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I ARBOR I

Presented to the

UBKARYofthe

UNIVERSITY OF TORONTO

by

Professor

Ralph G. Stanton

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VIDA D'EL-REI D. AFFONSO VI

m Di-i i Mm !i

ESGRIPTA NO ANNO DE 1G84

COM UM PREFACIO

CAMILLO CASTELLO BRANCO

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LIVRARIA INTERNACIONAL

X3B

ERNESTO CHARDRON

96 Largo dos Clérigos 98

PORTO

EUGÉNIO CHARDRON

4 Largo de S. Francisco 4-a

BRAGA

Imprknsa LiTTKRAHio-CoMMKKciAL, Bonijuidim, 489-493.

PREFACIO

Pois que ainda não temos histo- ria bem assentuada do, impropria- mente dito, reinado de Affonso VI. não se descure nem deixe perder al- guma pagina das escriptas por pulso contemporâneo. Escriptores coevos, izemptos de paixão, quem os conhe- ceu? E então, dos d aquelle período, recheado de miserabilissimas villa- nias, facciosos de Affonso ou de Pe- dro, não veio algum até nos que me- reça inteiro credito. O bispo do

VI PREFACIO

Porto, Fernão Correia de Lacerda pagou com a catasteophe a mytra. Falseou o nome como falseara a honra: anagrammou-se,comoseum anagramma descontasse nos gráos da infâmia. A anti-catastrophe, de historiador incógnito, tem relanços que inspiram crença; mas vem outros que a desluzem. O processo do divorcio de Aífonso, requerido por sua mulher, esse sim, esclarece abysmos; é facho que nos conduz aos latibulos da corte d aquella rai- nha incestuosa; por feitio que o pro- cesso diz mais para a historia das torpezas da esposa que das enfermi- dades do marido. É ella, a amante adultera do trigueiro cunhado, que entra nos tribunaes, empunhando

PREFACIO VII

attestados médicos e depoimentos de meretrizes, pelos quaes se demons- tra que AíFonso era menos viril que o necessário a uma dama que sa- hira da corte de Luiz XIV.

Bravo, rainha! Receba V. Ma- gestade no reino da gloria os meus comprimentos, associados aos do historiador, snr. conselheiro Viale que denominou V. Magestade se- nhora de muita prudeneia; e, no in- tuito de não desacreditar o seu ex- celso esposo, que está laureado á beira de V. Magestade, o mesmo aulico historiographo desacredita- o em latim, escrevendo, para uso da mocidade escolar de primeiras let- tras : Extra matrimonium genuit Pe- trus. etc.

VIII PREFACIO

Gomo quer que seja, o auctor d esta vida de Affonso VI não pode ser acoimado de menos ingénuo do que o snr. conselheiro Viale, o cân- dido. O que o antigo faz com me- nos honestidade que o moderno é referir os vicios em portuguez. As hnguas mortas para este mestre dos príncipes são como a folha de par- reira nas deshonestidades estatuá- rias. Bom é isso; mas também não seria máo que S. Exc.^ por amor á dignidade de historiador, tendo de nos incampar o logro de que a es- posa simultânea de Affonso VI e Pe- dro n fora rainha prudente, nos dis- sesse em latim: reijina valdèprudens: este latim ficava sendo também folha de parra.

PREFACIO IX

Este mamiscripto contém noti- cias que ainda não vimos referidas em livro impresso ou códice d aquel- la época. A existência de uma sup- positicia filha de Affonso VI é as- sumpto que pede alguma coisa mais serviçal e prestadia que a historia dos reis: um romance com estrata- gemas de Ponson du Terrail. Fa- ça-o quem poder, e o snr. Viale es- culpa o caso com buril latino para que se não leia.

O leitor acha no fim uma nota, onde se diz que o auctor d'esta bio- graphia é D. Nuno Alvares Pereira, muito dilecto de Pedro II, e procu- rador da rainha Maria Francisca de Saboya. Não se aceitem por isso sem escrúpulo as arguições feitas ao

X PREFACIO

príncipe bragantino; mas repare-se que a verdade, como a intuição pode adquiril-a, se está vislumbrando da chan e desornada narrativa deste resumo.

Este livrinho deve estimular os que professam a sciencia histórica a cottejar, coordenar e tii^ar á fieira da critica os elementos dispersos e contradictorios das proezas bragan- tinas no século XVII. Bonito livro! Manoel Pinheiro Chagas o bos- quejou na sua Hisíoria de Portugal Compete-lhe amplial-o, completar a obra mais corajosa que temos visto escripta em terra, onde ha throno, e n'esse throno o descendente e repre- sentante dos biographados. Muito sincero pode ser um chronista de

PREFACIO XI

reis sem ser republicano ! E, ao mes- mo tempo, observe-se que uma bo- tija de tinta incerra mais conflagra- ções que um tonel de petróleo.

De petróleo, Deus nos livre. An- tes queremos reis; e não podemos passar sem elles. Somos portugue- zes da tempera dos nossos maiores : podem fora chamar-nos burros (com o devido respeito), e coisa peor: prudentes é que nós somos. El-rei nosso Senhor. Nossos pais di- ziam aquillo ; e os nossos filhos tam- bém hãode dizer, se eu não estou aqui a bandarrear como o sapateiro de Trancoso. Os sábios affirmam que o feudalismo nunca apegou em Portu- gal. Pois é de estranhar! Aqui o que ressalta da nossa Índole luzitana é

Xn PREFACIO

preito ás prerogativas senhoriaes, servilismo, espinha derreada ao di- nheiro, ás Inscripções, e queremos rei para que haja ordem e queremos ordem por amor ás Inscripções.

Está o throno como de sentinella a esta ingente mercearia.

Paz e concórdia entre os prínci- pes christãos ! e vamos á historia do rei sem reino e do marido sem mu- lher.

Camillo Castello Branco,

PEOLOGO DO AUCTOE AO LEITOE

Meu amigo, chegaram á minha mão uns cadernos achados em Coimbra em casa de um clérigo, pela occasião de sua morte, e entre elles vinha um muito maltratado, roto e sujo, que tinha por titulo: Vida de El- Rei D. AfFonso 6.° , e podendo ler pou- cas paginas d'elle, accrescendo a ociosidade em que vivo, e a veneração que professei ao infante D. Pedro, me vi obrigado a mostrar a justificação da resolução que tomou a res- peito do rei seu irmão; porém sinto que isto é impraticável sem fazer menção da inca- pacidade do mesmo rei. Por tanto vos digo

2 PROLOGO

que a violência do seu governo, e a sua inércia, desculpará o que eu, seguindo a ver- dade, disser sem attenção á magestade: e assim vereis este rei nascido, baptisado, en- fermo, jurado príncipe e acclamado rei, to- mando o sceptro, escolhendo homens indi- gnos para o seu lado; vel-o-heis recluso, deposto em cortes, casado e descasado, man- dado para o castello da ilha Terceira; a conjuração que motivou aquella reth-ada; recolhido em Cintra; morto de repente n'aquelle palácio, e ultimamente o vereis na sepultura em Belém. Escrevendo nova- mente a sua vida, justificarei a seu respeito as acções louváveis do infante D. Pedro, seu irmão.

VIDA DE D. AirONSO VI

CAPITULO I

NASCIMENTO DE D. AFFONSO VI

Estando a magestade d'el-rei D. João 4.** nosso senhor, em Évora, cidade, dando de mais perto calor ao seu exercito, que come- çava a marchar valorosamente contra as aimas e terras castelhanas, foi Deus servido dar ao nosso Portugal em sexta feira 21 de agosto d'este anno de 1643, ás sete horas e um quarto da manhã, um novo defensor, com o nascimento do serenissimo infante D. Aífonso, o primeiro filho que el-rei nosso se- nhor teve depois de sua feliz acclamação n'este seu hereditário reino. Em nascendo desceram á capella os bispos e fidalgos que

4 VIDA D'EL-REI

se acharam no paço, e, paramentados de branco os altares, se cantou o Te-Deum so- lemnissimamente em acção de graças, e missa com semiâo, que fez o padre fr. Fran- cisco de Santo Agostinho, da ordem dos Ca- puchos, que vulgarmente se chamava o Ma- cedo, e conventual em Santo António de Lisboa. E dando-se aviso, se festejou o suc- cesso com toque de sinos em toda a cidade, e se fez uma procissão de graças desde a até S. Domingos, que acompanharam os religiosos costumados, clero e cabido ; como também não faltaram as danças e folgares da cidade, rematando-se com o senado da camará d'ella. A noite e nas duas seguintes se pozeram luminárias por toda a cidade. Deu-se ordem ao baptismo, signalando-se para elle o domingo 13 de setembro, na capella real, para o que se adereçaram os paços de ricas annaçôes, e se fez um pas- sadisso da escada do paço até á outra escada que sobe para a porta ti-avessa da capella.

D. AFFONSO VI . õ

que ordinaríamente é serventia para as mu- lheres, atravessando-se o pateo da mesma capella. A sala dos Tudescos estava armada com os pamios de Tunes, e alcatifada rica- mente; a do recebimento, de pannos de seda e ouro, que vieram do tliesouro de Villa Viçosa; a do estrado, de brocados, e a ou- tra mais inteiior em que estava o paleo e uma camará rica, se via da mesma sorte ar- mada de ríquissimos pannos. O passadisso estava entapizado de telas e alcatifas, e o pateo da capella todo aniiado com os pan- nos das victorías que o condestavelD.Nuno Alvares Pereira alcançou dos castelhanos. Para se fazer este acto com toda a so- lemnidade, mandou sua magestade por de- creto que se achassem n'elle os tiibunaes sem precedência, e nomeou os que haviam de levar a prata. O acompanhamento foi na forma seguinte: No dia assignalado, das 4 para as 5 horas da tarde, saíram da camará da rainha nossa senhora, adiante

6 VIDA D'EL-KEI

toda cl íidalguia e nobreza, que ao presente se achava em Lisboa, vestidos todos de ga- la; o mesmo os officiaes maiores da casa e os desembargadores de todos os tríbimaes, ao som de trombetas e tambores, e atraz os reis d'armas, arautos e passavantes com suas cotas, e os porteiros da camará com as suas massas de prata, ao que se seguia o conde de S. Lourenço, regedor da casa da supplicaçao, que levava o massapáo, e era este de notável grandeza, em forma de um castello, a que ajudavam dois moços fidal- gos; o conde de Villa Franca com o gomil, o conde de Vimioso, nomeado marqucz de Aguiar, com um prato que levava a vela, com quatro moedas de ouro grandes; o conde de Monsanto, nomeado marquez de Cascaes, levava o saleiro; apoz elles se se- guia o paleo de tela branca, cujas varas le- vava de uma parte D. i\Iiguel de Almeida, e Henrique CoiTeia da Silva, veedores da fazenda, e da outra D. Carlos de Noronha,

D. AFFOXSO VI . 7

presidente da mesa da consciência e ordens, e D. Antão de Almada, governador das ar- mas; debaixo d'elle ia o marquez de Fer- reira com uma opa de brocado, e com um sendal largo ao pescoço de tafetá sobre branco guarnecido de renda de ouro, em que levava o senhor infante ; á mâo direita d'elle ia o príncipe D. Tlieodosio, que havia de ser o padrinho, vestido de chamalote anogueirado, picado sobre branco, com os cabos brancos, trancelim de ricas pérolas e uma rosa de diamantes no chapéo de gran- de valia; e atraz ia a aia D. Marianna de Lencastre ; iam atraz do paleo o bispo inqui- sidor geral, e o do Algarve; e de uma e ou- tra parte iam vinte e quatro moços da ca- mará, vestidos de gala, com suas cadeias nas mãos, levavam tochas de cera branca apagadas. A porta da capella estava espe- rando o bispo ca2:)ellão-mór, paramentado em pontifical de tela roxa, e os capellães com capas de asperge; e depois de dár a

8 VIDA DEL-REI

agoa benta ao príncipe, fez alli mesmo os exorcismos e ceremonias costumadas; aca- badas a^ quaes, e mudada a capa roxa em outra branca de tela, entraram na igreja, que estava toda annada de pannos de arras e ouro, em que se continha a liistoría de Alexandre Magno ; e á parte direita estava também uma cama de arras e ouro, bor- dada, da historia de David, com suas corti- nas ligeiras da parte de dentro, de tela car- mesi, e suas almofadas do mesmo tapiz, e grandes brazeiros de prata. Da outra parte o sitiai do principe nosso senhor diante do altar mór, que estava com um frontal ri- quíssimo de brocado, que viera do thesouro de Villa Viçosa : estava uma bacia de prata sobre uma base coberta com um lençol de Ilollanda com guarnição de rendas largas, que chegava até o chão ; e descoberta, lan- çaram quatro moços da camará do serviço, que assistiam com qiuitro jarras de prata sobredouradas, a agua dentro, a qual ben-

D. AFFONfSO VI í)

zeu Vicente Feio Cabral, prior da freguezia de S. Julião, em cujo districto fica a capella real.

Aqui baptisou o capellão-m(Sr ao infante, pondo-lhe por nome Affbnso, respondendo a tudo o bispo de Targa, que limpou os óleos; e o bispo inquisidor geral encami- nhava o príncipe. Tanto que o príncipe to- cou como padriídio a cabeça do infante, se lhe deu agua ás mãos, e ministrou a toalha o conde de Cantanhede, presidente da ca- mará. Para despir o infante serviu a cama que dissemos: emquanto se celebrou este sacramento e o acto solemne, se cantaram varias cançonetas, e se tocaram as chara- melas c atabales, assistindo sempre os mo- ços da camará com as tochas que trouxeram accesas.

A rainha nossa senhora, com as hífantas, damas e mais senhoras, assistiam na sua tri- buna com vistosas galas, e não houve pes- soa que assistisse sem dár demonstrações

10 VIDA D'ÉL-RE1

de grande alegria e muitos vivas ao novo infante. Finalisada esta celebridade, voltou o acompanhamento na mesma fórma que viera, levando os moços da camará sempre suas tochas accesas, e indo os titulares descobertos e sem insignias, as quaes ha- viam ficado na credencia, e os quatro bispos atraz do paleo até o quarto da rainha nossa senhora, onde as quatro sabias primeiras es- tavam aderessadas de ricas telas e brocados, com três dóceis e almofadas de estrado da mesma estofa. Acabou-se este acto quasi á noite, e quando se esperava a escuridão d'ella, se mostrou mais clara que o mesmo dia, com as muitas e diversas luminárias que por toda a cidade se mostravam, e no mar nos bateis da gallé real, e outras embarca- ções que estavam surtas no porto em grande quantidade, que vagando de uma a outra parte, lançavam de si varíos foguetes, ar- vores e rodaes, e outras muitas invenções e artifícios de fogo, pondo fim á alegría deste

D. AFFONSO VI 11

dia uma vistosa encamisada, que dando mos- tra pelas principaes ruas da cidade, com universal applauso de todos, a deu ultima- mente no terreiro do paço, a que assistiram as damas no quarto da rainha nossa senhora, e no mesmo terreiro infinda gente. Eram os quadrilheiros d'ella os dois veedores da fazenda, D. Miguel de Almeida, e Henrique Correia da Silva; e o que causou maior gosto e admiração, foi que, sendo este dia e festa celebrado com um tão grande con- curso de gente, não houve de alguém a menor queixa, nem aconteceu desastre al- gum. O único dissabor foi estar ausente el-rei nosso senhor D. João 4.'', a quem Deus permitta dar largos annos de vida para ac- ere scentament o dos seus reinos e estados, com prósperos successos de suas armas, e oppressãa da soberba dos inimigos de sua coroa.

12 VIDA D'EL-REI

CAPITULO II

ÍNDOLE DE D. AFFONSO, E GOMO SUGGEDE KA GORÔA

Acliando-se o infante D. Affonso em idade de quatro annos e meio, foi aconnnettido de uma febre maligna, e se fizeram pela sua saúde preces, procissões e votos a Deus Nosso Senhor. Livrou emíim da morte por um decúbito que fez a natureza por toda a parte direita: não via d'aquelle olho, não ouvia da mesma parte, e com nuiito desar movia' a mão e o direito. D'esta maneira passou algum tempo, applicando-lhe os mé- dicos todos os remédios indicados ao acha- que, porém sem fructo algum. Viviam seus pais com grande desgosto de o ver com

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achaque desobediente a remédios ; pareceu que fosse ás Caldas; acompanhou-o a con- de ça de Atouguia, sua aia, e depois mar- queza: deu-se-lhe este segundo titulo, por- que estando sua filha D. Maria de Athaide, dama do palácio, para morrer, lhe escreveu o secretario de estado Pedro Vieira da Silva, de ordem de suas magestades, para que viesse lançar a benção a sua filha. Eespon- deu que ella faria o que suas magestades lhe mandassem, mas que deixar o senhor infante não era possível, e esperava que suas magestades assim o entendessem: por esta fineza a fez el-rei marqueza de Atou- guia. Tinha ido esta condeça com o infante em uma liteira, acompanhando Ruy de Moura Telles, que ia fazendo o ofíicio de estribeiro-mór, e António Correia, senhor de Bellas, vedor da rainha, e tudo o mais preciso á auctoridade do infante e á com- modidade do seu serviço. Também acom- panharam o iiifante dois médicos da camará,

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O physico-mór António de Castro, e Braz Nunes Monanlias : foi inútil a jornada, por- que nenhum fructo se seguiu do remédio.

No anno de 1652, em 17 de julho, no- meou el-rei D. João no arcebispado de Évora ao infante D. Aífonso, e ordenou ao con- selho de estado lhe propozesse pessoas para lhe governarem o dito arcebispado. Pare- ceu ao conselho que a nomeação não podia ter effeito, assim pela difficuldade de Roma, como por não querer o cabido de Évora ceder a sua jurisdicção ; e vendo el-rei que 08 impedimentos apontados eram invenci- veis, não instou pelo eíFeito da nomeação.

Em 15 de maio de 1653, morreu o prin- cipe D. Theodosio, de dezenove annos, e vendo el-rei D. João que o infante D. Af- fonso era o successor immediato, convocou logo» cortes, e foi o infante jurado n'ellas principe para succeder na coroa depois de largos annos d'cl-rei seu pai. Celebrou-se aquelle acto na sala dos Tudescos, sendo

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presidente el-rei nosso senhor e sua alteza, em 22 de outubro do dito anno.

Segunda-feira, 6 de novembro de 1656, falleceu el-rei D. João, e por sua morte de- clarou a rainha D. Luiza que sua mages- tade lhe dissera que nomeasse por aio d' el- rei D. Affonso o conde de Odemira, D. Francisco de Faro, do conselho de estado, vedor da fazenda e presidente do conselho ultramarino: e indo" esta matéria ao conse- lho de estado, se fez logo o regimento para o conde de Odemira se regular n'aquella occupaçâo.

Nove dias depois da morte d'el-rei D. João foi acclamado rei d'estes reinos o se- renissimo príncipe D. AíTonso na forma de uma lei, a qual manda que em qualquer parte do reino onde o successor da coroa se achar se acclame. logo e se jure, convo- cadas para esse eífeito as cortes.

Nomeou a rainha por mestre d'el-rei a Nicolau Monteiro, prior de Cedofeita, su-

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jeito verdadeiramente digno d'aquelle nii- nisterío; porém, nenhum effeito surtiram as virtudes e letras d'este mestre n'aquelle dis- cipulo inhabil e incapaz; porquanto nunca soube ler; conhecia as letras, mas não as ajuntava: para escrever, valia-se da mão esquerda: diziam-lhe, verhi gratia, que fi- zesse um A, e esta ou outra qualquer letra fazia mal, tudo torto e desigual. N'esta íor- ma foi el-rei crescendo, servido por mulhe- res no quarto da rainha.

Tratou el-rei de fazer um presépio, e pro- curando-se pessoa que Uie satisfizesse este appetite, um reposteiro, suggerido por inn tendeiro da capella, inculcou um filho d'este chamado António de Conti, o qual com ef- feito se introduziu pela manufactura do presépio, e por trazer a el-rei bonecos, e outras cousas que agradam n'aquella ida- de: e como el-rei gostava de homens de baixa esj^hera, se agradou de modo de An- tónio de Conti, que não podia passar sem

D. AFFONSO VI 17

a sua conversação, e o ia buscar pelas por- tarias.

Impediu-se isto a el-rei, porque era indi- gno da magestade, e elle tomou tão grande sentimento, que temendo a rainha lhe fi- zesse damno aos seus achaques, veio na as- sistência de António de Conti, e passando assim algum tempo, entendendo errada- mente a rainha e o conde de Odemira, que por António de Conti poderiam introduzir alguma doutrina em el-rei, e pelo grande desejo que elle tinha de que António de Conti fosse moço da guarda roupa, se lhe deu aquella occupação. O successo, como diremos, mostrou o erro d'aquella resolu- ção, porque António de Conti foi afastando el-rei de todas as pessoas grandes, e met- tendo-lhe negros, mouros e mulatos, por ver que propendia a inclinação d'el-rei para aquella parte; foi crescendo em abomina- ções, de maneira que se julgou necessário algum remédio: mas viciado por aquel-

18 VIDA D'EL-REI

les O animo d'el-rei, não bastaram todas as diligencias da rainha e do conde de Ode- mira, para suffocar aquella cizânia ar- reigada.

Pareceu aos médicos que tornasse el-rei ás Caldas, o que se executou, acompanlian- do-o o conde de Odemira, seu aio ; o duque de Cadaval; o marquez de Gouveia, seu mordomo-mór ; todos os do conselho de es- tado; e D. Theodosio de Bragança, sumi- Iher da cortina, e ultimamente o conde de Pombeiro, capitão da guarda. Foi António de Conti n'aquella jornada com João de Conti, seu irmão, a cujo cargo iam os mou- ros, negros, mulatos, etc. Occupado el-rei nos divertimentos que tinha e de que gos- tava, com esta canalha, não foi possivel con- seguir-se d'elle que tomasse um banho, e com as hidignas acções que demais d'isto presencearam em sua magestade aquelles fidalgos, vieram elles summamente magoa- dos e sentidos, em tennos que resolveu o

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duque e o marquez de Gouveia, com o conde de Pombeiro, ensinuarem ao conde de Odemira, que, (como elle mesmo via), el-rei não era capaz, nem tinha aptidão para o poder ser, e que era necessário dizel-o as- sim á rainha, e que seria muito bem feito para assim o propor ao bispo de Targa, (que era deão da capella e prelado de grande talento e capacidade), e assim se praticou logo que el-rei chegou das Caldas; porém a rainha ouviu o bispo, e não resol- veu nada mais senão mandar chamar o me- dico da camará António da Matta, e o cirur- gião Francisco Nunes, pessoas que mereciam a confiança da rainha ; e conferindo aquella matéria com as considerações da arte, de- clararam ambos por um papel, que el-rei era mentecapto e impotente; e achando-se este papel quando el-rei tomou o governo, foi chamado ao paço Francisco Nunes, aonde o matou ás pancadas o marquez de Fontes; e António da Matta, sabendo do

20 VIDA D'EL-REI

caso, nunca mais saiu á rua. Parecendo á rainha e seus ministros com quem se com- municou esta matéria, que era preciso dar casa a el-rei, por ter chegado a idade de não dever assistir no quarto da rainha, se dispôz o necessário para esta separação, e nomeou a mesma senhora pessoas cuja pra- tica e cujo exemplo houvessem de ser bons a el-rei.

D. AFFONSO VI 21

CAPITULO III

SEPARA-SE D. AFFONSO PARA O SEU QUARTO

Quarta-feira que se contavam 7 de abril do anno de 1660, passou el-rei ao seu quarto; e acompanhando-o todos os seus criados, ali lhe beijaram a mão, e sua ma- gestade se recolheu. Como o conde de Ode- mira, era tão cheio de annos, como de negó- cios, que por convenientes ao serviço d'el- rei não os devia deixar para haver de fazer assistência á sua real pessoa, se nomearam cinco officiaes da casa, e cinco fidalgos de fora, para que entrassem dois cada semana, e todos elles vieram a ser o duque de Ca- daval, o marque z de Gouveia, o conde de

22 VIDA D'EL-REI

Castello Melhor, o conde d' Aveiras, Garcia de Mello, monteiro-mór, o conde de Óbidos, o conde do Prado, o conde de Vai de Reis, D. João de Almeida e Francisco de Sousa Coutinho. A todos se deram chaves negras como a do aio; a do duque lhe ficou, por- que assistia a el-rei quando estava no quarto da rainha, e se mandou que no d'el-rei fi- casse conservando a mesma preeminência. O mesmo duque e o marquez de Gouveia, que era mordomo-mór, e Garcia de Mello, que era monteiro-mór, o conde do Prado, que era estribeiro-mór, e D. João de Al- meida, que servia de reposteiro-mór, são os cinco officiaes da casa novamente nomea- dos. E tanto este como os de fora tinham toda a jurísdicção da camará para dentro na sua semana darem as audiências, e para tudo o que se oíferecesse. Os officiaes da casa d'el-rei, que não foram nomeados para as semanas, se queixaram; e resolveu a rainha que fora da camará em todos os

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outros actos exercitassem os seus oííiciaes. O conde de Castello Melhor, por ser casado com D. Guiomar de Castro, viuva de D. Jorge de Athaide, conde de Castro, sobri- nha do conde de Odemira, entrou a servir o oííicio de reposteiro-mór, que lhe perten- cia por sua mulher, e que exercia D. João de Almeida.

Tomou a rainha esta resolução a ver se podia impedir os muitos desacertos a que el-rei se dava, porque a liberdade que elle havia tomado, foi occasião de ir de mal em peior. Poucos dias depois de estar no seu quarto, tomou para o serviço da sua camará um reposteiro, homem de mau animo e muito perverso : chamava-se Manoel Antu- nes, e era filho de um guarda da tapada de Villa Viçosa; mas soube o tal ganhar de tal modo o animo d'el-rei, e de António de Conti, que em poucos dias foi moço da ca- mará. Ordenou el-rei que o aposento de António de Conti fosse immediato á sua

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camará, e por ali saía. as mais das noites com João de Conti a andar á tuna, com o perigo evidente de inquieto e desconhe- cido. Também de dia saía el-rei de casa, e mandava guiar a carruagem para onde sabia que havia de achar João de Conti com outros da mesma esphera: ali se pu- nha el-rei a cavallo, e mandando o coche para casa e os fidalgos que o acompanha- vam, ficava com os marotos, e se recolhia para o paço quando llie dava na cabeça. D'estes excessos resultou que apeando-se el-rei por cima do convento do Rato, noite, ordenou ao monteiro-mór e ao conde de Óbidos, que o fossem esperar á Cotovia; e indo S(S com João de Conti perto do coche que o vinha buscar, investiu com três homens que vinham com outro de nação franceza, chamado David Grodefroi: fugiu João de Conti, e el-rei caiu em lun valado, onde no chão lhe deram uma estocada : gri- tou que era el-rei; fugrram os homens, e

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levaram a espada que era d'el-rei: acudiu o monteiro-mór e o conde de Óbidos, e re- colhendo-se el-rei ao paço, e chamados os cirurgiões, depois de curado, se deu conta á rainha, que, com grande sobresalto, veio ver el-rei ao seu quarto. Eram dez horas da noite quando a rainha chamou o conse- lho de estado, no qual se achou o marquez de Grouveia, o de Niza, o duque do Cada- val, que estava no paço; e pareceu aos três que pela manhã se devia convocar todo o conselho de estado, e que do que se assen- tasse se daria parte á rainha para resolver o mais acertado. Era morto o conde de Odemira, e por esta razão, conferindo-se no conselho de estado a importância d'aquella matéria, pareceu a todos que devia o con- selho de estado ir á presença de sua ma- gestade pedir-lhe se abstivesse de similhan- tes occasiões de desacatos e de perigos, e que fosse o duque do Cadaval o que fizesse aquella falia a el-rei. Levou Pedro Vieira

26 VIDA DEL-KEI

esta noticia á rainha, e ella respondeu pelo mesmo secretario que agradecia muito a todos os ministros tomarem uma tão hon- rada resohição. Passou o conselho de es- tado ao quarto d'el-rei; e, dizendo Pedro Vieira ao monteiro-mór que o conselho de estado queria fallar a sua magestade, man- dado entrar, se pozeram todos de joelhos á ilharga da cama, e o duque disse:

« Senhor, traz-nos ante vossa magestade um avizo do secretario, que nos mandou ajuntar: agora vimos muitos juntos á pre- sença de vossa magestade, porque nos cha- ma a nossa obrigação de conselheiros, e também o nosso zelo, e o singular amor que temos a vossa magestade, a quem todos unifonnemente pedimos pelo amor que Deus tem a vossa magestade, e pelo que taes vassallos lhe merecem que vossa ma- gestade lhes tenha, que seja servido de re- troceder os passos em um modo de vida, que não é, senhor, qual convém á reputa-

D. AFFONSO VI 27

çào de vossa majestade e á sua conserva- ção, nem ao remédio imico do reino. Po- dáramos chamar mofina ao successo que vossa magestade teve, pois tirou d'elle uma estocada ; mas queira vossa magestade que seja dita, entendendo que quando desem- bainha a espada contra os vassallos, n'ella mesma se fere. Lembre-se vossa magestade que é filho d'aquelle tamanho rei, por quem suspiram as nossas eternas saudades, e que deve vossa magestade ajudar o trabalho que pelo servir, e por nos conservar, toma a rainha minha senhora. Seja vossa mages- tade servido de assistir-lhe ás noites, cui- dando no que háo de resolver no dia vin- douro: ella espera por vossa magestade a estas horas, e nós do clarissimo juizo de vossa magestade queira empregal-as em nos conservar, e não em arriscar-se a si com nos perder a nós. Temos dito a vossa ma- gestade o que pede a nossa obrigação; agora todos esperamos da de vossa mages-

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tade attenda ao que lhe pedimos, pois aos reaes pés de vossa magestade protestamos de novo a nossa obrigação de darmos as vidas em seu real serviço ; e para que o pos- samos fazer é necessário que vossa mages- tade nos a sua real palavra de que lia de attender á sua vida, pois d'ella depende a rainha minha senhora, o serenissimo in- fante, e todos nós, que nos levantamos dos pés de vossa magestade com a certeza de que fica entendendo que é infallivel o que de novo lhe protestamos:, queira vossa ma- gestade que o seja também o que agora es- peramos, por cuja graça todos lhe beijamos as mãos. »

Esta diligencia que se entendeu seria triaga, foi convertida pelos })arciacs d'el-rei, António de Conti, o dito Manoel Antunes e outros, em finíssimo veneno, porque dis- seram logo a el-rei que o conselho de estado o tinha reprehendido asperamente, e que zombasse sua magestade de tudo, e fizesse

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O seu gosto. Facilmente abraçou el-rei aquelle conselho, pois logo continuou nos mesmos exercicios, e vendo a rainha D. Luiza que a liberdade d'el-rei se desen- freava cada vez mais, cuidou em deixar o paço e ir para uma clausura; porém, con- sultando esta intenção com alguns minis- tros não a approvarám. Sentia a rainha que el-rei se oppozesse a tudo quanto ella re- solvia, e costumava dizer que o govei-no de duas cabeças era monstruoso. Estava António de Conti desaforado, e era auctor de tudo aquillo que desgostava a rainha. Chegou ultimamente o tempo de se dar casa ao infante D. Pedro; escolheu a rainha as pessoas que lhe pareceram mais capazes de acompanhar o infante: passou esta resolu- ção a António de Conti, para que a sua vi- sasse a el-rei ; e porque entre outras muitas pessoas ia nomeado o padre António Vieira para confessor do infante, buscou António de Conti o marquez de Gouveia, e lhe disse

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que el-rei iião approvava António Vieira para aquelle logar; intentando o marquez de Gouveia persuadir a António de Conti, durando muito tempo a disputa, lhe disse António de Conti, por ultima conclusão, que se António Vieira fosse confessor do infante, elle o havia de mandar em uma ca- ravela para Angola. D'este grande atrevi- mento deu o marquez conta á rainha, e ella a alguns ministros, que entenderam ser pre- ciso separar da ilharga d'el-rei a António de Conti, João de Conti, João de Mattos, que foi moço da estrebaria, e um clérigo apóstata da religião de Santo Agostinho. E resolvendo-se que fossem lançados do paço até com violência, se essa se não podésse escusar, e mandal-os para o Brazil, em um navio que para esse efteito se pôz prompto, se ordenou que o corregedor da corte, Duarte Vaz Porta, prendesse António de Conti, e as outras prisões se encommenda- ram a outros ministros. Como a de António

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de Conti se havia de fazer n'aquellas casas mais retiradas d'el-rei, ordenou a rainha ao conde de S. Lourenço e ao conde de Pom- beiro, se achassem no paço com Duarte Vaz, para com a sua auctoridade se vence- rem as difficuldades que ali se offereces- sem. Na véspera do dia em que se havia de executar o assentado, se escusou o conde de S. Lourenço e o de Pombeiro: chamou a rainha o duque do Cadaval, e sentida da escusa dos dois condes, entregou ao duque aquella diligencia, e a Luiz de Mello. Fez Duarte Vaz a prisão: houve algumas novidades que se alienaram. E achando-se el-rei no quarto da rainha, ha- vendo-se feito avizo aos tribunaes para que ás dez horas subissem todos acima, e que com a ultima hora entrassem todos na casa aonde estava a rainha no despacho com el-rei, leu o secretario Pedro Vieira um papel em que a rainha dava conta das jus- tas causas que tivera para tomar aquella

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resolução, e nada d'aqmllo percebeu el-rei ; um pânico medo o fez esmorecer, e apenas perguntou ao monteiro-mór se aquillo eram cortes? E elle lhe contou o que havia suc- cedido a António de Conti. Então começou el-rei a gritar, e com lagrimas, que lhe fos- sem buscar o seu amigo logo, e depois de lhe dizerem que o navio havia largado, vendo que Manoel Antunes não apparecia, porque com o rumor das prisões se ausen- tara, íicou muito mais impaciente.

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CAPITULO IV

GOMO D. AFFONSO VI ENTROU NO GOVERNO

Acabada a semana cessou a assistência dos dois criados que haviam sido nomeados para ii'ella se acharem com el-rei, e na se- guinte entrou o conde de Castello Melhor com ordem d'el-rei para que não tivesse companheiro. Não deixou de se discorrer o que podia dar de si aquella novidade, e se disse á rainha que era conveniente que o conde de Castello Melhor fosse para a torre de S. Gião; e não querendo a rainha executal-o, havendo-o promettido ás pes- soas que se empenharam com ella, que fa- ria tudo que se lhe disse, para se segurav

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a si e a todos os que a tinham seguido na sua resolução. Conhecendo o conde de Cas- tello Melhor a incapacidade d'el-rei, e que tinha na sua mão a fortuna, conjurou-se com o conde de Athouguia, e com Sebastião César, contra a rainha á saúde d'el-rei: am- bos estes eram queixosos, o primeiro por lhe tirar a mesma rainha o governo das ar- mas do Alemtejo, e o segundo pela longa prisão em que esteve por traidor infame. Resolveu este tríumvirato que convinha ti- rar o governo á rainha, e metter a el-rei de posse d'elle; e assentaram' em leval-o para fora de Lisboa uma tarde pelas duas horas, em uma liteira, com o conde de Athouguia e o conde de Castello Melhor, a cavallo. Sebastião César tinha aviso para se achar na quinta de Alcântara antecipadamente, e assim se executou. D'ali escreveu o conde de Athouguia cartas a muitos fidalgos da parte d'el-rei, em que os chamava á quinta de Alcântara e seu paço. Chegando esta

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noticia á rainha, mandou Manoel Pacheco de Mello, tenente do mestre de campo ge- neral, que fosse á Esperança, e que a todos os fidalgos que passassem lhes dissesse que a rainha os chamava ao paço. Sabendo-se isto em Alcântara, veio o conde de Sarze- das á Esperança com algumas pessoas mais, e levou comsigo Manoel Pacheco de Mello. Logo el-rei nomeou conselheiros de estado o conde de Óbidos, D. Thomaz de Noro- nha, o conde de Arcos, o de Vai de Reis, o visconde e depois o conde de Castello Melhor. Escreveu a rainha a el-rei, dizen- do-lhe que viesse para Lisboa, e lhe entre- garia logo o governo com as solemnidades praticadas em similhantes actos. Levou as cartas pelas dez horas da noite o bispo de Targa: ao outro dia pela manhã se convo- cou em Alcântara o conselho de estado, e foi chamado o duque do Cadaval e Pedro Vieira da Silva. Leu-se no conselho a carta da rainha, e fazendo-se Sebastião César de

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novas, disse que folgaria de ouvir primeii'o ao duque e a Pedro Vieira. El-rei, que nem sabia onde estava, entendendo Sebastião César que elle o nao percebia, se levantou da cadeira, chegou a el-rei, e lhe disse que mandasse que o duque dissesse: assim o fez el-rei. Disse o duque que elle sabia de certo que a rainha desejava deixar o go- verno^ e lhe mostrou um papel de letra da rainha de Inglaterra (1), em que pedia con- selho sobre a clausura para onde devia ir, e que na presente occasião não tinha a me- nor duvida em entregar a sua magestade os sellos. Disse Pedro Vieh-a que não tinha que accrescentar ao que o duque havia re- ferido, e que ali tinha os sellos promptos para entregar a el-rei nosso senhor.

Resolveu o conselho de estado que el-rei viesse logo para Lisboa, e a rainha em acto publico, presente todo o conselho de esta-

(1) Viuva de Carlos ii, e irmã d'Affonso vi.

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do, lhe fez entrega. Assen-tou-se el-rei em uma cadeira, e a rainha em outra á sua mão esquerda, e logo tomou Pedro Vieira os sellos que estavam em um saco de velludo, e os offereceu á rainha, e ella a el-rei, di- zendo-lhe: «aqui tem vossa magestade os sellos com que os reis de Portugal gover- naram estes reinos; e espero em Deus que vossa magestade os logre com as felicidades que lhe desejo. ».

Entregou el-rei os sellos ao secretario de estado, e se recolheu ao seu quarto, acom- panhado de todas as pessoas que ali esta- vam. Temendo o conde /ie Castello Melhor quem lhe fosse obstáculo a suas insolên- cias, conferindo o ponto com o conde de Athouguia e Sebastião César, e persua- dindo a ambos que cada um teria a parte que quizesse no governo, se se destruíssem as pessoas que temia, foi resolvido por to- dos que o duque do Cadaval fosse dester- rado para Tentúgal, e d'ali para Almeida,

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O conde de Soure para Loulé, o monteiro- mór para Santarém, o conde de Pombeiro para Pombeiro, Manoel de Mello para Al- vito, Luiz de Mello que não entrasse no paço, e o marquez de Gouveia para Gou- veia. E ultimamente, entendendo os três que com isto estavam seguros, nasceu en- tre elles tal cubica, que podendo mais o conde de Castello Melhor e Henrique Hen- riques, em pouco se separaram. Morreu o conde de Atliouguia arrependido dos des- atinos que tinha feito. Sebastião César íbi expulso para Loures, e d'aí para Sacavém, e logo para a Feira, aonde morreu (1). Pe- dro Vieira foi desten-ado para Leiria.

Ficou o conde de Castello Melhor só, com- pro vando-se a incapacidade d'el-rei, que passou a ser mais súbdito do que rei, por-

(1) Inexactidão. Sebastião César de Menezes morreu no Porto, e foi sepultado no adro dos frades Carmelitas. Veja Lucta de Gigantes, por Camillo Castello Branco.

Not. do editor.

D. AFFONSO VI 39

que metteu todo o poder do sceptro nas mãos do conde de Castello Melhor, e de Henrique Henriques de Miranda.

40 VIDA D'EL-REI

CAPITULO V

GOVERNO ABSOLUTO DE D. AFFONSO VI

Vendo-se el-rei com mais liberdade, pois que o conde de Castello Melhor o largou ao arbítrio de seus appetites, tomando para si o poder absoluto de rei, a todo o pasmo se foi el-rei depravando mais, e engolfando nos seus appetites tão desordenados, que pareciam mais de bruto do que de homem. Recolhido el-rei ao seu quarto como fica dito, fez logo do despacho e do conselho de estado ao conde de Castello Melhor, e tam- bém do despacho ao conde de Athouguia, Sebastião Gesar, Ruy de Moura, António de Mendonça, e ao marquez de Niza, que

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O era; e ultimamente fez escrivão da pu- ridade ao conde de Castello Melhor, e lhe entregou absolutamente o governo d'estes reinos. Propôz-se de França ao conde de Castello Melhor para rainha de Portugal a mademoiselle de Montpensier : foi rejeitada por ter condição varonil, e temel-a por esta razão o conde de Castello Melhor, tomando o pretexto de vir de annos adultos. Pas- sou o marquez de Sande a França com or- dem de celebrar o casamento d'el-rei com mademoiselle de Nemurs ; e quando o mar- quez foi nomeado para esta commissão, sendo notória a incapacidade d'el-rei, disse o marquez ao conde de Castello Me- lhor: «veja vossa senhoria aonde me man- da, pois ouço dizer que el-rei não é capaz de consummar o matrimonio. » Respondeu- Ihe o conde: «senhor marquez, isso é en- gano; se ha homem capaz de emprenhar vinte mulheres em uma hora, é el-rei. » Persuadido d'esta falsidade, passou o

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marquez a França, escreveu de ao conde (Jue mademoiselle de Nemurs estivera rece- bida com o duque de Lorena, e que dor- miram ambos n'aquella noite na mesma cama, e que el-rei de França pela pouca idade do duque de Lorena, desfez o casa- mento, mettendo mademoiselle em um con- vento para a obrigar a que casasse com o duque de Saboya. Emquanto se tratava do casamento d'el-rei, foi todo o cuidado dos três validos desgostarem a rainha, tratan- do-a com grande indecencia, para deixar o paço e se recolher. Para este desornado ef- feito, apontou Sebastião Gesar em um papel os meios seguintes : dois meios se oíferecem para esta expulsão. O primeiro desgostal-a no que fosse mais sensivel, para que em sentimento se retirasse ou desse occasião de se queixarem e verem as palavras, para lhe dizerem abertamente que trate de se reco- lher, porque isso é o que convém ao seu credito, e não obrigue a que isto se faça de

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outra maneira. Pode concorrer para este desgosto mandar a D. Isabel de Castro que se para o seu convento da Encarnação, que D. Maria Francisca para casa da condeça sua mãe; que não entrem no paço aquelles criados com que se serve, e estas cousas que para o mundo não são sensiveis, a porão em estado que o sentimento a faça retirar ou dizer alguma cousa ao filho, que então a poderá desenganar na forma que fica dito. Este meio tem seus gráos, e d mais conforme com o que se usa em similhantes casos, porque é aggravar o castigo com a culpa e obstinação.

O segundo meio é mandarmos-llíe dizer pelo confessor, ou pessoa de similhante au- ctoridade, que convém a seu credito reco- Iher-se á villa de Alemquer ou Cintra, assim pelo que se tem publicado acerca d'esta re- solução, como por outras razões que sua magestade tem para isso, e que nosso amo deseja que isto se execute com toda a sua-

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vidade para não chegar a outros meios de sentimento.

Se responder como eu supponho que res- ponderá, que tem mudado de parecer, e que quer ver as razões que sua magestade tem para esta resolução, podem-se-lhe mandar em um papel que lançaremos, e que ella diz que nós temos das insolências que po- zeram em outro papel a el-rei feito ; e pôde n'elle fallar assim: «Direis á rainha minha mãe e senhora, que tendo respeito ao in- tento que teve de se recolher, e outras ra- zões que lhe são presentes, me acho muito obrigado, contra o gosto que tinha de a conservar comigo n'este paço, a lhe dizer que convém á sua quietação e piedade, á imitação das grandes princezas que fizeram o mesmo, execute o seu intento, recolhen- do-se no mosteiro que escolher para isso fora d'esta cidade, ou retirando-se a uma villa sua, aonde viva para si e para a memoria d'el-rei meu pae e senhor, que está

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em gloria, e que fio do seu grande juizo queira mostrar ao numdo, que foi isto acção própria, e não resolução minha. » Final- mente chegou o desaforo aos últimos ter- mos de insolência, quando escolheram o marquez de Fontes, rapaz travesso e in- quieto, e o induziram a que fosse pelo ei- rado, e chegasse á janella da casa em que estava a rainha, e a injuriasse com nomes e palavras torpes, até lhe atirar com pe- dras; e este desaforo, intolerável, fez que a rainha apressasse a sua jornada para a clausura das religiosas agostinhas des- calças, fundação sua, e própria para o in- tento.

Quanto mais se separavam d'el-rei as maiores pessoas, tanto mais crescia na pa- ridade de suas acções. Mandou matar a Pedro Severim de Noronha por um negro da patrulha baixa, chamado Marçal, porque passou por perto da liteira em que ia el-rei com uma mulher publica: indo Pedro Se-

7

i6 VIDA D'EL-REI

verim a cavallo, lhe deu o preto uma esto- cada, com que caiu morto.

Em outra occasiâo, topando o visconde d'Asseca a el-rei, não se descobiiu; foi logo o visconde a seus pés pedir-lhe perdão da inadvertência que teve em não lhe fazer logo os devidos comprimentos, pois o não conhecera. Respondeu-lhe el-rei com uma estocada, de que morreu.

Tomou el-rei amisade illicita com D. Anna de Moura, freira de Odivelas; fazia- Ihe contínuas assistências com grande inde- cencia, e geral reprovação de toda a corte. O dia em que D. Anna de Moura fazia an- nos, foi el-rei tourear ao pateo de Odivelas: deu uma grande queda, de que esteve san- grado, fazendo-lhe D. Anna de Moura a fineza de se sangrar também, lhe mandou um grande presente, e quando a tornou a ver, lhe disse que desejava fazel-a rainha de Portugal.

tudo isto não cabia no soffi'imento dos

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homens, que, obrigados de tanta semrazão, cuidaram em qual havia de ser o remédio de obviar tantas vexações : e cuidou o conde de Castello Melhor que se forjava uma con- juração contra elle, como auctor passivo da errada vida em que estava el-rei.

Nomeou João Cabral de Barros para de- vassar da conjuração imaginada. E como se fora críme de lesa magestade, desteiTou os dois condes da Ericeira; mandou para o Minho a João Xunes, ao conde de Miranda para a Relação do Porto ^ e desterrou Luiz de Sousa e seu irmão. Estava dester- rado o duque do Cadaval, o monteiro-mór, e conde de Pombeiro, Manoel de Mello, Pedro Vieira e Luiz de Mello, que não en- trassem mais no paço.

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CAPITULO VI

CASAMENTO DE D. AFFONSO

Foi escolhida para desgraçada rainha de Portugal mademoiselle de Onuille (1), e se mandou ao marquez de Sande procuração d'el-rei para celebrar a escriptura dotal, e receber em seu nome a rahdia.

No anno de 16G6, em a madrugada de 2 de agosto, deu fundo a armada de Fran- ça no rio de Lisboa. Trabalhou o conde de Castello Melhor, e Hemique Henriques para que fosse el-rei logo a bordo por estar tudo prevenido para aquelle eíFeito; mas

(1) Aumaule.

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não foi possível vencer-se, pelo grande te- mor que el-rei tinha de chegar ao thalamo conjugal. Vinha commandando aquella ar- mada o conde de Etré, e acompanhando a rainha o bispo de Lans, que ambos eram seus filhos. Ao outro dia de tarde desen- ganado el-rei de quie não tinha remédio, foi buscar a rainha, acompanhado de toda a corte. O general e bispo de Lans, e toda a guarnição da náo fizeram da pessoa d'el-rei o juizo que elle merecia, e prognosticaram á rainha todas as desgraças e infelicidades que de facto padeceu. Estava preparado o palácio de Alcântara; n'elle tomaram os reis as bênçãos no convento das Flamengas pelo bispo de Targa, que alli estava revestido de pontifical para aquelle efí*eito. Com el- rei esteve a rainha casada de facto, mas não de direito, perto de três annos sem dor- mirem juntos mais do que duas ou três ve- zes: recolhia-se do seu quarto para o^ da rainha á noite muito tarde, armado com

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duas pistolas, e logo saía para fora e pas- sava o resto da noite no seu quarto, e não podia o conde de Castello Melhor impedir estas acções d'el-rei tão mal merecidas da rainha, porque além da sua muita formo- sura, tinha todas as virtudes pessoaes em grau mui superior.

Continuou el-rei depois de casado nas suas libertinagens andando toda a noite, matando e acutilando gente, de maneira que ninguém se atrevia a sair de casa com justo receio de o encontrar; e para sua com- panhia n'estes excessos, buscou el-rei por todo o reino homens facinorosos, régulos, e por seus delictos omisiados uns, e bani- dos outros; e d'esta gente fez uma compa- nhia da sua guarda a que poz o nome de petiscantes: fez capitão d'ella a Belchior de Serqueira, homem de honrado procedi- mento; foi pagem do conde da Ericeira D. Luiz de Menezes, e procurou sempre na guerra imitar a seu amo. Juntou el-rei

D. AFFONSO VI 51

quantidade de mouros, negros e mulatos, a que chamava patrulha baixa; e também acompanhava com elles de noite.

Indo a condeça de Ericeira, D. Joanna de Menezes, ao paço fallar francez com a rainha, parecendo a el-rei que era grave culpa, a mandou matar, e indo ella no seu coche recolhendo-se com o pai, mãe e ma- rido para sua casa junto ás portas de San- to Antão, lhe tiraram dois caravinaços: saí- ram os dois condes valorosos com a espada, não a castigar aquelle insulto, posto que frustrado pela mercê de Deus ; os aggres- sores fugiram, e os condes se recolheram a sua casa, ficando toda a corte com o senti- mento que pedia o caso.

Outra similhante succedeu na rua larga de S. Roque, aonde el-rei mandou atirar com uma caravina ao marquez de Niza, in- do a recolher-se para sua casa, sendo di- gníssimo de toda a estimação: não se sou- be o motivo de tão injusta resolução, e en-

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tenderam todos que milagrosamente o li- vrou Deus por estar innocente de toda a culpa.

Depois de desterrado o duque para Al- meida, o mandou el-rei matar por Gomes Freire d' Andrade, o qual notificado por el- rei d'esta disposição, lhe disse que o du- que se achava em Almeida ; que se sua ma- gestade era servido que o fosse desafiar, quando elle Gomes Freire tivesse a me- lhor fortuna, ficaria sua magestade obede- cido e satisfeito; de outra maneira não ac- ceitava a commissão. Communicado depois o caso a Gil Vaz Lobo, seu parente, e, sen- do Gil Vaz obiigado ao duque, o avisou logo. Ultimamente se encarregou aquella diligencia a António Fernandes de Cai-va- Iho, chamado o Cotinho, da obrigação do conde de Castello Melhor: para aquelle efteito se lhe deu a patente de capitão de cavallos da província da Beira, sem con- sulta; e chegou a Almeida com uma carta

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do conde de Castello Melhor para Pedro Jaques. Depois que o duque foi avisado nunca perdeu prevenção, e sendo ella pre- sente a António Fernandes, podia temer que a melhor prevenção do duque fosse o tirar-lhe a vida, e achando-se em uma occa- siâo de guerra em que o duque mandava uma linha de cavallaria, lhe pareceu con- veniente declarar-se, e o fez por um reli- gioso de S. João de Deus, administrador do hospital de Almeida.

Todas estas cousas faziam um horror que a passos largos apressavam a ruina e per- dição d'el-rei. E persuadidas as camarás do reino que as cortes podiam ser remédio de tantos damnos, communicando-se umas ca- marás com as outras, pediu a de Lisboa con- vocação d'ellas. Fizeram-se as cortes, e por- que as temesse o conde de Castello Melhor, ou antes as temesse el-rei, nunca assignou taes cortes.

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CAPITULO VII

EXCLUSÃO DO VALIDO D'EL-REI

Achando-se as cousas nos termos referi- dos, querendo o infante recolher-se á quinta de Queluz, frei Álvaro de Castello Branco, religioso de Santo Agostinho, douto, letrado e ex-provincial, disse ao conde de Sarzedas que sabia que se intentava dar peçonha ao infante na agua de uma fonte d'onde costu- mava beber; e encarregando o infante ao doutor Pedro Fernandes, juiz da inconfi- dência, que examinasse e visse se podia co- lher alguma noticia, fez Pedro Fernandes a diligencia, e não a acabou sem alguns in- dicios. E.esolveu-se o infante a pedir a el-rei separasse de seu lado o conde de Castello

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Melhor, de quem se queixava como incidia- dor á sua vida, pois no logar em que se achava de vaHdo de sua magestade, nin- guém se atrevia a depor contra elle.

Chamou el-rei os ministros de todos os tribunaes, e tendo um papel feito pelo conde de Castello Melhor, disseram uns qi;e o infante não tinha asserção que fizesse prova, que dissesse os fundamentos que ti- nha para provar o caso, e que ,sua mages- tade procederia n'elle com o rigor que me- recia; disseram outros que sua magestade devia ordenar que o conde de Castello Me- lhor saísse da corte, porque se o infante não provasse o delicto, tornaria o conde com muita honra para o logar.

Concorriam todos para corte real, ficando deserto o paço, e temendo o conde de Cas- tello Melhor o fim da sua vida, se valeu da intercessão da rainha, pedindo-lhe que man- dasse representar a sua alteza que em uma noite sairia da corte, segurando-lhe o in-

56 VIDA D'EL-REI

fante que no caso da peçonha não fallaria mais; e foi o marquez de Marialva o men- sageiro do recado da rainha, e resposta do infante, que dizia: «Logo que vossa mages- tade houve por bem entrar n'este negocio, me pôz na obrigação de haver de obedecer a. vossa magestade, como vossa magestade fosse servida; e satisfazendo áquella parte em que vossa magestade me manda segure a pessoa e honra do conde, prometto a vossa magestade debaixo de minha de não in- tentar contra elle cousa que as oífenda; e em ordem a esse fim, e a que elle conde co- nheça quão poderosa foi a mediação de vossa magestade, quero que na minha queixa se ponha perpetuo silencio, como se a não houvesse intentado. Deus guarde a real pessoa de vossa magestade largos e felizes annos. »

Tanto que o conde de Castello Melhor ficou seguro com a carta do infante, saiu do paço de noite sem dizer pai^a onde ia, nem

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se soube até el-rei ser fechado. Dizem que levou para o caminho 20 mil cruzados da fazenda real: se assim foi, custaram-lhe pouco trabalho os despachos, porque tinha uma chancella d' el-rei ou caixilho com que firmava todos os despachos que queria, li- songeando el-rei com lhe obviar aquella obrigação. Outra chancella ou caixilho ti- nha Henrique Henriques de Miranda. Acha- va-se seu hospede António de Almeida Car- valhaes, soldado de valor; tinha-lhe el-rei dado uma ajuda de custo pela casa de Bra- gança, e perdendo o despacho, e dizendo-o a Henrique Henriques, e que se não atrevia a pedir outro, lhe respondeu que não se can casse, que logo se faria outro com salva, e chamando um criado seu lhe mandou es- crever o decreto, e o firmou com o caixilho d'el-rei. António de Almeida, que não era lerdo, espantado de um caso tão feio, o murmurou com os seus amigos. Depois de alguns annos se restituiu este caixilho aq

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infante D. Pedro, e quebrando-o com um martelo sobre a grade do eirado da corte real, o botou no mar com sua mâo.

Tão estulto era el-rei, que d'aquella ma- neira o enganavam seus privados, e esta razão era o maior fundamento de ter taes validos. Era alta noite quando o conde de Castello Melhor recebeu a carta do infante, e vendo-se seguro saiu na mesma noite da corte, acompanhado de quarenta cavallos de toda a cavallaria da corte, e ficou em um convento de Arrabidos, sete legoas de Lisboa, junto a Torres Vedras, deixando a el-rei em grande sentimento. Ficou Lou- renço de Sousa, conde de S. Thiago, com animo de succeder na valia, e pai-a o aju- dar o introduziu oom el-rei Nuno de Men- donça, conde de Vai de Reis, seu sogro. Não deixou de ser muito notado que um homem tão prudente como o conde, se re- solvesse a ser esteio de um edifício, ao qual a cada hora se esperava total ruina.

D. AFFONSO VI õ9

CAPITULO VIII

QUteiXAS DA RAINHA

Entre o secretario cia rainha Pedro de Almeida, e o conde de Santa Cruz, mordo- mo-mór da rainha, se moveu uma questão ou duvida. Dizia Pedro de Almeida que o mordomo-mór da rainha não havia de pôr vista sobre os papeis que se lavravam pela secretaria da rainha. Defendia-se o conde, mostrando que D. Sancho de Noronha, conde de Odemira, o marquez de Ferreira, o conde de Abrantes, e elle conde de Santa Cruz, tinham posto vista sobre todos os pa- peis lavrados pela secretaria.

Mandou a rainha que os dois contendo-

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res pozessem por escripto as suas perteii- ções. Assim o fizeram, e entregando-as a rainha a António de Sousa de Macedo, se- cretario de estado, lhe disse que os consul- tasse com dois desembargadores do paço. Excedeu esta ordem António de Sousa de Macedo, mandando-os ao desembargo do paço com uma remissão d'el-rei. Fez a mesa consulta a favor do mordomo-mór, e dese- jando António de Sousa, por agradar ao conde de Castello Melhor, que aquella ma- téria fosse ao conselho de estado, enten- dendo seria resolução, se conformou o con- selho com a consulta da mesa.

Deteve-se este negocio sem se dar conta á rainha do caminho que tomara. Cons- tando á rainha do parecer da mesa e con- selho de estado, foi este o primeiro motivo da sua queixa. O segundo foi que estando o duque do Cadaval desterrado em Almei- da, veiu com licença d'el-rei ás Caldas, cu- rar-se do um aleijão que tinha no braço

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esquerdo, procedido de uma grande ferida que recebeu com outras na batalha de S. Miguel; e chamando a rainha o secretario, dizendo-lhe que era preciso que o duque se recolhesse a corte, logo o secretario de es- tado lhe escreveu ás Caldas que el-rei lhe ordenava que logo que recebesse aquella carta partisse para Almeida, por assim con- vir ao serviço d'el-rei. Não replicou o duque, e promptamente obedeceu á ordem d' el-rei. Sabendo a rainha estes dois casos, chamou o secretario de estado, e o arguiu, dizendo- lhe que tinha excedido a sua ordem, por- que mandando-lhe que a consultasse com dois desembargadores do paço, a tinha man- dado ao tribunal, e depois ao conselho de estado; também lhe disse que lhe estra- nhava muito o procedimento que se teve com o duque, porque fallando ella a seu favor justamente, então é que maior injus- tiça o havia lançado para Almeida, privan- do-o do remédio necessário á sua saúde.

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porque a causa de vir ás Caldas fora con- trahida na defensa d'estes reinos. Respon- deu o secretario com vozes muito desentoa- das que a primeira queixa de sua mages- tade era injusta, porque elle n'aquelle ne- gocio tinha feito o que convinha, pois sua magestade não sabia os estylos de Portugal. E pelo que tocava ao duque tornasse a culpa sua magestade a el-rei. Tornou-lhe a rainha que se ella previsse o que em Por- tugal havia de achar, podia ser que em França fizesse o contrario do que fez, pelo ignorar. Disse-lhe António de Sousa a gri- tos que sua magestade não tinha razão, e que as pessoas que andavam na sua pre- sença a enganavam, e eram traidores. A rainha lhe disse que fallasse manso, e com mais respeito, e que se fosse embora, que o não queria ouvir. E se levantou da cadeira como para se ir e lhe dar as costas; e foi tão atrevido António de Sousa, que, pe- gando pela roupa á rainha, lhe disse que

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sua magestade estava obrigada a ouvil-o. Queixando-se a rainha do mau termo de António de Sousa, fez elle um papel de sua desculpa: foi este ao conselho de estado, e pareceu o que contém o assento seguinte: «Propondo-se aos ministros abaixo assi- gnados a prática que o secretario de estado teve com a rainha nossa senhora, consta do papel feito em nome do mesmo secretario António de Sousa de Macedo, que elle, co- mo a dita senhora affirma, lhe perdera o respeito, e parece que além de se justificar o mesmo secretario, seria mal entendido da rainha nossa senhora, pois o zelo é bas- tante a persuadir a sua magestade que a nação portugueza procura em tudo venerar a sua magestade, e não tratal-a como refere o papel. Deve sua magestade mandar que o secretario de estado se retire para fora da corte por espaço de dez ou doze dias, e que n'estes venha servir o dito officio António Cavidc; c outrosim deve o mesmo se-

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nlior fazer presente á rainha nossa senhora que faz esta demonstração por lhe dar gosto, e que em semelhantes occasiôes se não empenhe pelas más consequências que d'ellas pode resultar no estado das cousas, assim do presente, como para o futuro. Lis- boa, 31 de agosto de 1667.»

Resultou doeste assento mandar el-rei António de Sousa para a sua quinta da Luz. No dia seguinte ao da partida, veiu Antó- nio de Sousa á secretaiia, e se apeou nas escadas do paço com duas pistolas no cinto, e pondo-as no bofe te da secretaria, não se escandalisou a rainha e o infante, mas todos que viram armado o bofete da secre- taria de estado. D 'esta imprudência de An- tónio de Sousa, se resolveu a rainha a quei- xar-se mais severamente, e chamando o marquez de Sande, lhe deu o papel que se segue, para el-rei:

«Não fiz mais cedo a vossa magestadc e ao conselho de estado presente, a justa

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causa do meu sentimento, e o extranho mo- tivo da minha queixa, por até agora caute- losamente se me occultar a resolução junta, que se tomou no conselho de estado, a qual, sendo mostrada, me deixou em grande ad- miração; e se eu mais cedo tivera noticia d'ella, logo procurara representar a vossa magestade a magoa e dôr a que a minha consciência, a minha honra, justiça, razão e verdade me obrigou. Agora, senhor, que sei da resolução do conselho, me queixo a vossa magestade com a confiança de rai- nha, com a humildade de vassalla, e com a justiça de uma pessoa particular, da porfia com que António de Sousa de Macedo se atreveu a calumniar-me, e a enganar alei- vosamente os conselheiros, segurando-lhes que na prática que comigo tivera, eu lhe íallára contra toda a nação portugueza, sa- bendo ellc muito bem, como eu aqui de- claro a vossa magestade, em e palavra de rainha, que eu lhe fallci muito ajustada-

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mente ao sentimento e interesse de toda a mesma nação contra o procedimento do mesmo António de Sousa, e de dois on três amigos seus, que me trataram indigna- mente. Não se pode ver cousa mais espan- tosa, que atrever-se este homem, por meio de uma falsidade,, que nem a menor appa- rencia podia ter de verdadeira, e de uma tão gi^osseira e mentirosa calumnia, a pro- curar e a conseguir subrepticiamente no conselho de estado uma resolução tão in- juriosa contra uma rainha ; pois é certo que me não chega menos ao coração o agi-ado- cimento das demonstrações de amor, de respeito, e de compaixão que em todas as occasiões conheço em todos os portuguezes, 08 quaes estimo e amo como meus filhos, de que me chega a experiência que tenho da maldade e dureza com que estes dois ou três homens me trataram sempre, os quaes me obrigam, pelas suas insolências, a os condemnar como meus capitães inimigos.

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Sobre tudo isto, senhor, depois de eu haver declarado e protestado, como de novo faço, que eu não poderei jamais fallar a António de Sousa de Macedo, nem ver um tal ho- mem, que com falso testemunho alcançou cautelosamente contra meu credito uma re- solução tão odiosa, de que se fez um tão escandaloso' assento, cheio de reprehensões e de ameaços. Peço humildemente prostrada aos pés reaes de vossa magestade, repara- ção da minha verdade, e satisfação da mi- nha queixa, ordenando vossa magestade que António de Sousa de Macedo seja jul- gado e castigado conforme as leis estabele- cidas contra os criminosos de lesa mages- tade, e que elle primeiro que tudo peça perdão, e declare a falsidade da sua pro- posta no conselho de estado, pois dentro n'ella offendeu a Deus, a vossa magestade, a mim, aos conselheiros que elle enganou, á justiça e verdade, com diversas mentiras maliciosas e cheias de rebeldia e traição, e

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que este principio de satisfação se escreva e metta uo logar do assento pernicioso que se pôz nos registos do conselho de estado.

Senhor, sirva- se vossa magestade de man- dar considerar a grandeza d'este crime, pois se a reputação offendida de uma pessoa particular requer uma grande satisfação, qual será a com que se deve reparar o cre- dito de uma rainha, que é inseparável de vossa magestade, e de sua soberana aucto- ridade? Justiça peço, senhor, por parte de vossa magestade, pela minha, pela de seus conselheiros de estado, que cavilosamente enganados, assignaram esta resolução, que se não deve tomar contra qualquer vassal- lo, quanto mais contra uma rainha, sem primeiro ser ouvida ; mas a violência e ar- tificiosas traças juntas ao poder fazem obrar estas cousas, e servem de escusa á injustiça d'ellas. »

Rompeu el-rei este papel por conselho de António de Sousa de Macedo, que an-

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(lava publicamente no paço com duas pis- tolas na cinta; e entrando el-rei no quarto da rainha, a reprehendeu asperamente e com palavras indecentes, que a obrigaram a recolher-se na sua camará, e não sair d^ella.

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CAPITULO IX

EXCLUSÃO DO SECRETARIO D'ESTADO

Teve o infante noticia de que António de Sousa aconselhava el-rei que saísse da corte uma noite, e levasse comsigo a caval- laria, os petiscantes, e a patrulha baixa, e que no outro dia de madrugada entrasse na cidade, pondo tudo a ferro e sangue, até chegar á mesma pessoa do infante. Consul- tada esta matéria na corte real, pareceu que a todo o lisco se fosse tirar do paço a An- tónio de Sousa de Macedo. Quarta feira pela manhã foi o infante ao paço com a maior parte da nobreza, acompanhado do senado da camará, de quantidade de povo, de ai-

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guns homens valorosos que iam a cargo de Luiz de Mello, almirante da armada, conhe- cido por de grande valor, com ordem que o que não podésse vencer a manha e bom termo, se executasse com a ultima reso- lução.

Estava el-rei na cama: ficaram os fidal- gos e o senado na casa do docel, e Luiz Velho na de fora. Entrou o infante na ca- mará, e ficou na porta o duque do Cadaval e o marquez de Fronteira. Acudindo áquelle grande reboliço o conde de Vai de Reis, que assistia a el-rei, querendo entrar na ca- mará lhe foi impedido pelos dois que esta- vam a porta. O conde de Vai de Reis vol- tou, e se foi para sua casa: ficou no paço o conde de S. Thiago; mas usando de pru- dência de que era dotado, se arrimou a uma janella, vendo que nem a politica nem o valor podia prestar a el-rei.

Pedia o infante a el-rei que expulsasse do paço a António de Sousa de Macedo;

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valia-se para isto de razões brandas e effi- cazes: a todas ellas respondia el-rei cho- rando e proferindo outras muito indecentes e indignas. Tanto que o infante chegou ao paço, medroso António de Sousa, o metteu o conde de S. Thiago em um armário com seu ferrolho, mas sem fechadura. Vendo o infante que el-rei não queria tomar a reso- lução que convinha, chegou á porta onde estava o duque, e lhe disse que buscasse António de Sousa, e o trouxesse a presença d'el-rei, segurando-o elle que sendo noite deixasse o paço para mais não tomar a elle. Tinha o duque amisade com o conde de S. Thiago, e consultando-lhe a matéria, lhe disse o conde que se lhe segurasse a vida de António de Sousa lhe diria onde estava; e fazendo-o assim o duque, foi abrir o ar- mário onde estava António de Sousa en- commendando-se a Deus com a cruz de umas camandulas, entendendo que alli era a ultima hora da sua vida, e i:)ondo-se de

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joelhos, lhe disse o duque que elle o segu- rava e levava á presença d'el-rei, com a condição que em sendo noite largasse o paço para não tornar a elle, porque se tor- nasse o não segurava. Era preciso passar pela casa em que estava Luiz Velho ; e tanto que appareceu António de Sousa de Ma- cedo, levando toda a gente que alli estava da espada, e querendo-o matar, o duque com animo socegado, pondo António de Sousa atraz de si, disse : « Senhor Luiz Ve- lho, António de Sousa vem comigo; embai- nhe vossa mercê a espada, e mande que se abra caminho para eu levar seguro a An- tónio de Sousa ; » e executou-se isto prom- ptamente.

Chegou António de Sousa á presença d'el-rei, que abraçando-o, lhe chamou seu ministro, e outros disparates similhantes; emíim, cumpriu António de Sousa a pala- vra de sair do paço e não apparecer mais. Contente de ver a António de Sousa na sua

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presença, o tomou pela mão, e o levou ao quarto da rainha. Estavam as duas casas por onde passou cheias de gente ; fez-se ca- minho ; chegou com António de Sousa pela mão ao quarto da rainha, e lhe disse que era rei e monarcha, e que havia de fazer o que quizesse, e que outro dia lhe não fi- zesse queixa de algum ministro seu : a rai- nha soiTÍu-se um pouco, e não respondeu a el-rei, certa no assentado com António de Sousa; e voltando el-rei, pai-ecendo ao conde de S. Thiago que estava acabada aquella quarta feira aquella contenda, le- vantou a voz e disse: «Perdão: el-rei per- doa ao conde de Sabugal generosamente.» Disse o conde também em voz alta: «Per- dão não.» Tomou el-rei com fúria: «Per- dão sim. » E elle emíim para el-rei: «Perdão não, que suppoe culpa, sendo tudo razões. » Começou muita gente que estava na casa a revolver-se; e temendo o conde de S. Thiago resposta mais resoluta, fez que el-rei

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se recolhesse com António de Sousa pela mão; e seguro o infante de que havia de ser obedecido, e a rainha satisfeita, se re- colheu á corte real, e tanto que foi noite se ausentou António de Sousa para sempre.

Vendo o velhaco de Manoel Antunes ultrajado o respeito d'el-rei, e considerando pelas suas grandes culpas o que lhe podia succeder, fugiu na mesma noite em que An- tónio de Sousa se ausentou. Quando pela manhã viu el-rei que lhe faltava aquelle amigo e maldito conselheiro, desatinado chamou o tenente general de cavallaria, Diogo Luiz, e lhe disse que fosse buscar Manoel Antunes. Diogo Luiz, por satisfa- zer a el-rei, passou á provincia do Alemtejo em busca de Manoel Antunes, e se recolheu sem elle, que da mesma sorte nunca mais appareceu.

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CAPITULO X

REGOLHE-SE A RAINHA A ESPERANÇA

Postas as cousas n'estes termos, era toda a bulha se se haviam de coirer os touros da festa de Santo António. El-rei porfiava que se haviam de correr; a rainha instava que nâo; o infante dizia que confusa e embara- çada a corte, chorando todos a sua miséria, não era tempo de haver festas ; e com estas difficuldades estavam os touros no terreiro do paço sustentados com palha. Era um dos maiores cuidados d'el-rei que se lhes não faltasse com aquelle sustento, e assim estiveram até que se derribaram os palan- ques.

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A marqueza de Castello Melhor, cama- reira-mór da rainha, lhe disse em uma ma- nhã que tinha uma comadre perita no seu officio, e de grande segredo; que lhe desse sua magestade licença para a mandar cha- mar, e ella lhe faria uma obra natural, e poderia sua magestade ser mulher d'el-rei. Sentiu a rainha muito a proposição, e disse á marqueza que não apparecesse mais diante d'ella; e se recolheu a sua casa, tomando o pretexto da expulsão do conde seu filho, atraz mencionada.

Conferindo a rainha o caso com o padre Francisco Ávila, seu confessor, homem de letras e de virtudes, e com Luiz de Verjie, seu secretario das cartas de França, homem de grande talento e de muita fidelidade á rainha, ambos entenderam que sua mages- tade estava no risco de uma violência, e que o meio mais seguro de a obviar era reco- Iher-se sua magestade a um convento, man- dando a el-rei pelo conde de Santa Cruz

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um recado por escripto, e que do convento intentasse sua magestade annullar o matri- monio pelos nieios de justiça ecclesiastica. Recebido este conselho pela rainha, man- dou ao seu confessor que o communicasse com o duque do Cadaval, e que lhe pedisse fizesse a minuta do recado, que ella havia de copiar pela sua letra para mandar pelo conde a el-rei. Fez o duque a minuta, e copiando-a a rainha, a levou comsigo, par- tindo a recolher-se á Esperança. Tanto que entrou na clausura, deu ao conde de Santa Cruz o papel, e o levou a el-rei, que, len- do-o, achou dizer-lhe a rainha o seguinte: «Deixei a pátria, a casa, os parentes, e vendi a minha fazenda por vir acompanhar a vossa magestade; e com o desejo de o fazer muito á sua satisfação, e tendo sentido muito a desgraça de o não poder conseguir por mais que o procurei: obrigada da mi- nha consciência, me resolvi a tornar para França nos navios de guerra que aqui che-

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garam. Peço a vossa magestade me faça mercê dar-me licença para isso, e de man- dar-me entregar o meu dote, pois que vossa magestade sabe muito bem que não estou casada com elle, e espero da grandeza de vossa magestade me mande fazer assim a entrega do meu dote, como em tudo o mais o favor que merece uma princeza estrangei- ra, e desamparada n'estes reinos, e que veio buscar a vossa magestade de tão longe. »

Enfurecido el-rei com o papel que levou o conde de Santa Cruz, mandou logo pôr o coche, e quando chegou ao convento, che- gou também o infante, o marquez de Fron- teira, o duque do Cadaval, e D. Miguel Luiz de Menezes, e logo foi concorrendo áquelle logar todo o género de pessoas que seguiam o partido do infante.

Batia fortemente na porta do convento o conde da Vidigueira, pedindo machados. Chegou a elle o marquez de Fronteira, seu cunhado, e lhe disse que os machados se

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não haviam de lançar á porta da clausura, mas á cabeça de quem os trouxesse, e ficou o marquez encostado á porta.

Estava a rainha com justo receio; mas as religiosas a confortavam, dizendo qfue haviam de defender a sua magestade e a clausura, fechando bem as portas todas do convento; e vendo o duque o estado d'a- quelle concilio de desordens, lhe pareceu conveniente chegar ao coche d'el-rei, a di- zer-lhe : « Senhor, não convém a vossa ma- gestade bater em porta que se lhe não ha-de abrir; a resolução mais prudente é reco- Iher-se vossa magestade ao paço. »

Temia el-rei o concurso da gente que se ia chegando, e seguiu o conselho do duque. Ido el-rei para o paço, se recolheu o infante á corte real.

Achava-se no rio de Lisboa uma annada franceza com muita gente nobre, chamada guarda marinha. Pareceu ao abbade de S. Romão, enviado d'el-rei de França, que de-

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via assistir á rainha, e mandou pôr em terra um bom regimento de infanteria, que esteve detraz das casas do duque de Aveiro, até amanhecer. Deu pela manhã parte o en- viado á rainha, e ella lhe deu as graças. Avisou o infante, que mandou chamar João de Rochas de Azevedo, seu secretario, e lhe ordenou buscasse o enviado, e lhe dissesse de sua parte que mandasse para bordo dos navios a gente que estava em terra, porque a rainha nossa senhora estava segura; e logo o abbade de S. Romão o fez assim.

Quieto o convento, e socegadas a rainha e religiosas, chamou sua magestade as da- mas e donas de honor, e lhes agradeceu com muitas palavras de honra e de ceremonia, digo, e de carinho a boa assistência que lhe tinham feito, e que pela não desconso- lar queria que se recolhessem a suas casas ; e todas beijaram a mão á rainha, e com muitas lagrimas lhe seguraram as suas sau- dades: ficaram no convento duas damas,

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D. Antónia Mauricia, e D. Isabel Francisca, e as moças da camareira-mór franceza, que serviam a rainha.

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CAPITULO XI

PRISÃO D'EL-REI

Sendo por todos conhecida a incapa- cidade d'el-rei, a qiiería dissuadir o conde de S. Thiago com as suas conveniências a beneficio do conde de Castello Melhor e de António de Sousa de Macedo. Chamou Ruy de Moura Telles, avô de sua mulher, espe- rando do seu conselho buscasse algum re- médio para fazer salvar o perigo em que el-rei se achava. Pareceu a ambos que el-rei á noite passasse a Aldeia Gallega, e prom- ptamente a Elvas. Chegando esta noticia á corte real, pareceu a todos uniformemente que a todo o risco se- havia de impedir, e

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que seria o único meio de pôr o reino em socego.

Chegou a noite em que el-rei havia de executar a sua jornada, e estando prompta a embarcação, disse a Ruy de Moura que não podia fazer jornada sem levar Joanna comsigo (que era uma mulher publica em a qual queria el-rei dissimular a sua inca- pacidade e impotência). E vendo Ruy de Moura uma irresoíução tão rídicula, disse ao conde de S. Thiago que elle não podia dar capacidade a el-rei, e que emíim ia para sua casa. Assim o fez, e com esta noticia (a qual passou prompta mente á corte real, dada pelo doutor Pedro Fernandes Montei- ro), se recolheram os fidalgos que se acha- vam promptos para toda a empreza.

Passou a rainha uma procuração ao conde de Santa Cruz, seu mordomo-mór. Tinha elle muito zelo, porém imprudente: perten- dia a rainha annullar o matrimonio, e sem outra diligencia se passaram alguns dias.

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Chegou a ultima quarta feira, quando as- sentou o infante que o conselho de estado pela manhã cedo fizesse a ultima diligencia com el-rei, e que o duque o fosse avisar á corte real do que el-rei resolvesse. Anteci- pou-se o marquez de Cascaes, e entrando na camará d'el-rei, lhe disse um moço da guarda-roupa que estava dormindo. O mar- quez- lhe tornou: «Isto não são horas de dormir,» e entrando dentro, fallou a el-rei assim: «Traz-me, senhor, aqui o meu zelo, o meu sangue e a minha obrígação. Vossa magestade está chegado ao ultimo termo da sua perdição, e fora melhor que vossa magestade se remediasse a tempo antes de chegar o tempo de não ter remédio. Chame vossa magestade o infante, e entregue-lhe o governo do reino : descance e encommen- de-se a Deus.» Respondeu el-rei ao mar- quez que tal não havia de fazer, e que antes se deitaria de uma janella abaixo. O mar- quez que tinha galanteria, auctoridade e

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valor, quando saiu juntou uma razão com a outra, e disse em voz alta : « Ai que tolo : deixai-o; » porque entravam alguns cava- lheiros e conselheiros de estado na casa que se seguia á camará d'el-rei.

Chegaram os que faltavam, e porque não vieram o conde de Arcos, nem Ruy de Moura, se resolveu o conselho de estado a entrar na camará onde el-rei estava, e pon- do-se de joelhos todos com as mãos postas, o marquez de Marialva pediu a el-rei que os não obrigasse ao ultimo fim, que cha- masse o infante, que o abraçasse e lhe en- tregasse o reino. Fallou o marquez de Sande a el-rei, e disse-lhe o mesmo com termos discretos e reverentes. Respondeu el-rei a tudo isto desentoadamente : «Não quero, não quero ; matar-me-hei com uma faca. » Saiu o conselho para fora; levou o duque recado ao infante; veio ao paço (que se achava só) acompanhado de toda a nobreza e do senado, e de muita quantidade de

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povo: tomaram-se todas as portas do paço com homens de valor; chegou o infante á casa onde estava o conselho de estado; e chegando-se todos para onde estava uma janella que cáe para o eh-ado, se despejou a casa. Relatou o duque ao infante, em no- me do conselho, tudo o que se tinha pas- sado, e porque houve alguma diíFerença nos votos sobre o modo com que el-rei devia ser recluso, disse o marquez de Niza ao in- fante : « Senhor, tem-se chegado o tempo ultimo em que vossa alteza ha-de fechar aquella porta, e mandar o duque do Cada- val que fechar a outra, e não perca vossa alteza o tempo.» Mandou o infante ao du- que fechasse a outra porta da camará d'el- rei, e fechou o infante a primeira. Foi o marquez de Marialva com o duque. Depois de fechadas as portas ambas, começou el-rei a gritar da janella que cáe para o picadeiro, para que lhe acudissem. Aos gritos d'el-rei subiram elles todos com pistolas nas mãos ;

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pôz-se O marquez na porta que cáe para o eirado, e perguntando aos primeiros que chegaram aonde vinham? Sem tornarem resposta voltaram para baixo. Sabendo o marquez de Fronteira, mestre de campo ge- neral, que estavam os petiscantes no pica- deiro, com duas mangas de mosqueteiros dos terços que estavam armados no terreiro do paço, os veio buscar; e vendo que ti- nham subido acima, os veio seguindo a traz, e chegando á dita porta, e achando-os de volta pela escada, lhes deu caminho, e tor- nando a descer sobre elles os botou fora do picadeiro. Recolheram-se os terços, socegou a cidade, e ficou o infante aquella noite no paço, expedindo algumas ordens necessá- rias, porque todo o reino estava confuso e embaraçado.

Nomeou o infante quatro criados seus, homens nobres, de valor e de fidelidade, para que servissem ás semanas a el-rei, re- posteiros e moços da camará necessários, e

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deu ordem a que cada um na sua semana não consentisse que el-rei ficasse com ne- nhum reposteiro d'aquelles que entravam ao serviço da camará.

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CAPITULO XII

DESISTE EL-REI DE SEUS REINOS

Por ausência de António de Sousa ficou servindo de secretario de estado António Cavide. Pelas dez horas da noite o chamou el-rei, e lhe disse que pedisse ao infante que lhe mandasse para o servir João de Cães (que era um moço que tinha cuidado dos sabujos, e que tinha algumas catui-nces de que el-rei se agradava), e que lhe fizesse (lie António Cavide o papel seguinte: «El- rei nosso senhor, tendo respeito ao estado em que o reino se acha, e ao que em ordem a isso lhe representou o conselho de estado, e a outras muitas considerações que a isso

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O obrigam, de seu motu próprio, poder real e absoluto, ha por bem fazer desistência d'estes reinos, assim e da maneira que os possue, de hoje em diante para todo o sem- pre, em a pessoa do senhor infante D. Pe- dro, seu irmão, e em seus legitimos succes- sores; com declaração que do melhor pa- rado do rendimento d'elles reserva cem mil cruzados de renda cada um anno, dos quaes poderá testar á hora da sua morte pelo tempo de dez annos; e outrosim reserva a casa de Bragança com todas as suas per- tenças ; e em e verdade de sua magestade assim o dizer, ordenar e mandar, cumprir e guardar, ordenou se fizesse este, que sua mages-tade firmou. António Cavide o fez em Lisboa a 23 de novembro de 16G7. Eei.y> Viu-se o papel no conselho de estado; pareceu que era feito depois de recolhido el-rei, e também porque os reis não podem renunciar o reino sem consentimento com- mum dado em cortes. Disseram os letrados

92 VIDA D'EL-REI

que era questão diffieilima se o privado do governo real por incapaz, podia renunciar com validade, porque era certo que não po- dia fazer testamento.

Ficou o infante governando o reino por parecer do conselho de estado até á convo- cação das cortes, que se celebraram em 27 de janeiro de 1668. O braço da nobreza, dos povos e ecclesiasticos, duvidaram a re- nuncia d'el-rei pelas razões que deram os letrados chamados pelas cortes para aquelle fim. Os dois braços primeiros offereceram ao infante a coroa, e o ecclesiastico enten- deu que bastava o governo. Não quiz o in- fante a coroa emquanto durou a vida d'el- rei seu irmão, e se fez o juramento do go- verno na forma seguinte:

«Juramos aos Santos Evangelhos, cor- poralmente com nossas mãos tocados, que reconhecemos e recebemos por nosso gover- nador e regente doestes reinos, pelo impe- dimento perpetuo- de sua magestade, na-

I). AFFONSO YI 9;J

íorma que o temos julgado, ao muito alto e muito poderoso e excellente príncipe D. Pedro, filho legitimo d'el-rei D. João o iv, e da rainha D. Luiza, sua mulher, irmão e curador do muito alto e muito excellente rei D. Affonso vi, seu verdadeiro e natural successor na coroa d'estes reinos, e como verdadeiros e naturaes súbditos que somos de sua alteza, lhe fazemos preito e home- nagem, assim e da maneira que a fizemos a el-rei D. João o iv, seu pai, e a el-rei D. Aííbnso, seu irmão, que agora por seus im- pedimentos privamos do governo, e com a mesma jurisdicção, poder e auctoridade com que sempre se juraram os reis e senhores d 'esta coroa. »

Está dito n'esta resolução tudo quanto succedeu a el-rei D. Afíbnso vi, até á sua reclusão e deposição.

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VIDA DEL-REI

CAPITULO XIII

ANNULLA-SE A EL-REI O MATRIMONIO

Deixamos a rainha no convento da Es- perança, e o conde de Santa Cruz, sen nior- donio-mór com uma procuração sua para intentar a causa de nullidade do matrimo- nio contrahido por ella com el-rei D. Af- fonso VI.

Escreveu a rainha ao cabido, e elle res- pondeu, e nâo deu este negocio outro passo adiante. Vendo-se a rainha desconsohxda, temendo que se não podésse averiguar a verdade, chamou o marquez de Marialva, e parti cipando-lhe quão pouco se tinha adiantado o seu negocio, lhe pediu o seu

D. AFFONÍSO VI

conselho. O marquez lhe respondeu que chamasse sua inagestade o duque do Cada- val, e lhe dissesse aceitasse a sua procura- ção. Assim o fez a rainha, a quem o duque respondeu que sua magestade sabia muito bem que o infante se achava com o governo do reino; que lhe daria conta, e que faria o que sua alteza lhe mandasse; e referindo ao infante o que a rainha lhe tinha dito, lhe ordenou aceitasse a procuração. E como a rainha n'ella lhe dava poder de substabe- lecer, o fez em Duarte Ribeiro de Macedo, desembargador de aggravos, enviado em França, e conselheiro da fazenda, ministi'o de letras e de grande capacidade; e confe- rindo ambos os procuradores, assentaram que se devia fazer o libello. Fel-o Duarte llibeiro de Macedo com grande proprieda- de. (Fi falso, quem o fez foi certo padre da Companhia, de cuja letra se conserva o borrão.) Nomeou o cabido juizes para co- nhecerem da causa, cujos nomes se viram

l)(í VIDA DEL-llEI

da sentença, todos letrados, de auctoridade, dignidades e virtudes. Entenderam que era preciso que el-rei fosse perguntado e citado pelo vigário geral. Recorreu o duque ao infante, pedindo-llie que desse licença a frei Lourenço de Castro que entrasse na camai-a d'el-rei, e lhe ensinuasse a diligencia, pon- do-o em grave escrúpulo se a rejeitasse.

Era frei Lourenço religioso de S. Do- mingos, de letras e capacidade grande, e ])or suas virtudes depois bispo da Ilha. Fez frei Lourenço a diUgencia heni feita; deu a el-rei dia e hora para depor ; foi á sua pre- sença o vigário geral, com seu escrivão Se- bastião Diniz Velho, desembargador da Relação ecclesiastica, nomeado pelo cabido para a causa de nullidade do matrimonio, intentada pela rainha. Depôz el-rei a ver- dade, e feita esta diligencia, se recolheu o vigário geral, e seu dito escrivão.

Oíferecia-se ao duque uma grande du vida do bom successo da causa, porque

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dizia que era impossivel, tendo el-rei uma íilha em casa do conde de Castello Me- lhor, chamada D. Luiza, e com tratamento de alteza. Achando-se este negocio com esta grande duvida, Deus que é a mesma verdade, foi servido de buscar os meios de se descobrir e averiguar com toda a cla- reza..

Recolheu-se um dia ao jantar para casa : achou na mão de um criado seu um escripto í[ue alli tinha deixado um moço. Dizia elle: «8e vossa excellencia quer saber um ne- gocio muito importante para a causa da rainha, com que vossa excellencia corre, ache-se a noite no seu coche só, ás escadas do Loreto, de sorte que espere n'quelle lo- gar o sino da meia noite. » E não se assi- gnava o escríptor. Logo foi o duque á Es- perança, e mostrando o escripto a rainha, lhe disse que de nenhuma maneira queria que fosse, porque aquillo podia ser de grande perigo. Reí^pondeu-lhe o duque que

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havia de ir, e que deixasse sua magestade á conta d'elle a segurança.

Keediíicava-se a egreja do Loreto do in- cêndio que havia padecido; tinha no adro uni grande telheiro a cujo abrigo trabalha- vam os officiaes da obra: mandou o duque metter n'elle o capitão de cavallos Manoel Travassos, e o de couraças Manoel Caldeira, ambos de grande valor; acompanhavam aos dois capitães quatro criados do duque, to- dos valorosos e bem amiados, com ordem de que se viesse mais de uma pessoa saís- sem do logar em que estavam. Foi o duque áquelle logar assignalado a esperar a meia noite. Eis que chega ao estribo do coche uma nuilher embuçada, e perguntando ao duque se a conhecia, o duque lhe respon- deu que não, c ella lhe tornou que era D. Anna Saraiva, que havia nmitos annos que a tinha o duque visto e tallado nuiitas ve- zes; e disse-lhe o duque que entrasse no coche, e.que fossem até á Cotovia, que era

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parte mais solitária. Disse-lhe D. Anna Sa- raiva que lhe queria mostrar como uma me- nina que estava em casa do conde de Cas- tello Melhor não era filha d'el-rei. posto que tratada por tal. Perguntando-lhe o duque como o sabia, lhe contou toda a historía, e disse que morando Agostinho Nunes nas casas do armeiro-mór, a convidou para ir ver botar uma náo ao mar, e que alli viram uma moça bem parecida, descorada, e com o cabello cortado, e que perguntando-lhe algumas cousas afim de se saber quem era, e que vida era a sua, respondeu que as más cores de seu rosto eram efí^eito do seu des- gosto, e os cabellos haviam sido cortados com a mão d'el-rei. P^oi D. Anna, que era destra, inquirindo a moça, até que lhe ma- nifestou a sua desgraça, e disse que ella se chamava D. Catharina Arraes, e que galan- teando-a Manoel Arraes, seu primo, em Coimbra, viera para Lisboa com animo de casar com ella, e de pedir dispen sacão ao

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papa por ter havido copula com ella, e qiio morando em umas casas com o dito seu primo, a foram furtar uma noite Agostinho Nunes e Henrique Henriques, e confessando eUa que estava prenhe de três mezes, a le- varam ao paço, e dormiu aquella noite na camará d'el-rei; que seu primo, magoado d'aquella insolência, fora para Coimbra, aonde falleceu, e ella foi para casa de Agos- tinho Nunes, aonde se achava, e fora obri- gada a dizer quando parísse que a criança era filha d'el-rei, e que sobre isto lhe fize- ram grandes tyrannias,até chegar-lhe el-rei a cortar os cabellos. Disse mais D. Anna Saraiva que D. Catharina Arraes estava freira em Sant'Anna, e que ella lhe fallára, e estava resoluta a se vingar, com declarar a verdade. Chamou o duque a Agostinho Nunes, e em presença de Duarte Ribeiro, foi inquirido e depôz a verdade. Kesol- veu-se o duque a ordenar a Aurélio de Mi- randa, tabelliâo de notas, fosse ao Campo

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SanfAnna, perto da egreja, e que alli esperasse recado d'elle duque, o qual dei- xando Agostinho Nunes no seu coche, man- dou dizer a prelada que quizesse fallar-lhe ; e vindo a prelada, lhe disse que tinha que fallar com D. Catharina Arraes, que sua mercê lh'a mandasse á grade. Assim o fez: appareceu, e dizendo-lhe o duque que não vinha tirar-lhe a sua tença, antes conser- var-lli'a; que elle sabia a verdade do que ella tinha passado ; que convinha muito que a depozesse em juizo, e que elle pediria li- cença á rainha para tal deposição. Veio Aurélio de Miranda; disse D. Catharina o que havia succedido, e assignou.

Averiguada esta matéria, foi D. Luiza tirada pelo corregedor da corte de casa do conde de Castello Melhor, e levada a sua mãe, e o infante lhe deu uma tença, e ficou freira no mesmo convento.

Tirado este impedimento, se processou a causa até final conclusão, como se da

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sentença. Nomeou o cabido de mais dos dois vigários geral e escrivão, por uma sua provisão, o bispo de Targa, D. Francisco de Souto Maior, coadjutor e pro visor doeste arcebispado, aos doutores Valentim Feio da Motta, cónego da Sé, e vigário geral do ar- cebispado, mas não nomeado, Pantaleão Rodrigues Pacheco, do conselho d'el-rei, e do geral do santo officio, cónego doutoral da Sé, bispo eleito d'Elvas, e por seu falle- cimento Antão de Faria da Silva, cónego da Sé, deputado do santo officio e da mesa da consciência e ordens, todos três para jui- zes d'esta causa, e para escrever o processo dos autos ao dito Sebastião Diniz Velho, desembargador da Relação ecclesiastica, e prior de Santa Marinha, etc.

Processado e feito o signal, foi relatado pelo bispo coadjutor, votando os desembar- gadores que o autoarara, em Manoel de Sal- danha, sumilher da cortina, eleito bispo de Vizeu; Francisco Barreto, do conselho d'el-

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rei e do geral do santo ofíicio, bispo eleito do Algarve; Pedro de Athaide Castro, in- quisidor da inquisição de Coimbra, e cónego da Sá; Nuno da Cunha de Sá, cónego ma- gistral, eleito bispo de Miranda, que não aceitou. Os desembargadores da Relação ecclesiastica eram os doutores Gonçalo Pa- checo da Silva, cónego da Sé; Gaspar Ba- rata de Mendonça, prior da egreja de Santa Engracia; João de Passos de Magalhães, prior de S. Julião; João Serrão, prior de S. Thomé, juizes nomeados pelo reverendo cabido que na causa d'ella, rainha, vendo o processo com madura consideração em pre- sença de todos os capitulares, se proferiu a seguinte sentença:

« Accordão em relação, feito em presença do cabido, estando presentes além dos mi- nistros ordinários d'ella, os juizes nomea- dos pelo cabido para votar na causa, etc. Que vistos estes autos, libello da rainha nossa senhora, D. Maria Francisca Isabel

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de Saboya, que lhe foi recebido, contesta- ção por negação do promotor em defeito da parte na forma do estylo, prova dada: mos- tra-se que a dita senhora contrahiu matri- monio de presente em face da egreja com o serenissimo rei o senhor D. Affonso vi, rei de Portugal, em 27 de junho de 1666, na cidade de Rochella, reino de França, d'onde a dita senhora veio a esta cidade, e n'ella no palácio real os ditos senhores vi- veram por espaço de 16 mezcs, fazendo n'esse tempo vida marital. Mostra-se que no espaço d'elle, intentando ambos consumar o dito matrimonio, o não podí^ram fazer, applicando a diligencia moral que somente de direito se requer por causa da impotên- cia do dito senhor, procedida de enfermi- dade que teve, sendo menino, incurável n'aquella edade, e agora irremediável por arte humana, o que tudo se prova supera- bundan temente pelos meios approvados por direito, com os quaes o dito impedimento

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fica em termos de certeza ao menos moral, nos quaes termos senão requer inspecção, nem experiência triennal ou de outro tempo arbitrário: o que tudo visto com o mais dos autos e disposição de direito, julgam o dito matrimonio contraliido entre os ditos senho- res, por contrahido de facto e não de di- reito, e o declaram por nullo, e que os ditos senhores poderão fazer de si o que quize- rem, ou o que bem lhes parecer, e que haja divisão de bens, na forma de seus contra- ctos. Lisboa, 24 demarco de 1668.» (Com •varias rubricas.)

O que resultou d'esta matéria mencio- nada, se omitte aqui, porque não pertence a el-rei D. Aífonso vi, e está escripto por melhor penna: iremos continuando o mais que toca ao nosso assumpto, até o deixar- mos na sepultura.

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CAPITULO XIV

B LANÇADO EL-REI EM PRISÃO Á ILHA TERCEIRA

Esteve el-rei fechado alguns tempos (1) na sua camará, e vendo o príncipe que aquella resolução era apertada, e sabendo que el-rei desejava ir para Villa Viçosa, lhe mandou propor que o castello da Ilha Ter- ceira era bom sitio, sadio, e onde sua ma- gestade podia fazer exercicio, porque o âm- bito do castello era largo: aceitou de boa vontade a proposição.

Pastava nomeado o marquez das Minas, D. Francisco de Sousa, para embaixador da

(1) Âfguti& annosj diz a Anti-catastrophe, pag. 683.

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obediência ao summo pontiíice, e entenden- do-se que el-rei ia acompanhado bem com elle, se propôz este intento ao marquez, e se assentou que o acompanhasse até á Ilha Terceira. Aprestaram-se quatro náos para a segurança da jornada, elegeu-se para ficar no castello*da Ilha, com el-rei, e para lhe governar sua casa, Francisco de Brito Freire, que tinha servido com valor nas occasiões da guerra. Aceitou elle a commissão, e agra- decendo ao príncipe a confiança que fazia d'elle, pois lhe entregava a pessoa d'el-rei, fez d'ella homenagem nas mãos do príncipe. Deu-lh'a Luiz Teixeira de Carvalho, offi- cial maior da secretaria de estado, que ás vezes servia de secretario; foram* seus pa- drinhos e testemunhas o duque do Cada- val, e D. Rodrigo de Menezes. Era Luiz de Brito almirante da armada, e foi também escolhido para aquella oc.cupação, por ser prático na navegação, e fel-o o príncipe conselheiro de guerra.

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Preparou-se toda a recamífi^a d'el-rei abundantemente, nomearam- lhe criados, e se pôz prompto tudo o mais necessário, cujo expediente encommendou o principe ao du- que e ao marquez de Fronteira. Embarcado tudo na véspera em que el-rei se havia de embarcar (não se esperando tal successo) se resolveu Francisco de Brito a ir pedir á Co- tovia a roupeta da Companhia: negaram- lh'a os padres: mandou-o o principe pren- der, privou-o do posto de almirante, das honras de fidalgo, do logar de conselheiro de guerra, e ultimamente ficou um homem particular, e embaraçou isto muito a reso- lução do infante.

Achava-se em Lisboa Manoel Nunes Lei- tão, mestre de campo de um terço da pro- víncia do Minho: conhecia o marquez de Fronteira, por haver sido seu sargento-mór, quando foi mestre de campo: conhecia-o o duque por se haver achado com elle em al- gumas occasiôes; e assentando ambos que

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por valor *e capacidade era Manoel Nunes digno d'aquelle emprego e d'aquella con- fiança, e chamando-o o principe, lhe disse que queria que fosse á Ilha Terceira acom- panhando el-rei, para governar o castello e toda a casa de sua magestade. Manoel Nu- nes lhe beijou a mão, e lhe disse que estava prompto para acompanhar a el-rei. O prín- cipe lhe deu a patente de sargento-mór de batalha, e a consignação necessária para os gastos d'aquelle emprego, e se lhe deu in- strucção de como se havia de haver em tudo.

No anno de 1669, foi o marquez das Mi- nas buscar el-rei á sua camará, e baixou com elle ao coche em que ambos foram até S. José de Ribamar, aonde estava preparado um bergantim para levar el-rei a bordo. Mu- dou-se o tempo, e vendo o ;marquez os ma- res levantados, recolheu-se e el-rei no con- vento de S. José, e avisou logo o príncipe. Sua alteza ordenou logo ao duque partisse

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promptamente para S. José, e conferindo com o marquez das Minas, se tomasse a re- solução que ambos assentassem: chegou o duque a S. José, e pareceu aos dois espe- rar que amanhecesse, e que se o tempo desse logar, embarcasse el-rei, e era o que mais convinha. Pelas três horas da madru- gada, acabadas as matinas, começou o tempo a abrandar, e manhã clara se embarcou el-rei, e levando os navios a ancora, que com a bonança tinham a pique, largaram as velas.

Mandou o príncipe que não houvessem salvas, nem das torres, nem dos navios, e depois de passarem S. Gião, voltou o duque ao paço a dar conta ao príncipe.

Chegou el-rei depressa, porque teve ven- tos sempre de servir; levava o marquez ordem para que el-rei desembarcasse de noite e entrasse no castello sem o saberem os moradores da Ilha. Desembarcado el-rei, seguiu o marquez sua viagem para Roma.

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Não se deteve el-rei muito tempo na Ilha, porque a maldade dos homens o fez mudar d'aquelle sitio, estando forjada uma traição contra o príncipe, que infallivelmente seria também contra o reino.

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CAPITULO XV

B MUDADO EL-REI PARA O PAÇO DE CINTRA

Estava por embaixador de Castella em Lisboa, o conde de Humanes, e vendo que podia ser caminho a liberdade d'el-rei para pôr o reino em sedição, assentou com Fran- cisco de Mendonça, ir um navio de Castella, e matarem Manoel Nunes Leitão, embarca- rem el-rei e leval-o para Ilespanlia. E o pretexto que tomaram para el-rei convir n'isto, foi dizerem-lhe que chegado elle a Castella casava com a rainha viuva, e que este era o meio único de sua magestade so restituir a Portugal, para commover os mo- radores á sublevação. Estava nomeado um

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letrado, que era um fulano de Lemos, na- tural da Ilha; tinha este aceitado commis- são, e tinham unido ao conde de Humanes mais pessoas. Soube-se do intento de tão perniciosa traição: prendeu-se o letrado, e confessou no tormento toda aquella ma- china, com muito mau fundamento urdida: prenderam-se os conjurados; fugiu Fran- cisco de Mendonça para Castella, e Jerony- mo de Mendonça se escondeu no reino.

As pessoas que se prenderam, e tinham commendas, e eram cavalleiros, foram rela- xadas pela mesa da consciência, e os outros julgados pela justiça secular, e uns e outros foram condemnados a morte, cujas execu- ções se fizeram no Rocio, menos António Cavide, que não foi relaxado pela mesa da consciência. Entrou-sc em consideração do procedimento que se havia de ter com o conde de Humanes: uns diziam que quem não guardava a publica, commettendo traições, justamente se lhe não devia im-

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munidade; outros vendo que o reino estava cançado com unia guerra de tantos annos, lhes pareceu que, para evitarem outra, bas- tava que sua alteza se queixasse do conde de Humanes á rainha de Castella; e este foi o partido que se aceitou.

Vindo da Ilha um moço da guarda-roupa, com licença do príncipe, se nomeou em seu logar para ir para a Ilha, um Francisco de Contreiras, de quem os conspirados se va- leram para proporem a el-rei o caso; e de- pois que fez a diligencia em um navio in- glez, no qual chegou á Ilha, furtivamente se foi n'elle para Inglaterra, porque estava ajustado dar-se conta do intentado á rainha, afim de soccorrer el-rei seu irmão, no pro- jecto de se restituir coroa de Portugal.

Ultimamente se prendeu Jeronymo de Mendonça, e no dia em que havia de mor- rer por justiça, lhe perdoou o principe a vida por um decreto, e foi acabar em uma fortaleza na índia.

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Com este fundamento tratou o príncipe de tirar da Ilha a el-rei D. Affonso. Apres- tou-se a armada que costumava correr a costa : ordenou o principe que o general da armada Pedro Jaques de Magalhães, fizesse um bordo sobre a Ilha Terceira ; man dou-se ordem a Manoel Nunes, e que embarcado el-rei na armada, viesse Pedro Jaques dar fundo em Paço d'Arcos. Logo que alli mo- lhou ancoras, fez aviso ao principe, que logo mandou Francisco Correia, secretario de estado, Roque Monteiro, e José da Fonseca, para que dispozessem o desembarque d' el- rei. Foi liteira para ir para Cintra, e cavai- los e coches para a sua familia. Disse o principe a Francisco Correia que avisasse o duque, para ir também ao navio; a pressa fez esquecer o aviso, e chegando o duque á corte real, lhe disse o principe: «Que é isto! Estaes aqui?» Respondeu o duque ao principe: «Senhor, não me deram ordem para estar em outra parte. » Enfadado o

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príncipe de que lhe faltasse o aviso, o man- dou logo. Chegou o duque a Paço d'Arcos, onde estava Manoel Saldanha, moço da guarda-roupa do principe, com ordem para receber o fato, e com carruagem para o con- duzir a Cintra. E perguntando-lhe o duque em que estado estava a conducção do que trazia a seu cargo, lhe respondeu que fora um barco ao navio, e què havia nniito tempo que estava sem vir para terra. Mandou o duque acenar a um navio, e logo veio chalupa a terra. Vinha n'ella José da Fonseca, e disse ao duque que Pedro Ja- ques estava desconfiado de que o secretario lhe não dissesse nada do principe, e se foi deitar no beliche; que el-rei vinha de ma- neira com Manoel Nunes, que vinha com uma espada na mâo para o matar, e por esta causa estava fechado na camará. Che- gou o duque ao navio: veio o general bus- cal-o ao portaló, e tanto que o duque che- gou acima, lhe disse que o principe o man-

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dára alli agradecer-lhe o grande acerto com que se tinha havido na viagem, pois que pelo seu zelo lhe tinha encarregado aquella commissão, e que desejava vel-o para lhe fazer esta expressão.

Sabendo o duque o modo com que el-rei estava, disse que lhe abrissem a porta, que queria entrar dentro: assim se executou, e indo beijar a mão a el-rei, lhe disse: «Se- nhor, venho livrar a vossa magestade de um grande perigo, porque este navio está a pique. Saiamos depressa, que o navio im- porta pouco, e a vida de vossa magestade muito.» El-rei se sobresaltou, e abraçan- do-o, lhe chamou seu amigo, e fixo, (que era palavra que costumava usar), e- disse: «Vamos.» E pegando pela mão ao duque, saiu para o convés ao collo de dois mari- nheiros, e o pozeram na chalupa. Chegou a terra, e o duque o metteu na liteira, e querendo-se pôr a cavallo não quiz el-rei senão que fosse com elle na mesma liteira.

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Perguntou no decurso do caminho pelos seus petiscantes. Respondeu-lhe o duque que o povo alterado lhes mettera tamanho horror, que tinham desapparecido. Tornou el-rei que o marquez das Minas o tiiiha en- ganado, porque lhe tinha dito que estavam embarcados, e que também o príncipe lhe faltara, porque lhe não tinha mandado para a Ilha os músicos que lhe pediu de lá, e os cavallos. Perguntou por Henrique Henrí- ques de Miranda, e disse que aquelle era fixo; o conde de Castello Melhor o levasse o diabo, que o deitara a perder. O duque lhe dava as respostas que as perguntas me- reciam. Chegou á meia noite a Cintra, sem- pre com animo de matar Manoel Nunes; e para aquietar el-rei, disse o duque a Manoel Nunes que não lhe apparecesse: elle o fez com grande prudência, sem faltar a nada, porque era dotado de grande capacidade. Logo marcharam para aquelle sitio tre- zentos infantes, a cargo do sargento-mór,

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Paulo Caetano, filho de Manoel Nunes, para fazerem guarda a el-rei; marchou também para Cintra uma companhia decavallos,que se mudava todos os mezes.

Tinha o principe grande cuidado em que não houvesse falta na assistência d'el-rei,na sua commodidade, e no seu regalo; e isto mandava muitas vezes vigiar pelo duque a Cintra, aonde tinha um quarto do palácio para sua assistência.

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CAPITULO XVI

MORRE D. AFFONSO VI

Viveu el-rei D. Affonso vi em Cintra nove annos: no de 1685, em 12 de setem- bro, na madrugada d'aquelle dia começou el-rei a gritar que o vestissem, porque que- ria ir ouvii* missa. Estando na missa, e que- rendo o celebrante entrar á consagração, se começou el-rei a anciar; e dizendo-lhe al- guns criados que se recolhesse, respondeu que queria adorar a Deus : assim o fez. Cha- maram o medico, e querendo-o levar para a cama, o não quiz fazer, e começou em vozes ao céo: « Senhor, (dizia elle), perdoai-

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me os meus peccados ; » repetindo o mesmo muitas vezes, e ediíicando-se todos os que alli estavam.

Não acabada a missa, cresceram as an- ciãs, e perdeu o juizo. Chegado á cama, veio o confessor, e no mesmo instante que el-rei o viu o chamou com algum socego nas an- ciãs, dizendo-lhe: «Venha cá, meu padre, dê-me a sua mão.» Disse-lhe o confessor: «Quer vossa magestade confessar-se?» Res- pondeu el-rei que sim. Crescendo as anciãs lhe tornou a dizer que o não podia fazer, e apertando muito a mão ao confessor, lhe deu este a absolvição, e pondo-se mori- bundo, lhe tornou a perguntar o confessor se queria que o absolvesse, que lhe aper- tasse a mão; e tornando-o a absolver, ex- pirou.

Reparou-se que ficou o rosto resplande- cente em três quartos de hora; e a tudo o referido assistiu António Rebello de Affon-

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seca, que assistia em Cintra por ordem do príncipe, antigo e honrado criado de sua alteza, que pelo seu préstimo mereceu a es- timação d'aquelle príncipe.

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CAPITULO XVII

FUNERAL D'EL-REI D. AFFONSO VI, REI DE PORTUGAL

Avisou logo O padre confessor o duque do que se tinha passado, e dizendo-lhe que não estava ainda certo se el-rei tinha falle- cido. Achava-se o príncipe em Palhavã, em casa do conde de Sarzedas; levando-lhe o duque a carta, se magoou, e ordenou logo ao duque partisse para Cintra. O duque lhe respondeu que logo assim o fana, porém que sendo o mais certo estar el-rei morto, seria necessário que sua alteza mandasse alguma pessoa mais com quem se podésse conferir o funeral d^el-rei. Pareceu isto muito bem ao príncipe, e mandou ao mar-

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quez de Arronches, do conselho de estado, que partisse logo para Cintra.

Chegou o duque áquella villa ás seis ho- ras da tarde, e o marquez pela meia noite: pareceu a ambos avisar ao príncipe que fosse de Lisboa o necessário para o funeral, e porque pela distancia se havia de metter em meio . . , , era preciso embalsamar o ca- dáver d^el-rei, e assim se fez ao outro dia. Com o aviso que fez de Cintra o duque e o marquez de Arronches, resolveu o prín- cipe que o funeral d'el-rei D. Aífonso vi se fizesse da mesma forma que o d'el-rei D. João o IV. Logo partiu Roque Monteiro para Cintra, e o secretarío lhe remetteu uma có- pia do que se fez no funeral d'el-rei D. Joáo IV, na forma seguinte:

« Senhor Roque Monteiro Paim : o que se ordenou no funeral do senhor rei D. João IV, que. Deus tem, se ha-de fazer no do se- nhor rei D. Aífonso vi. Composta a sala, e e posto n'ella o corpo de sua magestade, se

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hão-de abrir as portas, e logo entrarão os capellães da capella a occupar o seu logar: isto foi com D. João iv, j)orque estava em Lisboa. Que assentados no ultimo logar dos três em que ha-de estar a cama que fica junto ao pavimento, e em voz baixa, alter- nando-se por horas, para que não cancem, estarão resando o que se costuma em simi- Ihantes occasiões, e hão-de estar assim al- ternadamente desde a hora em que se pozer o corpo, até á em que se tirar, menos o tempo em que durar a missa pontifical, em titulos que quizerem ir deitar agua benta a sua magestade, e assistir- lhe algum tem- po; estarão encostados á parede da mão direita por suas precedências, e não se lhes ha-de pôr assento, porque se não hão-de assentar nem cobrir, e os prelados estarão em seu logar, outrosim, sem assento, nem barrete, se também quizerem ir.

Das paredes em que se hão-de encostar os titulos e officiaes da casa, para baixo es-

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tara O os prelados das religiões e pessoas ec- clesiasticas que poderem caber, de maneira que não façam perturbação, nem descom- ponham o socego e ornato da casa. Hade-se dizer missa de pontifical e officio de corpo presente, e a missa a ha-de dizer o bispo capellão-mór, e acabado o officio com os res- ponsos ordinários, a que ha-de assistir o bispo de Targa, e em falta do bispo o eleito de Braga, o eleito do Porto, e o de Leiria. Como tudo estiver prevenido, ha-de ir a liteira em que ha-de ir o corpo de sua ma- gestade, acompanhado dos moços da estri- beira, com suas roupetas compridas, e suas tochas acesas na mão, e o porão no logar aonde sua magestade se costumava metter no coche; e logo tomarão tochas os moços da camará, para acompanharem o corpo da porta da sala até á liteira, indo em duas alas iguaes; e logo que chegarem á liteira as tochas dos moços da camará, se hão-de apagar as dos moços da estribeira, que hão-

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de ir acompanhando a liteira no logar que lhes toca.

Preparado isto, se dará recado ás pessoas que hão-de levar o caixão a liteira; estes subirão os degráos, e indo um pouco adiante d'elles o reposteiro-mór com seus dois offi- ciaes, tirará o panno de sobre o caixão, em que pegarão as pessoas mencionadas, e o levarão até á liteira, aonde o recolherão; e recolhido elle, ha-de tornar o reposteiro- mór com os seus officiaes a cobrir a liteira com o parino que se tirou de sobre o cai- xão, pondo-o com proporção em igualdade, assim dos lados, como das cabeceiras, e co- meçará a liteira a andar, indo atraz o estri- beiro-mór, que ha-de abrir e fechar a liteira como costuma; e os sumilhcres e titulos, a que se ha-de fazer recados para todos acom- panharem, hão-de ir adiante acompanhan- do, e os officiaes da casa no meio, na fónna costumada. Os capitães da guarda hão-de ir no logar que lhes toca, e os moços fidal-

128 VIDA DEL-REI

gos adiante dos officiaes da casa, e entre as alas do acompanhamento irão os capellàes da capella, com suas sobrepellizes, resando em tom baixo, mas que se ouça. Adiante de tudo irão os corregedores do crime da corte, e antes d'elles os porteiros da casa, todos em luto.

De traz da liteira e do estribeiro-mór irá a guarda no seu logar, se, pela perturba- ção não precisar ir em outro, formada com o seu tenente ; e postoque este não á o seu logar, não pôde ir em outro; é justo que vão em o logar que pôde ser, e lião-de íi* todos de luto.

No meio do terreiro de S. Vicente ba-de estar a misericórdia de Lisboa, tendo posto no chão o andor que se lhe lia-de dar para este effeito, e alli ha-de parar. E parada a liteira, se hão-de apear todos os que vão no acompanhamento, pondo-se de roda da li- teira e andor todos descobertos, postoque hajam de ir cobertos quando forem de ca-

D. AFFONSO VI 120

vallo. E logo o reposteiro-mór com as me- suras e ceremonias costumadas, tomará o paimo de sobre a liteira, e se chegará o es- tribeiro-mór a abril-a, e as pessoas que trou- xeram o corpo desde a sala até á liteira, o lião-de tirar da liteira, e pôr no andor da misericórdia; e posto elle, lhe farão todos suas mesuras, e os officiaes da casa, e os mais quebrarão suas insignias com ambas as mãos em alto, de maneira que se vejam quebrar, e, quebradas, as largarão no chão, e acompanharão no logar que poderem, sem ordem de grandes e de officiaes da casa, porque com a entrega á misericórdia se aca- bou essa formalidade, mas assim elles,como todo o acompanhamento hão-de ir, desde a hora que se apearam, descobertos; e a misericórdia, capellães e pessoas que acom- panharem entram na egreja, porque todos os mais hão-de ficar da porta para fora sem se moverem do logar em que estiverem. E a misericórdia continuará com o andor até

130 VIDA D'EL-REI

ao meio do coro baixo dos padres, e alli, ditos os responsos, sendo primeiro o da ca- pella, segmido o dos frades, e ultimo o da misericórdia, chegarão o corpo o^ mesmos irmãos da misericórdia até o logar em que se ha-de pôr, e o porão aquellas mesmas pessoas que o trouxeram da sala até á li- teira, e ha-de abrir e fechar o caixão o mor- domo-mór; e feito isto, subirá então o re- posteiro-mór a lançar o panno sobre o cai- xão, e fechado elle se ha-de dar recado ao prior do convento para receber as chaves e a entrega do corpo que lhe ha-de fazer o mordomo-mór, que tem as chaves, com as testemunhas, e o secretario de estado que lhe jurem ser o corpo que está recolhido n'aquelle caixão o d'el-rei; e o prior ha-de declarar que se por entregue d'clle, e o secretario de estado fará termo, que o prior e as ditas pessoas assignarão em duas có- pias, uma que ha-de ficar no convento em companhia das chaves, outm que ha-de vir

D. AFFONSO VI 131

para a secretaria de estado, para ir com o traslado authentico do testamento d'el-rei para a Torre do Tombo, quando fôr tempo. =0 bispo fr. Manoel.»

Mandou-se este regimento a Cintra, a Roque Monteiro, que servia de secretario de estado, e tinha chegado a Cintra. Pela secretaria de estado se avisou a D. Verís- simo de Alencastre, inquisidor geral, e ar- cebispo de Braga, para ir fazer o pontifical de corpo presente, e a quatro sumilheres de cortina para que lhe dissessem os responsos nos quatro cantos da eça. Avisou o secre- tario de estado para pegarem no caixão ao duque, ao marquez de Arronches, que se achavam em Cintra, e tinham partido de Lisboa para a mesma occupação; ao conde da Ericeira, D. Fernando; e ao de Vai de Reis, e ao marquez de Marialva, e ao de Cascaes; ao das Minas, ao monteiro-mór, e aos condes de Pontevel e da Ericeira, D. Luiz de Menezes.

132 VIDA DEL-REI

Avisou-se O bispo D. Diogo de Lima, que fosse fazer o officio de estribeiro-mór; es- creveu o secretario de estado ao duque que quando chegasse o marquez de Gouveia, mordomo-mór, a Cintra, se lhe mostrasse o corpo d'el-rei D. Affonso, ^- se lhe entre- gassem as chaves do caixão para as dar em Belém ao prelado do convento. Também se ordenou que as formalidades do enterro ha- viam de começar de S. José até Belém.

Veio o corpo da camará até á eça, trazido em caixão pelo duque, marquez de Arron- ches, Roque Monteiro, Lourenço Pires, pro- vedor das obras, que havia mandado chum- bar o corpo, e deitar-lhe cal; e porque pe- sava muito, os ajudaram a trazel-o alguns criados d'el-rei.

As duas horas da tarde, partiu el-rei D. AíFonso VI, morto, do palácio de Cintra para o mosteiro de Belém, acompanhado dos fi- dalgos sobreditos, que vieram a cavallo. Estava na egreja de Belém o bispo do Rio

D. AFFONSO VI 133

de Janeiro, o secretario de estado, e os mais officiaes da casa d'el-rei. Da porta principal da egreja de Belém, estava a infanteria em duas alas, atá onde podia chegar; os reli- giosos arrabidos dos conventos de S. José, Santa Catharina e Boa Viagem, encorpora- dos todos em uma communidade, e a de Belém; estavam todos em duas alas dentro das que fazia a infanteria.

Defronte da porta, quando chegou o cor- po, estavam dois bancos de velludo. As pes- soas que p*egarani no caixão em Cintra, de- pois do conde de S. Lourenço tirar o panno de tela com que se cobria a liteira, e o vis- conde a abrír, tiraram as mesmas pessoas nomeadas o caixão, e o pozeram sobre os dois bancos ; alli estava a irmandade da mi- sericórdia, de que era provedor D. Fernando Alvares Mascarenhas, conde de Palma, e meirinho-mór, que ordenou aos irmãos da mesa que o pozessem no esquife, e o levaram até á eça, que estava no cruzeiro da egreja.

18

134 VIDA DEL-REI

Resou a communidade de Belém o seu responso, e ultimamente a capella. Chegou o secretario de estado a eça com o prior geral do convento, de uma banda do cai- xão, e o marquez de Gouveia da outra, e posto o missal sobre o caixão, fez o mordo- mo-mór entrega do corpo ao prior geral, e elle assignou o termo com testemunhas, que foram presentes na forma que se costuma nas mortes dos reis^

Acabada esta ceremonia, pegaram no caixão as mesmas pessoas que o tinham feito, e o pozeram em uma urna que está detraz do altar-mór, aonde jazem o principe D. Theodosio e a infanta D. Joanna. Logo que el-rei se sepultou, deu três descargas a infan teria; continuaram os signaes das torres, e da frota do Brazil, disparando uma peça de hora a hora, att^ amanhecer.

Acabarei este epitome com duas ponde- rações, que ambas me parecem sobrenatu- raes: a primeira, a meu juizo, foi que lem-

D. AFFONSO VI 135

brada a mào de Deus da promessa feita a Affonso I, no Campo d'Omique, attenuado o reino e a prole em AfFonso vi, viu e per- mittiu sua divina omnipotência que o reino se não perdesse, e se oppozesse a seus ini- migos, vencendo quatro batalhas campaes, a do Ameixial, a de Montes Claros, a de Castello Eodrigo e a do Canal, veriíican- do-se na ultima o vaticinio do Bandarra.

A segunda é que, sendo el-rei D. Affonso incapaz de formar juizo, concorreu a mise- ricórdia de Deus na ultima hora e na maior necessidade, dando-lhe meios, segundo se viu, para lhe pedir perdão de seus pecca- dos, e miserícordia, e ultimamente acabar a vida com as ultimas palavras de absol- vição.

13B VIDA D'EL-REI

CAPITULO XVIII

CONSELHEIROS DE ESTADO

QUE HAVIA QUANDO SE DEPÒZ EL-REl

D. AFFONSO VI

O duque era moço, e tinha valor, como se de tudo o que fica dito, prudência e uma capacidade rara para todo o emprego; foi presidente do ultramar, do tabaco, e do desembargo do paço, mordomo-mór da rai- nha D. Maria de Saboya e D. Maria Sofia, foi também ministro do despacho; em todos estes logares mostrou a sua capacidade, e grande limpeza de mãos.

O marquez de Niza foi veedor da fazen- da; teve grande talento; votava nos negó- cios com valor. Os que lhe não eram aífei- çoados, diziam que se havia de seguir o seu

D. AFFONSO VI 137

parecer, mas que lhe não haviam de per- guntar os porquês.

O marquez de Marialva foi verdadeira- mente heroe, porque nunca desembainhou a sua espada que nào vencesse.

O marquez de Cascaes era discreto, mas sem experiência.

O conde de Óbidos não valia nada.

Ruy de Moura foi veedor da fazenda; teve muita prudência e capacidade.

António de Mendonça teve as mesmas virtudes; foi commissario da cruzada, e pre- sidente da mesa da consciência.

O conde d'Arcos era presidente do con- selho ultramarino; foi pouco ou nada.

O capitão-mór D. Manoel da Cunha era morto na deposição d'el-rei ; teve letras e capacidade; votava com liberdade.

O conde de Villa Pouca tinha muito va- lor, e não mais.

O duque d' Aveiro nem valor, nem ca- pacidade; passou-se a Oastella muito vil-

138 VIDA DEL-REI

mente, e não se acliou na deposição (rel- rei D. Aífonso vi.

Pedro Vieira teve muito zelo, boas letras, e muita noticia.

FIM.

ILTOTJL

Este epitome da vida de D. Aftonso vi, foi co- piado exactamente do original que se achava na livraria do duque do Cadaval, composto sobre as memorias de Luiz Teixeira de Carvalho, que foi oííicial maior da secretaria de estado, por cuja mao correram as ditas memorias; porém ha n'el- las circumstancias tão particulares que persuadem serem dictadas pelo duque D. Nuno Alvares Pe- reira, que teve tanta parte na deposição d'este monarcha: suas queixas o íizeram esquecer das grandes acções do governo d'este infeliz rei, e das gloriosas victorias do seu reinado. Veja-se sua vida, por auctor mais critico.

A cópia a que acima se allude, e da qual esta foi tirada, pertenceu a D. Miguel António de Mello, e hoje possue-a o conselheiro António Joa- quim Gomes d'01iveira, official maior da secretaria d'estado dos negócios estrangeiros.

Lisboa, 29 de maio de ISéf).

Jacintho da Silva Aíenc/o.

A EL-EEI D. AEPONSO VI

SEXTILHA ANONYMA

Eu fui livre, fui rei, e fui marido, Sem reino, sem mulher, sem liberdade. Tanto importa não ser, como haver sido. A Portugal deixo esta verdade: A meu irmão deixo este memento: Este é de Aífonso vi o testamento.

19

índice

PAG.

Prefacio v

Prologo ao leitor 1

Capitulo i Nascimento de D. AíFonso vi 3

Cap. II índole de D. Affonso, e como succede na

coroa 12

Cap. III Separa-se D. Affonso para o seu quarto 21

Cap. IV Como D. Affonso vi entrou no governo . . 33

Cap. V Absoluto governo de D. Affonso vi 40

Cap. VI Casamento de D. Affonso 48

Cap. VII Exclusão do valido d'el-rei 54

Cap. VIII Queixas da rainha 59

Cap. IX Exclusão do secretario de estado *. . . 70

Cap. X Recolhe-se a rainha á Esperança ' 76

Cap. XI Prisão d'el-rei 83

Cap. XII Desiste el-rei de seus reinos 90

Cap. XIII AunuUa^se a el-rei o matrimonio 94

Cap. XIV É lançado el-rei em prisão á Ilha Ter- ceira 106

Cap. XV É mudado el-rei para o paço de Cintra. 112

Cap. XVI Morre D. Affonso vi 120

Cap. XVII Funeral d'el-rei D. Affonso vi, rei de

Portugal 123

Cap. XVIII Conselheiros de estado que havia quan- do se depôz el-rei D. Affonso vi 136

Nota 139

A el-rei D. Affonso vi sextilha anonvma 141

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