LIBRARY OF PRINCETON

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JÜN 1 O 2004 j

THEOLOGICAL SEÍvlINARY

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Revista gregoriana.

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D CIHILO FOLCH GOMES O S B

A Natividade de Maria 2

Servido de S. Pedro Damião sôbre a

Natividade de Maria 5

Falando de Liturgia

Porque então? 14

A Ordem dos músicos interfere

na Liturgia 18

Concurso de Arezzo 22

Discos em Revista 24

Esclarecimentos Pedidos 27

Brasil Ward 27

Crônicas Radiofônicas

Santa Filomena O Pão da Vida Jeanne S. Pedro Pescador Para o 7.° Domingo depois de Pentecostes 36

ANO VIII o - Agosto 1961

REVISTA

GREGORIANA

(Reg. n.° 864)

(Edição portuguesa da Revue Grégorienne de Solesmes Diretores: D. J. Gajard e A. Le Guennant)

Sagrada Escritura Canto Gregoriano Liturgia Espiritualidade,

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escola superior de cateques

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Botafogo GB. ZC.(«

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NATIVIDADE DE MAMA

Momento silencioso, mas culminante, na história dos séculos, dos milênios, a natividade de Maria.

Quantos se terão apercebido que chegávamos à “pleni- tude dos tempos”, ao raiar da era messiânica?

Terminava a longa série das preparações divinas, pois nascia em nossa terra uma criatura “cheia de graça”, al- guém que resumia e encarnava em gráu sublime tôda a obra de purificação moral suscitada por Deus nas grandes figuras de Israel e da humanidade inteira.

Deus quisera que o seu Verbo descesse ao mundo no dia que correspondesse ao amadurecimento de uma expec- tativa e de uma preparação. E se é verdade que o curso dos séculos acumulava no gênero humano uma experiência an- tes negativa, de pecado e de indigência (“todos pecaram e carecem da glória de Deus”: Rom. 3,23), também é verda- de que a Providência pontilhava a história com as inter- venções de sua graça, ensinando muitos corações a deseja- rem ardentemente a descida do Justo.

Na alma de Maria concentra-se, como num ponto, tôda essa obra sobrenatural da Providência. A Virgem se mos- trará a depositária eminente da fé, do amor e da esperança dos patriarcas e profetas, dos santos e das heroínas de Israel.

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D. CIRILO FOLCH GOMES O.S.B.

Ela será a personificação, enfim, do ideal, tantas vêzes ir- realizado, da Esposa imaculada de Jahveh, da Filha de Sião fiel ao seu Deus.

Mais ainda, porém: com a natividade de Maria despon- ta a plenitude dos tempos porque é ela a “Mulher” visada pela profecia das origens. A Mulher inimiga da “serpente^” e a cujo filho estava prometida a vitória da Redenção. Mais do que a flor de Israel e a obra prima até então suscitada pela graça de Deus, a Virgem recém-nascida é aquela que traz a missão de gerar para o mundo o Redentor. Sua fi- gura só se interpreta adequadamente à luz dessa vocação de Mãe do Salvador. E por isso mesmo, seu nome, desde o primeiro dia, merece ser dito “Mãe dos vivos”. É a segun- da Eva quem nasce, anunciando, na obscuridade de seu nas- cimento, a nova e decisiva fase da história humana, o perío- do messiânico, a época do Deus-conosco .

Reunem-se assim em Maria os dois Testamentos, pois é o têrmo e cume da esperança de Israel ao mesmo tempo que a primeira célula na qual se concentra a santidade da Igreja futura, a pureza sem mácula da Jerusalém do céu.

Maria detem a santidade da Igreja cristã porque tam- bém ela foi santificada em previsão dos merecimentos de Cristo, na dependência do sangue de seu Filho: sua imacula- da conceição é “cristã”. E detem a santidade de tôda a Igreja, porque foi santificada de um modo único, pleno e superior: “singulari modo" (1) : antes mesmo de ser conce- bida no ventre materno era, na mente divina, preserva- da de qualquer contágio de pecado, “a Imaculada Concei- ção” .

Deus a planejou indissociàvelmente unida à Encarnação do Verbo Redentor, no idêntico decreto eterno e luminoso que explicava, na imensidade de seu bem, a permissão do pecado dos homens (2) :

“as origens (santas) da Virgem foram predestinadas com aquele mesmo decreto com o qual foi predestinada por Deus a Encarnação da divina Sabedoria” (3) .

(1) Cf. a Bula “Ineffabilis Deus", de Pio IX.

(2) Pressupomos aqui a teoria tomista do motivo da Encarnação, segundo a qual num mesmo decreto Deus quis a excelência de Cristo (co- mo valor primário na ordem da causalidade final e exemplar) e a per- missão do pecado (como da matéria que Cristo vinha destruir) .

(3) Cf. a Bula “Ineffabilis Deus".

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A NATIVIDADE DE MARIA

Incluída assim na predestinação de Cristo, a redenção preservativa da Virgem é concebida, na mente de Deus, an- terior à redenção do gênero humano. Eis o que lhe con- fere um caráter de protótipo e de princípio, na ordem das criaturas resgatadas. Quem na Igreja haveria de ser tão próxima, tão intimamente associada ao Salvador?

Em Maria tudo é referência a Cristo. Por causa dêle e, devemos dizer, de seu Sangue ela é chamada à voca- ção da existência, da plenitude de graça, da maternidade divina . . .

Essa solidariedade com Cristo, que é a grandeza de Maria, que a eleva a uma dignidade de certo modo infinita, como dizem os teólogos (4), que é mais profunda do que sua solidariedade conosco (5), evidentemente não a distan- cia de nós, mas estreita-a muito mais à estirpe dos pecado- res, dos degredados filhos de Eva, seus iririãos. Pois Maria é precisamente aquela que nos entrega o Cristo, que o co- loca no seio da humanidade, como a mulher do evangelho, que toma o fermento e o mistura em três medidas de fari- nha, para fermentar a massa inteira (Mt. 13,33) . Por Maria o Homem-Deus é plenamente nosso irmão, ‘nosso”, tem um lugar na família humana.

Tudo isso pressentimos no dia de sua natividade. Inaugura-se o tempo messiânico. A Virgem anuncia-o para os homens com as profundezas de seu ser, como se ela fôsse uma antecipação da presença de Jesus, e uma antecipação da presença da Igreja. O Messias e o Espírito ainda não estão entre nós mas Maria é o fundamento dos dons que esperamos, das realidades que ainda não aparecem. É verdade que ela, nesse seu primeiro dia, nada fêz ainda por nós, não manifestou em nenhum ato, em nenhum “Fiat”, em nenhuma dor, o seu ofício de Medianeira. Mas ela está sôbre a terra. Mais do que nunca encarna, a Virgem pequenina, o título, que lhe damos, de “Esperança nossa”. A ela suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágri- mas, cada vez que desejamos se apresse a Plenitude do Tem- po, a definitiva descida de Deus à terra que nós somos.

(4) S. Th. I.a, q 25, a 6.

(5) Ccmo diz Scheeben, “Maria não foi criada filha de Adão se- não porque devia tornar-se a Mãe do Salvador. Sua união orgânica com Adão é mteiramente subordinada a sua união orgânica com Cristo”: “La Mère virginale du Sauveur" ( tr . ) , Paris 1953, pg. 134.

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SOBRE

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S. Pedro Damião nasceu em Ravena em 1007, entran- do em 1035 para o eremitério de Fonte Avellana, onde em breve veio a ser superior. Foi um dos grandes esteios do Cardeal Hildebrando (mais tarde S. Gregório VII) no tra- balho de reforma da vida interna da Igreja, principalmente no tocante à disciplina do clero e no combate à simonia. Feito Cardeal e Bispo de óstia, em 1057, retirou-se de volta para Fonte Avellana em 1067. Em 1069 foi enviado à Ale- manha em difícil missão de legado pontifício junto a Hen- rique IV. Morreu em Faenza a 22 de Fevereiro de 1072.

É Doutor da Igreja e um dos maiores autores espiri- tuais da Idade Média ascendente, tendo deixado, além de Cartas e Sermões, numerosos Opúsculos (Da renúncia ao mundo, Da perfeição dos monjes, De como freiar a ira, Da paciência, Do louvor da disciplina, etc.), encontrando-se suas obras nos volumes 144 e 145 da Patrologia latina (Migne) .

O sermão que a seguir apresentamos está, com as ho- milias de Sto. André de Creta (+ 740) e de S. João Damas- ceno (+ 749), entre as mais famosas peças produzidas na Idade Média sôbre o tema da Natividade de Nossa Senhora. No estilo vigoroso e claro de seu Autor, ricamente nutrido de inspirações bíblicas, desprende uma espiritualidade ma- riana terna e elevada. Note-se particularmente a belíssima

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SERMÃO DE S. PEDRO DAMIÃO

leferência à relação entre Nossa Senhora e a Eucaristia: "... pensai no quanto somos devedores à Mãe de Deus... o mesmo Corpo de Cristo que ela gerou . . . recebemos nós do sagrado altar”. Observe-se igualmente, no fim do sermão, o desenvolvimento sôbre a Paixão de Cristo e a Compaixão de Maria, tema que será realçado pouco mais tarde por Ru- perto de Deutz (+ 1135), por S. Bernardo (+ 1153) e prin- cipalmente por Sto. Alberto Magno (-J- 1280) .

NA NATIVIDADE DA BEM AVENTURADA VIRGEM MARIA (D

A Natividade da Beatíssima e intacta Mãe de Deus, caríssimos irmãos, proporciona, com razão, aos homens, uma alegria especial e singular, pois foi o exórdio da salvação humana. Assim como Deus Onipotente previu, no olhar inefável da sua providência, que o homem pereceria graças à maquinação do demônio, também abrigou, igual- mente, nas vísceras de sua Piedade, antes de todos os séculos, o plano da redenção do homem. Não determinou, na sua profundíssima Sabe- doria, apenas o modo e a ordem com que o haveria de remir, mas quando haveria de remir, o período exato do tempo. Como era, pois, impossível a redenção do gênero humano se o Filho de Deus não ti- vesse nascido, da Virgem, também era mister que nascesse a Virgem, de quem o Verbo assumiria a carne. Urgia primeiro edificar-se a Casa, na qual, o Rei do Céu, ao descer, sq dignaria hospedar; aquela casa, sim, a que Salomão se referiu quando disse; “A Sabedoria construiu para Si uma casa, talhou Sete colunas”. Foi verdadeiramente susten- tada por sete colunas a casa virginal, pois os sete dons do Espírito Santo recebeu-os a Mãe do Senhor: sabedoria e inteligência, consêlho e for- taleza, ciência, piedade e temor de Deus. A Sabedoria eterna, que atin- ge fortemente de fim a fim e tudo suavemente dispõe, construiu-a de tal modo que fosse digna de acolher ao Senhor e de procriá-LO nas entranhas de sua carne intocada. Era preciso fosse feito primeiro o Tálamo que receberia o Esposo ao vir para as núpcias com a Santa Igreja, o Esposo cujo epitalâmio, Davi, numa efusão do espírito, can- tou, dizendo: “Como o Esposo, eis o Senhor, saindo do Seu tálamo”.

Com razão, pois, exulta hoje todo o orbe terrestre, em profusa ale- gria; com razão a santa Igreja inteira alterna louvores de um canto por assim dizer “fescenino”, ao nascer a Mãe de seu Esposo. Exulte- mos, neste dia, caríssimos, no qual, ao venerarmos o nascimento da beatíssima Virgem, celebramos igualmente o início de tôdas as fes- tividades do Novo Testamento. Exultemos e de todo nosso íntimo delei- têmo-nos no Senhor, neste dia singular, quando, cultuando a Mãe de

(1) S. Pedro Damião, Sermão n.° 45 (PL 144, 741 s) .

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SÕBRE A NATIVIDADE DE MARIA

nosso Redentor, celebramos o exórdio das demais festas. Não deve ser menor em dignidade a solenidade que a tôdas as outras precede no tempo. Pois se Salomão celebrou com o Povo de Israel um sacrifício copioso e abundante na dedicação do templo de pedras, qual e quanto júbilo não deve trazer ao povo cristão a natividade da bem-aventura- da Maria, em cujo sêio, como num verdadeiro e sacrossanto templo, o próprio Deus desceu para receber-lhe a natureza humana e dignar- se habitar visivelmente com os homens? Se também no templo de Sa- lomão deva-se crer que Deus desceu, contudo, neste santuário racio- nal, isto é, no sêio da santíssima Virgem, foi de um modo muito mais admirável e feliz que se dignou permanecer conosco: aqui rez-se carne e habitou entre nós. Daquele antigo templo está escrito: “Aconteceu que quando sairam os sacerdotes do santuário uma nuvem encheu a Casa do Senhor, e os sacerdotes não podiam ficar perto por causa da nuvem. Pois a glória do Senhor enchia a Casa do Senhor” (Reis 8, 11).

Tudo isto, como dizia o egrégio pregador, “acontecia-lhes em figu- ra” (1 Cor. 10, 6). Pela glória do Senhor entende-se certamente o Cristo, de cuja se encheu o mundo. Foi acêrca dessa glória que o Senhor respondeu a Moisés quando lhe rogou êste, perdoasse ao povo pecador que adorava ao bezerro em vez de a Deus: “Ser-lhe-ei propício. Po- rém, Eu vivo! e a glória do Senhor encherá tôda a terra” (Num 14, 21).

E diz também o Salmista: “Tôda a terra será cheia da glória dEle” (Sl. 71). O fato, porém, de que a nuvem encheu a Casa de Deus e de que por causa dela não podiam os sacerdotes exercer seu ministério, insinua, nessa mesma frase, os soberbos pontífices e doutores dos Ju- deus, que ao desdenharem a investigação dos mistérios da Encarnação do Cristo perdem peia névoa do êrro o ministério que lhes caberia por sua fé. A nuvem da infidelidade turvou-lhes a mente de modo a não conhecerem, conforme não o mereciam, o culto da verdadeira fé. Des- cera portanto o Senhor a aquele templo de Salomão, numa nuvem, para designar a névoa cega da infidelidade dos Judeus, segundo está escrito: “Pôs no sol a Sua tenda” (Sl. 18), para iluminar os que ja- ziam nas trevas e na sombra da morte.

Numa palavra, o Senhor Onipotente conferira a aquele templo a glória da Sua presença, é certo, mas nada assumira de sua natureza- no sêio da santíssima Virgem, todavia, não se dignou descer mas ainda haurir dêle, e a Si unir, a substância perfeita da nossa morta- lidade. Quanto, pois, é maior em dignidade o nosso templo tanto mais gloriosa deve ser a sua solenidade. Mas, de que modo conseguirá a fraqueza humana celebrar dignamente a festividade dAquela que me- receu dar à luz a Alegria dos Anjos?

Como poderá o transitório verbo do homem mortal louvar a que de dentro de si nos deu o Verbo que permanece eternamente? Que

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SERMÃO DE S. PEDRO DAMIÃO

língua se achará idônea para louvor da que gerou quem todos bendizem e a quem os elementos, trêmulos, obedecem?

Quando desejamos exaltar os feitos notáveis de um mártir, e pre- gamos sóbre a grandeza de suas virtudes para glória de nosso Re- dentor, o assunto mesmo nos fornece expressões em abundância, ainda que nossa inteligência seja lenta no cogitar ou a língua balbuciante no falar.

Quando, porém, queremos descrever os louvores da beatíssima Mãe de Deus, não encontramos palavras para exprimir dignamente o novo e o inaudito a ser tratado. A singularidade da matéria dificulta o sermão. Pois, que língua bastaria para explicar, ou que razão humana não se tomaria estupefata ao considerar, que o Criador nasce da cria- tura, o Operário da sua obra? que é concebido no sêio virginal de uma jovem Quem não cabe na vastíssima amplidão do mundo? Jaz dentro das entranhas maternas, pequenino, Aquele que com o coeterno Pai go- verna, imenso, a ordem de tôdas as coisas? ó bem-aventurados seios que, infundindo o tênue leite na boca do Pequenino, alimentam o Ali- mento dos anjos e dos homens! Distilando um pouco de leite alimen- tam o Criador do mundo! Aquele que pelo império de Seu poder mi- tiga as procelas dos mares, aos rios um indefectível ímpeto de águas, irriga em tôda parte a árida terra por meio das inúmeras fontes, eis que aguarda pelas poucas gôta de leite do sêio virgíneo. Flui o leite dos sêios da Virgem e se difunde pela carne do Salvador. E aqui, irmãos meus caríssimos, peço-vos, pensai no quanto somos de- vedores a esta beatíssima Mãe de Deus, e quantas graças devemos ren- der-Lhe, depois de a Deus, pela nossa Redenção. Pois o mesmo Corpo de Cristo que a Virgem santíssima gerou , acariciou nos braços, en- volveu em faixas, e nutriu com maternal cuidado, êsse mesmo, direi, sem nenhuma dúvida, não outro, recebemos nós agora do sagrado Al- tar, e é Seu o sangue que haurimos no sacramento da nossa Redenção. Assegura-o a católica, fielmente ensina-o a Santa Igreja.

Não há, pois, palavra humana adequada para o louvor dAquela de quem sabemos que o Mediador de Deus e dos homens assumiu a carne.

Qualquer louvor da língua humana é indigno de quem nos entre- gou, das entranhas de sua carne intacta, o Alimento das almas, Aque- le que de Si mesmo afirmou: “Eu sou o Pão vivo que descí do Céu; se alguém comer dêste pão viverá eternamente.” (Jo 6,51).

Fomos expulsos da amenidade do paraíso, sim, por causa de um alimento, mas também é por um Alimento que somos restaurados para cs júbilos do Paraíso. Evg, comeu o que nos condenaria à fome de um perene jejum: Maria deu-nos o que nos abriu a porta do Banquete do Céu.

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SÔBRE A NATIVIDADE DE MARIA

Aqui também, irmáos diletíssimos, peço-vos, olhai diligente mente para a ordem da nossa Redenção e considerai com o ouvido do coração como foram grandes para conosco as intenções mais íntimas da piedade divina. Deus fez o homem, por assim dizer, mortalmente imortal, isto é, se quisesse observar o preceito da obediência, viveria eternamente; e se o desprezasse submeter-se-ia de pronto ao império da morte. Que mais houve? O homem pecou, por sugestão do demônio, e tôda a árvore do gênero humano teve sua raiz envenenada. Caiu o infeliz pai, por causa da gula, e tôda a sua descendência tornou-se re por natureza, como diz o Apóstolo: “Éramos por natureza filhos da ira, como os demais”. (Ef 2,3). Adão passou a ser um fermento que cor- rompeu a total multidão de seus filhos; viciando-se com o veneno pes- tífero, corrompe-se nele a massa inteira do gênero humano. Eis porque, quando brilhou mais tarde o esplendor da nova graça, foi-nos dito pelo grande pregador; “Expurgai o velho fermento para serdes nova massa.” Mas Deus, pio e misericordioso, não quis de modo nenhum perecesse a sua criatura, formada à Sua imagem e semelhança. Escolheu então den- tre tôda a multidão das nações um povo, para Si, o israelítico, ao qual deu a Lei e preceituou o oferecimento de sacrifícios de diversos animais. Essa lei, porém', absolutamente não era capaz de fazer com que, por seu meio, o homem se pudesse salvar plenamente. Pois, como diz Paulo; “A lei nada levou à perfeição" (Heb 7,19).

É que, sendo ainda aquele povo, rude, soberbo e duro de alma para carregar o jugo da lei perfeita, não podia humilhar a cerviz do coração. Merecidamente dêle disse o Senhor a Moisés: “Vejo que êste povo é de dura cerviz” (Ex 32,9).

Devia ser-lhe dada, portanto, uma lei que nem lhe permitisse ficar completamente isento do culto divino, nem, por outro lado, o aterrori- zasse preceituando coisas altas e pesadas. Os sacrifícios, porém, que então eram oferecidos podiam ser de algum proveito para a purifica- ção da carne mas não bastavam para a salvação das almas, como diz c Apóstolo: “Se o sangue dos touros e dos novilhos, ou a cinza de uma vítima quando aspergida sôbre os manchados, santifica-os pro- porcionando-lhes a purificação da carne, quanto mais o sangue do Cristo, que pelo Espírito Santo se ofereceu imaculado a Deus, purifi- cará a nossa consciência, para servirmos ao Deus vivo?” (Heb 9, I3s).

Afirmando assim que êsses sacrifícios eram úteis para a purifi- cação da carne, mostra que de forma alguma podiam purificar as almas. Nem poderia uma criatura irracional operar a santificação da racional.

Mas mesmo os próprios sacerdotes não podiam santificar o povo. porque êles igualmente precisavam oferecer hóstias pelos seus peca- dos. Era impossível que, sujeitos aos delitos, desfizessem as cadêias

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SERMÃO DE S. PEDRO DAMIÃO

dos delitos; pecadores, justificassem um pecador. Necessitava-se, pois de um sacerdote que, ao purificar as máculas dos pecadores, nada ti- vesse que purificar em si; ao lavar as manchas dos pecados alheios, não tivesse uma nódoa de lepra. Homem assim, porém, não se acharia no gênero humano, onde todos verazmente cantavam com o Profeta: “Entre iniquidades fui concebido, em delitos me gerou minha mãe“; (SI 50); e no dizer do Apóstolo: “Todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rom 3,23).

(Peço-vos, irmãos caríssimos, prestai atenção a esta história da vossa, ou melhor da nossa salvação, considerai também em vossos co- rações a ordem da restauração humana. Vigiem os corações, não co- chilem os olhos).

Como, portanto, não se pudesse achar um homem como tal no gê- nero humano, o Criador do homem, para não perecer êste em seu de- lito, assumiu a carne da santíssima Virgem; sem pecado fez-se homem, sem pecado foi concebido no sêio da Virgem, e sem pecado habitou no mundo,

Êia, atendei, irmãos, atendei, peço-vos, e escutai vigilantes os ine- fáveis mistérios da nossa Redenção.

Eis agora um sacerdote, sem pecado, digno e poderoso para expiar as culpas alheias ao oferecer um sacrifício. Aquele, a quem foi dito por meio do Profeta: “Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec” (Sl. 109,4).

Todavia, como diz Paulo: “É preciso que o sacerdote tenha o que ofereça” (Heb 8,3). Ora, como dito acima, era impossível que as car- nes dos animais brutos santificassem as almas dos homens e uma hóstia irracional bastasse para apagar os pecados de sêres racionais. Por isto disse, pelo Salmista, a Pessoa do Filho ao Pai: “Não quisestes sacrifí- cio e oblação, e não pedistes holocaustos pelo pecado; digo então: Eis, Eu venho” (Sl. 39,7). Devia haver uma hóstia racional para expiar pela criatura racional, e o homem, pecador, era indigno de oferecer um sacrifício, quanto mais de se oferecer em sacrifício. Que faria então o nosso Sacerdote? Para quem se voltaria? Onde acharia um consêlho para realizar a nossa Redenção? De onde tomaria o Mediador entre Deus e os homens uma hóstia de pacificação entre Deus e o homem?

Por quanto, tôda criatura da Terra, se racional contraíra o virus do pecado, da raiz mesma, de seu primeiro pai; se irracional, era im- potente para justificar a racional.

Que fazer, pois, o Mediador da paz, Êle mesmo a Paz?

Êle é, sim, a nossa Paz: fêz de dois povos um e destruiu o muro de separação, a inimizade, tendo abrogado pela imolação de Sua carne a lei das prescrições com seus rigorosos decretos, afim de fundir, em si mesmo, dois num homem novo, fazendo a paz, e afim de recohci-

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SÔBRE A NATIVIDADE DE MARIA

liar a ambos, unidos em um corpo, com Deus, por meio da Cruz, des- truindo nela a inimizade. Êle veio para evangelizar os de longe e os de perto.

Que haveria de fazer, pois? Considerai, irmãos, diligentemente, as entranhas da inefável piedade divina, pensai no inestimável pêso da Sua caridade.

Não se podendo achar em parte alguma o preço da nossa Reden- ção, nosso Salvador ofereceu-se a Si mesmo ao Pai, por nós, como Hóstia, e odor de suavidade. Fez-se sacerdote e sacrifício, Redentor e preço. Acertadamente disse Paulo: “Convinha que houvesse para nós um pontífice santo, inocente, imaculado, segregado dos pecadores e tornado mais alto que os Céus; que não precisasse primeiro oferecer cada dia, como os demais sacerdotes, hóstias pelos seus delitos e de- pois pelos do povo; fêz, pois, isto uma vez, oferecendo-se” (Heb 7,26), o Senhor nosso, Jesús Cristo.

Ouvistes até agora. Caríssimos, breves palavras sôbre o admirável mistério da nossa reparação. Ouví ainda qual foi o oportuníssimo plano da nossa Salvação. O Cristo entregou-se por nós à morte; mor- tifiquemos também, por amor dEie, tôda a nossa concupiscência ter- rena. Submetendo-se voluntáriamente ao suplício da Cruz, demons- trou-nos a vida pela qual conseguiremos regressar à Pátria: regres- sarmos amargurados por lágrimas, pois dela nos afastáramos deleita- dos por prazeres; erguermo-nos restringindo o uso mesmo das coisas lícitas, pois pelas ilícitas decaímos; elevarmo-nos no abatimen- to de uma vida humilde porque foi o orgulho da soberba que nos derribou.

É por êste motivo que o Pastor da Igreja também nos exorta di- zendo: “Cristo padeceu por nós, deixando-vos o exemplo para que si- gais os seus traços" (1 Ped. 2,21), e Paulo; “Sêde imitadores de Deus e caminhai no amor, como também Cristo nos amou e por nós se en- tregou a Deus em oblação e hóstia, em odor de suavidade” (Ef 5,1).

Soframos, portanto, Caríssimos, o amargor temporário da morte momentânea, para merecermos chegar mais tarde à doçura eterna de Sua ressurreição. O que Êle realizou por nós, também quer que rea- lizemos, consoante o testemunho do Profeta: “Que retribuirei ao Se- nhor por tudo o que me fez? Tomarei o cálice da salvação e invocarei o Nome do Senhor” ( SI- 115,12). Ora, não foi ouro que Êle deu por nós, não foi prata que pesou, nem dinheiro que contou para nos resgatar, mas a Si mesmo se entregou derramando o Sangue precioso de Seu Corpo e dando por nós a própria vida. É como diz S. Pedro: “Não fostes resgatados por algo de corruptível, ouro ou prata, da con- versação da vossa tradição paterna; mas pelo Sangue precioso do Cristo, como de um Cordeiro Imaculado e incontaminado” (1 Ped. l,18s).

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SERMÃO DE S.

PEDRO DAMIÀO

13 mister, pois, que se ofereça a si mesmo a seu Redentor todo aquele que ansêia por chegar ao Seu consórcio. Siga-lhe as pisadas, no caminho, quem quiser alegrar-se com Éle na Pátria. Faça-o seu Guia e conseguirá ter parte na Sua chegada. “Pois se com Éle padecermos, também com Éle reinaremos; se juntamente morrermos, também vive- remos com Éle”. E repete o Apóstolo: “Se formos plantados nEle, pela semelhança de Sua morte, sê-lo-emos também pela de Sua ressurrei- ção” (Rom 6,5). Nenhum de vós se iluda, meus irmãos, com a seguran- ça de uma falsa esperança, porque nós não podemos alegrar-nos aqui, com o que é do século e depois reinar com Cristo.

Eis a intacta e gloriosa Virgem Maria, por cujo nascimento esplen- doroso se ilumina hoje em todo o mundo a Santa Igreja inteira, ei-La, prefigurada na Lei, prenunciada pelos patriarcas e profetas, saudada pelo Anjo com o privilégio de uma singular honorificência, trono de Deus, sólio da Divindade, palácio do eterno Rei, cofre do tesouro que nos resgatou do cruento serviço do sedutor; ei-La, hoje nos é proposta como exemplo. Esta Virgem tão singular e incomparável, se não tivesse seguido a humildade do Cristo, jamais chegaria à celsitude dEle; se tivesse menosprezado os preceitos que recebeu, não obteria os prêmios prometidos.

Realmente, quando um dia Éle pregava, uma mulher ergueu a voz, da multidão e disse: “Bemaventurado o ventre que te trouxe e os seios que sugaste-’, ao que respondeu Jesús; “Antes bemaventurados os que ouvem o Verbo de Deus e o observam’t (Lc. 11,27). E em outra oca- sião, quando alguém Lhe anunciou estarem no templo parentes seus segunde a carne: “Eis que tua Mãe e teu irmão estão fora procurando- Te”, respondeu: “Quem é minha Mãe e quem são meus irmãos?” e es- tendendo as mãos sôbre os discípulos disse; “Eis minha mãe e meus ir- mãos. Pois quem quer que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, êste é meu irmão, irmã e mãe” (Mt. 12,48).

Vêde, portanto, irmãos, qual a vossa dignidade quando violais a vossa própria vontade para fazerdes a de Deus. Eis que a bemaventura- da e venerável Virgem Maria foi Mãe de Cristo, segundo a carne, por certo; não irmão nem irmã. E qualquer pessoa que fôr, em relação; a alguém, uma destas coisas por direito de parentesco, não poderá ser outra, isto é, se fôr mãe, não poderá ser irmã ou irmã; se fôr irmão ou irmã não pederá ser mãe. Nós, porém, somos tudo isto para o Cristo, no Espírito, se nos empenharmos por cumprir a vontade de Cristo, sempre igual à do Pai.

Contudo, o que nasceu da carne é carne, e o que nasceu do Espírito é espírito, porque Deus é Espírito. Enquanto é Deus nosso Redentor, nós somos tão diversamente seus parentes quanto nãoi o poude ser pela carne a Bemaventurada Virgem, de quem Éle se dignou nascer. Próprio

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SÔBRE A NATIVIDADE DE MARIA

e singular da Virgem Santissima foi o conceber o Cristo no ventre, porém comum e universal a todos os eleitos é o possuí-lo na alma, pela de- voção. Feliz a Mulher, realmente bemaventurada, que o trouxe no ven- tre durante nove meses; felizes de nós também se nos esforçamos por possuí-Lo no coração assiduamente. Foi mais maravilhoso certamen- te conceber o Cristo na carne; mas não é menos trazê-Lo no ergás- tulo da mente.

Testemunha-o igualmente João (Evangelista) dizendo: “Eu estou à porta e bato; se alguém ma abrir, entrarei nele e ceiarei com ele e ele comigo” (Apoc. 3,20). Note-se: primeiro vai ceiar e depois é que dará de ceiar. Porque Êle se apascenta agora com as bôas obras dos que, junto consigo, mais tarde, tomarão parte nos manjares do eterno Ban- quete.

Também nisso, caríssimos, devemos ver como é grande a nossa dignidade e a semelhança que temos com Maria. Maria concebeu o Cristo nas entranhas da carne; nós o trazemos nas entranhas da mente. Ela alimentava o Cristo quando, com Seus tenros lábios, Êle sugava Seu sêio; nós O alimentamos também com as delícias várias de nossas bôas obras.

Caríssimos, apraz-nos ainda, para edificação nossa, fixar algum tempo os raios da inteligência numa norma da justiça divina: conside- rar como o Deus onipotente deixa serem humilhados no tempo os que decretou exaltar na eternidade. Para não falar no momento de mais coisas, vemos esta mesma santíssima Virgem, cuja natividade vene- ramos hoje com as homenagens que Lhe devemos, eleita e preeleita antes da formação do mundo no consêlho da eterna Sabedoria e que, apesar de descendente da estirpe régia, não se distinguia pela altitude de uma dignidade humana e não teve a abundância de quaisquer ri- quezas temporais. O seu presépio de parturiente indica não ter tido hospedaria onde pudesse dar à luz. E é costume entre os homens, quan- do nasce uma criança, congratularem-se pelo seu futuro e formularem votos de prosperidades à mãe. A bem-aventurada Maria, porém, quando levou o Filho ao Templo, e Simeão O recebeu nos braços, ouviu: “A tua própria alma será transpassada por um gládio” (Ls. 2,34). Como se dissesse abertamente: “Quando teu Filho sentir na corpo a paixão da Cruz, também um gládio de compaixão te traspassará a alma”. Esfor- cêmo-nos igualmente, por desprezar as carícias deste mundo, evitar a afluência dos bens terrenos, reprimir os estímulos da carne, carregar na alma assiduamente a Cruz de Cristo; para que, se agora nosso espí- rito se traspassa com o gládio de Maria, seja mais tarde com Ela saciado na doçura da eterna felicidade. Queira concedê-lo quem, gerado pelo Pai antes dos séculos, se dignou nascer d’Ela na plenitude dos séculos. Assim seja

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FALANDO DE LITURGIA

"PORQUE ENTÃO. .

Desde o ano passado, o antigo órgão das Cecilianas alemãs, o Chorwachter, aparece com o título Katholische Kirchen-musik, e uma equipe de redatores renovada. Diver- sos artigos trouxeram grande interesse, como por exemplo, o que trata da difícil execução do órgão. Enquanto se espe- ra poder melhor definir a orientação da revista, reproduzi- mos duas páginas do último número, acompanhando-as de breves explicações.

PORQUE ENTÃO executar longos e geralmente 'problemáti- cos Credos polifônicos, se convém tão bem à Assembléia confes- sar sua cantando?

As dimensões de um Credo polifônico arriscam fazer dê- le obra inoportuna (lembramo-nos de uma Missa do P. Huber cantada no Congresso de Viena em 1954 em Karlskirche, de duração fora do comum, onde o Credo durou 25 minutos). De outra parte, deplorar-se-ia que a entrega obrigatória e, frequentemente prematura, do Símbolo ao povo, nos conde- ne a suportar constantemente, assassinado ainda por cima, o Credo III tão lamentável quanto atordoador . . .

PORQUE ENTÃ.0 a assembléia deve crer na seriedade e na importância das pala- vras e dos sinais sagrados, se cantos, orações e gestos são tantas vê- zes ligeira e con- fusamente executados?

Limitemo-nos ao que interessa nosso ouvido: é bem ver- dade que os textos litúrgicos vindos do altar, são freqüente- mente pouco compreensíveis, pronunciados numa velocida- de exageradamente rápida e como sem pontuação. Pode-se estar aferrado a seu Missal, sem se conseguir discernir o

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F AL A NDO DE LITURGI* A

texto. Pareceria tracar-se de uma formalidade a satisfazer, ser necessário e suficiente falar-se algumas palavras, em ri- gor, seja como fôr. E, se as exceções são edificantes, ainda assim elas não consolam completamente. . .

Está-se, então, em condições favoráveis para depois de- clarar que o latim é incompreensível e que se deve, sem tar- dar, excluí-lo em benefício das línguas modernas.

PORQUE ENTÃO querer cantar com a assembléia inúme- ros Ordinários, longos e difíceis, se um que foi proposto para tôda a Igreja,

se numerosas boas Missas novas que levam em conta a assembléia, se o clero mesmo, que tem direito no Se- minário, a uma formação musical séria, regular, sente dificuldade em dominar os cantos do Prefácio e do Pater?

Sôbre êste último ponto, se pode seguir o mesmo pa- recer do redator alemão. Um Côro deu-se o trabalho de aprender um novo Ordinário? na maioria dos casos o cele- brante é incapaz de entoar o Glória dêste Ordinário. Quan- to ao canto da Epístola e do Evangelho, ou das orações (en- tretanto tão reveladoras em suas composições de intenções artísticas), pode-se contar nos dedos, sem ser preciso se des- calçar, os que não os estropiam. De tal modo que, ousamos perguntar em que medida é garantida a “formação séria e regular” da qual falamos acima.

De qualquer modo, nenhum músico, nenhum fiel culto e sensato, aceitará sem protestos, ser reduzido a um Ordi- nário sempre igual ou às produções, sem dúvida modesta- mente geniais que as necessidades da causa ditam e alguns. Não se poderia pensar em afastar deliberadamente tanto a maior e mais rica parte do Kyriale (que existe de longa tíata), quanto as obras polifônicas transmitidas pela músi- ca de todos os tempos. Se fôssemos escutar nossos moder- nos... iconoclastas, far-se-ia da Igreja, a quem tôdas as artes devem um tão belo esplendor, mais uma extintora do lume do que uma tocha ardente... Roma, felizmente, fala outra linguagem . . .

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FALANDO DE LITURGIA

FORQUE ENTÃO decidir que o canto do povo é impossível, se não se faz nada por êle?

Eis uma pergunta à qual substituir-se-ia, de bom grado, uma outra: “Porque então decidir que o canto do povo é possível, se. . . ainda não se tratou de dar o exemplo de uma realização conveniente?" Mas, a redação proposta também é muito razoável: o canto do povo, que representa para al- guns o ideal, postula uma preparação de grande fôlego. Os músicos, consultados sôbre os meios técnicos de se chegar a isto, em vez de o imporem a êle por um ukase (edito do im- perador da Rússia) sem se preocuparem com a maneira de o realizar, terão talvez, sugestões construtivas a apresentar.

Esperando, é forçoso constatar que, em vários meios, des- prezam-se os dados mais elementares do problema e que a preocupação com a beleza parece maculada de heresia. Ora, um “pastor" talvez tenha o direito de afastar a Música, mas não o de profaná-la . . .

PORQUE ENTÃO falar de amor pela Igreja,

se se substitui às dela suas preocupações pessoais,

se se afastam ou se adotam suas decisões sem ter estudado suficientemente as pos- sibilidades fecundas que oferecem, sem as ter experimentado pràticamente, se se quer, com isto, somente codificar as preferências individuais e bem facilmente estreitas?

Naturalmente ninguém é tão imprudente para deixar de cobrir seus desejos com o véu da autoridade. O impor- tante, é saber quem detém a autoridade: o Senhor Vigá- rio X, o Senhor Vigário Y, talvez sua Excelência Z, ou, en- tão, os Pontífices romanos que de São Pio X a João XXIII legiferaram neste assunto. Ora, nenhum dêstes últimos, ne- nhum mesmo de seus predecessores, preconizou, em algum tempo, o desprêso pelos altos valores artísticos. Mas, tudo se passa ao redor de nós, como se se quisesse pôr o magis- tério diante do fato consumado e criar, por todos os meios, um estado de coisas que êle deva um dia sancionar...

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FALANDO DE LITURGIA

PORQUE ENTÃO não utilizar todos os melhores meios de formação da Igreja, se se sabe fazê-lo para o resto?

uns trinta anos que, nos Países-Baixos, começou-se a ensinar às crianças o Método Ward e êste esforço perse- verante produz, atualmente, diz-se, resultados admiráveis. Pode-se, desde então, ter em vista uma participação dos fiéis assim formados no canto litúrgico. Algures decreta-se in- gênuamente que a partir de . . . domingo próximo a multi- dão cantará. Não importa o que, não importa como, pois um pregador jovial declarava um dia diante de nós: "Não é difícil cantar, abre-se a boca, e ataca-se!"

Seria estranho espantar-se que, nestas condições, os mú- sicos não queiram acertar o passo.

PIERRE CARRAZ

(Traduzido de "Le Lutrin’’, n.° 1 1961 páginas 20 ss) .

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II ORDEM DOS MÚSICOS fim i UIUREM

Os nossos músicos estão sendo abusivamente “protegi- dos", com um paternalismo inquisitorial que lembra aquele formidoloso Trujillo, proclamado “Benefactor” de seu país. . . Protege-se o profissional, pesando forte sôbre êle, amarran- do-a a um fisco implacável, e interferindo a torto e a direi- to nas suas atividades.

Desta vez, o caso a respigar parece anedota. Mostra em que abismo de ignorância vivem pessoas de responsabilida- des sociais e oficiais consideráveis.

O Conselho Regional da Ordem dos Músicos do Brasil, desta Cidade, dirigiu à Catedral Metropolitana desta Arqui- diocese, curiosíssimo ofício (provàvelmente enviado também a outras igrejas) . Chama a atenção, êsse ofício, para os Arts. l.°, 18.° e 29.° da Lei n. 3.857, de 22 de dezembro de 1960 ( mostrengo a ser retificado, higienizado, reduzido às proporções do bom senso e condicionado às necessidades e conveniências reais da vida musical ), e termina com uma monumental calinada. Esta: “Por isso solicitamos mais uma vez a V. S. não permitir que nenhum elemento que não apresente sua carteira da Ordem, tome parte em atos litúrgicos na igreja que V. S. dirige.”

esta expressão final demonstra desconhecimento com- pleto da organização eclesiástica. Ninguém “dirige" a igre- ja, porém “serve-a”. “Ministro”, “vigário", querem dizer: ser- vidor. O próprio Papa chama a si próprio: “Servo dos Ser- vos .

Melhor ainda é a recomendação referente aos “atos li- túrgicos”. Esquece o signatário do ofício que os fiéis can- tam, que o sacerdote canta, que os coroinhas cantam. Eis uma tradição de mais de 1900 anos profundamente pertur- bada! Equiparando os “atos litúrgicos” a espetáculos e a funções recreativas, com entrada paga, demonstra imper- meabilidade integral no referente às condições do livre exer- cício do culto, garantido pela Constituição. Não insistindo sôbre a significação transcendente da Liturgia, é de lem- brar-se que os atos que a constituem representam o mais importante da vida eclesial. No Brasil de hoje, sob a inci- dência da famosa lei de arrocho, Palestrina teria inter- ditadas as suas funções, e com Bach, violento e pugnaz, os incidentes com a Inquisição Fiscal multiplicar-se-iam . A

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FALANDO DE LITURGIA

Música sofreu, em vários momentos da sua História, com inj unções de poderosos, e o mundo moderno apresenta, pos- sivelmente, os piores exemplos disso, com as interdições bru- tais de Hitler e Mussolini, e, mais recentemente, com a cen- sura totalitário-bolchevista a Prokofieff, Shostakovitch, etc. Todos êsses regimes têm programado campanhas análogas às do Império Romano contra os cristãos primitivos. No ca- so do Brasil, onde a imensa maioria do povo é católica, êsse plebiscito tácito não consegue impor, como se devera, res- peito devido ao sentimento nacional, e vemos uma organi- zação destinada a melhorar a vida musical, dar por paus e por pedras, contanto que imponha o seu guante imperialis- ta e insolente. Todos, todos os sacerdotes deverão receber da Ordem dos Músicos autorização para celebrar, ficando, assim, equiparados a Autoridade Episcopal e os mal acon- selhados Conselhos da Ordem: ambos concedem o celebret... Para dialogar as Antífonas e os Responsórios, para os mais simples “Dominus vobiscurn", ‘‘Et cum spirito tuo”, das ru- bricas litúrgicas, as carteiras-salvo-conduto devem ser apre- sentadas. Senão! . . .

Sublinhou o signatário do ofício a expressão “conjunto corais”, do texto do Art. 29.° Que sabe o Conselho Regional das condições em que funciona um côro de igreja? Quase sempre, com exceção de certas festas solenes, quando ele- mentos de reforço são chamados a complementar o conjun- to, o côro de igreja é constituído de fiéis de boa vontade, que nem mesmo podem ser chamados amadores; em muitos casos, são donas de casa, mães de família, estudantes, uma ou outra vez musicistas, mas que, mesmo êstes últimos, ali comparecem com sacrifício, por espírito de fé, para o maior brilho do culto. Assim, não existe, nas igrejas, relação de empregador e empregado, por contrato, com número de ho- ras de serviço previsto pela lei, estipulação de salário, etc.

O Presidente da Comissão Arquidiocesana de Música Sacra (de que tenho a honra de ser membro), Monsenhor Guilherme Schubert apresenta mais êstes argumentos.

“A participação da música e dos músicos faz parte in- tegrante do culto, variando muito de uma religião para ou- tra, dependendo de regulamentos internos em cada Credo, regulamentos que podem vir de autoridades superiores, e ser modificados. Para falar mais detalhadamente da religião católica, temos exigências especiais, necessárias para o fun- cionamento perfeito dos atos do culto: a) nenhuma escola oficial de música possui as cátedras correspondentes parp

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FALANDO DE LITURGIA

as matérias especializadas: Canto Gregoriano, Liturgia, Le- gislação Eclesiástica, devendo prever também as exigências dos outros Credos, b) As três mil e oitocentas (3.800) pa- róquias existentes no Brasil não têm, e não podem ter, os recursos materiais e humanos suficientes para que todos os colaboradores musicais freqüentem escolas oficiais de mú- sica. c) as poucas pessoas que podem especializar-se em matéria de Música Sacra têm de freqüentar escolas, cursos, de diversa, mas diminuta, duração, especializados naquela arte. d) se dependessem as igrejas da aprovação de seus músicos pela “Ordem”, grande número delas ficaria priva- do da colaboração de músicos, o que causaria grave trans- torno ao exercício do culto” .

Monsenhor Guilherme Schubert sugere uma interven- ção oficial do Govêrno garantindo a liberdade das Autori- dades religiosas (em geral) para regulamentarem: a) a ad- missão de dirigentes, cantores, coristas e músicos necessá- rios ao exercício do respectivo culto; b) a maneira conve- niente de prepará-los adequadamente segundo as exigências próprias do seu Credo.

AINDA A ORDEM DOS MÚSICOS

O corpo de professores de música das escolas dos Esta- dos da Guanabara, S. Paulo, Rio Grande do Sul, e outros, tem-se manifestado alarmado com as incongruências da lei que criou a Ordem, e com o desatinado rigor com que vai sendo aplicada antes mesmo de ter sido elaborado e publi- cado o respectivo regulamento.

Alegam êsses educadores que se acham registrados nos órgãos competentes (Ministério da Educação e Cultura e Ministério do Trabalho) como “professores” e não como “mú- sicos”, o que os exclui de qualquer qualificação neste últi- mo sentido, que a lei se refere a professores catedráticos. Mais grave ainda é a situação criada pela lei em questão porque ela veio ferir o preceito constante do Art. 141, § 14 da Constituição Federal, que garante o livre exercício das profissões, o que assinala, de modo grave, o caráter exces- sivo e totalitário da Lei.

Muito importante é o por êles alegado no referente ao espírito indisfarçável da Legislação Trabalhista. Por êle, os funcionários públicos estão isentos de qualquer exigência de órgãos sindicais. Os educadores desejam que seja devi- damente esclarecida esta situação anômala, que tão profun- damente fere os direitos do magistério.

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FALANDO DE LITURGIA

Acresce que a balbúrdia resultante da aplicação exorbi- tante dêsse diploma legal implica em fazer tabula rasa de circunstâncias consideráveis da vida músico-professoral. As- sim, urge que os Poderes Públicos estudem com urgência a necessidade, que se evidencia, de serem incorporados à lei, no momento duma reforma desta (que se impõe) , dis- positivos em virtude dos quais sejam reconhecidos: a) o re- gistro de professor particular de música expedido pelo De- partamento de Educação Complementar do Serviço de Edu- cação Musical e Artístico do Estado da Guanabara; b) os diplomas e certificados expedidos pelos estabelecimentos par- ticulares de música, registrados na Secretaria-Geral de Edu- cação e Cultura daquele Estado, e assinados pelo Orienta- dor-Fiscal do Serviço de Educação Musical e Artístico (S.E.M.A.); c) os diplomas e certificados conferidos pela escola de Educação Musical e Artística, estabelecimento ofi- cial de ensino musical, no Estado da Guanabara.

Não é no momento em que o Presidente Jânio Quadros acaba de declarar (instalando o Conselho Nacional de Cultu- ra, em Brasília, a 20 do corrente), democràticamente, que não visa a estatização da Cultura, que poderíamos aceitar a ação dêsse rôlo compressor de burocratizaçâo férrea re- presentado neste momento pela Ordem dos Músicos.

ANDRADE MTJRICY

(Do “Jornal do Commercio” de 30 de maio de 1961)

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CONCURSO DE AREZZO

Pela oitava vez teve lugar, de 25 a 28 de agosto último (1960) o Concurso polifônico internacional de Arezzo. Esta organização, que tanto honra a bela cidade toscana, se desenvolve de ano para ano de maneira sempre alegre. Seus progressos constantes se evidenciam tanto pelo número de Coros que vêm se defrontar nas lides harmo- niosas quanto pelo nível artístico atingido, sempre mais alto.

Com efeito, 34 conjuntos, reunindo 1.600 cantores, participaram do concurso no verão passado; 15 vindos da Alemanha, Inglaterra, Áustria, Espanha, França, Grécia e o “Canção de Monteux” repre- sentava honrosamente a Suissa. Estavam dispostos em três categorias: coros mixtos, coros de homens, coros folclóricos mixtos ou não Quanto ao valor musical do Concurso, pode ser julgada pelas peças apresenta- das, por exemplo, nos coros mixtos; além de duas composições ori- ginais à escolha, deveriam executar o motetq Ad te Domine levávi de Alessandro Scarlatti (f 1.725) e o madrigal Lady when I behold de John Wilbye (f 1.638).

O Juri era composto de 12 membros; 6 italianos (entre os quais o R.P. Rafaele Baratta O.S.B. e Arturo Benedetti Michelangelo) e 6 estrangeiros: Félix De Nobel (Holanda), Reinhold Schmid (Áustria), Gwynn Willians (Inglaterra), Menelao Pallantis (Grécia) e Pierre Carraz (Suissa).

* + *

pouco tempo que os concursos poli fônicos são completados por um de Canto Gregoriano, aberto aos coros das duas primeiras catego- rias. Nove dentre êles cantaram o Gradual Dirigátur orátio méa e o Roráte caeli, com qualidades bem diferentes. As divergências, de es- colas, como era de se esperar neste domínio, manifestaram-se logo. As partituras dadas aos executantes estavam, certamente, de acordo com as “edições rítmicas’’, mas a significação dos episemas escapa a alguns dos dirigentes. Seja como for, sentia-se em todos um respeito comovente pela cantilena litúrgica. A “Associazione S. Cecilia de Sas- sari”, dirigida por Monsenhor G. Porcheddu, teve o l°prêmio, seguida da “Scuela Corale D’Anhiari (Arezzo) sob a direção de V. Bartolomei. Aos dirigentes do Concurso, sempre em busca de iniciativas próprias

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FALANDO DE LITURGIA

para melhorar a organização, talvez pudéssemos fazer alguma suges- tões.

Por exemplo, a de tornar a prova gregoriana obrigatória, para os corais das categorias I e II, todos especialistas em música religiosa. Êles encontrariam nesta determinação um encorajamento para entrar em contato mais estreito com a admirável oração cantada da Igreja e com uma arte onde a vocalização triunfa.

Também a de prever uma Missa Cantada em gregoriano, sob di- reção autorizada, por todos os coros que tomassem parte nas compe- tições do cantochão. Isto chamaria a atenção, de maneira bem mais aguda, para o problema da interpretação rítmica. Haverá coisa mais meritória e apaixonante que de afrontar os problemas?

* * *

Entre as manifestações que se desenrolaram à margem do Con- curso, deve-se ressaltar uma pelo menos, de significação particular, e que levantava também uma questão candente, a das relações da mú- sica moderna com a liturgia: A Missa celebrada na Igreja dos Estig- mas de São Francisco, inteiramente de acordo com as rubricas, onde. ao lado do Próprio Gregoriano iníjegralmente e excelentemente can- tado pelos monges camaldulenses, ouviu-se a recente “Missa breve em RÉ” de Benjamin Britten. Esta obra escrita para vozes iguais e ór- gão, suscita reações bem contrastantes e vivas, mas, foi unânime o louvor ao côro infantil que a executou. Venus de Rho (Milão), Ser- ravalle (Casentin) e Viciomagio (Arezzo), venceram, se não com per- feição acadêmica, ao menos com denodo entusiasta, as sérias dificul- dades de uma partitura que o eminente Maestro L. Colacicchi inter- pretou com habilidade e convicção.

Parece-me que a Itália conhece, mais que outros países, a chance rara de uma descenLalização cultural que ela deve, sem dúvida, a seu passado, mas que homens inteligentes e corajosos entretêm e defen- dem, o veneziano Cini ou o senense Chigi por exemplo, e, na pequena mas gloriosa pátria de Guido e de Piero delia Francesca, a “Associa- ção dos Amigos da Música” onde militam com felicidade um Mario Bucciolotti, um Luigi Colaciocchi, um Augusto Cartoni.

PIERRE CARRAZ

(Traduzido de “Le Lutrin” 1 1961 pag. 27).

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CONCERTI-GROSSI Opus 6 de ARCANGELO CORELLI

Osquestra Barroca Inglesa

Regente: Argeo Quadri

Gravação: Companhia Brasileira de Discos SLP 5605, 5606 e 5607 (sêlo Westminster Sinter) em três discos.

Na época renascentista, dois eram os gêneros preferidos para pe- ças orquestrais: o concêrto de igreja e o concêrto instrumental de câmera. Os Concertos de igreja remontavam às formas pré-clássicas da polifonia de períodos anteriores com o acompanhamento instru- mental. São conhecidos os concêrtos dos grandes polifonistas como os irmãos GABRIELI (datados de 1587), BANCHIERI (de 1595), VIA- DANA (de 1602), que culminaram mais tarde com as célebres “canta- tas” de BAÇH. Os Concêrtos instrumentais de câmera distinguiram- se desde cêdo por serem executados por um instrumento sonata de câmera porém logo se formaram os conjuntos concertantes com uma orquestra de cordas (violinos, violas e celos) aos quais se acres- centaram instrumentos de sôpro e mesmo o óx-gão e o cravo ou piano. Mais ou menos em 1700, era comum o uso de um instrumento solista com acompanhamento orquestral, citando-se dêste tempo, os concêr- tos de ALBINONI, TORELLI, JACHINI e TARTINI. Coube a VIVAL- DI cristalizar magnificamente êste gênero em seus elementos formais precisos, na riqueza contrapontística e harmônica e no interêsse do diálogo do solista com a orquestra. BACH aperfeiçoou a forma e inau- gurou o uso do cravo, mais tarde substituido pelo piano.

Procurou-se então o enriquecimento sonoro: aumentou-se a mas- sa orquestral (denominada “tutti" ou “ripieno”) e os instrumentos so- listas (“eoncertino”) passaram a ser 2, 3, 4 ou mais. A apresentação te- mática dos vários movimentos foi sendo feita em interessante diálogo dos “tutti” e “eoncertino”, matizando a sonoridade com “fortes” e “pia- nos”, ocasionando expressivos contrastes. Esta forma foi comumente de- nominada CONCERTO-GROSSO. São célebres os “Concerti-Grossi” de Bononcini, Torelli, Stradella, GERIVLINIANI, CORELLI, VIVALDI. HAN- DEL e BACH. Como as antigas formas da “suite”, alternam-se no Con-

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DISCOS

E M

REVISTA

certo-Grosso os andamentos lentos e ligeiros. Ora são apenas três mo- vimentos como em Vivaldi, Geminiani e Bach, ora mais de três como em Corelli e Handel.

Queremos apresentar aos nossos leitores, alguns concêrtos se- gundo nossa discografia brasileira, e primeiramente os 12 Concerti- -Grossi Opus & de CORELLI.

ARCANGELO CORELLI, célebre compositor italiano (1653-1713), pelas suas qualidades musicais não somente conquistou grandes po- sições como violinista exímio, mas sobretudo exerceu grande influ ência sôbre os compositores de sua época e posteriores. Seus “Con- certi-Grossi nos revelam a profundidade de sua obra concertante, não pelas linhas clássicas dos temas tão puros e melódicos, como pelo pro- fundo trabalho formal que preludiam admiràvelmente os “Concerti- -Grossi” também Opus 6 de Handel. A presente gravação é valoriza- da pelo sonoridade plástica conseguida pelo eminente regente ARGEO QUADRI, possuidor talvez da mesma sensibilidade peninsular do au- tor e que parece conceder um colorido especial ao trabalho das cordas raramente encontrado em outras interpretações . A ORQUESTRA BARRÔCA INGLESA é um dêstes notáveis conjuntos que sob a di- reção de grandes mestres sempre apresentam as obras-primas da re- nascença e post-renascentistas com desvêlos raros e riquezas so- noras. A gravação assim realizada é da melhor qualidade e recomen- damos a série, em três discos, a qual se ouve com crescente interesse malgrado a igualdade formal e sonora dos 12 concertos apresentados em 5 ou 6 movimentos nos 8 primeiros e em 4 nos restantes onde é visível a influência das danças populares antigas.

CONCÊRTOS PARA CRAVO VIVALDI E BACH

Orquestra Pro-Arte

Regente: Boris Ord

Solistas: Eillen Joyce, George Malcolm, Thurston Dart e Denis

Vaugham.

Gravação: Indústrias elétricas e Musicais Fábrica Odeon S/A

(sêlo Angel) 3CBX —2295

Esta gravação apresenta 4 obras a saber:

J.S. BACH: CONCERTO PARA TRÊS CRAVOS EM MAIOR.

É uma das notáveis obras do mestre de Leipzig no gênero, para sempre guardadas como preciosidades da literatura musical do perío-

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DISCOS

EM REVISTA

do barroco. Os três solistas se entrelaçam de maneira extraordinária c-nquanto a orquestra acompanha com a delicadeza dos ripienos onde cantam as cordas.

VIVALDI: CONCÉRTO PARA 4 CRAVOS EM MENOR CON- CÉRTO PARA 4 CRAVOS EM MENOR

Trata-se o primeiro do arranjo feito por Bach para o Concêrto 10 em si menor da coleção Opus 3 “L’Estro Armônico” de Antonio Vivaldi que o fèz para 4 violinos e um violoncelo no “con- certino”. O segundo é também da mesma coleção sob número 11, para 2 violinos e violoncelo, transcrito por um dos solistas da gravação: Thurston Dart.

G. MALCOLM: VARIAÇÕES SÕBRE UM TEMA DE MOZART PARA 4 CRAVOS.

Completam a gravação estas Variações ainda de um dos solistas George Malcolm baseadas em tema do último movimento do DUO EM SI BEMOL (k. 424) para violino e viola. MAURÍCIO QUA- DRIO, que faz a apresentação das obras, lembra que o autor plasmou o material mozartiano “conferindo-lhe a estrutura de uma obra in- dependente e vital, na qual destacam-se além das qualidades técnicas, solidíssimas, do arranjador, elementos criadores que determinam a personalidade artística do musicista.”

Impõe-se esta gravação prensada como preciosidade ímpar do catálogo da Odeon, não somente pelos méritos da Orquestra Pro-Arte e de seu regente Boris Ord, mas pela alta interpretaçãoi dos executan- tes solistas, soberbos em técnica e expressividade: a admirável Eillen joyce e os profundos musicais e intérpretes" Malcolm, Dart e Vaug- ham.

PADRE AMARO CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE

Secretário da Comissão Arquidiocesana de Música Sacra e Professor do Seminário S. José

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ESCLARECIMENTOS PEDIDOS

81. Sôbre o andamento e interpretação do canto grego- riano, queiram ler o seguinte:

“Quando se dirigiram muitos ensaios e se assistiu a mui- tas execuções em concursos de coros paroquiais, por exem- plo, fêz-se ampla colheita de observações. Gostar-se-ia, so- bretudo, de formular, em poucas linhas fáceis de reter, bas- tantes conselhos adequados a guiar diretores e cantores na prática duma arte a maior parte das vêzes abandonada ao capricho e à rotina. Arte muito simples nos seus meios; os seus princípios são geralmente bastante conhecidos entre nós, mas a sua prática é inábil e compromete nos pormeno- res aquilo que, no entanto, se admitiu na generalidade.

Estas nótulas são dirigidas a cantores com voz sem de- feitos apreciáveis, que leiam corretamente e que tenham mesmo uma idéia suficiente da teoria de Solesmes.

Que tenham, por acréscimo, boa vontade e o desejo de fugir à monotonia e ao pouco mais ou menos, apanágio das suas execuções habituais.

Censura-se-lhes isto ou aquilo, pede-se-lhes determina- do efeito, certo matiz, mas sem lhes dar ocasião a conhece- rem as razões dessas censuras ou dessas exigências ou a conduzirem-se segundo algumas regras simples e seguras, e também coerentes.

Se tentássemos indicar-lhas sem frases nem perífrases?

O canto gregoriano, ao mesmo tempo verdadeira arte e oração litúrgica, precisa de ser cantado com naturalidade e sinceridade.

É sôbre dois pontos que se devem aplicar os conselhos que a experiência nos dita: o andamento, para começar e para terminar, a intensidade.

O ANDAMENTO

Um bom andamento, ao mesmo tempo ordenado e ani- mado, exige precisão e maleabilidade.

Como assegurar a PRECISÃO do andamento rítmico?

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ESCLARECIMENTOS PEDIDOS

Dando a cada nota o seu valor exato, nem mais, nem menos, cantando honestamente aquilo que está escrito, co- mo com qualquer outra música.

Não se devem transformar os ternários compostos em tresquiálteras, nem abreviar as notas culminantes, nem fun- dir as notas ordinárias enquadradas por duas longas (as notas comprimidas!), nem carregar as longas, as quais, pelo contrário, devem ser preparadas retendo o que as preceder, para evitar a brusquidão, nem escamotear, entre uma síla- ba acentuada, indevidamente alongada, e uma final, a “pe- núltima” das palavras dáctilas.

Em compensação, não prolongar indevidamente outras notas, tal como a nota central dum tórculus, não exagerar o efeito material do episema horizontal, ao qual se deve atri- buir um valor mais qualitativo do que quantitativo, respei- tar a duração das diversas longas, que tão depressa são de dois como de três tempos.

Uma vez obtida, a precisão deve ser coroada pela FLE- XIBILIDADE.

Como assegurar a flexibilidade do movimento rítmico?

Alargando sem excesso as notas marcadas com o episema horizontal, ou aquelas à que uma regra particular confere a mesma amplitude (a penúltima nota dos sálicus, entre outras), procedendo da mesma forma, em princípio, com as notas culminantes, as notas que precedem uma lon- ga e os acentos na elevação.

Enfim, variando o andamento geral: acelera-se discre- tamente nas subidas melódicas e modera-se nas descidas, atraza-se nas cadências, tendo em conta a sua importância, varia-se o andamento segundo as características de cada pe- ça e, no próprio interior das peças, aqui e ali, opondo às vêzes a leveza rápida de um Versículo à gravidade de um Repouso.

A INTENSIDADE

Do andamento passemos à intensidade.

Além da cadência de cada peça, que requer mais bri- lhantismo ou mais suavidade, ter-se-á o cuidado de seguir as inflexões da LINHA MELÓDICA. A intensidade cresce nas subidas e decresce nas descidas, sem nunca forçar os extre- mos.

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ESCLARECIMENTOS

PEDIDOS

Um segundo princípio de cambiantes dinâmicas, é a acentuação: é preciso preparar os acentos por meio de cres- cendos proporcionais à sua importância e afastar-se dêles em decrescendo.

Vê-se pelo que precede que o papel da intensidade é o de colorir com cambiantes constantes a linha musical e de lhes assegurar a unidade e não o de marcar os passos do ritmo, assinalando com a voz cada acento e ainda menos cada íctus.

Assim o nosso canto será embelezado por mil e uma cambiantes. Nada de grandes contrastes, mas sim grada- ções delicadas e espirituais.

Eis o que é de se esperar, pelo menos de começo, duma autovigilância sempre atenta.

Mas praticando-a com constância, esta vigilância deve trazer a pouco e pouco aos cantores, entre outros benefícios, uma espécie de automatismo feliz, uma elegância, uma se- gurança de si mesmos, que farão dêles, quando o espírito de oração os vier animar, instrumentos magníficos do Lou- vor divino.”

PIERRE CARRAZ

(da Revista “Canto Gregoriano” de Lisboa)

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BRASIL- WARD

MÚSICA E INTELIGÊNCIA

A música é freqüentemente considerada como uma arte simples- mente emotiva. Na verdade a emoção pura é incapaz de dar uma “ex- periência” musical. O espirito, a inteligência viva, rápida, exata como a memória, o julgamento, o senso da proporção é que estão na base de uma experiência musical. Pode ser que a sensibilidade seja atingida de maneira misteriosa durante o tempo da assimilação, mas isto não constitui um elemento essencial na arte do músico.

Jules Combarieu (1), a seguinte definição da música: “A arte de pensar com os sons”. Beethoven mesmo escrevia a Goethe que seu desejo mais intenso quando compunha, “não era produzir no ouvinte um estado de emoção... mas atingir sua inteligência e ser compreen- dido por êle”. Ora, quando falamos de compreender a música, não se deve supor que a música procura exprimir conceitos como o faz a li- teratura, onde uma palavra, uma frase, exprime uma idéia concreta. A música não tem conceitos nêste sentido. Concluir-se-á, então, que a música é vaga e sem significação verdadeira? Naturalmente, não. A música penetra direito no coração da verdade, O músico pensa, se exprimo pela ação da inteligência para chegar a uma síntese de sons que que é perfeitamente clara e pura, mas esta síntese consiste na re- lação dos sons entre êles, suaá proporções, seus contrastes, suas trans- formações no correr da composição, sua adaptação ao grande esquema no qual cada nota, cada desenho rítmico, tem sua parte essencial. A inteligência do compositor como a do ouvinte trabalha sôbre as com- binações de sons e ritmos, de modos, de proporções, de inversões, que exigem a atenção concentrada daquele que ouve para apreender-lhes o sentido. É evidente que uma peça de Bach ou de Mozart traz em si significação tão clara e tão intensa que palavras não a poderiam, ex- primir.

Que quer dizer, exatamente, “pensar com sons?”.

Encontramo-nos diante de uma concepção vasta, como em arqui- tetura, onde cada detalhe tem sua importância no conjunto. Mas, com esta diferença: a arquitetura é uma arte estática. Tem-se o tempo de olhar cada detalhe, de avaliá-la tranqüilamente em relação com a obra

(1) “A música, suas leis, sua evolução”, J. Combarieu.

v

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BRASIL WARD

inteira. Em música arte de movimento dá-se o contrário: cada som deixou de existir quando o seguinte fôr ouvido. Quanta atenção para se compreender a mensagem dos sons! Que rapidez de percepção para apreender o tema! Como a memória deve ser alerta, exata, para gravá-lo e poder reconhecê-lo se êle fôr repetido, para segui-lo nas suas fantasias e capitar as mudanças que êle sofre! E tudo isto é um primeiro passo neste pensamento musical que toma consciência das semelhanças, dos contrastes, no desenvolvimento da peça.

Êste conjunto de coisas constitui uma atividade mental que ab- sorve tôdas as faculdades da aima: uma fuga de Bach tem estrutura tão completa, concepção tão lógica quanto a magnifica Catedral de Chartres.

Logo, é inexato considerar a música como sendo unicamente de fundo emocional. Êste êrro bastante corrente, pode explicar o lugar medíocre concedido à música pelos educadores contemporâneos. Se êles pudessem chegar a compreender que nenhuma outra matéria do currículo desenvolve tanto a atenção, a concentração, o uso inteligen- te da memória, a correlação de todos os sentidos e das faculdades fí- sicas e morais, êles dedicariam, certamente, mais tempo a êste assun- to. Poderiam êles também tomar consciência de que tôdas estas disci- plinas — que estão na base da educação (necessárias a tôda ativida- de mental), são adquiridas sem esforço demasiado, alegremente acom- panhadas de sensações estéticas agradáveis, que ajudam a assimila- ção. Poderiam dizer, então, como um grande psicólogo, Dr. Schields: “que depois do ensino da Religião nenhum outro assunto é tão impor- tante para a educação da criança como a música”.

A criança que estuda música pensa com os sons como se brincas- se. Ela se distrai com a proporções matemáticas, sem se preocupar, quando experimenta o ritmo e a altura proporcional. O corpo e o es- pírito tomam parte nisto: os olhos, os ouvidos, os músculos. Tôdas as faculdades da criança estão despertadas e colaboram para a assimi- lação desta experiência musical. Ela ouve, olha, lembra, compara. En- fim, ela pensa com a linguagem dos sons e dos ritmos compondo pe- quenas melodias. Êste estudo é bastante fecundo para desenvolver as qualidades de atenção, de entusiasmo por uma idéia que não é pura- mente material, mas alguma coisa de um mundo ideal que eleve a al- ma.

O hábito exigido' pela música de olhar para o que segue, é uma disciplina cuja importância não escapará aos educadores. É impossível cantar uma frase mantendo os olhos fixos na nota que está sendo can- tada. Quem canta deve olhar mais longe, canta uma nota mas não a fixa mais, o olhar domina a frase inteira para calcular o fôlego necessário e saber, com antecedência, as nuances dinâmicas que deve dar. Ora,

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BRASIL WARD

éste hábito de olhar para o que vem adiante, é técnica essencial para uma boa leitura, mesmo literária.

O educador deve verificar que tôdas estas atividades, estas coor- denações, estas ginásticas do espírito se fazem com alegria, com o sen- timento de uma conquista, de realização agradável, deliciosa; êle com- preenderá, então que a música tem direito a um lugar mais impor- tante do que ela ocupa atualmente nas nossas classes. Falo, é claro, de música bem ensinada, não do tempo empregado vãmente em can- çõezinhas aprendidas de ouvido e que não formam nem a inteligên- cia, nem o julgamento, nem a alma.

Nestas linhas falei da música em geral, e do desenvolvimento das faculdades da criança adquirido por seu estudo. Se pensarmos na música sacra e sobretudo no Canto Gregoriano, chega-se, então, ao sublime. Falaremos dele num próximo artigo.

JUSTINE B. WARD

(Traduzido de “France Ward Avril-Mai 1952).

ESCLARECIMENTOS

VOC ALISES 3, 4 E SEGUINTES.

Devem ser feitas com gesto ? Quais? Em geral as crianças têm di- ficuldade em cantá-las: não com os nomes das notas, mas em “NU”. Como proceder?

Não trabalhar tôdas as vocalises da mesma maneira. O Io Livro diz bem que as vocalises 1,2, 3, 4 e 5 são feitas por imitação. As crian- ças não precisam cantá-las com os nomes das notas; devem, apenas, repetir o exemplo do professor. Elas não terão nenhuma dificuldade em realizá-lo. Não precisam executar o gesto rítmico indicado. Êste foi marcado para que o professor saiba dar seu exemplo com o ritmo desejado. Um gesto de desenvolvimento (voc. 1), de projeção, colocan- do a mão bastante alta (voc. 2 e 3), um gesto melódico para as voc. 4 e 5, serão de auxílio real para as crianças. O fim procurado é a qua- lidade vocal. É preciso procurar a ressonância, a beleza; é preciso pen- sar na forma da bôca, na posição dos lábios. Todo êste trabalho é novo. Querer associá-lo à dificuldade dos gestos rítmicos é caminhar certamente para a mediocridade seja vocal, seja rítmica. Será possí- vel fazer a leitura das notas, executando ao mesmo tempo o gesto rít- mico, nas vocalises seguintes. Os conhecimentos melódicos e rítmicos da criança neste momento, tornam êste trabalho possível. Mas o pro-

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BRASIL WARD

fessor não deixará nunca de recorrer a imitação se for necessário; a única finalidade é obter bela qualidade vocal. Fica bem claro que o exemplo a ser dado será sempre ritmado.

INTERVALOS.

Em geral êstes exercidos são os mais fáceis a serem feitos. Mas deve-se ver tudo o que está nos diferentes capítulos do Livro?... As crianças são obrigadas a fazerem o monossolfa? Muitos têm dificul- dade nisto.

Não exceção à regra que foi dada nas aulas da Semana Ward. Leiam o Io Livro de J. Ward.

Um exercício leva a outro. As dificuldades dêste serão venci- das na medida em que fôr bem trabalhado o exercício anterior. . . O manossolfa é um meio ativo para fixar a atenção das crianças e per- mite ao professor controlar tôda a classe. Desenvolver a habilidade dos pequenos por um trabalho progressivo. Colocar a mão vertical- mente e o braço estendido perpendicularmente diante do rosto. O pro- fessor diz lentamente o nome das notas (êle poderá cantá-las tam- bém) e as crianças mostrá-las-ão nos dedos. Uma linha de um exer- cício de intervalo pode ser primeiramente mostrada nos dedos sem canto; depois, será cantada com o gesto melódico. Se uma confu- são no espírito das crianças entre êstes dois gestos (o que é raro), o manossolfa poderá ser feito com a elevação da mão segundo a nota cantada. Isto será inútil depois de alguns capítulos.

DITADO MELÓDICO.

Deve-se fazer o gesto enquanto as crianças dão as respostas? Isto é imitação e não um ditado encontrado por êles só.

No início do Método é bom' encorajar as crianças a darem uma resposta exata, ajudando-as com o gesto melódico. A criança não per- cebe o auxílio do professor e se desabrocha pelo sentimento de segu- rança. Não esquecer nunca que os primeiros capítulos correspondem ao período de imitação. Èste período pode ser mais ou menos longo segundo as crianças. O professor e que deve julgar se chegou o mo- mento de passar insensivelmente ao 2o período dito de reflexão. Nes- ta altura, o professor ditará, então, fazendo o gesto melódico, mas dei- xará as crianças responderem sem os ajudar. Mais tarde êle ditará len- tamente, sem o gesto melódico, deixando às crianças o cuidado de o fazerem enquanto êle canta. Esta faculdade de poder indicar o mo-

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B R A

S I

L

W A R D

vimento melódico de uma frase musical constitui um progresso enor- me da parte das crianças. Isto deve ser possível à classe tôda mais ou menos pelo õ° Capítulo, se o professor respeitou a progressão reque- rida.

Lembro que as respostas devem ser feitas: coletivamente, por grupos, individualmente com o manossolfa, no quadro negro. A res- posta coletiva com manossolfa é escolhida nas classes em que as cri- anças não escrevem ainda muito bem.

GESTOS RÍTMICOS.

As crianças têm dificuldade em fazer os gestos com braços e pés juntos. Fazendo-se os gestos deve-se cantar em ou somente res- pirar? Se se canta em isto parece um pouco com o ditado rítmico e torno- se monótono.

Não esquecer de reler o livro. Madame Ward aconselha bem o tra- balho isolado dos braços e dos pés antes de coordenar os dois movi- mentos. Fazendo o movimento dos braços, o desejo de “voar” provo- cará, da parte da criança, uma elevação do corpo e freqüentemente o desejo de equilíbrio leva as crianças a acharem por êles mesmos a po- sição dos pés. A necessidade de variar a lição leva-me a não impor tal ou tal maneira de fazer executar os gestos. Um dia as crianças pode- rão fazê-los no ritmo da respiração. Esta maneira é bem recomendá- vel no início. Num outro dia elas cantarão um desenho rítmico conhe- cido. Se as crianças conhecem uma melodia de cor, poderão cantá-la com gestos. Uma canção popular correspondendo ao ritmo requerido ajuda a encontrar a precisão dos gestos. Um disco bem escolhido ou um trecho tocado no piano ou no violino oferecem um elemento de diversão que não rompe a sucessão da aula (recomendamos prudên- cia na escolha do disco).

MELODIA E RITMO.

Geralmente não tenho tempo de vê-las. Preciso ficar muito tem- po nos intervalos e gesto rítmico. Que fazer?

Um plano bem preparado implica a variedade. Dois planos, tanto quanto possível, não devem apresentar os exercícios na mesma ordem

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BRASIL WARD

o que é fastidioso para as crianças. Por que não começar uma aula pelo que ficou um pouco sacrificado na véspera? Releiam as páginas 15 e 16 do Livro de Io Ano e verão que o cuidado constante de Madame Ward é de variar as lições. É possível, que um único plano quanto à sucessão dos exercícios tenha sido proposto na Semana, isto, com o fim de dar idéias claras e precisas sôbre a alternância requerida num plano entre tal ou tal exercício, mas não esqueçam o conselho que foi dado de mudar a ordem indicada.

ODETTE HERTZ

(Traduzido de “France Ward 6 Octobre-Novembre 1953).

CRÔNICAS RADIOFÔNICAS

Passaremos a publicar em nossa Revista Gregoriana as crônicas radiofônicas que integram o programa realizado por D. João Evangelista Enout O.S.B. na Rádio Ministério da Educação todos os Sábados às 13 horas e 30, sob o tí- tulo “Vozes humanas à procura de Deus”. Escolheremos das crônicas irradiadas aquelas que mais possam interessar aos nossos leitores e que possam ser lidas independentemen- te de todo o contexto do programa que consta sempre de uma parte musical música a serviço de Deus e especialmen- te de canto gregoriano. Por essa razão, algumas das crôni- cas publicadas constituem apenas uma pequena parte dos 25 minutos de irradiação, mas aquela que mais possa inte- ressar ao leitor distante no tempo e que queira por ventura recordar-se do que ouvira das palavras fugazes, das palavras que voam . . .

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SANTA FILOMENA

As vozes humanas que procuram a Deus, valem-se tantas vêzes de intercessores, do patrocínio de outros sêres humanos que por seus méritos pessoais como que nos apresentam a Deus, pedem por nós, ob- têm o que precisamos para nosso bem e por outro lado nos oferecem um exemplo de vida Santa, servem-nos como modêlo, servem-nos de guia ao escolhermos a verdadeira estrada que nos levará a Deus. Os nomes desses santos são outras tantas vozes, invocações à procura de Deus, é assim que cada um recebe no batismo o nome de um santo, de um protetor, nome que é quasi um lema, um programa de vida, que tem tantas vêzes o efeito psicológico de identificar-nos, de unir-nos com aquele santo. Que acontecerá se viermos a descobrir que êsse santo não existiu? Êsse o problema que hoje se levanta quando lemos que a Igreja Católica através do orgão competente, a Sagrada Con- gregação dos Ritos acaba de cancelar do catálogo dos Santos o nome de Santa Filomena “virgem e mártir” do século IV cujo corpo teria sido descoberto em uma urna de pedra das catacumbas romanas em 1802.

Os orgãos de divulgação e esclarecimento da opinião pública falaram suficientemente sôbre êsse assunto, razão porque nos julga- mos dispensados de retomar tôda a história. Queríamos apenas traçar alguns comentários à margem do acontecido. Certamente a Igreja de Roma, o Sumo Pontífice e os estudiosos que em seu nome se ocupa- ram do caso teriam todo o interêsse em encontrar documentação su- ficiente que desse fundamento histórico a essa figura de virgem e mártir que por circunstâncias diversas caiu na simpatia de uma mul- tidão que lhe dedicou a mais fervorosa devoção. Apesar de tudo isso, a decisão a que foram levados os responsáveis é que não havendo pro- vas da existência de nenhuma Santa Filomena, virgem e mártir do século IV, não havendo documento algum que diga algo de sua vida, e de sua morte, não é possível admitir-se o culto público, com uma fes- ta marcada no calendário da Igreja, com a presença de imagens nos altares onde se celebra o Santo Sacrifício da Missa, de uma santa da qual não se tem nenhuma notícia de existência.

BEM AMADA

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CRÔNICAS

RADIOFÔNICAS

É essa decisão mais uma prova do bom-senso e da coragem do ve- lho Papa que dirige os destinoa da Igreja em nossos dias. A verdade é uma só, e a Igreja não se poderá apresentar diante dos homens de boa vontade oferecendo-lhes indistintamente o sólido alimento das verdades , por mais misteriosas que sejam, junto com as fantasias que nenhum fundamento possuem senão o de agradar a certo gôsto po- pular.

Deus sempre suscitou nos ambientes mais humildes e mais simples cs exemplos mais sublimes de santidade, a começar pela própria casa, pela própria Mãe que escolheu para seu Filho, ela que será chamada a bem-aventurada por tôdas as gerações, como canta o Magnificai, porque respondeu como humilde escrava do Senhor ao anúncio gran- dioso, ao convite, incompreensível aos anjos, de conceber e ser Mãe do Filho de Deus feito homem.

A mesma Igreja que saberá sem temor dialogar com os Protestan- tes, defendendo as prerrogativas teologais daquela que Deus escolheu para ser sua Mãe, ao descer ao mundo como Homem, não pode admi- tir que no mesmo culto público que o Cristo com todo o Corpo Místico presta ao Pai sejam admitidas como pessoas que deram um testemu- nho histórico de santidade pela virgindade e pelo martírio, alguém que nunca existiu, como um Santo Anacleto que outro não é senão o pró- prio S. Cleto, designado sob outra forma, com um nome parecido com o seu, ou como a bem-amada santinha imaginada pela piedade popu- lar, talvez tão querida porque delai nada se sabe, e nada se sabe por- que nunca existiu.

Nada se sabendo de certo, tudo se poderá imaginar, o mais pitores- co se poderá criar a seu respeito. Os milagres que por ventura tenham sido feitos sob a invocação de seu nome, foi Deus quem os fêz. Nin- guém poderá crer que foi a Santa, ou uma simples imagem que os fêz, nem o milagre poderá fazer com que passe a existir quem nunca existiu.

Alguns Santos ao obterem de Deus seus milagras, oravam dizen- do: <rSenhor, olhai para a dêste homem humilde que Vos pede esta graça e não para aa minhas misérias.” Não será impossível que Deus tenha querido atender à sincera e ingênua de tantos que de boa se acreditavam levados ao Pai por uma humilde santinha que teria ofe- recido a Deus sua virgindade e sua própria vida pelas mãos dos car- rascos. Mas sa o Pai assim fêz é porque nos ama e porque foi amado pelos corações singelos e puros dos que pediram. É Jesus quem nos ensinava no Evangelho do domingo passado: “Tudo o que pedirdes a meu Pai, Êle concederá, por minha causa” e logo adiante: “Neste dia dirigireis vossos pedidos em meu nome e eu não digo que solicitarei o

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CRÔNICAS RADIOFÔNICAS

Pai em vosso favor, seria desnecessário O Pai mesmo vos ama porque vós me amastes e acreditastes que eu vim de Deus.”

A questão tôda é de crer e de saber amar. Todos nós seremos fortes junto a Deus se soubermos amar, todos seremos então bem amados. E é por isso que quem se chama Filomena não perdeu o seu nome, nem deixou de ter patronos. Filomena em grego quer dizer a amada, a bem-amada, e quem não quer ser a amada, a bem amada de Deus?

A criatura puramente humana mais amada de Deus é Maria, mãe de Jesus; bem amados de Deus são, sem falar no Filho “em quem puz tôdas as minhas complecências, todo o meu amor”, são todos os san- tos, virgem e mártires, apóstolos e confessores, antes de tudo Aquele que Jesus amava, todos são bem-amados porque foram dóceis ao Es- pírito do Amor, todos poderão ser invocados e ser patronos das bem amadas, das Filomenas e das Marias Filomenas, sem falar em mais uma Filomena e dois Filomenos que constam do Catálogo dos Santos da Igreja. Nossa Igreja é a Igreja dos Santos como gostava de dizer Ber- nanos, ao falar da sua e da nossa Jeanne d’Arc e nunca faltarão santos que realmente existiram, a nós, a quem não faltam nem o ESPÍRITO DE VERDADE que do céu nos é enviado, nem a presença de Deus mesmo, nem a FÕRÇA DO ALIMENTO AUTÊNTICO, de Jesus real- mente presente, nem a Face do Senhor que pedimos não se obscureça diante de nós.

(Irradiado no Sábado 13 de maio de 1961).

O PÃO DA VIDA

As primeiras páginas da narrativa sagrada nos falam da dureza com que Deus se dirigiu ao primeiro casal: nossos primeiros pais, de- pois do pecado. À mulher disse que geraria seus filhos com dôres; ao homem, que a preço de penoso trabalho arrancaria do solo seu ali- mento; todos os dias de sua vida, comeria do pão com o suor de seu rosto. O mundo até hoje, com todo o seu maravilhoso progresso téc- nico, ainda não se livrou do pêso da palavra divina. Mas perguntarão logo: E o parto sem dôr? Certamente o assunto não é de minha alça- da nem será o momento de tratá-lo. Mas ^perguntaria também de mi- nha parte: Será possível gerar alguém, ser mãe, num sentido mais amplo, sem sofrimento, sem dôres? Quanto às próprias dôres do parto, muito antes das técnicas modernas, o Evangelho dizia que a alegria da mãe ao ter em seus braços a criatura que deu à luz, faz com que ela não se lembre mais das dôres por que passou. Começam depois, agora, sim as novas dôres, as verdadeiras dôres da maternidade que são tam- bém elas amplamente compensadas com as alegrias que sucedem ao

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D. JOÃO EVANGELISTA ENOUT O, S. B.

pranto e dêle brotam como uma flôr, como um fruto de paciência e de esperança.

Quanto ao destino' laborioso do homem em busca do pão nosso de cada dia, continua a ser êste independentemente de todo o progresso e de tôda a técnica, o problema central pelo qual os homens, as famí- lias, as cidades, as nações, as gerações se batem, se entredevoram, em todos os quadrantes da terra, em todos os tempos.

Certamente que o problema mesmo do pão nem sempre aparece logo ccmo o centro do drama da humanidade. O homem é bem mais complexo e bem mais vulnerável em muitos outros domínios que um ser que dependesse apenas de pão, Nem de pão vive o homem dizia a sabedoria evangélica o que é confirmado pelo espetáculo do mundo, que se traduz com a frase: nem por pão luta o homem. Luta entretanto pelo pão, mata, destrói, se avilta moralmente por êle, e mais ainda pela soberba da vida, pela aspiração do domínio, pela concupiscência de todos os sentidos, que se insurgem contra o es- piritual e o dominam.

Falta realmente ao homem a segunda parte, o complemento da frase enunciada pelo Cristo: “Não de pão vive o homem, mas de tôda a palavra que procede da boca de Deus,”

Como contraponto à terrível maldição do livro do Genesis a pa- lavra de Deus se fêz carne, a palavra de Deus se fêz Pão.

Eis que assim, o Pão se faz alimento do corpo e alimento da alma. Se é a misericórdia de Deus que o poder maravilhoso de fazer com que um pedaço de pão, mantendo tôdas as aparências sensíveis de pão, seja realmente o Corpo de Deus, presença de Deus na alma humana sequiosa de fôrça e de alimento espiritual, é ainda o poder de Deus que faz com que a terra seu fruto no tempo devido e que provê, usando do trabalho humano, a subsistência dos homens como a de qualquer ou- tra criatura: dos animais na floresta, das ave3 do céu, dos peixes que têm o mais rico celeiro do mundo, no fundo dos mares.

É preciso pois que as vozes dos homens que clamam por pão, que lutam por pão, que amaldiçoam, que blasfemam por causa do pão, procurem a Deus, supremo e único definitivo possuidor do pão do corpo e do pão das almas. Que as vozes dos homens falem com timbres infantis, reaprendam a pedir como as crianças pedem: Pai, o pão nosso de cada dia nos dai hoje... E Deus entenderá que pedimos o Pão do corpo e o pão do Espírito.

É o que pedem os textos sagrados, as vozes sagradas, na festa do Corpo de Deus que se celebra na próxima quinta feira, l.° de junho.

As palavras do salmista que cantam com grande poesia esta ati- tude de espera, de espectativa da criatura diante do Criador para dêle

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CRÔNICAS

RADIOFÔNICAS

receber o que de mais comum, de mais cotidiano para todos os sères

vivos.

Estas palavras:

“Os olhos de todos estão voltados para Vós, Senhor; e dais a todos o alimento no seu devido tempo’’

Essas palavras que lembram com infantil ingenuidade a tão queri- da dependência que temos diante de Deus para nossa própria subsistên- cia, são aplicadas ao alimento espiritual que é o próprio corpo do Se- nhor e cantadas com grande riqueza expressiva no Gradual que vamos ouvir cantado pelos monges de Solesmes. Note-se como são cheias de expressão: de um lado a solenidade e o viger da primeira parte; em se- guida a leveza suplicante do versículo “Aperis tu manum tuam": Vos- sa mão está aberta e repleta de bênçãos tôda a criação

“Minha carne é verdadeiramente alimento e meu sangue uma verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe seu sangue, per- manece em mim e eu nêle”

Estas palavras do Senhor no Evangelho de S. João que causaram verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe meu sangue, per- nuam a não ser entendidas por tantos homens de todos os tempos, ser- vem de versículo ao belíssimo canto do Alleluia. A entoação e o júbilo, com sua larga descida que se completa com uma subida melódica cheia de luminosidade, são graves e solenes. A melodia do versículo “Caro mea” quando se compraz no agudo é alegre e entusiasmada. Se- gue-se o longo, solene e ritmado canto da Seqüência Lauda Sion, um canto siiábico evoluindo entretanto em grande extensão melódica. A solenidade dêsse amplo recitativo é um louvor ao Deus que nos con- cede o alimento da ceia pascal, é ao mesmo tempo à maneira medie- val, uma forma lírica de expor a doutrina teológica do Sacramento da Eucaristia. Basta dizer que êsses versos do século 13 são atribuídos ao gênio doutrinário de Santo Tomás de Aquino.

Os quatros últimos versos da Seqüência separados do conjunto constituem o motete “Ecce panis angelorum,” dos mais célebres em honra do Santíssimo Sacramento e que serviu de constante inspiração aos polifonistas renascentistas pela sua beleza suplicante. Eis seu último verso:

Vós que tudo sabeis e podeis que nutris todos os vossos filhos mortais; fazei de nós onde estais vossos comensais, vossos herdeiros, concidadãos de vossos Santos Amen Alleluia

(Irradiado a 27.5.61)

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D. JOAO EVANGELISTA ENOUT O. S. B.

“JEANNE"

A semana que hoje termina nos trouxe duas representações de Jeanne d’Arc au Bucher no Municipal como tivemos ocasião de anun- ciar em nosso último programa, trouxe mais, em um dia de maio, tão belo quanto um 30 de maio na bela e rósea Normandia, a festa de Jeanne, a comemoração do dia, 530 anos atrás, em que a sangue da virgem Jeanne d:Arc e o fogo que a transformou em chama viva para Deus, deram colorido mais forte à rósea e bela Normandia. Mais que da beleza do oratório dramático de Claudel-Honneger tão bem inter- pretado esta semana, falaremos hoje da beleza mesma de Jeanne, re- lapsa e santa.

A história de uma jovem guerreira que salvou a França pertence simplesmente à história dessa dôce terra, pertence à história universal.

O reino de França nas primeiras décadas do século XV está em vias de esfacelamento, um desencorajamento, uma atmosfera de morte, de rendição.

Carlos VI morre e um delfim minado pelas dúvidas, duvidoso de si mesmo e da legitimidade de seus direitos, se encolhe cada vez mais para o sul; tomam-lhe Orléans, pensa em deixar a Fraivça agonisar sozinha, em retirar-se para a Espanha. A rainha mãe e o duque de Burgonha estão decididamente dispostos a entregar o país aos ingleses que com passo pesado e metódico se apossam da terra do reino humi- lhado.

È êste momento de trevas, de vazio mortal, de De profundis como canta o prólogo do Oratório: Tenèbres... tenèbres Et la France était inane et vide De profundis clamavi ad te Domine;

é êste o momento favorável para os anjos de Deus. É nêsse momen- to de desânimo mortal que, como diz Stanislas Fumet um vai-vem de anjos atarefados que tecem a trama da misericórdia entre o céu e a terra.

No meio das trevas. Deus procura uma chama ardente, pequenina, uma criança, uma virgem que se guarda tôda para Êle:

enfant de Dieu, filie de Dieu.

É o momento da “filie de Dieu-’ se levantar e ir. Desde os 13 anos ela ouvia os chamados de seus amigos do céu: Michel, Catherine, Mar- guerite. Continuava contudo a menina de sempre, simples, razoável e submissa. Se Deus lhe sugeria tantas coisas e ela nada podia fazer, re- solveu que ao menos... ao menos lhe daria o seu tudo, lhe consagraria sua virgindade. E Deus a aceitou e a abençoou.

Jeanne nos revela o sentido mais genuíno de uma vida virginal que é o de ter Deus sempre presente, sempre iluminando e dando vida nova, visão nova a tudo que nos cerca. Jeanne parece uma visionária,

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uma alucinada, porque se permitiu o supremo realismo de viver em Deus, de fazer-se tôda de Deus. de não estar dividida, de fazer de Deus o seu único e o seu tudo. um momento em que aquela que se fêz tôda de Deus não pode mais resistir ao impulso do alto.

Filie de Dieu, vai; vai; vai. E ela vai para arrebatar Orléans da mão dos ingleses, para vencê-los em tantas e seguidas batalhas, tendo em uma das mãos seu estandarte com o nome querido de Jesus e na outra sua espada que não foi feita para matar, mas para salvar, para indicar aos ingleses o caminho da Inglaterra, clara espada “Ela não se chama ódio, ela se chama... amor!”

As vitórias da “pucelle” levam-na depressa a ir surpreender em Chinon um príncipe abatido, desconfiado, fugitivo. Ela diz claramente ao delfim: “Em nome de Deus, sois vós o rei e não outro” Sua devo- ção ao rei de França outra coisa não é que uma consequência e um reflexo de sua devoção ao Rei do Céu. É no amor a êste rei único que ela toma nas mãos as rédeas do cavalo de um rei da terra, para levá- lo a Rheims onde recebe a sagração.

Ê um novo Advento, uma nova aparição do Cristo, os ritos galica- da sagração comemoram-na com as trombetas de Natal. Claudel ex- prime esta idéia de Advento do Rei com o belo Responsório “Aspiciens a longe” que é musicado por Honeger com a melodia gregoriana cor- respondente, infelizmente num ritmo mensuralista que faz com que perca muito de sua nobreza, do misterioso esplendor que possui quan- do cantado no ritmo livre autenticamente gregoriano. Seria, porém, Jeanne a Filie de Dieu, a esposa realmente identificada com o Jesus do seu estandarte e dos lábios em constante oração se seu des- tino terreno se coroasse de Glória e de humanas consagrações?

Seria de glória mundana o destino da Filha, quando foi de cruz, de sangue, de espinhos o destino do Filho?

A côrte do Rei não tolera as vitórias de uma camponeza armada em cavaleiro.

Vêm as traições, com elas a derrota, a indiferença que encobre o positivo desejo de que Jeanne caia nas mãos dos inimigos, que termi- nam por vendê-la aos ingleses. Éstes encontram facilidades em tantos que lhes querem prestar bons serviços, para que a condenem e exe- cutem em nome da religião, por crime contra a Religião, em vez de considerá-la como guerreiro inimigo. Não são os donos da religião de Israel que condenam o filho de Davi? e por motivos religiosos: de se fazer Filho de Deus?

É um Tribunal fantoche, literalmente pago pelo Rei da Inglaterra, presidido por um Bispo fora de sua diocese, portanto sem jurisdição, que julga e condena uma acusada sem defesa que lhe é garantida pela lei da Igreja, que apela para o Papa, o Pai aquêle que está logo abaixo

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de Deus na terra, apêlo não ouvido nem considerado, pois que di- riam os senhores ingleses? acusada mantida acorrentada em prisão não eclesiástica, nem feminina, mas em quartéis ingleses em meio à soldadesca. Havia sempre a secreta esperança de uma quéda moral que golpeasse a virgem em sua fidelidade ao Rei do Céu. Nem faltam para isso as seduções brutais contra as quais a menina se defende usando roupas de homem, de soldado. Mas então é reincidente por desobediência, é relapsa: comburatur igne, seja queimada pelo fogo. É esta afinal a conclusão definitiva de um Tribunal presidido por Cau- chon, com a, u nome que sôa igual a Cochon: o Pôrco, o que sugeriu a Claudel a feliz alegoria da formação do Tribunal de animais que julgou a Santa.

Diz Frère Dominique no drama de Claudel Não foram Padres, Jeanne, que te julgaram. Quando êsses animais ferozes se reuniram em tôrno de ti, cheios de raiva no coração e espuma na bôca: a êsses padres, a êsses políticos, o Anjo do Julgamento que sustem as altas balanças fêz com um sôpro tombarem-lhe, das cabeças e das espáduas, a mitra, o capuz, o hábito.

Ei-los despojados.

É preciso que Jeanne, como outrora suas irmãs, na arena de Roma seja entregue às feras!

A escolhida de Deus, a Santa de Deus, não são padres, não são ho- mens são feras que a vão julgar!

Assim se representa a formação do Tribunal com a dolorosamen- te mordaz entronização de Cauchon, o Porco.

A vida, a morte, a mensagem, as palavras de Jeanne revelam uma integridade e coerência doutrinal e existencial impressionantes. Deus e a Igreja são uma coisa para ela.

Poucos anos depois de sua morte, os ingleses capitulam como ela previra, Roma em novo processo chega à cassação do primeiro e à rea- bilitação da condenada. Mais tarde virá a canonização. Jeanne re- lapse et sainte.

É preciso entrar nos planos de Deus para compreender os enigmas da História. Os Juizes do Tribunal de feras estavam tão esquecidos do Evangelho que não perceberam que condenando Jeanne davam-lhe a perfeita semelhança que ela desejava da “filie de Dieu-’ com seu Senhor.

Aquela chama viva na qual se transformou a libertadora de Or- léans suspira ao morrer seis vêzes: JESUS

É a própria chama que será seu vestido de noiva. A chama que faz com que caiam as correntes de suas mãos, correntes que pren- diam a alma ao corpo, cadeias que prendiam Jeanne a Jeanne, que a

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impediam de seguir, de atender ao novo chamado que não é mais: Filie de Dieu vai, vai, vai, mas, Jeanne Filie de Dieu vem, vem, vem.

Pois a alegria que é mais forte! o amor que é mais forte! Deus que é mais forte.

Ninguém tem mais amor que o que a vida por aqueles que ama.

(Irradiado a 3.6.1901 com trechos do oratório dramático de Caudel Honeger conforme foi executado no Teatro Municipal a 27 de maio p.p.).

S. PEDRO PESCADOR (TRECHO DE CRÔNICA)

Santo Antônio, S. João, S. Pedro, festaá de Junho, festas de nossa terra, festas dos que foram crianças um dia, dos que têm a sorte de ser crianças sempre; festas que vieram do Norte, que continuam sempre vivas no Norte, que nunca morrerão.

Entre elas talvez a maior seja a de S. João, daquele que apontou Jesus; mas não menor será a do pescador, a do velho pescador, aquele que seguiu Jesus, aquele que Jesus pescou para dêle fazer pescador de homens, os peixes do Reino do céu. Um dia Jesus chamou André e An- dré chamou seu irmão Pedro, e estava o pescador pescado; depois disso virou pedra, ganhou as chaves do céu, ganhou todos os poderes que Deus queira ter sôbre a terra, de pescador pecador transformou-se em pesca- dor santo, pregador, Apóstolo, escritor de epístolas, tingiu Roma com seu sangue, com os braços estendidos em cruz, de cabeça para baixo, prepara-se para trilhar os caminhos do céu, enquanto Jesus que vi- nha o céu trilhava os caminhos da terra.

S. Pedro dos Navegantes vai dirigindo sua barca cada vez mais cheia, caminhando para o alto. quem pensa que naufraga; é agora que vai afundar... Mas não naufraga não... vai direitinho para o alto, quanto mais cheia mais veloz... Se ela se enchesse logo de peixes: ne- gros, amarelos, africanos, asiáticos, tudo que é pescado, tudo que é pecador, brancos, brancos também, europeus, americanos, todos, especi- almente judeus, judeus como o pescador, iria então bem depressa a bar- ca de Simão Pedro. Mas não, será quando Deus quiser, às vêzes parece vazia, às vêzes quer sossobrar. Vazia é que ela não está, naufragar? sossobrar? nunca mais; não fôsse Pedro quem é, Apóstolo e Pesca- dor, pescador de alto mar.

(Irradiado a 1.7.1961).

SÃO PAULO PROPAGANDISTA DO REINO DOS CÉUS

PARA O 7.° DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES

Nosso século entre outros atributos pode merecer o de ser o sé- culo da propaganda.

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Os homens, as coisas, as idéias se lançam em terrível concorrên- cia para tomar de assalto, pelos olhos, pelos ouvidos, a inteligência, a imaginação, a memória dos habitantes da tei'ra. É a concorrência do fazer-se conhecido para fazer-se desejado, procurado e, se fôr o caso, comprado.

A propaganda está a serviço de tudo: da religião, da política, da arte, das idéias, das pessoas, dos produtos e de tudo o mais. Vale isso a dizer que está a serviço do bem e do mal; pelos frutos se conhece- rá a árvore. Mas, por mais avassalador que seja o lançamento da pi'o- paganda, a capacidade da gente para recebê-la é naturalmente limi- tada; de onde a arte atrair, de monopolizar as atenções, de dizer as coisas, de dizer tudo do modo mais claro, mais intuitivo, mais agradá- vel e ao mesmo tempo mais conciso, com menor dispêndio de tempo e de atenção. É tôda uma arte a de escrever propaganda, como será uma arte muito especial a de escrever qualqueij coisa para os homens de nosso tempo. A concisão será sempre uma grande qualidade e como tôdas as qualidades é mais fácil falar sobre elas, aconselhá-las do que praticá-las, como estará começando a observar o meu paciente ou- vinte.

Nas coisas filosóficas, abstratas, teóricas então é o vício da pro- lixidade e da confusão que domina; assim o é também nas coisas e conceitos religiosos. Razão porque não será mal aprender alguma coi- sa com aqueles que premidos pelo preço de alguns mil cruzeiros por um segundo de televisão são obrigados a dizer tudo na mais absoluta concisão.

Parece que o Apóstolo Paulo teve, algumas vêzes suas intuições de propagandista, de uma propaganda do reino dos céus, quando em poucos parágrafos explica tôda a situação da humanidade diante da morte e da vida, do bem e do mal, problemas afinal um pouco mais complexos dc que o do sabão com o qual alguém se ensaboa ao des- pertar, o óleo que manda por em seu carro ou o comprimido com quo disfarçará um inevitável resfriado.

um momento na célebre carta aos Romanos em que S. Paulo começa por pedir desculpas da maneira como vai passar a falar. “É uma maneira de falar bem humana como quem diz bem fácil, bem compreensível; que eu agora pasarei a usar e isso por causa das limi- tações dos ouvintes, “por causa da fraqueza de vossa carne’’; e, dito isso, lança com coragem e concisão o seu raciocínio: “Há tempos, entregastes os vossos corpos à escravidãcf da impureza e do mal e foi simplesmente o mal o que encontrastes como resultado. Da mesma forma agora, experimentai entregar vossos corpos à escravidão do bem e encontrareis a santidade.

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Quando eram escravos do mal e libertos do bem, qual era o ga- nho que tinham naquela epoca? Hoje enrubescem de vergonha à

simples recordação.

A meta de tudo aquilo é a morte. Agora, ao contrário, libertados do pecado e fazendo-se escravos de Deus, colhem como fruto a San- tidade e como meta a vida terna. Pois o salário do pecado ê a morte mas o dom deDeus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor”. São essas as palavras breves, os períodos sucintos do propagandista do reino dos céus, do Apóstolo Paulo.

Em suas palavras está resumida tôda uma concepção de vida, está ali expresso um esquema completo do que seja a desgraça, o desca- labro de uma existência humana entregue ao mal, e do que seja a sua reabilitação, a superação de tudo que prende a uma condição vil, a afirmação do que a encaminha para a eternidade.

S. Paulo fala a pessoas que viveram mergulhadas no vício, fala a uma geraçãa de fim de paganismo, de fim de civilização o que inva- riàvelmente conduz, como podemos contatá-lo em nossos próprios dias, ao surto de uma mentalidade que nega todos os valores funda- mentais e construtivos de personalidades e conseqüentemente de uma sociedade. O homem é devorado pelo nada. O homem e o nada se encon- tram face a face.

O homem conscientemente abraça o nada como quem abraça a fe- licidade. O nada o envolve e tenta reduzí-lo a nada, redú-lo realmen- te a um espectro de ser humano, ao ser humano mais aviltado, pois afinal o ser resiste ao nada. Não foi o nada que o criou, não de ser o nada que o irá aniquilar.

No mundo da vida psíquica, o homem devorado pelo nada, apai- xonado pelo nada, faz com que se multipliquem os psiquiatras e ês- tes que se alimentam da decomposição das personalidades envolvidas pelo nada, não raro prestam seu culto ao nada e na melhor das> hipó- teses declaram solenemente: o homem está em perigo. Esteve, está, estará em perigo; nos diria vinte séculos o Apóstolo S. Paulo, sem- pre que o vazio de uma verdade, a ausência de um caminho, o des- prêzo por uma vida que vem da fonte da Vida, enfim, sempre que o ideal do nada, a paixão pela negação a tudo que pretende atingir o homem através de seu espírito, sempre que tudo isso levar o homem à escravidão do mal, êle estará em perigo. Mas que é o mal? O mal é o nada, é a destruição, é a corrupção da alma, é a impureza, a men- tira, a violação do justo, do verdadeiro, do autêntico; é a impureza do corpo, a sujeição ao vício, a cegueira em distinguir o certo do er- rado, justo e injusto, é o desprezo, o desconhecimento do direito alheio, do bem do próximo, de sua dignidade como da própria dignidade; tu- do serve, de tudo se abusa, da tudo se pode aproveitar, mas ao mes-

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mo tempo tudo é trapo, tudo é lixo, tudo é nada; os mais respeitáveis valores, humanos e eternos são apenas nada vêzes nada. Isso é o mal.

Diz calmamente o apóstolo aos romanos, aos existencialistas de então, de uma civilização em ocaso: “Outrora, entregastes os vossos corpos à escravidão da impureza e do mal e foi naturalmente o mal, simplesmente o mal o que recolhestes como resultado.”

A finalidade de tudo isso é a morte, a negação da vida para quem negou a vida, o caminho, a verdade. Mas o Apóstolo é o propagandis- ta da vida, da vida que não morre, que começa exatamente com a morte, para a qual a morte não é morte; é o propagandista do reino dos céus, por isso logo acrescenta: “experimentai entregar vossos cor- pos à escravidão do bem e encontrareis a santidade”. Usa a palavra escravidão referindo-se ao bem porque a usou referindo-se ao mal, a diferença entretanto é radical, a escravidão ao bem é uma submissão, certamente, de uma natureza rebelde, mas uma submissão que libei- ta, é como o pêso das asas) que entretanto nos permitirão voar.

Alma e corpo escravos do bem, florescem em santidade.

Santidade não é pieguismo, não é beatismo, conformismo morno e inexpressivo às situações, diploma de bom comportamento, apatia e indiferença à violência das solicitações para o bem e para o mal. Santidade dizia o filósofo Bergson é a identificação da vontade hu- mana e da vontade divina. É pois uma divinização do homem nao pela destruição do humano e portanto muito menos pela sua medio- crização, mas uma dilatação do humano, operada interiormente por Deus mesmo, até que o homem atinja a Deus.

Deus realiza essa dilatação pela Graça, pelo Amor, por isso Santi- dade é plenitude de amor. É mais santo quem mais ama. Se é Deus quem infunde o amor, pois Êle mesmo é o amor, quem ama realmente, o sujeito desse amor é o homem, capaz de amar, que assim com o a- créscimo de fôrça divina que recebeu se torna mais homem, mais au- tenticamente homem. A Santidade assim, poder-se-á dizer, consiste em que nos tornemos mais profundamente o que somos ou o que temos possibilidade de ser. Essa fôrça divina de amor que faz com que seja- mos mais o que devemos ser, Deus quis transmiti-la através de um ho- mem, de um homem que amasse com coração humano, mas de um ho- mem que tivesse em si todo o poder do amor de Deus, o que significa que fôsse também Deus. Verdadeiro Deus e verdadeiro homem, eis as duas naturezas íntegras que se unem em Jesus Cristo, o Deus e homem que redime, que levanta tôda a humanidade do nada da corrupção e da morte para o tudo da santidade e da eterna vida. Eis porque S. Paulo termina: “O Salário do pecado é a morte mas o dom de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus”.

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É admirável a riqueza dêsses trechos ultra-condensados que pas- sam diante de nossos olhos, e são ouvidos na liturgia sem que nem sempre nos detenhamos para procurar todo o conteúdo que está ali es- condido. Conteúdo realista que apresenta nua e sangrenta a ferida de uma humanidade decaída, as carnes em decomposição dos que a escra- visaram à impureza. Mas também o ideal da Santidade, da libertação pela escravização ao tudo, que é Deus, levando a meta da vida eterna. Cruamente realista ou sublimizante, não importa, a liturgia se compraz em fazer cantar com a nobreza dos tons solenes gregorianos, no Domin- go T depois de Pentecostes, que corresponda ao dia de amanhã, êste trecho cheio de significação do apóstolo Paulo aos Romanos:

As missas dos Domingos depois de Pentecostes pedem a cór ver- de para os paramentos sacros, é cor da esperança, esperança de que tudo aquilo que foi conquistado por Cristo em seu ato redentor, morte na Cruz e ressurreição no terceiro dia, penetre pouco a pouco a nossa vida de cada dia, encha com, o< tudo de Deus o nada que é de certo modo peculiar ao ser que, criado por aquele que é tudo, não deixou de sair do nada, como não deixa de permanentemente sentir a atração para o nada. Nessas mesmas missas verdes, deve-se ouvir o Kyrie XI do Kyriale Romano. È um dos mais belos na pureza e simplicidade de seu primeiro modo gregoriano, tendo a tônica em e a dominante na 5,J acima, o com freqüentes bordaduras pelo si bemol, meio tom. ime- diatamente, acima da dominante lá. A quinta la-re-la é estrutural sen- do que nas invocações do Criste o re atingido é o superior, oitava da- quele em que a melodia acaba finalizando. É êste Kyrie junto com o respectivo Gloria, belo, orante e discreto que iremos ouvir em seguida cantados pelos monges de Solesmes.

(Irradiado a 8-7-1961")

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