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Presented to the LiBiíARY of the

UNIVERSITY OF TORONTO

Dr. António Gomes Da Rocha Madahil

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Universityof Toronto

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NOTICIAS

PORTUGAL

ESCRITAS POR

MANOEL SEVERIM

D E F A R I A

Chantre , e Cone;^o d^^Sé de Évora.

EM QUE SE DECLÁRAÓ AS GR A NDES

commodidades , que rem para crefcer em Gente, Induftria, Commercio , Riquezas , e Forças Militares por Mar, e Terra, as Ori- gens de todos osAppelidos, e Armas das Famílias Nobres do Reyno , as Moedas , que correrão neíla Provincia do tempo dos Romanos até o prefente, e fe referem vári- os Elogios de Principcs , e Varocns Iliuí- tres Portuguezes.

ACRESCENTADAS

Pelo P. D. J O Z E' BARBOSA

CLER. REQ. , ACAD.DO N. DA AC. R. Terceira Ediç.ió angment,id.a por

JOAaUIM FRANCISCO MONTEIRO

DE CAMPOS COELHO , E SOIZA.

^„ ^^^^ O M o I. A>^'^^'^^

LISBOA NA OFFIC. DE ANTÓNIO GOMES.

A N N O M. DCC. XCl.

Q)m lie, da R. Meza d/i Com, Ger, fobrcQ Exa^ me ^ c Cenffíra doi Livros,

AOS LEITORES.

NO anno de 1624. dei à elhmpa alguns Difcurfos; e Elogios para inftrucçaô das Artes , em que liao de íer doutrinados os mancebos nobres da Repvblica , conforme os preceitos do FiJoíofo : e tendo eu naquell? tem- po huma obra grande , que intitulava : iNoticias de Portugal^ e fuás conqutf- ias jíi quafi em eftado para íe poder im- primir 5 como teílificaô os Doutores Fr. António Brandão , Geral que foi de Al- cobaça* e António de Soufa de Mace- do, queentaóa viraõ; com tudo como as coufas daquelles annos para tiverrio taô grande mudança, recreíceraó raes inconvenientes, que lobrecílive na exe- cução deíle intento. Porém, entendendo eu 5 que nao fcriao de menor ferviqo do bem publico alguns Difcurfos dos muitos , que nefta obra fe continhao fo- bre diverfas matérias, a íTun politicas , como de varia lição , me pareceo comu- nicallos a todos , e pelo que partici- paá de feu primeiro originai , dar-lbes * ii Q

II

o titulo de Noticias de Portugal, E ain- da que podem haver fogeiros , que façao niiior eílitnaçao dos livros pela quan- tidade, que pela qualidade dellcs i com Tudo para os que íao veríados na lição das boas letras ^ fei que naô tem em ir.enos as obras por pequenas , quando nellas fe contem a doutrina neceííaria ao aíTumpto de que trataõ ; antes vemos , que em todos os efcritores faõ mais pre- fados eftes pequenos tratados , que os maiores volumes , que íeus Autliorts compoíeraó ; como íe entre os Fi- lofofos nas Obras de Phta6 , e A ri {lo- teies 5 nos Moraes de Plutarco, e naâ de quaíi todos os Padres , principalmen* mente S. Baíilio , S. Gregório Nazian^» zeno 5 S. Jeronymo , e na mòr parte das de Santo Agoftinho. E ainda que Scholafticos tiveraó por argumento prin* cipal as matérias de Theologia ; com tudo nao faõ menos eílimadcs os Opuf- culos de Síinto Thomaz , e Dionyíio Carrhufiano , que as outras íuas obras Tiíeologicas , e Eícriturarias. Pelo que affaz fica approvado efte género de ef- criros, quando por outra cauía o naô dei merecerem»

Os

m

Os motivos , qtie tive pnrn commii- j3Ícar eíles Difcuríbs , íao os ieguinces. O piimeiro Diícurío he (obre o augmen- to da povoação deíle Reyno ; porque fen- do a multidão da gente o fundamento de rodos os Eitados , ej^n Portugal he ifro jiniito mais neceífario > pois tem mais Conquidas , que nenhum outro Reyno de Europa ; e aííim neceinta mais de tra- tar deíla matcria.

No fegundo fe refere a ordem da Mi- lícia , com que eíle Reyno í"e dcfendeo de íeus contraries por efpaço de quaíí yoo. annos , e os meios, e forças, que agora tem., para poder melhor confer- -Varfe , que de antes.

O terceiro he o da Nobreza , em que fc m^oílra a origem dos Appeliidos , e Brazoens de cada huma das F^imilias do Reyno , noticia tao defejada atègora , e tao occulra a quafi rodos os que da No- breza tratarão , como fe de feus ef- critos,

Seguefc outro Diícurfo fobre as Mo- edas Portuguefas , tratado muito necef- .fario para a intelligencia das hiílorias, •compuiaçoens, e noticia dos tempos •, o V que

que nefte Difcurfo íe ajufta com a pon- tualidade poííivel ; pois íe faz pelos tex- tos das meímas leys , e aurhoridade das Chronicas dcíle líeyno,

O Catalogo dás Uaiv^eríid-ides de Hefpanha fará agradável aos eíludicfos; principalmente por fer manifec'lo , que a noticia das Sciencias de Hefpanha tev6 principio na noíla Lufitania.

A advertência íobre a pregação do Evangelho nas Provindas de Guino lie quaíi devida , naó por caridade, mas também por íingular obrigação j pois em tantos annos le tem feiro taò pouco ^ ainda que íe tem trabalhado tanto , por fe naó accommodarem os meios à con- veniência da Obra , coufa que facilmen- te parece fe pôde alcançar.

O Difcurfo íobre fe evitar a grande* za das Nàos da índia ; pôde ler que fe tenha pelo mais importante ; pois por eíla caufa padece Portugal , quaíi todos os annos taò grandes perdas de gente , fazenda, embarcaçocns , e do principal cabedal deíle Pveyno , tendo a demaíia- dg grandeza das Nàos contra íi tantos exemplos , e Provifocas Reaes ^ e o jui"

zo dos mais defíntereflados homens , que nellas navegarão.

O Dilcurfo fobre os inconvenientes da Peregrinação pode lervir para nos aproveitarmos do tempo , procurando empregallo mais no conhecimento da nof- ia pátria , que das alheias.

VI^

VIDA

D E

MANOEL SE VERIM

DE FARIA.

E/cripta pelo AiUcionador.

ENtre os grandes homens de que Lisboa tem a gloria de ter íido Pátria , foi hum Manoel Sever im de Faria , que teve por Pays a Gaípar Gil Severim Executor MòrdoReyno, e Eíçrivâó da Fazenda Real , e íua íe^ gunda mulher Dona Juliana de Faria. Kao pude defcobrir o dia , em que veio à luz do Mundo, mas pela idade , em que falleceo , devia de íer o anno do feu naf- cimento o de 1581. ou 82. Sendo ainda menino foi para Évora aíTiílir em cafa de feu Tio Bakheíar de Fana Severim, Chantre que era daqueíla antiga , e illuf- tre Cetliedral. Aprendeo em Évora Fi- lofoíia , e Theologia , em que fez pro- greíTos tao grandes, que em ambas eílas Faculdades tomou o grào. Vendo -o o Tip capaz ^ naó menos pelos annos ,

gue

C!'!e pelas letra? , de lhe fiicceder no CJiantrado , o re num ciou nelle em ló. de Setembro de lóoy. e depois de lhe dar apoííe , (t recolheo ao Conveiuo da Cartuxa da melma Cidade , aonde pro- íeílândo com o noaie de D. Baíilio , dei- xou dos feus eíludos ■, e virtudes igual memoria. Nao íe eíqueceo Manoel Se- •verini de Faria coin a nova Dignidade do que eíludàra , como m.uitas vezes fuc- cede *, mas procurando adiantarfe cada vez mais em -rodo o género de Sciencias , íe applicou àliçaó da Sagrada Eícriíura, daTkeologia Myftica, da Hiíluria, da Po- litica, da Geographia, e das Antiguidades Romanas , e portugueías, em que foi iníi'- gne. A maioi parte do rendimento daquel- le pingue benefício converieo em livros , de que juntou liuma grande copia , naô eílimavel pelo nurneio, com.o pela qua- lidade , pois alem. de alguns , a que arari- dade dos exemiplares fazia precioíbs , íe achavaÓ naquella celebre Livraria al- guns Volumes ef cri tos no Papyro do Egypto j outros em folhas de palmas com pena de ferro, a que chamaÒ aftilo , e entre elles as Obras de Fr. Luiz de Gra- nada traduzidas na língua do Japão. A

lua

íua generofa ; e conhecida curiofidade o fez Senhor de hum thefouro de Moedas Roínanas . e Portuguefas , pois como fe em algumas das luas obras , eraõ tan- tas as que íe lhe ies^avaó, que parece que a terra le de (entranhava para o enri* quceer. Confervou grande num,ero de va- jGs , e oucras relíquias da grandeza Ro- mana , de que formou hum Muíeo digno de hum. Príncipe j mas por fua morte deíapareceo de maneira , que delle nao ha mais que huma laílimofa tradição. Tendo renunciado em outro Sobrinho fen- do do miefmo nom.e o Chantrado de Évora, depois de huma dilatada emfermidade de lericia : falleceo naquella Cidade em ló. de Dezembro de 105:5'. em idade de ietenta , e dous annos. Foi de boa ella- rura , muito corpulento , olhos azues , naturalm.ejuc deícorado , mas de agradá- vel preíença. O feu Cadáver foi levado com a maior pompa que íe pode confide- rar , porque alem das Commuaidades Reiigioías, da Clareíla , e Confrarias da Cidade 5 concorreo toda a Nobreza, e Povo 5 porque de todos era igualmente bemquiílo , e refpeitado. Deofe-lhe fe- pultura em hum dos ângulos do Cemi-

tc-

terio da Cartuxa , e fobre a Campa , em €]iie eílao aberras as Armas dos Scverins ^ e Farias , fe eíla infcripçaô.

Manoel Severim de Faria Chantre , e Co'nego da àe Evêra , elegeo para fi ejla Sepulííira , ajjim por fua deijo- cao ^ corno por eflar nella o Corpo do P. 'd, Bafilio de Faria Jèu Tio , que fallecto fendo Prior dejle Convento a ^ de jibril de 1625.

IN-

INDEX

DOS PARÁGRAFOS , QUE SE

contém nefte Li\^ro.

DISCURSO I.

Os meios com que Portugal pode crefcer eai grande numero de gen- te , para augmeiuo da Milicia , Agricultura , e Navegação pag. i.

Como a gente naturalmente fe multipli ca 5 e deíle Reyno fe vai diminuindo do anno de 5-00. a eíla parte , e as cau* fas porque §. 2. p. lo.

Do remédio para a falta da gente , da pri meira cauía , que iaô as Conquiíla?. §.3. '^ p. 20.

Como fe remediara a fegunda cauia da falta da gente com a introducçaô de algumas artes mechanica. §. 4. p. 32,

Do remédio da terceira ca ufa da falta da gente 5 que faô as novas Colónias no Reyno. §• 5. p. 43.

De outro remédio para a falta da genrc popular 5 que he o amparo dos Ór- fãos. §. 6. p 55'.

Do remédio da primeira caufa d^ extin-

cçaó

DOS Pai^agrafos.

cçaó do Nobreza pela uniaô dos Mor-

- geados. §. 7. P-//-

Do remédio da fegunda caufa da falta

da Nobreza, com a diminuição da

grandeza dos dotes. §. 8. p. 66.

DISCURSOU.

SObre a ordem da Milícia , que anti- gamente avia em Portugal , e das for- cas Militares que hoje tem, para le confervar , e ficar fupenor a feus contrários. §. i. P*. ^^*

Do Officio , que fazia ElRey no Exer- cito , e dos Miniftros , que ferviao à peíloa Real na guerra , e da dignida- de de Condeftable. §. 2. p. 76. Do Marichal §. 3. P- ^3- Do Alferes Mòr , Capitão dos Gene- tes , e Capitão da Guarda. §. 4. p. 05-. Dos Annadeis , e Coudeis Mores, . §. 5. P- 9^' Do Adail Mór , e Almocadeis , e Ce- remonias com que eraó creados. §. 6. P- 9^. Das gentes , de que conftava o Exer- cito §. 7. p- 9^

Das

Index

Das Levs Militares , que fe guardavaô no Exercito. §. 8. p. loi.

Da guerra de CaílelJa. §* 9. p. io5'4

Da Milícia da Ordenança. §. 10 p. 120.

Das armas. §. 11. p. 124.

Dos Fronteiros óo Reyno , e Alcaides Mòrcs das fortalezas §.22. p. 130.

Da Milicia maritima , e do Ofiicio de Almirante. §. 13. p. i;^9.

Do Capitão Mòr , e General das Gales. §. 14, ^ p. 144.

Das Armadas ordinárias do Reyno , e da grande brevidade , com que em Lisboa fe apreílarao poderofos focor- ros para fora da Barra. §.15'. p. I4S.

Do m.odo , com que fe ordenou andaf- fem armados es Navios do commercio do Pveyno. §. 16. p. 159.

Da inílituiçaò das Ordens Militares , para defender o Reyno. §. 17. p. 163.

D

DISCURSO III.

\ Nobreza das Familias de Por- ugal , com a noticia de fua anti- guidade, origem dos Appellidos, e razad dos Brazoens das Armas de ca- da huma. §. I. p. 170.

Da

DOS Paragbafos,

Da origem dos Appeliidos dos Nobres de Portugal. § 2. p. 185.

Das origens das armas, que trazem os Fidalgos 5 e Nobres de Portugal. §. ^. p. 190.

Da origem dos Leoens , e Águias , e ou- tros Animaes , que íe trazem nos Ef- cudos. §. 4. p, 192.

Da origem das Faxas , Bandas, Barrais , e Efquaques , que fc trazem nos Ef- cudos. §. 5'. p. 195',

Da origem das Cruzes floreteadas , Cru- zes da Cruzada, e de S Jorge , que fe trazem nos Eícudos. § ó. p. 199.

Da origem das Afpas. Cs 7. p. 205:.

Da origem das Vieiras, §. 8. p, 207.

Da origem das meias Luas. §. 9. p. 209.

Da origem das Eftrellas. §. 10 p. 2ir.

Da origem das Arruellas. §. i j. p. 212.

Da origem das flores de Liz. §. 12. p. 214.

Dos Caftellos. §. 13. p. 216.

•Cifras dos Appeliidos. §. 14. p. 217.

Defcendencia. §. i^. p. 222.

Armas tomadas por cafos particulares. §. lé. ^ p. 227.

Origem dos Timbres §. 17. p. 237.

Dos Officiaes , que os Reys de Portugal crearao para confervajaò xdas iníignias

dos

I N D r C R

dos Nobres , e da Cafa das armas d* Cintra. §. i8. p. 240.

Do modo com que fao poílos os nomes aos Oínciaes da Armaria. § 19. p. 256»

Dos titulos , que antigamcrnte ie davao aos Grandes do Reyno , e particular- mente dos Ricos Homens §. 20. p. 264,

Dos VaíTallos. §. 21. p. 268»

Dos Infançoens. §. 22. p. 273,

Da antiguidade dos Duques em Portu- gal , e do que á íua dignidade per- tence. §. 23. p. 277,

Dos Marqueíes , que ha no Reyno, e das ceremonias com que craÕ creados antigam.ente. §. 24. p. 286,

Da origem dos Condes , e fua antigui- dade , epreeminencia em Portugal §. 25'. p. 292-

Dos Vilcondes , e Baroens. §. 26. p. 305*.

Do t;rulo de Senhor. §. 27. p. 309.

Da dignidade da Cavalleria.§. 28. p. 312»

NO-

NOTICIAS

D E

PORTUGAL.

DISCURSO I,

DOS MEYOSy COM QUE

Portugal pode crefcer em grande nU" mero de gente ^ para áugmento da Miliciay Agricuhura y e Navega- çab\

§. I.

QUERENDO Salamao encarecer, quanto importava ao Rey, e ao Reyno haver muita gente nelle, diz no cap. 4. de íuas Parábolas ; In multhudim pêpuU digfiitas^ ^ />^ paucitate -pUbis ignominia. FrincipisM, Que he o mefmo que dizer: A grande- za dos Reys eftà na multidão do po- vo , e dos poucos Vaffallos psiice a fal-

 ta

2 Noticias

ta da reputação do Princice. A razão Jic ., porque a multidão dos íubditos de- fende o ícnhorio próprio , e pode con- quiílar o alheio. A multidão da gente cultiva o terreno, de maneira , que naó lomenre baila para os naturaes , mas po- de prover os eílranhos. Da mtuita gen- te le colhe a riqueza do Príncipe pe los direitos , que íe pagaõ dos frutos da terra , obras de míios , e mercancias. Acontece iílo naturalmente ; porque co- mo cada hum procura a fuílentaçao de fua própria vida por preceito natural , tanto que chega a idade conveniente , de força a ha de bufcar pelos meios , com que melhor , e com m.ais commo- didade a poíla alcançar. Efles commum- mente fe reduzem a quatro , que íao Agricultura , para a íuílentaçaõ necef- faria às Artes mechanicas , para a vi- da politica, Mercancia, para levar os frutos próprios às Provindas alheias, e trazer das alheias , os que nos faltaò , e à Milícia , para defeníaô da pátria. Pela qual razaô íica claro , que onde houver muita gente , haverá muita Agri- cultura , muitas Artes, e muita Mercan- cia , e muitos Soldados ^ que faõ as

qua-

DE P o R T U G A L. J

duatro coufas , em que fe funda , c con- Me íi riqueza, o poder , e a felicida- de de hum Reyno.

Tratando primeiramente da lavO%i- fa , e Agricultura , he de notar , que para por efta via fe tirarem delia mui- tas riquezas, he neceííario Iravcr muita gente. Grande exemplo temos difto em noíía Efpanha no Reyno de Granada ; porque no tempo que os Árabes eílavao Senhores defte Reyno , por fer então habitado de muitos Mouros , que lan- çados de todas as mais partes de EÍ-* panha , fe foraò recolhendo nelle , to- dos os montes fe viaõ cubertos de vi- nhas, e arvores fruftiferas , os valles^ e campinas de fementeiras 3 e hortas, de maneira que nao íe podia ver no mun- do terra mais abaftada , e abundante de todas as coufas. ( i ) E era tanto if- to aíllm, que lómxente as folhas das amo« reiras da Veiga de Granada rendiao a ElRey mais de 30(|). cruzados, e as rendas das fedas , que fe creavao no Reyno 5 rendiao mais de 42. contes, (2) A ii e

(1) ReJacaÕ das rendas da Coroa de Cajldla,

(2) Botero tit, Qranada,

i|. Noticias

c punha o Rey de Granada mais ho- mens de cavallo em campo , que os ou- tros Reynos de Efpanha ; com ferem os mais delles muito maiores , que o de Granada ; (3) o qual agora pela falta , que tem de gente , eftà tao deíTemelhan- te daquelle tempo , como fe nao fora o meímo torráõ da terra , e por efta cau- fa vieraô as rendas d^ElRey naquelle Reyno a tanta quebra , que naâ chegaõ hoje a ametade do que dantes valiaô.

Na China por fer infinita a gente, he tanto o mantimento , que a ter- ra 5 e tanta a induftria com que a culti- vaó feus naturaes , que fendo elles tan- tos , que por naó caberem nas povoa- çoens , habitaõ em barcos nos rios , e enfeadas ; comtudo naõ padecem falta delles 5 antes JevaÓ delia continua- mente de mercadoria para outras partes.

Nem contra ifto íe pôde dizer , que ainda , que haja muita gente nao ha- verá cukivaçaô da terra , fc cila for de fi infruélifera , e efteril ; porque con- forme aos naturaes , e o que fe nota

nas

C 3 ) Gmh. na Hift* de Cran, /. 59. r. 40.

DE Portugal. j

nas leys das partidas , (4) nenhuma ter- ra lie infruílifera ; antes he coiifa cer- ta, que fe alguma terra naò for boa pa- ra dar trigo , fcrà para produfir ceva- da, centeyo , ou milho; e quando naô, fera conveniente para vinhas , pálios de gado , mel , e cera ; e a que naõ poder produzir arvores de fruto , dará arvo- res íilveítres, ou pinheiros para madei- ra 5 como temos por exemplo nas ter- ras , que eftaó da outra banda do Tejo defronte de Lisboa, onde vemos huma área folta dar excellentes vinhas, e pro- dufir infinidade de pinheiros, e lenha, fem a qual fc naÒ poderia luílentar o grande povo de Lisboa. (5") O Author das Chiliadas dis, que as campinas de Brabante faõ de área cíleril , mas os na- turaes com fua multidão , e induftria as fazem abundar de trigo , moílrando a experiência contra o provérbio , que.nao he trabalho baldado lançar femente na área : In Brabantia ^ diz elle , fitint agrícola tam induflrij , qui Jíentijji" mas arenas cogunt ÍT triticum ferre. Bem fe logo , que onde houver mui- ta

(4) P^rf. z. f. 20. /. 6, Cf) Chiliadas

6 N o T 1 C I A*S

gente haverá todos os frutos, e pro- veitos, que da terra fe pòdcm tirar, e (]ue a falta da gente he a cauía da ca- nília delles.

Quanto ;is artes, e induílria , com que grande parte do povo íe mantein; eda? nao as pode haver , nem podem íio- recer onde nao houver muita gente ; por- que huns eníinao os outros , e inventando cada hum novas coufas , fica aos outros mais facii aperfeiçoarem a arte , confor- me ao que íe diz. Facilius efl itjventis addsre, E aílim vemos , que depois, que os Eftados de Fhindes crefcerao em mul-^ tidaõ de gente floleceraô entre elles mais artes , e induílria , que entre todas as mais Naçoens de Europa. Porque neíla Provincia fe tecem as ricas , e maravi- Ihofas tapeçarias, de que fe ufa em todo o mundo ; que por eíla caufa fe chama- rão pannos de Arras, tomando o nome da principal Cidade, em que fe princi- piarão ; nella fe fazem as mais , e as melhores impreíTôes de livros ; delia vem as pinturas , as olandas , os cofres , e caixas , os efpelhos, e milhares de miude- zas 5 e brincos , que em nenhuma outra parte do mundo fe fazem , fe nao neíla:

don-

DE Portugal. 7

aonde vem a fer huraa dos mais ricas Províncias de Europa ; fendo alTim , que na 6 tem minas de ouro , nem pi^ua.

Em iVlcmaniia , por haver muita, gente, ilorece tanto a mechanica, que a ella íe attribue a invenção da impreífaó , pólvo- ra 5 e artilheria , as maravllhofas fabri- cas dos relógios , e dos mais dos inílru- mentos Mathematicos j de entre elles fa- hio a artificiofa invenção do papel , de que hoje ufa mos , das quaes couías todos os antigos naó tiveraô noticia.

Ido nafce da multidão da gente de Alemanha , que por íer muita , cada hum bufca por íua induílria , e arte feu nv^- Ihoramento , e de maneira tem em honra eíla occupaçaô , que deide o Empera- dor, atè o ultimo homem da Republica fe profeífa algum officio meclianico , e fe preza muito de fazer obras de maior preço. Eíla foi a caufa porque antigamen- te em Grécia chegarão a tanta perfeição as artes da printura , e eícultura, porque fegun do Plinio (6) toda a nobreza le ocçu- pava nellas : o que durou tanto tempo naquella região, que ainda fe refere do

Em-

i6) Plinio.

8 Noticias

Emperador Thcodoíio IL que as il- luminaçocns que fazia , vendia por gran- de preço , e íe prezava muito diíTo.

O mefmo fuccedc na China , a qual por fer a mais povoada Provinda do Oriente , tem mais artifícios , e obras mechanicas , que todas as outras ; por- que delia vem os leitos , eícritorios , bofetes , e mefas douradas. , as cama.s bordadas de ouro, e feda, as perçolanas finas , as telilhas , damafcos , tafetàs , e outras mil invençoens das fedas em laó grande quantidade, que todas as Provia- cias do mundo eftao cheyas deftas mer- cadorias ; e ainda conforme à opinia5 de alguns modernos , elles aCharao pri- meiro , que os Alemaens , o papel , a impreílao , a pólvora , e fundição da ar* rilharia.

Da copia da Agricultura , e das Me- chanicas nafce a mercancia ; porque nac fendo os frutos da terra , e materiaes comuns a todas as Províncias , procurai os mercadores levar os frutos , e obras , que nas pátrias tem de íobejo a outras fartes , onde as taes coufas faltatí j e tra- zerem delias as que fe naô daò nas íuas terras^ o que naô pôde fer, fe nao ha-

yen-

DE Portugal. 9

vendo abundância de gente, que fe poíFa occupar neíles tratos , e viagens , coiro vemos em Alemanha , Flandes , Inglater- ra 5 Itália 3 e na China , (7) que com a multidão de feus baixeis mercantis cor- rem o mundo todo , e o enchem de fuás mercadorias.

Porém para nenhuma ccula he mais neceíTaria a multidão de gente , que para a Milicia ; porque como os foldadcs lao ordinariamente a gente fuperfíua na Pvc- publica,, nao havendo deíles muitos, naó pode haver exércitos grandes , com os quacs fomente fe fundarão as quatro Monarquias. Dos AíTyrios , e Perías le- mos , que os exércitos eraõ tao grandes , que lhes naó baílavao para beber as agoas dos rios. Os fucceffores de Alexandre , que podemos dizer foraô os poíluidores da Monarquia Grega , também fe vale- rão de exércitos grofllíTimos , e a Repu« blica Romana adquirio o ferJiorio do mun- do , naô menos com o grande numero das fuás Legioens , que com fua prudên- cia, e valor. A ruina do Império de Ro- ma foi mais caufada das innumeraveis

gen-

(7) Metído^a na HiJlJa China l.ixjs*^' ^^'

IO Noticias

gentes, que do Norte faliiraó, que nao de fua deftreza militar : o Micíiiio experi- mentamos no fenhorio dos Árabes , que com fua multidão fubjugaraó o Império Grego 5 o Egypto , e Arrica , e tiverao muito tempo tiranizada a Eípanha. Pelo que fem grande numero de gente , na 6 fe pôde adquirir^ ou conícrvar, grande Senhorio.

§. II.

Como a gente naturahnente fe multipli^ ca ^ e a defte Reyno fe vai diminui n-^ éo do ãíino de joo. a efta parte , e as caufas porque,

SE quizermos conflderar o que ordina- riamente lemos nas hiftorias antigas, naõ poderemos deixar de confeííar , que do tempo do diluvio > atè o prefente , fempre a geração humana foi em grande creícimenro , e que de cada vez vai em maior augmento , e multiplicação. Por- que deixadas as hiftorias muito antigas, e da Sagrada Efcritura , onde vemos , que de oito peílbas , que eicaparao do diluvio 5 íe encheo o mundo de gente , e de 70. que da familia de Jacob entra- rão

DePoRTUGAL. II

rao em Egypto , íahirao depois ócoooo. foldados de peleja , fora as mulheres, c meninos: quem ler, e viras taboas da Geo- graphia de Ptolomeu, e depois os Maças, que traz Abr?.ham Ortelio no feu Tliea- tro do mundo, verá claramiente como em cada Província eraõ fem comparação mui- to menos as Villas , e Cidades no tempo de Ptolomeu , que as que íabem^os c1|íí6 hoje edificadas, e habitadas. Nem. con^J-a ifto fe pode dizer, que naquelle tempo fe naÕ fabia tanto das Províncias , como hoje íe fíibe; porque iíTo feria da índia, e de outras terras incógnitas , de que Ptolomeu naò podia ter perfeita noticia, mas o que trazemos por exemiplo , faõ as Províncias da nofla Europa , como Itália,^ França , Efuanhai nas quaes hd agora emi cada liuma miuitasmais povoaçoens do quíj dantes havia. Bozio contra Machiavelo lib. 3. cap. I. nomea no Reyno de Napo les muitos milhares de povos mais , que os que tinha toda Itália antigameiue is- gundo Eílrabo , Ptolomieu , e Plinio ; o qual chega a contar até os Cafaes , fj Bo- zio naó conta lugar de menos de 300. vifmhos. Flandes , que ,hoje conrt'.ni cm íi 17. Eílados nobillírunos nos 4uf.es fe

con-

12, Noticias

conraò 208. Cidades , e mais de 6300. Villas , íem contar as Aldeãs ^ Caílellos , e Fortalezas , que faó em grandiciilimo numero , íabemos , que no anno de SyS. o Papa JoaÔ VIII. (8) no Synodo de Tro- yes concedeo hum Bifpo a Flandes , por ler terra até aquelle tempo cheia de bofques , e pouco povoada , e que então íe-começava a cultivar , e habitar. E as I^vss de Holanda 5 e Zelanda , que fao as mais povoadas deíles Eíbdos , quaíi nefte mefmo tempo eílavão ainda cobertas do mar Oceano , do qual le foraÕ delcobrin- do pouco, e pouco e agora eílaô todas che- ias de fortiílimas , e riquiíHmas (^.idades. Colligefe também efta mefma verdade dos livros das Cidades de JoaÓ Braum , on- •de fe vèm quaíi todas com duas cercas, e muralhas ; as prim^eiras , e mais antigas mais pequenas , e quaíi interiores , e as modernas muito mais grandes , e capa- zes , que por os povos crefcerem em gran- de numero , e nao caberem nos primei- ros muros , vem a fer neceíTarios outros maiores. E para que nos nao caníemos

com

(B) Aiwaes de Suciro i. p. em Balduíno bra- ça de SJierro an, 878.

dePortugal 13

com exemplos eftrangeiros , venhamos a efte noíTo Reyno ; o qual do tempo d'EI- Rey D. Afonfo Henriques , atè o cm que citamos 5 nao crcfceo menos, que qual- quer das outras Províncias , que acima nomeamos. O que fc colige evidentemen- te das Villas , e Cidades fundadas pelos Reys Portuguezes , aífim nefte Reyno , como fora delle ( alèm das muitas , que particulares Senhores edificarão , e lhes deraò íeus Foraes ) fundou ElRey D. Afonlo Henriques de novo as Villas de Almada , Villa-Franca , Villa-Verde , Azambuja , e Lourinhaa. No tempo d'El- Rey D. Sancho fe povoarão por leu man- dado as Villas de PenamacorjSortelha, Va- lença do MinhojMontemòr o NovOjPenel- la 5 Figueiró , Covilhaa , Folgofinho , e a Cidade da Guarda. ElRey D. Afonfo IIÍ. fez novas povoaçoens em muitas partes do Reyno , que eraô deshabitadas ; entre as quaes edificou de novo Eftrem.ôs , e reformou , e povoou de novo a Villa de Pinhel, Vinhaes, Villa-Flor, Mirandel- la , Freixo de efpada na cinta, Villa-Nova de Cerveira , Villa-Real , Muja , Saiva-> terra , Atalaya , Aceteira , Montargil , c outros muitos lugares j que p.or tqdos

pai-

14 Noticias

paíTao de 40. A todos fcus anteceíTores excedeo ElRey D. Diniz , porque pode- mos dizer j que pírvoou meioReyno. E depois 5 que o Infante D. Henrique co- meçou o deicobriínento da Coíla de Afri- ca 3 e Ilhas do mar Oceano , e le conti- nuou arè chegar à índia , foi eíla multi- plicação de gente Portugueza em muito maior Grefcimento; porque fe povoarão todas as Ilhas , Brafil , Coifa de Africa, e fe fundarão de novo todas as Cidades, e Fortalezas , e mais povoaçoens do Efta- do da índia. Pelo que coníla , que tem os Portuguezes fundado da Barra para fora hum numero immenío de povoaçoens, em que entrao muitas , e grandes Cida- des.

Com tudo de prezente experimentamos nefte Reyno falta de gente, aílim para a milicia , como para a navegação , e muito mais para a cultivaçaô da terra; pois pór falta da gente Portugueza fe fervem os mais dos lavradores de efcra- ros de Guiné, e mulatos. Pelo que apon- taremos as cauías , porque neífe Reyno falta a gente do povo , e da nobreza, que parece íao as feguintes.

A primeira cauía da falta da gente ,

que

DE PORT UGAL* 1^

que fe padece ncíle Reyno , fao as nof- ías Conquiftas ; porque eítas ainda que foraó de grande utilidade, aíliin para a propagação do Evangelho , como para o comercio do mundo , toda via defrauda- rão muito efte Reyno da gente, que lhe era neceflaria. E affim naõ fomente áQ^- te tempo por diante naó creíceo a S,qví' te nefte Reyno , como era conveniente para as muitas povoaçoens , que nelle ha- via 5 e para fe poder defender , e of- fender aos inimigos, mas além diílo fe foi defpovoando com as muitas armadas cheias de gente , que cada anno partem de Portugal para eílas Conquiílas ; e com as muitas Colónias , que fe tirão para eí1:as povoaçoens. Pelo que amda que a gente naturalmente em creícimento , como temos provado ; com tudo a noí^ fa naçaó Portugueza dcpoi«? , que hou- ve eílas Conquiílas , ie foi diminuin- do, naó por falta da multiplicação natu- ral , fe naõ por os Portuguezes fc irem de fua pátria a povoar , e fundar tan- tas Cidades, e lugares, como temos di- to 5 em terras tao remotas , e taó lar- gas. (9) Por onde do tempo deíles def-

CO-

\i^) MQceio ttt, Portogallo.

i6 Noticias

cobrimentos para nao fe fandara'6 de novo no Reyno, nem Villas , nem lu- gares 5 como atè entaó fe tinha fundado, (lo) E paíTandoElRey D. João I. à to- mada de Ceita com mais de 20U. ho- mens , e ElRey D. Afonfo V às em- prefas de Africa com exércitos de 30U. homens , no tempo d'ElRey D. Sebaí- tiaÒ era taõ pouca agente, que com levar os mais dos foldados por força , nao pode ajuntar mais , que onze mil Portuguezcs. Donde claro fe moílra nao íòmenre , que falta de gente em Por- tugal 5 mas que a primeira cauía delia faò as Codquiílas ; pois do tempo del- ias a eíla parte íe foi fcntindo eíla di- minuição. Daqui veio o fer neccflario trazerem-fe Cafres , e índios para o fer- viço ordinário. E cm tempo d' El- Rey D. Joaô III. paíTava ifto cm tanto crefcimento, que diíie Garcia de Refen- de numa copla da fua Mifcellanea. liemos no Reyno metter Tantos cativos crejcer , Ê irem-je os naturaes. Que fe ajjimfor , JeraÕ mais Elles que nos a meu ver.

^ A

(lo) Chron. ae D. glf, ^. cap. 161,

D E Por TU GA L. 17

A fegunda caufa porque falta a gen- te deíle Reyno, he por naõ terem of- íicios 5 com que ganhem de comer por fua induílria , que he o meio , que Deos deo para a íuftentaçao de cada hum; e como os homens naô tem de que fe fuí- tentem , naò fe querem caiar , e muitos com eíla occaíiaó fe fazem vadios an- dando pedindo efmola pelas Cidades , e Villas , homens , e mulheres em tao gran- de numero , que parecem exércitos ; e a defculpa , que dao para pedirem. , he dizerem , que nao achaô em que traba- lhar. Outros fe paíTao a Reynos eílra-. nhos , principalmente para os de Caítel- Ja pela facilidade da vizinhança , onde antes da Acclamaçao havia tantos Portu- guezes , que muitas peíToas âffirraavaò , que a quarta parte dos moradores de Se- vilha eraõ nafcidos em Portugal , e que em muitas ruas daquella Cidade fe fal- lava a noífa lingua , enaõ a Caftelhana. Quafi o mefmo fe podia dizer de Ma- drid ; e por toda Callella a Velha , e Eílremadura he notório , que os mais dos mechanicos eraó naturaes defte Rey- no , os quaes por nao terem cm que trabalJiar , hiaô ganhar fua vida.

i8 Noticias

A terceira caufa porque falta a gen- te popular , he por naô terem neíle Reyno terras , que cultivem , e de que poííaò tirar fua luílentaçao , porque a Provín- cia de entre Douro , e Minho, e as mais atè o Tejo eílaó baftantemente povoadas , e naó ha nellas Jugar para fe fundarem novos povos, que poíía cultivar agen- te , que crefce. E Alentejo , que pode- rá focorrer a eíla falta (porque hequa- li taõ efpaçofo j como o reílo do Rey- no ) como eílà todo dividido em herda- des , e as mais delias muito grandes, nem fe povoa , nem fe cultiva. Porque lendo as herdades de muitas folhas , fi- caô de ordinário as três partes delias por femear , faltando por eíla caufa os mui- tos frutos, que fe delias poderão co- lher , e a commodidade , que poderão dar a tantos homens , que naò achaÓ lu- gar , onde poder fazer hum recolhimen- to em que fe rnetaó : e por iíTo fe em- barca tanta gente para fora da Barra , obrigando-os a necellidade a ir bufcar ter- ras ern que vivao a outras partes do mun- do ; pois lhe faltaõ em fua própria pa* tria.

Eftas tres faõ as caufas da falta da

gen-

dePortugal. 19

gente popular deíle Reyno j mas as da falta da gente nobre fe podem reduzir a duas. A primeira lie a uniaô de mui- tos Morgados numa peíToa ; porque quan- do fe conferva hum Morgado per íi , ca- da poíTuidor cafa, e propaga fua famí- lia ; mas junrando-fe muitos Morgados numa peílba , eíTa fomente cafa , e as mais famílias , para que os outros Morgados forao inílituidos , íicaô exíin- dias. Ifto tem acontecido em Portugual a grande numero de Morgados ^ Cii)e he tao grande eíle danno , que os Reys lhe quizerao acodir , como fe no 4. livro das Ord. tit. 100. onde fe diz, que com eíla uniaô dos Morgados fe fícaô extinguindo as Gafas , e Famí- lias, e faltando a gente nobre para a defenfaô , e coníervaçaò do Reyno, Fe-" lo que efta he a principal razaÓ da fal* ta da Nobreza.

A fegunda he a grandeza , a que tem chegado os dotes das mulheres no* B ii bres

(11) Defde o anno de 1640, atè agora fi tem unido em outras Cazas mais de cento , e cincoenta Morgados , que fe herdarão por falta de filhos , nas Çazíis , m qí(€ m M mdavao.

20 Noticias

bres ; pois vai em tanto exceíTo , que poucos fao os Fidalgos , que podem ca^ íar huma filha , e quaíi nenhum duas , como fe diíTe no capitulo das Cortes do Eílado da Nobre7a a ElRey NoíTo Se- nhor (*) pedindo-lhe remédio para ef- te danno , por fer graviíumo , e que ex- tinguia grandemente a Nobreza de Por- tugal.

§. III.

Do remédio para a falta da gente da pri" meira caufa , que faõ as Coiuiuijias.

AS Conquiílas , que efte Rcyno inten- tou fora da Barra , humas naõ paí- faraô do Cabo de Boa Efpcrança , co- mo a? Ilhas Terceiras , Madeira , Ca- bo-Verde 5 Coftas de Guiné , e Províncias do Brafii ; outras foraõ além do Cabo , e pertencentes ao Eílado da índia. Das Colónias, que paílarao o Cabo, pade- cemos menos prejuízo ; porque como ef- taô mais perto, e nellas naó intentamos guerras com Principes confinantes , nao nos occuparaô tanta gente j e os que a ellas foraó, tornarão a vir com mais fa- ci- ^(*) Cortes do anno i6^i» çap, ^i»do JEftado dx Nobrçzat

D E P o R TUG A L. 21

cilidade ao mefmo Reyno. E afllm delias Colónias louva muito João Borero aos Portuguezes , , dizendo , que elles íós entre todos os povos de Europa fe íou- beraò , aproveitar das Colónias ; e levan- do a gente , que no Reyno naô tinha com que viver , povoarão a Madeira , e o Cabo-Verde, a Ilha de S. Thomè, c o Braíil, membros importantes de íeus Eftados , donde gora tiraó grolíos re- tornos de gente , mantimentos , e ri- quezas : / Portoghefi ( diz elie ) Joli trà tmi i popoli dl Europa , fi fon faputi 'valer di quefta ãrte^ per chs con la gente piu povera , e hifog- nofa ^ che fofje in quel R^gno hanapo- polato la Maáera , il Capo Verde , la Ifola di S, Thomafe ^ il Br afile ^ niembri impor t anti de gli St a ti loro. Onde hora ca-vano ajuti grojfi , O" di gente , C^ di vetouaglie , O" di thefori.

Das noíTas Colónias das Ilhas Ter- teiras, e Madeira foi íocorrido deíle Reyno por vezes com gente , e com ca- vallos 5 e com muito trigo. De Ango- la íe tem tirado innum.eravel gente , que íerve nau fomente nos engenhos do Brafil , mas ainda neíte Reyno, aílim na

cul-

12 Noticias

cultlvaçaÓ do campo , como no ferviço ordinário. Da povoaqaó do Brafil reful- tou a mercancia do aílucar em tanta abun- dância, que delle provemos quaíi toda Europa. Donde fe , que eíbs Coló- nias na6 nos fao de tanto prejuizo, por- que nos levaô menos gente.

Porém na conquiíla da índia naó fuc- cedeo aííim j porque eftando tantas mil léguas diílante de Portugal , e com na- vegação tao perigoía , foi neceflario ti- rar-fc do Reyno muita gente tornando pou- ca , ou nenhuma delia ; porque fe inten- tarão povoar muitas Cidades portas nas fronteiras dos mais poderofos Príncipes do Oriente , como foi Ormuz na Perfia , Dio , e outros portos na Cambaia , Goa junto ao Idalcaó , Columbo , e outras forças em Ceilão , Malaca defronte de Samàtra , as Malucas no ertremo do Emiípherio , e Macào às portas da Chi- na ; além de outras muitas Fortalezas , que íe naó referem , para as quaes fe requeria grande numero de foldados , e huma deípeza infinita. (12) Pelo que foi de opinião D. Francifco de Almeida pri- meiro Viib Rey da índia , que naquel-

le

(12) Cajtanh, /, i.

DE Portugal. 23

le (13) Eftado nao nos convinha ter mais que huma , ou duas Fortalezas nos por- tos , em que haviaó de invernar as noUas Nàos , e Armadas para poder continuar livremente o comercio : e que fora diíio , quantas mais Fortalezas íuftentaílemos , tanto mais fracos íicariamos. (14) Deílc parecer forao muitos Confelheiros d'El- Rey D. Manoel , demaneira , que che- gou a dizer o Governador Afonío de Al- buquerque, que mais merecia a ElRey , por lhe defender Goa dos Portuguezes , que pela tomar duas vezes aos Mouros. Com tudo o contrario fe feguio , povo- ando-fe pelos noíTos tantas terra , e Ilhas era Afia , como fc foíTe huma Província confinante com Portugal ; fendo coufa no- tória 5 que a navegação da índia fe in- tentou para comercio, e naò para con- quiítas. Porque a conquiíla convém , quando hepara fegurança do Eftado pró- prio. Mas fendo a índia taô longe de Portugal , e as forças taô efpalhadas , e divididas , naô podia fervir para confer- vaçaô defte Reyno , fe nao para diminui- ção delle.

. , £22,

(15) Botem Ragíone difiat.l, 10.(14) Cotn- \mnt^r, ds Âf. de A\l\ p. 5. c. u\t.

24 Noticias

Porém eílas razoens politicas fora o vencidas da Providencia Divina, queo-^ bra , fuás acçoens contra as caufas na- turaes, para moftrar, que naõ neceíljta de noífos meios para produíir feiís ef- feitos ; e aílim querendo , que fe prc- mulgaffe a naquellas Provincias , ordenou , que os noílos Reys , e ítus Con- feliíeiros approvaílem efta Conquiíla , e com milagres evidentes ficarão os Portu- guezes quaíi fenhores de todos os mares do Oriente , e dos principaes portos de fuás Coftas , ganhando fama immortal com o foberano esforço , que neftas herói- cas empreías moftraraó , e prègando-fe o Sagrado Evangelho por efte meio a todas aquellas Gentes com grande gloria de Deos 5 e proveito de innumeraveis almas , que fe bautizaraó. (15) Mas andando o

tem-

(15) António Bncarro no Prologo da jun Década da Inela . folLindo dos interefes , que aqtidía Conqtiifta teve cm fcíi principio ^ antes de tantos fortalezas y diz: O grande intereffe, que íe do comercio tirava, íigora cftâ para nos quafi de todo extinílo, e íe naô tem rcí- peiro mais , que a eíla Chriftandade , e levar o nome de Chriílo N. S. e íeu Evangelho San- io a ndçoens remotas ^ que o conhe5:aó , e confefíem.

DE Portugal. ly

tempo 5 ou por algumas daquellas naço- ens fe fazerem indignas daquella doutri- na por íua contumácia , ou por culpa dos noílos , a quem a cobiça fez faltar na boa adminjílraçnõ dos íeus governos , fe fo- rno perdendo as praças mais diílanres ; porque por citarem muito apartadas de Goa , naó poderão fer a tempo focorridas : e aílim fe ícnhorearaÔ noíTos inimigos das Malucas , Ormuz Malaca , e Maícate, Delle modo ficou o Eftado mais propor- cionado tendo menos Fortalezas , e nao taó defmembrado j pois as principaes fe reduzem agora a Moçambique , Goa , Cochim 5 Columbo , c DioPelo que eítà hoje a índia nao peior para o trato das eípeciarias , que he o principal comercio ; e juntamente eílà mais defenfavel , fe hou- ver nella milícia paga; porque tirando o tempo do VcraÔ , em que os Toldados an- dao nas Armadas , os Invernos ficaò na terra , fem terem quem lhes de comer, chegando muitos a pedir cfmola pelas ru- as, c Portarias dos Conventos. Pelo que obrigados huns da neccííidade, e outros da cobiça , fe pafíaraõ muitos os annos atrazados á terra firme a fervir os Reys Gentios daquellas Provincias ^ os quacs

daii-

26 Noticias

dando-lhes foldos aventejados , vieraoa ter muito maior numero de Portuguezes em íeii ferviço , do que ElRey de Por- tugal tinha nas fuás Armadas , ou For- talezas. Com eíle mào exemplo íe forao miútos viver nas mefmas povoaçoens dos Gentios acrefcentando-as em opulência , como foi a de Meliapòr , e outras ; (16) de modo 5 que podemos dizer, que mui- tos portos das Coftas da índia fe povo- íirao de Portuguezes caiados na terra em tanto numero, e poder, que muitos del- íes fe intitularão P^eys, e Senhores dos mefmos lugares , como foi na Ilha de Sundira , nos Bandeis de Bengalla , em SiriaÔ , e em Camboja , e outras partes ; poílo que rodos elles acabarão as vidas miferavelmente 5 caítigando-os Deos com grande rigor , por deixarem as terras dos Chriftaos , c irem-fe viver entre os Gen- tios. Eíla hc a cauía porque affirma Dio- go de Couto , (17) que em tempo de El- Rey D, Sebaíliaô avia na índia ió(|). Portuguezes , e com tudo naô fe poderão

man-

(lò) Diogo do Como nofeíí foldado pratico da hulia. cãp, 6. (17) Couto no foldado pra- tico cap, 6, <ò^ na Deç, 9, çap, 11. eb* 16.

DE Portugal. 27

mandar oco. a Maiaca , para a ir gover- r.ar António Moniz Barreto , nem D. Leoniz Pereira.

Efte defamparo dos Toldados na ín- dia , poílo 5 que fempre le experimen- tou 5 atègora íe naõ tem remediado , e em quanto íe naó atalhar, havendo naquel- le Eílado huma milicia com numero certo de Companhias com. [cus Capitaens , e pagas aíiinaladas , naÓ pode deixar de íe íeguir eílc danno graviílimo : que he pedir-nos a índia fempre gente , e naa le valer o Eílado delia. Porque no prin- cipio os Governadores mandaviío dav mefa aos íoldados no Inverno^ porem de mui- tos annos a efta parte naó mefas , fe naó em quanto íe curao no Hoíbital. Para o que he de faber , que de dous mil foldados 5 que vao ordinariamente cm trez Nàos para a Índia cada anno , morre grande parte delle? na viagem ; porque como vao fete centos , e oito centos , e ilida mais numa Nào , naturalmente adoe- ce 3 c faliece grão numero delles , por fc corromper o ar dentro das cobertas com os bafos , e imm.undicias ; de maneira , que" o melmo he deícer a ellas , que entrar em hum lugar peftiicnte. E o pobre do

foi-

ítS Noticias

loldado 5 que adoece , nao tem cama , nem limpeza , nem regalo , nem coníb- laçao alguma. ( lo ) Diogo de Couto na 9, Década cap. 11. diz quenaNào, em que o Viíb-B.ey D. Anronio de No- ronha paílbu à índia , em que o me imo Diogo de Couro liia embíircado , partirão de Lisboa 900. peíloas , de que na via- gem morrerão as quatro centas , e cin- ccenta ; e que quaíi o mefmo foi pelas outras Nàos *, porque de 4(|). foldados , que o Vifo-Rey nellas levava, fallecerao na viagem os z^. e Duarte Gomes (19) nas Informaçoens íobre a Companhia Ori- ental 5 diz , que na Nào S. Valentim mor- rerão quatro centas peííoas , e ifto tem acontecido muitas vezes. Pelo que che- gando eíla íoldadefca taô diíimada à índia 5 c naõ achando provimento algum , com que fe íuileníe , huns inficionados do mal da viagem , outros do grande defamparo, pobreza , e miferia , e apal- pados da terra caem em maiores infir- inidades-, e aili vao quafi todos parar ao Hoípital 5 onde fe diz , que muitas ve- zes

' (18) Bnaru Gqm. iu 12. (ip) DMrt, Gcm, foi. 3H'

dePortugal. 29

zes fallecem mais de 600. e joo. homens deíles : de maneira , que defta íoldadetca , que tanto cuíla à Fazenda Real a por na índia , fe perde a maior parte , fendo a caufa o deíamparo , com que le trataô os íoldados naquelle Elkdo. Feio que íem haver na índia gente paga, e pratica para andar nas Armadas , e prefidiar as For- talezas 5 nao fe pôde efperar nenhum bom effeito de noíla milicia , pois além do que temos dito , toda ella he feita cada anno em Goa tumulruariamente , e de Tol- dados armados com toda a deliguaidade, aíum no numero , como nas Armas , por- que cada hum traz as que quer : de ma- neira , que em hum Navio os miais levao efpadas , e rodellas , e vao poucos tiros de fogo , e nenhuns mofquetes. Alèm dif- fo os mefmos íoldados faó de ordinário bizonhos , e naó quaes convém à milicia j porque os foldados , que em Lisboa fe aíjentaô nas noíTas Náos , fiÕ os mais deiles moços de quinze , e dezefeis annos , que vem a fer huma infantaria pueril : e por ifib vindo a pelejar com os inimigo? de Europa , ficamos quaíi fempre na índia inferiores nos fucceílbs pela grande ventagem , quç nos levao na elcolha dos

íol-

^o Noticias

Soldados , nas arrnas , e na ordem da mi- lícia T o que nos naô tem acontecido na Ethiopia , e Brsíil , onde muiras vezes vencemos a eíles mefmos contrários, por termos niijicia ordenada.

Contra efta noiTa dcíordem nos podem fervir de exemplo os mefeos Hclande- fes ; pois em c::da erabarcsçao nao levao de ordinário mais de 300. homens : nem fuílentao na índia mais portos , que o de Jacatrà , e Malaca , eos que lhe con- vém em Ceilão para o trato da Caneila : de maneira, que nao tem em toda a ín- dia CO nim umim.cn te mais de mil hom.ens pagos pouco miais , ou micnos , e eíles andao divididos , comerceando , c mili- tando. Do mefm.o modo os Caílelhanos fudenraô as Philippinas com hum terço de 400. homens pagos com feus Olhciaes ; c nao aííentaô governo em Província al- guma , fem prim.eiro ordenarem nella milícia certa. (20) Pelo que he impoffi- vel defendermios na índia tao grande nu- mero de Cidades , e Fortalezas , que ne- ceíTitao de muitos mil Ibldados j fendo

os

(20) Síiccejfos das Fhilip, Z>, Am. de Morg, f, 4.

DE Po RT UG A L. 3I

OS noíTos fempre poucos , c bizonhos , e fem nenhuma ordem. Nem fe pôde rei- pender, que fempre na índia íe militou deíla maneira , porque antigamente nao havia nella inimigos de Europa , fe nao de ordinário piratas Malavares. E íe hou- ve na índia Armadas de fora, como as do SoIdaÒ 5 e do Turco , foi nos primei- ros annos , em que as noíTas Armadas eraó taó numerolas , que excediao às dei- tes contrários ; o que agora totalmente nao ha. E affim havendo milicia cerra , e efcolhida , poderá o Eílado da índia tornar a florecer , fe as Nàos forem me- nores 5 e da grandeza , com que fe come- çou o comercio, como adiante fe mo íl ra- ra ; porque de modo chegarão os foi da- dos com faude , e ellas voltarão com ef- peciarias a falvamento , e nao fe levara tanta gente todos os annos infruciuofa» mente defte Reyno.

§. IV.

ja Noticias

§• IV.

Corno ]e remediará a jegunda caufa da

falta da poente com a vítroducçaõ de

alií^umas artes mechanicas.

o

Remédio para a fegiinda caufa , / porque falta a gente neíle Rejno , fera cxerci^arcir.-fe nelle as artes me- chanicas , de que carece. Afiirir.ao os Poiitico?, cue naÓ ha couía , que im- porte ir.nis para fazer huma Piovincia iium.erofa de habitadores , e rica de to- dos os bens , que a multidão das artes \ das quaes humas í^iô iieceílaiiâs , outras comirodas à vida civil ; porque delias fe fegue o grande concurío de gente, que ou trabalha , ou mienea o trabalho, ou adminiílra a matéria aos trabalhado- res, compra, vende , e leva as obras de hum Jugar a outro. De maneira, que importa muito mais a induítria do ho- mem para fazer hum lugar populofo , que nao a fertilidade do terreno ; por- que as coufas produfidas da induf- tria humana faô muitas mais , e de muito maior preço, que as coufas ge- radas pela natureza. O exemplo , que

diC-

D E P o R T U G A L. 33

diílo trazem os Políticos 5 he a lâã , a qu.il he fruto fimpíes, e groíTeiro da na- tureza , mas a arte , quaòcxceílentes pan- nos , quão vários , e de quanta diver- iidade fabrica deila matéria ? Suílentan- do-íe deJia , naó o que a cria , mas os que a cardaó 5 íiaô , urdem, tecem, tingem, cortao, cozem , e a formão em mil matérias , e a levao de lium lugar a ou- tro. O mefmo fe diz da íeda , que na fruto ílmples ; e com tudo quanta vari- edade forma delia a arte? Bem fe em Florença 5 Génova, e Veneza, onde com a arte da feda , e da laa fe man- tém quaíi dous terços dos habitadores. O mefmo acontece em toda a outra ma- téria. Itália iie Provinda, na qual nao iià minaral de importância de ouro , ou prata , como também o naò ha em França ; e com tudo huma , e outra he abundantiíTima de dinheiro, e de thefou- ros pela induílria das artes , e mercan- <:ia. Fiandes também nao tem veas átÇ" res metaes ; e por fua muita induftria , naò Província em Europa mais ha- bitada , nem onde haja tantas Cidade? c taó grandes , e taô frequentadas de Eílrangeiros , e tao florentes em rique- C zas.

34 Noticias

zas. Portanto o Príncipe, que quizer fazer DOpulolo o íeu Reyno , deve in- trcduíir nelie toda a forte de indnflria, e de oflicios ; o que fará com trazcrOf- ficiaes excelletites de outras Províncias , e dar-Ihes falarios , e commodidades convenientes e com favorecer os bons engenhos , e eílimar as invençoens , e as obras , que participao do íingular , e do raro j c com íinaJar prémios á perfeição , e excellencia.

Mas íbbre tudo he neceíFario , qae nao permitta , que fe levem pára fora de jeus Eílados os materiaes crus, co- mo íao as Lias , feda , madeira , m.eta- es , nem outras femelhantes coufas , por que com os materiaes vaÓ também os Officiaes , mie os lavraÒ. E além de viver muita mais genre do trato da ma- téria lavrada, que da matéria fimples , como apontamos, as rendas do Príncipe fao com exceíTò maiores pelas facas das obras , que dos materiaes. Mais tira dos veludos, damafcos; e femelhantes teas, que da íimples feda , mais dos pannos, que da laa tofca , mais das teas de linho, que do linho; mais da cordoalha, que do canamo. O que vendo iiaannos os Reys de França,

la-

DE Po R T U G A L. 35*

Inglaterra , prohibiraó levar a laá para fora de feiís E (la dos. O mefmo fez também depois ElRei Catholico , ainda que eftas ordens naô le obíervaraó com o eiifiro , que convinha.

Nelle Reyno também houve eíla pro- h-ibícaò , mas eílava tao elquecido o cuidado do bem publico pela falta dos Principes naturaes , que toda a laá fe levava para fora, de maneira, que no anno de 1645'. em Évora em pou- cos dias íe comprarão com dinheiro de Mercadores Eftrangeiros 9(^. arrobas. Pe- lo-que S. Mageftade que Deos guarde mandou de novo prohibir eílas com- pras , porém naô baila fomente eíla prohibiçaoi mas o que importa, e o para que trazemos efles exemplos, he que fe introduzao no Reyno eílas me- chanicas , e teares , fazendo, que deílas noíTas laas fe teçaô no Reyno os mef- mos pannos , que os Eílrangeiros te- .cem delias nos feus , e nos tra- zem depois a vender. Porque diílo fe nos feguirào duas grandes utilidades , a primeira , que ficará no Reyno todo o dinheiro , que ouvera de ir para fora por razaò deíles pannos , a fegun- C ii da ,

36 Noticias

da , que naô dependerá da vontade dos Eílrangeiros rrazcrem-nos eíla mercado- ria , de que totalmente neceíTitamos , e pór-lhe os preços à fua vontade tendo-a nòs em nolTa cafa. líto fe pôde orde- nar fazendo , que fe lavrem nefte Reyno, as baetas 5 que vem de Inglaterra, pois ho tecidas com as noflas meímas laas. Agora no principio fe poderá fazer con- duzindo com prémios alguns Officiaes , mandando-os vir de Londres , ou de outras partes ; e fazendo aílentar cite trato nos lugares, que parecem mais convinientes , como em Eftremòs , Bor- ba , Portalegre , Covilháa e com illo fe daria principio a hum trato de gran- diíTimo proveito , aíTmi para as rendas Reaes , porque com eftes direitos cref- ceriaó muito , como para o bem comum porque teria o Reyno as baetas muito mais baratas , e em maior abundância ; e para a fuílentaçao do povo j porque muita parte delle íe manteria com eíla occupaçaõ.

O mefmo que digo da baeta íe pode fazer com as farjas ; por quanto eíles fao os dous géneros de mercancias de que mais neceíTitamos. Da feda tam- bém

D E P o R T U G A I.. J/

bem fe poderiao inrrodufir nefte Rey- no theares de veludos lavrados , darnafr cos , fitins , e tafetaz dobrados ; pois em nenliuma parte da Europa fe a íe- da com ranta perfeição como em Portu- gal , como noiaÓ os authores Italiano? , e falta occuparem-fe mais nefte arteficio. DizoEfcolano na hiftoria de Valença, (21) que naô havendo em Efpanha ate o tem- po dos Godo? leda , nem affucar , nem arroz , os Mouros depois , que nella entrarão , trouxerao ca eftas fementes , as quaes fe cultivaó hoje em Valença com tanta utilidade , que affirmao im- portar cada huma deftas coufas hum mi- lhão cada anno. Em Murcia , e Córdo- va todas as mulheres fe occupaó com a creaçao da feda. E a feda , que o Marquez Fernão Cortez introduíio no México , tem creícido de maneira , que agora he a maior mechanica , que naquella Província, como íc ód ' arte , que efcrevco da fua creança Gou- callo de las Gafas, que anda no fim da Agricultura de Herrera. O mefmo fe po- de fazerem outras artes, que ncs fao

ne-

^21) EJcoK Dec, i. Vaknc. i. p. /. 4. í*.^-

D'

Noticias

neceíTarias para a iriilicia , e navegação. ElRey D. João o V. noíTo Senhor fez inf- tiíuir no Sítio da Cotovia extra muros deíla Corre huma nova Fabrica de íedas de todas as qualidades no anno de 1735'. a qual tinha antes principiado no bitio da Fonte Sanca.

He o ferro de Portugal o melhor do mundo, delle fe lavrarão as mais pre- zadas efcopetas pedidas pelos. Prínci- pes , e que fe lhe offereciao por peças de muita eílima , fendo-nos tao necelía- ria? eílas armas , he erro grande mandar- inolas bufcar de outras Províncias, fendo as Eíbrangeiras muito inferiores ás noíFas , como íe nas muitas , que arrebentad cada dia nas Fronteiras , o que as ncilas Jiao fazem.

Naó he menos importante o lavor do linho canamo, de que fe fazem as amar- ras 5 cordoalhas , e enxarceas , excedendo o noíío a todos os de Alemanha , de ma- neira , que huma amarra de Portugal íuf- tenra mais, que duas, e trez de Flandes, E fendo eílas coufas tao neceífarias para a navegação, que fem eílas fenao pode fa- zer; he lailima, que feja tal o noífo def- cuido , que vamos buícar eftas coufas às

ter-

DE Portugal. 39

terras de noíTos inimigos , dandonolas Dcos em noiTa caía. E o pcor hs, que coii'- Feíía lium Conrratador cios noilbs (22) ntnn livro, que apreíentoa ao Coníclho , q.ie todas as amarras , e cordoalhas , que nos mandarão de Flandes , naÓ fomente erao as peores , mas de propofito , e por indaftria falíificadas , efallidas, para que nao pudeíTem íervir , ie nao com a ap* parencia. ElRey D. Manoei , e D. JoaÓ líl. riveraô feitorias deíle lavor do Ca- namo nos lugares do Pvcyno , em que íe com mor abundância. O meímo íe poderá tornar agora a fazer dando privi- hgios , e com.modos aos Oiiiciaes, que riílo fe occupaílem.

O lavor dos pannos de algodão. íe po- cera introduíir neíle Reyno com muita facilidade : pois fomos íenhores do algo- dão do Braiil , e Cabo- Verde , que he

infinito , e fíniílimo. E para Meílres íe paieràó mandar buícar os Teceloens da índia , que fao os melhores do m.uiido , e fi.zer em Lisboa os canequins , e bo- fe tà? , que hl mos bufcar com tanto trabdho, e perigo.

O

(22' Díiarte Gomes fobrc a Conip, Orien,n, 38. j,i66.

40 Noticias

O papel também he couíli de miiit-o iifo , e que todo nos vèm de fora. No Pveynado d'ElB.ev D. João V. que Deos guarde fe introduíio eíla Fabrica no Rey- 310 na Villa da Loufaá junto à Cidade de Coimbra , em que íe faz papel ordinário, íiorere , e imperial , e em Paramos junto ■d Cidade de Braga outra Fabrica , em que íe faz papel pardo , como o de Fran- ça. ElPvcy D. João o IV. quiz intro- duíir efra arte no Reyno, e mandou para iíTo fazer hum.a Officina em Villa-Viçoía, que com as occaííoens pre Tentes naõ tevç eíFeito.

Diz o Doutor Laguna no feu Commen- to de Diofcorides, (23) quando falia d^ graã, que a graa , que nafce em Portu- gal, he a melhor, que fe conhece em Europa , e como tal he bufcada dos E^ trangciros com grande culpa noíTa ; po.s dando-nos Deos eíla tinta tao cxcellea- te neíle llejno , nao fe tece nelle him cevado de graa ; e os Eílrangeiros !os toniao a 'vender o que he próprio rof- ío , a mais fobido preço , Podendo nòs

\en-

Çix) L.'íg:nia fobye o ç.'i^, 49. do liv 4. de

dePobtu-gal. 41

vendello a elle?. O niefiiio fe pode dizer do pào do Brafil , e paílel das Ilhas , que fendo quaíi íiiercadorias eftanques , nòs as damos em matéria ímipies a rodas as Naçoens da Europa para com ellas tin- girem os feiís pannos , podendo nòs ufar dos niefmos tratos , e íer os vendedores dos pannos , e naó os compradores. Ef- tas , e outras meciíanicas íe poderàõ obrar com grande utilidade do bem publico, aíTim para as rendas Reaes , como pai-a a multiplicação , e íuílentaçaó do povo. E naó lià 3 que reparar em parecer, que fera iílo coufa difncultofa , ou muito cuílofa 5 fe naó ordinária , e fácil ; pois o grande trato das fedas de Sicilia teve principio em ElRey Rogério trazer de Corintho , e Athenas , quando as tentou , alguns Ornciaes de feda para Sicilia : e eíles bailarão para fazerem naquella lllia hum trato de íeda , que a tem tanto en- riquecido. (24) Da meíma Sicilia mandou vir o noíTo Infante D. Henrique os Meí- tres para enHnarem a plantar , e benefi- ciar o aílucar na Ilha da Madeira. (25)

Eí-

(24) Hift. de Valen. p. i. /. 4. c. 6, (25) ^cãõ de iarr, £>cc, i. /. 2. c 16,

4^ Noticias

Efl:e principio bailou para fazer aquella Ilha a mais rica do mar Oceano ', e para delia íaliirem depois os Zvdeftres , qae in- rrodufiraò eíle trato na Ilha de S. Tho- , e em todo o Brafil , que le naó fuí- renta de outra caufa , eiie o maior rendi- mento , que agora tem a Coroa de Por- tugal. Pelo que pois temos em caía o exemplo , e experiência , nao nos pode parecer eíle arbitrio novo, ou de peque- no effeito.

Poucos annos , que hum Oleiro, que veio de Talaveira a Lisboíi , vendo a bondade do barro da terra , começou a la- vrar louça vidrada branca, naô íó como a de Talaveira ; mas como a da Chi- na ; porque na fermolura , e perfei- ção pòdcm competir as perçolanas de Lisboa com as do Oriente ; e imi- tando-o outros OfHciaes , creíceo à mer- cadoria de maneira , que nao fomente cílà o Reyno cheio delia louça ; mas vai mui- ta de carregação para fora da Barra. Do mefmo modo quaíi por cfte tempo começarão pelo diftrictõ de Coimbra a fazer fearas de milho groíío de maçaro- ca, que vem de Guino ; e aos prmíeiíos íeguiraõ outros em tanío numero , que he

ho-

DE P o R T U G A L. 43

hoje o maD^-iuiento nirus ordinário para a genre vulgar > qiia^ em toda a Beira , e entre Douro , e Minho; de que le fe- guio grande benefício a eftas ProvinciaSj porque como as íearas faô de regadio, nun- ca falta ô ; e fundindo muito, vem a fer o mantimento muito barato, com que o povo fica de todo aba liado. Pelo que fe eílas mercadorias fe introduíiraó em noílo tempo pela induílria dos particulares ; com quanto mòr facilidade , e felicidade fe poderão introduíir as outras , que apon- tamos j pelo poder, e authoridade dos Principes ?

§• V.

Do remédio da tej-ceira caufa da falta

da gente com fe fazerem novas Colónias

no Reyno,

NOtao os Poliíicos , que os Romanos _ antigos , aílim para cultivarem to- d-a Itália , como para confeguirem a mul- tiplicação da gcrdt ,qiie íempre pretende- rão, uíarao muito defte remédio das Co- lónias ; porque íó de Alba JuIia fahiraõ trinta , e de B.oma fe tirarão quaíi infi- nitas , com o que o povo Romano le foi

mui-

44 Noticias

multiplicando em grande maneira , por- que aíiiin como as abellias creícem com fe lhe tirarem das colmeias os novos en- xames cada anrro •, da mefma maneira acontece tirando-fe de hum povo grande huma Colónia ; porque fe occaíiao para crefcer muita mais gente, do que creícera , fe fe naó tirara ; porque muitas idaquelias pelToas por naó lerem terras , nem commodidade para viver , fe nao caíariaoi c aíTim fe perderia toda a ge- ração delias ; o que naó acontece , quan- do fe tira a Colónia ; porque entaõ o Rey , ou o Senhor, que a Colónia funda , lhe concede na terra , para onde a manda habitar, campos, e herdades, de que fe poiTa íuíteiitar. Deíle remédio das Coló- nias fe tem também ufado neíle Reyno de feu principio. Porque defde o Conde D. Henrique atè ElRey D. Diniz , naò fo- mente os Reys fundarão muitas Villas , mas os Prelados , Gamaras , e Fidalgos particuf-ires , repartindo as herdades , que tinhao , aos moradores , que queriaò ir para ellas , dan-do a cada huma terras para cultivar com a penfaÓ dos quartos , ou oitavos na forma , que fe concertavao* De modo que muita parte do Reyno fe

po-

DE Portugal. 45'

povoou por eíle meio , e principalmente Alentejo , que ainda que por fer a ulti- ma Província de Portugal , que íe con- quiílou , ficou menos povoada ; com tu- do quafi todos os Lugares , que nella ha , fcraõ fundados pelo Biípo , e Cabido de Évora 5 e pelos Meftres de Aviz , e S. Tiago , e outros Fidalgos. Pelo que pois por eíle meio das Colónias teve a povoa- ção do Reyno principio, nao fe lhe pe- de liufcar outro mais próprio , nem mais fácil , para fe povoar , principalmente Alentejo *, que com íer quaíí tanta terra , como o reíiante de Portugal , eílà quaíi deíerta , e com mui poucas Villas , e Lu-^ gares. A razaó he por eílar todo Alen- tejo dividido em herdades, das quaes os Lavradores naõ faõ fenhores ; mas fomen- te arrendadores ; e ainda , que muitos liomens dezejaó fazer cafas novas nas mefmas herdades, naó lhe podem os La- vradores dar para iífo licença ; mas antes q.uando os Senhorios o querem , elles o naó coníentem , pelo danno , que temem , que os taes moradores lhes haô de fazer nas fuás fearas , e nem huma arvore de fruto , ou parreira ouzaô plantar na ter- ra i porque logo o vifmlio lança íobre elle

no

4ffi Noticias

no novo arrendamento para ficar melhor nccomodado. Donde vem eíiar agora eíla Província rao defpovoada, fendo aíTim , que em tempo dos llomanos tinha mais Lugares, que as outras da Luutania. (26) Pelo que para a povoarem. , na 6 íerà ne- ceíTario lia ver força ; porque fe derem aos homens terras ; e algum modo de com- modo para o principio , de fua vontade haverá m.uiros , que folguem de fe vir viver a eíles novos Lugares.

Duas ohjecçoens íe podem apontar contra eíle meio. A primeira he fer a terra deAíentr^jo de charneca areenta , e eíleril. A fegunda , que he falta de aguas , fem as quaes nao pode haver povoação. Porém ambas eílas diíiiculdades tem fácil repof- ta. A primeira fe refponde negando fer todo Alentejo de terra infrudifera , e do charneca ; porque a maior parte deíla Província he de terra muito fértil , e abundante; e a parte , que tem de char- neca, naô he toda de roim terra; antes parte delia he terra boa. Além diflo , co- mo temos provado , nenhuma terra fe pôde chamar infruílifera , porque a que

nao

^ (2O "Ptolom. Tah. de Hifp. H.

DE Portugal. 47

nao he boa para trigo , he boa para ceva- da, centeio, ou vinhas, e quando na ó, para paílos, que vem a fer de naô menos importância , que as learas , como fe na mòr parte de Holanda ; cujas campi- nas , fegundo os Geographos , nao fer- vem de outra couia mais , que de paílos , e com ido eílà riquiílima. O rnefmo íe na Eílretiiadura de Caiicila , cujas terras nao fervindo mais, que de paítos aos re- baníios de Paftores , que chamao dela Meíla 5 d ao groíliííimas rendas aos íenho- res daquelles lugares. Pelo que nos poícos , onde a terra nao for boa , fe naô de char- neca 5 pòdc fervir do que dizemos ; ou aíFim meímo de excellenres colmeares , como fe na Serra de Serpa , na de Por- tel , e no termo de Palmclla. Por onde o m.efmo fora de toda a parte , como tem fido neftes fitios : e naô he menos rendo- ía a novidade da cera , que qualquer ou- tra mercancia , pois a himos bufcar ao G^bo-Verde , e a Berbéria, Exemplo do que temos dito , feja o que vemo? nas Vendas-Novas , onde a charneca he de área mais folta , e que parecia mais in- fruftifera ; e com tudo naquellc íirio íe tem plantado vinhas , pomares , e hortas

mui-

48 Noticias

muito boas. E no meírno fitio das Vendas- Novas fe vio eíla verdade , porque man- dando S. Mageílade , que Dcos guarde , fabricar nelle hum grande Palácio, quan- do paíibu àquella Provi ncia a fazer as trocas das Princezas do Braíii , e das Af- turias 5 fe achou huma notável copia de agua 5 parecendo impoííivel , que a hou- veíTe em tal charneca.

E quanto à fegunda objecção, que fe diz de Alentejo , que nao tem fontes , nao faz ao cafo, porque fe podem abrir muito bons poços , c nao he novo beberem dcUes Cidades , e povoações muito no- bres 3 como vemos hoje nas Cidades de Beja, e Elvas , antes da agua da Amo- reira ; e na Cidade de Évora , antes , que lhe trouxeílem a agua da prata : e de prezentc de poços bebe a Cidade de Fa- ro , as Vilias de Serpa , Montemor o No- vo 5 as Alcáçovas , Alcácer do Sal , e Terena , e o mefmiO paíla na Eítrem.adu- ra 5 como em a Alhandra, em Caíl:ello- Branco, e em muitas Vilias daquelia Pro- víncia.

A outra diíliculdade , que íe podia apontar do cabedal , que era neceííario da Fazenda Real , para fe começarem

ef^

I

t>E Portugal. 49

cíVas Villas , e fe introduzirem eftas Co- lónias , fe refponde , que naõ he neceíTa- rio , que Sua Mageftade faça neíla maté- ria gaito algum , mas que fomente con- ceda aos que hoje as fundarem ^ os privi- légios , com que antigamente fe funda- rão as outras pelas Communidades , ou Fidalgos particulares , que foi o titulo do Senhjorio delias , porque com iíFo fe farào. Os dous pólos, fobre que fe movetn todas as couías do mundo , íao honra , e proveito ; e fe por alcançar a qualquer deftas vao os Portuguezes ao íim do mun- do , com quanta mais facilidade fe em- pregarão neíla obra, os que tiverem pa- ra líío commodidade , que íaõ muitos , com fe lhes dar a jurifdicçaô do lugar, que fizerem. A ElRey D. Joaõ L acon- felharaô , que fe fe queria fazer Senhor de Portugal , que deífe o que naô tinha , e prometteíle o que nao era feu , que eraá os lugares, que naõ poífula ; e por efte ineio fe fez Senhor de tudo. Pelo que em certo modo dando ElRey agora lincença para cada hum poder fazer eftas novas povoaçoens nas íuas terras com alguma juriídicçaò , ou privilegio honrofo •, bem podemos dizer ^ que o quç naõ tem j D pois

5:0 Noticias

pois taes lugares naó os ha , e depois que os ouver , ainda que conceda efte leve titulo do Senhorio deites , com El- Rev ficaó os novos Vaífallos, os novos tributos , e íizas , e o novo crefcimento de todas as coufas , que fe nos taes po- vos cria , e juntamente fe ficara confe- guindo o eíteito da multiplicação da gente , de que tratamos.

He eíla matéria taô fácil , que nao eílà mais o porfe por obra , que em fe dar eíla licença , por quanto naò falta gente 5 que dezeje ter terras para culti- var: e pela utilidade, que difto fe fegue aos Senhorios das terras , fer taô notória ; que lhes nao fica íendo gafto , fe nao beneficio grande de fua fazenda. Exem- plo feja a povoação da Caía Branca , que o Conde do Sabugal D. Duarte de Caf- relIo-B ranço fez numa herdade fua , que tinha junto à Aviz , a qual dividio em Courellas , e dando-a a vários foreiros com obrigação de certo foro, e os quar- tos 5 veio a fazer huma povoação de al- guns cem vizinhos , que lhe rendem hoje o dobro , que a herdade lhe rendia.

O Conde D. Eftevaô de Faro pedio licença para fundar huma Villa para delia

to-

DE Po R T U G A L. 5*1

tomar o titulo de algumas herdades , que tinha junto a Alvito, mandou fazer efta divifaô, e edificando a cada morador fua cafa , e dando-lhe cerras CoureJIas de terra , fez huma nova Villa , que inti- tulou Faro de Alentejo , de que tomou o titulo , lem perder nada de fua fazen- da , antes acreícentando muito nella.

Em todo Alentejo he tao grande o líumero de homens , que defejao aforar titulo para huma caía ; que na Freguelia da Caridade termo de Monçaràs tem o Cabido de Évora huma Aldeã de muitos moradores numa herdade fua dcfte nome , e cada hum deíles moradores aforou ao Cabido fomente o lítio para fazer a ca- fa , dando cada amio de foro hum cru- zado por elle. E porque o lavrador da herdade íe queixava, que eíles viíinhos lliQ podiao fazer danno ao feu gado , e learas , lhe pozerao clauíulas no afo- ramento , que qucixando-fe o lavrador 'do tal foreiro , lhe derrubariaò as cafas, fem por iíTo lhe tornarem nada. E he tal a neceííídade , que os homens tem de acharem hum lugar próprio , em que vi- ver , que com sílas obrigajoens taò pe- D ii za-

<;i Noticias

fadas aceitao os foros , e vem outros ca* da dia os pedir.

O meímo acontece na Aldea de S. Mancos , e na de S. Tiago de Eícoural, e he taô grande a neceJlidade , em que eílà a gente do campo de Alentejo de cafa? , em que Íl; recolhao , que na 6 ha lavrndor , que naó metta na fua herda- de alguns defl-es learciíos partindo as próprias caías com elles. Pelo que fc com tao grandes encargos aceita a gente do campo fazer huma cafa à fua cufta ; quantos haverá, que aceitem a commo» didade de quem lhas quizer dar, e jun- tamente acrefcenrado-lhes terras para as poderem cultivar? Por onde podemos ter por certo , que em fe dando efte privi- légio 5 a maior parte das grandes her- d ides , que hoje em Alentejo , e quaíi eíbio feitas em deferros , fe veraó povo- adas , e cultivadas de todo o género de plantas , e feitas huns jardins. De manei- m y que com eíle beneficio naó fomente crelcerà a multidão do povo , mas a abundância do trigo, de que eíle Reyno carece , nao por defeito natural , mas pela cobiça de alguns , que procurao rçr,'e acrcfcentar a grandeza das fuás

her-

Ç o R T U G A L.

DE r ORTUG AL. 5

herdades, as quaes quanto maiores fao, tanto meno? Tc cultivao , aíTim porque naõ lavradores tao poííantes , que tenhao cabedal para tao grandes lavouras, como porque quanto maior lie a herda- de , em tantas mais folhas fe reparte; e tendo huma herdade muitas folhas , naô fe fêmea mais , que huma , : as outras ficao fem dar fruto, e faÕ caufa de faltar o trigo no Reyno. Diílo fe queixava Plinio (27) em feu tempo di- zendo , LatifHndia perdidere It aliam ; que a grandeza das herdades tinha feito aítalia efteril ; e que havia paflado efta cobiça tanto avante , que atè Africa , que era a mãi da abundância , neceílitava de trigo i porque féis Senhorios poíTu- Jiiao ametade daquella Província em tem- po de Nero : Jam vero , &" Províncias fex Domiin Jcmijfe Africa pofjldebant , cum interfecit eos Nero. Efta era a Magi* ca, com que Furio Cre/Hno dizia , que ha- via maiores novidades nafua herdade, por fer pequena , e bem cultivada , que feus vizinhos nas muito maiores , como nelle lugar refere o mefmo Author. E

por

(27) Pluu /. 18. c, 18.

5'4 Noticias

por efta cauía fe fez aquella ley Agra- ria j que nao foíTc maior nenhuma h^rd a- <le , que o que fe podeíTe lavrar com dous Bois cada anno, como affirma Apl- ano Alexandrino. (28) Todos eítes exem- plos provâò mais noílb intento , pois mandando ElRey D. Fernando computar as terras de íemeadura , que Iiavia nefte Reyno , fe achou , que fe todas fe cul- tivaíTem , haveria pao de fobejo para toda a gente, e naó íeria neceílario tra- zello de fora. Pelo que fez leys ^ em que mandou , que nenhuma herdade , ou terra ficaíTe devoluta , porém efta pregmatica atègora fe naô pôde execu- tar , como convinha ; mas fazendo-fe eftas novaç povoaçoens , de força fe con- feguirà efta cultivaçaô , lavrando cada hum. afua terra , de maneira, que lhe façaó dar naô fomente hum , mas muitos frutos , como vemos nas mais das terras , que eftao junto ás Villas , e Lugares em todas as Comarcas do Reyno.

Dif

(28) Jpianus /. I.

DE Portugal. 5*5'

§. VI.

De ou iro remédio para a falta da gen- te popular 5 qiie be o amparo dos Órfãos»

HUma das coufas , que tem dado mais cuidado aos Principes , e ReT- publicas 3 he o defamparo dos Órfãos , c aílim cm todas as Províncias íobre eftas matérias muitas leys , e ordenaço- cns , porque íe mandão crear , e acodir a fuás fazendas. Porém iílo toca mais aos ricos , que aos pobres ; porque; eftes como naô tem com que íe fuflentar , pe- recem de ordinário os mais delles à fo- me 5 e delamparo ; e os que daqui me- liior efcapao, lie fazendo-fe mendigos, com que naô tem nenhuma creaçaõ , nem doutrina, e daqui procedem tantos vadios e fingidos pobres, como andaó neíle Rey-^ no j e o que peior hc , muitos ladroens fa- •cinorofos : e por mais leys , que fe façaô contra eíta gente taô pernicioía á Re- publica, naó executailas , ainda que Ibbre ifto fe fizera ô muitos difcuríbs , e livros , que andaô impreíTos por muitas partes de Heípanha. Pelo que o melhor

re-

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remédio de todos he acudir a eíle mal em feu principio , recolhendo eíles Ór- fãos , e Engeitados , em quanto faô pe- quenos , e dando-lhes boa criação. A Senhora Infanta Dona Ifabel Clara Eu- genia filha d'ElRey Felippe o Prudente, por fua muita caridade tinha devaçao de mandar em Madrid pòr a todos eíles Órfãos 5 e Engeitados a officios mccha- nicos , como refere o Licenciado Herre- ra no difcurío do Amparo dos verdadei- ros pobres. (29) E para o mefmo eíFeito na Cidade de Valença hum bom Col- legío. Porém muito mais antigo he eíte cuidado 5 pois nas leys Imperiaes fe faz menção da primeira cafa , que fe fun- dou em Confbantinopla para eftes Orfáos fe recolherem , e enfmarem , a que cha- mavaó Orphanotrophia. Com tudo mo- dernamente fe faz ifto em Itália , e Fran- ça C3iru mroí ro mais fruto ; porque muitos Collegios , Hofpitaes , e Hofpe- darias , onde eíles Órfãos fe criaõ , e eníinaõ a todas as artes mechanicas, ten- do dentro dos mefmos Collegios apofen- t j? ^ onde vivem , e eníinaÔ os Meílres ,

que

Ç2.(i) Amparo dos pobres de Herrera.

D E P o R T U G A L. ^7

que prociiraô fejao fempre es nielhores daquelles ofíicios. Aqui fe lavra com mais prefeiçaõ a madeira , macenaria , e eículptura , e todos os inílrumentos de ferro neceífarios à vida politica , e mi- licia : aqui as exccllentes pinturas , os teare^ de todas as íedas : aqui as impreí- foens mais correctas : aqui as fundiçoens mais apuradas j c por iílo íaô mais buf- cadas as obras mechanlcas deftes CoUe- gios dos Orfáos 5 que dos outros OíEci- aes das Cidades.

Deíle meio nos convinha muito valer em Portugal , viíla a grande multidão de Engeitados , e Órfãos , que neíte Rcy- no , os quacs creando-fe em boa doutri- na 5 até fe poderem pòr aos ofícios , íicariaõ fendo de grande utilidade à Re- publica. Nos lugares maritimos convi* nlia m.ais ufar deíle remédio, como fao Lisboa , Seruval , Porto , Viana , e no Reyno do Algarve ; porque deíles Or- •fáos , c defamparados aílmi recolhidos fe podiao prover os Navios de Grumetes, e Pagens das Nàos , e Marinheiros , que he gente , que muito falta neíle Reyno , e com a boa doutrina, e criação feriao de grande conveniência para as noílas

na-

58 Noticias

navegações , por quanto ordinariamente falta a creaçao devida aos homens do mar, como fe tem viílo cm tantos nau- frágios 5 e perdiçoens , cujas hiflorias andao cheias deftas queixas. Por onde com eíle remédio fe evitaria grande par- te dos fingidos pobres , e vagabundos , que ncfte Reyno hà, e fe occupariaò em exercícios honeílos , e proveitoíos à Re- publica 5 e crefceria com iíTo o numero dos moradores dos lugares , e a multi- dão do povo do Reyno.

He eíle mcyo do Recolhimento dos Órfãos taó notório , que os Povos em Corres o pedirão a S. Mageílade no anno de 1641. cap. 5-3. com eílas pala- vras : Serd de grande utilidade , que no recolhimento dõs Meninos- Órfãos , ou no que chamaõ de Santo Antojiio^ Je KecolhaÔ muitos moços , e fe lhes appli- que renda para f cu fuftenío , porque ahi os enfinem da arte de marear , com quc ha^uerà fempre mareantes em abundân- cia , de que efle Reyno eftà mui falto. Neíle Capitulo fe traz por exemplo o Hofpiral 5 que fez a Rainha de Caílella em Madrid para enfinar moços a raare- -antes , pela falta , que delles havia. E

a

DE Portugal.

a repoíla de S. Mageftade he , que mandara ordenar o que ncíle Capitulo fe lhe pede.

O meíino que diííemos para o ampa- ro , e remédio dos moços Órfãos, he razão ie diga das Orfas moças , ou pa- ra melhor dizer muito m.aior cuidado fe deve de ter delias , aílim por o feu de- famparo fer mais perigoíb, como por terem as mulheres muito* menos modos devida, que os homens. Pelo que con- vém , que fe procure o feu remédio , applicando todos os meios , que pode haver para que eíl:.s Orfás do povo fe cafem : porque alèm do grande ferviço', que fe faz a Noífo Senhor em fe tirar íi Gccafiaõ de íe perderem , ficafe alcan- çando o intento da multidão da gente com a multiplicação dos matrimónios. T)iílo pôde fervir de exemplo a Cidade de Milaój que hcdas mais popuJofa? de Europa j e liuma das caufas de feu cref- cimento he dotar cm-fc todos os annos nella mais de 800. Orfás. O mefmo fe vc no augmento , que a Cidade de Sevi- lha teve de alguns annos a cíl:a parte; por- que ainda que muito delle foi cauíado do comercio das índias , com tudo tam- bém

6o Noticias

bem fe pode dar por fundamento cafa- lem-íe em cada hum anno muito grande numero de Orfas , por haver naquella Cidade ns Capellas de Micer Garcia de Gibraleon , e do Arcebifpo D. Fernan- do Valdè? , e do Cónego D. Fernando de Menchaca , que íómente foraó fun- dadas , para das groffas rendas , que tem 5 fe caiarem muitas Órfãs : (30} além de haver miuitos outros Hofpitaes , co- mo o de Deos Padre, de Santo líidoro y de S'. Clemente , de S. Hermenigildo , e o da Mifericordia , que cafaõ cada anno muitas Donzellas , fora outros muitos 5 que do fobejo de fuás rendas fazem efta obra de Mifericordia*

Para fc por Por obra efte meio ; que dizemos , ít poderia applicar alguma parte das rendas das Cameras , aonde as houveíFe grandes , ou aílinar-fe hum3 renda das que entraó no Cabeção , cujo rendimento fc applicaííe fomente a eíla obra pia. Podia-fe também mandar a to- dos as Provedores das Comarcas , que •onde quer queachaííem dinheiro , ou le- gados deixados para fe gaftarem em

o-

..(30) Hijl, de Sevilha de Morgado.

D E P o R T U G A L. 6l

obras pias ; que naô foíTem nomeadas pelo teílador , fe gaílaíTe tudo neftes ca- íainentos. E aflim fe poderiàõ ordenar outras coufas femelhantes , para que eíte intento pudeíle ter efFeito.

§. VIL

Do remédio da primeira caufa da ex*

tincçaÕ da Nobreza pela uniaõ dos

Morgados,

O Mais efficaz remédio para a pri- meira caufa da falta da Nobreza, he fazer-fe huma ley , pela qual fe dif- ponlia 5 que fenaô poilao ajuntar dous Morgados numa peíToa \ e que fe por via de cafamento , ou fucceíTaÓ de pa- rente mais chegado acontecer , que fc venhaõ unir duas Caías , e Morgados de diíFerentes inftituidores , e geraco- ens em hum particular, o filho mais velho deíle ultimo poíTuidor , fucceda fomente em hum deftes Morgados , qual elle quizer eícolher , e o filho fegundo fique fuccedendo no outro. Porque def- ta maneira haverá muitos mais cafamen- tos para as mulheres Nobres , e Fidal- gas, para as quaes ncfte noflb tempo

fe

62 Noticias

fe achaò mui poucos ; porque íe vao ajuntando em huma peíToa muitas Ca- ías , e* Morgados, que fe cíliveraô apar- tados , de força feus poíluidores Iiaviaô de cafar com mulheres de fua qualida- de ^ o que agora acontece pelo contra- rio. Porque tanto , que por qualquer via fe vem a ajuntar, e unir cites Mor- gados , o poffuidor dcUes nnó cafa mais , que com huma, e efca quer que tenha outro Morgado, que Çc Wi'^ ajunte, ou hum dote tao grande , que he neccííario fe metaô Freiras todas as demais filhas , para íe poder ajuntar. E he eíle remé- dio taÓ evidente , e bem coníiderado , que emi parte eftà poílo por ley nas noíTas Ordenaçoens novas no liv. 4. tit. loc. § 5"- c fcguintes : onde diz a Icy , que defta defuniaô de Morgados fe íe- guirà eíle mefmo proveito a eíles Rey- nos , que he haver nelies muitas cafas, e famílias para melhor defenfao da Re- publica , e confervaçaÔ das geraçoens. E aíHm nao difere eíla ley , que digo fe faça , daquella da Ordenação , que eftà feita , fe naó em me parecer, que leja efta muito mais larga. Porque a Or- denação diz , que iíto fomente haverá

lu-

D E P o R T U G A L. 65

lugar , quando hum dos Morgados ren- da quatro mil cruzados , o que parece couía muito larga, e pouco contingente: c aíHm o vemos , porque depois , que fe fez 5 atègora naó fe praticou , por haver muito poucos Morgados neíle Reyno, que cheguem a eíla quantia de renda : e além difto acontecera poder hum íó particular ter quatro , e cinco Morgados , que cada hum delles nao chegue a 4(J). cruzados de renda ; e aílim naõ ficar obrigado a deixar a feu irmão mais moço nenhum delles , c ficar por eíle modo fruílrado o intento da ley , que foi nao fe ajuntarem as Caías , nem fer hum particular poíTuidor de gran- de , e cxecelliva renda. Porque em huma Republica mais convém ( aflim para ha- ver muita gente , como para defenfao delia , e bom ferviço do Rey ) haver muitos Morgados , e Caías , que com- modamente fe polfao íuílentar , que h-aver poucos , que tenhao em íi muitas Cafas deílas , e fejaô por iílb muito ricos. Pois vemos por experiência, que os que deíles tem dez , ou doze mil cruzados de renda , nem por iíTo fuílentao tanta familia junta , como luftçntariaó os fuc-

cef-

^4 Noticias

ceíTores dos Morgados , que elles em ÍI tem|juntos ; antes ordinariamente vivem empenhados pelos muitos , e exorbi- tantes gados , que íazem deínecef- farios em jogos , moveis , cdiíicios , e outras coufas, que naõ pertencem à ne- ceíTaria , e convenienre íuílentaçaõ de fuás peííoas , da qual íomenre tratarão, íe tiveraô menos renda.

He outro íi eíla união de Gafas , e Morgados occaíiao de muitos gaftos deí- neceíTarios na Republica. Porque como todos particularmente delejao de íe igu- alar com os outros de fua qualidade , hum . que tenha muita renda , com os demafiados gaílos , que faz , quaíi , que obriga aos outros a gaftarem o que mo podem , por fe nao moílrarem inferi- ores.

Pelas quaes razoens feria de parecer, que efta noíía Ordenação , quanto ao que difpoem de render hum dos Mor- gados 4(J). cruzados fe eílenda , em que baíte render hum Morgado 2(^. cruza- dos 5 para o filho fegundo ter logo di- reito de herdar o outro. E quando acon- tecer , que fe ajuntem trez Morgados , ou mais ^ e que dous delles rendaó os ^ " di-

DE Portugal. 65»

ditos 2(^. cruzados , o filho fegundo pof* fa logo fucceder no outro.

Defte remédio le feguirà logo acha- rem-fe muitos caíamentos convenientes para mulheres Fidalgas , e Nobres , e que naõ lejaó neceflarios raó grandes dotes para poderem cafar. Porque a ra- zão de fe pedirem grandes dotes , he haver muitas mullieres para cafamentos , poucos homens , por nelles eftarem juntos 5 e unidos ordinariamente muitos Morgados. E daqui vem , que fe lhe naÔ querem d?ir grandes dotes , nao que- rem cafar, porque achaõ muitas mulhe- res , que pertendem caiar com ellcs. Por onde nos vem a acontecer o contrario do que íuccede em toda Africa , Afia , e boa parte de Europa , onde fabemos , que cafaò todos com as mulheres fem dote algum ; antes entre elles hc ordi- nário comprallas a íeus pais ; porque co- ino cada hum tem muitas mulheres, fica havendo grande falta delias j e por iíTo i2aô faõ neceíTarios dotes.

E §. VIIL

66 Noticias

§. VIIL

Do remédio da fegunda caufa da falta

dia Nobreza com adimimiiçaÕ da

grandeza dos dotes.

O Prejuízo , que cauía a grandeza dos dotes à Nobreza defte Reyno, he couía raõ notória, que íe pedio o re- médio dcfte danno nas Cortes de 619. ea Sua Mageílade , que Deos guarde, nas do anno de 641. pelo Eftado dos Nobres. E Sua Mageíiadc proveo cm parte acfte inconveniente , como fevè na declaração, que fez ao cap. 31. do Eftado " da Nobreza a foi. 82. deftas Cortes , e fuás repoftas ImpreíTas , man- dando , que fe fizeíTe huma ley , pa- ra que os dotes naÓ paíTaíTem de 12^» cruzados naò entrando nefta conta as legitimas, e heranças. Efta determinação fora muito juílo , que fe executaífe j f)orèm como as penas Ía6 para a Fa- zenda Real , de muito pouco eifeito >. porque os Príncipes , nem feus Minií- tros naó attendem a eílas miudezas. Por tanto importa, que as penas fejaô para os outros filhos, e filhas , ^ quem fe faz

j' "■ "^ :: o

D E P o R T U G A L. 67

O danno , dando-fe muito mais a hum , que aos outros. Pelo que em corrobo- raçaõ deíle taô importante intento fe podei iaó ordenar os meios feguintes , com que fe acabaria^ mais caíamentos convenientes para as mulheres nobres , c fidalgas.

O primeiro he fazer-fe outra ley , que nenhum pai , ou mãi poíTa dotar a huma filha mais , que a legitima da filha , e da fua terça a parte , quQ pro rata lhe couber : convém a faber , fe tiver duas filhas 5 ametade da terça , e fe tiver trez filhas , a terça parte da terça , e aílim das mais : e que iílo fe obferve com as meí- mas condiçoens , com que hoje nao pode o pai dotar mais , que a terça a huma filha. Porque deíle modo haverá muito mais commodidade para íe cafa- rem muitas mulheres. Nem contra iílo fe pôde dizer , que fe aíHm for , nao quererão os homens cafar com tao pe- quenos dotes 5 porque como todos forem deíla forte , forçoíamente os haõ de aceitar , como vemos, que acontece ho- je a todos os Morgados, os quaes ainda que tenhaõ muitos mil cruzados de ren- da , nem por iílo pretendem mulheres £ u tao

68 Noticias

rao ricas , como elles ^ pois he coufa averiguada , que nos cafamentos nobres íempre os homens fao os mais ricos i e por iflb lhe he forçado aceitarem os dotes 5 que comummente fe âchaô , que de ordinário naô vem a montar a terça parfe das rendas dos Morgados, e ainda eílcs fao os maiores. Pelo que naõ fe achando entaô outros dotes de inaior quantia , forçado fera , que fe aceitem eftes : e aíTmi haverá mais poíTibilidade para fe dotarem as filhas. E para que fe nao poíTa fruftrar o intento da ley com os pais meterem as filhas freiras , con- certando-fe com os Moíteiros , que nao lierdem mais , que os dotes , que lhes derem na entrada para eíFeito de pode- rem mais dotar à filha , que fomente querem cafar, fe deve de prohibir , que nao valhao femelhantes contratos feitos comos Morteiros, fenaÔ quando o pai, ou mãi , que os fizer , tiver primeiro cafado duas , ou trez filhas ; porque def- te modo parece , que fe atalhara a frau- de , que a eíta ley fe pôde fazer.

O terceiro , e ultimo meio parece , que podia fer , quando Sua Mageftade provê officios grandes ^ e rçndofos , e

- ai-

D E P o R T TJ G A L. Ó9

algumas Commendas de muitas rendas > que feia com claufula de cafarem os deípacnados com as filhas de Fidalgos , que Sua Mageílade nomear : porque deíle modo fe ficaò accommodando mui- tas deftas Donzellas fem cufto de íeus pais 5 nem d'ElRey. E aíTim como Sua Mageílade coíluma ter neíle Reyno mui- tos lugares, em Moíleiros para Freiras ; parece convenientiífimo , que tenha ou- tros muitos mais para eftcs cafame-n- tos , pois delles refultaò taô gran- des bens a efte Reyno. E do mefmo modo devia Sua Mageílade de appiicar outros lugares menores de Oííicios , e Commendas para as íilhas de outras pel- icas Nobres , e de menor qualidade. E poílo que qualquer deíles meios parece -eíEcaz para fe remediar o mal de que tratamos ; com tudo todos trez juntos devem fazer muito maior, e mais nota^ vel efteito.

D IS-

'7 o Noticias

DISCURSO 11.

SOBRE A ORDEM DA MILÍCIA,

que antigamente havia em Portugal ^ e

das forças militares , que hoje tem

para Je confervar y e ficar fuperior

afeus contrários.

§. L

HE tao neceíTaria a confervaçao das coufas , que igualmente as pio- dufio a natureza com os meios con- venientes para fua defenfao. lílo vemos nao íó na contrariedade , com que os Elem.entos repugnaõ huns aos outros para fe coníervarem ; e nas plantas , muitas das quaes a natureza defendeo , arman- do-as de efpinhos nos troncos , nos ra- mos , nas folhas , e nos pomos ; mas mais manifeftamente nos animaes , aos quaes nao a natureza deo armas , com que fe defendelíem , mas ainda lhes com- municou conhecimento para fe unirem os de cada efpecie , e particulares aftucias , com que fe defendeíTem melhor de feus inimigos. Defta militar induílria , com que a mefma natureza creou aos brutos

anl-

D E P o R T U G A L. yt

animaes , fe claro , quad neceíTarios faô os foldados na Republica , pois fem a força da Milícia nao podem permanecer as leys , nem profeíTar-fe as fciencias , ou exercitarem-le as artes , nem finalmente confervar-Ce a paz, c liberdade. Por tan- to hum dos maiores caíligos , com que Deos ameaçava antigamente feu povo , era dizendo-lhe , que deixaria aquella Republica lem Capitacns, e foldados.

Inclue em fi o exercício das sr- mas trez maravilhofas virtudes ^ que faõ Caridade , Fortaleza , e Prudência. Com a Caridade offerecem os particu- lares a vida própria pelo bem commum de todos 5 que lie o maior adto defta virtude , como teflificou Noíío Senhor no Evangelho , dizendo : Maior em di- leSlionem nemo habet , ut animam fuam fonat quis pro a mie ir juis, (i) E aí- lim até os Gentios tiveraò o morrer pe- la pátria , e defenfaõ delia pela maisgio- TÍofa acção da vida , donde pelas leys de Licurgo fe mandava , que em nenhum fepulchro fe pofeíTe epitaphio ; ou no- me fe nao daquelles ^ que morreíTem pe- la

(O Joan. 15. 13.

72 Noticias

la pátria. (2) Com a Fortaleza fe dei- prezaõ os perigos , e fe vence as injuria^ do tempo , as incommodidades dos alo" jamentos , as fomes , fedes , e finalmen- te as forças , e armas dos contrários. Com a prudência fe ufa deílas virtudes a feu tempo , aproveitando-fe das oc- cafioens , e efcolhendo fitios aventejados , e providos para alojar , e combater , ou fortifican-do-os para fe defender. Por ef- tas , e outras razoens tendo os homens todos lium principio, aqueiles, em quem eílas virtudes mais refplandeceraó , íicaraó íuperiores aos outros : e o mef- mo era antigamente fer Rey , que de- fenfor da Republica , o que ainda hoje lignifica o Ceptro que os Reys trazem , o qual revê feu principio da lança , a que chamavaò Kaílapura. E em Efpa* jiha coníbrme eraô as armas , com que os foldados fcrviao , íe lhes dava o grào da Nobreza. Daqui nafcerao os títulos dos Efcudciros 5 de Cavaileiros, de Fi- dalgos , de Ricos Homens , Condes , Marquezes , e Duques; e vieraò a fer os mais nobres cargos da Republica aquei- les 5

(2) Plutarc, in Liçurg.

DE Portugal. 73

lec , que pertenciaó à milícia , princí- paiiTiente nefre B.eyno. Porque como os jioffos Rcvs aicançanió pelas armas o S\Qhorio delle, Iibert:indo qiiafi toda a Província das míios dos Mouro?, que a íenhoreavaô 5 e defendendo- o doá Reys vizinhos para confirmarem mais leu Ef- tado , pozeraÓ toda a honra na gloria Militar 5 dando nova Nobreza aos do povo 5 que fazíaó feitos aííinalados nel- la , e os nobres acreícentando-os a maio- res eftados 5 de maneira , que raros fao os Senhores de Vaííailos , que hoje em Portugal , que nao tivelTcm efcc lie- roico principio. E para fahirem iníignes nas armas creavao rodos íeus filhos com grande parfimonia nos veílidos , e man- jares : dando os mefmos Reys aos outros -exemplo neíla matéria. De modo , que na virtude da Temperança ie poderá comparar cTta noíla Republica até o tem- po de noíTos Avó? com a rao celebrada dos Lscedemonios. Por eíla caufa uíavaõ ainda na paz dos Exércitos Militares , pofco que fingidos; para que quando lhes foíTem neceíiarios íenao acharem bi- zonhos, mas deflros nelles, Send j os feus jogos, e paíTaterapos tirar a tibolado,

ou

74 Noticias

ou bordear, juílas , torneos , touros cavallo, montarias, exercícios todos, em que ie moílra tanto esforço, e galhar- dia , como nas verdadeiras batalhas , e recontros da guerra.

A Milícia, que osnoffos Reys an- tigos procuravaó ter preíles para de- fenfao, e legurança do danno , que po- diao receber dos outros Príncipes confi- nantes , era hum Exercito com to- dos os Capitaens, Officíaes , e foldados neceíTarios , com que pudelTem acudir em continente a todas as occaíioens > que fe oíFereceííem , onde foííe neceíTaiio. E porque o fundamento da guerra fao a? forças dos naturaes da Província , aííim da gente de , com.o de cavallo ; e a ordem , com que a Milícia fe exercita , me pareceo conveniente apontar o modo, que os noíTos Reys tivcrao, aílim na defenfaõ dos lugares , como nos Exér- citos 5 com que andarão em campanha , e o numero de gente , de que nelles ufa- vao. Porque ainda que fe mudou o eítilo da Milícia com as novas armas , e inilrumentos de pólvora , com tudo as forças 5 e a ordem , e meios para alcan- .çailas fempre fao os mçímos : e por ef-

tes

DE P o R TU G A L. 75"

tes princípios fe ha de difpor o que na nova Milícia fe ha de ordenar. Nem fe me pôde eílranhar efte argumento por alheio da profiffao Ecclefiaílica , por quanto a Milícia he parte de Política , e como tal trata delia Santo Thomaz em muitos lugares de fuás obras ; por onde a th eoríca he commua a todos ; e aífim a eílaÓ lendo muitos Reli^ioíos nas Ef- colas publicas , naò fora deíle Rey- no 5 mas ainda nelle. Qiianto mais, que eftando as forças de Portugal na cccaíiaõ prefente todas occupadas neíle exercício-, obrigação nos fica também a todos de trabalhar nefta matéria cada hum no que lhe toca em confervaçaõ do bem publi- co. Mas porque a guerra fe divide em terreíle 5 e marítima , fallaremos primei- ro da terra , como mais principal , difcorrendo pelos maiores oíEcios do exercito , dando particular noticia de cada lium , com tudo o que pertence à Milícia antiga , atè o prefente , feguin- do neíla matéria os noflbs hiftoriadores , e particularmente o Regimento da guerra, que fez ElRcy D. Afonío V. confor- mando-íe com os eftilos antigos deíle Rcyno.

§. 11.

76 'Noticias

§. II.

Do Officío , que fazia ElRey no Exer- cito , e dos Minijlros , que fervi a o à Pejfoa Real na guerra , e da dignidade de Condejlable,

OS Exércitos defte Reyno forao fem^ pre governados pelos Reys delie. Porque como os mefmos Príncipes faziao profiílaó de guerreiros , naÔ queriaõ dar a outrem eíla honra. (3) E aílim houve poucos Reys , que naò íe achaffem por luas pelíoas nas emprefas mais importan- tes , que em íeu tempo íe íizeraó, como le- mos do primeiro Rey D. Afonío Hen- riques , c de feu Filho D. Sancho , D. Afonfo III. D. Diniz , D. Afonfo IV. D. Joa6 I. D. Afonío V. D. JoaÓ II. e D. Sabaíliaó. O officio , que no Exerci- to faziao ;, era o fuprcmo ; e dellcs rcce- biaò as ordens os Condeílabeles. Para o íerviço , e guarda de fua PeíToa ti- .nha ElRey hum Guarda Mòr , que era rdos Fidalgos principaes do Reyno , o

qual

(^) Regimento da guerra, d* ElRey D.Jf.

DE Portugal. "jj

qual trazia coníigo 20. Cavalleiros No- bres para guarda da Pefloa d'£lRe7. Eí- tes na guerra o acomponhavaõ em toda a parte , e na paz afiiftiao no Paço , e dormiao juntos à Gamara Real. (4) Po- rém depois ufarao os Reys de Fidalgos em lugar deftes Cavalleiros , e tinhaõ as entradas livres , como os Gentis homens da Gamara na Gafa de Borgonha. Nao havia delles numero certo , nias em tem- po d^ElRey D. Sabaíliaó o forao iómen- te doze. Eíles Gavalleiros da guarda no tempo da guerra andavaó no Exercito com o feu Guarda Mòr armados , e a cavallo 5 íeguindo a PeiToa d'ElRey , fe- gurando-o \ alèm do qual teve também depois o Capitão dos Ginetes parte deíle cuidado 5 como adiante veremos. (5-) Ti- nhaò os Reys hum Armador Mor, cujo principal cargo era guardar as armas da Pefloa Real : também alguns Moços Fi- dalgos ferviao de Pagens da lança. (6)

A maior dignidade do Exercito de- pois da Pefloa Real, era o Gondefl:able ,

cu-

> {\) O Regimento da guerra t, i. (5) Capi- tão dos Ginetes dito |U, (<$) Chron. d'ElKcy

y% Noticias

cuja origem , por fer pouco conliecída , tocaremos brevemente, (7) Os Em pêra- dores Romanos , e à fua imitação os an- tigos Reys de Eípanha , e França intro- duzirão nos ícus Officiaes do Paço o ti- tilo de Comités ^ ou Condes -^ aos quaes conforme o miniílerio , a que prefídiió , fe lhes dava o nome , com que fe diffe- repcavao huns dos outros , chamando Coynes rei privat£ ao Veado r da Caía; Comes domejlicorum^ ao Mordomo Mòr, e allim aos mais. Por eíla razaó chama- rão ao Efí ribeiro Mòr Comes ftabulu O mais antigo Author onde íe acha efte nome , he em S. Gregório Turonenfe: e aílim fe entende , que teve efta digni- dade principio em França 5 e que aqueiles Reys foraó ufando deíles feus Eftribei- ros Mores , ou Condeftables nas coufas de guerra. (8) No principio, fendo o Con- deílable Capitão de Cavallos, e depois General da Cavaileria, atè o virem a fazer General da Milicia de todooReyno, e proverão efte cargo nas peíloas mais

il-

(7") Regimento da gnerra r. do Condeftahle, (8) Scipiaõ AmirMo nas familids ds Napo* jes t, dçCondefi<ibk,

DE Portugal. 79

illuftres delle. De França parece que veio^ efte officio a Itália , e a Inglaterra ; a cu- ja imitação ElRey D. Fernando, de Portugal o creòu de novo neíle Rey- no , quando o Conde de Cambris com os feus Ingleíes o veie a ajudar a fazer guer- ra a Caílella. O primeiro, que eíle cargo teve em Portugal , foi D. Álvaro Pires de Caftro Conde de Arraiolos , e atè en- tão fazia neíle Reyno o officio de Con- deftable o Alferes Mor j e de entaô arè- gora tiveraó lempre o titulo de Condef- table 5 ou Infantes , ou os mais princi- paes Senhores do Reyno.

He o Condeítable em Portugal o Ge- neral da Milicia , feu lugar no Exercito he o da vanguarda ; e conforme ao feu titulo , que eftà no Regimento da guer- ra j a elle ElRey as ordens do que ie deve fazer no Exercito, e elle as có- mette ao Marichal , para que as execute , e a elle pertence fazer os Coudeis dos Eèfteiros , e dos homens de , cada hum com 30. íbldados. Aííinaô os Quadrilhei- ros , que haõ de repartir defpojos das batalhas , e facos dos lugares. Antes de partir o Exercito , manda os Defcobri- dores do campo , e Almocadens a legurar

06

8o Noticias

os caminhos , e as guias para a ven- guarda , e Capiraens para cavalgadas , Apoíenrador para alojar o campo , e gu- ardas 5 e roídas, e efcuras para de noire, c liies o nome. Por ília ordem íe re- conhecem os lugares , que fe haÕ de cercar. Em todos os cafos , que ílicce- dem no exercito , aííim eiveis , como cri- mes-, he íuprema Juftiça , para o que nomêa Ouvidor , e Meirinho ; e a qIIq vem por appeilaçao os feitos do Mari- chal : em os eiveis naó hà. do Condeila- bcl appeilaçao. Eftas , e outras couías difpoem o Regimento antigo , e lhe con* cede gajes no Exercito de cada merca- dor , ou regarão doze reaes brancos ca- da íemana , c dos que íervirem a eftes ,. trez reaes : e todas as penas de Direito , ou Condenaçoens , que fe no Exercito fizeíTem, erao para elle , e a carceragem dos que foííem prefos prifao do íeu Ouvidor, das prefas das cavalgadas erao todas as cavalgaduras, que naÓ andaíTenx em bandos.

Eíle Oíliclo de Condeftable exercita- rão com eftas leys , e coftumes o Conde de Arrsyolos D. Álvaro Pires de Caílro fer vindo a EIRey D. Eernando , e de-.-

pois

DE Portugal. 8i

pois a ElRey D. Joaó I. fendo ainda Defenfor do Reyno ; o qual por morte de D. Álvaro Pires deu efte cargo ao Grande D. Nunaives Pereira , que o íer- vio com grande valor , e boa fortuna. E quando ElRey paflbu a Caftella em ajuda do Duque de Lancaftro , nunca o Condeílable quiz dar a vanguarda ao Du- que : mas fempre ufou de fu3 premi- nencia. Succedeo-lhe no officio o Infan- te D. João , e por fua morte o Senhor D. Pedro Meílre de Aviz filho do In- fante D. Pedro ; depois o Infante D. Fer- nando filho d'ElRey D. Duarte, D.Joaô Marquez de Monte-Mòr filho do Duque D. Fernando de Bargança o primeiro , o qual exercitou o officio acompanhando ÉIRey D. Afonfo V. nas guerras de Caf- tella , no que tocava às velas, e caufas judiciaes, que nas mais preminencias do €argo corriaô com o Duque de Guima- raens feu Irmaô. Por morte do Marquez foi Condeílable ElRey D. Manoel , fen- do ainda Duque de Beja , e depois que entrou na fucceíTaó do Reyno , deu efte officio a D. Afonfo filho natural do Du- que de Vifeu feu IrmaÒ. Succedeo-lhe o Infante D* Luiz , depois o Senhor D,

82 Noticias

Duarte , e por fua morte os Duques D. João , e o SereniíTimo D. Theodoíio IL feu filho. He agora efta dignidade mais exercitada com titulo honorário , que com exercicio. Porque dês do tempo d'ElRey D. JoaÔ IL para fe foi mu- dando a ordem da Milícia , de maneira, que tirando as preminencias das Cortes , em que Levantamentos dos Reys , ou Juramentos dos Príncipes , nos quaes os Condeftables tem o eíloque diante dos Reys 5 e em outras prerogativas feme- Ih antes de honra naò fe deu cafo cm que exercitaífem a jurifdiçaó dos Exércitos. Nas Cortes de 1641. fez o officio de Condcftable o Marquez de Ferreira D. Francifco de Mello nos Autos de Le- vantamentos de Reys, que fe feguiraó, foi Condeftable o infante D. Pedro , de- pois Rcy , o Duque D. Nuno Alvares -Pereira de Mello , c o Infante D. Fran- cííco.

§. IIL

DE Portugal. 83

§. IH-

Do MarichaL

A Segunda dignidade da Hoíle ( que aííim fe chamava antigamente em Portugal o Exercito ) lie Marichal. (9) Seu nome affirmaó fer Tudeíco , e que fe corrompeo de Marigal, que fignifica Juf* tiça da Corte , e Caía Imperial. Pontano diz , que na lingua Francefa quer dizer Meílre de Campo , e ambas eftas íigni- ficaçoens cahem bem ao officio que nefte Reyno faz. Efta dignidade creou EIRey D. Fernando de novo em Portugal junta- mente com a de Condeílable , à imita- ção dos Reys de Inglaterra , quando andava o Conde de Cambris. E foi o pri- meiro Marichal Gonçalo Vaz de Azeve- do. Ao Marichal pertence pelo Regi- mento da guerra repartir os alojamentos de feu exercito ; depois que pelo Apo- ■fentador do Condeítable for aííinado o lugar , onde fe houver de aítentar ; e para iíTo tem também o Marichal íeu F ii A-

(9) Scipiao Jmir, no Apfarato da No- breza de Napol, tip. Mariftalt,

o4 Noticias

Apofcntador , e provê de outros para as cavalgadas ; manda ter cuidado das velas ao tempo de comer, aííimdedia, como de noite.

Tem o Marichal Ouvidor, diante do qual fe podem pòr todas as acçoens ei- veis 5 e crimes no exercito ; tem aílim mefmo Meirinho , Carcereiro , prizo- ens , Aguazís, para exercitarem juíliça : a alçada he nos feitos eiveis atè trez mil reaes brancos : daqui para cima ha appel- laçao para o Condeílable. Nos crimes nao pôde executar penas de fangue, ou açou- tes : todas as execuçoens de juftiça fe mandão fazer por feus Miniílros , e os pregoens fe dao em nome feu , c do Condeílable, As gnjes , que tinha , erao das preías das cavalgadas , que fe faziaô, toda? as cavalgaduras de zeladas, e caf- Tradas. De cada tenda, ou logea de Mer- cador,regataó, barbeiro, aíTacalador doze reaes brancos cada fomana. Todas as pe- nas , que por via de graça, ou mercê man- d:3.r ElRey pagar no exercito aos con- denados, perdoando-fe-lhe a pena prin- cipiai i aílim mefmo a carceragem , e ar- mas , que fe tomarem aos que forem prefos. na c^dea do feu Ouvidor , e as

de-

D E P o R T U G A L. 85^

decimas dos prificneiros do Exerciro , que lendo fugidos depois de huma noi- te , e dia , fao tornados ao cainpo. Os que atégora riverao eíla dignidade , fo- rao Gonçalo Vafques de Azevedo , íeu genro Gonçalo Vaz Coutinho Senhor de Leomil 5 VaFco Fernandes Coutinho pri- meiro Conde de Marialva , D. Fernan- do Coutinho feu fegundo filho , D. Ál- varo Coutinho , D. Fernando Coutinho o que morreu em Calecut, D. Álvaro Coutinho, D. Fernando Coutinho, D. Fernando Mafcarenhas filho de D.Jor- ge Mafcarenhas Marquez de Montal- vão.

§. IV.

Bo Alferes Mor , Capitão dos Ginetes , e Capitão da Guarda.

ATè o tempo d'ElRe7 D. Fernando, o Alferes Mòr d'ElRey era o Ge- . neral do Exercito, como apontainos , e fazia o officio de Condeílable , e Zvla- richal , como coníla do feu titulo no Re- gimento da guerra. Entre os Ricos Ho- mens era dos primeiros , que confirj-na- vaó as Efcrituras com o titulo de Siimi-

fer

26 Noticias

fer Regis \ e o mefmo íe ufou em Caf- tella. O nome de Alferes he Arábigo > que quer dizer tanto como Cavalleiro- Seu officio he ao prefente ter a Bandei- ra Real no 26:0 de Levantamento dos Reys , e Icvalla nos exércitos com a Pef- íba Real ; mas naõ eílendc a bandeira, fe naÕ em batalha campal. Coftumaõos Al- feres Mores ter outro Alferes , que cha- maô pequeno, a quem entregaó a bandeira, quando eílao impedidos para a poder le- var, como fe , (10) que íuccedeo na ba- talha de Touro , em que a Duarte de Almeida Alferes pequeno cortarão as mãos , para lhe tomarem a bandeira. O primeiro Alferes Mòr , que houve em Portugal 5 foi D. Fafez Luz , que viera de França com o Conde D. Henrique. Os mais que eíle cargo íervlraó , fegun- do tenho alcançado foraó D. Pedro Paez da Silva , Fidalgo illuílre , e grande ca- valleiro. Em tempo d'ElRey D. Afon- fo IL confirmaó com titulo de Alferes Mòr Marfim Annes, e D. Sueiro Rey- jnondo : no d'ElRey D. Afonlo IIL D.

Jo-

(10) Chmu de D. Jfonfo F, de Duaru Nun, c. 58.

D E P o R T U G À L. 87

JoaoPirez de Aboim , e D. Gonçalo : no d'ElRey D. Afon fo IV. fervio eíle cargo 21a baialha do Sâlado D. Pedro Paes neto do Meftre de Santiago D. Payo Corrêa : na batalha de Aljubarrota leva- va a bandeira Real Lopo Vaz da C^unlia por feu irmaô Gil Vaz da Cunha : e nas mais eraprefas d'ElRey D. Joaõ I. ex.er* citou o olíicio Joaõ Gomes da Silva, iC por fua morte , o deu ElRey ao Conde de Viana D. Pedro de Menezes , que o teve em todo o tempo d^ElRey D. Du- arte, cujo Alferes Mor era fendo Infan- te : e na jornada de Africa com os Infan- tes fez o officio em feu lugar D. Duar- te de Menezes pelo Conde íeu pai, por cuja morte lhe fez ElRey D. Duarte mer- cê delle : daqui íe continuou fempre na Familia dos Menezes. Hoje anda na Ca- za do Conde de Sabugofa.

Ainda que o officio de Capitão dos Ginetes parece deve fcrmais antigo neíle .Reyno . todavia naô fe faz deUe men- ção nas^iiílorias , fenaó de pouco tem- po a eíta parte ; e a primeira vez , que achei nomeados Ginetes dcícobridores de campo nos Exércitos de Portugal ,

foi

88 Noticias

foi em tempo d^ElRey D. Duarte; (ir) quando os Infantes D. Henrique , e D, Fernando paíTaraõ a Tsngere , onde o Chronifta diz, que Ruy de Soufa , e fcu íilho Gonçalo Rodrigues de Souía , liiaõ diante do Exercito com 300 Ginetes a deí- cobrir o campo, e que efte Gonçalo Rodri- gues foi depois Capitão dos Ginetes. Pelo que parece , que o primeiro que introdu- 2Ío eíle cargo na Milicia do Reyno, foi ElRey D. Afonfo V. por haver na íua liiíloria muita menção delle. Seu pró- prio ofEcio he fer Capitão dos Ginetes da Guarda d'ElRcy , a que dizem fe annexou fer General da Cavallaria do Reyno , e como tal exercitou eíle officio Vafco Martins de Soufa Chicorro , acom- panhando a ElRey D. Afonío V. em as guerras de Caílella i depois entrou efta dignidade na Caía dos Maícarenhas por D. Fernando Martins , que fervio de Capitão dos Ginetes aos Reys D. João II. e D. Manoel. Os Cavalleiros defca Guarda dos Ginetes erao da qualidade dos mefmos Cavalleiros da Camará , e Guarda d'ElRev : o numero era de 200»

(11) Chron. de D, J)uarH f. 6, is* e 16,

D E P o R T U G A L. 89

e ufavao os Reys dclla naÓ nn guerra , iFiES também na paz , principalmente quando faziaó caminho, como íe vc das hiftorias d'ElRey D. JoaÔ II. e D. Ma- noel. A Guarda dos Aíabardeiros intro- duzio ElRey D. SabaíriaÔ , aíTmi para refpeito da Peííoa Real , como para fe- gurança delia , pelos muitos Eílrangeiros Hereges , que havia em Lisboa , mas nao eraÔ de Tudeícos , fenaó de Portu- guczes 5 e foi feu Capitão da Guarda Francifco de Camareiro Mòr d 'ElRey D. Henrique , e Conde de Matozinhos : depois ElRey D. Fclippe Prudente, dei- xando por Governador deftc Reyno ao Arcbiduque Alberto , lhe deixou Guarda Tudejca , e por Capitão delia D. Fran- cifco de Souía , a qual fe foi continu- ando com os Governadores 5 e VifoReys, que lhe fuccederaõ , atè Sua Mageíla- de 5 que Deos guarde, que adniittio os Tudcfcos; , que ainda achou com os ou- *tros Aíabardeiros da íua Guarda , que dantes tinha.

§. V.

90 Noticias

§. V.

Dos Anadeis ^ e Coudeis Mores,

As hiílorias deíles Reynos ha mui- ta men^aó de Anadeis , ainda que nao excedem o tempo d'ElRey D. Fer- rando. PeJo que parece entrarão eíles officios no Reyno juntamente com os de Condeílable , c Marichal ; ao que ajuda o mefmo nome > que dizem fer Inglez. O mais antigo , que fe acha com eíle titulo 5 hc Afoníb Furtado de Mendoça , e em tempo d^EIRey D. Joaò I. leu filho Afonfo Furtado. Aos Anadeis pertencia fer Capitão de Bèíleiros, aííím de cavai- lo 5 como da Garrucha do Conto , e do Monte , que chamavaô de Fraldilha , e também dos Efpingardeiros , os quais cargos durarão ate o tempo d'EiRey D. Manoel (12) que íó deixou os dos Efpingardeiros , e os de Fraldilha , e extinguio os mais à petição do Reyno eílando em Cortes.

Ordenou ElRey D. Afonfo V. que

os

(12) Góes. Chron. d'ElRcy J), Manod p, I . cap, 16,

DE Portugal. 91

os homens de armas Efciideiros , que íerviaó a cavallo nos Exércitos , foíiem reduzidos à Caplraiiía de hum Capitão , que os repartiíTem por Coudeis , dando a cada Coudel vinte : pelo que chamarão ao Capitão deita gente , e Coudeis , Coudel Mòr.

Derivcu-fe o nome de Coudel do no- me cinúgo Ca udilb o derivado de Caput , palavra latina , que ÍJgnifíca Cabeça 5 donde fe diíle também o nome de Ca- pitão. E dos Caudilhos trata o livro 4. tit. 23. das Partidas de Caftella , onde íe apontao as qualidades , que para os Cau- dilhos fe requerem. Como o Coudel Mòr por o Regimento da guerra ficava capi- taneando a gente de cavallo ; depois fe veio a encarregar ao Coudel Mòr a exe- cução das leys , que fe fízerao para con- fervar as boas raças dos cavallos do Rey- no , como adiante veremos.

§. VI.

92 Noticias

§. VI.

Do Adãtl Mor , e Almocadens , e cere- ynonias com que eraõ creados

ADail he palavra Arábiga , fegundo D. Sebaftiaõ de Covarruvias (13) e ílgnifica Guia de caminho encuberto. Deriva- fe de Delid , que he Moílrador. Em Caftella ha muitos annos fe uícu efte nome à imitação dos Mouros : e no tit. 2.2. da 2. Partida fe trata largamente deíle ofiicio. Em Portugal fe coílumou depois da tomada de Ceita , c nas outras fronteiras de Berbéria , e no Al- garve ainda hoje os Adaiz faô Capitã- es do campo , que he o feu próprio oíncio. No Regimento da guerra fe refe- rem as ceremonias com que antigamen- te eraó creados os Adaiz j o que tudo he tirado das Partidas de Caftella , e fao as feguinte?.

Havia de fer eleito para Adail hum homem , que tiveíle grande pratica de guerra 5 esforço 5 prudência, e lealdade:

e

([3) Covar, Thefour, da Ling. Caji. pala- vra Adail,

DE Portugal. 93

e depois de efcolhido tal, mandava El" Rey por doze Adaiz tirar informaço- ens com juramento do Adaii , que efta- va para fe fazer , e affirmando elles , que tinha as quatro qualidades requiíiras , lhe dava EIRey eípada , cavallo; e ar- mas , e mandava a hum Rico Homem , que lhe cingiíle a efpada fem pefcoçada ; e poílo então o efcudo no chaÔ com o con- cavo para cima , fe punha fobre elle o que havia de fer feito Adail , e EIRey lhe tirava a efpada da cinta , e ília dava nua na maò ; e entaõ os doze Adaiz ale- vantavaó o efcudo no ar o mais alto que podiaÓ, e olhando para o Oriente dava com a efpada dous golpes em cruz di- zendo : Eu foao defafio todos os inimi- gos da 5 e de meu Senhor EIRey , e da terra , e o mefmo fazia para as ou- tras três partes do Mundo. Depois me- tia a efpada na bainha , e EIRey lhe metia na maò huma Bandeira dizendo , que lhe outorgava , que foífe Adail dalli em diante. E com iílo ficava no- vamente creado neíla dignidade , e po- dia trazer armas, e cavallo , e aífentar- fe a comer com os Cavalleiros d'ElRcy , e podia capitanear os Almocadens , e

Al-

94 Noticias

Almogavares , e qualquer outra gente de , e de cavallo , que lhe foffe aííinada. Erao Juizes das cavalgadas, para as di- vidirem , e julgarem tudo o que nellas aconreceíTe. Nos Exércitos do Reyno ha- via também Adail Mòr , que hia com alguns ginetes diante do arraial defco- brindo o campo , como fe da hiíloria d'ElRey D. Afonfò V. o qual parece, que foi o primeiro que introdu!io eíle officio, trazendo- o de Africa , onde , comxO diííe- mos , íe uíava delles defde o tempo da to- mada de Ceita. O primeiro, que teve o cilicio de Adail Mòr, foi Pedro de Bair- ros , e fervio efte cargo nas guerras de Caf- tella : de prefente anda efle ofiicio na fa- milia dos Peixotes Senhores de Pena- fiel.

Também o nome de Almocadem he Arábigo , e íignifica Capitão : e o que vai adiante. Al ^ que o articulo, vão ^ particular formativa do nome, Cadem ^ he do verbo, Qj^cdem, que íignifica Adi- antar-fe ; por quanto o officio dos Aí- mocadens he ferem guias , e encaminha- dores dos exércitos : em Caílella trata delles a 1. 5-. t. 22. da 2. partida, don- de parece íe tomou o titulo, que delles

faz

DE Por TUG AL. 9y

faz o Regimento da guerra deíle Rey- no ; e diz que os Almocadens erao an- tigamente os Coudeis dos piaens : e o modo , com que diz fe elegiaô , era dei- ta maneira. O que queria fer feito Al- inocadem , requiria ao Addil , e o fazia certo das qualidades , que para iíío ri- nha , que havia de fer pratica da guer- ra , e noticia da terra , e esforço , ligei- reza , e lealdade : e entaô viílido de feí^- ta fe lhe dava huma lança com hum pen- dão pequeno, e chamando outros doze Almocadens , punhao duas lanças no ehao ao comprimento , e elle fe punha em fobre ellas , e o levantavaò os outros 5 quatro vezes da terra para as quatro partes do mundo , dizendo as palavras , que referimos do Adail , tendo a lança feita na mao. Deites officios fe ufa ainda hoje nas Fronteiras de Africa. ^ ^,^j_

Das gentes , de que confiava o Exer- cito»

DEpois de ditos os officios dos Ci- pitaens , fegue-fe tratar da quali- dade , e numero dos foldados. Conílava t o

ç6 Noticias

o Exercito de gente de cavallo , e de pè. Os de cavallo , ou eraó Fidalgos VaíTalios d'EÍPvey ou lanç.-is , que os Senhores da terra traziao, ou Cavaileiros da Ordenança dos povos do Reyno. Os homens de ar- mas eraò principalmente os Fidalgos d'ElRe7, a que também chamavaò Vaí- fallos 5 os quaes eraõ obrigados a íervir com certas lanças . por cada huma das quaes lhes pagava ElRey certa con- tia de livras conforme às lanças , com que haviaó defervir, e eraõ obrigados a citar preíles com ellas , cada vez , que foííem chanjados. E fe na occaíiao da guerra levavao m.als lanças das que erao obrigados , nem por iíTo lhe? davao mais. O foldo deflas lanças , ou fe dava a di- nheiro cada anno das rendas d'ElRey , ou o recebiao os Fidalgos VaíTalios em ter- ras, que lhes os Rcys tinhaó dado, co- mo fevè dos Regiilros d'ElRe7 D. Fer- nando , nos quaes eftà huma doação , porque ElRey deu a Martim Vafques da Cunha as terras de Tarouca , e Valdi- gem com condição , que ferviíTe com tantas lanças armadas de todo ponto ao modo de Frr.nça , e Inglaterra , quan- tas fe montaíTem nas rendas deftçs luga- res ,

dePortugal. 97

res , a razaó de i5'o. livras por lança^ Porém aos Fidalgos , que naô ferviao mais que com fua própria lança , lhes dava ElRey por ella 75-. livras , que era a contia ordinária : e ElRey D, Pedro os acrefcentou a cento. (14) Deftes Vaflal- los 5 que ElRey affim pagava , levava , quando morriaô, o cavallo , e loriga de luftuola para ter fempre os Cavalleiros armados , e providos : e a todo o filho de Fidalgo VaíTallo , que nafcia , fe mandava logo huma carta da contia de íeu pai , com que creíceo eíle numero de VaíTallos acontiàdos em grande ma- neira atè o tempo d'ElRey D. Fernando: o qual querendo evitar huma tamanha defpefa , mandou que fenaõ dèíTe a car- ta de contia , fenaó ao filho mais velho do Fidalgo VaíTallo , e que em cafo , que morreíTe o primeiro, então fuccedefle o mais chegado. Vindo depois ElRey D. Joaô I. por as alteraçoens , que em tan- tos annos teve no Reyno , naÒ deu con- tia aos Fidalgos , mas fomente foldo ; atè que depois feguindo a uíança anti- ^ G ga ,

(14) Chron. d'£lRey D, JoaÕ L c. 72. c

9? Noticias

ga , pòs de contia a cada Fidalgo mH livras para a lança de fua peflba ^ c por cada huma dos que o feguiaõ 700. e que o filho naõ houveíTe contia , ienaõ como pudeíle fervi r.

A outra gente de cavallo fe fazia de todos os povos do Reyno , mandando cada lugar o numero de moradores , que conforme à fazenda , que tinhaò , erao obrigados a ter cavallo , e armas. E para que pudeíTe haver maior numero de lan- ças, mandou ElRey D. Fernando, que nenhum Fidalgo , que houveíTe de fervir com certas lanças , levaíTe defta gente de cavallo do Concelho. E para haver mais cavallos, naõpodiaô ter officios da governança dos povos , os que naò fuf- tentavaõ cavallo. O numero da gente de cavallo , que houve no Reyno , nao confta qual foíTe atè o tempo d'ElRey D. Fernando : (15) mas no d'ElRey D, João fe ordenou em Cortes , que hou- veíle 35'co. preftes ; convém a faber de VaíTallos , ou Cavalleiros de huma lan- ça 2360. e pelas Ordens Militares 300. A faber a de Chrifto 100. pela de

S.

(15) Chron, d'£lRey Z>, Joáõ L 2. p. C. 20j,

E)E Por tugal. 99 S. Tlâgo outras 100. pela de Avií 80. e pela do Holpital de S. João 20. e pelos Capitaens , ou Senhores 500. fora os de cavallo dos Concelhos. E aíHm quando ElRey D. João I. entrou em Caílella, levou 4(|)6oo. de cavallo. ElRey D. Afonfo V. paíTou também a Caftella fobre a pretençao da Excellente Senhora com 5(^)700. de cavallo, e I4<i>. de pè. ElRey D. Joaõ II. teve em leu Tempo 7(3Dooo. lanças. ElRcy D. Mano- el teve 6(|)ooo. cavallos preiles para paí- far a Africa , como logo veremos j (16) fora os que eftavaõ nos lugares das fron- teiras daquella Província , que confta paíTavao de k^oqo. como fe refere em muitas partes da Chronica d'ElRey D. Joaõ III. (17) eo repete Francifco Perei- ra Peftana cm hum Difcurfo fobre a guer- ra de Africa 5 em que moílra ao mefma Rey quanto contra feu Eftado era fui- tentar nos Ingares de Africa 2(j[)ooo. lan- ças , que naõ faziaõ força mais que de 100. Porém àlèm deftas 2(;^ooo- lanças , oífereceo ElRey a fuítentar em G ii At'

(16) Cbron. d* ElRey D. Manoel i. p.c. 47. (17) Chron, de D. j^aÕ JJJ. 4. p, r. 40. e. f. 66^

lOO N o T I C í AS

Arzilla a ElRey de Bèlles com outras i^ooo* lanças ; com tanto , que de Caítella o ajudaíTem com outras k^oqo, o que o Emperadoí" , que entaó reina- va , diíTe que naõ podia fazer. Por eftes exemplos fe pode ver , que paflbu o nu- mero de cavallos , que houve neíle Rey- no de 8. ou 9(^)000. e que pondo-fe ago- ra neíla matéria a diligencia , que con- vém , fe poderá chegar , e paflar de fe- liielhante numero : pois pelas liílas das Coudelarias , que Sua Mageftade man- dou fazer 5 conda que nas Comarcas do Reyno mais de i3(|)ooo. éguas , e com. os cavallos , que eftaó nas frontei- ras, fe claro , que naô he menor o numero de Cavalleria , que hoje temos J30 Reyno , do que houve antigamente. Da gente de Infanteria naô havia nu- mero certo , mas era maior ou menor o numero , fegundo as occafiocns do tem- po, ou vontade dos Reys o ordenavao. Porém conhecidamente foy crefcendo com a multiplicação , e maior Senhorio dês do tempo d'EiRey D. Afonío I. até D. Joaó I. Porque na batalha do Campo de Ourique teve o noíTo primeiro Rey doze liiil hoiíiens, e ElPvCy D, JoaÕ 1. paíTou

à '

DE Portugal. 101

à tomada de Ceita com 20(|)ooo. e feu nctõ D. Afonío V. levou 90(|)ooo. quando foi à Conquifta deArzilh.

Efte numero de gente euidao alguns, que foi diminuindo , porque creícendo grandemente as noíías Conquiílas , foi neccíTario dividir-fe a gente Portugueza por ellas t de maneira , que em tempo de Damião de Góes pagava EIRey 2C(;^ooo. foldados fora da Barra; (18) e aíum nao he muito 5 que fizeíTem eíles no Reyno falta. Por onde EIRev D. Seballiao nao levou mais de ii(^ooo. Portugueles, quan- do ultimamente pâíTou à emprefa de A- frica.

§. VIII.

Das Leys Militares que fe guardavaõ no Exercito,

AS Leys Militares que antigamente fe guardavaõ nos Exércitos, eílao *ao largo referidas no Regimento da guer- ra : e para que nao fiquem de todo em efquccimento, apontaremos aqui algumas brevemente. Antes de partir para a em-

^ J'^

(18) Gqçs de Sim 0\yíj,

102 Noticias preza, no dia, em que havia de marchar o Exercito , fe mandava dizer huma Mif- fa loiemne no lugar mais accômodado , prefente o Príncipe , ou General , e íe benzia a Bandeira para com efte religiofo principio poder ter a empreza ditozo fim, o qual coftume ainda agora íe guarda. Depois difto íe dividia o Exercito , para poder marchar, em vanguarda, retaguar- da , e alas ; os quacs nomes fe introdu- zirão nefte Reyno em tempo d'ElRey D. Fernando, e fe tomarão dos Inglefes , que vierao com o Conde de Cam- bris ; (19) porque antes fe chamavaó Dianteira , Saga , e Coftaneiras. Man- dava aílim mefmo o Regimento , que os Capitaens deíTem memorias da gente, que cada hum levava , e armas , que tinha , para faber o General , como fe delles havia de fervir : e que houveííe no ar- rayal Officiaes de todos os Mifteres. Orde- nava, que o Apofentador do Exercito folie diante efcolher o íitio com certo nume- ro de pendoens ; com os quaes dividia os quartéis, em que as Companhias, c Senhores do Exercito fe haviaó de alo- jar. »'i ■>-■

(ip) Chron, d'£l'Ãey D. Joaõl.p, z.c.^z.

BE Portugal. 105

jar. E para os caminhos ordenava , que houveíTc guias, com os quacs fe derer- minaíTc o dia dantes para onde fe havia de caminhar; e que fe efcolheíTe fitio para fe aíTentar o arraj^al , onde íicaíTe fortalecido, e provido de agua, herva, lenha, e outras couías neceííarias. Aílen- tando o arrayal , mandava fe poíeíTem efcutas , e que marchando foíFem fempre as batalhas humas à viíla das outras; e que as Bandeiras dos Fidalgos fenao ef- tendcífem , falvo quando fe íbltaíle a Re- al ; que ninguém podeífe ir na carrua- gem; e que antes, que o arrayal fe aba- Jafle, fahiíTem 20. de cavallo a defco- brir o campo. Ordenava , que os que nao quizeífem fazer guarda , ou veia , foífem condennados no cavallo, armas, e pri- fao: e os que appelidaífem outro nome, mais que d'ElRey , na vida : e que o que derrubaífe o inimigo, c o naó prendef- fe, partiria amctade do preço, com o .que de novo o prendcíTe, e o que ío- brevieíTe a hum foldado , que tinha ou- tro prefo , e mataíTe o prifioneiro fobre a partilha , perdia armas , e cavallo , para o Condeílable; e era prefo até fa- tisfazer ao primeiro prendedor, e de tod.i

a

104 Noticias

a preza , que os íoldados tomaíTem pa- gaíTem o terço a feu Senhor, ou Capi- tão: e que os prifíoneiros foliem traíi- dos diante do Condeftable , ou Marichal fobpena de os perder. E os priíioneiros naó podiao faliir do arrayal, nem a buf- car feu refgale , fem licença do Condef- table 5 o qual podia dar os falvos con- duélos , que fe haviao de dar fobpena da vida, e que os que foíTem à forra- gem , ou fe alojaífem fora da ordem fem licença , perdeífem as arm.as , e cavallos. E íendo achado algum priíioneiro fugi- do 5 havendo mais de hum dia , e noi- te defaparecido a feu Senhor, feria de quem o achaíTc; e haveria o Marichal a dizima delle : e fendo achado dentro no primeiro dia, e noite, feria tornado a leu primeiro amo. O mefmo fe ordena de quaefquer coufas que do arrayal to- maíTem os inimigos , porque fendo pelos noflos no primeiro dia , e noite recupe- radas , íeriaô dadas a feus primeiros Senhores , mas paíTado deite termo , ou recuperando-as depois dos inimigos as terem poftas em falvo, íicariaõ dos que as tomaíTem. Eíla era a ordem da antiga Milícia Portuguefa^ e com .ella , e com

feu

DE Portugal. 10$'

feu natural valor , alcançarão os Portu- guefes grandes vitorias , e desbaratarão muitos Exércitos de poderoíiílimos Prín- cipes , fendo íempre os noílos nrairo in- feriores era numero , como íe vio em Tempo d^ElRey D. Afonfo Henriques nas batalhas do Campo de Ourique contra ElRey Ifmael ; na de Santarém contra o Miramolim de Marrocos; na de Xar- rate contra ElRey de Sevilha \ na toma- da de Alcacere do Sal contra os quatro Reys Mouros , que avinhaô defcercar. Do mefmo miOdo ElRey D. Afonío IV. venceo ElRey de Granada na batalha de Tarifa ^ e em Africa fe alcançarão mui- tas vitorias contra o poder dos Reys de Marrocos , Xarifes , e Reys de Fèz em tempo d-'EIRey D. Manoel, fendo todas eílas naçoens bellicofas , e praticas na guerra.

§. IX.

Da Guerra de Caftella.

A Guerra de Portugal com Caílella he taò antiga , que começou junta- mente com o mefmo Reyno , c fcus pri- meiros Principes , e ha mais de joo.

an-

loá Noticias

annos , que dura. Pelo que nem eíta guer- ra fe deve ter por couía nova , nem íe deve de fazer da nofla parte por modo novo ', mas termos p<ír certo , que fe- guindofe os meios , por onde fe confcr- varaó os noífos Reys , teremos na occa- liao prefente a mefma fegurança , e bons fucceílos contra Caílella , que por tan- tos feculos tivemos.

Neíla guerra fe hao de ccníidcrar duas coufas. A prim.eira o poder da gen- .te , com que fe fez de cada huma das partes. A fegunda o modo , que foi , hu- mas vezes com Exércitos , e outras com entradas. No numero da gente nos le- varão antigamente os Caílelhanos muita ventagem , porque como os Reys de Caí- teila fenhoreavaõ mais Provincias , e maiores que Portugal , tinhaõ muita ma- is gente. Por onde fe diz na Chronica d-ElRey D. Joaò 1. (20) que fempre os Exércitos de Caftella tiveraõ dobrada gente, que os noíTos, porém agora expe- rimentamos o contrario \ porque com a povoação do novo Mundo , que os Caíle- liianos tem feita com tantas Colónias ,

e

(10) Cbron. d'£lÂej D,JoaõI. z.p, c. 71.

DE Portugal. 107

e com os prefidios de Sicilia , Nápoles» e Miiaó ; e Eílado de Flandes , foi tan" ta a gente, que fe tirou das Provincias, que tem em Hefpanha , que íe achaô os Reynos de Câílella quaíi todos deípo*- voados. He ifto couía taó manifefta , que coníla pelo livro intitulado: Pobla- cion de Hefpaíta (21) impreíTo no anno de 1645'. por hum Hiílcriador de Caf- tella , o qual no titulo de Medina dei Campo , diz que antigamente era habi- tada de 14(^)000. vizinhos ; e que ago- ra naô tem mais de i(^2oo. E de Sa- lamanca refere, que havia na UniverA- dade mais de i5(|)ooo. Eíludantcs ^ e agora naõ chegaò a 2(^. E fobre tudo , que a Cidade de Toledo , cabeça de Caftella , e de toda a lua Monarquia tao rica , e populofa , que àlèm da gran- de multidão da Nobreza , Clero , Mer- cadores, e Povo, de Officiaes de Se- da , e Laá tinha em tempo dos Reys Catholicos mais de I0(|). Teceloens ; a- gora confeífa o dito Chroniíla, que naõ paífao de 5(J). todos feus moradores.

De

(21) Rodrigo Mendes Sylva en la PobU- cion de Hejpana.

io8 Noticias

De íemelhanres exemplos podèrainos trazer muitos , mas eftes baftaó , por ■ierem dos principaes lugares de Caílel- la. Por oncSe fe , que nao tem hoje aquelles Reynos a decima parte da gen- te 5 que antigamente tinhaõ. E íobre ef- ta matéria fe tem impreíTos muitos li-- vros modernamente , como faô : Las finco qualidades de los Hefpanoles , que defpueblan a Hefpaíia. O Doutor Na- varrete intitulado : ConfervaçaÕ das Mo- narquias j e o que mais he o mermo Rey D. Filippe nas Pregmaticas , que fez para a reformação defte danno , em que chegou a dizer, que eílavaÓ os feus Reynos de Caílella defpovoados , e a Monarquia boqueando , termo que fe cenfurou ao Conde Duque , nos cargos , que contra elle deraÔ ; naÔ por fer fal- fo , fenaó pelo manifcílar ao Mundo to- do. Pelo que nao fomente naõ poderão hoje os Cafteihanos pòr contra nòs os numeroíos Exércitos , que antigamente poíerao , mas muito menores. E pelo contrario, ainda que também neíle Rey- Ko íe tem fentido a falta da gente , pe- la qiic vai para fora da Barra para as nofías Conquiílas j com tudo vemos,

que

DE Portugal. 109

que em fua proporção eílà o Reyno muito mais povoado , que o de Caftella. E aílim com muita facilidade fez ElRey Noílb Senhor hum Exercito no anrio de 1643. que fahio de Elvas com i2(|)ooo. Infan- tes , e 2(|). cavallos : e no anno de 45'. fez outro na mefma Fronteira de 7(|)030. Infantes , e i5'oo. cavallos , e que no Trem da Artelharia , e bagagem levava 13(^000. E na Batalha de Montijo hou- ve quaíi a mefma gente : e com tu- do neftas occaíioen? naõ juntarão os Caftelhanos mais gente , que a noíía em numero confideravel , e o mef" mo fuccedeo na batalha das Linhas de Elvas , em que os Caftelhanos tinhao 14a) Infantes , Q j;(j). cavallos, nòs oq). Infantes , e i^^oo, cavallos , na do Ame- xial , ou Canal 5 nos excediao em mais trez mil cavallos, ainda que a Infantaria era pouco menos que a noíía. Na de Caftel Rodrigo era maior o numero da fua gcn- te do que o noíTo , e na de Montes Chiros fe era inferior em mil Infantes , era fupe- rior em mais de mil, e féis centos ca- vallos. O meímo vemos agora nas guer- ras de Catalunha (22) que o primeiro

Ex-

, i^2^) Líbmmo /. 4,

lia Noticias

Exercito foi de 26^000. homens-, dos* quaes mais de ametade nao eraóCaftelha- nos, e os outros Exercites , que depois foraô, naó paííaraô no numero de ameta- de deíle primeiro. Pelo que fe quando Caftella tinha dobrada gente da noíla , fe coníervou Portugal, e ficou fupcrior, agora que o poder de Caílella he tanto menor, com mais razaô podemos ter efta confiança. Donde podemos entender, que o íeu poder he hoje muito menor do que antigamente experimentávamos ; e que o noíTo valor naô he hoje menor , que aquelle , com que antigamente nos con- fervavamos, pois nos recontros, que mui* tas vezes tivemos com a fua gente de cavallo , ficarão os noflbs vencedores , fendo os contrários quaíi dobrados em numero j e que àlèm diíTo o que mais importa , he , que remos por nòs a cau- fa juíla , defendendo a legitima fuccef- faô dos noíTos Reys Portuguezes , e a liberdade da Pátria , que NoíTo Senhor com tantos favores do Ceo rem patroci- nado. Pois vemos , que nefta guerra Ih^ temos arrazado . e tomado muitas Pra- ças , que eílao em ncíTo poder, o que çUes naõ poderão fazer em tantos annos

dos

DE Portugal. irr

dos noíTos lugares , ainda que abertos ; porque íe alguns entrarão , logo forao recuperados , e fortificados melhor do que eítavaõ. Donde fe ve claro o favor de Deos , que temos da noíla parte i pois" nao íómente nos conferva , mas ainda nos faz fuperiores a cíles contrários , dandonos delles gloriofas vitorias.

No modo deíla guerra fe ha de fer por Exércitos , ou por entradas , entre- prefas , he muito para coníiderar , que- havendo Rey em Portugal , todos es Exércitos Caílelhanos , que entrarão neíle Reyno , e vierao a batalha , forao des- baratados. Exemplo fao diílo a batalha de Agua de Mayas junto a Coimbra, que venceo o noffo Rey D. Garcia , que reinou antes do Conde D. Henrique , e depois a de Santarém , em que o mefmo Rey D. Garcia prendeo a feu irmaó D.. Sancho Rey de Caílella ; e fe depois fe mudou a forte das priíoens , foi por cul- pa d'ElRey D. Garcia , que nao poz a íeu irmaô a bom recado , e fe foi fe- guindo o alcance. EIRey D. Afonfo Hen- riques desbaratou a EIRey D. Afonfo feu primo nos Arcos de Valdevès» En- trando EIRey D, Fernando o IL de Leaâ

com

112 Noticias

com feu Exercito atè Cerolico, foi des- baratado pelos Portuguefes ; de que ainda hoje memoria dos votos de NoíTa Se- nhora dos AíFores. Os Fidalgos da Beira alcançarão a vitoria de Trancofo contra outro Exercito Caílelhano. O mefmo fez o Condeftable D. Nuno Alvares na bata- lha de Fronteira , e ultimamente ElRey D. Joaô I. na de Aljubarrota.

O meímo podemos quaíi dizer dos Exér- citos Portuguefes, que foraô a Caftella. Pe- lo que mais fe fe/; efta guerra entre am.bos os Reynos por entradas, e entreprefas, que por batalhas. ElRey D. Afonfo Henri- ques , e íeus íucceíTores tomarão a Tuy tantas vezes, e a retiverao tantos annos, que dês do noíTo primeiro Rey atè D. Sancho o II. efteve por ElRey de Por- tugal. ElRey D. João I. a tornou a to- mar , e o mefmo fez a Badajoz j e tantas entradas fizeraó os noífos por a terra de Coria atè Salamanca , que por iíTo forti- ficarão os Caílelhanos tanto a Ciudad Ro- drigo, temendo- fe das noíías entreprefas, e correrias. E por efte território , e pelo de Galliza foraô fempre as noíías entra- das de mòr eíFeito , que por outras Fron- tnray. Pelo que parece ^ que efte eftilo

DE Portugal; 113

lie o mais fácil , c mais fegurO ; porque eílando huma praça com bom prefidio , nao pôde íer entrada por hum grande Exercito , fe tiver outro em feu favor, ainda que feja de muito menor numero, como íe tem vifto nâs guerras dos Tur- cos com os Polacos^e nas de Jorge Caftrio- to , e nas modernas de Flandres , e Itália, Segundo cftes exemplos, podemos ter por certo, que havendo Rey em Portu- gal, tinhao conhecido os Caftelhanos cla- ramente , que naó podiao fahir com efta empreía , como fe refere na Chronica d'ElRe7 D. Filippe o Prudente de Caf- tella lib. j2.cap. 9. Porque dizendo-Jheo Duque de Alva ( quando lhe mandou fa- zer as exéquias por ElRey D. Sebaftiao em Madrid ) que melhor fora vilas fa- zer a Belém , refpondeo ElRey : El ti- empo os mojlrará ^ quam errados fue^ ramos : e íegue logo o Chronifta com eílas palavras: Yconrazon^ porque en^ irando con Exercito contra el Gardenal fu tio , que juraron brevemente como a. efcondidas^ el Reyno todo fe avia de em-^ pie ar en Ju defenja , nombrando por Ge» neral para la guerra el Duque de Bar-* ganca ^ o a Don António Prior de O- H cru"

114 Noticias

cr ato inter effados en l^ faJTeJJlon ^ y fe hallàran en fer^y con Exercito en la mu^ erte àelCardenal , que luego vino , con que mejoraran ju partido ^ como lohizo en Fr anciã deJpuesKe-nrique de Borbon. Elle juizo d'ElRey D. Filippe foi tao acerrado , que com elle alcan^-ou a fua pretençao fem difficuldade, eftando dantes defconfíado delia. Porque deixan- do ElRey D. Henrique o Reyno fem Rey 5 e os Governadores para Juizes da fucceíTaô , faltou no Reyno a cabeça ; por- que os Governadores nao fizeraô of- ficio de defenfores , fenaõ de interceílo- re?. Os Sereniílimos Senhorc? da Gafa de Bragança , como tinhao a juftiça clara , nao fe quiferaó mover , por naó preju- dicarem a íeu Direito. E ElRey de Caílel- la por lhe dar competidores , e prolongar o litigio, efcreveo ao Duque deSaboya,e Príncipe de Parma, que íb oppuíleírem à caufa da fucceíTao , e entre tanto comprou as vontades dos Nobres do Reyno com da- divas , e promeíTas j e aííim fem refiften- cia meteo em Portugal o feu Exercito , que desde a morte d'ElRey D. Sabaf- tiaô tinha junto da mais pratica Milicia de toda Europa^ contra o qu^l Exercita

nao

DE PoRfUGAL, Iiy

Ba6 houve mais , que huma fombra de reíiftencia do Prior do Crato: o qual ven- do 5 que tinha huma fentença contra íi fobre a fucceíTao j e que naõ tinha por fi 3 fcnao alguns amigos , e feus criados , fe fez levantar tumultuariamente em San- tarém, ao tempo, que o Duque de Alva marchava por Alentejo. Pelo que faltando ao Prior do Crato a authoridade publica , Capitaens , Soldados , c dinheiro , e fo- bre tudo o tempo , naõ pode na brevi- dade de taó poucos dias fazer mais re- fiftencia , que com alguma pouca gente popular, que entaÕ havia em Lisboa, por eftar a Cidade quaíi defpejada por caufa da Pefte : e aíTim naó merece nome de ba- talha a pequena briga , que tiverao em Alcântara, como diz Juílo Lypfío na fua Politica cap. 3. Si pr£lium dixerimve^ terani Exerci tus cum feminermi , i^ -urbana turba congrejjionem. Pelo que bem notoriamente íe , que hum Rey íào prudente , como D. Filippe de Caf- tella 5 nao teve confiança de fahir com a emprefa de Portugal , havendo nelle Rey , como temos dito , fenaõ vendo-o fem cabeça , c dividido,

Efte parecer d'ElRey D, Filippe naá H ii foi

ii6 N o ir I c I A s

foi confíde ração politica , fe nao piirá experiência, por fer cíle meyo , por on- de os outros Reynos de Efpanha , que forao Aragão , Granada , e Navarra , ti- veraõ entrada na lua Monarquia. ORey- no de Aragão nao fendo maior , antes me- nor, que o de Portugal , os Reys deCaí- tella tiverao muitas vezes guerra comelíe, (23.) íéguindo a emprefa com tao grandes Exércitos , que EIRey D. Pedro deCaf- tella entrou em Aragão com 9(;^ooo. de câvallo , afora a gente de , que era muita 5 e ElReyD. Joaô ÍI. com 7(^000. homens de armas , e 3(|)6oo. ginetes \ e 6c(^ooo. infantes \ (24) e com tudo fendo os Exércitos dos Aragonezes mui- to inferiores , fcmpre Aragão fe ccn- fervou inteiro fem poder fer rendido pe- lo poder de Caftella , atè que pelo ca- /amento da Rainha Catohlica de Caílel- la ficarão ambos os Reynos unidos. O B.eyno de Granada feconfervou por mui- tos centos de annos contra muito maior poder do com que foi conquiífado pelos Reys Catholicos, Porque EIRey D. Hen- rique III. continuou a guerra contra Gra-

na-

,'(2:53 Gahb, /. í4. í. 32. (24) Ga^rib, /, 16,

DE Portugal. 117

nada com iO(jÇ)ooo. homens de armas , 4(^)000. ginetes, e 50(^)000. infantes, e por mar com 30. galés , e 5'o. Navios ; (25) contra tudo iílo refiíliraô os Gra- nadinos. Pelo que naÓ perderão o Rey- no pela força dos Caílelhanos , fenao pela divifaò , que entre íi tiverao , le- vantando três Reys juntos dous irmã- os ; o mais velho dos quaes era pay do Rey Chico : faziaÓ cftes todos entre íi taó cruel guerra , que elles per íi fe con- fumiraÓ * e por iíTo fendo cativo o Rey Chico pelos Caftelhanos duas vezes , os Reys Catholicos o tornarão logo a pòr €m fua liberdade , para que tornaííe a íuf- tentar o feu bando , o que foi de tanto eíFeito 5 que morto feu pay pelo tio , elle entrou em Granada , e dentro da Cidade fe eíliveraó por muito tem- po degollando , aíTaltando-fe , e dando- íe batalhas , e naó pararão neílas divi- foens j fe naó no ultimo anno , em que Granada fe rendeo , eílando taô con- fumidos da guerra civil , que nao tlnhao em todo o Rcyno mais de 300. ca- vailos,começando-íe as parcclidadescom

(25) Carih. /. 15 57.

Ii8 Noticias

20(|)coo. O Reyno de Navarra com fe^' tâô pequeno , que naó tem mais que três Cidades, fe confervou por mais de yoo. annos i íendo aííim que naõ fomen- te os Reys de Caftella , mas rambem os de Aragão lhe fizeraÕ guerra no mefmo tempo , com tudo fempre premaneceo , em quanto teve Rey, que o governai- ícc (26) O que nao querendo fazer D. Joaó de la Brit cafado com Dona Ca- íharina Rainha proprietária delle , deí- amparou o Reyno , e fe foi para Fran- ça 5 dando licença aos de Pamplona ^ que le entregaííem aos Caílelhanos. E deíle m.odo entrou Navarra na Coroa de Caftella, tendo-fe até entaô defendido de muitos maiores Exércitos 5 e por if- fo lhe diíTe a Rainha Dona Catliarina : Si VGS fuerades Reyna , y yo Rey , nwã^ qua fe perdicra Bavarra, Bem fe ve- riíica logo deftes exemplos o acertado parecer d^ElRey D. Filippe i e que he certiííima aquella celebre íentença de Ve- gccio 5 que diz 5 nao haver Nação taô limitada , que unida fenao defenda , ain- da que feja ccm.ettida de içuito maior

po-

DE Po RTUGAL. 2I9

poder : Nulla quamvts minima natto , diz elle , (27) foteft ab adverjariis de- leri , 7iifi fropriis fimuítatibus fe ipfam confumpferit. Pelo que fendo eíla má- xima verdadeira, ainda numa naçaô mi nima ; quanto por mais cerra íe pode ter na noíTa Naçaó Portuguefa; a quem em certo modo podemos chamar máxima \ pois no valor, e lealdade he íiiperior a to- das-,e em poder he tamanha, que Reinando ElRey D. Afoníb III. guerreou Portugal juntamente contra todos os Reynos deEf- panha, e Barbaria. E no d'ElRe7 D. João III. fuftentou a índia , fazendo-lhe guerra no mefmo tempo três Emperadores , que foraô Carlos V. Emperador de Alemanha nas Malucas , o Graò Turco Emperador de Conftantinopla em Cambaia , eo Sa- morim , que também tem a fuprema dig- nidade , ou Império dos Naires no Mala- var, e de todos clles alcançou glorioías vitorias. Pelo que tendo Portugal Rey, .naõ que temer nenhum poder eftra- nho , como teftificaõ os exemplos de to- dos os feculos , os dlclames mais veri- ficados dos Políticos , e fobre tudo os divinos Oráculos.

L2L

(27) V^gn, /. 3. <•. 10.

I20 Noticias

§. X.

Da Milícia da Ordenança,

MUdando-fe com o tempo a ordem da Milícia antiga deite Reyno , e ficando fomente os officios maiores , quaíi cora os ti tulos honorários , pre- tendeo ElRey D. Manoel melhorar , e aííencar por lifta a gente , que havia em todos os lugares do Reyno i e ElRey D. Sebaítiaò trabalhou mais nefta matéria , fazendo hum largo Regimento , que man- dou guardar com grande obfervancia, para adèílrar o povo na difciplina Mi- litar , e o ter prcftes para quando foíle neceíTario fervir-fe delle.

Ordenou que os Alcaides Mores , e Senhores dos lugares foíTem Capitaens Mores deíles; c que onde os naÔ hou- veíle , foíTem eleitos em Camera pelas peíToas do governo ; e do mefmo modo os Sargentos Mores , os quaes depois com os votos da Governança elegeíTem os (^.apitaens, e Officiaes das Companlii- as : que o Capitão Mòr repartiíTe a gen- te de feu lugar, e termo em companhi- as de 2JO. e que cada Domingo fahif-

íera

DEPoRTUGAL. I2T

fem ao campo a fc exercitar, conforme as armas , que cada iium trouxeíle , ha- vendo prémios para os mais dèftros , e penas aos que faltaílem ; e que os ho- mens de cavallo fizeíTem cada mez refe- iiha debaixo dos Capitaens de cada lu- gar i e que cada anno fe fizeíFem dous alardos geraes , hum pelas Oitavas da Paícoa , e outro por dia de S. Miguel ; e que fe ajunraíle roda a gente do termo na cabeça da Capitania ; onde pelo Capitão Mòr, Sargento Mòr foílem ordenados , e íe exercitaíle, aííím a gente de cavallo, co- mo de pé. E para bom governo da Milícia tinha o Capitão Mór feu Regimento , que mandava executar pelos Miniftvos da? Companhias , em cada huma das quaes havia leu Meirinho, Efcrivao, e Recebedor. Eíla ordem fe guardou em tempo d'ElRey D. Sebaíliaõ, ate todo o d^ElRey D. Filippe, e depois fe re- Jiovou algumas vezes , e de prefenre fe .obferva com cuidado. Porém nos luga- res marítimos, e no Rcyno do Algarve eílá iílo em mais obfervancia.

O numero da gente, que fe aliílou nefw ta Milicia foi grande, pois na Vilia de Barcellos 5 q kn termo fe efcreverao

de-

122 Is' O T I C 1 A S

defeíete mil homens , e tantos fahiao aos ala rd os. (28) Na Chronica d'ElRey D. Manoel i. p. c. 47. diz Damião de Gó- es 5 que das liftas defta gente da Orde- nança eícolheo ElRey huma Milicia de 6(^000. de cavallo, e 800. acobertados, e 20(|)ooo. de , para fe fervir delies com prefteza , quando foíTe neceííario , como aconteceo no cerco do Caílello de Arzilla 5 em que o Conde de Borba foi cercado , a quem ElRey querendo fo- correr, em cinco dias ajuntou no Algar- ve paííante de 20(|)ooo. homens depè, e de cavallo , como íe refere na mefma Chronica 2. p. c. 29. A ordem , que diíTemos havia de gente de cavallo, e Vaf- íallos que os Reys antigos pagavaó, par- te íe guardou fomente atè o tempo d'EI- Rey D. x\fonfo V. porque de entaÓ pa- ra Cc\ naô ha expreíTa menção de os Se- nliores de terras acudirem com numero cerro de gente de cavallo , ou de ; mas fíca no arbítrio de cada hum , com o que fenao acrefcentou pouco no fer- viço d ElPvCy i por quanto trazem ago- ra

(28) Dífçrípçao ds PorL de D»ar. Nunes r. 24.

DE Por TUGA L. 123

ra os Senhores de terras ruuiro maior numero de gente voluntariamente , do que antigamente davaõ por obrigação ; como íe vio em algumas occaííoens de entaó para ; e particularmente na ul- tima vez, que os mandarão vir a Lisboa no anno de 1596. onde os que alli íe ajuntarão 5 que foraõ poucos, trouxerao mais de i(jÇ)oco. de cavallo , que he o dobro , que antigamente davaò os Se- nhores do Reyno. Para haver maior nu- mero de cavallos , mandarão os Reys prohibir as mulas . quartàos , e facas , como foi ElRcy D JoaÔ II. D JoaÓ III.c D. SebaíliaÓjC fízeraõ particulares leys, para que íempre fe confervalTem no Reyno as boas raças dos cavallos , as quaes executavao os Coudeis Mores. Mas El- Rey D. Felippe o Prudente mandou ex- tinguir eílas Coudelarias nas Cortes de Tomar as quaes Sua Mageílade , que Deos guarde , tornou a renovar , com que ha muitos , e bons cavallos no Reyno, por ferem os deíla Província tao afamados em Europa que poriíToos nonie- avao por filhos do Vento. EIRey D. João V. aítendcndo à grande falta que havia de cavallos por todo o Reyno , deo a Supe-

rin

124 Noticias

rinrendencia Geral de todas as Coudcla- nas de Portugal ao Duque D. Jayaie icu Eílribeiro Mòr , que com alguns Miniílros de letras , faz liuma Junra , em que fe ordena tudo o que he neceíía- rio para aquelle fim de que le tem viílo grande utilidade.

§.XI.

Das Armas.

OS VafTallos d'ElRey nao podiaò teilar de fuás armas , mas ficava 6 a ElPvey por luduola , que as dava ao Vaíl^allo , que entrava em lugar do mor- to , como fica dito. Depois vindo EI- Rey D. Joaõ I. ordenou ter 500. arne- íes preftes , e foi o primeiro, que come- çou a fazer armazém de armas: de mo- do , que quando herdon ElRey D. A- fonfo V. havia boa copia de armar em os armazéns : e feus fuceíTores os acref- cenraraô de maneira , quetefere Damião de Gocs (29) que tinha ElRey D. João III. armas para 40^^)000. hoitlens. Os armazéns para eílas armas fez em Lis- boa

(29) DxnUò Góes de Sn. Olyíf.

DE Po K T U GAL. I25'

boa ElRey D. Manoel , e D. JoaÓ II L onde íc guardavaô rodas as araias , e muniçoens do Reyno , aíTim para a na- vegaç:i6 das Armadas , como baílimen- to das Foríalezas de fora, obra nisgni- íica , c digna de fua grandeza. Aqui ha- via grande numero de acubertados , coí- folete?, arcabuzes 5 lanças, efcudos , e todas as mais armas de guerra : no de artelheria havia muitas mil peças grof- fas , e meúdas , que depois íe galh-irao no ferviço de Caílella , e deíle Reyno. Agora eftaô providos os i^rmazens da Tenencia de toda a forte de armas , e fe obra tudo com grande facilidade , e perfeição pela fciencia dos Meílres , e eftaò concertados de maneira , que íao dignos de íe ver.

As lanças, e mais gentes, com que os Senhores de terras ferviaó os P^eys na guerra , elles tinhao meímo obriga- ção de os armarem , como fe na Chro- nica d'E]Rey D. Fernando , (30) que prohibio aos Senhores naô podeílem le- var os acontiàdos dos lugares , nem fuás armas em fatisfaçaõ das lanças , que

eraõ

(30) Chron. d'ElRey D. Fcmmdo*

120 Noticias

erao obrigados a dar. Em algumas cartas d'ElRey D. Fernando íe explicaõ as pe- ças, como fe apontou. E com tudo para haver maior abaílança de armas , ordenou ElRc}^ D. Joaó L (31) em Cor- tes , que os Senhores foíTem obrigados a ter certo numero de arnefes •, convém a faber o Condeílable , e o Senhor D. Afonío Conde de Barcellos , o Meílre de Cliriílo, e de Santiago, o Arcebifpo de Lisboa , o de Braga , e os Bifpos de Évora , e Coimbra a yo* arneíes cada hum; o Meílre de Aviz 40. os Senho- res da Caía de Marialva com o Bifpo de Porto, e Prior de Santa Cruz ^o» cada hum. O Prior do Crato, o Biípo de Syl- ves , o de Viíeo , o da Guarda , o de Lamego , e o Abbade de Alcobaça 20» cada hum. , que fazem 6^0. arneíes.

Para o Povo do Reyno ordenarão os Reys antigamente, que cada hum tiveíTe certas arm.as , íegundo a quantia da fazen- da ; e particularmente ElRey D. Fer- nando obrigou , que houveíTe a quantia dos de arnefes , e outros de lanças ligei- ras ; e da gente de havia lanças ,

béf-

(31) Chron, de D, Joaõ i. z,p, ç, 203,

DE Po R TUGAL. I27

bèftas 5 dardos, e fundas. E quando os acontiàdos , ou por velhice , ou por im- pedimento algum , naõ podiaõ hir à guer- ra , eraô obrigados a dar armas aos que em feu lugar hiao, e para que os acon- tiàdos em cavallos os fuíVenraílem com menos defpeza , mandou ElRey D. Fer- nando (32) applicar o dizimo do feu quinto 5 e hum dia de foldo , dos que com licença fe aufentai^aõ do campo ;• e defte dinheiro fe proviao de cavallos , os que por alguma occaíiaõ eítavaó fem elles no Exercito. ElRey D. Afonfo V. fez novas leys de quantias das fazendas , que fe guardarão atè o tempo d'ElRey D. Manoel , as quaes renovou ElRey D. Joaô IIL e ultimamente ElRey D. Se- baftiaô 5 que íaô as que hojefe guardao ; porque íe manda ; que os que tiverem 25-0(^000. reis de fazenda , tenhao ca- vallos , eosde ioO(^ooo. reis, arcabuz, e os moradores dos lugares chaòs , me- ias lanças. Para maior abundância de ar- mas, e o Povo fe poder armar com maior facilidade , mandou ElRey D. Manoel , e depois delle ElRey D. Sebaíliaõ, que

hou-

(32) Chron, À'mRej D. F^rnmdo.

12? Noticias

veíTe Officiaes de fazerem armas , gu- arnecellas , alimpallas i e de fazerem ferros de lanças , e lanceiros , e efpingar- deiros com ordenados dos Concelhos , e Privilégios nas Cidades de Évora , Beja , Elvas , Portalegre , Tavira , Lagos , Coimbra , Porto , Lamego , Viíeu , Gu- arda , e nas Villas de Santarém , To- mar , e Viana de Foz de Lima, Barcel- los , Guimarães , Pinhel , Torre de Mon- corvo ■ e ainda fora defle Reyno , nas Cidades do Funchal , da Ilha da Madei- ra , Ponte Delgada, da Ilha de S. Mi- guei , Angra da Ilha Terceira , Ribeira Grande , em Santiago do Caboverde , Cidade da Ilha de S. Thomò , no Sal- vador do Brafil , no Rio de Janeiro, na Villa de Olinda de Pernambuco. E para eílarem fempre eíles lugares providos deíles Officiaes, foi inftituido o officio de Armador Mòr, que alem de ter a feu cargo as armas da PeíToa Real , tinha por feu Regimento nomear eíles Offici- aes , e dar-lhcs Privilégios , como tu- do conda do Regimento do dito cargo, que EIRey D. Manoel proveo em D. Gonçalo da Cofta , e anda em feus def- cendemes, E com efta diligencia naó dei-

xan-

DE Portugal. 129

xando liir armas para fora , houve na- quelle tempo grande abundância dxlhs em todo Portugal. E para o Reyno eílar íempre provido , fem as efperar de fora , mandou EIRey D. Manoel fazer huma Officina delias na Ribeira de Barcarena, junto a Lisboa , onde com engenhos de agua fe lavrarão muitas por Meílres , que para iíío mandou vir de Biícaya. Também ordenou outra Officina de pól- vora na Cidade de Lisboa , que durou atè noflbs tempos ; e governando D. Di- ogo da Sylva Marquez de Alenquer , fe tornou a refazer a meíma Caía antiga ; e junto com ella 20 longo da Ribeira de Barcarena , ordenou outra de pólvora , para evitar os defaftres dos incêndios , que algumas vezes em Lisboa tinhao acontecido : e f e f e continuar a obra , íe- de grande proveito para todo o Rey- 110 j porque para armas nelle muita abundância de ferro , e para a pólvora temos da noíTa mao a maior quantidade deílcs miateriaes , que no mundo, que he o íalitre do Brafil , e o enxofre das Ilhas. E m.oderna mente fe renovou a fa- brica da pólvora com grande magniíi- I cen-

130 N o T I C I AS

cencia na Ribeira de Alcântara por orr deni d^ElRey D. JoaÓ V.

§. XII.

Dos Fronteiros do B.eyno , e Alcaides Mores das Fortalezas,

PAra defenfao do Ri^yno havia em cada Comarca liiim Fronteiro Mor, que fazia o officio de Capitão Geral da gente da tal Comarca , para aíHm íe po- der acudir com preíTa , e boa ordem às entradas , que fe fizcíTem no Reyno. Dei- tes Fronteiros lià muita menção nas liif- torias de Portugal ; principalmente (33) nas Chronicas d'ElRey D. Afonfo IV. D. Fernando , D. João I. D. Afonfo V. E erao os Fronteiros Mores peíToas de grande eílado , e qualidade ; de modo , que atè aos Infantes fe deu eíle titulo. Nos lugares grandes , ou de fitio forte , em que havia Caílello , poferao os Reys Alcaides Mores ; o qual coílu- me 5 e officio foi introdufido em Efpa- nha 5 depois da entrada dos Árabes. Por

quan-

(33) Góes Chroti, do Prin, D, João r.

S2.

D E Po R T U G A L. I3I

quanto os Romanos , como eílavaó fe- nhores pacificos de todas as Piovincias do Império , nos confins tinhaõ a Mi* licia das fuás Legioens alojadas em íiri- os aventejados , mas no campo, e nao nos povos ; e neíles Exércitos coníiíliaõ as forças da Republica , e naó nas for- tificâçoens dos lugares: donde vejo a fa- cilidade, com que os Capitaens deíles Exércitos fe rebellavaó , e faziaó fenho- res do Império ; porque como naó ha- via lugares fortificados , em que os ven- cidos fe reparaíTem 5 roto humi Exercito, ficava logo o vencedor fenhor abíbluto de tudo. O meímo eílilo tiveraõ os Go- dos , e as outras Naçoens do Norte, que fenhorearaÓ Efpanha. Porém depo- is da entrada dos Mouros , fendo o po- der dos Reys Chriílãos muito pequeno, e nao podendo reíiftir fempre no campo , fe recolhiao às Cidades , e como eílas , eílavaó íempre em Fronteiras , aflim co- rno as tomavaó lhe nomeavaó Capitão, para que com os moradores ,que também faziao officio de foldados, fe defendeífem , e vigi- aíTem perpetuamente , e o mefmo faziaó os Mouros 5 pela continua guerra , que lhes os noíTos faziaó : e daqui veio haver I ii Qin

132' Noticias

em rocios os lugares forres Capitaens ordi- nários chamados Alcaides ; o qual nome recebemos dos Árabes , e he derivado de Cabad j que tanto vai , como Gover- nador ; e aíHm fende o ^/, o articulo j o nieímo lie dizer Alcaide , que o Pieíi- dente , que governa ; porque o Alcaide entre os Mouros tinha juntamente o go- verno da guerra , e da juíliça. No Re- gimento da guerra d^ElRey D. Afonfo V. particular titulo do Alcaide Mòr, no qual fe ordenava , que os Alcaides fofíem Fidalgos da parte de pai, e mai , e que viveílem fempre nos feus Caílellos, e fallecendo algum , lhe fuccedeíle o pa- rente m.ais chegado , que eíliveUe no Caf- tello 5 e qu. ndo cíle faltaíTe , entaò fe faria eleição de Alcaide , ate ElRey pro- ver. O officio de Alcaide Mòr era defen der o Caílello , e telo fempre provido de gente, armas, c baílimentos , e quando íahiííe do Caílello, o que neile ficava, lhe havia de fazer ornenagem delle. Os direitos dos Alcaides Mores erao as car- ccragens , as penas das armas prohibi- das , e as dos que mal viviaô , e dos excommungados , forças , taboíagens , caías de vendia : e nos lugares inaritimos ,

os

DE Portugal. 133

os das barcas , c dos Navios , que fe car- regaíTem no porto , conforme às tonela- das 5 dous foldos por cada liuma : e po- dia prover o Alcaide pequeno com íeus Eícrivaens , eícolhendo os dos aprcíen- tados da villa , e podiaÔ trazer leu Con- tador diante do Corregedor da Corte. E alèm deflres direitos, em muitas par- tes tinhaÓ grolías rendas de htrdades , e próprios appl içados às Alcaid árias. Pê- ra mòrfegurança dos lugares maritim.os mandava o Regimento , que tanto que chegaíTe qualquer Navio Eílrangeiro , o Alcaide pequeno, e feu EfcrivaÒ foí- ,fem a elle , c eícreveíTera as armas, que trazia ^ e antes que íe partiiTem , torna ílerrt a fazer a mefma vifita , para ver íe leva- vaõ algumas mais do Reyno , que as que troiixeraô , e os que eraò compreiíendidos , as pcrdiaó para o x\l- caide Mòr , e de tudo o dito muita par- te eílà ainda em fua obfervancia.

Nas Cortes tem lugar os Alcaides Mòrcs dos Caílellos d^ElRcy , a quem dao omenagem , e os mais a fazem aos Senhores 5 de quem os recebem. As prin- cipaes Fortalezas , que antigamente ha- via no Reyiio , çrau as do Eíiiemo , que

íica-

134 Noticias

ficavao fronteiras de Caílella , e Galliza í e o primeiro Rey , que neíla matéria merece louvor, Jie ElRey D.Sancho o

I. e depois delle ElPvey D. Diniz, que cercarão os mais dos lugares do Rey- no. Os muros de Lisboa , e Évora íe íizeraó em tempo d^EÍRey D. Fernando , e os de Setuval no d'ElRey D. Afonfo IV. E fendo muitas deílas Fortalezas dannificadas do tempo, ElRey D. João

II. as mandou reformar: ElRey D. Ma- iK)el aperfeiçoou eíla obra de todo, e -mandou tirar em plantas , e montèa a todos os lugares fortes do Eftremo , e Cofta do mar , que foraô , Caminha , Villa-Nova de Cerveira , Valença do Mi- nho , Lapella , Monção , Melgaço , Caf- troieboreiro , Piçonha , Portello , Mon- talegre , Chaves , Monforte de Rio li- vre, Vinhaes , Bragança, Outeiro, o Vim/iofo, Miranda do Douro, Penarro- xa , Mogadouro , Freixo de elpada na cinta , Caílello Rodrigo, Almeida , Caf- tello bom, Caílello mendo , Villa-Ma- yor, Sabugal, Penamacor, Moníanto , Penagarcia , Salvaterra , Segura, Idanha a Nova , Call:ello-Branco , Montalvão > ■Niía , Marvão , Caítello de Vide , Al-

pa-

DE Portugal. 135'

palhao, Portalegre, Alegrete , AíTumar, Monforte , Arronches , Ouguella , Cam- po-Maior , Elvas , Olivença , Jcrome- nlia 5 Alandroal , Terena , Menearás , Mourão , Noudar , Moura , Serpa , Mer- íola , Alcoutim , Caílm-Marim, Das plantas , e iiiontèas deftes lugares íe íi- zeraô dous livros , que mandou EIRey por na Torre do Tombo , onde ainda eílaõ 3 para todo o tempo eftar preíen- te no que convinha aos ditos lugares , para o íocorro delles ; alòm dos quaes lià no Reyno mais de 400. povos cerca- dos , e acaílellados , pofto que ao an- tigo.

A fortificação dos lugares maririmos começou neíte Reyno mais tarde ; por- que como naquelle tempo havia poucas mercancias , e comércios comos Eílrangei- ros , naó tinhaó os CoíTarios em que fi- zeíTem luas prezas; com tudo ElRey D. Joaô 1. começou a fortificar os portos de Lisboa , e Setuval , fazendo no Tejo ao da Villa de Almada a Torre Ve- lha i porque nao tiveífem abrigo os ini- migos daquella banda , aílim como o naó tinhaô da de Lisboa. A me Ima di- ligencia fez em Setuval , edificando 0.

Toi^

1^6 N o T I G IA S

Torre de Outao fobre o Canal do por to 5 de modo , que fenao pôde entrar , fenaõ por baixo da íua artelJieria : em ambas eítas Fortalezas poz peças , Ca- pitaens, e foldados para as guardarem. Porém começando o defcobrimento de Guiné , e vendo ElRey D. Joaõ II. (34) os Reys viíinlios poderofos no mar, co- mo Príncipe prudente começou de tra- tar de fegurar mais a entrada da Bar- ra de Lisboa ^ e por iilo fez a Torre de Caícaes : e depois para melhor de- fenfaó do Rio , melhorou a Torre Ve- lha de Caparica : e tinha determinado fazer da outra parte a Torre de Belém no lugar, em que agora eílà ; a qual nao pode acabar por fua intempeftiva morte ; mas ElRey D. Manoel , que Ihe- fuccedeo, poz por obra efte feu inten- to na boa fórm.a , cm que agora a ve- mos. (3^)

A fortaleza de S. Gião começou El- Rey D. Joaó III. na boca do Tejo , para maior fegurança do porto ; e depois fe acabou com grande perfeição , de ma- neira , que he tida por huma das me-

Iho-

(^^4; Chron, de i>. João 2. cap, óo, Q55J Ckroiu de D, Jlíanocl i.p. c. 55.

B E Po R T U G A L. 137

liiores Forças de Europa. (^6) O mefino B.ey fortíncou Lagos, Sines, e Peniche; depois fe fez em Lií^boa o Forte da Ca- beça Seca , que Te começou em tempo dos Governadores, e no d^ElRey D. Fe- lippe o Purdente, ode Santo' António, pa- ra fegurança da Bahia deCaícaes; e em Setuval a Fortaleza de S. Fu-lippe , e reformou a Torre de Ou 12 6 ; e em Aveiro, Villa do Conde ; no Porto, c Viana , Lagos , e Villa-Nova de mil Fontes , fez novas fortiíicaçoens. De mo- do , que toda a Coíla eílà lioje bem for- talecida ; mas muito mais depois da Rcí- tauraçaô d'EiIl.ey D. João IV. que Deos guarde , o qual tem fortificado todas as praças da Fronteira de Caftelia , e as da entrada da Barra de Lisboa íiia Coíla ., com taó infignes fortif.caçoens , que fe pôde dizer cftà hoje Pom.igal com as mais fortes Praças de toda Efpanha. E ElP.ey D. Pedro IL para a guerra de 1704, em que fe temia alguma invafao marítima , mandou guarnecer de grande numero de Fortes toda a Marinha de Lis- boa defde a Torre do Bugio atè Cafilhas, e da Fortalela de S. Gião ate o Grillo.

_Pa^

(56) LTogiõd'£lRcyD:joaõ lÍL de CaJtUho.

138 Noticias

Para maior fegurança dos portos do mar , ordenou ElRey D. Sebaíliaô no Regimento moderno da milícia do Rey- no 5 que nos lugares mais commodos , e onde melhor fe defcobriíTe o mar , hou- veíTe perpetuas vigias , as quaes elegem com os Òíliciaes da Camará os Capita- cns Mores de cada lugar , em numero balb.nte para vigiarem dous de dia , e três de noite ; comieçando huma pela ma- nhaa , e entrando outro ao meio dia ; e ■que vendo velas ao mar , fizeffem íinal com fumos , l'e eftiveíTem longe , e com fachos , fe eíliveíTem perto , dando tan- tos fumos aos fachos,quantos foífem os Na- vios: ecs três que vigiaíTem de noite, fe re- partiíTeai aos quartos ; e que vendo Navios ao mar, que dòííe avifo delles ao Capi- tão Mòr ; e fahindo gente em terra , dcfíem íinsl com arcabuzes, para que íe acudiífe com prefteza ao rebate. E para que cfras vigias de dia , e de noite fof- fem diligentes , ordenou o Capitão Mòr, que elegeiTcm fobre roídas , que os vi- íitaífem , para que cumpriiTem com fua obrigação-, o que ainda fe guarda em muiias partes, principalmente no Reyno do Algarve,

§. XIII.

Portugal. 139

§. Xlíl.

Da Milícia 'marítima , e do oficio de Almirante,

NA6 foraó menores as forças nia- ritimas deíle Reyno , que as da terra , antes por íer a Província quaíi toda coíla do inar , e o principal de Hei- panha, excedeo nefta parte aos mais dos Reynos delia. Começou-le a exercitar a Milicia Portuguefa no mar, depois , que ElRey D. Afonfo Henriques tomou Lis- boa 5 aíTim pela grandeza , e capacida- de do Porto, como pela abundância, que nelle de madeira, e mais materiaes, que para armar Navios íaó neceíFarios. A primeira Armada , que neile tempo de Lisboa ílihio , foi de Galés , com as quaes D. Fuás Rouoiniio desbaratou no- ve Gales de Mouros no Cabo de Ef- pichel, e depois deíla vitoria teve ou- viras na Cofta do Algarve, e no Eítrei- to de Gibraltar. Eíle poder fe foi íem.pre accrefcentando ate o tempo d^ElRey D. Diniz, havendo nefte entre m.eio alguns Almirantes , fegundo parece das hiílo- rias do Reyno. Porém o primeiro, que

te-

,14o Noticias

teve cíle titulo de juro, e herdade, foi Miiíer Zvianoel Façanha Fidalgo Geiío- vez , como logo diremos.

He eíle nome Almirante Arábigo, fegundo kwtQ Scípiao Amirato, e o moí- -tra D. Sebníliao de Covarruvias (37) o Cju:d diz , que Aiinirale ^ lanto vale como Priíicipc , ou General do mar. As ceremo- rias , com que fe eíle officio antigamente dava , íegando ElRey D. Afonío V. no ieu Regimento da guerra, era preceden- do a vigilia ordinária na Igreja, que primeiro em todos os actos graves dos Cavalleiros fe fazia , por oíFerecerem a Deos fuás acçoens , e com eíle pio prin- cipio terem felice fucceíTo. Ao outro dia veílindo-fe de feíla hia da Igreja ao Pa- ço o mefmo Almirante bem acompanha- do 5 e EIRej recebendo-o em Sala pu- •blica , YwQ metia hum anel no dedo da niao direita , e liie dava huma efpada curta, e liie entregava na efquerda hum Eílcndarte com as armas Reaes. E o no- vo Almirante fazia preito , e liomena- gcm a ElRey de o íervir bem . e leal- iiienre ; com que ficava General de to- das

(,:57) Nqs difcffrfos d^ Nobreza de Nap,

DE Portugal. 141

das as Frotas, e Armadas do Reyno , e tinha jurifdicçaÓ fobre todos os que nel- las hiao embarcados , para fazer judiça em todos os cafos , que fuccedePicm , e feus mandados fe cumpriaÔ em qualquer lugar 5 onde chegava com a Armada no que para eila pertenciíi : e para iilb ti-, nha íeus Ouvidores, Alcaides, e Mei- rinhos, Carcereiros , e mais Officirics de Juíliça, e dos Alcaides íe appeliava pa- ra o Almirante , e do Almirante para ElRey: e eíla jurifdicçaõ comicçava do dia, que fahia do Porto com a Arma- da, até que fe deíembarcava. Os direi- tos, que tinha o Almirante, erao a quin- ta parte do que cabia a EIRev de todas a-s prefas , que tomava aos inimigos , ti- rando Navios , armas , e priíioneiro de mercê ; o qual quando ElRey o queria tomar, era obrigado a dar cem livras Portuguefas, e delias tinha o Almirante a quinta parte.

. Alem diílo fe contratou MiíTer Ala- noel Paçanha com edas condiçoens par- ticulares. Primeiramente, que ElRey lhe daria huma Villa, e de preiente lhe deo logo o lugar da Pereira com todos os direitos Reaes, que nellc tinha / e três

mil

142 Noticias

mil livras em cada hum anno , atè lhe dar n dita Villa , que foííe deíle rendi- mento. Qiie o officio de Almirante an- daria fempre nelle , e em feus legítimos deícendentes ; e que faltando elles , en- tão poderia ElRey eleger para o officio quem lhe pareceífe ; e que indo ElRey em Exercito por terra , íeriaô obriga- dos os Almirantes a acompanhallo, man- dando-lho ElRey , e de outro modo naó» E naó feria obrigado a fe embarcar em pcíToa com menos de três Galés , e o Al- mirante fe obrigou a ter 20. homens prá- ticos no mar para Alcaides , e Arraes das Galés 5 aos quaes em quanto andaíTem líellas 5 daria ElRey ao Alcaide doze livras 5 e meia por mez , e ao Arraes outo 5 e agoa , e bifcouto , e fallecendo algum dos ditos homens , dava ao Al- mirante outo mefes de tempo, para prover o tal lugar. Eíle contrato fe guardou atè o tempo d'ElRey D. JoaÓ I,

A MiíTer Manoel Façanha primeiro Almirante fuccedeo feu filho mais velho Carlos Façanha , e a efte por morrer fem geração , feu irm.aô Bartholomeu Faça- nha ; o qual também naó deixou filhos , lhe fuccedeo o terceiro irmão Lança- rá-

DE POKTUGAL. I4I

róte Façanha ; e em quanto elíe eíleve prezo em Caílella , teve o titulo de Al- mirante D, Joaó Tello irmaô da Rainha Dona Leonor. A Lançarote Façanha fuc- cedeo íeu filho Manoel Façanha ; a quem por naô deixar filho macho , fuccedeo feu Irmaò fegundo Carlos Façanha j o qual teve duas filhas , Dona Genebra , que cafou com o Conde D. Pedro de Meneies primeiro Capitão de Ceita , com quem houve o Almirantado : e por nao ter delia filhos íuccedeo no cargo Pvuy de Mello , Senhor de Mello , calado com a fegunda filha de Carlos Façanha ; e por nao ter delia filhos, fuccedeo Nuno Vaz de Caftelbranco , por ler filho de Catharina Façanha , neta do Almirante Lançarote Façanha , e a eíle fuccedeo feu fobrinho Lopo Vaz de Azevedo fi- lho de fua Irmãa Ifabel Vaz Façanha, c de Gonçalo Gomes de Azevedo Al- caide Mor de Alenquer, o qual teve a António de Azevedo , que foi Almi- rante, e eíle , a D. Lopo de Azevedo, em cuja linha fe coníervou eíla dignida- de. Eíle Offício de Almirante deFortu- gal agora he dos Caílros , Senhores de Roriz, e Rezende, porque D Simão de

Caf-

144 Noticias

Cafcro cafou com Bona Bernarda de Me- nezes , que veio a ler herdeira de D. Joaò de Azevedo Almirante de Portugal.

§. XIV.

Do Capitão Mor , e General das Ga^ lès,

ELRey D. Fernando creou de novo o Capiíau Mor do mar do P.eyno , o qual íegiindo parece do P.egi mento da guerra no tir. do Capitão Mòr domar, devia íer ordenado em auíeneia do Al- mirante. Porém ainda que riveíTe eite principio, depois le continuou peios Rc- ys adiante; e parece que em auíeneia dos Almirantes devia fazer o oíiicio. Suaju- rifdicçao era igual à do Almirante , e exe- cutava íuas íentenças Tem appellaçao , tirando em cafo de morte , noqual era obrigado delia para ElRey. O primeiro, que teve eíle cargo , foi Gonçalo Ten- reiro em tempo d'EÍRev D. Fernando , que depois íe intitulou MeRre de Chriílo. Succedco-lhe Afonío Furtado de Men- doça , e depois Álvaro Vaz de Almada prim.eiro Conde de Abranches , e a cWq leu filho D. Fernando de Almada. E

aííim

DE Portugal. 145*

afUm fe foi confervando em íija defcen- dencia por outras fuccelToeiís.

As Gvilès pai-a detenfao da Coda íao mais antigas no Reyno , e forao as pri- meiras embarcaçoens , que para a guerra m.aritima íe uíarao em Poruigal. E na to- mada de Ceita , e outras jornadas , que os Reys por mar fízeraÔ , levarão íem- pre bom numero delias: (38) a chuf- ma das quaes fe provia arè o tempo d"EI- Rey D. Joaó I. dos homens do m.ar peí- cadores , e barqueiros , para o que eíla- vaô todos aliftados , e quando lahiaó as Galè? , tomavaô a vintena deíla gente , que era hum de vinte , para os pòr ao remo , e o Anadel Mòr tinha cargo de os mandar aííentar neftcs livros , que chamavaó de Armação , e os conílrangia a virem por meio de íeus Oínciaes , a quem chamavaó Vinteneiros. O que fen- do de grande oppreiTaô para os mare- antes 5 e femelhaute gente , tizcraó ccín EIRey D. João , que aceitaíTe de novo outra dizima do pcfcado , fora aqucjà pagavao , para com o tal dinheiro pro- ver as Galès de remeiros , e que os def- K o-

(58) Carta dx dizuna velha da 2. de peixe.

146 Noticias

fobrigafíe de rao pefado encargo , c afllm fe fez. O primeiro , que em tempo d'El- Rey D. Joaò III. (39) íe acha com titu- lo de General , ou Capitão Mòr das Ga- lés , parece que foi D. Pedro da Cunha. ElRey D. Sebaftiao o continuou por to- do o tempo de feu governo , trazendo-as ordinariamente na Coíla do Algarve , e alcançou da Apollolica , que fe po- deíTem nellas ganhar as Commendas das Ordens Militares do R.eyno.

As tomadias , que fe fazem no mar pelas Armadas d'EIRe7 , pertencem cm parte ao Fifco Real , como fe do ti- tulo do Almirante. O coflume antigo , que íe niílo guardava , fegundo parece da Chronica d'EIRcy D. Joaõ I. 2. p. c. 128. era que das embarcaço- ens 5 que eraô entradas por força de armas , havia cada hum dos íoldados para íi o que tomava , falvo o ouro , prata , aljôfar , pedraria , e as peças in- teiras de tellas , fedas , ou pannos ; por- que eftas coufas pertenciaô a ElRey com o cafco do Navio , aparelhos , armas do armazém delie , e prifioneiros. Porém

(}p) Chron, de D, João 3./?, 4. f. x 10,

DE Portuga t. 147

fendo a embarcação preza de 26. toneis para baixo , eraó do Patrão da Galé , qu^ a tomava , e os Alcaides tinhao hu- ma amarra j mas os priíioneiros , e di- nheiro eraô d^ElRey. Das prezas queí faziaô , fahindo em terra dos contrários ^ os prifioneiros , etodo o Taco eraÔ de quem o tomava , falvo o priíioneiro de 5(|)cco. dobras para cima , que eíle podia tomar ElRey , dando por elle i(j)OQO* dobras. E fe efta pre/.a fe tomafle na terra por homens de armas , ou bèíleiros , haviaa a terceira parte os Patroens das Galés, e do que toniavaõ aos galeótes , haviaõ o terço os Alcaides. Porém do que haviâo, e ganhavao os Marinheiros , e Arraes , nao tinha ninguém parte , c era tudo leu. As armas do Capitão da Galé contraria , e iua baixella, e veílidos eraò do Capitão da Galé , que a aíFerrava. Para íe fazer eíla partilha mandava Ellley fe trouxeíTe to^ da a tomadia a monte , e delia fc íizef-- íe'm três partes , das quaes efcoIheria5 os tomadores a primeira , e a fegiinda òs Capitaens , e a terceira os tomadores* Deftas coufas naô tinha o Almirante , ou o Capitão Mòr direito algum ,^ lenaò que da parte d^EIRey levava fomente o K li quin-

A

148 Noticias

quinto 5 fícnndo fempre a EIRey os Na- vios 5 armas do Armazém, c prifioneiro de mercê.

§. XV.

Das Armadas crdinarias de Reyno , e da grande brevidade , com qus em Lisboa fe apreftaraÕ poderofos focor^ ros para fora da Barra,

Armada ordinária , que antiga- __ _ mente havia ncfte Reyno para de- fenfaô da Coíla , era de trez galés , e cinco Navios, como fe na hiíloria delRey D. Afonfo IV. (40) ainda que ElRey D. Pedro favoreceo a ElRey de Caftella com dez galés por algumas ve- zes ; de modo que eíle numero , pouco mais, ou menos j era o ordinário. Por- que como os inimigos , que por o mar entaò havia , eraô de pouca importân- cia , nao procuravaô os Reys trazer contra elles maiore<? forças. Com tudo andando EiRey D. Fernando de Portugal de guerra com Caílella , armou 3Z. ga- lés ,

(40) Onon, aElRey D. Af, 4. àe Duarte

DE Portugal. 149

lès , e 30. Nàos (4í.) Mas quem poz maior numero de velas no mar , foi EiRey D. João I. o qual fendo ainda Defenlor do Rcyno , mandou vir da Ci- dade do Porto íuima Armada de 35'. ve- las , em que entra v:ió 18. Nàos , e 17. galés 5 (42) e depois na tomada de Ceita foi o numero maior, pois do Porto íahiraõ 70. velas, em que entra- vaó 17. galés. Na tomada de Alcaccre paffou ElRey D. Afonlb V. a Africa com 220. velas , e na de Arzilla com 3^,8. Daqui em diante como o cómiircio das" terras íe foi abrindo , aílim íe foi a- crcfcentando eíle poder de m.odo , que nao fomente defenderão os ncilos Reys asCoílas marítimas de íeus Reynos , m.as mandarão poderoías Armadas a (ocorrer os eílranhos , (43) com.o foi a que levou a Itália D. Garcia de Mcnefes Bifpo de Évora para a recuperação de Otranto , e a que ElRey D. Manoel man- dou em favor dos Vcnczeanos , e a com

que

(41) Cbron, de D. Fen\ de DfLut. Nién,

(42) Cbron. de D. 'Jcaõ I, p. i. c. 131. (45) Chron. d'ElIUy D, Manod p. i.c.

í5.

I5'0 iSJOTICJAS

que ajudou EíRey D. João III. (44) ao Euiperador Carlos V. na tomada de Tunes , e EiRey D. SebaíliaÔ a ElRcy de Caílclla para a tomada de Pinhão. Na índia fe vio mais efle noíTo poder maritimo , (45'. ) pois desbaratamos nao as Armadas daquelles Reys do Orien- te ; mas as do Soldaô do Cairo , e as do Gram Turco , cheias de Genizaros , e Mamelucos. Por onde diz Damião de Góes ,(46) que em feu tempo trazia EIRey D. Joaó IIÍ. no mar , aium no Reyno , como em íuas Conquiílas 300. velas. EIRey D. Sebaítiaó paílou a A- frica (47) com i(;J)oo3. embarcaçoens que foi a maior Armada , e mais pode- rofa , que íe vio no mar Occeano.

Porém o que mais admira he a abun- dância , com que os Reys deíle Reyno tinhao providos os Armazéns de Lis- boa , para com roda a prefteza poderem lançar ao mar hu:iia Armada poderofa , quando lhes convieíle , como fe dos exemplos leguinres. Os

C44) Chroru de jj. 'Jua,ó ///. p. ^. c, 15.

(45) Herr. na Hiji. gener. l. 5. c. i. (4^)

Be Sim Olifip, (47) Jornada de Africa

Mendoça c, 3.

DE Po R TUGAL. Ifl

Os Mouros de Granada cercarão a Cidade de Ceita ( 48 ) com huma ar- mada de 64. vèlas , em que entravaó onze galés. Soube ElRey D, Joaó !• por recado de Tarifa, que fahira efta armada fobre Ceita , e mandou cm Lis- boa aprcílar o focorro com tanta brevi- dade, que quando o Conde D. Pedro de Meneies avifou a ElRey , a em- barcação de Ceita achou no caminho o noíTo focorro taó poderoío , que rcndeo a armada inimiga , e defcercou a Cida- de.

Qiiando os Mouros cercarão a For- taleza da Graciofa , (49) que ElRcy D. João II. mandou fazer fobre o Rio de Larache, a mandou ElRey íccorrer no niefmo dia, e depois quali por horas atè fazer pazes com o Muleixeque.

Entrou ElRey de Fez em Arzilla , c cercou o Conde de Borba no Caílello ; (50) em cinco dias ajuntou ElRey D. Manoel o focorro de hum poderoío Exer-

ci-

(48) Chron, do Cotide Z). Pedro c. 68.

(49) Cbron, de D. Jodo z. de Pina, c. 58, anno 1499. (50) Damião de Coes p. 2. c, 29.

1^1 Noticias

citOj e fe achou com elie no Algarve com huma numerofa Armada para paf- íax" o Ellreito , como roçamos.

Cercando Xarifc a Mazagao na tu- toria d^EJRey D. Sebiíliaõ em 4. de Março lhe mandou em 20. dias ta 5 grande focorro, que fez levantar o cer- co ao inimigo. (51)

x^ílaltarao huns piratas Francefes a Cidade do Funchal (52) a 2. de Outu- bro de 1566. chegou a nova a Lisboa a 9. do meímo , e o focorro fe apreílou co n tanta diligencia, que aos 22. che- gou a noíTa Armada d Ilha; a qual conf- tava de outo galeoens , algumas zavrasi e muitas caravelas, com medo da qual os Francefes fe tinhaó partido da Ilha a 17.

Deíles exemplos fe , que as forças maririmas defte Reyno faò das maiores de Europa , quando os Reys quiierem ufar dellaf ; f^orque aífim como a natu- reza deu a Lisboa aquelle excellente por- to , e íítio, com que a fez Rainha do mar Occeano , como lhe chamaó gravif-

fi-

r^r) Cerco de Mazagao f. ij. eí^ 7. (5^) Hijioria das Ilbxs ds J-ruãuofo l, i, c, 40

dePortugal. I5'3

íimos Authores i aííim também a proveo em feu território de grande copia de ma- deira para embarcaçoens , como íe lios Pinhaes de Leiria atè o Mondego, e em todas as Ribeiras do Tejo , Sa- daó , e Setuvai ; a que também ajuda toda a mais Cofta do Porto , até Viana, donde, e do Algarve tem fahido muitas vezes grandes Armadas. E aíTim em ra- zão deílas commodidadcs , e dos m.ais materiaes , que íaô neceílarios para as frotas , fe fez no Porto de Lisboa a ma- ior parte da Armada , que o Duque de Medina Sidónia levou contra Inglater- ra , e a com que depois o Adiantado de Caíleila intentou a raeíma cmpreza. Sendo a obra das embarcaçoens , que fe fazem em Portugal , a melhor do mun- ^^^3 (Sd) ^oi^no confeíTao os Eítrangei- ros. Porém deixando eílas particularida- des. Os Reys D. Manoel , e D. João IIL dividirão as armadas ordinárias do Reyno em trez efquadras , kuma para a guarda da Coíla , outra para o Eftreito , c Algarve , e a terceira para as Ilhas. A Armada da Cofta era de Navios , em

que

(53) Thomè Cano na Arte de fabricar.

i5'4 Noticias

que havia atè 300. homens de peleja ; po- rém creícendo o numero dos Piratas foi ne- ceíTario acrefcenrar-fe também o numero dos noíTos Navios; até que entrando no governo de Portugal EIRey D. Filippe o Prudente , c vendo o muito que tinha def- pendido do património Real com íua pre- tençao , introduno neíle Reyno no an- no de 1592. o tributo novo do Con- fulado , que fao trez por cento nas Al- fandegas , para com elle fazer todos os annos huma Armada groíTa de doze galeoens , que podeííe guardar a Coíla , e trazer feguras as frotas das Con- quiílas das Ilhas até Lisboa. A Capita- nia Mor deíla Armada deu com titulo de General ao Conde da Feira , e dahi por diante fe foi provendo de trez em trez an- nos ; e neíla ordem fe conferva atè o prefente; ainda que no fazer delias Ar- madas houve grandes intercadencias , fi- cando muitos annos as Coftas do Rey- no , e íuas Fronteiras íem guarda ; de que refultaraô vermos em tempo dos Reys de Caílella tantas perdas de Náos , e Na- vios tomados pelos inimigos , e o que peior he , muitos lugares defte Reyno rou bados , e deílruidos por elles. Porém

con-

DE Portugal. 155'

contlnuando-fe eftas Armadas do Coníu- lado , para guarda da Coíla com hum terço de foldados , que de verão andem embarcados , e de inverno fe alogem no Callello de Lisboa, ficaràÔ as Coílas do Reyno feguras , e as fróras das Conquif- tas chegarão livremente a noíTos portos, c averà nas armadas foldados práticos , e coftumados ao mar , e naó bizonhos , e enfermos ; por cada anno fer gente no- va 5 e que nunca fe embarcou ; e terá íempre Sua Mageftade força competente em Lisboa para rebater qualquer fubito accidente, que inefperadamente aconte- ça. A Armada do Eílreito humas vezes era de fuílas , outras de galés , e às ve- zes de caravelas. Vafco Fernandes Cefar andando com huma fuíla em guar- da do Eftreito , pelejou , e tomou féis galeotas de Mouros. E D. Pedro da Cu- nha com quatro Galés rendeo outo de Turcos. As Caravelas ordinárias nao paíTavaô de féis , e ainda aíílm faziaó iTiUito bem a guarda contra os Piratas Berberifcos. Porém fe eíle numero de Ca- ravelas íe reduzira a Galeoens ; entendem os homens mais práticos , que com elles poderão os Reys de Portugal ficar fenho-

res

1^6 Noticias

res de todo o côiriercio de Europa , co-

ino le aponta nus Dií curiós Políticos , que imprimi no anno de 625". Porque fe.i jo noiorio , que todas a^ Naçoens do Norre , naò íe luft-ntaò mais , que do trato das obras mechanicas , em que to- dos os moradores daquellas Províncias fc occupao 5 e que de força os iiaô de vir a vender nos Reynos de Caílella , e em Itália 5 e Levante j havendo para iíFo de paíTar forçofamente pelo Eílreito , fica- vaô os noíTos fenhoreando todos eíles Navios Mercantis , com que obrigaría- mos todas eílas Nações a neceíTitarem de noíTa amizade ou a trazerem taõ grandes Armadas , que lhes viriaô a ícr de mor cu lio 3 que o proveito da mercancia ; pois tendo os noílbs Gaieoens a retirada fegura nos Portos do Algarve, e Africa , ficavaó feniiorcs do Eftreito : o que fe hoje fe fizer 5 fera de miaior proveito, e reputação , que nenhum outro meio para os reduzir á nolTa am/izade , como bem adverte o Doutor António de Soufa de Macedo , (54) Embaixador , que foi

a

(S4) Harmonia Politica joL 167. §. j, da FortaUza , n. 45

D E ? o B 1^ U G A L. 1 5'7

a Hoknda , nn fiia Harmonia Politica , que dedicou ao SereniíUmo Príncipe D. Theodofio NoíTo Senhor. A Arm:x1a das Iliias era ordinariamente de cinco , ou íeis vèlas , cm que entrava iium GaleaÓ: eíla Armada fervia de guardar as C^oílas das Ilhas , que nao foííem infeft.idns de CoíTarios , e eíperarem alii as Nàos , que vinhao da índia, e dar-ljies guarda alè Lisboa. Muitas vezes fe encommen- dou a Capitania Mòr deíla Armada a al- gum Fidalgo das Uíias^, para que com outros Capitaens, e gente nobre daquel- les Lugares íc exercitaíTem na Milícia , e ajudalíem com fuás peíToas-, e com as embarcaçoens 5 que fe faziaô , as for- ças defte Reyno.

Eftas fao as Armadas , que coníla andavaó para guarda dos nolTos mares em tenpo d^ElRey D. Manoel, e d'Ei- Rey D. João III. e porque o poder dos Piratas hia cada vez crefcendo mais , communicando ElPvey cila matéria com ò Emperador no anno de i^^i. fe af- fentou pelos Conceliíeiros mais práticos de Eítado, e Guerra, que as noflas Cof- tas marítimas fe defendeííem neíla forma. Que ElRey mandaria armar 20. Navios

La-

ijS Noticias

Latinos de 25'. arè 30. toneladas cada iium 5 que andaííem fempre à viíla da terra , trcs delles Jiaviaô de eílar em Caí- caes , quatro na Arouguia, quatro em Caminha , quatro em Lagos , dous em Villanova de Portimão, três em Cizim- bra , ou Sines , que erao os lugares , em que os Navios armados coílumavaÓ vir: e alem deíles , andariaó quatro Galeocns correndo a Cofta mais ao mar : e ajun^ tariaó aíHm cada vez, que cumpriííe, os 20. Navios referidos, e àlem diílo andari- aó na Coftâ do Algarve quatro Navios de remo, iium Navio groílb , e três Ca- ravelas , e fe uniriaó, quando convieíTc, com os outros Navios da mefma Coita; os quaes andariaó, aíTim no inverno, co- mo no veraó , no mar, e os do re- mo fe podcriaó recolher. Para as Ilhas fe mandariaó dez Navios armados, três delles Galeoens , e os 7. Caravelas j e que os Navios, que haviaÓ de caminhar para a Cofta de Guiné, S. Thomò, e Bra- lil , foíTem e vieílem em três monçoens, huma em Janeiro , outra em Março, ou- tra em Setembro, e que todos elles fol- iem armados. A ordem, que o Empe- rador deu para as guardas das Coíías

de

DE Portugal. 159

de Caílella, naô ferve aqui, mais que os Capiraens das Armadas íe favorecei- fem huns aos outros, quando cumprif- fe.

§. XVI.

Do modo , com qtéc fe ordenou an^

dajjem armados os Navios do Com^

mercio do Rcyno.

ALem das Armadas, que os Rejrs mandavaô trazer uo mar em de- fenía dos feus ValTallos , ordenou EI- Rey D. Sebaíliao hum Regimento , pa- ra com maior fegurança fe poder nave- gar, e cômercear. Neíle Regimento man- dou, que todos os Navios Portugueíes, que partiííem defle Reyno , ou de fuás Conquiftas , ao commercio , foiícm ar- mados de armas, e de gente para fua defenfao j de maneira, que os Navios de 200. e mais toneladas trouxeffem 14. peças de artelheria, e certo numero de piques, lanças, e arcabuzes , e quintaes de pólvora i e os de i5'o. até 200. to- neladas, onze peças, e as mais armas cm fua proporção; e aílim nas mais em- barca joens, atè as de 25. toneladas- e

o

i6o Noticias

o numero havia de fer arè dous homens por cada dez toneladas. E para le iílo inreiramente cumprir, mandava, que ne- nhum Navio Porruguez podeíTe partir deíle Re/no às luas Conquiftas, fem pri- meiro o fazer a laber ao Provedor dos Armazéns, eílando em Lisboa; e nas ou- tras partes, aos Capitaens, Alcaides Mo- res , Corregedores, ou Juizes dos tacs lugares^ diante dos quaes haviaÔ de fa- zer cerro as toneladas , que o Navio ti- nha , e as armas , e gente , que levava , fe- gundo eíle Regimento , de que fc lhe paíTava Certidão, a qual oíFereciaÓ os taes Oíiiciaes dentro em hum dia no porto, a quechegavao, íendo da jurif- dicçaô deite Reyno ; para ver fe cum- priao com a obrigação deita ley, c fendo comprendidos nella , tinhao graves pe- nas.

E para melhor governo mandou, que álem de nao poderem navegar os Navios, fenaó com eítas armas , foííem juntos , e em conferva para íerem melhor defen- didos, e íe ajudarem huns a outros: de modo que para S. Thomè , Braíil , e Flandes , naô partiriaó menos de quatro velas ', dos Capitacns das quaes haviao

de

DE Po RT UG AL. l6l

de eleger hum para CapiraÔ Mor, e lhe haviao de obedecer em tudo tocante à navegação, e defenlaÒ, que lhe elle or- denaíTe, leguindo íua baadeira, e farol, pondo graves penas aos que o contra- rio fizeííem.

E para poder Jiaver mais Navios ar- mados no Reyno , dava ElRey de aju- da de cuílo 75. cruzados por cada hum aos que quizeilem fazer Navios para an- dar às prezas na Coíla de Guiné , ou Brafil , de 14. brancos, e dahi para ci- ma ; e que as prezas foíTem fuás. E aos que fizeítcm Navios de alto bordo, ou remos para andar na Coíla do Algar- ve, e de Portugal em corfo , lhes con- cedia cambem as prezas, juftificando de- pois, que fahiííem em terra, como erao de ColTarios , e tomadas cm boa guerra; para o que haviao de dar fianças , antes de partirem , diante dos OíEciaes , que haviao de viíitar as mefmas Embarca- çoens. Com eíla.s ordens fe accrefcentou grandemente o comercio em tempo d'El- Rey D. Sobaftiao , e navegavaó os Na- vios defte Reyno com grande íegnrança dcCoílarios. Mas acontecendo a eíl.i boa ordem o que he ordinário nos decietos L dos

1Í2 Noticias

dos Príncipes, que quanto rem mais ri- gorofos princípios , ranto rem depois mais dcícuidad^'s fins, aííim o veio iiaver nei- ta matéria, e nos que andavaÔ às prezas alguns exceílos , pelos quaes foraó pu- blicamente caíligados , e íe lhes tornou a f)rohibir a licença. O que Tenaó íuccedera, oraò de naó pequeno proveito , tanto para defeníao dos lugares do Pvcyno , como para os comércios delle. De pre- fente a cudio ElRey NoíTo Senhor ao grande deíamparo , com que de muitos annos a eíl:a parte andavaÓ os noílbs Na- vios do comercio feitos continuas prezas dos Coílarios , ordenando a Companhia da Bolfa do Brafil para que todas as Em- barcaçoens mercantis vao juntas, e gu- ardadas com huma boa quadra de Galeoens de guerra ; com o que fica fe- guro o comercio em grande beneficio defte Reyno , e em maior danno de nof- íos inimigos , os quaes com as ricas , e continuas prezas, que nos tomavaó, nos faziaó guerra à noíía cuila.

§. XVII,

P o R T a G A L. 1 63

§. XVIÍ.

Da injlitíãçaõ das Ordens Militares p.ara defender o Rfynõ.

DEixey para o íiai deíla matéria da guerra tratar das Ordens da Cavai- laria deile R^yno ; porque ainda , que iaò a maiS antiga Miíicia delie, com as mudanças do tempo , íe mudou em par- te o exercício de leu inílituto. O qut: com razaõ notou Jo^ió Botèro , (^j; e Bozio, (5Ó) e outros Eitrangeiros , dizen- do que havendo em Heípanha tantas Com- mendas , e particularm^ínte em Portu- gal, com que os Ile/s íem dar nada de íua caía , podem trazer em fcu lerviço toda a Nobreza do R^yno y por parti- culares refpeitos fe deixa perder ciie meio , que redundaria em tao grande benefício de ieus Rcynos , de íuas rendas, e de lua reputação.

Forao as Ordens Militares de Aviz, e Santiago , e Cliiillo , e do Hofpital de S. João inílituidas , c admittidas nellc L ii Rey.

(^^S^ Botcro ragion di [fato /. j;. c, pri;nj, i>'j- zí/íí/. 5. çotnra. Machão Jl/^m , t, 5.

1^4 Notícias

Reyno para deFeafao de feus moradores, e pari! recuperar dos inceis as terras , que rirannicamente rinhaó occupado aos Chriíláos , militando contra os inimigos da Fé, aííi.n por mir, co no por ter- ra , fcgundo o dizem largamente os Sum- mos Pontifices nas Bailas de fuás Iníli- tuiçoens , e nas que depois em feu favor paítaraó ^ e para ellc eíFeito lhes appli- caraõ tantos b^ns , e dizimos das Igre- jas deíle R-yno.

ACavdilaria, que lioje edà cm Aviz, he a mais anriga de Portugal, e ainda pode fer que de Efpanha ; pois le acha nicnçaô deíles Cavallciros , antes do anno de 1150. em que começarão de Calatra- va , que fe tem pelos mais antigos de Caílella. EIRey D. Afonío Henriques inllituhio eíta Ordem à imitação da do Templo , e Holpiral de S. Joaô , que alguns Cavallciros zelofos da exaltação de nofla Santa , fundarão cm Jerufa- Jèm. Na batalha do Campo de Ourique, que foi no anno de 1139. mencâo deíles Cavallciros j (57) com.o também depois na tomada de Lisboa , que foi no

an-

(57) Monarq, p. 5. /. 10. c, i,

DE POKTUGAL. l6^

íinnodeii47. A ifto fe acrefcentoii , que ElRey D. Afonfo Henriques inftiruhio outra Milicia no anr.o de 1169 em gra- ças da vitoria , que alcançou por mao do Anjo S. Miguel no Campo de Santa- rém de Albaraque Rey Mouro de Sevi- lha , que o tinha cercado com grande Exercito , como íe conta largamente na 3. p. da Monarq. Luíit. Deíles Cavallei* ros , e dos primeiros, que EIRey iníli- tuira, fez EIRey hum Convento em Évora no Caílello antigo da Cidade , dando-lhes por Orago o meímo Aichanjo S. Miguel , cuja Igreja permanece ainda hoje no mefmo fuio antigo do Caftello, que ao prefente laó caías do Conde de Bado , e o bairro íe chamia Freyi ia , pela habitação dos Freyres , e C:ivallciros , que alli morarão muitos annos , atè que paílarao o Convento a Aviz , para aii da- rem a libertar aquella remarca do poder dos Mouros , de que ainJa ellavao apo- derados ; o que eiles fizeraò com m.uito valor , ajudando a Isnçar íóra os Atc.bes deíde Coruche arè Landroal , ejcrume- nlia ; em gratificação do qual lhe deraó os Rcys 18 Villas , que faó. Cabeção, Mora , Jerumenha ; Lai:dioal, Ncudar,

Vei-

iCG Noticias

Veiro? , o Cano , Fronteira , Figueirí? ,* Cabeça de Vide , Aviz , Galveaç, Alter Pcdroío 5 Seda , Albufeira ^ ci Villa àc Coruche , o Conff^iho de Serpa , Alcn- nede 5 e 48. Commendas , que rendem pnílanre de 2:;. contos-,

O? CavaMeiros di Ordem de S. Tiago fiorecerao em C-^ílelhi com grande nome pelejrindo v?.leroíamente contra os infi- éis : e iabendo conm FJRey D. Afon- fo Henriques eílava cercado em Santa- rém por ElRey de Sevilha com hum, po- deroío Exercito de Mouros , o vicrao foconer , e íe houverao conr tanto valor , que ElRey D AfsMifo os recebeo em Portugal , f<ízcpdo llie^ muita? dóaçoens ; e os C>avalleirns continuarão na guerra contra os Alouro-^ doReyno, de modo, que ajuda r.io aos bnçar fora de Riba' Tejo , c do Caiiipo de Ourique , e ul- timamente dí> Ai^.írve, em cuja remiU- neraÇc-^ó o^ R?='ys dtríle Reyno lhes derao 47. Villa^ , ei!?gares, que fao Torrão, Canh.^ , Ferre ir'í , AljuO-re! , as Entra- da?? , Mofíj^nn , (^afevel , Panoyas , Caí- tro Verde, Alvalade , Ourique , Mer- tola ,. Aímod^ouvar, CoHo?, a Commen- da dos Padroens , S. Tiago de Cacem ,

Vii-

DE Portugal. ríy

Vllla-Nova de mii Fontes , Sines . Ca" celia , a Viila de Aljezur , Meijaõ frio 3 o Conceiko de Cidadellie , o Concelho de Villamarim , o Concelho de Meijaõ frio , Livais , Canaveíes , Amarante ,, Veiros de baixo , VeiroF de cima, AJ- pedriz. Arruda , Setuval, Palmeíla , Cou- na , Barreiro , Alhos Vedras , Aldea' Gallega , Alcoucliete , Cczimbra . Cabrei- Ja y enamora Corrêa , Benavente , Al-, cacere do Sal , a Horta do Amizio , Con-, cellio de Cumpo bem feiro, a Horta da Serra do Monte , o Concelho de Cafal , e 15-0. Commendas , que rendem todas parfante de 36. contos.

A Ordem dos Cayalleiro? de Chriílo , como fe fundou fobreas doaçocns , e her- damentos , que a Ordem do Templo tinha em Portugal , delia devia tomar fcu priu cipio.

Dos primeiro^hove Cavalleiro? qií-e inf- tltuirao aOrdçmdoTempIo., dous delíe? f o r a ó Po r t u g u e f e ? , y-^ o r q u a n t o d i z o A i" c e- bifpo de Tyro,(co) que cfia Ordem íe íqí- tituhio no anno de 1 1 18. r que dolii 2 o. annos fe confirmou pela Apoftolica, que

vem

Jis^) Gfnlíklmus Tirius de Bdlo Sacrc,

i68 Noticias

vem a fer no anno de 1127. c que em todo eíle tempo naô foi o numero ma- ior dos nove primeiros. Com rudo conf- ta da 3. p. da Monarquia Luíirana. J. 9. cap, 9. que no anno de 122Ó. D. Gal- dim Paez , e Arnoldo da Rocha com ou- tros inrirulados todos Cavalleiros do Templo fizerao concerfo jbbre a ViJla de Ferreira com Pedro Fernandes, e Payo Percz. Pelo que fe fica demonftrando , que ao menos eíles dons erao dos pri- meiros nove ; e parece que tornando-fe para a parria , ajuntarão a íi outros Ca- valleiros , como em Confraternidade , e foldados feus , que os ajudavaô a pe- lejar com os Mouros, eílando ainda a Milí- cia íem Confirmação Apoftoíica, e elles fo- jetios,ou aos OrdinarioSjOU aos Príncipes. - Trabalharão os Cavalleiros do Tem- plo em libertar a navegação do Tejo, depois que entra nefbc Reyno em Mon- talvão , e o território a elie viíinho.

Depois extinguindo fe a Ordem do Templo , ElRey D. Diniz fundou dos bens , que ella tinha em Portugal , a Re- ligião Militar de Chriílo no anno de 13 19. a 14. de Março, e como tiveraó CS xvsjs deite Reyno a cfta Milicia por

iua ,

DE Portugal. idg

fua , a honrarão , e enriquecerão mais , que a nenhuma das outras , a:è que u!ri- nainenre EiRey D. Manoel , fendo Aieí- ire delia, lhe applicou ernCommendas; ro- dos os bens Eccleíiafticos das Conquiílas fora da Barra ; e a'ínm podemos affirmar, que he a mais rica Religião Militar , que nunca houve ; ainda que neíle nu- mero entre a do« Teuronicos.

Em remuneração dos ierviços , que fizeraô a eíle Reyno , [\\ç, deraó os Reys delle 2í. Villas , e iugares , que iaô as feguintes. Alpalhaô , Niía , Tomar , Pom- bal , Soure 5 Ceras , Pias , Ferreira , Dornes , Áreas , VilIa-FIor , Montalvão , Caílromarim, Arenilha , Villa da Reiga- da ^ a Villa de Paipelle , a Villa de Caílel- lo-Branco , a Villa de Idanha a nova , a Villa de S. Vicente da Beira , Proença , íí Villa do Rodao , a Villa do Rofinani- jihal, a Villa de Bempoíla , a Villa de Pcnagarcia , a Villa de Segura , Salva- terra 5 a Villa do Touro : fora da Barra a Ilha Terceira , que por fer da Ordem , írhamaò de Chriílo , e 45-4. Commcndas , que rendem pelas avaliiçocns mais de ^4. contos , íem o que tem fora da Bar- ra, Poílo que na Apologia hiílorica de

Ca-

170 N o T I C I AS

Calatrava, íediz, que rendem agora eí-v tas Commer.das 50C(|)ooo. cruzados, por- que n avalinçao lie anriga, e íe fez muito baixa.

Começou a Religião do Hofpital de S. João em JerufaJèm no anno de 11 19, entrou no Reyno em tempo d^ElRey D. Afonfo Henriques, e foi iierdada pe- la maior parte entre Douro , e Minno ;. os Reys lhe derao 21. Villas , e luga- res . que íaô Montoito , o Crato , Tolo-, ia, Amieira 5 Belver, o Concelho da, Margem, Couto da Coutada , que anda. na Commendn de Santa Marta , Carvo-; eiró, Proença a nova , a Ccrtaa , a Villa de Oleiros a VJlla de Pampulhofa. ^ Pedro-^ gao pequeno,Elvir:^,o Concelho de Alvcrs,^ o Concelho de Pvanhados , o Concelho de Lobelke do matto, oConfelho deCafal do Mente , a Villa de Ferrajos , a Commen- da de Core^ , o lugar de Aguillieiro, e 24. Commendas , que paflaõ de 35. conr tos. Ainda que efies Cavalleiros tem por íeu próprio infcituto militarem agora na^ Ilha de Malta contra os Turcos-*, com tudo eftando no Reyno tem obriga^Jaô de acompanharem os Rcys , e acudirem à defeníaÓ delle .

DE Portugal. 171

Efta foi a inílitulçaó deftas nobiliíTi- mns , e importantes Milícias , as qiiaes- CS Reys enriquecerão , por eftarem lein- }>re preíles para os íervirem na defen- láo deíles Reyncs. Porém vindo a deí- cahir cotri o tempo eíle Teu exercício , para liaver neílas Milícias alguma regra certa do poder , com que liaviaõ de ler- vir na guerra , e naô ficar eíle j ervíco ar- bitrário , fe ordenou nas ultimas Corres d/ElRey D. JoaÓ 1. que as quatro Ordens Militares foflem obrigadas a ter preíles por fi , e íeus Gommendadores 340. lan- ças 5 e 160. arnczes , fora a gente de , como íica referido. Com tudo ElRey D. Afonfo V. teve maiores in- tentos, porque quiz tornar eílas 0"dens' a feu primeiro' principio e para iíTo im- petrou do Papa Pio II. no anno de 1463. que fe fízeílem na Cidade de Ceita fes" Conventos das Ordens Militares; e que os Medres delias obrigaíTem a terça parte dos Cavalleiros por giro a fempre refidir nellas à fua cuíla. Eíla raó excellente ordem ( que íe fe fÍ7.era , fem duvida fora cauía de grande acrefcentamento deíle P-^eyno ) pertubou a avnreza , que he a cauía , e a raiz de todos os males, como lhe cha- ma

172 Isi o T r c i A s

ma o Eípirlto Sanro : Radix omnium w/^- lorum avrfritia ; porque , por naõ deixar de dar as Commcndas a léus criados , o Mcílre, que cnrao era , fe oppoz a tao fanío inrcnro, de modo, que naõ teve . efrci to.- Porém vindo depois EIRey D. Manoel acrefcenrou muito a Ordem de Chriílo com as Commendas , que de no- vo impetrou do Pcipa Leaó X. e guar- dou a condição , com que fe concederão , dando-as aos que íerviaô contra infiéis : o que depois naó fe guardando com tan- ta obfervancia atè o tempo d'ElRey D. Sebaíliso , querendo elle juílifícar taô lar- ga concefiaó de rendas Ecclefiaílicas , vendo juntamente os grandes dannos , que os Piratas de Berbéria , e Hereges faziao nos mares de Eípanha , ordenou refor- mar de novo os Eílatutos das ditas Or- dens , e impetrou para iíTo Indultos Apoí- tolicos j por virtude dos quaes ordenou , que o provimento das Commendas ie fi- zefle na forma feguinte. Primeiramente, que as Commendas , que rendeflem icC(^cco. reis livres de encargo , e dahi para baixo, ÇQWão proveíTem por antigui- dade nos que ferviíTem de tempo ., iena6 por numero de homens de cavallo; conta n-

do

DE Portugal 175

do os lioinen? de cavallo de rodo o tem- po de lun reíidenci;! em Africa , naô con- tando por homem de cavallo , feiíao o que foífe de 18. annos compridos.

Q^ie as Commendas , que renderem de joo. arè 200(^. reis fe proveíTem por antiguidade no lerviço da guerra , lenao com carta de Commenda : e conjorrendo dous iguaes no tempo , foííe preferido o que rivefle fervido com mais cavalLjs.

Que as Commendas de 2D0;^. reis para cima fe proveriaô no que tiveííe fervido com maior numero de hom:ns de cavalJo, e os que fervilfem eílas Com- mendas en Africa , feriao obrigados a fervir com o tal numero de cavallos ci ico annos inteiros; mas fendo as Com- mendas de 8ooc^. i*"i^ 1 e dahi para ci- ma , ordenalle ferviífe por eilus mais hum anno.

AíTim mefmo na guerra do mar or- denou ElKey fe podeífem também ga- nhar as Coiíiiiiendas , contando os que as fervilTcm os mefes, que andaíTem eai- barcados atè pretazerem o tempo , que eftava aíTmado para a refidencia de A- frica , conforme as rendas das Commen- das; e em lugar de hum homem de ca- " - - vai-

174 Noticias.

vallo , feria 6 obrigados levar dous Sol- dados einbarcados a lua cuíia.

As Coinmendas , que chainavaó de Graça , que faÕ as que vagaó em quin- to lugar , de qualquer valor , e rendi- mento , que fejaó , ordenou ElRey, que livremente as podeííe dar aos be- neméritos. Efta foi a ultima reformação que íe fez das Ordens , a qual eílà ho- je taò pouco em uío, que as mais das Com- mendas fe daÔ por diipcnfaçaói fendo aííim que fe íe ganharão as Commendas nas Fronteiras, ou Armadas , fobejariaõ Sol- díidos , e fe exercitara grandemente o valer. Porque ie huma coroa de louro , ou de gramma fazia aos Romanos aven- turar a vida na guerra tantas vezes ; com quanta mais razaô fe aventurariaò os Nobres por eftoutro premio, que alem da honra , lhe traz também proveito ? He baftante a efperança de alcançar hu- ma Commenda de S. Joaó de Malta , para trazer boa parte da Nobreza da thriílandade occupada em feu ferviço , ainda que feja com taõ grandes encar- gos para os feculares , como fao naó cafar, andar defterrado da Pátria, e cncommendar depois de velho , e fer a

Re-,

DE Por TUG AL 17)

Religião fua herdeira , e nao feria po- deroía eílourra cfperançn , íendo cerra , para trazer todos os Morgados , e Se- nhores de Portugal ncíla Milícia à lua cuí- ta , fendo providos por fuás antiguida- des ? Se quando fe íerviao as Coiíuiien- das em Africa em tempo deíRey D. Manoel , e D. Joaô III. havia mais de 300. lanças fuírenradas pelos Frontei- ros ( porque rodo o homem nobre hia cin- gir a primeira efpada daquelías partes ) como naô fuccederia agora o mefmo ha- vendo certeza de ferem providos ? E o que fe entaó gaftava com 300. lanças, montara agora nas AnT.adas em dobra- do numero de Soldados. Pelo que em ufar dcílcs prémios para o intento , com que forao iníliruidos , eíla o poderm.os fer poderoíbs , e ter grande numero de Soldados voluntários, e nao forçados , com que vençamos noíTo'^ inimigos. lílo nao tira dar Sua Mageílade as Com^- mendas a quem lhe parecer; porque ca- lem das de graça, que fao livres, pô- de dar as outras para filhos , e netos , aceitar renunciaçoeiís , como fe ordena naquelle ultimo capitulo acima referido-, pondo-lhes por condição; que antes de to-

ir.a-

ijd Noticias.

niarem poíTe delias , as íirvaó primeiro , e deíle modo os pretendentes dasComracn- das íe haverão por bem defpachados \ e o Reyno nao ficará privado de deíenfo- res ; para íuftentaçao dos quaes fó- mcnte fe concederão tantos , e tao ren- dofos dízimos das Igrejas , que impor- tao mais de hum milhão , fe os cem contos quaíl, em que eítao avaliadas as Ordens de Aviz , e Santiago, e Hoí- pital , fe haò de acrefcentar proporcio- nalmente aos quinhentos mil cruzados da Ordem de Chriílo.

A força deita Miíieia das Ordens íc coníidera em duas formas ; porque ou confifte nos que pertendem militar à fua cuíla , para ganharem, as Commendas , como faó 5 e erao os Fronteiros de Afri- ca , e naó faó ainda Religiofos Caval- leiros ; ou nos meímos Cavalleiros , c Commcndadores ; dos primeiros nao pô- de haver numero certo , mas íendo as Commendas cm Portugal mais de ó^o. como fica apontado ; porque a Religião Militar de S. Bento de Aviz tem 48. a de Santiago 150. e o reílo a Ordem de N, Senhor Jeíu Chriílo , que faó 454» àlem das 24. da Ordem do Hofpiraí de

DE Portugal. 177

Jcru falem , que agora aíTúle na Ilha de Malta, E provendo-fe conforme aos In- dultos de pio V. e de Gregório Xílí. apontados , nao ha duvida , que ha- Tcna mais de 300. Soldados entre os pretenfores , e os Soldados , que trou- xeíTem à lua cuíla , porque naò haveria pjíToa nobre neíles Reynos , e ainda em íeus Eílados , que nao empregaíTem os primeiros annos de íua idade neíle vir- tuolb , e honrado exercício. Na fcgunda confideraçaô fera pouco menor o numero dos Commendadores , e Cavalleiros , pois contra Barcelona levou o Alarquez: delos Veles 600. Cavalleiros de habito de Caftella, (59) e em Portugal naô fao hoje menos , os que tem hábitos co;ii tença ; os quaes todos pelo juramento de lua profiíTao, eílaò obrigados a terem armas , e cavallos , para acudirem em defeníaò do Reyno , e contra os iiiíieis onde quer que forem mandados.

M DIS-

(59) Hiji. de Cacalí4n, d: CUmente Libertina i. 4. foL f^p. V.

178 Noticias

DISCUPvSO Ilí.

DA NOBREZA DAS FAMÍLIAS'

d:í Portugal com d noticia de fua antiguidade ^ origem dos Appellidos^ e razaÕ dos Brazocns das Armas de cada huma,

§. I.

SEndo a Nobreza das Famílias a cou- fa mais pre/.ada nas Republicas po- liticas, he juiuamente a menos conhe- cida, e bem entendida de muitos, que íe delia prezaó. E como os Nobres Por- ruguefes eíVimaô, e com razaó , tanto fua generofidade 5 e fidalguia, he juílo que n.^ó falte cm noílb vulgar efta ma- téria particularmente efcrira. Pelo que me pareceo fazer eíle Difcurfo , em que ie vejii , que coufa he a Nobreza, de que partes coníba , e da origem , que tiveraó os Appellidos , e Brazoens das Linhagens nobres, e como fe illuílrarao coitv^ clareza das dignidades, e accoens das virtudes.

Farmlia he hunia ordem dedefcen-

dea-

D E P (J. R T U G A L. I7y

dencla , que trazendo leu principio de haimi pcílv)a , ie vai continuando , e ef- tendendo de iilh(.>s a netos , de manei- ra j que faz hauia parentelia , ou li- nhagem ; a qu d da antiguidade , e clareza das coufas feitas he chamada Nobre.

Eila palavra Nobre, he b.tina , e íe derivou de Nobilis -, que tanto vai., como notável , e conhecido. Segundo Scipiaô Amirato (i) nos Difcuríos , que faz antes das Familias de Niipclc s , e de outros que melhor {obre elta matéria efcreverao , fe moitra , que a Nobreza coníta de duas partes lómente , que íao antiguidade, e clareza. A antiguidade íe rnoftra nas Famílias contando ncllas pelos tempos paflados muitos grãos, idades, ou geraçoens ; e conforme a melhor opi- nião , tanto vai huma idade moralmen- te fallando , como 34. annos de tempo. Porque por eíles annos ordinariamente começao os filhos a lucceder aos pais; e aííini quanto mór numero deílas luc- ceiloens, ou idades moílrar cada hum M de

(i) ScipiaÕ AmirMo uo principio das /*!• milias Nap,

i8o No T r G r A <

de noticia de fua Familia , ainda que naó conte os gràos fucceílivos de pai 2 filho, tantas idades, ou geracoens ma- is nioftraiá. Os gràos íaô as fucceíTo- ens continuadas de pai a filho íem inter- rupção. Sendo duas Familias antigas , huaia que moftrc mais gràos continuados de pai a filho , e outra menos -, porém que haja delia mais antiga memoria por Chronicas , ou outros documentos cer- tos 5 íerà eíla tida por mais antiga , ain- da que continue menos fucceííoens.

A antiguidade das Familias de Hef- panha he das maiores de Europa, por- que fe coníervou fempre com feus Rcys , que fao dos mais antigos delia. E aílim dos Godos para fe hade tomar a fua principal origem j poíto que também dos Romanos venhao algumas das illuftres Linhagens de Hefpanha , pois a poílu- hiraó tantos feculos. E ainda que os Ro- manos foraõ expelidos pelas Naçoens do Norte , que aborreciaõ grandemente o nome Latino ; todavia ficarão muitos em Itália , França , e Hefpanha , como parece claro das leys de Fuero juzgo , que dclles fallaÔ.

Depois da entrada dos Árabes em

Hei-

DE Po R TUGAL. l8l

Hefpanlia , foi Portugal hum dos primei- ros Rcynos, que fe recuperou pc los Chrif- tão> \ e os primeiros Fidalfos , que de Leaô , Afturias , e Galliza os vicraô po- voar 5 fora 6 em tempo d'E!Rey D. Ra- miro , como íe ve do Conde D. Pcidro. Porém dando depois EIRcy D. Fernan- do o I. de Leaõ efta Provincia a D. Gar- cia íeu filho , entrarão ourros muitcg de novo com fua Corte , e ultimamente co.-n a Rainha Dona Thereza mulher do Con- de D. Henrique; ao qual acompanhar/.ò também alguns Fidalgos Franceíes ; alem dos quaes vieraó outros, que ficâraó no Reyno , por fc acharem nas tomadas de Lisboa, Syíves , e Alcácer de Sul , que fe conquiílarao com o favor das Arma- das das Províncias do Norte , que hiaò à Conquiíla da terra Santa. Entrarão de- pois algumas Famílias de Caílella no tempo do noflo Rcy D. Pedro , e mui- tas mais nos d'ElRey D. Fernando pela pretençaÓ , que teve de fe fazer Senhor daqueile Reyno a íervirElRey D. João I. aíllm nas guerras de Cafteila , como na tomada de Ceita , vieraó muitos Fi- dalgos de França, e Inglaterra, que fi- ca n-

1^2 Noticia?

cando no Reyno, deraÒ princípo a ai- guínas linhagens delle.

Tornarão a entrar novas Famílias de Caílella em tempo d'ElRey D. Aíoníb V. quando fe veio daqiielle Reyno , dei- xando a pertençaÓ, que tinha delle por parte da Excellente Senhora. E com to- das as Rainhas de Portugal vierao Fidal- gos , aílim dos Reynos de Aragão ^ como de Caílella 5 e de Inglaterra , de que linhagens illuílres no Reyno. E ultima- mente depois de deícuberta a índia , vi- eràò algumas Familias nobres de Itália por razaó do commercio. Eftas faò as an- tiguidades , que com certeza podemos dar às linhagens de Portugal.

A clareza , que como dilTemos , Jie outra fegunda parte da Nobreza , le moílra pelas dignidades , ou honras , que Os daquelle Appellido alcançarão na Pvc- pjblica 5 como jaò os Eílados Titula- res , ou Senhorios de terra , Oííicios Mores da Cata Real, governos , cargos iupremos militares , e civis. Fazem tam- bém clareza as dignidade? grandes Eccle- /'afticas, como Pontiricados, Cardinala- dcs , e Biípados; e aíIim mefmo as le trás, o vaior, e lealdade , liberalidade ,

juí-

BE PoUTUGAL; 183

juftlçí? 5 e fobre tudo a fantidade , pois excedendo todas as grandezas humanas, fe levanta às divinas/ E aíiim quando qualquer deílas couias he infigne , nao illuftra "menos a familia , que nuiitcs Ti- tulo?.

Tem a clareza íobre a antiguidade , fegundo Scipino Amirat© , que ainda que íeja moderna, vai mais, que a antigui- dade fem ella. Pelo que eftando huma Fa- mília Titulada , ainda que íeja conheci- da de pouco tempo , fica ;* referida à outra mais antiga , íe arè enraô nao al- cançou Temelhaníe dignidade. Em iguaes Títulos de dignidade lerá mais clara a familia , que tiver maior numero , e a maior dignidade ( ainda que menos em r.umero ) vence a mAihidaõ das mienores. De modo , que vai hum Ducado por mui- tos Condados , e hum Senhor livre, mais que todos os avaííallados.

ncíle Reyno cinco gràos de No- breza , fegundo a Ord. 1. 5. r. i3y. o primeiro , fao os Vaílalios , que tcin ca- vallos 5 o fegundo os Eícudcircs , o ter- ceiro os Cuvalleiros , o quarto rs Fidal- gos de Corta de armas, egcr^íçao, que tem iníignlas de Nobreza , o quinto *he

dos'

tC4 Noticias

dos Fidalgos , que tem aíTentamentos f c foro na Cafa-d ElRey. Entre eíles tam- bém hà differença ; porque as leys do Rtyno fazem menção de três géneros de folares, r,ue faó Tohr conhecido, folar com júri (dicção, e folar grande. Os de iolar conhecido , fegundoo Doutor Antó- nio Franciíco , (2) laô aquelles , que tem a Kobreza dos Avós , e Bifavòs ; de modo , que fe naò pôde pòr em duvida fer o tal Appelhdo Nobre, e de fidalguia antiga. Os de folar com jurifdicçaó íaó os Se- nhores de ter! as, que por doaçaó Real as poíluem , e governaõ com fuás jurif- dicçocs. Os de folar grande, faó os Du- ques , Marqueíes , Condes , Vifcordes , e Baroens de Titulo , que faô verdadeira- mente Grande? , e por eíla caula os clia- ma a Ordenação Fidalgos de grande fo- lar. O5 Reys deite Reyno fizeraô fem- pre tanto cafo da Nobreza , que del- ia íe ferviraô , aíFim nos cargos de Ef- tado , como nos da Juftiça , Fazenda , e Milicia ; e no íerviço da Caía Real naô iaó admittidos ienaó os Nobres. ^^ §. II>

(2) O Doutor Ant, Fran. no tratado da

Nobicza.

DE Portugal. 18/

§. II.

J)a origem dos Jppellidos dos Nobres de Portugal.

OS nomes forao inventados entre os homens para diftincçao delles, po- rem creícendo o numero da gente , e fal- tando nomes íingulares para cada hum, vieraô a fer muitos homens de hum mef- Fiio nome. Pelo que para evitar confuJaô , gcrelccntaraó os fobrenomes , ajuntando o nome dos pais aos feus , c por iíTo fe chamarão patronimicos ; deftes uíaraÔ mais CS Gregos , que os Romanos ; mas rem por iffo tiveraô os Latinos menor numero de nomes j porque muitas vezes tinha hum hom.em quatro nomes , que «raó pronome , nome , cognome, e agno- ine. Exemplo diílo Teja Quinto , Fábio, Máximo, Ovicula. O primeiro podemos Jioje chamar nome próprio , o íegundo fobrenome na Faniilia , o terceiro Appel- lido , e o quarto rambem Alcunha.

Com o Império Romano entrarão em Hefpanha feus coílumes ; e aílim ufa^rao dcíla forma de nomes , como fe lar- gamente das hiílorias latinas. Porém vin- do

i8á Noticias

do os Godos , e extinguindo quaíi de to- do os Romanos nella , íe tornarão a in- troduíir os nomes propi ios íingulares íem íobrenom.es alguns , que durarão atè a entrada dos Árabes , depois da qiinl fe começarão a ular os patronimicos , Dias , Eíleves , Fernandes , Gonçalves , &c. que fe derivarão de Diogo > Eílevaô , Peruando 5 Gonçalo. Porem nao foi iílo baítante para os homens poderem fer conhecidos ; porque de luim pai proce- diaô muitos filhos , e de rodos tomavaó o mefm.o patronímico. Pelo que ordena- rão tomar por Appellido os nomes das Terras donde viviaô , ou donde eraõ na- turaes , como fízeraÓ neíle Reyno os de Beja, Caílello Branco , Chaves, Santarém, e outros , mas o mais ordinário foi to- mar cada hum. o nome da terra , onde tinha fenhorio , ou algumia jurifdicçao. E tanto he iflo aíTim , que m-oílra o Bilpo D.Fr. Prudencio de Sandoval , que Alvar Fanhes famofo Cavallciro cm tempo do Emperador D. Afonfo VIL fe chamou de Çurira , quando a teve a cargo, e de Toledo ., quando o fizeraó Alcaide da- quella Cidade.

O meímo íe affií*ma das Famílias de

Ara-

DE Portugal. 1S7

Aragão j e daqui vieraó os Appellidos de muitas liniiagens , indofe depois con- tinuando em léus iucceíTores. A eítas ter- ras cliamavaõ Solares , derivando o no- me da palavra latina Jolum , que quer dizer terra , e aíTento , donde o honrem eftà. Edificarão aqui eftes Fidalgos fuás torres , e cafas fortes donde viviaó ; aflim para fe defenderem dos rebates dos Mou- ros, como por fer efte modo de edificar caías fortes no campo , próprio das na- çoens do Norte, como ainda hoje fe em toda a França , Alemanha , e Inglater- ra. Pelo que neíle Reyno fe nnô conce- dia licença para fazer eílas torre? , e pòr ameas nellas , íenaó a peflbas illuf- tres ; como parece das que eílaò regií- tadas nos livros das Chancellarias dos Pveys antigos. Deíles Solares , e torres lià ainda muitos nefle Reyno , como lao os de Abreu , Ataíde , Bayâó , Britro , Car- valho , Cunha , Faria , Góes , Lima , Nó- brega , Pereira , Sampayo , Souza, Sylva , Vafconcellos j e outros muitos , donJe ef- tes Appellidos tiveraô íbu princinio.

Aièm do? Solares í"e tom-arao também outros Appellidos de algun^ feitos aíli- nalados na guerra , como fizeraó os B:in-

dei-

i88 Noticias

deiras , Machados , Mouras , Menagens; e outros os tomarão das Províncias , que deícobriraó , ou íujeitaraô , como os Ba- harens , Minas , Camarás ; outros da Gafa Real donde defcendem, como faõ nefte Reyno os de Aragão , Lancaftres , Por* tugal.

Tomaraô'fe também ©s Sobrenomes de Alcunhas , que le polcraò a vários homens de animaes da terra, peixes, e aves , aíTim como Perdigão , Pegas , FaJcaô', Touro, Coelho, Rapofo, Sar- dinha , Salema. Das cores , como os Pre- tos , Trigueiros , Morenos. De alguma qualidade do corpo , como Barrigas , Calvos 5 Delgados , Feyos , Magros , Peftana, Velhos, Unhas. Outros de inftru- mentos, como Caldeiras, Calças, Corrcas, Lemes, Pontes. Outros de arvores , her- vas , c flores , como os Figueiras , Oli- veiras , Pinheiros , Moreiras , Carvalhos , Flores , Roías , Carrafcos. E aílim ou- tros. Elias íaô as origens , a que íe re- duzem todos os Appellidos , que hoje ha neíle Reyno , como particularmente em cada Família veremos, E porque os Appellidos faõ os finaes hoje da defcen- dcncia das familias , e nobrezas delias.

DE Portugal. 189

fora6 os Reys deíle Reyno tao dcfejo- fos de cada linhagem coiifcrvar o leu , que fabendo ElRey D, Joaó o 11. que Sima6 Gonçalves da Gamara , filho her- deiro do Capitão da Ilha da Madeira Joâo Gonçalves da Gamara fe chamava Simaô de Noronha , que era o Appelli- do de fua mãi , lhe mandou dizer, que logo íc chamaffc do Appellido de fcu pai ; pois havia de herdar a fua cafa , íenao que paíTaria a fucceíTaõ delia a Pe*- dro Gonçalves da Gamara íeu irmaô. (3) Ao que Simaõ Gonçalves obedecendo , lhe foi beijar a maô pela mercê. Porém ElRey D. Manoel procedeo nifto mais rigorofamentc , porque mandou nas Or- denaçocns com penas graviílimas , qwe ninguém tomaíTe o Appellido de nenhu» ma Familia ^ que lhe naô pertenceíTe ; e o mcfmo fe ordena na ultima reforma- ção , que fe fez das leys neíle Reyno,

§. III. XÍ)RezendeCbronicad'£lReyD.;^oaõII.çap,

190 Noticias.

§. III.

Das origens das Armas , que trazem os Ftdalgos , e Notares de FortugaL

AS iníignias militares forao inventa* das para diílinguir as companhias dos Exércitos. De maneira , que conhe- cendo cada ioldado a lua bandeira , ain- da que nas batalhas fe defordenaííem as Cohortes , podeííem acudir a ellas , e com facilidade recuperar leu lugar. Para eíle eíFeito ufou Rómulo do Manipulo, e depois fe introdullraó, o Lobo , Águia , Minotauro , e Javali , que os Romanos trouxeraô por iníignias , como os Aíf/- rios a Pomba , e a Lua os Egypcios , os Bizancios o Cacho de uvas , os Theba- nos a Tartaruga , os Africanos a Efpiga ; e aííim outras varias coufas. Porém os foldados particulares coílumavao trazer os efcudos brancos, atè que faziao al- gum feito infigne , cuja hiíloria pinta- vaô nelles , ao qual coílume alludio o Poeta, (4) quando -diíTe de Heleno.

(4) Virg. llh. p.

DE Portugal 191

Enfe ievís nudo , yarmãqut in glorius alba , i^c,

E o Saryrico íignifica pelo mefma termo ter íahido da idade juvenil , di- zendo : (s)

Permiftt fparfijfe óculos jam candi- dus umbo.

Eílas pinturas dos Efcudos eraó va- rias , e naò ficavao depois a íilhos ^ poí- to que algumas vezes , quando o pre- deceííor era mui inílgne , ufavaô léus dcícendentes da tal rigura , como em- preza , fegundo le de Virgílio, (ó) failando de Avenrino filho de Hercules. Clypeoque tnfigne pater7íum Centum angucs ^ cinÉlamque gtrit ftr* pentíbus hydram.

Entre os Romanos ufava a Familia dos Torça tos do collar de ouro , e os Cincinnatos da cabelleira , porém naò como armas , porque como coníla de ro- da a iiiíloria latina , as armas das Fa- mílias Romanas foraõ as imagens , e e^ tatuas de feus maiores , que tinhaô nos pateos à entrada das calas.

§. IV.

C5) Sat^r. s. (6) Firg. l. 7.

jyi Noticias.

§. IV.

Da origem dos Lcâetts , e Aguiar , e

outros animaes , que fe tracem nos

Efcudos»

DEpois que entrou o govern'> dos Cefares , e foi necelTario accrefcen- íarcm-íe os Exércitos , e liavcllos fem* pre nos confins do Império, multipli- cando-fe as Legioens , foi neceílario dar- lhes também novos nomes , e infignias. E como os Romanos eílavaô mais po- lidos , nao efcoliíeraô eíles nomes , e li* naes a cafo , mas com multa confidera- çaõ, denotando em cada hum delles al- gum bom penfamento. E por^que cada Soldado folie conhecido de que Cohor- te era , mandavaó , que logo nas ofR- cinas de armas , quando íe faziaô os Ef- cudos , lhe pintaflera , ou elculpiíTem no meio a mefma imagem da mefma Co- íiorte, e pela parte de dentro eícreviad o nome do Soldado , e a Çohorte , e Centúria, de que era» Tudo illo diz cla- ramente Vigecio neftas palavras : ( 7 )

Ne "■'■-■ -^

DE POKTU GAL IÇ^

Ne milites altunde in pralii tumultu à fuis contubernalibus aberrarem , di^ 'verfis cohortibus diverja in jcuto Jigna fingebant , qu£ ipfi nominant pegmata ; Jicut etiam moris eft fieri, Fr etérea in averfo uniufcujujque militis erat ;;tf- men adfcriptum , addito , ex qua ejjent coborte , S* ex qua centúria. E Clau- diano (8) allude ao mefmo , dizendo da Legião inviíla.

Nomenque probantes InviSli , clypeoque animo/i tejle leonis, Defte coílume diz Guido Pancirolo (9) fe introduzirão as armas , que ago- ra temos. Porque vindo depois a pro- feíTarem a Milicia os filhos , e netos dos meímos Capitaens , e Soldados , ufavaô fempre dâs próprias iníignias , e depois que íe perdeo o Império Romano, fe fi- cou continuando o mefmo ufo, pondo fe- gundo aquella imitação cada hum no Ef- cudo o animal , ou figura , que melhor lhe parecia , denotando íempre com ef- tes hierogliphicos alguma coufa de va- lor , conftancia , ou virtude , por onde N fe

(8) Clatíd, de Bell o Gildon. (p) Pamirol. in noth, utnufque Imper, 2, ç^ zo»

.194 Noticias,

,fe alcança a honra inilitar, E aílim daqui Dufceraôos Leoens , as Águias, os Touros, Serpentes, aue trazem as Famílias de Eu- ropa j e particularmente as deftc Reyno, .As que ufao de Leões nos Eícudos, fao as íeguintes.

Achiolis illuílres Florentinos , que vieraò povoar a Ilha da Ma- deira 5 e dahi paílarao a efte Reyno , Alvos , Arnaos , ou Ernaos , Barrofos , Betancor , Britos , Cayados , Campos , Gaílelobranco , Cerqueira , Chanoca , Coneílagio , Efmeraldos , Frotas , Ga- lhardos , Gamboa, Giraldes , Gondim , Gramaxo , Gravas , Groymis , Morei , Neto , OíTem , Payns , , Ribeira , Rolaó, Salvagos, Santarém , Serrão, Si- rnoens , Tofcanos , Valladares , Valen- tes , Unhas , Vogados.

As que trazem Águias fao: Abu! , Abreu , Azevcdos , Botados, Bovadiiha , .Carregueiro , Serrabodes , Coronéis , Cor- reaOíDagraâ, Guivar, Jacome , Lemes ( Marletas fem pès ) Maciel , Medeiros , Monta rroyos , Ourem , Penha , Proença , Rodrigues, Sampayo, Tinoco, Villanova.

A^ que trazem Serpes , faõ , Alfa- ros, Brandoens de Inglaterra, Covas,

Dra-

DE Portugal, 195'

Dragos, Mendaos, Moutinhos , Rcbal- dos , Roboredos 5 Regras, Serpes, Vil-, lasboas.

As que trazem Lobos, fad j Ayalas, Haros , Lobos , Villalobos.

As que trazem outros animaes , fao : os Carreiros luim Gatto caçando , os Garros huma Onça , os Leoens entre fete Eílrellas dous Libreos negros arma- dos de prata , alludindo à fidelidade def- tes animaes , os Oforios dous Touros ^ os de Valdês hum Elefante.

§. V.

Da origem das Faxas , Bandas , Bar<^

ras y e Efcaques , que fe trazem

nos E feudos

AS Barras , Faxas , Bandas , e Efca- ques , tiveraó origem dos Alema- ens , que como affirmaô alguns Authores , coílumavaô trazer lillrados os Efcudos de eores , e fe prezavao muito diílo. E fe- nhoreando-fe eftes das Províncias do Im- pério, introduzirão feus coílumes nos po- vos, que fojeitaraô ; e como com elles fe acaba]'aó as boas artes , foi fácil por falta de Pintores , ufarem os Soldados N ii nos

iç6 Noticias

nos Efcucios daquellas b.-^.ndas , e pintu- ras ílarpiicidiaia.--. Donde vem , íegundo diz ScipiaÓ Arnirato , que as mais das Famílias antigns tem em Europa eftas iníignias , como fe nos Bicudos das Faxas da caía de Auftria , dâs Bandas de Borgonha, Barras de Aragio , e Ef- caques dos Duques de Nivcrs. líto le con- firma com a authoridade de Cornelio Tá- cito no fegundo dos Annaes , (lo) que diz dos Efcudos dos Alemaens , que erao hamns taboas de pintura iimples : Ténues^ (^ fucatas colore tabulas, E no livro de Moribus (ii) Garmanorum refere , que pinravaó os Efcudos com varias core« : Scuta tantum leílijjlynis colorihus dif- tinguunt. Pelo que conclue Scipiaô Ami- rato , (12) dizendo que deílas fimples pinturas argue a antiguidade das armas : Onde 10 5 diz elle , forto inãotto a credcre quello che ettamdio xolgarmente vego àalcune a fer te nu to , che quanto le arme fano piu flmpleci , piu jieno anti che , i^c* Deites princípios íe pode conjeturar, que

te*

(10) racho Ama\. L 1. (n) Tadt, de Jldoi\ Gcr. (12) ScipiaÓ Amrato Famílias d<

DE Portugal. 197

tenhao origem as armas de muitas Fa- mílias de Portugal , que trazem Faxas , Bandas , Barras , e Eícaques.

Faxa he hum liílaô entre duas linlias, que atraveíTa o Eícudo ao largo. As Fa- milias ^ que trazem Faxas , faô : Almas , Avelar, Auftria , Cio , Durmao , Efcro- cios , Ferreiras 5 Landins, Leitão, Maf- caranhas, Meteia , Mexia, Pampionas, Pedroíos , Peílanas , Rebellos , Sylv ei- ras , Vargas.

Banda he hum liílaô entre duas li- nhas , que atraveifa o Eícudo de canto a canto.

As que trazem Bandas, faÔ Alma- das , Albernoles , Ataides , Azambujãs , Azeredos , Barbato , Barbofas, Bardes, Bairros por bnrdns três troncos , Bar- reiros, Barros, Belchiras , Bembos , Be- ringes , Bivares , Botelhos , Bríi.camon- te , Calados , Caminha trcs bailoens de prata em Banda , Canto , Carvalhaes , Caílanhedas , Çuniga , Fcijòs , Feyos , Frazão , Freires de Andrade a Banda da OVdem Militar da Banda de Caíteila , de que foraõ Cavalleiros , Leys , Lim- pos , Lyra, Lordello , Mendanhas tra- zem

içS * Noticias

zem huma cotta de armas paflVda com fettas , Mouzinhos , Nogueiras , Ornei» Jas , Pegados , Pegas , Privados , Qiiin- tal 5 Sandovaes , Tovar a Banda da Ca- vallaria da Banda, Varellas.

Barra he hum liftaô , que toma o Ef- cudo de alto a baixo. As que trazem Bar- ras , fao: Aragão, Barrayola , Contrei- ras , França , Godinho , Guiaiaraciís ^ Nobregas , Patalins , Patto , Re^-cycs.

Efcaques he hum Efcudo pintado com as caías do taboleiro do Xadrès , ou em parte , ou em todo.

As que trazem Efcaques , íao : Abo- ins , Alcaforado , Altro , Áreas , Avi- nhai , Barbança , Barbuda , Bermudes , Búzios, Cotrim Dante , Efpindola, Fa- fes , Folgueiro , Fuzeiro, Gamas , Go- dins , Magalhaens , Maracote , Negrei- ros , Pavia , Peixoto , Porto Carreiro , Pretto , Quadros , Rapofos , , Sandes , Severim , Soutq Mayor , Toledo , Velaí-» ques 3 Utre , Xarce cie Valenja,

§. VL

DE Portugal. 199

§. VI.

Da origem das Cruzes Floreteadas ,

Cruzes da Cruzada , e de S. Jor

ge , que fe rrâzent nos E(cu dos,

DE pois da enrrnda dos Árabes em Hefpanha, fe começou a ufar das iniignieis nos Efcudos mais ordinariamen- te em tempo donoílo primeiro Rej' D. Afonfo Henriques, e de fea primo El- Rey D. Atbníb VIL de Caftella , como o moílra doutamente o Chronifta Am- brofio de Morales , C13) e o iVrccbifpo D. António Agoftinho ; (14) e por iíTo fe pode dar com rnzaò principio às de Portugal dcs do tempo d'ElPvey D. AFon- fo Henriques para cà. E fenJo certo , que em Caílelhi , e cm outras partes de Efpanha fe tomarão as Cruzes , Afpas, Luas , e Eíli-ellas pela o ccafiaò da guer ra , que naquelias Provincias ouve com os Mouros 5 podemos ter por conjeclura provável , e quafi certa , que nas que fe

oíFe-

(i:ç) Mor.ilcs /. 15. c. 5. (14) 7). Am. y^gofi. Dial, 5. das inocd,Jub Capadoc,

200 N O T I C I AS

ofFeiecerao nefte Reyno femelbantes , fe deu principio às que fe trazem.

O primeiro , que pintou Cruz nos çfcudos, foi o Emperador Conílantino ^ o qual depois , que lhe appareceo eíte divino final no Ceo , o mandou pintar nas bandeiras, e dahi nos efcudos. E porque os Capitaens antigos erao mui- to pios, traziaÔ os mais delles ordina- riamente Cruzes por divifas. Diíto te- mos em Efpanha aíTás de exemplos ; porque a primeira infígnía , que tiverao os Reys de Aragão , foi a Cruz , e os primeiros Reys de Leão, que fuccede- raò a EIKey D. Afonfo o Cafto , a trouxeraò também por armas ; e da mefmo modo o Conde D. Henrique , Que trouxe huma Cruz chaã. Daqui ti- verao origem as Armas de Portugal , porque trazendo a mefma Cruz feu fi- lho D. Afonío , depois que ganhou a batalha do Campo de Ourique , cm memoria das cinco Chagas, com que Noílb Senhor lhe appareceo Crucifica- do , partio a Cruz em cinco efcudos y pondo dentro de cada hum trinta cír- culos , que denotao os dinheiros, por- que Chriílo Noílo Senhor foi vendido.

A-

DE Portugal. 201

Além difto para ficar lembrança da grande vitoria , que alcançara dos Mou- ros , atraveííou quatro cordoens no ef- cudo 5 dous em Cruz de meio a meio; e dous em aípa de canto a canto , fa- zendo de outro cercadura, e por todos ellcs pendurou muitos efcudos j poílo que quatro , que íicao dentro no eí- cudo , e o do chefe da bordadura 5 faó notavelmente maiores ; e feitos a mo- do de adargas ; eíles parecem dos cin- co Reys , que alli forao vencidos , e os mais feriao de outras peíToas prin- cipies , ou dos que ElRey por íua mao alcançaíTe. Eíta me parece a origem , que tem eíles efcudinhos , e cordoens d'ElRey D, Afonfo , os quaes fe vem nefta forma , aílim na fua fepultura em Santa Cruz de Coimbra , como em to- dos os feus privilégios , depois da ba- talha , dos quaes eiíaó alguns no Car- tório do Cabido de Évora. Porém D. Sancho í. dcípejou logo o eícudo dei- tes efcudete? , como parece entre ou- tros exemplos pelos cunhos dos ieus inaravidis ; hum dos quaes tenho de ou- ro do tamanho de humtoftao, no qual çUq eíii eículpido de huma parte ar- ma-

202 Noticias

mado a cavallo com eípada na niaá, e da entra os cioco cfcudos em Cruz , que nus chamamos Qiiinas , e dentro em cada lium cinco dinliciros nao mais.

com tudo nas mefm-as Cruzes , que le trazem por mais , varias diíFe- renças ; porque humas faó chaas , co« mo as de S.Jorge, outras floreteadas , como ns de Aviz, outras com as pon- tas quadradas, como as da Cruzada, e finalmente outras feitas em aípa. As ar- jtias de Morimundo Convento Ciílerci- ence eraó huma Cruz íloreteada ; (15) quero dizer, era huma Cruz , cujos bra-- ços 5 e haíle remata vaó em flores de liz. E porque Ca la trava foi de lua juriídic- çaó , ficou à fua Ordem huma Cruz fe- melhante por armas ^ e depois a Alcân- tara , c Aviz, por ferem Ordens Mili- tares, que liie eftiveraò fojeiías.

Mas fem embargo diílo dizem mui- tcs Authores , que as Cruzes íioretea- das , que íe trazem nas armas em EN panha , tivcrao principio da batalha das' Navas de Toloía , por huma femelhan- te , que appareceo no Ceo o dia da peleja ,

co-

(15) 2;pei tom,j,annQ iiiy, c.s»

DE Portugal. 203

como diz largamente Gonçalo Argòte : ( 16) e pofto que cUe mofcra ifto ma- is propriamente dos Caílelhanos , eNa- vaiTos 5 como feja certo , que de Portu- gdl mandou ElBvCy D. AfonfoIL gran- de focorro a ElRey íeu primo D. A- fonfo IX. de Caílella , confia que mui- tos Fidalgos Porrugueíes íe acharão nel- la 5 aíHm por acudirem ao urgente pe- rigo que toda Erp:uíha corria pelo gran- de poder dos Mouros , que contra os Ciiriílaos vinil a , como por moilrarem o valor de luas peílbas , para o que faliiaô da pátria a bufcar íemclhaiues empref^s , quando havia paz ^ e par- ticularmente a Caílella , como o tefcin- ca o Conde D. Pedro , (17) dizendo , quando trata da tomada de Sevilha ; Em àquele tempo os Fidalgos Portugue- fes hiaõ a Cajlella ynuitas 'vt^es , por Je provarem pelos corpos , quando em Portugal mejleres naÕ havia , Òc. Hef- tes foi hwm o Conde D. Rodrigo P^ro- jaz Pereira ; e aílim. tomou por armas éíla Cruzj (18) e o mefmo fe pòdc cn- ^^ ten-

(16) Argole JSIobkza de Andai. I, i. c. 48. (17) Conde D. Pedi t, 21. (18) Ar- gole Hbi fup.

204 Noticias.

tender dos Almadas, Albergarias, e Fa- rinhas 5 que trazem eílas armas , que provavelmente fe deviaõ achar, flo- recendo entaô ncílas Famílias Cavallei- ros de muito nome, como em fuás li- nhagens fe refere ; o mefmo íc pôde di- zer das outras , que no Reyno.

As Cruzes da Cruzada tomavaõ por iníignias os que hiaó à Conquiíla da Ter- ra Santa , e faó como a<; de Chriílo ; como fe nos Cavalíeiros Gairanes de Caftella , e as trazem os Pimen- tel s , e Teixeiras.

Outras Cruzes iià, como as de S. Jorge, que tomao os efcudos de alto a baixo , e de ilharga. (19) Eílas fe in- troduílrao por devoção do Santo , por fer advogado da Milicia , e particular- inentc o invccavaò os Inglefes , e Por- tuguefes nas pelejas. As que em Por- tugal deílâ forma , parece fe deviaõ to- mar na batalha , que fe deu em Alca- cere do Sal aos quatro Reys Mouros , que o viuhao defcercar ; (20) porque

an-

(19) H']Ji. dos Condes de B areei, de Fr, Frãuc. Di?,:7o l. z. c, 7. (20) Chron. d'EU liey D. Jf, II f. 7.

DE Portugal 205'

antes da peleja virão os noTos no Ceo hum homem mui refplandecente com hu- ma Cru7. vermelha nos peitos , em me- moria do qual he de crer , que os que prelentes fe acharão , tomarão por in- íignia eíle divino final na mefma for- ma em que lhes appareceo.

As Famílias , que trazem Cruzes fio- reteadas ^ fao : Alarcão , x\lbergaria , Leão, Meira , Meireles , Moreira?, Perei- ras , Soares de Albergaria , Silneiros.

As que trazem Cruzes da Cruzada , íao Bulhoens, Gançofo , Pim^cnteis, Teixeira.

As que trazem Cruzes de S. Jorge , faõ Almeidas , Atouguia , Blji , Frades , Loja, Mello , Pào , Sarzildes , Veigas.

§. VII. Afpas.

AS Cruzes em Afpa fc trazem nas armas por devoção de Sanio An- dré, como moílra Argòte (21) na Coi> quiíla de Baeça , a qual Cidade tomou no dia defte Santo Apoílolo , o Conde P. Lopo Dias de Haro , com 5*00. Ca- valleiros , quo forao ao íbcorro do Caf- tello , que os Mouros tinhao cercado, e em nemoria do favor , que de Santo Anj^

2o6 Noticias'

André receberão neíla tao grande vito- ria, pintarnó todos as Afpas nos efcu- dos, além das diviías , ou anuas , que cada hum trazia. Os Navarros daó efta niefma origem às Afpas , que muitas Familias díiquelle Reyno trazem , poíto que naó conde por hiílcrias , que elles le achaíTem neíle feiro. Pelo que com razão podemos entender, que as Afpas, que muitos Fidalgos deíle Reyno trazem por armaSjfe tomarão por outro femelhim- tecafo,que aconteceo na tomada de Be]a, a qual foi recuperada pelos Cliriílaos vefpera de Santo André com notável es- forço , por fer eíbe hum. dos maiores lu^ gares , e mais fortes da Lufitania.

As Familias , que trazem Afpas y fao ; Araujos , Azc^/edos , Fiiippes , Ga- go , Gua ricos , Miranda , Palameque , Orofcos , Rochas. A Afpa dos Mirnndas pode fer pela razaó dirá , fe náõ he em memoria do fcu Jblar de Miranda , que eílà em Afturias , junto a Santo André.

§. VIU.

c

DE Portugal. 207

§. VIII. Vieiras.

Onta D. Mauro Ferrer (22) na vida do Apoílolo Santiago, que trazen- do os Diíci pulos do Santo feu Apodo- lico Corpo em hum Navio , quando hia para Galíiza , fe cílavaõ fazendo na pra- ia luimas grandes feílas peia celebração .do caíamento de hum principal Seniior da terra de Maya , e que o cavalío em que andava , íe mcteo peio mar atè che- gar ao Navio ; deixando íurpeníos a quantos o viaó , e muito mais o Cavai- leiro, por fe achar todo cubcito de Vi- eiras a fi , e ao cavallo ; e dizendo aos Diícipulos o que lhe tinha acontecido , elles lhe declararão , que com aquelle milagre quiíera NoiTo Senhor honrar o Corpo do feu Apoílolo , e depois de o bauri/^irem , íoou huma voz do Ceo , que dilTe como anuellas Vieiras haviao de íer a iníignia do Santo : e tornando o Cava!leÍ!0 a terra com taó grande mi- lagre, foi occafiaô da converíaÔ de to- dos

(22) V, Mauro Fcner. L 2. c. 2. ó' /. 3.C. u.

2o8 Noticias

dos, O qual calo além de fe contar no Santoral de Alcobaça , fe confirma pe- los veríos de hum H^mno , que canta a Igreja de Oviedo a 25. de Julho, que diz aílim.

Cunclis fnare Cf^rjicntihus , Sed à profundo ãucltur , Natus Rfgts fubmergitur, Totus pie nus concbiíibus. Diz o Author, que daqui vem mui- tas Fam.ilias nobres de Heípanha traze- rem por eíle cafo Vieiras nas armas.

Por razaô deíle principio os Caval- leiros da Efpada , que íe dedicarão a Santiago , logo depois da grande vito- ria de Clavijo , trouxerao nas bandei- ras por fua devoção as Vieiras, e or- narão com cilas os Templos , que ao Santo dedicarão. Pelo que como efte gloriofo Patrão de Heípanha foíTe o principal advogado dos Soldados, por devoção fua tomaraÕ muitos efta iníig- nia. E affim tenho por mui provável , que as Vieiras , que íe trazem em Por- tugal , fe tomarão da batalha do Cam- po de Ourique, por fe alcnnçar eíla vitoria vcfpcra de Santiago , que por íer cm, tal dia , a deraõ os noflbs com

cer-

DE Portuga l; ^09

terta confiança de vencimento , e ven- do que ElRey tomava armas novas por memoria deite feito , faria cada hum o meímo.

As Familias , que trazem as Vieiras nos Efcudos , fao os Barbofos , Barro- fos , Barradas , Calças , Calvos , Ca- iheiros , Camellos , Márizes , Pimente- is , Rochas, Seraiva, Sequeira, Velhos, Vieiras. Pela mefma devoção de Santiago tomarão os Falcoens os Bordoens , que coftumao trazer os Peregrinos do mef- mo Santo.

§. IX.

Meyas Luas,

AS Meyas Luas fao infignlas pró- prias dos Mahometanos , como moftra Joaó Botero , (23) c o Padre •Frei Marcos de Guadalajara na fua Ex- pulfaó dos Mourifcos , (24) onde lar- gamente as razoens , que para iíTo tem; ,e aíTim as trouxeraó íempre por íinaes ,cm fuás bandeiras todos os Príncipes da- ^ O quel^

(25) Boter. Rei. un. p- 5, /, 2. (^4) Fr, Març, ds GHaialajaru ç, iz.

210 Noticias

quella Seita , como he notório , e fe vh de Argòte , (25) Pelo que os Cavallei- ros 5 que nas batalhas tomavaò algumas bandeiras aos Mouros, pintavaô nos Eí'- cudos para memoria , ctropheo as mef- mas meias Luas , como fe em mui- tas Familias de Cafteiía. Nefte Reyno íe tomarão muitas nas batalhas com os Mouros , e principalmente na de Sevi- lha. Exemplo feja Gonçalo Mendes de Soufa 5 que acompanhou ao Infante D. Sancho , quando foi fobre Sevilha , e na batalha de Guadalquibir , tomou aos Mouros quatro bandeiras, e porque ca- da huma delias tinha huma meia Lua y tomou por armas no Efcudo huma qua- derna feita das quatro meias Luas , e as bandeiras mandou ao Moíleiro de Pombeiro, onde ainda hoje fe confer- vaõ.

De femelhantes cafos podemos dizer tiveraô origem as meias Luas , que tra- 2em nos Efcudos as Famílias nobres dcf- te Reyno j que faô Alardos , Alpocm, Amaral , BeíTa , GaíFena , Carvalho , FroeSj Góes , Homem , Lemos , PcíToas ,

Pin-

(^is) Arou 1,1, ç, 44. ^ 74«

DE Portugal. 211

Pintos , Queirós , Soufa , Taborda ; .Valentes , Zagallos.

§. X. EJlrellas.

AMeíma occafíaô tiveraó as Eftrel- las y porque ordinariamente uíaô os Mouros , alem das Luas de cinco Ef- trellas nas bandeiras, por denotação dos cinco Planetas , que tem Eftrellas , a que chamaô Errantes , como íc nas ar- mas do Miramolim Rey de Córdova , Granada , c Baeça , que traz Argòte. (27) Exemplo feja difto Memmonis , que acompanhou ao Infante D. Sancho , quando foi na batalha de Sevilha , do qual fe conta na Chronica d'ElRey D. Afonío Henriques , e o refere Duarta Nunes na mefma , foi. 5'!. verf. que eíle Fidalgo tomou a bandeira d'ElRey de Sevilha , na qual tinha pintado cinco Eílrellas , como refere Gonçalo Argòte de Molina lib. i. c. 44. da Nobreza de Andaluzia , e afUm tomou por armas a.s mefmas cinco Eftrellas, Por femelhan- te occafiaõ trazem os Fonfecas outras O ii cin-

{i6) Hift. Benediãina de Port. Trat. i , ç. 8. p. 2, (27) Argòte no lugar çitadg

212 Noticias

cinco Eftrellas por armas , por as trai zer nas bandeiras ElRey de Lamego , a quem os primeiros deíla geração ca- tivarão , eromaraò a Cidade. E dahi as tomarão também os Courinhos , que del- ias deícendem. As Familias, que as tra- zem , fao Alvellos , Avelares , Barba- dos , Barbudos, C^acoto , Coutinhos , Freyras, Mecedo , Pereílrellos , Rojas, Salazares, Tavares, Leaes,

§. XI. Arruelas.

ARruelas fao círculos redondos , que muitos tem para fi íignificarem Elcudos ; por quanto foi coftume entre os antigos tomarem por final do inimi- go vencido o Efcudo , ou Elmo. Po- rém Gonçalo Argòte de Molina (28.) no liv. da Nobreza de Andaluzia cap. 103. diz que ElRey Artur de Inglater- ra , quando inílituhio os Cavalleiros da Tabola redonda , que he o mefmo , que mela redonda , deu por armas a Janazio o Forte (que era hum dos mais valero-

fos)

(28) O mefmo NobiL de JndaL /. 1. f, 103.

DE Portugal. 213

fos ) treze Arruelas , íignifícando na fi- gu.a de Arruela a mefa redonda , e o nura:ro de treze íerem outros tantos os Cavalleiros ; porque doze forao eíco- lliidos à honra dos doze Apoílolos , e o decimo tercio era o meimo Rey Ar- tur. Depois o Emperador Carlos Ma- gno fez outra companhia de doze Ca- v.lleiros , a que chamou Pares, que quer dizer iguaes ; e por iíTo também comiaó em meia redonda , onde naô ha cabeceira. ( 29 ) Pelo que muitos Fidal- gos , ou por deícenderem deites Caval- leiros, ou por fe moílrarem femelhan- tes a elles no valor , e merecimento , tomarão por armas as mefmas Arrue- la^ , variando no numero : mas de or- dinário eraó féis , porque parece , que uíando do vocábulo, Par , que na 6 fo- mente fignifica igual , mas também dous íendo as arruelas de pares , as íeis mon- tavao por doze. Daqui parece , que ti- veraõ principio as treze Arruelas , e as féis dos Caílros , e as féis Arruelas dos Mellos , e Almeidas , as quaes eftaò me- tidas entre duas Cruzes dobradas, que

tam-

(25?) Hifi, de Avil. p. 4 §1 i

214 Noticias

também denoraô o mefmo nome de Par. As Famílias , que trazem Arruelas , Ía6 Almeidas , Caflros , Doutiz , Ferraz , Gouvea com Cruz dobrada , Mellos , Taveira , Teives.

§. xir.

Flores de Liz,

A Origem dos Lirios nos Efcudos, parece que fe tomou do fucceíTo d'ElRey de França Clodoveo , (30) o qual antes que fe bautizafíe, dizem que trazia no Elcudo huns Sapos , depois que fe baurizou , lhe appareceo hum An- jo com huns Lirios de Açucena na maÓ, a que os Francefes chamaô Flor de Liz; e lhe mandou, que tirados os Sapos, puzeíTem por iníignias aquellas Flores. Saô os Lirios hieroglyphicos da perfei- ção, da pureza, e da eíperança do bem publico, como moftra largamente Pierio Valeriano nos feus Hieroglyphicos \ (31) c por fer a mais fermofa Flor de todas, he NoíTo Senhor nos Cantares compara- do

(50) Hifi, de França* (51) Pier. Hkrogh l. ss. lilio.

DE Portugal. 215"

do a ella. E no Evangelho diíTe Chril- to, que nem SalamaÔ em toda íua gloria fe veílira taò ricamente, que cliegaíTe á belleza de hum Lírio. Por eílas ra- zoens tomarão muitos Cavalleiros as Flo- res de Liz por armas , e as deixarão a íeus deícendentes , como fora 6 os Aibu- querques,.os Gouveas, &c. Os de Fa- ria trazem as Flores de Liz fobre o Caí- tello, por quanto em cima do monte, donde o Callello de Faria eílá , perma- nece ainda hoje huma Igreja antiga de grinde devojaó , c romagem , que cha- maò Noíía Senhora da Branqueira , a qual fundarão alii huns Monges Bentos, que foraò os primeiros , que de Fran- ça vieraô a Portugal ; e alli tiveraõ hum celebre Mofteiro, e por íerem eíles Mon- ges Francos, e de França , puzerao nas armas Flores de Liz Franceías. Os de Mi- randa também trazem Flores de Liz Franceías no vaó da Aípa , a razaó he , porque fe prezaó de virem de huma Senhora da Gafa de França , cuja figu- ra trazem por timbre do Brazaô numa imagem de Donz^^lla , e em. fua memo- ria puzeraô tamb..^m os Lizes Francefes no E feudo.

As

^i6 Noticias

As mais Famílias , que trazem Flo- res de Liz , faó : Aldana , Atouguia , Borges , Carrilhos , Cafal , Fraíbens , Guedes , Le/tes , Toronhas , Madurei- ra , Maldonado, Marinhos, Martines , Matta, Moras, Meirinhos, Pavias, Ran- geis, Reymondo, Rodrigues, Soares de Toledo 3 Travaços , Varejola.

§. XIIL Caftellos.

OS Caftellos faó antigas diviías das mefmas terras , como íe pode ver largamente na Noticia dos Impérios. Pe- lo que os mais dos Alcaides , e Senho- res, que os tiveraó por folares, ou os tinhaõ a feu cargo , os tomarão por ar- mas* As Familias , que os trazem em Portugal 5 faô Alcacevas , Afturias , Bar- rigas, Benambia , Berredos , Botos, Ca- ineras , Carvalhoía , Caftilhos , Celemas , Correlhas Cotifer, Coutos , Efparragofa , Farias , Frias , Flores , Giroés , e huns Guzmaens com arminhos , por virem dos Duques de Bretanha , que os trazem por armas ; ainda que outros trazem Cal- deiras de Ricos homens , Horta , Larze- dos 3 Malafaya , Menagem , Mouras ^

Pi-

DE Portugal. 217

Pinas 5 Rolins, SaldanJias , Sobrinhos, Tangere, Ternate Vellez , Velloíos , Zufarte.

§. XIV.

Cifras dos AppelUdos.

AS iníígnias mais ordinárias de to- das as armas de Efpanha íaô a ci- fra do meímo Appellido , como confeíTa Argòte deMolina L i.c. 42. ôc 43. aon- de diz 5 que os Reys de Leaô tomarão por armas hum Leaó , como cifra do ti- tulo defeu Reyno de Leão , e os de Cal- tella hum Caílello. E aííim vemos em quafi todos os Appellidos, que ílgnificaô algum íinai, ou inftrumento , os daquel- la linhagem tomarem por armas a mcí- ma figura do Appellido. O? que trazem em Portugal nos efcudos por armas as peças , que íignifícaô os Appellidos , por cifra , faÒ as íeguintes. Os de Abreu, ou Avreu, os Cotos de avesj Alvernazes , ramos deCarapero, alludindo ao verde «perpetuo de VeraÓ i os de Arco , o ar- co ; os de x^gumias , gumiz ; os de Agui- ar, águias ; os Aranhas , huma aranha ; t)s de Azinhal , azinheira j os Azambu-

* jas,

2l8 N o T I C I AS

jas , hum azambujeiro i os Bacellares , huns bacelios verdes j os do Appellido de Badajoz , a Imagem de S. Joaó Bau- tiíia com a mefma Cidade na maõ , que tomarão , por a Se de Badajoz fer do Orago de S. JoaÕ Bautifta , e íer o Caí- tello a Cidade ; BayaÕ , cabras, por ha- verem fido Senhores de Cabriz i os de Belliagua , as aguas; Bicudo derivado de pecudum , que he gado , hum car- neiro ; Biícaya , as armas de Bifcaya ; Biveiro , Caldeiras de Ricos homens ; Borreco , borregos ; Botillier , humas botelhas \ Brandoens , brandoens , os Cá- ceres trazem huma palmeira , que he infignia de vitoria ; porque ainda que a parte d'ElRey D. Pedro , queíeguiraô, ficou vencida , e elles forao defterrados de Caílella , ficarão com a vitoria de fe nao íbgeitarera à parte contraria, e con- fervando fua lealdade. Também fe tra- zem as folhas de Golfão , por final da vitoria do campo , onde fe deu a bata- lha , como fe nos Furtados , Mon- toyos , e Taveiras ^ Cabral , cabras , Cal- deiras i Camoens , a ferpente, que Cadmo matou 5 por fe prezarem de deícenderem delie j Capatas , humas japatas j os Car- do-

DE Portugal 219

dofos , cardos ; os Carneiros , carnei- ros \ Carrafcos , hum carraíco \ Carva- ihaes, hum carvaliio , Carvoeiro , matta para carvão ; Carvalhos , carvalho ; Cer- veiras , cervas , Chacins , os arminhos por antiphraíi ; Chaves , chaves i Cir- iies 5 hum cirne ; Coelho , coelhos , Cor- dovil , oliveira cordovil ; Cordeiros , cordeiros ; Corvachos , corvos -, Coíla , coftas ; Corrêa, correas. Cotas, huma cota de armas -, Couros , a íerpe aíHm chamada , Cogominhos , Chaves , por terem por lolar eíla Villa , e haverem fido feus Alcaides Mores ; Cunha cu- nhas; os Delgados , hum limoeiro com huns limoens de ouro , alludindo à ce- lebre Albergaria de Payo Delgado , que fundarão em Lisboa no Titio do Limo- eiro; Dragos, dragos ; Evangelhos , as figuras dos quatro Evangeliílas ; Fagun- des pelo folar de Chaves , trazem chaves; Farinha , bolos de farinha \ Fialho?, três mundos , alludindo à palavra : Fi/it luz\ Figueira, humas figueiras j Figueiredo, folhas de figueira \ Fogaças duas foga- ças ; Fragoíbs , que em latim fe cha- maó : Fulgojos ^ três Soes rcfplandecen- tes ; Galvão, hum gavião. Gavião , huns

s^-

220 Noticias

gavioens ; Garcez , garça , Gatachos I e Garos , huns gatos , os Guantes tra- zem manoplas ( que íao guantes) de pra- ta ; Lagartos , lagartos ; Lagos , liuma torre com hiuiia ribeira ao ; Lanço- ens , lançoens •, Laras , caldeiras de Ricos homens : e do mefmo modo os Ivlamicjues : Lobatos, lobos, Lobeira, iobos : Lobia , cordeiros, por íer a relê dos lobos : Lobos , lobos : Loií- ladas , as loufas dos lagartos : Lucenas trazem hum Sol , alludindo ao no- me da luz , da qual he o Sol a fonte : Lúcio , o peixe lúcio : Lunas , humas luas , Machados : Mattos matta com le- oens 5 Moraes amoreira , Monteiros , cornetas de montaria : Nabaes , e No- vaes , novellos. Oliveiras , oliveira : os de Orriz trazem hum Sol , pela equi- vocaçao de Ortus , que por antonoma- íia , quer dizer o nafcimento do Sol , e pela allufaó do verfo do Píalmo : Ortus eft foi: Pachecos , caldeiras de Ricos homens : Padilhas , humas paz , Faça- nhas , Jiuma banda vermelha com den- tes de Serra pelo folar em Génova fe chamar Penha , ou Serra roxa , que era Kclía linguagem he vermelha: os Pedro-

los,

D E Portugal. 221

íos, cinco pedras em aípa : Perdigão per- digoens : Pereftrellos , eílrellas : Pinhei- ros , pinheiros : os Porras , humas cacha- porras : os Puges , humas eipòras quaíi pungentes, ou picantes : Rego, rego: Ri- bafria, Caílello fobre ribeira : Ribeiros , ondas , Sardinhas , hum ribeiro de íar- dinhas : Rio , e Rios , faxas de agua : Sarmento , huns farmentos : Seixos ^ Pombas feixas : Serniches , humas fer- ras : Serpas , Serpe : os Sylvas , a Í7I- va : Távora o rio Távora : Torquema-» das , huma torre abrazada : Tourinhos , touros , Sodres , quafi fobrij , e tem- perados, tresgomiz: Trigueiros , efpi- gas : Vaíconcellos , as ondas dos ribei- ros , por defcenderem delles : Segura- dos , cinco machadinhas ; que os lati- nos dizem Securis : Torres , torres : os Correas da Sylva trazem huma peile de Leão, alludindo fer própria morada de Leão a fylva , conforme aquillo da E(- critura. (32) Kereditas viea quafi leo in fylva : e que de pelles de Leoens faó aS 'fuás correas.

§. XV.

(j2) Hmçm. iz.

^22 Noticias.

§. XV. Defcendencia.

MUitas Famílias tomarão as armas daquella Cafa , e Família donde íiverao feu tronco , de que podem ícr exemplo as que defcendem dos Reys.

Os de Soufa trazem as Quinas Rea- es 5 por cafar D. Gonçalo de Soufa com Dona Urraca Sanches , que era fobrinha d'ElRey D. Afonfo Henriques; e aílim meTn-Q o Leaó , por defcenderem de hum filho baílardo d'ElRe7 D. Fernan- do o Grande de Leaó , que foi o pri- meiro de Caftella.

Os Silvas trazem o Leaó por armas, por ferem defcendentes d'ElRey D. A- fonfo de Leão , pai que foi de D. Ro- drigo Afonfo da Silva , cuja mãi era Dona Aldonça Martins da Silva , co- mo refere o Conde D. Pedro tit. 58, §. 2. das fuás Linhagens.

O mefmo LeaÓ trazem também os Telles , por ferem defcendentes de hu- ma filha d'ElRey D. Ordonho de Lea.6.

Os Limas trazem o mefmo Leão , por ferem defcendentes de huma irmaa d^ElRçy D. Afonfo Henriqucí; filha da

Rai-

DE PORTUGAE. 223

Rainha Dona Tiíerefa, e neta d^ElPvey D. Afonfo VI. de Leaõ , e C íleila , como fe refere na 3. p. da Monar. Lu- íit. 1. 9. c. 23.

Pela meíma caufa trazem os Albu- querques as Armas Reaes, por dccen- derem de hum filho baftardo d'ElRey D. Diniz.

Os de Eça como defcendentes d'E'- Key D. Pedro de Portugal trazem as Armas antigas Reaes com os cordoens , como as trouxeraô os primeiros Reys deile Reyno.

Aííim mefmo os Noronhas , e Hen- xiques por ferem defcendentes de D. A- fonfo, filho natural d^EIRcy D. Hen- rique o Nobre Rey de Caftella , e Do- na Ifabel filha natural d^ElRey D. Fer- nando de Portugal , trazem o Efcudo quarteado das Armas de Portugal , c Caftella.

Os Senhores da Caía de Bragança até o Duque D. Gemes , e os que del- les defcendem, que faó os Duques de Cadaval , os Condes de Vemioío , de Odemira , os de Faro , e os do Vimi* çiro trazem as Armas de Portugal ena

af-

224 Noticias '

aípa , por deícenderem d'ElRey D.

Jo^:Ô I.

Os Lancaftres trazem as Armas de Portugal 5 por deícenderem d'ElRey D. Joaô II.

Os Zvíanoeis , ou de Vilhena , como defcendentcs do Infante D. Manoel , fi- lho d^ElRcy D. Fernando o Santo de Caftella trazem as Armas , que o meí- mo Infante tomou , que foraô hum Ef- cudo quarteado, numa parte hum Leão, que íigniíica o brazaõ dos Reys de LeaÓ, e noutra hum braço com humia ;iza , e na maÔ hiima efpada , que vem a fer a maó de hum Anjo , alíudindo a fua mai , que era defcendente de Ifacio Angelo Emperador de Conftantinopla.

Os Lncerdas vem do filho mais ve- lho d'ElRe7 D. Afonfo o Sábio de Caf- tella , e por iíTo trazem as Armas de Caílclla 5 e LeaÓ miíluradas com as de França ^ que por iua mai lhe perten* ciao.

Os de Mendoça trazem o E feudo di- vidicio em campo verde, e banda ver- melha , ^m cada "parte hum S. negro: o Eícydo verde -tomarão do -Cid Rjjy Dias 5 de que muitos Authores affirmao,

que

DE Por tug AL 215*

que os deíla Familia íao defcendentes ; o qual corno coníla do Conde D. Pe- dro , quando falia da b.ualha dEIPvey D. Garcia , e D. Sancho fobre Sanea- rem 5 refere que vendo ElRey de Caf- tella hum pendão verde, diíle , que ri- nha em fua ajuda o Cid, por fer mui conhecida eíl a divifa por íua , e os S. S. trazem por fuziz de ceda , como deícen- denres dos Furtados de Mendonça , que em Gaílella rrazem fobre o Efcudo as cadeas, que romarao no rompimento da baralha das Navas de Tolofa ^ e as fo- lhas de golfão por outra grande vito- ria, que alcançarão, tomando por ar- mas eílas hervas do campo , como re- fere Argòte de Molina 1. 2. c. iio. da Nobreza de Andaluzia.

Os Vafconfellos dcicendcm dos de Ribeira , os quaes tomarão por armas as ondas , alludindo à Ribeira. E como os Vafconcellvos fuccederao no Senhorio grande dos Ribeiros , e leu illuílre fan- gue , trouxeraó também íuas armas.

. Os de Alvarenga trazem as mefmas, por ferem defcendentes dos Vafconcel- los.

Os Barbduos péla iiiemfa razão.

P Os

220 Noticias

Os Barreros tomaraó as armas dos Arniiiihos, por ferem defcendeiues dos Senhores de Cíiacim , que foraô Fidal- gos muito principaeá deíle Reyno ; os qiiaes por contrapofiçaó do nome do folar, que rinhao de Chacim , que quer dizer porco, por denotarem fua pureza em to- da a mareria contra a immundicia do porco, ufaraó de arminhos no Efcudo, que faò os animaes , de quem faz men- ção Plinio 1. 8. cap. 37, que faò bran- cos como neve; e delles fe diz, que cftimaó tanto a brancura de feu pello, que fe lhe cercão o higar, onde fe reco- lhem , de lodo, ou coufa com que fe pof- faõ manchar, fe deixao antes prender do caçador, que ficarem fujos. Donde nafceo a celebre empreia : Maio mori , quarn jctdari, Tomaraó os Bârretos eílas armas dos Chacins , por defcenderem de Nuno Marrms de Chacim, e de Do- na Maria Rodrigues Chacim fua filha , com quem caiou Marrim Fernandes de Barreto, coino conda do Conde D. Pedro íit. 39» §. ulr. Os Arminhos dos Caíla- nhedas , Boreros ; Gayos , c Goyos pro- cedem da melma defcendencia.

Os Fonfecas trazem por timbre hum

D E P o R T U G A L. 2 27

Bszerro , por deícenderem do? Bezerras de Caíl^rlía, co:no co:;lL do Conde D. Pw-dro tic. 66, §. 3.

Os Peixoros trazeai por tiajbre irJiii Corvo por deicenar^reiii ae Mem Corvo Alcaide ivíòr de Lanhoíb , Fidalgo mui conhecido nos reiripos anrigos ; por quan- to João VciZ Pv^ixoro cafou coiv. D. Gui- omar Annjs nela de iMeiU Corvo.

Os licfenicá trazem duaá Cabras por armas , por dcícend^retu dos Scchureá de Cabriz.

Oo PaUias trazem as armas dvjs Al- meidas, por dcícendercm dclics.

.c \'' r T

Armas tomadas pjr ca [os fartlcu*

lar dS.

Srtenderao E iiperadorcs de ii- iemanha , que loÀ-os os Re7s deEa- ropa íc r-rconiijceííeai por íeus vaiiaiios ; e havendo ein Roaia hum Cavadeiro Alemiò , que peLiS a raias defeiídia eile Direito , íegundo o C..)ade D. Pedro conta, (3^; D. Saeiro J^ljadcs da M iia P ii o

228 Noticias

o Bom entrou com eíte A!e;Tia6 em de- íaíio , e vencendo-o libertou o Direito de H^fpanha do feudo, que pertendia o Império. E dizem os de Amaya íeus dcícendcnres , que por eíle caio toma- ra D. Sueiro por armas a Águia negra do Império; que era a que o Cavall:íi- ro Aíemaô defendia.

Conta o Conde D. Pedro no tit. 64, em qne falia na Família dos Vallcs , que Alartim do Valle , chamado da Eípada , fervindo a certo Conde, outro Conde feu inimigo o matou ; e Martim do Valle tomando a eípada do Conde feu amo , lidou com o matador , e o matou , donde dizem feus deícendentes , que tra- zem por armas as três efpadas , que faó a fua , a do Conde feu amo, e a que tomou ao Conde, aquém elle ven- ceo ; e por illo foi chamado o da Ef- pada.

Os do Appellido Corte Real trazem fobre as armas dos Coílas huaia Cruz branca , que dizem ganhara Vafque An- nes Corte Real a hum Cavalieiro, que viera pedir defaíio à Corte d'ElRey D. Duarte ; e porque o venceo com gran- de valor, dizem, que diíTe ElRcy que

a

DE Portugal. 229

a fua Corte era Real , quando Vaíque Annes eftava nella ; e daqui tomou elíeo Appellido, e o acrefcentaniento da Cruz nas arma?.

Quando E^Rey D. Afonfo V. paliou a Africa a toir.ar Arzilla , o acompanha- rão cinco Irmãos da Familia dos Pimen- teis naturaesde Villa Real; e como fen- do entrada a Cidade , os Aíouros fe fí- zeíTem fortes naMefquita, donde fazi- grande reíiítencia , íem poderem íer entrados : eftes irmãos , tirando os cin- tos , e atados huns nos outros , os lan- çarão a Jiuma ameya , e fobindo por elles acima , levantarão Jiuma bandeira , e por alli foi entrada a Meíquita , e mortos os Mouros. Por cíle feiro tao honrado , lhe deu ElRey D. Afonfo V. por armas em campo de ouio cinco cin- tos vermelhos com íivellas de prata \ e tachoens , e huma bordadura azul com fete Flores de Liz , por timbre hum meio Mouro com huma azagaya na mao e huma bandeira de prata , e p.or Appe- llido o me'mo nome de Mcfquitn.

Eílando o nofio Exercito íobre Tan- gere , vc\ o hum Mouro afazer grandes algazares , e pedir deiano , ao qual fa-

hio

130 Noticias

hio logo Gabriel Gonçalves Themudo, e correndo com 2 lança , o derrubou do cavalio abaixo , e lhe cortou a cabeça , e ap-prefentando-fe com elía diante d'El- Rcy D. Afonío , lhe deu em memoria por armas hum.a Águia de duas cabe- ças , com huma cabeça de Mouro aos. yh , c cercado o Efcudo com hum cor- dão de S. Francilco, por haver acon- tecido em feu dia eíte valerolo fucccf- io.

Goncálo Pires Bandeira , nao fe lujuve bar:ilha do Touro com gran- ule valor, mas vendo , que lium Cavaí- jeiro Criílelhano levava prcfa a bandei- ra Real de Portugal , invcílio comi elíe, t lha tomou das mãos , e a libertou ; (34) e por eíle Feito iníigne EIRey D- Jo- ão II. llíe deu por armas huma bandeira branca com l-nim Leão nella de prata , denotando na bandeira a Real , que li- bertara , e no Le^o o valor , e esforço , que neíle cato moltràra. Eaííim lhe deu timbem o anpcllido de Bandeira , com que hoje íeus defcendentes íe nomeaò.

Fer-

(^4) Cbron. de D, jcaõ II. de Duarte

DE Portugal. 2^1

Ferna6 Gomes natural de Lisboa , fe obrigou a ElRey D. Afonfo V. a con- tinuar o deícobrimenro da Coíla de Afri- ca , que tinha começado o Infante D. Henrique. (35) E porque comprio eíle intento com grande diligência, e deí- cobrio a Mina , donde veio tanta copia de owro a Portugal , lhe deu ElRey D, Joaó II. o Appellido de Mina , c por armas hum Eícudo cm campo de prata , e nelle três meios Ethyopes de preto dos braços para cima em roquete, com co- lares de ouro ao pefcoço , arrecadas nas orelhas , c nos narizes.

Diogo Cao Capitão de valor hindo por mandado d'EIRey D. Joaõ II. def- cobrir a Coíla de Erhyopia , foi o pri- meiro , que deu noticia do Rio Zaire , em cuja boca poz hum padrão; em ra- zão do qual fe chamou também Rio do Padrão , e foi o primeiro , que defco- brio o Reyno de Congo , e deu noticia de noífa Santa àquelle Rey. (36) Em incmoria dede feito lhe deu ElRey por armas duas Colunnas , ou Padroens de prata cora duas Cruzes em cima pelas

que

(^:^$)^Dccad, I. de Barros l. 2. f. 2,

232 Noticias

que poz neíle defcobrimcnto , em qiiç chegou atè o Cabo da Boa Eíperança.

Depois que o grande Valco da Ga- ma veio do defcobrimento da Índia, enrre outras nieFcè.s , qutí ElRey D. Manoel lhe fez ein remuneração de taõ herói- co feiro , foi huma , que elle podeííe trazer no meio de íuas armas as Quinas Reaes de Portugal ; (37) porque aílim como com efte defcobrimento fe accreí- centava o Reyno de Portugal por aquel- la parte do Mundo de Afia , aflim era razão , que quem abrira caminho a eíle novo fenhorio de Poitugal, paríicipaí- (e das Reaes iníignias dellc.

Vaíco Fernandes Cefar andando guardando o Eílreito com huma Cara- vella 5 lhe fahlrao féis Galeòtas de Mouros , que aprtadas em duas aias o invcftiraó , porém elle com incrí- vel valor as venceo todas. (38) Pelo (juc ElRev D. JoaÓ lhe mandou aç- crelcentar ao Efcudo de fuás armas as féis Galeòtas , e a fua , com que elle ven- ceo ^ por Timbre do Efcudo.

Em

.C^"7) Dcc. I. de Barr. /. 4. f. lí.

C58; Cbroih d' ElRey D, Manoel 4. f. ^S.

DE Po R TUGAL. 233

Em hum focorro , que ElRey D. Manoel mandou a Arzilla , foi Chriílo- vao Leitão por Capitão de Infantaria, onde por feu esforço , e induílria deíen- deo huma Torre , que quafi os Mouros tinhaó entrada. Pelo que ElRey D. Ma- noel lhe concedeo , que íobre as armas dos Leitoens pofeíTe a Torre de Arzilla encravada de íettas em campo vermelho, e em outro quarto duas bombardas , que tomara aos Mouros.

Nicolào Coelho foi hum Fidalgo de grande valor , (39) a quem ElRey D. Manoel deu a Capitania dum Navio , para hir em companhia do Grande Vai- CO da Gama a defcobrir a índia , no que elle fe houve com grande esforço , e ]erudencia ; e quando voltou , chegou primeiro a Cafcaes , que Vaíco da Gama, E por elle foube ElRey todo o fuccedi- do naquelle defcobrimento. Pelo que en- tre outras mercês , que ElRey D. Ma- noel lhe fez , \\\Q deu por armas em càin- po vermelho hum Leão rompente ençre duas colunnas de prata , que eílaò ío- bre huns montes verdes , e em cima de ca-

(5P) Dçc, I. de Banos /. 4. í*. 11.

234 Noticias,

cada Iiuma , iium Efcudo com cinco dinheiros , e ao o mar ; no que figni- ficou os padroens , que deixou portos no novo defcobrimento do mar , e terra do Oriente j e no Leaõ o valor , com que nefte heróico feito fe houve.

Levantando-fe o Rey de Barem contra EIKey de Ormuz, cujo tributário era, foi mandado António Corrêa por Câpi- tãÔ da noíTa gente, para que reduzifíe o ÍVLouro á obediência d'ElRey de Or- muz. (40) António Corrêa fe houve neíla empreza com. tanto valor ^ que rendo o Rey de Barem muita mais gente, clle o desbaratou, e matou, e fenhore-ando-fe da Ilha, a reílltuhio a ElRey de Or- muz. Por eíle heróico feito lhe deu EI- Rey o Appellido de Barem , e lhe acrefcentou nas armas huma cabeça de hum Rey Mouro coroada , cortada em vermelho com a Coroa de ouro.

Duarte Coelho foi hum Fidalgo de grande esforço na índia , e hum dos pri- meiros noílbs Capitaens , que chegou á China. (41) Pelo cue ÉlRey D. João

III.

(40) Hiji. da índia de Cãflanh. U 5. £. 5P. r, 60. (41) O mejmo JBrazao, O Erazao.

DE POP. T UG A L. 22^

ITI. lhe deu a Caplr;iníi de Pernambuco j^ara a povoar, e pacificar; o que ell^ icL com grande vai )r, e trabalho, e com tr.nto fruro , que ficou fendo Pernambu- co a mais rica , e populoía Capirciria, do BraílI. E aílim EíRey D. João IIÍ. no anno de 1536. entre outras mercês, que lhe fez; lhe deu novas Armas , que foraò em campo de ouro huma Cruz cháa affirmada em hum de verde, e hum Leão de purpura paíran':e , e hum chefe de prata com cinco eílrcllas de ouro, e hun a bordadura de azul com cinco caf- tellos de prata. A Cvui denota fcu folar, e fenho-rio de Pernambuco na terra de Santa Cruz , que efte nome lhe deu feu defcobridor ; e as cinco eftrellas íigni- íicao o Cruzeiro do Polo Antartico , por o Braíil ficar no outro Emifpherio; o Le- ão, o valor, com que fe houve na Con- quiíla daquella Capiíanía , por ferem próprios dos Coelhos os cinco caílellos por outras tantas povoaçoens , que na Capitania fizera.

. Luiz Loureiro foi hum Fidalgo mui celebrado nefte Reyno por leu grande es- forço , o qual ffndo Capitão de Maza- gaó, foi fobre a Cidade de Azamor,

e

2^6 Noticiai

e lhe deu o aíTalio íobindo elle primei- ro pela cfcada ao muro , e levantando a íua bandeira, <-oi a Cidade entrada, e faqueada. Pelo que EIRey D. Joaô III. no anno de ij^i. entre outras n^ercès lhe deu por Armas o campo eíVjuartela- do ; ao prim.eiro em campo verm.elho hum caílello de prata , e elle arrimado a huma cfcada de ouro, e ao conirarjo huma bandeira branca com h;ifte de cu- ro, como trazem feus dcfcendences jun- tamente com as Armas dos Figueiredos, de quem alie defccndia.

Lopo Rodrigues Camello foi mui aceito a EIRey D. Sebaftiaõ, pelas boas partes , que neJle havia de erudição , e corteíia , e haver viílo muitas Provín- cias de Europa. E quando EIRey foi a Coimbra, vindo de S. Alarcos por Ten- túgal , achou a ponte do Mondego que- brada ; e querendo paíTar a valia , Lopo Rodrigues , que hia com EIRey , lhe diíTe , que aquelle paílo era perigolb. Ao que EIRey tornou: Ora paíTai pri- meiro. Refpondeo Lopo Rodrigues: Se' Volla Alteza me engana , ditofo engano he eíle. Então íe deitou na valia, e fi- cou cravado íò com o peícoço , e hum

bra-

dePoptugal. 237

braço fora, ÇViando ElRey o vío em tao grande pcriízo, lhe pedio a mao , e to- mando-o EIRey por elia , em pouco ef- p^ço o poz em rerra. Lopo Pvodrigues, porque deft'" cafo fícaire a feus deicen- dcntes memoria , lhe pedio , que lho deAe por Armas, ElR.ey lhas concedeo, e as mandou debuxar no eícudo deíla forma : em campo de agua com hum bra- ço veftido de ouro, e outro braço ; co- mo que íae da 3gua , de cor azul, e o braço do Rcy o te n aperrado pela maõ , como fe efculpido íobre o leu íepulchro na Igreja de NoíTa Senhora da Luz.

§. XVIL

Origem dos Timbres,

SA6 parte das Armas os Tirr!)res , que hoje íe trazem fobre os Elmos, o qual ufo he antiquiíTimo , nílim entre os Gregos , e Romanos . como nos Ale- maens, fegundo fe de muitos lugares df Virgilio na guerra Troyana , e no Catalago da gente, que veio em favor «ic Turno contra En;;as. E Plutarco ef-

cre-

238 Noticias

crevencio a vida de Mário , diz (42) que a cdvallaria dos Cymbros fazia ter- rível apparencia tan.o pelo rr;lplandor dã$ Anuas, que traziaó vcílida<? , corno peia variedade das cimeiras, ou tiir.bres, que cahiao íobre as celadas , que re- prezenravaò diverías hgiiras de feras : GaleaSy diz elle ornatas horrenãis hian- tium animaiium jormts ferebant ^ ^c. Teve eíle coílume principio das gàíeas^ ou capacetes , que era armadura da ca- beça feira antigamente de couro ; a qual para maior bravoíidade, e fortaleza or- navaõ por cima com a cabeça do ani- mal , cujo elle fora: e depois vindo-fe a ufar a mefiiia gàíea de feno , naõ per- deo com tudo a forma antiga , ain-ja que mudou a matéria , como fe cni Alexandre ab Alexandro \ (4^) e pare- ce ainda das medaiiias , e eitatuas an- tigas dos Romanos , e Gregos. 0> pu- quifes , ou folhagens , que acomp.inhad ds timbres , tiveraÔ principio dos pena- chos dos elmos , como parece do mel- mo Author.

Também os Príncipes , e Senhores

Ti-

(43) Jlexander, ab AUx, l, i. c* 20.

DE Portugal. 239

Titulados trazem Corcncis em cima dos elmo?, o qual coílume , fcgiindo fe de Plmio, era incroduíido em feu tem- po. Porque tendo as Familias Nobres de Roma nos pateos das caías por m- lignias as imagens de feus anrepaífados de pio , ou cera , com as cores , e pro- porçoens de cada huma a mais natural, que podia fer j diz Plinio , que em feus tempos ufavao em Uigar deílas ima- gens, huns eícudos de bronZe , nomeio dos quaes entalliavao de meio reJevo em prata os roitos de feus maiores , ornan- do-lhes as cabeças com as iníignias tri- umphae? , òu quaefquer outras Coroas , que lhes competiaó , como coilumavao às imagens de vulto. Porem vindo-íe de- pois a perder as artes com a entrada das Naçoens barbaras do Norte; íe conten- tarão de pòr cm cima dos efcudos pin- tados os elmos fomente em memoria dos roftos , com as coroas , criílas , ou ci- meiras , que heomefmo, que os Fjan- cefes chamaÔ Timbre 3 que ihes compe- tiaÒ. Do elmo deícem penduradas duas correas , que p)arece tiveraô principio do Baltheo , ou tiracollo , inlignia pró- pria da Milícia Romana.

§. XVIII.

2 40 Noticias

§. XVIIL

Dos Gfficiaes que Reys de Fortugal

crearao para conjervaçaõ das infi^

gnias dos 2^ obres , c da Cafa das

Armas de Cintra.

IVT A confervaçaó das Armas da No- 1 ^ breza poferâô os Reys muito cui- dado, (44) entendendo, que fora 6 ga- nhadas pelo valor dos Fidalgos deíleRey- no , na recuperação delle. E como a gran* deza , e fegu rança de feus Eílados con- li-ília no valor dos Nobres , por galardão , e agradecimento de tantos ferviços , pro- curarão confervar as Armas de cada Fa- mília. Foi eíle intento taó antigo nos Reys de Portugal , que íe conta na Chro- nica d'E!Rey D. Fernando cap. 30 que mandou fazer hum rico paramento todo bordado de aljôfares com as Armas dos Fidalgos de Portugal , de modo , que naó tiverao menos cuidado da confer- vaçaó dos fcus brazoens , que dos Appel- lidos ; querendo , que aquellcs , a quem de direito tocavaô , foíTcm hon-

ra-

(44) Regimento dos Officiaes de Armaria*

DE Portugal, 241

rados com ellas. Para ifto ordenarão os Reys de Armas , em cujos livros man- darão pintar as infignias de todas as Li- nhagens do Reyno.

Começarão eíle*- OíHcios em tempo d'ElRe)r D. João I. porque arè entaõ , pelas poucas mudanças , que houve em Portugal , erao todos os Nobres conhe- ci i >s i e paciHcamente poíFuhia cada ha u a? licranç^s , e lionras , que de íe- iis paíTados alcançara. Porém como por morte d'ElRcy D. Fernando Te íeguirao t largas , e continuadciS guerras fobre a r-r:ceiTaó deíla Coroa , luílentando huns as oartes da Rainha Dona Brites filha do morto Rey D. Fernando , e mulher dElRey D. João de Caílella , e outros , as do Meilre de Aviz , e Rey D. Joaô I, de Portugal , foi tanta a variedade , e alteração das coulas , que com. razão dí'>'. o Cíironiíla , (45) que co^iieçou en- t\6 neíle Rcyno , em certo modo , e íe- tiiia idade do mundo ; porque gr^ó par- te das Familias Nobres , que feguirao a opinião de Caílella , ficarão extinílas , e acabadas de todo , e algumas , que

Q. luí-

C45) «• p. <■■ '^V

242 Noticias

íiiíleiuarao as partes d'ElRey D. João J. forao de novo levaiuadas , a giande lugar. Eítes , como naó hvãó dantes co- nhecidos , para íe acreditarem com o povo , tomarão em miiit*iS partes os Appeliidos , e ArmaS de outras Famíli- as antigas, que llies nao pertenciao. E aílim diz o mefmo Author , que no dia da batalha de Aljubarrota eílavaô as Bandeiras dos Aventureiros cheias de varias Armiís , e iníignias, que a muitos naô competiaõ. Pelo que coníiderando ElRey D. João I. depois de ter o Rcj- no pacifico , como a confuíaô deíla ma- téria era de graô prejuizo à Nobreza, iP.ovido do exemplo dos Reys de Ingla- terra , com quem eílava aparentado , introdufio o Officio dos l\eys de Armas ; e de entaÔ para os em Portugal. Prora-íe iílo , porque Fernão Lopes na 2. p. cap. 39. da Chronica deíle Rey a entender claramente, que atè o tempo da batalha de Aljubarrota os naó houve; c o mefmo parece das hiílorias dos ou- tros Reys atè entaò , nas quaes fenao acha feita menção alguma de Reys de Armas ; e com tudo de enraõ para íe trata delles nas Chronicas dos Reys or-

di-

DE Portugal. 243

di liaria in ente nos lugares , que lhes cabe. Pelo que he cvKÍenrc , que Eliley D. Joaò toi o primeiro, que o> mandou vir á Portugal. Poreai vendo ElRey D. Ma- noel, como ainda eíla inateria naõ eíLi- va em lua perf-içao, manjou x\nronio Pvodrigues leu R-y de Ar.n is às Cortes dos mais dos prineipes Chiiílaós a A^ber em particular as obrigaçoens , e ufos , que os Ofncii.es da Nobre/a tinhaó : e depois que aiíentou a ordem, que le ha- via de guardar , poz o nome , ou ( co- mo fe diz nos livros de x\-maria ) bau- rizou de novo fallando equivocamenre, com grande íolennidade nos Paços da Ribeira três Reys de Armas com feus Arautos , e PaíTavantes j e mandou ver as Sepulturas do P\eyno para deiLis fe notarem as armas , e iníignja? dos Fi- da igos ; de m^uitas das quaes fez pintar 0-? Eícudos com luas cores , e Timbres em huma fermofa AU a , que para iílb mandou e diíicar nos Paços de Cintra ; e deu comprido Regimento aos Offici- ae*s de Armaria para a con ferva çaô da Nobreza , e armas das Famílias , de mo- do que nau houvelTe mais a confulaô an- tiga.

aii Na

i44 N o 1' I c I A s

Na Caía de Cintra nao eftao todos os Brazoens , porque nao cabiaó , e fe pintarão os dâs Famílias , que enr;^õ parece andavaò na Corte, e no lervi^"o do Paço.

No ineio do teálo da Sala eftao as Armas Reaes de Portugal , ao redor as doPrincipe, Infantes D. Luiz, D. Fer- nando , D. Afonfo , D. Henrique , D, Duarte , Dona Ifab^l , Dona Brites,

Em baixo fe vem 74. Brazoens , com o que eílà fobre a porta , de diverfos Appellidos , pendurados cada tum do coUo de hum Veado , que nos cornos tem o Timbre ; eílaô em dous círculos , que por o ferem , nao ha nelies prece- dência ; e por iílo vaô aqui pela ordem das letras. a

Abreu , Aboim , Aguiar , Alberga- ria, Albuquerque, Almada, Almeida, Andrada , Área , Azevedo , Atai^e.

B

Barreto , Bctancor , Borges , Britto.

C

Cabral , Carvalho , Caftelbranco , Caf-

tro ,

DE Portugal. 245'

tro 5 de féis Arruelas , Caílro de treze , Coelho , Corte Real , Coíla , Coutinho, Cuniia.

E

Eça.

F Faria ^ Ferreira.

G Gama , Góes , Gouvea , Goyos.

H Henriques.

L

Lemos , Lima , Lobatos , Lobei- ras , Lobo.

M

Malafaya , Manoel , Mafcarenhíís , Me-iras, Mellos , Mendoça , Menefes, Miranda, Moniz, Motta ; Moura.

N

Nogueira , Noronha.

2^6 Noticias

P

Façanha , Pacheco , Pereira , Pimen- tel, Pinto. Q

Queirós.

R Ribafria , Ribeiro.

S

, Sampayos , Sequeira , Serpa , Serveira , Sylva , Sylveira , Souto -Ma- yor j Soufa.

T

Tavares , Távora , Teixeira.

V

Valente , Varconcellos , Vieira. Por baixo ao Jongo da aba do forro dcíle tedoeítaõ efcritos cíles quatro ver- íos nos quatro lados das paredes da Cafa com letras palmares de ouro. Fois com esforço , e leacs Serviço? foraÕ ganhados Com ejles , e outros taes Deuan de fer confervados.

Dei-

DE Portugal. 247

Defla cafa faz menção Damião de Gots na Chronica crElRey D. Manoel , quarta p?.rte cap. 86. foi. 112. com eílas palavras : Mandou ver todalasfepulturas do Regno , para delias fe notarem as ar- mas , e ir.fignias , e letreiros , que nellas havia , das quaes armas mandou no Vaco de Sintra pintar todolos Efcudos com fuás cores , e Timbres em huma fermo- fa Salla , que para ijja mandou fazer : alem do que madou fazer hum livro mui- to bem luminado , em que eflaõ pinta- dos os mejmos Efcudos da linhagem da ]S! oh reza dcfles Regnos , &c.

Succederao eftes Rtys de Armas mo- dernas aos Antigos Feciales Romanos , (46) que eraò os que publicavao as pa- zes 5 e guerras nos Exercitas , de que faz menção muitas vezes Lívio , e ou- tros Auíhores Latinos. Eíle cargo tinhaò entre os Gregos os Cacucearores , e en- tre Carthaginenfes os Tromíbetas , e ou- tros em outra> Províncias , Tigundo o ufo de cada Nacaó. Díoíío do Monte citado por D. Sebaíliao de Govanuvias

(47)

(46) Blond. Romau. trinmph. l. 4,

: 4*? Noticias

(47) affirma , que Júlio Cefar inftituhlo cerras dignidades , que íe davaó a doze Cavslleiíos antigos depois de jubilados na Milicia ; os quaes leva /ao nas vef- tiduras as infignias do Príncipe , e ne- nhumas armas oífenfivas ; porque eíles naò pelejavao, mas adverriaò, e notavao fomente os feitos v:^leroíos dos Sold.^dos; para que depois fe deíle o premio acs be- neméritos , e esforçados , e lhes deu no- me de Heroes , e diz que Carlos Ma- gno renovou eíles cargos com as mais coufas do Império Latino ; e do nome Heroes fe díííeraô Heraldos , eHeracs , como os châmaô em França. E aíRm tiveraó antigamente grande auíhorida- de , e delles ufaraô os Principes de Ale- manha , Inglaterra, Gaílella , e Portu- gal.

Ha trcs efpecies delles , os primei- ros , e menores fao chamados PaíTavan- tes , os quaes tem o nome da principal Villa da íua Província. Eftes antigamen- te tinhao por officio andar por varias províncias vendo os ufos , e coftumes delias. Os íegundos fe chamaõ Arautos ,

e

(47) n^ef, de la long. CiJL

DE Portugal. 249

e eraõ ordinariamente os interpretes dos Reys 5 e os que levavaõ feus recados na guerra , de que ha aíTaz de exemplos na hiíloria d"ElRey D. Aíonlo V. e na de D.Carlos V. Emperador, e Rey de Caílella: para o que quafi de todas as gentes tiverao falvo conduto. Tomaó o nome da principal Cidade do Reyno. Ultimamente faô os Reys de Armas , que fe intitulaô do nome da Província. Neíle Reyno ha três Officiaes de ca- da Província , cada hum de lua efpc- cie. Os nomes de que ufaó, fao Rey de Armas Portugal , Arauto , Lisboa , paííavante , Santarém , Rey de Arn^.a^ Algarve, Arauto Sylves , Paíía vante La- gos , Rey de Armas índia. Arouta Goa , PaíTavanfe Cochim. Os Reys de Armas tem obrigação neíle Reyno , fegundo o Regimento , que lhes deu ElRey D. Manoel, de cada hum em fua Provín- cia fazer lium livro , em que íe eícrevao todas as Famílias dos Nobres, c Fidal- gos, que nella vivem, aprnt.indo os ca- famentos , e filhos , que cad-i hum ha j e fazendo d iíTo arvores ceita^, e diítin- tas com feus nomes ; e por eíle trabalho manda ElP^cy lhe dcm os Fidalgos fuás

ga-

^^o Noticias

gajas. Tem mais obrigação de fazer ,; que cada hum traga as armas , que Jhe pertencem de direito, e de viíitar cada qual íua Provincia de dous em dous annos. Manda-liies aííim m.efmo ElRe)r íeappliquem ao eftudo da Armaria, de maneira que entendaó as cauías , por- que íe derao as armas a cada Familia ; e as poílaó explicar, quando lhe pedi- rem as declaraçoens , aíTentando tudo em fous livros. Obrigados a por em. lem- brança todo? os ftitos de arnias , que em luas Provincias paíTarern ; e aíHm mefmjo as meíagens , recados , rornecs , juílos, retos , e deJanos , eípecificando os aftos de cada couía , ccn^o ra ver- dade paíTarao. Manda que elles íós pof- faó paliar as Cartas de Armas , que fe pedirem de novo , apprefentando as pe- tiçoens aos Deiem-bargadores do Paço ; hum dos quaes faià exame de teílemu- nhas 3 porque coníle , que o que pede a Carta de armas , he daquella linha- gem , e lhe pertence, e que íó o Rey de Armas as aííinarà.

Tem também obrigação de aíTiíli- rem nos levantamentos dos Reys , nos aftos das Cortes , nas entradas folen-

nes

DE Portugal 25'!

3nes das Cidades , e no? Exércitos , quan- do os Príncipes fe achao nelks. Acom- panhaô nos adlos públicos aos Fidalgos, a queai os R-.ys dao novos Tirulos , aíTiRem nas melas ao comer dos Reys , e quando vao fora peia Cidade , e ti-: nalmente nos enterros, e exéquias. Ef-- tas faõ as obrigaçoens dos Reys de Armas, muitas das quaes naó lei f e íe cumpre, e fe he por defcuido , ou pe- los poucos prémios , que recebem de feu trabalho ; porque tirando a aíliílen- çia , que fazem aos Príncipes nos aólos públicos, e acompanhamentos , co paí- far as cartas ordinárias de Armas , no apontar as geraçoens , nao vi memoria alguma. Porém acudirão a eíta obriga- ção alguns particulares, movidos do ze- lo do bem commum , por nao íe aca- bar a memoria da Nobreza de todo. E deixando o primeiro , que iíto fez em Portugal , que parece foi conhecida- mente o Conde D Pedro , filho d'El- Rey D. Diniz ( a quem deve a Nobre- za de Efpanha iíTo, que íe delia (libe , como confeííao os Hiítoria dores Caile- Ihanos. ) Depois delle íeguio eíla em- prefa no que toca a efte Rey no fòmen- r te

2^2 Noticias.

te Xiílo Tarares Qtiartanario da de Lisboa continuando al'gunias Famílias, de que tratou o Conde. Porém ainda que o fez com diligencia , efcreveo de poucas. Imitou o Damião de GoesChro- niíla Mòr , e fez o livro de Geraçoens, que hoje eílà na Torre do Tombo im- perfeito , por lhe naò dar a vida lugar ao acabar de tcdo , e aíHm tratou lo- mente de poucas Familias. O Cardeal D. Henrique, como Principe taô zelo- fo 5 encommendou efta empreza a Gaf- par Barreiros Cónego de Évora , na qual elle confeíTa , que trabalhou mui- to , porém niío lhe deu fm: e por íua morte encarregou o Cardeal o livro ao Bifpo Jeronymo Oíorio , que oacrefcen- tou de algumas couías ; e por feu faile- cimento o recolheo o Bifpo Capellao Mòr D. Jorge de Ataide. D. António de Lima fez tambern hum Nobiliário col- legido dos livros dos Regiftos dos Reys mui apurado, e bom. Outro livro compoz também de Geracoens Diogo de Mello Pe- reira Prior de Tentúgal , parte do qual chegou a fe imprimir ; mas por juftos reípeitos , e defeitos , que tinha na com- pofiçaô, foi mandado tirar da imprenfa.

Def-:

DE Portugal. 25-3

Deites livros , e doutros, quí neíta ma- téria fizerao muitos Fidalgos , íe tem tirado muitas arvores de Geraçoens; as quaes para íerem perfeitas , coíUimao os Italianos fazer com os retratos na- turaes de cada pelToa dentro no leu cir- culo, e à roda delle lhe efcrevem o no- me, e em cima lhe põem a iníignia da dignidade , que teve , co.mo o Coro- nel, fendo Titulado , a Mitra, ou Cha- peo , íendo Cardeal, ou Pontifice : aos Santos cercão os circulos de refplando- res ; aos Generaes dos Exércitos põem por iníignia o Baílaò ; aos Capitaens da Cavallaria , o Elmo j e aos Cavalleiros das Ordens Militares aíTentaò os circu- los fobre as mefmas Cruzes ; e do tron- co da arvore penduraò o Efcudo das Armas da tal Familia.

Na explicação das Armas fizerao os Officiaes da Nobreza pouca mais dili- gencia y porque ufando fomente de cer- tos livrinhos eftrangeiros , que trstaô dâs cores, e metaes dos Efcudos , to- do feu intento poferaó em explicar ef- tas cores ; dizendo , que o vermelho fignifica fangue , o branco pureza, e aífim outras coufas vulgares , que de

ca-

2^4 Noticias

cada cor , e metal ordjnariamenre íe dizem, e por aqui expíicaô com regras geraes rodos os Brazoens. O melaio quaíi fazem das peças dos Eícudos , di- zendo qae os animaes lao m^iis nobres , que as pKmtas , e eílas , que o? mcta- es , e os metacs , que os edifícios , e outras coufas femelhintes contra toda a boa razaó. Porque defte modo fícavaó fendo mais nobres as Armas de hum particular , que tiveííe no Efcudo hum Lobo, ou huín Leão , que nao as de hum Rey , que tiveíTe hum Caíleilo , ou huina cadeia; como íao os de Caílella , e de Navarra , ou huns Efcudos , co- mo os de Portugal. Pelo que com ra- zão reprovaó eíla opinião Thomrz Gar- íbne (48) na íua Praça univerlaí , e Gregor. Lopes Madeira (49; nas Ex- cellencias da Monarquia de Eípanha ; òs quaes refolvem , que a Nob'-eza das Armas naó fe de regular peias co- res , ou materiaes , de que conftao ; mas pela dignidade de quem as rraz , ou pela bondade do acT:o , em que forao

(48) Piazza univerf. difcurf, 7-7.

C4S/) Excel, de la Monar. de Hefp, cap. A^

DE Portuga Li 255'

ganhadas. na ordem de trazçr a^ Armas poferaò maior cuidado , ordenan- do que os Chefes rragao as Armas direitas , que he o mefmo , que fem differença ; e a todos os outros filhos fegunios íe lhes põem als^uma peça no Eícudo para diíFerenç.i. Eíla peça íe to- ma ordinária inente das Armas dos Avós. E fendo muitos irmãos , o priíueiro tem a efcoliia para tomar a melhor diíFe- rença. Vc-fe iíto mui diftindtamentc na caía das Armis de Cintra , onde man- dou ElRey D. Manoel pór as fuás na meio , e à roda as de todos os feus fi- lhos ; dos quaes hum tomou por diíPe- rença as de Caílella outro as de Ara- gão, outro as de França, Inglaterra, &c. cada hum por fua precedência. Qiiando pintao os Efcudos , os poein fempre inclinados para a parte direita j pofto que os Chefes os trazem lioje di- reitos com os elmos fronteiros , haven- do algum animal no Eícudo, ou outra peça, fe põem também por Timbre: ninguém fendo Chefe pôde trazer as Armas com outra miílura , tirando íe o for de muitas geraçoens ; porque en^ taó as poderá trazer juntas. Os outros

pò-

z^6 Noticias

podem ufar das dos quatro Avò^ , quar- teadas , ou das de lud mái nen e. As mulheres trazem as Armas em Eí- cudos quadrados poítos com a ponta pa- ra cima , partindo o campo em palia , e deixando a parte direita delle para as Armas do marido.

§. XIX.

Do modo , com que faÕ pojios os nomes aos Officiaes da Armaria,

ELRey D. Manoel depois, que man- dou fazer o Regimento dos O^- 'ciacs da Armaria , diz Damião de Co- es no cap. 8o. da 4. p. da íua CJiro- nica , que ein Lisboa nos P.iços da Ri- beira fez hum aólo publico muito iblem- ne, em que deu n*me a todos os Re- ys de Armas , e Arautos , e PaíTavan- res deíles Reynos , a cada hum deiles íeparadamente da fua Província. Pelo que me pareceo bem por aqui as cere- monias , com que eftes aftos íe fa/.em; porque alèm de pertencerem a eíle lugar, atègora as nao vi efcritas em outra par- te. E liando ElRey íentado debaixo do Docel em Sãla publica, vem o novo

Paf.

DE Portugal. 25*7

Paílavante , e o Rey de Armas o ap- preíenta feai cotca . nem Braz ao dian- te d^EIRey , e poílo o Pailavante de joelhos faz o juramento feguinte. Foao PaTavante juro a eíles Santos Evange- liios nas mãos de FoaÓ Rey de Armas, que bem, e verdadeiramente, e com todo o cuidado, e diligencia aprenda todo o que neceííario for ao nobre of- ficio das Armas, para que dignamente poíla paíTar , e fer acrefcentado ao oií- cio de Arauto , e de Rey de Armas , quando ElRey Noílb Seniior diílo hou- ver por íeu íerviço de me prover. E aílim juro em todo o que peio dito Se- niior, e por aquelles , que para elie feu lugar tiverem , me for mandado , que de meu officio de Paílavante faca , e farei toda a fidelidade , cuidado , e di- ligencia, aílim como devo , e iaõ obri- gado fazer ao ferviço de meu ]kQY ^^* turai , e Sennor.

Acabado o juramento , o Copeiro Mòr traz huma taça de prata branca com agua , e fem cobertura , e o Voador hu- ma toalha , e damlo o Copeiro Mòr a taça a ElRey , lhe lança por cima da cabcja huma pouca , e lhe poe.ii o nome R da

2)8 Noticias.

da Villa 5 que quer, e o principal Sc« nhor , qu- cílà na SaLi , ronia a toalha da mao ao Vcador , e a a El- Rey para alimpar as mãos. Feito iílo , o Key de Armas lhe põem o Brazaõ no peiro à parte eíquerda , e veíle a corta de Armas a trave lia da ; como he coítu- me trazerem os Paíl a vantes , e depois de veílidos , aííim ellcs , como os irais Of- íiciacs de Nobreza , c o Rey de Armas bejao a mao a ElRey , et^ Copeiro Mòr ao PalTavante a taça de prata , em que cíteve a agua , a qual leva na mao, por- que de direito lhe pertence.

O Arauto vem a eíte ado veílido , ainda como PaíTavante , e acompanhan- do-o diante todos os Oíficiaes da No- breza , leva-o pela mao o principal Rey de Armas , o qual o appreíenta diante d'ElRey : o Arauto ent^^Ô poílo de jo- elhos com a mão em hum MilTal , que o Rey de Armas tem aberto , faz o ju» ra mento feguinte.

Juro aos Santos Evangelhos na? mãos do Rey de Arm;is Foaô , que bem, e fiel, e lealmente fervirei a EIRey Noíío Senhor toda a minha vida , e me nao mudarei , nem paíTarei para nenhum ou- tro

DE Portugal. ^^9

tro Rey , nem Príncipe, nem raudarei o nome , que pelo duo Senlior me he poíto , relalvando , le p^ra elle o dito Senhor me der licença.

Juro aíFim melVno , que em qualquer mííneird , e ein qualquer renipo , que Jenrir dano, ou proveito do dito Rey NoíTo Senhor, que a meu oiiicio toque , e pertença , o revehrei , c direi à iua própria peíToa , ou a quem por elie me for mandado , relalvanjo em guerra , íe o diro Rey NoíTo Senhor com algum Rey , ou Príncipe a riveíle , ou com qualquer outra peiloa , a que por meu officio faõ obrigado guardar legredo , aííim a meu Senhor, como à parte con- traria.

Juro aíHm mefmo , que em todas asmelagcns, recados, emoaixadas , de que For encerregado , aíTim pelo dito Rey Noílo Senhor , como , pelo? que leu lugar , e mandado para elles tive- rem, como de qualquer outro Pvey , ou Príncipe i poílo que edò em imizade com o dito Rey NoíTo Senhor , farei verdadeiras , e íieis relaçoen? : Inteira- mente direi, e fallarci o que me for dito, e mandado, e naò acicfcentarei , R ii nem

26o Noticias

nem minguarei diiTo coufa alguma por ódio , dadivas , n^m proiietimenro , nem por outro rerp.íito algum , c cm tudo farei verda ie , lervirei fielmen- te , &c.

Juro aíTim mefmo, que quando me achar em algumas juílas , ou torneos , ou em guerras , efcaramuça? , dcfafios , aíTalros , ou em quaeíqucr outros aílos de guerra de qualquer forte, e qualida- de que fejao , fempre di,^a íiel , e ver- dadeiramente tudo aquillo , que vir por meus olhos à boa , e leni enga- no , nem malícia , e íem acrefcc-ntar , nem diminuir alguma coufji em nenhum modo que feja ; e de tudo farei verdadei- ro , e fiei teftimunho 5 iem tirar, nem minguar, nem acrefcentar a honra, e louvor , e fama de nenhuma peílba por nenhum reípeito que íeja.

Juro aílim mefino , que ferei verda- deiro 5 e leal , tiel , fecreto a todo o Eftado de Nobreza; e tu ío o que for dito em fegiedo, n:ô íòm.ente neftes Reynos , e fcis Senhorics , mas em qualquer outro Reyno, em que me achar, ou ScT.líorio.

Juro ailim meúnc , que iu6 farei

DE PoKTUGAt. l6l

dcfafío 3 nem cntrevirei nclle entre ne- niiuniciS peíloas de qualquer qualidade, e condiç<^6 que ícjaÓ , fem mandado efpeciai d'ElRt:y NoíTo Senhor.

Juro affiin mcíiLO, que qualquer da- diva, bem, ou honra , que receber de qualquer Rcy , Príncipe, ou Senhor , a que por ElP-ey Noíio Senhor for en- viado, ou por quem leu lugar, e man- dado para elle tiver , o direi a EiRey Nolío Senhor : e aíTiín a quaeiqucr ou- tros Reys , e Príncipes , íe por elles por iiío for perguntado, naó direi mais, nem menos , do que receber , nem me for feito por tal , que verdadeira , e fielmente notifique a Nobreza de cada hum.

Acabado o juramento traz^o Copei- ro Mor huma copa dourada fem cober- tura com rgOei , c o Veador a toalha; e ElRey ia forma dita lança a agoa pela cabeça ao Arauto, e lhe põem o rome da principal Tidade, que ha por bem , e tomando ElRey a toalha na for- ma já dita, o Rey de Armas vira a cota ao novo Arauto, e lhe põem o Brazaó à mao direita, publicando todos os Oííi- ciaes da Armaria em voz alta por três

ve-

201 Noticias

vezes o nome do nieímo Arauto. O que feito bejao a mao a EIRey, e o Co- peiro dá a Copa ao novo Arauto, que a Jeva na mao por fer de direito jiia.

Quando ao Rey de Armas le lhe põem o nome, vai também ao Paço a- companhado de todos os Officiacs da Nobreza veílidos com luas cotas ^ pof- ros de joelhos diante d'E]Rey, faz o juramento íeguinte em hum Miííal , que o principal Rey de Armas temi na mao, dizendo.

Juro a eftes Santos Evangelhos nas mãos de Foaó Rey de Armas, que bem, e verdaoeiramentc darei do livro de meu Regimento das Armas aos Nobres as armas , que direitamente íe lhes per- tencem, fegundo a ordem, e Regimen- to, que pnra elle me he dado por EIRey Noílb Senhor, que em tudo guardarei, cumprirei: e que por temor, nem por amor , nem por dadiva , nem por pro- metimento ; nem por outro nenhum reí- peito, naò farei niíTo couía , que nao deva j e hnalnienrc guardarei niíTo a juíli- ça , e direito da parte a que tocar.

Juro aíílm meímo, que quando for

en-

DE Portugal. 26^

ffwviado com algum Embaixador, que ElRey NoDo Senhor enviar , ferei com rodo o cuidado diligente a feu ferviço, e fielmente farei, cumprirei tudo o cjue me for mandado , e com minha cota de armas veftida entrarei onde quer que me for mandado por EIRey Noífo Se- nhor j ôu por ieus Embaixadores.

Juro de em todo cumprir, e guar- dar o juramento, que feito tenho , quan- do fui feito Arauto, e todas as couías, obrjgaçoens do dito juramento , e cada huma delias cumprirei, e farei fiel, e verdadeiramente, como no dito juramen- to he conteúdo.

Feito o juramento, o Copeiro Mor traz outra copa dourada com íua cober- tura, e o Veador huma toalha, o to- mando EIRey a copa , lança ao novo Rey de Armas a agoa pela cabeça , e lhe põem o nome da Província, que ha por bem. E depois de lhe darem a toalha na forma referida , os Officiaes da Nobreza publicaó logo o nome do novo Rey de Armas , e recebe a copa, que teve a agoa , da máo do Copeiro Mòr, e a leva por icr gaja íua.

§. XX.

264 Noticias

§. XX.

Dos Títulos , que antigamente fe dã"

vaÕ aos Grandes do Reyno \ e par-

ticularmcnte dos Ricos Homens,

OS Titulos , que os Rcys concede- rão á Nobreza , foraõ vários , e qi'.e o tempo tem mudado muito. Po- rém começando dos mais antigos , tra- taremos íómente de ires, por ferem os mais com.muns , e que durarão atè quafi r.oíTos tempos , a que fuccederaó os Du- ques , Ivlarquefes , Condes , Vifcon- des , e Baroens , que de prefente fe ufad.

O nome de Ricos Homens , diz ElRey D. Afonfo, fe lhes deu , porque à!em da riqueza temporal, foraÒ tam- bém ricos de partes naturaes. Porém iílo he moralizar ; e aíTim me parece mais certo o que diz Fr. Hieronymo Pvoman , ( 50 ) o qual aíErma , que no tempo daquelíes prim.eiros Re- ys , que fuccederaó a D. Pelayo pe- las

(50) RepubL 2. ps /. 4. í". í^'

DE POKTUGAL. 265"

las miferias em que todos eílavaô , 2iaô havia Titulos ., e a câda hum le dava o nome das coufas , com que fer- via aos Principes , e ajudava na guer- ra contra os Mouros , chamando Eícu- deiros aos que pelejavaò com Efpadas c Elcudos ', e Cavalleiros aos que ler- viaõ a cavallo. E aqueiies , que pelas riquezas de bens fe avantajavaó aos ou- tros , mantendo à fua cuíla gente de guerra , os intitulavaó Ricos Homens. Eftes depois foraô os Mcílres de Cam- po , e Generaes na guerra , que po- diaó fazer gente , e trazeila a feu car- go , e naó reconheciao outro Capitão fenao o mefmo Rcy. Era eíle nome de Rico Homem, fegundo fe collige dos Foros de Sobrarvc, pelos quacs em íeu principio fe governarão os Navarros,e Aragonefes , genérico , e o dava o po- vo a quem lhe parecia. Porém depois que os Reys vieraô a maior creici- inento , e Mageílade , tomarão para ít o concedello. E aííim vemos no livro das Linhagens do Conde D. Pedro , (51) como ElRey D. Afonío fez Rico Ho- mem

(51) Conde. D. P. /. 75.

200 Noticias

mem a D. Rui Gomes de Briteíros , e llie deu Pendão , e Caldeira. E na Chro- nica d^ElRey D. AFonfo IV. íe faz menção de como concedeo cfte titu- lo, e i níignias a Lopo Fernandes Pa- checo. E nas de Caflella íe , que D. Afenfo Fernandes Coronel , com íer íe- nhor de muitas Villas , dezejava o ti- tulo de Rico Homem ^ e o alcançou d'EI- Rey D. Pedro.

Faziaó os Reys eíle aílo com gran- de íolennidade ; porque o que iiavia de receber tal titulo , velava primeiro as armas com as ceremonias da Caval- Jaria parafer armado Cavallciro , que era o fundamento íobre que todas as dignida- des militares antiganiente aíTentavaõ. De- pois o levavaò com grande acompanha- mento aonde ElRey eftava , e pofto de joelhos diante delle , lhe entregava hum pendão , ou bandeira em final , que o fazia General , e lhe dava poder para capitanear , e governar a gente na guerra. No pendão hiao pintadas hu- mas caldeiras •■, pelas quaes fe demon- ftrava , que podia trazer gente na guer- ra , c fuftentala. Deftes Ricos Ho- mens ficou, parece, o coflume de da- rem

DE Portugal. 267

rem aos Condes , e Títulos , que depo- is aos Ricos Homens íuccedeiaõ como quer ElRey D. Afonlb o Sábio as ban- deiras, quando com ibiennidade íe lhes a inveílidura de luas dignidades , como o íente Garibay. (52) As Caldei- ras , que o pendão levava por diviía , tiveraó lua origem do pouco dinheiro, que entaÒ havia em Heípanha ; por cuja c^^ufa lenaó dava aos Soldados íoldo de dinheiro, mias mantimento. E como pa- ra o poder guifar a tanta gente eraÒ ne- ceííarios grandes valos , uíavao deílas Caldeiras de notável g»-i.ndeza , com^o ainda hoje íe vem nos Conventos da Ba- talha , e Alcobaça , onde ficarão algu- mas da viuoria de Aljubarrota. Conti- nuou-fe o Titulo de Ricos Homens neíVe Reyno por muitos annos , e ainda El- Rey D. Manoel faz menção delles , e d as Ricas Donas, que eraÕ íuas mulheres. Porém nas Ordenaçoens (5:?) he mais nome genérico , que naõ particular T^iru- lo ; e com tudo hoje eflà de todo extindlo , iuccedendo em ieu lugar os oiitros Títulos modernos. ^ §. XXL

(52) Gdrihay p. r. /. 10. c. 4. (55) Ord, i. X. í. §6, §. 22. ó' L 3. t,

208 Noticias,

§. XXI

Dos VaJJallos.

ESte nome VaíTallo , conforme diz Scipiaô Amirato , (54) le derivou de VaJJo que íignifica inferior ; c rroftra com varias autlioridades , que os VaíTal- los íe diziaÔ antigamente VaíTos por eíla- rem fogeiíos a alguns Senhores. Daqui podemos entender , que fe introduzio fcíla palavra em Heípanha com o Impé- rio Gótico , pois a Itália , e França o trouxerao as NÀ^oens do Norte. Debai- xo deíle r.cnie íe ccmprchcndtrao anti- gamente nelle Rtyno mui diíFercntes gé- neros de peíToas ^ o que naò advertin- do alguns Aurhores , fe enganarão gran- demente , cuidando que íó os Grandes , c Senhores de terras tinhaô tal Titulo , como affirma Fr. Hieronymo Roman , (55) e em parte o Doutor Jorge de Ca- bcdo , (56) dizendo , que o nome de Vaf"

fal-

(^A) Scip, Jwir. principio àa Ncbre%4 de Nápoles, (55) Fr, Hier, Hovi. p. 2,dA Mepnbl. /. 4, c, 16, C 5^ ) ^^^^^o ^' P' decif. 6,

DE Portugal. 21^9

fallo arè o tempo d'ElRey D. Afonío V. era de grandes Senhores; mas que de então para íe deu a iiomens de grande q^ialidade, chamados Vaílallos acontiàios j fendo adim, que de todos eíles géneros de Vaílallos fc faz men- ção nas Chronicas antigas, muitos an- nos antes d^ElRey D. Afonfo V. Para o que hc de íaber , que debaixo defte nome fe comprendiao três géneros de gente , os primeiros eraô Senhores de terras, e i\.Icaides Mores, os íegundos Fidalgos , e os últimos gente rica popu- lar. Dí todos elles faz menção EiRey D. Afonfo Sábio (^j) nas Partidas , com eftas palavras : V a j] ali os fon a que lios , que rtciben honra , e buen ecbo de los Sen ores ; afji coniG Cavalleria , o ti er- ras , o dintro^ , por fervido fenalado , qf^e U ayan de fazer» Do primeiro gé- nero de Vaííallos falia o mefmo R^y em outra Partida, eípecialmente ordenan- do, que clIes confirmem as Doaço- ens dos Reys ; com tudo neíle Reyno os Gran.les , e Senhores de terr.iS , e Alcaides Mjres tinli^ô efte titulo, co-

m)

(57J PjtrJd, 4. z 25. / I,

270 Noticias

mo moílra largamente o Padre Fr. Jero- nymo Roman j onde vemos , que a D, Afonfo de Meneies Conde de Barcellos , ao Condeftabie D. Nano Alvares Perei- ra 5 a Vaíque Annes de Callello Bran- co , a João Ceíar, c outros íemelhanres deraô os Reys eíle nome. Peio que pa- rece claro , que todos os Senhores , que hoje chamamos de terras, l'e diziaô en- tão ValTallos d'ElRey absoluta mente.

O fegundo género de Vaílalios fe chamavao Acontiàdo? ; porque cílâvaa preíles para fervir a EIRey com certas janças na guerra por certa quantia de dinheiro , que dos Reys aviaó , e por iíFo íe chamavao Acontiàdos. Delles , e do modo , com que eraó aceitados por Vaííallos , le faz menção nas Chronicas doReyno, e particularmente no primei- ro Capitulo da Chronica d'ElRey D. Pedro , fallando das condiçoens do. mef- mo Rey , diz : (58) EUe foy graõ cre^ ador de Fidalgos de linhagem , porque naquelle tempo naÓ Je c«jfiumava jer VaÇfallo , Jenao filho , e neto ^ e bifneto de Fidalgos de linhagem \ e por ufança

ba

{^fS Chron. de D. P. c 10.

DE POFTUGAL. ^'Jl

bavidõ OS ta^s a co7Jtia , que agora cba- ma o jnaravídís , dar-fe no berço logo , que o Fidalgo najcia , e a outro nenhum naÔ. Efte Rey acrefcentou muito nas contias dos Fidalgos depois da morte d' El Rey (eu padre , que naÕ embargan- te , que ElRey feu padre D. Áfonfofoffe cumprido no dár de muitas , e boas bon- dades , tachavaõ-no porem de Jer efcajfo muito em grandeza , ^r. Pelo dito íe modra a qualidade deíles VaíTalIos , os quaes ainda, que erao Fidalgos , difFe- riao dos outros Senhores de terras, que temos dito. Efte coftume, coniojàdif- femos no Dilcurío da Milícia , inoftra depois o Chronifta , (59) que innovou ElRey D. João, mandando dar à lança do Fidalgo k^ooc. livras , e à do que o acompanhava 700. e que os filhos naÓ venceíTem contia , fenaó depois de te- rem idade para poderem íervir ; e en- tão lha aíTentavao nos livros , a reípei- to da que o pai havia , porém íempre mais pequena , para dar jugar aos acref* cenramentos ordinários'.

O terceiro género de VaíTalIo eraô

tí-

(fP) Cbron. de D. JoaÕ I p, z, 75.

272 Noticias

tirados década povo, conforme à con- tia das fazendas , (óo) por razaò das quaes eraó obrigados a ter cavailos , e Armas j e tiveraò origem das liílas , que os Reys mandarão fazer de roda a gente •do Reyno , com forme fe coftumou em todos os grandes Eílados , e o ufaraó os Romanos , elegendo para iílb os feus Cenfores. Neftas liíVas fe aíTenravaò os nomes dos moradores década povo , ea fazenda , e renda de cada hum, ea ref- peito delias fe mandava pòr ley , que os que riveííem tanta contia de fazendas, fof- íem obrigados a ter cavallos , e cerras Ar- mas. O tempo , em que elte género de Vaílallos teve origem , naó coníla das hiílorias , porém na Ciironica d'El- Rey D. Fernando fe faz menção delks. Pelo que íe enganou o Doutor Jorge de Cabedo , fól) cuidando que no tempo d'ElRey D. Afonfo V. começarão. Fi- zeraò-íe eíias liftas no Reyno por mui- tas vezes, e particularmente em tempo d'ElRey D, Fernando, D. João I D. Afonio V. D. Manuel , e de entaó pa- ra

(6o) Chron. d'£lRey £>. F€rn. (jSi} Cs^

BB Portugal 273

Ta ficarão por ley expreíTa. O Dou- tor António Francilco (62) diz, que cíles VaíTallos tem o primeiro grào da Nobreza ; fazendo a Ordenação fempre eíla diftincçaõ: Se for VaJJallo ^ e dahi fará cima , ou fefor piaô , &*€, Com tudo o nome de Vaffallo , parece que neíla particular íigniíicaçaô eítà extin- fto , de efpecial fc fez geral , e com- prehcnde hoje todos os fubditos do Rey- no j aflira grandes , como pequenos.

§. XXIL

Dos Infançoens^

SObre o nome , t qualidade de Infan- çoens naô ha menor alteração cntfe os Aufhores, (63) affirmando muitos, que fe dava fomente efte titulo àquel- les, que dos Infantes defcendiaò, e que por iíTo eraõ affim chamados. E diílo :hà fentenças em favor dos Cidadãos de -Lisboa , e do Porto, que todos tem privi- légios de Infançoens, concedidos pelos iReys paffados. Porém o contrario defta S opi-

::X^i) Comp. da Nobr. Kerb. FajUMlê* (^5) jintQtíitiQ Sranç. fupra.

Í74 ^ 'íí ò T I c r A s

'opinião conda claramente das hiftorias, dos pri\'iI^gios , e das rriefmas Proviío- ensKeaes. Porque fabidohe, queono- rne de Infante nao paíTa aos filhos dos Infai^.res. ; ínas acaba juntamente com el- les ; e fe paíTárá , e fe- chamarão Infan- çoens , co:tio eíles Authores querem , íem dtivida maior honra fora a de Infan- çao. , que a de Rico Homem. Porem confta , gue fendo os Ricos Homens Se- nhores particulares 5 em quem naô ha- via fangue Real , precediaõ em tudo aos Infançoens , logo nao podiao fer filhos de Infantes. fe ifto em muitos lugares, do Conde D. Pedro , (64) o qual prefere nos livros das Linhagens de Eípa- "^lla 5 que fendo Ruy Gomez de Britei- *^ros InfançaÒ , o fizera EIRey D. Afon- 'ío Rico Homem , como atraz deixamos "çfcrito. E tratando de D. Diogo Lopez ^d Bom Senhor , de Bifcáya , quando ve- io de venéer hum graõ torneo , que fe fez enraó em Caftella , diz (65) que de- ■"íàrmando-o íua Mulher Dona Toda com ^às Donas , e Donzellas de fua Gafa y lhe *"''"*^ acha-

C64) Conde D. P. t.Zhi^s) Conde D.

DE Portuga l. 2y^

acharão hum ferro de feira em huma perna ; e efpantando-fe Dona Toda de como o podèra íofrer tanto tempo , lhe diíTe elie : Honrada ejlà agora afilha âo InfãJíçom, Ao que elia refpondeo i Efie Infançom , que lòs dizedes , por Rico Homem era tido em fua terra. Por onde fe claro ; que mòr dignidade era a de Rico Homem , que a de Infan- çao. O mefmo confta dos privilégios e em particular do d'ElRey D. Afonfo IV. que traz o Doutor Jorge de Cabedo ; porque nas apofentadorias , que entaá era coílume dar-fe nos Moíleiros aos Fi- dalgos , manda que fe dem aos Ricos Homens 30. reis, e aos Infançoens 15', c aos Cavalleiros 10. E diílo ha outros muitos exemplos , que naò refiro por efcufíir moleítia. E aíTim tornando à ori- gem defte nome, deixadas as opinioens , a mim me parece mui provável o que efcreve Vidal Canhelas Bifpo de Huef- ca Author antigo de Aragão , (66) de quem Jeronymo (^urita faz muita conta , o qual affirma , que aíFim como os filhos de Reys , que naõ herdavaõ , fe cha- S ii ma-

{66) Jnnaes Aragão C^uruA h 2, r. ^4.

27Í NoTicrAff

mavaô Infantes ; aílim aos filhos dos Fr* dalgos , que naó herdavaó as Caías, e Morgados de íeiís pais , lhes chamava o vulgo à fua imitação , Infançoens , e o ineíino a feus defcendentes; o que tam- bém affirma Gonçalo Argòte de Moli- i)a, dizendo na Nobreza de Andalufia. i, c. 77. que os Infançoens eraò filhos dos Ricos homens. E aíHm melmo Elcolano {6j) na Hiíloria de Valença. Pelo que ainda , que lhes faltavao as riquezas , e grandeza por naõ ferem os principaeis de fua Cafa , naô dcixavaõ de fer muito privilegiados 5 e honrados. A efta opi- nião favorece muito ElRcy D. Afonfo, quando fallando dos Infançoens nas íuas Partidas , (68) diz : E como quer que tjles vengan antigamente de buen linage^ il^ hayan grandes heredamientos ^ per 9 Tíó fon en cuenta deftos grandes Seíto» 7-es , que de fufo diximos, E bem fe ferem de boa linhagem , pois cafavaÔ fuás filJias com Ricos Homerr; , e os Reys lhes davaõ com facilidade o mef- ino titulo , e os avantajavao aos Caval-

(67) Hifi, de FaUnc, Dcc, i. /. 5, f. 27» '

DB Po R TUGAL. 277

leiros ordinários. Pelo que muitos im- petravaô dos Reys os privilégios, c ti- tulo de Infançoens , como forao as Ci- dades jà nomeadas ; o que os Reys coii- cediaõ fcm mais ceremonias , que paf- farllies diíío fuás cartas.

§. XXIII.

J)^ antiguidade dús Duques em PortU"

gal ^ e do que djua dignidade per»

tente,

DUque fe derivou da palavra Dhx , que em latim fignifica guia , c Ca- pitão. (^9) Sendo eíle nome genérico, fe foi fazendo efpecial em tempo dos Emperadores Romanos. Porque Auguí- to Cefar depois de fe ver Senhor do Império , dividio as Provindas dellc €ntre íi , e o Senado; e dando d Re- publica as pacificas , tomou para íi a- quellas, que confinavaÓ com os inimi- gos, e tinhao neceíHdade de preíidios; e aflim fez nove fronteiras nos confins do Império, onde conílituhio outros tan- tos

(^p) Guid. Pancriol, c, 1 59. NocitLt utri- fífq, Impertj^

278 Noticias

tos Exércitos. Efta? foraó Efpanha, Ale^ manha Baixa, Alemanha Alta , Dalmá- cia, Panonia , Syria , Egipto, Africa , Miíia. A cada Exercito deites nomeou hu 01 General , que chamou Capitão, ou Dux. , que he o mefmo. Eftes Exérci- tos fe multiplicarão depois pelos Em- peradores fucceíTivos. Mas daqui foi a primeira origem de tomarem os Du- ques o nome das Provincias , e terem o governo delias; com tudo eíle cargo nao durava entaó fempre , m:ís era por tempo limitado. Porém entendendo de- pois os Emperadores , que os Capitae^^, e Soldados fariaó melhor oííicio de de- fender os limites do Império, fe tivef- fem dahi particular proveito , concede- rão aílim aos Duques , como aos Sol- dados dos Exércitos todas as terras , e campos, que tomaíTem aos inimigos, para os poderem poíTuir em fua vida fomente , ou de feus filiios , quando lhes fuccedeífem na Milicia. Com eíla C70) occafiaô fe ficarão aproveitando os Du- ques, e principaes Capitacns de muitas terras nos confins do Império, logran- do

(70) La.nprid, ap»d eundem .

DE Por tu gal. 279^

do o Senhorio delias , e os governos por toda a vida. Pelo que de officios fe íi-. carão fazendo dignidades, como acon- teceo quaíi aos Capitaens deíle Rcyno nas Ilhas, e no BrafiJ, que de cargo or- dinário ie lhes deu em vidas, e fez here- ditário , de modo que tanto monta ag;o- ra chamar a hum homem Capitão de huma Capitania do Braíil, ou de huma Ilha, como Senhor ,e Governador delia. . PaíTado o Império a Grécia, ainda que os mais deíles Capitaens fícaraó com nomes de Condes , pelas razoens , que logo diremos j com tudo em nuiitas Provincias fe confervou o nome de Du- ques , os quaes tinhaô particulares in- íignias , com que andavao , porque os veílidos erao vermelhos , o baltheo , ou cinto Militar de prata , ou ouro , no dedo traziaô hum anel com duas pedras , e hum colar lançado a tira- collo , capacete, e efcudo dourado, e elles podiao trazer gente armada configo , e diante hum eílendarte , cou- la que a outrem fenao concedia. Alguns dos Governadores , que os Emperado- fes Gregos mandarão a Iralia , Duques fc chamarão ; podo que depois tomarão

o

i8o Noticias

o nome de Exarcos. Hum deftes , que foi Longino(fegundoSigonio)(7i)introduzio o nome de Duques mais comummente em Itália ; porque tirando os Varoens Confulares ou Reflores , que havia nas Cidades , poz em cada huma feu Preíi- dente com nome de Duque , e lhe deu grande jurifdicçaÕ para cobrar os tribu- tos Imperi^es , e adp^irnlftrar juftiça. Neftc tempo entrarão em Itália os Lon- gob^rdos trazidosrpor Narzetes , Exar-^ CO que fora de Ravena , os quaes achan- do efte modo de governo , o feguiraô , e poferao em lugar deftes Duques Capitaens feus^çom o meímo npme,fazendo efte offi- cio dignidade, durante ávida de cada hum ; e principalmente fizeraó naquella Província quatro Ducados maiores , que foraõ o Efpoletano , Forojulienfe ^Bena- ventano , e Taurinenfe ; a que depois fe feguiraô os ds Perufia , Romano , Tolcano, e Carnpano. O mefmo eftylo tivcrad os Godos emHefpanha , (72) porque imitando eni muitas coulas os Emperadores Romanos ^ poferao em fuás

fron- m , , -■ . ■■ jn

(71) Carol. Sigoniíis de Regno ItaL (71) Moral. L li. c. 31.

DE Portugal. 281

fronteiras Capiraens geraes com o nome Latino de Duces , ou Duques ; os qua- es governavao os feus territórios , e Províncias , como agora fdzem os Viíb Reys , e deJIesfallaónuiirasleys do Fu- ero juzgo. Vindo depois Carlos Magno a Itália , e vencendo o ultimo lley dos Longobardos , tomou para fi a maior parte da Província ; e deu os Ducados delia àquelles principaes , que o ajuda- rão a ganhar a terra ', porem com mais liberdade, que os Reys Longobardos, porque naõ fomente lhes deu eíles Se- nhorios emfuavida, como cntaô mui- tos linhao ) mas para feus defcendentes , com condição que lhe guardaíTem fide- lidade, e reconheceíFern vaíTalagem. Da- qui tiveraó naícimcnro os Duques na for- ma, em que hoje os vemos *, porque como muitos Senliores Grandes de Itália ficarão com eíle Titulo , fe eftimou mais , que o dos Condes , polto que mais antigo. A iílo fe ajuntou dar o Papa Nicolào II. a Roberto Guifcardo titulo de Duque de Apulha , e Calábria com ccremonias ,quaíi Reaes , (73) dando-lhe cetro ,

cí-

(73) P^^i^ff^f* CoUnucio L 3, c. 3.

2B2 Noticias

eftoque , e barrete vermelho cuberto d-e pedraria , com licença para fazer moe- da ; do e]uc tizerao tanto caio outros Senhores , que largando os antigos tí- tulos que tinhaó de Condes 5 e Marque- íes , fe chamarão Duques , como forao os Condes de Saboya , Borgonha , Mo- ravia , Bavaria , Saxonia , e outros mui- tos; dando aííim os Emperadores , que fuccedcraô a Carlos Magno , com os Reys de França , e Inglaterra à fua imi- tação em feus Reynos eíle Titulo a mui- tos. £ de Inglaterra veio eíla dignida- de a Hefpnnlia muitos annos adiante em tempo d'EiRe7 D. Joaó I. quando D. Joaô Duque de Lencaítrc , filho fegun- do d^ElRey D. Duarte , paíTou a Hef- panha a pretender o Reyno de Caftelia , por fua mulher , que era filha d'ElRey D. Pedro de Caílella o Cruel. Pelo que o nolTo Rey D. João I. feu genro à íua imitação deu a mcfma dignidade de Du- que aos InFi^ntes D. Pedro, e D. Hen- rique feus filhos , quando veio de tomar Ceita ; (74) e foraó os primeiros ', que houve nefte Reyno , e quafi no mefmo

tem-

(74) Tomada de Cena cap» antepenult.

DE Portugal 283

tempo ElRey D. João I. de CaílcIIa fez Duque a feu íegundo filho D, Fernando , que depois foi Rey de xlragaó.

As cerernonias com que íe cila di- gnidade dava cm Portugal , naó acha- mos nas noíías HiTcorias. Porém fegun- do Scipiao Amirato , (75-) e íe coilige do Regimento dos Reys de Armas dei- te Reyno. Vem o novo Duque acom- panhado dos príncipaes Senhores da Coi-te , feus amigos, e parentes, pre- cedendo diante os Reys de Armas, e muíica de Aliniílreis , e levao-Ihe huma bandeira, e Coronel os maiores. Fidal- gos , que o acompanhao ; chegando af- íim ao Paço ,• entraô na Salla Real , onde ElRey eílà em leu Trono , e lhe fazem hunia pratica em fcu louvor ; dando as razoens porque ElRey lhe con- cede aquella dignidade ; depois pondo- fe o novo Duque de joelhos diante d'El- Rey , lhe mete a bandeira na m,ão , e lhe põem o Coronel na cabeça : feito iíto , íe torna outra yci a cava lio com as infignias poílas na cabeça atè íua cafa. O Jivro chamado Ceremonial de •__^ Prin-

(75) Scipiao Amir&to Nobreza de NapoL í. dos Duqiscs»

2S4 Noticias

Príncipes , diz que os Duques podem rríi2er eíloques diante de li coma pon- ta para baixo à differença dos Rcys , <]ue o trazem coma ponta para cima , c uíarCoronel na cabeça, e veftirhuma op- pa vermelha forrada de arminhos aber- ra pela ilharga , e que em fuás câfas tem dóceis, e nas Igrejes Sitiaes , e Í€ lhe a beijar o Evangelho na Mif- ; dí:ince dos Reys fe aíTentaõ em Ca- deiras razas com Coxins em cima: tem Arautos , e Maceiro? para os acompa- nharem. Em Itália , e Alemaniia ufao {76) os Duques livres, em lugar de Co- ronel, de hum barrete vermelho redon^ do forrado de arminhos , que parece íignifica a liberdade, por fer o barrete antigo hieroglyphico delia.

Neíle Reyno fe teve íempre efta dignidade em muito, e íenaó deu fe^ nao a filhos , e netos dos Reys , ou z parentes chegados à Cafa Real. E os que os Reys atégora fízeraô fem repe- tir os Titulos mais, que huma vez, ainda que depois fe rcformaíTe a mer- cê , faò os feguíntes : os primeiros, coirio vimos , fora 6 o Infante D. Pe.

^ dro^

(76) Pkrius /, 40.

DE Portugal. 28j

dro , a quem ElRey D. JoaÓ I. íeu pai deu Titulo de Duque de Coimbra , c ao Infante D.Henrique deViíeu; El- Rey D. Afonfo V. fez Duque de Bra- gança a D. Afonfo Conde de Barcel- los, filho natural d'EIRey D. João I. e ao Infante D. Fernando feu irmaò, de Vifcu; e de Guimaraens ao filho mais velho do Duque de Bragança , EI- Rey D. J026 II. fez Duque de Beja ao Senhor D. Manoel , que depois foi Rey } o qual deu Titulo de Duque de Coimbra ao Senhor D. Jorge filh(3 baf- tardo dp meímo Rey D. Joaõ II. eao Infante D. Luiz feu filho , o fez Du- que de Beja ; e ao Infante D. Fernan- do, da Guarda; ElRey D. Joaõ III. concedeo aos primogénitos da caía de Bragança Titulo de Duques de Barcel- los 5 e mudou o Titulo de Duque de Coimbra em Aveiro ao fucceílbr do Se- nhor D. Jorge ; e deu à Senhora In- fanta Dona Maria o Titulo de Duque- fa de Vifeu •, ElRey D. Felippe I. deu ao Marquez de Villa-Real D. Manoel de Menefes Titulo de Duque da mef- ma Villa , que depois feu filho teve ■<;om Titulo de Caminha ; ElRev D. Fc-

Hn-

286 Noticias.

Jippe III. conccdeo aos primos genítós

dos Duques de Aveiro fe chamaíTem Duques de Torres Novas , donde tinhaÔ Tirulos de MarqueíeSi ElRey D. Joaò IV. fez a D. Nuno Alvares de Mello , que era Zylarquez de Ferreira , Duque do Cadaval. ElRey D. joao V. fez Dit- queza de Lafoci}? a Dona Luiza Caíi- i"uir3 de Soufa lieideira da Cafa de Ar- ronches , c nnilher do Senkor D. Mi- guel , e ofie Tirulo rem ícu filho D. Pe- dro de Souía. A eíla dignidade acoii- teceo o que a nenhuma outra foi ac- crefccntariicnro de grào no iT;efmo no- ine , coino íizeraò os Duques de Auf- tria , chaiTiando-fe Arcliiduques , e ou- tros íe acere fcentaraó com o nome de Grandes, como o de Lituânia, e ode Tofcana.

§. XXIV.

Dos A^^^írqucfes , que ha no Reyno , f

das cer ementas , com que eraÕ crea^

dos antigamente.

MArquez. fe diíTe de Marca ^ que em lingua Alemã íignifiea termo, e limite. Naò foi efte nome dignida- de

D E POTU G A L 287

de conhecida dos Romanos, {^f) mas entrou com os Príncipes do Norte, os qiiaes deíbruindo o Império , e dividin- tlo-o em m.uitos Reynos , punhaó nos lim.ites , e marcas de íeus Eftados Fron- teiros, que as defendeíTem i e porque a eflas fronteiras chamavaó Marcas, in- titularão aos Capitaens iVí^rí'/'/í'//fj; e depois corruptamente Marqueíes. Deíle tempo ficarão em Itália os Marqueía- dos de Maníua , e Ferrara, e as Pro- víncias ditas Marca de Ancona , e Tri- Tizana. Em Efpanha uíaraó também os Godos dos mefmos nomes , como íe das hiílorias dos Reys Godos , e os aponta Morales , (78) e particularmen- te nefte Reyno, onde nos deixarão a palavra Comarca ^ que ainda hoje cori:- fervamos.

Sendo efta dignidade de Marquez officio, fe foi também depois nao fo- mente fazendo Senhorio das mefmas Marcas, m-as ainda Dignidade , e Ti- tulo. O primeiro , que ouve nefte Rey- no , foi D. Afonlo filho do primeiro

Du-

(77) Amirato nas Familias de NapoL Tit, dos Marquefes (78) Moral l, li c. 31.

288 NoTicíÁS'

Duque de Bragança , a quem ElRey D. Afonfo V. deu efte Titulo. Foi eftc Se- nhor , fendo ainda Conde de Ourem, ao Concilio, de Baíilea por Embaixa- dor de Portugal com grande acompa- nhamento, c dahi, antes de tornar para o Reyno, correo gi'ande parte de Euro- pa , e Afia i e aíTim em rem„uneraça6 de eus íerviços o fez ElRey .D* Afonfo V. Marquez de Valenqa.

As ceremonias , com que efta di- gnidade le , conta largamente Gar- cia de Reíende (79) na Chronica d'El- Rey D, Joaó II. quando ElRej fez ao Conde de Villâ Real D. Pedro de Mc- nefes Marquez da dita Villa , efoi neíla forma. EIRej eftava cm feu eftrado Re- al veílido ricamente , cm com a mâo ncx cadeira , debaixo de hum doccl de brocado , acompanhado do Príncipe , e Grandes da Corte , vcftidos todos de fei- ta. O Conde veio de íua Gafa acom- panhado de muitos Fidalgos , prece- dendo trombetas, charamellas , facabu- xas , e os Reys de Armas > e hum dos principaes Fidalgos , que o acompanha-

vaô ,'

(79 Cbron, de- D.JoooJL de Âefend^c, yS^

DE Portugal. 289

vao, levava diante hum Eftendarte das Armas do Conde na mâo com pontas, e outro huma eípada rica embainhada, o terceiro luiroa carapuça de leda ver- melha forrada de arminhos , poíla em hum prato de prata ricamente lavrado, com eíla ordem entrou na fala, e che- gou ao eftrado , em que ElRey eílava ; e o Chanceler Mor por mandado d'Ei- Rey fez huma pratica , em que contou os muitos ferviços do Conde , e como cm gratificação delles , o queria EIRey acreícentar à dignidade de Marquez. Aca- bada a pratica, fe chegou o Conde dian- te d^ElRey , o qual tirou a carapuça do prato , e lha poz na cabeça , e tomou a efpada , e lha cingio por cima dos verti- dos , c da cinta lha tirou nua , e com cila lhe cortou as pontas do Eftendarte, ficou em Bandeira quadrada ^ e tomou hum anel de diamante , e lho meteo no dedo annular da mão direita. Feito ifto , o Marquez fe poz de joelhos , e lhe bei- jou a mão , e o mefmo fizeraõ logo o Príncipe , e os mais Grandes , e Fidal- gos , que ahi eftavaô prefentes. Convi- dou ElRey o Marquez , e jantou com €Íle aquelíe dia à mefma mefa , eftando T El-

290 Noticias»

ElRey debaixo do docel no lugar do meio e à fiia maó direita o Príncipe , e logo a Marquez, e à mâo eíquerda ElKey D. Manoel Duque de Vifeu , que depois lhe luccedeo no Reyno Acabado de comer, íc recolheo ElRey , eo Marquez com o rneímo acompanhamento tornou para cafa» Nefte Reyno , e no de Itália coílumao trazer Coronéis de pérolas íobre as Ar- mas-, poílo que como vimos , ElRey D. JoaÔ lhe deu o barrete Ducal.

Os Senhores , a que os Reys deílc Reyno deraô titulo de Marquez , íein repetir duas vezes numa Familia o mef- mo Titulo , faô os feguintcs. ElRey D. Afonfo V. fez Marquez de Valen- ça a D. Afonfo, como vimos, e a íeu Irmaó D. Fernando Marquez de Villa-Viçofa. ElRey D. JoaÒ II. a D. Pedro Menefes Conde de Villa Real fez Marquez da mefma Villa. El- Rey D. Manoel concedco aos primogé- nitos dos Duques de Aveiro o Titulo de Marquez de Torres Novas ; e D. JoaÓ III fez Marquez de Ferreira a D. Rodrigo de Mello Conde de Tentúgal ; c ElRey D. Filippe III. deu o mefmo Ti- tulo a D. Chriílavaô de Moura, fazendo-o

de

DE PoRfUÔAL. 291

de Conde de Caftello Rodrigo, Marquez da mefma Villa ; c a D. Diogo da Sylva ode Marquez de Alanquer; ao Conde de Portalegre D. Filippe da Silva fez ElRey D. Filippe o IV. Marquez de Gouvea ; e ao Conde de Caftel- bom D. Jorge Mafcarenlias Marquez de Montalvão ; e ElRey D. JoaÔ IV ao Conde de Vimioío D. Afonfo fez Mar- quez de Aguiar ; e ao Conde de Monfan-- to D. Álvaro Pirez de Caftro *fez Mar- <]iiez de Cafcaes , e ao Conde de Vidi- gueira D. Vaíco da Gama fea Marquez de Niza. ElRey D. Afonfo VI. fez Mar- quez de Fontes a D. Francifco de , e Menezes Conde de Penaguião : Mar- quez de Sande a D. Francifco de Mello, c Torres Conde da Ponte , e Marquez de Marialva a D. António Luiz de Me- nezes Conde de Cantanhede, ElRey D. Pedro II. fez Marquez de Alegrete a Manoel Telles da Sylva : de Fronteira a D. João Mafcarenlias Conde da Torre : das Minas a D. Fanciíco de Souía Conde de Prado : de Távora a Luiz Alvare^ de Távora Conde de Joaô de PeC queira. ElRey D. Joaó o V. fez Mar.. quez de Angeja a D. Pedro António d^

ir ii No*

292 Noticias

Noronha Conde de Vilía-Verde : deGou- vea a D. Marrinho Mafcaren/ias Conde de Santa Cruz : de Marialva a D. Dio- go de Noronha : de Valença a D. Fran- ciíco de Portugal Conde de Vimioío , e ao Marquez de Fontes D. Rodrigo de , e Menezes mudou efte Titulo no de Abrantes , ficando o outro em feu pri- mogénito D. Joaquim Francifco de Sà, c Menezes Conde de Penaguião.

§. XXV.

Da origem dos Condes , e Jua. antigui^ daáe e preeminência em Portugal,

COnde fe dirivou de Comes , pala- vra latina, que flgnifica companhei- ro, e comitatus^ companhia. Sendo ef- te nome genérico, fe fez também ef- pecial , (8o) quando os Emperadores Romanos começarão de ufar dos No- bres da Republica para os officios do Paço. Introduzio-fe efte coftume em tem- po de Valcriano; (8i) o qual como fe

rra-

(8o) Petrus Patrictus de Dignitat, <ò' offici- ji Rcgum Gotth. verbo Comes (8i) Scip^ jimirato pritiçip, das JamiL de Napol.

DE Portugal. 293

trataíTe mais como Rey, que nao ic- us antecelíores , transferio o Senado pa- ra o Paço j e efcolheo dos principaes Senadores hum Coníelho , com o qual determinava tudo. E porque elie de lua condição naô eftava nunca em hum lu- gar , e caminhando íempre, e trazen- do fempre coníigo eftes Senadores , lhe chamarão Comités , ou Companheiros' de Cefar, e aos Continues da Corte, e à Caía Imperial, Comitatus C^cfa- riSy foi logo de grande eílima eíle Ti- tulo de Companheiro d-o Emperador ; e concedia-íe aos Confelheiros c àquei- les , que no Paço tinhaó fuperintenden- cia em algum particular miniíterio ; e precediaò a outros Mini ílros inferiores, chamando-os Condes daquelle officio. De maneira , que ao que agora dizem o Veador da Caía, chamavaó elles Co- mes rei privat£\ ao Guarda roupa: Co- vies facr£ veftis : ao Veador da fazen- da : Cornes largitionum ; e aílim aos de mais, como fe pode ver largamente (82) pelo livro da Noticia de am.bos os Im- périos. Depois ellenderaô Emperadores

Mar- „— . . , ,1 '" ..i.p—

(82) PitnàioL uhi fí^p.

^94 Noticias Marco Aurélio, e Lúcio Cómodo Uro efte nome de ComiteSy ou Condes , aos Governadores das Provincias, aos quaes derao Titulo de Condes delias, E no Império Occidental fe governarão por Condes , Itália ^ Africa , o deftrivíí:o de Argentina em Alemanha, Inglaterra , o Illyrico, e as Efpanhas. Pelo que vin^ do os Godos, e Naçoens do Norte a apoderar-fe das Provindas Romanas , ufaraô do mefmo eftilo ; c feus Reys querendo imitar o fauílo dos Empera- dores , deraó também nomes de Con^ des aos Senhores , e lUuftres , que os lerviao nos oífícios do Paço : e parti- cularmente vemos ifto nosReys Godos de Efpanha , cujas Hiftorias, (83) e Con- cílios de feus tempos eílaõ cheios deíles nomes de Condes, como era o que cha- mavâó Comes efcanciarum ^ que fervia de Copeiro: Comes cubiculi ^ de Cama- reiro : Coynçs patrimonij , de Veador da fazçnda: Comes fpathariorum ^ ds Capitão da Guarda : Comes jlabu li ^ de Eftribeiro Mor: Cornes^ Notarirum^ o Secretario : Comes Thefaurorum , o The-

(8^) Loaiza Concil, 8 Tol, de {ubfcript^^ Valaínor, Moral, no lugar çit^

DE Portugal. 295: The Toureiro Mor, e aíTim outros mui- to?.

Além deftes Condes , que ferviaó ni Paço aos Reys Godos ^ havia ourros nas Cidades principaes d^s Provincias, que as governavaó , e feuá terrirorios, como agora os Corregedores; pelo que lhe chama vaó Condes da íegunda or- dem, por naô ferem da qualidade dos primeiros, que andavao junto á peTlba do Principc. Porém nenhum deites Con- des era perpetuo, mas ícrviaó os oíii- cios a tempos, e deíle modo íe confer- varaõ até a entrada dos Árabes em Ef- panha ; os quaes concederão aos Chrif- taôs, que entre elles ficaflem íeus Con- des , que como Juizes os governalíem, como fe pode ver largamente na z. e 3. p. da Monarquia Luíitana, (84) on- de fe nomêa Theoioro Conde de Co- imbra muitos anno^ antes que fe ganhaf- fe efta Cidade ao^^ Mouro?. Depois os Reys, que íuccederao a D Pelayo, de- ra6 também titulo de Condem aos Go- vernadores, que punhao nas Cidades, co-

(84) Monarq. L'i[n, p. i l,j, c, 10 é>'. 16. Fr, Ant. de Tcpci Chron, de S. Bento tim 7. ánno. 1105. c. I. Moral. l. 15. r. 25.

2g6 Noticias

como fe do privilegio , que ElRey D. Afonfo Magno deu á Igreja de San- tiago de Gaiiza ; onde além de outros íe nomea Álvaro Conde da Idanha , Ermigildo Conde de Tuy , e do Porto, Árias Teu filho Conde de Eminio, Pe« layo Conde de Bragança, Odoario Con- de de Caftclía , e Viíeu. Eíles fao os primeiros Condes de Portugal , que íe acliao em confirmações depois de íe ir recuperando do p.-der dos Mouros. Da- qui veio dar ElRey D. Afonfo VI. eíla Província a feu genro D. Henrique com titulo de Conde. Em íeu tempo, e em quanto feu filho D, Afonfo eíteve fem Titulo de Rey 5 nao lemos que houvef- ie algum Senhor no Reyno com eíla dignidade ; porém tanto que foi levanta- do por Rey , logo devia dar o titulo de Conde a outros para grandeza de fua Cor- te , como parece dos que achamos no- meados na jornada de Sevilha , que acompanharão o Infante D. Sancho. Eíbes títulos de Conde eraô entaó íómente em vida ; depois íe fizeraô hereditários , dando-os os Pveys á imitação do que tinha feito o Emperador Carlos Magno, o qual fenhoreando-fe de toda Itália ,

Fran-

Portugal. 297

França , Alemanha , deixou eílcs , e ou* tros titules aos mais dos Senhores, que" os adminiílravao , por herança , para elles , e feus deícendentes , como ja te- mos dito ; uíando nifto de huma grande rezaô de eílado i porque dividindo neíla forma as Provincias em m.uitos Senho- res particulares VaíTailos , ficava feguro de íe lhe nao poderem rebelar; porque cada hum por ii nao tinha forças baf- tantcs para o fazer ; e unirem-fe todos , era quaíi impoiTivel , pela grande mul- tidão delles. Além do que íe íeguia ou- tro grande beneficio ao bem publico , e era , que adminiftrando cada Senhor fua Cidade , e território como coufa própria , ficava fendo muito maior o accrefcentamento das coufas publicas , como fe no campo mais pequeno , que he melhor cultivado , que a herdsde grande: e aífun refultaraó depois deílas divifoens mnravilhofos aumentos em to- das as Cidades, c Povos, que tiveraô par- ticular Senhorio , tanto em Itália , e França , como em Alemanha ; de que íiiò boas teílemunhas em Itália as Cida- des de Mantua , Urbino , Ferrara , Mil- lao; em França Paris, Òrliens , Bazan-

fom ,

298 Noticias

.fom , Gray, Nantes, Metz i nos Pai- zes baixos, Cambray , Arràz , Liegi ; cm Alemanha Clevis , Colónia , Afpurg, Gratz, e infinitas outras que deftc tempo para florecerao admiravelmente. De modo y que a eíla imitação começarão os Reys de Efpanha , por fua liberalidade dar por herança os titulos de Condes juntamente com o Senhorio das terras , que governavao. Porém iH:© íenaô fazia ordinariamente, fcnao a peíToas mui con- jundlas cm íangue com a Gafa Real. Pe- lo que dando ElRey D. Joaó o I. titu- los de Duques a íeus filhos D. Pedro , e D. Henrique , como deixamos dito, ficarão fendo de mòr dignidade, que os Condes ; ainda que eíles eraô muito ma- is antigos no Reyno depois da reílaura- çaõ de Efpanha,

Em Irai ia nao trazem Coronéis , e ílió chamados Efpediaveis , e naó Illuf- tics , porém em Portugal tem Coronel de pérola?. Em Caftella os que faò Gran- des j precedem aos Marquefes , que o naõ íaó. Quando ElRey D. Pedro de Portugal fez Conde de Barcellos a D. João Afonfo Tello , conta o Chronifta a folennidade, com que rclou as armas,

po-

DE Portugal. 299

porem nao diz a com que o fez Conde. Com tudo parece , que em Portugal fe- guiraõ o coílume de Itália , como íizerao nos Marquefes j e o que íe pode colli- gir íieíla matéria era, que hia o Conde com acompanhamento dos Fidalgos , Reys de Armas, inílriuPientos mulicos ao Pa- ço , onde ElRey dizendo-lhe : Veniiais embora Conde, e metendolhe na m^aó o Eílendarte , lhe d?va a inveílidura do Eftado. E fendo convidado aqueile dia d'ElRey , fe tornava depois para cafa com o mefmo acompanhamento. Cs Se- nhores , a quem os Reys de Portugal de- raó o Titulo , referirei como fiz nos paf- fados íem repetir duas vezes o meimo Condado; ainda que ao filho , ou neto fe tornaíle a fazer mercê delle. O pri- meiro que achei , he o Conde de Bra- gança D. Fernão Mendes o Bravo , que cafou com Dona Therefa filha d^ElRey D. AFonfo Henriques. O fegundo o Con- de D. Pedro , na hiíloria do qual Rey fe nomeaó também o Conde D. Ramiro , e D. Pedro das Aíluiias , que fe acha- rão com o Infante D. Sancho na bata- *lha , em que vcnceo a ElRey de Sevilha, Na Chronica do mefmo D. Sancho o L

íe

300 Noticias

fe nomeao o Conde D. Mendo o Soufao ; c na d^ElRey D. Afonfo III. o Conde D. Garcia de Soufa , que cafou com juima filha baílarda do meímo Rey. El- Rey D. Diniz deu o titulo de Conde de Barcellos a D. Pedro, e de Albuquerque a D, Afonfo Sanches íeus filhos bailar- des. ElRey D. Pedro fez Conde de Bar- cellos a D. Joaô Afonfo Tello de Me- neies •, e depois ElRey D. Fernando o fez Conde de Ourem , o qual fez tam- bém Conde deBarcellosa D. João Afonfo Tello , irmaô da Rainha Dona Leanor, e D. João Tello Conde de Viana ; e a D. Gonçalo Telles Conde de Neiva , e Pearia , a D, Henrique Manoel Conde de Céa , e Cintra i e a D. Álvaro Pires de C?.íl:ro Conde de Arrayolos , e Con- de Ourem a D. Joaô Fernandes x\ndeiro, EIRey D. Joaõ I. deu o mefmo Titulo a D, Nunalvares Pereira, e o de Barcel- los a D. Afonfo feu filho natural , e ul- timamente o de Viiia Real D. Pedro de Meneies primeiro Capitão de Ceita, D. Afonlo V. fez Conde de Monfanto a D. Álvaro deCaílro,e D. Afonfo de Vaícon- celios Conde de Penella , a D. DUarte de Mcnefes Conde de Vianna , e depois

de

D E Po R T U G A L. 30I

de Loulé , a D. Henrique fcu filho Conde de Valença , a D. Lopo de Al- buquerque Conde de Penamacor, a D. Fernando de Noronha Conde de Ode- mira , a D. Fernando Coutinho Conde de Marialva , a D. Álvaro Gonçalves de Ataide Conde de Atouguia , a D. Pedro Martins de Mello , Conde de Aralaya, a D. Afonfo filho do Duque de Bragança D. Fernando L Conde de Faraó, a D. Lopo de Almeida Conde de Abrantes, a D. Rodrigo de Mel- lo, Conde de Olivença , a D. Ruy Vaz Pereira Conde da Feira , a D. Pedro de Meneies Conde de Cantanhe- de, a D. Pedro Alvares de Sotto Ma- yor Conde de Caminha, a D Joaò Gal- vão Bifpo de Coimbra Conde de Ar- ganil. ElRey D. Joaó o IL deu o Con- dado de Borba a D. Vafco Coutinho, que depois fe trocou pelo do Redon- do. ElRey D. Manoel deu titulo de Conde de Portalegre a D. Diogo da Sil- va , e aos primogénitos do Marquez de Villa Real , o de Alcoutim , a D. Ro- .drigo de Mello fez de Tentúgal , a D. Joaô de Menefes , de Tarouca , a D. Francifco de Portugal , do Vimio-

fo

302 Noticias

fo , a D. Martinho de Caftello Brafí- CO 5 de Villanova, a D Vafco da Ga- ma , da Vidigueira. ElRey D. Joaó IIL deu o Condado da Caílanheira a D* António de Ataide , e a D. Diogo da Sylveira, o da Sortelha. ElRey D. Se-- baíliaõ a D. Simão Gonçalves da Ga- mara fez Conde da Calheta. EiRey D. Filippe I. a D. Francifco de Con- de de Penaguião , a D. Fernando de Caílro , do Bailo , a D. Duarte de Caílelbraneo , do Sabugal , a D. Ro- drigo Gonçalves da Gamara, de Vil- lafranca , a D. Francifco Manoel y da Atalaya , a D. Francifco Mafcarenhas , de Santa Cruz. ElRey D. Filippe IIL deu titulo de Conde de Ficallio a D. Carlos de Aragaó , de Lumiares a D, Luiz de Moura , e Cone Real , de Villaflor, a D. Luiz Henriques , a Luiz Alvâfes de Távora , de S. JoaÔ da Pefqueira , a Henrique de Soufa , de Miranda do Corvo; a D. Francifco de Faro, do Vimieiro; a D. Eftevaô de Faro, de Faro de Alentejo. ElRey D. Filippe IV. deu titulo de Conde de Óbidos a D. Vafco Mafcarenhas , e de Conde da Torre a Dv Fernando Maf-

DE Portugal. 305

carenhas , e de Con4e de Caftelboni a D. Jorge Maícarenhas, e de Conde de S. Miguel a Francifco Botelho \ e de Conde de Caflelmelhor , a Ruy Men- des de Vafconcellos , e de Conde de Sarzedas a D. Rodrigo Lobo da Syl- veira; c de Conde de Aveiras , a Joaó da Silva Tello , e de Conde de Aííu- mar, a D. Francifco de Melio ; e de Conde de S. Lourenço a Luiz da Sil- va 5 c de Conde da Ilha do Principe a Luiz Carneiro de Alcáçova , e de Conde de Armamar , a Ruy de Mat» tos de Noronha , a Leonel de Lima deu as honras de Conde no titulo de Vifconde de Villanova da Cerveira. EIRey D. Joaõ o IV. fez Conde de Se- rem a D. Fernando Maícarenhas , e de Alegrete a Mathias de Albuquer- que, e Conde de Villapouca g Antó- nio Telles y e de Villarmayor a Fer- não Telles ; e Conde de Soure a D. Joaó da Cofta. Confirmou a D. Fernan- do de Menezes a mercê de Conde da Eri- ceira 5 fez Conde de Oriola ao Barão de Alvito , [a D. Francifco de Soufa confír- inou a mercê de Conde do Prado , reílitu- hioo da Torre tirado por CaftcUaaD.

Fer-

304 Noticias.

Fernando Mafcarenhas , e fez Conde de Villaverde a D. António de Noronha. El- Rey D. Af(^nfo VI. fez Conde de Avin- tes a D. Luiz de Almeida , e de Pom' beiro a D. Pedro de Caílellobranco , da Ponte a Francifco de Mello , e Tor- res , de S. Vicenre a Joaô Nunes da Cunha , de Villíiflor a D. Sancho Ma- noel , e de Santiago a Lourenço de Sou ia feu Apofentador Mòr. ElRey D. Pedro IL fez Conde de Alvor a Fran- cifco de Távora , do Aííumar a D. Pedro de Almeida , de Coculi a D. Francifco Mafcarenhas , das Galveas a Deniz de Mello de Caibro, do Lavra- dio a Luiz de Mendonja , do Redo .- do a D. Manoel Coutinho , do Rio Grande a Lopo Furtado d^ Mendon- ça , de Tarouca a JoaÕ Gomes da Sil- va , de Valadares a D. Miguel Luiz de Menezes , e de Vianna a D. Jozé de Menezev\ ElRey D. Joaó o V. fez Con- de das Galveas a André de Mello de Caílro , Embaixador ena Roma , do La- vradio a D. António de Almeida, de Moníanto a D. Fernando de Noronha, de Povolide a Triftaó da Cunha de Attaide , do Redondo a Fernão de

Sou-

DE Portugal. 305*

Soufa Coutinho , de Alva a D. João Diogo de Araide Governador das Ar- mas do Alcmtejo , da Sabugofa a Vaf- co Fernandes Cefar de Menezes , de Sandomil a Pedro Mafcarenhas , e do Vimieiro a D. Sancho de Faro.

§. XXVI.

Dos Vifcondes f e Baroens.

EM toda a parte coílumaraô os Reys^ e Monarcas darem a feus primo- génitos algum Titulo ainda em vida , para com iíTo os introduzir no governo das coufas publicas, e alcançarem maior authoridade com o povo ; e como Todos os Grandes procurem imitar os Reys , alcançarão também muitos Se- nhores de Titulos de íeus Príncipes outros Titulos taô bons, ou menores para os filhos Morgados. Difto ve- mos hoje aíTaz de exemplos em Ei- panha , onde os mais dos primogéni- tos dos Duques tem Titulo de Duques, ou de Marquefes , e os dos Marque- fes de Condes. Pelo que querendo também alguns Condes de Alemanha , França, e Itália, que a feus filhos fe V def-

3o6 Noticias.

deíTe cfta preeininencia , e nao havendo outro Titulo inferior , lhes concederão CS Reys noiíic de Vicecomites , ou Vif- condes-, encoinendando-lhes juntamen- te com o Titulo o governo de algum lugar 5 conforme o afíirma o Cere- nionial de Principes feito por Mofem Diogo de Valera , Garibay , e Padre Fr. Jeronymo Roman. ( 85 ) ElRey D. Afonfo V. vindo de França , querendo gratificar os muitos íerviços, que Leo- nel de Lima lhe fizera , lhe deu o Ti- tulo de Viíconde de Villa-Nova da Cer- veira , e foi o primeiro que houve em Portugal 5 confervando-fe atègora eílâ dignidade nos Senhores deíla Gafa. El- Rey D. Joaô IV. fez Vifconde de Caf- tello Branco a D. Pedro de Caílello-Bran- co. ElRey D. Afonfo VL fez Viíconde de AíTeca a Marrim Corrêa de , e de Barbacena a Afonío Furtado de Mendo- ça, e ElPvcy D. Pedro IL fez Viícon- de de Fonte Arcada a Pedro Jaques de Magalhaens.

Baraô- fe dirivou de Baro y nome la-

ti-

(85) Fr, Hier, Repub. Gentil, L 4. c, ifT.

DE PoRfUGAL. 307

tino , (86) que conforme à melhor fígni- ticaçao , quer dizer homem prudente, e grave. Pelo que com razão uíou o noíTo LuizdeCamoens deíla palavra, na quando na propofta dos feus Cantos dos Luíiadas diíte : As armas , e Baroens ajjinalados , e naó varoens , como alguns inadverti- damente querem. Os Italianos deraõ õ nome de Baraôa todos os Senhores de lu- gares VaíTallos doutro Príncipe , e aíHm he genérico naquella Provinda \ o que parece tem também lugar em Alema- nh?. , e França pela grande multidão de Baroens , que naquelles Reynos. Em Portugal introduzio efte Titulo ElRey D. Afonfo V. que o deu a Joaò Fer- nandes da Sylveira , depois que veio de Itália 5 onde foi acompanhando a Empe- ratriz Dona Leonor mulher de Federico III. E aíTim ncíle Reyno \\^ Titulo par- ticular, e fe diz tem obrigação de lahir em lugar d'EiRey a deíafío , em cafo que feja chamado a campo. ElRey D. Afonío VI. fez barão da Ilha Grande a Luiz de Souía de Macedo.

V ii As

(8(í) Sci^, AmlrMo principio das familiar de Nápoles.

3o8 Noticias

As cercmonias , com que fe eftes Tí- tulos daó, nao conftaode alguma Efe ri tu- ra ; mas fomente fe coliige do Regi- mento dos Reys de Armas , que fe ce- lebra eíle adio , indo os novos Titu- lados ao Paço 5 acompanhados de mui- tos Fidalgos , parentes , e amigos com os Reys de Armas diante, c que ElRey lhe diz : Venhaes embora Vijconde , §u Baraõ de tal parte,

Eílas faõ as dignidades , que no Reyno , as quaes modernamente os Reys naõ coftumaò a dar com as folemnidades antigas. Pelo que o ufo ordinário he íó- mente ir o que de fer Titulado ao Pa- ço bem acompanhado; e entrando onde EiRey eílá, dizer-lhe ElRey as mefmas palavras, que agora referimos. Venhaes embora Duque ^ Marquez^ ou Conde -^ e com iílo recebe inviftidura do Titulo, elhe faílao, e efcrevem dahi por dian- te, como a tal. Ifto porém he nos Titu- los , que ElRey faz de novo, ou a quem renova a mercê ; porque oS que tem de herança , fcm mais ceremonla fe intitu- laô da dignidade , em que fuccedem , c iao havidos por taes.

§. XXVIL

DE Portuga l. 309^

§. XXVIL Do Titulo de Senhor.

ESte nome Senhor , fe derivou do latino : Sénior^ que quer dizer o mais velho ; e conforme a Scipiao A- mirato ( 87 ) fe começou a ufar deíle termo , pelo de Dominus , depois da en- trada dos Longobardos em i tal ia ; por- que era ley entre elles , que tendo o Senhor de hum lugar muitos filhos , fe reparriíTe por todos a fazenda \ po- rém o governador do lugar ficaíTe íem- pre com o mais velhoj peio que lhe cha- mavaó vulgarmente : Sénior illius Iqcí\ que he o mefmo , que o mais velho do lugar ; ao que ajuda o que diz fo- hre efta palavra : Sénior , Santo A- goílinho Epift. 174. Efte meímo coí- tume guardavao , fegundo parece , as mais das Naçoens do Norte \ porque todas ellcis os tiveraô quaíl íemelhan- tes , e por elles ie governarão muitos cm lugar de leys. Pelo que a {Tira o de- viaô fazer os Godos cm Efpanha , e,

fe'

(87) Sq\^. A>n. na liigar aânLt citad(

3IO Noticias

fe prova claramente da hiíloría dejoaõ Abbade de ValcUra , e Biípo de Gi- rona noíTo Portuguez ; qual chama a Afpidio Senhor dos montes Agarenfes Se» nior loci que quer dizer : Senhor do lugar. E nos Concílios de Efpanha, aos que iiu- rnas vezes chamavao : Próceres , cí^ O- ptimates ; igualtnente os diziaô ouTas vezes : Seniores ; e em todas as Efcritu- ras dos Reys de Navarra de joo. annos a traz fe o nome de Sénior^ ao Se- nhor de qualquer lugar, efeufavanas Efcriruras igualmente pdo àc Domina- dor \ como mofcra hrga mente Molares , (88) e Eícholano, ( 89 ) e p Padre Fr, Aitonio Yepes (90) na Confir- mação da entrijga do Mofteiro de S. Torcato , diz que confirma entre ou- tros ; Diogo AIvres, neíla forma : Se- nior Diogo AIvres. O mefmo coníta de França, e Itália, fegundo Gregório 1 u- roneafe, e Scipiaò Amirato. (91) Pelo que deíla ley dos Longobardos, e Go- dos parecj teve origem o antigo coítu-

me

(88) Tepes t, 6. an, 10-70. cap. 1,(89') -^^O- ral /. 10. c. 6]. (90) Efcholr Dsc. i. d<c Va Jcn. L 1. c. 13. (91) Scip, Am, ubíjtipa.

dePortugal. 311

me de Efpanha de chamarem fempre aos irmãos mais velhos , aíliin Reys co- mo Titqlos: Senhores; e iílo com tan- ta particularidade, que íe prohibio por ley, que ninguém podeíTe chamar meu Senhor 20 Rey, íenaô ás ^-cílbas Reae?, até o quarto grio; e Duques do Rey- no; pofto que darem os meímos Ti- tulos os Fidalgos , e Nobres aos pais foi ordinário em tempo de noffos Avós , caos Avós também por iflo á\Lià6'DofWSy os antigos 5 que era o mefmo que Do- minios , e Senhores; com tudo o nome de Senhor de terras fe veio a ufar tanto, que os que as pufluirao com juriHic- çaÒ , deixarão por elle o fKKne de Vaf- lallos ; e principalmente des do tempo d'ElRey D. Afonfo V. para , cha- mando-os ElRey em fuás Provifoens , e Alvarás : Senhores dos taes lugares, e tem aíTento nas Cortes depois dos Fidalgos do Confelho.

§. XXVIIL

312 Noticias

§. XXVIII. Da dignidade da Cavaliâria.

Concluamos eíia matéria das digni- dades de Isíobreza com a da Caval- laria , a qual foi antigamente taó efti-^ mada , que atè os maiores Príncipes de Europa procurarão com grande cuidado recebelía , entendendo que ficavaÓ com eiia mais acrefcentados com reputação , e authoridade , aílim iemos , (92) que a Efpanha vieraò Conrado Duque de Sué- cia filho do Empcrador Federico I. e D. Raimon de Flácada Conde de Tolofa a íe armar Cavalleiros da maô d'ElRey D. Afonfo XI. de CaRella , e Eduardo Principe de Inglaterra , da d^EIRey D. Afonfo Sábio ; e do meímo modo , para eíle effeico viera 6 a Portugal outroi Grandes Senhores cm vários tempos. Po- rém os que neíla parte a meu parecer alcançarão mòr gloria . foraÔ os noíTos Infantes filhos d'EIRey D. Joaó I. por- que

(()i) Cbroti, de D.Man. 4. p- ^- 4- Chron, do Conde D.Pedro pA.c.6o,ChronJe D.JoaÕ I, p.

dePortugal. 913

que com efle intento emprenderao a expugnaçaó de Ceita -, e ElRey D. João II. fendo* Príncipe , a de Arzilla. Dava-fe também efta dignidade em tempo de paz , e com grandes feílas , quando al- guma Períonagem fobia a novo Titulo , como o fez (93) ElRey D. Pedro, quaa- do creou Conde de Barcellos D. Afon- fo Tcllo 5 feu grande privado , para o qual adio mandou fazer cinco mil ciri- os , que outros tantos homens tinhaó na mao toda a noite , que o Conde velou as armas em S. Domingos de Lisboa , citando poílos em prociíTaò , des do Con- vento até os Paços de Alcáçova. EIRey D. Afonlò V. armou (94) a feu irmaô o In- fante D. Fernando Cavalleiro com tanta iolennidade, que quaíi o menor apparato deíla pompa foi precederem diante def- te magnifico aelo mil tochas , quatro- centas levavao Cavalleiros , e as feiscen- tas Eícudeiros dos mais luzidos da Cor- re, todos veílidos de hum trage , e li- bré.

Pa-

(9?,) Chrori. d'ElRcy D. Pedro de Duarte Nfines. (94) Chron, do Príncipe D, Joaõ c, i.

314 N o T IGIÁ S"

Para padrinhos fe buícavao Câvallei- ros de grande nome , e linhagem , como além de outros , parece do Conde D. Pedro, que conta ordinariamente deíles antigos Senhores , quaes Fidalgos arma- rão para Cavalleiros. Os mais dos Reys antigos de Caftella coílumavaó armar-fe Cavalleiros a íi mefmos , antes de fe co- roarem : e do noílo D. Afonfo Henri- ques diz a hiftoria dos Godos , (95) que elle melmo fe armou CavaJIeiro 5 toman- do as armas do Altar: Infans tnclytus Dominus Alphonfus Comitis Henrici , & RegÍH£ D. TharafidC filius D, Al- fhonfi nepos habens £tatis anos fere quatuordecim apuã fedem Zamorenfem ãb Alt ar i Santi Salvatoris tpfe fibi manu própria fumpfit militaria arma. ab Altari ; í^ ibidem in Altari in- dtitus efl , ç!^ accintus militaribus ar- mis , ficut mor is eft Regi bus f acere in die Santo Pentecoftes,

As ceremonias , que neíle Reyno fe ufavaó neíle a£lo , conforme ao Regi- mento da guerra d^ElRey D. Afonfo V, eraÕ, que o Cavalleiro novel vigiava

em

(y5)fíríy^. Gotthor.

DE Por tug AL. 315'

em huir.a Igreja des do meio dia de antes , rezando , e enc6mendando-íe a Deos 5 que aeeitaíle aquelle aclo pa- ra íeu fervido. Vinda a manháa , e a- cabada a vigia , [c veília ricamente , e ouvia na meíma igreja MilTa canta- da mui folenne , depois da qual poílo de joelhos diante do Padrinho, era per- guntado , le queria receber aquella hon- ra r E dito que fim, lliQ íazia huma pratica expiicando-ihe as novas obrigaço- ens, em que entrava ; ecomo em todas as acçoens de armas devia favorecer, e aju- dar a juftiça. Acabada a pratica , lhe calçavaò as efpóras dous Gavalleiros , e outro lhe cingia a Eípada, em que fig- nificava o antigo balthjo, infignia pró- pria dos Soldados; da cinta Ike arran- cava o Padriiiho a efpada, e dando-lhe com clld três vcit^s por cima do Ca- pacete dizia, o armava Cavalleiro , em nome do Padre , e úo Fiiho , e do Ef- pirito Santo. Feito ifto , o abraçava o Padrinho , e lhe dava paz, e elíc fa- zia o mefmo a todos os outros Gaval- leiros , que alli íe achavaó. Eílas cere- monias íe ufaô ainda hoje com os que jaó admitidos nas Ordens MilitP.res ;

por-

^i6 Noticias

porque lhes naõ lançaó o habito fem primeiro íerem armados Cavalieiros, por curros Ciivalleiros da mefma Religião Militar. Era coílume deite aclo naõ ler o CavaJlciro menor de 14. annos , e de eílencia ter íido armado Cavalleiro o Padrinho , como fe julgou no cafo à'Ellley D. Fernando, (96) quando eí- rando no campo de Caya para dar ba- ícilha a ElRey D. JoaÔ I. de Caíleila, armou muitos Fidalgos Cavalieiros; po- rém averiguando-fe pelos que alli ef- tavao, que por elle naó fer Cavallei- ro, amda que Pvey foíle , os nao po- dia armar, e poílo que elle íe devia armar a íi mefmo , parece que por dar eíia honra ao Conde deCambriz , lhe pc- dio que o armaíTe , e entaô tornou a fazer de novo os melmos Cavalieiros, que tinhn armados com outros mais.

Começou efta dignidade da Caval- Jaria a íer nefte Reyno mais ordinária depois da tomada de Ceita , c Alcace- re j como diz Gomes Eannes de Azu-

ra-

(96) Cbrou, d' ElRey D, Fem, de Duarte

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DE Portugal. 317

rara , (97) porque atè então como o Reyno eftava fem conquiílas , nao ha- via-occafiaó, fenaô rara, de alcançar femelhante honra , e os que hiao fora do Reyno a bufcalla , eraó poucos ; po- rém de então para com as occafio- ens da guerra , a/Hm de Africa , como de Afia , íaó tantos os que recebem a Cavallaria da maó dos Governadores , e Capiraens daquellas parte? , e Eila- dos 5 que os noílos Reys lhes poíerao limite no 2. 1. das Ordenaçoens t. óo. mandando, que os privilégios da No- breza concedidos a eftes Cavallciros lhes naô valeíTem , lem primeiro ferem con- firmados pela PeíToa Real , de maneira que podemos dizer , que neíle Reyno fica fendo a Cavallaria nos inferiores o primeiro grào da Nobreza , e nos Prín- cipes , o ultimo accrefcentamento delia, Eílas ceremonias da Cavallaria nao fe ufarao entre os Gregos , e Latinos , fe- naó depois , que as Naçoens do Norte fe fenhorearaò das Províncias do Impé- rio. Pelo que parece , que delias teve principio, por fer coílume íeu , como

fe

(py) Chron, de D, Duarte de Menefes , c. 50.

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fe de Cornelio Tácito , ninguém po- der trazer armas, fem primeiro ferappro- vado pelo Magiftrado > e para iflo era ceremonia janrarein-fe os piincipaes áú povo, e o pai , ou parente mais chegado , ou inais nobre , e dar ao nioço o Elcudo y ou Efpada, e armallo com cila, e que eíta era a primeira honra, que os mancebos recebiaõ , tendo- fe ate enca6 por parte da caía de leu pai,edalli por diante por mem- bros da Republica. Às palavras de Tá- cito (98) iaó eítas : Aj^fJia Jumere non ã7itecuiquam mor is ^ quam civitas fuf- ftcíurum probãverit, Turn in ipfo Con- cilio Príncipum ali quis , vel Fater , "cel propinquus , fcuto , franieaque juvenení ornar et , h(£C apud illos ^ hic primus ju^ vtntdC honos , ane hoc definis pars viden- tur j inox Reipublíca,

(98) Tacit, L de Áíorib. Gerniy Fim do Volume L

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