SERMAM

§VE PREGOV

OPM. ANTÓNIO DE SAA

DA COMPANHIA DE JESUS. A JVSTIC,A NA BAHIA.

EM COIMBRA.

Com todas às licenças necejjarias.

Na Officina de MANOEL RODRIGVES D' ALMEYDA, Annodc M.DC.LXXXVI.

A cufta de Ioao Antunes mercador de Ivvm.

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FoLi..

Àflarueruntdifpernu imgu* tanquam igms.feditaue [uprafmçulot eerum. Aítorum.i, J * Jr J .

Bec #? autem judiciam , ^ //** venit in mundum , ^ dikxernnt ho* mines magis tenebras quam Incem. Ioan.j.

O Amordivinoconíagrahojcaluftiçahuma- | na efta prefente folemnidade. Neceffario he , q l o advircamos,poisconíiderada atentamente ef- ta acçara,parece q implica, que tenha por prin- ^- ^—m si, cií>io a IuftiÇa>quando tem por termo ao Amor: cu que tenha por termo ao Amor , quando tem por principio a Iuftiça. Amor prefidente da Iuftiça? a Iuftiça af- iiítida do Amor? Cuidava eu,que nenhíía coufa conformava me nos com aluftiça , que o Amor , & o noffo fegundo therna affi o diz expreflamente. Porque fe bem notarmos , toda a razam , ou toda a fcni razam,porque nojuizo que os homens fizerão acerca das trevas,& da lu z,a luz fahio condenada,& as trevas applaudi- da$,foy porque neíTejuizo déramos homens ouvidos ao Amor; dúcxerunthomines^ aquando o Amor procede tam erradamen^ te nas reíoluçoens, que condena bellezas de luz , & aplaude feaU dades de trevas, naõ parece acertado, que á Iuftiça preíida o

_Ora com iftofereprefentarafli,com ter o Amor tanta cotra- ndade com aInQiça,digo com tudo ,que nos Tribunaes da Iuf- tiça bem fe pode admitrir o Amor. Por efta parte eftá o primei- ro thema. Diz o E vangelifta S. Lucas, que o Am or divino quan- do veio fobre o Collegio A poftolico, que feaíTentàra: Seâit. O AmoraíTentadoPlogoaíIiftecomoem tribunal o Amor. Acoiv íequencia nam tem menor fiador5que S. Gregório, por fer como ellediz3a poftura de aílentado própria de quem julga: Scdereju* dtcantis 4. Pois fe o Amor divino oftenta authoridades de Iiiiz, nam he incompatível a Iuftiça como Amor? Antes nem a Iuf- tiça diftributiva,nem a punitiva fe deve executar pellos difta-

A z mes

%■ Sermão do

mes da fabedoria fem intervcnçam do Amor. Pelio menos affi o pratica o íupremo luiz Deos. Quando õ Eterno Pay confultou o beneficio da criaçam, tanto admittio na confulta o voto de feu Amor, como o voto de fua fabedoria , que ao Filho, òc ao Spi- ritu-San&o querem, todos que confultaffe naquellas palavras: Fàciamus hominem imaginem , & Jimilitudinem noftram. Gene/, i. quando o mefmo Senhor deçeo a devaffar de Sodòma para leu caftigo,trouxe também por adjuntos fabedoria, &: Amor > que a Genef. 18 todos três em disfarfe de humano adorou Abraham: Àpparuú- rtmt ei três virifiantes frofe eum. De maneira , que nem aos be- nefícios,, nem ao caíiigo procede Deos Tem ouvir a feu Amor, E porque razão ha de entervir o Amor na repartiçam dos favo- res , U na execuçam dos caftigos ? Porque caftigar fem amor, hc paffar alem dejuílo: dar fem amor,he ficar àquem de liberal : no primeiro vay muito efcrupulofa àjuftiça -, no fegundo vay ppuco air ofa a libcralidadc,& nem à juíliça eftam bem efcrupulos, nem à liberalidade deíares.

Mais toda a razam \ porque ordina riam ente defterram todos dos tribunaes ao Amor, he porque eomo íejahum affe&o cego; rvempodevera quem hejufto, que fede o premio,nem aquém he licito que fe dèo ca ftigo;ôrporiíTo caíBgarà tal vez benemé- ritos, & premiara delinquentes. Eftahe a caufa total, porque o Amor fe lança fora do juizo. Logo íe houver hum amor, que veja merecimentos para premiar, & delidos para ouvir, bem po- derá efte amor entrar nos tribunaes. Pois figa o amor as luzes do entendimento, regulefe pellos arbitrios da razão,quc logo &- certará a repartir premios,& a julgar culpas. Ao Spiriui Santo Mcdefam deu o Eterno Pay o defpacho das mercês: Da Ur munerum. Ao hymno, mefmo encarregou o juizo da infidelidadc,que o múdo'cometeo contra o Verbo Encarnado : Arguet mundumMpeccatáy quia non Ioân.16. crcâideruntinme. Pois ao Amor fc entrega a repartiçam dos prémios 2 Ao Amor fe encomenda o exxame de culpas > Sc he Amor,comohe poífivel que ache em ninguê delitos pêra punir? E como he poíTiYel j q nam ache em todo méritos para premiar,

Ejfirim Santo. 3

(e he Amor l Como? Porque he Amor 0$ffêjtf£$ mmocon±, a razam. O afto da vontade , pello qual o S pirita San&o proce- de formalmente Amor , regulafc de tal maneira pello ado à& entendimento,que somente qucrjO que o entendimento cpnhe ce,& Amor tam conforme com a razam, A mor que íabe que- relo que a razam chega a alcançar; bem pôde fer admittido ao defpacho das mercès,& ao juizo da«s culpas: pdrqcomq-t^ dif- creto nem defeonhecerà mentos pata o premio, nem diffimula- culpas paraocaftigo. Será pois o Amor humano chama en- tendida, & com ter dependência d^a vontade pella realidade do fer , dependa todo do emendimentopara os acertos do obrar,&: vote embora efte tal Amor nostribunaes da Iuftiça, que como, tão dirigido pella razam nam pode errar como cego,fenaõ acer- tar como lince.Ifto pofto bem fe deixa ver,quenamfe contrari- 30 de talfoí te Amor,& Iuftiça, que naõ poffa haver Juftiça onde J\a AipoivE fe os empenhos do Amor podem eft&r com as intei- rezas, da Iuftiça, nam ha que condenar em que a Iuftiça humana dedique hoje fuás celebridades ao Amor divino. Atèqui a repu- gnância da eleiçam : vamos agoraà elêiçam dos themas.

Verda4eiramente que me vi embaraçado no concurío de taõ i^ncontra^os textos, como íana o d$feíia>& o do dia. A obriga- ■çarn he tratar da Iuftiça y o textp iafefta defcçeve humajuftiça acertada ; o texto do dia propõem huma errada juftiça. Erros, òc acertos como feham de unirf Ora para que a fefta, òc o dia am- bos influam na obngaçam,deçerrriinq feguir hpm,& outro texto, o texto da fefta,o d^;A^°^4iVmo,moftraràè^ftiçaQq deve fa- zer: o texto do dia , p do^mpç humano>mpftrarâ o que nam de- ?e fazer a Iuftiça, vamos com elles, íem nos apartar hum ponto-

/

dppartierunt dt/pertk*MgM> tangam igms.fedit^Hef^ra, fmguhs eomw*

A

Pareceram repartidas lingoas como de fogo , & aflentou- fefobre cada hum dos Apoftolos. A primeira coufa em

que

4 Sermão do

que reparo,hcnaqucllc,^™ÍW*A Jmruerunt? Apparecco o Spmtu-Saníto ? A que fim tanta prefla em vit , que páde cor- rer o chegar por huma appariçam repentina? Naó eftavaõ me- lhor a taofoberana peffoa paufados partos em decer, do que pou comageftofaspreílasembaxar? Para que arteira velocidades, quando devi;a anhelar paulasí Para queí Eu e direi. Sufpirava a- quella felliz junta havia dez dias pello defpacho deite favor,& heramcuftofoerperarporhumderpacho, quepor Ihedarex- pedtÇam,reapreirouoSpintu Sando contra conveniências de S. Mageítade na decida. E efte he o primeiro avifo , que aos tnbunacs da terra, que nam fe dilatem nelles com importunas tardanças os deípachos.íenam que fe abreviem com diligente cuidado: porque na verdade nam fabe o que curta hum defpa- cho retardado, quem retarda hum defpacho. ' Entra Chrifto no Horto, & pretendente felicito de fua vida, Lhc.v.. mtteP«içam a feu Eterno Pay.para que fe lhesefcuíe a morte: Pater trmsfer edicemiftam i, me. Três horas continuou na pre- tençam j &c na ultima abertos os poros ; do corpo regou com feu tangue a terra. Fa&us efl fuhr ejus, (icut gutu fanvuiriis decut- remsmterram. Valhame Deos que he o que atormenta tanto aUiníto? que he o que tanto o martiriza? Aqui nam ha lança pataopeito, aqui nam ha cravos para as mãos, aqui nam ha<a- çoutes para o corpo: pois donde afflicçam tam vehementeídon- deíentimentotamagudo,quefem lança derrama fangue opei- to,í;m cravos corre das mãos o fangue,fem açoutes brota em sa- gue todo o corpo? Donde? Naõ ha três horas que pede inftatí- temete a vida,fempre lhe diffiríraõ ao defpáchoíPoi sáfflige tan- to hum defpacho dilatado.que com fer a dilação de três horas curta a Chrifto o fangue da s veas. E fe pretender três horas mo- lefta co tanto excerto,que fera preteder annos inteiros? Se horas

de requerimeutoehegam atirar fangucannosderequerimenro que faram.? Apréíkmfe os Miniftros em defpachar,para q nam penem os pretendentes-em requerer. E verdadeiramente q não vi couía menos para prolongada,que húapretençam. Ou o pre- tendente

J^jptrim Santo. j

tendente ha de confeguir, porque merc-ce,o que procurarou naô - hade confeguir o que procura,porque nam merece; fe ha de cõ- < feguir, para que he dilacarlho > fçnam hade confeguir para que he íufpendelo? Ou defpachar logo como defengano , ou com a mercê, porque negar logo o que fe precende , pode íer benevo- lência de quem ama,&: conceder tarde oquçfe dezeja, parece graça de quem zomba.

Aquellesdous"difcipulos mui queridos Senhor loam ,& Diogoatreveramfehumahoraapedirlheosdous melhores iu. Matt^ gares de feuReyno: VhyUtfedemthi duo filij mei.ums ad dex-* teramtttAm>&»msadfempamÍ9*Regn<)tuo, E que refpondetia o Senhor aeíía petiçam? hum manifefto defengano: Ne/citis

Ímdpetaw. Nam fabeis o que pedis , defifti do que pretendeis fc bem Senhor a hum Diogo tam favorecido, a hum loam tam amado com efla fequidam negais o que procuram ? iflo he amar? líio hefevorecerfSi, que nam ham de confeguir o que defe- jam, porque eftam outros Merecimentos d'mtc:<$utbusj>aMum tflapatrinieomam he pouco favor defenganalos, & fora mui- to martyrio íufpendelos. Que de anfias nam cuftâra a eftes dous Irmaos,fe tratara Chrifío de os deixar fufpenfos entre duvidofas ciperanças.? quaes andaram atormentados em perpétuos def- vcllos^femfeaver de alcançar alivio de feus cuidados? Pois bem mofktóú o Senhor, que os amava, quando com tanta preik os detehganou refoluto, para que nam padeceflem os trabalhos de procurar, quando tinham impoflivel a felicidade de confeguir. Alentarme cn^asofamente com efperanças a que profiga,quan- donamheydealc^hçar.oqneéfpçro^nam he favor de amiao, hc odiode contrario, pois me faz padecer anfias , nam havendo de gozar intentos. Melhor he defenganar Iogo.porqueíe benão confeguir^opretendido^e defgraça5deixar de pretender -balda- damente,he ventura. Pois que conceder o pedido, fe he tarde, mais pareça zombaria que mercê; eu o provo.

Defejava Sara hum filho como a fucceíTam de íua cafa , & ao cabo de noventa annos de idade,& aos mais deites pe defejos,lhe

prorss~

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6 Sermão do

prometeòhum Anjo , que Deos lhe daria o fruto de bençam. E vendofejà Sara com hum filho nos braços deulhe nome de ri- Gwef.zi. fo, dizendo quelhe fizera Deos huma zombmx Eifem fecit miki T>ms. Pois Sàra,agora que deveis agradecer a mercê , offendeis com àdefeíiima .^Tendes hum filho , que tanto defejaveis , & a- váliaisofàVorpordiDQÍa de rifo, nfum feoit mthi Deus? Si, que foy favor concedido muito ao tarde. Nam havia tantos annos y<\ Sara pretendia íucoeffor para fua cafa ? Nam alcança agora def- pois de tanta dilaçam o que procurava? pois por iílo eftima co- mo rifo â metce^ porque huma mercê fummamenteprolonga- -da, mais p ârece %r&çà de quem zomba, do que deípacho de quem favorece; Se a natureza nam petmitte alentos a Sàrátpa ra fubftentar. a feus peitos o filho , que vem a fer eíía dadiva , ie- naõ zombar ao parecer de Sara? Se o Miniftro com feus vagares

deixou creíeer tárito nos annos o pretendente , que às vezes lhe mm fica tempo par* gozaf do favor,que vem a fer efledefpacho lenam galantear do pretendente > E daqui nace qtíe «á&merces muitas vezes nam obrigam , porque as mercês para obrigarem, hamfe de eftimar como taes ,&: quando fe concedera âo tarde nam reputam por mei?c*ès>como he poífivel que as merece o- bri<mém? Aprértdâmpois os perfeitos Miniftros da terra ^ ào grande Principe do Geo o Amor divino a abreviai Miâ ador- mente os dèfpachos. Seno pretendente ha méritos ^fejadffifef- mo requerer, que alcançar: fe nam ha méritos no pretendente,

figafe odefenganár ao pedir. Porque defta maneira á todosfe fíz favor ; ao prèmiadd , porque alcança femanfias o que* mek-

. ce : ao defenganado, porque efeufa cuidados em- diligenciar o que nam ha de confeguir. " '

Nem pareça que convém preflas à Tuftiça no deípacho das mercês; também lhe convém na expediçam das caufas. E a *a- zam he porque alem dos gaftos, & damnos que ordinariamente reíultam da tardaftea da? caufas,padecem as paíTès htíma íufffcn fam ,em quanto dtividam,fc íahiràjulgáda por fi > ou contrai :& he tam terrível o tormento de huma davida^que poíta de huma

parte

Efpritu Santo., 7

parte a certeza de hufna fentença contra a meíma vida , í& dou- tra huma fufpenfam defía fentença, mais moleira efta fufpenfaõ, que aquella certeza.

Entre indecentes feftas fe acha el-Rey Bakhezar aflí ftido dos Grandes de íua Corte,quando hu ma mam com poucas letras, <| formou na parede fronteira,lhe chufou táo fingulares aíTombros que pàllido o rofto attonitôs os olhos , inquieto o coraçam , tre* mulos os membros,& pafmado o difeurfo, mandou a gritos que viefíem os Sábios paraiexplicar aquelles ignorados charàátetes. Tunc fácies Regis cúmmutata eft > & cogitationes em conturba- j)an* hm tum , & eomfâget rerum ejus fefoebmtfir. Entrou o Pn> phera Daniel, & interpretrando os tremendos rafgos daquella fatal pena,lhe difle ao perturbado Rey,qucaquellas letras con ti-» nham final fentença contra fua tida \ & contra feu Império. Z>i- vijum eft Regmm tuum. E que faria Bakhezar nefte paffio? Sem - duvida que creceriam os pafmos, & reduzido a defmayos o eí- forço,fe renderia de todo ao íentimento. Antes foy tanto ao con- trario o fucceíTo,que poftos de parte os aíTombros ,como fe a ex- plicaçam fe dera muito em feu favor , mandou veftir de purpu- ra, & ornar com joyas ao propheta ■: Tuncjubente Rege tndutfts eft Danielfurpura* Pois Balthezar,que diverfidade he eírafPcuco hatàminquieto,agorata«n defaíTombrado > Duvida Balthezar fe fera a eícritura contra íl, & affligeíe: entende Balthezar, quo he contra fi a criatura, & foíTegaíe ? Antes tudo aíTombros,agora nenhuns pafmos.^Aífi havia de fer, porque cila difterença vay de viver fufpenfo a depor duvidas. Em quanto Bakhezar via mover aquella formidável mão,cada letra queie formava na pa- rede era huma fufpenfam,em que lhe punham a alma:agora que Daniel explicou os charafteresjàfabe que firmou aquella pena fentença contra íua vida,& atormenta tanto mais a incerteza de huma fufpenfam , do que ainda a infalibilidade da morte , & a perda de hum Reyno,que quando Bakhezar duvida do Reynlo, ôc da vida, encam treme- & quando eílà certo de perder vida, Sc Reyno,nam pafma. Tamrigurofa pena he vacillar, que mais <

B mclef

lfíÍ4,ll

í> Sérmação

moleítou huma fufpenfa duvidando que omayor damrtcr certo; E a razam o pede aíli. Porque qucHi-ejíà certo, padece humsò mal que he o de que tem certeza; quem vacilla,padece quãtos males a imaginaçam livremente lhe repreíenta j & como o imaginar fcja^uma paixam viva,que avifa a todas as razoem do fentimen- to,huma efponjade triftezas. , que anda a chupar, pezares , claro eítàque maishamde martyriaar os males duvidofosda imagina- ç am,do queo mayor mal certo na realidade. Pois para que as Partes eícufem eítas;penoías duvidas , & moleftas fu/pençoens, íaiba logo o litigaqte de feu lucro, ou de fua perda; entenda, logo o delinquente te ha^de padecer o caíligo,ou livrar da pc?na * para que hum, doutro na certeza de feu mal ou de feu bem,deponha .as trabalfiofas afflicçoens dehuma duvida. Que por livrar aos Apoftolos de fufpenfas efperanças , apreílou o Amor divino tán- po os paffos, que com fer efperado , pareceo repentino > 4ffam- erwt.

Divertiu UngUA tanquam ignis. Appareceo Oi Spititu San&o em lingoas como de fogo. Nam eram lingoas de fogo , lenam como de fogo; tinham de luza realidade , & de fogo as appa- rencias. O que eftremado documento efte parada luftiça/ Nam /ha de fer %ling*>ade hum Iulgador,ainda quando fulmina mor- taes fentenças,lingoa çlefogo,que abraza; tam temperado ha de .ir o rigor çom a brandura,que nas apparencias letre o caftigo inclemências de fogo. Nam he bem que feja vulgar a piedade, parque tanta crueldade he perdoar a todos , como nam perdoar a ninguém: mas he bem queos rigores da juftiça fe teroperern com a fuavidade da mifericordia.

LàvialzaiaslevantarfeoReynodeChriíto, à maneira de hu rna vara; Egredietur vir ga-der adice lefíè: mas logo lhe di vi- íou ao-pè hunubcilaflor -,& fio? d<? r adice ejuf afiendet* Para que áfuavidacie da flor mitigalTe a dureza da vaia : que tratar, de fe- rir sò nençe como vàra,fern arrendei* a coníolar como flor , mais he impiedade de tyrano , que inteireza de juftiça. Fira embora avara quando he;ncceílario,masíintamfc também ao bater flo- res

mm

Effíritn Santo. f

res que rcCrècem,& riam sòafpèrezas que moleftem;quc hum! rigor modificado entre branduras; hetcdo o primor da jufiiçs,.* Quando Deos deceo aintimar os merecidos caftigos ao povo Hebreo, notou oProphetaEzechiel, que da cintura para baixo £w£.í defpedia abrafadoras chamas : >\^Ab afpeãu lumhôrum ejus, & deorfumignis: masque cintura para cima refpirava viração j jue9m frefca.: Alumbis'eju9\^firjum^uâfi àfpeííus aur*. Myíleriofa Mon, compoíiçam por certo.' Tanta viraçam com tanta châniartanto calor de incêndio com tanto refrigério de ar? Affi modera Deos os rigores de fuajuftiça com a benignidade de fua mifericordia. No rneímo tempo,que arroja chamas juftiçofó, refrefca virações benigncparaqueafrefeuta doarmitigue osardorés* irrcen- dio,Quedivino modo áecaftigar/ Ar, U fogo-, fogo para otor- mento, ar para o alivio. Por iíTo David dizia, queDeos tornava P/Í/.134. os rayòs em chuva t Fulgura wpluviãmfecit. Quem viojà mais rayos desfazerfe em agoa £Quem vio rnâris coriícos defatarjfe étn orvalhos ?Mas faôfâytís de Deos jufti jdfo^âs fam córifcd* dofoberanoRey indignado: qiie dêçalniáneiramiflutaafpe- , rezas com piedades : queamefmacbamadõrayotraz contigo" o refrigério da agoa , êcomefmo ardor do corifco a frefcurá do orvalho. Nam^rremeíla confumidoresràyos fem chuva > qlhes mortifiquei chama : íiarn defpede acezos cónicos fem orvalho, que lhes diminua o calon

Aíli procede nos caftigos a Iuftiça do Ceo : aíli proceda nos caítígos.a juítiça da terra. E para que mais facilmente una pie- dades com rigores , entrem nos Tribunaes os Iulgadòres com o que iam por dignidade, &: corno que fam por natureza. Os Iul- gadores fam em huma eneaínaÇam politica Deofes5&: homens: por dignidade fam huns como Deofes na terra : Fge dixi :Dij ef naum Por natureza fam homens como os demais. Pois com tu- do iíícvcom a dignídade,&: com a natureza, como Deoíes, Ib co- mo homens,como homens divinos, &rcomo Deoíes humanos: aííiftam às acçoens de juizo,paraque a humanidade do ler, mo- difique a jnteireza da dignidade. Nam deponham a igualdade

Bz ' de

Sermão do

de humanos , para fe revcftirem da íoberania de divinos ,que para julgar hoaicns, nam fervem divindades adeofadas, Deoíes humanados fi.

O Padre Eterno,diz Chriflo,nam julga a ninguém , mas toda /w.c. 0P0derdeJulgàrcometeo ao Filho : Pater nm judiem auem- ^mm^domnejiédicmmdeditltlto. E porque não tomou o Pay para fi o officiodejulgadoc; porque o deu sòmenre ao Filho? O rnefmo Senhor o diz: guiaFiliushomiMscJ}. Porque o pay he somente Deos, o Filho hejuntamente Deos, & homem,& hum compofto homem Deos , hum Deos humanado , he o que fc re- ^eUPfueK. quer para julgar homens. E iffo porque í 2vV indigmúonis divi- ,9m%.in m vimm in homines merwn efftnderetnr , fedhumAnitatis foô *J>$:*A in ilkd transfufo mifiemur : refponde kum engenho grande * "'*?• da Companhia. Ençregaffe o julgar homens a hum Deos huma- nado,para que a femelhança do íer humano temgère a indigna- ção dofer divino ; .& de tal modo proceda ao caftigo como Deos jufto, que propenda também á piedade como homem compat f ílvo. kíTiftam pois osluizes nos Tribunaes como Deofes , & co- mo homens, nam difparn a Tubftancia de humano, qufc fam por natureza,por femoftrarem somente divinos,que iam por digni- dade, ajuntem huma, &: outra coufo, que logo ajuftàram feveri* dades com branduras. Como Deoíes decretaram juftos , como homens compadeeerfeham piadofos : a dignidade os levará ao caftigo, a natureza lhes perfuadirà a benignade : que fubftancia de luzes,& accidentes de fogo lhes aconíelha o amor Prefidê- te: Difoertiu língua tanqstam ignis*

Stdttqvc. Apparecèram muitas Jingoas, & aíTentoufe. Quem . nam repara neíía compoíiçaõ de palavras? Apparecèram lin- goas, & aíTcatoufe? E aífentaramfe parece que íe havia de dizer. O ra bem dito eíU; porque íe eíte Amor foberano veyo a inftruir as Iuítiças di terra, aindaijue as lmgoas em que apparcceo eram muttas,haviafe de dizer que fe aíTentou, & não que fe aflTcntàrão, porq íeos Tribunaes ainda que fejam muitos os Iulgadores > •ainda qUs as lingoasíejam muitas/ âijpertiu lwgn&> deve com

tudo

Efpniu Santo. i í

tudo íêr huma acçam, huma a voz, &hum ©atíehto: Seditquc. Namcfmacriaçam do mundo praticou Dcos cfta importante Genef.i. politica : In principio Índices creavit cmlu m , rjr urram, Àfli 1c o Hcbreo , & vem a dizer affi: no principio os Iuizes criou. Os Iui- zes criou? peregrina grammatica/ Se eram muitos os agentes,/»- ^^cómofingularaacçáo,^^^? Oufefmgulàrizc o agen- te, pois fe fíngulariza a acçam ; ou fe multiplique a acçam , pois fe multiplicam os agentes: mas com operaçam Única agentes muitos ? E com muito acerto. Nam entraram eftes agentes a o- brar comoluizes , índices* pois coherentemente havia de fera operação burna , creavit ; que he timbre de Iuizes perfeitos , ain- da que fe multipliquem nas peíToas,fingularizarfe na acção.Nâo fe ham de diveríificar nas operaçoens de Iulgadores , aíii como íe diveríificam no numero: no numero fejam embora mjfftos , o obrar ha de ler único. Ham de concordar no que aíTeníam /ain- da que nam concordem no que (áhi.

Quando Deos defterrou a Adam do Paraizo,poz em fua guar da muitos Cherubinsjcomo querem todos os expoíitores funda- dos na força dalingoa Hebrea,& a todos armou com huma efpa da. Collocavit ante ptrâdifim cherubim , &f\âmmeum glaàium G**efe ãdcuftodtenâamviam lignivit*. ^ a<jue fim feaffinalla huma efpada para tantos Gherubins/Seos Chcrubms nam neceflitam ilearmas3amda huma efpada heíúperflua: &: fe neceflitam de armas os Cherubins, como fe para tantos huma efpada ? Que tjuer dizer os CherubinS muitos, ôc a efpada' única? Que quer di- zer ? Eu o ditei. À efpada;he a fentença , que fe fulminou contra Àdam,como quer Kupcvtofgladius ftntentU ejl: os Ghcrubins fam ps Iuizes executores defla fentença; & como os Cherubins fejam os Iuizes, & a eípada feja a (entença, armaõfe muitos Chc- rubins com a mefmâ efpada, porque íe devem unir na mefma fentença muitos Iuizes. Vários Mmiftros de fua luftiça deílina Deos ; Cherubim 5 mas a todos entrega humá efpada \flam~ moam glaàium ; paramoftraf , que fe devem conformar tanto entre íi os Iulgadores, que ainda que fe deftingao» no fcr,fe iden- tifiquem

^** '■"■"•■•■■■■■■■■■■■■■■■■■■mbii»,

12 Sermão Jo

ufiqucmnofentenciar. Tam concordes ham de julgar, dUC.fe ajuftc cada hum, quando hejufto com o fentimento de todos, &c

todos com o de cada hum , para que delta conformidade de juí-

zos íaya a refoluçam tam huma,que fendo vários a refol ver, pa- reça que nam.refol vem vários. *

£ameímarazam,ameuver, diraeíta conformidade. Per- gunto os Iulgadores porque fam Iulgadorc»? pello que iam por ua peflba , ou pello que fam pello fcu officio í Hecerto.que pel- lo que fam por feu officio, porque o offid^^^^ nam a pefloa os confticueIuigador.es. Affiípo.sfe o officio he o melmo, porque nam ha de <e r a determinaçam a meíma f Se o officio he hum em todos,porqueha de íer oparecer em cada qual vario > Pel- le.java Iofue contra os Amorrèos, & quando começava a decla- rarfe por ma parte o triumpho , hiajà o Sol enubando fuás luzes, & vendo qgencrofo Capitam, que as fombras haviam de fer ao mim.go refugio, ordenou ao Sol , que paraífe, & à Lua que detiveíle: So com raGámonnemoveark, & Lum contu -vai. *f». I0. kmAulon .Lícusàda detença a da Lua. Se o intento todo de Ioíue era dilataro dia para confirmar viítorias , aquefim man- datar a.I^a?A Lua na^^ pois fe lhe bafta- vao Sol detido, para que fofick.a a Lua: parada? Porque nam parara o Sol, fçnam parara a Lua, refponde Abuknle; guia eamoucredebamovenàum Solem, Bem: mas porque narn^a- raraoSoUfenamparàraa LuaíOSolnamhe planeta diverte? Nam,refide em dmerente esfera.? Pois porque fenam deteria o. Sol. ainda que nam fedetiveífe a Lua? Porque? porque tem fmbosomefmoofficiodepre(idira9mundo,& comoem l m- bosheoofficioomefmo, poriflo acçam havia de fer amefma emambos. Para parar o Sol, nam fe havia de mover a Lua He a moveríe a Lua , nam havia de parar o Sol: que como tem hum, 8- outro a meftnajnn%am /obre o mundo , tem *> mcímo pa- recer acerca do mundo hum,& outra Pois fe o poder he o mef- mo,fe ne o mefmo officio nos julgadores , porque nam ha de fer a refoluçam a mefma ? Identiíiquemfe no fentencear , affi como

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Effiritu Santo. «i'3

fer identificam no prefidir. O Sol, & aLuafarn pknétardiverfos* & corn tudo nam fegucm no obrar a natureza cm que fe diftin- ' guem , fenam a jur ifdiçâõ em que fe unem. Sejam os Julgadoras differentes no (er , deveth com tudo fer o mefmo no julgar , por- que as acçoens dejuizo nam feguem o fer em que fam díverfos, íenamoofficioem que famomefino» { I I Ouvi para uÍtima<confirmaçãm do que dizemos huma coufa grande.De dous modas íe confideram na Theologia das Pdioas divinas: ou feconfideram por ordem afi, quevalomiefmo , que *àintYA>. ou fe eonfideram por ordem às criaturas , que vai o mef- *no* > quctdextra. Em quanto as Pefloasdivinasfe eonfideram por ordem a fi , nam fe unem nas operaçoetís: porqueò Pay gé- ra , forrem o Filho, nem oípiritu Santo gèram/o Pay v& ©jFilho fpiram,& a terceira PeíToanam aípira, Tanto que as peíloasdi- vinas^fe eonfideram por ordem às criaturas,logo fe unum nas ac- çoens^porque pellamefmaacçam criam jpellamefmaacçam confeivam , pella mefma acçam governam o mundo todasitr€|. íl&eforté^qudporordèmafiobramas Peíloas como diftrnétas; porèmpor ordem ao mundo nam dbram como diftin£tas'as Pef- íoas< Que perfeita idea de Miniftros públicos/ por ordem afi vproeeda cada qual com®diverfo ; mas por ordem iao governo procedam todos;coxno fcíbram^irsefmq. JNam íe ate cada hum a leu parecer no que toca ao regimento dos povos > que iflbíer ia nam attender aos .povos, fenam afi:. unamíe todos conforme- mente no que julgar melhor , que iíTo he nam fe reípeitar a fe, fenam aos povos. íÀmdaínam eftádito tudo. E porque razanti tem as PeíToas por ordem afimperaçoês particulares» & porque ràzam nam tem as PeíToas dor ordem ao mundo participareis acçoens. Drazamaltifllmahe efta. As operaçoens.Wi#/^ie- guema peíToay quepor ifib o Filho , &c o Spiritu Sanóto nam ge- ram, porque ifto que he gerar acompanha o fer Pay; As acço&ns adextra feguem a Omnipatencia, que por iílo o Pay , & o Filho, & o Spiritu -Saneio governam com abfoluto domínio ao mun- do,perqueiam Deos Omnipotente: &* como as operaçoens ad

intra

** Sermão do

^fig^apcflbaemqucfcáiftinguem, tem *sPcfloaS ordem aííi operações partícula f& como* acçotnTL^ rr.figamopoderemqucfe idennfeam, narn tem as Pcflc« porordcmaomundoparticularesaccornc FíL leiloas

noimicemos Miniftros humano? S?nXCmplard,vii

foa. Operaçocns particulares convém quando mSaS M?5"

ra,& outros o ngor todo, iílo hcfervaradciniuftica Affico„,„ fchahum homem que voltea foi™ i, ,V^ J Ç Alllcomo namraK,v -«.i r . , rc hu™ maroma, que para

eadores Z /!. VaI:affifcJ?amde haver nos Tnbunaes os fa*

vJ*n. outros, feoamrepareSSm^S der ™" P3" *""" ' ^UePara TeveruLleaS! to^°a^o, & alcançar coma

MandouDeosaMoyf^querubrireaoMonteNcbo, & que

Efprittt Santo. ij

dlimortcRc: Jfiende inventem , &mererein mente. Subio Moyícs , & morreo: morto ellc diz o texto , que o veyo Deos en- Demer. , terrarem hum valle: Sepelivk euminvdle terr* Moab. Repa- 3*- ro:fe o manda morrer ao montc,para que o vem enterrar novalle Efe o queria enterrar no vallc , para que o mandava ínorrer no Deuter. mante? Ou o íepulte Deos no monte onde morre Moyfes , ou 34- morraMoyícs no valle onde o fepulta Deos : mas a morte no montei a fepultura novalle, Si , que hc Deos muito jufto.Çc ,mfiito igual a montes , & a valles honrava Deos com às glorias de Moyles em vida , porque nam o monte onde as recebeo, mas cambem o valle onde as manifeftou,vio a Moyfcscercadom. , de fermoías luzes C»}« dependem demente , igmrabat quofEx'1^ cprnutaeffet factesfm ex cenfertie Scrmmis Domint , Affi ; Pois fintam também valles, & montes as triftezas de Moyfes em mon te. Nem as glorias para o monte, nem sò-para o valle as pc- nas.Sepultara Moyfes np monte onde morre , era ficar-o valle corn as ditas , fem lljte alcançaremos danos ; morrer Moyfes no valle onde o íepuleam, era ficar o monte com as luzes fem lhe alcançarem os lu tos j ôí nam faz Deos effas injuítiças Monte, & valle participem refplandores de Moyfes vivo , ualle , Sc monte chorem fentimentos de moyfes morto, Chore o monte a morte ,dç quem o ennobrecco na vida, lamete o valle fcpultado a quem o authonzou Juzido. .Eis aqui a igualdade com que Deos pro- cede-nem as bencvolencias todas ahuma parte , nem os rigores todos a putra:a todas as partes a benevolência , & o rigor a todas as partes . Afli procedam também os que tem o nome de juítos no Mundo Nem todo o favor para o monre levantado, enuo- daaicvcridade para. 0 valle humilde: experimente o valle ao lulgadortam benévolo como o monte , & finta o monte aolul- gadortam fevero como o valle.

imitem as obrigaçoens politicas dos Tribunaes ao génio na

' Wmffl Ceo.Quando no Ceo amanhece o Sol , a todos á quem-

ta; quando o Ceo chove a todos molha. Nam lança para huma

C parte

r??5!

òvrmaodo

partcaluz>& para outra atempeíkde ;as mefmas partes queif- íaítrou co íit ftfyoS , oprime quando he necefTario corri a tormé- ta. E neíta igualdade com que o Ceo deípende luzes , & reparte íombras coníiíte a compofrura do Vniverfo;tanto aííi , que fe o Ceo alteraíle efta igual conformidade, logo fe defeomporia o mundo , & íenam digào o íucceflb de Iofuer5 Quando o Sol , & a Lua pararam aos imperiofos gritos de valente Capitam, qrre

i- vos parece que íuecedeo no mundo? Os viventes por todas a-

quellas doze horas nam cr efeeram: a gèraçam , & corrupçarn dascoufas, de que depende confervarfe o Vniverfó, ceifou : os Antípodas aflombravamfe com tam comprida noite :os decima pafmavam com tam prolongado dia :aquelies fufpiravam pelía luz eftes choravam pellas trevas vhuns imaginavam que para elies nam havia defeanço da noite , outros cuidavam que pa- ra ellesfe acabara a alegria do dia. Emfim em hum, &: outro emisferio tudo eram pafmos , tudo deíordens, tudo confufoens. Pois valhame DeoSj quem dcfgovernou aíG o Vniverfó ?' quem confundio afli omundo ? Donde tanta perturbaçam^Dondo tã-

hpà ia ta defeompoftura? Donde ?prnefmo texto o diffe: Steteruntcjue Sd> & Lima donec ulctfceretnr fi gens de mi mieis /àis. Pararam oSol,&:aLua em quanto os Hebreos tomavam vingança* de f eus inimigos; &em huma Republica onde dous Miniftros,que foram eleitos para acodir com fuás luzes todos, aííiftem a hum povo particular com fuas-tuzes : cm hum muodo ronde o Sol , & a Lua defpendem osrefplandoresparahuns, & deixam em cf- curidades aos outros, que havia de acontecer , íenam defordens; Que havia de acontecer, fenarri perturbaçoens.?Particutarizar o Ceofavores : íançar a huma parte todas as luzes > & opprimir as demais com todas as trevav , he defeompor o Vniverío : Levem todas as luzes, &: levem todas as trevas , que nçílas igualdades coníiíle a fua difpoGçam do mundo. E cítas como tam Im- portantes ao bom governo, aconíelha o Amor Prcfidentc aos íbus Iuizes,para que como planetas políticos dos Eftados repar- tam

Efpiritu Santo. 17

tam benévolos o todas as partes íuas luzes. Supra (ingulos eo- rum.

Atèqui ponderamos o que fez eftc Amor foberano : agora ponderemos o que nam fez. Naquelle gloriofo ajuntamento eftava a Virgem que era a Mãy de Deos , eftava S. Pedro,que era cabeça do Apoftolado: pois pergunto,porquc nam deceoSpiri- tu divino primeiro íobre a Senhora , logo fobre Pedro, & defpois fobrc os demais Apo dolos conforme a precedência, que tinhaõ entre íi ? Ande embora igual no beneficio j porem refpeite à ex- cellencia das peffoas na repartiçam .Nam faz ifto eíle Spiritu di vino,fobre todos dèce ao mefmo tempo fem attender a venta- gens particulares de ninguem,para enfinar aos Iulgadores, q fu- jam de attender a refpeitos, como de deftruiçam total da juftiça: porqu e a ju ftiça depende toda da razam,& nam vai a razão on- de entram refpeitos.

Prefentado Chrifto ante Pilatos,tirou elle as teftcmunhas,ex- , aminou as acculaçotns,& feitas as diligencias neceflarias decla- âaf§* l^' rou a razam a Chrifto por innocente: Ego nulkm invento in e$ cmfam. Inftão os Eícribas,& Farizcos, que viffeo que fazia , por- que livrar a Chrifto era enimiftarfe com Cefar. Sihunc dimitúsy non es amiem Cejaris. E demandando no tribunal de Pilatos a verdade da razam por Chrifto , & o reípeito de Cefar contra Chrifto, qual pode mais? a razam ., ou o refpeitof O fucceílo odi- rà. Tunc tradidit eisillum , ut crucifigeretur. Mais pode o reípei- to, que a razam: entregpufe Chrifto à morte , como requeria o refpeito,& nam feconferva a Chrifto a vida, como aconfelhava ' a razam. A razarn dizia, que fe deffe liberdade a Chrifto , & não fe livrou * o refpeito dizia,que fe condenaíTe Chrifto a hua Cruz, & morreo ; Tunc tradiâit eis illum , ut crucifigeretur. Tanto como ifto prejudicam refpeitos na juftiça.

E para que eftes fedefterrem totalmente dôsjuizos, quifera cu nos Iulgadores huma igrrotancia.Ingnorancia em Julgadores? íi , com toda a íciencia que he bemr, -que tenham para a deciíam

Cz das

__

iS Sermão do

das caufas , ham de ter ignorância das pcíToas para a inteireza ;da Iuftíça. Conheça òjuiz os méritos da caufa , mas ignore as cali- dadesdas peffoas.Saybaoquejulga , nam fayba de quem julga- Nam pareça doutrina paradoxa, porque hc arbítrio praticada pcll o fupremo luiz Chrifto.

Rcfidenciou Chrifto daquellas celebres dez Virgens, & dan- do fcntcnçapellas finco prudentes, que logo apoflou do Re/no do Ceo, deixou fora deite deftinadas aos tormentos eternos a$ finco loucas òc inftanda cilas a pedir miíericordia, lhes refpon- deofeveramente o Senhor,que as nam conhecia : Amcndicow Jatt.if. bisnefih vos. Parece na verdade > que fe implica Chrifto nas palavras. Se Chrifto he Deos, como hepoífivel que fc oceulte afeu conhecimento coufaalguma?Ign©rancia,& divindade naó fe compadecem juntas: nega de fx que he Dcos , quem confcffa defique ignora. Pois íe Chrifto he Deos, que tudo conhece, co- mo diz,que nam conheceas loucas i Nefcio vosi He entre os Ex- pofitoresfingulará dificuldade ■■; mas fuppofto o que temos di- to, pareceme amimqucdcfta vez havemos de dar arazam. Verdade hc que Chrifto como Deos conhecia muito as lou- cas , mas como nefta occafiam era luiz,a(fi fe ha como fc as nam conhecera. Nefcio vos 5 porque o luiz refto attende às caufas que julga , & defatende às pefloas de quem julga. Quanto aos olhos humanos muito implica efta ignorância em Chrifto ; porem íe implica em Chrifto Deos , nam implica em Chrifto luiz : em Chrifto Deos fora imperfeiçam ignorar as loucas > & por iflo co- mo De )s as conhecia: em Chrifto juiz he timbre defconhecelas & por iflò como luiz as Ignorava. Sabia que a caufa das ncfcias merecia condenaçam-, porem defeonhecia as mefmas nefcias q condenava. Todo o cuidado deílas imprudentes Virgens-era, que Chrifto ateentafle a quem tUi eram : DomineyDêm'tt$eapen nobls. Senhor abanos a nos : ainda que conforme nofla câuk merecemos fer reprovadas, com tudo vede que fomos nos, re-

vo*aYalcnccnça,&abrinosoCco: Aperimbis. Mas o Senhor ° ' íalvou

Efpriiu Santo. 19

falvou a reaidatn de íua juítiça na ignorância de quem ellas era» tó«^;nam vos conheço. Como fe diíTera oSenbor fallan- do ao modo humano. Pedifme que refpeíte a voflas peíloas pois entendei que nam conheço quem íois , nefeto vos : nam íey fe fois nobres , fe plebeas : fe fermofas , fe feas : te ricas > te pobres: feio que mereceis para o juizoynam fei quem fois para o reipei^ to: Nefiiovos. Eftèdiítame fegóeolufz dóCeo: eftediâame figamosluizcsdaterra. Procedam comofabios ao exame das caufas,&pòrccmfe como ignorantes para o conhecimento das peffoas.Saybamíc ha mérito para o favor, ou de mérito para o caítigo : nam íàybám a quern fóvôrecem , ou a quem ^caíhgam t pára que com a ignorância dós julgados evitem a defordem de refpe&ivos. Bem aííieomoò Amor divino, que fem attender a privilégios particulares,corho fe tratara de merecimentos pa- rao premio, &: defconhecerapeíToas para orefprito : deceo ao mefmo tempo fobre todos aquélles venturofos congregados.

Iíío hc o que deve fazer a luftiça : vejamos brevemente o que nam deve fazer: Boc eft autemjudicwm. Eftc he ò juizo do mun- do, diíTe Chrifto a Nicodemus. E que tal Senhor? JÇfe Ihpc ve~ /*«* nit in munàum , àilexerunt homines mâgis tembras % quam fo- tem. •Queveyoaluzaíerjulgadádòs homens, & antepuzerao os homens as trevas à luz. Harhaisihjufta&nteh^ay h Uiz me- nos eftimada, que as trevas f Donde náceo, qòe homens com ra- zámjulgaíTemtam irracionalmente? Donde? De três grandes erros que fe cometeram ncílc juizo: arrojamento , cegueira , & parcialidade. Vamolos vendd. '- -

Venit lux in munam , & Mtúerunt homines magis tenebw, quam focem. Entrou a luz nojuizo dos homens, & fentencearao os homens pellas trevas contra a luz. Ha tal preflaf Ha tal arro- jamentofQuôefcaçamentc fe prefente aluz,paraquc ajuízem 'f4®i fax in mutduWopztiàò logo fe <5o^*èíi|«à% & iútxe- \H%lhbmmèsmagtstenebras,fLim faiem? Âfli fe condena huma /Mas por iflo a luz fe condena > porque fe condena affi. Se os 1 . . homens

Sermão do

homens confidçrâram de vagar por huma parte a fermofura , & utilidade da luz , por outra a fealdade, ôc males das trevas,nunaj julgaram ás trevas por melhores , que a luz , mas como nam ou- ve mais,que apparecer a luz no tribunal :Venitluxinmunàum\ 2>C ai Tojarcmfe os homens a fentenceala temerários , eondenoufe a luz. Et dilexerunt magis tenebras , quam lucem \ que juízos prece- pitados como fentenceam com pouca luz , fentenecam ordina^» riamence contra as luzes.

Venit lux in munàum, Veyo a luz a fer julgada, & havendo de votar o entendimento , votou a vontade : Et dilexerunt & eíle foy o fegundo erro. Sabem porque a luz íahio condenada nefté juizo 3 Porque foy Iuiz a vontade, &c nam, a razam. Que ha de fa« zer huma cega,fenarn julgar às cegas > E onde os juízos fc fazem às cegas,que muito quefe eftimem trevas , & fc deíeftimem lu- zes, A vontade como nam tem olhos nunca acha o que ha, fe- riam o que quer; & aífi fc quer favorecei^acharà méritos nas tre- vas : fe quer condenar , achara falta na lu z.

Dilexerunt magis : amaram mais. Eis aqui o terceiro erro def-

te juizo. Naõ propenderam os Iulgadores igualmente affeiçoa-

dos para ambas as partes , inclinaramfe mais a huma : Dilexerunt

magis tenebras y §c as parcialidades , quefe havia de ieguir, fenarrç

fam razojsns? Onde ha amar mais , as melmas trevas fam mais

íermofas, que a luz : ondeha amar menos , a mefma luz he maiv

fea , que as çrevas: E porque neíle Tribunal houve arrojamento

no reíolver, cegueira no votar,ô£ peroialidade no favorecer , por

iffo tudo foram defacertos nefte Tribunal ; & afli havia de fer

para fe condenarem 1 uzes,que s,ò arrojados, cegos,&: parçi.aes as

podem condenar: &: eíta heía confolaçam que fica àluz defeíti-

mada,que a nam defeflime,fenam quem vota com pouca madu-

reza,quem julga como quer,& quem ama mais. . ,

Temos açabadoo Sermam,^fenamme.^ngano aífi af^l^, como o dia influíram fufficientemente na direcçam da juftiçfo-q foy toda nofla obrigaçam. Conforme o texto da feíla, p^ fer a

juftiça

Efprttu Santo. xt

íuftiçá perf cita,ha de haver nos Iuigadores , defatender a refpci- tos,tratar igualmente as partes,fentençear com cõcordia, punir commoderaçam,dafpaeharcompreíTa: &fam osacertosque arbitrou o Amor divino. Conforme o texto do dia para nam fer ajuftiça imper fcita,naõ ha de aver nos juizes favorecer com par cialidade,votar com cegueira,refolver com arrojamento : & faõ os erros de que acautela o Amor humano. A cautela defles er- rosÍ& profecuçam daquelles acertos pedia meu officio , que ex- hortaflecomefficacia aquemdeprefentetema feu cargo ajuf- tiça: mas porque feique acertos fe praticam com cuidado, òc os erros fe evitam com diligencia, naõ he bem que offenda com exhortaçoens, a quem devo engrandecer com louvores. O di- vino Amor Prefidcntc affifta.com feu auxilio atamajuf- tadp Tribunal, para que avante :{& a nos to- dos com fua graça, com que penhore-, mos a gloria. J2uammihi,&

LAVS D E O.

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