aspecto intellectual, reduzidos á litteratura apressada dos jornaes o ás rimas de um o outro poeta de talsnto, esta- ríamos ÁqvLQjn da dictatura real e, sem maguar a historia, pcder-se-ia dar a D, João VI o titulo de Mecenas, se, desde 1838, a ÍUnd^ção do Instituto Histórico e Gêographico BraiUetro^ sob a direcção do marechal R. da Cunha Mattos e cónego Ja« Quacio Barbosa, não se erigisse como um centro de conver^ gencia das energias dispersas do espirito nacional A simples lista de seus primeiros sócios, onde a par dos nomes estran- geiros, decorativos, de Chateaubriand e de Humboldt, se destacam os de Marques Lisboa, Vasconcellos Drumond, Maciel Monteiro, Pedro de Angelis, Ladislau Monteiro Baena, paciente compilador da? Eras da Província do Pard^ Visconde de S. Leo- poldo {Ánnaes da Provinda de S, Pedro do S^l)^ Ignacio Accloli (Memorias históricas e politicas da Bahia) ^ Marquez de Maricá, Pedro de Alcântara Bellegarde, Joaquim Caetano da Silva e um moço, Varnhagen, que seria mais tarde o Visconde de Porto Seguro ô por si bastante çzpressiya no revelar uma viva- cidade espiritual amplamente generalizada. Mas aperreavam-n*a as desordens dispersivas dos partidos.

Na própria ordem pratica, as mais imperiosas medidas despontavam aborticias. A idéa de bater-se a distancia o abrevjar-se a enormidade da terra pelas linhas férreas, resur- gira em 1840, no privilegio concedido a um estrangeiro pertinaz, ThQu^z Cockrane. Mas elucido profissional agitou-se debalde no meio da sociedade desfallecida, até ao mallogro completo de seu pensamento progressista.

Açsim, a nossa evolução, por sor cstrictamente politica, era probleipatica. Pelo menos illusoria. Estava numa minoria edu-

DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 41

cada á européa. O resto jazia no ponto om qae o largara a metrópole, obscuro e dúbio— amalgama proteiforme de brancos, pretos e amarellos, uns e outros pratica e moralmente prejudi. cados pela escravidão crescente com o trafico, que se não extinguira.

De sorte que embora a Regência, com ser electiva, exem^ plificasse a praticabilidade da Republica, foi providencial a attitude dos que lhe prorogaram o advento. Seria, então, artificial e forçada. Contravinha ã situação social.

Esta, soindida de crises, viera desde a constituição de 24, que impuzera (permitta-se nos a antilogia) a liberdade, numa ascensão vertiginosa para que se não apparelhara.

O segundo Império foi uma parada. Digamos melhor, uma situado de equilíbrio.

Predominara, logo, em boa hora, o elemento conservador.

Na camará de 43, uma figura isolada, António Rebouças, nnlco a representar a phalange liberal decahida, appareoia como uma evocação do passado. Fundindo duas raças, aquelle aryaQO bronzeado desdobrou, inútil, deante dos reaccionários tranquUlos, a sua solida envergadura de luctador. Era um incomprehendido. Falava uma lingua morta no recinto onde, entretanto, eclipsando os grandes nomes do Senado, surgiam Maciel Monteiro, Abrantes, Wanderley, Euzebio de Queiroz e Nabuco.

E* que a regressão, segundo o ideal de Bernardo de Yas« coQcellos, íôra completa.

Começando a governar com os liberaes António Carlos, Martim Francisco, Limpo de Abreu, A. Coutinho e Hollanda Cavalcanti o imperador fizera-o por gratidão aos batedores da maioridade.

Este ministério não durou um anno.

A reacção monarcbica desmascarou-sv3 logo com o Marquez de Paranaguá (23 de março de 41) exaggerandose até golpear o Acto Addicional: restabeleceu-se, por uma lei ordinária, o Con- selho de Estado; e, por uma outra de 3 de dezembro, foi entregue a distribuição da justiça a um complicado appnrelho policial.

Carneiro Leão (depois Marquez de Paraná) ( 80 de janeiro

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de 43), um convencido que attrahiria todos os resentimentos do monarcha para lhe amparar melhor o throno, continuou este esforço. E ao entregar cm 44 o governo aos liboraes do Vis- conde de Macahé, yia-se que o fazia monos pelo decahir do programma conservador que por um resenti mento pessoal do imperador.

Com effeito, a preoccupação absorvente de estancar as reformas ia nivelando os partidos. Tinha-se andado demais. O próprio António Carlos, desequilibrado no estontoamento da altura a que se chegara» atirava no seio da representação nacional um brado de espavorido:

Senhores ! a constituição foi feita ás carreiras I

Era preciso parar, ainda que repellindo as melhores figuras do passado: Feijó e Vergueiro, duas tradições vivas e ballissimas, compromettidos nas revoltas que irromperam em 42« em Minas o S. Paulo foram desterrados. Desfechou-se em 45 o ultimo golpe no federalismo, no Rio Qrande.

Por fim, o partido liberal sahiu em 1848 do poder para a rovoluçSLo do Pernambuco. Desenhou -se o perfil do ultimo revolucionário, Nunes Machado. E a crise extlnguiu-se de vez— dominado o horizonte politico (29 de setembro de 48) pelo Mar- quez de Olinda, a quem o cargo de ultimo regente dera quasi a magestade de um rei.

Começava a política imperial.

Nobilitou-a, a principio, uma medida civilisadora.

Uma questão incommoda, a da escravidão, viera desde o século anterior (1758) com o «Ethyope Resgatado »» de M. Ri- beiro da Rocha, Intormittentemente revivida. Em 1810, Yelloso de Oliveira aprcsentava-a a D. João VI, com a idéa da libertação dos nascituros. Hippolito da Costa, agitara-a, pelo Correio Brasiliense^ discutindo a emancipação gradual. O Vis- conde da Pedra Branca, um sentimental, levantara-a, sem resultado, nas Cortes de Lisboa, em 21. Em 1825, José Bonifácio apresentava notabilissimo projecto sacrificado nas desordens do tempo.

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Sobreviera por fim a inílaencia da Inglaterra ( 1826), visando refrear o trafico, a partir de 1830. Depois a lei inexecutada do 7 de novembro de 31, inspirada por um projecto anterior e malo- grado dos irmãos Ferreira França

Snccedea um hiatus durante a Regência e comego da maio- ridade, até ao bill Aberdeen (1845). A nova intervenção ingleza, poróm, malestreara-se com estatuir a captura do negreiro mesmo nas aguas territoriaes e o seu julgamento nos tribunaes britannicos. Foi contraproducente: o traficante, em« boscado no resenti mento nacional, tornou-se um (luasi vingador da nossa soberania melindrada e ferida.

A Inglaterra, porém, insistiu ao ponto do infiuir excepcio- nalmente no ministério do Visconde do Monte-Alegre, em que se rccompuzera anteriormente o do Marquez de Olinda.

A lei de 4 de setembro de 1850 immortalizon Euzebio de Queiroz o, severamente applicada, avantajouse ás balas dos cruzeiros inglezes.

O grande mérito de Monte- Alegre está no haver pairado a cavalleiro das explorações que se exercitaram sobro o melindre nacional. A pressão das armas inglezas era inilludivel. Não havia obscurecol-a e ao seu caracter irritante. Mas ora também uma intimativa austera da civilisação.

O mesmo se dirá de um outro acto, subsecutivo : a « intervenção nos negócios do Prata (1851), depois de um longo . afastamento em que um nome, Ituzaingo, se escrevia isolado, desairando o nosso prestigio no exterior. O ministro dos estran- geiros, Paulino de Souza (visconde do Uruguay) approveitou . um lance magnifico para ampliar, de golpe, o campo da acção innegavelmente civilisadora da diplomacia imperial.

Realmente, as tropelias de D. Manoel Rosas, que, desde 1835, submottia a Confederação Argentina a tyrania deplorável— desencadeia vam-se próximas demais das nossas fronteiras. Constituíam ameaça de complicações inevitáveis.

O velho sonho imperialista do YiceRoinado entontecia a alma do tyrano, levando-o a intervir intermittentemente nos negócios do Estado Oriental do Uruguay, ha longo tempo scin-' dldo pela rivalidade dos caudilhos Manoel Oribe e Fructnoso

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Rirera. Rosas* inclioando-se ao primeiro, em 1851, ao ponto do fornecer-lbe tropas para assediar Moatevidéo, desvendara os seus intuitos. Mas, contravintia á politica tradicional do Brazil, essencialmente baseada na manutenção da autonomia não do Uruguay, como do Paraguay a quem nos ligáramos por uma alliança em 25 do dosembro de 1850. De sorte que a Tríplice Alliança de 29 de maio de 1851, entre o Império, o Uruguay e a provinda de Entre Rios dirigida pelo general Urquiza, instituindo-so para debellar a diotadura tumultuaria da Mashorca do Buenos Aires, que ameaçava alastrar-se pelas nações visinbas foi ao mesmo passo, um acto de defcza na- cional, e um lance superior do liberalismo incomparável na politica exterior. Tão certo ó* que os 20.000 soldados, do marechal duque de Caxias, reforçados pelos marujos de Grep- feld, não foram repelllr apenas as arremettidas do allucinado quo no carimbo das notas oíficiaes completara o disUco— mu#- ran los selvagens unitários I ~ com insultos ao infame governo do Brazil^ senão tambom para, do accordo com o art. l*" do con- vénio de 29 do maio, «manter a independoncia da mesma Repu- blica do Uruguay, fazondo sahir do torritorio desta o general Oribe o as tropas argentinas que ellc commaudava.»

A campanha rematada com o melhor êxito, em Monte- Caseros (13 de fevereiro de 1832), do que resultaram a queda do tyrano o o reaccender-se a nossa gloria militar depois do eclipse parcial de luzaingo, tove dois notáveis eíTeitos : a libertação do Uruguay e a navegação franca no estuário do Prata.

Firmou um inconveniente único: a Alliança de 12 de outubro de 1851 . negociada polo marquez de Paranã, que nos arrastaria outra vez cm armas, mais tarde, para o sul. Entre- tanto o triumpho de Caseros dera-nos prestigio para naqaella cccasião resolverem-se decisivamente muitos assumptos deli- cadoK, entre os quaes o da neutralidade completa e definitiva da Ilha de Martim Garcia, quo chegou lastimavelmonte indefinido ató aos nossos dias.

Este ministério, poróm, o a sua segunda recomposição, em 1852, com a presidência do visconde de Itaborahy, realizara trabalhos tão nutavois que não ha insistir naquolle breve deslise.

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Começou, na ordem pratica, a tarofa da unidade nacional, batendo de frente o obstáculo da extensão do território, com as primeiras linhas de estradas de ferro e navegação. O decreto de 20 de Junho de 1852, estabelecendo as garantias de juro, iniciou, praticamente, a industria fjrro-viaria, que para logo se delineou no norte com a estrada do Recife a S. Francisco (decreto de 19 de outubro de 1853) e no sul com a de D. Pedro II (decreto de 9 de outubro ^853.) Antes, porém, sem nenhuns favores do governo, a iniciativa individual deânira-se na vontade triamphante do I. Evangelista de Souza (Barão de Mauá) ; e os 17 kilometros da Unha do Orão-Pará investiam com as encostas da Serra do Mar, nos primeiros passos da conquista magestosa dos planaltos, ouvindo-se o primeiro silvo da locomotiva na America do Sul.

O governo secundou este renascimento. Regulou a fortuna publica pela omissão bancaria de 1853, código commercial, leis do terras e reforma do Thesouro. Creou as provindas do Amazonas e Paraná. Expandia a vida internacional organizando a diplomacia. Abriu o livre transito do Paraguay, com o Tratado de 25 de dezembro de 1850. E, por í!m, deu vigoroso impulso á corrente immigratoria que, esboçada com D. João VI (colónias Leopoldina e Nova Friburgo), D. Pedro I (S. Leopoldo), e, em 1840, oom a fundação do Petrópolis, teria, desde 1850, á vinda de Hormann Blumenau, um traçado oontinuo, de que restam como pontos determinantes Blumenau, Joinville, Mando •Novo, S. Lourenço, Teutonia e outras.

Nunca uma situação trabalhara tanto.

Abandonando o poder, em õ de setembro de 1855, fazia-o sem um golpe adverso, como que assaltado de fadigas.

Entregava-o ao homem que lhe fora inspirador encoberto nas administrações interna e externa, o Marquez de Paraná. '

O grande estadista chegava ao poder como um triumphador. Fora a alma dosministorios anteriores-jà Ba presidência perigosa de Pernambuco annullando os restos do movimento de 1848, oom setembristas de Pedro Ivo, na missão ao Prata amparando a feac^o de Urquiza.

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Conquistara o mando, em que pcze ao desquerer do Impe- rador, que lhe extranhava o génio áspero, altivo e auctoritarlo.

Mas, por uma circumstancia notável, foi através do seu espirito independente que se transmittiu pela primeira vez a induenoia directa daquelle nos acontecimentos políticos. .

De facto, o seu principal programma o da Conciliação dos partidos executado em todos os pontos, reflectia uma inspiração do alto, um «pensamento augusto» no dizer de Araújo Lima. B a anomalia de se ter apeado o governo anterior tão enigmaticamente sem nenhum conílícto partidário, reforça a prcsumpção.

Além disto o cansaço a que se referiram Euzebio de Queroz e Rodrigues Torres (Visconde de Itaboraby), como motivo único do abandono do logar em que tanto se haviam nobilitado, era*o, de facto, não somente delles, senão do paiz.

Chogava-se alli depois de trinta annos de luctas. Urgia um armistício. Salles-Torres-Homem, quebrada a pena. do « Libello do povo », definiu, depois o caso :

« Entro a decadência dos partidos velhos que acabaram o seu tempo e os partidos novos a quem o porvir pertence, virá assim interpor-se uma época sem physionomia, sem omo- çOes, S3m crenças, mas que terá a vantagem de romper a continuidade da cadeia de tradições funestas e de favorecer pela sua calma e por seu silencio o trabalho interior de reor- ganização administrativa o industrial do paiz.»

Foi o que aconteceu. Atreguados os despeitos partidários, indistinctos liberaes e conservadores, no período de 1853-1858, com os ministérios successi vos de Paraná, Caxias e Olinda, a ca- racterização do governo ô «antes moral que material ; o traço predominante de sua politica é o arrefecimento das paixões que produziam as guerras civis».

O caracter de unidade desta longa administração foi tão firme que ao fallecer em setembro de 56, o homem cuja vontade de ferro a equilibrara, apezar do abalo produzido não se lhe sentiu o vácuo. Permanecera imraortal sobre a solida archite- ctura governamental construída, tornando-se uma espécie de Presidente do Conselho posthumo dos dois gabinetes (Caxias e

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Olinda) que o substitairam. Rodeara-se de homens que iam bastar a todas as exigências do Império ató quasi a Republica : Caxias o mais prudento dos heróes ; Limpo de Abreu (Abaete) vindo desde a Regência galgando todas as posições som desejar nenhuma ; J. Mauriclo Wanderley, fervente auctor da lei liber- tadora de 5 de junho de 54 destinado, entretanto, a ser mais tarde um paladino da escravidão ; Nabuco de Araújo, que reor- ganizara a justiça e o direito ; J. M. da Silva Paranhos, remo- vido sucessivamente da sciencia para o jornalismo, para a diplomacia e para a politica ; Couto Ferraz, que refundiu a instrucção publica; Pedro Bellegarde, que nobilitou o exercito.

Fora deste circulo, outros, adversários ou adeptos, mas cres- cendo no ambiente propicio que se formara: Josó António Saraiva, Silles Torres Homem, J. Maria do Amaral, Teixeira de Freitas, Fernandes da Cunha, CansansSo de Sinimbu, Justiniano da Rocha, e, sobre todos, se não o afastasse a morte prematura, um gigante intellectual, a nossa mais completa cerebração no século, Joaquim Gomes de Souza, o «Souzinha», jurista, medico e poeta, íegando-nos sobre o calculo infinitesimal paginas que ainda hoje sobranceiam toda a mathematica.

I^lstá ahi a significação moral do governo de Paraná.

Lembra uma arregimentação de forças, adextrando-se para commettimentos ulteriores mais sérios.

Na ordem pratica refundiu a instrucção pelos novos es- tatutos dos cursos jurídicos, e Faculdades medicas, regulamen- tando o ensino primário e creando o A. dos Cegos. Am- pliou o desenvolvimento económico melhorando a Companhia de Navegação do Amazonas, organizando a Estrada de Ferro de Pedro II e concedendo a de Santos a Jundlahy que seria a aorta de toda a existência económica de S. Paulo. (Dec. de 26 de abril de 1853.) Firmou a paz exterior, repellíndo o erro' da intervenção activa no Prata, e ligando-se em tratado de commcrclo com a Argentina. Adheriu dignamente aos principies do direito marítimo do Congresso de Paris (1856). Completou a lei destructiva do trafico com a de Wandelrey, que prohlbia o corameroio interprovincial de escravos.

Suggeriu a reforma hypothocaria, e, mais clvilisadora e

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arguente, a judiciaria reconstituindo o direito, dedtruido pelo odioso apparellio policial da lei de 3 de dezembro de 1841 .

Completou estes actos, com um que devia dalli em diante reagir p3derosamente sobre toda a politica— a lei eleitoral dos CircQlos, destinada a grapliar com um rigorismo de cópia a von- tade nacional.

Mas o que dd ao Marquez de Paraná, a linha superior de um estadista 6 ter compreliendido que na nossa gens com- plexa, sem tradições profundas, e democrática apenas pela ca- rência de uma selecção histórica, a existência dos partidos era por sua natureza ephemera, adscriptos ao mallogro ou ao successo das necessidades de occasião que representavam. A politica nacio- nal da época tinha que se adaptar ás oxigancias de momento e a todas as combinações concretas, a todas as surprezas de uma pátria em formação accelerada; e partiria as molas de um partido moldado em formulas prefixas.

A conciliação dos partidos, gastos no attricto de suas próprias luotas, era lógica. A loi eleitoral dos «Circulos)>, o seu comple- mento indispensável.

Com effeito, o que houvera desde 22 ató âquelle tempo, fora uma convergência de forças. A principio a dispersão revo- lucionaria, o ideal da independência, revolto ou esparso em f^tcçõôs, patrulhas senoi numero mal arregimentadas sob o prestigio de um príncipe. Depois, em 31, a delimitação dos Inctadores, nos três partidos definidos da Regência . Subseoutiva- mento, com o despertar do prestigio monarcbico de 37, nova concentração em dois partidos únicos.

Mas este movimento, que se ostenta em nossa historia, Gomum rigor do traçado geométrico, numa composição me- eanica de forças o quo accentuadamente reflecte é a victo- rla dos elementos conservadores sobre os progressistas: um continuo amortecimento do principio democrático ; uma re- volução triumphante que a pouco e pouco so gasta e se re- mora, perdendo num curso de 34 annos (1822-1 86'J) toda a ve- locidade da corrente, atô desapparecer, afinal, de todo, no remanso largo do Império.

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Tinhamoa por isso nocessidade de alguém qtie se nao des- lumbrasse pelo quadro uoioo da ordem iuaugurada, e pudesse, sondando o sentimento do povo, despertar a pouco e pouco o elemento progressista, que tombara na sangueira das revoltas infelizes.

Foi a missão do marquez de Paraná.

Com eile extiogairam-so partidos em cu^o antagonismo havia, desde 48, a forca dispersiva do ódio ; e sob o seu influxo iam apparecer partidos modelados pela força constructora das idóas.

O creador da Conciliação e esta nada mais foi do que a absorpçao do partido liberal exhausto pelo conservador pi^jante seria o creador posthumo da Liga, de 62, que nada mais foi do que a absorpçao da maioria do partido conservador «cindido pelo liberalismo revivente. A eleição por districtos, de cada deputado, erguendo deante das velhas influencias históricas, sobretudo conservadoras, o prestigio nascente dos chefes ou influencias regionaes, alastraria de facto sobro todo o paiz, as responsabilidades politicas. Seria realmente, consoante a phrase do um Jornalista da época, o triumpho á\ causa terri- torial, «contra o entrincheiramento ã beira mar do velho regí- men. »

Pelo menos, extlnctos os < deputados de enxurrada >, con- forme a ironia fulminante de Paraná, os novos eleitos retra* tariam com mais fidelidade a vontade do paiz.

Deste modo o grande homem demarca um trecho decisivo da nossa historia constitucional; e centralisa-a. Enfjixa as energias do passado e desencadeia as do futuro.

Separa duas épocas.

Foi o ponto culminante do Império.

Depois delleo que dizem todos osfactoi ó o decahir continuo do principio monarchico até 1889, gastando na descenção quasl tanto tempo quanto para a subida.

Realmente, a Republica, que não devemos confundir com a bella parada commemorativa de 15 de novembro de 1889, tinha, lançados, os seus primeiros fundamentos.

4323 4 Tomo lxix p. ii.

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O prfQcipio democrático renasoea da lei dos cCircuIos». Triumphou ruidosamente nas eleiçOes de 1860.

Poaco antes, faltando o ponto de apoio do homem em que se esteiara, a situação se revelara âactuante, prevendo-se uma transmutação de scenario.

Caxias, fk*agil para a herança que o esmagava, cedeu o governo ao marquez de Olinda, e este, ligando-se a Souza Franco, um intransigente liberal de 48, trahiu na hybridez desta alliaaça, o enfraquecimento conservador. Apeou-se do poder assim como o gabinete que lhe succedeu, do visconde de Abaete, com o pretexto de divergências sobre reformas bancarias, mas de facto pela falta de um apoio na sociedade inconsistente. O imperador recuzara-lhes tenazmente o recurso de dissolução da camará, como se temesse uma consulta ao paiz.

Era a < época sem physionomia », de Timandro, que findava. Esboçavam-se, dúbios ainda, três partidos: o liberal revi vente, o conciliador decahido, e o conservador extreme. Os governos vacillavam entre uns e outros aggremiando ao mesmo passo a adhesão e as desconfianças de todos.

Na imprensa soava uma palavra nova, que era uma palavra de combate. Francisco Octaviano apparecia no Correio Mercantil^ na attitnde correcta que sempre manteve, vibrando sem perder a linha da sua organização finamente aristocrática, golpes mortaes «no monopólio do governo entregue a mãos desfollecidas». Era a primeira voz do espirito novo re- nascido.

Nesta situação, o ultimo ministério reaccionário de Diogo Ferraz (10 de agosto de 1859) organisou-se como uma torsão violenta para a ordem aitiga, mal combatida no parlamento por Landulpho Medrado, Tito Franco e Martinho Campos.

Aquelle refluxo, porém, occorria, quando o termo legal da camará de 1856, entregava ao povo um pleito que a monarohia evitava.

E o resultado foi admirável.

Mostram-no as eleiçOes no Rio, que então era a mi- niatura do Brasil.

Essa eleição de 1860, pode*se dizer que assignala uma

DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 51

époea em nossa historia politica ; oom ella recomeça a encher a maró democrática. . . » (I)

De facto, toda a agitação daquelle anno decisivo se fez em roda de três nomes qae viotoriosos nas urnas» faziam mais do que resascitar o partido liberal lentamente destruído nnma Incta de quarenta annos : Francisco Octayiano, Theophiio OttonS e Saldanha Marinho. O primeiro, um atheniense dos tró- picos, sonhador e poeta, ficaria abraçado á legenda histórica do liberalismo ; o segando, oij^o papei foi o de detonar a expansid popular pela eloquência explosiva, que o incompatibilizaria depois com a lucta no parlamento, permaneceria para sempre dúbio, com a sua feição de rebeliado. O ultimo, porém, dará ot primeiros passos de longo itinerário. . .

Abria-se uma éra nova.

O ultimo gabinete reaccionário eahira como que ao baqtM de uma reTolução. Não aguardara a abertura das camarás. E o que lhe succedeu, de Caxias, eomeçando com elementos incolores (Y. de Inhambupe) ou francamente oonaeryadores (Paranhos e Sayão Lobato), a brere trecho transigiu com a nora ordem de coisas, vinculando-^e numa recomposição for- çada, á opinião Tiotoriosa, por intermédio de um deputado* José António Saraiva, destinado a reunir oe attributos mais nobres dos nossos homens políticos.

£' que o velho militar cabo da guarda do Império aquilatara a crise.

Mudavam-se os tempos. No pagamento formara*se a Ug a dos liberaes com os conservadores moderados (1862) e um novo partido, cProgressista », enterreirava a veiba phalange reaceio- naria de £. Queiroz, Itaborahy e Ufugaay. Fora, irradiando pelo paiz e fulgurando na capital, na < Actualidade », de Laâtyette R. Pereira, Pedro Luiz e Flávio Famese, o ultra-. Hberaiismo avassalava os espirites, visando oonolusões extre* mas. Desenhava^se no seenario politico a triplioo organizado partidária de 1831, Mas a componente maior tendia visivelmante para a demooraeia.

(1) Josqttim N ábaco Um e9ta€tiata do Império.

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Naquelle m&smo anno am faoto Beoundario objectivara o noYO ramo das idéajs.

Inaagaroa-se a estatua de D. Pedro Bra opportuno lanoe para reacoender-ge a tradição monaroMoa, deletreando-ie a pagina histórica da ladependencia. O sentimento popolar, porém, derivou á cadencia dos versos desafiadoras da M&ntira de Branãe^ de Pedro Luiz ; e da eephera superior da politica» a palavra que desceu pelo orgam do sena- dor Nabnco de ArangOt timbrara noaffirmar que o monumento, longe de signiflear a glorificação de um reinado, traduzia apenas a Justiça de um povo livre, que não esquece os serviços pre- stados.

Entalhava-se a orthodoxia monarchica. Pedia*8e em todos os tons a representação das minorias ; oondemnavam*se as patriarohias governamentaes das camarás unanimes ; e, em pleno senado, uma phrase histórica— O rei reina e não governa^ soava como um refr^ ameaçador e extranho.

Por fim, a politica imperial, que, havia pouco, perdera um ministério ante uma manifesta^ popular, perdeu um outro batido pelo parlamento. O gabinete Caxias cabiu (21 de maio de 68) e com elle a situação conservadora no poder desde 48.

A camará quasi toda de liberaas e dissidentes readquirira, depois de um esbulho de 14 annos, o direito de dispor do governo*

Equilibravam-se, porém, no seu seio, os dois partidos extremos, e esta egualdade levava paradoxalmente ao desequi- líbrio. O ministério de um Inctador de pulso, Zacharias de Yas- concellos, onde apparecia um heroe das campanhas do sul, o Barão de Porto- Alegre, durou apenas três dias. Nesta emer- gência, o Imperador appellou de novo para o marquez de Olinda e o antigo regente formou, então, o único ministério possível, o « gabinete dos velhos », venerandos aposentados de 31, entre os quaes havia um moço, á volta dos cincoenta annos, Can- sansão de Sinimbu.

BBte governo emoliente, inapto para dominar a camará, diSBolvea-a»

O paiz ia outra vez definirn» ; e fel*o incisivamente. Am-

DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 63

pliando a de 60, a eleição de 63 levantou liberaes e democratas, numa maioria desproporcionada e alarmante.

Por outro lado, o espirito popular desatava-se em rebeldias desde muito deslembradas. Foi o que succeden por oooasião da questão dos salvados da barca Prinee of Wales e consequentes represálias da fragata inglesa Farte â entrada da barra.

Amotinou-se a multidão no Rio. Tomou lhe a frente Theo- philo Ottoni.Um protesto ameaçador arrebentou Junto do throno; e o ministério Olinda, num esvabimento de sombras— as ultimas sombras do passado extinguiu-se ante a palavra ooroscante

do tribuno.

* * *

Ao reassumir o governo (15 Janeiro 64), Zacharias de Yas* conoellos podia dizer que reatava o seu ministério, de três dias, de 24 de maio de 62. A situação antecedente Í5ra um desvio morto, removendo da larga estrada que se abrira um em 1860 ; todos os elementos, cc^o papel findara.

A camará de 64 reflectia a um tempo a victoria democrática e o rejuvenescimento do espirito nacional. estavam:

F. Octaviano, Tavares Bastos, o pensador irónico da^ u Cartas de um solitário» ; Pedro Luiz, o lyrico iconoclasta da « Ode a Tiradentes » ; José BoniftMdo, o moço ; o romancista Joaquim Manoel de Macedo ; Feitosa, o jornalista vibrante de 48 ; o barão de Prados, um dos raros scientistas brasileiros do tempo ; Martinho de Campos, que se tornaria o terror de todas as situações; Urbano Sabino Pessoa e Pelippe Lopes Netto, duas figuras vingadoras, dois nomes que recordavam um único, o de Nunes Machado, sacriflcado 16 annos antes ; Liberato Barroso, Christiano Ottoni, Souza Dantas, Silveira Lobo; e, obscuro ainda, um predestinado, Affonso Celso.

Sobre todos, dominando-os, centros attractivos em tomo aos quaes se desenhavam os dois partidos em que se fraccio- naria a Uga, Theophilo Ottoni e Saraiva.

O elemento conservador, supplantado, tinha um nome— Junqueira.

Apezar disto, o ministério progressista, fortalecido de taes elementos, numa camará quasi noaiUmei ia dobrar-se á presido

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do próprio moTimeato liberal, cahindo de ixnproTiso a 29 de agosto daqaelle anão,

E' que o liberalismo avançando diBtanciara-ae doa alliados da yespera. A seisão da ligd., como a da Ck)aciliaçio, opera- ya-se ante o expandir dademocracia. B, dividida em dois partidop, o '(histórico», oom os elementoi radieaea, e o «progressista», com 08 moderados, reproduziam estes, ante o conservador inalte- rável, a triplico physionomia partidária da Regência. Abria-se, ao parecer, na nossa historia, o circulo phantasista do viço.

Mas era ama semelhança exterior.

Ia operar-se um movimento opposto. Ao envez da arregi- mentação em torno dos elementos moderados e conservadores— o destaque cada vez maior e irresistível do liberalismo.

Pelo menos, a uniflcaçao successiva dos três grupos nâo se íária em torno da bandeira reaccionária.

Levava um outro norte. Não se tratava mais de fluer parar, como em 1837, uma revolução, que preenchera o seu destino.

la-se oomeçar uma outra. , .

Impediu-a ou remorou-a, porém, um facto esporádico a guerra com o Paragoay.

Tinha, certo, antecedentes que permittiam prevel-a. £ra« sobretudo, uma resultante do fácies geographUo impondo-nos as communicaçoes com Matto-Grosso peio longo desvio contornean te de Prata.

Desta drcurnstancia haviam resultado graves attrictos.

Garantia a passagem o Tratado de 25 de dezembro de 1850. A situação moral do Paraguay, porém, que sahira da rigida dictadura do dr. Francia para a tyrania de um verdugo inapto a avaliar o esforço do estadista, certo íeroz, mas talvez único para resuscitar um paiz que o jesuitismo matara, annulava todos os convénios.

Os dons Lopes, em cujo espirito o sonho do vice-reinado se ampliava oom o da conquistado Matto-Groaso, predispunham-se ha muito para a lucta. Organizaram um exercito despropor-

DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLIC.i 55

eionado o maior exercito permanente que ainda houve na America do Sul ; ouriçaram as ribas do Para<iruay de fortalezas extremiibdas pelos fortes Olympio e Hamaytá ; e, desde 1853, Carlos Lopes provocara um rompimento, enviando ao ministro brazileiro, Leal, os passaportes, sob o pretexto de se dedicar elle á intriga contra o Supremo Governo. Salvaram-nos, então, da luct^i, duas circumstancias: a tibieza do almirante Pedro Ferreira, que, sendo enviado a exigir prompta reparação do insulto, quedara inerte, tolhido pelo temor de uma intervenção anglo-francoza; e o solido critério do marquoz de Paran<l, que iniciava o governo de todo entregue á obra da reorganização nacionaL

Esto desastre diplomático teve depois (185Ô) o correctivo da missão Paranhos (visconde do Rio-Branco), firmando com o plenipotenciário Berges um tractado de livre transito fluvial.

A regulamentação do convénio, porém, annullava-o. A travessia era uma tortura através de fiscalização humilhante, impondo continues desembarques e insidiosos exames dos passaportes crivados de vistos irritantes ; além de outros entraves que determinaram, em 57, a ida de outro plenipo- tenciário nosso, José Maria do Amaral, á Assumpção, com o resultado único de contemplar deporto a altaneria de Lopes l"", extranhando-lhe o ter ido até em um vapor armado em guerra.

Por fim, nova intervenção de Paranbos (visconde do Rio- Branco) originou o Tratado de 12 de Fevereiro de 1858, fran- queando o rio Paraguay a todas as naç5es.

São antecendetes expressivos. Revelam no animo do paraguayo o aohelo da lucta, para que procurava apenas um pretexto.

Ora, este antolhou-se-lhe em 64.

O Tratado de 12 de outubro de 51— contracto unilateral que nos fizera protectores platónicos do Uruguay, contem- plando, neutros, as arrancadas entre blancos e colorados-^ prendera-nos ás discórdias platinas. Tornara-nos, margeando o palco de uma revolução chronica, espectadores dos escândalos entre os caudilhos, e estimulara entre os rio-grandenses as

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mais peccamíDOsas algaras, as famosas « calirornias», copia das tnontoneras platinas, om quQ succossivos grupos iavadiam a eatnpanha oriental, aggravando-iiie os tumoltos. Desse modo, a nossa neutralidade era oSloial apenas ; col laborávamos também a golpes de lanças e patas de cavallos naquello regimen olassicode tropelias ;e é comprehensivei que nos envol- vêssemos, por fim, seriamente, nas desordens.

De facto, em 61, sobrevieram as noticias de vexames e torturas de toda a sorte exercidas sobre os brazileiros, nas luctas do Uruguay, onde um revolucioaario, o general Flores, colorado, se insurgira contra o presidente blanco, Aguirre. E a opinião, no Rio, ainda abalada pela recente questão ingleza, inflammou-se. Não se cogitou que os brazileiros torturados, amatulando-se com as tropas daquelle general, haviam trocado a bandeira da pátria pelo poncho do caudilho. Eram, aânal, soldados de Flores, e o Qoverno orlentil, repellindo«09, não podia distinguil-os nas fileiras adversas.

Estas circumstancias attenuavam os attontados comettidos, permittindo afastar-se, sem desaire, umconâicto inútil.

Mas os factos precipitaram-se. Enviado ao Uruguay, Sa- raiva, a despeito de seu animo superior e nimio tolerante, não poude evitar o rompimento. O presidente Aguirre repeliiu uma intervenção que era, de feito, um apoio ao cabecilha rebelde. Devolveu o uUimaium de 4 de agosto e aprestou-se para a refrega; emquanto os navios do almirante Tamandaré singravam ameaçadoramente, as aguas do Uruguay.

Solano Lopes aproveitou então o momento que lhe vinha a talho para uma aspiração antiga. Offereceuasua mediação em Junho. Logo depois, om setembro, protestou contra o auxilio que se dispensava a Flores. Num e noutro caso a sua attitude foi irritantíssima. A nota extravagante que dirigiu ao diplomata brazileiro em Asuncion, Vianna de Lima (barão do Jaurú), em que se intitula garbosamente defensor da independência e do equilíbrio politico das republicas platinas, repassava se de tão altaneiras ameaças que valia uma declaração formal de hostili- dades. Completou-a o aprisionamento (12 do novembro do 64) do vapor commerclal Marquez de Olinda, onde se embarcava

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O coronel Carneiro de Campos, presidente do Matto^Grosso. Assim a campanha do Uraguay, desfechada pelas ba^^onetas do general Mena Barreto, ultimando-se com as tomadias de Paysandú e Montevideo e pela deposição de Aguirre, sabstituido pelo nosso alliadò general Flores, foi apenas o preludio de uma outra maior.

Mas passemos, Á carreira, sobre uma pagina tristemente gloriosa.

A guerra do Paraguay é um desvio na nossa historia. A sua causa mais próxima está, talvez, na interferência de duas vontades, injustificáveis ambas. De um lado o delírio de grandezas de um déspota minúsculo de mais para a sua própria ambiçSo, de outro a diversão temerária de um Imperador constitucional, por ventura impressionado com o scenario da politica interna do seu paiz.

O primeiro era mais lógico. Aquelle anhelar por um grande império baseava-se, afinal, nas scisões do outras republicas pla- tinas e na nossa relativa fraqueza militar. Os noventa mil homens de I^pes toroavam-lhe factivel aempreza.

Faltou-lhe, pOrera, a envergadura e o lance do vista de um conquistador. Comprometteu logo a sua causa com duas invasões desanrosas : a de Estigarribia, no Rio Qrande, avan- çando no desconhecido até pcrder-so na rendição de Uru- guayana ; e a mais infeliz, de Robles, em Corrientod, que mais do que a alliança da Argentina, poz ao nosâo lado o grande prestigio moral de Bartholomeu Mitre.

Com estes dois erros estava perdido aos primeiros passos. O que houve depois foram cinco annos de memoráveis con/lictos.

Não 08 descra veremos. Fora perdermos a linha essencial dos acontecimentost que trilhamos.

Durante a campanha, assistiu-se na politica interna do paiz a um espectáculo naturalmente previsto: a lenta ascensão do partido coxmervador, ostensivamente estimulada por D. Pq- dro H,

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O governo, genuinamento liberal de Pranoisco José Furtado, onde se destacavam Liberato Barroso, Dias Vieira e o general Beeurepaire Rohan cahira (abril de 65), substituído successiva- mente, oom applausos de todos os reaooiooarios, que compre- hendiam a necessidade de uma transição pouco violenta, pelos progressistas do marquez de Olinda e de Zacharir^s de Vascon- ccellos ; até que, com a retirada deste, em 16 de julho de 68, se definisse ás claras a situação com a subida dos conservadores de Rodrigues Torres, sendo dissolvida a Camará, quasi tod a liberal, que o combatera para logo violentamente com a palavra vigorosa de Josó Bonifácio.

Ora, esta reviravolta, illogica e contrastando com todos os successos anteriores, como um inesperado refluxo, fora deter- minada por um incidente mínimo que dispensa, pela eloquência do próprio enunciado, maiores commentarios: o governo de Zacharias, e com elle a situação liberal, cahira em virtude de um pedido de demissão do general Caxias, então ã frente do exercito victorioso, esclarecido por uma carta ao próprio ministro da guerra, em que o velho militar, conservador da velha guarda, num espelhar de resentimentos inexplicáveis, se declarava tacitamente incompatível com o gabinete «que visava quebrantar-lhe por diversos modos a força moral ».

Esta oiroamstancia diz tudo.

No opinar entre aquella auotorídade militar e a legalmente superior, do ministro, a politica do Imperador desvendava se inteiramente, franca, sem que a tolhesse a círcumstancia de ter sido o ministério Zacharias o organizador da victoria da iucta com o Paraguay, graças à actividade admirável dos ministros da guerra e da marinha, Angelo Ferraz (barâo de Uru- guayana) e Affonso Celso (visconde de Ouro Preto).

Mas não foi uma sorpreza. A politica nacional, illudida pela preoccupação absorvente da campanha externa, desviara-se, transitoriamente, de seu rumo histórico.

Pronunciara-se Já, em todos os tons, uma palavra, < impe- rialismo», que a pouco e pouco ia imprimindo um traço cesa^ riano no platónico poder moderador, e forjando a extravagância de uma autocracia constitucional.

DA INDEPBNDENaA A REPUBLICA 59

Falseado de todo em todo o processo eleitoral, que, & breve reyiyiscencia impressa pelo marquez do Paraná, bastara para originar a victoria democrática em 186), o poder dynastico completando a sua faculdade privativa da escolha dos depositários do poder executivo com a cumplicidade das camarás nomeadas, iniciava uma reacção extemporânea, sem o traço superior e opportuno das de 1837 e 1848.

Perceberam-na, desde 65, os próprios representantes dos partidos monarchicos ; e o alinhar-se-lhes, ao acaso, as pbrases, equivale a retratar com fidelidade aquelle período artificial e retrogrado forrando-nos a uma missão de Tácito.

Souza Carvalho, naquelle mesmo anno, dera o grito de alarma appellando para o palliativo de eleição directa.

Tito Franco indicava, logo depois, em 67, a causa única da decadência do paiz < no polichinello eleitoral daasando segundo as phantasias dos ministérios nomeados pelo imperador.» Sayão Lobato, antigo reaccionário, caracterizava em phrases yigorosas o contraste da esplendida architectura governamental com os vicios e abusos que derrancavam. Josô de Alencar, compro-- mettia a sua próxima escolha para ministro, ferretoaado com attlcismo incomparável todo o regimen. Para Josô António Saraiva, o paranympho da Liga do 1862, <o poder dictatorial da oorôa era uma verdade desconhecida pelos néscios ou pelos subservientes aos interesses illegitimos da monarchia. » Um caracter austero, d. Manoel de Mascarenhas, pronunciara em pleno Senado uma phrase cruel: «Morreram os costumes, o direito, a honra, a piedade, a fé, e aquillo que nunca volta quando se perde, o pudor.» Completou-o, no mesmo recinto. Silveira Lobo, deplorando a morte do systema representativo 6 chegando temerariamente á conclusão de que < o vicio não estava nos homens, mas sim nas suas instituições.» Para Francisco Octaviano, o império constitucional «era a ultima ho- menagem que a hypocrisia rendia ao século», e a phrase ficou celebre.

Tavares Bastos, o paladino da ft-anquia do Amazonas, num quasi ostracismo, na Europa, volvia o ultimo brilho de seu grande espirito para a Republica, para a qual se dirigiria em

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breve» ostensivamente, um outro, José Maria do Amaral. O visconde de Camaragibe e o grupo conservador do norte previam á desaggregaçao do paiz na condemnavel concentra^ qne se formava. António Prado, João Mendes de Almeida, Duarte de Azevedo, conservadores do sul, estadeavam em phrases ainda mais amargas o desquerer pelo throno.

Por fim, alguém culminou sobre esta situação moral.

O conselheiro Nabuco de Araújo, enfeixando num plano su- perior todos os desânimos e todas as revoltas da nacionalidade trahida, abalara o Senado com um sorites formidável, conden- sando em pbrase que é um prodígio de synthese toda a politica do tempo:

«O poder moderador pôde chamar a quem quizer para orga- nizar ministérios; esta pessoa faz a eleição porque ha de fazela ; esta. eleição faz a maioria.

Ahi esta o systema representativo do nosso paiz

£ nesse torvelinho retalhado, de desapontamentos e tristezas e desânimos e revoltas, dois Ilberaes, obscuros ainda, sem phrases afogueadas, quasi sem ruido, transpunham tranquilla- mente as fronteiras da Republica : Francisco Rangel Pestana o Henrique Limpo de Abreu.

De sorte que, ao irromper a reacção monarchica» resusci- tando uma rígida figura de 37, antigo companheiro de Feijó, o visconde de Itaborahy, estava descoberta a estrada que a con- tornaria. Além disto, o partido liberal unira-se de choft*e, oomo se o abalo da queda lhe annullasse as discórdias intestinas, em torno dos seus melhores representantes. E, delidos os resenti- mentos pessoaes da véspera, sopeado o radicalismo de muitos que como os Ottoni e Silveira Lobo propunham a eliminação do poder moderador, num perigoso avançar para a frente—firmou, no terreno partidário, sob as grandes responsabilidades de Zaoharias, Theophilo Ottoni, Nabuco, Souza Franco, Octaviano o Paranaguá, o protesto do abstencionismo, ante a mentira eleitoral, e no terreno politico o Manifesto de 1869, com estes cinco compromissos :

a reforma eleitoral, única capaz de se oppor ao absolutismo emergente ;

DA INDEPENDENOA A REPUBLICA 61

a reforma Judiciaria, desbancando a Justiça russa instituída em 41 pelo Código de 3 de dezembro ;

a aboli(^ do recrutamento e da Guarda Nacional, que ab- dicara o seu nobre papel da Regência e se tornara a guarda pretoriana das urnas ;

e, afinal, a emancipaçSo dos escravos.»

Rematou com um dilemma entre cujas pontas oscíllaria dalll por deante todo o edificio monarchioo :

<0u a Reforma ou a Revolução.» ^

Mas opinava logo :

< A reforma para ooi^urar a revolucSo.

< A revolução como consequência necessária da natureza das coisas, da ausência do systema representativo, do exclusivismo e olygarchia de um partido.

< NSo ba que hesitar na escolha. A Reforma !

< E o paiz será salvo.»

Ora, agindo no centro dos acontecimentos em que eram auto res e actores, sem a visão de conjuncto permittlda por um afas- tamento do fioenario, os reformadores, ainda addiotos ao throno pela força prodigiosa da inercia,nSo podiam perceber que aquella condicional era serôdia. As duas palavras nâo extremavam mais uma alternativa. Gonjugavam-se: reforma e revulução. . .

Foi o que 00 acontecimentos depois revelaram.

O governo de Itaborahy, um anachronismo palmar, em cpjo tirocínio de quasidois annos s6 ocoorreu um successo apreciável, o termo da guerra do Paragnay (1 de março de 70), completado pela missão do ministro dos estrangeiros, visconde do Rio-Branoo, incumbido de organizar o governo nacional do Paraguay—cahiu por evitar o problema emancipador, appenso em additivo proposto pelo senador Nabuco de Araújo á lei do orçamento daqnelle anno. Provocara ao mesmo tempo a formação da dissidência conservadora dirigida por Jeronymo Teixeira Júnior e composta de elementos Ferreira Yianna, Junqueira, João Mendes, Duarte de Azevedo e Perdigão Malheiro que dariam em breve áquelle partido o compromisso anómalo de se bater por todas as ideias liberaes.

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O marqaec de S. Vicente (Pimenta Bueno), que lhe saccedeu, tentou uma conciliação impossível, mau grado a sua robusta mentalidade. Suspeito ao liberalismo, com reflectir, numa passividade de espellio, o desejo claro manifestado sem rebuços pelo Imperador, de obstar a todo o transe quaesquer reformas no apparelho das eleições; suspeito á velha guarda conservadora j& dirigida por Paulino d;3 Souza (Andrade Figueira, Josó de Alencar, A. Prado e Francisco Belisario), pelos seus antigos projectos emancipadores discutidos no Conselho de Estado desde o ministério Zacharias viu-se em situaçfto instável. NSo puderam firmal-o ministros da estatura excepcional de Salles Torres Homem (visconde de Inhomerim), JoSo Alfredo Correia de Oliveira, Oiymplo Gomes de Castro, Pereira Franco e Teixeira Júnior.

Abandonou o governo legando-nos, como unioo testemunho de sua passagem, a fundação do Conservatório dramático. .

E' que a conciliação planeada— um outro < pensamento au- gusto > imprópria va-a não a falta de um marqvez do Paran&, mas a transformaç&o das coisas.

A monarchia preenchera o sen papel. As reformas liberaes, erigindo-se para logo no pensamento da eleiçio directa e da emancipação dos escravos, embora acabassem por senhorear o espirito do próprio Imperador, iriam abalar toda a architeotura monarchica. Peroebera-o o visconde de Itaborahy, graças á visão exercitada em moio século de actividade politica. Mortos Araújo Lima e Eusébio de Queiroz, elie era o ultimo dos yelhos constructores do regimen . Conhecia todas as falhas e o gasta« mento inevitável do apparelho extraordinário dentro do qual se constituirá a nossa nacionalidade. B oomprehendia, avassallado de espantos, que elie não resistiria ao empuxo dos novos ideaos. «Não queiramos aluir de chofre os fundamentos em que se acha assentada a associação brazilelrat» exclamara no parIameato« em 1870, com a intuição profunda de nm vidente.

Com elfelto, no seu ministério eshoçou-se ó deoli&io do Império.

Dahi por deante o triumpho demoeratieo não se manifestara mais, como em 62, por uma liga de liberalismo nifriro^

bA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 63

attrahindo ao seio os conservadores adeantados. Proseguirá isolado.

Destaca-se-Ihe dos flancos um partido novo o republicano . Difficilmente se depara em nossa historia acontecimento mais lógico.

O manifesto de 3 de dezembro de 1870 íéz-se, realmente» a segunda pagina do manifesto liberal de 1868.

Mas inclinada ao outro vértice do dilemma.

O programma alli exposto foi o que devera ser— um libeilo.

Fazia-se o processo de um reinado.

E em que peze aos ezaggeros da metaphysica politica, que as debilita, aquellas linhas, as primeiras linhas escriptas da his- toria da Republica, graphavam um dictado antigo.

Entre as suas assignaturas^a de Joaquim Saldanha Marinho, nome tradicional, as de Christiano Ottoni e Flávio Fámese, vindos das tendas liberaes, as de Lafayette Rodrigues Pereira e Salvador de Mendonça, as de Quintino Bocayuva, Aristides Lobo e Francisco Rangel Pestana, que proseguiriam até á vietoria, e outras, que se apagariam na obscuridade faltava uma que seria a mais expressiva de todas, « de Theophilo Ottoni, o agitador destemeroso de 6â*

As linhas anteriores justiâcam oasaerto.

O novo pensamento politico, inearacteristico e mal vinculado Às tendências separatistas nas insurreioC^s inooherentes que vieram até 1817; inopportuno em 1822 e 1831, por contrariar o interesse maior da unidade da pátria ; repellido em 1837-1848 por que ainda se tornara indispensável a acção exclusiva da força centrípeta da realeza ; evolvendo, imperceptível, e perdendo o caracter separatista com esposar os resentimentos alastrados pelo palz inteiro na trégua partidária de 1853-1858 ; aflorando, por fim no violento revide de 1862, que uma guerra externa abrandou, desviando as preoocupações nacionaes : depois dessas vicissitudes, em 1870, impunha-se. Para vencer tinha a força das novas aspirações sociaes t&o vigorosas que se reflectiam nos próprios partidos dynasticos^ talhados em dissideaoíAs que se degladiavam, desangrando-se, sem pouparem dos golpes, como vimos, a própria figura imperial.

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lavertiam-se os papeis: o perigo separatista estava naquella concentração golpeada de crises. E o partido republicano cres- cendo desde logo, mercê dos contingentes snccessivos que lhe ad vinham de todos os deailludidos e de todos os desesperados dos doisontros^o que aconteceria até as vésperas do 15 de novembro « começava a esboçar, de facto, uma outra < Con- ciliação », mas, esta, agora, definitiva a Republica. Sahira, das divagações do manifesto de 70, para o terreno da propa- ganda. Deliaeavam-se em S. Paulo, em linhas cada voz mais nítidas, até se imprimirem profundamente na nossa historia politica os perfis de Américo Brasilieose, Rangel Pestana, Américo de Campos, Campos Salles, Prudente de Moraes e Venâncio Ayres.

Ao mesmo tempo, o povo tomava um logar na represen- tação nacional.

Ouviu-se dentro da Gamara dos deputados uma palavra extranha com a tonalidade imponente dessas vozes propheticas que anunciam a rnina dos impérios.

Não era a dialéctica vibratil de Zacharias, a argumentação fria, sulcada de súbitos lampejos de génio, de Nabuco, a fluência cantante de José Bonifácio, ou o período artístico e sonoro de Salles Torres Homem, a que se havia affeiçoado o nosso parla- mento. Mas uma eloquência quasi selvagem na sua esplendida rudeza, na energia nunca vista com que reinvidicava os direitos populares, e nas suas rebeldias da fórmi» e nas suas grandes temeridades de conceitos. . .

Silveira Martins desdobrava, improvisamente passando fugaz, num faigor instantâneo e desappareoendo -- a sua esta- tura athletica de Danton.

* « O governo do visconde do Rio-Branco ( 7 de março de 71) sobreveiu, então, como uma longa trégua oiviiisadora.

Antes diplomata que politico, o grande homem fez o mi- lagre de dirigir utilmente o paiz até 1875, no mais dilatado ministério que tivemos.

E fel-o, sobretudo* porque não representava nenhum dos dois partidos monarohlcos.

DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 65

DemoDstra-0 o caracter antinomico, mas expressivo, de uma situação conservadora ezgottando qaasi por completo o programma liberal e appellando indistinctamente para a dissidência do seu próprio partido e para a boa vontade dos adversários, liberaees e republicanos.

Estes últimos podiam, com eflèito, permanecer espectantes, como o fizeram.

O governo do estadista que tinha a investidura única da parte san de sua terra ia desbravar-lhes o caminho.

Desarraigou a escravidão do paiz pela lei de 28 de setembro do 187], em que o secundou brilhantemente o ministro predes- tinado a vibrar o golpe decisivo de 13 de maio, João Alfiredo Correia do Oliveira; abateu pela reforma judiciaria de 20 de setembro de 71 a lei tyrannica de 3 de dezembro de 41, < a velha arvore de Bernardo de YaconcelUos o do visconde de Uruguay, a cuja sombra cresceu o império (1) » e nisto o coadjuvou Sayão Lobato, penitenciando-se do aforro com que outr*ora se ajustara áquelle velho apparelho de escravização civil ; sulcou a fundo a dictadura espiritual, que se esboçava, reprimindo severamente, até ao extremo da prisão os dois bispos de Olinda e Pará— e para a empreza perigosa que ia divorciar a causa monarchica da egreja, o partido republicano armou-o com o montante for- midável de cGanganelli» (Saldanha Marinho).

Dissolveu em 1872 a Camará em que preponderava a massa emperrada de seu próprio partido, dirigida por Paulino do Souza Júnior, que seria ató ao fim do Império a sombra realci- trante de Itaborahy.— Neste acto parecia provocar um rompi- mento com aqaelle, ondes0bresahiam António Ferreira Vianna, Domingos de Andrade Figueira, Francisco Belisario, António Prado e Josó de Alencar.

Mas não rompia ; avantajavanse.

Era uma translado para o ÍUturo.

Refundiu a instrucção publica, profissional e superior, orç- ando em algumas escolas ( a Polyteohnica e Militar, recem-for-

(1) Consellioiro Nabuco do Araújo. 4323 5 Tomo lxix p. u.

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madas pela divisão da aatiga Escola Ceatral) cadeiras espeoiaes, acompanhando o ascender continuo das sciencias, e fundou a de Minas. Iniciou a tarefa complexa do levantamento da nossa oartaitineraria e geológica, que seria abandonada pelos governos que lhe succ adoram. Realizou a primoira estatística geral do Brazil. Attendeu ás indicações de todos os competentes : André Rebouças demonstrar .i as vantagens da subvenção ou garantia de juros ás companhias de estradas de ferro, e a lei de 24 de setembro de 1873 organizou-se logo retravando-se á campanha contra um velho inimigo— o deserto. £ as linhas férreas que em 71 attingiam a 732 kilometros, subiram a 1500 kilometros em trafego, em 75 ; alóm de 8180 em construção, ou estudos, e 1700 concedidos, recebendo todas um impulso que nunca mais parou.

Vincularam-se as provindas pelo tolegrapho submarino cos- teiro, outro elo illudindo a vastidão do território; emquanto por outro lado se expandiram as linhas tclegraphicas terrestres (2081 kilms. em7U 9281 em 75).

Laaçou-se o primeiro cabo transatlântico; e a 24 de junho de 1874 estávamos a alguns minutos da civilisação, receben- do-se o primeiro telegramma da Europa.

Planeou-se garantir o Rio Qrande contra uma visinhança agitada, com as primeiras estradas do ferro estratégicas.

Subiu a mediada immigração, quadruplicada, a 30.600 tra- balhadores por anno.

Por âm, as curvas no diagramma do nosso commercio geral directo e de exportação, deprimidas ambas ha longo tempo aprumaram-se em 73 a um ponto a que chegaram de novo em 79; acontecendo o mesmo com as rendas geraos. E o cambio que cahira em 68 a 14, e estacionara em 1870 em 23 Vi> elevon-se numa continuidade invariável, chegando ao parem 73 ;eem 75 a altura que tiunca mais alcançaria, 28 %.

Na politica exterior attenuaram-se as consequências preju- ciaes do Tratado de Alliança com o Uruguay o a Republica Aj^gontina ( de maio de 1805 ), que dava a parte do leão á ultima, nos eHeitos da campanha do P<iraguay, firmando-se a linha do Pilcomayo, que ao mesmo passo resguardava o

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território da nação vencida e resalvava os direitos da Bo- lívia.

Dei>oi8 do ministério Rio- Branco, desonhou-se pela terceii*a vez no acenar io politico uma dessas «épocas sem physionomia», presagas de transformações profundas. Mas, evidentemente, estas se effectuariam fora do apparelho monarchioo.

Dizia-o o curso impressionador da historia.

As nossas phases sociaes tinham-se desdobrado com um rytlimo perfeito, onde a disperáão o convergência successivas dos acontecimentos denunciavam ao mais inexperto espirito o rigorismo inflexível da lei universal da vida.

A principio o aggregado diíTuso, a nebulosa humana, des- prendida do colonato, sciudida de ideaes revolucionários em uma larga dissipação de movimento, reíleotindo, no periodo de IS0H-IS31, o proccsius geral de todas as existências orgânicas. Depois, do 1831 a 1837, a delimitação dos lutadores nos três par- tidos definidos da Regência, traduzindo-se a tendência para uma phase mais definida, a par de uma distribuição mais in- tegra e lieterogenea do prestigio governamental, até então enfeixado na autoridade de um príncipe. Subsecutivamente, com o crescer da reac^o monarchica, de 37, compensadas a simplicidade maior do governo e a complexidade maior da sociedade, evidenciouHie, inilludivel, a rellectir-se tangível* mente no binário conservador e liberal, a marcha gradual para o equilíbrio, dns duas forças co-existentes» democrática e reaccionária, que persistiam desde a Independência. Por fim, em 1848, e sobretudo com o marquoz do Paraná, na quadra que uma intuição de génio rezumiu na palavra Conci- liação^ a harmonia completa dos lutadores, ultimando-se intei- ramente a admirável evolução monarchioa.

O império constitucional attiogira, de facto, o termo de suas transformações; e, de accordo com a própria lei evolutiva que o constituirá, iria desintegrar-se submettido por sua vez ao meio, que dominara, o aos excessos de movimentos que este adquirira.

Ora, esta dissolução é tão demonstrável» que até teve, e era

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necessário que o tivesse, o seu primeiro symptoma no rotratar com a fidelidade de um decalque 03 estádios anteriores. Assim a liga de 1862, surgindo do excesso do movimento do meio, nas eleições de 1860 e logo depois delia o schisma dos «progres- sistas» e «históricos», deante dos «conservadores» transformados, reproduziram successivamente os tumultos desordenados dos primeiros dias das lutas da liberdado e a triplice pbysionomia politica da Regência. . .

Mas a nova concentração do forças não se podoria fazer em torno do regimen imperial. Os seus mais eminentes susten- táculos, Juxtapor-se-iam, sem o pensarem o sem o quererem, á, nova directriz dos acontecimentos— d estacando-se, como expres- sivo exemplo, o próprio ministério Rio-Branco tão accentuada- mente demolidor e reconstructor, ao mesmo passo que com as suas medidas administrativas memoráveis derivara para o campo das agitações politicas as energias ronasoentcs da sociedade.

Depois delle— a attitudo curiosíssima do partido liberal em todo o período que vae de 1878 a 1880 de Cansanção de Si- nimbu ao ultimo ministério do conselheiro Saraiva—Já agi- tando esterilmente, como reforma unioa, a pseudo* reforma liberal da eleição directa e censitária. estonteando a opinião com os seus vários governos inco!ierentes sustentados de ordi- nário com o amparo do elemento conservador, e cahindo todos batidos por violentas moções de descontiança dos próprios liberaes— seria bastante incisiva no delatar o artificialismo de um regimen theorioamento extincto, e implicativo das novas aspirações sociaes.

E\ porém, uma historia recente do mais. Acotovellam-se, vivos ainda, alguns no í^istigio da Republica, outros, na glorificação de um exílio virtual imposto pela inflexibilidade de suas convicções os seus principaes actores.

Como facto predominante dessa politica artificial, espe- lhada no invariável contraste entre os velhos principios que a alentavam e a situação verdadeira do paiz, o historia lor fu- turo coramentar.1, sorrindo, a abdicação graciosa e bellissima de 13 de maio do 1888, em que o ministério conservador do con-

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solheiro João Alfredo cor toa as ultimas amarras do Império, abandoaando-o na caudal IrresMivel das idéas republicanas. .

Depois disto a Republica não podia ser uma surpreza, inexplicável estribilho dos que enfermam da nostalgia desse passado brilhante, que também yeneramos porque é toda a justificativa do nosso regimen actual.

Vimos, nas varias phases, a traços largos esboçadas, o constante despontar, cahir o renascer de uma aspiração dis- persa em movimentos isolados; supplantada a principio pelo pensamento primordial da autonomia politica, depois pela preoccapação superior da unidade nacional. Impertinente em 1822, inopportana em 1831, aborticia cm 1848, era-o a Republica, sobretudo porque se não podia inverter a série natural da evo- lução humana.

Aspiração politica, requeria que lhe propiciasse o ad- vento o desenvolvimento social.

A sociedade não a repellia ; prorogava-a.

E a partir de 1875 começou a incorporal-a.

Mudáramos muito.

Deanto da grande « maioria indifTerente o amorpha que ainda existe como um prolongamento da colónia for- mando o caput moriuum do grande organismo deste paiz, so alevantara até 1875, através de agitações exclusiva- mento politicas, o espirito critico da metapbysica revolu- cionaria de que ó impeccavel modelo o próprio manifesto re- publicano do 70. Mas este, que illusoriamente preside o ascender crescente do novo ideal politico até 15 do novembro de 89, res- valara a segundo plano.

A propaganda republicana ( evitamos descrevel-a, inaptos para synthetizal-a, em meia dúzia de linhas, com o incon- vodiente de citar-lhe os protagonistas, na maioria ainda yivos) fazia-se por si mesma.

Attribuir-lhe o sucoesso á palavra dos tribunos, ao Jor- nalismo doutrinário ou agitador, ao enthusiasmo de uma mo- cidade robusta, á indisciplina militar, e por fim ao levante

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de um exercito que, como o de 7 de abril, nada mais foi que a ordenança passiva da nação em marcha equivale a attri- bair a maró montante ás vagas impetuosas que ella alteia.

Porque, de facto, o que houve foi a transfiguração de uma sociedade em que penetrava pela prlmoira vez o im- pulso tonificador da philosophia contemporânea. E esta, oerto, não a vamos buscar nosso tão malsinado e incompre* hendido positivismo, que ahi está som a influencia que se lhe empresta, immovel, crystallizado na alina profundamente religiosa e incorruptível de Teixeira Mendes.

As novas correntes, forças conjugadas de todos os principies o de todas as escolas do comtismo orthodoxo ao positivismo desafogado de Littró, das conclusões restrictas de Darwin ás generalizações ousadas de Spencer o que nos trouxeram, de facto, não foram os seus principies abstractos, ou leis incompre- hensiveis á grande maioria, mas as grandes conquistas libe- raes do nosso século ; o estas compondo-se com uma aspiração antiga e não encontrando entre nós arraigadas tradições monar- ohicas, removeram, naturalmente,scm ruido^no espaço de uma manhã um throno que encontraram.

Este abalara-se de ha muito. O nobre espirito do homem que o occupava com a sua preoccupaçSo* absorvente de perquirir anciosamente as coisas da sclencia, com o seu anhelar o titulo de phllosopho, com o anceiar pela camaradagem nobili- tados dos pensadores do seu tempo, com a sua indifferenca superior pela força organizada, que lhe escorava o império, com o estimular os decretos libertadores, que lhe destruíram o apoio da propriedade territorial tornou-se no termo da vida o exemplo vivo da transmutação de seu próprio paiz.

E* natural que fosse o seu ultimo ministério conservador que realizasse a 13 de maio de 1^88 a mais alta das reformas IJberaes.

Não tinham mais significação os nomes dos partidos. Existiam pela forçi cia inorcia. Tond>se pr.'ndido ao curso ir- reprimível da propv-iganda abolicionista, iniciada activamente om 1884, a monarchia obtivera uma estabilidade momentânea, derivando ao som da c )rrenleza democrática.

DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 71

De sorte qao, em 1889, qu ando o seu ultimo ministério li- beral tentou a ultima reacção conservadora, cahiu—porquo não podia mais parar.

O 3** reinado osteiado na esplendida envergadura do visconde de Ouro Preto seria uma represa na torrente.

Foi o que se viu a 15 de novembro do 1889: uma parada repentina e uma sublevação ; um movimento refreado de golpe o transformando-se, por um principio universal, em força; e o desfecho feliz do uma revolta.

Porque a revolução estava feita»

O nosso século XIX acaba naquella data.

NSo devemos constringil-o no inexpressivo de uma ezacçSo numérica.

Teve ura remate bastante incisivo para caracterizar uma época, porque a Republica, de facto, desvenda uma outra éra. Recente ainda, nâo ha lobrigar-se-lhe o determinismo próprio.

Todos 08 successos da sua brevíssima vida de dez annoi não resaltam ainda na escala superior da historia.

Cerremos esta pagina.

o DUQUE DE CAXIAS

J. CAPISTRANO DE ABREU

Sócio níTectivo ilo Institnto Histórico e Ocograpliico Hraziloiro

o presente artigo, di> nosso illusirado consócio, Sr. J. Ca- pistrano do Abreu, foi publicado na Gazeta de Xoticias, sein nome do auctor, de i de agosto de i903, de onde o extrabimos.

(Xota da Comtnissão de Redacqão.)

o DUQUE DE CAXIAS

Ha nm século, em Magé, na baixada do Rio do Janeiro, naiicea Luiz Alves de Lima, a 25 de agosto, dia de S. Luit, rei de França, de quem tomou o nome. Descendia de notável família em que cruzavam o elemento francez, o elemento portuguez e o elemento nacional; pelo lado paterno como pelo lado materno dclla sahiram onze generaes, no decurso de três gerações.

A 22 de novembro de 1808 sentou praça de cadete no regi- mento de seu avô José Joaquim de Lima e Silva ; aos quinze annos foi promovido a alferes; terminados vantajosamente os estudos na Real Academia Militar, passou a tenente, ainda cm tempo de D. João VI.

A retirada do velho rei para a Europa foi o despertar de um sonho agradável que durara treze annos. Metrópole e reino, o Brazil voltava a colónia. E as cortes portuguesas, com uma coherenoia democrática, honrada mas imprudente, começaram a obra de regeneração pelo throno e pelas camiadas. No Bratll fbram logo feridos em seus interesses os altos dignitários que circumdavam o joven príncipe regente, e em contacto continuo com este podiam incitar e incitaram sen temperamento impe- tuoso e impulsivo. Após breve hesitado, o representante de el-rei trabalhou contra o próprio pai; quem devia garantir obe- diência e fidelidade á metrópole, encabeçou o levante contra cila; a autoridade foi derrocada pelos órgãos da autoridade. Não seria a ultima vez na historia da dynastia.

Desde quo tinha a diri^nl-a o príncipe regente, aftuitados os elementos que podiam alTrontal-a, a idéa de independência lavrou subitanea no Brazil inteiro. Na Bahia, as tropas da nie tropole resiâtiram com vantagem por algum tempo aos filhos da

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terra, redozidas a S6U8 únicos recursos. Soccorros mandados do Rio realentaram os espíritos dos patriotas; a esquadra começou o bloquoio do porto da capital; a 2 do julho de 23, desanimados e derrotados, partiram para além-mar os últimos defensores do poderio lusitano. A resistoncia na Bahia teve ainda o resultado do benefício de levar a esquadra 4s alongadas regiões do NE, evi- tando assim que, em nossa historia, houvesse separação, como succedeu geralmente na America hespanhola, ou que ficasse ainda na grande colónia livre alguma pequena dependência da metrópole, como succedeu á solitária Cuba até nossos dias.

Na Bahia, Luiz Alves avistou-se com guerra pela primeira voz. Seus assentamentos mencionaram feitos de 28 de março, 3 de maio e 3 de junho do 23. AUi conquistou um dos titules que mais prezava, o do veterano da independência. A 22 de ja- neiro do anno seguinte teve a patente de capitão.

Ao movimento de independência contra Portugal adheriram também as terras da banda oriental do Prata, incorporada ao Brazil pela força das armas, polo cansaço dos motins e guer- rilhas, pelas combinações diplomáticas e pelas afflnidades geo- graphicas. Em comoço de 25 parecia resolvido de vez o litigio secular, levantado pela fundação da colónia do Sacramento, e sempre pendente e irritante, apezfir de tantas campanhas e tantos tratados ; quem attendesso ás manifestações offlcíaes juraria a indissolubilidade da união entre brazileiros e orientaes.

Como illudiam taes apparoncias vorlflcou-se desde abril do mesmo anno. Trinta e três patriotas, entre estes João António de LAvalleja, desembarcaram no porto das Yaccas, junto á Co- lónia, internaram-se, angariaram adeptos, o em setembro e outubro ganhavam as batalhas do Rincon de las Oallinas o Sarandy sobre as tropas imperiaes. Ao apoio quasi unanimo da população aggregaram-so auxilies e soccorros vindos do outro lado do rio, primeiro claniestlna, mais tarde publicamente, depois do imperid declarar guerra &s províncias platinas. O bloqueio de Buenos Aires, fructo desta declaração, teve em re- sposta a oreação de luna esquadra de pequenos vasos que zombou da nossa alterosa Armada, e dezenas de corsários que feriam a golpes redobrados e terríveis nosso commercio marítimo, des- respeitando nossos mares.

o DUQUE DE CAXIAS 77

O theatpo da guerra passou do Uruguay para o Rio Grande do Sul, e as operações bollicas poderiam protrahir-se iadofinida- menie, se a iatervenção ingloza, om 1828, não trouxesse coin a paz a creação da Repablica Oriental^ iadependoiite ao mesmo tempo do BrazlL e da Confederação Argentina.

Luiz Alves tomou parte nesta campanha do sul, ao qual de- via depois tornar mais de uma vez, sempro com mais glorioso renome o p/estando novos serviços à pátria. De voltou m ijor.

Como major, chegado a esta capital, commandou-o batalhão do imperador, e assistiu bem de pert j aos successos da abdi- cação de D. Peiro I. Embora seu pae fosse um dos chefes mas infensos ao fundador do império, ollo conservou-se ao lado do soberano até o ultimo momento. Compre hendeu quanto havia do artidcial na aceitação, e suggeriu meios de jugulal-a ; mais D. Pedro sentia-so contrafeito entre seus súbditos, quo lhe não perdoavam o peccado original de estrangeiro, nem acreditavam mais na sinceridade do seu constitucionalismo; via-se alheio, se- gregado do povo, tão outro das multidões enthusiasticas do 22. Ao mesmo tempo occorriam em Europa successos que lho pro- mettiam nova e mais brilhante carreira no velho mundo. Pre- feriu partir quando lhe seria facil ficar, e talvez fosse melhor, tanto para elle como para o paiz.

Com a partida de D. Pedro, desencadearam-se as forças re- volucionarias desde o Amazonas ao Prata. Um dos logares mais ílagellados,. si não pela amplitude, certamente pela frequência das convulsões, foi essa multo heróica e leal cidade. E ninguém mais fez para arrancal-a ao cahos elementar do que Luiz Alves de Lima, commandante da policia militar durante longos annos.

Esta commissão espinhosa, desempenhada brilhintomente, deixou vestígios bem profundos em seu espirito. Ahi aprendeu como ódiíHcil governar, como qualquer pronunciamento, que se parece resolver uma rliíflculdade momentinoa, na realidade ac- cresccnta aos antij^os novos problemas mais árduos. Sobretudo aprendeu a iientificar-se com seus subordinados, a não querer para si glorias o triumphos de que a parte maior não lhes cou- be^ise.

Teve de abondonar algum tenrpo este posto para, tenente-

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coronel, acompanhar om 39 o ministro da gaerra ao Rio Grande do Sul.

Reben.tara um movimento revolucionário em Porto Alegre a 20 de setembro de 35. O presidanto, homem de incontestável coragem, não achou quem o ajudasse a resistir nem allí, nem na cidade do Rio Grande, ond s reconhecendo isto, embarcou sem demora para a corto.

Os revoltosos tomaram conta da capital ; a força publioa passou para sen lado ; oi recursos do Governo cahiram om suas mãos ; a maior parte da província tacita oa explicitamente ad- heriu. Um novo presidente, mandado logo, chamou a ai parte dos levantados, reoccupou a cidade de Porto Alegre que nunca mais sahiu da legalidade, e o combate de Fanfa (4 de outubro de 36) pareceu terminar a revolta, pois nelle foram vencidos e presos alguns dos cabecilhas mais influentes.

Desde o principio os legalistas da província disseram que os sediciosos tinham om vista separar-se da commuuhão brazileirae proclamara republica. Negou- o Bento Gonçalves uma e muitas vezes por documentos solemnes em que acclamou a constituição e o joven imperador. E parece que era realmente sincero, pois s6 depois delle preso em Fanfa, seus amigos e companheiros pro- clamaram a republica em Paratini a 6 de novembro.

E* duvidoso se isto lhes deu novos olemontos de vitalidade e resistência. Mas Bento Manoel, o vencedor d) Fanftt, não achando asou gosto o novo presidente mandado para substituir seu parente José de Araújo Ribeiro, mais tarde visconde do Rio Grande« prendeu oprosidento; Ciçapava, evacuada pelas forças legaes, foi tomada com os abundantes matérias bellicos que possuía, cahin em poder da Republica a cidade do Rio Pardo, chave da campanha, e a nova forma de governo, ou governizo, como então se dizia, consolidou-se por muito tempo.

Bento Gonçalves, na ausência eleito presidente da republica^ ÍUgiu das prisões da Bahia e novamente poz-se ú, frente de seus partidários. Em manifesto de de sdtembro de 35 declarara por único objecto « sustentar o throno do joven monarcha o a inte- gridade do iraperiu >. Agora, a 29 de agosto de 3S, exprimia-se de outro modo : «Desligado o povo rio-grandense da communhão brazileira, reassume todos os direitos de primitiva liberdade, usa

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desses direitos imprescindíveis, constitaindo-fle republica inde- pendente, toma na extensa escala dos Estados soberanos o logar que lhe compete pela safflcienoia de seus recursos, ciyiU- saçao e naturaes riquezas, que lhe asseguram o exeroicio pleno e inteiro de sua independência, eminente soberania e dominio« sem si:^jeiQão ou saoriâcio da mais pequena parte dessa mesma independência ou soberania a outra nação, governo, ou potencia estranha qualquer. Igual aos Estados soberanos seus irmãos, o povo rio-grandense não reconhece outro juiz sobre a terra, além do auctor da natureza, nom outras leis, alóm daquellas que constituem o código das nações.»

O ministro da guerra, a quem Luiz Alvos acompanhoui pa- rece não ter achado particularmente grave a situação, pois, che- gando na província em fins de março, em fins de maio se re- tirava para esta capital. E* de suppor que esta visão rápida não fosse perdida para o joven sisudo tenente*coronel e desde pensasse nos meios de desatar ou cortar o nó, se algum dia lhe coubesse tal iocumbencia. Hypothese aUás pouoo provável então, pois ningem pensava que o governioho durasse ainda muito tempo.

Neste mesmo anno elevado a coronel, Luiz Alves foi enr carregado de pacificar a provinda do Maranhão, no caracter do presidente e commandante das armas.

A 13 de dezembro de 38,na villa da Manga de Igara, o va- queiro Ray mundo Qomes, vulgo Cara preta^ figura insignifi- cante, quasi negro, a que chamamos fula, baixoi grosso, pernas arqueadas, tosta larga e achatada, olhar timido, humilde », que tinha a habilidade de fazer pólvora, arrombou a cadeia da villa e soltou os presos. A 2 de janeiro de 39, no Breôo, Manoel Frao- cisco dos Anjos B'erreira, vulgo Balaio^ eoliocansa á. frente de re- bellados e começa a semear destruições e mortes. Um preto Cosme, que se assigna <D. Cosme, tutor e imperador das liber- dades bemtevis », chega a alliciar três mil escravos. Taes as cabeças mais salientes desta conclusão conhecida por Baiaia<ki, de nome de um dos seus chefes.

D. Cosme, intitulando-se « tutor e imperador das liberdades bemtevis », como negro pernóstico fugfdo das cadeias da capital, insinuava-se representante do partido que tinha por orgam na

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impransa o periódico Bemievi. Mas a desordem teve alguma cousa de politica no Piauhy, onde encarnou sérios esforços para sacudir o jugo de ferro do barão da Parnabyba. No Maranhão foi obra social ou, se a palavra parecer muita ambiciosa, eth- nographica. Bra um protesto contra o recrutamento bárbaro, começado desde a guerra da Gisplatina em ^5, contra as prisões arbitrarias, contra os ricos prepotentes, contra todas as vio- lências que cabiam, sobre os pobres desamparados negros, indios, brancos miseráveis. Duas ftlhas de Balaio tinham sido defloradas por um official da força publica, e dahi sua avidez de vingança, a sanha de desaggravo. O Cara preta levantou-se para libertar am irmão preso

Gente desta não se inspira em politica, porque sua acção ó contra a politica. Podem os Balaios pedir que se aeabe com as prefeituras, qne se respeite a Constituição, quo se expulsem portuguezes, tudo isto não passa de oitivas mal decoradas. Sua verdadeira inspiração é matar, destruir, queimar e dei- xar-se matar como tinha sido na Gabanagem do Pará o entre os Cabanos de Pernambuco, como ia succedendo com os Quebra- kilos da Paraliyba e ainda não ha muito veriflcou-se nos santos de Canudos.

Entretanto, essa massa cahotica por duas vezes tomou Caxias, cidade opulenta e populosa situada a meio caminho dos que viajam do Maranhão a Bahia, e eram muitos ntquella ópoca, pios a navegação a vela não offereoia segurança na costa de N. E., graças ao regimen dominante de ventos; esta massa caho- tica invadiu duas provindas, intimidou a tal ponto a cidade de S. Luiz que o presidente mandou encravaras peças de arti- lharia para não cahirem em seu poder.

« Meu il lastre antecessor, escreveu mais tarde Luiz Alves de Lima, entregando-me a presidência desta provinda, asse- gurou-me que seis rebeldes naquella época a devastavam, nu- mero sempre crescente, e nunca maior antes daquella data, por que se alguns se entregavam ou eram capturados, outros em maior copia se levantavam e os substituíam; e isto mesmo se deduz de sua correspodencia official, qúe na secretaria deste go- verno se acha. Mostrou-me depois a minha própria experiência que bem longe estava de ver exaggerado este computo, como a

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'|>rincipio jalgnei, a poDto de acreditar que ozisUam três a qaatro mil. Se calcalarmos em mil os seus mortos pela guerra, fome e peste, sendo o Dumero dos capturados e aprisionados, durtfite o meu governo, passante de quatro mil e para mais da três mil os que reduzidos i. tome e cercados foram obrigados a :depor as armas dep}is da publicação do decraio de amnistia, 'temos pelo menos oito mil rebeldes; se atestes addicionarmos três mil negros aquilombados sob a direcção do infame Cosme, os quaes de rapina viciam, assolando e despovoando as fozendas, temos onze mil bandidos, que com as nossas tropas' lactaram fidos quaes houvemos completa victoria. Eite oalculo ô pára -menos e não para mais: toda esta provinda o sabe.»

Partindo do Rio a S2 de dezembro de 39, a 5 de fevereiro 4o anno seguinte poude Luiz Alves cbegar a sôu destino, por causa do contratempos do diversa ordem que o detlTeram. A 7 tomou posse e começou logo a reparar os numerosos abusos que encontrou, dispoz as forças em trás columnas priocipaes, de que deviam separar-se columnsus volantes para atacar os diverâòB pontos onde os Balaios apparecessem. A 7 de março sahiu pela primeira voz da capital, indo por Icatú até Vargem Grande. Mais outras viagons fez sempre que lhe pareceu necessario« ora a um, ora a outro ponto, como em Itapicurúmirim onde reprimia, severamente* parte da força publica levantada, por atrazo em pagamento de soldados*

A mais longa de suas excursões foi a Caxias, a antiga prin» oeza de Itapicurú, duas vezes violada, que o recebeu como um salvador.

Graças á mobilidade das forças avulsas, ã habilidade com que harmonisou seus movimentos, ã providencia com que im'« pediu a paisagem dos Balaios porá o Para e Goyaz, foi por toda a parte victorioso e em pouco tempo foram apparecendo os li** neamentos da nova ordem. A deserção, o desanimo se estabe*- leceu entre 00 combatentes do desespero ; a amnistia facilitoúD desfecho. A 29 de janeiro de 41, Luiz Alves proclamou a pro- víncia pacificada.

No meio destas labutações não se esqueceu que além de chefe militar era também chefe civil. Reuniu a Assembléa e com ella coUaborou, começou edificios, mandou explorar rios. 4323 6 Tomo lxix. p. ii.

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A 13 de maio entregou o poder ao sea succes^or, oom um: relatório em que so lô:

« Posto seja a guerra uma calamidade publica, e ainda mais a; guerra civil, também é âs vezes um meio de civilisac&o para o ftituro, e a par de seus males preisentes alguns germens de beneficio deixa. Pela rapidez dos movimentos e continuas marchas communicam-se os homens, eslreitam-se as relações e 08 animes inertes se vigoram. Algumas pontes se levantaram no theatro das operações militares ; citarei por exemplo a de Paulica, de mais de cem pés de comprimento, feita toda pelos soldados da 2^ columna, sem nada despender a fazenda publica* As villas se entrincheiraram e a faxina limpou as mattas de ve- getação ociosa que as invadia e sobre ella accumulava os va- pores contrários á saúde; activaram-se os correios, augmentou- se a necessidade de correspondência, e esta repartição rende hoje mais que em outros tempos.»

Diz ainda melancolicamente: c Não me ufano de haver mu- dado os corações e sufEòcado antigos ódios de partido, ou antes de famílias, que por algum tempo so acalmam e como a peste se desenvolvem por motivos que não prevemos ou que não nos 6 dado dissipar.»

Entretanto, occorreu nesta capital um sucoesso das mais graves consequências. O rdgento, eleito por um quatriennio, devia governar até 42 ; o herdeiro da corda, pela Gonstitui^o, podia subir ao throno aos dezoito annos, Isto é, em 43. Isto pareceu muito tempo ao partido inimigo do regente e come- çou a agitar a idéa de reconhecer-se a maioridade do imperador antes do prazo legal. Neste sentido foi apresentado um projecto ao parlamento, que o rejeitou ; mas os maioristas souberam captar o assentimento do joven monarcha, e adiadas as Cama- rás, quando o lanoe parecia irremediavelmente perdido, decho- flre, como por magica, tudo sahiu á medida dos desejos dos con- spiradores. A 23 de julho de 40, D. Pedro II começou areinar,

O ministério organizado, como é natural, de maioristas, entre os quaes avultavam os dous irmãos Aniradas, figuras lendárias da independência e do primeiro império, tinha a esperança e julgava-se capaz de serenar os animes, sempre agitados no Rio Grande do Sul.

o DUQUE DE CAXIAS 83

Enganara-se o ministro da guerra em 39, S3 pensou com sua apparição fugaz tor modificado vantajosamente a situa- ção.

Km julho, oom a tomada de Laguna, a republica rio-gran- dense conquistava afinal um porto de mar, que ató então não conseguira, graças á esquadra legal; proclamada a republica ca- tharinense, encontrava outro sócio de aventuras ; uma marinha apparelhada ás pressas por José Garibaldi, desfraldou seu pavi- lhão no oceano. No interior, Porto Alegre continuava cercada. Em diversos recontros, como em Forquilha e Taquary, os legalistas levaram a melhor ; nem por isso a posição do gover- nixo se tornara precária, o o facto de tanto tempo haver resiS' tido ao império, dava-lhe força, e uma confiança extraordinária no futuro. em Santa Catharina a legalidade restabeleceu- sq facilmente de uma vez, a republica extinguiu-ae mais de- pressa ainda do que nascera.

O ministério maiorista mandou ao Rio Grande do Sul um emissário, o benemérito paulista Francisco Alvares Machado, incumbido de encarecer a maioridade, os novos homens que se achavam á frente da governança e pregara boa nova da con- ciliação e da paz. Pondo-se em correspondência e depois em contacto directo com os inimigos do império, Alvares Machado convenoeu-se de qne passara a óra da intransigência, e voltou com um ramo de oliveira. Para levar a termo sua missão pa- cificadora, foi nomeado presidente da província, ao mesmo tempo que o general João Paulo dos Santos Barreto seguia para commandar em chefe o exercito logal.

Tomaram ambos posse em novembro de 40. Logo as felici- dades começaram a sumir-se, os equivocas se desfizeram, as promessas ficaram burladas.

Bento Gonçalves desejou sinceramente voltar & communhão, mas, como tantas vezes so observa, o chefe era obede- cido porque obedecia &s vontades dos que se diziam seus sub- ordinados. Por detrás do velho militar agitava-se um ele- mento novo e insoffddo, que queria a republica ainda antes de Fanfa, e este elemonto triumphou. a 7 de dezembro Alvai*es Machado declarava rotas as negociações e prepara va-se para luctar. João Paulo pisou o território occupado pelos re*

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baldes, mostrando quo podia fazel-o sem ser anniquilado im- mediatamente como òUos blasonavam.

A esta primeira decepção do ministério maiorista, jan- tou-se logo outra ainda mais mortificante, a de ser desp3- dido depois de apenas oito mez js do exercido o ver chamado ao poder o partido contra o qiial montara o golpe de Es- tado. Foi este o verdadeiro motivo das sedições quenoanno seguinte rébentiram em S. Paulo e Minas Oeraes e foram encommendadas para Pernambuco e Ceará.

De esmàgal-a €m S. Paulo foi imcumbido o barSo de Caxias que, desembarcando em Santas, transpoz a serra de Onbat&o, dirigiu-se a Sorocaba e alii de um golpe re- stabeleceu a ordem. Mais devagar andou em Minas Oeraes, onde o incêndio tivera tempo para se propagar ; mas ahi a batalha de Santa Luzia mostrou breve que passara o tempo das revoluções fáceis o quo, se a regência fora a tempes- tade, o império podia e queria sor a bonança.

Estas duas campanhas tão rapidamonte ganhas legiti- maram a promoção do barão do Caxias a marechal de campo, e indicaram seu nomo como o do homem capaz de chamar novamente os rio-grandonscs ao seio da pátria grando pela qual tantas vezes derramaram seu sangue desde a ópoca co- lonial.

A situação era em summa a mesma que deixara Alvares Machado. As tropas mandadas pelo interior sob o commando do eneaiporado Labatut, general de Napoleão, não deram o quo se esperava. Os combatos tanto tinham do numerosos como de pouco decisivos. S3 a gente da legalidade não des- animava, 06 defensores do governicho não so sentiam exhaustos ; aquelles não podiam ser desapossados do litoral, estes conti- nuavam a dominar na campanha.

Caxias tomou posse da presidência e do commando do exer- cito a 9 de novembro do 42. A 11 do janeiro do anno se- guinto, atravessa o rio S. Gonçalo sob os olhos de Netto, que não o poude impedir. Bonto Manoel, o vencedor de Fanfa, volta ao serviço e em Ponche Verde mostra que a victoria continuava £(Ua fiel companheira. A discórdia se introduz entre ot fundadores da republica. A fh>nteira occupada tira ao

o DUQUE DE CAXIAS 85

ioimigo os recuraos dequo so alimentava; encerrado dentro, do próprio território é por ílm obrigado a bator-so. O com« bate de Porongo, em novembro de 44, produz o desejado effeito sedativo. Começam a sorio as negociações. Al de março de 45, Caxias proclamava pacidcada a província do Rio Orande do Sul.

Abrindo a assembléa provincial, assim apreciava o que tinha feito:

4 Em 9 de novembro de 1842 tomei posse da presidência desta provinda e do commando em chefe do exercito eqd oi>e- rações, para que tinha sido nomeado por carta imperial de 28 de setembro daquelie anuo. A revolução que nesta pro- víncia fizera sua explosão em SO de setembro de 1825, por motivos que a historia um dia relatará, adquirira na suajá t&o longa duração novos incrementos, redobrava suas espe- otativas e refazia suas forças, sem que nada annanciasse o fim de sua torrente, apezar do muito que para isso se fazia.

«Assim achei a província como bem o sabeis.

«No campo era o pleito, e o exercito imperial me cba* mava á sua frente para abrirmos a campanha.

« Depois de dar todas as providencias para que minha au- sência da capital da provincía não transtornasse a marcha dos públicos negócios, sahi no dia 25 de janeiro de 1843 para o exercito, e de^e logo encetei as operações, não como o único meio de chamar os dissidentes ã ordem, mas como um meio auxiliar da politica de conciliação que empregava e que sempre empreguei em iguaes casos para poupar sangue de irmãos; porquanto repetidos exemplos nos têm mostrado que nascendo a divergência e a desordem das idéas e das padxões do tempo, o tempo as gasta, e a palavra e a per- suasão que as propagam também por sua vez as destroem, e por fim reunem-se os homens em uma mesma crença, ab- jurando sons passados preconceitos, filhos do tompo e da íklta de experiência, e muito mais ainda quando os ligam os santos laços da con fraternidade.

«Com este pensamento fiz a guerra, que durou ainda dous annos da minha presidência ; o com este pensamento desen* volvido e posto em acção sem jamais ser desmentido, está

86 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

em paz esta parte do império ; e em tão boa e conaolidada paz, qae após nove aimos e meio de uma gaerra qae apenas terminou em 28 da fevereiro de 1845, francamente se pôde atravessar toda esta vasta campanha, sem se encontrar um homem armado que ainda dispute sobro exaggeradas idéas, que o tempo consumiu.

Todas as autoridades civis estão restabelecidas no exer- cício de suas fancçdos constitucionaes ; a paz reanima todos os ramos da publica felicidade ; e o espirito novo, nascido do seio da desordem, enriquecido oom a dolorosa experiência do passado, apregoa as vantagens da monarchia constitu- cional representativa.

«Esta tão extraordinária metamorphose é devida cm parte ao caracter fhinco e leal da maioria do povo rio-gran- dense, caracter qno sampre conservaram os legalistas e os dis- sidentes. No campo os conheci ; gente brava, digna de íàzer parte da união brasileira ! Alóm de que são todos os bra- sileiros humanos, sinceros, enthusiastas e aferrados ao seu paiz, ílBbods em perdoar, em esquecer e em conformar-se com as occurrencias do tempo.»

Os serviços íbitos na pacificação do Rio Grande tiveram como galardão ser elevado a conde de Caxias o promovido a marechal de campo effectivo. A província elegeu-o na lista tríplice para senador, e desde 46 ató a morte representon-a no Senado.

Em junho de 51 o conde de Caxias foi nomeado novamente presidente e commandante do exercito do Rio Grande do Sol. Não se tratava agora de lucta civil, mas de garantir a indepen- dência do Urngaay, ameaçada por Manoel Oribe, instrumento de Rosas, o dictador e tyranno argentino. Tomando posse de seus cargos em Porto Alegre a 30 do mesmo mez, começou os preparativos pnra invadir a fh)ntoira« Ponde transpol-a a 4 de setembro. No quartel general de Gunbapem assim deAniu a seus soldados a missão que iam cumprir :

« Não tendes no Estado Oriental outros inimigos senão os soldados do general D. Manoel Oribe, e esses mesmos em* quanto illudidos empunharem armas contra os interesses de

o DUQUE DB CAXIAS 87

É aaa pátria ; desarmados ou yencido6, sao americaaos» são

nossos irmãos e como taes os deveis tratar. A verdadeira bra-

Iji Yura do soldado é nobre, generosa e respeitadora dos principies

B de liumanidade. A propriedade de quem quer que soja; na-

^ cíonal, estrangeiro, amigo ou inimigo, ó Inviolável o sagrada;

e devo ser tao religiosamente respeitada pelo soldado do ezer- iu cito imperial como a sua própria honra. O que por desgraça

li a violar, será considerado indigno de pertencer ás Aleiras do

^ exercito, assassino da honra e reputarão nacional e como tal se-

^ vera e inexoravelmente punido. >

Continuou a marcha para Montevideo; lâuo foi, porém, pre- ciso que entrasse em acção, porque as forças de Oribe foram se rendendo a Justo Urqniza, governador de Entre Rios, creatura do Rosas, agora revoltada contra o creador.

A esta rápida companha na banda oriental do Prata, se- guiu-so a guerra contra Rosas, que, desde anno? , cobria de sangue e ruinas as terras argentinas, de que se constituirá tyranno, defendendo-as contra os cimmundos e asquerosos unitários». Justo Urquiza, declarado douco, traidor o selvagrai unitário >, em lei promulgada pela cHonrada Sala de Represen- tantes », conhecia bem a fragilidade do colosso, nas apparencias inabalável, e mais prestigioso e íorte ainda depois de ter bar* lado a intervenção armada de França e de Inglaterra.

Baiston a passagem de Toneleros, realisada por nossa, es- quadra, e a batalha de Monte-Caseros (3de fevereiro de 52), onde combateu uma divisão brasileira mandada por Marques de Souza, íhturo conde de Porto Alegre, para apeal-o. Rosas fugiu para bordo do vapor inglez Centaur, acolheu-se ã hospitaleira loglaterra e ahi, annos mais tarde, terminou plaoidamente sua negregada existência. Hoje procuram rehabilital-o.

Tão rápidas andaram as duas campanhas libertadoras que a 4 de junho de 52 o conde de Caxias entregava em Jaguarão o commando interino do exercito ao barão de Porto Alegre. Neste mesmo anno foi elevado a marquez de Caxias e a tenente general.

A nova situação resultante da derrota de Oribe e Rosas liquidou-se sem difficuldades particulares na Confederação Ar- gentina ; o mesmo se não deu no Uruguay, terreno apropriado &

88 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

caudilhagom e guerrilhas' por sua situação entre dous paize^, donde lha Têm incitamentos incessantes para^ novas perturba^ (0OS. para onde se recolhem os guerrilheiros quando se vêm mal amparados em sua desditosa pátria.

O oombate de Quinteros (28 de jan^ro de 58) assegurou por algum tempo o predomínio dos Blanoos, pois todos os chefeà colorados feitos prisioneiros foram summariameote degollados ; mas o general Flores, que emigrara para a Argentina e parecia esquecido de suas antigas ambiç5es, renovou a façanha dos Trinta e três, desembarcando com poucos paittldarios no Rincon de Ics Galllnas a 14 de abril 4e d3«

A- revolu^o rebentou violenta. OLgoverno oriental denan- oiou.ao.do Brasil a parte ostensiva tomada por brasileiros na empreza do Flores. Novas queixas, recriminações de parte a parte^ o avivamento de antigias íbridas levaram a umasituaçSo tensa que terminou pelo ulHmatum Saraiva, a alliança do Brazil com Piores, o bombardeamento de Paysandú, a queima acintosa em Montevidóo de todos os tratados o convenções assi* gnados entre o Brazil e a Banda Oriental, a victoria de Flores e a entrega de Montevideo.

Foi o prolo;>o. do drama sanguinolento que. ia começar; Francisco Solano Lopez, dictador do Paraguay, interveiu.a favor da Republica Orienti^U e vendo desprosada sua interveun ção, apossou-se do vapor Marquex de Olinda que ia para Guyabá., invadiu o sul de Matto Grosso, penetrou pelo território ar^ gontino de Entre Rios e Corrientes e atravessando o Uruguay apossou-se da parte do Rio Qrande do SuL

Foi declarada a guerra, em que o Brazil, a Argentiúa o o Uruguay . entraram alliados. A batalha naval do Riachuelo, o combate de Yatahy e a tomada do Uruguayana prenunciaram campanha rápida, cheia do encontros decisivos. Puro engano: o tratado da tríplice alliança ó de 1 de maio de 65, a morte de Lopez o o ftm da guerra occorreram em março de 70*

Desde o começo foi lembrado o nome do marquez de Caxias para o commaado em chefe das forças braziieiras. Gonside^* rações politicas da parte d<)s governantes, melindres pessoaes da parte do velho general arredaram esta solução. Foi preci- so o desastre de Curupaity para impol-a.

o DUQUE DE CAXIAS 89

O marquez se apresentou em Tuyuti em novembro de 1866, e desde lo^o foi fazendo o que lhe permitiiam sua situação de subordinado ao commaodo em chefe do general Mitre (fruoto do tratado da tríplice alliança), o cholera que devastara o exer- cito, a natureza traiçoeira do terreno inhospito, o mais flel e seguro alliado do dictador sanhudo. Quando o general Mitre chamado à pátria pela morte do vice-presidente, deixou^o commandante geral do exercito alliado, poude cootinuar a obra com maior vigor. De sju commando doa Permanentes na mo«- cidade ílcara-lhe a convicção quo maia vale organanizar victo* rias do que ganhal-as, e é preferível ser Carnot a ser Bona- pirte. Mas sabia também ganhal-as: Itororó, Lomas Yalentinas bastariam para proval-o, se restasse alguma duvida possí- vel,

A S4 de dezembro de 68 os commandaotes do exercito alli- ado escreviam a Lopez: O sangue derramado na ponte de Itororó e no arroio Avahy devia ter persuadido V. Bx. a potqpar as vidas dos seus soldados no dia 21 do corrente, nSo os for^ çando a uma resistência inútil. Sobre a cabeça de V. Bx. deve cahir todo esse sangue, assim como o que tiver de correr ainda, se y. Ex. julgar que o seu capricho deve ser superior á salvação do que resta do povo da Republica do Paraguay. Se a obsti- na^ cega e inexplicável for considerada por V. Ex. prefe- rível a mllharee de vidas que ainda se podem poupar, os abaixo assignados responsablllsam a pessoa de V. £x. perante a Republica do Paraguay e o mundo civilisado pelo sangue que vai correr a jorro e pelas desgraças que vão augmentar as que pesam sobre este palz. >

E o dictador respondia-lhes : < VV.BBz. julgam dever re- oordar-me que o sangue derramado em Itororó e Avahy deveria ter»me determinado a evitar o que correu no dia 21 do cor- rente. VV. EBx. esqueceram sem duvida que estes mesmos actos podiam de antomão provar quão certo é o que acabo de ponderar sobre a abnegação de meus compatriotas, e que cada gotta de sangue que cae em terra é uma nova obrigação cootrahida pelos que vivem ... VV. ÊEx. não tém o direito de accusar-me perante a republica do Paraguay, porque de- fendi*a, defendc-a e continuarei a defendel-a. Ella me impõe

REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

este dever e eu me orgulho de leval-o até á ultima extremidade, e do mais, legando á historia meus actos, a meu Deus devo coutas.»

Depois desta tentativa frustrada, rondida Augustnra, occupada a capital do Paraguay, o marques de Caxias deu sua missSo por terminada. Continuar a guerra era oolla- borar com Lopez para o anniquilamento da nação. Prendel-o era tarefo somenos, de capitão do matto, para quem tinha atrás de si o seu passado altivo. A rato velho gato novo, dtz a sabedoria popular e que seria difiicil achar um, e de facto se achoa.

A 14 do janeiro de 69 Caxias mandou seguir uma expedido para Matto Grosso, a 19 tomou o vapor ; a 24 chegou a Monte* vidéo. No dia 9 de fevereiro escreveu a ordem do dia de des- pedida, a 15 chegou a esta capital. Foi nomeado duque de Caxias pelos relevantes serviços prestados na guerra do Para- guay. Jd era marechal do exercito eiffectivo.

Eleito e escolhido senador pelo Rio Grande do Sul, Caxias alistouse no partido de Vasooncellos, Paraná e Eusébio. Con- vidado para entrar em mais de um gabinete, recusou sempre, até Paraná consegair fazel-o ministra da guerra a 6 de Junho de 55.

Foi um decennio memorável o de 50. O imperador contava vinte e cinco annos e a nação sontia-se igualmente moça. Ter. minara o período revolucionário, guerras estrangeiras felizos varreram a atmosphera, a extinção do trafico tolhia novos insultos da soberania nacional, encurtava a distancia do velho mundo com a navegação a vapor do Atlântico. Mauã canali- sava mllhOes esterlinos, silvavam as primeiras locomotivas, as lettras rasgavam os clássicos andrajos coloniacs, fallava-se em opera nacional, em theatro nacional, João Caetano figurava de novo Moysés, três poemas épicos andavam om elaboração, havia quem escrevesse tragedias, na commissão scientlfica do Norte não se admittiu um estrangeiro, porque brailleiros

o DUQUE DE CAXIAS 91

bastavam e haviam de fazer melhor obra qae os pobres Mar- tías e Saint-Hilalre, o Instituto Histórico fitava sem acanha- mento o Instituto de França, afinal delia-se a macula original da nossa gente, a capagada e vil tristeza», de que se quei- xava o épico lusitano e Paraná, o político realista e pratico, se empenhava em conciliar os partidos políticos.

Paraná pensava em conciliação de partidos o parecia dese- jal-a realmente. Caxias ajudou-o por sua parte, fazendo na pasta da guerra todo o bem que poudea seus camaradas, reformando as partes carunchosas do exercito, procurando tornal-o real- mente cfflcaz. Depois da morte do poderoso marquez, assumiu a presidência do conselho e presidiu ás novas eleições, em que pela primeira voz foi executada a lei dos circules, essa lei de que esperava maravilhas a ingenuidade nunca escarmentada de nossos estadistas de boa fé.

Pela segunda vez organisou gabinete com Paranhos em março de 61 e esteve á frente dos negocies ató abrirem-se as Gamaras, em maio do anno seguinte. Na realidade era tão pouco politico que, ao começar a guerra, interrogado por um ministro liberal se queria partir para o Rio Grande do Sul, declarou estar prompto a seguir sem demora, se fosse nomeado ao mesmo tempo presidente da provinda, porque com este titulo teria competência para mover a guarda nacional, sem a qual nada poderia.

Encarregado do commando do exercito, esqueoeu-se* inteira- mente da politica, mas seu exemplo não foi seguido, nem por amigos, nem por inimigos. Principalmente a partir de 68« quando com aquôda inesperada do partido liberal rebentou uma intemperança de linguagem, um fogo de paixão que se propagou até á Sibéria senatorial, não lhe pouparam golpes ; contrista ler o discurso em que se defende das misérias que lhe assacaram.

Antes annos de dura guerra do que mezes de gabinete,— dizia amargamente, resumindo experiências dolorosas. Nem mesmo a vaidade poderia leval-o a voltar de novo a governar, pois a nada mais podia aspirar depois da morte da duqueza, D. Anua Luiza Carneiro Vianna. « Perdi o maior bem que neste mundo gozava, a minha virtuosa companheira de 41 annos, no dia 23 de março de 1874.»

92 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Eairetanto, em 1875, depois da quôda do gabinete que com o voto de Caxias iibertoa o ventre escravo, teve de organisar ministério por instancia do Imperador, anoioso para ver e ser Yisto nos Estados-Unidos, e que dizia não fazel-o oom sega- rança se não doixasse o Bstado nas mãos firmes do pacifloador de quatro províncias, do lidador da libertação de três nações vi« zinhas. Emquanto o Imperador andou por fora, montava guarda ao Throno. A* sua ohegada, pediu para ser rendido, pois suas enfermidades não lhe permittiam mais taes serviços.

O modo por que o soberano exigiu a retirada «do resto do ministério» foi a a£Qronta final. Desde então não fez mais que vegetar. Mas na agonia lenta, que terminou na (kzenda de Santa Mónica a 7 de maio de 1880, elle que assegurara ou ver* berara ser mais militar que poliiloo, quii provar que ao menos uma vez podia ser mais politico do que militar : rejeitou todas as honras e pompas ofllciaes, quiz ser enterrado como obscuro paisano.

Agosto 1003.

JTJIjI o S Js/rEÍZTL,X

NUMISMÁTICA BRAZILEIRA

DR. ALFREDO DE CARVALHO

Soeio correspondente do Instituto Histórico e Qeograpbico Brazileiro

96 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

mento demonstrada a utilidade do oommettimento do Sr. Meili, em face da pobreza quasi absoluta da nossa litteratura numis- mática. De faoto, não rcalizala a promessa feita, em 1880, por Teixeira do Aragão, do consagrar um quarto volume da sua excollente Descripção Geral e Histórica das Moedas de Portugal, ao numario brazileiro, apenas possuíamos ca lacunosos «apootamcntos e catalogo» que, sob o tilulo de Moeda do Brasil, João Xavier da Motta deu á luz nove annos depois. Quem procurava esclarecimentos mais minuciosos tinha que respigar trabalhosamente informações esparsas por grande numero de obras e catálogos, na apparencia alheios ao assumpto, cnjdk bibliographia methodica occupa as primeiras paginas do vo- lume citado.

Vem após uma relação das principaes Leis, Alvarós, Cartas Regias, Decretos, Provisoas, Portarias e Avisos, de 1604 a 1823, referentes ao meio circulante no Brazil-Golonia na qual está condensada toda a legislação sobre a matéria.

A* parte deseriptiva, profusamente entremeiada de notas históricas, serve de introdução um golpe de vista retrospe- ctivo sobre o numerário portuguez tendo curso no Brazil de 1500 a 1688« A leitura deste capitulo ó sammamonte instru* ctiva: nelle se nos mostra como, em um período de quasi dois séculos as suocessivas e frequentes reduoç5es de padrão foram enfraquecendo a moeda e elevando o valor do metal.

Passando a tratar do numario propríamente brazilotro, o autor nos ministra dados novos e curiosos sobra o primeiro dinheiro metaliico fabricado no Brazil : as famosas moedas obsi* dionaes cunhadas no Recife, pelos Hollandezes, em 1645-46 o 1654.

Em íins do mesmo século XVII, a exportaçSo do dinheiro de contado para a metrópole, por motivos perfeitamente expli- cados no sucoulento capitulo Rasão dos estabelecimentos de casas de Moeda no Brasil, attingiu proporções taes que a colónia ficou quasi inteiramente privada de numerário.

Deliberou então El-Rey D. Pedro H autorizar por Carta Regia de 8 de março de 1694, a cunhagem de cMoedas-Provin* ciaes>, que deviam circular somente no Brazil^ não podendo

Moeda obsidional de 1640

Ensaio monetário da primeira moeda brazileira

Poça de quatro mil réis de D. Pedro íí, cunhada em Pernambuoo

Escudo de ouro de D. João V

Moeda mineira

A NOMISMATICA NO BRA2IL 97

ser exportadas. Afim deooDflervar naoolonia o novo dinheiro, foi aqui prohibido, por Alvará de 10 de Dezembro de 1695, o ourso das moedas do reino e aos ourives qae trabalhassem, ou fundissem metaes preciosos amoedados.

Os valores estabelecidos para o novo numerário foram de nove espécies : três de ouro (4$000, 2$000. e 1$000) e seis de prata (640, 320, 170, 80, 40, e 20 réis).

As primeiras disbinguiam-so das do reino pola inscripçao Et Brastlce DomintM;— para as de prata foi adoptada a dl- yvÊ^ Subq, Sign. Nata <Sfto6. ^-ciga significação tem sido di- versamente interpretada.

A Casa da Moeda, primeiramente estabelecida na Bahia, alli funcoionoa por espaço de quatro annos ; transferidos entfto para o Rio de Janeiro o sen pessoal o material, trabalhou nesta cidade de 17 de março de 1600 a 13 de outubro de 1700 e mu- dada finalmente para Pernambuco, laborou no Recife até 5 de abril de 1702.

No decurso do século XVIII a produoçao fabulosa das Jaildas auriferas de Minas Geraes, S. Paulo, Goyaz e Cayabá levou & metrópole um caudal de riqueza inestimável.

Afim de amoedar o ouro proveniente do imposto de 20% {quinto)^ e que sob esta forma era de preferencia exportado para o reino, institoiram-se casas de moeda em diiferentes pontos das regiões mineiras, assim como no Rio de Janeiro e na Bahia. As espécies e variedades de moedas nellas fabri- cadas, até a Independência, sfio tão numerosas que se nos torna impossível mencional-as.

ToOas, porém, mereceram circumstanciada descrlpçao no trabalho do Sr. Meili e acham-se representadas, nos seus prin- cipaes typos, nas bellissimas estampas que o acompanham e completam.

L* sobretudo digna de nota a magnifica serie de eseudot de ouro, cunhados na Bahia, no Rio de Janeiro e em Villa-Rica, durante o reinado de D. João Y, com a effigie do monarcha ; as cinco espécies desta serie, pelo seu alto valor intrínseco e a sua perfeição artística, são das maia procuradas pelos collecciona* dores. O mesmo acontece com os enormes dobrões de cinco

4323 7 Tomo lxix p. ii

98 RBVlStA DO INSTITUTO HISTÓRICO

moedas, íábiicados em Villa*Rica de 1724-27, com perto de 54 grammas de peso e o valor nominal de 2Q$000.

Dentre o numerário cunhado no reinado de D. José I (1750-77), salleataremos iómente as denominadas moedas mi-- neiras, espeeialmente adaptadas ao commercio do oaro, a cujo preço em vinténs (32 uma oitava) correspondiam as suas de- signações de valor: 600, 300, 150 e 75 réis.

A historia das moedas do reinado de D. Maria I (1777-1805) abrange dois capítulos relativos aos dois períodos: o em 4ue governou com o consorte D. Pedro III (1777-86) e o segando (1786-1805) em que governou só.

Igual divisão soSreu naturalmente o governo de D. João VI, primeiro como Príncipe Regente (1805'18) e, por fim, como rei (1818-»).

Do primeiro destes reinados, o Sr. Meili descreve 278 moedas de ouro, prata e cobre, cunhadas no ou para o Brasil .

Não escapou ás suas pesquizas o avultado numero de ca- rimbos postos em moedas nacionaes e estrangeiras, durante o reinado de D. João VI, aflm de lhes modificar o valor.

Estas contramarcas são frequentes, principalmente nos pesos hespanhóes, que corriam pelo valor de 960 réis, e receberam o carimbo constante das armas do reino, entre dois ramos de louro, tendo por baixo 9ô0 e no reverso a esphera armiilar.

Das barras de ouro de kí, que tiveram larga ciroulaçio nos districtos auríferos, descreve o Sr. Meili diversos exem- plares provenientes das casas de fundição de Villa-Rica, Sabarã 8 Serro Frio. Estes fragmentos do precioso metal acbam-se completamente revestidos de marcas constantes das armas do reino, tendo por baixo o nome da localidade da oílicina fundi- dora, do nomero da barra, do anno da AmdlçSo, da palavra Toque e o respectivo algarismo, e dos algarismos do peto e si- gnaes particulares.

Comquanto reservasse para o terceiro volume o estudo da moeda fiduciária, o Sr. Meili consagrou neste um pequeno ca- pitulo ã fundação do primeiro Baneo do BratU^ estabelecido pelo Alvará de 12 de outubro de 1808, enumerando brevemente as notas por elle emittidas.

Moeda de ouro D. Maria I e D. Pedro III

^iíH^

Moeda de D. João VI

Moeda de cobre ^e D. João VI

Barras de ouro. Casa de F^undição de Saberá

A NUMISMÁTICA NO BRAZIL 99

Valiosa oontribaição para o estudo da nossa historia eco- nómica oonstitae o eapitalo intitulado Producção total das Catas de Moeda do Brazil, de 1703 a 1822.

Segando os dados pacientemente reunidos pelo Sr. Meili, p valor do numerário produzido durante aquelle período ele- Tou-se ás seguintes sommas:

Ouro 245.640:998$000

Prata 40.460:8Ô6$300

Colrre 5.000:000|000

Sm 1905, sahiu á luz o segundo volume d' O Meio Circulante no Brazil, comprehendendo As Moedas do Brazil Independente (1822-1900).

Gomo o primeiro, forma um álbum copiosamente illustrado com gravuras de 245 moedas do Império, 26 da Republica e 223 fichas emittidas por particulares ou sociedades.

E' talvez ainda mais completa do que aquelle, nâo faltando no texto e nas estampas uma das espécies cunhadas desde a Independência, a começar pela famosa moeda de ouro, de 1822, com a efflgie de D. Pedro I e que tanto desagradou ao monarcha, por não trazer o qualificativo de Imperador Consli-^ tudonal, até ás de nickel da emissão de 1901, logo tão abun- dantemente falsificadas.

A parte descriptiva é igualmente fertilissima em notioia3 históricas, económicas e financeiras, e dados sobre as alterações do padrãp e as oscillações do cambio,

De permeio a estes dois volumes appareceu, em 1903, o terceiro, relativo à Moeda Fiduciária no Brazil, 1771 até 1900, de formato um tanto maior.

Gomprehende o teito duas grandes secções— Emissões le^ gaes e Emissões illegaes^ subdivididas em vinte e seis capitules respectivamente occupados com a legislação e mais noticias relativas a toda a casta de papel moeda que tem circulado no nosso paiz desde 1771, quando, em virtude do regimento de 2 de agosto, começaram a correr em Minas-Geraes os famosos bilhetes de extracção dos diamantes, até os vales de troco de ouro actualmente emittidos pelas alfandegas.

100 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Combiaando a leitura destes capítulos oom o exame das estampas, que em numero de 192 representam 1637 espécies differentes, obtem-se um golpe de vista assas instructivo, não sobre a evolução dos nossos processos financeiros, como sobre os progressos das artes graphicas e do aperfeiçoamento esthe- tico.

A partir das notas do primitivo Banco do Brazil, desmesa- radaSt grosseiras, feias, faoil e frequentemente falsifloadas, chega-se através de um sem numero de emissões interme- diarias às cédulas do Thesouro Nacional boje circulantes, per- feitas, elegantes, commodas, mas, ainda igualmente, objecto de . fraude.

Ck>mpletam excellentemente esta primeira secção d* A Moda Fiduciária no Brazil, prestabilissimos quadros dos Bancos de emissão que tôm existido de 1806 a 1896, outros coafrontativos das emisiSes do Ooverno e dos Bancos com o cambio, de 1808 a 1900, attentas as modificações do padrão monetário occorridas em 1833 e 1848, e uma lista dos valores de papel-moeda legal- mente em circulação em fins de dezembro de 1900, na impor- tância de 699.631 :719$000, ou uma módia de 44$000 para cada habitante do paiz.

A segunda secção— i^mm^^i illegaes^ comprehendo os bi- lhetes de Estados, municipalidades, emprezas de omnibus, barcas e bondes, e de companhias e particulares, abrangendo o pro- digioso total de 1283 espécies.

Estas emissões abusivas, illegaes ou criminosas de títulos de credito (quer dizer de divida) ao portador, denominados apó- lices, cautelas, cupões, estampilhas, ficas, fichas, livranças, obrigações, recibos, sellos, vales, e alcunhados no Ceará de Borós, em Pernambuco de Caleareos, Sampaios e Baja Paus, no Maranhão de Debentures^ em Minas*Geraes de Barrosque$, não são tão modernas como em geral se presume. O Sr. Meili nos mostra que circulavam, de 1837 a 1859, em S. Paulo, Rio de Janeiro, Minas-Geraea, Pernambuco, Maranhão e Pará.

Em appendice menciona ainda o sábio e operoso numisma- tista specimens de annuncios, reclames, bilhetes de loterias, e de rifa, e fichas de jogo.

Moeda carimbada no Ceará

Primeira moeda de D* Pedro I, sem a palavra Const.

Primeira moeda de D. Pedro II

A NUMISMÁTICA NO BRA2IL 101

Como complemento indispensaTel a obras deste género sa- lientam-se as centenas de magoiâcas estampas, representando milhares de moedas e cédulas, que acompanham os três yo« lames publicados. Executadas com admirável perfeição pelo processo photo-oallographico, o mais flel que desejar se pôde, estas estampas constituem, por si, um verdadeiro curso de historia da nossa cultura.

Um quarto volume, consagrado ás medalhas e condeco* rações, e no prólo, completará em breve esta obra grandiosa e sem rival na litteratura das demais nações latino-amorlcanas.

Julho 1906.

o BRAZIL SOCIAL

DR. SILVIO ROMÉRO

Sócio eíTectivo do Instituto Histórico e Goographico Brazileiro

i

Sob o titulo «-O lirasil Social iniciou o illustre consócio Dr. Sylvio Roméro um estudo de que o pre^ento numero da Jíe- vista do Instituto publica os primeiros capítulos e dos quaes se pôde justamente avaliar a importância do trabalho.

(Nota da Cotnmissão de Redacção)

o BRAZIL SOCIAL

O PROBLEMA.

Porque continuo firme na snpposição de ser a critica uma parto da lógica que nutre intimas relações com a sociologia em todas as suas manifestações» persisto em afUrmar que o gonero de critica quo mais o Brazil ha mister » é o da critica social, de preferencia a individualmente psychologica. Esta, dizem certos phantasistas de agora, tem o privilegio de entrar na indole dos escriptores.., mas, a despeito de tantas penetrações, não tem feito a nação adiantar um passo, não digo no seu progresso litterario e intellectual, mas simples* mente na comprehensão da sua própria indole, de seu próprio caracter.

Por isso se me antolha vantajoso traçar um quadro do verdadeiro estado do paiz como elle hoje se apresenta de facto após quatrocentos annos de contacto com a civilisação européa. NSo serã uma dessas telas phantasistas o aéreas, como as que os nossos governos hão costume encommendar periodicamente para mostrar o paiz nas Exposições interna- cionaes. Será cousa mais simples e mais modesta para nosso uso interno firmada por documentos irrefragaveis, meditada em longas lucubrações e presidida por um patriotismo que não pede meças aos mais ardentes.

E' um acto de coragem e de amor que agora a velhice me impõe como o ultimo preito prestado á pátria, em nome da verdade, em prol de seu futuro.

106 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

E* um facto positivo, claro, eviCleatissimo por todos re- conhecido e proclamado, que as três classes que tôm mais de perto dirigido a vida mental e publica do povo brazi- leiro 03 poUticos^ os Jornalistas e os litteratos^ lôvaram-na a um tal gráo de confusão, pessimismo e desanimo, que nem elles mesmos tomam mais no meio dos desatinos que accumu- laram. (1) se ouvem pragas e esconjures ; apontam-se panaoéas capazes de curar as fundas chagas da nação ; sur- gem de todos os lados prophetas e guias, com suas bandei- rolas de improvisados estadistas e salvadores de povos.

Nunca se viu tanta desordem forrada de tanta filáucia. Causas ânancelras e politicas, estas incomparavelmente mais . a miude, são invocadas para a explicação dos nossos males que avultam cada vez mais.

O cambio, a hyperproducção do café, as especulações dos bancos estrangeiros, a queda da monarchia, o militarismo, o re- gimen presidencial, os despotismos olygarchicos dos Estados, os gastos supérfluos dos governos, os roubos nas repartições pu- blicas, a pluralidade das magistraturas, os impostos interesta- doaes, a falsidade das eleições, os defeituosos programmas e metbodos do ensino publico, a falta de confiança em o novo re« gimen, a revolta da armada, a do Rio Grande, a de Canudos. •• todas estas cousas e outras muitas tém sido invocadas como causa de nossos males. Mas é evidente, para quem sabe en- xergar, que não passam de symptomas e effeitot de uma causa su- perior que se não tem querido vêr ou se não tem tido a pre- cisa coragem para assignalar ao povo, ao seu governo, ás suas classes dirigentes para que mudem de rumo e tratem resoluta- mente, se fõr possível, de arrancar as raises do mal.

Se a lista das falsas eajtsas é enorme, a dos falsos remédios não é menor.

Bolsa do café ou monopoUo das vendas deste pelo Estado, creação de bancos de credito agrícola, suppreasão dos impostos interestadoaes, unificação da magistratura, reforma do ensino,

(1) No Brazil muitas vnes at tr«8 qualidades andam jantas mo megmo individuo.

o BRAZIL SOCIAL 107

reforma da Constituição Federal (aqui variam immoDsameate as opiniões acerca das bases a propor), restauração da monar- chia e até a dictadura milUar^ reclamada em altas vozes das columnas de vários jornaes e até da tribuna do Congresso Fe- derai, . . todas estas cousas têm sido simultânea ou successi vã- mente invocadas como antídoto á, enfermidade que nos devora. Houve até politico, litterato, jornalista, tido na conta de grande sabedor, que, com todo o desembaraço nos aconselhou a renuncia da independência e a submisãão ao protectorado dos Estados- Unidos, . . Tanto é profunda a incapacidade desses levianos directores da opinião brazileira t

Entretanto, se algumas dessas medidas são razoáveis, não passam todas ellas de palliativos mais ou ou menos inefflcazes para solver as dificuldades do presente e preparar o caminho do futuro. Algumas são manifestos erros, passos em &lso por estreitos atalhos.

Urge enfrentar a situação nacional como ella é em si mesma, no seu caracter, na sua Índole, na sua estruotura in- terna, na substancia intima de sen ser, na trama fundamental da sua organisaçãe, nos seus elementos formativos, na essência intrínseca que a constituo. Quem o íizer terã a plena vidência da raiz de todos os sophismas, de todos os enganos, de todos os iUusorios engodos, de todos os cálculos falhos, de todas as de- cepções amargas que ahi andam a encher d^alto a baixo a his.- toria brazileira, -nomeadamente a do século próximo ando e começos do actual.

£sse é o ponto a esclarecer, o estudo que deve ser feito. Dessa falha inicial, do desconhecimento da indole exacta de nosso povo, orlginam-se nelle, especialmente na classe que se diz diri- gente e nada de facto dirige, as seguintes consequências, fontes de grandes males e de cruéis desenganos para a nação inteira: 1*, não se ver a antinomia profunda entre o estado real do paiz, quasi todo ainda inculto e mergulhado no maior atrazo, e o tempo presente, a época do carvão de pedra, do vapor, da ele- ctricidade, da grande cultura, da grande industria, da concur- rencia universal, da grande offlcina de trabalho, e producção mecânica por apparelhos de todo género ; época de vertiginoso

108 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

movimento que não espera pelos retardatários ; 2«, não se. re- parar em a não menor antinomia que lavra entre o povo quasL inteiro e ama pequena elite de intellectuaes^ como se eiles próprios appeliidam, cheios de todas as vacuidades, de todas as fumaças e protenQoes de grandeza, que a scmi-cultura sóe sempre inspirar ; 3<^, não se levar em conta a ainda menos inilludivol antinomia existente entre essa mesma elite de nossos directores, políticos^ Jornalistas e litteratos, e os seus collegas entre os povoa verda- deiramente cultos ; porque estes tacs são realmente a floração de velhas e aperfeiçoadas civilisações e os nossos não passam de superfetaçoes, de arremedos do estrangeiro, sem base séria no meio que os cei*ca ; 4*, a illusão, oriunda das três falhas notadas, do possuirmos as mesmas qualidades, os mesmos predicados dos povos que suppomos poder imitar e que, para os igualar ou sobrepujar, não ó mais preciso que copiar-lhes as leis, as constituições, os planos de governo e está tudo feito ; 5% o amargo peaiimismo, a turbulenta gritaria de que se apoderam todos, quando, falhos os seus cálculos, e não poderiam deixar de falhar, vêem que não adiantaram um passo e a desordem moral é cada vez maior ; 6^, finalmente, a peior consequên- cia de tudo isto, a teima de julgar politica^ e sanavel por meios politicos, uma questão orgânica, ethnica, de psychologia popular, uma questão profundamente, essencialmente, unica- mente da estructura social do povo.

E' desmontando em todas as peças a sociedade brazileira que se ha de achar a chave do enigma : porque a na^^ marca passo num eterno messianismo que se não realisa ; por- que as panacéas dos politicas de nada valem senão para au- gmentar a confusão.

Não são de hoje as duras desillusões de nosso povo após o fracasso das promessas phantasticas de quantos o têm diri- gido ou explorado sem ensinar-lhe o caminho da própria re - generação. Todos os planos sonhados pelos que hão tido nas mãos os seus destinos, uns úteis, outros de valor contestável, têm sido levados a effeito sem que a éra das venturas promet- tidas se tenha traduzido em realidade.

O paiz tem avançado Qo andar de kagado, pela força do

Ò BRAZlL SOCIAL 109

tempo, das cousas, das ciroamstancias e por um pouco de boas qualidades que repoisam no fundo das camadas populares, raramente por impulso emittido por seu3 chefes. £' que estes, até nas medidas mais acertadas, andam quasi sempre ás cegas. A presampção os traz illudidos.

Não é inútil lembrar aqui alguns dos mais famosos passos do que se poderia chamar o grande processo de desillusãò que vem desabusando as gentes brazileiras desde os fins do século XYIII. Por elles se verá que até algumas reformas sociaes e económicas não produziram os resultados promettidos, por causa do predomínio que em tudo quanto 6 nosso tem sempre exercido a politica^ melhor fora dizer a politiquice^ da peior qualidade.

« O que nos falta, dizia-ae nos fins do século alludido, é re- vogar as leis que nos fecharam as fabricas de tecidos e obraS de metal.» O desideratum se cumpriu etaes industrias não prosperaram!...

< O que nos vae salvar, dissese, nos primeiros annos do sé- culo XIX, é a abertura dos nossos portos aos navios de todas as nações.» O desejo cnmpriu-se e ainda hoje não temos marinha mercante de longo curso, ou sequer de cabotagem ; não possui- mòs um commercio nosso, nacional, não passando o paiz, sob tal aspecto, de uma feitoria estrangeira, na qual um doe pro- blemas mais difficeis (tenho deste duras provas) ó empregar um rapaz brazileiro. . . « Não, tudo isto é secundário ; o que ô mister fazer ó a independência politica do paiz»; proclamou-se na dé- cada seguinte. A independência se fez ; aqui a desillusãò co- meçou logo no anno seguinte. Os agitadores de profissão so- nhavam com farta mesa á custa do orçamento. Grupos inteiros, verdadeiros clans políticos se preparavam para viver á sopa dos orçamentos municipaes, provinciaes, ou geraes.

Era difflcilimo achar logar para tanta gente.

A industria politica cresceu a olhos vistos, o funccionalisrno triplicou ; era, poróm, impossível contentar a todos, apezar da espoliação em larga escala feita, no interior das provindas, das fortunas dos reinóes.

A bancarrota das i Ilusões foi geral. < Mas sabemos onde

110 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

está a raiz dos males, bradava o troço de patrioteiros do tempo, é no imperador que não é de cá, não ô um do3 nossos. . Urge pôl-o fora. B a cousa foi por diante. Pedro I demandou as plagas de seu paiz natal e deizou-nos, pode-se dizer, entregues a nós mesmos.— Abre-se o fomoso período regencial de que se pôde dizer algum bem attendendo ao quasl milagre histórico, deTido a raros homens meritórios, de termos escapado a tantas lou- curas, sempre renascentes nesse período de nove annos.

O que então se passou, o que se praticou em todo o paIz no decurso de trinta e quatro revoltas não anda escripto ; nem o será jamais. E' preciso ter propositalmente conversado com homens slzudos de todas as províncias, testemunhas directas dos factos, como ainda se encontravam entre 1860 e 70, para se ter idéa mais ou menos adeqnada do que foi a quadra disten- dida de 1830 a 40 e annos próximos. Nâo podia, assim, ser mais esmagadora a decepção. Não parou ella, antes cresceu, com as descentralisaçOes do Acto Addicional ; nem cessoa com a reacção de 1836-37.

O atropello causado pelas facções, o parco prestigio dos chefes do bando mais em evidencia, o desengano de todos na própria força levaram-nos a pedir um rei^ um tnonar- cha, um dictador na pessoa dum menino de 14 annos I Sempre a politioagem curando de complexos interesses sociaes^ que escapam ao grosseiro empirismo dos mais hábeis e ás malversações dos menos escrupulosos. O novo reinado não foi mais feliz, nem no seu período de arroxo que se estendeu até 1857-58 ; nem nas phases liberalisantes posteriores ; não foi mais feliz, nem podia sel-o, na tarefa impossível de solver graves questões intimas, da essência mesma, da oonstituição social do povo com recipes políticos de 3* ou 4* ordem, sem attender a tendências ingenitas nacionaes. que cumpria cor- rigir pela prolongada acção educativa, grandemente diflOicíl aliás.

Reformas sobre reformas de vários abusos e achaques políticos foram tentadas e levadas a effeito em quasi todas as ordens dos serviços públicos, ensino, eleições, magistratura, . regimen judiciário. O resultado negativo de todas ellas, como

o BRAZIL SOCIAL 111

eopias servis de insiitaicdea estrangeiras mettidas no re- activo dissolvente do caracter brasileiro, não se fazia mnito esperar e cada vez mais se avolumava a descrença nacional.

Ninguém comprehendia oomo era que um dos povos mais eminentes, mais cheios de altas qualidades, de prestimosos pre- dicados, segundo a crença geral ainda hoje muito corrente ; do posse, além disso, do paiz mais rico e mais fértil de todo o planeta, consoante ainda a crença geral, andava mergu- lhado em tamanha pobreza, em tal atrazo qae até o mais ossificado optimismo nfio ousava contestar. . . Como sóe acon- tecer em casos taes e entre gentes de tal índole, não po- deria existir senão um culpado: o governo ; e nelle acima de todos o Imperador, com o seu poder pessoal incontrastavel e o seu terrível systemade corromper os caracteres.,. Polí- ticos, litteratos e jornalistas, durante 50 annos não tiveram outra linguagem, não se pejaram de repetir essa frioleira, esse pleonasmo demagógico dos ineptos gritadores de todos os tempos. Sempre o processo simplista de arranjar um bode expiatório para os erros e fraquezas de uma nação inteira t

Afinal quasi todos accordaram em attribuir á existência da escravidão nas plagas brazilicas os desastres de todo o nosso viver. O Imperador foi dos mais solícitos em dar ou- vidos a esses rumores e em ajudar a extirpar do seio da nação o cancro secular que a corrtna, na phrase dos declamadores do tempo. Coincidia a abolição geral da escravidão com a crise do assucar, principal fonte da riqueza de todo o norte do paiz, desde o Espirito Santo até ao Maranhão, batido na concurrenoia do mercado do mundo pelo assombroso desen- volvimento da producção da beterraba. O desbarato da velha assucarocracia do norte do Brazil, phenomeno singularmente curioso e de extraordinário alcance para toda a grade população daquella extensíssima zooa, não tem sido devidamente estu- dado, porque, entre nós, a incompetente philancia dos po- litiqueiros não deixa margem alguma para cousaa sérias. Vociferações, tendentes todas a aplainar os seus arranjos, ó quasi tudo o que se lhes ouve. O alludido desbarato, sobre o qual se ha de tornar nestas paginas, foi ainda mais intenso

112 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

do que a da aristocracia agrícola dos Estados do Sal da União Americana, após a guerra de secessão.

O abalo produzido pelo fechamento de qaasi todos os mer- cados europeas, devido à caus)^ citada, ainda mais aggravado se tornou com a suppressão repentina dos braços em la- voura tão dura e áspera como ó essa predominante da região referida. A decadência resalta de toda parte.

A caféocracia do sul tinha de passar por qaasi ignaes perturbações. Achou, ó certo, um quasi succedaneo do escravo no colono; mas essa situação nova estava e está muito longe de se equiparar á. primitiva.

Despezas extraordinárias, difflculdades praticas creadas pelo novo operariato agrícola, levaram e estão levando à liqui- dação crescido numero de fazendas; o numero das famílias pros- peras da aristocracia cafeeira do sul se viu grandemente reduzi- do. Quasi igual á decadência dos senhores de engenho nortistas. E* evidente que a abolição do captiveiro não poderia apparecer, depois de taes provanças a esses que se suppunham victimas dessa medida, senão como um acto maleâco, um feito pre- judicial. Foi mais um élo na cadeia das desillusoes nacionaes.

Naturalmente a culpa de tantos contratempos estava prin- cipalmente nas instituições politicas : na monarchia. Era mister, era urgente pôl-a abaixo. Dito e feito ; porque nestes povos nos quaes a classe agitadora, que vive principalmente do Es- tado, sob todas as formas imagináveis, é numerosíssima o medra na razão da intensidade das perturbações politicas, basta se interessar ella por uma questão, para que esta triumphe. Politicões e literateiros, traço que dirige as avançadas da imprensa, levantam tal berreiro que o grosso do povo, alheio a quasi tudo que o devia mais intimamente interessar* cede sem saber mesmo de que se trata.

A nação tinha adormecido monai^chica e na bella manhã de 15 de novembro de 1889 acordou republicana I Era muito rápido para ser sério, era único em todo o mundo para não inspirar desconfianças ao observador imparcial dos factos sociaes. A bes- tialixação^ na phrase graphica do mais sincoro dos republicanos do dia, porque tinha a sinceridade da loucura, a besHali-

o BRAZIL SOCIAL 118

zação foi geral. Ninguém se moreu, Díngaem luctou, ninguém 86 bateu por uma iQstitui(^ que era a irmã gémea de noflsa independência, que tinha tantos annos de vida quanto temos nós de povo liyre 1 setonta annos de regimen autónomo em quatrocentos quasi de tutela, desde os primeiros passos que demos no caminho do destino que conduz os povos.t. desflze- ram-se como a novoa riipida nas manhãs estivaes, ou a leve poeira ceio apagada de sob os pés do viandante ignorado do sertão.

Um tal phenomeno, singularmente estranho aos olhos do historiador, demanda para o oxplicar, ou um povo em tão alto gráo de cultura tine conscientemente resolva, com segurança, acerto e firmeza, os mais complicados problemas de seu Tiver ; ou uma multidão quasi amorpha, sem um caracter firme, in* toansigente, definido, dos que não torcem á mercê dos ca- prichos dos especuladores, uma espécie daquelie povo rebanho sem aprisco e sem pastor, de que Mava o poeta, fácil de ser guiado e illudido pelos grupos de poUUcians que o devoram.

Gonta-se, e Deus queira que não tenha sido verdade, que, quando foi de 15 de novembro de 1889, um ofilcial chilenoj do navio de guerra daquella na^ surto naquella data no porto do Rio de Janeiro, dissera, ao assistir á indifferença da popu- lação diante do que se passava e da facilidade com que se depo* zera a monarohia: não éum povo, é uma horda.

Palavras duras, que encerram mais verdade do que ã into- ressada cegueira dos vivedoros da politica alimentaria mantida no Brazil pôde parecer.

Gomo quer que soja, a Republica 6 agora e por emquanto,* a ultima desillasão do pobre povo brazileiro. Sua constituição espúria, copiada da constituição dos Estados-Unidos por alguns rhetoricos que andaram sempre a confundir phrases e pala- vriados com idóas ; sua loucura financeira por occasfão do fa- moso encilfiamento ; suas revoltas da armada, do Rio Grande, de Ganudos, e outras e outras acarretando tremendas despesas ao Thesoaro, o dando lugar ãs mais repugnantes scenas de cruel ferocidade ; seus câmbios sempre baixos, revelando a extraor- dinária depreciação da moeda ; sua bancarrota, que trouxe a 4323— 8 Tomo í.xix. p, h.

114 RliVKrA DO INSTITUTO HISTÓRICO

moratória do fuftdingloan ; seus pesadíssimos imposios do todo o género a Toxarom o povo ; o dospoUsmo das olygarchiat estadoaes, opprimindo toias as olassos ; a desorganização de todos os serviços admioistrativoa; ai roubai fieiras nas reparti^ çim fijcao9, denunciadas quasi diariamente pela imprensa ; todas estas chagas visíveis a olhos nús, que andam a afeiar o corpo da Republica, levantaram um tão formidável coro de im- precações, como se não tinha ainda ouvido outro igual em toda a existência da nação.

Por cima do tudo isto— , a quela completa do credilo agrícola^ O relrahinienlo do capiial^ a desordem económica do todas a9 classes, aggravada na dos agricultores de cjifó pela ht/perproducção o subsequente baixa dos preços desse principal ramo de nossa oxportação, tem levado o pais ás bordas do deses- pero. As maldições ochòam por todos os lados, o, para aggra- var ainda mais a appUcação geral, as populações do olnoo Es- tados do norto ainda ha pouco morriam á mingua, ou expatria- vain-so, acossadas por uma das mais terríveis sêccas que em quatro séculos tem açoitado aqueila desventurada zona. (1)

Qrita-se, por isso, agora por soccorro de todas as bandas e em todos os tons ; levantam*se planoj ; procuram-se remédios; buscan-se soluções para es graves problemas que nos ameaçam <ragar.

Na ossificada teima do supiK>r uma simples e passageira crise poliiica, que nos esU a affl^ir, esse estado elironico de agitação da alma braziieira, os politieões que nos dirigem acham -se em ebulição intensi ao oíFortar á nação as costuma- d )S drogas que lhe dão sempre a inj<erir. A restauração mo- narchica é a solução d*alguns ; a revisão da Goostitsi;^ é a re- ceita d*oatros. E como se me antolha evidente não ser politico o problema brazileiro da actualidJide, julgo de todo desastrada a aventara da nova restaara^, que virá perturbar ainda mais o nosso detestável estado geral.

(1) Não va (uecdi* que estas paginuts estão seudo oscriptas eiu maio fU) 1904 ; (!umpre, poiviii, advertir ciut» o Hai/í-IU» r^tá sr in pt-t n«lo agora om VJJl o, lí>O.S.

o BRA/.IL SOCIAL 115

A nioDarchIa, como forma autoritária, leva certas vanta- gens na directo dos povos mal constituídos organicamente ; mas 6 preciso, mesmo entre elles, que ella encontre certas bases que de todo nos faltam.

A reforma Constituição pódo o deve ser feita no sentido Cipecial de precaver a unidade do paiz o tornar possível a serio de medidas sociaes, capazes do trazer não a cura do todos os nossos males, porque vários de clles são incuráveis ; sim a extir- pação do alguns o a meltiora da maior parte.

Eis a tarefa a tentar, o caso a resolver. .

II

os METIiODOS H PROCESSO DA ESCOLA DE LE PLÂY

Duas especiaes circumstancias puzcram-me no encalço das idéas que vão ser expostas: a observação attonta dos factos passados no período republicano, que se vae atravessando, e o conhecimento mais intimo das doutrinas e ensinamentos da chamada escola da Sciencia Social^ áo Le Platj^ H. de Tourtille^ Ed, Demolins^ P, Rottsiers^ A. de Prèville^ P, Bureau o tantos outros, aos quaes se devem, a meu vêr, os melhores trabalhos existentes sobre a índole das nações.

A Republica teve a vantagem de revelar este querido povo brazileiro tal qual ó, entregue a si próprio, ou aos seus natu- raes directores, o que vem a ser a mesma cousa.

Os vícios e eflbitos de sua cstractura social tornaram-se patentes aos observadoi^es imparciaos o cultos.

Atô a Independência, o Brazil tinha apparecido sempre sob a tutela da realeza portugueza que o havia dirigido, gniado, aiteiçoado, por assim dizer, ao sabor de seus planos e desejos, até onde governos podem influir na estructura das massas so- ciaes sobre que lhes cumpre velar.

No regímen passado, igual tutela tinha sido exercida pela

monarohia nacional que se poderia considerar, em mais de um

sentido, uma continuação, um prolongamento da realeza-mãe.

Poder-se-ia diz?r que havia uma força estranha a estorvar o

povo no seu andar normal. Hoje este obstáculo jaz desfeito.

116 REVISTA DO INSTITUTO IIISTORÍCO

Não existo mais tal embaraço, ou tal desculpa. O observador não encoDtra tropeços do caminho.

As doutrinas do evolucionismo spenceriano tinham-me posto na pista do desdobramento dos vários ramos da actividade hu- mana; tinham-me despertado a attonção para as formações dispares doi povos mestiçados. nomeadamente os da America do Sul, e, por esse caminho, havia sido conduzido ás conclusões a que cheguei em todos os meus osqriptos acerca de minha pátria. Os processos da escola de Le Play fizeram-jme penetrar mais fundo na trama interna das formações sociaes e completar as observações exteriores de ensino spenceriano. E' uma confir- mação, em ultima instanciai, de conclusões obtidas por outros meios e estradas.

* A historia destes dezoito annos de Republica tem servido» aos espíritos som preoccupações mesquinhas, para aclarar toda a historia colonial, regencial e imperial do Brazil. O periodo da Regência sobretudo se esclarece com uma intensa luz nova. A cohesão, a unidade, a estabilidade constitucional do paiz, a in- tima organisação da nação oram, em grande parte, puramente illusorias. A Republica manifestou o Brasil tal qual ó : e por isso é o governo que lhe convém, com a condição de ser vasado em moldes conservadores, num unitarismo contido por um forte governo central. E' o que se vae ver na luz do systema de Le Play e Henri deTourville.

Claro ó que de tal doutrina não tenho a fazer aqui uma ex- posição esmeuçada : apenas as linhas principaes para a compre- hensão do leitor.

Os homens cultos dentre os nossos médicos, engenheiros, magistrados, advogados, offlciaes de curso de terra e mar, que são 08 verdadeiros inlelleciuaes do Brazil, têm quasi geralmente andado ao par d'outras doutrinas, as do positivismo, do evolu- cionismo, do socialismo, por exemplo, e não tôm lançado as vistas sobre os belios trabalhos da escola de Le Play, cij^o nome uma ou outra vez ha sido citado, com evidente desconhecimento de seu ensino. Que eu saiba, 6 esta a primeira vez que entrenós se faz um appollo mais serio a esse methodo e systema. Não é que lhe aooeite todas as idéas.

o BRAZIL SOCIAL 117

Sobro o ooncoito de raça, verbi grafia, a colobre escola, sup- poDho eu, confunde o sentido anthropologico cora o sociológico ; porque parece nao ligar importância ao primeiro e admittir o segundo. Pigura-se-me Isto uma simples illusão francesa. Também n&o lhe acceito de todo a classificação dos phcnomenos sociaes, que me parece mais uma nomenclatura de problemas 6 questões.

Como quer que seja, os méritos da escola, a despeito desta ed'outras divergências, se me antolham preciosissimos para quem quer conhecer a fundo um paiz qualquer e a gente que o habita.

Em primeiro logar, lança mão, para tal fim, de processos do acurada observação local, estudando em monographias espeeiaet cada região do paiz sob as mais variadas ftu^es, conforme ama enumeração de questões, que são outros tantos aspectos fanda- mentaes da vida social. depois de reunida grande massa de documentos do género é que os grandes mestres do systema se atrevem a formular quadros geraes desta ou daquella naciona- lidade e estabelecer as leis de seu desenvolvimento. Neste gé- nero í^ dignos de detida leitura os livros de Edmond Demo- lins, P. Rousiers, Poinsard e outros.

A enumeração ou classificação dos problemas sociaes deve partir dos factos mais Íntimos e indispensáveis ã vida, sem os quaes nem a própria subsistência da gente a estudar seria pos- sível. Taes são os meios de existência, que so chamam logar ^ trabalho^ propriedade, bem moveis, salário, economias^ ou pou- panças. Entre estes seis grupos de m^ios de existência, que dão logar a variadíssimas questões, como se pôde vêr em Henri de Tourvllle,— La Nomenclature Sociale, ou cm Maurico Vignes,— La Science Sociale d^aprés les Principes de le Play, entre estes meios, dizia, e o modo de existência (alimentação, habitação, ves» tuario, hygiene, recreações) que vôra após, colloca-so 0 assumpto dos assumptos, a questão da^J qiiostões,— a família. Esta é a base de tudo na sociedade humana ; porque, iMm da funcção na- tural de garantir a coatinuidado das gcraçõos successivas, forma o grupo próprio para a pratica do modo de existência, o núcleo legitimo da maneira normal do empregar cs rocuraos

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creados pelos meios de viver. Em seguida, saocedem-se asphases da existência , o patronato ^ o commercio, as cultvras intellectuaes, a religião, a visinhança, as corporações, a ccmmuna, as uniões de communaSf a cidade, a comarca, a província, o Estado, a expansão da raça, o estrangeiro^ á historia da raça, a posição, a hierarchiã da raça. Ao todo viate o cinco grupes de factos o problemas so- ciaes.

O estudo destea assumptos, no tempo e no espaço, tem dado logar a algumas conclusões estáveis. Desfarte, a humanidade mais ou menos em conjuncto tem atravessado três grandes edadcs sociaes :— a edade das producções espontâneas o dos ap- parelhos ou instrumentos manejados pelo braço ; a edade das machinas, movidas pelos animaesy pelos ventos, pelas aguas cor* rentes ; a edade do carvão de pedra, do vapor e da electricidade, applicados d producção das subsistências e ao serviço dos tranS" portes.

As revoluções operadas na vida social por essas varias al- terações introduzidas no regimen do tral)alho são da mais considerável importância.

A familia, estudada quer historicamente, quer na actuali- dade, apresenta quatro modalidades typicas, do maior valor para quem quizer oomprehendor a indole das sociedades a que servem ellas de base.— Uma sociedade vale pelo que vale nolla a familia. Os quatro typos são: familia patriarchal, familia quasi'patriarc7ial, familia-tronco (souche), familia-instavel^ aocei- tando as modificações feitas nas doutrinas do Le Play por seus discípulos.

O velho mestre tinha olassiíicado a familia em tros typos e acertadamente foi corrigido neste ponto. Eis a definição daa quatro modalidades, conforme Maurício Vigues : « A fumilia pa- triarchal ó aquella na qual os pais não pensam em preparar seus filhos para que elles venham a crear uma posição livre ; porque a extensão do solo disponível, o Araco crescimento da população e das necessidades permittem aos filhos ficarem na indivisão. Quando estas circumstancias, que facilitam a vida em commum nos domínios paternos, vêem a dcsappareoer, quando o numero dos casios, reunidos cm um mesmo sitio, fica fora de proporção

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com a producUvidade das terras, ou da?» offleinas de trabalho, quando o equilíbrio entro as subsistências que estas produzem e a população que nellas reside é roto, 6 preciso que algumas famílias sedostaqaom. Lim.tase assim a familia patriarchal a cinco, ou quatro, ou três casaes e seus filhos. Um dia, sob o impulso das mesmas cansas, a familia se reduz a dois casaes,— o do pai e o do herdeiro escolhido para continuador. Estamos* assim, cm face da familia quasi-paíriarchal . A transmis^o integral da ofHolna de trabalho a um filho é, neste caso, com effeito, um Ycstlgio da transmissão integral em proveito do todos; a transmissão individual substituiu a transmissão integral coUectiva. Os filhos que não herdam em bens, recebem sua quota em dinheiro ; mas como não foram criados com o pensa- mento do deixarem a terra natal, nada os prepara no sentido do vencerem na luta pela vida. Saliidos de uma communidado, continuam a contar com cila, a appelbr para cila cm seus embaraços c em seus desânimos.

A familia-tronco f souche ) não ^, como a precedente, uma 1-oducrão da família patriarchal. As sociedades que t^m este género de familia por base, as sociedades de formação particularista^ se originaram nas costas da Scandinavia, cm consequência da invenção da barca a velas e das condições de iniciativa e isolamento impostas a essas gentes enérgicas pela pesca marítima. Tal familia funda-se na educação individua- lista dada aos filhos. Eita educação os leva, ás vezes, a aban* donarem o pai para melhor trabalhar, empregar melhor as próprias forçaa. A's vezes, um filho consente em ficar, sob a promessa de lhe ser integralmente transmlttida a oflflcina do trabalho. Outras vezes recusa ; porém, at(5 neste caso, a familia não perde o seu caracter fundamental ; porque o iso- lamento dos pais o a sahida de todos os filhos originam-se do desenvolvimento das qualidades de iniciativa e de coragem dos últimos e tendem ao progresso da actividade geral e das vir. tudos cívicas. Na familia-tronco, os filhos, collocados entre dois deveres, o do piedade filial e o de labor social, sacri- ficam o primeiro, em consequência, alias dos incitamentos dos próprios pais, que renunciam a guardar perto de si seus des»

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cendentes, reclamados pela pátria o pelo trabalho. E, pois, se o individuo yoluntariamento se desprende da familia ô para con- sagrar mais intensamente sua actividade ao augmeoto das ri- quezas e das forças goraes.

Os hábitos, oriundos do espirito da familia, cedem o passo aos costumes impostos pelo devotameato á sociodade.

Não é em tão boas razoes que se funda a família instável. Nesta faltam dois característicos ossenciaos, existentes na fa- milia precedente: falta a educação viril dada aos filhos; e, além disso, se não existe a transmissão hereditária integral, não ó porque os filhos recusem prestar-so a ella, por trazerem em si as largas esperanças e os vastos pensares, cuja realisação ô incompatível com o apego á profissão paterna, não ; é porque a transmissão integral se tornou, ou inútil pelo retalhamento da propriedade, ou impoasivel em consequência do influxo dis- solvente da legislação e do principio da partilha igual em bens. Se 08 filhos não ficam junto aos pais, ó que temem perder a liberdade, porque esse dever lhes pesa, e não porque os pais lhes aconselhem a procurar, ou lhes tenham ensinado a achar fora uma posição independente ; é, ainda, porque nenhum filho pôde contar com a transmissão integral em seu favor, em rasLo do estado de desmembramento excessivo das propriedades, ou da legislação. A familia instável deriva, portanto, da falta de espirito familiar, da falta de domínios agglomorados e do principio da igualdade, em espécie, imposta por uma legislado retrograda.»

Estes quatro géneros de familia, oriundos de certas e de- terminadas particularidades ethnicas e históricas o, muito de perto, de condições cspeciaes de logar, trabalho^ e propriedade^ dão origem a duas categorias de sociedades Iiumanas : as socie- dades deformação eommunaria (communautaire) e as sociedades de formação particularista .

As sociedades de form ição eommunaria^ expressão esta que se não deve confundir com o termo communisla no sentido que hoje lhe certa ramificação do moderno socialismo, comprehen* dem as diversas variedades de gontes que procuram resolver o problema da existência, apoiando-se na conectividade, na com-

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mnnhão, no grapo, quer da família, quer da triba, quer da classe, qnor dos poderes públicos, do município, da província, do Estado. As do formação particularista encerram as diversas variedades que buscam resolver o problema da existência, apoiando-s6 unicamente na energia individual, na iniciativa privada, e tira o nome do flucto de nellas conservar o parti-^ eular toda a independência em relação ao grupo.

Pondo de parte as sociedades simples de caçadores e pesca' dores selvagens, cujo característico principal ô não ter família, as sociedades complexas, em cujo numero, abrindo a lista, devem ser contadas as gentes pastoris do Oriente e os pescadores pro- gressivos da Scandinavia, pertencem a uma ou a outra das duas categorias citadas. As communarias, que são em muito maior numero do que as particularistas^ apresentam três mo- dalidades typicas, conforme a espécie de í^milia que lhes serve de apoio: communaria de fàmilia, tendo por fundamento a família patriarchal ; communaria de familia e de Estado, tendo por base u fomilia quasi patriarchal; communaria de Estado, armada na familia instável. As duas primeiras predominam no Oriente asiático e onropôo ; a ultima no meio dia ocoidental da Europa e na America do Sul.

As sociedades de formação particularista apresentam duas modalidades : ou dá-se a escolha de um continuador do patri- mónio o da officina de trabalho, o que, além da forte educação moral e do grande espirito de iniciativa, faz a sociedade re- vestir-se dum bello aspecto patriarchal no largo sentido ; ou, com a plena liberdade de testar da parte dos pai9, os filhos nem sequer pensam em lhes succedor, contentando-se com as qualidades de caracter que herdam. A primeira modalidade t corrente na Europa Scandinava, na Inglaterra, na Hollanda, na planície Saxónica; a segunda nos Estados-Unídos.

Sob o ponto de vista especifico do trabalho, que vem a ser a grande mola que move e afeiçoa as sociedades humanas, cumpre não perder de vista que varias tem sido as phases atravessadas pela espécie, partindo ella do simples apanha- mento de substancias, que se prestavam ao alimento, e dos produçtos espontâneos da caça o da pesca, que demandavam

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rudimentares esforços, passando pela recoUa ou coUecta da arte do pattoreio o das producções fructiferas arbore.^centes, seguindo pela cultura maior ou menor, até chegar á cultura intonsa e vastíssima e ás industrias complicadas dos tempos hodiernos.

Cada um destes géneros de trabalho, cada uma destas offl- cinas de producçSo, cada uma destas maneiras de agenciar os moios de existência trazia o traz consequências especiaes inde- léveis, difflcilimas de apagar, porque cilas constituem o subsíra- dum intimo das sociedades.

Claro <3, por outro lado, que a humanidade, tomada em seu todo, ou considerada em seu conjuncto, não atravessou toda ella ao mesmo tempo e de parceria cada uma das phases de^sa gradação. As situações reciprocas dos povos divergem.

A posição do Rrazil, seu verdadeiro estado social, escla- rocido com esto critério intimo dos elementos primários e es- senciaes da vida, ó que mo proponho a elucidar.

Infelizmente em traços largos e em linhas geraes ; porque um estudo regular e completo do Brazil, sob tal methodo, exigiria três ou quatro volumes, firmados em duzentas, ou trezentas monographlas... que não existem, que estão por fazer. . .

Seria preciso estudar acuradamente, sob múltiplos aspectos, cada um dos povos que onti^ram na formação da na^o actual ; dividir o paiz em zonas ; em cada zona analysar uma a uma todas as classes da população o um a um todos os ramos da industria, todos os elementos da educação, as tendências es- peciaes, os costumes, o modo de viver das famílias do diversas categorias, as condições de vizinhança, de patronagem, de grupos, de partidos ; apreciar especialmente o viver das po- voações, villas e cidades, as condições do operariado em cada uma delias, os recursos dos patrões, o com outi*o8 problemas, dos quaes, nesta parte da America, d rhetorica politicante dos partidos em lucta nunca occorreu cogitar.

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III

03 FACTORES E SUAS ACHEGAS TRADICIONAES

E porque a tal ou qual civilisação do que tanto hoje infaDiilmeute nos orgalhamos 6 no Brazil, em suas manifes- tações mais elevadas» producto transplantado, figura-se-me preferível, antes de dividir o paiz cm zonas para examinal-as, dar logo do principio noticia corta do estado social dos factores que constituíram as actuaes gentes braziloiras. Sâo antecedentes históricos, indispensáveis ao conhecimento intimo das gerações do hoje, principalmente se se tiver em vista penetrar na índole de tacs factores sob o aspecto social e não dar simples e incon- gruontes descripções dos usos externos, quo nada quasi adiantam e para nada quasi prestam. Outro critério, outro alvo, outro intuito devem trazer diverso resultado.

No primeiro livro da Historia da Litteratura Brasileira^ alguma cousa âcou dita acerca do assumpto, sob um ponto de vista muito geral, e não no peculiar sentido especifico a que ora seallude.

£* verdade, o eu não o ignoro, que o bom tom da critica, da historiographia, das dissertações politicas, de tudo, em summa, que se escreve no Brazil a respeito de cousas da terra, ó o do tratar o paiz e a sua gente como se isto aqui fosse feito de pedaços da AUemanha, da Inglaterra, da Suissa, da França, no que ellas contam de mais culto, do mais progressivo, de mais adiantado. Ao geral dos nossos escriptoros, das três ca- tegorias principaes que nos têm andado a illudir e a que se fez mais de uma vez aliusão, este paiz nâo é o Brazil re.vl que o estudo e a verdade revelam, senão um Brazil phantas- magorico imaginado por elles para uso de seu incorrigível dilettantismo.

Não pôde haver maior inconveniência aos olhos dessa gente do quo lembrar o incommodo problema das origens. .

Perturbar a auto-idolatria da sublime prosápia desses arjmnos puro sangue é, perante elles, praticar um acto da maior indisoreção, do mais accentnado desaso...

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Em que peze, porém, ús alterosas pretenções desies despei- tados praguejadores, creio ser possirei ainda affirmar não ter sido a sciencia inventada para iisongear-lhes a vaidade ; tem ella outros desígnios.

E* ainda licito, para conhecer um povo, sondar-Ihe as origens, mazimé se o problema a solver é o da exacta deter- mina^^de sna estructura social.

Ou se admitta, ao que me parece mais aoertado, os dois slgniíioados diversos do termo raça, o anthropologico e o sociológico^ ou se acoeite este ultimo, a questão ethnogra- phica ô a base fundamental de toda a historia, de toda a poli- tica, de toda a estructura social, de toda a vida esthetica e moral das nações.

E, quando se queira reduzir toda a extensão do assumpto ao que se convencionou chamar de raça sociológica^ maior será a gravidade do problema ; porque maiores ficarão sendo as re- sponsabilidades dos que têm a seu cargo a direcção dos povos. Sim ; se o conceito de raça não pertence ã historia natural do homem, não é um phenomeno anthropologico, e, sim, mera- mente um producto da historia civil, um facto sociológico, vale isto afflrmar que a raça como formai, por assim diser, consciente do próprio homem, é um resultado de selecção vo- luntária, ô alguma cousa que se faz, que se prepara, que se dirige, que se aífeiçôa ao sabor dos desejos daquelles a quem mais de perto cabe a fúncção do organizar e dirigir. No pri- meiro caso, trata-se de alguma oousa de inconsciente, de me- cânico, de nec3ssario, cujos defeitos mui lentamente, por pro- cessos adequados, ô possível muito de leve corrigir.

No segundo estamos em face dum phenomeno histórico, humano, social, cujo processus ó susceptível de ser acompa- nhado com discernimento e convenientemente modificado ao «abor dos nossos planos, dos nossos desejos, dos nossos ideaes. Num caso, a vontade humana 6 quasi impotente ; noutro é ella o elemento principal o, se lhe não agradar o resultado, é por- que não soube ou não quiz tomar a sério a sua própria missão. Dos dois significados, pois, do termo, o de consequências mais jjravespara os directores de povos novos, como o brazileiro, é

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exactamente aqaelle a que se apegam os preteaciosos que temem yer desfeitos oertos cálculos da vaidade em pyoà da realidade das fontes donde dimanam.

E nSo é sem razão indicar aqui em prevenção aos incautos donde e quando proveio essa idolatria pela intitulada raça so- ciológica ou histórica em ódio ao vordadeiro sentido naturalis- tico da cousa. Foi de certo tempo a esta parte. Vários escri- ptores, e entre elles até os que no concoito anthropologioo da raça, como Taine e Renan, tinham feito repousar a base mais segura de seus estudos do linguistica, de critica religiosa, de lit- teratura e de esthetica, entraram a se desdizer e a reduzir o mais possivel o valor da originaria distincção das raças humanas. Era e ó evidentemente um capricho para encobrir e desculpar os defeitos nacionaes. Neste intuito tanto mais tem procurado en- curtar o valor do flsicto anthropologioo, quanto tem alargado o do facto histórico. alguns têm chegado a asseverar : não existem e atô nunca existiram raças anthropologicamente distinctas e livres de mesclas, têm existido o existem ainda hoje apenas raças historicamente formadas.

Eis ahi a pretencão em toda a sua nudez. Aqui anda erro conscientemente arranjado e applaudido. Para chegar a isso pre- param de propósito a confusão e chegam ao ponto de, por so- phisma, para o desacreditarem, estender o conceito de raças aos simples ramos, simples garfos, meras variedades de um grupo ethnico qualquer, no claro empenho de, p3la exageração da cousa, mostrar-lho a sem razão.

Nada disto, poróm, colhe perante a sciencia, severa em seus methodos e estudos. Falam-nos abusivamente de i*aca por- tugueza, hespanhola, francoza, italiana, alleman, ingleza, hol- landeza, noruegnense, sueca, flamenga, polaca, latina, grega... meras variedades da raça aryana, para, pelo absurdo, mostrando as condições históricas em que se formaram essas nações, entre si sempre emmaranhadas, chegarem ã negação do facto geral: a distinção originaria dos aryanos em face, não dos membros es- parsos do seu mesmo grupo, senão diante de semitas, uralo-altaicos, malaios, drawidianos, polynesios, negritos, afri- canos, americanos.

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O absurdo é patonto.

O valor da historia, ninguom o contesta om bom juizo, na caldcação, diga-sc assim, das populações aryanas entre si o ató com populações mais antigas na Europa e na Ásia para a for- mação das nacionalidades em que veio a dividir-se a grande raça.— Hindus, Persas, Hellenos, Italiotas, Coitas, Germanos, SIavos primeiro, e, depois, francezes, hespanhóes, portuguezes, allemãeSfiDglezes, suecos, norueguenses, flamengos, hoiiandezes, russos, polacos são, por certo, prodactos da historia, estes muito mais do que aquolles.

Se historia, poróm, explica quasi por si a formação de cada uma das variedades, por exemplo, cm que se dividiram os diversos ramos da grande raça aryana, não consegue com igual facilidade dar o porque da distincçao dos alludidos ramos o muito monos a razão da diíTerença entre a citada raça e as outras raças inconfundíveis, que, com ella, formam oconjuncto do goncra humano. Sim, se 6 relativamente fácil mostrar, historicamente, como se formaram, verbi-gratia, as variedades do ramo latino, portuguezes, hespanhóes, francezes, italianos, não 6 historicamente facll explicar porque Latinos e Germâ- nicos, Celtas e Hellenos, SIavos e Iranianos, Hindds o Ligures (admittindo que estes últimos sejam aryanos) se distanciaram tanto entre si ; o muito menos commodo é, pelo mesmo processo, dar os motivos da radical diirerouciação entro os Aryanos o os Malaios e os Negros d'Africa o os Polynesios. . . Este é que é o facto contra o qual não valem esconjuroSi despeitos e sophismas.

A Aimosa acção da historia, por mafs que se tenha agitado o homem nos ultimes dez ou doze mil annos, que tantos deve haver desde a civilisação do Egypto, da Chaldôa, da Assyria, de Babylonia c mesmo da China, por mais que tenha destruído e misturado povo, não conseguiu ainda apagar as inconcussas verdades da Anthropologia c da Ethnographia.

Pôde ser que ainda o venha a conseguir; mas, por emq^uanto, é cedo para falar nisso. . . Tal o forte motivo pelo qual ó neces- sário contar sempr3 em nossa própria historia, em nossa pró- pria vida com o factor ethnologico. A* espera da mais ou monos

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o BRAZJL SOCIAL 127

pbaDtaslica extincçâo total das diíFereoças othnicas entro as Dações, a humanidado Acará talvez, não dez, mas trinta ou cia* Goenta ou cem mil annos, o ató a anthropologia terá sempro razão o direito de se fazer ouvir. Verdado 6 que, nos uUimos quatro séculos, depois quo os europêos correram todos os maros e terras o se arrogaram o direito do tomar conta das regiões que dizem ocoupadas por selvagent e gentes inferiores^ muito tem sido feito, na crença dos sonhadores, no sontiJo da indis- tiocçSo almejada. Olhando-so, porém, de mais porto para o íkcto, a grandeza do resultado ac roduz a bem pouco, porquanto, não conseguindo anniquilar o negro e o amarello^ poude apenas o branco desbaratar quasl por toda a parte o vermelho^ pondo, porém, cm seu logar, na America do Sul principalmente, um variegadissimo contingente de mestiços^ mais variados de cores, segundo a expressão de Quatrefages, do que a multidão de gatos que babitam nossos tolbados. . .

Gomo quer que seja, e om todo caso, o tal processo do igua- lisação, ató onde ó possivol, é um processo de morto o anni- quilamento directo ou indirecto. O diVdcf o é posto em pratica pelos aoglo-saxonios, a gente colonisadora por excoUencia ; o indirecto^ que é o do cruzamento, foi e continua a ser mais do gosto dos ibero-latinos, o segundo grupo notável do gentes colo- nisadoras do Renascimento a esta parte. Pelo primeiro methodo tem desapparecido quasi geralmente os indígenas dos Estados- Unidos e de varias zonas da Oceania.

O mesmo tentarão íazer, ahi com muitissimo menor êxito, aos negros d* Africa, logo quo a península osti vor quasi toda na posse de inglezes e aiiemãcs, iguacs os uUimos aos seus parentes neste particular. Não é que uns e outros destruam om directas e monstruosas hecatombes os selvagens ou os tratem peior do que 03 hespanhóes e portuguezes. B* que cream nos paizes sub- mettidos e conquistados uma ordem de cousas em que as raças inferiores não se podem manter. Prestam serviços, como animaes de earga, emquanto se formam as cidades, os canaes, as estradas, oi portos, a drenagem do solo, o desbravamento das mattas, as Unhas telegraphicas ; porém não cruzam, definham e morrem. Os restos que ficam, como os negros nos Estados Unidos, vivem

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debaixo da perpetaa suspeição, ilhados da popnlaçio branoa. B' o resultado a quo chegam, por via de regra, povos escuros em ccmtacto esobo domiaio direoto das gentes xantochroides do norte da Earopa. Esses belios exemplares hamanos de pelle alva, cabellos louros e olhos azues são iaconscien temente um fer- mento de morte para os pobres selvagens. Não assim os melano^ ehraide» do Meio^Dla. Estes são gentes de tez morena, cabellos pretos, olhos negros ou pardos, o são já, sem a menor duvida, resultado de misturas de brancos com berberes, altaioos, mongo- lóides e negros no imraenso laboratório circular do Medi- terrâneo. Inconscientemente, espontaneamente, sentem-se attra- hidos pelas Venos escuras das terras tropioaes. Cruzam oom ellis. B* um processo indirecto de riscar povos do livro da vida, apagando-lhes os caraoteristicos ethnicos ; mas ó mais humano e não digo mais meritório; porque não são cousas filhas de reflexão consciente. E este tem sido o caso dos portuguezes no Brazil por quatrocentos annos ; e ha de ser e está sendo em grande escala o dos italianos, que de S. Paulo, para onde principalmente têm convergido, hão de espalhar-se, cruzados e integrados nas populações da terr^, por todo o planalto central do paiz.

Emquanto, poróm, este ultimo facto so não dá, releva tratar de nossos fiictores ethnicos como elles nos são fornecidos pela historia e pela acção diuturna da vida durante os quatro séculos decorridos da descoberta ató a^ora: portugueus, indios^ e africanos. Eis ahi os três povop, anthropologica c ethnographi- camente distinctos, que nos têm vibdo a forjar, a amalgamar na incude e no cadinho da liistoria, cujo estado intorno o social 6 preciso sondar, agora por methodo novo, para ser poesivei o exacto conhecimento da alma brazi leira de hoje.

De nós outros é que se pôde dizer desde Já, e cada vez mais se poderá afflrmar no futuro, que vamos formando uma raça histórica^ em o sentido geralmente da'io a esta expressão. Um ft^agmento da bella e valorosa raça aryana, de si muito desfi- gurado e constituindo um caso disso que se chama raça histórica,— os portuguezes, alliou-se a duas raças, genni-* namente anthropologicas, completamente diversas e sob varies aspectos : indios americanos e negros da Afí^ica.

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Releva ainda uma yez confessar, não ser igual ao que de- fendo o ponto de vista de Le Piay e seus continuadores neste de-^ bate. Assim como saa classiflcação social não se me antolha uma verdadeira classiílcaçSo de phenomenos sociológicos, senão uma bella serie^ uma excellente nomenc! atura de problemas e questões da scienciaf assim também me parece que não assignalam ú. dif- ferencia^o das raças humanas as causas verdadeiramente pri- mitivas e ílnndamentaes .

Não ó que desconheçam essa differenciação ; é que apre- sentam como modificações do um typo único sob o influxo dos ca- minhos seguidos pelos vários grupos em que aquelle typo se Araocionou. Eis o que diz Ed. Demolins : «Laraoe n'est pas une cause, c*est une conséquence. La cause première, et decisive de la diversité des peuples et de la diversitâ des races, c*est la route que les peuples ont suime. G*est la route qui orée la race et qul tsj^ le type social» (1).

Sim ; a raça ô uma consequência, mas consequência de causas multo anteriores e muiio mais fortes do que quaesquer caminhos. A diversidade das raças provém, creio eu : do ap- parecimento dos primitivos grupos humanos do si diíferen- ciados em centros também divergentes ; 2* da permanência delles nesses sítios que operaram oomo consolidadores das diffe- renças nativas ; S^ as migrações posteriores que serviram para preparar as differenciações das variedades em que se vieram a fraccionar os Tarios grupos primitivos ; 4<» a permanência dila- tada dos emigrados em novos meios.

As duas primeiras causas explicam as divergências radicaes das raças mães ; as duas ultimas as distincções das variedades em que se ftragmeniou cada raça primltíva. Os caminhos de Ed. De- molins, que se acham no terceiro grupo, com terem seria impor- tancia, não representam o principal papel no assumpto.

Feitas estas reducções e expostos estes preliminares, é tempo de convidar o leitor a uma explicação mais directa do methodo de Bd. Demolins e de sua escola ao caso brazileiro.

(1) Commeiit ia roato crée lótypj social, I, pag. Vlí. 4323 9 Tomo lxix. p. ii.

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E* mister começar pelo indío. Elle representa na popu- lação do paiz o elemento mais antigo, mais adaptado ao 6ólo« mais aclimado, mais conhecedor das varias zonas, mais nume- roso durante dois séculos; aquelle quo, a despeito do luctas pos- teriores, foi o arrimo primário a que se acostou o invasor, direi meliior, os invasoresi, porquanto, sendo em 1500 constante o trafico de africanos e crescido o numero de escravos negros em Portugal, deve-se admittir a opinião de YarnLagen, o qual acreditava na vinda de gente desta procedência ao Brazil, desde a viagem de Pedro Alvares Cabral. Por taes motivos o Índio se me antolha como o leito sobre o qual se distendeu a população futura, ou, se quizerem, o velho tronco em que se vieram enxertar os elementos estranhos.

O portuguez e o negro nSo destruíram senão limitadamente oselyioola americano. Cruzaram com elle. Assimilaram -no 0 foram por elle assimilados. O drama dessa fusão, dessa dspla operação ethnico-social, até hoje mal descripto e mal compra- hendido pelos historiadores e sociólogos brazlleiros, será pa- ginas adiante esboçado.

Os estudos americanos em geral, na Europa ou ao conti- nente, têm peccado todos por alguns vioios Intrínsecos q^e os têm corrompido e tornado ató agora perfeitamente inutei^ para dolles se tirar uma consequência qualquer.

Os missionários e colonos intelligentes do século XVI, que deixaram noticias escrlptas dos nossos selvagens, eram dema- siado incompetentes para uma observação regular, capaz de sor« prehender os mais Íntimos factos sociacs o a fuodajnental psy- chologia dessas gentes rudes.

E, todavia, 6 onde se encontram hoje as natações de mór valia acerca de tudo que lhos diz respeito. Fizeram meras des- cripções; mas nelles vae hoje o investigador sociólogo achar os materiaes mais ou menos adequados p^ra suas conclusões.

não é o mesmo o caracter e o prestiqio dos escriptos dos colonos o missionários dos séculos XVilyB XVIIi. Inimisados, brigados uns com os outros, por motivo exactamente dos indi)s, seus relatórios, memorias, cartas o noticias, sobre o tbeina de suas desavenças e luctas, revestem as cores de estu-

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dadas apologias oa desdenhosas caricaturas. E* mister nesso cahos respigar com parco afan o desconfiado critério.

Os naturalistas e ethnologos do secnlo XIX, a despeito de todas as suas pretenções, nada mais têm feito até agora do que alguns estudos das linguas e dos usos e costumes mais ou menos exteriores, dos quaes têm precipitadamente feito brotar classi- ficações, classificações e mais classificações. Entendem elles que com aJgons róes de raças e linguas e de linguas e raças está tudo feito. E até os mais eminentes, como Martins, von Steinen, Ehrenrcieh, não saliiram d*ahi. Que dizer dos de segunda ou terceira ordem, como H* von Ihóring e E. Qoeldi?. Este ultimo era conferencia realisada em 1896 sob o pomposo titulo £!srado actual dos conhecimeniofí acerca» dos Índios do Brazil^ não sae do safaro terreno das classificações. Mas ahi mesmppommette o lapso de não citar Rodrigues Peixoto, que rocti doou a çlassi-: ficação de Prichard, Baptista Caetano, que corrigiu a de Hervás e de Martins.

Fala, é certo, em Capistrano de Abreu, de quem apenas o nome, sem declarar que ello emendou a classificado de von den Steinen e ampliou4ho os estudos do bacahiry... E' gente quo ainda hoje se suppõe em mundo yirgem e em terreno por ella conquistado. (1)

E* pena que esses naturalistas sejam tão alheios ás questões sociológicas. Ainda hoje pensam que, com o classificarem os Índios brazileiros om quatro grupos principaes, Gês^ Ka- raiòas^ Nú-Aruacks^ e Tupis, ou em cinco, segundo Capistrano de Abreu, que a estes junta o grupo importantíssimo dos Ca~ rirySf está tudo feito. Completo engano.

O reduzir a quatro ou cinco grupos, povos primitivos da Ásia, da Africa, ou da Europa, ou da Oceania, ou da America não faz caminhar um passo o saber positivo da humanidade*, nem esclarece n'uma linha os problemas sociaes.

Ainda menos adiantam as impertinentes questões continua* damente levantadas pelos auctores brazileiros durante quasi

(i) Vide Jioletimdo Museu Paraense, vol. 11, n. 4; dozombro do 1898, pag. 397 e seg.

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todo O correr do secnlo XIX, a respeito dos gentioíi. Radaziam- se, por via de regra, ás seguintes: se houve ou não injustiça no modo como os colonisadores trataram os indios ; se estes eram Ott não civilisados ; quaes os meltiores processos para o con- seguir ; 80 iam em progresso, ao tempo da descoberta do paiz, ou estavam retrogradando ; se eram os donos da terra com direito de repeliir os invasores ; se eram ou nfto os genuínos representantes do povo brazileiro... Parece incrível que se gastasse tanto papel e tinta em discutir taes fi*ioleiras.

Ainda em melados do século, os mais empenhados no debate nfto etam os medíocres escriptores da occasião ; eram os me- lhores talentos e as maiores illustrações, Gonçalves Dias, Gon- çalves de Magalhães, J. Francisco Lisboa e F. A. VarnhageD.

' Os dois poetas tomaram o partido dos caboclos e os dois historiadores o dos portuguezes. Os themas discutidos foram èstes, seguàdo J. F. Lisboa, que lhes chamava importafUes questões. €08 selvagens, que os primeiros exploradores encon- traram no Brazil, eram um povo bruto e ferozt destituído de toda e qualquer virtude, ou degeneraram da primitiva grandeza e magnanimidade ao contacto da escravidão a que os sujeitaram! Eram ellcs proprietários da terra que pis9.vam, e com direito exclusivo á sua posse, tinham por ventura ode repeliir os invasores europeus que pretendiam turbal-a? Foi deveras uma desgraça para estas regiões que na lucta travada entre uns e outros, a victoria se declarasse pelo arcabuz e pela ospada, contra a flecha e o tacape ?

Qual era a população provável do Brasil ao começar a oo- lonisação portugueza? Podia ella computai^-se por milhões? Foram os portuguezes que a ferro e fogo anniquilaram tantas e florescentes aldeias? A nação brasileira actual de qaemddBoende, dós portuguezes, ou dos selvagens ? Foram estes os que deram a base para o nosso caracter social ? Será a coroa da nossa pros- peridade o dia de sua inteira rehabilita^ (U

Taes os pontos esclarecidos por F. Lisboa em resposta a Gonçalves Dias, em 1854.

(1) Obras do João Francisco Lisboa, íl, pag. idd; edicao deiddS.

o BHAZIL SOCIAL 133

Pouco depois, P. A. do VarnhageD, maU acaloradamente ainda quo o seu predecessor do Maraoh&o, debatia estes capí- tulos contra os selvagens: cEram os que percorriam o nosso território, & chegada dos christãos europeus, os seus legítimos donofl? Viviam, independentemente da falta do ferro e de co- nhecimento da verdadeira religião, em um estado social inve- jável? Esse estado melhoraria, sem o influxo externo que mandou a Providencia por meio do chriatianismo ? Havia meio de 06 reduzir e amansar, sem empregar a coacção pela forca ? Houve grandes excessos de abuso nos meios empregados para essas reducções ? Dos três principaes elementos de povoacãOi Índio, branco e negro, que concorreram ao desenvolvimento de quasi todos os paizes da America, que predomina hoje no nosso ? Quando se apresentam discordes ou em travada lucta estos três elementos no passado, qual delles devemos suppor representante histórico da nacionalidade de hoje?» (1)

Eis ahi: parece odoscretear de preparatorianos em dicidir quem foi maior Alexandre ou Gezar, Annibai ou Napoleão. .

São debates sem alcance, insolúveis ou impertinentes. Não ó isso que havemos mister. A questão é uma só: qual o estado de cultura do indio, ou quaes as suas qualidades sociaes e como 6 com que entrou na forma(^ do povo brazileiro. Tudo o mais ^ pintar n'agua.

E o seu estado social tem de ser procurado no que é Ainda- mental na vida: trabalho, propriedade, família, organização da existência. A Sciencia Social chegou neste ponto a couclusões certas, cujo valor e veracidade tenho confirmado nos escriptos dai melhores autoridades oxistontos a cerca dos costumes dos selvagens brazilefros. Podemse eleger os principaes Gabriel Soares e Fernão Cardim, representando o quo hqk de mais selecto no assumpto em todo o século XVI, quando os chronistas diziam sine ira ac studio q que viam ; Francisco Lisboa e Adolpho Varnhagen^ symbolizando a sciencia brazileira de meiados do século XIX, principalmente naa investigações históricas em que ainda não foram excedidos: e, finalmente,

(1) Historia Geral do Brazil, II, pag. XI; edição de 1857.

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Cauto de Magalhães 6 Capistrano de Abreu, falando estes pela mesma sciencia nos ultimos annos do alludido século ; podem-se eleger, dizia estes notáveis espíritos, todos elles confirmarão as conclusões que vão ser ora referidas.

Habituado a estudos do género, segundo o methodo de- scripto, habituado a sondar a organização social atravéz dos factos desconexos acòumulados pelos viajantes, com a simples leitura do livro, aiíás magnifico, de Crevaux, Voyages dans VAmérique du Sud, Edmond Demolins'chegou a este resultado, quanto aos selvagens desta parte do mundo, resultado aqui reproduzido, resumindo fortemente as paginas do illustre escriptor.

Vamos agora apreciar, pondera elle, o ultimo gráo de desor- ganização social om que possa cabir a humanidade.

O typo que nos vae olTerocer este espécimen é o índio das fio- restas da America do Sul.

A região differe dos esteppcs e das savanas, sob o ponto de vista do clima e das producções vogetaes e animaes. O trabalho deve àhi estar organizado de modo divergente .Éo que se vae vêr. Nos solos fiorostaes, as populações não podem se entregar nem â arte pastoril, nem á caça em ponto grande^ a caça de animaes em numerosas manadas; não lhes resta como meio principal de existência senão a pequena caça. Tem-se a isto de juntar a pesca fluvial e a collecta de fructas selvagens, que são ainda uma espécie de caça. Gomo a arte pastoril, a caça e a pesca desse gé- nero são um trabalho de simples collecta^ attrahente, portanto. O attractivo da caça e da peaca devo ser ass^gnalado, porque mostra como, em certos casos, pastores podem facilmente se transformar em caçadores o mostra também a immensa difiicul* dade do transformar caçadores cm agricultores e industriaes.

A caça não exige nenhuma previdência : a presa de cada dia fornece o alimento desse dia. Deve até ser consumida mais ou menos immediatamente, porque não pôde se conservar por maito tempo. Ê um género de trabalho, pois, acccessivel ao geral dos homens.

Se por esses caracteres geraes a caça e pesca se parecem com a arte pastoril, differem delia por muitas condições essen- ciaes que modificam completamente o typo social.

o BRAZIL SOCIAL '' 135

1«. Superioridade da mocidade em face da velhice. A cata o a preza da caça exigem qualidade eapeciaes: agilidade, dos* treza, força, qualidades estas que se encontram mais pecnii^ armente nos moços. Estes podem cedo bastar-se a si mesmos, o são levados a constituir vida á parte, afim do guardarem para si o fructo de sou trabalho o ezonorarem*se dos dereres d*assistencia para com os velhos pães. E um modo de trabalho que & mocidade a superioridade sobre a velhice: a aucto- ridado e a influencia passam dos pães aos filhos.

^. Desenvolvimento do individualismo.— A arte pastoril con- serva juntos todos os membros da familia; a grande caça dos animaes em manadas, como o bisão, reúne ainda os homens; a pequena, a dos animaes esparsos, nem ao menos para formar os clans de caçadores, como entre os Pelles Vermelhas, Cada um tem, ás mais das vezes, interesse em isolar-se, em fazer a ca- çada por sua própria conta: qualquer caçador ô um concur- ronte. Esta tendência ao individualismo é ajudada pelas faci- lidades que a pequena caça offerece. O joven pastor não é tentado a separar-se da grande communidade patriarchal, porque não pôde viver som rebanho, nem arranjal-o facilmente. E\ pois, quando outros motivos não existissem, retido no lar pela difflculdade material de afastar-se. A auctoridade paterna é, deste modo, singularmente fortificada pela natureza das cousas.

B' inteiramente o inverso entre caçadores ; os trabalhos para a collocação dos que se retiram são os mais elementares e menos custosos imagináveis. As habitações não passam de palhoças de páos e ramos, cobertas de palha.

Os moveis, por causa das mudanças frequentes, são mais rudimentares. Os apparelhos de caça e pesca es^ no mesmo caso. Tudo os leva a separarem-se.

Deve-se ter, porém, todo o cuidado cm não confundir esse individualismo amorpho o dissolvente, que deforma os sel- vagens, com o forte parlicularismo, que caracterisa os povos mais progressivos da terra. O primeiro reduz a sociedade a uma espécie de pulvorisação individual, o outro assegura ao par- ticular, ao cidadão a maior somma de independência em feioe

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40 Estado, sem lhe retirar a aptidão para c&nsHluir aêsaciações^ quer na vida privada, qaer na vida pablica. A differença 6 radical e não deve ser esquecida.

2^, Limitação dos meios de emsíência , A caca esgota-se com facilidade; a sabsistencia torna-se diíflcil e a questão da alimen- ^ção transforma-ae em preocupagão grave. A incerteza dos paeios de existência aos selvagens um estômago particular- mente complacente. Podem âcar muitos dias sem comer e absorver depois, se a collecta é abundante, uma quantidade pro- digiosa de alimentos. Estas circumstancias fazem nascer as Çtierras incessantes de tribus contra tribus e, nalguns pontos, o cannibaHsmo,

Nem ao menos podem elles, os selvagens desta parte America preparar e levar a eíTeito as formidáveis invasões em busca de novos céus e novas terras, pelas dií&culdades espe- çiaes do meio e mais ainda pela falta de cavallos e d*outros animaes deconducção. Volttam-se entíio contra os seus próprios similhantes.

4<^. Necessidade e difficuldade das migrações periódicas.— A caça forca o selvagem a migrações periódicas. Tem elle de seguir 08 animaès em seus diversos esconderijos, ora afundando- se na matta para alcançar os claros e descampados onde se reúnem certos animaes, ora vindo á margem dos rios a pescar os peixes andadores, como o cumaru, ou recolher os ovos das tartarugas. Se, porém, o caçador ô obrigado a taes migrações, é lhe, por outro lado, diíficilimo leval-as a effeito. Bmquanto tudo é caminho na savana e no esteppe, tudo 6 obstáculo nas mattas- As veredas não são íi*anqueadas e a vegetação as toma rapida- mente impraticáveis. Por isso varias tribus tlcam muitas vozes sem relações entro si e encontra-se não raro um dialecto para cem Índios i

Taes são as circumstancias que desenvolvem nestes selva- gens, mais ainda do que entre os caçadores de bisões e de bú- falos, um costume que mais accontila a desorganização da íámilia^ o abandono dos velhos, dos doentes, das crianças, e, em geral, todos os que não se podem transportar focilmente.

A despeito dessas dlfflculdades que assaltam de vez em

o BRAZIL SOCIAL }37

quando os eaoadores, elles preferem esse reinado atirahente daa prodaoQões espontâneas do solo e das agaas. Sontem repugnância inveneivel etu passar para o regimen da cultura o por isso a mais elementar e que tenha os caracteres da simples collecta^ quasi t&o singela como a pesca e a caga, existe entre elles : a da mandioca, do milho, da banana, do inhame.

Póde-se diaer destes selvagens que praticam vagamente o regimen da propriedade Wibál^ quanto ao sólo ; da proprie- dade fomiliál ou grupai^ quanto á choupana (ou óca) e da proprie- dade individual^ quanto aos instrumentos rudimentares de tra- balho. Mas se o sólo é de todos, a extensão de percurso accessivel a cada grupo é restricta.

Esta limitação provóm, em primeiro logar, das difflculdades da circulação que predem os caçadores em um território relati- vamente limitado, ^, em segundo logar, da natureza das pro- ducções espontâneas, que são susceptíveis de esgotarem» se facilmente, forçando os grupos a defenderem com energia contra ps visinhos o accesso de seu território de caça.

A verdadeira propriedade do selvagem é a sua destreza^ sua forfia, sua agilidade, que são coisas exclusivamente pessoaes, que não se transmittem. A grave questão da transmissão da pro' priedade não existe. Nenhum laço, nem até material, liga as gerações entre si, tornando-as solidarias. O mão, o dissolvente individualismo triumpha.

Tudo está mostrando que essas gentes, tendo ficado caçado- ras e pescadoras, não puderam constituir a família patriarchal, typo característico dos pastores. O excrcicio da auctoridade pa- terna ó obstado pela superioridade que a caça outorga aos moços sobre os velhos. A pulverisação do apagada e rudimentar fUmilia instável substituo a forte cohesão da família patriarchal. Nesia a estabilidade é garantida pela perpetuidade em torno d*um mesmo lar, movei ou fixo.

Não existe solução de continuidade entre as successivas gerações.

Aqui é o inverso : a iociperfeita familia se dissolve perio- dicamente, fragmentando-se para se reconstruir momenta- neamente em torno de novos lares, tão pouco estáveis quanto os

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procedentes. NSo á mais uma arrore secular, é uma planta do vida ephemora. E* facto conhecido que os povos de famílias patriarchaes transmittem sucoessivamente as tradições e as lendas mais antigas do suas raças. Ainda hoje a lembrança de Timur, do famoso TamerlOo, ó viva debaixo das tendas ; conser- va-se em cantos repetido entre os Mongóes. N&o se o mesmo com os solvagens, que não tôm passado, porque seu lar é ins- atvel, não se presta á conservação e transmissão das velhas recordações da raça. Quem conhece as tradições dos selvagens da America, da Austrália, ou da Nova Zelândia? (1)

-se bem, por estes factos, quo a perpetuidade do lar con- stituo para as raças um solido fundamento de suas nacionali- dades. Os pacs em conservando junto a si até ã morte todos os filhos, ou ao monos um dellos, inculcam naturalmente o conjun- cto dos onslnamentos, das idólas, dos hábitos, das tradições que receberam polo mesmo modo. Cada geração se prende intima- monte a todas as que a precederam. Ck>mprehend6-se, sem que soja mister insistir, a que fica reduzida a auctoridade paterna n'um regimen que afasta tão prematura e tão completamente os filhos dos pães. A funoção do pae limita -se aos encargos maíii estrictamente indispensáveis : a procreação e os cuidados mate- riaes da infância ; a mocidade fica fora do sua influencia, a edade madura escapa-lhe de todo. A organização da família humana tende a modelar-se pela dos animaes. Os fílhos são pequenos selvagens alheios a quaesquer praticas .moraes ; a religião se reduz a superstições grosseiríssimas, ao terror dos mãos espí- ritos, cujo influxo se conjura com feiticeírlas o sortilégios. Este género de incipiente família instável acarrota oomsigo outra consequência grave: deixa sem refugio e sem amparo os orphãos, os doentes, os velhos, em uma palavra, os fracos, os incapazes, ao passo que o lar patriarchal esta sempre aberto para rooolher os inválidos da vida: podem nunca sahir ou voltar sempre em caso de infortúnio.

(1) Os selvagens transmittem apenas de geração em geração in- significantes concepções mythicas. Posso amrmar, modificando cm parte as asserções de Demolins,

o BRAZIL SOCIAL i39

A organisação dos poderes pttblicos é análoga á da família. Diverge, portanto, entre caçadores e pastores. Bntre esies o mecanismo dos poderes públicos ó concentrado na família; entre caçadores, desaggregada elia e reduzida & expressão mais sim- ples, ô Imprópria para prehencher as mesmas funeções. Nâo são os velhos, considerados incapazes, que poderiam assumir o pesado encargo de resistir aos incessantes ataques das tribu visinhas. Para isso ó mister ser moço, vigoroso, emprehen- dedor. O poder pertence aos mais fortes. Estes o exercem arbi> trariamento, como soe acontecer com toda auctoridade que re- pous:& na força e tem por intuito principal— a guerra.

O poder 6 despótico e cruel; cada tribu ô organizada para a defesa e para o ataque, e deve estar prestes para o que dér o viór. E não é sem razSo que as tabas e ocas selvagens sao ornamentadas por horrorosos trophéos. O estado permameute de guerra desenvolvo a forma de auctoridade mais arbitraria ; a franqueza extrema, a instabilidade da familia tornam essa auctoridade invasora, o que não priva que tal poder seja também essencialmente instável. S* a força que faz os chefes; ó a força que os derriba: elles fazem tremer, porém elles tremem também. Todos os viajantes que visitaram os sel- vagens notaram esse traço de seus costumes (1).

Este quadro é verdadeiro em suas linhas geraes. Mas duas considerações attenúam, até corto ponto, as suas cores, que poderiam ser mais carregadas: é que o illustre escriptor, de um lado, obedecendo ao preconceito da unidade originaria de todos os homens, nos selvagens da America do Sul gentes que, na origem, possuíram a. familia patriarchal, vindo a trocal-a pela instável no correr de míllenios em sua nova residência ; e, d*outro lado, conhece os alludidos alarves^ como lhes chamava Gabriel Soares, pelo livro do Dr. Greveaux, onde se acham descriptos os Índios algum tanto cultos do plató das Ouyanas e do valle do Amazonas, em contaoto com

(l) Les grandes Routes des Peuples(E8sai de Géographie Sociale)* —Les Routes de l'Antiquité, pag.s. 163 e seguintes. Fiz uma conso- lidação resumida.

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OS brancos desde mais de ires scoulos. Se Edmond Deroolins Dão fosâe fiel á sua preoccupaç&a inicial o conhecesse os sel- vagens pelo citado G. Sjares, por exemplo, ou Gardim, ou outros escriptores do primeiro século da cjoqulsti, haveria de vér que, no Brazil, muitos delles nilo passaram de meros a/xi- nkador^s; que não chegaram a constituir nem mesmo a família instavfil existente n*outras raças; que não Unham conceito certo de propriedade; que não formavam tribut organisadas e apenas simples grupos (tabas), subdivididos em clans rudimentares (óoas), tendo por base quasi indistincta promiscuidade o não o parentesco. O individualismo dissolvente era ainda mais accen- tuado do que pareceu ao sábio sociólogo franoez.

Sua descripção, poróm, ó acceitavel como o retrato das raças mais adiantadas dentre os indios brazileiros (1). E como muitos dos traços de nossa psychologia nacional de hoje estão alli em garmen ! E como somos levianos em não estudar as nossas origens para conhecer donde partem nossos defeitofl e procurar corrigil-os !

E como somos superdciaes em buscar fora a fonte de nossos males, attribuindo-os aos governos, quando ella está em nós mesmos, o aqui todos dalto a baixo, governos e povos, provêm da mesma origem e padecem da mesma doença: o vicio origi- nário e oonstitaicional !

Mas não se antecipem factos e conclusões. Urge proseguir. B' tempo de apreciar o factor Africano, um dos elementos essen- eiaes e predominantes na formação brazileira.

O negro acha-se nas mesmas condições do selvagem da America do Sul. «Le typedes chasscursdes forôts afrioaines doit ôtre placo h la suite du type quo nous venons de de- orire» (2). O inconsciente da historia ligou os dous typos no Brasil. . . Haverá nisto mero acaso ? Não o sei dizer.

Se acerca dos indios tiveram logar pequenas discussões

(1) D;âxo, para não sobrocarroprar demasiado estas paginas, de transcrever trechos comprobativos— do G. Soares, F. Varnhagen, F. Lisboa, Oouto do Magalhics o Capistrano de Abreu.

(2) Demolins, op. cit.

o BRAZIL SOCIAL 141

algum tanto ingénuas, a respeito dos negros o silencio tem sido na sciencia do paiz absolutamente completo.

Maita estranheza causaram em varias ródás nãoionaes o haverem a Hiitoria da Liiteraiura e OS Esiudos sobre a Poesia Popular Brasileira reclamado contra o olvido proposital feito nas lettras nacionaes a respeito do contingente africano e pro* testado contra a injustiça dahi originada.

Entre nós, nos derradeiros tempos sobretudo, alguns espi« ritos, intelligentes, honestos e desabusados têm estudado os Índios sob vários aspectos.

Dos negros 6 que ninguém se quiz j&mais oocupar, commet- tendo-se, assim, a mais censurável ingratidão.

Qual a carta ethnographioa d* Africa ao tempo do descobri- mento do Brazil, época em que começou este]a importar escravos d*alem-mar? E no século XVII, que nos forneceu centenas de milhares de africanos? E no XVIII, que proseguiu fartamente na messe r £ no XIX, ató 1850, que se excedeu no terrível commercio? Qual então a classificação das raças, a situação politica de vários estados do continente fronteiriço ? Qual o gráo de cultura em que se achavam? Qual a organização social dessas gentes ? Quaes as tribus de que nos trouxeram captivos ? E em que numero ? Que lhes devemos na ordem económica, social, politica? Ninguém o sabe ainda hojel... Ninguém ja- mais quiz sabôi-o, em obediência ao prejuízo da côr, com medo de, em mostrando sympathia em qualquer gráo por -esse im- menso elemento da nossa população, passar por descendente da raça africana, de passar por mestiço L,. Eis a verdade nua e orúa. £' preciso acabar com isto; ô mister deixar de temer preconceitos, deixar de mentir e' rdstabelocer os negros no quinhão que lhes tiramos : o logar que a elles compete, sem a menor sombra de fovor, em tudo que tem sido, em quatro se- oulos, praticado no Brazil.

E o que mais admira, o que é mais censurável, sem duvida*

è que o não tenham feito tantos negros intelligentes, tantos

mestiços illustrados, que abundam em elevadas posições no paiz.

Preferem, como os velhos que se pintam, illudirem-se a si

proprioB: darem-se por latinos, celtas e creio que ató heUems, . .

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Não pôde haver nada mais cómico. Sim; nada mais para fazer rir sobre a terra do que apreciar o aplomb com qne a mes- tiçada nacional, na soa immensa escala chromatica, em rea- niões, sociedades, congressos, grupos, academias, assemblóas, tropas de torra e mar, todo e qualquer ajuntamento, em summa, em que appareçam de cem brazileiros para cima, caso em que a proporção dos misturados para os brancos suppostos puros é sempre de noventa e cinco a noventa e novo por cento, nada mais cómico do que o sério com que a immensa mestiçada fabula de si própria pouco mais ou menos como se constituísse uma reunião de fidalgos anglo-saxões ou de antigos Eupatridas do mais puro sangue... Ah! Deus ! Quando se acabará essa cegueira e nosso povo, para seguir firme o seu caminho, tratará de conhecer suas origens sem illusões e sem preconceitos?

Depois de proferido o citado rebate sobre o esquecimento em que sempre no Brazil se deixou o estudo de nossas origens africanas, appareceram uns pequenos escriptos na Bahia acerca de fêiticismo dos pretos daquelia zona e de alguns levantes que alli se deram, por elles promovidos, em fins do século XVIII e nas primeiras quatro décadas do século seguinte.

Não deixam de ter algum interesse essas achegas para o conhecimento das alludidas origens ; mas, evidentemente, por esse caminho, iremos ter ás producções anecdoticas ao gosto das referidas a respeito dMudios. O que havemos mister ó co« nhecer, á luz dos novos processos da sciencia social, o estado exacto das sociedades africanas que enviaram representantes ao Brazil e a parte com que entraram na formação da nova nacio- nalidade aqui ftiodada. Esta ó a questão; o mais é esgrimir no ar.

Felizmente, na falta do e3tudos brazileiros, existe o admi^ rave!, o magnifico livro de A. do Préville,— Lcs Sociétés A/W- caines ; leur origine leur évolulion leur avenir, que derrama uma luz intensíssima no assumpto.

O auctor é um dos mais autorizados discípulos da escola de Le Play, um dos mais eminentes companheiros de H. de Tour* villc, Ed. Demolins, P. de Rousiers.

O objecto do livro é como se fosse um assumpto estricta-

o BRAZIL SOCIAL 143

mente nacional ; e por isso é aqui resumido em saas tbesea capitães.

O continente africano, espécie de pia giganU$ca^ como lhe chamava Livingstono, é nm plató alto cercado quasi comple- tamente por montanhas, próximas da costa.

Divide-se em quatro regiões perfeitamente distinctaSt qae sao outras tantas ssonas sociâes igualmente definidas.

Cada uma dessas zonas é o habibat de raças e sociedades divergentes.

A seguir do norte para o sul a successao das regiões é a se- guinte, segundo as próprias expressões de A. de Próville:

A zona dos Desertos do norte, que ô sêcca, onde a vegetação arborescente é qaasi nuUa ou pouco considerável; constitae um todo de vastos desertos ou csteppes mais ou menos pobres ; con- fina com a Ásia de que é nm prolongamento.

A zona do planalto central, ou área equatorial, onde as chuvas quotidianas asseguram uma humidade constante, favo- rável ao crescimento das arvores, é um inamenso massiço de florestas luxuriantes e pantanosas, no qual abundam a grande e a pequena caça.

A iona dos Desertos do sul, que reproduz a seccura crescente da do norte.

E, finalmente, a zona montanJiosa, situada a leste, formada por um cmaranbamento de yalles florestaes e de cumiadas hervosas.

Cada uma dessas grandes zonas se subdivide, sob o ponto de vista do clima, dos recursos da vida, e, portanto, do trabalho e da organização social, em varias regiões. De8t*arte, a dos de- sertos do norte que nSo interessa directamente a este estudo, por não ser habitada por negros e sim pelos brancos Berberes, divide-se em: região dos pastores cavalleiros, região dos pastores cameleiros, região dos pastores cabreiros, região dos pastores va* queiros^ seguiodo do norte para o sul.

A zona montanhosa de lôste que merece peculiar attenção a quem estada as raças negras, por ser uma espécie de offieina gentium no continente preto, por ser o ponto alli primeiro po- voa lo por ellas e donde ainda hoje irradiam para oeste e sul,

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"posaao: pequeninos plaiós liêrvosos^ próprios para a industria píistorilf terrenos de pastoreio artificial e cultura ; paragens ad^^ quadas d caça ; terras próprias para a eollecta de fiructos espon- tâneos do solo.

A zoDa dos desertos do sol apresenta as seguintes modal i* dades: savanas^ esteppes pobres ^ territórios de caça.

A zona do eentro, que 6 a região da mata equatorial, mais pujante ainda do que a do Amazonas, que lhe ô fronteiriça, divide-se em quatro regiões distinctas: a da mandioca^ a da ba» fuxna, a do tocusso (èleusine)^ a do sorgho (dourah)^ do sul para O norte.

Pondo de parte os Árabes, que se têm mettido na Africa pelo menos desde três ou quatro séculos antes de Ghristo, mais ou menos intensamente, o com assignalada aotiridade desde o século VII da nossa éra ; sem íàlar nos Europeos^ que, desde o século XV, têm fundado feitorias e colónias em suas costas ; excluindo os Egypdos e Berberes, contados entre as gentes brancas, ou quasi, e os Hottentotes^ que sSo incluídos entre os povos amarellos, os habitantes das três zcuas de Leste, Centro e Sul são pretos, ramificados em três grupos: Baniús, ChUúkes^ Bthiopes. Estes últimos se subdividem em Abyssinios e Oallas; pa- recem uma formação mestiça, devida a antiquíssimos crasa* mentos com os primitivos Aditas. Os Abyssinios, por sua posição próxima ao Egypto, e outras vantagens naturaes, civUisaram-se até certo ponto e escapam ás considerações feitas por A. de Préville sobre o complexo das gentes pretas africanas. Não assim os GcUlas e menos ainda os Bantús e ChUuhe».'- As raças negras, tomadas em coojuncto, mostram muitos pontos de semelhança com os indios do Brazii e diversos pontos de di- vergência. Entre estes avultam o facto de serem varias dellai dadas á industria do pastoreio nas regiões de leste e sul e o facto de se dedicarem algumas aos trabalhos agripolas. Póde-se atô dizer que o negro deixa de ser pastor onde não p6do absolutamente dar-se a esse género de vida, na lona do centro, infestada pela í^mosa mosca tjsétzé, mortal aos rebanhos, e s6 não exerce a cultura, onde é*lhe também impossível nessa mesma zooa na parte da mata, quasi impenetrável. Infoliz-

o BRAZL SOCtAL 145

mente o império da tséljtê orça por 10 milhOes de kilometros quadrados, um terço da Africa, igual à Europa inteira, e a extensão da intensa mata, sobe a cerca do um milhão do kilo- metros.

Grande porção das gentss negras yive oircumscripta nestes limites, entregue á caça o a collecta, com todos os inconveni- entes próprios destes meios de viver, e, onde é possível, a um rudimentar cultivo do solo.

O maior numero dos africanos vindos para o Brazil foi da zona typica snb-equatorial.

Mas, acompanhando Préville, veja o leitor o caracter so- cial do preto, zona por zona o v&, desde já, reparando nos poDtos de semelhança existentes entre esse caracter e o do vá- rios grupos das populações brazileiras.

Começando pela originalíssima região montanhosa de Leste, o primeiro núcleo de populações negras a despertar a attenç&o é a dos que se dão ao pastoreio nos platós cobertos de hervao. A vida pastoril, porém, nessas paragens está mui loDge de se paracer com a dos pastores nómades, organisados em famílias patriarchaed, do immenso esteppe central asiático, com a dos nómades do grande deserto do norte africano e até com a dos esteppes pobres dos bottentotes no sul do continente. Os pequenos platós hervados das' montanhas de Leste são dema- siado estreitos para darem logar ao regimen nómade, que é substituído pelo do mudança simples de pastagens óu retiros. Os francezes chamam a isto le regime de transhumance^ le pâ^ turage transhumantf c^est-d^dire qú*on établit deux stations pour les traupeaux, Vune d^hiver^ Vautre d'été, segundo as próprias palavras do autor que vou compendiando. Temos o facto entre nós em nossa enormíssima zona pastoril, que abrange todo o Brazil central, desde o alto norte nas margens do Rio Branco em o massiço da Guyana até á fronteira da Republica do Uruguay, com excepção apenas do corte produzido pelo Ama- zonas; temos o facto, muito commum principalmente na região typica que vai do Paraguaçú da Bahia ao Itapecurú do Ma- ranhão sem o termo technico. Em Sergipe, chama-se: mudar o gado de pasto ou de solti. ; em Minas diz-se mudar o gado de 4323—10 Tomo lxix p. ii.

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retiro, ao que me asseverou o Dr. Carlos Lindenberg, iiias- trado agrioaltor e oiiador estabelecido na cidade da Campanha. Em Portugal tradui-Be transhiumance por deamb%U€íção .

Na vastíssima extensão do Brazil pastoril, porém, o pheno- meno se em escala muito menor e aem as oonseqeaencias acar- retadas peculiarmente em Africa na região de que se trata. Alli a &milia tende a tornarão sedentária em uma das resi- dências, ordinariamente a de inverno, mais própria para a conservação dos lacticiuios, e a enviar uma parte de seus membros com os rebanhos, quando estes se deslocam para a estação de estio. por este íkcto fica ella cortada em duas, pelo menos durante uma parte do anno.

A posse dos pequenos platós tem sido desde os primórdios disputada, dando origem a perpetuo estado de guerra, man- tido peia estreiteza dos alludidos planaltos. B' mister manter-se a gente nelles contra os ataques de no70s invasores e oontra as reivindicações incessantes dos antigos possuidores esparsos nas \i8inhanças« Não ó este estado de defensiva o resultado da residência nos apertados sítios ; ella estimula também ã offen- siva: não raro as pastagens se tornjkm insofficientes e ó preciso occupar as do visinho. O rebanho pelas epidemias reiu&se muitas vezes a nada: é necessário íkier a razzia nos mais próximos. Sob o influxo dessas necessidades de defeza e de ata- que,— um grupo se desprende da familia sedentária: ó o doã cofnhaitenteSf dos guerreiros, dos moços. B eis a offlciaa de tra- balho da familia dividida pelo menos em três offlcinas isoladas: a do pae^ que flca no ponto mais favorável das pastagens, o mais defensável; a dos pastores ou hraalde trabalho, composto de jovens de ambos os sexos« encarregados de vigiar os rebanhos nos pastos de estio ou de inverno ; a dos guerreiros ou kraal mi' litar, dedicado ã defeza do solo e ás expedigOes de razsias. Em tal meio a guerra é uma questão de vida o morte, ó um modo de trabalho^ O serviço das armas exerce sobre o grupo sooial pre* ponderancia irrecusável. A familia, o dan^ a nação são consti- tuídos para a guerra. Os meninos de ambos os sexos permanecem longe do lar ató ã idade de quatorze annos nos kraals de pasto- reirOf pertencentes ãs varias íiamilias . Quando o filho de um chofe

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local^ am chefe de clan^ attíoge aquella idade, |em de eotrar no serviço da guerra, seguido de todos os seus companheiros á^ mesma idade. Cada ps^ d& a seu filho algamas cabeças de gado para seu uso pessoal, e todos juntos partem para o hraaf, occupa« dos yelosBl Morans ou Jovens guerreiros, da suWi visão. As pas- toras acompanhf^m ainda ahi os pastores: ficam com elles no hraal guerreiro, como dantes no hraal de gado, para os serviços domésticos e preparo dos alimentos. E eis ainda neste segundo pstado a mistura dos sexos, longe da rudimentar família, que fica sempre fora da formação da mocidade. O El-láoratp não exerce outro oficio além do da guerra. Suas armas, son escudo, sua tenda de couro, todos os sous petrechos são fabricados pelo Eh GonOf misero escravo, habitante das aldeias conquistadas, ao qual incumbem também todos os trabalhos, alóm d^^ gua^rda do rer banho do acampamento, e é conservado na mais complatã^ ab- jecção. O joven soldado não ficii ocioso, O campo movei não é res- guardado ppr nenhuma fortificação; sua segurança repousa na vigilância das sentinellas regularmeate coUocadas.

No intervallo de suas horas de gu^^rda o M-Moran deve aprender a melodia selvagem do canto de guerra, escutar em silencio intermináveis discursos, ou íazel-os, se lh*o mandam; aprender em manobras mothodicas nas cercanias do acampa- mento o man^o das armas, e, sobretudo, instrair-a^ na graQ4e arte de furtar com destreza os utensílios, o marfim, ou os re- banhos. Este ponto é capital; porque se se deixa agarrar, sua cabeça, fincada em uma estaca, virá a ornar a portt^ de uma aldeia inimiga. Os bandos, sempre ambulantes dos El-Morant^ servem de gns^ição ao paiz; espreitam todas as passagens, que os soldados conhecem admiravelmente por tel-as percorrido, quer effeoti vãmente no correr das expedições quer pelos olhos do alto de algum cumis elevado. Cahem t^es bandos de improviso, ao sul, á leste e ao oeste, nos pontos que o grande conselho, as- sistido pslo grande niagico ou Jjybon^ designa como objectivo d§iS raxzias, ou, quando chamados em socorro, mediante salário, por algum chefe de sua raça, residente em terras afastadas, intervêiqi em seu £avo^ eontra os rivaes sustentados por outro^ ))^ndos, formados pelo mesmo mod«AQ*

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Quando a raszia é bem saccedida, ou o salário em rezes é pago ao bando, trata-se da partilha do espolio, tiradas de an- temão numerosas cabeças de gado em proveito do Lyhon^ o ma- gico, oiyos conselhos são tão preciosos. A divirilo do restante oocasiona brigas sangainolentas. Os valentões, os insolentes, consultando apenas a própria avidez, apoderam-se dos animaes, segundo sua conveniência e desafiam os companheiros a vil-os tomar. A regra é que se, contra, todos conseguem defender du- rante três dias a preza, ella não será mais disputada. E* então que se dão as verdadeiras batalhas.

Sucumbem mais guerreiros nestas desavenças do que du- rante a sortida em terra inimiga.

Matar, porôm, por este modo é permittido; porque todo o homem que nâo sabe garantir a sua pelle, não merece senão o esquecimento.

Sorprehende-se aqui a profunda differença existente entre as raças originadas dos pastores nómades e as formadas nos pe. quenos platós hervados. O logar do patriarcha está vasio e a partilha, fim natural das operações da communidade, effectua-se com a força do braço.

Foi do rebanho do pae que os El-Morant tiraram a primeira subvenção em gado, necessária á sua administrado no acampa- mento; é, em troca, o rebanho paterno que se enriquece com os animaes capturados por seas filhos, ao menos em grande parte. Contribue, desta arte, o emigrante militar para conservar o lar donde sahio, viveiro de guerreiros, atô á morte do pae. Quando esta se dá, o mais velho, o mais antigo dos El-Morans sabidos de casa, é chamado ás pressas e toma posse da suocessão que lhe toca inteira. Sae com saudades da corporação militar, casa-se logo que chega a sazão em que nascem os bezerros. B' um caso de iransmisião integral do património^ bem diverso, porém, do que se nas íkmilias patriarchaes em que persiste a indivisão para todos, passando ao mais velho apenas a autoridade moral^ e também divergente do que se nas fumUias troncos, base das sociedades de formação particularista , nas quaes o herdeiro é antes associado d gestão, é um escolhido por certas qualidades. O pastor dos pequenos planaltos não conhece seus filhos e nenhum

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destes é preparado para a succesinLo; porque as officinas do ira- halho em que elles se formaram s&o alheias & direcção dos cheíbs de fomiliar A razão que limita a um o numero dos herpeiros ó uma idôa de lucta constante contra os visinhos para a.conserYação dos pequenos platós de pastagem, id^ inspirada pela própria estreiteza desses platós.

Neste género de sociedade, nesta espécie de paizes de re- cursos limitados, importa limitar também o numero dos oasaes estabelecidos no território. As noiras são compradas por nm certo numero de vaccase o costume tem estabelecido que, até & morte do pae, os filhos não as podem possuir como próprias, o que retarda ató os casamentos.

Ck>m o systema de vida em commum para a mocidade dos dois sexos* o ^ií-iforan acharia mulher grátis; mas os filhos oriundos desta união, os bastardos nascidoii nos hroids de guerra» pertencem ao pai da mulher. A casa que se quizesse assim ítindar seria um lar sem filhos, e, portanto, caduco ; seria em proveito do ayó materno e de seu futuro herdeiro que os moços trabalhariam, quer dizer pilhariam no futuro ; seria elle que receberia o preço do casamento das filhas. Em taes oondlções pode-se praticar a união livre, mas não o casamento, o au- gmento normal dos lares estabelecidos, direito que pertence ao filho mais velho e pela morte do progenitor.

O primogénito, uma vez transformado de El^Moran em EI^Morua^ em chefe de casa e seohor de rebanho, não sonhara mais com proezas pessoaes ; seu cuidado será multiplicar, com o rebanho, o enxame de defensores do solo e roubadores de gado. Tendo vivido, oomo se viu, longe das vistas do pae, num meio turbulento e brutal, não recebeu nenhuma formação moral, nenhuma tradição: não aprendeu a honrar senãoa íorça material e a coragem feroz.

O antigo chefe da familia, que não tomava mais parto na guerra, morto de moléstia ou velhice e não no brilho da força, em meio de façanhas, n(U> preitava mais para nada» Por isso não obtém as honras fúnebres, reservadas aos heróes cabidos na lucta. O herdeiro toma nos hombros esse cadáver, que nenhuma aureola ennobrece, e o lança fora do recinto da casa atraz do

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oorral dos animaes. Depois as hyenas e aves de rapina deixam alli apenas alguns ossos limpos em qae o caminhante com o pó, oa que os meniaos do hraal, rindo, atiram uns nos outros em seus brinquedos.

Nos lares desses montanhezes, pois» desorganisados pela guerra, não existem respeitosas tradições firmadas na memoria dos maiores ; nâo existe culto domestico, religifto na íkmilia ; e, como ó mister ao homem um culto, o poYo inteiro entrsgar- se-á ás superstições da magia, é, influencia dos Lybons ou faxe* dor9s de chuna^ que se gabam de poder refk^escar & Tontade ai pastagens, impedir a mortandade dos animaes, predizer a tí- etoria ou a derrota.

Que contraste pasmoso com o typo patriarchal, existente entre os pastores nomadesl Que diflérença entre esse patriarcha sempre presente^ formado no lar pelos antepassados, revestido da autoridade tradicional» afeiçoando seus desoenduites ao molde de que eile mesmo é um exemplo e este El Morua, cujos filhos e filhas correm aventuras ao longe e crescem debaixo da dirocçfto única dos camaradas, tomados por chefes por causa do vigor do seu braço!

Que difEérença entre o antepassado reverenoiadOv ao qual, vivo ou mortO) se dirigem os signaes do mais absoluto respeito, a inclinação, Siprostação e este chefe de hraal que sou herdeiro, naturalmente, sem o mais leve remorso, vae atirar á estrada!

Donde nasce esta opposiçfto tão completa nas idéas e nos há- bitos? Provêm em grande parte de uma simples difliérença na organisaçfto do trabalho, da separação completa, nos pequenos piatós em questão, entre a offlcina de trabalho dos filhos e a do pae. Mas para dar a explicação completa, do ultimo flMsto que é puramente africano, é forçoso admlttir a ausência de tradições patriarchaes anteriores no seio da raça que povoou aqnelles sitios e nellesJ4se entrega á industria do pastoreio transhu- mant»

Resta examinar a sorte dos filhos mais moços^ por occasião da morte do pae, quando o mais velho toma posse do rebanho. Biles, os irmãos mais moços, nada podem pretender na sttcoessão ; porém dahi por diante todo o gado conquistado por elles lhes

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pertencerá. Ficarão ainda algrom tempo em serviço, reunindo recarsos, aguerrindo-se cada vez mais, tomando sobre os sens jovens camaradas uma inâuencia crescente. Quando jnlga a oc- casião opportuna, o vete /ano entre elies, e com o recarso dos companheiros d^armas, desce das alturas, condaziodo diante de si seu pequeno rebanho*

Levando suas boas amigas, toma uma direc^ segnida por seus predecessores e invade algumas aldeias das terras baixas, onde os negros, expulsos em épocas passadas das alturas, vivem da eollecta e de exigua cultura. Impõe tarefas e tributos para sustentar seu gado, suas gentes e a elle mesmo; toroa-se senhor do solo, toma o governo e ítinda, desVarte, uma dessas chefarias de aldeia encontradas por toda parte n*Afrioa pelos via jantes, desde as bases das montanhas de leste até ao divisor das aguas do Congo.

Uma vez estabelecido, esse invasor tenta aoorescentar seu império pelo commercio e pela guerra, pela politica, pelas ali- anças com os chefes visinhos da mesma raça e os bandos de seus antigos camaradas. Tal é a origem de um grande numero de reis negros^ de quasi todos aquelles que são senhores de aldeias com- prehendidas na zona montanhosa e mesmo dos que se encontram até ao coração do plató central, ainda de posse, em signal de nobreza, e a detpeito das difflonldades do logar, de alguns ani** mães que se tornam quasi selvagens.

Bsses chefes implantam-se âtcilmente no meio das popii<* iaçOes das terras baixas, porque estas populações são oompUta- mente desorganisadas sob o ponto de vista social, porque a con* stituição da família se acha nellas inteiramente arruinada, em razão das mudanças a que foram forçadas, das conquistas que soffreram; ao passo que os emigrantes dos pequenos platóe her- vosos sahem de um dan mais ou menos solido, estão, pelas oir- cumstancias afeitos a uma disciplina seria. Esses chefes, im- postos pela força, são considerados como senhores, por direito de conquista, da região sobre a qual se extende sua acção. Não constituem, porém, a propriedade privada do selo, desconhecida em suas pastagens. Usarão do poder para fazer respeitar o ter- ritório, para manter nelle uma certa ordem proveitosa a seus

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iotoresses, para compelir o povo ú, cultura, se a collecia e a caça não forem sufflcieates.

Não recuarão diante de nenhuma repressão sanguinária, de nenhuma explosão barbara. Não podendo mais roubar gados, farãoirazzias de escravos. Não se aoham no caso de ensinara seus súbditos as qualidades que não receberam em sua edu- cação: o respeito da mulher, a autoridade paterna, a compaixão, o culto privado. Sua corte sorá dissoluta, seu governo absoluto e feroz; a influencia dos feiticeiros serã para elles omnipotente, o trafico dos escravos se organisarà sob sua direcção. Tal é 0 quadro geral da África negra, desde essas mais adiantadas gentes da região montanhosa de leste, quadro que se vae cada vez mais tornando escuro, á medida que se vae eston- dendo ás populações das outras zonas, ainda mais desorga* nisadas.

K este ó o caso dos habitantes das regiões baixas, visinhas dos pequenos planaltos hervosos, que o autor passa a examinar por meudo. Não o acompanharei nesta excursão, altamente in- strnctiva, porque mais urgente é o estudo das gentes do sul e do centro, d'onde ao Brazil veiu a môr parte dos africanos impor- tados. Limito-me, sempre com Próville, seguido quasi pelas mesmas palavras, a dizer que as populações das terras baixas vi- sinhas dos planaltos de pastagens foram d*alli repellidas e for- çadas, em novos sitios, a trabalhos diiferentes dos do pastoreio, vindo a soffrer uma tríplice deformação: a primeira pela neces- sidade de submetterem-so a chefes militares; a segunda, como vflneida?, pekt privação de seus meios primitivos de existência ; a terceira sob a acção de novos modos de trabalho impostos pela natureza dos legares que as receberam após a derrota. A caça, a collecta de fructas, a cultura impuzeram-se-Uies, con- forme a natureza dos Jiabitats.

Mas nem todos os repellidos da grande região do Leste, ponto inicial dessa vibração que põe, segundo a phrase do autor, em movimento e desloca perpetuamente as populações negras, como o comprovam todos os exploradores, têm íicado nas re- giões baixas visinhas.

Muitos se têm dirigido para o Sul ou para o Oeste, onde os

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seus destinoi tôm sido assas diyergentes, conforme as novas re* sidencias.

Deste numero sâo as gentes, que formam o grande grupo ethnico denominado Baniu, das quaes provieram em mór escala 09 negros passados ao Brazii, não s6 Bantús, do sul« como do centro.

Nas savanas da zona meridional âsaram-se mais ou menos muitos grupos desses emigrados, que são geralmente denomi- nado Ca/re^, cujos principaesrepresentaotes são ^ti/ús, Mauhdesj Makololos, Beihcuanas^ Damaras^ Eerreros, Ovambos, Amboellas e outros menos famosos.

de si desastradamente organisados no seu remotíssimo viver nas altas regiões de leste, ainda mais imperfeitas são as linhas geraes de seu estado social nas bellas savanas do sul africano.

As deformações aocentuaram-se notavelmente no correr da longa o morosisaima retirada através das hervagens das mon- tanhas. Para resistirem aos que os impelliam a sahir, para des- locarem-se e pôrem-se em marcha em boa ordem, salvando os gados, para abrirem caminho em meio de populações hostis que era mister desalojar de posições de difficil acoesso, os actuacs habitantes d'Africa austral foram obrigados a submetter-se cada vez mais a uma disciplina militar implacável. O que se chama a sociedade civil, da qual o casal do chefe da família, do El» Morua, é uma representação, como se viu, foi nesses pobres emi- grados absorvidos pelo commando militar absoluto.

Estes grupos não se podem mais denominar nem famílias, nem clans, nem tribus: são, como dizem os missionários do Zambeze—, regimentos. Os chefes locaes são Indunas ou capitães.

elles, e isto raramente, são consultados pelo rei ; formam um consaho de guerra^ que julga os delictos e applioa duas espécies de penas: a mutilação o a morte.

Quando uma sociedade, pondera o auctor, que vou seguindo quasi literalmente, se transforma a esse ponto, quando todas as suas forças vivas so concentram nas mãos dos que governam, sendo estes puramente militares, é que ella atravessou circum- stancias, nas quaes a íUmilia se tornou insufAciente para ga-

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rantir aos seus membros a satisfaçSo das primeiras neoessi- dades: o pão quotidiano e a segurança da existência. Compre- hede-se, sem esforço, a dificuldade que se mostrou, desde o co- meço da longa migração, para conduzir separadamente os re- banhos pertencentes a cada El^Morua ou chefe de fi.milia; for- çoso era jantar os animaes em um comboio que os bandos ar« mados pudessem proteger.

No fim de longos prazos de jornadas e lactas, era impossível proceder a partilhas e especialmente repartir ae perdas^ consi- deradas como soflfridas por todos.

De tudo resalta a neoesssidade de formar series de rebanhos eommans, cujo admnistrador é o chefe de guerra, o que ordena os moTimentos e deve assegurar a alimentado dos combatentes. De6t*arte, pòie^se dizer que se achavam invertidas as posições: na montanha, como se viu, os rebanhos conseguidos pelos kraals de guerra, pelos diversos El^M&ruas iam engrossar os rebanhos dos chefes de familia, dos diversos Bl^Moruas ; agora é o con- trario: subsiste o rebanho pertencente ao campo de guerra, engrossado pelos rebanhos particulares dos chefes de casa. E* uma transformação radical, prenhe de consequências graves.

Despojado da gestão, que era sua funcção própria, o chefe de fámilia retoma a lança, entra na fileira e vae perdendo aos poucos suas qualidades de previdência postas em pratica em tempo do pastoreio deambtdante^ e agora inúteis no meio de um verdadeiro regimento. ao envez disso, o chefe encarregado de tudo dirigir, de fazer viver toda a partida, conserva essa qua- lidade da previdência. Ck)ncentra em suas mãos os interesses de todos, dirige o rebanho e reúne em torno de si as mulheres que se encarregam da manipula^ do leite. Este chefe toma-8e« além de patrão gerais um director do trabalho ; toma-se, por isso, muito poderoso, conserva a hereditariedade em sua fkmi - lia, á qual, e a ella, as oircumstanclas conservam a idóa de previsão e de governo. B assim a raça de pequenos patrões com suas casas independentes dos pequenos platós hervosos chega aos pastos da zona do sul transformada em regimento^ com um pequeno numero de capitães hereditários, senhores de tudo» dos guerreiros, das mulheres, dos rebanhos...

o BRAZIL SOCIAL Í 5S

Nas pastagens mais uniformes da Africa austral acbam-ae mudadas as condições do trabalho, ao mesmo tempo que o oa^ racter da raça.

O regimen de simples deambulação {transhumanoe) nSo é mais possível para o gado, porque a alternativa das estações 9Qcci9k e hnmiáA prodvt ao mesmo tempo as mesmas modificações na região inteira. A Tida nómade, qual a praticam os moradorw dos desertos do norte, ó impossível ao caflra, como se disse, porque a existência dos pastores nómades, mongóes, semitas, berberes ou aryanos, hontem como hoje, suppõe o laço patri- archal na família e na tribu, o respeito das tradições, dos maio- res, a autoridade dos anoiios, a solariedade baseada no paren- tesco, cousas todas estas que Jamais ot negros possuíram, nem até nos famosos platôs da região montanhosa de Lesta e ainda menos, se é possível, nas regiõe» do sul e do centro.

O capitão nao ó um patriarcha; é um explorador e um do- minador íbroz, que usa das qualidades de um mando que poude conservar, não como pae devotado, sim como senhor interes* seiro e implaeaTel.

Seu regimento é para elle uma cousa que lhe pertenee, não é sua fttmilia.

8e as grandes migrações são interdietas aos poTos cafres, em virtude de sua constitui^ social, se o pastoreio deambu- lante, que corrige a desigualdade das estações, lhes escapa, forçoso lhes á o reduzirem seus rebanhos ao numero minimo de cabeças que a terra pôde alimentar na esta^ secca, a mais desvantajosa. Não se pôde, pois, viver exclusivamente de gado e deve-se recorrer á cultura^ aliás fooil e remuneradora pelas condições favoráveis do clima.

Os pastos são, em geral, nas savanas do sul limitados por espaços inflBstados de abrolhos e espinhaes ou por verda deiras florestas que tornam as eommunicações difflceii de uns para outros. Cada dan habita separadamente as vastas ilhotas aptas ao pastoreio. Retida pelas fronteiras naturaes e pela re- sistência dos visinhos, a oabiida tornvse sedentária e entrega-se á cultura. B como a guerra ô constante nas fh>nteira8, entre essas gentes arregimentadas, todo homem é soldado, o que vale

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dizer, que á malher incumbe o trabalho da terra. 03 bomens, nos intervallos dag expedições, passam os dias a fumar e a beber em roda do kraal e das cabanas do capitão, A mulher Tem a ser» desta íórma» o verdadeiro trabalhador e productor entre os eaí^es.

Ora as necessidades das primitivas retiradas guerreiras tinham grupado as mulheres era torno do chefe e sob a saa direcção.

Comprehende-se que esse mandão poderoso reclame o maior numero possível de taes trabalhadores. Nas expedições de guerra não se captura somente o gado do inimigo, leva-se também uma parte da popula(^o. Os homens^ são massacrados, salvo os que podem fUglr a tempo do campo de batalha; as mulheres tornam*-se escravas; os flihos, levados com ellas, reparam as perdas que os continues combates infligem aos vencedores.

Os meninos/ criados no exercito, tomarão nelle logar mais tarde ; as meninas serão mais tarde desposadas pelos Indunas (capitães), ou pelo rei. Até doze annos todos os meninos, nas- cidos na tribu ou tomados de íóra, são alimentados exclusiva- mente de leite. Desde que podem andar, vão duas vezes por dia todos Juntos ao kraal do capifâo, e sob a inspec^^o deste ofll- oial, tomam por si mesmos sua refeição nas tôtaj das vaocas.

por este traço tão característico póde-so avaliar o que resta da família ! . . . Um capitão do bando a substituo nas Ain- cções mais necessárias e mais intimas !... Tome-se nota do facto.

Acima desses capitães de bando^ origem certa de nossos ca- pUães de matto eáe muitos outros mandões^ que sempre infes« taram todo o interior do Brazii, onundos delles^ dos coct^^i^s sei» vagens e de certos chefes de solares portuguezes, acima de taes capitães esta o rei, capitão dos capitães. A autoridade superior, poróm, exercida pelo rei não chega a contrabalançar a influencia de que gozam os capitães sobre cada uma de suas companhias, influencia que não ó o resultado d*uma intimidado de momento, mas uma verdadeira força social, ligada á fUncção de patrão e de director do trabalho, exercida pelos taes capitães. Infelizmente a destruição da famiUa levou as cousas a este triste resultado.

o BRAZIL SOCIAL 157

O capit&o facilmente percebe o poderoso laço que o .prende a seus homens, serve fielmente o rei, por causa das distribui- ções de rôzes feitas por elle depois da viotoria, cujo principal elemento foi o agrupamento sob suas ordens d'um grande numero de companheiros. Mas quando se sente bastante rico e bastante forte para escapar ao mando real, um rebento de ambíç^ brota em seu cérebro. Quando se julga, por modos vários, preparado para a empreza, emigra, deserta com sua companhia e seu re- banho e vae por sua conta occupar uma terra afajstada, cujos habitantes submette.

Estes, privados de seus gados, são coagidos a nutrir por meio de tributos, cobrados sobre suas culturas, suas caças, suas ooUectas, o bando invasor que fica formando uma espeeie de casta superior, tendo ella direito ao rebanho de bois. Os pa- rentes do feliz capitão, seus guerreiros notáveis e os filhos, filhas e ató sobrinhas destes —governam as aldeias e íázem entrar os impostos*. . Por este methodo ô que tôm tido origem os afamados governichos africanos de Mahololos, Matabeles, Zulus e outras gentes do continente tenebroso.

A devastação, o roubo dos gados, a escravidão dos que escapam têm sido o viver normal das gentes negras desde os mais remotos tempos. E* regra que tem sido descripta por todos os que as têm visitado desde o século XV ate hoje.

A formado exclusivamente militar dos povos que habitam a região das savanas, vencedores ou vencidos, é a causa da fra- gilidade do laço nacional entre elles. Este laço é quebrado nos vencidos pela suppressão do kraal de gado do seu capitão ; nos vencedores pela deserção constante, e, por assim dizer, clássica dos respectivos capitães. E' uma espécie de endémica traição po^ litica de que, parece, varias amostras, como sobrevivência, tém appareoido nos modernos tempos entre os régulos brazileiros e seus mais chegados capitães. Em Africa o facto tem sido e ó ainda hoje corrente.

Tornado Inhosi, istoé, m, o antigo /ncíuna, ou capitão^ in- forma Préville, que tenho estado, repito, a compendiar, acha-so, por sua vez, nas condições do Inhosi^ por elle abandonado, a saber, tondo sob suas ordens officiaes^ possuidores cada um de

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seu kraal de gados, aos quaes Impõe a autoridade que elle acaba de sacudir por sua conta. Estes, após prazo mais oq menos curto ou longo, conforme as circumstancias, pelo exercício mesmo de suas funoçOes patronaes, são fustigados a ter para com o seu rei ou Inkosi exactamente a mesma oonducta, o mesmo proceder que elle próprio tinha seguido com vantagens: eyadirem-se traiçoeiramente para o norte, pois é invariavel- mente nesta direcção que se têm feito os movimentos dos bantús, depois de sua segunda pátria nas savanas meridionaes.

O verdadeiro centro de agrupamento, de recrutamento so- cial, o ponto inicial e persistente oommum a todos os membros da agglomeração, entre os Cafres, ô, claramente, o rebanho que possuo o rei ou o capitão.

Por Isso nas guerras incessantes que são o focto predomi- nante da zona, os rebanhos são sempre a attracção e o lucro do combate: o vencido, despojado do seu gado, é condemnado, por isso mesmo, á morte nacional,

A importância que tem para o vencedor nada deixar escapar de rebanho e de gente da população inimiga, é que dictou as regras da táctica cafre: emquanto o centro âca immovel« guardando as rezes, as duas alas do exercito se extendem ã di- reita e á esquerda em um vaato movimento rotatório, afim de encurralar completamente o adversário. Mas nem todos os povos vencidos são destruídos; um grande numero, até de an- tigos cafres, é simplesmente reduzido ã escravidão. O exercito dos senhores, acampado em torno da residência real e submet- tido a dura disciplina, escreve E. Reclus, citado em Próville, o exercito dos senhores, infinitamente mais reduzido em numero do que as populações escra visadas, pelo terror pôde dominar: apparece, ora n'u:n ponto ora n'outro, devastando campos, pi- lhando os animaes. . . Gentes, outr*ora sedentárias, tomaram-se hordas de fUgitivos, abandonando aldeias e culturas quando se approxima o exercito do rei. O trabalho das minas é-lhes inter- dicto para que se não enriqueçam; a caça do elephante, nas regiões mais ao norte em que elle apparece, lhes ó vedada, por ser uma occupação nobre e escravos não deverem se igualar aos senhores...

Q BBAZIL SOaAL 169

Alguns deflses destroços de gente deixaram de oriar gado ; 03 Mandandas^ habitantes das plaoioies situadas perto do rei de Gata, puzeram-se a criar cachorros, na esperança de gueao menos esta carne deepresad^ não lhes será tomada por seus oppressores.

£ são estas as gentes consideradas a raça affe^Uva por so- nhadores phantasistas, preoccupados em arranjar trindades, trios e trilogias!...

O caracter social dos bantús meridionaes está, eridente* mente, ainda mais deteriorado do que o dos seus parentes das regiões altas de lóste.

Não são elles, poróm, os únicos habitadores africanos do sul do continente. Nos esteppes de sudoeste residem os EoUentotes, que não são negros, como âcou dito, e no desertp de Kalahari e yisinhanças os Bushmanos.

Daquelles nada ha a dizer que intsresse ao Brazil ; dos outros, dos quaes nos vieram não poucos exemplares, basta re- ferir que esses Íncolas de magros terrenos de caga, impróprios para o pastoreio e para a cultura, andam reduzidos á maior des- organisação pelas diíflculdades d' uma vida quasi sempre er* rante e semrecursos certos E' uma poeira de homens, diz o illustre escriptor, sem laço, sem resistência contra as incursões dos estrangeiros. De tempos immemoriaes os Bushmanos foram um oelleiro d* escravos para os Hottontotes e Cafres.

£' tempo de passar á zona equatorial do centro, o grande império da tiéué, a região sem rebanhos, sem pastores, a re- gião da rudimentar cultura, da pura collecta e da grande e pequena caça, a verdadeira África, viveiro d^escravos para a America, durante perto de quatro séculos e durante mais de quatro mil annos para o Velho Muudo.

A rápida vista lançada sobre as gentes de lóste foi exigida pelo facto de ali estarem em gérmen as fontes dsus populações afiicanas, segundo a melhor critica; o leve olhar atirado aos povos do sul foi imposto pela necessidade de mostrar a pri- meira deformação dos africanos negros, logo ao sahir seu ponto de partida e pelo facto de que muitos milharejs dos escravos importados no Brazil foram dali provindos.

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A apreciação, porém, do caracter social das gentes do oentro, dos africanos sub-equatoriaes, impoe-se a quem quer que pretenda saber duas linhas acerca da formação, da cons- titaiçSo e do caracter da sociedade brazLleira. Em que peze a fátuo pretenciosos de todas as formas e feitios, ali está uma das fontes caudaes que despejaram no Brazil, durante quasi quatrocentos annos, numerosisimos contingentes para a argamassa de sua população. Assim o quizeraro, assim o te- nham. N&o é mais do que viver séculos do trabalho alheio, es- crayisando duas raças, e depois pretender arrancar as paginas da historia para phantasiar fidalguias. Não é mais do que fazer do paiz um vastíssimo harsm de Índias, pretas, mulatas cor de canella, e morenas cor de jambo, segundo o lyrismo dengoso dos D. Juans colonisadores e patrícios, e, agora, impor silencio ao sangue . A enormíssima mestiçada brasileira labuta numa situado psyohologica verdadeiramente original: tem ódio ao branco e procura por todos os modos passar por branca ! E* curioso. Falta-Ihe a coragem de dar-so pelo que realmente é. . .

A immensa zona africana do centro, manancial da mór parte dos vinte e tantos milhões de negros escravos que im- portamos, divide-se em quatro regiões, caracterisadas pela plan- ta, cujo producto serve de base á alimentação das respectivas populações : a mandioca, a hanana^ o tocusso {éleusinê]^ o sôrgko [dourah).

Servir de base ã alimentação é, talvez, nm simples mado de dizer, porque a verdadeira base se encontra na caça. Va- mos lidir, pois, com gentes caçadoras, ao geito mais ou menos dos Índios brazileiros: e digo mais ou menos, porque em Africa, n:x região ora estudada existe a grande caçada dos enormes quadrúpedes que não se encontra entre nós, como notei, pa- ginas atraz.

As populações africanas, quer as berberes do norte, quer as abyssinias, quer as negras estudadas de láste e sul, dão-se como se viu, ú, arte pastoril c modiflcam-se, conforme as va« riações impostas pela natureza a esse género de trabalho. Na zona do oentro uma modificação ainda mais radical se eifectua nas gentes negras.

o BRAZIL SOCIAL 161

Ahi desappareGem os grandes auxiliares do homem : o boi, o cavailo, o camello. a cabra. Raros exemplares desta e do boi são conservados num e noutro ponto* com enormes difficul- dades. Alguns cães, também difflcilmente conservados, e aves constituem a provisão de animaes domésticos. A causa deste phenomeno estranho ô, como disse, repetindo sempre Pré- ville, o quot ainda uma vez o noto, o leitor deve sempre ter em vista, ô a mosca tzétzé^ também chamada mosca do éle^ phantôy cuja picada ô causa do morto certa para o boi^ o cavallo Q o cão. O homem é immune. Mas é forçado a viver sem o au- xilio dos principaes animaes domésticos, auxilio indispensável, ató certo ponto, até para os mais elementares trabalhos de simples coUecta^ de pequena cultura, do mera extrac(^, de fa- bricação e de transportes (1).

Na vastíssima zona do centro esta o theatro do uma orga- nisação social particular. As cabildas que passaram as fronteiras dos domínios da tzéué foram aquellas que, não se podendo manter nas regiões visinhas, se acharam compellidas a penetrar e a ficar na terrível zona. Tiveram de transformar-se quanto aos meios de existência e a estructura social.

A grande caçada, isto é, a caçada aos grandes animaes, os buffklos, rhlnocerontes, hippopotamos e elephantes, exige agru- pamentos numerosos, que se podem chamar clans fie caça. B* recrutamento que se faz fora dos laços do sangue ; porque as fiimilias estão desorganisadas de antemão, quer anterior- mente a seu recalcamento para dentro das mattas equatoriaes, quer pela pratica diária da caça aos pequenos animaes ; porque não se deve esquecer que as grandes caçadas slo relativamente pouco numerosas e vão se tornando cada vez mais espaçadas.

(1) Cumpro chamar a attonção para a palavra coUecta, Segundo a escola de Lo rlay existem certo» trabalhos de fácil producção arbores- cente^ fructos, tâmaras, castanhas, nozes, amêndoas, etc, trabalhos que os francezes denominam de simple cueillettè. Ora, a melhor traducção de cueillette seria —colheita, se, em portugnez, esta pa- lavra não se applicasse também aosproductos dos mais complicados, difBceis e penosos trabalhos da cultura da terra. Por isso verto sempre o termo francez por coUecta^ quando temo referido sentido.

4:?23— 11 Tomo lxix p. ir.

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No valle do Congo, como no do Amazonas, os efléitos dessa especia de trabalho sSo: a imprevidência, a superioridade ou- torgada á mocidade sobre a velhice, o desenvolvimento do es- pirito de máo individualismo dispersivo, o relaxamento do berço familiar, a poIygamia« a cultura pelas mulheres, a indillé- rença dos pais para com os filhos.

A familia assim desorganisada, não tom acçSo sobre os in- divíduos que oompOem o olan ou bando da grande caça ; não pode, além disto, lhes dar a mínima protecção contra o chefe ao qual os submettem as necessidades do trabalho. Este chefe é naturalmente vigoroso ; e o habito do perigo inspira-lhe o despreso da vida alheia. A disciplina torna-se inexorável e o poder absoluto do director não pode solfrer nenhuma opposição. As cabildas de caçadores reunemnso ao som sinistro de enormes tambores, espalhados nas mattas. Taes cabildas têm numorosis- simos ensejes para mutuamente se guerrearem,

A caça se desloca diante da perseguição de que é objecto ; o elephante torna-so raro, choga a desapparecer de certos sítios, exactamente os que são habitados pelos caçadores mais intre-- pidos; a occupação por estes de novos territórios; o encontro das cabildas ou clans ; as queixas frequentes que esses homens violentos têm a levantar uns contra os outros ; a penúria, em fim, todas essas circumst^neias sio causas constantes de guerra. Os chefes de caçadoi^es tornam-se chefes de guerreiros ; os bandos de caçadores tornam-se tropas de combatentes. A guerra é para elles uma variante da caça ; e é bradando Bobo, bobo^ carne, carne, que se lançam sobre o inimigo.

Quanto ã mais notável de todas as caçadas, a do elephante, ella logar á operação da partilha que exige a presença do ohefe. A graxa e a carne utilisadas são em quantidade enorme. A carne é dividida em manias que são moqueadai, exacta- mente como faziam os Índios do Brazil, dos quaos os negros em assumpto de caça, coUecta e lavoura nada tiveram a aprender o sim muito a ensinar. Uma parte cabe a cada caçador ; a parte do chefe é um terço ou metade do animal todo, conforme os casos. Cabem-lhe, além disso, certas partes do íkto, mocotós, orelhas, pedaços delicados, na opinião dnssas gentes, e, demais,

o BRAZIL SOCIAL 163

todo O marfim, O commercio a que este logar é antiquUsimo ; 6 foi eUe então oomo hoje o attrativo das caravanas para o in- terior da Africa. Quasi todo anda nas mãos dos chefts on pe* quenos reU E' um monopólio que llies ImmeQSo poder, <mde nascem graves oonsequenoias.

A imprevidência dos caçadores e o apparecimanto da pena- ria gerai trazem aos chefes repetidas occasiões de utilisarem a riqueza, oriunda desse privilegio, comprando géneros que re- vendom aos homens e mulheres de sua aldeia, dos quaes quasi espontaneamente se constituem senhores, especialmente dos me- ninos. As caravanas, traficadoras de marfim desde a mais re-^ mota antiguidade, desde sete ou oito mil annos atraz, fornecem uma sahida segura para os escravos qua o rei não utilisa dire- ctamente, além daquelles que ollas constantemeate prêam por sua conta. £' no commercio do marfim, pois, que se deve pro curar a origem do trafico dos negros para o Egypto, Núbia, Arábia, índia, As^yria, Babylonia, Pérsia, Judéa o Phenioia desde os mais longinquos tempos.

E eis o resultado geral, no centro da Africa, da influencia do trabalho da caça sobre os populações: modificação da familia e de todos os agrupamentos sociaes no sentido da escravidão.

Mas esta synthese das sociedades da zona central, da região da caça, tomadas em oonjuncto, não dispensa a caracterisação das gentes do cada uma das quatro porções em que aquella zona se subdivide.

Cumpre, antes de ir adiante, não deixar em esquecimento um traço de grande valor.

A religião dos negros oaçadores da mata é muito mais som- bria do que a dos pastores pretos de leste e do sul.

Os feiticeiros não são mais os fazedores de chuva ; são fa- brioantes de filtros e de encantamentos, destinados a fascinar a caça, a afugentar as feras. São mestres eméritos na fabri- cação de venenoe, cujo emprego se liga â arte da caça, o elles estendem ás suas artimanhas magicas e feiticerias de caracter vario. As myatoriosas trevas da floresta, cujos impenetráveis labyrintos podem homisiar a morte a cada passo, o isolamento e a falta de aipoio resultantes da profunda desorganisação da

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fiuniliat arrebatam o caçador ]^ra os (errores supersticiosos, entretidos caidadosamente pelos feiticeiros. Estes empregam todos 08 meios para entreter taes pavores, simulando appari- çlies sinistras, phantasmas medonhos, e nSo se esquecendo de daremrse sempre como tendo o preciso poder para ooqjurar os génios malignos que infestam as florestas. . .

A immensa zona das maias africanas se divide em quatro regiOes especiaes, oomo J& se disse e repitiu. Cada uma destas subdivisões não é influída pelo clima e pela espécie de cul- tura que suppre na alimentagSo, as deficiências, que se vSo cada vez tornando maiores, da caça ; soffre também cada uma delias o influxo especial das populações que as cercam e nellas entram. Dest*arte a chamada regi&o da inandioca ; que é das do oentro a mais meridional, é invadida pelos Cafres do sul ; as denominadas da banana e do iociuso pelas cabildas di- reotamente decidas das montanhas de leste, de GaUas e Chilu- ?tâê ; a intitulada do $6rgho^ colonisada, ha millenios, pelos ChUuhes^ tem sempre permanecido sob a pressão das incursões dos Berberes. Dahi, sob a ioflaencia desses três factores, dif- íérenciações mais ou menos accentuadas.

O enorme valie do Gongo, especialmente na margem es- querda do portentoso rio, e a bada do Ogouô ou Qabão são as terras, por ezcellencia, da mandioca.

A cultura desta planta é a mais própria para os que se iniciam na arte agrícola: exige muito pouco trabalho edá grandes resultados. Nella tudo se aproveita: o amidon« a fé- cula, as folhas, os brotos.

Tem apenas o defeito de cançar depressa a terra o que força os negros, neste mesmo sentido, aliáSt influídos pela caça que esoassôa, a mudarem-se de um sitio para outro. Esta necessidade de mudanças perpetuas oppõe-se á constituição da propriedade e contribuo para manter a instabilidade das fo^ milias. Os Cafres militarisados, cuja desciip^ J4 fcH dada, facilmente se estabeleceram desde remotos tempos e estabe- lecem ainda hoje nas terras oecupadas pelos caçadores a os Ibrçam à cultura. Os vencedores, segundo o costume cafre, attribuem a seu capitão, tomado rei, a posse do solo.

o BRAZIL .SOCIAL 165

Fundam novas aldeias e as povoam de captivos, homens e mulheres capturados nos matos, e de fúgitiyosy que procuram escapar a um senhor e caem sob o domínio de outro.

O rei colloca é, frente de soas aldeias seus principaes guer- reiros e, de preferencia, os membros de sua parentellat homens ou mulheres. Ha assim, uma continua fermentação de povos em toda a zona ; a instabilidade de todas as aggremiaçOes po- liticas ô completa.

As consequências de um tal estado de cousas refleotem-se immediatamente na organisaçfio da familia, se este nome se pode dar ao fraquíssimo agrupamento pelos laços de sangue por ventura ainda subsistente entre estes negros.

Não sendo mais retidos em torno do hraalf porque nSo pos- suem mais rebanhos, os pretos da zona centrai seguem a mOe^ quando ella se separa de seu homem ou vae morar noutra aldeia. Este laço materno se estende até ás sobrinhas e primas germanas nas famílias dos chefes que se arrogam uma certa posse territorial. Mas entre o resto da população quebra-se em cada geraçlio, porque não se apoia em nenhuma posse da tem ; porquanto o rápido esgoUimento ou cansaço do solo, notado em géneros do cultura dirigidos sem o menor methodo, impede a constituição das propriedades particulares originadas do tra- balho.

O direito territorial dos chefes ó um direito de guerra, re- pousa no poder militar por ellos exercido.

Homem ou mulher, o chefe de aldeia não faz cultivar para si só: o poder de que se acha investido, deveo a um chefo su- perior, a quem obedeoe ; entrega ao capitão ou kilola uma parte da coUecta ; ô até por causa da percepção deste imposto que ó investido de auctoridade. O hiMa^ por seu turno, é en- carregado especialmente de recolher os tributos das aldeias para os levar ao rei. K uma vasta machina hierarchica destinada a obrigar o povo a ciUHvar para os conquistadores*

Mantidos estes pela cohesão militar, ocoupam as posições de mando. A população está, pois, dividida emduas classes: uma inferior^ forçada ao trabalho por ordem alheia, desorganisada pela constitui^ social qne deve á caça, e uma superior, que

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força a outra á cultura, dlrige-lho o trabalho e recebe os pro- ventos. Graças ú. disciplina que a mantém, osta olasso substitue £ioilmente os chefes caçadores, e forma eâpeoies de dynastiat qne se conservam no poder pelo rigor. A recepção do imposto tom logar, em todos os grilos, cora um enorme apparolbo mi- litar e com o barulho ensurdecedor de tambores.

E* verdadeiramente o senhor que recebe a qnota do hu- mildes servidores ; estes, delegados dos moradores das aldeias, prostram-se diante do chefe, esfregando-se com o do chão. A's vezes o rei se resolve a dar uma volta por seus dominios e a receberas contribuições em casa dos súbditos.

Emprehende continuamente expedições para punir o atraso, a negligencia ou a recusa do imposto e muita vei toma este pre- texto para executar terríveis razzias. O poder do tyrannno sobre seus capitães oa kihlas se mantém por uma disciplina de ferro: a etiqueta é severa e as mais leves íkltas aio punidas. existem duas espécies de pena : a mutilação e a morte!

Cumpre notar, aânal, que os negros da região da mandioca^ ooftumados à lavoura, foram sempre, em todos os tempos, pro- curados poios tralioantos de escravos. As Antilhas, o Brazil, os E&tados Unidos forne)eram-se ali dos negros chamados— Conpot, feios, accrescenta Préville, mas robustos e trabalhadores. Esse mercado está hoje fechado ; e, todavia, a exportação por terra continua em vasta escala para o Oriente e para outras regiões da própria Africa.

A região, ehamada da banana^ é aquella em que a floresta snb-equatorial africana ô mais mde e intensa.

Ahi param os invasores bantús ou cafres meridionaes.

Deve existir um grave motivo que, na Africa Central, íto parar aquelles guerreiros e oe impede de levarem mais adiante toa eolonisação agrícola. E' o que se vao vér.

A região do que se trata, situada debaixo do equador, esten- dendo-se ao norte e ao sul, mais naquella do que nesta direcção, recebe nma enormíssima quantidade de chuva, durante todo o anno e todos os dias. A zona inteira, alôm de sua proximidade tia linha dos eqninoxios, está collocada no ponto em que se én-

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.contram as três series de inclinações ou declives que formam os grandes accidentes da Africa interior.

A immensa ourva-norte, doscripta pelo Cougo, ó determi- nada pela linha na qual vêm morrer as descidas dos platós dos desertos do sul, a queda meridional das oumiadas entre Nilo- Congo-Tchad e os últimos contrafortes da zona montanhosa de leste.

£\ por certo, posição que oonvem a um massiço de matas Yirgens.

A altura e a dimensão das arvores, no âmago da floresta, dão abrigo a uma tão inexcrioavel vegetação, mais baixa, que se emaranlia sob suas sombras ; e é tal o cerrado de troncos, ramos, lianas, cipós, matos e folhas ; tão espesso o conjnncto de tal agglomeração de páos de todas as formas e tamanhcs, que im- possível quasi ó a travessia, o que explica a razão pela qual as terras que se avisinham do alto da curva do grande rio não tenham habitantes em grande extensão e tenham âcado sempre fora das explorações tentadas aates de Stanley e Schweiníúrth. Taes difflculdades impediram o pas:)0 aos exploradores eu- ropeus e aos próprios bantús.

Sob o ponto de vista da cultura, considerável dificuldade origina-se da fulta de estação secca e vem a ser o pullular con- tinuo das liervas, nomeadamente das altas e fortes gramíneas equatoriaes, nas clareiras derrubadas da floresta. Asroçagens e sachaduras para supprimir hervas são de nenhum effeito, porque estas, sob a ac(^ da humidade constante entretida pelas chuvas diárias, pullulam e crescem por encanto. São um obstáculo para quaesquer plantações que se quizesse con- fiar á terra.

Por isso, na região florestal vrisinha do equador o principal alimento, tirado do reino vegetal, não ô devido á. cultura e sim fornecido por uma essência arborescente^ que é a banana,

A região das matas equatoriaes e da banana atravessa a Africa inteira, desde a zona dos grandes lagos próximos ás terras altas de leste, até ao golpho de Guiné. Fica entre as terras oongolezas, próprias ao cultivo ia mandioca, e as re* glões situadas ao norte, nas quaes predomina a lavoura de ce-

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reaea. Pode mr dividida, por sua vez, em dois climas diffe- rentes.

Nas regiões mais baixas, como s&o as meridionaes confl-* nantes com as terras da mandioca, domina o regimen florestal puro: nas partes mais altas, nas qnaes a regifto das matas se approxima das montanhas de lôste e de oeste, nota-se modiA« oa^ de clima em sentido mais favorável á vida.

A zona inferior e paramente florestal oonstitae um im- menso tarritorio de caga,

B' a lúgubre e phantastiea floresta descripta i>or Stanley, pondera Prôville, e a qual o explorador americano attribuiu uma extensão de 840.0(X) kilometros quadrados sem levar em conta seu immenso prolongamento para o oeste.

Nestas florestas virgens inextricáveis, que parecem sem limites, vagam as liordas ameaçadoras dos selvagens A9%$$ibas^ dos ferozes Pahuins^ Fans ou Ossyéboi cujas incursSes no Ck>ngo Francez e no Gongo Portuguez sâo de vulgar noticia.

Outra raça, curiosissima, ali residente ó a dos Pygmeus.

As terras mais altas, mais seccas, posto que snjeitas ás chuvas equatoriass, sSo próprias para as bananeiras, plantadcu ou limpas de mato em vista da coUeeta dos fructos. A* bananeira devo Juntai*-se outra arvore preciosa, a palmeira de aseitê {iSasis guineensis)^ productora do conheeidissimo ateite de dêndê edo, menos vulgar no Brazil, mnho de dendê chamados também aseite e pinho de palma. O óleo serve para variados arranjos eulinarios ; o vinho p5o ao alcance dos negros, por um slmplis- simo trabalho de mera coUecta, a bebedeira diária e geral. (1)

Nestas terras, que devem ser elassi doadas entre as de eollecta^ a banana e o óleo de dendô constituem o fundo da ali- mentação, associados a diversos produotos espontâneos: inhame, batata doce, milho e á eaça^ fkcto constante de toda a zona central africana. £* um viver mais fácil do que o dos

(i) Vide, alóm de A. de Prévillo, sobre eita zona Um anno no CongOy oor Jayme Pereira de Sampaio Por jaz de Serpa Pimentel, Lisboa, 1899; e mais As Colónias Portug^iezas, por Ernesto J. de G. e Vasconcellos, Liabaa, i896; e maia A raça negra soh o ponta i6 tiêta da civilisação da Africa por A. P. Nog^aeira, 1881.

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simples caçadores da mata pura e dos bantús do sul, planta- dores de mandioca e disciplinados pelo trabalho.

As gentes da zona da banana acham-se organisadas em olans baseados sobre o trabalho da collecta.

SSo curiosos exemplos destes povos com tal organisação ds famosos reinos de Dahomey^ na extrema occidental, o Mombutú na extrema oriental da zona de que se trata. São anthropo^ phagos.

Como em toda zona central africana, a família entre os ne- gros que fazem da coUecta da banana a base principal de sua ali- mentaç&o, apresenta um minimo de cohesSo e fixidez ; o prin- cípio de agrupamento nâo é para elles a tradícção patriarchal inexistente, ô o trabalho da collecta, ao qual concorrem utilmente os meninos o as mulheres. Por outro lado, 6 preciso ser forte para defender, contra os viandantes e os risinhos e principal- mente contra o invasor, attrahido pela abundância, uma safira sempre pendente^ que não custa a fazer brotar e crescer e que garante fartamente o pão de cada dia. E' mister ser numeroso para ser forte.

D'ahi o agrupamento em grandes aldeias de cabildas que se arregimentam em torno de um chefe, cnjo poder é jastifi* cado pela necessidade.

A força de cohesão quo o agrupamento em grande nu- mero não é empregada somente na defensiva. Comprehende-so bem que um povo dado ao mesmo tempo á collecta da banana e do dendê, á caçado elephante e do buffalo, sempre em armas, sempre prestes para o que der e Tier, deve emprehender sem a menor cerimonia expedições contra as naçõos visinhas . As de- vastações dos de Dahomoy são famosas. Não o sio menos os dos de Mombatú. A lóste e sul desse reino, nos paizes que mar- geam o Bomocandi o Kibali, residem negros dados ã cultura, possuidores de algumas cabras e sem chefes poderosos. São os Afon/Víf considerados pela aristocracia bananal dos Mombutús como raça inferior. Os chefes do pavoroso reino, de per.neio com as sortidas para prêar buífalos e elephantes, ordenam amiu- dadas razzias entre aquellas gentes desprezadas. Ao grito de carne ! carne ! atiram-se sobre os pobres stlvagens e voltam

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trazendo oabrai e oaptiTos. E, como os de Mombutú, não pre- cisam de auxiliares para suas levissimaa culturas, nem desejam de modo algum, para augmentar o numero de seus guerreiros, que indivíduos estranlios ao clan sejam admittidos a compar- tilhar da collecta de suas bananeiras e de seus elais, a sorte dos prisioneiros 6 decidida por outra íòrma : são comidos I As ceremonias do saoriftcio têm muitos pontos de contacto com as dos selvagens do Brazil. Idêntico é o hediondo espectáculo dos trophéos de craneos que orlam de lado a lado as longas ruas dai aldeias.

Nada ô mais adequado para impedir uma sociedade por esse caminho do canibalismo do que a organis ição em clan defensivo como essa que é imposta aos negros que vivem da collecta da banana. Esta forma de sociedade ó adaptada ao clima equato- rial de uma estação, onde a safra dos ftuctos está sempre pen- dente,

O exclusivismo gerado por este modo de agrupamento, o soberano desprezo para com todo o individuo que não faz parte da cabilda transpiram de tudo e em tudo se fazem sentir. Tal ó o caso em toda a região entre os Akkas, Pahuinos, Balolos, Aia- neunas, U-Gandas, Mombutús e Dahomeys mesmo depois da des- truição dos fortes reinos dos três últimos povos inglezes e fran-

A observação dos factos que influem positivamente nas so- ciedades, pondera ainda o escriptor, a explicação das causas de tão estranhos costumes. Gomprehende-se a cohesão que liga as sociedades que vivem da collecta, o poder absoluto, ex- tenso, oentralisado na mão dos chefes, que sobre ellas se alo« vantam, a ferocidade e os appetites repugnantes como esses dessa espécie de negros. Desde osopó das montanhas de leste ató ao golpho de Guiné, desde os Mombutús e U-Gandas ató Ofl Da- hwneys e Yoruhas^ o espectáculo é o mesmo: o agrupamento dum grande numero de mulheres em torno dum chefe de casa perpe- tuamente bêbedo de vinho de palma, as razzias de captivos nas regiões próximas ao reino, a policia disfarçada e presente por toda parte, o numero excessivo de fúnccionarios e a ins' tabilidade de suas posições, a guarda do rei e seus regimentos

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de guerreiros e de amazonas, os hedioodoa trophéos de oraneos à roda do paço real emâm, os massacres e sangrentas orgias oostameiras aptas a conservarem o canibalismo em estado tra- dicional e, por assim dizer, oonstitucional.

Essas truculentas gentes, que actualmente chegam atô esta- cionar nas yizinlianças do Atlântico, devem sua origem a an- tigas e formidáveis migrações vindas do oriente atra vez das florestas equatoriaes.

A. de Préville falia com segurança de uma numerosa e irre- sistível invasão que chegou até ao mar, no século XVI. Neste ponto posso vir em auxilio do meu prestimoso guia.

EUe quer se referir á tremenda invasão de 1558 que le- vantou todo o antigo Império do Gongo, visitado em íins do sé- culo XV por Diogo Câo.

De irrupções anteriores áquella faliam os velhos João de Barros, Manoel de Faria e Souza, Ruy de Pina e Duarte Pacheco. Da de 1558 tratam Duarte Lopes, Frei Luiz de Souza^ Qarcia Mendes, Gastello Branco, que eram contemporâneos,

Dapois de estabelecidas relações dos portuguezes com os reis do Ck>ngo e seus súbditos, escreve Forjaz de Serpa Pimentel consolidando as narrativas de antigos escriptores, depois de es* tabelecidas relações dos portuguezes com os reis do Gongo e seus súbditos, invadiram-no em 1558 as tribus selvagens dos Ajahkas^ MaJacaSf Mazacas, Yakkas, Djaggos OU Gingas, as quaes per- corriam, guiados por valentes chefes, a Aílrica Central de leste a oeste, lançando a morte e o extermínio por toda a parte. Chegaram até Banza iV* Bati ou Ambasse (a S. Salvador dos Portuguezes), onde destruíram tudo até a própria cathedral e os templos christãos que os portuguezes aili tinham erigido, não encontrando resistência porque o rei do Congo, a sua corte, os missionários, a população inteira da cidade, á approximação dos invasores, se haviam refugiado numa das ilhas que os por* tugnezes oooupavam no Zaire (o Congo dos mappas modernos) pouco acima de Bòma e d'onde sahiram, reconstruindo a ca- pital depjis de El-Rey de Portugal ter mandado em seu soc- corro uma expedição sob o commando de Francisco de Gouveia, expedição que conseguiu expulsar os Yakkas do paiz, deixando

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porém, O império negro do Coogo em rápida e progressiva decadência.» (1)

£' a conflrma^o completa do facto assignalado por Préviile e a porfeita jastiflcação das idéas a que elie chegou por diverso caminho,

Campre-me, apenas, accresoentar que de taes tmcolentos invasores da África occidental, a despeito de sua fereza, os ne- gociantos de escravos, os negreiros enviaram durante trezentos e cincoenta annos alguns milheiros de exemplares. Que bella acquisi^o ! Que interessantes exemplares da raça affecHva I

Poucas palavras mais a respeito dos pretos das regiões do oGusso o do sôrgho e estará ílnda esta resenha das gentes afri- canas que ajudaram a formar a populaçio brazileira no espaço de cerca de quatro séculos.

Comecemos pelos primeiros.

Nas terras baixas de Guiné, a producçSo em ponto grande da banana e do oleo de palma pôde BStender-se até ao 1^ gráo de latitude norte e chegar em certas paragens até ao lO^*; na parte oriental, porém, da vasta regifio própria para estes pro- duotoso 4<» gráo norte é, em regra, o limite ao seu desenvol- vimento, por causa da altitude das terras. Álóm do Rio Uellé, acaba a região da collecta e entra-se no paiz denominado San^ deh, habitado pelos Niam-Niams^ terríveis bárbaros que to- maram parto nas invasões do século XVI. O ceatro do paiz constituo as cumiadas e espigões que dividem os affluentes do Nilo Branco e do lago Tohad e dos do rio Ubanghi. Privados dos rebanhos por causada tzétzé, privados da banana, dodendô eda mandioca, os Niam-Niams arrojam-se com todo o ardor á caça, abundante na região. Javardos, macacos, esquilos, tre- padores vários, concorrem com os elephantes, leopardos, veados e cabras montezes. Mas, nem sempre ha a fartura ; ao contrario. Ha estações no anno em que o elephante deixa os platós e em- brenha-se nas florestas, onde é difflcilimo préal-o. Os pequenos

(í) J. P. deS. Forjaz de S^rpa Pimentel um anno no Con<^o,

o BRAZIL SOCIAL 173

e tímidos aoimads, por outro lado, espantados na mata, com o barulho feito pelo elephante, quando sopra, se espoja nos brejos, quebra os ramos seccos ao passar, sacode as arvores om que se coça, fogem, a grande e a pequena caça se redozem conside- ravelmente.

Os Niam^Niami ou comedores^ atiram-se a tudo : inhames, raízes, comestíveis, cortiços de abelhas selvagens, (cera e mel), ratos, rans, lagartas. . . ,n&o esquecendo as formigas de azas (tér- mites) das quaes extrahem um óleo brilhante sem máo gosto. Surge a antropophagia e com ella o costume de comer o fiel companheiro do homem : o cão I. . .

Nesta zona, porém, desmentindo o facto, sempre notado do reduzido numero das gentes puramente caçadoras, a população é numerosa. Igual desmentido, pondera o guia que vou se- guindo, se nota entre os Bantút região da mandioca e os descendentes de Gallas da região da banana. E' que estas plantas supprem fartamente as falhas da caça. Na região, ora estudada, esse papel ó representado pela planta chamada pelos abysslnios dakwsa {tsada agussa), conhecido pelos portugueses, affirmo eu, desde o tempo em que estabeleceram suas primeiras relações com a Ethiopia, em tempos de D. João 29, denominada por elles, imitando o termo abexim, ou tocuãsa-tacussa. Os fran- oezes chamam-lhe eleusine, conservando- lhe o nome soientifico {eleuiina-coracana) porque a conhecem pelos livros. Os negros trouxeram o tocusso ao Brazil, em cujo norte existem planta- ções delle (l).

E' uma planta da família das gramíneas, não da tribu das panicéas e sim da das chloridéas, E' o trigo do Sandeh; mas, um trigo pobre em amidon e qualidades nutritivas; é recurso ali dos caçadores, tanto mais quanto sua cultura é facillima e pôde ser feita quasi exclusivamente pelas mulheres. Cada um tem que tomar cuidado de sua colheita e por isso estabelece-se no meio das suas culturas. Não existem cidades nem aldeias ; cada logarejo contém duas ou três famUias, isto é, duas ou três pa»

(1) Vide Gaminhoá ^ Botânica.

174 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Ihoças, em cada uma das quaes Tive uma mulher com os filhos, e, mais, a casa do marido. O pai2 ô cheio de numerosos contrafortes que partem das montanhas de leste, separados por valles florestaes, perfeitamente intransponiveis e defen* sáveis.

Com tal disposição natural dos logarôs, a aoçao dissolvente produzida pelo trabalho da caça tem formado um reiniculo ou ▼ice-reiniculo de cada um desseB planaltos. E' uma multidão de pequenos povos governados com o mais infrene despotismo por pequenos chefes. Rei (bié) ou vice-rei {bainki), o chefe traça para si uma vasta propriedade, ciiltÍTada por suas mulheres que são numerosas, e por escravos tirados de raças submettidaá. A Mbanga^ residência do regulo, se reconhece logo entre as di- versas cabanas, espalhadas no plató, pelos numerosos escudos suspensos nas visinhanças, nas arvores ou em postes, pelos sons das cornetas de marfim, pelo retumbar do grande tambor sus- penso na praça. Alguns guerreiros de escol noite e dia, ás or- dens do senhor, montam guarda nesta praça cercada pelas re^ sidendas reaes. Cabanas circulares com tectos cónicos d'altura excepcional servem para qiorada do rei, de cada uma de suas mulheres, de corpo de guarda, de thesouro e de celeiros. E' o rei que espreita a apparição dos bandos de elephantes, faz dar pelo tambor signal da batida e apoderasse por isso de todo o marfim e metade da carne. Conduz frequentes expedições de guerra contra as aldeias; o exemplo da cultura, fikzendo pro- duzir seus campos, comendo o tocuss j o oíTertãndo a seus hos- pedes e visitantes a excellente cerveja feita daquelio grão. E* quem faz os casamentos.

Quando alguém se quer casar— faz o pedido ao resito, que lhe arranja mulher a gelto. Os pães da noiva não são consul- tados, nem recebem nada do fhturo genro. A explicação desta singularidade, em desacc<»do com o que se passa em toda a AMca, provém de ser a mulher votada ao trabalho de cultura, OQja iniciação e superintendência geral pertence ao rei, e nesta qualidade de alto patrão dos operários agrícolas, que são as mulheres, arroga-se o direito de collocal-as como lhe parece conveniente. Etites reis são conquistadores, que se consideram

o BRAZIL SOCIAL 175

verdadeiros donos de seus súbditos, formam yerd&deiras dynas- tias e exercem um poder rigorosameote despótico !

O chefe Mukia (um dos taes regalos do Sandeh visitado pelo moderno viajante grego Potagos) o chefe Mukia, escreve o viajante citado em Prévílle, mandou chamar os homens que deviam me acompanhar ; tendo-os atirado por terra, baten-os desapiedadamente, ordenando-Ihes o combaterem até a morte, se preciso fosse, por mim e por seu irmto mais mogo que ia acompanhar-me em seu iogar. Ajuntava que se elles nos aban* donassem, fal-os-ia morrer, a elies, a suas mulheres e a seus filhos...

O medo que inspiram taes régulos, ajunta outro vkijante, oDr. Schweinfurth, também referido no meu gvia neste as- sumpto, o ten-or que inspiram a seus súbditos ó inacreditável; conta-se qae, no intnito de lembrar o direito de. vida e de morte de que se acham investidos, esccdhem uma victima na multidão, lançam-lhe um laço ao pescoço e abatem-lhe a ca- beça com a sua própria mão !• . .B' mais um traço da crueldade negra que parece apta a esclarecer a grande affectividade de que são dotadas essas gentes.

Mais duas ou três paginas a respeito das popalaç?^ da região do sôrgho e estará completo este inquérito sobro os afri- canos pretos, caudalosissima fonte de que se alimentou a for- ma<$o de vários povos americanos.

Em toda a região da tzéiMé, a caça, substituindo o trabalho pastoril, forma, sob o ponto de vista social, pondera ainda Pré- viile, uma espécie de tela geral na qual se vêem desenhar as modificações occasionadas por outras influencias.

Nas regiões, percorridas, da mandioca, da ban^-naQ do (o- cuisso, a humidade do clima e a curteza das estações seooas des- envolvem a vegetação arborescente de preferencia a qualquer outra; geram a floresta e dão, ipso facto, á caça a preferencia sobre todos os ontros modos de vida.

E!ssa região, porém, tem um limite caracterisado ao norte da zona Cbutral, peia parada dos povos aathrc^of^agos e de saas culturas de toeusso. Ao sahir das florestas virgens e das bana- neiras, a recolta do máo trigo dos caçadores é indicio da mo-

176 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

deração das estações hamidas que dão ao grio tempo de se formar. O clima melhora progressivamente no sentido da reda- cção da humidade ; a mata cede o passo a cultura at6 as fron- teiras dos grandes desertos septentrionaos, onde se torna ella de novo impossivel, por motivos oppostos aos da r^ião florestal. A cultura preponderante, na zona de que se trata, ó o sôrgko (dawrah)^ lambem chamado milho da índia e milho de Guiné. E* o cereal dominante na Africa e Ásia, em toda a immeasa área comprehendida entre as terras equatoriaes e os desertos seccos que atravessam essas duas partes do mundo. Em toda essa enorme porção da terra o milho da índia pôde ser considerado como a base da alimentação vegetal do homem. Entre os pró- prios pastores árabes do Soldão o pão ou bolo de sôrgho é de extrema importância, quanto mais entre as populações pretas privadas de gados ainda por causa da terrível tjsétsé.

A primeira consequência das condições do logar vem a ser: pela ausência do pastoreio e da caça como meio seguro de exis- tência, os homens não podem entregar-se senão ã cultura ; tra- balham nos campos com suas mulheres e filhos. A poljgamia i Ilimitada em uso entre os caçadores não tem mais razão de ser, o numero das esposas entre estes povos agricultores parece reduzir-se a três. O laço social que reúne as fJBLmilias ó baseado nas necessidades da cultura,

O trabalho determina então a reunião em aldeias, e í)siz ap- pareoer o chefe natural nesses pequenos clans.

Entre os chefes de familia que vivem separados uns dos outros cada um em sua cabana, a massa é imprevidente. Depois da collecta, durante a estação secca em que nada se tem a fazer» o maior numero desses pretos vive largamente sem a menor economia. As mulheres batem no pilão durante todo o dia e assam continuamente os bolos de massa. Enorme quantidade de grão que deveria durar até á colheita seguinte, é posta a fer- mentar para a fabrico de uma grande provisão de cerveja. Yive-se a beber, a mandriar, a Jogar, e antes do fim do anuo os grandes potes da predilecta bebida estão vazios e ató os grãos que serviam de semente acabados. Surge a necessidade, a pe- núria. Come*se, então, toda a casta de alimárias.

o BRA/JL SOCIAL 177

Quando volta a sazão das chuvas o o tempo do proceder a Dúvas plantações, a maioria dos negros, nem sequer possuo se- mentes para plantar cm suas roçi-is. S' quando intervém o in* dispensável patronato, (1) Algum velho ccoDomico empresta aos esbanjadores sob condições vantajosas. O devedor torna se por um certo numero de dias servo do credor, que, tendo sabido guardar grande cópia de sementes, tem necessidade de braços supplementares para bem utilisal-a.

O velho, quando é previdente, está em condições de eco* nomisar, o numero do boccas cm sua casa tem diminuído com o estabelecimento dos moços que vão fazer vida ú, parte ; em sua provisão do grãos ha um stock disponível ; e, quando tem ca- sado filhas, a moeda em ferros de enxada, pás e cavadores a moeda da terra) está agglomerada em seu thesouro. Surge-lhe a olientella de todos os lados ; os sous devedores, que se tornam outros tantos jornaleiros o servidores, cercam-no.

Seu prestigio augmenta. Acreditam que entretém relações o jm o feitiço do sitio. (2)

Nas proximidades da aldeia avulta uma moita de mato, ou, ás vezes, uma grande arvore, escapa da queimada, por cuidadoso asseiro, e cercada d'um parapeito de terra. E' o templo do fei- tico. Depois do trabalho do dia e a refeição da tarde, os habi- tantes da aldeia, sentados á porta de soas cabanas, fumando enormes caximbos, gozam da fresca do crepúsculo. De repente» fortes barulhos fazem-se ouvir do lado do bosque sagrado. Todas as vistas se voltam para lá. Luzernas movediças, cabeças me- donhas, vultos ameaçadores apparecem. A*s vezes uma voz si- nistra se escuta, denunciando um furto, ou qualquer outro crime com tremendas imprecações e ameaças aos culpados. S' o fer- reiro da aldeia, que, por ordem do velho chefe, sen principal

(1) Patronage ó o termo francez ; siçuifica, é claro, a acção pro- tectora (lo patrão ; pódc-se também tracluzir por iirotccrão, patroci- 'fíio, padroado. Kscrevrria, uo caj-o do texlo, palronagem, 8o não Uv(8'0 medo da fúria pur .-^la que se apoderou ai^^ora dos aristarchos do Rio de Janeiro.

(2) Fetiche ó o termo francoz, tirado do nosso feitiço. E dizer que do torna viagem, tem .ido traduzido por fetiche I

4323— T«.M<) Lxix. P. it

178 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

cliente, simula a appariçao do feitiço. Na manhan seguinte encontrará perto do bosque sagrado as ofTertas dos indivíduos amedrontados: cabaças de mel, gallinhas, eto.

Tal é um dos processos do governo do velho rico ou myeré. Um myeré, se 6 n*uma aldeia, ou os tnyerés reunidos em conselho quando ha diversos, formam o poder publico da terra. Esses myerés são simples patrões necessários ; porque tôm a suficiente previdência e salvam a população, todos os annos, da fome. Em comparação aos chefes de tantas e tantas outras gentes afiricanas, que foram estudadas, constituem uma bella excepç&o. Mas, a medalha tem reverso, pondera, afinal, o illustre analysta.

Para percebel-o, basta levar um pouco mais longe a obser- vação dos ftictos, concernentes á vida publica entre os negros do sôrgho.

A familia do myeré participa da sorte commum a todas as da aldeia, que são perfeitos typos da família instável: os filhos estabelecem-se á parte desde a mocidade, e nenhum delles herda exclusivamente a posição criada pelo pao em seus velhos diais. A situação patronal instável ó periodicamente desfeita pela morte. E ainda mais radicalmente é destruída entre esses negros, do que n^outras sociedades que têm o mesmo regimen, porque elles nem ao menos possuem, como próprio, o solo que cultivam ou mandam cultivar. Nenhuma influencia séria por- tanto, se pôde perpetuar na aldeia e menos ainda estender de uma aldeia a outras, ligar entre essas minúsculas sociedades esparsas as relações que pôde criar e manter a existência de nma aristocracia rural, que transmitta integralmente a he- rança paterna a uma serie de herdeiros escolhidos» adestrados no governo dos negócios locaes. Por isto as aldeias da região do sôrgho são constituídas isoladamente e a raça que as habita desconhece todo liame nacional.

Nenhuma cohesão, nenhum accôrdo, existe entre ellas; a região inteira está dividida em pequenas commuuidades ia- dependentes que vivem entro si em uma completa anarchia. Por isto, ainda fácil, foi aos arabe^^ vaqueiros das ft-onteiras o fundarem no sul das seus desertos a multidão de sulta*

o BRAZIL SOQAL 170

natos alli existentes, juntando milhares e milhares de al- deias negras sabmettidas a tributo e a razzias de escravos. E eis porque na ZDna central aft*icana a regiSo do sôrgho foi sempre e é ainda hoje o principal theatro do trafico dos negros. Homens, mulheres, e até os meninos habituados á cultura são procurados e assaltados em massa para os trabalhos agrí- colas dos oásis do grande deserto quando não são nas pró- prias aldeias reduzidos á mais dura escrayidão. A raça dos Bongos, dos Mitus^ dos Belandas tem quasi desapparecido de- vido a uma exploração desenfreada e a desvastações inauditas. Os escravos Bambarras figuraram outr*ora em avultado nu- mero á bordo dos navios negreiros carregados para a America. Cultivam hoje os campos do Dahomey e os oásis do Adar e de Marrocos. Os árabes e seus mestiços musulmanos, os reis pretos da costa de Guino exploram estas populações, cujo fracciona- mento paralyza n*ellas toda resistência. E esse fraccionamento ó a consequência d'uma constituição social que leva á instabilidade de todas as posi^^. Tal ó e tem sido durante dezenas e dezenas de séculos o estado real das populações negras da Africa.

O grande sociólogo francez, nas precedentes paginas resumido e condensado, attribue tão deprimente situação ao que elle chama a grande singularidade das gentes negras : não haverem em parte alguma da terra e em tempo algum da his- toria chegado a conhecer a organização patriarcTuil da famUi%, Para a escola de Lo Play ó a excepção única conhecida: todas as raças aryanas, semitas, uralo-altaicas, mongólicas» todas, ató as americanas das Montanhas Rochosas, México e Peru, passaram por um organisador período patriarchal; as gentes pretas nunca. .

A essa oiroumstanoia finalmente attribue o illustre scien- tista o que denomina o grande facto social africano: o trafico de escravos desde a mais remota antiguidade ató aos dias de agora. . .

Depois vêr-se-ha a consequência de tudo isto na psy- chologla geral dos brazileiros.

A CAPITARIA DO CAKJTA

DR. MANUEL DE MELLO CARDOSO BARATA

Sócio honorário do Instituto Histórico e Qeographico Braziloiro

1

Pablicando a Capitania do Camutâ^ estudo devido á competên- cia do illustra Io consócio Dr. Manuel do Mello Gardoao Barata, a Commissão de Redacção archiva nas paginas da Bevista mais um curioso trabalho do modesto, mas proficiente hiatoriographo paraense.

(Nota da Commissão de Redacção.)

A CAPITANIA DO CAMUTÁ

(breve noticia histórica)

Faz hoje 270 annos que fallecen om Villa Viçosa de Santa Craz do Camatá, aonde fora á procura de melhora de saade, o primeiro governador e capitão general do Estado do Maranhão (1626-1636), Francisco Coolho de Carvalho, que foi sepultado na igreja de S. João Baptista, matriz daquella povoação. Era elle filho de Feliciano Coelho, antigo governador de S. Thomé e^ de- pois, da Parahyba (1595), e oommendador da Villa de Côa ; e de sua mulher D. Maria Monteiro.

Antes de tomar posse do governo do Estado, Francisco Coelho de Carvalho militara em Pernambuco contra os hollan- dezes.

Antorisado pelo alvará de 19 de março de 1624 (1) e cart^

(i) Ea RI Rey faço sabor aos qne este Alvará virem que por justas conçoderações do meu soniiço quo mo raouorão líoy por bem que francisco Goelbo do Carualiio, quo trnho nomeado por çoucrnador do Maranhão, com parecer do Prouedor de minha íazenda daquella conquista, possa Rej)artir as terras, <* (>apitanias daquelle Estado, aos pouvadores e cultivadorn.s qiin pedirem, sondo pessoas d*^ sus- tancia, E cabedal, que cumpro sor.Mn taas para Benr^ticio das ditas terras, c cípitanias, E com obripação de havorem de pedir comíir- mação ddlas no Conselho de minha fazenda dentro de dous annos primeiros seguintes, Koste so cumprira inteiramente como se nelle comthem, o qual valerá como Cirta, e não passará pela ClianccUaria sem embargo das ordenações do sep^undo Liuro, numero trinta E noue, , quarenta, que dospoein o contrario, francisco da Brtu o fcs em* Lisboa a dezanoue de Março de seis centos e vinte quatro, Diogo Soares o fes escrever.» (Carta de doação da cipitania do Camutá a Feliciano Coelho de Cirvalho, 16'í;. Chancellaria do Felip.pe III, Liv. 35, foi. 95, no Archivo da Torre do Tombo. Por copia,^ que pos- sui mos.

184 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

rógiade 14 de maio de 1633 (2), Francisco Coelho concadcu a capitania do Camutá a seu filho Feliciano Coelho de Carvalho, que, tendo vindo com elle de Portugal, servira no Maranhão e Pará, e commandára a expedição mandada em 1G32 contra o forte inglez de Cumaú, tomado do assalto, na noite de 9 de julho desse anno, pela intrepidez do capitão Pedro Baião de Abreu. A carta de doação dessa capitania foi-lhe passada em 14 do dezembro de 1633 (3), em compensação da do Caetó, que lhe havia sido doada pelo mesmo governador, S3a pae, em 1627.

Por carta de 25 de maio de 1622, Felippe III fez mercê a Gaspar de Sousa, que fora governador geral do Brazil (1613-1616), de huma capitania nas terras da dita oonqnista do Maranhão ou Pará, conforme ao sitio e parte que elle escolhesc o com a mesma Jurisdição o obrigam com que foram conoelidas as outras capitanias do Estado do Brazil pêra que benoflciase e fi- zese povuar, da qual morce lhe passou portaria om 22 de agosto do dito anno, com declaração que com ella se prezentaria sua nomeação authentica do sitio c parte que escolheso para a dita capitania de que se lhe passaria carta de doação...» (4). Fal-

(2)«. . . o as mais capitanias desst* Kstad ^ E Jo Pará so repartirão lo^o a particulares quo tenhão cabedal para as pouoar c cultiúar, Kodazindo<is ao menor distrito para quo oh donatários, a que se iiser mercii doUas, po.>são milhor cumprir com suas obriírações, princi- palmente com a da Tortifícação, dandosse huas a pcs-^oas quo por merco minha tenhão pormeça diillas, comforme seus despachos, e procedendossc' em so repartir as mais com formo as ordens quo nos estão dadas, c ao que Aca dito.» (Idem, ibidem.)

Conseguinti^mente, não tem razão Varnhagen, quando diz que «Ao ter conhecimento dos planos de Bmto Maciel, acerca do estabe- lecimento de novas Capitanias no Estado, assentou o governador (Francisco Coelho do Carvalho) que poderia doar desde logo duas, uma ao mencionado seu lilho (Feliciano Goeliio do Carvalho), o outra ao sou irmão António Coelho de Carvalho, dcscmbarf^ador do PaQO, fundando-so, para iisso, abusivamente, no disposto em húas pro- visões régias (o alvará oa provisão de 19, e não de 17, de marco de ÍG24 c a carta r(''gia de 14 de maio de 1633, mencionados), que o autori- savam a dar terras de sesmarias,)^

(Hist. Geral do Brazil, 2* ed., t. II, p. 711).

(3) « Dada nesta Cidade de são Luiz do Maranhão sob meu aignal E senete de minhas armas aos quatrose dias do mez de Dezembro. António Gonçalves teixeira, tabalião a fes de mil e seis centos e trinta e três annos. O governador francisco Coelho de Carualho.» (Carta de doação, citada).

(4) (^.arta de doação da capitania do Caete a Álvaro do Sou^a. Chancellaria rio Felippe IH, Liv. 27, lol, 82, no Archivo da Torre do Tombo. Por copia, quo possuímos.

A CAPITANIA DO CAMUTÁ 185

lecQu porém Gaspar de Sousa, som qae tivesse escolhido as terras qae deviam constituir a capitania promettida. Álvaro de Souza, seu filho mais velho e herdeiro da soa casa e dos seojs serviços ao rei, fez peti(^, em 10 de outubro de 1C33, dizendo que < em conformidade da dita mercê e sentença de Justificação lhe fizesse mercê mãodar paasar doação da dita capitania.,, e declarou que elle escolhia para a dita sua capitania as terras que jazem desde os Rios tury athe oRio cayte.» (5) A* vista disto foi-lhe passada a carta de doação da capitania do Gaetá, em 13 de fevereiro de 1634 (6), ficando portanto sem effeito a doação dessa capitania anteriormente feita a Feliciano Coelho*

Da aldeia de Santa Cruz do Camutá fez Feliciano Coelho ca- beça da sua capitania, como lho fora determinado por seu pai na carta de doação, por ser o lugar mais defenaauel de todos que ha nas ditas terras», e deu-lhe o titulo do Viila Viçosa de Santa Cruz do Camutá, em 1Ô35. £rigiu-lhe a modesta igreja matriz, já, referida, sob a invocação do S. João Baptista, ees« tabeleceu um engenho para fabricar assucar (7).

O primitivo assento dos Índios dessa aldeia, os tupinambás» não foi esse,oomo se tem dito. Mas, deixemos por agora de lado este ponto, que nos levaria mais longe do que desejamos. Basta dizer que elles foram para ahi mudados em 1620, de outro sitio, fora do rio Tocantins ; o ã sua nova aldeia se continuou a dar o nome do Camutá, da soa primeira situação. Foi então a novi^ aldeia missionada pelo padre capucho de Santo António, Fr. Christovam de S. Josô, que nella ergueu uma cruz de madeira, donde lhe veiu o nome de Santa Cruz do Camutá. Passou depois (1643) á administração dos frades carmelitas ; destes, a dos je- suítas (1655), que foram substituídos pelos capuchos da Piedade

(5) Idem, ibidem.

(6) « Dada nesta cidade de lixboa a treze dias do mez de fcveroiro lais de cerneira a fez anno no nacimento do nosso senhor Jessu christo de mil seis centos e trinta e quatro annos.» (Idem ibidem).

(7) A principal cultura e layoura da terra era o tabaco de que se faziam annualmente cerca de dois mil rolos, ou quatro mil arrobas. A canna de assucar dava em gran I3 abundância, como também algodão, urucucú e laranjas. Nas cercanias da cidade de Balem havia então dois enprenhos. Não fazia, poróm, assucar por falta de caldeiras e outros utcnsilios; fazia-se aguardente.

186 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

1003); e, finalmente, depois de remcttidos estes para Portugal (1750), passou ella a ser parochiada pelos meroenarios.

O P.^ José de Moraes (8) refere que, sendo a aldeia assolada por uma epidemia de bexigas, o padro jesuíta Manuel Nanes a mudara para ò sitio de Parajó, que é o da actuai cidade de Gamutâ, segando Cândido Mendes(nota ao texto daquelleauctor), a qual foi elevada a esta categoria por lei provincial n. 145, de 24 de outubro de 1848. Não nos diz José do Moraes o anno, em que se fez a mudança. Mais de um missionário jesuíta daquelle mesmo nome entraram no Pará, de 1655 a 1680, tendo sido um delles companheiro do P/ António Vieira e reitor do coUegio desta miSGÕo (1655).

Pelo que podemos conjecturar, parece que a aldeia fOra para alli mudada pelos annos do 1670—1690.

O logar abandonado ficou desde então denominado «Camuld* tapera*.

Pouco depois da mort3 do governador, seu pai, partiu Feliciano Coelho, em outubro de 1636, para Lisboa, onde re- quereu e obteve a confirmação da doação da sua capitania, por carta de 26 de outubro de 1637 (9) .

No dizer dessa carta, a capitania do Caiiiutá ceram as terras que ha Entre o Rio Pará ( Tocantins ) e o primeiro Braço do Rio das amasonas ( Xingu ), com as legoas que ou ver do estreito que cie chamâo do Camutã atte sahir ao Rio Corupá (costa de de Gurupá, margem direita do Amazonas), que podem ser quarenta legoas, pouco mais ou menos, por Rumo direito, e por o dito rio do Corupá assim para o de paranahiba ( Xingu ) as legoas que costumão tor todas as capitanias de que tenho feito mercê naquellas terras damerioa. Respondendo osta arrumação pello Rio do Pará (Tocantins) assima p:\ra o sul pella parte

(8) «Historia da r.onipanhia «lo J >sus, in Momorios para a Historia do extincto Estado do Maranhfio, por (landitlo Mim loa de Almeida, T. I, p. 499-500.

(0) « ... Da Ia nosta ci<lnde de Lixboa, aos vinte sois dias do moz do outubro, Bertolarnen da J^aujo n fez Anno do Nassiinento do Nosso Senhor .Tcssu Christo d' Mil e sois centos E trinta o sotte.. AfTonso deBarros Caminha a foz oscrov^r El Rey. Concertada Manoel Oodinha da Silva. (Chancollaria do D, Follipo [II, Livro 35, foi. 95, Archivo do Torre do Tombo, Por copia que possnimo^).

A CAPITANIA DO CAMUTA 18T

de loeBie onde se aoaba o lemite que ea tenho nomeado para a Capitania do Pará. .

Bem aasy mais seiuo do dito fóliçiano Coelho de Caraalho e seuA guQwaorei ajs Ilhas que oaaer na maneira anima dita atte desE Lagoas ao Mar na firontarla £ de maroaçfto das ditas qna* ronta Legoas de costa (Agente) de sna Capitania, as quais se Bn- tenderfto medidas palia maneira que âea dito e emtrarSo pello oertao e torra firme a dentro pello modo aasima dito, E dahy por diante tanto quanto poderem emtrar B forem de minha conquista daquella terra. •»

Por esta delimita^ se que a capitania deFdiManoOoelhe abrangia o yasto tracto de terras comprehendido entre a margem esquerda ou Occidental do rio Tocantins e a direita oa oriental do Xingu. A sua costa ou íirente era a tàM septentrional desse continente, desde a Ponta de Tatuoca, de Jupatitnba, do Li- meeiro ou do Frechai (nomes que se lhe tem dado), extremo da margem oocidental da fiMs do Tooantius, até o rio das Areias (10), hoje Marajó-miri ou Marajoi, afiluente da margem direita do Amavmas, três léguas superior & boca do canal de Tajipará que demora dose léguas abaixo da cidade de GurupA.

(10) «...Também aqui advirto ao leitor que passando pelo rio Li- mooiro, fazendo-se nma linha imaginaria ate o rio das Areias, tudo o que ftca a mão direita era pertencente ao Barão da Ilha Grande (donatário da capitania da ilha Granie do Joanes), e o que fíca á mão esquerda tocava ao donatário do Camutá, Francisco de Albuquerqna Coelho de Carvalho (o quinto e ultimo donatário), cujas terras começão da boca do rio Tocantins até o rio das Areias, por costa, com algumas ilhas, e quarenta loa:ua8 para o certão... Da Aruoará (Portel), se a^- guissemos a costa da terra firme, poderíamos Ir sahir á boca do rio das Areias, ao largo do Gurupé... E sahindo nesse famoso rio (Amazonas), objecto da nossa descri pção, a poucos passos topamos, á mão esquerda, com a boca do rio aas Areias...» (P^, José do Mo- raes, líist, da Comp, de Jesus, in Memorias para a Hist, do esetincto Estado do Maranhão, T. i, pp, 501—502).

«Navegando pela Costa austral do rio das Amazonas acima se atravessarão peía ordem seguinte as bocas do igarapé das Areias, do rioPionrui, edoiguarapé das Aningas, até aportar em a villa e fortalexa de Santo António de Garupa, que fica treze léguas acima da boca superior do Tajepurú.» (João Vasco Manoel di Braun. Roteiro choropraphiro, i 784) .

«O rio das Áreas, que desagua no Amazonas junto á entrada sep- tentrional do Estreito Taygipurú, he navegavid por largo espaço através de matos cria'Ioeem terreno plano, povoado de caça.» (Aires do Casal, Corographia brasilica, 1817 T. 11, pp. 304—305).

188 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

O qae então se oham&ya < estreito do Camuia» é o canal qae corro entre a supra determinada costa e as ilhas adljaoentes, atravessando as bailias dos Bocas ou de Oeiras» de Portel c de Melgaço, donde sae com o nome de Tajipurú, o yai desembocar no Amasonas. Bssas bahias são alimentadas pela ooQjancção dos rios Cupij6, Araticú, Panai va ou Panaúa, Jacundá, Pacajá o Uanapú ou Quanapú, e muitas igarapés ou ribeiros, que docon* linento do Gamutá surgem pela margem meridional delias.

A linha de fundo da capitania devia correr, de um lado, pela margem esquerda do Tocantins acima, até o limite da capi- tania do Pará (margem direita), que era o primeiro salto deste rio (a cachoeira das Guaribas, oincoonta léguas acima da sua foz); de outro, pela margem direita do Xingd c as legoas que costnmao ter todas as capitanias de que tenho feito mercê naquella costa damerica ». (11)

£sta capitania oomprohendida assim as duas capitanias em que Bento Maciel Paronte, no seu conhecido Memorial >, havia proposto a divisão dessas terras, que ello considerava ilhas : uma, entro os rios Tocantins e Pacajá, com vinte léguas de lar« gura e quarenta de comprimonto ; outra, entre esto ultimo rio e o Xingu, com vinte léguas de frente o quarenta e cinco de fundo.

Feliciano Coelho nao tornou do Lisboa & sua capitania, cujo governo confiou a seu loco- tenente e capitão-mor Cipriano Maciel Aranha.

Succedeu-lhe, em 1G46, na donatária da capitania seu irmão António de Albuquerque Coelho de Carvalho, que foi nono go- vernador e capitão general do Estado do Maranhão (I(j67-1671).

Ao terminar o seu governo, em 1071, António de Albu- querque mandou oxhumar da igreja de S. Juão Riptistado Ca-

(11) Equivocou-so Varnhagcn, dizondo qno osla capitania «devia começar dos coiiCms da capitania do Pará ; coaCms quo cm 13 do abril de anno {Í033) foram decretados ser na caxoeira do Tocantins, devendo a doação chegar até as terras dos Tapuyassus » (Obr., t. e. p. cit.)

Os confínsd.i capitania do Pará, ou a primeira cachoeira do To- cantins, era taiàibem o limite sul ou do fundo da capitania do Ca- mulã. As tf'i'ras dos Taptiymsus ou, antes, o rio dos Tapuyussus (Curupntuba), marirem esquerda do Amazonas, era o limite d.i capita- nia do cabo do Norte, deBmto Maciel Parente, c não da do Camutá.

A CAPITANIA DO CAMUTÁ 189

mu os restos mortaes de seu pai Fi-aucidco Coelho de Carvalho, eos levou comsigo para Lisboa.

ADtonio de Albuquerque Coelho de Carvalho veio a suoceder tambeni na donatária da capitania de Cumá, no Maranhão, por ter casado em segundas núpcias com sua prima D. Ignez Maria Coelho do Carvalho, filha e herdeira do desembargador António Coeltio do Carvalho, a quem a dita capitania fora doada por sou irmão o governador Francisco Coelho de Carvalho, por carta passada na cidade de Belém em 12 de junho de 1627, e confir- mada por Phillppe III, por carta « Dada nesta cidade de Lisboa aos quinze dias do mez de Margo do Aono do nascimento do nosso Senhor Jesus Christo de mil seis centos trinta e novo». A doação da capitania de Cumá foi confirmada em D. Ignez Maria Coelho de Carvalho por carta de 6 de outubro de 1648.

As duas capitanias, de Camutá e de Cumá, ficaram assim reu- nidas no senhorio de António de Albuquerque Coelho de Carvalho.

A este succedeu na donatária das duas capitanias seu filho Francisco do Albuquerque Coelho de Carvalho, que falleceu a 14 de abril de 1720, cm Lorvão, co;narca do Coimbra (12).

Por este donatário foi concedido ã Camará do Camutá uma sesmaria de terras, para seu património, por carta de data de 37 de maio 1713, cujo auto de posse foi lavrado em 20 de no- vembro do mesmo anno.

Tendo fallecido sem filhos, deixou iostituido por testamento seu universal herdeiro a seu irmão segundo, António de Albu- querque Coelho de Carvalho (segundo do nome), a quem foi passada carta de confirmação das duas capitanias em 2 de no- vembro de 1722. Foi este António da Albuquerque Coelho do Carvalho decimo segundo capitão-mór do Pará (IG85— 1690) e decimo quarto governador o capitão general do Estado do Ma- ranhão (1690—1701).

Por patente de 7 de março do 1700, foi nomeado gover- nador .do Rio de Janeiro. Exercia elle este cargo, quando, sendo oreada, por carta regia de 9 de novembro daquelle anno, a ca- p itania de São Paulo e Minas do Ouro (Minas Geraes), até então

(i2) Gazeta de Lisboa ^ n. IS, ile 2 du iiiaiu de 1720.

190 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

aonexada & do Rio de Janeiro, foi elie nomeado gorernador e capitão general da nova capitania, por carta da mesma dat^ e patente de 83 de novembro do mesmo anno. No sen governo foram creadas (1711) as Tillas de Ribeirão do Carmo, Villa Rica 6 Villa Real do Sabarã, e elevada á categoria de cidade a villa de São Paulo (171^). Chegando-lho a noticiada inva^U) do Rio de Janeiro pela esquadrado DugayTrouin, marchou k A*ente das suas tropas em soccorro da cidade, que encontrou abandonada pelo seu governador, Francisco de Castro Moraes, acampado com as forças da guarnição no sitio do Eagenlio-Novo.

Este havia assignado a capitulação imposta pelo almirante francez, no dia 10 de outubro de 1711, véspera da chegada do António de Albuquerque.

Voltando á sua capitania, passou o governo delia a D. Braz Baltazar da Silveira, no dia 23 de agosto de 1713, e tomou ao Rio de Janeiro.

D'aqui partiu, por via da Bahia, para Lisboa, aoade chegou a 7 de março do anno seguinte, depois de ter resistido victorioei^ ao ataque dos piratas de Argel, a não N. S. do Carmo, em que ia de viagem. Foidepois nomeado governador de Angola, cigo go- verno exerceu desde 22 de março de 1722 até 5 de abril de 1725, em que alli falleoeu, e foi sepultado na igreja dos padres capu- chinhos.

Suocedeu-lhe nas duas donatárias sen filho mais velho Francisco de Albuquerque Coelho de Carvalho (segundo do nome), aquém foi confirmada a doação por carta. « Dada em Lx* Occiai aos Yinte e quatro dias do mez de março Anno do nascimento de N. Sr. JezuChristo do mil setecentos trinta e cinco. »

Foi o seu ultimo donatário.

Os melhoramentos da capitania nenhum cuidado mere- ceram aos seus donatários ou loootenentes, que se limitavam a colher o fructo da terra peio braço do indio servo, objecto de continua disputa entre os donatários, os capitães generaes e os missionários. A carta regia de 3 de março de 1684 determiuava ao governador Francisco fie de Menezes < que não tire Índios da Capitania do Camutá. . . », e a de 17 de janeiro de 1699 ad- vertia ao superior das missões que < tenhaes entendido que a

A CAPITANIA DO CAMUTÁ 191

jurisdição chamada temporal, que se tos conoedeo se não en- tende em forma que por virtude delia fiquem os índios das al- deãs das Capitanias do Gamutá e Cumá, de que he Donatário o dito António de Albuquerque Coelho de Carvalho isemptos da sua jurisdição, nem para quo possaes de algum modo impedir ■cus mandados, que sempre se prezumem justificados, e quando acheis o contrario o deveis fazer prezcnte ao dito Donatário, ou ao seu Capitão Tenente, por modo de requerimento, e não de jurisdição, para que vos defira como for de justiça, e não vola fazendo recorreis a mim para rezolver o que for servido, porque deata forma se evitarão estas contendas, e inconveni- entes...». Em 1731 era tal o desamparo da villa do Gamutá, que nem egroja, nem casa de camará e cadeia tinha ; pro- pondo-se por isso um morador do logar, Bento Bonito Vam- zeller, a edifical-as & sua custa, pela recompensa de postos de commando» Disto faz menção o curioso documento, que trans- crevemos :

«Dom Joãc-etc. Faço saber a vós Governador, e ca- pitam General do Estado do Maranhão que vendosa o que me escreveo o Bispo do Pará em carta de onze de septembro do anno passado, cuja copia com esta se vos em via, assignada pelo secretario do meu conselho ultra- marino, sobre a total ruina, e miserável estado, a que se acha reduzida a Villa do Camutá, e o oferecimento que fez Bento Bonito Banzeler (Vanzeller) para edificar a Igreja da mesma Villa a sua custa, e fazer casa da Ga- mera e cadêa pondo todos os materiaes necessários, mandandolhe eu dar somente os ofilciaes precisos com condição de o prover no posto de capitão-mor da orde- nança daquella capitania, e de lhe dar a Administração da Aldeã de índios, que se fundou junto da dita Villa em sua vida e de seu filho. Me pareoeo ordenar vos in- formeis ouvindo o Donatário da Villa, e o capitão mor actual interpondo o vosso parecer. Kl-Rey nosso Senhor o mandou pellos Doutores Manoel Fernandes Varges e Gonçalo Manoel Galvão de Lacerda, conselheiros do seu conselho ultramarino, e so passou por duas vias. Dio- nysio Cardoso Poreyra a fes em Lisboa Occidental a

192 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

quatro de Janeyro de mil setesentos e trinta o dous. O Secretario Manoel Caetano Lopes de Laire a fes es- crever».

Não sabemos se Yanzjller obtere despacho favorável, e se foz as obras propostas; não oncontramos documento que nos es- olareccsso.

Tendo D. Josó I rosolvido reunir aos beus da coroa todoi os dominios ultramarinos, doados pelos reis soas predeoessores a alguns particulares, foi oxtincta a capitania do Camutá e cncor- porada na coroa, como também a do Cumà , por carta regia do I de junho do 1754, por meio de uma índomnisação paga a Fran- cisco do Albuquerque Coelho de Carvalho, em pensão annual do trcs mil cruzados.

Belém do Pará, 15 de setembro de 1006.

i

REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO HISTORIA

DR. PEDRO AUGUSTO CARNEIRO LESSA

Sucíj circctivo (lo Instituto Histórico o Gcographico Brazileiro

4323 i3 Tomo i.xix. v. Ii.

Reproduzindo n^ste tomo da lievista o trabalho do consócio Dr. Pedro Augusto Carneiro Lassa, publicado alhures, a Com- missão de Redacção tivo om vista archivar nestas paginas mais nma demonstração sup3rior do ominentj homem de letras, per- mittindo a sua leitura aos que não puderam ainda apreciar as esclart^cidas considerações sobro o conceito da Historia e aos que desejarem de prompto relel-as.

(Xoia, da Commistão de liedacção.)

 HISTORIA ANTES DE BUCKLE

Na Qrocia e em Roma, consistia a missão do historiador em narrar os acontecimentos memoráveis. Obra d'arte, o não de scienoia, a historia so escrevia geralmente para perpetuar, en* carecendo, os feitos militares, ou políticos (I) ; e seu priacipal merecimento estava em reproduzir tradições e chronicas, muitas vezes infleis» sob os primores li tterarios do ostylo descriptivo.

Dionysio do Halicaraaso nota uma cor la semelhança entre a forma animada e pittoresca da Hisioria de Heródoto c a dos poemas de Homero {i) . A profunda concisão de Thucydides e a perfeição attica de Xonophonte fizeram da Historia da guerra do Peloponeso e da Retirada dos Dez Mil inimitáveis modelos de

(l) Tácito deplorava não poder iii 'luir nos sou.s Annnes os assum- ptos que faziam o objocloda historia, qual a entendiam os antigos ro- manos: « Não se devem comparar os meus Anna''s com as antigas his- torias do povo romano. Nesse tjmpo, iiavia para contar grandes guerras o granies hatallias; muitas cidades tomadas por força, o muitos reis vencidos ou ditos pi*ir>ioneiro>; c, se alguma voz so fazia munção djs nv;gocios domésticos, era para relatai* livremente as dis- córdias dos cônsules com os tribunos, os d. bates sobre as leis a:4;rarias easc3ntendas do povo com os «grandes. Mas, o meu objecto c muito somenos, e pôde 8 !r talvez que também assim seja a minha gloria; pois escrovj de uma época ejn <[uo, quasi sempre tem havido paz, ou poucas vez s tom si lo pjrtu»kÍ3ada ; e na qual não posso dar noticia senão do desgraças int.rnas, e d) governo de um príncipe que nunca ambicionou estender o s íu império. . . A deseripção de diversos povos edillerentjs paizcs, a varie. lide das batalhas, e as acções iilustres dos grandes capitães, naturalmente prondom o enlevam a attenção dos Ifitores; mas, eu não poso nem tenho para contar senão ordens e decretos atrozes; continuas accusações; perfilas violações da amizade; ruina e de>gra<vas de muitos iunocentes ; o ao mesmo tempo quaes foram as suas causas; objectos estes que, por soreni quasi em tudo semelhantes, chegam por fim a enfastiar.» (Annaes, liv. 4^% XXXli eXXXlll).

(2) Historia de Heródoto, trad. de Miot, pref., XXXVIU.

196 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

narração. Sallustio, de quem dizia o poeta Marcial «prtmiis ro« mana Crispas in historia, exige do historiador, como primeira condição do successo, tuma linguagem á altura dos aconteci- mentos» (3). Som embirgo das suas qualidades de homem de acção, dos seus dotes do incomparável cabo de gusrra, Gesar foi exímio na grammaticae na rhotorica; e tão rigoroso era o sou classicismo, que aconselhava a ovitar as expressões novas ou incorrectas, com a mesma solicitude com que o marinheiro deve fugir das penedias (4). E' por isso que Cicero, segundo o testo- munho de Suetonio, admirava o estylo puro dos Commenlarios, ao ponto de reoommendar que ninguém «bordasse sobro essa talagarça» (5). Tito Livio éa eloquência romana: tendo vindo muito tarde— quando a libardade ora apenas uma tradição para exercitar os seus talent:)8 oratórios, o achando intordicta a tribuna das arongas forenses, transportou o rostro para as Décadas, o, no dizer de Taino, «tV /xU hislorien pour resler orateur» {6). Quinto-Curcio, um simples rhotorico, a nenhum os- oriptor cede na descripção das batalhas. A energia, a profun- deza e o brilho do estylo de Tácito, que «a poesia, o ódio e o estudo inílamaram e sombrearam», se encontram uma voz na historia (7).

Mas, sob as formas attrahontes ou empolgantes deisa con- summada arte de descrever, não se procure, pois frequente- mantc seria vão esforço, apurar a fldelídade das infv>rmações. Inquirir a verdade dos factos. Não se observavam, porque so ainia não conheciam , os cânones da heurística, da diplomática eda critica de Interpretação, sem os quaes ninguém hoje se a- vontura ã árdua tarefa da historiogt*aphia (d). Ilaros historia- dores, ao roconstruirem os factos políticos e militares da vida

liv. 2.

(3) Caliliva IJI,

(4) Momuisen, Ilistona HomanatVoi, 7', liv. 5.o, cap, Xllt

(5) Suotonio, Os Dose Césares, Júlio César, L. VI,

(6) Essai sur Tite^Lice, iutroducção, § 1,«.

(7) Taino, obra citada, conclusão. g2.".

(8) I.anj^lois o S.^ig-nobos, Tntmhirtion av.v E\itãcs Ifisforiquss ^

A HISTORIA ANTES fiUCKÍ.B 197

de um personagem, de uma família illustre, ou de um povo em determinado período (o cifrava-se nisso a lustoria), procediam a um escrupuloso exame das provas, ou se davam ao ímprobo labordó cirandar meticulosamente os documentos. Quão poucos poderiam repetir» convencidos, as palavras de Thucydides! « No qie toca & verdade dos factos, diz o autor da líiHoria da guerra do PeloponesOf não dei credito As primeiras pessoas que en- contrei, nem a minhas Improsaõas pessoaes; narrei &ómente os acoot^i mentos de que fui espectador, ou sobre os quaes adquiri informações procísas ode certeza absoluta» (9). Na Anabatê, Xenophoote descreve factos de que hi tostomunUa, porquanto fez parte da expedição de Cyro, o moço, a qual cora- maniou depois da morte de Gloarcho, o por isso a sua narrativa se acceita como verdaieira ; mas, na Cyropedia^ tanto desde- nhou averdade, que é hoje opinião unanimo não passar a Historia de Cyro de um romance moral (10). Bm vordade, aquille joven príncipe, dutado pela natureza do todos os encantos imagináveis do espirito e do corpo, educado no seio de um povo singular, que a tudo antepunha a utilidade publica, e de til arto for- mwa o cjra^o de seus Alh)â, que eUo) não commoUiam jamais actos censuráveis, nom tiuham nunca motivo para corar; aquellos bárbaros, tão zelozos cultores da Justiça que nas escolas ensinavam as normas do direito, tão imbuidos dos preceitos da mais pura ethica, que escrupulosamente prati- cavam todas as virtudes mais tarde preconisadas p3lo chrístia- nismo ; aqnelle perfeito o clovadissimo estoicismo, quo nos ÍH? antever em cada Persa, sectário da religião mazdeista, o mais bem acabado pvototypo do mystico medieval (II); tudo isso por certo pólo constituir o ornato o o onsinamento moral do um livro destinado á educado da juvontude, mas destoa profunda-

da Ti-a lucção do Lóvôsqae, liv. I», XXII.

(10 .Tá or.inçoso Laharpe comparava a Cyropedia ao Telemaco de Fi^nelon, no Diantnto Pve/tmi7iar quo procede a trada»ção de Sue- Innio. RofiRuet ó um dos poucos historiadoros que dão credito á Cyropedía {I)is?ours sur rifistoivt' Univfrsi^lle, pari 3 primeira, 7* epoc:i).

(II) Cyvopediay liv. 1.''

198 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

menie da severidade do historiador. So» para escrevera Reti- rada dos Dez Mil, Xenophonte fez de Thucydides o seu modelo» qnaoto á fidelidade da exposição, na Cyropedia imitoa o pae da historia, o qual com fabulas e lendas, entretecidas nos fkctos^ oompoz 03 seus nove livros, consagrados ás nove musas, e que mais se assemelham aos cantos de uma epopéa do que aos capí- tulos de uma historia.

Nfio obstante o manifesto desdém de Quintiliano, ao. alludir ás historias gregas (12), os historiadores romanos não foram menos descaroaveis para com a verdade. Difílciimente compre- heademos hoje o modo como Tito Livio se preparou para escrever a historia, a sua absoluta ausência de curiosidade quanto aos documentos e testemunhos com que devia cimentar as suas narrativas. Bra«lhe fácil ir ao thesouro publico e ao templo das Nymphas, para lêr sobre as taboas do bronze as leis regias e tribunicias, os antigos tratados celebrados com as nações vencidas pelo povo romano, os decretos do senado e os plebis- citos ; cumpria-lhe, ao menos, recorrer aos annaes preparados pelos pontífices, que minuciosamente foram annotando todos os acontecimentos merecedores de transcripção na historia romana; mas Tito Lívio teve por indigno de si proceder a essas pesquisas, aliás tão fáceis a um cidadão romano ; nem sequer visitou os legares onda se passaram muitos dos foitos militares, por elle descriptos* Dahi os equívocos, os erroa, as falsidades, que abundam nas Décadas (13). Sallustio escreveu somente para re* velar a admirável perfeição do sou estylo, o por isso «explorou a historía, como se fora a sua província d' Africa, como egoísta e artista de génio», tratando apenas dos factos susceptíveis de de8cripç5es brilhantes pela forma (14). Asioio Pollião contesta a fidelidade dos Commeniarios ^ notando que Cosar diminuo as fa- çanhas dos seus companheiros d'armas, e altera, encarecendo, os proprioá feitos (15). Cícero, conta-nos Plutarcho, tinha for-

(12) Instit,, Orat,, ÍI, 4.

(13) Tainc, obra citada, parte 1«, cap. 2<^, gO.*^

(14) Taúíí?, conclusão, §2.0

Íl5) Suelonio, Júlio Cesav, LVI.

A HISTORIA ANTES DE BUCKLB 199

mado o plano de escroYer uma historia de Roma, na qoal pr6teodia indair parte da historia grega, com qaasi todas at saas fabulas (16).

A historia, para os gregos e romanos, ó om género litte* rario. A amplificação oratória, as flcgSes, o maravilhoso épico» inçam as narrativas, desfigurando os factos, e subtrahindo-os fc justa apreciação dos mais claros e seguros entendimentos. O que oonstitue a sedueçSo da historia na antigaidade ó a lingua, e ostylo, a arte da composição, a movimentação dramática» íbnte iaezgottavel de emoções e do prazer, a nos mostrar» em quadros animados da mais vivida eloquência, as grandes e fortes vir* tndes do heroísmo e do patriotismo (17).

Alguns historiadores desse período alimentavam a preteni^ de fkzer da historia um vasto repositório de licçQes politicas e moraes, a «mestra da vida» (18). Polybio e Plutarcho foram insignes no género. Xenophonte tinha sido um iniciador, e Sallustio fes preceder a cada uma de suas obras {Qailma^ seu hellum caiiUnarium, e Jugurtha^ sen bêllum jugmrthinum) um dis^ curso da mais enaltecida moral, tão destoante da vida de quem foi expulso do senado por suas escandalosas immoralidades.

A antiguidade clássica não fez da historia uma sciencia. Nem quanto a essa doutrina (para a maior parte dos pensadores ainda hoje impossível) que, muitos séculos depois» se chamou a philosophia da historia, conseguiu roais do que rudimentar e grosseiro esboço. Apenas o génio proítindo de Thucydides teve uma percepção fugas das leis a que estão SQjeicos os phenomenos súoiaes: acreditava o autor da Historia da guerra do Pelopornsê

(10) Vida de Cícero, UW,

(17) Vacherot, La Science et la Conscienee, lí, Les historiens*

(18) K* a concepção que ainda neste século domina o espirito de alguns histopiadorog. No tumulo de Alexandre H»»rculano, no convento dos Jeronymos, veem-so as seguintes palavras, que tivemos occasião de li^r, e foram trasladadas de um dos sous escriptosu Aqui jaznm homem que conquistou para a grande mostrado futuro, para a his- toria, algumas verdades importantes.» E Oliveira Martins comaça a s^a Historia de Por tugai» diiendo: «â historia c sobretudo uma licção moral ; eis a conclusão qm», a no^>so vôr, s^ae de todos os eminentes progressos ultimamente realizados no foro d»» «ciências sociaes» (Advertência),

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200 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

que seu eftudo seria atil a todos qae quizessem, partindo do oonhecimeato dos factos passados, comprehender factos fu- turos, qud cseguQdo as leis humanas ser£o semelhantes, ou aná- logos» (19). Mas, lançadas aocidentalmente essa e outras obsor- vaçõai de admirável justeza, o historiador grego prosegue em sua narratira, sem indacçõeíi, sem systematizar os factos, explicando, quando muito, os acontecimentos como um politico, pela natureza das instituições, pelo papel desempenhado pelos partidos, polo conflicto dos interesses, pelo Jogo das paixões, pela eloqaencia dos homens do Estado e pela táctica dos homens de guerra (20). Ainda é a personalidado humana, a vontade indivi- dual ou collectiva, que occupa a soena da historia, como em He- ródoto. NSo se nota mais a sensibilidade ingénua, a imaginação juvenil do Heródoto, para quem a queda de um raio sobre os bárbaros reunMos junto aos muros do templo de Minerva Pronéa, e o despenharem-se com fracasso dois rochedos do cumo do monte Parnaso, são os maiores prodígios, os mais porten- tosos acontecimentos, que p6de narrar um historiador (21). O auctor da Historia da guerra do Pelopaneso não se eleva ás causas naturaes dos íkctos, nem nos as leis a que alludiu no começo de sua chronica, em um rasgo assombroso do génio. Continuador do methodo histórico de Thucydides é Polybio, que procura explicar a superioridade politica e mUitar de Roma, comparando-lhe as instituições com os dos outros povos. Mas, toda a philosophia de Polybio eitá condensada nesta formula: cCumpre estudar a constituição de um Estado, como a causa pri- mordial dos bans e mãns successos em tudo. E' dessa consti- tuição, como de uma fonte, que derivam as empre^zas e seus effeitos» (22). Sallustio, Tito Lívio, Tácito, todos os historiadores romanos, nos dão uma única explicação da grandeza e da deca- dência de Roma: a cidade cresceu, elevou «se, dominou, em

(19) Liv. 1^ xxir.

(20) Vachero(, obra citada.

(21) Historia do Heródoto, liv. S\ XXXVIl e XXXVIII, trad. de Miot.

(28) Polybio, HistúHa Geral, VI.

A HISTORIA ANTES DE BUCKLE 201

consequeDcía de saas virtudes e por uma predestinação divina ; decaliiu, perdeu a liberdada e o império do mando, em conse- quência da dissolução dos costumes, produzida pelo luxo (23). Não passa dessa rudimentar consideraoao a philosopiíia da his- toria em Roma,

Nâo se pretenda tam pouco descobrir nos historiadores gregos e romanos, a coordenação metliodica dos factos, a systomatização scientifica dos elementos preparados pelo historiador, para as generalizações das scioncias sociaes. Taine caracterizou bem a historia, tal como foi compreliendida pela antiguidade clássica, dizendo que ella nos oíTorece unicamente uma saccessão de acontecimentos, c não classes de factos (24). Preoccupados com os feitos bellicos e as acções dos j^liticos, os historiadoras do pe« rlodo greco-romano poucas ou neuhumas informações nos mi- nistram sobre a industria, o commercio, os costumes domésticos, a religião, a scioncia, as lettras, as artes liberaes e mecânicas, sobro t.dos aquelles factos estudados hoje pelos historiadores, como o conteúdo principal da hiatoria.

f; lendo Ottfried Muller, ThirlwalJ, Grotí>, Niebuhr, Mom- rosen, Curtius, Fustel de Coulanges, que bom conhecemos e comprehendemos a Qrocia e Romi.

A edado media nos legou alguns toscos esboços de historia universal, modelados pelos escriptos de Eusébio, Orosio e outros historiadores catholicos .

A pratica das glosas, tão util ao desenvolvim3nto do direito no periodo medieval, transplantada para o estudo e composição da historia, foi fecunda em resultados, especialmente na sua spplicação ás collecções de documentos o ás dissertações cri- ticas {2ò). E cifrou-S) nisso o progresso da historia na edado media» quo, facilmente se oomprehende, a nenhum principio, doutrina, mothodo, ou classificação scientifica, subordinou as investigações ou a exposição do historiador.

(23) Vacherot, obra citada, I. Tainc, obra citada, introducs^âo.

(24) Obra citada, conclusão,

(25) Laniílois e S^ignobos, obra citada, liv. 3<*, cap. 5.

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NarenaacBiiga, Macbiav6l bosqnejoa a sua original conce- pção da historia, baleada em um abstruso semi-fatalismo. O principio cardeal da tbeoria do famoso secretario florentino 6 o movimento das espheras. A direcção dos astros, o curso das es- tações, a passagem da vida para a morte, tudo é preestabelecido e dominado pela evolação circnlar do universo. Também o homem e^ soô^i^o ^ osse principio: multiplica-se cegamente, invade a terra; e, quando o mundo regorgita de habitantes, as espheras o despovoam pelas pestes, fomes e inundações, para que a humanidade recomece a sua faina. O movimento circular unif- versal veriftca-sono seio das sociedades ; os Estados se organizam e corrompem-so, como os individues; passam da monarchia i aristocracia, e desta ã democracia, para regressarem á pri^ meira forma de governo. Todas essas continuas mutações são resultantes do impulso communicado pelas espheras, e os ho- paens nunca poderão adivinhar o fim definitivo do universo (86).

Admittido o principio, mal se comprehende a inoongruencis da& deducçOes. Acreditam muitos, diz Machiavel, que Deus e a fortuna, ou o destino, regem as cousas deste mundo, e de tal arte que toda a prudeneia humana ó impotente para lhes deter, ou regular, o curso ; a concepçãoé acoeitavel com uma limitação: a fortuna dispõe da metade de nossas acções, mas confia a outra metade ao nosso livre arbítrio» (27). TitoLivio ô o guia» o mestre de Machiavel, que repete, convencido, estas palavra do historiador romano: ^Ohcceicat ânimos fortuna^ etftn vim $uam ingruentem reftingi non vu;t.> Os homens podem secundar o destino, mas nunca obstar aos seus decretos (28) Os factoi históricos se repetem, porquanto os mesmos desejos e as mesmas paixões dominam em todos os tetnpos e em todas as regiões, o que permitte aquelles que estudaram os acontecimentos do pas- sado prevôr os que o futuro reserva ás nações, e applicar-Ihee os remédios j& experimentados eom suooesso, ou imaginar novas

(26) Machiavel, iMuvve$ Politiques, app, pag. 573.

(27) O Principe^ cap. 25.

(28) Discurso sobre !^ito Livio^ liv. 29, cap. 29.

A HISTORIA ANTES DK BUCKLE 203

corabioacSes. Demais, nSo raro ó dado ao homem conbeoer o futuro de um modo sobrenatural. A atmosphera está repleta de intelligencias celestes, que, tomadas de piedade pela miséria dos mortaes, os instruem sobre os factos vindouros por meio de prognósticos (29). laso não quer dizer quo as religiões sejan^ Terdadeiras. Em todos os tempos o dogma religioso é umaen* genhosa falsidade, engendrada pelos bomens em proveito da seus interesses (3J). Quanto ao engrandecimento e á. decadencii^ das sociedades, ha uma explicação aooeitavel, ó a dos his- toriadores romanos, adaptada ao principio ftindamental da doutrina de Macbiavei: o luxo, a sensaalidade e os vioioe extinguem a economia e todas as virtudes, que oonstituem v grandeza e o sustentáculo dos Estados. o poeta satyrieo Juvenal tinha afflrmado essa verdade: < Gul<n

et scevun' armis Lujsuria incubuitf victum que ulciscitur orhem > (Sat.VI).

Com a nossa hodierna concepção da natureza da sciencia, difflcilmonte poderíamos dar a denominação de theoria scienti- íica da historia a esse amalgama informe de erros, preconceitos» penetrantes observações admiráveis o verdades empíricas, que se nos deparam no Príncipe e nos Discursos sobre Tito Livio.

A doutrina de Bossuet é o polo opposto á de Machíavel. E, como seria Imperdoável ousadia traduzir^ ou resumir, o que es- creveu a águia de Meaux, transcrevamos um trecho do Discurso sobre a historia universal^ em que está condensada a sua theo- ria providoncialista da historia: €Ce long enchatnement des causes particuliéres qui font et défont les empires dépend des ordres secrets de la ditine Providence, Dieu iient du plus haut des cieux les rênes de tous les royaumes* Ilatous les cceurs en sa main: taniôt il reiient les passions^ taniôt il leur lâche la bride, et par il remue tout le genre humain, Yeut-il faire des conquérantsí il fait marcher répouvante devant eux, et il inspire à eux et d leurs soldais une hardiesse invincible. VeutHl faire des légis lateurs í il leur envoie

(29) Discursos sobve TitoLirio. liv. !<>, cap, 56,

(30) 01 ra citada, passim.

204 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

son esprit de sagêsse et de prêvoyancef il leur fait préeenir le$ maux qui menaceni les soldais, et poser les fondements de la trunquillité publique» Il connait la sagesse humaine, toujours courie par quelque endroit: il réclaire, il éíeni ses vues, et puis il Vabandonne d ses ignorances, il Vaveugle, il la precipite, il la con* fond par elle-même: elle s^envelopi^e, elle s" embarrasse dans ses propres subtilités et ses prècautions lui sont un piêge, Dieu exerce par ce moyen ses redoulablesjugjmenls, selon les régies de sa jus- ti e toupurs infaillible ; c^est lai qui prepare les effets dans les causes les plus /loignéei, et qui fi'appe ces grands coups doni le contre^coup porte si ioin: quand il veut lãcher le demier et ren- verser les empines^ tout esi foible et irréguHsr dons les conseils, VEgypíe, aulrefois si sage, marche enivrée, étourdie, et chance- lente, parce que le Seigneur a répandu V esprit de vertige dans ses conseilsi elle ne sait plus ce qu^elle fait ; elle est perdue. Mais, que les hommes ne s^y irompent pas: Dieu redresse quand illui plalt le sens égaré ; et celui, qui insultait d Vaveuglement des au» três tombe lui-même dans des ténèbres plus épaisses, sans quUl faille sou^ent autre chose pour lui renverser le sens que ses lon- guês prospèritès , Cest ainsi que Dieu régne sur tous U^ peuples, Ne parlons plus de hasard ni de fortune, ou parlons en seule* ment comme d^un nom donl nous couvrons notre ignorance: ce qui est hasard à Cêgard de nos conseils incertaúis, est un dessein concerte duns un conseil plus haut, c^est-à-dire dans ce conseil éter- nel qui renferme tout es les causes et tous les effets dans un même ordre. De cetle sorte tout concourt à la même fin^ et c^esí fouie d*enlendre le tout qae nous irouvons du hasard ou de Virrigularitè dans les rencontres particulières> (31). Dous intervom oa dirooção das cousas humanas, obrigando constaatemoDto a natareza a aahlr das leis pjr elio próprio estabelecidas ; ô um senhor abso- luto, despótico, cuja vontade constituo o único vinculo que mantém a ordem no universo. Com razão observa Laurent, que, os milagres por meio dos quaes Deus, tal como o concebe Bos- suet, subverte a regularidade dos factos históricos, se asseme-

(31) Parle ttrce ra, oip. 7, fim.

A HISTORIA ANTKS DE BUCKLE 206

Iham aos golpes de Estado de um monarcha voluntarioso, qao se compraz em violar as leis que promulgou (32). A9 ioooQ^eqaea- cias da douiriua de Bossuet são manifestas. O homem, ozpuls do paraíso, foi entregue ao seu próprio arbítrio ; suas inclinações se corromperam, seus desmandos tocaram o extremo, o a iniqui - dado cobriu a superflcio da terra. Tal ó o resultado da .direcção pi-ovidenoial! Deus se arrepende do ter creado os homens. Medita contra elles uma vingança terrível, o diluvio universal. Então Doas, que croou todos os sores, destroe a mais bolla parte de sua obra, e o Omnipotente por esse movlo se vinga do miserá- veis creaturas, abandonadas por seu oreador. No celebre dia em que o sol detém o seu curso por ordem do Josué, Deus se distrao no alto do céo, atirando pedras sobre os infelizes fugitivos, para lhes completar o extermínio. Jurusalóm e Babylonia cahom uma em seguida a outra, de acjordocom a palavra dos prophe- tas; mas, Deus faz convergir todos os rigores de sua colora contra os Chaldeus, ao passo que aos Juleus dispensa um castigo pa« ternal. Toda a indulgência para com os seus eleitos ; toda a cruellade para com o resto do género humano. De resto, o povo de Deus, objecto da mais carinhosa educação por meio de mi- lagres, a ouvir frequentemente a palavra dos prophetas, acaba por desconhecer as prophecías, ri-se dos milagres, e mata o Filho do Deus, vindo ao mundo para salval-o ! Os maiores personagens da historia, César, Alexandre, todos os grandes conquistadores, são instrumentos da providencia: €Dieu ne les envoie sur la terre que dans sa fureur,^ A historia 6 um vasto campo de carnificinas. Quando dois povos se guerream. Deus quer vingar-se de um delleS) ou de ambos (33). A philosophia da historia do Bossuot ó um tecido do preconceitos e incongruências. Nada mais absurdo do que o esforço para oonciliaro livre arbítrio, que Bossuet não podia negar, com esse provídenoíalismo, segundo o qual €Dieufa%t louty il voitj de Vêternilé louí ce qu^il faiL* Indiscutivelmente não temos aqui uma thooria, que possa pretender os foros da sciencia.

(32) líistoivede VhumanitiK Philusopliie Ao Tliisioiro, liv. I., cap. f.

(33) Lauront, ibidem.

.*.n

206 HEVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Vioo allnentoa a preteagSo de fandar a philosophia da his- toria, e para muitos a Seianja Nuova foi o inicio dessa doutrina. No ooQoeito do pliilosoplio italiano, as nações passam por ires edades, que se repetem eterna e necessariamente t a edade citeifia, a heróica e a humana. Ha três espécies de naturezas, de que derivam três espécies de costumes, que produzem três espécies de dirtHio natural^ que dSo origem a três espécies de governo {Zi). Para communicarem entre si os costumes, leis e goTomo, 08 homens formaram três espécies de línguas e de ca- raderes. A primeira natureza foi dominada pela imaginado* poética ou creadora^ divinizou os seres materlaes, o se cara- cterizou por uma íbroz barbaria. A segunda produziu os heróes, de origem divina. A terceira foi humana, inteiligente ; reco- nheceu a consciência, a razSo o o dever (35). Os primeiros cos- tumes tiveram o caracter religioso que se attribue a Deucalião e Pyrrha. Os segundos foram os de homens susceptíveis, e que facilmente se encolerisavam por quoatOes de honra, taos como Achilles. Os terceiros foram subordinados á noçfto do devevy e íkziam consistir a honra no cumprimento dos deveres civis. O primeiro direito foi imposto pelos deuses. O segundO'^^ direito da força submettida à reiigifto. O terceiro— o direito dictado pela razão humana desenvolvida. O primeiro governo foi a theo- eracia ; tudo era ordenado pelos deuses ; foi a edade dos orá- culos. Em seguida veio o ^ov^rtio heróico ou aristocrático. Mais tardo se estabeleceu o governo humano^ em que predominava a eguaidade civil e politica. A primeira língua ^ lingua divina mentalf compunha-se de oeremonias sacras, signaes silenciosos. Depois os homens adoptaram a linguagem das armas, e afinal a linguagem articulada, de que usam hoje todas as naç9es (36).

AS nações reproduzem eternamente eiS três edades. £' a fa- mosa lei dos ricorsi, em virtude da qual a edade media repetiu a edade antiga. Os três poriodos— (ftv^no, heróico e humano^ se

(34) Micholut, (Euvres choisies de Vico^ lomo 2®, pag. Jf61.

(35) Obra cilada, paj?. 2^2 .

(36) Paga. 265 e 2ôy.

A HISTORIA ANTES DE BUCKLB 207

nos deparam nas dnas edades, o qae Vioo tenta mostrar, des- cendo a uma eomparagio minnciosa entre os íhctos antigos e os medieyaes (37). Ha apenas três exoepçQes a essa lei : Carthago, Captta e Nomancia não repetiram as tros edades, —a dMnai a herêica e a humana. Os Garthaginezes foram detidos em sen desenroivimento histórico pela súbiilexa peculiar ao espirito afri^ cano^ aggravada pelos hábitos do eommercio martltma. Gáptta também abria uma excepção á iel dos rieorsi, em consequência da extraordinária doçura do seu clima. E Numanoia parou na edade heróica a um aceno do SoipiSo (38).

Os ftustos históricos, seguado a Stienxa Nuoii>a, são o pro* dueto de dois factores: a ao^ dos homens e a intervenção da Providencia, que muitas vezes contraria a vontade humana, e sempre lhe ô superior. Na theoria de Viço não ha logar para o fatalismo^ porquanto os homens são dotados do Uvre arbítrio. Também não 6 admittido o acaso, porquanto os mesmos fiictos^ repetindo se, produzem regularmente os mesmos eífeitos (30).

A idéa fiosa de Vioo, observa com raiãoVacherot, é desco- brir o immutavel no variável, a unidade na diversidade, em uma palavra a lei no facto, apprehender os mesmos traços, os mesmos caracteres, nessa variedade de actos, pensamentos, in^ stitulções, costumes e linguas, que nos apresentam es aanaes do mundo (40). Tal é o escopo que procurou attíngir < o génio re- ligioso e melancholico » do auctor dos principies de philosophia da historia. Aleançou-0? Responde-nos Laurent em poucas pa- lavras (41). Comparemos a nossa edade com a edade média, ou com a antiga, ou estas duas entre sí, o vijamos se os três pe- ríodos repetem os mesmos factos, e na mesma ordem de suc- ces^o das três épochas, divina, heroieae humana. Seria uma tarefa ingrata, por infantil, demonstrar que o presente differe

(37) Pags. 347 e3t>3.

(38) Michelet, citado, pag. 365. (39; Pag. 382.

(40) La scietice et la canscietice, lí, Les kistorient ,

(41) LaPhilosophie deVHisioire, pags. 82 a 85.

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do passado quanto aos costumes, á religião» às instituições poli- ticas e jurídicas, ás idéas scientiâcas, sio progresso das artes, à industria e á guerra. E reconhecer essa verdade intrangivol 6 negar a lei liistorica dos corsi e ricorsi, isb é, todaa phiiosophia da historia do Viço.

Em phiiosophia Viço é um precursor do ilegel, assim como na historia é um precursor do Niebuhr. No conceito do auctor da Scienza Nuova^ o que precede o produz tudo o que ha c o es- pirito : o espirito do homem produz a idéa, a vontade do homem produz o facto. A idóa o o facto partem do mesmo centro ; deve, pois, haver entre o facto o a idóa analogia e harmonia necessárias, ou, segando a linguagem de Hegel, identidade da natureza humana e da historia (42). No systema de Hegel o real e o ideal são duas manifestavoes de uma razão absoluta^ que perpetuamente sa transforma; o principio de sua phiiosophia ó que €ludo o que é real é racional ^ e tudo o que é racional é real » (43). A raiOo absoluta começa a existir como ente puro, ente em 5i, ou lógica ; manifesta-se depois como natureza; e finalmente se volta, ou dobra, sobre si mesma, conservando os elementos que adquiriu fora de <i, e transforma-se em espirito» Abstrusa concepção, que levou Scheliing e Hartmann a perguntarem : porque a razão, u puro pensamento, do sua natureza essencial- mente contemplativo, teria renunciado a afortunada paz do re- pjuso, para se entregar aos tormentos de um fieri perpetuo, aos trabalhos de um operoso querer, ac^ infortúnios da exís* tenciareal í D'onde procede para a idéa^ para a razão, aquelle impulso espontâneo que a deixa escurecer o eterno esplendor que lho é apanágio, e precipitar-so na confusa agitação da rea- lidade? (44).

Niebuhr approxima-so mais da verdade, e, no dizer do Taine, a sua vista penetrante da natureza humana e o seu

(48) Lerulinier, Introdtirtion G^hièraie à VHistoire du Droit, pag. M>.

(•í3) O. Carie, La rita dei diritlo vci su<n rapporti rolla r/íu so- cta^c, pa*r. 37ti.

(44) Carie, pjijr- ^í^^-

A HISTORIA ANTES DB BUCKLE 209

exiroordioario conhecimento dos factos o coUocam entre os génios modernos. Para elle nada é subitaneo nas instituições humanas, que so formam e desenvolveni gradualmente, não em virtude de vontades arbitrarias, mas pela força das situ- ações; o homem não se conserva o mesmo por um instante, e a historia é a narração desses continues e ininterruptos movimentos (45).

Para alguns Voltaire é o verdadeiro creador da philo- sophia da historia. Não que tenha escripto uma theoria philo- sophica : O Ensaio sobre of costumes não merece tal denomi- nação. E* um misto de considerações philosophicas, factos insignificantes e anecdotas satyricas, um beUo cJmos^ como disse um critico reputado (46). Mas, observam os qae nas obras de Voltaire descobrem uma concepção scientifica da historia, em vez de começar por uma doutrina, para a impor depois aos factos, o auctor do Seoiao de Luiz XIV ^ da Historia de Carlos XII e áo Império da Rússia sob Pedro o Grande^ comprehendeu, com o seu maravilhoso bom senso, que a dou- trina devia decorrer naturalmente do estudo dos íkctos. Im- porta inquirir os f^tos, como única base solida para a philo* . sophia da historia. Antes de Voltaire a historia era incompleta, pois abrangia os acontecimentos politioos e religiosos. Foi elle quem incluiu na historia os costumes, as lettras, a philo- sophia, todos os elementos, em 8umma« que reflectem a vida da humanidade (47).

Mas, qual a coneepçãa scientifica da historia de quem cynicamente escreveu estas palavras: Rêduisez Vhistoire à la vérité, vous la perdes ; c'est Alcine depauillée de ses presiiges > 9 Ora todos os factos são dominados pela Providencia: la prom, mdence fait tout ; providence, tantôt terrtble, et tantôt favo» rahle^ devant laquelle il faut également se proslerner dans la gloire ou dans Vopprobrc, Ainsi pensait mon oncle, ainsi

(45) Taine, obra citada, pag. 116

(4l5) E. Fagiiet, Vix-IIuitième Siècle, Eludes Littéraires, pag. 268 (47) Laurent, Philosophie de VHistoire, pags, 85 e 86, 4323 ~ 14 TOMG Lxix. p. u.

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pénsent tou8 les sages » (48). Ora pelo destino, pelo aeaso. pela oéga fatalidade: < N*y a-M7 pas vitiblemetU une destinée qfU faU Vaccroissemênt et la ruine des Estais ? (49) » ; Une fa- taUté aveugle gouverne les affaires du monde> (50). 00 factos hifltoricoB estSo scú^itos ao acaso, doutrina que Frederico 11, o grande amigo de Voltaire, resaniu nesta phrase: « Plus on vieillit, pPus on se persuade que sa sacrée Magesté le Hasard faU les trois quarta de la hesogns de ce nUsérable univers (61). ProYideDoia ou acaso, nenhuma das duas idéas oíferece om fundamento racional a uma explicação scientífica. À pro« yidencia exprime ama vontade superior ás leis, e sem o co- nhecimento destas, isto é, das relagões necessárias derivadas da natureza das cousas, do que ó commum, constante, per- manente, na producção dos phenomenos, não temos scienoia. O acaso é a antithese directa da lei. Attrihoimos ao aeaso aqnUlo que não sabemos como subordinar a uma lei (59).

Voltaire foi incapaz de um sysfcema: < ee grand espril^ e^est un chãos d*idées claires^ (53).

No Espirito das Leis e nas Qoimderações sobre as eausas da grandeza dos romasios e de sua decadência, Montesquieo fee admiráveis observações sobre a historia politica. Não tentou escrever sobre a philosophia da histiNria propriamente dita, não estadou as leis a que estão sojeitos os &ctos históricos em geral, redusindo as leis obtidas a um principio superior, fundamental. O famoso livro decimo quarto do Sspiwiio das Leis nos mosira apenas a influencia do caracter e das paixões sobre as leis, e a do clima sobre as paixões e o caracter do espirito. Mas, Montesquieu não íkz depender a vida social unicamente de clima: diversas cousas governam os homens,-*o clima, a reli- gião, as leis, as máximas de governo, os exemplos do passado, os

{48) La Defense de mon onde, cap. i.« (49) Introd, a VEssai sur les mo^utê, L I, {50) Siècle de Louis XV, cap^ i.®

(51) Laurent; obra citada, pap:. 91.

(52) Stuart Mill, Système de Logique, vol. 29, pag, 48.

A HISTORIA ANTES DE BUCKLB ' 211

oo8tam68(S4). Montesquieu ô aoima de tudo legislador, e para elle 06 bons legisladores sEo os que se oppõem aos vioios do clima, e os maus os que favorecem as tendências naturaes deri- vadas das causas physioas (55). Se algumas vezes exaggera a in- fluencia do clima, ao ponto de se não poder explicar dentro de sua theoria a diversidade de espirito, de caracter, costumes e instituições, entre povos visinhos, como os athenienses e os the- banos na antiguidade, os gregos e turcos na épocha actaal (56), logo se nos revela o legislador, com a sua confiança nas iDsti- tuiçoes, acreditando poder melhorar os homens e as sociedades pela força das idóas.

Nem no Espirito das Leis, nem no estudo sobre a grandeza e a decadência dos romanos^ se nos depara uma theoria, uma phi- losophia da historia. São considerações y como bem diz Taine, um eonjuneto de notas, e não um systema. E uma sequencia de ob- servações, ou ponderações, por mais interessantes que sejam, não é uma philosophia da historia (57) . Montesquieu não des- cobriu leis geraes da historia, não deu á sua theoria um prin- cipio fundamental, superior ; apenas explicou as razões parti- culares de certos factos, formulou algumas leis especiaes. Para elle o espirito de uma lei é o eonjuneto das relações que prendem essa lei a diversos phenomenos, e ezplioam-lhe o appa- recimento e a existência. E, porque as formas de governo incon- testavelmente influem no caracter das leis, elle se occupa lar- gamente com os governos, dividindo-os em monarchla, despo- tismo e republica, e subdividindo esta em democracia e aristo- cracia. Não que as formas de governo tenham a influencia prejponderante que o empirismo politico lhes attribue. As formas de governo são effeito, e não causa, do caracter de um povo; 8, pois, fora inútil transplantar leis e instituições poli- ticas de uma nação para o seio de outra, differente no que toca

(53) Paguei, Diat-ffuitième Siècle, pag. 219

(54) De VEsprit de» Lois,liv, XÍX cap. IV. (5õ) Obra citada, liv. XIV, cap V.

(56) Laurenty obra citada, pag. ili.

(57) Taine, obra citada, pag, 179, «dição.

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á raça, ás qaalidades iatellectuaes e moraes, aos antecedentes históricos e ás condições physicas (58). A proclamação desta ver- dade já era bastante para fandar a gloria immarcessíTel de um escriptor.

Peio seu liyro Esquisse d'un tableau kistorique des progrés de VetprU humain^ Condorcet merece um logar saliente entre 08 que pretenderam crear a philosophia da historia. A sua idéa fundamental está exposta logo na introdução da obra. E* sua inten^ traçar um quadro em que succintamente nos apresenta as sociedades humanas em todos os estados por que tém passado, com todos os progressos que tôm feito para a ver- dade ou para a felicidade, para chegar & conclusão de que não ha limite ao aperfeiçoamento das faculdades humanas. A perfectibilidade do homem é infinita; os progressos dessa perfectibilidade, de hoje em deante independentes da com- pressão de qualquer poder, tem como termo único a duração do globo em que nos coUocou a natureza. Condorcet divide as phases por que tem passado a humanidade om nove épocas. Na primeira, os homens viveram em hordas, ou ajçgremiações sel- vagens e errantes de caçadores e pescadores. Nesse periodo rudimentar havia uma auctoridade publica, uma certa orga- nisação da familia e uma linguagem articulada. Caracteriza-se a segunda época pela passagem do primitivo éístado ao dos povos agricultores : estabeleceu-se a propriedade, introduziu-se a desegualdade das condições, inventaram-se as artes mais simples, adquiriram-se as mais rudimentares noções da sciencia. Na terceira época inventou-ae a escripta alphabetica. A quarta comprehende os progressos realizados pela Grécia até a divisão das. sciencias no século de Alexandre. A quinta abrange os progressos das sciencias na Qrecia e em Roma, desde sua divisão até sua decadência. A sexta e a sétima são duas phases da edade média : a primeira termina com as cruzadas, a segunda coma inven^^ da imprensa. A oitava época vai da invenção da imprensa ao periodo em que as sciencias e a philosophia sa-

(58) Flint, La Philosophie de VHistoire de Fra/nce, pag. 52.

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cadiram o Jogo da auctoridadOt moTímento que Descartes tere a honra de iniciar, segando nos diz Condoroet. Começa, flnal- mente, a nona época com essa revolução intellectual, para aca- bar com a revolução politica de 1789.

Como se vê, nem os acontecimentos escolhidos para assi- goalar o começo de cada periodo* ou para dividir as épocas da historia da humanidade, são todos do mesmo valor, têm exercido a mesma influencia, nem sequer pertencem á mesma ordem : ora o que distingue uma época ó um íà<^to industrial, ora um facto politico, ora um acontecimento religioso (59). Imbuido das prevenções do sectarismo íknatico do seu tempo, Condoroet reputa o christianismo uma impostura, a monarchla e a egreja duas instituições essencialmente perniciosas. Dahi uma palpável contradicção na sua doutrina : a que fica redu- zido o continuo aperfeiçoamento do homem, o progresso inces- sante e illimitado, a infinita perfectibilidade, que tão enthusi- asticamente preconiza Condoroet, si as mais importantes e dura- douras instituições são obstáculos a esse progresso ineessanU e illimitado^ &zem recuar a humanidade, ou pelo menos lhe pa- ralyzam o movimento ascendente para a verdade ou para a feli- cidade %

Por xun bem entendido determinismo, Condoroet basôa o pro- gresso moral sobre o desenvolvimento intellectual : o interesse mal comprehendido 6 a causa mais frequente das acções con- trarias ao bem geral ; a violência das paixões é na maior parte dos casos o effeito de hábitos a que nos entregamos por um erro de calculo, ou por ignorância e falta de reflexão (60). Na decima época, a em que estamos, o progresso intellectual ha de produzir como resultados a extineção da desegualdade entre as nações, a egualdade entre as classes da um mesmo Estado e o aperfeiçoamento real do homem sob o aspecto intellectual, moral e physioo. Neste ponto de sua theoria, as extravagâncias de Condoroet attingem os limites do ridículo : a medicina, a

(59) Flint, obra citada, pag. 102.

(60) Progrès de Vesprit huniain^ dixième époque.

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bygiene, a economia politica e a arte do goyerno não tâm a efflcacia de prolongar oonsideravelmeate a vida humana, ou de llie assegurar uma duraç&o cujo termo se não pôde caleolar* como pensavaaqoella nobre victima dasselvageriaede 1789 (61).

A theoria do progresso eontinao e illimitado é cabalmente refatada pelo próprio Condorcet, qne não raro dos deaoroFe factos históricos que são obstáculos ao progresso, ou recuos para as trevas do passado. Nota-se na Rsquisse d'un tabhau hiê^ íorique des pregtés Petprit hummin^ o mesmo defeito das obras de Voltaire, de Rousseau, de Diderot, de todos os escriptoresdo século XVIII em França : ezoellentas na arte de de^trnir, eram incapazes de uma constraoção systematica em qualquer pro- Tincia do saber. Foram todos um pouco desequilibrados (62).

Herder, o aator das Idéas sobre a philosophia da historia da humanidade^ no sentir de Lanrent ó um poeta, e não um historiador, ou um philo&opho. Mas, o qne ô certo é que as suas Idéas constituem um dos mais famosos subsidies prestados ao tontamen de formar a philosophia da historia* Herder a prin- cipio se diz deista, e manifesta-se um espirito profiindamente religioso, dominado por uma conflança illlmitada na sabedoria eterna e na bondade infinita do Creador. Entretanto, não ad- mitte o proTidencialismo na historia, contradicção que tanto irrita a vaniloquente philosophia de Laareut, para quem a phi- losophia da historia tem por base estas duas idéas : o pro- gresso e ô governo providencial, A idéa de progresso envolve o conceito de que os homens e os povos preparam por si mesmos o seu destino ; a idéa de governo providencial quer dicer que a humanidade tem no sen creador um guia, que a dinga e educa, sem lhe supprimir o livre arbítrio, doutrina que podem ac- oeitar os espíritos aflbitos A vacuidade e ás incongruências da fòtdk pseudo - philosophia do auetor dos Estudos sobre a Hts* toria da Humanidade. Com esta observação não pretendemos significar que não exista na theoria de Herder a oontradicgão apontada por Laupent.

(61) Flint, obra citada, paga. 116 o il7. (GS) Faguet, Dix-Euitame 8iMe,^g. 868.

A HISTORIA ANTES DE BUCKLB 215

E' absurdo, no conceito do historiador e philosopho aliemão, suppôr que Deus dirige os actos dos homens e dos poTos, e íd- terrem incessantemente no drama interminavQl da historia, permittindo a pratica de aocSes boas e más, o appareoimento da homens santos e perrersos, tudo predispondo para um des- fecho determinado. Para os sectários do proyidencialismo na historia as mais hediondas atrocidades, os crimes mais abjectos, commettidos pelas nações sob um i^retezto qualquer, inyentado porseas Toluatariosos conductores, todas as carniflcinas da his- toria, nada mais são, e como taes se justificam perílsitamente, de que meios de que se utilisa a Provideneiupara realisar seus altos desígnios. O bom seuso de Herder se revolta contra essa ooncepgSo abstruaa : c é ultrajar a magestade divina, suppôr que, para estender o reinado da verdade e da justiça, ella disponha deste meio : o jogo oppressor e as mãos ensanguen- tadas dos romanos ». Para os sectários do providencialismo, os conquistadores são os instrumentos de que se servem a bondade infinita de Deus e a sua eterna sabedoria, para a realização do bem . Para Herder apparecem entre as nações os Alexandres, os Césa- res, os Attilas, do mesmo modo oomo existem os lobos e os tigres ao lado dos bois e dos carneiros: são produotos da natureza»

Toda a historia da humanidade, diz Herder, é uma pura histma natural das forças humanas, de acçOes e inclinações, que dependem dos tempos e dos lugares. > O homem ó um ser subordinado á natureza, e delia dependente. Herder attribúe ao meio cósmico e ã organização physiolo- gica uma influencia decisiva sobre a psyohioa humana. De- mais, o homem não ó um ser isolado ; está sujeito ã lei da solidariedade ; para a formação de cada um de nós contribuem os antepassados, os mestres, os amigos, os compa- triotas, a raça com todas as suas qualidades (63). O fiictor pre- ponderante 6 a naturezgí : mil annos de disciplina não modifi- cariam o caracter do negro, ou do chim ; não toiam o primeiro

(63) Flint, Philosophie de Vfíistoire en Allemagne, cap. IV.

(64) Stnart Mil], Augusto Comie e o Poritivismo, trad. de GIó- msac^au, pag. O*

216 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

attenuar suas paixões grosseiras e ríoleatas, nem o segando 11- bertar^se da tradição e do habito. Foi o solo da Europa, acciden- tado, coberto de bosques, cortado por numerosos rios, golphos, montanhas e valles, que formou o espirito activo e emprehen- dedor do europeu. E* por isso que Laurent denomina a doutrina de Herder a do fatalismo da natureza. Mas, Herder n&o su- bordina a sua theoria a um principio fundamental. Ha nas Idéas sobre a philosophia da hisUn^ da humanidade , como reconhecem geralmente os críticos de Herder, falta de precisSo nos conceitos, de vinculo que ligue as partes do todo, harmonizando as, de principies que dominem as magniâcas exposições dos aspectos parciaes da historia. Qual a lei fundamental da historia? A su- jeição do espirito humado ao fatalismo da natureza? Nâo : Deus oreon o homem para o progresso. O progresso ? Nfio : o homem está adstricto ás fatalidades do meio cósmico. A doutrina de Herder quasi nos leva á conclusão do Machiavel : a metade das nossas acções pertence ao livre arbítrio, a outra metade ás imposições da natureza.

Um pouco antes de Buokle na Inglaterra, em França o philosopho extraordinário com o qual mantém uma certa affl- nidade o historiador ioglez, tentara determinar a lei funda- mental da historia, e erigida â categoria de sciencia; mas, o génio assombroso do Augusto Gomte e a admirável solidez de seas conhecimentos scientifleos não lograram evitar á philosophia positiva a sorte dos ensaios anteriores do mesmo género. Au< gusto Comte naufragou como os seus antecessores, c de toda a sua vasta obra colossal nos resta unicamente (oo que toca á phi- losophia da historia) a indicação do methodo.

O ponto de partida do systema de Comte ô que o homem conhece, e pode conhecer, phenomenos, e que esse mesmo conhecimento é relativo, e não absoluto. Não conhecemos a essên- cia, nem o modo real de producção, de.nenhum facto, mas, uni- camente, as relações de successão ou de semelhança dos factos entre si, relações que são constante.^, ou sempre as mesmas em condições idênticas. As semelhanças constantes que ligam os phenomenos entre si» e as succeasões constantes que os unem como consequentes a antecedentes, se denominam leie. As leis

A HISTORIA ANTES DE BUCKLE 217

dos phcnomenos eis tado o qoo delles sabemos. Saa essõocía e suas causas ultimas, quer effleieotes, quer ânacs, são para nós impeaetraveis (64). podemos, pois, averiguar quaes são as leis a que estfk) subordinados os factos históricos, e, si a liistoria é uma scioDcia, qual é a lei fundamental, a que as suas leis espe- ciaes, ou derivadas, podem reduzir-se.

No systema de Comte, a phiiosopliia da historia ó uma parte da sociologia. l<:sta scienciaé dividida em duas partes : a está- tica e a dynamica. A primeira limita o seu estudo ás condições de existência o de permanôncia do estado social ; abstrahe do pro- gresso, da evoluçio, das modificações por que passam as socie- dades. B* a theoria do consensus ou dependência mutua dos phe- nomenos sociaes (65). Ensina-nos que certos attributos geraes da natureza humana tornam possível a existência social, e que o homem tem uma inclinação espontânea para a sociedade de seus semelhantes, que procura instinctivamente,e sem se preoccupar, o que se depois de um certo gráo de adiantamento, com as vantagens ou interesses que se lho doparam na vida collectiva. Ao lado dos sentimentos egoístico.^ tem o espirito humano uma certa benevolência natural, o altruísmo, sentin ento m .is fraco do que as inclinações pessoae^, mas sufficiente para manter a so- ciedade. O trabalho, que é umainjuncção da natureza humana, sob o estimulo d is duas correntes de sentimentos, modifica e me- lhora as condições do individuo e da aggramiação. Pouco a pouco se vai formanlo o espirito de progresso, om antagonismo com o espirito conservado/, que alimentam os instinctos pessoaes, e dahi a lacta universal entre as duas ordens de tendências. Con- stitue-se a família, que é a escola ondo os homens aprendem o desinteresse, e contrahem os hábitos da conducta que exigem as relações sociaes. Finalmente, um outro phenomeno verificado em todas as sociedades é a especialisação das ftmcções, que cada vez mais estreita entre os homens os vincules do interesse e da sympathia (60). Tal é o campo da estática.

(64) Staart Mill— Augtistc Comte e o Positirismo, trad. de Clô- mcnccau, pap:. 6.

(65) Obra citaila, pag. 89.

(66) Stuart Mill, obra citada, pags. 9,0 e 94.

â

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exemplo, notoa com muita felicidade que em nenhum tempo , nem em paiz algum, se descobriu um deus do peso. Verifloa-se a mesma cousa, em geral, ató do domínio dos assumptos mais complicados, quanto aos phenomenos bastante elementares e basta)ite familiares para impressionarem expontaneamente o menos preparado observador pela perfeita invariabilidade de suas relações effeotiyas. Na ordem moral e social, que uma oppo- síq&o pretende hoje yedar systematicamente & philodophia po- sitiva, tem^se tido necessariamente a noção das leis naturaes no que concerne aos phenomenos mais simples da vida quoti- diana, como evidentemente exige a oonducta geral de nossa existência real, individual ou social, que nunca teria podido com- portar qualquer previdência, si todos os phenomenos humanos tivessem sido rigorosamente attribuidos a agentes sobrenaturaes, porquanto desde então a oração teria logicamente constituído o único recurso imaginável, para influir sobre o curso habitual das acções liumanas.

Pelo contrario, importa notar, a esito respeito, que foi o es- boço espontâneo das primeiras leis naturaes peculiares aos actos individuaes ou sociaes que, ficticiamente applicado a todos os phenomenos do mundo externo, forneceu no começo, de accôrdo com as nossas precedentes explicações, o verdadeiro principio fundamental da philosophia theologica. Assim, o germon da philosophia positiva é tao antigo, no Aindo, quanto o da philosophia theologica, sem embargo de se ter desenvol- vido muito mais tarde. Tal noção importa em muito & perfeita racionalidade de nossa theoria sociológica, porquanto, não po- dendo a vida humana offerecer nenhuma verdadeira creação, mas uma simples evolução gradual, não se comprehenderia o surto ílnal do espirito positivo, si desde os tempos primitivos se não tivessem verificado os seus primeiros rudimentos neces- sários (68)

Stuart Mill, que adoptou muitas verdades ensinadas por Au- gusto Comte, por quem professava a mais profunda admirado fBLZ restricções á J0» fundamental da historiai Não se deve crer que a mathematica, desde que começou a ser cultivada, tenha

(68) Cours de philosophia positive, tomo 4^, paga. 694 e 695, t* e4i

A HISTORIA ANTES DE BUCKLE 221

jamais passado pela phase theologica. ProvaTelmente nunca houve homem convencido de que era a vontade de um deus que impedia as linhas parallelas de se encontrarem, ou que fazia da somma de dois e dois quatro, assim como nunca houve quem supplioasse aos deuses a graça de tomarem o quadrado da hy- pothenusa igual a uma quantidade maior ou menor que a somma dos quadrados dos cathetos. Os crentes mais devotos tôm reco^ nhecido nas proposições da natureza dessas— uma classe de ver- dadesi independente da omnipotência divina». (69)

Littré, o mais illustre dos disdpulos de Gomte, reputando empirica a lei dos três estados, propunha a substítuição da desco- berta do mestre por uma outra do diwipulo (70). A historia da numanidade, no entender de Littré, se divide em quatro épocas, a mais antiga ô a em que os homens soffrem o império prepon- derante das necessidades; em seguida vem a edade das religiões, do desenvolvimento da moral e das primeiras creações civis e religiosas; a terceira ó a idade das artes, na qual o sentimento do bello engendra as construoçoes e os poemas; finalmente se abre a edade da sciencia, em que a razão se consagra ás investi- gações da verdades abstracta. E' mais uma divisão da historia, que, como tantas out.as, tem o grave defeito, assignalado por Flint, de partir do presupposto de que os desenvolvimentos especiaes da actividade hnmana formam períodos succes* sivos ia historia, quando a verdade á que esses desenvolvi- mentos se realisam simultaneamente (71). Entretanto, o facto de um discípulo como Littré propor, á guiza de correcção, uma lei fundamental da phiLosophia da historia, tão dissonante da do mestre, j& bastava para nos prevenir o espirito contra a theoria do philosopho franoez.

Em verdade, a reflexão sobre os factos liistoricos, desde a mais alta antiguidade, nos convence de que as idéas theologicas, metaphysicas e positivas têm sempre coexistido. As três ordens de concepções não assignalam períodos suocessivos do pensa-

(69) Obra citada, pag. 48, edição.

(70) Paroles de Philosophie Positive, e Auguste Comte, pag8,49 e 50.

(71) La fhUosophie de Vhistoire en Francc, pags. 339 e 340, trad .

de Carrau

222 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

mento humano, porém modalidades synchronioaSt foeto que díTersas, direcções yarias, posto que coevas, das idéas que for- mamos sobre os foctos. Si desde os tempos primitivos o homem formou idéas positivas sobre os phenomenos, apprehendeu-lhes numerosas leis, de ordens differentes de conhecimentos, como reconhecem Comte e Stuart Miil, no período actual, denominado positivo, as concepções theologicas e metaphysicas subsistem per- feitamente ao lado das verdades scientificas. Dahi a doutrina de Spencer, para quem ca religião e a soiencia são necessariamente correlativas», representam dois modos antitheticos da con- sciência, que não podem existir separados: i^o os poios, negativo e positivo, do pensamento, um dos qnaes não pôde crescer era intensidade sem augmentar a do outro» A certeza da existenda do poder insondável tem sido sempre o flm que a intelUgencia ha procurado attingir. (72)

O próprio Comte reconheceu essa verdade, quanto tentou constituir a sua religião positiva^ que Plint qualifica— eitrava- gante contubernio do fetichismo, do scepticismo, do cathoiicismo e da sciencia. Que melhor argumento poderia ministrar o Ain« dador daphilosophia positiva contra a lei dos ires estados do que a oonflssâo de que a humanidade ia entrar em um quarto estado^ no qual a sciencia e a religião deviam coexistir por toda a oon- tinuação da historia ?

Si tal é a verdade em relação ao theologismo, isto é, ao ele- mento religioso, mais ainda nos convence o estudo da natureza do espirito humano de que a nossa intelUgencia nunca poderá resigaarse á abstenção de qaaesquer cogitações sobre as causas primarias e as causas finaes.

Tudo nos leva a crer que esse conjuncto de especulações sobre os seres que não podemos conhecer pelos processos scienti- flcos, e especialmente sobre a Causa Ultima, que Augusto Comte reunio sob a denominação de metaphysioa, ha de ser perpetuamente uma fonte ínezhaurivel de consolações ou de es- peranças, de incertezas ou de angustias, para esta miserável e torturada impotência do espirito humano.

{72)Lêt Premiert Prineipes, pags. 04 9b,irad. d6CaceIlM,8» edição.

 HISTORIA m corno DE BOCELE

O rápido esboço do capitulo anterior eomprova a affir- mação com que Backle inicia a Historia da CiviH$açao na Inglaterra^ que ó um dos ensaios mais admiráveis no sen- tido de determinar as leis da liistoria, de alçar a historia á dignidade de soiencia, oa de constituir a soienoía da historia.

Desde o periodo greoo-romano se tem oolligido os uinaes politieos e militai-es de todas as grandes nações da Eurofa ; começaram depois a se aocamular eopiosos dados históricos sobre a legislação, a religião, a scieoeia, as lettras, as bellas-artes, os inventos úteis e os costumes; foram exa- minadas antiguidades de toda espeeie ; elevou-se a economia politica á categoria de sciencia ; a estatística e a geogra- phia physica têm feito progressos maravilhosos; estuda- ram-se as acções e os traços caracteristieos dos povos ci- vilisados e a vida de numerosas aggremiações selvagens em todos os pontos do globo; tornou-se possível comparar as condições da humanidade eia todas as phases da civUisação, e nas mais variadas ctrcomstancias. Mas, se exceptuarmos algumas observações empiricas, algumas reflexões moraes e politieafl de utilidade pratica, qual o sueco idóal extrahido de tão abundantes materiaet, no que o^oerne ao domínio da historia? Que induoções, que genaralisações, que leis« que principies, se formularam, que mereçam a denomi- nação de soiencia da historia? Os próprios historiadores, com poucas excepções, têm limitado a sua tarefa & narração dos acontecimentos. Raros os que tentaram subir até as leis geraes, e entre estes quasi todos guiados por processos

224 REVISTA DO INSTITUTO HISTORIC»

lógicos sabjectivosi dominados por preoonceitog, e sem uma oxacta comprehensão d^ natureza, da sciencia.

Foi deanbe dessa riquoza de materiaes o dessa escassez de Yordades scieniiftcas, que o historiador britannico se ar- rojou ao tentamen, como elle próprio qualifica a sua arris- cada e traballiosa empreza, de elevar o importante ramo das investigações históricas ao niyel das soiencias que se oc- cupam com a natureza.

Com uma nitida visão do seu assumpto, começa Buckle por uma indagagSo primordial, que nesta ordem de idôas necessariamente nos deve ministrar o fundamento de qualquer theoria que aspire aos foros de soientifica: os nossos aotos, individuaee e sociaes, e consequentemente os factos histó- ricos, são governados por leis âxas, ou o producto do livre arbítrio? A nossa vontade ó livre, independente da acção de qnaesquer outros factores, ou obedece aos moveis e mo- tivos? Eis o problema, cuja solução nos levará a admittir e estudar as sciencias que têm por objecto os phenomenos sociaes, ou a repellir in limine quaesquer investigações nesse sentido.

Não ha muito que a philosophia contemporânea pela booca de Fouillée proclamava ser a questão do livre arbítrio e do determinismo o problema philosophico por eafcellenda. A ado- pção de qualquer das duaa theorias repercute em todas as sciencias que estudam o homem, individualmente considerado ou em conectividade (73). Se professarmos o livre arbítrio, será a mais rematada incongruência qualquer pretensão de estudar soientificamente os factos dependentes da vontade hu- mana; e consequentemente deveremos repellir, por impos- síveis, todas as sciencias sociaes, como o direito, a economia politica, a politica e a moral social, ou iremoi até ao im- comparavel dispauterio de conceber um conjunoto de sciencias constituídas sobre factos caprichosos, leis que governam phenomenos arbitrários, regularidade e previsão naquiUo

(73) Hamon^-D^tcrmíniímc et respotisabiliiê; pag. i».

A HISTORIA NO CONCEITO DK BUCKLB 225

que dej^ale da vontade^ superior a todas as circamstaa- cias internas e externas, que podiam gerar a ordem e per- mittir a previsão.

Mais historiador do que psychologo, maia preoccupado com a ostatistica do que com a observação do que se passa no èspiínto liumano, Bucklo liaure o seu principal ar- gumento em í^LVor da thoso scientiQca do dotermisismo na regolaridado de certos factos, que, se fosse uma verdade o livre arbítrio, seriam absolutamente inexplicáveis. A unifor- midade, ou, em dadas condições, o augmento, ou a dimi- nuição lenta e gradual, com que se verificam os crimes e os suicídios, o até factos insigaificantes, que parecem es- capar a qualquer lei, como a omissão do endereço nas cartas postas no correio, não têm explicação plausível dentro da theoria do livro arbítrio. Mas, tão grave é esta questão, e tal é a sua influencia sobre tudo o que interessa ás sci» encias sociaes particolares, á sciencia social fundamental e á philosophía da historia, do cuja constituição adeante tra« taremos, que importa esclarecer um pouco mais este ponto capital. Tanto mais se faz mister a nossa explanação, quanto ó incontestável haver homens illustrados, que, por deficiência de ínstrucção philosophica, como nota Schopenhauer, reputam o livre arbítrio um facto de certeza immediata, o o pro- clamam como verdade indiscutível, não acreditando, om sua ingenuidade, que sôriamente alguém possa pôl-o om duvida

(71).

Pensa Buokle que o homem nos tempos primitivos, não tendo ainda descoberto a uniformidade com que se produzem os phenomcnos da natureza, attribula tudo ao acaso. A ob- servação quotidiana dos factos e a comparação lhe foram a pouco e pouco suggerindo % idéa da estabilidade nos processos da natureza. Da primeira concepção deffluio a doutrina do acaso no mundo externo, a que corresponde a do livre arbítrio no mundo interno ; da segunda, a doutrina das relações ne-

(74) Essai sur U libre arbitre, cap. 2, 4323 Tomo lxix. p. ií.

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cessarias entre os factos, da qual derivou a doutrina da predestinação. O livre arbítrio e a predestinação— eis os dois principios oppostos, o em lucta durante um longo espaço de tempo.

Hoje podemos dizer quo, na explicação do mecanismo da vontade humana, ha duas escolas em renhida controvérsia, a do livre arbítrio o a do determinismo. No conceito da primeira o livre arbítrio, liberdade moral, ou liberdade volitiva, quer dizer que, não obstante a pressão continua e multiforme do meio exterior e a lucta interna dos diversos motivos, a de- cisão final entre duas possibilidades oppostas pertence exclusi- vamente à vontade do individuo (75). Por outras palavras, o livre arbítrio é o poder que tem a nossa vontade do se deter- minar, de se decidir, ora virtude de sua própria iniciativa, su- perior a qualquer influencia extranha, interna ou externa, ou o poder que tem o eu de ser elle próprio o autor, o creador de seus actos (76).

Para os sectários do determinismo todos os phenomenos do universo, tanto os physicos como os moraes, são determinados por causas superiores á nossa vontade. Divide-se a theo- ria do determinismo em tros sub-theorias: a do deter- minismo mecânico, a do determinismo physiologieo e a do determinismo psychologico (77j . O determinismo mecânico parte do principio de que a energia no seio do universo ô sempi*e a mesma, toda a força se resolve em movimento e todo movi- mento em força, o pretende explicar por essa tlieoria mecânica todo o mecanismo da vontade. Esta doutrina até certo ponto se confunde com a do fatalismo, segundo a qual tudo ostã previa- mente regulado, o homem nada póie modificar pela sua activi- dade, só lhe cumpro submotter-se, resignar-se, deante do poder mysterioso o superior (Dous ou o destino), contra o qual toda lucta é impossível (7S). Os sectários do determinismo mecânico,

(75) Enrico Forri, Sociolofjia crimincU, pag. 262, Paris, 1893.

(76) Rayot, Lcçons de pi^ychologie, pags. 447 c 448.

(77) Cepeda, E/tiw cílio' de Droit NatuveU trad. de Oiiclair, pag. 32.

(78) G, Renard, L'homme est-il libre t pag. 13.

A HISTORIA NO CONCEITO DE BUCKLB 227

bem como os fatalisi», não vêm qae o homem 0x0106 um poder de diree^» limitado mas incootestaTel, sobre as forças iuUa« raes. O determinismo physiologioo admitte instinetos, stfitl* mentos, iaelinaçJSes e paixões, e explica todos os antos toIoih tarios pelo temperamento, peio ambiente, pela sensibilidade ^79). O determlnsmo physiologico abstrahe dos motivos consistentes em idéas oa razões de ordem superior, como o dever, a jostíga^ a solidariedade humana, a abnegação, motivos a que o homem obedece» contrariando seus moveis sensíveis (80)« Finalmente, o determinismo psych(riogico, em antagonismo oom o meoanleo e physiologico, enstna-nos que a vontade não está adstricta a essa força cega, manifestação da energia do universo, nem nniear- mente aos instinctos, inclinações e sentimento, mas obedeoe também ás idóas e aos raciocínios, qae riio motiwi determi-« nantes de nossas volições* E* a doutrina verdadeira, e acceitA por todos 03 psychologos, philosophos e pensadares« qne tdm aproíúndado esta difficil e complicada questão. O priBieiro dos argumentos exhíbidos em fitvor do livre arbítrio repousa em uma grosseira confosio, facilmente dissipaveL Se interro- garmos a nossa consciência, affirmam os adeptos do livre ar- bítrio, obteremos a resposta de que podemos fazer a fue qui* zermos. Cada homem faz o çiue quer, não ha duvida alguma, desde que se lhe não depare um obstáculo material. Mas eomo observa Schopenhauer, essa ó a a liberdade ph^sica, o poder de agir^ que nada tem com a nossa intrincada questão. O que a consciência proclama é a Uberdade dos actos^ com a preeupposiçãe da liberdade das volições ^ mas sobre esta ultima liberdade— a das nossas volições— a consciência nenhum testemunho offerece em ííivor da theoria do livre arbítrio. Isso não nos deve sar-' prehender, por^iuanto a eonsciencia, nota o philosopho allemão» tal qual habita no fundo da generalidade dos homens, é uma cousa demasiadamente simples e acanhada para poder explicar questões dessa ordem. O problema é outro e muito diverso. O problema ô este: nás queremos as nossas voHçõesí Qiteremes o qtte

(79) Cepeda, ob. cit., pag. 34.

(80) Cepeda, pag. 35,

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queremosf Âs nossas determinações, as nossas resolagõjs, sio o producto exclusivo de nossa vontade, independente e soperior ás circumstanoias externas, aos moveis e aos motivos ? Ou as nossas volições são o produoto destes dois factores—o caracter, a organisaçao mental, a constituiç&o psychica de cada um, e os moveis o motivos? Quando um homem afflrma: ueu posso fazer o que quizor, caminhar para a direita, ou para esquerda, oon*- forme quizer, porquanto sou livre», afflrma uma verdade irre- futável. Apenas prosappõe a liberdade da vontade, o admitte implicitamonto que a decisão está tomada (81). Os nossjs actos dapendem do nossas volições, do nossa vontade. Mas, essas volições, essa vontade, ^u) independentes de quaesquer circum- stanoias, do quasqner forças, internas ou externas ? Eis o pro- blema. E a solução nnica admissível no estado actual da scie- oncia á a de Buclsle, como hoje reconhecem todos os homens oom- petentes neste assumpto.

Em verdade, a observa^ quotidiana dos factos nos arrasta a confessar que os homens são resultantes dos tempos e dos Io- gares em quo vivem, estreitamente solidários com tudo o que os cerca, os precede e os segue (82). A hereditariedade, ou meio in- terno, determina-lhes o caracter o o temperamento. O meio cos* mico, o meio individual e social, actuam sobre o caracter e o tem- peramento, e 08 modificam. A influenciado ultimo iRnctor éfte- quenlemento proclamada: não ha quem duvide da acção dos ha- bites, dos costumes da sociedade em que vive o individuo, dacon- dição social em que nasceu, ou se conserva, da profissão, da hy- giene, da educação, da instrucção, das instituições e das leis (83).

A voli';ão 6 uma resultante destes dois factores: a consti- tuição psychica e òs motivos. Submetter-se a este ou áquelle motivo, não á facto que depende do livre querer de cada um.

(81) Fssai sur U libre avhiirr, parrs. íííí o 34.

(82) Piopor, La rir soriale, la morale et le pvonrH. papt?» 2^, cap. 2'>. x- uf 1 »

(81) Hfliiion, obra cila«la, pa«?. 22. Voja-sr eflpooialmenle o excol- lento livro do Dp. M. Bombarda, proíessor de medicina em U»l>oa,— A consciência eo livre arbítrio {.dip, 5'.

A HISTORIA NO CONOBITO DE BUCKLE 229

08 motÍTos não tôm uma força iatrínsoca» sonipre a mesma I^ara todas as vontades. Saa energia depende da organiâaçfto mental dos individoos: o qae para um homem civilisado, e de coracSo b3m formado, constituo motivo preponderante, pôde nao passar de um motivo secundário, on absolutamente nullo, para um cérebro rude e dominado por necessidades pbysiplo- gicas o tendências inferiores. Mas, oljectam os propugnadores do livre arbítrio, a vontade humana tem em si um principio activo, capaz de resistir a todos os moveis e motivos imagi- náveis, do abstrahir dessas forças determinantes, do sobrepôr-se a ellas, e dominal-as ; os motivos nâo impeliem necessariamente a nossa vontade. Na soa linguagem pittoresca, Schopenhauer reproduz essa objecção sob a forma de alguns exemplos. Para provar o livre arbítrio, um iiomem toma um revolver carregado, e declara que depende exclusivamente de sua livre vontade* sem a influencia de motivo algum, suioidar-se ou nfto. Esquece-se de que a condição capital para que se tal facto* ó a inter- venção de um motivo de força esmagadora e por isso mesmo ra* rissimo, de um motivo que possa sobrepujar o amor á vida ou o temor da morte. depois que um tal motivo entra em jogo, é que a nossa vontade se determina, resolve a pratica do acto, que antão é uma consequência necessária. Diz um outro defensor do livre arbítrio: posso dar aos pobres tudo o que possuo, e tornar-me pobre. Poderia, respondo o philosopbo, se tivesse um caracter diverso, se levasse a abnegAçao até á. santidade ; mas, nesse caso nada poderia impedir a pratica desse acto, que se daria necesariamnte ,

Uma illusão da consciência, muito commum, pároco op« pôr-se ao determinismo psychico: do facto de podermos pensar (note-se bem— pensar) na realisaç<ão de duas acções completa- mente oppostas, tiramos a conclusão de que, em um determioado caso, podemos querer eguaimente dois actos contrários. Schope. nhauer desfaz essa illusão por meio desta bella e significativa prosopopea:— Eu podex*ia, diz a agua, levantar-me ruidosa- mente em vagalhões immensos, tragando navios alterosos, açoi- tando os mais elevados rochedos.— Sim, responde o philosopbo, se fosse agua do mar, agitada por uma tempestade violenta.

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—Eu poderia preoipitar-me em uma carreira vertiginosa, arras- tando Da minha paragem troncos de arvores, blocos de granitos, «adaveres de liomens.— Sim, poderia tudo isso, mas precisava ser uma grossa torrente, que se despenhasse de aleantilada montanha. Eu poderia esparzir-me pela atmosphera em li- geiros flooos niveos, tão brilhantes como os raios do sol. —Po* deria, se fosse repuxo de jardim, em dia de oáo anilado, sob os revérberos de um sol vivamente fulgurante. —Eu poderia re- flectir com a maior nitidez as mais puras formas, os contornos das imagens mais beilas. Sem duvida, se fosse agua de lago, orystallina e pura, não encrespada a fftce pela mais ligeira brisa.

Quando suppomos que em uma determinada hypothese po- díamos ter tomado duas resoluções completamente oppostas, esquecemos todas as circumstanclas que rodearam a nossa vo- lição, abstrahimos da força que determinou a nossa vontade, do elemento que iníiuio decisivamente na deliberação. A acção desse elemento, o facto de termos obedecido a esse motivo, a eircumstaneia de ter sido elle o preponderante, não dependia da nossa vontade, era um corollario das condições do nosso es- pirito, da nossa organisação mental.

Em ultima analyse, a única liberdade que tem o homem ô a de agir ( liberdade dos actos ) de acoordo com a sua vontade, suas predilecções, suas inclinações, de conformidade com os seus maceis e motivos (84). E, sendo assim, o determinismo não destróe a individualidade, a personalidade, o conjuncto das qua- lidades peculiares a um individuo, e que o distinguem dos outros individues da mesma espécie. Exactamente por haver uma riqnesa admirável de foctores que distinguem a constituição psy- ehlca dos indivíduos, e uma grande abundância de idéas e sen- timentos, de uidinações e paixões, que actuam como forcas propulsoras da vontade, e por não conhecermos previamente quaes os factores e os motivos que hão de predominar em um determinado caso, 6 que não podemos prever com segurança os phenomenos voluntários, excepto dentro de certos limitos.

(84) Hamon, pai?. 47.

A HISTORIA NO COXCBITO DE BUCKLE 231

Um outro argumento decisivo contra o livre arbitrio nos fornecemos estadistas, legisladores, jurisconsultos e moralistas, de todos os tempos. A existência das leis nâo teria absoluta- mente explicação, se a vontade humana fosse independente doa motivos. Que homem sensato se lembraria de dirigir, de go- vernar, o livre arbitrio ? As leis tôm por base a presumpçao de que a vontade está sujeita ú. coacção dos motivos Um codil^o penai ó simplesmente uma serie de motivos, creados polo legis- lador, para o flm de dominar os moveis e motivos conducentes ao crime (8*3). Os mais notáveis criminalistas estão accordes neste ponto: para Beccaria a pena é um motivo sensível op- posto ao delicto ; para Feuerbach um dos fins da peaa é a coacção pfiychologica ; segundo Romagnosi, uma das funcções da pena é a contra-impulsão á impulsão do crimo (86). O legislador serve-se das próprias paixões, das mesmas tendências, que levam ao crime, para afastar o homem da pratica dos actos delictuosos. A cobiça, a sensualidade, o instincto de destruição, querem sa- ciar-se: o legislador estabelece penas que vão ferir o delinquente exactamente no património, na liberdade ( cuja privação lhe tolhe os gozos materiaes), na vida, isto é, nos próprios instinctos que eile quiz satisfazer. A representação das consequências do delicto contrabalança, ou sobrepuja, as vantagens, os resultados, a utilidade collimada ; e assim a ameaça do castigo, a commi* nação da pena, actua como motivo para vedar a perpetração do crime. Se algumas vezes a pena deixa de ser efficaz, e se trans- gridem as leis penaes, isso prova a regularidade com que actuam os diversos factores que concorrem para formar o caracterisaí a nossa constituição psychica. O moralista não raciJcina de outro modo, quando se esforça por nos desviar da pratica do mal, por meio da representação das consequências prejudiciaes decorrentes da infracção dos preceitos ethicos, consoquencias que são as sancções da moral.

Como todos os deterministia, Buckle tora sido increpado pelos que não conhecem a doutrina de tor preconisado um

(85) Essai snr le libre arbitnu appendico l».

(80) Ilamon DHerminisme et responsabilité^i^ai!^, 2uC.

232 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

priaoipio philosophioo cujos ooroUarios são immoraes. Acceito o determinismo, euppoem taes coQSoree que temos eliminado as noções de imputabilidade, responsabilidade, mérito e demérito, pena e recompensa, e consequentemente os fundamentos da moral o do direito. Nenhuma supposicSo mais errónea. Sendo os nossos actos voluntários a resultante do caracter individual, ou organisação mental de cada individuo, e dos motiros, e fa- zendo-se mister uma certa correlação entro a vontade e os mo- tivos, isto ó, que 08 motivos tenham a forca do propulsar um determinado caracter, e que esse caracter esteja formado de tal modo que sobre elle influam esses motivos, nós temos o senti- mento claro e seguro da imputabilidade de nossas acções. O de- terminismo não nega a individualidade, a personalidade; pelo contrario, explica scienUAcante por que a constituição psychica dos individues varia, e distingue cada homem dos seus seme- lhantes. Ninguém ainda so lembrou, observa Schopenhauer, de se desculpar da pratica de um acto condemnavel, attribuindo-o exclusivamente aos motivos: todos estão certos de que a imper- feição do seu caracter contribuiu para a producção do acto cen- surável. Cada um de nós está convencido de que, sob a pressão dos mesmos motivos que o levaram a praticar um acto immoral, outro individuo de mais aperfeiçoada organísaçao mental, de melhor educação e do intoUigencla mais esclarecida o capaz do reflexão, teria procedido diversamente. As acções vo- luntárias de um individuo decorrem do seu caracter, do con- juncto de attributos que o distinguem, e consequentemente lhe são imputáveis. Lançam -se na conta de cada um de nós. Não devemos responder por esses actos? Juridicamente a questão nos parece hoje impossível. A responsabilidade do delinquente repousa exclusivamente na imperiosa necessidade da defesa so- cial, reconhecem todos os criminalistas contemporâneos aucto- risados: o delinquente respondo pelo delicto, impõe-se-lho uma pena, porque a conservado da sociedade o exige. Ora, vimos que a idéa de pena com exclusão do determinismo psychico pôde aninhar-se no cérebro de um insensato. Consequente- mente, o determinismo não destróe a responsabilidade ; o que se não comp/ohende é a responsabilidade som o determinismo.

A HISTORIA NO CONCEITO DE BUCKLE 233

Mas, dir-se-ha: a que ficam reduzidas as idéas de mérito e demérito em face do determinismo ? Quando uma acção foi jal- gada moralmente bôa, dizemos que o agente moral é digno de estima e recompensa, eis o mérito. No caso contrario, jul- gamos o agente digno do desprezo e de punição, eis o demérito (87). Louvamos e estimamos o individuo que procede de acoordo com oa preceitos da ethica ; desprezamos e punimos a quem transgride essas normas salutares, ostabeiecidas em pro- veito do individuo, da sociedade e da humanidade. Mas, não 6 no dominio dos factos moraes que discriminamos o que 6 utii do que nos prejudica, ou não nos inte- ressa. Honramos e admiramos, louvamos e estimamos todos 03 que se distinguem por um talento scientifico, artístico ou litterario, pela habilidade no oxercicio de uma profissão» por uma preciosa qualidade physica ou intelloctual. Ninguém liberalisa prémios ou encómios, recompensa monetária, ou sequer alguns momentos de attenção, ao mau poeta. Prestamos todas as nossas homenagens de estima e admiração áquelles que por seus dotes oaturaes, por sua constituição mental, se iC\m distinguido na arte de exprimir as idéas e sentimentos humanos sob a forma eterna do verso. Entretanto, sabemos que nenhum desses artistas é o autor do seu génio, que todos elles devem a ezcellencia na sua arte & natureza e ás circum- ^tanclas. Lamartine, que não equiparamos ao rude burilador de versos sem génio e sem inspiração, poude dizer de si próprio com verdade:

Je chantais^ mes amiSy comme Vhomme respire^ Comine Voiseau gémit, eomme le vent soupire, Comme Veau murmure en coulant .

B Hugo escreveu em rela^ ao sou próprio génio :

Tout souffle, tout rayon^ ou propice ou fatal, Fait reluire et vibrer mon âme de cristal, Mon âme aux mille toix^ que le Dieu que fadore^ Mit au centre de tout comme un écho sonore.

(87) E. Saisset, Príncipes de la Morale, pag. 361.

234 REVISTA no INSTITUTO HISTÓRICO

Uma mulher nos attrahe pelos oncanios de sua belleza. Não é eila a autora d\, perfeição das linhas de seu rosto. Vamos por isso desprezal-a, ou confuadil-a com as que não têm o dom fatal de que nos falia Byron ?

As perfeições moraes são estimadas e applaudidaa do mesmo modo que as perfeições intellectuaos. As imperfeições, as falhas* 08 vicies, os defeitos moraes, são votados ao desprezo e ã re- pulsão, do mesmo modo que as imperfeições intelleciuaes (88). Tanto umas como outras não nos devem provocar odio^ mas oompaizão. e o descijo de corrigil-as, de eliminal-as^ nos limites do possível. O determinismo não nos leva & inércia do f^ita- Jismo.

O determinismo pftychico é a theoria regeneradora da huma* didade, a doutrina do bem, da moral, da salvação. Conhecedor da dualidade dos factoros que produzem as nossas volições, n&o mais se limitará o homem a conselhos inefflcazes, a vãos precei- tos, ã simples formulação de regras de condncta, que são ovtrofl tantos motivos contradictoriamonte oíferecidos pelos adeptos do livre arbítrio como meios de dirigir a vontade humana. Sabendo que os actos moraes dependem da correlato desses motivos com a organização mental, e quaes os elementos que infloem na formação do caracter, procuraremos evitar o mal, cortando- lhe as raizes ; eliminar o vicio, estancando-lhe as fontes ; ex-* pungir o crime, dando caça aos seus antecedentes necessários, mais remotos e recônditos. Os individues e as sociedades por seus orgams se esforçarão por attenuar, quanto possível, as as- perezas do meio physico, e por melhorar todas as eondições individuaes e soeiaes de que depende o aperfeiçoamento do es- pirito humano.

Se o determinismo psychologico é a expressão da verdade, Bnckle tem razão, quando logo no limiar do seu magestoso edifício oolloca esta epigraphe sigaiftcativa : «Temos, pois, que o homem modifica a natureza, o a natureza o homem ; o dessa reciproca influencia devem necessariamente decorrer todos

(88) Renard, obra citada, pags. 90 a 97

A ÍIISTORTA NO CONCEITO DE BUCKLE 235

OS acontecimontos » (89) . Podemos appliear o methodo seienti- fico ao estado dos factos volantarios prodazidos pelas agremia- ções humanas, generaliziír depois de observar, e assim conhecer as leis a que esses factos estão sujeitos. E, sendo assim, do conhecimento do passado podemos colher elementos que nos aatorisem a prever o faturo.

Não (hltam escríptores que neguem a possibilidade da pre- visão em relação aos fictos soeiaes. Refuta-os Speneer esma*- gadoramente por meio de uma distincção que cumpre lembrar, o que faremos, servindo-nos dos mesmos exemplos do pensador britannico. Ninguém contesta o desenvolvimennto da mecâ- nica, uma das sciencias mais adeantadas actualmente, mais próximas da perfeição, e que comportam predicçOes mais se- guras e precisas. Os astrónomos se utilisam dos princípios da mecânica como basode suas Infaliiveis previsôos. Supponha-se que se trate de fazer explodir uma mina. Os principies da me- cânica nos autorizam a predizer que cada um dos fragmentos descreverá uma curva ; que todas as curvas, embora differentes entre si, serão da mesma espécie ; que, desprezados os desvios produzidos pela resistência do ar, teremos partes de ellipses bastante excêntricas para se confundirem com as parábolas. Tudo isso podemos prevôr com segurança. Mas, que nos é per- mittido saber previamente em relação ã sorte particular de cada um dos fragmentos ? A parte esquerda do bloco sob o qual se coUooou a pólvora saltará em um s6 pedaço, ou om muitos ? Este fhtgmento será lançado á maior altura do que aquelle outro? Será detido em seu curso por um obstáculo? Eis ahi per- guntas a que a dynamica não responde, por não ter dados sobre os quaes possa formular as suas predicçoes. E assim uma das sciencias mais exactas nos pormitte previsões geraes em re- la^ a um assumpto de sou domínio. O processo geral do phe- nomeno pode ser conhecido previamente ; as particularidades não. Dá-se o m:^smo com a anthropoiogia. Nasce uma creança. Podemos prever o que lhe reserva o faturo ? Morrerá em tenra

(89) Tradarção Baillot. vol. 1«, papr. 24.

236 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

edade ? Viverá algum tempo para suocombir à escarlatinat on á coqueluche? Cabirá de uma escada? Impossível absolota- meate prever qualquer desses factos. Se desses factos pessoaes passarmos aos que Spencer denomina quasi-biographicos, al- gumas conjecturas serfto possíveis. E* licito afirmar que o recem-nascido aos três annos não será um matliematico, nem aos des um psychologo» nem um estadista na puberdade. Se eliminarmos os factos biographioos e quasi^biographiooSp ainda nos restar&o muitos factos que poderemos prever com segu- rança, e tacs s&o os relativos ao crescimento, ao desenvolvi- mento, á estructura e ás diíferentes funcções do corpo humano. Também a historia nos oíTerece duas ordens de factos, os con- tingentes e os necessários, os imprevisíveis e os previsíveis (90). os uliimofl offerocem base para generalizações. A theoria do determlnijmio psychico não nos leva á conclusão absurda de que tudo se pode prever no domínio dos factos sociaes. Mas, iSsO não quer dizer que haja factos dependentes do livre arbítrio e outros regulados por leis fixas, para nos servirmos da expressão do Buckle. Significa uoicamente que, devido ã extrema compli- cação das cansas e condições do certos pheaomenos, não lhes conhecemos as leis, e esses são os phenomenos denominados im- propriamente contingentes.

Bnokle precisava começar pela afilrmação do determinismo, porque todo o seu estudo sobre a historia, o seu methodo e os seus principios, decorrem logicamente da estreita relação entre os actos humanos e as leis physicas, são applicações do prin- cipio do determinismo psychologico..

As leis fundamentaes da historia no conceito de Buckle, e se- gundo elle próprio as formulou, são as seguintes : < 1.'— os pra- grossos do género humano dependem do suooesso das investiga- ções no domínio das leis dos phenomenos da natureza, e da pro- porção em que se divulga o conhecimento dessas leis ; 2.*'- para que poifsam começar essas investigações, é mister que exista o ,

(90) Spencer, Introdnction à la science sociale, pags. 56 a6t. Paul Mongeollo, Les probíèmes de Vhistoire^ prefacio de Yvea Quyot, pag. VII,

A HISTORIA NO CONCEITO DE BUCKLE 237

espirito de duvida, o qual, proTOcando as pesquizas soientifloas, ô por soa turno alimentado por ellas ; 3.*— as deseobertag assim obtidas aagmentam a inâaenoia das verdades intellectuaes, e diminuem relativamente, n&o absolutamente, as verdades moraes, porquanto estas, não podendo ser tâo numerosas, s&o mais estacionarias do que as verdades iotelieotuaes ; 4.* o grande inimigo desse movimento, e consequentemente o grande inimigo da civilização, 6 o espirito protector, isto é, a convicção de que a sociedade pôde prospei-ar, se o Estado e a Bgreja dirigirem os nossos passos mais insignificantes, o Estado pela determinação do que devemos fazer, a Egreja polo ensino do que devemos crer» (91). Taes são na phrase do historiador inglez. as proposições nuiis essendaes para a inielliffoncia da hisioriat proposições que eilo julga ter demonstrado pela inducção e pela deduoção .

Terá o erudito e genial escriptor formulado as leis ftinda* mentaes da historia, as bases da philosophia da hisioria« como emprehendeo, tão convencido da effleacia do seu methodo e da superioridade de suas forças intelleetnaes?

O progresso do género humano a primeira lei)— depende do successo das investigações no domínio das leis qne regem os phenomenos da natoreza, e da propor^ em que se espalham os conhecimentos dessas leis.

Eoi primeiro lugar, importa saber o que é o progresso do genei*o humano. Nada mais vago, mais indefinível, do qne a idáa que se faz geralmente acerca do progresso. No sentido commum, o progresso é uma expressão subjectiva, que de- signa as modificações que satisfazem as nossas preferencias (98). Algumas vezes, empregamos o vocábulo para exprimir o augmento, ou a qnilidade superior, dos prodnctos das industrias ; outras, para significar o desenvolvimento dsts sciencias, das letras, d\s artes, ou as modificaçSes que, directa, ou indirecta- mente, conduzem á felicidade (93). No sentido objectivo que

(91) Trad. de Baillot, toI. 4, cjp. XV.

(92) Laa^lais e Feignob s, obra citada, pag. 249.

(93) Sptncer, Essaís surle prxigrès, paga. 3 e seguintes.

â38 RBVISTA DO INSTITUTO HiatORIGO

lhe deo Speooer» o progreflBO podo ser definido : o augmento de variedade e de ooordenação dos pheaomeaos, ou a passagem da esiructura homogénea para a ostractura heterogénea. O termo é tâo yago como a palavra citnlisação, que para alguns ligniflca unicameioite o desenvoivlmeato das sciencias, da literatura e dai artes, o para outros abrange a industria, o eommerciOt todos os ramos actividade útil, não faltando historiadores que a em- pregam como expresiMio apropriada para repi*esentar tudo isso e também a vida domestica, o culto religioso, os usos e eostames, os utensilios e a alimentação (94).

Que quer dizer o progresso do género humano de que nos falia Buckle? O progresso, ou a civilização (não raro expressões synonymas) que oomprehende todas as modiieaçSes úteis, que nos dão o bem estar, e que traduzem uma elevação intellectual e moral, ou o progresso em determinado ramo da actividade humana?

Buokle nos responde, primeiramente definindo a elviiizaçao que 6 o triumpho do espirito sobre os agentes exteriores e depois consagrando algumas paginas á no^o do progresso. Reproduzamos-lhe as phrases : cSe perguntarmos : que ô o progresso ? a resposta parecerá muito simples : ó um duplo desenvolvimento, moral e intellectual ; o primeiro se refere aos nossos deveres, o segundo aos nossos oonheeimeutos». Con- fessemos que a resposta pôde talvez ser muito simples, mas, com certeza, não é satisfaotoria. «Esse duplo movimeuto moral e in- telectual, continua Buckle, ó essencial á idéa de civiHsação, e encerra toda theoria do progresso mental. Cumprir o sen dever, eis a parte moral ; saber como se desempenha o homem

(94) Guinplowiz» Sooiologie vt Politique, pa^. 00. Plint não ad- mitte a synonymia entro os terinos civilisação e progresso. «O bom senso naturald) género humano, diz o illustre escriptor Inglez, ab- solutamente não tom o direito de ailirmar quo a civilização seja o progresso, ou mesmo do considerar o pro<riT8.sO um caracter es- sencial e universal da civilisação ; ò, peloa factos que devo ser pro- vada, a verdade ou a falsidade dessas proposições ; o os factos nos con- vencem precisamente de que aml)as são lalsas. Uma grande rarte da civilização do mundo ae conserva estacionaria, ou (^atá em declinio. A civilisação progre.ssiva c, não a regra, mas a excepção. A civilisação progrcí-siva è a única que encerra a noção do progresso». {PhilO' sopkie de Ihisioire eu France : cap. X.)

A HISTORIA NO CONCEITO DB BUCKLE 2^9

do seu ddV6r, eis a parte Intelleotaal.» Ma;»« uma grave questão se offereoa logo ao espirito do escriptor brítanDico : dessas doas partes» ou elementos do progresso meatal, qual é a maUí impor- tante? Cumpre sabel-o para subordinar o elemento inferior ao superior. Se o desenvolvimento da civilisagão e a felicidade doe homens dependem mais do senso moral que das aoquisições da intoUigenoia, naturalmente é esse o estalão de que nos devemos utilisar para medir o progresso da sociedade ; se, pelo contrario, tudo está subordinado ao augmento dos nossos conhecimentos, 6 a actividade intellectual a nossa craveira. Depois de uma longa argumentação, afflrma Bnckle que o progresso da intelligencia, das noções soientiflcas (ou intellectuaes, como elle denomina), ó a progresso por ezcellenoia, e, pois, a medida do progresso do género humano.

Sendo assim, ou o progresso a que se refere Buckle na formula da sua primeira lei da historia abrange todas as modi- íicações úteis, intellectuaes e moraes, que constituem o pro- gresso no sentido amplo; ou exprime unicamente o augmento do nosso património intellectual.

Sendo o fim do historiador britannico tragar a lei Ainda- mental da historia da humanidade, e não a lei especial de deter- minado ramo do progresso humano, é na primeira aocepção que devêramos tomar o vocábulo.

Mas, nesse caso a lei de Buckle tom contra si os mais elo- quentes protestos da historia universal. Em todos os paizes do Oriente, o mormente na Grécia o em Roma, as instituições po- liticas, a legislação e a jurisprudência, a religião, a moral, a vida domestica, a architectura, a esculptura, a pintura, a dança, a musica, a poesia, as industrias não aguardaram o de* senvolvimento das scioncias physicas para progredir, nem se desenvolveram na proporção em que se foi divulgando o co^ nhecimento das leis naturaes. Não ha uma grande idéa mo- derna, uma concepção phiiosophica, uma theoria do pensamento que não tenha os seus primórdios na concepção de algum philo* sopho da Hellade (95). Nas artes <o ponto, aonde chegou o

(96) Latino Coelho, A Oração da Coroa ^ pag. 35.

240 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO '

génio gi*ego, deve fleguramente reputar-0e o limite superior da humana inspiração» (96) . Da Hellade receberam os romanos a philosophia e as artes, a que nunca deram o maravilhoso de- senvolvimento que entre elles teve a jurisprudência. Entretanto» as sclenoias physicas apanas ensaiavam os seus primeiros passos, e jaziam immersas em um retardamento que contrastava com a brilhante cultura de outros ramos do saber. A verdade é, como nos diz Stuart Mill, e o próprio Gomte o reconheceo em uma pagina que reproduzimos no capitulo anterior, que desde os tempos mais remotos tem havido um desenvolvimento simul- tâneo em todos os domínios da lotelligencia humana, ora pre- ponderando un, ora outro.

Se a lei de Buckle somente eomprehonde o progresso intel- lectiial,o desenvolvimento das sclenoias, começa pelo defeito de não ser uma lei universal, e multo menos fundamental, da historia da humanidade. Seria uma lei especial, talvez, do progresso das sciencías. Mas, então, já. antes de Buckle alguém que lhe era superior em génio e profundeza de conhecimentos, tinha mais precisamente formulado a proposição. De facto, que ficaria sendo, em tal bypotheae, a lei do historiador inglez, senão a these de Augusto Gomte, segundo a qual o progresso das sdencias que so oocupam com o homem e com a sociedade depende do desenvolvimento das sciencías physicas, assim como o destas do das sciencías inferiores, na ordem hierarchica ge- ralmente conhecida ?

A segunda lei do Buckle não é menos falsa. B' a expressão de um fikcto que se tem dado, que pôde se verificar, mas não uma lei fundamental da historia. Tem razão Littró, quando assevera que, nem com relação aos indivíduos, nem com re- lação ás épocas, se pôde reputar o scepticismo, ou o espirito de duvida, uma condição necessária das primeiras investigações das leis naturaes (97).

Buckle impressionou-se por certos factos da historia da Hespanha, onde a Bgreja, auxiliada pela íDquisição, fazia uma

(9()) Obra citaria, pap. 353.

(97) Líkscience au point de vue philosophique , pag. 487.

i

A HISTORIA NO CONCEITO DE BUCKLE 241

guerra de extermínio, explicável pela eetapidez do fanatismo a todos 03 pensadores e homens de scíencia ; e por esse modo conservou na ignorância, que sempre lhe ó tão agradável, aquella nobre e infeliz nação. Generalizando precipitadamente, vicioso habito de que severamente, mas com razão, o Inorepa um seu compatriota iiiustre (98), Buckle formulou uma lei geral da historia, desmentida a cada passo pelos factos. Catho- licos sinceros, protestantes fervorosos, como Descartes, Newton, Haller, fizeram avançar as scienoias naturaes (99). Na edade média, cegamente si^eita a todos os dogmas theologioos, as es- peculações da alchimia produziram descobertas importantes» e prepararam o caminho para muitos progressos da chimíca (100) Ainda na idade média, as crenças religiosas não impediram Alberto o Grande de conceber methodos e verdades scientifieas muito dissonantes das idéas erróneas qye o cercavam ; Vicente de Beauvals de se consagrar ao estudo da natureza, de inves- tigar no dominio da astronomia, da botânica, da zoologia ; Rogério Bacon de ser o propugnador do methodo experimental naquella época de trevas, de indicar os meios de extrahir o phosphoro, o manganez e o bismutho, de indirecta ou directa- mente dotar a civilização com inventos preciosos, eomo os relógios, as lentes e os espelhos reflectores, de ter ama intuição do poder do vapor, e de algumas das principaes doutrinas da chimica moderna, de insistir sobre a necessidade do emprego das mathematicas como auxiliar das outras sciencias, e de iniciar os processos para o estudo da refracgão da luz (101).

Dir-se-á : todos esses homens foram perseguidos, peia VgrctJa* Sim foram perseguidos, mas eram todos catholicos sinceros e fervorosos, e isto basta para mostrar que o espirito theologico n&o ó incompatível com o estudo das leis naturaes. Os primei- ros pensadores da philosophia grega não eram emaneipados

(98) The Encyclopedia Britatmica, artigo de Flint sobro Buckle, vol. IV.

(99) Littré, obra citada, ibidem,

(100) Obra citada, ibidem,

(101) White, Histoire de lalutle entre la science et latheolagie^ cap. XII.

4323 16 Tomo lxix. p. xl.

242 REVISTA DO INStlTUTO fíldtORÍCX)

da tradição, ou da auotoridade mythologica» que denominaria mos theologica, se empregássemos a terminologia de Augusto Gomte. Entretanto, a mais arrojada concepoSo do século XIX no do- mínio das sciencia biológicas foi claramente enunciada por Anaximandro no que se chamou o seu famoso paradoxo: a theoria de Darwin sobre a transformação e descendência das espécies (102). Um dos sábios mais eminentes do século passado, Pasteur, que tanto aprofandou as investigaç^eâ das leis natura- es, nâo era dominado por nenhum espirito de duvida )^elJgiosa. Não foi elle quem disse em uma occasião solenno que <a Scien- cia e a anciã de comprehender são ofTeitos dos estímulos que põe em nossa alma o mysterio do universo i ? O estudo doi phenomenos physicos não provém da dúvida religiosa, mas, sim, de uma curiosidade ínstinctiva, que, desenvolvida pelo trabalho e pelo successo, toma um caracter de amor do verda- deiro e (ie paixão pela verdade (103).

A terceira lei de Buokle é um paradoxo, que o historiador inglez tenta demonstrar por uma serio de paradoxos, explicá- veis unicamente pela excentricidade britannica.

A moral, conjuncto de preceitos impostos á actividade voluntária do homem, e que tem por fim a conservação e ò desenvolvimento do individuo e da sociedade, é a principio empírica, e faz parte das religiões. A' proporção que se augmenta o conhecimento do homem e da sociedade, vamos comprehendendo a razão de ser das regras ethicas, as leis, no sentido scientiâco do termo, que servem de base aos preceitos. A moral, de simples arte que era, se transforma em arte e sciencia ao mesmo tempo, como succede ã medicina, á nave- gação, ã metallurgia, à agricultura. Todas as artes, todas as praticas^ são empíricas em sua origem. Com o progresso dos oonhecimentos scientidoos vão— se elevando ã cathegoria de soiencias, ou, melhor, cada arte se vae baseando sobre uma, ou mais sciencias (104). A posse dessa verdade incontestável basta

(102) Latino Coelho, obra citada, pag. 287.

(103) J^ittré, obra citada, pag. 488,

(104) Bain, Logíque dédiíctive et indtictwe, trad. de Compàyre, vol. 1°» pags. 41 e 42 da 2* edição.

A HISTORIA NO CONCEITO DE BUCKLE 243

para repellirmos o erro de Backle. Necessariamente a trans- forma^ da pratioa em uma arte illuminada pelas scienoias ha de aogmentar, não o numero dos preceitos, como a qualidade daa determinações. O próprio Buckle, em contradioção com a sua lei, o reconhece, quando escreve esta phrase : <as leis moraes estão firme e invariavelmente subordinadas ás leis iAtelleetoaes» (105) Quanto mais profundamente conhecemos a natureza do homem, Individual e socialmente considorado, mais seguras hão de ser as nossas indicações moraes, os nossos preceitos pai-a conservação e desenvolvimento da vida humana B' uma verdade que nos parece evidente.

A mesma moral empírica é susceptível de progresso. Não se pôde em áã consciência negar a immensa superioridade da moral christã sobre a do paganismo. Buckle não trepida em afflrmar a ineffieaeia absoluta das melhores regras ethicaa» quando desacompanhadas dou progressos scientlficos. Mas, a isso responde a historia da propagação do christianismo. Não foram as naç5es mais adeantadas as que primeiro abraçaram a moral chrisrtã ; não foram a Grécia e Roma; foram os bárbaros (106). E negar o progresso dos barbares pela adopção do ehristianismo ô certamente um paradoxo.

As sociedades mais esclarecidas, cujo progresso sctentiíico 6 maior, são melhores, mais humanas, mais justas, mais tole- rantes, reconhece Buckle. Que quer Isso dizer, senão que representam um aperfeiçoamento moral, que são mais morali- sadast Como, pois, desconhecera connezão entre o progresso moral e o intellectual ?

A quarta preposição de Buckle è formalmente refutada pelo ftctos que se passam hoje em todos os paizes cultos, na- Buropa inteira e na America.

O Estado, em vez de contrariar o desenvolvimento das idencias naturaes, e de todas as outras, ministra-Ihe, pelo con- trariOy todas espécie de subsidies. Quando na Allemanlia, na França, na Inglaterra, na Itália, na Bélgica, na Áustria, na

(105) Vol. lo. pag. 253.

(106) Laurent, obra citada, pag. 23i.

244 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Hollanda, Suiasa, Estadoa-Unidos, por toda parte, o Estado, direotamente na maior parte das vezes, indirectamente em outros casos, crôa naiTorsidades e academias, dota-as de la- lx)ratorios e instramentos aperfeiçoados para o estado das sden- cias que inquirem os pT^enomenos physicos^ assim como para o cultiTo de quaesqaer oatros ramos do saber ; quando em todos esses Estados ha plena liberdade para as inyestigações sd- entiflcas ; quem ousaria repetir o paradoxo de que o espirito protector do Estado é o grande inimigo do progresso inteUectual Apresentar esse paradoxo como lei fundamental da historia da humanidade, transformar em lei uuiyersal um fi&cto que se tem dado em algumas épocas, mas que não tem o caracter de constân- cia e permanência que constituo a lei» toca ás raias do absurdo.

NSo diremos o mesmo do espirito protector da Egrqja. O que se tem dado ó isto : quando se propala uma descoberta da sciencia, que oontraria os textos bíblicos, a principio a Egr^a declara uma guerra cruel aos propugnadores da idôa nova ; depois offerece uma doutrina opposta, com fundamento nos liyros sagrados ; em seguida tenta uma concilia^ entre os textos e a verdade scientiflca incontestável ; finalmente, a sci- encia triumpha (107). Foi o que se deo com as theorias sobro a estructura do globo terráqueo, sua configuração e seus limites, sobre os cometas, sobre a edade da terra. Mas, a verdade ó que não podemos vôr hoje na Egreja esse espirito protector, inimigo do progresso das scienolas naturaes, de que nos falia Buckle^ Pelo contrario, nos institutos cajá direcção lhe esta confiada, a Bgrega actualmente auxilia a acção do Estado no desenvol- vimento e propagação das verdades das sciencias naturaey.

Posto que a não indúa entre as quatro proposições que denomina as leis fúndamentaes da historia, Buckle enun- oia uma outra asserção, que no seu entender é a base da phUosophia da historia ». Essa base da philosophia da historia ó na grande divisão da civUização em européa e não européa^ (108).

(107) WMte, obra citada, pag. 154, onde se rèm diversos exem« pios.

(108) VoL lo, pag. 173.

A HISTORIA NO CONCEITO DE BUCKLE 245

A tendência da historia na Europa tem sido no sentido de subordinar a natureza ao homem ; fora da Europa— no sen- tido de subordinar o homem á, natureza. Nos paizes bárba- ros» accresoenta Buckle, ha diversas excepções a esse prineipio ; nos paizes civilizados nenhuma. Se qaizermos comprehender a historia da índia, por exemplo, devemos ater-nos ao es- tudo do mundo externo, ou, mais propriamente, dos tàciore» physlcos, que são quatro: o solo, o clima, a alimentação e o aspecto geral da natureza. Se quizermos comprehender a historia de um paiz europeu, como a França, ou a Ingla- terra, o homem deve ser o nodso principal objecto de estudo. NSo, porque a pressão da natureza nos paizes da Europa deixe de ser muito sensível ; mas, porque vae diminuindo sucoes- sivamente, de geração em geração, ã medida que augmenta o saber do homem, e este se apparelha dos meios de prever os phenomonos da natureza, e consequentemente de prevenir um grande numero de males.

Com toda a razão diz Littró que o asserto de Buckle, lon- ge de ministrar a base da philosophia da historia, ó um erro. Para se poder dividir a civilização em européa e extra-européa, ÍOra mister que a civilização europôa fosse autochtone. Mas, a Europa inteira se conservava ainda barbara, quando a Chaldéa, a Phenicia, a Assyria, e, muito antes, o Egypto bri- lhavam com esplendor das artes e do commercio, fundavam grandes cidades, levantavam esplendidos monumentos, labo- ravam os metaes e ensinavam o resto da humanidade a lôr, a escrever, a contar e a medir. Foi na extremidade da Ásia, nessa Grécia, meio européa, meio asiática, que surgio a ci- yilização européa, destinada a se tornar universal. A pro- posição de Buckle é verdadeira, quando restringida a um período recente ; mas, então foge e se esvaece por outro lado, porquanto a civilização emanada da Europa se implanta na America, na Austrália, começa a transformar a Índia, mara- vilha o Japão, regioes^-tolas essas— em que, segundo o sup- posto axioma, a natureza ô mais potente que o homem 009).

(109) Obra citada, pags. 493 e 494,

246 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

A theoria dos agentes physicos por si nfto explica a diffe- rença de progresso entre as nações da Europa e as de outras regiões, cujo solo, clima, alimentação e aspecto geral da na- tureza, se não po^em considerar obstáculos ao desenvolvimento da ciYilisaçSo. Nem se quer a diversidade originaria das raças, cuja indueocia Buckle nega, ou despreza, e a que Renan liga tao grande valor (110), nos uma razão satisfactoria dessa desegualdade de cultura. Os Árabes, nómades e ídcuUos, em* quanto permaneceram nos seus desertos, olevaram-se ao mais alto gráo de civilisação, quando reinavam em (Córdova e Bagdad (111). Na falta de uma explicação racional, o melhor é appellarmos para as felizes conjuncturasy com que se tem procurado occultar a ignorância das leis que regem o pheno- meno (112).

Não poucas das inducções de Buckle sobre a influencia dos foctores physicos são exageradas.

No sentir do historiador inglez o aspecto geral da na- tureza tem uma influencia decisiva na formação das reli- giões. Não somente os phenomenos physicos permanentes* taes como as montanhas, os rios, a fauna e aflora, como os terremotos, os vulcões, as tempestades, os furacões impres- sionam a imagina^ do homem, ao ponto de determinar no taveis dissemelhanças na religião. A cruel superstição do- minante na índia e a religião amável dos gregos têm soa razão de ser na disparidade apontada. Buckle esqueoeo-se de que na Europa» cujo aspecto physico geral forma um con- traste com o da Índia, a mesma superstição, a mesma reli- gião sanguisedenta, existiu em epochas remotas. Os Druidas mancharam o solo da França e o da Inglaterra com os mes- mos sacriflcios cruentos dos sacerdotes hindus (113).

O clima quente é um dos elementos mais favoráveis á expansão da cultura humana, diz Buckle.

(110) Bistoire généraU des langues sémitiques^ tomo 1^.

(111) Laarent, pag. 219.

(112) Littré, pag, 490. (ii3) Laarent, pag. 224.

A HISTORIA NO CONCEITO DE BUCKLE 24?

To<Ias as oivili8l^fões primitivag tiveram seu berço em re* giões fsivoreddas por um alto grau de calor, e onde, codío- qoentemente, a terra é mais fertU.

Na America foram o México e o Peru os primeiros paizes qne attiogiram a um certo grau de civilisacão. Como explicar o facto de n|Lo ter tido o Brasil uoia oiyilisa^o ade^ntadat como a do México e do Peru? Buckle forja uma theoriík curiosa» e ciyo único assento é uma noção falsa da geogra- phia physica do nosso paiz. Os ventos aliseos, que vêm de leste e dominam a oosta oriental da Asíierica do Sul, atraves- sam o oceano Atlântico, e por isso chegam á, terra sobre- carregados dos vapores accumulados, em sua ffissagem. Esses vapores, periodicamente* se condensam em obuvas que, não podendo transpor a cadeia gigantesca doa Andes, 89 precipitam sobre o Brazil, e o inundam em torren<^ for- midáveis. As chuvas, alliadas i vasta rede âavlal, e acompanhadas do calor, d&o ao solo uma ^tividade prodigiosa, que nenhuma parte do mundo pôde egualar. Dahi ^ profosão maravilhosa e incrivel da ftbona e da flora brazileiras. Uma grande extensão do paiz se compõe de florestas espeesas, oiija« arvores magnificas se desentranham em fructos com uma pro? digalidade inexgottavel. E, para que nq^Mi falte a esta terr^ 4# promissãp, as florestas sfto circamdadas de prados ext^n^issin^i^t que, regorgitando de calor e de hamidade, fonuM^m aUn^antp ^ innumeros rebanhos de gado selvagem. Em m^o dassa pompa, desse esplendor da natureza, não ha logar para o homem, red«r zido á insigniflcaoeia pela m^gftstade que o c^?oa. As forçaa con- tranaji são tão formidáveis, que o homem nunea lhes poude re- sistir á menor presâo. Ahi está como se explica a ausência da ama einlisagio, aborígene, ou exótica, no Brazil. As montanhas são tão altas, que não podemos vingal-as ; os rios tão Icurgos» que nio podemos transpôl-os (114).

Nós a lactarmos eom os terríveis effeitos das sêooas perlo- dicas, a oavirmos seguidamente lamentar a devastação dae

(lM)Vol. !•, pw. l»ai2Ç.

248 REVISTA DO INSTITiJTO HISTÓRICO

nossas mattaa e a falta do terras fortsis, poucas relatíTamente i extensão cborognraiphiea do nosso território, e C3m esses porten- tosos tliesonros ao alcance da mão, e no seio dessa fabulosa fe* racidade !

A ezaggeraoSo de Bnckle ó desculpável, quando vemos um escriptor brazileiro descrever o seu palz com hyperboles ainda mais arrojadas, oom amplificações rhetoricas ainda mais falsas, O escriptor bahiano. Rocha Pitta, na sua famosa Historia da America Portugueza^ conta-nos que o Brazil « ô uma vastíssima região, felicíssimo terreno, em cuja saperfloie tudo (Ao fiructos, em cujo centro tudo são the^ouros, em cujas montanhas e costas tudo são aromas ; tributando os seus cxmpos o mais útil ali- mento, as suas minas o mais fino ouro, os seus mares o âmbar mais selecto ; admirável paiz, a todas as luzes rico, onde prodi- gamente proAisa natureza se desentranha nas férteis pro* ducQôes, que, em opulência da monarchia e beneficio do mundo, apura a arte, brotando as suas cannas espremido néctar, e dando as suas fructas sazonada ambrósia, de que foram mentida sombra o licor e vianda que aos seus falsos deuses attrlbuio a culta gentilidade. Em nenhuma outra região se mostra o oéo mais sereno, nem madruga mais bella a aurora ; o sol em ne- nhum outro hemispherio tem os raios tão dourados, nem os re- flexos nocturnos tão brilhantes ; as estrellas são as mais be- nignas, e se mostram sempre alegres; os horisontes, ou nasça o sol, ou se sepulte, estão sempre claros ; as aguas, ou se tomem nas fontes pelos campos, ou dentro das povoações nos aque- ductos, são as mais puras : ô emfim o Brazil terreal paraiso des- cobertOt onde tôm nascimento e curso os maiores rios ; domina salutifiaro clima ; influem benignos astros, e respiram auras sua. vissimas, que o fazem fértil e povoado de innumeraveis habita- dores.»

Ao passo que distribuo aos agentes physicos um papel tão importante, Buokle reputa completamente inefflcaz a acção do governo e das classes dirigentes para o melhoramento da socie- dade. Em apoio dessi inducção exhlbe uma sórie de argumentos, notáveis pela excentricidade. Em primeiro logar, os homens que governam uma na^o, em geral, são habitantes do pais, im-^

A HISTORIA NO CONCEITO DE BUCKLB 249

biiidofi doa seus preconceitos, eiucados nas suas tradições, nutridos de saa litteratara ; e, portanto» as suas medidas legislativas sSo effeitos, en&o causas, do progresso social. ICm segundo logar, todas as grandes reformas, por elles promovidas, consistem, nSo em fazer alguma cousa, mas em desfazer o que estava feito. São esses os principaes fundamentos da af9rmaQSo de Buckle, e é o próprio escriptor britannico o primeiro a llies provar a falsidade. Tudo o que escceveo Buckle, sobre as re- formas e o merecimento de Richelieu, cujo governo foi tão felii quanto progressivo, > e a sua apologia de Aranda e Florida Blanca na Hespanlia, bastam para refutar o primeiro argumenta. Segundo o testemunho da historia, e especialmente da historia contemporânea, o Estado, ora tem dirigido e propulsado o movi- mento social, fazendo adeantar a civilisação, exercendo fanoQõds inovadoras no sentido do progresso, ora é um elemento conser- vador ; e, então, não raro desempenha um papel benéfico, impe- dindo as alterações politicas e sociaes precipitadas, ainda não com- prehendidas, e que seriam perniciosas, como reconhece Buckle. Fora inutii lembrar as reformas salutares (em meio de tantas outras funestas) realizadas pela iniciativa do governo, em nosso paiz— por exemplo, para provar que a acção dos homens que go- vernam, ora é favorável ao progresso, ora contraria, não sendo permittido, consequentemente, formular como lei histórica a inefflcacia do governo em relação ao progresso social. O segundo argumento de Buckle envolve manifesta contradicção. Não po- deriam 08 governos limitar as suas funoções a desfazer o que está feito : a sua esphera de actividade se restringiria até desap- parecer. Deante das tendências socialistas dominantes em nossa época, e quando o Estado cada vez mais alarga a sua activi- dade, creando instituições, regulamentando factos sociaes, mani- festando, em summa, a sua força impulsora o geradora em as- sumptos de que antes não cogitavam os governos , a proposição do historiador inglez dispensa uma impugnação Amdamentada. No conceito de Buckle, em synthese, os factos históricos têm duas ordens de antecedentes ; a influencia dos factores phy- SÍCO0, da natureza, sobre o espirito do homem, e a influencia da intelligeocia humana sobre esses agentes. E\ como ae vé,

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uma appiicação da theoria do determinismo. A natureza, em contacto incessante com o nosso espirito, excita as nossa* paixões, estimula a nossa imaginação, impressiona diversa- mente a nossa intelligencia, dando aos nossos actos uma direoção que sem essa inâuencia elles nao teriam. O espirito humano por sua Tez modifica a natureza, reage conforme o grau de resis- tencia dos agentes physioos ; e, quando não encontra obstáculos no mundo externo, desenvolve-se segucdo as condições de sua or- ganização. Qual das duas influencias éa preponderante f A do bomam sobro a natureza ? A da natureza sobre o homem ? Na Buropa, responde BucIUe, ó a intelligencia humana que predo- mina. Fora da Europa, em geral, é a natureza, a qual tanto im- pressiona a imaginação do homem. Para conhecer, pois, o de^ senTolyimento da civilização europóa, importa primeiro que tudo estudar as leis fnerUaes, que se dividem em inteUectuaes e moraes, como vimos. Dessas duas espécies de lois, as pri- meiras prevalecem, são as mais importantes. Todo o progresso do género humano depende das leis intelle<^tMes^ isto ó, da descoberta das verdades scientiflcaa* Leis inteUectuaes e leis moraes, na linguagem de Buckle, significam progresso scientifico e progresso moral. A intelligencia humana, applicada án inves- tigações soientiflcas, é a fonte de todo o progresso, porqoanto domina a natureza, transforma os agentes physioos, que con- verte em elementos de bem-estar para o homem, e extingue afi superstições— causa de tantos males, e especialmente das luctas e perseguições religiosaSt As doutrinas moraes, immoveis, invu- riaveis, as mesmas em todos os tempos, em nada concorrem para o nosso bem-estar, e ató parecem incapazes de qualquer contribuição para esse fim. Assim como as religiões, a litte- ratura e a politica, na theoria de Buçkle, têm um papel insi- gnificante, uma acção quasi nulla, em relação ao progresso da género humano : são effeitos, e não oausas, das iddas (domi- nantes, em um periodo histórico. A sciencia « eis o elemento dominador da historia, a fonte única do progresso da huma- nidade.

Apresentar assim a phUesophia da historia de Buckle ^ um ^pirito refiectido, e conhecedor àfk historia, é refatar-lhe an

A HISTORIA NO CONCEITO DB BUGKI-E 251

leis fdndamentees,^ ded acções tiradas do prinoipio verdadleiro do determinismo. 0^ íactosda historia antiga e os faotos da his* toria contemporânea oppõem-se formalmente á divís&o de toda a historia da hunianidade em européa e não enropéa. A civili- sacão da Europa foi precedida da civilisação das nações do Ori- ente. A Europa ainda estava mergulhada em um estado próximo do selvagem, quando a China, a índia, o Egypto« a Assyria, a Phenicia, a Media, a Pérsia, j& contavam muitos séculos de ci- vilisação (115). Foi nos planaltos da Asía Central que os primi- tivos Aryas, ou Indo-europeos, formaram o núcleo dessa civili- sação, que depois se espalhou e desenvolveo pelos hindus, pelos persas, e mais tarde pelos gregos, romanos e celtas (116). Hoje os descendentes desses mesmos Aryas, ou indo-europeos repre- sentam e propagam a civilisação européa nas duas Américas, na Oceania, em todas as partes do globo. Qae significa, pois, a divííâo da historia da humanidade em enropéa e extra-européa ? Será pormittido er{gir um facto transitório á categoria de lei fundamental da historia universal ?

Considerar as investigações no domínio das sciencias que es- tudam os phenomenos physicos a base unioa da civilisação eu- ropéa, ou de qualquer outra, é substituir arbitrariamente por uma concepção individual a idéa representada por esse vooa* bulo. O progresso do género humano não depende exclusivamente do suocesso das investigações das sciencias physicas. Reduzir a civilisação ao progresso das sciencias que se occupam com o mundo physico é mutilar essa idéa complexa. Taes sciencias, ou quaesquer outras, em seu desenvolvimento reflectem apenas uma das faces da vida da humanidade, que se desdobra em muitos outros ramos de actividade, todo^ conducentes ao bem-estar do homem, que, segundo Buckle, 4 o flm da civilisação. Dentre tantos elementos o progresso moral nunca se poderá di^r so' menos. Para a felicidade humana, qual a concebemos geral-

(115) Entre outros os seguintes anctores de obras didácticas: Victor Duruy, Histoire Gênêrale , e Consiglieri Pedroso, Compendio de historia univencU.

(110) O. Carie, Lavita dei diritto nei 9Uoi rapporti cdla tiUk $^ etoZtf, Ht. lo. cap. 1^.

252 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

mente« nao basta domar a natureza, aproveltar-lhe as forças em nosso beneficio. O aperfeiçoamento das instituições politicas e sociaes, o cultivo dos sentimentos altraistioos, o adoçamento das relações exclusivamente moraes, a ednca(^ qne torna o homem justo, bom, tolerante» generoso e amável, ftizem parte da civi- lisação^ e nunca se poderiam Julgar fttctores menos importantes do bem estar da humanidade que o desenvolvimento seientifloo.

Mas, dir-se-á talvez: se o progresso moral não acompanha o progresso intellectual, Buckle tem raiao ao menos em uma das suas inducções. Não: a moral não é estacionaria ; a doutrina e ofl sentimentos ethicos não são invariáveis, fixos, immoveis« em meio dos progressos das sciencias. Se o século XIX foi um pe- ríodo notável pelas descobertas sclentificai e inventos indns triaes, não deixou de ser uma edade de progresso moral: a guerra se fez menos deshumana; todos os povos cultos aboliram a es- cravidão, a roais immoral das instituições civis ; a posição da mulher se nobilitou ; no fhndo das propagandas das varias sub- escolas em que se divide o socialismo ha uma idéa, ou um senti- mento moral. Posto que menos do que as lei$iwtéUectua&$^ at leis nwraes progrediram. Em outras épocas, a cultura moral foi su- perior & scientifica. Um exemplo temos nos Judeus, povo de quasi nuUa cultura intelleciual, mas de uma doutrina moral adeanta- dissima. Provam-no o decálogo e as prescripções da lei.

Ainda no século XIX, o Estado, mais do que os individuos, foi o grande propulsor das investigações scientificas. O seu es« pirito protector não impedio, favoreceo o desenvolvimento, em proporções nunca antes observadas, das sciencias que estudam os agentes naturaes.

Buckle não constituiu a philosophia da historia. As suas generalizações não traduzem leis históricas. Nem com a sua extraordinária erudi<^, nem com o seu admirável poder mental, logrou mais do que um ensaio, um tentamen, superior ã maior parte dos estudos do mesmo género, pelo principio de que partio, e pelo methodo que empregou.

Esse mesmo methodo e esse mesmo principio, applicados ao estudo dos foctos liistorioos, tôm sido fecundos em resultados, {nas para o dominip de outras sciencias.

A HISTORIA NO CONCEITO DE BUGKLE 253

Pttla própria natureia das ooasas, a philosopMa da historia éimpoesivel.

A fidta do historiador britaimioo» explioayel pelo arrojo do sen génio, piOTeio de nio ter observado o preoeito scieatiflco que mais tarde Da Bois-ReymoDd íbrmaloa no seu famoso— Ignara» bimus, completado por Yirchow com o nio menos celebre— I2tf<- tringamur (117).

Igncrabimus et reêiringamur^

(117) llaeckel. '^Leê preuveê du tratuformiême. eap. VIU

Mais algumas theorias. O conceito real da historia

Fustel dd Coulanges, admirável pela discreçâo e segurança de seas estudos históricos (118), ea cujas investigações se devem subsídios tão preciosos para as inducções do direito e de outros ramos da soiencia social, era severo para com os philo- sophos da historia. Não via nenhum fundamento scientiâco, nem methodo baseado nos princípios da logioa, nessas vastas construcç5es abstractas, que constituem os ensaios da philo- sophia da historia; e votava-as ã mesma aversão que os positi- vistas alimentam contra as concepções puramente metaphysicas (119).

Em verdade, que ô a philosophia da historia? A doutrina que pretende ensinar-nos as leis que presidem á evolução humanidade. A darmos credito aos phílosophos da historia, a sua theoria abrange o curso inteiro da historia do género hu- mano. Elies nutrem a pretensão de determinar donde veio a humanidade, e qual a direcção que ha de seguir no futuro (120).

Indicar o objecto de tal doutrina é implicitamente mostrar à impossibilidade de sua constituição scientiflca, porquanto não podemos conhecer o coi^juncto dos factos que formam o todo da historia da humanidade, nem induzir, ou generalisar, para prever o futuro, tomando por base os factos do passado e do

(ií8) La cite antique, IlUtoire des Institutions Polititíues de Vafi' oienne Franee^ Recherches sur quelques problémet d'hí8Unre. Uma parte desses trabalhos foi escripta. ou redigida, por seus discípulos.

(119) Langlois e Seignobos, obra citada.

(120) Oumpiowiez Sooiologieet Politique, 16 e Précisde Politique, liv. V, §1.

256 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

presente. Tal processa lógico, admissível em relação a orga^ nismos menos complexos, e sôdes de phenomeaos de incessante repeti^, é inapplicavel a um ser dotado de tal complexidade, que 08 seus actos,— effei tos das causas múltiplas que concorrem para a formação da psychica humana, e da infinita e variável riqueza de idéas e sentimentos que constituem os motivos de- terminantes de nossas volições,—- são por seu turno causas de novos ílactos históricos, reproduzlndo-se o phenomeno em uma continua progressão.

A prova desta verdade— temol-a noinsuccesso das principaes e mais preconisadas concepções da philosophia da historia.

A doutrina providencialista responde-nos categoricamente ás perguntas: donde vimos, para onde vamos. Ha um livrinho, dizia Joufflroy, que se faz decorar ás crianças, o quai contem uma solução para to ias as questões que se tem formulado sobre a origem e o destino da humanidade, todas sem excepção. Per- gunte-se ao menino, que aprende o seu catechismo, donde vem a espécie humana, elle o sabe; para onde vae, elle o sabe; como vae, elle o sabe (121). A dialéctica e a eloquência do génio de Bossuet fizeram com esses elementos uma theoria seductora para certa ordem de espíritos. Mas, que tem de commum essa doutrina com as investigações da sciencia? Ck)useguio-se o grande triumpho final» da philosophia da historia, que, no dizer de Fllnt, outro providencialista, consistirá em descobrir e provar o plano divino, que reduzira a um denominador commum o chãos apparente das acções humanas de que se occupa a his- toria, e mostrará uma harmonia e um cosmos nesse chãos ? Para responder affirmativamente, fora necessário começar por onde começam os providencialistas, isto é, acceitar unicamente como a expressão da verdade histórica os livros sagrados, e abstrahir da historia das nações que, antes dos Hebreus, go- savam de uma civilisação intelleotualmente superior á deste povo. A historia da Pérsia, a do Egypto, a da índia, são elimi- nadas pelos providencialistas, como se essas nações não ti-

(121) Premien mélanges phihsophiquês, pagt. 330 e 374, e 3* •dição.

MAIS ALGUMAS THBORIAS 257

Tessem existido (122). Para admittir a intervenção miraoulosa da Providencia, o a pbilosophia da historia dos providencia- listas, é mister abstrahir de alguma cousa que ainda paza mais do que a historia de todas essas nações, isto ô, de tudo o que sobre o nosso systema planetário, sobre a terra, os seus ele- mentos, e o homem, nos ensinam (em opposição aos livros que sorvem do base á doutrina do providencialismo) a astronomia, a goographia phydici, a geologia, archeologia prehistorica, a anthropologia, a meteorologia, a phyaica, a chimica, a medi- cina, a hygieoe, a philologia comparada, a egyptologia, a assy- riologia. As theorias theologicas sobro a formação do universo, sobre a edade, a estructura, a configuração, os limites e a po- sição do nosso globo, sobre a antiguklado do homem e sua condi(^ primitiva, sobre a therapeutioa e a psychiatria, para não alludir a muitas outras, estão em formal opposição (como implicitamente têm sido obrigados a reconhecer os sectários do providencialismo miraculoso) com os resultados das investi- gações scientificas, com as verdades baseadas sobre a obser- vado dos factos. Importa ainda abstrahir da lógica e dos princípios elementares de justiça, para acceitar a explicação theologica da historia, qual nol-a dão todos aquelles que tudo reduzem ao arbítrio da Providencia, superior ás próprias leis que promulgou.

O providencialismo não miraculoso, a doutrina de LAurent, Rocholl, o tantos outros, ó uma concepção subjectiva, um ten- tamen de concialiação, que não satisfaz a fô, nem a sciencia ; não se filia aos livros sagrados, nem se submette aos methodos scicntiflcos. Laorent repelle vehemente a intervenção miracu- losa da Providencia na historia ; mas, quando se lhe diz que ness^ caso devemos estudar as leis dos factos históricos, pro- curar descobrir o que ha de commum, de constante, de perma- nente, de uniforme, na vida da humanidade, não—responde vivamente o notável jurisconsulto, e medíocre pbilosopho: ad- mittir leis na historia ó admittir na historia o fatalismo, a

43á?3-i7 Tomo lxix. p. ii

258 REVISTA DO INSTITUTO HISTOUICO

negação de Deas e do livre arbítrio. Tudo se explioa no provi- dencialismo não miraculoso pela immanenoia de Deus na huma- nidade. E isso basta para revelar o caracter não scientifico da doutrina.

Uma theoria philosophica da historia, ensinada por emi- nentes pensadores, e muito vulgarisada, é a que assenta sobre a lei fundamental do progresso continuo, necessário e universal. Temos aqui uma inducçâo sem base scientiflca. O que a his- toria nos mostra sao progressos parciaes e intermittentes (123), com períodos estacionários, e roodos para o passado. Gomo nos certificarmos, perguntaremos com Gumplowicz, da direo^^o do €fio vermelho do progresso^^ de que será sempre ama linha recta? de que não mais descreverá curvas, nem que- bradas? de qne não se partirá, nem se perderá nas pro- fundezas da historia? Ao lado da tendência para o pro- gresro, ha em a natureza hnmana uma tendência conser- vadora: — é o que nos ensina a observação. Prevalecerá a primeira dessas forças continua e universalmente, vencendo os obstáculos dos agentes naturaes, dos erros e das ruins pai- loes dos homens ? A humanidade, o disse um pensador no- tável, p6de ser comparada a um immenso polypeiro, enjas rs^ miflcaç56S correspondentes ás diversas raças se estendem in- cessantemente pelo oceano das edades. Os factos revelados pelo estudo dos principaes ramos dessa arvore ethnica nSo são sufflcientes, pelo menos até ao presente, para nos permittir traçar a linha dos destinos humanos. A historia é um continuo devenir, um fieri perpetuo : e, pois, pela sua própria natureza escapa á determinação de um principio director. Os pheno- menos históricos não se repetem, como os dos corpos inorgâ- nicos, os dos organismos individuaes, e os dos próprios orgar nismos sociaes.

A evolução de Spencer,— consistente na integração da ma- téria, acompanhada de uma dissipação 'e movimento, durante a qual a matéria passa de uma homogeneidade indefinida, in-

(123) LaAglois e Seignobos, liv. 3». cap. 4^.

MAIS ALGUMAS THEORÍAS 259

coherente, para uma heterogenidade definida, coherente, e o movimento soffre uma transformação parallela, acceitavel em relação aos organismos indlviduaes e sociaes, tem o ca- racter de simples hypotliesd, quando applicada á vida da es- pécie liumana. Mera deducçio de princípios que regem o des- enrolrimento de outros seres, nSo se apoia, nem pôde apoiar- se, no processo inductivo. Nem se diga que o conliecimento do individuo e da sociedade nos autorisa a formular a lei ftinda- mental reguladora do desenvolvimento da espécie. Assim como, nâo bastou conhecer o bomem individualmente, para constituir a flciencia social, também não é sufflciente estudar a soci- edade, para constituir a sciencia da evolução da humanl- edade, ou para prever a sua evolução futura. As soei- dades, como os indivíduos, se têm formado, crescido, attingido á maturidade, e decahido. A Oreclae o povo romano da an- tiguidade clássica têm de commum com a Grécia e a Itália dos nossos dias a identidade do solo e dos agentes natnraes ( 124 ). A evolução da liumanidade se dará do mesmo modo? Sobre este mesmo globo existirão homens com idéas e senti- mentos diversos dos nossos? Ou desapparecerão as sociedades humanas da superfície do planeta ? A evolução leva todo o corpo orgânico ao equilíbrio, ponto fatal em que começa, em sentido inverso, o phenomeno complementar e correlativo da evolução, a dissolução. Dar-se-ha esse phenomeno com a humanidade ? O estado de privai absoluta de movimento» a morte, que termina a evolução dos corpos orgânicos, será o typo da morte universal, em cujo seio a evolução da espécie irã absorver-se ? Até onde vae a analogia entre a evolução dos organismos individuaes e a evolução da humani- dade ? Devemos considerar como o fim de tudo « um espaço in- finito, povoado de soes exiinotos e votados ã eterna immobi* lidade > ? Ou esse fim apparente será o inicio de uma vida nova, o signal da eclosão de mundos futuros, de que nada no passado nos pôde dar umo idóa? São perguntas, diz Garo, a

( 124 ) Gaston Deschamps —La Grèoe d^aupuréfhui.

260 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

qae a theoria da evolação não p6d6 rosponder, e Spencer nos deixa debruçados á, margem da eternidade, c interrogando em Yão com o pensamento o infinito tenebroso » ( 125 }.

Taine, em França, e Mommsen, na Allemanha, sem cre- arem explicitamente uma philosophia da historia, de tal arte escreveram, o primeiro as Origens da França Contemporânea, e o segando a Historia Romana^ que bem rerelaram a fili- ai de sua theoria h idéa fundamental da concepção histórica de Hegel, assim como Buckle se tinha inspirado na Idéa de uma historia universal^ de Kant, que lançou neste opúsculo as bases da doutrina determinista, desenvolvida pelo historiador britannico (126). Segando a theoria de Taine e Mommsen, e que é também a de Ranke, todo facto histórico real 6 ao mesmo tempo racional. Os phenomenos sociaes têm sua razão de ser no desenvolvimento da sociedade, em cujo proveito se veri- ficam. Ao historiador, pois, cumpre filiar as instituições ásne-

( 125 ) E. CATO—Le progrés sooial^ IV.

( 126 ) Caaaará surpreza aos que não têm aprofundado estes es- tudos que o autor do Kxame da critica da razão pratica, depois de basear toda a sua doutrina moral e jurídica, e a sua metaphysica, sobre a noção de cau»a racional e livre, ou sobre a liberdade voli^ Uva, admitta em seguida a theoria determinista como o funda- mento da explicação da historia. Entretanto, na introducção do opúsculo citado no texto, Kant escreveu: « Quaesquer que sejam as nossas divergências sobre a liberdade da vontade, considerada sob o ponto de vista metaphysico, é evidente que as manifestações dessa ▼ontade, isto é, as acções humanas, estão sujeitas ao império das leis universaes da natureza, do mesmo modo c^ue os outros pheno- menos physicos, sejam quaes forem». E o que ainda ó mais interes- sante é o facto de Kant haver otfc^recido como prova da sua theoria determinista da historia os dados estatísticos sobre que mais tarde se apoiou Buckle, cuja philosophia parece a nogação da metaphy- sica do philosopho'de'Koenigsberg. Kant apresenta-nos, para pro- var a sujeição aa vontade aos factores physicos c aos motivos, a uni- formidade ou as alterações graduaes o lentas, que se notam na cs- tatistica dos casamentos e nascimentos, o accrescenta: « Os regis- tros annuaes em que so coni^ignam esses factos nos grandes paizes provam que elles se produzem de um modo tão conforme ás leis da natureza como as variações da temperatura. Essas variações iam- bem são factos tão irregulares nas suas particularidades, q^ue não podemos prevê 1-os individual e oircumstanciadamente ; todavia, con- siderândo-os em uma serio inteira, verificamos que nunca deixam de fazer cresceras plantas, correr os rios, nem de produzir outras harmonias da natureza^ segundo um curso uniforme e ininterrupto »

Opusoolo citado, introduegão).

MAIS ALGUMAS THEORIAS 261

cessidades socíaes, que foram chamadas a satisfazer em sna origem (127). c Em 1789, é assim que Taiae começa a descrever o antigo regimen, três espécie de pessoas, os ec« desiasticos» os nobres e o rei occupavam a sitaaçSo eminente com todas as suas vantagens, autoridades, bens, honras, ou, pelo menos privilégios, isenções, graças, pensões, preferencias e o mais. Se desde tão longo tempo essas pessoas occupavam eâse logar é porque durante muito tempo o tinJuim merecido > ( 128 ). O clero conquistou a sua posição, satisfazendo uma necessidade sentida por uma nação subordinada a um regimen duro e ítío, effeito das luctas e da organisação politica. A religião que pregava a resignação, e inspirava a paciência, a doçura, a hu- manidade, a abnegação, a caridade, e promettia o reino de Deus, devia necessariamente penetrar e dominar o espirito dos homens suffocados e esmagados sob tal estructura social. Por outro lado, no seio de um Estado que se despovoava e dis- solvia, a Egreja constituía uma sociedade viva e disciplinada, unida por uma doutrina em tomo de um escopo. Foi o clero o guarda da litteratura, das sciencias, da theologia, da língua latina, das artes e das industrias, do amor ao trabalho e do habito do trabalho regular. A esses beneflcios deve o clero o devotamente que grangeou. Pela protecção que dispensava a quantos se acolhiam aos castellos e mansões da nobreza» em uma época na qual < não ser assassinado e ter uma vestimenta de pelle durante o inverno era para um grande numero de homens a suprema felicidade », explicam-se o poder e o prestigio da segunda ordem do Estado. O rei ó o chefe neoessario para organisar a defesa, para libertar o paiz das invasões estrangeiras, para luctar contra os papas, e os reis das nações inimigas. Assim foi uma necessidade social que deo vida a cada um dos elementos que formaram a estructura da sociedade franceza e a sua constituição politica, antes de 1789. Ouçamos a Mommsen, O processo explicativo é o mesmo. A arme crença na unidade e na omnipotência do

(127) Langlois e Snignobos, obra citada, pags. 247 e 248. ( 128) L'Ancien Jiégim e^liv, !•, cap. I^.

262 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Estado ora a baae dus constitaiçoes doi povos itálicos, e punha nas mãos de um chefe único um poder formidável, cujos effeitos 36 fazl im sentir, não' somente sobre os inimigos do paiz, como sobre os próprios cidadãos. Naturalmente se davam abusos e oppressões, e, como consequência necessária, appare- ceram tentativas no sentido de limitar esse poder. Dahi a abo- IíqEo da realeza, e o estabelecimento do poder consular. A pro- funda modifioaçãoToi o resultado áo desenvolvimento natural das cousas », e a prova est& em que mudança idêntica se realisou de um modo análogo, na constituição de todos os povos itaio- grecos. Não foi em Roma, foi também entre os Etruscos, os Apulios, os Sabellios, em todos os povos itálicos e gregos, que 08 magistrados vitalícios se substituíram pelos magistrados annuaes. O organismo da antiga politica itálica e grega pro- duziu por si mesmo, por uma espécie de necessidade natural, a extineção do poder vitalício (129). Caminhos diversos, aoci-* dentes vários, circumstanoias múltiplas, se nos apresentam oomo causas apparentes dessas e outras transformações radioaes a causa efflciente ó uma necessidade natural da sociedade. E, assim, onda Bossuet divisa signaes evidentes da interven^ da Providencia, a ca&tigar os crimes e os peccados dos homens, a revelar a sua affeição a um povo eleito, a exaltar e abater as nações, ora guiando-as para a gloria e a felicidade, ora des- norteando-lhes os planos, esourecendo-lhes os destinos, e fazen- do^as cambalear oomo crianças e ébrios, Mommsen e Taine descobrem uma ordem natural, oimentada por necessidades in- ooerciveisl Mas, a theoria do caracter racional da historia ó Iklha e errónea como todas as outras. Para nos convencermos desta verdade, basta generalisarmos. Appliquemos o prin- oipio a quaesquer transformações politicas, de que nos no- ticia a historia, ou que se tenham realisado no periodo contem- porâneo, e facilmente havemos de vêr que os erros e as ambições erlminosas dos homens constituem um factor histórico, não raro preponderante, e que não ó licito omittir. A observação

(129) Historia Romana, liv. í», cap. i^.

MAIS ALGUMAS THBORIAS 263

dos factos mostra-nos que a evolução politica e social nem sempre tem nm caracter racional, A falsidade da tbeoria resalta com toda a evideaola, qaaado atteademos & acçSo na historia áo^ grandes homens. Longe de nós a convicção de que seja verdadeiro o paradoxo de Carlyle para quem < a historia universal consiste essencialmente nas biographias reunidas dos heróes» (130). Bem sabemos que os grandes homens são pro- dactos do meio social: antes que um grande homem possa refazer uma sociedade, é preciso que a sociedade o faça. Im- possível, nota Spenoer, um Aristóteles descendente de pães cujo angulo facial meça cincoenta gráos, ou um Beethoven em uma tribude oannibaes. Mas, a theoria de Macaulay (131), acceita por Buckle, e a única admissível pelos discípulos de Taine e Mommsen, peoca pela exaggeração opposta & de Carlyle. O papel dos grandes homens, no pensar de Macaulay, ô comparável ao das pessoas que, eollocadas em uma eminência, recebem os raios do sol um pouco antes quo o resto da humanidade: o sol i Ilumina as montanhas, quando está ainda abaixo do horizonte, e os grandes espirites descobrem a verdade um pouco mais cedo que a multidão. Tale a medida de sua superioridade. São os primeiros a reflectir uma luz que, sem o seu auxilio, vae dentro em pouco tomar-se visível para os que estão coUocados na planície». A verdade está com Stuart Mill, em um meio termo: nem os grandes homens podem tudo, nem deixam de poder alguma cousa, para o bem ou para o mal. Sem o poder mental de Sócrates, de Platão e de Aristóteles, provavelmente não teríamos tido aquellas proftindas concepções philosophicas, que ainda hoje os cérebros mais potentes nada mais fazem que desenvolver. Sem Milciades e Themistocles a Qreoia não teria contado as victorias de Marathona e SaUmina. Não sabemos de que modo conciliar a theoria das necessidades sociaes como origem dos factos históricos com a influencia exercida na im- plantai^ e organisação do regimen imperial em Roma por

(180) Carlyle— If^íWros, trad. de Izonlet, conferencia !»• (131) Essai sur Dryden^ Melcmges^ I, 186.

264 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Gcsar, quo, no conceito do próprio Monunsen, ardente admi- rador das qaalidados pessoaos do incomparável cabo de guerra e eximio estadista, foi c o unioo génio crcador que Roma pro- duzia»; < o homem único, que é difflcil descreTer»; c homem perfeito»; que nâo olvidava nunca um dos elementos de quo dependia o tuccesso do seus planos, e previa todas as even- tualidades»; nem soqnor se illudiu sobre a parte que cabe «em todas as cousas homanas á fortuna, isto 6, ao acâso»; roor- ganison o systema militar romano; reformou as finanças; melhorou a agricultura; remodelou a organisacâo politica das províncias e as instituições municipaes; e organisou o império, que plasmado por seu génio maravilhoso, «/b» mais um pro- dueto inanimado da arte que uma creação da natureza (132).

Deante do insuccesso destas geniaes construcções da phiio- sophia da historie, que se deve dizer das theorias dos historia- dores e philosophos que se nâo elevaram a t&o vastas e pro- fundas generalisações, das theorias que bem se poderiam deno« minar secundarias?

Fiel & politica dontrinaria, ou do Justo meio^ que procurava conciliar as demais theorias, formando uma doutrina politica ecclectica, assim como o ecclecttsmo philosophico tentara a alliança, ou a fosão, dos mais desencontrados systemas de philosophia, Guizot escreveu a Historia da civUisação na Eu- ropa e a Historia da Cívilisação na França^ com o intuito, com a id(^a preconcebida, de descobrir no passado uma Justificação, uma demonstração, da logitimidade das diversas formas poli- ticas que tinham regido a sociedade (133) . Quizot não pretendeu crear uma philosophia da historia; não expoz, nem formulou, uma lei universal da historia. Ck>mo bem nota Stuart Mill, o historiador francez, limitando os sons estudos ã Europa mo- derna (134), não podia remontar ás investigações sobre as leis

(132) Historia JRomana, liv. cap. XI,

(133) Veja-so Fliwi— La philosophie de Vhistoire cn Fraiic^, cnp. X.

(13<) Os traballios históricos do Guizot sobre a or^anis.nção ro- mana s2o olemontos para a sua Ihooria doutrinaria sobre a Europa moderna.

MAIS ALGUMAS THEORIAS 265

que presidem á. evoluçSo do toda a humanidade. A parte pbilo- sophjca da historia de Gaizot consistia em descobrir as causas próximas da organisação da sociedade moderna. B a conclusão final de toda a sua obra se resume na proposição de que a the« orla politica dos doutrinários ó a verdadeira, porquanto harmo- nisa todas as demais theorias. O feudalismo, a aristocracia, a theocracia, a monarchia, a democracia, todas essas formas politicas têm existido, o consequentemente são legitimes. O único facto da duração de um systoma de governo prova a sua legitimidade: o que 6 absurdo, ou iniquo, não póie subsistir por muito tempo. Na theoria de Guizot não temos sequer um ensaio de philosophia da historia.

Michelet escreveu a Introducção d historia universal, para demonstrar que a historia é o triumpho incessante e progres- sivo do homem sobre a natureza, do espirito sobre a matéria, da liberdade, em summa, sobre a fatalidade. E* verdade, segundo a doutrina de Michelet, que o poder da liberdade vae augmen- tando, e o da natureza diminuindo, ã proporção que, acom- panhando o curso do sol e as correntes magnéticas, avançamos da índia para a França. Na índia a natureza domina o homem.

Na França a libei*dade vence a natureza. Esta liberdade, siijeita aos agentes physicos, que na índia os factores naturaes esmagam, e que se nos revela tão completa quanto possível na França, o paiz da liberdade politici e da egualdade, < palinuro do navio da humanidade >, esta liberdade, que depende das fa- talidades da natureza, é uma das mais contradictorias conce- pções que o estudo da historia poderia engendrar no espirito de um litterato, sem a envergadura do philosopho.

Com o encanto particular do seu estylo, íbito do simpli- cidade, clareza e seductora elegância, Renan, melhor do que ninguém, expoz na Historia geral das línguas semiticas o prin- cipio da diversidade das raças como lei fundamental da his- toria. Os Aryas e os Semitas, quando se estabaleccm em uma região qualquer, encontram invariavelmente raças semi-sel- vagens, que exterminam, e das quacs apenas fo conserva a me- moria em lendas e mythos. As partes do globo, não povoadas pelas grandes raças, a Oceania, a Africa meridional, a Ásia

266 REVISTA DO INSrriTUTO HI8TORICO

aeptentrional, ficaram entre^rues a casa humanidade primitiva. Depois apparecem as primeiras raças civilisadas, mas cuja civi- lisação ó impregnada de um caracter material: distinguem-ie pelo pouco desenvolvimento dos instinctos religiosos e poéticos, grande aptidão para as artes manuaes, espirito positivo voltado para os negooioSt para o bem-estar e para os deleites da vida, e ausência de espirito publico e de vida politica. Essas primeiras raças civilisadas contam três a quatro mil annos de historia antes da óra christã. Sua oivilisacão desappareceo sob os esforços dos Semitas e dos Aryas; conserva-se unicamente na China. Finalmente, apparecem as grandes raças nobres, os Aryas e os Semitas, vindos da Bactriana e da Arménia, cerca de dois mil annos antes de Ghristo. laferiores a principio ás nações civi- lisadas que encontram, no concernente & civilisaçio exterior e material, os Aryas e os Semitas revelam uma superioridade ex- traordinária quanto ao vigor, & coragem, ao génio poético e religioso. Os dois grandes ramos da raça branca não são eguaes. Os Semitas têm uma missão religiosa; e, uma vez rea* lisada esta missão, decaem rapidamente, e deixam a raça ary- ana a dirigir os destinos do género humano. Os Aryas, ou indo-europens, são os povos predestinados para o progresso das sciencias, para as investigações reflectidas, independentes, se- veras, corajosas, philosophicas, em uma palavra, da verdade. (135). A theoria de Renaa tem contra si os factos. Não ha entre os Semitas e os Aryas a differenca de aptidões assignalada pelo grande orientalista. Os Árabes, genuínos representantes da raça semítica, revelaram uma notável capacidade para o cultivo das sciencias em um período histórico celebre pelo atrazo e estacionamento da civilisacão indo-européa. Foram elles que na edade média ensinaram á Europa a álgebra, ou arithmetica generalisada, deduzida por elles do principio de Diophante; que mediram e conheceram a extensão da terra; que organisáram o catalogo e a nomenclatura das estrellas visí- veis; que determinaram a obliquidade da ecliptica« verificaram

(136) Bistoire généraU des laumties «^mitt^ue», tomo IS pag. 4SM.

MAIS ALGUMAS THE0RIA8 267

a preoessão dos equinócios, fixaram a daração do anuo solar; que aperfeiçoaram os instrumentos de astronomia; que consti- tuiram a chimica, e descobriram seus principaes reagentes; que aprofundaram e desenvolveram a dynamica e a hydrostatioa; que applicaram as descobertas scientifloas ao meUioramento dos processos industriaes, ao aperfeiçoamento da agricultura e dus manufacturas (136). Os Phenioios, cognominados os Ingleies da atUiguidade, oeiebrls&ram-sepor sua habilidade para a nave- gação e para o oommercio; e os Garthaginezes, mais um ramo dos semitas, durante mais de um século, na lucta com os ro- manos, revelaram as suas qualidades militares, sem que Annibal fosse inferior a Scipião. A superioridade actual dos Aryas, em rela^^o aos Semitas, nao nos auctorisa a formular uma lei fun- damental da historia, que tradoza a permanência, a constância, a universalidade e a perpetuidade, desse facto. Os Aryas appa- recém na historia oomo bárbaros, ou semi-sel vagens. E, ainda que a differença entre os dois ramos da raça branca tivesse sido uma realidade no passado, nenhuma razão scientifica teríamos para affirmar a sua duração por toda a existência da espécie humana.

Thiers. . haverá legar para este em uma synopse da philoeophia da historia? Thiers ( 137) na historia é o adorador da força vencedora. Os graves e imperdoáveis crimes da revo- lução franceta e áo império são factos necessários. Com razão Laurent denominou esta doutrina histórica— a do íktalismo revolucionário. Um sorriso perpetuo para aquelles que a for- tuna favorece, nunca uma palavra de sympathia ou de pie- dade para os esmagados, nem um signal de respeito aos infor- túnios immereoidos, ou um movimento em favor da grandeza intellectnal e moral, nunca uma censura áã baixezas bffloiaes: é a idolatria da força ( 138) .

(136) Draper— Xm oon/ftf« de la soienoe et de lareligton, cap. 4«.

(137) Bistoire de la Révolution F^ctnçaiêe, e Histoire du Consulai $t de VEmpire,

(138) Lanfrey, citado por Laurent, obra citada, pag. 156.

268 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

As theorias de Bunsen, Lotze, Bagohot, e tantos outros, ou são variantes das que conhecemos, ou conciliaQões ilus- tradas, ou nos dão apenas uma das faces por que deve ser estu- dada a historia.

Bourdeau ô apenas um erudito, um simples compilador; mas, o seu livro V Mstoire et les historiens offerece no- tável utilidade pela abundância de conhecimentos sobre os his- toriadores, riqueza de observações e inducções, nem fempre verdadeiras, pela clareza e pelo methodo. A exposição dos factos, nota Bourdeau, não constituo uma sciencia; unicamente nos apresenta os materiaes de uma sciencia. A idôa abstracta da ordem e das causas dos phenomenos, eis o fim de todas as eciencias. Para que entre estas se possa inclair a historia, é mister descobrir as leis históricas^ o que quer dizer as lei« peculiares a esta sciencia. Os historiadores até hoje o não têm logrado. A razão é que attribuem a producção dos factos a uma destas três causas, todas exclusivas da idéa de lei: o livre ar- bítrio, a direção divina e os caprichos da fortuna, ou do acaso. Nenhuma delias é acceitavel. A. sciencia deve aftistal-as, a ave- riguar quaes são as influencias geraes e fixas que determinam 08 &.cto8 históricos. Bourdeau se aventura a esse árduo e teme- roso commettimento. E, depois de observar que é impossível por emquanto formular as leis da historia, porque a sciencia ainda não esta constituída, tenta indicar como será possível descobrir essas leis. Bm primeiro logar, cumpre estabelecer leis especiaes ás diversas sérios da factos, e em seguida uma lei geral que abranja a totalidade dos factos. As leis especiaea são de duas categorias: do ordem e de relação. As leis de ordem nos mostram o que á producção dos factos tem de geral na ex- tensão, e de persistente na duração, o que ha de oommum e de constante nos phenomenos. As leis de relação nos apresentam a filiação dos eíleitos ás causas, averiguação diffloiiima no dominio dos factos históricos, que são produzidos por um con- juncto de infiuencias varias. Acima das leis de ordem, que dis- põem 06 factos por series em rasÃo de sua similhança, e das leis de relação, que ligam as series— umas ás outras— por um laço de causalidade, as sciencias procuram formular uma lei su-

MAIS ALGUMAS THEOHIAS

prema, que resuma as precedentes, e as redaza â unidade. Exemplo desta alta generalisacão ô a lei da grayitação, irredoctivel, superior a todas as inducções relativas aos phe- nomenos que explica, e comprehensiira de todas as leis particulares ou inferiores. Qual a lei geral da historia ? A do progresso. Ha uma necessidade racional do progresso. Nâo se ooncebe a razão humana senão como um principio pro- gressivo de actividade. A espécie humana obedece á lei do progresso, assim como os movimentos dos corpos celestes obedecem á lei da gravitação. Necessariamente, fatalmente, a humanidade gravita para a perfeição. Suppondo pos- sível uma formula mathematica para a lei do progresso, Bourdeau a propõe, e análoga á da gravitação: assim como esta age na razão directa das massas, e na inversa do qua- drado das distancias, assim o progresso parece (curiosa lei!) effectuar-se na razão directa da somma dos melhoramentos e descobertas anteriormente realisadas, na inversa dos obs- táculos que se oppôemã sua diffusão no mundo. A industria, a arte, a sciencia, os sentimentos effectivos, todas as manifesta- ções da actividade humana obedecem ã lei geral do progresso Mas... confessa Bourdeau, ha influencias perturbadoras do progresso, que se não realisa por toda a parte e sempre com a regular uniformidade de uma lei simples. Nos férteis valles do Nilo, do Euphrates, do Ganges e do Yang-tse-Kiang, a civilisação desenvolve-se rapidamente; nas regiões acci- dentadas da Europa ostenta uma grande riqueza de formas; nos desertos d^Asla e d' Africa as condições climatéricas e geograpbicas impõem a immobiiidade. Demais, coincidências fortuitas, necessidades latentes, tolhem ou impossibilitam, suspendem ou fazem retrogradar a civilisação. Eis uma ver- dade, que Bourdeau, e com elle todos os que estudam a his- toria reconhecem. A lei de Bourdeau é uma deducção da natureza do principio progressivo da razão. Essa deducção será confirmada pela inducção, baseada úa observação im- parcial dos ftbctos? Neste ponto é lastimável a inópia de factos e argumentos com que o auctor emprehende cimentar a sua theoria.Pelo estudo dos factos históricos podemos prevôr o

270 REVISTA IX) INSTITUTO HISTORIGO

íútaro da eyola^o da humanidade ? Quanto aos fiactos sin- gulares, aos accidentee» responde Bourdeau que não: po- demos prever os phenomenos regulares. Quaes í»bo esses phe- nomenos denominados regulares ? São os factos de ordem eco- nomica, moral, politica, jurídica, isto ó, são Actos cujas leia formam o conteúdo de varias sciencias sociaes, mas não da historia, e muito menos da philosophia da historia, pois não se comprehende a philosophia de uma sciencia que ainda não existe, ou que é impossível, pelo menos, no estado actual dos conhecimentos humanos. Tal é a conslusãoa que fatal- mente nos leva o estudo reflectido da theoria de Bourdeau, assim como o de todas as demais doutrinas em que se tem tentado reduzir a liistoria a uma sciencia, ou con- stituir a philosophia da historia (139).

A fdncQão da historia consiste em colligir e classificar methodicamente os factos, para mialstrar, os materiaes que servem de base às induccQes da sciencia social fundamental edas sciencias sociaes especiaes.

Quaesquer que sejam as divergências sobre o conceito da sciencia social geral, ou sociologia ; admitta-se a sociologia classiflcante com Littré, Roberty, Qreef, Lacombe e Wagner, ou a sociologia biológica com Spencer, Lilienfeld. Schãffle, Fouillée e Reno Worms, ou a sociologia dualista com Hauriou, Giddings, Ward« Mackenzie ; entenda-se que ó uma sciencia constituída, ou de formação incipiente (e é esta, segundo nos parece, a verdade); o que hoje se não pôde contestar é que ha uma scien- cia social fundamental. A vida em commum ô uma lei para o homem, como pára certaus espécies de animaes. Não diremos com Espinas que todos animaes estão sujeitos a essa necessl-

(139) E' a mesma oonclasão a que chega um notável escriptor bra- zileiro, o Dr Carlos de La<^t, posto que estude os factos e as theo- rias sob um aspecto differente: « A philosophia da historia ainda não é uma soiencia. Nt^m jamais o poderá ser em todo rigor dada- lavra, opina illnstrado professor, pois para que sciencia exista , ha mister de princípios certos, evidentes, e de tal manoira conhecidos que pela razão sejam applicaveis a conclusões não menos legitimas e cyidontcs do que os mesmos principi os; u este resultado jamais chagará a philosophia da historia»* (Em Jlfincu, O grande probUma histórico, pag. 3i8.)

MAIS ALGUMAS THBORIAS 271

dade. Bastar-nos-ha recordar os exemplog, . tão conliacidos, de existência gregária, qae nos offerecem as formigas, os castores eas abelhas. Assim limitada a proposição de Espinas, póde-se repetir com elle que o meio social é nma imposi^o da biologia, ama condição necessária da conservação e da ronovação da espécie. (140). Os mais profundos espíritos da antiguidade clás- sica já não alimentavam dissentimentos sobre esta verdade. Platão, o precursor do racionalismo, que considera as leis so- ciaes deducçQBS das idéas— arclietypos, reveladas pelo logos ou verbo divino, n*0 Estado ou A Republica firma nitidamente a these de que ha um organismo social, creado pela necessidade. No admirável dialogo entre Sócrates o Adimanto, o Estado nos apparece como um producto natural, a resultante de forças incoerciveis, uma organização subordinada a leis« no sentido scientifico do termo (141). Verificando-a pelo methodo experi- mental, Aristóteles desenvolve a theoria de Platão. A cidade, no conceito do Stagirita, ô uma producção da natureza, um ser vivo : é evidente que a cidade pertence ao numero das cousas creadas pela natureza, que o homem ó naturalmente um animal politico, destinado a viver em sociedade. . . Vô-se de um modo evidente porque o homem ô um animal sociável em mais alto grão que a abelha e todos os animaes gregários. A natureza nada íkz em vão. S6, entre os animaes, o homem tem o dom da palavra. A voz ó o signal da dor e do prazer, e por isso foi ou- torgada também aos outros animaes, cuja organização é susce- ptível de dôr e de prazer. Mas, a palavra tem por fim fazer comprehender o útil o o prejudicial, e, consequentemente, o justo e o injusto. . Na ordem da natureza, o Estado vem antes do individuo» (142).

Os sociólogos contemporâneos, quando ensinam que a vida social ô uma injuncgão da natureza humana, uma resultante das tendências e necessidades, dos attributos physieos e moraes

(140) Des sodeíés animales ; Introduction historique .

(141) Traducção de Bastieu, liv, 2°, V.

(142) La Politique, tradacçio de Tfaarot, cap. 1*^ fS 40 e 11.

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do homem, reproduzem uma verdade professada ha mnitog séculos.

O estudo das leis a que ostá sujeito o organismo social faz o objecto da sociologia e das scioacias sociaes particulares. Se estudamos o que ha de uniforme, geral e permanente, na génese, na estructura e na evolução das sociedades, temos a sociologia, ou sciencia social fundamental. Se estudamos, certos phenomenos especiaes, certos aspectos particulares da sociedade, por exemplo— a sociedade considerada sob o aspecto da riqueza, da direcção dos interesses públicos iuternos e externos, ou da manutenção da ordem necessária á conservação e desenvolvi- mento da conectividade, tomos a economia politica, a politica, ou o direito. A sociologia está para com as eciencias sociaes especiaes, na mesma relação em que a biologia para com as sclencias que se occupam com a vida sob aspectos especiaes, como a zoologia e a botânica, tendo a biologia por objecto os phenomenos essenciaes e universaes da vida, S3ja qual fôr a sua manifestação, ou o corpo— vegetal ou animal— que lhe sirva de sede.

A historia contém os factos, cuja comparação nos leva ás induoções da sociologia e das sciencias sociaes particulares. A philosophia da historia foi substituída pela sociologia. Fouillée não hesita em dizer que a philosophia da historia precedeu a sociologia, do mesmo modo o na mesma relação, em que a alchimia havia precedido— a chimica, a astrologia a astro- nomia. Não procuramos hoje formar uma theoria pcientiíica sobre a evolução da humanidade, não nutrimos a pretensão de prever o futuro mais distante da espécie humana.

Limitamos a nossa aspiração scientifica a conhecer a so- ciedade. Isto 6 possível. Para alcançar este destãeratum, dis- pomos das duas series de processos lógicos, dos dois instru- mentos únicos que a sciencia pôde admittir, a induoção, a ge- neralisação, obtida pela comparação dos factos, e a deducção, a extracção pelo raciocínio de verdades geraes menos extensivas, comprehendidas virtualmente em verdades geraes superiores.

E* a historia que nos apresenta os factos que servem de fundamento ás geúeralisações da sociologia. Sem tão solida

MAIS ALGUMAS THEORIAS 273

base, a sociologia oada mais poderia conter que especulações, hypotheses, asserções mais ou menos approximadas da verdade, como tem acontecido ás diversas theorias da philosopliia da historia.

A sociologia não se confUnde com a philosophia da liistoria, como querem alguns. Do numero destes é Barth, para quem as transformações social constituem os assumptos peculiai*es á historia, e assim a philusopbia da historia, para explicar a evolução da humanidade, precisa conhecer as transformações sociacs, e, vice-versa^ a sociologia, para explicar as transfor- mações sociaes, precisa conhecer a evolução histórica (143). Assimilar a sociologia & philosophia da historia importa con- fundir a sociedade com a humanidade. Comprehonde-se uma scioncia consagrada ao estude das agremiações humanas, e qae, dentro de oertos limites, procura saber como se formam essas agremiações, que elementos, ou forças, concorrem para a pro- ducção do phenomeno, de que partes se compõe o todo, e como se tem desenvolvido a vida collectiva, sem uma sciencià que pretenda descortinar os factos futuros da vida da espécie hu- mana. O ideal da sociologia é mais modesto, e por isso mesmo realisavel. A formação, o desenvolvimento, a decadência e a extincção das sociedades são factos que se têm repetido innu* meras vezes na historia. A evoluçio da espécie humana é um phenomeno único, de que nem siquor podemos saber a que phase corresponde o momento actual. Não admira que Barth tenha confundido a sociologia com a philosophia da historia, quando Augusto Comto, depois de di\ridir a sociologia em estática e dynamica, tratou nesta ulima parte de formular leis que se fossem verdadeiras, constituiriam a philosophia da historia. A falsa lei dos ires estofloa evidentemente é uma generalisação de caracter histórico, e não sodiologico, pois abrange a vida de toda a humanidade.

A missão da historia não se restringe a fornecer os mate- rlaes, methodicamente dispostos, para as inducçõos sociológicas «

(143) La philosophir de Vhistòirc au poitU de vue sociologiqne , L'Année sociologique, 1898, pag. 116.

4323 18 Tomo lxix. p. u.

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Subsidio precioso, (e aqai nos parece impoasiTel qualquer contestaçSo por aqaelles mesmos que negam a existência de uma soiencia social e fundamental), abundantes e seguros re- cursos para as indncQoes, ou para as verificações, das soiencias sociaes especiaes ainda nos proporciona a historia.

O methodo da sciencia económica não pôde mais ser o pre- oonisado por J. B. Say: « a economia politica, como as soiencias exactas, se compõe de um pequeno numero de princípios ftinda- mentaes, e de um grande numero de corollarios, ou deducções, desses principies (144). Se a observação dos factos não basta para nos dar leis scientiflcas no dominio desta sciencia social, se a multiplicidade das oircumstancias que revestem os pheno- menos económicos torna muitas vezes difflcil a induc(^, a mera applicacSo do methodo deductivo expor-nos-hia a converter a sciencia económica em puro exercício mental, ou nas peri- gosas ilIosOes de que nos ftillA Thorold Rogers, um dos mais convencidos propugnadores do processo inductivo como instra- mento complementar do methodo económico (145). Adquire- se uma idéa exacta da utilidade da historia para o desenvol- vimento da economia politica, quando se a excellente historia económica de B. SoheeI (146). O conhecimento dos erros do sys- tema económico architeotado pelos gregos e romanos, dos pre- conceitos que na antiguidade clássica e na edade média domi- navam os governos em relação á moeda, e dos inconvenientes oriundos da applicadlo de taes idéas, corrigindo as nossas theo- rias concernentes ao assumpto, é uma prova do quanto nos aproveita o estudo dos Au)tos históricos na constituição desta sciencia. Cumpre nfio esquecer a observação de Stuart Mill sobre o methodo historioo : nas investigações sobre os factos so- ciaes, ora procuramos saber qual o efléito que resulta de orna dada causa, presnppostas certas condições, ora 6 nosso intento co- nhecer essas condições ou circumstancias geraee, qoaes as causas

(144) Traité d*éoonomie politique, disoours préliminaire.

(145) Interprétation économique de Vhistoire.

(146)Sohõnberg, Mmnuale di eoofMmia politioa, vol. , traduz o traballio de Scheel .

MAIS ALGUMAS THKORIAS 275

quo produzem e os pbenomeaos que oaracteriaam os ostadoâ de sociedade èm gerai (147). A historia nos auxilia em uma e outra ordem de averiguações.

A experimentação oòmo methodo da politiea ofiEérooe pe^* rigos manifestos (148): a sociedade não é anima vitis. Masi por isso mesmo que esse processo preparatório das indoeções tão ntí appiica a este ramo das scienciassooiaee, mais palparei se fius a necessidade da observação dos factos históricos como base da theoria {Politica, pois os phenomenos observados no presente não bastam para se generalisar no domínio de uma soiencia tão complicada, que a própria historia não ministra materiaee SQffleientes para a formulação de leis seguras^ senão em pe* queno namero de casos. Negar a necessidade da observação hi6« torica para constnicção da soioucia politica, fora proclamar a inutilidade da experiência dos negócios públicos para a boa di« reoção do Estado, e justificar os arrojados ensaios dos theoristas ambiciosos, apoiados em deducções ainda não verificadas. O saber de experiências feitú^ preconisado pelo epieo Insitanot não é outra coisa senão uma doutrina baseada na observação dos factos. As inducçoes politicas são indispensáveis para a ve- rificação das deducções, das hypoteses, das theorias, e sem o es- tado da historia não ha inducçoes possíveis neste dominio das scienoias sociaes. A arte de guiar todas as tendências sociaes des- encontradas, imprimindo-lhes novas direcções communs e médias, com a minima resistenoia oollectiva e a minima perda de forças, e tal no sentir de Sohãffle ó a politica pratica (149), precisa ser cimentada pplas generalisações scientifioas, e estas podem definir da historia.

A moral social e o direito elevaram-se á dignidade de sci- enoias, depois que os seus princípios e as suas deducçõee pas- saram, rectiflcando-80, pelo cadinho do methodo inductivo. B

(ÍAl) Système de Logique, vol. 2o, pag. 509.

(148) Lóon Donnat a propõe na Politique expéHmentaley obra de um theorista, quo potico 9o oooupa com a pratica de suas Hqõc».

(149) Struuurof e vita dei corpo sociale, trad. (b L. Ludovict», vol. i, pag. 464.

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tão copiosos são os subsídios da historia para as generalisaçdes oa verificações do direito, que não nos faltam exemplos e pro- vas da utilidade prestada poios estados históricos a esse ramo das sdenciassociaes. Quem poderia hoje oonvencer-se de que conhece a natureza e o fundamento da propriedade, sem ter formado o seu coaoeito sobre essa instituição em face das inte- ressantes investigações históricas de Summer Maine, Laveleye e outros ? E' lendo, por exemplo, Laveleye que vemos a evolução que, gradual e necessariamente, fez passar a propriedade da forma oollectiva para a individual; que ficamos sabendo como na índia, no Egypto, no Japão, na America, em toda a Europa a propiedade immobiliaria— de communista, ou coUectivista, se transforma invariavelmente, e obedecendo a influencias incoer- cíveis, em propriedade moldada pelo individualismo (150). Não teremos aqui uma indicação preciosa de que, nas concessões que a justiça obriga a fiizer á parto racional dos programmas socia- listas, não devemos ir ató ao ponto de instituir um rogimeu que, aK^m de condemnado pelo estudo imparcial da natureza hu- mana e das necessidades sooiaes, é repellido pela historia, repu- diado pelos factos ? Investigações análogas por D*Aguanno, em relação á constituição juridica da família, comprovam e funda- mentam a necessidade da união monogâmica, tal como a d^i- nôam os códigos miis adeantados (151). O mecanismo constitu- cional da Inglaterra tem sido na historia desta nação uma veri- ficação positiva, a nos mostrar incessantemente que o regimen não é uma especiosa deducção de princípios erróneos ou folsos. Estes exemplos, tão conhecidos, revelam, com maior evidencia quo quaesquer outros, a utilidade dos estudos históricos, no que concerne á scioncía juridica.

Não enumeraremos as sciencias sociaos especiaes, que se têm constituído, ou pódom constituir-se, com o subsidio da his- toria. Em matéria sujeita a tantas divergências de opinião, quando frequentemente se ensaia a organização de uma nova

(150) De la proprit^^té et de st*s formes primitives.

(151) La génese c Vevoluzione dei diritio civile, parte especial, caps. 40, 5<»e 6°, *

MAIS ALGUMAS TIIEORIAS 277

sciencia aooial especial, é arriscada a precisão de um Lagrósille, a nos offerecer, como num qaadro delimitado» a nomenclatura desses ramos do saber social: a psychologia social, a moral social, o direito, a sciencia económica, a politica, a physioa social, a esthetica social, a genética social, a ideologia 8ocial« o outras ideológicas quejandas*

A historia não tem um conteúdo sciontifico próprio, leis do seu domínio, inducçoes, principies e deducções» que lhe sejam peculiares, generalisagões que delia façam uma sciencia. Quando o historiador, uma ou outra vez, extraedos factos uma verdade geral, o sueco ideal que constituo a sciencia, é a socio- logia; ou qualquer das sciencias sociaes espeoiaes, ó talvez a anthropologia, em alguma das suas divisões, 6 uma outra scien- cia qualquer, das que se aproveitam dos dados historioo6« que conquista mais uma noção, q alarga o âmbito de sua doutrina.

Não confundimos o que se tem chamado^a philosophia da historia com o que se denomina— a sciencia da historia. A phi- losophia de uma sciencia comprehende sempre as verdades mais geraes, os princípios, as mais altas e profundas generalisações do domínio dessa sciencia. Ninguém melhor que Vacherot dis- tinguio a sciencia da historia da philosophia da historia : a pri- meira pretende descobrir as leis que regem a sucoessão dos fa- ctos ; a segunda intenta reduzir essas leis a principies superiores, entrega-se a especulações transcendentes, relativas á direcção providencial da humanidade, á perfectibilidade humana, ao pro- gresso universal, á evolução gradual e necessária da espécie (152). A philosophia da historia ô um coojuncto deafflrmações sttlQectivas, de crenças, do conjecturas, de hypotheses, sem base seientiâca, e sem methodo lógico. O que se chama a sciencia da historia, ou ó uma serie de verdades geraes pertencentes ao domínio da sociologia, e de sciencias sociaes varias, ou um con- juneto de observações que não constituem leis, na acoepção scien* tiflca do termo.

Não esqueçamos a verdade tão irrecusavelmente exposta por Stuart Mill: as leis, que formam o conteúdo de uma sciencia.

(1^2) La science et la conscience, II.

278 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

sem M quaei n&o ha scieiíoia» são as relacõM ooDStantes de soo- oessfio e de semelhança entre os fliictos. Nas idades mais re* motas, o fim da aeiencia era conhaoer para prever ; quando se procurava averiguar a oausa, era principalmeate para dirigir o effaito, oQ, sendo isto impoasivel, para prevôl-o, e adaptar a oondaeta do homem ás circumstancias inevitáveis (153).

Que relaçQes constantes de successâo, de semelhança, ou de uniformidade, nos oíTereoe a historia, que não sejam partes integrantea da sooiologia, ou das scienoias sociaes, ou das an- thropologloas ?

Taine, para quem a historia é uma soieneia, no Ensaio sobre Tiió lÀmo pretende dar-nos alguns exemplos de leis historieas. Vsjamos o que são essas leis historieas: O historiador estuda duas espeoiaes de leis. Primeiramente cada grupo de ftiotos tem sua causa. Porque os Samnites foram vencidos ? Qual a expli- ca^ do íkcto de terem os Romanos abatido a Etruria, depois os Oaqleies, em seguida Oarthago, e mais tarde a Macedónia f Como obtiveram os plebeus a igualdade de direitos f Que mu- dança passou o poder para os grandes ? Por que necessidade se estabeleceu o império?» Kis a historia propriamente dita. O philosopho nio se satlsAiz com o conhecimento dessas causas parciaes. Quer conhecer as causas universaes. c Porque essa guerra eterna ? Gomo bestou a popnlação de Roma para sustentar essa lucta interminável ? De que proveio não ter povo algum resistido aos Romanos ? Donde procedeu esse talento de agir, de conquistar, de administrar ? Porque esse culto disciplinado de deuses abstractos, essa íkmilia toda legal, esse extraordinário amor da pátria, esse respeito á lettra e á formula, essa impotência na artee na philosophia ? Por que eausas pareceu a população, a virtude antiga, o espirito militar 9 Oomo se explica ter-se exgot tado tudo, ter-se tudo anniquiiado, crenças, talentos, povo, oos- tumes, lentamente, fatalmente, ao ponto de nada mais floar do que uma administração o um código sob um monaroha f » (154)

(153) Augusto Comte e o positivismo ^ pags. 6 e 7 da trad. de Clé- raenceau.

(154) Parte primeira, cap. 4o.

MAIS ALGUMAS THBORIAS 279

Taine está de accordo oomnosco em qae o politico, o Jariscon- sulto, 08 cultores de diversas sciencias. recebem da historia ma- teriaes parasaas ioducções. Traotando das primeiras leis, de- nominadas por elle explicações parciaes, Taiae o diz expressa- mente : Qu^un politique, un jurisconsulte^ un general, s'en tiennerU d cette recherche, cela eai ruUurél^ puisqu*Us savent desarmais tout c$ qui peut s^appliquer d lewr art ; mais, la raison, plus philosophique et plus eosigeante, explique ees eooplicationes, et réduit ces lais en lais plus généràles»> i[(155) Além destas leis, peculiares ao dominio de sciencias sociaes varias, que outras leis se p6dem induzir da historia ? Oiçamos o historiador francez, que nos vae apresentar exemplos de leis propriamente históricas. A expansão romana expUca-se pelo interesse pessoal, pelo egoísmo que caraoterisa o povo i*omano: eis porque seu espirito ó a reflexão que caloula, e não a in- venção poética, ou a especulação philosophica, e seu caracter consiste na vontade raciocinada, e não nos sentimentos e aíTeições. Dahi essa lucta infatigável contra uma terra ingrata, esse desprezo pelos que perdem o património, a nomeada dos que o augmentam, a economia, a frugalidade, a avidez, a ava- reza, o espirito de chicans, todas as virtudes e todos os defeitos que engendram e conservam a riqueza ; a propriedade conside- rada uma coisa santa e sagrada, o limite dos campos dívinisado, as terras e o credito protegidos por leis terríveis, as formas dos contractos minuciosas e invioláveis; em summa, todas as insti- tuições que podem garantir os bens adquiridos, AopajKo que alhures a família natural, estabelecida sobre a communhão de origem, é governada pelas affeições, a família romana, toda civil, sob uma communidado de obediência e de ritos, ô a coisa e a propriedade do chefe, governada por sua vontade, subordinada ao Estado, legada sempre por uma lei em presença do Estado, espécie de província que esta nas mãos do pae de familia, e fornece soldados ao publico. Formado de raças diversas, violen- tamente reunidas, obra da força e da vontade, e não do paren-

(155) Pag. 127,

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tesco o da natureza, o Estado oontém dois corpos organizados, que luctam regular e Idgalmente, nâo por paixão, mais.por in- teresse, e unexn-se sob a mai? complicada e a mais bem combi- nada das constituições que jamais houve. Conquistador pur sys- tema e com methodo, para conservar e explorar o Estado ro- mano eleva ao miisaltográo a arte militar, a habilidade poli- tica, o talento administrativo, o reúne pela força o mundo entSo conhecido em um império or^nizado sob o dominio de uma cidade. Sua politica consiste em transformar cm soldados de Roma 08 povos vencidos, em ministros do Roma os príncipes e 08 magistrados extrangeiros, isto ô, om augmentar muito as suas forças com pouco dispêndio. Sua arte militar consiste em formar os mais robustos e bravos soldados sob a mais stricta obediência, isto ô, cm tirar o molhor partido de forças poderosas. Toda a sua sabedoria se reduz a desen- volver-80 e poupar-se. Instituição da vontade, machina de conquistat matéria de organização, o Estado occupa todos os pensamentos, absorve todos os sentimentos, subordina a si todas as acções o todas as instituições. Lsta dominação do interesso pessoal e do egoísmo nacional produz o desprezo da humanidade. Não conquistado ainda, o género humano é matéria para con- quistas ; conquistado, ô uma proza, da que se usae abusa. Os escravos são espesinhados com uma dureza atroz ; esmagam-se povos inteiros ; conduzem-se em triumpho e matam-se os reis vencidos. Os deuses são abstracções sem vida poética, taes como 03 forma a reflexão árida por meio da analyse de uma operação da agricultura, oa das diversas partes de uma casa, ou ílagellos adorados por tomor, deuses de outras nações recebidos nos templos por interesse, como vencidos na cidade, mas sujeitos ao Júpiter do Capitólio, como os povos ao pjvo romano. Os sacer- dotes são leigos, organizados em corporações, simples adminis- tradores da religião, sob a auctoridade do senado, que regula os sacriflcios expiatórios, e forma com o povo a única auctoridade competente para fazer quaesquer innovaçoes. O culto consiste em ceromonias minuciosas, eacrupulosameute observadas, porque falta o espirito philosophico e poético, interpreto dos sym- bolos, e o raciocínio, árido e triste, pronde-seás palavras. Serve

MAIS ALGUMAS THEORIAS 281

para o senado do instrumento politico, e, como tudo mais, ó um moio de dominação». (156) Toda a arte veio dos paizes conquistados: o theatro da Etruria, depois da Grécia: os monumentos são gregos. Na poosia nenhuma originalidade. As sciencias não passam de traducçOes. Incapacidade para a me- tapbyâica. A única sciencia romana ô a jurisprudência. Essa mesma a principio se reduz a uma compiiaç&o de formulas. Para a elevar a systema, foi necessária a philosopbia grega, que a vívilicou com o direito natural. Da natureza do génio romano procede a sua historia, como de um principio o coroN lat-io. Desde que a ikmilia o a religião estão subordinadas ao Estado, a sciencia e a arte sâo nuUas, ou meramente praticas, e o Estado tem por exclusiva missão conquistou* e organizar a conquista, a historia de Roma é logicamente a historia da con- quista e seus effeitos. A guerra interminável extingue a classe média. Ao contacto dos costumes orientacs, a familia se dis- solve. Modiflca-se o caracter da propriedade. A religião, fun- dida com as da Grécia o do Oriente, dilue-se no Pantheon. ficam de os jurisconsultos, que organizam um código, ultimo effeito do espirita organizador de Roma. E assim a conquista, re- sultante fatal dos attributos do génio romano, destróe todos os povos, deixando apenas um systema de instituições, especioso envolucro, forma eternamente brilhante de um corpo inanido e morto. E, sob os immensos escombros do que foi o império romano, o homem, desllludido, esmagado, anniquilado, se re- Aigia em si mesmo, e, obedecendo ás consoladoras suggestoos do mysticismo oriental, descobre c organiza uma sociedade nova no seio de uma nova religião.

A ligação dos factos é engenhosa e admirável, o encadea- mento das causas e eíTeitos é soberbo ; a explicação ó genial e m-araviihoja. Mas, conterá uma lei, ou uma sério de leis, que possam dcnominar-se históricas, que formem o conteúdo de uma sciencia autónoma? Em primeiro logar, tão discordes são as ex- plicações, engendradas pelos historiadores e homens de scien- cia — em geral, destes factos complexos o engrandecimento

(15)) Pa-rs. 180 a 184.

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e a decadência do« romano8« qae nada mais temos que eosaios, tentamens de theorias. Por que dec&hio o espirito romano ? Em consequenoia da saa própria organização» effeito do egoísmo peculiar ao génio do povo romano, responde Taine, resumindo, como eile diz, a philosophia da historia dos modernos em re- lação a esse âuito. O sábio Liebig, aprofundando o estudo das causas do phenomeno, condue que tudo so explica pela falta de potassa e de acido phosphorioo, de que o solo foi privado por uma cultura irracional (157). O depauperamento dos homens, opina Conrad, foi devido á devastação das florestas, e ao estancamento das irrigações (158), Não, contssta o illustre Du Bois-Reymond, nenbuma dessas causas ô verdadeira ; a ex- plicação é simples: Roma decahio e pereceu por não ter cultivado as sciencias naturaes, e por ter fundado toda a sua dvilisa^ na areia movediça da esthetica e da especulação ; se as legiões romanas tivessem armas de fogo, facilmente teriam rechassado os bárbaros em batalhas sangrentas ; e as armas de fogo nos foram dadas pelo cultivo das sciencias naturaes (159). Não é provável que cada um desses factos tenha concorrido com outras causas para a producção do acontecimento ? Em segundo logar, descobrir a causa de um facto social não ó descobrir uma lei scientiflca. Dado a extrema complexidade dos pheoomenos his- tóricos, a causa de um facto p6de ser um conjuncto especial e único de factores, ou de circumstanoias, o qual se não tenha reproduzido, nem seja provável venha a se reproduzir. Uma lei ô uma relação constante de suocessão, ou de semelhança, ou de simultaneidade. o conhecimento de uma relação con- stante de successão entre as causas, ou a causa do facto, e este, ó que nos daria uma lei, no sentido scientiílco da expresso. Em se tratando de factos sociaes, um offeito pôde derivar de causas várias, como bem demonstra Stuart Mill (160). A ex- trema complexidade dos factos sociaes não nos permitte gene-

(167) Gumplowica, SooMogie et Politiqtie, gli.

(158) Ibidem

(159) Ibidem.

(160) Système de Logique,

MAI8 ALGUMAS THE0RIA8 283

ralisar, formular leto, oom a facilidade e segurança oom que se prooede nas scienoias inferiores. Finalmente, admittamos para argumentar, que Taine haja formulado proposioões verdadeiras 6 incontestáveis na sua ezpiioaç&o da grandeza e deoadencia dos romanos, ou, por outras palavras, que tenha descoberto algumas leis relativas & evolução e a dissolução da sociedade. Teremos um coAJuncto de leis históricas^ uma aoiencia da his- toria ? Absolutamente nfio. Admittidas as indaoçSes de Taine como leis incontroversas, temos uma nova contribnl^^ para a constituição da sociologia, que ó a soiencia consagrada ao estudo das leis concernentes á evolnçâo e á dissoluç&o da sociedade.

A historia collecciona e dispõe methodicamente os mate- riaes, os factos, em cajá observação e comparaçio haurem suas inducçõea, scienoias diversas. O methodo descriptivo, appUcado pelo historiador, ó um ezcellente instrumento para a acqui* sição de verdades geraes da sociologia e seus ramos espeoiaes* Sem a observação nao se dái um passo no estudo de qualquer sciencia ; a observação ó a base commum do methodo de todas ajB sclencias ; mas, cada uma destas tem o seu modo especial de observação. Ha scienoias que observam, por assim diser, por simples inttti($o. São as mathematioas, que facilmente veri- ficam as suas generalisaçõee por meio de experiências ideaes, como diz Bain, repetidas illimitadamente em curto espaço de tempo graças á, facilidade com que representamos em nossa ima gioação as grandezas e as formas. Muitas verdades mathema- tioas, geralmente reputadas axiomáticas ou aprioristicas^ não passam de induoções dessas repetidas experiências idóaes. Outras sciencias observam, no sentido rigoroso da expressão : tal ó a astronomia. Outras recorrem á experimentação propriamente dita, provocam em dadas condições a reproducção do pheno- meno que pretendem estudar : tal ó a ehimioa. Outras, final- mente, para se constituírem ou para se desenvolverem, valem- se do methodo descriptivo : taes são a sociologia e as sciencias sooiaes especiaes (161), O methodo descriptivo, peculiar &s

(l'»l) Roberly.ia socioíoflFÚ, cap. 2».

284 REVISTA DO INSTITUTO HISTORICX)

sciencias biológicas e sooiaes, é ainda am modo esijecial de ob- sorvação, mas uma observação transformada ou prolongada (162). E* a Datareza especial dos phenomenos sociaos quo exige om trabalho de preparação e de elaboração intermediário entre a simples observação, a oollecção dos factos, e os últimos es- forços da abstracção e da analyse, tendentes ã generaiisa^o, ou formulação das leis.

Queremos um exemplo do que 6 a historia, considerada sob este aspecto ; da utilidade que nos presta ; do quanto se distin- gue da historia tal como foi comprohendida na antiguidade, e ainda até ha pouco poios simples narradores de factos, como César Cantu ; do que ô a historia descripção de factos scientift- camente classificados, e repositório de materiaes para as indu- cções das sciencias sociaes ? TemoKo na Historia Romana, de Mommsen. Os phenomenos económicos, 03 políticos, os juridicosi os religiosos, os artísticos, tudo o que constituo o tecido da socie- dade, está classificado, coordenado, disposto e descrípto, do ac- cordocom uma certa ordem, em obedioncia a um certo meihodo. Os factos biographicos dos grandes homens se mesclam aos fiictos de ordem geral, porque são inseparáveis; mas, vê-se bem que o intuito principal do historiador ô dar-nos classes de phenomenos sociaes, coUecções methodicas de factos. Abstracção feita da sua tendência para a theoria do caracter nacional da historia, Mommsen ô um mestre da historlographia. Sem esse defeito, com a perfeita discroção e com a segurança do homem de sciencia, Fustel de Ck)alanges, mais do que nenhum outro, poderia ensinar a escrever a historia. A este talvez falte aquella arte de descrever que para Gnlzot e Taino é qualidade essencial do historiador, e que nos a illusão de que os factos se passam aos nossos olhos, e de que os personagens se movem, vivem e Miam ao nosso iado^ arte de que a antiguidade clássica parece ter guardado o segredo.

Gomprehendida assim, a historia provavelmente nunca se elevará ás vastas generalisações, que debalde tentaram os seus philosophos. A sciencia quo o génio arrojado de Buckle suppoz

(102) Ibidem,

MAIS ALGUMAS TIIEORIAS 285

ter constituído, ainda hoje não é scioncia. Mas, so prosegairmos nestas penosas investigações, de accordo com o principio e o me- thodo iniciados por Buckie, quem sabe quantas indacções úteis, quantas leis fecundas na applicaçao pratica, não poderá appre- hender o espirito humano? E' possivel que innumeros factos» pela generalidade dos homens ainda hoje attribuidos ao acaso, á acção arbitraria de um poder superior, ou ã vontade exclusiva dos individues, sejam reduzidos a leis, subordinadas ao prin- cipio do determinismo, para essas leis, como idéas-forças, moverem na realisação do bem e do melhoramento da espécie o nosso mecanismo volitivo. Será então desvendada a causa de factos sociaes, que a nos-.a myopia intellectual não sabe como elucidar . Quem sabe se a explicação da miséria moral, que en- trega não raro as nações prosperas o felizes à funesta incapaci- dade de audazes ambiciosos, não é a que Shakspeare põe na bocca do príncipe dinamarquez : Felizes aquelles cuja razão e cDJo sangue se acham tão bem combinados, que não sorvem de flauta, em que o dedo da fortuna tire som pelo orifício que lhe aprouver » ? Quem sabe ? « No céo o na terra ha mais coisas do que sonha a nossa pobre phiiosophia » .

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906

PRIMEIRA SESSÃO ORDINÁRIA, EM 5 DK MARÇO DE 1906 Presidência do Sr. Conselheiro O. H. de Aquino e Castro.

A'â 3 horaa da tarde, presentes os Srs. Conselheiros Aquino e Castro, Marquez de Paranaguá, Barão Homem de Mello, Max Fleiuss, Alcibíades Furtado, Desembargador Souza Pitanga, Arthur Guimarães, Rocha Pombo, Marques Peixoto, Conselheiro Cândido de Oliveira, Barão de Alencar, Barão de Paranapia- caba, Dr. Manoel de Mello Cardoso Barata, Conselheiro Salvador Pires de Carvalho e Albuquerque, Henrique Raffárd, Drs. An- tónio da Cunha Barbosa e António Martins de Azevedo Pimentel, abre-se a sessão.

O Sr. Presidente communica nos seguintes termos o fal- lecimento do Presidente Honorário Sua Magestade o Rei Chris- tiano IX, da Dinamarca e dos consócios Bartolomé Mitre, hono- rário, e contra- Almirante Francisco Calheiros da Qraça, eífectivo :

Senhores Com summo pezar tenho a conmiunicar-vos que três grandes e lamentáveis perdas acaba de soflhar o Ins* tituto, vendo eliminados do quadro de seos dignos e respeitáveis consócios, no brove espaço das férias que ora terminam, o Pre- sidente Honorário Christiano ix. Rei da Dinamarca, o General Bartolomé Mitre e o Contra-Almirante Francisco Calheiros da Graça.

O 1<>, venerando ancião, chefe de uma nobre íámilia de reis, por longos annos dirigio com as luzes do saber e da ex- periência os destinos da nação que se orgulhava de o ter por soberano e desvelado protector, vindo a fallecer na capital do seu Reino a 29 de Janeiro ultimo com 86 annos de idade, oe-

288 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

jebrados com as mais expresâiyas demonstrações de amor, oon- sidoraçSo e respeito, da parte de ama população inteira, que o prezava como verdadeiro symbolo de gloria nacional.

< Era nosso Presidente Honorário desde 1843.

« O 2"^, vulto de magestosa grandeza na historia de sua pátria, a florescente Republica Argentina, desceu ao tumulo rodeado do esplendor e gloria que assignalam a sua laboriosa existência de insigne estadista, valente militar o primoroso es- criptor, deizanio de sua vasta illustração e cívicas virtudes um verdadeiro padrão de honra para a nação, que o estimou sempre como preciosa relíquia do continente Sul- Americano. Seu nome acha -se brilhantemente inseri pto cm nossos annaes, revelando-o devotaio empenho e a leal confraternidade, com que tomou parte nas poi'âada8 lutas que teve o Braz J do sustentar contra Rozas e Solano Lopez, em épocas de bem duras pro- vações.

«Era nosso consócio honorário desde 1871 o considerado, com justa razão, como grande e constante amigo do Brazil .

< Fall)ceu em Buenos- Aires a 19 de janeiro passado.

< Do 3^, distincto e brioso servidor da pátria, uma das vi- ctimas do dever na pavorosa catastrophe do Âquidaban, occor- rida a 21 desse fatídico mez de janeiro, que poderei ou dizcr- vos, neste angustioso momento om quo revivem as dores sup- portadas com indizível soífrimento pela pátria e pela família de um golpe feridas em suas mais caras c ternas aíTeições ?

Bem sabeis quaes as relações do intimo aíTecto que me prendiam ao saudoso consócio que não mais veremos.

Desculpai-me pois, se tendo a voz embargada pela dòr que opprime um coração de pai em tão lamentável conjunctura, cale o quo quizera dizer- vos ora honra e louvor ao i Ilustre morto, por tantos títulos recoramendavel & estima e consi- deração em que é tida a sua memoria.

« Atroz ó o infortúnio que profundamente deploramos !

«Força é, porém, resignarmo-nos á crueza da sorte, que impiedosa para nós tem sido nestes últimos tempos. >

O Sr. Max Fleiuss, Secretario, informa que tondo cora- municado ás diversas autoridades a posso da nova Directoria do Instituto, recebeu, em resposta, olHcios dosSi*s. Ministro

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 289

da Indostria, Prefeito do Distrioto Federal, Chefe do Estado Maior General da Armada, Chefe do Estado Maior do Exercito, Chefe de Policia do Dietricto Federal, Commandaate Geral da Força Policial do Districto Federal, Director do Archivo Pablico Nacional, Director Geral dos Correios, Commaadaote do 4!" Districto Militar, Director Geral dos Telegraphos, V Secre- tario do Clab Naval , !<" Secretario adjunto do Club de Enge- nharia.

Ante a calastn^he do Aquidaban, o Institato deu^se pressa em apresentar soas condolências aos Srs. Presidente da Repa-» blica. Chefe do Estado Maior General da Armada e Presidente do Club Naval, tendo recebido as seguintes respostas :

« Qabinete do PresidêfUâ da ^publica. Rio de Janeiro^ 25 d^ janeiro de i906.

< Agradeço reoonhecidoao Institato Histórico e Geographico Brazileiro os seas sentimentos de pezar, manifestados em offi- oio de 23 do corrente mes, pelo desastre do Aqaidaban ». Fransico de Paula Rodrigues Alves. >

cAoEzm. Sr. Max Fieiuss, Secretario do Instituto His- tórico e Geographico Brazileiro.»

« Quartel General da Marinha, l* secQfto, Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 1906. Sr. 1* Secretario do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro. Accuso recebido o vosso offleio datado de 23 do corrente, manifestando o profundo pezar que causou a esse Institato a terrível catastrophe do coaraçado Aquidaban e que oocasionou a perda de innumeras e preciosas vidas tão úteis á Pátria e á Familia Brazileira, cabendo-me agradecer-vos, em nome da Blarinha de Guerra Nacional, e no meu próprio, essa manifestação tão sincera, quão sentida, que fazeis. Saude e fraternidade. /oA> Justino de Proença, oont?a-almirante. »

< Bm data de 83 de janeiro officion-se ao Director da Biblio- theca Nacional, solicitando os velames doa Annaes, qaa fal- tavam na coliecção do Institato.

« O Sr. Director da Bibliotheoa, com a gentilesa que o cara- cteriza, immediatamente respondeu enviando os volumes.

Em data de 31 de dezembro o nosso consócio. Coronel Thaomatorgo de Azevedo communicou ter reassumido o cargo de Prefeito do Alto Juruà.

43Í3-19 Tomo lxix. f. ii.

190 REVI6TA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Bm data de 19 de ílBToreiro ultimo o Secretario Qeral da Força Polioial, major Cruz Sobrinho, solloitou para a Bibiio- theca daquelia corporação, as publicações do Instituto.

< Foram remet tidas rarias publica^^.

Por motivo de serviço no Instituto o l^ Secretario teve necessidade de dirigir duas oonddenciaes ao Sr. Barão do Rio Branco, digno Ministro das Relaçõos Bzteriores, que as res- pondeu.

< £m data de 17 de janeiro,o 1^ Seoretario dirigiu ao Director da Imprensa Nacional um offioio, consultando sobre a publica- ção da Rerista do instituto, por isso que no presente exeroioio não ha autorização expressa para ser continuada a mesma pu- blicação. Sabe o Secretario, e disso inl<^ma com segurança ao instituto, que o Sr. Dr. Leopoldo de Bulhões, Ministro da Fa- zenda, autorizou o Director da Imprensa Nacional a proseguir na publicação*

« Em data de 26 de Janeiro requereu o !• Secretaria ao Sr. Dr. Josó Joaquim Seabra, Ministro do Interior, a necessária licença para mandar copiar na Bibliotheca Naeional os manu' scriptos indispensáveis ás collecções do Instituto. Eaae requeri- mento foi deferido.»

O Sr. Alcibíades Furtado, Secretário, as ofiBsrtas.

O Sr. Fleiuss, T Secretario, chama a attenção do Instituto para a oflDsrta íéita pelo prezado consócio Dr. Manoel Barata, de uma chapa de metal, em forma de escudo, tendo gravado o titulo do Instituto, a qual foi coliocada ante-hontam sobre a ▼erga da porta de entrada do ediiloio.

O Sr. Presidente declara que o Instituto muito agradece essa gentil oflérta.

O Sr. Presidente, por sua vez, oiferece um busto em gesso do Senhor D. Pedro II> o qual lhe foi mandado da Bahia, onde foi feito em 1860, por ocoasião da visita do Imperador.

O Sr. Conselheiro Cândido de Oliveira dix que na próxima sessão oíferecerã ao Instituto ceroa de duzentos retratos do Sr. D. Pedro II, em diversas idades.

O Sr. Presidente diz: Em sessão de 16 de agosto de 16d9 propox o nosso pranteado oollega Conselheiro Corrêa, ficasse o Presidente autorizado a encarregar um dos membrox do Idsti*

ACTAS DAS SKSSOfiS DB 1906 291

tuto de escrever uma memoria histórica relativa i viagem a eita cidade do illuatre Presidente da Republica Argentina, Ge? neral Jolio Roca.

Bssa memoria será publicada na Revista do Instituto.

< Por nomeação do Presidenta» unanimemente aceita, coube aqueila incumbência ao nosso, ho> faUecido, collega o Sr. Mi- guel Archaigo Oalvao*

< Em sessão de 10 de dezembro do anno seguinte, o Sr. Gal- vão procedeu á leitura do preambulo de seo trabalho.

Sob proposta do autor foi dispensada a leitura da parte descriptiva e final por ser simples compilação e transcripgão de outras publicações.

« Fazendo eatrega desse manuscripto, diz ainda o Sr. Pre- sidente não precisar encarecer o merecimento desse minuciosa trabalho, quando são de todos coohecidos o methodo, paciência e profundeza de investigações que presidiam os trabalhos desse collega.

Além de minúcias e pormenores extrahidos das publiea- ções e jornaes do tempo, ha na referida memoria considera- ções de valor histórico que lhe dão grande mereoimeato. Não é uma simples chroiiica de factos e datas, mas summario cri- tico, imparcial, das antigas relações entre o Brazil e a Re- publica Argentiua.»

O Sr. M krqu3Z de P irana^uã commuoica qu(3 o Sr. I)r. José Aiuerioo dos Sanuis deixa de coujpareoer pur juiiiu mo- tivo.

O Sr. Max Flfiuiis, t " Secretuici, cuininuni* a t^iu) au as- sumir o seu cargo, em 8 ie janeiro uluimo, tratou io^o ao pro- curar conbecer o e^&ado «los diversos serviços •io lutíUtuio. Soía embarco da deiicaçaj, p-^r bodos reconhecida, do ihòh ante- cessor, taes serviçsMi apreseuuLvam-se em coniliçõiii» pouco 11- soQJeiras. Assim, deliberi>u re^>r^anizal-os, dando-lhes uma feição mais moderna e piatica, que facilitará os fios du que o Instituto se desobriga ha 67 anãos.

A Bibliotheoa serã completamente organizada de oovo sob a direcção provect i ao illustra<lu Sr. Dr. JosA Vieira Kazeuda, nosso prezAdissimo BibliotUecario, cua4juvado pelo distiucto cavalheiro Sr. Barão de Vasoonoellos que» oom a mai^

292 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

tiloza, se presta a auxiliar o Instituto nessa tarefa. Para a catalogaç&o dos mappas, o orador dirigiu convite ao emi- nente oonsocío Dr. Orville A. Derby, cuja competência na ma* teria não pode soflrer a menor duvida. Os arobivos do Insti- tuto j& se acham completamento reorganizados, tendo sido os documentos numerados e collooados respectivamente em caixas de folha, oom necessário acondicionamento» preservativo da destrui^^. Prooede-se agora & catalogação do Museu.

Infelizmente, tôm-se notado grandes faltas nos manuscriptos e objectos do Museu.

Tem ainda o orador a dar uma noticia que, por certo, despertará o maior jubilo entre os consócios. No anno passado, o orador pedio insistentemente ao seu particular e distinoto amigo, Sr. Dr. Leopoldo de BulhOes, Ministro da Fazenda, que, além das provas por este dadas de interesse pelo Instituto, promovesse os necessários meios para que fosse melhorada a sua installação. Sendo eleito sócio honorário, em 28 de abril de 1905, o Dr. Leopoldo de Bulhões, poucos dias depois, visitou de- tidamente o edificio na parte oceupada pelo Instituto, e re- conheceu a exactidão das ponderações que lhe ílzera o orador sobre as péssimas condições materiaes da casa.

Nasceu dessa visita a proposta apresentada na Gamara dos

Deputados pelo illustre Sr.Dr. Pandiá Calogeras, também nosso

consócio, mandando dar 50:000$ para os reparos do edificio.

Essa proposta foi approvada, e, na lei da despesa geral para

ocorrente exercício, figura a respectiva verba.

Dirigiu-se, então, o orador ao illustrado Sr. Dr. José Joaquim Seabra, digno Ministro do Interior, que o acolheu com a dis- tinc(^ que lhe é proverbial, mostrando decidido empenho em determinar as obras alludidas.

EfTeetivamente, o activo Ministro, igualmente nosso consó- cio, remetteu as plantas e orçamentos das obras ao Engenheiro do Ministério da Justiça, recommendando toda urgência. No ultimo sabbado, o illustre profissional, Dr. Francisco Augusto Peixoto, veio ao Instituto, e, em conferencia com o orador c com o constructor, ficaram assentadas todas as obras, devendo nesse sentido ofiiciar aquelle engenheiro ao illustre Ministro do interior.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 293

Assim, em breves dias, terão ioicio os trabalhos de refor- ma, os quaes ficarão concluidos até fins de janho próximo.

O orador, salientando a bôa vontade dos Drs. Leopoldo de Bulhões e Calogeras, Julga também de sen dever oomma olear ao Instituto que o Sr. Dr. José Joaquim Seabra se toma credor da maior gratidão de todos quantos desejam vêr a nossa douta associação installada de modo condigno.

O Sr. Presidente declara que o Instituto recebe estas no« ticias com o mais especial agrado, felicitando o r secretario pela dedioa(^ com que está tratando de todos os negócios do Instituto.

O Sr. Thesoureiro apresenta os balancetes do 39 e 4* tri- mestres do anno de 1905, bem como o balanço geral desse anno e em annexo uma rela^ do património do Instituto prece* dida da seguinte introducção:

< Conforme consta da acta de sesifto de 23 de Junho de 1905» ítd designado pelo Exm. Sr. Presidente com approvação da Mesa para preencher interinamente o cargo de Thesoureiro do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro durante o impe- dimento do Exm. Sr. Dr. Francisco B. Marques Pinheiro, dei- xando por isso, o que exercia na CommissSo de Fundos e Orça- mento.

Recebi, pois, das mãos do illustre consócio Dr, Marques Pinheiro em 30 de Junho do mesmo anno â71$S00, em dinheiro, saldo existente em caixa, a caderneta n. 530 em nome do Insti- tituto, aberta no Banco Gommeroial do Rio de Janeiro, o com- petente livro de cheques, e todos os títulos e documentos cons- tantes do annexo n. 1.

Não sendo então definitiva a minha designação, não houve mister de inventario de valores que noutras condições teria sido feito ; cabendo precisamente meio anno de gestão ao Sr. Dr. Marques Pinheiro e meio anno a mim.

Venho dar-vos conta da do meu período, sendo certo que a do meu antecessor elle prestou nos balancetes comprehen- didos nos dous trimestres a seu cargo o l"" e o 29.

Recebi em 18 de novembro da Thesouraria Geral do The- souro Nacional as quotas de beneficio de loterias relativas aos mezes de Jameiro a setembro do corrente anno, pertencentes ao

294 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

lostitato, conforme aatorisaçSo escrlpta do Exm, 8r. Presi* dente e despacho de 13 de noyembro do Bxm. Sr. Ministro dd Fazenda.

Resgatei, outrosim, também de accordo e com autorlzaçSo doEzm. Sr. Presidente, as inscripçOes do Banoo da Repu- blica do Brazil portenoentes ao Instituto, e satisfiz pontu- almente, como me cumpria, as folhas mensaes de pagamento ao pessoal, bem como todas as contas que me foram api'esen- tadas com o <pague-se> do Exm. Sr. Presidente e o «visto» do Sr. Secretario, e as requisições da Secretaria constantes do art. :^9 § 6 dos Estatutos.

Arrecadei em tempo útil os Juros das apólices e das inseri- pções nominativas do Instituto.

Depuz na caderneta do Banco Commercial a importância dos Juros das apólices, reservando as arrecadações das quotas e do resgate das inscripçQes para em principio de Janeiro, abertas as transferencias, empregal-as em apólices geraes uni- formizadas de accordo com o Exm. Sr. Presidente.

Foi creditada na caderneta do Banco Oommercíal a im- portância de 21$800, de Juros do semestre e eu por minha vez, abonei ao Instituto os de 95$4d0, da somma em meu poder aocidentalmente, para a compra combinada.

Bm tempo opportuno farei a uniíbrmIzaçSo das apólice^ antigas, bem como requererei certidão á Caixa da Amorti- zaçSo de todas as apólices do Instituto, seu numero e em- préstimo.

A cobrança das mensalidades dos srs. sooios relativa ao corrente anno e aos anteriores achava-se determinada pelo meu antecessor, que empregara esforços para regularizal-a.

Pela discriminação das arrecadações constantes dos ba lancetes, vereis que da cobrança atrazada nada se pode fkzev e da recente ha ainda o que fazer.

Os atrazos, que vêm de longe, representam somma nã^ pequena, e urge liquidal-os.

Gomo justa e sincera homenagem aos Srs. sócios em atrazo, muitos dos quaes nSo se quitaram por motivos independentes da própria vontade e ausência prolongada da sede da instl

ACTAS DAS SEB8UBS DB 1906 295

tai(^, occorr&>me lembrar que, aos auaeotes ae escreva, aos presentes se envie uma oommiss&o de dois membros do Insti* tuto, e aos mortos se elimine o debito, para não importunar as respeotivas famílias.

Nas vésperas da reforma do Instituto, tenho firme con- vicção de que os srs. sócios presentes acudirão ao appello quitaadoHse, o que tanto equivale dizer, reforçando o prestigio moral e material da nossa querida institaição.

Doa em annexo n. 2, e somente por números, as matri^ cuias em atrazo, que remontam a 10, 15, âO e mais annos, e attingema cifra de Rs

A despeito de ser o nosso instituto ama casa de scienoia, ha mister de não desprezar a parte material e dahi a con- tingenciai que deploro, de mencionar a existência de tal facto anormal.

A oommissão, qne lembro, apresentaria relatório de sens trabalhos em prazo marcado e habilitaria a assembléa a re- gularizar a situação.

Ssoolhi pessoa idónea para procurar as resideocias e en- tender-se com os Srs. sócios em atrazo, ouvindo ella de muitos, conforme relatório que me apresentou, a externação de mal entendidos, qjxe uma commiâsâo como a que indico desfaria promptamente, reavivando a dedicação que através desses mal entendidos se sente em todos pelo Instituto.

São os meus votos.

O balanço gera) que apresento não é propriamente um ba- lanço, e sim uma demonstração de receita e despeza, segando os usos encontrados.

A ultima âemonstra(^ exhibida pelo 5r. Dr. Marques Pi- nheiro comprehende os mezes de Janeiro a maio.

Peço vénia para lembrar que se tenha nm livro de registro dos haveres do Instituto e se leve a livro especial o lançamento de todas as despezes á propor^ e nas datas em que tiverem logar.

Creado como se acha pelo digno Secretario o livro onde se escriptura a Iblha do pagamento mensal ao pessoal, e este paasft os eompetentes reelbos, outro convém crear onde

296 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

fiquem registradas todas as despezas, qaer grandes, quer miadas, para que sejam faciiitadas ayerigaagões por ventura necessárias* O saldo do Instituto em 31 de dezembro de 1905, de 21:515$2^, em meu poder, de 3:776$-360, na caderneta do Banco Commeroial do Rio de Janeiro, e de B2$ em duas cadernetas da Caixa Económica, ó ao todo 25:373$480.

Não mendono o valor porque estão no Instituto as duas apólices da Divida Publica aguardando que a mesa resolva, oom a approvac&o dos Srs. sócios, se deve como de direito, le- vantar para o futuro balanços completos.

Ficam & disposição da mesa, da commissão respectiva e dos Srs. sócios, todos os documentos do balanço e estou ás ordens para prestar quaesquar esclarecimentos que sedam necessários.

Tbesourarla do Instituto Histórico e Qeographico Bnizi- leiro, em 31 de deiembro de 1905.— Arthur Ferreira Machado Guimarãee.^

£sses documentos são remettidos á commissão de fUndoe e orçamento, sendo relator o Sr. visconde de Ouro Preto.

O Sr. Pleiuss, 1* secretario, informa que ha na Arca de Sigillo um manuscrlpto deixado pelo finado oonselheii*o Ma- noel Francisco Correia para ser aberto três mezes depois de sua morte.

B\ pois, oocasião de ser sumprido este desejo do saudoso vice-presidente.

Verificado que sa achava o manuscripto nas condições des- oifiptas no livro de termos, foi o mesmo aberto e lido pelos Srs. Secretários.

Ainda o Sr. Secretario informa que ha sobre a mesa o se* guinte projecto de reforma de estatutos assignado por 19 con- sócios:

?ro}octo dd Estatutos Ao Instituto Sistorieo (HograpUeo

Brailleirò

CAPITULO 1

, Art. l.o O Instituto Histórico e Qeographico Brazileiro, fundado a 21 de outubro de 1838, tem por fim colligir, me-

ACTAS DAS SESSÕES DB 1906 297

thodisar, publicar ou archirar ob dooamentos oonoerneotes & historia e geographia do Brazil, e a aroheologia» ethnograpbia e lingaa de seos iodigenas.

Ari» 2»o Pi*ocarará manter oorrespondencia com as socie- dades e academias estrangeiras de igaal natureza, bem oomo com as associações litterarias existentes nos diversos Bstados da Republica, para mais fácil desempenho dos fins a que se propOe.

Art. 3.^ Publicará, a Revista do Instituto Histórico e Oeo- graphico Brazileiro.

g 1/ A publicação se dividirá em duas partes: a P con- stará de documentos relativos ao Brazil e a 2^ comprehenderà os trabalhos dos sócios, as actas das sessões e os discursos do presidente e do orador e o relatório do secretario, apresen- t&dos nas sessões anni versarias.

g 2.^ Nesta 2* parte também se publicará annualmente a lista dos sócios existentes, com suas diversas cathegorias, de- clara^ da data de sua admissfto, bem como uma nota nominal doi soeios íállecidos durante o anno.

CAPITULO II

OROANIZAÇÂO DO INSTITUTO

Ari. 4.'* o Instituto Histórico e Geographico Brazileiro se comporá de:

g 1.0 Sócios effecti vos em numero de 50. g 2.* Sócios honorários em numero de 50. g 3.^ Sócios beneméritos em numero de 5. g 4.0 Sócios correspondentes em numero de 100. g 5«* Sócios bemfeitores.

Art. 5.0 Os sócios de qualquer classe poderão ser naoionaes ou estrangeiros.

g l.o Emquanto existir numero de sócios efTectivos corre- spondentes ou honorários, excedentes ao que fica acima fixado pan^ cada classe não poderá haver novas admissões.

298 REVIOTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

g 2.« 00 Bocioi aoiaae8 qoe passarem do referido namero ^ozarâo de todas as regalias como até aqui e estão sujeitos aos mesmos encargos.

CAPITULO III

▲DMISSlO DOS SOGIOS Sócios effèetivos

Art. 6.« Para ser admittido como sócio effeciíTo derer&o candidato residir no Rio de Janeiro, apresentar directamente ou por algam sooio em sen nome traballio próprio acerca da historia, geographia ou ethnographia do Brasil, qnor esse tra- ballio seja Inédito, quer estampado, ama vez que abone a capacidade iitteraria do autor.

§1.^0 candidato deve ser proposto por esoripto em WB&ã^ do Instituto» e a proposta conterá o nome e appellldos do can- didato, sua naturalidade, profissão, idade e titulos que o re- eommendem.

§ 2.** Apresentada a proposta assignada por três ou mais sócios, ella será remettida á commissão de historia, geographia ou ethnographia, conforme a natureza do trabalho ou trabalhos do candidato, e a commissáo apresentará, em sessão, o resul- tado do seu exame, concluindo pela sufficiencia ou insufflci- encia da prova da capacidade do autor para os fins do Ins- tituto.

g 3.0 Approvado este parecer, irá á commissáo de admissão de sócios, a qual dará opinião sobre a idoneidade e conveniência da admissão do candidato proposto.

g 4.'' Este parecer será eubmettido á discussão, e encerrada ella, se marcará a sessão seguinte para que tenha logar a votação por escrutinlo sobre a admissão do candidato.

g 5.0 Si na urna apparecer maioria de espheras brancas, coDsldera-se acoeito o candidato, e o presidente o proclamará sócio effectivo do Instituto.

g 6.0 Si, poróm, houver maioria de espheras pretal, consi- derar-se-á rejeitado o candidato, o qual poderá, todavia, ser ainda proposto, si apresentar novos trabalhos, como se etige

ACTAS DAS SBSSÕES DB 1906 299

no principio deste artigo, segnindo-ae o processo acima indicado para a admissão.

Soeioi correspondentes

Art. 7.« Para ser sócio correspondente é preciso:

\.^ Apresentar trabalho próprio sobre a Iiistoria, geogra- phia ou ethnographia do Brazil.

2.<» Apresentar trabalho próprio de verdadeiro valor no de* parlamento da historia, da geographia on da ethnographia, mesmo que se não refira ao Brazil.

§ 1 .<> Deve ser proposto da mesma forma por que o ô o can- didato ac logar de sócio effectivo, observado idêntico processo.

Art. 8.'' O sócio correspondente que vier residir no Rio de Janeiro poderá passar a sócio effectivo quando hi^ vaga.

Sócios honorários

Art. 9.0

g 1.0 ptíderâo ser sócios honorários;

a) os sócios eífectivos que tenham prestado serviços notá- veis ao Instituto» ou exercido por mais de sete annos consecuti- vamente cargos na directoria ou nas commissões permanentes pelo mesmo período de tempo ;

h) os sócios oorrespondentes que tiverem entrado para o Instituto por meio de trabalhos sobre historia, geographia e eth- nographia do Brazil, distinguindo-se por seu valor intellectuai e depois de sete annos de permanência na classe dos corre* spondentes ;

c) as pessoas que por sua idade provecta, consummado saber e distinota representaçSo, revelados especialmente no de parlamento da historia, geographia e ethnographia.

§ 3.0 Os sócios honorários serio propostos pela maioria doe membros da directoria e demais sócios, sendo a proposta infor- mada pela commissão de admissão de sócios, e depois votada em escrutínio secreto, na sessão segukite á da leitura do parecer.

§3.^ Os sócios honorários pagarão apenas o diploma, po- dendo esta contribuição ser dispensada pelo Instituto quando se tratar de pessoa nas condições da letra c do art. 9.o

300 reVistà do instituto histórico

Sócios benemêrUoM

Art. 10« poderão ser elevados á classe de sócios beoeme. ritos os honorários que tenham no minimo 20 annos de serviços ao Instituto e os hajam prestado em gráo superiormente no- tável

Paragrapho único. sócios beneméritos estfto isentds de qualquer contribuiçfto, até mesmo da do diploma.

Art, 11 . A eleição dos sócios beneméritos pôde ser íblta em assemblóa geral.

Sócios bempsiiores

Art. 12. Serio sócios bemfeitores os que fizerem ao Insti- tuto donativos superiores a 3:000$ em dinheiro.

Bsses sócios terão direito do voto nas assemblóas geraes.

Presidentes honorários

Art. 13. A qualidade excepcional de presidente honorário jx>der& ser conferida sob proposta assignada paio presidente do Instituto, e também por todos os demais sócios presentes & sessão.

§ l.« A proposta assim apresentad^a, considerasse approvada* e confere ao candidato a qualidade honorifica da presidência.

§2.oBstadistinocão serãcommunicada ao agradado por oficio do preitidente do Instituto, enviando o respectivo di- ploma.

DISTINOTIVOS

Art. 14. Os sócios do Instituto, alóm da íbrda creada por decreto de 2 de março de 1860, têm como distinotivos uma medalha e eoUar de ouro e uma roseta de cór azul celeste.

DIPLOMA

Art. 15. Aos sócios de todas as classes se expedirá um di- ploma que será assignado pelo presidente, pelo !<> secretaria 9 peio thesoureiro do Instituto,

J

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 301

CAPITULO IV CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

Ari. 16. Cada socio effectiyo on correspondente pagará como jóia de admissftoa quantia de 50$, quanto receber o diploma, e concorrerá com asomma de 2$ measaes.

gl.» Os sócios correspondentes estrangeiros, residentes í6ra da Republica, nada pagarão.

§2.« Os sócios effectivos e correspondentes, que passarem a sócios lionorarios pagarfto pelo novo diploma a quantia de 30$, cessando outra qualquer contribuição.

§ d.« O sócio correspondente, que for a4mittido como áocio effectivo, não pagara nova jóia, continuando a pagar somente as prestações mensaes e dando 20$ pelo novo diploma.

§ 4.« Os sócios bemfeitores nada pagai^ pelos diplomas.

REMISSÕES

Art. 17. Os sócios que ee qnizerem remir perpetuamente do pagamento das prestações mensaes podei*o-ão fazer da maneira seguinte:

§ l."* Os que contarem menos de cinco annos da data da sua admissão, entrando para o cofre do Instituto com a quantia de 20a$000.

§ 2.0 Os que contarem mais de cincoe menos de 10 annos da data da sua admissão, logo que concorram com a quantia de 150$000.

§ 3.<> Os que tiverem de 10 annos para cima si pagarem lOOfOOO.

Art. 18. Os sócios oomprehendidos em qualquer dos casos acima especificados, que se acharem atrazados no pagamento das prestações mensaes, se poderão remir depois de solverem as suas dividas»

CAPITULO V

DIRECÇÃO DOS NBGOaOS DO INSTITUTO

Jirt. 19. Todos 03 negócios do Instituto serão administrados por uma directoria.

SOS REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Ârt. 20. Os membros desta directoria sorSo:

g 1.* Um presidente*

§ 2.0 Três Tioe-preádentes.

§ 3.« Um r secretario.

g 4.0 Um2o secretario.

g 5.^ Um thesoareiro.

g 6.0 Um orador.

Art. 21. Haverá as seguintes oommissCes:

g 1 •" De ftiQdos e orçamento.

§ 2.^ De estatutos e rodagoâo da i2«oúto,

'g 3.0 De manosoriptos.

g4.* De historia.

g5.«Degeographia.

g d.* De aroheologia, ethnographia e linguas dos indigenas.

g 7. o De admissfio de sócios.

g 8.« Cada oommissão se comporá de cinoo membros.

BLGIçIO DA DIRECTORIA B DAS COMMISSÕIS PERMANINTBS

Art. 22. O mandato da directoria e das oommissões será de três annos.

Depois da sess?lo magna anniversaria de 21 de outubro, no anno em que findar o mandato, será convocada a assembiéa geral para o dia 21 de novembro, e sendo impedido para o dia seguinte, afim de eleger a nova directoria e as novas oom- missões que tomarão posse no dia 2 de janeiro seguiate.

Art. 23. Os membros da directoria podem ser reeleitos, bem como os das commissões e a eleição recahirá em sócios eflé- cti vos, honorários ou beneméritos residentes na sede do Instituto t podendo os membros da direotoria, excepto o presidente, Ikser parte de qualquer das commissões.

Art. 24. A eleição será feita por escrutiuio secreto ; obeds- cendo-se á soguinte disposiçáo.

g 1.0 Cada sócio presente lançará na urna duas cédulas, uma contendo o nome do presidants, dos vice-presidentes, do l^ se- cretario, do 2* secretario, do orador e do thesoureiro, e outra eontendo o nome dos membros das divenas commissões.

ACTAS DAS SBSS^B DB 1906 303

§ 2.0 A aparaoSo serí, porém, fmta separadAHièiite 6 depois de proclamados os membros da directoria se procederá á apara<^ das commissões.

§ 3.^ para o logar de presidente se requer maioria ab- soluta ; no caso de empate correrá segando escrutínio ; e se ainda assim este não for decisivo, a sorte desempatará a eleição.

g 4.'' Quando se der vaga na directoria antes de decorridos dois terços do período do mandato, será convocada a assembléa geral qae elegará o substituto, ci^o exercido terminará com o de seus oompanheiros.

PRBSIDBNTB

Art. 25. O presidente tomará posse e dirigirá, dentro das normas destes estatutos, os trabalhos do Instituto pelo espaço de três annos e será conjuctamente com o l^ secretario o repre- sentante do lustituto para os fins de direito.

Art. 26. Ao presidente incumbe :

§ 1.* Presidiras reuniões da directoria, as Sessões ordiná- rias e as assemblóas gi:raes.

§ 2.0 Providenciar sobre os negócios nos termos dos esta- tutos.

g 3.* Nomear quem sirva interinamente nas commissões ou na directoria por íklta dos respectivos membros e quem suppra o orador nos seus impedimentos.

g 4.0 Nomear os relatores das commissõea.

g 5.0 Nomear o pessoal do Instituto, mediante proposta do 1* secretario.

g 6.0 Autorizar o pagamento do pessoal.

g 7.0 Auctorlzar o pagamento das contas que não perten- cerem ás verbas destinadas á secretaria.

g 8.^ O presidente poderá oppôr veto às deliberações tomadas nas sessões ordinárias, sendo a assembléa geral, a única com- petente para confirmar ou reprovar os vetos.

Art. 27. Em falta do presidetite dirigirá os trabalhos o lo Vice-presidente, o qaal será substituído pelo 2o ou pelo 3o. Na falta de todos os vice-presidentes será chamado á direc^ o sócio mais antigo da slasse dos beneonritos, honorárias ou efléctivos.

304 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Paragr&pho único. Havendo mais de um sócio com igual an- tiguidade,preval6cerá. o mais velho em idade.

SECRETARIO

Ari. 28. o 1<^ Secretario terá a seu cargo toda a oorrespon- dencia, expedição de diplomas, o archivo, a bibliotheca, o museu do Instituto. A elle compete :

g l.<> Propor ao presidente a nomeação ou exoneração do bibliotheeario, do escripturario, do auxiliar e do porteiro.

g 2.^ Suspender até 30 dias qualquer desses empregados, dando scienciaao presidente e nomeando interinamente outro.

g 3.» Arrolar os manuscriptos, livros e quaesquer outros oljectoe pertencentes ao archivo, bibliotheca e museu, em catá- logos.

g 4.0 Mandar imprimir esses catálogos, addicionando-lhes em cada anno um supplemento com as novas acquisições.

g 5.0 Reformar de cinco em cinco annos os ditos catálogos, para serem impressos.

§ 6.* Determinar a compra dos objectos necessários ao expe- diente, attendendo á respectiva verba do orçamento e provi- denciar sobre a boa ordem de todos os serviços de secretaria, bibliotheca, museu e archivo.

g 7.0 Processara folha do vencimento dos empregados, ru- bricar os documentos de despeza, que devam ter o pague^se do presidente.

g 8.^ Providenciar, na falta do presidente, em todos os ne- gócios urgentes do Instituto.

g 9.« Autorizar o pagamento das despezas da secretaria, observando estrictamente as respectivas consignações orçamen- tarias que não podetík) em caso algum ser excedidas, sendo igualmente vedado o estorno de qualquer verba.

29 SSCRITARIO

Art. 29. 0 29 secretario serã o immediato auxiliar do !<> so- cietário, seu substituto, quer nas faltas temporárias, quer nas duradouras.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 305

Cabe-lhe especialmente :

Paragrapho anico. Redigir as actas das sessões e das as* sembléas geraes, expedir os avisos de convocação das sessões e. dasassembléas.

THBSOUUEIRO

Art. 30, Pertence ao thesoureiro :

§ 1.0 Promover, arrecadar o pôr em gurda os fundos do Instituto.

§ 2.0 Pagar as suas despezas competentemente autorizadas de accordo com as disposições destes estatutos, não devendo fazer pagamento, quando esteja excedida a respectiva verba du orçamento, sem que sujeite o excesso da despeza á deliberação do Instituto em suas sessões ordinárias.

§3.'' Escollier um cobrador ou agente da thesouraria, que seja da sua confiança, o qual parceborá pela cobrança uma commissão marcada pela directoria sob sua indicação.

Art. 31. O thesoureiro dará contas annuaes da adminis- comtração dos fundos a seu cargo.

^ 1.0 Estas contas abrangerão a r celta e despeza de 1 de janeiro a :U de dezembro, o sr^rão apresentadas até o dia 15 de março do cada anno.

§ 2." Dopeis de examinadas pula commisâo de fundos e orçamento serão por esta aprensentadas <! directoria com o seu parecer, o qual seríí subraettido íí discussão o votação cn sessão ordinária.

§:5.« O thesoureiro terá a faculdade do, ouvindo o prc^fi- dento, applicar convenientemente os fundos do Instituto.

OAADOR

Art. 33. Ao orador compete :

§ l.<^ Falar ou responiler pela sociedade em todas as occa- sioe^, tanto festivas como fúnebres, excepto quando o presidente o âzer, porque tem preferencia tanto nas sessões como nas depu- tações do Instituto.

43^ 20 Tomo lxix. p. ii.

306 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

§ 2.^ Fazer o elogio histórico dos sócios falleoidos durante o anno social e assim também o diaourso fonebre sobre a sepul- tura daquelles a cujo enterro assistir.

DAS GOMMISSÕES

De fundos e orçamentos

Art. 33. Pertence á commisBão de fUndos :

§ 1.** Examinar as contas que lhe forem submettidas.

§ 2.0 Dar parecer sobre a proposta do orçamento annual da receita e despeza para o anno seguinte e que lhe será. apre- sentado pelo secretario até 30 de setembro.

$3.<' Dar parecer, quando for consultada pela directoria.

Commissão de estatutos e reiaeção da ^Risí^ista do insttluto»

Art. 34. Pertence á commissão de estatutos e redacção:

§ i.» Dar parecer sobre duvidas que occorreram na iDtelli- gencia de algum artigo dos mesmos estatutos.

§ 2.0 Propor as emendas, reformas ou additamentos, que pareçam necessários, os quaes, depois de discutidos em assem- bléa geral serSo approvados ou regeitados.

§ S."" Escolher os escriptos que devam ser publicados, tanto na Revista do Instituto como em avulso, recebendo antes do 29 secretario as copias das actas, as correspondências que a dire- ctoria ordenar que se publiquem, as observações e avisos que devam nella figurar, e finalmente as memorias, documentos e artigos que lhe forem remettidos pelas respectivas commissOes, com o competente parecer sobre a conveniência da sua publi- cação.

§ 4.'' Toda a ingerência nSo sobre a redacção como sobre a impressão da Heoista do Instituto, apresentando para isso um plano que se deva seguir .

Commissão de manuscriptos

Art. 3.S. A' commissão de manuscriptos compete: § 1."" Examinar os manuscriptos existentes no archivo, emit- tiodo juízo subre a importância delles.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 307

§ 2.0 Propor que se copiem os estragados, o se inutilisem os que não tiverem préstimo por se terem publicado na Re- vista do Instituto, ou por qualquer cjrcumstancia.

§ 3.<' Obter manuscriptos e documentos em original ou por copia, o enviai -os á directoria.

§ 4.» Dar noticia de quaesquer manuscriptos ou documentos* que importe ao Instituto adquirir, quando os não possa directa- mente obter.

Commissões de trabalhos históricos^ geographicos e elhnographicos

Art. 36. i^ertence ás commissões de trabaliios historiooSt geogràphJcos e ethnographicos:

i^ 1 ." Receber as memorias» documentos e artigos, que ilies forem remettidos pela directoria.

§ 2.° Dar parecer sobre os que deverão entrar nu Revista do Instituto, bem como sobre os que convenha publicar em se- parado, ou archivar.

Commissão de admissão de sócios

Art. 37. Cabe á commissão de admissão de sócios:

t^ 1.^ Syndicarda individualidade, nomo do candidato e das ' suas condições de idoneidade.

§ 2.^ Os pareceres desta commissão podem ser reservados, tendo o presidente a faculdade de submettel-os á consideração da directoria antes de sugeital-os ã deliberação em sessão ordi- nária.

Art. 38. Além das commissões indispensáveis á marciía do Instituto, poderá o presidente, em sessão, nomear outras para íins especiaes, ou encarregar de algum trabalho os sócios em se- parado, quando isso for julgado mais conveniente, assim como poderá, mediante proposta da commissão do estatutos, crear novas commissões sobre outros ramos do estudos i*elacionados com o âm a que se propõe o Instituto, ou mesmo dividil-as em secções, conforme pareser mais conveniente, sendo isto appro* vado pela directoria

308 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

DBVERES GBRAES DOS SÓCIOS

Art. 39. Ao membro da oommissSo que do espaço de seis mezes não apresentar o trabalho que lhe competir e não offe- recer escasa satisfactoria, dará o presidente um substituto.

§ 1.» Nenhum sócio se negará, sem motivo justificado, a trabalhos que lhe forem incumbidos.

§ 2.<> O sócio contribuinte que por espaço de três annos deixar de pagar as suas contribuições, havendo para isso rece- bido aviso do thesoureiro ( o qual será expedido por meio de carta registrada com recibo de volta) entendesse ter renunci- ado a sua qualidade de sócio.

§ 3.<* Aos sócios incursos na comminação do § 2^ do art. 43 dos estatutos de I de agosto de 1890 será marcado prazo de 60 dias para solverem os seus débitos, no todo ou em parte.

§ 4.^ Esse praso será contado da data do officio circulai* que o thesoureiro dirigirá aos referidos sócios.

§ 5.'' A falta de resposta a esse oflicio circular ou a recusa na satisfação dos débitos importará na applicação immediata da penna em que incorreram, nos termos dos antigos estatutos.

§ 6/ A directoria organizará, dentro de 90 dias, o sovo cadastro geral dos sócios, de absoluto accordocom as disposições bue ora ficam consignadas.

RELATORES DE COMMISSÕES

Art. 40. Os relatores das diversas commissoes, effectivas ou subsidiarias, que tenham de ser consultadas sobre trabalhos apresentados, serão nomeados pelo presidente dentre os respe- ctivos membros, do modo que esso serviço so distribua com igualdade para todos.

BIBLIOTHECARIO

Art. 41. Ao bibliothecario, como encarregado da conser- vação, asseio o guarda da biblíotheca, arohivo e museu compete: 8 l.« Coufaervar-ise na bibliothoca emquanto estiver abeiU.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 309

§ 2." Organizar os catalogwr segundo o systema que estiver em uso nas bibliotbecas mais adiantadas, e de aocordo com o lo secretario.

§ 3.'' Commonicar ao !<> secretario as occurrenciajs que se derem na bibliotheca.

§ 4.0 Propor a compra de livros e objectos que possam ser de interesse para o Instituto, procurando sempre completar as obras ou collecções existentes; conservar a possivel uniformi- dade na encadernação doe tomos da mesma obra c evitar as du- plicatas desnecessárias e das quaes apresentará relações especi- ficadas afim de terem o conveniente destino.

§ S."" Empregar o maior cuidado no arrolamento, selecção, arranjo e conservação dos manuscriptos, mappas e cartas geo- graphicas o topographicas, que existem ou forem adquiridas pelo Instituto.

§ 6.^ Apresentar annualmente, até 21 de outubro, ao 1<> se- cretario um relatório dos trabalhos da bibliotheca e do estado das obras e objectos existentes, indicando as providencias que julgar convenientes.

§ 7.0 Organizar annualmente catálogos supplementares que serão impresos, comprehendendo as novas aoquisíções.

ESORIPTURARIO, AXTXILIAa E PORTEIRO

Art. 42. O escripturario tem por obrigação comparecer dia- riamente na secrdtari'ih do Instituto, assignando o respectivo ponto e cumprindo as ordens que receber do secretario.

Art. 43. O auxiliar tem as mesmas obrigações do escriptu- rario, sendo especialmente incumbido de coadjuvar o bibliotbe- cario.

Art. 44. Ao porteiro Incumbe:

§ 1 Ter as chaves do edificio para abril-o e fechal-o diaria- mente nas horas marcadas por deliberação da directoria.

§ 2.» Mandar fazer o asseio da casa.

§ 3.0 Cumprir as ordens do i^ secretario sobre o expediente.

Art. 45. O bibliothecario venoerà o ordenado mensal de 300$, o escripturario o de 200$, o auxiliar o de 150$, o porteiro o de 120$, também mensaee.

310 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Paragrapho unloo. O 1<> secretario poderá relevar os di&s em que qualquer deises fúneoionarios deixe de comparecer, e os que chegarem depois do ponto encerrado.

CAPITlTLf> VI

REUNIRES DO INSTITUTO B ORDEM DOS SEUS TRABALHOS

Art. 46. As sessões do Instituto Histórico serão: l"*, ordinárias ou extraordidarias ; 2", de assembléa gorai ; 3^, anoiversarias de installaçâo.

Paragrapho único. A's sessões ordinárias e extraordinárias poderão assistir quaesquer pessoas desde que se apresentem decentemente trajadas ; quando» por qualquer motivo, a sessão deva ser reservada, o secretario prohibirá o ingresso.

Art. 47. O Instituto se reunirá, para celebrar sua instal- laçâo no dia 21 de outubro e flcará em férias de 1*» de novembro a 15 de março.

Art. 48. Emquanto não estiver prompta a nova sala das sessões, o presidente occupará o primeiro logar ú. direita da mesa, tendo imroediatamente o !<" secretario, o 29 secretario, o orador, o thesoureiro e ficando em frente os três vice-presidentes.

Paragrapho único. Logo que fique prompta a nova sala das sessões, o presidente occuparà o centro da mesa, tendo á, direita o secretario e o orador e á. esquerda o secretario e o the- soureiro. Os vice-presidentes e os sócios beneméritos occuparão a piimeira filade cadeiras do recinto.

SESSio ANNIVERSARIA

Art. 49. Na sessão de 21 de outubro, á qual devem concorrer todos 06 sócios, sob a direcção do presidente, pronunciará este um discurso de abertura.

§ 1.° Findo o discurso, o l* secretario lerjl o relatório, em que exponha os trabalhos do Instituto durante o anno, e faça menção honrosa dos autores de quaesquer obras históricas, ^eo- graphias ou ethnographicas, que, no decurso do mesmo anno forem offereoidas ao Instituto.

§ 2.^ Logo depois o orador recitará o elogio dos sócios fallo- cidos no anno.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 311

SBS86B8 0RDINARU8

Art. 50. As seaaSes ordinárias terão logar de 15 em 15 dias; hayendo impedimento, o presidente indicará o dia da reunião, que poderá ser annunciado pela imprensa.

§ l.<> Nestas sessões serio tratados todos os negócios lite- rários e económicos do Instituto.

§ 2.° Aberta a sessão, so lerá o expediente, ese resol- verá sobre qualquer matéria sigeita ao conhecimento do Ins- tituto menos ás de competência exclusiva da ass^embléa geral.

§ 3. o Quando algnm sócio quizer ler algum trabalho par- ticipará ao 1<> secretario que prevenirá o presidente para dar a palavra em occasiSo opportuna ao recitante.

§ 4.<' A leitura de taes trabalhos nâo excederá de uma hora para cada leitor.

§ 5.« Havendo necessidade, o presidente convocará sessão extraordinária, para a qual se expedirá convite ou aviso assi- gnado pelo 2* secretario.

Art. 51 Para haver sesôLo ordinária ou extraordinária de Instituto é necessário, que se achem presentes o presidente* ou algnm dos seus substitutos, o 1^ secretario e o%° secretario, e alguns sócios preíazendo ao menos o numero de 12.

ASSEMBLBA GERAL

Art. 52. o presidente pôde convocar a assembléa geral, sempre que o julgue conveniente á boa marcha do Instituto.

§ U*" Todos os sócios deverão assistir ásassembléas geraes, nas qnaes terão direito de propor, discutir e votar.

§2.^' Para haver sessão de assembléa geral, é preciso a presença de 24 sócios pelo menos.

§ 3.* Não comparecendo esse numero, se marcará nova reunião, na qual se deliberará com o numero que comparecer, nunca, porém, inferior a 12.

§ 4.0 Pôde haver convocação de sseambléa geral mediante requisição eseripta» dirigida ao presidente e assignada por 12 sócios.

ai2 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

REVISTA DO INSTITUTO, LIVROS E MANUSCRIPTOS

Art. 53. Os sócios têm direito a um exemplar da Revista do Instituto desde o dia da sua admissão em diante, pagando o porte do Correio.

§1.0 Aquelle que dever as prestações de três annos, per- derá o direito do resebela.

§ 2.0 o 1" secretario fica incumbido da sua distribuição aos sócios e outras pessoas residentes no Rrazil e fora dolle.

Art. 54. Os sócios bera como quae^quer pessoas que assi- gnarera o boletim de consulta terão a faculdade de ler na biblio- theca do Instituto as obras quor impressas, quer manuscriptas ahi existentes ; e fazer os extractos de que precisarem.

Art. 55. Não é permittida a sabida de livros, mappas, ma- nusoriptos e objectos do mu.S'>>u, podendo unicamente a com- mis&ão de redacção tirar os manuscriptos ou impressos neces- sários para publicação da Revista do Instituto, ou em avulso, ficando em mão do bibliothecario uma nota dos mesmos manu- scriptos ou impressos, datada e assignada por qualquer dos mem- bros da oommissSo.

CAPITULO VII

FUNDOS DO INSTITUTO E SUA APPUCAçXo

Art. 50. Os fundos desta associação procedem:

§ 1 .<^ Das jóias de admissão de seus sócios, tanto eífectivos como correspondentes, do emolumento dos diplomas e da con- tribuição que oada um delles deve pagar de seis em seis mezes, conforme dispõe o art. 17.

§2. ''Do productodas remissões.

§ 3.<> Dos donativos que se fizerem ao Instituto.

§ 4.<> Da receita liquida da Revista e das obras avulsas que publicar.

§ 5.® Do subsidio concedido pelo Congresso Federal.

Art. 57. Os fundos do Instituto serão appl içados:

§ 1.0 Ao seu expediente, reparação e conservação do que lhe pertencer.

ACTAS DAS SKSSOKS DE 1906 313

§2.'' Aos ordenados dos empregados.

§ 3.* A* impressão o distribuição da Revista do Instituto e do obras avulsas.

§ 4.«> A' publicação de memorias e escriptos, precedendo pareceres favoráveis das respectivas commissões.

§ 5.® A' compra de lívidos e manuscriptos, que devem ser depositados na bibliotheca e arciíivo.

§ <).o Ao pagamento de prémios aos que mais se distinguirem no desempenho dos proírrammas distribuídos pelo Instituto.

§7.» A premiar os trabalhos que, pelo seu transcendente merecimento, reconhecido pela respectiva commissão, forem coroados e publicados por ordem da mesa administrativa.

Art. 58. Quando, feitas as despezas annuaes do Instituto apparecerem sobras, estas se empregarão na formação do patri- mónio social, co:no for combinado entre o presidente o o the- soureiro.

§ 1 .<* E^te património nao poderá ser despendido no todo ou em parte sem autorização da assembléa geral, conferida por dois terços dos votos presetes.

§ 2,"* Os rendimentos, porém, serão applicados ás despezas fixadas no orçamento e autorizadas pela directoria.

ARCA DB SIGILLO

Art. 59. O iQstituto terá uma arca do sigillo, onde guar- dará todos os manuscriptos secretos, que devam ser publicados em época determinada.

§ l .0 A arca de sigillo será feita de ferro.

§ 2. o A chave da arca ficará em poder do r secretario, que communicará ao presidente o segredo para a abertura do cofre.

§ 3.° Feito o deposito se fechará im mediatamente a arca.

§ 4.<' A arca do sigillo 8(3 se abrirá em sessão ordinária do Instituto.

íij 5.« Os manuscriptos ahi depositados serão previamente numerados e inventariados, soguado o titulo que trouxerem, com indicação do formato, qualidade do papel, que os envolver e outros quasquer signaes, que os possam bem caracterizar.

314 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

§().'^ Alómdosello e precauções do autor, o Instituto os íaxá, sellar de novo.

§ ?.<" Na arca de slgillo haverá uma cópia do termo, que lavrar em sessão, em livro próprio para isso, a qaal será. assi- gnada pelos três sócios, além do e 2? secretaries.

§8.'' Toda a memoria ou documento enviado ao Instituto para deposito temporário na arca de slgillo deve ser lacrado pelo próprio autor, o virá acompanhado de uma carta ao secretario com assignatura do autor ou de pessoa conhecida, com declaração do tempo em que deverá fazer-se a abertura.

§9."* Chegado o tempo da abertura das cartas ou documen- tos, o presidente do Instituto convocará sessão para a abertura da arca de slgillo, e depois de extrahido e verificado o manu- scripto, segundo a carta quo o acompanhou, será aberto e lido immediatainente, e se for muito longo prosiguirá a leitura nas sessões seguintes.

§ 10. Terminada a leitura da memoria ou documento, o Instituto, antes de dar-lhe o conveniente destino, o submetterá á apreciação da commissão respectiva, conforme o caracter do documento.

CAPITULO vm

DISPOSIÇÕES GERAES

Art. 60. Sempre que o Instituto renove triennalmente o pessoal de sua direcção o communicará ao Governo Federal por oíllcio escripto em nome da mesa administrativa, e assignado polo presidente ou pelo !<> secretario.

RECEPÇÃO DE NOVOS SOOIO0

Art. 61. Quando algnm novo sócio vier tomar assento pre- vinirá com oito dias de antecedência. No dia da posse, o presi- dente fará breve allocução de apresentação do recipiendario, o qual lerá o seu discurso de admissão, a que responderá o orador.

A allocução do presidente e os discursos do recipiendario e (lo orador serão insertos na acta.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 315

FALLBCIMENT08 DB SÓCIOS

Ai't. 62, Nos enterros de membros do Instituto, sendo parti- cipados a tempo conveniente, se fará representar o Instituto.

Art. 63. Na primeira sessão seguinte ao fallecimento de qualquer sócio, è á noticia delle se lançará na acta um voto de pezar que será proposto pelo presidente. Qualquer membro pre sente à sessão poderá também eommcmorar o finado em sue- cintas palavras de condolência e de louvor.

Art. 64. No dia 5 de dezembro, anniversario do falleci- mento do seu iDosquecivel protector o Sr. D. Pedro 11, o Insti- tuto estará fechado.

Art. 65. Em attenção aos grandes e assiduos serviços pres- tados com a maior dedicação ao Instituto pelo presidente conse- lheiro Dr. Olegário Herculano de Aquino e Castro fica creado um premio com a denominação Premio Conselheiro Olegário e que constará de uma medalha de ouro, para recompensar a melhor memoria lida no anno anterior.

Paragrapho único. Para o julgamento desse premio será sorteada uma commiBsão tirada dentre os membros das com- missões permanentes .

Art. 66. Approvados estes estatutos pela assemblóa geral por dois terços dos votos presentes, entrarão elles logo em vigor sendo as commissões campletadas com os membros de que forem extinctas, a juizo do presidente, a quem se or togam para esse fim os mais amplos poderes, ratificado também o mandato da actual directoria, nos termos do art. 22.

Paragrapho uiiioo. Dentro de 30 dias depois da approvação deverão estar impressos os presentes estatutos que serâo com- petentemente registrados e distribuídos.

Art. 67. Para a reforma dos estatutos será necessário que 12 sócios a reclamem por escripto, que a assembléa geral a conceda ouvindo previamente a commissão de estatutos e re- dacção.

316 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

03 abaixo assignados requerem que o projecto acima seja enviado sem demora á, commissão de ostaiatos. que se dignará emittir seu respeitável parecer, com urgência, afim de que se reúna a assembléa geral para resolver a respeito. Rio, 1 de março de 1906.

B. T. de M. Leite YeViO.

Cândido Luiz Maria de Oliveira,

Barão de Paranapiacaba ,

Felisbello Freire,

Eduardo Marques Peixoto.

Manoel Cícero Peregrino da Silva,

A, Cunha Barboia,

Manoel de Mello Cardoso Barata,

Monsenhor Vicente Lustosa,

Arthur Guimarães,

Max Fleiuss,

Alcibíades Furtado,

Amaro Cavalcante,

Rodrigo Octávio,

Enclydes da Cunha,

Joaquim da Costa Barradas,

Dr, António Martins de Azevedo Pimentel»

José Francisco da Rocha Pombo,

Leopoldo de Bulhões,

Esse projecto é remottido á commlssão de Estatutos e Re- dacção, sendo relator o Sr. Dr. Alfi:*edo Nascimento. Levanta-se a sessão ás 5 horas da tarde.

Alcibíades Furtado

2o secretario OFFERTAS LIDAS NA SESSÀO DE 5 DE MARÇO DE 1906

Boletins

De la Société de Gôographie Commerciale de Bordeauz : Ns. 1 e 2 de janeiro de 1906.

» 22 de novembro de 1905.

» 23 e 24 de dezembro de 1905.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 317

Do Grande Oriente do Brasil Jornal Official da Maçonaria Brasileira publicado mensal. (De novembro a janeiro.)

Da Amerioan Geographical Society de novembro de 1905 a janeiro de 1906.

Del Cuerpo de Ingenieros de Minas dei Peru nu. 26,27 e2S.

Mensal do Observatório do Rio de Janeiro de janeiro a março de 1905.

Mensal de EstatisUoa Domographo-Sanitaria da cidade do Rio de Janeiro ns. 10 e 11 .

Mensal de Estatística Demographo*Sanitaria da cidade de Belém n. 1 de janeiro de 1905 ns. 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9.

Da Intendência Municipal publicado pela Directoria Qeral de Policia Administrativa, Archlvo e Estatística de julho a se- tembro.

De la Société Khédiviale deGéographle n. 8.

De la Société des Etudes Indo-Chinoises de Saigon n. 48.

Semanal do Apostolado da cCruzada» ns. 20 a S5.

Delia Societá Africana d*ltalia. Fase. X(.

Da Sociedade de Geographia de Lisboa, n. 9 e 10.

De Ia Sociedad Geográfica de Lima.

Da Secretaria de Agricultura, Viação, Industria e Obras Publicas do Estado da Bahia.

Da Associa^ Commercial do Rio de Janeiro.

Da Repartição da Carta Marítima.

De la Real Academia de la Historia.

De la Real Sociedad Geográfica.

Da Sociedade Nacional do Agricultura

Delia Societá Geográfica di Itália.

Semestral da Repartição da Carta .Marítima.

Monthly Bulletin of tho Internacional of Um American Ro- publics.

Revistas

Commercial Financeira ns. 525 a 536. O Trabalho » dois números»

De la Real Academia de Ciências Exactas, Físicas e Natu< ralba de Madrid n. 2,

318 REVISTA DO, INSTITUTO HISTÓRICO

Medico Cirúrgico do Brasil, publicação mensal, três nú- meros.

Da Commiflsão Archeologica da índia Portugueza «O Ori- ente Português» n. lo.

The National Geographic Magazine, três números.

Do Instituto Histórico Geographico do Rio Qrande do Norte, três números.

Revista Marítima Brazileira, dois números.

Século XX, três primeiros números.

Revista Militar, doze números.

Revista de leglslagão. 2<* fascículo Partes lie III.

Revista Trimensaldo Instituto do Geará. Tomo XIX.

O Archivo revista destinada á vulgarização de documentos geographicos e históricos do Estado de Matto Grosso n. 8.

Revista Didáctica, ns. 10 e 11.

El Penimmiento Latino, Revista Internacional lUustrada, ns. 3 a 6.

Revista Mensual de la Câmara Mercantil de la Republica Argentina ns. 63, 64 e 65.

Memorias de la Real Academia de Ciências de Madrid Tomo XXII.

Queensland Geographical Journal volume XX.

Globus, lUustrierte Zeitschrift fiir Lãnderund Virker- kunde n. 2.

L* Année Cartographique, Supplóment annuel quinzième annóe. Paris 1905.

Anales de La Universidad. Tomo CXVII, Anuo 63. (Chile).

Anales do ia Sociedad Cientifica Argentina. Buenos Ayres Entrega III e IV Tomos LX

Anales dei Museu Nacional de Montevideo. Serie II En- trega II Tomo II Entrega I

Anales dei Musêo Naoional de México. Segunda Época Tomo II Numero 9 e 10 Álbum Imperial Quinzenário Politico e Litterario n. â.

Revista Mensal de Letras, Scicoola e Artes.

Renascença. Aiino II, N. 2;i2.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 319

Pelo autor Dr. Bernardino Machado A Industria », Coim- bra 1898.

Pelo autor Dr. Bernardino Machado Conferencias politicas, Coimbra 1904.

Pelo autor Dr. Bernardino Machado O Ensino Profis- sional », Coimbra 1900.

Pelo autor Dr. Bernardino Machado «As Creanças >, notas dum pae, 2^ edição, Coimbra 1904.

Pelo autor Dr. Bernardino Machado « A Universidade de Coimbra em 1905.

Pelo autor Dr. Bernardino Machado < Pela Liberdade », Co- imbra 1901.

Pelo autor Dr. Bernardino Machado < A Agricultura », Co- imbra 1901.

Pelo Sr. Barão de Studart Catalogo dos Jornaes de grande e pequeno formato publicados no Ceará.

Fortaleza 1904.

Catalogo de la Bibiiiotheca Varnhagen, Santiago de Chile 1904.

Catalogo da Bibiiiotheca da Marinha 1* e â^ Parte sendo a 1* parte índice alphabetico por assumptos, catalogo por as- sumptos e a :^'^ parte Índice alphabetico por autores ofTere- eido pelo Sr. Secratario Max Pleinss.

Documentos para los Anal es de Venezuela pelo Sr. Dr. R. Audueza Palácio, offerdcido pelo Sr. Secretario Max Fieiuss.

Pelo autor Álvaro da Silveira Os Tremores de Terra em Bom- Sucoesso (Minas Geraes h)06).

Anuário dei Observatório Astronómico Nacional de Taou- baya para el aão de 1906.

O Conmientario . Decimo numero.

Anuário Qeographico de Hannover 1906.

Pelo autor snr. Luiz Murat, «Centenário de Bocage» dis- curso proferido na sessio solenne do Retiro Literário Portuguez no dia ^1 do dezembro de 1905.

Por Henrik Arctowski, Projet d' une Exploration Sy.s- tóma tique auz Regions Polaires.

320 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Prologo a los Anales de Venezuela edicion oficial, oflére- eido peio Sr. l^ Secretario Max Fleiuss.

Boletim □. 15 da Commissã^ ("teograpbica e Geológica de Sào Paulo— Flora Paulista IV Familia Myrsioacoe.

Boletim da Intendência Municipal Publicado pola Directoria Geral da Policia Administrativa, Archivo e Estatística, abril a junho 1005 (anno XLIII). Rio de Janeiro.

2* SESSÃO ORDINÁRIA EM 19 DE MARÇO DE 1906

Presidência do Sr. Conselheiro O. U. df Aquino e Castro

(No edificio do Gabinete Portuguez do Leitura)

A '8 3 horas da tardo, presentes os Srs. Conselheiro Aquino 8 Castro, Max Fleiuss, Alcibíades Furtado, Desembargador Souza Pitanga, Conselheiros Cândido do Oliveira e Salvador Pires de Carvalho e Albuquerque, Barão de Alencar, J. F. Rocha Pombo, Eduardo Marques Peixoto, Henrique RaíTard, Drs. Josó Américo dos Santos, A. da Cunha Barbosa, J. Barbosa Rodrigues o Carlos Lix Klett, abre- se a sessão.

O Sr. Furtado, 2o Secretario, a acta da, sessão anterior, a qual ó approvada sem debate.

O Sr.. Fleiuss, Secretario, diz que o Gabinete Portuguez de Leitura c credor de toda a ^Tatidão do Instituto, pelo modo excepcionalmente gentil por que poz à disposição do Instituto o seu ediâcio para a realização das sessões durante as obi*as de completa transformação do prédio em que funcciona o Instituto .

O orador, em oíTicio, agradeceu á digna directoria do Gabinete Portu^^uez de Leitura tão grande obsequio.

O Sr. Proâidonto declara qiin o Instituto registra para sempi^e a fidalga gentileza da oouheoida e apreciada associação e de sua distincta directoria.

O Sr. lo Secretario as oHertas,

O Sr. Presidente commanica nos seguintes termos o falleci- mentodo consócio Dr. António de Paula Freitas.

«Senhores —Ainda sob a dolorosa impressão da sentida perda de Ire» dioliuctuoconsocioii do luoUtuto de que voo dui noticia ua

, ACTAS J>A3 ISES8ÔB8 DB i906 321

ultima sessão, Tenho hoje, em cumprimento de rigoroso dever, commuQícar-TOS o inesperado passamento de mais um dos nossos dedicados e prestimosos companheiros, o Dr. António de Paula Freitas, hontem falleoido nesta Capital.

< Era sabido o mérito litterario deste operoso caltor da sciencia; da sna iUostraçio, amor ao estado e iaíátigavel actividade, deixa exaherantes provas nos seas numerosos, impor* tantes e apreciados trabalhos por todos nós conhecidos.

< As lisongeiras phrases de que asaram as competentes commissdes do Instituto encarregadas do exame dos titulos de habilita^ ao nosso grémio, apresentados em nome do digno candidato, justificam a confiança que depositava o Instituto no proveitoso concurso das luzes e experiência do provecto lento oathedratico da Escola Polyteehnica e o apreço com que era acolhida a soa entrada nessa associação em 1896.

cDos leaes sentimentos que o inspiravam ao tomar parte nos nossos trabalhos áJSijo testemunho as palavras que então nos dirigio .*

< Na presente phase que a nossa pátria atravessa, e em que «a indifferença para tudo quanto affecta ás lettras e sciencias « parece solapar o grande templo que começávamos a erigir-lhes as instituições scientificas,como este lostituto, em cqjo recinto

< se respira um ambiente benéfico, são verdadeiros lenitivos para aquelles que alimentam ainda uma esperança de bem

< estar, de ordem, justiça e tranquillidade, sob ouJa eglde as «lettras e soiencias poderão reanimar-se, e a nossa pátria « caminhar na senda do desenvolvimento e do progresso.»

Bem o ensinava o illustrado mestre.»

< O Instituto Histórico, lamentando a perda que acaba de soffrer, íbz inserir na acta um voto de profundo pezar, e achando- se ainda insepulto o corpo do saudoso consócio, suspende os trabalhos da presente sesribo, como justa homenagem devida A memoria do illustre morto.»

Levanta-se a sessão, ficando resolvido que a próxima se realize no dia 26 do corrente, á^ 3 horas da tarde.

Aleibiades Furtado^ 2<' Secretario.

4328-21 Tomo hxix p. ii.

322 RBYISTA DO INSTItUTO HBTORIGO

OFFBRTAS APaBSENTADAS NA 2^ SESSÃO ORDINARU Elf 19 DE MARÇO DE 1906

Pelo Supremo Tribunal Federal, Juri8prudeiiola« AooordJãos proferidos em 1901, oompilados pelo Presideatedo Tribunal. . Pelo Supremo Tribunal Federal, Jurisprudência, Aecordfioe proferidos em 190O e oompilados pelo Presidente do Tribunal.

Pela The Hlstorieal Society of Pennsylvania: ( cThe Pennsylvania Magazine of Histoiy and Biography pablished Quartorly vol. XXIX. N. 116.

Pela Geographisctie Gesellsohaft in Bremen: r Deutsche Qeographisohe Blãtter, yoI. XXVin. Ns. 3 e 4. Pela Commissão Geographica e Geológica de S. Paolo, quatro folhas topographioas.

Pelo Muaeu Paranaense: Relatório apresentado ao Bim. Sr. Dr. B. Lamenha Uns, secretario de Estado dos Negoeios do Interior, pelo director do mesmo Museu Sr. Romario Martins^ em Ide .janeiro de 1906.

, Pelo Sr. Vieira da Rosa : Ghorographia de Santa Oatharina. Pelo Dr. Guilherme Stadart (barão deStudart): Aponta- opuBntoa Bio-Biobliogpaphioos.

. , Pela Associação Promotora da Instruocfio, discurso proferido pelo D^. Ubaldino do Amaral a 27 de agosto de 1905. «O (Con- selheira Corx^a.» Em duplicata.

Pelo Mipistevio da Industria, Viação e Obras Publicas: Relatoria apresentado ao Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, pelo Ministro de Estado dos Negocias da Industria» Viação e Oboasr Publicas, Dr. Lauro Seyeriano Mftller, no anno de 1905.

Por el Dr. Rodolfo Leuz: Diooionario Btimolójico de las yooes Chilenas deriTadas de len^tuas Indijenas Americanas. Primeira entrega.

Pelo Sr. José Arthur Boiteux cZeitlhden fllr den Unterricht in der Geschichte ron Brazilien.»

Pela Directoria Gorai dos Correios «Boletim Postal». N. 9. Anno XVII.

ACTAS DAS SBSSÕBS DB 1906 323

Pelo Ministério da Marlaha : Boletins das observações meteorológicas. Anno X ns. 5, 6 e 7.

Por P. A. Pereira da Costa: <A rerdadeira naturalidade de D. António Felippe Camarão (século XVII). Estudo Histórico.

3>' SESSÃO ORDINÁRIA BM 26 DE MARÇO DE 1906

Presidência do Sr, Marquez de Paranaguá ({• Vice^Presidente)

A*s 3 horas da tarde, presentes os Srs. Marqnez de Para- naguá, Max Fleiuss, Alcibíades Furtado, Desembargador Souza Pitanga, Conselheiro Salvador Pires de Carvalho e Albuquerque, Drs. José Américo dos Santos, Marques Pinheiro, A. da Cunha Barbosa, Carlos Lix Klett, Henrique Raffard, Belisario Pernam- buco e Manoel Cicero Peregrino da Silva, abre-se a sessão.

O Sr. Furtado, 2^ Secretario, a acta da sessão anterior, a qual é, sem debate, approvada.

O Sr. Fleinss, 1* Secretario, participa que o conselheiro Olegário Herculano de Aquino e Castro, presidente do Instituto, por Justo motivo, deixa de comparecer. O Sr. 2* Secretario as offertas.

O Sr. Se<*.retario communica que, em data de 23 do cor- rente, recebeu da Exma. Sra. D. Ignacia Luiza da Silva Lisboa, viuva do Dr. José da Silva Lisboa, neto do Visconde de Cayrú, uma carta em que offerecia á galeria do Instituto, um retrato a óleo do mesmo Visconde.

O Sr. 1^ Secretario declara que, sem demora, agradeceu tão delicada offerta.

Tem ainda a communicar que o illustre homem de letras, Sr. Arthur Azevedo, dirigio ha dias ao presado bibliothecario do Instituto, Dr. Vieira Fazenda, uma carta, acompanhada de uma estampa que traz os seguintes dizeres: «Ao Sereníssimo Sr. D. Pedro de Alcântara, Regente do Reino Unido do Brazil offerece o seu humilde súbdito Francisco Pedro de Amaral, pen- sionista da Academia das Bellas Artes em o Rio de Janeiro.—

924 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Vista da sala do theatro de S. João para esta festa de Zi de Agosto de 1821.»

£is a carta do Sr. Arthar Azevedo :*-cRio de Janeiro, 14 de março de 1906.

Exm. Sr. Dr. Vieira Fazenda.

Ao ler o seu folhetim de hontem, lembrei-me de que entra as minhas cariosidades havia um velho desenho, colorido, repre- sentando a sala do theatro S. João preparada para o famoso baile de 24 de agosto de 1821 . Infelizmente este docamento chegou ás minhas mãos em mào estado ; ainda assim, creio ao illustre hibliothecario do Instituto Histórico serã agradável offe- recel*o a essa douta corporação, e, portanto« ahi lh'o mando com os meus respeitosos ecordiaes cumprimentos.— AWAur Azevedo, p

O Sr. l^ Secretario encarece o valor dessa offerta e pede autorização para mandar restaural-a por algum artista, o que 6 approvado.

O Sr. conselheiro Salvador Pires offereoe um exemplar de obra A gíAerra civil do Chile e a queda de Balmaceda, por G. de Varigny, traducção de Silio Bocanera Júnior, e diz que havendo uma proposta relativa a este senhor, pede que a obra seja en- viada á respectiva commissão.

O Sr. Fleiuss, Secretario, diz que devendo chegar no dia 31 do corrente pelo vapor Sardegnao venerando consócio hono- rário, Sr. Cardeal D. Joaquim Arcoverde, propõe que o Instituto nomeie uma commissão para dar as boas viadas a Sua Emi- nencia, digno por todos os titules da oonsideração e amizade dos membros do Instituto.

Esta proposta é unanimemente approvada e o Sr. Presidente nomeia a seguinte commissão : Max Fleiuss, desembargador Souza Pitanga, Dr. Manoel Gicoro, Henrique RaíTard e Conselheiro Salvador Pires.

O Sr. Henrique Raffard offereoe a seguinte obrado Qeoeral Qarmendia, Campana de Humaytd,

E* lido o seguinte parecer da Commissão de Fundos o Or* camento:

« A Commissão de Fundos e Orçamento do Instituto Histórico 0 Qeographicò 3razJleiro examinou os balancetes do e i? trl*

ACTAS DA» SESSÕES DE 1906 32:6

mestres e o balanço geral da receita e despesa do anno de 1905, apres3ntados pelo digno thesoureiro, Sr. Arthur Ferreira Ma^ chado Guimarães, com seu relatório, datado de 31 de dezembro daqnelle anno.

Taes documentos revelam a correção e zelo, bem como a competência do Jllustre confrade no desempenho das penosas íuncções que está exercendo.

< E* pois, a Commlssao de parecer que sejam approvados os ditos balanços e balancetes.

< O Relatório assignala o lamentável atrazo de pagamentos das mensalidades devidas ao Instituto e suggere acertadas prpvi- dencias a respeito.

Jalga a Commissão que convém adoptal-os e que fique o dis- tincto consócio autorizado a crear um livro para escripturaçao das despezas nas datas em que se forem fazendo, e outro para registro dos haveres do Instituto, também indicados na snccinta, porém completa exposição* Rio, 19 de março de \9Q6.— Visconde de Ouro Preto^ relator.— /o*^ Américo dos Santos. Bélisario Per- nambuco, i^*

Posto em discussão este parecer é, sem debate, unanime- mente approvado.

O Sr, Presidente declara que havendo uma vaga na Com- misiâo de Geographia e outra na Commissão de Admissão de Sócios, occasionadas pelo fallecimento do contra-almirante Francisco Calheiros da Graça e Dr. António de Paula Freitas, nomeia para a Ck)mmissão de Geographia o Dr. José Amecico dos Santos, 6 para o Commissão de Admissão de Sócios o Dr. Manoel Cicero Peregrino da Silva.

O Sr. 2* Secretario as seguintes propostas :

«Propomos para sócio honorário do Instituto Monsenhor D.JuIioTonti» Arcebispo de Ancyra, Núncio Apostólico no Brazil, Presidente dos Tribunaes Arbitraes estabelecidos entre o mesmo Brazil, Bolívia e o Peru.

< Doutor em philosophia, theologia e direito ; antigo alto ítmccionario do Vaticano e professor em Roma de sciencias ecde- siasticas ; diplomata de longa e egrégia carreira ; havendo re- cebido notaveifl distincçoes em todos os vários palzes onde sérvio;

326 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

am grande amigo do Brazil que procura conhecer e estadar com amor, peroorrendo-o como poacos estrangeiros da saa ge- rar chia o tom eífectuado.

D. Júlio Tonti reune.pois, todos os predicados intelleotuaes e moraes para que o Instituto o aoolha em sen grémio.

Rio de Janeiro» 26 de março de 1906.— Marques de Para- naguá, Conde de Affonso Celso, Max Fleiuss, A. F. de Souia Pitanga, P. B. Marques Pinheiro, Belisario Pernambuco, Josô Américo dos Santos, Salvador Pires do Carvalho Albuquerque» A. da Cunha Barbosa, Henrique Raffard» Carlos Lix Klett.»

Yae à Commissâo de admissão de sócios, relator o Sr. Dr. Manoel Cioero Peregrino da Silva.

Propomos para sócio correspondente do Instituto Histórico e Gíeographico Brazileiro o Sr. General Josô Ignacio Garmendia, nascido em Buenos Aires a 3 de maio de 184E, servindo de titulo & sua admissão a obra Campana de Humayta^ hoje offerecida ao Instituto. Rio, de Março de 1906. ^Alcibíades Furtado,, Carlos Lix Klett, A. da Cunha Barbosa, F. B. Marques Pinheiro Manoel Cicero, Belisario Pernambuco.» Vai á Commissâo de Historia, relator o Sr. Conselheiro Cândido de Oliveira.

O Sr. Fleiuss, 1* secretario, diz que tendo enviado para Londres, ao Sr. Ministro do Brasil, o exemplar do Catechismo em língua Guarany^ por Nicolas Japuguai con direocion dei P, Paulo Restivo, i724^ aflm de ser convenientemente restaurado , recebeu do Exm. Sr. Dr. Regis de Oliveira, nosso Ministro em Londres a seguinte carta:

« Legação do Brazil, Londres, 14 de fevereiro de 1906.— Sr. Secretario. Tive a honra de reoebar o offlcio de Y. S. de 15 de janeiro próximo passado, com o qual me enviou para ser restau- rado aqui um exemplar da ExpUcacion dei Catechismo en lengua Guarani, por Sicolas Japuguai con direccion dei P. Paulo Res- tivo,í724.

Visto o mau estado do volume, mandei examinal-o pela casa Quaritch, de Peccadilly, especialista no assumpto, que, conforme V. S. verá pela carta junta por cópia, calcula em 50 libras ou mais a somma a despender para obter um re sultado perfeito.

ACTAS DAB «B880BS DB 1906 827

€No oaso de aceltftr eeta proposta, pôde Y. S. enviar^mo am cheque daquella quantia.

< Aguardando a tua dectsSo para satisfazel-a sem demora, aproTeito o enscgo para renoyar a V. S. os protestos d^ minha perfeita estima e oonsideraoao. ^Regis de Oliveira» »

O iDStitato resolve que o Sr. P Secretario solicite do cava- lheirismo do Sr* Ministro do Brazil em Londres, novas iníbr- mações a resprtto.

Por proposta do Sr l^ Secretario o Instituto resolve auto- rizar o Sr. Thesoureiro a adiantar as quantias necessárias para o preparo dos armariost estantes e mesas de que carece- rSo as novas salas do edificio do instituto, devendo as requisi- ções ser feitas pelo h> Secretario, autorizado também pelo Insti- tuto a agir na parte económica, de aceordo com o thesoureiro, durante o período das grandes reformas materiaes no edificio do Instituto, bem como posteriormente para as despezas de cara- cter urgente da Secretaría, prestando contas ao Thesoureiro.

O Sr. Secretario o seguinte:

Parecer da Commissão de Estatutos e redacção sobre o projecto de novos Estatutos do Instituto Histórico e Geographico BrazOeiro.

Salvo a redacç&o, que em tempo será revista e melhorada, julgamos aoceitavel, em seus traços 'gerae8,o projecto dos novos estatutos, que foram calcados, quanto possível, sobre os actuaes em vigenda, parecendo-nos perfeitamente razoáveis as modi- íloações propostas, feitas, entretanto, as seguintes restricçoes:

a ) devem sahir do corpo dos estatutos, ficandorlhe aniie- xadas como disposições transitórias, os §§ 1* eS* do art. e os a§3»4«, 59e 6»doart. 39;

b ) ô desnecessário todo o art. 48, que pôde ficar reduzido ao seu paragrapho único, eliminando-se a disposiç&o final, quanto & collocaç&o especial dos sócios beneméritos, pois que, todos se devem sentar indistinctamente ;

c ) no art. 14, tratando dos distinctivos, deve ser elimi- nado o uso da flurda, que nunca se conseguiu estabelecer, fi- cando apenas para as solemnidades o uso da medalha de prata

'â28 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

dòttrada, pendente de nm oollar symbolioo oa de uma fita, e bem assim da roseta para as outras occasi5e8 ;

d ) não nos parece pratico o augmento da meosalidade constante do art. 16, porquanto isso é sempre recebido com desagrado pelos sócios» muitos dos quaes tôm estado em grandes atrazos, mesmo com a pequena contribuição actual, sendo que isso não aproveitará financeiramente grande cousa ao Instituto;

0) do§ 2<> art. 32 deve ser eliminada a clausula de Itaei o orador um discurso fúnebre sobre o tumulo dos sócios falie* eidos, cousa hoje inteiramente em desuso ;

f) pareoem-no8 desnecenarios os arts. 62 e 63. O que elles dispõem poderá ser uma praxe adoptada* mas não deve ser uma disposi^ de estatutos, principalmente o que se refere no art. 03, ao voto de pezar, que nenhum valor terá, si a sua mani- festação fôr uma imposição regulamentar ;

g ) concordando com a oreação de um premio para o melhor trabalho apresentado ao Instituto, não nos parece que elle deva ser conferido com a facilidade constante do art. Ô5.

«Não basta para isso que a memoria a premiar seja a melhor dentre as que tenham sido lidas no anno anterior ; isto accen- tuarã apenas um valor relativo, que pôde, em absoluto, ficar muito longe de merecer um premio. As memorias a premio devem ser enviadas anonymas, especificadamente para concor- rerem a essa distinoção, e o Instituto premiará a melhor dentre as que forem julgadas dignas disso* Bem assim pareoe-nos que a ter de dar um nome a esse premio, o Instituto deve oonsagral-o á memoria do seu fUleoido protector e denominai^) Premio Pedro II.

< Rio de Janeiro, 7 de março de 1906.^ Dr. Alfredo I^asci- mento^ relator.—Ccxpt^trano de Abreu. Conde de Affonso CeUú.>

Resolve* em seguida, o Instituto que se realize na próxima segunda-feira, 2 de abril, a assembléa geral para tomar oonhe- cimento e deliberar sobre o projecto de reforma doá estatutos e sobre o parecer a respeito apresentado pela Commissão de Estatutos e redação. Levanta-se a sessão ás 4 1/2 da tarde.

Alcibiades Furtado^ Secretario.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 329

0FFERTA8 NA 3* SESSÃO ORDINÁRIA EM 26 DE MARÇO DE 1906

Pelo Sr. Estevão de Mendonça Qoadro chorographioo de Matto-Grosso.

Pela Real Aeademia de Sciencias Exactas Fisioas y Nata- rales de Madrid— Revista.

Pela Historícal Society of Pensylvania The Magazine of history and biography.

Pelo Sr. general Ramon Tello Mendoza Gobiemos de Venezuela.

Pelo Sr. Aureliano Portugal Dlsourso proferido no Jar- dim áa Praça da Gloria a 24 de fevereiro de 1906.

Pelo Sr. Ferreira da Rosa— O Cammentario.

Pela Société de Géographie Commerclale de Bordeaux Bulletin.

Pela Directoria Geral de Saúde Publica Boletim Mensal.

Pela Real Academia de la Historia— Boletim.

Pela Sociedade Cientifica Argentina ÂnaUs.

Pela Sociedade de Geographia de Lisboa Bo^^tím.

Peia Real Academia de Ciências de Madrid Memorias.

Pelo Museo Naci(wal do México— Anales.

Pelo sooio Sr. commendador Henrique Raflárd O novo Arsenal de Marinha, escolha de localidades, Paraiy^mirim por G. E.

Pela Universidade Central de la Republica dei Equador Anàles.

Pela Associaçio Commercial do Rio Janeiro-* Boletim.

Pelas Redacções as Revistas, Renascença e Revista Com- mercial e Financeira.

Pelas Redacções— 08 jornaes Le Nouveau Monde, Jornal do Recife, Diário Official do Amazonas, Mala da Europa, O Seculó, o Correio do Povo, O Trabalho, e o Reformador.

880 RBVISTA DO INSTITUTO HI8T0RIG0

ASSEMBLÉA GERAL EM 2 DE ABRIL DE 1906 (PRIMEIRA CONVOCAÇÃO)

Presidência do Sr, MarqyiêM de Paranaguá

A*8 3 horas da tarde, presentes os 8rs. Marquez de Para- . nagoá. Barão Homem de Mello, Max FIeluss,Aloil>iades Fartado, desembargador Souza Pitanga, Arthor Guimarães, José Fran- cisco da Rocha Pombo, Bdaardo Bíarques Peixoto, conselheiro Sonsa Ferreira, Barâo de Alencar, Dr. Alflredo do Nascimento . Silva, Dr. Manoel Cioero, Henrique Raffiard, Conde de Affonso Celso, Carlos Lix Klett, Dr. José Américo dos Santos, Dr. J. Barbosa Rodrigaes, Dr. F. B. Marques Pinheiro, Dr. A. da Cunha Barbosa, o Sr. Presidente declara que não pode haver assembléa geral, por isso que sendo esta a primeira convocação é permittido ítinocionar de conformidade com os aotuaes estatutos, achando-se presentes, no minimo, 21 sócios.

Assim, convoca a assemblóa para a próxima segunda-feira, 9, ás 2 1/2 horas da tarde, neste mesmo local.

Sendo objecto dessa assembléa um assumpto de grande relevância, como a reforma dos estatutos, o Sr. Presidente pede com empenho aos Srs. sodos que não deixem de comparecer.

Aloibiádet J^urtado^ 29 Secretario.

ASSEMBLÉA GERAL EM 9 DE ABRIL DE 1906 (SBGUNDA CONVOCAÇÃO)

Presidência do Sr. MarqueM de Paranaguá

A*s 3 horas da tarde, presentes os Srs. Marquez de Para- naguá, Barão Homem de Mello, Max Fleiuss, Alcibíades Furtado, desembargador Souza Pitanga, Arthur Guimarães, Rocha Pombo, Eduardo Marques Peixoto, Dr. Manoel Barata, Henrique Raffturd, Dr. Manoel Cicero, Dr. F. B. Marques Pinheiro, Dr. J. Barbosa Rodrigues, Dr. A. da Cunha Barbosa, Dr. Leite Velho, Dr. Josô Américo dos Santos e conselheiro Salvador Pires, abre-se a sessão por ser esta a segunda convocarão.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 S81

O Sr. Presidente diz que antes de se entrar na disouflâo do objecto da presente assemblôa, cumpre um dever partíeis pando ao Instituto a morte do lea antigo e venerando eocio correspondente o 8r« Bário de Penedo, entrado para o Instituto em 19 de agosto de 1841 .

O Sr. Presidente apreoia longamente e com phraiês de intensa magoa tio lamentável perda* discorrendo sobre os vários aspeotos da existência, sempre brilhantíssima, do illustre eztincto,

Ck)nclue propondo um voto de intenso pezar por tão lutuoso acontecimento, o que ó unanimemente approvado.

Em seguida, o Sr. Presidente declara que estão em dlsensAo o projecto de reforma de estatutos e, bem assim, o parecer emittido a respeito pela commi8São competente, ambos Já. dis- tribuídos, em avulso, aos Srs. oonsocios.

Julga o Sr. Presidente necessário salientar uma altera<^ que o impressionou, oontida no art. ^ do projecto.

Este artigo diz apenas : Publicará a Revista do Instituto Histórico e Qeographico Brazileiro.»

Ora, nos actuaes Estatutos, lé*se o seguinte : «Art. Publicará a «Revista Trimensal do Instituto Histórico e Oeo- graphioo Brasileiro, fundado no Rio de Janeiro, debaixo da immediata protecção de Sua Magestade Imperial o Sr. D. Pedro II, na qual se conterão os seus trabalhos.>

Não sabe si a eliminação do nome do Sr. D. Pedro II foi um acto de inadvertência ou proposital, achando que o Instituto Jamais deve esquecer os extraordinários serviços prestados pelo seu augusto protector.

O Sr. Furtado declara que é incontestavelmente um íhcto histórico a protecção concedida ao Instituto por D. Pedro II.

Os Srs. Fleiuss e desembargador Souza Pitanga ^em, a propósito, varias considerações, demonstrando ooip a maior lealdade que não houve o menor intuito de se procurar esque- cer o muito que o Instituto deve ao Sr. D. Pedro U.

No projecto de estatutos em discussão ha disposições ter- minantes que commemoram de maneira insophismavel os serviços tão larga e generosamente prestados á associação pelo

8SS RfiVlSTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

6r. D. Pedro II, oiija memoria está sempre presente aos membros do Institato.

O Sr, Marquez de Paranaguá dàrse por satisfeito»

São apresentadas» disontidas e votadas, as seguintes emen- das ao projecto :

Dos Srs. Pleuiss e A. Guimarães ao art. 2*. Red|ja-se :

< Para oonsecução dos fins a que se propõe, procurará manter correspondência com as sooieiades nacionaes e estran- geiras de egual natureza. » B' approyad^.

Dos Srs. Pitanga, Pinheiro e Furtado ao § 3* do art. :

Sócios beneméritos em numero de 10». E* approvada»

Da Commissão :

Passar para as disposições transitórias os gg P e 2" do art. &»>•— E* approvada.

Dos Srs. Fleiuss e A. Guimarães ao art. 9*, paragrapbo único: O sooio effectiyo que fixar residência fora do Rio de Janeiro passará para a classe dos correspondentes». B* approvada.

Dos mesmos senhores cao art.9<^ lettra A, em vez de 7 annoe, diga-se 10»,— B* approvada.

Do Sr. Furtado, lettra C, do art. 9. Red^a-se da seguinte forma— As pessoas que por seu consummado saber maniílBstado especialmente nas sciencias históricas, geographieas ou ethno- graphicas, estejam no caso de justificar a escolha».— B* appro- vada.

Dos Srs. Fleiuss e A. Guimarães: Transformem-se em artigos os §§ 2<» e 3<» do art. ».— E' approvada.

Do Sr. Pinheiro: cTransfira-se o paragrapho único do art. 10 para um dosparagraphosdoart. 16».— E' approvada.

Do Sr. Marques Peixoto: < Ao art. 12, onde se diz 3:000$, diga-se 10:000t».— E' rejeitada.

Do Sr. Pinheiro: Art. 13. Redija-se da seguinte forma : < A qualidade excepcional de Presidente Honorário, poderá ser conferida em assembléa geral aos chefes de Bstado, me- diante proposta assignada por toda a Directoria do Instituto e também por todos os demais sócios presentes á sesi^ ».— E* approvada.

ACTAS DAS SBSSÕBS DB 1906 838

Da Commiflsão, ao art. 14: c Blimine-se a Ikirda creada por decreto de 2 de março de 1860 >.

Do Sr. RaflCsird, propondo que Beja mantido todo artigo do projeoto com relação aos distiaotiyoB.

E* approYada a emenda da commimU) e regeltada a emenda do Sr. Rafbrd.

DaCommisaão: Prevaleça a mensalidade de mil réis».

Do Sr. Fleinss, propondo qae essa mensalidade seja paga em trimestres adeantados pelos sócios effectiyos e annaal- mente pelos correspondentes.

São approvadas estas daas emendas.

Do Sr. Pinheiro, ao art. 16, § 4«: clnelua^se ahi o para- grapho único do art. 10 ».-^ E' approyado.

Dos Srs. Pitanga e Homem de Mello, art. 22, diga-se « O mandato da Directoria e das Commissoes será annoal ».— B* approvada.

Do Sr. Fleinss, ao § 4* do art. 24, redijap-ie da seguinte forma: < As vagas que occorrerem na Directoria ou nas Com- missoes serão preenchidas com a nomeação qne o presidente íárá em sessão do instituto».— E* approvada.

Do Sr. Pinheiro, ao art. 25, substitaa-se três annos por um, e elimine-se as palavras : < conjunctamente com o Sr. !• Secretario». E* approvada.

Do mesmo senhor, ao art. 26, § ; < Representar o Insti- tuto por si ou por sen mandatário em todos os negócios judi- ciaes on extra-jndiciaes».— E* approvada.

Do mosmo senhor, ao § !• do mesmo artigo, diga-se: Au- torizar o pagamento de todas as contas »•— E' approvada.

Dos Sru. Manoel Cicero e Pitanga, ao § 8"^, do art, 28 aocrescente-se: « Participando na primeira ses^o as providen- cias que houver tomado ».— E' approvada.

Do Sr. Fleinss, ao § 9«, do art. 28, snbstitua-se pelo se- guinte: € Mandar escripturar em livro próprio e sob sua imme* diata fiscalização e responsabilidade a matricula de todos os só- cios do Instituto, com especificação da data da sua eleição, posse, -transferencias de classes, e iudo mais quanto possa ter relação com a qualidade do sócio do Instituto »•— E' approvada.

884 REVISTA DO INSTITUTO HI6T0RIG0

Do 8r. PiBheiro, ao art. 90, g IS": «Depositar em um Banco, por proposta soa, designado em leBsfto» oa fundos dispo- Direis do Instituto ».— B' approvada.

Dos Srs. FieiQSs e A. Ooimarães» 8 do art. 31: «eUmi- oe-aot pois, a mesma disposição qne se aeha mais adeante».— £* approyada.

Do Sr. Fartado, propondo a elinuiaaofio do 8 i""* do art, 32, áas palavres: < Porque tem preferenoia, eto.».— B' appro. yada.

Do mesmo senhor, propondo que o 8 i^ desse artigo s^ assim redigido: < Pronunoiar o disourso de reoepçfto dos novos ■oeios ».— £' approyada.

Do Sr. Pinheiro, ao art. 33, 8 : < Rever annualmente as contas apresentadas no deourso do anno sooial >.— B* appro- yada.

Dos Srs. Fleiuss e A. Guimarães, ao art. 28, redUa-se da seguinte forma: « Alóm das ooinmissões indispensáveis ao movi- mento do Instituto, poderá, o presidente, em sessão, nomear outras para âns especiaes, ou encarregar de algum trabalho individualmente aos sócios, quando assim Julgar conveniente» . E' approyada.

Da CommisAo: «SQJam transferidos para disposições transi- tórias os §§ 3"*, 4^ 50 e ô« do art. d9».-<- E* approvada.

Do Sr. Furtado, quanto ao 8 3^ desse artigo: « elimine-se as palavras no todo ou em parte» •-« B* approvada.

Do Sr. Fleiuss, propondo que o § 3* desse art. 39, siQa aaiim redigido, uma ves que o do projecto é transferido para as disposições transitórias: c g S^. Para que possam os sócios &zer parte da Directoria ou das Ckxnmissões e ser transferidos de uma classe para outra deverão ter em tempo satisfeito o que fôr de- vido aos cofires do Instituto. Somente 09 sócios nessas condições terão direito ã Revista^ de oonformidade com art. 33».— E* approvada.

Dos Srs. Fleiuss e A. Guimarães, ao urt. 45, paragrapbo único: < Gsses vencimentos serão considerados doas terços como ordenado e um terço como gratificação pro labore i^ .-^E' apro- vada.

ACTAS DAS S866Gto DB 1906 885

Doi Sn. FMqêb e A. Ooimariief, art. 47: Redijarse da m* gainte forma— O Instituto reanir-s^ha para oelobrar a fva iastalla^ no dia 21 de outabro e deide easedia até o llm de ja- neiro floarão suspenias as seudes, oom exoepgfto da de a«em- Uáa geral, para eleifiio.

Paragrai^o unioo. De 20 de dezembro a 7 de Janeiro o edi* flolo do Instituto se oonserTará fechado, gozando os empre- gados de ferias nesse período >.— B* approrada.

Dos Srs. Fleiuss e Goimarite, ao art. 61, paragrapho unioo: O soeio eleito nSo tomará posse nem será eomo tal ma- trionlado no IItto, sem que ezhiba o sen diploma ó haja satisfeito as contribuições devidas >.-« B* approvada.

Dos Srs. Fleiuss e A. Guimarães aos arts. 62 e 03: Re- dijarse da seguinte forma : « Art* 62. Nos enterros de membros do Instituto íáisso-ha este representar sempre que lhe chegar a tempo a partioipacfto.c Art. 63. Na primeira sess&o que se effectuar depois de conhecido o âdlecimento de qualquer sooio lançar«se-ha na acta um voto de pezar que será proposto pelo Presidente, podendo qualquer membro presente á sessão refe- rir-se ao finado em suoeintas palavras de oondolenda e louvor.» E* approvada.

Nesse momento, o Sr. Fleiuss, !• Secretario, diz que de- vendo tratar-se do artigo com rela^ ao premio, tem em seu poder um offlcio que lhe foi pessoalmente entregue pelo Sr. Con- selheiro Olegário Herculano de Aquino e Castro, in^eeidente do Instituto, e á cuja leitura vae proceder: Exm. Sr.— Nie po- dendo eompareoer á assembléa geral do Instituto Histórico, oon- vocada para resolver sobre o projecto de reíbrma dos estatutos, tenho a declarar, para que chegue ao conheoimento da mesma assembléa, que estou de inteiro aooôrdo com o pareoer da Com- mlssfto que examinou a dito projeeto, quanto a emendas que offereoe em ultimo logar, lembrando o nome que convém dar ao premio que se pretende instituir.

< Nada mais justo e acertado do que consagrar á memoria do venerando e generoso protector do Instituto, o premio unioo que deve ser creado e con) a denominação de Premio P&Jro JI» Rio, 29 de março de 1906.— Exm. Sr. vice-presidente do

336 REVISTA DO INSTITUTO HI8T0MCO

Instituto Histórico e QeograpMoo Brazlleiro.— Olegário Ser» oUlano Aquino e Castro. :k

O Sr. Presidente declara qoe o instituto aprecia deyida- mente as palavras do seu yenerando Presidwite»

OsSrs. Fleiuss a A. Guimarães propõem que o art. 65 flqtie assim redigido :

« Ficam creados dous prémios annuaes sob as denominações Premio Pedro II e Premio Conselheiro Olegário.

O primeiro, em signal de imperedvel gratidSo e reconbe- cimento & memoria do seu grande protector, será para recom- pensar a melhor monographia das que concorrerem ao mesmo, especificadamente, e jconstará de uma medalha de ouro.

< Q segundo, em atteno&o aos assíduos e notáveis serviços prestados ao Instituto pelo presidente Olegário Herculano de Aquino e Castro, será concedido á melhor memoria lida no anuo. anterior, em sess&o do Instituto, e constará de uma medalha de prata.

Paragrapho único. A CommissSo de Estatutos e Redacção regulamentará o processo para a concessão desses prémios >.

Depois de varias considerações produzidas pelos Srs. Fur^ tado. Pitanga, Fleiuss e Raílárd, é approvada a emenda dos Srs. Fleiuss e A. Guimarães.

Dos mesmos senhores, ao art, 67.

R0dija*se do seguinte modo: < Para a reforma dos Estatutos será necessário que os membros da Gommisiâo de Estatutos e Redao^, ou que 18 sócios a reclamem por escrlpto, e que a assembléa geral a conoeda, ouvindo previamente a mesma com- missão no caso de não ter sido promovida por esta a reforma de que se tratar».— E* approvada.

Salvas as emendas approvadas, a assembléa approva o pro- jecto de reforma dos Estatutos e o Sr. Presidente o envia para os devidos dns, a Commissão de Estatutos e Redac^o, relator o Sr. Dr. Alfiredo da Nascimento.

O Sr. Presidente suspende a sessão da Assembléa Geral que continuará no dia 16 do corrente, ás 2 1/2 horas da tarde, para Julgamento da redacção dos Estatutos, seguindo-se a sessão ordinária.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 337

Nada mais havendo a tratar, sospende-se a sessio ás 5 1/8 horas da tarde.

Aloibiâdbs Fuetado, Secretario.

ASSBMBLÊA GERAL EM 16 DE ABRIL DE 1906, CONTINUAÇÃO DA DE 9 DO CORRBNTE MBZ

Presidência do Sr, Marquez de Paranaguá

A*8 2 1/2 da tarde, presentes os Srs. Marquez de Para- naguá, Max Fleiuss, Alcibíades Furtado, Arthur Guimarães, Eduardo Marques Peixoto, Dr, Manoel Barata, conselheiro Cândido de Oliveira, Carlos Lix Klett, conselheiro Salvador Pires, conselheiro Souza Ferraira, Dr. Alfredo Nascimento e Dr. António da Cunha Barbosa, o Sr. Presidente declara reaberta a sessão de assemblóa geral, começada a 9 do corrente, para discussão do projecto de reforma dos Estatutos e suspensa afim de que a Commissao de Estatutos e Redacção apresentasse a respectiva redacção, de accordo com a matéria approvada.

O Sr. Furtado, 29 Secretario, lo a acta da primeira parte da assembléa geral, a qual ó sem debate approvada.

O Sr. Presidente diz que está em discussão a seguinte re« dacção dos Estatitos, apresentada pela respectiva commissao :

Estatntds do lostitiito flístorico b SeomiliíGo Brazileíro

CAPITULO I

Art. l.<> O Instituto Histórico e Geographico Braziielro, fundado em 21 de outubro de 1838, tem por fim coUigir, metho- dizar, publicar ou archivar os documentos concernentes á his- toria e geographia do Brazil, o a archeologia, ethnographia e língua de seus indígenas.

Art. 2.* Para consecução dos fins a que se propõe, pro- curará manter correspondência com as sociedades nacionaes e extrangeiras de igual natureza.

4323—22 Tomo lxíx. p. ii.

838 RBVI8TA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Ari. 3.* Pablioará a «Revista do Iiutitato Historioo e Geographioo Brazileiro».

§ 1.» A Revista se diYidir& em duas partes: a 1* con- stará de dooamentos relativos ao Brazil, e a 2* oomprehender& os trabalhos dos sócios e as actas das sessões, assim como os dis- onrsos do presidente e do orador e o relatório do 1<> secretario, apresentado nas sessões anni versarias.

§ 2.0 Nesta segunda parte também se publicará annual- mente a lista dos sócios existentes, com as suas diversas cate- gorias, declaragfto da data de sua admissáo e uma relação no- minal dos sócios &llecidos durante o anuo.

CAPITULO II

oroàmzàqIo do instituto

Art. 4.0 O Instituto Histórico e Geographioo Braiileiro compor-se-ba de:

8 1 ."^ Sócios eífectivos, em numero de 50.

§ 2.^ Sócios honorários em numero de 50.

§ 3.<» Sócios beneméritos, em numero de 10.

§ 4.« Sócios correspondentes, em numero de 100.

g 5.« Sócios bemféitores.

Art. 5.0 Os sócios, de qualquer classe, poderão ser na cionaes ou estrangeiros.

CAPITULO UI ADUlSBlO DOS S00108

Sócios effeetivos

Art. d.<* Para ser admittido como sooio efléotivo deverá o candidato residir no Rio de Janeiro, apresentar, directamente ou por algum sócio em seu nome, trabalho próprio aoerca da historia, geographia ou ethnographia do Brasil, quer esse tra- balho seja inédito, quer estampado, uma vei que abone a ca- pacidade litteraria do autor.

g l.<> O candidato deve ser proposto, por escripto» em ses- gão do Instituto e a proposta conterá o nome e appellidos do

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 339

candidatOt sua naturalidade, proíls^, idade e títulos que o recommendem.

gS."" Apresentada a proposta, assigoada por três ou mais sócios, será ella remettida & commissao de historia, de geogra- phia ou de ethnographia, conforme a natureza do trabalho ou dos trabalhos do candidato, e a commissao apresentará, em seséao, o resultado do seu exame, concluído pela suficiência ou insofSciencia da prova da capacidade do autor para os fins. do Instituto.

§3.0 Approvado, este parecer irá a commlsBáo deadmissfto de sócios, a qual dará opinião sobre a idoneidade e oonye- niencia da admissão do candidato proposto.

§ 4.'' Este parecer será submettido á discussão, encerrada ella, marcar-se-ha a sessão seguinte para que tenha logar a votação por escrutínio sobre a admissão do candidato»

§5.<»Si na urna apparecer maioria de espheras brancas, consldera-SQ acceito o candidato, e o presidente prodamal-o-ha sócio effectivo do Instituto.

go.o Si, porém, houver maioria de espheras pretas, oon- siderar-se-ha rejeitado o candidato, o qual poderá todavia ser ainda proposto, si apresentar novos trabalhos, como se exige no principio deste artigo, seguindo-se o mesmo processo acima indicado para a admissão.

Soeios correspondentes

Art. l."" Para ser sócio correspondente é preciso :

gl.<> Apresentar trabalho próprio sobre a historia, geo* graphia ou ethnographia doBrazil.

§ 2.° Apresentar trabalho próprio de verdadeiro valor no departamento da historia, da geographia ou da ethnographia, mesmo que se não refira ao Brazil.

§ 3.<> Ser prc^sto da mesma forma por que o é o candidato ao logar de sócio effectivo, observado idêntico processo.

Art. 8.° O sócio correspondente que vier residir no Rio de Janeiro poderá passar a sócio effectivo quando houver vaga.

Pardgrapho único. O sócio effectivo que fixar residência íóra do Rio de Janeiro passará para a classe dos correspondentes.

340 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Sócios honorários

Art. 9.»

§ [.<> 86 poderSo ser sócios honorários :

a) os sócios effeotivos qae tenham prestado serviços notá- veis ao Instituto oa exercido, por mais de dez annos consecnti- TOS, cargos na directoria on nas commiss(5es permanentes ;

b) os sócios correspondentes que« tendo entrado para o Instituto por meio de trabalhos sobre historia, geagrapliia oa ethnographia do Brazil, tenham se distinguido por seu yalor mtellectnal e completado sete annos de permanência na classe dos correspondentes ;

c) as pessoas que por seu oonsummado saber, manifestado especialmente nas sciencias históricas, geographicas, ethnogra- phicas ou archeologicas estejam no caso de justificar a escolha.

Art. 10. Os sócios honorários serão propostos pela maioria dos membros da Directoria e demais sócios, sendo a proposta informada pela oommissão de admijssâo de sócios, e depois votada em esomtinio secreto, na sessão seguinte á da leitura do parecer.

Art. 11. Os sócios honorários pagarão somente o diploma, podendo esta contribuição ser dispensada pelo Instituto quando se tratar de pessoa nas condições da lettra c do art. 9*.

Sócios benomeritos

Art. 12. poderão ser elevados á classe de sócios bene- méritos os honorários que tenham no minimo 20 annos de no- táveis serviços ao Instituto e os hajam prestado em gráo notável.

Art. 13. A eleição dos sócios beneméritos pôde ser feita em assembléa geral .

Sócios bemfeitores

Art. 14. Serão sócios bemfeitores os que fizerem ao Insti- tuto donativos superiores a 3:000$ em dinheiro.

Esses sócios terão direito de voto nas assembléas geraes.

ACTAS DAS SESSÕES DB 1906 341

Presidentes honorários

AvL 15, A ijLualidade excepcional de presidente honorário poderá ser conferida em assembléa geral, aos chefes de Es- tado, mediante proposta assignada por toda a directoria do Instituto, e também por todo os demais sócios presentes á

§1.»A proposta assim apresentada, considera-se appro- Yada, e confere ao candidato a qualidade honorifica da presi- dência.

§ 2*0 Esta distinccao será communicada ao agraciado por offlcio do presidente do Instituto, enviando-Ihe o respectivo di- ploma.

DISTINCTIVOS

Art. 16. Os sócios do Instituto teem como distinctivos uma medalha e eoUar de ouro e uma roseta de cor azul celeste.

DIPLOMA

Art. 17. Aos sócios de todas as classes se expedirá um di- ploma que será assignado pelo presidente, pelo 1' secretario e pelo thesoureiro do Instituto.

CAPITULO IV

OONTEUBUiÇAO SOCIAL

Art. 18. Cada sócio efTectiyo ou correspondente pagará como Jóia de admissão a quantia de 50|, quando receber o diploma, e concorrerá com a somma de 1$ mensaes, paga em trimestres adiantados pelos sócios eífectivos e annualmente pelos correspondentes.

§1.<» Os sócios correspondentes estrangeiros, residentes íóra da Republica, nada pagarão.

§2.0 Os sócios effectivos e correspondentes, que passarem a sócios honorários, pagarão pelo novo diploma a quantia de 30$, cessando outra qualquer contribuição.

§3.0 O sócio correspondente que for admittido como sócio effectivo, não pagará nova jóia, continuando a pagar somente as prestações mensies e dando 20$ pelo novo diploma.

342 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

g 4.<» Os sócios beneméritos estáo isentos de qualquer oon- triboiç&o.

S 5.<» Os sócios bemfeitorei nada pagarfto pelos diplomas.

KBMI38ÕES

Art. 19. Os sócios quo se qaizerem remir do pagamento das prestações mensaes, poder&o fazel-o da maneira segainte :

§ i.<»Os que contarem menos de cinco annoi da data da sua admissão, entrando para o cofi*e do Instituto com a quantia de 200$000.

g 2.^ Os que contarem mais de cinco e menos de 10 annos da data da sua admissfto, logo que concorram com a quantia de 150$000.

g 3.<> Os que tiverem de 10 annos para cima, si pagarem lOOSOOO.

Art. 20. Os sócios comprehendidos em qualquer dos casos acima especificados, que se acharem atrazados no pagamento das prestaçSes mensaes, se poderão remir depois de solverem as suas dividas.

CAPITULO V

DIRECÇÃO DOS NSOOCIOS DO INSTITUTO

Art. 21. Todos os negócios do Instituto serão adminis- trados por uma Directoria não sendo responsáveis os demais sócios pelos actos que esta praticar.

Art. 22. Os membros dessa Directoria serão :

g 1.* Um presidente.

g 2.0 Três vioe-presidentes.

g 3.0 Um lo secretario.

g 4.« Um 2? secretario.

g 5.« Um thesooreiro.

g 6.« Um orador.

Art. 23. Haverá as seguintes commiss(tos, cada uma das quaes serã composta de cinco membros :

g l.o Commissão de Axados e orçamento.

g 2.* Commiss&o de estatutos o redacção da Revista.

g 8.0 Commissão de manuscriptos.

ACTAS DA^ SBSSÕBS DB 1906 849

§ 4.<> GommissSo de historia.

§5.'' Commiflsão de geographia.

§ 6.« Commiss&o de ethnographia e aroheologia.

§ 7.« Ck>mmi8são de admissão de sócios.

ELEIÇÃO DA DIRSCTORIA E DAS COMMISSÕES PBRMANENTB8

Art. 24. o mandato da Directoria e das commissôes será de mn anno.

, Depois da sessão magna auniversarla de 21 de outabro, ser& convocada a assemblôa gorai para 21 do novembro, e, sendo este impedido, para o dia seguinte, aflm de eleger a nova Dire~ ctoria e as novas conamissões, que tomarão posse no dia 7 de janeiro do anno seguinte.

Art. 25. Os membros da Directoria podem ser reeleitos, bem como os das commissões, e a elei(^ recahirá em sooios effectivos, honorários ou beneméritos residentes na sede do Instituto, podendo os membros da Directoria, excepto o presi- dente, fazer parte também de qualquer das commissões,

Art. 26. A eleição ser& feita por escrutínio secreto» obede- cendo-se á seguinte disposição :

§ 1.0 Cada sócio presente lançará, na uma duas cédulas» uma contendo o nome do presidente, dos vico-presidentes, do secretario, do 2p secretario, do orador e do thesoureiro, e outra contendo os nomes dos membros das diversas commissões,

§ 2.0 A apuração será feita separadamente ; e depois de proclamados os membros da Directoria se procederá á apuração das commissões.

§ 3.<> para o logar de presidente se requer maioria abso- luta ; no caso de empate correrá segundo escrutínio ; e si ainda assim este não for decisivo, a sorte desempatará a elei;^.

§ 4.0 As vagas que occorrerem na Directoria ou nas com- missões permanentes, serão preenchidas com a nomeação que o presidente fará em sessão do Instituto.

PRESIDENTE

Art. 27. O presidente tomará posse e dirigirá, dentro das normas destes estatutos, os trabalhos do Instituto pelo espaço de um anno.

344 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Art. 88. Ao presidente incumbe :

§1.0 Presidir as reuniões da Directoria, as sessões ordi- nárias, extraordinárias e anniversarias, as assembléas geraes eas de eleição.

§ 2.* Representar o Instituto, por si ou por seu mandatário, em todos os negócios judiciaes ou extrajudiciaes.

§ 3.<> ProTidenoiar sobre os negócios do Instituto nos termos destes estatutos.

§ 4.(» Nomear quem sirva interinamente nas commissões ou na Directoria, por falta dos respectivos membros.

§ 5.<^ Nomear os relatores das commissoes.

§ ô.o Nomear o pessoal do Instituto, mediante proposta do \^ secretario.

§ 7.0 Autorizar o pagamento do pessoal.

§ 8.0 Autorizar o pagamento de todas as cjntas.

§ 9.0 O presidente poderá oppôr veto ás deliberações to- madas nas sessões, sendo a assembléa geral a uoica competente para confirmar ou reprovar os vetos.

Art. 29. Em falta do presidente dirigirá os trabalhos o lo vice-presidente, o qual será substituído pelo 2o ou pelo 3o. Na falta de todos os vice-presidentes será chamado á direcção o sócio mais antigo dentre os presentes.

Paragrapho único. Havendo mais de um sócio com igual antiguidade, presidirá o mais velho em idade.

10 SECRETARIO

Art. 30. 0 1o secretario terá a sou cargo toda a correspon- dência, a expedição de diplomas, o archivo, a bibliotheca e o museu do Instituto. Ck)mp9te-lhe :

§ 1.0 Propor ao presidente a nomeação ou exoneração do bibliothecario, do escrlpturario, do auxiliar e do parteiro.

§ 2.0 Suspender até 30 dias, qualquer desses empregados, dando sciencia disso ao presidente, e nomeando interinamente quem os substitua.

§ 3.0 Inventariar os manuscriptos, livros e quaesquer outros objectos pertencentes ao arohivo, a bibliotheca e museu.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 345

§ 4.0 Mandar imprimir os rôspectivos catálogos e supple- mentos.

§ ò."* Mandar reformalos de cinco em cinco annos para serem impressos.

§ 6.** Determinar a compra dos objectos necessários, ao ex- pediente, attendendo á respectiva verba do orçamento, e pro" videnciar sobre todo3 os serviços da secretaria, bibliotheca, museu e archivo.

§ 7.<> Processar a folha de vencimentos dos empregados e rubricar os documentos de despeza.

§ 8.0 Providenciar, na falta do presidente, a respeito de todos os negócios urgentes do Instituto, participando na pri- meira sessão as providencias que houver tomado.

§ 9.0 Mandar escripturar em livro próprio e sob sua imme- diata fiscalisação e responsabilidade, a matricula de todos os sócios do Instituto, com especificação da data da sua eleição, posse, transferencia de classe e tudo mais quanto possa ter re- lação com a qualidade de sócio do Instituto.

2o SECRETARIO

Art. 31. O 2o secretario será o immediato auxiliar do lo Secretario e seu substituto.

Gabe-lhe especialmente :

Paragrapho único. Redigir as actas das sessões e das assembléas geraes, o expedir os avisos de convocação das sessões e das assembléas.

TTIBSOUREIRO

Art. 32. Compete ao thesoureiro :

§ l.o Arrecadar e pôr em guarda os fundos do Instituto.

§ 2.0 Depositar era um banco, por proposta sua designado em sessão, os fundos disponíveis do Instituto.

§ 3.0 Pagar as despezas competentemente autorisadas, de accôrdo com as disposições destes estatutos, não devendo fazer pagamento, quando esteja excedida a respectiva verba do orça- mento, sem que sujeite o excesso da despeza á deliberação do Instituto em suas sessões ordinárias.

346 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

% 4.^ Efloolher um cobrador ou agente da theaonraria^ qae seja da soa confiança, o qual perceberá pela cobrança uma eom- missão marcada pela Directoria, sob sua indicaçSo.

Art. 33. O thesoureiro dará contas annnaea da adminis- tração dos íúndos a seu cargo*

§1.'' Estas contas abrangerão a reoeita e despeza de 1 de janeiro a 31 de dezembro, e serão apresentadas até o dia 15 de fevereiro de cada anno.

§ 2.'' Depois de examinadas pela commissão de ítmdos e orçamento, serão por esta apresentados á Directoria com, o seu parecer, o qual serã submettido a disons^Lo e votação em sessão ordinária.

ORADOR

Art. 34. Ao orador compete:

§ l."" Pronunciar o discurso de recepção dos novos sócios. § 2.^ Fazer o elogio histórico dos sócios fallecidos durante o anno social*

DAS OOMMISSÕES Commissão de fundos e orçamentos

Art. 35. Pertence á commissão de ftmdos :

§ 1 ."^ Examinar as contas que Ibe forem submettidas.

§ 2.« Rever annualmente as contas apresentadas no de- curso do anno social.

§3.^ Dar parecer sobre a proposta do orçamento annual de receita e despeza para o anno seguinte, que lhe serã apre- sentado pelo secretario ató 30 de setembro.

§ 4.® Dar parecer sobre assumpto de sua competência quando for consultada pela Directoria.

Commissão de estatutos e redacção da Revista do Instituto »

Art. 36. Pertence á commissão de estatutos e redacção : g 1."* Dar parecer sobre duvidas que occorrerem na intel-

ligenoia destes estatutos.

g 2.<» Propor as emendas, reformas ou additamentoe, que

a estes forem necessários, os quaes serão submettidos á assem-

bléa geral.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 34?

§ d."" Escolher os esoriptos qae deyam ser publicados, tanto na Remsta do JnsHtuto como em avulso, sendo-lbe para esse flm entregues as copias das actas, as correspondências que a Dire* ctoria ordenar que se publiquem, as observações e avisos que devam nella figurar, e fiaalmente as memorias, documentos e artigos remettidos pela respectiva commissão, com o compe* tente parecer sobre a conveniência da sua publicaç&o.

§ 4.'' Dirigir não a redacção como a impressão da lU- vista do Instituto.

Commissão de manuscriptos

Art. 37. A* commistòo de manuscriptos compete:

§ 1."* Examinar os manuscriptos existentes no archivo, emittindo joizo sobre a importância delles.

§ 2.^ Propor que se copiemos estragados, e se inntilisem os que não mereçam ser conservados.

g S.*) Obter manuscriptos e documentos em original ou por copia, e envial-os á Directoria.

§ 4.« Dar noticia de quaesquer outros manuscriptos ou do- cumentos, que importe ao Instituto adquirir.

Cammissão de historia^ geographia e ethnographia e arcJ^eologia

Art. 38. Pertence ás commissões de historia, geographia, ethnographia e archeologia.

§1.'' Receberas memorias, documentos e publicações, que lhe forem remettidos pela Directoria.

§2.'' Dar parecer sobre os que devam sahir na Revista do Instituto, bem como sobre os que convenha publicar em se- parado, ou archivar.

Commissão de admissão de sócios

Art. 39 Cabe á commissão de admissão de sócios : § 1.^ Syndicar da individualidatie, do candidato, das suas condições de idoneidade e de conveniência de sua admissão. § S.^" Os pareceres desta commissão podem ser reservados, tendo o presidente a faculdade de submettel-os ã consideração da Directoria antes de sujeital-os ã deliberação em sessão ordi- nária.

348 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Art. 40. Além das commissões indispensáveis ao movimento do Instituto, poderá o presidente, em sessão, nomear oatras para fins especiaes, ou encarregar de algum trabalho individualmente aos sócios quando assim julgar conveniente.

DBVERES GERMES DOS SÓCIOS

Art. 41. Ao qualquer dos membros de commissao que no espaço de seis mezes não apresentar o trabalho que lho competir e não allegar escusa satisfactoria, dará o presidente um substi- tuto.

§ 1.° Nenhum sócio se negará, sem motivo justificado, aos trabalhos de que for incumbido.

§ 2.0 O sócio contribuinte que por espaço de três annos dei- xar de pagar as suas contribuigoes, havendo para isso recebido aviso do thesoureiro ( o qual será expedido por meio de carta registrada com recibo de volta ) será considerado como tendo renunciado a sua qualidade de sócio.

§ 3.0 Para que possam os sócios fazer parte da Directoria ou das commissões e ser transferidos de uma classe para outra, deverão ter em tempo satisfeito o que for devido aos cofres do Instituto. Somente os sócios nessas condições terão direito á Revista^ de conformidade com o art. 54.

RELATORES DE COMMISSÕBS

Art. 42. Os relatores das diversas commissões, que tenham de ser consultadas sobre trabalhos apresentados, serão nomeados pelo presidente dentre os respectivos membros, de modo que essé serviço se distribua com igualdade para todos.

BIBLIOTHBCARIO

Art. 43. Ao bibliothecario, como encarregado da conserva- ção, asseio e guarda da bibliotheca archivo e museu compete :

§ l."* Conservar-se na bibliotheca emquanto estiver aberta.

§ 2." Organizar os catálogos segundo o systema que estiver em uso nos estabelecimentos mais adiantados, e de accôrdo com o secretario.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 349

§ 3.^ Ck>mmnnicar ao secretario as oconrrenoias que se derem no serviço a seu cargo»

§ 4,*> Propor a compra de livros e objectos que possam ser de interesse para o Instituto, procurando sempre completar as obras ou collecQões existentes ; conservar a possível uniformi- dade na encadernação dos tomos da mesma obra e evitar as du- plicatas desnecessárias, das quaes apresentará relações especi- ficadas, afim de terem o conveniente destino.

§ 5.^ Empregar o maior cuidado no arrolamento, selecção, arranjo e conservação dos manuscriptos, mappas e cartas geo- graphicas e topographicas e outros objectos que existem ou íbrem adquiridos pelo Instituto.

§ Ô.<> Apresentar annualmente, até 15 de outubro, ao !<> secretario um relatório dos trabalhos realizados e do estado das obras e objectos existentes, indicando as providencias que ulgar convenientes.

§ 7.** Organizar annualmente catálogos, supplementares que de cinco em cinco annos se fundirão nos catálogos geraes.

ESCRIPTURARIO, AUXILIAR E PORTEIRO

Art. 44. o escripturario tem por obrigação comparecer diariamente á secretaria do Instituto, assignando o respectivo ponto e cumprindo as ordens que receber do secretario.

Art. 45. O auxiliar tem as mesmas obrigações do escriptu- rario, sendo especialmente incumbido de coadjuvar o bibliothe- cario.

Art. 4ô. Ao porteiro incumbe :

g 1.° Guardaras chaves do edificio para abril-o e fochal-o diariamente nas horas marcadas por deliberação da Directoria.

§ 2."* Cuidar do asseio da casa.

§ 3.0 Cumprir as ordens do 1* secretario sobre o expediente. ycncimentos

Art. 47. O bibliothecario perceberá o vencimento mensal de 300$, o escripturario o de 200$, o auxiliar o de 150$, o por- teiro o de 120$, também mensaes.

§ 1. o Desses vencimentos serão considerados dous terços como ordenado e um terço como gratificação pro labore.

350 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

g 2.^ O lo secretario poderá relevaras (altas de compare- cimento desses fanccionarios e consentir na entrada depois de encerrado o ponto.

CAPITULO VI

REUNIÕES DO INSTITUTO E ORDEM DOS SEUS TRABALHOS

Art. 48. As sessões do Instituto Histórico serão : \^, ordi- nárias on extraordinárias ; S®, de assemblôa geral ; 3f>, anni- versarias de installaç&o ; 4% de eleioão.

Paragrapho único. A*8 sessões ordinárias e extraordinárias poderSo assistir qoaesquer pessoas, desde que se apresentem decentemente trajada? ; quando, porém, por qualquer motivo, a sessão deva ser reservada, o \^, secretario prohibirá o ingresso ás pessoas estranhas.

Art. 49. O Instituto reunir-se-ha para celebrar a sua ins- talla<^ no dia 21 de outubro e desde esse dia ató fim de Janeiro ficarão suspensas as sessões, com excepção da assombléa geral para elei^.

§ l.« De20de dezembro a 7 de janeiro o edificio do Insti- tuto se conservará fecliado, gosando os empregados de férias nesse período.

§ 2.0 Em todas as reuniões do Instituto o presidente oc- oupará o centro da mesa, tendo á direita o r secretario e o orador, e á esquerda o 2p secretario e o thesoureiro.

SBSSAO ANNIVERSARIA

Art. 50. Na sessão de 21 de outubro o presidente pronun- ciará o discurso de abertura.

g l.® Findo este discurso, o P secretario lerá o relatório, em que dará conta dos trabalhos do Instituto durante o anno e fará menção honrosa dos autores de quaesqner obras his- tóricas, geographicas ou ethnographicas, que, no decurso do mesmo anno, houverem sido offerecidas ao Instituto.

§ 2.^ Em seguida o orador recitará o elogio dos sócios falle- cidos durante o anno.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 351

SB80O19 ORDINÁRIAS

Art. 51 . As sessões ordinárias terão logar de 15 em 15 dias e havendo impedimento, o presidente designará o dia da reunião qne poderái ser annnnoiado pela imprensa.

§ l.o Nestas sessões serão tratados todos os negócios litte- rarios e económicos do Instituto.

§ 2.'' Aberta a sessão, lida e sabmettida á approya<^ a acta da antecedente, será lido o expediente e resolver-se^ha sobre qualquer matéria sujeita ao conhecimento do Instituto, excepto os da competência exclusiva da assembléa geral.

§ 3.® Para a leitura de trabalhos, o sócio inscrever-se-ha ao começar a sessão, e o presidente dar-lhe-ha a palavra em occasião opportnrna.

§ 4.'> A leitura de taes trabalhos não excederá de uma hora para cada leitor.

§ 5.<> Havendo necessidade, o presidente convocará sessão extraordinária, para a qual se expedirá convite ou aviso assl- gnado pelo secretario.

Art. 52. Para haver ses^Lo ordinária ou extraordinária ô necessário, que se achem presentes o presidente, ou algum dos seus substitutos, o l^ secretario, o 29 secretario* e alguns sócios, perfiizendo ao menos um total de 10 pessoas.

assemblAa oeral

Art. 53. O presidente poderá convocar a assembléa geral, sempre que julgar conveniente á boa direoç^ do Instituto.

§1.'' Todos os sócios deverão assistir ás assembléa geraes, nas quaes terfto direito de propor, discutir e votar.

§ 2.^ Para haver sessão de assembléa geral, ô necessária a presença de 21 sócios pelo menos.

§ 3.° Não comparecendo esse numero, será marcada nova reunião, na qual se deliberará com o numero que oompa. recer, nunca, porém, inferior a doze.

§ 4."" Será convocada a assembléa geral sempre que 12 sócios a solicitarem por escripto ao presidente.

352 REVISTA DO INSTITUTO HISTORICX)

REVISTA DO INSTTPUTO

Art. 54. Os sooios que satisfizerem a jóia e as contri- baiç5es terão direito a um exemplar da Revista do InstUuio desde o dia da sua admissão em diante, pagando o porte do Correio.

§1.'' Aquelle que dever as prestações de três aimos» per- derá o direito de receber a Revista,

§ 2.° O Io secretario fica incumbido da sua distribuição aos sócios e a outras pessoas, residentes no Brazil e fora delle.

LIVROS E MANUSCRIPTOS

Art. 55. Os sócios bem como quaesquer pessoas que assi- gnarem os boletins de consulta, obrigatórios para todos, terão a faculdade de ler na bibliothoca do Instituto as obras, quer impressas quer manuscriptas ahi existentes, o fazer os ex- tractos de que precisarem.

Art. 50. Não ô permittida a sabida de livros, mappas, ma- nuscriptos, e objectos do museu, poJendo unicamente a com- missão de redacção retirar por algum tempo os manuscriptos ou impressos necessários para publicação na Revista do Tnsti^ tutOy ou em avulso, ficando em mão do bibiiothecario uma nota dos mesmos manuscriptos ou impressos, datada e assignada por qualquer dos membros da commiasão.

CAPITULO VU

FUNDOS DO INSTITUTO E SUA APPLICAÇÃO

Art. 57. Os fandos desta Associação procedem :

§ 1.^ Das jóias de admissão de seus sócios, tanto effeotivos como correspondentes, do omolamento dos diplomas e da con- tribuição que cada sócio deve pagar.

§ 2," Do producto das remissões.

§ S,"" Dos donativos que se fizerem ao Instituto.

g 4.« Da receita liquida da Revista e das obras avulsas que publicai*.

ACTAS DAS SBSSÕES DB 1906 353

§ 5.^ Do subsidio coneedido peio Gongi^esso Federal.

Art. 58. Oi fuodoa do Instituto serão applicados :

§ l."" Ao seu expediente, reparaç^ e coQservaçfto do que lhe pertencer.

§ 2.* Aos vencimentos dos empregados.

§ 3,^ A* impress&o e distribuição da Revista do Instituto e do obras ayolsas.

§ 4.* A* publicação de memorias e escriptos, precedendo pareceres favoráveis das respectivas commissões.

§ 5.<> A* compra de livros, manuscriptos, mappas e objectos históricos que devam ser depositados na bibliotheca, masea e archivo.

§ 6.<» Ao pagamento de prémios aos que mais se distinguirem no desempenho dos programmas distribuidos pelo lastituto ou na execução de trabalhos que, pelo seu traosoendeote merecimento, reconhecido pola respectiva commissSo, forem considerados dignos de semelhante distincção e bem assim aos prémios con- stantes do art. 66.

Art. 59. Quando, feitas as despezas annnaes do Instituto apparecerem sobras, empregar-so-ão estas na formação do património social, como for combinado entre o presidente e o thesoureiro.

§ l.o Este património não poderá ser despendido no todo oa em parte sem autorização da assembléa geral, conferida por dois terços dos votos presentes.

§ 2.'> Os rendimentos, porém, serão applicados ás despezas fixadas no orçamento, e autorizadas pela Directoria.

ARCA DE SIOILLO

Art. 60. O Instituto terá uma arca de sigillo, onde guar- dará todos os manutcriptos secretos, que devam ser publicados em época determinada.

§ l.<» A arca de sigillo será de ferro e á prova de fdgo.

§ 2."" A chave da arca ficará em poder do secretario, que communicará ao presidente o segredo para a sua abertura.

§ 5."* Os manaseriptoe abi depositados serão previamente numerados e inventariados, segundo os titules que trouxerem, 43123 23 Tomo lxix f . it

354 RBViSTA DO INSTITUTO HISTORIGO

com indicaoSo do formato, qoalidade do papel que ofl envolver e outros quaesqaer sig^naes, que os poesam bem caracterizar.

§ 6.» Além do sello e precaacões do autor, o Instituto 00 (érá seliar de novo.

§ 7.0 Na arca do sigiilo haverá uma cópia do termo, que se lavrar em sessão em iivro próprio para isso, a qual será assi- gnada por três sócios, além do l"* e secretários.

§ 8.<> Toda a memoria ou documento enviado ao Instituto para deposito temporário na arca do sigiilo deve ser lacrado pelo. próprio autor, c virá acompanhado de uma carta ao secretario com a«signatura do autor ou de pessoa conhe- cida, com declaração do tempo em que deverá fazer-se a aberto e lido o meemo documento.

§ d."" Chegado o tempo da abertura das cartas ou documen- tos, o presidente do lostituto convocará sessão para a abertura da arca de sigiilo, e depois de extrahido e verificado o manu- scripto, segundo a carta que o acompanhou, será aberto e lido, si não for muito longo, caso em que proseguirá a leitura nas sessões seguintes.

§ 10. Terminada a leitura da memoria ou documento, o In- stituto, antes de dar- lhe o conveniente destino, submettel-o-ha à apreciação da oommissão respectiva, conforme o caracter do documento.

CAPITULO VIU

DISPOSIÇÕES GEIULlslS

Art. dl. Sempre que o Instituto renovar annnalmente o pessoal de sua direcção oommunicalo-ha ao Qoverno Federal por offlcio escripto e assignado pelo presidente ou pelo l^ secretario.

iUECfiPÇÀO DE NOVO0 SOCloe

Art. 62, Quando algum novo sooio vier tomar assento, preve- nirá ao secretario com 8 dias de antecedência. No dia da posse o presidente fará breve allocucão de apresentação do reoipien- dario, o qual lerá o seu discurso de admissão, a. que responderá o orador.

ACTAS DAS SKSSÕfiS DB 1906 856

A allooução do presidente o os discursos do recipiendario e do orador sorão insertos na aota.

Paragrapiío único. O sócio eleito não tomará posse, nem será como tal matriculado no livro competente* sem que ezhiba o seu diploma e sem que haja satisfeito as contribuições devidas.

FàLLECIMENTO DB SÓCIOS

Art. 63. Nos enterros de membros do Instittito far-se-ha este representar, sempre qne Ibe chegar a tempo a participação.

Art. 64. Na primeira se^isão que se eSeotuar depois de conheoido o faliecimento de qualquer socíj, lançar-^eha na acta um voto de pesar, podendo qualquer membro presente i sessão referir-se ao finado em succintas palavras de condolência e da louvor.

COMMSMORAÇÃO E PRBMIOS

Art. 65. No dia 5 de dezembro, anniversario do faliecimento do seu inesquecível protector o Sr. D. Pedro II, o instituto estará fechado.

Art. 66. Ficam creados dous prémios aunuaes sob as deno- minações: premio Pedro II o premio conselheiro Olegário. O pri- meii*o, em signal de imperecivol gratidão e reconhecimento á memoria do seu grande protector, será para recompensar a melhor monographia das que concorrerem ao mesmo especi- ficadamente, e constará de uma medalha de ouro. O seguado, em atten^ aos assíduos e notáveis serviços prestados ao Insti- tuto pelo presidente conselheiro Olegário Herculano d' Aquino e Castro, será concedido á melhor memoria lida no anno anterior, em sessão do Instituto, e constvá de uma medalha de prata. Paragjrapho unico. A commiss&o de ^^tatirtos e redacção rcgolamentaj^ 9 procedo para a eonowaão destes premieo.

DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Art. 67. Emquanto existir numero de sócios effectl vos, cor- respondentes ou honorários, excedente ao que fica acima fixado para cada classe, não haverá novas admissõed.

356 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Art. 68. Os sócios actuaes que passarem do referido numero gozarão de todas is regalias como atô aqui e est&o si^eitos aos mesmos encargos.

Art. 69* Aos sócios incursos na comminaçio do § do art. 43 dos estatutos de 1 de agosto de 1890 será marcado o prazo de 60 dias para solverem os seus débitos.

§ l.<> Esse prazo será. contado da datado offlcio» circular que o thesoureiro dirigirÀ aos referidos sócios.

§ 2.0 A falta de resposta a esse officio-circular ou a recusa na satisfação dos débitos importara na applicagão immediata da pena èm que incorreram, nos termos dos antigos estatutos.

Art. 70. A Directoria organizará, dentro de 90 dias, a nova lista geral dos sócios, de inteiro acoôrdo com as disposições que ora ficam consignadas.

Art, 71. Approrados estes estatutos pela assembléa geral, e approvada a sua redacção, também pela assembléa geral, entrarão elies em vigor sendo as commissões completadas com os membros das que forem eztinctas« a jaizo do presidente, a quem se outorgam para esse fim os mais amplos poderes.

Paragrapho único . Dentro de 30 dias da approvação deverão estar impressos os presentes estatutos que serão competente- mente registrados e distribuídos.

Art. 72. Para reforma dos estatutos será necessário que os membros da oommissão de estatutos e redacção, ou 12 sooios» a reclamem por escripto, e que a assembléa geral a conceda, ouvindo previamente a mesma Oommissão no caso de não ter sido promovida por esta a reforma de que se tratar.

A Oommissão de Estatutos e Redacção, de conformidade com o resolvido na assembléa geral convocada a 9 do corrente, apre- senta a redacção, que elaborou, dos novos estatutos.

Rio, 14 de abril de 1906.— Dr. Alfredo Nasoimenio, Relator. '^Conde de Affonso Celso, Capiitrano de Abreu.

O Sr. Dr. Manoel Barata, apreciando devidamente o trabalho da commissão, julga, entretanto, necessário apresentar alguma^ entisndas á reidacção, o que fáa justiâcando-a amplamente.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 357

Sfto estas as suas emendas :

« Ao art. 1 Redija-se do segaiate modo: <0 Institato His- tórico e Qeograpbico Brazileiro, f andado em 21 de outubro de 1838, tem por fim, investigar, colligir, estudar, divulgar e arohivar os documentos concernentes á historia, geographla, ethnographia e archeologia do Bra&l.>

Art. 2.<» Para oonsecu^o do fim a que se propõe, o Instl- tuto manterá uma bibliotheca, mnsou e arcMvo, e procurará estabelecer correspondência com as sociedades nacionaes e es- trangeiras de igual natureza.

Art. 7.*" § 1.0 RediJa-se assim : cApresentar trabalho pró- prio e valioso sobre a historia, geographia, ethnographia ou archeologia do Brazil ou deqaalquer outro paiz.»

§ 2.0 Supprima-se por superflao.

§ 3.*» Diga-se: «§2.^»

Art. 16' Rediija-se assim : «Os sócios do Instituto têm como distinctivoB um coUar e medalha de ouro e uma roseta de côr azai celeste.»

Art. 23 § 6.0 Redija-se assim : «Commissão ethnographica e archeologica.>

Art. 60 § 8.0 Redija-se assim : Qualquer memoria ou documento enviado ao Instituto para deposito temporário na arca do sigillo, deve vir lacrado e acompanhado de uma carta do lo Secretario, assignada pelo autor ou por pessoa conhecida, com declara^ do tempo em que deverá ser aberto e lido o mesmo documento.

g 9.0 Chegado esse tempo, o Presidente do Instituto convo- cará sessão. . . O mais oomo está».

O Sr. conselheiro Cândido de Oliveira apresenta á emenda do Dr. Manoel Barata, quanto à redacção do art. lo, a seguinte sub-emenda : depois das palavras ethnographia e archeologia, diga-se principalmente do Brazil.

O Sr. Alcibíades Furtado justifica a seguinte emenda quanto á redacção do art. 1°. Redija-se assim o art. r: «O Instituto Histórico Qeographico Brazileiro, ftmdado em 21 de outubro de 1838, tem por fim proceder a estudos e investigações no to- cante á historia, geographia e ethnographia do Brazil e colligir ,

358 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

classifl( ar e dar à publicidade documentoe concernentes a iaes assnm tos.»

O ^r. Dr. Alfredo Nascimento deelara que, como relator da OoTnmis^U) de Bstatatos e RedaoçSLo, nada tem a oppdr as emendas offerecidas.

O Sr. Presidente põe a Totos as emendas apresentadas pelo Dr. Manoel Barata.

SSo todas approvadas.

O Sr. Presidente pde a votos a snb-emenda do Sr. cons^ Iheiro Cândido de Oliveira, a qaal éapprovada, ficando, portanto, pretndlcada a emenda oíTereeida pelo Sr. Furtado.

O Sr. Dr. Atft^o Nascimento declara que ainda tem dnvl- das quanto á redac^Slo que se deve dar ao § 6* do art. 58 e ao art. 66, pois qae em ambos lia referencias a prémios do Instituto.

Fica resolvido que ao § 6<» do art. 58 se acoresoente as segointes palavras : e bem assim aos prémios oonstantei do art. 66.»

B que o art. comece pelas seguintes palavras : «Além dos prémios constantes do § 6* do art. 58, etc.»

O Sr. Presidente põe a votos a redacção dos Bstafutos com as emendas approvadas, e a assembtéa por unanimidade, con- cede a approvacSo.

O Sr. Arthur GuimarSes, thesoureiro, consulta desde quando o augmento dos vencimentos dos Amccionarios do Instituto deve ser contado.

A assemblôa resolve que o augmento vigorará da data da publicação destes estatutos no Diário Offteiàf.

O Sr. Presidente susp2nde a sessão por trinta tninutos para so lavrar a acta da presente Assembleia.

Reabre-se a sessão ás S 1/8 para leitura da acta que (^ approvada om seguida.

Nada mais havendo a tratar o Sr. Presidenta declara eneet- rada a assembléa geral levantando-se a sessão ás 4 horas da tarde.

Alcihiadêê fUriado, Secretario.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 359

SKSSÃO ORDI VARIA EM 16 DE ABRIL DE 1906 Presidência do Sr. Marqiiez de Paranaguá, (i° vice-presidente)

Ali 3 l/â horat da tarde, presentes os Srs. Marquez de Paranaguá, Max Fleiuss. Alcibíades Fartado, Arthur Gaimarães, Dr. Manoel Barata, conselheiro Cândido de Oliveira, conse- lheiro Sousa Ferreira, Dr. Alfk*edo Nascimento, Carlos Lix Klett, conselheiro Salvador Pires, Eduardo Marques Peixoto e Dr. António da Cunha Barbosa, abrese a ses^o.

O Sr. Furtado, %" Secretario, a acta da 3" sessão ordi- nária, realizada a 26 de março ultimo, a qual ô sem debate approvada.

O Sr. Fleiuss, !• Secretario, comraunica que o Sr. conse- lheiro Aquino e Castro, Presidente do Instituto, por justo mo- tivo deixa de comparecer.

O mesmo Sr. Secretario o seguinte expediente:

Oí&cio do Sr. Cônsul Geral da Republica Argentina, datado de S8 de março ultimo, enviando o « Boletim de la división de immigración de la Republica Argentina», correspondente ao anno do 1905. Agradeoe-se.

Offlcio do Sr. conselheiro Cândido de Oliveira, nos seguinte termos:

«Illm. eExm. Sr. Confirmando a declaração feita em nossa primeira sessão ordinária do corrente anno, offereço para o Gabinete de Estampas do Instituto, a que tenho a honra de pertencer :

76 retratos de S. M. o Imperador D. Pedro II.

6deS. M. a Imperatriz Sra. D. Thereza Maria Chrístina.

3 do primeiro Imperador Sr. D. Pedro I.

4 de S. A. Imperial a Sereníssima Condessa d'Eu. 4 da finada Princeza D. Leopoldina.

7 do Sr. Conde d*Eu.

2 da finada Rainha Sra. D. Maria II, irmã do Sr. D. Pedro V.

2 do finado Príncipe Imperial D. Affonso.

1 da Rainha D. Kstepbania, mulher do Sr. D. Pedro V.

360 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

I do Conde de Aquilla .

1 de D. Adelaide, casada que foi com D. Migael.

2 da familia Imperial do Brazii.

€0s retratos do Sr. D. Pedro 11 correspondem a diversas épocas da sua yida, algans delles diffleil mente poderio ser encontrados.

Colleocionados por am distincto bibliophilo, o finado eom- mendador José da Cunha Porto, não posso dar melhor destino a esses documentos, que recordam a hUtoria do magnânimo protector da nossa associaç&o, do que ftLzendo*os guardar em o archlTo. Sou oom estima de V. Ez. iilm. Sr. conselheiro Ole- gário Herculano de Aquino e Castro, dignisdimo presidente do Instituto Histórico e GeographLoo Brazileiíx), conflrade e amigo. CanUido Luiz Maria de Oliveira^ Rio de Janeiro, %7 de março de 1006.»— Inteirado. Agradece-se.

O Sr. Furtado, 2f* Secretario, as offertas.

O mesmo Sr. Secretario as seguintes propostas:

< Propomos para sócio correspondente do Instituto Histórico e GoQgraphioo Brasileiro o Sr. Dr. Arthnr Orlando, natural de Pernambuco, bacharel em direito, oom 46 anãos de idade, lente da Academia de Direito de Pernambuco, membro da Aca- demia de Letras do Pernambuco, autor de varias obras, entre as quaes sobresahem Ensaios de Critica, Novos Ensaios de Philo» critica, sobre assumptos de critica, historia, philosophla e di- reito, as quaes servem de base a esta proposta.

Rio, 16 do abril de 1905.— Barão de Alefhcar.— Muardo Marques Peixoto,— Âleibiades Furtado, ^-^ A* Comroissão de His- toria, relator o Sr. conselhjiro Cândido de Oliveira.

< Propomos para sócio correspondente do Instituto Histórico e Geographico Braziieiro o Sr. conselheiro Dr. Bernardino Luiz Machado Oulmarães, lente cathedratico da Universidade de Coimbra, autor de obras notáveis, sobre historia e pedagogia. offerecidas ao Instituto.

Rio, 16 de abril de 1900,-— Arthur Guimarães,^ Max Fleiuss.^ Dr. Alfredo Nascimento. Cândido de Oliveira. Manoel Barata, Sylvio Romero,> A' CommissSodo Historia» relator o Sr. Dr. Leite Velho,

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 361

O Sr. Secretario o seguinte parecer da Commissão de admisa&odesocioe:

< A Commissão de admissão de sócios tendo examinado a proposta apresentada em sess&o de 26 de março altimo, pela maioria dos membros da mesa, de conformidade com o art. 11 dos B&tatutos e por dlyersos outros consócios, é de parecer que seja aceito como sooio honorário, uma yez que rdune as con- dições exigidas no art. 10 § 1<>, Monsenhor D. Júlio Tonti, NuDcio Apostólico no Brasil.

Sala das Commissòes, 14 de abril de 1006.— Dr. Manoel Cí- cero Peregrino da Silva, relator.— Henriqtie Raffard, Barão de Alencar. >

Fica para ser yotado na sessão seguinte.

O Sr. Fleiuss, 1^. Secretario, communica que dirigiu uma circular a diversas companhias de seguros, solicitando infor- mações sobre o premio que pagaria o Instituto sobre um seguro de 150:000$000. Recebeu resposta das seguintes companhias: BquUaUwi dos Estados Unidos do Brasil^ marcando a taxa de 3/8 Vo ao anno ; Mercúrio, na mesma taxa ; London à Lan- eashir$Fire Insurance O., na mesma taxa; Pr&9identê, re- cusando o seguro por jái ter o da Directoria de Estatística, sem o que a taxa seria de 3/4 «/o ; Confiança^ recusando pelos mesmos motivos, sem o que tomaria apenas 50:000$ e á taxa de 1/2 't Vera Cruz, recusando pelos mesmos motivos.

O Sr. 1* Secretario demonstra a necessi^lade de se realizar o seguro do Instituto. Isso, em caso de sinistro nio recompen- saria o inestimável valor do nosso archivo, bibliotheca e museu, mas seria pelo menos uma compensação.

A propósito fazoin observações os Srs. Dr. Manoel Barata, oonselheiro Cândido de Oliveira e Arthur Ouimarâes.

O Instituto resolve fazer o seguro, incumbindo, por pro- posta do Sr. Secretario, o Sr. Arthur Ouimarães, thesou- reiro, em vista de sua posição no commerolo desta Capital, de tratar do assumpto, participando na primeira sessão o que houver feito.

O Sr. Eduardo Marques Peixoto procede á leitura de um documento antigo, sobre a apanha de cães no Rio de JaoeirOt

362 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

O Sr. Fleiofls, 1"* Secretario, disque o iUustrc consócio Dr. Orvilld Derby prometteu enviar um trabalho sobre a Serra do Espinhaço^ podendo, talvez, ser lido na próxima sessSo.

O Sr. Fleioss, Secretario, oommunica ainda que a com- missão nomeada pelo Instituto para dar as boas vindas á Sua Bminencia o Sr. Cardeal D. Joaquim Arooverde, nosso prosado consócio bonorariot dirigiurse a bordo do vapor Sardegna, dando cumprimento ao grato dever, tendo sido carinhosamente acolhida por Sua Eminência, que se referiu ao Instituto com palavras de interesse e louvor.

Nada mais havendo a tratar, o Sr. Presidente levanta a sessão, declarando que a 5^ sessão ordinária se realisarã no dia 30 do corrente ás 3 horas.

Levantasse a sessão ãs 4 l/ã da tarde.

Alcibicides Furtado Secretario.

Rgl.AglO DAS OFFBRTAS APRESENTADAS NA SBSSio EXTRAORDINÁ- RIA DE 15 DE ABRIL DE 1906

Voyages auz Provinoes Brésiliennes du Pará et des Ania- zones en 1860, oflèrta do Dr. A. P. de Sousa Pitanga.

Révue de Piore du Brésil meridional, por M. M. Auguste de Saint-Hilaire, offerta do mesmo 8r. (dous fascículos extra- hidos dos annaes de Sciencias Naturaes 1842) .

Navegação Pranca dos Rios Paranapanema, Paraná, Ivi- nheima e Brilhante, por Sduardo José de Moraes, oflterta do mes- mo senhor.

Sur les fleurs males du Vallisnerla Splralis, L, par M. Ad. Chatin, oflérta do mesmo senhor.

Estudos sobre o Amazonas. Limites do Estado, por Tor- quato Tapigoz, offerta do mesmo senhor.

Província do Espirito Santo, sua descoberta, historia chro- nologica, synopsis e estatística por Brasilio Carvalho Daemon, offerta do mesmo senhor.

Ligação da província de S. Paulo ao Rio S. Francisco, Ca- minho de Perro Preferível, por J. Ramos de Queiroz, offerta do mesmo senhor.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 363

Roteiro da yiagera da cidade do Pará, até aa ultimas coló- nias do sertão da provinoia, cscript ) na Viila de Baroellos, pelo padre dr. José Monteiro de Noronha, oíferta do mesmo se- nhor.

ProTinola do Espirito Santo por Pessanha Póvoa, oftota do mesmo senhor.

Voyage dans le Disirict des Diamants et sur le littoral du Brésil, por M. Angoste de Sainte-Hilairo, offerta do mesmo se- nhor.

Demonstração da cansa do Fluxo e do Refluxo do mar ou O Meohanismo das Marés por José Joaquim de Gouyea, offerta do mesmo senhor.

Vida do Duque de PalmoUa D. Pedro de Souza e Holstein, por Maria Amália Vaz de Carvalho (volume III).

As Religiões no Rio, por Paulo Barreto (João do Rio).

Revista da Commissão Archeologica da índia Portugueza, volume II, ns. 11 e 12 (O Oriente Portuguez).

Notas Dominicaes 1816, 1817, 1818. Traduzidas do manu- soripto francez inédito por Alfredo de Carvalho.

Annuario de Minas Geraes de 1906.

Anouario Estatístico de S. Paulo, 1002.

Serviço de Estatística Commercial Importação e Exportação de 1904.

Mitteilungen der Geographischen Gesellschaítin Múnchen Erster Band 3 Heft.

Revista Marítima Brazileira n. 6.

Boletim da Agricultura pela Secretaria da Agricultura do Es- tado de S. Paulo.

Annuario publicado pelo Observatório do Rio de Janeiro para o anno de 1906, anno XXII.

The Instituto of Commercial Research in the Tropics Li- verpool University.

Qaarterly Journal.

Annaes da Bibliotheca e Archivo Publico do Pará.

Revista Militar n. 1 e 2.

Revista Marítima Brazileira n. 7 e 8.

Revista Commercial e Financeira n, 538.

364 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Annales dei Museo Nacional de México Segunda Época, tomo Illn. I.

Revista Mensal de la Gamara Mercantil de Avelaneda (Boe- nofl Ayres) n. 67.

Pelas redacções os segnintes Jomaes : O Reformador^ O Sêeulo, O Jornal do Recife^ Diário do Rio Grande^. Portugal Moderno, Correio do Pow,

SESSÃO ORDINÁRIA EM 30 DE ABRIL DE 1906 Presidência do Sr. Conselheiro O. H. de Aquino e Castro

A'3 3 horas da tarde, presentes os Srs. Conselheiro Aqaino e Castro, Marquez de Paranaguá, Max Fleiuss, Rocha Pombo, Eduardo Marques Peixoto, Arthur Guimarães, Conde de Affonso Celso, Dr.Manoel Barata, Conselheiro Salvador Pires, Henrique Raffard, Drs. Manoel Cicero, Josó Américo dos Santos o Antó- nio da Cunha Barbosa, abre-se a sessSLo.

Não se achando presente o 2o Secretario, Dr. Alcibíades Fur- tado, que por motiyo Justo deixa de comparecer, o Sr. Presi- dente designa o Sr. Rocha Pombo para substitnil-o.

O Sr. Rocha Pombo, servindo de 2* Secretario, a acta da sessão anterior, a qual é sem debate approvada.

O Sr. Presidente diz que tem a communlcar ao Instituto o fkllecimento do sócio correspondente Manoel Barnabé Monteiro Baena, entrado para o Instituto em 3 de novembro de 1905.

O doloroso acontecimento foi-lhe ha pouco participado pelo prezado consócio Dr. Manoel Barata, que sobre o facto forneceu as seguintes informações :

Snocumbio também ante-hontem, 3 de abril de 1906, nesta capital, victimado por um accesso palustre, o coronel da Guarda Nacional Manoel Barnabé Monteiro Baena, nosso estimável con- cidadão e um dos mais hábeis, intelligentes e dedicados mem- bros da burocracia paraense, de que uma Justa aposentadoria o afastou ha alguns annos jã.

« O coronel Baena, que contava 63 annos de idade, era natu- ral des^fC Estado, filho do tenente-coronel António Ladisláa Monteiro Baena, autor do Compendio das Eras da Província do

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 365

Pará^ do Ensaio cTiorographieo sobre a provinda do Pará e de outros trabalhos, e sócio correspondente do Institato Histórico e Geegraphico BrazUeiro ; e de D. Maria do Carmo Siqueira Baeoa, fallecidos.

cNo passado regimen militara nas Aleiras do partido conser- vador, em cujo seio gozava da estima dos seus correligionários.

< Proclamada a Republica, flliou-se ao partido republicano, tendo sido um dos mais dedicados o idóneos servidores da admi- nistração Sodr6, na qual desempenhara o cargo de secretario do Governo.

€Era um espirito cultivado e methodico e deira, entre outras obras, uma de utilidade gerai o índice da legislação do Estado,

« Os funeraes do Ulustre paraense, ctga morte enluta uma das mais antigas e respeitáveis famílias, reaiixaram-se hontem À tarde, sendo bastante concorrido.» {Folha do Norte^ de Belóm do Pará, 5 de abril de 1906 . )

Manoel Barnabé Monteiro Baena deixou os seguintes tra- balhos publicados :

€lnfàrmãções sobre as comarcas da Propincia do Pard.(Pará, typ. de Costa Júnior, 1883, 1 vol.)

Índice alphàbeUco da legislação da Província da Pará, de 1854 até 1880. (Pará, 1880, 1 vol.)

< índice alphabetico da legislação da Provinda do Pará (de 1880 a 14 de novembro de 1889, (B^ém, 1865, 1 vol.)

€lndice alphabetico da legislação do Estado do Pará de (15 de novembro de 1889 a 1893. (Belém, 1894, 1 vol.) Alóm destes, deixou inéditos outros trabalhos.

Serviu por muitos annos, durante a monarchia, na Secre- taria do Governo provincial, sendo aposentado depois da pro- clamação da Republica no logar de director geral da mesma secretaria.»

O Instituto fiBus inserir na acta um voto de profundo pezar pelo Mlecimento do digno consócio.

O Sr. Pleiufis, 1* Secretario, dix que o ezpodiente consta de um offiMo, datado de 25 do corrente, do Sr. general Josó de Siqueira Menezes» eommandante gerai da Força Policial, olfero*

d66 RBVIStA DO INSTITUTO HISTOEIGO

oendo para o muflea do lastitato & Poria-janeUà, rolgarmente conheoida, da Roda, ezivtente no ediflcio em que pof longos annos estoTe installada a Cata das Eapotíos. O iDftituto agradece essa offerta.

O Sr. Pnefidente diz qoe reoebea do oonsoelo Dr« All)erto de Carralho o seguinte offlcio s

Bxm. Sr. Presidente do Instituto Histórico e Qeographico Brazileiro^ Este Instituto, inspirado sempre nos elevados senti- mentos que lhe diotam o seu amor á historia e as soas inolvidá- veis tradições, dignou-se prestigiar com o seu valioso apoio a suhscripção que|o Jornal do Commêrcio tio meritoriamente ia- ioiou a (ávor do tumulo de Pedro Alvares Cabral, cuja ooQõerva- ção deve ser amparada por um verdadeiro culto nacional.

< No intuito de chegar a um resultado pratieo, parece«-me acertado que s^a remettido o produotd da suhsorlpçfto á Socie- dade de Geographia de Lisboa, pedindo áqutf la elevada corpo* ração scientiflca que se digno tomar a si o encargo de mandar preparar «ooa cercadura de mármore ou de bronco, que sirva do resguardo & pedra tumular que fecha a campa do descobridor do Brazil, ezecutando-se, porém, a obra de modo a n&o ser mo- dificado o aspecto primitivo da referida campa, tal qual existe desde a sua fUndaçio, porque deve ser escrupulosamente con- servada a sua feição histórica.

Espero que esta soluçAo, com a qual está de «Moordo a i ilustrada redacção do J&rnal do Commêrcio, merecera a appra- vaçãode V. Ez.— Bxm. Sr. Conselheiro Dr. Olegário Herculano de Aquino e Castro, Dignissimo Presidente do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro. »

Rio, 25 de abril de 1906» ^rio de Carpoího.^

O Instituto resolve que o Sr. Presidente providencie are- speito, como Julgar mais acertado.

O Sr. Rocha Pombo, servindo de 2* Secretario, as ofiertas. Nessa oocasi&o õ Sr. Presidente entrega o IX Tolnfiie da Oenea- logia Paulistana, do Sr. Dr. Luiz €k>nzaga daSllva Leme, que lhe foi remettido pelo autor.

O Sr. Presidente di2 que devendo ser pnMicados no Diário Of/kiai, iram dos pfinieiroe dlai de mes prosúiMr os noves E^*

ACTAS DAS SESSÕES DB 1906 367

tatiitos, afiproTados pela Aasemblóa Geral de 9^16 do corrente, flcam eztinctos as Conunisaoes sabsidiariaa do Historia e de Qbo- graphia, bom como as de pesí^uizas de Manusoriptoe e a de Bio- graphia, passando as oatras commiftsões a ter cinoo membros, de aocordo com os novos Estatatos. De conformidade com a autorizaçfto qne lhe foi outorgada pelo art. 71 desses estatutos, delibera que as sete commisãOes permanentes fiquem consti- tuidas do seguinte modo:

Fundos e Orçamentos Visconde de Ouro Preto, Dr. José Américo doa Santos, major Belisario Pernambuco, Barão de Paranápiacaba, conselheiro Salvador Pires do C. Albuquerque.

Estatutos ê Redacção Conde de Affonso Celso» Capistrano de Abreu, Dr. Alfredo Nascimento, Dr* Manoel Cioero e Max Fleiuss.

Historia Visconde de Ouro Preto, conselheiro Cândido Oliveira, Dr. Leite Velho, Dr. Syivio Romero o Joié P. da Ro- cha Pombo.

Qoographia Marquez de Paranaguá, Barão Homem do Mello, Dr. José Américo dos Santos, Arthur GuimaríMs e Dr. Rodrigo Octávio.

Manuscriptos ^ José F. da Rocha Pombo, Barão de Paraná- pia4)aba, Dr. António da Canha Barbosa» Dr. Manoel Barata e Eduardo Marques Peixoto .

Etknoffraphia o Archeologia -«- Dr, Syivio Romero, Dr. Bar- bosa Rodrigues, Dr. Epitacio Pessoa, Dr. Souza Pitanga e Dr. Alcibíades Furtado.

AdnUssOo de sócios Henrique Raflkrd, BariU> de Alenoar, Dr. Manoel Cioero, Conde de Affonso Celso e Dr. Maneei Bft* rata.

O Sr. Fleiuss, !<» Secretario, deve communioar ao instituto que ha dias convidou os Sos. Drs. J. J. Seabra e Leopoldo de Bulhões, dignos Ministros do interior « da Faienda, para verem o adiantamento das obras de radical tranaftmnaçfto por que eetá passando o edifioio do instituto.

O Sr. Dr. Seabra recebeu-o com a delieadMa que lhe á pro* verbial, e terminou diíeodo :

« 09 se«borsi eitio íintWrtlne oem Jis tímm ? »

368 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Respondea-lhe o orador que 8im» qae tado corria perfeiU- mente, tanto por parte do distiocto engenheiro do Minist rio, Dr. Franoisoo Aagusio Peixoto, que com folicitade acompa- nhava os trabalhos, tanto por parte do architecto-constmctor Sr. Miguel Bruno. «Pois entfto, volveu o digno Ministro, estou também satisfeito ; desejo que tndo se fò/ga de accordo com 08 senhores.»

O Instituto reconhecerá que não se podia ser mais gentil.

« O Sr. Dr. Leopoldo de Bnlh(Ses, Ministro da Fazenda, do cuja amisade o orador se orgulha, mareou o dia 24 do oorrente, para a sua visita.

< De facto, nesse dia, ás 10 horas da manha, o Sr. Ministro da Fasenda, em oompanhia do orador dirigiu-so ao ediíloio do Instituto, examinando-o com o empenho que o verdadeiro interesBe sabe dlctar.

« Em sua demorada visita foi o Sr. Dr. Bulhões também acompanhado pelo illustre bibliotheoario do Instituto, Dr. Vi- eira Fazenda, e pelo digno engenheiro do Ministério do Interior, Dr. Peixoto.

« Qrata foi a impressão causada no animo do honrado esta- dista, que novas provas deude sua protecção ao Instituto.»

O Sr. Presidente diz que o Instituto recebe com o mais espe- dal agrado estas noticias.

O Sr. Rocha Pombo, servindo do 2" Secretario, a seguinte proposta :

Propomos para sócio eíTectivo do Instituto o Sr. Paulo Barreto, natural desta cidade, de 88 annos, jornalista e literato, autor de diversas obras, entre as quaes a intitulada Raigiões no Rio^ offerecida ao instituto.

Sala das sessOes, 90 de abril de 1906.— Rocha Pombo. Senripãe Raffàrd. Conde de Áffónso Ceiio. Arf&ur Oti«- marOês. -* M. fUiuu.>^ A* Commissio de Historia, relator o Sr. Dr. Sylvio Roméro.

O Sr. Fleiuss, !<> Secretario, o seguinte parecer da Oom- missão Subsidiaria de Historia :

A Commissão Subsdiaria de Historia tendo examinado a memoria maDUioripta, apresentada pelo Sr. Dr. José Pereira

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 369

Rego Pilho, sobre a Viagem do paquete Brasil, e á. qual acom- panhou ama proposta subsoripta pelos Srs. Henrique RaflBiftrd, Cunha Barbosa, Eduardo Marques Peixoto e Rocha Pombo, para ser o mesmo Sr. Dr. Rego admittido como sócio correspondente do Instituto, é de parecer que o trabalho offerecido reúne as condições precisas, contendo paginas em que são desoriptos com fidelidade e brilho alguns pontos do litoral, estudados também quanto á sua parte histórica e geographica.

Assim, pensa a Gommissâo que o Sr. Dr. Josó Pereira Rego Filho pôde ser eleito sócio correspondente do Instituto.

Rio, 28 de abril de 1906. If. Fleiust. relator. Conde de Affonso Celso. Rocha Pombo, "k

^ B' approvado e remettido À Gommissfto de Admissão de Sócios, relator o Sr. Dr. Manoel Barata.

Gorrendo-se o escrutínio, para vota^ do parecer da Gom- missâo de Admissão de Sócios, lido na ultima sessão e relativo a Monsenhor D. Júlio Tonti, Núncio Apostólico de Sua Santi- dade no Brazil, é o mesmo approvado por unanimidade de votos e, aoto continuo o Sr. Presidente proclama D. Júlio Tonti sócio honorário do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro.

O Sr. Fleiuss, H Secretario, communica que o Sr. Dr. Leo- poldo de Bulhões, Ministro da Fazenda, mandou fornecer ao Instituto 08 volumes que fkltavam da colleogão de Leis*

O Sr. Presidente diz que o Instituto muito agradece.

Nada mais havendo a tratar, levanta-se a sessão &s 4 horas da tarde.

Rocha PombOy servindo de 2^ Secretario.

OFFEHTAS APRBSRNTADÂS NA SBSSiO ORDINÁRIA, EM 30 DE ABRIL DE 190Ô

Pela Repartição de Estatística e do Archivo de S. Paulo Annuario Estatístico de S. Paulo ( Brazil ) 1903.

Pelo Dr. João Luiz Alves Tarifadas AlfaiUdegas de 1905 e 1906.

4323 24 Tomo lxix. p. ii.

370 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Pelo Dr. MiniDg03 Jagra&ribe— Radiação dos Efílu^ios Hu- manos. Estudo-^ Psyehologih Physiologica, 6 fascicalos*

Pelo Dr. Alfredo de Garvalho Phrases $ Paksoras.

Pelo Coronel Fernando Alvares da Costa ^ La PaUs l'Union OniverseUe,

Pelo professor Dr. Hermann von Ihering The AfUhropo- logy ofihe State of S. Paulo^ Brasil.

Pelas redacções os Revistas seguintes : Revista Medioo- Cirargica do Brazil n. 3 do anno de 1906.

Revista Commereial Pinanoeira n. 544 do anno 1906.

Periódico mensal O Trabalho pela Assooiaoão da Egreja Evangélica Brazileira n. 3 do anno 1906.

Pelo Apostolado da o Boletim semanal Orujsada n. 31 do anno de 1906.

Pela Maçonaria Braiilelra o Boletim do Grande Oriente do BrasU n. 1 do anno de 1906.

Pelo International Barean of the American Republics Mònthly BuUetin.

Par la Chambre de Commeroe de UAmérique Latine à Paris Les Bulletins n. 8, em duplicata, do anno de 1906.

Pela Societél QeograAca Italiana BoUetlno n. 4 do anno de 1906.

Pela Geographisohen Goeellsohaft in Bremen o Deutsche OeograpIUsche Blâíter^ n. 1 do anão do 1906.

O n. 3 do Zeitschrift der Gesellschaft fur Erdkunde 2u Berlim.

Pelas redacções, os jornaes seguintes : Jornal do Recife^ O SeeulOf Portugal Moderno, Mala da Europa 08 ns. 23, 26 e 28, Correio do Povo,

N. 2 de Los Anales dei Museu Nacional de México Se. gundaE*poca.

Pelo Sr. Luiz Gonzaga da Silva Leme > o 9<» volume da G0. nealogia Paulistana.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 371

SESSÃO ORDINÁRIA EM 14 DE MAIO DE 1906 Presidência do Sr, Conselheiro O, H, Aquino e Castro

A's3 horas da tarde, presentes os Srs. Conselheiro Aquino e Castro» Barão Homem de Mello, Max Fleiuss, Alcibíades Furtado, Arthur Quimarães, Rocha Pombo, Eduardo Marques Peixoto, Dr. Manoel Barata, Conselheiro Salvador Pires, Dr. Alberto de Carvalho, Belisario Pernambuco, Dr. Josô Américo dos Santos e Dr. A. da Cunha Barbosa, abre-se a sessão.

O Sr. Furtado, â» Secretario, a acta da sessão anterior, a qual ó sem debate approvada.

O Sr. Presidente communloa» nos seguintes termos, o fal- lecimento do soclo bemfeitor o Sr. Visconde de Rodrigues de Oliveira : < Senhores. A infausta noticia, que inesperadamente chegou-nos, de haver fallecido o nosso distiocto consócio Sr. Visconde de Rodrigues de Oliveira, a 6 do corrente, em Paris, veio augmentar o numero, infelizmente crescido, de sau- dosos companheiros arrebatados pela morte, no desastroso anno que corre.

« Não pela sua illustração e patriotismo revelados em seus importantes trabalhos de reconhecido valor para a nossa his* toria, especialmente áobre as condições económicas e financeiras do Brazil, como pelo extremoso apreço que votava ao Instituto Histórico, por mais de uma vez beneficiado com os valiosos auxilies que lhe foram generosamente prestados, recom- mendou-se o nosso finado sócio bemfeitor á estima e gratidão do Instituto, que hoje com o paiz deplora a perda do servidor pres- tante e dedicado.»

O Instituto Histórico, como é de rigoroso dever, faz inserir na acta da presente sessão um voto de profundo pezar por tão lamentável acontecimento.

O Sr. Fleiuss, Secretario, diz que o expediente consta do seguinte ofiScio do Sr. Núncio Apostólico :

Petrópolis, le 4 Mai 1906. Monsiour le Secrétaire de rinstitut Historique et GéographiqueBrésilien. J'ai Thonneur d'accuser réception da diplome me nommant membre honno-

372 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

rairede 1' Institui Historiqae et Qéographique Brésiiien qui m'a été remis par Mr. le Comte AíFonso Celso, oomme V. E. me rannoDcait dans soa office da 2 oourant. Ne oomiaissant pas de posseder aucan titre qae poarait moriter cette haute distiaction, jesuls d^aatant pias touchó et profondement confonda du tómoignage de sympathie qu'oQt bien voulu me doimer 4 ronanimité las membrês de rioatititut dans la séance da 30 Avril dernier.

<Je prie V. E. d'ôtre Tinterprôte de ma plus vive reconuais- saDoe auprès des membres de Tlostitut et leâ assurer qae je suis toate entier á leur dispositlon. Remeroiant V. £. de la com- munioation que m'a adressó en termos aassl lionoriflqaes, je la prie d'agréer rassurance de mapiui haute ooosideratlon.— * JUUH, Arche^que d'Aneyre, Nonee AposMique^ A' S. E. MOD- sieur Mai Pleiuss, Premier Seorétairc de Tlastitat Historiqae et (féograpbique Brésiiien.»

O Sr« Presidente diz que o Instituto fica inteirado.

O Sr. Conselheiro Salvador Pires diz que, em vista do oon* ▼ite que recebeu do Secretario, representou o Instituto His- tórico na sessão magna eflèctuada pelo InsUMo da Ordem das Advogados BroMileiros em homenagem á memoria do Sr. Barão de Penedo.

O Sr. Rooha Pombo justidca a falta de comparecimento do Sr. Marquez de Paranaguá.

O Sr. Presidente diz que o Sr. Dr. Josó Carlos Rodrigues, digno director do Jornal do Commercio^ acaba de enviar-lhe a quantiade:2í:436$300, priMluoto da subscripção, promovida por aquella folha, para a conservação do tumulo de Pedro Alvares Cabral, ein Santarém, quantia esta que é immediatameute en- tregue ao Sr, Thesoureiro do Instituto para ser remettida á Sociedade de Geographia de Lisboa^ afim de ter a applicacão de- vida e conforme a proposta apresentada pelo consócio Dr. Al- berto de Carvalho.

Fica também o mesmo Dr. Alberto de Oarvalho, incumbido pelo Instituto de mandar preparar a cruz, que será de pãu Brazil, para guarnecer o tumulo de Cabral.

Agradece o Sr. Presidente os esforoos do Jornal do Com^

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 373

fnercio e informa que ao seu directop yai dirigir o segainte offlcio, também assignado pelo !• Secretario: < Rio de Jiuieiro, 14 de maio de 1906.— Illm. Exm. Sr. Dr. Josó Carlos Rodiigues, M. D. Director do Jornal do Commm^cio— Aocusamos recebida a quantia de doua contos quatrocentos e trinta e seis mil e ire- sentos réis, produoto da subscrip^ promovida pelo Jornal do Commercio para a conservação do tumulo de Pedro Alvares Cabral, em Santarém, e, em nome do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro, agradecemos os serviços prestados pelo mesmo Jornal a este respeito.»

O Sr. Dr. Alberto de Carvalho agradece a intervenção do Instituto nessa questão.

O Sr. Fartado, 2^ Secretario, a seguinte proposta^ que 6 por unanimidade approvada: « Completando-se a 1 de junho de 1908 o centenário da publica(^ do Correio Brasiliense e tendo sido, sem contestação, esse o primeiro jornal brasileiro na ordem ohronologica e no valor moral, pela influencia que exerceu na época em que vio a luz, propomos que o Instituto nomeie uma commissão que organizará uma bibliographia do periodo his- tórico, 1808-182^, em que floresceu aqueUe jornal, oommomo- rando-se por essa forma duradoura e utll a memoria de Hyppo- lito da Costa Pereira.

Rio, 14 de maio de 1906. Alcibíades Furtado.-^RocTia Pombo. -^Homem de Mello. Eduardo Marques Peixoto, Manoel Barata, Max fleiuss,>

O Sr. Presidente nomeia para compor acommis«u> os Srs. Alcibíades Furtado, Barão Homem de Mello, Drs. Manoel Ba- rata, Manoel Cicero e Rocha Pombo.

O Sr. 2o Secretario as offertas, entre as quaes se destaca a que ô feita pelo Sr. Manoel Barata, do tGlossario Paraense», por Vicente Chermontde Miranda.

O Sr. Fleiuss, 1^ Secretario, diz que, por sen intermédio, o Sr. Conselheiro Laílskyette Rodrigues Pereira acaba de fazer ao Instituto importante donativo, composto das obras que abaixo se seguem e de uma das mascaras de Napoleão I, feitas em gesso pelo Dr. Francisco Antommarchi, em Santa Helena, horas depois da morte do grande Capitão do século XIX.

374 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Essa mascara foi offerecida por elevado personagem ao Sr. Oonselheiro Lafdyette.

A propósito o Sr. Pleiuss um artigo publicado no Matin 6 do qual se prova que Antommarchi preparou uma centena de exemplares da mascara em bronze e um numero mais ou menos igual em gesso, trazendo todos a sua assignatara, que se no exemplar offerecido ao Instituto.

As obras foram as seguintes:

< Le Qénie du Christianisme, par Mr. Le Vicomte de Ghateau- briand», ediçfio de 1846, dous volumes com uma carta auto- grapha do autor, datada de Pariz a 4 de sotembro de 1836, oollada na folha de rosto do volume.

Histoire de la Restauration, par Louis de Viel-Castel», edi^o de 1860, pertencente ao Príncipe Luiz Napoleão, cojo carimbo se nas primeiras paginas.

c Notitia Orbis Antiqué Sive Geographie Plenior», par Christophones Cellarins, cdíQfto de Leipzig— 1773, pertenceu ao celebre c Hellenista d^Ausse de Villoison >.

O Sr. Presidente dix que o Instituto recebe com especial praxer tão valiosas offertas.

Levanta-se a sesisao ás 4 horas da tarde.

Alcibiades FUrtado^ Secretario.

OFmiTAS APRESENTADAS EM SISSlO ORDINÁRIA DE 14 DE MAIO

DE 1906

Pelo sooio Dr. Manoel Barata «Glossário Paraense» pe- culiar á, Amaxonia e especialmente á ilha do Marajó, por Vicente Chermont de Miranda.

Pelo sooio Julius Meili Das Brasilianisohe Geldwesen von Jnlius Meili.

Pelo Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira «Le Génie du Christianisme de Chateaubriand» 2 volumes.

Pelo mesmo senhor «Histoire de la Restauration de Viei Castel» 8 volumes ftiltando 1 para completar a obra.

ACTAS DAS SBSSOBS DE 19Q6 375

Pelo mesmo senhor «Notitia Orbis Antiquô, Sive Qeogra- phie Plenior, eto.», par Cellarins, 2 volumes.

Pelo Mosea Qoeldi ~ Relação das Publicações Soientillcas (Pará).

Pelo Maseo Qoeldi (Musea Paraense) de Historia Natural e Ethnographia Boletim n. 4.

Pela Associação Commercial do Rio de Janeiro os Boletins ns. 18 e 19.

Pela Real Sociedad Geognratflca de Madrid «BoleUn».

Par la Societé Khédiviale de Géographie á le Caire «Bo- ietin».

Par la Societé de Géographie Commerciale de ( Bor- deauz ) c Boletin ».

Pela Estatística Demographo-Sanitaria da cidade do Rio de Janeiro— cBoletim Mensal».

Pela Real Academia de la Historia de Madrid «Boletin».

Pela Directoria de Agricultura Viação, Industria e Obras Publicas do Bstado da Bahia »- «Boletim».

Pelo Apostolado da «Cruzada» e os Boletins semanaes ns. 32 e 33.

Pela Academia Poly technica do Porto Annaes Scientiílcos.

Pelas respectivas Redacções as seguintes Revistas: «Re- vista Commercial Financeira» ns. 545 e 546.

Pela secção do Estado-Maior do Exercito «Revista Mi- litar».

Pela Real Academia de Sciencias de Madrid A «Revista»

Pelo Pantheon Pedagógico «Revista Didáctica».

Pelo Oriente Português «Revista», 29 e 3^ volumes.

Pelo Centro de Sciencias Letras e Artes de Campinas «Re- vista».

SESSÃO ORDINÁRIA EM S8 DE MAIO DB 1906 Presidência do Sr. Conselheiro O. H. de Aquino e Castro

A's 3 horas da tardo, presentes os Srs. Conselheiro Aquino & Castro, Marquez de Paranaguá, Barão Homem de Mello, Vis-

876 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

conde de Ouro Preto, Max Pleiuss, Alcibíades Fartado, Desem- bargador Souzji Pltan^^a, Arthur Guimarães, Rocha Pombo» Dr. Manoel Cicero. Dr. Marques Pinheiro, Dr. Alberto de Car- yalho, Dr. A. da Cunha Barbosa, Muardo Marques Peixoto, Conselheiro Salvador Pires de Carvalho e Albuquerque, Dr. José Américo dos Santos o Carlos Lix Kiett, abre-sc a sessão.

O Sr. Furtado, 2^ Secretario, a acta (ia sessão anterior, a qual 6 approvada sem discus^^ão.

O Sr. Fleiuss, Secretario, diz que o expediente oonsta de uma carta do Sr. Dr. Arrojado Lisboa, na qual este distincto profissional diz que tem em mão o traballio do eminente con- sócio Dr. Orville Derby, a que o orador se referiu . Assim, na próxima ses>ão podo ser lido o mesmo trabalho.

O Sr. Furtado, á" Secretario, as offertas.

O Sr. Presidente diz qu(s pela publicação em uma folha da tarde e por lhe dizerem que se acha affixado nas portas de todos os órgãos da imprensa, sabe ter falleoido hoje o V(>ne- rando consócio honorário Sr. Visconde de Barbaoena, que, na ordem chronologica, era, entre os ac.uaes, o 29 sooio do Insti- tuto, pois fôra admittido a 12 de agosto de 1841 .

A' individualidade deste patrício, operoso e emprehen- dedor, refere-se o Sr. Presidente com palavras repassadas de sentimento .

«Termina dizendo qae, de aooôrdo com o art. 64 dos esta- tutos, propõe se lance na acta um voto de p.^zar pelo lutuoso acontecimento o mais que, se achando insepulto o corpo do pre- zado consócio, seja levantada a sessão, conforme os procedentes. »

liStdLS propostas são unanimemente approvadas; e o Sr. Pre- sidente suspendo, acto continuo, a sessão, marcando outra para

dahi a 15 dias.

Alcibíades Ftiriado,

Secretario.

OFFERTAS APRESENTADAS NA SESSÃO ORDINÁRIA DE 28 DE MAIO

1900

Pela Academia Nacional do la Historiado Caracas— Do- eumentos para los Anales de Venezuela (tomos 1 a 7).

ACTAS DAS SBSSÕBS DB 1906 377

Pela Academia Nacional de la Historia de Caraoas Prd- logo a los Anales de Venezuela (ediciÔQ oficial).

Pela Academia Nacional de la Historia de Caracas -~ Dis-» curso dei Doctor J. P. Rojas Paul.

Pela Academia Nacional de la Historia de Caracas ^ Es» tatutos y Regiamente de esta corporaoidn.

Pelo Sr. Pereira da Costa Noticia Bioçraphica do Br. Ast^ toniode Moreis Silva,

Pelo Sr. Henrique Coelho O Poder Legislativa e o Poder Súsecutivo no Direito Publico Bratileiro.

Por The Operations, Expenditures, and Cooditions of the la- stitutions for the Year Ending, June 30, 1904 Annual Report of the Board o f Regente ofihe Smithsonian Institution,

Pelo Sr. Octaviano Guilherme Ferreira Eoras Vagas.

Pelo Exm. Sr. Dr. José Joaquim Seabra, Ministro da Jus- tiça e Negócios Interiores Relatório da Força Polieial do Dis- tricto Federal,

Relatórios da Presidência da Provineia do Amazonas desde a sua creação até a proclamação da Republica.

Pelo Musôo Nacional do Mexioo ^ Anales, do mesmo.

Pela Société Internationale Science Socialo B%Uletin, íásciculos âg, 23 e 24.

Pela Repartição da Carta Marítima -— Boletim das Obser^ vagões Meteorológicas^ ns. 8 e 9.

Pela American Qeographical Society BulMin^ ns. 3 e 4.

Pela Assjciação Commercial do Rio de Janeiro BoMim^ da mesma, n. dO.

Pelo Apostolado da Cruzada, boletim semanal, n. 34.

Pela Sociedade de Geographia de Lisboa Boletim^ ns. 1 e 8,

Polas respectivas redacções :

Revista Didáctica, n. 1.

Revista Gommercial Financeira, ns. 547 e 548.

Pela Bibliotheca da Miirinha Revista Marítima Brazileira n. 9.

Pelo Instituto Polytechnico Braziieiro Revista, tomo 31*

Pelo Instituto Histórico e Geographico do Rio Orando do Norte Revista, n. 1.

378 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Pelas redacções, os jornacs seguintes : Jornal do Reeifê^ Correio do Povo^ Portugal Moderno, VE*to\le du Sud^ Diário Official, do Amazonas.

SESSÃO EM 13 DE JUNHO DE 1906 Presidência do Sr, Conselheiro O. H, de Áquiné e Castro

A*s tres horas da tarde, presentes os Srs. Conselheiro Aquino e Castro, Marquez de Paranaguá, Bar&o Homem de Mello, Vis* conde de Ouro Preto, Max Fleiass, Alcibíades Furtado, Desem- bargador Souza Pitanga, Arthar Quimar&esi Dr. Manoel Barata, Dr. Pandià Calogeras, Dr. Manoel Cícero, Rocha Pombo a Dr. Alberto de Carvalho, abre-se a seasão.

O Sr. Furtado, 2^ Secretario, a acta da sessão anterior, a qual óapprovada sem discussão.

O Sr. Fleiuss, Secretario, o seguinte expediente:

AyIso do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, de 15 de maio ultimo, remettendo cópia de um aviso do Ministério das Relações Exteriores, acompanhada do projecto da creaçio de uma associação internacional que tem por objecto o estudo dasregiOes polares. A* Com missão de Oeographia, relator o Sr. Barão Homem de Mello.

Offldo do iQstituto Histórico e Geographico Paranaense, datado de 28 de maio ultimo, commanicando a sua reorgani- za<^ e nova directoria. Inteirado.

Offlcio do Sr. General Commandanto Qeral da Força Policial do Districto Federal, datado de 1 do corrente, enviando para o archivo do Instituto, cópia da acta lavrada por ocoasião do lan- çamento da pedra fandamental do ediflcio que está sendo cons- truído á rua Barão de Mesquita, para quartel regional da mes- ma Força. Agradece-se e vai, para os fios devidos, & Secre- taria.

Cartado Sr. Ministro do Brazil em Londres, datada de 11 de maio, a propósito da restauração do livro Explieaeion dei Catêoiimode Restivo.-- A' Secretaria, para providenciar oppor- tunamente.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 379

O Sr. Furtado, ^ Secretario, as ofl^rtas.

O Sr. Fleiuias, I<> Secretario, as seguintes propostas :

« Propomos para sócio effeciivo do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro o Sr. Dr. Josô Carlos Rodrigues, nascido em Cantagallo (Estado do Rio de Janeiro) a 19 de jultxo de 1844, formado pela Faculdade de Direito de S. Paulo em 1864, antigo e provecto jornalista, actual director do Jornal do Commercio. Homem do yerdadeiros méritos intellectuaes, o Sr. Dr. Josô Carlos Rodrigues tem publicado varias obras que vantajosa- mente o coUocam em o numero dos nossos mais illustros histo- riographos, mas para o cumprimento do dispositivo do art. 6 dos Estatutos especializaremos o seu trabalho denominado Religiões Acaiholicas no Brazil 1500-1900 impresso no Livro do Centenário^ e depois tirado em avulso, de que o autor offe- receu um exomplar ao Instituto.

« Alóm do mais, o Sr. Dr. Rodrigues é talvez hoje o maior bibliophilo brazileiro, possuindo exemplares raríssimos da nossa Historia e da nossa Geographia, a cujos estudos se dedica com extraordinária solicitude.

< Será, portanto, um acto de justiça admlttir em nosso gré- mio quem dispõe de tão apurados méritos. Rio do Janeiro, 22 de maio de 1906. * Moa} Fleiuss^ Aleibiades Furtado^ Pandiá Calogerasy Manoel Cicero^ Conde de Affonso Celso^ Barão Homsm de Méllo^ F. B. Marqvies PinJieiro^ Visconde de Ouro Preto ^ José Américo dos Santos, Rocha Pombo^ A, da CunTuí Barbosa, Eduar» do Marques Peixoto^ Arthur Ouimarães, Salvador Pires de Car- valho e Albuquerque, Alberto de Carvalho, Leopoldo de Bulhões, Henrique Raffard e Manoel Barata. i^-^X' Gommissão de Historia, relator o Sr. Ck>n8elheiro Cândido de Oliveira.

« Propomos para sooio correspondente do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro o Sr. Dr. Luiz António Ferreira Gual- berto» natural da Bahia, com 48 annos de idade, formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1883, Deputado Federal por Santa Catharina, servindo do base desta proposta, nos termos do art. 7^, § \\ dos estatutos, o seu trabalho -^Prisões clandes- tinas (século XVIII), Dr. Josô de Mascarenhas Coelho Pacheco Pereira de Mello, offerecido em manosoripto ao Instituto.

380 REVISTA DO IMSTITUTO HISTÓRICO

Rio de Janeiro, 12 de janho de 1906.— Manoel Barata. Max FMus9, Pandid Calogeras, AJeibiadeM Furtado. » A* OommiasSo de Historia, relator o Sr. Visconde de Ouro Preto.

O Sr. Visconde do Ouro Preto justifica a seguinte proposta:

« Propomos para sócio effectivo do lostituto Histórico e Oeographioo Brasileiro o Sr. Almirante Arthur Jaceguay, ser- vindo de titulo para sua admissão as importantes obras: Quatro sêcutos de actividade marUima^ Portugal e Brasil e Sntaio histó- rico daCtenesis e desenvolwmento da Armada Nacional,

Sala das sessSes, 12 de junho de 1900. Visconde de Ouro Preto.— A. F. de Sousa Pitanga, Alberto de Carvalho. Barão Homem de Mello.^ Maa Fleiuss.>— A* Commissto de His^ toria, relator o Sr. Dr. Sylyio Roméro.

O Sr. Desembargador Pitanga justifica a seguinte proposta:

< Propomos para sócio correspondente do Instituto Histórico e Qeographlco Brasileiro o Bxm. e Rerm. Sr. Bispo do Pará, D. José Marcondes Homem de Mello, prelado de altas virtudes e illustra^o comprovada por vários trabalhos literários, in- clusive pela narrativa illustrada sobre Nossa Senhora da Appa- reoida, em S. Paulo, hoje uflereoida ao Instituto.

Rio de Janeiro, 12 de junho de 1906. A. J^. de Sousa Pitanga. Alberto de CanHilho. Marques de Paranaguá. Pandid Calogeras.^ Rocha Pombo.— Arthur Guimarães. Vis- conde de Ouro Preto— A' Commfss&o de Historia, relator o Dr. Leite Velho.

O Sr. Visconde de Ouro Preto pede a palavra para justificar a seguinte proposta, que é approvada:

< Propomos que sejam compilados, para a devida puUiea^ na Revista do Instituto, os trabalhos que sobre a historia desta Capital tem dado a lume o nosso illostrado Bibliotheoario Dr. José Vieira Flisenda.

Rio, 12 do junho de 1906.^ Visconde de Ouro Preto.— Ma- noel Barata.-^ Moa Fleiuss.^^A* Gommissao de RedaoQão, relator o Sr. Dr. Manoel Cícero.

O Sr. Fleiuss, Secretario, os seguintes pareceres: Da Commistão de historia: < Os escriptos do Sr. Conselheiro Bernardino Luis Machado Quimarftes, que me foram presentes e

ACTAS DAS SBSSÕES DB ld06 . 381

qud examinei com atiençao, pareoem^me de alto valor para justificar a proposta de admissão desse senhor como sooio cor« respondente do Inatituto.

< Vôm de longa data estimados trabalhos do illustre professor da Universidade de Ck)imbra, relatlvoe a diversos ramos de in- struc<^ desenvolvidos desde 1882 ató 1900, oomprehendendo o ensino primário e seoondario, escolas e institutos indostriaes, commerciaes e agrícolas; de ensino de cegos e sardos-mados ; um predoso complexo de pedagogia, como elementos essen- ciaes da felicidade de am povo e sem os quaes não pôde occnpar logar distinoto,

Gomo Ministro de S. M. Pidolissima, ha annos, attestam os livros que tenho á vista, os seus esforços para pôr em pra- tica as suas reformas,mo8trou-se, como diz o seu actual corre- ligionário João Chagas, conservador pelas fórmulas, progressista pelo pensamento, homem de bem e patriota, sem abandonar a sua cadeira de professor, embora depois se lançasse na politica militante até ser hoje o chefe dos republicanos. Emqoanto a estudos propriamente históricos, as obras que tenho á vista nao proporcionam maiores elementos para avaliar si elle tem de* dicado a este ramo de cultura seria attenção. pois os opúsculos e conferencias de propaganda politica nao servem para formar juízo seguro, porque, qualquer, que seja a capacidade intelle- ctual do propagandista politicot trabalhos dessa ordem não es- capam á influencia perigosa daquillo que o grande Hnxley denomina the personal equation que equivale ao Octares- natismo de Renan levar para a historia os preconceitos de politica e patriotismo. Voto, todavia, pela admissão. Rio, 9 de junho de 1906 •— Bernardo Teúceira de Moraes Leite Veiho, relator.— Visconde de Ouro Freto.^ Condido de OHfmra.— Silvio Boméro. Rocha Pombo. >

E' approvado e vae á Gommissão de admiaaão de sócios, relator o Sr. Dr. Manoel Gicero.

Da Commissão d$ Admissão de Sodost < A Commissão de admissão de sócios, em conformidade ao § 1* do art. 39 dos Es* tatutos, julga que está no caso de ser aceita a proposta concer» nente ao Sr. Dr. José Pereira Rego Filho pajra sodo corres-

382 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

pondeate do Institato Histórico e Geographico Brasileiro, ha- yendo vaga na respectiva classe.

Rio, 13 de maio de 1906.— Manoel Barata^ relator.-^ Manoel Cícero, Henrique Raffard. Conde de Affon$o Celso, >

Fica, nos termos dos Estatutos, para ser votada na próxima

sessão.

Pede depois a palavra o Sr. Dr. Alcibíades Furtado, que

o estado biographico : A Lenda de Anchieta.

Nada mais havendo a tratar, levanto-se a sessio ás 5 horas da tarde.

Alcibíades Furtado^ Secretario .

0FFERTA8 APRESENTADAS NA SBSsIO ORDINÁRIA DE U DE JUNHO

DE 1906

Pelo Sr. E. S. de Kierk De Java Orlog Omn 1825-30.

Pelo Sr. António Dellepiane Aprendixaje teenico dei Histo- riador Americano e Cuestiones de Bnsenanza Superior,

Por The Historical Society of Pennsylvania, Philadclphia The Pennsylvania Magazine of Hisiory and Biography,

Pela Zeitshrift dor Gesollschaft fur Erdkunde iV. 4,

Por The National Geographic Magazine N, 4,

Anales de la Universidad Central,

Pelo Dr. Nelson de Senna -— Bacia do Rio J)oee^ terceiro dos relatórios apresentados ao Governo do Estado de Minas Geraes.

Pela Directoria do Serviço Sanitário do Pará E^aiislica Demographo- Sanitária Boletins /, 2, 3,

Pela Sociêtd de Géographie Commerciale de Bordeaux Bm- letins ns, 9 e iO,

Pelo Apostolado da o Boletim semanal Cruzada.

Pela Associação Ck^mmercial do Rio de Janeiro Boletim,

Pela Societá Africana d*Italia BoUetino,

Pelo Cuerpo de Ingenieros de Minas dei Porú Boletins ns, 30 e 3i,

Pela Real Academia de la Historia - Bdetin.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 383

Pela SocieU Qeographica Italiana— Bolletino»

Pelo Grande Oriente Boletim.

Pelo Instituto Histórico e Geograpbico do R. Qrande do Norte— Revista.

Pelo Instituto Histórico e Geographico da Bahia Revista.

Pelo Estado Maior do Exercito Revista-Militar.

Revista Medico-Cirargica do Brazil.

Pela Gamara Mercantil de Ayelaneda (Buenos Ayres) /Se- vista Mensal.

Pela Associaç&o da Egreja Evangélica Brazíleira— O Trabalho.

Revista Commercial e Financeira ns. 549 e 550.

Pelas redacQõds, os jornaes seguintes: O Vulgarizador, Mala da Europa^ O Século.

Pelo Sr. Bispo do Pará Narrativa illastrada sobre Nossa Senhora da Appareoida em S. Paulo.

9* SESSÃO ORDINÁRIA £M 25 DE JUNHO DE 1906 Presidência do Sr. Conselheiro O, H. de Aquino e Castro

A*s3 horas da tarde, presentes os Srs. Conselheiros Aquino e Castro, Marquez do Paranaguá, Barão Homem de Mello e Vis- conde de Ouro Preto, Max Pleiusi, Alcibíades Furtado, Desem- bargador Souza Pitanga, Conselheiro Cândido de Oliveira, Barâo de Paranapiacaba, Dr. Pandiá Calogeras, Barão de Alencar, Drs. Manoel Cicero, Alberto de Carvalho, A. da Cunha Barbosa, José Américo dos Santos e Carlos Llx Klett, abre-se a sessão.

O Sr. Furtado, 2"* Secretario, a aota da sessão anterior, a qual é approvada sem discussão.

O Sr. Fleiuss, 1^ Secretario, o seguinte expediente:

Cartada Sra. Baroneza do Ladario, datada de 17 do cor- rente, offerecendo ao Sr. Conselheiro Aquino e Castro, como Presidente do Instituto, a coUecção completa da Revista^ bem como outras obras que formavam a bibliotheca histórica do Barâo do Ladario.

Muito se agradece a importante offerta, aguardando o Ins- tituto a remessa das obras para a devida selecção.

384 REVISTA DO INSTITUTO HISTORICX)

Offlcio do Retiro Literário Poringuex, datado de 5 do cor- rente, comniQnicaiido a eleição da nova directoria e commissões —Muito 88 agradece.

Offlcio do Director da Secção do Archivo da Secretaria das Relaçõei Exteriores, remettendo um exemplar da memoria pu- blicada pelos Srs. A. de Lapradelli e N. Folitid, na B^i^ue du Droit Publique et de la Science Politique en France et d rE*tranger, tomo XXII, n. 2, sobre o arbitramento anglo-brazi- leiro de 1904.— Muito se agradece.

O Sr. Max Pleiuss, Secretario, as ofEértas, entro as quaes se destaoam a do ultimo volume das publicações do Ar- chivo Publieo Nacional^ Relatório da Commietâo Braxileira na Exposição de S. Luiz, apresentado pelo respectivo chefe. Ge- neral Francisco Blarcellino de Sousa Aguiar.

O Sr. 1^ Secretario o seguinte parecer da Commissão de Historia : « O Sr. Dr. Dom Daniel Garcia Acevedo, membro cor- respondente da Sociedade de Historia e Numismática Americana de Buenos Ayres, e do Instituto dos Advogados Brazileiros, não ó um nome desconhecido no Brazil.

< O illustre cathedratioo da Universidade de Montevideo tomou parte nos trabalhos do Congresso Scientifioo Latino Ame- ricano, reunido nesta Capital em julho do anno passado.

< Ahi teve occasião de revelar as qualidades de seu espirito e asna superior illustração jurídica.

< B* pois, de toda a justiça a sua admissão em nosso grémio, oomo sócio correspondente, servindo-lhe de titulo o interessante trabalho Coniribucion ai estúdio do la cartografia de los poises dei Rio de la Plata^ com que mlmoseou a nossa bibliotheca.

Uma interessante questão bibliographica é discutida pelo distiootojuriita a propósito de €de la nueva edicion de la Geo- graphia dei Paragua^ de Ajsara^ o de Un mappa inédito existente en Varehivo de Indias> e attribulda a Ruy Diaz de Guxman,

Este mappa, que vem reproduzido no opúsculo, seda talvez de importância capital antes da fixação de limites entre o Brazil e a Republica Argentina.

O litigio secular está, porém, felizmente terminado com grande vantagem para os dous povos vizinhos, que assim eli-

ACTAS^ DAS feBSSÕES DK 1906 ^85

minaram perigoso elemento de jsaas boas relações .interna* cionaes.

5 Tem, poróm, alto valor histórico o mappade Ruy Diaz.

4c O Dr. Aceyedo, porém, evidencia, assignalando-lhe, a im- portância quando diz : «que o nosso illustre consócio, Sr, Barão do Rio-Branco, via no texto de Ray Diaz Gnzman o primeiro documento em que se mencionam o Pepery^ não tendo, todavia,* o conhecimento do mappa original cuja cópia vem agora re- produzida.»

« B* interessante o parallelo que estabelece o Dr. Acevedo entre a < Introducgão,» do Dr. Andréa Lamas, a < Historia », do Padre Lozano, e a Noticia Cartographioa, incerta pelo Dr. R. H.Schuler, no prologo» a geographia physica e espherica, por Azara, mostrando como ô incompleta a obra de Schuler.

« Comqnanto resomida, pois que a monographia a que al- lude a Commissão têm apenas 34 paginas, ella revela nm estudo aprofundada do assumpto, evidentemente inspirado por não commum amor a matérias árduas e pouco attrahentes.

« E% pois, a Commissão do Historia de parecer que a pro- posta apresentada na sessão de 7 de julho de 1905 está no caso de Her approvada,

« Sala das sessões do Instituto Histórico, 25 de junho de 1906. Cândido Luiz Maria de Oliveira^ relator ; Visconde de Ouro PretOf Bernardo Teixeira de iioraes Leite Yelho^ Fi-ancisco da Rocha Pombo, y^-

E' approvado e vae à Commissão de Admissão de Só- cios, relator o Sr. Barão de Alencar.

O mesmo Sr. !<> Secretario ainda o seguinte parecer da Commissão de Admissão de Sócios, o qual, nos, termos dos esta- tutost fica para sar votado na próxima sessão :

« A Commissão de Admissão de Sócios, á qual foi presente a proposta para admissão do Sr. Dr. Bernardino Luiz Machado Guimarães como sócio correspondente deste Instituto, é de pa- recer que a mesma proposta está em condições de aer ap- provada.

Sala das sessões do Instlti^to Histórico e Geographico Brazl-* leiro,25 de Junho del906,— :Dr. Manoel Cieerq Peregrino da ^ilva^ 4323 S5 Tomo lxix p. ii

386 REVISTA DO INSTITUTO mSTORICX)

relator.— BoHío de Aimtear.^O^ndâ d& Affimto Oého. ^. Metnõêi Bar ata. :k

O Sr. Fleluflg, 1* Secretario, informa qae tem proTlden- eiado qaanto á pabUeaçio da Revista do ImtUuto^ podendo tal- rez appareeer o tomo relatir? a 1904 (1* parte) até agosto próximo.

Gorrendo-ie o efomtinio para a yotaçSo do pareoer da Ck)mmÍ88So de Admiasio de Sodos, que harla íioado da anterior aesdio, e relativo ao Sr. Dr. José Pereira Rego Filho, é o mesmo approvado e acto continuo o Sr. Presidente proolamao Sr. Dr. Rego sócio correspondente do instituto.

Os Srs. Fleiuss e PandiA Calogeras iniciam a leitura do estudo do consócio Dr. Orville Derby sobre a Serra do Bs^ pínhaço.

Levanta-se a sesdU) ás 5 horas da tarde.

ALCIBtÁlNH FOMàDO,

S^SeoNlario OFFiRTÁi

Pela Sociedade Cientifica Argentina-^AnoIff .

Peia Associa^ Gommerdal do Rio de Janeiro-^BsMtm.

Pelo Sr. Henrique Silva— l^auna JFTuotata de Ooiás.

Pelo Instituto do Geará— ISsvírta Trimeiasai, tomo BO, anno SO, de 1906.

Pelo sócio Sr. Dr. Nelson de Senna— Bacia do Rio Dooe.

Pelo Ministério de Fomento dei Peru— Bo^tin dei Ouerpo de hêgenieros de Minat^ ns. 38, 33 e 34.

Pela Société Internationale de Science Sociale— BmíMí».

Pelo International Bureau of the American Republics MotUhty BuUeHn.

Pela Naturforschenden Oesellsohafl in Bmdem Jahree* berieht.

Peio Museu Nadonal de Buenos Aires— Afiofo^, tomo V

Pelo Museu Nacional de México— Analds, época.

Pelas redaoQQes as seguintes revistas :

Revista Mensal de la Camará Mercantil.

Revista Commercial e Finanoeira*

BroãHian Engineerinç and Mining Review.

ACTAS DAS SBSSÕBS DB 1906 887

O Ofi&fite Português.

Rê9iita Medico Cirurgioa do BroãU.

Beviita Didaoíiea.

Revista MarUima BraãiMra.

Pelafl redâOQQes os segaintes joraaes :

Mala da Europa^ Jornal do Recife^ Diário OfíMal, Diário Offidal do Amazonas^ Oriente Portuguez.

Pelo sooioSr. Barâo do Rio Branco -^TarbUr age Anglo* brésUien de 1904, 1 yolnme»

10» SESSÃO ORDINÁRIA EM 9 DE JULHO DE 1906 Presidência do Sr. Marquex de Paranaguá^ (í* Vice-Presidente)

A'8 3 horas da tarde» presentes os Sm. Marquez de Para* nagoá. Barão Homem de Mello, Yisooode de Ouro Preto, Max PleiusB, AlelMades Portado, Arthur Guimarães, Conselheiro Cân- dido de Oliveira, Barão de Paranapiaeaba, Belisario Pemam* baoo, Dr. F. B. Marques Pinheiro, Eduardo Marqoes Peixoto, Drs. Alberto de Carvalho e Josó Amerioo dos Santos, abre-se a sesAo.

O Sr. Fartado, 8* Seeretario, a aota da sessão anterior, a qual é approvada sem debate.

O Sr. Presidente participa qne o Sr. oonselheiro Aquino e Castro, Presidente do Institato, por josto inotivo deixa de comparecer.

O Sr. Fleioss, l*" SeoretarlOt deelcra que Bio ha expediente e as oíTertas.

Depois o Sr. Secretario declara que talves seja esta a ultima sessão do Instituto, realizada no Gabinete Portaguez de Leitura, pois que o édificio social do Instituto se acha quad prompto, podendo realizar-se até o fim do mez alli a primeira sestíU).

Correndo-se o escrutínio para a votação do parecer da CommiMão de Admissão de Sócios, lido na sessão passada e rela- tivo ao Sr. Dr. Bernardino Luii Machado GoimariM, é o

888 REVISTA. DO INSTITUTO HISTÓRICO

mesmo approyado por unanimidade de votoe e, acto oontlnao, o Sr. Presidente proclam^^ o mesmo senhor sooio correspon- dente do Instituto.

Procedem depois os Srs. Fleioss e José Américo dos Santos & leitura da monographia do Dr« Orviile Derby sobre a Serrado

Espinhaço.

Alcibiadbs Fubtado 2o Seerdtarlo

OFFERTAS

Pelo soeio Sr. Dr. Josô Vieira Couto de Magalhftes * Gene- ral Couto de Magalhães e a proclamação da Republica,

Pelo sócio Sr. Dr. Vicente F. de Barros Wanderley Araújo Seitas protestantes em Pernambuco,

Pelo Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro Catalogo da Collecção Numismática ^rtencente ao espolio de Joaquim Gomes de Souta Braga»

Pelo Sr* Ferreira da Rosa ^ O Commentario.

Pelo Observatório do Rio de Janeiro Boletim àUnsal de julho, agosto e setembro de 1905

Pela Societé Imperiale des Naturaliites de Mosoow -^ PuUetin.

Pela American Qeographical Society BuUetin.

Pela Directoria Geral de Saúde Publiea -^ Boletim.

Pela Directoria de Agricultura, Viação, Industria e OlMras Publicas da Bahia Boletim,

Pela Societá Geograflca italiana Bolletino.

Pelo Grande Oriente do Brazil Boletim.

Pela Universidad Central de Quito AíuOes.

Pela Geaellschaft fur Erdkunde su Berlio ZeUschrift,

Pelo Instituto Nacional - Para la prediccion dei Tiempo Diversos nsappas.

Pela Sociedade Nacional de Agricultura Brazileira Boletim.

Pelas respectivas redacções as seguintes revistas : .

Revista Commercial e Financeira^ Revista Medieo-Cirurgica .fío Brazil^ Revista da Academia Cearense^ Revisía Trimensal do Jnstiiutodo Ceardf Revista Militar»

ACTAS DAS SBSSQBS* DE. 1906V- 389

Pelas redaoQ0e0 os seguintes Jornaes :

Jornal do Recips, UETtoile áu St4d, Correio do Pof^, Diário Officiol do AmoMonas, Portugal Moderno.

Pelo Sr. Dr. José Carlos Rodrigues 4 volumes do pe- riódico illustrado : O Nowf Mundo.

11^ SESSÃO ORDINÁRIA EM 6 DE AQOSTO DE 1906 Presidência de Sr, Marquez de Paranaguá, (i^ Vice~Presidente)

A*À 3 horas da tarde na sede social, presentes os Srs. Marques de Paranaguá, Visconde de Ouro Preto, Max Fleiuss^ Alcibíades Furtado, Desembargador A. F. de Souaa Pitanga, Arthur Guimar&es, Drs. Manoel Barata, Manoel Cícero, José Américo dos Santosi A. da Cunha Barbosa, Alberto de Carvalho, BarSo de Alencar, Rocha Pombo, Eduarde Marques Peixoto, Conselheiro Cândido de Oliveira, Barão de Paranapiacaba e Capistrano de Abreu; abre-se a sess&o.

O Sr. Furtado, 2^ Secretário, 16 a acta da sessão anterior, a qual é approvada sem discussão .

O Sr. Fleiuss, Secretario, diz que o expediente consta de um convite do Instituto dos Advogados Brazileiros para a sessão solemne do sexagésimo terceiro annlversario de sua fundação:

O Sr. Presidente nomeia, para representar o Instituto nessa solemnidade, os Srs. Drs. Alcibíades Furtado, 2^ Se- ' cretaria, conselheiro Cândido de Oliveira e Dr. Manuel Cícero.

Logo depois, o Sr. Presidente eommunica, nos seguintes termos, o falleciúiento do consócio benemérito commendador Henrique Rafbrd, oooorrido no dia 4 do corrente nesta Capital;

« Senhores, contristado profundamente, vos dou a dolorosa noticia do fallecimento do nosso prosado consócio commendador Hónrique Raffard, admittido ao Instituto a 11 dezembro de 1885.

< Hdntem, ás 10 horas da manhã, assisti, em companhia do Sr. P Secretario, Max Fleiuss e do consócio Dr. Manoel Barata, como representante do Instituto, ao enterro do saudoso com- panheiro no cemitério de S. João Baptista, tendo o Instituto

890 RBVI&TA BO mSTITUTO HISimUGO

depositado aobie o tuamlo uma grinalda oom o seguinte distioo : O Instituto Histórico e Geographioo BrasHeiro ao «su sooio he- nemerito Henrique Raffcard.

« Coroa de 15 annos o oommendador Henriqoe Raffard desem- penhon o oargo de l* Secretario deste Instituto oom rara de- dica^ e notável assidoidade. Foi membro da Gommissio de estatutos e redacç&o e publicou trabalhos importantes de própria layra, que ligam perpetoamente seu nome ao Instituto.

< No exercício do oargo P Secretario, o nosso saudoso consócio foi um zeloso cultor das tradições e das glorias desta iDstituição* e o Instituto assim o oomprebendeu quando o élerou da classe de honorários & categoria de sodo benemérito, grande honra que, pelos nossos estatutos, a bem poucos se pôde con- ceder.

E, pois, proponho que se lavre na acta de hoje um voto de profundo pezar, pelo ÍUleoimento do distincto consócio. >

O Sr. Alcibíades Furtado, S^ Secretario, pede entSo a pa^ lavra e, discorrendo em sentida linguagem sobre o Sr* Raílkrd, propSe que em homenagem aos grandes serviços por elle prestados ao Instituto se levante a ssssSo.

AsBim se resolve por unanimidade e o Sr, Presidente declara que a nova sessSo se realisari na próxima segunda-feira, 13 do porrente.

Levanta-se a sess&o ás 3 1/2 horas da tarde.

ÀLCDIAIiai Fdbtado, S* StONUrio

18» SESSÃO OItDINARIA KM 13 DE AQOSTO DE 1906

Presidência do Sr. Marquez de Paranaguá (f* Viee-Pr&sidente)

A's 3 horas da tarde na sede social presentes os Srs. liarquei de ParanaguA, Visconde de Ouro Preto, Bfax Fieinss, Alcibíades Furtado, Desembargador Souza Pitanga, Arthur Guimarães, Conselheiros Cândido de Oliveira e Souza Ferreira, Barão de Alencar, Drs, Manoel Barata, Marques Pinheiro, António da Cunha Barbosa, Alberto de Carvalho, Barão de Paraoaj^aoabv, Rocha Pombo e Dr. Alfredo Nascimento, abre-se aseariU).

ACTAS DAS 8BS80BS DB 1906 891

O Sr. Portado, 29 Secretario, a acta da sessão anterior a qual é approvada sem disoassão.

O Sr. Pleioss, l"" Secretario, commanioa que o expediente eonsta do seguinte:

Officio do Qeneral OommaQdante da Força Policial do Dis- trioto Federal, datado de 8 do corrente, enviando para o mnsen do Instituto duas placas de ferro com os distioos Bzpostos da Santa Casa ns. e 48, arrancadas das paredes internas do ediílcio desse nome qne esta sendo demolido para alargamento do quartel central de Polida.-- Muito se agradece o novo obse- quio do Sr. General.

Circular do !• Secretario do Club Naval, commonieando a mudança da sede do mesmo Club para a Avenida Central n. 40.—- Inteirado..

CartSo do tSr. Dr. Francisco Ignacio X. de Assis Moura, datado de 1 1 do corrente» enviando pezames pelo fallecimento do Sr. Conselheiro Olegário.-- Muito se agradece.

O Sr. Furtado 29 Secretario as offertas.

O Sr. Presidente, communica, nos seguintes termos« o iklledmento do Sr* Conselbeiro Olegário, Presidente do Insti* tnto.

< Senhores B* com o cora^ repassado de dôr e de saudade que vos doa a infausta noticia do íálleoimento do nosso Inolyto e querido Presidente, Conselheiro Olegário Herculano de Aquino e Castro, no dia 10 do corrente, ia 1 1 1/2 horas da manh&....

c A soa morte foi ama]perda immensa para o Instituto Histó- rico qne elle tanto amou e para a pátria a quem servia darante mais de meio século.

< A sua vida publica íbi nma serie nio interrompida de bons serviços ao paiz. O seu nome, uma vez o dissemos, está ligado a muitas das phases gloriosas da existência nacional, como magistrado, como parlamentar e como administrador.

< O Conselheiro Olegário nasceu na Capital de 8. Paulo, a 90 de março de 18S8, defendeu these perante a Facaldade de Scien- eias Juridicas e Sociaes daqneUa cidade, em 1848 e doutourou4n em direito no anno de 1849.

j

3Ô2 REVI5TA DO INSTITUTO HISTÓRICO

« Segaiu a carreira nobilinima da magistratara, tomando desde logo essa expressiva divisa-- Labor et honor.

Foi pois,86m duyida,um trabalhador incançarel e honesto.

Ck>m máxima dignidade e brilho desempenhou os seguintes eargOB na magistratura, policia e administração:

«Promotor publico da comarca da capital de S.Paulo, (1849); Juiz de Direito da comarca da capital de Ooyaz, (1854) ; da co- marca de Jaguary, (1857) ; da comarca de Itapetininga» emSâo Paulo, (1858) ; da 2* Vara Criminal da Corte, (1865); da 2" Vara Commercial da Corte, (1866) ; Chefe de Policia effectivo das provindas de Goyaz e de S. Paulo, (1855-1864); Chefe de Po* lida da Corte, interino, por quatro vezes, (18Ô5-I86Ô); Desem- bargador da Relação da Corte, (1873); Desembargador da Relaç&ode S. Paulo, (1874) ; Procurador da Oorôa, Soberania e Fazenda Nacional, interino, da Relação de S. Paulo, (1874); Presidente da mesma Relação, (1875) ; Procurador da Coroa, effectivo da Rela^ da Corte, (1883) ; Presidente da Província de Minas Oeraes, (1884) ; Presidente da Relação da Corte, (1885) ; Ministro do Sapremo Tribunal de Justiça,- (1886); Ministro do Supremo Tribunal Federal, (1890); Vice-Presidente do mesmo Tribunal, (1891) ; Presidente eleito do mesmo Tri- bunal, em 1894 ; foi deputado á Assembléa Geral pela provinda do 8. Paulo nas Legislaturas 13* e 17% (1867-1878).

< Por actos offldaes foram por diversas vezes reconhecidos e louvados os serviços prestados ao Estado no exercido dos cargos que occupou.

< Pez parte das oommissões nomeadas pelo Governo para o exame da reforma da PoUda, (1881); da reforma judiciaria (1882) ; do concurso para offlciaes de Justiça, (1883) ; para for* mar um projecto de Código Civil Brazileiro, (1889) e para rega- lar a lôin. 1030 de 1890.

« Publicou diversos trabalhos jurídicos e literários em avulso e nas revistas : O Direito (de cqja redacção íèz parte desde 1873) Qateta Jurídica o Revista Trimensal do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro para o qual entrou em 14 de julho de 1871, tendo exercido diversos cargos até o de Presidente para o qual foi eleito em 1891 . Esci^eveu a Pratica da$ Correições^

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 ~ 398

Fàrmtâkírio sobre a marcha dos processos pollciáes^ regula*» mentos, pareceres, relatórios, etc.

« Foi sócio correspondente da Sociedade de Geographia de Lisboa ; membro honorário do Athenea de Lima (Peru) ; do Instituto Geographioo Argentino e de diversas assooiações lite- rárias e scientiílcas do Brazil.

« Profundo conhecedor do Direito, a saa opinião e o sen voto foram sempre respeitados e segaidos de preferencia Nobis aliquando placebat ted in caMrarium voccU Papiniani Sen* tenda,

« Como historiador e jarisconsulto, o Conselheiro Olegário publicou trabalhos de subido valor.

« Foi um astro de primeira grandeza: na sua longa traje- ctória deixou tragos luminosos que hão de durar sempre.

« Proponho, pois, que se lance na acta da sessão de hoje um voto de profundo pezar pelo falleoimento do nosso benemérito e saudoso Presidente Conselheiro Olegário H. de Aquino e Castro.»

Pedindo a palavra o Sr. Visconde de Ouro Preto, Vice- Presidente, diz : < Senhores— Somos neste momento espectadores de uina das inesperadas fatalidades do destino, fâo tiístesr mas tão proficnas, por q'ie nos advertem da contingência e mi- séria humana.

« Quando pela primeira vez tornámos a este recinto, tive- mos de lamentar a ausência etorna de um dos nossos mais prestimosos confrades, o antigo e operoso ex-l» Secretario do Instituto tíistorico e Oeographico Brazilelro, que muito se esfor* çou para a nossa actual installação.

« Ainda ma! soliditlcado o cimento da lapide fúnebre de Hen* rique ttaffard, congregamo-nos aqui hoje novamente, o não mais veremos o primeiro dentre nós pela posição, tanto como pelos relevantíssimos serviços prestados, o venerando Conselheiro Olegário Herculano de Aquino e Castro.

« Triste ironia da sorte I

« Deveríamos dirigir-lhe calorosos agradecimentos, exacta- mente por nos encontrarmos em ediftcio adequado á nossa missão e condigno das tradições de que somos guardas. A* sua

tM REVISTA DO INSTITUTO HISTORKX)

■olioitDde» áa nua diligencias, principalmente devemot podar proaegair em nossos pacíficos trabalhos sem o risco do eamagsr mento sob oa eacombroa de um tecto carcomido. B em tcc disso noaé dado tributar*lhe aentido e InolTiYaTel aandade l

Se bem auxiliado por coLlaboradores dedloados« esta casa« reconstruída e decorada* é em máxima parte obra do iilostre flnadot gnKas ao seu prestigio perante os poderes pubUcos.

<Náo permittin o ílado que elle se extasiasse perante a reali- lacio dessa obra; ella» porém, ahi está e ílcari attestando, atra- yez dos tempos, quanto féz e conseguiu em prol do InstitutOi qae, por tantos annos, presidiu com acerto e lustre.

As gerações fàturas hão^de acatar-lhe a memoria honrada que pôde serrir de inoeutiro para o exacto cumprimento de todos os doreres privados e públicos.

« Sim, senhores, o lllustre extineto, foi nio s6 hábil e inde- fBSSo cultor da sdencia Jurídica e recto distribuidor de justiça, mas lhano, aflável beneficente.

« Era um bom e um Justo t

< Adherindo ás maniíéstaçQes propostas pelo Indyto Sr. Prsaidente interino, peço licença para indicar que :

1."^ 8^ apjNTOTada a delibera^ do digno 1<» Secretario de fazer modelar em geaao o roato do nunca eaquecido eztlncto, para ser depois feito o busto igual ao do3 outros Presidentes.

4c 8.^ Tomem luto por oito dfas os membroa da Mesa,

< 3.* Suspendam-se os nossos trabalhos.

O Sr. Pleiuss, Secretario^ dii que ao ter noticia do fal- laalmento do Sr. Praaidente Oonselheiro Olegário, immedia- tamente mandou cerrar as portas do edificio e hastear em fhneral a bandeira, enoommendar uma grinalda, que íbi depo- sitada no ataúde, com o seguinte distico :— < Ao seu Inolyto Presidente Oonselheiro Olegário, o Instituto Histórico e Oeo' graphico Brasileiro », e incumbio o notayel esculptor brazileiro Sr. Benerenuto Berna de modelar em gesso o rosto do lllustre extineto, tendo-se a isto prestado aquelle applaudido artista com o maior cavalheirismo. Em seguida, na companhia do sen digno òoliega, S* Secretario Dr. Alcibíades Furtado, dirigiu-se 4 oaaa do morto, ahi permanecendo até alta hora da noite.

ACTAd DAS 8B88ÕB8 DB 1906 89ft

« No dia do entarro oompareoeram por parte do Instikito e em Tirinde do convite offloial feito pela Secretaria desta Amo» ciaçiOf publicado no /omoJ do Cèinm^oto, além do Sr* Preil<* dente interino e dos Secretários, os consodos Qrs.Mannel Barata, Marques Pinheiro, Miguel Carralho, Alfredo do Nascimento, Manuel Cioero, Arthur Quimarães, Oonseiheiro Sousa Ferreira, Alberto de Garyalho, acompanhando todos até à ultima morada o corpo do yenerando Presidente.

« No cemiteriOtO orador, por designaofto do honrado Sr. Pr^ sidente interino, pronunciou as seguintes palavras que agora repete, pois dessila que as mesmas fiquem gravadas nas pagi^ nas da Rêvisla t

« A grande dôr que todos nés do Instituto Histórico e Oeographico Brasileiro eiperimentamos com a dsffgraga que nos acabado íiarir, nio permitte eiternemos é beira do tumulo do nosso muito amado Presidente tudo quanto sentimos e quanto nos impunham as sqas qualidades insignes de saber e do virtude.

« Creio que mesmo no circulodos asnssimples oonheoidos, a morte do Conselheiro Olegário teri encontrado repsroiisno pungitiva. B' que da bellesa de sua alma, do brilho do sen ta- lento, grande e Justa era a líuna.

Com eObito, quem teve, como nós, a ventura de sua con- vivência immedíata, pôde devaasar-lhe os primores do ooraçio, únicos rivaes que deparavam os seus dotes de espirito*

< Nio se eiidirA Jimais de nossa memoria a sua figura que- rida, proftmdamente querida, porque nelle enxergávamos ao mesmo tempo o primeiro dos nossos pares e o maior dos nossos amigos.

« Aliás o seu nome pertenoe à Historia Pátria.

Quem estudar a nossa vida sodal contemporânea ha de forçosamente reconhecer o destaque desse varão, que durante oinooenta e sete annos serviu á Pátria, desde o modesto cargo de promotor até a culminância do Supremo Tribunal, e ser- viu-a patenteando a varonilidade do caracter, o desvelo inex- cedivel e a grandeza de uma capacidade cada vea mais fi>rta- lecida pelo estudo.

896 REVISITA DO INSTITUTO HISTÓRICO

< Extraordinária é a falta que noB tae flizer, e a com- pensaremos recordando os saooessoi de sua longa eiistenda, bebendo-lhe as proyas de civismo, admirando-Ihe as demons- trações do talento.

« Assim comooheróethebanoque a historia jamais esquese, o Conselheiro Olegário deixa o seu nome ligado a duas insti- tuições que hfto derepetil-o oom reverencia e saudade o Su* premo Tribunal e o Instituto Histórico, de que como Secre- tario sou neste momento humilde interprete.

4. Nessas duas casas, onde se pratica a justiça dos actos e a justiça dos acontecimentos, a sua individualidade ha de pairar perpetuamente como um symbolo angusto do Bem. »

Por ultimo fallou o Dezembargador Sousa Pitanga, que começou declarando ter sabido tardiamente da morte do Conse- lheiro Olegário, e que não compareceu ao enterro por motivos alheios á sua v<mtade ; communica, porém, ao Instituto que teve hoje occasião de, na Corte de Appella^, render homenagem ao illustre follecido, recordando a raa longa vida e serviços oteis prestados á Pátria.

« Acabou por julgar-se dispensado de referir-se ao morto mais largamente, não porque nada tinha a accrescentar ás palarras proferidas pelos que o hariam preoedido, como tam- bém porque lhe será conferida essa honra quando tiver de se occupar dos sócios íkllecidos, por oooasiSo da sessfto magna anui- versaria.»

O Sr. Presidente nomeia a seguinte commisriUi, para- dar pezames á, família do Sr. Conselheiro Olegário e assistir com a Directoria aos actos religiosos : Srs. Visconde de Ouro Prato,- Baifto de Alencar e Barfto de Paranapiaoaba.

Em seguida o Instituto approva por unanimidade a pro- posta do Sr. Presidente e as do Sr. Visconde de Ouro Preto.

Levanta-se a sessão &s 4 horas da tarde.

ÀLOIBIÁDaS Foktádo SeoM^ario OFPBRTAS

Pelo Ministério da Marinha Boletim da Repartiòão da Carta Maritima^ í ^oh

ACTAS DAS SB$SOBS DE 1906 , 397

Pela Amerioan Geograpbical Sooiety BuUeUn.

Pela Société de Géògraphie de Genòve -^ Le Globe. '

Pelo Sr. Capitio de liar é Gaerra António Alves Gamara f— O mangan0í no E$tado da Bahia»

Pela Real Sociedade Geográfica de Madrid BoMin.

Pela Sooiétô des Btades-Indo-Chinoiaes da Saigon^Bulhtin .

Pela Soeióté Internaoionale de Science Soeiale BuUetin^

Pela Prefeitura do Distrioto Federal -^Consolidação dai Leis e Posturas MunMpaeà.

Pela Societá ÀMcana dltalla BolleHno.

Pela Real Academia de Sciencias Exactas, Fiéioas y Nataran ie0 de Madrid Revista.

Peia Sociedade de Geographia de Lisboa Boletim. >

Pelo ArchiTo Pnblico Mineiro ^ Revista.

Pela Oonunisslbo Geographica e Geológica de S^ Paulo -^ Boletim n. Í8, .

Pelo International Bureau of Washington BuUetin.

Pelas redacções as segaintes 'revistas *^ Sociedade Seién* tificà de S. PdulOf O Gommentario, Revista Commercial e Finan^ ceiraé

Pelas redacções os jornaes: Le Nouveau Mande, Diária -Òffieiah Jornal do Reúi/e.

PelosocloSr. Dr. Evaristo Nunes PireB-- Revista. Dida^ etioa ns. i, 2, ^, e A Inspiração folha, scientiâea e literária do CoUegio Militar.

Pelo sócio Sr. Dr* Felisbello Freire O Economista Bra» tUeiro^ Revista de economia, ânanças, politica e literáturaV

Pelo Musea Goeldi Boletim ^

PelOBocio Sr. Dezembargadoí^ António Ferreira de SouzA Pitanga ^ Impressões da Epidemia^ por António Cruz Cor^ deiro ; Juncção^ do Amazonas ao Prata ; por Eduardo de Moraes^ ' Efòpioraçko em Matio-Qrosso, Minas Póconi.

Pelo Sr. br. Alcibíades Furtado, 2<» Secretario —^ Correio Braj«í<dn5e, demarco de 1809. '

M6 RBVISTA DO INBTITirrO HIBTORIGO

DEGIliA TERCEIRA SESSÃO ORDINÁRIA EM 20 DE AGOSTO

DE 1906

Pr0$tíímcia do Sr. Màrpiêz ie Paranagyd ( Yic&^PtêÊUmiU )

A*t 8 bOTM da tarde, na iéda godai» praiaiites oi Srs. Masques de Panatagnà, Burio Homeia de Mello, Viaeonde de Ottro Preto, Max Fleimi, Alotbladw Portado, Denmbargador Sou» Pitanga, Dri. Manoel BaiaUt Manoel Gleero, Gunlia Bar* bosa. Rocha Pombo, Marqnee Peixoto e Alberto de Garralho, abre*ee a sanio.

O Sr. Fartado, 2<' Secretario, a aeta da sesdLo anterior, a qual é approvada sem dleonsalo, e em seguida as olbrtas.

O Sr. Visoonde de Oavo Preto daolara que por indioagio de um de seni soeioe, o Dr. Severiano da Fdnseoa, se nio lhe en* gana a memoria, o Institato deliberou que a cadeira em que o Imperador se sentava quando presidia as seMfies permanecesse mápêrpêkMm na mesma follocai^, sem ser oooupada. Repa- rando agora que a Direolovia retirou a referida cadeira do kfar designado, redama contra tal procedimento e desc()a saber se houTU deliberaçSo posterior do Instituto a respeito, requerendo que se oonsulte a casa se mantém ou revoga a primitíTa indi»

O Sr. Furtado, 2^ Secretario, pede que seja ouvido solure a redama^ o Sr, Secretario.

O Sr. FUiUBs, Secretario, entSo as actas dae sassOes de 7 de dezembro de 1801 e de 9 da deiembro de 1892 e oommunica ao Instituto que a cadeira do Imperador não sofflreu altera<^ alguma em sua coUoca^ t qcenpa a cabeceira da mesma mesa da sala onde tinham legar as sessões e ta^je destinada & leitura.

O Sr. Visconde de Ouro Preto insiste na sua reclamaçio e no pedido feito para qne o Instituto resolva a respeito, porquanto é na sala das sessões que deve ser coUocada a cadeira, se bem se recorda.

O Sr. Furtado, 2^ Secretario, pede a palavra para propor a adopç&o de uma providencia que termine a questão e Id o se-

ACTAS DAS SESSÕES DB 1906 M9

gainte reqnerimento, a qae adhere o Sr. Visconde de Oaro Preto e que 6 em segalda approrado ananimemente:

«Proponho que a solugSo do reqnerimenio do Sr. 9* Vlo^ Preeldente, Kxm. Sr. Visconde de Ouro Preto, fique adiada, afim de que a Directoria, examinando ae actas das seseides, possa resolver sobre o pedido oa redamaçio. »

O Sr. Pieiuss, 1* Secretario, oommunica que se acha na ante- sala o Dr. i^ugnsto de Lima, admittido em 9 de setembro de 1901 e pede a nomeaçSo de uma commiariLo para introduzil-o no .recinto.

O Sr. Presidente designa para acompanharem o Dr. Au- gusto de lima os Srs. Mu Fleiuss e AldUades Furtado, 1* e8* Secretários*

Sntra no recinto e toma posse o Dr. Augusto de Uma.

O Sr. Presidente dirige>lhe a seguinte alloeucSo:

Sr. Dr. António Augusto de Lima:

O Instituto Histórico e Geographioo BrazUeiro tos acolhe hoje com o mesmo prazer com que recebeu, ha cinco annos, o vosso magnifico trabalho denominado: Um municipio de auro^ esoripto especialmente para a admissSo nesta casa.

«A Yosaa reputação não oomo inspirado cultor das musas, mas como Director do AiohiTo Publico de Minas Geraes e as Tossas excelientes qualidades vos tomaram credor da nossa estima que, por certo, será augmentada com a vossa presença.

Penetrando neste recinto vereis que o Instituto Histórico e Geographico BrazUeiro estranho ás lutas politicas e querellas partidárias, mereoe o amor dos que sabem pesar os grandes re- positórios onde se guardam e estudam os subsídios mais seguros da historia pátria.

B' uma associação o vosso esclareeidoespirltò o reconhe- cerá— que tem largas e honrosissimas tradições e que as mantém com escrupuloso edio, provando a cada passo a utilidade da sua existência e a dedicação de seus membros.

< Para nós é sempre um dia de verdadeira festaquando ap- parece um novo companheiro oomo vós, recommendavei pelos melhores attribntos do talento e amor ao trabalho.

< Séde« pois, bemvindo ! »

400 RBVISTA pO INSTITUTO HISTÓRICO

O Sr. Dr. Augn^to de Lima responde dos seguintet termos:

Sr. Presidente. Srs. Membros do Institato— Não fosse a ▼oflsa generosidade para oommigo, encarecida por instancias de amigos para que me acliasse nesta solemnidade* darante os breves dias de minha estada nesta Capitai e a minha timidez nataral continuaria a procrastinar eqte momento, que sempre me parecia de enorme responsabilidade, pela honra de coinpa- reoer perante tós sem os attribntos que em mim presamieis.,

4c O discipnlo chamado para o grémio dos mestres n&o sente emo^ mais perturbadora, em seus contrastes de des^o e receio, do que a sentida por mim, ao receber a gentil notifl« cação dos vossos sentimentos a mçu respeito.

« O considerável lapso de cinco annos, decorridos da eleição com que me distinguistes até á. minha entrada neste venerando recinto, encontra no estado de alma, qae acabo de iadicar, nma justiâcação sufflciente para os que conhecem de perto o xnea temperamento. E permitti-me lembrar- vos que, qoando çutra fosse a disposição do meu animo, por uma feliz coincidência» o mesmo f^to que me inipedio aocudlsse innmedla,tameoto ao vosso chamado, iniciou-me nos gratos assamptos que coDsUtneai a especialidade deste Instituto .

Foi num dos departamentos da soberania do nosso saber, foi no Archivo da mioha terra natal, que, logo após os vossos sulfragiosattrahiodo-me para ca, alli me reteve o Oovenio de Minas, prestando assim, segando penso, de modo virtual, a mais justa homenagem aos vossos suffi^agios. *

« Entrando immediatamente em relações comvosco pela per- muta da vossa Revista com a do Archivo Publico Mineiro» pra* ticando diurna e noctnrnamente com o que .eu. imagino ser o génio do passado, occulto nas paginas amareiiecidaii dos códices e cimelios, eu me julgava talvez com rasfto, q^asi. desobrigado 4e. apressar uma investidura oeremonial» estando de faota vossa commuDhão.

« B bem mereço os parabéns pela. demora, chfiiraDdo agora á cidade do Rio de Janeiro, no pleno esplendor de uma nova^ci- vilizâção, constituída de todos os elementos, do prpgcesso social da nossa época.

ACTAS DAS SBSSOB3 DB 1936 401

« 08 8eu3 melhoramentos materiaes a transformam em pa- raíso da America.

< A sua oultara politioa está assegurada pela eleyai^o de vista das classes dirigentes e pelo espirito ordeiro, pacifico e esclarecido da sua população. B para remate da sua missão liistorica Junto do mar, ras^a-ae em seu seio a larga avenida que dará acceeso a iodas as nações da torra para o ideal de paz no continente americano» avenida cuja representação topogra- phlca vemos realizada nessa faixa esplendorosa e palpitante de vida, cora qae o poder da vontade de um homem superior cinge entre as aguas de Quanabara a cidade de Bstacio do Sà.

« Felizmente para mim venho no momento metamorphioo, . talvez marco millenarlo de duas civilizações* uma que termina e outra quo começa a sua evolução.

« Esta circumstanda muito convém ás minhas condições p)8soaes neste Instituto, a cujo seio tão generosamente me aco- lheis.

«Ainda não sou postivamente um velho, mas evidentemente não sou um moço. Acho-me, portanto, nesse ponto médio da vida em que nem se tem adquirido a completa serenidade garantida externamente pelo diadema das cans, nem perdido os últimos calores do enthusiasmo juvenil.

«Posso, portanto, venerar sem fettchismo as cousas do pa»-> sado e abrir a alma confiada ás aspirações do fiituro sem 88 vertigens da utopia.

« Nem de outro modo vejo que tenha sido a situação moral - e social do Instituto Histórico Brazileiro, cuia, evolução se identifica, desde o seu começo, com a da nossa nacionalidade, infundindo nas gerações, que por elle têm passado, este sentimento de unidade histórica e de integridade territorial, que forma, no espaço e no tempo, o próprio sentimento da Pátria.

« E* nasta linha de continuidade ininterrupta, deixando á margem todas as vicissitudes politicas, que se percebe a phy* sionomiai inconfundivelmente individual, de uma nãçfiio. Bate resultado, que não pôde ser conseguido pelas leis ou pelos de- cretos, aetoa politioos» que são e padecendo da precariedade da

4323-26 Tomo Lxix, p. u.

402 REVISTA DO IN8ITTUT0 HISTÓRICO

sua origem sempre mutável, o pôde prodazir a oonvergencla de esforços iotellectuaes permanentes, para a boa guarda das tradições do povo, n&o interpretada através das urnas políticas, mas perscratando intimamente nas suas inclinações natnraes, nas seus antecedentes históricos, na sua religião e na sua cul- lura civica e moral.

«B^fta casaé o mais autorizado centro dessa convergência.

«Outros núcleos congéneres, igualmente beneméritos em esforço, patriotismo e elevação cultural, não lhe disputam essa preeminência culminante oreada pela prova de 68 annos. Os vossos trabalhos sâo thesouros accumulados para a nossa Histo* ria, que a Revista do InsUttao está fazendo annualmente, com a collaboração das summidadas inteilectuaes do paiz, e do tal modo, que, sem exaggero ou lisonja, se pôde afflrmar que, do alto da vossa visão soberana, dominaes toda a oordilheira do nosso passado.

« Aqui proferis as vossas sentenças sem as preoccupaçSea intensas do dia. O ruido dos acontecimentos de fora chega a este recinto em ecos amortecidos, e é quando estes cessam de todo que começais a julgal-os.

«O vosso juizo tolera todas as opiniões com a ooodi<^o de trazerem o cunho da boa vontade, reservando-vos para profe- rir a ultima palavra, que é a da verdade histórica. Não discernis no turbilhão dos siiccossos o que deve ser senão o que ^, e a vossa d cisão suijrema ú sempre tomada debaixo do ponto de vista humano, S3m superstições de seitas ou paixões de partidos. £ é por is^o que a vossa missão tem sido ó e continua a ser o * sagrado ministério da nossa formação nacional, rio immenso que abre o seu leito generoso â confluência e Aizao de todas as raças do globo, sem reoeiar os perigos que o nativismo enxerga visionariamente nas levas civilisadoras enviadas ao nosso lar pelas nações amigas.

«Senhores, eu penso, e este óo lado moço da minha alma que a natureza, deixando o nosso paiz coinpletameote aberto aos mares, tornando por isso mesmo impossível o predomínio de nma nação invasora, mostra o desígnio da Providencia em fazer áelle o lar de um typo superior de naioioíiaildade» íbrmaáa des

ACTàS DA$ aBS8QP8 PB 1906 AÚ8

elemeatop aeloocJ^onadiM origiaaa« e adquiridos em taiãp ao isalar dos trópicos.

«Neste ponto, permitti que termine i^om um voto o meo disourso: é que ató essas remotas eras do Aituro, aobreaadando a todas as transfusões do sangue das raças, permaneça aioda o Instituto Histórico e Qeographico Brasileiro como o depositário sagrado da unidade da nossa iiugua e do seotimento sempre o mesmo, da Pátria, que é hoje nossa e será dos uossos yin. deuroi* »

Q Sr. Desembargador Souza Pit^ngfk, orador, diz que dese- java ach^r-se corai melhor predisposição de espirito para poder roàpoQder a oração briltxante do inspirado poeta Augusto Lima, irmão gémeo pelo talento de TbeQphilo Dias, digno prefaciador do seu trabalho de estréa e ai ma peregrina que ainda hoje occupa logar saliente na pQOSia de Uiissa terra, e que herdou de Gonçalves Dias, seu illustre tio, o suava lyrismo que de seus Tersos diâue.

« Foi em Minas, abençoada terra de ^eu nascimento, que o Dr. Augusto de Lima escreveu a curiosa memoria que lhe dQU ingresso nesta casa. Não podia o talentoso consócio achar as- sumpto de maior interesse do que aqueile que escolheu um Município de Ouro^ historia de um trecho desse glorioso torrão mineiro, tão illustre pelos feitos de seus filhos.

4c O Dr. Augusto de Lima conciliou na sua interessante me- moria, ao mosmo tempo, a veneração do passado e a esperança do ftituro.

« Termina dizendo que o Instituto rejubila-se sempre que acolhe em seu seio homens do valor moral e intellectual do quo hoje recebe.»

O Sr. Furtado, 29 Secretario, as seguintes propostas : Propomos para sócio correspondente do Instituto Histó- rico o Sr. Dr. João Felippe Pereira, illustre lente cathedra- tico da nossa Escola Polytechnica, ex-Ministro, ex-Pref ^ito do Districto Federal, servindo de base para sua admissão o seu trabalho sobre a Commissão Hydrographica no Ceará, de que fizeram parte os Srs. Barão de C^panema, Freire Aliemão, Pa- ]toglia e Oonçalvai. ^''

404 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Rio« 20 de Agosto dA 1906.— Mam PMuts.^ Homem de Mèllo.'^ Sousa Pitanga.-^ Manoel Barata.— Augusto de Lima,'^ Eduardo M. Pettcoio

Vai á, Gommiano de Qeographia, relator o Sr. Rocha Pombo.

< Propomos seja admittido como aocio oorrespoQdente deste Instituto o Sr. Dr. Gloris Beviláqua, distinoto homem de lettras e notayel Jarisoonsiilto, professor cathedratioo da Faculdade de Direito do Recife e consultor jurídico do Ministério das Re- laçOes Exteriores, servlndolhe de titulo do admissão oe seus diversos tral)alho8 históricos e jurídicos.

Sala das sessdes do Instituto Histórico, 20 de agosto de 1906.— Alcibíades FS/iHado,-- António Augusto de lÀma.-^ A. F. de Sousa Pitanga.^ Barão Homem de Mello. -^ Manoel Cicero.— Max Fleiuss.'^ Manuel Barata. »

Vai & Commissão de Historia, relator, o Dr. Leite Velho.

O Sr. Fleiuss, Secretario, o seguinte parecer da Commiêsdo de Admissão de Sócios: cOs títulos om que se ba- seia a proposta para a admissão do Sr. Dr. D. Daniel Gar- cia Acevedo, como sócio correspondente do Instituto, são por si sós suffldentes para attestarem sua idoneidade. O Sr. Dr. D. Qarcia Acevedo ô membro de uma das mais illustres famílias do Estado Oriental do Uruguay e elle próprio occupa sa- liente posição nos círculos scieatíficos e lítteraríos, bem como na sociedade do seu paiz.

«Provado, como se acha, pelo parecer da Commissão de His- toria o merecimento do trabalho que oflèreceu ao Instituto e que tem por título : Contribuicion ol estúdio de la cartografia de los paises dei Rio de la Plata^ a Commissão de Admissão de Sócios é de parecer que seja approvada a proposta que o apre- senta para sócio correspondente do Instituto Histórico e Geo- graphico Brazileíro.

Sala das sessões do Instituto, 6 de agosto de 1906.— Barão áô Alencar, relator, Manoel Barata.-^ Manoel Cicero. » Pica para ser votado na próxima sessão. O Sr. Desembargador Souza Pitanga, em sqpiida lin- gtiagenii propõe que ie envie unoa moção ao Sr. Hevia Ri*

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 405

quielme, nosso oonsocio e Ministro do Chile no Brazi], mani- festando o pezar do Institato Histórico pela catastroplie qua acaba de occorrdr em sea paiz, cuja amizade pelo Brazil ó tfto sincera quanto tradicional*

O Sr. Dr. Manoel Barata faz idêntica proposta para que se envie uma mensagem & as:K)ciaçSo congénere do Chile,

O Sr. Furtado, 2^ Seci*etario, propõe que o Instituto envie condolências, também, ao Sr. Valentin Letelier, na qualidade de representante da intellectualidade chUena e como bisto- riador eminente que ó Director da Universidade de Santiago.

SSo todas as propostas approvadas por ananimidade.

O Sr. Pleiuss, l"* Secretario, propõe um voto de reconhe- cimento ao Gabinete Portugaez de Leitura, que com o maior cavalheirismo, durante três mezes, franqueou as suas salas para as sessões do Instituto, em vista das obras por que passou o ediâcio social.

A proposta ó approvada por unanimidade, ficando incum- bido o 10 Secretario de communioal-a k Directoria do Gabi- nete.

Pede em seguida a palavra o Sr. Alcibíades Furtado, 2^ Se- cretario, que procede á leitura de um trabalho sen,

O Sr. Presidente nomeia para preencher as va^as exis- tentes nas Ck)mmissões de Admissão de Sócios e de Geographia os Srs. Dr. Miguel Joaquim Ribeiro de Carvalho e José Fran-> cisco da Rocha Pombo.

Levanta-se a sessão ás 5 hora» da tarde.

Alcfbiades fS*rtado 2o Seoretarlo

DECIMA QUARTA SESSÃO ORDINÁRIA EM 3 DE SETEMBRO

DE 190Õ

Presidência do Sr, Marquez de Paranaguá (i^ .Viee-Presidente)

A's 3 horas da tarde, na sede social, presentes os Srs. Mar* quez de Paranaguá, Barão Homem de Mello, Visconde de Odro Preto, Max Fleiuss, Alcibíades Furtado, Arthur Guimarães, Con- selheiro Cândido de Oliveira, Barão de Alencar, Drs. Manoel

406 RBVreTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Barato. Manoel Cicero, José Américo dos Santot, BarSLo de Para* napiaeaba, Bduardo Marques Peixoto e Rocha PombOt abro-se a seesfto.

O Sr. Furtado, secretario, a acta da ses^ anterior, a qnal é appruvada sem debate.

O Sr. Presidente nomeia o Sr, Dr. Manoel Cicero para sub- stituir o orador, desembargador Souza Pitanga, que, em cartio dirigido ao Sr. Dr. bibliotlieoario do Instituto, participou que por Justo impedimento nEo podia comparecer.

O Sr. Pleluss, l^ secretario, procede á leitura do expediente:

Offlcio do sócio Anselmo Hevia Riquielme, Ministro do Chile, agradecendo nestes termos o voto de pezar do Instituto pela oatastrophe que ultimamente enlutou o Chile:

« Petrópolis, 25 de agosto de 1900.— Seííor 1* secretario:— Me he impueeto do la atenta nota fecha de ayer en que Ud. se sirve comunicarme que el Instituto Histórico i Geográfico Brasi- lero, de que Ud. es mui digno Secretario, en su sesion dei 20 dei corriente á indicacion dei Seilor desembargador António Fer- reira Souia Pitanga, aoordó unanimemente expresar-me los sentimientos de peear dei Instituto por la iamentoble catástrofe que aoaba de enlotar á Chile, repercutiendo dolorosamiente en todo el mundo ciyilisado i principalmiente en el Brasil, atenta las condiciones de amistad i simpatia que ligam á nuestros dos paises.

«El Instituto Histórico i Geográfico Brasilero, esta doota Cor- poration que cuenta en su eeiio tantoe espíritos distinguidos i cultos, ha querido tamMen asociarse ai dolor de los Chilenos, i ai haoerlo, invoca en términos mui delicados la particular amíatad i simpatia que ligam ai Brasil i Ghile.

«Esos sentimientos de pesar asi como los ardientes votos que el Instituto formula para que la Providencia reserve mejores dias a mi pais, obligan proAindamiento la gratitnd de los Chilenos.

«Qoiera Ud. Sefior seeretario transmittir mis agradeeimi- entos a los Se&ores mlembros dei Instituto i aceptar Ud. mis ientimienios de alta e distinguida oonsideradon.— Anselmo Hevia Riquielme Sefior secretario dei Instituto Uistortoo i Geo- fráfloo Brasilero»*— Inteirado*

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 407

Offloio da Secretaria do Congresso Legislativo do Estado do Maranhão, pedindo remessa de livros para sua bibliotheca.— AttenJer-se-ha opportanamente.

Cartão do consócio desembargador T. Q. Paranhos Mon- tenegro, enviando pezames pelo fallecimento do conselheiro Ole- gário de Aquino e Castro, presidente do Instituto.— Muito se agradece.

Carta do consócio Dr. Joaquim Nabuco, concebida nestes termos:€Sr. Presidente, Rio 31 de agosto de 1906. Rogo a Y. £x., a âneza de apresentar os meus mais sinceros agrade* cimentos ao Instituto pelo voto que em sessão de 17 de Junho de 1904, elle consignou em sua acta em louvor do desempenho que dei á minha missão janto ao Rei da Itália na questão de li- mites com a Quyana Britanniea. Aquella honrosa manifestação deixou de me ser presente por moti?o que eu não poderia hoje averiguar, mas o Instituto avalia bem o praser que ella me teria . causado, então, como me causa» hoje, o conhecimento delia.

« Todos 03 meus votos acompanham sempre a histórica insti- tuição que V. Ex. preside, por ser ella o único abrigo das nossas tradições nacionaes. Creia- me V. Ex.» com a maior conslde* ração e mais elevado apreço de V. Bx., muito attento venerador e criado Joa^un Nabueo.vi

O Sr. Fleiuss, I* Seoretai*io, expiiea que essa carta oonstitue resposta de outra que a Secretaria do Instituto dirigia ao Dr. Joaquim Nabuco transmiitindo cópia da mensagem a que ella se reíére.

O Sr. Fleiuss, r Seoretario, ainda as ojQTertas e comma-'' nica em seguida ao Sr. Presidente que se acha na ante-sala o sócio Dr. Sebastião de Yaseoncellos Galvão. O Sr. Presidente. designa os Srs. P e &> secretários para introduzirem na saia das sessões o Dr. Sebastião Galvão, que eatiBda e em seguida toma assento.

O Sr. Presidente dirige-ihe a segointe allocução:

Sr. Dr. Sebastião de Vasooncelloa Galvão. O Instituto Histó- rico e Geographico Brasileiro vos recebe hoje com o mesmo sea* timento de sympathia com que vos admittio ha seis annos, em sessão de de Outubro de 1900. Por aquella oooasiãe tiveram

408 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

mereeido louvores os rossos trabalhos de ioyestigador que n&o desanima, nem se afasta da verdade, seu uuico ramo. NSo vos attrahio o género leve da fantasia ou do sonho; preferistes, em- bora moQO, trilhar a vereda da scienoia e imprimir aos vossos trabalhos o cunho da exactidão, que se consegue com aturado estudo. Se agora mesmo o Institato tem o prazer de vos acolher é porqne viestes de vossa terra para entregar & publicidade uma das mais importantes das vossas olNras— o Diccionario Chorogra- phieo e Oêographico de PernambueOt que estíl reservado para mostrar ao pais a opulência dos vossos ooahecimentos techaicose a importância do Estado de que vosorgulhaes de ser filho. Sede, pois, bem vindo.»

O Dr. Sebasti&o de Yasooncellos GalvSo responden nestes termos: «Bxm. Sr. Presidente, Srs. Membros do Instituto Histó- rico e Oêographico Brazileiro. Honrou*me esta Associa^ tendo a bondade de eleger-me sócio correspondente.

Esta elei^ pôde ser traduzida por immensa generosi- dade de seus iUostres Membros, pois a consciência m'o diz que as minhas habilitações nSo me levariam i estulta preten(}io de maglnar pertencer a um grémio t&o escolhido e distinoto. Per- nambucano, tendo inclina^ para estudos de geographia e his- toria de meu paiz, desde muitos annos acostnmei-me a ad- mirar este Instituto, mesmo da longe, onde eu vivia, lendo sempre sua curiosa Ref>ista e apreciando seus iliustrados e ope- rosos sócios. Em condições taes, qual nio deve ser meu prazer e orgulho, vindo assentar-me & vossa mesa, ao lado dos mestres, e tomar parte em vosso convívio literário.

< Acho-me temporariamente nesta grande, encantadora e prospera capital; aproveitar-me- hei da minha curta residência aqui para em vossa Thebaida de sábios tracer-vos noticias his- torico*geographicas de minha querida terra natal. Devotado por prazer aos estudos de semelhante natureza aqui não ficarei oci- oso. Estudarei, mas estudarei quanto me ÍOr possível ; e, na at- mosphera de vosso meio, com a irradiação de vossas lu^^, apren derei muito e também me sentirei mais forte para proseguir- na estrada dos estudos e assim melhor coUaborar comvosco. Bxm. Sr. Presidente. Não me propus fkzer discurso acade-

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 4Ó9

mioo, fallece-mo a competência, faltou-meo tempo. Fallo tão so- mente por dever regularmentar. para corresponder respeitosa- mente a essa deliciosa e eloquente saudado rocipiendaria, Exm, Sr. Presidente, Srs. Membros do Instituto Histórico e Geogra- phico Brazileiro, dignem-se de acceitar os protestos do meu mais acrisolado agradecimento.»

«O Dr. Manoel Cicero, servindo de orador, diz qne estando ausente o Dezembargador Souza Pitanga foi escolhido para em seu lugar saudar o recipiendarlo, substituição que por corto não foi feliz, mas não lhe fora licito rocusar-se á determinação da presidência.

«Não tinha havido generosidade da parte do Instituto, como disse em seu discurso o Sr. Dr. Vasconcellos Galvão. Os seus es- tudos geographicos e históricos, os sous trabalhos publicados, entre os qaaes se salienta o Diccionario ChorographicOf Eitiorico e EsMiêtieo de Pernambuco, trabalho de incontestável valor o único que modernamente appareceu sobre o assumpto, depois do que publicou Monsenhor Costa Honorato, ha muito o haviam recommendado á attenção do Instituto Histórico.

«Outras associações congéneres o tôm admittido no seu seio, como o Instituto Archeologioo e Geographico Pernambu- cano e o Instituto Geographico e Histórico da Bahia, do pri- meiro dos quaes ó sócio benemérito. As suas qualidades moraes e intellectuaes são bastante conhecidas no Recife, ondo exerce com competência as ftincçôes do inspector da lostrucção Pu- blica Municipal. Tantos títulos o rocommendam sufllciente- mente e são a garantia dos serviços que ao Instituto Histórico poderã prestar o novo sócio, que certamente não recusará a sua proveitosa oollaboração. O Instituto rejubila-se, pois, com a entrada auspiciosa do Sr. Dr. Sobastião de Vasconcellos Galvão e sauda-o por intermédio do orador.»

O Sr. Presidente declara que vai ser lido o parecer da Directoria sobre a reclamação feita na sessão de 20 do agosto pelo Sr. Vice- Presidente, Visconde de Ouro Preto, relativa á cadeira do Imperador.

O Sr. Furtado, Sscretario, faz a leitura desse parecer, concebido nestes termoi|.

410 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

« A Directoria do lostitato Histórico e Qeographico Braâ- leiro, tomando no mais elevado apreço, oomo era de rigaroea justiça, a reclamação apresentada em sessão de 20 deste mea pelo illustre B^ Vice- Presidente, Bzm. Sr. Visconde de Ouro Preto, relativamente à collocação da cadeira em que se sen- tava o Sr. D. Pedro II, quando presidia ás sessOes do Instituto, veriílcoa após detido exame também procedido pelo Sr, Dr. Bi- bliothecario ;

«~ que em sessfto de 29 de novembro de 1889 o Sr. Dr. Jofto Severiano da Fonseca propoz « em quatUo fosse viw) S, M, o Sr, D. Pedro de Alcântara a cadeira se c:nservasseinoccupada e cO' berta por um vêo. » ( Vide Revista Trimensalt tomo LH, parte II. pag. 538), proposta essa unanimemente approvada;

«— que em sessão extraordinária de 7 de dezembro de 1891, por occasifto da morte do Imperador, o Instituto approvou, varias medidas demonstrativas de seu pesar e entre estas a de cobrir-se de crepe durante um anno a cadeira em que se sen- tava Sua Magestade para presidir às sessões do Instituto (Vide Revista Trimêfisal^ tomo LIV pag. 300) ;

« que em ses^fto de 9 de dezembro de 1892 deram-se os seguintes íáctos narrados & pag. 418, tomo LV, parte II daRs- vista Trimensal ;

cBm seguida o Dr. César Marques apresenta o seguinte « requerimento:

«Está acabado o anno de luto pela morto de S. M. o Im<- « perador, e por isso requeiro que se tire o crep j, que envolve a columna, onde na sala principal está o seu busto e que o mesmo « se faça á cadeira onde se sentava elle, sendo esta e o estrado « em que se acha removidos para o salão D. Theresa Chrlstina.

Requeiro que nas costas da cadeira seooUe um rotulo, as- « signado pelo nosso presidente, declarando o flm que estes obje- «ctos tiveram em quanto residio entre nós o Sr. D. Pedro II.

Roquoiro tambom que da seguinte sessão em diante o Pre- « sidente do Instituto occupe a cabeceira da mesa, como ó de «costume em todas ss sociedaies congéneres.

Sala das sessões do Instituto Histórico, em 9 de dezembro €de 1892.— O sooio honorário, Dr. César Augtisto Marques ^^

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 411

< Snaoltando-se longa disoasaio sobre este requerimento» « re8olye-«e deixar por emquanto tudo como está e posterior- « mente deliberar sobre o qae convóm ílsizer. »

<— que nos estatutos upprovados ein sessão de 1 de agosto de 1890 ha a seguinte dispoeicio no art, 50:

<£m todas as sessões o Presidente oooupará o primoiro « logar & direita da mesa, tendo ao seu lado o 1<» e o 2** Secreta^ « rios, o Thesoureiro e o Orador, e ficando em frente os três Vice- « Presidentes, por sua ordem, e os Secretários gupplentes. Todos «os outros membros se assentarão promisouamente. »

« Póra ilestas claras e terminantes deliberações ha, quanto & cadeira do Imperaior, nas paginas da Revista e nas actas das sessões, algumas allusões ã « caieira para sempi*e vasia ».

Do exposto e considerando que a resolução do Insti- tuto sobre a collocaçao da peferida cadeira teve um caracter provisório « resolve-se deixar por emquanto tudo como esta » {Sessão de 9 de dezembro de Í892); considerando que os estatutos de 18d0 foram approvados ' quando ainda vivia o Sr. D. Pedro II e portanto vigorava a resolução tomada em sessão de 29 de novembro de 1889 « emqtianto fôr vivo » ; considerando quo nas obras ultimamente procedidas no edifício do Instituto, a antiga sala das sessões, ora des- tinada á leitura publica, foi melhorada incomparavelmente no duplo aspecto da segurança e da belleza, não se tendo, porém, feito a mais ligeira alteração no antigo mobiliário, bustos, retratos, e permanecendo a cadeira em que se sen- tava o Imperador no mesmo logar, á cabeceira da mesma mesa em que se celebravam aa sessões;~considerando que o es- pirito de oulto à memoria do Sr. D. Pedro II se manifesta no respeito ã antiga sala, agora denominada D. Pedro II, no novo sadão D. Tfieresa ChrisUna, na oollooação, no logar de honra do novo salão das sessões, do retrato do Imperador, corpo inteiro, oontendo a respectiva moldura as insígnias magesta* ticas. na conservação do sello do Instituto, com os dizeres: Âuspice Petro Segundo, pacifica scientioe occupatio; considerando que os Estatutos em vigor approvados pela assembléa geral de 9—16 de abril do corrente anno estabelecem no seu art. 49,

412 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

g 2*: cEm todas as reaniões do Instituto o presidente oecQpar& o centro da mesa, tendo & direita o secretario e o orador e á esquerda o 29 secretario e o thesoureiro». Julga n&o haver a menor infrac^ das decisões anteriores, satisfeita com esta ez- plicaclLo documentada a reclamação e declara manter-se firme, completa e inilludi^el a homenagem qne o Instituto deve á me- moria venerabilissima do seu Augusto Protector, dando assim por encerrado o incidente.

«Rio, 27 de agosto de \90ò. ^Marquei de Paranaguá. --A, F, de Souza Pitanga, Mace Fleiuts .-^Alcilnades Furtado,^ Árthur Guimarães. T^

«O Sr. Visconde de Ouro Preto pedindo a pafavra, diz que J&mais se Julgará desobrigado de reconhecer erro ou de reparar injustiça que haja praticado. Bem o sabe o venerando Presi- dente, por constantes relações de quarenta annos.

« Consoante esse modo de proceder, deve declarar ter-se en- ganado, suscitando a reclama^ sobre a qual formulou a il- lustrada Mesa o documentado parecer que acaba do ser lido.

« O Instituto n&o «deliberou, como suppunha, que a cadeira de Sua Magestade o Sr. D. Pedro II occupasse para sempre o logar de honra da sala das sessões. Limitou a um certo prazo essa to- cante demonstração de apreço ã mamoria do seu augusto pro< tector.

4c Não devia ter assim resolvido, mas resolveu; n&o ha ne^

« Para taes assumptos não decorre prescrip^; e estaria em seu direito propondo que revigorasse e se ampliasse a piedosa homenagem a quem tanto fez pelo Instituto, emquanto este sub- sistir.

« Entende, porém, não ser opportuno nem conveniente apre- sentar indicação nesse sentido. Não suspeite ninguém que pre- tenda perturbar a sdreaidade deste recinto com a repercussão das controvérsias agitadas fora.

« Aliãd o mesmo parecer é, folga em dizel-o, eloquente teste- munho da gratidão devida ao magnânimo Extincto, que, atô no exílio, e dispondo de escassíssimos recursos, soube favorecer a ^sociaçKo que tanto amou, coni donativo verdadeiran^eqte régio.

ACTAS DAS 8E8SÓBS DE 1906 413

«Demais ; palsaase ainda aquelle grande ooraoSo e nenbam cnlto* que mais o satisfizesse, poderia render-lhe o Instituto» do que perseverando na sua miss&o, que ó colher, perpetuar e diffundir a verdade aoeroa das cousas e.dos homens do Brazil, no empenho unioo do engrandecimento e renome da pátria.

«O parecer encerra com acerto o incidente. Agradece á Mesa a extrema gentileza com que communicou ao declarante o con- texto desse trabalho, antes de oxhibil-o em sess&o.»

O Sr. Presidente declara ooogratular-se com o Instituto pelo feliz resultado que teve o incidente.

O Sr. Visconde de Ouro-Preto diz que proferirá mais al- gumas palavras, em jastiflca^^ de uma proposta, cuja simples leitura bastaria para angariar-lhe o assentimento unanime do Instituto. Gomo recordou, em uma das sessões passadas, a actual e commoda installaçfio, que desfructa o Instituto, é devida principalmente ao prestigio do saudoso e finado presidente perante os poderes públicos, graças & elevada situagio que tinha no mundo offlcial.

« Não menos certo ó, porôm, que se as obras emprehendidaSi para concertos e decoracSo do edificio, realizaram-se com cele- ridade, nio habitual entre nós e de modo tSo satisfaotorio, foi em resultado da solicitude e esforços de outro digno consócio.

€E* elle o illustre Sr. 1<> Secretario. Aqui comparecendo diariamente, activou e fiscalizou todos os trabalhos, providen- ciando sobre tudo como convinha. Nem iaM>; conseguiu por infatigáveis diligencias e (porque não o dirá?) por suas maneiras insinuantes, que os auxilies promettidos anteriormente ao Instituto Ibssem augmentados.

«Serviços de tamanha valia merecem ficar assignalados jem um voto de agradecimento.

Tal o fim da seguinte moção:

< Propomos que se consigne na acta um voto de reconhe-* «cimento ao digno l"" Secretario Max Fleiuss, pelo serviço cst «levante que acaba de prestar ao Instituto, promovendo a « realização dos melhoramentos que se fiiziam necessários ã se« «gurança e & melhor adapta^^ do edificio em que esla asso- «elação tem a sua sedo e empenhando neste sentido toda a

il4 REVISTA DO INSTITUTO HKTORIGO

soa dodioaçao e inezoediveis esforoos.— Rio de Janeiío, Sala cdas SesBões, em 6 de agosto de 1906.— Ouro PrHo.'^ Ma- noel Barata. Manoel Cicero,-^ Joeé Américo dos Santos.-^ Arihwr QtUvnarães.— A. Cunha Barbosa. ^Rochã Pombo. Jtfw- ardo Marques Pekooto.'^ Aleibiades Furtado. i^

O Sr. Presidente põe em votação a mo^, que é atiani- mente approvada.

O Sr. PleiosB, \^ Seoretarlo, agradece a generoeidade oa- ptivante dos seaa iilaetrefl pares e pede vénia para deetaoar em gratidão as carinhosas palavras proferidas por seu eminente amigo Sr. Visconde de Ouro Preto. Blias eonstituem um pre- mio magnifico dos esforços que vem empregando desde o aono passado para que o Instituto tivesse uma instaliação condigna.

« Reeorda o apoio incondicional que teve do inesquecível Sr. Conselheiro Olegário, que o autorisou ca faser o queon^ íondessêy querendo saber das obras depois de oonduidas », mas precisa salientar, e com lealdade o íái, que sem a Inex- cedivel boa vontade do Governo nada se teria conseguido,

«Aos Srs. Drs. Rodrigues Alves, l^eopoldo de Bulhõest Seabra e Félix Gaspar deve o Instituto a sua compleia rsor- ganização material.

«Sfio nomes que ficam para sempre ioseulpidos na gra- tidão desta casa.

« Ainda por oocasião de sua visita a este ediflcio, em 30 de julho ultimo, o Sr. Presidente da Republica demonstroa o mais vivo interesse por todos os melhoramentos» examinando- os minuciosamente e tendo por fim palavras de justo apreço ao Instituto, que S. Ex considerou merecedor de toda a estima.

« Ao obscuro ooUega que ora ocoupa a attengão da oasa, o Sr. Dr. Rodrigues Alves, com oeavalheirismo que lhe é próprio, dirigiu benévolas e animadoras palavras, a que se vém juntar as que acaba de ouvir, partidas de um p itricio da estatura do Sr. Visconde de Ouro Preto, ccijo nome não ô somente uma gloria para o Instituto, mas para a oommunhão braiilelra.

« £ que se reíériu às obras, o orador pede vénia paca ainda eitar dous nomes que floarão ligados a esae bailo fdp

ACTAS DAS 3BS80BS DE i8Õ6 ^16

riodo de transformaç&o o Dr. Franeitoo Augusto Peixoto, en* geaheiro do Miniaterio da Justiça e o 8r. Miguel Bruno, ar- chitecto - constractor .

« O primeiro impoz-se ú, estima pelo critério e competência oom que fiscalizou diariamente todos os trabaltios ; o segundo pela exactidão oom que cumpriu as clausulas do seu oontracto oom o Qoverno, pres(ando-se mesmo a executar melhoramentos a que pela letra do compromiíiso não era obrigado.

« Termina reiterando os seus agradecimentos ao Instituto e assegurando que permanecerá no posto, supprimindo pela de* dicação ininterrupta as qualidades que lhe faltam para dar brilho ao cargo de l^ Secretario.»

Ò Sr. Presidente annunoia a votaoio do pareoer da Com* missão de Admissão de Sócios, opinando pela approYagão da proposta apresentada do Sr. Dr. D. Daniel Oaroia Aoevedo para sócio correspondente.

Prooede-se á votação, sendo approvadas as conclusões do parecer.

O Sr. Presidente proclama o Sr. Dr. D. Daniel Qarcia Aoevodo sócio correspondente do Instituto Histórico Geogra- phico Brazileiro.

O Sr. Furtado, 2? Secretario, a seguinte propopta: €Pro-< pomos para sócio correspondente da Instituto Histórico e Qeo- graphico Brazileiro o illustre diplomata cubano D. Gonzalo de Quesada, autor de varias obras importantes, por concorrerem no proposto as qualidades è virtudes que o recommendam ã admissão no seio deste Instituto. Servem de base á sua ad- missão as duj^ obras que offerece e são : < Cítbck em i905 » e Cuba*s loar for Freedom, ambas de sua lavra. Sala das sessões do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro» em 3 de setembro de 1906.— Jq&4 Américo dos Santos^ Manoel âa- rata, Cândido de Oliveira,»^ A* Gommissão de Historia, re- lator o Sr. Visconde de Ouro Preto.

O Sr. José Américo dos Santos pede a palavra para of-< ferecer ao Instituto o volume da obra intitulada : Inter^ national American Confisrence Washington Íã90^

O Sr. Fleiu^s prooade ã leitura 4e alguns treabos^ BUh

416 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

graphia e estudo do Conselheiro Franeiseo José FUrtadOf es- cripta pelo Ck>ii8elheiro Tito Franco de Almeida e das copio- sas notas que, á margem, escreveu a lápis o Imperador, D. Pedro II.

O Sr. Visconde de Ouro Preto declara qae fará algumas- revelações, qae não ser&o sem interesse para o Instituto, pois se refere ao livro, cujos ezcerptos e notas leu o Sr. Secre- tario. Esse livro appareceu quando mais aeoesa se feria a luta entre os denominados Uberaes históricos e Uberaes pro. gressistas^ causando certa impressão.

« Entendeu oontrapor-llie reAitação o gabinete de 3 de agos- to de 1866, presidido pelo eminente Zacharias de Góes, e do qual faziam parte os nobres actuaes Marquez de Paranaguá, primeiro na pasta da Justiça e depjis na da Guerra, Conse- lheiros Martim Francisco, que da de Estrangeiros passou para a da Justiça, Souza Dantas, na da Agricultura, e quem o esta recordando mal geria a da Marinha.

«\o organizar-se esse Ministério ficara com a pastada Guer. ra o Barão de Uruguayana, que mezes depois se retirou, sendo substituído na pasta pelo Sr. Marquez de Paranaguá. Para preenchimento da vaga aberta foi nomea lo o Senador e Al- buquerque. Fallecendo este, a vaga foi preenchida pelo illus- trado Sr. Conselheiro Silveira de Souza, felizmente ainda vivo. Sobrevivem, pois, tros testemunhas do que vai dizer.

«Por designação dos collegas foram incumbidos de promover a resposta ao livro do Sr. Tito Franco de Almeida os Mi- nistros da Agricultura e da Marinha, que por sua vez a con- fiaram ao -Deputado por Pernambuco, Dr. Souza Carvalho, correligionário prestimosíssimo e desinteressado. Afflrma-o» porque em vida e depois de morto foi muito injustamente aocusado. Nunca o viu propugnar pretenção própria, mas pro- teger as de outrem, amigos ou adversários.

«Souza Carvalho encarregou do trabalho ao intelligentissimo Dr. Luiz de Carvalho Mello Mattoa, que se finou precocemente. O Dr. Mello Mattos foi, portanto, quem escreveu as Paginas da Historia Constitucional^ explicando e combatendo os factoa 6 apreciais eipostos na Bio^aphia do Conselheiro FuriadOi,

ACTAS DâiS SESSÕBS DE 1906 417

fira am oaraoter nobilissimo ; trabalhou gratuitamente ; e releva acoreBoentar— também a publicação não custou um real aos cofres públicos.

« Alguns dos factos alludidos eram antigos, delles não tinha noticia o escriptor, que exigiu informações. Não poliam dar- lh*a 08 ministros, que igualmente mal os conheciam. Resol- veram solicital-as respeitosamente ao Imperador, que as prestou com a maior benevolência.

< Occorro de momento a lembrança de duas. A primeira diaia respeito ãs palavras attribuidas ao Sr. Senador Euzebio de Queiroz, quando Ministro da Justiça. Assegurava-so que, de uma feita, em despacho, o fechando a pasta, dissera : cCom Vossa Magestade somente se pôde ser Ministro uma vez»,

« O Imperador, consultado, respondeu simplesmente: c Os senhores conhecem o Eusébio e sabem que a uma alta oapaci* dade junta maneiras tão delicadas que o inhibirlam de offen- der a quem não podo reagir».

«Era uma balela. E* verdade que Euzebio não tornou a ser Ministro ; mas foi Conselheiro de Estado, cargo de igual categoria. Si não acceitou a nomeação depois oíTerecida, foi por motivos de saúde, não por desgosto com o Chefe do Estado. Mais de uma vez o disso a pessoas de sua intimidado, como pôde attestal-o o distincto Sr. Senador da Republica, Dr. Oli- veira Figueiredo, que lh*o ouviu. Alludira o Sr. Tito Franco de Almeida á demissão do Ministro Honório, depois Marquez de Paraná, porque exigiu a demissão do Inspector da Alfandega e não a obtivera por favôriiisma.

« Declarou o Imperador: «Nunca tive favoritos. Recusei, é « certo, a demissão do Inspector da Alfandega desta cidade e « concedi a do Ministério, que disso fizera questão, por dois mo- « tivos. Em primeiro logar, não me provara o Ministro nenhuma « irregularidade no procedimento daquelle fhnccionario hones- « tissimo. Depois, eu era então muito moço ; começava a exeroer « as minhas funcções e entendi dever mostrar que tinha vontade « e resolução.

O Sr. Presidente o seguinte aparte: B o Imperador accrescentou : «Hoje não procederia assim».

4323—27 Tomo lxix p. ii.

418 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

O Sr. Visoondo de Ouro Preto (contíDúa): Ezactamcoto ; o mais que:€ Tanto Honório nilo se magoou commigo que depjis « serviu nos mais altos cargas de immediiita confiança».

« Rematará estas reminisceocias, que revelam o sentir in- timo do finado Imperador, citando caso occorrido com o or.ulor. Um dia, conversando com Sua Magestade sobre coisas politicas, teyo a ousadia de dizer-lho que não pouco contribuíram para desenvolvor-se a propaganda republicana a impasslvídade com que eram combatidas e calumniados as instituições yigentes e seus representantes, e mais a convicção arraigada de ser ca- minbo seguro para chegar prompt amento aos cargos mais ele- vados a aggressão á dynastia. Retorquiu-lhe serena e nobre- mente o Sr. D. Pedro I(: Sou sensível ds injustiças e me doem « os apodos ; mas o meu dever não permitte que, por injurias « pessoaes, prive o paiz dos serviços de brazíleiros distinctos. As « coisas únicas do que posso dispor livremente, couferindo-as aos « que sei não me serem infensos, são os cargos da minha casa, « que nfto dão proventos, nem privilégios».

4c Basta o que tem dito para que a geração nova conhe- cendo qnem era o grande morto.»

£ncerra-se sessão ãs 4 1/2 horas da tarde.

Alcibíades Furlado, í" Secretario.

OlPEllTAS

Pelo Sr. Antouio Alexandre Borges dos Reis- Historia do Brazil, !• parte.

Pelo sócio Sr. Dr. Joaquim Nabuco<- L* arbitrago angla-> brésilien de 1904— e Le conflit de limites eitre le Brésil et la Orande-Bretagne, 2 vols.

Pela Directoria de Agricultura, Viação, Industria c Obras Publicas da Bahia— Boletim

Pelo Grande Oriente do Brasil— Boletim.

Pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro— Archivos.

Pela National Qeographio Socioty of Washington The Magazine.

ACTAS DAS SESS'1eS DE 1906 419

Pelo sócio Sr. CandiJo d3 Oliveiri— D. Piidro do Alcântara, sonetos do Exílio recolhi los por unn braíileiro.

Pelo Ministério do Fomento de Lima (Peril) Bolctin de Caorpo de Ingenieros do Minas.

Pola Bibllotheca Nacional— Brazil at the Louisiana Par- cbasc^ Exposition, St. Louls, 1904. 1 vol.

Pola Sociedade Nacional de Agricultara— Boletim

Pelas respectivas redacções as seguintes rjvistas:

O Economista Braiileiro, Revista Commercial e Financeira^ Revista Didáctica, O Oriente Português, RcHsta do Club de En- genhariay Revista da Aoadenúa Cearense, Revista Histórica dei Instituto Histórico dei Peru, Revista Militar.

Pelas redações os seguintes jornaes:

Le Nouveau Monde^ Mala da Europa, Jornal do Recife^ Diário Official do Ánuuonas, VEHoile du Sud,

DECIMA QUINTA SESSÃO ORDINÁRIA EM 17 DE SETEMBRO

DE iC06.

Presidência do Sr. Marquei de Paranaguá (í* Viee-Pretidente)

A's 3 horas da tarde, na sede social, presentes os Srs. Marquez de Paranaguá, Visconde de Ouro Preto, Max Fleiuss, Alcibíaded Furtado, Arthur Guimarães, Desembargador Souza Pitanga, Rocha Pombo, Conselheiro Caudido de Oliveira, Drs. Manoel Çioero, José Américo dos Santos e Barâo de Paranapiacaba, abre*se a sessão.

O Sr. Furtado, 29 Secretario, procede ã leitura da acta, a qual é £em debate approvada.

O Sr. Fleiuss, 1<> secretario, diz que, desde a Sdssão passada, o Sr. Rocha Pombo declarou ter recebido do consócio Dr. Nelson de Senna uma carta pedindo-lhe que apresentasse os pezame« dessd consócio pelo fillocimonto do Sr. Conselheiro Olegário.

O Sr. Presidente diz que o Instituto fica inteirado e agradeoe.

O Sr. Fleiuss, Secretario, as offertas o depois os se- guintes pareceres da Commissão de Historia :

< O Dr. Arthur Orlando, sócio da Academia Pernambucana

420 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

de Letras e de outras ioatitaiQões literárias, não representa nm nome descoaheddo,

« Além dos Ensaios de Critica e Novos Ensaios^ que offereoea ao Institato, a sua roceotissima obra Sdbro o pan-americaoismo por si podia servir-lhe de titalo do admissão ao nosso grémio.

« Esta obra revela, além de uma erudição fóra do commum, uma exacta comprehensão do actual momento politico, em que fe acham na tela do debate os mais interessantes problemas attinontes ao progresso e desenvolvimento das duas Américas e ás relaçOes de ordem económica e internacional dos povos americanos,

« Yeiu em boa hora este livro, valiosa contribuição da lite- ratura brazileira para a apreciação dos íisLctos e succossos do mundo politico contemporâneo.

< Melhores não podiam ser os auspicies, sob os quaes se apre- senta o Sr. Dr. Arthar Orlando perante o Instituto.

4c Trabalhos como os Ensaies de Critica e Novos Ensaios e o pan-americanlsmo denunciam um engenho superior, familiari- zado com os novos processos da sciencia e que, applicado ao exame das questões históricas, aclarara pontos obscuros ou ainda não detidamente meditados.

« Em boa hora vem, pois, a proposta que, para sócio corre- spondente, fazem os coUegas Barão de Alencar e outros. A Com- missão de Historia não tem sinão quo applaudíl-a.

Sala das sessões, 17 de setembro de 1906.— Cândido de Oliveira, relator.— Rocha Pombo.— B. T. de Moraes Leite Velh^ Visconde de Ouro Preto.> O parecer é approvado e vai á Gommisiâo de Admissão de Sócios, sendo relator o Sr. Dr. Manoel Barata.

« Pondo de parte a traduoçSo, o livro a respeito de Carlos Gomes, escripto pelo Sr. Dr. Silio Booanêra Júnior, representa efrectivamente grandes Migas o laboriosas investigações, desde que o autor se queixa das diíficuldades que encontrou muitas vexes para obter esclarecimentos que jalgava indispensáveis. « Do f^ontispicio do volume reconheee-se que elle é diplomado por diversos institutos literários, e no fim se um catalogo de

i

ACTAS DAS SESSÕES DE l906 421

variados trabalhos qao, si corresponderem aos titalos, darão a medida exacta do cabedal de estados e do seu aproveitamento; o ó de lamentar que de património que tão copioso se mostra, o livro principal, qae tenho á vista, não outro testemunho sinão de uma admiração— quasi idolatria— pelo famoso maestro. Que volte e apadrinhado por mais sólidos títulos, que lhe serão £gu^ís, desde que se mostra dedicado ás letras e ás investigagões scientiâcas.

Rio, 31 de agosto de 1906.— B. T. de Moraes Leite Velho ^ relator.— Visconde de Ouro Preto,--- Rocha Pombo^ vencido. Cândido de Oliveira.— Sylvio Romero.9^ O parecer é approvado» archivando-se o processo.

—«Examinou a Gommissão de Historia do Instituto Histó- rico e Geographlco Brazileiro os livros que justificaram a pro- posta de admissão, como sócio correspondente, do Sr. Gonzalo de Quesada, encarregado de negócios de Cuba em Washington, 6 vem a respeito emittir sou parecer.

Intitulam-se Cubais War from Freedom e Cuba,

A Guerra de Cuba pela Liberdade^ escripta em inglez, or- nada de numerosos retratos e gravuras, e impressa em Phila- delphia, oompoe-se de duas partes distinctas.

« A primeira da lavra do Sr. Quesada contam dez capítulos com 186 paginaa.

« Trata do dominio hespanhol na principal das Antilhas, qualíflcando*o com dureza e, rapidamente, das mal snocedidas tentativas de independência até a sublevação ânal.

« Não traz nome do autor a segunda parte ; ô a mais impor- tante do volume, com 480 paginas em doze capitules.

< W uma narrativa da guerra dos Estados Unidos com a e Hespanha» guerra que teve por theatro Cuba, as Philipploas Porto Rico. Basêa-se em documentos offlciaes americanos larga- mente transcriptos*

< Quer na primeira, quer na segunda parte, a exposição dos factos é feita de modo claro e interessante. Nota-se, porém t grande parcialidade contra a Hespanha, parcialidade explicável pela circumstancia de haver sido o trabalho executado Am 1898, durante ou logo após os successos.

422 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

« 03 oommentariofl são, em geral, inspirados pela paixão. Bem a calma e serenidade do historiador.

« Em todo o caso, as grandes tígiiras do Máximo Gomoz, José Maceo, António Maceo, Simpsoo, Dewey, Aguinaldo, appareccm em grande relevo e muito impressionam as peripécias trágicas em qae estiveram envolvidos.

4c Em samma, não ô nm livro de historia, mas exceliente collectanea de preciosos elementos para o faturo historiador dessa phase notabilissima da evolução americana.

« O outro sob o titulo Cuba é uma compilação—prífpareíi by SeUor Gonxalo Qtiesada, and approved by the Cúban Government.

« Foi editada em Washington, na Imprensa do Governo, em novembro de 1905.

« Ck)ntem o que mais possa interessar acerca da antiga co- lónia hespanhola e moderna republica.

« Posição astronómica, extensão, limites, popula^o, choro- graphia, bydrographia, geologia, flora, fauna, climatologia, são assumptos tratados de modo a satisfazer a curiosidade de quem não pretenda adquirir delles profundos conhecimentos.

4c Não ficou de parte a historia, desde a descoberta alô nossos dias.

« Tampouco a forma de governo, a legislação civil, a agri- cultura, a industria e o commercio. B*, em outros termos, repo- sitório abundante, e naturalmente fiel, das mais variadas infor- mações e dados estatísticos.

« Um dos capítulos destina-se mesmo á descripção da capital, Havana, seus monumentos principaes, parques. Jardins, meios de transporte, institutos de instruoção, previdência e caridade, policia civil e militar, corpo de bombeiros etc.

« Acompanha uma relação, por ordem alphabetioa, dos livros publicados sobre a ilha e outra, pela chronologica, a contar de 18S5, dos artigos de Jornaes e revistas que á mesma ilha se refe- rem e ainda a de numerosos discurios que a tiveram por objecto.

« Perfaz as 536 paginas do volume o texto da constituição cubana promulgada sob a invocação do Todo Poderoso (of the Allmighty) e a visivel influenciados Estados Unidos da Ame- rica.

ACTAS DAS SESSOKS DE 1906 423

< O merecimento das duas obras confere ao Sr.Gonzalo Que- sada, homem eminente em seu paiz, títulos sufilcientes para ser admittido no grémio do Instituto Histórico o Geograpbico Brazileiro.

< E\ portanto, a Commissão de Historia de parecer que seja approvada a proposta.

Rio de Janeiro, 12 de setembro de \90ò.— Visconde de Ouro- Prelo^ relator.— 5yZt>to Romero. Cândido de Oliveira, B, Leite Velho . Rocha Pombo . »

O parecer é approvadoe em seguida à Commissão de Admis« são do Sócios, relator o Sr. Dr. Miguel de Carvalho.

O Sr. Fleiuss, Secretario, apresenta a seguinte proposta de orçamento para o anno de 1907 :

cCumprlndo o que determina o art. 35, § 3®, dos Estatutos, apresento a proposta de orçamento para o anno de 1907:

RECEITA

Art. l''. A receita para o aono de 1907 ó orçada em Sl:34O$00O e será arrecadada pelos títulos seguintes :

!.• Subsidio do Thesonro Federal 14:000$000

8.» Juros das apólices 6:260$100

3. Prestações dos sócios 1:080$000

4.<» Jóias de admias&o $

5. «Remissão de sócios * $

6." Pagamento de prestações cm atrazo, dos sócios. $

7«o Venda do exemplares da iS^t^t^f a $

21:340$000 DBSPEZA

Art. 2.*> A despeza pa^^a o anno de 1907 ó orçada em 81:340$000 e sor& effoctuada pelas verbas seguintes : l.«, Impressão da i2ôtfí.«fa e outros trabalhos. . . . r):700$000 2.», Pessoal :

Blbliothecario .-^iGOOlOOO

Escripturario 2:400$000

Auxiliar l:800|000

424 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Porteiro 1:440$000 -9:840|000

3.* Limpeza e consevaç&o do ediflcio 1:200(000

4.» Expediente geral 3:600$000

5.» Enoaderoacôes 600$000

6.»Kventuae8 1:000$()00

21:340$000

Na verba do expediente serão comprehendidas as despesas diárias da Secretaria» annnncios, porte do correio, passagens* papel, penna e tinta«

Secretaria do Instituto Histórico e Geographico Braziieiro, 17 de setembro de 190Ô. Max Fleiuss, Secretario.

A' Ck>mmissão do Fundos e Orçamento, relator o Sr.Vis- oonde de Ouro-Preto.

O Sr* Fartado, 2** Secretario, as seguintes propostas de admissSo de sócios :

i< Propomos para sócio correspondente do Instituto Histórico 6 Geographico Brazileiro o Dr. Alfredo Augusto da Rocha, Di- rector Geral da Imprensa Nacional desta Capital, serTindo de titulo para a sua admissSo o trabalho que offereee sobre Caixa$ Eo<mínnicas.

Sala das sess5es do Instituto, 17 de setembro de 1906.— Mcuu Fleiuss.^Roeha Pombo,—- Arthur Guimarães,

A' commissfto de Historia, relator o Sr. Conselheiro Can- dido de Oliveira.

cPropomos para sócio correspondente do Instituto Histó- rico e Geographico Brazileiro o Sr. Adolpho Augusto Pinto, servindo de bJLSo para sua admissão o trabalho intitulado SiS" torta da Viação Pública do Estado de S. Paulo,

Sala das sessões do Instituto, 17 de setembro de 1906»— Mães Fleiuss,^ Rocha Pombo, Jesuino de Mello, ^ A' Commissão de Geographia, relator o Sr. Dr. José Américo dos Santos.

€Propomos para sócio correspondente do Instituto o lite- terato Sr. Virgílio Várzea, servindo do titulo de admisnío seus trabalho históricos sobro (fiuseppe c Annita Garibaldi e sobre o general Andréa.

Rio, 17 de setembro de 1906. A, F, de Souza Pitanga, Visconde de Ouro^Preto,^-^ B, de Paranap\acaha,^Rocha Pombo,

ACTAS DAS SESSÕES DB 1906 425

^Oandido de OUteira. -- José Ámerieo dos Santos. A' Com- miMio de Historia, relator o Sr. Dr. Sylvio Romero.

—O 8r. Fleuisfl, V Secretario, diz que, encontrando-flie oom o illoatrado Sr. Senador Oliveira Figueiredo, e entretendo con- yeraacSo oom elle a respeito do incidente havido entre o Senador Eozebio de Queiroz e Sua Magestade o Imperador, incidente de que tiU> brilhantemente ae occupou na sessão passada o Exmo. Sr. Visconde de Ouro-Preto, muito digno 3** Vice-Presldente, obteve do mesmo Senador Oliveira Figueiredo a promessa de sua exposiçio escripta sobre o assumpto. Insistindo o orador no seu pedido, por carta, recebeu a resposta que vai lèr :

cRespondendo á carta de V., datada de hoje, em que « mostra desejo que eu explique o motivo pelo qual o eminente « Sr. Visconde de Ouro-Preto, na sessão do Instituto Histórico, de « 3 do corrente mez, invocou o meu testemunho contra a as- « serçfio de que o grande estadista Conselheiro Euzebio do « Queiroz declarava que, com o Imperador, um homem de brio « nSo podia ser ministro duas vezes, venho expor o unlco facto « que em meu espirito deixou a convicçSo de não ser esse o « modo de pensar daquelle illustre Conselheiro.

« Em ama tarde de melados do anno de 1859, achava-me eu « na residência do digno Desembargador Francisco de Queiroz « Coutinho Mattoso Camará, casa situada em uma rna esquina « da do Núncio, em uma fbsta de íamilia delle baptisado de uma filha, quando o Conselheiro Euzebio de Queiroz, irmão do referido Desembargador, que também alli se achava, foi eha- 4c mado por carta ao Paço de S. Christovão.

« Voltando dalli, cerca das 10 horas da noite, referiu-nos no « gabinete de seu irmão, em presença deste, do meu inolvidável « amigo e collega o Dr. Euzebio de Queiroz, filho do Conselheiro, « e na minha, que o Imperador ao começar sua conferencia com « elle lhe expuzera que o gabinete Abaet(^. pedira demissão, e « como elle Imperador estava de accôrdo com as opiniões poli- « Ucas emitidas pelo conselheiro no recente discurso no Senado» « o encarregava de organizar novo gabineto ; respondeu o Conse- « Iheiro, manifestando-se muito reconhecido á prova de Con- « fiança, mas pedindo dispensa da alta commissão, porque seu estado de saúde, mormente seu incommodo de olhos, não lhe

42G REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

permíttiam o trabalho indíspensavol do importante cargo de 4 Presidente do Conselho. A isso ponderou o Imperador, oom algum pezar, si era propósito do conselheiro não seryir mais

< á Nação, como Ministro do Estado.

« Oi8se-D03, então, o conselheiro que essa observação do Im- « perador o commeveu muito, e contra ella protestou, assegu- re rando ao Imperador que o único motivo de sua recusa ora « o máu estado de sua saúde.

< O toro com que o Conselheiro Euzebio de Queiroz, na in- « timidade, referíunos o sentimento que experimentara, com a « observação de Sua Magestade, levou-me a crer que clle jamais tivesse dito quo comi o Imperador não se podia ser ministro duas vezes.

Conservo tão alta veneração pela memoria do Conselheiro

< Euzebio de Queiroz, que me sinto feliz em dar o meu teste- muoho sobro a completa integridade de seu elevado caracter. Releve-me as lacunas desta exposição, que deve nec^ssaria- mento se resentir da fraqueza de minha memoria de velho a respeito de um episodio passado ha 47 annos. Sou com toda consideração, etc.— CaWas Augusto de Oliveira Figueiredo, Rio, 14 de setembro de 1006. >

O Sr. Fleiuss, l^' Secretario, diz que o illustre consodo Dr. Manoel Barata devia lor hoje perante o Instituto algumas notas bíogi*aphicas que culligiu e commentou sobre o almi- rante Luiz da Cunha Moreira, l"" Visconde de Cabo Frio, de quem ha tempos offereceu um retrato quo se acha collocado na sala das commissões. Motivo de força maior terá impe- dido o comparecimento do estimado consócio^ e assim na próxima sessão serã lido esse novo trabalho qae, oomo tudo quanto o Dr. Barata produz, ó uma pagina do alto interesse pelos documentos que encerra e pelos conceitos firmados no mais seguro critério.

Pôde assogural-o, porque o leu em part9.

O Sr. Presidont-í diz que o Instituto espera ouvir essa lei. tura, de certo interessante:

I^vantase a sessão ás 4 1/4 da tarde.

Alcibiades Furtado 3* Secretario.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1900 427

OFFERTAS

Pela Directoria do Serviço Sanitário do ParA Boletirn Mensal.

Pel% Real Academia dd la Historia de Madrid BoMin.

Pelo International Bareau of the American Republics MofUhly BuUetin.

Pela Socletit Geográfica Italiana BoUetino.

Pelo Sócio Sr. Dr. Francisco A. Pereira da Costa iVò- ticia Biographica do Dr. Anlonio de Moraes Silva.

Pela Presidência do Estado do Amazonas, Relatório da Presidência da Província do Amasonas desde sua creaçao até a pr jclamaçfto da Republica, 2 vols.

Pela Directoria Geral de Hygione do Estado da Bahia An- nuari).

Pela Estatística Demographo Sanitária da Cidade do Sio Salvador Boletim Mensal.

Pelo Sr. Dr. Aliado Rocha, director geral da Imprensa Nacional— Caixas Económicas e o Credito Agrícola •« 1 Tol.

Pelo Provedor da Irmandade do S. Sacramento da Pre- gaezia de Nossa Senhora da Candelária Relatório, de 31 de Julho de 1906.

Pelo Sr. Clóvis Beviláqua Direito da Familia»

Pelo Sr. General José de Siqueira Menezes. Modelos de Escripturacão Militar.

DECIMA SEXTA SESSÃO ORDINÁRIA EM 1 DE OUTUBRO DE

1906

Presidência do Sr. Marques de Paranaguá (i^ Vice- Presidente)

A*d 3 horas da tarde, na sede social, presentes os Srs. Marquez de Paranaguá, Barão Homem de Mello, Visconde de Ouro Preto, Max Fleiuss, Alcibíades Furtado, Arthur Guima- rães, Desembargador Souza Pitanga, Drs. Manoel Cícero, Manoel Barata, Leito Velho, Cunha Barbosa, Conselheiro Cândido de

428 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Oliveira, Barilo de Alencar, Bai*ão de Paranapiacaba, Marques

Peixoto, abro-se a sosslio.

O Sr. Furtado, 2'' Secretario, faz a leitura da acta da sessão

anterior, a qual ô sem debate approvada.

O Sr. Fleiuss, l"" Secretario, 10 o seguinte expediente:

Carta da Exma. Sra. D. Luiza Mello Franco da Porciun-

eula, concebida nestes termos: « Illm. Exm. Sr. Marquez de

Paranaguá, M. D. Presidente do Instituto Histórico o

< Geographico Brazileiro.

Meu marido, o Senador Dr. José Thomaz da Porciunoula, guardava em seu archivo valiosos documentos originaes rela- « tivofl a uma das phas&s mais attribuladas da Republica, os « quaes olle poude reunir, em razão da elevada posição politica « que então occupava: (juero mo referir ao poriodo da ravoita da « Armada, quando meu marido exercia a presidência do Estado

< do Rio de Janeiro. Taes documentos acredito que ministrarão valiosos subsídios ao estudo a futuros historiadores, o quando,

< inteiramente dissipadas as paixões, houverem do apreciar com animo sereno os acontecimentos desse periodo*

« Penso que nâo poderei dar- lhes mais proveitoso destino do « que offerecel-os ao Instituto Histórico, que V.Ez. dignamente preside, para que sejam objecto de estudo o de elementos de verídicas informações para o completo conhecimento da verdade sobre esse notável movimento politico, e da attitudc digna e « serena de meu marido no seu posto de sacriflcioSf mantendo a todo o transo o respeito ás leis e á Constituição do seu paiz. «Seja esta minha oíferta um preito sincero que rendo á me- « moría de meu marido.

« Rogo a V.Bx. queira autorizar o recebimento. De. V. 4cEx., otc, Luisa Mello Franco da Porciuneula. Petrópolis, « 24 de Setembro de 1907».

O Instituto agradeceu por esta forma:

< Exma. Sra. D. Luiza Mello Franco da Porciuneula. Por intermédio do inteí,'ro Conselheiro Pindahyba de Mattos, rauito illustre Vice- Presidente do Supremo Tribunal, recebeu o Insti- tuto Histórico a attenciosa carta do V.Ex. acompanhada de « interessantes e valiosos ^iocumontos existentes no archivo de

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 429

« sea digno esposo o Dr. Josô Thomaz da Porciuncula, referente ao periodo de 1893-1894, quaado se deu a revolta da Armada.

Muito agradece o iQs ti tu to a distiDcçãio de V.Ex.t eacolhen- do*o para depositário de tão importante espolio, quo, recolhido ao cofre de sigillo, terá opportunamento publicação na Revista.

Na próxima sessão terei ocoasião do ler ao Instituto a carta de Y. Ex. e a presente resposta. Apresento a Y.Ex. meus re- speitos e sou, etc, Max Fleiuss, Secretario».

Os documentos serão enviados á Commissão de Redacção, afim de que os examine o Sr. Dr. Manoel Cicero.

Carta do Dr. Virgílio Várzea enviando suas obras histó- ricas jã impressas.— Inteirado: as obras serão enviadas ao relator Dr. Sylvio Romero.

—Carta do Sr. Manoel Ribeiro de Faria, offerecendo obras ao Instituto .— Muito se agradece.

£m seguida são lidas as oíTertas, entro as quaes cumpre salientar a que foi feita pelo Sr. Barão de Yasconcellos, do tomo XX, anno XX, 1905, da Reoista do Instituto do Ceara. Nessa importante publicação, sob a chofia do nosso illustre oon- sócio Barão de Studart, occorre erudito trabalho do Sr. Barâo de Yasconcellos, a quem o. Instituto deve bons serviços. Sob o titalo < Pedro Pereira da Silva Guimarães (Documentos histó- ricos)», o Sr. Barão mostra o papel notável que em 1850 e 1852 representou na Camará dos Deputados o biographado, illustre cearense, apresentando dois projectos, que foram rejeitados, sobre o elemento servil.

O Sr. Fleiuss, i^ Secretario, os seguintes pareceres :

< Parecer cerca da proposta para admissão do Sr. Doutor Clóvis Beviláqua, professor da Faculdade de Direito do Recife, como sócio correspondente do Instituto Histórico e Geographioo Brazileiro.

Nas observações que procedem o trabalho que tenho pr&> sente, Relações Exteriores » publicado no « Livro do Cente- nário » explica o autor os motivos da reduxida extensão do quadro em que teve de condensar a historia dos tratados, al- lianças, guerras, do Brazil Colónia, Reino, Império, Republica, isto ó, em um cyclo de quasi quatro sacnlos.

430 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Complexo das relaçõos oxterDas, diz ello, que tendo d » acompanhar o Brazil desdo o momoato da sua descoberta, hão de ser necessariamente rápidas e syntheticas, procurando antes apanhar a orientaç&o e a consequência dos factos de que a soa exposição ou detalhe e ni investigação das suas causas. >

c O trabalho, pois, abrangendo período tão vasto e sobre tão amplo th3ma terá conseguido muito, delineando os contornos do grande quadro, bosquejando os perfis dos acontecimentos o dos liomens que foram os mais notáveis que nellc figuraram, deixando no espirito do leitor a impressão possivelmente mais nítida da vida de relação do Brazil no convívio das nações.

« Historia diplomática sem os documentos que expliquem e illustrem os factos conhecidos ou revelem os ignorados, tem forçosamente de limitar-se a descrevel-os, sem lhes poder im- primir os característicos do verdade que fica muitas rezes dis- fftfçada sob apparencias fallazes, e peior ainda, encoberta peU parcialidade do escriptor, mormente ti elle deu ouvidos a paixões politicas ou ás sedacções perigosas, sempre de patrio- tismo cego.

Tinha, pois, contra si o Sr.Dr. Clóvis Beviláqua a exigui- dade da tela em que devia descrever acontecimentos momo- ravois da historia do Brazil, conflictos internacíonaos de difflcil solução, algumas vezes inquietadores e perigosos, guerras, victorias, derrotas, tratados e arbitramentos de máxima impor- tância.

< Outra pessoa menos adesti^ada em estudos sólidos, espirito menos disciplinado para fazer a synthese de tão variados casos, mal conseguiria apresentar trabalho igual em tão reduzido tomo ; e, si elle não satisfizesse os mais exigentes, a posição culminante que distingue o Sr. Dr Clóvis entre os cultores das letras Jurídicas, ha muito tempo lhe o direito de figurar entre os mais oonspieuos sócios corrospondentes desto Instituto.

« £' o nosso parecer. Rio, 20 do Setembro de 190G.— B. 1\ M. Leite Velho^ relator. Visconde de Ouro^Preto^ Sylvio B(h mero. » O parecer é approvado e vai á Commissão de Admissão de Sócios» sendo relator o Sr. Conde de Affonso Celso.

. ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 431

A Commissão do Admiasão de Sócios» em observância ao disposto no art. 39 dos Estatutos, syndicando dai ndiviluaii- dada, condições de idoneidade e conveniência da admi^âo do Sr. Qonzalo Qaesada, verificou não ser fácil encontrar quem no espaço de 18 annos houvesse feito tão brilliante carreira, o que convence dos elevados dotes que distioguom o illustro cubano, o do realce que virá ao Instituto por tel-o em seu suio. Assim a Commissão ô de parecer quo seja approvivda a proposta que apresenta o Sr. Gonzalo de Quesada para sócio correspondente do Instituto Histórico e Qeographioo Brazileiro.

Sala das Commissões« 29 do Setembro de 1903. —Miguel de Carvalho, Relator.— Manoe/ Barata, Barão de Alencar. Manoel Cícero. j^

O parecer f ji approvado e fica sob.^e a Mes:\ para ser vo- tação na sessão seguinte.

A Commissão de Admissão do Sócios de perfeito accôrdo com o juízo emittido pela Commissão de Historia, ô de parecer que no Sr, Dr. Arthur Orlando da Silva, distincto homem de letras tão modesto, como choio de saber, concorrem apreciáveis qualidades iQteliectuaes o moraes que ass&z recommondam sua proficua entrada neste rnit'tut3, como seu sócio correspon- denti. Sala das Sessões, Ide Outubro de 1906. —^Uano^; Barata f relutov.— Manoel Cicero.— Conde de Affonso Celso.— -Ba- rão de Alencar . j^ O parecer foi approvado, ficando para ser votado na proiima sessão.

Parecer da Commissão do Fundos e Orçamento : « O pro- jecto do orçamento para o próximo anno social do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro, submottido ao exame da Commissio de Fundos e Orçamento, fixa a despeza em... 81:340$ e estima a receita em igual quantia.

Nenhum repiro 03corre á Commissão contra essas pre- visões, que sio razoáveis e e&tão de accôrdo com as occur- rencias doi annos a .teriores,

« Motivo não ha para receiar-se que decresçam as verbas Co activo, nem tão poaoo que augmentem as do passivo, salvo casos excipcionaes de quasi impossível realização.

< Ao calcular a receita,muito acertadamente omittiu o pro-

432 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Jecto qualquer dota^ ás rubricas Prestações e remissões de sócios, jóias de admissão e cobrança de arroxados, attoota a in* certeza e extrema morosidade de que possam produzir. O que dahi porventura provenha, graças & oontinuaçio dos esforQM empregados pela administraçfio do Instituto, representará saldo que reforçará, assim, como as economias que ella eonsigat o modesto património social.

« A principal preoccupação do Instituto, nesta ordem de interesses, dere ser a nSo existência de deficUsj que em 1900 seguramente não se dará em face do que está proposto.

< Nenhuma alteração, pois, entende a Oommisí^ que se deve fazer ao alludido projecto e opina pela sua approracSo. Sala das Commissõea do Instituto Histórico e Geographioo Brasi- leiro, em 20 de setembro de 1906. Visconde de Ouro Preto^ Teldkiov,— José Américo dos Santos,-^ Bélisario Pernambuco.-^ Barão de Paranapiacaha,> Foi approvado unanimemente.

O Sr. Furtado, 2* Secretario, as seguintes propostas : Propomos para so3io eflbctiyo do Instituto Histórico o Sr. Francisco de Paula Lacerda de Almeida, natural de Pernambuco, com 54 annos de idade, doutor em Direito e lente da Faculdade Urro de Direito desta cidade, onde é igualmente adregado. O Dr. Lacerda de Almeida ó autor de varias obras de Direito, sjbrcsahlndo a sua monographia sobre as pessoas jurídicas, trabalho notiTel em quo ha um estudo histórico sobre as relações entre a igreja e o Estado no Brazil. Rio, 1 de outubro de 1906,— Cândido de Oliveira,^ Sousa Pitanga.— Viscottde de Ouro Preto*.— A' Commlssio de Historia, rslator o Sr. BylrUi Roméro.

< Propomos para sócio correspondente do Instituto Histórica e Geographieo Brazileiro o Dr. Ernesto da Cunha Amnio Vianna, professor da Escola Nacional de Bellas Artes, servindo de titulo á admissão seus trabalhos sobre archifectura arcfaeo^ lógica do Rio de Janeiro e sobre a arte em S. Pedro e S. Bento, publicados na revista Renascença, Sala das sessões do Instituto, 1 de Outubro de 1906. A. F. de Sousa Pitanga. Homem de Mello. Visconde de Ouro Preto. Alencar]^. A' CommissSo de Archeologia, relator o Sr. Dr. Barbosa Rodrigues.

ACTAS DAS SESSÕES DB 1906 433

O Sr. Visconde de Ouro Preto oommanica ao Instituto que, com data de 22 do passado, recebeu do Sr, Dr. Manoel de Queiroz, digno filho do finado Conselheiro Euzebio de Queiroz, uma carta em que S. Ex. confirma a contesta^ opposta pelo communicante, em uma das sessões passadas, á íálsa intelli» gencia attribuida a uma phrase daquelle illustre estadista, que nenhuma magoa teve j&mais do Imperador, nem em caso algum a elle se referiria em termos ou em sentido discor- dante da extrema oortezia com que sempre tratara grandes e peqaenos.

< Nessa carta o Dr. Manoel de Queiroz recorda que, jàno anno de 1882, impugnara semelhante ballela, e como prova transcreveu os seguintes tópicos de um artigo que, com a sua assignatura, fez publicar no Olobo^ a 25 de outubro daquelle anno, e qua convém fiquem registrados nos annaes do Instituto:

« O dito attribuido a meu pai nos termos em que o apre- senta o articulista, nâo seria uma prova de virilidade da alma

< senão de impertinente grosseria, quando ó sabido que entre os melhores amigos de meu pae, e que elle aos filhos apontava como homens de todo respeito, conta vam-se José Clemente Pe- « reira, Itaborahy, Uruguay, Paraná, que mais de uma vez sabem foram ministros. Os que conheceram Euzebio de « Queiroz quanto elle era delicado, polido, attencloso, incapaz por certo de lançar sobre seus melhorei amigos o labéo de faltos de pandonor.

Não se pode ser ministro dtMs vezesp^ disse e repetia, « Euzebio de Queiroz, considerando as difflculdades da posi- « <$o, os desgostos e amarguras, que soflPlrem os ministros neste « paiz, onde nada se respeita, onde os mais puros sentimentos « são desconheiddos e offendidos pela malícia dos homens, onde a ingratidão assentou seu throno, sem por isso attribuir a aceitação de um segundo ministério á falta de pudor. . . Não « é também um protesto contra o poder pessoal^ cuja existência nunca foi denunciada pelo Conselheiro Euzebio, e o próprio

< articulista reconhece que seria preciso considerar aviltados

< todos os homens que têm servido muitas vezes o cargo de ministro, para admittir o poder corruptor da coroa. >

4323 28 Tomo lxix, p. ii.

434 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Se Eiuebio de Queirós eeiiTesee ooiiTeDoldo da inflaeacia indébita da ooróa não a denonolaria por insinuações oobardeSt mae teria dado eoarticaitata outra prova da civilidade de sua alma e da independência de sen oaracter » oombatendo-a da tri- bana» & loz do dia, a peito deeooberto, e nSo «atirando»» em uma phrase qae feria os mais respeitáveis oaraeteres do sen tempo «o odioso e a perversidade da perversão do governo do Be- tado sobre umsò.

« A moléstia allegada para excnsar-se da incumbência de organizar um novo gabinete, nâo foi infelizmente moro pretestOt e bem cedo tivemos a dolorosa prova. >

O Sr. Dr. Manoel Barata as Nota$ biogmphieas do Aímí* ranU Luím da Ounha Moreira^ Visconde Cabo FHo,

O Sr. Presidente commnniea que devido a affluenoia de tra- balhos haverá sessfto extraordinária a B do oorrente, tomando posse, por essa oocasiio, o Sr. Núncio Apostólico, Monsenhor D* Júlio Tonti.

Levanta-se a sessSo ás 4 l/S»

Alcibíades ]^»rkulo SeonUrlo.

ACTA DA SESSÃO EXTRAORDINÁRIA DE 8 DE OUTUBRO

DE 1906

Presidência do Sr. Marquez de Paranaguá^ £• (Vioe^Presidenie)

A*s 3 horas da tarde, na aéde social, presentes os Sra. Mar- quei de Paranaguá, Bar&o Homem de Mello, Visoonde de Ouro Preto, Max Pleiuss, Manoel Cícero, Arthur Guimarães, Barão de Paranapíaoaba, Barbosa Rodrigues, José Luiz Alves, Sylvio Ro- méro. Marques Pinheiro, Barfto de Alencar, Rocha Pombo, Conde de Aflonso Celso, Conselheiro Cândido de Oliveira, Susviela Goarch, Salvador Pires, Orville Derby, Josó Américo dos Santos, ALÍlredo Naeoimento^ Leite Velho, Marques Peixoto, Monsenhor Vicente Lustosa, Miguel de Carvalho, Lix Klett e Sebastião Galvão, abre-se a i

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ACTAS DAS SBSSÕBS DE 1906 485

O Sr. Presidente designa o Sr. Visconde de Onro Preto e o Dr* Manoel Cioero para sabstitairem, respeetiramente, o Orador e o 2^ Secretario, que nâo compareoeram, por Jasto motlro.

O Sr. Manoel Cioero, sorrindo de 29 secretario, a acta da sess&o anterior, a qual 6 approvada sem debate.

O Sr. Presidente declara qne se acha no Instituto o Sr. Nando Apostólico qne vem tomar posse do cargo de sócio hono- rário e designa os Srs. 1^ e 2* secretários e o Sr. Conde de Affonso Celso para o iotrodazirem no recinto.

O Sr. Noncio Apostólico entrada na saladas sessões e toma assento.

O Sr. Presidente dirige-lhe a seguinte allocQ(^o :

<Exm. e Revm. Sr. Núncio Monsenhor D. Júlio Tonti Antes de partirdes para Lisboa, no desempenho da elerada missão que S. S. o Papa Pio X acaba de conflar-ros, quisestes tomar posse do cargo de sócio honorário do Instituto Histórico e Qeographico Brasileiro, para o qual fostes eleito unanime- mente, em sessão do 30 de abril desta anno.

< E, pois, o Instituto Histórico vos recebe hojo em seu selo com o mais intenso Jubilo e com o acatamento que inspiram as altas Thrtudes e o consummado saber que tos distinguem.

« Tomando assento entre nós, patenteastes mais uma vee que sabeis prezar os homens e as cousas do Brazil, onde deizaes radicadas as mais vivas sympathias. Nenhum de vonos illustres antecessores, como vós o fizestes, percorreu quasi todas as dio- ceses do Brazil, exceptuadas apenas as de Qoyaz e Matto Grosso, para conhecer de vitu as suas necessidades e provel-as oonve* nimtemente.

< E* sabido que muito conoorrestes com as vossas informa- çqes de grande valor e autoridade, para que coubesse ao Brasil, de preferencia, o primeiro cardinalato da America Latina.

< Bxm. e Rvm. Sr. O Instituto Histórico, quo, hoje, festi- vamente vos acolhe, deve a sua origem a um sacerdote, o Có- nego Januário da Cunha Barbosa.

Ufima-se de ter tido em seu grémio os saudosos Arcebispos da Bahia, D. Romualdo de Seixas, Marquez de Santa Cruz e D. Manoel Joaquim da Silveira, Conde de 8. Salvador, Mont*Al-

436 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

yerne, Custodio Serrão, Luiz GonçalYes dos Santos. E ainda hoje temos a fortuna, que Deus nos conserve por longos annos, de contar no nosso grémio outros venerandos sacerdotes de notável saber, como Sua Bmineocia o Cardeal Arcebispo do Rio de Ja- neiro, Sr. D. Joaquim Arooverde, D. João Braga, Bispo de Petró- polis, D. Francisco do Rego Maia, Bispo resignatario de Belém.

« A religião não prescinde da liistoria ; antes tem os seus fundamentos essenciaes na historia, que ó a flel depositaria dos successos através dos séculos, a luz da verdade ^ Testis tem- parum^ lux veritaiis,

« Em nome do Instituto Histórico eu vos saúdo e fiiQO votos a Deus para que tenhaes boa viagem, e melhor acolhimento e todas as prosperidades desejáveis no vosso novo posto diplo* ma tico. »

O Sr, Núncio respondeu nestes termos :

Ezm. Sr. Presidente, meus caros confrades A mim è summamente grato comparecer hoje perante esta illustre as- semblóa, aâm de assumir o posto honrosissimo que nella hou- veram por bem designar-me com a distinoção insigne de sócio honorário do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro.

« Agradecendo ponhoradissimo a honorificencia que me foi concedida, direi com toda a sinceridade, que a noticia de minha admissão neste gi^emio, pior tantos titules venerável, encheu minha alma de orgulho e ao mesmo tempo envolveu-a na mais profunda perturbação.

« Ta es sentimentos penetraram simultaneamente o meu espirito ; e, ainda agora, ao tomar assento entre homens tãoemi- nontes, slato a dominar-me aquella dupla emoção. Orgulbo-me deveras por fazer parte hoje, como vosso consócio, do lastituto Histórico e Geographico Brazileiro, a mais antiga e a mais no- tável das fundações litterarias da America Latina, e que mantém um logar eminente ao lado dos institutos europeus con- géneres. O meu Justo desvaaecimento subiu de ponto quando percorri os nomes que figuram nos registros desta casa, desde a sua fundação. Os vossos annaes encerram nomes que valem pela consagração intellectual desta instituição, ootabilidades que souberam elevar-se por méritos vários, cada qual mais brilhante.

ACTAS DAS SESSÕES Dfi 1906 437

4c KDtre os sócios do Instituto Histórico e Geographico Brazi- ]eiro (seja-me permittído fazer esta mençSo especial) se destaca e sobrele7a dentro e fora das fronteiras deste beilo e opulento paiz, a figura do pranteado D. Pedro II.

« O carinhoso e infotlgavel interesse que o eminente brazi- leiro consagrou sempre ao Instituto, de que foi a alma, seria a prova inequivoca da sua alta intelligencia e rasto saber, ao mesmo passo que do seu entranhado affecto á grande nacSo americana. No seu diadema fulgura como gemma preciosíssima, que a historia transmittirá á admiração dos vindouros, esse devotado culto ao estudo de sua pátria l Eis porque se justifica o meu sentimento de orgulho ao receber a nomeação de sócio honorário do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro, Este sentimento, porém, foi contrastado no mesmo instante por outra impressão, não menos poderosa, que, prevalecendo, quasi con- turbou profundamente a minh'alma.

Attenta á celebridade do Instituto, como á culminância de seus sócios, volvendo eu o olhar sobre a minha pessoa, medi e avaliei a minha pouquidade : nenhum titulo achei em mim, nem merecimentos para dar assento nesta illustre assembléa.

« O interesse que pude patentear pelo bem do paiz, nas excursões feitas em vários pontos do seu território, o estimulo deste testemunho da vossa alta sympathia para que continue a me esforçar na esphera em que posso agir em prol da Nação Brazileira, não me pareceram causas proporcionadas ao effeito. Dominado pelo primeiro movimento emanado da perturbação que enleiou minh*alma, estive a ponto do pedir-vos qae me escusásseis, por isso que estava acima de mim a ennobrecedora distincção de sócio honorário do Instituto Histórico e Qeogra- phico Brazileiro.

4c Felizmente para mim, uma idéa sobreveiu que, tran- quillizando o meu espirito, decidiu-me não a aceitar o vosso diploma, como a recebel-o mesmo enthusiasticamente. Os membros do Instituto Histórico dedicando-se especialmente ao estudo da Historia o Geographia do Brazil, sabem plenamente que as paginas mais gloriosas do livro immortal desta terra narram os feitos inolvidáveis dos primeiros Missionários a ella

438 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

enviados pelo Romano Pontífice. O0 aeas nomes e os symboloi de sua âearam eecriptos na historia e na geographia das terras ^brasileiras.

« Os legares de maior renome são os que foram fecondados pelo labor daquelles Missionários heroes, que em meio de diffl- cuidades sem oonta e de perigos mortaes aqui anDunciaramo Evangelho e plantaram a Cruz, merecendo este paiz de mara- yiihosoB destinos o nome de Terra de Santa Cruz, fazendo-o nascer para verdadeira vida e verdadeira gloria t No voto unanime, pois, de inscrever o Núncio Apostólico no quadro dos sócios honorários do Instituto Histórico e Geographico Bra- zileiro, julguei que nSo havia sido estranho ao vosso pensa- mento o intuito de testemunhar de maneira tão eloquente e por um voto, entre todos competente, o vosso preito ao Supremo Pastor da Igrcga Catholica o Romano Pontífice.

« Bis a razão potentíssima que me decidiu e eis o motivo de minha aceitação enthusiastica. Foi impessoal e superior o impulso que me dirigiu a esta augusta assembléa.

« Neste pensamento felicito os membros do Instituto e u&no- me de ser vosso consócio, ainda qae o mais humilde no valor fessoaU

« Confuso por tão alta significativa demonstra^ de sym- pathia qoe quisestes dar me, vos reitero os meus mais vivos agradecimentos e faço os votos mais ardentes pela prosperidade progressiva do Instituto para que conserve sempre a sua pre- eminência e qual outro sol dififunda e resplandeça a sciencia e a sabedoria no firmamento histórico e geographico do Novo e do Velho Mundo para maior gloria da Religião e da Pátria»^

O Sr. Visconde de Ouro Preto, servindo de orador, profere o seguinte discurso, em resposta ao Sr. Núncio Apostólico :

Aos milicianos de Christo, do todas as legiões em que se alistam, deveu sempre o Brazil serviços importantes, desde os primeiros tempos após o descobrimento.

« Mencionando apenas os mais antigos Anchieta e Nó- brega, Marcos Teixeira, Caetano Brandão, Vieira (de lado as velleidades politicas), António do Desterro, foram beneméritos deste paiz.

ACTAS DAS SBSSÕBS DB 1906 439

« Ainda hoje algUQa soldados da Gniz ião os anioos que se esforçam por saayizar a triste sorte dos iegitimos donos da terra, ezpondo-se a privações e perigros nos sertões, onde os desapossados se reftigiaram.

NSo muitos metes ha, om dosses caridosos e abnegados patronos de infelizes, nosso iUostre oonsocio, prosegaindo na santa missão, snccambin aos golpes por elles desfeóliados.

« Ninguém os inculpe por isso ; inconscientes, despertam compaixão. Stygmas severos merecem 09 que j& não podendo esoraviaal-os, os abandonaram aos insttnctosbestiaes do homem primitivo 1 Por estes factos só, registrados em nossos annaes e que nem o obseoado espirito de seita contestara, por taes* ser- viços, e únicos não são da phalange tonsurada, ^ conferir um logar de honra no grémio do Instituto Historioo e Geographico Brazileiro exigua homenagem seria ao alto representante da Igreja Romana, a piedosa e indefessa inspiradora de tantas virtudes e tamanho heroísmo I

< Ao indyto Arcebispo de Anoyra, porém, a Monsenhor D. Júlio Tonti, sobejavam, para todas as distincções que esta Associação pudesse offertar-lhe, títulos pessoaes mais valiosos, permitta-se-me dizel-o, do que a elevada investidura offldal.

Esta, aoreditando-o junto ao Qoverno, assegura-ihe é oerto, com o acatamento geral, as íSMuldades, as prerogatívas e privilégios, inherentes aos altos postos diplomáticos* mas é temporária e vem de uma delegação.

Os títulos pessoaes de S. £x. são immorredouros, origi- nam-se de seus predicados individuaes ; ninguém lh*QB pôde tirar porque ninguém lh*08 deu ; e constituem irrecuzaveis oredenciaes, perante potencia superior a qualquer Governo a nação que as aceita, não por aoto de chancellaria como preito de estima e de reconhecimento.

< Scientista notável, philologo que moureija com segurança vsrios idiomas, professor laureado, cooperador em suooessos auspiciosos à grandeza e lustre do Brazil, como o augmento das dioceses, centro de instruc^^, moralidade e consolo para o povo, e conseguintemente, de força e resistência nos dias de angustia, ao Sr. D.. Júlio Tonti cabia indisputável direito a uma cadeira

442 RKVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

nlo diflfliTçará, no derradeiro qaartel da rida-» o qae peoea e o qae sente, tendo por dirisa : Credo, Imnufía fides

O Sr. Presidente declara suspensa asesl&o por oineo mi- nutos.

Reaberta a sessSo, ás 4 horas e 45 minutos, prooede-4B Èk Totaoto dos pareoeres da Commissfto de Admiss&o de Sooios, lidos na ultima sessSo e reiatiTos ao Sr. Qonndo de Qa»- sada e ao Dr. Arthur Orlando da Silva.

Ambos os pareoeres foram approTadòs, sendo o do Dr. Ar- thur Orlando por unanimidade.

O Sr. Presidente proclama sócios correspondentes do In- stituto Histórico e Geographico Brasileiro os Srs. Dr. Arthur Orlando da Silva e Gonzalo de Quesada.

O Sr. Pleinss, l"» Secretario, o seguinte parecer da Gommisribo de Admissfto de Sócios, o qual fica sobre a mesa, para ser Totado na proiima sessSo.

«Ha longos annos, cathedratico da Faculdade de Direito do Recife, autor de numerosas obras reveladoras de ampla oultura litteraria e Jurídica, encarregado pelo Governo de relevantes ooramiss9es, qual a de elaborar o- projecto de Co^ digo Civil, nomeado recentemente Consultor Technioo do Mi * nisterio das RelacSes Exteriores, apresenta o Sr. Dr. Clóvis Beviláqua todas as condições de idoneidade intelleciual e moral para ser admittido em qualquer aggremiagio soien- tiâca.

As conTenienoias da sua entrada para o Instítuio Histórico decorrem dos predicados alludidos ; sSo obviaa: goiam todas as associações com a acquisiçio de uma capacidade ccnnpro- vada. A GommissSo de admissSo de sócios opina, portanto, a favor da proposta relativa ao Dr. Clóvis Beviláqua. Rio de Janeiro, 8 de outubro de 1006.— Conde de Áffbnso Célw, le- MoT.-^Mánoel deero.-- Miguel J. RibHro de CaTvaXho.-^BarOo de AUmoar»^

O Sr. Fieiuss, em nome da Commissao de Bstatntos e Redacçfto, de que faz parte, apresenta o seguinte projecto de regimento interno :

«Projecto de um regimento interno para as sessões.

ACTAS DAS SBSSÕB5 DE 1906 448

« Dd conformidAdade com a diaposi^^ do art. 49 8 2^ dos Estatatos, em todas as sesaões do Instituto o Presidente ocoa- IMurÀ o centro da mesa, tendo á direita o Secretario e o orador e á esquerda o 29 Secretario e o Thesoureiro.

« Sendo conveniente providenciar quanto á oolloca^ dos Vice-Presidentes e á dos recipiendarios, hem como a do Chefe do Estado, quando comparecer ás sessões, e sobre outras me- didas correlatas, julga a Commissão de Estatutos e Redacção imprescindiyel apresentar o seguinte projecto de Regimento Interno para as sessões :

« Art. !.<> Os Vice-Presidentes, por sua ordem, sentar^se-bão nof três primeiros logares do recinto à direita da mesa.

« Art. 2.^ O recipiendario senta r-se-ha no primeiro logar do recinto á esquerda da mesa.

« Art. 3.» Quando comparecer o Chefe do Estado ser-lhe-lia offerecida a Presidência ; acceitando-a, o Presidente do In- stituto occuparà a cadeira do 1* Secretario, que irá para a do orador, ficando á esquerda do Chefe do Estado o Orador e o Secretario. Não a acceitando, sentar-se-ha á direita do Presidente do Instituto, tendo em seguida o l"" Secretario, sentando-se o Orador ã esquerda do Presidente do Instituto e em seguida o Secretario. O Thesoureiro sentar-se-ha, então, no primeiro logar do reoinio ã esquerda da mesa.

« Paragrapho Único. Comparecendo o Chefe do Bstado á recepção de sAgum sócio, o Thesoureiro sentar-se-ha no re- cinto, do lado direito da mesa, logo depois dos Yioe-Presi- dentes.

« Art. 4.« O Recipiendario fallarã de pé, bem eomo qualquer sócio que tiver de ler algum trabalho mais demo- rado. Rio de Janeiro, 8 de outubro de 1906. MacoFUiuss.— Conde de A ff (m$o Celso.— Dr, Alfredo Nascimento, %

Posto em discussão, pede a palavra o Sr. Conselheiro Cândido de Oliveira e adduz varias considerações^;; propondo afinal a suppressão no art. 4**.

O Sr. Fleiuss, em nome da Commissão, convém na eli- mina^^o desse artigo.

« Bm seguida pede que, por não ne tratar de admissão

444 REVISTA DO INSTITUTO HISTORICX)

de sooios, cuja votagio é reRulada pelos Estatatos, se con- oeda urgência e se prooeda & votac&o do referido projecto. »

£* concedida, a urgência e, em seguida approvado una- nimemente o projecto, com a suppress&o doart. 4.«

O Si*. Fieioss pede novamente a palavra e diz que vai apresentar um voto que, reoonheoe nio estar muito noi moldes do Instituto, mas para justifteal-o sobejamente ha a justiça do assumpto, e pelo menoj dous precedentes— quando falleceu o grande escriptor portugnez Eça de Queiroz e quando houve a catastrophe do balão do Sr. Augusto Severo.

« Vem o orador pedir ao Instituto que approve o voto de pezar pela morte do illustre professor Dr. Josó Benicio de Abreu.

« A* historia das soiencias medicas pertence o nome de Be< nicio de Abreu. Era uma summidade, quer oomo professor, quer como clinico.

« Ha, porém, outro lado de sua individualidade digno de men^o a grandeza de seu caracter, grandeza que se paten- teava sem alarde, mas a cada passo, sincera o ezhnberante.

Apresenta a seguinte proposta :

«Proponho que o Instituto Histórico e Oeographieo Bra- « zileiro insira na acta da pi*esente sessão um voto de proftindo « peiar pelo fállecimento do eminente professor Dr. Benicio « de Abreu, gloria não da medicina brazileira como dos qae « sabem amar os homens que se íkzem grandes pelo saber e pela « abnegação.

« Proponho ainda que se d6 dessa resolução oonhecimento á Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

Sala das sessões, 8 de outubro de 1906.- Mam Fleiuss.^

Posta em discussão ninguém pede a palavra e é, em se- guida, approvada por unanimidade.

O Sr. Pleiuss, 1* Seeretario, participa que aoaba de receber ama cartado Offlcial de Gabinete do Sr. Presidente da Republica oommunicando que S. Ez. digna-se de compa- recer ã Sessão Magna do Instituto» a realizar se em 21 do corrente, ás 7 I/;ií da noite.

O Sr. Presidente diz que o Instituto fica inteirado e desde muito agradece.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 445

Em seguida o Sr. José Luiz Alves considerações sobre a Carta Régia de 28 de Janeiro de 1808 (abertura dos portos do Brazll ao commeroio estrangeiro) nas qoaes sustenta que somelhante decreto n&o . foi devido & interferência do Ck>Qde da Ponte, nem de José da Silva Lisboa, como erroneamente se tem escripto. Para provar suas asserções insere ve-«e para em uma das próximas sessões lêr uma memoria sobre tão importante assumpto.

O Sr. Presidente communica que a próxima sessão, ultima ordinária deste anno, realiza-se na segunda^feira, 15 do cor- rente, ás 3 horas da tarde.

Encerra-se a sessão as 5 1/2 da tarde.

Mafwel Cicêro servindo de 2* Secretario.

ACTA DA 17» E ULTIMA SESSÃO ORDINÁRIA EM 15 DB OUTUBRO DE 1906

Presidente o Sr, Marques de Paranaguá (í* Vice- Presidente)

A's 3 horas da tarde, na sede social, presentes os Srs. Marquez de Paranaguá, Barão Homem de Mello, Visconde de Ouro Preto, Max Fleiass, Alcibíades Furtado, Desembargador Souza Pitanga, Arthar Guimarães, Barão de Paranapiacaba, Coronel Thaumaturgo de Azevedo, Dr. José Américo dos Santos, José Luiz Alves, Drs. Manoel Cicero e Alberto de Carvalho, abrcHsea sessão.

O Sr. Furtado, Secretario, a acta da sessão anterior, a qual é approvada sem debate.

O Sr. Fleiuss, r Secretario, procede á leitura do expedi- ente e das offertas.

O Sr. Presidente põe em votação o parecer da Commissão de Admissão de Sócios, opinando pela acceitação do Dr. Clóvis Beviláqua como sócio correspondente.

O parecer éappr ovado unanimemente.

O Sr. Presidente proclama sócio correspondente do Instituto Histórico e Qeographico Brazilelro o Dr. Clóvis Beviláqua.

416 RBV18YA DO INSTITUTO HISTORIGO

O Sr. Jofld LalK AlvM pede a palarra para Aiser uma pe- quena reolamaçio: « diz qoe ao ser recebida o retrato do illaetre aaoerdote e poeta António Pereira de Sooza Oaldae, o Instituto deliberou coilocal-o em logar de lionra na sala das sessOes ; que por dromnstaneiae que nio Têm a pelo, foi este retrato reti- rado pelo Sr. Heorique Rafliird, por se dizer que na sala das sessões sd flgnrariaai os retratos e bustos de sócios ftklleeidos.

Agora que a Assooiaçfto acaba de passar por total restau- raoio Tem reolamar para que seja eollooado na sala das seMOes o retrato do Padre Caldas.»

O Sr. Fleiuss, Secretario, pede a paiarra e diz que a decisfio de se collooar na sala das sesflSes somente os bastos e retratos de sócios ÍUlecidoa deu logar a que, quando se deeidio a questão do Oyapock, fosse eollooado na Secretaria o retrato do eminente Sr. Bário do Rio Branoo e, ulteriormente, o do sau- doso Ck>nselheiro Olegário.

Entende que no actual salEo de sessões deve unicamente figurar o retrato do Sr. D. Pedro lí, para que bem saliente fique o espirito de amor e gratidão qoe o Instituto deve áquelle que íbi o seu Presidente Perpetuo e que até a morte jamais o esqueceu.»

Assim se resolve por unanimidade.

O lyr. Manoel Cicero communiea que o illnstre e presadis- simo consócio Dr. Manoel Barata segue para o Estado do Pará a 21 do corrente ; pede o orador a nomeaç&o de ama eommiasio para representar o Instituto ao embarque.

O Sr. Presidente nomeia para semelhante oommissSo os 1^. Dr. Manoel Cicero, Max Fleiuss e Alcibíades Furtado.

O Sr. Fleiuss, Secretario, diz que estando oonclaidas as obras realizadas no ediflelo social, Justo é que o Instituto auto- rize o pagamento de modesta gratifioaç&o aos ftinccionarios stO^itos ao ponto, pela somma de esforços que de boa vontade ompregaratn pjira que tudo se fizesse com ordem e celeridade,

O Sr. Presidente consulta o Instituto, sendo acceita a pro- posta do Sr. 1* Secretario.

O Sr. Presidente agradece, por ultimo, o auxilio efflcaz que recebeu dosillustres consócios, e convida-os a comparecer á

ACTAS DAS 8BSSÕBS DB 1906 447

Btíu&o magna a realisar-se na noite de 21 do oorrentet As 7 1/9» e a se entregarem* no período de férias, ao estado de qaestdes e preparo de trabalhos, para que seja íertil ao Instituto o pró- ximo exerdoio. por enoerrados os trabalhos ordinários no eomnte anno.

LeyantaHM a sessão ás 4 bòras.

AlMiadêB Fanado. Secretario.

ACTA DA SESSÃO MAGNA OOMMEMORATIVA DO 68* ANNO DA FUNDAÇÃO

BM 21 DB OUTUBRO DB 1906

PrsttdsHCHida Sr» Març[^eM de Paramaguá (i« Yice^Premdemte)

A*s 7 1/2 da noite, presentes os Srs. Dr. Francisco de Panla Rodrigues Alves, Presidente da Republica, e Presidente Hono- rário do Instituto, Marques de Paranaguá, Barfio Homem de Mello, Max Fleluss, Alcibíades Furtado, desembargador Souza Pitanga, cardeal D. Joaquim Arcoverde, bar&o de Alencar, Drs. Bianoel Cicero, Cunha Barbosa, José Américo dos Santos» Eduardo Marques Peixoto, Carlos Lix Klett, ms^or Belisario Per- nambuco, coronel Thaumaturgo de Azevedo e Jesuino de Mello» o Sr. Marquez de Paranaguá assume a Presidência depois de tel-a offerecido, nos termos do regimento interno, ao Sr. Pre- sidente da Republica, que, nSo a acceitando, ocoupou a cadeira & direita do Presidente do Instituto.

Abre-se a sessáo, pronunciando o Sr. Marquez de Paranaguá o seguinte discurso:

< Srs. Cabe-me a honra de presidir esta sessio magna, anniversaria da fundação do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro, perante o distincto auditório que nos honra com a sua presença e que, por este acto, penhora a nossa gratidão.

« Seria isso para mim um motivo de justo desvanecimento si o meu exercício não fosse consequência do deaapparecimento do muito illustre e querido presidente desta associação, o conse- lheiro Olegário Herculano de Aquino e Castro, jurisoonsulto con-

448 RBVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

summado e notarei homem de lettras. A sua voz eloquente, que dava realce e brilho a estas solemaidades, emadeoea para sempre.

« Não poderei, enfraqaeeido pelo peso dos annos, sendo apenas do passado ama quasi apagada sombra, nfto poderei, soa o primeiro a confessar, bem sabstituir ao saudoso ami^*

« TodaTia farei da fhiqaeza força, e, alentado por presti- mosos companheiros, procurarei cumprir o meu dever.

4c Esta instituiçSo patriótica é um legado de honra que nos deixaram os seus beneméritos fundadores, e o seu aogasto pro- tector, Sr. D. Pedro II, que em toda saa yida deu os mais nobres exemplos de patriotismo, de abnegação e de amor ás iettras.

« Correspondendo ú. tão elevado encargo, o Instituto tem continuado a promover as diligencias e investigações incessantes para esclarecimento da verdade, e mais completo conhecimento da nossa historia.

4c E* este, sem duvida, um dos melhor js serviços prestados por esta associação de cultores das iettras pátrias.

« A historia é a fiel depoait vria dos successos através dos tempos, a luz da verdade, a mestra da vida,— tesfíj temparum^ lux veriiatiSf magistra vitos, vita memorce, nuntia vetítstcUis^ oomo diz Cicero. E, em oecasião semelhante ã esta, o noss3 saudoso presidente desenvolveu o mesmo pensamento assim. A historia é a grande e judiciosa mestra da vida que, com rectidão e fir- meza, encaminha, e, pela expressão da verdade, assegura o destino das nações ; 6 a luz que esclarece a mente dos que as dirigem, evitando os erros e os perigos que os rodeiam ; a lição sabia e profunda, que, pela doutrina e pelo exemplo, educa os povos, para que, na consciência dos seus direitos e deveres, saibam bem sustsntal-os e cumpríl-os.

4c Para que seja immensa a utilidade moral da historia, diz ainda conhecido escriptor, basta que olla sirva, oomo de facto servo, para reprimir o ogoismo, lepra dns sociedades modernas, e incitar a pratica das acçõos generosas.

4c Senhores. A festa litteraria que o Instituto hoje celebra, cm commemoração do 08"^ anniversario da sua fundação, não ô uma solemnidade de mora ostentação.

ACTAS DAS SBSSÕBS DB 1906 449

« Pelos noflsoB Estatutos é esta a ocoasíão de expormos, pelos órgãos competentes, os nossos trabalhos, as oocarenciai prindpaes havidas durante o anno social que hoje finda; de fazermos menç&o honrosa das obras históricas, geographicas, ou ethnographicas apresentadas no mesmo período.

« O cumprimento deste dever, é, alôm do mais, uma justa satisfação aos poderes públicos, de quem o Instituto recebe auxílios indispensáveis, é também uma attençâo para com todos que se interessam pelos estudos históricos.

4c As sessões ordinárias do Instituto elTectuaram-se com a precisa regularidade sendo em taes oocasiOes lidos trabalhos originaes que serão opportunamente publicados na Revista,

« Alôm das sessões ordinárias, celebradas de 15 em 15 dias, houve algumas sessões extraordinárias convocadas para negocio argente ; e tanto a estas como ãquellas compareceram, sempre em grande numero, os nossos prosados consócios, cuja dedicação e assiduidade são dignas de louvor.

A Revista do Instituto tem sido publicada com alguma demora, devido á affluencia de trabalho na Typographia Na- cional, onde se imprime.

« O nosso Archivo, magnifico repositório de informações úteis e documentos preciosos, assim como a nossa Bibliotheca, sob a guarda do erudito e zeloso bibUothecario, Sr. Dr. Vieira Fazenda, tôm sido visitados e merecidamente apreciados por nacionaes e estrangeiros.

Tratamos agora de completar a organização do^catalogo das obras que possuímos, tarefti esta conOada ao nosso presado biblotheoario ,obseqotosamente coadljuvado pelo illustro Sr. barão de Vasooncellos. B' um trabalho de grande importância, por quanto, além da enumeração das obras que possuímos, deve conter o estado critico de cada uma, observações e discussões «oseitadas, numero de edições, eto.

« Continuamos a eorresponder-nos com as associações con- géneres, tanto do nosso pais como do estrangeiro, permutando com ellas a nossa Revista. Tôm sido numerosas e de subido valor as offbrtas de livros e trabalhos litterarios, que vão enri- quecendo a nossa Bibliotheca.

4323 29 Toxo lxix. p. lu

450 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

« O ediflcio onde tomos a nossa sôde social passou por grandes melhoramentos ; oíTereoe agora a necessária segurança, decentes e boas accommoiaçoss. Foi por Influencia e ingentes esforços do nosso saudoso presidente, conseliíeiro Olegário, que o Instituto obteve dos poderes públicos os meioj necessários para a realizao&o de taes melhoramentos*

« Deste facto e de outros não meãos importantes o digno !• secretario, Sr. Max Fleiuss, minuciosa noticia do seu bem elaborado relatório, cuja leitura ides ouvir.

« Releva, entretanto, declarar que muito contribuiu para a mais económica e mais prompta execução das obras e melhora- mentos de que se trata a diligente flscaliiação e actividade do Sr. Max Fleiuss, Justamente louvado pelo Instituto, em sessio de 3 de setembro ultimo.

« O Instituto admittiu em seu grémio duranto este anno mais sete novos sócios, todos elles Justamente considerados por seus talentos, illustração e maior bôa vontade.

« Sua valiosa coUaboração Justifica assaz os nossos applau- SOS, o faz dispontar entre nós lisongeiras esperanças.

« Mas, por contraste doloroso, temos de lastimar a perda, no mesmo período, do dez illustres consócios, lidadores indefessos, como o barão de Penedo, o Dr. António de Paula Freitas, com- mendador Henrique Raffard, que nos foram arrebatados pela impiedosa morte. O vácuo que elles deixaram no nosso grémio difflcilmente será preenchido. Ao nosso illustrado e eloquente orador, Sr. desembargador Souza Pitanga, incumbe fazer-lhes o elogio, tareík que vai desempenhar, como costuma, com ele- vação e brilho: é um Justo tributo de reconhecimento e saudade que, em ocoasião solemce, prestamos á memoria de mortos que- ridos.

« Concluída esta ligeira exposição, cumpro o grato dever de agradecer, em nome do Instituto, &s distinctas pessoas que se dignaram de obsequiar-nos com o seu comparecimento, tomando parte nesta modesta festa litteraria e com especialidade ao Ezm. Sr. Presidente da RepubUca, autoridades superiores, re- presentantes de corporações soientiflcas e da illostrada im- prensa desta capital.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 451

« Aos prosados consócios, os aífdctuosos cumprimentos com 08 melliores votos pela sua felicidade.

« Está aberta à sessão.»

O Sr. Max Fleiuss, Secretario, pedindo vénia ao Sr. Pre- sidente da Republica, leu o seguinte relatório :

Sth. consócios Quando em meio do anno passado o meu saudoso antecessor declarou-me ser firme propósito seu não continuar no cargo de 1<> secretario, devido & precariedade de suas condições de saúdo, quo o inhibiam do mesmo zelo, diária* mente provado durante 14 annos, confesso que temi recabisse em mim o voto de meus pares, investindo-me do elevado posto.

« Certo Julguei-me capaz do patentear a maior soumia de boa vontade, pondo ao serviço do Instituto as horas todas do meu lazer ; tal qualidade, poróm, por si só, nio bastava e a minha fraqueza subia de ponto quando reconhecia a necessidade, cada vez mais urgente, de fazer o Instituto assumir uma feiç&o que, sem quebra ou desrespeito de suas nobres tradições, lhe trou- xesse o prestigio oriundo dos centros quo n&o vivem unicamente da contemplação do passado, por mais honroso que seja, mas sabem acompanhar a evolução da sociedade, recolhendo com imparcial critério o que houver de aproveitável.

« Por muito tempo o aspecto do Instituto pareceu, não a poucos, o do uma instituição obsoleta, ankylosada pela vetusiez, a psalmodiar em tom baixo victorias de outras eras, para as quaes se voltava em uma obstinação quasi enferma.

« Concepção errónea, falsíssimo juizo, mas a que as appa- rencias emprestxvam a figura da realidade.

« Os que tinham a ventura da frequência no seio desta com- panhia, bem sabiam não se receiar aqui a claridade brilhante, mas a vista exterior levava a crer que se preferia a penumbra mormacenta, a meia luz, como a indispensável á circumspecção e mais de harmonia oom a indoie da casa.

« Evidentemente não podia subsistir esse quadro ; cumpria dissipal-o sem vacillações e sem tardança para immediato pro- veito dos elevados fins do estabelecimento.

« Desde alguns annos, novos moldes se impunham, ganhando cada vez maior terreno. Afinal prevaleceram, e a victoria

452 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

•oou, DÍo como resultado osteril de uma lata meaquiniia, mas exprimindo a allelaia do uma nova phase, que, consagrando o passado, não repello as contribuições do presente e encaminha o ftituro com a confiança dos que amam o trabalho honesto e crôm na grandeza immensuravel do nossa pátria.

« B a verdade manda confessar -^ o general dessa cruzada de moços foi utn velho. Sim, um ancião que a moléstia abateu, quando beirava elie o octogésimo anniversario. Foi o nosso grande Oiogario, pormitta-se^mó a ezpressao, o Noator da sa* lutar campanha ou^os fructos todos applaudimoe.

« Bile comprehendeu oom a nitidecde um espirito verdadei* ramente Incido o que a ápooa exigia e sem receio offereeeu-nos o seu apoio, conduzindo-nos ao triumpho.

« Triumpho porque si o Instituto Histórica e Ooographioo Brasileiro continua a ser uma sociedade dedicada aos mais 3evoros estudos, não podo mais ser tida, como assoalhavam os que o desamam, um simples repositório de docamentos , per* mittidos unicamente a estreitissimo numero do estudiosos, e ainda assim adstrictos a um credo.

Anima*nos hoje um forte revigoramento que noi consente o prescrutar do passado, sem descrôr do presente, encami* nhando pelo estudo livro de preoonoeitos, insubmisso a qaaes- quer outros diotames que não os da consciência ao serviço da verdade, o nosso porvir, o qual se desdobrará magnifico, Josti- flcando as esperanças dos antopassados, que ao pisarem o solo desta torra deram-lho um nome duplamente bemdito.

Mas reatemos o fio regular da exposição.

Crente de quot pela generosidade dos collegas, me caberia o poeto de primeiro secretario, tratei desde logo de assegurar>me PS meioe para uma das primeiras reformas que inadiavelmente se impunham : a material.

« Dão testemunho quantos aqui vinham o estado do pré- dio era o mais desolador : paredes fendidas, tectos a oahlr, eoalhos desnivelados, uma feição, em summa, de oompieta indi- gência.

« Mas eram precisos recursos e não exíguos. Fd eatio que o Instituto encontrou na pessoa do Sr. Dr. Leopoldo de Bulhdes,

ACTAS DAS SESSÕES DB 1906 453

illufltre Ministro da Fazenda, o bemfeiior de que carecia. O seu* nome pertence a esta casa, iasoalpiio na grat dv) de q uantos sinceramente a presem.

4c Foi essepatricio, quo o instituto acoiliea como sócio hono rario, por J& ter feito rarias concessões releTantes* quem pediu ao illustre Deputado Pandlá Calogeras* também nosw> compa- nheiro, que apresentasse na Gamara dos Deputados a autorimoão ao Ministério do interior para a despeza de 50:000$ a í)Uer-se com as obras no ediftoio ocoupado pelo Instituto Histórico*

Nâo parou ahi o interesse do Dr. Leopoldo de BnlhOefl pela associação ; varias vezes veiu examinar as obras e outros íávores nos dispensou.

4L Ao illustre ez*MiniBtro da Justiça» o Sr. Dr. José Joaquim Seabra* também deve o Instituto notáveis serviços, FOi S. Ez. quem immediatamonte autorizou o contracto das obras e nov assegurou um auxilio para conclusão de outros melhoramentoa.

4 Oabem igualmente com inteira Justiçx aos distinctes Srs» Drs. Félix Gaspar e Lauro Muiler os nossos agradecimentos calorosos. O primeiro, pelo concurso que nos prestoui com relação a novas despezas necessárias ; o segundo* porque nos cedeu o espaço sufQciente para a escadaria.

« Superiores elogios, porém, devem ser endereçados ao bene- mérito Chefe do Bstado, o integru brasileiro Dr. Francisco de. Paula Rodrigues Alves. A boa vontade patentemente demons- trada por S. Ex. quanto ao Instituto, dignandoHse visit(^r as obras do edificio e prestando-nos o seu apoio, cumpre ficar registrada de envolta com os protestos de nosso sincero reoo«> nhecimento.

« Assiguado o contracto das obras entre o engenheiro do Ministério da Justiça e o constructor, a 19 de março, logo no dia seguinte começaram os trabalhos com a demolição das paredes, do que resultou a actual galeria, em substituição aos cubículos que de nada serviam o eram até condemnados pela hygiene.

« Releva salientar a fiscalização zelosamente feita pelo illustre engenheiro do Ministério da Justiça' Sr. Dr. Francisco

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Angusto Peixoto, o a exactidão oom que o construotor Sr. Mi- guel Bruno executou as clausulas de seu contracto, não se eximindo mesmo de attender a exigências que fiz, não incinidas no projecto.

« As obras terminaram completamente nos primeiros dias deste m6z« embora desde agosto Já. nos fosse permittido fnnc- oionar neste salão.

« Todos os soalhos foram renovados, assim como os tectos e todas as paredes divisórias ; grande parto da cobertura, foi substituída. A escadaria obedece a plano moderno e se acha fjpanoamente illuminada.

« Hoje, Srs. consócios, temos uma installação condigna. Não mostramos mais aos visitantes as nossas riquezas a se dete- riorarem pela acção do descaso, nem precisamos basear desculpas para attenuar a m& impressão. Agora quem quer que seja pôde penetrar nesta casa, onde ha para todos cordial hos pitalidade, e verá que, si nos íkltam os requintes de luxo, não deixamos de possuir accommodaçOes dotadas de conforto e irreprehensivel asseio.

Etudo se deve, repito-o, ao governo actual. Ufano-me em decUrar quedo nosso inclyto e saudoso presidente, o Sr. conse- lheiro Olegário, recebi a mais absoluta autorização para agir como entendesse nesse terreno e consentireis que também me orgulhe de ter concorrido para o magnifico emprehendimento.

« Cabe-me aqui mais uma vez agradecer as palavras extre- mamente carinhosas que me dirigiu o benemérito Sr. Pre* sidente da Republica, por occasião de sua visita, em 30 de julho, e o voto com que me distinguistes na sessão de 3 de setembro, interpretado gonorosamente pelo preclaro Sr. Vis- conde de Ouro Preto, nome em que o Instituto um de seus mais bellos ornamentos e que o Brazil applaude como um exemplo de saber e varonilidade de caracter.

« Por motivo das obras, o Instituto acceitou em 13 de março o gentil offereotmento do então presidente do Gabinete Portuguez de Leitura, commendador Josô Vasco Ramalho Or- tigão, para celabrar as suas sessões no sumptuoso odificio daquella illustre associação. A acolhida fidalga que nos deram

ACTAS DAS SESsSeS DR 1906 455

durante ires mezes, Jamais 8er& esquecida, tendo o Instituto, sob proposta minha, approvado em sessão de 20 de agosto um voto de reconhecimento ao mesmo Gabinete.

« Preparadas as salas, armadas as estantes, cumpria tratar do arranjo dos nossos volumes que sobom a alguns milhares. Tarefa dispendiosissima, que oneraria sobremodo o Instituto, si eu nSo tivesse encontrado no distinoto Sr. general Dr. João de Siqueira Menezes, commandante da Força Policial, e no sou ze« loflo secretario, o Sr. major Josó Bernardino da Cruz Sobrinho, dous prestimosos amigos do nosso grémio.

« Cabe-me ainda agradecer a generosidade do nosso consócio Sr. visconde de Moraes, que concorreu para ser em parte res- taurado o nosso mobiliário e a do Sr. representante da The Rio de Janeiro Tramtoayf Light and Power que nos offereceu um gazometrode 50 luzes.

< Consentireis que descortine agora outros capitules não menos importantes .

« O estado do edifloio não pormitlia que a nossa bibliothoca e os nossos opulentos archivos tivessem uma organização de- sejável,

«Comprehendi desde logo a necessidade de cuidar desse as- sumpto e expuz as minhas idáas ao nosso bibliothecario, o Sr. Dr. José Vieira Fazenda. Não posso, Srs. consócios, dizer-vos completamente quem ó o eminente historiographo a cuja com- petência o inolvidável Sr. conselheiro Olegário entregou a nossa bibllotheca. Vós todos reconheceis no Dr. Fazenda um homem exemplar pela erudição e pelo valor moral.

«E*, porém, preciso conviver com elle, assistir diariamente ás provas que com inteira despreoc*'.upação exhibe dos seus avultados conhecimentos, para avaliar o quanto é feliz o Ins- tituto tendo-o como seu director technico.

« Tratando do frei Camillo Monserrate, disse o nosso illus- trado consócio Dr. Ramiz Galvão : As delicadas funoçSes de « um bibliothecario não se limitam a ordenar e classificar os « thesouros confiados á sua gaarda. Mas do que tudo é elle o

496 RBVI8TA DO INSTITUTO HI8T0RIG0

« auxiliar diligeate dos estudioflos^ o guia natural do8 que faiem « iavesiigaoõêf de qualquer natureza, o oatalogo tíyo. em aam« « ma, que eeclarooe e aplana o eamiaho doe homens de lettias. « Per itfo também neste partionlar »rei Gamillo foi um biblio- « thecario inexoedivel e um verdadeiro modelo a imitar-se. « Nao se lhe approzimaya um homem estudioso que nio eolhssse « fjraotos de semelhante consulta •>

< Pois bem, o Instituto Historioo dispõe de um bibUotheoario em quem o grande Gamillo enxergaria um disoipulo sobre todos illustre e herdeiro dos seus extraordinários pred&oados*

« Pôde esta oasa orgulhar-se da oooporai^ do 8r. Dr. José Vieira Fazenda a individualização oompleta do bibliothe- oario -^ nos moldes desoriptos pelo oonsooio a que me refori*

Estas palavras, Srs. coosooios, digo-as como om agrade* cimonto aos ininterruptos serviços que eUe presta ao nosso grémio.

« Annulndo aos meus desejos, que eram egualmente os sens, o Dr, Fasenda esbogou o plano de uma catalogagão da biblio- theca, o qual será executado, espero-o em Deus, integral- mente*

« Paraauxilial-o, offereoeu^se eavalheirosamente o Sr. bano de Vasconcellos, digoo patrício, cuja modéstia não consegue oe- oultar inteiramente um espirito dotado de apreciável cultivo.

« Quanto aos mappas, convidei '^ e tenho a oertesa da pre- ciosa ooUaboraçSo o eminente consócio Dr. Orville Adalbert Derby, que virá opportuoamente olassifieal«os e oommental<os« B* ocioso realçar o valor deste auxilio*

« O nosso Archivo e o nosso Moseu também se impuseram a cuidados espeoiaes e serào organizados de inteiro aooôrdo oom o Sr. Dr. Fazenda. Mandei, porém, inventarial-os e disio in- cumbi a um joven amigo, o Dr. Norival Soares de Freitas* oqjo nome declino de par com a gratidão aos seus dedicados ser- viços.

« Do simples arranjo, entretanto, não pequenos proveitos foram colhidos: importantes documentos se encontraram dos quaes farei menção de um apenas a curiosíssima oarta, toda do ponho de Louis Stanislas Xavier, mais tarde Luis XVni, diri-

ACTAS DAS SBSSOBS Dfi 1906 457

glda ao priâdpe Mgenie, depoii D* J<yao VI, datada de Verona, a28deabrUd6 1795.

« IníUizmente também fiooa rerifloada a aiuenoia de muitos orlgiDaei« ouja reoompoBiç&o oonstitae uma de minhai tarefiks.

Ontro faoto onlminante deste anno foi a reforma dos Esta-

tlltoSi

« Apreienta^io o projecto na primeira sessão ordinária de 5 de margo, sabscrlpto por 19 consócios, foi enviado á oommiflsão de estatutos e redao^i que dias depois apresentou o seu pare- cer. A pedido meu o Sr. Dr. Leopoldo de Bulhões mandou imprimir na Imprensa Nacional o projeoto e o parecer, de forma que, como sabeis, a todos tós foi distribuído um exemplar das duas pegas.

« Resolveu o Instituto discutil-as em assemblôa geral, que, convocada para o dia 2 de abril, se realizou a 9 e a 16 da mesmo mez, ficando approvada nessa segunda parte da assem- bléa, a redacção dos novos estatutos, que, nos termos do seu art. 71, entraram em vigor a 6 de maio, quando foram publi- cados no Diário Official.

« Relevareis qne expenda alguns commentarios sobre os novos Estatutos. Indiscutivelmente elles vieram valorizar a nossa associaeSo. Limitando o quadro social a 10 beneméritos, 50 honorários, 50 effectivos e 100 correspondentes ; introduzidas dlsposiçSes mais terminantes quanto á admissão, o Instituto ficou armado de uma lei que o colloca em nivel consentâneo com a sua importância.

«Uma das medidas adoptadas foi a referente á sessão magna anniversaria, agora realizada a 21 de outubro, data precisa da fundação deste grémio em 1838.

« Eífectuavam-iib as sessões magoas a 15 de dezembro, em virtude da deliberação tomada pela assembléa geral de 22 de novembro de 1850, deliberação em homenagem ao facto de ter sido a 15 de dezembro de 1849 a vez primeira em que o Sr. D. PelroII presidiu uma das nossas sessões, cedendo nesse dia «uma sala para as sessões ordinárias e para a bibiiotheca e ar«

458 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

chiYO», sdguDdo as palavras do presiddote marqnaz de Sapa- cahy.

« Ora, evidentemente, nao ee podia deixar em olvido a ver- dadeira data da fundaç&o, para te tejar ontro aoonteoimento, embora digno de grande reverencia. Era mister qae o Instituto Histórico rectiflcasse esse ponto que diz immediato respeito á sua própria historia.

Antes de 15 de dezembro de 1849, o Imperador havia comparecido por diversas vezes a osta casa, patenteando assim desdo o primeiro anno do sua maiorídado, o intdresse qae atâ a morte lhe mereceu o lastituto. Por isso mesmo nos novos estatutos nio foram esquecidas as homenagens devidas á sua memoria augusta. No art. 65 se determina que no dia 5 de dezembro, anniversario de sou ftillecimento, se conserve fechado o ediflcioe no art. 6C ficou oreado o premio Pedro lí, composto do uma medalha de ouro para recompensa da melhor monogra- phia das que especificadamente concorrerem ao mesmo premio.

Quem penetre neste edificio, verificará de prompto que o culto que nos merece a memoria do nosso augusto protector exprime n!Lo uma obra de grosseiro fetohismo, mas um acto de sincero amor e de indefectivel Justiça.

« Um dos capítulos mais sérios & vida do Instituto e para o qual solicito a vossa attenção ô o que diz respeito a sua parte económica.

« O nosso património Jaz constituído de forma muito segura, é certo, mas sem produzir o resultado que se poderia obter, em- pregando-o proveitosamente, acautelados os interesses do In* stituto pelo digno thesoureiro.

« Como sabeis, o Instituto disp9e de uma ezigua subvenção annual e ainda assim o íávor está subordinado ás quotas lo_ terioas. Ora, neste anno, devido á crise da Companhia de Lo- terias Nacionaes, graudes embaraços tem soffrido a nossa aggre- miaçáo. Neste ponto manda a justiça pôr cm relevo a dedica- çio do nosso thesoureiro o illustre Sr. commendador Arthur Ferreira Machado Guimarães.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 459

« Um estabelecimento da ordem e importância do Instituto Histórico, servindo diariamente ao pablico, que o ík^quenta em elevado numero, attendendo, como por varias vezes fez, a pe- didos do Governo que se tem utilizado de seus documentos, precisa de um pessoal apto e de quem cuide da limpeza e con- servação do edifício. E nao se limitam a essas as necessidades de caracter imprescindível. Devemos ter quem nas bibliothecas earcbivos de Portugal copie originaesde.que o nosso archivo carece; precisamos adquirir obras, mandar restaurar e enca- dernar outras, e para taes despezas, incontestavelmente úteis, não dispomos de recursos.

« Devo informar-vos que tenho procurado as sympathias de vários representantes da Nação, alguns nossos consócios, para que no próximo orçamento seja o Instituto dotado com uma sub- venção regular, paga directamente pelo Tbesouro FedersJ, o que, se for conseguido, facilitará as tarefas que a nossa asso- ciação vem cumprindo desde 1838.

« Não pôde haver quem de animo imparcial e justo critério negue a somma de serviços prestados á pátria pelo Instituto His- tórico. E' pois, perfeitamente razoável que os poderes públicos auxiliem uma instituição que applioa seus rendimentos de ma- neira tão nobre e profícua.

« Assim o comprehendou o actual Governo, prestando-nos seu valioso concurso,- o que certamente será imitado pelas Alturas administrações, das quaes esperamos não nos recusem o auxilio que nos é essencial.

4c Realizaram-se neste anuo 17 sessões ordinárias, uma extra- ordinária e duas de assembléa geral.

« Nessas sessões, que tiveram na média uma flrequencia de 15 sócios, foram discutidos assumptos relevantes e lidos tra- balhos de verdadeiro valor, como a monographia deixada pelo saudoso conselheiro M^inuel Francisco Corrêa, relativa a questão militar de 1887 e o voto do Senado do Império, o bello trabalho do nosso illustre 2* secretario, Dr. Alcibíades Furtado, sobre a « Lenda de Anchieta », o magnifíco estudo do emi-

460 RBVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

nante consócio Dr. Orville Derby sobre a S&rrm do Espi- nhaço >, as ioierassaoles obaervaçõei prodozidas pelo illos- trado Sr. yisooDde de Ouro Preto sobre íkotos oocorridos DO antigo regimen, a oariosa e bem estudada biographia do almirante Luiz da Ounha Moreira* primeiro risoonde de Gabo Vrio, doTida ao nosso erudito oonsooio Or. Manoel Barata e entras memorias que oom vantagem para as lettras bistorlcai aqni foram oaridas.

c Aliás, nio esses trabalhos attestam a intensa vitalidade do Instituto. Com os subsidies oolhidos na ReniiU e em nossos archivos outras obras appareoeram este anno, firmadas por con* sooios e dignas de applausos ; citarei, apenas, a nova edição da Historia do Brasil, de Francisco Adolpho de Varnhagent annotada pelo provecto Sr. Capiatrano de Abreu« e a Histo- ria do Brasil, esoripta pelo estudioso Sr. Rocha Pombo.

« A morte arrebatou-nos, esto anno, S. M. o Rei Christiano IX, nosso presidente honorário, e os consócios: general Bartho- lomé Mitre, almirante Francisco Calheiros da Graça, Dr. An- tónio de Paula Freitas, barão de Penedo, Ivlanoel Barnabó Mon- teiro Baena, visconde do Rodrigues de Oliveira, visconde de Barbacena, commendador Henrique Raffard o o nosso benemérito presidente conselheiro Olegário Herculano de Aquino e Castro.

«Dentro em pouco ouvireis o que sobre esses varões illustres dirá o nosso prezado col lega Sr. desembargador António Fer- reira de Souza Pitanga, que ha sete annos, oom rara proficiência e brilho, occupa o cargo de orador do Instituto.

« No correr do anno foram admittidos como sócios: D. Júlio Tonti, arcebispo de Ancyra, ex-nuncio apostólico junto ao Qo- verno Brazileiro, na classe dos honorários ; Drs. Josó Pereira Rego Filho, Bernardino Luiz Machado Guimarães, D. Daniel Gsrcia Acevedo, Arthur Orlando da Silva, Gonçalo de Quesada e Clóvis Beviláqua, na dos correspondentes.

« Dispeoso-me de oxalçar os méritos desses novos compi^ nheiros; seria tarofa inútil, poi^ tôm os sous nomos cercados da mais justa fama.

ACTAS DAS SBSSÕBS DE 1006 461

« Tres poons realizaram-ge este aimo oom o maior brilhan- tismo« Foram ellas as dos Sra. Drs. Antooio Augusto de Lima, Sebastião de Vasooncellos Oaly&o e monsenhor D. Júlio Tonti, esta ultima em sessão eitraordinaria, frandemente ooncorrida, tendo servido como orador o nosso eminente consoeio Sr. Tis- coode de Ouro Preto, oujo diseorso produziu notabilissima im- pressão.

« Outros assumptos dignos de mengão íoram também pre- sentes nas sessões realizadas, como o resultado da subscripção promovida pelo Jornal do Commercio, na importância de S:436$300, em virtude da generosa idéa do nosso estimado ocm- sócio Dr. Alberto de GarvaihOi relativamente ao mandar^ae resguardar o tumulo do descobridor do Braiil, em Santarém ; e a projectada oommemoraçâo do oeutenario do CorrHo Bra- zUiâme^ a 1 de Junbo de 1908, apresentada pelo distineto Sr. 2f seeretarlo Dr. Alcibíades Furtado e que equivalerá & consagra- ndo da memoria do grande Hypolito José da Oosta Pereira Fur- tado de Mendonça.

« A catastrophe do couraçado Afuidaban e a que oooorreu na cidade de Yalparaizo provocaram sinceras demonstraofles de pezar do nosso grémio, que foram por meu intermédio commu- nioadas devidamente.

« Varias e importantes foram as offertas recebidas este anuo ; sobrelevando as provindas do eminente Sr, Conselheiro Lafayette, da mascara, em gesso, de Napoleão I e de vários livros preciosos, e a derradeiramente feita pela Sxma. viuva do illustre brasileiro Dr. Josó Thomaz da Porduncula, dos papeis, em original, relativos ao período da revolta de 6 de setembro de 1893, tempo em que o Sr. Dr. Porciuncula, com relevante civismo exercia o elevado cargo de presidente do Estado do Rio de Janeiro.

« Essa offerta obegou-nos ás mãos acompanhada de uma honrosa carta da Exma. viuva, por intermédio do respeitayel Sr. conselheiro Pindahyba de Mattos* vice-presidente do Supremo Tribunal Federal.

462 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

« Quaato á nossa Remsta, oabe-me oommunicar-yos qao oonto dar promptas, até 15 de novembro próximo, as doas partes do tomo 67, correspondente ao anão de 1904, o, talvez, até o âm do anão, o tomo 68, relativo ao anno do 1905. láto, graças ainda ao auxilio do Sr. Dr. Leopoldo de Bolhões e aos esforços do iilostre director gerai da imprensa Nacional, o Sr. Dr. Alfredo Augusto da Roolia.

« A demora tem tido origem nos muitos trabalhos de natu* reza inadiável na Imprensa Nacional.

Si obtivermos, como espero, do Congresso Nacional, os meios necessários, tratarei de^pôr em dia a publicação, cuidando também da xeimpress&o dos tomos 1, 2, 20, 21, 22, S6e 32 (2^ parto), que se acham ozgottados.

« Devo consignar aqui o modo correcto por que têm pro- cedido os empregados do Instituto sujeitos ao ponto: Srs, Francisco Martins Quimarães, Laftiyette Caetano da Silva, nomeado aoxilar em substituição do Sr. Fernando de Toledo Raffard, que abandonou o cargo, Gregório Alves Coelho, e a ordenança cabo José Maria de Farias^ dignos, por isso, da vossa estima.

« Ahi tendes, Srs. consócios, a exposição franca da nossa vida social neste anno. Delia verificareis que a nossa compa- nhia adquiriu novos alentos, achando-se cada vez mais no caso de cumprii* as tarefas que dictaram a sua fundação. Vereis também que o vo3so humilde collega que elevastes ao cargo de primeiro secretario, si não dispõe de attributos intellectuaes que o recommendem, possue, pelo menos, a qualidade de saber dedicar-se.

« Senhores. O Instituto Histórico e Geograpbico Brazileiro completa hoje o seu G8« anniversario ; o caminho percorrido ó uma vasta série de victorias no único terreno verdadeiramente soberano— o da intelligenoia. O futuro ha de ser a confirmação magnifica desse passado, pois a somma de nossos esforços e daquelles que nos succederem cimentará ainda mais os créditos desta associado.

ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 463

« Superior ás paixSes, qaaesquer que ellas sejam, está a Patiia: lembremo-nos de que o nosso Instituto ó o guarda fiel de sua hútoria. Empenhemo-nos, pois, em um impulso commum para que os documentos que a compOem attestem sempre a grandeza de um povo em que oulminam o civismo e as qua- lidades intellectuaes.

« E o Instituto Histórico e Oeographico BrazUeiro, que, na phrase incisiva de Joaquim Nabuco, é <o único abrigo das « nossas tradi(XM nacionaes», recollierá, orgulhoso, como até aqui, o hymnario do nosso progresso, no duplo aspecto mate- rial e moral I

Tenho concluído.»

DISCURSO

PRONUNCIADO

U 8E88Í0 HAfiNA DE 1906 PELO OBADOR DO INSTtTDTO Desembargador A. F. de Sousa Pitanga

« No oontexto dessa obra prima com qoe o genlo do Herbeft Spen^r f emátou o séa magestoso monnmonto phllooophido, nai paginas soberbas desse livro em que o philosopho synthrtisa a moral da Tida sodal, doânindo com a precisão do sábio o con- ceito da Jastiga; reriftoa-se que, iniciando a oorrente de obier- ragOes pela moral animal, por esse instincto embr/onario dos seres inferiores, no qual se vislumbram apenas ai manifes* taçOes elementares de uma oonsoiencia moral, transitatido gta- dátivament) pára a Justiça sub^humana, em qne nos primeiros enuaios da tida de relagftOt os seres gregários deixam entreiror o esboço de uma oonsoiencia Juridioa, penetra afinal na esphera positiva da Jostiça hnmana, e nama gradai áé mAnor para maior, num admirável crescendo, ezpondo-lhe o sentimento # revelando«lbie a idéa, determinando4he a formula« precisan- do-lbe a antbridade, percorre a gamma das fticnldades hamanas traçando-lhes em torno nm cjrclo parallelo em qne se tem ne* eessaris mente de mover a esphera do direito, percorre&do-lhe a orbita e gravitando fatalmente para esse fóoo: a Justiça»

«Neisa demonstração lógica, em que á observação dos phe- nomenos e á comparação dos objectos suocedem a abstraoção e a indncção das leis, o profaodo philosopbo eicplana em admi* ravel sequencia lógica a aoquisição progressiva dos direitos eorrelativos ã manifestação de cada uma das faculdades vitaes da humanidade, desde o direito A integridade physioa, até ao da mogioe lobomoção níatufaes, desde o direito ao meio ambiente e em geral ao uso dos meios naturaes» até ao direito de propri- I 80 Tomo lxix. p. ii.

466 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

odade corpórea e incorpórea; desde o direito de legar e testar, até ao de oontracfar e permutar; desde o direito & liberdade do trabalho até ao da liberdade de consciência e de manifes- taçio do pensamento; desde o direito da malber na commnnbão social, até ao do menor á protecção tntellar do Estado; até finalmente, meos senhores, aes direitos políticos, em qae se concretizam os elementos da soberania, da qual cada individuo representa uma parcella, mas um factor elfectiro no concerto complexo da Tida em sociedade.

Terminando ahi o percurso da sEona extensa das relações humanas, definindo o eminente philosopho as relaçOes do áU reito, parece ter propositalmente estacado ante as oolumnas de Hercules que guarneoeoi o portioo mysterioso do templo da morte.

Delimitando com genial clarividência toda a ac^ da Jus- tiça na larga peregrinação do género humano, absteve-se de transpor o limite da vida para acompanhar-lhe as pegadas em sua miftSo sobre-humana nas regiões de além-tumulo.

N8o é que lhe assaltasse o animo o pavor sagrado de suas sombras, tão fttmiliares ao espirito do philosopho em soas lo- eubrações transcendentais; mas, no conceito do sociólogo, pre- ponderou a idéa de que a Justiça da Historia transpõe a raia das relações da sciencia, para penetrar a esphera sagrada do Culto.

< Nio comporta a clave em que vibram as notas da gamma da harmonia social a symphonia mystica inspirada pela Ver- dade eterna para perpetuar a Eternidade da Justiça histórica. A soa orbita não se restringe á conquista das reparações: eleva-se ao phenomeno sobre-humano das resurreições ; nio se limita a divisões perimctricas ou a períodos chronioosc abrange os fastos humanos no espaço e no tempo, na vastidão do Cosmos e na duração dos Séculos.

S é graças ao seu prestigio que a Humanidade fulgirem no Pantheon de sua immortalidade os gloriosos perfis de seus Redivivo^:, arrancados ao olvi<ío da indilferença egoistica ou ás tramas pérfidas das paixões, da inveja, do ódio, do preoon- ceito ou do fanatismo dervairado.

I

DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 467

< E* ao incffavel olarão de sua luz celestial que a Hamanidade pode 7er em sua radiante nitidez todos os grandes aconteoi- BMiitos, todos 00 grandos feitos, e todos os grandes factores de sua histotia, da destruição de Troya á constracção de Roma e da construoçSo das Pyramiles á destruição de Pompéa; da expe- dição dos Argonautas & retirada dos Dez Mil e do Êxodo Mosaico á Emigração dos BarbouTi»; das guerras Medicas, ás guerras Púnicas; das conquistas do Macedónio ás jornadas de César; do golpe de lança que feriu Arcbimedes, ao de punhal que prostrou Júlio César; do suicidio estóico de Sócrates, ao suicídio heróico de Catão; do alvorecer das Bellas Artes com Phtdias e Praxiteles, até a Renascança com Miguel Angelo e Leonardo de Vinci, com Raphael o Ticiano; da mendicância sacrílega de Ho- mero, á mondicancia sacrílega de Camões; das especulações philosophicas de Aristóteles até as de Descartes; das observações cósmicas de Copérnico e de Galileu, até ás do Humboldt; das investigações identificas de Hypocrates até as ds Xavier Bichat ; da descoberta da aguhla imantada pelos primitivos nayegadores chinezes, at:S a da calamita por Flávio Gioia; da exploração dos mares pelas triremes phenicias, até as expedições de Marco Polo; da descoberta de Colombo ao trajecto transoceânico de Fernando de Magalhães; do papyro chinez á imprensa de Qut- temlerg; do Código de Manú ao Código de Justiniano; do Pen- tateuco Mosaico até ai Epistolas Edificantes do Apostolo do Tharso; da tragedia divina que envolvendo em trevas o Uui- verso, fez surgir do seu seio, como o clarão de uma aurora regeneradora, o vivificante sol do christianismo, mensageiro da Eterna Verdade dos Evangelhos, até á tragedia humana que fazendo desencadear sobre as tyranias dominantes a procella desabrida das oppressõas mal contidas, amainou para deixar navegando em mar de sangue a nave alviçareira, ostentando na mesenoi o pavilhão dos direitos do homem e buscando o porto da liberdadeentre os destroços fiuctuantes das velhas instituiçõ3s derrocadas!

Como é sublime o sacerdócio deJistribulr a Justiça da His« toriae como é grave a responsabilidade de distribuil-a a seres superiores!

468 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

BARTOLOMÉ MITRE

Uma dds superiores compleições que tem surgido, não direi em sua Pátria, mas do grandioso contiaente americano, é sem .conte6iaf;ioado que, apósumaaecidentadae proâcaa existência de 85 ao nos, acaba do abrir am grande claro nas fileiras de nosso Instituto.

« Nãoô reduzida a plêiade dos yuIíos extraordinários que das grandiosas regiões do Novo Mundo se tem erolado para os gloriosos paramos da Historia.

IVasbington ou Josó Bonifácio, Simon Bolivar ou San Martin, O* Hyggins ou Benito Juarez symboiizit cada um uma grande naciocalidade por elles arcbitectada, libertada oa conso- lidada.

« E é mister percorrer uma existência de alto yaior, e quiçá de heroísmo, para inscrever o seu nome eotre os destes heroas.

«Pois bem, meus senhores, D. Bartolomó Mitre é semoon- teetação um dos que impõem o seu a esso registro glorioso.

« Na bistori:\ de sua pátria sobretudo, sem ii^uria aos nomes de Belgrano de Alberdl ou de Sarmiento, pode-se assegurar que após o perfil do heroico libertidor de La Plata, nenhum oatro se impõe com melhor diroito á gratidão nacional. Grêo como y4, diz um de seus mais notáveis discípulos, que Miire será oonsiderado por la historia el primer fiombrú de la pátria y q^ ningv^na vida ha sido fitis beneficiosa para la misma. Leon Soares, Bartolomé Mitre, por J. J. Biedma. Buenos Ayres 1000.

€D. Bartolomó Mitre, Alho de D. Ambrósio Mitre e do D. Josefa Martinez Mitre, nasceu em Buenos Ayres a 26 de junho de 1821, sendo levado à pia baptismal pelo vencedor de Oerrito, o general Rondeau, que ao morrer constituiu-o herdeiro uni- Yersal de sua fortuna, consistente em sua espada e no auto- grapho de suas memorias inéditas.

< Tendo recebido a primeira educação ministrada por seu pae, foi depois por este oonAado ao tirocínio do trabalho agri- oola de D. Qervasio Rosa, estancieiro em rincão de Lopei, de onde retirou-?e desgostoso pela afanosa tarefa a que era obrigado.

DISCURSO DO ORADOR OFFIGIAL 469

Tendo-ae laa familia estabelecido na Republica do Ura- guay, entSo de reoeate. íúodação, foi seu pai i|oineado|the90upeipo geral pelo goveroo provisório eitabolBcido om Canelones. ftom- peodo porant o motim militar de 1832, que elevou ao posto supresco o general Oribe, foi perseguido até 1838« ató a ba- talha de Palmaa, que mudando a faoe d{tf ooomls politicai, íbl o veibo Mitre reposto em seu logar pelo presidente D.. Fru- ptnoio Rtvera, que em 20 de fevereiro de 1839 nomeou o Joven Mitre alferes de artilharia de lioha.

< CoojuQctameate com seus deveres militares» alistoqse logo- pa legi&o da imprensa» colioborando no Nacional com Luii^ Do- mingues, em ei Taliêman oom EU vera Indarte, oentro então de todas as novas aptidões iotellectueas.

« A eise tempo aobou-se .toda a regi&o platina sob o guante ferrenho do celebre dlc.tador de Bntre-Rios; e Gobagúe» à ftente de um exercito, invadiu a Republica Oriental. Nq movimento de hesitação covarde que domipoq muitos argentiQop, o Joven Miti^e parte reaolutameote para a guerra, e tem a gloria, da ver Echagúe derrotado pelas forcas deRivera emCagaqohaiUeAi- giar-se em Entre Rios.

< Tendo porém, na embriaguez do triump]io este |[anerft| invadido .em 1842 a província de E!ntre^RioS| ahi teve de.de«* frontar ooip as íbroas siiperiores e diaoiplinadAs de RosaSt foi Ri vera, apezar de seu heroísmo, derrotado, tendo o joren ca* pitão Miirede voltara Mputevidóo soba pressftoda derrota.

< Essa derrota detern^inou a lavabo de Montavitfép pelo celebre caudilho Oribe, tendo opganiza4o a defesa, da j^ça P general Fas, sob cujas ordens porreu Mitre a alistarrie i^ndp sido seu 9 primeiro oanhonaoo 4i8parado pop campei de Obristo.

Pois nes^e perlpdQ angustiosQ da luptas diárias, MUre teve fibra para ooHabor^r aotivamante 9a imprensa, nas 40« luomas da Nova Sra^ do Nacio$íal e do /iiipiador , . e Q que é mais I para traduzir o Ruy Blas de Victor Hug^, redigir um compendio de artilharia pratica e ser um dos fundadores de Instituto Uisiorico Nacional I

<Sm l de abril de 184G os invasores de Rosas deram o grito < Mueran los porteííos » investindo contra os emigrados argen*

470 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

tinos, immol&odo os braros Estiran e major Vedia, tendo sido saíra a legiio de argentinos graças á resoluta attitnde do general Geily y Obes* sendo Mitre forçado a evadirnaie ]^ra a Bolívia.

< Ahl recebido galhardamente pelo presidente BoUyian» que o nomooa oommandante do Collegio Militar, via contra este re- bentar uma rerolu^, seguindo para o campo de batalha em sua defesa. Tendo, poróm. trinmphado a reroln^, foi banido para e Peru, que atravessando também período reyolucionario, o repelliu indo procurar a hospitalidado do Chile.

« Em sua permanência nessa Republica, dis Palemon Hnergo, sempre dominado por sentimentos progressistas e democráticos, publicou vários trabalhos litterarios e políticos, atacando a instituição obsoleta dos Maioraes o a intolerância r^igiosa. Isso doterminou tal impressão no animo popular, que foi Ifltre obri- gado a abandonar o território Chileno.

A esse tempo porém )& soava na pátria o clarim auspi- 0Í030, precursor do triumpho de Monte Caseros, e Mitre correu som detença a alistar-se no exercito de Urqaisa, que levantara a bandeira da libertação contra o dictidor Rosas.

< Não me deterei sobre esta campanha do que o nosso Brazil foi magna pars^ senão para assignalar que essa sympathia que ligou sempre o espirito de D. Bartolomé Mitre a nossa pátria, tornou-se indissolúvel por ter por base a communhão das idéaa de libordadee de Justiça.

Derrocado porém o domínio do tyranno, o mesmo Urquisa que em 4 de fevereiro de 1852 armara uma proclamação em que offerecia a amnistia absoluta para unifica^ da Repu- blioa, íiMBia em Palermo, ás portas da cidade redimida, fn* silar cruelmente os soldados de Rosas e entro clles o coronel Màrtiniano Chilavert, provocando um protesto vehemente e viril por parte de Mitre, em face do próprio Urquisa.

< Assumindo assim attitude de flranca hostilidade contra esse eaudilho, teve a gloria de ver afinal restaurado em Buenos Ayres, em todo a Republica, o regimen da liberdade com o go- verno de D. Valentim Alcina; e quando a confiança de seus concidadãos o coUocou no posto de mando supremo de sua pátria, realizar definitivanaente a unificação constitucional.

DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 471

« Nesse periódico foi o território argentino invadido pelo dictador do Paraguay Francisco Solano Lopez, determinando a formação da triplioe Alliança contra as snas pretenções -au- tocráticas na politica snl-americana.

< Não é occasião de folhear algumas das paginas dessa epopéa em qae as armas brasileiras poderiam ser cantadas em ama miada do£> tempos modernos : lembrarei todavia, que foi no pe* riodo em que pelo tratado coube o commando em chefe ao ge* neral Mltre, que se feriu a mais extraordinária batalha da Ame- rica do Sul, a 24 de maio de 1836, tendo á sua firente o legendário Tulto de Manoel Luiz Osório.

< Nas luctas militares, como nas politicas, nos torneios lit- terarios o como nos diplomáticos, afflrmou D. Bartolomô Mitre sua grande superioridade, impondo-se & yeneraçSo de seus compatriotas e á admiraoSo universal. Guerreiro, elle ftilge galhardamente nas campanhas de Caganohia e de Monte-Ca- seros ; politico e diplomata, seu nome triumpha com brilho de Entre-Rios a Pavon; homende lettras tem seu nome per- petuado nas magnificas traducçdes do Ruy Blas e da Divina Co- media, o nas bellas produççQas Jornalistloas, nas historias da San Martin o de Belgrano e nas lettras Americanas, e em ins- pirados versos dos quaes vos doa um exemplar na seguinte traduoçSo que fiz do seu bymno triamphal intitulado La Cam* pana,

O SINO

Profôtico metal, los ciudadanos

Que de agaero e comento son exentos

A ta Yoz bailaran por estes llancs

Eatanto que ta voz e tas acentos.

Oyen descoloridos los tiranos

I to attcndon los reys macn3ntos.

(QURVBDO.)

(PoLiMMA Musa.)

O' Sino ! de minha Pátria E*s o symbolo da gloria, O* arauto da victoria ! O* interprete da dôr I

♦78 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Tu éB a taba de bronwò Sobre ofl anm soapendida, Qaô 08 fa«(os de oossa vida Publicas com teu clamor,

Gonfiretliaa noaia historia; A Toz de alerta nos dâste : De porta em porta bateste Qom tua argeutiiia voi ; A pas nos annaooiastq De verde oliveira ornado. Ou em palma altiva enlaçado A guerra cruenta e fíaros.

Ta tens sido a grrave orchestra Dos fortes hymnos triumphaes, B nos tristes íúneraes Melancólico ]}regio. De tuas cordas suspenso Um povo de audácia cheio. fsz brotar de teu seio A voz de revoIuçSo.

E teus echoe dilatados Em um mundo roscaram. Quando em maio éllM saudaram Q auroo sol da redempçap, Onjo vivifloo mio. Gomo uma clavq de ouro. Te imprimiu o som canoro Da estatua de Memnão.

Tens apregoado cem vezes Pelo mundo americano As victorias de Belgrano, De San Martin e Alvear ;

DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 478

£ tens conoiUdo os povos. No meio da atroz matança* fi alentado sua esperança A derrota ao publico.

Nas nossas civis contendas, A*s facções escravizado. Tristes sons teus arrancado A* espada do vencedor ; B dominando o tumulto Do povo desenfreado, Ante o mundo tias protestado Com dolorido clamor.

£ quando por um tyrano O povo viu^JBe opprimido, Articulaste um gemido Em teu metálico arfar ; E de novo em tua torre Soarás estrepitoso, Quando vires victorioso O azul pendão âuctuar 1

Tu és a voz do destino Que presides sempre ás horas, Que com suas azas sonoras Te ferem no coraçfto ; E tu, seu vôo marcando. Generoso em demasia, Retribues em harmonia. Cada golpe que te dão.

O RBI CHRISTIANO IX

< Aos 29 de janeiro de 1906 falleoeu em Copeniiagne, nésaa ideal Tivoli do Norte da Europa, entre os braços de sua fomilia o Rei Ghristiano IX.

< Gobría-se de luto a Dinamarca toda, e parecia ter perdido um amigo paternal, tanto o amava e venerava o seu povo, ooa-

474 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Tencido oomo estava da pareza de saa? intenções da bondade de sea coração e da belloza de seu caracter 1

« ChamaTáo-lhe o primeiro "gentleman** do paiz, e ninguém mais qae elle merecia este nome, tanto soube ello oonciliar sinceramente a majestade do tlxrono com o amor do seu povo.

< O Rei Chistiano IX nasceu aos 8 de abril de 1818 no Cas- tello de Qottorp,no Ducxdo de Schleswig, nesse tempo provinda Dinamarquesa.

« Pertencendo a um ramo da familla reinante, nSo sonhou, que houvesse de subir ao throno.

Escolheu a carreira militar e aos 18 annos do idade foi no- meado capitio da Guarda Real. Desde então fez um papel saliente no exercito Dinamarquôs, fiel ao seu dever como sempre o foi até a morte. Quando rompeu a guerra em 1818 em consequência da revolução nos Ducados de Schieswig e Holstein quiz tomar parto activa como chefe da Guarda Real, porém o Rei Frederioa YII não o permittiu por considerações aliás respeitáveis.

Depois de acabada a guerra surgiu a questão da successio o throno, pois o Rei Frederico VII não tinha fllho3.lQterviér8o as cinco maiores potencias da Europa, as quaes convinha vêr essa questão solvida de commum aocordo, e concordarão por um proiooollo assignado em Londres aos 8 de maio de 1852 que o Príncipe Ghristiano fosse eleito príncipe da coroa.

< Desde esse dia dedicou-se o príncipe com toda a sua alma a preparar-se para um dia ser o Rei da pais,ao qual tinha ficado fiel quando grande parto dos seus parentes em 1848 juntrirão-se aos revolucionários.

Em 15 de novembro de 18Ô3 morreu Frederico VII ;e o Príncipe Ghrittiano foi no dia seguinte acclamado Rei. Foi esse o grande momento trágico de sua vida. No anuo seguinte rompeu a guerra entre a Dinamarca de um lado c a Prússia e a Áustria da outra. O Chanceller de fsrro iniciava o seu plano de coos- trair o império germânico.

Custou à Dinamarca os dois Ducados Schieswig e Hc^stein, e ninguém o sentiu mais que o Rei que viu perdidas duas das mais ricas provindas do seu paíz» e em nwos estranhas o lugar onde nasceu e que tanto amava ! Porem não esqueceu o seu

DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 475

devor. Foi o primeiro a empenbar-se para que o paiz prooarasse por esforços dobrados desenvolver os seus recursos, e teve a grande satisfao&o de ver a Dinamarca progredir mais do que nunca. Cada dia augmentava a sua popularidade ; foi o homem mais amado na Dinamarca e o Rei mais venerado na Europa. Os cúmplices porem desse attentado contra o tratado de Utrech viram punidos duramente a sua vergonhosa oonni vencia. A Áustria vendo as armas de agulha de soa alliada leonina, e a França Napoleonica com sua indiffereoça, a pena de talliio com a perda da Alsacia o da Lorena.

< Tinha desposado em 1848 a Princ^aLoulsedeStessen-Cassel, e pode-se dizer que foi um casamento de verdadeira inclinação. Naquelle tempo não havia para ello motivo para não escolha da consorte consultar interesses políticos Deste consorcio nas- eôriú) três filhos e ires filhas.

< O dia 26 de maio de 1892, quando celebrarão as bodas do ouro, torno a-^e uma bella festa nacional.

< O Rei tove a Sitisfaç&o de vêr os principes da corda de Iilglaterra e Rússia virem escolher as suas esposas na Oorte da Dinamarca. A filha mais velha, Alexandra, ô hoje rainha de Inglaterra 9 a segunda, Dagmar, Imperatriz viuva da Rússia,, a terceira, Thyra, casou-seoom o Duque do Gumberland. O filho mais velho Frederico é hoje o Rei da Dinamarca, e o filho deste, seu neto, ó o Rei da Noruega. O seu segundo, Jorge ó o Rei da Orecia. O ultimo filho d Almirante Dinamarqueze casado com a irmã da Rainha de Portugal.

Todos os annos, reunia o Rei como verdadeiro Pater-fami- liai seus filhos, filhas c genros no modesfo Castello de Pre- desnborg, oad^ todos se entregavão a alegro convivência de qualquer família plebóa.

< O Instituto rende este peito ao monarcha humano que em momento difflcil foi uma garantia de sen direito.

O ALMIRANTE CALHEIROS DA GRAÇA

< Seja o nosso primeiro threno de melancholia e saudade pela morte dos confrades brfudleiros, em honra ao distinctoor-

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nameato da nossa marinha de ^erra, que aos louros maroiaes onia os aoieatiíioos. realçados ainda pela sagração de seu final martyrologio trágico.

< Nasoldo em Alagoas aos 3 de Julho de 1849, fllho de Gni- Ibirme José da Graça o de BalbinaCalheirosdaQraça, resolves desde verdes annos a mais deoidida voeaç&o psra a carreira naval e vindo para o Rio de Janeiro, foi approvado plenamente nos exames preparatórios e julgado com a precisa robnstes para a vida do mar, teve praça de aspirante a guarda marinha em 27 de fevereiro de 1864, seguindo em viagens de instruoSo nas Corvetas Berinioe e Bahiana, e sendo promovido a guarda marinha em 4 de desembrode 1866.

Em Ed do mesmo foi mandado servir na esquadra em operações contra o governo do Paragnay, chegando a Monte^ vidóo a 9 de Janeiro de 1866 e embarcando no eaeo«m» çado Silvado em UB do mesmo mei, assistiu ao ataque de 2 de fevereiro contra as baterias de Curupaity, destacou par* o Barroso em 24 de Fevereiro e ahi como ofiioial tomou parte na passagem de Cumpaitye como ajudante da torre de ré, no combate com as baterias de Httmaytà, em 1^ de fe« vereiro de 1868.

« Por decrete de 5 de março desse anno foi promovido a 2t tenente e em 12 de abril do mesmo anno a l^ tenente, tendo servido em diversas e importantes commissões navaes no Norte e Sul áo Império, e sendo promovido a Capitão Tenente por decreto de 9 de dezembro de 1879.

4 Por Aviso do Ministério da Marinha de 18 de dezembro de 1880 foi nomeado pelo director da Repartição Hydrogra** pbica para seguir para o Rio Grande do Sul a awumir o commando da canhoeira Braconnot, em oommissão daqneila 'repartição. Patam dahi os trimphos sclentiflcos do nosso illus- tra confrade, nessa heoção teehnica da carreira naval.

«Tendo em 11 de março de 1880 entregue o Commando dessa torpedeira ao eapitSLo de mar e guerra Bs^rão de Telfé, acompanhou o Dr. von Rickwassel na commissão scientiflca de deterihinaç&o das linhas magnéticas da oosta do Brasil, percorrendo logo e explorando scientifioamente os portos da

DISCURSO DO ORADOR OFFICUAL 477

Viotoría, Bahia, Morro de 8. Paulo, Gananéa, Uhéos, S. Cruz (hoje Bahia Cabralia), Porto Seguro,. Cararelias, Maooió, Ma^ ragogy, Recife, Fernando, Parahyba, Natal, Mossoró, Cear&i Mandahu, Amarrao&o e Tatoya, onde naufragou^ offereoendo luminoso relatório sobre as respectivas linhas magnéticas, que merecram louvor do Ministio da Marinha*

« Em seguida partiu para o Sul a levantar a planta das barras de Banta Catharina, Itajahy, e Laguna, de onde voltando foi encarregado de observar das Antilhas a passagem de Vénus pelo disco solar, para determinação da paralaxe, tendo em- barcado em S. Thomaz e trazendo interessante relatório dessa commissão*

« Desposou em 2 de maio de 1885, D « Maria Angélica de Castro, dilecta filha do nosso preclaro Presidente Conselheiro Olegário H. de A. Castro.

« Salvou-se em 1867 do nauft*agio do Imperial MarinMro^ a cujo o bordo se achava em commissão scientifloa, sendo promo- vido a Capitão de Fragata por merecimento a 8 de janeiro de 1890.

< Foi nomeado pelo ministro de Instruccão e Bellas Artes de França correspondente áo Burêau des Longitudes , eleito viee Presidente do Congresso de Navegação Interna, reunido em Paris dm 1802, director da repartiçoã de Hydrographia e Carta Marítima do Brasil em 12 de abril de 1893, e promovido a oa- pitão de mar e guerra por merecimento a O de agosto de 1004. « Entre as commissões que lho foram confiadas, compre- hende-se a do levantamento da planta da bahia de Jacue« oanga, qne em sua opinião oflèrecia óptimas oondiçOes para a fundação do novo arsenal de marinha «

« Predestino da fatalidade I Quando para a realisação desse projecto uma esquadra alviçareira erguia em suas aguas suae proas arrogantes, como coUos de icthyosauros nas aguas dilu- vianaSf vê-se sahir das &uces do mais gigantesco de todos, uma chamma sinistra.

« E o monstro num rugido indiscriptivel de desespero entra o naufiragio e o incêndio, sumir-se num golfão voraz que o mal^ abre a seus pés para dar passagem ã mole gigante I

478 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

E qaa&do o olario do sol nascente vem ferir a superficie d*agua em seu nivelamento impassivel, illnmina como círios fa- nerarios» as frontes pallidas das Tictimas do dever e entre ellas, a fronte gloriosa do contralmiraote Francisco Calheiros da Gra^.

O DR. PAUU FREITAS

Outro martyr do dever profissional, com direito a igual glorificação deste Instituto é do notável engenlieiro António de Paula Freitas.— Nascido nesta capital a 10 de Janeiro de 1843, iniciou sua Jornada sdentiflca em 1853, quando, aos 10 annos, entrou para o oollegio Victoria, fazendo suas primeiras armas com tal galhardia que em 1859matriculava-sena Escola Central, onde com approvaçSo plenas e distinotas obteve o titulo de en- genheiro Geographo em 1864, o gráo de bacharel em mathe- maticas em 1865, em o de engenheiro civil em 1866.

« Impellidopor natural inclinaçSo^para profe8sorado,foi uesse mesmo anno nomeado coadjuvante da Escola, defendendo thesa se obtendo o gráo de doutor em 21 de maio de 1870 e entranc^o em concurso para lente oathedratico em 1874. Regeu diversas cadeiras neste Pantheon das Scienoias Exactas que se denomina Esc<Ha Polytechnica, ficando afinal em ezercicio profissional na 1* cadeira do 2^ anno do curso do engenharia ciril, elabo^ rando para ella o seu consciencioso compendio Curso de Estradas hoje adoptado em todjs os Institutos Congéneres do Brasil.

« Alóm desse substancioso trabalho, escreveu diversos outros tratados scientificos,resaltando entre elles: Historia natural, em oollaboraoão com o iiltustrado Dr. Míguol António da Silva; Theorema das Velocidades Virtuaes e Hypotheses da Formação da Terra, These de doutoramento, Integraes definidas, consi- deradas como parâmetros; Enchentes dos rios e meios de impedir seus effeitos, theses de concurso á 1* Cadeira do 2^ anno da Es- cola Central, offerecida & sua virtuosa consorte D. Anna Dolores de Campos Paula Freitas; Determinação dos Coefficentes nueme* ricos das formulas algébricas; Relatório sobre o abastecimento de agua do Rio de Janeiro, escripto em coUaboracão com o sau- doso Dr. Manoel Buarque de Macedo*

DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 479

< Mas não somente na licção theorica revelava o benemérito soientista sua aptidão profissional; no ezercicio da engenharira pratica, quer no desempenho dos deveres dos cargos de enge-

, nheiro dos ministérios do Império e da Fazenda, quer na íkina devotamente civico que o dominava, asslgnalou sua competên- cia profissional pela construo^ dos mais notáveis edificios mo- dernos que iniciaram o progresso architetonico desta cidade. O edifioio da Imprensa Nacional, o do Correio Geral, o magestoso templo da Candelária; as Escolas Senador Correia, Barão do Rio Doce e de S* Ctirlstovam obedeceram á direcção profissional do dlstlocU) engenheiro; a construção das Docas da Alfandega e do Ministério da Agricultura á sua competente fiscalização.

« Essa superioridade profissional comprovada, o elevou á Di- recção da Escola Polytechnica e á Presidência do Conselho Muni- cipal, cargos que renunciou por divergências honrosas para seu caracter; ã Presidência do Instituto Polytechnico, ao Club de Engenharia, ao Instituto Histórico e Qeographido Brasileiro, à Sociedade de Qeographia do Rio Janeiro, á Sociedade Auxilia- dora da Industria Nacional, á Promotora da Instrucção, ãs quaes prestou assiduamente assignalados serviços.

< Eleito Secretario do Congresso Scientifico Latino Ame- ricano, acceitou a difflcil incumbência com o animo de desem- penhada com a sua tradicional actividade ; e tantos sacrificios se impôz para cumprir esse compromisso, que uma grave emfer- midade assaltou-o em meia jornada, vindo a victimal-o ponco tempo depois. Nos louros de seu merecimento enfechou António de Paula Freitas as palmas de martyr do trabalho. Formem ellas o brasão histórico do notável profissional Brasileiro.

O BARiO DO PENEDO

« Afós á homenagem prestada ao distincto professor das ma- thematicas, passo a render o preito de alta veneração ao exímio cultor das sciencias Jurídicas, em cujo foco resplandecente fez brilhar o seu talento de escol.

< O barão do Penedo, Francisco Ignacio de Carvalho Moreira,

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nABoeu a 26 de demnbro de 1815, na então Yilla áo Penedo, Alagoas*

< Bacharelou-Be em direito em S. Paulo, 1837, e voltoa para sua terra natal em visita á sua í^milia. Regressando a S. Paulo, em 1839, ahideposoua Ex. Sr*. D. Carlota Emília de Aguiar de Andrada, pertencente a uma das prinoipaes e mais antigas fomiliasde Santos.

< Vela abrir banca de advogado aqui no Rio de Janeiro, onde em pouco sempre se tornou saliente ao lado de Teiíeira de Freitas, Josino e Caetano Alberto.

< Vencido o movimento revolucionário de 1842, em Itinas e S. Paulo, o Dr. Carvalho Moreira fbi convidado a tomar a' defesa do brigadeiro Tobias de Aguiar, perante o conselho de guerra, assumindo o patrocínio da causa e conseguiu demonstrar a incompetência da Juridiccão militar para processar os revol- tosos vencidos.

< Com Teixeira de Freitas, Josino, Caetano Alberto, Monte- suma, Luiz Fortunato, Souza Pinto e Aquino oreoa a 7 de Agosto de 1813 o Instituto da Ordem dos Advogados ôrazileiros, de que foi eleito presidente em successSo a Montesuma.

' Foi deputado & Assembléa Qeral Legislativa eos seus vastoe conhecimentos Jurídicos e illustraçio litteraria indicaram n*o para vários trabalhos o incumbências, de que se desempenhou de modo brilhante.

O decreto n. 737, de 2? de novembro de 1850, que regulou o processo commercial, o que ainda hoje é considerado um mo- delo de clareza, simplicidade e senso Jurídico, foi em grande parte obra sua. Deve-se-lfae também o regulamento do corpo diplomático em 1851.

«Em 1851, foi nomeado enviado extraordinário e ministro plenipotenciário do Brazil em Washington e em 1854 transferido na mesma qualidade para Londres.

cBm 1858, foi encarregado de uma missão espedal a Roma, para tratar da instituição dos casamentos mixtos e da reforma dós conventos.

«Bm 1860, foi incumbido da organização dos eamiohoS de ferro brasileiros em Londrea.

DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 481

«Boi 1862, deu-ae a questão Christie e o ooasequente rompi-* mento de nonas relações com a Inglaterra, pelo que o Barão do Penedo retirou-se para Paris. Reatadas as relações, voltou para Londres e obteve então a mais alta distinoção que um es» trangeiro pôde obter na Inglaterra: foi graduado em Oxford oom o titulo de Dr. , recebendo o grão em grande solennidade conjuntamente com lord Palmerston.

€Bm 1805» desempenhou outra missão espeoial na França para obter o levantamento do embargo opposto ao couraçado Brasileiro Brasil que se construiu em estaleiros franoeses e o governo franoez não queria deixar sabir por estarmos em guerra declarada oom a Republica do Paraguay. Foi em confe- rencia especial com o Imperador Napoleão III que o Barão do Penedo obteve que se esquecessem por um momento as leis de neutralidade em favor do Brasil, deixando sabir o nosso navio de guerra,

«Demittido pelo ministério Zaoharias, em 1876, foi rein- tegrado pelo ministério Rio Branco, em 1871,

€Goube-lhe então a segunda missão a Roma, muito conhecida pela controvérsia levantada a propósito da bulia papal gesta sua laudantur^ em que Pio IX mostra va-se pouco satisfeito oom o procedimento do Bispo de Pernambuco D, Vital.

€Foi exonerado pelo Governo Provisório, por decreto de 7 de Dezembro de 1889, por haver declarado não querer continuar a servir, e afinal aposentado no Governo do Marechal Floriano«

«Era grau - cruz das ordens da Rosa do Brazil ; «Christo, de Portugal; Francisco I, de Nápoles;

cGregorio Magno, do Papa, Medgié de 1* classe, na Turquia» Duplo Dra^ da China; e Ernestina de Saxo Coburgo Gotba, e grande dignatario da Legião de Honra.

«Em março de 1850, foi Carvalho Moreira nomeado membro da commissão encarregada de organizar o Regulamento do Co« digo do Commercio, que se compunha de Josó Clemente Pereira,

fNabuco, Caetano Alberto e Barão de Mauã.

€Na distribuição da tarefa, coube aos três advogados, Nabuoo, Caetano Alberto e Carvalho Moreira preparares seus respectivos trabalhos com relação á matéria contida no Código CommerciaJ 4a!fâ 31 Tomo lxix p. n

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( 1* 2* e parte ), de sorte qae reunidos formassem um projecto completo de regulamento que, foi o decreto n. 737, de 25 de no- vembro.

« Por indica^^o de Nabaco, foi Carvalho Moreira eoeclusiva^ mente encarregado da redac^ de todo o trabalho, convindo qne fosse um o redactor do Regulamento para haver identidade de linguagem e de estylo na redac^o.

« São estes os traços dominantes d*es8a brilhante existência de quasi um século de alto saber e de fecundo esforço pela grandeza da Pátria !

O VISCONDE DE BARBACENA

« Quando em 28 de julho de 1902, o Instituto, desvanecido pela compleiçio privilegiada do seu consócio que dava á Pátria o edificante exemplo do uma existência de um século, resolveu celebrar o seu centenário, foi o obscuro companheiro que vos dirige a palavra o encarregado do dirigir-lho om seu nome, a saudação que aqui se acha, e que oíferoço om appenso para publicação om sua « Revista »•

« Desde o seu Inicio de vida na Europa, até o de sua carreira militar na Bahia, onde nascera, e onde presenciara o sacriflcio de seu tio o Coronel Felisberto Gomes Caldeira pelos < Peri- quitos » desde a sua carreira diplomática em Londres, onde as- sistiu a coroação do Jorge IV o velo ao Brasil negociar o re<:o- nhecimento da Independência e a abolição do trafico de escravos atò suas múltiplas empresas industriaes, tudo se acha ahi syn- thetisado e pode servir do base a sua historia.

« O Visconde de Barbacena (Felisberto Caldeira Brant, nas- ceu na capital da Bahia a 20 de Julho de 1802 e era filho do Qencral Marquez do Barbacena, cujo nome está ligado a alguns dos factos mais importantes da nossa histora constitucional.

< Depois de uma viagem com seu pae pela Inglaterra (1818 a 1821) o visconde sentiu-se attrahido pela diplomacia, ondepo* diam ser-lhe de grande auxilio as muitas imolações e o prestigio que seu pai conquistara.

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Por isso depois de regressar de Londres, a primeira vez para occnpar uma cadeira de deputado da Assembléa Bahiana, José Bonifácio de Andrada e Silva, em nome do Príncipe Re- gente, o escolhea para encarregado de Negócios do Brasil Junto ao Governo Inglez.

Deixando do vez a carreira militar seguiu psura Liondrese de voitou em 1833 portador da proposta do um tratado se- creto reconhecendo a independência do Brasil mediante a con- dição de ser cxtincto o traâco de escravos. A proposta não surtia eífeito e como se sabe, foi Lord Staart quem negociou em Lisboa e no Rio de Janeiro o reconhecimento da indepen- denciado nosso paiz. De 1825 a 1827 o Visconde exerceu cargos diplomáticos em Paris, em Londres e em Vienna d'Au8tria e em 1830 de novo voltou ao Brasil, sendo então agracciado por Pedro I com o titulo de Visconde de Barbacena.

Como Secretario da Embaixada de Vienna, em que servia seu pai, auxiliou a delicada missão de negociar as núpcias de D. Maria II com D. Miguel e em 1846 foi como encarregado de Negócios para a Hollanda, onde coliigio dados para a fixação de limites entre a Quyana Inglesa e o Brasil.

« Em 1812 quando morreu seu pai, o Visconde de Barba- cena voltou ao Brasil. Começou assim uma nova phase de sua vida ; a partir de então o fomento do trabalho industrial e agrícola no centro do Brasil foi a meta principal da sua actividade.

< Em 1843, na sua propriedade do Brejo, no distrietode Iguassil, o Visconde de Barbacena iniciou uma das grandes obras de engenharia hydraulica até então existentes no Brasil : a abertura de um canal de seis comportas, na extenfiâo de cerc^ de Icgoa e meia, destinado a ser um grande derivador das aguas do Sapucahy. Da grande empresa a que que se abanlançara arrancou-o porém, cinco annos depois, a sua nomeado para Presidente da província do Rio de Janeiro. Como tal, um dos seus primeiros actos confirmou os sentimentos humanitários que o Visconde manisfestara por occassiSo das negociações en- taboladas entre o Ministro Ganning e José Bonifausio para o re- conhecimento da nossa independência»

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O Visconde não ae conformon oom a existência de homens eseraToe oa regiSo que deria governar e immedlatamente dea ordem para que tomem aprebendidos e postos em liberdade os afirioanos que desembarcavam em Jamjúba, sem cogitar da op- posição violenta que lhe moveram os senhores interessados nesse vergonhoso trafico.

< Ao deixar o governo da província o Visconde voltou as suas vistas para o progresso industrial do pais; em 1850 mandou vir da Inglaterra o hábil engenheiro Carlos Austin, que levantou planta de uma estrada de ferro ligando o Rio de de Janeiro a Belóm e que nessa tentativa foi coadjuvado pelos «ngenheiros Klaush e Daros. Coube ao Visconde de Barbacena a Iniciativa dessa grande via férrea que hoje constitua, com o nome de Estrada de Ferro Central do Brasil, o melhor e maia rico próprio da União.

fiffeotivamente em 1856, coadjuvado pelo Bai^ de Nova Friburgo, elle organizava aqui uma companhia para a cons- trucQão e exploragfio de uma estrada de ferro que partindo de Villa Nova, na margem esquerda do rio Macacu, fosse attingir Nova Friburgo. A estrada construia-se sob sua direcção, foi aberta ao trafego e chama-se hoje < Estrada de Ferro de Oan- tagallo» augmenuMia no seu tronco e ramaes.

Em 1862, sabendo da descoberta da jazida de carvão de pedra nas cabeceiras do rio Tubarão, em Santa Catharina, para alli se dirigio e depois de estudos adquiriu, por compra do Go- verno, duas léguas de terras onde estavam comprebendidas as jasidas dene minério. Mandou vir da Inglaterra dous enge- nheiros, e ao mesmo tempo que procedia ã exploração do terreno, foi levantada a planta paraa construcção de uma linha férrea que ligasse essas jaiidas co ao porto de Imbituba, no Ooeano Atlântico.

< Munido de plantas e documentos, o Visconde de Barbacena partio para Londres, onde organizou a companhia, que con- struio a actual c Estrada de Perro D. Thereza Christina >.

« Foi esta a allocução oom que o saudei em nome do Instituto :

« Sr. Visconde de Barbacena. Um dos phenomenes psyohicos

que mais caracterix&o e mais noUIitão a evolução progressiva

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da Humanidade, ô esse sentimento de espontânea yenera^^ pela velhice ; todos sentem, mesmo os que nSo buscam pers- crutar-lhe a causa, uma religiosa impressão de respeito, um suave recolhimento ao penetrar o âmbito augusto de uma velha oathedral ao contemplar as ameias carcomidas de um velho ediflcio, ci]ga architectura robusta oonsegnio resistir & acção devastadora dos séculos.

« Quando no mais arrojado vôo de conquista, a águia da Córsega consegulo conduzir ató ao sopó das pyramides egypcias as suas legiões ébrias de victoria» aphrase que achou capaz de manter aquelles milhares do ânimos chegados ã ultima tensão de bravura sobrehumana, ao período extremo do heroísmo, foi a contida na sua legendaria proclamação: soldados ! do alto destas pyramides quarenta séculos vos contempião I

€Nessa invocação ã antiguidade secular desses monumentos, o brado genial fazia vibrar na alma dos soldados a aspiração da immortalidade.

« Mas se no prodacto do trabalho humano a acção do tempo imprime esse cunho sagrado que o imp5e ã veneração da pos- teridade, que thesouros de sentida piedade, que culto de fervo- rosa admiração delia não merece um ser humano que oonse- guio resistir ã acção de um século I

« Cem annos de vida, isto ô, cem annos de luta, através das fraquezas ingenitas e naturaes da infanda, através das trans- formações delicadas da adolescência, através das paixOes e dos Ímpetos desvairados da juventude, através dos esforços de- primentes e das lutas extenuantes da idade adulta ,através do de- clínio enfermiço e desalentador da velhice I

« Mas se o íkcto em si de uma longevidade forte vos di- reito, Sr. Visconde, ã veneração dos pósteros, a vossa exis- tência benemérita, cheia de ensinamentos, recommenda-vos ã homenagem da Historia.

« Quando vistes a luz em vosso pátria, ninho de condores, predestinado a todas as glorias e a todas as liberdades, en- saiavão as ténues asas para romper as camadas atmosphericas do regimcm colonial, c^Iguns de seus filhos que se sentião com força de ascender ãs cuibiadas luminosas de sua independência.

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«Destas 08 doas mais estrénuos, os qae com o angélico prote- ge martyr formavão o triumrirato da tragedia horoica, preear- « sora de nossa autonomia e de nossa liberdade, forão por vosso « venerando pai alentadoa nas agruras do seu exílio de Angola ; dessa approzímaçSo do joven militar com os inconíiientes Joí«é « Alves Maciel e Francisco de Paula Freire de Andrade originou- « S9 a orientação liberal que foi o traço característico de sua « benemérita existência.

« Desde entio a sua valida iadividualidade ci vioa acentuou-se « em toda a evolu^o económica e politica da nossa pátria.

A industria extractiva nâo bastava á|expansão da flo- « rescente colónia ; a agricultura reclamava seus direitos prefe- re reaoiaes; pois bem ; ó a Felisberto Caldeira Bi-ant Pontes que « cabe a primazia da introducçâo da canna de Cayenna e da ma- china com que se monta o engenho de Iguassú, dando grande « impulso & principal industria agrícola da época: Jenner descobre « a prophylaxia da lympha vacoinica contra as devastações da varíola; ô Felisberto quem a introduz em seu paiz,preservando « milhares de ozistencias; reclama-se a navegaç&o a vapor na ca- « botagcm da metrópole ; 6 Felisberto quem inaugura a linha de « navegação do Cachoeira ; o vâs que éreis o seu primogeoito re- cebieis, conjunctamente com a primeira inoculação vacoinica, o influxo hereditário dos grandes commettimentos.

« Graves questões se agitam e entre ellas a do reconheei- mento pelo Govorno inglez de nossa independência: e ainda em plena juventude assumis a gloriosa responsabilidade de estabe- lecer a extincçfio do trafico dos escravos, como condição desse « reconhecimento, o que vos constituo no caracter de precursor « da mais gloriosa conquista de nossa vida politica.

« Mas o traço especifico de vossa proficua exsstencia é essa « actividade indefessa,ó esse culto arraigado do trabalho que re- « siste a todos os embates da adversidade, a todas as transmuta- « ções do meio, atô a acção alquebradora da longevidade.

Em minha longa peregrinação pelo vasto território da « nossa pátria, encontro o vosso nome ligado aos mais variados « emprehendimentos: desde a exploração das lavras em Minas Geraos, até a fiação publica do Rio de Janeiro, desde os aooo-

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« teoimentos políticos da Independência na Bahia até a oon* « struoQão da Estrada de Ferro Thereza Ghristina em Santa Catharína» o vosso nome 6 proferido como factor benemérito « do nossa vida económica e do nosso progresso,

« No estrangeiro mais do uma vez vistes transferir-se em « frontes régias a coroa de Inglaterra. Acompanhastes em seu « êxodo a dynastia de Bragança fugitiva em nossa Pátria, que « encontrastes envolta ainda nas ÍJaixas coloniaes, onvistes o « brado alviçareiro de sua Independência, testemunhastes todos « os acontecimentos dos dous Impérios, dos qnaes nm percorreu « um cyclo semisecular e acompauhais em plena actividade « civica as evoluções de sua vida republicana. Sois pois, neste « momento, a historia viva de um sedo de vida de nossa Pátria.

«O Institato Histórico e Oeographico Brasileiro cumpre, « portanto, um grato dover trazendo<-vos, pelo mais obscuro «de seus consócios, esta singela saudaoSo. Não é a vossa < biographia que elle emprehende neste momento, nSo» vossa « vida continua, e enquanto a vossa robusta velhice subsistir, « prosegae a vossa historia. Bsta não pode ser fraccionaria: ha « de ser integra. Mas o acontecimento faustoso do vosso cen- « tenarlo n£o podia prescindir desta espontânea manifestação, « e o seu valor avulta quando a par deste punhado de louros «que a Historia, por seu intermédio, esparge sobre vosea « fronte, a vossa consagrando civica é celebrada pela saudação « da Pátria que vos traz o seu primeiro magistrado, pelas « bênçãos do Côo que vos traz o Príncipe da Igreja.

«Gratas e propicias devem ser para vossa alma essas « caricias ideaes.

«Como o philosopho grego, podeis dizer em (kce das « quatro gerações que vos'succedem, nihU hàbeo quod aeeusem « senectutem, conceito que mereceu de Cícero o epitheto de «sábio, ou, paraphraseando o grande legislador de Athenas, « quando preconisava a utilidade da velhice, senescere se m « diem adscentem, podeis inscrever no brazão que vos legaram « os heróicos antepassados synthetisando a vossa gloriosa vida « e um sdoolo de trabalho, protesto solemne contra a ii^uria < irrogada A raga latina, esta Justa divisas nnêiarê lábarando

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O VISCONDE RODRIGUES DE OUYEIRA

«Camprindo o derer de saldar o compromisso assumido para oom seus consócios, o lustitulo ooasigna o seu voto de piedosa lembrança ao extincto soeio Visconde Rodrignes de Oliveira, qne Ibi simnlianeamente nm financeiro, um commerciante il- Instre e nmoaTalheiro da mais requintada gentlleia.

Lais Rodrigues de Oliyeira (Visconde de Rodrigues de OliTelra) nasceu na cidade de Rio Qrande do Sul a S5 de ja- neiro de 1838.

Aos 13 annos segue para Europa onde adquire, na AUe- manha, solida, e variada instrucg&o.

« Aos 19 annos, regressando á pátria, dedica-ae ao commercio.

« Surgindo a quest&o Ghristie, é dos primeiros ú, alistar-se no corpo de voluntários formado por esta occasi&o.

cEm 1806, voltando á Europa, ejtabelece em Paris uma filial de soa casa commercial do Rio.

c L& demora-se cerca de 18 annos e durante este lougo pe- riodo pode se dizer que nio houve Brasileiro de passagem por Paris que nio firaquentasse o sou ezriptorio ou a sua casa de íkmilia, a todos sempre procurando servir e agradar.

< Innumeros são os moços brazileiros que estudando na Europa o tiveram por correspondente.

« Sempre patriota, procura tornar seu paiz conhecido pela penna e pela palavra, reaiisando conferencias publicando, folhe- tos, organlsando exposições en Paris.

«Le Havre, Beanvais e outras localidades de França.

« Na exposiç&o Internacional de Antuérpia, em 1886, toma parte activíssima como Delegado do Centro de Lavourn e Gom- mercio, de Gampinas. Antes disso, é um dos fundadores da Sooiété d*Btudes Breslliennes » com o Barão de Santa Anna Nery, Pedro Ck>rreia de Arai]go e outros distinctos Brazi- leiros.

« Muito cooperou para iniciar o movimento de immigração italiana para o Brazil e oontam-se ás dezenas de milhares os colonos por elle enviados a nossa pátria.

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« Viyendo na rodadoa flntiioelios e alto oommeroio proonroa sempre encaminhar para emprezas brasileiras 08 capitaet fran* oezes e deve-se aos seiu esforços a organisa^o da Oompagnie des Chemins de fer Bresiliens » que oonstruio a estrada de ferro de Paranaguá á Curytiba.

« Em 1888 volta ao Brazil e contiatjia a sua yida de traba* Ihador incansável.

« Bstava cooperando para a solução do problema de oonver- sibilidade de nossa moeda, como Director de Bionco Naoial, quando sobreveiaa Republica.

« Ainda permancoeu no Brazil alguns annos comojpreaidenta e director de varias emprezas até 1902, retirando se então para Europa.

De voltou uma ultima vez em 1904, como represeniante de um poderoso grupo financeiro continental, com um projecto de coavers&o do papel moeda, cujas bases est&o estabelecidas num folheto do conhecido economista Edmond Chéry, Pro- jecto de Reforma monetária e de creaçâo de um Banco Emis- sor no Brazil < Era a taxa de 13 dinheiros esterlinols por mil- réis a taxa adoptada nesse projecto, por ter sido a que tinha vigorado durante os últimos quatro annos : mas exactamente nessa occasião, sob o influxo dos repetidos empréstimos ex- ternos, a taxa de 12 foi elevando-se bruscamente para attingir a 18 e o projecto não foi avante.

O credito agrícola também ocoopava o seu espirito luddo e sobre esse assumpto publicou um folheto, entendendo poiem que esse assumpto era dependente da estabilia^^ de nosso meio circulante, sem o qne considerava illusoria a esperança da cre- açâo de um banco de Credito Real com capitães europeus.

« Regressando à Europa ainda não descançou e a morte veiu sorprehendel-o no posto de Presidente de uma nova e brilhante organisa^, a < Chambre de Commerce de TAmórique Latine » cujo fim ora defender e harmonisar quanto possível os inte- resses commerciaes de todas as nações sul-a mericanas nas suas relações com a Europa, tomando cada vez mais conhecidas as suas riquezas, os seus elementos de acção e também as suas ne- cessidades.

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4c A Camará de Commercio da America Latina crooa seu o boletim de propaganda, e o de março de 1906 é em grande parte da lavra do sen presidente que algumas semanas depois, i 6 de maio, a morte vinha sorprehender.

« Cavalheiro de finíssimo trato, typo attrahente de fidalgo, era também um trabalhador incaufavel.

« Além de Presidente da Camará Commercial da America Latina, o Visconde de Rodriguez de Oliveira occnpava em Paris 08 elevados cargos de Vice- Presidente da Chambre Syndicale des Negociants Commissionnaires da Commerce Exterieur > e de Vice-Presidente Honorário da < Sociétó de Geograoliie Com- merciale >de que alias era um dos fundadores.

« Desde 1888 o instituto Histórico e Geographico do Rio de Jaeniro o contava coms um dos seus membros.

« O Brasil o condecorara com o officialato da Rosa e o Por- tugal o agraciara com o titulo de Visconde e a commenda de Villa- viçosa.

MANOEL BARNilBE* MONTEIRO BAENA.

« Filho do tenente-coronel António Ladisl&u Monteiro Baena, nasceu na cidade de Belém, capitai do Pará, e ahi, depois de alguns estudos de humanidades, dedicou-se ao (tinccionalismo publico, aposentando-se depois da proclamação da Republica, no lugar de director geral da secretaria do governo.

< Sócio do Instituto Histórico e Qeographico Brasileiro escreveu:

índice alphabetico da legislação provincial do Pará de 1853 até 1880, comprehendendo os actos o decisões do governo da provinda até 1879 inclusive, Pará, 1880-

•— índice alphabetico da legislação do estado do Para desde 15 de Novembro de 1889 ató 1893, Pará, 1894.

Informações sobre as comarcas da provinda do Pará, or- ganizadas em virtude do aviso circular do Ministorio da Justiça, de 20 de setembro de 1883, Pará 1885.

-^ Relatório apresentado ao governador do estado do Pará pelo lecretariot etc, Belém, 1896 -* Bsto relatório servia de

DISCURSO DO ORADOR OFnCIAL 491

base á mensagem qae o mesmo governador dirigia ao Congresso estadoal.

Relação dos governadores, dos capitães-generaes e jantas governativas do 1804 a 1824, inclasive a janta revoluccionaria repoblicana de 30 de Abril deste anno Inédita.

Relação dos presidentes do Par& de 1824 até 1889 ^ Iné- dita.

Relação dos governadores do Pará no dominio da Repu- blica — Inédita. (Sacramento Blake volume pag. 35 36) .

« Do volume 58 da Revista consta o seguinte:

« Foi proposto em 25 de agosto de 1895 por António Josô « Gomes Brandão» Thomaz Garços Paranhos Montenegrol, Dr. « Castro Carreira o Joaquim Pinto Machado Portella

« Em sessão de 23 de setembro do mesmo anno foi lido o pa- « recer da Commissão de Historiado teor seguinte: Com titulo de « admissão para membro correspondente deste Instituto, Sr. Ma- « noel Baena, paraense maior de 40 annos, solteiro, e director « aposentado da secretaria do Governo do Pará, foram presentes ã «: Commissão três opúsculos impressos intitulados, «Informa- « ções sobre as Camarcas da Previ ncia do Para, organizadas em « virtude do Aviso Circular do Ministério da Justiço, do 20 de Se- « tembro de 1883» Pará 1885; o 2°, «índice alphabetico da Legis- lação Provincial do Pará, de 1854, a 1880, comprehendendo os « actos e decisões do Governo da Provinda atô 1879 inclusive» « e o 3«, índice alphabetico da Legislado do Estado do Pará (15 « de novembro de 1839 a 1893) » : ambos também impressos no « Pará, este em 1894 o aquelle em 1880; e mais três relações no- « minaes manuscriptas: 1<> dos governadores, capitães generaes e « jantas governativas de 1804 a 1824, incluindo a junta revolu- « ccionaria Republicana de 30 de abril desse ultimo anno ; dos « Presidontes desde 1824 a 1889, e finalmente a 3* dos governa- « dores no dominio da Republica.

< Dentre todos estes trabalhos, que revelam boas disposições « do autor p^ra o estudo das cousas praticas, destaca-se o primeiro « pelas minuciosas descripções chorographicas e históricas de todos « os legares daquelle Estado e parecem recommendar suffloiente* « mente o candidato to logar pwa que é proposto. B* eisa a opi*

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« nULo da eomm!fltiu>»que acredita será também a do loatltuto.-» Sala das seasões, em 29 de setembro de 18%.

Jo&o Severlano da Fonseca— Dr. Oesar Augusto Marques-- Américo BrasUiease»

« Em sessão de 3 de noyembro de 1895 foi approvado o parecer da Ck)mmi8sâo de Admiss&o de Sócios e proclamado sócio cor- respondente do Instituto o precitado Manoel Barnabô Monteiro Baena.

< E' este um expreesive diploma de sua capacidade civicat que lhe creon o direito ao respeito da posteridade.

HENRI RAFFARD

Propositalmente reservei as estrophes ílnaes desta elegia modesta, mas piedosa» para commemoraros nomes queridos dos dous mais estrénuos paladinos da nossa phalange, com a preoc- cupação Justa de que neste recinto repercutam elles perpetua- mente, escapando ao olvido sacrílego com que, em regra, o egoísmo humano retribuo os esforços e os sacriflcios dos labo- riosos operários de suas grandezas,

Senhores, quando ha sete annos tive pela primeira yez a honra de occupar esta cadeira, glorificada por antecessores dos maisiUustres nas lettras pátrias, occupavam os primeiros lugares do Instituto, o de Presidente e o de 1<> Secretario, os seus sócios Beneméritos Conselheiro Olegário Herculano de Aquino e Castro e Henri Rafll%rd.

« Sem o mínimo desar para a legião de notáveis que com* põem esta benemérita Instltuiç&o, comprehendia-se logo que eiles não occupavam essas posições culminantes por graciosa indulgência de seus pares, mas que o haviam conquistado por sua idoneidade tanto como por sua indefessa dedicação, e que como o poeta podiam repetir:

« Si je suis à. la peine j*ai droit il Thonneur.

Nessa memoranda sessão magna veiu Henri Raffard acom- panhado de seu velho pae o yelho Cônsul geral da Suissa Eugóne Emiie Raífard, que vinha tomar posse do seu titulo

DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 493

de sócio honorário; pareoia a sua piedade filial que elle conduzia seu pae para a immortalidade.

cNascido nesta cidade a 26 de deiembro(de 1851, descendente de emigrados franoezes, seguiu aos 8 annos para a Europa afim de ílAzer sua educa^^o, tendo permanecido em Genebra e Paris» onde iniciou um curso de scienoiasmathematicas, que n&o con- cluiu por ter ordem de preparar-se para o oommercio, ao qual eflèctiTamente dedicou-se, depois de viajar dois annos na AUe- manha e na Bélgica.

cYoltando ao Braiil» percorreu diversaa províncias, Amdou uma casa commercial em S. Paulo e depois uma usina de assucar e álcool em Gapivary, organisando companhia com sede em Londres, da qual era representante e gerente, e em 1883 i- naugurava o estabelecimento— Vi Ua Raflárd.

«Como insucoesso Jdesse tentamen, foi nomeado GhanoeUer do Cônsul Suiflso nesta Capital, iogar que por duas vezes exerceu interinamente.

«Activo e operoso, publicou diversas obras entre as quaes salientam-se i>t Colonie Suisse de Nova Friburgo A Industria Âssucareira no Rio de Janeiro^ Plano cohnisação de Thereso^ polis e outros,

«O que porém o reoommendou á admiraç&o neste Instituto foi o seu trabalho cufioso: Homens e Cousas do Brazilf publi- cado em sua Revista. BT um estudo de observa^ de ts^Um e de pessoas desde o primeiro império» que ministra um bom repertório de informaoões daqaella epooa.

«Promoveu e acompanhou a publicagoo de volume pu^ blicado em homenagem a D. Pedro 29 após a sua morte, ma- nifestando sua franca dedicação 4 memoria do monaroha liberal do segundo império.

«Despoflou D. BudoxlaMe Toledo, cunhada do nosso extincto pr esidente, de uma illuatre famila de S. Paulo,

«Fálleoea ás portas da indigência, apesar de sua vida verti- ginosamente activa.

«Bste Instituto cumpre um sagrado dever prestando eeta homenagem á memoria daquelle que foi am dos seus operosos sustentáculos.

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O CONSELHEIRO OLEGÁRIO

«iVssim como na Tidaldas naoionalidadofl snrgom seres hu- manos que durante períodos fiynthetisam sua iDfluencia, assim na vida das corporações oollectiras faz-se sentir em determi** nadas épocaa a acçio directora de personalidades que se con- ítadeoa oom a mm própria eustonda. A personalidade superior do Conselheiro Olegário Hèrcnlano de Agoiao •Gasteo osnsea no seio deste Instituto, nos dous últimos lustros de rida social» a acção centrípeta de um foco de systhema planetário. Não a aoçio absorTente do autoerata, mas a acção reg^aladora do pri- mus inter pares, investido pelo consenso da ooliectividade sobe- rana.

«Nascido na cidade de S. Paulo a 30 de março de 1828* filho do Major Thomas de Aquino e Castro, recebeu em 1848, o gráo de bacharel e em 1849 o de doutor em direito pelo Ibcul- dade de S. Paulo.

«Desposou a Exma Sra. D. Genoveva Dias de Toledo, filha do Conselheiro Manoel Dias de Toledo, havendo desse consorcio brilhante prole que lhe sobrevive.

«Abraçando em verdes annos a gloriosa, mas ingrata car- reira da magistratura, exerceu os cargos de promotor publico de S. Paulo (1849), juiz de direitos de Goyaz (1854), de Jagnary» em Minas (1857), de Itapetininga, S. Paulo (1858), da Vara Criminal da Corte (1864;, da 2* Vara Commercial (1866), Desem- bargador da Relação da Corte (1873), Ministro do Supremo Tri- bunal de Justiça (1866), do Supremo Tribunal Federal (1890) Presidente eleito desse Tribunal (1894).

«Exerceu também cargos do administração e mandatos po- líticos, taes como o cargo de Chefe de Policia da Corte, de Presi- dente de Minas Geraes o de deputado por S. Paulo em 1867 e 1878.

«No regimem da monarchia foi investido das fhnoçoes hono- rificas de Camarista Veador e Gentilhomem da Casa Imperial, k qual so havia ligado por amisade pessoal Uo Imperador ; e conde- corado com a Orio Cruz de Christo o a de Villa Viçosa de Por* tugal.

DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 495

< O Conselheiro Olegário reuaia as qualidades de historiador e homem de lettras às de um dos mais notáveis Jnrisoonsultos brasileiros. Os seus trabalhos publicados em avulso ou nas prin- cjpaes Revistas Jurídicas, crearam-lhe uma aura de jurisperito, que lhe sobrevive. O seu trabalho intitulado » Pratica das Cor- reições » é um vasto e solido repositório de toda a legislação, de incalculável utilidade para os jovens magistrados.

« Essas altas qualidades intellectuaesa briram-lhe as portas de grande numero de Associações Scientiâcas, Nacionaes e Estran- geiras, entre as quaes sobrelevam a Sociedade de Geographia de Lisboa, o Atheneu de Lima, e o Instituto Geographico Argentino.

No exercido porém, da Presidência deste Instituto exerceu o Conselheiro Olegário uma missfto especial, tornando-se o seu principal sustentáculo após a mudança do regimen politico de nossa Pátria.

Com pasmosa actividade em sua, aliás robusta, velhice, com um critério que a um velho philosopho do direito ô dado desenvolver em situações delicadas e por vezes embaraçosas, soube o Conselheiro Olegário coujurar diíQculdades e remover embaraços, porventura antepostos á corrente normal da vida económica do Instituto.

E esse inestimável serviço sigoiflca que elle foi o pontifico deste templo modesto, mas que é o tabernáculo qne mantém as taboas sagradas de todas as nossas tradições.

« Observar o culto que n'elle so pratica, é, ideal digno dos mais alevantados espirites. Mas essa observância requer antes de tudo que suas aras não sejam profanadas pelo olvido dos praticantes ou por idolatrias de qualquer espécie e que no recinto augusto de suas naves não so commemore o odor cybaritico das cebolas egypcias, o menos so sacrifique em honra do beserro de ouro.

« assim seremos dignos exactores desse transcendental aspecto da Justiça, ante o qual estacou a concepção genial do philosopho, tomado do sagrada veneração, o poderemos consci- enciosamente exercer esse mais elevado de todos os sacerdócios: a Justiça da Historia».

ÂSSEMBLÉA GERAL EM SI DE NOVEMBRO DE 1906 Presidência do Sr. Marquez de Paranaguá

A*0 3 horas da tarde, na sede social, presentes os Srs. Marquez de Paranaguá, José Francisco da Rocha Pombo, Max Pleinss, De- zembargador Souza Pitanga, Eduardo Marques Peixoto, Conse- lheiro Cândido Luiz Maria de Oliveira, Barão de Alencar, Qeneral Thaumaturgo de Azevedo, Barão de Paranapiacaba, Drs. Alei- biades Furtado, Sebastião de Vasconcellos Galvão, Carlos Lix Kiett, Monsenhor Vicente Lustoza, Alberto de Carvalho, Conse- lheiro João de Camelo Lampreia, Manoel de Oliveira Lima, José Américo dos Santos, Kodcigo Octávio Langard Menezes, Dr. Ma- noel Cicero Peregrino da Silva, Dr. Bernardo Teixeira de Moraes Leite Velho, Clóvis Beviláqua, Dr. Alfredo Nascimento Silva e Dr. Epitacio Pessoa, abre-se a sessão.

O Sr. Presidente saúda o Dr. Clóvis Bevilacqua que pela primeira vez comparece ás sessões do Instituto e, em seguida, declara que se vai proceder ã eleição da Directoria o das Com- missões Permanentes para o anno de 1907, devendo cada sócio apresentar duas chapas, uma com os nomes dos membros da Directoria e outra com os das Commissões Permanentes e designa para escrutadores os Srs. Drs. Manoel Cícero e Alft^edo Nasci- mento.

São recolhidas 23 cédulas.

As cédulas recebidas para constitui^ da Directoria dão o seguinte resultado:

Para Presidente:

Marquez de Paranaguá 22 votos

Cardeal D. Joaquim Arooverde 1 voto

Para 1"* Vioe-Presidente:

ViiConde da Ouro-Pret) 80 votos

Barão Homem de Mello 3 »

4323— 32 ToMJ lxix. p. ii.

498 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Para 29 Vioe-PresideHte:

Barão Homem de Mello 19 Totos

Visconde de Ouro Preto 3 >

Sylvio Roméro 1 voto

Para 3<». VieA-Preeiâenie:

Desembargador Souza Pitanga 2S vQtos

Barão do Alencar 1 voto

Para 1"^ Secretario:

Max Plekiss -22 votos.

Alcibiades Fartado 1 voto

Paki^a 2^ Secretario :

AlcLbia(ie8J'artado 21 votos

Ednardo Marquez Peixoto 1 voto

Dtu Manoel Cioero T >

Para Orador : CoAde de, Affonso Celso 23. votos

Para Thesoareiro :

Commendador Artbur GaímarãQs .... â3 votgs.

\

A' vista do resultado, o Sr. Presidente proclama a seguia te ^

Directoria :

Presidente, Marquez de Paranaguá; Vlce-Presidente. Visconde de Ouro Preto; 2*» Vice-Presideote, BarSo Homem de Mello; Vice- Presidente, Desembargador A. F. de Souza Pi- tanga; 1» Secretario, Max Fleiuss, 2" Secretario Alcibiades Fur- tado; Orador, Conde de Affoaso Celso; Tbesoureiro, Commen- dador Artbur (iuimarães.

O Sr. Presidente agradece a prova d^ apreop quQ acato da receber dos seus illustres consócios e declara, opatar com a va* liosa cooperação de todos para desempenbar a honrosa fnncçSo de que foi investido.

SãQ em seguida apurad^j as cjxagas recebidaa, contendo os > nomeados memlj^ros. escolbidqi) paradas CommisBoes Permanentes

SBSSÃO DA ELEIÇÃO DA MBZA B GOMMISSÕBS 499

e o Sr; Preeideot» proclama eleitos por maioria de Yotos 00 se- gointea:

Commissões Permanentes:

Fandos e Orçamento —Visconde de Oaro-Preto, Conselheiro Tristão de Alencar Araripe, Dr. José Américo dos Santos, Barão de Paranapiacaba e Belisario Pernimbaco:

Estatutos e Redacção— Max Pleluss, Dr. Manoel Cicero, Dr. Alfiredo Nascimento, Conde de Aflfonso Oelso e Arthur Gui-> marães;

Maousoriptus— Conselheiro J. da Costa Barradas, Dr. Felis^ bello Freire, Dr. Rolrigo Octávio, Dr, Manoel Álvaro de Sonsa Viannae Eduardo Marques Peixoto.

Historia^ Visconde de Oaro Preto, Dr. Leite Velho^ Conse- lheiro Cândido de Oliveira, Sylvio Romèro e Capistrano de Abreu;

Geographia— Barão Homem de Mello. J. P. Rocha Pombo, Conselheiro Salvador Pires de Carvalho Albuquerque, Conse- lheiro J. M. F. Pereira de Barros, e General Dr. Gregório Thau- maturgo de Aze vedo.

Archeologia e ethnographia : Dr. Epitacio Pessoa, Dr. J. Barbosa Rodrigues, Dr. Alcibíades Furtado, Desembargador A. F. de Souza Pitanga e Conselheiro João Alfredo.

Admissão de Sócios Barão de Alencar, Conde de Affonso Celso, Dr. Miguel de Carvalho, Dr. Manoel Cicero e Dr. Leo- poldo de Bulhões.

O Sr. Fleluss pede a palavra e apresenta a seguinte pro- posta, que ô unanimemente approvada:

«De conformidade com o que estabelece o art. 12 dos Es- tatutos approvados pela Assembléa Geral de 9 e 16 de abril do corrente anno, propomos sejam elevados a beneméritos os se- guintes sócios honorários, que estão nas condições de merecer semelhante prova de nossa estima e consideração :

Barão de Capanema, admittido em 19 de outubro de 1848;

José Maurício Fernandes Pereira de Barros, admittido em 19 de setembro de 1856;

Barão Homem de Mello, admittido em 3 de junho de 1859;

Barão Ribeiro de Almeida, admittido em 11 de dezembro de 1866;

500 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

Barfto do Rio-Branoo» admiltido 7 de novembro de 1867;

Joaquim Pires Machado Portella, admittido em 17 de junho de 1870.

Thomaz Garcez de Paranbos Montenegro, admittido em IO de maio de 1878.

Sala das aessSes do loatituto Historioo e Oeographico Braxi- leiro, em 21 de novembro de 1906.— Max FMus.-^ Alcibiades Feriado.— A. F. de Souza Pitanga.^ M. de Oltveira Lima.— Barão de Paranapiacaba . Rodrigo Octávio, Monsenhor Vi» cente lAnioza.-^ ÂXberio de Carvalho. Bocha Powbo.^^ Sdw ardo Marques Peixoto,-^ João de Sd Camello Lampreia,-^ B. T. de Morae» Leite Velho,— EpUacio Pe$soa,>

Levanta-ie a sessão ás 4 horas da tarde.

Db. Alfmdo Nasoimbnto.

Escrutado r.

\

AN NEXO

CADASTRO DOS SÓCIOS

INSTITUTO HISTOBIGO E (lEOGRAPHICO BBÃZILEIRO

EM 15 DE JULHO DE 1908

Organizado il« inteira conformidade com o art. 79 dos Bstatntoi de 16 de abril de 1906

Fresidôatôs houorarlei

Conde d'Ea

D. Miguel Juar'z Celman

Dr. ManoeL Ferraz de Cam- pos Salles..

General D. Jolio A. Roca

Dr. Francisoo de Paula Rodrigues AlTes

Dr. Affonso Augusto Mo- reira Penna

DATA DA ADMISSÃO

16 de set de 1864.... 13 de » de 1883....

12 de maio de 1809... 7 de julho de 1899. .

6 de dez. de 1902. 17 de ont. de 19a7.,.

RBSIDBNGIA

França.

Republica Ar- gentina.

São Paulo. Republica gentina.

Ar-

São Paulo. Rio de Janeiro.

Soolos Beiíomerites (em numero de 10)

1

2 3

4

5 6 7 8 9 10

Barão de Capanema

Barão Homem de Mello. .• Barão do Rio-Branco .... Thomaz Garcez de Pa- ranhos Montenegro...,

18 de out. de 1848... 8 do junho de 1859... 7 de nov. de 1867..,

10 da maio de 1878...

Rio de Janeiro. » » » » » »

Bahia.

504 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

S00I08 honorários (em numero de 50)

DATA DA ADMISSÃO

Eslanisláo C. Zehallos*.. 7 de d-z. de 1883..

15

16

17 18

19

20 21

22

23 21 25 20 27 28

Conselheiro João Airrv.>do Corroa de Oliveira

Marquez de Paranafi^aà.. .

D. Pedro Augusto de Saxo Coburgo

Barão de Alenoâr

H(>nriqae Moreno

Conselheiro Joaõ Francisoô Diana

Norberto Qairno Costa '

19 31

2 13 13

13

out. de 18S7... agosto de 1888.

» de 18S9

eet. de 1S89..

» de 188J..

17 »

Blas Vidal

Manoel Villamil Blanco *.

Guilherme A. St^oane

D. Carlos Luiz d'Amour..

Cardeal D. Marino Ram- polla dei Tindaro*

Almirante Auc^iisto de Cas- tilho Barreto de No- ronha •

D* Jeronymo Thomó da Silva

D. 'Francisco do R go Maia

Adrien de Ocrlache*.

Cardeal D. Joaiuim Arco- Torde

Conselheiro João de Oli- veira Sá Camelo Lam- preia

Cardeal D Jeronymo Maia Gotti*

Almirante Francisco Joa- quim Ferreira do Ama- ral •

Conselheiro Manoel Antó- nio Duarte du Azevedo. .

Dr. Jayme Constantino de Freitas Muniz * ».

General Francisco Maria da (>iinha*

D. Pedro de Ortean» e Bra^^inça

Dr. ALredo Eu;;euio de Alm.ida Maia

Dr. Joaquim Du^irte Mar- tinho ,.^^,

Barão de ,1a Biifi-e.*.. ^. ... ,

29

29

22

9

19 25

?5

28

31

15 14

27 10

RESIDÊNCIA

10 10

112

de 1889..

de 1889..

noT. lie 1889.

» de 1889.

maio de 189U.

doz. <íel892..

abril di 1893.

julho de 1896..

» de 1897..

» dl8:)7.. out. de 1897...

» de 1897...

maio de 1898.. out. de 1898...

nov. de 1898..

out. de 1899...

nov. de 1899...

abril de 1900..

junho de 19c)0..

a-O^to de 1900.

» de 1900. pui, d-' .1900'

Republica Ar- gentina.

Rij de Janeiro.

Áustria.

Rto do Janeiro.

Itália.

Rio Grande do do Sul.

Republica Ar- gentina.

Uruguay.

Chile.

Peru.

Ma tio Grosso.

Itália.

Portugal.

Bahia.

Itália. Bélgica.

Rio de Janeiro.

Portugal. Itália.

Portugal.

São Paulo.

Portugal.

»

França.

São Paulo.

Rio de Janeiro. Hespanha.

CADASTRO POS SOCIO5

505

29 30 31 32

33 34 35 36 37

38

39

40 41

42

43 44 45 4rt

47 48 49 50

Visconde de Oaro Preto.

Dr. Emílio Aaeusto Goeldi*

Eduardo Mailer *

Dr. Epitacio da Silva Pessoa

Dr. Manoel B. Otero

Dr. Susviela Onarch*

Dr. Sabino Barroso Júnior

Anselmo Héria Riquielme *

Barão Ernest de Hess War- tegg

General Adriano Augusto de Pina Vidal

Alberto dos Santos Da- mont

Duoue dos Âbmzzos

D. liUiz de Orleans e Bra- gança

Dr. Manoel de M Ho doso Barata

Barão de Muritiba. . .

Manoel Estrada Cabrera

Dr. José Joaquim Seabra.

Dr. José Leopoldo de Bu- lhões Jardim

D. João Braga

D. Júlio Tonti *...

D. José Joaquim Vidra..

Conselheiro Augusto 01 ym- pio Gomes de Castro...

Gar

DATA DA ADMISSÃO

9 10 10

27

29 »

29 »

2 do

8 »

25 21

11

18

nov. de 1900.

dez. de 1900.

de IHOO.

março de 1901 maio 1901 » d^> 1901. maio de ir02 . agosto de ir02

junho de 1903.

agosto de 1903

set. de 1903. » de 1903.

ABSIDBNCIA

6 » nov. de 1903.

20 12 26 28

28

21

30

6

maio de 1904.

agosto do 1904

» de 1904

abril de 1905.

» de 1905. julho del905. abril de 1906. maio de 1907.

13 » maio de 1908

Rio de Janeiro. Suissa .

Rio de Janeiro. Uruguay.

Rio de Janeiro, ehile.

Allemanha.

Portugal.

França, Itália.

Fráàça.

Pará. França. Guatemala. Rio de Janeiro.

Petrópolis.

Portugal.

Ceará.

Rio de Janeiro.

Sooios effootlros (exn numero de 50)

maz do .Amaral

Dr* Benjamin Franklin

Ramiz Galvão

Dr. João Barbosa Rodri- gues

Barão de Telfé

Almirante José Cândido

Guillobel

João Capistrano de Abreu. Visconde de Ibituruna .... Dr. Arthur Índio do Bra-

zil e Silva Comraendador José Luiz

Alves

Dr. Alfredo do Nascimen

to Silva

Arthur Sauer * ••

10

»

out. de 1851..

Rio do Janeiro

16

»

agosto de 1872

»

»

»

29 27

spt. 1878.. out. 1882

» »

24 19 13

»

nov. de 1882.. out. de 1887. julho de 1888.

»

»

31

»

agosto de 1888

»

»

31

»

» de 1888

»

»

12 19

»

dez. Je 1890.. junho de 1391.

506

REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO

12

13 14

r.

Ki

17 18

19

20

21

22

23

24

25

26 27

28 29

30

31

32

33 34 35

36

37 38

49 40 41

42

2>ATA DA ADMISalo

Luís Rodolpho Cavalcante de Albuquerque

Conde de Ailonso Col.so...

Dr. Tr stão de Alencar Araripc Júnior

Dr. Evaristo \un« s Pire-

Dr. Francisco Baptista Marques Pinheiro * ...

Dr. Amaro Cavalcanti...

Dr. Paulino José Soar et de Souza

Dr. Manoel Álvaro de Souza Vianna

Coronel Dr* Inaocncio StTzedello Corroa

Dr. José Âmorico dos San- tos

Dr, Miguel Joaquim Ri beiíu de Carvalho

General Diony^io E. de Castro C 'rqueira . . ,

Desembargador António F. de Souza Pitanga.

José Francisco da Rocha Pombo

Max Fioiuss

Gen ral Dr.Gr gori > Thau matur^o de Azevedo...

OrvilleAlalbert Derby»..

Comm.indante Carlos Vidal de 01 yeira Freitas

Dr. Rodrigo Octávio de L. Menezes

Major Belisario Pernam- buco

Dr. Pedro Augusto Car-t neiro Les^a

Dr. Sylvio Roméro

Conselheiro Ruy Barbosa

Desembargador Salvador Pires d C. e Albuquer- que

Dr. Bernardo Tí»ixeira de Mora '8 Leite Velho *.... 2A

Dr. Euclydes da Cunha... 24

Monsenhor Vicente F. Lus tosa de Lima 19

Dr. Alberto de Carvalho. 18

Eduardo Marques Pt^xoto 23

Comnel Jesuino da Silva Mello 23

Conselheiro Cândido Luis Maria de Oliveira 17

23 2

30 31

11

6

10 12

3 3

17 26

> set. de 199?.

» des. de 1892..

» junho de 1893.

» março de 1895

» agosto de 18^

» dez. de 1897

» junho de 1898

» out. de 1899.

» des. de 1899.

» » de 1899..

» > de 1899.

» abril de 1900.

» agasto de 1900

» » de 1900 » » de 1900

26 >

26 .

23 »

23 »

23 »

23 »

» de 1900 out. de 1900..

» de 1900..

> de 1900..

agosto de 1901

c de 1901

» de 1901

maio de 1902..

13 » junho de 1902.

» abril de 1903.

» » de 1903.

» junho de 1903.

» set. de 1903..

» out. (ie 1903.

» » de 1903.

» junho de 1904.

RBSIDBlfClA

Rio de Janeiro.

» » »

» » »

Petrópolis. .

Rio de Janeiro.

» » » » » » » » » » » »

Nitheroy.

Rio de Janeiro.

» » » » » »

» » »

» » »

» » »

» » »

CADASTRO DOS 80006

607

>^

s

NOMBS

DATA DA ADMISSXO

BB8IDXNCU

43

Commendador Arthur Fer-

reira Maoluido Guima-

» » »

rães

9 » dez.de 19Ô4..

» » »

44

Dr. Alcibíades Furtado.,.

17 » julho <ití 1905.

45

Dr. Manoel Cícero Pere-

» » >

grino da Silva

21 » > do 1905.

46

Barão de Paranapiacaba.

21.de julho de 1905.

Rio de Janeiro.

47

Dr. Joaquim Xavier da

Silveira Júnior

4 » daz.de 1905.. 15 » out. de 1906

» > »

48

Dr. Clóvis B«TÍla<|Ba

» » »

49

Dr. Aupusto Olvmpio Vi-

veiros 4e Castro ,

20 » maio de 1907.

« » »

50

Dr. José Carlos Rodrigues

40 » junho de 1907.

» » •»

Soolot oorresponde&tai (om niaiefo 'Ae 100)

10

11

12 13

14

15

16

17

18 19

20 21

Barão de Guajará . . « . Vicente Q. Quesada*.

Dr. José António de Aze- vedo Castro

Pedro "Weiicesláo de Brito Aranha

Dr. Francisco Augusto Pe- reira da Costa

António Ribeiro de Ma- cedo

José Veríssimo do Mattos.

Dr. Virgílio Martins de M lio Franco

Aníbal EcheverrLa y R0Í8*

Bouquet de la Grye *

Alexandre Soroado *

Constantino Bannen *,,,,

Dr. Rodolpbo Marcos Theophilo ,

Dr. Brasilio Augusto Ma- chado de Oliveira

Dr. Felisbello Firmo de Oliveira Freire

João Damasceno Vieira Fernandes

João Baj)tÍ!Ua Perdigão de Oliveira

Arturo de Lóon

Argemiro António da Sil- veira

Barão de Studart

Dr. António O^yntho dos Sftntos Piras

8 de nov. de 1866. 7 » dez. de 1883..

24

7

9

19 16

julho de 1885,

agosto do 1885

dez. de 1886..

out. de 1887. nov. de 1887..

31 » agosto de 1888

out. do 1889..

» de 1889..

mov. de 1889.

25 25 29

29

11

12

2Cy

21

19 3

25

20

> de 1889. . julho de 1890. set. de 1890..

» de 1890.. eut. de

» junho de 1890,

» » de 1891.

» let. de* 1891..

» naio de 1892.

4 » maio de 1894; Rio de Jauieivo,

Pará.

Republioa Ar- gentina.

Inglaterra.

Portugal.

Pernambuco.

Paraná.

Kio de Janeiro.

Minas Geraos.

Chile. França.

Republica Ar- gentina. Chile.

Ceará.

Sfto Paulo.

Rio de Janeiro.

Bahia.

Ceará . Uruguay.

São Paulo. Ceará.

508

REVISTA DO INSTITDTO HISTÓRICO

s

NOXBS

DATA DA ADMISSÃO

ItBaiDBNClA

Z2

23

24 25

Dr. António Martina de AieTedo Pimentel

Chriatiano Frederico Sey- bold

João Lúcio do AzeTodo. . . .

Gabriel do Monte Perei- ra *

1 1

31

31 11

2)

20

16

27

8

22

13 13

19

9 15

10

24

8

3

3

28

26

10

9 ?3 23

83 23

23

18

>

» »

»

»

»

»

» »

»

»

» » »

»

junho de 1894

> de 1894 março de 1895

» de 1895 agosto de 1895

» de 1895

out. de 1895..

agosto de 1896

set. de 1896.. noT. de 1896..

» de 1896..

dez. de 1896.. junho de 1897.

•et. de 1897..

dez. de 1898.. set. do 1899. nov. de 1899..

» de 1899. . dez, de 1899..

» de 1900 * del900

6et. de 1900..

out. de 1900..

dez. do 1900.

agosto de 1901 » de 1901 » de 1901

» de 1901 » de 1901

» de 1901 ont. de 1901.

Minas Qeraes.

Allemanha. Portugal.

Portugal. Bélgica.

RÃn Pftulo.

26 17

Manoel de Oliveira Lima. .

Dr. Gincinato Gesar da

Silya Braga

28

Raymnndo Cyriaco Alves da Cunha.. •• «....

Pará.

29

Henriqne Marques de San- ta Roaa

9

90 31 32

Dr. Joaauim Aurélio Na-

buco de Aranjo

José Glementino Soto *. . . .

Padre Raphael Maria Ga- lanti *

Estados Unidos. Republica Ar- gentina.

Rio de Janeiro.

33

André Peixoto de Lacerda Werneck

» > »

34 35

Tancredo do Amaral

D. Joaquim Silvério de Sou^sa ••.•

São Paulo. MinAS Geraes.

36

Dr. Adelino Augusto de Luna Freire

Pernambuco.

37 38 39

Padre Júlio Maria

Coronel Honório Lima . . . Dr. António Zeferino Cân- dido •

Rio de Janeiro.

Portugal. Republica Ar- gentina.

Africa.

40 41

Adolpho Saldias *

José António Ismael Gra- cias

42

Philoteio Pereira de An- drade *

\sla.

43

D. Francisco Boílanil y Sanz*

Hespanha. Pernambuco.

44

Dr. Sebastião de Vascon- cellos Galvão

45

Ermclino Agostinho de Leão

Paraná.

46

Dr. António Augusto de Lima

Minas Geraes.

47 48

Alfredo Roínario Martins. Cândido Costa

Paraná. Espirito Santo.

São Paulo.

49

Dr. João Mendes de Al- meida Júnior ,

50 51

!i2

Dr. Nolson deSenna..*.. Sebastião Paraná de

Souto Maior < .

Horácio de Carvalho

Minas Geraea.

Paraná. São Paulo.

CADASTRO DOS SOaOS

509

.N0MB8

53

54

55 5'^ 57

58

59

00 61 62

63 64 65

66

67

68 69

70 71

72

73 74

75

7G

77

78 79 80 81

S2 83 84

85

José Vieira Couto de Ma- galhães

Dr. Aífonso Ari nos de Mello Franco

Dp. Alfredo de Toledo..

Carlos Lix Klelt

Ernesto Quaxada *

87

DATA DA ADMISSÃO

18 deont . de 1901.

Dr. Manoel Ferreira Qat cia R dondo

Dr. Martim Francisco Ri- beiro de Aiidrada

Dr, Theoloro Sampaio..

D. Manoel Amunategui *

D, Emílio HodriguezMon doca *

Anselmo de Andrade.*. ••

Dr, Albino AWes Filho..

Dr. Jo>é Manoel Cardoso de Oliveira

Dr. Augusto de Siqueira Cardoso

Laureano de Figuerola *. .

Coronel Ernesto Sonna...

Dr. José Maria Pereira de Lima *

Victor Ribeiro* ,

Visconde de Sanches de Baena *

Franciíico de Campos An- drade

José Feliciano de Oli- veira

Dr. Vicente Ferrer de Bar- ros AVanderley e Araújo

Alberto Pimentel *..

Dr. Allredo Ferreira de Carvalho

Dr. Luiz Gonzaga da Silva Leme

José Jacintho Ribeiro

Bernardo Horta d ; Araújo

Dr. João Pandiá Calo^reras

Dr. Joaquim Nogueira Pa- ranaguá...

Dr, Diogo de Vasconcellos

Dr.José Pereira Rego Fiiho

Dr* Bernardino Luiz Ma chado Guimarães *•••..

D. Daniel Garcia Acevedo*

Dr. Arthur Orlando da Silva

Gonçalo de Quezada * .

de de do de

1901. 1901. li'01. 1901.

30 » maio do 190E.

24

24

6

6

8

22

22

25 24 11

11 U

11

out.

» . dez.

do 1902. de 19J2 de 1902.

&BSIDENCIA

S. Paulo.

Rio de Janeiro. Republica Ar- gentina .

São Paulo.

Bahia . Chile.

» de 1902..

maio de 1903.

» de 1903.

> de 1903.

junho de 1903 julho do 1903. set. de 1903..

» de 1903. . » de 1903..

» de 1903..

4 » dez. de 1903., 19 » fov. de 1904.,

3 23

21 4

18 18

24

4

«5

9 3

8 8

junho de 1904. » de 1904.

julho de 1905.

» de 1905,

agosto de 1905

set. do 1905..

» de 1905..

dcz.de 1905..

» de 1905..

junho de i90d<

julho de 1906. set. de 1906..

out

de 1906.. de 1906.

Portugal. Minas Gcraes.

Petrópolis.

São Paulo. Hespanha. Rio do Janeiro.

Portugal.

São Paulo.

Pernambuco. Porlugal.

Pornambuco.

São Paulo.

Rio de Janeiro. Minas Geraes.

Piauhy. Minas Goraes. Rio do Janeiro.

Portugal. Uruguay.

Pernambuco. Cuba,

510

RBvisTA DO iNanrroTO histórico

i

N0MB8

DATA DA ADMIsalo

RBIIDBNGIA

88 89

Dr.Adolpho Autrusto Pinto

Dr. Paulo Ehrenreich».. .

Dr. Gastão Ruch Stnrzo-

necker

> maft» de 1907. 20 > » da<9M

29 » julho do. 1907.

29 » » de 1907.

16 » set, de 1907.. 16 > » de 1907..

30 de aat. de 1907.. 30 » » del907«

São Paulo. Allemaiiha.

Rio de JaneoMi*^

9i

Paulo Barreto

92

Dr. Augusto Tayares de Lyra ••••..

» » »

93 94 95 96

Dr. Vincenzo Groisi *

Dr. António Jansen do Paço Dr . João LuíE Alves

Itália.

Rio de Janeiro.

Minas GeraeSf

97

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9S

9^)

100

;,.

Soolos bemfeitofes

1

Dr. Domingos José No-

iíueira Ja^ruaribe

7

de

dez. de 1883..

São Paulo.

2

Conde de Fiurueiredo

Cândido Gailré

í

agosto de 189t>

Rio do Janeiro.

3

sot. de 1890. .

4

António José Dias de Cas-

» » »

tro

28 5

nov. de 1890. dez. do 1890..

» » »

5

Conde de Leopoldina

» » »

6

Luiz JosJ Lee )q do Oli-

veira

5

» de 1890..

» > »

7

Coiimendador Tobias Lau-

ri.tno FÍL'U"ira de Mello Barão de Quartim

12

» de 1890..

» » »

8

6

março de 1891

» » »

9

Luiz Augusto da Silva Ga-

ne lo* •..

6

» de 1891

Portugal.

10

Ha ')e Mendes Tota....

3

abril do 1891.

Rio de Janeiro.

11

Visconde de Moraes *...

3

» de 1891,

» » >

12

Manoel José da Fonseca*.

28

agosto de 1891

» > »

13

José Joaquim da França

Juni' ir

9 4

out. do 1891.. dez. do 1.^91 . .

» > »

14

í.uiz Ribeiro Gomes

» » »

15

Coiiim nd i«lor Luiz AWe^

Ha silva Porto

17 17

out. íle 1897.. » de 1897..

» » » *

U\

Luiz M-rtiui tio Auiaral.

» » »

17

Vitcondi' de Thayde'. ...

7

julho do 181Í9.

Portugal.

O siirnal * indica <xue o sócio ô estrangeiro.

Secretaria do Instituto Histórico o Geographico Brasileiro, 15 de

julho de 1908.

O chefe,

Lafayett€ Caetano da Silva

índice

Matérias contidas no Tomo LXIX da Revista

PARTE SEGUNDA

Pags.

Da Independência á Republica, pelo Dr. Euclydes da Cunha 7

O Duqae de Caxias, por J. Capistrano de Abrea 75

Jalias Meili e a NnmÍBmatica Brazileira, pelo Dr. Alfredo de

Carvalho 95

O Brazil Social, pelo Dr. Syivio Romero 105

A Capitania do Camutá, pelo Dr. Manoel de Mello Cardoso

Barata 183

Reflexões sobre o Conceito da Historia, pelo Dr. Pedro Augusto

Carneiro Lessa 195

Actas das Sessões de 1906 287

Sessão Magna Annivorsaria 447

Discurso do oralor, Desem' argador A. F. de Souza Pitanga. 465

Annexo ~ Cadastro dos sócios, em 15 de Julho de 1908 . . . 501

4328 Rio do Janeiro laiprenga Nadonal 1908

1

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