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CURSO INTIÍGRAL DE ANTIGUIDADES ÁRICAS

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SAMSGRITOLO&IA E SEU VALOR

DISCURSO ABERTURA

G. DE VASCONCELLOS-ABREU

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IIOCl MKYrnS KKl,AriVOS A CHIACÃO no CIIKSO

UNIVEHSIUADE IIE COIMBRA

LISBOA

1903

CURSO INTEGRAL DE ANTIGUIDADES ÁRICAS

I

SAMSGRITOLOGIA E SEU VALOR

DISCURSO DE ABERTURA

POR

G. DE VASCONCELLOS-ABREU II

DOCrMENTOS RELATIVOS À CRIAÇÃO DO CURSO

NA

UNIVERSIDADE DE COIMBRA

LISBOA 1903

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SAIISCRITOLOGIA E SEU VALOR

DISCURSO DE ABERTURA DO CURSO INTEGRAL DE ANTIGUIDADES ÁRICAS, A 28 DE FEVEREIRO DE 1903. NA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

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SAMSCRITOIOGIA E SEO YALOR

Origom do Curso Integral de Antiguidades Áricas. A quem se deve a criação dele

Senhores :

Em 1889, na minha vinda a Coimbra, depois de haver regressado do Congresso Internacional dos Orientalistas em Estocolmo e Cristiá- nia, tive larga conversação com o Sr. Dr. Gonçálvez Guimarães, lente da Faculdade de Filosofia nesta Universidade, e com outros amigos comuns, reunidos todos na aula de geologia, acerca de orientalismo e muito particularmente de samscritologia.

Um dos pontos, que então tratámos, foi de como se poderia con- seguir na Universidade um curso de sámscrito.

Uns dez anos depois, o Sr. Dr. Gonçálvez Guimarães era encar- regado da Reitoria da Universidade como Vice-Reitor dela, e, porque não se houvera esquecido do assunto, escreveu então uma consulta, na qual propunha ao Governo a criação da cadeira de sámscrito como àquele tempo a havíamos ambicionado, e que eu viesse regê-la. Tive conhecimento dessa consulta e procurei lê-la. Li-a. E documento bem escrito, em que se manifesta a consciência segura, que seu autor tem, do que são e do que valem estes estudos. O Sr. Dr. Gonçálvez Gui- marães é professor considerado de geologia e mineralogia, e é além disto, como todos sabem pelas publicações que tem feito, latinista e helenista. Nesse documento mostra-se conhecedor dos estudos de sáms- crito por modo que, propondo que eu viesse reger a cadeira cuja criação aconselha, eu me senti honrado pelo Vice-Reitor e pelo eru- dito. (Doe. n.^ 1).

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Nesse tempo, meus Senhores, o caso era absolutamente estranho ! não porque pela primeira vez viria falar numa aula desta Univer- sidade um indivíduo que não é do corpo catedrático dela, mas por- que se quebrava, com tal facto, a tradição académica e se praticava esse facto sem autorização de estatuto, que houvesse trazido a liber- dade de se criar um curso fora da órbita escolar.

Honroso era tudo isto para o Sr. Gonçálvez Guimarães ; e hon- roso é havê-lo proposto ; honrosa lhe é ainda a parte que lhe cabe na minha vinda hoje aqui para realizar o «Curso Integral de Antiguidades Aricas», que tenho em idea, e com programa assentado, ir desenvol- vendo em anos sucessivos.

Ao tempo de a consulta subir ao Ministério do Reino e Instrução Pública, era Director Geral desta repartição o Conselheiro Luciano Cordeiro. Foi ele, o homem de cujo espírito apregoadamente liberal haveria a esperar-se mais largueza, quem tolheu o andamento à pro- posta, quem a sepultou muito crente em que a sepultava para sem- pre ! Mas a idea de abrir cursos livres na Universidade, que pela pri- meira vez um Reitor aconselhava, passou a ser lei : está consignada no § 1.^ do artigo 3.*^, do decreto de 24 de dezembro de 1901.

O Sr. Conselheiro Dr. Abel Andrade, actual Director Geral de Instrução Pública, que, em tempo de Luciano Cordeiro, me signi- ficara interesse por que se levasse a efeito o curso de sámscrito acon- selhado pelo Sr. Dr. Gonçálvez Guimarães, indicou-me esta disposi- ção legal e disse-me, que elaborasse eu um programa mais vasto em que, além do interesse linguístico, o interesse histórico de evolução social estivesse evidente. Tracei o programa e levei-lho no dia seguinte. Nesse mesmo dia foi mandado para a Imprensa Nacional ; e poucos dias depois estava nas mãos do Director Geral. (Doe. n.*^ 2).

Ainda era Vice-Reitor desta Universidade o Sr. Dr. Gonçálvez Guimarães, quando, por ordem superior, esse programa baixou á Rei- toria, para que a Faculdade de Direito e a de Teologia dessem pare- cer acerca dele, para realização de um «Curso Integral de Antiguida- des Áricas» na Universidade. Não deram as duas faculdades parecer, e ultimamente, mais de um ano depois, disseram, a instâncias do Sr. Conselheiro Dr. Abel Andrade, que «não se opunham».

O Conselho Superior de Instrução Pública, ao qual foi submetido o meu programa, aprovou-o com elogio muito honroso para mim. Sua Ex.® o Ministro do Reino e da Instrução Púbhca, o Sr. Conse- lheiro Hintze Ribeiro, determinou que eu viesse começar este ano a cumprir o programa. Venho : é dever de todo homem de estudo divul- gar os conhecimentos, que adquiriu, e transformar esses conhecimen- tos em serviços úteis para a sociedade em que vive.

o fundamento do curso que tenciono fazer, em anos sucessivos, é a Samscritolog^ia. A lição de hoje, a de abertura desse curso, ver- sará sobre o que seja samscritologia e qual o interesse dos estudos de sámscrito, historiando a traços largos como veio à ciência o conheci- mento do sámscrito, e como por ele se criaram ciências novas no sé- culo findo.

II

O que é samscritologia. O que é siimscrito.

Samscritologia é a filologia das letras samscríticas ; é o conjunto sistematizado de conhecimentos dados pelo estudo dos textos escritos em sámscrito e línguas samscríticas ; e não no que diz respeito ao valor desses textos considerados boas-letras na literatura, mas também e principalmente no tocante à crítica e aproveitamento dos mesmos textos como documentos históricos, e instrumento na investigação glo- tológica.

Estes textos são de três ordens: arcaicos, clássicos, vernáculos.

Os arcaicos estão escritos em linguagem natural e ainda rude posto que de homens cultos no seu tempo ; os textos clássicos estão es- critos em linguagem artificiosa de doutos que do seu falar haviam feito a análise e fixado as regras em gramática; os textos vernáculos estão escritos em línguas, dialectos naturais, evoluções espontâneas, de um modo de falar que se prende, na corrente histórica, àquele falar arcaico.

Os sabedores, que produziram a literatura dos textos clássicos, disseram da linguagem em que os redigiram, sãskrta, i. e., confecta «preparada, adequada, perfeita», digamos «culta» por oposição ao falar prãkrta, i. e., segundo a prakrti «a natureza», segundo o natural do país, e portanto falar «vernáculo».

antes aquele adj. sãskrta {p-p-P' do verbo cuja raiz é skr, lat. cer- de cerus, ou cre- do correspondente creator, prefixado com a prepositiva sam, em gr. duv, em lat. cum, con) significava tudo quanto era adequado, puro, e isso era: o lugar onde se celebrava o sa- crifício, o altar do sacrifício, o preste que o celebrava, os utensílios que nele se empregravam, a vítima consagrada, a língua em que as preces, os himnos, as fórmulas litúrgicas eram alevantadas à divin- dade ; tudo quanto directa ou indirectamente era rito, concercer em nensy concernente ao rito, às cerimónias^ tudo emfim quanto, para cres- prosperidade, devia de ser puro.

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Em documentos portugueses de mais de dois séculos, publicados pela Academia Real das Ciências em 1812, vindos do cartório dos Pa- dres da Companhia de Jesus em Goa, lê-se o nome sámscrito nas for- mas samsucinita e savaiiscrnta. São ambas estas formas indicadoras de pronúncia indiana. Imitando pronúncia indiana também, ortografei em tempo sãoscrito; mas porque o ditongo ao em meio de vocábulo é estranho ao falar português, ortografo sámscrito. Quanto ao acento deve ele de ser na 1.* sílaba: porque a penúltima, skr, é breve, e a fieira latina pela qual devemos de aportuguesar os vocábulos deter- mina que a acentuação recaia sobre a antepenúltima sílaba. Quanto à transcrição da vogal r, pode ser, conforme a pronúncia de tal ou outra parte da índia, e?-^ ir% or, re^ rí^ ru^ e na Europa se adoptou ri. Quanto a escrevermos, nós Portugueses, m ou n antes do s de sc7n^ carece- mos de considerar : é certo que a forma verdadeiramente portuguesa é a de escrever oi antes de s. mas se deste vocábulo sãskrta = sam-skrta eu passar ã = am à escrita an em português, o mesmo hei de fazer noutros vocábulos, e assim se escrever sanhitá por sãhitã = sam-hitã, induzo em errada pronúncia de vocábulo téc- nico de gramática e literatura samscríticas. Deverei então passar ã = am à escrita ain em português, pois o autorizam formas latinas tais como circumscribo^ ortografado em português pelos classicistas circumscrevo. Assim o fiz.

Por sámscrito entende-se : rigorosamente, a língua em que estão escritos os textos clássicos da literatura árica da índia antiga bramá- nica; e latamente, a língua em que estão escritos estes textos e os arcaicos da mesma literatura árica. E agora direi o que significa este nome, áricoj no respeitante ao definir uma gente e uma literatura.

III

Estirpe árica. Textos mais antigos dela e importância histórica destes textos.

Os textos em sámscrito arcaico são os mais antigos de quantos possuímos dos povos que a História conhece pelo nome de Gregos, Romanos, Celtas, Germanos, EsclavÕes, na Europa, e Persas e índios ou Hindus, na Ásia, além de outros que não chegaram a integração política independente.

Importância extraordinária tem este facto; porque a ciência assen- tou, com toda a segurança, que a civihzaçao de cada um destes povos

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é modo de ser de evolução de condições comuns aos ascendentes destes mesmos povos, e de evolução de afinidades psíquicas unas em essên- cia, em religião, costumes civis, práticas familiares e linguagem; em todas as manifestações de civilização familial, social e modo de comu- nicar o pensamento pela palavra, numa grande confluência de mós étnicas, que em rodeio migratório se encontravam e iam modificando, antes dos tempos históricos para cada nm, entre a Europa e a Ásia.

E porque estes povos, depois de andarem errantes em áreas diver- sas e em vários sentidos, por largo decurso de séculos, assentaram por último vivenda, que para descendentes deles ficou pátria, uns na Eu- ropa, outros na Ásia, e chegaram, os que foram mais longe, á índia por um lado, às ilhas do extremo ocidente europeu por outro lado, tem a ciência denominado estes povos : Indo-Germanos, Indo-Euro- peus, Indo-Celtas ; e outras denominações lhes tem dado : Árias porque assim se apelidaram em sua língua alguns, Jafetas ou Jafetitas, porque a exemplo dos nomes Semitas, Camitas, tomou a ciência os povos, de que falamos aqui, como típicos dos que a Bíblia como descendentes de Jafet.

Referir-me hei a eles pelo nome de Árias ou Indo-Celtas. Mas ê certo que o nome de Jafetas para estes povos tem sua tradição ; assim de um ramo disse S. Jerónimo (Comment. in Ezech. xxxviii, 2), «... gentes esse scythi';as, immanes et innumerabiles, quae trans Caucasum montem et Maeotidem paludem et prope Caspium maré ad Indiam usque tenduntur».

antes havia Horácio proclamado a audácia dos Jafetas: «audax lapetí genus».

Digamos pois : Os documentos mais antigos da estirpe árica ou indo-celta, de cuja civilização a nossa greco-romana ê continuação, existem na literatura samscrítica; e exclusivamente nesta htera- tura textos que nos dêem conhecimento de sociedade em estado de civilização inferior ao das tríbus gregas no tempo dos heróis de Ho- mero; só e exclusivamente nos documentos arcaicos da literatura samscrítica temos factos que são demonstrativos e reveladores de es- tados psíquicos sociais, se não absolutamente primitivos, pelo menos de época de que nenhuma observação e nenhuma outra literatura, egípcia, assírica, babilónica, judaica, árabe, ou grega, nos dão prova, testemunho, ou razão congruente.

Importância extraordinária dizia eu; e importância extraordinária é efectivamente esta de a literatura samscrítica arcaica ser, para nós gente árica, não indispensável mas única de alcance histórico, no tempo e no grau, superior a qualquer outro alcance, profundando até a proto-história dos Árias e alumiando-lhes a psicologia sociológica.

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IV

Relação das línguas áricas entre si. A unidade glotológica e o berço comum dos Árias. O Rigveda.

Mas, Senhores, não é a literatura em sámscrito arcaico, que pelos factos expressos positivamente nela, e são ali tradicionais, de uso, de costumes, de praxe sancionada, tem valor tão subido; é também a própria língua em que essa literatura foi moldada, trans- mitida de cor de pais a filhos, e tarde escrita, que realça este valor trazendo por dedução rigorosa científica à proto-história dos Árias e à psicologia sociológica em geral, conclusões eloquentíssimas.

O sámscrito arcaico, estudado como língua, revela na leitura dos respectivos textos muitos segredos da constituição primordial da família árica; revela a significação de nomes de deuses comuns a diferentes ramos, deixa pressupor o processo pelo qual o homem árico chegou á concepção da divindade e se elevou em ascendimento moral até conceberem alguns ramos um deus e porquê lhe chamaram os latinos deus e nós Portugueses, gente românica, ramo árico. Deus. Pelo estudo do sámscrito e dos gramáticos hindus, cujos trabalhos da- tam de séculos antes de Cristo e andavam, em tempo de Alexandre Magno, condensados em obra escrita por Pánini, se constituiu, pelo processo histórico-comparativo, a glotologia árica. Foi o sámscrito, estudado como língua, o revelador da unidade glotológica existente entre as diferentes línguas áricas; e foi o sámscrito, estudado como língua, o principal revelador da unidade psíquica existente entre toda a gente árica: sem contudo podermos afirmar que tivesse havido em tempo uma língua árica de que todas as outras sejam dialectos, nem um povo, o da^ Árias, de cujo pensar pro-étnico derive a psíquica dos supostos ramos ou famílias de povos áricos.

Mas longe estão actualmente os glotólogos de pensar que o sáms- crito seja a língua mãe do grego ou do latim ou de outra qualquer árica, europeia ou asiática, pre-histórica. As línguas antigas áricas, de que temos documentos escritos mais remotos, são línguas em estádio glotológico adeantado, e próprio do lugar onde encontramos sedentá- rio o povo que falou essa Hngua. Poder-se há, talvez, em ciência, con- siderar que todas essas línguas são dialectos de hngua comum, a que chamaremos proto-ário ; mas nada sabemos dela senão por conjectu- ras e síntese científica. E por igual não, mas ainda mais radicalmente ignoramos' qual fosse o berço primário árico, se berço comum houve.

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Quanto á unidade ^lotológica árica: Em minha opinião, os âmbi- tos glotológicos são tanto mais numerosos quanto mais primordiais, esparsas e pouco densas as mós e greis humanas. Os âmbitos das })rin- cipais h'nguas são produtos de assimilações progressivas e selecções reiteradas, seculares umas e outras. A unidade glotológica é tendên- cia histórica para termo final único, não é termo inicial; resulta do desbaste inconsciente em multiplicidade inconsciente em sociedade in- tegrada. Unidade de linguagem, e tão adeantada como deveria de ter sido o suposto profo-árío, seria facto sociológico de evoluções com- plexas repetidas e fixadas finalmente por força coesiva politica, e esta não existiu.

Quanto ao centro étnico: Sabemos tão somente que, antes de se integrarem politicamente, as mós ou greis a que, referindo-nos a tem- pos muito posteriores, denominamos ramos áricos, tiveram a largueza da translocação entre a Europa e a Ásia, por ambos os continentes ■; que essas mós, esses ramos, se dilataram em errores e abriram cami- nhos na região das melhores estepes, dos mares interiores, dos maio- res planaltos, dos rios magníficos por excelência, da Eurásia. de- pois de os ramos parciais haverem assentado vivenda própria, se com- puseram os produtos históricos, que denominamos raças e, é certo, não tiveram unidade antropológica.

Pela clareza do sámscrito e pelos estudos acerca do Veda (que é uma literatura vasta) se constituiu, pelo processo histórico compara- tivo, a mitologia comparada árica e a fase mais antiga, que, da religião árica, podemos conhecer por documentos. Não temos no sámsciito a língua mãe das áricas faladas no Mundo-Antigo ; nem temos no Rig- veda a poesia primitiva e o segredo do processo elementar formativo do primeiro credo e culto áricos. Não nos himnos do Rigveda os ténues vagidos infantis de uma civilização sem precedentes de muitos séculos e muito labor social.

A.

Esses inícios não os conhece e jamais os conhecerá a ciência. Mas, é certo, do estudo do sámscrito arcaico e da literatura que nele está escrita, ressurge para a História um mundo extinto, cujos hábitos, costumes, usos, práticas, instituições, linguagem, poesia, religião, cuja arte e indústria rudimentar e ciência ainda mais rudimentar, a ciência poderosa hodierna arranca ao fundo desse abismo de séculos e restitui ao movimento, à vida, à realidade qual nunca fora prevista antes de estes documentos serem decifrados e trazidos a confronto com outros, que, embora menos antigos, juntaram luz A luz daqueles.

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O que é Veda ; o que é samliitá. Subido valor da samhitá do Rigveda e da sam- hitá do Atarvaveda no estudo da psíquica social dos Árias.

Toda essa literatura arcaica samscritica é denominada com um vo- cábulo suficiente por si para mostrar que a infância árica não está nesses documentos. Constitui essa literatura O Vecla^ isto é, «o saber», «a sabedoria», de certas famílias patriarcais, que tinham e conserva- vam tal «saber», veda (raiz vi d, lat. vid-eo, gr. £(5, Ft^, «ver, co- nhecer»), como património sagrado e tesouro familiar transmitido por tradição e oralmente, de geração em geração, esotéricamente.

Bastaria, na verdade, isto para se rejeitar a idea de que no Veda tivéssemos a poesia primitiva árica. «Sabedoria» guardada esotérica- mente, como património sagrado de família^ é, não só, produto com- plexo de largo tempo e evolução adeantada, mas tem o cunho aris- tocrático dos indivíduos que, por excelência própria consciente, se separam do que é rude e vulgar.

A parte capital do Veda são himnos, e estão estes reunidos em duas colecções chamadas por isto mesmo cada uma delas sãhitã, «samhitá, isto é, a colecção» : uma é aEgveda-sãhitã, de que di- zemos o Rigveda^ o «saber das riches, das estrofes encomiásticas e deprecativas» ; é propriamente de himnos só; outra é a Atharva- veda-sãhitã^ de que dizemos o Atarvaveda^ i. e., o «saber atarvá- nico»; é colecção de alguns himnos que a outra colecção não dá, e ou- tros que ela tem, e de exconjuros, magia, pragas, encantamentos, com que o homem liga, ata, prende, estorva a divindade, para que o não castigue, ou com que o homem obriga a divindade a que lhe a sa- tisfação do desejo ; é o Rigveda colecção de himnos próprios do culto, e particularmente do sacrifício de Soma e para glória de Soma ; é o Atarvaveda colecção principalmente de portentos com que o homem sabedor deles repele, rebate, destrói o dano inimigo, ou ataca, alcança, fere, aturde, vence, aniquila contrários, quer o mal provenha dos deu- ses, dos homens, ou das feras, quer da natureza externa, ou da pró- pria do homem sujeito a doenças, trabalhos, quebrantamento e morte.

Nas duas samhitás, que são «o saber das riches» e «o saber atar- vánico», chispas do espírito de nossos avós; ali porém e ali temos tesouro, o mais precioso por eles deixado, em que se guarda a alma ainda operosa de remotíssimas eras ; ali sentimos as aspirações e terrores que os moviam ; vemos essas figuras, antes desconhecidas, no labutar- da vida e vemo-las sentir, pensar, querer, proceder, e as-

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sim admirar, preg-imtar, inquirir, exaltar, crer, duvidar, resolver, amar, ter ódios, receios, esperanças, entusiasmos, fé; ouvimo-las cantar fe- nómenos da natureza e os feitos de heróis de tempos àquele remo- tos; adivinhamos como eles, nossos avós, criaram com as reminiscên- cias do passado, então comprido, os deuses que eles deprecam, magnificam, temem, e são mitos zoomórficos e antropomórficos desses mesmos fenómenos e dessas tradições de família; vemos como o homem é o criador dos deuses e como Deus fala ao homem nessas criações. Em estudos como estes, que são de psíquica proto-histórica, o ho- mem de ciência de hoje completa, quanto em seu poder cabe e jamais antes coube, a humanidade: A evocação científica e ajusta compre- ensão deste repositório inconscientemente enriquecido pela psíquica de tão remotas idades, ressurge, como disse, a alma árica, com todas as aspirações e a operosidade daqueles séculos; e à evocação de pas- sado tão longínquo o homem de ciência de hoje alumia o presente e prepara o futuro com mais fino acume dado à síntese reguladora do nosso espírito hodierno.

VI

Carácter religioso do Veda. A literatura profana. A tradição popular. In- fluência desta tradição fora da índia.

Tudo isto se deve à compreensão dos textos em sámscrito arcaico, à compreensão dos textos védicos. Mas também se deve muito à parte clássica em sámscrito e à vernácula samscrítica dos textos hindus.

O Veda, a literatura védica, é toda absolutamente religiosa e ê, como disse, tesouro sagrado de famíhas, património aristocrático. Desta generahdade há, de certo modo, como a seu tempo diremos, a exceptuar apenas uma parte do Atarvaveda. Não é portanto o Veda literatura dum povo. A hteratura clássica não é exclusivamente reli- giosa; é quase enteiramente profana, e interessa por evoluções mais amplas de muito mais crescidas mós de gente. Traz a literatura samscrítica clássica a lume o elemento popular. E na verdade ainda aristocrática, mas tem quebra de bastardia; ê fidalga abastardada nascida do estro popular, da anonímia prolífica no meio esotérico brahmánico. Da mãe traz o tipo: o qual, embora por vezes disfarçado por conveniências brahmánicas, não foi de todo apagado na versão artificial de vernáculo a formas pautadas por gramáticos.

Com efeito o sámscrito clássico não ê língua dum povo ; ê veí- culo das ideas de uma sociedade de doutos, esotérica no meio social de que fazia parte; e ainda hoje é assim. A hteratura em sámscrito

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clássico foi precedida de outra, espontânea, filha legítima da evolução natural, prãkrta, e em prácrito, i. e.j, em vernáculo, redigida antes. Desta se aproveitaram os doutos para constituírem literatura em lin- guagem «pura», em sámscrito, mas este moldado em formas afei- çoadas por gramáticos. De sua origem traz a literatura em sámscrito clássico o elemento popular, património sagrado também para a aspi- ração comum, elemento grandioso que forma as nações e ao qual cede a força do outro património. E nesta literatura, de origem popular e profana, que está a voz altissonante da tradição épica, de heróis da lenda humana, de lutas de homens que são como deuses. E nela que está a tradição dos costumes, da moral, do direito, largamente social. Tudo isto se revela nos cantos grandíloquos do Ramáiana e do Maá-Bárata, nas regulamentações e leis caracteristicamente definidas nesta monumentaHssima e como nenhuma outra colossal enciclopé- dia épica, em cuja fábrica descomunal trabalharam, durante gerações, muitos poetas, e se reuniram e amontoaram, com emmaranhados episó- dios e subepisódios, lendas de heróis e deuses de tempos antigos, e transformações conceptivas desses heróis e deuses, e doutrina jurídica, e filosofia, e contos, e apólogos.

Revela-se o elemento tradicional popular também nos escritos cha- mados dharma-sãstra, de que diremos Instituta^ os quais por vezes repetem a feição jurídica do Maá-Bárata; patenteia-se nas longas re- presentações teatrais, umas de autor conhecido outras anónimas, e encarna-se em dramas brevíssimos de numerosos contos, apólogos e fábulas que vão no eco tradicional de boca em boca até se solidifica- rem em baixos relevos de templos.

E este elemento não fica exclusivo das famílias bramánicas, vem para a sociedade comum; é literatura do povo, é motivo de folgança do povo, é Hção do povo, e até passa para fora da índia. Alarga-se pelo oriente hindustánico e é o influxo popular e o fôlego santo e criador do Budismo, nos j atacas ou histórias das natividades de Buda, nos avadanas ou gestas de Buda, em diferentes ciclos da existência deste «iluminado».

O elemento popular da literatura samscrítica de moldes clássicos transpôs as altíssimas cumiadas do Himália. Penetrou na China nos últimos anos do século iii antes da nossa era, e ali se enraizou para sempre desde o ano 64 p. Chr. Foi procurado pela Pérsia no tempo do rei sassánida Cósroes Nuxirvane (531-571). Foi aproveitado pelos Árabes largamente. Difundiu-se depois pela Europa na idade-média e a revolucionara antes, nos primeiros séculos do Cristianismo.

Testemunham-no quanto à China os Avadanas ou Gestas de Buda e a rehgião búdica; quanto à Pérsia as pesquisas de Barzoí por ordem

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do rei sassánida; quanto aos Árabes a obra Callla t Dimna e As mil e lima noites.

Devido a Árabes e Judeus veio o elemento popular da literatura samscritica trazer mais corte à dieaeidade de Bocaccio e de Strapa- rola; inspirou Chaucer e Shakspere; engrandeceu a fama de D. Afonso, o Sábio, e abrilhantou D. João Manoel; tomou feição de loucania portuguesa com Gil Vicente, e galas em França desde Carlos l^errault 6 Rabelais até La Fontaine.

No Cristianismo testemunham esse elemento popular, religioso e filosófico, filosófico, porque a filosofia foi sempre popular, peculiar do génio indiano, e verdadeiramente intimada no espírito popular na índia desde pelo menos um século antes de Buda, desde o v ou vi antes de Cristo; no Cristianismo, dizia eu, testemunham esse elemento po- pular, religioso e filosófico, os Gnósticos, os Neoplatónicos e certos livros, tais a Lenda dos Santos Barlaão e Josafat, que os leitores do Fios Sanctoriim conhecem resumida nesta obra, e a Disciplina Cleri- caliSy o Directoriíim Vitae Hiimanae^ as Gesta Romanorum^ e outros textos em que a mentalidade cristã deu forma a tradições orientais de origem indiana.

VII

Antiguidade das relações da índia com povos do Ocidente. Primeira notícia das epopeias, de religião, ciência e filosofia, indianas. Ácbar e o estudo dosánis- crito. Os missionários cristãos.

Mas não pára aqui a influencia frutuosísima da literatura e, cum- pre que digamos agora, ciência samscritica.

As relações da índia com povos para do Himália não datam de tão poucos séculos antes de Cristo como se tem dito. A lenda do dilúvio, que se encontra no Maá-Bárata e antes no Xatapata- -Brámana, tem todos os visos de ser mesopotámica. É samscrítico o nome babilónico do papagaio. As relações da Judeia com a índia exis- tiam já no tempo de Salomão. Os caracteres devanágricos, os do modo gráfico mais comum do sámscrito, são de origem semítica e do tipo representado na lápide Moabita, e existiam na índia uns oito séculos antes da nossa era, idos por via da Mesopotâmia.

Os algarismos devanágricos parece terem provindo do Egipto e, em hieróglifos do século xvii, a. Cr., se o nome kafu «macaco», em sámscrito kapi. A Pérsia domina no noroeste do Hindustão desde 500 até 331 antes de Cristo. Dariu impôs-lhe tributos ; depois Ale- xandre avassala o antigo Saptasindo. Axoca, neto de Chandragupta

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^av^póxuTTTOç, como os Gregos diziam, menciona em nma das inscrições, Antíoco rei da Síria, Ptolemeu rei do Egipto, Antígono rei da Mace- dónia, Mago de Cirene, Alexandre do Epiro, como príncipes a quem levara a religião que era a dele, e a quem levara doutrina pela palavra de missionários búdicos e exemplo de amor e caridade. E em Clemente de Alexandria que pela primeira vez lemos o nome Butta, isto é, Buddha. Díon Crisóstomo diz-nos que os índios cantavam em sua língua cantares de Homero, e assim a cólera de Aquiles, as lástimas de Andrómaca, por se haver iludido o retórico ao reconhecer paridade entre os heróis das epopeias gregas e os das samscríticas.

Ja falei dos Gnósticos e me referi às ideas de Plotino : foram es- tas as da filosofia do sánquia e da filosofia do ioga.

Em geometria, em contrário do que alguns historiadores de mate- mática julgam, serviram-se os Gregos, na Escola de Alexandria, do saber dado nos sutras ou aforismos que são os sulva-siitrãni, (ísutras dos cordéis». Aritmética e álgebra estudaram-na desde o século VIII os Árabes com os índios. Por via dos Árabes conheceu a Europa os algarismos devanágricos representativos dos números dí- gitos, de que dizemos letras de conta árabes. Eoi depois disto que a Europa conheceu o valor de posição no sistema algorítmico, por ela ainda ignorado no século viii; e sem estes conhecimentos a matemá- tica não teria chegado ao auge notabilíssimo a que a vemos su- bida.

Harun Arraxide teve na corte dois médicos índios. Da obra de Cháraca, médico de Canixca, no século i de Cristo, e da obra de Suxruta, no século iv, se serviram os médicos árabes tão conhecidos na história da medicina, Razis, Avicena, e Serapião.

Albiruni, um dos maiores sábios do seu tempo (970-1038), tra- duziu do sámscrito para árabe a filosofia do sánquia e a do ioga e deixou um livro admirável acerca da índia. Nesse livro refere ele que o Panchatantra, a célebre colecção em 5 livros de contos, fábulas, apólogos, em sámscrito, é conhecida pelos Árabes com o nome de Calila e Dimna, e diz que a obra de Cháraca é a melhor de medicina.

No século XVI um grande imperador conseguira assenhorear-se, em parte, do segredo dos bráhmanes e dar em outra linguagem as epopeias samscríticas e o Atarvaveda. Foi esse imperador Jelal Edine Momamede, o Magno, como o apelida com razão a História pelo nome de Ácbar, o Mogor Equebar dos nossos escritores. Foi ele quem pri- meiro com intuito de civilização e de sondar o espírito do povo cujo império tinha (1556-1605) fez que se conhecesse boa parte da litera- tura samscrítica.

O estudo de sámscrito, as traduções, continuaram ainda depois da

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morte de Ácbar. Para instrução do seu ])isneto, Dará, se traduziram as Õ2 principais Upanixadas, livros fundamentais de filosofia samscrí- tiea. Foi do texto persa destas traduções que ]J>uperron se serviu para dar a versão latina, que, a partir de 1802, foi a fonte donde por muito tempo os sábios da Europa tiraram o conhecimento da fi- losofia da índia.

Nos trabalhos de l)uperi-on assenta a doutrina filosófica de Scho- penhauer e von Hartmann. Nessa filosofia encontrava Schopenhauer a consolação da sua vida e a que na morte havia de o ser: «sie ist der Trost meines Lebens gewesen und wird der meines Sterbens sein».

Em 1()51, Abraão Roger, missionário em Paleacate durante os anos de 1631 a 1641, dava à estampa traduzidos para holandês o 2." e 3.*^ livros das Centúrias de Bartriári ; em 16()3 era a versão ho- landesa passada à língua alemã.

O que os missionários, e de modo notável os jesuítas, tinham feito antes na corte de Ácbar, pode ver-se, particularmente quanto a Portugueses, nas Relações anuais do Padre Fernão Guerreiro, na Vida do Padre Francisco Xavier, de Lucena, nas cartas do mesmo Xavier, de que o seu biógrafo tanto se serviu, e na obra de Du Jarric, onde se lêem páginas enteiras de Lucena e, citadas, cartas do Apóstolo das índias Orientais. Nada encontro ali que tenha verda- deira importância como estudo de sámscrito ou de cousas samscríticas feito por Portugueses. Podiam-no ter feito ! Na corte de Ácbar esti- veram, Francisco Henríquez, Fernão Guerreiro, Jerónimo Xavier, António Cabral, Manoel Pinheiro, Bento de Góie. Preocupavam-se com a idea da conversão ; reconheciam a extrema dificuldade de re- duzir e obrigar com razoes os bráhmanes ; mas não viram que o sáms- crito e o conhecimento da literatura sagrada brahmánica fosse o único laço com o qual podiam atar hereges às colunas da Igreja.

Dos nossos Portugueses, aparte a informação das Décadas^ a me- lhor informação que conheço é a Breve relação das Esci^ituras dos Gentios da índia oriental e dos seus costumes e a Noticia Summaria do Gentilismo da As ia, dois Tratados que se guardavam no Cartório dos Padres da Companhia de Jesus, em Goa, e foram impressos e publicados por ordem da Academia Real das Ciências, em 1812, tômoi das Noticias porá a Historia e Geographia das Nações Ultramarinas, e além disto é digna de atenção a Miscelânea de Garcia de Rezende.

Todavia nenhum missionário foi tão longe como Roberto de'No- bili da Montepulciano ou Robertus de Nobilibus. Chegou à índia um ano depois da morte de Ácbar. Estudou o tamul e o sámscrito e por tal forma adquiriu conhecimento desta língua que escreveu a pia

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fraude conhecida pelo nome de Esur Vedam. Dentre os missionários teríamos ainda a mencionar outros precursores do estudo da língua e literatura samscrítica: Gemignano da Sant' Ottavio, Hanxleden, Marco delia Tomba. O jesuíta Padre Pons deu notícias minuciosas da literatura samscrítica e mostrou, bem como M. delia Tomba, quanto im- porta para o bom resultado das missões conhecer as particularidades dela. A outro jesuíta, o Padre Coeurdoux, deve a ciência haver ale notado com sagacidade a correspondência singular do sámscrito com as duas principais línguas da antiguidade clássica.

Do que fica dito se que o sámscrito é na verdade língua anti- qiiíssima, desde antigos tempos conhecida, mesmo fora da índia, e que não razão para escarninhamente se preguntar: «Que nova língua é essa antiga de que nunca dantes se falou!?»

Uns 500 anos antes da nossa era, um literato indiano conhecedor do Veda e autor dum Elucidário de palavras védicas obsoletas naquele tempo, lasca, respondia, por forma que vem de molde aqui parafrasear, a interpelantes como estes a quem era mais fácil zombar do que estudar. Imitando lasca preguntarei: De quem é a culpa? é do poço ou do cego que se não deixa guiar por quem vê?

A quem tenha olhos de ver, a luz dos factos expostos mostra, por certo, que o estudo da samscritologia interessa muito superior- mente : por ser, não em si assunto sério de saber, mas por si ins- trumento seguro de investigação científica em criações novas da 2.* metade do século xix, tão extraordinárias no campo sociológico como extraordinárias as descobertas que mais assombram no campo das ciências físicas, químicas e biológicas, nestes últimos cem anos. Por via do sámscrito, meus senhores, reconstituiu o grande Eugénio Bur- nouf a língua zende, a língua dos livros sagrados dos zoroastreus, e depois surgiu a glotologia árica ou indo-celta, a mitologia comparada árica ou indo-celta, a ciência das religiões, o estudo comparado do di- reito greco-itáhco, e mais largamente, direito árico, e tudo isto é psi- cologia sociológica a parte mais interessante da evolução humana.

VIII

Eealização do intuito de Acbar pela Inglaterra. Warren Hastings e o livro The Code of Gentoo Laws. Os fundadores europeus do estudo do sáms- crito na índia. Entusiasmo de Goethe pelo drama Xacunlalá.

Todavia, ainda se me poderá preguntar e de pleníssima boa : o Como é que nos últimos tempos, sobretudo uns cinquenta anos, se tem sabido aproveitar o valor histórico do sámscrito?»

Todo' fruto carece de sua sazão.

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Para qno o intuito de Aebar pudesse chegar à realização, neces- sário era que o interesse fosse nacional e não ficasse meramente den- tro do espírito generoso dum idealista incompreendido.

^ Que tinha vindo para Europa, até fins do século xviil, que fosse literatura ou ciência trazida da índia? o como da Índia reconhecida?

Ciência médica hindu V. . . Chegara até nós por intermédio de ou- tros a quem as honras couberam ; e adeantou-se-lhe a ciência europeia.

Contos, apólogos, fábulas?... Chegaram-nos igualmente em se- gunda e terceira mão e perdeu de moda o género literário.

Lendas de santos ? . . . exemplários ? . . . Também nos vieram por segunda e terceira mão e tiveram seu tempo e função.

Nenhuma destas importações traz ao mundo científico instrumento de trabalho ou crítica para o trabalho. Em nenhuma assenta progresso europeu. Nenhuma traz ao mundo político interesse guiador.

Em fins do século xviii porém irrompe o interesse nacional: grande por largas ambições, assegurado por fino tacto administrati- vo. O intuito moral de Achar torna-se necessidade real de uma com- panhia poderosa, a Companhia das índias, que, pelo tratado de Alá- -Abade em 1765, fora reconhecida soberana de Bengala.

Warren Hastings, governador geral, entende conveniente reger os índios segundo as leis deles. Incumbe a onze brâmanes fazerem um extracto, verdadeiro Digesto, dos principais códigos. O livro dado em persa foi trasladado a inglês e é conhecido pelo nome de The Code of Gentoo Laws. Halhed foi quem dirigiu o trabalho e o pre- faciou, e no prefácio dá, pela primeira vez, aos doutos e ao mundo enteiro, notícia bastante circunstanciada da língua originária dos códigos extratados, o sámscrito, todavia sem conhecimento próprio. Foi isto em 1776.

A conselho do mesmo Warren Hastings, um negociante inglês, Carlos Wilkins, estudou sámscrito, traduziu o poema filosófico por excelência em todo o mundo Bhagavadgitã, A Bagavadc/uitâ^ i. e., «Canto do Bem-aventurado», «The Song of The Adorable One» como, traduziu Wilkins \ além desta versão, deu o mesmo Wilkins a do Hitopadexa^ í. e._, «Instrução útil», colecção de contos, apólogos e fábulas. A tradução da Bagavadguítã foi a primeira completa feita em língua europeia e a segunda directa do sámscrito. Foi isto em 1785, quase século e meio depois da tentativa de Abraão Roger.

Em 1789 traduz William Jones o célebre drama Xacuntalá de Calidassa. Logo vos falarei do entusiasmo que esta obra do teatro samscrítico produziu em toda a Europa.

E ainda William Jones o fundador da «Sociedade Asiática» de Calcutá ; ê ele quem traduz para inglês o xastra, ou código, manava.

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The Code of Manu e à estampa pela primeira vez um texto em sámscrito o Rtu-sãhãra ou «Ciclo das Estações», do mesmo Cali-

dassa.

A fundação da Sociedade Asiática de Calcutá e a operosidade e talento de Colebrooke e os merecimentos de Wilson consolidam, de- pois da morte de Jones, em 1794, a obra encetada. Colebrooke en- sina à Europa o sistema de gramática hindu, revela-lhe os Vedas, explica-lhe os sistemas de filosofia, de poética, a aritmética, a álge- bra, a astronomia hindu ; e faz que se apreciem melhor o digesto de leis da índia sobre contratos e obrigações, direito testamentário e de sucessão ; e por todo este trabalho filho de actividade singularmente produtiva e de claríssima inteligência, lança o grande Colebrooke en- tre as outras ciências os estudos de sámscrito e das cousas samscríticas.

Wilson arrecadou o tesouro do léxico samscrítico no dicionário que redigiu auxiliado por indígenas letrados. A primeira edição veio à luz em Calcutá em 1809. Escreveu Wilson doutíssimas memórias acerca da literatura e das religiões dos índios; deu a tradução completa do Vixnu-Purana, e a de seis obras cénicas do teatro samscrítico ; ana- lisou vinte e três mais e deu em dissertação, ainda hoje valiosa, co- nhecimento do sistema dramático, enredo, desempenho, caracteres, declamação e aparato cénicos na India-Antiga.

A admiração e o entusiasmo que o drama Xacuntalá dispertara são indiscritíveis. Forster traslada para alemão o trabalho de William Jones, Brugnière para francês. Goethe exclama :

Wilst du die Bliithe des friihen, die Frihhte des spíiteren Jahres, Wilst du, was reizt und entziickt, wilst du, was síittigt und nahrt, AVilst du den Himmel, die Erde mit einem Namen begreifen ; Nenn'ich Sakontala, Dich, und so ist alies gesagt.

O que traduzido em prosa em português se declara assim :

«^Queres tu compreender numa palavra quanto aroma as flores teem na primavera, e dos fruitos autumnais todo o sabor?»

«^Queres tu compreender na mesma voz quanto inflama a alma e o estro acende? quanto sacia a sede e mata a fome ao espírito?»

«^e, sem nada mais dizeres, o Céu e a Terra nesse mesmo nome ainda expressar?»

'(Tal nome é Xacuntalá, digo-to eu, e este nome basta!»

Alexandre de Humboldt lugar eminente a Calidassa no Kosmos (II, 40, Estugárdia 1847; e n. 60, na pág. 114) e cita este entu- siasmo de Goethe.

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IX

As guerrau de Napoleão: Hamilton e os seus discípulo?. As primeiras ca- deiras de sárnscrito na Europa. Método comparativo: Schlegel, Burnouf, liopp. Ainda Burnouf: os estudos védicos, os de zenda, de páli, e o budis- mo.— Os discípulos de Burnouf: Max Míillcr a a (idU;iiO j/rlncepíi do Rigveda com o comentário de Sáiana; Kotli e o Dicionário de S. Petersburgo. Vas- tidão da literatura samscrítica.

As mesmas guerras em que a P]uropa andava acesa, no princípio do século XIX, concorrem para assegurar estudos, que se teem evi- denciado ])rofícuos e incomparavelmente perscrutadores do passado da melhor parte da Humanidade : aquela a cuja civilização obedece o Mundo ente iro.

Alexandre ífarailton, que estudara sámscrito na índia e era membro da Sociedade Asiática de Calcutá, ao passar por França, de regresso à pátria, em J802, fica prisioneiro de Napoleão em Paris. Emprega o tempo no exame dos livros e manuscritos da riquíssima Biblioteca do Rei hoje Biblioteca Nacional ; cataloga os manuscritos orientais (jue o Padre Pons levara para ali f!in fins do século xviii. Paris era àquele tempo a capital do mundo dos Orientalistas. Alguns, Franceses, outros. Alemães, estudaram com Hamilton o sámscrito. Chézy foi seu discípulo; e logo em 1814 Chézy é nomeado catedrático da cadeira de sámscrito criada em Paris por Luís XVHI. Augusto e Frederico de Schlegel foram também discípulos de Hamilton. Frederico, talento primoroso, perspicaz, tem a vidência de Colombo e traz ao conheci- mento da Europa, assombrada por tal facto, o «Novo Mundo das Ideas» como disse Hegel.

Schlegel, na verdade, revolucionou o mundo das ideas chamando a atenção dos homens de ciência para o método histórico-compara- tivo, pela obra mais extraordinariamente sugestiva que até então tinha aparecido no estudo das línguas. Essa obra intitula-se Ueber die Spra- che und Weisheit der Indier (Haidelberga. 1808). A este livro deve-se todo o fervor dos estudos da samscritologia na Alemanha ; a ele se deve o célebre tratado Ueber das Coiyufjationssystein der Sanskrit- sprache in Vergleichung mit jenem der griechischen^ lateinischen^ per- sischen und cjermanischen Sprachen^ do grande Francisco Bopp (Fran- coforte no Meno, 1816). Foi de Bopp que o humanista e glotólogo Guilherme de Humboldt recebeu a iniciação em sámscrito.

A conselho de Guilherme de Humboldt e do Barão Stein von Al- tenstein criou o rei Frederico Guilherme III, em 1818, as cadeiras de sámscrito em Berlim e em Bona.

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A França contribuiu de modo muito notável com a pujança exu- berantíssima e asseguradamente científica de outro talento assinalado, Eugénio Burnouf, para o alargamento e profundeza dos estudos orien- tais e da gramática segundo o método histórico-comparativo. O estudo do Avestá, o dos cuneiformes, o do budismo e páli, o de sámscrito, prosseguem ainda hoje por impulso dado por esse génio previlegiado. Burnouf semeou, no professorado principalmente, o tesouro da sua erudição com largueza tal, que ao ensinamento desse grande espírito se deve boa parte da obra famosa do século xix.

Depois de Burnouf haver pelo conhecimento do sámscrito desven- dado o zende, no mesmo ano, 1833, em que ele trazia a lume o Com- mentaire sur le Yaçna^ Vun des livres religieux des Parses . . . , Bopp completava o assentamento definitivo da gramática histórico-compara- tiva das línguas áricas, com o seu padrão de glória: Vergleichende Grammatik des Sanskrit^ Zend^ Griechischen^ Lateinischen^ Litavischen und Deutschen.

Leibnitz tinha dito «Nihil majorem ad antiquas popolorum ori- gines indagandas lucem praebere quam coUationem linguarum»; e no mesmo século xvii, mas logo no princípio, Jacob Lípsio e depois deste Saumaire, haviam indicado analogias entre o grego, o persa, e o alemão. Saumaire explicava-as notabilíssimamente por origem co- mum dos Gregos, Persas e Teutões, os quais teriam formado em tempo um povo, o dos Celtas.

O princípio geral estava pois adivinhado ; faltava apurá-lo em mé- todo, dar-lhe o carácter científico. depois do conhecimento do sáms- crito se chegou ao apuro e a assentar o carácter científico. Frederico de Schlegel o impulso, Burnouf e Bopp seguem no caminho tra- çado e alcançam a meta.

Entretanto tinham vindo para a Europa manuscritos védicos. Ou- tro Alemão, Rosen, começou a estudar os da «East índia House». Mal- -logrado porém, surprehendeu-o a morte quando apenas traduzira em latim o 1*^ áxtaca (i. e., oitavo) do Rigveda. O trabalho foi pubhcado póstumo, e os estudos védicos uns oito anos depois tiveram o ver- dadeiro assentamento científico. Deu-lho um moço de 2Q> anos, outro Alemão também, mas discípulo de Burnouf; foi ele Rudolfo Roth, e o escrito um folheto de 148 páginas impresso em Estugárdia em 1846 com o titulo Zur Lítteratur und Geschichte des Veda.

Não cabe no tempo. Senhores, falar-vos da grandiosíssima criação humana a religião de Buda , à qual nenhuma, na história da evo- lução mental, que se compare. Não cabe no tempo dizer-vos como a religião de Buda se prende ao Veda e à filosofia indiana ; como ela é maravilha também e assunto da samscritologia.

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Para intelifí;-éncia dela trouxe com efeito muita luz o fanal do sáms- crito, empunhado pelo ^^rande Burnouf; e trouxe muita luz tanto pelo que l^urnouf nos deixou no estudo do páli, a líng^ua sag^rada do budismo, então desconhecida , como pcdo (jue o mesmo Hurnouf desbravou do textos para elucidação da doutrina ])údica.

lias nem me cabe no tempo dizer-vos como se dilataram os estu- dos de sámscrito, e (]ual o g-rau de a(!ume a que chegaram nestes últimos quarenta ou trinta anos, e como pelo sámscrito se criaram estudos novos e modos novos de estudar.

Devo porém mencionar, quanto aos estudos propriamente sams- criticos, dois factos capitais.

O 1.'* é a publicação do Rigveda feita, a conselho de Burnouf, por seu discípulo Max Miiller, e trazida a lume desde 1849 até 1874. E impressa em caracteres devanágricos, nas duas maneiras de es(;rever o texto segundo as palavras se proferem cada uma de per si, e se- gundo se proferem com a pronúncia frásica , e explica-se o texto pelo comentário, em sámscrito clássico, feito por Sáiana, no século XIV, em Vijaia-nágara, «Cidade da Vitória», Narsinga dos nossos seiscentistas, Bijanágher segundo Barbosa, e Bisnaga dizemos hoje.

O 2.'^ facto (cronologicamente) é o arquivo de toda a interpretação (hoje modificada já: Cf. os trabalhos de Bergaigne, Ludwig, Pischel, Geldner, Hillebj'andt, Oldenberg, Bloomíield, etc.) segundo o método de Roth, no grande dicionário de sámscrito explicado em alemão, em sete grandes volumes, impresso, por ordem da Academia Imperial de S. Petersburgo, desde 185Õ até 1875, e dirigido pelo mesmo Roth na parte védica, e por Bõhtlingk na clássica.

Desde tal momento, o sámscrito ficou em toda a Europa e nos Estados-Unidos da América do Norte, estudo indispensável, e ponde- rosa a samscritologia, no tocante a linguagem, religião, filosofia, di- reito, da gente árica.

E eis aqui o motivo por quê de uns 50 anos para se tem sabido aproveitar o valor histórico do sámscrito e se fundou a sams- critologia.

A actividade, o engenho, a indústria operosa, o saber na investi- gação afincada dos samscritistas, tem sido realmente admirável de la- bor e de resultados. Basta dizer-se que em pouco mais de um século se tem desvendado e aprofundado literatura, que excede, em quanti- dade, quanto conhecemos das literaturas da Grétúa e Roma junta- mente; e que, em virtude de tamanho esforço, se tem dotado a men- talidade humana de novos saberes e nova crítica social.

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X

Nobreza dos estudos jurídicos, excelência da sua cooplexidade; necessidade absoluta do conhecimento da samscritologia no estudo do direito. Testemu- nlios de Iheringe de Leist. Importância do Orientalismo cm geral no estudo do direito. Obras de Revillout acerca de direito. O Orientalismo e a Reli- gião (como ciência). Relações mútuas entre a religião, o direito, e a filosofia.

Três ordens de estudos sociais, religião, direito, filosofia , quero aqui mencionar, e deixo outros, que têem, actualmente, direc- ção novíssima, dada pelo estudo dos textos em sámscrito, e pelo orientalismo em g-eral. Assim estudando-se a Grécia ou Roma, deve- mos atender ao que é comum, em cada uma das civilizações, helena, romana, à família árica, e ao que lhe é estranho e proveio da influen- cia, directa ou indirecta, da Mesopotâmia e do Egipto.

O direito é de todas as ciências concretas a mais complexa. Todas as manifestações da actividade física, moral, intelectual do homem são objecto dos estudos jurídicos. A psicologia em geral, a psicologia criminal, a psicopatia, a antropologia, são no ponto de vista prático fundamentais. Os estudos jurídicos teem grandeza extraordinária que nenhuns outros possuem: emquanto as outras ciências investigam a verdade e dão ao homem acção para subordinar a natureza bruta às necessidades da vida humana, os estudos jurídicos investigam a ver- dade social e dão às sociedades o equilíbrio espiritual do homem e dessas mesmas sociedades. Dos estudos jurídicos, e deles por modo completo, de vir a luz a que me referi, esclarecedora do pre- sente e guia do futuro. Para tal é soberano o conhecimento da psí- quica social, em toda a evolução até hoje. Somos por civilização eu- ropeia greco-romanos; a nossa raça, historicamente, é greco-romana.

E assim no estudo dos elementos fundamentais do direito heleno e do romano, não podemos prescindir do estudo consignado nos livros em sámscrito. Exemplo disto são os trabalhos de Ihering e os de Leist. Numa faculdade de direito não se devem estudar tão somente as cou- sas práticas, de aplicação actual; é indispensável estudar, restrin- jamo-nos a um exemplo , o direito romano, os precedentes do di- reito romano. Não podemos hoje desconhecer, nessa faculdade, os tra- balhos de Main, de Lyall, de Biihler, de West, de Jolly, de Knauer, de Oldenberg, de Stenzler, de Mandhk, Dahlman e outros no tocante aos usos, costumes da índia moderna, aos códigos e aos sutras das leis antigas indianas. Quem, se não leu nenhum destes autores, que, prezando-se de homem culto, não tenha lido o livro encantador de Fustel de Coulanges, La Cite Antique'^ Pois este livro é apenas aurora risonha de primavera, e aqueles o sol culminante criador.

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Leist confessa quanto deve à samscritologia, escrevendo o prefá- cio da sua obra Alf-Arísches lus Gentium (lena 1889). Esse prefácio tem apenas 5 linhas e dizem assim :

«Das vorliegende Buch hâtte ich, der Nichtsanskritist, nicht schreiben kõnnen ohne die sprachliche und sachliche Beiliiilfe eines Sanskritkundigen. Diese Beihillfe hat mir mein Freund, B. Delbriick, Jahre lang unermiidlich geleistet. Ich sage ihm dafiir auch hier wie- der meinen herzUchsten Dank.»

A tradução em português é :

«Este livro não poderia eu, que não sou samscritista, havê-lo escrito sem o auxílio de um conhecedor da linguagem e das cousas da samscritologia. Tal auxilio devo-o ao meu amigo, B. Delbriick, que por longos anos teve, infatigavelmente esse trabalho. Repito-lhe aqui os meus agradecimentos cordialissimos.»

Quanto Leist aproveitou da samscritologia se daquela obra e de outra mais moderna: Alt-Ârisches Jus Civíle (lena: I, 1892, II, 1896), bem como da anterior Graeco-italische Eechtsgeschíchte (lena 1884).

Mas, nem o lus Gentium^ nem as mesmas leis das xii Tábuas, se podem estudar, sem lhes sondarmos vestígios e sedimentos profundos do direito da Assíria e do Egipto. E para isto se ver claramente basta ler as obras de Revillout, muito particularmente as publicadas desde 1884 até 1902: Cours de Droit Egyptieyi^ P"" fase. Uétat des jperson- nes {in 8.*^, pag. viil-226), Les ohligations en Droit Egyptien comjparé aux autres droits de Vantiquité (m 8.", pag. LXXXlll-531), La propriété^ ses dêmembrements f la possession^ et leurs transmissions, en droit êgy- jptien compare aux autres droits de Vantiquité (in 8.", pág. vi-667), La Créance et le Droit Commercial dans Vantiquité (in 8.^, pág. V-336), Précis de Droit Egyptien compare aux autres droits de Vantiquité (in 8.°, pág. XXlI-1561), Les Rapports Historiques et Légaux des Quirites et des Egyptiens depuis la fondation de Romejusquaux emprunts faits par les auteurs de la loi des xii tahles au code d^Amasis (in 8.°, pág. 171).

Quanto a religião: tem-se dito, entre nós ainda quem o diga e até sei que se receia de mim ! , que os samscritólogos querem de- vassar as origens da religião.

Uma cousa é a Religião considerada cientificamente como ramo da psíquica social, outra cousa é tal ou tal religião.

O samscritólogo não discute dogmas de nenhuma religião em es- pecial. Estuda em particular as religi5es do Veda, e as outras da índia brahmánica e búdica; e como a índia se presta a revelar-nos cousas do passado árico, aproveitamos, do estudo que dela fazemos, factos

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que nos indicam processos psíquicos na evolução religiosa. Estudando as religiões védicas, brahmánica e búdica, contribuímos para o estudo da Religião— o maior instrumento da civilização humana j estudamos relações entre a religião, a moral, o direito e a íilosofia.

Com efeito, meus Senhores, explicação mais ou menos limitada, quer rudimentaríssima, quer ampla, do Mundo e de todo o Cosmo e do homem e das relações do homem com os poderes que ele julga ver nos fenómenos, ou regerem os fenómenos, a religião, na sua parte especulativa, é desde o princípio síntese de todo o saber e de toda a poesia; é, na sua parte prática ou cultual, a impulsora das artes (no- bilíssimamente da plástica, poesia, e mesmo literatura em sentido mais amplo) e indústrias ; e em ambas as partes, especulativa e prática ou cultual, é a religião a unificadora da família, a reguladora do procedimento entre os homens, ou familiarmente, ou socialmente.

Em certo momento histórico, adeantado, encontram-se indepen- dentes da religião as artes e as indústrias, e as ciências, e a moral, e o direito. Quanto a estas duas últimas manifestações mentais, entre elas constantemente dependência mútua, em grau ou intensidade va- riável. Quanto às outras manifestações mentais, artes, indústrias, ciên- cias, existe entre elas mútua dependência também, mas nas ciências, filhas como são da parte especulativa da religião e das artes e indús- trias, a influência progressiva e impulsora das mesmas artes e indús- trias; e, acima de tudo na ordem especulativa, ê da ciência, ao passo que ela se adeanta, que nasce outra filosofia, adversa à que fica sendo parte especulativa da religião.

A mútua dependência entre a moral e o direito ê, em fase histó- rica, mais ou menos adeantada da sociedade, do domínio da religião cultual, é propriamente moral cultual e direito em que esta se traduz praticamente; mas tanto esta moral como este direito teem a seu lado, na verdadeira sociedade política (a que aliás teem chegado alguns povos), outra moral, outro direito, que se originaram na sociedade re- hgiosa, pouco a pouco se robusteceram e se foram desintegrando, e criaram sociedade independente e mesmo adversa da religiosa.

Eis a luta natural que no decurso da História se nos depara entre o saber (artes, indústrias, ciências, filosofia) e a religião : Ao passo que da metafísica emergem as ciências, a religião tende a ficar meramente cultual. E isto, repito, ê absolutamente da natureza das cousas, não provêm de antagonismo, embora o provoque. A parte especulativa da religião, que, ao princípio, ê metafísica e mitologia quando esta me- física se simboliza, a parte especulativa da religião, dizia eu, apro- veita, como teoria inconsciente, á observação e á experiência, que a dúvida põe ao serviço do conhecimento positivo ; mas a parte especu-

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lativa da religião não incita nem encaminha essa observação, essa ex- periência. O conhecimento positivo, adquirido, funda a ciência pro- priamente dita, saber confirmado e seguro, e origina hipóteses novas, que, sujeitas igualmente à observação e á experiência, a que esse co- nhecimento, esse saber, incitam e encaminham, fundam ainda novas explicações distintas e de carácter progressivo, quase sempre opostas às explicações de carácter permanente da filosofia religiosa ou parte especulativa da religião ; a qual tende a fixar-se em dogma. Desde tal momento separa-se da religião a ciência e a filosofia profana. A ciência e a síntese científica, assenta-as o esforço da dúvida; a filosofia reli- giosa é síntese assentada pela crença tranquila. Quanto ao direito, o direito que não for emanação imediata da moral cultual , esse ca- rece da integração política, aparece quando se acentua e define o Estado.

Basta esta observação para se dizer a priori que nesse direito de haver influência de direito de estranhos.

XI

Compara-se ao valor do terreno secundário, no estudo da formação da Terra, o valor do Veda no estudo sociológico.

Na índia, que ê um microcosmos, temos campo para estudar o desenvolvimento da religião doméstica e da social, o da filosofia reli- giosa e o da que dela se desintegra; temos campo para estudar o de- senvolvimento do direito cultual, das praxes familiares, domésticas, do direito doméstico que ê cultual, e do direito político, que é, pelo menos em parte, direito cultual também.

E, se a índia, pelo estádio em que ficou, porque não pôde ir além de um certo grau na escala da civilização, não serve em si e por si para o estudo de todo este movimento sociológico, é todavia a índia fanal esclarecedor do modo de ser de progredimentos alheios e factos a que ê estranha.

Grande valor este da samscritologia ! Para sabermos como a so- ciedade existe, como está constituída a sua realidade é preciso e ab- solutamente indispensável ter seguido o processo natural histórico da sua constituição. Para seguir esse processo é fanal a samscritologia, como nenhum outro; não ê o único, ê o maior; e por si nos conhecimento de elaboração inconsciente da realidade social, e este conhecimento ê bastante para termos a certeza de que pode e por- tanto deve de ser consciente a elaboração da realidade futura, em que pese a políticos revolucionários ou conservadores.

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Nós, homens que nos ocupamos de ciência social, não podemos prescindir do sámscrito e da samscritologia ; como nenhum biólogo pretende que seja inútil o estudo dos moneres e das amebas, nem geólogo que prescinda do conhecimento do terreno da era primária, precámbrico, silúrio, devónio, carbonífero, pérmio.

E tanto menos é isto possível quanto é certo que no ramo, ciên- cias sociais , se perdeu para sempre o terreno da era primária. Este do Veda é terreno muito á flor do terreno secundário; mas único ! a literatura védica no-lo apresenta de modo tão completo.

Chamo-lhe secundário por analogias entre factos psíquicos e outros geológicos. O terreno secundário da psíquica védica, direi secundá- rio para tornar evidentes as analogias a que me refiro, compreende as formações sedimentares, ideas primordiais subjacentes a outras, as formações das hiponeas, inzóvci<x^ «subposição, suposição, conjectura, significação alegórica», --, as formações das hiponeas, das ideas so- bre que se formaram outras, das ideas que ficam depositadas nos es- tratos glotológicos desde a purificação da atmosfera primitiva psíquica, até o dispêrto da actividade interna em centro social, que é a fermen tacão mitológica, como diz Max MúUer.

E permita-se-me ainda que siga neste rumo da geologia : Não digo que seja terciário o terreno em que se entra abrindo o Veda, porque, segundo os geólogos, o terreno terciário é aquele em que se diferen- ciam as condições físicas e as biológicas, até produzirem a variedade que caracteriza a era moderna. A era moderna religiosa, filosófica e toda a social, está muito mais distante da era que o Veda e parti- cularmente o Kigveda e o Atarvaveda representam, nos antecedentes do mundo intelectual, do mundo psíquico.

XII

Como é preciso lutar e preciso agradecer.

E poderá haver em país culto uma Faculdade de letras, uma Uni- versidade, dignas destes nomes, cujas portas se fechem a estes estu- dos ? Não pode !

A rotina, a preguiça, o desleixo, a ignorância, a fatuidade, a en- veja, criam enormes e quase invencíveis dificuldades. Mas a energia, dada a carácter rijo pela convicção científica, prossegue sempre e vence ; porque ora capa, ora semeia, e a boa semente não se perde nunca. Um homem não pode arcar peito a peito contra essa ro- tina preguiçosa, contra esse desleixo criminoso, contra essa ignorân- cia afrontosa, contra essa fatuidade ridícula, contra essa enveja vilís-

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sima ! Mas sacrifica á sua idea a vida enteira, e, cônscio de que faz o que deve, principia por inculcar; produz, demonstra, depois ; forta- lece-se então com amizades generosas e inteligentes ; trabalha cons- tantemente e encara imperturbado quem dele se sorri ; fustiga por ve- zes ; e mostra-se agradecido sempre a quem lhe alento.

O homem que, primeiro, bafejou estes estudos em Portugal, pela protecção dada a quem se lhes dedicou, foi o Duque de Ávila e de Bolama, que para eles foi o Guilherme de Humboldt português.

Quem aconselhou a que estes estudos se trouxessem à nossa Uni- versidade e me honrou indicando que eu fosse o Christo])horus que os trouxesse, foi o Sr. Dr. Gonçálvez Guimarães quando Vice-Reitor dela. (Doe. n.« 1).

Quem comprehendeu o alcance da consulta eruditamente escrita pelo Sr. Dr. Gonçálvez Guimarães, foi o actual Director Geral da Instrução Pública, o Sr. Conselheiro Abel Andrade.

Ao actual Ministro do Reino, o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro, escudado com a aprovação para mim honrosíssima do Conselho Superior de Instrução Pubhca, ao qual foi presente o programa que elaborei, e com o assentimento das faculdades de Direito e de Teologia, devo eu a possibilidade de vir aqui inaugurar este curso. (Does. n.«^ 2, 3 e 4).

É galardão para mim a honra de falar perante esta Universidade. Seu filho sou e sempre a estimei. Espero que, por esta honra de que me ufano, lhe pague o tributo, que ela merece, do meu esforço con- digno.

E pode ser grato quem souber ascender à altura da mercê que recebe.

Desejo ser grato, e agradecido aqui me confesso.

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Nós, homens que nos ocup; lOs de ciência social, não podemos prescindir do sámscrito e da s Qscritologia ; como nenhum biólogo pretende que seja inútil o estudados moneres e das amebas, nem geólogo que prescinda do conhe( lento do terreno da era primária, precámbrico, silúrio, devónio, jonífero, pérmio.

E tanto menos é isto possívc quanto é certo que no ramo, ciên- cias sociais , se perdeu para íempre o terreno da era primária. Este do Veda é terreno mu > à flor do terreno secundário; mas único ! a literatura védica no ) apresenta de modo tão completo.

Chamo-lhe secundário por an ogias entre factos psíquicos e outros geológicos. O terreno secundári( la psíquica védica, direi secundá- rio para tornar evidentes as aní gias a que me refiro, compreende as formações sedimentares, idea primordiais subjacentes a outras, as formações das hiponeas, úircvcia. (subposição, suposição, conjectura, significação alegórica», --, as f nações das hiponeas, das ideas so- bre que se formaram outras, chi ideas que ficam depositadas nos es- tratos glotológicos desde a puriti ção da atmosfera primitiva psíquica, até o dispêrto da actividade intaia em centro social, que é a fermen tacão mitológica, como diz Max liiller.

E permita-se-me ainda quo ; ,'-a neste rumo da geologia : Não digo que seja terciário o terreno em iie se entra abrindo o Veda, porque, segundo os geólogos, o terreno írciário é aquele em que se diferen- ciam as condições físicas e as b lógicas, até produzirem a variedade que caracteriza a era moderna. V era moderna religiosa, filosófica e toda a social, está muito mai.^ listante da era que o Veda e parti- cularmente o Rigveda e o Atar veda representam, nos antecedentes do mundo intelectual, do mundcpsíquico.

Como é preciso liar e preciso agradecer.

E poderá haver em país cu ) uma Faculdade de letras, uma Uni- versidade, dignas destes nomes cujas portas se fechem a estes estu- dos ? Não pode !

A rotina, a preguiça, o desl xo, a ignorância, a fatuidade, a en- veja, criam enormes e quase in3ncíveis dificuldades. Mas a energia, dada a carácter rijo pela concção científica, prossegue sempre e vence ; porque ora capa, ora meia, e a boa semente não se perde nunca. Um homem não poe arcar peito a peito contra essa ro- tina preguiçosa, contra esse de eixo criminoso, contra essa ignorân- cia afrontosa, contra essa fatuiade ridícula, contra essa enveja vilís-

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O homem que, primeiro, bafejou este estudos V T"^* protecção dada a quem se lhes dedicou foi o D ^^ ^^r^^ga], peJa Bolama, que para eles foi o Guilherme dHumboir' ^^'^^ ^ '^^

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Quem comprehendeu o alcance da condta eruditamente escrita pelo br. Dr. Gonçalvez Guimarães foi cx^m i r»- tjscrita

Instrução Pública, o Sr. Conselheiro Abel ÍI"'"'' "^'"'^ ''^

Ao actual Ministro do Reino, o Sr. Co^elheiro ftntze Bibeiro escudado com a aprovação para mim L,rosíssima rio p 7' Superior de Instrução P,1blica, ao qual i ^^L o "

que elabore., e com o assentimento das faddades de DireitT^T Teologia, devo eu a possibilidade de vir aq, inaugurar este curso' (Does. n."^ z, o e 4). ^^^^.

É galardão para mim a honra de falar per>te esta Universidade beu hlho sou e sempre a estimei. Espero qHe,,or esta honra de oue me ufano, lhe pa^-uo o tributo, que ela merece do meu esforço con digno.

E pode ser grato quem souber ascender altura da mercê que recebe. "

Desejo ser grato, e agradecido aqui me confcso.

M.

DOCUMENTOS

DOCUMENTO N.^ 1

Consulta e proposta do Dr. Gonçálvez Guimarãis, Yice-Reitor da Universidade de Coimbra dirigida ao 111."^" e Ex.""" Sr. Presidente do Consellio de Ministros

111."'^ e Ex.'"" 8r.- -Há pouco mais de seis annos, num folheto sobre «O Grego em Portugal», escrevia cu, que os candidatos ao ma- gistério universitário em sciéncias naturais deveriam ser obrigados não ao l.*^ anno do curso de grego, que então se professava nos íyceus, mas também a um curso especial de philologia clássica grega e latina, que o Governo podia criar junto das respectivas faculdades ou da faculdade de theologia.

Não existia nessa época o ensino official da língua grega na Uni- versidade, mas exigia-se o exame do grego para as formaturas em theologia, medicina e philosophia, bem como para o doutoramento nas outras faculdades.

Um grupo de professores das faculdades de theologia e philosophia, em que eu tive a honra de tomar parte, oíTereceu ao Governo, por intermédio do Reitor, Dr. António Augusto da Costa SimÕis, dotar a Universidade com um curso livre de grego, sem remuneração alguma do Estado nem de ninguém. A idéa foi bem recebida pelo Reitor, e o curso começou eíFecti vãmente a funccionar com uma freqiiéncia nu- merosa. O programma encontra-se publicado no Annuário da Univer- sidade para o anno lectivo de 1890 e 1891.

Mas foi infelizmente de curta duração, porque obedecendo a pe- didos dos estudantes de medicina, secundados por uma representação desta faculdade, o Governo dispensou de exame de grego os candi- datos à formatura em medicina e philosophia, continuando todavia a exigi-lo para o doutoramento em direito e em mathemática.

Deverá exigir- se agora a habilitação em grego para o doutora- mento em medicina e em philosophia ? Eis um ponto que muito convi- ria esclarecer, e tanto mais que, tendo o exame de grego sido exi- gido pelos Novos Estatutos da Universidade, mantidos nesta parte por vários decretos posteriores, ainda não foi publicada nenhuma lei ném decreto que o dispensasse definitivamente. O artigo 138.° do decreto

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regulamentar de 14 de agosto de l!!^05 dispensa o preparatúii. da líno-ua grega tam somente j)<^^^'^ ^ matrícula nos institutos de erno superior dependentes do Ministério do ReinOj, e não para a formai ra ou para o doutoramento.

A faculdade de tbeologia tem actualmente annexos dois curso de línguas, sendo um de grego, em conformidade com o disposto n<.ir- tigo 6.^ do decreto n.*^ 2 de 22 de dezembro de 1894, e outro de le- breu; qualquer delles em dois annos. Ora estes cursos podem m vantagem ser frequentados também por alumnos estranbos à faculude de tbeologia.

E seria ainda de incontestável vantagem para a Universidao e para a sciéncia que fossem ampHados com outros cursos clássi s. até que as circunstancias do tbesouro permitissem a criação taias vezes desejada, e mais do que uma vez reclamada, de uma faculdde de pbilosopbia e letras, com organização e prerogativas análoga is das cinco faculdades existentes.

Cedo ou tarde esta nec^essidade de vir a ser satisfeita, embca continue a existir em Lisboa o Curso Superior de Letras, que il como está não satisfaz nenhuma necessidade scientífica, a desp<ío das dibgéncias empregadas pelo seu corpo docente e das consuus que tem dirigido às instâncias superiores.

A Universidade de Coimbra tem entre os professores das dic- rentes faculdades quem esteja babibtado a reger provisoriamente >- das as disciplinas próprias de uma faculdade de pbilosopbia e letis, bavendo apenas uma especialidade para que seria diíFícil encontir professor competente, que é o ensino da língua e literatura samsrí- tica. Para esta especialidade existe apenas um professor em Portupl, o baobarel Guilberme Augusto de Vasconcellos- Abreu, professorle literatura samscrítica védica e clássica no Curso Superior de Letis, orientalista e romanista distintíssimo, e muito apreciado e respeitdo entre nós e no estranjeiro.

Este eminente professor tem consagrado a maior parte da aa vida ao estudo da samscritologia, e tem publicado um estenso ciuo desta disciplina, que faz muita bonra não somente ao seu autor, ms igualmente ao país e à sciéncia. E uma obra monumental, que se o- contra quási desaproveitada, porque no Curso Superior de Letis não se professa officialmcnte a língua samscrítica, mas tam sómere a literatura.

O citado professor tem levado o seu zelo e a sua dedicação a ponto de se offerecer para preencher gratuitamente esta lacuna, li- tamdhe porém os ouvintes, porque, triste é dizê-lo, em Portual pouca ou nenhuma importância, se Hga ainda aos estudos scienti

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cos, qiiaiulu estes nãi» lètin pelo seu lado aljirimia recommenclaeao ou exigência offieial.

K contudo poueos ramos scientííicos icem a recommendá-los tan- tas razÕis e tam fortes como os que se relacionam com a língua e li- teratura samscríticas. Estes estudos toem attingido um grande desen- volvimento nos povos mais cultos e adeantados do mundo, e profes- sam-se em numerosíssimas universidades e institutos da Europa, da América e da Ásia. Em toda a parte se recommendam como ensina- mento indispensável a todo o verdadeiro homem de letras, conside- rando-se até, e de muitos annos, como base fundamental para o es- tudo scientííico do grego e do latim.

Quando tivermos a infelicidade de perder o professor Yasconcellos- - Abreu arriscamo-nos a não encontrar em Portugal um único professor que o substitua! Todo o seu estudo, todo o saber armazenado du- rante uma longa vida de trabalho, de dedicaçõis e de sacrifícios fi- caram em breve reduzidos ao esquecimento, salvando-se unicamente a sua obra escrita. Essa ficará existindo como monumento da nossa indifferença pela instrucçao, porque muito tarde apparecerá alguém que delia saiba aproveitar-se, o que é realmente triste e deslionroso para a actual geração portuguesa.

O adeantamento a que teem chegado os estudos samscritológicos não pode attribuír-se a outra causa que não seja o interesse desper- tado pelas investigaçÕis a que esses estudos vêem servir de prepara- tório, e á importância dos resultados alcançados por esta via. Estes estudos sam, como disse, a base do estudo sério das bôas-letras em geral e mais particularmente da literatura e da história da anti- guidade grega e latina, e de tudo o que se relaciona com a archeolo- gia da estirpe árica a que pertencemos.

Dos estudos realizados sobre a língua samscrítica geraram-se, entre outras, duas sciéncias interessantíssimas, a philologia comparada, ou sciéncia histórica da linguagem, e a mythologia comparada dos po- vos áricos. Estas duas sciéncias representam duas das criaçÕis mais notáveis, mais fecundas e mais maravilhosas do século xix.

«A literatura samscrítica, diz Macdonell, discípulo do grande orien- talista Max Miiller, é culminante em religião e em philosophia. Os ín- dios sam dos membros da família indo-europeia os únicos que criaram uma grande religião nacional, o brahmanismo, e uma grande religião universal, o buddhismo ; os outros longe de mostrarem originalidade nesta esphera, adoptaram estranha. A vida intellectual dos índios foi com eíFeito sempre dominada pelo pensar religioso e em grau muito superior ao da mentalidade de qualquer outra raça. Os índios desen- volveram além disto vários systemas philosóphicos, que testemunham

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regulamentar ile 14 de agosto de 1895 dispensa o preparatório da líno"ua grega tam somente j)^^^'^^ ^^ matrícula nos institutos de ensino supeiior dependentes do Ministério do Beino^ e não para a formatura ou para o doutoramento.

A faculdade de theologia tem actualmente annexos dois cursos de línguas, sendo um de grego, em conformidade com o disposto no ar- tigo Ç>.^ do decreto n." 2 de 22 de dezembro de 1894, e outro de he- breu ; qualquer delles em dois annos. Ora estes cursos podem com vantagem ser frequentados também por alumnos estranhos à faculdade de theologia.

E seria ainda de incontestável vantagem para a Universidade e para a sciéncia que fossem ampliados com outros cursos clássicos, até que as circunstâncias do thesouro permitissem a criação tantas vezes desejada, e mais do que uma vez reclamada, de uma faculdade de philosophia e letras, com organização e prerogativas análogas às das cinco faculdades existentes.

Cedo ou tarde esta nec^essidade de vir a ser satisfeita, embora continue a existir em Lisboa o Curso Superior de Letras, que tal como está não satisfaz nenhuma necessidade scientifica, a despeito das diligências empregadas pelo seu corpo docente e das consultas que tem dirigido às instâncias superiores.

A Universidade de Coimbra tem entre os professores das diífe- rentes faculdades quem esteja habilitado a reger provisoriamente to- das as disciplinas próprias de uma faculdade de philosophia e letras, havendo apenas uma especialidade para que seria diífícil encontrar professor competente, que é o ensino da língua e literatura samscrí- tica. Para esta especialidade existe apenas um professor em Portugal, o bacharel Guilherme Augusto de Vasconcellos- Abreu, professor de literatura samscrítica védica e clássica no Curso Superior de Letras, orientalista e romanista distintíssimo, e muito apreciado e respeitado entre nós c no estranjeiro.

Este eminente professor tem consagrado a maior parte da sua vida ao estudo da samscritologia, e tem publicado um estenso curso desta disciplina, que faz muita honra não somente ao seu autor, mas igualmente ao país e à sciéncia. E uma obra monumental, que se en- contra quási desaproveitada, porque no Curso Superior de Letras não se professa officialmcnte a língua samscrítica, mas tam somente a literatura.

O citado professor tem levado o seu zelo e a sua dedicação a ponto de se offerecer para preencher gratuitamente esta lacuna. Fal- tam-lhe porém os ouvintes, porque, triste é dizê-lo, em Portugal pouca ou nenhuma importância, se hga ainda aos estudos scientífi-

cos, qiiaiulu estes nào trem pelo seu hulo alguma rceommcndayào ou exigência official.

E contudo poucos ramos scientííicos teem a recommendá-los tan- tas razÕis e tam fortes como os que se relacionam com a língua e li- teratura samscríticas. Estes estudos toem attingido um grande desen- volvimento nos povos mais cultos e adeantados do mundo, e profes- sam-se em numerosíssimas universidades e institutos da Europa, da América e da Ásia. Em toda a parte se recommendam como ensina- mento indispensável a todo o verdadeiro homem de letras, conside- rando-se até, e de muitos annos, como base fundamental para o es- tudo scientífico do grego e do latim.

Quando tivermos a infelicidade de perder o professor Yasconcellos- - Abreu arriscamo-nos a não encontrar em Portugal um único professor que o substitua! Todo o seu estudo, todo o saber armazenado du- rante uma longa vida de trabalho, de dedicaçois e de sacrifícios fi- caram em breve reduzidos ao esquecimento, salvando-se unicamente a sua obra escrita. Essa ficará existindo como monumento da nossa indifferença pela instrucção, porque muito tarde apparecerá alguém que delia saiba aproveitar-se, o que é realmente triste e deshonroso para a actual geração portuguesa.

O adeantamento a que teem chegado os estudos samscritológicos não pode attribuír-se a outra causa que não seja o interesse desper- tado pelas investigaçÕis a que esses estudos vêem servir de prepara- tório, e à importância dos resultados alcançados por esta via. Estes estudos sam, como disse, a base do estudo sério das bôas-letras em geral e mais particularmente da literatura e da história da anti- guidade grega e latina, e de tudo o que se relaciona com a archeolo- gia da estirpe árica a que pertencemos.

Dos estudos realizados sobre a língua samscrítica geraram-se, entre outras, duas sciéncias interessantíssimas, a philologia comparada, ou sciéncia histórica da linguagem, e a mythologia comparada dos po- vos áricos. Estas duas sciéncias representam duas das criaçÕis mais notáveis, mais fecundas e mais maravilhosas do século xix.

«A literatura samscrítica, diz Macdonell, discípulo do grande orien- talista Max Miiller, é culminante em religião e em philosophia. Os ín- dios sam dos membros da família indo-europeia os únicos que criaram uma grande religião nacional, o brahmanismo, e uma grande religião universal, o buddhismo ; os outros longe de mostrarem originalidade nesta esphera, adoptaram estranha. A vida intellectual dos índios foi com effeito sempre dominada pelo pensar religioso e em grau muito superior ao da mentahdade de qualquer outra raça. Os índios desen- volveram além disto vários systemas philosóphicos, que testemunham

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poder especulaíivu iiHiitu superior. O grande interesse que estes dois assuntos teem para nós eonsiste não nos resultados obtidos, mas, e ainda mais, no facto de que todos os momentos de evolução da re- ligião e da pliilosophia estám consignados na literatura samserítica».

E na verdade quem quiser estudar religião e philosophia, precisa de estudar sámscrito e literatura samserítica. e exclusivamente nesta literatura textos, os Vedas, que nos dêem conhecimento de sociedade em estado de evolução inferior ao da Grécia no tempo dos heróis de Homero ; os Vedas trazem para o estudo da psychologia sociológica ou comparada factos que sejam demonstrativos e revela- dores de estados de consciência, se não absolutamente primitivos, ao menos em épocas de que nenhuma outra literatura e nenhuma observação directa ou indirecta, nos dam conhecimento.

Mais ainda, não é a literatura védica (e muito particularmente o Rigveda e o Atharvaveda), é a própria língua, o sámscrito, no seu período archaico, que vem oíferecer à psychologia sociológica docu- mentos de valor como nenhuns outros.

E deste modo o sámscrito, bem como a literatura samserítica, não somente teem importância como língua e literatura em si, mas teem-na ainda porque deram origem a dois novos ramos do saber humano, que sam a philosophia comparada e a mythologia comparada; e auxi- liam além disto com preciosos factos, que interpretam, a psychologia sociológica, outro ramo interessantíssimo do saber moderno.

A literatura samscritica é a mais ri<*a do mundo, e a que abrange não somente maior número de séculos, mas a maior variedade de assuntos, tanto religiosos como seculares. Encerra obras notáveis, e. g. na poesia l^^rica e especialmente na poesia épica, na didáctica, no drama, no conto, em fábulas, apólogos, etc. Os índios tiveram como os gregos a sua Ilíada e a sua Odysseia, o Malià-Bhárata e o Ra- máijana^ que teem servido para inspirar muitos outros mais modernos. Em alguns ramos da literatura scientífica, na grammática, sobretudo na phonética, na astronomia, na medicina, no direito, realizaram re- sultados notáveis, alguns dos quais afirma o Dr. Arthur A. Macdonell, excederam muito os que nos deixaram os gregos.

Mas quando esta literatura não seja um modelo a seguir para futuros escritores, a obra colossal que os índios nos legaram (maior do que toda a grega e latina reunidas) pode ainda servir para in- spirá-los.

As tradições, contos, fábulas e apólogos indianos teem com eífeito inspirado a alguns dos melhores literatos do mundo : Shakespeare, Stra- parola, Boccacio, D. Afí^onso «o Sábio», D. João Manoel^ Gil Vicente, La Fontaine, por exemplo. Deve-lhes muito toda a idade-média em

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obras profanas o roli^iosas. O grande (joethe inspirou-sr no drama Xacnntalã de Calidasa, para escrever o prólogo do Fausto. Philóso- phos como os gnósticos beberam nas fontes indianas, saniscríticas, a doutrina que ensinaram; Scliopenhauer c Yon Hartmann devem aos tratados de philosophia samscrítica intitulados Upanixadas o edifício metaphysico dos seus systemas.

No século VIII os árabes aprenderam com os índios a aritbmética, a álgebra, e a geometria; da índia nos trouxeram o systema de numeração decimal e os próprios sinais dos algarismos.

Os califas de Bagdad utilizaram muito do saber indiano. Os chi- neses teem contos, fábulas e apólogos búddhicos e doutrina religiosa búddliica. Recentemente tem-se reconhecido na obra de Hippócrates semelhanças com o ensinamento de Cháraca, medico do Rei Canixca, e de cuja obra se utilizou o médico árabe Rhazes fallecido no anno de 932 ; e o mesmo influxo se reconhece em Avicena e em Serapião. A operação da rhinoplastia ou formação artificial do nariz veiu da índia para a Europa trazida por médicos ingleses no século passado.

E haverá literato que desconheça as obras de Sir Edwin Arnold, principalmente o poema deslumbrante IJght of Asicâ Haverá quem desconheça a importância que está tomando o buddhismo na Europa?

É portanto indiscutível o interesse, que, nas produçois literárias e em mais do que um ramo das investigaçÕis scientíficas, tem o sáms- crito e a literatura samscrítica. Nenhuma outra literatura tem con- corrido tanto para o saber humano; e, como o disse Bacon, a sciéncia e a força humanas sam uma coisa só. Indispensável e urgen- tíssimo se torna pois, para força da nação portuguesa, fomentaram-se entre nós estudos de tam reconhecida grandeza. Será por certo esta uma medida de incalculável alcance, um passo importante para a futura criação de uma faculdade de letras, e assinalará uma época notável na história da nossa Universidade,

Em virtude das razÕis que deixo expostas, e de outras razois, tanto gerais como particulares, que certamente teem occorrido ao espírito esclarecido e illustradíssimo de V. Ex.*', creio que interpreto o sentir das pessoas que sabem e querem interessar-se pela cultura da sciéncia e das bôas-letras, bem como pelo engrandecimento do nosso primeiro estabelecimento de instrucçao, propondo a V. Ex.^ que o Pro- fessor Gruilherme Augusto de Vasconcellos-Abreu seja convidado para reger na Universidade de Coimbra um curso trienal ou quadrienal de samscritologia, sem prejuízo do serviço a que é obrigado no Curso Superior de Letras, e em conformidade com o programma que V. Ex.'"^ julgar mais conveniente, depois de ouvido esse professor.

Não ignoro que ainda haverá pessoas mais ou menos illustradas

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a quem esta idca poderá parecer demasiadamente arrojada, por se afastar das práticas até hoje seguidas neste nosso acanhado meio scientiíico. Mas as hesitaçois desses tímidos não terám para V. Ex.'' valor algum, porque V. Ex.'*^ sabe e sente bem, quanto precisamos de empenhar de energia e força de vontade, para nos arrancarmos deste desgraçado torpor em que jazemos, e sabe também que nas melhores universidades estranjeiras estes cursos sam frequentes e sempre muito apreciados.

É conveniente que nós, que tanta facilidade temos em imitar aqui o que se pratica no estranjeiro, às vezes infelizmente sem o devido discernimento, saibamos imitar o estranjeiro naquillo em que elle realmente se nos avantaja, e que nos vamos habituando a pre- star às pessoas e às coisas da sciéncía o respeito e o culto que fora se lhes prestam por toda a parte.

Deus guarde a V. Ex.^ Paço das Escolas da Universidade de Coimbra, em 31 de outubro de 1900.— Ill.'^« e Ex.'"« Sr. Conselheiro Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro, Presidente do Conselho de Minis- tros, etc.==0 Vice-Reitor, Dr. António José Gonçálvcz Guímarãis.

)ociími:nt() ]\." 2

Por ordem superior se publiea o seguinte «Programa do Curso Integral de Antiguidades Aricas», de cuja regência na Universidade de Coimbra foi autorizado, ouvidos previamente os Conselhos das Facul- dades de Tlieologia e de Direito e o Conselho Superior de Instrucoão Publica, o Bacharel em mathemática Guilherme de Vasconcellos-Abreu, lente do Curso Superior de Letras.

Outrosim se declara que o curso é livre e sem dependência de ma- tricula, e será neste anno de trinta lições, duas por semana (aos sá- bados e segundas feiras) das duas e meia ás quatro horas da tarde, o que essas lições serão as da sub-secção <:/) da parte I.

A primeira lição terá logar no dia 28 do corrente mês.

Direcção Geral da Instrucçao Publica, em 20 de fevereiro de 1003. = O Conselheiro Director Geral, Ahcl Aiulrade.

Curso Integral de Autiguldades Ârlcas

Liiiguas, praxe e reliíjiáo iiricas: direito civil antigo árico e sub-divisão em cursos parciais

(apresentado por G. de Vascouccllos-Abreu)

Árias são os povos e nações cujos ramos principais, na antigui- dade histórica do Mundo- Antigo, se lixaram no Hindustão, no Eran, na Ásia Menor, na Peninsula-Helénica, na Península-Itálica, na Eu- ropa-Central, e nas Gáhas ; e em tempos proto-históricos da sua pró- pria evolução andavam ainda errantes pela Europa e Ásia, desde o Mar-Báltico e do Baixo-Reno até os contrafortes ocidentais dos Mon- tes-Celestes, no Fergana, e os rios Cabul e Indo-Médio.

Esta gente árica falou línguas afins e teve civilizações inter-depen- dentes, por tal forma estreitas, que, umas e outras, são mútuas escla- recedoras da vida psíquica e da material, hase da evolução loosterior independente nos lugares geográficos onde mais tarde se fixou essa mesma gente, como Gregos, Romanos, Celtas, Germanos (os princi- pais na Europa), Eránios, Hindus (os principais na Ásia).

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Preteiule-so neste Curso Integral de Antiguidades Aricas estudar, segundo o método histórico comparativo e pelos documentos que estes povos nos deixaram em línguas orientais, tanto pelo que os textos nos referem claramente, como pelo que inferimos e deduzimos da lin- guagem,— a evolução imhpemJente dos ramos domiciliados a Oriente e a vida commnm antes da definitiva separação étnica.

Os textos mais antigos sao, de entre todos os da família ou raça histórica dos Árias, os textos em sámscrito, a língua mais transpa- rente e elucidativa; logo depois são preciosos os textos avésticos, notabilíssimos pela afinidade com os samscríticos ; e, finalmente, são imprescindíveis os textos em páH, complemento da evolução glotoló- gica samscrítica c da evolução hierológica na índia, pelo budismo.

Dividimos, portanto, o Curso Integral de Antiguidades Áricas em quatro cursos parciais, e o primeiro em três sub-cursos a, (3, y, e damos a a três secções a, h, c, de seguimento pedagógico malterá- vel, em anos sucessivos de ci) a e), durante um ano em cada uma das secções, velo menos.

PARTE I Glotologia c literatura árica oriental

! elementos de púrnscrito e) literatura sainscrítica ; ) ' sámscrito clássico c lite-1 \ -i .

ratura clássica ; )

védico c literatura vcdica; I c) línguas e literatu-( prácritos, páli e literatura ra pracríticas. | búdica ;

r^ \' ^'t■ t. ^ ' 4.'r. r. i avéstico (ou zende) c lite- ) -.

B - Imgua e literatura avesticas ; ^ ' / t1-

I ratura avéstica. '

W

PARTE II Etnologia árica

O que sejam Árias. História da teoria árica. Documentos do es- tudo. Usos, costumes, crenças; instrumentos de indústria, amanho, etc, e auxihares do trabalho e vida. Minerais. Fauna; flora. Evolu- ção familial e social.

PARTE III

Religião árica oriental na antiguidade

A rehgião da Luz e do Lume : Cl) Vedismo ; bi*ahmanismo ; />) Mazdaísmo, Mitrismo ; (^ Budismo ;

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1>A1ÍTE IV Direito civil antigo árico

Iiitrodução geral relativa a toda a fomília árica c relação da famí- lia ou raça histórica áriea com as outras famílias ou raças históricas da Ásia e Africa.

Indivíduo; família. Estranhos; escravos. Agnatus, cognatus. Lar; pátria. Deuses e adoradores. Base do direito. Evolução do direito. Poder; acção. Propriedade; sucessão; transmissão. A cidade; o Es- tado. O Jus gentium.

Cristianismo e nacoes modernas.

#

Tal como fica traçado, este programa integral é o panorama de todo o território e domínio do estudo da antiguidade árica, proto- e mesmo pre-histórica, feito à luz dos documentos históricos e segundo o método comparativo.

Ficam encubertos pelas partes mais elevadas muitos vales, muitas planícies e tratos de terreno consideráveis.

Como j)lano de estudos é vasto; mostra porém tão somente a gran- deza da área e as circunscrições a que nos podemos limitar.

Tem âmbitos de feição geral, outros de feição restrita, outros de feição particular fundamental, e esta deve de ser conhecida como base, ou tem de se supor conhecida no estudo de algumas partes (ii,

III, IV).

As secções a), Z*), c), que compõem a de A devem de estudar-se de modo seguido, como instrumento preparatório. Constituem sub- -curso base de todo o estudo. Por este caminho pode o industrioso abalançar-se por veredas que virá a descubrir levando consigo luz esclarecedora.

E o intuito imediato do autor deste programa realizar o ensma- mento do sub-curso a de A.

O futuro determinará quanto ao proceder que haja a seguir-se depois.

Lisboa, 20 de fevereiro de 1903.^=0 Conselheiro Director Geral, Ahel Andrade.

DOCUMK.NTO ]S." 3

Cojjía. Livro 21." N.^ 5 fSenliora. O Conselho Superior de Instrucção Publica examinou come lhe cumpria, o programma do Curso que o Professor do Curso Superior de Lettras, Vasconcellos- Abreu, se propõe abrir na Universidade de Coimbra, programma que Vossa Majestade foi servida mandar submetter á sua consideração. Compraz-se o Conselho em reconhecer que n'esse documento nada se lhe oíFerece que desmereça approvar e em esperar que tão espon- tânea tentativa contribuirá para mais radicar e divulgar com proveito publico o amor dos estudos e investigações históricas.

A competência affirmada pelo professor de que se trata no curso da lingua e litteratura sanscritica que ha muitos annos distintamente rege, abona e justifica as esperanças que o Conselho exprime d'esta forma. Sala das sessões, 20 de novembro de 1^02.-^= Jayme Cons- tantino de Freitas Moniz = António Maria de Amorim ^= Ignacio Francisco Silveira da Mota ^= José Maria Rodrigues ==Arth ar Pinto de Miranda Montenegro == António Cândido Ribeiro da Costa = José de Sousa Monteiro = José Curry da Camará Cahrcã=^ Achilles Alfredo da Silveira Machado = Maiuiel da Terra Pereira Vianna.

DOCUMENTO N." 4

Copla. Ministério do Reino -- Direceau Geral de ln.sírueção Pu- blica— 4,.^ Repartição L.° 31. N.'^ 5. Tendo sido presente a Sua Mag-estade El-Rei o processo para abertura, no edifício da Universi- dade de Coimbra, de um curso livre de antiguidades aricas, que o professor do Curso Superior de Lettras, de Lisboa, Guilherme de Vasconcellos-Abreu, se propõe reger, gratuitamente, em annos suc- cessivos ; o mesmo Augusto Senhor, conformando-se com as informa- ções favoráveis emittidas acerca do programma do mesmo curso pelas Faculdades de Theologia e Direito da mesma Universidade e pelo Conselho Superior de Instrucção Publica, ha por bem conceder a au- ctorisação necessária para a abertura do referido curso, nas condições constantes do respectivo programma. Paço, em 23 de dezemliro de \^02 .^ Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

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Na púg. 7, a partir de «era rito», ua 3.* linha contando de baixo, leia-se : con- cernens, concernente ao rito^ às cerimónias, tudo emfim quanto, para crescer cm prosperidade, devia de ser puro.

Na pág. 13, linha 15 : longinquo.

Na pág. 14, na linha 21, leia-se : d h a r m a - s ã s t r ã n i (darma-xastras ou Insti- tuía)^ os quais. . .

Na pág. 15, linha 2 de baixo : IJario.

Na pág. 16, linha 16 : cordéis.

Na pág. 16, linha 24: Hárune.

Na pág. 16, linha 37 : Mofamede.

Na pág. 16, linha 38: Equebar.

Na pág. 17, linha 25 : Góies.

Na pág. 17, linha 29 : atar gentios às. . .

Na pág. 18, linha 7 : Coerdoux.

Na pág. 21, linha 4 : zende.

Na pág. 22, linha 6, de baixo : título.

Na pág. 23, linha 19: Bijanáguer.

Na pág. 39, linha 5-6 de baixo : mutuamente esclarecedoras.

Na pág. 40, linha 3 : linguas áricas orientais.

Elida-se h no interior de palavra portuguesa ou aportuguesada, assim : em bra- hmánicos, pág. 13, 16 ^ bráhmanes, pág. 15; comprehendeu, pág. 29.

Leia-se avestaico onde se escreveu avéstico, assim, pág. 40.

ALGUNS TRABALHOS DO MESMO AUTOR

Publicação oficial. Imprensa Nacional. Lisboa

Curíio de liUcratura e liíngiitt Samscrítica clúsisicti c védica

Volume I —Manual para o estudo do sámscrito clássico:

Tomo I Gramática. 1881. 8." gr., p. xxiii-18f) 1^500

Tomo II Crestoina|.ia. 8." gr., p. xii-222 .1^000

Voliiuie II Exercícios e l*rinieiras leituras de sámscrito:

Tomo 1 Gramática e Antologia. 1881>. 8." gr., p. 173 2^500

Tomo II Vocabulário [2 col.), notas e traduções. 1898, 8." gr., p. xxv-2y8 4(JOO0

Volume 111— Crestomatia vvdlca e Vocabulário.

Volume IV Os Árias na ludia até a qae'fla do líudUnio. Historia da sua Literatura e Civilização.

CuvHO de Ijítei*a(iii*tt e Língiiit l*nli

O J)amai)ada ( D Ii a ni m a p a d il j : Texto, tradução, vocabulário e análise gramatical, com um bosquejo acerca do Budismo ò da literatura búdica. (Vai eutrar brevemente no prelo).

Piiblicaçóes da casa de António Maria Pereira. Lisboa, rua Auyusta, 30-54

Chand-Bibi. A Sultana Branca de Amenagara. Couto fantasiado da tradição indiana do

século XVI. 18Í>8. Ed. de luxo, p. 93. (licstaiapouc.)s exemplares) , {p^úi)

Tuberculose e Contágio da tuberculose. Escrito de propaganda. 2.^ ed. 1901, In 16.", p. (;2 ^5*200

Os Contos, Apólogos c Fábulas da índia: intixiéncia indirecta em Gil Vicente. lí)02. Ed. do centenário de Gil Vicente. Papel de linho, in 16.", p. 9(5, com um Esquema sinóptico da difu- são da novelística búdica pelo Mundo íHOO

Publicação da Soriedade de Geoyraíia. Lisbo;i

Passos dos Lusíadas estudados á luz da mitologia e do orleutalisiuo. 1892. (ir. in S.", p. vii-87, com duas gravuras ;>7nn

Publicação da Academia Real das Ciências. Lisboa

Texto crítico da Lenda dos Santo.>i Barlaão e Josafate. 1898. Gr. in 4.°, p. 49, cora^ estampas (2 prim. e 2 ult. pag. do texto uo códice 26 5 do Mosteiro de Alcobaça, na Torre do Tombo em Lisboa) •á'500

Pubíicacáo de A. Ferreira Machado & C* Lisbo;i

NoçCes elemeatares de lreograph.5a Oeral: I. Introducção e Geograph.ia Matbemática Com

um Atlas de 67 figuras, 18.38. 8", p. xn-14á ^700

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