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ANTÓNIO FERRÃO

Sócio da Academia das Sciências de Lisboa

A TEORIA DA HISTÓRIA

E OS

PROGRESSOS DA HISTORIOGRAFIA SCIENTÍFICA

A CONTRIBUIÇÃO QUE PARA ESTES TEM DADO A PUBLICAÇÃO DAS COLECÇÕES DE INÉDITOS

(Introdução geral

á Colecção de Documentos Inéditos da História de Portugal

mandada publicar pelo Governo da Republica)

COIMBRA

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE 1922

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A TEORIA DA HISTORIA

PROGRESSOS DA HISTORIOGRAFIA SCIENTÍFIGA

OBRAS DE ANTÓNIO FERRÃO

O Marquês de Pombal e as Reformas dos Estudos Menores (191 5).

Os Arquivos da História de Portugal no Estrangeiro (1916).

Da importância dos documentos diplomáticos em História. Estudo sucinto de alguns arquivos diplomáticos estrangeiros e na- cionais (1917)-

A Vida e Obra Governativa do ifi Marquês de Pombal. Plano e sutnáriosdo ifl e 2.0 volumes da publicação mandada efe- ctuar pelo Governo da República (1917).

As Causas (ddeais» da Conflagração e a função pedagógica das Academias scientificas após a guerra (19 18).

Gomes Freire na Rússia (igi8).

O povo na história de Portugal. A Restauração de 1640. Como se perdeu e se reconquistou a independência (i58o-i668). (1919).

Academias e Universidades. Discurso pronunciado na sala do Senado da Universidade de Coimbra (1919).

Prussianos de Ontem e Alemães de Hoje. As Impressões de um diplomata Português na Corte de Berlim (i']8g-i']go). (1919)'

Os Arquivos e as Bibliotecas em Portugal (1920).

Gomes Freire e as virtudes da raça Portuguesa (1920).

Fernão de Magalhães e a sua viagem de circumnavegação (1921),

A educação intelectual e a fimção que nela devem desempenhar a familia, o município e o Estado (1922).

O teatro e o animaiógrafo na educação (1922).

NO PRELO, PRESTES A APARECER

A Intendência geral da Polícia no tempo dos Franceses (Invasão de Junot).

A cantora portuguesa Liii\a de Aguiar Todi no seu tempo.

ANTÓNIO FERRÃO

Sócio da Academia das Sciências de Lisboa

A TEORIA DA HISTÓRIA

E OS

PROGRESSOS DA HISTORIOGRAFIA SCIENTÍFICA

A CONTRIBUÍÇÃO QUE PARA ESTES TEM DADO A PUBLICAÇÃO DAS COLECÇÕES DE INÉDITOS

(Introdução geral

á Colecção de Documentos Inéditos da História de Portugal

mandada publicar pelo Governo da Republica)

GOIMÔRA

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE IQ22

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PRELIMINAR

A obra que segue foi escrita para servir de Introdução Geral à Colecção de Documentos Inéditos relativos à Historia de Portugal, de cuja elaboração o Governo da República nos encarre- gou.

Por este trabalho de metodologia genética da História se como e quanto as publicações de do- cumentos inéditos teem contribuído para o progresso da historiogí^afia scientifica, e teem determinado as concepções actualmente dominantes na teoria da história.

Assim., sendo cada ve:{ mais axiomático que sem documentos não história, e que tornar conhe- cidos aqueles é trabalhar maximamente para os progressos desta, entendeu o Governo da Repú- blica que., além da acção desenvolvida pefàs insti- tuições scientíficas do país, conviria promover e subsidiar directamente a publicação de uma Cole- cção de Inéditos da História de Portugal, a exem- plo do que teem feito os Governos dos países estran- geiros.

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Por isso, por Despacho de 3o de junho de igi8, S. ExM^ o Ministro da Instrução y sr. dr. Al- fredo de Magalhães, encarregava-nos de levar a efeito esse trabalho que, sendo importante e mo- mentoso, não tem um valor intrínseco e próprio como constituirá cremos bem uma fonte muito útil para a investigação histórica ( i ) .

As Colecções de Inéditos teem constituído por toda a parte, desde a Renascença, repositórios uti- líssimos para a investigação. Não dúvida. Importa, porém, hoje modificar o ponto de vista e os processos seguidos pelos antigos colectores que se limitavam, geralmente, a elaborar as cópias e a

(i) Os titulares que se teem sucedido na pasta da Instrução teem-nos determinado a publicação de outros trabalhos de história e concedido as necessárias verbas para a impressão.

antes, por despacho ministerial de 28 de Outubro de igi5, e decreto de 3 do mesmo mês (Diário do Governo de 18 de Novem- bro seguinte) havíamos sido encarregados pelo então Ministro^ sr. dr. Lopes Martins, de escrever um trabalho acerca da vida e obra do governo do primeiro Marques de Pombal. Ver o nosso trabalho: Os Arquivos e as Bibliotecas em Portugal, />á^. 56' a (í/

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faiê-las impiHmir, na maioria dos casos, sem intro- duções, comentários ou notas.

Depois de Ranke as responsabilidades de um editor ou colector são muito gi^andes. Desde a busca dos documentos, e do seu estudo aírave^ das operações críticas, até à sua publicação, os manus- critos demandam cuidados cada ve^ mais sérios à medida que os processos de estudo documental se aperfeiçoam e progridem.

No trabalho que aqui apresentamos vêr-se quais os métodos que seguiremos na publicação dos suces- sivos tomos desta Colecção de Inéditos^ e desde diremos que cada volume ou série constituirá um todo com uma unidade: de assunto, de objecto, de proveniência, de cronologia, ou outra.

A. F.

INTRODUÇÃO

O trabalho que a seguir tornamos público é, sob o ponto de pista scientífico, um despretencioso e mo- desto ensaio de teoria e de metódica da história^ precedido de um estudo -sobre a evolução da histo- riografia, a partir da Renascença.

Sob o aspecto administrativo porque o tem consiste na exposição de alguns conhecimentos e ideas que possuímos sobre a historiografia na sua evolução e na sua fase actual, e acerca dos métodos e processos a seguir na publicação das Colecções de 'documentos inéditos.

Mas, expliquemos melhor a finalidade adminis- trativa desta obra.

Por decreto de 3o de Outubro de igi5 (D. do G. n.° 2.04g, de 18 de Novembro seguinte); por portarias de: 23 de Maio de 1Q14 (D. do G. de i5 seguinte), e de 4 de Janeiro de igig (D. do G. de 8 seguinte) ; e por múltiplos despachos ministeriais temos vindo a ser encarregados, pelo Ministério da Instrução Pública, de escrever diversas obras de carácter histórico, bem como de desempenhar

párias comissões de serviço, e da publicação de uma Colecção de Documentos Inéditos da História de Portugal Na nossa obra sobre os Arquivos e as Bibliotecas em Portugal, de pág. 56 a 67, trata- mos largamente de tais comissões de serviço de in- vestigações e publicações de carácter histórico pelo que neste lugar nada mais diremos sobre tal ponto.

Porém, não temos esquecido que tais encargos nos haviam sido conferidos muito mais, talve{, por considerações de carácter pessoal do que em re- sultado de qualquer concurso, ou por virtude de outra forma pública, especial e directa, de afirmar e demonstrar a nossa preparação scientífica para tais trabalhos.

É certo que os 1 fossos cursos superiores tanto o do magistério secundário de história, geografia e filosofia como o nosso grau universitário, em s ciên- cias históricas, conquistado publicamente e não con- seguido pelo cómodo favoritismo de qualquer de- creto— justificavam, por si, tais comissões todas elas gratuitas. E, igualmente, certo é que a nossa aprovação em concurso público para o ensino de história da Faculdade de Letras de Lisboa, e, por último, e sobretudo, a nossa entrada para a Academia das Sciências de Lisboa mercê dos trabalhos que temos publicado, especialmente sobre história, nos punham cremos bem a salvo das dúvidas de qualquer hipercrítico ou :{oilo que, por acaso, nos tenha aparecido o que desconhecemos

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ou venha a surgir-nos, querendo ver nesta nossa bem ingrata e difícil comissão de serviço público qualquer favor pessoal ou choruda benesse^ quando a verdade é que ela tem sido desempenhada sem a menor gratificação especial e com bastantes resul- tados morais e alguns financeiros para o país, pois é bom que se saiba que as obras que temos publi- cado no desempenho da nossa comissão de serviço do Ministério da Instrução são inteira e completa pertença do Estado, e todo o produto dos exempla- res vendidos é receita sua.

Mas, se sob o ponto de vista moral a nossa cons- ciência estava inteirameute segura e calma da ho- nestidade dos nossos propósitos e da lisura dos nos- sos actos, sob o aspecto scientífco a questão era diversa.

Importava dar ao país, que nos paga como seu funcionário, uma prova do nosso estudo, uma de- monstração dos nossos conhecimentos em tais assun- tos, e uma satisfação não sabre os intuitos e objectivos de tal empresa, como àcêrca do ponto de vista sob que a encaramos, do critério que nela se- guimos, emfim, àcêrca do espírito da obra a rea- lizar (i).

(i) É certo que tudo isso se encontra patenteado, bem prá' ticamente^ no primeiro volume desta colecção : As Impressões de um Diplomata Português na Corte de Berlim o qual, para não perder a oportunidade do período da guerra com a Alemanha, apareceu antes da presente obra que a todos devia preceder.

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As democracias, que devem ser regimes de má- xima selecção, obrigam pela sua natureza e Índole aqueles que as servem a patentear bem publica- mente a maneira como ofa^em e os intuitos que os dirigem. É essa a superior ra^ão de ser moral e cívica da elaboração e da publicação deste livro.

Ao país damos conta e não é a primeira vei que o fademos (i) da maneira como, neste ponto,

(i) Efectivamente, no nosso opúsculo Os arquivos da História de Portugal no estrangeiro, ocupamo-nos, mais ou menos directa- mente, da nossa viagem de estudo ao estrangeiro, em igi4l e no nosso livro Os Arquivos e as Bibliotecas em Portugal, relatamos a obra que efectuámos quando chefiámos a Repartição de Instru- ção Artística, do Ministério da Instrução, no que respeita aos nos- sos depósitos públicos de manuscritos e de livros.

Também, no nosso opúsculo Da Importância dos Documentos Diplomáticos em História, nos ocupámos das colecções documentais de carácter diplomático existentes nos arquivos estrangeiros al- guns dos quais visitámos, e das espécies diplomáticas, isto é, sobre politica externa, existentes nos tiossos depósitos.

No nosso opúsculo sobre a Restauração de 16^0, publicámos, com as respectivas cotas, os índice dalguns rnaços do Arquivo espanhol de Simancas, especialmente da secção dos Papéis do Estado e da do Patronato Real, onde estão os mais importantes manuscritos relativos à perda da independência, em i58o. Assim, temos vindo mostrando, muito praticamente, quanto foi profícua e útil, no ponto de vista da erudição portuguesa, a nossa viagem ao estran- geiro— feita, aliás, inteiramente à nossa custa, o que contrasta com o procedimento de outros que, a expensas dos cofres pú- blicos, lá teem ido fora sem que nada hajam produzido em bene- fício do país.

Ainda é de citar o nosso trabalho acerca de A vida e obra go- vernativa do primeiro Marquês de Pombal, onde, com o mesmo intuito de dar contas ao país da forma cotno o servimos, publicámos

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o pimos servindo. Ele que responda se não acha bem; e que, nesse caso, indique qualquer outro, e melhor^ meio de, com a maior profiquidade, levar por diante esta empresa: a publicação de docu- mentos inéditos da história de Portugal (i).

A. F.

o plano geral, da obra sobre o eminente estadista, de que fomos en- carregados em igi5 pelo citado decreto n.° 2.o4g, e expomos lar- gamente os sumários dos dois primeiros volumes dessa obra.

(i) Sobre esta publicação ver na nossa citada obra: Os Ar- quivos e as Bibliotecas em Portugal, pág. 62 a 6'].

CAPÍTULO I

A íDíluêiiGiã da filosofia cartesiana

e do movimento scientifico da Renascença do século xvi

sobre os progressos da História

É sempre difícil por ser mais ou menos arbitrário determinar duma maneira fixa o momento exacto em que uma sciência passa da sua fase de sincretismo ao estado de positividade e de precisão scientifica. E se isso é verdadeiro quanto às sciências da natureza muito mais evi- dente se torna quando temos que encarar as sciên- cias do espirito ou sciências humanas muito mais complexas que aquelas pelo seu objecto e pelos seus métodos de estudo.

Porém, se duma forma geral podemos reportar à antiguidade clássica o aparecimento da Mate- mática (i), fixar o século xvii como aquele em

(i) Sobre a evolução das sciências matemáticas veja-se a de- senvolvida História das Matemáticas, de Montucla; Chasles, Aperçu historique siir Vorigine et dévelopement des Méthodes en Géometrie, iSSy; Hoefer, Hist. des Maihem., 1874-1886; P. Tan- NERY, Hist. des Mathem., nas Notions de Matliem.; Brunschvieg, Les Etapes de les Philosophie Mathem., 1912; P. Tannery, La

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que a Astronomia, constituída na Grécia, en- tra na sua fase dedutiva (i), e em que surje a Física (2); e, se se pode dizer que o século xviii viu nascer a Química (3), como o século xix viu aparecer a Biologia (4) e a Sociologia; não menos

Correspondance de Fermat; d'ADHÉMAR, Uosiivre mathématique du XIX p.e siècle, 1900; E. Lebon, Les Savants du Jour.

(i) Sobre a evolução da Astronomia, vide: Cxssxm^ Del' origine et des progrès de Vastronomie, nas Mèm. Ac. des Sc, 1666- 1669, viu; Laplace, Exposition du syst. du Monde, i, v; Delambre, Hisí. de V Astronomie ; Faye, Sur les origines du monde; Wolff, Les hypothèses cosmo goniques; Baillaud, De la mèthode dans les Sciences, 11, 1912.

(2) Para a história da Física, pode vêr-se a obra de Líber, em 5 vol., 1810; e a Histoire de Hoefer. Não devem ser esqueci- dos os notáveis trabalhos de Duhem sobre: Saint-Claire Deville, Van't Hoff, Clerck, Maxwell; Levolution de la Mécanique; La Théorie physique^ son objet et sa structure; Les Origines de la Statique, 1 vol. 1909; La théorie physique de Platon à Galilèe, 1909.

(3) Acerca da evolução da Química, pode consultar-se, àlêm da excelente obra de Hermann Kopp, os notáveis trabalhos de Berthelot : Introduction à Vètude de la chimie des anciens, 1889; Les Alchimistes grecs, 1887; Les Origines deVAlchimie, i885; La- voisier et la révolution chimique^ 1889; Archéologie et histoire des Sciences^ 1908. Também devem ser lidas as obras do Ghevreul: Hist. des connaissances chimiques^ 1866; Hist. de la matière de- piiis des grecs jusqu'à Lavoisier; As Histoires de la Chimie, de Hoefer, Wurtz, Jaonaux, etc.

(4) Sobre os progressos da Botânica, veja-se: Adamson, His- toire de la Botanique; Hoeffer, Histoire de la Botanique; F. Hous- SAY, Nature et Sciences naturelles, 1908.

Sobre os progressos da Zoologia, veja-se: Blainville, Hist. des Sciences de Vorganisation comme base de la philosophie, i858, 3 vol.; Cuvier: Hist. gen. des se. nat. depuis leur orig.jusqú'à nos jours, 1841-3, 5 vol; os Rap. sur les progrès des se. nat. depuis ijSg, 1810; e os 5 volumes das Etapes, onde muita história das sciências naturais; Hoeffer, Hist. de la Zoologie; Pouchet, £a

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se pode afirmar que a história scientifica aparece no período de transição que vai dos fins do sé- culo XVI aos princípios do xvii.

Efectivamente, a Sociologia, que é uma sciên- cia sintética por excelência, não podia consti- tuir-se emquanto a etnografia, a etnologia, a mito- grafia, a sciência das religiões, a pre-história, o conhecimento das línguas e civilisaçóes orientais pela fundação da egiptologia e da assiriolo- gia, e os agrupamentos das sciências filológicas e históricas não fornecessem todo um imenso mundo de conhecimentos que haviam de consti- tuir o enorme edifício da sciência contemporânea sobre o qual a Sociologia havia de vir assentar a cúpula das suas generalisaçóes, induções e leis.

Não quer, porém, dizer que a Política de Aris- tóteles, o Discurso sobre Tito Lívio de Macchia- VEL, os Princípios de uma Sciência Nova de Vico, e as obras de Hume, Fergusson, Montesquieu e de HoLBACH não constituam importantes elementos preparatórios, e não marquem étapes de sucessivo progresso na fase pre-scientífica da Sociologia; mas o certo é que com Augusto Comte ela adquiriu autonomia e possibilidade de existência como sciência abstrata.

Uma das sciências que mais contribuiu para o aparecimento da Sociologia foi a história com

Biologie Arisioíélique, iSS5; E. Peurieb, La Philosophie Zoologi- que avant Darwin, 1884; do mesmo, Le Transformisme; E. Gley, Essais de Philos. et d'Hisí. de la Biologie, etc.

os seus constantes progressos quere no que res- peita à metódica das investigações, quere no que se refere aos seus processos de estudo : dogmático ou descritivo, especulativo ou critico, sintético ou filosófico.

Como dissemos, a História entra na sua fase scientifica na transição dos fins do século xvi para o xvii, pois é então que se inicia, e acentua cada vez mais, a reacção contra o Humanismo. As consequências especulativas dos descobri- mentos dos portugueses e espanhóis, bem como a influência dos progressos da astronomia, da física, da geografia e da filosofia cartesiana ha- viam tido sobre todos os ramos do saber humano uma reflexão preponderante no sentido objetivo e positivo.

Alfredo Weber na sua História da Filosofia Europêa caraterisa muito bem o movimento scien- tifico nesse período, quando escreve: «Desde o meiado do século xv que a Europa ocidental ia de surpresa em surpresa. Guiada pelos sábios gregos que se tinham fixado na Itália, ela entra em cheio na terra prometida que os árabes lhe haviam feito entrever em parte: a antiguidade, a sua literatura, as suas artes, a sua filosofia. O horizonte histórico dos nossos pais, limitado pri- meiramente ao período católico, estende-se desde então, e remonta, indefinidamente, àlêm das ori- gens do cristianismo. Esta Igreja católica, fora da qual não se via até pouco senão trevas e bar- baria, não figurava senão como a filha e a her-

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deira de uma civilisação mais antiga que eia, mais rica, mais variada, mais conforme com o génio das raças ocidentais.

«A Europa romana e germânica sentiu em si uma afinidade natural e íntima com estes Gregos e estes Romanos, colocados fora da Igreja e supe- riores a tantos respeitos aos cristãos do século xv em todas os campos da actividade humana. O preconceito católico, em virtude do qual não fora da Igreja nem salvação, nem civilisação real, nem religião, nem moralidade desvanece-se pouco a pouco. Então, deixa-se de ser exclusivamente católico para se tornar homem, humanista, filan- tropo no mais amplo sentido deste termo. Agora, não são já, apenas, alguns fugidios reflexos que surgem ácêrca do passado, é a história completa da Europa árica que se desenrola ante os olhares atónitos dos nossos antepassados com os seus milhares de problemas políticos, literários, filo- lógicos, arqueológicos, geográficos. D'ora avante as sciências históricas imperfeitamente cultivadas pela antiguidade e quási desconhecidas na Idade Média, constituirão um importante ramo de estu- dos, esperando o momento de se tornarem o seu fulcro».

Isso é profundamente exacto, pois a história vem tendendo cada vez mais a tornar-se, àlêm de ufn importante grupo de estudos, um método de investigação e de conhecimento em todas as sciências, e uma fase infalível por que todas de- vem passar na sua evolução da forma descritiva

ou dogmática para a crítica produto da essen- cial aplicação do método histórico-comparativo.

A seguir, esse antigo professor da Universidade de Strasburgo continua: «Logo que o Homem descobre a Humanidade torna-se-lhe possível constatar a forma exacta da casa que habita, e de que até então havia conhecido uma das fachadas. O universo católico limitava-se ao mundo conhecido pelos Romanos, isto é, à bacia do Mediterrâneo e ao sudueste da Ásia, acres- cidos da Europa septentrional. Mas eis que Colombo descobre o novo mundo; eis que Vasco DA Gama dobra o cabo da Boa Esperança e encontra o caminho marítimo das índias; eis, sobre tudo, Magalhães que consegue dar a volta ao mundo. Assim, vem confirmar-se, com factos evidentes, uma hipótese familiar aos antigos: a nossa terra é um globo isolado por todos os lados e girando livremente no espaço».

Mas, se a terra era agora considerada um globo o que marcava uma assinalada vitória sobre os preconceitos bíbUcos ainda, porém, era tida como um centro imóvel em torno do qual gravi- tavam os corpos celestes. Mas, surge logo no meiado do século xvi o De orbium celestium re- volutionibus libri w, 1548, em que o seu eminente autor, GoPERNicuM, coloca a terra na série dos planetas que giram em torno do sol (i). Em 1609 surge em Praga a Astronojnia nova sive Física

(i) Vide H. HõFFDiNG, Philosophie Moderne, pág. 108-1 15.

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ccelestis, de Képler, que, com a Harmonia miindi do mesmo autor, vêem a um tempo comprovar a verdade do sistema de Copérnico com a determi- nação das órbitas dos planetas e a fixação da lei do movimento destes, e contribuir para a total ruina das concepções cosmogónicas mosaicas, que o notável Galileo vem acelerar com as descobertas do duplo movimento da Terra e dos satélites de Júpiter, e com a determinação da lei das suas revoluções.

O dr. Teófilo Braga referindo-se também a este admirável movimento de renovação scientí- fica, escreve: «As curiosidades do espírito leva- vam por toda a parte ao exame da natureza; a combustão do enxofre observada por Beecher sus- citava a Stahl a teoria fisiológica áo phlogistico. A descoberta do microscópio no século xvii fa- culta ao homem uma observação no mundo dos infinitamente pequenos, embora muito tarde pudesse ser aplicado à histologia, à teoria celu- lar, à microbiologia e à síntese mineralógica. A concepção mecânica do universo tendia a com- pletar-se também na observação dos fenómenos orgânicos; é assim que entre as maiores des- cobertas do século xvii resplandece a de Harvey, observando a circulação do sangue, descobrindo os canais de absorção e reservatórios do chylo; apesar dos tradicionalistas galénicos, a doutrina de Harvey triunfou sobretudo quando cinco anos depois da sua morte Malpighi, pelo auxílio do microscópio^ descobriu os vasos capilares e veri-

íicou a passagem directa do sangue das artérias para as veias» (i).

^Que faz a Igreja em face de tão extraordiná- rio movimento de renovação scientifica? Ante tão grandes progressos nos domínios do saber humano, e que constituiam tão incuráveis chagas abertas no corpo das doutrinas religiosas, ela procura defender-se atacando com o furof dos impotentes. Kepler é perseguido; Galileu vê-se forçado a retratar-se; Giordano Bruno é quei- mado em Roma, por sentença da Inquisição; e a Campanela são infligidas as maiores torturas nos cárceres da Inquisição de Nápoles. Durante trinta e cinco horas sofre este filósofo os maiores suplícios e, segundo afirma um seu contemporâ- neo «toutes les veines et ar teres qui sont autour du siège ayant été rompues, le sang qui coulait des blessures ne put être arrêté».

«Mas, continua o prof. Weber (2) apesar de tais resistências, as teorias novas divulgam-se, as descobertas e as invenções multiplicam-se. Ontem surgia a imprensa, hoje a bússola e o telescópio. Emquanto se espera que Newton venha completar a nova cosmologia com a teoria da atracção universal e transformar em axioma o que até ali não é mais que uma hipótese, as sciências, sacudindo o jugo do scolasticismo,

(i) Dr. Teófilo Braga, História da Universidade de Coimbra, t. II, pág. 443.

(2) As passagens transcritas da Hist. da Filosofia Europêa de Weber, vêem a pág. 272-275.

avançam: a princípio com um passo tímido, e de- pois duma maneira cada vez mais firme e segura. Leonardo Vinci e seu compatriota Fracastor continuam, em física, em óptica, em mecânica Arquimedes e os sábios de Alexandria. O francês ViETE alarga o âmbito estreito da álgebra, que êle aplica à geometria, e o inglês Neper inventa os logaritmos. No campo das sciências bioló- gicas, o belga Vésale, com o seu De corporis humani fabrica (t553), cria a anatomia humana, e o inglês Harvey na sua célebre obra publicada em 1628(1), demonstra a circulação de sangue, admitida 80 anos antes pelo espanhol Miguel Servet(2), e pelos italianos Realdo Colombo (3) e André Cesalpino (4)» (5).

Como era natural estes progressos no campo scientííico iam ter o seu infalível reflexo no do- mínio filosófico. Não se tratava apenas dum quantum de descobertas mais ou menos extenso e importante por si; porque o que mais impor-

(i) A obra de Harvey foi publicada, 1628, em Francfort, sob o título : De tnotu cordis et sanguinis.

(2) Efetivamente, em 1546 no Christianismi restitutio Ser- VET afirmava a existência da pequena circulação ou pulmonar.

(3) Na obra de Colombo Dere anatómica, aparecida em i558.

(4) Nas Questiones medicae, aparecidas em iSgS.

(5) Acerca da ev^olução das sciências médicas, veja-se: Brous- SAis, Examen des docirines médicales, 1829, 4 vol.; Kunholtz, Cours d'hist. de la Méd. et de Bibl. Mèd., iSSy; Daremberg, Hist. des Sc. Méd., 1870, 2 vol.; A. Eymin, Médecins et Philosophes, igoS; BoiNET, Les Docirines méd. seur évolution, 1906. Ainda as obras clássicas seguintes: Lanth, Hist. de VAnatomie, 181 5; Mal- GAiGNE, Hist. de la Chirurgie; Gilbert, Hist. de la Pharmacie, 1892.

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tava à evolução do pensamento em geral era a marca de objectividade e a importância crescente dos métodos de observação e de experiência: numa palavra o carácter de positividade que se tornava cada vez mais preponderante sobre os preconceitos religiosos.

Apesar do concurso brilhante que os filósofos e sábios italianos e espanhóis haviam dado para o progresso scientifico como acabámos de vêr estava reservada aos pensadores ingleses e franceses a suprema honra de inaugurarem a filo- sofia moderna.

E certo que antes de Francisco Bacon, de HoBBEs e de Renato Descartes temos que colocar GiORDANo Bruno e Campanela que iniciam a re- novação filosófica consequência natural da. Re- forma religiosa e do progresso scientifico.

Alf. Weber ao iniciar o primeiro período da Filosofia moderna, a que chama a Idade da me- tafisica independente^ com o estudo da obra de Giordano Bruno, escreve: «A renovação da sciência do cosmos no dia seguinte da revolução religiosa, teve por natural consequência a re- forma filosófica, preparada muito antes pelos sábios livres pensadores, e que surge cerca de 1600, com os sistemas audaciosamente inova- dores de Bruno, de Bacon, de Descartes. É o compatriota de Parménides e de Zénon, Giordano Bruno, que abre a série» (i).

(1) Weber, ob. cit., pág. 277.

I I

Também o prof. Hõffding, da Universidade de Copenliague^ caracterizando a filosofia de Gior- DANO Bruno, começa logo por escrever: «Encon- tramos em Bruno as ideas de Nicolau de Gusa, de Telesio e de Copérnico... As ideas scientí- ficas dos tempos modernos àcêrca do mundo fo- ram por êle estabelecidas em algumas das suas grandes linhas» (i). Mais adeante, continua: «GiORDANO é um dos primeiros pensadores que tem a clara consciência de que as grandes ideas são devidas a uma série de continuadas expe- riências. Êle crê ter exposto grandes ideas, mas sabe também o que deve aos seus antecessores, especialmente aos astrónomos, sobre cujas obser- vações êle se apoia» (2).

É exacto. Gontudo, é com G. Bruno como diz Weber que se inicia o período da filosofia moderna; mas o pensador do De immenso et innumerabilibiis ; e do De monade, numero et figura, com o seu monismo e materialismo, é principalmente um especulativo idealista e me- tafísico (3). Existe nele, talvez, o gérmen dos sistemas de Leibeniz^ de Hegel, e de Diderot; é êle talvez o traço de ligação do ontologismo moderno com as teorias dos jónios, dos eleatas e dos neoplatónicos; mas falta-lhe a capaci-

(1) H HOFFDING, Ob. Cit., pág. II 5.

(2) Idem, ob. cit., pág. 129.

(3) Ver àcêrca de G. Biíuno a obra de Berta, Giordano Bruno

da Nola, ed. 1889.

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dade crítica que vamos encontrar em Campa- nela(i).

Mas, por sua vez, o pensador da Philosophia rationalis, e, especialmente, da Universalis philo- sophiae. . . cai no excesso oposto; e à metafísica dogmática de Bruno vem juntar-se a metafísica scéptica de Campanela: ambos nada objectivos nem construtivos.

Por isso dizemos que estava reservada a Fran- cisco Bacon e a Descartes a grande reforma do pensamento humano no período moderno.

O ilustre historiador Weber, ao iniciar o es- tudo da filosofia de Bacon de Vèrulam, caracterisa muito bem o movimento filosófico moderno, quando diz: «Em Inglaterra a reforma filosófica recebeu do génio da raça saxónia um caracter muito diferente do que ela havia sido na Itália.

«Sóbrio e positivo, o espírito inglês não tem confiança nem na tradição escolástica nem nas sínteses prematuras da metafísica independente. A especulação italiana que depressa chega ao auge, mas que não podendo manter-se cai de- sencorajada no scépticismo, êle prefere a lenta e gradual ascensão pelo caminho da experiência. O que o impressionava no desenvolvimento que as sciências acabavam de tomar, era que a Es- cola e os seus métodos em nada ali figuravam;

(i) Acerca de Tommaso Campanela, da sua vida, das suas concepções e dos martírios que sofreu, ver o magnífico estudo de H. HoFFDiNG, ob. cii., pág. 157 e seg.

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era que estas conquistas da inteligência se tinham conseguido fora dela e apesar da sua oposição. Elas não eram devidas nem a Aristóteles, nem a qualquer outra autoridade tradicional, mas à natureza directamente consultada, ao contacto imediato da razão normal com a realidade» (i).

Isso era profundamente exacto (2). Era neces- sário pôr de parte a especulação à priori e o uso abusivo do silogismo, utilizando, como únicos meios de se chegar à verdade e de se fazer sciên- cia, a observação, a experiência e a indução.

Francisco Bacon, voltando à tradição da filo- sofia inglesa do século xiii especialmente indi- vidualizada em RoGER Bacon escreve nesse ponto de vista o seu De Dignitate et augmentis scientiarum, e, principalmente, o célebre Novum organum scientiarum (3).

Esse admirável corpo de doutrinas, pela sua parte negativa e crítica, constitue o mais formi- dável golpe que a filosofia moderna deu de início no scolasticismo, no aristotelismo, e nos sistemas de Pitágoras e de Platão, em resumo : na tra- dição greco-scolástico. Pela sua parte constru- tiva— a do segundo livro do Novum organum êle é bem um dos iniciadores da filosofia mo-

(i) A. Weber, ob. cit., pág. 286.

(2) HõFFDiNG refere-se arêsse período da seguinte forma: «La science nouvelle fondeé sous le coup des expèriences et des inven- tions de la vie pratique, devait amener un agrandissement de la logique tradictionnelle», ob. cit., pág. 191.

(3) São as duas principais partes da Insiauraiio magna., pois das outras quartas se conhecem fragmentos.

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derna pela entronização dos métodos essenciais para se chegar ao contiecimento scientifico e à verdade: a observação, a experiência e a indu- ção (i). Por isso Weber o considera como: «o fundador da filosofia experimental, o pai do posi- tivismo moderno considerado como filosofia, neste sentido, que é êle o primeiro que de uma forma clara e eloquente vem mostrar a solidarie- dade da verdadeira filosofia com a sciência, e a inanidade duma metafísica separada» (2).

Quando Bacon tinha 35 anos (3) nascia, na Haia, Descartes, que, nove anos depois da morte do seu precursor, havia de publicar a obra ver-

(i) Se para destruir a lógica escolástica ninguém apareceu com mais energia é tenacidade que Francisco Bacon, é necessário não esquecer os dois mais notáveis precursores do autor da Ins- tauraiio magna: o francês Pierre de la- Rameè, e o português Francisco Sanches, o primeiro com a sua Dialectique, o segundo com o Qiiod nihil scitur.

Mas, a dúvida não é para o filósofo português, um fim, é um meio, pois, como diz Hóffding a respeito «da sua obra scéptica», esta «não constitue senão uma introdução a uma série de traba- lhos dum género especial e empírico». Para êle «a observação e a experiência unidas ao juíso constituem os melhores meios de se chegar ao conhecimento».

E quando se trata de procurar a origem, a fonte, de todo o conhecimento, êle diz que se o conhecimento interno é mais se- guro que qualquer outro, a experiência interna é, pelo contrário, inferior em clareza e precisão à externa. Deste modo Francisco Sanches que excede Bacon e Petrus Ramus é o mais directo pre- cursor de Campanela e Descartes.

Vide Hóffding, ob. cit., pág. 195-196.

(3) Weber, ob. cit.., pág. 290.

(3) Acerca de F. Bacon, veja-se: Hóffding, ob. cit., pág, 196 e 216.

i5

dadeiramente básica do penssamento moderno : o Discurso do Método. Ao contrário do que al- guns teem afirmado, longe de haver oposição entre os desígnios e objectivos da Instauratio Magna e do Discours de la Methode, uma ín- tima relação que torna esta o digno complemento daquela. Se a Instauratio é uma obra de com- bate contra a tradição filosófica greco-escolástica, o Discours é uma obra de construção admirável; se a desapiedada critica da primeira contra a tradição escolástica fecha definitivamente uma época de especulação estéril, a matemática uni- versal de Descartes, com os seus princípios da evidência, da análise, da síntese, e da classifica- ção, abre tão largos caminhos ao pensamento humano, que ainda hoje e vão mais de 280 anos nada mais fazemos que trilhá-los, pouco tendo andado nessa infinita e bela estrada do progresso mental.

Bastava, pois, o aparecimento destes dois pen- sadores para que o século xvii marcasse o início do pensamento moderno.

HõFFDiNG referindo-sé a esta época diz: «A era das ideas novas e das descobertas sucede a época das tentativas para pôr em ordem e para sistematizar, para reduzir a multidão das ideas e dos factos a ideas fundamentais, simples e sólidas. Estas tentativas foram feitas com a firme con- fiança que a verdadeira base estava achada. A análise foi subtituida pela construção». Isto teve uma grande importância para o pensamento,

pois este poude então ccmettre en plein jour» o conteúdo das concepções estabelecidas pela Re- nascença e pela nova sciência da natureza» (i). Na série das tentativas de sistematização de que fala o pensador dinamarquês, a primeira grande questão que surge é o problema da exis- tência, vindo depois o do conhecimento, e o da classificação de valores ou o problema moral, e se estes dois últimos tomam foros de questões exclusivas no século xviii, o primeiro predomina no século xvii em Descartes, Hobbes, Spinoza, marcando Leibniz a transição para a época se- guinte.

Mas, se o século xvii marca o inicio do pensa- mento moderno, é com Descartes que a nova filosofia vai aparecer, e é no Discurso do Método que êle irá basear-se.

Tem, por isso, inteira razão o grande pensador CouRNOT, quando, ao notar a grande importância desse século, diz que êle «é destinado a ocupar na história do espírito humano e em todos os povos civilizados, sejam quais forem as trans- formações por que passem as opiniões, as cren- ças, as instituições, as línguas, e o sentimento do belo, um logar único, sem par no passado, nem análogo no futuro. São os progressos e as re- novações das sciências no século xvii que lhe

(l) HÕFFDING, Ob. Cit., pág. 217.

i?

imprimem este caracter singular e excepcional de grandeza, que nem a religião, nem a politica, nem a filosofia, nem as letras, nem as artes lhe comunicaram em grau tão eminente» (i).

O sr. dr. Teófilo Braga, falando também desse século de renovação, diz admiravelmente: «O desenvolvimento enorme das sciências indutivas determinou a elaboração das grandes sínteses filosóficas, que modificaram as concepções mo- dernas, e que vieram actuar na -educação pú- blica; os nomes de Galileu e de Harvey no campo da renovação scientifica teem por continuado- res no campo filosófico Bacon e Descartes (2). Estes eminentes pensadores, completando-se mu- tuamente, são representantes dos dois aspectos literário e scientífico da Renascença; Bacon influe na constituição da nova filosofia pela beleza e colorido da sua linguagem, com que vulgarisa importantíssimas sugestões, como a da creação da História Literária e do estabelecimento de Academias; Descartes unifica o processo mental reunindo a elaboração scientifica com a filosó- fica, que estavam separadas desde a Escola da Alexandria» (3).

(i) Considérations sur la marche des Idées et des Événements dans les iemps modernes, t. i, pág. 259.

(2) Acerca de Descartes e do Cartesianismo, ver, àlêm dos trabalhos de Millet e Ziand, Hòffding, ob. cit., pág. 219-268.

(3) Dr. Teófilo Braga, História da Universidade de Coimbra, t. n, pág. 438.

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Como acabámos de vêr o renovamento scien- tífico que se inicia nos meados do século xv e vai até ao xvii tem como natural consequência e salutar desfecho o aparecimento da filosofia moderna. O eminente Lange, na sua monumen- tal História do Materialismo, caracterisa numa admirável síntese todo este extraordinário movi- mento mental que em pouco mais dum século traz ao espirito humano esse maravilhoso pro- gresso para o compensar do longo período de estagnamento mas também de incubação de cerca de lo séculos de obscurantismo.

Diz Lange: «Se se estudar no seu conjunto, o movimento de regeneração, de que não se pode, quási, fixar o início nem o fim, desde o meado do século XV até à primeira metade do século xvii, poder-se-á reconhecer nestes dois séculos quatro períodos, cujos limites são um pouco confusos, mas que diferem uns dos outros pelos seus cara- cteres principais.

«Durante o primeiro, a filologia preocupou a Europa erudita. Foi a época de Lourenço Vala, de Angelo Policiano, e, do grande Erasmo, que marca a transição para a teologia. O predomínio da teologia, proveniente das agitações da Re- forma, asfixiou, durante algum tempo, especial- mente na Alemanha, todo e qualquer outro in- teresse scientífico. As sciências físicas que, desde a época da Renascença, tinham progredido nos

í^

laboratórios silenciosos dos sábios, apareceram no primeiro plano na época brilhante de Kepler e de Galileu.

«Em quarto e último lugar apareceu a filosofia, se bem que o período culminante da actividade criadora de um Bacon e de um Descartes siga muito de perto as grandes descobertas de Ke- pler» (i).

*

Mas essa profunda renovação mental não se circunscreveu apenas às sciências da natureza e às construções sintéticas da filosofia de Bacon de Verulam e de Descartes. Elas expandiram-se mais, e estenderam-se até aos domínios da lite- ratura, da filologia e, principalmente, da história. Tem, por isso, inteira razão Ed. Fueter quando diz que os historiadores da primeira metade do século XVII «inspiraram-se na filosofia moderna e nas sciências naturais tais como Descartes e Galileo as haviam inaugurado». «O estudo da natureza continua, magnificamente, êle havia substituído as opiniões tradicionais e as observa- ções de outrem pela experiência pessoal: muitos historiadores sérios sentiram-se por sua vez dis- postos a examinar mais de perto e por uma forma mais sistemática que outrora, a credibilidade nos factos descritos pela tradição. Poseram-se, então, a remontar mais conscienciosamente às

(i) Lange, Histoire du Materialisme, t i, pág. 200.

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mais antigas fontes e, por assim dizer, à própria natureza, e a pôr de lado os trabalhos e as opi- niões posteriores das autoridades da escola. Co- meçou-se, então, a fazer distinções cada vez mais nítidas entre o€ testemunhos históricos, e a estabelecer graus na confiança que se lhes con- cedia.

Principiou-se ao mesmo tempo a declarar guerra à doutrina estética da antiguidade; e re- nunciou-se, dai em deante, a aplicar às obras históricas o critério que se justificava na apre- ciação das obras primas literárias» (i).

Efectivamente, «desde Petrarca e BocÁcio- como diz FuETER o mais brilhante representa- tivo romano da historiografia retórica, que foi Tito Lívio, havia-se tornado o mestre da histo- riografia humanista» (2).

O Humanismo havia aparecido como reacção às crónicas da Idade Média que tinham as suas raízes e modelos na História Eclesiástica de Eusébio obras sem arte, nem estilo, sem senti- mento, numa palavra: sem vida. Os historia- dores humanistas caíram no vício oposto.: abu- saram do estilo uns com uma pronunciada

(i) Ed. FuETER, Histoire de V Historio gr aphie moderne, trad. por E. Jeanmaire, 1914, pág. 38i-382.

(2) Idem, Ibidem, pág. 11.

Porem, com o andar dos tempos o âmbito das fontes de inspi- ração e estudo alarga-se. É assrm que na História de Pistoia, aprecem como autoridades incontroversas «scriptores graves»: Quinto Curcio, Justino, Tito Lívio, Salústio, Plínio e Suetónio.

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tendência poética, outros mais discursivos e declamadores, mas todos eles sacrificando a observação à imaginação, a especulação à emo- ção, e a verdade à arte (i). É essa a dinastia dos Poggio, dos Accolti, dos puristas arrevesa- dos como Pietro Bembo, do estilista Facius, do poeta Pontano, etc.

E certo que a princípio a historiografia huma- nista, inspirando-se nos historiadores da anti- guidade clássica, tinha um caracter livre e autónomo em face da igreja cristã e dos seus preconceitos e dogmas, mas esse carácter secular que era a sua melhor qualidade perdeu-se a partir de Leonardo Bruni.

(i) Há, comtudo, excepções, tanto mais honrosas quanto mais raras elas são. É o caso dum Giovanni Simonetta que, no seu estudo sobre Francisco Sforza, apresenta, a par dum estilo agra- dável e simples, a observação exacta, um juíso político sensato e uma informação segura.

É também o caso desse interessantíssimo Machia vel que tanto na Viía di Casiritccio, como na excelente Isioj-ia fiorentine e no Livro do Príncipe, àlêm dum estilo cheio de vigor e brilho e tão adaptado aos acontecimentos que descreve, apresenta uma nítida compreensão da história, se bem que para ele a política é tudo: historia ancilla scientiqe politicáe. Igualmente, Guichardin, tanto na sua Hist. da Italta, como na Hist. Florentina, mostra, a par do respeito pela verdade, que o levou a escolher cuidado- samente as suas fontes de informação e a analizar o que estas lhe diziam, um bom senso crítico e uma excelente compreensão dos acontecimentos que estuda, analisa, descreve e comenta com bri- lho, concisão e extrema claresa.

Acerca de Machiavel veja-se: Harald Hõffding, Hist. de la Philosophie Moderne, trad. Bordier, i." vol., págs. 21-29.

CAPITULO II O início da história scientíflca moderna

a) Â obra dos Beneditinos de Saint-Maur

Quando chegamos ao fim do século xvi começa a fazer sentir-se a reacção contra o humanismo que não faz mais que acentuar-se durante a primeira metade do século xvii. O critério da observação para se chegar à verdade, e o da evidência como sinal único dessa verdade certa e sabida, vão fazer tombar num crescente descré- dito as autoridades consagradas pela tradição.

O dubito ut intelligam, que tinha surgido nos Bacon, vai pouco a pouco tornando-se domi- nante como ponto de partida de toda a investi- gação histórica.

A dúvida metódica, sistemática, radical, é eri- gida em processo de critica negativa ao qual não lograram resistir as mais consagradas autorida- des do esgotado humanismo, quer se tratasse de Platão ou de Aristóteles, dos Padres e Dou- tores da Igreja, dos historiadores greco-latinos, ou dos grandes chefes e mais assinalados modê-

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los da historiografia humanista como Bruni, Sabellicus, Pietro Bembo, Machiavel, Guichar- DiN e Blondus.

É mesmo contra Blondus e a sua escola que mais se encarniça a nova tendência historiográ- fica, se bem que o ilustre erudito da Itália illus- trata e da Roma triumphans^ seja dos humanistas um dos mais construtivos como excelente car- reador de elementos históricos e arqueológicos para a reconstituição da civilização romana, es- pecialmente no período da decadência.

Estava destinado à França o inapreciável mérito de pôr-se à frente das novas tendências da historiografia scientífica do século xvii. Os grandes peoneiros dessa magnifica empreza da renovação scientífica surgem na Champagne com Mabillon, ou nascem em Paris com Tillemont e o abade Fleury, e reverdecem quer em Saint- -Germain-des-Prés, quer em Port-Royal(i).

É possível que ao produto da actividade desses iniciadores da nova corrente scientífica não seja legítimo chamar, ainda, História. De resto, o próprio Mabillon designa a sua principal obra com o título de Annales ordinis S. Benedicti, como o oratoriano Lecointe crismou a sua de Annales ecclesiastici Francorum; e o próprio Tillemont, dos três o mais impessoal, ao escrever as suas Memórias de História eclesiástica, e a sua História dos imperadores e dos outros príncipes ,..,

(i) Sainte-Beuve, Port-Royal.

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nada mais tem em vista que expor, mais ou menos sistematicamente e harmonicamente, as fontes do seu assuntO; com um cuidado, um escrúpulo, e um desejo de exactidão, que, sendo enormes, chegam, por vezes, a ser excessivos.

E certo que a essa obra não se pode chamar ainda História, pois melhor lhe compete o nome de Erudição; mas o que eles fizeram em favor das sciências auxiliares como a Diplomática, a Paleo- grafia, a Lexicografia, a Cronologia e a Epigrafia, tornam essa plêiade de espíritos construtivos bem digna da nossa admiração, pelo caminho extenso, largo e luminoso que abriram à investi- gação histórica.

Assim, bastava o Glossarium de Du Gange; o De re diplomática de Mabillon, e os processos de crítica cronológica e de autenticidade das fontes seguidas por este analista; bem como a crítica de proveniência e de restituição e os cuidados de verificação, classificação e disposição das fontes seguidos por Tillemont para tornarem os eruditos de Saint-Maur dignos da nossa admira- ção, como bem o teem sido dos juísos favoráveis da crítica contemporânea de Sainte-Beuve (i), E. de Broglie (2), L. Lanson (3), e H. Stein (4).

(i) Sainte-Beuve, Port-Royal.

(2) E. de Broglie, Mabillon et la societé de Vabbaye de Saint- -Germain-des-Prés à lajin du XVlle siècle, 1888.

(3) GusTAVE L ANSON, U érudition uionastique aux XVII ét XVIII e siècles, nos Hommes et livres, iSgS.

(4) H. Stein, Mèlanges et Documents publiés à l'occasion du deuxième centenaire de la mort de Mabillon, 1908.

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Mas, os eminentes eruditos de Saint-Maur não limitaram a sua grande actividade às sciências auxiliares da História e aos trabalhos referentes ao passado da Ordem de S. Bento.

Eles não chegaram às sciências auxiliares pelo acaso das circunstâncias como pretendem fazer crer aqueles que explicam o aparecimento do De re diplomática libri sex, de Mabillon, so- mente pelo conflito entre os beneditinos de Saint- -Maur e os jesuítas, especialmente o jesuita Papenbroeck. Se fosse essa pugna scientífica a exclusiva causa do Tratado de Diplomática de 1681, e do suplemento de 1704, teríamos que justificar do mesmo modo a publicação da Pa- laeographia graeca de Bernard de Montfaucon (i), a do Nouveau Traité de Diplomatique, de Tassin e TousTAiN (1750-1765), que também trata da pa- leografia latina; e da Art de vérifier les dates (1750- 1787), em 5 volumes, etc.

Os beneditinos de Saint-Maur chegaram, pois, à elaboração das sciências auxiliares muito cons- cientemente, muito expontâneamente, pela razão fácil de compreender, que elas constituíam os essenciais instrumentos de trabalho histórico, sem

(i) É com esta obra que Montfaucon funda a paleografia grega. E este notável erudito o primeiro, também, que apresenta o primeiro estudo crítico completo sobre a arqueologia clássica com a sua obra U antiquité expliqiiée et represeniée en figures, Paris, 1719, que teve um suplemento que apareceu em 1724.

Acerca de Montfaucon veja-se: E. de Broglie, Bernard de Montfaucon et les Bernardins, 1891.

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os quais não era viável a construção de uma obra séria e de confiança.

O terem notado essa necessidade, e o haverem trabalhado na criação, organização e disposição desses meios e processos da metódica histórica : eis as duas causas justificativas da sua glória.

Mas como dissemos não foram as sciências auxiliares que demoveram a atenção dos mauristas; nem a história da sua ordem com os Acta Sanctorum Ordines Sancti Benedicti e os Anales Ordinis Sancti Benedicti ad amtum M.CLVii , foi objecto do seu estudo. Também eles teem publicada uma Colecção dos Padres gregos e latinos; alguns volumes sobre a História da igreja, em geral; e a História eclesiástica da França, em especial como a Gallia Christiana; cerca de 12 volumes duma Histoire littéraire de la France, sendo os nove primeiros de autoria de Dom Rivet; bastantes estudos de história local, sendo dignos de especial menção os 5 volumes da Histoire de la ville de Paris, de D. Félibien; outros cinco da Histoire générale de Languedoc^ de Vaissete e Devie ; quatro duma Histoire géné- rale et particulière de Bourgogne por Plancher ; dois duma Histoire de Bretagne de Taillandier e MoRiCE, etc; e mais duma dezena de volumes duma Colecção de historiadores das Galias e da França (Rerum gallicarum et francicarum scri- ptores).

Mas, é a publicação de diversas colecções de documentos inéditos que tornam os beneditinos

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de S. Mauro merecedores aqui de especiais refe- rências.

Referindo aos importantes trabalhos históricos dos mauristas, diz o prof. Langlois: «As suas empresas tão variadas obrigaram os beneditinos a imensos trabalhos de extractos e de inventários, não nas ricas bibliotecas da sua Ordem mas também nos outros depósitos da França e do estrangeiro. No decurso desses trabalhos de investigação, encontraram naturalmente peças que, sem serem de natureza a figurar nas suas * colecções, ofereciam comtudo interesse para a história. Ora estava naturalmente indicado que se juntassem em feixes os ramos desta espécie num tempo em que não existia, como hoje, Re- vistas para os receber. Desde o fim do século xvi, os eruditos começaram com efeito, a publicar, sob diversos títulos, colecções de Miscelânea, isto é, de documentos não tendo outro caracter comum que serem, na opinião do editor, interessantes e inéditos. Os beneditinos, infatigáveis copistas teem deixado colecções de Miscelânea, ou Spi- . cilégios, de primeira ordem» (i).

Efectivamente, Luc d'AcHERY havia escrito um Spicilegium sive Collectio veterum aliquot scri- ptorum qui in Galliae bibliothecis delituerant (2);

(i) Langlois, Manuel de Bibliographie Historique, 1901-1904, pág. 3oi.

(2) Do Specilegio ou Colecção de d'AcHERY ha a edição de F. de la Barre, em três volumes iu-fol. publicado em 1723. Aí, as peças

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Mabillon colige os seus Vetera Analecta (i); Mar- TÉNE e DuRAND constituem o seu Thesaurus no-

figuram distribuídas segundo uma determinada ordem sistemática: teologia, história eclesiástica e profana.

No «Elogio de Louis-François-Joseph de la Barre-, publicado no t. II da Histoire suivie de VAcademie Royale des Inscriptions et Belles-Lettres, em 1748, depois de se falar numa colecção de Me- dalhas dos imperadores romanos publicada por Dom Anselme Banduri, e em que La Barre muito trabalhou, lê-se : «Quand M. DE la Barre fút libre de ce prèmier engagement, les Libraires de qui il commençoi à être connu, lui proposèrent de donner une nouvelle édition du Spicilège de Dom Luc d'Achéry, qui étoit devenu fort rare, et il s'en chargea dans la vúe de le rendre en même temps plus ample, plus commode et plus utile.

«Ce Spicilège, ou Recueil de Pièces consistoit en treize volume in-4, imprimez en différentes années, depuis i655 jusqu'en 1677: et Dom Luc d'Achéry n'avoit pu y observer aucun ordre de dates ni de matières, parce qu'il s'étoit fait une loi de publier ces Pièces anedoctes dès qu'il en avoit rassemblé un certain nombre; de sorte que souvent le commencement, la suite ou les fragments d'un méme ouvrage, se trouvoient dispersez et morceléz en divers Tomes, ce qui en rendoit Tusage très-difficile».

A seguir, o panegirista expõe qual o plano seguido por La Barre na elaboração do Specilégio, e diz : «M. de la Barre rangea d'abord toutes les Pièces de Tancien Spicilège dans leur ordre naturel: il les partagea ensuite en trois corps qui forment chacun un volume in fólio. II mit dans le premier, les Traités Dogmali- ques, Moraux et PolémV[ues; dans le second, les morceaux qui appartenoient á THistoire Ecclésiastique; et dans le troisiéme, ceux qui regardoient THistpire Profane. II inféra dans les uns et dans les autres, les Pièces découvertes depuis la premiére édition du Spicilège: il conféra les anciennes sur plusieurs Manuscrits, dont il eut soin de marquer les diverses leçons qui Taidérent à corriger une infinité de fautes, et á remplir beaucoup de lacunes. Enfin, il en éclaircit les endroits obscurs par de savantes Notes, dont quelques unes sont assez étendues pour mériter le nom de Dissertations». In ob. cit., pág. 429-430.

O infatigável La Barre, foi ainda o editor do Dictionnaire Historique de Moréry, em 6 vol., na ed. de 1725; o autor dum Journal de Verdun; de várias comunicações à Academia de Ins- crições, etc.

(i) A colecção de Mabillon, também foi publicada, em 1723, por F. de la Barre, e preenche i vol., in-fol., estando as peças distribuídas cronologicamente.

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vus anedoctorum (i), e o Veterum scriptorum et monumentorum historicorum, dogmaticoriim^ mo- ralium. Amplissima Collectio (2) ; sem se dever omitir o Museum italicum de Mabillon, o Diarium italkiim de Mantfaucon (3), e a Voyage littéraire de deux religieux bénédictins de la congí^égaion de Saint-Maur (4), que era o produto das missões de estudo no estrangeiro.

Não podemos omitir o nome de Du Gange autor de muitos trabalhos de compilação sobre geografia histórica (5), arqueologia (6), história antiga e medieval (7) geneologia (8), etc, nem o de Baluze, do qual apareceram em Paris, de 1678 a 1715, sete volumes de Miscelânea, àlêm doutras colecções.

(i) Esta obra apareceu em Paris, em 1717, e consta de cinco vol., in-fólio. Alem desta colecção, Marténe e Durand projectavam nada menos que reeditar, após a publicação do seu Thesaurus, as principais colecções dadas a lume, desde a colecção dos textos canónicos por Canisius, até às aparecidas no seu tempo.

(2) Essa obra foi publicada em Paris entre 1724 e 1735, e consta de 9 volumes, in-fólio.

(3) Aparecido em 1702, em Paris.

(4) Os dois religiosos, autores da Voyage, são ainda os ope- rosos Marténe e Durand. A obra apareceu em Paris em 17 17.

(5) Como se sabe, Du Cange tinha pronta ou quási, uma Description de la Gaule et de la France.

(6) Nos glossários de Du Gange, encontra-se muita arqueo- logia, tanto clássica como medieval.

(7) A história antiga e medieval encontra-se no Glossarhim mediae et infimae graecitatis (1688), e nos pesados nove volumes do seu Glossarium ad scriptores mediae et infimae latiniíaiis (1678).

(8) A obra genealógica de Du Cange encontra-se no seu Nobiliário.

3i

b) Os progressos da crítica histórica com os Bolandistas através da historiografia racionalista

Se os Beneditinos de Saint-Maur e alguns lai- cos como Du Cange, Baluze, Henhi e Adrien Valois, Brussel e Thomassière, em França; Lei- BNiz, Henrique de Bíínau e Mascov, na Alemanha ; Muratori na Itália, e poucos mais deixaram uma importante obra de erudição tendente a marcar a nova orientação da historiografia moderna no sentido do estudo cronológico, epigráfico, paleo- gráfico e diplomático das fontes, não dúvida que muito havia ainda que fazer no que respei- tava à interpretação dos documentos e à crítica de sinceridade e de exactidão dos testemunhos.

Foi nesse sentido, principalmente, que incidiu o trabalho dos Bolandistas ao elaborarem os seus Acta Sanctorum. Assim, tendo eles que susten- tar muitas vezes discussões com os Protestantes, com os Humanistas e com os Beneditinos, os Bolandistas ou Jesuítas viam-se forçados a de-, fender-se com sagacidade e cuidado extremos no terreno da crítica das fontes históricas. Daí proveio o rigorismo com que eles faziam o estudo dessas fontes a fim de não darem o flanco aos adversários hábeis no que respeita à fixação mais ou menos rigorosa de datas, nomes e factos. A análise dos testemunhos era rigorosa como rigo- rosa era a classificação que delas se fazia, e metódica era a sua disposição segundo a sua antiguidade e grau de crédito que mereciam.

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Porém, os Bolandistas ou Jesuítas não estavam naturalmente talhados para levarem muito longe a sua crítica, pois do contrário chegariam a um poíito em que os próprios princípios da sua Ordem, e, mesmo, as bases do catolicismo, sofreriam grave abalo. E daí por deante que começam com muito maior despreocupação pelos preconceitos religiosos a crítica dos eruditos laicos como Bayle, Beaufort e Dubos.

Efectivamente, é com Pedro Ba^yle que começa a verdadeira idade do criticismo histórico que havia de ir encontrar os seus seguidores em Vol- taire e nos racionalistas.

Bayle torna-se digno de figurar na súmula da historiografia crítica do período da transição para a época dos racionalistas, É êle o auctor do Dictionnaire historique et critique, obra no género da de Mareri, e da Critique générale de Vhistoire du Calvinisme du Pire Maimbourg, onde o livre pensador toma, por vezes, o lugar do crítico, e o combatente anti-religioso o de historiador. Bayle pode não ser na evolução da história uma figura central, mas é um interessante precursor do racionalismo, e especialmente de Voltaire.

Também, Beaufort se nos depara no início do criticismo histórico como autor de uma Disserta- tion sur rincertitude des cinq premiers siècles de rhistoire romaine, edições de 1788 e lySo. O seu negativismo crític-o leva-o exasperadamente, a regeitar em globo as afirmações dos historia- dores latinos desde Políbio a Tito Lívio àcêrca

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dos primeiros tempos da história de Roma, sem que o estado de atrazo das sciências do espirito lhe permitisse vêr que numa lenda, num conto ou num mito há, por vezes, um fundo de verdade que importa descobrir e interpretar. Assim, muito sagaz e hábil em destruir não o foi igual- mente em criar e edificar uma obra, ou em re- constituir o período histórico a que se dedicou.

Entretanto, aparecia o abade JoÃo Baptista DuBos com a sua Histoire critique de l'établisse- ment de la monarchie française dans les Gaulês, ed. 1735. Dos três autores foi este o que me- lhor soube aliar a um grande fundo de erudição uma boa penetração de espirito crítico, gran- deza de vistas e independência de juízo para es- tudar e compreender uma época tão recuada e obscura como a dos tempos merovíngios que êle descreve, e onde nota a influência da domi- nação romana.

A sua concepção da sucessão dos factos e da evolução histórica gradual e rítmica, e a maneira como êle compreende, estuda e critica, o pro- blema das origens constitucionais da França fa- zem de DuBos um precursor dos historiadores do século XIX, especialmente de Fustel de Coulanges.

Mas, o historismo humanista decaia irremedia- velmente. DuBOs, historiador de transição é o último produto dessa escola, se bem que seja um racionalista. Com êle morrem de vez os di- tames dessa escola retórica, artística e estética : muito mais brilhante que sólida, mais convin-

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cente e catequética que verdadeira e scientííica, a qual durante três séculos teve preponderante lugar na literatura europeia, desde Petrarca a Bocacio, e especialmente a partir de Goluccio Salutati e do seu discípulo Leonardo Bruni,

Com o alvorecer do racionalismo a função crí- tica toma uma grande importância, e tão cres- cente ela se vai tornando pouco a pouco que, com Kant e os neo-kantistas, chega a tornar-se absorvente dominador : é esse o período do criti- cismo, da hiper-crítica.

É com o racionalismo o Anfklãrimg dos ale- mães — que a crítica penetra na história. A ten- dência crítica, que é a caracterisca essencial e eponima do racionalismo, resultou da evolução porque passou a filosofia a partir John Locke.

Harald, Hõffding, ao começar, na sua Histó- ria da Filosofia, o estudo sobre A Filosofia inglesa da experiência^ escreve :

«Os grandes sistemas haviam nascido da cer- teza que existia um material suficiente e uma cla- reza de pensamento bastante para edificar cons- truções capazes de substituir a concepção medie- val do mundo derrubada pela investigação da Renascença e pelo aparecimento da sciência nova. De resto, essa confiança não deixava de ser jus- tificada. As descobertas, os métodos novos e os novos princípios tinham lançado uma defini- tiva luz acerca da direcção que o pensamento humano devia daí por diante seguir para poder tratar de alguns problemas mais importantes; e o

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século XVII teve sobretudo este mérito de haver formado^ com energia e com lógica, as hipóteses as mais avançadas sobre as relações da natureza espiritual com a natureza material ; mas bastava o facto de haver muitas hipóteses possíveis a con- siderar para tal excitar a atenção do pensador e do crítico. Havia ainda que acrescentar que os que construíram estes grandes sistemas com tanta confiança e engenho tinham descutido muito a natureza e o modo da acção do pensamento, mas não tinham visto senão uma introdução aos seus sistemas propriamente ditos. Com uma pressa muito dogmática eles procuravam passar por cima da importante questão do exame do pen- samento para encontrarem a solução dos eni- gmas da existência». E continua:

«O que faz a importância da escola inglesa, tor- nada clássica na história do pensamento, é ter constituído um problema independente do exame do desenvolvimento do conhecimento humano, das formas e das hipóteses de que êle dispõe. John Locke e seus sucessores asseguram a inde- pendência do problema do conhecimento em face do problema da existência o qual nos grandes sistemas havia deixado inteiramente na sombra aquele». Depois, Hõffding nota: «que a filoso- fia crítica começa com John Locke».

A seguir, o eminente pensador dinamarquês faz notar, significativamente, que «por detrás desta oposição puramente filosófica, entre a filo- sofia dogmática e a filosofia crítica, uma opo-

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sição histórica mais extensa». E, acrescenta : «Os sistemas filosóficos não são o único objecto da critica : o exame critico volta-se contra todas as autoridades, contra todos os poderes existen- tes». E, notando que a concepção dogmática da substância em filosofia tinha o seu paralelo na noção da autoridade absoluta em politica, êle escreve : «Agora, chega o século da emancipação ao mesmo tempo que o da crítica».

Efectivamente, Locke e os seus discípulos, fa- zem o «grande balanço das ideias», abstraindo dos preconceitos de tradições e de autoridades, e submetem a ura rigoroso e profundo exame todos os princípios incluindo os da razão sufi- ciente de Leibnitz e Wolff, efectuando também a revisão do problema da classificação e evalua- ção dessas acções. Mas, deixemos o problema moral que Locke aborda nas suas obras, e veja- mos como êle trata do problema do pensamento.

O primeiro filósofo crítico como lhe chama HõFFDiNG nega as ideias intactas, e considera a experiência como a fonte de todo o conheci- mento, e a sensação e a reflexão como meios de o conseguir.

Assim, ao passo que a sensação, pelos instru- mentos dos sentidos, nos a conhecer os obje- ctos externos, é pela reflexão que conseguimos conhecer as modificações internas, as operações da alma. E acrescenta, que nada escapa a estes dois meios do conhecimento até mesmo 'as mais altas especulações da inteUgência e os mais ele-

3?

vados arroubos da imaginação. Depois de di- vidir as ideias em simples e complexas as pri- meiras fornecidas por um ou mais sentidas, as segundas elaboradas pelo espirito ocupa-se das operações ou faculdades da inteligência. Ai dis- tingue por ordem as seguintes que entram na for- mação das ideias : a) a percepção que é o pri- meiro grau para o conhecimento; b) a retenção que tem em vista conservar as ideas introduzi- das no espirito, e trazer ante este aquelas que depois de ali haverem estado impressas de tinham desaparecido (Memória); c) o discerni- mento, que é a faculdade que consiste em distin- guir nitidamente as diferentes ideas; d) a com- paração, que tem por fim estabelecer relações entre os objectos, os fenómenos, as ideas; e) a composição^ que é o poder que tem a inteligência de reunir muitas ideas simples, recebidas pela sensação e reflexão, para formar ideas comple- xas; /) a abstracção, pela qual o espirito hu- mano separa as ideas segundo determinados caracteres ou circunstâncias (i).

Assini;, a filosofia de Locke, que é um estudo critico do pensamento humano na sua dinâmica e nas suas manifestações, não admite as ideas inactas, nem os conhecimentos, máximas e prin- cípios inactos.

Deste modo, é impossível conhecer qualquer

( I ) Ar.F. Weber, Hisioire de le Philosophie Europienne, pág. 36$ a 370; Harald HõFFDiNG, ob. cit.^ \.° vol,, pág. 4o3 a 408.

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cousa fo^a, e acima, do que nos fornece a expe- riência externa ou interna^ devendo, por isso, a filosofia renunciar à soUição dos problemas trans- cendentes das primitivas causas e mais remotas origens, bem como aos da substância, da essên- cia, e da constituição íntima dos seres, e não podendo recorrer a outros métodos além da ob- servação, da indução e da experiência. Não nega Locke a existência da alma, mas afirma a impossibilidade de conhecer se a sua existência é material ou não, e que ela tenha a liberdade da indiferença. Também êle admite a existência de Deus quer, em si, pela experiência, quer pelo princípio da causalidade dela resultante; mas nada diz quanto à sua natureza e atributos.

A influência da filosofia crítica e do empirismo de Locke foi enorme tanto nas sciéncias da na- tureza como nas do espírito, especialmente sobre a filosofia política, a história, o direito, etc. Em compensação a filosofia panteista e determinista de Spinosa mais tarde resurgiu com Fichte, Hegel e Schelling.

Deixando Shaftesbury e Hutcheson que se preocuparam mais com o problema moral que com o do conhecimento, e José Butler que se dedica especialmente ao da ética religiosa, passando à margem das ideas do crítico e racionahsta John ToLAND, do mecanicista Newton e do idealista Berkeley chega-se' ao sensualismo, criticismo e relativismo de David Hume.

Hume, discípulo e continuador de Locke, en-

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tende, como este, que os conhecimentos teem por origem as impressões e as ideas, se bem que tudo o que julgamos o produto do espírito os pen- samentos mais elevados como as ideias mais abstractas se possa reduzir a simples impres- sões ou sensações.

Também para êle a ideia de Deus, com os seus caracteres de poder, inteligência e bondade infi- nitos, deriva da ampliação ilimitada desses cara- cteres em nós próprios (i). Mas a parte original da teoria do conhecimento de Hume é o estabe- lecimento áo problema da causalidade. Se é certo que para o eminente pensador escossês todas as ideas resultam da sensação, também, segundo êle, conhecimentos que consistem apenas tna interpretação das relações reciprocas das nossas ideas» e são os dados pelas sciências formais como a lógica e as matemática.s ; e «conheci- mentos que nos levam além das sensações dadas e que nos convencem da existência de alguma cousa que não é dada».

Ora esta última espécie de conhecimentos im- plica a existência de um princípio de causali- dade (2). Para éle a causalidade é o resultado da percepção de uma simples sucessão entre dois fenómenos, e o conhecimento humano limita-se à percepção dessa sucessão. Mas o problema de

(i) Ver : David Hume, Treaíise on Human Naíiire, capítulos i e n ; Harald Hoffding, Histoire de la Philosophe Moderne, tomo i, pág. 450-457.

(2) H, Hoffding, ob. cit.^ pág. 451-452.

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causalidade é muito importante para a sua teoria do conhecimento, pois é êle como diz Hõff- DiNG o «problema da solução do qual depende toda a apreciação da importância da sciência positiva».

O autor dos Essays depois de mostrar que to- das as ideas resultam da sensação, nota que elas se costumam seriar, apresentando entre si uma certa ligação que deixa supor que entre elas exis- tem certos princípios segundo os quais se seguem, agrupam e ligam as nossas ideas, como sejam os de semelhança, contiguidade de tempo ou lugar ^ e o de causalidade. ^ Mas são esses princípios, e es- pecialmente o de causalidade que é o mais importante noções à priori, inatas, anteriores a toda a impressão como, mais tarde, de entender Kant ? j Ou são eles sensações en- fraquecidas, cópias de impressões correspon- dentes ?

Para Hume entre a causa e o efeito nunca nenhuma ligação que possa ser notada à priori, pois a causa e o efeito são cousas inteiramente diferentes que nunca se encontram juntas. O mais profundo exame nunca nos faz notar um efeito na sua pretendida causa, e mesmo nos casos em que a experiência nos mostra um efeito que sucede a tal causa, a nossa inteligência pode conceber um grande número de efeitos igual- mente naturais. E afirma, que não existe um caso em que, sem o auxílio da experiência, se possa determinar os acontecimentos quer quanto

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à qualidade das causas, quer quanto à qualidade dos efeitos.

Assim, a idea de causa não constitue uma excepção à regra segundo a qual todas as nossas ideas resultam da sensação (i). ^ Mas falta-nos completamente toda a ideia de conexão causal ou de poder de relacionação por não podermos formar nenhuma ideia de cousas que nunca afe- ctaram nem os nossos sentidos externos nem o nosso sentimento interior? Não falta, pois, se- gundo HuME, a idea de causa não provêm de uma impressão isolada, da percepção de um ob- jecto individual, mas resulta do nosso hábito de vêr como muitas impressões e muitos objectos se seguem numa certa ordem.

Deste modo, tal ligação à qual a experiência nos acostumou, esta transição habitual que faz passar a imaginação do objecto que precede pára aquele que o costuma seguir, é como inter- preta Weber o único sentimento, a única im- pressão segundo a qual nós formamos a ideia de poder, de causalismo, de ligação necessária.

O determinismo de Hume em psicologia passa para a história, fazendo dele com Hobbes e Spi- NOSA um dos fundadores da sciência histórica po- sitiva, isto é diz Weber «baseada no princí- pio da necessidade das acções humanas».

Ed. Fueter ao tratar de Hume diz que não é

(i) Wèber, Histoire de la Philosophie Européenne, 1897, pág. 410-411.

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fácil determinar a posição do filósofo ao lado de Voltaire ; e depois de dizer que a cronologia das obras dos dois escritores leva a quási poder afir- mar-se que o Siècle de Louts XIV, de Voltaire, foi para Hume um incitamento, logo nos declara que é difícil estabelecer em que grau foi este in- fluenciado por aquele, se bem que considere vero- símil que Hume deva a Voltaire a iniciativa da sua obra(i).

Ora a verdade, é que as ideas directrizes que Hume nos apresenta na sua História de Ingla- terra, em seis volumes, aparecida entre 1754 e 1763, são o desenvolvimento das que paten- teara nos Essays de 1749, nos Ensaios morais e políticos de 1742, e no Tratado da natureza hu- míi/ia publicado em 1739.

É certo que Hume aparece-nos inferior a Vol- taire na forma de tratar os assuntos, na investi- gação e critica das fontes, no estudo do encadea- mento de factos, na profundeza dos juízos e co- mentários, na compreensão da influência do meio e dos factores económicos, e no descritivo da cul- tura artística e do estado mental das sociedades de que se ocupa. Mas, em compensação, estuda bem os caracteres das personagens de que se ocupa, tornando-se saliente como historiador psi- cólogo, e como diz Hõffding «tem êle o mé- rito de haver sido o primeiro que procurou fazer

(i) Ed Fueter, Histoire de 1'Historiographie, 19 14, g. 452 a 456.

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da história alguma cousa mais que uma simples descrição de guerras, pois ocupou-se do estado social, dos costumes, da literatura e das artes» (i). O seu critério generalizador levava-o a afir- mar que é um facto reconhecido universalmente que em todos os séculos e em todas as nações as acções humanas apresentam um grande cará- cter de uniformidade; que a natureza humana tem-se mantido nos seus princípios e na sua mar- cha ordinária; enfim, que os mesmos motivos produzem sempre a mesma conduta, que os mes- mos acontecimentos provêem sempre das mesmas causas, e que «a principal utilidade da história consiste em descobrir os princípios constantes e universais da natureza do homem».

I ° Voltaire e os seus seguidores na historiografia racionalista

Se David Hume é, como historiador, ainda uma figura d9 transição do período humanista para o racionalista, Voltaire individualiza completa- mente a historiografia do racionalismo.

Como aqui nos interessam os caracteres da historiografia racionalista que se referem aos mé- todos e processos de investigação e crítica das fontes nada diremos das concepções filosóficas, religiosas e outras e dos modos de ser políticos e sociais dessa fase do historismo moderno.

(i) HQffding, ob. cit., pág. 449.

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Como diz FuETER a historiografia do raciona- lismo foi fundada por Voltaire. Porém, agora, nas obras históricas do autor do Siècle de Louis XIV, não nos interessa a sua filosofia da história, o seu ponto de vista administrativo, ou a impor- tância dada por êle à cultura das belas-artes e das sciências nos Estados, nem a sua esperança na panaceia política do absolutismo esclarecido, nos grandes momentos de crise nacional, nem a apologia do predomínio da burguesia, do terceiro estado laborioso e progressivo, e das classes esclarecidas no governo dos povos, nem a sua neutralidade em questões de natureza internacio- nal, nem a sua imparcialidade em assuntos polí- ticos.

é mais de atender aqui a forma como êle no Siècle nota o encadeamento dos factos e faz o estudo, muito completo, de uma sociedade nas suas diversas actividades : política, financeira, religiosa, artística, etc, e o conhecimento que mostra da organização e funcionamento dos vá- rios serviços do Estado. Mas o que aqui nos importa salientar, principalmente, são os caracte- res do método histórico de Voltaire tanto no que se refere ao estudo das fontes como à sua crí- tica.

Voltaire é em história um objectivo, é mesmo o iniciador da crítica objectiva. Êle procura estar sempre em relq-ção estreita com os documen- tos que se ocupam dos factos que descreve, na impossibiUdade de estar em contacto com os pró

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prios factos. Mas êle não se limitava a colher in- formações, a reunir testemunhos, pois punha um extremo cuidado em estudar, analisar e criticar as fontes a que recorria antes de as utilizar como origem do conhecimento histórico. Tanto o seu Siècle de Louis XIV como o Essai sur les moeurs conteem várias passagens em que êlc, pelo seu trabalho crítico, depois de analizar afirmações feitas pelos historiadores que o antecederam, as emenda e rectifica.

É extraordinária a documentação com que se apetrechou Voltaire para escrever o Siècle de Louis XJV. Informações verbais, leitura de cor- respondências e de memórias, de relatórios, fo- lhetos e panfletos : tudo procurou conhecer, re- fletir, analizar e criticar.

Sabe-se bem que lhe forneceram informações os d'Argenson, Richelieu, Chateauneuf, Vendome La Fare, Caumartini, o abade Servien, a duquesa de Maine, Villeroi, Villars, o marquês de Fenelon, os parentes de Fouquet, de M.'"^ de Maintenon, Bolingbroke, a duquesa de Marlborough, lord Pe- terborough, etc. Percorreu as memórias, ainda inéditas, de Torcy e de Villars, as de Dangeau e de Saint-Simon, e as de Luís XIV que lhe foram patenteadas pelo marechal de Noailles tudo isto além de 200 volumes de memórias impressas, e de manuscritos dos Arquivos do Estado que êle teve à sua disposição como historiógrafo oficial. E deve notar-se que tudo isso era passado a uma fieira mais ou menos apertada, para o tempo, da

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crítica de interpretação, de sinceridade e de exa- tidão (i).

Mas deve tomar-se em conta que se a crítica de Voltaire em história marca enorme avanço sobre a do humanista Bernardo Giustiniani, do século XV, ela apresenta-se ainda muito atrasada no Essai sur les mosurs em relação à de Mommsen por exemplo ao tratar da antiguidade clás- sica.

Contudo, é incontestável que a influência de Voltaire foi enorme na historiografia moderna.

Se David Hume como dissemos foi, tal- vez, menos influenciado do que afirma Ed. Fue- ter pelas concepções historiográficas de Voltaire, o mesmo não se com os historiadores in- gleses WiLLiAM Robertson e GiBBON aquclc muito mais do que este, mas ambos seguidores de Voltaire, cada um à sua maneira.

Efectivamente, Robertson foi um muito fiel adepto do famoso patriarca de Ferney como êle próprio o declara na Introdução à História de Carlos V. Esta obra que é a melhor desse his- toriador escossês apresenta, contudo, diferen- ças salientes das obras históricas de Voltaire.

A famosa Introdução da História de Carlos V é um estudo feito com muito método, poder de coordenação e vista de conjunto da Idade Média desde o período feudal, anárquico e dissolvente.

(i) Vêr GusTAVE Lansom, Histoire de la Littérature Fran- çaise, 8.* ed., pág. 694-699.

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até à constituição das monarquias modernas. O seu ponto de vista geral e cosmopolita que o afasta do particularismo insular de Hume é uma característica da influência de Voltaire, como o é a forma de estudar as manifestações de vida das sociedades, e de encarar a acção civilizadora do clero na Idade Média e nas colónias euro- peias da América.

Edward Gibbon, muito menos que Robertson, também sente a iufluência de Voltaire se bem que fique muito aquém deste na profundeza da crítica, na capacidade de apreensão e vista do conjunto da sociedade romana do período da de- cadência do império. São estes os dois histo- riadores ingleses qtie mais documentam o reflexo do racionalismo francês.

A influência de Voltaire não deixou de chegar à Alemanha, fazendo-se sentir nas obras de Sch- lõzer, menos na História da Alemanha de Schmidt, mais nos trabalhos de história política e eclesiás- tica de Spittler, e muito exteriormente nas obras históricas do memorialista Frederico o Grande(i).

(i) Frederico Ti não é propriamente um historiador, e muito menos um historiador racionalista. Alem de lhe faltar uma vista de conjunto, uma cultura geral e um saber extenso e equilibrado, não poude abstrair o coeficiente pessoal, resultando daí que as suas apreciações e os seus juízos são dogmáticos, peremptórios, incompletos, unilaterais. No ponto de vista do estudo das fontes deixa imenso a desejar, pois como diz Fueter «não escrupu- lisava em alterar os textos das cartas e dos discursos que inseria ou era retocar a seu favor a conta das suas perdas». Também, a sua concepção da história, a forma de a escrever, e a maneira

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2." Montesquíeu e os seus adeptos no racionalismo histórico

Montesquíeu e os seus seguidores como De- LOHNE, Ferguson, Pristley 6 Heerem não nos in- teressam aqui especialmente, pois não se ocupa- ram das fontes históricas e da crítica documental assuntos estes de que principalmente aqui tra- tamos.

Efectivamente, as Considerations sur la gran- deur et la décadence des Romains e o Esprit des Lois, de Montesquíeu, são muito mais obras de filosofia politica que de história. As suas facul- dades especulativas e a ausência de aptidão crí- tica manifestam-se comummente nas suas genera- lizações audaciosas, nas suas sínteses de fantasia : umas vezes sem a menor base documental, ou- tras assentes em testemunhos falsos que êle admi- tia sem reflexão nem a mais pequena tentativa de fiscalização, e porque os escritores clássi- cos ou outros lhos patenteavam.

de julgar os acontecimentos se ressentem dos seus sentimentos pessoais e da sua situação política.

Frederico II, general eminente e monarca absolutista, não po- dia encarar a história no ponto de vista popular ou burguês como o faziam os racionalistas. Mas, se êle exteriormente é um discípulo de Voltaire, e como tal se pode filiar na corrente do racionalismo historiográfico, não dúvida que como memo- rialista e escritor militar é notável.

Os seus livros de Memórias^ a sua História de meu tempo, e a História da guerra dos sete anos, são ainda hoje bons modelos de obras de história política e militar.

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Os seguidores de Montesquieu ocupam-sc, como este, da lilosoíia c da filosofia da história, e Heeren é principalmente conhecido pelas suas obras de história politica e económica, especial- mente de história do comércio dos povos antigos.

Assim, João Luís Delolme escreve a sua Cons- titution de l^Angleterre; Ferguson é o autor do Es- say ou the History of Civil Society, e da History ofthe Progress and Termination ofthe Roman Re- public; J. Priestley publica, em 1768, o Essay of the flrst Principies of Government. Heeren é mais objectivo, mostrando-se, por vezes muito empírico na interpretação dos fenómenos ideais ou manifestações do espírito, como sucede na sua Geschichte der Klassischen Literatiir im Mittelalter, e que vai até ao fim do século xv (i).

3.° Outros historiadores do período racionalista

Quanto a Winckelmann o criador da histó- ria da arte que Fueter inclui na historiografia

(i) Porem, no que respeita à história política e económica de Heeren deixou três obras muito importantes : as Ideas sobre a politica, as relações e o comércio dos povos da antiguidade (dos egípcios aos gregos) e os dois Manuais um de história antiga, e outro de história poh'tica e colonial da Europa moderna.

Nesses três trabalhos o seguidor de Montesquieu e o discípulo de Adam Smith excede muitas vezes os seus modelos, rectificando o exclusivismo moral e político do Esprit des lois, com as con- cepções e teorias económicas do autor famoso das Investigações acerca da natureza e causas da riquesa das nações. 4

Do

racionalista, e que nós prefeririamos considerar como um precursor da escola romântica, o caso é diferente, pois na sua História da arte na antiguidade êle mostra quanto presa e segue a análise das fontes^ e quanto senso critico aplica ao estudo destas (i).

Também Justus Mõser, que Ed. Fueter, para atender à cronologia, coloca entre os escri- tores do período racionalista, é, quanto a nós, um verdadeiro precursor dos historiadores realis- tas contemporâneos pela forma scientiíica como trata os seus assuntos, pelo critério liberal, bur- guês e anti-etatista que mostra, pelo pouco res- ' peito em face das fórmulas e preconceitos, pela inovação no estudo da história social, pelo nexo que estabelece entre os factores económicos e po- líticos no estudo das sociedades, pela subordina- ção da história da cultura à história social, pelo ponto de vista administrativo e constitucional seguido no estudo da história dos povos, etc. Enfim, um dos caracteres mais salientes do mé- todo de estudo de Mõser é a forma objectiva e o método crítico que êle aplicava nas suas inves- tigações.

Referindo-se a tal escreve Fueter :

«Já os Beneditinos e os publicistas imperiais

tinham largamente usado de documentos para

esclarecer e confirmar a história. Mas ninguém

havia, como Mõser, escrito a história pelos docu-

(i) Vêr Fueter, ob. cit.^ pág. 486 e 487.

s

mentos. Foi êle o primeiro historiador para quem tais documentos constituiram outra cousa mais que provas em apoio de uma investigação genealógica e arqueológica, pois eram para êle um pedaço da história viva. Êle soube, apenas com o auxílio deles, reconstruir personalidades e lutas sociais, exactamente, por que não admitia a seu testemunho tão docilmente como os Benedi- tinos costumavam fazer. Ao passo que estes se limitavam a perguntar se tal era ou não autên- tico, MõSER submetia os documentos à crítica interna, sem cair nas leviandades dos Racionalis- tas» (i).

E precisamente a este cuidado e a esta aptidão crítica que Mõser deve o sucesso e a resistência da sua obra.

Outros historiadores nos apresenta o raciona- lismo alemão e suíço, figurando entre os primei- ros o famoso Schiller, muito mais poeta e dra- maturgo que historiador do levantamento dos Países-Baixos e da guerra dos trinta anos ; o sen- timental JoHANNEs Mííller; O famoso Herder bem conhecido pelas suas Ideas sobre a filosofia da história e da humanidade ; o teólogo Eichhorn; e o professor de história Schlosser figura de tran- sição, mais romântico que racionalista.

Da Suíça francesa é de salientar Sismondi

(i) Histoire dela Historiographie Moderne, 19 14, pág. 4^3,

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famigerado autor da História das repúblicas ita- lianas na Idade Média obra sumamente impre- gnada do espirito, e até do estilo^ do Contrato so- cial de J. J. Rousseau. Porém, nenhum desses historiadores se distingue pelo estudo cuidadoso e profundo das fontes liistóricas e pela apUcação da critica às investigações, sendo de apontar, apenas, Muller bibliotecário em Cassei e his- toriógrafo oficial que procurou imitar, na re- colha das fontes, os beneditinos de S. Maur o que fez, porém, confusamente, com pequena cri- tica e bastante parciaUdade nacionalista (i).

(i) A sua História da Suiça é muito mais uma obra apologé- tica que scientífica.

CAPÍTULO III

Alguns trabalhos de erudição e crítica históricas feitos no século XYIII

Continuando o nosso estudo sobre a evolução da erudição e da critica históricas devemos dizer que o século xviii não limita a sua actividade historiográfica aos escritores de síntese que aca- bamos de enumerar ao tratar da escola raciona- lista.

Os trabalhos de erudição, e especialmente os de critica histórica, que na opinião de Ranke, Sybel e NissEN começam a ser feitos seria- mente a partir da Renascença, sobem de impor- tância e de perfeição durante o século xviii (i).

(i) É certo que alguns bibliólogos eminentes sustentam que na antiguidade se praticava e bem a crítica das fontes. Langlois no seu excelente Manuel de Bibliographie Historique afirma que : «a crítica das fontes e de proveniência foram pra- ticadas de uma forma muito brilhante, desde a época dos Ptlo- meus, nas escolas fundadas em volta das célebres bibliotecas de Alexandria e de Pergamo». E depois de falar da grande activi- dade dos gramáticos e filólogos, dos editores e comentadores de textos da Alexandria, apresenta-os como «os precursores e pro-

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Não dúvida que^ como diz Langlois «a critica filosófica foi tão estranha aos homens da Renascença como aos da antiguidade e da Idade Média», mas tal não se no século xvii, e, especialmente, depois do aparecimento do Dis- curso do Método de Descartes.

É certo, também, que o uso e abuso da aptidão sintética na formação das ideas gerais, devido à especulação cartesiana, sacrificou, por vezes, os estudos de detalhe, as investigações minuciosas, a erudição conscienciosa, substituindo tudo isso por conceitos gerais e afirmações vagas e auda- ciosas— o que fazia escrever ao eniinente Huete na sua Hetiana aparecida em 1722 :

ali se forme une cabale d'apedentes, de gens ignares et non lettrés, qui, sentant leur incapacite et ne pourrant se resoudre á une étude assidue, ont cherché un chemin plus court pour se mettre au-dessus de ceux dont la comparaison les ren- dait méprisables; ils ont entrepris de ridiculiser Térudition».

Mas, a penetração do espirito objectivo das

totipos dos eruditos ocidentais do século xvi», e escreve : «Não resta dúvida alguma que os grandes «filólogos» da Antiguidade foram tão hábeis como os melhores humanistas». Também sa- lienta a actividade dos eruditos da Idade Média. Mas tudo isso é relativo aos trabalhos de filologia, porque referindo-se aos da história confessa : «É verdade que os historiógrafos propriamente ditos da Antiguidade e da Idade Média não tomaram, nos. seus trabalhos, as precauções reflectidas que são actualmente de rigor ! Eles operaram instintivamente e por consequência, muito mal ; mas nem to.ios". Vide ob. cit., pág. 243-245.

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sciências de observação, que haviam progredido muito, .no domínio da erudição vieram dar no século xviii um novo impulso ao estudo das fontes históricas e à aplicação dos métodos da critica filosófica e da lógica aos conhecimentos históri- cos.

Os trabalhos de erudição que eram numero- sos no século XVII aumentaram de importância no século XVIII.

Vejamos, muito sumariamente, alguns, segundo os países onde apareceram :

I ." Alemanha. Na Alemanha, depois da guerra dos Trinta anos, e devido ao impulso de Leibniz, começaram a aparecer as colecções de documen- tos a partir dos fins do século xvii e início do sé- culo XVIII.

Efectivamente, em 1693 o eminente filósofo pubhcava o Codex júris gentium diplomaticus ; em 1700 aparecia a colecção da Mantissa docu- mentorum (i); e como historiógrafo da casa de Brunsw^ick-Luneburgo fez grandes investigações nos arquivos e bibliotecas onde colheu os mate- riais para os seus Scriptores rerum brunsvicen- sium, de que publicou três volumes, entre 1 707 e 171 1 obra essa que é uma colecção cheia de informações sobre a Idade Média alemã, a his- tória do Saxe, o governo dos guelfos, etc.

1 Ver acerca da obra de Leibniz: L. Davillé, Leibni^ historien, essai stir Vactivité et la méthode historiques de Leibni^ (1909);^ FuETER, ob. cit.^ pág. 392,

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Nesse mesmo ano de 1700 aparecia de Leibniz as Accessiones historicae, quibiis potissimum conti- nentur scriptores rerum germanicarum, et aliorum hacteniis inediti.

figuram publicados cinco trabalhos históri- cos da Idade Média, sendo o primeiro de um cro- nologista saxão talvez do mosteiro de S. João de Magdeburgo que elaborou uma história desde o nascimento de Cristo até 1188; o se- gundo trabalho é uma crónica de JoÃo Vito, até 1348; o terceiro tem o título de Gesta Treviorum, por ser atribuída ao monge Goschier, de Treves; o quarto é uma crónica atribuída a Helmodus, contra os dinamarqueses ; o último é a Crónica de A Ibérico, monge das três Fontes, que vai desde a criação do mundo até 1241, muito cheia de genealogias e notícias diversas de famílias e casas pouco conhecidas, pelo que foi depois muito utilisada.

Mas não ficou por a actividade de Leibniz, pois ainda elaborou uma colecção a dos Anais do Império do ocidente, de 768 a ioo5, que ficou inédita e incompleta mas que é no dizer de Ch.-V. Langlois «a sua obra prima histórica», sendo mais tarde publicada por G. H. Pertz(i).

Mais tarde os seus discípulos entre quais

(i) Efectivamente, entre 184'^ e 1846 aparecia em Hanover a G. W. Leibnitii Annales imperii Occidentis Brunsvicenses, em três volumes, com uma introdução, na ed. de Pertz. Vêr Pro- ject d'iine édition internationale des oeuvres de Leibni^, artigo do Journal des Savantes, de igoS ; Ch.-V. Langi ois, Manuel de Bi- bliograpliic Hislorique, pág. 3ig.

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figuravam Eckhart publicavam as Origines guelficae; e a influência da publicação de Codex júris, de lôgS, fazia-se sentir no Corps imiversel diplomatique du droit des gens . . . depuis Charle- magne jusqu^à present obra essa de Jean Du- MONT, em oito volumes, que apareceu em Amster- dam de 1726 a lySi, e em outras colecções.

Também, ainda devido ao exemplo de Leibniz aparecia em 1728 o Corpus historicorum medii aepi, de J. G. Eckhart, e de 1721 a 1745 publi- cava-se a colecção dos Scriptores rerum austria- cariim veteres ac gemiini; de 1728 a i83o apare- cia a colecção dos Scriptores rerum germanicarum, praecipue saxonicarum, por J. B. Mencke; em 1763 surgiam os Scriptores rerum. boicarum, por A. F. voN Oefele; em 1772 os Scriptores rerum danicarum medii aevi, de J. Langebek, etc. Em- fim, B. Pez coligia o Thesaurus anecdotorum, que apareceu, em sete volumes, de 1721 a 1729; as Relliquiae manuscriptorum omnis aevi diplomatum ac monumentorum, de J. P. Ludevv^ig, em doze volumes, que aparecia entre 1783 a 1741, etc, etc. (i).

Também em Francfort e Leipzig aparecia em 1699 uma «Brems Introductio a d Historiam sa- crans utriusque Testamentis; ac precipue christia- namy>^ por Frederico Spanheim, numa «edicio fere nona, oranium purgatissima» (2).

(i) Vêr Ch.-V. Langlois, ob. cit.^ pág. 320. (2) Acerca dessa obra vêr Journal des Savants, Paris, 1700, pág.. 236 a 245, 253 a 259, e 261 a 269.

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Entre as principais obras de carácter político e administrativo, e que inserem documentos ou neles se baseam, encontram-se os cinqúoenta vo- lumes de J. J. MosER Teutsches Staatsrecht, de 1737 a 1754; e a obra do mesmo investigador: Staatshistorie Teutschlands unter Karl VII; os onze volumes de Gerstlaeker Handbuch der teutschen Reichsgeseí^e in systematischer Ordnung, 1786 a 1793; os seis volumes de Harpprecht Staatsarchiv des Reichskammergerichts, de 1757 a 1785; os dois volumes das Institutions politiques de BiEFELD, etc. ; o Exame crítico da história se- creta da corte de Berlim, de Trenck ; as obras de ScHLõzER e, mais especialmente, as primeiras de Gatterer; a História da Alemanha, de Schmidt; as Memórias, a História do meu tempo e a Histó- ria da Guerra dos Sete anos, de Frederico II todas escritas e publicadas no decurso do sé- culo xviii ; as obras de Johannes Muller por nós citadas, etc, etc. E não se devem esquecer as dezenas de volumes da História da Academia Real das S ciências e Belas- Letras de Berlim.

Apesar de todas estas e de muitas outras gran- des colecções viu-se logo que a publicação siste- mática dos documentos tinha que ser uma obra colectiva, levada a efeito por uma Academia, por uma sociedade scientifica(i). Por isso Leibniz

(i) A erudição monástica não teve na Alemanha a mesma im- portância e influência desfrutadas em França país católico. Mas na Áustria são de citar as obras saídas dos mosteiros de Melk e de Gõttweih.

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trabalhou no sentido de serem criadas grandes Academias scientííicas, chegando o seu amigo von BoiNEBURG a elaborar, em 1670, o plano de um Colleghim universale eruditoriim in Império Ro- mano, destinado principalmente à elaboração de obras de bisaria.

Mais tarde, outros tentaram a fundação de um Historisches Reichskollegium qp.e não subsistiu^ até que, em 1 700, Leibniz conseguiu do rei Frederico I da Prússia a criação da Sociedade das Sciências que mais tarde, no tempo de Frederico II, em 1744, foi reorganizada e desenvolvida, tornando-se a Academia das Sciências e Belas-Letras da Prús- sia, que ainda nesse século produziu importantes colecções de inéditos sobre a história da Prússia^ a história da Alemanha na Idade Média, etc.

Mas a Alemanha não viu aparecer nesse sé- culo XVIII a Academia prussiana, pois também a Academia das Sciências da Baviera foi fundada em 1759, começando logo a pubhcar uma colec- ção de fontes para a história desse país sob o titulo de Monumenta boiça.

Por sua vez Goetingue viu surgir a sua Aca- demia das Sciências, que, fundada em 1752 e organizada em 1770, projectou logo a elabora- ção de colecções de fontes da Idade Média alemã. Entretanto, ia-se desenvolvendo e aperfeiçoando o ensino universitário alemão, abrangendo os estudos históricos, começando assim a colaborar no progresso da historiografia scientífica.

Além do uso dos documentos, especialmente

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dos manuscritos, na elaboração das obras de his- tória outros e variados eram os usos em que eles eram aproveitados.

Assim, em 1727 e 1728 JoÃo Frederico Schan- NAT publica dois importantes estudos sobre a aba- dia de Fuld : um com o titulo de A Diocese e a hierarquia de Fuld, e outro sobre a Defesa de al- guns Diplomas dos Arquivos da Abadia de Fuld.

Numerosos são os documentos citados e trans- critos— todos tendentes a comprovar a tese do autor, segundo a qual a abadia de Fuld não era uma diocese, não dependendo senão directamente da santa sé.

anteriormente, em 1726, o mesmo autor ha- via publicado um desenvolvido Tratado histórico e jurídico sobre os feudos e vassalos pertencentes à abadia de Fuld, igualmente baseado nos diplomas, escrituras de doação, etc, acerca da referida aba- dia (i).

Pelo que se acaba de vêr deve concluir-se que foi muito importante a obra realizada, no sé- culo xvui, pela Alemanha quanto às sciências de erudição. É certo que muito do trabalho efe- ctuado teve que ser revisto e refeito posterior- mente, mas em história mais do que em outras sciências não obras definitivas, e as elabora- das no século XVIII constituíram étapes essenciais ao progresso histórico.

(i) Vêr Journal des Savants^ Paris, Janeiro de lySo, pág. 12 a 17.

6i

2.° Inglaterra. Foi regularmente importante a obra da erudição realizada no século xviii pela Inglaterra.

Além das colecções que sobre história da igreja ali foram publicadas, figuram em pri- meiro lugar a das Origines sive antiquitates eccle- siasticae de J. Bingham, em lo volumes, aparecida entre 1722 e 1729; os Consilia Magnae Brita- niae et Hiberniae, de Wilkens, aparecidos em Londres, em 1737, sendo muito importante a pu- blicação dos documentos políticos e outros. E certo que essa publicação nem sempre se fez cor- rectamente como sucedeu aos Rerum anglicarum scriptores de W. Fulman, de 1684; aos Historiae britanicae scriptores quindecim, de Th. Gale; às colecções de Hearne, Hall e Spark, ,etc., obras essas que tiveram mais tarde de ser corri- gidas.

Quanto à história política e diplomática são de citar, além dos «Records», de W. Prynne, apa- recidos entre 1666 e 1668, a célebre colecção de documentos diplomáticos dos arquivos da Chan- cery e do Exchequer que começou a aparecer em 1704 com o título: Foedera, conventiones, Litterae et cujusciimque generis Acta publica inter reges Angliae et alias quosuis imperatores, reges, pon- tífices, príncipes, vel communitates, a partir de

I lOI.

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Esta obra elaborada por Tomas Rymer até ao tomo XV, que atinge Julho de 1 586, foi continuada até ao tomo xx, compreendendo os papéis sobre ligas, tratados, alianças, capitulações^ etc, até i654, e que apareceu em lySS (i).

Na segunda metade do século xviii era orde- nada pelo Parlamento inglês a publicação dos velhos «Rolos do Parlamento», com o título : Ro- tuli parlamentorum, iit et petitiones et placita in Parliajnento, da qual apareceram seis volumes.

Também a genealogia^ a heráldica, a história local, a arqueologia e a história administrativa mereceram no século xviii atenções especiais.

Quanto á arqueologia são de citar as obras editadas pela Sociedade dos Antiquários de Lon- dres, que desde 1 747 faz publicar a famosa cole- cção dos Vetusta Monumenta,, e a partir de 1770 fez aparecer a famosa revista Archaeologia.

Acerca da história económica e financeira da Inglaterra é de citar The history and antiquities of

(i) A esta edição seguiram-se mais três. A segunda também em vinte volumes, apareceu em Londres, de 1727 a 1735 ; a ter- ceira, em dez volumes, na Haia, de 1739 a 1745 ; a quarta que é a Record edition é feita em quatro tomos de sete volumes, e foi publicada em Londres entre 1816 e 1869.

Das edições completas a mais correcta é a terceira, conhecida pela Diitch edition.

Para facilitar as investigações, Thomas Duefus publicou entre 1869 e i885 um quadro geral da Colecção estabelecendo a con- cordância entre as quatro edições, é o Sillabus, in english of Rymer's Foedera, em três grandes volumes.

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the Exchequer, a qual foi publicada em duas edi- ções, em 171 1 e 1769.

3.° Itália. Na Itália os trabalhos de erudição brilharam bastante no século xviii, pois o am- biente, as tradições politicas e literárias, as rique- zas documentais dos acquivos, a intensa vida política e a grande importância religiosa tudo se congregava para tornar rica a historiografia no pais dos Apeninos. Se mesmo na Idade Mé- dia foi sempre mais ou menos activa a vida do espirito na Itália, e na Renascença chega a ser grande, enorme o brilho que ali desfrutam as ar- tes e as letras, é no século xviii que aparece um MuRATORi, significativamente designado pelo «padre delia storia critica italiana» (i).

(i) É sabido que se a Reforma bastante contribuiu para estan- car o progresso das letras e das artes, ela foi, pelas questões que suscitou, um importante estímulo para o grande desenvolvimento dos estudos históricos, especialmente dos de história eclesiástica.

Pertence a essa ordem de trabalhos históricos, apologéticos e críticos, por parte do catolicismo, a célebre colecção dos Annã' les Ecclesiastici, de César Baronius, cujo primeiro volume apare- ceu em i588, em resposta à famosa História da Igreja^ em treze volumes, do protestante Mathias Flacius Illyricus.

A obra de Baronius que atinge 1198 foi continuada: por Bzovius e Raynaldi até i565, em mais seis volumes, que aparece- ram entre 1646 e 1677; por Laderchi, até 1571, em três volumes, de 1728 a 1737 í e pelo P. Theiner até iSgo em outros três volu- mes, em i856.

Deve dizer-se que a obra de Baronius gosou de boa fama e teve grande importância através dos séculos xvii e xvnr, apesar das

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A obra de iniciativa e o esforço de propulsão realizados nos estudos históricos por esse arqui- vista e bibliotecário dos duques de Modena fa- zem lembrar muito a acção desenvolvida por Leibniz na Alemanha, conforme espusemos.

O erudito Luís António Muratori antes de ini- ciar as grandes obras de conjunto havia publi- cado, na integra ou em extracto, muitos manus- critos das bibliotecas e arquivos italianos, espe- cialmente da Biblioteca Ambrosiana. Pertence a essa fase da vida de Muratori, e a esse género de obras, as vAnecdota quae ex Ambrosianae Bi- bliothecae Codicibus nunc primuni eruity>.

Muratori que era «in eadem Bibliotheca Am- brosiani CoUegii Doctor», publica no primeiro tomo, aparecido em 1697, quatro poemas de S. Paulino, bispo de Nole, sobre o dia do nasci- mento de S. Félix, encontrados na Biblioteca Ambrosiana que Muratbri acompanha de muitas notas e vinte e duas dissertações com esclareci-

grandes obras de crítica com que responderam os protestantes, sendo das principais a do helenista Isaac Casaubon, Exercitatio- nes in Ba?'omum. Em 1746 aparecia na imprensa de Leonardo Venturini, do Lucas, o xix da nova edição dos Annales, com ob- servações do padre JoÁo Domingos Mansi, o qual dirigiu também a continuação feita por Odorico Reinaldo.

Como diz Langlois, a tradição de Baronius foi continuada em Roma através do século xvn por uma plêiade de eruditos como Lucas Holstenius, Leon Allatius, Ughelli, etc, sendo de citar especialmente a colecção em nove volumes da Itália Sacra, de Ughelli, publicada em Roma entre 1644 e 1662. É depois que aparece Muratorl

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mentos e comentários sobre várias passagens dos poemas(i).

O segundo tomo das Anecdota contêm, entre outros, os seguintes manuscritos : uma profissão de de Bachiarius, pois este tendo nascido numa região suspeita de heresia fora caluniado de heré- tico — o que procura contestar, declarando a sua sobre os pontos de doutrina do catolicismo ; uma História de Milão de JoÃo Cermenate; um manuscrito com uma condenação da heresia dos Maniquêos; um afamado discurso de Eneas Síl- vio PicoLiMiNi quando foi enviado, na qualidade de núncio, por Nicolau V, à Boémia, Moravia e Áustria para restabelecer a reUgião; um catá- logo de relíquias do tempo de S. Gregório, es- crito em papel do Egito; e duas crónicas dos reis de Itália, sendo tais peças acompanhadas de im- portantes notas e comentários de Muratori(2).

MuRATORi não era somente um erudito^ um in- vestigador, era também um pensador, um filo- sofo. Em 1745 aparecia em Venesa a sua obra Delia for^a, delia fantaiia umana, onde êle trata da diferença entre a inteligência e a imaginação, da sede e funções da imaginação criadora «fantazia», da imaginação como manifestação divina, da memória, dos sonhos, do sonambu-

(1) Acerca desse tomo e das notas e comentários de Mukatori ver : Le Journal des Savants^ Paris, de 8 de Junho de 1G99, pág. 261 a 264.

(2) Sobre esse tomo ver : Ibidem^ pág. 265 a 267. 5

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lisQio, loucura, das relações da alma com o corpo, da filosofia moral e cristã, etc, etc.

Como Leibniz, também Muratori aconselhou a formação de uniões, repúblicas ou ligas entre os eruditos para a elaboração das grandes obras que podem ser levadas a efeito por uma acção colectiva. E também êle, como o eminente autor da Monadologia, o exemplo escrevendo obras de erudição, e elaborando importantes colecções como a dos Reriim italicariim scriptores [i), em vinte e sete tomos, de 1728 a lySS (2); os quatro

(1) Esta obra, como o seu título significa, é uma colecção de vários escritores de história da Itália, indo do ano Soo a i5oo.

Uma grande parte dos trabalhos editados por Muratori eram inéditos mas outros haviam sido publicados. Assim, no tomo xx aparece, a abrir, uma História de Siena^ a partir de 1422, por JoÂo Bando de Bartholomaeis, depois continuada, sucessivamente, por Francisco Thomasio e Pedro Rui fio. Seguem-se : o Diário das operações de Jacques Picinini na guerra dos venezianos com Francisco Sforza, duque de Milão Diário esse escrito por PoR- CELLi, poeta e secretário de Afonso I, das Duas Sicílias; a História de Florença por Pogge que fora publicada em italiano, e, depois em 171 5, em latim, por Recanati, acompanhada de uma biografia de Pogge e de eruditas notas; a História de Mântua, até 1464, por Bartolomeu Sacco de Cremona obra dedicada ao cardeal de Gonzaga, e publicada em 1765 por Pedro Lambecius; os Anais de Placência, de António e Alberto Ripalta ; a Vida de Fí' lipe Maria Visconti, publicada em Milão, em 162 "í, por Pedro Cândido Decembri; seguida de uma biografia resumida de Fran- cisco Sforza, 4.» duque de Milão, do mesmo autor. Termina o volume por um discurso do mesmo Pedro Cândido Decembri com a biografia de Nicolau Picinino.

(2) Segundo confessa o próprio Muratori esta e outras das suas obras foram-lhe inspiradas pelos trabalhos históricos de Lei- bniz e pelos Tesouros de Graevius o Thesaurus antiquitatum et

6?

volumes das Antiqiiitates italicae medi aevi, apare- cidos em Milão, de 1788 a 1742, c que são uma colecção de dissertações de história política, lite- rária, e de história da civilização italiana na Idade Média (i). Ainda publicou uma colecção de Annali d" Itália, à maneira dos Anais do Impé- rio de Leibniz (2).

Depois de Muratori é de notar JoÃo Domingos Mansi, arcebispo de Lucques, que reeditou os Annales de Baronius, a História eclesiástica, de Alexandre Nocl, a Vetus et nova Ecclesiae disci- plina^ de Thomassin, as Miscellanea^ de Baluze, etc.

Em 1698 começou a aparecer em Roma uma Collectanea monumentorwn veterum ecclesiae Grae- cae ac Latinae, que haetenus in Bibliotheca Vati- cana delituerunt .

O colector Lourenço Alexandre Zacagni, bi- bliotecário do Vaticano, seguindo o exemplo de LuccAs d'Acheri, da Congregação de S. Mauro que havia amontoado então, em treze tomos, uma grande quantidade de manuscritos, e o de Ma- billon que publicara quatro tomos de Ana-

histcriarum Italiae, e o Thesaurus antiqintatum et historiarum Sardiniae, Corsiae^ etc.

Acerca das influências de Leibniz sobre Muratori ver : Ci- POLLA, Leibni^ e Muratori, Modena^ 1893; Ch. V. Langi.ois, Ma- nuel de Bibliographie Historique^ pág. 827 a 829.

(i) Ver Gh. V. Langlois, oè. c/í., pág. 329.

(2) Segundo informa Langlois, loc. cit., estes Anais foram re- digidos muito apressadamente, estando cheios de inexactidões, pelo que não teem hoje valor algum.

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ledas, do padre Labbe, de Cotellier e Baluze, publicou também uma grande porção de inéditos do Vaticano na citada Collectanea. Começa pelo relato de uma conferência entre o bispo Arque- lao e o chefe dos Maniquêos Manes.

Esse e outros dos manuscritos publicados são acompanhados de muitas notas de Zacagni(i).

Em 1 766 era publicado em Paris o tomo iii do importante Abrégé Chronologique de VHistoire Générale d^Italie, depiiis la chute de 1'Empire Ro- main en Occident . . . jusqu'au Traité d^Aix-la- -Chapelle en i'i48, parM. de S. Marc (2).

Também, o operoso Mansi se entregou à pu- blicação de uma colecção dos Concílios, publi- cando primeiramente um suplemento à edição impressa de Nicolau Coleti, em seis volumes, a partir de 1748, e começando em 1759 a publica- ção de uma Colecção nova a Sacrorum Conci- liorum nova et amplíssima Collectio, que é, segundo diz Langlois, uma reprodução dos Concílios de Coleti. Essa enorme colecção conhecida pela Amplíssima, de Mansi e dos seus continuadores, em trinta e um volumes (3), preenche a segunda me-

(i) Ver artigos bibliográficos in Journal des Savants, Paris, 1699, pág. 2i3 a 221.

(2) Acerca desse tomo que trata da História da Itália durante o domínio de quarto imperadores da casa da Franconia e do imperador Lotário lí, de 1027 a iiSy, ver Journal des Savants, Paris, 1767, pág. 21 a 28.

(3) Essa obra ficou muito incorrecta. Ver o trabalho do P. QuENTiN, J. D. Mansi et les Collections conciliaires, Paris, 1900; Ch, V. Langlois, ob. cit., pág. 33o.

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tade do século xviii, indo de 1759 a 1798, tendo ficado incompleta.

O P. André Galland publicou uma importante colecção patrística aBibliotteca greco-latina ve- terum patrum antiquoriimqiie scriptorum eccle- siasticorum, em catorze volumes, de 1765 a 1781 ; C. CoQUELiNEs editou a muito importante Bul- larum privilegiorum ac diplomatum Romanoriim Pontificum amplissima collectio, em vinte e oito volumes, publicada em Roma, de 1733 a 1756, e que a partir do tomo vi tomou o título de Bulla- riumromantim, sendo depois continuada por Bar- beei e outros.

A primeira metade do século xviii ainda viu aparecer na Itália várias obras mais ou menos importantes de história literária local, como as de Tafuri, sobre a literatura napolitana; as de Arge- LATi, sobre a de Milão; os trabalhos de Baudini so- bre a literatura florentina do «Quattrocento», etc.

Na segunda metade desse século acentuam-se os trabalhos de erudição, tendo aparecido, entre 1769 e 1771, os dois volumes de Mauro Sarti e de Fattorini sobre a história da Universidade de Bolonha, com o titulo De claris archigymnasii Bo- noniensis professoribus a saeculo líll ad saecu- lum XIV historia.

O historiador florentino Lami reuniu uma im- portante colecção de inéditos sobre a história religiosa, a história bizantina e a da Toscana que apareceu em Florença, entre 1736 e 1769, e compreende dezoito volumes. Os bibliotecários

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Assemani publicaram um catálogo de manuscritos do Vaticano e muitos documentos desse e de ou- tros arquivos romanos ; e Bandini tornou conhe- cidos os catálogos de manuscritos da Biblioteca Laurentiana, e muitos manuscritos desse depósito uns na íntegra, outros em extractos, resumos e descrições (i). Na Itália não era a história propriamente dita que era cultivada, mas igual- mente o eram as sciências suas auxiliares como a arqueologia, a epigrafia, etc.

Roma, Verona e outras cidades italianas ti- nham já na primeira metade do século xviii im- portantes museus de arte e arqueologia. Acerca da colecção do museo de Verona aparecia, em 1745, nessa cidade, a obra nDue Dissertaiioni de Giuseppe Bartoli, Nella prima si da noticia dei publico Museo d' Inscri^ioni eretto nuovamente in Verona; e com Fuso delle Osservaiioni, delle Spe- rien:{e in rispetto delia fisica si paragona l\iso deWAntichita figurata e scritta relativamente alia Storia. Nella seconda si dimostra la belle^a d^una greca inédita Tnscri^ione collocata in questo Museo. Essa monografia de 222 páginas é acompanhada de cinco gravuras.

(i) São muito dignos de registo os catálogos de Baudini des- crevendo os manuscritos gregos e latinos da biblioteca Lauren- tiana de Florença; o Catalogus codiciim manuscriptorum graeco- rum, latinorum et italorum Bibliothecae Laurentiana^ Florença, 1764 a 1768, em oito volumes; e a Bibliotheca Leopoldina- Lau- rentiana, sive Catalogus manuscriptorum qui jussu Petri Leopoldi in Laurentianam translati sunt, em três volumes, editado em Flo- rença de 1791 a 1793.

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Porém, uma grande parte das obras apare- cidas na península era consagrada à história ecle- siástica, e às biografias dos mais notáveis padres e doutores da igreja como o Thesaurus Pontificia- riim sacrarumque Antiquitatiim . . . , de Fr. Angelo RoccA Cassierte, em dois volumes, aparecido em 1745; o Thesaurus antiquitatum sacrarum, publi- cado em Venesa, por esse mesmo tempo, e como se diz nos sob-títulos : «contendo as obras escolhidas dos, homens ilustres que trabalharam para esclarecer o que se refere aos costumes, leis, ritos sagrados e civis dos antigos homens» ; as obras de S. Tomás d'Aquino, editadas por José Betinelli, de Venesa, em vinte volumes, sendo a edição dirigida pelo erudito Bernardo Maria de

RUBEIS.

4.° Espanha. Depois de um largo colapso a bibliografia histórica espanhola apresenta-nos, a partir dos fins do século xvii, um despertar pro- metedor seguido de uma grande actividade atra- vés do século xviii, como estão a atestá-lo, logo no inicio desse período, a muito importante obra histórica do marquês de Mondéjar(i); as obras de João Vergara; as dos cronistas aragoneses UsTARROz e Dormer, etc, etc. ; e os monumen-

( I ) Acerca das obras do marquês de Mondéjar vêr : o estudo de Mayans y Siscar que precede a colecção das suas Obras, na edi- ção de Valência de 1744; Rafael Altamira, Historia de Espana y de la civili^^ation espanola^ 1906, tomo iii, pág. 558.

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tais trabalhos bibliográficos de Nicolau Antó- nio (i).

Na primeira metade do século xviii ocorrem no pais visinho três factos que muito contribuíram para o desenvolvimento da literatura histórica ali : a fundação da Biblioteca Nacional de Madrid, em 1 7 1 1 , com o título de Real Livraria^ que sob a direcção de P. Robinet foi aberta ao público em Março de 1712; a criação, em 17 14, da Real Academia Espanhola, devido às diligências do' ilustre marquês de Villena, a qual em 1726 pu- blicava o primeiro tomo do seu grande Dicioná- rio^ e treze anos depois o sexto e último; e o aparecimento da Real Academia de História, em 1738, sob a direcção de Augustin de Montiano y Luyando (2).

Além dessas, e antes delas^ outras causas con- tribuíram para o desenvolvimento da historiogra- fia espanhola no século xviii.

A tendência critica que vinha do século xvii e que foi muito reforçada pela influência dos pro- gressos das sciências matemáticas e da natureza, bem como a nova orientação da filosofia incidi- ram sobre os estudos históricos, levando os eru- ditos ao estudo cada vez mais minucioso das

(1) É NicoLAv António sem contestação o mais notável biblió- grafo hespanhol dos fins do século xvii como o pode julgar quem consultar a sua Bibliotheca hispana nova^ de 16/2, e a Bibliotheca hispana vetus^ de 1696. ^

(2) Vèr Lafuente, Historia de Espana, tomo xiii, pág. SSy a 365.

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fontes directas, à sua destrinça e crítica, à pu- blicação de inéditos, e ao aperfeiçoamento das sciências auxiliares.

Também, as questões e discussões políticas e religiosas constituíram estímulos para os estudos históricos, e^ por tanto, um factor de progresso de tal especialidade scientifica.

Efectivamente, é grande a actividade dos eru- ditos espanhóis durante o reinado de Filipe V.

E certo que até ao fim do século xviii não dei- xam de aparecer historiadores fantasistas e fal- sários como o famoso Flores que não hesitava em forjar diplomas, obras de Santos Padres e crónicas ; um Francisco Xavier Manuel de la HuERTA, que em 1788 publicou uma fantasiosa e absurda História primitiva; Gutièrrez Coronel, autor de uma desdenhada Historia dei origen y soberania dei condado y reino de Castilla (1785); e D. Faustino Borbon que publicou umas des- qualificadas Cartas para ilustrar la historia de la Espana árabe, 1796.

Mas, em contraposição a esses falsificadores de documentos e forj adores de factos, ergue-se uma plêiade ilustre de investigadores, de eruditos, de críticos e de historiadores de síntese. São de citar, em rápido curriculum, o cuidadoso e probo colector Gregório Mayans ; o eminente Masdeu com a sua Historia critica de Espana; o padre ViLLANUNO que editou uma Suma dos Concílios espanhóis ; Valladares que publicou muitos manuscritos inéditos no seu Semanário erudito;

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o padre Escalona que publicou dezenas de iné- ditos na Historia dei Real monasterio de Sahagun. Além destas obras com a reprodução de docu- mentos, e que foram publicadas, que ter em conta muitas outras colecções de inéditos que foram organizadas mas que ficaram manuscritas, como as do padre Burriel, Velasquez, Munoz, JovELLANos, Floranez, Vargas Ponce, etc. co- lecções essas existentes nos arquivos e bibliote- cas do pais vizinho.

Além das publicações de inéditos levadas a efeito no século xviii em Espanha, ainda a con- siderar a reimpressão de obras desconhecidas ou raras como as dos padres de Toledo ; as de IziDORO e Prudêncio, editadas pelo padre Arenal com eruditos prefácios ; asdeVivÊse «elBrocense» por Mayans; as de Ginés de Sepúlveda publi- cadas pela Academia de História sob a direcção do eminente Cerda y Rico ; a Crónica de D. Juan II, que apareceu, em 1779, reimpressa por Mont- FORT ; a colecção de Crónicas dos reis de Espa- nha reeditada sob a direcção dos eruditos Carda, Frei José Miguel, Florez, Llaguno; as obras de Ambrósio Morales, publicadas pelos esforços dos padres Florez e Cifuentes, e de Cano, etc.

Quanto às obras históricas de síntese foi tam- bém muito importante a produtividade espanhola no século xviiL

Assim, Ferreras escreve uma História geral da Espanha, que foi logo traduzida em francês; o

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frade trinitário Minana continuava a história geral do padre Mariana, desde Fernando «o católico», até à morte de Filipe II e princípios do reinado de Filipe III, e publicava ainda uma História da entrada do exército austríaco e seus auxiliares em Valência; Munoz escreve o primeiro tomo da Historia dei Nuej^o Mundo; Campomanes publicou a Antiguidade marítima de Cartago, e as Disser- tações Históricas acerca dos Templários ; o frade franciscano descalço Fr. Nicolau de Jesus Be- LANDO publicou, com o título de História civil de Espana, um relato dos acontecimentos internos e externos do reinado de Felipe V até 1732, etc.

Também, o marquês de S. Felipe escreveu, com o título Comentários da Guerra de Espanha, as memórias militares, políticas, eclesiásticas e ci- vis dos primeiros vinte e cinco anos do reinado de Filipe V; e o famoso marquês de Mondéjar escreveu as suas célebres obras : Discursos His- tóricos, Advertências à História de Mariana, Noti- cia e Juí^o dos principais escritores da história de Espanha, Memórias históricas de Afonso Nobre e de Afonso o Sábio, etc. Mas, é principalmente no que respeita à história eclesiástica que é impor- tante, neste século, a bibliografia espanhola.

ao findar o século xvii nos aparecia o car- deal d'Aguirre com a sua Colecção nacional de Concílios a Colectio máxima Conciliorum His- paniae; e no decorrer do seguinte figura a do pro- fessor de teologia de Alcalá, Fr. Henrique Florez a famosa La Espana Sagrada, ó teatro geo-

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grafico-historico de la Iglesia de Espana, e conti- nuada a partir do tomo xxx, de 1775, pelo padre Manuel Risco, etc.

Nas outras especialidades históricas são de ci- tar as Antiguedades de Espana, de D. Francisco DE Berganza, em dois volumes, aparecidas entre 1 7 1 9 e 1 72 1 ; e a Coleccion de las crónicas y me- morias de los reys de Castilla, em sete volumes ( i).

As sciências auxiliares tiveram como cultores dignos de nota : o padre Terreros, que escreveu uma Paleografia Espanola; o paleógrafo Velas- QUEZ, que se dedicou ao estudo da escrita ibérica; os arqueólogos Lumiares e Pérez de Sarrió que publicaram vários trabalhos; Martinez Sala- franca^ que publicou as Memorias eruditas para la critica de Artes y Ciências.

E quanto à metódica e critica históricas devem recordar-se os prólogos, introduções e comentá- rios que aparecem no Aparato á la historia eclesiás- tica de Aragon, do padre Traggia ; nas Memorias para la historia de la poesia, do padre Sarmiento; na Espana Sagrada, do padre Florez ; na muito importante obra do padre jesuita Andrés Da origem, progressos e estado actual de toda a litera- tura. E não devem deixar de ser invocadas a Crisis de critices arte, do padre Miguel de S. José

(1) Sobre outras obras publicadas no século xvni, no reinado de Carlos III, de 1738 a 1788 ver o tomo iv da Historia General de Espana. Reinado de Carlos III, por D. Manuel Danvilla y Col- LADO. Ver também Menendez y Pelayo, La Ciência Espanola, tômo III ; Rafael Altamira, ob. cit.

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(1745); as Dolências de la critica, do padre Co- DORNiu (1760); o Norte critico, do padre Segura (1733); as Reflexiones sobre el modo de escribir la Historia de Espana^ de Forner; a Historia critica de Espana y de la cultura espanola^ etc, etc.

Na bibliografia são de citar as Bibliotecas vetus e nopa de Nicolau António ; a Biblioteca espanola, de Rodriguez de Castro; a dos escrito- res aragoneses, de Latassa ; as valencianas, de Ro- driguez Y J1MEN0 ; a Biblioteca dos escritores do rei- nado de Carlos Hl, por Sempere ; a Bibliografia critica sacra e profana, do padre Miguel de San José; as bibliografias dos jesuítas de Prat, de Saba, etc, etc. (i).

A história de Espanha foi objecto de vários estudos directos por parte de estrangeiros, ou de resumos e colecções de obras de autores espa- nhóis como a Relation historique, et galante de rinvasion de VEspagne par les Maures, tirée des plus célebres Auteurs de VHistoire de Espagne, aparecida na Haya em 1699, Trata-se de uma obra de pura ficção, cheia de lendas e inven- ções (2).

Em 1734 apareciam os três volumes da His- toire des Revolutions d^Espagne, depuis la destrii- ction de VEmpire des Goths jusqu'à Ventiere et parfaite rèunion des Royaumes de Castilla et d'A-

(i) Ver a magnífica obra de D. Rafael Altamira, História de Espana y de la Civili^acion espanola, 191 1, tomo iv, pág. 370 a 379.

(2) Vêr Journal des Savants, 1700, pág. 319 a 332, e 335 a 341.

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ragon en une seule marchée. Esta obra devida ao padre José d'OrleÃs, da Companhia de Jesus, foi publicada em Paris.

Essa obra teve como seguimento outras do padre Arthuys(i).

5.° França. Se deixamos a França para o fim da nossa rápida súmula sobre a historiografia do século XVIII, é porque somos obrigados, pela im- portância do assunto, a determo-nos aqui.

Como diz Langlois, a França foi nesse período o principal centro dos estudos históricos domundo^ o maior foco de irradiação de exemplos, métodos e processos de investigação e de elaboração his- tóricas, e que em Portugal foram acolhidos e ob- servados— como adiante se verá-.

no século xvii foi muito importante a acti- vidade historiográfica francesa logo a seguir à morte de Scaliger, e com os descendentes de PiERRE PiTHOu como os Du Chesne (2), os Du PUY,

(i) Ver sobre esta obra Journal des Savants, Paris, 1735, pág. 101 a 107, etc.

(2) A André du Chesne deve -se uma colecção de fontes de história da Normandia os Historiae Normannorum scriptores antiqui; e começou a publicação de uma outra colecção sobre his- tória da França desde as origens até Henrique ; os Historiae Francorum scriptores..., de que sairam durante a sua vida os pri- meiros dois volumes, e mais três publicados pelo filho François

DUCHESNE.

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os GoDEFROY, OS padrcs Petau e Sirmond, Nicolau Fabri de Peiresc, etc. (i).

E não é a erudição histórica propriamente dita que apresenta cultores, também a história eclesiástica, e a exegese e a crítica bíblicas figuram em grande destaque na bibliografia scientífica do século XVIII em França, devido, entre outras cau- sas, às controvérsias dos católicos e protestantes no tempo de Luís XIV.

Assim, Richard Simon dedicou-se, com uma grande erudição filológica, à critica dos textos bíblicos, tendo publicado primeiramente a impor- tante Histoire critique du Vieux Testament, em 1678 que tem em vista fazer, além de uma his- tória dos Israelitas baseada nos textos bíblicos, uma classificação crítica e um pequeno estudo analítico das versões dos Setenta, de S. Jerónimo, etc. Depois, publicou uma história crítica do Novo Testamento dividida em três partes : His- toire critique du texte du Nouveau Testament ; a Histoire critique des versions du Nouveau Testa- ment; e a Histoire critique des commentaires du Nouveau Testament {2).

( 1 ) Peiresc é um dos homens a quem a erudição francesa do século XVII mais deve. A sua famosa Correspondance, que tem sido publicada na Colectioii des Documents inédits, forma uma das mais importantes fontes para o conhecimento da erudição fran- cesa desse tempo.

(2) Acerca da forma como os importantes trabalhos de Ri- chard Simon foram recebidos quer pela crítica protestante especialmente pelos chamados Teólogos da Holanda : os Vossius, Spanheim, Jurieu, Colomiés, etc. e sobre as enormes persegui-

8o

Apesar das lutas e perseguições de que foi ob- jecto por parte dos protestantes, e, principalmente, dos católicos, ainda publicou outros estudos sobre o Novo Testamento que ficaram notáveis.

São também de citar, no século xvii, a obra de AuBERTiN a Eiicharistie de Vancienne Èglise ; e a Perpétuité de la foi touchant FEiícharistie, de Ar- MAND e NicoLE, além de outras obras dos teólo- gos de Port-Royal, e que ficaram afamadas como os Préjugés legitimes, o Traité de V Unité de rÉ- glise, etc. (i).

A história eclesiástica ocupa várias obras, sendo uma das mais importantes as Memoires pour servir a Vhistoire eclesiastique des six premiers síècles.

Quando se chega ao inicio do século xviii es-

coes de que foi vítima por parte dos próprios católicos seus par- tidários, em que agiu muito antipáticamente Bossuet, até à expul- são de SiMON da Congregação do Oratório, ver: Gh. V. Langi.ois Manuel de Bibliographie Historique, pág. 282 a 287.

É de justiça dizer que o Oratoriano Richard Simon teve como precursor o padre Denis Petau, jesuita, que escreveu a Theolo- gia dogmata^ em cinco volumes, e que apareceu entre 16440 i65o.

Mas o padre Petau é inferior em erudição a Simon, se bem que até certo ponto suprisse tal falta com uma extraordinária intui- ção histórica.

(i) Nesta súmula, apesar de rápida, não devem ser esquecidos a Bibliotheca veterum patrum do padre Fronton duDuc, de 1624; as obras de Jacques Sirmond, especialmente os Concilia Antiqua Galliae, até ao século x, em três volumes ; os importantes traba- lhos do padre Filipe Labbe como a colecção By^antinae historiae scriptores varii cuja introdução, muito apreciada, é obra sua, e os Sacrosanta concilia colecção publicada mais tarde pelo padre CossART, em dezoito volumes, em 1671 e 1672, e ainda agora apreciada pelos eruditos.

8i

tavam publicados seis tomos desta obra. O to- mo VI compreendendo a história dos donatistas até o episcopado de Santo Agostinho, a dos aria- nos até o reinado de Teodósio o Grande, a do Concilio de Nicêa, etc. ; o tomo vii que abrange o período de 828 a SyS é obra de Nain de Tél- LEMONT (1).

São também de citar : a Histoire de tous les cardinaux françois de naissance, ou qui ont été promiis au Cardinalate . .., por François du Chesne fils d' André . . . historiographe de France obra essa aparecida em 1699(2); a Histoire de s Con- ciles Generaux assemblés reunis en Orient et Oci- dent, depuis le temps des Apôtres jusquau Concile de Trent, em dois tomos, aparecida em 1699(3); a Histoire des Chanoines ou recherches historiques critiques sur Vordre canonique, 1699(4); UHis- toire ou les antiquités de 1'etat monastique et reli- gieux, ou Von traite de rinstitut et des maximes de ceiíx qui ont fait anciennement profession de la pie religieuse dans le christianisme (5) ; a Histoire de VEglise depuis J. C. jusqu^à présent, por Bosnage, 1699(6); a Histoire eclesiastique, pour servir de continuation à celle de M. VAbbe Fleury.

(i) Ver Journal des Savants^ Paris, 1699, pág. 289 a 296; 1700, pág. 270.

(2) Idem, 1699, P^S- ^22 a 324.

(3) Ver notícias bibliográficas in Journal des Savants, Paris, 1699, pág. 354 a 359, e 36i a 367.

(4) Idem, 473 a 479.

(5) Idem, pág. 481 a 486.

(6) Idem, 434 e 435. 6

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Esta obra monumental, com muito mais de trinta volumes, é um dos maiores repositój-ios de informações que o século xviii legou à posteridade acerca da evolução da igreja e do culto cristão (i).

ainda a considerar neste ramo scientiíico as seguintes obras : Histoire de VEglise Gallicane obra importante que teve bastantes colabora- dores como os padres Pedro Cláudio Fontenay, Pedro Brumoy, Guilherme Berthier, etc. (2) ; a His- toire de la reception dii Concite de Trente dans les differents Etats catholiques ; e a Dissertation His- toriqiie et critique touchant Fétat de 1'immunité ecle- siastique, sous les empereiíres romains{2>).

Quando se chega ao século xviii a erudição bí- blica e eclesiástica decai extraordinariamente, o que faz dizer a Langlois : «O século xviii o mais irreligioso dos quatro últimos séculos, foi tam- bém o mais estéril em investigações originais so- bre história do cristianismo «^(4).

(i) A respeito dos tomos xxxiii a xxxv, que compreendem os anos de i562 a 1569 ver Journal des Savants de 1735, Janeiro, Fe- vereiro, etc. O tomo XXXV é muito importante por tratar do Con- cílio de Trento e dos reflexos deste nos diversos países católicos, dando uma notícia mais ou menos desenvolvida da vida dos car- deais e dos escritores religiosos e profanos falecidos nos anos abrangidos pelo volume.

(2) Ver Journal des Savants, 1746, pág. 376, 602, etc.

(3) Idem, 1767, pág. 3,

(4) Apesar de tal decadência não se deve esquecer que no iní- cio desse século aparece a Collectio regia máxima conciliorum^ em 171 5, com doze volumes, se continua a importante se bem que desigual colecção das Acta Sanctorum, e se publicam as obras da congregação de S. Mauro, entre as quais : o De antiquis ecclesiae ritibus, em três volumes, de Dom Martin ; as Epistolae

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Em compensação, no século xviii a história política, literária, geral e local, as sciências auxi- liares e subsidiárias da história, as colecções do- cumentais — tudo isso apresenta em França um grande progresso.

Foi enorme o avanço no ramo das sciências auxiliares da história. Mabillon funda a diplo- mática publicando em 1 704 a De re diplomática de que falamos(i); D. Bernard de Montfau- CON publica em 1708 a sua Palaeogi^afta graeca; os eruditos Tassin e Toustain publicam, de 1750 a 1765, o Nouveau Traité de Diplomatique, em seis volumes; e publica-se a famigerada Art de vérifier les dates, da qual apareceram, no decurso

Romanorum Pontificum de que saiu o volume elaborado por Dom PiERRE CusTANT ; a continuação dos Acta Sanctorum Ordi- nis Sancti Benedicti; a colecção dos Anna'es Ordinis Sancti Be- nedicti ad annum MCLVII, em seis volumes, a refundição da Gal- lia Christiana, etc.

Acerca das obras e escritores da Companhia de Jesus ver: A. Backer, Bibliotèque des écrivains de la Compagnie de Jesus; Som- MERvoGEL, BibUotèque de la Compagnie de Jesus.

(,i) Em 1704 apareceu, efectivamente, o in-fiol. de Mabillon, Librorum de re diplomática supplementum. No ano anterior, em 1703, aparecia uma refutação ao De re diplomática de Maéillonj assinada pelo padre Germon, De veteribus regum Francorum di- plomatibus at arte secernendi antiqua diplomata a falsis ad r. p. J. Mabillonium disceptatio.

Apesar do Beneditino Mabillon nada responder à refutação do padre Cermon, os jesuitas pela boca deste voltaram à carga apare- cendo em 1706 a segunda tese De veteribus regum Francorum diplomatibus disceptatio.

Acerca de Mabillon, das questões entre os jesuitas e os be- neditinos, e da nova «bella diplomática» ver Gíry, Manuel de Di- plomatique, 1894, pág. 62 e seg.

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do século XVIII, três edições em cinco volu- mes (i).

(i) A Art de vérifier les dates, não é a maior obra de cro- nologia produzida no seu tempo, mas como diz um dos seus crí- ticos é : «o mais belo monumento de erudição do século xviii».

os beneditinos de S. Mauro se haviam celebrizado por ou- tros importantes trabalhos históricos, quando D. Maurice d'An- TiNE propôs o plano de uma obra fundamental de cronologia para a qual tinha muitos elementos coligidos ao ocupar-se da nova edição do Glossário de Du Cange.

Preparado o original começou a impressão da obra, havendo d'Antine morrido depois de impressa a tábua cronológica, o ca- lendário perpétuo, o catálogo dos santos, e a enumeração dos concílios. Foi a obra continuada pelo maurista D. Clement, tendo aparecido, em ijSo, a primeira edição em um volume.

Em 1770 o mesmo D. Clement fazia aparecer a segunda edi- ção, também em um volume, sob o plano da primeira, mas com vários melhoramentos.

Apesar do excelente acolhimento que desfrutou a obra, não parou o entusiasmo e o zelo de D. Clement para aperfeiçoar a Art.

Antes, trabalhou com crescente dedicação durante treze anos. e em 1783 a Congregação de S. Maur publicava o primeiro volume da terceira edição, extraordinariamente ampliada; em 1784 apa- recia o segundo e em 1787 surgia o terceiro e último tomo, sendo em 1792 publicados os índices.

D. Clement, eleito membro da Academia das Inscrições, ainda tentou fazer mais uma nova edição para a qual continuou a reco- lher material, mas a Revolução Francesa veio temporariamente impedir tal desígnio pela extinção da ordem de S. Maur. Foi o genealogista Viton de Saint Alain que, com os apontamentos le- gados por D. Clemont então falecido quem publicou a quarta ediçãa- em dezoito volumes in-8.°, ou cinco volumes in-4.'», ^m 1818 e 1819. Deve notar-se que esta edição é menos perfeita que as duas anteriores.

Acerca da contribuição de D. Maur-François d'Antine na pri- meira edição desta obra consultar o Prefácio da segunda edição, de 1770, pág. VIU a XI, e o antelóquio do tomo i da terceira edi- ção.

Acerca das críticas de que a obra foi objecto, e da defesa da

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nos temos referido neste trabalho às obras de D. Bernardo Montfaucon e a outra vamos agora aludir: Les Monumens de la Monarchie Françoise, que começou a aparecer em Paris, em 1729, e onde êle utiliza largamente, como fontes, monumentos de toda a natureza dos quais obteve conhecimento.

O profundo erudito destina toda a primeira parte da obna a descrever a forma da aclamação dos primeiros reis de França, e os simbolos e vá- rias figurações que eles usavam como o nimbo ou circulo luminoso, as coroas, a flor de liz, o trono, o sceptro, a mão de justiça e os trajos reais.

Esses estudos eram acompanhados de «les figures como diz no titulo da obra de cha- que regne que Tinjure des tems a épargné».

Efectivamente^ nessa obra sucedem-se estam- pas com reproduções de monumentos, igrejas, estátuas, figuras de capiteis e de tímpanos, de túmulos, baixos relevos, de iluminados, tapeça- rias, vitrais, pedras gravadas, selos, moedas, me- dalhas, manuscritos, etc. (i).

i4rí, vêr : o Prefácio do tomo i da terceira edição de 1773, pág. xvii e seguintes ; e o Avertissement a abrir o tomo 11 da terceira edição de 1714. Sobre a forma como foi elaborada a obra e as fontes es- tudadas vêr os citados Preface e Avertissement.

(1) Também a crítica interna e externa dos textos teve no século xvin, especialmente na segunda metade, alguns cultores, originando diversas obras, tais como os Elemens de critique, ou recherches des différentes causes de L'altération des textus latins*

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, Também, em 1729 aparecia o segundo volume das Ordonnances des róis de France, desde as or- denações de Filipe Valois até 1 355. Essa obra iniciada por Lauriere e continuada por Denis- Fbançois Secousse, era toda baseada em docu- mentos inéditos.

São também de referir as seguintes obras que não obstante o seu caracter geral, se fundamen- taram em investigações originais : o Dictionnaire géographique, historique et politique des Gaulês et de la France, pelo abade Expilly; o Tableau de VHistoire de France, depuis le commencement de la Monar chie jus qu'à làfin du régne de Louis XIV [ i ) ; Histoire ^e France, depuis létablissement de la Monarchie, jusqu'au régne de Louis XIV, com dezoito tomos até 17Õ7, começada por Villaret e acabada por Garnier, obra cheia de erudição

avec les moyens d'en rendre la leclure plus facile, pelo abade

MOREL.

Essa obra apreciada em 1766 contêm bastantes exemplos e re- gras para a depuração dos textos latinos alterados pelos copistas e explica as causas dessas alterações pela_: semelhança das letras; o abuso das abreviaturas; a ignorância dos copistas; a pouca atenção e zelo destes, suprimindo, alterando e transpondo letras e palavras por lapso ou para pouparem esforço; a confusão de palavras homofonas feita pelos copistas que escreveram lob di- tado ; a falta de pontuação ou a distribuição desta ; e a incor- poração no texto das notas marginais.

(1) Como se diz nos subtítulos esta obra expõe «le caractere et les actions principales de chaque roi ; les événemens les plus intéressans de son régne ; les hommes célebres, soit dans la paix, soit dans la guerre ; les progrès des sciences et des arts, et les changemens arrivés dans les moeurs, dans les différens ages de la Mona'chic'. Esta obra em dois volumes apareceu em 1766.

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e engenho dos seus autores, muito brilhante e muito seguida no seu tempo (i); o Recuei! des historiens des Gaulês et de la France, etc, etc.

Ainda quanto às sciências auxiliares e à histó- ria administrativa é de notar a Histoire des Chan- celiers et Gardes des Sceaux de France^ distingue:^ par les Regues de nos Monarques depuis Clóvis premier Roy Chretien, jusques à Louis le Grand XIV. . . Enrichie de leurs Armes ^ Blasons, et Ge- nealogíes.

Essa obra elaborada por Francisco Duchene, filho do afamado erudito André du Chene, foi no seu tempo bem recebida, e prestou úteis serviços aos investigadores e genealogistas (2).

Em 176D aparecia a obra de Gautier de Si- bert em quatro volumes Variations de la mo- nar chie f rançais e dans son gouvernement politique, civil et militaire.

Essa obra como diz um dos seus sub-titulos é uma «história do Governo de França desde Clóvis até à morte de Luís XIV, dividida em nove épocas», sendo pois uma verdadeira história po- litica e administrativa francesa (3).

Em 1766 aparecia em França uma obra em dois volumes tendente a mostrar as relações entre

(i) Ver: Journal des Savants, Paris, 1767, pág. 211a 222.

(2) Idem, Paris, 25 de Maio de 1699.

(3) Idern^ ^7^7 1 pág. 46-

o direito consuetudinário usado, nos séculos ix e X, em França e Inglaterra. Essa obra da au- toria de David Houart, intitulava-se Anciennes loix des français conservées dans les coiitumes an- glaises recueillies par Littleton, tinha em vista provar a semelhança das disposições de tal di- reito em uso na Normandia e em toda a França durante as duas primeiras raças dos reis deste pais.

E digno de nota o Abrégé du commentaire ge- neral de toutes les coutumes et des aiitres lois mu- nicipales en usage dans les differ entes provinces du Royaume, em dois volumes, por Jacquet ; Traíté Historique des droits du Souverain en France, et principalement des droits utiles et domaniaux à com- mencer à Vétablissement de la Monarchie, em dois volumes.

Também, entre lySS e 1766 se fizeram reim- pressões, com muitos aditamentos, do Glossarium ad scriptores mediae et infimae latinitatis, de Du Gange.(i).

(i) É muito notável a obra empreencida por Du Cange na geografia, na história, na cronologia, diplomática, paleografia, nu- mismática e heráldica. Os seus dez volumes da geografia histó- rica da França obra cheia de informações e de bibliografia ; o plano e início da colecção dos historiadores da França, com o seu prefácio latino e importante carta genealógica tios reis de França; as numerosíssimas dissertações acerca das Gálias antes eno tempo dos romanos e da França durante os reis das três raças, sobre os usos e costumes, e a respeito das cruzadas, da história de Jerusa- lém, de Chipre, da Síria e da América ; genealogias das famílias normandas ; muitas memórias sobre a nobreza de Inglaterra, e as

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Quanto aos trabalhos sobre a história política e literária da França deve dizer-se desde que é rica a bibliografia francesa. A obra de André DU Chesne de que falamos foi continuada no século XVIII, depois de várias tentativas, por D. Martin Bouquet^ bibliotecário de Saint-Ger- main-des-Près, tendo este feito publicar, de 1787 a 1752 uma colecção dos historiadores das Gá- lias e da França os Rerum gallicarum et fran- cicariim scriptores, tendo a obra sido continuada por outros beneditinos como Dom Brial que re- digiu os tomos xii a xviii, ficando depois a conti- nuação dessa colecção a cargo da Academia das Inscrições.

De história da literatura francesa o século xviii viu aparecer os doze volumes da importante His~ toire literaire de la France, de 1733 a i763, que chegam aos meiados do século xii obra essa mais tarde continuada pela Academia das Inscri- ções (i).

famílias germânicas ; o seu famoso nobiliário ; as edições de Ville- Hardouin e da História de S. Luís, de Joinville; o monumental Glossário latino citado; o Glossário grego; a História de Constantinopla ; o Ensaio histórico sobre a cabeça de S. João Ba- ptista: tudo faz de Carlos du Fresne senhor Du Cange o mais eminente erudito do século xvii.

Acerca das obras ver a Memoire Historique pour servir à l'e- loge de Charles Dufresne sieur Du Cange^ et à 1'intelligence du plan general de ses eludes sur 1'Histoire de France, 1766, 40 pág.; e sobre as várias edições do Glossarium de Du Cange, ver : A. GiRY, ob. cit., pág. 60.

(i) O título dessa história é, por si. um verdadeiro sumário da obra. Como ali se diz, nela «on traité de Torigine et du pro-

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A literatura dramática francesa foi objecto de uma desenvolvida obra mútulaáa :Histoire du Theatre François, depuis son origine jusqu^à pre- sente avec la Vie des plus célebres Poetes dramati- ques (i). O tomo vi, aparecido em 1746, trata de um dos períodos áureos do teatro francês, de i63g a 1645, com as tragédias de Corneille, as do pródigo La Serre, a comédia Clarisse de Ro- TRou^ o Jodelet de Scarron, etc, etc. (2).

grès, de la décadence et du"rétablissement des sciences parmi les Gaulois et parmi les François; du goút et du génie des uns et des autres pour les Lettres en chaque siècle ; de leurs anciennes Eco- les ; de rétablissement des Universités en France ; des principaux CoUéges ; des Académies des Sciences et Belles-Lettres ; des meil- leurs Bibliothéques anciennes et modernes ; des plus célebres Im- primeries, et de tout ce qui a un rapport particulier à la Littera- ture: avec les Eloges historiques des Gaulois et des François qui s'y sont fait quelque rèputation; le Catalogue et la Ghronologie de leurs Ecrits ; des Remarques historiques et critiques sur les principaux Ouvrages ; le dénombrement des diíFérentes Editions; le tout justifié par les citations des Auteurs originaux». E ac- crescenta, quanto à autoria : «Par des Religieux Bénédictins de la Congrégation de saint Maur».

Dessa obra'há tomos de valor desigual: uns melhores que ou- tros. Entre os mais sólidos é de distinguir o tomo vii aparecido em 1746, com 102 -f- 688 pág.

A desenvolvida Introdução com que abre ocupa-se de dois pontos muito importantes da história da língua e da gramática francesas : um sobre o latim bárbaro e popular como língua dos gauleses, desde a conquista romana de César; o outro acerca da diferenciação da língua francesa antes do meiado do século xii.

Ver Journal des Savants^ colecção, e, especialmente, i746> pág. 329.

(i) Esta obra teve como antecedente a obra mais elementar e simples, aparecida em lySS, La Bibliothéque des Theatres. Acerca do primeiro volume da História^ ver o Journal des Savanis, Paris, 1735, pág. 68.

(2) Como se sabe, o ano de lôBg é aquele em que aparecem

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Também, a história das sciências foi em França, desde longa data, objecto de in;vestigaçóes e de obras importantes. Entre estas deve colocar-se em primeiro lugar a famosa Histoire de VAcade- mie Royal des Sciences, dividida em duas partes : uma destinada à História^ e outra às Memó- rias [\).

Em 1700 aparecia a Histoire de VAcademie Française, por Pellison, descrevendo a vida da Academia desde a criação de Richelieu e os obs- táculos que ela encontrou nos primeiros dois anos de existência, a critica e sátiras de que fo- ram alvo os primeiros vogais como as do abade S. Germain de Morgues a que respondeu Chate- LET, a questão do Cid de Corneille no seio da Academia, os primeiros trabalhos para a elabo- ração do Dicionário desde os estudos de Vauge- LAS e Chapelain, etc, etc.

Também, a história local da França teve im- portantes cultores entre os beneditinos, sendo de especializar a Histoire de la ville de Paris, de Dom FÉLiBiEN, em cinco volumes ; a Histoire générale de Languedoc, por Dom Vaissete e Dom Devic, em

o Horácio e a Cinna de Corneille, o de 1640 é o da tragédia Polyeucte; ode 1642 é da comédia Le Menteur. Em 1644 aparece a Rodogiine^ e em 1645 a Théodore que foi um insucesso, não devido à ideia do autor como este supunha de haver posto em scena criaturas e scenas pouco morais, mas por causa da friesa e inexpressão dos caracteres como diz o crítico do Jour- nal des Savants, 1746, pág. 414.

(i) Ver colecção do Journal des Savants, com as notícias bi- bliográficas anuais.

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cinco volumes, que apareceu entre lySoe 1745(1); a Histoire générale et particiilière de BourgognCj em quatro volumes, de Dom Plancher; a His- toire de Bretagne, por Dom Taillandier e Dom MoRiCE, em dois volumes, aparecida entre 17 5o e 1756, além de muitas outras: umas que ficaram por terminar, outras que não passaram de iné- ditas, como as que tratavam da Picardia, Tou- RAiNE, PoiTOU, etc, algumas das quais se encon- tram ainda manuscritas na Biblioteca Nacional de Paris.

São ainda de citar os dois volumes das Me- moires concernant Vhistoire ecclésiastique et civile d^Auxerre, 1743, do abade Lebeuf; a Histoire de la Ville de Paris ^ em quinze volumes, 1754 e 1755 pelo mesmo autor; a História de Nimes, por Me- NARD, etc; os dois volumes aparecidos em 1766,

(i) Essa obra, redigida pelos beneditinos de S. Mauro, é como diz o seu título completo acompanhada de «note, et pièces justificatives ; composée sur les auteurs et les titres origi- naux, et enrichie de divers monumens». Foi, para o seu tempo, uma obra muito importante, mesmo modelar.

No tomo IV a notar um bom estudo sobre a Inquisição no Languedoc, a partir do livro 27; com notícias dos interrogatórios mandados fazer pelo bispo de Alby, Bernardo de Castanet, de 1285 a i3oo, aos heréticos e crentes na Valdência, expondo D. Vais- sette em que consistia esta seita, descrevendo as ceremónias da hereticação, as penas impostas aos crentes, etc. Fala dos con- flitos com a Inquisição, devido às violências desta, por parte das populações de Carcassonne, Toulouse e Alby, e das perseguições aos judeus, etc.

Acerca desta obra ver: Journal des Savants, de Fevereiro, Março, Abril e Maio de lySS, e de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e Maio e Setembro de 1746.

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das Nouvelles recherches sur la France ou Reciieil de Mémoires Historiques sur quelques provinces, villes, et bourgs du royaume(i); a Memoire et con- sultations pour servir à VHistoire de VAbbaye de Château Châlon, por Le Riche, inspector geral dos próprios nacionais de Franco-Gondado, apa- recida em 1767; o conhecido Tableau de France, contenant la description historique de ses provinces, gouvernemens et généralités . . .,les vílles, les bourgs et châteaux qu^elles renferment, etc. ; o Abrégéchro- nologique de rhistoire de Lion, contenant les évé- nements historiques de cette Ville, depuis safonda- tion par les romainsjusqu'à nos jours . . , por Pou- LiN DE Lumina; a Histoire du Conte de Ponthieu, de Montueril, et de la ville d^Abville sa capitale, em dois volumes, aparecida em 1767.

E não foi a arqueologia e a história politica locais que se tornaram objecto de importantes obras; também, especialmente, desde o século xvii, a história regional tem representantes na biblio- grafia francesa, como se pode vêr na Historiae Normannorum scriptores antiqui, editada por An- dré DU Chesne de que ja falamos.

Além de toda essa enorme obra são ainda de especializar as colecções de inéditos publicados quási na íntegra dos seus núcleos quer selec- cionados e em resumos, ou em trechos escolhi- dos, tais como as Miscellanea ou Specilegios.

(1) Esta obra apareceu como suplemento ao L'Etat de la France de Boulainvilliers, e à Description du royaume de Piga-

NIOL,

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Devem citar-se : a Miscellanea, de Baluze, em sete volumes; o Spécilegium sive Collectio vete- rum aliquot scriptorwn qui in Galliae bibliothecis delituerant, de Dom Luc d'Acheri de que falamos; o JJiesaurus noius anecdotorum, por Dom Martène e Dom Durand, em cinco volu- mes ; a colecção em nove volumes, dos mesmos autores: Veterum scriptorum et monumentorum historicorum dogmaticorum, moralium, publicada de 1724 a 1733.

Pertencem a este grupo de publicações a cole- ção das Ordonnances des róis de France de la troisiéme race recueillies par ordre chronologiqiie, cujo primeiro tomo foi publicado em 1723 por Larche de Laurière, e o séptimo apareceu em 1743, indo de i383 ao fim de 1394, e elaborado por Secousse(i); e os três volumes das Notices et Extraits des manuscrits de la Bibliotèque du Roi et d'autres bibliotèqiies, publicados entre 1787 e 1790, pela Academia das Inscrições.

(i) Este tomo contêm as Ordonnances desde Hugo Capeto a Filipe de Valois. Porem, a obra viu-se depois não satis- fazia aos objectivos em vista. Por isso, se pensou em publicar na íntegra uma colecção de diplomas, titulos, actos, etc, relativos à história de França, o que começou a ter realização em 1843 com o aparecimento do primeiro volume dos Diplomata^ chartae, epistolae, leges^ aliaque instrumenta ad res gallo-francicas spectan- cia..., publicados por J. M. Pardessus, tendo aparecido o se- gundo volume em iSSg, e estando a obra entregue à Academia das Inscrições.

Acerca da primeira forma da colecção das Ordonnances ver a notícia bibliográfica no Journal des Savants, Paris, 1746, pág. 545 e seg.

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Publicaram-se também diários das explorações históricas como o Museiim e o Diarum Italicum de Mabillon e Montfaucon ; a Voyage littéraire de deux religieux bénédictins de la Congrégation de Saint-Maur obra de Marten e Durand.

ainda a notar a Histoire des Empereurs et des autres princes qui ont régné durant les six pre- miers siécles de l'Eglise; os Capitularia regum írancorum[\)\ a Histoire de la maison d'Auver- gne, em dois volumes, aparecida em 1708 (2), etc.

(i) Os Capitularia (oram impressos pela primeira vez em 1677, sendo mais tarde, em 1780, feita uma reedição por Pierre de Chi-

NIAC.

(2) A antiguidade clássica não foi desdenhada pela erudição francesa do século xviii. Ai está a atestá-lo a Histoire romaine depuis la fondation de Roine,jusqu'á la Bataille d'Actium^ c'est-à- -dire,jusqu'à la fin de la Republique.

Trata-se de uma obra muito extensa, e se bem que redun- dante é muito cheia de informações preciosas para o tempo em que apareceu. Acerca do volume xii, escrito por Crevier, ver : Jour- nal des Savants, 1746, pág. io5 a 119.

A Histoire abrégée des impereurs romains et grecs, des impe- ratrices, de césar s . . depuis Pompée jusqu'à la prise de Constan- tinople par les tiircs, por Beauvais, em três volumes obra de história e numismática.

Outro tanto sucedeu com a antiguidade oriental que teve como cultor de mais nomeada oficial Rolun que foi reitor da Universi- dade de Paris. É deste autor uma Histoire ancienne des egyp- tienSy des carthaginois, des assyriens, des babyloniens, des medes et des perses, des maeédoniens, des grecs. Esta obra tão redun- dante quanto ingénua e pouco crítica teve bastante nomeada e leitura no século xviii. Ver: Journal des Savants^ 1735, pág. 84 a 89.

Também, em 1745 apareceu, publicada em Ypres, a Histoire des anciens empires de iAsie jusqu'à la mort de Cyrus. Esta obra da autoria de Pluymoen era precedida de uma história do

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Das cinco Academias que formam o Instituto de França, a que desde a sua primitiva mais tem contribuido para o progresso das sciências de erudição tem sido, incontestavelmente, a «Aca- démie des Inscriptions et Belies-Lettres» (i).

Organizada pelo Regulamento de i6 de julho de 1 70 1 , a partir de 1 7 1 5 se torna progressiva e florescente. Dessa data em diante até à Re- volução, ela rivaliza, e vantajosamente, com os beneditinos de Saint-Germain-des-Prés; e após a sua reorganização, em 1816, até hoje essa Aca- demia tem prestado os mais relevantes serviços no campo das sciências históricas.

mundo desde a sua criação até à dispersão dos povos. Como diz o crítico do Journal des Savants, quando ao seu autor faltam fontes históricas ele supre-las por meio de conjecturas e lendas mais ou menos verosímeis.

Vêr Journal des Savants, 1746, pág. 484.

Em 1767 aparecia na livraria Filliard, de Paris, o último volume do Recueil d'Antiquites egyptiennes, étrusques, grecques, romai- nes et gauloises. Esta obra, em sete volumes, devida à pena do conde de Caylus era constituída pelas reproduções em gravuras de monumentos da antiguidade oriental, clássica e gaulesa, com estudos e comentários históricos e arqueológicos.

É também de invocar a Histoire 77toderne des chinois, des in- diens, des persans, des turcs, des russiens, aparecida em 1797, em dois volumes, em seguimento da Histoire ancienne de Rollin (vêr Journal des Savants, ijôj, pág. 168).

(1) Acerca da evolução da Academia das Inscrições e Belas- Letras vêr: A. Maury, L' ancienne Académie des Inscriptions et Belies-Lettres^ 1864; Ca. V. Langlois, Manuel de Bibliographie Historique, pág. 3 10 a 3 18, e pág. 371 a 377.

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Além das obras enumeradas e de muitas ou- tras cuja citação não tem cabimento especial e detalhado neste nosso trabalho, a Academia das Inscrições tem publicado a Histoire de rAcademie, as Mémoires de Littérature; e os Comptes rendus das suas sessões ordinárias e das públicas.

Nessas publicações periódicas encontram-se nu- merosas memórias^ comunicações, relatórios, teses, etc, sobre história e as sciências suas auxiliares.

Assim, no segundo volume das citadas Mémoi- res, publicado em 17 19, de mistura com um Pa- rallele d'Homère et de Platon, do abade Massieu, e de várias dissertações sobre as personagens das obras de Homero, o carácter de Píndaro, a Ciro- pédia de Xenofonte, a evolução da sátira, a lite- ratura grega, e passagens de Cícero, de Horá- cio, de Dionísio, de Halicarnasso, e a cronologia da Odisseia, íiguram umas Remarques historiques et critiques sur VAnthologie manuscrite qui est à la Bibliothèque du Roi, por Boivin le Cadet. Tra- ta-se de uma antologia grega cuja evolução, desde o erudito Saumaise que a copiou do ori- ginal da Biblioteca de Heidelberg até entrar na Bibliothèque du Roi, Cadet conta, descrevendo também a própria antologia que era um in-fólio com sessenta fascículos, contendo epigramas e inscrições de túmulos.

Se bem que no tomo v não se trate de qual- quer ponto de teoria e crítica históricas o certo é que muitas dissertações e discursos se ocupam de factos e costumes históricos, como os estudos sô- 7

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bre os juramentos antigos, pelo abade Massieu; as tribus romanas, por Boindin; a sinfonia na Grécia, por Burette; as máscaras e os vestuá- rios do teatro dos antigos; a cronometria e os relógios na Grécia e em Roma, pelo abade Sal- lier; o luxo das senhoras romanas; a dedicação patriótica dos romanos; e as dissertações sobre o Miles Veíeranus, na antiguidade, pelo abade Cou- ture; o pauperismo, e a história critica do celi- bato, por MoRiN, et., etc.

O tomo VI ocupa-se também de diversos assun- tos a começar na dissertação do abade Fraguier sobre a (dronta de Sócrates, o sen pretendido ^de- mon-»^ familiar, e os seus costumes.

Segue-se um estudo sobre os Monumentos que teem suprido a falta da escrita e servido de memó- rias aos primeiros historiadores, pelo abade An- SELME em que o autor se ocupa da tradição oral, dos hinos e cânticos como meios de reten- ção dos factos e da influência da música e da poesia nos primeiros tempos da humanidade ; fala dos mais antigos monumentos, como os labirintos e templos, e da escrita ideográfica.

Além dos estudos sobre o paganismo, o come- diógrafo Q. Roscius, a arte poética e os versos entre os antigos hebreus; algumas odes de Pín- DARO, pelo abade Massieu; alguns escritos de Teó- CRiTo; a Ciropédia de Xenofonte no ponto de vista da geografia, por Freret, etc, figuram nesse volume três comunicações do abade Vertot sobre os reis franceses da primeira raça.

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No tomo VIII, publicado em lySi, o abade An- SELME insiste sobre os monumentos estudados pelos historiadores, ocupando-se das estátuas e colunas com os seus baixos relevos descritivos, das oferendas aos deuses, e do comércio entre os povos como meios de conhecimento histórico.

Nas dissertações que se seguem De Pouilly ocupa-se da incerteza histórica dos primeiros quatro séculos de Roma(i), e o abade Sallier es- tuda os primeiros monumentos históricos dos ro- manos em duas dissertações seguidas (2). Se- guem-se os Nouveaux Essais de critique sur la fidelité de Vhistoire, por De Pouilly que é outro magnífico estudo da teoria e da critica históri- cas (3) ; e surge logo um Terceiro discurso sobre

(1) Trata-se de um estudo sobre as fontes da história de Roma na obra de Dionísio Haucabnasso e em outras, procurando «aporter le flambeau d'une severe critique como escreve De Pouilly dans toutes les Annales des Peuples, pour y démêller ce qu'elles renferment de douteux ou de faux». E acrescenta:

«Quelque difficile que soit cette entreprise, j'oserai néajimoins la tenter».

Efectivamente, o autor passa pela sua fieira crítica as lendas e tradições de que se fizerão eco os historiadores de Roma (pág. 2t a 45 do tomo vui).

(2) Ao contrário de De Pouilly, o abade Sallier não é dotado de espírito crítico. Por isso aos seus Discoiirs falta consistência. Parecendo escrever para contraditar De Pouilly o autor é dotado de uma grande credulidade, e se bem que fale das lendas e fábu- las incríveis e absurdas «que acompanham as descripções dos principaes acontecimentos», tudo isso não é bastante para inuti- lizar o testemunho dos historiadores. As suas Memorias vão da pág. 46 à pág. II o.

(3) Vai da pág. no à pág. 180. Este estudo e feito com uma penetração de espírito e uma lucidez tão grandes que apesar de

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«A certeia da história dos primeiros quatro séculos de Roma», da autoria do abade Sallier em que este autor, tão redundante nas suas considerações como magro de crítica, volta à carga contra o. ponto de vista de De Pouilly(i).

A este segue-se outro estudo do abade Sallier intitulado tReflexions critiques sur le caracter de quelques historiens grecs, compare avec les histo- riens romains», em que o autor declara suspeitar da veracidade do testemunho dos historiadores gre- gos quando êle é favorável ao seu pais e desfa- vorável aos romanos, referindo-sê especialmente a Plutarco e menos a Dion Cassius.

A última dissertação do tomo viii, acerca da teoria da história, é a de Freret a Sobre o estudo das antigas histórias, e sabre o grau de certeza das suas provas. O autor, depois de falar- dos pro- gressos da história com Scaliger, Pétan, Usse- rius, Vossius, Marshm, Pezron, etc, refere-se às enormes lacunas que a História nos apresenta;

decorridos 189 anos, contêm afirmações que ainda hoje teem actualidade. As formas do raciocínio e do método históricos, as regras a seguir na aplicação da crítica, os caracteres de um ver- dadeiro historiador tudo isso, seguido de muitos exemplos de história antiga e medieval, se encontra no trabalho De Pouii.ly. (i) Como o próprio abade Sallier põe, a pág. 182, a questão, tratava-se de saber «se a tradição tem servido de fundamento único aos escritores que se teem ocupado da história dos quatro primeiros séculos de Roma; ou antes se eles, alem do socorro da tradição, tiveram também os monumentos cujo conhecimento e estudo lhes fornecessem os materiais e as peças justificativas das suas descrições». Ao passo que De Pouillv é da primeira opinião, Sallier segue este último partido.

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ocupa-se dos métodos e processos do trabalho histórico; critica como alguns escritores têem feito história, especializando Marshm; fala dos caracteres da filosofia do seu tempo, especial- mente do criticismo cartesiano, entrando depois no estudo dos fundamentos do conhecimento his- tórico que êle reduz a duas classes : a dos Tes- temunhos contemporâneos (actos, títulos, peças escritas coevas dos acontecimentos de que tra- tam, obras dos historiadores que contam o que viram ou que baseiam os seus relatos nas Memó- rias dos contemporâneos dos factos), e a das Tradições, isto é, as «opiniões populares».

Lamenta depois o abuso do espirito critico, citando Bayle como um exemplo de tal tendência, e passa a analisar várias passagens fabulosas e falsas das obras de vários historiadores antigos, concluindo que, apesar disso, não devemos subir do caso particular para o geral de considerar fa- buloso e inventado tudo o que eles escreveram porque não conhecemos as fontes que consul- taram.

A seguir, traça uma evolução da historiografia entre os escritores da antiguidade, mostrando-se partidário do ponto de vista do abade Sallier ao tratar da história de Roma; e termina o seu es- tudo por mostrar que não é possível a aplicação do espírito geométrico e da crítica filosófica aos estudos históricos por demasiadamente radicais e absorventes quanto ao grau de certeza que exi- gem, e que a história lhes não pode fornecer. -

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No tomo XII, de 1736, figura uma série de Me- mórias históricas, sendo uma sobre «os primei- ros anos do reinado de Carlos YJII», outra sobre «Guy Dauphin», uma ((justificação da conduta de Filipe de Valois no processo de Robert d'Artois», e a ((explicação de um monumento de Guilherme o conquistador Memórias essas todas da auto- ria de Lancelot ; e que enumerar também três dissertações de la Curne : uma relativa à vida e às obras de Rigord e de Guilherme o Bretão, ou- tra sobre o historiador Glaber do tempo de Hugo o Capêto, e, finalmente, uma terceira «sobre a vida e as obras de Guilherme de Nangis e dos seus continuadores» (i).

No tomo XV, aparecido em 1741, figura, a pá- ginas 264, uma Memória de Foncemagne com o titulo de Examen critique d\ine opinion de M. le Comte de Boidainvilliers siir Vancien Goiívernement de la France, em que o autor contradita a opi- nião de Baulainvilliers expressa na Histoire de rancien gouvemement de la France^ 1. 1, segundo a qual os antigos franceses elegiam não os seus reis como os generais que os haviam de levar à guerra, os quais eram escolhidos entre a família real ou fora, segundo ((O valor, a capacidade e a reputação da honra pessoal», exemplificando isso em Clóvis, que, apesar de sucessor de Childerico,

(i) Estas Memórias sobre alguns historiadores franceses dos séculos XI, XII, XIII e xiv, de pág. 242 a 32o, são muito interessantes, e mostram muita erudição do seu autor apesar da nebulosidade do assunto nesse tempo.

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precisou dos sufrágios dos soldados para ser eleito general.

Seguem-se várias Memórias sobre a historio- grafia francesa, sendo quatro do investigador La CuRNE de Sainte Palaye e duas de Lancelot.

A primeira Memória de La Gurne trata da Chronique de Morigny et siir les Auteurs qiii Vont composée, começando por uma biografia literária e religiosa de Teulfus, monge beneditino da aba- dia de Morigny perto de Estampes que viveu nos fins do século xi e princípios do século xii, tendo falecido em 1 138, e seguindo-se uma análise da crónica com diversos comentários e informações interessantes (i).

A segunda Memória de La Gurne é Siir la pie dii Moine Helgaud, siir l'Epitome de la Vie dii Roí Robert^ et sur trois Fragmens qui sont imprimes à la suite de cette Epitome, dans la Collection des Historiens de France{2).

A terceira Memória trata de «Deux ouvrages historiques concernant Louis VII, intitules Tun Gesta Ludovici VII, Regis,filii Liidovici Grossi; et Tautre, Histoire Gloriosi Regis Ludovici, filii Lu-

(i) Da pág. 290 a 3o8.

(2) O autor traça uma rápida biografia desse historiador do princípio do século xu, monge da abadia de Fleury ou de S. Bento sôbre-o-Loire, e depois estuda o Epitome da história do rei Ro- berto, que La Curne acha semelhante a um sermão ou a uma oração fúnebre «dans le goút du siècle». Esse Epitome foi mais tarde impresso na Colecção de Pithou, em 1596, e na de Du Chesne, em 1641.

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dopici Grossi, abanno i iSj, iisqiie ad aiinum 1 165 . Et sur les Auteurs de ces ouvrages» (i).

A quarta e última Memória deste tomo, devida a La Curne, trata da Vida de Froissart, na qual êle traça uma interessante biografia do famoso cronista da segunda metade do século xiv(2).

As primeiras duas Memórias de Mr. Lancelot tratam de Robert d'Artois, traçando uma bio- grafia bastante desenvolvida desse príncipe que nasceu em 1287(3).

A última Memória de Lancelot trata da «Vida deFrançois Philelphe», descrevendo com bastante detalhe, a vida desse professor muito erudito e di- plomata famoso da primeira metade do século xv, muito conhecido na Itália e considerado em Ve- neza e Flandres onde ensinou com grande fama, sendo amigo de Leonardo Aretino e de Cosme de Medicis, embrulhando-se depois com este por causa da politica, e vendo-se forçado a deixar Florença quando o partido popular de Cosme ficou vitorioso sôbre o dos aristocratas a que pertencia Filelfo, pelo que este teve de ir ensi- nar para Siena^ depois para Bolonha e Milão, etc.

(i) Esta Memória, que vai da pág. 325 aSSj, começa por uma pequena análise das Gestas e da Historia de Liii^ VIJ, passa a estudar a autoria dessas obras que alguns, como La Curne, atri- buem a SuGER, se bem que êle nota que outra pessoa também ne- las trabalhou como conclui do exame do estilo, etc. ; e termina por informar que a História foi impressa várias vezes, analizando a edição de Du Breul, de 1602, com faltas e interpolações, e a de Du Chesne de 1641 que considera a melhor

(2) In tomo citado, pág. 486 a 53o.

(3) In pág. 338 a 485.

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O tomo XXIII, publicado em 1769, contêm uma série de comunicações sobre literatura, arqueo- logia, numismática e linguística, terminando por uma Memoire concernant les principaux monumens de VHistoire de France, avec la notice et l'Histoire des chroniques de Sainte" Denis, pelo operoso eru- dito La Curne.

Aqui o autor alude às obras poéticas medie- vais elaboradas pelos trovadores, jograis e me- nestréis como as primeiras fontes da história de França, e faz o elogio do cronista Gregório de TouRs; refere-se a Eginardo chanceler de Carlos Magno e autor de uma Vita Caroli Magni^ e a um astrónomo e cronista anónimo que escreveu, no tempo de Luís o Debonnaire, uma Vita et actus Ludovici PU. Fala da biblioteca que esses dois monarcas legaram a Carlos b Calvo e onde figu- ravam bastantes obras de História, entre as quais os Anaes de Prudêncio ou de Sainte Bertin, e que esse soberano aumentou com uma vida de Carlos Magno por Saint-Gal e uma obra de Ni- THARD sobre a história de França depois de Luís o Débonnaire que La Curne louva muito, espe- cialmente pelo seu relato detalhado e verídico da batalha de Fontenay. Ocupa-se dos cronistas que se seguiram como Suger que escreveu uma história de Luís o Gordo ; Rigord que foi o pri- meiro «Historiógrafo do Rei», do tempo de Fi- lipe Augusto ; Guilherme o Bretão que conti- nua a obra de Rigord; Guilherme de Nangis e Joinville que se seguem; o anónimo monge de

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Saint Denis que escreveu a história de Carlos V e de Carlos VI; e JoÃo Chartier. Fala depois nos cargos de historiógrafos ou cronistas reais, das catedrais e dos mosteiros, dizendo que das cró- nicas deles provenientes as mais detalhadas, mais extensas e mais célebres são as de S. Dinis também chamadas pela sua importância as gran- des Crónicas de França; e passa a estudar essas, falando da história da expedição de Carlos Ma- gno a Espanha atribuída a Turpin, da reputação que tiveram nos séculos xiii e xiv as crónicas de Saint Denis, desses materiais que forneceram aos historiógrafos riais, aos parlamentos, mi- nistros e embaixadores franceses, os arquivos dessa igreja e as crónicas que se buscavam nos seus documentos, e terminando por um estudo sobre as obras saldas de Saint Denis (i).

Também o tomo xxviii, aparecido em 1769? contêm diversas comunicações sobre assuntos históricos, tratando o erudito Foncemagne do rei- nado de Carlos VIII e de algumas obras que dele se ocuparam, emquanto Secousse ocupa-se da numismática e da biografia de ^(Messire Paul de Foix, conseiller d^Etat et archevêqiie de Toulouse; BoNAMY escreve sobre a inundação do Sena em Dezembro de 1740; Schepelin estuda a origem

(i) A comunicação de La Curne que neste tomo vai da pá- gina 538 a 6o3 é escrita com muita erudição, muito cheia de ex- celentes notas, sendo esse trabalho, apesar de breve, ainda hoje digno de estudo para o conhecimento da historiografia francesa desde o tempo de Carlos Magno até o século xv.

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da imprensa, e o nosso conhecido La Curne de Sainte Palaye apresenta uma Memoire concernant la lecture des anciens Romans de Chevalerie (i).

Ao passo que o tomo xxix se ocupa da reli- gião grega, da filosofia antiga, da numismática e arqueologia, da cronologia chinesa e da astro- nomia ; e o XXX trata da história do Egipto, da cronologia oriental, da «Defesa de Heródoto so- bre as acusações de Plutarco», da literatura grega e da história bíblica, o tomo xxxiv, publi- cado em 1770 apresenta algumas comunicações sobre historiografia francesa. Logo a abrir figura uma comunicação de Levesque de la Ravalière sobre La Vie du Sire de Joinville^ auteur dhine histoire de S. Louis (2), seguida de uma Memoire sur les FabliaiiXy pelo conde de Caylus, depois uma Notice sommaire de deux volumes de poesies françoises et latines, conserves dans la bibliothèqiie des Carmes Déchaux de Paris, pelo abade Lebeufe, duas Memoires do conde de Caylus so- bre Guilherme de Machaut, poeta e músico do século XIV, isto é, uma biobliografia do famoso relojoeiro do século xiv. Contêm igalmente uma

(1) Pequeno mas interessante estudo que vai de pág. 447 a 468.

(2) A obra deste foi algo discutida, e tendo o padre Hardouin negado-Ihe autenticidade, foi esta sustentada por Bastie, sendo ela traduzida em latim pelo padre Stiung, continuador dos bo- landistas nas Acta Sancti Ludovici. La Ravalière traça uma de- senvolvida biografia de Joinville que nasceu entre 1220 como entendia Du Cange, e 1228 ou 1229 como queria Bastie (pág. i a 75).

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dissertação sobre Jacques Dandis, por FAr.co- net(i); duas memórias de Bonamy acerca de Jac- ques Coeur(2); duas comunicações de Foncema- GNE uma sobre a origem da Casa de França, e outra sobre a heráldica, terminando o volume por duas memórias de La Curne Siir Vancienne Chevalerie considerée comme iin établissement po- litique et militaire.

(i) Trata-se do famoso Jacabus Dondus, de Pádoa, filósofo, médico e matemático. O trabalho de Falconet fala : das obras de Jacques sobre terapêutica que constam de uma compilação de remédios tirados de médicos gregos, latinos e árabes, e ma- téria médica; e do afamado relógio feito em 1845 e que marcava, alem das horas, a marcha anual do sol através dos signos do Zo- díaco, e a dos planetas, as fases da lua, os meses e até as festas do ano.

Depois estuda a história da relojoaria desde a antiguidade orien- tal. Pág. 217 a 249.

(2) Trata-se de um estudo baseado nos documentos do pro- cesso de Jacques Coeur, defendendo e elogiando este ministro de Carlos VII que foi acusado de concussão, de abuso de autoridade e de ter feito envenenar a bela Agnés Sorel amante do rei, pro- vando-se depois que ela morrera de parto. Pág. BSg a 409.

CAPITULO IV

A erudição e a crítica iilstóricãs no sécalo XIX, e até à actualidade

I Considerações gerais

Se, como vimos, as concepções filosóficas e o progresso das sciências da natureza influiram bastante na evolução da historiografia até ao sé- culo XVIII, ao começar o seguinte o factor politico

mais que nos tempos de Machia vel, Guichar- DiN e PiTTi, do medicista Nerli, e do anti-medi- cista NoRDi, e durante o absolutismo esclarecido

exerce uma influência importante, até à per- turbação, na concepção da história, na técnica da sua elaboração e na fixação dos seus fins.

Como diz Fueter: «A Revolução Francesa e as suas consequências imediatas provocaram nas concepções sobre o valor e a tarefa da história uma transformação completa» (i).

Se é certo que a reacção nacionalista da his- toriografia romântica contra o cosmopolitismo

(i) Fueter, ob. cit., pág. 5 17.

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humanista encontrou, nos acontecimentos exte- riores da politica de coligação contra a França revolucionária, e na acção da França directorial, consular, imperial e ferozmente imperialista contra as várias nações da Europa, as suas mais importantes causas e convincentes justificações, não dúvida que os conceitos da história ro- mântica quanto à Idade Média e às diferencia- ções nacionais provêem especialmente dos pro- gressos da filologia e da erudição medievista (i). A Revolução, tendo sido pervertida na sua marcha pelo golpe de Estado do i8 brumário, e empalmada por Napoleão, fez perder à França as

(i) vimos posto que rapidamente nos capítulos ante- riores o suficiente para se avaliar como foi grande o zelo que se pôs ao serviço da erudição histórica e filológica. O abandono crescente do latim, dá-se a favor da cultura progressiva das lín- guas nacionais. Exceptua-se durante muito tempo ; curiosa ironia! um país maximamente fragmentado e desnacionalizado, uma simples expressão geográfica e designação política : a Ale- manha.

Aí, o latim foi cedendo o lugar, durante muito tempo ao fran- cês em prejuízo da língua alemã, apesar das diligências naciona- listas da Academia Frutífera de Weimar, fundada em 1617, e dos esforços das duas Escolas da Silésia, em favor da língua pátria, desde o poeta Opitz até Gunther.

Porém, o culto da língua nacional e a admiração da Idade Média nos apareciam na chamada Escola Saxónica. JoÁo Jacques BoDMER publica, no meado do século xviii, a segunda parte dos Nibelungen e a famosa colecção dos Minnesmger, e são impor- tantes as contribuições de Gottsched e as vistas de Gaertner.

Gomtudo, é com Klopstock, Lessing e com Winckelmann que a Alemanha consegue alcançar a sua autonomia literária e historio- gráfica. Klopstock divulga muito os cantos do Edda nos quais um sistema de tradições nacionais semelhantes às que apare- cem nos poetas épicos e trágicos da Grécia.

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esperanças e simpatias que despertara no espírito dos maiores pensadores, sábios, literatos e artis- tas do tempo como Kant, Klopstok, Goethe, Gentz, Beethowen, etc.

A acção brutal de Napoleão na sua megaloma- nia de dominar o mundo (i), radiando com os seus exércitos toda a Europa, agitando-a nas suas aspirações, vasculhando-a nos seus bens, ferindo os povos nos seus sentimentos e nos seus interesses materiais, fazendo e desfazendo capri- chosamente Estados segundo as suas conveniên- cias de momento, os seus ódios e as suas simpa- tias de ocasião tudo isso acordou na Europa inteira um sentimento de reprovação e ódio por tudo o que era francês, o que era napqleónico.

Quando se chega ao século xix a obra da Re- volução estava aniquilada ou quási e a Re- pública encontrava-se á beira de um abismo para onde acabou de a impelir Bonaparte com o golpe de Estado de 9 de Novembro de 1799.

Estabelecido o Consulado decenal, que pouco depois se transforma em vitalício, a favor de Na- poleão, logo a França entrou de novo em guerra com a Áustria, da qual havia de sair, depois de Montebello e Marengo, pela porta do armistício de Steyer e das pazes de Luneville de Feve- reiro de 1801, e de Amiens de Março de 1802.

Em i8o3 é a luta, na Hanover e na Holanda,

(i) em 23 de Outubro de 1802 numa nota de Talleyrand, ao representante da França em Londres; Otto, se falava em «con* quérir TEurope»,

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com a Inglaterra. Os franceses invadem a Ho- landa por verem nela uma amiga da Inglaterra, e esta apossa-se de algumas colónias holandesas por considerar a Holanda aliada da França.

Em 1804 é a guerra civil e o pronuncio de mais uma conflagração.

De resto, se a guerra é uma indústria essencial aos adventícios megalómanos, «Tarmée de FEm- pire como diz Henri Vast cesse d'être na- tionale pour devenir césarienne».

E continua: «Sous Tempire, elle [l'armée] ap- partient à un homme ; elle sert passionèment tous ses desseins ; elle concourt, sans Facquiescement de la nétion, au bouleversement prolongé de FEu- rope. Napoleon ne vit que par la guerre et pour la guerre. Uarmée est son instrument, sa cho- se(i).

Na verdade, de 1800 a 181 5 passam pelas fileiras 3.i53:ooo franceses, sendo de computar outros tantos das legiões estrangeiras ao serviço de Napoleão.

na terceira coligação^ depois da batalha de Austerlitz, a Prússia ficara talvez sem dar por isso à mercê de Napoleão.

Essa vitória tivera um alcance moral extraor- dinário. Ela não pusera fora de combate ape- nas os i5:ooo austro -russos, ela matara de des- gosto— um dos mais sérios inimigos de poder

(i) In Lavisse e Rambaud, Histoire Générale..., tomo ix, pág. 72.

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5

napoleónico : William Pitt. E Frederico-Guí- Iherme III, príncipe fraco, irresoiuto e dúplice, que estava prestes a entrar na coligação austro- -russa, surpreendido e apavorado pelo golpe de Austerlitz vê-se forçado a mandar o seu ministro Haugwitz felicitar Napoleão e aceitar todas as condições que este lhe impusera.

Por isso, o imperador comentava com acre ironia as felicitações do rei prussiano, excla- mando : «Voici un compliment dont la fortune a changè Tadresse».

E certo que os prussianos, envergonhados de si próprios pela traição feita à Áustria e à Rússia e incitados pelos seis milhões de libras dos ingle- ses, caem no estúpido erro de enviarem um ulti- matum a Napoleão para este renunciar à confe- deração do Rheno que pouco antes criara e abandonar completamente a Alemanha.

A ocasião que se oferecia ao imperador dos franceses era única, e êle não era homem para a deixar escapar. A resposta de Napoleão quanto à coligação não se fez esperar, e os prussianos receberam em cheio nas enormes derrotas que sofreram em lena e Auerstaedt a réplica às suas bravatas.

Depois dos desastres, que custaram aos prus- sianos 22:000 homens entre mortos e feridos, o caminho de Berlim estava aberto, e Napoleão não se demorou de entrar ali como um sátrapa orien- tal ou herói romano fazendo desfilar pelas ruas da capital prussiana desarmados e prisioneiros

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ôs cavaleiros da guarda de Frederico-Guilherme no meio das tropas francesas triunfais e festivas.

Emíim, como dizia Enrique Heine : «Napoiéon soufíla sur la Prusse, et la Prusse cessa d'exis- ter».

Também H. Vast, referindo-se à entrada de Napoleão em Berlim, escreve: «A Berlin, nul es- prit public, nul patriotisme ; un aífaissement mo- ral complet qui explique 1'effondrement de 1806. Aprés lena, la presque totalité de la population berlinoise et la presse tout entière marque une in- diíférence complete» (i).

Mas, Napoleão abusou, abusou intensivamente, abusou prolongadamente da sua vitória. Não houve violência que não cometesse, extorsão que não ordenasse, vergonha e vilipêndio que não infligisse.

Assim, começando por ser acolhido por uns com medo, por outros com simpatia, tempos de- pois em todos despertava terror e ódio.

Deste modo, não admira que por toda a parte, e cada vez mais, o povo alemão ardesse em de- sejos de expulsar o dominador brutal e vexante.

em 5 de Dezembro de 1 8 1 1 Jerónimo Bo- naparte escrevia ao imperador: «A fermentação é extrema; se a guerra rebentar toda a região do Rheno ao Oder tornar-se o foco de uma insur- reição geral. A causa dessa fermentação não re-

(i) Lavisse e Rambaud, Histoire General, tomo ix, pág. 107 a 110.

íi5

side somente no ódio à França e no descontenta- mento provocado pelo jugo estrangeiro; ela re- sulta, antes, da desgraça dos tempos que vão correndo, da ruina completa de todas as classes, da opressão excessiva produzida pelos impostos, das contribuições de guerra, das passagens dos soldados, dos vexames de toda a espécie que se repetem sem cessar. São de receiar as explosões de desespero por parte de povos que nada teem a perder, pois que tudo lhes foi tirado».

Efectivamente, a explosão deu-se assim que foi encontrado o ensejo e chegado o momento opor- tuno, e este apareceu logo a seguir à desastrosa campanha da Rússia, de 1812, em que o famoso Grande exército ficou pouco menos que destruído.

Mas, se a chamada Guerra da libertação alemã, surge depois de 1812 não quere dizer que anos atrás se não viesse fazendo a sua prepara- ção não material como e principalmente espiritual ou moral.

Sem se dever esquecer a obra reformadora de Stein, Scharnhorst e Hardenberg, não se deve pôr em dúvida que foram os factores de ordem moral que criaram o estado do espirito colectivo essencial a essa guerra insistente e temerosa até à ferocidade contra Napoleão, que terminou com o completo aniquilamento do colosso no pla- nalto de Waterloo.

É à Universidade de Berhm, fundada em 18 10 por Guilherme de Humboldt— onde ensinaram os juristas EiCHHORN e Savigny e os historiadores

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NiEHBUHR e BoECK ; é às peças patrióticas do dra- maturgo Kleist e aos escritos de propaganda de GoERREs; é aos cantos populares reunidos por Brentano e AcHiM d'Arnim; é à obra dos histo- riadores ; e é, mais imediatamente, aos famige- rados Discursos à nação alemã, de Fichte que a Prússia deve as suas vitórias contra o imperador, e sua libertação.

Logo a seguir à paz de Tilsit o rei Frederico Guilherme havia proclamado que : «O Estado de- via suprir com as forças intelectuais as forças ma- teriais que havia perdido». E assim foi.

A mais importante criação desse movimento patriótico foi, sem dúvida, a obra dos seus histo- riadores como Karl Eichorn, Savigny, os Schle-

GEL, NlEBUHR, etC.

Por isso vingado o movimento libertador será a história como adiante vamos vêr uma das sciências mais especialmente favorecidas, por toda a forma, pelo Estado prussiano.

Diz Guilherme Richl que no concerto das sciências cada uma dá, por sua vez, o tom, acres- centando que na Renascença foi a filologia clás- sica, na época da Reforma coube a vez à teolo- gia, depois de Locke e Spinosa prepondera a filo- sofia^ e nos nossos dias tem a história a preemi- nência.

Efectivamente, o século xix é bem o século da

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história. Como escreve Langlois : «A obra his- tórica do século XIX é, e ficará, capital quaisquer que sejam os ulteriores destinos da erudição».

E acrescenta: «Ela é imensa, e ninguém pode ter a pretensão de a descrever ou de a conhecer toda» (i).

Ora se um bibliógrafo eminente como Lan- glois vê a impossibilidade de conhecer e descre- ver toda a obra histórica realizada no século xix. não seremos nós que teremos a pretensão de rea- lizar o que êle modestamente declara não poder fazer.

O melhor conhecimento dos grandes centros da antiga civilização oriental desde a índia ao Egipto ; a mais completa investigação dos gran- des focos da cultura clássica ; o mais sistemático estudo das fontes de toda a ordem para o conhe- cimento da Idade Média, da Renascença e da Idade Moderna ; o enorme progresso que experi- mentaram os arquivos, as bibliotecas e os mu- seus de todos os países civilizados ; a progressiva especiahzação dos estudos e dos trabalhos histó- ricos nas Universidades e outras grandes Esco- las, e nas Academias ; a sempre crescente protec- ção dos governos a todas as emprezas de inves- tigação scientiíica, especialmente de investigação histórica; o élan patriótico que as invasões dos exércitos napoleónicos produziram nos países que tiveram como o nosso a desdita de as expe-

(i) Langlois, ob. cit., pág. SSg.

ii8

rimentarem, incitando ao estudo dos homens e factos mais gloriosos do passado de cada povo ; o movimento literário do romantismo que, se de- rivou de algumas das causas expostas foi tam- bém, por sua vez, causa de um acréscimo de curiosidade histórica : tudo isso explica bem o enorme progresso dos estudos históricos através do século XIX, e até hoje (i).

No século XIX os estudos de erudição progri- dem em extensão e em profundesa. A história propriamente dita, politica, económica, religiosa, militar, filosófica, scientífica, literária e artística, e a história geral da civilização; as sciências au- xiliares e subsidiárias da história; enfim, os mé- todos e processos de elaboração e de crítica his- tóricas : tudo isso experimenta um progresso, um desenvolvimento, uma extensão e um afinamento enormes, extraordinários.

Como o que aqui nos interessa especialmente é o que se refere às Colecções de Inéditos e à metódica dos estudos históricos serão esses os assuntos que iremos tratar a seguir.

2.° Países de língua alemã

Nos países de língua alemã tem sido enorme o labor realizado quanto ao estudo e à publicação das Colecções de Inéditos.

Entre os mais importantes corpos publicados não na Alemanha como fora devem incluir-se

(i) Gh.-V Langlois, ob. cit., pág. 840 a 344.

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os Monumenta Germaniae histórica. Se bem que a primeira idea da publicação venha de 1818, do manifesto do prof. Dumge, de Karlsruhe, logo acolhida com entusiasmo por Stein, em 1824 é que o erudito Pertz, discípulo de Heeren, fixou o plano da obra.

Por êle ficavam os Monumenta Germaniae his- tórica divididos em cinco secções : a dos Scripto- res, das Leges., Diplomata regum et imperatorum romanoriim, a das Epistolae, e a das Antiquitates.

Finalmente, em 1826 apareceu o primeiro vo- lume pertencendo à colecção dos Scriptores, cons- tando dos Anais carolingios. Depois interrom- peu-se, recomeçando mais tarde.

Quando se chega a 1870 haviam sido publi- cados vinte e um volumes dos Scriptores, quatro das Leges, e um das Diplomata pela Gesellschaft fur altere deutsche Geschichtskunde (i).

Depois da guerra de 1870 o governo alemão passou a proteger muito a empreza, começando a aparecer em 1876 o primeiro tomo da segunda série da colecção com o titulo : Neues Archiv des

(i) A consulta dos Monumenta Germanicae é essencial para o estudo da fundação do reino da Germânia nos séculos ix, x e princípio do xi, o governo de Conrado duque da Francónia; a dominação da casa de Saxe, de 919 a 1024; os reinados de Enri- que I, dos Otões I, II e III, de Enrique II; etc.

Nessa Colecção vêem publicados, entre muitos outros traba- lhos, os Annales Fuldenses ; a Chronica de Régino; a Res Gestae saxonicae, de Widukind; os escritos de Liuteprando; a Cármen de gestis Oddonis, de Hroswitha; a Vita Mathildis reginae, as Vitae do bispo Bernardo de Hildesheim, do bispo Burchard, de Worms, etc.

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Gesellschaft fiir altere deiitsche Geschichtichts- kunde, e ficando G. Waitz a dirigir a reorgani- zada publicação até à sua morte, em 1888, se- guindo-se-lhe E. Dummler até igoS.

Depois, cada secção passou a ter a sua autono- mia, ficando com um director e demais pessoal privativo, dividindo-se, também, cada uma delas em sub-secçóes.

Assim, a dos Scriptores ficou dividida em Au- tores antiquissimi cuja publicação terminou em 1799, Scriptores reriim langobardicarum et italica- rum, Scriptores rerum meroiingicarum, Scriptores qui vernacida lingua usi siint, Libelli de lite impe- ratorum etpontificum saeciilis XI et XII conscripti; as das Leges são : Leges nationum germanicorum, Capitularia regum Francorum, Concilia, Consti- tutionis et acta publica imperatorum et regum, For- mulae merovingici et Karolini aevi, etc, etc. (i).

Também, J. F. Bõhmer publicou de i83i a 1839 ^^ Re gesta chronologico-diplomatica Karo- lorum, regum atque imperatorum romanorum (de 752 a i34']); de 1844 a 1849 apareceram os seus Regesta Imperii, tendo-se depois publicado uma

(i) Acerca da origem e evolução dos Moniimenta Germa- niae histórica, ver: B. Malfatti^ Dei Monumenta Germaniae his- tórica a propósito dei loro nuovo ordinamento, Firenzo, 1877; Ch.- V. Langi.ois, ob. cit., pág. 407 3415.

A sociedade que publica os Monumenta tem editado também os Scriptores rerum germanicariim in iisum scholariim ex«Momi^ mentis Germaniae historieis» recusi, e os Die Geschichtsschreiber der deutschen Vor![eit in deutscher Bearbeitung com traduções de textos medievais, e cuja colecção foi bastante criticada por Wattenback, e depois por este dirigida.

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segunda edição a partir de 1881 ; e de 1843 a 1868 surgiram quatro volumes das Fontes rerum germanicarum.

Ph. Jaffé publicou, em i85i, os Re gesta pon- tificum romanorum a condita Ecclesia ad annum I ig8 ^ depois continuados ; e de 1 864 a 1 873 seis volumes da sua Bibliotheca rerum germanicarum.

A administração dos arquivos prussianos edi- tou durante bastantes anos algumas dezenas de volumes das Publicationem aus den k. preussischen Staatsarchiven, contendo principalmente docu- mentos e obras sobre a história interna e externa da Prússia no período moderno, como Memórias, correspondências diplomáticas e particulares, etc.

Muitas outras publicações teem aparecido na Prússia como as colecções dos Anuários de obras de arte do reino da Prússia^ os numerosos traba- lhos de várias ordens publicados pelas «Comis- sões históricas» regionais e locais; os Ver^eich- niss dos manuscritos do Estado prussiano : as colecções dos Arquivos da Guerra ; as numerosas e importantes obras publicadas pela K. preussis- che Historisches Institut, e entre elas a colecção do Nuntiaturberichte aus Deutschland, a do Re- pertorium germanicum, Regesten aus den pãpstli- chen Archiven . . . , etc. ; os estudos publicados pelo Instituto arqueologic do Capitólio^ criado em Roma em 1829, etc.

Vamos vêr a seguir alguns trabalhos especiais pela natureza dos assuntos versados, sem termos se nem de leve a pretensão de fazer

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um catálogo ou índice didascálico, ideográfico ou sistemático da opulentíssima historiografia alemã. Iremos, somente, citar, pela índole dos assuntos algumas colecções, ou grandes obras, onde venham publicados na íntegra ou em extra- tos documentos inéditos.

Assim, acerca da história das Gálias no período merovíngio e carolingio são de notar os Annalen des frãnkischen Reichs, de 1872 e 1877; sobre os burgundos Das Burgundisch-romanische koeni- greich, de Binding; a respeito da história do im- pério romano do oriente, e da sua decadência é de citar a enorme colecção, dirigida por Niebuhr, em quarenta e nove volumes, do Corpus scripto- rum historiae by^antinae, de 1828 a 1878(1).

Também, não é de omitir a Historia Longobar- dorum, de Paulo Dicre sacerdote do fim do sé- culo VIII que figura nos Monumenta Germaniae, de MoMMSEN, e os Jahrbiicher dos reis francos de Simson e de Dúmmler que é, no dizer dos me- dievistas, um excelente trabalho de compilação e critica sobre o século ix.

Mas, para não prolongar em demasia este tra- balho, deixemos de parte todo o período relativo à luta entre o sacerdócio e o império e à questão das investiduras, desde 1040 a 1 122, aos reinados de Frederico Barbarroxa, Enrique VI, Frede- rico II, da Sicília período esse que é hoje repre-

(i) então estavam publicadas as várias edições dos Scrip- tores historiae by^antiniae a de Louvre, em trinta e oito volu- mes, de 1645 a 171 1, e a de Veneza, de 1733, em 23 volumes.

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sentado na bibliografia histórica pela publicação de numerosíssimos documentos, a maioria dos quais figura na monumental colecção de Pertz como os Annales Altàbenses e Hersfeldenses, os de Berthold, de Reichenau, o De bello saxo- nico, de Brun, e várias crónicas, etc. ; as colec- ções de legislação incluídas no tomo segundo das Leges dos Monumenta Germaniae; a História de Giesebrecht com muitas transcrições documen- tais ; as Acta imperii inédita saeculi XIII pu- blicadas por WiNKELMANN^ OS Regesta imperii de

BOEHMER, etc.

Também^ o período que vai desde a queda dos Hohenstaufen até à subida ao trono de Maximi- iiano I da segunda metade do século xiii. até ao fim do século xvi tem como fontes de estudo uma rica documentação hoje publicada não nos Monumenta Germaniae, como nas Fontes re- rum Germanicarum dirigidas por Boehmer, nas Fontes reriim austriacarum publicadas pela Academia de Viena, na colecção das Chroniken der deustschen Staedt, etc, etc.

O agitado período da Reforma está admira- velmente representado na historiografia alemã do século XIX quer pela publicação das documenta- ções, pelos seus extractos, excerptos, citações e índices, quer pela grande quantidade de livros e revistas que dela teem tratado, pertencendo à primeira categoria a Bibliotheca biographica lu- therana, de Vogel; a Enciclopédia de Teologia protestante, de Herzog; a colecção das obras de

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LuTHERO na edição de Erlangen, em sessenta e sete volumes, de 1826 a 1879; a Analecta Luthe- rana, de Kolde ; as colecções de documentos so- bre esse período reunidos por Foerstemann, Balau, Brieger, etc, etc. (i).

Mas, não é acerca da Reforma que teem sido numerosíssimas as obras e, até, as colecções inteiras, aparecidas com a publicação de manus- critos. Também a Guerra dos trinta anos que adveio daquele importante acontecimento histó- rico pela intolerância dos católicos reorganizados em Trento e enquadrados e disciplinados pelos jesuítas, e pelo calor proselitico dos calvinistas e demais protestantes exaltados pelos actos de fa- natismp católico de Fernando II, tem sido objecto de muito numerosas e importantes publicações de documentos sobre essa luta que, desde a de- fenestração de Praga e da aclamação de Fernando até à paz de Westfalia, absorveu completamente com pequenos intervalos toda a vida da Europa (2).

Depois de Munster e de Osnabrúck o chamado Santo Império ficava materialmente arruinado e

(O Ver sobre a Reforma na Alemanha, em França e em In- glaterra as bibliografias publicadas, respectivamente, por Ernest Deniz, Ferdinand Buisson e Ch.-V. Langlois, no tomo iv da His- toire Générale de Lavisse e Rambaud, pág. 451 a 454, 535 e 536, fgS e 596.

(2) Não seremos nós que iremos dar, sequer de relance, tal bibliografia que se encontra na Quellenkunde der deutschen GeS' chichte, de Waitz ; na Histoire de la Guerre de Trente ans, de Chervériat; na Histoire Générale^ de Lavisse e Rambaud, tomo v, pág. 583 a 586 e seg.

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desorganizado sob o ponto de vista administra- tivo, se bem que a Alemanha protestante moral- mente ficasse satisfeita com o estabelecimento de statu quo religioso de Passau e Augsburgo.

A fraquesa do poder central era cada vez maior, resultando daí uma pulverização do poder sem- pre mais completa e manifesta. O imperador não passava de uma palavra de protocolo; êle era como dizia Frederico II : «o chefe eleito de uma nobre república de príncipes».

Mas, nesse período que vai de 1648 a 171 5 assiste-se a um acontecimento cujas conse- quências mediatas chegaram até nós, e não se sabe quando e como terminarão : vê-se o grande eleitor do Brandeburgo transformar-se em rei na Prússia para se tornar, na verdade, rei da Prús- sia. Apesar de todas as promessas e de todos os compromissos a Prússia começava com Fre- derico I a tornar-se o núcleo de formação de uma grande potência que teve a sua sanção imperial em 1870, e que di\-se acabou em Versail- les em 1919.

Como é de calcular este período tem sido enor- memente estudado, dispondo de uma bibliografia histórica muito extensa. Entre as colecções do- cumentais limitar-nos hemos a citar os Ui'kunden imd Aktenstucke ^ur Geschichte des kurfilrsten Friedrich-Wilkelm von Brandenburg{\).

(i) De 1737 a 1754 apareceram os cinquenta volumes doí Teutsches Staatsrech, de Moser.

Í26

Durante o século xviii o chamado Santo Impé- rio não fez mais que continuar de facto a deca- dência a que o votara o tratado de Westfalia.

Sob o ponto de vista político o projecto ideo- lógico dos teorisantes da Idade Média transfor- mara a Alemanha num pavoroso caos de mais de 3oo Estados com as mais diversas designações desde os reis e arquiduques, dos condes pala- tinos e margraves até os landgraves.

Os poderes e atribuições dos chefes de tão adensada poeira de Estados mudavam em cada um, indo desde o absolutismo até às máximas liberdades republicanas e municipais, sucedendo mesmo tais variantes de governo no interior de algumas dessas poliformes células políticas onde os privilégios e as imunidades das senhorias, das abadias, ordens e capítulos monásticos e ecle- siásticos atingiam o inconcebível em matéria po- lítica e administrativa.

Mas, no fundo desse caos, no centro dessa ne- bulosa, um corpo se ia organizando, tomando vulto, constituindo pouco a pouco a sua ossatura, adquirindo consistência até à regidez, definindo as suas formas e deixando entrever os seus de- sígnios e projectos.

Esse corpo era a Prússia,

Hesitante ainda com Frederico I, atravessa a sua primeira fase de vascularização administra- tiva com Frederico-Guilherme, e de tenteante. torna-se firme com Frederico 11.

Como é de calcular, são numerosas e impor-

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tantes ascolectanes documentais constituídas pela grande erudição alemã acerca deste período.

Além das colecções do século xviii como as de J. J. MosER de que falamos a de Haeber- LiN, a de Harpprecht, de Von Roth, etc, é de enumerar a Correspondência Política de Frede- rico II, com mais de trinta volumes ; as Miscel- laneen acerca da história de Frederico-o-Grande, editada pelos Arquivos Reais da Prússia; Acta Borusica ou Memorias sobre a organização polí- tica da Prússia no século xviii; as Memórias da margrava de Baireuth ; Cartas de Frederico- Guilherme Ia Leopoldo de Dessau, por Krauske, igo5; a Correspondência intima de José II com Coblent^l e Kaunit:{, por Brunner, 1871, etc, etc.

Durante a Revolução e até ao golpe de Estado do treze vendimário que havia de tornar possível a Napoleão o tornar-se imperador dos franceses, são numerosíssimos os documentos de toda a ordem diplomas, correspondência política e diplomática, relatórios oficiais, memórias e cor- respondências particulares, etc. que teem sido publicados durante o século xix, e até 19 14.

Entre tantíssimos outros trabalhos indicaremos apenas os Annalen Europeische, por E. Posselt ; a colecção dos Teiitsch Staatskan^ley, em trinta e nove partes, por J. A. Reuss ; as Mémoires tires d es papiers d^unhomme d^Etat sur les causes secré^ tes qui ont determine la politique des cabinets dans la guerre de la Revolution. depuis i']g2 jusqu^en i8i5y em treze volumes, por Beauchamp e Schu-

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bart ; as Memórias da condessa de Lichtenau, de CusTiNE, de Massenbach ; os escritos de F. de Gentz, de ViVENOT ; as Histórias de Van Alpen, etc, etc.

O governo napoleónico marca para a Alema- nha uma época de enorme perturbação e de transformações senão profundas como afirma Ernest Denis pelo menos incisivas e rápidas. Desde a organização da confederação do Rheno, a seguir à vitória de Austerlitz, até à ruina do Grande Exército e à guerra da independência, toda a vida politica alemã decorre numa cons- tante agitação. Não admira que sejam múlti- plos os vestígios documentais dessa época bas- tantes dos quais teem sido publicados (i).

Também, o lapso que vai da conferência de Viena à revolução alemã de 1 848 é para a exis- tência da confederação Germânica uma época de agitação de ideas literárias, políticas e sociais.

A Prússia que, como os demais Estados ale- mães, havia ficado arruinada, e administrativa e economicamente desorganizada, melhora os seus serviços e refaz as suas finanças, completando

(i) Na impossibilidade de traçarmos uma biografia, mesmo su- cinta, deste período o que acresceria muito este trabalho, limi- tamo-nos a indicar algumas obras que tem boas indicações bi- bliográficas, como : M.me de Stael, l'Allemagne; a citada biblio- grafia de Dahlmann-Waitz, na Quellenkunde der deutschen Ges- chichte; a colecção da Revue Historique^ especialmente os artigois de N. Philippson ; as monografias de Ernest Denis in Histoire General de LaviSse e Rambaud, tomo ix, pág. 5oo a 5o6 e 583 a 622, etc,

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essa importante obra da regeneração económica com a criação do Zollverein.

Com a criação da Universidade de Berlim e a organização do Ministério da Instrução o ensino melhora e progride extraordinariamente. É a época do teólogo Schleiermacher, dos juristas Gans e Savigny, do filósofo Hegel, do criador da geografia moderna Karl Ritter, de A. Boekh,

LaCHMANN e WiLKEN.

É também a época em que Bopp cria a filolo- gia comparada, e Guilherme de Humboldt funda a linguistica ; em que Eichhorn aparece com o seu Journal da sciência histórica do direito e inicia a Colecção de inscrições latinas, em que Ranke surge com os seus trabalhos notáveis quando se chega à sua História dos povos romanos e germânicos, à História dos papas (1834 a i836) e à Alemanha na época da Reforma (1889 a 1847).

É; emfim, a época do grande renovamento dos estudos históricos na Alemanha com o apareci- mento da monumental colecção, algumas vezes aqui citada, dos Monumenta Germaniae histórica, com a criação, nas Universidades, dos seminários ou institutos históricos, e com a aparição dessa geração de historiadores eminentes que vem de Ranke, Oncken, Waitz, Droysen e Sybel até Trei-

TSCHKE.

Não admira, pois, que estes períodos que se seguem hajam merecido aos historiadores, aos eruditos, colectores e investigadores alemães a mais constante atenção, enriquecendo a historio-

3o

grafia com a publicação de numerosíssimos do- cumentos (i).

Além da Prússia os outros Estados da Alema- nha teem os seus órgãos de erudição, os seus arquivos e bibliotecas, as suas revistas, boletins, anuários, etc.

Ainda na Alemanha propriamente dita que considerar os trabalhos da Academia de Sciên- cias de Berlim como o Corpus inscriptionum lati- narum a obra prima da Academia dirigida por MoMMSEN, e que é a grande colecção tipo das pu- blicações do género (2); o estudo das obras de Platão e de Aristóteles (3) ; a elaboração : do Cor- pus scriptoriim historiae by^antinae a chamada Byzantina de Bonn, da famosa edição das obras de Frederico. II elaborada pela «Commission fiir die poHtische Gorrespondenz Friederichs des Grossen», do Corpus inscriptionum gi^aecorum, do

(i) São tão numerosas as colecções ou obras isoladas com a reprodução de manuscritos de toda a ordem diplomas, relató- rios, papéis parlamentares, memórias, diáinos, etc. que nos limi- tamos a remeter o leitor para a citada obra de Dahlmann- Waitz, para o Manuel de Bibliog?'aphie Historique, de Ch.-V. Langlois, e para as bibliografias que seguem os capítulos de Ernest Denis sobre a História da Alemanha, nos tomos x, xi exii da Histoire General, de Lavisse e Rambaud.

(2) Acerca da marcha dos trabalhos na organização deste Corpus ver: Gh.-V. Langlois, ob. cit., pág. 428 a 427.

(3) e edição académica de Aristóteles por J. Bekker, termi- nou em i836, e o índice em 1870, A seguir publicaram-se os Co- mentaria in Arisiotelem graeca, Supplementani aristotelicum.

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Corpus inscriptionum atticarum, dos Corpos de inscrições gregas do Peloponeso, da Cicilia, da Itá- lia e da Europa ocidental.

São ainda de notar os trabalhos para a colec- ção das obras dos escritores eclesiásticos gregos até Eusébio; a Prosopografia do império romano; a publicação das obras de Cornelius Fronto, e a do Código Teodosiano; os trabalhos do Voca- bularium jurisprudentiae Romanae, dos Acta Bo- russica, etG<

Também é de citar pelos seus trabalhos de eru- dição a Academia Real das Sciências da Baviera, cuja Comissão histórica tem publicado impor- tantes obras como uma Colecção das chance- larias dos reis alemães ; outra das crónicas ale- mãs dos séculos XIV a xvi; a vida das Hansas, de 1256 a i53o; uma colecção de cantos populares alemães, dos séculos xiii a xvi ; e, especialmente^ a famosa colecção dos Anais da história alemã, a partir de 714; e as duas séries do Dicionário Biográfico^ e a colecção das monografias sobre a História da S ciência na Alemanha.

ainda a lembrar a Sociedade das Sciências de Leipzig que tem trabalhado no Corpus glos- sariorum latinorum; e no das inscrições etruscas; e a Sociedade Scientífica de Gõttingue, fundada no meado do século xviii, e que se tem ocupado de uma edição crítica dos diplomas pontifícios até ao governo de Inocêncio III.

Também, a Áustria tem publicado diversas grandes colecções de obras históricas e arqueo-

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lógicas principalmente as editadas pela Comis- são de estudo dos diplomas e correspondências re- lativas à história da Áustria^ pela Comissão central para o exame e conservação dos monumentos his- tóricos e artísticos - cri-ada em 1 853, reorganizada em 1899, e que tem publicado desde 1903 as suas Comunicações as Mittheilungen e os seus Anuários ; pelo Instituto austríaco de estudos his- tóricos— estabelecido em Roma, desde 1880, de- baixo da direcção da Academia das Sciências de Viena, e que tem publicado bastos volumes de Comunicações sobre a história da Áustria, os do- cumentos dasnunciaturas alemãs depois de 1 559, etc.

A Academia das Sciências de Viena tendo sido criada em 1 847 dedicou-se logo ao trabalho com sumo ardor. Entre outras obras importantes publicadas por essa instituição que salientar as Fontes reriim austriacarum, dividida em duas colecções : Scriptores, e Diplomataria et Acta das quais teem aparecido várias dezenas de volu- mes (i); os Monumenta Conciliorum generalium

(i) Apesar de se ter resolvido, ao planear as Fontes^ que estas contivessem documentos até Maximiliano I, o certo é que o corpo da Diplomataria et Acta tem publicado várias colecções de papéis oficiais posteriores àquele reinado, isto é a iSig em que começou a governar Carlos V papéis esses que constam de re- latos dos embaixadores venezianos na Alemanha nos séculos xvi, XVII, etc , dos documentos diplomáticos sobre o Congresso de Soissons, de 1729 a 1752, e das fontes da história da Áustria du- rante a Revolução francesa.

Gomo publicação periódica das FoMíes teem existido os Afliti- vos da História Austríaca.

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saeculi decimi qiiinti, ele. ; os Monumenta habsbiir- gica mais tarde abandonada ; o Corpus scrip- torum ecclesiasticorum latinoriim que tem pu- blicado algumas dezenas de volumes de textos e de inquéritos sobre manuscritos patristicos dos depósitos italianos, espanhóis e ingleses (i); e várias publicações de natureza bibliográfica, lexi- cográfica, filológica, arqueológica, epigráfica, nu- mismática, etc. (2).

Também a Suiça alemã não tem ficado indi- ferente à publicação de colecções de documentos inéditos se bem que a obra realizada fique muito àquem dos desígnios e dos trabalhos em proje- cto (3).

3.° Inglaterra

Se bem que a laboriosidade da Inglaterra, quantoàpublicação de inéditos, esteja muito l^^ge

(1) Trata-se da colecção da Bibliotheca patrum latinarum Itá- lica, Hispanensis, Britannica, etc.

(2) ainda a recordar as obras colectivas produzidas pela federação das Academias e Sociedades Scientíficas da Prússia, Áustria, Baviera, Saxe e Hanover. A esse Cartel ou associação scientífica deve-se o Thesaurus Linguae latinae, uma Enciclopé- dia das Sciências Matemáticas, e um Dicionário da língua egípcia.

Muitos outros exemplos poderiamos dar de trabalhos feitos em comum pela federação destas e de muitas outras instituições scientíficas.

(3) Alem das instituições scientíficas apontadas e das obras acima aludidas muitas outras colectividades alemãs teem publi- cado numerosíssimas colecções de inéditos. Ver a série bem re- cheiada, se bem que ainda incompleta, indicada por Ch.-V. Lan- GLOis, ob. cit., pág. 443 a 469.

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de se poder comparar com a da Alemanha, e fique muito àquêm das forças dos seus recursos financeiros e das riquesas dos seus arquivos, contudo, deve dizer-se, que no decorrer do sé- culo XIX bastante ali se trabalhou nesse sentido.

Todo o trabalho de publicações foi precedido em Inglaterra por uma completa reorganização dos seus depósitos de manuscritos. A obra rea- lizada tem sido importante, o que levou Jules Flammermont a escrever: «Cest FAngleterre qui, jusqu'ici, a fait dans cette voie les plus grands progrès». E acrescenta: «En même temps que s'opérait la réunion de tous les anciens dêpôts d'archives londoniens dans le Public Record Of- fice, le directeur de ce grand établissement scien- tifique donnait une vive impulsion à la mise en train de cette belle collection des Calendars . . . (i).

Efectivamente, entre as principais publicações de inéditos in extenso ou em extracto, realizadas em Inglaterra, figuram as Publications of the Re- cord Commissioners (2), que depois se interrompe- ram, ficando em sua vez os Calendars of Stat Papers . . . que teem por fim descrever os docu-

(i) Ver Jules Flammermont, Les correspondances des Agents Diploviatiques étrangers en France avant la Révolution^ in Nou- velles Archives des Missions scientifiques et Litteraires, tomo vin, 1896, p ágil.

(2) Nesta colecção teem aparecido entre outras publicações de vulto a reedição dos Foedera de Rymer, os Statutes of the Realm; as colecções dos papéis mais antigos das chancelarias dos Plantagenetas, e dos inventários dos arquivos da coroa, e o State Paper during the reigne of Henry VIII.

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mentos por ordem cronológica e não da coloca- ção nos depósitos (i).

Essa colecção dos Calendars dividiu-se em três séries conforme as secções do Satate Paper Office e a natureza dos serviços das antigas se- cretarias de Estado: as Domestic Series relati- vas aos serviços internos do país, e das quais teem aparecido algumas dezenas de volumes com pa- péis dos séculos XVI, xvii e xviii; as Foreign Series de que se teem editado muitos volumes sobre as relações externas da Inglaterra no século xiv; e as Colonial Series que igualmente tem publi- cado muitos papéis relativos às colónias britâni- cas (2).

(i) As descrições documentais feitas nos Calendars constam não da análise dos manuscritos como dos extractos, e, até, por vezes, de longas transcrições segundo a importância dos docu- mentos estudados. O primeiro tomo dos Calendars apareceu em i856.

(2) ainda a considerar as séries do Calendar Paper relating to Scotland, a do Calendar State Paper s relating to Ireland, etc, etc. que sobem a dezenas de volumes publicados, bem como o Calendar oj the Patent Rolls desde Enrique II, com dezanove volumes; o Calendar ofthe Close Rolls a partir de Eduardo I, com II volumes; o Calendar of the Carew Papers^ preserved in the Lambei/l Library que atinge seis volumes; a famosa série do Calendar of letters, despatches and State Papers relating to negotiations beteween England and Spain, preserved in the Ar- chives at Simancas (dos séculos xv e xvi, em seis volumes), devido às investigações de Bergknroth e de Pascual de Gayangos.

Acerca desta publicação vêr Jules Flammermont, ob. cit.^ pág. nr.

São ainda de notar na mesma grande colecção a série, com mais de dez volumes, do Calendar of State Papers and manuscri- pts relating to english affairs, preserved in the Archives of Venise

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Mas, assim como se resolveu limitar a extra- ctos ou a inventários mais ou menos analíticos dos manuscritos o que anteriormente se costu- mava fazer de publicar os documentos in integro nas colecções dos Record Commissioners, também, mais tarde resolveu-se simplificar mais a elabo- ração dos Calendars dos ouXvos fundos ingleses, continuando-se com o processo antigo nos inven- tários dos manuscritos do State Paper Office.

ainda a citar a importante colecção dos Annual Reports of the Deputy keeper of the Pu- blic Record s que atinge bastantes dezenas de volumes, tendo publicado muitas centenas de do- cumentos políticos, diplomáticos, administrati- vos, etc.

Além de todos os trabalhos até agora enume- rados tanto no texto como nas notas deste nosso estudo, são ainda de salientar as investigações feitas nos arquivos e bibliotecas de Roma, espe- cialmente nos do Vaticano, pelo R. Josefh Ste- venson(i), e continuadas por. W.-H. Bliss de que resultou a publicação de extractos dos des- pachos dos núncios em Espanha, França, Flan- dres, Alemanha dos séculos xvi e xvii, e relativos

dos séculos xiii a xvpi cujo primeiro volume, de Rawdon Bbown, apareceu em 1864; o Calendar of entriés in the papel registers^ illustrating the history of Great Britain and Ireland.; e o Calen- dar of documents in France, illiístrative of the history of Great Britain and Ireland; etc.

(1) Stevenson tem no Calendar Foreign Series estudos sobre o reinado de Isabel.

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a assuntos ingleses (i), além da edição de uma excelente colecção de cartas dos papas relativas à história da Inglaterra e da Irlanda na Idade Média, pelo laborioso Bliss.

Este mesmo investigador fez também, por conta do governo inglês, estudos nos arquivos e biblio- tecas de Stockolmo onde copiou muitos docu- mentos relativos à Inglaterra.

Da mesma forma^, os depósitos de manuscritos da Dinamarca foram estudados no ponto de vista inglês por William Dunn Macray, o qual com- pletou as investigações de Bliss quanto aos pa- péis dos depósitos suecos (2).

Ainda com relação a estudos feitos no estran- geiro, por conta do governo inglês, sobre história da Inglaterra, são de citar os de Armand Baschet relativos ao período desde a aclamação de Enri- que VIII até à morte da rainha Ana, especialmente dos despachos dos embaixadores franceses em Londres (3).

Além da Inglaterra propriamente dita também a Escócia e a Irlanda teem as suas publicações

(i) Esses trabalhos encontram-se relatados nos Annual Re- ports of the Deputy Keeper^ volumes 34.0, 35.°, 36.", 39», 40.°, 41.° e 42.° Nos volumes 45.° e 48.° figuram os instrutivos Relatórios de Bliss.

(2) In Annual Reports, volumes 45.° a 48.°

(3) Idem, volume 37.», pág. i8o a 194; e volume 39.°, de 1878, pág. 573 a 826 em que foi publicado o Reperíoire General de tou- íes les dépêches et autres documents appartenant aux correspon- dances des ambassadeurs de France successivement accrédités en Angleterre depuis le régne d' Henry VIII jusqu'au régne de George li, i5og-i7i4.

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especiais de erudição como os Scottish Record Publications, destinadas aos documentos inéditos da Escócia, e os efémeros Irish Record Publica- tions para os da Irlanda.

ainda a notar que depois de algumas ten- tativas abortadas dum Monumenta histórica bri- tânica o governo inglês resolveu fazer publicar uma colecção de crónicas e memórias da Grã- Bretanha e Irlanda durante a Idade média com o título, em idioma pátrio, de The Chronicles and Memoriais of Great Britain and Irland during the middleages, e o latinizado de Reriim britanicarum medii aevi scriptores (i).

Além destas publicações de carácter oficial ainda a notar as editadas por outras instituições e revistas, algumas das quais bastante produzi- ram, tais como a Caxton Society e a English his- torical Society ambas extintas e que publica- ram muitos documentos, crónicas, etc. ; as The Camden Society, the Britsh Record Society, Har- leian Society que teem publicado documentos históricos do maior valor, e esta última tornou

(i) Nesta colecção teem sido publicadas as crónicas anglo- saxónica de Mateus de Paris, Ralph de Dicét, Rooer de Hone- den; documentos jurídicos, colecções de cartas, obras literárias, cartulários, documentos administrativos como The Red Book of the Exchequer. ; municipais como os Munhnenta Gildhallae Londoniensis ; e os académicos tais os Documents iUustrative of academical lije and studies at Oxford.

Alguns dos volumes desta colecção das Chronicls and Memo- riais teem introduções e prefácios da autoria de W. Stubbs, o qual mais tarde os reuniu em volumes.

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conhecidos muitos obituários e registos monásti- cos ; a Selden Society que se tem especializado na história do direito inglês; a Navy Records Society que tem publicado documentos dos arquivos da marinha, etc, etc.(i).

Traçando, de uma forma muito sucinta, uma bibliografia ideográfica, ou por assuntos, da his- tória da Inglaterra, devemos relembrar que, se a erudição inglesa não tem acompanhado passo a passo a da Alemanha e da França, nem por isso deixa de ser importante.

Assim, para o período medieval, do século v ao XI, encontram-se publicadas, além das cróni- cas de TwsYDEN e Selden, de Fulman e de Galle

conhecidas desde a segunda metade do sé- culo XVIII, as crónicas publicadas pelos Monu- menta histórica Britânica que tem tido uma vida difícil, a importante colecção das Chroni- cles and Memoriais of Great Britain and Ireland

que tem publicado desde i858 mais de tre- •zentos volumes (2).

(1) Acerca dos arquivos da Inglaterra e das publicações iné- ditas levadas a efeito nesse país vêr: Jules Flammermont, ob. cii.^ 1896, pág. I a V ; Gh. Bémont, Les Archives publiques de VAngle- ierre et Vlnventaire des Papiers d'État, in Revue historique^ tômo xLvin, de 1898; colecção dos relatórios anuais do Deputy Keeper do Public Record Office insertos nos Parlamentary Papers^ com apêndices e anexos contendo inventários sumários e analíticos dos fundos estudados ; Ch.-V, Langi.ois, Manuel de Bibliographie His- torique, pág. 488 a 504.

(2) Nas Cronicles figuram, entre tantíssimas outras : as Histo- ria novorum, de Eadmer; a Historia Anglorum^ do arquidiácono Henry; as crónicas de Bento de Peterborough, de Raul de Di- ceto, a de Gervais de Cantorbéry, etc, etc. /

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É de notar que a Royal Historical Society, a Camden Society, a Anglia Christiana Society, e outras instituições scientificas teem pubicado muitas crónicas quer na íntegra quer em excer- ptos (i).

Quanto aos diplomas as chartae teem sido igualmente publicados no Codex diplomaticus aevi saxonici, de Kemble ; no Cartularium saxonicum, de Gray Birch que começou a aparecer em 1 883, além da famosa colecção de Th. Rymer de que falamos no capitulo anterior.

Acerca da compilação das leis desse período são de citar a colecção Tharpe Ancient laws and institutes of England ~- para o período anglo- saxónico ; os quatro volumes dos Tratados sobre os costumes, de Houard para o período anglo- normando ; e os dez volumes dos Statutes of the realm.

Quanto à história inglesa até ao século xiv, são de citar os documentos publicados por W. Stubbs nas suas Select charters, e os reproduzidos nos Annales monastici, etc, e nas numerosas publica- ções empreendidas pela antiga comissão dos Ar- quivos públicos ingleses, desde 1800 a i836(2).

Teem, também, sido publicadas pouco a pouco

(r) Assim, a Sociedade dos Antiquários de Londres tem pu- blicado documentos muito importantes, e feito notáveis repro- duções na sua memorável colecção Vetusta Monumenta.

(2) Acerca da publicação dos documentos <? índices feita por essa comissão, ver: Seargil-Bird, A guide to the principal of do- cuments preseceved in the Public Record Office (1891).

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numerosas crónicas acerca de Eduardo T, Eduar- do II, da agitada vida politica inglesa no tempo de Eduardo III, Ricardo II, Enrique IV, Enrique V, durante a menoridade de Enrique VI com os expedientes do duque de Bedford, as intrigas de Gloucester, as dificuldades de Enrique de Beau- fort ; e acerca da Guerra das duas rosas, como as crónicas de William de Rishanger publicadas por Th. Riley ; as do falso Mateus de Westmins- ter — as Flores Historiarum ; a Historia Angli- cana — de Bartolomeu de Cotton ; as Cronides of the reigns of Edward I, and Edppard 11 pu- blicadas nas Rolls series; os Annales de Nicolau Trevet editadas por Th. Hog na R. Historical Society, 1895.

Também, a colecção das Rolls series tem publi- cado muitas crónicas sobre o século xiv, como a Coníinuatio chronicarum, de Adão de Murimuth, 1 3o3 a 1 346; a De Gestis mirabilibus regis Educar- di III, i322 a i356, de Robert d'Avesbuy; a de Geofroi le Baker de Swynebroke Chronicon Angliae, i3o3 a i356, editada em 1880; e o Poly chronicon, de Ranulf de Higden, até i36o, e continuada até iSTy, na colecção das Rolls se- ries, em nove volumes.

Igualmente, sobre os acontecimentos dos tem- pos de Ricardo II, Enrique IV, Enrique V e a guerra que se seguiu são de citar o Chronicon Adae de Usk, de i3jj a 1404, publicado por E. M. Thompson, 1 876 ; a Crónica da traição e morte de Ricardo II, publicada na Engl. hist> SoCf

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1846, por B. Williams; as Gesta Hnrici V, do mesmo ; as Memoriais of Etiry VI, do secretário desse rei, Bekynton, publicadas, em 1872, por J. Williams ; a An english chronicle, por S. David, in Camden Society, 1 856 ; ^ Chronicle, de J. Wark- worth; as Pasten Letters, editadas, em 1872, por J. Gaisdner acerca da história da civilização, especialmeme dos costumes, etc, etc.

Com relação ao reinado de Enrique VII, são de notar a Vita regis Enrici VII, de Bernardo André_, publicada por J. Gairdner nas Rolls se- ries, em i858; os Materiais para a história do reino de Enrique VII, reunidos entre os manuscritos dos arquivos e publicados por Will. Campbell nas Rolls series, 1873, etc.

Sobre Enrique VIII, Eduardo VI e o seu rei- nado da «tirania protestante», e Maria Tudor ç a odiosa reacção católica são de enunciar as co- lecções do Calendar of letters and papers,foreing and domestic, of the reign of Henry VIII, de i5o9 a i538, publicado por Brewer e Gaird- ner, em treze volumes, de 1862 a 1898; o Ca- lendar of State papers,foreign series, ofthe reign of Edward VI, de 1547 ^ i553, publicado por W. B. Turnbull; e o Calendar, etc, do reinado de Maria Tudor, i553 a i558, pelo mesmo autor, em 1861.

Se bem que a história da Inglaterra durante a época tremenda de Isabel Tudor e de Maria Stuart parece não ter ainda na bibliografia inglesa, quanto às publicações documentais, o lugar im-

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portante que lhe assinalam os acontecimentos sucedidos, entretanto não está inteiramente em branco, e o mesmo sucede ao período que vai da morte de Isabel à execução de Carlos I.

O mesmo quási pode dizer-se do período repu- blicano e da época que vai da dissolução do ve- lho parlamento até à restauração dos Stuarts, com a aclamação de Carlos II.

Porém, desde o governo de Clarendon e de Dan- bry até à morte da rainha Ana, em 1714, é muito numerosa a documentação publicada, e que se encontra na colecção dos Statiites of the realm, tomos V, VI, VII e viii ; os Calendars \ of state papers, 1649 a 1667, em dezanove volumes, pu- blicados por EvERETT Green; as colecções de documentos parlamentares, de Cobbett; o Ca- lendar of the proceding of the committee for the advance ofmoney, por Everett Freen^ em três volumes, 1888 acerca da República e de Crom- w^ell; o Diary, de Burton, em quatro volumes, 1828 sobre o mesmo período (i), etc.

De Carlos II à rainha Ana aparecem, muito ci- tados, o Diary de Pepy, edição de 1898 ; a Cor- respondência^ em dois volumes, de Ellis, 1829 ; a Pripate and original^ correspondênce of Charles Talbot, Duke ofSchrejpsbury, publicada, em 1 82 1 , por Coxe ; as Memoirs of John Duke of MarlbO'

(1) Sobre a época da República e de Cromwell são muito ci- tados os Papers de Thurloe, em sete volumes, 1742, com enorme quantidade de documentos sobre o conselho de Estado no tempO dos Cromwells.

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rough with his original correspondance; 1820, em seis volumes, editadas pelo mesmo Coxe e com- pletadas com The letters and Dispatches of J. D. of Marlborough, edição de Murray^ 1845, etc.,. etc.

O século XVIII inglês constitue uma época muito importante na história geral. Com Jorge I, prín- cipe antipático e estranho, a coroa começa a per- der o seu velho prestigio.

Não mais monarquia de direito divino, não mais rei omnisciente e indiscutível, pois o hanove- riano monarca, alemão em tudo, para nada saber desconhecia uma palavra de inglês. O prestígio e a força moral e efectiva que a realeza ia pouco a pouco alienando com o parêntesis do reinado de Jorge III vão sendo ganhos pela câmara electiva e pelo chefe do governo ou primeiro mi- nistro, especialmente quando este se chamava R. Walpole, William Pitt ou Robert Peel.

Se é durante o governo do primeiro que a In- glaterra, atravessando um longo período pací- fico de vinte e um anos, pode organizar-se eco- nomicamente, é durante a ditadura do segundo que a Inglaterra se espande, grangeando uma forte posição internacional e adquirindo nume- rosas colónias enquanto os Estados do continente se esgotavam nas contínuas guerras das Suces- sões de Espanha, da Polónia e da Áustria, guerra dos sete anos, etc.

Mas, acima dos seus progressos materiais (JUe especificar que neste período aparece^ com

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o panfleto North Briton de Wilkes e as Cartas de JuNius, a imprensa política que pouco a pouco vai adquirindo importância até se tornar a força invencível que é hoje.

Tal período é representado na literatura histó- rica inglesa por numerosas publicações de docu- mentos, especialmente as Correspondências e as Memórias^ sendo de citar o Calendar of Home Office Papers, 17Õ0 a 1772, editado por Reding- TON em 1 878 e continuado por Roberts em 1 88 1 ; a importante colecção da Parliamentary History of England, começada por Cobbett, e continuada por Cavendish sob o título de Debats ofthe hoiise of Commons (1768 a 1771), edição de Wrigth, em dois volumes, de 1841 ; o Diary (17 14 a 1720), de Mary Cowper, em oito volumes, 1864; as Me- moirs of the reign of George, de Lord Hervey, em dois volumes, 1 848 : as Historical and posthu- mous memoirs, de Wraxall, em cinco volumes ; as Memórias do reinado de Jorge 7//(i 760 a 1 772), de H. Walpole, em quatro volumes, em 1894(1); as Memórias de Chesterfield^ de 1893 ; as de Ro- CKiNGHAM, em quatro volumes, em i852, e as de Henry Grattan, em cinco volumes, editadas por seu filho em 1889 ; os Papers de Grenville, i852, em quatro volumes, etC; etc.

O período da Revolução francesa tão cheio, na política britânica, de incidentes desde as ma-

(i) Do mesmo H. Walpole são de citar o Journal ofthe reign (1771 a 1783), em dois volumes, edição de Doran, iSSg; e as Let- terSi en^ nove volumes, edição de Cunningham, de 1880. 10

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nifestaçôes das «Sociedades de correspondência», de Londres, em favor da Revolução, e das pugnas parlamentares entre Fox, Burk, Tierney e o chefe do governo Villiam Pitt até aos reflexos da morte de Luís XVI sobre a politica inglesa ; às medidas de repressão contra os sediciosos e perturbado- res da ordem, especialmente os irlandeses revol- tados; a entrada da Inglaterra nas coligações do continente contra a Revolução francesa ; às per- turbações populares de Londres ; à revolta das esquadras de Portsmouth, e do Tamisa, etc, tal período iamos dizendo tem a sua biblio- grafia documental bastante rica.

Nela figuram : a Correspondence de W. Pitt, i 890; os Diaries and correspondence of Rose, 1860; os Discursos de Pitt, em três volumes, 18 17; os de Fox, em seis volumes, 1 8 1 5 ; as Memoriais and correspondance of Fox, edição de John Russell, em três volumes, i853'; as Memoirs of the jphig party during my times, de R, Holland, em dois volumes, 1854; as Memoirs of the courtand cabi- nets of George the third, edição do duque de Bu- ckinghhm, em quatro volumes, i863; etc.

As mesmas publicações documentais podem citar-se para a história inglesa durante a época napoleónica.

A partir do congresso de Viena até à queda simpática do generoso Robert Peei, em 1846 depois de conseguir vêr votada a lei autorizando a entrada livre dos cereais em Inglaterra a his- tória deste país é agitada não por lutas poli-

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ticas como por uma profunda crise económica e por uma grave questão social da qual o «mas- sacre de Manchester» foi uma das mais ostensi- vas manifestações, sem excluir os escândalos do- mésticos entre a família real, dada a vida irregu- lar que o libertino Jorge IV e sua esposa, a rai- nha Carolina, levavam cada um para seu lado.

E de recordar que essa é a época de Castle- REAGH, e Liverpool, do lord John Russel, de Can- NiNG, do livre-cambista Huskisson que tornou possível o aparecimento das Trade-Unions, de Robert Peei, do duque da Vellington, dos condes Grey e de Shaftesbury, de 0'Connel e Cobden, etc, etc.

E também essa a época das reformas econó- micas e sociais dos tories, da reforma eleitoral e da reforma social dos wighs, e das reformas mu- nicipais, postais e escolares.

Assim, acerca desse período as obras, publi- cando documentos, consistem nas colecções de legislação e de papéis parlamentares e em Me- mórias, correspondências e discursos dos políti- cos de mais nomeados nesse tempo. Outro tanto sucede nos períodos posteriores até à actuali- dade.

4.° Itália

Terminadas as lutas napoleónicas e acalmado o nervosismo que desencadeou, especialmente nos países do sul, a acção retrógrada e as vio- lências intervencionistas da Santa Aliança, le-

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vando mais uma vez à invasão da Itália pelos austríacos o que provocou a natural reacção de carácter liberal e patriótico, começam a apa- recer aqui e ali, na Itália, sintomas de renasci- mento scientífico.

Entre eles figura a criação, em Turim, em Abril de i833, pelo rei Carlos Alberto da Regia Depu- ta^ione sopra gli studii di Storia pátria destinada «a trabalhar na publicação de uma colecção de obras inéditas ou raras que interessem a história nacional, e num « Codex diplomaticus dos nossos Estados».

Efectivamente, essa comissão, que funcionava na Secretaria de Estado do Interior, publicou algumas obras muito importantes como os Monu- menta historiae patriae com, pelo menos, vinte volumes; a Biblioteca storica italiana (r); e a co- lecção das Miscellanea di storia italiane^ criada em 1860.

Foi neste mesmo ano que foram criadas outras três comissões de história pátria como a de Tu- rim, em Bolonha, Modena e Parma.

A Regia Deputa^ione per le provinde di Roma-

( I ) Na série da Biblioteca storica italiana foi publicada a im- portante Bibliografia storica degli Stati delle Monarchia di Sa- voia, por Manno e Promis, em seis excelentes volumes, dos quais o primeiro trata da história geral e os outros da história local.

Essa obra que se publicou em Turim, entre 1891 e 1898, é do melhor no género que na Península itálica, pois contêm uma bibliografia completa dos velhos Estados da casa reinante da Sa- bóia.

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gna extendendo a sua jurisdição a Bolonha, Fer- rara, Forli e Ravena tem agrupado as suas pu- blicações em cinco séries : Statuti, Carte, Crona- che, Atti e Memorie, Documenti e Studi; a Deputa- :{ione de Modena compreendendo Modena, Reggio-Emilia, Massa-Carrara tem publicado os Monumenti di storia pátria delle provinde Mo- denesi com três corpos : Cronache, Statuti, Atti e Memorie; a de Parma tem publicado os Monu- menti, divididos em Chronache, Statuti, Códice di- plomático, além de uma Bibliografia storica delle provinde Parmensi.

Dois anos depois, por decreto de 27 de No- vembro de 1862, era criada a Regia Deputa:{ione sopra gli studi di Storia pátria per le provinde tos- cane et per VUmberia; sendo anexadas, também, então a Comissão histórica da Regia Accademia de Luchese e a Sociedade florentina que publicou o famoso Archivio storico italiano.

Reorganizada em 1 864 essa Deputa^ione con- tinuou a publicar o Archivio que aparecera pela primeira vez em 1842 «dont le role politique informa Langlois avait été comparable à celui de la Societé dos Monumenta Germaniae histórica, en AUemagne, et dont le role scientifique est reste de premier ordre» (i).

Ainda essa operosa Deputa^ione toscana tem publicado a partir de 1 867 uma colecção de Do-

(i) Langlois, ob. cit,, pág. 5i5 e 5 16.

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cumenti di storia italiana^ especialmente relativa ao passado da Toscana, Ombria e Marcas.

Além de todas estas Deputaiioni ou Comissões de trabalhos históricos umas, como as de Turim e Florença, bastante subsidiadas pelo governo depois da unificação italiana, outras a expensas dos organismos e subscritores locais muitas outras instituições teem existido na Itália dedi- cadas aos estudos e publicações da história de Itália.

Podemos enumerar entre outras a Regia De- puta^ione di storia pátria de Veneza (i); a Società ligure di storia pátria, com a sede em Génova (2) ; a Societá siciliana di storia pátria (3) ; a Societá napoletana di storia pátria (4) ; a Societá storica

(1) Esta comissão veneziana, criada em 1873, começou três anos depois a publicar os Monumenti di storia veneta.

Esta muito importante colecção consta de cinco séries : os Documentos e regestos. Estatutos e leis, Crónicas, Miscellânea, e Actas da Sociedade.

Também, a Deputapone publicou a grande e importante co- lecção dos Diarii de Marino Sanudo, que apresentam grande im- portância para o conhecimento da história de Itália e da história da Europa em geral. Ainda essa comissão tem publicado a sua Revista que era o Archivio veneto, depois de 1891 intitulado Nuovo Archivio veneto.

(2) Esta Soc/eíá, fundada em iSSy, tem publicado os ^í/i delia Societá ligure.

(3) A Societá siliciana, fundada em Palermo em iSyS, publica o Archivio siorico siciliano e os Documenti per servire alia storia di Sicilia, em quatro séries : Diplomática, Fonti dei dirito siculo, Epigrafia, e Cronache.

(4) A Societá napoletana, criada em 187 5, tem publicado o Archivio storica per le provinde napoletane, e os Monumenti sto- rici.

i5i

lombarda (2) ; a Regia Societá romana di storia pá- tria (2) ; etc, etc.

Mas, faltava um organismo que coordenasse o trabalho dispersivo das comissões e sociedades locais de história, emfim, que centralizasse as funções de plano e de trabalho iniciais, e irra- diasse acção, conseguindo de todos os organismos locais um trabalho conjugado e sinérgico.

Foi isso que se começou a obter com a fun- dação, em Roma, do Instituto storico italiano^ em i883.

Caracterizando esse organismo escreve Lan- GLOis : «O Instituto storico italiano, instalado no Palazzo dei Lincei alia Longara, em Roma, cor- responde ao mesmo tempo ao «Comité dos tra- balhos históricos» que funciona junto do Mi- nistério da Instrução pública francês e ao Comité directivo da Sociedade dos Monumenta Germa- niae storica» (3).

Apesar de jovem é muito importante a folha de serviços do Instituto. Tem êle publicado^ a partir de 1 887, as Fontiper la storia d' Itália, com quatro séries : Scrittori, Epistolari e regesti, Statuti, e Leggi, sendo essa colecção geral inaugurada pela publicação das Gesta Frederici I in Itália.

(i) A Societá lombarda, fundada em 1876, tem publicado o Archivio storico lombardo.

(2) Foi fundada em 1877, e tem publicado o Archivio delia Re- gia Societá romana, a sua Biblioteca., e os Monumenti paleogra- fici di Roma, onde teem aparecido importantes colecções de di- plomas imperiais e reais e das chancelarias italianas.

(3) Ch.-V. Langlois, ob. cit., pág. 517.

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Se bem que a colecção das Fonti tinha em vista substituir e continuar os Scriptores rerum italicarum de Muratori, da primeira metade do sé- culo xviii, viu-se a dificuldade, senão impQssibi- dade, de levar a efeito, sem enorme despesa e grande demora, tão monumental e difícil aspiração pelo que se desistiu dela, tornando-se tais Fonti uma colecção de documentos inéditos, especial- mente relativos à história de Itália na Idade Mé- dia. Alem das Fonti, tem publicado o Instituto o seu Bulletino.

Muitas outras instituições, revistas e boletins teem aparecido consagrados aos estudos históri- cos e bibliográficos, documentando uma vida scientííica extensa e progressiva (i).

Se a Itália, por motivos de ordem política en- tre os quais é de especializar a sua tardia unifica- ção, não tem ainda uma literatura histórica muito opulenta quanto á publicação dos seus inéditos, e se tomarmos em consideração a riquesa docu- mental dos seus arquivos, não dúvida que no decorrer do século xix, e até agora, não ficaram completamente inactivos como temos visto os prelos quanto à divulgação dos documentos.

(i) Para um mais desenvolvido conhecimento do progresso das sciências históricas em Itália, quanto à organização dos seus arquivos e bibliotecas, à publicação das colecções de inéditos, e ao ensino superior da história, ler : Rivista filosófica, 1900, pág. 3 19; Rivista storica italiana, 1 890, pág. 649 ; colecção do Bullotino do instituto storico; Journal des Savants, 1908, pág. 491, etc. acerca das publicações áà Academia dei Lincei; Ch.-V. Langlois, ob.cit., pág. 5i3 a 524.

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A colecção dos Monumenta historiae, de Turim a que aludimos tem publicado vários diplo- mas, crónicas, anais, etc, tais como o Liber ju- rium repiiblicae Januensis, editado por Ricotti ; as Crónicas^ de Asti, etc, etc.

Outras crónicas teem aparecido no, acima aludido, Archivio storico italiano, como os Annali veneti^ de Malipiero; o Chronicon de Matarazza; a Crónica de Martin de Canal, etc.

Apesar disso, e do concurso fornecido pelos ins- titutos históricos estrangeiros como os da Ale- manha, Áustria, França, etc, que teem funcionado em Roma e publicado numerosos manuscritos dos arquivos italianos são ainda muito numerosas as crónicas que estão por publicar acerca da agi- tada história italiana dos séculos xiii, xiv até ao fim do século xvi à abdicação de Carlos V, à batalha de S. Quintino e ao tratado de Cateau Cambresis. Contudo, é de notar que acerca desse período estão impressos : o Chronicon de Salimbene Parmensts, as Crónicas de Leonardo Bruni, o De Gestis italicorum post mortem Hein- rici VII; as Vidas dos homens ilustres do século XV, de Vespisiano de Bisticci; o Diário de Burchard, edição de Thuasne(i); as Relacione de gli ambas- ciatori veneti, por Alberi, 1889 a 1862; o Carta- gio diplomático dei I4g3 ai I4g6, por Cesare Fou-

(i) Trata-se da edição de Paris, i883 a i885, publicando, em apêndice, vários documentos diplomáticos inéditos dos arquivos de Florença muito importantes para a história do pontificado de Alexandre VI.

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CARD ; a Storia documenta de Vene^ia^ de Romanis, em várias edições, desde i853; os Dispacci, de Ant. Giustinian, edição Villari, 1876; etc.

O período da dominação espanholando meiado do século XVI ao meiado do século xvii, consti- tuindo uma época de decadência moral e politica, de intolerância religiosa e de desorganização eco- nómica, é marcado na bibliografia histórica por uma grande actividade. Porém, as colecções documentais mais importantes são, sem dúvida, a das Relaiioni degli ambasciatori veneti ai senato, obra editada no século xix; e, depois, os Annali d' Itália, de Muratori, nova edição em quarenta volumes, de Florença, 1827 a 1882; as Relaiioni diplomatiche delia monarchia di Savoia dalla prima alia seconda restaura^ioite (iSSg a 18 14), edição de Manno e Ferrero, de Turim, 1 890, continuada sob o patrocínio do comité piemontês de história nacional.

O século XVIII, que é em toda a Europa civili- zada uma época de reformas, não deixou de todo indiferentes os Estados italianos, se bem que al- guns, como as Repúblicas de Veneza e Génova e os domínios pontifícios teimassem em ficar divor- ciados de tal corrente.

Porém, ao contrário desses notar a obra realizada no reino da Sardenha, especialmente no tempo de Vítor-Amadeu H e menos com Carlos-Manuel III e Vítor-Amadeu III. Mas, é principalmente no grã-ducado da Toscana no tempo de Leopoldo, e no reino de Nápoles du-

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rante o governo de Carlos de Bourbon, ou do seu ministro Bernardo Tanucci que a actividade re- formista se fez sentir.

Deste período teem aparecido, que nós saiba- mos, entre outras obras: as Rela:(ioni diplomatiche delia monarchia di Savoia delia prima alia seconda restaiiraiione (lySg a 1814), Turim, 1890, etc; Lettere di Vittorio Amadeo II a Maro^^o delia Rocca, Turim, 1887; Cartas e outros papeis de Clemente XIV; Memorie storiche degli ultimi cin- quanfamti delia republica veneta, Veneza, 1854, por Mentinelli ; d'Ayala, Memorie storico -militar i dal 1JS4 ai 181S; Correspondência de Tanucci com o abade Galiani, in Arch. storico napoL, to- mos xxYiii, XXXI, e in Arch. stor. ital., tomos iii e VI, etc, e tomos xx e xxv, etc.

A agitada época da Revolução, com os seus reflexos na Itália, com as campanhas de Bona- parte, as lutas, as transformações por que passou esse pais nos pontos de vista politico e adminis- trativo tudo isso tem hoje uma bibliografia senão muito numerosa pelo menos muito interessante. São de enumerar os Annali d^Itali dei iqSo ai 1861^ por Ant. Coppi; as Memórias sobre as guer- ras dos Alpes e os acontecimentos de Piemonte . . . , de Thaon de Revel, Turim, 1871 ; Memorie, do- cumenti et lettere inedite, de Melzi d'Eril, em dois volumes, 1868; Fábio Mutinelli, Memorie stori- che degli ultimi cinquenti anni delia republica di Vejie{ia, Veneza, 1 85 1 ; a Historia documentata di Vene{ia, de Romanin, em onze volumes, Veneza,

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i852 a 1864; o Diário romano deglianni rygS ai ^799i V^^ ^' ^' Sala, em quatro volumes, edi- tado de 1888 a 1892; os Carteggios da rainha Maria Carolina com o cardeal Rufo, em 1799, e o do Cardeal Rufo com o ministro Acton, 1799.

Durante o período napoleónico a Itália es- pecialmente a do norte tornou-se a principio o calcadouro dos exércitos franceses e austríacos em luta ; depois passa a ser um taboleiro de com- binações políticas de Napoleão com a criação da República cisalpina ou italiana, a anexação do Piemonte à França, a reorganização da Repú- blica ligúrica, e as reformas no Veneto, Toscana, Roma e Nápoles.

A seguir, vê-se a criação do reino de Itália sob o septro napoleónico com a vice-realeza de Eu- génio de Beauharnais, e a sucessiva incorporação da Venetia, Ligúria, ducado de Parma, reino da Etrúria e Roma naquele reino, emquanto o go- verno de Nápoles passa, sucessivamente, das mãos de Fernando IV para as de José Bonaparte e para as de Murat.

Entende-se que um tal período era bem de natureza a deixar importantes vestígios não de carácter oficial como particular. Efectiva- mente, foram importantes esses subsídios docu- mentais como se pode vêr precorrendo a obra monumental de Alberto Lumbroso, Bibliqgraphia ragionata deWépoca napoleonica

Vencido Napoleão aumenta em Itália a agita- ção política.

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É, primeiro, a revolta de Milão que, feita ao mesmo tempo por três facções ou agrupamentos políticos de ideais e planos diversos, e até anta- gónicos, descamba na confusão e na desordem, condicionando assim a dominação austríaca. Se em Milão o príncipe Eugénio fora vencido^ em Nápoles Murat era ainda mais infeliz, pois não via as suas tropas derrotadas e o seu trono desfeito, como por fim, êle próprio caido numa cilada era fusilado.

O período que se segue o das Restaurações é ainda mais movimentado, e ainda mais des- favorável aos desígnios da política italiana libe- ral e una.

O absolutismo político interno de mãos dadas com o inimigo histórico da Itália a Áustria^ vai pouco a pouco apossando-se, primeiramente do governo da Lombardia e Venecia, e depois, com Vítor Manuel I, da Sardenha, outro tanto aconte- cendo nos Estados pontifícios e nas Duas Sicílias.

Como era de prever, essa formidável reacção fez aparecer nos diversos Estados as associações secretas dos carbonários onde se geraram as re- voluções liberais que rebentaram em Nápoles, no Piemonte, na Lombardia, na Roumanha, etc.

Mas, quer pela duplicidade de uns como Fernando IV, de Nápoles, quer pela versatilidade e tibieza de outros tais o príncipe de Carignan, Carlos Alberto, o certo é que os governos liberais foram efémeros, não passando alguns de tentati- vas goradas.

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Porém, a estabilidade política estava longe de ser um facto, pois logo surgiram novos conflitos, novas rebeliões.

Segue-se, depois, o movimento, primeiro, pací- fico, mas, em seguida, revolucionário do ^(Risor- gimentoy), tendo em vista conseguir a liberdade e unidade italianas.

Como é de calcular numerosos são os docu- mentos ficados desta época, muitos dos quais teem sido publicados : uns no seu conjunto, outros em extratos, trechos escolhidos, etc.

São de salientar os oito volumes de Bianchi, Storia documentata delia diplomacia europea in Itália^ i865 a 1872; C.Cantu, Cronistoria deWIn- dipendem^a italiana, três volumes, 1872 a 1877 ; a Biblioteca storica dei Risorgimento; Bianchi, San- torre di Santarrosa; Memorie e lettere inedite, Turim, 1877; FiORiNi, Gli scritti di Cario Alberto; CoNFALONiERi, i\/emon>, dois volumes, 1890; Gal- VANi, Memorie storiche intorno la pita deWarciduco Francesco IV, i853; Pepe, Memorie intorno alia sua pita, dois volumes, 1847; Cronache^ memorie e documenti inediti relatipi alia ripolta di Catania de iSB^i, Catania, 1907, etc.

5.° Espanha

A Espanha, não obstante o atrazo em que du- rante muitos anos permaneceu no que respeita à reorganização dos seus arquivos e bibliotecas, ao estado do seu ensino superior de história e à pu-

iSg

blicação das suas colecções de Inéditos, de tal modo tem trabalhado ultimamente, com tal inten- sidade tem procurado resarcir-se do tempo per- dido que ela constitue hoje um muito valioso agente do progresso dos estudos históricos e um magnífico exemplo de esforço consciente e metó- dico a seguir e a imitar.

Para se conhecer a importante obra efectuada no país vizinho quanto aos serviços das bibliotecas e arquivos basta percorrer a magnífica Revista de Archipos, Bibliotecas y Museos. se encontram, além de numerosas notícias e informações de toda a ordem sobre os serviços de arquivos, bi- bliotecas e museus espanhóis e o seu pessoal, uma magnífica colecção de catálogos, inventários e índices dos mais importantes depósitos de ma- nuscritos e livros, publicados em separatas da Revista a partir de 1889 ^^'^ ^'^^ começou ali a aparecer o inventário dos arquivos da Inquisição de Toledo.

Emfim, grandes teem sido os trabalhos de trans- formação realizados nos arquivos e bibliotecas do país vizinho, tanto a respeito da arrumação e conservação dos recheios dos grandes depósitos, como os do Histórico-Nacional de Madrid, de^i- mancas, Alcalá de Henarés, da coroa de Aragão em Barcelona, das índias em Sevilha, etc, como no que se refere aos serviços de inventário e catalogação das suas peças.

Também, a Espanha não tem ficado indiferente à publicação das grandes obras de história, es-

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pecialmente das colecções de inéditos como adiante veremos.

Assim, de 1829 a i83o eram publicados pelo Ministério da Fazenda quatro volumes de ma- nuscritos de Simancas com o titulo : Coleccion de cédulas, cartas patentes, provisiones^ reates ordenes, y outros documentos concernientes á las províncias vascongadas; e de i83o a i833 apareciam mais dois volumes, em continuação dos anteriores, com uma Colleccion de privilégios, franque^as^ exen- ciones y fueros, concedidos a vários pueblos y cor- porationes de la corona de Castilla.

Também, entre 1825 e 1837 aparecia a obra monumental de Fernandez Navarrete, em cinco volumes, com muitos documentos transcritos e citados, Colleccion de viagesy descubrimientos que hicieron por mar los Espanoles desde fines dei sido XV; de 1847 a 1876 eram publicados, em Bar- celona, quarenta volumes da Coleccion de docu- mentos inéditos dei Archivo general de la Corona de Aragon; e entre 1890 e 1902 Olivart publi- cava a Coleccion de los tratados^ convénios y do- cumentos internacionales celebrados por nuestros gobiernos con los Estados extranjeros desde et rei- nado de Dona Isabel II.

Também, de 1877 a 1902 a Câmara dos De- putados espanhola publicava vinte e dois volumes das Actas de las Cortes de Castila, estando actual- mente essa obra a cargo da Real Academia de História; a partir de 1842, teem saido muito mais de cinquenta volumes da Coleccion de do-

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cumentos inéditos para la historia de Espana; e de 1892 a 1896 apareceram seis volumes da Nueva Coleccion de documentos inéditos para la historia de Espana y sus índias.

Emfim, de 1846 a 1870 surgiram os setenta volumes da famosa Biblioteca de autores espano- les desde la formación dei lenguaje hasta nuestros dias; entre 1864 e 1884 eram publicados os qua- renta e dois volumes da Coleccion de documentos inéditos relativos ai descubrimieuto, conquista e ■coloni{acio7t de las posessiones espaíiolas en Ame- rica y en Oceania, por J. F. Pacheco, Francisco DE Gardenas e Torres de Mendoza obra esta que passou a estar a cargo da Real Academia de História, tendo, desde i885 a 1900, aparecido treze tomos da segunda série, com o novo título de Coleccion de documentos inéditos relativos ai descobrimiento, conquista y organiiatión de las an- tiguas posésiones espanolas de Ultramar; de 1871 a 1S96 apareciam, em Madrid, os vinte e quatro volumes da Coleccion de libros espanoles raros ó curiosos; de 1872 a 1898 publicaram-se quinze volumes de Libros de Antano; de 1880 a 1908 apareciam os cento e vinte e três volumes da afa- mada Coleccion de escritores castellanos obra essa que tem continuado; de 1891 a 1902 eram publicados vinte volumes da Coleccion de libros raros y curiosos que tratan de America obra igualmente em via de publicação; e de 1897 ^ 1901 apareciam seis volumes da Coleccion de es- túdios árabes obra esta em continuação. II

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Além destas grandes publicações teem apare- cido em Espanha várias outras : umas a cargo das Deputações provinciais, outras das sociedades scientificas locais, das comissões de monumentos e dos grandes organismos académicos devendo nesta última categoria, colocar-se em primeiro lugar a benemérita e laboriosa Academia de His- tória, seguida logo, para os assuntos de arte e arqueologia, pela Real Academia Espanola, e pela Academia de Belas Artes de S. Fernando, e tam- bém — para a história moderna pela Academia das Sciências Morais e Politicas de Madrid.

Como dissemos, é à Academia de História de Madrid que a Espanha mais deve o recente ressurgimento dos estudos históricos.

Tem essa instituição publicado não as suas Memórias (i) e o seu magnífico Boletin que Langlois classifica de «la meilleur, si non la seule, Revue d'histoire naíionale que existe dans la pé- ninsule» (2) mas ainda numerosas obras histó- ricas de muito valor e algumas colecções docu- mentais.

Assim, além das Actas de las Cortes de Castilla a que aludimos tem a Academia publi- cado a Biblioteca Arábico-hispaiía, dirigida por D. Francisco Codera y Ribera y Tarregó que atingiu onze tomos; o catálogo da Colección de fueros y cartas piieblas de Espana; os dois tomos

(i) As MemdrzíT5 da Real Academia de História compreendem mais de doze tomos.

(2) Ch,-Langi.ois, ob. cit., pág. 478.

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da Colección de Obras Arábigas de Historia y Geografia; os vinte e quatro tomos das Cortes de los antiguos Reinos de Aragón y de Valência y Principado de Cataluna; a continuação da Es- pana Sagrada que atinge cinquenta e dois tomos ; o célebre Memorial Histórico Espagnol, com quarenta e quatro tomos ; as Memorias de Henrique IV de Castela ; e os vinte e xiois tomos da Viaje literário á las iglesias de Espana, por D. Jaime Villanueva, etc. (i).

Por esta simples amostra se pode avaliar como tem sido importante a obra realizada no reino vizinho quanto à publicação de inéditos dos seus arquivos, sendo ainda de notar que o governo espanhol tem feito ultimamente estudar, no ponto de vista d'a história do pais, os arquivos estran- geiros, especialmente os do Vaticano (2).

Como trazemos em via de publicação uma obra especial acerca de As Sciências Históricas em Espanha que deve aparecer brevemente remetemos para o leitor que deseje profundar este ponto do nosso trabalho.

(i) Alem destas obras muitas outras publicadas pela Acade- mia, incluindo o Boletin, teem inserido bastantes dezenas de docu- mentos dos arquivos espanhóis.

(2) São de citar: o Relatório das investigações feitas no Va- ticano, por Ricardo de Hinojosa em 1892 e 1893, e publicado com o título : Los Despachos de la diplomacia pontifícia en Espana. Memoria de una Missión oficial en el Archivo secreto de la Santa Sede, Lviii-j-425 págs. i Luciano Serrano, Causas de la guerra entre el Papa Paulo IV y Felipe II; Enrique Pacheco de Leyva, Relaciones vaticanas de la Hacienda espanola dei siglo X VI, etc.

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Entretanto, iremos desde salientar algumas obras de maior destaque contendo documentos.

Vimos já, n@ capitulo anterior, como foi impor- tante, no século XVIII, a publicação de documentos acerca da história de Espanha empreza essa que tem continuado através do século xix.

Assim, tem hoje o vizinho reino publicados os Annales Compostellanos, os Annales Complo- tenses, os Annales Toledanos, os Anales de la Co- rona de Aragon, de Zurita, etc, isto sem falar na História da Espanha de Ferreras, na Espanha Sagrada, de Florez, etc.

Se das obras de carácter geral passarmos a considerar aquelas que mais especialmente publi- cam sistematicamente documentos encontramos bastantes aparecidas no decorrer do século xix.

Assim, para a história de Aragão temos a Cró- nica de Pedro el Ceremonioso, traduzida em cas- telhano e publicada com anotações pelo eminente erudito catalão António Bofarull, em i85o; os Fueros de Catalwía, publicados em 1876, por Caroleu, Pelle e Forgas; e a monumental Coleccion de documentos inéditos dei Archipo ge- neral de la corona de Aragon obra essa publi- cada, de 1847 ^ i85i, por Prospero DE Bofarull e Mascaro (i).

(1) Os Fueros de Aragon haviam sido publicados em i5i7,

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Quanto à Navarra, a bibliografia é mais pe- quena, sem deixar de ser valiosa, sendo de citar, entre as obras aparecidas no século xix, a Cro- nica de los Reys de Navarra, aparecida em 1 843 ; uma Historia da Navarra, publicada em i832; um Diccionario de Antiguedades de Navarra, apa- recido em 1 843 obras de Yanguas e Miranda.

Quanto às Castelãs, é de citar a importante publicação sobre as Cartas de los antigiios reinos de Leon y Castilla, feita pela Real Academia de la Historia; e são igualmente de enumerar as Crónicas de los reyes de Castilla^ de D. Caytano RosEL, aparecidas nas Bibliotecas de los autores espaíioles, etc. (i).

O século XVIII está representado na historio- grafia espanhola não por obras de carácter geral como os tomos xii a xv da Historia general de Espana^ de Lafuente na edição de 1889, e a Historia general de Espaíía, publicada sob a di- recção de Canovas del Castillo, sendo de espe- cializar o trabalho de Danvila y Collado sobre o reinado de Carlos III, como por outras obras especiais.

São de enumerar nesta categoria as Memórias de RiPERDA, marquês de S. Felipe, Campo-Raso,

e reimpressos em dois volumes, de 1678 a 1684; As Constituiions y altros drets de Caihahinya apareceram em 1784, em três vo- lumes.

(i) Vêr mais bibliografia em Lafuente, Historia, etc, edição de Barcelona, 1889, tomos ni a xii; Rafael Altamira, Historia de Espana y de la civili^ation espafíola, quatro tomos, etc.

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Floridablanca, Jovellanos; as obras de Fernan NuNEz, Compendio hktorico de la Vida de Car- los III; Correspondência entre Carlos III e o mar- quês de Tanucci{\)\ Macanaz, Espana y Fr anda en el siglo XVIII, Madrid, 187Ó; A. Danvilla, Fernando VI y doíia Barbara de Bragança, t goS ; Ferrer dei. Rio, Historia dei reinado de Carlos III^ quatro tomos, i856; Rodriguez Villa, Fl marque^ de la Fnsenada, 1876; Fernandez Duro, Armada espaiíola, 1895 a iqoS, tomos vi e vii, etc. (2).

O período da Revolução Francesa bem como a época da dominação napoleónica que bas- tantes reflexos tiveram sobre a Espanha estão

(1) São ainda do século xviii algumas destas e muitas outras obras.

(2) Deve dizer-se que muita documentação de grande valor histórico resta ainda por publicar. Entre os inéditos são de espe- cializar: as Memorias de Macanaz; muitos papéis do Arquivo de Aragão sobre o reinado de Felipe V, desde a sua vizita a Barcelona, em princípios de Outubro de 1701, e do seu juramento nas cortes, no dia 12 desse mês, pelos foros e usos da cidade e do principado ; papéis da Biblioteca de Salazar ; a Historia da guerra civil, do conde de Robres-, uma Historia politica y secreta de la Corte de Madrid desde el ingresso dei senor don Felipe V en ella hasta la pa^ citada por Lafuentk, in tomo xm da sua Histo- ria; muitos manuscritos da Biblioteca Nacional de Madrid, Real Academia de História, da colecção Bofarull, de Barcelona, etc, todos de grande importância histórica.

É de citar o Arquivo de Simancas onde muita correspon- dência diplomática, política e administrativa, sendo de especiali- zar a relativa à expulsão dos jesuítas de Espanha e à extinção da Companhia, vários processos da Inquisição como o do ilustre Olavide acusado e sentenciado por ser leitor e seguidor das obras e ideas de Voltaire e Rousseau dos quais era amigo e corres- pondente; a Correspondência entre Aranda e Florindablanca, etc, etc

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representados na historiografia moderna espa- nhola pela publicação de algumas obras com do- cumentos dessas épocas.

São de citar, entre outras, as seguintes : Colec- cion de documentos inéditos pert ene cientes á la his- toria de nuestra revolucion, Madrid, i8i3 (i); His- toria de la guerra de Espana contra Napoleon, escrita y publicada de ordem de S. M. (1808 a 18 14); AzANZA Y OTarril, Memorias sobre los hechos quejustifican su conducta politica , 1 8 1 5 (2) ; Marquez de Ayerbe, Memoria sobre la estancia de D. Fernando . . . (3).

O período seguinte, a partir da Restauração de Fernando VII até ao meiado do século xix, marca, em Espanha como entre nós, uma época de enorme agitação.

Logo a seguir à chegada de Fernando VII ao seu reino dá-se o golpe de Estado de 4 de Maio de 18 14, pelo qual o rei declarou abolida a Cons- tituição de 181 2 e nulos os decretos das Cortes,

(i) Esta obra saiu anónima, sendo muitas outras especial- mente folhetos contra Napoleão igualmente anónimos como : El engano de Napoleon descubierto y castigado^ 1 808 ; Napoleon ó el verdadero Qiiijote de la Europa, etc ;, etc.

(2) Muitas oViivas Memórias teem sido publicadas, como as de Manuel Godoy, quatro volumes ; as de Espoz y Mina, em cinco vo- lumes ; etc.

São também desse período numerosos opúsculos, livros, odes e panfletos patrióticos, etc, comos as obras de Capmany : Carta de un bueno patriota, 181 1, Centinela contra franceses, 1808; Jovel- LANOS, Á mis compatriotas, 1811, dois volumes.

(3j Também deste período por publicar muitos papéis de grande valor.

considerando tudo isso como cousas não reali- zadas. É toda uma época de perseguições que se inicia contra os liberais.

As prisões, deportações, banimentos e exílios multiplicavam-se todos os dias depois do golpe de Estado. Tais factos provocaram as naturais reacções que se manifestaram por sucessivas conspirações e sublevações todas elas infelizes até à Revolução vitoriosa de Cadiz, de 1820.

Mas, o estado politico da Europa ocidental era então pouco favorável ao liberalismo devido à Santa Aliança.

Havendo as potências coligadas dado à França a pedido instante de Montmorency e Chateau- briand, no congresso de Verona, a incumbência de intervir manu militari, pouco depois 100.000 franceses sob o comando do duque de Angoulême inutilizavam toda a obra liberal. A reacção ab- solutista foi enorme, e as represálias dos reaccio- nários foram formidáveis, brutais, monstruosas estando essa cruenta obra, sistematicamente rea- lizada, a cargo de algumas instituições, especial- mente de uma que tinha o característico titulo de Anjo exterminador.

Assim, de reacção em reacção, de luta em luta, se foram passando vinte, trinta, quarenta anos até ao período de relativa acalmação que marca o reinado de Afonso XII e a política de atracção eufemismo para designar suborno do eminente Canovas dei Castilho.

Escusado será dizer como tão agitada época

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é úbere em documentos de toda a natureza, desde as colecções de legislação e outros ostensivos papéis do Estado, até às Memórias e papéis par- ticulares, secretos e íntimos.

Figuram, entre os primeiros, os Diários das sessões das cortes celebradas em Sevilha e Cadi{, a colecção de Decretos dei rei D. Fernando VII desde el principio de su reynado hasta fines de 1824, nove volumes ; Michel J. Quin, Memórias históri- cas sobre Fernando VTI, 1840, três volumes; mar- quês de Miraflores, Apuntes históricos para escri- bir la historia de Espana dei 20 ai 23; Minane, Histoire de la Révoliition d'Espagne de I820 à 1823, Paris, 1824, dois volumes ; as obras de Mi- RAELORES e Javier DE BuRGOs sôbre o reinado de Isabel II, respectivamente: as Memórias e os Ana- les; a importante obra de Pirala, Historia de la guerra civil y de los partidos liberal y carlista, 1868 a 1870, em seis volumes; as Memórias de D.Luís Fernandes DE Córdoba, 1837 ; etc, etc. (i).

(i) A bibliografia que acabamos de enumerar é insignificante em relação ao grande número de obras com documentos, que se teem publicado no vizinho reino sôbre os acontecimentos do sé- culo que decorre desde o regresso de Fernando VII ao seu país até à actualidade. Para melhor detalhe ver: a citada Historia General de Espana, de Lafuente, edição de 1889, do tomo xvn a XXV ; os vários volumes da importante Coleccion de Documentos inéditos da historia de Espanha; Rafael Altamira J. Crevea, His- toria de Espaiia y de la civili^ation espanola^ tô.mo iv.

Porem, de todas as obras sôbre bibliografia histórica espanhola a melhor é o recentíssimo e magnífico trabalho de R. Sanches Alonso, Ensayo de bibliografia sistemática de las monagrafias im.pr essas que ilustram la historia politica nacional de Espana^

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Entre as publicações documentais espanholas deve colocar-se em primeiro lugar a monu- mental Coleccion de Documentos Inéditos para la Historia de Espana. Essa obra que conta hoje muitas dezenas de volumes merece neste nosso trabalho uma referência especial, dados os obje- ctivos que ela apresenta mais ou menos idênticos aos da empreza que projectamos realizar : a pu- blicação de documentos inéditos.

Por isso vamos dar a seguir uma noticia mais desenvolvida dessa obra posto que ainda as- sim ela resulte rnuito breve em relação à impor- tância de tal empreza.

O primeiro volume da Coleccion de Documentos Inéditos para la Historia de Espaiía apareceu em 1842, sendo a obra dirigida pelos eruditos Martin Fernandes Navarrete, Miguel Salva e Pedro Sainz de Baranda, da Academia de História.

A obra é precedida de uma Advertência ou i(Pros- pecto)^ onde os colectores acima citados expõem os intuitos que os animam, os objectivos que teem em vista, e fazem uma breve história das diligên- cias realizadas no pais vizinho para a recolha,

excluídas sus relationes com America, 1919, xxi-(-448 págs. Essa obra verdadeiramente importante menciona nada menos de 6.783 espécies, e é acompanhada de três índices : um de autores, outro de assuntos, e um terceiro de obras citadas.

coleccionação e publicação de manuscritos de maior valor histórico.

Assim, o Prospecto com que abre a Coleccion alude à necessidade de fornecer aos escritores o material de documentos necessários para as cons- truções históricas, começando por dizer : «Tiempo hace que los literatos mas eminentes de la nacion echan menos una coleccion de documentos, como los materiales indispensables para escribir nues- tra historia ; y este deseo es tanto mas recomen- dable quanto casi todos nuestros escritores ado- lecen de la falta de no haber tenido presentes los datos necesarios para componer sus libros ; ó de haber ignorado donde se hallaban para compul- sados, ó de haber carecido de médios para pro- curar-se los originales ó copias fehacientes».

A seguir, enumera as diligências efectuadas nos tempos de Carlos V, e Felipe II, Felipe V com a fundação da Academia de Histórta tendentes à úncesante adquisición de materiales históricos, es- pecialmente originales^ y obras inéditas-)^, havendo, também, Fernando VI encarregado os eruditos BuRRiEL e Santiago Palomares de «examinar los archivos dei reino, copiar e formar una coleccion de manuscritos».

No tempo de Carlos III e Carlos IV, não esmo- receram esses trabalhos comq estão a atestá-lo as colecções de Burriel, Abella, Traggia, Velas- QUEZ, MuNOz, Navarrete, Sans, Vargas Ponce e

VlLLANUEVA .

Passados os tempos de agitação e de instabili-

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dade política das invasões francesas e das lutas civis, serenado mais o ambiente social aparece, como dissemos, em 1842, o primeiro tomo da Coleccion.

Depois reconhecem, com grande verdade, os editores que uma semelhante empreza tão vasta «só pode ser executada pelo Governo supremo do Estado, cuja principal glória deve consistir em conservar pela imprensa o mais honroso patrimó- nio de uma nação, que são os feitos e os escritos dos grandes homens que a ilustraram».

A seguir, escrevem : «En cuanto ai plano y dis- tribution de matérias hubieramos deseado pre- sentar los documentos por ordem cronológica; pêro nos ha parecido inasequible atendida la diíicultad de haberlos á la mano todos juntos . . . ». E acrescenta : cf Atenderemos si com todo o cui- dado á expresar el carácter de letra de los ma- nuscritos cuando los disfrutemos en su original ó en copias antiguas^, los archivos ó bibliotecas donde se hallen, las personas, que los posean, y en íin todas las circunstancias que los hagan dignos de fe y acrediten su autenticidad».

Escrito o Prospecto, com a data de i de Outu- bro de 1 842, segue-se uma colecção de Documen- tos relativos a Hernan Cortês (i), contendo cinco cartas escritas ao imperador Carlos V desde 1 5

(1) As cartas originais, e com a assinatura autografada Fer- nando Cortês, encontram-se, segundo informa o primeiro volume, no Arquivo Geral das índias, maços do Patronato Real.

17^

de Maio de i522 até lo de Outubro de i53o so- bre a conquista da Nova Espanha (México), des- cubrimento do mar do sul, e as várias expedições mandadas executar em busca de especiarias, e uma ao bispo de Osma.

A seguir, vêem os documentos sobre o desafio entre o imperador Carlos V e Francisco I, de França (i); um pequeno relato da prisão do fa- moso António Perez, e da Princesa de Eboli (2) ; vários documentos sobre Fernando Cortês (3) ; uma informação que Lorenzo Carvajal deu ao imperador Carlos V sobre as pessoas que compu- nham o Concelho real espanhol (4); uma Instru- cion dada por Carlos V, em 1527, a Lopes Hur- tado de Mendonza, embaixador junto do rei de Portugal, para solicitar a aliança deste contra a França e Inglaterra em razão do repúdio de D. Catarina, filha dos reis espanhóis, por seu marido Enrique VIII (5) ; diversas cartas de Car- los V, da imperatriZ; e do infante D. Fernando ao arcebispo de Toledo acerca de vários assuntos, e em especial dos socorros em dinheiro para os

(i) Consta dos parceres do Conselho de Castela, de outras entidades e de várias pessoas sobre o assunto.

(2) Tirado das Memórias de Fr. JoÃo de S. Jerónimo, monge do Escoriai, no tempo de Felipe II, encontrando-se o respectivo documento, na biblioteca do Mosteiro.

(3) Os dois primeiros são cartas de Carlos V a Cortez, per- tencentes ao Arquivo de Simancas.

(4) Esta interessante informação é copiada de um códice, in fólio com letra do século xvi, da Biblioteca do Escoriai.

(5) É uma reprodução do tomo 78.0 da colecção Munoz da Academia de História.

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gastos da guerra contra o grão-turco Solimão, e os mouros de Africa ; diversos documentos sobre a conquista de Tunis e da Goleta por Carlos V, em i535, e outros sobre a expedição de Argel em I 541.

Seguem-se: uma Relação acerca da guarda dos filhos de Francisco I de França, na fortaleza de Pedroza, de i526 a i53i; diversos documentos relativos a Sebastião dei Cano(i); um capitulus das Comunidades de Castela, sem indicação da data nem do lugar de origem ; a pequena sen- tença contra João de Padilha, João Bravo e Fran- cisco Maldonado-; reprodução das sentenças con- tra Alonso de Sarabia, D. Pedro Pimentel, o licenceado Bernardino, e Francisco Mereado ; o traslado de uma petição de Toledo solicitando várias prerogativas e outras vantagens ; uma es- critura de acomodamento entre D. António de Zuniga, prior de S. João, capitão general do reino de Toledo; memória sobre a confiscação dos bens de pessoas sentenciadas; mais documentos acerca de Sebastião dei Cano; memória sobre o para- deiro da nau Vitória em que o mesmo dei Cano terminou a primeira viagem de circumnavegação;

(i) Trata-se de uma pequena carta de Carlos V a João Se- bastião dei Cano, datada de Valladolid, em i3 de Setembro de ] 522, para que este lhe fosse relatar a sua viagem, seguida ali ; outra do mesmo para o mesmo fazendo-lhe a mercê de Soo du- cados de ouro, datada do mesmo lugar em 23 de Janeiro de oaS, de uma ordem real autorizando o dei Cano a ter a sua guarda do corpo, de uma outra ordem para serem pagos ao navegador 5oo ducados de ouro, e do testamento do dei Cano,

17?

um documento sobre o dote de D. Catarina, filha dos reis católicos e tia de Carlos V quando casou para a Inglaterra (i).

Vem, a seguir, um Despacho real de Felipe II, a D. Martin Enriquez, vice-rei do México, deter- minando-Ihe que remeta quantas notícias possa adquirir das pessoas que hajam escrito sobre a conquista e povoamento daqueles territórios, a fim de ser elaborada a história das índias (2) ; uma série de seis cartas a Felipe II e uma a D. João de Ovando, presidente do Conselho das índias escritas da cidade do México, entre 1572 e 1576, pelo médico Francisco Hernandez^ acerca da história natural das índias^ de que o rei o en- carregara de elaborar (3); cartas do geógrafo Fran- cisco Dominguez a Felipe 11^ datada do México em 3o de Dezembro de i58i, falando dos traba- lhos que realizou, dos excessos de serviço a que o governador o submetia, e da fraca paga que lhe dava ; seguem-se dois documentos do Arquivo das índias, de Sevilha, sobre as primeiras expe- dições de Fernando Cortês que puseram termo à conquista da Nova Espanha; e uma Relacion da descuberta e conquista da Nova Espanha «hecha por la Justicia y Regimiento de la nueva ciudad de Vera-Cruz», a 10 de Julho de iSig (4).

(i) É do Arquivo de Simancas.

(2) O original está no Arquivo das índias, em Sevilha.

(3) São também papéis do Arquivo das índias.

(4) É uma reprodução do Códice cxx da Biblioteca de Víeria, de que existe cópia na Academia de História. A reprodução é

iyô

Vera, a seguir, uma carta do «adelantado» Diogo Velazquez queixando-se de Fernando Cor- tês e denunciando o caso de um navio deste ha- ver aportado à ilha Fernandina, feito um carre- gamento secreto e seguido viagem para Espanha; um Parecer do licenceado Aylion, na ilha Fernan- dina, ao «adelantado» Diogo Velazquez sobre a esquadra que este tinha preparada para ir con- tra Fernando Cortês; duas cartas ao rei do mesmo licenciado, em i52o, sobre o mesmo assunto; Declaration feita na Corunha, a 29 de Abril de i52o, pelos capitães Francisco de Montejo e Alonso Hernandez Poríocarrero, em nome da vila de Veracruz sobre a Armada «que hizo Diogo Velazquez» para a descoberta da Nova Espanha, nomeação de Cortez para capitão general dela, etc. ; Instrução da Real Audiência de S. Do- mingo ao bacharel Pedro Moreno fiscal dela sobre os limites de competência e jurisdição de vários capitães da armada, entre os quais Cortez.

Terminam este primeiro Volume as seguintes peças: uma Relacion de «los oidores sobre lo de la poblacion dei golfo de las Higueras, y de los capitanes que lo pueblan, y dei armada que Cor- tez envia sobre Olid, y de lo que ellos han pro-

precedida de um estudo breve, mas erudito, de Navarrete sobre esta e outras Relaciones, sua proveniência, traduções latinas, ita- lianas e francesas. Esta extensa Relacion, de pág. 417 a 472 que é quinta das seriadas por Navarrete tem um preâmbulo que parece não ser da autoria do Cortês^ mas sim posterior, tra- balho feito por «algum curioso para mejor declarar el contenido de lo que en ella se refiere» diz a nota respectiva.

177

veido sobre ello» ; outra Relacion, com uma lista dos descobridores e conquistadores da Nova Es- panha que foram com Fernando Cortez, Panfilo de Narvaez e outros (i) ; um capítulo, com a epí- grafe Commiinidades de Castilla, de uma obra manuscrita intitulada Antigiiedades y sucessos memorables succedidos en esta miiy noble y anti- giia villa de Simancas, por D. Manuel Bachiller, beneficiado de Preste» (2); e uma descrição da viagem de Felipe II a Inglaterra quando foi casar com a rainha D. Maria, escrita por Juan de Ve- RAONA (3).

Os outros volumes estão mais ou menos feitos como este : reproduzem documentos sobre assun- tos muito variados, e de datas muito diversas.

Essa composição que a cada volume agra- dáveis aspectos de vivacidade e policromia histó- ricas— digamos assim parece-nos mais própria de uma Revista ou de um Boletim de história que de uma obra da natureza da Coleccion. Obras desta índole devem julgamos nós ter por obje- ctivo.pubhcar, com sistematização, colecções do-

(i) É um relato anónimo, feito entre i52o e i53o.

(2) Trata de dissençÕes havidas em Espanha em virtude das cláusuhis do testamento da Rainha Isabel feito em Burgos e de- pois da morte do rei Fernando-o-Católico, indo até à luta entre o herdeiro de D. Carlos e o infante D. Fernando, o que sucedeu em Valladolid e Simancas, descrevendo depois a chegada do rei D. Carlos e seu governo, e as lutas que se seguiram (i53o).

(3) Trata-se de um manuscrito da Biblioteca do Escoriai. 12

iyS

cumentais importantes, com unidade e sequência, o que, muitas vezes, não se com esta.

Também, os estudos de erudição, as notas, etc, que devem acompanhar os documentos publi- cados, são, por vezes, algo modestos em relação à importância dos assuntos e das espécies, e ao consagrado mérito dos ilustres colectores e edi-. tores da obra.

Apesar desses pequenos inconvenientes, muito susceptíveis de melhoria, a Coleccion de Documen- tos Inéditos para la Historia da Espana é uma obra preciosa, tendo prestado à historiografia espanhola os mais assinalados serviços.

6.° França

Vimos já, de uma forma rápida, no capitulo anterior como foi importante a obra realizada em França durante o século xviii no domínio das sciências de erudição.

Vamos vêr agora, de uma maneira ainda mais sucinta, o extraordinário labor efectuado nesse país, durante o século xix e até 19 14, no que res- peita às publicações dos manuscritos de valor histórico. Justo é acentuar que tão grande pro- gresso foi principalmente devido ao concurso do Estado quer directamente pela publicação das Colecções de Inéditos da História de França e de outras obras similares dirigidas e subvencionadas pelo Ministério da Instrução, quer pelos trabalhos publicados pelas Academias, Universidades, e

'79

Altas Escolas especiais, pelos Arquivos e Biblio- tecas, e ainda pelas subsidiadas pelo governo francês.

Tem, por isso, razão Langlois quando escreve :

(cAu XIX siècle, TEtat français a été três liberal pour les études historiques. II leur a rendu des Services deplusieurs manières,maissurtout: i.°en administrant les dépôts publics de dociiments (archives, bibliothèqucs et musées); 2.° en provo- quant et en subventionnant des entreprises scien- tiíiques dont ni Tinitiative des particuliers et des sociétés, ni mêmes les autorités-locales, ne sau- raient venir à bout» (i).

Em França, como nos outros países civilizados que tomam a sério e prezam estes assuntos, as publicações de documentos de interesse histórico foram precedidas da reorganização dos depósitos de manuscritos, e da elaboração e em alguns, até, da publicação dos essenciais instrumentos de investigação, ou de heurística : os inventários, catálogos, e índices sumários e analíticos dos ar- quivos e bibliotecas.

Se bem que no século xviii Dom Montfau- CON e o abade Lebeuf notassem a falta de um catálogo de manuscritos das bibliotecas públicas de França ainda nada se havia feito de completo e sério quando a 22 de Novembro de i833 Guizot expediu aos prefeitos uma circular para que os

(i) Ch.-V. Lanqi.ois, Manuel de Bibliographie Historique,

í. 348.

pág. 348.

i8o

bibliotecários do país lhe enviassem «um catá- logo dos manuscritos de toda a espécie que esta- vam confiados à sua guarda».

Passados oito anos Villemain renovava a pro- posta, mostrando «a necessidade de ser fixado sobre um plano uniforme o catálogo geral dos manuscritos conservados nas bibliotecas públicas dos departamentos» (i).

Isso se fez; mas a elaboração do catálogo foi de tal forma morosa que em 1 849 começou a aparecer, havendo-se publicado até i885 apenas ,sete volumes sob o titulo : Catalogue general des manuscrits des Bibliothèques publiques des dépar- tements (2).

Em 1886, começava a publicação do famoso Catalogue general des manuscrits des Bibliothèques publiques de France, devido princij^almente a De- LisLE e constituído por algumas dezenas de vo- lumes, vindo substituir o anterior que suspendeu a publicação (3).

(i) Até então existia um reportório geral, útil por ser único, inas muito omisso o de Haenel, Catalogi librorum manuscripto- rum qui in bibliotecis Galliae, Helvetiae, Belgiae, Britanniae Ma- gnae^ Hispaniae, Liisitaniae, asservantur, Lipsiae, 1829, mais tarde, em i853, reimpresso com bastantes aditamentos nos tomos xl e XLi da Nouvelle Encyclopédie theologique do abade Migne.

(2) Esse catálogo^ conhecido pelo Catalogue Villemain^ era muito imperfeito, como demonstrou o eminente Delisle, desde L873.

(3) Nessa colecção do Catalogue de 1886 figuram publicados os catálogos de mais de trezentas biblotecas da província ; os ca- tálogos dos manuscritos das bibliotecas do Arsenal, Mazarino e Santa Genoveva, de Paris, e o Catalogue des manuscrits conserves

i8i

Também, o governo francês não ficou indife- rente à publicação dos catálogos dos manuscritos dos Arquivos, pois em 6 de Maio de 1841 foi criado no Ministério do Interior uma «Comission des archives départementales et communales», que em 1 847 publicou um Catalogue general des Cartulaires des Archives départementales, logo se- guido, um ano depois, por um Tableau general numérique par fonds des Archives départementales antérieiírs à ijgo.

Mas tudo isso não passava de uma série de tentativas e ensaios. em 1 86 1 é que se iniciou a importante colecção dos Inventaires-sommaires des Archives départamentales, communales et hos- pitalières que deve contar cerca de cinco cen- tenas de volumes (i). Se bem que alguns desses Inventaires-sommaires muito deixem a desejar, não dúvida que entre os elaborados depois de 1870 aíguns muito perfeitos e que teem sido poderosos auxiliares dos historiadores.

Se os arquivos provinciais e regionais teem dado origem, em França, a esses e a muitos ou- tros trabalhos de inventário não é de admirar que os Arquivos Nacionais, de Paris, tenham hoje muito perfeitos e completos os inventários e ín-

dans les dépôts d' archives départementales^ communales et hospita- lières.

Acerca destes e outros catálogos modernos percorrer a colec- ção do Annuaire des Bibliothèques et des Archives.

(1) Acêica de tais Iiiveníaires consultar: os Rapporís dirigidos ao Ministro da Instrução Pública pela Direcção Geral dos Arqui- vos ; e a colecção dos Annuaires des Bibliothèques et des Archives,

1«2

dices das suas colecções, havendo-se, sobre os seus fundos e núcleos, publicado trabalhos im- portantes, tais -como os de A. Teulet, J. de La- BORD e Berger, Actes dii Parlement de Paris ; de J. Tardif, Monuments historiques; de Huillard- Bréholles e Lecoy de la Marche, Les titres de Vancienne maison diicale de Bourbon, em dois vo- lumes ; a erudita obra, em três volumes, de DouéT d'Arcq, Collection des sceaux, etc, etc.

Também, os arquivos dos Ministérios dos Es- trangeiros, Guerra e Colónias cujosfundos ainda não foram incorporados nos Arquivos Nacionais, teem as suas colecções em ordem, havendo pu- blicado, alguns, não inventários dos seus nú- cleos como importantes colecções de documen- tos (i).

Expostos, por uma forma muito breve e, por isso, incompleta, os trabalhos realizados, oficial- mente, em França acerca da catalogação dos ma- nuscritos, vamos tratar agora da segunda étape

(i) Dos três ministérios acima enumerados o que maior e mais importante obra tem realizado, nesse sentido, é o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Esses depósitos a cargo da 'Commis- síon des Archives diplomatiques . .», tem dado origem à publica- ção de três séries de obras: um Inventaire sommaire; um Inven- taire analytique, e o Rccueil des instructions données aux embas- sadeurs et ministres de France depuis le traiié de Westphalie jus- qu'à la Révolution française.

Alem destas e de algumas outras obras de carácter oficial, muitas outras teem aparecido publicando na íntegra, em parte ou em extratos os manuscritos desse rico depósito (vêr: Langlois, ob. cit., pág. 352 e 353; o nosso opúsculo, Da Importância dos Documentos Diplomáticos em História.

i83

na serieção dos serviços de erudição : a publica- ção de documentos.

Se quanto aos serviços de inventário e catalo- gação dos manuscritos vimos a importante obra realizada pelo governo francês, iremos mostrar que no que se refere à publicação das peças iné- ditas a acção do Estado tem sido igualmente ze- losa, profícua e meritória.

Vimos a acção desenvolvida por Guizot, em i833, quanto à catalogação dos manuscritos. Pois devemos acrescentar que esse eminente his- toriador e politico, então ministro de Luís Felipe, foi de uma persistência, de uma actividade e de uma dedicação admiráveis ém favor da publica- ção dos documentos históricos.

Nesse mesmo ano de i833 relatava êle ao rei: « ao governo pertence quanto a mim po- der realizar o grande trabalho de uma publicação geral de todos os materiais importantes e ainda inéditos sobre a história da nossa pátria. o governo possue os recursos de toda a ordem que uma tão vasta empreza exige. Não falo nos meios de subvencionar as despesas que ela deve ocasionar ; mas como guarda e depositário deste legado precioso dos séculos passados, o Governo pode enriquecer uma tal publicação com uma mul- tidão de informações que simples particulares era vão tentariam obter».

Em harmonia com o seu ponto de vista o ilus- tre GuizoT criava, a 1 8 de Julho de 1834, um cComité chargé de concourir à la direction et à

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la. surveillance des recherches et publications . . . sur les documents inédits relatifs à rhistoire de France».

A IO de Janeiro de i835 aparecia uma nova Comissão que tinha por objectivos investigar e publicar «les monuments inédits de la littérature, de la philosophie, des sciences et des arts conside- res dans leurs rapports avec Tliistoire general de la France» (i).

Porem, nem todos compreenderam os desígnios de GuizoT (2).

Em 1837, Salvandy reorganizava as Comis- sões, dividindo-as em cinco secções correspon- dentes às cinco classes do Instituto, e que foram : «Langue et littérature françaises, Histoire posi- tive ou des chroniques, Cartes et inscriptions, Sciences, Arts et monuments, Sciences morales et politiques».

Outras modificações experimentaram esses ser- viços por parte dos ministros Cousin, Fortoul Rouland, J. Ferry, etc, sendo este último que deu a essa instituição o nome que ultimamente tem tido : Comité des travaiix historiques et scientift- quês.

(1) Ver X. Charmes, Le Comité des travaiix historiques et scien- tifiques, II, pág 4, 7 e 28; Langlois, ob. cit., pág. 356 e SSy.

(2) Prosper Mérimée, que fez parte do co772//e nomeado em 10 de Janeiro de iS35, nunca tomou a sério as suas funções nessa co- missão, levando as sessões a troçar dos desígnios de Guizot.

Ver passagens de cartas deste publicadas na Reviie de Paris, de i5 de Maio de 1898, e algumas transcritas por I.anglois, ob. cit., pág. 357.

i85

Depois de i885 esse Comité tem constado das cinco secções seguintes: «Histoire et philosophie, Archéologie, Sciences economiques et sociales, Siences, Géographie historique».

Vimos que o ponto de vista de Guizot, sobre a missão das primeiras Comissões consistia na publicação dos documentos inéditos da história de França. Como escreve Langlois : «A travers toutes les vicissitudes qu'il a subies depuis sois- sant-dix ans, il ne s'est pas écarté de ce pro- gramme. Sa «Collection de Documents inédits», à laquelle ont été consacrés Ia majeur partie des crédits considérables dont il a disposé, en fait foi» (i).

Efectivamente, a monumental Collection de Do- cuments inédits sur Vhistoire de France publicada pela Comissão dos trabalhos históricos do Minis- tério da Instrução Pública francês gosa hoje de fama universal com as suas três centenas de vo- lumes publicados.

E essa^ na verdade, a obra sistemática mais grandiosa até hoje levada a efeito.

Segundo a natureza dos documentos publicados tal Colection é dividida em seis séries :

I. Chroniques, mémoires, journaux, récits et

compositions historiques ; II. Cartidaires reciieils de Charles; III. Correspondances et documents politiques et administratifs ;

(i) Langlois, oí». cit., pág. 358.

iS6

IV. Dociiments de la période répolutionnaire ; V. Documents politiques, philologiques^ juridi-

ques, etc; VI. Publications archéologiques.

Sem exagero deve dizer-se que se esta obra no seu conjunto é verdadeiramente grandiosa, monumental, estudada nas suas diversas séries e, dentro destas, nos vários volumes publicados têem sido notadas algumas desigualdades, lacu- nas e importantes falhas, emfim, diversas imper- feições.

Disso dão mostra as críticas dos eminentes eruditos L. Deslisle nas suas Notices siir les ou- vrages publiés dans la Collection de Documents inédits; A. Franklin em Les sources de Vhistoire deFrance; Fr. Brouillier em Ulnstitut et les Aca- demies de province, etc.

Mas, essas e outras criticas não fizeram, de modo algum, parar o esforço e estancar a obra^ antes tornaram aquele mais cauteloso e hábil, e esta mais afinada e perfeita.

Nem todas as séries teem sido igualmente en- riquecidas. A quinta parece ter parado, a sexta está decadente, e a primeira não é o que dela se podia esperar. Mas a segunda, terceira e quarta séries essas têem quási exclusivamente j e admi- ravelmente ! absorvido os esforços e dota- ções do Comité, e dado origem a uma obra ver- dadeiramente monumental. Para se avaliar a enorme importância que tem revestido para a

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sciência histórica a obra levada a efeito pelo Ministério da Instrução Pública francês com as publicações da famosa Colection de Documents médits siir VHistoire de France, vamos enumerar, por séries, algumas das obras aparecidas e que são as seguintes :

I. Crónicas, memórias, diários, narrativas e composições históricas

1. Chroniqiie d es ducs de Normandie par Be-

noit, troupère anglo-normand dii XIF siè- de, publicada por Francisque Michel, i836 a 1844, três volumes.

2. Les Familles d'outre-mer de Du Cange,

publicadas por E. G. Rey, i86g, i vo- lume.

3. Histoire de la croisade contre les hérétiques

Albigeois, écrite en vers proj^ençaux, pu- blicada por C. Fauriel, 1887, i volume.

4. Histoire de la giierre de Navarre en 12^6

e 12^7 [crónica rimada], par Guillaume Avelier de Toulouse, publicada por Fran- cisque Michel, i856, i volume.

5. Chroniqiie de Bertrand Du Guesclin, par Cuvelier, troupère du XIV^ siécle, publi- cada por E. Charrière, iSSg, 2 volumes.

6. Chronique du religieux de Saint-Denys, contenant le règne de Charles VI, de i38o à 1422, traduzida e publicada por L. Bellaguet, 1839 a i852, 6 volumes.

7. Chroniques d'Amadi et de Strambaldi [61 5

i8^

a 1458], publicadas por R. de Mas-La- TRiE, 1891 a 1893, 2 volumes.

8. Mémoires de Claude Haton (i553 a i582),

publicadas por F. Bourquelot, i858, 2 volumes,

9. Journal d^OUvier Lefèvre d" Ormesson et ex-

traits de mémoires d^ André Lefèvre d^Or- messon [1643 a 1672], publicados por A. Chéruel, 1860 e 1861, 2 volumes.

10. Mémoires de Nicolas-Joseph Foucault [1641

a 17 18], publicadas por F.Baudry, 1862,

1 vol.

11. Histoire de la giierre sainte, poème de la

troisième croisade (i igo), publicada por G. Paris, 1897, i volume.

II. Cartulários e colecções de diplomas

12. Cartulaire de Vabbaye de Sainte-Père de

Chartres, publicado por B. Guérard, i 840,

2 volumes.

I 3. Cartulaire de Vabbaye de Saint-Bertin, pu- blicado por B. Guérard, 1840, i volume.

14. Appendice au Cartulaire de Valbaye de Saint-Bertin, publicado por F. Morand, 1867, I vol.

I 5. Cartulaire de Véglise Notre-Dame de Paris publicado por B. Guérard, Géraud, Ma- RioN e Deloye, i85o, 4 volumes.

16. Cartulaire de Vabbaye de Saint- Victor de Marseille^ publicado porB. Guérard, Ma- RiON e Delisle, 1857, 2 volumes.

189

ly. Cartulaire de Vabbaye de Redon en Breta- gne^ publicado por A. de Courson, i863, I volume,

1 8. Recueil de chartes de rabbaye de Cluny,

formado por Aug. Bernard, e publicado por Alex Bruel, 6 tomos, 1876 a 1894, 5 volumes. /

19. Cartulaires de Véglise cathédrale de Greno-

ble, dits Cartulaires de Saitit-Hugues, publicados por J. Marion, 1869, i vo- lume.

20. Cartulaire de Savigny, suivi du petit cartu-

laire de Vabbaye d'Ainay, publicados por Aug. Bernard, i853, 2 volumes.

21. Cartulaire de Vabbaye de Beaulieu (en Li-

mousin), publicado por M. Deloche,i859, I volume.

22. Archives de l' Hôtel-Dieu de Paris (11S7 ^

i3oo), publicados por L. Brièle e E. Coyecque, 1894, I volume.

23. Privilèges accordês à ia couronne de France

par le Saint-Siège [1224 a 1622, publi- cados por Ad. e J. Tardif], i855, i vo- lume.

24. Recueil des moniiments inédits de Vhistoire

du Tiers-État (i^'' série, region du Nord), publicado por Augustin Thierry, i85o a 1870, 4 volumes.

25. Archives administratives de la ville de Reims

(iv a XIV séculos), publicados por P. Va- RiN, 1839 a 1848, 3 volumes,

190

26. Archives législatives de la ville de Reims (sé-

culos XIII a xvi), publicados por P. Varin, 1840 a i852, 4 volumes.

27. Arcjiives administratives et législatives dela

ville de Reims. Table générale d es matiè- res, par L. Amiel, i853, i volume.

III. Correspondências e documentos políticos e administrativos

28. Lettres de róis, reines et aiitres personnages

d es cours de France et d^Angleterre, de- puis Louis VII jusqu'à Henri IV, tirées des archives de Londres par Bréquigny, e publicados por J. J. Champollion-Fi- GEAG, 1839 a 1847, 2 volumes.

29. Roles gasçons, publicados por Francisque

MicHEL e Ch. Bémont, tomo i e suple- mento (1242 a 1255), e tomo 11, i885, 2 volumes.

30. Les ííOlimy), oii registres des arrêts rendus

par la Cour du roi sous les rêgnes de Saint Louis- Philippe le Long ( 1 2 54- 1 3 1 8), publicados pelo conde Beugnot, 1839 a 1848, 4 volumes.

3 1 . Règlements sur les arts et métiers de Paris^

rediges au XIIF siècle sous le nom de Livre des métiers d^Étienne Boileau, publi- cados por G.-B. Depping, 1837, i volume. 32.— Correspondance administr ative d'Alfonse de Poitiers, publicada por Aug. Molinier, tomo I (1268 a 1270), 1894, I volume.

191

33. Paris sous Philippe le Bel, notamment d*a-

prés le role de la taille de Paris en i2gi, publicado por H. Géraud^ 1837, i vo- lume.

34. Procès des Templiers, publicado por J. Mi-^

CHELET, 1841, 2 volumes.

35. Mandements et actes divers de Charles V

(1364 a i38o), analisados e publicados por L. Delisle, 1874, i volume.

36. Itinéraires de Philippe le Hardi et de Jean sans Peur, ducs de Boiírgogne (i363 a 1479)^ publicados por Ernest Petit, 1888, I vol.

37. Journal des Etats généraux de France tenus à Toiírs, en 1484^ sous le règne de Char- les VIII, par Jehan Masselin, traduzido e pviblicado por A. Bernier, i835, i vo- lume.

38. Procès-verbaux des séances du Conseil de régence du roi Charles VIU (aoút 1484 janv. 1485), publicados por A. Ber- nieR;, i836, I volume.

39. Procédures politiques du règne de Loiíis XII,

publicados por R. de Maulde, i885, i volume.

40. Négociations diplomatiques de la France

avec la Toscane (i3i i a 16 10), documen- tos coligidos por GiusEPPE Canestrini e, publicados por Abel Desjardins, 1859 a 1886, 6 volumes.

41 . ^- Négociations diplomatiques entre la Franco

192

et VAutriche durant les trente premières années du X VI siècle, publicadas por A. Le Glay, 1845;, 2 volumes.

42. Négociations de la France dans le Lepant

(i5i5 a 1589), publicadas por E. Ghar- RiÈRE^ 1848 a 1860, 4 volumes.

43. Captivité du roi François F\ por A. Cham-

poLLiON-FiGEAC, 1847, ^ volume.

44. Papiers d^État du cardinal de Granvelle

(i5i6 a 1 565), publicados por Ch. Weiss, 1841 a i852, 9 volumes.

45. Lettres de Catherine de Médicis, publicadas

por Hector de la Ferrière e Baguenault de Puchesse, tomos i a ix, 1880 a 1905, 9 volumes.

46. Négociations^ lettres et pièces diverses rela-

tives au règne de François II, publicadas por Louis Paris, 1841, i volume.

47. Relations des ambassadeurs vénitiens sur les

affaires de France au XVI siècle, coleccio- nadas e traduzidas por N. Tommaseo, i838, 2 volumes.

48. Procès-verbaux des États généraux de i5g3,

publicados por Aug. Bernard, 1842, i vo- lume.

^g. Recueil des lettres missives de Henri IV [i562 a 16 10], publicado por Berger de Xivrey e GuADET, 1843 a 1876, 9 volu- mes.

^ o.— Lettres, instructions diplomatiques et papiers d'État du cardinal Richelieu [ 1 60 8 a 1 64 2] ,

o:!

publicadas por Avi:nki., i853 a 1877, 8 volumes.

5i. Maximes d'État et fragments politiques ^du cardinal de Richclieu, publicados por Ga- briel Hanotaux, 1880, I volume.

52. Négociations, lettres et pièces relatives à la Conférence de Loudun [ 1 6 1 5 e 1 6 1 6], pu- blicadas porBoucHiTTÉeLEVAssEUR, 1862, I volume.

53. Correspondance de Henri d^Escoubleau de Sourdis, archevêque de Bordeaux, chefdes cojiseils du roi en Varmée napale, publicada por EuGÈNE Sue, iSSg, 3 volumes.

54. Lettres du cardinal .Ma^arin, pendant son

ministère [1642 a 1661], publicadas por A. Chéruel e G. d'Avenel, 1872 a 1897, 9 volumes.

55. Correspondance administr ative sous le règne

de Louis XIV, coligida por G.-B. Dep- piNG, i85o a i855, 4 volumes.

56. Mémoires des intendants sur Vétat des Géné-

ralités, dressés pour Tinstruction du duc de Bourgogne. Tomo i^ Memoire de la Gé- néralité de Paris, publicada por A. Bois- lisle, 1881, I volume.

57. Négociations relatives à la Siiccession d^Es-

pagnesous Louis XIV I1662 a 1679], pu- blicadas por F. Mignet, i835 a 1842, 4 volumes.

58. Mémoires militaires relatifs à la Succession

d'Espagne sous Louis XIV[ijoi a 171 3],

i3

194

publicadas pelos tenentes generais De Vault e Pelet, i835 a 1862, 11 volu- mes e I atlas.

59. Corre spondance des contrôleurs généraux

des Finances avec les Intendants des Pro- pinces, publicada por A. Boislisle, 1874 1898. 3 volumes.

60. Remontrances dii Parlement de Paris au

XVIII siècle, publicadas por J. Flammer- MONT. Tomos I a iii, 1888 a 1897, ^ vo- lumes.

61. Documents relatifs aiix comités de Champa-

gne e de Brie {XII a XIV siècle), publi- cados por A. LONGNON.

IV. Documentos do período revolucionário

62. Recueil de documents relatifs à la convoca- tion des Etats généraux de ijSg, publi- cado por A. Brette. Tomos i a m, 1894 a 1897, 3 volumes.

63. Corre spondance secrète du comte de Mercy- Argenteau avec Vempereiír Joseph II et le prince de Kaunit^ (1780 a 1790), publi- cada por A d'Arneth e J. Flammermont, 1889 a 1891, 2 volumes.

64. Procés-verbaux du comité d' instruction pu-

blique de rAssemblée législative^ publi- cados por J. GuiLLAUME, 1889, um vo- lume.

65 . Procés-verbaux du Comité d^instruction publi-

que de la Convention nationale, publicados

ig5

por J. GuiLLAUME, tomos I a iv, 1891 ã. 1901, 4 volumes.

66. Reciieil cies actes du Comité de salut public,

publicado por F. A. Aulard, tomos i a xxii, 1889 a 1912, 22 volumes e um índice dos primeiros cinco.

67. Correspondance general de Carnot, publi-

cada por Et. Charavay, tomos i a iv, 1892 a 1907, 4 volumes.

V. Documentos filológicos, literários, filosóficos, jurídicos, ete.

68. Uéclaircissement de la langue française^ por

Jean Palsgrave (i 53o), publicado por F. Génin, i852, I volume.

69. Les quatres livres des Róis traduits en /ran-

çais du Xn siècle, publicados por Le- Roux DE LiNCY, 1841, I volume.

70. Le livre des Psaumes, ancienne traduction

française, publicado por Francisque Mi- CHEL, 1876, I volume.

71. Ouvrages inédits d'Abélard, publicadas por

Victor GousiN, i836^ i volume.

72. Le livre dou Tresor, par Brunetto Latini,

publicado por P. Ghabaille, i863, i vo- lume.

73. Li livres de Jostice et plet, publicados por

P. Ghabaille, i85o, i volume.

74. Le Mister e du siège d'Orlèans, publicado

por F. Guessard e E. de Gertain, 1862, I volume.

iq6

75. Lettres de Peiresc {1602 a 1637), publicadas

por Ph. Tamizey de Larroque, tomos i a VI, 1888 a 1896, 6 volumes.

76. Lettres de Jean Chapelain (i632 a 1672),

publicadas por Ph. Tamizey de Larroque, 1880 a i883, 2 volumes.

77. Documents historiqiies inédits tires des colle-

ctions mamiscrites de la Bibliothèqiie roya- le, etc, publicados por Chmpollion-Fi- GEAC, 1841 a 1848, 4 volumes, e índicç (1874), I volume.

78. Melanges historiques, choix de documents,

publicados por diversas pessoas, 1873 a 1886, 5 volumes.

VI. Publicações arqueológicas

79. Récueil de diplomes militaires, publicado

por L. Renier, 1876, i volume.

80. Etude sur les sarcophages chrétiens antiques

de la ville d' Aries, por Edm. Le Blant, 1878, I volume.

81. Les sarcophages chrétiens de la Gaule, por

Edm. Le Blant, 1886, i volume, in-fol. 82. 'Nouveau recueil des inscriptions chrétien- nes de la Gaule antérieures ao VLIF siècle^ por Edm. Le Blant, 1892, i volume.

83. Architecture mojiastique, por Albert Lenoir,

i852 a i856, 2 volumes.

84. Etude sur les monuments de l^ architecture mi-

litaire des Croisés en Syrie et dans Vile de Chipre, por Guillaume Ret, 1871, i vol.

^97

85. Monogj^aphie de Végiise de Notre-Dame de

Noyon, por L. Vitet, e D. Ramée, 1845, I volume, e i atlas in-fol.

86. Monographie de la cathédrale de Chartres

[por Lassus e Amaury Duval]. Explica- ção das estampas por J. Durand, 1867 a 1886, atlas in-fol.

87. Notice sur les peintures de Végiise de Saint-

Savin, por P. Mérimée, 1845, i volume.

88. Statistique monumental e (spécimen). Rap-

port sur les monuments historiques des arrondissements de Nancy et de Toul, por E. Grille de Beuzelin, 1837, i vo- lume, e atlas in-fol.

89. Statistique monumentale de Paris, por Al-

bert Lenoir, 1867, I volume, e atlas.

90. Iconographie chrétienne. Histoire de Dieu,

por Didron, 1843, I volume.

91. Recueil de dociiments rélatifs à rhistoire des

monnaies frappées par les róis de France, depuis Philippe II jusqii^à François F^, par F. DE Saulcy, tomo i [i 179 a i38o], 1879, I volume.

92. Ifwentaire des sceaux de la collection Ciai-

rambault à la Bibliothèque nationale, por G. Demay, i885 a 1886, 2 volumes.

93. Inventaire du mobilier de Charles V, roi de

France [i 38o], publicado por J. Labarte, 1879, I volume.

94. Comptes de dépenses de la construction du

châteaii de Gaillon [i5oi a i5o9], publi-

igS

cadas por A. Deville, i85o, i volume e atlas.

95. Comptes des bâtiments du Roi sous le règne de Louis XIV, publicadas por J. Guif- FREY, tomos I a V, 1881 a 1901, 5 vo- lumes.

gô.—Inscriptions de la France du V^ au XV IIP siècle. Ancien diocese de Paris, por F. de GuiLHERMY e R. DE Lasteyrie, 1 878 a I 883, 5 volumes.

Além das obras que acabamos de enumerar, e que não constituem mais que uma parte do que tem sido publicado pelo Ministério da Instrução Pública de França, devem ser também recordadas | as colecções de Relatórios e instruções, bem como os Relatos das várias comissões ao Ministro da ^ Instrução e deste ao Chefe de Estado, e as diver- sas Instruções aos colectores, editores e anotado- res dos Inéditos (i).

(i) Vêr os dois volumes de Melanges Historiqiies^ da Collection de Documents Inédits siir rHistoire de France, publicados por Champollion-Figeac, tendo o primeiro aparecido em 184! e o se- gundo em 1843.

No primeiro volume figura um Prefácio do Editor^ onde Ch.- FiGEAC faz uma resumida história da Collection desde o Relató- rio de GuizoT, ao rei, de 3 1 de Dezembro de i833, até 1840 e 1841, indicando os trabalhos feitos no tempo daquele Ministro e quais as alterações que lhe trouxe Vítor Gousin. Seguem-se depois os relatórios, notícias e inventários das missões de investigação en- viadas aos vários departamentos franceses constituindo a pri- meira parte, ao passo que a segunda consta de textos de docu- mentos.

1^9

Também, a comissão dos trabalhos históricos publica uma importante colecção de Dictionnaires topographiques des departements. conta bem mais de vinte volumes, constando cada mono- grafia de uma introdução geográfico-histórica, de uma lista dos documentos empregados, de uma nomenclatura muito detalhada dos nomes geo- gráficos modernos, e de uma lista alfabética dos nomes antigos.

Igualmente, teem sido publicados, a partir de 1861, vários volumes de Repertoires archéologi- ques des departements^ tendo o do Aube, apare- cido naquele ano, sido redigido por H. d'Arbois DE Jubainville; sendo o do Oise, publicado em 1862 por WoiLLEz; o do Morbihan, em i863 por Rosenzweig; o de Tarn, por Crozes, em i865 ; o do jYonne, por Quantin, em 1 868 ; o do Sena, inferior, pelo abade Gochet, em 1872 ; o de Niè- vre, por G. de Soultrait, em 1875 ; o dos Alpes Superiores, por Roman, em 1888, etc.

Conforme o que diz A. Fanklin na sua obra Les sources de Vhistoire de France, e reproduz Langlois no seu aqui tantas vezes citado Manuel de Bibliographie Historiqiie, várias outras obras teem sido publicadas pelo Comité dos trabalhos históricos como as Lettres, instructions et mémoi- nes de Colbert, i86i-i865, em dez volumes, pelo padre Clément ; colecções de obras dos mais no- táveis sábios franceses como CauchY; Descartes, Fermat, Fourier, Fresnel, LagrangE;, Laplace, La- voisiER ; os Anciens alchimistes grecs, por Berte-

200

LOT e Ch.-E. Ruelle, 1888, em três volumes (i); o Dictionnaire de Vancienne langue française et tous ses dialectes dii IX^ au XV^ siècle, de Fr. Go- defroy; o Dictionnaire archéologique deja Gaule; os Éléments de paléographie, de N. de Wailly; a Histoire economique de la propriété, des salaires, des denrées et de tons les prix en general depuis Van 1200 jiisqu'en Fan iSoo, de G. d'Avenel; a colecção áos Momiments de Vart by^antin, etc.(2). Tem possuído esse Comité uma publicação pe- riódica onde tem ido expondo a obra realizada não no que respeita aos trabalhos efectuados nos estudos prévios e na elaboração das obras publicadas, como pelo que se refere aos chamados congressos ou reuniões das Societés savantes dos departamentos franceses.

Entre tais publicações periódicas são de citar o Bidletin archéologique du Comité des arts et mo- niiments; os Troces verbaiix des séances du Comité des monuments écrits; o Bulletin du Comité his- torique des arts et monuments ; o Bulletin du Co- mité des monuments écrits; o Bulletin du Comité de la langue^ de V histoire et des arts ; o Bulletin des Societés savantes, Missions scientiflqites et lit-

(i) Esta obra como Les lapidaires de 1'antiquité et du moyen age de F. Mély, teem sido publicadas pela secção de sciências.

(2) Ver uma lista muito completa das obras publicadas pelos Comités, até 1873, in Table Généralc des Bidletins du Comité des Travàux Historiqucs et de la Revue des Sociétes Savants, por OcTAVE Teissieb, iSyS, pág. viu a xn.

20I

téraires; e a Re mie d es Sociétés Savantes, a partir de i856(i).

Esta .última a Revue des Sociétés savantes consta: na i.* série, de i856 a i858, de cinco volumes; na 2.% de iSSg a 1862, oito volumes; na 3.% i863 e 1864, quatro volumes; na 4.^ série, de i865 a 1869, dez volumes; etc. Estes volu- mes conteem as actas das secções de história, de filologia e de arqueologia ; as Memórias e Re- latórios apresentados e lidos nas secções alguns dos quais constituem bons capítulos de história e de arqueologia da França ; muitas noticias de Memórias, Revistas e Boletins de história, arqueo- logia e filologia ; excelentes artigos de criação histórica e arqueológica sob a epígrafe de Études historiques; a publicação de numerosos e impor- tantes documentos, com boas análises e criticas de proveniência, etc. ; relatos das descobertas de papéis e de peças arqueológicas, de investigações, etc. ; Noticias das obras publicadas na província ou sobre a província; reproduções de monumentos arqueológicos e históricos, de inscrições, sepultu- ras pre-históricas; Rapports descritivos, analíticos e crítitos das Comunicações feitas ao Comité pe- los membros correspondentes do Ministério de Instrução, sendo tais Rapports assinados pelos nomes mais gloriosos da erudição francesa como

(i) Acerca da criação e evolução dos Comités de trabalhos históricos do Ministério de Instrução Pública de França, vêr: OcTAVE Teissier, Table Générale, etc, pág. 1 a viu.

202

QuiCHERAT, Leopoldo Delisle, Desnoyers, Lastey- RiE, Ed. Barthélemy, Tardif, Boislisle, Bello- GUET, Renan, AIex. Bertand, etc, etc. ; a lista de membros efectivos e correspondentes das secções dos Comités, etc.

Vamos tratar agora, muito sucintamente, da famosa Collection de Dociiments inédits sur VHis- toire de France publiés par les soins du Ministre de Vlnstruction Publique, e exemplificar a importân- cia desse notável corpo de publicações, escolhendo algumas mas muito poucas das colecções do- cumentais que o constituem, como : o Recueil des Chartes de VAbbaye de Cluny; o Recueil des Actes du Comité de Salut Public avec la Correspondance officielle des représentants en Mission et le Registre du Conseil exécutif propisoire, etc.

Esperamos poder dar, com as noticias que for- necemos acerca da forma como estão elaboradas essas obras, e com o mais que dizemos da mo- numental Collection de Documents Inedits, uma idea mais ou menos nítida, clara e exacta.

Efectivamente, fazendo parte dessa Collection, e incluída na primeira série da História Politica^ começava, em 1876, a aparecer o Recueil des | Chartes de VAbbaye de Cluny, formado por Au-

203

GUST Bernard, e completado, revisto e publicado por Alexandre Bruel (i).

Havendo falecido Bernard foi encarregado Ale- xandre Bruel que, depois de ter estudado os ma- nuscritos da Biblioteca Nacional de Paris, fez vir para essa cidade os cartulários originais de Cluny.

Bruel conta num excelente Prefácio, de qua- renta e seis páginas, a obra que realizou, isto é, expõe por uma forma concreta e detalhada as fontes donde sairão os textos do primeiro vo- lume. O autor devide o seu estudo em três par- tes : a primeira destinada ao estudo dos depósitos de originais, a segunda relativa aos depósitos de cópias e a terceira ao dos Cartulários.

Na primeira ocupa-se dos fundos da Biblioteca Nacional de Paris, Biblioteca e Arquivos Munici- pais de Cluny, e do Museu Britânico. Na se- gunda trata das cópias, isto é, dos textos repro- duzidos, indicando onde o foram, e fazendo uma pequena súmula. Na terceira parte ocupa-se dos Cartulários, dos quais os mais antigos e impor- tantes são três : o A) da Biblioteca da cidade de Cluny o qual estuda e descreve com muita minúcia e erudição; o B) e C) ^que é o n." i da Biblioteca da cidade de Cluny; o Cartulário D., e o E.

(i) AuGusT Bernard havia publicado em i853, na mesma Colleclion de Dociiments inédits o Cartulaire de Vabaye de Savi- gny, seguido do Petií cartulaire de Vabbaye d'Ainay, em dois volumes. O erudito Bernard, publicou, em 1861, também, uma monografia com o plano da publicação.

^04

Seguem-se, depois, os impressos o mais im- portante dos quais é a colecção da Biblioteca Cluniacensis, aparecida em 1614.

Descrito isso, com um excelente acompanha- mento de notas muito eruditas, passa-se à trans- crição das Chartes de VAbbaye de Cluny. A publicação de cada documento é acompanhada de notas com análises e criticas de carácter pa- leográíico, diplomático, filológico, histórico, etc, estudos de restituição dos textos, de interpreta- ção, etc.

Ao passo que o primeiro tomo contêm as pe- ças desde o ano de 802 a 954, o segundo consta das que vão de 954 a 987, reproduzindo o pri- meiro 882 espécies, e indo o segundo da peça 883 a 1727.

O terceiro tomo consta de peças que vão do ano de 987 ao de 1027, e dos números 1.728 a 2.796; e o quarto, aparecido em 1888, abre com uma Epistola Johannis papae XIX ad universos ecclesiae Jideles por monachis Cluniacènsibus, de 28 de Março de 1027 publicada, com algumas variantes, no Boletim Cluniacense^ pág. 2, col. 2, e fecha com o incipit de uma Charta que Galte- rius Chasnellus dat monachis Cluniacènsibus sancti Dionys in Negimto Castro Ecclesiam Sancti Petri Cetonensis, com appenditiis et relum Albis que é o documento n.° 3.655, de 1090, pouco mais ou menos.

O quinto tomo desta mesma obra apareceu em 1894, e compreende documentos que vão

205

desde 14 de Junho de 1091 a 12 10 pouco mais ou menos. Abre com a peça n.° 3.656 que é mais uma Charta que Pipo Leucorum episcopus, notiim facit Widomen militen ecdcsias de Donna Maria et Liicca Prata monasterio Cluniacensi de- disse, e fecha com o documento n.° 4.457 umas Litterae Fulconis prior is Sancti Mar tini de Campis ad abbatem cluniacensem, quibus not um facit se et fratres ejiis renunciavisse appellationi quamfeceant. Por sua vez, o tomo vi, e último, aparecido em 1903, abre com a peça n.° 4.458 que é uma Charta Hidrici, abbatis monasterii novi pietanensis, de conpentione facta inter ipsum et abbatem clunia- censem, super quibusdam expensis, ao que parece de 18 de Outubro de 121 1, e existente na Biblio- teca Nacional de Paris ; e termina com a publica- ção do documento n.° 5.5o6, de cerca de i3oo, que tem por titulo : Suplicatio procurator is abbatis balmensis coram difinitoribus capituli cliiniacensisy qua petit ut, secundum quandam litteram abbatum balmensis et cluniacensis, balmensis abbas sedem habeat super alios abbates ordinis post moysiacen- sem, seguindo-se, a fechar o mesmo tomo, alguns aditamentos a documentos anteriormente publi- cados ; um Apêndice constante de um Inventário dos Arquivos da Abadia de Cluny no século XV; e um capítulo de erratas dos seis tomos do Re^ cueil (i).

(i) A abrir o tomo vi encontrasse um Prefácio do colector ê anotador Alexandre Bruei. onde este conta de haverem sido

2oê

Se o Recueil des Chartes da abadia de Cluny representa ao mesmo tempo a primeira e a se- gunda séries da Colecção dos Inéditos da História de França^ a quarta série está magnificamente representada, entre outras obras, pelo Recueil des Actes du Comité de Salut Public avec la corres- pondance officielle des représentants en Mission et le registre du Conseil exécutif provisoire^ publicado por F.-A. AuLARD.

O primeiro volume desta importante obra, apa- recido em 1889, começa por uma Introdução do ilustre especialista da história da Revolução, Prof. AuLARD, onde este expõe de uma forma muito su- cinta o fim, método e plano da sua obra, descre- vendo depois as fontes. Assim, escreve êle :

«Notre but est de publier, en les rapprochant pour les combiner selon l'ordre chronologique, trois series de textes :

« I Les déliberations et arretes du Comité de

adquiridos pelo Estado, em 1881, os diplomas e outros manuscri- tos que se encontram hoje na Biblioteca Nacional de Paris. O intermediário dessa aquisição foi o eminente erudito Leopoldo Delisle, então administrador geral da Nacional, o qual logo em 1884 publicava um magnífico Inventaire des manuscrits de la Bi- bliothèque nationale, fonds Cluni, xxv4-4i3 pág.

Depois, Bruel faz uma rápida, mas interessante, descrição do Cartulário D, com os seus i58 fólios, de que havia falado a pág XXXI do tomo i, e incorporado também na Biblioteca Nacio- nal de Paris, Nouvelles acquisitions latines^ n.° 766, e que tem por título Cartulare antiquum monasterii Cluniacensis.

207

salut public depuis son établissement sous sa pre- mière forme et son premier nom, c'est-à-dire, de- puis la création du Comité de defense general (i^"" Janvier lygS), jusqu'à la fin de la Convention na- tionale ;

«2.° La correspondance des représentants en mission avec le Comité de defense générale, le Comité de salut public et la Convention, ainsi que les lettres adressées par le Comité de salut public a ces représentants;

«3.° Le registre des délibérations du Conseil exécutif provisoire depuis la création de ce Con- seil (lo aoút 1792) jusqu'à sa suppression et son remplacement par douze commissions, le 1 2 ger- minal an II (i^"" avril 1794)».

Depois de justificar que «tais textos constituem o próprio fundo da história governamental da França durante a existência da Convenção na- cional», explica que: «justapostos eles comen- tam-se uns aos outros, e por meio deste comen- tário mútuo e imediato dão nítidos esclareci- mentos que faltariam se fossem publicados isola- damente, ou mesmo uns após outros». A seguir, explica a razão porque utilizou «rigorosamente a ordem cronológica» (i).

(t) A seguir, Aulard fornece diversas e valiosas informações bibliográficas, dizendo que se muitas peças que agora publica são inéditas outras foram impressas: umas em folhetos soltos; ou- tras coligidas em volumes, como as que se encontram nos dois volumes dos Arretes des Comités de la Convention nationale obli* gatoires pour les autorités constituées, publicado no ano m ; outraS;

208

AuLARD dá, depois, informações sobre o seu processo de trabalho, a sua imparcialidade ou melhor : impassibilidade acerca da aposição das notas no texto ou no baixo das páginas ; sobre a ortografia, que êle actualiza, devido às faltas com que eram escritos, até mesmo os nomes pró- prios, seguindo na grafia destes a forma que usa- vam os próprios nomeados.

Dá, a seguir, um esboço histórico, cronológico e administrativo do período, dos acontecimentos e dos órgãos do Estado de que trata.

Passando ao texto publica os documentos do Conseil exécutif provisoire, a começar nos Decre- tos relativos ao seu estabelecimento, e passando às actas das suas sessões, e alternando-as, segundo a ordem cronológica, com os relatórios -dos Re- présentants en mission, e, depois, com as actas do Comité de defense générale tudo isso profusa- mente semeado de notas. Emfim, as peças desse

finalmente, aparecidas no Moniteur^ que ainda então não era jor- nal oficial, e que tinha por título exacto: Ga^^elte nationale ou le Mouiteur universel, reeditado, em 1854, em trinta e dois volumes com a designação de Réimpression de Cancien Moniteur, seule his- toire aiithentique et inaltérée de la Révolution française depuis la réunion des Etats généraux jusqu'au Consulat, avec notes explica- tives.

AuLARD, depois de indicar as peças que haviam sido antes publicadas, descreve, largamente, as fontes inéditas do seu tra- balho ; quais são, os documentos com as datas limites, os lugares onde se encontram, com as respectivas cotas, etc, etc, e com bastantes informações sobre as peças a sua natureza, autentici- dade, proveniência, restituição, registo, etc, etc. Isso vai da pág. n a XII e de XI a xxxvii.

tiòc)

volume constam dos decretos estabelecendo o Conselho executivo provisório^ aprovados na sessão da Assemblea legislativa de iode Agosto de 1792; e a última consiste no Relatório dos comissários no Baixo Reno, Mosela e Meurthe, datado de Strasburgo em 21 de Janeiro de lygS.

O segundo volume, publicado em 1889, segue o mesmo ponto de vista, e abre com a acta das sessões do Comité de defense general, de 22 de Janeiro de 1793, substituindo a reprodução na integra de alguns documentos mas poucos pelo seu extracto, resumo, ou análise como se lhe chama na obra.

Esse volume fecha com um relatório dos Co- missários na Mancha e no Orne para a Conven- ção escrito ao que parece em Março de 1793.

Ao abrir o terceiro volume Aulard adverte-nos que ao passo que nos anteriores os Relatórios dos representantes em missão à Convenção nacional e ao Comité de defesa geral foram reproduzidos, com muito pequenas excepções, na Integra, a par- tir deste volume alguns desses relatos, que ao 5eu editor «semblent pleinement interessantes», serão totalmente publicados, ao passo que de todos os outros será apenas feita a análise isso devido à abundância de tais relatórios.

Contudo, deve dizer-se que essas análises ou extractos são mais ou menos detalhados segundo a importância dos assuntos tratados (i).

(i) o Prof. Aulard não publicou no seu Recueil as cartas •4

■21Ò

Depois, informa que como o verdadeiro as- sunto do Recueil é o Comité de salvação pública, êle renuncia a publicar, a não ser como comen- tário ou a titulo de informação, «aucune des let- tres des représentants aux autres comités et aux ministres» (i).

A primeira peça do texto é uma acta do Comité de defense general^ de segunda feira, i de Abril de 1793.

A partir das pág. 82 e 112 começa a aparecer o Comité de Salvação Pública cuja criação co- meçara já na sessão de Convenção Nacional de 5 de Abril, e continua na do dia seguinte em que é decretada a criação daquele comité (2). Este terceiro volume, aparecido em 1 890, termina pelo extracto do Relatório dos Representantes nas cos- tas do Mediterrâneo ao Comité de Salvação Pú- blica, datado de Perpignan, em 5 de Maio de 1 793.

O quarto tomo, publicado em 1891, inicia-se com uma pequena acta da sessão do Comité de Salvação Pública, de 6 de Maio de 1793, e ter- mina com os extratos dos relatórios dos represen- tantes do povo no exército dos Pireneus orientais

Carnot porque Etienne Gharavay estava então publicando-as na mesma Colecção de Inéditos da História de França, sob o título de Correspondance general de Carnot. Desta obra falamos adiante.

(i) Contudo, esclarece que abre excepção reproduzindo ou extratando os Relatórios enviados ainda à Convenção, porque, na verdade, é ao Comité de salvação pública que eles se dirigem, posto que indirectamente. In ob. cit., pág. iii.

(2) O relatório das sessões de 5 e 6 e o decreto apareceram, então, publicados no Moniteur,

2{ i

e lio exercito de Itália, respectivamente, à Con- venção e ao Comité de Salvação Pública am- bos de i8 de Junho seguinte.

O quinto tomo aparece em 1892, começando pela publicação da acta da sessão do Comité de Salvação Pública, de 19 de Junho, e terminando pelo extracto de um relatório dos Representantes junto do exército dos Pireneus ao Comité de Sal- vação Pública, datado de Perpignan, em i5 de Agosto de 1793 (i).

O sexto tomo, impresso em 1898, inicia-se com a publicação de um Decreto da Convenção Nacional, aprovado na sessão de 1 5 de Agosto de 1793, determinando que «les citoyens Legen- dre (de Paris) et Louchet (de TAveyron) se ren- dront sur-le-champ dans le département de la Seine-Inférieur, en qualité de représentants du peuple, pour rechercher les causes de la disette des subsistances, examiner les comptes et Tadmi- nistration des diverses autorités constituées, re- lativement à cet objet, et prendre toutes les me- sures qu'ils jugeront convenables pour le bien du peuple de ces départements et Tavantage de la Republique» (2).

(i) Em 1893 aparecia uma Table alphabetique dos cinco pri- meiros volumes. Na Advertência o Prof. Aulard explica que de- vendo a colecção do Recueil abranger cerca de quinze volumes, julgou conveniente não deixar para o firrt da publicação do último tomo a impressão do índice, antes lhe pareceu útil publicar, desde logo, o índice alfabético ou quadro dos primei"os cinco tomos e que é bastante analítico.

(2) A abrir o tomo vi vem uma Advertência onde Aulard

212

O volume termina pelo extracto do Relatório do Representante do povo Fabre, junto do exército dos Pireneus orientais, ao Comité de Salvação Pública, datado de Perpignan, em 21 de Setem- bro de 1793, onde êle noticia de mais uma vitória dos franceses sobre os espanhóis (í).

O tomo VII, que veiu à luz em 1894, começa com a publicação de uma acta do Comité de Sal- vação Pública, de 22 de Setembro de 1798, e ter- mina por um desenvolvido e interessantíssimo Relatório dos Representantes do povo Fabre, Bon- net, Gaston e Cassanzés, junto do exército dos Pireneus orientais, datado de Banyuls, a 24 de Outubro de 1 793 com várias e curiosas informa^ çóes sobre o exército onde eles estavam, acerca dos generais Dagobert e Aoust, e sobre a acção a exercer contra a Espanha (2).

O tomo VIII, aparecido em 1895, começa por uma acta da sessão do Comité de Salvação Pú- blica, de 25 de Outubro de 1793 contendo sete decretos, sendo o primeiro acerca da formação «d'une compagnie de musiciens pour Tarmée de

várias informações, muito úteis, sobre a natureza das peças que reproduz em extracto, mas não emite opiniões, remetendo, por isso os leitores para a sua obra : Etudes et Leçons sur la Révolu- tian française, iSgS.

(i) Segundo o que Aulard encontrou num outro manuscrito dos Arquivos do Ministério da Guerra, francês, núcleo de Armée des Pyrenées, trata-se da conquista das povoações de Prades e Villefranche.

(2) Este tomo vii abre com um Avertissement, onde Aularo várias informações sobre o Calendário Republicano, seu início, nomenclatura, etc.

2l3

rOuest. A última peça é o extracto de dois re- latos dos Representantes do povo : um em Le Lot, e outro no exército dos Pireneus orientais.

O tomo IX, aparecido igualmente em 1895, abre por uma acta do Comité de Salvação Pú- blica, da sessão de 7 frimário do ano 11 aos 27 de Novembro de 1793 contendo dez decretos com várias providências económicas, financeiras, po- líticas e administrativas, e termina com o extracto de um Relatório do representante do povo, Pa- ganel, em Le Lot, ao Comité de Salvação Pú- blica, datado de Rieux (Alto Carona) no 1 1 ni- vose do ano 11, ou seja 3i de Dezembro de 1793.

O tomo X, publicado em 1897, inicia-se com a reprodução de dezaseis decretos aprovados na sessão do Comité de Salvação Pública, de i de Janeiro de 1794, e finaliza a pág. 790 com o ex- traio de um Relatório do Representante do povo na Corcega, Lacombe Saint-Michel, à Convenção Nacional, de 8 de Fevereiro de 1 794.

O XI, aparecido também em 1897, começa pela inserção de vinte e sete decretos aprovados na sessão do Comité de Salvação Pública, de 2 1 plu- viose do ano 11, isto é, de 9 de Fevereiro de 1794, e termina com o resumo, acompanhado de algu- mas transcrições, do Relatório do Representante do povo no Ain, e Monte-Branco ào Comité de Salvação Pública, datado de Chambery, 2> ven- lose do ano 11 (i5 de Março de 1794) (i).

(t) Neste curioso Relatório o cidadão Albite responde com

214

o tomo XII, publicado em 1899, abre com a re- produção de seis decretos aprovados no Comité de Salvação Pública, sessão de 26 ventose do ano II (16 de Março de 1894), e fecha, a pág. 795, com o extracto de duas cartas do Representante Ricord, no Var e nos Alpes Marítimos^ ao Comité de Salvação Pública, datado de Nice em 3 floreai do ano 11 (22 de Avril de 1794).

O tomo XIII, aparecido em 1900, começa com a publicação, na integra, de trinta e cinco decretos do Comité de Salvação Pública, aprovados na sessão de 23 de Abril de 1794, e acaba, na pá- gina 812, com um desenvolvido Relatório de So- brany e Millaud, representantes do povo no exér- cito dos Pireneus orientais, datado de Collioure, no9prairial do ano 11 ou 28 de Maio de 1794, dando parte ao Comité de Salvação Pública das vitórias obtidas pelos franceses sobre os espa- nhóis com as conquistas dos redutos e postos de Collioure, Saint-Elme, Port-Vendres, etc.

O tomo XIV, apareceu em 1901 e abre com a publicação, na integra, de quatorze decretos do Comité de Salvação PúbHca, aprovados na ses- são do 10 prairial, ou 29 de Maio de 1794. Ter- mina com a transcrição, in-extenso, do Relatório

desenvolvimento e veemência às acusações que lhe eram feitas de perseguir, na sua circunscrição, os elementos católicos mais re- presentativos, os frades, etc.

Albitte não concorda com a neutralidade do Estado em face das religiões, mas com a laicização da sociedade, e invoca a sua luta contra as superstições populares ; a sua obra em favor do casamento dos padres, etc, etc.

2l5

de Saliceti, representante do povo no exército de Itália, ao Comité de Salvação Pública, datado de Port-de-la" Montagne, a 1 9 messidor do ano 11, ou seja 7 de Julho de 1794 (i).

O volume xv, que saiu em 1903, começa com uma acta da sessão do Comité de Salvação Pú- blica, de 8 de Julho de 1794, contendo a repro- dução de vinte e três decretos e a enumeração de mais cinco, e acaba na pág. 8o5, com um Rela- tório, na íntegra, de Jeanbon Sain-André, repre- sentante do povo em Toulon, a Breard, membro do Comité de Salvação Pública, datado dessa ci- dade, no 22 thermidor ano 11, ou 9 de Agosto de 1794(2).

O tomo XVI contêm, e reproduz, extratos de pa- péis desde 9 de Agosto de 1 794, a 2 1 de Setem- bro seguinte (3).

O volume xvii, aparecido em 1906, inicia-se por uma acta do Comité de Salvação Pública, da cSeance du 5^ iour des sans-cuUotides an 11

(i) Port-de-la-Montagne era o nome revolucionário da cidade de Toulon como Roclibre fora a crisma anti-monárquica de Ro- croi.

O ofício de Saliceti, cujo original se encontra no Ministério da Marinha de Paris, BB, 62, várias informações sobre as posições da primeira e da segunda divisões no litoral, próximo de Toulon, armamento e municiamento dessas tropas, e armamento dos na- vios. Este 14.° volume tem 796 pág.

(2) informações sobre as obras encetadas no porto de Toulon para o melhorar, as providências para armar navios e fa- zer guerra marítima no Mediterrâneo, etc.

(3) Na colecção desta obra existente na Biblioteca Nacional de Lisboa não encontramos este tomo xvi.

2l6

21 setembre 1794», constando de cinco decretos, na íntegra, e de mais quatro em simples re- gisto.

O volume termina a pág. 83 1 por um ofício do representante do povo, Foucher (do Cher), no Dours, e Monte-Branco ao Comité de Salvação Pública.

O tomo xviii, publicado em 1908, começa por uma útil Advertência onde Aulard expõe as alte- rações que infligiu ao seu trabalho, mercê do estudo dia a dia dos documentos, como os lapsos e a brevidade . que apresentavam os registos de correspondência do Comité de Salvação Pública, os novos núcleos descobertos, sendo uns dos arquivos públicos, outros de depósitos particu- lares, etc.

Depois de se referir aos extractos por êle feitos dos documentos como as cartas dos representan- tes do povo, diz que, indicando sempre a fonte original; é sempre possível recorrer a esta para conhecer o documento in-extenso.

Depois, declara que os seus resumos «n'ont été inspirées par un esprit de parti on de these», e acrescenta: «adversaires et amis de la Révolu- tion trouveront dans ce recueil des éléments im- partielement colligés».

Termina por justificar a razão porque se apres- sou a ir publicando, antes de completo, o seu es- tudo, e à medida que ia avançando com este, em vista da importância e novidade do assunto, pois estava-se «à une époque diz êle ou ces étu-

217

des ètaient à organiser sur une base scientifi- que» (i).

A primeira peça consta da publicação, na ín- tegra, de onze decretos e do registo de mais de quarenta e um todos do Comité de Salvação Pú- blica, e parece que aprovados na sessão de 7 de novembro de 1794 (2). O volume termina com a publicação do Relatório do representante J. Fe- raud, no exercito do Reno, ao Comité de Salva- ção Pública, em 2 de Dezembro de 1794, dando vários informes sobre a marcha das operações do exército na sua ofensiva contra Mannheim e Mo- guncia.

Otômoxix^ aparecido em 1909, abre com uma acta do Comité de Salvação Pública do i nivose do ano m, 21 de Dezembro de 1794, contendo vários decretos na íntegra e em extracto, e termina por um curioso relatório dos representantes do povo em Toulbn e nos exércitos dos Alpes e de Itália ao mesmo Comité, em 3 1 de Janeiro de 1795, informando este das intrigas que um capi- tão chamado Jacquey, de 104.* meia brigada, fo- mentava contra eles, pelo que foi preso.

O tomo XX, aparecido em 19 10, começa por uma acta do Comité de Salvação Pública, de i

(i) Ó prefácio de Aulabd termina por uma lista cronológica de decretos insertos no Suplemento ao Recueil e que vão de 10 de Agosto de 1793 até ao fim de 1794, e da correspondência dos representantes desde Outubro de 1792 até 14 de Dezembro de 1794.

(2) AuLARD diz em nota que o registo não aponta, com esta data, nenhum decreto.

2l8

de Fevereiro de 179 5, com vários decretos, e ter- mina, a pág. 806, com um Relatório do represen- tante Goupilleau, no exército dos Pireneus orien- tais, informando o Comité de Salvação Pública, em 1 1 de Março de 1795, sobre o estado do exér- cito e fortalecimento deste, e quanto aos boatos que corriam e às diligências feitas para a paz franco-esp anhola .

O volume xxi, publicado em 1 9 1 1 , abre por uma acta do Comité de Salvação Pública, de 1 2 de Março de 1795, contendo vários decretos uns na integra outros em registo, e fecha com um ofício dos representantes do povo nas Bocas- -do-Rodano, no Var, e na esquadra do Mediter- râneo, à Convenção nacional, em 1 1 de Abril de 1770, sobre assuntos políticos, boatos de revolta e de golpes de Estado, etc.

O tomo XXII dessa obra, ainda em publicação, apareceu em 19 12. Começa por uma acta do Comité de Salvação Pública, de 23 germinal do ano III, ou 12 de Abril de 1795, com vários de- cretos na íntegra e outros em extracto, e termina por um ofício dos representantes junto dos exér- citos dos Alpes e de Itália ao Comité de Salva- ção Pública, em 9 de Maio de 1795, dando vá- rias informações sobre as operações dos aludidos exércitos (i).

(i) Foi este o último volume da série dos Recueils que encon- tramos nesta colecção existente na nossa Biblioteca Nacional, tendo este o n." 6419 azul da secção de História. A biblioteca da Academia de Sciências tem o xxv.

219

Como é de calcular, muito mais teríamos a di- zer sobre esta Collection verdadeiramente monu- mental, e que constitue um dos maiores títulos de honra não da historiografia francesa como, até mesmo, da sciência mundial contemporânea. ' A reprodução das espécies manuscritas é feita ali, quási sempre (i), de uma forma sábia e meti- culosa, com todos os estudos prévios necessários a uma restituição conscienciosa, rigorosa e fiel.

Os aparelhos de erudição e crítica seguidos figuram admiravelmente expostos nas Introdu- ções e Advertências que precedem cada grande es- tudo.

Assim, as cartas do famoso Jean Chapelain, membro da Academia Francesa, 1594 a 1674, editadas em dois volumes na segunda série da Collection tem, além de um excelente Advertisse- ment, magníficas notas de história e bibliografia do editor Ph.Tamizeyd.e LARROQtJE(2), e terminam,

(i) nos referimos a algumas críticas e observações feitas, especialmente aos volumes primeiramente aparecidos. Mas, mesmo esses constituem magníficos exemplos de trabalhos de erudição.

(2) Na Advertência Larroque faz a história das flutuações por que passaram os papéis de Chapelain, especialmente as minutas e registos da sua Correspondência, as Cartas que recebeu, etc, desde a morte daquele, em 1674, nota as obras que se basearam so- bre os papéis do erudito amigo de M.me de Rambouillet e da ilustre SÉviGNÉ, como a Histoire de 1'Academie Française de Pelijsson, as Mélanges de Littérateure de Denis-François Gamusat, etc,

220

depois da lista das Corrections et additions, por uma Table chronologique des lettres de Chapeiam contenues dans le manuscrit Samte-Beupe, de i632 a 1673, por outra Table alphabètique des mots qui sont l^objet d' une note dans les lettres de Chape- iam, e por uma última Table alphabètique des noms de lieux et de personnes mentionnés, dans les lettres de Chapeiam et dans les notes de l^éditeur.

Também, a Correspondência de Nicolau Cláu- dio DE Fabri, senhor de Peiresc aos irmãos Dupuy, que enche seis volumes, foi publicada por Ph. Ta- MiZEY Larroque, scndo precedida de uma adver- tência e acompanhada de magníficas notas (i).

até ao ilustre Sainte-Beuve no seu Port-Royal e nas Causeries du lundiy e ao bibliógrafo Rathery. Depois, fez um estudo da cole- cção das cartas que Sainte-Beuve legou à Biblioteca Nacional de Paris, e discreteia sobre a sua autenticidade.

Quanto às ideias, à forma, ao fundo, e ao valor histórico das cartas de Chapelain, E.-J.-B. Rathery disso havia tratado num estudo do Bulletin du bibliophile, de i863, com o título de Docu- ments relaíi/s à Jean Chapelain . . ., e volta a tratar no seu Rap' port sur la publication de la correspondance de Chapelain, que o erudito Tamizey de Larroque transcreveu em parte. Este, infor- mando que a extensa correspondência de Chapelain preencheria cinco grossos volumes impressos, diz que para encurtar tal pu- blicação dividiu as cartas em três categorias : as cartas a repro- duzir in-extensoy as a publicar em extracto, e aquelas que con- veio deixar de imprimir.

Os dois volumes publicados na Colection contêm, somente, as cartas do manuscrito de Sainte-Beuve.

(i) As cartas de Peiresc a Pedro Jacques Dupuy vão desde 1617 até 1637, sendo a primeira carta aos irmãos Dupuy de 9 de Dezembro de 1617 e a última de 9 de Junho de 1637, atingindo um total de 485, que estão na Biblioteca Nacional de Paris, ocu- pando os volumes 716, 717 e 718 da Colecção Dupuy.

Na Advertência^ o editor Larroque diz não obstante as buscas

221

Da mesma forma, Etienne Gharavay ao publi- car a Correspondance Générale de Carnot, em quatro volumes, antccede-a de uma curta, mas excelente, Advertência, e acompanha-a de magní- ficas notas históricas e biográficas (i).

Quanto ao Rçcueil des monuments inédits de tHistoire des Tiers-Etat, consta de quatro volu- mes para a região do norte, e é obra do emi- nente AuGUSTiN Thierry. Coutêm ela, além de um Avant-Propos, onde é historiada a publicação do Recueil desde as diligências feitas por ordem de GuizoT, uma magnifica Introduction onde A. Thierry faz a história do terceiro Estado, em França, desde a queda da dominação romana e das invasões do quarto e quinto séculos, com um excelente estudo da vida social e política da popu- lação mista galo-romana e barbaro-germânica dominadora, esta, nessa época, e sobre o terceiro estado durante o feudalismo e a monarquia abso- luta até ao século xvii, ficando a continuação da Introduction com o estudo sobre o terceiro Estado

feitas não encontrou o grosso da correspondência dos irmSos DuPUY, achando apenas algumas dessas cartas. Peiresc trata, na sua Correspondência, da história antiga e da sua contemporânea, arqueologia, bibliografia, história natural, trabalhos geográficos e trabalhos filológicos, mostrando sempre a extrema curiosidade do seu espírito e a sua enorme erudição.

(í) Na Advertência, Gharavay faz a história da publicação daS Cartas de Carnot proposta por Albert-Duruy, e transcreve o parecer favorável a tal impressão de Albet Sorel. Porem, a doença e a morte de Duruv demoraram essa publicação que veiu a executar-se mais tarde, tendo o primeiro volume, com as cartas de Agosto de 1792 a Março de 1793, aparecido em 189»,

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no século XVIII e as suas relações com a realeza e a nobreza para o segundo volume (i).

Além da Introdução ao primeiro volume, que enche 272 páginas, figura uma pequena Adver- tência expondo a economia e distribuição dos as- suntos no tômOo Segue-se a primeira monogra- fia que compreende a história municipal d'Amiens, desde o descolamento do império romano e atra- vés dos séculos XII, XIII e xiv (2). Vêem depois diversos documentos em suplemento, sendo o pri- meiro uma carta de Felipe-Augusto a Humbert de Bourg «justicier d'Angleterre», em favor dos comerciantes d'Amiens (3).

Antes de fechar o volume Thierry insere uma excelente Notice des sources manuscrites de Fhis-' toire d^Amiens que é um estudo dos depósitos onde estavam as peças utilizadas pelo ilustre co- lector, tratando dos arquivos d'Amiens, da secção de manuscritos da Biblioteca Nacional e dosAr-

(i) Efectivamente, o segundo volume, depois de um desenvol- vido Prefácio de yS páginas sobre a história municipal da antiga França, passa a inserir os documentos sobre a história municipal de Amiens durante os séculos xv e xvi. O terceiro tomo contêm os documentos de Amiens, dos séculos xvii e xviii, sendo quarto destinado às peças sobre a história de Abbeville e as povoações da baixa Picardia.

(2) A publicação, na íntegra dos documentos que são 3o5, fora os do Suplemento, que são i5 é precedida de belos es- tudos de carácter histórico, administrativo, económico e paleo- gráfico acerca de cada peça, sempre com a indicação de cada. arquivo onde Thierry os encontrou, e com as respectivas cotas

(3) Esse documento não está datado, mas entende Thierry que ele deve ter sido escrito entre 1214 e 1223.

2 23

quivos Nacionais de Paris, e dos depósitos de Londres como os da Torre, de Guilt Hall e do Museu Britânico (i).

Não nos consente a já, desmedida, extensão deste trabalho continuar a estudar tomo a tomo, analizar volume a volume, esta enorme e admirá- vel Colecção dos Inéditos da História de França (2).

Porém, pelo que deixamos exposto os nos- sos leitores poderão formar uma ideia concreta da importância da famosa Colecção, das normas gerais seguidas na elaboração dos volumes, na economia de cada um, etc, etc. (3).

Como mais adiante diremos com a compe- tente justificação das numerosas colecções e

(i) Este primeiro volume, termina por três índices: uma Ta- ble chronologique des charles, ordonnances, coutiimes, statuts, rè- glements et autres actes contenus ou mentionnés dans ce volume ; Table des dépôts d'Archives; uma Table analytique des matié- res . . . ; e por um índice geral,

(2) Os nossos leitores que desejarem completar os seus co- nhecimentos, percorrendo os múltiplos e grossos volumes deste mo- numental corpo de publicações documentais, encontra-o num con- junto bastante completo na Biblioteca Nacional, e na da Academia.

(3) ainda a notar a Collection de Documents inédits sur Vhistoire economique de la Révolution française, publicada igual- mente pelo Ministério de Instrução Pública de França. Nesta co- lecção publicou o erudito professor da Sorbonrie Camille BloCM os Cahiers de doléances des bailliage d'Orléans pour les États généraux de i~8g, e Seb Charléty um grosso volume de xvni-732 páginas sobre os Documents relatifs à la vente des biens nationaux no Departamento do Ródano. Ver Revue de Synthèse Historique^ tomo xni, pág. 367 a 372.

224

publicações documentais de que temos conheci- mento foi esta a que mais nos influenciou, sendo pois ela a que, de uma forma geral, procuramos seguir mas não imitar pelos motivos de or- dem scientífica e moral que yão expostos adeante, no capítulo vii.

*

Se bem que a Collection de Documents Inédits sur rHistoire de France, a cargo do Ministério da Instrução, de Paris, seja a mais importante das empresas do seu género de toda a França, e das primeiras do mundo, manda a verdade que se diga que ela não é única, mesmo nesse país.

Assim, ali que considerar mas com a de- vida distância daquela Collection como grandes corpos de ou sobre publicações documentais, en- tre muitas outras, os prometedores Archives de Vhistoire religieuse de la France [i)\ a colecção

(i) Esta colecção dos Archives foi da iniciativa de Imbart de LA TouR, e tem tido a dirigi-la os eruditos Ghatelain, Boulay DE LA Meurthe, P. Fournier, Baudrillart e NoEL Valois.

Entre as obras de que se tem ocupado os Archives são de ci- tar o Registre des procès-verbaux, da Faculdade de Teologia de Paris, de i5o2 a i533, que foi recentemente estudado por Delisle, tendo como editores os consagrados Ghatelain e Denifle ; uma Consultation des èvêques de France sur la conduite^ à tenir à Vé- gard des Reformes (1698) obra baseada nos papéis dos arqui- vos do Ministério da Guerra de Paris ; correspondência diplomática } cartas do cardeal du Bellay muito importantes para a história da política religiosa de Francisco I, e para o estudo do humanismo.

Os Archives teem-se proposto publicar os manuscritos das nun- ciaturas que estão nos arquivos do Vaticano, havendo sido encar- regado de dirigir esse trabalho o erudito M. Madelain, antigo jnenabro da Escola francesa em Roma.

•12b

Hauser das Soiirces de 1'Histoire de France au XIV^ siècle; o Repertoire general des sources ma- nuscrites de FHisfoire de Paris pendant la Revolu- tion française{\)\ o Reciieil des instructions don- nés aiix ambassadeurs et ministres de France depuis les Traités deWestphalie jiisqii^à la-Revolution Fran- çaise (2) ; o Reciieil historique des drchevêchés, évê- chés, abbayes et prieurés de France^ dirigido por Dom Beaunier; a colecção de Mélanges du moyen âge publicada pela Faculdade de Letras de Pa- ris — em que teem colaborado A . Luchaire, Dupont Ferrier, Poupardin, Halphen, Huckel, Beyssier, CoRDEY, Jacquemin, Faral^ Aubert, Carru, etc. ; o Recueil de la Société des textes velha publica- ção onde aparecem várias crónicas, entre as quais a Historia Francorum de Gregório de Tours ; a Collection des mémoires relatifs à Vhistoire de France onde Guizot publicou também cróni-

(i) Os tomos IV e V deste Repertoire, publicados por Tuetey abrangem o período da Assembleia legislativa até aos dias de Se- tembro e aos massacres dos prisioneiros de Orleans, sendo espe- cialmente importante o iv tomo que trata da jornada de 10 de Agosto.

A Société de 1'Histoire de Paris tem também publicado outras obras como a Chronica Parisiense.^ do século xiv, editada por Hei.lot.

(2) O Recueil des instructions a cargo da Comissão dos arqui- vos diplomáticos do Ministério dos Estrangeiros francês, tem como se sabe publicado vinte volumes. O relativo às instru- ções aos representantes da França em Portugal foi coligido pelo visconde de Gaix de Saint-Aymour ; em Roma, conta três volumes editados muito eruditamente por Gabriel Hanqtaux; a Espanha compreende, também, três volumes tratados pelos espanófilos Mo* RBL Fatio e Leonabdon, etc, etc, i5

220

Cas, etc. (i); a antiga Collection de VHistoire des Croisades, publiéepar VAcadémie des Inscriptions que tem continuado na colecção das Gestas Fran- corum; o Chartularhim Universitatis Parisiensis, editado por Denifle e E. Chatelain; a colecção dos Estatutos e privilégios das Uniuersidad es fran- cesas— reunida por M ARGEL Fournier; as publica- ções da Société scolastique medieval; os estudos feitos pela Société d'Histoire Moderne (2) ; o apa- recimento recente de Les Archives de la France monastique destinados a continuar a obra dos Beneditinos de S. Mauro, interrompida no tempo da Revolução (3) ; a Société de VHistoire Contem- poraine que tem publicado o Diário de M.""^ de Caienove d'Arlens, no tempo do Consulado, em

(i) São muito numerosas as obras que a Société de VHistoire de France tem publicado com documentos dos séculos xiii, xiv, etc, alem das reimpressões que tem feito. Entre as crónicas edi- tadas por essa Société são de salientar as de Froissart, de Jean Venette que continuou a crónica de Guilherme de Nangés, a Ciónica dos quatro primeiros Valois, a Crónica Normanda, as Crónicas dos condes de Anjou, etc, etc.

(2) A Société d'Histoire moderne foi fundada, dez anos, pelos historiadores A. Mathiez e P. Muret, com E. Bourgeois na presidência, e contou logo com a adesão de Monod^ Lanson, Hau- SER, Andler, Aulard, H. Bebr, Chuquet, Debídours, E. Denis, E. Lavisse, Leonardon, C. Bloch, etc

Acerca dos seus objectivos e desígnios, e dos seus trabalhos vêr Revue de Synthése Historique, tomo iii, pág. io6; tomo x, pág. 373; tomo XI, pág. 261, etc, etc.

(3) Também estes Archives teem em vista publicar a história das ordens religiosas, ocupando-se principalmente das várias con- gregações dos Beneditinos negros. Tem publicado uma revista trimestral Revue Mabillon com vários estudos, crónicas, bi- bliografia, etc.

227

1 8o3 ; as Memoires de Langeron, general dHnfan- terie dans l'armée russe, etc.

Temo-nos referido várias vezes às publicações docuQientais a cargo das grandes instituições e corporações scientificas francesas como os Mi- nistérios de Instrução e dos Estrangeiros, a Aca- demia das Inscrições, a Universidade de Paris, as Sociedades de História de França e de Paris, etc. ; mas devemos notar que a França tem visto mais, proporcionadamente^ que qualquer outro país, sem excluir a Alemanha brotar por todos os seus departamentos muitos e variadas corpo- rações scientificas, especialmente destinadas aos estudos de geografia, história, arqueologia, no- mismática e heráldica locais, umas pela acção e protecção do Estado, mas muitas outras devido à iniciativa e ao esforço particulares.

Alguns desses focos de saber teem levado uma vida hesitante, desigual, e por vezes, difícil ; ou- tros teem atravessado uma existência longa e sempre operosa e produtiva, mas todos na me- dida das suas forças, dos seus recursos, das suas possibilidades, teem prestado à sciência e à França grandes benefícios^ não pelo rendi- mento scientífico que teem apresentado, como ainda pelo salutar exemplo que a sua existência constitue.

Entre tantas outras corporações scientificas

228

provinciais são de notar em França as seguintes: Sociedade das Siências, Belas-Letras e Artes, de Toulon, com o seu Boletim ; a Sociedade Aca- démica de Nantes e do departamento de Loire, inferior, com os seus Anais; a Sociedade dos antiquários do Oeste, com os seus boletins tri- mestrais ; a Sociedade arqueológica^ histórica e scientiíica, de Soissons, com o seu boletim ; a Academia du Gard, com os seus proces-verhaux muito importantes pelos trabalhos sobre arqueo- logia; a Société archéologiqiie de Toiíraine, em cujas Memórias teem sido publicados muitos do- cumentos, entre outros, o cartulário de Cormery; a Société d^Archeologie et d'Histoire de la Moselle com as suas Memórias e o seu Boletim (i).

O esforçado M. Pierre Caron, director da Re- vue d'Histoire moderne, numa comunicação feita alguns anos á Société d'Histoire moderne, onde estuda as Sociedades sábias distribuídas pelos de- partamentos franceses, diz que as da região do Norte (Pas-de-Calais, Somme e Norte) são vinte, algumas das quais muito florescentes, como a Sociedade de Bolonha e a dos Antiquários da Pi- cardia — que teem publicado importantes tra- balhos.

Na região de Paris assinalar as de Versail- les e de Pontoise. O Oise dispõe de quatro, e a Normandia tem dois importantes centros de tra- balho : Caen e Rouen (2). A Bretanha conta

(i) Vêr Revue des Sociéiés savantes, i863, pág. 119 3128.

(3) Caen possue: os Antiquários da Normandia, e uma Aca«

229

dezassete Sociedades, publicando, nove Revis- tas locais, e tendo estudado muito as lutas da Vendéa.

No centro a destacar Poitier que tem go- sado uma intensa vida scientifica, Tours e Or- leans. Na Borgonha são de lembrar as quatro Sociedades de Dijon com uma revista de histó- ria local; e no Auvergne, das oito Sociedades deve distinguir-se a de Lozère que tem publicado trabalhos importantes.

No Siid-oeste e no Sul bastantes Socie- dades, sendo as mais florescentes as de Saintes e Bordéus ; e na região Cevenense devem citar-se as de Dordonha, Tarn, e Lot. Toulouse está bastante progressiva, e o mesmo, quási, se pode dizer de Montpellier.

Mas, é no Este que as Sociedades trabalham mais, pois das vinte e nove que ali existem, doze teem publicado bons trabalhos. Nancy conta cinco Sociedades, uma cadeira de história local, a aqui citada Revista Annales de fEst, sendo a ci- dade universitária que melhores serviços presta nas investigações e publicações de história local.

Finalmente, no Siid-Este, a pôr cm foco a actividade da Sabóia que à sua parte conta seis Sociedades sábias.

Como se vê, são muito numerosas tais corpo-

demia, ocupando-se ambas muito de arqueologia ; em Roucn a So- ciedade histórica da Normandia tem publicado bastantes trabalhos de história local.

23o

rações, deveiido-lhes a França a publicação de numerosas colecções documentais, monografias e biografias históricas, estudos de arqueologia local, etc, etc. (i).

Periodicamente, realizam essas Sociedades os seus congressos que sempre se tornam proveito- sos para a sciência, e constituem importantes pa- radas scientíficas, e, por isso, excelentes e conve- nientes manifestações da vitalidade mental fran- cesa.

Agora mesmo ao darmos a última redacção a este trabalho Abril e Maio de 1921 está-se realizando em Paris um desses congressos o 54.° das Sociétés savantes de Paris e dos depar- tamentos.

Aí, na secção de filologia e história M. Brunel tem falado dos mais antigos diplomas franceses ; o cónego M^UNiER ocupou-se da significação de um certo número de palavras do patois do Mor- van ; M. Boudois apresentou documentos inéditos provenientes do arquivo de Richelieu acerca da questão de Val-de-Grace (16 37) em que andou envolvida a rainha Ana de Áustria; M. René Fage ocupou-se de um episódio da Fronda no Perigord, e M. Meininger das companhias mu- Ihousianas ao serviço da França nos séculos xvi e XVII.

(i) Yêr Revue d'Histoire Modenie, 1901 e igo2\ Revite de Syn- thésc Historique, tomo t, pág. 336 a 338, tomo iv, pág, 105 a 111, etc, etc.

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Na secção de arqueologia, M. Espérandieu fez comunicações sobre os mosaicos recentemente descobertos em Nimes ; M. Marcel Aubert sobre a igreja de Saint-Loup (Loire-et-Cher); M. Lucien Braye, sobre o mausoléu do coração de René de Çhalon, príncipe de Orange, na igreja de Santo Estêvão, em Bar-le-Duc; de M. A. Leve, sobre o castelo de Guilherme-o-Conquistador, em Bon- neville-sôbre-Tougues (Calvados); do abade Piat sobre as escavações feitas na igreja da Trindade, em Vendôme; e de M. Léon Contil, acerca das escavações efectuadas na'igreja de Notre-Dame, em Rugles (Eure), etc.

Na secção de história moderna e contempo- rânea, M. Destainville ocupou-se de um jornal Les Nouvelles de Paris, que se publicou no Aube de 1787 a 1814; M. Léon Bideau, fez uma comu- nicação sobre os registos das deliberações da co- muna de Rive-de-Gier (Loire), de 1787 a 1794; M. Labrone ocupou-se dos últimos dias do mare- chal Ney, segundo a descrição de um seu guarda; M. L. HoNORÉ da emigração no Var (1789 a 1825); M. Heunet de Gonlel de uma seita nor- manda no tempo do Consulado, chamada os ron- delistas, etc.

Na secção de história da geografia, M. An- THIAU1ME ocupou-se da evolução da sciência náu- tica; M. P. BoissoNADE, da marinha mercante da Rochella no tempo de Colbert ; de M. Ch. de La RoNCiÈRE, sobre a expedição do barão de Poin- ties em Cartagena (1697); de M. Henri Dehérain,

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sobre a ocupação das ilhas Jónicas pelos franceses do primeiro Império ; de M. Henri Ferrand sobre o vale de Ghamonix na cartografia antiga; de M. HiRSCHAUER^ sobre os planos de Versailes ; de M. Lalance sobre a etimologia de certos nomes de lugares no pais messino, etc. (i).

Nas secções de sciências económicas, e nas sub-secções de mineralogia e geologia, de botâ- nica, e de zoologia, etc, teem sido versados pontos importantes interessando todos muito a França, pois é necessário notar que tais Sociedades e tais congressos são especial, e mesmo unicamente, destinados a versar assuntos nacionais, isto é, sobre a geografia, a história, etc, da França (2).

É assim, por um esforço de todos os dias, de todos os momentos, que os povos, as nações, progridem na paz e se preparam para vencer na guerra.

(1) Acerca do 54.» Congresso das Sociétés savantes, ver o jor- nal francês Le Temps de 3i de Março e de 2 de Abril de 1921.

(2) Quem quiser conhecer como tem sido acriva a vida destas corporações scientíficas provinciais percorra os volumes publi- cados com o título : Bibliographie des travaux historiqiies et ar- chéologiqiies publiés par les Sociétés savantes de France. o tomo IV, obra de Robert de Lasteyuie e Alexandre Vidier, consta de XXIV -\- 726 páginas.

Compreende essa obra o quadro completo da vida scientífica francesa desde o Instituto às mais pequenas sociedades dos de- partamentos durante o século xix, para o que é completada tal Bibliographie com um Suplément abrangendo os trabalhos publi- cados de i885 a 1900, e formando o tomo v. Ver: Reviie de Syn- thèse Historique, tomo xii, pág. 216 a 218, etc.

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E como se tudo o que deixamos exposto não fosse mais que suficiente para comprovar a enorme actividade da França no campo das sciências históricas, ainda a notar as numerosas pu- blicações periódicas que ali teem, recentemente, publicado, analizado ou criticado documentos.

Entre elas são de destacar, um pouco ao acaso, as seguintes : a Bibliothèqiie deTÉcole des Chartes, tratando, principalmente, das Idades Média e Moderna, e onde teem aparecido numerosos car- tulários, correspondências^ estudos de pergami- nhos, de sigilografia, paleografia, arquivologia, inventários e índices de manuscritos^ etc; a Re- vue des études anciennes, para a antiguidade orien- tal, antiguidade clássica, idade média, contendo bons estudos de arqueologia de de W. Déonna, e trabalhos sobre o período galo-romano de Ca- MiLLE JuLLiAN, artigos de Perdrizet, G. Dottin, A. Le Sarrau, Holbauy ; a Reviie des études his- tonques, onde figuram excelentes artigos de Ch. DE La Roncière, J. Mathorez, A. Ghuquet, R. Lavollée, Amadeu Britsch, Ch. Prieur, J. Cart, F. AuBERT, L. Misermont, M. Boutry, a. Cochin, etc; a Revue Mabillon com estudos a respeito da ordem de Cluny; os Annales rémlutionaires^ com estudos de Albert Mathiez, G. Hardy, Fr. Vermale sobre Danton, Robspierre, e a crítica do ponto de vista de Aulard, Lessueur, R. Lévy,

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A. Feugere, Eug. Corgne, H. Buffenoir, Aug. QuESNOT, Letaconnoux; o Bulletin d'histoire éco- nomique de la Révoliition ; a revista La Révo- liition Française, com excelentes artigos de Ca- MiLLE Bloch, Aulard, P. Gáffarel, Rouff, a. LoDS, R. AucHEL, RoussELOT, Onou, Lelieure, A. Tuetey, Ph. Sagnae, F. Bouvier, G. Caudril- LiER, etc, e vários documentos, extractos, re- gistos, índices, monografias, etc. ; a Revue de Synthèse historique que tem publicado excelen- tes artigos do seu director H. Berr, Xénopol, Paul Lacombe, K. Lamprecht, e outros,, sobre a teoria e metódica históricas, artigos de geografia histórica francesa, monografias de natureza eco- nómica e social, estudos bibliográficos, etc; a Anjoii historique, publicando muitos estudos polí- ticos, religiosos sobre Angers, sobre o comércio e a indústria de Anjou em 1779, sobre os refle- xos da Revolução nessa província, etc. ; a Re- vue de V Anjou; a Repue de rAgenais; os Annales de Bretagne, com sérios estudos de AIaurice Ber- NARD, G. DoTHiN, R. DuRAND, sôbre arqueologia, história, literatura e folk-lore locais; a Revue de Gascogne; os Annales de la Société des lettres, Sciences et arts des Alpes- Mar itimes ; a Revue de Saintonge et d'Aunis; as Mémoires de la Société d^émulation de Cambrai; a Revue de VHistoirede Versailles et de Seine-et-Oise; os conhecidos An- nales dii Midi, com artigos de A. Jeanroy sôbre os Troveiros (trovadores) em Espanha dos sécu- los XI ao XIV, e sôbre os trovadores de Itália ;

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Ant. Thomas sobre e com as cartas de Carlos VI e Carlos VII à Universidade de Toulouse, etc. (i); o Bulletin trimestriel de la Société archéologique de Tonraine, com artigos de Ch. de Beaumont, sobre arqueologia e numismática ; de De Clérambault sobre arqueologia religiosa e história eclesiástica; E. Lainé ; Louis de Grandmaison, etc, ; as Mémoirs de rAcadémie de Vaiicluse; as Mémoires de la So- ciété éduenne; e o importante Recueil de la Com- mission des arts et monuments historiques de la Charente-Inférieiíre.

Também, devem ser citadas como muito im- portantes publicações periódicas de natureza his- tórica : a Reviie des études napoléoniènnes, com estudos de Jean Monval, A. Froidenaux, G. Bour- GiN, Ed. Chapuisat, Ed. Driault, C. Woensky, H. RoLLiN, C."'' A. Grouard, J. Kuhn, Jorga, etc. ; a Revue historique de la Révolution française, con- tendo artigos de P. Heckmann, Rean Régné, J.-P. Piegué, Ch. Vellay, G. Vautier, P.-M. Favret, O. Karmin sobre as finanças russas em 1812, G. Vauthier que publicou um inventário das pratas de Maria Antonieta feito em 24 de Junho

(i) Os Annales de Midi são dependentes das Universidades de Bordeaux, Toulouse e Montpellier. As Universidades francesas publicam ainda outras Revistas. A Revue Germanique tem apa- recido sob os auspícios das Universidades de Lille, Lyon e Nancy; os Annales de VEst foram publicados pela Faculdade de Letras de Nancy, havendo-se transformado depois nos Annales de VEst et du Nord sob a égide das Faculdades de Letras de Nancy e Lille.

A Universidade da Grenoble publica também os seus Annales, cuja colecção vai que nós saibamos no xxxi tomo, etc.

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de 1791, etc. ; a Reviie archéologique; La corres- pondance historique et archéologique com ma- gníficos estudos de Jos. Cuvelier, H. Omont, A. MoLiNiER, etc. ; Mélanges d^Archéologie et d^his- toire; o famoso Polybiblion; Le Bibliographe mo- derne; a Revue des Bibliothèques ; Retme archéo- logique; o Journal des Sapants, com artigos de H. CoRDiER, Lantier, P. Boissonnade, H. Dehérain, J.-A. Brutails sobre a Idade Média francesa, Henry Lemonnier sobre os castelos de Saint-Ger- main-en-Laye, Ch.V. Langlois, Fabia sobre mo- saicos romanos de Lyon ; a Revue celtique, com artigos de d'Arbois de Jubaiville, Seymour de Rieci, etc; La Répolution de 1848; a Revue cri- tique d^histoire et de littérature, onde se pode vêr o grande movimento de publicidade de documen- tos inéditos ; o Bulletin de littérature ecclesiasti- que; a importante revista Le Correspondant cheia de artigos de história uns magníficos, ou- tros menos bons, mas todos interessantes ; Anates des Sciences Politiques com artigos de J. P. Hahn, a. Viallate, Courant, J. Imbart de la Tour, P. Pegard; a Reue Bleue; La Grande Re- vue, a Revue de Vhistoire des religions, que com- preende muitos e valiosos estudos de arqueolo- gia, história, folk-lorica, etnologia, etc, como os de G. HuET acerca da autenticidade e valor da tradição popular, o de Deonna sobre arqueo- logia religioí-a, de Van Gennep sobre hagiogra- fia; o Bulletin critique; a Revue de Geographie, com estudos históricos de Pierre Dornin, René

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Henry; a Revue d'histoire diploniatique; Le Moyen Age; o Bulletin de Correspondance hellenique; a Revue des Étiides grecques; VAmi des Monuments et des Arts; FeuUles d'histoire du XVII au XIX' siècle; o boletim histórico e filológico do Comité des travaux historiques et scientifiques ; etc.

Igualmente, são de destacar a Revue du sei- lième siècle isto é, a antiga Revue des Etudes ra- belaisiennes onde figuram magníficos estudos de Abel Lefranc, sobre Rabelais, Jean Plattard, H. Hausser, Lucien Romier, Armand Garnier com um admirável estudo em três artigos sobre a conduta da rainha de Navarra a rainha Mar- got na corte de França em i583, P. Villey sobre Montaigne, Paul Bondois sobre as chan- celarias presidiais no século xvi. L. Romier que publicou um magnífico artigo sobre a Saint-Bar- thélemy (aí estuda êle os acontecimentos de Ro- ma e a premeditação do massacre, fala da atitude de Gregório XIII e da sua intimidade com o cardeal da Lorena desde a chegada deste a Roma em Ju- nho de 1572, e do crédito que êle deu sem hesi- tação às primeiras notícias do massacre e da sua pressa em ordenar missas e júbilos o que deixa supor que êle conhecia o projecto dos Guise).

Contêm ainda essa revista do século xvi, além de muitos outros, excelentes artigos de H. Hau- SER, Art. Tilley, Jean Baffier, Marcel Godet, Croll, L. Sainéan com um belo estudo sobre a história natural na obra de Rabelais, etc, etc. ; a Revue des questions historiques, com estu-

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dos de história económica de Boislisle, de A. de Ganniers sobre Napoleão, de Delelaye so- bre hagiografia, L. Mirot sobre a Idade Média francesa, de Saint-Yves e Chavanon sobre a história colonial na segunda metade do século XVII, A. de Maricourt sobre a princesa Maria Teresa, filha de Luís XVI, e a sua estada em Viena de 1796 a 1799, etc, etc. ; a Revue historique de Bordeaux, com artigos dos eruditos Paul Cour- teault sobre a entrada de Francisco I em Bor- déus, em 1626, Alfred Leroux, J. Woevre, G. Martin, Michel Lhéritier sobre a Revolução em Bordeos de 1789 a 1791, Labadie, acerca dos almanaques burdeleses do século xvi ao xix, o ilus- tre Prof. G. Girot bem conhecido entre nós com importantes estudos sobre os judeos de Bor- deos, de 1 55o à Revolução; La Revue savoisienne; o Bulletin Hispanique; a Revue d'histoire de Lyon; a Revue de Gascogne; a Revue africaine; o Bulle- tin italien; Revue des Pyrenées, de Toulouse; a Revue d^histoire, rédigée à VÉtat-Major de Varmée; a Revue Historique, que além de magníficos arti- gos originais, críticas e boletins de G. Monod e muitos extractos de obras, tem publicado bastan- tes documentos, como ainda recentemente as Acta Tumultum Gallicorum; as Memórias de Oelsner, relatos inéditos sôbre a Revolução, etc. ; o Bul- letin de la Société de rhistoire du protestantisme /rançais, com bons artigos de N. Weiss, J. Ro- man; a famosa Revue de Paris que tem publi- cado muitos e variados documentos de toda a

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natureza ; os Étiides Revista fundada pelos padres da Companhia de Jesus, e que tem pu- blicado importantes artigos de Adhémar d'Alès, de SuAU, Henri Fouqueay, Luciano Roure so- bre os monges do Egito do quarto século, Paul Bernard sobre Vitória Letellier que fundou a con- gregação das Agostinhas do Sagrado Coração de Maria^ 1778 a 1794. E^ finalmente, abordare- mos a velha e importante Revue des Deux-Mon- des, que tem publicado magníficos estudos do- cumentais de FusTEL DE Coulanges sobre a Idade Média; Saint-René Taillandier, Mignet, Ch. Giraud ; L. de Carnet sôbre a história da Bretanha, Henrique IV, Luís XIV, a monarquia de Luís XV, a burguesia e a Revolução; J. de Saint-Amond sôbre M,™" Tallien, Lamballe, Charlote Corday, etc; Charles Aubertin sôbre a burguesia de Paris no século xviii; numerosos artigos de Loménie sôbre Beaumarchais, a sua vida, seus escritos e o seu tempo ; A. Geffroy com estudos sôbre o marechal de Beauvau, Ma- ria Antonieta; Sainte-Beuve acerca de M.'"^ Ro- land, La Fayette, a condessa Merlin; Villemain sôbre o primeiro Império; G. Boissier sôbre Froissart, o presidente de Brosses ; Ernest Dau- det sôbre história contemporânea ; os duques Alberto e Vítor de Broglie sôbre história diplo- mática do século xviii; Albert Sorel acerca de Dumouriez, história da Prússia, o cavaleiro da Gentz, etc. ; F. Brunetière; A. Mezifres; Maxime Du Camp sôbre a Comuna; Albert Duruy, sô-

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bre o general Malet, o brigadeiro Mustar, da Revolução ; Ch. de Mazade sobre a Restaura- ção, Luís XV, M.'"^ de Pompadour, Berryer, a obra de Thiers; A. Bardoux; Ch. de Bemusat; Alf. Rambaud sobre história da Rússia ; E. Latisse sobre história da Alemanha; J. Clave

sôbre a correspondência de Kléber ; Vítor du Bled sôbre as Memórias e a correspondência do príncipe de Ligne ; Gabriel Hanotaux acerca de Richelieu; Emile Ollivier e René Pibon

sôbre história contemporânea; Albert Vandal ; G. Valbert sôbre Alberoni, o congresso de Munster, Frederico II, a Revolução, etc. ; Arnede Barine; Ch. Benoist; C.'''^ d'Haussonville ; H. Houssaye, Louis Madelin, ec, etc. (i).

O estado progressivo, verdadeiramente scien- tiíico, que teem apresentado ultimamente em França as sciências históricas e a que elas de- vem em grande parte a sua admirável vitória na grande guerra, começou pode dizer-se perto de 1870.

Se bem que não se possa, nem se deva, fixar a data precisa de tal renascimento no dia seguinte

(i) Apezar de haver ficado extensa a lista das Revistas e de- mais publicações periódicas francesas de história, não temos a menor dúvida em afirmar que a enumeração fica muito incom- pleta, se bem que nos pareça suficiente para dar uma ideia do movimento intenso e constante da historiografia francesa.

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da guerra desastrosa de 1870 e 1871, não dúvida que as tristes consequências dessa luta para a França constituiram um importante factor para o progresso dos estudos históricos nesse país.

Contudo, é essencial notar que antes dessa guerra a França via bem o estado de atraso em que se encontravam as suas sciências de erudição em relação á sua competidora a Alemanha.

Foi essa consciência de inferioridade scientí- íica e moral que levou Vítor Duruy a propor a criação da Escola de Altos Estudos, como foi essa mesma consciência que levou os eruditos franceses à fundação, em 1866, da Remie criti- que — que tão notáveis serviços tem prestado aos estudos histórico-íilológicos franceses, à criação da importante Romania, da Revue Historique, etc, étc. (i).

Vencida a França em 1870 a 1871, brotou unânime no espírito dos sábios franceses que a vitória completa e decisiva da Alemanha era, acima de tudo, o triunfo da sciência alemã, dos seus métodos objectivos, dos seus profundos es- tudos de detalhe. Por isso, quando, em 1876, apareceu a Remie Historique, logo da Introdução

(i) Acerca da criação da Escola de Altos Estudos de Paris, consultar: L Administration de 1'Instriiclion publique, de i853 a 1870; a colecção das Circulaires et instructions officielles relatives à Vinstruction publique, do ministério Duruy; Paul Frederico, L'Enseignement supérieur de l'Histoire, 1899, pág. 73 a 94. 16

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escreve Monod, falando da nova orientação da .historiografia francesa :

«On a compris le danger des généralisations prématurées, des vastes systèmes à priori qui ont la prétention de tout embrasser de le tout expli- quer». E acrescenta: «On a senti que rtiistoire doit être Fobjet d'une investigation lent et métho- dique ou Fon avance graduellement du particu- lier au general, du détail à Tensemble; ou Ton éclaircisse successivement tous les points obscurs afin d'avoir des tableaux complets et de pouvoir établir sur des groupes de faits bien constates des idées générales susceptibles de preuve et de véri- fication».

Que a França inteira desde os seus governos, das suas Academias, das suas Universidades e das suas Bibliotecas até aos eruditos e cultores particulares da sciência tem compreendido a causa funda e intima dessa derrota e teem pro- curado remediá-la e a teem remediado vê-se bem pelo que deixamos exposto no ramo das sciências históricas (i).

(i) Pois apesar de todos os progressos que temos vindo a re- gistar em Franca, quanto às sciências históricas, ainda ali apare- cem críticos exigentes. Pertence a esse número o erudito inves- tigador de história local Maubice Lumoulin que numa monografia publicada em 1899, com o título : Du groupemeui des Sociétés savantes eti viie de travaiix comniuns, se queixava que o Estado francês tem empreendido uma multidão de cousas sem acabar nenhuma, que a Colecção dos Documentos Inéditos fica por acabar por falta de créditos, outro tanto sucedendo aos Repertórios ar-

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Apesar da relativa extensão dada aqui às pu- blicações documentais e a outras obras históri- cgís aparecidas em França, este estudo fica muito incompleto em relação ao grande movimento scientifico que ultimamente se tem notado nesse país.

7.° A historiografia contemporânea em outros países

Mas não são apenas as grandes nações da Eu- ropa, acima especializadas, que teem feito avan- çar as sciências históricas, se bem que algumas

queológicos, ao Dicionário arqueológico da língua céltica, ao In- ventário das riquesas artísticas^ etc.

Também o Instituto, pela mesma falta de verbas, de longe em longe publica algum volume de História Literária da França, ou dos Recueils des Ordonnances des Róis de France.

E se as verbas não são suficientes para as instituições oficiais de Paris ainda menos chegam para as provinciais, para as de Fo- rez e de Roannais, onde o autor trabalha. Outras críticas dirige M. DuMOuuN aliás com a grande autoridade que lhe dão os seus conhecimentos e os trabalhos que tem publicado.

Também^ uma ou outra vez teem surgido campanhas muito mais políticas reacionárias que scientíficas contra os histo- riadores e a métodos historiográficos da Sorbonne. Porem, tais dia- tribes só teem resultado uma mais concludente prova da hones- tidade e competência dos historiadores alvejados e da solidez dos métodos de investigação e crítica seguidas no alto ensino francês.

Todas as campanhas dos polemistas como Charles Peguy, PiERRE Lasserre, Charles Maurras, e actualmente René Benja- min— no Echo de Parts, acerca de La Farce de la Sorbonne teem-se desfeito por si ante a indiferença das elites e da grande massa culta da nação que sabe bem o que deve aos Seignobos, Lavisse, Rambaud, Aulard, Ckoiset, etc.

delas como a Inglaterra (i), a Itália (2), e a Es-

(i) Um dos aspectos do atraso da historiografia em Inglaterra reside no carácter arcaico do ensino superior da história. As suas Universidades, muito mais próprias para formar gentlemen que para preparar sábios, não teem visto sair dos seus quadros quer docentes quer discentes as grandes gerações de historiado- res. Outro tanto não se com os helenistas e filólogos que a Inglaterra tem produzido bons, como os Muller, Bentley, Por- soN, etc.

Para obviar ao atrazo em tais estudos foi tempos criada ali uma School of advanced historical Siudies, tendo em vista, não uma instrução técnica aos arquivistas, como iniciar os estudiosos das sciências históricas nos métodos de investigação e de crítica, e preparar professores com uma forte cultura scien- tífica em história.

Assim, segundo o plano e programa expostos pelo erudito A.-V. Ward, presidente da Royal Historical Society^ essa escola, é mais ou menos similar à École des Chartes e à École des Hautes Étu- des, de Paris, e o seu ensino consta de paleografia, diplomática, bibliografia geral, epigrafia, numismática, arqueologia, etc.

(2) O distinto historiógrafo e teórico da história Benedetto Croce ao começar um estudo sobre a historiografia contemporâ- nea na Itália, escreve, com verdade: «A partir de 1860 a Itália tem-se dedicado com muito fervor à erudição história; de todos os lados, se tem visto surgir Sociedades e Congressos de história local; eminentes professores das Universidades teem-se esforçado em levar os seus discípulos ao estudo minucioso dos arquivos e à prática da crítica dos textos».

E, se quanto à teoria da história professores e alunos a teem olhado, ali, senão com indiferença pelo menos com desconfiança, mesmo nesse campo, depois de Augusto Vera, e, especialmente a partir do anti-hegeliano António Labriola e de Villari, com B. Groce, os trabalhos dos professores R. Mariano, G. Trivero, P. R. Trojano, G. Salvenini, Giovanni Gentile, e outros, a Itália possue hoje uma das ricas literaturas sobre a teoria, filosofia e metódica da História. Ver : Prof. G. M. Columba, da Universi- dade de Palermo, Histoire et mèíhode historique; B. Croce, EtU' des rèlatives à la théorie de 1'liistoire eii Italie, in Reviie de Syn^ thèse Historique f tômo v, ■. 257 a 269.

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panha(i) recentemente tenham, com muita intensidade, progredido em tais estudos (2).

Também os pequenos Estados, longe de fica- rem indiferentes a tais progressos, se teem esfor- çado por os acompanhar, sendo imensamente di- gnos de nota a solicitude e zelo quási a ância com que os governos, as corporações scientí- íicas, as instituições administrativas, os particu- lares desses pequenos países, todos, numa compita e numa emulação de sagrado amor da sciência e das suas pátrias, teem contribuido uns com subvenções, outros com o esforço pessoal e co- lectivo— para tais progressos.

(ij Acerca do progresso das sciências históricas cm Espanha falamos, e numa obra que trazemos no prelo sobre tal assunto desenvolveremos o que deixamos dito. Ver : H. Léonardon, Es- pagne^ Epoque Moderne, in Reviie de Synthèse Historique^ tomo v, pág. 297 a 333.

(2) A falta de espaço não nos consente que tratemos da his- toriografia nos Estados Unidos da América do Norte e no Brasil.

Entretanto, sempre diremos que na América do Norte os es- tudos históricos estão florescentíssimos, bastando para tal se con- cluir, ter em vista que a American Historical Association tem uma média de 1.900 sócios, realizando anualmente os seus con- gressos, e pviblicando a famosa American Historical Review.

Por essa Sociedade e pelos seus Congressos tem passado o que os Estados Unidos contam de mais notável nas sciências his- tóricas como Henry-Charles Lea o conhecido autor da His- tória da Inquisição n.j Idade Média, o dr. James Suli.ivan, Fran- klin Jamesson, W. Mac Donald professor da Universidade de Brown, J. M. Callaiian, James Woodbfjrn, Earle W. Dow, John M. ViNCENT, James Breck Perkins, Henry E. Bourn, etc.

Muito numerosos são os documentos que tanto essa Sociedade como outras de história, e as Universidades teem publicado sobre a guerra da Secessão, o período da dominação inglesa, as rela- ções diplomáticas com os vários Estados da Europa, etc, etc.

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É esse espectáculo tocante e encantador que nós vamos patentear, muito sucintamente, para justa glorificação dos que assim teem agido, e para estimulo e exemplo dos que pouco ou nada teem feito.

a) Roménia

A Roménia tem visto progredir, na segunda metade do século xix, os estudos históricos no seu pais, graças à impulsão que antes lhes havia dado Miguel Cogalnicann que, em 1887, pu- blicou uma Historia da Dacia. Esse movimento de nacionalização da história romena que até ali era, principalmente, estudada e escrita pelos alemães da Transilvânia foi tomado, mais tarde, pelos historiadores Iorga, Gregório To- ciLEsco que fez importantes trabalhos de ar- queologia, e A. -D. Xénopol que tem publicado importantes trabalhos sobre os romenos no tempo de Trajano, duante a Idade Média, e muitos ou- tros sobre a teoria e a metódica da História (i).

No que respeita às publicações periódicas, se é certo que a Roménia até tempos não as tinha que especialmente se consagrassem à histó- ria, não dúvida que as Revistas Literárias se teem ocupado muito delas como os Convorbiri

(i) Ver, sobre estes, a colecção da Reme de Synthèse Histo- rique^ tomo i, pág. 28 e 254; tomo 11, pág. 2Ó4; tôrao iii, pág. io5 e 164; tomo IV, pág. 276; tomo viu, pág. 205; tomo ix, pág. 7; tomo XI, pág. 129; tomo XII, pág. i. Esse eminente historiador XÉNOPOL morreu ultimamente.

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literare publicados primeiro em Jassy e depois em Bucareste, os Archwa aparecidos em Jassy depois de 1890, a Acta si literatura romena, pu- blicada a partir de 1895, a Nova Revista Romene, de Bucareste, etc.

Ainda outras publicações periódicas se ocupam de história, como: os trab a.\hos da Academia Ro- mena, e o Boletim do Instituto para o estudo do sud-este europeu. Nos últimos volumes da Aca- demia Romena são de assinalar os trabalhos de N. loRGA sobre história moderna da Roménia, sobre história diplomática desse pais, as relações entre os principados romenos e a igreja de Cons- tantinopla na segunda metade do século xvii, etc.

Também, o Buletim do Instituto para o estudo da Europa sul-oriental publica não vários ar- tigos de política contemporânea como de histó- ria moderna, sendo de citar os trabalhos de N. Iorga; os importantes estudos de T. G. Masaryk,

J. C. FiLITTI.

b) Suíça

A Suiça é um dos países onde os trabalhos de história teem estado mais em favor. Antoine GuiLLAND, ao abrir o seu estudo sobre Os estudos históricos na Suiça, começa por escrever :

«Creio bem que, guardada toda a proporção, nenhum pais existe onde estejam tão em favor como na Suíssa os estudos históricos» (i).

(i)' Antoine Guillanu, Les eludes historiques en Stiisse, in Revue de Syntlièse Histohque, Fevereiro a Abril de 191 3, pág. 82.

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Efectivamente, ali são numerosas as socieda- des de história^ não havendo cantão que não te- nha a sua, e até, por vezes, mais que uma ; os eruditos são muitos ali, e muito numerosas são as obras aparecidas.

Pode fazer-se remontar ao segundo terço do século XVIII esse importante movimento, pondo a iniciá-lo BoDMER e Breitinger, logo acompanhados e seguidos por J. H. Fussli, J. R. Iselin, Pierre OcHS; Bernard de Tscharver, a. L. de Wawen- WYL, G. E. Haller, J. a. Gautier, Th. Bridel, AbrahÃo Ruchat, J. a. Balthazar, Lurlauben, e os sábios beneditinos dos conventos de Saint- Gall-Muri e Rheinau(i).

No íim do mesmo século surge Jean Muller, o iniciador da Histoire des Confédérés que tanta influência exerceu na sua época sobre o renova- mento dos estudos históricos na Suíça, sendo depois continuada, sucessivamente, por Glutz- Blotzheim, Hottinger, Louis Vulliemin e Ch. MoNNARD, tendo estes dois últimos trazido a obra até 1 8 1 5 (2).

Em 181 1 aparece logo, em Berne, uma Socie- dade para o estudo da História da Suíça, que passou logo a publicar, em alemão, um boletim

(i) Sobre BoDMKRpode consultar-se a obra de G. de Reynold, Histoire littéraire de la Suisse au XVJII siècle, segundo volume, 1912.

(2) Essa obra^ que na edição alemã conta quinze volumes, consta na versão francesa de dezoito, aparecendo com o título de His- toire de la confédéraíion suisse.

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de história. Mas, como aquela Gesellschaft se dedicasse principalmente aos estudos sobre Berne, foi fundada em Baden, na Argovia, em 1840, a Sociedade Geral Suiça de História^ tendente a «agrupar os eruditos e os historiadores de todos os cantões e, por meio de reuniões, trabalhos, boletins e publicações, a favorecer as investiga- ções de história nacional».

Essa Geschichtsforschende Gesellschaft des Sch- ipeii é hoje a colectividade suíça mais florescente no seu género, havendo-se tornado o mais intenso foco de actividade historiográfica desse laborioso país. São muito numerosas as publicações que ela tem feito aparecer.

Assim, de 1843 a 1875 publicou vinte volumes dos Arquivos de História da Suiça; de 1877 ^ 191 3 trinta e cinco volumes de um importante Jahrbuch, catorze volumes de um Boletim de his- tória da Suíça, e vinte e cinco volumes de Quellen

as Fontes de História da Suíça.

A partir de 1912 tem essa importante colecti- vidade continuado a publicação das suas obras

muitas das quais com inéditos agrupadas em três corpos: I. Crónicas; II. Actas ; \\\. Cor- respondências e Memórias, tendo ainda editado uma excelente colecção de instruções ou guias para investigadores Wegweiser fiir die Litera- tur lur Schwei:{erischen Geschichte[\).

(i) Desses corpos teem continuado a aparecer diversos volu- mes de inéditos, como os documentos sobre o burgomestre Wold- MANN, a correspondência de Pierre Ochs, etc.

2 5o

Essa Sociedade, presidida pelo eminente his- toriador suíço Georges de Wyss de 1854 a 1895

ano da sua morte tem reunido os nomes mais ilustres da historiografia helvética, como Kopp e von Segesser, Vulliemin, Vischer, Forel, von Sturler, Fiala depois bispo de Bale, Kind, Th. e C. de Mohr, Charles Le Fort, Pierre Vau-

CHER, HuNGERBUHLEr(i).

A êsses que acrescentar os mais recentes eruditos e historiadores Th. de Liebnau de Lu- cerna ; Mayer de Knonau, Schweizer e Oeschsli

de Zurich; Wartmann e Dieraurer deSaint- Gall; RoTT e Godet -de Neuchâtel; Tabler de Berne; Albert Buchi de Friburg; Edouard Faure^ Ch. Borgeaud e V. van Berchem de Ge- nève.

Além da florescente Sociedade geral Suíça de história, várias outras são as instituições de histó- ria espalhadas pelos cantões suíços, algumas das quais mais ou menos importantes como a Socie- dade histórica de Zurich, e a^ mais florescente, Antiquarische Gesellschaft dessa mesma cidade que tem publicados mais de trinta volumes de Memórias^ que constituem uma das mais impor- tantes obras históricas da Suíça, sendo ainda de citar os três volumes do Stadtbiicher, os nove vo- lumes das Fontes da Historia de Zurich^ etc.

(1) Acerca da alta personalidade de Georges de Wyss, grande erudito e notável professor, ver o elogio que dele faz Pierre Vau- CHER, in Revue de Synthèse Historique, Fevereiro a Abril, 191 3, pág. 85.

2 D I

Bale, é, depois de Zurich, o mais digno centro de actividade histórica, devido, especialments, à sua Historische und antiquarische Gesellschaft que, desde iSSg, tem publicado as Mémoires sur VHistoire de Bale, desde 1 843 os Boletins, a par- tir de 1890 tem feito aparecer o Urkundenbuch ou Tombos da cidade de Bale, e, desde 1900, uma revista histórica a Basler Zeitschriftfiir Geschi- chte und Altertumskunde {i).

Berne possue também uma Sociedade de estu- dos históricos^ a partir de 1846, tendo publicado que nós saibamos vinte e um volumes de Arquivos, nove volumes de Fontes rerum bernen- sium, além de crónicas, biografias, correspondên- cias, etc.

Saint-Gall conta igualmente uma Sociedade de história que tem publicado, além de outras obras, mais de trinta e um volumes de Memórias, e onde figuram valiosas colecções de inéditos, como os Documentos sobre a abadia de Saint-Gall , os Arquivos comunais de Saint-Gall, etc, etc.

Lausanne é a sede da valiosa Société d'histoire de la Suisse romande, fundada em iSSy, e que tem publicado cerca de cincoenta volumes de Memórias. Ai teem aparecido estudos impor-

(1) A cidade de Bale tem visto aparecer importantes colecções documentais como os Documentos relativos à História da im- prensa de Bale; os Estudos e fontes de concílios ; a Colecção dos documentos sobre a batalha de Saint Jacques ; os Documentos so- bre a administração da cidade na Idade Média; e uma impor- tante colecção de crónicas.

252

tantes e muitas colecções de inéditos, como os oito volumes dos Documents relatifs à Vhistoire du Valais, pelo abade Gremaud ; o Registre soit Ré- pertoire chronologique de documents relatifs à lliis- toire de la Siiisse romande, e os Statiits de 1'ancien evêché de Lausanne et charles municipales du pays de Vaud, porF. Forel; os Cartulaires du Chapitre de Lausanne et de diverses tnaisons religieuses du Pays de Vaud, por F. de Gingins e Hisely (i).

Genève possue a sociedade histórica cantonal mais florescente de toda a Suiça : a Société d'his- toire et d'archéologie de Genève. Fundada em i838, tem ela visto trabalhar nas suas publica- ções os grandes historiadores Guilherme Faure, Galiffe, Charles le Fort, Amadeu Roget, Pierre Vaucher, Charles Morel, Edouardo Faure, Teó- filo DuFOUR, Em. Rivoire, Borgeaud, etc.

Tem essa Sociedade publicado cerca de cin- coenta volumes de Memórias e documentos^ figu-' rando entre as espécies impressas : o Regeste genevois, por P. Lullin e Ch. Lefort, em seis volumes; as Charles inédites^ relatives à Vhistoire de la ville et du diocese de Genève antèrieurement à fannée i3i 2, dois volumes; um Recueil de lois municipales des principales villes du diocese de Ge- nève; os Documents iuédits relatifs à Vhistoire de Genève, de i3i2 à i3'j8; etc.

(1) Esta Sociedade, tem como publicação, periódica a Revue historique vaudoise, fundada em 1893, e que também tem servido de órgão à Société vaudosie d'histoire.

253

Friburgo conta duas sociedades de história: uma francesa, e outra alemã cada uma das quais com as suas publicações.

Neuchatei tem uma Sociedade de história e de arqueologia. Ai apareceram ultimamente publi- cados, os volumes com os Procés-verbaux des audiences générales, e os Documents inédits siir Giiillaume Forel et la reformation dans le comté de Neuchatei.

Bastava o que temos dito sobre as socieda- des de história existentes na Suiça, e as suas res- pectivas publicações, para se avaliar quanto é activa a vida scientííica nesse país, e numerosos os trabalhos que ali teem aparecido impressos quer em grandes colecções de carácter documen- tal quer em Boletins, Arquivos, Revistas, etc.(i).

Mas não é tudo. Além das publicações a cargo das instituições cantonais, dos municípios, dos particulares, etc, também o governo federal tem feito aparecer importantes colecções como : Actes et recès des anciennes décisions de la Confedera- tion de i2gi à 1420, editados por Knopp; o Re- cueil officiel des anciens recès fédéraiix jusqu'en lygS, coligido por Mayer de Knonau, depois con-

(i) São bastantes as Revistas de história publicadas pelas So- ciedades cantonais de história e de arqueologia, como a Revue historique vaudoise, de Lausanne ; o Bulletin de la Société d'his- toire et d'archéologie de Genève; os Archivés de la Société d'his'- toire du canton de Fribourg ; os An^eiger Jur schweijcrische GeS' chichte que é o órgão da Sociedade suíça de história de Berne J o Beitrage ^iir vaterlãndischem Geschichte que tem sido o ór- gão da Sociedade de História de Bale, etc.

254

tinuado por 5. Kaiser, J. Stricklerr Fechter,

PUPIKOFER, KOTHING, FeTSCHERIN, CtC. (l).

Além disso, ainda o governo helvético tem pro- movido investigações nos principais arquivos da Europa acerca das relações da Suíça com o estran- geiro, havendo o cônsul da Suíça em Venesa, Vítor Cérésole, realizado investigações para a publica- ção, em 1 890, de La Republique de Venise et la Suisse. Para o mesmo fim Edouard Rott tem tra- balhado, a partir de 1 880, nos arquivos de Paris e de Chantilly, havendo pubhcado, de 1900 a 191 3, uma bem documentada obra a Histoire de la Représentation divlomatiquede la France auprès d es cantons suisses, de leurs alliés et confédérés, em seis volumes.

Também, o erudito J. Wirz tem feito demora- das e persistentes investigações nos arquivos ita- lianos, como os de Turim, Milão, Vaticano, Parma, Modena e Florença.

Igualmente, o ministro da Suiça em Londres, Daniel Bourcart, tem feito nos arquivos desta capital importantíssimas investigações no ponto de vista da história suíça, tendo sido estudados, copiados, extractados ou sumariados os docu- mentos conservados no Museu Britânico e no Public Record Office (2).

(1) Trata-se de um reportório muito importante e extenso, pois, se é fragmentário para o que se refere aos actos do século xiv, é muito desenvolvido para o século xv, e quási diário paca O século XVI.

(2) Outras missões scientíficas teem sido inauguradas ou estão

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É de notar que o Conselho federal concede aos investigadores subvenções anuais variáveis. As- sim, as de Paris atingem em média um total de i5.ooo francos por ano, as destinadas aos inves- tigadores nos outros países são mais pequenas, mas ainda assim muito suficientes.

Todas as cópias provenientes das investiga- ções em França, Itália, Inglaterra, etc, são reu- nidas em Berne, e ai inventariadas e classificadas.

Muito, mas muito, mais poderíamos e até, talvez, devêssemos dizer sobre as sciências históricas na Suíça se não receiassemos alongar desmedidamente este trabalho.

Mas o que ai fica parece-nos suficiente para mostrar ao povo e ao Governo português como num tão pequeno Estado os particulares, os municípios, e, especialmente, o Governo enca- ram, tratam, cuidam a sério e com carinho, estes assuntos de alta cultura histórica (i).

em vésperas de o serem como as destinadas aos arquivos alemães, espanhóis, etc.

Como se sabe, o falecido professor da Universidade de Fri- burgo, Henri Reinhardt, fez investigações em Simancas, tendo publicado um pequeno estudo sobre o resultado dos seus traba- lhos nesse arquivo.

(i) Não podendo ser mais extenso diremos que, acerca dos estudos históricos na Suíça, podem ser consultados os seguintes trabalhos : La Siiisse aii XIXsiècle obra publicada por um grupo de escritores suíços sob a direcção de Skippel; G. de Wyss, His- toire des recherches historiques et de V historio graphie en Suisse', P. Clerge, Suisse^ in Revtie de Sinthése Historiqtie, tomo in^ pág. 226 a 238; Anioine Guii.i.and, Les Étiides Historiques en Suisse^ Ibidem, tômo xvi, pág 82 a 98 e 293 a 3i2; Archiv fUr schwei^erische Geschichte^ etc.

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c) Holanda

A Holanda é um dos países que mais teem trabalhado nas publicações de carácter histórico e filológico, e não ultimamente como nos séculos xvii e xviii.

Desde o erudito Johannes Meursius falecido em iõSq, através do século xvii e seguintes as obras de filologia e história sucedem-se inúme- ras, se bem que como escreve Langlois os sábios holandeses sejam muito mais infatigáveis colectores de fontes e eruditos editores de Vario- rum, que perspicaces e subtis críticos (i).

Assim, vêem-se suceder as edições Variorum e os Tesouros de Antiguidades, sendo a colecção destas publicações inaugurada por Graevius com o seu Thesaurus antiquitatum romanorum cujos doze volumes apareceram em Utrecht entre 1 694 e 1699.

No século seguinte os trabalhos filológicos dos helenistas e latinistas não diminuem, antes re- nascem com o aparecimento das obras de T. Hbmster-Luis, L. K. Valckenaer, e D. Ruhnken, indo até aos estudos de Wyttenbac que entrou com a sua Biblioteca crítica e o seu Index

(i) Pertencem a essa categoria os colectores-editores Meur* sius, Graevius, J. Gronavius filho, os Burmann e a sua escola.

Ao lado desses figuram, porem, homens de grande valor não como eruditos, mas ainda pelas suas aptidões críticas, tais são Nicolau, Heinsius, GRONOVius-pai, Isac Vossius, etc. Vêr: Ch.V. Langlois, ob. cit., pág. 277, etc.

2^7

graecitatis pelo século xix(i). Mas, não é na filologia eiássica que os eruditos holandeses se teem salientado, também na arqueologia, na epi- grafia e na numismática bastante teem deixado de si; e outro tanto se não mais tem sucedido quanto à sua actividade historiográfica.

Durante todo o século xviir foram numerosís- simas as obras aparecidas em diversas cidades holandesas, especialmente em Amsterdam.

Não foram as obras de filosofia geral, mo- ral, religiosa e politica ; de polémica e de critica, como as de Voltaire os Príncipes de la Philo- sophie mor ale, ou Essai. . . siir le mérite et la vertu de..., e tantas outras que, proibidas ou forte- mente censuradas em França, utilizavam a to- lerância e o asilo da Holanda para aparecerem.

Também, foi enorme a quantidade de obras históricas aparecidas em Amsterdam. A famosa Biblioteca Germânica, iniciada em 1720, e que atingiu cinquenta volumes foi continuada sob o nome de Journal litéraire d'Allemagne^ de Suisse et du Nord, par les Aiiteurs de la Bibliothèque Ger- manique, e, mais tarde, com o titulo de Nouvelle Bibliothèque^ ou Histoire Littéraire de VAllemagne^ de la Suisse et des pays du Nord, pelos mesmos autores; os dois volumes das Mémoires sécréts tires des Archives des soui^erains de VEurope, de- puis le regne de Henri IV, aparecidos em 1767; os quatro volumes do abade Ladvocate, iVbw-

(i) Ver Langlois, ob. cit., pág. 277 e 278. 17

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peaii Dictionnaire historiqiie . . . oii histoire abrégée de tous les hommes qui se sont fait un nom par des talents, des vertus, des forfaits, des erreiírs, etc, etc, depuis le commencement des monde jusqu-à nos jours; a meia dúzia de volumes das Mélanges de Littérature, d'Histoire et de Philosophie, de d'Alembert, ele, etc.

Publicada em Amsterdam igualmente aparecia, na primeira metade do século xviii, uma impor- tante colecção de biografias de franceses ilustres com o titulo Les viés des Hommes Illustres de la France, depuis le commencement de la Monarchie, jusqii'à présent.

Em 1746 era publicado o tomo terceiro tra- tando dos marechais franceses mais distintos como Luís DE Bourbon, príncipe de Conde desde Frederico í a Carlos IX; Andr?: de Montalambert de Carlos VIÍ a Henrique II; Paul de la Bar- THE de Francisco I a Carlos IX; Pierre d'Aus- suN de Pedro Strozzl De 1724 a 1740 apa- reciam na Haya e em Amsterdam, as Mémoires pour servir à V histoire du XVIII siècle, em catorze volumes, de Lamberdy.

Haya viu aparecer, entre tantissimas obras, o Recueil historique d^actes, negotiations^ mémoires et traitei, depuis la paix d'Utrecht jusqu^au Se- cond Congrès de Cambray, em vinte e cinco vo- lumes, de 1728a 1755; a História da Inglaterra^ de Rapin Thoyras, em catorze volumes ; a obra de numismática aparecida em 1742 a Nummo^ phylacium reginae Christinae-— «contendo como

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diz o título as Medalhas de Bronze latinas, gregas ou cunhadas nas colónias em honra dos imperadores romanos, gravadas em 63 estampas com muita arte e exactidãO;, por Pedro San Bár- tolO; e publicadas pela primeira vez com o co- mentário de Sigebert Havercamp» (i).

No século XIX a actividade dos eruditos e dos historiadores holandeses não afrouxa. A sua produtividade ainda melhora devido à protecção cada vez maior concedida pelo Estado aos traba- lhos de erudição, sendo de notar que os esforços dos investigadores teem sido precedidos e acom- panhados pelos trabalhos de organização e cata- logação dos arquivos públicos.

Quanto aos estudos históricos, a cargo de cor- porações scientificas, são de notar, pela importân- cia das suas Memórias de história e de filologia, a Academia Real das Sciências de Amsterdam a partir de i855, e a Sociedade de Estudos Histó- ricos de Utrecht que, fundada em i845; tem sido o verdadeiro foco de estudos históricos na Holanda, tendo publicado uma importante cole- cção de fontes crónicas e outros documentos, especialmente do período medieval.

Além destas e de outras corporações similares com a sede em Amsterdam, Leide e Utrecht, da

(i) Ver Journal des Savants, Paris, 1746, pág. 389.

200

reunião dos congressos de historiadores e arqui- vistas, da existência de algumas publicações pe- riódicas e outras de origem corporativa ou par- ticular, de anos a esta parte tem funcionado uma comissão eminentemente oficial destinada à publicação de documentos inéditos da história neerlandesa, tendo sido impressos vários volu- ríies, mesmo sobre a história do século xix; e, ainda, a secção histórica do Estado-Maior do exército tem publicado várias monografias e ou- tras obras históricas.

Mas, como escreve, e transcreve, Ch.-Langlois, além dos relatórios publicados anualmente pela inspecção dos Arquivos públicos e acerca dos trabalhos nestes efectuados, o governo holandês «mostra ainda o seu interesse pelo estudo da his- tória nacional fazendo estudar os arquivos estran- geiros no ponto de vista dessa história».

Efectivamente, algumas missões de estudo teem sido enviadas aos arquivos de Alemanha, Áus- tria, França, Rússia, Inglaterra, Itália, Espanha, Bélgica, etc.

Os eruditos comissionados costumam redigir breves Relatórios do resultado das suas investi- gações, contendo listas e inventários sumários dos documentos relativos à Holanda (i).

Há, porém, excepções como sucede com os re- latórios feitos por G. Busken acerca das colecções documentais dos Arquivos do Ministério dos

(i) Ch, Langlois, ob. cit,, pág. 468 a 470.

26 I

Negócios Estrangeiros francês e da Biblioteca Nacional de Paris que são muito analíticos.

Mas, muito mais tem feito o governo neerlan- dês em favor dos estudos históricos. está, para o comprovar, a Comissão real de história fundada em 1902 pelo governo dos Países-Baixos, e que largamente auxiliada moral e material- mente tem produzido uma obra notável.

Assim, tem essa comissão feito estudar com o maior detalhe os arquivos da Itália e dos Estados escandinavos no ponto de vista da história da Holanda, havendo publicado os relatórios cir- cunstanciados das missões scientííicas que execu- taram esses estudos.

Também ela publicou uma importante colecção de documentos relativos à história dos Países Baixos no fim do século xviii e princípios do sé- culo xix, editada por H. T. Golenbrander; e uma colecção das Actas dos sínodos holandeses do século XVII, editada por T. C. Knutel.

Porêjn, entre as mais interessantes das pu- blicações de inéditos efectuadas por diligências da Comissão figuram umas Relaiione Veneiiane, de 1600 a 1795, publicadas em 1909, na Haya, por P. J. Blok, com xxix-418 páginas.

Trata-se da publicação dos relatórios trocados entre os embaixadores venezianos e as Províncias Unidas, do começo do século xvii ao fim do sé- culo XVIII.

O erudito sr. Blok em três viagens à Itália es- tudou cuidadosamente os arquivos venezianos,

202

publicando, além dos documentos que interessa- vam à história da Holanda, diversas descrições das viagens de muitos embaixadores, uma vista rápida da correspondência diplomática dos dife- rentes residentes e enviados, fornecendo alguns conhecimentos sobre a composição de cada em- baixada, o seu fim e os seus resultados.

E extraordinário o manancial de informações que nesses relatórios se encontram.

A vida politica, administrativa, económica das Províncias Unidas; as suas forças terrestres e ma- rítimas; o seu comércio, a sua marinha mercante, os costumes dos habitantes, bem como a perso- nalidade e a vida dos príncipes de Orange e de outros ilustres personagens, tudo ai aparece des- crito e comentado.

Eis, muito abreviadamente exposta, uma sim- ples amostra do muito que na Holanda se tem feito em matéria de historiografia (i).

d) Bélgica

Se bem que o reino da Bélgica, tal como hoje o vemos, é um Estado muito recente, datando de

(i) Mas não é no que respeita às publicações documentais que a Holanda se tem esforçado por acompanhar o movimento cada vez mais acentuado da elaboração das colecções de inéditos. Também ela não tem desdenhado as questões da teoria da história.

Entre os especialistas que ali teem tratado esses assuntos des- tacam-se o dr. J. Huizinga que, no seu curso da Universidade de Groningue, se tem ocupado do Elemento estético das representa- ções históricas, e o dr. Th. Bussemaker que na sua cadeira da Universidade de Leyde tratou da Apreciação dos factos na inves- tigação e na exposição da história.

263

i830; não dúvida que tem procurado resar- cir-se do tempo perdido por meio de uma pode- rosa actividade tanto no campo scientífico como no industrial^ social, etc.

No domínio das sciências de erudição tem sido notável a obra realizada (i).

Compreendendo o governo belga que não é possível ter florescente a historiografia de um país quando os seus arquivos e bibliotecas não teem inventariadas ou catalogadas as suas cole- cções, um dos pontos que mais atenção lhe teem merecido é precisamente este.

(i) Se bem que no século xvi e xvii vários nomes ilustres nos apareçam na filologia e na história como se pode ver consultando a obra de F. Neve, La Renaissance des lettres et Vessor de l'éru- dition ancienne en Belgique^ Louvain, 1890, não dúvida que é no século xvm que a Bélgica começa vendo aparecer obras histó- ricas importantes.

Se é certo que algumas delas, como a Chronologie Histori- que et Universelle que contient toas les événemens rnéinorables qui sont arrivés depuis le coinmenceinent du monde jusqu'à present, devida a Guyot, ainda se ocupam do deus homem, da criação do ser humano, do paraíso, da verdade dos livros de Moisés, da lín- gua falada pelo primeiro homem, da dispersão dos filhos de Noé, etc, etc, também conteem em si importantes repositórios de in- formações históricas e cronológicas da primeira metade do sé- culo xvm.

Esta obra tem a curiosa particularidade de haver aparecido cm várias cidades, sendo o primeiro volume publicado em Bru- xelas, em lySS; do 2.° ao 5.° em Maestrick, em 1740; o 6." em Bruxelas, e do 7.° ao 20.° em Liège. Ver Journal des Savants^ Paris, 174D, pág. 2o3 a 210.

Acerca da historiografiabelga consultar, alêm das Introduções das crónicas, cartillários, etc. citadas, aqui, no texto vêr H. ,Pi- RENNE, Bibliographie de l'histoire de Beigique, etc ; I.ahaye, Fran- COTTE, e De Potter, Bibliographie de ihistoire de la Beigique, etc.

264

Assim, desde 1899 teai vindo a pubiicar-se os Inventaires des Arçhives de la Bélgique publiés par ordre du gouvernement^ e em 1901 aparecia o tomo I do Catalogue des manuscrits de la Bi- bliothèque royale de Bélgique.

Quanto à publicação de documentos inéditos deve dizer-se que em 1834 foi criada a Comission royale d^histoire de Bélgique, constituída por mem- bros escolhidos da Academia das Sciências e Belas Letras da Bélgica, a fim de investigar e pu- blicar crónicas e outros documentos belgas iné- ditos.

Tal Comissão tem publicado a importante Col- lection de chroniques belges inédites.

Neste corpo de publicações figura, logo em i836, a Chronique en vers de Jean Van Heelu, ou relation de la bataille de Woeringen, publicada pelo Académico J. F. Willems, que começa por um Prefácio e uma excelente Introdução com ses- senta e cinco páginas, onde o editor, depois de explicar em que condições fez a sua obra, traça uma biografia de Jean Van Heelu; estuda detida- mente o poema, ou crónica rimada flamenga, escrito em 1291 ou 1292 quando Margarida de Inglaterra, noiva de João I, era esperada no Brabante, e para ilustração da princesa sobre as façanhas heróicas de seu sogro; analisa os ma- nuscritos da Crónica, as traduções ou imitações desta; passa em revista algumas crónicas medie- vais que descrevem a batalha de Woeringen; trata das causas e consequências desta, da forma

265

de fazer a guerra no tempo de João I, da adminis- tração, do comércio e dos costumes nessa época, e da personalidade do herói do poema João I, sempre com suma erudição e numerosas notas e citações.

Também, nesta colecção figura a Chronique rimée de Philippe Mouskes, publicada pelo barão de Reiífenherg, tendo o primeiro volume apare- cido em i836.

A abrir esse tomo diz o seu erudito editor :

«Poucos países possuem mais documentos his- tóricos impressos que a Bélgica, e uma simples bibliografia com a indicação deles seria uma extensa obra». Mas, logo acrescenta : «Porém, apesar do seu número e da sua extensão não bas- tam para escrever a história, quer geral^ quer particular de uma forma completa e profunda».

Depois, diz que para tal estudo «é sobretudo necessário assentar nas fontes primitivas, con- sultar os autores originais, sem desprezar estes documentos que apresentam o carácter imediato dos factos e com eles se identificam, ficando es- tranhos aos artifícios literários . . . ».

É assim que o autor justifica a publicação de escritos não elaborados para serem impressos como descritivos históricos, tais são a crónica de GiLBERT, preboste de Mons, do princípio do século XIII ; a história de Jacques de Guyse; a crónica de Edmundo de Dister ; a colecção diplo- mática de PiERRE Van der Heyden, da primeira metade do século xv, etc.

266

Depois de falar dos principais autores de obras sobre história belga, ocupa-se das emprezas reli- giosas, laicas, civis, corporativas e pessoais tendo em vista a publicação de documentos inéditos através dos séculos xviii e xix até ao restabeleci- mento da Academia da Bélgica. Logo, segue tratando das diligências que essa instituição rea- lizou para a coleccionação e publicação de iné- ditos, especialmente de crónicas belgas inédi- ditas(i).

Depois, ocupa-se da língua francesa desde os seus tempos mais remotos até o fim do século xviii, estuda a crónica métrica de Filipe Mouskes, pas- sando, de seguida a publicar esta (2).

Nessa colecção começou aparecendo, em iSSy, um Recueil des chroniques de Flandre, publicado sôb a direcção de J. J. de Smet, em 4 volumes (3).

Em 1844 o Commission dava a lume os Docu- ments relatifs aux troubles du pays de Liege, sons les princes-évêques Loiíis de Bourbon et Jean de Home (1455 a iSoS), publicados por P. F. X. de Ram.

(i) o barão de ReiíFenherg cita aqui a publicação, em 1822, feita por Tarte, da Histoire des iroubles des Pays-Bas de Vander Vynckt, a da Union De Bruxelles, feita em 1825, por Déponge^ etc, até à publicação da crónica de Froissart em o Panthéon lit- teraire, por Buchon, e á Table des charles et diplomes empreza muito importante.

(2) A Introdução ocupa 379 pág.

(3) O quarto, e o último, volume, com o título Corpus Chro- nicarum Flandriae apareceu em i865, e abre por um Recueil des antiquités de Flandres, por Ph. Wielant, terminando por uma cró- nica wmada, em flamengo, impressa em Tubingue.

2()'-]

Em 1861 apareciam os dois volumes de Les quato)\e livres siir VHistoire de la ville de Lou- vain, do doutor e professor de teologia Jean Mo- LANUS; do meiado do século xvi(i).

Em 1864 começava a aparecer uma colecção de crónicas de Liège, consistindo nos seis volu- mes de Ly Myreur des Histors, chroniqiie de Jean des Preis dit d'Outremeuse, publicada pelo Acadé- mico Ad. Borgnet (2).

Em 1854 aparecia o tomo i (2/ parte) da Chro- nique des diics de Brabant, por Edmond de Dyn- TER, publicada por P. F. X. de Ram, com a tradu- ção francesa dos seis livros por Jehan Wangue- LIN (3).

(i) Essa obra foi publicada por P. F. X. de Ram, abrindo por uma extensa Introdução onde se estuda a vida de Molanus, os seus escritos, e, mormente, a sua Historia inédita de Louvain.

(2) O primeiro volume abre logo com aj:rónica, e termina com a publicação, em apêndice, de La Geste de Liège, seguindo- se-lhe um glossário da Geste, e um índice das matérias. O tomo segundo apareceu em 1869; o terceiro em 1878; o quarto pu- blicado por Stanislas Bormans apareceu em 1877; o quinto apareceu posto que pareça estranho em 1867, tal a data da folha do rosto ; e o tomo sexto, publicado, também por St.« Bormans, surgiu em 1880.

Alem do Myreur des histors, também a Comissão de história da Bélgica fez sair, em 1887, o volume : a Chronique et Geste de Jean des Preis dit d'Oiitremense, editada por Stanislas Bormans, constante de uma magnífica Introdução sobre a personalidade de Jeand'Outremeuse, e com uma larga e documentada análise do poema a famosa Geste de Liège.

A seguir à Introdução que preenche 206 páginas, vem uma lista de Docwnents cujo texto figura na Crónica de Jean d'Outre- MEUSE. seguindo-se o índice analítico das matériiís.

(3) O tomo segundo apareceu em 1864, e o terceiro em 1857.

2 68

Em 1 870 aparecia o primeiro volume das Chro- niques relatives à l'Histoire de la Bélgique sons la domination des ducs de Bourgogne, publicadas pelo barão Kervyn de Lettenhove(i).

nove anos antes havia aparecido a Chroni- que de Jean de Stavelot, publicada por Ad. Bor- GNET, e que começa por uma Introdução onde o editor traça uma rápida biografia do cronista, que nasceu em Stavelot a 5 de Junho de i388, e estuda a Chronique, que, ao que parece, dei- xou de ser escrita por JoÃo em 1447, passando a ser redigida segundo a opinião de Gachet por Adrianus de Veteri Busco, seu confrade na abadia de S. Lourenço (2).

bastantes anos antes, em 1844, sob a direc- ção do Académico P. F. X. de Ram, eram publi- cados os Documents relatifs aux troubles du pays de Liege sous les princes-évêques Louis de Bourbon et Jean de Home (1455 a i5o5), que constam de uma crónica dos anos de 1455 a i 5 14 de João

(i) o primeiro volume contêm as crónicas dos religiosos das Dunas : Jean Brandon, Gilles de Roye, e Adrien But; o segando tomo, publicado em 1873, contêm os textos franceses do Livre des Trahisons de France^ La Geste des Ducs de Bourgogne, e Le Pastoralet.

O primeiro tomo é precedido de uma curta, mas excelente, in- trodução, com a bibliografia dos três cronistas.

(2) A Crónica de Stavelot, apesar de haver aparecido em 1861 três anos antes da de Outremeuse é a continuação da deste.

A edição termina por um glossário, seguido de três índices : um de matérias, outro de documentos, e outro analítico e alfa- bético de matérias.

26g

de Loos, abade de S. Lourenço ; da Compendiosa História de Cladibus Leodiensium, por Henrique DE Merica ou Van der Heyden ; da Historia de Claudibiis Leodiensium de Theodoricus Pauli ; e das Analecta Leodiensia, sive Collectio documento- rum quorumdam, sendo esse volume precedido e acompanhado de excelentes introduções, comen- tários e notas.

Em 1879 o eminente Charles Piot publica o volume das Chroniques de Brabant et de Flandre, em flamengo, compreendendo cinco crónicas de várias datas do princípio do século xi aos fins do século XVI.

Na categoria das crónicas podemos incluir o Codex Dunensis sive Diplomatum et Chartarum Medii Aepip editado pelo erudito Kervyn de Let- TENHOVE, e aparecido em 187 5 (i).

Na série das Croniques belges inédites podemos meter a Histoire des troubles des Pays-Bas, obra de Renon ou Renom de Frange, publicada em três volumes, precedidos cada um do seu excelente prefácio por Charles Piot, e aparecidos : o pri-

(i) Na curta, mas excelente, Introdução de vinte e nove pá- ginas o editor descreve a evolução do mosteiro cisterciense das Dunas, desde a sua fundação, em 1107, os seus trabalhos literá- rios, os seus códices de cópias, etc, pertencendo a esta categoria o velho Codex que é como se diz na Capa : Liber continens copias processam et varias litteras missivas concernentes fere om- nes abbates et Thosan et de Dunis^ escrito em 1254 por Lourenço DE SuMECORT. O referido Codex Dunensis contem principalmente documentos do século xiii, sendo os mais recentes anteriores a 1253, num total de 939 peças.

2^0

meiro tomo em 1886, o segundo em i88g e o ter- ceiro em 1891, sendo esta obra escrita por Re- NON DE Frange entre 1606 e 161 3.

No Prefácio do primeiro volume Ch. Piot es- tuda os oito manuscritos diversos da obra, a sua natureza, proveniência, estado actual, etc. ; traça a biografia de Renon que desempenhou al- tas funções administrativas no tempo da domina- ção espanhola nos Paises-Baixos, vindo a falecer a 29 de Agosto de 1628; e ocupa-se^ com desenvol- vimento da obra deste cujo título exacto era: Histoire des causes de la désunion, revoltes et altera- tions des Pays-Bas, e ao mesmo tempo do período de que trata esta parte da Histoire ^que é o da dominação espanhola de Felipe II, até iSyS (i).

O segundo tomo, que compreende os livros terceiro e quarto da obra de Renon, trata dos acontecimentos de iSyô a i58o, ocupando-se o respectivo Prefácio de resumir e comentar o cri- tério e o descritivo do cronista ; e o terceiro, com muitos documentos publicados em Apêndice^ vai até i5go, sendo os três tomos acompanhados de magníficas notas.

Também, aqui podemos considerar os Monu- ments poiír servir à r Histoire des Provinces de Na- tnur, de Hainaut e do Liixemburg, de que se publicaram que nós saibamos oito volumes, J

fi) A Comission de Histoire de Belgiqiie já, em 1846, havia j publicado a Relalion des troubles de Gand sons Charles- Quint, i suivie de 33o docmnents inédits sur cet événement, editada por Gachard.

271

sendo editados pelo barão de Reiífenberg e pre- faciados por vários especialistas (i).

Por último falaremos das Chroniques Liègeoi- ses, editadas pelo cónego Sylv. Balau, das quais saiu o primeiro volume em 191 3, contendo textos latinos anteriores a Henry de Gueldre, fragmentos da crónica de Jean de Warnant, a crónica latina Jean de Stavelot, a crónica do reinado de João da Baviera, e extractos de outras sobre os fins desse período, a Historia compendiosa de Cladibus Leo- diensiiim, por Henric de Merica (2), com vários aditamentos, e a desenvolvida crónica do reinado de Jean de Horne (3).

Além da Colecção das crónicas belgas inéditas tem a Comissão Real de História publicado de-

(1) Publica nos oito tomos: diplomas acerca de Namur e do Hainaut, o cartulário de Casobron, os cartulários do Hainaut por Leon Davillers ; os tomos quarto, quinto e sexto publicam : Le Chevalier du Cygne et Godefroid de Bouillon por Ad. Bor- gent; e os tomos séptimo e oitavo constam do poema Gilles de Chin e de várias crónicas monásticas de Namur e Hainaut.

(2) Esta Crónica foi editada por Ram, de que falamos nos Dociimenís rélatifs aux troubles de Liège, sendo publicada por Mr. Balau, tom indo em atenção as variantes fornecidas por outros manuscritos, alem dos utilizados por De Ram, e os adita- mentos que aqueles fazem ao texto.

(3) Obra devida a um coevo dos acontecimentos que descreve, e não assina, mas que parece ser um clérigo secular. O editor não encontrou o texto original, reconstituindo-o segundo quatro manuscritos dele derivados, depois de feita a competente filiação. Ver ob, cit.., pág. 339 a 344,

á^á

zenas de volumes agrupados por colecções ou sé- ries de: Cartulários; cartas e papéis de Estado; índice cronológico das cartas e diplomas impres- sos acerca da história, da Bélgica; inventários metódicos de cartulários dos arquivos do Estado e outros, e dos depósitos estrangeiros ; inventá- rios dos obituários belgas, etc.

Na série dos Cartulários teem sido publicados os de Saint-Trond, Orval, Saint-Lambert de Liè- ge (i), as Charles du Chapitre de Samt-WaU'

(i) o Cartulaire de 1'Êglise Saint Lambert de Liège, publi- cado primeiro por S. Bormans e E. Schoolmesters, e depois por Ed. Poncelet, consta de cinco tomos. O primeiro apareceu em 1893, e é precedido de uma boa Introdução^ com cinquenta e duas páginas, onde é historiada a vida da abadia desde o século ix^ nas suas relações com o exterior. O primeiro documento é um di- ploma de doação de 26 -de Abril de 826, sendo o último um docu- mento de 23 de Dezembro de i25o pelo qual o abade e o convento de Otterburg concedem ao capítulo de Saint Lambert direitos de confraternidade, em troca da cessão dos rendimentos de Bo- ckenheim e de outras localidades. O segundo tomo aparecido em 1895 contêm documentos desde i5 de Março de \25i ao fim de i3oo; e o terceiro, publicado em 1898, compreende outros de 20 de Maio de i3oi a 23 de Outubro de 1342.

Os três tomos, que publicam, in-extenso, 1.279 documentos, contêm, cada um, um índice das peças por ordem cronológica, e um índice alfabético dos nomes de lugares e pessoas. O tomo quarto, vai de 4 de Janeiro de i343 a 6 de Abril de 1389 e atinge in-integvo o documento mdcccxiii. O tomo quinto, aparecido em 191 3 e editado por Edouard Poncelet, conservador dos Arqui- vos do Estado em Mons, não segue o mesmo critério dos seus antecessores, pois restando-ihe um maço de 3.5oo documentos para incluir neste quinto e último tomo viu-se forçado a substi- tuir a publicação dos documentos na íntegra pela dos extractos sumários, e reservando para os anexos a publicação in-extenso dos que tivessem um interesse mais geral.

Também neste volume dasapareceu o Índice dos documentos, •ubstituindo-o o alfabético de lugares e pessoas,

iq%

dru de Mom que preenchem quatro volu- mes (i).

O Cartulaire de rAbbaye d' Ourval depuis r ori- gine de ce nionastère jiisqu^à l'année 1 365 ^íoi ledi- tado pelo padre Hipi-olyte Gofuinet, sendo pre- cedido de uma Introdução de trinta e oito pá-

(i) As Charles du Chapitre de Sainte-Waudru de Mons, fo- ram coleccionadas e publicadas por Leopold Devillers, tendo aparecido o primeiro volume em 1899, o segundo em 1903, o ter- ceiro em 190S e o quarto em 191 3.

O primeiro volume abre por uma excelente Introdução onde o erudito Devillers estuda, sucessivamente, a natureza dos di- plomas que publica, os fundos que formam e os depósitos onde se encontram especialmente os arquivos do Estado em Mons, a biblioteca pública da mesma cidade, os arquivos gerais de Bru- xelas; ocupa-se do estudo, arrumação e cuidados dos arquivos de Sainte-Waudru ; explica porquê e como se perderam as peças primitivas ; faz a história do mosteiro, indicando os seus direitos e prerrogativas, administração, obras que fazia, benefícios reali- zados, a importância social do seu capítulo; e termina por falar dos selos de alguns diplomas.

Os documentos mais antigos são publicados em extractos, sendo o primeiro a figurar, in-extenso, um de 83 1 sobre a distri- buição do legado de Ansegise, abade de Fontenelle. O último do volume é o cccclxxui que é um breve de confirmação de Ino- cêncio IV, de i5 de Fevereiro de 1246.

Termina o volume por dois índices : um cronológico e ana- lítico, e outro alfabético de nomes de pessoas, lugares e matérias.

O segundo tomo vai até ao documento dcgccxxi que é uma declaração de compra de «un bonnier d'alleu situe à Saints», pas- sado em Mons a 6 de Novembro de 1400; o tomo terceiro vai até ao documento mdcccxxcii que é um compromisso de pagamento passado em Mons a 3i de Outubro de i53o.

O quarto e último tomo terminado por Ernest Matthieu, de- vido à morte de Devim.ers, abrange até uma carta do bispo Tournai, Francois-Joseph Hirn, constatando a autenticidade duma relíquia de santa Vaudiu e permitindo a exposição dela aos fieis, e é datada de Mons, de 20 de Agosto de 1804. 18

1q\

ginas onde o editor descreve a abadia d'0rvai, a sua fundação e doações que teve ; enumera e bio- grafa rapidamente cada um dos cinquenta e dois abades cistercienses d'Orval; trata da biblioteca e dos arquivos do mosteiro, especializando os cartulários do abade Henrion e do abade Mom-

NERTS, etC. (l).

Por sua vez, o Cartulaire de rAbbaye de Saint- Trond, preenche dois tomos, sendo editado pelo erudito arquivista Charles Piot. O primeiro vo- lume, aparecido em 1870, começa logo pela pu- blicação dos documentos, sendo a primeira peça, de 7 de Abril de 1741, um diploma pelo qual o conde Robert de Hesbaye doa à abadia a igreja de Donek bem como essa e outras al- deias (2).

(i) O primeiro documento do Cartulário da abadia d'Orval publicado no volume é de 1029, onde o arcebispo de Tréves, Poppon, lamenta os prejuízos causados, etc. O último foi o 626 de 12 de Março de i36õ pelo qual Jean de Margny, cavaleiro, confirma a doação feita à abadia d'Orval por seu pai, etc. Se- guem-se : ura pequeno glossário, um índice alfabético dos nomes de pessoas e de lugares, e outro de materiais. O volume apare- ceu em 1879.

(2) Este tomo que e magnificamente anotado termina pelo documento 432, de i5 de Outubro de i366, pelo qual Otão de Cuyck vende à abadia os seus bens feudais de Duras, e é seguido de um índice geral. O segundo tomo, publicado em 1874, abre por uma magnífica Introdução de noventa e nove páginas, onde o editor estuda : a colecção documental que publica ; a constituição da abadia de Sainte-Trond e as suas relações históricas com as instituições locais ; a organização comunal da cidade de Sainte- Trond, a sua vida histórica, jurisdição civil e penal, confrarias, corporações de ofícios ; o antigo condado de Loos e os seus titu-

275

Em 1903 aparecia o tomo primeiro das Char- les de rAbbaye de Saint-Hubert en Ardenae, pu- blicado por GoDEFROY DE KuRTH, prccedído de uma excelente Introdução de setenta e sete páginas, onde o editor estuda as fontes que utilizou, de- termina a cronologia dos abades de Saint-Hu- bert, e expõe os métodos seguidos na factura da colecção (i).

Emíim, para não estender mais este trabalho limitar-nos hemos simplesmente a enumerar na série dos Gartulários publicados : o Cartulaire des coutes de Hamaut, por L. Devillers, em seis vo- lumes, de 188 1 a 1896; as Chartes de rabbaye de Saint-Martin de Tournai, por A. d'Herbomez, em dois volumes, de 1898 a 1902; o Cartulaire deVabbaye dii Vai-Benoit, por J. Cuvelier, 1906; o Reciieil des Chartes de Vabbaye de Stapelot-Mal- medy, por J. Halkin e C.-G. Roland, tomo i, em

lares ; os condes de Duras e a sua inflluência sobre a abadia ; e a vida religiosa e administrativa desta.

Começa depois a publicação documental por um diploma de i36ò ao que parece, e termina por outro datado de Liège, em 7 de Maio de iSgõ.

(i) O primeiro documento publicado é uma carta de doação de Pepino de Herstal e de sua mulher Plectruda a Santa Bèrégisa do Castelo de Ambres com as suas dependências para fundar um mosteiro ; o último o cccxvi é a reprodução da cópia de uma sentença arbitral num litígio entre o preboste de Bouilion, Jean de Landry, e a abadia. O primeiro é de i3 de Novembro de 687, e. o último de 3o de Maio de i35o.

Os documentos são publicados in-extenso, seguindo-se-lhe um apêndice, e, depois, um índice cronológico das peças, e outro alfabético de lugares e pessoas. Até 1920 não conhecemos ne- nhum outro tomo publicado.

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1 909 ; e, por último, o Cartulaire genealogique des Arteuelde, por Napoleon de Pauw, 1920 (i).

Vimos o enorme trabalho realizado com as publicações das Crónicas e dos Cartulários, va- mos agora notar como tem sido importante o labor efectuado quanto à publicação dos volumes da série da Table chronologique des chartes et di- plomes imprimes consernant Vhistoire de la Belgi- que.

Esse corpo de publicações começou por um volume de XLViii-770 páginas, publicado, em 1 866, por Alfonso Wauters.

Pelo Prefácio vê-se que a iniciativa dessa co-

(1) Trata-se de um monumental volume in-quarto, cora xvm- 924 páginas, com a documentação da genealogia do famoso bur- guês de Gand, do século xiv Jacques van Artevelde, célebre paladino das liberdades publicas comunais e constitucionais da heróica e operosa Bélgica medieval, e cuja vida de tribuno, homem público e revolucionário encheu enormemente o período que vai de i336 a 1349. -^ ^'^'^^ ^^ ^^f"- P^uw é o produto de fundas investigações nos arquivos de Bruxelas, Gand, Bruges, Ypres, Couttrai, Termonde, Lille, Paris e Londres. São três mil documentos, alguns fac-similés, seguidos de fotografias de selos que o paciente e operosíssimo investigador apresenta nesta obra.

O autor anteriormente, em iSyS e 1878, havia publicado, so- bre o seu herói, uma obra, com bastantes documentos : a Conspi- ration sons Jacques van Artevelde (1392). Outros investigadores e historiadores como Voisin, Vuylsteke, Kervyn de Letenhove, Vanderkindere também já, anteriormente, haviam escrito sobre Jacques d'Artevelde e o seu tempo.

É como dissemos este o volume da Colecção de Car- tulários que conhecemos como mais recentemente aparecido.

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lecção cabe ao eminente erudito Gachard, então arquivista geral, que a 7 de Maio de 1837 apre- sentava um projecto para a redacção e publica- ção da Table chronologique.

Al proposta de Gachard contêm, além da ex- posição das razoes scientííicas de tal obra, uma pequena, mas interessante^ história de outros empreendimentos similares levados a efeito no estrangeiro.

A 8 de Dezembro o rei Leopoldo assinava o decreto determinando a obra, e a 16 de Novem- bro de i838 era aprovada a portaria regulamen- tando o trabalho. Ficou determinado que o índice dos diplomas deveria conter: «Toutes chartes, diplpmes, lettres patentes, lettres-missi- ves, ordonannces, instructions, commissions, rè- glements et autres actes imprimes qui concer- nent, soit Thistoire de la Bélgique en general . . . » .

Iniciaram-se os trabalhos, mas tempo depois interrompiam-se pela falta dos... trabalhadores.

A seguir, foi a missão confiada a Gachet, mas este pouco depois falecia. Se bem que os fun- cionários paleógrafos Van Rossum e Van Bruys- SEL tivessem trabalhado na obra, foi o arquivista Wauters que, a partir de Abril de i858, tomou conta da empreza.

Na Introdução o editor Wauters traça um de- senvolvido e esclarecedor descritivo da evolução dos trabalhos históricos em geral, e especialmente na Bélgica, das obras ali feitas nos séculos xvi, xvii e XVIII, principalmente pelo diplomatista Albert-

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Mire Miraeus, o colector Foppens, o maurista d'Aantine, etc. ; ocupa-se da utilidade dos diplo- mas e do emprego que deles teem feito os escrito- res medievais e modernos, passando, depois, a expor as diferentes categorias de actos públicos e particulares utilizados na formação do índice cronológico, e a indicar as maneiras de datar que foram adoptadas.

O índice abre com a menção de um diploma do ano de 275, pelo qual o senado romano in- forma a cúria de Trèves que êle recuperou o di- reito de designar o imperador, documento esse publicado na Historiae Augiistae scriptores, sex, de Sereveríus ; no Prodromus Historiae Trevien- sis, de HoNTHEiM ; no Belgiiim Rotnamim, de BoucHER, e no tomo primeiro do Recueil des his- toriens de France.

Os últimos documentos registados são de iioo, seguindo-se dois índices: um dos nomes de pes- soas e outro de nomes de lugares, terminando o volume por uma Notice Bibliographique, das obras citadas que publicaram os documentos re- gistados.

O tomo X, aparecido em 1904, ainda elabo- rado por A. Wauters, é uma obra póstuma desse erudito. Começa pelo registo de um do- cumento de I de Janeiro de 1 340, publicado na Foedera de Rymer^ pelo qual Eduardo, rei de Ingla- terra, ordena o pagamento de i25 libras e i.5oo florins a Othão de Guyck como indemnização da perda dos senhorios que êle possuía em França,

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termina por um documento de i35o, pouco mais ou menos^ contendo uma lista de nobres chama- dos à assemblea de Cortenberg.

O tomo XI, cuja primeira parte apareceu em 1907, e a segunda em 191 2, é elaborado por S. BoRMANs, da Academia, e J. Halkin, professor da Universidade de Liége. Essas duas partes constituem o suplemento à obra de Wauters, com documentos, indo do ano 98 a i3oo (i).

Nas três séries de Inventários dos cartulários conservados: a) nos arquivos do Estado belgas; b) nos depósitos não etatistas da Bélgica ; c) e nos depósitos estrangeiros, diremos somente que a primeira série deu origem a um volume, apare- cido em 1895; a segunda a outro, publicado em 1 897 ; e a terceira ao volume dado a lume em 1899(2).

(1) o de 98 consiste num diploma de Trajano concedendo a civitas e o conubiurn aos soldados de três alas e seis coortes que acabavam de obter a honesta missio. O documento encontra-se no Museu Arqueológico de Liège.

.(2) Pertencem também a estas categorias de obras os seguin- tes inventários publicados pela Commission : o Inventaire analy- tique des chartes de la coUégiale de Saint-Pierre à Liege, por E. PoNCELET, aparecido em 1906; o Inventaire des archives farné- siennes au point de viie de Vhistoire des Pays-Bas, por A. Cau- CHiE e L. Van der Essèn, igt i ; e o Inventaire analytque des char- tes de la coUégiale de Sainte-Croix à Liège, por E. Poncei.et, tomo I, publicado em 191 1, estando no prelo o segundo tômo, bem como o Inventaire analytique des chartes de Saint-Jean- Évangé- liste à Liège, por L. Lahaye.

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Muitas outras obras importantes teem sido pu- blicadas pela Commission Royale d^Histoire de Bél- gique^ entre as quais citaremos, sem ter a preten- são de as enumerar a todas : o Reciieil de dociiments relatifs à Vhistoire de Vindustrie drapière en Flandre, por G. EspiNAS e H. Pirenne, dois tomos, 1906 a 1 909 ; Comptes de la ville d' Ypres de 1267 à i32g, por G. Des Marez eE. De Sagher, em dois tomos, 1 909 a 1913; as Oeuvres de Jacques de Hemri- court. Le miroir des nobles de Hesbaye, por C. de Borman e A. Bayot, um tomo, 191 o; Les dé- nombrements defoyers en Brabant (XI V^ à XVF siècle), por J. Cuvelier, 191 2 ; a Retraite et mort de Charles- Quiiit au monastère de Yuste, por Ga- CHARD, dois volumes, 1854 e i855; as Relations des ambassadenrs vénitiens sur Charles- Quint et Philippe II, por Gachard, i855 ; Synopsis actorum Antuerpiensis, por Ram, i856; Correspondance de Charles Quint et d^Adriens VI, por Gachard, 1859; Actes des États généraux des Pays-Bas, 1576 a i585; Notice chronologique^ por Gachard, dois volumes, 1861 a i866;X)o?z Carlos et Philippe II, por GacharD;, dois volumes, i863; Le Livre des feiídat. du duc Jean III, por L. Galesloot, i865 ; Le Livre des fiefs du Comté di Loo^ sous Jean d^Arckel, por C. de Borman, 1875; Documents inédits relatifs à Ihistoire du XVP siècle, pelo h}° Kervyn de Letenhove, primeira parte, i883 ; Mé-

28l

moire du legat Onufriíis sur les affaires de Liège^ 1468, por S. Barman; Nécrologe de Véglise Saint- Jean à Gaud, por N. de Pauw, 1889 ; Polytiptique de Giiillaume, abbé de St.-Trond^ por H. Pirennb, 1896 ; Le Livre des fiefs de l^église de Ltège sous Adolphe de la Marck, por E. Poncelet, 1898; Actes et documents anciens intéressant la Bélgi- qiie, por Ch. Durivier, 1898, nova série, 1908; Commentario dei coronel Francisco Verdugo de la guerra de Frisa, por H. Lonchay, 1899; Le sou- lèpement de la Flandre maritime, por H. Pírenne, 1900 ; La chronique liégeoise de 1402, por E. Ra- cha, 1900; Le registre de Fr. Li:xaldius, por F. Rachfabl, 1902; La chronique de Gislebert de Mons, por L. Vanderkindere, 1904; Recueil des instructions générales aux nonces de Flandre, por A. Gauchie e R. Maere, 1904; La chronique de Saint-Hubert dite « Cantatorium», por K. Hanquet, 1906; La librar ie de Phillipe le Boji, por G. Dou- trepont, 1906; os Documents sur la principauté de Liège spécialement au début du XVF siècle, por A. Gauchie e A. Van Hove, i, 1908; as Mémoires et documents sur la Révolution belge, por C. Buf- FiN, dois volumes, 1 91 2.

Além de toda essa espantosa produção deve notar-se que no prelo encontravam-se ultima- mente dezassete volumes entre os quais figuram o tomo XI da Table chronologique des chartes et diplomes imprimes; o tomo iii do Recueil de docu- ments relatifs à Vhistoire drapière; o tomo 11 dos Diplomas das abadias de Stapelot-Malmedy ; o

2«2

tomo III das Comptes de la Ville d' Ypres; o tomo iii das Actes de V Uíiiversité de Loupain(i); o tomo vi

(i) Alem das obras até agora enumeradas e que são, como se tem visto, multidão, constituindo uma das mais ricas bibliotecas históricas que a um país é dado possuir, temos ainda a salientar o grupo das publicações universitárias, isto é, acerca da história das Universidades belgas.

A esta categoria pertencem os dois volumes aparecidos, e, o terceiro no prelo, das Acies ou Procés verbaux des séances té- nues par le Conseil de VUniversité de Louvain.

O primeiro tomo desta obra, publicado por A.Reusen, em igoS,! compreende os documentos de 1482 a 1448 ; e o segundo, aparecido ; em 1919, é elaborado pelo professor da mesma Universidade A. VAN HovE, e contem documentos desde 26 de Maio de 1445 a 17 de Agosto de 1455. A partir da pág. 451 figura uma séria de úteis Apêndices com as indicações dos reitores, vice-reitores, asses- sores, membros do Conselho da Universidade, decanos de Facul- dades, nreceveurs», promotores, dictadores que eram os inofen- sivos escribas mal pagos e servidos, - notários, bedéis, livreiros e mensageiros ou correios ; todos que tinham funcionado durante o período de 1445 a 1455. Segue-se-lhe um índice alfabético.

Outras obras teem sido pubhcadas oficialmente sobre as Uni- versidades belgas. Assim, em 1869 aparecia o excelente volume de Alfonse Le Roy, L'Université de Liège^ para comemorar o pri- meiro cincoentenário da sua fundação que foi a 25 de Setem- bro de 1817. Começa a obra por uma Introdução de 77 páginas historiando a vida da Universidade, e seguindo-se-lhe listas por ordem alfabética dos administradores, professores cada um com a sua bio-bibliografia, os quadros de cada Faculdade ; notas das instalações, do material didático, dos diplomas, etc.

Também, em 1884 aparecia uma monografia do professor L. Vanderkindere, acerca de VUniversité de Bruxelles^ para come- morar igualmente, o primeiro cincoentenário desse instituto. O seu autor, e professor da Faculdade de Filosofia e Letras dessa Universidade, depois de estudar a proto-história desde 1778 e as origens e a evolução da Universidade Livre, publica a lista dos fundadores dessa Universidade, dos seus administradores, ins- pectores, reitores, membros do conselho de administração, secre- tários e tesoureiros, bibliotecários, professores, assistentes, pre- paradores, agrepados, etc.

Como fugidia elucidação deve dizer-se que essa Universi-

283

do Cartulaire de Véglise de St. Lambert; o tomo ii das Chroniqiies liégeoises, etc.

Além destes volumes de continuações teem-se iniciado as seguintes publicações novas : Les dé- iiombrements du duche de Luxemburg au XV^ et au XVF siècle, por J. Grob e J. Vaunerus ; a Cor- respondance de la Cour d^Espagne sur les affaires des Pays-Bas au XVIF siècle, por H. Lonchey e J. Cunelier(i); o Table onomastique de la corres- pondance de Granpelle, por J, Wils(2); o Rapport

dade Livre foi criada para combater a influência da Univer- sidade católica de Louvain. Ela teve uma origem essencial- mente maçónica, pois foi na Loja dos Amis Philaniropes^ de Bru- xelas, que em Junho de i834 no dia da festa do soltício do estio Théodore Verhaegen expôs o seu projecto da criação da Universidade Livre. Tão rápidos foram os progressos que a ideia adquiriu que a 3 de Agosto as as subscrições haviam rendido 25:83o francos, e, pouco depois, atingiam 45:ooo. Outros concur- sos valiosíssimos surgiram, e a 20 de Novembro era inaugurada solemnemente a Université Libre de Bélgique, que, em 1842, passou a designar-se por Université Libre de Bruxelles.

(i) Como vimos são numerosas as obras até agora publi- cadas acerca da dominação espanhola nos Países-Baixos, e esta não será, certamente, das menos interessantes.

(2) A correspodência de Antoiné Perrenot, cardial de Gran- velle, preenche doze volumes, indo de i565 a i585, e constitue uma das boas colecções publicadas pela Comissão Real de História.

Continua ela a série dos Papeis do Cardial de Granvelle, edi- tada pela colecção dos Documents inédits sur 1'Histoire de France.

O primeiro volume da Correspondência de Granyelle, apare- cido em 1877 ^ publicado por Edmond Poulaet, contêm cartas do ilustre ministro de Filipe II, de 20 de Novembro de i565 a 29 de Setembro de i566.

Os seis primeiros volumes são editados, prefaciados e ano- tados excelentemente por Edmond Poullet, e os restantes seis por Charles Piot.

O tômo xu e último contêm a correspondência de Granvelle,

siw les Archives de Vienne, por J. Laenen(i); a Chroniqiie de J. Hocsen, por G. Kubth e Ursmer Berlière, etc.

de I de Janeiro de i585 a 19 de Setembro de i586, cora 85 do- cumentos, seguido de um Apêndice em 148 peças sendo a úl- tima de 17 de Dezembro de i586, terminando por um Suple- mento com a correspondência de diversas datas.

L a esta importante correspondência que se refere o índice onomástico de J. Wills, que está no prelo.

E também de citar, entre os bons estudos da história diplo- mática belga, a obra de Ernest Déscailles, Un Diplomate belge à Paris, de i83o a 1834, e publicado, em 1609, no tomo terceiro da segunda série das Ménioires da Academia Real da Bélgica^ Classe de letras e sciências morais e políticas.

(i) Devemos ainda notar as missões de estudo realizadas por diversos investigadores belgas em vários arquivos e bibliotecas do estrangeiro, por determinação da Comissão Real de História.

Dessas missões teem resultado alguns trabalhos muito impor- tantes não de história como de heurística e de bibliografia.

Destes que salientar os dois magníficos volumes do erudito Gachard com o título : La Bibliotheque Nationale à Paris. No- tices et extraits des mamiscrits qui concernent 1'histoire de Bel- gique, e aparecidos de iSyS a 1877, onde o notável Académico belga expõe o resultado das suas investigações na Biblioteca Na- cional de Paris em i838 e i856^ no ponto de vista de história do seu país. Começa por uma valiosa descripção de dois dos fun- dos de manuscritos desse estabelecimento : o núcleo Colbert e a colecção d'Esmans, passa a referir-se às espécies que estudou e inventariou, classificando-as por grupos de crónicas, histórias, relatórios e memórias; cartulários e diplomas; cartas missivas e instruções políticas e diplomáticas. O inventário das peças é quási sempre muito analítico e acompanhado de excelentes notas.

anteriormente Gachard havia elaborado um trabalho se- melhante com relação às Bibliotecas de Madrid e do Escurial, produto também da sua missão scientífica em Espanha em 1843, e que constitue, como os acima referidos, um monumental vo- lume de xxxviii -f- 678 páginas.

A esta mesma ordem de trabalhos pertence a obra de J. Lae- NEN, acima citada.

285

Agora mesmo nos acaba de chegar às mãos o tomo primeiro da Correspondance des Ministres de France accrédités à Briixelles, de 1780 à i^go, publicada pelo reitor da Universidade de Liége EuGÈNE HuBERT. A obra, profusa e magnifica- mente anotada, começa por uma excelente intro- dução de setenta e quatro páginas sobre a histó- ria politica e diplomática de França durante os primeiros dez anos da Revolução ; indica os ar- quivos onde estavam as peças de que trata, e cita os manuscritos e impressos consultados.

A correspondência umas vezes é extractada, e outras publicada na íntegra segundo a importân- cia que as peças apresentam.

Alem de todas as obras enumeradas, dispostas por colecções ou séries de : crónicas, cartulários, papéis do Estado, inventários, etc, etc, outros trabalhos importantes tem publicado a ccGommis- sion Royale d'Histoire», sendo de salientar a Col- lection des voyages de souverains des Pays-Bas, publicada inicialmente por Gachard, e continuada por PiOT.

Essa importante obra compreende quatro vo- lumes, dos quais o primeiro, aparecido em 1876, contêm : os itinerários dos duques de Bourgo- nha, Filipe-o-Bravo, João-sem-Medo, FiUpe-o- Bom, do arquiduque Maximiliano esposo de Maria de Borgonha, e de Filipe-o-Belo seu

286

íilho ; o relato da primeira viagem de Filipe-o- Belo em Espanha, em i5oi, redigido por An- TOiNE DE Lalaing, senhor de Montigny, e o da se- gunda no mesmo pais, em iSoy, de autor desco- nhecido.

O segundo volume, publicado em 1874, consta do itinerário de Carlos V, de i5o6 a i53i; Jor- nal das Viagens de Carlos V, de 1 5 1 4 a 1 5 5 i , por João de Vandenesse, seguido de muitos documen- tos. O tomo III, aparecido em 1881, encerra a pri- meira viagem de Carlos V em Espanha, de iSiy a i5i8, por Laurent Vital; a Viagem e expedi- ção de Carlos V a Tunis, em 1 535, por Guillaume DE MoNTOiCHE ; ã expedição do mesmo impera- dor a Alger, em 1541, por um anónimo; e a via- gem da rainha Ana em Espanha, em iSyo, por

AIyXES DE COTEREAU.

Finalmente, o quarto tomo, publicado em 1 883 contêm o Jornal de viagens de Filipe II, de i 554 a 1569, por João de Vandenesse; a Viagem do arquiduque Alberto em Espanha em 1598, por GiLLES DU Fatng; o Itinerário d'Antoine, duc de Brabant, de 1407 a 141 5 ; o Itinerário de João IV, duque de Brabante, de 141 5 a 1427 ; o Itinerário de Philippe de St. Pol, duque de Brabante, de 1427 a 1430 (i).

(i) Cada volume tem a sua Introdução própria com muitas notas pelo decorrer da obra, sendo uma grande parte delas cons- tituídas por citações dos próprios trabalhos da Commission.

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Eis pois, e abreviadamente exposto, o admi- rável labor levado a efeito pela «Commission Royal d'Histoire de Bélgique» que, como dis- semos, é independente da Academia Real da Bél- gica. Mas, isto não significa que esta instituição não haja também trabalhado, e muito, em favor das sciências históricas.

A antiga Academia Real das Sciências e Belas Letras de Bruxelas, hoje tornada Academia Real da Bélgica, é a herdeira sequente da Société litté- raire de Bruxelles, estabelecida, em 1769, pelas diligências do conde de Cobenzl, ministro pleni- potenciário nos Paises-Baixos, e transformada em Academia imperial e real das sciências e belas letras pela imperatriz Maria-Tereza, em 1772.

Havendo interrompido os seus trabalhos em 1794, por ocasião da segunda invasão das tropas francesas, voltou à actividade em 1816. O que foi a actividade dessa instituição, na sua primeira fase, pode vêr-se, rapidamente, percorrendo o primeiro volume das Mémoires sur les questions proposées par VAcadémie Royale des Sciences et Belles-Lettres de Bruxelles (i).

A partir de 181 6 os trabalhos da Academia in- tensificaram-se. O primeiro volume das Mémoi-

(1) Esse tomo, publicado em 1818, traz num Avertissement a lista das Memórias premiadas e publicadas desde 1769 a 1794.

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res contêm as premiadas sobre o tema Quelles sont les places dans les dix-sept Provinces des Pays Bas et lepays de Liège, qui depuis le septième jus- qu'au dou:{ième siècle exclusivement, ont pu passer poiír des villes^ e outra sobre as aplicações do va- por de água como meio de aquecimento (i).

De então até agora atingiu muitas dezenas o conjunto dos volumes das Memoires Coronnés^ das Memoires gerais e dos Buletins e seus ane- xos — das três classes que constituem" a Acade- mia : a de Sciências, a de Letras e Sciências Mo- rais e Políticas, e a de Belas-Artes (2).

Porém, toda essa obra, que mesmo para qual- quer grande potência seria importante, e consti- tuiria um grande título de orgulho, mas que para um pequeno país, como a Bélgica, resulta monu- mental e a torna digna da gratidão e solidaridade de todo o mundo culto, não poude conjurar a in- vasão alemã troculenta, brutal, destruidora que se deu em 19 14.

Assistiu-se então a esse fenómeno estranho, pa-

(i) A cerca da história da Academia Real da Bélgica ver : Ad. QuETELET, Centième Anniversaire de la fondation (i^j2-i8']2) Primiere siècle de l'Academie, 1872, e os dois tomos da obra ela- borada e editada pela mesma instituição, e aparecida em 1872; Academie Royale de Belgique. Centième anniversaire de fondation (m2-i8j2).

(2) Alem das numerosas Memórias, dos Monuments de la lit- teratureflamande^ e das obras dos grandes escritores belgas edi- tadas pele Academia, dos vinte e um tomos da Biographe natio- nale, e dos volumes de bibliografias académicas, catálogos da bi- blioteca da Academia, etc , ainda a notar o grande labor da Secção de siciências, de que aqui nos não ocupamos.

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radoxal, de um grande Estado que se considerava o mais perfeito tipo da civilização humana lan- çar-se sobre um pequeno e fraco país que tão dedicada e levantadamente tem servido a causa desse mesmo progresso. E mais estranho ainda é o caso atingindo as raias do monstruoso quando vemos essa mesma Alemanha sacrificar, com uma sanha, um ódio e um ciúme canibales- cos as próprias instituições scientificas do país nobremente vencido, mas não convencido nem dominado.

Uma das instituições mais vitimadas pela in- vasão e ocupação alemãs foi, precisamente, a Aca- demia Real da Bélgica.

Sente-se uma comoção indizível que roça pela indignação e pela vergonha do estado mo- ral de uma civilização que torna possíveis tais monstruosidades quando se o Annexe aux bulletins de la Classe des Beaux-Arts. Communi- cations présentées à la Classe en igiS-igij^ desse Academia, trabalho esse aparecido em 1919. figura o Rapport succint sur Fétat du Palais des Academies après le départ des Allemands, por Louis Le Nain.

O que se diz nesse relatório e o que se nas fotografias que o acompanham é espantoso, abo- minável. A sala dos manuscritos de Stassart e a biblioteca que fora legada por este mesmo barão, o gabinete da Secretaria, a sala das sessões, a famosa sala de mármore transformada em ca- maratas, o fundo da sala grande servindo de >9

^gô

cozinha, a sala da comissão real. de História destinada a anexo da cosinha e a despensa : tudo ficou arruinado, sujo^ repugnante. Os manus- critos e livros, o medalheiro, os objectos de arte : uns haviam sido roubados, outros destruídos; as vidraças eetavam partidas, todas as gavetas e por- tas arrombadas, os móveis escavacados; mutila- dos os bustos do príncipe de Ligne, de Gachard, Wagener, e dos filhos de Leopoldo I, etc, etc.

jEis como esses iper-cmli{ados alemães reco- nheceram e trataram essa gloriosa Academia e essa operosissima Comissão Real de História de que tanto temos falado !

Apesar de termos visto como é colossal a obra realizada pela Academia Real Belga e pela Co- missão de história é de prever que não se circuns- creve ai o labor scientifico desse encantador país no que respeita aos estudos de erudição. Outras instituições ali existem que também, e na medida das suas possibilidades^ teem contribuído para o progresso de tais estudos.

Imprimem elas as suas publicações periódicas, entre as quais citaremos as seguintes : Annales de VAcademie d^archéologie de Bélgique^ que teem pu- blicado artigos de L. Stroobant sobre os ma- gistrados do grande Conselho de MaUnes ; Les Archives belges; o citado Bulletin de la classe des lettres de VAcadémie royale de Belgique

291

com estudos de G. Kurth sobre Renis de Huy, verdadeiro autor das fontes baptismais de S. Bar- tolomeu de Liége, de F. Cumut sobre o astró- logo Julião de Laudicea, de 497, etc, etc. ; o Biil- letin dçs commissions royales d^art et d'archeologie de Belgique, contendo artigos de F. Lahest, de H. ScHUERMANS sôbre as ruinas da abadia de Vil- lers ; a Bibliothèqiie norbertine de rabbaye de Pare, com estudos, de cronologia e biografias pelos professores da abadia 1426 a 1694; Bulletin de r Institui archéologique liégeois, contendo estu- dos de E. Poncelet sôbre os marechais do exér- cito do bispo de Liège, etc. ; o Bulletin de la So- ciété d'histoire et d'archéologie de Gand, que tem publicado estudos de A. Van Worwek sôbre o cativeiro de Jacqueline da Baviera em Gand, sô- bre a evasão da princesa em 1425, etc. ; de P. Va- rhaegen sôbre a origem da indústria das ren- das; H. Pirenne; de X. Van den Houte; de H. Coppieters-Stochone sôbre os primeiros chan- celeres da Flandres no século xi, etc; o Bulletin de la Société royale belge de géographie, que no n.° 2 de 1903, traz um artigo de J. Mees sôbre A carta de Toscanelli a Christovão Colombo e o caminho das índias. O autor sustenta contra Gon- zales de la Rosa, Vignaud, etc, a autenticidade da carta em questão ; o Bulletin du Cercle archéo- logique, littéraire et artistique de Malines, tomo xii ; Le Musée belge, com estudos de P. Graindor sô- bre SLsInscriçôes de Ceos, de A. Steppers sôbre história de Roma, de J. P. Waltzing acerca

^9^

das inscrições latinas de Namur, de V. Tourneux sobre a Bélgica céltica ; os Annales de la Société historique et archéologiqiie de Tournai; o Bulletin de la Société d'art et d^histoire de diocese de Liège^ tomo XIV, 1908; a Remie de rUniversité de Bru- xelles; a Revue d'histoire ecclesiastique de FUiii- versité de Loupain, etc, etc.

Eis, pois, e muito sumariamente, a enorme e admirável colaboração que a pequena mas ope- rosa Bélgica tem trazido ao avanço das sciências históricas (i).

Quando um pais com esses serviços imorre- douros à civilização é afrontado iniqua e brutal- mente, como esse o foi, pela Alemanha, em 19 14, nenhum coração bem formado, nenhum espírito bastante esclarecido, nenhuma consciência im- pregnada de sentimento de justiça pode ficar in- diferente, pode deixar de vibrar de comoção e de indignação ante atentados de tal ordem.

Um país que, como a Bélgica, cumpre tão dis- tintamente a sua função de colaboração em be- nefício do progresso humano merece não uma platónica admiração mas a mais efectiva solida-

(i) Os leitores que desejem consultar as obras publicadas pelas Academias esti-angeiras, e citadas neste trabalho, encon- tram-as, com pequenas excepçõesj na magnífica biblioteca da Academia das Sciências de Lisboa, Também a nossa Biblioteca Nacional tem muitas das que aqui invocamos.

293

riedade por parte de todo o mundo culto nos momentos de perigo.

j Que outros pequenos países e o nosso em primeiro lugar sigam o nobre exemplo da Bél- gica para que nas circunstâncias graves que um dia vejam surgir eles possam desfrutar o mesmo ambiente de simpatias e utilizar idêntica solida- riedade de esforços (i)!

(i) Outros países da Europa, como a Rússia, a Hungria a Po lónia, e a Filandia, teem apresentado no decurso do século xix im- portantes progressos na historiografia, quási sempre devido à im- pulsão dos governos ou corporações scientíficas como as Acade- mias, Universidades, Escolas especiais, etc.

Assim, o progresso dos estudos históricos na Hungria é devido à Academia das Sciencias desse país, que, fundada_ em 1825, a partir de i855 organizou uma Comissão histórica que tem publi- cado a colecção dos Monumenta Himgriae histórica^ que se divi- dem em quatro secções : Scriptores, Acta extera, Monumenta Comitialia, e a Diplomataria.

A Academia publica ainda uma colecção de Arquivos Histó- ricos— onde figuram documentos mais curtos e menos impor- tantes que os dos Monumenta, e umas Memórias relativas às scien- cias históricas.

Ao lado da Academia húngara, foi fundada, em 1867, a Socie- dade de História, que publica uma Revista os Séculos, e uma colecção de Biografias, e ambas essas instituições tcem publicado colecções documentais, monografias, etc. *

Acerca da historiografia húngara ver uvcr magnífico estudo do eminente especialista J. Kont na Revue de Synthèse Historique, tomo 11, pág. 167 a 200.

CAPÍTULO V

As Colecções de Inéditos em Portugal (i)

I .*^ o estudo dos manuscritos antes da fundação da Academia de História

O modesto, mas culto, Francisco Dias Gomes falando da nossa historiografia diz, com verdade :

«A nação portuguesa tem no seu idioma os mais preciosos monumentos de História». E con- tinua:

((Histórias da índia compostas por JoÃo de Barros, Diogo do Couto, Fernão Lopes de Cas-

TANHEDE, AfONSO DE ALBUQUERQUE, Oude CStá TC-

concentrado todo o bom gosto do verdadeiro aticismo, formam um corpo de história que visto

(i) Este capítulo é justificado imperiosamente pela natureza (io nosso trabalho. Não quisemos deixar de o inserir, mas a ex- tensão que este estudo atingiu, nesta altura, torna impossível dar-lhe o desenvolvimento que êle merece. Por isso, deve ficar entendido que seremos aqui e muito conscientemente mais que lacónicos : incompletos.

Num desenvolvido trabalho, não descritivo como crítico, acerta da historiografia portuguesa, que trazemos em preparação, terá êle o desenvolvimento que merece.

296

por todos os lados, é o mais autorizado, o mais vasto, o mais novo e interessante que nunca viu o mundo até àqueles tempos, nem nos modernos esperança de outro semelhante». . E mais adiante : «Em uma palavra, a Nação Portuguesa po- de-se afirmar que ensinou como se devia escre- ver a História em língua vulgar, como disse um célebre autor estrangeiro».

Aparte um ou outro exagero é exacto qiie a historiografia portuguesa é notável, sendo de la- mentar que ela não tenha sido ainda objecto de um desenvolvido estudo critico ou, mesmo, de uma bibliografia metódica ( i ). E não seremos nós que, quási no remate do simples programa da nossa Colecção de Inéditos que é esta obra pretenderemos efectuar tão vasta, complexa e delicada empreza, pois nos interessa agora, aqui, a simples menção de algumas obras histó- ricas portuguesas que hajam publicado docu- mentos inéditos, na integra ou em extracto (2).

(i) Com mais demora voltaremos oportunamente ao assunto.

(2) A dificuldade de conhecer, manusear, estudar hoje o nosso património biblíaco do século xvi é acrescida pelo caso de muitas dessas obras de autores portugueses terem sido impressas no es- trangeiro.

Efectivamente muitos foram os portugueses que nesse século fizeram publicar as suas obras, sendo muitas impressas em Por- tugal, e outras no estrangeiro.

Assim, as do famoso médico Amato Lusitano, João Rodri- gues, foram publicadas em várias cidades estrangeiras, como o Index Dioscoridis... que saiu em Antuérpia, em i536; o In Dios- coridis Anabar^ei de Medica matéria.. ., aparecido em Veneza em

297

A partir do século xvi temos nós vindo a pu- blicar documentos numa dispersão aterradora para quem um dia quizer elaborar, consciencio- samente, uma bibliografia ou um catálogo dos nossos manuscritos históricos impressos.

Na primeira metade do século xvii tal publica- ção intensifica-se, figurando entre as principais obras mais ou menos fundamentadas a Monarchia Lu{itana, cuja primeira parte, devida à pena de Fr. Bernardo de Brito, apareceu, pela primeira vez, em 1597(1), a segunda parte em 1609, e a terceira e quarta partes, redigidas por Fr. Antó- nio Brandão, apareceram em i632 (2).

Em i6o3 apareciam os Elogios dos Reis de Portugal que foram reimpressos e acrescidos em 1726, 1786 e 1825, atingindo nesta última edição doze volumes; e em 161 6 Diogo de Paiva DE Andrade publicava o Exame de antiguidades ;

i553 ; o Curatiomim medicinalhtm^ cujas sete centuriae foram pri- meiro publicadas separadamente, a primeira em Florença, em i55i, e a segunda em Veneza no ano seguinte, etc.

Outro tanto aconteceu cem a Alegatiojuris pro interdicto Ec- clestasiico de Ambrósio Cardoso de Abreu, que, antes de aparecer em Lisboa, em 1627, havia-se publicado em Roma em 1623 ; com as Cartas da Etiópia do padre Gaspar Pais, publicadas em Roma e Paris; o trabalho de Fr. Anselmo da Conceição sobre os Privi- légios da Congregação de T/íiães, aparecido em latim, em Roma, em iSgô.

(i) É de recordar que os quatro primeiros livros desta pri- meira parte foram impressos no mosteiro de Alcobaça por ordem de Frei Francisco de Santa Clara. Foi reimpressa em 1690 e 1806. Como se sabe, esta obra é de simples imaginação.

(2) A segunda parte foi reimpressa em 169O; e, incompleta- mente, em 1808- 1809.

298

mas, em 1600 havia aparecido a Primeira parte das Crónicas dos Reis de Portugal de Duarte Nu- nes DE Leão, e dez anos antes a Genealogia ...de los Reys de Portugal, do mesmo autor.

Porém, a Crónica de D. João /, de Duarte Nu- nes, só aparece em 1643, e a quinta parte da Monarquia a de Fr. Francisco Brandão é / publicada sete anos depois, havendo a sexta parte aparecido em 1672(1).

Dois anos antes aparecia, em Paris, a obra do diplomata Duarte Ribeiro de Macedo Nasci- mento e genealogia do Conde D. Henrique, Pae de D. Afonso Henriques, primeiro Rei de Portugal.

Em i65i na oficina de Crasbeeck, de Lisboa, apareceu a Vida de D. João de Castro, do ilustre Jacinto Freire de Andrade, publicada em 1664, em inglês, por Peter, Wichek e muitas vezes reim- pressa em português (2).

um século antes, em i556, fora publicado

(1) Como se sabe é grandemente desigual o mérito da muito citada colecção da Monarquia Lusitana, devido às divergentes qualidades de Bernardo de Brito, António Brandão e Fran- cisco Brandão como historiadores.

Não dúvidas que Brito, apesa r da defesa que dele faz Frei Bernardino da Silva na Defensão da Monarquia Lu^^itana, se não era um falsário, como Diogo de Paiva de Aí^drade lhe chamou, era um espírito sem preparação crítica, e muito inferior ao nível, um tanto elevado, da historiografia do seu tempo. Ver : JoÃo Pedro Ribeiro, Observações Diplomáticas^ pág. 82 a 84; Disser- tações Cronológicas e Criticas, especialmente tomo iv; Barbosa Canais, Estudos biográficos, pág. 208 ; J. Figanière, Bibliografia Histórica Portuguesa, pág. i a 7.

(2) Ver Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana, tomo 11, pág. 463 a 466; InocenciO; Dicionário, tomo iii, pág. 233, etc.

299

em Coimbra «per Joam Alverez ymprimidor da Universidade» como descreve Barbosa o tão apreciado Livro primeiro do Cerco de Diu, de Lopo de Sousa Coutinho, e, em 1621 e 1622, o erudito Lourenço Brandão publicava diversas obras históricas e políticas (i). Também apare- ciam : os estudos sobre a praça de Mazagão, escritos, no meiado do século xvii, por Álvaro DE Brito Rêgo (2); os trabalhos do afamado inves- tigador António de Almeida Castelo Branco (3) ; as cartas politicas e diplomáticas do guerreiro e diplomata ilustre de D. João III e D. Sebastião, Lourenço Pires de Távora, dos melados do sé- culo XVI (4); as obras de genealogia do afamado jurista dos fins do século xvi e princípios do sé- culo XVII, Manuel Barbosa (5), as obras históricas

(i) Acerca de Lourenço Brandão, que Diogo Barbosa como nascido em Lisboa e que quási escreveu em espanhol, ver a Biblioteca Lu^itana^ tomo iii, pág. 26. Inocêncio e os seus conti- nuadores no Dicionário não aludem sequer a Lourenço Brandão, provavelmente por não o considerarem português, se bem que no Dicionário Portugal êle venha citado.

(2) Também acerca de Álvaro de Brito Rêgo é omisso o Di- cionário Bibliográfico. Ver Barbosa Machado, Biblioteca..., t. iv, pág. 10 e II ; Dicionário Portugal, tomo 11, pág. 5i5.

(3) Igual silêncio se fez no Dicionário Bibliográfico acerca deste investigador da primeira metade do século xvii, a quem Barbosa Machado no tomo iv da sua Biblioteca atribui cinco tra- balhos, todos ficados ao que parece manuscritos.

(4) Vêr Bibliografia Lu^fitana no Dicionário Bibliográfico.

(5) No Dicionário Bibliográfico não se alude a Barbosa. As obras Famílias do Reino de Portugal; Notas do Nobiliário do Conde D. Pedro; e Livro da Armaria deste Reino, ficaram ma- nuscritas segundo informa Barbosa in ob. cit., tômo iii, pág. 191 e 192.

300

do polígrafo António de Gouveia, todas estas obras muito regularmente escritas quer quanto à base documental que possuíam quer pela lógica e cia-! reza que lhes teem atribuido o padre Francisco| DA Cruz, Diogo Barbosa, Inocêncio, etc. '

A todas essas obras^ a bastantes outras que- não citamos para não alongar este trabalho, e a muitas mais que, naturalmente, nos falta conhe-^ cer, e que todas sairam impressas, a acrescer^ muitas outras de carácter histórico, que ficaram | manuscritas.

Além de algumas citadas podemos enume-l rar muito a fugir os doze volumes de genea-'| logia de Fr. António de Madureira ;, a História do Reino de Angola de André Velho da Fonseca ; a Crónica da Congregação de Santa Cru^ de Coimbra de D. Agostinho do Rosário; a His- tória da índia (desde D. Garcia de Noronha até Francisco Barreto) de Fabiam da Mota; o Roteiro da navegação, e carreira da índia do piloto Gaspar de Morais de Macedo ; a colossal floresta genealógica em quarenta e cinco volumes, e a monografia da vila da Certa ambos tra- balhos de Jacinto Leitão Manso de Lima ; a His- tória da ilha de Ceilão, do capitão JoÃo Ribeiro que ficou inédita em português, mas foi publi- cada em francês em 1701 ; o perdido nobiliário de José Cabedo de Vasconcelos, da segunda me- tade do século xviii ; os dois tomos das Arvores de todas as famílias nobres portuguesas e caste- lhanas, redigidos por Lopo da Cunha, no meado

3oi

do século XVII. Também ficaram por imprimir as Linhagens de Portugal, de D. António de Lima do qual diz Barbosa Machauo : «Este Nobiliário foy sempre reputado por celebre neste género, e como tal o louvão com grandes encó- mios Manuel Severim de Faria . . . , Manuel de Faria e Sousa, etc.» (i); as Famílias do Reino de Portugal, de D. António Mascarenhas (2) ; a Chro- nica da origem e progressos da Congregação da índia dos Eremitas de Santo Agostinho desde o ano de i5^2 até o de i63j em que compreende os su- cessos do mesmo Estado, de Fr. Félix de Jesus, missionário, agostinho, da índia, do principio do século xyii ; as obras de Fr. Ambrósio dos Anjos, de Fr. Faustino do Rêgo, etc, etc.

E deve notar-se que as obras acima citadas são as de interesse histórico, pois todas as outras deixamos de enumerar como o Florilégio Espiri- tual — de Fr. Faustino da Madre de Deus, im- presso em Coimbra em i656; os Sermões Pane- gyricos e Moraes de Fr. Jacinto Pacheco que não se chegaram a imprimir; as modestas obras religiosas de Jácome Carvalho do Canto apa- recidas entre 1610 e 1675 ; as do carmelita Fr. João de Cristo sobre a história da sua ordem,

(1) Ver biblioteca Lusitana, tomo i, pág. 807 e 3o8. Nem na Bibliografia de J. Figaniere, nem no Dicionário Bibliográfico vem citado este linhagista dos meados do século xvi.

(2) Não se deve confundir este genealogista da primeira me- tade do século xvn com o seu homónimo da mesma época autor de uma Relação dos procedimentos que teve . . . Inocêncio cita esta obra, mas não fala na do genealogista citado.

^o:

da primeira metade do século xvii; os sermões de Fr. Jorge Pinheiro, de 1620 a i63o; as ora- ções do jurista José de Andrade de Morais, pro- nunciadas no Brasil na primeira metade do sé- culo XVIII ; os sermões de Fr. José de Santo An- tónio, dos fins do século xvii ; as obras teológicas de Fr. José de Carvalho, da segunda metade do século XVII ; os numerosos trabalhos de José Cor- reia DE Brito, da mesma época; os sermões de Delgarta, do principio do século xviii, e os de Fr. José do Espírito Santo ; os sermões pregados e publicados na segunda metade do século xvii; as obras de exegética e de panenética de D. Leo- nardo de S. José, dos meados do século xvii; as do mesmo carácter de Fr. Lopo Soares, da pri- meira metade do século xvii; as Cartas do padre Aires Brandão sobre as missões dos jesuítas na índia, publicadas na segunda metade do sé- culo XVI ; as de um outro jesuíta Aires Sanches sobre as missões do Japão, pela mesma época ; os sermões de Fr. António dos Inocentes, do prin- cípio do século xvii, etc, ect.

2.° Os Trabalhos da Academia Real de História

Apesar do que vimos pelas citações que fize- mos e pelos sucintos comentários que acima dei- xamos, não dúvida que o primeiro grande esforço, e sistematicamente conduzido, no sen- tido das publicações de documentos inéditos

3o3

foi dado pela prestimosa Academia Real de His- tória (i).

Como diz Emílio Hubner nas suas Noticias Arqueológicas de Portugal essa Academia «apre- sentou, pela primeira vez, investigações propria- mente históricas em substituição à literatura, por assim dizer monástica em que se haviam baseado até então todas as indagações históricas e arqueo- lógicas».

Tem razão Hubner que, para exemplificar a sua afirmativa, cita os sudoríferos dez tomos do Santuário Mariano, história das imagens milagro- sas de Nossa Senhora, de Frei Agostinho de Santa Maria, de 1707 a 1723.

Podíamos duplicar, e, até, centuplicar os exem- plos de outras obras do género, que, de resto, apesar da fundação e vida da Academia conti- nuaram, ainda, aparecendo em grande número.

O que, porém, mostra a grande importância da Academia de História é que ela publica obras de subido valor que vitoriosamente batem outras, estranhas, que o não teem, como o extravagante in-fólio, de 534 páginas, de Brás Luís de Abreu Sol nascido no ocidente e posto ao nascer do sol. Santo António Português. Luminar maior no ceu

(1) Acerca da vida e obra da Academia Real de História, vêrs Colecção dos Documentos e Memórias da Academia, . ., 172 1 a 1736, quinze volumes; Manuel Teles da Silva, marquês de Ale- grete, na História da Academia Real Portuguesa, Lisboa, 1737 ; J, Silvestre Ribeiro, Primeiros traços de uma resenha de literatura portuguesa, pág. i32 e seg. ; do mesmo autor, História dos Esta- belecimentos Scientificos . > , tomo i, pág. 169 a 173, etc,

^04

da Igreja entre os astros menores na esfera de Francisco, aparecido em 1725; as jeremiadas de Frei Miguel das Almas Santas Clamores feitos ao Ceu, publicados em lySg; as 900 pá- ginas da Escola de penitência, caminho de perfei- ção, estrada segura para a vida eterna, de Frei Martinho do Amor de Deus, aparecida em 1740; as 5oo páginas dos Elogios dos Abades Gerais da Congregação Beneditina, de Frei Tomás de Aquino, dadas a lume em 1767, etc, etc.

Aparecem, então, como trabalhos dos aca- démicos, as Notícias cronológicas da Universi- dade^ de Leitão Ferreira, em 1729; as Memó- rias, de José Soares da Silva, aparecidas entre 1730 e 1732; o Catálogo das rainhas, de D. José Barbosa Machado^ em 1729; a História genealó- gica da Casa Real e as respectivas Provas, de António Caetano DE Sousa, aparecidas entre 1735 e 1 748 ; a Biblioteca Lusitana, de Diogo Barbosa Machado, de 1741 a 1759, etc. (i).

Se algumas das obras saldas da Academia Real de História e outras publicadas pelos seus sócios e coevos também cançam a paciência do leitor pelas redundâncias da exposição e entu- mescências do estilo, e apresentam lacunas im- portantes e sérios erros, não dúvidas que.

(i) É justo não esquecer a História de Malta, de Frei Lucas DE Santa Catarina, as Obras de Rafael Bi.uteau, que como escreve o dr. Teófilo Braga -r- fora da Academia, mas auxiliado pelos três irmãos Barbosa publicou o grandioso Vocabulário da língua portuguesa. . .», Vêr Os Árcades^ pág. i8.

3o5

muitas outras constituem imperecíveis monumen- tos de erudição, entre as quais se devem colocar as que acima citamos de Soares da Silva, as de Barbosa Machado, e António Caetano de Sousa (i).

A Academia Real de História desempenhou uma dupla e importante função no seu tempo : tornou possível a elaboração de monumentais obras de história baseadas, quási sempre, nas fon- tes em primeira mão, que, por vezes, vêem trans- critas na íntegra; e inaugurou entre nós os pro- cessos de investigação séria dos documentos, conforme então se usava em França, Espanha, etc, e de interpretação crítica e racional dos acon- tecimentos, pondo de parte muitos dos conceitos religiosos e metafísicos que até então vinham, entre nós, adulterando a história. Daí a aten- ção que deve merecer a Academia, e o lugar que nós aqui lhe consignamos, traçando, rapidamente, a sua história.

Foi ela instituída por decreto de 8 de Dezem- bro de 1720, assinalando-se-lhe como missão mais importante que a «Academia escreva a His-

(1) É certo que João Pedro Ribeiro, ocupando-se das Provas da História Genealógica, de Caetano de Sousa, diz que encon- trou nelas «tantos erros e tão grosseiros que apenas se pode su- por que ele chegasse a ler alguns monumentos que ali produziu, tendo-se servido de pessoas inteiramente ineptas para lhe tirar cópias». In Observações Diplomáticas.

Apesar disso, a História Genealógica e as próprias Provas cons- tituem magníficos repositórios de dezenas de documentos cujos originais e cópias o terremoto de 1755 destruiu. 20

3o6

tória Eclesiástica destes Reinos, e depois tudo o que pertencer a toda a História deles, e de suas conquistas».

Depois, resolve sobre as facilidades a dar aos Académicos nos arquivos, de forma a serem-lhe facultados todos os papéis que solicitarem «co- municando-lhe os catálogos dos mesmos Arqui- vos^ e Cartórios as pessoas, a cujo cargo estão».

Mas, não é o diploma inicial que se ocupa de manuscritos a estudar e a utilizar nas obras, porque o mesmo cuidado eles merecem na «Pro- posiçam da Academia», escrita e lida por Ma- nuel Caetano de Sousa na sessão preparatória de 8 de Dezembro. diz o relator que para redi- ^ gir a Lusitânia Sacra era, principalmente, necessá- rio «ajuntar manuscritos, e convocar Escritores», para o que se deviam abrir os Arquivos ao estudo dos Académicos. r

Igualmente, nas Reflexões sobre o estudo Aca- démico^ esboçando-se ó plano do trabalho da Lu- sitânia Sacra, e depois de se íixar o processo a seguir nas citações dos impressos e manuscritos, resolve-se que : «Como os títulos dos Arquivos são as provas mais seguras se devem imprimir no íim de cada volume das memórias todos os [manuscritos] que corroborão o que o Autor re- fere», e aduz logo: «para que assim se perpe- tuem e se conheção os que o tempo e o lugar deixarião sempre ocultos».

E sobre o material necessário para a elabora- ção da projectada história sagrada de Portugal,

3o7

se diz : «também se pede o Index das Livrarias grandes, principalmente dos livros manuscritos».

Quanto à história secular do nosso pais enten- diam as Reflexões que na sua organização se de- via seguir «quási o mesmo método».

Nas «Noticias de Conferências» da Academia, de 5 de Janeiro de 1721, por mais uma vez se fala nos trabalhos de arquivos; e nas diligências preliminares da História eclesiástica muitas vezes se volta a falar nesses trabalhos de heurística como diríamos hoje nos arquivos das Câmaras Eclesiásticas, das Sés, cabidos, colegiadas, mos- teiros, igrejas, das câmaras das cidades e vilas, ordenando o governo que se levantassem inven- tários desses depósitos e se remetessem à Aca- demia (i).

Uma ou outra vez a Academia se exaltava como se num discurso de recepção do conde de Assumar quando a certa altura ele diz :

«Parece que a Providência Divina reservou para o presente século o vermos renascida em Portu- gal uma nova Atenas^ composta de muitos mais Sábios, do que se contavão na antiga Grécia». Mas, não dúvida que, na generalidade, ela trabalhava com método e bom critério.

Aqui está, por exemplo, o padre António dos Reis, oratoriano, que na sessão de i de Abril de 1721 pede que se solicitem do nosso embaixador

(i) Vêr a Colecção dos Docimientos, estatutos e vtais vicmó- rias da Academia Real da História Portuguesa^ 1721, tomo i.

3o8

em Roma várias informações dos archivos do Vaticano sobre as nomeações dos bispos de La- mego; e o frade cisterciense, Bernardo Castelo Branco, na mesma sessão, referiu-se às investiga- ções de manuscritos sobre os bispos da Guarda.

Na sessão de i6 do mesmo mês o padre Bar- tolomeu de Vasconcelos, jesuita^ dizia esperar pelos manuscritos dos Arquivos do país para os seus trabalhos, e outro tanto fez Diogo Barbosa Machado ao tratar de D. Sebastião, numa expo- sição muito erudita'(i).

Igualmente, o visconde de Asseca ao tratar de D. Sancho e ao afirmar que este casara com D. Mécia de Haro «disse que também se valera de alguns manuscritos, que de Livrarias particulares se lhe comunicarão ...» (2).

Na sessão de 3o de Abril Frei Fernando de Abreu apresenta o catálogo dos bispos de Mi- randa, e na de 1 3 de Maio, presidida pelo mar- quês de Fronteira, JoÃo Carneiro de Abreu falou das suas investigações na Torre do Tombo e nos cartórios da Câmara e dos conventos de Lisboa, referindo-se à falta de ordem em que estavam os papéis nesse Arquivo (3). Nessa sessão o conde

(1) Como se do relato da sessão Barbosa Machado traba- lhava então na famosa Biblioteca Lusitana.

(2) In Colecção de Documentos . . . (Esta colecção é, geral- mente, inumerada, pelo que não citamos as páginas).

(3) Na sessão de 2 de Janeiro de 1722 o Académi^co JoÃo Cou- ceiro DE Abreu e Castro foi mais longe, e falando sobre a neces- sidade de uma reforma radical da Torre do Tombo, notou que

3o9

de Monsanto apresentou o catálogo dos bispos de Portalegre.

Nas sessões seguintes Inácio de Carvalho e Sousa apresentou o catálogo dos bispos de El- vas; D.Jerónimo Contador de Argote continuou a tratar das memórias de Braga; Frei Pedro Mon- teiro ocupou-se das memórias da Inquisição, e o João Colth das memórias do bispado de Viseu ; D. António Caetano de Sousa referiu-se bastante às memórias das igrejas ultramarinas; e Marti- nho de Mendonça de Pina comunicou os manus- critos que encontrou no cartório da Câmara da Covilhã, e nos de Penamacor, Sabugal, Almeida, Castelo Rodrigo, mosteiro de Aguiar, no de Sal- zedas cujos documentos Frei Baltazar dos Reis recopilara, e onde se lhe deparou o catálogo dos abades de Frei Benedito.

Também, Mendonça de Pina descreveu o que viu no mosteiro de S. João de Tarouca, e no car- tório do cabido de Lamego o qual principiara a ser estudado por José Carneiro Tavares; D. An- tónio Caetano de Sousa apresentou um catálogo dos bispos do Funchal; o conde de Monsanto descreveu as suas infrutuosas investigações nos arquivos de Portalegre então «desbaratados,

era impossível, entre nós, fazer história séria e documentada em- quanto perdurasse tal estado de cousas.

Vão passados 200 j duzentos 1 anos, e as palavras de Abreu E Castro parecem de hoje. j Estranho país este que, na imobili- dade de tão importantes serviços, deixa passar o melhor de dois séculos !

3io

ou inteiramente destruidos ; de sorte que no car- tório da Cidade achara um pergaminho . . . Que o cartório da Câmara Episcopal correra ainda peor fortuna, porque dele se não salvara papel algum . . . », ao passo que o cartório do ca- bido estava ileso, dando a seguir outras noticias de manuscritos encontrados nas mãos de parti- culares, bem como de inscrições, etc.

Nas últimas sessões de 1721 Martinho de Men- donça DE Pina e Proença falou das obras que ti- nha em preparação, especialmente da história da diocese de Lamego, indicando o método que se- guia ; o dr. Bartolomeu Lourenço de Gusmão, re- ferindo-se aos trabalhos efectuados para cumpri- mento das missões que lhe haviam sido confiadas, fala de «alguns documentos do Arquivo da Câ- mara do Porto», que se lhe haviam comunicado com as «Eras viciadas » ; representou a fiecessidade que havia de que ou viessem os mesmos origi- nais das províncias, ou os conferisse nelas pessoa tão erudita, e diligente, que sobre a sua pu- desse descançar quem escrevia as memórias».

Emíim, Caetano José da Silva Souto-Maior apresenta o catálogo dos bispos de Leiria ; Diogo Barbosa Machado comunica o catálogo dos ar- cebispos da Baia e bispos seus sufragâneos; e Frei Pedro Monteiro expõe o catálogo dos De- putados -do Conselho Geral da Inquisição, no qual figura com o número 89, e último, Nuno da Silva Teles.

Entretanto, continuavam chegando à Acade-

3ii

mia «muitos documentos manuscritos, que tinham vindo dos cartórios e arquivos deste Reino», do convento de Tomar, « e dos da província de Santo António», cópias da Torre do Tombo, dos ar- quivos de Coimbra, papéis remetidos dos arqui- vos do hospital das Caldas e das Câmaras de Torres Novas, Penamacor, Santarém, Olivença, Tomar, Alenquer, e Coimbra ; da colegiada de Santarém, do mosteiro da Madre de Deus de Monchique ; dos conventos de Colares^, Torres Novas, Alverca, Setúbal, Camarate, da Madre de Deus de Lisboa, de Nossa Senhora do Pó- pulo de Braga ; excelentes notícias do convento de Grijó ; informações de Faro, etc, etc.

Os restantes catorze volumes da colecção da Academia continuam a apresentar importantes trabalhos não sobre a história geral portuguesa, da metrópole, mas também acerca da história ultramarina^ como se pode concluir à vista das memórias das igrejas do Ultramar, de D. António Caetano de Sousa; da História da América Por- tuguesa, de Sebastião da Rocha Pita; do catálogo dos bispos da igreja de S. Salvador da cidade de Angra, por D. António Caetano de Sousa, etc.

Há;, porém, uma cousa que é de notar, porque muito dignifica a historiografia portuguesa: o estudo das fontes em pririíeira mão, a investiga- ção dos manuscritos. E esse um característico muito interessante dos trabalhos da Academia de História.

Em todas as sessões, em cada comunicação,

3l2

em cada discurso académico nota-se quási sem- pre o cuidado sumo, o disvelo constante na inves- tigação dos documentos e no estudo cuidadoso destes.

Esse cuidado pela investigação documental era completado pela possível meticulosidade no es- tudo das peças.

Na sessão de 27 de Fevereiro de 1728 diz a acta :

«Advertiu o Director aos Académicos que se no exame que fizerem em qualquer Arquivo, ou Livraria^ acharem algum manuscrito, que lhes pareça estar errado, ainda que justamente en- tendam que tem algum, ou alguns erros farão . tudo presente aos Censores da Academia para se considerar esta matéria^ por lhes não ser lícito emendar papel algum dos que se averigua- rem» (i).

Também os cuidados de exegese e crítica histó- ricas eram quási sempre bastante grandes, como se pode ver pelo estudo que incidiu sobre o famoso concílio de Braga de 41 1, defendido por Frei Ber- nardo DE Brito (2). E podem especiahzar- se como excelentes Memórias : a Noticia Geral das Santas Inquisiçoens deste reino, e suas conquistas, pelo pa- dre Frei Pedro Monteiro^ no tomo de 1723, da pág. 379 a 514; o Catálogo cronológico -crítico dos bispos de Coimbra, pelo beneficiado Francisco

(i) Colecção dos Documentos e Memórias da Academia Real de História Portuguesa, 1723, pág. 57, (2) Ob. cit.^ pág. io5 a 214, capítulo ix.

3i3

Leitão Ferreira (i); Origem dos revedores dos livros e qualificadores do Santo Ofício com um ca- tálogo dos que tem havido nas Inquisições deste Reino, pelo padre Frei Pedro Monteiro (2), etc.

O cuidado com que esses trabalhos eram ela- borados tornava a Academia bastante acreditada no estrangeiro. Por isso, podia dizer o seu pre- sidente ou «Director^) o marquês de Fronteira na sessão solene de 22 de Dezembro de 1724, com natural orgulho de erudito e de por- tuguês :

«Já sabemos, que foram bem recebidas de to- dos os doutos da Europa, os nossos Estatutos, e bem podemos considerar os grandes alvoroços, com que esperam ver, ou admirar o produto de tão bem ordenados princípios».

E continua : «Mostremos, que a demora de quatro anos antecedentes foy precisa para se des- cobrirem, examinarem, e conferirem os docu- mentos, que nos faltavão . . . ».

Como se vê, a nossa Academia Real de Histó- ria continuava, e muito bem, a ligar a maior im- portância aos documentos, considerando-os, muito inteligentemente, como os únicos funda- mento do conhecimento histórico.

Durante o ano de 1725 as sessões continuam a ser preenchidas por comunicações de grande valor, salientando-se logo, na de 2 5 de Janeiro, a

(i) Ob. cit., 1724, memória n.° xviii, com 184 pág. (2) Ob. cit.., memória n." xx, com 42 pág.

3i4

de I). António Caetano de Sousa, expondo o plano que seguia e o trabalho realizado na elaboração da sua famosa História genealógica, '| e explicando :

«Esta obra é um mappa de pequeno ponto, mas nele se verá toda a Historia dos nossos Rei- nos ...» (i).

Nas sessões seguintes Nuno da Silva Teles fala das Memórias Eclesiásticas do Bispado do Porto; D. Manuel Caetano de Sousa refere os trabalhos feitos para a História Eclesiástica de Lisboa, Algarve e Porto ; Francisco Leitão Fer- reira ocupa-se das Memórias da Santa Igreja de Coimbra; o Conde da Ericeira trata das Memórias Eclesiásticas de Évora; D.Jerónimo Contador de Argote fala das Memórias Eclesiásticas Braca- renses, etc. ;

Além de vários discursos laudatários, panegí- ricos e outros de cortesia, nesse ano são apresen- tadas à Academia uma Memória sobre os secre- tários do conselho geral do Santo Oficio, desde 1569 a 1723, pelo Frei Pedro Monteiro; o Catá- logo dos cónegos magistrais, e doutorais que a Universidade de Coimbra apresenta nas Sés deste Reino, pelo dr. Manuel Pereira da Silva Leal; o Catálogo cronológico dos colegiais^ e porcionis- tas do Colégio de S. Pedro ^ de 1574 a 1725, pelo mesmo autor; o importantíssimo Catálogo Histó-

(1) ]n Colecção dos Documentos . . ., 1725, composição II e IV.

3.1 5

lico dos sumos pontífices, cardeais, arcebispos, e bispos portugueses, que tiveram dioceses, ou títu- los de Igrejas fora de Portugal, e suas conquistas, por D. Manuel Caetano de Sousa (i).

O ano de 1726 correu bem, continuando os académicos a apresentarem os seus trabalhos.

Entre estes figura um estudo de D. Manuel Caetano de Sousa sobre história eclesiástica por- tuguesa e uma exposição acerca da História Genealógica; José do Couto Pestana trata da rainha Santa Isabel; Frei José da Purificação ocupa-se da Ordem de Aviz; José Soares da Silva de D. João I, fazendo outras comunicações o pa- dre António dos Reis, o padre Bartolomeu de Vasconcelos, Caetano José da Silva Souto Maior, Diogo Barbosa Machado, e Frei Fernando de Abreu.

Porêm, desses estudos um dos mais importantes é o Catálogo dos abades e priores do Mosteiro de Santa Maria de Guimarães e dos priores de Nossa Senhora da Oliveira, por D. Manuel Caetano de Sousa (2).

Durante o ano de 1727 JoÃo Couceiro de Abreu e Castro tratou das Memórias da Igreja de Lis- boa ; Francisco Leitão Ferreira estudou, com muita documentação, a história do bispado de Coimbra ; o ilustre Diogo Barbosa Machado ocu-

(i) Esta Memória compreende 346pá^inaSj com algumas bio- grafias muito importantes.

(2) Ver Colecção, etc, 1726, Memória XXX.

3i6

pou-se de D. Sebastião e da rainha D. Catarina, etc.

Mas, o que caracteriza o volume dos trabalhos da Academia neste ano é o magnifico estudo de D. José Barbosa Memória do colégio real de S. Paulo da Universidade de Coimbra e dos seus colegiais e porcionistas.

O tomo de i 728 contêm bastantes orações pa- negíricas de membros da família real, e vários discursos laudatórios que aqui nada nos interes- sam. ConludO;, insere também dois excelentes estudos de Frei Lucas de Santa Catarina acerca do primeiro convento que teve a Ordem de Malta em Portugal, e das relações dessa Ordem com o nosso pafs ; Manuel de Azevedo Soares volta a tratar, com muita erudição, da história eclesiás- tica da Península desde a Idade Média ; e D. Je- rónimo Contador de Argote insere o livro quarto do seu notável trabalho De Antiquitatibus Con- ventus Bracaraugustani.

Não foram os assuntos de história descri-' tiva que ocuparam a atenção dos membros da Academia Real de História, pois também a heu- rística e a bibliografia estão representadas nos volumes dos trabalhos dessa corporação.

Entre os estudos dessas especialidades deve pôr-se em primeiro lugar, pela sua importância, o trabalho do conde da Ericeira sobre os manus- critos e impressos da, então, muito importante biblioteca do conde de Vimieiro.

O trabalho do conde da Ericeira consta de

3i7

uma série de comunicações a partir do tomo de 1725.

Ai, esse erudito titular, entre outras espécies, descreve um volume de miscelânea contendo vá- rias noticias de factos passados no tempo de D. Manuel e D. João III; um códice de manus- critos constando de : Notícias de Portugal, geo- grafia, história, casa real, genealogias, do chantre Manuel Severim de Faria ; um volume de genea- logias do mesmo chantre ; outro de miscelânea onde figuram, entre outras espécies, uma carta de Filipe II ao prior do Crato mostrando-lhe os seus direitos à coroa de Portugal e a resposta de D. António, informações sobre os reitores da Uni- versidade, cartas de Afonso V quando esteve em França para seu filho D. João, uma Memória sobre as damas e criados que a infanta D. Beatriz levou para Sabóia, etc.

Depois, tratou o conde da Ericeira de um livro escrito com estilo sobre folhas de palma talvez um dos que escaparam ao auto de de Frei Aleixo de Meneses sobre as obras profanas, o códice manuscrito da Historia da ínclita Caval- leria de Am{, de la de Santiago, de la de los Maes- tros dei Templo em Portugal, e de la de Santa Cru{ de Coimbra, por Frei Jerónimo Ronsau ; vá- rios outros papéis que pertenceram a Severim DE Faria sobre acontecimentos do tempo de D. João II, D. Manuel, etc, até Filipe II (i).

(i) Ver o interessante sumário desses papéis na Colecção dos Documentos e Memórias da Academia, 1726, Memória X,

3i8

No volume de 1728 o mesmo erudito ocupa-se de outras espécies importantes da biblioteca de Vimieiro e que, pelo referido por Ericeira, vê-se que era muito rica em papéis sobre a história da índia nos séculos xvi e xvii.

Depois, ano a ano o primeiro entusiasmo vai afrouxando. Entretanto, no volume de 1729, figura um estudo sério de Frei Lucas de Santa Catarina sobre o mosteiro feminino de S. João da Penitência, de Estremoz ; e a primeira parte das importantíssimas Noticias cronológicas da Universidade por Francisco Leitão Ferreira, com 63g páginas, compreendendo o período de 1288 a 1537.

No tomo de 1730, além das notícias das sessões, figura como trabalho de vulto o Portugal renas- cido, tratado histórico, crítico, cronológico pelo dr. Frei Manuel da Rocha, com 436 páginas.

Finalmente, a partir de 1736 a Academia de História entrava em franca decadência havendo tido logo a sua infalível morte, se bem que dei- xasse, como dissemos, quinze bons volumes dos seus trabalhos, além de obras muito importantes de vários dos seus sócios.

Como diz Lorenz (i), e o repete Pasquale Vil- LARi, a grande transformação da história data do

(i) Lorenz, D/e Geschichstnnssenschaf in ihren Hiniptrichíim- gen und Aufgaben kritisch erõrtet^ Beiiim, i8iS6.

Sig

século xviii. É nessa época que muito se desen- volve a investigação, que o espirito crítico e filo- sófico começa a dominar como uma aplicação da dúvida metódica cartesiana. E, então, com uma grande independência de juízo, estudam-se os arquivos, fazem-se pesquisas arqueológicas, avaliam-se as medalhas, as moedas e os selos, as inscrições e as legendas, e aplica-se uma grande actividade ao estudo de todos os povos e de todas as épocas.

O campo da investigação aumenta ao infinito, os preconteitos tendem cada vez mais a ser eli- minados, a fábula cede o lugar à verdade, e a história maravilhosa é substituída pela história racionalista. Como escreve Villari:

«O século' XVIII teve, ainda mais que qualquer outro, uma idea nítida da unidade moral do gé- nero humano, e foi o primeiro a reconhecer a lei do progresso» (i).

Gomo jcí vimos, essa magnífica Jaboriosidade, esse admirável progresso dos estudos históricos e de erudição que se estendeu por toda a Europa do ocidente no século xviii não nos deixou indi- ferentes.

falamos da Academia de História que, se não teve uma longa existência, teve^ pelo menos, uma intensa vida, e deixou belos vestígios da sua actividade; vamos ver agora que Portugal, numa

(i) Pasquale Villari, Uhistoire cst'elle une sciencc. In Reviie de S\-i\lhèse Historiqiie, 1901, 2." semestre, pág. i3o.

320

bela antevisão, foi dos primeiros países, senão o primeiro, que teve em Roma e junto do Vaticano uma missão de investigações de cuja actividade ficou, como importante padrão, a colecção fa- mosa da Symmicta Lusitana.

Apesar da forma muito desfavorável como Ale- xandre Herculano, numa carta a JoÃo Pedro da Costa Basto, se refere a esta colecção, não dúvida que ela constitue um importante reposi- tório de informações de bastante valor histórico, e, por tanto^ sempre de proveitoso manusea- mento.

Essa obra com o titulo genérico : Reriim lu- sitanicarum que existe na Biblioteca da Ajuda, é formada actualmente por 222 volumes, e tinha na sua primitiva 238. Tendo ido ao Brasil quando D. João VI aU esteve, por causa das in- vasões francesas, talvez por esse tempo, na ida e volta, extraviaram-se os volumes indicados pela diferença dos dois números, com excepção do volume 1 60 que ainda existe. Este encontra-se fora da colecção por determinação de. Herculano que assim o resolveu por ser formado de obras im- pressas, contendo Recursos à Santa no tempo do papa Urbano VIII^ ai por i633.

O volume I, com o título de Acta Romanorum Pontificum, é um códice de 5 16 folhas, indo desde 1378 a 1596, isto é, do papa Urbano VII a Cle- mente VIII.

O Volume II consta de Negoiiat. di Monsig.^^ RevJ'"-' Prospero Santa Croce Vcscovo di Chisamo,

321

di tiitto quello, chc trattô in Spagna, et in Portu- callo in tempo di Papa Pio IV, VAnno i56o (i).

O volume iii contêm uma Relaiione dei Viag- gio fata dali 111:''° e RJ"° Fr. Michele Bonello Cardinalle Alexandrino . . . Legato ai li seren.'"" Be di Francia, Spagna, Portiigallo. Colle Annota- ^ione delle Citta, Terre e Liioghi, discritto de MesJ' Gio. Battista Vent urino de Fabriano, iSji (2).

O volume iv descreve o Inter detto de Lisbonna cioe Transunto dei Processo deli Interdetto Gene- rale posto a Lisbonna da Mons"'' Vescovo Ottavio Accoramboni collectore de Papa Paulo V, ai li 27 di Giugno de 16 f 7 il quale duro 10 mesé(3).

(i) O breve de Pio IV, Ne quem honorem, ao rei, é datado de Roma em 5 de Julho de i5go. Vem citado pelo Visconde de San- tarém no Quadro Elementar^ tômo xiii, pág. 171. O volume 11 contêm 535 folhas.

(2) Este códice tem 423 folhas.

(3) O assunto de que trata este volume e as cópias que con- têm são muito interessantes. Os motivos últimos da interdição consistiram na prisão e maus tratos sofridos por Miguel Leitão, clérigo beneficiado da Igreja de São Miguel de Alfama e pagem da nunciatura isto é, do dr. Marcos Teixeira, fiscal ou colector da Santa em Lisboa e no processo judicial movido pelo Estado ao auditor da nunciatura, mandando «prender seus criados, e to- mar suas mulas».

A certa altura do litígio o citado colector da nunciatura é mandado comparecer no Desembargo do Paço. Mas ele entrin- cheirando-se nas suas prerrogativas não compareceu pelo que foi determinado : «lhe sejão tomadas suas cavalgaduras, não indo nellas, e tomadas suas rendas e postas em sequestro, e notificados seus criados o não sirvam, aliás serão prezos, e os ferradores lhes não ferrem suas cavalgaduras, nem os padeiros lhe dêem pão nem o sirvam».

Tomada esta decisão pelo Desembargador em 20 de Junho de 21

322

Por último diremos que o penúltimo volume o ccxxi é um códice, numerado, de 402 fo- lhas, com as Acta Concilii Tridentini, pelo cardeal Palcotti, no tempo de Pio IV ; e o último da co- lecção, isto é, o ccxxii que era o volume ccxxvii da primitiva tem por título : Brevia Deputatio- num Vicariorum Apostolicorum in conquistis Re- gum Lusitanorum ... i yS i . Tem no fim um re- sumo dos Breves contidos no volume, desde 3 de Setembro de lôSg a 19 de Janeiro de 1746(1).

Por estes breves exemplos se que a colecção não é aquela «fraca obra» de que fala o ilustre Herculano, se bem que este não deixe de classi- ficar de «importantes e curiosos» alguns dos do- cumentos transcritos.

Também, depois de ter sentenciado que os re- cheios de parte da colecção são «tudo cousas que mediocremente nos interessam», e de notar «os inumeráveis erros e descuidos dos copistas», declara ainda, aludindo à colecção, que «sem que se possa dizer que é uma cousa desprezível, está muito longe de merecer a reputação que entre os

1617 logo a nunciatura reclama. São excomungados, pela Bula da Ceia, o dr. Carlos Brandão Pereira, Juiz de Feitos do caso ; o conhecido Tomé Pinheiro da Veiga e Martins Leitão Desem- bargadores da casa da Suplicação; e António de Oliveira Pinto que sérvio de meirinho das cadeias da corte; e ficaram com interdição as igrejas, mosteiros e ermidas da capital e arrabaldes.

ali a notar, da pág. 3i i a 3i6, uma carta do famoso padre Francisco Suarez sobre os direitos e prerrogativas do colector.

(1) Este códice tem 212 folhas.

:^23

eruditos se lhe tem feito ni,ais por fama do que de visu»(i)..

*

Se bem que a actividade historiográfica não se eclipsasse de todo entre nós depois do desapare- cimento da Academia Real de História, o certo é que pela falta de uma instituição protectora, como aquela era, e dos estímulos de toda a ordem os estudos históricos caíram em séria decadência, e, com uma ou outra excepção, nesse estado se con- servaram até ao aparecimento da Academia das Sciências de Lisboa.

Durante o governo pombalino as sciências his- tóricas não tiveram grande explendor porque a actividade crítica do ilustre ministro contra a Companhia de Jesus fez esgotar nas grandes obras de polémica, como a Dedução Cronológica e Ana- lítica, o Compêndio Histórico, e outras, o engenho que poderia ser apUcado às obras de construção scientííica.

Porém, não se julgue que foram de todo esté- reis os vinte e sete anos do reinado de D. José (2).

De resto, o próprio rei, se não era dotado de

(i) Esta curiosa carta de Alexandre Herculano dirigida em 1873 ou 1874, de Val-de-Lobos, ao esforçado académico e paleó- grafo JoÁo Pedro da Costa Basto, foi publicada no Arquivo His- tórico Português, vol. I, 1903, pág. 369 e 370, e por nós reproduzida, de pág. 28 a 3o, no nosso trabalho Os Arquivos da História de Portugal no Estrangeiro.

(2) No trabalho que trazemos entre mãos acerca do primeiro marquês de Pombal este ponto fica bastante desenvolvido.

324

uma grande curiosidade scientlfica não desde- nhava, contudo, aparentar interesse pelos livros, como se conclue notando que foi esse rei quem comprou a livraria do famoso bibliófilo Nicolau Francisco Xavier da Silva, que fora da Acade- mia Real de História^ após a morte desse eru- dito, em 1754, para suprir a falta da biblioteca real desaparecida com o terremoto de lySS.

E tanto assim é, tanto esse período não é in- teiramente, estéril para a historiografia que os melhores engenhos que vamos encontrar mais tarde na Academia Real das Sciências surgiram e desenvolveram-se durante o governo pomba- lino como Frei Manuel do Cenáculo, António Ri- beiro DOS Santos, António Caetano do Amaral, etc. (i).

Mas, não foi a história propriamente dita que então teve alguns cultores, outro tanto suce- deu com as sciências suas auxiliares como a di- plomática, a arqueologia, etc.

Para se avaliar da protecção do governo de Pombal a tais estudos publicamos a seguir, na integra, uma interessante consulta da Mesa Cen- sória sobre o ensino da Diplomática, nos fins do governo de D. José, em lyyS :

«Senhor: Como as Nações illuminadas da Eu- ropa tem feito vantajozos progressos no estudo Diplomático pela consideração da summa utili-

(1) o magnífico arquivo da Real Mesa Censória patenteia-nos em grande parte, a actividade mental portuguesa nesse tempo, e comprova-nos o alto mérito de alguns dos censores.

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dade, que lhes provem do conhecimento, e dis- tinctas notícias dos caracteres antigos, de que se compõem infinitos Manuscritos úteis ao publico, por serem de Fazendas, Privilégios, Jurisdicçôes, Foros, Leis, Doações, Noticias Históricas de ser- viços feitos á Pátria, e de muitas outras couzas necessárias ao decoro das Nações. Tem esta Meza considerado ser assumpto digno de provi- dencia o Estabelicimento de huma Cadeira Di- plomática, servida por hum Mestre hábil, com suííiciente numero de discípulos, que aprendam esta disciplina, para interpetrarem os copiozos Monumentos, de que abunda este Reino, sepul- tados nos cartórios das Gathedraes, e Communi- dades Collegiadas, e Regulares : Practicando-se esta Cadeira pelas Instrucções, e de baixo da Ins- pecção desta Meza, observando os desempenhos do Mestre, e os progressos dos Discípulos :

«E constando ser Joze Pereira da Sylva o su- jeito mais proporcionado para estes fins pelos exames, e Provas, que tem dado da sua habili- dade. Conduzida esta Meza pelas felicíssimas experiências, que Vossa Magestade tem feito pra- cticar em tudo quanto he relativo ao bem, e cre- dito Nacional, anima-se a propor aVossa Mages- tade a necessidade e a providencia que se faz preciza em huma Matéria de tão boas consequên- cias ; e a hum sujeito, que pode concorrer para a verificação destas ; propondo mais o ordenado de quatrocentos mil reis cada anno ; tendo o mesmo Mestre, alem das Licçóes quotidianas de manhan

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e tarde, a outra obrigação de Ler no Cartório^ e Bibliotheca da Meza que se lhe determinar. Meza, vinte e quatro de Julho de mil e setecen- tos, e setenta e cinco. Bispo P. Arcebispo de Lacedemonia Pedro Viegas de Novaes Pr. Joaquim de S. Anua e Silva Fr. Fraitcisco de Fr. Francisco Xavier de Santa Anna Fr. Lui{ de Santa Clara Povoa Fr. José da Rocha Fr. Jo^e Mayne António S."^ M.^" Lobo da Cu- nha— António Veríssimo de Sarre» [i).

3.° As publicações de inéditos da Academia das Sciêncías de Lisboa

Uma das primeiras diligências que fez o Duque DE Lafões logo que regressou do seu exílio a Por- tugal, em princípio de 1 779, foi relativa à funda- ção da Academia das Sciências, havendo encon- trado no abade Correia da Serra um entusiasta e operoso auxiliar.

A Academia, depois de alguns trabalhos pre- paratórios, via os seus estatutos aprovados oficial- mente por Aviso de 24 de Dezembro desse mesmo ano de 1779. A 20 de Junho de 1780 realizava a sua sessão de apresentação e cumprimentos à rainha D. Maria I, e a 5 de Julho fazia-se a ses- são solene pública (2).

(i) Consulta da Mesa Censória, de 24 de Dezembro de 1775, In Códice 481 do Arquivo do Ministério do Reino no Arquivo da Torre do Tombo.

(2) Acerca das origens da Academia das Sciências de Lisboa

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Tudo propiciava o aparecimento da Academia. Reconhecia-se de longa data a necessidade da criação entre nós de semelhante instituição com uma esfera de especulação mais larga e um plano de trabalhos muito mais vasto que a antiga, e extinta, Academia Real de História.

Durante o século xviii as chamadas sciências da natureza tinham feito os mais extraordinários progressos desde a astronomia até à botânica e à zoologia, quer em si quer nas suas aplicações, sem excluir as matemáticas.

Também, as sciências de espírito não haviam estado paradas, tornando-se assim mister a cria- ção de uma corporação que a todas envolvesse, enquadrasse e seriasse no seu programa, e tra- balhasse constantemente para o seu maior desen- volvimento.

Deve lembrar-se que alguns anos antes em tal se havia pensado, e até legislado.

e dos primeiros anos da sua existência ver : José Silvestre Ri- beiro, História dos Estabelecimentos Scientíficos, tômo ii, pág. 3-j a 6i, e pág. 267 a 869; dr. Teófilo Braga, História da Universi- dade de Coimbra, tômo iii, pág. 645 e seguintes ; Vítor Ribeiro, O ressurgimento da raça portuguesa e a Academia de Sciências.

O ilustre Secretário Geral da Academia, sr. Coronel Cristó- VAM Aires, tem vindo a publicar no «Boletim da 2.* Classe» dessa instituição, a partir do 3.° fascículo do tômo xii, interessantíssi- mos documentos de «Os primeiros sócios da Academia», como o arcebispo de Tessalónica, Frei Inácio de S. Caetano, Soares Barbosa, Domingos Vandelli, Monteiro da Rocha, Bento José de Sousa Farinha, etc.

Também nós no nosso discurso de recepção na Academia estudamos as suas origens e a sua evolução até à Revolução de 1820.

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Efectivamente, no livro IIÍ da parte IV dos Estatutos pombalinos da Universidade de Coim- bra, de 1772, se falava na criação de uma Con- gregação geral das Sciências para o adiantamento, progresso e perfeição das Siências Naturais, for- mada pela reunião dos corpos docentes das facul- dades de Medicina, Matemática e Filosofia: «con- siderando — como diz, mais tarde, Francisco de Lemos que todas estas Sciências se aperfeiçoão cada vez mais, e se enriquecem com descobri- mentos novos, que logo devem incorporar-se nos Cursos das Lições públicas» (i)..

No dizer do mesmo tal congregação tinha: «por instituto trabalhar no progresso, adiantamento, e perfeição das mesmas Sciências de modo que fe- lizmente se tem praticado, e pratica nas Acade- mias mais célebres da Europa, melhorando os conhecimentos adquiridos, e adquirindo outros de hovo, os quais se fizessem logo passar aos cur- sos respectivos das ditas Faculdades».

Mais adiante o ilustre reitor pombalista da Universidade salienta a alta conveniência de tais instituições, e cita os bons resultados havidos para a civilização com a criação da Sociedade Real de Londres, da Academia Real das Sciên- cias de Paris, e, mais recentemente, com a Aca- demia de Petersburgo.

(i) D. Fkancisco de Lemos, Relação geral do Estado da Uni- versidade de Coimbra, publicada pelo dr. Teófilo Braga, in Me- mórias da Academia^ i." classe, tõmo vii, pág. 61.

32g

E logo acrescenta com entusiasmo :

«Por isso não Príncipe que não mostre um grande zelo, e disvello em honrar a Matemática, eas mais Sciências Naturais, animando com a sua attenção os génios sublimes; procurando attrahir outros para os seus Estados; ennobrecendo com as suas mãos os instrumentos Matemáticos^ e Filo- sóficos; e empregando somas immensas em tantas Emprezas literárias, que farão do nosso Século uma época memorável à posteridade» (i).

O que não se pôde efectuar durante o governo do marquês de Pombal, e logo após à morte de D. Josée à queda daquele ministro, teve realidade mais tarde como acabamos de ver.

Porém, a jovem Academia das Sciências de Lisboa não se dedicou às sciências matemáti- cas, físico-químicas e naturais; mas igualmente trabalhou, e muito afincada e proveitosamente, em favor das sciências do espirito, sendo a his- tória uma das mais cultivadas desde o início dos seus trabalhos.

Também, o problema das publicações docu- mentais foi muito cedo ali estudado e posto em execução com a impressão de muitos documentos inéditos.

Vamos vêr o que a tal respeito dizem as actas, então resumidíssimas nos seus registos (2).

(i) D. Francisco de Lemos, obrcit., pág. 63.

(2) As transcrições que fazemos são copiadas do Livro do Assento dos Sócios que assistem a cada Assemblea^ de 3o de Junho de 1788 a 10 de Janeiro de 1798. In Arquivo da Academia das Sciências de Lisboa.

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na sessão de 12 de Novembro de 1788 o Académico JoÃo Guilherme Muller «Leo... húa memoria sobre origês orienta es de palavras Por- tuguezas. O S/ Manuel Luiz Alves o plano da correspondência para a Medicina nacional. O S/ João de Loureiro varias observações Astronómi- cas feitas em Pekim pelo P. André Rodrigues. Ventilão-se as questões sobre a Ortografia. De- rão conta os S/" do Oratório de vários Mss. da sua Bibliotheca» (i).

Na sessão de 19 de Novembro seguinte: «O Secretario leo algús documentos inéditos dos Car- tórios de Aviz e Palmella».

Na «Lembrança» da «Assemblea» ou sessão como diríamos hoje de 26 de Novembro, depois de outras informações, diz-se : «Leo o Se- cretario algús apontamentos acerca de Mss. Por- tuguezes de Itália e Espana», referindo-se à co- municação do abade Correia da Serra.

Na sessão de 3 de Dezembro, depois de se tra- tar «da demarcação da meridiana de Lisboa», in- forma a «Lembrança» : «derãose as providencias necessárias para a composição de hum Codex Diplomático da Legislação portugueza, e aprezen- tou o Secretario varias etimologias hebraicas de

(1) A essa sessão assistiram: Garção Stockler, Alves de Carvalho, João Muller, João de Loureiro, Gosta de Macedo, Bartolomeu Inácio Jorge, João Faustino, José de Azevedo, Joa- quim de Foyos, António Caetano do Amaral, Jacob Crisóstomo Proetorius, Custódio Gomes de Vilas Boas, Francisco António Ciera e José Correia da Serra.

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palavras Portuguezas para se ajustarem ao tra- balho do Sn/ MuUer» (i).

Depois, o Livro do Assento não contêm nenhuma «Lembrança» sobre assuntos históricos até à ses- são de 3 de Fevereiro de 1790. Acerca do que se passou nessa «Assemblea» diz o mencionado Livro: «LeQse a Mem. Numismática de Fr. Joa- quim de S. Agostinho, e húa Ghronica inédita da Conquista do Algarve. O S/ Jozé de Azevedo hum extracto das cartas de Fr. Bartholomeu dos Mártires q existem no Cartório de Braga» (2).

Na sessão de 10 de Fevereiro de 1790 «Leo o S."" Joaquim de Foyos, censura das Mem. q tinhão vindo a concurso. O S."" Jozé de Azevedo o ex- tracto das cartas de D. Fr. Aleixo de Menezes q existem em Braga . . . (3).

O que se passou na sessão de 17 do mesmo mês não nos interessa, pois apenas se refere a censuras e pareceres sobre obras.

(i) A esta sessão assistiram : Stockler, Caetano do Amaral, José António Raposo, José Pedro Hasse de Belém, Vilas Boas, Teodoro de Almeida, Bartolomeu da Gosta e Correia da Serra.

(2) Esta sessão esteve muito concorrida, tendo a ela compa- recido o Duque de Lafões, Vilas Boas, Guilherme Luís António de Valleré, Joaquim de Foyos, João de Loureiro, Joaquim Pedro Fragoso de Sequeira, Domingos Vandelli, Alexandre António das Neves, José António Raposo, Bartolomeu Inácio Jorge, José DE Azevedo, Costa de Macedo, Fr. Joaquim Forjaz Alves de Car- valho^ Giera, e Garção Stockler.

(3) A esta sessão compareceram Fragoso de Sequeira, Ra- poso, José Bonifácio de Andrade e Silva, Vilas -Boas, Joaquim DE Foyos, Alexandre António das Neves, Hasse de Belém, Gosta DE Macedo, Inácio Jorge, José de Azevedo, Moura Portugal, Vandelli, Stockler, Correia da Serra.

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A 24 seguinte «Leo o R."'° S/ Fr. Joaquim For- jaz um catalogo e Juizo dos Manuscritos de D. Fr. Aleixo de Meneses que actualm.^^ existem na Li- vraria de N/ S/^ da Graça ...» (i).

A sessão de 3 de Março foi muito importante pela natureza e o número das questões versadas. Falando dela, diz o Livro do Assento: «Apresen- tou o Secretario húa carta e hum livro sobre as febres por José Manoel Chaves, e a 4.^ parte de Mem. sobre os vinhos de Constantino Botelho, o Projecto de Hist. de Goa, as Descripçoês de ani- maes, e os does Livros sobre a Religião dos Brâ- manes.de Francisco Luiz de Menezes.

«Lerãose as Portarias de S. Mag.'^^ sobre a vi- zita dos Cartórios, e o Avizo ao Reitor da Univ.*^^ sobre a dispensa dos Oppozitores empregados pela Academia.

«Aprezentou o Secretario húa Mem. q concor- ria ao premio sobre o ponto das Behetrias.

«Aprezentou o S.'" VandelU as amostras dos chapéos e a maquina para abrir a boca dos asfi- xiados. Leo o S.'' Cabral húa memoria sobre o paul de Otta.

«O S."" Azevedo duas Cartas de Braga sobre o Liber Fidei.

ccDeu conta o S.'' Joaquim de Foyos da Memo- ria sobre a hist. da nossa Typograíia.

(i) Na sessão de 24 de Fevereiro estiveram João Faustino, Fr. Joaquim Fobjaz, Raposo, Giera, Vii.as Boas, Fragoso de Se- queira, Loureiro, Inácio Jorge, Azevedo, Belém, Costa de Ma- cedo, Foyos e Stockler.

;33

« Aprezentou o Secret. a Viagem de Botany Bay por Artur Fillips mandada de prezente pelo S/ António de Araújo de Azevedo.

«E o S/ Amaral húa medalha de prata de Tra- jano achada em Alcácer» (i).

Nas sessões ordinárias de lo, 17 e 24 de Março, e na do Conselho de 12 do mesmo mês são tra- tados vários assuntos literários e apresentados diversos trabalhos como uns subsídios para a história dos gentios de Goa, várias Memórias so- bre coutos e behetrias^ direito de correição, a pu- blicação das Memórias de Literatura, um elogio de Afonso de Albuquerque, etc.

Na sessão seguinte, de 14 de Abril; «Leo o Se- cretario húa Memoria sobre as Façanhas no nosso antigo direito, de José Anastácio Ribeiro de Fi- gueiredo. Mais outra de introducção á Hist. Nautral e civil de Bragança do Sn."" Ledesma. O Sn.'" Gorge a censura da tradução do 2.° livro das Georgicas. O Sn.^' Loureiro a Censura das me- morias sobre as vinhas» (2).

Nas sessões ordinárias de 21 e 28, quanto à

(i).Á sessão ordinária de 3 de Março estiveram, presentes : Stocki.er, Sequeira, Estêvão Cabral, Tomás António de Vila Nova Portugal, Joaquim Pedro Gomes de Oliveira, João de Loureiro, José Bonifácio de Andrade e Silva, Vilas Boas, Ciera, MuLLER, FoYos, António Caetano do Amaral, Vandelli, Ale- xandre António das Neves, Azevedo, Bartolomeu da Costa, Correia da Serra.

(2) A esta sessão compareceram, entre outros, os seguintes vogais : os Académicos José ínágio da Costa, João Faustino, Guilherme Vallerk, Fr. Joaquim Forjaz, João Manuel de Abreu, Manuel Ferreira da Camará,

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classe de letras trata-se de uma tradução das 'Geórgicas^ e de uma Memória sobre Honras.

Finalmente, na sessão de 5 de Maio «Leo o Secretario a resposta do conde de Florida Blanca á carta de oííicio da nossa corte sobre a visita do Escoriai e Simancas. O Discurso Preliminar das Cronicíis(i) ... Húa memoria de Pêro Nolasco dos Reis sobre o modo de povoar as provindas. O S.*" Azevedo a censura do Elogio de Albuquer- que, e de .cinco peças de Poezia. Monsenhor Hasse a censura das Tentativas da hist. tipográ- fica de Portugal».

Essa sessão foi muito concorrida, tendo com- parecido o Duque de Lafões, JoÃo de Loureiro, Costa de Macedo, Raposo Nunes Léger, Caetano DO Amaral^ JoÃo Faustino, Manuel Ferreira da Camará, Domingos Vandelli, José Bonifácio de Andrade, Bartolomeu Inácio Jorge, José de Aze- vedo, Neves Portugal, Joaquim de Foyos, Hasse, Cisra, João Manuel de Abreu, Custódio Vilas Boas, Stockler e Correia da Serra,

Depois, as sessões são cada vez mais concor- ridas, faltando raras vezes o ilustre Duque de La- fões, e nunca, até ao fim do ano, o eminente Cor- reia DA Serra.

Nessas reuniões, entre outros estudos e diver- sas comunicações de sciências matemáticas, físico-

(i) Trata-se do Discurso Preliminar de José Correia da Serra que serve de Introdução à Colecção de Livros Inéditos de História Portuguesa dos Reinados de D. João I, D. Duarte, D. Afonso F, e D. João II de que adiante tratamos.

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-químicas, biológicas e suas aplicações, são apre- sentados vários trabalhos literários e jurídicos, como o de Anastácio de Figueiredo sobre a In- trodução do Direito de Justiniano em Portugal; a Memória de António Ribeiro dos Santos sobre a Fidalguia Portuguesa (i); a Sinopse metódica da legislação portuguesa, a partir de 1602, apresen- tada por Alexandre António das Neves (2); e José António de Figueiredo apresentou «algúas notas á sua Sinopsi chronologica da Legislação anti- ga» (3).

*

Gomo temos vindo a mostrar, a Academia desde o seu início interessou-se muito pelas sciências de erudição, vamos ver agora por uma forma mais concreta a atenção que lhe mereceram os trabalhos de história.

Efectivamente^ por aviso de 26 de Fevereiro de 1790 eram encarregados os doutores José Fer- reira Gordo e JoÃo Pedro Ribeiro de, por parte da Academia, efectuarem a «indagação dos Gar-

(i) Nas sessões de 2, 9 e 16 de Junho. Na sessão de 16 «Leo o Sr. Vandelli hQa Mem. sobre as cheas do Mondego».

(2) Os trabalhos de Alexandre das Neves e de José Anastá- cio foram apresentados na sessão ordinária de 14 de Julho de 1790. Segundo diz a «Lembrança» também nessa ocasião «o Sr. Muller aprezentou alguas notas ás Mem. do Sr. Ribeiro sobre os Judeos Portuguezes».

O) Por me parecerem interessantes e julgar inéditas as pas- sagens das actas acima transcritas as deixa como documenta- ção da laboriosidade da Academia desde o seu início.

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tórios das Gamaras, Mosteiros, e outras corpo- rações publicas . .. ».

Em 1790 aparecia o primeiro tomo da Colec- ção de Livros Inéditos da História Portuguesa, Abre esse volume um Discurso Preliminar de José Correia DA Serra, onde se justifica o aparecimento da colecção por uma forma de tal modo inteli- gente e verdadeira que, decorridos mais de 1 3o anos, ainda é a mesma a que recorremos para justificar o aparecimento da nossa Colecção de Documentos Inéditos.

Diz o ilustre abade que os factos históricos «as pessoas, as acções, e as idéas» são co- nhecidos pelos documentos que deixaram da sua existência.

E escreve: «Os vestígios que de si deixarão nos monumentos, e a narração dos contemporâ- neos, he tudo o que delles fica».

E acrescenta, com suma verdade :

«E se porventura faltarem, não ha viveza de engenho, nem agudeza de raciocínio, que possão suprir a sua falta».

E, logo aduz : «São por conseguinte estes ves- tígios, estas narrações a baze única da certeza da nossa Historia, e os únicos materiaes que a cons- tituem para a gente sizuda, que nella busca ins- trucção, e não desenfado».

A seguir, fala dos livros de imaginação que tratam do nosso passado «faltos de valor pró- prio», e que se impõem «tão somente pela pu- reza da Hnguagem, formosura do estilo, ordem e

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clareza do discurso...», mas sem valor scientí- fico, mostrando «a pouca curiozidade que entre nós houve de remontar ás fontes primitivas».

Foi para suprir essas deficiências que a Aca- demia resolveu publicar a sua Colecção de Iné- ditos.

A seguir explica :

«Para conseguir este fim resolveo indagar, e publicar os antigos livros, memorias e monumen- tos da Monarquia, que o tempo houver pou- pado».

E, comenta^ com verdade : «Vasta e laboriosa empresa, único meio porem de supprir descuidos passados, e levar a Historia Portugueza ao ponto de perfeição, que ella merece, e de que nós neces- sitamos».

Depois, esclarece e previne :

«Quando sahirem do estas testemunhas, e hum grande numero de factos incógnitos vir a luz dia, quando o trabalho, a paciência, o espi- rito de crítica, e de discurso tiverem combinado estes materiaes, e deduzido a exacta noticia dos pontos que nos importa conhecer (porque nem tudo o que aconteceo he digno de ser Historia, ainda que tudo pode servir para ilustralla) então he que poderemos sem jactância persuadimos de saber o que Portugal tem sido, e então huma penna guiada pela rezão, e pelo bom gosto, po- derá expor á nossa vista, a complicada serie das acções passadas, e explicamos com certeza, as cauzas que as motivarão, e os eífeitos que delias

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se seguirão, de modo que a nós sejão de proveito, e á posteridade de ensino».

Após êsíe Discurso do ilustre Abade Correia aparece logo o primeiro inédito que é constituído pelo Livro da Guerra de Ceuta, por Mateus Pi- SANO, 1460, indo da.pág. 7 a 57. Seguem-se ainda nesse volume : a Crónica do Senhor Rei D. Duarte^ escrita por Rui de Pina ; e a Crónica do Senhor Rei D. Afonso V, do mesmo autor.

O segundo tomo aparece em 1792, e contêm a Crónica do Conde D. Pedro, por Gomes Eanes de Azurara.

O terceiro tomo aparecia no ano seguinte, em 1793, e é preenchida pela Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, de Rui de Pina ; pelo Li- vro Vermelho, do Senhor Rei D. Afonso V ; e pe- los Fragmentos de Legislação^ escritos chamados antigos das posses da Casa da Suplicação.

Por sua vez, o quarto tomo, publicado em 1816^ depois de um Discurso Preliminar, e Intro- dução às Crónicas de Fernão Lopes, inclue a Cró- nica de el-rei D. Pedro I por Fernão Lopes ; a Crónica de el-rei D. Fernando pelo mesmo cro- nista; e os Foros antigos dos concelhos de Santa- rém, S. Martinho de Mouros, Torres Novas.

Enfim, o tomo quinto, aparecido em 1824, contêm a Crónica dos Senhores Reis de Portugal, por Cristóvão Rodrigues Acenheiro; e os Foros de GrapãOj Guarda, Beja e Lamego.

Assim terminou o último volume desta muito interessante colecção de inéditos.

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Entretanto, havia aparecido outra magní- fica colecção, editada igualmente pela nossa Aca- demia : a das Memórias de Literatura Portu- guesa.

Efectivamente, em 1792, aparecia o primeiro tomo dessas Memórias, inserindo, após um estudo prévio sobre a significação lata de literatura, os seguintes trabalhos : Memórias sabre a poesia bu- cólica dos poetas portugueses, por Joaquim de Foios; as Memórias sobre a forma de Governo, e costumes dos povos que habitarão o terreno lusitano desde os primeiros tempos conhecidos até ao estabelecimento da Monarquia Portuguesa, por António Caetano DO Amaral; uma Memória sobre a origem dos nossos juízes de fora, por José Anastácio de Fi- gueiredo; um pequeno estudo histórico e filoló- gico do mesmo erudito' sobre a palavra façanhas ; uma Memória sobre uma crónica inédita da con- quista do Algarve, por Frei Joaquim de Santo Agostinho ; um magnifico estudo sobre as Be- etrias e as suas diferenças dos Coutos e Honras, por José Anastácio de Figueiredo; outro excelente estudo do mesmo académico sobre a época em que foi introduzido em Portugal o direito Justi- nianeu ; um estudo de Frei Joaquim Forjaz sobre umas décadas inéditas de Diogo do Couto, encon- tradas no convento da Graça ; e uma Memória de numismática escrita por Frei Joaquim de Santo Agostinho.

No tomo segundo, aparecido no mesmo ano, continuam-se alguns estudos encetados no vo-

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lume anterior e iniciam-se outros como as Me- mórias sobre as fontes do Código Filipino, por João Pedro Ribeiro; o magnífico estudo de An- tónio Ribeiro dos Santos sobre os Judeus portu- gueses, e mais um importante estudo de António Caetano do Amaral sobre a história da legislação e dos costumes no nosso país.

Ainda nesse mesmo ano de 1792 surgia o tomo terceiro, que abre com um estudo interessantís- simo de Ferreira Gordo sobre os manuscritos da Biblioteca Real de Madrid e da do Escurial, e que se ocupam do nosso país, seguido de um trabalho filológico de António Pereira de Figueiredo sobre as Décadas de JoÃo de Barros, etc.

Em 1793 apareciam os tomos quarto e quinto, em 1796 foi publicado o tomo sexto, dez anos depois aparecia o sétimo, e muito mais tarde era dado a público o oitavo e último.

Entretanto, haviam aparecido, entre 1806 e 1809, os seis volumes da Colecção dos principais autores de história portuguesa com a publicação da Monarquia Lusitana a que atrás nos refe- rimos.

Vários outros corpos de publicações teem ela- borado a Academia das Sciências de Lisboa, cons- tando uma dessas obras da inserção, in integro, de documentos inéditos, como os Portugaliae monumenta histórica; e outras da publicação em extracto, resumo, ou, simplesmente como fontes, de manuscritos de importância.

Como dissemos, um dos melhores exemplos

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da primeira categoria destas colecções é consti- tuída pelos Portugaliae momimenta que, dividida nas cinco séries dos Scriptores, Leges consuetudi- nes, Diplomata et Chartae, e as Inquisitiones, tem seguido paralelamente a publicação.

Outro bom exemplo de publicações completas de documentos é fornecido pela Colecção de mo- numentos inéditos para a história das conquistas dos portugueses em Africa, Ásia e América^ tendo aparecido as Lendas da índia de Gaspar Cor- reia, a Década da índia de António Bocarro, o Livro das Monções^ e as Cartas de Afonso de Albu- querque, etc. E ainda outro excelente modelo do género é dado pelo Corpo Diplomático Portu- guês, do qual se publicaram catorze tomos.

Como exemplo de obras totalmente baseadas em documentos^, mas inserindo deles simples extractos ou pequenas passagens, pode dar-se o Quadro elementar das relações políticas e diplo- máticas de Portugal, obra essa excelente que se interrompeu em 1860 com a publicação do tomo

XVIII.

Além de todas estas obras muitas outras de sólida erudição tem a Academia dado a lume, sendo esta instituição a que, por uma forma mais elevada, metódica e intensiva, tem publicado mais importantes documentos da história portuguesa.

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Além da gloriosa Academia das Sciências de Lisboa, mas muito depois e abaixo dela, outras instituições teem acorrido a dar a sua valiosa contribuição para o maior conhecimento das fon- tes documentais, sendo de salientar em rápido curriculum a Sociedade de Geografia de Lis- boa ; o Instituto de Coimbra ; a Biblioteca Pú- blica do Porto com a sua Colecção de manuscri- tos inéditos; a Biblioteca da Universidade de Coimbra com o seu Arquivo Bibliográfico, tor- nado, actualmente, Boletim Bibliográfico; o Ar- quivo da Torre do Tombo (i) ; a Biblioteca Na- cional de Lisboa ^ com o seu antigo Boletim, e, actualmente, com os seus Anais; o excelente Ar- quivo Histórico; a Academia de Sciências de Portugal instituição recente, mas que na cole- cção dos seus Trabalhos contêm estudos muito valiosos; a Câmara Municipal de Lisboa que beneméritamente teem publicado os magníficos dezassete volumes dos Elementos para a História do Município. ,

Além dessas instituições que, por uma forma mais ou menos sistemática, teem vindo a publi- car documentos inéditos são também de citar

(1) Acerca dos estabelecimentos que acabamos de apontar, ver a nossa obra : Os Arquivos e as Bibliotecas em Portugal, de pág. 121 a 212.

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as colecções de trabalhos, arquivos, anais, mcn- sários, boletins, revistas, jornais e outras publica- ções definitivas ou periódicas que teem divulgado manuscritos de valor histórico.

Entre essas numerosas e variadas publicações, inserindo documentos, são de citar, um tanto ao acaso, os Anais das Sciências, das Artes e das Le- tras — que formam uma colecção de dezasseis volumes impressos em Paris, desde Julho de 1 8 1 8 ; a Aínemo{ine Literária^ o Correio Brasiliense impresso em Londres no principio do século xix; o Correio Português publicado também, por essa época, em Londres; o Panorama; os Anais das sciências e letras; o Arquivo Pitoresco; a Re- vista da Sociedade de Instrução do Porto; a Re- vista Lusitana; a Revista, mensário de sciências e letras do Porto; o Anuário da Universidade de Coimbra; o Conimbricense magnifico repositó- rio de documentos importantíssimos para o co- nhecimento da história moderna e contemporânea de Portugal; a Revista Universal Lisbonense; a Revista de Portugal; o Ocidente; a Revista Pe- ninsular; a Revista Musical; a Arte Musical onde Sousa. Viterbo publicou diversos inéditos valiosos; sl Revista de Engenharia onde foi publi- cado, pelo Académico sr. Esteves Pereira, o Tra- tado ou defensam da agulha de marear, de Pedro Nunes; a Revista Militar; a antiga Revista lite- rária, scientífica e artística do Século; os Serões excelente magasine onde foram publicados muitos e bons artigos históricos com documen-

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tacão ; a Ilustração Portuguesa ; a Revista de His- tória, órgão da Sociedade Portuguesa de Estudos Históricos ; etc, etc.

São de tal forma numerosas e diversas as pu- blicações que teem dado a público manuscritos, que é hoje uma temeridade dizer-se quando se publica algum documento que este é inédito.

Foi para obviar a esse enorme inconveniente que nós propusemos ao governo, pelo Ministério da Instrução/ a elaboração de um catálogo de manuscritos publicados, com a natural indica- ção dos lugares onde figuram impressos (i).

Esse trabalho verdadeiramente meritório ainda está por fazer, e com a sua falta sofrem muito os investigadores : primeiro por não saberem se as fontes manuscritas do seu estudo foram por outros, anteriormente, conhecidas, estudadas e publicadas, em segundo lugar porque a publica- ção de um tal catálogo ou Índice, se fosse orde- nado por matérias, por assuntos e por ordem cronológica, seria um excelente guia bibliográ- fico, uma espécie de Wegjveiser, podendo servir de tipo o publicado por Oesterley sobre as co- lecções de fontes medievais.

por tanto funcionário a aborrecer-se sem ter nada que fazer, e há, pelo contrário, tanta cousa que fazer, faltando quem apareça a

(i) Acerca deste assunto ver o capítulo VI do nosso trabalho Os Arquivos c as Bibliotecas em Portugal, pág. 244 a 25 1 onde largamente expomos as nossas ideas sobre este ponto, e descre- vemos as providências que propusemos superiormente.

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proclamar de alto a baixo esta simples e co- mesinha verdade : os funcionários existem e ga- nham para desempenharem funções, e se as não desempenham não teem direito a ganhar, pois um decreto de nomeação equivale a um contrato bilateral em que o funcionário oferece o seu tra- balho e o Estado, em nome do pais, comprome- te-se a pagar-lho.

CAPÍTULO Vi

A fase actual da metodologia Mstórica (i)

I .*' A história no quadro geral das sciências

a) Â história nas classificações scientíficas

Vimos já, com o possível desenvolvimento com- patível com uma obra desta natureza, como tem sido enorme e constante^ especialmente a partir do século XVIII, o desejo por toda a parte mani- festado e comprovado de fazer progredir a histó- ria por meio da publicação dos manuscritos dos vários arquivos e bibliotecas tanto nacionais como estrangeiros, pois os governos e as insti- tuições scientíficas dos diversos países não se contentando em tornar públicas as espécies dos

(i) No capítulo que vai ler-se não deve o leitor procurar as ideas do autor sobre os assuntos aqui estudados^ porque raras vezes as encontrará expostas. Tivemos aqui em vista, somente» expor, tão completamente quanto o limitado espaço nos permite, o estado actual dos conhecimentos, as concepções, as ideas e as opiniões mais características sobre os assuntos versados. Num trabalho especial sobre esta matéria apresentaremos conveniente- mente sistematizados os nossos pontos de vista, as nossas opi- niões.

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seus depósitos, teem irradiado missões de estudo pelas outras nações em busca de documentos que esclareçam melhor o seu passado nacional, publicando não os índices j e por vezes bem analíticos eles são I das peças mais interes- santes, como, in-extenso, ou em extractos, as próprias peças, com as convenientes introduções e notas.

Vimos,, também, que esse trabalho tem sido gi- gantesco e sistematicamente conduzido na França e na Alemanha ; que êle tem sido menos inten- sivo, mas também importante, na Inglaterra ; que é mais recente, mas igualmente digno de nota, na Bélgica, Itália e Suíça ; e que êle tendo em Espanha uma longa tradição, passou por al- guns desfalecimentos dos quais procura agora resarcir-se por meio de uma actividade inten- siva, mas metódica.

Igualmente vimos que o nosso país não ficou estranho a esse movimento, especialmente a par- tir do reinado de D. João V, tendo não sido publicadas muitas espécies manuscritas dos nos- sos depósitos, como ainda feito um despojo e uma selecção das espécies dos Arquivos do Va- ticano, relativas ao nosso país, que foram regis- tadas na vasta colecção da Simicta Lusitana havendo assim Portugal precedido, em mais de um século, o estabelecimento das missões, insti- tutos e seminários de história criados em Roma, pela Alemanha, França e Áustria.

A crescente intensidade que teem apresentado

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os trabalhos de publicação dos documentos iné- ditos é condicionada pela orientação cada vez mais objectiva que teem experimentado as sciên- cias históricas.

Vejamos agora qual o lugar da história no quadro geral das sciências.

E a sciência um conjunto de conhecimentos verdadeiros e certos, compreendendo duas fases descritiva e especulativa, na primeira das quais ela procura descrever os fenómenos e os objectos, e tendendo na segunda a explicá-los pelas suas causas e pelas suas relações. Há, por isso, quem defina a sciência nas suas mais altas manifestações como «um sistema de relações».

A sciência não é um todo completo, terminado, feito. E como lhe chama Spencer «um corpo organizado de verdades, sempre em au- mento e constantemente depurado dos seus er- ros» (i). É, assim, um organismo em eterna formação, em constante renovamento, em per- manente incorporação de conhecimentos depois de conscientemente fiscalizados, verificados, isto é, depois de tidos como certos.

O que caracteriza a sciência em geral é a exis- tência de leis naturais ; e a lei natural consiste na redução, por meio da análise indutiva, do parti- cular ao geral, do complexo ao simples, do con- tingente ao necessário.

(i) H. Spencer, Les premiers príncipes^ trad. de Guymiot, 1902, pág. i5. ^

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A lei é, pois como a define Abel Rey «uma relação geral, simples e necessária estabelecida entre dois grupos de fenómenos», dos quais um representa a causa e outro o efeito. Por sua vez, a cansa é o «antecedente invariável, neces- sário e incondicional de um fenómeno» (i).

Assim, a causa não é uma força como ainda ultimamente sustentava Xenopol, mas um sim- ples facto bem determinável, sem o qual o efeito não se daria nas condições em que se produziu.

Fixadas as leis naturais, estas agrupam-se, hierarquizam- se, e subordinam-se às leis gerais que constituem os princípios e são as bases das sciências.

Se como dizia Bacon «a verdadeira sciên- cia é a sciência das causas», consiste ela num sistema de causas ligando-se a outras mais gerais e importantes.

Assim, Abel Rey define a sciência, em geral, como «a investigação metódica das leis naturais pela determinação e sistematização das causas».

O que caracteriza a sciência moderna, posi- tiva^ objectiva, e racional, é que ela assenta cons- tantemente na experiência e tem sempre a possi- bilidade de medir, sendo pois uma generalização, uma indução, de factos comprovados experimen- talmente e completada por uma síntese teórica e dedutiva para subir das leis gerais às fórmulas (2).

(1) Abel Rey, Les Sciences PhilosophiqueSi pág. 556 a 56i.

(2) GuiLLAUME DE Greef, Les lois sociologiqiies, 1902, pág. 1 a 35.

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Havendo, ou podendo haver, tantas sciências quantos os objectos do saber humano, e sendo cada vez maior a divisão do trabalho scientííico e a especialização, sem o que seria impossível todo o progresso da sciência e das suas aplica- ções, necessário tem sido, como uma exigência lógica e até pedagógica fazer o agrupamento, a coordenação, a serieção, a classificação das sciências.

Ampere na Introdução à sua Philosophie des Sciences justificava a necessidade de uma classi- ficação das sciências para a divisão em classes de uma academia scientifica, para a distribuição dos livros de uma biblioteca^ para a fixação do plano racional de uma bibliografia geral, para a classificação das matérias de ensino nas Uni- versidades, e para determinação dos limites mais precisos que separam certas sciências.

Porém, além de todos esses objectivos de na- tureza mais ou menos formal, alguns dos quais não são completamente ^satisfeitos por nenhuma das classificações até agora conhecidas como o da fixação dos limites entre as sciências, ou- tras razões que tornam justificável uma clas- sificação de sciências como uma necessidade do espirito que exige a serieção das nossas ideas c a ordenação dos nossos conhecimentos de forma a estabelecer a conveniente coordenação e pa- rentesco numas e noutros.

Contudo, importa não esquecer que todas as classificações teem um carácter mais ou menos

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subjectivo o que as torna arbitrárias, inconsis- tentes e transitórias.

O próprio Spencer, na sua obra sobre a Classi- ficação das sciências, é o primeiro a justificar a impossibilidade de um trabalho de tal natureza se tornar definitivo porque nem a ordem de su- cessão nem qualquer outra que se possa seguir em tal classificação representa a dependência ló- gica ou a sucessão histórica das sciências o que, de resto, não impediu que o mesmo Spencer apresentasse uma classificação da sua autoria, que também não satisfaz.

CouRNOT que, tanto no Traité de l' enchainement des idées como no Essai sur les fondements de nos connaissances e nas Considérations sur la marche des idées, se ocupa da metodologia histórica na história um aspecto do conhecimento, mas não um conhecimento particular, e distingue o elemento histórico do elemento scientifico, vendo no elemento histórico do conhecimento a exis- tência e intervenção do acaso que êle admite como uma realidade e o carácter do desenvolvi- mento das cousas, e chegando a concluir que história onde intervêm o acaso.

Para Gournot a história por excelência é a his- tória dos acontecimentos humanos, mas dos que se passam nas sociedades civilizadas, isto é, das que, pelo menos em princípio, são governadas por leis orgânicas, vendo nas instituições o jogo de uma força interna análoga à que se manifesta

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no mundo vegetal. No quadro das sciências GouRNOT coloca a história entre a etnologia que fixa as leis da humanidade nascente, e a eco- nomia social que estuda as leis da humanidade liberta da acção do tempo, significando, nas Con- sidérations a tautologia da história estudar s^ fase histórica da humanidade.

No período primitivo da humanidade, na fase a que êle chama antropológica^ o homem não se distingue da espécie^, ^.fase histórica caracteriza-se pela existência e função das individualidades; no período terminal, no. fase económica^ o indivíduo desaparece na massa^ pois a difusão das ideas é de tal forma grande e a lógica por tal forma do- mina o instinto que a necessidade dos grandes homens eclipsa-se.

Segundo Cournot a história não se limita ao re- gisto dos acontecimentos, pois deve ter em vista, pela arte, ligá-los, seriá-los, tendo assim não um carácter scientífico, mas um carácter filo- sófico.

Quanto à divulgação dos conhecimentos histó- ricos entende êle que a história tem relações com a arte para o estudo e exposição dos factoS;, e com a filosofia como vimos, mas é distinta da sciência, se bem que por vezes seja também scientífica como a numismática.

O sábio matemático admitia assim uma^/o- sofia da história a que mais tarde chamou etio- logia histórica, cuja formação esssencial consistia em distinguir, por meio da história comparada,

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um período ou um acontecimento dos outros, e os factos gerais dos seus subordinados descendo até aos de maior detalhe (i).

A classificação das sciências de Adrien Naville basea-se na concepção de três espécies de obje- ctos scientíficos : os factos reais ; as leis ; as re- gras ideais concebidas à priori pelo espírito. Daí resultam três classes de sciências : i as diver- sas espécies de histórias que descrevem e contam os acontecimentos reais na natureza inorgânica, orgânica e pensante; as sciências teoremá- ticas- que enunciam as condições necessárias do possível; 3." as sciências reguladoras que enunciam as regras segundo as quais deve condu- zir-se á actividade humana.

A primeira classe pertencem : a estatística, a uranografia, a geodesia, a cristalografia, etc. ; a astronomia, a geologia, a meteorologia, etc. ; a botânica, a zoologia e antropologia físicas ; a zoo- logia e antropologia psíquicas; a história das lín- guas, das artes, das literaturas, das sciências, das ideas e instituições religiosas, civis, dos costumes, etc. ; a geografia política ; a filosofia da história.

As sciências da segunda classe apresentam dois caracteres: i.° são necessárias; 2.° são hipotéti- ticas; isto é, que posta a causa o efeito segue ne- cessáriamejite, -mas que a necessidade do efeito está sempre subordinada à posição da causa. A

(i) Acerca deste ponto^ ver: J. Segond, Les idées deCournot siir 1'histoire in Reviie de Synthèse Historique^ tomo x, pág. i a 9.

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esta classe pertencem : a aritmologia, a geome- tria, a mecânica, a física, a química, a biologia, a psicologia, a psicofísica, a sociologia.

Quanto à terceira classe a das sciências re- gulativas é justificada pela natureza da nossa actividade que é receptiva ou produtiva, conhe- cimento ou invenção. Por isso, regras ideais da invenção que constituem a moral e as teorias dos factos; e regras ideais do conhecimento que formam a lógica.

O historiador romeno Xénopol também apre- sentou, ultimamente, uma classificação das sciên- cias^ a qual é ainda mais arbitrária e menos con- sistente que várias outras. Depois de dizer que «a grande dificuldade na classificação das sciên- cias, consiste em achar o princípio em que ela deve assentar», e de apodar de arbitrárias as classificações de Bacon, d'Alembert, Augusto CoMTE, Ampere, e H. Spencer, êle indica o prin- cípio que o guiou na sua classificação.

Segundo êle, os factos do universo, seja qual for a sua natureza físicos ou psíquicos, simples ou complexos, manifestam-se no decurso do tempo de duas maneiras distintas : como factos de repetição e como factos de sucessão.

p depois de dar vários exemplos de factos de repetição os movimentos de rotação e de trans- lação de terra e os fenómenos deles derivados,

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os fenÓQienos térmicos, os fenómenos químicos observados na respiração, o aparecimento e de- saparecimento de vegetação, os factos psicológi- cos e lógicos do pensamento ; e os de produção, repartição das riquezas, etc. escreve:

«Os factos sobre os quais repousa a existência do universo são os de repetição que se reprodu- zem continuamente, sem mudanças importantes, e que constituem a trama sobre a qual se bordam os factos de sucessão».

A seguir com uma volubilidade que descon- certa— escreve :

«Há factos de repetição que não mudam nunca, pelo menos no estado actual do universo, ou cu- jas alterações são tão lentas e tão pouco notadas que perdem toda a importância», dando como exemplos o deslocamento do eixo polar, a eleva- ção das costas da Noruega (i).

A seguir, diz que outros factos que repetin- do-se mudam a cada instante de forma, não sendo hoje o que eram hontem. Esses factos de re- petição tornam-se, por isso, factos de sucessão.

E comenta: «A repetição é o fundamento de tudo que existe ; a sucessão não é mais do que a floração disso»; e depois vários exemplos de fenómenos de sucessão, como a sucessão das ro-

(i) XÉNOPOL vem expondo estas ideas desde 1899 na sua obra sobre os Princípios fundamentais da história, desenvoWidas de- pois, em 1908, na Théorie de l'histoire, e mais detalhadas nçs seus artigos da Revue de Synthèse Historique, por exemplo : sobre a Causalité en Histoire, em 1904, e acerca de La Causalité dans la série historique no número de Dezembro de igiS.

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chás e a das espécies vegetais e animais, as transformações da linguagem, os factos históri- cos, etc.

Falta-nos o espaço para mostrarmos quanto tem de arbitrário tal teoria, pois todos os fenó- menos, seja qual fôr a sua natureza^ não fazem mais que repetir-se e todas essas repetições são diferenciadas, isto é, todos os factos são, ao mesmo tempo^ de repetição e de sucessão tanto na sua estrutura como na sua evolução (i).

Indicando as diferenças entre as duas nature- zas de factos, diz que os fenómenos de repetição são gerais, podem reduzir-se a leis, e podem pre- ver-se e predizer-se, ao passo que os factos de

(i) Parece-nos ser uma deficiência de visão por parte de XÉ- NOPOL e de outros o considerarem como sciências de factos de re- petição somente as sciências da natureza. Aristóteles na sua Politica, veio com a sua teoria dos ricorsi, alem de Montesquieu, e Chateaubriand, e mais modernamente, e scientíficamente, Adam Smith na sua Riqueza das nações, Bopp e Dietz nas suas obras de filologia comparada, Giddings nos seus trabalhos de direito, Bal- DWiN nos seus estudos de psicologia, Lang nos seus estudos de mitografia, e sociólogos como Herbert Spencer, Novicow e René WoRMS : todos são unânimes em reconhecer a repetição dos fe- nómenos no domínio das sciências do espírito ou sciências sociais, isto é, na economia política e social, nas sciências filológicas, na pedagogia, na mitografia, etc.

Gabriel Tarde, baseando-se na i'epetição dos fenómenos em sociologia, proclama as suas leis de imitação, e na sua obra Les lais sociales define da seguinte maneira o progresso de uma sciên- cia dizendo que este «consiste em substituir semelhanças e repe- tições exteriores isto é, comparações de objectos fora dessa sciência por semelhanças e repetições interiores, isto é, com- paração dentro da mesma sciência, nos seus múltiplos exemplos e sob outros aspectos. In pág. 5o da ob. cit.

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sucessão são sempre individuais, se podem agrupar em séries, e não se podem prever (i).

É sobre estes princípios que assenta a classi- ficação de sciências de Xénopol. No seu qua- dro as sciências dos factos de sucessão, ou sciên- cias de séries, dividem-se em sciências históricas reais e em sciências históricas ideais.

As primeiras estudam: o desenvolvimento do Universo, da Terra (geologia), dos organismos ; e o desenvolvimento do Homem (sociologia dinâ- mica^ história propriamente dita), compreendendo as histórias : política e social, das religiões, da arte, da linguagem, dos costumes, da moral, do direito^, da literatura e da filosofia.

As sciências históricas ideais compreendem : a História 'dos conhecimentos sobre os fenómenos

(i) Xénopol no seu artigo La Causalité datis la série histori- que, in Revue de Synthèse Historique^ Dezembro de 191 3, desen- volve este ponto, mas sem trazer novos elementos.

Depois de insistir que as sciências da natureza são sciências de leis e a história é uma sciência de série, tendo as primeiras, como princípio gerador da lei, a generalização, e apresentando a história, como origem da série, a causalidade, passa a dar vários exemplos tomados na história romana e na de outros países bal- cânicos para demonstrar «que a série é sempre o produto de um encadeamento causal entre os factos que a constituem», e «'que toda a série de história que quere ser verdadeiramente scientííica deve poder ligar todos os factos de que ela se compõe com o fio da causalidade sucessiva, fazendo derivar cada facto subsequente do seu antecedente». Ver artigo cit., pág. 259 e 271.

num outro artigo da mesma Revue, de 1914, ele se havia ocupado da Causalité en liisioire, e onde estudava as origens da causa : umas vezes devida a uma força natural, outras provindo de um facto ou causa anterior.

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imutáveis (História das sciências de leis) fenó- menos esses que são objectos das histórias : das matemáticas, da astronomia, da física, da quí- mica, da zoologia, botânica e mineralogia^ e da biologia ; e a história dos conhecimentos sobre fenómenos mutáveis (história das sciências de séries) e que são estudadas nas histórias das doutrinas geológicas, das doutrinas transformistas e das doutrinas históricas.

A vista, e como comentário do seu quadro de classificação, Xénopol, notando «a extensão da sciência dos factos de sucessão» escreve «que a história, no sentido largo da palavra, não é uma sciência especial, como até agora se tem consi- derado, sciência que deveria ser colocada ao lado da biologia, da psicologia ou da sociologia, mas que ela constitue um dos dois modos universais de concepção do mundo, o modo de sucessão em face do modo de repetição (i).

Depois de assim considerar a história, muito mais como um método que como uma sciência independente e especial, esclarece que a sua con- cepção da história mostra a importância desta «disciplina» «cujo princípio aplicado à natureza material tem renovado o estudo desta divisão pela idea tão fecunda da evolução».

(i) Este estudo de A. D. Xénopol foi publicado com o título La classification des sciences et 1'Histoire, na Reviie de Syníhèse Htstorique, tomo ii, pág. 264 a 276.

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Termina por chamar à história «irmã gémea» da sciência dos factos de repetição. Mas, na realidade, tal juízo equivale a não lhe chamar sciência, mas uma simples forma do conhecimento, pois não uma sciência dos factos de repetição mas sim sciências astronómicas, físicas, químicas e biológicas.

E pouco mais ou menos assim que Heinrich RiCKERT a considera como «um modo de conce- pção do mundo», pois como Xénopol tam- bém êle diz: «que a história não é uma sciência especial que pelo seu objecto se distinguiria das outras sciências» (i).

Outros historiógrafos e teóricos da história, pensando muito diferentemente de Xénopol, vão muito longe quanto à classificação da história como sciência e à sua incorporação no quadro dos conhecimentos scientíficos, integrando-a no grupo das sciências experimentais, mas distin- guindo nestes dois sub-grupos : o das sciências naturais que se ocupam dos fenómenos cosmo- lógicos e biológicos ; e o das sciências morais que tratam do espírito humano nas suas várias manifestações, e dando cada estudo especial ori- gem a uma sciência particular.

Assim, pertencem a este aglomerado a. psicolo- gia — que é o estudo do próprio espírito humano

(i) H. RiCKERT^ Les qiiatre modes de (d'Universelo dans VHis- toire in Rcviie de Synthèse Hisíorique, lômo ii, pág. 121 a 140. Ver a crítica de Paul Lacombe a este artigo na mesma Revue, tomo lu, pág. I a 9.

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nas suas variantes e modificações ; a linguística

que estuda os sinais verbais e escritos que ex- teriorizam os fenómenos psíquicos; a história que tem em vista estudar e descrever as mani- festações individuais e colectivas da actividade humana na sua evolução ou serieção através do tempo ; a sociologia, a moral, etc.

Não dúvida que a classificação da história na classe das sciências experimentais como fa- zem Charles e Vítor Mortet no artigo Histoire, da Grande Encyclopédie é um tanto ambiciosa, como se presta a equívocos o dizer-se que «o estudo e a exposição dos factos passados é, antes de tudo, uma obra scientífica, na qual o histo- riador deve seguir^ tanto quanto tais factos o per- mitam, as regras e os métodos das sciências expe- rimentais:/).

E certo que logo adiante se diz que para haver sciência experimental é necessário que os conhe- cimentos que a constituem tenham por objecto factos reais ou seres concretos susceptíveis de se- rem constatados e analizados.

Ora o que caracteriza essencialmente a expe- riência e a distingue da observação é que naquela o estudo dos fenómenos não se pode iniciar, repetir ou interromper como se pode alterar e modificar o dispositivo e a marcha da experiência

o que em história é impossível fazer-se. Mostrámos que a classificação scientífica de

Xénopol estava longe de satisfazer, e dissemos que a classificação de Herbert Spencer que apa-

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receu para rectificar a de Augusto Gomte, se bem que em pouco mais que na nomenclatura se dis- tinga da do pensador francês, também não sa- tisfazia logo na chave da abóboda de todo o sis- tema, isto é, na distribuição das sciências pelos três grupos : sciências abstractas, sciências abs- tracto-concretas, e sciências concretas, segundo teem por fim estabelecer relações gerais, ou os elementos das cousas, ou as suas propriedades reais e particulares.

Abel Rey propôs recentemente uma outra clas- sificação, baseando o seu trabalho na combinação dos princípios de Comte com os de Spencer(i).

Segundo êle, as sciências dividem-se em puras abstractas «que estudam as relações gerais determinantes dos fenómenos», e as sciências aplicadas concretas «que procuram explicar as formas particulares dos fenómenos e os seres

(i) Várias outras classificações de sciências teem surgido. En- tre elas figura a do sociologista Stuart-Glennie, que divide as sciências em três grandes categorias : a sciência do movimento ou sciências cinéticas, a sciência da transformação ou sciências evo- lucionais, e a sciência da socialização ou sciências éticas.

Cada uma dessas categorias apresenta três subdivisões, segundo se passa a considerá-las no ponto de vista formal ou abstracto, causal ou concreto, prático ou técnico. A sociologia, confundin- do-se com a antropologia, engloba duas ordens de estudos dife- rentes : o estudo do que é e das causas do que existe, e o estudo do que pode e deve ser, pertencendo o primeiro desses estudos às sciências evolucionais, e o segundo às sciências éticas. O traço de união entre as duas ordens de sciências é constituído pela lei geral do desenvolvimento intelectual, sendo esse o objecto da história.

Ver a primeira comunicação dos Sociological Síiidies, in vol. ii dos Sociological Papei s, published for the Sociological Society.

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distintos que a sciência nos apresenta». E é de notar que em cada um destes dois grupos ou grandes classes as sciôncias são dispostas e se- riadas segundo o principio comteano da com- plexidade crescente do objecto (i).

O quadro geral das sciências segundo essa clas- sificação é o seguinte :

1. Sciências teóricas, abstractas ou puras. Neste grupo figuram as sciências que se ocupam das relações que dizem respeito: i.° ao número como a aritmética e a álgebra; 2.° à extensão

(i) Esta, como tantas outras classificações de sciências, figura num tratado de filosofia, dada a maneira como a filosofia é con- cebida.

Efectivamente, a filosofia tem sido considerada, comumente, como a sciência das sciências, sem objecto próprio, especial, ca- racterístico, se bem que alguns pensadores lhe atribuam uma de- marcada individualidade. Assim, o dr. Garfein-Garski na sua obra Em neiíer Versuch ilber das Wesen dee Philosophie, ao pro- curar estudar e fixar a natureza e a essência da filosofia, como indica o título, entende que ela se distingue das outras sciências não pelo método como pelo seu objecto.

Assim, para ela a filosofia não é a tão proclamada sciência das sciências ; ela não se limita como querem os neo-kantistas à teoria do conhecimento. E se a ética, como a psicologia, é uma sciência especial, também a filosofia o é: é a sciência da unidade, da totalidade subjectiva.

Porém o autor dizendo que «a filosofia é um grupo de sciên- cias que: i.° estudam o conhecimento, o sentimento, a vontade como funções do homem-sujeito, como actos de personalidade ; e 2.° procuram criar uma síntese do todo da realidade», não se afasta, no fundo, muito dos que a concebem como a sciência universal, o conjunto da sciência, isto é, «o saber completamente unificado» de Spencer.

Ver : Reviie de Métaphysique et de Morale, Suplemento ao nú- mero de Março de 1910, pág. 20 e 21.

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coví\o\ geometria ; 3." ao movimento como a mecânica; 4.° às diferentes formas da energia

como di física; 5.° à constituição dos corpos como a química; 6.° à vida como a biologia; 7.° à consciência como 8i psicologia; 8.° às so- ciedades— como a sociologia.

II. Sciências aplicadas ou derivadas. A este grupo pertencem : a cosmografia^ astronomia, geo- grafia, geologia., paleontologia, mineralogia, botâ- nica, {oologia, antropologia, etnologia., história dos grupos sociais, etc. (i).

Convindo recordar mais uma vez que uma clas- sificação de sciências tem sempre um valor muito relativo e inteiramente provisório, servindo até que outra surja e que satisfaça melhor às ne- cessidades do espírito filosófico e apresente mais lógica, dogmática, pedagógica e historicamente a serieção e a coordenação dos vários ramos do saber humano, é hoje norma geralmente seguida, sem intuitos de classificação a distribuição das sciências por três grupos (2).

O primeiro é constituído pelas sciências mate-

(1) Abel Rey, Les Sciences Philosophiques, 2.' edição, pág. 575 e 576.

(2) Também Paul Janet, no seu Tratado de Filosofia, divide as sciências morais em quatro classes : i.» a dos sciências filo- sóficas.1 que se ocupam do «espírito humano considerado em si próprio» ; e do «espírito absoluto» ou «causa primária» ; 2.* a das sciências sociais, que se ocupam do homem em sociedade, como as jurídicas, políticas e económicas ; 3.= a das sciências filológicas^ tendo por objecto a linguagem; 4.= a das sciências históricas, tratando da evolução da espécie humana através dos tempos.

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máticas cujo objecto é uma criação do espírito, permitindo assim agir somente por meio do ra- ciocínio dedutivo e chegar a raciocínios maxima- mente certos, exactos, mas sem nenhuma objecti- vidade (i).

O segundo é formado pelas sciências da natu- re{a, as quais podem ser trabalhadas por meio do método experimental e indutivo, produzindo resultados objectivos, os quais nunca são mais que aproximados e prováveis.

O terceiro grupo é, finalmente, constituído pe- las chamadas sciências do espírito, isto é, pelas sciências morais e politicas, as quais ou são des- critivas e históricas, ou teem por objecto a des- coberta ideal de um conjunto de regras, de pre- ceitos ou normas de conduta para a actividade humana : actividade estética, lógica, moral, jurí- dica^ política, económica, etc. (2).

Do que temos dito conclue-se que a história

(i) O conhecido sábio alemão W. Ostwai.d no segundo fascí- culo, de 2 5 de Março de igog, dos seus Annalen der Naturphilo- sophie, tratando de O sistema das sciências, apresenta um ensaio de classificação. Segundo êle as sciências dividem-se em três grupos : fundatjtentais, físicas e biológicas.

As primeiras teem por conceito geral a ordem, e são : i.° a lógica e a teoria da multiplicidade ; 2.° a matemática; 3.° a geometria. As sciências físicas, tendo por conceito geral a ener- gia, compreendem ; 4.» a mecânica ; 5." a física ; 6." a quí- mica. As sciências biológicas, com o conceito geral da vida, são : 7.0 _ a fisiologia; 8.° a psicologia ; 9.° a culturologia.

Três ou quatro anos antes Emile Waxweiler, no seu Esquisse d'une sociologie, considerava também a sociologia que Ostwald inclue na culturologia como uma sciência biológica.

(2) Abel Rey, ob. cit., pág. 576 a SyS.

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designação genérica para significar o grupo das sciências históricas é uma sciência do espirito, uma sciência concreta e aplicada; e, sob o ponto de vista metodológico, é uma sciência inductiva[\).

WiNDELBAND de quem adiante falaremos bas- tante ao tratar da concepção de valor em histó- ria— seguido, na Alemanha, por Simmel, e por Adrien Naville, ça Suiça, diverge de Xénopol e RiCKERT na classificação dos conhecimentos hu- manos em sciências de factos de repetição ou sciên- cias da natureza, e sciências de factos de sucessão ou sciências históricas.

WiNDELBAND agrupa as sciências experimentais em duas grandes divisões, correspondentes às de" XÉNOPOL : a das sciências de leis e a das sciências de acontecimentos.

Não é difícil conjecturar e o próprio Win- DELBAND O a entender que à sua classifica- ção não foi extranha a influência de Leibniz com a sua teoria das verdades eternas ou verdades necessárias, e das verdades de facto ou verdades ocasionais e contingentes : as primeiras sendo objecto das sciências de leis, as segundas tornan- do-se a matéria das sciências dos acontecimentos.

É a essa distinção leibniziana que se deve ir procurar a filiação do pensamento de Windel- band quando este escreve :

«A unicidade, a individualidade não sujeita à

(i) Adiante, ao tratarmos do método histórico será desenvolvido €ste ponto. E que falámos novamente em A. Naville devemos dizer cjue ele em igoi publicou uma nova clasiiíicação de sciências,

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repetição constituem, pois, contrariamente à ne- cessidade geral, os caracteres distintivos dos fa- ctos históricos» (i).

Apesar do que diz o seu autor chamando a esta «divisão puramente lógica», nós vemos nela, muito mais que na de Xénopol, uma classificação com uma base e um alcance metodológicos, isto é, tal classificação de sciências prende-se com «a relação necessária que em cada uma destas existe entre o seu método de trabalho e o seu conteúdo objectivo» como diz o próprio Windelband.

Quanto a nós, tal classificação não diz respeito à natureza íntima das sciências por ela abran- gidas, ela é, especialmente para a história, uma classificação de posição em relação ao progresso das outras sciências, e principalmente das auxi- liares. Quer dizer : todos os conjuntos de conhe- cimentos scientificos antes de atingirem a fase de sciências de leis, são sciências áe factos, de acon- tecimentos; a história tem permanecido na se- gunda fase, mas apresenta todas as tendências, e bastantes garantias, para passar à categoria de sciência de leis como alguns a consideram lhe trocando o nome pelo de sociologia.

( I ) Ver. Windelband, La sciênce et 1'histoire devant la logique contemporaine in Reviie de Synthèse Historique^ tomo ix, pág. i25 a 140.

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b) A história nas suas relações com a psicologia e a sociologia

As relações entre a história e a psicologia são grandes, posto que não se apresentem tão íntimas como acha Xénopol no seu trabalho sobre La Psychologie et 1'Histoire.

Se é certo que as duas sciências teem por ob- jecto de estudo o espírito humano, é multipla- mente diferente a forma como cada uma pro- cede, o método que usa, e o objectivo e fim que teem em vista.

A psicologia estuda o espírito humano em si, em abstracto, em geral, na sua constituição, for- mação e evolução ; a história, e, sobretudo, a história do pensamento, da filosofia, da sciência, da literatura, da arte, da religião, e emfim, a his- tória da cultura estuda o espírito humano nas suas manifestações individuais, particulares, es- peciais, características num indivíduo ou num grupo social, nacional, religioso, político, scientí- fico, literário ou artístico (i).

(i) H. RiCKERT na sua sua obra em alemão Os limites de formação das noções nas sciências naturais nega que a psicolo- gia tenha alguma importância para a história, escrevendo :

«Não podemos encontrar nenhum ponto de vista sob o qual a psicologia adquirisse uma importância decisiva para o método histórico». E páginas antes havia escrito que se o conheci- mento individual dos movimentos psíquicos é de grande alcance para a história, os princípios gerais nenhum valor teem para ela, E igualmente afirmou que o historiador deve ser psicólogo no sentido de que ele deve possuir o conhecimento de determinadas acções psíquicas, mas não deve nunca transformar tais conheci- mentos em teorias gerais.

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Assim, a história fornece à psicologia a vasta e complexa matéria para as suas abstracções, com- parações, generalizações, induções, leis, teorias e concepções ; ela é para a psicologia um enorme arsenal de material de estudo, um imenso museu de caracteres e de modalidades psicológicas.

Por sua vez, a psicologia como diz Xénopol

fornece à história não as leis psicológicas segundo as quais o homem sente, pensa e põe em actividade as suas vontades, como os elementos psicológicos individuais fornecidos pelas complei- ções mentais particulares de cada individuo pes- soal ou colectivo.

Apesar destas mútuas contribuições mostrarem como é grande a relação entre as duas sciências, a natureza do que cada uma fornece à outra, mostra bem como elas são distintas e diferentes, pois, seguindo Xénopol, ao passo <iue a psicolo- gia é uma sciência de factos de repetição, de leis, a história é uma sciência de factos mutáveis, de factos de sucessão; é uma sciência que não pode formular leis nem fazer previsões, mas enca- dear factos e seriá-los.

Mas, para Xénopol, como para outros teóricos da história, não são sciências somente aquelas que podem formular leis, pois dois modos de conceber o mundo : o modo de repetição dando origem às sciências de leis, e o modo de sucessão

que origina as sciências de séries (i).

(i) In Revue de Synthèse Historique, tomo iii, pág. 104 a 106. 24

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Paulo Lacombe pensa e escreve quási da mesma forma sobre as relações entre a psicologia e a história. Também para este elas prestam recí- procos serviços, mútuos auxílios (i).

Assim como a anatomia e a fisiologia estudam e descrevem o homem físico geral, independente de raças, línguas, religiões e nacionalidades^ a psico- logia tem por objecto estudar o homem psíquico, espiritual, como sede e motor, envólucro e agente de sensações* e de sentimentos, de ideas e de vo- lições, tendo em vista investigar e expor todas essas ordens de manifestações do espírito hu- mano.

Também esse homem-espírito, de que a psico- logia se ocupa, é um ser-fórmula, um homem- -geral, ubicuo e permanente, independente de raças, de religiões, de línguas e de nacionali- dades.

E esse o homem que a psicologia entrega à história, e que esta encorpa ou diminue, agiganta ou efimina, decora e veste, e o torna o actor de todas as scenas elevadas ou repelentes, o agente de todos os actos sublimes ou hediondos, e o motor de todos os renascimentos e progressos como a causa de todos os regressos e desfaleci- mentos.

(i) A obra de P. Lacombe De VHistoire considérée comme science onde êle aborda este assunto, apareceu em 1894^ sendo, por tanto, anterior à de Xénopol, se bem aquela onde este tratou primeiro do assunto, com bastante desenvolvimento, sejam Les Príncipes fondamentaux de l'Histoire, aparecida em 1899.

Byi

Vejamos, ainda, o que a psicologia presta à his- tória.

Para que uma correspondência- e uma seme- lhança históricas, e como tal reconhecidas, fiquem explicadas scientificamente, e até mesmo se tor- nem leis da história é necessário o concurso da psicologia, wnuma palavra sintetiza Lacombe a psicologia encerra, antes de tudo, a explica- ção da história».

Depois, «a psicologia fornece à história um critério, uma pedra de toque». E logo conti- nua:

«Les constantes de Thomme, relevées par la psychologie, permettent de vérifier la possibilite ou la prohabilité des assertions que les annalistes nous apportent» (i).

(i) Isto é exacto muitas vezes. Assim, nos Archives de Psy- chologie, de Genève, número de Janeiro de 1907, vem um inte- ressante artigo de Pierre Bunet, professor da Academia de Neu- châtel, sobre La vocation de Socraíe, e com o significativo sub- título Specimen d'une aplication de la science psychologique à celle de 1'histoire. Trata-se da autenticidade do oráculo da Pi- thia proclamando Sócrates o mais sábio dos homens, e que tem sido acolhida com reservas, especialmente por Zeller e Gomperz, entendendo que, longe de ter sido tal oráculo que determinou a vocação e a fama de Sócrates, foram estas, que chegadas ao san- tuário de Delfos condicionaram o oráculo.

Bunet explica o oráculo por causas psicológicas como um simples caso de leitura de pensamento, bastando que Chéréphon, amigo de Sócrates, houvesse entrado no áditon muito convicto do grande valor do seu amigo e mesmo com a boca fechada tivesse «soprado» involuntariamente o nome do filósofo caso este muito estudado e explicado pelos psicologistas como Hansen e Lehmann. Tal «sopro» seria facilmente percebido pelo ouvido

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Por sua vez a história tem contribuído muito para os progressos da psicologia. Ela, que é um colossal repositório de factos, fornece não abundantes e ricos materiais para a determina- ção dos «grandes traços gerais da humanidade», como os mais variados elementos «para verificar e precisar as verdades psicológicas» (i), tornan- dõ-se, assim, a história uma importante sciência auxiliar da psicologia, tanto da individual como da psicologia colectiva.

Escusado será dizer que o erudito e o historia- dor estão em circunstâncias muito diferentes quanto à utilização dos estudos psicológicos.

Ao passo que o erudito, que se limita ao es- tudo externo dos documentos, da sua prove- niência, depuração e restituição, pouco ou nada pede à psicologia o mesmo não se com o historiador para quem os documentos são vestí- gios dos sentimentos, das ideas e das volições de homens, e tem, principalmente, em vista lidar com espíritos objectivamente fixados e não esgrimir com fantasmas sem existência real, e, nem, se- quer, virtual.^

Para o historiador a psicologia é uma sciência

hiperstesiado dos sacerdotes naturalmente criaturas estéricas em fase hipnótica ou sonambólica.

Por esta forma o oráculo antecederia a fama do filósofo, e teria sobre a vocação deste a influência que Platão lhe atribue.

Ver sobre a influência da psicologia a obra de Lébert Le démon de Socrate et ramulette de Pascal.

(i) Lacombe, ob. cit , pág. 28.

SyS

fundamental, necessária, essencial (i). Taine disse que explicar uma revolução é fazer uma pá- gina de psicologia, e não o disse como o fez na sua importante, mas muito discutível, obra : As Origens da França Contemporânea.

Também George Simmel, na obra Die Pro- bleme der Geschichtsphilosophie aparecida em 1905, apresenta o seu ponto de vista psicológico da história. Para ele a noção de pessoa é fun- damental em história, e as próprias rialidades impessoais não são mais que a projecção, em tais cousas, do pensamento que concebe a sua con- tinuidade histórica. A sua concepção socioló- gica é, igualmente, individual, pois, para êle, os factos sociais não são outra cousa senão uma re- presentação média e vaga das acções inter-indivi- duais as únicas que são reais, pois as outras não são mais que abstracções sem realidade.

Comtudo, importa não esquecer a verdade do que escrevia Cláudio Bernard : «o conhecimento do homem isolado não nos traria o conhecimento de todas as instituições que resultam da sua asso- ciação e que não podem manifestar-se senão pela vida social» (2).

É esse facto de observação, exposto por Cláu- dio Bernard, que Hegel erige em principio quando afirma que uma mudança quantitativa dada num

(i) De la méthode dans les sciences. Estudo de Th. Ribot, sobre a Psicologia, pág. 291.

(2) Cl. Bernard, Introduction à la Medicine expérimentale, pág. 157 e i5S.

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certo grau implica uma transformação qualita- tiva— fórmula essa que Karl Marx e Engels aplicam nas suas concepções sociais (i).

Porém, como G. Simmel pensam muitos outros teóricos da história.

Assim, Eduard Meyer, no seu opúsculo sobre a Teoria e a metódica históricas^ aparecido em 1902, também entende que a história nada tem que ver com leis, elas não são necessárias, pois na evolução da civilização aparecem possibi- lidades e probiblidades mas não leis. Em histó- ria, como fundo e fim de estudo, que ter em vista o individual; e a primeira obrigação do historiador é estabelecer os factos.

De resto, é intuitiva a influência da psicologia na história. Se Vico procurava na astrono- mia a explicação dos fenómenos humanos os actuais fenómenos históricos e sociológicos, e HuxLEY encontrava fortes relações entre as com- binações químicas dos corpos e a constituição dos agregados humanos, os naturalistas, historiadores e sociólogos procuram aplicar às sciéncias histó- ricas e sociais os métodos e processos das scién- cias naturais, nada deve surpreender que outros homens de sciéncia utilizem na história os ensi- namentos fornecidos pela psicologia sciéncia muito afim da história (2).

Também o dr. Emile Reich, professor da Uni-

(i) C. BouGLÉ, Marxisme et sociologie, in Revue de Métaphy- sique et demorale, 1908, pág, 728 a ySo. (2) P. LacombEj ob. cit., pág. 29 a 84.

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versidade de Londres, tanto no seu livro Suc- cess among the Nations como, mais tarde, num estudo sobre Historiadores psicólogos e historia- dores livrescos^ exigia que a história fosse tratada no ponto de vista psicológico.

Este historiógrafo entende, como Lacombe, que a história de uma nação «apresenta incontesta- velmente dois elementos : um elemento constante ou quási^ a que chamamos instituições, e um ou- tro elemento variável, a que chamamos aconte- cimentos».

Ora o estudo dessas instituições tem que ser feito sob o critério psicológico, isto é, torna-se necessário estudar os «motivos últimos que im- pelem homens e mulheres a submeterem-se a uma instituição, a produzirem um acontecimento, e, de uma forma geral, a comportarem-se histori- camente».

E após vários exemplos tendentes a demons- trar qu»anto a interpretação psicológica esclarece a história, escreve :

«É examinando grandes grupos de factos à luz da história psicológica que se consegue com- preender não os resultados concretos e defini- tivos, como esta massa imensa e flutuante de factos esboçados, concebidos, parcialmente rea- lizados, estas tendências latentes, mas poderosas, que impelem e animam homens e mulheres débeis que a história propositadamente põe de parte quando os não trata com desprêso».

Mas, caindo no extremo oposto diz : «A psico-

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logia é, com efeito, para a história o que a dinâ- mica é para a astronomia». E acrescenta esta enormidade: «Se se não fizer regressar os acon- tecimentos e as instituições à psicologia comum, isto é, aos motivos específicos que num dado mo- mento e num dado lugar teem guiado, necessa- riamente, as acções humanas, a história deve re- signar-se a ser um caos de constatações não di- geridas» (j).

Assim, emquanto H. Rickert nega toda a intro- missão da psicologia na história Em. Reich cai no excesso oposto limitando a história a uma psicologia no tempo. Poucas vezes, como neste caso, foi melhor aplicada a frase latina do médio tutissimus ibi.

*

Mas continuemos. A questão das relações en- tre a psicologia e a história tem sido, pois, deba- tida entre dois grupos de extremistas, de pessoas com ideas^ pontos de vista e educação comple- tamente opostos. De um lado teem estado aque- les que, como Windelband e Rickert, entendem que, sendo a história a sciência dos factos de su- cessão— como define Xénopol, isto é, a sciência dos factos concretos que não se repetem ao passo que a psicologia é uma sciência de factos repeti- tórios conduzindo a leis, nenhumas relações po- dem existir entre uma e outra (2).

(i) In Revue de Synthèse Historique, tomo ix, pág. 233 a 2C8. {2) Raymond Meumer estudando Les consequences et les appli-

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Outros, como Gumo Villa, talvez F. Rauh, etc, cuidam «que a evolução histórica expli- car-se num futuro mais ou menos próximo por observações ou experiências de psicologia social.

Assim, a história da humanidade seria expli- cada pela psicologia do indivíduo social, como os fenómenos meteorológicos ou geológicos se com- preendem pelas leis físicas verificáveis, e os fenó- menos de embriogenia, de comprovação experi- mental, explicam a evolução da espécie (i).

Ora as cousas não parece passarem-se como entendem Windellband e Rickert por outro lado, P. Lacombb, Em. Reich ou G. Villa por outro, nem como opina Kurt Breysig, isto é, nem existe uma completa separação entre a história e a psicologia, nem esta domina aquela como entende Villa, sugestionado pela lei da imitação de Baldwin e Tarde, nem a sociologia engloba a história, e os métodos daquela sciência dominam as investigações históricas como quer Breysig no primeiro volume da sua obra Kulturgeschi- chte der Neuieit^ não encontrando nenhuma diferença nem nenhum limite entre as duas sciên- cias : a sociologia e a história (2).

cations de la psychologie não fala da história, como sciência de aplicação psicológica, ao tratar da sociologia. Ver Revue Philo- sophique, Janeiro de 1912, pág. 44. a 67.

( i) GuiDo Villa, PsychoJogy and History na Revista The Mo- nist, Janeiro de 1902; F. Rauh, Revue de Synthèse Historique, i.° semestre de 1902.

(2) Efc;ctivamente, Kurt Breysig no primeiro volume da sua História da Civili:(ação Contemporânea^ ao tratar dos Problemas

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Também Edouard Spranger parece querer re- duzir toda a explicação histórica a considerações de psicologia individual. Pois é, precisamente, o contrário disso, isto é, a «desumanização» da história que pretendem os sociólogos objectivos franceses como Durkheim, Lévy-Bruhl, Simiand, etc. Quere dizer : estes identificando a natureza moral com a física, estudam as séries sociais pondo de parte toda a noção de alma individual e so- cial.

XÉNOPOL em dois artigos da Rivista italiana di sociologia (i), tratando da Sociologia e storia, di- ferença uma da outra dizendo que ao passo que a sociologia estuda, elabora e descreve as leis de repetição dos factos sociais, a história organiza e expõe o desenvolvimento da sua série.

Assim, fiel ao seu ponto de vista exposto nos Princípios fundamentais de história, e que mais tarde havia de ser desenvolvido na sua Teoria de História, Xénopol^, nos artigos referidos^ entende que havendo factos sociais que se repetem de uma forma idêntica, comparando-os, abstraindo das saas diferenças e salientando as semelhanças consegue-se obter leis comparáveis às estabele- cidas pelas sciências da natureza.

e regras de metódica da história universal^ considera enorme a utilidade que a história pode tirar de adaptar ao estudo do pas- sado as regras do método sociológico. Adiante trataremos deste ponto.

(1) Fascículo 4.", Julho-Agôsto de 1904; fase. 3.°-4.'', pág. 3o8 a 35o, do ano seguinte.

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Por outro lado, a série dos factos em história não se repete porque esses fenómenos são sem- pre diferentes pelas circunstâncias, incessante- mente variáveis, em que se produzem, não po- dendo, por isso, dar origem a leis, mas sim a uma série evolutiva que o historiador pode reconsti- tuir— mas isso (i).

Assim, a sociologia propriamente dita seria uma sociologia dinâmica, cujo objecto consistiria em não explicar, nem transformar o particular em geral, mas em seriar e relacionar os factos sempre diversos na sua ordem de sucessão.

O que sustenta Xénopol está muito longe de condizer com a realidade.

Se fenómenos variáveis nas suas causas, e, quando mesmo tenham uma mesma causa, mu- táveis nas circunstâncias em que se produzem e nas condições em que evolucionam, são eles os fenómenos sociais.

Não se compreende, pois, que Xénopol com um simplismo muito comteano, e muito longín- quo da verdade, sustente que os fenómenos so- ciais são redutíveis a leis e os fenómenos histó- ricos não.

; Não serão todos eles fenómenos humanos ?

(i) Paul Lacombe, tanto na sua obra De 1'Histoire considérée comme science^ como em artigos posteriores, sustenta, pelo con- trário, que a sciência histórica forma se unicamente com seme- lhanças, constâncias, actos repetidos por massas de homens e não com actos absolutamente únicos, individuais, acidentais». Ver : Paul Lacombe, Milieu et Race, in Reyue de Synthèse Historique, tomo II, pág. 36, 5i, etc.

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^E não serão todos eles, ao mesmo tempo, fe- nómenos sociais por se passarem num agregado 011 entre agregados humanos, e fenómenos histó- ricos pelas simples circunstâncias de se haverem realizado ?

jComo se concebe que haja factos sociais que se repetem identicamente e não haja fenómenos históricos com os quais se o mesmo?

^Não tem cada sociedade a sua vida própria, a sua estrutura e a sua evolução características, e, se admitimos que sociedades de estrutura semelhante, porque não admitir também socie- dades de evolução similar?

j Assim, porque conceber leis para a socio- logia estática e não para a sociologia dinâmica : a história ?

Tudo isto são perguntas que se podem e se teem feito, ante as concepções de Xénopol e às quais esse autor nunca respondeu satisfatoria- mente (i).

*

Ao contrário de Xénopol, o conhecido historia- dor alemão Karl Lamprecht, pôe, especialmente nas suas recentes obras, como princípio de estudo e aplicação a interpretação psico-sociológica da história (2). Estabelecendo como cousa demons-

(i) Ver UAnnée Sociologique, tomo xi, pág. 189 e 140.

(2) Foi efectivamente em 1901, ao publicar o primeiro volume da sua História da Alemanha, na 3.» edição, que ele adoptou as teorias psicológicas no estudo e interpretação da história, sendo

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trada «a influência que as forças psíquicas da sociedade exercem sobre os espíritos individuais» na frase de Bernheim, Lamprecht deriva de Hegel e especialmente de Augusto Comte como entende aquele eminente bibliógrafo e historió- grafo, contra o que o mesmo Lamprecht protesta afirmando a originalidade das suas concepções em história, se bem que reconheça dever bastante aos historiadores do século xviii, mas não a Condorcet, Saint-Simon e Comte, como a Her- der, a Kant, e a Hegel (i).

Mas, não dúvida que A. Comte foi um dos seus grandes guias espirituais. Como se sabe, o proclamado fundador do positivismo ao apontar os fenómenos que condicionam a vida social enu- mera — como diz Bernheim as «influências na- turais, as manifestações humanas e os elementos fornecidos pela vida social anterior», e proclama

no prefácio dessa obra que ele expõe essas teorias e descreve a forma como as utilizou.

explica êle que quando pela primeira vez apareceu o vo- lume a concepção psicológica da história estava pouco menos que embrionária ao passo que ao publicar-se a terceira edição «o movimento que arrastava a sciência histórica para o estudo das civilizações em geral é um facto consumado e, por consequência, os problemas levantados por uma concepção psicológica da his- tória impõem-se fatalmente à nossa atenção . ».

Efectivamente, ao lado do título geral, e exterior, do volume, tratando dos tempos primitivos e da idade média aparece como sub-título correspondente; Períodos da vida simbólica, típica e convencional, para caracterizar essa fase primária da evolução psíquica do povo alemão.

(ij Ver K. Lamprecht^ La Science moderne de rhistoire^ in Revue de Synthèse Historique^ tomo x, pág. 257 a 260.

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como factor primordial da civilização, a maneira de pensar das gerações cada vez mais tendente a subordinar a sensibilidade à razão e o egoismo ao altruísmo.

Ainda Comte, entendendo que cada época tem a sua forma de pensar, e os juízos de valor como diríamos hoje de cada uma abrangem tudo ideas, factos, homens dando-lhe um aspecto e uma característica semelhantes e co- muns, salta por cima da psicologia ao tempo ainda muito atrazada para chegar, pelo mé- todo comparativo, à sua concepção dos três gran- des estados ou fases da civilização: a teológica, a metafísica e a positiva.

Assim, e segundo êle a humanidade tem vindo a caminhar, insensivelmente e inconscien- temente, mas com pertinácia e constância, de etape em etape^ numa marcha de crescente racio- nalização do pensamento, e numa maior metodi- zação das acções humanas, isto é, num sentido cada vez mais positivo, mais scientífico, liber- tando a sciência e a vida humana de toda a in- tromissão metafísica, procurando descobrir as leis dos fenómenos pela aplicação dos métodos positivos, e tendo em vista aplicá-las à nossa con- duta para obter um mais seguro e melhor resul- tado.

A sciência exacta que se ocupa da vida social é a sociologia, que procura concluir dos fenómenos que se passam nas sociedades humanas leis ge- rais que, ficando fora e superiores às biológicas,

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são encontradas pela aplicação do método com- parativo.

Lamprecht, aproximando-se de Comte, recorre ao processo comparativo, mas, não desdenha, como fez aquele filósofo, a análise psicológica, servindo-se desta como auxiliar no estudo da vida dos homens como dos povos, e fazendo derivar a psico-sociologia da psicologia individual.

Também, na caracterização da civilização hu- mana na sua marcha, êle admite fases ou está- dios — como Augusto Comte mas com algumas fundas diferenças do ponto de vista deste, e muito mais aproximado de Hegel.

O historiador alemão, tomando como critério a intensidade, cada vez mais forte e omnimoda, da vida psíquica, indo de uma fase de passivi- dade psicológica a outra de liberdade cada vez mais consciente, faz passar a civilização, no que respeita ao lado psicológico, sucessivamente, pe- las fases do simbolismo, do tipismo, do conven- cionalismo, do individualismo e do subjecti- vismo (i), e no que se refere ao aspecto econó-

(i) É assim que Lamprecht no citado prefácio do primeiro volume da terceira edição da História da Alemanha enuncia a se- guinte lei que caracteriza a fase antiga do povo alemão :

«Os períodos da vida simbólica, convencional, individual e subjectiva descobertos primeiro na evolução do povo alemão são de um valor [de um alcance ou aplicação] absolutamente geral e, encontram-se na evolução de todos os povos do globo, sem ex- cepção». Esses períodos acrescenta decorridos na época de César e de Tácito foram precedidos de uma fase a que chama idade da fantasia.^ da imaginação.

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mico, do estado da economia primitiva ao da economia natural colectiva e individualista, e ao da economia monetária nos mesmos dois graus (i).

O que melhor caracteriza a orientação de Lam- PRECHT na metodologia histórica, é a forma como êle aplica nos seus últimos trabalhos, por exem- plo na citada História da Alemanha^ o método sócio-psicológico, pois como para Comte para o historiador alemão a história é uma parte da Sociologia, sendo ainda em Comte quer di- rectamente, quer pela divulgação de Sainte-Beuve e de Taine que Lamprecht se inspira quando procura estabelecer as relações entre o indivíduo e a massa e prender um e outro ao meio.

Mais do que nota Ernest Bernheim, deve di- zer-se que se Lamprecht não é original também o não foi Comte, que, quanto à concepção socio- lógica da história, se inspirou em Condorcet.

(i) Um dos pontos mais alterados na referida edição foi o re- lativo à história económica, beneficiando largamente dos progres- sos da economia política, da história do direito, etc, mas exterio- r^ando os seus resultados e leis, pois, como êle escreve: «não é o desenvolvimento das instituições económicas, mas antes a evo- lução do sentido económico que é o objecto próprio, central, da história económica».

E assim que êle estabebce uma espécie de paralelismo psí- quico-económico, mais ou menos similar ao psico-físico, para ca- racterizar a civilização intelectual e a civilização material «ambas visivelmente conexas como êle escreve porque apropria cro- nologia dos seus períodos era idêntica dos dois lados».

Assim, nota êle «a necessidade de uma transformação da his- tória económica coincidindo com a necessidade de uma recons- trução psicológica da sciência dos graus primitivos de civilização».

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Efectivamente, a chamada por Bernheim «50- cialiiação da concepção relativa à história» brota expontânea, com a soberania popular, na revo- lução francesa, mas é Condorcet quem no seu notável Esquisse d'un tableau historiqiie des pro- grès de Vesprit humain^ aparecido em i 795, torna consciente esse facto, salientando-o, e explican- do-o.

Essa concepção sociológica que, com Lampre- CHET e outros, caracteriza a historiografia con- temporânea foi formulada pela primeira vez ao que parece naquela obra pelo seguinte modo :

«A história não se tem ocupado até agora se^ não de algims homens : os que constituem verda- deiramente o género humano, a massa das famí- lias^ os que quási não vivem mais que do seu tra- balho, esses teem sido esquecidos, e mesmo entre os que entregando-se aos negócios públicos, tra- balham não para si próprios, mas para a socie- dade, só os chefes atraíram a atenção dos histo- riadores» (i).

Bernheim, comentando as palavras de Condor- cet e salientando que essa separação cada vez menor entre o indivíduo e a massa que se nota

(i) Acêfca de Condorcet, das suas ideas e da sua acção na Revolução, ver: Marc Frayssinet, La Republique des Girondins; Alengry, Condorcet guide de la Révolution française ; Aulard, Histoire politique de la Révolution française.

Para Condorcet o conhecimento das massas, das sociedades, era uma sciência baseada em factos, fundada na experiência, a5

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na política, nasciência e na arte reflectiu-se enor- memente na sciência histórica, escreve :

«As influências tão grandes quão variadas que, reforçando-se ou combatendo-se mutuamente, teem conseguido, no decurso do século xix, trans- formar a nossa sciência numa sciência genética, e pôr-lhe novos problemas não podem ser ex- postas nem numeradas aqui; diremos somente que todos estes problemas se resumem no que havia sido traçado por Condorcet e que consiste em considerar o lado social da história o que CoMTE pela primeira vez realizou por uma forma sistemática fazendo da história . . . uma parte da sociologia» (i).

Na verdade, a historiografia francesa do sé- culo XIX, é impulsionada, com limitadas excep- ções, pela concepção sociológica, e em Inglaterra é o eminente Bugkle o que mais se salienta como intérprete de tal ponto de vista.

Na Alemanha, a escola de Ranke continua in- dividualista e pragmática, e foi contra ela que se ergueu Lamprecht.

A evolução histórica é, pois, nesse ponto de vista, o produto da «uniformidade regular dos processos psíquicos e das condições naturais».

Por essa forma, as actividades individuais, não sendo autónomas, não passam de simples fun- ções de manifestações gregárias, colectivas.

(i) Ernest Bernheim, La Science Historique Moderne, in Revue de Synthèse Historique, tomo x, pág. i32 e i33.

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(j Mas, será caso de perguntar de que natureza é a dependência dos indivíduos em relação aos agregados sócio-psicológicos, e qual o grau dessa dependência ?

A isso Lamprecht responde, indirectamente, dizendo que os próprios génios que precedem o seu tempo não estão inteiramente fora dele, an- tes são dêie dependentes, estão encerrados na sua época (i).

(i) Gomo se sabe teem sido muito divergentes os critérios seguidos no estudo e apreciação do génio e da genialidade. O ponto de vista antropológico de um Lombroso, de um Richet, de um RoNCARONi, difere enormemente do critério psico-sociológíco de um Meyer ou de um Baldwin, e do ponto de vista socioló- gico de um Spencer, de um Taine ou de um Nordau, etc.

E assim, tais critérios oscilam entre os pontos limites do con- ceito mecanista segundo o qual o génio e as suas manifesta- ções estão inteiramente ligados às condições materiais e morais do meio, e a concepção da quási absoluta liberdade e indepen- dência do génio, apresentando este como um milagre da criação. Mas, in médio stat virtus.

O produto do génio consta de um conjunto de manifestações psíquicas que a sciência actual estuda com relativa exactidão, e, portanto, fora do conceito de milagre, de acaso, de acidente. O génio implica, necessariamente, um certo quantum de espontanei- dade, que consiste, não na sua independência em face das condi- ções físicas e sociais, mas na maneira essencial, particular, ori- ginal, como êle adapta a si e utiliza tais condições orgânicas é sociais.

Ora, tal originalidade do génio é o produto de uma síntese par- ticular e excepcional dessas condições na sua reflexão ou influên- cia sobre os homens de génio.

Assim, o génio com os seus caracteres de individualidade, originalidade, espontaneidade e liberdade escapa, em grande parte, à inliuência da hereditariedade, da estabilidade e do determinismo.

A infiuência do génio sobre a multidão explica-se por esta se ver nele reflectida, nos seus desejos, aspirações ou necessidade»,

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Com relação ao comum dos homens essa pri- são, essa ligação e essa dependência são enor- mes, tornando-se todo o ser humano o produto das condições da sua época, ou, pelo menos, a sua actividade é por estas limitada. Comtudo, tal dependência longe de ser uniforme para todos os homens e em todos os meios, varia de indivíduo para indivíduo, de um meio para outro, e de época para época.

Assim, quanto mais inferior é o indivíduo em relação ao meio maior será a influência deste so- bre êle, e, também, nas sociedades inferiores essa influência é muito maior.

Porém, na determinação dessa dependência é impossível fixar leis^ fórmulas, princípios, porque se podem registar factos.

As fases da evolução dos indivíduos ou dos povos não são por toda a parte exactamente as mesmas, pois diferenças individuais e sociais qualitativas no desenvolvimento histórico, não havendo paralelismo entre a evolução da psico-

porque êle sabe dar uma expressão precisa, concreta e nítida ao que no espírito da multidão existe com uma forma vaga e indefi- nida.

Ver: R. Nazzaby, Le moderne íeorie dei génio, 1904, etc.

P. Rossi, na sua obra Os sugestiona dor es e a multidão, estuda muito mais os meneurs imediatos como os oradores políticos e re- ligiosos, e os autores que os sugestionadores mediatos que são os verdadeiros homens de génio.

Ver Revue de Syntlièse Historique, tomo viii, pág. 144 a 146.

Acerca de A concepção sociológica do génio, ver a obra de Draghicesco, Du role de Vindividu dans le déterminisme social, J904, pág. 272 a 337.

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logia geral de um agregado social ou de um povo e a história objectiva desse mesmo agregado e desse mesmo povo (i).

Quanto às relações entre os factores materiais e os psíquicos na evolução intima das nacionali- dades Lamprecht segue, mas bastante de longe, Marx, pois ao passo que este afirma a depen- dência causal e completa dos valores morais em relação aos factores económicos, variando, osci- lando com estes, Lamprecht limita-se a afirmar uma simples relação entre os valores morais de uma sociedade ou de um povo e as suas trans- formações politicas ou históricas e sociais (2).

Mas aqui, como em outros pontos, Lamprecht hesita, oscila, contradiz-se, pois, logo a seguir à declaração que não segue a doutrina pura de

(i) Se é certo que as fases da evolução dos povos não se teem feito paralelamente, não dúvida que como diz Lamprecht, no seu citado prefácio: «o movimento da história universal desenro- la-se como alguma cousa de único acima do desenvolvimento típico das comunidades sempre especificamente dotadas».

E, logo acrescenta : «E o que de uma forma geral imprime ao movimento da história universal o seu carácter singular, é que as comunidades humanas particulares na recíproca e simultânea pene- tração das suas civilizações como nos renascimentos de civiliza- zões passadas fecundam-se de tal maneira que sempre algumas, pelo menos, das civilizações posteriores, ainda que passando pelos mesmos estádios da evolução distinguem-se, comtudo, das civili- zações anteriores ao mesmo tempo pela maior riqueza e pela mais acentuada complexidade dos seus fenómenos».

Mas, logo adita que nesses «enriquecimentos sucessivos da alma humana» muito provisoriamente se pode reconhecer «uma mar- cha clara da civilização», e «uma certa finalidade».

{2) Este ponto foi mais ou menos tratado numa das notas anteriores.

igo

Marx e dos marxistas, êle afirma como um fiel discípulo do autor do Capital que o progresso económico, e, portanto, o progresso social são os motivos fundamentais do desenvolvimento nor- mal das nações, não tendo os outros factos mais que uma importância secundária, e, por excep- ção à regra geral, excedem, em influência, aque- les, motivos.

Acentuando mais as ideas de Lamprecht acerca da concepção sociológica ou sócio-psiquica da história, a propósito das relações entre a massa e o herói grande homem como as circuns- tâncias externas e as acções individuais eminen- tes,— diremos que o autor da História da Alema- nha tal importância a esse ponto que faz dele como Bernheim o principal problema me- todológico da história moderna e contemporâ- nea.

Mas, entende que não sendo possível fechar ou concretizar a sua resolução em leis ou fórmulas definidas e fixas, é possível indicar, sem receio de erro, e de uma forma geral, que a solução de tal problema se vai fazendo no sentido de uma decrescente importância dos factores individuais e no de um aumento constante de poder das acções sócio-psíquicas.

Repetindo que as relações entre as massas e os grandes homens devem ir sendo determinadas de uma forma empírica para cada fase da civili- zação, êle escreve :

«As fases primitivas apresentam-nos, com

Sgi

efeito, a associação da necessidade empírica, no sentido da dependência externa dos indivíduos, com a liberdade arbitrária. Nas fases superio- res, encontramo-nos em presença de uma liber- dade empírica maior em relação ao meio exte- rior— por um lado, e de uma independência interior, consciente, e maior, em relação às tra- dições do passado de outro. Por isso, penso que a cada época se deve aplicar sua fórmula particular^ mas que tal fórmula, não podendo re- sumir-se em duas palavras, resulta da maneira como o historiador, descrevendo-a, trata de uma dada época» (i).

Mas acha êle que será possível passar das re- lações temporárias e variáveis em cada fase da civilização para as relações superiores e cons- tantes entre a massa e o indivíduo. E propõe, como único e exaustivo meio o seguinte: principiar por separar todas as relações particu- lares, temporárias, para o que é essencial fazer um estudo profundo da história da civilização de todos os povos superiores desde os seus iní- cios ; a seguir, comparar entre si todas as rela- ções temporárias, a fim de descobrir o que nelas de diferente e de comum, considerando os caracteres comuns resultantes de tal selecção como fazendo parte do grupo das relações cons- tantes.

É para esse estudo complexo e difícil que

(i) K. Lamprecht, in loc. cit.

392

deve tender na sua evolução lógica a história da civilização contemporânea (i).

Não falta especialmente entre os sociologis- tas -quem afirme que cada época, cada século, cada geração necessita refazer a história para seu próprio uso, adaptando-a aos seus sentimentos, às suas ideas e às suas aspirações (2). E como no período actual as questões sociais são prepon- derantes, e estão por toda a parte na ordem do dia, natural é que o ponto de vista social in- fluenciar aqueles que estudam o passado humano.

Assim, enquanto os historiadores cuidam de aplicar o método histórico à sociologia (3), outros

(i) O aparecimento da Deutsche Geschichte^ de Lampre- CHT, originou uma enorme discussão, e deu azo a uma impor- tante bibliografia com muito mais de loo peças, onde os apolo- gistas da concepção individualista da história e os da concepção colectivista partidários de Lamprecht figuraram em acesa polémica.

Esse acontecimento ficou conhecido pela designação de Luta acerca da história considerada scientificamente, e a que Von Bu- Low chamou, com espírito, recordando a famosa questão lite- rária da segunda metade do século xviii, intraduzívelmente : Der Lamprechtsche Sturm-and-Drang.

Passados trinta anos após o aparecimento do primeiro volume da obra de Lamprecht, em 1891, o critério colectivista ou socio- lógico desse historiador tem vindo a impôr-se cada vez mais, e o período da discussão e implantação das suas ideas marca uma das mais importantes épocas do movimento bibliográfico alemão, a partir da segunda metade do século xix.

{%) Este ponto de vista que implica uma concepção de valores em história será estudado adiante ao tratarmos especialmente de tal concepção.

(3) É o que faz Ch. Seignobos na sua obra La Méthode his- torique appliquée aux sciences sociales, de que adiante nos ocupa- remos. Ver artigo de Henri Berr, Les rapports de Vhistoire et des sciences sociales, in Revue de Synthèse Historique, tomo iv» pág. 293 a 3o2.

393

pensam, ao contrário, utilizar o método socioló- gico em história. E isso que faz como dis- mos KuRT Breysig na sua História da cipili^a- ção contemporânea.

No primeiro volume, destinado a generalidades sobre os Problemas e regras para a elaboração de história universal, Breysig esforça-se por mostrar a utilidade da aplicação do método sociológico à história, pois êle pode dar a esta uma noção de conjunto dos acontecimentos e obter uma sín- tese das diversas formas da actividade humana : artística, scientííica, política, etc.

Com esse método adquire-se uma noção mais geral e completa da evolução dos povos, podendo daí tirar-se consequências mais exactas.

O outro argumento de Breysig e dos sociologis- tas consiste em afirmar que são ilusórios os li- mites entre a história e a sociologia, pois é fictícia toda a separação entre os factos humanos do passado e os factos humanos do presente.

Ser presente ou ser passado não implica uma diferença de natureza interna, mas sim de cará- cter exterior, isto é, uma diferença de posição em relação a um dado observador.

Segundo este critério não factos históricos por sua natureza, mas simplesmente por acidente, por posição no tempo.

Levando longe tal critério Breysig conclue que a história não é uma sciência com objecto pró- prio, com individualidade, pelo menos uma sciên- cia como as outras, e o seu método deve dife-

394

rençar-se radicalmente dos métodos das outras sciências ( i ). Faltando à história um objecto pró- prio, especial, característico, pode ela entrar na sociologia, como também entende Simmel.

E com esse critério que Breysig trata, no se-

(i) O sociologista italiano Gesare Rivera na sua obra // de- terminisme sociológico. Saggio critico d'uno programma di so- ciologia scientifica, aparecido em igoS, entende que a sociologia, não obstante a complexidade do seu objecto de estudo, pode constituir uma sciência, compreendendo todos os factos psíquicos desde a língua até à religião, dos factos de natureza económica aos de carácter moral, da arte à política. Ela implica o estudo das leis e das relações psíquicas entre os seres humanos que for- mam uma sociedade.

Assim, a sociologia sendo uma sciência basea-se em fenóme- nos gerais, isto^é, em leis, repetindo-se ao infinito.

Mas, ao contrário do que seria de esperar o autor não admite a previsão em sociologia, porque êle compreende tal previsão como uma antevisão de factos e não como a natural consequên- cia de fenómenos regidos por leis por aquelas leis, de resto, que êle próprio considera as bases da sociologia.

Quanto às relações da sociologia com a história elas são nu- las, e quanto mais a sociologia fôr uma sciência maior será a sua distância da história.

Assim, esta, ocupando-se de factos particulares e mutáveis, de acontecimentos variáveis, não pode constituir-se em uma sciência porque tais factos, tais acontecimentos, não provêem de causas gerais, nem se podem submeter a leis. Por isso os factos históri- cos não podem ser determinados e ainda menos previstos.

O historiador^romeno A. -D. XÉNOPOLao criticar esta obra con- sidera «como absolutamente erróneos no ponto de vista lógico» os princípios e concepções de M. Rivera sobre a sciência. E explica: «a sciência prosegue ... a investigação da verdade em duas direcções : o estabelecimento dos fenómenos e a investiga- ção das causas. As sciências de repetição são muito mais aptas para descobrir o primeiro género de verdades, a história o se- gundo». E conclue : «A história é, pois, também uma sciência».

Ver Revue de Synthése Historique, tomo xii, fág. 191 a 196..

395

gundo volume, Da Antiguidade e da Idade Média para comprovar a sua teoria favorita da maior libertação colectiva, do maior individualismo das massas o Massenindividualismus.

Pensando de uma forma muito diversa está Arvid Grotenfelt^ professor da Universidade de Helsingfors de quem várias vezes tratamos neste capítulo. Esse teórico da história numa obra sua acerca da Classificação de valores em história (i) começa logo por dizer que a história não é um simples armazém de materiais, e mos- tra-se inclinado para os adeptos da escola nova de história, que entendem que esta é uma sciên- cia de leis.

Insistindo, volta a dizer que a história não tem por objecto recolher factos isolados, ela tem também por missão ligá-los, seriá-los, estudar a evolução na sua origem e unidade, emíim, é uma sciência genética. Mas, ela não se limita a ligar factos isolados, também estabelece relações entre os factores individuais e as forças colectivas.

Assim, a sciência da evolução, da dinâmica das sociedades, e a sciência da sistematização e da estática sociais, teem naturais relações recípro- cas, isto é, entre a história e a sociologia se completa separação não existe uma completa e fundamental distinção.

Porém, como diz Grotenfelt «a história e a

(i) Die Wertschciípmg in der Geschichte. Eiiie kritische Un- tersuchung, Leipzig, 1903, vii-228 pág.

396

sociologia não poderiam fundir-se numa dis- ciplina. A diferença reside na tendência da in- vestigação, no fim último que o trabalhador judicioso deve sempre ter ante os olhos como farol condutor».

E Grotenfelt, continuando a caracterizar a distinção entre a história e a sociologia, entende, em oposição aos historiadores sociologistas, que quando a história encontra generalizações e leis, ela deve relegá-las para a sociologia, pois é esta a sciência do geral, e, por isso, a ela dizem respeito.

Assim, êle, falando da obra de Buckle, não nega que a história possa descobrir «relações per- manentes, generalizadas», mas quando se vai além de tal descoberta, de tal constatação, en- tra-se nos domínios da sociologia, porque é esta a sciência das generalizações.

Como se vé, Grotenfelt, dando à sociologia, como objecto, a função de investigar o geral, con- funde-a com a antiga filosofia da história.

Nas mesmas águas de Grotenfelt navega o dr. J. GoLDFRiEDRicH que, na sua História das ideas na Alemanha^ também considera a história como uma sociologia particularizada, vendo, contudo, entre elas relações recíprocas.

Assim, nesse corpo scientífico, uma é um es- queleto a outra fornece a carne e o sangue. Numa predomina o característico, o típico, o perma- nente, na outra domina o variável, o singular.

São duas manifestações do mesmo objectivo,

397

dois meios para alcançar o mesmo fim : o conhe- cimento da vida histórica, da vida social, hu- mana.

Da mesma forma que Grotenfelt, Goldfrie- DRiCH como muito acertadamente nota M. Henri Berr tem uma noção incompleta da história, parecendo não conceber a existência da síntese histórica, isto é, «da investigação do geral em história» o que o leva a confundir esta com a sociologia.

Para êle a evolução histórica é, essencialmente, um problema de psicologia, e estudá-la é procurar conhecer como a humanidade tem vindo a passar da inconsciência à reflexão através dos momentos vários da diferenciação e da integração sociais^ da divisão do trabalho, e da associação, da liber- tação do pensamento, etc.

Com muita mais razão se expressa Henri Berr, quando, ao falar das relações entre as duas sciências, diz «que a sociologia para se constituir deve ser, antes de tudo, um estudo positivo do que é social em história». E acrescenta «... que ela deve partir dos dados concretos da história».

Mas, como ela se ocupa do que é social em história vê-se logo que não esgota a história, por- que nesta sciência muita cousa que não sendo social não pode ser incorporada naquela, emfim, que a sociologia não deve ter a pretensão de en- globar e de absorver a história confundindo-se com esta.

Na história que considerar, além do ponto

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de vista e dos métodos de erudição e de crítica, com que faz os seus estudos e que, por completo, a distinguem da sociologia, todo o capitulo espe- cial relativo ao estudo das grandes individuali- dades — o que faz entrar a história em especiais relações com a psicologia.

Assim, a história ocupa-se dos factos ou com- parando-os, independentemente dos lugares e do tempo onde e em que se teem passado, para neles descobrir as semelhanças e determinar os cara- cteres gerais que os distinguem e singularizam, ou abstraindo do lugar para «descobrir o ge- ral na sucessão dos acontecimentos particulares», ou, ainda, agrupando os factos em relação a um critério de unidade como os grandes homens, povos, épocas e instituições, ecolocando-os em série.

Quanto à primeira modalidade do trabalho histórico não dúvida que ela permite senão a fusão pelo menos a confusão da história com a sociologia ; porém, os dois outros objectivos da história diferençam esta por completo daquela.

Mas, necessário é não cair em outro exagero, concluindo que em história tudo se reduz á psi- cologia : psicologia colectiva no estudo dos po- vos; psicologia social para o estudo compara- tivo das sociedades; e psicologia individual destinada ao estudo dos grandes homens de acção e do pensamento (i).

(i) Alêm disso que considerar as aplicações especiais à

^99

É nesse extremo que cai Henri Berr quando escreve :

«L'étude des séries historiques, doit aboutir à la psychologie des grands hommes d'action et de pensée, des individualités ethniques, des mo- ments critiques deFliistoire».

E a seguir : «De Tensemble de ces études, de Télaboration de cette psychologie historique, dé- pend non seulement Tintelligence du passe, mais la direction de Tavenir» (2). ~

Como se tem visto são muitas e fortes as oscila-

história dos trabalhos de psicologia individual, como, entre ou- tros, o que se refere à psicologia do testemunho. Se bem que no fim século xviii se notassem as alterações, as deformações, inconscientes da memória, foi especialmente no século xix, com NiEBURH e Ranke, que se começou a estudar o depoimento histó- rico.

Hoje, tal estudo é do domínio da psicologia experimental.

Ver vários artigos de Binet e Henri sobre a Sugestibilidade, a memória das palavras e frases, etc; de Glaparède sobre a Psi' cologia dojiií^o, Larguier be Bancels sobre a Psicologiajudiciá- ria : todos na colecção do Année psychologique ; a Sugestibilité, de Binet; o Lehrbuch...^ de Bernheim ; La psicologie du iémoi- gnage en Histoire, de André Fribourg, in Revue de Synthèse Historique^ tomo xii, pág. 262 a 277 ; Nouvelles expériences sur le témóignage, por André Fribourg, in Revue citada, tomo xiv, pág. i58 a 167.

Consultar, também, o artigo de Bernheim nos Beitrãge Zur Psychologie des Aussage de L, W. Stern, Leipzig, 1907, tomo 11 pág. no a 117; acerca de As relações da metodologia histórica com o testamento, onde o eminente metodologista nota o pro- veito que a crítica das fontes históricas, com os seus numerosís- simos estudos rigorosamente feitos e fiscalizados, pode dar e re- ceber dos trabalhos de psicologia sobre o testemunho, a fidelidade das recordações, as «influências sugestivas» que incidem sobre a testemunha, etc.

(a) In Revue de Synthèse Historique, 1900, pág. 436,

40Ô

çôes de critério na caracterização da história, na fixação dos seus limites e na compreensão das suas relações com as sciências psicológicas, com a so- ciologia e com a politica.

Não admira que sejam tão divergentes as opi- niões entre os historiadores, os sociólogos e psi- cologistas se mesmo dentro de cada sciência as opiniões estão longe de se combinarem e ajusta- rem. Na sociologia, por exemplo, uma grande diversidade de pontos de vista, de critérios e de correntes.

Assim, a sociologia de Durkheim não é igual à de De Greef ; e qualquer destas é diferente da de JIené Worms, de E. Roberty, etc.

Vejamos êste^ por exemplo. No seu Nouveau programme de sociologie, aparecido em 1904, Roberty afasta-se tanto dos que querem redu- zir os fenómenos sociológicos a fenómenos bioló- gicos como dos que querem identificar a sciência social com a psicologia, considerando a sociolo- gia com uma sciência autónoma com o seu lugar fixado na hierarquia scientifica.

A inter-acção psico-fisica, determinando a pas- sagem da vida orgânica à super-orgânica ; deter- mina a inter-acção psicológica, e faz aparecer o objecto da sociologia. Mas logo os psicologistas respondem que a distinção entre fenómenos psico- -fisicos e psicológicos não é de natureza, mas sim de grati, pelo que a separação entre as duas or- dens de manifestações é tão subtil como artifi- cial,

401

Admitindo que o fenómeno super-orgânico objecto dos estudos sociais não possa reduzir-se e confundir-se com o fenómeno vital, biológico, orgânico, não dúvida que a êle pode reduzir-se um fenómeno de natureza psicológica como entendem alguns, ou concluir, que este sai da- quele— como querem outros, ou, ainda, fazendo derivar o fenómeno sociológico ao mesmo tempo que a manifestação psicológica como opinam bastantes.

Sucede, por vezes, que quanto mais os homens de sciência procuram distinguir a psicologia co- lectiva da psicologia social, e ambas da sociolo- gia, fixando a cada uma os seus objectivos e os seus limites, maior é a confusão que dai re- sulta.

Tal o caso da obra de Pascuale Rossi So- ciologia e psicologia colettiva, pubhcada em 1904.

Este, vendo que, num outro seu trabalho, apa- recido em igoo, sobre Psicologia colectipa, havia estabelecido, com a sua teoria das multidões ex- táticas e dinâmicas, concentradas e dispersas no tempo e no espaço, uma muito regular confusão entre a psicologia colectiva, a psicologia social e a sociologia, escreveu a segunda obra para deli- mitar o âmbito de cada uma (i).

(i) o mesmo intuito tem o sociólogo romeno M. Draghi- CESCO, alem de tantos outros cultores das sciências sociais. Tam- bém este professor da Universidade de Bucarest, na sua obra Du role de 1'individu dans le déterminisme social, procura na se- gunda parte estudar as relações entre a psicologia e a sociologia^

402

Assim, a psicologia colectiva teria por objecto a multidão instável ou pouco estável que se cria entre um povo e se manifesta de uma forma in- variável, com os seus caracteres gerais, hiperor- gânicos, atávicos, e independentemente das con- dições da raça e das circunstâncias de tempo de meio.

A psicologia social ocupar-se hia da multidão estável, permanente, formada pelo povo, e por- tanto mais complexa, mas também muito mais duradoura.

Acerca da sociologia, ocupar-se hia esta do agregado social organizado, primeiro de uma forma inconsciente e automática, e, depois de uma maneira mais consciente e reflectida como quere De Greef, e tem por fim coordenar e sin- tetizar os dados fornecidos pelas duas sciências anteriores.

Mas as criaturas superficiais e pouco refle- xivas, os tipos psicológicos verbais, se poderão satisfazer com tais diferenciações e com tal fixação de caracteres, deixando jogo de perguntar quais são os caracteres hiperorgânicos, atávicos, etc, e onde acabam eles para começarem os adquiridos no decorrer da civilização.

Muitos, muitíssimos, argumentos, e tantíssimas perguntas se poderiam fazer aos Rossi, aos Naz-

e não obstante encher 1 5o páginas de considerações e argumentos o certo é que não se fica melhor instruído ao acabar o capítulo que ao começá-lo.

4o3

ZARi, aos De Gheef, aos Tarde, aos Roberty, aos ScHAFFLE, às quais responderiam outros pontos duvidosos e incertos numa discussão vaga e aprio- rística. E o que sucede na citada obra de E. Ro- berty— Noupeau programme de sociologie, apa- recida em 1904.

tudo é confuso, tergiversante, nebuloso desde as concepções até à nomenclatura. E assim, pro- curando o autor estabelecer a natureza do facto social, determinar o método sociológico è traçar a lei geral da evolução social, êle, muito mais que o cumprimento dos objectivos que a si próprio impôs, consegue fazer uma obra complexa, vaga, metafísica e apriorística.

O facto social é para êle anterior ao facto psi- cológico, considerando-o como um facto superor- gânico, isto é, como a floração última e a mais complexa da vida, produto de uma interacção de cérebros, que desenvolveria a consciência in- dividual, e da interacção das consciências indivi- duais que produziria o pensamento individual superior e a vida social vasta e complexa.

Roberty tratando do método sociológico é ainda mais vago e obscuro, e quanto à tendência da evolução social é francamente arbitrário e ca- prichoso no seu simplismo. Para êle, a história consiste numa única evolução, sendo esta o re- sultado da diferenciação de quatro modos de acti- vidade social: o pensamento analítico a sciên- cia ; o sintético e apodíiico a religião e a filo- sofia; o pensamento simbólico e romântico a

404

arte; e o pensamento prático e teleológico a acção, que na sua origem se confundiam (i).

Xénopol no seu estudo sobre a Sociologia e a história, insistindo sempre que a sociologia estuda as leis de repetição dos fenómenos sociais ao passo que a história se limita a registar o desen- volvimento deles em série, no tempo, isto é, os factos sociais repetindo-se podem dar origem a leis gerais, ao passo que os factos históricos, sem- pre diferentes, não se repetem, sucedem -se, e a história deve limitar-se a encadeá-los em série e a descrevê-los.

Eduardo Spranger, depois de notar a natureza psicológica do conhecimento histórico, entende que sendo os factos históricos o produto da acti- vidade individual é por meio da psicologia que em última razão se devem explicar tais factos.

(i) O mesmo autor numa outra obra Une sociologie d'action, aparecida em 1908, procurando as «origens sociais da razão e as origens racionais da acção», continua a manter, como no Noit- veau programme de sociologie^ a distinção entre a interacção psico-física e a psicologia, tendo sempre em vista elevar a so- ciologia à categoria de uma «sciência fundamental do espírito».

Também, aqui continua a afirmar que o psicológico vem do social, e que ele é não a matéria sobre a qual se exerce a acção social como o produto de uma tal acção, explicando, assim, 'O fenomenalisrao social como uma sucessão de estudos psíquicos, de modificações experimentadas nas ideas, nos desejos e nas von- tades. Ao contrário dos pragmatistas, ele sustenta que o conheci- mento tem uma acção preponderante na vida social, sendo a essencial condição de todos os outros modos do pensamento, e que a acção é condicionada pela sciência, pela filosofia e pela arte.

Ver a análise da obra de Roberty pelo dr. Jankelevitch, in Revue de Synthèse Historiqiie^ Abril de 1909, pág. 190 a 195.

40 5

Assim, os conceitos dos historiadores não teem valor objectivo, não podendo^ portanto, dar ori- gem a leis gerais.

Está- se, pois, muito longe de um acordo ou, pelo menos, de uma harmonia de vistas, princi- palmente acerca dos limites das três sciências : psico-sociologia ou psicologia-colectiva, a sociologia e a história.

Nas exposições dos livros, nos artigos das re- vistas, nas comunicações às instituições scientífi- cas, e, principalmente, nas discussões dos con- gressos, vê-se por toda a parte e a cada momento surgirem os conceitos, as teorias, as opiniões, mais divergentes e fantásticas.

Quem percorrer os relatos dos vinte e tal con- gressos da Associação Histórica Americana^ dos Congi^essos Internacionais de História, das reu- niões dos historiadores alemães, franceses, ingle- ses e italianos, sempre notará_, e por toda a parte, intermináveis discussões com idênticos comentá- rios, e repetidos argumentos.

Nesses relatos encontrará, como questões cró- nicas e assuntos obrigatórios, os sociólogos a afir- marem que a história não é uma sciência, mas sim um colossal depósito, um enorme arsenal, de factos pacientemente descobertos, formulados, classificados, faltando-lhes a função explicativa e uma enunciação das causalidades; mais dizem eles que a sociologia presta à história os maiores benefícios, além de uma teleologia, os quadros de síntese, as teorias e as leis que vão tornar

4o6

úteis, eficazes e vivos os apontoados de factos que a história organiza.

Outras vezes, dizem esses sociologistas, a histó- ria mete-se, abusivamente, a fazer generalizações quando a sua função é de estudar o particular, o individual.

Assim, mais ou menos, se teem expressado o prof. F. H. GiDDiNGs, de Golumbia ; o prof. Al- BioN W. Small, da Universidade de Chicago, etc.

Para o prof. Lester Ward, do Smithsonian Institution, a sociologia é uma sciência ao passo que a história não o é ; aquela assenta sobre um encadeamento causal e a história sobre uma sé- rie de factos; emfim, a «história é uma ocupação agradável e um amável passa-tempo» (i).

Quanto a P. Barth e a alguns outros sociolo- gistas, pretendem estes identificar a sociologia com a filosofia da história, e admitem o conhe- cimento individual, mas como base indispensável para admissão de leis naturais na vida da hu- manidade (2).

Quanto aos historiadores, respondem eles que a história é, cada vez mais, uma sciência, e uma sciência dia a dia mais objectiva, baseada no

(i) Outros teem dito da história cousas muito peiores. Assim, Peladan no seu pequeno estudo sobre Le secret de Jeanne d'Arc, diz :

«L'histoire est rnrement vraie ; elle se colore dans le cerveau d'une homme passionné, qui plaide, en sa narration, par un client abstrait».

(2) P. Barth defende tais ideas no seu Die Sociologie ais Geschichtsphilosophie.

407

estudo dos documentos que são os vestígios dos factos passados, que os vai estudando, clas- sificando, seriando com a mesma meticulosidade que o naturalista põe na investigação e classifica- ção dos seus exemplares de estudo.

Passando à crítica dizem eles que a sociologia abusa muitas vezes das generalizações, esgotando a sua actividade em construir e derrubar teorias e leis, torturando os factos para os fazer caber nos moldes mais ou menos estreitos das hipóte- ses ; emfim, como diz o prof. Emerton, da Uni- versidade de Harw^ard, a sociologia é um fan- tasma da antiga inimiga da história : a filosofia da história.

As mesmas questões surgem no velho conti- nente entre Von Bullow, Friedrich Gottl, Lam- PRECHT, e muitos outros na Alemanha ; entre Lacombe e XÉNOPOL ; com Simiand, com Seignobos, Hauser, Mantoux, Henri Berr em França; com Benedetto Croce na Itália, etc. (i).

Também Henri Berr, na sua obra La synthése en histoire, tem muito a peito o propósito de dis- tinguir a história da sociologia, especialmente na parte em que melhor se podiam identificar e con- fundir essas duas sciências : na síntese histórica.

(i) Acerca das relações da história com a sociologia e a po- lítica segundo Maxime Kovalevsky, ver um artigo de E. Tarbou- RiECH na Revue du Móis, n." 5, de lo de Maio de 1906. Como antes o havia dito um teórico da História H. Berr : «le politi- que ideal, c'est Thistorien parfait».

Ao tratarmos da metodologia histórica este ponto será versado mais especialmente.

4o8

E se bem que êle distinga, na ordem dos fa- ctos históricos, o domínio da contingência do da necessidade, vendo no domínio geral, do perma- nente e do necessário em história e que se pode traduzir em leis o próprio domínio da sociologia, êle logo acrescenta que o que dife- rença a história desta sciênpia é que ela no seu estudo dos factos não pode abstrair do variável, do individual, do contingente, do imprevisível.

Dissemos pouco que P. Barth e outros iden- tificam a sociologia com e^ filosofia de história, e iremos ver, quando tratarmos dos objectivos da história, que H. Rickert passa insensivelmente para esta partindo da história universal.

2.° A História. Sua natureza, seus objectivos, sua aplicação

a) Â história como sciência e como arte

Agrupada a história entre as sciênciás socio- lógicas, vamos ver muito abreviadamente como teem sido diversos os critérios sob que ela tem sido considerada e estudada.

Para uns a história é uma sciência exacta como as sciênciás naturais (i); para outros é uma sciên-

(i) o ilustre Du Bois Raymond aplicando à história o método das sciênciás naturais descutiu com Liebig se o império romano teria sossobrado se os romanos houvessem conhecido as proprie- dades agrológicas do ácido fosfórico e houvessem aplicado este em tornar fecundo o seu solo estéril, ou se conhecessem o uso da pólvora pelo qual repeliriam facilmente os bárbaros.

BucKLE ao escrever a História da Civilização em Inglaterra

409__

cia especulativa a iiistória filosófica ou filosofia da história; para outros ela é, ainda, uma sciência normativa uma sciência moral, estudando o passado sob o ponto de vista ético, e traçando normas ou ditames da conduta humana (i); para os estetas não passa de uma obra de arte; para os escritores de uma obra literária; emfim, para outros a história é uma sciência de aplicação como a politica, chegando Freeman nos seus Métodos dos estudos históricos a escrever «que a histó- ria é a politica do passado como a política é a história do presente».

Para alguns ingleses, como o prof. Seeley, toda a obra de história deve dar a solução de algum problema politico, como antes para Bu-

considerava a história como uma sciência exacta baseada na esta- tística.

Pelo contrário, Lorenz e Bernheim sustentam que a história não é nem será nunca uma sciência exacta nem uma sciência na- tural.

(i) Como se sabe, Durkheim e os sociologistas seus discípulos como os moralistas Lévy-Bruhl, Rauh, etc, teem feito todas as tentativas e procurado todos os meios para aplicar aos factos so- ciais e às chamadas sciências morais os métodos de investigação e de exame seguidos nos estudos dos fenómenos matemáticos, físico-químicos e biológicos.

Para Lévy-Bruhl o fenómeno moral é um fenómeno interno, psicológico, e um reflexo da realidade social, por isso observável, e até mensurável.

Para outros a moral é uma sciência especulativa e normativa.

Deve, porem, dizer-se que contra a história como sciência mo- ral e normativa da conduta humana levantam-se alguns mora- li-ítas como o próprio Rauh na sua Expérience morale^ pág. 53.

Durkheim e Lévy-Bruhl procuram tirar da sociologia, regras da acção humana.

410

CKLE, ela, baseada na estatística, "era uma sciên- cia do governo dos povos.

vimos que Freeman tem, mais ou menos, esse critério, outro tanto sucedendo com Dahl- MANN e Lorenz.

Para Bruno Gebhardt na sua obra História e Arte a história deve ressaltar da combinação da investigação dos factos mister scientiíico, com a sua exposição e descripção obra de arte.

Mas, a história é essencialmente uma obra de arte, pois para encontrar por detrás dos factos o seu espírito e para o expor é necessário um po- der divinitório, sendo por isso uma espécie de criação poética (i). a imaginação é capaz de descobrir e reproduzir esse espírito, ela é ca- paz de descobrir os personagens mas não de criá-los que é função do poeta e do roman- cista (2).

(i) H. RiCKERT na sua obra várias vezes citada neste capítulo

Die Gren^en des naturwissenschaftlichen Begriffsbildung. . . que é, como indica o seu sub-título, uma Introdução às sciências históricas e, tratando da arte da história, diz ele : «para o artista a arte é o fim, emquanto que para o historiador ela não é mais que o meio, pois o fim é a verdade».

Depois, uma obra de arte é sempre limitada, ao passo que a seriação e o desenvolvimento histórico são infinitos. Para fazer com elementos históricos uma obra de arte um drama, um ro- mance, um quadro é necessário separar os acontecimentos das suas raízes, e amputá-los das sequências e consequências, porque

como ele diz : «A arte isola, ao passo que a história liga».

(2) CouRNOT, no seu Essai sur les fondements de nos connais- sances, cap. xx, diz que a história tem grandes relações com a arte, pois é pelo sentimento da continuidade e sequência dos factos que o historiador compreende a ligação entre os acontecimentos,

I

41 I

Por isso, tal imaginação deve ser sopeada, rec- tificada, corrigida peia experiência, pela reali- dade.

Com, e pela imaginação, o historiador conse- gue descobrir, encontrar, o verdadeiro espírito dos agentes pessoais dos acontecimentos históri- cos, profundar as suas intenções, justificar e explicar os seus actos, discernir a harmonia dos acontecimentos onde à primeira vista se nota a desordem, reconstituir a unidade na variedade, emfim, poder «compreender e representar a rea- lidade histórica» (i).

Um pouco como Gebhardt, Ranke também não desdenha a imaginação, pois, por ela, pelo espí- rito divinitório, atinge-se, por vezes, melhor e mais depressa o espírito dos factos, as suas forças ocultas, que por meio de uma demonstração rigo- rosa.

nota o nexo entre as séries de factos baralhados, e estabelece as grandes linhas primárias com as suas ramificações e variantes.

É pela arte que o historiador pode descobrir, surpreender, uma fisionomia, alem do interesse dramático que a história apresenta.

(i) Acerca do papel que pode desempenhar a imaginação nos trabalhos de reconstituição histórica, ver um estudo de Xénopol LHmagination en histoire inserto na Reviie de Synthèse His- torique, números de Fevereiro e Abril de 1909. O autor, depois de tratar da função que ela tem desempenhado nas sciências natu- rais, na paleontologia, na paleografia, na paleobolânica, na paleo- zoologia, etc, para a reconstituição dos seres, dos acidentes e meios físicos desaparecidos, ocupa-se do trabalho da imaginação em história, trabalho tanto mais importante quanto mais raros são os documentos e outros vestígios dos tempos passados.

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- Para o eminente autor da história dos papas, a história sendo para todos os efeitos uma sciên- cia, e sempre baseada na investigação documen- tal, também é uma arte, e não pela utilização, muito fiscalizada da imaginação, como ainda pela forma, pelo aspecto literário que deve ter a exposição e o descritivo históricos (i).

Por sua vez Almann num artigo da Revista de História^ de Sybel, em i885 na história uma sciência e não uma arte, pois a forma lite- rária, e até artística, que possa ter a sua exposição não constitue uma característica da história, pois outro tanto se deve dar com a exposição filosó- fica, etc. (2).

Também, sendo a história uma sciência que pela investigação e a crítica pode chegar à verdade não é admissível qualquer papel funda- mental da imaginação.

Quanto ao campo de investigação e ao objecto

(i) FusTEL DE CouLANGES, pclo contrário, escrevia: «II n'y a pas de divination en histoire. Le meilleur historien est celui qui voit le plus profondément et le plus exactement».

(2) Bernheim e Lorenz também entendem que a forma lite- rária é uma cousa muito secundária em história, e que à medida que os métodos scientíficos de investigação e crítica se vão aper- feiçoando, a história vai perdendo o seu carácter de obra da arte para se tornar uma obra de sciência.

Acerca dos critérios de Guilherme Humboldt e de Ehrardt com relação à história como obra de arte, e do papel da ima- ginação em história, ver : Pasquale Villari, L'histoire estelle une Science? in Revue de Synthèse Historique, tomo in, pág 128 e 129. Neste nosso estudo temos seguido um pouco êsse magnífico tra- balho de P. ViLLARI.

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de estudo da historiografia não liá maior con- vergência de vistas. Ao passo que Guilherme HuMBOLDT, Bernheim, Ehrardt, ctc, entendem que as multidões e a civilização em geral como os indivíduos ou unidades psicológicas;: tudo deve ser objecto da história, para Moritz Ritter «o ponto central das investigações históricas deve ser o Estado, porque essas investigações não se ocupam do homem senão nas suas relações com o Estado».

Outro tanto diz o professor Schaefers, da Uni- versidade deTubingue, para o qual o Estado tem sido, é, e continuará sendo, o ponto obrigado para a solução de um infinito número de ques- tões, pelo seu estudo a história fica com elemen- tos para considerar e julgar os factos particulares.

Da mesma forma teem pensado Mommsen, Xé- NOPOL, etc. Digamos ainda alguma coisa deste último.

Xénopol, publicando em 1908 a sua obra La Théorie de VHistoire, desenvolvia entre as ideas que lhe eram mais caras, e que abordara, em 1 899, nos seus Príncipes fundamentanx del^histoire, o da diferença entre a história e as outras sciên- cias.

Ao passo que as outras sciências estudam os fenómenos que se repetem, mercê da permanência e coexistência das forças que os produzem e que, assim, «incidem constantemente em condições sensivelmente idênticas» no tempo e no espaço, os fenómenos históricos nunca se repetem, não

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fazendo mais que seguir-sC; suceder-se, pois que ainda que as mesmas forças os produzissem as circunstâncias se haviam de tal modo modifi- cado, as condições eram tão diferentes, que os efeitos não podiam jamais ser idênticas.

Daqui conclue Xénopol que as primeiras as sciências dos fenómenos de repetição são as únicas que podem formular leis, e estas marcam, apenas, as relações entre os fenómenos e as suas causas, porque o que melhor as caracteriza é a uniformidade e a inalterabilidade desses fenóme- nos independentemente das condições de tempo e lugar (i).

Por sua vez, a história, como a sciência dos fenómenos de sucessão, não admite leis, porque a causa é diferente do efeito, exercendo a sua acção em condições constantemente mutáveis, não existindo, assim, uniformidade nos fenóme- nos.

Mas, se em história não existe para Xénopol

(i) Acerca das chamadas, por Xénopol e outros, sciências de repetição ou sciências de leis às sciências da natureza deve di- zer-se que as cousas não se passam em tais agrupamentos scien- tíficos com o simplismo que esses teóricos consideram.

Rigorosamente, scientíficamente, não na natureza uma pura e exacta repetição de fenómenos ou de estados de corpos. Como entende Etienne Rabaud na sua obra Le transformisme et Vex- perience, e considera o ilustre biologista Félix Le Dantec in Re- vue Philosophique, 1912, n.° 6, pág. 652 :

«En sciences naturelles, le corps qui sert de sujet d'expérience ne se trouve jamais deux fois identique à lui même dans rhistoire du monde. II change à chaque instant de sa vie, et il diffère, à chaque instant aussi, de teus ses congéneres».

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a generalização dos actos, a condensação dos fenómenos em leis, a possibilidade da sua fixa- ção e diferenciação em séries (i).

Assim, ao passo que as outras sciências teem por fim descobrir as leis dos fenómenos que es- tudam, a historia tem por objecto estabelecer as séries dos acontecimentos, isto é, ligar estes entre si e relacioná-los com as suas causas, ou, melhor, com a unidade de causa, mostrando, por esta forma, que o movimento é um e mesmo, e a evolução uma única e mesma (2).

(i) Mr. G. Vailati, professor de história da mecânica da Uni- versidade de Turim, numa comunicação ao congresso internacio- nal de história, realizado em Roma, alguns anos, acerca de A possibilidade de aplicar o conceito de causa e de efeito nas sciências históricas, diz que sendo costume afirmar a inferioridade em solidez, das leis históricas em relação com as das sciências matemáticas e físicas, isso não é assim, pois as leis físicas, quí- micas e das restantes sciências da natureza apresentam também excepções. Estas leis são necessárias, mas quando se deduzem logicamente de outras, terminando tal cadeia por alguma cousa que não apresenta necessidades lógicas. Elas enunciam analo- gias e regularidades semelhantes às que se notarri nos fenómenos sociais. Quere dizer que nem a influência da vontade humana nem os fenómenos sociais podem constituir prova ou carácter especial que mostre as leis sociais menos seguras que as leis físi- cas. Por outra forma : a realização ou não realização de um dado facto devido à intervenção da vontade humana em nada altera a conexão desse facto com o seu antecedente constante.

(2) Acerca da complexa questão de causa e dos princípios de causalidade nos factos de repetição e nos fenómenos de sucessão ou históricos, ver : um estudo, também, de A.-D. Xénopol in Re- vue de Synthèse Historique, tomo viu, pág. 265 a agS ; tomo ix, pág. 7 a 2i; e a seguinte obra do mesmo autor: Príncipes fun- damentaux de l'histoire, pág. i5z, etc.

Também, o historiador italiano Benedetto Ckoce fez aeêrca de

4i6

Essa evolução é, emfim, o produto de uma causa profunda, de uma força interna, e eterna de renovação.

Como se vê, para Xénopol o princípio da cau- salidade é essencial em história, isto é, na sciên- cia dos factos de sucessão.

Efectivamente, a sciência procura explicar es- tes, e é a esse instinto que corresponde o con- ceito de causalidade a que Em. Meyerson na sua Identité et réalité chama «ilusão causal».

Mas, como diz Meyerson, o principio de cau- salidade constitue no organismo scientiíico o fa- ctor explicativo, e o principio da explicação é a redução progressiva à identidade. Ora, se não existe uma íntima relação lógica entre o principio de causalidade e o princípio das leis, parece não

o princípio de causalidade em historiografia^ uma comunicação ao citado Congresso internacional de história em Roma, onde mostra como é múltipla e equívoca a significação dada à palavra cama.

O filósofo, o naturalista e o historiador cada um forma da história o seu conceito especial. Definindo-se a história como a oinvestigação das causas dos factos», diz que investigar a causa em história consiste em ligar o facto individual ao conjunto de todos os factos individuais aceitáveis historicamente e constituindo a sua verdadeira individualidade.

Assim, para M. Croce dizer que a história procura descobrir as causas dos factos equivale a dizer, de uma forma geral, que ela procura a verdade. Mas, é necessário especificar qual a na- tureza dessa verdade, dessa causalidade, pois não basta a conce- pção geral da causalidade compreendida como uma verdade, antes é necessário procurar as formas próprias, específicas da causali- dade, que, segundo os casos, pode ser estética, histórica, natu- ral, filosófica, etc.

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restar dúvida que este último é a consequência do primeiro.

Assim, admitindo na história, desde já, o prin- cípio de causalidade «e que não é mais que o prin- cípio de identidade aplicado ao tempos, temos nós que admitir nessa sciência o princípio da le- galidade^ isto é, o princípio das leis o que XÉ- NOPOL contesta.

Tudo ou quási tudo nestes princípios de XÉNOPOL é muito discutível, porque, na verdade, não dois fenómenos, de qualquer natureza que seja, que se repitam integralmente, nas mesmas condições, e não se pode admitir sem sumo exame a força interna que promove a evolução (i).

Se, como acabamos de ver em XénopÒl, a his- tória diferença-se das outras sciências pela natu- reza especial do objecto do seu estudo, não fal- tam pensadores que chegam a expressar que a história não é uma sciência mas um processo do conhecimento, e que não uma sciência da história mas sim uma lógica da história (2).

(i) Ver L'Année Sociologique^ tomo xi, pág. 49 a 5i ; Xéno- POL, Sociologia e história^ in Revista italiana de psicologia^ tomo x, pág. 5i5 a 541.

(2) De outros agrupamentos de conhecimentos tem-se dito o mesmo. É o caso da Moral à qual se tem negado o carácter scienlífico. Mas, importa ter em atenção que o homem de sciên- cia, que é especialista, quando sai fora dos seus estudos ordiná- rios nem sempre claro.

Entre centenas de exemplos apraz-nos considerar o caso do 27

4i8

Esse ponto de vista tem sido ultimamente bas- tante seguido na Alemanha pelos filósofos, e cons- titue, como vamos ver, a principal característica da terceira fase da actividade historiográfica alemã.

Como se sabe, tem sido muito importante, ul- timamente, na Alemanha, o movimento respei- tante à teoria da história.

Se bem que como diz Henri Berr nunca os alemães abandonassem os estudos teóricos re- ferentes à história, não dúvida que através do século XIX, com excepção de Ranke e dos seus discípulos, de Waitz, Sybel, etc.,- a principal ca- racterística da historiografia alemã é a obra de erudição (i).

Assim, quando Eduardo Mayer publicou a sua Geschichte des Alterhums e a monografia Acerca da teoria e da metódica da história Von Below nota a sensação que tais estudos especialmente a Introdução do primeiro despertaram na Ale- manha.

eminente matemático Henri Poincaké que no seu livro Surla va- leur de la science nega à moral uma existência scientífica, dizendo «que a verdade scientífica que se demonstra não pode, por título nenhum, aproximar-se da verdade moral que se sente».

Ora, as cousas não se passam hoje, em Moral, com simplismo paiadamesco que julgava H. PoivcARÉ. Ver Abel Rey, Les Scien- ces Philosophiques; J. M. I.ahv, De la valeur pratique d'une mo- rale fondée siir la science, in Revue Philosophiqiie, de Fevereiro de 1912 ; La Conscience collective et le bien obligatoire, por A. Bauer, in Revue Philosophique, Junho de 191 2.

(i) Ver a comunicação de M. Henri Berr in Bulletin de la Société d'Histoire Moderne, Maio de igoS, pág. 174 a 176, e na Revue de Synthèse Historiquef tomo x, pág. 369 a 372,

\

419

A evolução da teoria e da metódica da história na Alemanha contemporânea pode dividii*-se em três fases : a primeira tem como características a luta entre Schafer e Gothein, por alturas de 1890, sobre qual era mais importante se a histó- ria política se a história da civilização.

A segunda fase é marcada pela defesa do ponto de vista sociológico ou colectivista da história feita por Lamprecht e pelos seus discípulos.

A terceira etape de tal evolução, que começa por 1900, tem como característica joh pa- radoxo!— a própria falta de características, de distintivos, a ausência de uniformidade nos pon- tos de vista de, entre outros, Bernheim, Lampre- cht, Breysíg, Ed. Mayer, Lindner, Windelband, Rickert, Simmel, Goldfriedrich, Grotenfelt, GOTTL, etc.

Porém, dos factos.mais evidentes no meio desta desorientação, desta multiplicidade de opiniões e conceitos individuais, o que melhor se tem no- tado consiste na colaboração cada vez maior dos filósofos e pensadores nos estudos sobre a teoria da história, pretendendo alguns deles criar uma lógica da história, tendo como ponto de partida os dados da história tradicional.

Efectivamente, partindo da observação comum que à actividade expontânea em todos os campos se segue a reflexão, e que após a prática em todos os ramos da actividade humana vem a lógica, também esses historiadores filósofos, como Dil- THEY, Windelband, Eucken, Hensel, Rickert,

420

MuNSTERBERG, Grotenfelt, c Gottl, entendem que é chegado o momento de se criar a lógica da história, e fazendo a revisão da obra dos grandes historiadores, desde Thucidides a Ranke, con- cluem que a história, sendo um objecto da acti- vidade mental dos homens, não é, comtudo, uma sciência, ou, pelo menos, uma sciência do tipo naturalista, pois ao passo que tal espécie de sciên- cia tem como caracteres o geral, a necessidade e a causalidade, na história domina o individual^ a contingência e a finalidade.

Vejamos agora, entre esse grupo de pensado- res, de lógicos, qual o conceito de Frederico Gottl acerca da história, e quais os motivos por- que êle não considera esta uma sciência.

Frederico Gottl, teórico alemão da história, entende que a história é diferente da sciência, e que as próprias sciências que tratam da evolução da natureza, como a geologia e a biologia, nada teem de contacto com a história.

Insistindo pela completa diferença entre a geo- logia histórica e a história humana, assinala a descontinuidade, a heterogeneidade entre a na- tureza e a história. Citando os nomes de Droy- SEN, Bernheim, Lorenz, Ed. Mayer, Schuppe e Stammler, observa que, apesar da divergência de pontos de vista entre esses historiadores, uma cousa em que todos estão de acordo : na

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emancipação do pensamento histórico do pensa- mento scientífico, na autonomia do conhecimento histórico. A história nada tem de comam com a sciência.

O que caracteriza os factos históricos é que eles são explicáveis no ponto de vista do pensa- mento lógico e das suas leis.

Por isso, no homem dois seres : o homem da paleontologia objecto da sciência, e o ho- mem histórico objecto da lógica. Mas, não se imagine que, para Gottl, o conhecimento scientífico está mais próximo da realidade que o conhecimento histórico, porque a teoria do co- nhecimento tende a estabelecer, cada vez melhor, o alcance e a perfeição do conhecimento histó- rico.

Assim, ao passo que na vida vívida que é o objecto da sciência entre o real e o facto inter- póe-se um processo intelectual factível e falí- vel, o conhecimento histórico tem por objecto a própria realidade.

Com a história atinge-se o máximo da reali- dade empírica, e os seus limites são marcados pelos limites dessa realidade, pelos limites do verdadeiro conhecimento.

Apesar de bastante discutida por Bernheim e outros tal teoria de Gottl que marca um renas- cimento da filosofia idealista da história na Ale- manha — não constitue um caso isolado, pois ela tem os seus defensores como Windelband e ou- tros.

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Vimos que F. Gottl cita Eduardo Meyer como um dos que, pensando como êle, sustentam que a história nada tem de comum com a sciência.

Efectivamente, aquele antigo prof. da Univer- sidade de Halie, no seu opúsculo intitulado Zur Theorie iind Methodic der Geschichte^ Geschichts- philosophische Untersuchung{\)^ declara perem- ptoriamente que : a História não é uma sciência sistemática^ ela é, até certo ponto, uma arte, -e refuta os que afirmam que a história não é estruturalmente diversa das sciências da natu- reza (2).

Entende êle que se se admitir que a história e a natureza são regidas por leis terão que ser eli- minados o acaso, a vontade livre e as ideas in- dividuais, para se cuidar exclusivamente dos fenómenos da massa, das fórmulas e, especial- mente, da psicologia social (3).

Ora, para Mayer o acaso e a vontade livre re- presentam factores importantes em história ; e o acaso não está para êle, como para Gournot, em

(1) Trata-se de uma brochura de 56 páginas aparecida em Halle, em 1902.

(2) Sendo a história uma arte nela, como em toda a acti- vidade criadora, alguma cousa que não se ensina; o historiador como o artista, não necessita refletir sobre o que faz.

Assim, para Mayer fazer a história é mais uma questão do instinto, de inspiração, que de razão. Um historiador pode ser óptimo quanto à investigação e ter ideas erróneas na interpretação e comentário ; e, pelo contrário, pode ser um mau historiador com ideas exactas.

(3) Eduardo Meyer a propósito da interpretação colectivista, oupsico-sociológica, da história critica bastante Karl Lamprecht.

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contradição com a causalidade^ pois êle é a in- tersecção de grupos de factos independentes, aparecendo, mesmo, onde reinam as leis natu- rais (i).

Segundo êle, a história é feita de acasos, al- guns dos quais se prolongam durante centenas ou milhares de anos.

É preciso estudá-la na sua essência e não cui- dar de criar histórias novas.

Quanto às chamadas leis históricas, é isso um abuso de expressão : o que existe não são leis, são possibilidades e probabilidades.

Às leis naturais, como as biológicas, são para o historiador simples hipóteses ; mesmo se exis- tissem leis da vida histórica logo que fossem des- cobertas deixavam de pertencer à história ; elas, mesmo para o historiador, seriam hipóteses e não objecto de investigação histórica. O fundo e o fim de toda a investigação histórica é o singular, é o individual, na história universal; por isso, não são legítimas nem a história por unidades nacio- nais nem a história por unidades geográficas como entendem Ratzel, Helmolt e Vidal de La-

BLACHE (2).

(i) Gomo se sabe, em biologia o papel do acaso tem crescido de importância especialmente desde a teoria de Hugo de Vries que afirma que as variações sporíivas, por salto, ou por viiitações, oposta,às variações por gradações incensíveis, são obra do acíTío, não resultando directamente da acção do meio sobre os seres, ou, melhor, da reacção adaptativa dos seres às mudanças de meio, ao contrário do que pensavam Lamark e Darwin.

(a) Se, quanto às obras de Ratzel e de Vidal de La Blache

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A primeira obrigação do historiador consiste em estabelecer os factos que se deram, pois a exposição histórica deve ser subordinada à des- coberta desses documentos. Mas, como o nú- mero de documentos é enorme a tarefa principal deve versar sobre a escolha desses factos, sepa- rando de todos conhecidos os factos históricos.

Ed. Meyer encontra-se, nesse ponto, precipi- tado na grave questão da classificação de valores^ considerando como histórico o que tem sido efi- caz, o que tem sido sucesso o mrksam.

Porém, não basta. Como muitos factos teem sido eficazes serão estes escolhidos pelo maior interesse histórico que representam, sendo de re- cordar aqui que, para esse historiador, o centro da investigação e da exposição históricas é a

são elas bem conhecidas entre nós, o mesmo não sucede à Weltgeschichte dirigida pelo dr. Hans F. Elmolt.

Esta, que é, como o seu título indica, uma História do Mundo^ da Humanidade, foi elaborada, nos seus nove volumes, sob uma base geográfica. O primeiro volume, aparecido em 1899, começa por expor ideas gerais e por tratar da pre-história americana ; o segundo volume, aparecido em 1902, trata da Oceania e da Ásia central; o terceiro, publicado em 1899-1901, ocupa-se da Ásia ocidental e da África; o quarto, dado a público em 1899, trata dos países mediterrâneos ; o quinto, publicado em 1904- 1905, trata da Europa oriental; o sexto, aparecido em 1906, destina-se à his- tória da Europa central e setentrional; o sétimo e o oitavo apa- recidos, respectivamente, em 1900 e 1902-1903, ocupam-se da Europa ocidental, sendo o último destinado a aditamentos, índi- ces, etc.

Emfim, essa obra até ao oitavo volume foi redigida por trinta e sete especialistas, sendo, no seu ponto de vista, a obra mais no- tável até agora aparecida.

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actividade politica nas condições actuais da ci- vilização (i).

A história não considera o gerai senão como uma hipótese, pois trata do individual, do novo, do mutável; se ocupa das -particulari- dades, das singularidades realizadas.

O historiador tem, por isso, uma função senão totalmente negativa pelo menos limitativa : êle deve marcar e indicar os limites dentro dos quais estão circunscritas as possibilidades infinitas das singularidades históricas (2).

^E devem as cousas assim continuar? Não devem.

bastantes anos, Louis Bourdeau publicava uma obra que teve então larga repercussão, e deu aso a importantes discussões VHistoire et les Historiem. Essai critique sur Vhistoire considérée comme science positive.

diz o autor que a história necessita ser re- feita, ou, melhor ainda, ser feita porque o não está, e censura os historiadores por estes não ha- verem até agora fixado o objecto da história^, nem limitado o quadro das suas investigações, nem

(i) Gomo se vê, Meyer, dando um lugar proeminente à his- rória política, e manifestando se partidário da história por instinto, por inspiração, mostra ser um tradicionalista e um adepto de Thucidides, declarando mesmo que a única forma de tratar a his- tória e os problemas históricos é a que Thucidides utilizou, forne- cendo na sua obra um modelo ainda por igualar.

(2) Ver acerca do opúsculo de Ed. Mayer um artigo crítico de Henri Berr na Reviie de Synthèse Historique, tomo viii, pág. 372 a 375.

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estabelecido os métodos do seu estudo para che- garem a resultados certos, e nota que eles teem estudado preferentemente as personalidades cé- lebres— estadistas, inventores, artistas, sábios, heróis— - «esquecendo que para conhecer bem o género humano é necessário estudá-lo na sua condição média».

Critica, também, a tendência dos historiógrafos em se limitarem, quási exclusivamente, ao estudo dos acontecimentos mais importantes, e, como que prevendo, mais de dez anos antes, o apareci- mento das teorias de Xénopol censura-os por se limitarem ao estudo dos «factos singulares» guerras, actos de soberanos, revoluções quando deviam ocupar-se dos «factos regulares» ou «fa- ctos de função» que diariamente se reproduzem, como os movimentos da população, estado de ri- quesa, costumes, ideas, etc.

Também, critica as divisões arbitrárias e ca- prichosas que traçam os historiadores para limi- tação dos seus estudos uma época, um país, um acontecimento, um personagem, quando estas divisões «só lhes servem para separar o que os interessa do que lhes é indiferente», e isso com prejuízo da conexão das ideas e coordenação dos factos. Da mesma forma, é criticado o método narrativo que limita o estudo aos factos e pes- soas «singulares», e quási sempre sem precisão nem certesa, pois tal estudo é feito vulgarmente através de «testemunhas» que não merecem con- fiança.

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Se na parte crítica das ideas de Bourdeau muito de verdadeiro e de justificável quanto á parte dogmática, ou construtiva a obra desse autor deixa imenso a desejar, pois êle é vítima de um erro enorme pelas suas proporções, e grave pelas suas consequências : confunde a his- tória com a sociologia.

Assim, dizendo que a história deve estudar as massas e não os heróis, e os factos regulares e não os excepcionais, entende, igualmente, que ela deverá estudar a humanidade não por épocas nem regiões, mas pelos «seis grandes aspectos da vida humana: a indústria, a paixão, a arte, a sciência, a morahdade e a associação».

Concebendo assim a história êle define-a como «a sciência dos desenvolvimentos da razão».

Emfim, ao método narrativo êle opõe o método estatístico que é um «método matemático, pois não se trata de descrever factos, mas sim de constatar a sua extensão e a sua frequência», por enumera- ções. O objectivo do historiador consistiria, assim, em «coligir e interpretar dados estatísticos sobre os factos da vida comum» , determinando o quanto, a densidade e o movimento da população: a pro- dução, a circulação e repartição das riquezas ; o número de artistas e das obras de arte, dos sá- bios, das escolas, dos jornais ; e estudará os factos da vida moral pelas estatísticas da criminalidade, demografia, funções políticas, orçamentos, etc. (i).

(i) Mas os actos da vida social, os fenémenos da vida cole-

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Pelo emprego da estatística, fria e calma, im- paciente e neutral, a história será pela primeira vez uma sciência, e poderá formular leis : leis de ordem que agrupariam os fenómenos seme- lhantes para indicarem os factos gerais e persis- tentes; e as leis de relação que expressariam as ligações entre as diversas espécies de fenómenos, e estando acima de todas elas a lei suprema do progresso (i).

Assim, a história seria uma sciência à qual não faltaria o poder de previsão, pois escreve êle : «a faculdade de prever, com certeza, é o sinal pelo qual se reconhece que uma sciência está feita». E, ao passo que a história narrativa é incapaz da previsão, «a história das funções é a única capaz de predizer o certo».

Ora, seria sobre essa previsão que se basea- riam duas sciências ainda imperfeitas : a moral e a política.

ctiva estão muito longe de serem apenas esses. O autor esque- ceu-se de todo esse mundo de fenómenos espirituais : as conce- pções religiosas, filosóficas, artísticas, literárias ; teorias e leis scientíficas; conceitos morais e políticos, etc. existências essas que a estatística não pode atingir nem fixar, porque a análise as pode estudar e conhecer.

(i) Segundo Bordeau «o progresso parece efectuar-se na ra- zão directa da soma dos ganhos anteriormente realizados e na inversa dos obstáculos que se opõem à sua difusão no mundo».

Também, mais tarde, para Wundt no seu Systh. de Phil. entre os fins da filosofia figura a harmonização global entre os resultados das sciências especiais, e, para E. Mach em La con- naissance et Verreur a característica da sciência consistia na redução e na economia do esforço. ,^

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Passados mais de trinta anos a importante obra de Louis Bourdeau caiu no esquecimento. Muitas das suas ideas teem sido inconsciente- mente redescobertas, e outras furtivamente pla- giadas ; e como nessa obra de notável previsão muito digno de nota por isso não a quisemos passar em silêncio.

O que êle prevê para a história está-o reali- zando já, e cada vez mais, a sociologia, pois aquela está ainda muito longe da sua fase mate- mática ; mas, não dúvida que quando compa- ramos as concepções dele com as ideas de Xéno- POL naquelas encontra-se a garra, nestas o simples dedo.

Ao tratarmos da história no quadro geral das sciências vimos como Cournot a colocava en- tre a etnologia e a economia social, e via na his- tória não um conhecimento particular nem uma sciência especial, mas um aspecto do conheci- mento, um processo de estudo e de registo dos acontecimentos ocorridos nas sociedades civili- zadas.

Ao contrário dos partidários da história-sciên- cia, Cournot entende que o que caracteriza a história é a intervenção do acaso, não havendo história sem este, mas também não existindo só, exclusivamente, com êle.

Ora, se esses são os seus pontos de vista quanto à história geral, não deixam de sê-lo também quanto à história das sciências.

Na verdadeira história não existe para CouR-

4^0

NOT nem o capricho puro nem a fatalidade exclu- siva, antes ela é uma combinação da necessidade com o acaso, oscilando entre uma e outro.

Há, pois, uma fase histórica na combinação das sociedades como no progresso das sciências, que precede a fase scientífica. A incidência do acaso com a necessidade, ou fatalidade, nessa evolução e nesse progresso é que caracterizam a fase ou o estado histórico.

Assim, para o grande sábio se as descobertas scientificas fossem simples produtos do acaso su- cedendo-se indiferentemente e sem ordem lógica ou cronológica não haveria história das sciências, mas sim anais scientíficos (i).

Por sua vez, no outro extremo, se a eclosão das descobertas se desse numa ordem rigorosa- mente lógica, seriando-as por uma forma neces- sária^ sem a intervenção do acaso^, também não havia história das sciências, mas sim um simples quadro cronológico das descobertas (2).

Ora, a verdade é que à medida que o trabalho scientifico se organiza, que aumenta o número e se intensifica e aperfeiçoa a qualidade dos culto- res da sciência o acaso vai sendo cada vez mais eliminado ou recuado.

A continuarem assim as cousas as sciências te- riam dentro de algum tempo saído da sua fase histórica, para uu\a fase de necessidade^ e a história

(i) CouRNOT, Mater ialisme, Vitalisme, Rationalisme, 1875, pág. 23o.

(3) Jdem, ipág. 22g, 23 ly etc.

43 1

das sciências teria, por sua vez, passado à his- tória (i).

Ora, se bem que a observação tenha um grande fundo de exactidão e o juízo de Cournot uma grande parte de justeza, pois, como também no- tou Cláudio Bernard, o acaso teve um conside- rável papei na origem dos conhecimentos huma- nos, não dúvida que as cousas não se passam com aquele rigorismo, nem o pensamento humano caminha com aquele carácter rectilíneo e inflexí- vel que Cournot admitia.

Também hoje o acaso tem a sua cota nas des- cobertas como se viu nas de Roentgen (2). O acaso é hoje, emfim, universalmente admitido e considerado em sciéncia (3).

Também, não é rigorosa a diferença de cara- cterísticas na evolução das sciências nos sécu- los XVII, XVIII e XIX, e a passagem das sciências da

(i) Cournot, Considérations sur le marche des idées, 187a, tomo I, pág. 8, 262 e 263.

(2) Ver F. Mentré, Le hasard dans les découvertes scientifi- ques^ in Revue de Pilosophie, i de Julho de 1904.

(3) A teoria do acaso, a que alguns pensadores chamam o princípio do contingente, está, cada vez mais, especialmente a par- tir de Cournot, na ordem do dia dos estudos filosóficos.

Ver um artigo de G. Lechalas, Hasard et détérminisme, in Revue de Metaphysiqiie et de mor ale, 1906, pág. 109 a 114; e no mesmo volume um artigo de F. Mentré sobre o acaso em mate- mática, pág 375 a 38o.

Apesar de ser enorme a literatura ultimamente aparecida so- bre o acaso, nem todas as obras são igualmente úteis e de con- fiança. Tal é o que se passa com o volume Le Hasard, de Ca- MiLLE Revel, aparecido basta que se diga na «librairie géné» rale des sciences occultes», em 1905,

4^2

sua fase histórica para a de gaveta ou quadro cr o- nológico das descobertas é um caso-limite para que se tende, mas que, recuando sempre, nunca se atingirá.

F. Mentré, comentando as asserções de Cour- NOT, escreve acerca da história :

«A liistória scientiíica do século xix não requere um método novo, mas somente mais habilidade e clarividência: o método analítico longe de ser característico do século xix pode também ser aplicado ao xvii e xviii».

Mentré substitue os três estados de Gomte e as três fases da evolução scientífica de Gournot por outra fórmula, partindo do ponto de vista «que a cultura scientífica tem atravessado uma série de fases correlativas da evolução do mundo ociden- tal».

Assim, a origem e os primeiros tempos da ci- vilização são caracterizados por uma fase indis- tinta e caótica ; a essa confusão segue-se uma época de limitação geográfica, de centralização local : um período nacional durante o qual a sciên- cia se eleva, dignifica e torna-se o monopólio de uma nação, sendo uma instituição do Estado; depois, surge a fase internacional quando a civi- lização se alarga, e a sciência se torna global, mundial tal é a característica da época con- temporânea (i).

(i) Ver F. Mentré, ixiRevue de Synthèse Hisíorique, tomo xf, pág. 14.

433

Apesar do muito que se tem escrito sobre as sciências históricas numerosas são as dúvidas que sobre elas subsistem, e ainda mais numerosos os critérios sob que teem sido encaradas, e con- sideradas quanto à sua natureza, objecto e fins.

Por isso, os scépticos em história constituem uma bigarrada multidão. Uns crêem que na vida das sociedades humanas tudo tem aconte- cido por acaso, e que por isso, na impossibili- dade de conhecerem a verdade, de apreenderem a certeza os acontecimentos históricos devem li- mitar-se às anedotas mais ou menos divertidas dos memori alistas e às biografias tanto quanto possível amenas das grandes figuras políticas, dos homens de Estado e de sociedade. Outros entendem que a história é, e deve ser, uma ma- téria de funda ponderação, de cogitação séria, e que a principal, senão única, missão do historia- dor deve consistir em procurar nos acontecimen- tos os desígnios da Providência, da qual crêem eles são produtos e manifestações, e em «adi- vinhar os enigmas do destino» como diz Al-

BERT SOREL (l).

(i) se vai estando longe do tempo em que o teórico da his- tória Tailliar, publicava, em 1867, uma obra em i53 páginas, si- gnificativamente intitulada ! Les lois de Dicu daiis 1'hisioire ou Essai sur les lois providencielles qui régissent les nations et le genre humain.

Para o autor a sciência dos factos não é tudo em história, pois acima dela reside a filosofia da história que é a sciência das leis, que dirigem as sociedades humanas na sua evolução. Essas leis 28

4^4

Outros, muito afins dos acontecimentos, enten - dem que a história não é mais que a biografia dos grandes homens, e que estes individualizando a Providência, servindo Deus, são as causas úni- cas dos acontecimentos humanos, os agentes ex- clusivos da vida das sociedades (i).

Assim, para os primeiros fenómenos sem causa, para os outros há, principalmente, causas, ao passo que na história scientifica, onde domi- nam os princípios da causalidade e da evolução, as causas e os efeitos identificam-se, pois o efeito de uma causa anterior é, por sua vez, a causa de um efeito seguinte.

Assim, a questão do finalismo histórico apa- rece cheia de complexas divergências, e produto de princípios desconcertantes e de critérios ma- ximamente opostos.

Ora, tal diferença de critérios, provêm da di-

são providenciais, levando umas à decadência e à dissolução, ou- tras à renovação e ao progresso, sendo a civilização uma resul- tante de todas essas forças da Providência.

(i) O historiador americano W. R. Thayer, professor da Uni- versidade de Harward, apresentou ao último Congresso Interna- cional de História, efectuado em Roma, uma comunicação acerca da Biography^ the basis of hisíory, onde são combatidas as ten- dências generalizadoras e a orientação sociológica da historiografia actual, e é defendida a biografia como subsídio essencial das obras de história.

Ao que parece é esta uma das tendências dos historiógrafos saxões, partidários convictos do individualismo na vida política e social como em história. Carlyle afirmava que a história é «uma soma de biografias», e que o seu objectivo consistia em estudar e descrever o desenvolvimento das diversas individuali- dades nacionais.

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versidade de processos de encarar a vida das so- ciedades, e estes são condicionados, principal- mente, peia educação morai e social, pela prepa- ração scientífica e pelos preconceitos religiosos e políticos não recalcados para o sub-consciente, nem abstraídos por parte de quem estuda os acontecimentos humanos.

Tal como os náufragos que não vêem a imen- sidade do oceano que os cerca para sentirem a corrente que os impele, eles não sabendo ou podendo diferenciar-se da multidão que os cerca, acompanham a onda, e, incapazes de se altearem para abraçarem o conjunto e conceberem as cau- sas e efeitos, a orientação e o sentido gerais da marcha da sociedade de que fazem parte apenas vêem aqueles com quem mais proximamente se acotovelam e relacionam, e os comovem os fenómenos que se lhes apresentam como mais estranhos, mais inesperados, mais tumultuosos e bulhentos.

É essa a noção limitada dos factos próximos, dos pequenos incidentes, dos infinitíssimos deta- lhes que tira ao observador, e comentador dos acontecimentos humanos a aptidão crítica para bem os considerar e julgar com larguesa, com justesa, com verdade.

Como, com razão, diz Albert Sorel^ o histo- riador só deve considerar os factos consumados; estudar esses factos no seu início, na sua evolu- ção, no seu fim ; notar as relações deles com ou- tros que os condicionem e determinem; separa-

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-los segundo a antiguidade das origens, a maior continuidade da sua marcha, e perduração dos seus efeitos; e comparar os permanentes, e esta- belecer as relações entre eles, isto é, procurar ex- plicá-los (i).

Como temos visto, não é quanto à natureza narrativa da história que Ranke lhe assinala, nem sobre a função causal ou expUcativa que Albert Sorel e outros lhe destinam que exis- tem divergências.

Também, acerca do seu carácter scientiíico como temos notado surgem dúvidas e diferen- ças de opinião até mesmo entre os próprios pro- fissionais da história, os historiadores práticos como lhe chamam os alemães para os diferença- rem dos filósofos, dos lógicos, emfim, dos teori- zantes da história.

Entre esses é de destacar a opinião do notável helenista A. Croiset.

Para êste a história não é uma sciência, se bem que os seus métodos de investigação, de explica- ção e de narração tenham um cunho scientiíico.

Assim, diz êle : «Querer fazer da história uma rigorosa sciência, é talvez negar-lhe o direito à existência, O que de scientifico na história, é o seu desejo de investigar a verdade; é o espí- rito geral do seu método critico ; é o seu esforço para descrever bem os factos, para aproximar

(i) Albert Sorel, Nouveaiix essais d'histoire et de critique, 1898, pág. 4.

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casos análogos e estabelecer induçóes sobre as observações exactas e rigorosamente escolhidas; é, emfim, a prudente reserva das suas afirmações, e a consciência que tem de incluir hipóteses no conhecimento propriamente dito da realidade» (i).

E continua: «Mas seria contrário à própria natureza das cousas recusar-se-lhe uma parte de intuição, de predição ou profecia subjectiva, sem o que ela ver-se hia reduzida a maioria das ve- zes a ficar muda, ou^ na melhor das hipóteses a coleccionar documentos estéreis e a pô-los em séries sem significação».

E logo : «Deve-se,. pois, confessar é, somente, uma meia sciência, e que nela a arte tem um enorme lugar não na disposição e descrição, como se admite geralmente, como na própria investigação da verdade, e na compreensão das relações existentes entre os factos».

E mais adiante: «Tirar à história toda esta parte de intuição, de indução rápida. e conjectu- ral seria não fazer dela uma sciência rigorosa cousa impossível : seria suprimi-la» (2).

Mas, se a admissão de hipóteses para a aqui- sição dos conhecimentos reais da história não caracteriza essa sciência, porquanto esse processo é extensivo às chamadas sciências da natureza,

(i) Ao tratarmos do método histórico veremos que as outras sciências desde a astronomia às sciências biológicas acumulam as hipóteses, os princípios e os postulados sem que por isso se lhes negue o carácter legítimo de rigorosas sciências.

(2) A. Groiset, Les Démocraties antiques, pág. 7 a 9.

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também o papel da imaginação, da indução, da inspiração, e a função da arte ^- como sinónimo de criação não se circunscrevem à história por- que são igualmente extensivas às outras sciências quando se quere subir do simples trabalho de ve- rificação, de enumeração e classificação ao da invenção e descoberta, e ao da criação de teorias, da indução de leis ou do estabelecimento de ideas gerais. Tudo isso é o produto da actividade cria- dora do espírito.

Sem a imaginação, tanto com os seus factores intelectuais como com os afectivos estes como fermentos e impulsões daqueles, e sem esse inde- finível determinante, inconsciente no total ou em parte, repentino e impessoal: a inspiração, não era o trabalho de criação histórica que seria impossível como diz A. Croiset ^ também as invenções e descobertas no domínio das sciências da natureza, e as criações artísticas, teriam dei- xado de dar-se (i).

Consultem-se aqueles que, mercê do seu poder de criação teem feito avançar a sciéncia e pro- gredir a arte^ desde Galileu e Newton a Dubois- Reymond, e eles o dirão (2).

Como diz Abel Rey : «Todas as grandes desco- bertas scientíficas teem sido preparadas por uma série de associações por semelhança, bruscas e re-

(i) T. RiBOT, Vimagination créatrice.

(2) Abel Rey, Les Sciences Philosophyques, 2.* edição, pág. 295 a 314.

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pentinas nas quais se reconhecem claramente os processos da imaginação e da inspiração...».

Quere dizer : tudo o que se invoca para concluir que a história não é uma sciência as hipóte- ses como bases de conhecimentos, raciocínios por analogia, o trabalho e o produto da imaginação criadora, e da inspiração, a ficção tudo isso aparece igualmente nas sciências da natureza, tudo isso figura como elementos essenciais à cria- ção scientiíica.

Daqui a concluir que a história é uma sciência que tem permanecido na sua fase de acu- mulação de materiais e de descrição de factos, e que se prepara para atingir o estádio superior de sciência de leis, de sciência causal, de sciência ge- nética (i).

Como vimos, tem-se falado muito no carácter artístico da história.

Gabriel Monod . entre tantos outros diz que a história é «uma arte neste sentido que a maneira de expor os resultados das investigações históricas dependerá muito do talento, do tempe- ramento, das qualidades intelectuais de cada his- toriador» (2).

Mas, ainda não vemos em que a história se distinga das outras sciências, mas nota-

(i) As leis históricas a que aqui nos referimos não são leis as económicas e sociológicas que Louis Rordeau previu, nem aquelas «leis eternas» a que se refere Xénopol.

(2) In De la Méthode dans les Sciences, 1910, pág. 370.

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mos em que os bons escritores se diferençam dos maus(i).

O talento, o temperamento, as qualidades inte- lectuais que Gabriel Monod exige ao historiador cada sciência as pede também para os seus cul- tores.

Parece-nos que^ sob o ponto de vista artístico, uma diferença muito maior entre as obras de Ranke, deFusTEL, de Rénan, de Michellet, de Sy- BEL, de MoMMSEN, de Lamprecht, de Lavisse, de Seignobos, e de Rambaud e as de qualquer histo- riador medíocre, que entre as daqueles e as dos grandes escritores das sciências da natureza como Laplace^ Darwin, Huxley, Cláudio Ber- nard, Haeckel e Dubois-Reymond.

b) Objectivo da história

A história, ou melhor a historiografia que é a descrição dos acontecimentos históricos não deve ser feita à luz de outros princípios que os da verdade e da exactidão objectiva, e ao calor de outras ideas que as da sciência.

Mas nem sempre ou quási nunca assim tem sucedido ; antes, a história tem-se prestado a servir de refúgio à poUtica, e o inexgotável repo- sitório de ideas e factos que a constituem tem-se tornado o inexaurível arsenal ao dispor dos

(i) vimos como H. Rickert distingue, por completo, a His- tória da Arte.

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mais diversos partidos e das mais opostas fa- cções (i).

Tem sido à história que as escolas filosóficas, as correntes scientificas, as agremiações religio- sas, os partidos políticos e os agrupamentos sociais teem ido pedir elementos para a defesa dos princípios e ideas e para o ataque das ideas e princípios dos contrários (2).

Tem sido, emfim, a história que tem servido de permanente forja para trabalhar teorias, tem- perar princípios e afiar argumentos (3).

Assim, poucos, ou -nulos, são os países onde

(i) Como se sabe, foi em apoio das suas concepções políticas

que COMMINES, GuICHARDIN, MaCHIAVEL, BoSSUET, BOULAINVILLIERS

para falar dos historiógrafos franceses antigos escreveram as suas obras, como também foi em defesa da sua obra política, para satisfação dos seus rancores pessoais ou para ataque dos seus adversários que Villehardouin, Montluc, d'Aubigné, Sully, Retz, Saint-Simon, etc, escreveram as suas obras.

(2) Gomo se sabe, Plutarco, Salústio, Tito Lívio, Tácito

para falar dos clássicos tiveram especialmente em vista tirar da história ensinamentos morais, cívicos e patrióticos.

Por sua vez, Maizeray, Velly, Anquetil, entre outros, culti- varam a história de França para nela encontrarem temas de re- flexões morais ou para exercícios literários.

(3) Assim, várias são as interpretações que se teem dado à his- tória : políticas, económicas, religiosas, etc, cada autor querendo ver nessa sciência a comprovação do ponto de vista da sua escola, ou, simplesmente, das suas ideas pessoais.

Sobre a interpretação política da história ver um artigo do prof. Fr. Geny, in Revue de Synthèse Hisíorique, semestre de 1902, pág. 168 a 199.

Acerca do ponto de vista económico em história procorrer a obra de Edwin R.-A. Seligman, Uinterpretation économique de 1'Histoire.

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se tem deixado de utilizar a história com intuitos políticos. Sem remontar à política historiográ- fica de Machia VEL, para nos balisarmos no ma- quiavélico Voltaire, diremos que foi este um dos escritores do século xviii que mais utilizaram a história como campo de provas para as suas teses racionalistas contra o obscurantismo político e o intolerantismo religioso, e em favor do progresso e da civilização pelo despotismo esclarecido (i).

Outro tanto se pode dizer do voltairiano David HuME, em Inglaterra; e, ninguém negará o ponto de vista politico de Frederico II.

Quanto aos trabalhos de Montesquieu, estão eles por tal forma imbuídos de teorias políticas que alguns escritores não se furtam a declarar que a obra dele, como Uesprit des lois, pertence muito mais à história das sciências políticas que à his- tória da historiografia (2).

E, se o ponto de vista social domina a obra de J. J. Rousseau, e o pendor sentimental e demofilo

(i) Taine dizia que na literatura do século xviii as personali- dades dos diversos países são puras abstracções, que o público não tinha o sentimento histórico, e que o homem por toda a parte é o mesmo. Em Voltaire, como em Robertson e Gibbon quási tudo : erudição, crítica, conhecimento das instituições, etc. não uma cousa : almas.

O que mais falta à historiografia do século xviii é aquela ima- ginação simpática de que fala Taine, segundo a qual o escri- tor se transporta em outrem, e essa é a qualidade mais necessária do historiador.

Ver: Taine, Origines..., tomo r, pág. 218 e 219.

(2) Ed. Fueter, Histoire de f Historio gr aphie Moderne, 1914, pág. 475.

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caracteriza a fugidia obra histórica de Schiller, com Herder vêem-se surgir, posto que ainda em- brionariamente, as teorias da «indestrutibilidade dos caracteres espirituais das raças», e da exis- tência das unidades nacionais o que em muito preparou o aparecimento das ideas filosóíico- -politicas de Hegel.

Se, com Walter Scott e Barante, a história é apenas narrativa, preocupando-se muito mais com a côr local que com os fundamentos históri- cos e a crítica das fontes, com Augustin Thierry aparece a ideia política contra a velha nobreza oligárquica e em favor do povo como era pró- prio da burguesia liberal da Restauração da qual provinha o historiador e para a qual escrevia (i).

Com Michelet renova-se e intensifica-se o ponto de vista sentimental e demoíilo de Rous- seau e Thierry, e proporciona-se o aparecimento de um género literário novo, depois continuado

(i) Gomo se sabe, Augustin Thierry foi para os estudos his- tóricos como quem se abriga num refúgio moral sentindo sangrar o seu coração de patriota ao ver a França invadida e ocupada pelas tropas estrangeiras após a derrocada napoleónica. Então, o assunto que ao seu espírito de révanche melhor quadrou foi a invasão e a conquista de Inglaterra pelos normandos. Ele pró- prio confessa que dominado pelas suas ideas quis ser historiador à maneira da escola filosófica do século xviii, isto é, pretendia tirar da sua narração uma série sistemática de provas em favor das suas convicções. Foi então que se lhe depararam os roman- ces de Walter-Scott que tanto o entusiasmaram, especialmente o Ivanhoe que é, no género, uma obra prima.

Sobre Aug. Thierry ver um estudo Camille Jullien in Revue de Synthèse Historique, tomo xiii, pág. i25 a 142.

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em Ed. Quinet : o da história apologética, o da epopeia nacional em prosa (i).

Porém, se Michelet é um historiador muito parcial e optimista, e muito apaixonado do seu assunto, isto é, da França, cujo passado estuda e descreve emocional e artisticamente, [quer ao poetisar a Idade Média quer ao imaginar a Revo- lução, se tal daltonismo espiritual leva esse pro- feta da democracia como lhe chama Lanson a mudar a cor às situações e o carácter aos per- sonagens, nenhum mal resultou à humanidade desses excessos românticos, antes, proporcionou à civilização uma bela colecção de obras enorme- mente belas e sugestivas : ora empolgantes pela sua grandesa, ora comoventes pelo seu senti- mento, mas sempre encantadoras e dulcificantes.

Mas^ o nacionalismo de Michelet nada tem de agressivo como o seu liberalismo nada tem de rude, porque um e outro são feitos de sentimento e gerados pelo amor na sua forma mais elevada e espiritual : o amor da pátria como condensação do amor da humanidade.

(i) GmzoT e Tocqueville são mais historiadores de ideas, de estados de espírito colectivo que historiógrafos poh'ticos. Mas, nem por isso um e outro deixam de levar para as suas obras os seus princípios doutrinários : o primeiro no ponto de vista das classes médias ; o segundo, mais desassombradamente, pensando, caracterizando, julgando como filósofo, mas sem esquecer que era legitimista e cristão.

Ver o volume de Bardoux e o capítulo de Crozals acerca de GuizoT, e a obras de Eugène d'Eichtlhal, A. de Tocqueville et la démocratie libérale.

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Outro tanto não se pode dizer do naciona- lismo e da ideologia política dos historiadores alemães contemporâneos.

Na verdade, um dos graves defeitos da histo- riografia alemã contemporânea é como se sabe o preconceito hiper-nacionalista e pangermanista, o partido tomado politico, faccioso e exclusivista que tem sugestionado e animado os historiadores de Alêm-Reno.

Desde Niebuhr o famoso criador da Univer- sidade de Berlim que a historiografia alemã deixou de reclamar aquela lealdade e aquela ho- nestidade que FiCHTE exigia a quem quisesse es- tudar e fazer história.

O próprio Niebuhr, iniciador magnífico dessa plêiade notável de filólogos que vai até Bopp, DiETZ e Grimm, esse mesmo, neutral e scientista puro, ao estudar a história de Roma não pode fugir ao desejo de ver e mostrar nela o modelo do desenvolvimento nacional e um bom exemplo de um Estado forte e centralizador.

Também Ranke homem de sciência, mode- rado e imparcial abrangendo largo e fundo os assuntos políticos, nos sucessos da Alemanha, em 1 870, não apenas a vitória de um povo so- bre outro, mas a vitória de uma política sôbr.e outra política, de uma civilização sobre outra.

Mommsen começou por onde acabou Ranke : por meter a política na história, procurando fa- zer desta uma simples demonstração e ilustração das suas ideas políticas.

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Também para este Roma não é ura simples objecto de estudo, mas o modelo a seguir de um Estado que progrediu, que civilizou por meio da guerra; e Cesar é mais que uma figura a Comen- tar : é um grande homem a seguir, porque êle in- dividualiza o génio politico e um governo ideal.

Assim, MoMMSEN torna-se como que um mensa- geiro de Nietzsche e da sua teoria do sôbre-ho- mem. Mas, de todos é Sybel e é Treitschke as duas figuras máximas da historiografia pangerma- nista contemporânea.

Falando do primeiro escreve, com razão, Guil- LAND : «Com Sybel vamos encontrar um historia- dor que subordina tudo às suas ideas, e para o qual todas as circunstâncias do passado vão ser- vir de pretexto para provar a excelência das ins- tituições dos HohenzoUern e a verdade dos prin- cípios da politica nacional liberal» (i).

Efectivamente, Sybel, tanto na sua História da Europa no tempo da Revolução^ como na sua Re- vista Histórica e na História da fundação do impé- rio alemão faz da história um simples pretexto para se lançar contra a França, para fazer a apo- logia do domínio prussiano e o elogio da dinastia de HohenzoUern e de outros sãos princípios polí- ticos.

Mas, Sybel não é único na maneira falsíssima de fazer da história uma tribuna política em de- fesa do pan-germanismo, êle é. apenas o guia, o

(i) A. GuiLLAND, L'AUemagnenouyelle eíses historienS/Tpág.iSi

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chefe da escola de um grande número de profes- sores, historiadores e outros publicistas, dos quais os mais notáveis são os universitários Haeusser,

DrOYSEN e DUNCKER.

Com Treitschke as ideas politicas que haviam accionado os seus antecessores e contemporâ- neos mais velhos refinam, condensam-se, subli- mam-se(i).

É êle que sustenta''esta heresia scientifica : «A história pura e imparcial não pode convir a uma nação apaixonada e guerreira» ; e outro historia- dor, GiESEBRECHT, uão se peja de escrever : «A nossa sciência não deve ser cosmopolita, mas alemã» (2).

Foi essa história requisitório contra o estran- geiro, foi essa história apologética das institui- ções e das ambições prussianas, foi essa sistemá- tica e ominosa contrafacção da sciência que impeliu a Alemanha toda governantes e gover- nados— para a guerra, e que atirou a humani- dade para o estado em que se encontra.

(i) Gomo vai longe o tempo em que Ranke, escrevendo o seu Testamento histórico, dizia que a característica do espírito alemão era a sua concepção universal da história; ao passo que esta na Itália era oratória, na Inglaterra era constitucional, e na França era nacional I

De restOj na própria obra do universalista Ranke muita apologia do prussianismo como se pode ver lendo a obra de Guil-

LAND.

(2) Consultar, alem da ob. cit. de Guilland, Ed. Fueter, His- toire de V Historio graphie Moderne, pág. 661 a 696; Charles Andl- LER, Le Pangerntanisme continental sous Guillaume I, primeiro' volume ; e o nosso trabalho .45 Causas «Ideais» da Conflagração.

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Temo-nos ocupado até agora bastante com a história dos factos, dos acontecimentos e dos ho- mens, trataremos agora muito rapidamente da história das ide as.

Efectivamente, além da história dos aconte- cimentos há que ter em vista a história das ideas que por toda a parte tem ficado mais ou menos abandonada com excepção da Alemanha onde de anos a esta parte vêem aparecendo obras sobre esse importante capitulo da história, como A História das ideas na Alemanha, do dr. J. Gol- dfriederich; um estudo sobre David Hume e a concepção impirista da história, de J. Goldstein; o famoso Manual de Metodologia Histórica^ de Ernest Bernheim, etc.

A França não tem visto aparecer com frequên- cia estudos desta natureza, se bem que ultima- mente a história da filosofia, a história das reli- giões, a história das sciéncias com os trabalhos de Paul Tannery e de Lalande, a história da me- dicina — com os estudos publicados em La France médicale, e a história literária hajam tido os seus cultores e tenham dado origem a obras impor- tantes, especialmente em história da religião e da literatura, não sucedendo outro tanto com a história das ideas políticas.

Contudo, nada mais desrasoável. As ideas ou sejam tomadas num sentido intelectual como Hegel, num ponto de vista estético como fez Guilherme de Humboldt ou sob um critério mo- ral— como em Fichte, elas teem uma acção, uma

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influência, um poder enormes, por vezes decisivos, e, até, seculares.

Elas são os imponderáveis que, bem no fundo, bem no intimo, dirigem o mundo, porque, como diz Bernheim, «na vida dos povos como na vida moral dos indivíduos, as impulsões ideais teem o seu lugar e a sua importância; elas não são ilu- sões nas quais se crê ou deixa de crer, elas são elementos psi-sociais, de uma absoluta realidade^ que devem ser estudados ou observados com cui- dado».

Acabamos de falar da história das ideas da qual se pode passar quási essencialmente k filosofia da história, sendo de notar que P. Barth confunde esta com a sociologia, e H. Rickert identifica-a com a história universal.

Tratemos dela agora em breves palavras.

(iMas, é justificado, é legitimo^ falar hoje da filosofia da história ?

R. EucKEN num estudo sobre esse assunto pu- blicado, em 1907, na Sistematização Filosófica de HiNNEBURG, diz que sim, devendo-se reservar à filosofia uma função especial, distinta da das sciências. É com Herder que aparece o nome, a expressão, se bem que muito antes deste existisse a cousa, o objecto desse estudo.

Mas^ ao passo que o século xviii era essencial- mente filosófico o XIX foi principalmente histó- rico.

Com o avançar dos tempos a história tem sem- pre crescido de importância quer pela sucessiva

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45o

perfeição dos seus métodos e processos, quer pela enorme acumulação de materiais.

Hoje, na história, dominam três pontos de vista : o técnico que é, para muitos, um produto dos métodos das sciências naturais ; o económico que é uma aplicação do comtismo ; e o evo- lucionista— que resulta do ponto de vista mate- rialista de Marx e Engels.

Actualmente, a filosofia da história debate-se entre as tendências de duas escolas antagónicas : a idealista^ e a naturalista esta modelada nas sciências da natureza.

Não podendo Eucken negar que ao passo que a primeira tem vindo a perder terreno de ano a ano, a tendência naturalista está progressiva, de- clara que a história não se pode fechar numa con- cepção determinista.

E percorrendo a história da humanidade, a história da civilização, que Eucken vai encontrar a filosofia no contacto da vida material com a cultura espiritual, aquela sempre mutável e esta sucessiva, íntima, permanente.

Seguindo, quási, o ponto de vista de Eucken está H. RiCKERT que, na sua Geschichtsphilosophie, identifica esta com a história universal, pois, de- vido à extensão do seu objectivo, ocupando-se ela das questões gerais sintetiza os factos, sobe das comparações às deduções, faz generalizações e induções, e conclui ideas, e examinando como estas se seguem e se desenvolvem no tempo chega ao estabelecimento dos princípios sobre os quais

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repousa tal desenvolvimento, entrando assim nos domínios da filosofia da história (i).

Por último, o espírito humano analisa e classi- fica os caracteres de tais princípios, observa e conclui sobre a natureza do conhecimento histó- rico, dando origem a uma terceira forma da filo- sofia da história: a lógica da história (2).

Assim, para Rickert íntima correlação en- tre a história universal que fornece os factos; a filosofia da história que estabelece os princípios e as ideas geradoras e evolutivas do desenvolvi- mento da humanidade; e a lógica da história que estuda a natureza íntima dos factos de su- cessão e do conhecimento histórico, e caracteriza este, distinguindo-o das restantes formas do co- nhecimento scientífico (3).

c) Definições de história

Para se definir um fenómeno, uma idea, e até uma sciência, recorre-se muitas vezes ao conceito da causalidade.

Assim, a causa torna-se uma forma, um meio de aplicação, de designação, de definição. Ela

(1) Os princípios, que constituem a matéria áa filosofia da his- tória, resultam das leis gerais e do sentido geral da vida histórica.

{2) Xénopol prefere, como mais exacta, a expressão lógica da sucessão.

(3) Alem do que temos dito sobre as teorias de Rickert, adiante será este ponto desenvolvido quando tratarmos da me- tódica da história e da noção do valor em história.

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é, não para a metafísica como entende o filó- sofo KiESEWETER mas para a psicologia o que o principio da razão suficiente é para a lógica ; este é o principio fundamental do pensamento, aquele é-o da experiência.

Por isso, se a causalidade pode ser posta de parte quando se trata da arte, da religião e de outras criações de espírito quando as descreve- mos, isto é, quando as estudamos somente nas suas manifestações, o mesmo não se quando se trata da sciência.

Esta, sendo produto do «reflexo do mundo ex- terno» na inteligência humana, «a reprodução intelectual do Universo como diz Xénopol, e consistindo no conjunto de conhecimentos bèm verificados, dispostos e coordenados em sistemas de ideas^ necessita a cada momento de recorrer à causalidade, exactamente porque não se trata de «possibilidades ideais», mas da própria «rea- lidade, da qual a sciência nos apresenta o quadro sistemático» como diz Boutroux.

Tem-se identificado o conceito de causa com a noção de lei^ o que faz dizer a Wundt no seu estudo Acerca da noção da lei —que «quando se encontra a fórmula geral de uma classe de factos, isto é, uma lei, estabelece-se sempre implici- tamente uma relação definida de causa para efeito » .

Também Fonsegrive em A causalidade efi- ciente— diz que a lei consiste na «relação entre dois fenómenos, dos quais um é tomado como

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causa e o outro como efeito», e outros, muitos outros, dizem o mesmo por outras palavras.

É contra todos eles que se ergue Xénopol clas- sificando de erro tais fórmulas, e dizendo que : «entre a lei e a causa uma diferença radical: a lei constata o modo de realização de um fenó- meno; a causa a explicação deste» (i).

Se bem que alguns homens de sciência como Cláudio Bernard, e vários filósofos como Au- gusto CoMTE, procurem limitar o conhecimento scientifico ás leis, ao como das cousas, e ponham de parte o porque, as causas dos fenómenos, não dúvida que a mais completa explicação do um fenómeno e o estado mais avançado de uma sciência caracterizam-se determinando não as leis como as causas.

ScHOPENHAUER, coufundindo, ao que parece, o princípio da razão suficiente com o da causali- dade, entende que o porquê é a base de toda a sciência, e diz que a diferença entre a sciência e o simples agrupamento de conhecimentos con- siste no encadeamento destes tendo como base o porquê.

Muitos outros filósofos e homens de sciência teem pensado e escrito a mesma cousa.

Mas, não dúvida que muitas sciências teem-se limitado até hoje a constatar e a demonstrar fa- ctos, acontecimentos, pondo de parte as explica-

(i) A. -D. XÉNOPOL, La Causalité dans la succession, in Revue de Syntèse Historique, tomo viu, pág. 265 a 295.

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çôes causais, ou limitando-se a atirar estas para o campo das hipóteses, e constituindo com elas a. filosofia da sciência, ou^ mais modestamente, a teoria dos factos. .

Seguindo aqui o ponto de vista de Windelband acima exposto com a sua classificação de sciências de leis e sciências de factos^ e repetindo o que então dissemos, isto é, que tal classificação não tem um carácter lógico, mas sim metodoló- gico e histórico, diremos que todas as sciências iniciam-se por uxnoi fase descritiva, ou narrativa ( i ), por um estádio naturalista, para depois subirem à mais alta : à fase genética, à categoria de sciên- cia de leis (2).

(\) A história narrativa, «viva e variada», não é um simples produto do período romântico como diz Camille Julian, numa lição da Escola de Altos EIstudos, dj Paris, sobre Augustin Thierry. Ela não constitui a característica das Lettres^ dos Études, da Conquête de l' Angleterre e dos Recits des Temps tnéro- vingiens de Augustin Thierry, nem das obras de Bakante, Thiers, MiGNET et Michelft: ela marca uma fase da evolução geral da historiografia.

O que nessas, e noutras, obras de caracteristicamente ro- mântico é a tendência dos seus autores para o período medievo, e a atracção da cor local. É assim que Thiers não pode ser considerado um historiador romântico com o seu «style placide et... Tallure grave et prudente», e, comtudo, a sua história é des- critiva, narrativa.

(2) Para nós, e aqui, sciências de leis., sciências de causas e sciências genéticas são a mesma cousa, pois as leis são, quanto a nós, não «muitas vezes» como quere Xbnopol mas sempre a manifestação, a expressão, de relações causais, entendendo-se que englobamos aqui não as causas directas como as indirectas, as secundárias, as mediatas, mas sem cuidarmos das causas últi- mas e das qualitas occulta que, segundo Schopenhauer, caracteri-

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Muitas das sciências existentes ainda não pas- saram da segunda fase, continuando a serem sciências descritivas, sciências de factos. Em tal fase está ainda, no pensar de muitos, a história.

De poucas sciências se tem dado como da história as definições mais divergentes e mais opostas. Desde J. J. Rousseau, que no livro iv do Emite diz que a história é um tecido de mentiras, «a arte de escolher entre muitas cousas falsas a que mais se assemelhe à verdade» (i), até Ranke que via nos acontecimentos históricos conflitos de vontades humanas, onde as naturezas fortes teem a decisão, e na historiografia o meio de contar o que aconteceu, isto é, um conjunto de memórias, atéTREiTSCHKE, Xénopol, Rickert, Lam- PRECHT, Seignobos, Bernheim, H. Berr ou La- coMBE, tem-se dito, bastante, muito, imenso; em- fim, como que usando as duas línguas de Esopo dela se tem dito tudo de bem e tudo de mal.

Ai está, por exemplo, o que escreveu sobre a história esse paradoxal insigne que foi Nietzche.

Efectivamente, este num opúsculo Von Nut- :(en und Nachtheil des Historie fiir des Leben e onde o original pensador discreteia como diz

zam as forças elementares da natureza, convindo não esquecer o princípio discutível e discutido de Boutroux, segundo o qual «a causa de um fenómeno é ainda um fenómeno».

(i) Que diferença entre esta leviandade de J. J. Rousseau e o que sustenta um dos mais eminentes historiadores profissionais FusTEL DE CouLANGES quaudo diz que a história é não uma sciência como a mais difícil das sciências.

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o título «acerca da vantagem ou inconveniente da história sobre a vida», manifesta-se excessi- vamente contra a cultura histórica, que classifica de doença, de mania, de idea fixa, e a que chama historicite.

Segundo Nietzche, a história, além de outros malefícios, destrói toda a possível felicidade, pro- curando pautar a nossa vida presente pela do passado, quando para se ser feliz o que é neces- sário é saber-se viver dentro do seu tempo. E, dando como argumento as crianças que são feli- zes porque não conhecem a história, compara os adultos aos ruminantes que passam a existência a pensar no passado o que lhes tira toda a ori- ginalidade de carácter, todo o poder da plastici- dade do espírito.

Pára que um grande artista produza uma ver- dadeira obra de arte, para que um general ganhe uma batalha, para que, emfim, quem quer que seja tenha uma compreensão verdadeira da gran- deza e da liberdade tem de esquecer, de abstrair, por uns momentos a história, o passado, para viver no presente, para sentir e pensar o que é actual.

Nós somos enciclopédios históricos ambulan- tes. A sciência que devia seguir a natureza ex- pontânea mata esta ; ora a sciência deve, sobre- tudo, servir para a vida, como a história o devia fazer, e não faz.

Assim, à força de respeitarmos o passado não sabemos, não ousamos, transformá-lo em ali-

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mento do espírito. O homem necessita não do Histórico que nos leva para o passado, e do Jn-histórico que nos faz viver no presente, como do Sôbre-histórico que lança as nossas vistas do finito ao infinito, isto é, do finito ao que ao ser o carácter da eternidade : à arte e à reli- gião.

Pelo contrário, Grotenfelt assinala à história o seu importante lugar no quadro dos conheci- mentos humanos, e a sua função na civilização actual. ,

Como ele diz na sua Classificação de valores em história: «A característica da história, tal como ela tem sido tratada durante dez mil anos, é ou- tro ponto de vista diferente do critério da civili- zação e do progresso».

E escreve mais : «No centro dos estudos histó- ricos, no futuro como no passado, subsistirá ne- cessariamente esta função : fazer compreender, representar, de uma forma evidente e completa, a evolução histórica do ponto em estudo, e pene- trar o conteúdo espiritual desta evolução».

Mas, como êle diz, a história tende a tornar-se cada vez mais objectiva, mas ficará sempre sub- jectiva numa certa medida, porque mesmo o his- toriador prático, por muito impessoal e objectivo que queira ser, ficará subordinado, sempre e ins- tintivamente, ao ponto de vista, ao espírito, aos palores do seu tempo, do seu meio, da sua nação, da sua sociedade, etc.

Entretanto, logo acrescenta que a parte da sub-

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jectividade que a história contêm não lhe tira o seu carácter scientiíico.

XÉNOPOL, a quem, no ponto de vista histórico, interessam os factos diferentes, e, entre eles, o que é dessemelhante, em vez de cuidar das semelhanças pois é com elas que se constituem as sciências conclui que a história não é uma sciência de factos de repetição, isto é, uma sciên- cia de leis, mas sim uma sciência de factos de su- cessão — uma sciência de séries (i). A verdade é que nada existe de mais subjectivo, de mais arbitrário, de mais irreal.

Se o naturalista, o químico, o físico, o astró- nomo, levassem o seu poder de abstracção a considerarem os fenómenos diferentes, ou, nos fenómenos idênticos, as diferenças muito se- cundárias ou de detalhe condicionadas por cir- cunstâncias conhecidas, teria esse especialista das

(i) Diz XÉNOPOL que f'a essência da história» é a diferença na sucessão, e depois de dizer que a «scintilação das estrelas se re- pete continuamente sem alterações notórias»^ diz que «a própria idea da uniformidade de sucessão que Stuart Mill admitia na sua Lógica é impossível de conceber. A sucessão não é nunca composta de uniformidades, mas sempre de diferenças».

■Ora quem garante aXÉNOPOL que a tal scintilação das estrelas não se com alterações fundamentais. E tão fundamentais elas podem ser que pode um observador continuar a ver num certo ponto do ceu a scintilação de uma estrela muito tempo depois de ela haver mudado de lugar.

Os raios da estrela a da constelação de Centauro levaram três anos e meio a chegar até nós, e os das a e P da Cabra levam setenta anos, etc. Como se vê, é bem precária a teoria da repetição continua e uniforme dos fenómenos astronómicos.

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sciências naturais, da química, da física ou da astronomia, de negar também a tais sciências o carácter de sciências de fenómenos de repetição.

Mas, o que desconcerta mais é que Xénopol, apesar do que expressa, admite leis de sucessão.

Ora, se para êle um facto sucessivo «é aquele que devido a influências diversas se modifica no tempo» (i), e se para êle como para Spencer «a lei é, pois, a ordem regular com a qual se con- formam as manifestações de um poder ou de uma força», se «o carácter essencial de uma lei é que ela não poderá nunca apresentar excepção», e ainda se «a condição essencial de uma lei é a sua independência do elemento do tempo, isto é, a sua eternidade», não se compreende como admi- tir leis do que apresenta excepções, do que muda a todos os instantes, isto é, dos factos dis- semelhantes, dos factos de sucessão.

Assim, conservando a definição de leis e man- tendo a definição de história dadas por Xénopol conclui-se que as leis.são impossíveis na história.

(i) Ao contrário do que afirmam Xénopol e Rikhert nas acções humanas suficiíínte uniformidade para possibilitar a exis- tência da sciência histórica.

David Húme, seguindo, de resto, Hobbes e Spinosa, notava a uniformidade das acções humanas, independente do lugar e do tempo. Para êle, tal uniformidade constitui um facto universal bem reconhecido, notando sempre que os mesmos motivos pro- duzem idênticos resultados, e que os mesmos acontecimentos pro- vêem das mesmas causas.

É esse princípio da uniformidade e necessidade das acções humanas que constitui uma das bases da sciência histórica posi- tiva.

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ou a história não é o que aquele diz que ela seja, mas sim, também, uma sciência de factos, de repe- tição, ainda que de repetição diferenciada.

E o mais interessante é que o historiador Xé- NOPOL, depois de fazer tal classificação, por um simples trabalho de abstracção e de generaliza- ção, isto é, meramente subjectivo, sem a menor base real vem-nos dizer que «a sciência não é se- não a reprodução intelectual da natureza no espi- rito, é o reflexo da razão das cousas na razão hu- mana».

E mais adiante : «as leis que regem os fenóme- nos não são o produto, mas sim a natureza in- tima do universo de que o espirito é chegado a apropriar-se depois de esforços inusitados». E em comentário : «E esta penetração dos segredos da natureza objectiva pelo espírito que constitue a sciência».

A coordenar as antagónicas afirmativas de XÉ- NOPOL dir-se hia que a natureza íntima do uni- verso e a natureza objectiva^ separam a existência da vida em dois mundos completamente diversos : o dos factos de repetição e o dos factos de suces- são (i).

Em face de tal classificação e de tais defini- ções, seria caso para perguntar a que grupo per-

(i) Ver: Xénopol, Les príncipes fondamentaux de Vhistoire, 1899; do mesmo, Les faits de repétition et les faits de succession, mRevue de Synthèse Historique, 1900, pág. 121 a i36; do mesmo, Race et Milieu, Ibidem., pág. 254 a 264 ; Lacombe, La Science de Vhistoire d'après M. Xénopol., Ibidem^ pág. 28 a 5i.

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tencem a geologia e a geografia física. Se a geo- física «é o estudo do presente à luz do passado» o que por toda a parte se no relevo da super- fície terrestre como do fundo dos mares é a maior diversidade dos aspectos : a maior divergência a mais completa dissemetria das curvas de alti- tude e de profundidade, a infinidade de extratos, de formas, de aspectos que apresentam tanto as zonas hipsométricas como as batimétricas o que tem feito derruir a velha teoria das linhas di- visórias das águas, das ossaturas continentais constituídas pelos grandes sistemas de monta- nhas, etc.

Mas, não é o estudo de conjunto dos grandes perfis do modelado terrestre que acusam uma irregularidade e uma variedade desnorteantes, o mesmo se no que respeita aos fenómenos geo- lógicos, pois como escreve Alb. Lapparent «a composição das massas minerais que suportam a paisagem vegetal do globo varia de um para o outro ponto e, num mesmo ponto, varia com a profundidade» (i).

Ora, se tudo é assim parece não haver dúvida que o modelado da crosta terrestre emersa ou sub- mersa é a consequência ou o produto de causas estruturais endogenéticas, epigenéticas e tectó- nicas — diferentes, especiais, locais, parecendo que tais sciências devem entrar no grupo das

(i) Ai.BERT LArPARENT, TrãUé dc Geologie, 5/ edição, pág. 3.

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sciências de fenómenos de sucessão de Xéno- POL (i).

Comtudo, à medida que se vão estudando cada vez melhor as causas estruturais da forma da Terra e analisando mais detidamente os fenó- menos que se vão passando dia a dia nos diver- sos acidentes da superfície, como as montanhas, vales, rios, lagos, ilhas, vulcões, etc, vão-se no- tando harmonias de formas, semelhanças de cau- sas, identidades de circunstâncias, emíim, repeti- ções de fenómenos.

E isso que se tem visto no estudo dos ciclos de erosão, ou melhor, dos ciclos de actividade gené- tica e tectónica passivas a que Morris Davis chama ciclos vitais fazendo evolucionar uma região de um relevo muito acentuado até o seu nivelamento, ou achatamento, final com a madú- ridade da sua bacia hidrográfica e a formação das peneplanícies; é isso que se observa na evo- lução dos rios até à fixação do seu perfil de equi- líbrio, na marcha dos fenómenos glaciários, na

(i) M. XÉNOPOL, para exemplificar a aplicação da sua teoria das séries históricas ao estudo de um ponto da história da Ro- ménia publicou na Revue de Synthêse Historique^ tomo xiii, da pág. 298 a 3ii, um artigo sobre Le régne du prince Alexandre Jean I (Cou^a).

Agrupa os factos que estuda em treze séries, se bem que tal divisão do assunto e tal agrupamento e classificação das séries de pontos sejam o produto de um simples critério subjectivo, sem qualquer base real.

De resto, tais agrupamentos de factos nada teem de original, pois qualquer outro historiador o faria, com uma ou outra va- riante, sem lhe chamar séries.

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modelação das margens oceânicas, na acção da erosão ou degradação eólica e hídrica, e na de reconstrução, acumulação, sedimentação e estra- tificação, etc.

Os próprios fenómenos de diastrofismo, isto é, os da formação da superfície por causas tectóni- cas, estão hoje agrupados pelas suas origens, na- tureza, consequências e aspectos.

São essas identidades, essas repetições de fenó- menos que teem permitido o aparecimento das leis, teorias e ideas gerais sobre os perfis da su- perfície da terra, as formações das montanhas e dos lagos, a vida dos rios, as causas e localiza- ções dos fenómenos vulcânicos e sísmicos, etc.

Assim, a geologia, como a geografia, é hoje uma sciência de factos de repetição, uma sciência de leis.

Deste modo, a definição que Xénopol da história é maximamente falível porque é exclusi- vamente artificial, uma pura. criação do seu espí- rito.

Como diz A. Bauer, no seu estudo sociológico sobre as evoluções, e o repete o sociologista Jan- KELEviTCH, olhaudo mais profunda e intimamente as cousas, o que não é susceptível de se reprodu- zir e o que não se pode repetir em história são os acontecimentos propriamente ditos, isto é, o as- pecto, o lado objectivo, exterior, material, da histó- ria. Mas, quanto às causas íntimas, aos agentes internos, aos motores espirituais, às ideas-fôrças: essas repetem-se, reproduzem-se, refazem-se.

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Assim, por exemplo, o sociólogo inglês Stuart- -Glennie no terceiro dos seus Sociological Studies, publicados no volume segundo dos Sociological Papers, published for the Sociological Societhy, de Londres, indica a rítmica a que estão sujeitas as grandes revoluções morais que, de 5 00 em 5oo anos, se vão produzindo a seguir aos conflitos entre o Oriente e o Ocidente acontecimentos esses que teem exercido uma enorme influência nos progressos da civilização, tais como a época de Giro-o-Grande; o conflito entre o império ro- mano e a Judea; a luta entre o islamismo e a Europa cristã; o estabelecimento dos turcos na Europa^, e, por último, a guerra russo-japonesa.

Apesar de tudo isso ser muito discutível não deixa ser engenhosa e pacientemente estudada essa manifestação de rítmica histórica por parte de Stuart-Glennie,

j E que dizer das concepções, das teorias, das ideas gerais pelas quais a filosofia procura inves- tigar, interpretar e explicar os problemas da ori- gem e do fim do universo, da vida, do homem!

jNão tem apresentado todo esse mundo de ideas ás suas oscilações, as suas manifestações periódicas, as suas variantes temporárias, os seus ritmos ?

Assim, basta notar, pelo que se refere aos fe- nómenos de carácter biológico, as oscilações por que teem passado desde Aristóteles e Lucrécio^ até hoje, a explicação dos fenómenos da vida, oscilando entre a causalidade mecânica e o vita-

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lismo teleológico, se bem que as reaparições, os renovamentos periódicos de tais interpretações apresentem variantes tanto no espírito scientífico como nos fundamentos positivos, e sempre em harmonia com as ideas e os conhecimentos da época e do meio em que e onde despertam.

É assim que a causalidade mecânica dos fenó- menos biológicos não é exposta e defendida pela mesma forma por Lucrécio, Bacon, Descartes e Spinosa para salientar os filósofos, nem por Harvey, Borelli, Leuwenhoek, Sv^ammesdan ou Malpighi para falar dos naturalistas. Outro tanto se poderia dizer das interpretações vitalis- tàs de Stahl e Wolf, de Blumembach e Barthez.

Mas, não dúvida que se entre esses meca- nistas, como nos mais modernos Magendie, Flou- rens e Claude Bernard, variantes de detalhe, há, mesmo, pontos novos de orientação filosófica, e um cada vez mais rico material scientífico, não dúvida iamos dizendo que no fundo, no íntimo, as concepções são as mesmas, as ideas gerais são idênticas.

(j Os corsi e os recorsi de Vico não explicarão tais ritmos?

Temos visto CDmo são divergentes, por vezes opostos, e até contraditórios, os conceitos que se teem apresentado acerca da história e as defini- ções que teem sido emitidas sobre esta sciência.

Ao passo que para alguns a história não não constitui, nem nunca constituirá, uma sciên- cia, tornando-se até, por vezes, um motivo de 3o

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blague literária como vimos com J. J. Rous- seau,— para outros, pelo contrário, ela é muito, é quási tudo, ela forma a base essencial da siste- matização dos conhecimentos.

Efectivamente, quando, em 1907, Hinneberg publicou a Systematische philosophie^ colocou a abrir o estudo de W. Dilthey sobre Considera- ções gerais^ que recorre à história para provar a unidade da filosofia, pois sendo esta uma função viva do homem e da sociedade forçoso é recor- rer à história para reconhecer através da multi- plicidade e da variedade das concepções a série e o encadeamento históricos.

E é assim que se chega a concluir a decadência da metafísica e o progresso da função filosó- fica com a sua tripla obra de sistematização que consiste em estabelecer, fundamentar e unifi- car as sciências particulares ; corresponder às ne- cessidades da humanidade de encontrar um ponto fixo, um estalão, no sentido da vida; e procurar a razão de ser desta.

3.° A metodologia genética da história a) Â metodologia genética e a metodologia pedagógica

Assinalado o lugar da história no quadro geral dos conhecimentos humanos e definida ela como a sciência que estuda «o conjunto das manifesta- ções da actividade e do pensamento humanos, consideradas na sua sucessão, no seu desenvol- vimento e nas suas relações de conexidade ou de

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dependência», vamos ver agora qual o método que essa sciência tem usado predominantemente na sua constituição e nas suas aquisições.

Acerca de cada sciência a considerar duas espécies de metodologias : a metodologia genética e a metodologia pedagógica.

Ao passo que esta última estuda e ensaia os métodos e processos a utilizar na transmissão, no ensino, na divulgação de cada sciência, a meto- dologia genética de uma especialidade scientífica estuda e indica os métodos e processos a utilizar na sua génese, na sua constituição, nos seus pro- gressos.

Se no ensino ou divulgação de uma sciência não houvesse que ter em conta a noção do tempo e outros factores, a metódica genética, a metó- dica pedagógica e a evolução histórica coincidi- rião, e a sciência seria ensinada pela ordem por que se veiu organizando e desenvolvendo, e uti- lizados os métodos e processos da sua constitui- ção.

É esse, em grande parte, o método da redesco- berta e do ensino activo, especialmente preconi- zado e seguido na instrução superior, pois tal lorma de ensino- demanda da parte de quem o ministra invulgares aptidões de criação scientí- fica e da parte de quem o tenha que receber uma cultura geral e uma boa ginástica do espírito, além de que uma tal forma de estudo pode ser viável em cursos muito especializados, demorados e de um pequeno número de estudantes.

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E, exposta a diferença entre as duas metodolo- gias, vejamos como se ctiega ao método das sciên- cias de espirito.

Sabe-se que o método das sciências matemá- ticas é mas não exclusivamente um método de dedução formal, indo do geral para o parti- cular^ ou melhor, indo de uma proposição para outra de extensão semelhante, e de uma razão para a sua natural consequência. E dizemos : não exclusivamente, porque como quere H. Poin- CARÉ entre outros matemáticos —no decurso da dedução figuram definições e raciocínios por recorrência, ou induções, sendo principalmente a esses elementos não-dedutivos que as matemá- ticas devem os seus enormes avanços (i).

b) O princípio evolucionista nas sciências naturais

Se bem que Lyell como diz Lapparent reagindo contra os exageros da doutrina dos ca- taclismos de CuviER apresente, no seu livro Prin- cípios de Biologia, as teorias das causas actuais e da evolução lenta, mas contínua, da face da Terra (2), é, principalmente, com Darwin que a teoria da evolução se torna mais concreta, e cresce de importância e de aplicação.

Efectivamente como afirmam Yves Delage e GoLDSMiTH foi uo fim do século xviii e prin-

(i) Ver Maximilien Winter, Note sur Vintuiiion en Mathéma- tiques, in Revue de Métaphysique et de Morale, 1908, pág. 921 a 925.

(2) Lapparent, Traité de Geologie, 1906, tomo i, pág. 11 e 12.

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cípios do XIX que a idea evolucionista começou a dominar nas sciências naturais (i).

É certo que no século xvii a invenção do microscópio e a descoberta da circulação fizeram entrar tais sciências numa fase de acentuado pro- gresso^ mas é no século seguinte que o estudo da embriologia e de outros capítulos especiais da sciência, e o grande número de descrições e es- tudos de detalhe proporcionaram uma enorme acumulação de material que esperava quem o organizasse, sistematizasse e soubesse tirar dele os ensinamentos convenientes (2). Coube parte dessa missão primeiro a Lineu e depois a Cuvier(3).

A Lineu devem as sciências biológicas uma classificação metódica, fácil e cómoda, se bem que artificial; mas os seus efeitos criacionistas segundo os quais atribula ao Ser infinito a cria- ção de tantas formas distintas quantas espécies

(i) Ver: Delage e Goldsmith, Les Théories de révolution, pág. 9.

(2) Haeffer, Histoire de la Zoologia.

(3) Garl Stumpf nos seus Philosophische Reden und Vortrãge, aparecidos em 1910, nota que, sob o ponto de vista histórico, a teoria da evolução penetrou no pensamento humano pelas sciên- cias do espírito como a linguística, a história do direito e não pelas sciências da natureza, e isso desde a antiguidade.

Gomtudo, foi depois da aplicação das ideas transformistas às sciências cosmológicas e biológicas que a filosofia e a moral notaram a importância do evolucionismo e utilizaram este. Se na moral o evolucionismo abriu novas e importantes vistas foi, especialmente, na psicologia que a teoria da evolução exerceu grande influência, e ainda no que se refere às relações do indiví- duo com o meio, às condições de adaptação ao meio, percepção dos sentidos, movimentos voluntários, etc.

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diferentes, ocupavam bastante o eminente lu- gar que êle podia ter na história das sciências naturais.

Mas, é justo recordar que para êle o homem longe de ter um lugar à parte na classificação zoológica aparece entre os animais antropomor- fos o que faz dele um precursor do transfor- mismo.

Com CuviER as concepções transformistas so- frem fundos golpes, mercê das suas teorias da fixa- ção das espécies e do desaparecimento violento e rápido de várias formas, e aparecimento de outras devido às revoluções do globo, isto é, às catástrofes geológicas.

Porém, estava reservado a um pensador ge- nial e a um poeta na mais elevada acepção da palavra a Goethe a iniciação das noções transformistas. Foi êle, efectivamente, quem, na sua obra Metamorfoses das plantas, aparecida em 1790, diz que no estudo e comparação dos ór- gãos deve salientar-se o que lhes é comum e a sua forma original^ e considerar todas as formas estudadas como produtos de tais modificações ou metamorfoses.

Por essa forma explica que em botânica todos os órgãos de uma planta resultam da metamor- fose de um : a folha, como em zoologia o crâ- neo é uma continuação e transformação da co- luna vertebral (i).

(i) Ao mesmo tempo Oken apresentava também a sua teoria vertebral do crâneo.

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Foi, porém, Lamarck o primeiro que tornou precisa a concepção transformista na sua Philo- sophie Zoologiqiie, publicada em i8og(i). trata êle da mutação das espécies sob a influên- cia do meio, do género de vida, do clima, da tem- peratura, da atmosfera, e do meio vivo formado pelas espécies vizinhas (2).

Também, em zoologia não foram os órgãos que condicionaram os hábitos e faculdades par- ticulares de cada animal, antes, pelo contrário, foram os seus hábitos a sua maneira de viver e as circunstâncias em que se encontraram os indi- víduos de que êle provem que, com o tempo, pro- duziram a forma do seu corpo, o número e o estado dos seus órgãos, etc.

Igualmente, as espécies derivam umas das ou- tras pela transmissão hereditária com as variações impostas pelas condições naturais. E o homem, longe de constituir um ser á parte, é o simples re- sultado da transformação dos quadrumanos, não tendo as suas faculdades mentais nenhuma ori- gem superior e sobrenatural, pois entre o homem e o animal não uma diferença de qualitativo, mas de quantitativo.

(1) DeI.AGE e GOLDSMITH, ob. cit., pág. 14.

(2) Acerca de Lamarck, ver a importante obra de Marcel Landrieu Lamarcky le fondateur dii transformisme, sa vie, son ceuvre, 1909, cxni-480 pág. É um trabalho notável, constituindo mais que a simples biografia do famoso naturalista, porque é uma verdadeira história natural do seu espírito, pois acompanha passo a passo a sua mocidade, a sua educação, os seus estudos, o aparecimento das suas ideas e concepções, e dos seus trabalhos.

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Estavam, pois, estabelecidos os grandes prin- cípios da causalidade e da evolução que dai por diante iam ser cada vez melhor constatados e comprovados. E certo que o famoso duelo scien- tifico entre Estevão Geoffroy Saint-Hilaire e CuviER na Academia das Sciências de Paris, em i83o, deu um aparente e transitório sucesso a esta ; mas o concurso dos geólogos, especialmente de Lyell, as descobertas da paleontologia, da pre-história, etc, vieram mostrar cada vez me- lhor que a razão estava do lado dos transfor- mistas.

c) o princípio da evolução em história

Em história tem sido cada vez mais preponde- rante o critério evolucionista das sciências natu- rais.

Mas, como diz Lacombe, não se imagine que os naturalistas criaram tal teoria pensando na história (i), nem que essa evolução é «une force intérieur qui pousse la nature à se transformer indéíiniment» como sustenta Xénopol ; e ainda «que c'est précisement la force de Tévolution qui le [un individu mieux donné] dote le mieux pour faire avancer les formes de la vie dans la voie du progrès» (2).

Nada disso. Substituir os milagres dos pro-

(i) Lacombe, Milieu et race, in Reviie de Synthèse Historique^ 190Í, pág. 35.

(2) Xénopol, Race et milieu. in Revue de Synthèse Historique, 1900, pág. 254 a 264.

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videncialistas ou as virtudes dos metafísicos pelas entidades e forças interiores de Xénopol é reinci- dir no mesmo erro, é insistir numa tautologia^ di- zendo que a evolução é a consequência da força evolucionista.

Xénopol é um partidário, e muito exclusivista, da história pragmática e diplomática, muito mais que Ranke ou Mommsen. Por isso, êle na au- toridade pública, no governo, no Estado, a prin- cipal condição do progresso humano, e «dans le dévelopement sociale et politique, que constitue la vie de TEtat, Télément principal de Thistoire» (i ).

O ilustre historiador romeno levando ao má- ximo o gosto das analogias e a miragem das for- ças ocultas chega a escrever : «Dans chaque règne 1'évolution emploie un certain nombre de forces secondaires par ie jeu desquelles elle se réalise. Dans le règne de Tinorganique, ce sont les forces mêmes qui soutiennent Texistence: les forces mé-

(i) o recern-falecido historiador romeno Xénopol, muito ilus- tre, bem conhecido, e algo discutido entre os historiadores pro- fissionais e os teóricos da história, apresenta por vezes teorias muito abstratas, e admite a existência de entidades metafísicas que o espirito objectivo e de positividade da sciência contempo- rânea repele inteiramente.

Assim, são cada vez mais inadmissíveis o seu conceito de raça e, ainda mais, do espirito e do génio da raça, e as suas hipóteses acerca do meio, segundo as quais o meio físico condiciona o de- senvolvimento dos povos, e o meio intelectual influe sobre esse desenvolvimento, sendo um dos principais agentes, e, ainda, que o espírito e o génio da raça de um povo dão origem ao meio moral.

Ora todas essas concepções inatas recalcam, por vezes, Xé- nopol para o grupo dos metafísicos das teorias históricas.

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caniques, physiqnes et chimiques . . . dans le règne de la vie matérielle ces sont : le milieu intérieur, rinstinct de conservation, la lutte pour Texistence, la sélection, la ségregation, rémigration, le croi- sement» (i).

Quanto à família humana, escreve: «Dans le règne de 1'esprit les forces sont : i ." Le milieu in- tellectuelle ; 2.° Tinstinct de conservation avec ses conséquences ; a) la tendance à Fexpansion ; b) la lutte pour 1'existence ; c) la réaction contre Tac- tion; 3.° la tendance à 1'imitation ; 4.° la force spéciale de Tindividualité ; 5.° le hasard».

Como se vê, aqui forças a mais. E, como ainda isso não fosse suficiente para dar à citada obra de Xénopol um aspecto nebuloso, muito mais próprio do trabalho de um filósofo, e espe- cialmente de um metafísico, que de um historia- dor, ainda êle admite com um carácter teleológico que nos desconcerta —toda uma série confusa as leis históricas : abstractas e concretas, leis de coexistência e leis de sucessão.

Diz Grotenfelt na sua Classificação de valores em história, que «não é possível tratar da história da humanidade sem fazer intervir os conceitos de evolução e de progresso».

Também, por vezes, se à evolução uma côr de apreciação, de estimativa. Ora, o verdadeiro sentido scientífico da evolução consiste na mu- dança continuada numa direcção determinada.

(i) A. -D. XÉNOPOL, Les príncipes fondamentaux de 1'histoire, pág. 285, etc.

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MoRiTZ Hartmman, como antes Mach diz Jankelevitch entende que «a lei da economia do pensamento humano exige que apliquemos ao estudo dos fenómenos sociais e históricos os mes- mos processos e métodos que estão em uso no estudo dos fenómenos naturais» (i).

Porêm^ ao passo que nas sciências naturais a teleologia e os conceitos metafísicos foram com- pletamente postos de parte, em sociologia e nas sciências sociais tal não se ainda quer pela complexidade delas quer pelo estado nascente em que se encontram.

Comtudo, é de notar que no estudo da vida pre-histórica e dos fenómenos etnográficos tem- se posto de parte os pontos de vista finalista^e psi- cológico para se atender à explicação causal.

Os pensadores e homens de sciência estão dando crescente importância ao papel do acaso em sociologia, e, especialmente, no estudo dos povos primitivos, e pondo de parte a teleologia.

Assim, os dois grandes móveis que condicio- nam a evolução do mundo biológico, como a concorrência vital e a adaptação das espécies, significam os factos de observaçãojmediata de determinados indivíduos serem mais capazes que

(i) Carl Stumpf, na sua obra PhUosophische Reden itnd Vor- tràge, ao tratar de A idea da evolução na filosofia contemporânea, salienta como dissemos os progressos que a noção de evolução tem proporcionado à psicologia, e diz que, sob o ponto de vista histórico, tal teoria penetrou na corrente do pensamento contemporâneo não pelas sciências da natureza mas sim veiculada pelas sciências do espírito, tais a linguística e a história.

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outros de resistirem a influências nocivas do meio e de solicitarem desse meio determinados ele- mentos, e não demonstram, por forma alguma como entendem os teleologistas o desejo de atingir quaisquer determinados fins úteis ao indi- víduo ou à espécie.

Assim, postas de parte, cada vez mais, as hi- póteses de finalidade, e admitido, com Mach, Bu- CHER e von der Steinen, a acção ou, pelo menos, a explicação do acaso, chega-se à concepção do mecanicismo da vida social e daí da vida polí- tica, e portanto da existência histórica da huma- nidade.

Se as questões das raças são simples fenóme- nos de adaptação e da influência do meio, fora de toda a influência superior^ mística e mítica, conclui-se que a organização e evolução dos agrupamentos humanos com a sua trajectória hesitante e contingente através do tempo são fun- ções do acaso, do acaso que os pôs em presença de condições favoráveis ou não à sua persistên- cia e ao seu desenvolvimento.

É ainda a adaptação e a concorrência vital que explicam a divisão do trabalho e a luta de classes, e são elas que determinam a forma ou a evolução histórica pela concorrência dos dois princípios: o de natureza estática e o de carácter dinâmico, tornados depois, segundo a fórmula da vida política das sociedades civiUzadas, em ordem e progresso.

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d) O método das sciêncías naturais e o método das sciêncías históricas

Se bastantes historiadores, a partir dos fins do século XVIII e através do século xix, teem pre- tendido aplicar à história os métodos das scicn- cias, e estudar as sociedades humanas com o mesmo espirito com que se investigam e conside- ram os aglomerados da flora e da fauna, outros que negam tal ponto de vista e que repelem tal misoneismo de métodos de estudo (i).

E, porêm^ de notar que não faltam ainda hoje teóricos da história que aproximam as sciências biológicas das históricas (2).

(1) Entre os que repelem tal misoneismo encontra-se o dr. Jankelevitch que num Esscii de critique sociologiqiie du darwi- nisme, publicado na Revue Philosophique, Maio de 19 12, atri- bue ao darwinismo a emiscuição de princípios e leis da biologia nas sciências sociais e, como reflexo, da influência de critério dela no estudo e elaboração das sciências sociológicas.

Entretanto, o autor reconhece um terreno comum à biologia e sociologia : o da biologia social, ou sciência da população.

(2) Bernheim, em várias passagens do seu Manual de metodo- logia histórica, identifica a história com as sciências naturais, di- zendo que quando se trata de conhecer o desenvolvimento dos seres vivos, mesmo no campo da natureza, aparece o conheci- mento do individual que é o facto característico do conhecimento histórico.

Mais adiante, escreve que para se considerar a teoria darwi- nista da descendência como uma vitória da sciência não se pode negar o mesmo carácter scientífico à história que pela mesma forma procede.

Assim, a história é tão sciência como a biologia «que tem por objecto a explicação causal dos fenómenos do desenvolvimento orgânico».

RiCKERT entende, também, que o método das sciências natu- rais e o da história se interpenetram e correspondem, pois a bio-

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Mas^ a maioria, talvez, segue um critério oposto.

Entre os que mais tenazmente teem negado a aplicação profícua dos métodos naturalistas às sciências históricas encontram-se Xénopol e Hein-

RICH RlCKERT (l).

por várias vezes temos tratado neste capí- tulo do ilustre romeno, ocupemo-nos, por agora, do segundo : de H. Rickert (2).

logia filogenética não é mais que uma exposição histórica dos fenómenos corporais. Ver Revue de Synthèse Historique, tomo xi, pág. 146.

Efectivamente, entre a história orgânica ou natural e a história humana manifestos princípios de identidade, pois os princí- pios do individual e do não-repetitório caracterizam toda a evo- lução, seja ela cósmica, biológica, humana ou social.

Assim, tais sciências da natureza são ao mesmo tempo sciên- cias de sucessão no tempo e de repetição no espaço.

(i) Ver: L'idée d'iine philosophie sociale comme synthèse des Sciences historiqiies et sociales, artigo de W.-K. Kozlowski in Re- vue de Synthèse Historique, Outubro de 1908, pág. i33.

(i) Também o professor Fougeres, da Faculdade de Letras da Universidade de Paris, num discurso pronunciado naquela escola, perguntava em 1904 se a história pode exigir o título de sciência «apropriando-se indevidamente dos processos ou teorias de certas sciências da natureza». E respondia que não.

Explicava êle : «As modalidades práticas da investigação, as aplicações do método são determinadas pelo carácter especial do objecto estudado ; elas não podem ser adaptadas tais quais ao estudo de um objecto diferente. O historiador, o sociólogo que se vangloriam de aplicar às suas investigações o método e a ter- minologia do naturalista cedem a uma ilusão pseudo-scientífica e entonam-se com aparências verbais».

A seguir, aconselha aos historiadores que, em vez de se inspi- rarem nos processos respeitantes às outras sciências, utilizem so- mente os da própria sciência: a história.

Já, anteriormente, num discurso pronunciado também na Sor- bonne, G. Lanson havia manifestado as mesmas ideas.

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Efectivamente, Rickert num estudo seu sobre Os quatro modos de « O Universal em História » , argumenta largamente contra a utilização nas sciências históricas dos processos usados pelos químicos e pelos zoologistas, primeiro porque «os grandes historiadores de todos os tempos empregaram um método completamente diferente do das sciências naturais», segundo, porque «as sciências da natureza e a história diferem de tal modo entre si pela sua mais intima essência que elas não podem de nenhuma forma usar do mesmo método». Acrescenta que «o historiador as cousas sob outro ponto de vista que o cultor das sciências naturais, e que é precisamente nessa distinção do ponto de vista que reside a signi- ficação da sua obra».

A seguir, aduz ainda «que a história não é uma sciência especial que se distinga das outras sciên- cias apenas pelo seu objecto», mas que ela é «um modo da concepção do mundo como lhe chama Xénopol». E conclui o seu raciocínio escrevendo : «A história seria pois destruída na sua essência e na sua significação pelo emprego do método das sciências naturais».

E, mais adiante, acrescenta que entre a história e as outras sciências, e em particular as sciên- cias naturais, existe «um contraste fundamen- tal» (i).

Ora, se Rickert tem razão quando distingue a

(i) In Reviie de Synthèse Historique, tomo ii, pág. 122.

48o

história dos outros agrupamentos scientíficos, nenhuma justificação de peso pode apresentar quando afirma que entre' uma e outras existe o tal «contraste fundamental».

A afirmativa do historiador alemão basea-se numa falsa concepção que êle como Xénopol tem da história.

Assim, sustenta Rickert que as outras sciên- cias são sciências do universal, que «a expressão do Universal é o fim constante das sciências na- turais», ao passo que o particular, o individual, é a característica da história, como esta tem sido escrita até agora acrescenta cautelosamente (i).

Por esta forma chega êle a definir como sa- bemos — a história : «A sciência do individual, do que se produ^ uma ve^, em oposição às sciências naturais que teem por objecto o universal, o que reaparece sempre com os mesmos caracteres» (2).

Mas Rickert não fica por ali^ e vai de raciocí- nio em raciocínio até negar à história carácter scientífico, pois escreve êle: «se nos afastarmos do Universal a sciência torna-se impossível», e adita : «toda a sciência tem necessidade do Uni- versal» (3).

(i) Rickert em outra obra a que aludimos neste capítulo acerca de Os limites da formação dos conceitos à maneira das sciências naturais, introdução lógica às sciências históricas, apare- cida em Fribourg-en-Brisgau, em 1896, estabelecia a diferença en- tre a história e as sciências naturais.

(2) In Reviie de Synthèse Historíqiie, tomo 11, pág. i-iò.

(3) Rickert, mais tarde, na Filosofia da História, aparecida

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Mas, reparando a que consequências o podia levar a extensão do seu raciocínio, esclarece que w o facto de toda a sciência ter necessidade do Universal não prova que toda a sciência tenha igualmente por objecto construir um sistema de conceitos universais, como o fazem as sciências naturais e a psicologia». E acrescenta: «A ex- pressão Universal é, certamente, muito equivoca».

Comtudo, longe de desfazer o equívoco au- menta-o sempre, constantemente, através do seu estudo e não deixa de dizer mais adiante que o Universal é indispensável a toda a sciência. Mas, fiquemos socegados que à história não falta o tal Universal, antes pelo contrário.

RiCKERT propóe-se mostrar no seu artigo «que não menos de quatro modos diferentes do Uni- versal em toda a exposição histórica».

Efectivamente, constatando que os juízos em história, como nas outras sciências, são sempre universais o primeiro modo do Universal, pois a história como a poesia exprimem o indivi- dual por meio de sinais gerais. Mas logo acres-

em Heidelberg, em igoS, insiste que a identificação que se faz da história com as outras sciências de leis resulta de um equívoco. Assim, tem-se entendido que, necessitando a história explicar a sucessão dos factos pelo recurso à lei da causalidade que é uma forma lógica faz-se entrar esse organismo na categoria das disciplinas que assentam em ideas gerais ou leis, porque se confunde a idea de causalidade com a de lei. Se é certo que a relação causal tem geralmente uma aparência de lei, não dú- vida que ela em história não passa daí, pois tal relação de causa- lidade é sempre individual, porque em cada caso se explica um fenómeno. 3i

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centa que ao passo que «para as sciências natu- rais o universal é ojim, para a história êle é, pelo contrário o meio, e o seu fim será a expressão do individual» (i).

Quanto ao segundo modo do Universal é êle constituído pelo critério da escolha, pelo princi- pio da selecção, tendo em vista concluir «quais são os estados e os acontecimentos individuais verdadeiramente essenciais».

Ora, o autor diz que nas sciências naturais esse principio de selecção encontra-se em «a comparação dos objectos para pôr em relevo os

(i) Xénopol apesar de acompanhar muita vez Henrique Ri- CKERT nas suas teorias e nos seus pontos de vista não deixa de notar uma importante lacuna neste ponto da concepção do afa- mado professor da Universidade de Fribourg.

Ao passo que este ao individual uma significação íntima, objectiva, estrutural, Xénopol depois de dizer, e logicamente, que o elemento característico do facto histórico é o tempo, e que a história desenvolvendo-se no tempo por esta noção se pode explicar, esclarece que «não é o conhecimento do individual por si que determina o conhecimento da história, mas sim o das transformações que o tempo impõe aos fenómenos da realidade».

E, mais adiante : «O individual, pois, na concepção histórica, é uma consequência da intervenção modificadora do tempo».

E ainda : «... ela estuda o individual como produto das transformações do tempo«. In Revue Philosophique, Outubro de 1900.

Assim, para Xénopol o que indxviduali-^a os fenómenos em história factos, homens, sociedades é que eles são indivíduos em função do tempo, isto é, o mesmo indivíduo pessoa ou agregado constitue nos diversos momentos uma serieção de indivíduos sob o ponto de vista histórico. Como se vê, Rickert é muito confuso neste ponto.

Ver Xénopol, Les sciences naturelles et riiistoire^ in Revue de Syntèse Historique, tomo v, pág. 279 a 282.

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caracteres idênticos». E acrescenta imediata- mente : «Quem claramente isso nota logo a di- ferença entre a história e as sciências naturais».

Ora, exactamente porque nós não vemos que a comparação seja um principio de selecção limi- tado ao domínio das sciências naturais, antes, se nos depara o método comparativo aplicado a todas as sciências desde as matemáticas às sciên- cias sociais, é que estamos longe de ver clara- mente que seja precisamente a comparação que diferença a história das sciências naturais. Mas, adiante.

Depois, insiste Rickert que «não senão uma sciência que quere abraçar da mesma forma toda a realidade, que possa ter interesse em construir todo um sistema de conceitos gerais».

E logo adita : «Mas a história renunciou sem- pre a uma exposição universal desta natureza».

E continua : «Os acontecimentos e os objectos pelos quais a história se interessa distinguem- se precisamente pelo seu carácter particular e indi- vidual das cousas com os quais as sciências na- turais os reuniriam sob um mesmo conceito geral».

Rickert não nega que a história também com- pare, que ela compare homens e povos ; mas, se faz isso não é para descobrir neles «os caracteres universais da humanidade», antes sim para con- cluir o caso individual, o caso particular e «hu- mano».

Porem, a história se pode ocupar do que tem

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uma importância universal, ao que logo responde subtilmente Rickert, dizendo: «O que tem uma importância universal não tem, necessariamente, um conteúdo universal», acrescentando, sibilina- mente : «a história tratará das cousas individuais e particulares, precisamente por que ela tem por objecto o que oferece uma importância univer- sal».

A seguir, o teórico alemão deixa escapar algu- mas palavras sobre a teoria do grande homem, escrevendo : cA existência é importante para todos graças aos principais caracteres que o dis- tinguem de todos».

Ora a nós e estamos em boa companhia com A. GoMTE, Teófilo Braga, Paul Lacombe, etc. sempre nos pareceu, exactamente ao contrário do que afirma Rickert, que o grande homem seja no campo da arte, da sciência, e da acção poli- tica, social ou outra o é porque individua- liza os sentimentos, as aspirações, ou as necessi- dades do seu meio social.

Mas mais. Diz, e muito bem^ Paul La- combe : «Para que um homem excepcional pro- duza uma acção fecunda em consequências, é necessário que êle tenha em torno de si uma certa quantidade de similitudes».

E acrescenta : «E é destas similitudes que êle se utiliza para estabelecer a novidade que não é nunca absolutamente nova».

E insiste: «Quando um homem excepcional vence, é porque êle s'est aidé contra a parte re-

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sistente do meio de uma outra parte deste meio, de um certo número de homens tendo entre si, e consigo próprios^ sentimentos comuns, ou ideas, ou aspirações ou hábitos comuns» (i).

E esta parece-nos a boa doutrina. O ho- mem que RiCKERT admite, em história, com os caracteres distintos de todos os outros homens não é o homem da história : é um ser anormal, uma unidade de museu, um homem de manicó- mio. Mas, prosigamos.

O segundo modo do Universal, em história, conforme o teorizante alemão, consiste no princí- pio universal de selecção pelo qual se distingue o que é histórico do que o não é. Mas, nota que esse princípio de escolha não é o objecto ou fim da história, é o meio que ela utiliza, ao contrário do que sucede nas sciências naturais.

Porém, RiCKERT cai logo em nova dificuldade, pois negando ao objecto e fim da história carac- teres de universalidade, torna pessoal, e por isso arbitrária, a solução do problema da determina- ção dos valores, isto é, da selecção do que é es- sencialmente histórico» (2).

Efectivamente, como para Rickert, é histó- rico o que tem uma compreensão universal^ sucede que o que para uns poderá ter esse alcance para outros pode deixar de tê-lo.

(i) Paui. Lacombe, UHistoire comme science, in Revue de Syn- ihèse Historique^ tomo iii, pág. 4.

(2) Adiante trataremos deste importante problema da deter- minação dos valores em história.

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O terceiro modo do universal em história é cons- tituído pela noção do meio uno e universal, e do conjunto de um facto ou de um objecto com os outros, da sua influência mútua, da sua depen- dência reciproca.

Assim, quem diz história diz «complexus uni- versal». Mas, logo explica que isso não passa da relação de uma parte com o todo, e não da relação de um exemplar com o conceito universal o que é próprio das sciências naturais.

A seguir Rickert, sempre subtil, distingue um todo concreto de um conceito abstracto^ como se a noção do todo não fosse um conceito, e a expres- são conceito abstracto não fosse pleonástica.

O quarto modo do Universal consiste, segundo Rickert, na universalidade dos conceitos em his- tória, isto é, na admissão de «conceitos de con- teúdo universal» para representarem ou exprimi- rem o «complexus universal», o meio total e o ser colectivo que constituem o terceiro modo do Universal de que tratamos.

Mas, para Rickert, «o todo é bem alguma cousa de individual» e na representação do com- plexus universal, «a cada parte individual corres- ponde um conceito individual». E ainda: «os conceitos do Universal e do particular são j quem tal diria ! relativos^), e admite j cousa extranhamente subtil! um conceito universal mais universal que outro conceito universal.

Todavia, acrescenta logo, se a história admite também a formação de conceitos gerais como as

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sciências naturais, estas podem permitir a for- mação de um sistema desses conceitos.

Eis, pois, sucintamente expostos, os quatro fa- mosos modos do Universal em história, que não passam de outros tantos simples e verdadeiros modos do relativo e do particular {i).

Como se acaba de ver, tudo nesta teoria de RiCKERT é muito engenhoso e subtil, mas não tem uma base verdadeira, real, objectiva.

A história de que êle tanto fala e que tanto distingue das sciências da natureza, é ainda a velha história chamada dos factos e dos homens mais importantes.

Mas, mesmo essa história narrativa, mesmo essa história discritiva, não apresenta, como sciên- cia, uma grande diferença das sciências naturais como insistentemente afirma Rickert. Assim como êle compreende a história esta é a sciência do individual, do què não se repete. Mas o que parece suceder uma vez não é, na maioria das vezes, senão uma repetição de casos anterior- mente sucedidos, com uma ou outra variante.

Por sua vez as sciências da natureza estão muito longe de ser simplesmente sciências de re- petição como acham Xénopol e Rickert, pois as mudanças de meio e de momento imprimem va- riantes aos fenómenos.

(i) Ver: Henrich Rickert, Les quatre modes de V Universel dans 1'Histoire, in Revue de Synthèse Historiqiie, tomo 11, pág. 121 a 140.

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Também, o que dissemos acerca dos grandes homens mostra as ilusões de Rickert quanto à sua teoria do individual em história.

jDe resto, se tudo em história fosse individual, novo, irrepetível para que estudar a história se- não por simples passa-tempo ! j Para quê tanto trabalho acumulado se os estudos históricos não nos fornecem precedentes para a compreensão e o juízo dos acontecimentos seguintes, emíim, para a previsão de factos ! ( i )

c) o método histórico

Apesar de estar ainda por escrever a história do método histórico não dúvida que foi no século XIX que a historiografia começou a ser pre- parada, elaborada e escrita por uma forma mais objectiva, metódica, scientífica.

Gomo se sabe, durante muito tempo a história foi escrita com intenções políticas, religiosas e morais, ou com objectivos filosóficos e artísticos, e, por isso, quási sempre por uma forma parcial, apaixonada, tendenciosa. ultimamente é que a história começou a ser considerada, e, por tanto, cultivada e escrita como um género literá- rio, com um objecto inconfundível, com um fim próprio, em si, isto é, como uma sciência.

Mas, repetimos, no decurso do século xix é

(i) De resto, o próprio historiógrafo alemão não deixa de re- conhecer— i era o que fahava 1 que o campo das sciências da natureza não é imutável, se bem que se altere muito menos rapi- damente que o domínio das sciências do espírito.

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que se deu corpo ao pensamento antigo de Vico, segundo o qual fora do tempo e do espaço não verdade absoluta, mas uma verdade viva e mó- vel através das formas individuais e concretas da história, assinalando ao conhecimento dos factos históricos o mesmo valor que ao conhecimento do verdadeiro.

Modernamente, em que a história deixou de ser um meio de discussão e divulgação de ideas políticas, e princípios religiosos ou outros, para constituir, por si, um fim, natural é que mui- tas atenções se voltassem para ela e lhe fixas- sem um método e um conjunto de regras pró- prias do seu objecto e consentâneas com os seus fins.

Efectivamente, foi com o forte desenvolvi- mento dos estudos históricos no século xix que se tornou possível o aparecimento das obras de me- todologia como o Manual de Metodologia Histó- rica de Bernheim, a Introdução aos estudos histó- ricos de Langlois e Seignobos, etc.

Antes disso, desde Aristóteles até Voltaire e MoNTESQUiEu, as obras que apareceram de teoria da história^ nada deixavam antever sobre a orien- tação que tais estudos haviam de tomar mais tarde e o carácter e os assuntos das obras acima citadas.

Como diz GiovANNi Gentile numa interessante Contribution à 1'histoire de la métode historique: «durante todo o período do classicismo renovado que vai dos séculos xvi ao xviii as teorias historio-

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gráficas giraram em volta do conceito da história e da arte da representação histórica» (i).

É exacto, além de que não apresentam origi- nalidade, pois, das conhecidas, quási todas são, com fracas variantes, meros desenvolvimentos dos capítulos IX e XXI da Poética de Aristóteles, do De Oratore e do Brutus de Cícero, das Institu- tiones de Quintiliano, etc.

São, entretanto, numerosos os trabalhos de tal natureza aparecidos desde os fins da primeira metade do século xvi (2).

Assim, em 1 548 aparecia, em Florença, a obra de Gristoforo Mileo De scribenda universitatis rerum história^ e no mesmo ano e na mesma ci- dade publicava-se o De scribenda historia de Fran- CESco RoBORTELLi ; com o título de De Conscri- benda história aparecia em Bolonha, em i563, a obra de Cecco Ventura; em iSõq publicava-se

(i) In Revue de Synthèse Historique, segundo semestre de 1902, pág. 129 a i52.

(2) Karl Lamprecht, depois de dividir o método histórico em método superior e inferior, e de afirmar que este último com- preende as operações destinadas ao estudo das fontes e dos docu- mentos, diz que esse método inferior, depois de várias hesitações, começou a ser apHcado nos séculos xv e xvi, mas que no sé- culo XIX, com os trabalhos de crítica das fontes, de Schlõzer e NiEBUHR, quanto à historiografia alemã, é que êle «foi fixado nos seus pontos essenciais».

Foi no século xviii diz o mesmo historiador que «se começou a abranger com uma vista mais geral o desenvolvimento da história da Europa, e no mesmo tempo se passou por um pro- gresso contínuo quanto às comparações até então em uso, às apro- ximações gerais mais extensas. . .».

In Revue de Synthèse Historique, 1900, pág. 21 a 23,

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em Anvers um outro De scribenda historia^ sendo seu autor António Viperano; e em 1674 aparecia em Roma o De ratione scribendce historiae.

anteriormente, em 1620, viu a luz em Paris um Discours des vertus et d es vices de Vhistoire et de la manière de la bien écrire, de Le Roy de Gom- BERViLLE ; em 1623, publicava-se em Leyde a obra de Voss De arte histórica^, seu de historiae natura historiaeque scribendae praeceptis; e, em 1 69 1 , Paris via aparecer o tratado De la manière d'écrire Vhistoire nos Divers traités de Métaphisi- que, d'Histoire et de Politique.

O historiógrafo depois de citar estas obras comenta-as, escrevendo :

«Como se vê, trata-se sempre da maneira de escrever e não da forma de reconstruir a história, de redescobrir a verdade histórica ; era sempre um conjunto de preceitos respeitantes à forma, e não um método respeitante à aquisição da maté- ria histórica».

Actualmente, as operações básicas do conheci- mento histórico cifram-se na heurística ou in- vestigação dos documentos, na crítica ou depu- ração deles, e na construção histórica que é a série de operações sintéticas tendo por íim orga- nizar as fontes isoladas, testemunhadas pelos do- cumentos, num corpo de sciência. Mas, isso actualmente se porque nos tempos e nas obras a que nos reportamos acima, supondo-se co- nhecida a verdade histórica, se cuidava da forma, da disposição mais ou menos lógica, hábil

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e artística, e do descritivo melhor ou piormente imaginado.

Qaere dizer: a. Ars histórica dos teóricos desse tempo começava onde acaba actualmente a me- todologia — o que equivale a dizer que não cui- davam em tal departamento do trabalho histo- riográfico.

Exposta, em poucas palavras, a evolução do método histórico e notadas as diferenças profun- das, radicais, entre o ponto de vista, os intuitos, as características, as operações lógicas ou ideais e materiais ou objectivas, da antiga ^rí histórica e do actual método histórico, é chegado o ensejo de estudarmos este mais de perto, com algum de- talhe e com a possível precisão.

Sendo a história a sciência das sociedades hu- manas civilizadas o método histórico às sciên- cias do espírito humano se pode aplicar. Ele deve, como faz o método positivo, o método ex- perimental, abandonar tudo o que se refira à essência das cousas, à sua natureza íntima, à sua origem primeira, à sua finalidade, e limitar-se o que é bastante a estudar as diversas ma- nifestações da actividade humana no passado, bem como as do pensamento, e as do sentimento religioso, moral e estético, definindo as suas rela- ções, as suas características, e deduzindo, até, as as suas leis(i).

(i) Ver Abel Rey, Les Sciences Philosophiques, 2." edição, pág. ji3&yiç).

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O método histórico nas suas três séries de ope- rações— analíticas, críticas e sintéticas é um método positivo, concreto, scientííico. Se alguns espíritos metafísicos teem querido dirigir o mé- todo histórico noutro sentido a responsabilidade é deles e não do método (i).

Porém, o professor inglês Sidgwick, levando muito longe a sua crítica ao método histórico, diz que este tem tido em mira solucionar os proble- mas filosóficos, como se tal método pretendesse satisfazer as questões insolúveis sobre a imorta- lidade da alma, a existência de Deus, a origem dos seres, etc.

Não. Esse método não pretende entrar no estudo de tais problemas nem, sequer, interferir no campo da moral como sciência normativa da conduta humana, julgando os homens e os acon- tecimentos sob o ponto de vista ético.

Os juízos de valor em história como adiante

(i) Efectivamente, é grande a confusão quanto ao significado concedido à expressão método histórico. Ao passo que os eru- ditos e os investigadores o definem como um conjunto de regras e processos de investigação, de crítica, de síntese e reconstitui- ção históricas^ para os teóricos, e para os antigos filósofos da história assim não é.

Outros, emfim, classificam a história como uma sciência indu- tiva especial. É neste sentido que, parafraseando Voltaire que dizia que em literatura todos os géneros são bons excepto o gé- nero enfadonho, escreve Fustel de Coulanges que em história todos os géneros são bons, com excepção do género falso, acres- centando que «todos os métodos são bons comtanto que o espí- rito scientifico domine e vivifique». In Reviie de Synthèse His- toriqiie, tomo vn, pág. 261.

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veremos não pretendem julgar sobre a signi- ficação e o alcance moral seja do que for: eles cuidam de considerar o que é e o que deixa de ser assunto histórico, isto é, tratam de es- pecificar os limites do conhecimento histórico.

Mas, nem por isso o método histórico deixa de ser útil e necessário, porque se êle é incapaz de resolver os problemas das origens, da natureza e fim da humanidade, e o da essência do ser hu- mano também o método experimental, que é a última perfeição no campo da objectividade, não resolve as questões sobre a essência da força, do calor, da luz e da electricidade, e ninguém negará à mecânica, à termologia, à óptica e à electro- logia os foros de sciências.

O que é interessante é que acoimando-se o método histórico ora de metafísico ora de inútil logo se diz di-lo Sidgwick que é na ética, como na politica, que se encontram algumas das verdades absolutas que devem dirigir as socie- dades para os seus últimos objectivos e fins ; e, porque tais fins não são nem leis nem fenómenos, o método histórico nada lem com eles. Por isso, se a história pode ser um auxiliar da moral e da política, especialmente desta última, a sciência política não pode basear-se na história (i).

(i) Também o historiador alemão Karl Lampbecht num seu estudo sobre o método histórico na Alemanha sustenta que «para compreender um século nos seus detalhes é necessário conhecê-lo no seu conjunto, isto é, conhecer o seu carácter psicológico e o seu estado de civilização». In Revue de Synthèse Historique, 1900, pág. 27.

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A história pode dizer-nos o que tem sucedido e pode acontecer, mas não pode aconselhar o que aqui e agora se deve fazer.

Deste modo, concluem alguns que não consti- tuindo a história a verdadeira base scientifica da politica, deve procurar-se tal base fora dela, no conhecimento da finalidade das sociedades.

Assim, ao passo que Freemann e Seeley con- fundem a história com a política, Sidgwick nega que a história possa servir de base àquela.

Como diz o professor Pasquale Villari, e é certo, está o ponto fraco da teoria dêste. Na verdade, se a história não pode constituir a base da política, pois esta deve concluir-se do fim úl- timo de uma sociedade, não dúvida que é à metafísica que se devem ir buscar os elementos para formar tais bases, que assim ficarão muito movediças e contingentes.

Ora isso é, pelo menos, um paradoxo, porque a base de tal sciência política nada teria de scien- tífico, e assim a política variaria segundo os sis- temas e as escolas filosóficas o que nunca se viu nem se pode admitir.

o estudo da sociedade pode servir de base à política que tem por objectivo dirigir, gover- nar e administrar os agregados humanos organi- zados em Estados. E o estudo das sociedades nas suas diversas formas de governo e de admi- nistração, nas suas manifestações especulativas, políticas, económicas e sociais, é o objecto da história^ da etnografia, e, sob uma forma sinté-

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tica, da sociologia. É, pois, a história que fa- zendo-nos conhecer o caminho percorrido pela humanidade e a marcha da civilização, nos for- nece os elementos para as previsões.

SiDGWiCK insiste que se é certo que a história for- nece esses elementos não fornece nem o pode fazer, por não ser uma filoscfia regras de con- duta sem as quais a politica nunca poderá con- cluir qual a orientação e o sentido a dar às so- ciedades nem os objectivos aos quais a vida des- tas deve satisfazer.

Pasquale Villari corrobora tais dificuldades da questão, e acha que «há um elemento que es- capa igualmente ao rigor do método histórico e ao do método experimental, sendo isso que im- pede que as sciências sociais e morais atinjam a certeza e a precisão que poderam alcançar as sciências matemáticas e naturais».

Até está bem; mas o que é estranho é que o eminente professor italiano recorra para resol- ver a questão a um elemento maximamente sub-^ jectivo, e, por tanto, transitório, contingente e precário : a consciência.

Assim, escreve êle : «Mas o problema não se resolverá;, julgo eu, sem à obra da razão e da sciência se juntar a da consciência, que também revela verdades».

E para justificar o estranho apelo à consciên- cia escreve: «Tal como os fenómenos de arte ficam inconcebíveis, inexplicáveis pela sciência sem o sentimento do belo, do mesmo modo ficam

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incompreensíveis os fenómenos morais e sociais sem o sentimento do bem e do dever que nasce, que cresce, age em nós pela sua virtude intrín- seca e não apenas pela força do raciocínio».

E sem mais nada explicar, depois de haver eriçado de dificuldades lógicas a sua justificação, como que sentindo remorsos por tal afirmativa, escreve : «Não é isso um conhecimento scientí- fico, mas é o mais seguro, ou, pelo menos, o único ao qual possamos recorrer emquanto a sciência não tiver encontrado um meio de resol- ver por outra forma o problema» (i).

Uma das mais altas funções da sciência e da filosofia que é o saber totalmente unificado deve ter em vista, sem cortar a continuidade e a coordenação das sciências, fixar, tão precisa e concretamente quanto possível, o objecto ou ob- jectos de cada uma, os métodos e processos que elas utilizam, e os hmites que as circunscrevem cada uma e a separam das outras.

Ora, uma das sciências que mais envolvida está ainda em obscuridades, e que mais mistu- rada e mais confundida com as outras tem sido, é, sem dúvida a história substantivo verdadei- ramente colectivo para significar todo o grupo de sciências que estudam o passado e a evolução da humanidade.

É, pois, necessário delimitar o âmbito da his-

(i) Pasqiiale Villari, L'histoire esi-elle une science? in i?e- vue de Synthèse Historique, tomo iv, pág. \y5 a 190.

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tória ou, melhor, das sciências históricas, e escla- recer, determinar e fixar a natureza e os caracte- res do método histórico.

Nem as sciências da natureza devem pretender aplicar estritamente os seus métodos caracterís- ticos às sciências do espirito, e, portanto, à his- tória; nem esta deve, por sua vez, tentar aplicar o método histórico às sciências naturais. A his- tória não será nunca uma filosofia, uma sciência natural ou matemática disse Pasquale Villari.

E necessário que a história não pretenda ser mais que o que é na realidade, para ser inteira- mente e completamente o que deve ser.

Como disse Fustel de Coulanges e é exacto cada sciência tem os seus meios de investiga- ção que lhe são peculiares. A geometria tem a dedução, a química tem a experimentação, a geo- logia tem a observação. A história não tem ne- nhum desses propriamente, mas utiliza a análise, a síntese, a indução e a generalização.

Porém, é pelo estudo dos factos que ela atinge o seu fim. Esses factos, pela própria natureza de tal sciência, nunca lhe são presentes, tendo que os estudar por intermédio dos seus vestígios, dos seus indícios, através dos testemunhos deles, isto é, dos documentos (i).

(i) Os irmãos Mortet classificavam os documentos ou fontes históricas pela forma que está hoje generalizada, e que é a se- guinte: i.° restos materiais do passado constituídos por pe- daços de ossos, utensílios, vestuário, armas, edifícios, obras de arte e industriais j 3.° documentos simbólicos que constituem os

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Se bem que não seja a história a única sciên- cia que utiliza o testemunho, pois o mesmo fazem a geologia, a paleontologia, a psicologia, a peda- gogia e a jurisprudência, não dúvida que é êle que constitui a base única do conhecimento histórico, isto é, do conhecimento do passado (i).

Ao passo que as outras sciências enumeradas se podem ocupar dos factos no momento preciso em que eles se realizam, com excepção das sciên- cias paleogeográíicas, etc, a história pela sua índole, como sciência deposição no tempo em rela- ção ao investigador se ocupa dos aconteci- mentos depois deles se haverem passado, tendo como objectivo reconstituí-los na sua integridade, e, até, possivelmente, na sua integridade.

sinais representativos das impressões psicológicas sentidas pelos contemporâneos, e que se podem dividir em monumentos figurados como baixos relevos, pinturas, medalhas, moedas, selos, etc.j ou em documentos escritos para constatar factos, descrevê-los ou apreciá-los como as inscrições, documentos oficiais, anais, cró- nicas, descrições, memórias, correspondências, obras literárias, etc. ; 3.° vestígios morais, isto é, restos do passado que sobrevi- vem na linguagem, as crenças, os usos, as tradições orais, etc». In voe. Histoire, da Grande Encyclopédie, tomo xx.

(i) deixamos dito a pág. 899 a crescente importância que estão tendo em história os estudos sobre a psicologia do testemu- nho. Acerca da história desses estudos ver os artigos de Ber- NHEiM e de André de Fribourg citados.

Se bem que sobre esta questão um ou outro autor houvesse sugerido algumas ideas, ela começou a ser estudada depois de Ranke haver recomendado que : «antes de tudo procure-se sa- ber, de todas as testemunhas, qual é a que possue um conhecimento geral das cousas» ; e muito modernamente é que se teem feito sobre o assunto trabalhos sistemáticos, em que hão colaborado a psico-pedagogia e a psicologia judiciária.

Soo

Sendo, assim, a história uma sciência especial, sui generisy nem aplica um método puramente dedutivo e demonstrativo, nem um método ex- clusivamente indutivo e experimental. Isto é, ela nem é uma sciência exclusivamente de dedu- ção, nem completamente de demonstração ; ela não parte de definições, nem se inicia sobre axio- mas, emfim, não emprega o silogismo; e se o ra- ciocínio acompanha o labor mental da investiga- ção histórica, não é essencial: é um mero auxiliar, posto que, por vezes, importante (i).

Não dúvida qae o método histórico vive em grande parte do método indutivo ; mas este apre- senta na história uma forma especial, original, pois ao passo que a indução pura conduz dos factos às leiS; isto é, aos mesmos factos generali- zados, em história o caso é diferente, pois par- te-se de factos, não para os mesmos factos gene- ralizados, nem para leis : mas para factos dife- rentes dos primeiros. Quere dizer: partindo dos documentos, dos testemunhos^ chega-se aos acon- tecimentos que eles conteem imediatamente^ ou que indirectamente supõem, outro tanto sucedendo à geologia, á paleobotânica, e à paleozoologia.

Contudo, nem por isso o método indutivo

(i) Como se sabe, os documentos nãç fornecem, muitas vezes, factos suficientes para conhecimento dos acontecimentos pas- sados. Se a história fosse uma sciência de observação directa, como a botânica e a zoologia, novas observações preencheriam as lacunas ; mas tal é impossível em história, por isso diz Sei- GNOBOS : «procura-se extender o conhecimento empregando o ra* ciocínio». In Introduction aiix Eíitdes Historiques^ pág. 218,

5oi

deixa de constituir o elemento predominante do método histórico, pois, como diz Paul Janet, se «a indução, como lhe chamava Bacon, é a in- terpretação da natureza, o método histórico é a interpretação do testemunho humano^) (i).

^Mas, poderá dai concluir-se que a história é uma sciência exclusivamente indutiva ? Não pode. Razão tem por isso P. Lacombe quando, estudando Os métodos da história, escíeve: «A psicologia presta-se a um uso duplo : pode-se ir dela para a história, ou voltar da história para ela; praticar o método indutivo e ascendente ou o método dedutivo e descendente» (2).

Se, como dissemos, o método histórico não parte de axiomas pode iniciar-se por hipóteses.

Ora, a concepção de uma hipótese inicial é um produto da lógica dedutiva que deve ter como trabalho sequente «a verificação pelos factos». Mas, em história não é possível a experiência à maneira das sciências da natureza, pois é viá- vel a observação.

É aí, quanto a nós, que reside a grande dife- rença entre as sciências históricas e as da natu- reza, e não no estabelecimento de hipóteses, pois isso é comum ás duas classes de sciências. Mas, ao passo que as sciências da natureza dispõem da experiência, como excelente meio de verifica- ção, a história utiliza a observação.

(i) Paul Janet, Traiié de Philosophie, iSgS, pág. Sog. (2) P. Laccmbe, De l'Histoire considerée comme science, 1894 pág. 53.

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Para comprovar que em história o subjecti- vismo é dominante tem-se dito que a investiga- ção dos documentos, e, por aí, que o estudo dos factos eram sempre antecedidos não de juízos de valor no espírito dos historiógrafos como os da importância do assunto e da conveniência do seu estudo como de ideas preconcebidas sobre a natureza dos factos, sua importância, etc.

Assim, se procurava provar que o historiador não ia pedir aos documentos conhecimentos no- vos, mas somente a verificação, a constatação, das suas hipóteses, dos produtos da sua imagi- nação, quando não das criações da sua vontade. Mas, tais ideas preconcebidas que se quere ver no espírito dos historiadores encontram-se no dos cultores das sciências da natureza.

Desde Newton a Kant, e de Humboldt a Poin- CARÉ, é opinião predominante que o experimen- tador é sempre conduzido para a experiência e nela é guiado superiormente por ideas preconce- bidas a que se teem dado vários nomes : intui- ções, meias-intuições, hipóteses, etc.

Karl Lamprecht, ocupando-se de O método histórico na Alemanha, distingue parece-nos sem necessidade no método histórico uma forma superior e umà forma inferior. Segundo tal teoria o método superior intervém «onde se trata de dominar os factos dados e às suas relações, e de abranger com o olhar um mais vasto horizonte.

Quanto ao método histórico inferior de que falamos «compreende todas as operações

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destinadas a patentear os materiais históricos libertos de tudo o que os desnatura, e a eviden- ciar a-sua imediata conexão». E continua a ca- racterizá-lo : «E pois com esse método que se devem relacionar todos os processos cujo emprego é necessário para descobrir as fontes e os docu- mentos, estabelecer as suas relações recíprocas, mostrar quais as suas dependências em relação ao tempo a que pertencem, e, finalmente, deter- minar os dados simples e positivos que ressaltam de tais materiais históricos assim obtidos».

Quere-nos parecer que se pode dispensar tal divisão do método histórico^ pois o verdadeiro método em história reside nas operações que Lamprecht assinala como constituindo o método inferior ao qual nós chamaríamos, preferente- mente, método objectivo, e que, assim, é consti- tuído por todo o conjunto de operações imediatas ou analíticas, necessárias ao estudo dos testemu- nhos, dos documentos, e, por aí, ao conhecimento dos factos, e pelo grupo de operações mediatas, ou sintéticas, essenciais à construção histórica.

É a este, ao grupo de operações sintéticas^ que cabe as atribuições que Lamprecht destina ao seu método histórico superior.

Como diz GusTAVE Lanson, e é hoje prática se- guida, os estudos literários teem pedido à histó- ria os seus métodos, havendo-os utilizado larga- mente. É a essa intervenção que a história deve os seus grandes e rápidos sucessos. Mas, neces- sário é não esquecer que ao passo que a história

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procura conhecer os factos, os estados da cons- ciência colectiva e os centros da civilização, ad- quiridos indirectamente, e por «meios exteriores», a história literária, a como história da arte, estuda directamente os factos, os estados de alma.

Assim, o método histórico ganha visivelmente terreno, como o prova a tendência de estudar as monografias e biografias, não segundo uma ordem analítica, mas, simultaneamente, a vida e a obra de um autor, num justificável paralelismo bio- bibliográfico, no qual cada parte da obra aparece como um facto da vida, prolongamento natural de uma certa energia sob certas pressões ou por sugestões determinadas.

A outra aplicação do método histórico tem sido feita no direito, e especialmente no direito comparado, aplicação essa hoje muito mais com- pleta e eficaz que na escola de Savigny e Pruchta.

Efectivamente^ ao contrário das concepções actuais, essa escola considerava tal evolução do direito como tendo por base as tradições, sem tomar em conta as mfluências estranhas e queria ver nesse desenvolvimento uma consequência ex- clusiva das forças orgânicas 4íiacionais, sem que nela interferisse a vontade colectiva com a sua função dirigente.

Assim, os costumes, ós forais, eram as únicas fontes do direito, atendendo-se pouco à legislação geral, à estrangeira, à romana, visigótica, etc.

A escola histórica moderna, mercê do método histórico comparativo, tem mostrado que o di-

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reito desenvolve-se não no sentido das tradi- ções históricas, mas, em grande parte, pela acção das influências estrangeiras, melhor ou peor se- gundo o conjunto do espírito, do critério e da cons- ciência jurídica nacional, e em harmonia com o conjunto do seu sistema jurídico.

4.° A história e a concepção de valor

a) A concepção de valor na Filosofia

Como diz A. Lalande, a noção de valor que foi primeiramente utilizada pelas sciências eco- nómicas tem tomado ultimamente uma impor- tância cada vez maior em filosofia. Actualmente, depois das obras de Nietzche e dos estudos da análise psicológica de Meinong^ d'Ehrenfels, de Kreibig e de Munsterberg, os termos bem e mal, direito e dever, regra e fim deixaram de ser usa- dos para se falar quási no valor da vida, e todos pensadores ou simples criaturas empíri- cas— anceiam «porque se renovem as formas da verdade».

A justificação qiie apresentam os pensadores e que Lalande reproduz é que «a idea de valor, em particular, apresenta a grande vantagem de pôr muito em relevo, por um lado o carácter finalista que apresenta todo o pensamento vivo ; por outro, o paralelismo formal das sciências nor- mativas, e a solidariedade dos problemas que as constituem».

Contudo, é necessário ter em atenção, saber

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prever e evitar tanto quanto possível os equívo- cos, mesmo os erros, que podem provir da teo- ria dos valores.

Assim, é sabido que todo o valor, é, em certo sentido, e em grande parte, subjectivo, é um fa- cto da consciência, e a sua classificação e hierar- quização é sempre mais ou menos um produto da apreciação subjectiva, de juízos pessoais.

Porém, se assim é, se todo o valor é «um sen- tido atribuído a um conjunto de estados de cons- ciência», se é ao mesmo tempo pensamento e idea^ sujeito e objecto, emfim, se êle se apresenta como o produto de um espírito de essência teleo- lógica, não dúvida que esse valor deixará de ser meramente subjectivo, e passará a ser objectivo, se como valor passar também a ser considerado ou se o sujeito de apreciação lhe atribuir a mesma condição de valor para as outras pessoas.

Daí se conclui outra dificuldade : um valor pode ser considerado em relação ao sujeito que o considera, e sem atenção pelo que os outros pensam sobre êle, ou, pelo contrário, um valor é reconhecido e classificado por outros.

No primeiro caso, o valor é considerado em abstrato, mas o segundo é tido por concreto e real, ao contrário do anterior em que se ao valor um carácter ideal [\). Ainda necessário é ter em atenção que um valor pode ser imediato

(i) que ter em vista que um valor também se classifica de ideal quando êle é afirmado em princípio, em tese, independente- mente da sua existência,

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ou intrínseco, sendo tido por categórico ; e deri- vado, ou instrumental, tendo uma existência si- milar às dos imperativos hipotéticos de Kant (i).

Assim, a teoria dos valores é por si difícil, ne- cessitando-se de um espírito subtil e de uma con- tenção grande para a apreender e compreender em toda a sua profundeza ; mas ainda que atender que tal teoria é complexa, pois variados são os objectos a que ela se pode aplicar.

Deste modo, Fonsegrive num estudo acerca das Recherches sur la théorie des valeurs, distingue cinco espécies diferentes de juízos de valores, po- dendo sê-lo de valores económicos, estéticos, in- telectuais, morais e religiosos.

Pondo de parte os valores económicos todas as outras espécies são de carácter filosófico, ou melhor, são divisões, detalhes, especializações de valores filosóficos (2).

(i) Ver a tal respeito: a obra de W. Urban, Valuations, it nature and laws, being an introduction to the general Theorie of value, 1909; e um artigo de A. Lauande, La Theorie des valeurs, in Revue Philosophique, i." semestre de 1910, pág. 3o4 a 3ii.

(2) Contudo, deve dizer-se que de todos esses valores os que teem uma base verdadeiramente objectiva e são por toda a gente reconhecidos são os valores económicos. Há, porem, que notar que mesmo nos juízos de valor económico existe muitas vezes o factor subjectivo.

Assim, na venda, aquisição ou reaquisição de um objecto en- tra uma grande parte das vezes em conta o factor subjectivo, pelo qual ao objecto é dado um valor pessoal, ideal, moral que existe para os que o consideram, exemplos : uma jóia de fa- mília, uma recordação, etc

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b) A noção de valor em história

Depois de havermos estudado o lugar da his- tória no quadro geral das sciências, de termos notado os pontos de contacto e de diferença en- tre ela e as sciências da natureza, e de havermos definido a sua natureza como sciência descritiva e como sciência indutiva e o seu carácter exterior como sciência e arte, vamos estudar nela a con- cepção de valor, isto é, qual a base, o móbil, o intuito e o fim da apreciação e da estimação de valores em história (i).

A exemplo do que sucede com outras sciências sociais como a moral, não faltam teóricos da história, como Bernheim, que preconizem a cria- ção da concepção de palor em história a fim de joeirar, seleccionar e escolher na infinita comple-. xidade da vida histórica apenas o que constitue o tecido essencial da evolução material e moral das sociedades.

Mas, grandes são as dificuldades para se es-

(i) Ora o valor que nós aqui consideramos nem é o da moral e muito menos é o das sciências económicas. Não dúvida que, como diz G. SiMMEF,. a categoria de valor, ou ponto de vista prá- tico, e a categoria do ser, ou ponto de vista teórico, não se po- dem deduzir simplesmente do conceito de objecto, mas também não se podem classificar à priori, dizendo como ele sem outra base que o valor é subjectivo e a realidade é objectiva.

Nada disso. O valor é também objectivo, mas de uma objecti- vidade especial. Ele está fora e acima do dualismo do sujeito e do objecto, mas não é uma categoria metafísica como quere Simmel: é uma entidade lógica.

Ver G. Simmel, Melanges de philosophie relativiste, Gap. III.

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tabelecer os jin:(os de valor em história. Ao passo que nas sciências da natureza tal selecção não é difícil de realizar, pois as operações de ge- neralização e o critério das leis sociais servem de normas em tal classificação e selecção, o mesmo não sucede em história, pois ai o coeficiente pes- soal e a tara subjectiva com o seu índice de fina- lismo intervém na apreciação e escolha dos fa- ctos.

Por isso, como entende Bernheim^ no seu Manual de metodologia histórica os juízos de palor são condicionados por «este elemento psico- -teleológico que é inerente às acções humanas e comporta absolutamente o conhecimento e apre- ciação dos fins, dos meios e dos motivos, assim como das suas mútuas relações.

Seguindo Bernheim, o hegeliano Windelband dá, como características dos factos históricos, o exclusivismo, a individualidade, a unicidade, isto é, a sua não repetição, isso ligado a uma relação de palor, como entende Rickert, a qual tem como ponto de reparo e como base a vida da espécie (i).

Efectivamente, este notável teórico da história, dividindo as sciências em dois grupos as sciên- cias naturais e as sciências históricas distingue como vimos aquelas destas, dizendo que as primeiras consideram e estudam os ele-

(i) Ver na Revue de Synthèse Historique, tomo ix, pág i25a 140, o estudo de Windelband por nós citado acerca de A Sciência e a História ante a lógica contemporânea,

5io

mentos gerais da realidade, e as segundas se ocupam dos elementos individuais desta.

Mas a história não se ocupa do individual porque o é, ela submete os factos a um mais ele- vado princípio de selecção : ao dos valores da cultura, dos valores de civilização.

Assim, a historiografia se ocupará dos fa- ctos individuais, e, de entre estes, dos que constam e representam valores de cultura, dos que servem a civilização.

RicKERT na primeira parte dos seus Die Gren- len, que tèm em vista como diz o titulo com- pleto da sua obra estudar Os limites da forma- ção das noções nas sciências naturais, e constitue uma Introdução lógica às sciências históricas, tra- tou de mostrar que o método das sciências natu- rais não é aplicável à história, na segunda parte da mesma obra tem em vista expor a essência lógica da história.

Para êle a noção mais importante em história é a noção de valor der Wert (i). E esta que ensina a distinguir, em história, «o que é essen- cial do que o não é», devendo em tais juízos in- tervirem noções teleológicas (2).

(1) Mais tarde, na Geschichtsphilosophie, insiste na questão de Valor em história, desenvolvendo bastante este ponto.

(2) Também na citada Geschichtsphilosophie êle insiste pelo particularismo dos juízos de valor em história, pois diz a pá- ginas 77 que : «se nós consideramos algumas cousas de uma forma individual, a sua particularidade deve ser em relação com um certo valor que a nenhum outro objecto pertence».

Nas sciências naturais não se diz o mesmo. Nestas as con-

5ii

E que Rickert vai procurar uma das cara- cterísticas da história, quando diz que ao passo que nas sciências naturais a noção de valor não é chamada a intervir, a noção histórica é sempre relacionada a um valor, pois quando se estuda, se considera uma evolução, é sempre no ponto de vista humano que a consideramos, isto é, se ela possui ou representa um valor para a cultura, para a civilização, para o espírito humano, e escreve :

«Só pode ser exposta historicamente uma enti- dade què pode ser colocada numa relação de va- lor», e tendo sessenta páginas antes escrito que o que são as leis gerais para as sciências na- turais são-o para a história os valores reconhe- cidos j^or todos os homens (i).

cepções gerais teem ligado a si valores que não dependem dos objectos particulares, mas sim da parte comum a elas, podendo uns exemplares substituir outros da mesma espécie. É o caso da lei geral da queda dos corpos, pois esta queda interessa-nos porque não depende dos objectos particulares mas engloba-os a todos, podendo nós substituir uns exemplares, como pedras, pe- daços de ferro, bocados de madeira, etc, por outros, tais como bocados de chumbo, cobre, papéis, terra, etc, porque em todos a lei é verdadeira.

(i) Nesta sua obra Rickert continua a ver na noção de valor a característica da história, escrevendo, a páginas 78, «que as sciências em geral são independentes da noção de valor emquanto que as do indivíduo não podem existir sem ela».

Com tal exclusivismo não concorda Xénopol que entende que Rickert, a tal respeito, «vai muito longe», querendo fazer da idea de valor «um carácter distintivo da história». Depois, aduz : «que esta noção é igualmente muito importante nas sciências de leis».

E insiste que : «o elemento de valor. .. não pertence exclusi- vamente à história».

Ver Revue de Synthèse Historique, tomo xii, pág. 348 a 355.

5l2

Tudo isto é enormemente falível, precário.

ji Como admitir valores reconhecidos por todos os homens?

De resto, é o mesmo Rfckert que se encarrega de deitar abaixo o seu próprio castelo de abstra- cções, admitindo valores que segundo êle o diz - 7ÍÓS não podemos apreciar.

^ Se nós não podemos apreciar como podere- mos reconhecer ? <: Ou nós^ isto é o próprio au- tor, não estamos no colectivo todos?

Tem razão Xénopol quando se insurg*e contra tão vaga concepção.

Na verdade, nada de mais contingente e mu- tável que uma tal noção de valor, porque numa serieção de fenómenos o que para uns tem valor, e um certo valor, para outros tem valor diverso, ou não tem nenhum.

Por esta forma, a noção de valor sendo intei- ramente relativa não poderá distinguir o que é importante em história do que o não é. Ora o relativo e o contingente nunca constituíram ba- ses scientiíicas fosse do que fosse, pois para tal íim podem servir princípios, máximas e axio- mas absolutos.

Também, não é inteiramente exacto o que diz RiCKERT quando afirma que a noção de valor é particular às sciências históricas. Como diz Xé- nopol, «toda a sciência é uma operação do espí- rito humano e o homem se ocupa do que para êle tem valor».

Assim, em todas as sciências o homem se

5i3

ocupa do que lhe interessa, do que para êle é im- portante, e essencial, do que para êle tem valor. O que, segundo Xénopol, distingue a história das sciências naturais não é pois, va noção valor em si^ mas sim as mudanças às quais ela está sujeita no curso da duração ^^^ pois «o elemento essencial da história é o desenvolvimento no tempo (i).

WiNDELBAND, procuraudo concretizar o seu sis- tema de valores em história, fez destes o produto da concepção moral, e diz que o conceito da história não se baseia sobre valores particulares^ indivi- duais, e prestando-se a uma análise psicológica, mas sobre determinações racionais, supra-indivi- duais, dos valores.

Depois, distingue ahistória-sciência da histó- ria-memórias, dizendo que o que caracteriza a pri- meira é «a selecção dos factos que aquela faz, a sua concepção das mútuas dependências, a sua síntese dos materiais isolados de um lado, e dos valores tendo um carácter geral e necessário do~ outro».

Assim, a história-sciência, isto é, como sciência de cultura, é possível quando a existem valores com um alcance e uma aplicação gerais que nos fornecem a razão da escolha e a da síntese dos factos».

Mas, sendo a moral a sciência filosófica dos valores gerais, é ela como havia dito Sch-

(i) XÉNOPOL^ Les Sciences naturelles et 1'histoire, in Revue de Syníhèse Historique^ tomo iv, pág. 282 a 385. 33

5 14

LEiERMACHER que constituc a teoria do conheci- mento histórico.

Porém, o inconveniente das concepções de Ri- CKERT, como das de Windelband, de Bernheim e de Grotenfelt^ é que, devendo ser a história uma sciência cada vez mais objectiva, ela passa a ser, pelas concepções de valor, eminentemente subje- ctiva, pessoal, arbitrária, pois o quadro de valores, isto é, o quadro de interesses muda de indivíduo para individuo (i). O que mais admira é que Ri- CKERT não circunscreve, por vezes, à história e às outras sciências morais a noção de valor, pois ad- mite esta mesma nas sciências naturais, dizendo que também nestas se deve separar da multidão de materiais o que for considerado importante, e, por isso, o que depe ser estudado. E dizemos por vezes, porque em outras passagens da mesma obra circunscreve à história a noção de valor.

>

Xénopol, notando essa contradição, acha que são comuns às sciências naturais e morais os va- lores culturais e não de interesse scientifico, de- vendo ser aquela a interpretação de Rickert do valor em história (2).

(1) Grotenfelt, na sua obra, em alemão, sobre a Classifica- ção de valores em história, é o primeiro a considerar na noção de valor o elemento pessoal, até mesmo como salienta Xénopol guando é aplicado o mais indirectamente possível, pela relação dos factos com os valores gerais da humanidade.

(2) É de notar que Rickert, na sua citada obra distingue a apreciação prática da relação teórica de um facto ou de uma per- sonalidade com um valor cultural, recor/jen dando ao historiador que é em função dessa relação que ele deve apreciar os factosi

5i5

Com Grotenfelt, outro teórico da história, subsistem as hesitações.

Efectivamente^ este no seu estudo Acerca da classificação de valores na técnica histórica (i), mostra que a história procura ficar objectiva e imparcial sem por isso deixar de notar que ela é forçada a certa apreciação dos acontecimentos. Mas, como é impossível ocupar-se de tudo o his- toriador tem que fazer uma escolha do que o in- teressa ; mas é nesse critério da escolha que estão os perigos, pois interveem as concepções, as ideas e os sentimentos pessoais de quem faz a selecção.

Ora, intervindo um factor subjectivo de tal importância, êle em perigo a objectividade da história., A forma de fugir mais ou menos à alte- rabilidade e mutação de critérios consistiria em estabelecer um princípio supremo como o fim absoluto do universo pelo qual fossem aferidos os factos particulares.

Todavia, o autor a impossibilidade de fixar scientíficamente tal princípio, pois quem isso tentasse teria de recorrer à filosofia, onde do- mina uma inextricável confusão de escolas e teo- rias.

Em vista disso Grotenfelt tem de recorrer a

(i) In Archive filr systematische Philosophie^ tomo viii, 1902.

Este estudo de Grotenfelt foi desenvolvido, no ano seguinte, dando origem a uma obra especial : Die Werísclnitpmg in der Geschichte. Eine Kritische Untersuchung de que falámos.

5i6

Ranke que já, em 1824, no prefácio da sua His- tória dos povos latinos e germânicos, explicava :

«Tem-se atribuído à história a função de jul- gar o passado, de esclarecer os contemporâneos sobre o futuro : a presente obra não tem tão altas pretensões ; ela quere mostrar simplesmente como as cousas se passaram».

Esse método aplicou Ranke a todas as suas outras obras se bem que não deixasse de consi- derar os acontecimentos que estudava em relação a um certo número de princípios ou ideas directi- vas — as leitende Ideen ideas sempre norteadas pela concepção da civilização progressiva oci- dental (i).

Mas, ainda aqui, segundo o método de Ranke e dos seus discípulos, se dava a intervenção do factor subjectivo. A forma de estabelecer um princípio de selecção, um critério de escolha seria recorrer a um ponto de vista puramente quan- titativo, e, portanto, objectivo, e separar os fa- ctos preponderantes, principais, dos secundários ou acessórios, escolhendo aqueles, isto é, os mais importantes, os que tiverem consequências mais prolongadas e vastas, reflexões mais nume- rosas. Mas, ainda interviria o factor subje- ctivo, pois a distinção entre os acontecimentos

(i) M. Thadeus Korzon, sócio da Academia das Sciências de Cracóvia, seguindo o ponto de vista de Ranke, fez uma comunica- ção no Congresso Internacional de História, efectuado em Roma, em 1903, tomando o progresso como critério da história, e defi- nindo esta como «a sciência da civilização».

5.7

principais e os secundários seria um caso de in- terpretação pessoal (i).

Assim, é impossível separar uma obra do seu autor, pois as ideas, e, até^ os sentimentos deste ^ e os da sua época coados através do seu espí- rito— entrarão fatalmente nos seus trabalhos, res- tando só, como único recurso possível, que cada autor não se abandone ao seu instinto, às suas ideas, mas que, por um fenómeno de desdobra- mento psíquico, fiscalize e depure estas.

Continuando a avaliar as ideas de Arvid Gro- TENFELT uota-se que êle, apesar de ver na sua noção de valor um elemento mais ou menos pes- soal, nem por isso deixa de o considerar como um princípio de selecção scientífica análogo ao princípio da generalização, se bem que adiante logo mostra, apreensivamente, como tal elemento de valor vem alterar, e pôr em perigo, o carácter e o valor scientífico da história.

Apesar disso, Grotenfelt não engeita o seu princípio diferencial que o leva a distinguir as sciências naturais da história, dizendo que ao passo que aquelas «teem como principio de se- lecção as noções e as leis gerais, na história o princípio de selecção reside no valor que o histo-

(i) Acerca do objectivismo e do subjectivismo em história ver uma comunicação apresentada por M. Benedetto CROCEno Con- gresso Internacional das Sciências Históricas, de Roma, em igoS, e publicada sob o título : L' Altitude subjective et Valtitude objective datis la composition historique, in Revue de Synthèse Historique, tomo VII, pág. 261 a 265.

5i8

riador concede a certos factos ou a certas séries de factos».

A coexistência de tais noções a subjectiva de valor e a objectiva da história como sciência não contrárias como contraditórias, força Groten- FELT a considerar na «nossa sciência» a histó- ria— uma bifurcação^ ficando de um lado a ne- cessidade absoluta de uma apreciação de palor dos factos históricos; do outro a tendência scientíjica tendo em vista reduzir ao mínimo a influência da- quele elemento subjectivo {i).

Mas, tal bifurcação não passa de uma imagem de estilo, pois êle considera na exposição e no desenvolvimento das ideas dos verdadeiros his- toriadores «a marca de um carácter scientifico bem determinado ainda que se deva reconhecer ali, também, uma certa apreciação subjectiva e não scientifica das cousas, no ponto de vista da concepção geral da história» (2).

E como continua vendo que a coexistência per-

(i) o que se nota nesta concepção, de bifurcação, de Groten- FELT, como na do desdobramento de Rickert é a influência da Moral com a sua divisão, em moral teórica ou o estudo e enun- ciado dos princípios e das leis morais; e em moral prática ou estabelecimento das regras de conduta humana.

(2) Também, Grotenfelt escreve que quando se estudam os grandes mestres da história «a selecção e a aplicação do valor aos factos opera-se por uma forma inconsciente e instintiva...».

Por isso, êle, mais tarde, na sua Die Weríschãt^ung in der Geschichte, insiste que é impossível a um historiador «despojar o seu eu», mesmo quando se trata de Ranke, pois este mesmo mistura involuntariamente, sem dar por isso, os seus sentimentos e ideas, a sua pessoa, nas suas obras.

5 ig

manece, e com ela a contradição subsiste, mas, querendo continuar a dizer que «a influência do valor condiciona a selecção da matéria e não suprime o carácter scientífico da história», Gro- TENFELT tem, por fim, esta conclusão que é um verdadeiro grito de alma: «mas se sciência pura só' é possível onde existe a verdade objectiva, não se pode pretender que a história seja uma sciên- cia pura.

De tudo isto conclue Xénopol que «a noção de valor não pode ser utilizada na constituição scien- tlfica da história». E para isso invoca os motivos seguintes : « i Porque tal noção é extranha ao domínio da lógica, sendo de natureza moral; 2." Porque tal noção não pode ser absoluta; e a sciência não pode basear-se no relativo ; 3 Porque se se lhe confere uma acepção de interesse scien- tífico ela fica pertencendo a todo o domínio do conhecimento, e não pode constituir uma caracte- rística da história ; 4.° Porque, se se toma tal no- ção num sentido de valor cultural ela aplica-se a todo o domínio das sciências do espírito, tanto às sciências de leis como às sciências históricas ; 5." Porque, neste último caso, ela é tirada do desenvolvimento do espírito, não pode aplicar-se a toda a evolução» (i).

Ora, longe do que proclama Xénopol quando escreve que «tal noção de valor é inútil para cons-

(i) A.-D. XÉNOPOL, La notion de valeur en histoire, in Revue de Synthèse Historique, tômoix,pág. 129 a 149.

520

tituir a história num sistema scientííico de ver- dades» (i), parece-nos que ela tem o seu lugar e a sua função em história, mas um lugar e uma função muito diferentes que as que ela apresenta em moral.

Pode, talvez, mesmo dizer-se que foi o poder de sugestão da noção de valor em moral que le- vou Bernheim, Rickert, Windelband, Grotenfelt e XÉNOPOL a encararem pela maneira como o fa- zem, tal noção em história.

Ao contrário do que teem dito alguns teóricos da história a noção de valor deve ter um sentido muito diferente do de interesse do nosso espirito pelos fenómenos materiais ou morais que caem sob a nossa atenção. Foi, precisamente, o erro de se haver considerado o valor como sinónimo de interesse do espirito que tornou tal noção me- ramente pessoal, subjectiva, arbitrária^ e, por- tanto, anti-scientífica.

Ora, nem a noção de valor nas sciências de leis, isto é, nas sciências da natureza, reside parece-nos na apreciação das noções gerais concluídas por essas sciências, nem em história ela consiste quanto a nós na estimação «dos grandes clichés da cultura humana».

Se assim não fosse, se a sciência dependesse de tal noção de valor não haveria tantas e tais sciências quantos e tais fossem os objectos do

i) XÉNOPOL, ibidem, pág. 149.

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conhecimento, mas segundo os sujeitos, os espí- ritos, que estudam os fenómenos.

Deste modo, não haveria uma física, uma quí- mica, um grupo de sciências médicas e outro de sciências históricas; mas haveria a física do sr. A, a química do sr. B, a medicina segundo o sr. G, a história segundo o sr. D. Tomando as cousas neste sentido aa nota pessoal é inseperável da idea de valor» como diz Xénopol. Mas, tal não deve suceder.

Ora, as hesitações de Rickert, as contradições de Grotenfelt e de alguns outros lógicos da his- tória, os comentários de Xénopol e as tendências ecléticas de outros devem desaparecer, e desapa- receriam se à iiocão de valor se desse um sentido >

mais definido, rigoroso e claro na impossibilidade de ser preciso e nítido como é por exemplo o do sistema de unidades c, g, s, da física.

O erro da noção de valor por parte de alguns teóricos da história resulta do seu erro de con- cepção da história.

Assim, Bernheim define a história expositiva- mente, quási como outros explicam a moral, isto é, como o estudo e a exposição seguida das acções do género humano «no seu encadeamento causal» ; eWiNDELBAND nela o lado exterior, considerando-a como o conjunto das memórias da humanidade. Rickert faz da história uma idea mais profunda, vendo nela uma sciência que se ocupa em primeiro lugar dos fenómenos espi- rituais, que estuda o desenvolvimento exclusivo

522

da vida do espírito humano, proclamando tam- bém que a história é uma sciência do espirito (i). Mas, ao passo que os dois primeiros teóricos parecem formar da história uma noção muito exterior e superficial, Rickert cai no extremo oposto, fazendo dela uma idea, a um tempo muito abstrata, e muito limitada e especial. E que na evolução da humanidade não se deve, apenas, ter em vista a evolução do espírito, pois este, sendo a mais alta expressão da evolução humana e a última manifestação da vida individual e cole- ctiva, é antecedido pela evolução material económica, política, etc. da humanidade.

(i) Também, nos, por nós citados, Grer^en Rickert escreve que «três factos determinam o carácter da história: i." os seres de valor são seres espirituais ; os valores gerais são valores humanos ; 3.° os valores humanos são valores sociais. Os va- lores culturais tornam possíveis a história, e o desenvolvimento histórico produz valores culturais»,

Xpnopol, io loç. cit., pág. 145.

CAPÍTULO VII

A nossa colecção de documentos inéditos

1.° A análise e a síntese em história

Expusemos no capítulo antecedente qual o lu- gar da história no quadro geral das sciências. e vimos quais as concepções de Cournot, Xénopol, H. RiCKERT, Karl Lamprecht e vários outros teó- ricos e práticos da história sobre a natureza scientífica e o carácter de precisão em história.

Também^ notámos qual a influência que teve na metodologia genética da história o principio de evolução tirado das sciências naturais, e, por sua vez, qual a aplicação de tal principio aos problemas das sciências da natureza e ás ques- tões das sciências do espírito ; e salientámos qual o grau de relação entre a história e a psicologia e a sociologia, expondo sucintamente os pontos de vista de H. Rickert, Xénopol, Paul Lacombe, Taine, George Simmel, Ed. Mayer, Emile Reich, GuiDO ViLLA, KuRT Breysig, Spranger, Bernheim, etc, e a interpretação psico-sociológica da his- tória segundo K. Lamprecht.

Vimos que, se são grandes as variantes de cri-

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tério, não são elas em menor número no que res- peita à natureza, objectivo e aplicações da história ; tratámos, com algum desenvolvimento, do método histórico ; e, por último, ocupámo-nos da noção de «valor» em história. É ainda a um ponto da metódica histórica que nos vamos referir aqui, tratando da função da análise e da síntese nessa sciência.

É hoje um principio geralmente estabelecido em história que esta deve começar pela análise, não passando à síntese senão quando aquela tiver terminado as suas funções.

Segundo Boutroux essas ideas vêem da íiloso- íia do século xviii, á qual já, por sua vez, assen- tava em LocKE e em Francisco Bacon, pois este «distinguindo radicalmente os factos e as leis, e condenando a hipótese na investigação destas últimas, prescreve que primeiro se elaborem qua- dros completos de factos antes de procurar as leis que deles devem resultar» (i).

Parece-nos bem escusado ir como o emi- nente pensador francês a Bacon procurar a in- fluência do empirismo na história, pois, mais evi- dente e lógico se nos mostra o ascendente do espírito objectivo das sciências da natureza sobre as sciências históricas.

É certo que, dizia Rénan : «Emquanto todas as partes da sciência não estiverem esclarecidas

(i) Ver Artigo sobre Histoire et synthèse^ in Revue de Syn- thèse Historique, i^oO; pág. 9.

525

por meio de monografias especiais, os trabalhos de carácter geral são prematuros», e que, jà, es- crevia Fustel de Coulanges: «É preciso toda uma vida de análise por uma hora de síntese» ; mas não dúvida que tais afirmativas não podem ser consideradas rigorosamente, ao da letra, sob pena de ser impossível a síntese e, daí, toda a sciência. E os próprios que tal disseram se- riam os primeiros a terem que confessar que o que fizeram, o que escreveram, não era sciência, pois não podiam ter a pretensão de haverem esgotado as análises dos assuntos sobre que escreveram.

Antes, tais apriorismos devem ser considerados, apenas, como prevenções e conselhos de prudên- cia, querendo significar como escreve Boutroux «que toda a antecipação do espírito é neces- sariamente temerária, se não tivermos nenhuma razão de supor que nas cousas haja ordem e ló- gica» (i).

Assim, aplicando a anáhse e praticando o es- tudo de detalhe não se deve esquecer, como essencial complemento, a utilização da síntese, a vista de conjunto, pois, como diz aquele pensa- dor, «na realidade as duas operações são soli- dárias e inseparáveis, porque o pensamento hu- mano quando age as cousas como partes for- mando todos, e como todos divisíveis em partes. Pensar, é, precisamente, considerar o múltiplo

(i) In ob. cii , pág. IO.

526

em relação ao uno, e o uno em relação ao múl- tiplo» (i).

Tem razão Boutroux. A análise e a síntese supõem-se reciprocamente.

Como êle diz, e como nós havemos de praticar nos volumes desta colecção, da massa dos docu- mentos devem extrair-se certas ordens de factos que pareçam mais dignos de serem salientados, sendo para isso necessário que se entre no estudo, na análise documental com os conhecimentos dos grandes acontecimentos, dos factos gerais, que, por serem os primeiros e mais seguramente conhecidos, devem servir de guias no estudo e determinação dos pequenos. Assim, o detalhe será, senão descoberto, pelo menos conhecido pelo conjunto, e o conhecimento resultará do so- matório e da síntese dos conhecimentos de de- talhe.

Depois, para bem conhecer e compreender os

acontecimentos é essencial estabelecer as relações

>

causais entre os factos, e essas relações ressal- tam de conhecimentos psicológicos, históricos e sociológicos os quais, pela sua natureza, são gerais e sintéticos.

Mas, mais. Gomo diz com inteira razão o eminente pensador que vimos seguindo :

«Eníin, c'est un besoin três vif et três legitime chez Fhistorien, que de se rendre compte et d'informer son lecteur de la signiíication et de

(i) Ibidem, pág. ii.

527

la porte des résultats qu'il a obtenu». E aduz : «Cest à cette oeuvre de condensation et de sim- pliíication compréhensive que se reconnaissent les esprits vigoureux, ceux qui savent transmuter les faits en idées sans rien laisser perdre de leur substance». E continua, luminosamente : «Cest ce travail qui est vraiment Ia prise de possession des documents historiques par rintelligence hu- maine, comme la réduction des phénoménes phy- siques en formules matématiques est la prIse de possession de la matière» (i).

A primeira operação do trabalho histórico é, poiâ,uma manifestação de carácter analítico, con- sistindo na busca e recolha dos documentos ou heurística, e na análise e crítica de cada um.

De resto, tal carácter analítico não é uma par- ticularidade da história, pois outro tanto sucede nas sciências da natureza. É sempre do agru- pamento de observações e experiências e da sua comparação que resultam as leis e princípios sobre os quais assenta cada sciência.

Mas, a particularidade da história consiste em fazer todo esse trabalho analítico indirectamente sobre factos passados e com o material consti- tuído pelos resíduos, vestígios ou traços 09 documentos desses factos, sem que seja possí- vel exercer sobre estes qualquer fiscalização por eles não serem repetitórios, hmitando-se toda a inspecção aos documentos.

(i) E. BouTROux, ob. cii.t pág, ia.

528

Tal característica do trabalho histórico implica por parte dos eruditos e historiadores qualidades pessoais importantes não no que respeita ao saber, mas à acuidade da inteligência, à intuição do espírito, sem, contudo, se dever chegar às pro- fecias e adivinhações.

Dizia, cora razão, Fustel de Goulanges : «II n'y a pas de divination en histoire. Le meilleur his- torien est celui qui voit le plus profondément et le plus exactement».

Assim, o trabalho histórico demanda da parte de quem o efectua especiais qualidades de inteli- gênci-a, uma subtilesa e um esprit de Jinesse enor- mes, perfeitos, vivos.

Tratando do espírito da investigação escreve ainda Fustel de Goulanges : «La recherche n'est pas la compilation». E, explica : «II y a des éru- dits, et son sans mérite qui se bornent à recueil- lir, à noter ; ils font la compilation ; il y en a d'au- tres qui, tout en recueillant et notant ne se con- tentent pas de ce qui s'oífre, sondent, regardent audessous des textes, fouillent sous les apparences premières ; ils font de la recherche. II y a de même en chimie et en toute ácience des compila- teurs, des chercheurs»(i).

Mas, não basta realizar as operações analíticas da colheita de documentos e as do estudo minu- cioso e crítico de cada um. Necessário é reunir, dispor, seriar, organizar, esses documentos em

\\) Ver Revue de Syntèse Historique^ tômcrii, pág, 255.

529

corpo de sciência» e os factos de que eles tratam em «corpo de realidade», isto é, necessário se torna realizar o trabalho sintético (i).

Porém, é de recordar que essas duas formas do trabalho histórico são inseparáveis para a elaboração de uma obra próxima da perfeição e completa. Apenas com as operações analíticas não se pode conseguir a construção da obra his- tórica, pois pela* ligação dos disjecta membra é possível organizar um corpo de verdades e insu- flar-lhe vida e espírito : esta é a missão do tra- balho sintético.

Separar essas duas modalidades do trabalho histórico é arriscar ou a solidez dos seus funda- mentos ou a perfeição e íinaUdade da própria obra.

o trabalho de análise documental e os estudos de erudição não bastam para a recons- tituição de um facto ou de uma época, nem para a vivificação de um personagem.

Mas, de pouco valem, pela falta de solidez e pela fraqueza de exactidão os trabalhos de síntese, e que vivem apenas de uma crítica reno- vada e de uma nova interpretação dos dados existentes. E este mais ou menos o caso da fa- mosa obra de Guilherme Ferrero, A grandeza e decadência dos romanos

(i) Ver Ernest Bernheim> Manual de Metódica Histórica (em alemão) ; Lanolois e Seignobos, Introdução aos Estudos Históricos (em francês).

53o

O Dr. S. Jankelevitch, fazendo a crítica da obra de Guilherme Ferrero A grandeza e de- cadência dos romanos. I A Conquista apresenta ideas e arrisca algumas afirmações de carácter ge- ral sobre a teoria da história que, sendo susceptí- veis de discussão por estarem longe de corres- ponder à verdade na nossa opinião, são de citar porque apresentam um ponto de vista que^ longe de ser exclusivo desta crítica, é hoje alguma cousa seguido.

Escreve Jankelevitch :

«Se o grau de precisão dos nossos conheci- mentos relativos ao passado não dependesse se- não do número de textos, de fontes, de docu- mentos utilizados em favor de tais conhecimentos, haveria mais de um período histórico acerca do qual estaríamos no direito de afirmar que o co- nhecíamos de uma íorma perfeita, imutável, ne varietur,

«Contudo, parece que tal assim não é porque a cada instante vemos aparecer novos trabalhos relativos a períodos que pareciam ser o melhor conhecidos e que, cousa interessante, não se apoiam sobre nenhum documento novo, sobre nenhum texto inédito.

«(iQual é, pois, o elemento verdadeiramente novo que estes trabalhos apresentam, em que é que eles vêem enriquecer os nossos conhecimen- tos, qual a sua utilidade teórica ou prática ?

«A resposta a estas perguntas não apresentará nenhuma dificuldade se se quiser admitir que ao

53i

lado da erudição que forma a base dos estudos históricos, a síntese que é o seu complemento, e que tem por fim reunir os materiais fornecidos pela erudição tendo em vista uma interpretação de conjunto».

E continua :

«Ora, se a erudição constitue a parte por assim dizer impessoal, objectiva, permanente dos estu- dos históricos, a síntese é a pai te subjectiva, va- riável, deles, não dependendo as suas variações do capricho ou das preferências puramente pes- soais do historiador, mas do meio histórico no qual êle vive, dos grandes problemas sociais e políticos que agitam a sua época e que, desco- nhecidos dos historiadores que o tinham prece- dido, inspiram-lhe analogias novas, permitindo aplicar ao passado um ponto de vista igualmente novo».

E acrescenta :

«E, pois, de presumir que dos nossos dias espe- cialmente, em que a era por assim dizer a analítica dos estudos históricos pode considerar-se cerrada o número de trabalhos consagrados à síntese irá aumentando à proporção que novos problemas surjam, os quais, alargando a nossa experiência histórica pessoal, actual, nos permitirão apreen- der o passado numa síntese ao mesmo tempo mais vasta e mais compreensiva».

É esse processo sintético e psicológico que G. Ferrero procura aplicar na sua obra monumental sobre a história de Roma, reduzindo esta a uma

532

luta de classes, ao produto de uma acção interna que teve como consequências : a transformação da tradicional república aristocrática e agrícola num grande império mercantil e democrático, a subs- tituição da antiga hierarquia social e política, baseada na tradição, por uma outra organização mais aberta e flexuosa mercantil, plutocr ática baseada na posse.

Em história, mais que em qualquer outra sciên- cia, é necessário o maior cuidado com as cons- truções subjectivas, imaginosas, onde pode haver muita intuição, muito engenho, mas tudo isso nada mais faz que comprometer a confiança numa obra quando a esta falta uma grande e sólida base documental.

vimos no capítulo anterior que a imagina- ção apresenta na reconstituição histórica um im- portante papel, e, até, no pensar de alguns, uma função dominante. É certo que não desdenhamos o papel da actividade criadora do espírito em história, sabendo que tal actividade não é origi- nariamente criadora, pois ela tira os seus ele- mentos de construção das recordações conser- vadas no nosso espírito ou directamente dos fa- ctos a que asssistimos e de que tratamos como nas memórias, autobiografias, etc. ou da lei- tura e estudo de documentos ; mas essencial se torna não confiar muito, e, ainda menos, só, na imaginação, antes importa, no mais alto grau, fiscalizar esta.

Ora isso nem sempre tem sido feito entre nós

533

por exemplo mesmo no período contempo- râneo. Mas não é por que se tem abusado da imaginação em história, tirando juízos, con- cluindo afirmações, de puras hipóteses, de meras conjecturas criadas em todas as suas partes pela imaginativa dos seus autores. Também a histo- riografia contemporânea estrangeira nos apre- senta— e bem numerosas vezes casos idênticos.

Assim, na Introdução ao primeiro número da Repue Historiqiie, escrevia Gabriel Monod, em 1876, dizendo que a França estava num período ade preparação, de elaboração de materiais que servirão depois para construir edifícios históricos mais vastos». E, segue: «Les esprits générali- sateurs, les artistes, viendront à leur tour mais animes de reserve et de prudence, ne se servant que de matériaux éprouvés et authentiques, et laissant volontairement inachevées les parties de Tédifice que la science ne peut retrouver et dont rimagination seule peut deviner vaguement les formes probables» (i).

Também Renan escrevia : «Aussi long temps que toutes les parties de la science ne seront pas élucidées par des monografies spéciales, les tra- vaux seront prématurés», e é bem conhecida e foi por nós, aqui, citada a frase de Fustel de Cou- LANGEs: «II faut toute une vie d'analysc pour une heure de syntèse».

(i) Ver nessa Reviie^ primeiro ano, pág. 34 e 35.

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2." Âs publicações documentais

A primeira forma do trabalho analítico consiste nas diligências sobre a Hauristica, isto é, nas opecaçôes tendentes a conhecer onde estão os documentos sobre determinado assunto e quais são, e a fazer o seu estudo.

Apesar do que diz Seignobos, na Introdiiction aux études historiques, é cada vez mais definida a divisão do trabalho em história. O 'erudito^ ou historiador de análise^ tende cada vez mais a tor- nar-se o investigador das fontes em primeira mão, o seu critico maximamente minucioso e reflexivo, e o editor das colecções de documentos inéditos ; o historiador de síntese, ou, simplesmente, histo- riador, reserva para si o trabalho de construção sintética sobre os dados fornecidos pelo erudito nas suas análises.

Por isso, é cada vez maior a obra de publica- ção de documentos inéditos levada a efeito em todos os países civilizados como vimos nos capítulos anteriores. Efectivamente, teem sido encontrados e publicados documentos preciosos que teem vindo renovar a história, trazendo no- vos conhecimentos os quais hão feito surgir no espírito dos historiadores novos critérios.

Apesar de tais normas bem objectivas e críticas do trabalho histórico terem a sanção geral e o aplauso unânime uma outra voz ontem mais, e hoje muito menos se levanta aqui e acolá

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contra a chamada cassa ao inédito. Entre essas vozes dispersas encontra-se a de Brunetière figura de grande valor na historiografia da litera- tura francesa, e que por isso nós vamos patentear, tanto mais que o ponto de vista desse historiador é o de todos que se teem erguido contra o que chamam : o abuso dos inéditos.

No decurso desta obra temos visto quão grande tem sido a importância que se tem dado às pu- blicações documentais. E, não admira que isso tenha sucedido.

Na história política, militar, diplomática, eco- nómica e social os documentos são os traços, os vestígios e as provas objectivas que teem deixado as ideas e os actos humanos.

E, pois, pelos documentos, pelas fontes, que podemos adquirir conhecimentos e formar ideas sobre os factos passados. E, se o fim ideal da história consiste como diz G. Monod em re- constituir, na série dos tempos, a vida integral da humanidade, ou, pelo menos, na reconstituição parcelar do passado humano numa das suas ma- nifestações, não dúvida que sem documentos nada disso será possível.

Por isso, é opinião universalmente estabelecida que a precisão e o rigor dos conhecimentos his- tóricos crescem na razão directa dos conheci- mentos documentais.

Porém, na história das ideas, e na história literária, a importância dos documentos inéditos não é tão essencial e-tão importante como nas

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outras especialidades históricas, se bem que, tam- bém, sem o socorro dos documentos se não possa fazer critica literáfia sem fazer história.

Assim, Sainte-Beuve podia notar, com mal in- sofrido despeito, a febre que no seu tempo lavrava da descoberta e da publicação de docu- mentos ; e, depois, F. Brunetière muito mais critico literário e historiador de síntese que inves- tigador— censurava^ quarenta anos, com al- gum azedume, «la fureur des inedits», referindo-se a aTenvahissement d'une vaine et fausse érudition dans le domaine des lettres, ou même de This- toire».

A seguir, Brunetière diz que aos olhos de um de- cifrador de textos ou de um editor de inéditos que importa a: «scienceet conscience, íinesse dugoút, súreté du tact, art de choisir, art de composer, ima- gination du style, bonheur de Texpression, esprit ou grâce, éloquence ou force, tout ce qui s'est ja- dis nommé du nom de talent, ou de génie même» ?

E, assim, depois de enumerar as qualidades que devem caracterizar, segundo êle, um histo- riador literário e que são as suas próprias cara- cterísticas, — êle chega a fazer uma concessão mais ou menos generosa, escrevendo: «Ce n'est pas, à la vérité, que les documents inédits ne puis- sent quelquefois, en littérature comme en histoire, servir de quelque chose».

E, depois de aludir às descobertas de docu- mentos que teem esclarecido a biografia de Vol- taire e à «história da vida e das obras de Mo-

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LiÈRE», e de dizer que apesar disso tais descobertas não influíram no conhecimento e apreciação ge- rais dos autores e das obras escreve : «J'accorde- rai donc qu'un document inédit ne manque tou- jours d'intérêt». E acrescenta: «Je dirai plus : on se résignerait même, et Ton subirait volon- tiers ce débordement de paperasses s'il n'y avait rien autre chose à faire, et que nos érudits, avant de proceder à ces inventaires d'archives, nous eussent donné toul ce que nous sommes en droit d'attendre et d'exiger d'eux».

Passa a afirmar que «cette chasse auxinédits» desvia a crítica e a própria erudição do seu con- veniente caminho, e dando vários exemplos das lacunas que então, em i883, experimentava a historiografia literária francesa, êle incita os eru- ditos a «commencerpourlegrosdeTouvrage», em vez de esgotarem a «publier leurs petitspapiers».

No seu desenvolvido estudo Brunetière passa a referir-se aos incidentes erroneamente atribuídos a certos escritores por aqueles que levam a vida a investigar papéis, em vez de lerem e de estu- darem as obras dos próprios escritores (i), e isto

(i) Brunetière cita o caso curioso do investigador Louis- -AuGUSTE Ménard ter publicado, como versos inéditos de Bossuet, cerca de Soo ou 400 que figuravam em todas as boas edições ultimamente publicadas das obras do famoso orador sagrado. Du- rante uma semana ninguém deu por isso, gastando se o tempo e o esforço a discutir a autenticidade dos versos. O mesmo Mé- nard pouco tempo depois revelava como inéditas fábulas de La FoNTAiNE os medíocres Contes Galans que estavam impressos mais de 200 anos, e eram da autoria de M,""* de Villedieu,

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sem tomar em conta a fabricação e falsificação de inéditos; e, depois, manifesta-se contra a pu- blicação das pequenas notas, esboços, ensaios de escritores e oradores que nada adiantam no conhecimento e apreciação das obras, e podem embaciar o prestígio dos seus autores (i).

Aqueles que desejam «renovar» os assuntos de estudo, êle recomenda: «Lisons un peu plus d'a- bord, lisons surtout plus consciencieusement», no- tando quantas cousas novas havia ainda a encon- trar na Correspondance de Grimm, no Année litté- raire de Fréron, no Journal encyclòpedique de P. Rousseau (2). E, depois de dizer que se aos histo- riadores não basta ler, profundar as obras, rece- ber delas a impressão directa, e de nada dizer que nesse estudo não se haja pensado por si próprio, nota que um outro meio de renovar os assuntos e que consiste em : «les étudier dans Thistoire autant qu'en eux-mêmes, de les suivre à travers les révolutions du gôut, d'en épuiser enfin la di- versité d'aspects, et par le souci du détail cara- ctéristique d'y introduire en quelque sorte Tani- mation de la vie». Exemplifica que foi isso que fez Sainte-Beuve no seu admirável Port-Royal, e pedíamos acrescentar que foram esses os pro-

()) È o caso de certas pequenas obras de Corneille, Molière e La Fontaine.

(2) É o caso da Histoire de la littér ature française, da Desiré NiSAUD, que é quási exclusivamente o produto da «leitura cons- cienciosa» das obras dos escritores franceses.

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cessos de trabalho seguidos pelo próprio Brune-

TIÈRE.

Com esse ponto de vista não admira que a Saint-Beuve, ao Taine da Histoire de la littérature anglaise, e ao mesmo Brunetière pouca falta fizessem os documentos inéditos.

Esses e outros autores do género foram muito mais críticos que historiadores, e quási-nada in- vestigadores. O que os interessou foram as obras em si, a sua belesa, o seu poder de expressão, a sua força emocinal. Mas, isso não é história : é critica. E o próprio Brunetière o diz, quando indica o objecto próprio da critica: «interpréter les oeuvres, et à mesure qu'elles vivent plus long- temps, trouver des raisons plus profondes pour expliquer cette vitalité». Se a história se limi- tasse às questões de critica literária talvez se po- desse dizer e ainda assim incompletamente com Brunetière: «On ne voit pas bien ce qu'ont à faire, en tout cela, les documents iné- dits» (i).

Vamos tratar agora das especializações no domínio do trabalho histórico, e, especialmente, da diferença de objectivos e de métodos de es- tudo entre os historiadores e os eruditos.

( I ) o estudo de Brunetière, a que nos temos vindo reportando, foi publicado, com o título de La Fureur des InédUs na Revue des Deux Mondes, de i de Outubro de 1 883.

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Ainda que Georges Bohn diga que «as grandes descobertas em sciência são raras vezes devidas a especialistas», e que «os especialistas nunca exerceram uma profunda influência no movi- mento das ideas, não sendo entre eles que se tem recrutado os verdadeiros inventores» (i), o certo é que a vastidão da sciência leva-nos, for- ça-nos, impele-nos para o especialismo.

Não dúvida que, como diz M. Bohn : «E necessário uma cultura geral para formar artistas e sábios verdadeiramente originais»; mas não é essa cultura geral incompatível com a especiali- zação, antes se completam, servindo aquela de quadro geral e esta de detalhe de um ponto desse quadro de cultura.

Também, não é de esquecer a conclusão de Le Dantec : «il n'y a nulle part, dans le champ de la connaissance, de barrière que limite le domaine propre de la science». E muitos anos antes escrevia Fustel de Coulanges: «A en croire cer- tains esprits, il faut borner le travail à un point particulier, à une ville, à un événement, à un personnage, tout au plus à une génération d'hom- mes. J'appelerai cette méthode le spécialisme».

Logo justifica e pergunta : «EUe a ses mérites et son utilité ; elle peut reunir sur chaque point des renseignements nombreux et súrs. Mais est-ce bien la le tout de la science ? Supposez cent spécialistes se partageant par lots le passe

(i) In Mercwe de France, de i de Fevereiro de 1921, pág. 772.

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de la France; croyez-vous qu'à la fin ils auront fait rhistoire de la France I^ J'en doute bcau- coup : il leur manquera au moins le lien des fails; or ce lien est aussi une vérilé historique» (2).

Também, o eminente pensador e pedagogista LiARD diz nas Pages éparses, sobre o mesmo assunto: «Especialidades, sem dúvida alguma que são precisas na sciência... Mas a especia- lidade não é a separação; a distinção não é o isolamento. Pelo contrário, quanto mais a sciên- cia penetra no detalhe infinito das cousas mais são necessárias as fontes de reparo e as vistas de conjunto. O especialismo exclusivo é uma mão que pulveriza as ideas. É-lhe preciso um cor- rectivo: as concepções gerais. O especialismo estreito que não se liga a ideas mais largas não apreende senão um muito limitado canto da reali- dade, sem a compreender, porque compreendê-la é ligá-la ao conjunto. Tudo o que vive é uno ; tudo o que evolue é-o igualmente ; e é não ver senão um dos efeitos da evolução considerar so- mente as distinções que ele estabelece».

Não dúvida que é á divisão da matéria de estudo, que é ao especialismo corrente que a sciência e as suas aplicações devem os seus pro- gressos, convindo como entende Liard não abstrair inteiramente das ideas de conjunto, e, antes, ter como correctivo as concepções gerais.

Em história sucede o mesmo.

(2) Vef .• Revue de Synthèse Historique, tomo n^ pág. zSg,

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Devidp à complexidade e delicadeza do tra- balho histórico, sucessivamente mais vasto e exi- gente, é cada vez mais essencial a divisão de tal tarefa por duas ordens de obreiros : o erudito e o historiador.

É certo que essa separação de funções existia, mas o motivo actual de tal divisão de trabalho é diferente do outrora apresentado e justificado. Não são apenas as funções inteiramente diver- sas do historiador e do erudito que justificam tal divisão de trabalho, o que também condiciona esta ou deve condicioná-la é a especial pre- paração scientífica e técnica, e, ainda, o tempe- ramento e as tendências de espirito dos que se dedicam aos estudos históricos.

O erudito necessita ter conhecimentos scientí- ficos e técnicos especiais, e muito profundos, sobre os períodos e os assuntos de que trata, e, antes de tudo isso, deve dispor de um temperamento frio^ minucioso e paciente, e ser dotado de um fundo espirito analítico, do amor do detalhe.

O historiador, por sua vez, reclama uma boa cultura geral, uma inteligência vasta, aptidões generalizadoras de espírito e um grande poder de síntese.

Apesar disso, nem o erudito deve abstrair do trabalho de síntese nem o historiador deve des- denhar os estudos de detalhe, as operações da crítica documental a que bastas vezes terá de re- correr.

Há, assim, uma interpenetração de campos e de

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normas de trabalho que importa sempre ter em vista. Os volumes desta Colecção de inéditos que é uma obra de erudição irão provar pra- ticamente que isso assim é, pois a pessoa en- carregada de uma obra de tal natureza não se quere nem se deve limitar a ser puramente um colector e editor de documentos (i).

Em todo o caso, não dúvida que se pode delimitar a erudição da história, que se podem estabelecer balizas entre as funções do erudito e as do historiador (2).

3.** Â nossa colecção de documentos inéditos da história de Portugal

Apesar do que possam dizer os seguidores de Brunetière contra a divulgação dos inéditos tais publicações por toda a parte se vêem multipli- cando. O que, de resto, é inteiramente lógico.

Considerando que sem documentos não história, tudo o que venha a realizar-se no sen- tido de tornar conhecidos estes, é contribuir, im- plicitamente, para os progressos de tal sciência, aumentando-lhe as suas possibilidades de certeza e o seu grau de exactidão.

(i) Quem percorrer o primeiro volume desta colecção, pu- blicado — As Impressões de um Diplomata Português na Corte de Berlim encontrará na primeira parte e nas notas desse trabalho muita história geral da Prússia, e até dos países da Europa Cen- tral.

(2) Ver sobre este ponto, as excelentes considerações deLAN- OLOts e Seignobos, ob. cif., pág. 92 a 1 16.

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Temos visto neste trabalho como tem sido im- portante a obra realizada em favor das publica- ções documentais, e acabamos de estudar a jus- tificação filosófica e scientifica de tais publicações com o critério crescentemente objectivo que passando das sciências da natureza para as do espirito se tem tornado cada vez mais predomi- nante em história.

Mas, não foram esses motivos de carácter geral que nos levaram a propor e a empreender esta delicada, complexa e pesada tarefa. Ou- tros, igualmente importantes, foram os móveis da nossa iniciativa e o são da nossa obra de- vendo salientar, entre os principais: um de ca- rácter scientífico, e outro de natureza moral. Isto é, além de procurarmos contribuir para um mais completo esclarecimento dos factos da nossa his- tória, pela publicação dos documentos, temos, também, em mira um objectivo moral^ educativo

a incidência sobre o espirito público num sen- tido patriótico, liberal e progressivo e, é óbvio,

sem excluir ou esquecer jamais a verdade.

O empreendimento que temos em vista realizar é ao mesmo tempo uma obra de erudição e uma obra de história. Nisso se diferença da maioria das empresas similares realizadas no estrangeiro, ê que teem produzido quási exclusivamente pode dizer-se obras de erudição.

Esta nossa será uma obra de erudição, porque ao realizá-la temos em vista patentear os doeu- ftientos que são os vestígios dos factos passados,

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aproximar estes e restabelecê-los no seu con- junto e nas suas consequências, quere dizer : temos em vista procurar a realidade histórica. Mas, procuraremos que também deste empreendimento resulte uma obra de história, e esse carácter ser- -Ihe dado pela interpretação não dos docu- mentos como dos factos que aqueles descrevem.

Assim, à realidade histórica fornecida pelo es- tudo e publicação dos documentos virá acrescer a verdade histórica proveniente da interpretação dos factos registados nos documentos e da coor- denação daqueles com outros conhecidos.

Como diz P. Lacombe : «L'érudition et rhistoire sont deux moments distincts d'un même ouvrage. Sans érudition, pas d'histoire ; mais sans Fhistoire íinaie, ['érudition ressemble à une bâtisse inache- vée, à qu'il manque ce qui la justifie, la possibilite d'être habitable». E mais adiante: wNon seule- ment, sans Thistoire, Férudition serait une chose assez vaine, mais elle peut devenir un danger pour Tesprit humain».(i).

Assim, esforçando-nos por publicar em cada volume ou série de volumes as colecções docu- mentais que formem um conjunto e tenham uni- dade— seja esta de proveniência, de assunto ou de cronologia serão essas obras geralmente di- vididas em duas partes : a primeira destinada à interpretação, comentário e crítica dos assuntos

(i) P. Lacombe, De VHistoire considérée comme science, 1894, pág. X.

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Í4^

emergentes dos documentos publicados e até mesmo, por vezes, dos próprios documentos em si ; a segunda parte destina-se à publicação, quási sempre in-extenso, dos conjuntos documentais, reservando especialmente para esta o estudo crí- tico de tais documentos.

Assim, não se tratará, nesta colecção, simples- mente, da edição de documentos segundo as re- gras prescritas em tais ordens de trabalhos, tra- tar-se há, também, da interpretação política, social, económica, scientífica, religiosa e moral, dos assuntos versados, segundo a natureza destes.

Como diz George Simmel: «Se não colocásse- mos um sentido por trás de todo o acontecimento histórico, uma intenção por trás de todo o acto exterior, um sentimento por trás de toda a deter- minação externa, não haveria história; a inter- pretação lhe confere uma significação» (i).

Diz, com um aspecto de triunfador, Max Nor- DAU que a interpretação é arbitrária e puramente subjectiva, e, por tanto contrária à sciência(2).

A história não vale por si, e como simples repositório descritivo de acontecimentos pas- sados, mas sim pela lição moral que conteem os factos que ela encerra e descreve. E, se isso é exacto por toda a parte com mais razão o deve ser nas democracias. É que o historiador não

(i) G Simmel, Die Problema der Geschichtsphilosophie^ 1892, pág. 43.

(3) Max Nordau, Le Sens de VHistoire, 1910, pág. 7, 8, 10,47.

SI

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se deve limitar a ser um homem de sciência, máú deve esforçar-se por ser também um educador e um homem de coração.

E e assim deve ser às obras de alta eru- dição que os prefessores de ensino primário, de ensino médio e, até, de ensino superior vão buscar o alimento das suas lições, das suas prelecções e dos seus discursos docentes e extra-escolares ; e os autores dos compêndios e manuais de ensino é que vão procurar o socalco das suas obras didácticas.

Thiers no prefácio da sua História do Consu- lado e do Império apresenta como objectivo da história a reprodução fiel do passado sem nada se lhe juntar, acrescentando que a história deve ser como um grande espelho, e de uma transparência tão perfeita que seja capaz de reíletir por tal forma os objectos expostos que se julgue vê-los através do quadro do espelho, sem que se pelo vidro.

Contra tal forma de conceber a história mani- festa-se Michelet perguntando : ^ O historiador não deve ter alma nem consciência ? ^ Ele deve ficar indiferente, impassível, ante a luta eterna da virtude contra o vício, da liberdade contra o des- potismo ? E logo retruca : ; Não 1 O historiador deve conduzir os homens para o bem. E, ainda, acrescenta que: «a história dá-nos uma lição, eterna ; ela ensina que a virtude e a liberdade estão destinadas a triunfar. Não é possível, em presença de tudo isto, ficar indiferente».

Contudo, é de notar que o ponto de vista de

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MiCHELET constitue uma recrudescência da eterna questão sobre a natureza e o verdadeiro fim da arte.

Ora, a verdade é que a obra de arte deve ten- der, acima de tudo, a apresentar-se a nós como uma criação do espírito do artista, e em história nada disso se deve dar. Efectivamente, se. po- demos exigir da arte que «transforme os objectos naturais em substância do espírito do artista para depois os reproduzir, expressando neles os seus sentimentos e as suas ideas, com a história nada disso se passa.

Continuam ainda na ordem do dia das discus- sões sobre os intuitos e desígnios da história: se esta deve ter apenas um fim didático de elucida- ção sobre o passado, de reconstituição de per- sonagens e factos idos ; ou se ela também deve ter objectivos de carácter moral, não deixando ainda hoje este critério sobre os objectivos morais da história de ser compartilhado por muita gente.

Por isso, não basta que tal alimento seja sadio e que os materiais sejam sólidos: é essencial que os elementos a utilizar por esses vulgarizadores sejam, além de convenientemente escolhidos e fiscalizados no ponto de vista da sciéncia e da moral, comentados e expostos, tendo quanto pos- sível em atenção os intuitos educativos e sempre a exactidão histórica, a precisão scientífica.

Como diz Caron a história é uma sciéncia di* fícil, é mesmo a mais difícil das sciências. Para a cultivar é necessário ter, a par de uma educa-

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ção geral, a técnica especial que ela demanda, e, se se deseja profundá-la num dos seus departa- mentos, é essencial ter os conhecimentos imedia- mente necessários e relativos ao ramo particular em estudo.

Assim, para se investigar e escrever acerca da história económica, financeira, política, diplomá- tica ou militar, essencial é ter uma muito con- creta cultura sobre os fenómenos de ordem eco- nómica e financeira e de natureza politica, acerca da vida diplomática e da técnica das relações internacionais, e ainda sobre as grandes linhas das sciências militares a orgânica, a táctica e a estratégia, a administração militar, etc.

Além de todo esse mundo de qualidades e apti- dões ainda o historiador necessita um grande poder de abstracção e um espírito inteiramente livre de preconceitos, pois^ como dizia Fustel de CouLANGEs: «o espírito de investigação e de dú- vida é incompatível com toda a idea preconce- bida, com toda a crença exclusiva, com todo o espírito de partido . . . ».

Digamos, de uma forma sucinta, o método que tencionamos seguir na edição dos documentos.

Por três formas se podem fazer as publicações documentais : ou as colecções das peças são pu- blicadas na íntegra, ou delas se fazem apenas catálogos sumários e índices, ou, emíim, se pu-

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blicam de tais espécies os inventários analíticos como, mais ou menos, teem feito o governo inglês com a impressão dos Calendars, os edito- res franceses de alguns volumes dos Documents inedits^ etc.

Esses três métodos serão por nós seguidos con- juntamente (i).

Assim, os documentos de grande valor histó- rico ou paleográfico, ou, ainda, os muito raros, e, especialmente, os dos arquivos particulares se- rão publicados in-extenso. Aqueles que não são raros ou não apresentam grande importância histórica e os que repetem mais ou menos outros insertos, emfim, os documentos que não apresen- tam nenhuma matéria nova, serão, simplesmente, registados ou, quando muito, extractados (2).

Emíim, os documentos que apresentam ma- téria nova ou pontos de vista novos sobre assun- tos já tratados em outros documentos reprodu- zidos, e, especialmente, aqueles que se encontram nos arquivos públicos, esses serão anali:(ados, re- sumidos, extractados.

Quanto à metódica a seguir no estudo analí- tico e crítico das peças e na economia das obras e distribuição dos assuntos, serão observados os processos em uso para tais estudos.

Ao contrário do historiador, em geral, e, espe-

(i) Ver sobre tal ponto este trabalho, de pág. 178 a 243.

(2) Ver : Langlois e Seignobos, Introdution aux étiides histo- riqiies, 3.» edição, pág G4 e 65 ; um artigo de J. Bédier in Rcvue des Deux Mondes, de i5 de Fevereiro de 189^.

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cialmente, do historiador de síntese que vai dos assuntos a tratar para as fontes destes, isto é, dos factos para os documentos que deles se ocu- pam, nós, como editores de documentos, iremos, geralmente, destes para os assuntos que eles ver- sam, para os factos que eles expõem.

Assim, ao passo que para o historiador de sín- tese o trabalho de heurística é precedido pela escolha do assunto e por ela condicionado, o co- lector de manuscritos, o editor de documentos, pro- cede por forma completamente oposta. Encon- trado um conjunto documental de fundo interesse histórico ou grande valor paleográfico passa-se ao seu estudo minucioso, sem o menor partido tomado, isto é, abstraindo por completo de quais- quer princípios, ideas ou pontos de vista precon- cebidos.

Esse esforço de inibição espiritual constitue um dos pontos essenciais reclamados no trabalho histórico.

Segue-se a leitura no sentido literal mais per- feito de cada documento, desdobrando-se para isso, a personalidade do investigador, de forma que este se coloque no estricto ponto de vista do autor do documento, do gerador do testemunho, e ao mesmo tempo realize as operações críticas essenciais. A primeira destas deve ter em vista fazer a restituição das espécies quando os textos hajam sido alterados; segue-se a crítica sobre a proveniência dos documentos os seus autores, a data, os pontos de origem e a natureza das in-

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formações e dos informadores, e a proveniência de tais documentos (i).

Depurado, mesmo limpo, o manuscrito, e co- nhecidas não a proveniência dos textos como as fontes de informação para a elaboração deles, importa reunir e classificar metodicamente os do- cumentos, tratar da disposição em série dos tex- tos, das fontes, fazendo esse agrupamento ou sob o ponto de vista cronológico, ou do lugar de ori- gem, do assunto ou espécie, ou da forma (2).

Terminada a critica externa, ou critica de eru- dição, dos documentos que é uma crítica pre- paratória, — passa-se à crítica interna, íntima, dos documentos; ao estudo através e por meio des- ses documentos do espírito e do coração que os ditou.

Pertence ao grupo de operações especiais desse estudo a crítica de interpretação, tendo em vista conhecer, com a maior certeza possível, o que o documento quere significar, o que o seu autor tem querido dizer tudo isso estudado com o

(i) Este ponto é muito importante para evitar fraudes, como exemplifica Langlois e Seignobos na Introduction, ao tratar das falsificações de Vrain Lucas de autógrafos atribuídos a Vercin- GETORix, Cleópatra e Maria Madalena.

(2) É de notar que a classificação das fontes faz-se de forma diversa, segundo se trata da obra de um historiador ou do tra- balho de um erudito^ de um colector de fontes, de um editor de textos ou de um elaborador de registos.

Acerca do desenvolvimento dos processos de crítica externa dos documentos diremos que serão por nós seguidas, tanto quanto possível, as regras aconselhadas nos Manuais de Metodologia como o de Bernheim, Langlois e Seignobos.

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maior esforço de abstracção, de forma que o in- vestigador não leia um texto através das suas impressões e em função do seu ponto de vista e das suas opiniões, mas com o fim exclusivo de conhecer as ideas do autor.

Feita a crítica filológica e histórica da interpre- tação que se pode chamar hermenêutica quando aplicada aos documentos de natureza profana, e exegese quando se trata de textos religiosos, passa-se à chamada crítica de exactidão e de sin- ceridade (i).

Tem ela em vista saber se o autor do tesmu- nho ter-se enganado ou se terá pretendido enga- nar, devendo em tal trabalho partir-se sempre da desconfiança metódica, que corresponde em filo- sofia à dúvida metódica cartesiana. Contudo, aqui necessário é não abusar da hipercritica, como no estudo anterior importa não exagerar a hi- perhermenêutica (2).

Esta colecção de publicações de que acabamos de traçar o programa por uma forma geral e co- leante como é mister em tais casos desti-

(i) Ver artigo de Louis Daviixé, La comparaison etlaméthode comparalive, en particulier dans les étiides historiques, in Revite de Synthèse Historique^ Dezembro de 191 3, pág. 217 a 25/.

(2) Para o desenvolvimento dos processos críticos acima apon- tados temos seguido, e continuaremos seguindo, os citados Manuais de Bernhiíim, Langlois e Seignobos e os artigos de Louis Davillé na Revue de Synthèse Historique.

Em cada volume de inéditos que formos publicando e a pro- pósito dos casos especiais que nos venham surgindo daremos as convenientes informações.

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na-se a esclarecer pontos iaiportantes relativos aos diversos períodos da nossa história, e, espe- cialmente, acerca das épocas moderna e contem- porânea. E, isso explica-se.

E cada vez mai& acentuada a importância que por toda a parte se vem dando aos estudos de história moderna e contemporânea, quer devido à reconhecida influência dos acontecimentos que a constituem sobre os factos actuais, quer devido a tais períodos haverem sido até agora os menos devassados, ao contrário do sucedido com a Idade Média e a Renascença, quer, ainda, porque no decorrer do século xix e no deste teem sido tor- nadas públicas numerosas e importantes cole- cções documentais sobre os acontecimentos a partir do século xvi, e se tem feito a preparação escolar dos profissionais da história moderna.

Deixamos largamente exemplificado nos ca- pítulos anteriores quanta atenção mereceram, nos países da mais alta erudição, aos historiadores isolados e às corporações académicas e monás- ticas, através dos séculos xviii e xix, os estudos de história clássica, medieval e da Renascença; e, também, vimos como a partir da segunda me- tade do século XIX os estudos de história moderna vêem ganhando notoriedade e importância.

Efectivamente, pelo que se refere à preparação profissional dos historiadores modernos, e to- mando o exemplo da França, é de notar que até pouco ali não existiam nem organismos especiais para o ensino profundo desse período histórico e

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da sua metodologia, nem centros de trabalho pre- parados para a investigação especialista.

Pelo contrário, os orientalistas tinham, para isso, o Colégio de França e a Escola de Altos Estudos, e os historiadores clássicos prepara- vam-se quer em Atenas para os trabalhos de his- tória grega e do helenismo, quer em Roma para os de história latina. Por sua vez, os medie- vistas recrutavam-se na famosa «École des Char- les» que acaba de completar um século da sua gloriosa vida.

Dai, tem resultado que os trabalhos de história moderna e contemporânea teem sido versados quási exclusivamente por homens de letras, pu- blicistas, jornalistas, emfim, por amadores que teem cultivado a história no ponto de vista da anedota, do assunto de ocasião, da história ga- lante, da vida das cortes e dos salões, dos cos- tumes, das modas, etc.

Esses trabalhos, alguns mas poucos ba- seados em fontes de primeira mão, mas a maio- ria versando generalidades e tomando por base uma lenda, uma historieta, um conto, um dt{-se com algum recorte histórico, teem-se imposto ao agrado público quer pelo poder de sugestão dos assuntos tratados, quer pela factura breve, gra- ciosa e elegante, e pelo estilo correntio, ghssante e claro, quando não brilhante e inspirado.

Até pouco a história moderna era assim tratada em artigos de jornal e de revista, em cró- nicas de magaiine, ou em livros, havendo ela coni

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o seu prestígio de sciência ao alcance de todos ^ os seus encantos de lenda, e com o seu pitoresco e a sua patine dos tempos recuados contribuído imenso para o sucesso de muita obra e para glória e proveito pecuniário de muito escritor.

Ao contar ao público tais anedotas curiosas, tais lendas pitorescas, tais histórias galantes e por vezes picantes e frescas o único objectivo dos autores consiste em interessar, em divertir. Por isso, tais autores e tais obras longe de dirigirem, orientarem, educarem o gosto do público, antes são por este orientados e dirigidos.

Vai, pois, sendo tempo de pôr termo a tal es- tado de cousas, isto é, vai sendo tempo de fazer da história moderna e contemporânea objecto de estudos sérios e documentados, ainda que ao lado desses trabalhos sólidos pela sua documentação e profundos pelos seus comentários continuem a surgir os outros, leves, graciosos, sugestivos, mas feitos por e para diletantes, por e para ama- dores de fino gosto e de delicado espírito.

Porém, ao passo que no nosso país é este ainda o modo quási exclusivo de tratar a história mo- derna e contemporânea, fora vai êle sendo substituído, cada vez mais, pela história-sciência, sem esquecer que a própria história-galante, a própria história-anedota vai evolucionando e ten- dendo cada vez mais para a história objectiva e scientífica.

A França que sofreu, também, de tal exclusi- vismo viu as cousas modificarem-se completa-

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mente com o aparecimento da Repiie des Quês- tions Historiques, da Revuedes Études Historiqiies, da Polybiblion, da Reviie Historique, da Repue dlíistoire moderne et contemporaine, da Repue de Synthèse Historique, e com a publicação de uma admirável multidão de obras que documentam o alto mérito dessa plêiade de historiadores con- temporâneos como Lavisse, Rambaud, Seignobos, G. MoNOD, Emile Bourgeois, Lanson, Aulard, An- DLER, Chuquet, Debidour, H. Leonardon, E. Denis, H.Berr, Abel Lefranc, G. Weill para falar dos epónimos(i).

Pierre Caron falando dos trabalhos de história moderna distingue duas escolas : a conservadora, mais antiga, com uma certa tradição e muitas obras publicadas mas de valor desigual, por serem, raramente trabalhos de profissionais ; e a escola liberal mais recente^ por emquanto me- nos rica em bibliografia, mas tendo produzido obras cheias de solidez, de documentação, de pro- fundeza, e quási todas escritas por profissionais da história, isto é, por eruditos, arquivistas, bi- bliólogos e professores de história (2).

Entre nós, quási a mesma distinção se poderia fazer.

Uma das cousas que nunca esquecemos e

(1) Ver : P. Caron e Ph. Sagnac, LV/aí actuei des études d'hiá- íoire moderne en France, 1902; Pierre Caron, Des conditionS actuelles dii travail d'hisloire moderne en France, in Revue de Synthèse Historique, tomo xi, pág. 261 a 274.

(2) P. Caron, art. cii. da Revue de Synthèse Historique,

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muito menos o faremos nesta colecção é a no- ção da solidariedade, que nos ensina a ter res- peito pelo trabalho dos outros e a utilizar com a indicação da competente paternidade e autoria esse trabalho, quando se nos afigure adequado e nele tenhamos confiança.

Não nada de mais irracional e, por isso, menos justificável que o critério individualista em sciência, como se esta não fosse por si, e em qualquer dos múltiplos ramos, uma demons- tração, uma prova e um produto da solidarie- dade. «A sciência apareceu-nos escreve Henry MicHEL como um grande esforço colectivo. Os mais laboriosos e os melhor apetrechados limi- tam-se, envaidecendo-se, de para ela trazerem uma simples contribuição» (i). Se tal é exacto em todos os ramos da sciência ainda mais incon- troverso é tratando-se de história.

Na realidade, por muito profundas que sejam as investigações e por muito cuidadas que hajam sido as operações de crítica, de reconstituição e de síntese históricas nada mais se pode afirmar que : o trabalho feito e o resultado obtido são sim- ples elementos, pequenas fracções, de verdade, e nunca a verdade inteira, completa, decisiva, abso- luta— pois tais caracteres são incompatíveis com a relatividade da sciência.

E assim, com essas duas noções a da neces- sária solidariedade dos autores de trabalhos his-

(i) Em Le Temps, de 25 de Maio de igoS.

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tóricos e a da relatividade dos conhecimentos caminharemos na elaboração desta nossa obra e na apreciação da dos outros.

Mostrámos como são diferentes os objecti- vos, a missão e a finalidade do erudito e do his- toriador, e, como se sabe na metódica do tra- balho histórico, o trabalho do erudito deve logi- camente preceder a obra do historiador.

Os objectivos do erudito constam da busca das fontes em primeira mão que é o desígnio da heurística^ e da investigação interna e externa dos documentos pelos processos de critica esta- belecida ; a sua grande missão reside na publici- dade das peças descobertas e criticadas; e a sua alta finalidade consiste em fornecer ao historiador a matéria para os seus estudos, a base das suas sínteses.

Assim, os progressos da historiografia num país dependem directa e essencialmente da pu- blicação dos documentos que o historiador de utilizar.

Se bem que como vimos nos capítulos anteriores teem-se incumbido dessa benemérita função as mais diversas colectividades como as comunidades religiosas, as academias scientí- íicas, os municípios, etc. não dúvida que é aos governos que compete tão difícil e cara, mas benemérita, missão.

56o

Quando, em i883, o insigne historiador Gui- zoT pretendia organizar elevadamente, patrióti- camente, junto do Ministério de Instrução Pública de França uma «Comissão encarregada de tra- balhar na direcção e inspecção das investigações e publicações . . . sobre os documentos inéditos relativos à história de França», escrevia ele:

«Au Gouvernement seul il appartient, selon moi, de pouvoir accomplir le grand travail d'une pu- blication générale de tous les matériaux impor- tantes et encore inédits sur Thistoire de notre pa- trie. Le Gouvernement seul posséde les ressour- ces de tout genre qu'exige cette vaste entreprise. Je ne parle même pas des moyens de subvenir aux dépenses qu'elle doit entrainer; mais, comme gardien et dépositaire de ces legs précieux des siècles passes, le Gouvernement peut enrichir une telle publication d'une foule d'éclaircissements que de simples particuliers tenteraient en vain d'ob- tenir. .. ».

Tinha razão o notável autor da História da Civilização na Europa. E aos governos a quem, principalmente, incumbe a alta missão de realizar tão importante obra, pois, eles dispõem das necessários meios materiais de a levar a efeito.

Na verdade, o governo de um grande país, pela iniciativa de uma eminente figura como GuizOT e com o espirito de continuidade que a tal empresa dedicaram os sucessivos ministros, desde Salvandy, como Cousin, Fortoul, Rouland, J. Ferry e seus sucessores, podia directa ou indi*

56i

rectamente levar a efeito tão gigantesca obra que conta por centenas os volumes de Documentos inéditos publicados.

Porém, não é a França o único pais que tem efectuado tão benemérita obra ; outras nações e algumas bem pequenas como a Bélgica, a Ho- landa, e a Suíça teem feito outro tanto.

Foi, pois, confiado na experiência cada vez mais generalizada no estrangeiro, que nós incluímos num projecto de lei para a criação do Ministério de Instrução Pública, que elaborámos em Março de 191 2, e que foi apresentado ao Parlamento, um artigo 4.° onde se lê:

«Art. 4.° No Ministério de Instrução Pública funcionarão também diversas comissões de tra- balhos scientiíicos como sejam: comissões de estudos filológicos para a factura de uma história da literatura, de um dicionário, de uma gramá- tica histórica e actual da Ungua portuguesa e de edições anotadas dos principais escritores nacio- nais; de estudos geográficos para a organização de uma completa geografia de Portugal e Colónias desde o estudo paleogeográfico até à parte an- tropo-social; de estudos históricos para a factura de uma história da civiHzação portuguesa, para a organização do nosso folklore poético e musi- cal, e para a elaboração de um catálogo descri- tivo dos nossos monumentos e objectos de arte; de estudos antropológicos e etnológicos para o estudo do tipo, raça e costumes do povo portu- guês; de estudos demográficos, económicos e so- 36

562

ciais; além da criação de outras comissões que sejam julgadas convenientes».

Parece-nos pleonasmo escusado dizer que o nosso projecto do Ministério, limitou a sua exis- tência às colunas do Diário do Governo, indo pa- rar ao cesto das cousas inoportunas. O projecto que se tornou lei foi oUtro muito diferente no nosso, dai resultando que sistematicamente nada se tem feito sobre os assuntos versados no trans- crito artigo.

Assim, passados dez anos continuamos a não ter um dicionário oficial da língua, uma gramá- tica portuguesa completa, uma edição anotada dos nossos escritores mais eminentes, uma geo- grafia portuguesa, um completo /o/Â; /ore poético e musical, emfim j vergonha suma 1 uma his- tória de Portugal.

Mais tarde, em 1 9 1 8, num Relatório apresentado superiormente, após nos referirmos ao enorme progresso dos estudos históricos, principalmente, depois de Leopoldo Ranke, e com Schaeffer, e aos progressos da metódica, e da critica históri- cas, escrevíamos:

«Também, seguem esse ponto de vista, entre outros, Waitz, Gesebreckt, Freemann, Wolf, Flathe, Droysen, Karl Ritter, Gurtius, Gervi- Nus, Sybel, Dahlman, Hauser, Treischke, Dun- ker, Freytag, Janssen, etc. na Alemanha; Macaulay, Filay, BucklE;, Loeky e Stephen na Inglaterra; Guizot, Tocqueville, Taine, Sorel e

56^

outros historiadores franceses contemporâneos como MoNOD, Seignobos, La visse, Rambaud, De-

BIDOUR, AULARD, BaRBEY, F. FaUCHILLE, R. WaD- DINGTON, L. PlNGAUD, G. HaNOTAUX, MoREL-FaTIO,

Geoffroy de Grandemaison, etc.

«Em harmonia com essa metódica da historio- grafia contemporânea os governos dos grandes e pequenos Estados passaram a organizar os seus arquivos políticos, diplomáticos e militares em função dos estudos históricos : pondo em ordem as suas colecções e os seus núcleos; inventariando e catalogando as suas espécies ; e publicando sis- tematicamente aqueles fundos que mais impor- tância e interesse apresentam para o conheci- mento dos acontecimentos e dos homens mais marcantes do passado. -

«E não se imagine que é necessário recorrer aos exemplos da França (i); e, especialmente, da

(i) Vidé o nosso trabalho: Da Importância dos Documentos Diplomáticos em História^ pág. 22 a 32 ; X. Charmes, Le Comité des travaux histoí-iques et scientijiques onde trata das investiga- ções e publicações efectuadas pelo Ministério do Interior e da Instrução Pública de França ; Laurencin-Ghapelle, Les Archives de la Guerre, historiques et administratives, Paris, 1898; os Rela- tórios anuais do administrador geral da Biblioteca Nacional de Paris, publicados no Annuaire des Bibliothèques et Archives, na Revue des Bibliothèques, e na Bibliotheque de 1'Ecole des Chartes pelo que respeita aos inventários e catálogos da secção de manuscritos da Biblioteca Nacional de Paris, ultimamente estu- dados e publicados por Henri Omont.

Acerca dos trabalhos publicados pelo Ministério dos Estran- geiros francês devem ser consultadas as séries de : Inventaire sommaire ; Inventaire analytique ; e Recueil des instructions données aux ambassadeurs, etc.

564

Inglaterra que dispõe da magnífica organiza- ção do State Paper Office e do Foreign Office Records, que pode orgulliar-se com a publicação dos Calendars of the mss., e citar, como exemplo, os importantes trabalhos da Royal Comission on historical maniiscripts; ou da Itália que dispõe de uma excelente organização de bibliotecas e arqui- vos, e pode ufanar-se da notável, obra de Mazza- TiNTi e dos seus colaboradores e seguidores Gli Ar chivi delia Storia d^ Itália.

«Tambêni; pequenos países, como a operosa Holanda (i), a minúscula Suíça (2), e a industriosa

(t) Na Holanda o governo tera-se interessado sumamente pelo progresso das sciências históricas, não impulsionando as inves- tigações dos arquivos dos Países-^Baixos como ainda encarregando eruditos e historiadores de estudarem as bibliotecas e os arquivos estrangeiros da Alemanha, Áustria, França, Rússia, Inglaterra, Itália, Espanha, Bélgica e Países escandinavos, no ponto de vista da história nacional, redigindo relatórios com os comentários su- mários e analíticos (segundo a importância das espécies) das peças relativas à história holandesa.

A Sociedade de História^ de Utrecht, tem publicado uma impor- tante Colecção de fontes históricas, constituída por crónicas e di- versos manuscritos de grande valor histórico, sendo também muito profícua a obra dos congressos de historiadores que ali se efectuam periodicamente.

Vide artigo de P. J. Blok na Revue Historique^ tomo lix (iSgS), pág. i33 e tomo lxxxi (1903) ; Ch.-V. Langlois, Manuel de Biblio- graphie Historique, pág. 468 a 472.

(2) Também, o governo da Suíça tem feito estudar nos arqui- vos estrangeiros as espécies de importância para a sua história, sendo de citar o trabalho que E. Rott tem publicado com o título de Inventaire-sommaire des documents relatifs à l'histoire de Suisse conserves dans les archives et les biblioihèques de Paris. O go- verno, as cidades e os cantões teem feito publicar colecções de iné-

565

Bélgica (i), oferecem-nos modelos excelentes de solicitude e inteligência, no que respeita a tal ordem de trabalhos.

«Assim, para citar, de fugida, a Bélgica basta atentar nas dezenas de volumes publicados por ordem do governo sob o titulo de «Documents inâdits», e onde Gachard, Charles Paillard, Ch. PiOT, e muitos outros teem coligido milhares de manuscritos até então inéditos (2).

«Seria escusado dizer que em Portugal pouco se tem feito sobre tais assuntos, continuando por catalogar muitas das mais importantes colecções Q fundos dos nossos mais valiosos arquivos; e

ditos relativos à história geral Federação, e à história local (provincial, cantonal, municipal, etc).

Vide Revue Historique, tomo lxxxiii (igoS), pág. 447 ; Langlois, ob. cit., pág. 422.

(i) O governo belga, tem feito publicar, alem da Colecção dos Inventários dos Cartulários e obituários belgas, dos Inventai- res des Archives de la Bélgique, do Catalogue des mss. de la Bibl. R. de Bélgique, a importante Collection de chroniques belges iné- dites, onde, ao contrário do que o seu título faz supor, teem apa- recido impressas colecções de cartas e papéis de Estado, como a Correspondência de Granvelle, as Relações politicas dos Países -Baixos com a Inglaterra no tempo de Filipe II, etc, etc, sendo a maioria destes trabalhos levada a efeito, directamente, pela Commission Royale d^Histoire de Bélgique.

Alem desta Colecção diversos outros corpos scientíficos como a Academia das Sciências e Belas-Letras da Bélgica, a Sociedade de História da Bélgica, a Sociedade de História Provincial e o Se- minário de P. Frederic, em Gand, teem publicado importantes colecções e Corpos de documentos inéditos sobre a história da

Bélgica.

(2) Estes pontos ficaram bastante desenvolvidos no capí- tulo IV desta obra, pág. loq a 293.

566

nada pode dizer-se tem sido publicado dos seus recheios» (i).

(i) Ver o nosso volume Os Arquivos e as Bibliotecas em Por- tugal, 1920, pág. 63 e 64.

Depois de escrito, em 1918, o que aqui transcrevemos alguma cousa mas muito pouco se tem feito no sentido da publica- ção de documentos inéditos.

Assim, a Biblioteca Nacional de Lisboa, com muita solicitude, publicou ultimamente o famoso Processo dos Távoras, e prepara a edição do processo contra o Marquês de Pombal, que, por nossa iniciativa e diligências, foi transferido do Ministério da Justiça para a secção de manuscritos desse estabelecimento.

Devemos elucidar que pelo Decreto n." 2.049, ^^ ^^ ^^ Outu- bro de 1915 [Diário do Governo de 18 de Novembro), encarre- gou-nos o Governo de fazermos uma obra, em seis volumes, so- bre a vida e governo do Marquês de Pombal. O sexto volume era precisamente destinado a O Processo contra o Marquês de Pombal. Mas, apesar de estar pronto o original de todos os vo- lumes da colecção, nunca foi inscrita no Orçamento a mais insi- gnificante verba para a impressão de tal trabalho.

Ver: a nossa brochura A vida e obra governativa do i.° Mar- quês de Pombal. Plano e sumários do i.° e 2.° volumes da publica- ção mandada efectuar pelo Governo da República., i9'7i e o ci- tado volume Os Arquivos e as Bibliotecas em Portugal, 1920, pág. 56 a 61.

A gloriosa Academia das Sciências de Lisboa tem continuado a putílicar muitos inéditos.

Também nós alguma cousa fizemos nesse sentido. O nosso volume As Impressões de um Diplomata Português na Corte de Berlim que é a primeira obra desta Colecção de Inéditos publica, e muito anotados, 44 ofícios de D. Alexandre de Sousa Holstein, quando ministro de Portugal em Berlim. Em outros trabalhos nossos como : Gomes Freire na Rússia, Gornes Freire e as virtudes da raça portugueses, publicamos igualmente bas- tantes documentos inéditos.

Também, ultimamente, se teem feito reimpressões de obras raras e importantes, salientando-se nessa benemérita empresa a biblioteca Nacional de Lisboa, com a magnifica edição fac-simile e crítica da i.» edição ^dos Lusíadas, acompanhada de um notá- vel estudo do prof. sr. dr. José Maria Rodrigues ; e com a reim-

567

Depois de um breve final seguia-se a proposta para ser levada a efeito pelo Ministério da Ins- trução Pública a elaboração de pelo menos duas colecções de trabalhos: uma destinada à publicação prefaciada e anotada de Documentos inéditos relativos à história de Portugal; e outra à publicação de Biografias de portugueses ilustres. Por despacho de 3o de Junho de 19 19 éramos encarregados de efectuar as referidas publicações, íixando-se logo a competente verba anual para a impressão dos trabalhos, a fim de ser levada a efeito uma obra tão necessária e executado tão patriótico quão espontâneo despacho. De então para muitos outros despachos ministeriais teem sido lançados sobre estes trabalhos— uns encar- regando-nos da elaboração de diversos volumes de Documentos inéditos e de outras obras de his- tória; outros concedendo-nos as necessárias ver- bas para a sua impressão. ^

Em 1 9 1 9, sendo Ministro da Instrução o sr. Leo- nardo Coimbra apresentámos e lemos a este sr. um projecto de decreto, com força de lei, criando no nosso Ministério da Instrução um departa- mento administrativo similar aos existentes nos Ministérios da Instrução do estrangeiro.

pressão do Marco Paulo, de Valentim Fernandes, com um bom estudo do erudito académico sr. Esteves Pereira.

Pela mesma forma digna de elogio tem procedido a Imprensa da Universidade de Coimbra, que, cumulativamente com os tra- balhos cuja publicação lhe é^confiada, ainda tem feito, ultima- mente, importantes reimpressões.

568

O sr. Leonardo Coimbra leu atenta e demorada- mente todo o projecto de decreto, fazendo-lhe al- gumas emendas, todas favoráveis à nossa comis- são. Assim, alterou uma disposição, fixando-nos uma gratificação especial, a qual consta do | 3.° doartigo 8.°, e, acabando de ler atentamente todo o projecto, mandou-o logo passar a limpo, a papel de decreto, para ir à assinatura. Efectivamente, tanto esse decreto como o da nossa nomeação para tal serviço foram, ambos, assinados por Sua Excelência o Chefe de Estado e, ambos, foram referendados pelo ministro sr. Leonardo Coimbra. Porém, uma intriga de secretaria, daquelas em que é úbere a burocracia indígena, impediu que fosse por diante tal empresa (i).

Emfim, deixou de se fazer uma obra que sem- pre nos pareceu que seria útil aos estudos histó- ricos e ao pais, honraria Portugal, e traria à Re- pública uma boa aura nos meios cultos estran- geiros (2).

(i) Pelo que nos informaram depois ficámos sabendo que fo- ram os funcionários do Ministério da Instrução, sr. José Maria Queiroz Veloso e Francisco Alberto da Costa Cabral, que impe- diram que o decreto fosse para o Diário do Governo. . O sr. Leo- nardo Coimbra, complacente, acedeu, naturalmente por motivos que êle e nós muito bem sabemos, aos manejos da intriga, desa- parecendo depois o Decreto, mas ficando a cópia destinada ao Diário, com a nota de remessa para a Imprensa Nacional assi- nada pelo sr. Leonardo Coimbra.

(2) Para a elaboração e remessa das nossas obras, feitas por ordem e subvenção do Ministério da Instrução, estamos actual- mente em relações com os Archives Nationales, a École Natio- nale des Lliartes, a Bibliothèque Naiionale, a Bibliothèque Sainte-

569

Mas, nem todos assim o entenderam, especial- mente aqueles que mais a peito deviam desejar que um tal empreendimento fosse levado a efeito.

Porém, nem por isso a obra deixará de ir-se realizando, se bem que muito mais lenta e con- tingentemente que se existisse um diploma que a determinasse e regulamentasse.

E para que o país, que é quem deve ser o juís em última instância nesta lamentável questão de hissope, não julgue que os aludidos funcio- nários, tornados pontífices máximos das virtudes espartanas da República, procuraram evitar algum grosso escândalo, publicamos a seguir, e na íntegra, o projecto de Decreto que criava no Ministério da Instrução a Direcção dos Tra- balhos Históricos e que constituirá o fecho desta nossa obra.

Considerando, que uma das melhores formas de educar mo- ralmente um povo consiste em dar-lhe a consciência da sua vida histórica, fora de preconceitos anti-scientíficos e de concepções metafísicas ;

-Geneviève, a Sarbonne de Paris ; o Public Record Office^ o British Museum, a Guildhall Library de Londres ; a Bibliothè- que Royale de Belgique, o Ministère des Affaires Etrangéres belga, a Université Libre de Briixelles, a Université de Louvain na Bélgica ; a Biblioteca Pública de Berne, e a Biblioteca Uni- versitária de Berne ; a Biblioteca Nacional de Madrid, a Real Aca- demia de História; alem de outros estabelecimentos.

Igualmente, temos estado em relações com vários eruditos e bibliólogos estrangeiros, como o sr. Jeromêno Becker, de Ma- drid ; o sr. Henri Stein, director do Bibliographe Moderne, de Paris ; o sr. Iorga, eminente historiador e professor romeno, alem de diversa correspondência que temos trazido com vários professores estrangeiros, revistas de especialidade, etc

Syo

Considerando, que, sendo os documentos as únicas bases do conhecimento histórico, muito importa publicar manuscritos iné- ditos valiosos com as convenientes introduções e notas, bem como reimprimir os documentos conhecidos, mas que apresentem grande importância histórica e sejam raros;

Considerando, outrossim, que muito importa tornar conhecidos tanto os homens que, pelos seus actos ou pelos seus escritos, bem serviram a pátria no sentido do maior progresso da sua civiliza- ção, bem como os acontecimentos da história nacional ;

Convindo inventariar nas bibliotecas e arquivos estrangeiros as espécies relativas à história de Portugal e fazer publicar, alem dos inventários, as próprias espécies em resumo ou in-extenso, segundo a importância que apresentem para o conhecimento da história pátria ;

O Governo da República decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte :

CAPÍTULO I Da natureza dos serviços

Artigo 1 ." É criada no Ministério da Instrução Pública a Di- recção dos Trabalhos Históricos.

Art. 2."* A esta Direcção compete :

a) Promover investigações e publicações sobre as sciências de erudição histórico-bibliográfica ;

b) Propor as diligências necessárias para que se faça o balanço geral da livraria portuguesa e se melhorem os serviços de inven- tariação e catalogação dos depósitos públicos de manuscritos e livros eruditos ;

c) Reunir os elementos necessários para a história da biblio- grafia e bibliografia da história portuguesas ;

d) Fazer investigar nas bibliotecas e arquivos estrangeiros as espécies manuscritas e biblíacas que maior importância apresentem para o conhecimento da história pátria, publicando os inventários dessas espécies bem como aquelas que tenham maior interesse histórico ;

e) Propor e efectuar todas as diligências convenientes ao maior progresso dos estudos históricos no país.

Art. 3.° A Direcção dos Trabalhos Históricos terá a seu cargo, especialmente, a publicação dos seguintes corpos :

a) Colecção de documentos inéditos da História de Portu- gal;

571

b) Colecção de biografias de portugueses ilustres ;

c) Colecção de monografias históricas ;

d) Colecção de Arquivos da História de Portugal no estran- geiro e inventários das espécies relativas a Portugal e existentes nas bibliotecas e arquivos estrangeiros.

§ único. Na publicação dos inéditos da História de Portugal dar-se a conveniente precedência às colecções que constituam os recheios dos arquivos particulares.

Art. 4.° A Direcção terá como publicação periódica um Bo- letim de História e Bibliografia.

Art. 5.» Junto da Direcção funcionarão as comissões e servi- ços especiais que o Director entenda conveniente propor, para o que poderá solicitar o concurso dos funcionários do Ministério e suas dependências e dos investigadores que julgue necessários.

Art. 6." Para o mais completo desempenho dos serviços de investigações e publicações históricas, ao Director destes serviços bem como aos seus colaboradores serão concedidas todas as faci- lidades para consulta, estudo e requisição das obras nas biblio- tecas e arquivos do Estado, seja qual fpr o Ministério de que dependam,

CAPÍTULO II Do pessoal

Art. 7.» Dada a natureza especial dos serviços a cargo desta Direcção Geral o pessoal será o seguinte :

a) Um Director dos serviços, de serventia vitalícia ;

b) Um empregado de secretaria ou dactilógrafa ;

c) Um empregado menor.

§ único. Para conveniência dos serviços especiais a cargo desta Direcção técnica poderão ser deles encarregados funcionários do Ministério ou suas dependências, bem como investigadores estranhos ao Ministério, aos quais serão abonadas gratificações em harmonia com a importância e valor dos trabalhos efectuados.

Art. 8.» O cargo de Director será vitalício, e nele será pro- vido um chefe de repartição do Ministério da Instrução Pública que haja escrito trabalhos históricos e bibliográficos, e tenha um curso superior.

§1." O Director despacha directamente com o Ministro.

§ O Director logo que o solicite será dispensado dos ser- viços da repartição para que tenha sido designado sem que por isso sofra quaisquer descontos nos seus vencimentos nem dimi-

572

nuição nos seus direitos e prerrogativas, fazendo-se a substituição desse funcionário em harmonia com o disposto no artigo 12." do decreto com força de lei de i3 de Março de 1919.

§ 3." Os vencimentos do Director são idênticos aos dos che- fes de repartição do Ministério da Instrução Pública, tendo mais esse funcionário o direito à gratificação de exercício de 400ÍÍ&00 anuais quando em Lisboa, e à de 60^00 mensais quando saia da capital, em serviço (i).

Art. 9." Para pagamento de gratificações e salários, e para despesas de tipografia poderá despender-se, anualmente, até à quantia de i .8ooíJf>oo (2).

Art. io.° Ao Director compete :

Representar o Ministério da Instrução Pública nos con- gressos e conferências sobre sciências históricas e geográficas.

2." Organizar congressos, conferências, e reuniões periódicas de historiadores, bibliólogos, etc.

3." Propor todas as medidas e dirigir todos os serviços ten- dentes à efectividade das atribuições que o artigo 2." confere a esta Direcção.

4.» Fazer parte, como vogal de qualidade, de todas as comis- sões oficiais de reforma de ensino, programas, livros, etc, que versem sobre sciências históricas.

5." Propor ao Ministro as obras a publicar.

6.<^ Propor e realizar todas as diligências tendentes ao progre- dimento das sciências históricas e à maior valorização dos ma- nuscritos dos depósitos do país.

7.° Dirigir a publicação dos trabalhos, encarregando-se de elaborar aqueles sobre cujos assuntos tenha feito estudos especiais, e propondo os eruditos e historiadores especialistas para a elabo- ração dos outros.

8." Dirigir todos os serviços do Boletim.

9.» Estimular e auxiliar por todos os meios possíveis a funda- ção de instituições scientíficas provinciais, destinadas, principal- mente, aos estudos de história, arqueologia, filologia, folklore re- gionais.

IO." Propor ou dar parecer sobre as colectividades ou pessoas a quem devam ser oferecidas as obras publicadas por esta Di- recção.

(1) Esta verba foi fixada pelo sr. dr. Leonardo Coimbra.

(2) Esta verba foi inscrita pelo sr. dr. Leonardo Coimbra.

573

Art. ii.° O Director será substituído nos seus impedimentos legais por quem o Ministro determinar.

Art. 12.» As publicações desta Direcção serão remetidas às Academias e outras instituições scientíficas, bem como às biblio- tecas, do estrangeiro e do país.

Art. i3.° Para ocorrer ao pagamento das despesas que re- sultam da execução deste diploma fica o Governo autorizado a abrir os créditos necessários ou a realizar transferêncios de verb.ns no orçamento do Ministério da Instrução F'ública, independente- mente de quaisquer disposições em contrário.

Art. 14.» Este decreto entra imediatamente em vigor e revoga a legislação em contrário.

Determina-se portanto a todas as autoridades a quem o co- nhecimento e a execução do presente decreto com força de lei pertencer, o cumpram e façam cumprir e guardar tão inteira- mente como nele se contêm.

Os Ministros de todas as Repartições o façam publicar.

Paços do Governo da República, em 24 de Abril de 1919.

índice

Pág.

Preliminar v

Introdução ix

CAPITULO I

A influência da filosofia cartesiana e do movimento scientifico da Renascença do século XVI sobre os progressos da história i

CAPÍTULO II

O início da história scientífica moderna :

a) A obra dos Beneditinos de Saint-Maur 23

b) Os progressos da crítica histórica, com os Bolandistas,

e através da historiografia racionalista 3i

I." Voltaire e os seus seguidores na histo- riografia racionalista 43

2." MoMTESQUiEU 6 OS seus adcptos no racio- nalismo histórico 48

3." Outros historiadores do período raciona- lista . '. 49

CAPÍTULO III

Alguns trabalhos de erudição e crítica históricas feitos no sé- culo XVIII 53

CAPÍTULO IV

A erudição e a crítica históricas no século XIX, e até à actuali- dade:

i." Considerações gerais 109

2.° Países de língua alemã 118

576

Pág.

3.» Inglaterra i33

4.° Itália .- . 147

5.° Espanha i58

6.° França 178

7." A historiografia contemporânea em outros pai-

se's 243

a) Roménia 246

b) Suíça 247

c) Holanda 256

d) Bélgica 262

CAPÍTULO V

As colecções de inéditos em Portugal :

I.» O estudo dos manuscritos antes da fundação da

Academia de História 295

2.° Os trabalhos da Academia Real de História. . . . 3o2 3." As publicações de inéditos da Academia das Sciên-

cias de Lisboa 326

CAPÍTULO VI

A fase actual da metodologia histórica :

I ." A história no quadro geral das sciências 347

a) A história nas classificações scientíficas. . . 347

b) A história nas suas relações com a psicolo-

gia e a sociologia 368

2.° A História. Sua natureza, seus objectivos, sua aplicação :

a) A História como sciência e como arte. . 408

b) Objectivos da História 440

c) Definições de História 45 1

3.° A metodologia genética da História :

a) A metodologia genética e a metodologia pe-

dagógica 466

b) O princípio evolucionista nas sciências natu-

rais] 46S

c) O princípio da evolução em História . . . 472

d) O método das sciências naturais e o método

das sciências históricas 477

e) O método histórico 488

^77

Pág. 4.° A História e a concepção de valor :

a) A concepção de valor na Filosofia 5o5

b) A noção de valor em História 5o8

CAPÍTULO VII

A nossa colecção de documentos inéditos :

i." A análise e a síntese em História 523

2.9 As publicações documentais 534

3.° A nossa colecção de documentos inéditos da his- tória de Portugal 543

37

ERRATAS (i)

Página

Linha

Onde se :

Deve ler-se :

3

26

contribuiu

contribuiram

4

I e 2

quere

quer

9 -nota

1 1

seur

leur

i5

18

andado

avançado

3i

título

. .. com os

Bolan-

. . . com os Bolan-

distas através da

distas e através da

historiografia. . .

historiografia

32

18

Mareri

Maréri

32

19

Pire

Père

34

»7

Harald, Hõfíding

Harald Hoffding

35

9

descutido

discutido

37

3

sentidas

sentidos

64

19

Muratbri

Muratori

83 - nota

7 e 8

Biblioteque

Bibliothèque

lòo e loi

19 e 3

Marshn

Marsham

112

14

nétion

nation

140 -nota

6

preseceved

preserved

142

I

Hnrici

Henrici

166 -nota

última

Florindablanca

Floridablanca

195

21

Le

Li

J99

27

mémoines

mémoires

216

23

on

ou

240

10

Pibon

Pichon

240

18

elas

éla

(i) Alem destas, outras gralhas estão semeadas pelo nosso tra- balho, como: descutido, por discutido ; europienne, por européene; Velington, por Wellington; Justinianeo, por Justiniano ; abóboda, por abóbada; fundamentaux, por fondamentaux, etc.

8o

Página

Linha

Onde se lê:

Deve ler-se :

258

4

des

du

281

4

Pirennh

Pirenne

288

14

Crasbek

Craesbeck

298

17

Peter, Wichet

Peter Vichet

358 -nota

8

outros

vários

376

i5

ibi

ibis

386

18

Bugkle

Buckle

399 -nota.

10

Be Bancels

De Bancels

399 - nota

20

testamento

testemunho

424

1 1

sido

tido

433

9

e que por isso

e que, por isso

437

i3

confessar é

confessar, ela é

438

'9

artísticas, teriam

artísticas teriam

447

3

Haeusser

Hausser

449

i3

essencialmente

insensivelmente

469 - nota

3

Haeflfer

Hoefer

478 - nota

i3

(0

(2)

489

12

voltassem

voltaram

489^

i3

fixassem

fixaram

499

i5

integridade

integralidade

535

última

tão importantes

tão absorventes

OBRAS DE ANTÓNIO FERRÃO

O Marquês de Pombal e as Reformas dos Estudos Menores (191 5). Os Arquivos da História de Portugal no Estrangeiro (1916). Da importância dos documentos diplomáticos em História. Estudo

sucinto de alguns arquivos diplomáticos estrangeiros e na- , cionais (igiy). A Vida e Obra Governativa do ifi Marquês de Pombal. Plano e

sumários do i.o e 2.0 volumes da publicação mandada efe- ctuar pelo Governo da República (19 17). As Causas «Ideais» da Conflagração e a função pedagógica das

Academias scientifiças após a guerra (1918). Gomes Freire na Rússia (1918). O povo na história de Portugal. A Restauração de 1640. Como se

perdeu e se reconquistou a independência (i58o-i668). (1919). Academias e Universidades. Discurso pronunciado na sala do

Senado da Universidade de Coimbra (1919). Prussianos de Ontem e Alemães de Hoje. As Impressões de um

diplomata Português na Corte de Berlim fij8g-iygo). (1919). Os Arquivos e as Bibliotecas em Portugal (1920). Gomes Freire e as virtudes da raça Portuguesa (1920). Fernão de Magalhães e a sua viagem de circumnavegação (1921). A educação intelectual e a função que nela devem desempenhar

a familia, o município e o Estado (1922). O teatro e o animatógrafo na educação (1922).

NO PRELO, PRESTES A APARECER

A Intendência geral da Policia no tempo dos Franceses (Invasão de Junot).

A cantora portuguesa Lui^a de Aguiar Todi no seu tempo.

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