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The Associates of

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Oif- 1 st-

SERMÃO DA SOLEDADE

SENHORA,

P RB G ABO

NA SEDA BAHIA

POR SEU AUT HOR

o R-EVEREtíDO Doutor

JOSEPH ANTÓNIO

*f SARRE,

Meftre em Artes , Bacharel formado em os Sagrados Ganoacs , Presbytero feca-

lar , -Cavalleiro da Milícia Aurata , com o titulo de Conde

Palatino da Aula Lateranenfe.

DEDICADO, E OFFE R ECIDO

AoSenhorCapitam

MATTHEUS DE ALMEIDA,

Cidadaõ da ordem dos Vereadores deila Cidade, EAD SENHOR

ANTÓNIO BARBOSA

DE OLIVEIRA,

Capitão da Infanteria da Ordenança defta Praça , e Cidadão

deíla Cidade,

Ajtthos Mòrdonios da Rcfurreiçaò do Senhor , na Irmandade d^) SantiJJlm»

iiacr amento da d/i Bahia.

LISBOA.

NaOfficinadeM ANOEL COELHO AMADO.

Anno de M. DCC. I.VlíI. Com todas as licenças necejfarias.

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SE NHO R e A P í T A M

MATTHEUS DE ALMEIDA,

E5ENHORCAPITAM

ANTÓNIO BARBOSA

PE OLIVEIR4,

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S'^'E ;Serma;6 , que V,^ M. ^ me mancarão pregar em a da ff a- hia^ nejie anno de 1757., teve a ^ fortmià defer recitado na prefitp- ça dos dotis Excellentijjimos Príncipes j ,que nos goyer- nao^ e damayor parte da Nobrem ^ que a ejia Cidade exima ^ com tanta felicidade^ que fuperahundante re- muneraçap do trakalho , que me caufou ^ podia fer o uni-

verfal

tÊÊmis^m

verfalapplaufo^ com que foy ouvido ^ naS oijlante algu- ma ímpnjtura^ com que hum iniquo , efobre iniquo igno^ ranttjftmo^ quiz efcurecer o louvor ,com que os Doutos o applaudtaò\ porém como era fuj eito por muitos princi- lí^^í/^^r^?^^^^ , naobaftou a fua maledicência para que I^.M.^r detxãffem de me fazer a honra de mo mandarem mprmir. Agradecido lho ofereço ^ e dedico , e a Deos rogarey retribua a V. M, '' ejie favor com comofas feli- cidades, i ^ j

Rerereníe Capellaô

ffofepk António Sarre.

Reli-

Reliquit me folam. Luc. lo, 14,

í'M,^'"

Que fa6 para o Ceo os Áftfos 5 pa= ra os Aftros as luzes , para a terra as plantas , para as plantas os fru- tos 5 faó também para os pays os filhos^; e fe os frutos para as plan-= tas faó luílre 5 as pJantas para a ter- ra ornato, as luzes para os Allros credito, os Altros para o Ceo gloria, de femelhante modo os Mhos para os pays faó gloria , credito , orna» ^1%^^^^' Oh magoadiffima Senhora, oh fen-= ^Ía j ^^^^^' Ceo domaisluminofo Aftro, Altro da mais clara luz, terra da mais faudavel planta , planta do mais fazonado fruto, quem julgara attendida voífa íingukr ventura , e em tudo venturofa iinguíaridade , que havia chegar tempo, em que fe viíFe taó nublado cíTe Ceo, íaoefcurecidoeíIeÁílro, taÓ deferta eíFa terra, tao desfalecida eíTa planta ; mas o íiaó faberia quemignoraíle, que para íioífa rederapçaó foy deltmado deíde a eternidade o voíFo Aftro para o eclipfe, avoíTa luz para o horror ^ a voíFa

piau-

íá SermaJS

plantapara o golpe , o yoflbíruto para a amar- gura , nafcendo vós pelo mefmo motivo , fendo Cço para o aíTombro , fendo Aftro para o def- mayo , fendo terra para o defamparo ^ Sofiào planta para a violência, fendo May de Deos ho- mem para a foledade.

Nefta noite fe lembra a Igreja Catholica 4a penpfiííima foledade , em que ficou Mar^^ fantiíRma , aufente a alma de Chriíto , e fepuí- tado feu cadáver , retirandofe a rqagoadiffima Senhora ao Cenáculo , ao^de derramando co- piofas lagrimas , a confíderamos neíla noite pe- nalizada corn o mais rigorofo tormento ; mas como quem padece pode cabalmente expref- far Q motivo daíua dor, vamos todos ao Cená- culo , e perguntemos á Virgem Senhora qual fe- ja a origem de tantas penas, e.de taô çopiofaslar grimas.

Magqa,diííim,a yirgeiH 5 quaite, ^Senhora, ja eaufa ae eílares taô penalizada , que em hum mar de lagrimas , parece , eílais para acabar ávida, e exhalar a alma ? Oh filhos , refponde ^aria fantiííima , pois ainda que ingratos fem- pre filhos , p que finto , e choro naminha fole- dade he hum Ç4;ande numero de perdas, 4ií,e,W jçgpfa a gufencia de hum objeâo , mas talquç em fiçontiiiiha muitos bens , p>oj iíTo a fua falta me he origem de muitos nitres : era eíle o meu gdorado JEJSUS , Pay meu , meu FilKo , e Efpor fo,luz dos meus olhos, alento do meu coração, radical principio da minha vida , e formalmente 3 minha alma ; deixoume folitaria : Keliquifme folanpj gufentaiidafe dpâj Q£Qx^d dg minha

pr&'

da Soledade da Senhora» y^

prefença, e ella feparaçaô me deixou na mais pe- nofa orfandade : Orborpatre^ no maiskfíimo-5. Bemafíf, fo defamparo : Defolorjilio , na mais ínconfofa-y^^ '^"'^"^• rd viuvez : Fiduorfponfoj emtenebrofas fom- ^'^^' bras , porque fem a luz dos meus olhos : Ltmen p^- 37- n. oculorum meorum ^ é^ ipfum fion eji mecum^ em continuado parocifmo , porque fem alento o ^ meu coração : Defecit cor meum , fem t^ida , por- ''^^' que eíla de fua prefença dependia : Tu mihi t}íta Tien. 5. eras lapfa ejl inlacummita mea ^ ultimamente fem alma, porque também o era minha : Dcmíne Pf- 34- 1^- quando resides , rejiitue animam meam ; e que me caufaííe tantas penas , qtiem era meu amante Pay 5 meu querido Filho , e meu adorado Efpo- foS faó circunítaricias aggravántiííimas , e effica- eiífimamente concernentes para a mayoria in- comparável de meu fentimento. Em o Horto fe entregou meu Filho a vontade defeuPay : Nonu\c.22./^ii mea voluntas , fed tuafiat ; em cafa de Pilatos o entregou o injufto Juiz á vontade dos Hebreos : Tradidit eum voluntati eorum, A vontade do Eterno Pay era, quemorreíTe crucificado para fatisfaçaó da fua juftiça : Hoc praceptum accepi àPatre : a vontade dos Judeos era, que acabaf- fe a vida no patibulo para fatisfaçaó da fua vin- gança : Crucijige^ crucijigeeum. No Horto , e em cafa de Pilatos aceitou o Senhor a Cruz, mas com eíla difíerença, que no Horto, preoccupado de agonias mortaes , foy tao adiva a afflicçaô, jue regou a terra com o feu fangue difundido pelos poros : Faãus ejlfudor ejus , ftcut guttte ^anguinis decurrentis in ferram , e em cafa de Pilatos naô padeceo meu Filho eíle notável acci-

den-.

B Sermão

dente. A razaô da differença confiftio em que no Horto aceitou o Senhor a Gruz das ma6s de fcu Eterno Pay , que o amava : em çafa de Pila^ tos recebeo a Cruz das maôs dos Hebreos , que o âborreçiaó ; e hum tormento dado por querá aborrece , como inimigo , he fupportavel , mas dado por quem ama , como Pay , he taô penozo, que caufou no Horto a mais intenfa agonia a Chrifto ; e fendo quem me deixou folitaria ?a.f meu, que naó ignorava a tempeílade de pena% que me havia foíobrar em hum mar de lagrimas, he circunftancia concerneiate para que eu chore fmi interpolação, e pene fem alivio em minha foledade.

Pois fer quem me deixou Filho meu, he circunftancia naó menor para fer immenfa ami^s Ilha dor. He certo , que para remir aos defçen^ âentes de Adaô determjnou o ¥erbo Divino hu- manarfe , e elegendome para fua May , tambeni. eu fuy por elle remida , mas por decência da ma^ ternidade com huma redempçaó mais nobre, que jos mais , porque ^ prefervaçaó da original culpa foy a minha redempçaó ; e fendo que o Verbo Divino foy Advogado para com o Eterno Padre pelas creaturas da natureza humana , oíFerecen^ dofe 21 remillas , por mim çom efpecialidade aé- vogou remindoine por determinar fer meu Filho, do modo mais amante , e exceliente ; e naó obf- tante eíle íingular patrocínio, agora hequem me deixa , caufandome , pela razaó ponderada , f mayor pena. Com três lanças matou Joab a Ab^ lalaó , querendo o Ceo, que para mais penofo eaftigo gcabaíTe aquqllç Príncipe a vida ás maóa

de

da Soledade da Senhora, 9

de quem por elle advogara, reconciliai! d o- o cora íí^xx pay David , juftamente irado pela morte de Amon , porque padecer ás maôs de quem em ou- tro tempo foy advogado , ep.roteftor, Jie occa- fiaó de acabar com a mais iiitenfa pena ; e que outra coufa a feu modo me acontece na minha foledade? Que mais efficaz podia fer o patrocí- nio do Divino Verbo , que remlrme jiaó como ferva , ilm como May ? Porém agora eíle mefmo Senhor , Filho ^meu , e meu Advogado , he quem me deixa , e defampara.

Ultimamente fer meu Efpofo, de quem eu naô podia efperijr tormento , fenaô alivio, o que me deixa folitaria, he comprincipio elEcaciíTimo da minha indizível migoa. Qiiando Adaó pec- çoxx , comendo o fruto , que Deqs lhe tinha pro- hibido , ao perguníarlheí) Senhor o motivo da tranfgreíFaó , defculpou-fe a íi , culpando ,a fua Eípoía : MuUer , quam dedifú nnhí-Çociam , de- cen. |. dít mihi , ^ ccmeãí , e he para admirar naó fe .queixar Adaó daferpe:nte, que deo principio a íanto mal , fenao de Eva , a quem tanto ,amava ; mas aíllm havia fer , porque a ferpente er-a inimi- ga , Eva era fua Efpofa : de hum inimigo íó fe pôde efperiír tormento , de, qualquer dosefpo- Ibs fe à^i^Q^ efperar alivio ; e ao ver Adnó , q tinha recebido o jnaí da maó de fua Efpofa , dg .qual fóefperava x)bem, nao fe queixou da fer- pente ,5 da Eípoík formou queixa . como quem ientia a pena , por nafcer de hum principio -, ^§t por força do defpoforio o mio devia fer , nem ainda do menor tormento. De fcmclhantemodo fer Efpofo tneUj ^uem ^e ,cau.fa cem fcn ay-

A fen-

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Pfalm. 17. 10.

Cant. 5,

êerfnaS

átífencia huma collecçaô de perdão , he òrígeitf de me ver fofobrada em htlm mar de lagrimas , e de penas na minha foledade.

Que me deixaíTe folitaria , quem por me bufcar fahiò do Eterno Pây , é inclinando o^ Ceos : Incíinavh Cklôs-) &' defcéndít^ fe dignotr humanarfe enl meU virginal ventre, conítituindo- me a nlaiiventurofa das mulheres pelainfinital dignidade de May fua , e indiftiíifilamente Rai- ftha de todo ocreádo f Q^ue me deixaíTe aquellé Senhor, que huma , e outra vez piiliou aporta deííé coràçaô para o receber : Ap2ri míM foror msa^ ap?rímthi ! Aquefle, a quem eu como May tantas vezes alitnentey aos meus virginties peí-

Cant 1.15. tos: Inter uh era mea comorahttúr\ Aquèllcj que com tanta ternura me enlaçava como Efpofà

Cant. 2. 6. entre fèus braços : L^va eju/fub capite meo^ é^' dextra fllius amplexàhttur mej he para a mi- nha alma dor fem comparação, e juííifícadiflimo motivo do mais copio pranto ! Masfe as pe^ jnas qmeinnundao em minha foledade : IfmuW- daverunt aquafuper capai metpn-) me daô lugar á queixa , vós me quero queixar oh adorado* JESUS.

Querido Filho, objeíto demeus fuípiros^ termo de minhas íaudades , e centro de minhas lagrimas, fe avoíla, e minha alma feamavaô com tanto extremo , que me parecia ver duas aí- ínas em hum corpo , porque razão morrendo vós no Calvário naó levaffes a minha aFma em voíTa companhia ? Junto á Cruz írnaginey eu, quando vos vi morrer mclinando a cabeça , que por mim chamáveis para vos acompanhar na

mor-

ãa Soledade dq Senhora, ^ II

tnort^ ; mas agora çoiiiheço , q^ie fpy cfta incli- nação 5 comp aceíio , 4de quem ^e mim fe defpé- dia, porque foíitaria me dei?a^a. Senaó ignorá- veis. Filho ia minl^a alma , quantáts pardas com- figo me tríizia a volTa fc^araçaô , porque acaban- do a vida naó levaítes tambetn a eíla amante al- ma? Taó deílituida, e íolitaria deixaítes nefta m- íeneia a voíTa May , que por efpecial provir dencia voffa co|i fervo o ^^i tal alento , com que refpiro. Oh Eterno Pay , attendeyme naufrag:aa- te em bum mar de tantas afflicçoensi Lembrame Senhor, que da vofla parte mediíTehura Anjo, iaue eíbva cheade graça ; mas agora com fuper- abundância me íinto chea de amarguras. He poíTivel, Deo^ piedofo , qalevos^coín padeceres do defamparo de Agar na aufencia de feu filho Jfmael, enxugandolheas lagrimas com avifta do filho , e que naô faó baftantes os caudalofos ú<^ dos meus olhos, para que íhe reílituais a ím Luz! Se Agar por eíçrava teve tíiAta^iía, eu que fpi| :voíía eícrava hey de padecer tanta pena ? Ag^f ía6 dítofa , que fe achou com o filho vivo , eu íaó defconfolada , qiie nem ak^da morto p gp^o t Compgdeceivos, pofe, Scnlior, da minha migoaj inovaó-vos á piedade tantas lagrimas , que ne% occafiaft íaó menos eíicaivas, que as da mãy de Tobigs , porque íe eíla affli£la i^aay achou r^Jífe- jdio iip yííla á^ íua prenda , eu pcnhiim remedjo jgljcanço Ba auíencia de meu qpacrido Vúl^- Hí- pinío eoiijfokdof , íuave refrigério Jiaspen^, .^ue com yoífa doce afliíiencia minorais as ^m^r- ^iiras dos afflidos , como naó dais remédio a^ minhas penas,reiiituiítdome o Centro das minhas ^ ^^ ' 'A 2. ter-

sa

,,,„rvir

12 Sermão '

terntiras! Ma^pará que clamo, fe eftá profetÍ2rad(yj que nefta íbledade na6 haverá para mim coníbla- Tcen. I. dor : ]SíoneJl\ qui confoleUir eam ex omniBus cbaHreJHs. Suppollo, Cathólicos, o que ouvi- mos 5 e faberm^osy^ue toca a cauíà do tormento,' que a Senhora padece Ba fiia foledade, cifra em a deixar fèu amado JEStrS, poudbrarey, para ex- citar a voíTa pieda:de, o rigor ofo eílrrago , que na Virgem Senhora feZj e total perda, q lhe caufou o deixalla folitaria feu querido Filho , pelo q co- nhecereis, que na fiia foledade padeceo a Senh.o- ra o tormento mais rigoroíb , e exceíTivo , origi^ nado todo de a deixar folitaria feu adorado^ JESUS : Reliquit me folam\

o

Principiemos .

Primeiro eíFeito , que naTirgem Senhora caufou a aufencia de feu querido Filho, íoj 0 confiituilla morta , que efte he o poder da fole* dade , competir com a morte na efficacia de del^ truir , e acabar , naô fendo vida , fenao morte áth latada o vital alento , que goza , chorando ar foledade, quecauía a aufencia de hum objedlo amado.

No cap. f. do Geneíisefereveo Hoy fés o numero dos annos , que Adão viveo , e difte que foraô novecentos e trinta , no fim dos quaes aca- bou ávida : Faâium ejl omfte tempus^ quodvixii jídam anni non gentia (^ triginta , í^' mortuus ^. Porém muitos Authores graves dizem, que foraó mil e trinta : effa opinião feguirao o Car- neí&kii' dealHugo , o Abulenfe, o Author da Hiíloria

Efco^

Gen. |.

Ita Hugo, Abul.inGé

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ãa Soledade da Senhora. 1 5

Efcoíafticái, e outros. Pois luppoílo efte compu- to, porque motivo deixou em íilencio o Hifío- riador íagrado cem annos , expreíTando nove- centos e trinta ? O douto Hugo refponde : Moy-^ fes prMermiJít cefitimi annos pro morte AbeL Quiz efcrever Moyfés o computo dos annos, ern ^ue vivera ÁdaÔ, e lembrandofe, que pela morte de Abel ficara aquelle Pay emfoledade de fcu; filho 5 chorando por cem annos fucceílivos , fem interpolação , nem alivio , naô os computou en- tre os annos em que vive© , porque vida, que ví^ ve hum folitario chorando a foledade de feu amado aufente , naô he vida , he dilatada morte.. Em AdaÔ terminou aquella pena , e eonfequen- temente o feu pranto no fim de cem annos, e por Mb defde entaô he que aos annos da fua vida principiou Moyfés o numero ; em Maria fantiíll- ma , porém, nao tem fím a fua dor, nem termo as íuas lagrimas em fua penoziffima foledade, eaf- fím fem vida a confideramos neíla triíle noitej, pois quem exiíle folitario, e faudofo, com toda a verdade fe pode dizer , qile eílá morto. Naó o acrediteis, fe o nao provar.

Nos. fete annos de fome , que Jofeph vatici- nou, aíTiílindo Jacob em Canaácom feus filhos^ mandou alguns delles a Egypto. para de traze- rem trigo , com que fe alimentaíFem, e diz o Tex^ to , que conhecendo Jofeph a feus Irmãos , elks o naó conhecerão, e perguntandolhe de que pef- foas fe compunha a fua familia, refpendeo Judas, que na fua cafa fomente havia feu Pay velho, e hum filho , que fora o ultimo, o qual talvez por prenda, da velhice era do Pay o mais ama-

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14 Sermão

áo 5 depois que lhe morrera outro , que da mef-

I3cn. 44. ma Efpofa , que efte , lhe ha^ia nafcido : EJl na- kis PatsrfeneX') &" puer parvuhis qui infenetu- te illius natus ejl-, cujus iiterinusfrater mortuus eft^ Pater v^yotemrè diligitenm' Eíle filho, ^ Jijdas dizia eíl^jr morto, era Jofeph, com quem f aliava , pois de Rachel uaô nafceraõ mais fi- lhos, quejofeph, eBeijamim,; e tendo Jiida$ licoí^íelhado a feus Irmãos o vendeíTem aos IC-

^en. 37. maelitas para Egypto ; Meliusefi ut 'penundettir JfmaelHís^ naó lhe çoaílando , que Jofeph tivef- fe morrido , diz quejofeph he morto : Cujus Uterinus frater n.ôrtuus eft. Sem duvida faltou Judas á verdade ; mas fallòu verdadeiro, porque advertido. He verdade, que naó fabia Judas, que Jofeph era mofto , ma^ tiíiha certeza, quejofeph «ílava folitario , porqiie como tinha paíTado f Jipm Reyno efl:ranho, e neile habitava fem acom?- panhia de feu Pay , a quem extremoíamente ama- ra , o mefmo foy conáder^r Judas a Jofeph foli- tario , e faudofo , que reputallo ja defianto , por ííFo a Jofeph vivo o titulo de morto : Ctijus Uferínus frafer mortuus eft.

Mas tornemos a ouvillo , que ainda confir^ para efte feu conceito. Prendeo Jofeph a Ruben, dizendo a Judas , que foltaria a feu Irniaé , trouxeíFe á fua prefença Beijamii^ , que tifiha fi- cado na companhia de feu Pay. Sjippofta ^ refor iuçí^o de Jofeph, foy Judas para Gana4, e tornanr 4o com o Irmaô mais moço , difcorreo JoíepfjL ^rbitrio , com que ficaíTe Beijamim^ em Egypto, e £om eíFeito affim o tinha determinado \ porM í^l?en4oJuda§efta dç|:eriií4-i>açaQ^^^ eu-

da Soleãâãè da Senhora, "^ x<f

tre ôvitrais coufas lhe diíTe eílas palavras : Se- iihor, meu Pay Jacob ama com tanto exceíTo a tile filho, que fe elle naó for para ília companhia, Ihorrerá fem remédio , porque ftia vida pende da Beijáminl , e por eíta razaó deixay que torne, porque le elle ficar, ha de Jacob morrer : Ctmi ^«n- 44» énim aminaíllitis ex ejus anima pendeat -^ vide- ritqtieetm non ejj^e jiobifcum ^ morietur. Adver- ti Judas , que nao eftá formal , e concludente o difcuffo , com que requereis. Se a vida de Jacob pende da vida de Beijamim , morrendo o filho, morrerá também o Pay, que eftahe a legitima eonfequeneía deduzida deíFa permifTa ; porém ficando Beijamim vivo em Egypto ha de morrer Jacob em Canaá , porque a vida daquelle Pay pende datída deílefílho ? He difcurfo incohe- rente, e nada tem deformai ; mas fallou Juda^ como difcreto. Ficando Beijamim no Egypto, ficava faudofo da prefenea de Jacob , e em fole- dade de feu Pay , de quem naó podia viver apar- . tado : Non poteft puer relifjquére patrem fum , eGen.44. fez conceito Judas , que o mcfmo era ficar Beija- mim faudofo , e folítario, que ficar morto , e por íffo pendendo a vida daquelle Pay da vida defle filho , ficartdo Beijamim morto por íolitario, ha- via também ficar Jacob em Canaá defunto.

Nefi:e cohceíto eftava tamberti o Profeta maísfabío, emaisfanto. Viofe David atropela- do peia ingratidão de hum aleivofo filho feu , e por menor mal elegeo para fua refidencía a folí- daó de hum deferto , é íendo o fim deíla fua re- fòluçaó procurar no retiro algum alivio á fuâ pena , fuccedeolhe tanto pelo contrario , que o

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%6 Sermão

mefmo foy yerfe folitario , que reputarfe deíiin-

f>falm. 142. to , como qualquer morto do íeculo : Colkcavi$

^' me inobfcuris ^ Jictitmortucsf^mlL K poique

motivo le julgou morto David , vivendo naquel-

le deferto } A gloffa ordinária refponde. Porq

<^M. de naó podia gozar a prefença do feu povo : Collo-

i^Y' eavit mg in ohfcuris , £Í^ auxiatus efi fufer me

fpirít:ís meus , qtiia non poJj)ím ejje cum pcpulo

mjo. Eítava David folitario fem a companhia

Jium povo 5 a quem amava com estremo , e nefte

eáado julgou-le dellitiiido dos alentos da vida, e

entregue como morto aos horrores de hum Í&-

pulchro : ÇollocavH me in obfcuris -i id ejl ^ in

ior^fbi^ [sptílchro 5 expoz Lorino. De fórte, que fazendo

comparação David de íi folitario , e faudofo com

qualqiíer mojto do feciilo , achou , que ambos

com igualdade eraó cadáveres . e que igualmente

hum 5 e outro eílavaó fepultados , porque taô

fem vida eílá o folitario , como o morto , e com

â mefma razão, que ao morto ccrrefponde fepul-

íura, çorrefponde tanibera ao folitario.

Em Arbeé, Cidade de Heb.ron na terra de Chanaá , morreo Sara Efpofa de Abrahaó , e co- mo efte eílava em terra alheya , pois nella era eft trangeiro, e peregrino : Àãv^nafum-^ í!)^ pere- grinus apudms^ coníla do cap. 23. do Geneíis, 4 diíFera aos Chananeos : Daíme hum fepulchro C^n. 23, 4. para fepultar o meu morto : Date mihi jusfe- pulchri^ utfepeliam mortutím metm : parece que íiaó íàllou coherente o Patriarca , porque corno naquelía occafiaó a Sara fua Efpofa queria fe- pultar, naó havia dizer morto, fenaó morta: ]^on moTttmm •) fedmortuam diçere debebat , ,ad-

yertiQ

ãa Soledade da Senhcra, T7

Tçrtio o DoKto /Pontevel. Mayormente dizendo Santo Agdftinho , citado pelo Sylveira , que no. original Hebreo eftá a pahyrsLmorUmm no ge- ^ncro mafciílino : Morttmm ibi juxta radicem ^^^^^^"9^^ 'Híehraicam , fton in neut ra , fed in mafcuHno ge- ^ ^' nere ponitur. Pois fe Sara he a morta , e a que ha de fer fepultada , eom quem concordou Abrahaó omortuum no género Tnafculino? Direy. Pela -moríte , e fepultura de Sara ficava o Patriarca em foledade de fua Eípofa , eneíla feparaçao^naô fe julgava vífo , íenáó morto , por rifo para íi pedia hum fepukhro : Deite mi M jus fepukhri. E he "taó certa efta intcUigencia , que^nomefmo cap. V.9. fe refere , que Âbrahaó pedira , e corrfprar^ •dous íepuichros : D et mihijpeltmcom dupHceni^ Verf.^f , ^uam ha^bet in et>^remapar^e agrifiã , hum para ú , e foy o primeiro, que ^Qáio.datennhi^ outro para Sara fua Efpofa defonta , julgando , que fc tSara por mor^a precizara fcpiiltura. etle como fem «duvida por força -da ftfledade tantbem-devia fer fepultado, por eftar em ambos igualmente mortos. Bem coherente a efte raciocínio foy a repof- tiujque Chpifto deo áquelle mancebo, que perten- ídendo entrar no numero ^dos difcipulos do Se- ^iior, pedio licença a Chriílo para ir primeiro enterrar a feuPay : Permitte me primirm ire. 'é^ UmXvB.2%. fepelire Patrem meum , e o Senhor lhe reipon- deo : deixa que os mortos enterrem aos feus mor- tos : DifJiite mortuos fepeUre mor Hw s fuoi. O cnteiTar he acçaó de vivos , que os mortos po- -dem fer enterrados *, logo como havia verif cai^ fe, que os mortos foíTem fepultados por outros 0ioríos,? Mas oh rigor da íbleuade i O ^ue &-

B pulu

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-i8 S erma o

pulta á peíTòa amada , naô fepulta eômo vivcíf enterra fim como morto. O que fepulta 40seí- tranhos^ fepulta-ros como vivo, o que fepulta aos feus , enterra-os como morto , porque tanto faza^ morte, como a feparaçap do objeflò amado. Igualmente ficaó fepukados o morto , e o folita- rio , e por iflo igualmente íicaó mortos.

Ay, magoadiíFmia Senhora , como ros v€;J0^ hoje rendida morte na voíTa foledade ! Solita^ ria , e faudofá chorais a aufeneia de Chrifto, port vós mais ama^o, que por Adaó Abel, por Jofcph Jacob 5 pelo msfiíio Pây Bèijamim , por David o feupovo, por AbrahaóSara , e por todos os amantes- os amados mais queridos ; e fe a aufen-t cia de Abel conftituio' como morto a Adaó , a aufénciá Jacob a Jofeph , a aufeneia de Bèijár mim a; Jacob 5 a; aufeneia do feupovo a David, & aufeneia? de Sara aAbrahaô, e a de qualquer objedlò amado ao verdadeiro amante, vós, com razaô incomparavelmente erceífiva , eftais morta im, foledade^ que vos caufa a aufeneia deroíío amado Filho. Mas como naô haveis eílar morta,^^ quandofòlicaria,fe na alma experimentais a pe- netrante ferida, que vos profetizou Simeaó : ^c. 2, Tuam< ipjitis ^animam ; pertranfivit gladius ! Se Yos fere o coração a efpada da mais intenfa dor , fendo efíé fonte da vida , a quem o mínimo gol- pe b afta para matar, como vos naohe/ de confí- dèrar morta , e fem vital alento na voíTa foleda- i mít ^^ ^^ ^ -^^^ mori pater 0$^ qua vivens mortua erar^ Vi?g" ' diíFe Saó Bernardo ; e aíTim nefta noite vos jul- gamos como qualquer morto do feculó , poden- do vós dizer , como o voílo Progenitor David :

ãaSóleãàãedâ Senhora. ^19

'Cblloeavkme inobfcuris ^fwutmortuosfaecuH. Masque diííe, Goríio.David ! GQmmotivomayor íemcomparaçáô 0;pQdeis dizer, porque David .fentia a auifeneia^de hum^povo^que fe compunha de apuros homens , vós chorais aííbledade , em 4 ívos poz a auíencia de hum OFilho^omemfDeoS) e quanto vay de.Deos á creatura , tanto mayor he a razaô, porque mais que elle vos podeis di- >2;qr, morta, e confeiíar *na voíTa Joledade-verd adei- ^ra competência comos cadáveres, depois damor- :te; que feHelli.ao.daríclhe a noticia da peida exercito ifraélitico , morte .de feijsrfílhcs Qphini, e 'Phenies , e ,apprehenla6 da .Arca doSonhor, íteve alento , e coníervou atvida , ouvindo ader- ida dos fdldado^ , emorte dos€lbos , ao ouvir porém a perda da Arca, ioy ,a dor da foledade , em que o punha a^iliaaufencia , taô forte, que ça- hindo da caddra, em que eítava íentado, perdeo o alento , e acabou a vida : Giniqueille 7iqminaf- ^ f et Arcam Dei , fraSfis cerafitihusmortMfs ^/í , moílrando., que íe podia haver vator , e vida na ífòledadeA hum povo >amado , e de eílimadosfí- ihos , na foledade da Arca , porque reprefeníavia ,a Deos , era tííó grande , e tao fbreoíb o ieníi- mento , que infaUivelmente faltava o valor , efe experimentava acnorte ; v es que íentis .na voílm Ibledade a auíencia de bum filho, ^ííô na repre- ^ntaçaÓ, fim na realidade Peos, com quanta çmais raza6, que Pavid ,.pcdeis repetir eíla noite o que eile diíTe naquelle dei crio : ^CoMccavii me ,l« eh fc uris , fictit moriuos Jr^ctíM- eíreitò tudo dei amparo , em qiie tos deixou folataria o voílb fillio : ^eliqtât me folam .

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2Gr> f mão

MasjúlgOjque a todos vos oceorfe huma' manifefta duvida contra a morte ponderada. Se a Senhora na fua foledade eftava viva, com que verdade fe diz , que eílava morta ? Que eílivelFe viva he indubitável, pois ao corpo virginal eíla- va unida fua alma, a qual he certo fenao defunio do corpo em a foledade, confervandolhe huma^ efpecial providencia a informação^ para na6 aca- bar no mar das fuás intenfíííimas dores; e na- quelie eílado tinha unidos^ corpo , e alma , fendo com ávida incompativcl a morte, como pode fer, que quando folitaria a Virgem Sonhora, eílivcíFé naôviva, fenaô morta , d eílru ido totalmente o- fer , e a exiílencia ?" Eílimo a duvida peia reír- poíía.

He verdadé,que modoordinario, a mor- te he termo da vidaj, mas também ha morte femi privaçaé da vida , e efta he a mais^ tyranna , e rl^ goro fa morte. Provo o primeiro , e logo prova- is Corinth.T£y O fegundo. Quotidis morior , dizia o Apof-^ H' 3í- tolo S. Paulo r Em todos os dias perco ávida,, porque em todos eíles termino o rigor da marte,. Bois fe tinha morrido hontem, como hoje vivia^ efe hòjè tinha vida, comohontem tinha perdido^ todo o vital alento ? Naó he certo , que o viven- te fó hum a vez morre. A experiência omoílra.. Pois como aíiirmava S- Paulo , que da vida to d osí os dias fentia total falta , porque em todos elles; wvia : Quotidie morior ? Direy. Vivia S. Paulo- fentindo intenfa faudade , porque efíava fepara- do do bem, a que efficazmente fe defejava unir; e como em todos os dias appetecia a prefcnçade Chriílo, em ciijà foledade citava , como viador :

da Soledade da S^enhora. it

Ctípio di£olvl^ (^ ejjectím Chrifio , por iíTo eih todos os dias ás mrics da faudade perdia a vida, e eftava morto naquella aufencia 5 fendo taó nova, e extraordinária efta morte , que fem lhe Teparar»^^ a alma, em todos os dias o m. atava : €upo dijfol- 1?/, &'ejfe cum Chrifio : qtictidie moricr. K a eíla luz fíca manifeíla a intelligencia de cutrss palavras de Si Paulo : Vivo ego-^ jam non ego, V\~ ^^ Galat? vo eu 5 dizia o Apoílolo , e juntamente morro , ^" ^^ iinindoíe em mim vida , e morte, vivo porque do corpo fenaófcpara a alma , morro porque a alma pena na foledade, que lhe craifa a auíencia do> féu Deos-, e he tal a crueldade defta feparaçaó, que por hum modo extraordinário fabe unir, fem- repugnancia , com eílragos da morte , alentos da. vida : Vivo ego y jam non ego. lílo mefmo a íeu modo^ fuccedeo a. noíTo Protoparente Ada6, Formou-o Deos, e animando-o o conílituio Prin- cipe do Univerfo , e para íinal de obediência , e fujeiçao , lhe mandou nao comeíTe o fruto da Ar- vore da Sciencia , fegurandolhe átíà^ logo , que o comefle , morreria : In qtíoctinqtie die cerne- ^ dBrisexeOj morte morieris. Qcm^o Aá^ò^c áo,- pois de ter tranfgredido vivco por muitos annos.- Pois fruftroufeo Decreto ? Revogou Deos a fen- tença ? Nao Senhores : Logo íiccu Adão morto, e vivo ? Óptima illàçao. Ficou Adão vivo para- a.pena , e morto para o alivio, vivo para a pena, porque fentindo penofa foledade no retiro de Deos, em que o poz a fua culpa : J/yfccnditfeGm.'^ Admn à faciè DcminiDei\ morto para o alivio, porque fujeito aos mayores trabalhos : Infudore vidtus tui , vencer is pane. He certo, que pelo at-

tribuT'

m

ãi Sermão

.tributo da immeníidade , aíTiíle Deos em todo-o efpaçò , mas como. ao gue eífá em graça .acomp^- íoha Deos Gom efpeciataíllíleiícia , e o (jue o qf- iende fe retira , e põem longe de Deos , motivo, iporq, çomo4iz Santo Ágoftinho, repetio Chrif- ;to o nome de Saulo, quando lhe fállou caminhaii- do elle a Damaíco , Saule^ Saule-, que como Sau- ílo a ©SOS oífepclm , eftava do Senhor muito reti- rado. Adaó 5 que tinha ao Senhor offeridido , 'fi- cou no mefmo ipftante, em gue peccou, longe de Deos, e em foledade de feu Creador : ^bfcmtdtt ife àfacte Bonmíi Bei , por iíTo |io mefmo dia, em que peccou , fícou mortt) , ainda que pam jniay or pena juntamente jijo^ íom o-epugnar vida, .e juntamente morte.

Ay, affíiétiílima Senhora , com quanta ma^ yor razaó que S. Paulo , podeis djzer na^voíTa fo- iêdade : F^ívo ego ^jammon ej-(? , porque o Apof- ctolo , aiáda que faudoíb Javií ao. clara de Deos, .tinha linitijvo a fua foledade na contemplação de Jyiver Chrifto na fua compatihia : Vwi^^ero in mieChriftus \ vós portem faudofa, e folitaria naê ■eftais acompanhada da alma ao Corpo de -Cbrilf- íto , obje£í:o davoíTa Íau4ade , pois o corpo eílá -daufurado íio fepulchro , e ra alma exifte no centro da terra ; e fe o tormento, que çaula a fau- ,dade, femeíifura pelo .conhecimento do objedo aufente , e amor , com que he pelo amante yene- j*ado , fendo ovoíFo amor, e conhecimento in- comparavelmente mayor , -q o <Íe S . Paulo , quan- to vay da May de Deos a hum feu fervo^vés com inuito mais jufti^cada razaó podeis dizer , que iViva , e ^nor^a eftais aaefta aufencia efpirando vi-

da Soledade da SefíJoora. va 5 e rerpirândo morta , íem que a morte vos pri- ve da vida , nem a vida vos livre da morte riehat^ ^' noti pMerat ffiori^ vivo ego , jam non ego. Adão na fua foledade eíleve vivo^e juntamen- te morto, fendo a aufenciaídeDeos" 5 por occa- íiaô da fua culpa , e vós , que eílais folitaria por occafiaô do amor* de Ghrjfto para eOiti cshd-^ itiens , fendo o amor mais cruel em atormentar , que a juíliça, e vingança em punir , com mayof; razão víveis' morrendo , e morreis* vivendo neíta penoíiíTima foledade. Qlíe eíla morte , Catholí- cos , que coma vida fe une , feja a mais tyraíina, e rigoroía- também he ccrtífFimo. líum bem traz' comíígo ávida, eotítro amorte ; amorte o ifí* fèníível , a vida o^delèitofo; mas como na fole- dade , que califa aauíencíado objedo amado, ^ èílá o amante vivo ao tormento, e morto ao gof- to , n ao tem o folitario o bem da vida , nem O' Bem ' d a morte , tem f ó o mal d a m o r te , e o m aí- da vida , pois tem o fentimeiito da vida, e afe-- paraçâó' da morte; Obfervây^ a pratica deáe racio^ cinio em David.

Mòrreo AT:) falaô" pendente de htíma arvore,- quando fugia deílrifido o feu cxcrcilci.com o quaí' fazia guerra a: feu Pãy, e dando hum foldado no- ticia a Dlvid ida morte de feií filho, diz o Texto, que feparanda-fé o magoado Pay dos ^ o acom- . panhavaô , chorara copiofamente a morte noti- ciada, articulando com intercadencia nas vozes, pela interpoíiçaô dos fufpiroseílas palavras : Ah- 2. Reg, i^ fliJomfili mi \fili mi ÂbfaUm^ quis fnihitrihuat<y '4- ut^egômoriarprote. Abfalao fílho meu, filho meuv-Abfalaô , q|iem ppdéra morrer antes, qiíe

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igmwíii

Job 3- if

:^4 'Sevmci^

chorarvas fem alma; melhor me eíMvera Ofp^- der a rida , qus o coníer^valla na voíTa aufencia; «menos penoía me fm'a a morte, que eíla triíle fo- ledade. ^e poffivel, Santo Rey ! Julgais menor mal o fepararfe de voíTo corpo a alma , c[ue o in- ibrma , que padecereis a dor da foledade \ em que •ellais por morte de Abfalaó ! Nao era elle ingra- to, aleivoío, e-voíTo deckrack) iíiimigo ? Sim, diz David; mas meu filho : grande era o aftedo com que o amava , e por iíTo na foledade, em que ef- tou pela íuaXalta , experimento o ^peyor da vida, e o peyor da morte : vivo, mas para íentip; morro , mas na6 deixo ^e penar : da vida tenho 4) fentimento, da morte a feparaçaô-, e neíla uniaó de males , melhor me eita fepai"^rfe ie *meu corpo a alma, porque neffe caio ficava ao menos com ^ bem da morte, que he o infenfível, e agora fem ter o bem da vida , ou o bem da morte , tenho o mal de huma , e outra , porque tenho o fentimen- to , e a feparaeaó , e como mal duplicado me he taô penofo,que antes quero a morte phyfica, em .que fe perde a vida, que a morte da foledade, em ;q com a vida feune a morte : Qtnmihí tríhtiat^ Mt ego moriar prote , Jili mi Ãbfalojn , Abfaloni fili mi.

De fem eih ante modo defejavajob , porquê femelhante pena .padecia. Qpando Job chorava a morte de feus filhos , dilíe, que defejava exiíHr na foledade de hum fepulchro : Requiecerem cuni Jlegikís-, é^ cum conftdibus-^ qui adijicant fibifo- litudines. Parece que Job com a adividade da dor , eftava delirante. Se eMe chorava a foledade ^GS íilhoSj par^ quedefej^ivamais foledades ? OIi

^a Soledade ãa Senhora, ^%

que acertava Job no que pedia, fíuma fepultura lie afoledade dos mortos , huma foledade he a f^puítura dos vivos; m2& com eíla difteren^a, que na foledade de huma fepultura falta o fentimen- ;to , e na fepultura de huma foledade falta a mor- te > fendo aífim mais para fentir a foledade dos vivos 5 que a foledade dos mortos. Na foledade dos mortos ha a:partaínento fcm^dor, na foleda- de dos vivos fente-fe a4or do ^apartamento. A foledade dos vivos lie^para nella fe padecer, a fo- ledade d os mortos he para«nella fe^defcançar : r^- /quiecer em. 'l^o,go mais padecia Job eílando em fo» Içdade vivo , que fe eftiveíTe em foledade morto-; pois a2vida.;q gozava/e unia ámorte, e morte, ^ fe .une a vida he mais rigorofa , e mais ty^ranna mor- te. Além do que, morto eílaria acompanhado de feus filhos 5 e vivo padecia a foledade dos filhos Abortos; e aífim defejava ^ara fèu defcanço an- tes a fepultura, que he a foledade dos mortos, do <jue a foledade, que he a fepultura dos vivos^pois vivo, e morto, porque folitaáo, padecia tormen- to makrigorofo que a morte.

iPela-mefma razaô perdendo as vidas mui- tos do povo ífraelitico , pedia Thobiíis a Deos lhe feparaíTe do corpo a alma , julgando menor mal a morte q^ie a foíed ade : Pr^ipe in pace.Th^^.^,^ Recípe fpfríti/mmeum ^ e^pedit emni ptíéi mori magis , quam vwere. Agora S. Bernardo : Vole- hat cito mori , ne experiretur amplius pcpuH Lyr. U- Jfrael affliâíionem^ qtda 7nuhi de filiis JfraeJju- gulabanttír. Pela morte dos filhos daqueíle po- vo ficava Thobâas feín elles foiitario , e faudofo, :€ fazendo compar^açaó entre as violências éa for C iedade,

mí^

20 Sermão

kdade, e os rigores da morte, refolvía íer meno^' f enofa a. morte , que acabava a vida , que a mor- tequecom a vida permanecia , por illb pedia a^ Deos lhe tiraíle o^ efpiríto deííe mundo , por naa ficar nelle fem os feus amados lolítarib : Praci- pe in pace expedit enim mihtmorhnagts ^ quam mvere.

Ay,fènddiirima Senhora, David qtíando* em íbledade de hum ingrato^ filho aííim diícor- ria , que direis vós na aufencia de voíTo Filho o mais amante ? SaJ^bdcfejava antesa morte phy- llca, qpeamorte da-íaledade padecida peíaau- fencia de feus filhos puros' homens, como anão defejareis vós fentindo a foíedade de voífo Fílho^ Homem-Deos ?" Se a Thobias folítario melhor lhe era acabar , do que viver , também a vós' me- lhor vos fora paíTar pelas violências da m.orte, do qu€ ficar fentindo* as^tyr3nnias da foíedade: Aílim , diíFé S. Bernardo, dèfejaveis quando ío- Ur^^ ^^litariâ : OptaBat nwrimagis., quam viver e pofi Vírg. * Chrifil morUm. Mas vos ouço fallar com a^ morte. Oh morte cruel , diz a Virgem^Senhora, eruel pela vida, que me deftruiíle , ecruefpela^ vida , que me deixafte f Se me dèiíCaíte morta para o goílb , como me deixas viva para o tormento ?" O Filho mortey>e a May viva , oh triíle May, oh- querido Filho ! Que bemfe compara com a mor- te, e com o inferno o amor, porq a morte acaba a- vida , o inferno perpetua a pena, e o amor quan* do intenfo, como morte acaba o viver , e como' inferno perpetua o penar : na morte morre-íe, e' naô pena, no inferno pena-fe, e fenao mor- re^ eoamor exercitada morte a crueldade demâ-^

taív

éaSoJeãaâe da Senhora, tj

H^ 5 e do ii^ferno a pqrmanencia do affligir. Por acabar a yi4a he forte , como, a marte, por perpe- tuar a pena heduro, como o infer^io : portis^ ut Cant. 8. 6. piors (Ble^ãío , duraficut mfernm emulatíol Oh comoaíTim íe verifica nefta hora comigo IGomo morte meíirou o amor a vida no ^artamento de meu íFilho , e como inferno me çonfejva 2. 'vida j5ara penar neila fol^dade. Wiva, e morta me con- Sdero ; morta , mas fem os defcanços ida mortq Uriva, mas fem os alentos da vida. ^iva por^íinto' anais ^ue nunca ; moxta porf ue eílou ferida cnais ^ue de morte. W^ida, em.que le achaó as peníbçns ,da morte ; mo^íe , em que fe ajuntíjíô as fadigas ,da vida ; -finalmente gozo humá vida fempre^mor- jendo , padeço hum^ morte mincaacííbandojhti- ma morte , que fi^re a .akna , huma vida , que he | i|f^ii ^ :

ín ais que morte» Pois como n ao acaba de huma *yezvida taô penofa ? Oh <juanto defejo exiíVir .cadáver em huma íepultura; pois mais quizeríip;a- ,decer o mal da morte , ^ue padecer o cnal da fo- Jedade ; fendome muito inethor acompanhar a meu Filho morto, -do que fíc^r fem meu Filho vt- íVa. Chega pois , ò morte , qaie eu te ^gradecerey ^a execiíçaó. Mas ay, que nem a morte me he con- foladora em tanta pena : continuarey chorando o fatal eítrago , q«e em mim caufa a foledade, em que me deixou meu querido Filho : Reliqtiip mefolarn.

A mayor excefio palfou o Ririofo ímpeto da foledade , pois naô fe contentando em com- petir , e exceder na cruddade á morte , ficando # Senhora , quando folitaria morta , e juntan^ente tâva 5 pam mayor tormento tamfeem aniquilou a

C ^ ma-

4^

ém^BÊSiBmMtiÊLimmm^àÊáÊà^^

a'8 SermaS

magoadiflima Tirgem , deixando efta de íertoda? o que era , e paíTando a íer o que nunca fora. Pe- la aniquilaçaê perde a entidade o fer , que tínha, e ou nada refta do que foy , ou em lugar do fer,.. que teve 5 fubftitue outrai entidade, que advém.. Por virtude das palavras da confagraçaô deixa O' pa6 o fer , que tinha , ao que Santo Thomaz cha- ma aniquilação, e em feu lugar advém o Corpo- vivo de Chriílo , ficando alguns accidentes do^ paó preexiftente v de femelhante modo deixou %' Senhora na íbledade de fer o que era , e adveyo- outra entidade , ou entidades-, que áquelle íer fubftituiraô , ficando alguns accidentes do que> fora. De forte que aílim^ como na coníagraçaô. ha huma transfubftanciaçaô , com a qual fica ani- quilada a entidade preexiftente , e paíla a outra? de novo , aííim com fúa proporção fuceedeo Maria fantiflima na fua foledade , perdendo o fer/ antigo, que tinha, e paíFando a fér o que naó era^ ficando por eíte modo aniquilada toda a grande- za , que fora» i^ttendaô-me os doutos , que eare^ ço muito da. fua attengaó.

PHmeiramente era Maria fantiflima Mav' de Deos-, dignidade , que na fua linha exhaurio a- Omnipotência , pois- a mais fenaó pode eftendep amaóDívinar, nem a mais podia chegar Maria» "Virgem?; e na fua foledade totalmente pcrdeo Tfteolôg. ^^^ grandeza. Concordaó os Theologos em to- cômuniter. das as efcolàs, que no triduo da morte de Chrif- to deixou a Senhora de fer May , porque como^ pela morte do RTedemptor deixou de exiílir feu Filho , e nos relativos perecendo o termo, fene- ce a, relação, naó exiftio a maternidade em a Vir-^-

gemi

ãa Soledade da Senhora. 59

fem Senhora naquellemdiio. Morta a May liaé a Filho, morto o Filho na6 ha May, porque af íini como nao pode liaver filho, fem exiftcneia dá^ rnây , também naó pôde haver may fem e::KÍÍleil- cia do filho; por iílb eXpreíTando Chrifto á Se- nhora efta perda, pouco antes de efpirar, ncô lhe chamou May , fenao mulher :^ Mulkr , ecee filhisl^^'^'^9'^^^ tuus : eftava a Senhora junto á Cruz , ainda May de Deos, porque ainda vivia o Filho ; porém co- mo eílava chegada a hora de exhalar Chriílo a alma , e a Senhora pela fua morte ficava deílitui- da defta grandeza , quiz o Senhor ãeí^âe a Cruz expreíTarlhe a fatal perda da maternidade, que lhe eílava eminente, por iílo na6 lhe chamou May fe- nao mulher : Milíer.

Bem o entendeo O" Euangeli íla S. Joaô, pois fallando da foledade da Virgem Senhora, diíle, ^ aufente feu Filho* : Raptus eftfilius ejus , fugira Apoc. i^- a mulher para a foledade : Et nmlierfugit info- Utudinein \ pois^fe diz, que fe lhe aufen tara o Fi- lho : Raptiís ejl filiuS' ej'uó\ porque nao diz, que fora a May para foledade ; porque diz fomen- te , que fora para a foledade huma mulher : Mti- lurfugit infolitudinem ? Porque a Senhora na' foledade nao era May : em quanto cxiílio o Filho , tinha a formalidade de May de Chriílo, tanto que morreo o Redemptor, faltou a relação, e coníequen temente a maternidade , e alíim ficou com totalperda defta grandeza a Virgem Senho- ra ; e fe deixou de fer May, também deixou de íèr Maria, porque como a auíen cia de Chriílo lhe deílruio a entidade, também lhe tirou o no- me : diga-o S. Boaventura, o qual procurando^

ilitf ii

i

3<5 SermaS

i\z fole^adea Se.iihora achou defpojosdanic^

^^Sik 4* ' e,^uíeíicia de Chriík) : Ouaro Mariam , -»í^

;iib.8. c. ii,h'P^^4^ Marim : ínvenio fpinas ^inverno flage-

V^; I^ocuro a Maria na íbá lbiedí*de, (diz ò Dmir

Í04' $era%o ) e n^ó a encoi^ro , jdivifo varas,

f efpinhos, expre%os do eftrago, xm^ em ília ea-

^idáde e^equto^ a^uíenciade ÍQU Filho.

•Qimndo hum^ teanpeítade^chçga a hum jaj- .dim , naó ha flor .^ue naé maltrate : ' aquellas, que ^raó aiate^ o miiffe de ¥%ox^ , fiçaô depois eílra- gos da crueldade^: .chega atempeftade a huma i-of^ , e leyandolhe ag folhag , que faé a purpúrea gala , xJe que íe \^íle , fólhe ^eiíca os eípihhos^: achega a huma afuceiHa, e tirandolhe o çaAdorjque he a pompa , com que fe oim ? deixalhe fomente .a yara . Chegou a .tempeftade .d^ ;niojte , e ^ufen- pa de •Chriíío , e4omina;ndo o Jardim ^ieliciofo

Cai^^. de Maria : Horfui cafwlufus forormea fpovfa^ ^eíle aíHm maltratou a Rofa de Jericó : Qtiajp plantatio rof^in ^^r/í7<?Vq«efómqnteihe deixou os efpinhos : Jmenio fpinas\ affim ofFendeo o

C^Qt. f cândido defla áífucená : §icut lilium. fieuf arnica fneãj que lhe naó deixou mais que as varas : J^t- fenio flagela ; de forte ^ue qnando vivo Chrif- ^o , era Maria fob^ana Jardim , Roía , e Aííuce- fX2i , mas na foiedade , e aufenciaile (m filho, d^ ÁíTucei^a, Rofa, e Jardim perjdeo toda a fragran- ,cia 5 íem lhe ficar do que era mais que alguns ac- cidentes. Quem he efta, pergiintavaô fufpenfas as ^dhas de Siaô , quem fera , de cujo fer naó divifa-

jDant. 3. 6. mos ra^is que huns ionges, ou huns fumos ? Qu£

efiita^ qus afcendit , fieut virgula fumi ? A efta

pergunta naó coníl^ , que entaó deífem refpoíla^

' ^ '"' ' ' mas

ãa Soledade ãa Senhora, íjf

^as Ruperto refpondeo , que eíla era a Virgem Senhora no dcíerto da fila íbkdade : Qua ejtita-i í^"Pert.his qu£afc'endh per defertum-^ diz o TeXto : Marta per defertum afcendit ^ quia folitaria ^ fúbfcre- veo o Abbade citado , e ^liando folitaria , aííim- eftavía de feú fer deftituida r Êgo defiituta^ S^fo- &, qlie nao r^ílaváó de fòa entidade mais qtíe huns^ac€Í dentes, que em rigorofos teráios, é pu- ra frafe fe e^^preííaó pelo nortie de JongeS , ou de âlmos. Mas qUe diíTe 1 Até effc^ aecideiites che-^ garao na fofedade a extinguirfe , e âniqililaríe. Aqiielle fUmò ,* reriq;Uia fer de Alaria , era for-; jmal mente aromática e^thalaçàó : Virgula fimi¥ ei)^r ornai tBus'mirrhíê\ é^ thtiris ; e porque fé' de confeiçoens aromáticas era e^^haJado aqiiellc' fUmo, figura^ de M^riafantiíli ma na fúa foledâ;" de ? Direy. Qtiando o fogo abraza a outiva qual- quer matéria comBuíti veí , deÍ3ía deíla as reli^ qiiias nas^ cinzas , eniqiie a converte ; abrâzandô' porém a aromática confeifòens , todas ferefoí-- vem em exhalaçóenr odoríferas , que erii bref e fe* defvànecem , e^acábaô, fem reítarerti feíiqtíias M âbra;^àda eittidade; e corrtb a Senhora riaatífencia^ de feii Filho , aBrazado com fatldoíò mccndiò^ feUfer, em exhalaçaó : Virgula fimi' ^ q ate- nuada em fubtiliflimos efpiritos fe dirigia a fe- pulttíra do Filho , aíli fe confiirhjaó, e acatavao, aperfeieòatidofe OhólbcaUÍlo ., qúe pcía aúfençia^ de feu Filho fe e^^eciitava em fiia entidade: dilTe-ó O Ma^timo Doutor S. Jeronymo : Bene Maria , ^s*. Híeroii: qmjí virgula fimíi\ quia coiícremata ifitus in^^'^^^"^^^^' holocauftum incêndio pit amor is . é^ dejiderío^ por iffo as filhas de Siao a divizarao, quando foli-

taria,

TTOFUWírÉ^tfhfci

Ç^nt. 5.

Ibidem,

^-K-eg.

f-?- SermaS

iraria , exhakçaô aromática , moftrando-fe aíRm., íQue até os accideates , os longes , e os fumos .de fua entidade, como exhaiíjçoens 4e aromas , íCe- do perecerão , e íQtalmeiite fe.açabaraó , verifi^ çando-fe por eile modo na foledade de ^ ária yirgçm lium^ rigorofa aniquilação..

Poi^ a refpeito da ateia , om que ha mayar duvida,.pro¥afe do.c%p. 5, doSíÇantares.. Acha- vafe Maria fantiíTima na Efpoía dos Cantares fi- gurada cora o feu anior : J.more langueo , e ao msfmo tempo fem o feu amado : ^i inpeneriús dileòíum , e entre a^ t^Tannias deíía rígorofa í b- ledade articulou eílas paliwra^ : ^nimamealique fãèia ejl : A minha ah^a fe líqui,da , iAo he , fe desfaz. A rigorofa fígnificaçaó do adjedivo : X/- ^«^/tífí^^ 5 he Relida, .desfeita. ;ISlas como pede feri Se a alma conMe em indiviziíreLnatnreza in- difpeníavelde todo o efpinto,5e o que lic indivizi- yel naó fe pqde diividir em partes , diyidindofe aeílas a CGufa.jdelida , ou desfeito , por força da rarefacção, corno podia rarefaizerfe^au Hquídarfe ^ alma da faudofiíTima Senhora : Anima mea-Uque faõia eji^. Oh que tudo vence a foledade^ Pcdç efta diyidir em partes a, alma, e pode a-arefazella. Tenho duas partes , que provar. Notem.

Ceando chegou 0 tempo de fe .aufentar @ Profeta Eli^s de feu difcipulo Elifeo ^mra |3artix ao lug^, em que ©conferva apr^ovidencia de Peos, diíFe a feu difcipulo : Pqde o q^edefet- jares, que neita hora te concederey o que pedi- res : Pofiula^ quod^^is-i utfaciam tihi^ ante qiiam tolar à te. O que íb quero amado Meílre ( diífe ,^iita6 Elifto ) he qiie içç dejis duas partes da vof-

daSoleãndeMSenhora. %

fa âltna. Afílm inteípetraô ia reípolía de Elifeo , Vatabulo , o Cardeal Caetano , e Alapide : Úè- fevro^ utfi&t mmêdufktcjpirmsimis ^ 4diz o Texto :Obfecro^ m dl^^ fartes ffiritm tuiM-^^^^ viji in:tres partes mècumfan^ íobfcíeVerr^ó òs J^''^- j^^^gl^ preditos. Ouve Elias afupplica, e parecerido- cap. 2. lhe difficultofâ ã graça , lhe diz : Difficilem rem poflulati : Pedifte huniã còufa mui djfficil ; náó obftante (juando pie apartar de ti, teMs O que pe- des í Qtiando tolar à te erit tibi ^ qucã petífU. i^ois que myílerio tenii o dilatar Elias o favor pá- ra O inílaflle de partir porque razaó lhe ím logo o que lhe pede ? Direy. Sabia Elias ,i][lie.à alma he indivizivel , e por ifro a primeira viílã Ihè f areceo a petiçaó diifficultofa de dèfpachaf 7 ítíp- pofto naô fe poder a alma dividir : Retn díffcl- lein poflulati ; mas oecorrendolhe í|ue á efte im- poílível 110 poíll vel modo vencia a íbledade , t íiufencia do objeâo amado , dizlhe : Quando etl ét ti me apartxjr , confeguirás o que pedes ; pof- iqtie então íblitarío eu , e foudoíb , pofq4:tedé m feparadô , terey como em partes dividida â aima^ das quaes algumas te hao de acompanhar , cóffiô a objedlo do meu amor : Qtiafido tolar àtè efip tibi. qmd peiífli. Qiiando O folitnrio fente a âu- fencia do feu amado , HeiH tem toda a alma em íi^ por cftar com feu q^jecido , nem eílá tod,á cem ^ t)bjeâ:o aufenfe, por feiítir em : como ênl pâr^ tes cila dividida , aííiílindo Aítíprcíí parte fnayof da alma com feu aitiado , que comíigo : Jftmas.h^g. pliisefttthí amat ^ £juamt'hi úiíimát. Áíf m fue- cede a todos os verdadeifcs amantes «, ( dií: Ssntò Agoílinho) e affifíi- fucced^eo a-M-aiia fantiíííiiía'

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54 Sermai

na fua foiedade, de cuja alma qnando foMtaria, dizS.Joaô Damafceno, que mais eílava no Fi- sjoan.Da-iiio, doqueemíl: Erat in Filio magis^ qmm infe^ conhecendofe por efte modo , que em par- tes pode a foledade dividir a alma, na© obílante fer indivizivel.

Que polia também rarefazelía, rerifícoBÍe Ba Senhora. : a fua alma quando faudofa na fole- dade consideramos em duas partes dividida , hu^ ma, qoie em íi exiftia para aíeatlmento, outra que affiília com o Filho por aitror ; pois a huma, e outra coníidcro^ rarefeita. A píirte , qtie na Se- nhora exiília rarefeita em lagrimas- , a que aífilli^ eom Chriílo desífeita em exhaFaçaô. Desiezfe,oii delio-fe % alma faudofa de Maria na fua foledar de , que efes faô os próprios termos do Texto : Anima ima liquefaâía eft , o que em nome da mefma Senhora diíFé Santo Anfelm© : Teta li- quifiebam pr^- doloris angufiia \ e animando a parte da alma para ficar feníivel , refolveofe eíla^ em lagrimas, diííeS. Bernarda iZ/ísrrry/wâTí/»/ ío- ^"^ ta uBertas effluebat , ut carnem cmn §piritum omnern inlacrymasdijfolviputaresí^ e a que fe apartou, para ir acompanhar aChrifto, obje£fo do feu amor, reíblveoíe em aromática exhalaçaój que dèpreíTâ fe extinguio : Sicut virgula fumf exaromatihus mirrha^ &thuris\ in holoeatffium tíSí^^r/j- , fobfcreveo S. Jeronymo ; efenoholo- caufto tudo fe coníome , e nada fica , temos fém^ repugnância rigorofa a aniquilação em^ Maria Virgem na fua foledade, ffcando fóefpinhos , e iágelos , fubílitutos do fer , que fora : Non in- vmh Mariam^ invenio fpinas y invenio flagela^

tGtas

S. Anfelra-; de lamenc Vírg.

S: Bern. lament. ¥irg.

da Soledade da Senhora, ^ J^

tota liqtíffieí?am pra doloris angtfflia \ anima mea Uqtie foBa ejl.

Oh Deos rediífimo , qoie com fumrna equi- dade adminiftiais juíliça , daime licença para vos propor efta reílexâó. He^poíTivel, Deos meu, que com o mefmo rigor ^ de que ufava Jofué com as . Cidades ii3Ímigas,que por armas lujeitaya, trateis vós a formofífíima Odade Maria ^Virgem , taô adornada de prendas naturaes , graça , e gloria : Civitas munita innattira^ grafia-, & gloria} JoíUé abrazava , e deílruia até as reliquiss das Cidades inimigas : Non dimifit ullas relíquias .^^^^^ íQ« vós com o ince^ndio da foledade^brazaíles.delaí'^^' forte effca Cidade ibrmoíiíRma,muito voíTa aman- te , e confederada, que nem ainda lhe íicaraé as relíquias do próprio fer , porque aniquilada , e totalmente desfeita: Teta liqtiijiebam -, át tuôo ficou deílitiiida, quando ficou folitaria : Ego dejii- ^ç^^ ^^ tnta , ÍTJola, O certo he, Senhor , <jue neíle fuc- ceííb fe parece bem .com ii hoíliíidade o amor, pois o atnor, ao parecer , fe veftio nefta occaíiaó da mayor hoílilidade, e bem diífe Santo A lha- nafio quando chamou ao amor tyranno, e, ainda que doce : Amor dulcis tyranrMs , com mayor dficacia para deftruir , que o ódio para acabar.

Oh magoadifllma Senhora . aniquilada fem hyperbole vos confidero na voíTa foledade. por- que totalmente deftruida avoífa grandeza , e fo- berania : antes ^ íTi^i''i'eííe , c fe aufentaíTe Chrif- to, éreis vos efcolhida, zomo^<A\ EleHa^ tit Sol^ formofa, como a Lua : Fulchra^ ut Luva^ e can- c^nt. $, dida, como a Aurora : Qtiafi Aurora caiftivgens\ agora que eflais folitaria, de gol tendes os

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5;4 SermaS

li^fe y de Lm Qs minguan^te^, e de Aurora i$a^ da tendes, pois naó vos vejo eí^tre luzes , fejiâS Ecdeí:24, entre fombras. Breijs vós porapofof theribijato :. Ego qmfitberiMntusyÇQámaizltzáo no Liba-* no : Quafi^ cedrus exaltata fum in Li Bano , e fu- . hlime çiprefte d^^ inoate Sioi^ : Quajl cipre§ks^ in^monte Sion y agora de theribinto naó rendes a. dilatada pompa dos ramos , mas íim o trifte das^, fombras ; de cedro n^o tendes nem a exaltação ,, rfcem o incorruptive^ pois totalmenètç extinta cob- íidero a voíTa entidade •, ^m eonfervais do ce- dro a amargura , de ctprefte falta^vos o lublime, e/ tendes o funeílo , e fuitebre. Éreis vide : Ego"^ ^afiv,itis\ éreis pomba : ColumBa mea-^ éreis ro-^ Lii : Wostuturis audita efi , agora de vide ten^, áos as lagrimas , de pomba os gemidos , e de: rolaosfufpiros. Finalmente éreis May de Deos>, o naó fois ; éreis Maria, até eííe fer vos naó di^ vifo. na.voíFa foledade : Qj^aro Mariam^ non i^, vento Mar iam y porque rigorofamente aniquila-, da vos coníldero nefta noite , eíFeito do def am- paro , em que tos deixou voíTò Filho* faudofa, lólitaria : Reliquitmefolam.

Mas contra a ponderada aniquilação eftá; clamando huma evidente duvida. Se a Virgenr;, Senhora penava em íua foledade, e efíava fenííveí ao tormento, como pode fer que eílivefíe ani- quilada ?Se a aniquilação de íeu conceito formal deftroe o todo , e todas as fuás partes , ficando a> entidade aniquilada a nada reduzida, naó poden^ do o nada fentir , como fentindo , e chorando ai Senhora a aufencia de feu Filho, fe pôde di- mt aniquilada quando folitaria? Reíponda. ... O

da Soledade da Senhora, ^7

O argumento he verdadeiro no íentido phyíico^ e.verdadeíra a aniquilação de Maria Virgem fó- íitaria no fentido moral. He verdade , que a Se- nhora coníervou toda a entidade de alma , e cor- po , mas com juízo prudente ,e bem fundado foy como íenaó exiêiiTe : Stiin tanquam fi non ejfem^ PfmlaT diíTe em nome da Senhora Jeremiíis em Çq}ís Tre- j^ vSba '" n<>s ; e iílo baila para a verdade da predita pon- Hierem.di^ deraçaó. Notay. No Pfaímo 115-. falíava, no^^^P^"^ fentir de Santo Agoftinho, com o Eterno Padre: Of Divirxo Verbo , e dizia : Eu, Senhor, fou voCo efcravo : Egofervus tmís ; pois feo f^f^^í^^ravo p^^^^ ^^ repugna á Pcílba do Yerbo Divino , naofó em quanto Deos , mas ainda em quanto homem , co- mo enílnaô os Theologos, e o definirão alguns^ Concilios, como affirmou Chrifto de íi, que era cravo a todos inferior lE^^/^ri^?// /^/^/x: op- prohrkim. JjcmiÍTimn -^ <&" ahjeciioplehis ? Mais. No Pfalmo 21. diíTe Chriíio pela exprcíTao dor^ Erofeta Rey : Eu fou hum pequeno animal da terra , e naô fou homem : Ego pmi vermis , ^pfaim mnhomo. No fentir dos Expoíitores fallava o Senhor de íí padecendo os opprcbrics, aíFrontas, e tormentos da fua Paixão fagrada , e nefíe cita- do aífirma huma total aniquilação do fer de ho- mem : Non homo ^ paífàndo na Paixão a fer vil^ bicho da x.txxQ.\Egofiimníermis. Como pode fer .^ Se na Paixão eílava unida ao corpo a alma , com partes eífeneialmente confiitutívas da ver-- dadeira humanidade, como affirma Chrifto de íl a: n^gaçaô de homem : Man homo ? Que foífe homem verdadeiro o confeíTa a noíFa : Mornos faâíus efi\ e fe ainda naa tinha exhalado a. alma,

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3^ Sermão

C0mo aíÇrma , qu2 naó he homem , e he aba- tido bicho ? Ego ver mis , é^* non homo ? Direy^ He verdade, que naô foy efcravo Chrifto na rea- lidade phyíiça , poréu rooralmeíite era como ef- cravo , porque ta6 humilhado , e abatido fe vio pela humanidade , a que defceo , que efcravo fe ajuizou : Egoferpusíutís, Do mefmo modo he certo , que Çhriíio era hora^m quando por nof- fo amor tolerou as afirontas da Paixaè ; porém como as injurias , e as afflicçoens , |ue o innun- davaó , o conftituiaó em tanto abatimento , que naó parecia homem , aíHrmou o Senhor de fi na- quelle eftado de homem a negaçaó : Non homo ^ e difcorrendo coherente^^ adverti, que ainda que exiftia a Senhora phyíicam^te em ília foiedade , eftava em e^ado taó penofo , e de tanto abatia mento , que nada do que era parecia , e aíTim ab- folutamente podia dizer, imitando a Chrifto, que aniquilada tinha a fua entidade , e grandeza.

E fendo tanto de fatisfazer eftarefpofta, .^inda vos darey outra mais concludente , e mais forte. Querendo S. Paiilo explicar o profundo abatimento do Yerbo Divino ao aíTumir a natu- reza humana , diíTe por termos abfolutos , que a^uelle Senhor , fazendofe homem, ficara exhau- Ad Philip. 2. riâo de tudo o que era Deos : Semetipfum ex- ?' inanhh. Quepafmo I Mao he certo, que o Ver-

bo Divino , depois da Incarnação , ficou Deos, como antes? He fera duvida. Quando fe fez ho- mem perde© algum dos attributos divinos ? A . enfina , que naó. Pois com qiie verdade , e

fundamento dilTe o Apoftolo , que o Verbo fa- .2?e^dof^ homem iiça^a exh^urido áo que tinha de

Deos c

da Soledade da Sevhora. 39

Deos : Semeiipfum exinantvit ? Direy. Fazen- dofe homem o Verbo, ficou Deos, mas como fe o naô foíTe , em ordem á manifeílaçao dos attrí- butos , porque fendo immenfo, fe reduzi o a humí lugar ; fendo Eterno , nafceo efn tempo ; tendo fúpremo domínio em todas as creaturas , obede^ ceo a muitas; fendo independente , depcndeo de muitos; finalmente com o habito de homem í Habitu ííwenttis , uthcmo , taó occultos ficarão os attributos do Verbo, q naç parecia Deos ; por iíTo diííe S. Paulo , que , q^iando humanado, fica^ ra como exhaurido de tudo quanto de Deos ti^ nha ; Semetipjtim exinanhít.

Pois fe o Apoílolo affirmou aniquilação na PeíToa do Verba, pelo abatimento de homem , também nós» podemos confiderar , e affirmar ani- quilação em Mâ:ria Virgem nafua foledade, pois taó abatida nella exifte, eclípfada a fua formofu- ra , efcureeida a fua gloria , e perdida toda a fua grandeza , que he como fenao exiíliíTe \S'um tan- qiiam finon e£'em. Mas ouvi a magoada Senho- ra, que melhor ha de explicar eâe laílimofo efta- do. Ay, Filhos meus, a feparaçaó de meti JE- SUS me deixou totalmente deílituida da minha infinita dignidade , do níeu nome , e do meu fer, O que acontecea na fotedade de Noeme , me acontece a mim na minha foledade. Para a fua pá- tria tornou a formofa Noeme depois de dar fe- pultura a feu efpofo, e taó outra vinha , do que fora, que admirados osqtieaviaó, e conhece- rão, mutuamente fe per8;untavaó : He eíla aquel- la celebrada Noeme : Hac eft ília Noemi ? Por- que pela foledade, q^ue padecia, taó outra eílava,

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4^ SermaS

do que fora, que fe duvidava fe fora aquella moS- ma, que era : H£C ejiillai A meí ma pergunta podeis vós fazer , vendome em tanta pena : po- deis perguntar huns aos outros fe Ibâi eu aqueUa feliz Yirgem Mãy de Deos, quepoíTui por nove mezes em meu virginal clauftro o Unigénito d<^ f-^xj ; fe fou eu aquella yeijturofa , que na lapa de Bdem , mais que em pobres panos , o enfaxei em affedtos ; fe fou eu aquella , que tive a dita de o ievar era meus braços para Egypto , e por tantos annos vivi em fua companhia, gozando com inex- plicável jubilo fua divina prefença ; e eu darvos- hey a mefma refpoíla,que dava a folitaria Noeme. dizia aquella Iblitaria : Na6 me chameis Noeme , chamaime a triíle, chey a de am^arguras ;; f.uth.i.20. j^oyQcetis me Noemi ^fed afnàram : he verdade, que eu fuy aquella Noeme, mas ji naó fou aquel- la que fuy , porque a foledade, ém q^ue íiq;uey,a& fim como me tirou o fer, me levou também o no^ me. Do mefmo modo vos refponderey eu. Efta Jie aquella , que foy Máy , mas naó he aquella^ que foy : aquella foy Maria a May de Deos , eílg ^aó he Maria, nem he May ', aquella foy delicio- fo Paraifo, q Deós plantou para nelle por aquela ie Homem , que havia fer Filho feu : Flantaye^ fíen 2 8. ^^^ autem Dominus Deus Paradyfum 'vohípta- tis , in quo pcfuit hominem ; eíla fie hum proce- jren. 2.13 lofo mar de folnços, lagrimas , e fufpiros : Ma- gna efl velut maré contriâfio tua ; aquella foy a l^dith 15. gjQj.|^ jg Jerufalem ; f[u gloria Hierufalem ; eí- Tren. 1.13. ta he a mais abatida, e htimiihada : Qtwfíiam fa- in.r 1 « ^^ fumvilis : aquella foy do Sol Divino o mais i^, .taiante gyrafol : QccuU met jemper aclDomt-

ãa Soledade ãa Senhora, 41

,mmi ; eíla , porque tem o Sol fcpultado , de gy- i-afcljá nada tem : efta , finalmente , he huma ci- jfra de penas , bum epilogo de mágoas, huma idéa de fentimentos, huma trágica fombra do que era^ Jiuma memoria trifte do que fora : eílas fao as cinzas daquelle fer, que em algum tempo exiílio, e agora naó exiíle ; eítrago daquella gKonde- %2i , que eftá agora em foledade de {\ mefma : em iim naó me chamem Maria, chamem-me a fo& |taria,eçhea de amarguras , porque jaeíla^peno- ía foledade veraô as ruisias doque fuy, naé iteraó evidencias do que fou : Sou hum compof- to fem alma, huma alma fem vida, huma vida fem coração, hum coração fem alento , huma entida- de fem fer , em íim nada fou fem o meu JESUS , ique humauniverfal perda me trouxe comíigo a jauíencia, com q me deixou íolitaria : %eliqiii$ fne Jolam.

Neíle laílifuoíiíílmo eílado , em <jue exiíle Maria fantiílima na fua foledade, que he como fe €iaô exiíliCe \ Sunita^nquam ft non ejjeni , podere- smoSjCatholicos, diícorrer arbítrio, com q demog ;íilgum alivio a feu inexplicável tonnento: íienhu- ma outra çoufa ceríiírimamente lhe poderá mino- rar a dor , e reftituir ao menos em parte a entida^ 4€ , grandeza , e foberania, fenaó a viífta do c^d^- liver , queocGultaa fepultum , tudo o mais lhe he ipenoío , e concernente á mayoria do feu tormcm- to. Pois, fentidiffim^i Sen hm' a, faiky a effa pedna, q ao cadáver devoífo Filho occuka «ia fepultu- ra , que naó me perfuado feraé taó pouco reípei- tofas, e eíiicaces as voílas fupplicas, que naó con- ^%aó o abr^rfe, e patentearvos o objc-do do vof-

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àÉMhiíy

íiÉlii

ÉíàmíÊéàm

4^ Sermão

to amor , e o uníco lenitivo da voíTa mágoa.

Eílá, Gatholicos, determinada Maria fan^- tiífimaa faUar ao fepulchro , e derramando mui- tas lagrimas lhe diz eílas palawas: Oh pedra, ver- dadeiramente de Ara, dá-me ao metj amado, que na ftia prefença , e companhia terá algum ali- vio a minha pena. que a ventura, entregando- te unido ao feu cadáver o ouro da Divindade, te fez de tao fupremos quilates , pedra^ foberana de toque , adverte , que íb a mim me toca dar jazigo^ no meu coração a eíTe cadáver , porque fe o Sol em hum mar fe fepulta , fendo o meu Filho Sof de Juftiça, em i):ieu coração , mar de lagrima^ deve eftar fepultado^ e naó neííe fepulchro de du^ i^zasv Mas^^ ay como eftás immovel ! Se na mor>- te de meu Fiíha as mais pedras' fe partirão , eo»- mo te nao partes tu vendome a mim quaíi morta^ e fe te naó movem minhas fupplicas , valermehey das minhas> dore^, e das minhas lagrimas. Vós; lagrimas impetuofas^ , que do meu coração fahis apreíFáda^ combatey uniformesa dureza daquel- k pedrar, convertey as^^ ternuras em violência^ Gonquiílay aquelle mármore com o mefhio impe?- to , com que correis do coração mais amante r tentay fe podeis tirar a golpes das entranhas deC ta pedBa a prenda única das entranhas de Mariav Oh pedra , oh mármore , te naô move verte banhado de lagrimas-, movate verte combatido^ de ondas , hum mar de dores, nefta aufenci^ e quebrandofe enrti as ondas de meu coraçaÔ, tudo fíca fruftrado^e fenaô poíFo confeguir o que pertendo, e para fupprir neíla hora a prefença da Original he que vos mandaíles eftampar no meu

ãa Soledade da Senhora. 43

coraça6 : Vone m^ ut fignaculum ftiper cor tuumy^^^-'^ eíle eílá hum clariíTimo efpelho de todos os tor- mentos da voíTa Paixaó íagrada : neíle cândido lenço reverberando fe transfundem as eff ecies, e nelle vejo a copia do voílb cadáver. Mas ay, que efta viíta me naô minora apena, ,aates me aug- menta a dor, por ver o eílado laftimofo , em que vos pozerao os homens 1 Oh cabeça divina. quem efcureceo os luminofos rayos dos voílos cat^el- los 5 tudo nelles eraó ondas de ouro : Caput ejtis aurum optimum , agora tudo ííi6 ondas de fan-'^"';^ gue 1 eu vi , adorado amor, eíla divina cat)e^ coroada com diadema de ouro, que cu como vof- fa Máy vos formey delia ^^oro^\FideteRe-ç^^^ gem Salomonem in diademate , quo ccrona^vit ii- hum Mater fua ; porém agora a vejo com pene- trantes feridas pelos cruéis efpinhos , com que vos coroou a tyraiinia dos homens. Oh olhos di- vinos , de quem oCeo tomou a côr , de quem o Ceo recebeo a luz, femelha«tcs aos da pomba , a quem ferviao de efpelho rios de cryftallinas aguas : Occuli ejus -ficut echmíb^ fuper rhuloí Cant. $. aquarum^ como eftais mortos, e éclipfadcs ! O Sol material em o occidecital maríe fepulta, mas o Sol de voíTos olhos fe fcp^ulto-u hoje no mar vermelho , ou o vermelho niar de voílb fangue foy tenebrofo Occafo davoíTaluz. Ef as faces, queeraô hum deli cio fo Jardim de prcciçfas flo- res: Gen£ ílUus.fwut areoU arcmaítm , ja n^^n^^^ tem m.ais flores que as que nella plantarão vof- fos inimigos com as atrevidas mãos . que vos de- lab bofetadas. Eíla boca, que algum dia refpá- íava fragrâncias d^íiiynha : Laèia ejus UUa def-ihiám.

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44 . Sermão

tilantia myrfham , agora a vejo defliíandb faii?^ giie. Oh peito fagrado , facrario dos fegredos di- vinos, fé o Euangeiiíla em vós reclinou hontein eoni grande jubilo da fua alma : Super peâíuf Domini in Ccena recuBuh , agora fobre vés me reclino com inexplicável dor do meu coração K Eílas mãos foberanas , que cheas de ouro , e pe- dr^as precioías : Mantis illius ar plena hyúcin^ this^ fempre eíti verão promptas' para £ivorece- rem os homens, hoje pelos melmos eílaó trafpaf- fadas^-e immoveis. Eftes joelhos erao efmaltadas> pyramidjssdas^ colunas de meu Filho : Crtira il- lius coltin£ mar more £] e de diamantes, que erao, pelo luzido, fe tornarão em mibins pelo encarna- do.. Sagrados pés, que feda rofá de Jericó fof- tt^ planta, agora fois pés de cravos-. Se da; planta dos pés principiou o ódio a plantar ty- rannias : planta pedis -^ ufque adiiertibem non ejlfanitas^ juílohe q meus olhos agora reguem^ com copiofás lagrimas plantas tao íagradas.

Ay, fentidiíFima Senhora, todos ncs vos* queremos acompanhar no voíFó pranto :: daime eíTe retrato , por breve tempo , que o quero mof- trar aos peccadores , que fem duvida at tendem^ do-o íícaráó chorofòs por arrependidos. Pecca^ dores, fe na morte de voíTós pays faô indifpen- faveis as lagrimas ; fe morto o efpofo he incon- folavelna efpofa a dor \ fe á viíla da innocencia^ punida he infallivelno coração mais bárbaro a> ternura, agora vereis huma verdadeira imagem^ huma fiel copia do voíFo Pay JESUS Chriílo de^ fúnto , do amante Efpofo das voíFas almas ca- dáver, do innocentiílimo JESUS crucificado^

CO*

da Soledade ddàenhora. ^f

como reo, e punido, como malfeitor : aíli ve- ieis oseíFeitos das v o íFas culpas , e do intenfò amor ds Chriílo , que por vos amdr tanto , tanto padeceo; e fe as eípecies^ que entraô pelos olhos, tem mais efficacia , que as que entraÔ pelos ouvi- dos , tendo ouvido neíte fantiffimo tempo dá* Quarefma o que Chriílo padeceo por voíTo amor , e as penas , que tolerou por voífas culpa^j agora o vereis no fiel retrato, ^ vos voU moílrar.. Conheceis , Catholicos , a quem r^prefentat; eíla imagem ? Sabeis de quem he eíla copia ? He de voíTo Pay : he de voílb Efpofo : he do inno- centiílimo JESUS; Ay, JESUS da minha alma, eíle he o voíTo retrato ? Que aííbmbro !' Que Gonâifao ! Quem, Senhor, eclipfoU a eftes cabei- los a cor ? Qusm^ a eíles olhos apagou a luz ?' Quem a eftas faces ufurpou a formofura ? Quem a efta boca tomou arefpiraçao ? Quem aeíles^ Kombros enfraqueceo a fortaleza ? Quem a eílas mãos tirou a liberdade ? Quem a eíles pés pren- deo os movimentos ? Oh atrevimento meu, e que iàtal mudança exécutaíle em teu amante Pay, Efpofo, e Redemptor ! Ay , amsnte JESUS , como todo pareceis outro, do que éreis : HeW Víihi qualis eras' quantum mutatus ab tilo : Oh> com quanta razaô diífeftes ao Eterno Pay , que fobre vós tinhao vindo as ondas da fua juftiça :: ^mfids flucius tuos induxifii fiíper me ; mas o que para vós forao ondas de juAiça , fejaô para nós mares de mifericordia. Se eíles olhos conver- terão a Pedro negativo ; féeíla face fe permittio a Dimas facinorofo ; fe eíla Boca ^i^o perdaô a Hagdalena peccadora j fe deíle lado íJianou o^

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remédio para Longuinhos cego ; fe dles brados r<ecebem Pródigos depravados;fe eftas maôs aberir çoaó Jacobos teimofos ; fe eftes pés bufcao ove- lhas perdidasjtodos nós confiados na voíTa infini- ta piedade imploramos ítô effiçacias da yoffa mife- ricordia , para q nos perdoeis. Mas ay , X^tholi- cos, ainda tendes mais q yer , ainda tildes mais q chorar : vede eftas divinas coílas ta6 feridas , e defpedaf adas ; vede como defcarregaraó os gol- pes aonde defcançaraé ^ ovelh^: eflafoy avoíTa correfpondencia , tomarvos Chrifto corno a ove- Mias perdidas ao^hombros, e multiplicar nelles a voíía crueldade os golpes ? Mas ay , que ainda vejo ferido o Pallor, e defgarradas as ovelhas : Percutiam Fajiorem^i^ difpergentur opeA Pois, peccadores , çorrey todos a eftes hombros fagra- dos , e para feres nell^ recebidos , aá-rependei- vos de todas as volfas culpai. Day, Senhor,a vof- fa face a eíle povo , que fe at^gora de vós fo gio , agora para VõCS foge, clamando perdaô , piedade, e mifericordia. Peccadores , chegay ac^ pés de Chrifto contritos , e arrepeadidos , ;€ di^ ^eilhe com o coração contrito, e fincero :

Pay amabiliffimo , Redemptor da minha al- ma, quanto me peza Senhor de vos ter oíFendido \ Gh quem nunca tivera peccado , e fempre tivera vivido com aquella reflidaó , que devia , como creatura voila I Mas fe aíégora me efperaftes pie- dofo, abfolveime, que ellou contrito : pezame, Senhor , pezame de todo o coração de ter aggra- yado a volFa infinita grandeza : proponho nunca mais peccar , perdoayme pelo volFo fangue, pela yoffa niorte , pela.yoíFa ipfinita mifericordi^.

SERMAM

DO SANTÍSSIMO

SACRAMENTO,

P R E\ G A D O

EM A SOLEMNISSIMA FESTA DO COR FO DE DEOS

da Cathedral da Cidade do Salvador Bahia de todos Gs Santos em ao de Junho de 1745',

PO R SEU A U T H O R

ANTÓNIO DE OLIVEIRA?

Natmd da Cidade de Lisboa^ Sacerdote do Habito de S, Fedrc, Aieflrê

cm Artes , e Iheologo dos Ejiudos Geraes da Companhia de J^/^f / da mefma Bahia yCnelUs Examinador de Fi/ofofia porvariat vsz.es ^ e Miffionario u4pofiolico por Sua Santidade^

O F F E R E C I DO

AO MESMO SENHOR

SACRAMENTADO

POR HUMIRMAM DO MESMO SACRAMENTO DA DITA

Sé, que íervio de Juiz no anno de 1 744. aíéefíe de i745'> que á lua

.cufta o manda imprimir , e a luz para mayor honra , e gloria

do meímo Senhor , em memoria dos plaufiveis cultos ,com

que naiUuílre Irmandade do SantiiTimo da mefma Séhe

fervido o íoberano Myfterio Euchariítico.

LISBOA.

Na O^c, aos Herd, de ANTÓNIO PEDROZO GALRAM. ^ Anno M.DGG.XlVI ^

€&m Udas as Ucmçus neceprí^s.

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