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Full text of "A Campanha do Bailundo em 1902"

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DO BAILONDO 



Em 1902 



LISBOA 

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CONSIDERAÇÕES PREVIAS 



Investido no exercício do governo d'esta provin- 
da desde 23 de outubro de 1900^ interrompi a minha 
administração em 25 de maio de 1902, dia em que 
de Loanda parti para a metrópole, a bordo do pa- 
quete Zaire. Parti convencido de que a ordem na 
provincia não se encontrava alterada, ou em risco 
imminenté de o ser tão breve e profundamente 
quanto o foi ; e, incidentalmente, direi que não era 
só a saudade de pessoas e velhos hábitos, de que 
ha tanto e com tanto sacrifício me apartara, que 
me fazia desejar e antever com alegria o dia do 
meu desembarque na formosa capital da nossa que- 
rida pátria; também a minha saúde, bastante pre- 
judicada pela acção lenta, más continua d'este de- 
primente clima, que dia a dia, n'um surdo trabalho 
de sapa, nos vae minando e causando lesões, que 
no futuro se traduzem em descontos de duração é 
vida, me recommendava instantemente alguns me- 
zes de tranquillidade e bons ares pátrios. Assim 



in'o diziam alguns médicos doesta cidade, e princi- 
palmente por este motivo emprehendi a viagem que 
realisei. 

Chegado a Lisboa tive noticia, na secretaria do 
ministério da marinha, e depois pelo próprio titular 
da pasta respectiva, da sublevação que se desenca- 
deara e, no período demorado da minha viagem, 
tanto se aggravára; e a breve trecho, no singelis- 
simo cumprimento do que se me afigurou ser meu 
dever de primeira intuição, a S. Ex.*, que tão cor- 
tezmente se abstivera — segundo depois m'o disse 
— de me convidar a voltar de prompto a Angola, 
porque a delicadeza lhe exaggerava as proporções 
do meu sacrifício, propuz o meu regresso, que foi 
desde logo acceito, pelo que no dia i de julho, 12 
dias depois do meu desembarque em Lisboa, retro- 
cedi para onde agora me encontro, a bordo do 
mesmo paquete que para ahi me levara. 

Foi um mau dia para mim o da partida, e con- 
sinta-se-me que diga, n*um desabafo que a delica- 
deza de quem me ler ha de comprehender e por 
isso relevar, que ao anoitecer d'esse dia — quando 
a sombra começou a substituir-se ás claridades scin- 
tillantes da hora de embarque, as vastas e tranquil- 
las aguas do mar trocaram a sua transparência 
luminosa das horas de sol pelo tom carregado e se- 
vero, que lhes dá no crepúsculo o aspecto de uma 
pesada massa de velha limalha de ferro, que forças 
mysteriosas agitam n'um surdo rumor convulso de 
tristezas, e a linha sinuosa da nossa costa, mais dis- 
tante a cada volta do hélice, principiara ha muito 
de esbater-se, não sendo já a querida terra portu- 



gueza mais que uma ligeira mancha acinzentada, 
como que esfumada n'um propósito de união de tin- 
tas de quem quizesse apagar-lhe o contorno — me 
senti constrangido em dolorosa angustia. Esta era 
filha em parte da saudade, que a melancolia da hora 
aggravava, mas muito e principalmente provinha- 
me das incertezas do futuro, no qual a fortuna bem 
podia mallograr-me a esperança, do peso das res- 
ponsabilidades enormes que assumira, vindo tomar 
a direcção superior de uma campanha sem outros 
recursos pessoaes que a minha vontade de bem ser- 
vir, finalmente, da temerosa convicção que me do- 
minava o espirito, e ainda hoje conservo : a de que, 
em caso de desastre ou simples insuccesso, eu fica- 
ria peior do que morto — vivo, mas irremediavel- 
mente perdido. 

Se n'essa hora angustiada da minha vida tenho 
meio de retroceder, o desalento que me fizera quasi 
fallir o animo levar-me-hia talvez a voltar atraz, 
procurar S. Ex.* o ministro de então, renunciar, pelo 
temor dos encargos, a distincção das honras, e so- 
licitar-lhe que a outrem, que á auctoridade militar 
do nome juntasse a consciência segura da compe- 
tência que me faltava, confiasse a missão de apagar 
a revolta que ameaçava, no dizer de muitos, sub- 
verter por inteiro a nossa rica, mas desditosa pro- 
víncia de Angola. 

Não o fiz, porem. Contra este meu desejo até a 
fatalidade inevitável e material das circumstancias 
conspirava; e proseguindo, levemente esperançado 
n'essa mysteriosa Protecção que por vezes tão se- 
guramente nos ampara contra os maiores perigos 



8 



da vida, cheguei ao termo da minha viagem, onde 
coadjuvado por alguns prestimosos auxiliares, de* 
terminei a serie de trabalhos, que mais ou menos 
são já conhecidos e cujo resultado foi a pacificação 
rápida da provincia, a submissão completa do gen- 
tio revoltado, o castigo de alguns ruins brancos rts-. 
ponsaveis, e mais uma afirmação gloriosa de 'quanto 
podem e valem os soldados e armas portuguezas^ 



Ha muito que uma sublevação em AngoJa era de 
receiar. Creio ter dado a perceber este meu prcrt 
sentimento em mais de um documento, e de um me 
lembro — o relatório que tive a honra de enviar á 
secretaria do ministério da marinha com data de 3o 
de abril dé 1902 — no qual em mais d'um trecho 
este risco a que me refiro se annunciava. 

N'este documento, quando justifico a opinião, que 
mantenho, favorável á mudança das ^édes dos go? 
vernos de alguns districtos d'esta provincia, as quaes 
devem passar do littoral para o interior, referindo- 
me ao de Benguella e advogando a conveniência 
da transferencia da sua sede ao menos para Cacon- 
da, digo o seguinte : 

«O governo ali estabelecido terá desde logo ven- 
cidos os tresentos e tantos kilometros que o sepa- 
ram actualmente do primeiro ponto de ingresso no 
interior do seu districto; levará comsigo, além da 
sua força moral, valiosos elementos de força mate- 
rial que lhe permittirão uma acção, que assim fi- 
cará sendo não só mais rápida, mas também mais 
intensa; e por esta forma poderá simultaneamente 



ro 



reprimir e até castigar abusos de brancos^ cuja im- 
punidade é um riscOj e conter submisso o gentio^ 
que nalgumas regiões nem sempre mostra a mais 
serena attitude^ e por isso a que mais seguramente 
nos garanta a tranquillidade do dia de amanhã 
e o mais indiscutivel prestigio para a auctoridade e 
soberania portugue^a.it 

Tratando da administração da justiça, quando me 
refiro á necessidade d^ emancipar os indigenas da 
nossa legislação pátria, tão absurdamente imprópria 
para elles, e por isso sustento a de diligenciar uma 
cuidadosa e scientifica codificação dos seus usos e 
costumes, e a precisão de uma assidua vigilância 
sobre o procedimento das auctoridades do interior, 
por maneira a evitar que n^elle concorram actos 
que promovam e justifiquem reacções fataes, digo: 

«Incidentalmente direi que este mesmo dever do 
respeito pelo indigena se impõe a todos os brancos^ 
e a sua observância deve a auctoridade exigil-a, 
procurando evitar toda a serie de brutalidades^ 
violências e extorsões que não raro teem sido causa 
de rebelliões, cuja extincção tão grandes sacrijicios 
teem custado, t^ 

Finalmente, no longo capitulo em que estudo a 
crise que tão assustadoramente tem ameaçado a 
economia de Angola, a cada momento refiro factos 
que constituem outros tantos motivos de sobresalto 
pelo socego do interior, e cujo conhecimento bas- 
taria para crear fundadas apprehensões sobre a 
tranquillidade do futuro, que eu então antevia já de- 
veras inquietador. 

Citarei apenas d'esta parte um trecho, aquelle em 



II 



que, commentando algumas opiniões do distincto 
engenheiro Serrão, relativas ao canainho de ferro de 
Benguella, como anteriormente ao contracto de 28 
de novembro do anno passado cUe se projectava, 
digo: 

«Visitasse o illustre engenheiro agora a cidade de 
Benguella, visse condoido a esterilidade do seu com- 
mercio, o insuccesso que as fallencias ali demons- 
tram e a improductividade da sua alfandega, e tal- 
vez a orientação do seu estudo variasse de rumo. 
Visitasse o interior do districto e observasse de perto 
a inquietação permanente e o retrahimento hostil do 
seu gentio^ a natureza singular do commercio que 
ali sê está realisando, a maneira extemporânea 
como este se efifectua, e as prendas, merecimentos 
e mais partes que concorrem na generalidade dos 
perto de dois mil aviados que por lá tumultuam, e 
o sonho do seu caminho de ferro perderia muito da 
sua seducção, e — quem sabe? — talve^ no seu es- 
pirito repontasse a ideia de uma suspensão de ga- 
rantias. ^ Pouco depois foram ellas suspensas, mas 
não por mim: não poderá pois attribuir-se-me tal 
facto como a resultante de um propósito de justifi- 
cação da singularidade da prophecia. 

A tudo isto accrescia a circumstancia de ultima- 
mente Angola estar realisando a perigosa travessia 
da phase de transição do seu regimen militar antigo 
para o actual, o que não podia deixar de trazer 
como consequência a escassez de elementos milita- 
res que, com o findar das commissões de muitos 
officiaes e sargentos, mais e mais iam rareando, 
tornando não só insufficientes os recursos para acu- 



12 



dir ás necessidades que já então se manifestavam, 
mas também a qualquer golpe mais audaz do gen 
tio, que o conhecimento do exposto podia inspirar 
e animar; e ainda difficilimo o preenchimento dç 
muitos logares, e sobretudo impossivel a escrupu- 
losa escolha de quem, com a competência precisa, 
estivesse em condições de desempenhar alguns. 



IJ 



Das inquietas preoccupações e mal dormidas noi- 
tes que este estado de coisas me causou não vale a 
pena fallar ; por isso apenas direi que os primeiros 
boatos de sublevação, vagos mas já em demasia^ 
alarmantes, vindos de Novo Redondo, seriam pelo 
meu espirito logo acceitòs se não fossem as affir- 
mações categóricas e repetidas, que telegraphica- 
mente foram feitas á secretaria d'este governo ge- 
ral pelo então governador de Benguella^ em cujo 
districto aquellas noticias diziam realisadas as tris- 
tes occorrencias de que davam conhecimento, af- 
firmações todas conformes em assegurar que no 
Bailundo reinava uma paz imperturbada. 

As noticias vindas por Novo Redondo chegavam 
inquietadoras, se bem que inverosímeis; recorreu-se, 
portanto, á auctoridade competente e em 12 de 
maio do anno passado o governo de Benguella, in- 
terrogado, respondia no seguinte conciso telegram- 
ma: — ^Bailundo socegado.-» 

Em 14 do mesmo mez, Novo Redondo dava como 
revoltado e em armas, na disposição de ataque á 
fortaleza do Bailundo^ o gentio d'esta região, e o da 



14 



Gallanga, Huambo e Sambo, pelo que, na mesma 
data a secretaria geral expedia ao governador de 
Benguella o seguinte telegramma: «Diga urgência 
se confirma seu telegramma relativo Bailundo so- 
ccgado. Novo Redondo diz gentio Bailundo, Huam- 
bo, Sambo preparado assaltar fortaleza Bailundo e 
europeus convidados capitão-mór reunirem fortale- 
za.» No mesmo dia respondeu o governador dizen- 
do: «Confirmo. Nota enviada Bailundo.» 

Que nota era esta ignoro-o agora ; mas emfim, até 
á parte do telegramma que lhe respeita, confir- 
mava a convicção do socego, que o governador do 
districto tão tenazmente exprimia, tamanha que até 
por meios ordinários enviara de Benguella, com 
destino ao Bailundo, a tal nota referida. 

Os telegrammas que transcrevi, creio mesmo que 
foram remettidos á secretaria do ministério da ma- 
rinha com o officio n.® 52 de 23 de junho, assignado 
pelo secretario geral d'este governo; e por ser 
absolutamente necessário que assim o faça para 
determinar nitidamente a situação de cada um, devo 
ainda dizer que vindo o governador de Benguella a 
Loanda no próprio paquete que, em 26 de maio, 
d'aqui me levou, verbalmente me repetiu as suas 
affirmações de paz, e disse a sua incredulidade nos 
boatos, acabando por ouvir de mim instrucções, 
verbaes também, para ir ao Bihé, e por si averi- 
guar da verdade de algumas graves accusações, que 
corriam e elle reproduzia, contra a administração 
do respectivo capitão mór, agora preso em Ben- 
guella para responder em conselho de guerra. 

Mandava o governador e não outro, porque não 



i5 



havia oflScial então disponível para lai commissão, 
e ainda porque da boa vontade e zelo. honrado que 
lhe presumia, eu muito esperava em proveito da 
justiça e da moralidade administrativa de Angola, 
Do que referi, sobre a opinião verbal do gover- 
nador de Benguella, nao ha documento, é claro; 
mas o que ahi se diz é absolutamente assim, e no 
ministério ha muito se sabe: communiquei-lh'o em 
meu tçlegramma de 3i de julho de 1902. E a con- 
vicção de paz, fundada nas affirmações a que me re- 
feri, foi mesmo além do dia da minha partida, por 
isso que ainda depois, por escripto ou verbalmente, 
— : talvez verbalmente porque o governador de Ben^ 
guella alguns dias havia de demorar-se em Loanda, 
esperando meio de regresso, — as mesmas instruc- 
ções relativas á sua ida^ao Bihé, no singelo intuito 
de uma simples investigação, lhe foram repetidas 
pelo secretario geral, como consta do. seu officia 
n.® 41 de junho de 1902. 



i6 



Não podia deixar de acreditar, como aliás ainda 
hoje piamente acredito, na sinceridade e boa fé do 
governador de Benguella ao expedir os telegram- 
mas que deixo transcriptos. 

Fortíssimas mesmo deviam ser as razões que ^ 
lhe determinavam aquella forma categórica e termi- 
nante das suas aflfirmações. Portanto, crente no que 
se me dizia, por maneira tão absoluta, por parte de 
quem era oficialmente a melhor fonte ; conhecendo 
o animo frouxo e em demasia crédulo do chefe de 
Novo Redondo, cujos telegrammas respeitavam a 
factos occorridos não só fora da área do seu conce- 
lho, mas até do districto a que este pertence ; e sa- 
bedor ha muito da existência de alguns perniciosos 
elementos, que a tudo antepõem a consideração por 
vezes criminosa dos seus interesses, indo não raro 
ao extremo de inventar e, por ventura, até provocar 
sublevações e propagar boatos terroristas, no intuito 
de suscitar guerras, que em regra lhes são fonte 
segura de avultados lucros, parti para a Europa, 
levando no espirito a persuasão de que taes boatos 
eram falsos, e de que a paz, se bem que em perigo 



^7 



^e ser perturbada por acontecimentos, que tanto 
podiam explodir dentro de pouco como de muito 
tempo, era, todavia, n^esse instante uma realidade. 

Infelizmente, ao chegar, depressa se me desfez a 
ridente esperança que levava de alguns mezes de 
descanço e socego de espirito; e, a breve trecho, 
conhecedor da realidade sabida e incontestada dos 
factos a cujo respeito por ahi corriam já as mais 
terroristas, alarmantes e exaggeradas noticias, es- 
crevia ao illustre ministro de então propondo-lhe o 
meu incondicional e immediato regresso, que foi ac- 
<:eito com palavras que muito me honraram. Por 
isso decorridos doze dias — peior que nada! — em 
.1 de Julho embarcava no Zaire^ e em i5 novamente 
desembarcava na formosa e ampla bahia de Loanda. 

Na tranquillidade das suas aguas espelhadas e 
no ceu azul e sereno que ellas reflectiam; na im- 
mobilidade aprumada e severa das vermelhas bar- 
reiras da costa, cuja monotonia d'onde em onde é 
quebrada, ora por profundos algares que chuvas 
torrenciaes ali teem cavado, ora por verdes massiços 
de caçoneiras, que em todo o littoral são profusas; 
sobre o audaz morro de S. Miguel, que, fendendo 
violento as aguas da bahia, por ellas avança aguen- 
tando no cimo as denegridas muralhas da sua ve- 
tusta fortaleza, theatro de façanhas, cuja fama a 
bocca aberta de alguns velhos canhões parece ainda 
prestes a proclamar; sobre a confusa e accidentada 
casaria da cidade tão curiosa como interessante, 
porque em algumas das suas pittorescas ruinas e 
no typo accentuadamente portuguez da maioria das 
suas construccões se attestam simultaneamente a 



iS 



antiguidade do nosso domínio e o caracter profun- 
damente nacional da sua população; na esguia, longa 
faixa arenosa, que envolve o porto pelo poente, e 
onde se avistam extensas filas de coqueiros, que no 
cimo de flexiveis, altos e delgados troncos desdo- 
bram a sua desgrenhada ramaria, que de longe, 
quando a vista ainda mal enxerga a haste que a 
supporta, parece manter-se em prodigiosa suspen- 
são no azul como se fora singular effcito de impre- 
vista miragem; por toda a parte, emfim, pairava, 
reinava n'esse instante solemne da chegada, uma 
paz serena, imperturbada, harmónica, que singular- 
mente contrastava com a agitação convulsa e revol- 
tosa do Bailundo e as supremas inquietações do mea 
espirito, que a incerteza atribulava. 



10 



Já da metrópole trazia conhecimento das primei- 
ras medidas adoptadas para reprimir e suffocar a 
revolta. Do Libollo partira em direcção ao Bailundo 
o tenente Paes Brandão, com uma pequena columna 
do seu commando; de Benguella partira o gover- 
nador Joaquim Teixeira Moutinho com outra co- 
lumna mais numerosa, com destino a Caconda, onde 
ia aguardar que se lhe juntasse a companhia de dra- 
gões do plan'alto da Huilla, para depois proseguir 
em direcção ás regiões sublevadas e, castigando os 
rebeldes, restabelecer a paz perturbada com tão 
grave risco da vida e fazenda de tantos europeus 
disseminados pelo interior, do prestigio da auctori- 
dade e da soberania nacional. 

A columna do Libollo, porem, propunha-se prin- 
cipalmente soccorrer a fortaleza do Bailundo amea- 
çada, e, pela sua deficiente constituição, para 
pouco mais do que isso, que aliás era muito, era 
licito contar-se com ella; e a que de Benguella par- 
tira, para constituir-se definitivamente em Caconda, 
fora levada a adoptar um itinerário que forçosa- 
mente havia de ser morosissimo, e por isso só muito 



20 



tarde a levaria ao theatro da revolta, ou á região 
onde depois operou com os resultados hoje conhe- 
cidos. D'ahi a necessidade da rápida constituição 
d'outra columna que, seguindo sem demora pelo 
norte de Benguella, como até o commercio doesta 
cidade o reclamava com razão, acudisse de prompto 
ás regiões que vão do Bailundo ao Queve, que eram 
aquellas onde os factos tinham adquirido extranha 
gravidade, tamanha que o commercio de Catum- 
beila chegou a imaginar-se no risco de ser atacado 
n'csta mesma povoação, e a pedir-me, e não sei se 
ao próprio governo central, providencias especiaes 
para este perigo que antevia, e o susto por acaso 
lhe exaggerava. 



21 






Ha muito que eram sabidas as difficuldades mili- 
tares com que esta provinda luctava; mas a explosão 
da revolta veiu evidencia-las cruamente. É ler os 
numerosos telegrammas enviados pela secretaria 
geral da provincia, então encarregada do seu go- 
verno pela minha ausência, e ficar-se-ha logo conven- 
cido. Pedem gente, pedem munições, pedem tudo. 

Muitas requisições tinham sido feitas, e por isso 
nem ao governo geral d'esta provincia, nem á sua 
repartição militar pôde ser lançada a responsabili- 
dade doestas faltas, que vinham de longa data, por- 
que é sabido que nunca as nossas províncias ultra- 
marinas — nomeadamente Angola — tiveram orga- 
nisação militar que correspondesse eficazmente ás 
suas necessidades. E também está longe de mim o 
intento de attribuir qualquer parcella de culpa ás 
repartições superiores do ministério da marinha, 
porquanto, se muitas das requisições, principalmente 
as de pessoal, não foram de prompto attendidas^ 
foi decerto porque, estándo-se na phase de transi- 
ção para o regimen actual, que promptamente se 
ordenou que fosse posto cm immedir.ta execução 



22 



em Angola, quando as condições de ordem n'esta 
província se mostraram perturbadas, inconveniente 
seria acudir ás suas necessidades militares com of- 
ficiaes e sargentos vindos pela lei antiga, quando era 
certo que brevemente outros viriam em condições 
que tão profundamente variavam das d^aquelles. 

São estas as consequências, geralmente inconve- 
nientes, mas inevitáveis, das phases de transição 
entre regimens fundamentalmente differentes; por 
isso julgo em boa verdade que por ellas ninguém 
poderá ser de boa fé arguido. 

Notei e applaudi sempre o esforço do meu ante- 
rior chefe de estado maior, o tenente coronel Gual- 
dino de Oliveira, em, por todos os meios ao seu 
alcance, procurar activar o recrutamento n*esta 
provincia, por forma a conseguir o máximo numero 
de soldados indigenas que fosse permittido obter, 
para que, ao menos, soldados não faltassem; mas 
sãoinnumeras as difficuldades que se deparam n'este 
serviço, provenientes de variadíssimas causas, cuja ' 
especificação seria longa, pelo que me limitarei a 
dizer que entre ellas avulta o rareamento de popu- 
lação nas regiões que mais recrutas outrora forne- 
ciam, motivado pelas razzias que n^ellas teem feito 
a doença do somno, a varíola, e até a emigração. 

Também, sem officiaes nem sargentos a quem a 
instrucção das praças pudesse ser confiada com se- 
gura garantia de êxito, e vista a grande falta de 
material que se dava, principalmente em correiarne 
e equipamentos, os soldados serviriam apenas para 
pejar improductivamente os quartéis e pesadamente 
onerar os anemiados recursos financeiros de Angola, 



23 



que tão solicita e intelligente attenção precisam ; por 
isso até, qualquer sombra de incúria, se a houvesse, 
^eria bem de relevar. 

Ainda sobre este assumpto transcreverei também 
xilgumas palavras do meu relatório de 3o de abril 
<lo anno passado. 

A pagina 70 digo eu: 

«A instrucção actual das praças deixa muito a 
<lesejar. Não é que não haja boa vontade da parte 
d'aquelles a quem esta funcção incumbe; mas são 
poucos.» 

«A escassez actual de officiaes e sargentos é con- 
siderável, e os poucos que existem consomem o seu 
tempo no serviço de escripturação das respectivas 
unidades, realisando-o a custo e ião dificilmente 
que, cabido em atrazo, alguns commandantcs de- 
claram declinar responsabilidades que, sem os ele- 
mentos precisos, não podem ter.» 

a Chegou a ser necessário chamar á primeira li- 
nha alguns sargentos de segunda, e, procurando 
instruil-os, supprir com elles a falta dos de primeira; 
a maioria, porem, desertou e é natural que o resto 
lhe siga o exemplo, porque a sua remuneração é de 
molde a fazer-lhes preferir á sua nova situação a 
que tinham em suas terras, onde a vida lhes era 
mais fácil e os mesteres mais lucrativos.» 



24 



# 



Estando a provinda n'estas desoladoras condições 
de abandono militar, explodiu a revolta do Bailundo, 
e então, com energia e decisão, foi desde logo orde- 
nada a execução da reforma militar ultimamente 
decretada, a rápida partida para esta colónia dos 
officiaes e praças, que, segundo os termos da mesma, 
para aqui deviam vir, e a prompta satisfação pela 
repartição militar do ministério da marinha de al- 
gumas requisições de material, de longa data feitas^ 
mas que por lá permaneciam esquecidas na poeira 
dos archivos. 

Foi o transporte Africa que conduziu as forças e 
mais elementos de guerra vindos da metrópole; e 
chegado a Loanda em 17 de julho, n'este dia* des- 
embarcaram aquellas no seu porto, onde eu mesmo 
já chegara, acompanhado dos capitães de artilheria 
Pedro Massano de Amorim, que foi por mim esco- 
lhido para commandante da columna do norte de 
Benguella, José Correia de Mendonça, que n esta 
columna commandou a bateria de artilheria, e ulti- 
mamente a que bateu a região do Selles, e bem 
assim do capitão Ortigão Peres, sub-chefe de estada 



2D 



maior, que nesta qualidade foi escolhido para chefe 
do estado maior da primeira columna. 

Todos, officiaes e praças, vinham animados pelo 
mais vivo desejo de gloriosamente cumprir o seu 
dever e bem servir a sua pátria, como depois sou- 
beram fazel-o com a assignalada e valorosa cora- 
gem, que tanto se affirmou nos rudes combates que 
travaram com o gentio sublevado, mas que a breve 
trecho o seu intemerato esforço castigou e submet- 
teu, como na enérgica perseverança e solida con- 
sistência com que souberam affrontar e vencer, 
durante o longo periodo das suas operações no in- 
terior, as rudes inclemências da sede, as insoffriveis 
ardências do sol, o veneno subtil e mortífero de 
pântanos e charcos, os numerosos cursos de agua, 
por vezes caudalosos, cuja travessia lhes foi dura 
necessidade, as alcantiladas e só por milagre de es- 
forço accessiveis escarpas de muitas serranias, que 
não raro escalaram sob o fogo insistente do inimi- 
go bem entrincheirado, as ásperas privações de todo 
o conforto e até de mantimentos, frequentemente 
demorados pela natural indolência ou pelo temor 
dos carregadores, chuvas torrenciaes, emfim, toda 
essa triste e desoladora serie de difficuldades e fa- 
digas que formam o fúnebre cortejo, inseparável 
sempre, das nossas campanhas no ultramar. 

Alguns soldados por lá ficaram, no árduo cum- 
primento do seu patriótico dever. Que a Pátria 
agradecida lhes glorifique a lembrança do sacrifício, 
como eu lhes admiro os feitos, respeito a memoria^ 
e, com toda a sinceridade da minha alma condoída, 
deploro a sua morte. 



PRIMEIRA PARTE 

A revolta do Bailundo e as primeiras 

providencias 



CAPITULO I 



Reintegração do soba ludungulo, sua morte e successao do Calendula. — Fes- 
tejos, desobediência e primeiras provocações : Inércia da auctoridade. — 
Conciliábulo do gentio na embala do Bailundo, primeiros attentados e 
acampamento da guerra.— Prisão do Calendula, primeiros tiros e destruição 
da embala. — Âttitude de Mutu<á-Quebera e dos sobas da Quiaca e do 
Huambo. — Destruição da Tunda de Calendula. — Explosão da revolta. — 
Valente resistência do commerciante Pires — Perseguições, roubos, assas- 
sinatos e outras violências graves.— Alarme nolittoral, primeiros soccorros 
e partida de Paes Brandão. — Ataques á fortaleza do Bailundo, onde já 
está Paes Brandão : morte do Quito e retirada do gentio. — Operações 
dé Paes Brandão, morte do Mutu-á-Quebera e regresso de Brandão ao 
Libollo. — Situação subsequente no Bailundo, nas regiões do Balombo 
a Queve, no Bibe e no Moxico, e desorientação no littoral. 




uiTo se disse sobre a revolta do Bailundo ; 
mas porque nem sempre as noticias pro- 
paladas foram de molde a produzir a sua 
historia exacta, vou ver se consigo a rá- 
pidos traços historial-a com a verdade possível, 
baseando-me por tanto em dados officiaes e infor- 
mações fornecidas pelos commandantes das co- 
lumnas que operaram no interior de Benguella. 

Em 1901, viajando no interior de Benguella o 
capitão Pedro Massano de Amorim, no desempenho 
de commissão especial, que lhe fora commettida, 



3o 



entendeu este official, — depois de convencido de 
quanto eram infundadas as razões que tinham le- 
vado á deposição o soba grande do Bailundo, ludun- 
gulo, que no dizer inexacto de alguns, directamente 
interessados em lhe attribuir actos que não prati- 
cara e responsabilidades que não tinha, fora consi- 
derado como auctor de algumas traições e rebcldias 
anteriores, — dever restabelece-lo para serenar fer- 
mentos perigosos de inquietação que se estavam 
dando, e assim o fez. A politica do gentio, porém, 
onde sempre varias individualidades, de relativ^a 
proeminência, disputam entre si primazias de mando^ 
poderio e importância, mostrando-nos por tal modo 
até á evidencia que isto de brancos e pretos é tudo 
fundamentalmente o mesmo barro, começou de ur- 
dir as suas intrigas, e afinal, ao que parece por en- 
venenamento, meio que tanibem não figura nas tra- 
dições históricas como de exclusivo emprego entre 
populações selvagens, ludungulo cahiu na morte em 
principios de 1902, succedendo-lhe nas eminências 
cobiçadas do sobado um pretalhão feliz de nome 
Calendula. 

Para celebrar este festivo acontecimento e consa- 
grar a acclamação do novo soba, vieram as festas 
usuacs : sacrificios, desgarrados batuques, as grandes 
orgias — em que a aguardente exerce funcção idên- 
tica á do nosso tinto rascante, quando em círculos 
sertanejos o povo soberano acclama o triumpho do 
candidato, que respeitáveis convicções contrarias 
rudemente combateram, mas a quem o apuramento 
final conferiu a coroa rutilante e gloriosa da victo- 
ria — e o mais que é de costume. E foi precisamente 



3i 



n'um facto, que tanto pódc dar-se em Africa como 
em outra parte, na falta de pagamento de algumas 
ancorctas de aguardente compradas por Mutu-a- 
Quebcra, manecaria que fora de ludungulo, sem 
que isso, como também não é raro, o impedisse 
agora de ser um dos mais enthusiastas na glorifica- 
ção do poderoso Calendula, que se originou essa 
serie deplorável de acontecimentos, que tiveram 
trágico desenlace na guerra ha pouco terminada e 
que tantos sacrifícios de toda a ordem importou. 

Mutu-á-Quebera não pagou a aguardente, e o 
vendedor, que não fora para o interior de Angola 
somente «para tomar ares», como aliás suggestiva- 
mente muitos outros, particulares e até funcciona- 
rios, por vezes declaram, quando alludindo em suas 
palestras ao propósito que lhes assistia no momento 
do seu embarque em portos da metrópole, apre- 
sentou a sua queixa na capitania-mór, que por sua 
vez pretendeu impor ao devedor a obrigação de 
pagar a importância das ancoretas — não sei quanto 
— no curto prazo de lo dias, procurando arrancal-o 
assim para fora da sua, não direi rara, mas con- 
demnavel, relapsia. «^ 

Ao capitão-mór escasseiava, a meu ver, a com- 
petência legal para a deliberação que tomou e para 
a intimação que ordenou; nos usos, porém, da admi- 
nistração do interior estes e outros factos estavam 
estabelecidos e consagrados n'uma espécie de di- 
reito consuetudinário, por vezes singularmente ori- 
ginal, que as circumstancias crearam e que d'esta 
vez ainda foi observado. 

O prazo expirou sem que o pagamento intimado 



32 



se realisasse, e então foi chamado Mutu-á*Quebera 
á fortaleza, onde se recusou a comparecer. 

Despeitado o capitão-mór com esta impolida re- 
cusa, que realmente importava um desprestigio da 
sua auctoridade^ mandou á embala um sargento e 
dois soldados ; a breve trecho, porém, os seus emis- 
sários regressavam dizendo que Mutu-á-Quebera 
terminantemente dissera que não pagava a aguar- 
dente, e não só permanecia assim na sua escanda- 
losa relapsia, mas até declarava — e isto é mais 
serio — não reconhecer a auctoridade do capitSo- 
mór. Simultaneamente o gentio accumulado n'um 
grande morro que domina a fortaleza, desafiava em 
alta e injuriosa grita todos os brancos e a força ali 
existente, que asperamente invectivava na sua gut- 
tural e precipitada linguagem, cuja expressão o 
gesto singularmente reforçava. 

Perante esta attitude insólita do gentio, a qual se 
repetiu por vezes, o capitão-mór nada fez, nenhuma 
resolução de desaggravo tomou, e mantendo-se na 
mais reservada abstenção, declarou depois, em cor- 
respondência official, que assim procedera por não 
ter ordem para dar fogo. Não satisfaz a explicação, 
entendo eu, e, muito embora em instrucções an- 
teriores, que desconheço, lhe tivesse sido recom- 
mendada aquella prudência que, sem exclusão da 
decisão e da energia, deve ser companheira insepa- 
rável da acção da auctoridade, creio que a inter- 
pretação do dever ficou n'este caso pelo menos, 
um pouco áquem do seu justo limite. Pobrezas de 
sangue talvez motivadas por este malévolo sol que 
a tantos tem anemiado. 



33 



Estes factos dão- se em 7 de abril, e em 9 do 
mesmo mez vários povos do Demba, Quibanda, 
Soque, Tasso, Huambo e Quipeio vêem á embala 
do Bailundo, onde reúnem em magno conciliábulo, 
no intento de resolver se devem ou não atacar 
a fortaleza do Bailundo. A sessão corre animada, 
tempestuosa mesmo; travam-se varias discussões 
em que a numerosa assembleia e os oradores, todos 
acocorados segundo é costume, singularmente con- 
trastam em attitude physica com a altivez dos pro- 
jectos; e por fim, não se tendo chegado a accordo 
algum, parece, como também é tanto mais frequente 
«ntre nós quanto mais quentes e vivos correm os 
debates, apenas se consegue como resultado a dis- 
sidência entre os chefes ou alguns dos seus princi- 
paes representantes. Assim o julga pelo menos a 
auctoridade; a desordem, porém, está bem definida 
e como consequência as violências irrompem. Mu- 
lheres de soldados, que se dirigem ás lavras em 
busca de mantimentos são obrigadas a retroceder 
pelo gentio armado, que depressa toma a resolução, 
que logo executa, de amarrar todo o preto que pre- 
tenda levar á fortaleza qualquer comraunicação 
«scripta. 

No Binda, perto da fortaleza, estabeleceram os 
bailundos um grande acampamento de guerra onde 
aguardam reforços pedidos, que se esperam da 
Gallanga e do Huambo; e n'elle são despojados, 
dos haveres e valores que trazem, três commer- 
ciantes que, em i5 de abril, vinham de suas casas 
á fortaleza. 

Entretanto, até ao pôr do sol de cada dia, em 

3 



34 



pregões de desafio, como é de uso jgentilico em casa 
de declaração de guerra, a vozearia injuriosa da ca- 
nalha desenfreada que se acha na embala, repete-se 
periodicamente até 24 de abril, dia em que tudo- 
repentina e inesperadamente cessa, explicando ó ca- 
pitão-mór o acontecimento pelo seguinte : por terem 
augmentado as divergências entre sobas e séculos- 
com respeito aos planos da guerra premeditada, as 
quaes levam Mutu-á-Quebera (segundo, na sua in- 
genuidade de inexperiente de costumeiras e artima- 
nhas gentilicas, o mesmo capitão-mór acredita) a 
refugiar-se na Demba, receioso de que a sua gente 
o entregue, e á dispersão os revoltosos, que reco* 
Ihem aos seus sobados. 

Em tudo, porem, a boa fé simples do capitão mór 
se illude, segundo depois é demostrado pelas cir- 
cumstancias e por informações colhidas no theatra 
d'estes deploráveis acontecimentos, subsequente- 
mente á guerra; e afinal os factos mostram mais 
tarde persuasivamente que Mutu-á-Quebera não 
receiára traição dos seus nem fugira, apenas par- 
tira para a Demba a fim de levantar e reunir gente 
de guerra; e que no conciliábulo realisado na em- 
bala do Calendula, apesar da algazarra turbulenta 
da assembleia, sempre afinal se resolvera alguma 
coisa de positivo : a rápida expedição de emissários- 
pelos diversos sobados, avisando de que a guerra 
fora decidida e ia ser declarada, e o ataque aos^ 
brancos principiar-se, como bem o demonstrou a 
hostilidade da attitude tomada no Binda contra os 
três commerciantes despojados a que alludi. 

E* o manhoso artificio dos pretos, que também 



35 



teem por vezes as suas artes, que os leva a inter- 
romper os seus violentos impropérios, de uma fre- 
quência periódica e regular até 24 de abril, lançados, 
com esgares de ameaça e gesticulações ultrajantes, 
do alto da embala do Bailundo sobre a fortaleza; o 
mesmo artificio os impelle a exaggerar a apparen- 
cia das dissidências dos chefes e a fazer crer na 
dispersão das gentes, no seu regresso ás respecti- 
vas terras ou sobados, e na fuga precipitada do ti- 
morato Mutu-á-Quebera ; e como se tudo isto não 
fosse em demasia já para tranquillisar a nimia cre- 
dulidade e o panglossico optimismo da auctoridade, 
em 25 de abril o astucioso soba Calendula decla- 
ra-se hypocritamente arrependido — elle e a sua 
gente — da attitude insubordinada e falha em respei- 
tos dos dias anteriores, e diz que, para penitenciar-se 
dos seus peccados, pessoalmente irá humilde e sub- 
misso, á fortaleza pedir que lhe perdoem suas faltas. 

Era bem de ver que esta promessa não transita- 
ria jamais para o campo das coisas realisadas, e só 
representava um ardil sagazmente usado para au- 
gmentar a crença no arrependimento e na paz, in- 
citar á permanência na incúria da prevenção, e 
reforçar aquella cega confiança que tão singular- 
mente facilitaria a propagação do fogo da revolta, 
o incremento da sublevação, emfim, a urdidura de 
toda essa traiçoeira trama, que ao fim de poucos 
dias se revelou assustadoramente, não ainda no sa- 
que e no incêndio, mas no roubo e assassinato de 
vários carregadores idos de Benguella para os avia- 
dos do interior. 

Os crimes occorridos, que então evidenciaram, 



36 



com claridade d'onde os olhos da auctoridade pare- 
ciam querer apartar-se, a perigosa realidade dos 
acontecimentos, e os factos anteriores que, em vista 
dos últimos, adquiriram finalmente mais intensa 
expressão, obrigaram o capitão-mór a reconhecer 
necessário o emprego de meios anormaes; e assim, 
porque os seus recursos militares continuavam a 
parecer-lhe insuficientes para violentamente repri- 
mir o gentio sublevado, e talvez porque a ordem 
para. dar fogo continuava a faltar-lhe, por meios 
ardiloso? consegue attrahir á fortaleza em i5 de 
maio, o soba e alguns dos seus, data desde a qual 
Calendula e alguns séculos ficam prisioneiros. Qua- 
tro doestes séculos eram dos que mais importante 
papel tinham assumido nos acontecimentos anterio- 
res; apesar d'isso, porem, illudia-se o capitão-mór 
se cuidava que pelo emprego do seu ardil, não muito 
distante na natureza e na essência dos processos do 
inimigo, conseguia a pacificação do Bailundo. Cá 
fora ficava a alma da revolução, e logo immediata- 
mente á prisão, os pretos que na embala aguarda- 
vam o regresso do seu soba e companheiros, sabedo- 
res do imprevisto desenlace da entrevista, disparam 
tiros e recomeçam com maior vigor os insultos 
anteriormente sustados. 

Muito gentio é visto então armado ao abrigo das 
grandes pedras que assentam no sopé da embala; 
e, d'esta vez ao menos, esquecida a necessidade de 
auctorisação, antes Julgada imprescindivel, para dar 
fogo, uma força de trinta praças sáe da fortaleza 
e, avançando contra o inimigo, desaloja-o, põe-no 
em fuga, queima e arraza a embala. 



37 



Mais cedo este acto de resolução teria talvez 
profícuos resultados; n'esta altura, porem, sem que 
me mereça censura, antes ao contrario, não é mais 
do que o primeiro acto da guerra que alastra, se 
diffunde, propaga e logo rebenta na grande área 
onde depois se desenvolve com tão numeroso cor- 
tejo de calamidades. 



38 



O gentio que estava com Calendula refugia-se, 
ou melhor, estabelece-se na Tunda do soba, cons- 
truída perto da margem direita do Queve; e sob a 
inspiração audaciosa de Mutu-á-Quebera, do Chi- 
lala e outros séculos importantes que não tinham 
sido presos, arvora a Tunda em seu quartel gene- 
ral. Escoteiros e emissários de toda a espécie esfu- 
siam a cada hora em todas as direcções, portadores 
sempre de convites e incitamentos para levantar e 
reunir gente de guerra, que acode ao chamado e 
vae servir para reforçar o assalto aos europeus, e 
realisar o roubo e o incêndio das suas casas e fa- 
zendas, o ataque á fortaleza, n'uma palavra, toda 
essa terrível obra de desvastação que depois se des- 
dobra. Correios enviados á Quibanda, Quibulla, 
Gallanga e Candumbo, são portadores de instruc- 
ções para immediato corte de todas as communica- 
ções entre o Bihé e Caconda, do Bailundo para 
além do Cutato, e da fortaleza para qualquer ponto 
do littoral; e n'estes actos, os primeiros propria- 
mente de guerra, a actividade, o acerto e a habili- 
dade com que o gentio procede, mais chegam a pare- 



39 



•ccr inspiração de experimentado general, do que pro- 
ducto exclusivo da concepção tacanha de cérebros 
selvagens. 

O alcance do serviço de communicações, que 
outros por vezes teem descurado, é nitidamente 
comprehendido por esta pretalhada ; e, quando rotas 
decisivamente as hostilidades, é logo sobre elle que 
ella concentra as suas attenções, determinando as 
mais acertadas medidas. 

No meio da conflagração que venho historiando 
um facto se dá que surprehende. Os dois sobados 
que maiores receios teem causado, aquelles dois que 
logo acudiam ao pensamento, quando também a 

lembrança de uma sublevação no interior de Ben- 

> » 

guella á ideia vinha, os de Quiáca e Huambo, são 
precisamente aquelles onde Mutu-á-Quebera mais 
difficilmente levanta gente e consegue adhesões ao 
seu plano e acção. 

O da Quiáca, de certo por ter reconhecido que, 
salientando-se na revolta, seria dos primeiros a ser 
castigado pelas tropas que já no interior se espera- 
vam, quer ellas viessem pelo norte quer pelo sul, 
recusava-se tenazmente a enviar qualquer auxilio, 
€, se são exactas como creio, as informações depois 
colhidas, só teve nas suas vastas terras dois sécu- 
los que, com sua gente, se declararam abertamente 
rebeldes: o segundo, o do Huambo — que ao go- 
vernador do districto já inspirara a organisação de 
um plano de campanha — conforme declara o te- 
nente Paes Brandão em sua correspondência official, 
e também consta por informações do próprio gen- 
tio, egualmente se recusou a acceitar o convite de 



40 



Mutu-á-Quebera para se associar á empreza e le- 
vantar a sua gente de guerra. Só um seu secúIo, 
Quito, morto depois do ataque á fortaleza, se le- 
vanta em rebeldia declarada e vae auxiliar o mane- 
caria de Calendula, isto é, Mutu-á-Quebera. 

A este tempo muitos commerci«ntes teem corrido 
já a refugiar-se na fortaleza do Bailundo, e em 20 
de maio o respectivo capitão-mór, segundo elle 
próprio refere em nota para o governo do districto, 
procura e consegue desalojar os rebeldes installa- 
dos na Tunda do Calendula, e, com algumas pra- 
ças e o auxilio de parte dos refugiados, queima e 
arraza as libatas próximo da Tunda, faz no gentio 
alguns prisioneiros e numerosas baixas. Regressa a 
seguir á fortaleza; mas veiu-lhe tarde o esforço, se 
veiu, pçrque estes feitos não conseguem já contçr 
a fúria desencadeada do gentio, que, em vez de se 
retrahir pelo temor, mais se exalta, e acirram a sua 
temerosa transição de eterno perseguido para incle- 
mente perseguidor. 

Sobas e séculos todos se ligam em bem concer- 
tado accordo, e a tibieza de alguns, mais receiosos 
e timoratos, é removida definitivamente pela seduc- 
ção do sangue e da rapina, e pela attracção pode- 
rosa que em seu espirito exerce a ideia de se apo- 
derarem da aguardente e das fazendas que a 
esperançosa phantasia lhes mostra depositadas nos 
armazéns, que depois arrazam ou queimam, em 
quantidades mais avultadas ainda do que na reali- 
dade deparam, e . . . até nas próprias contas dos 
aviados para seus patrões figuram. 

Começa então a phase verdadeiramente pavorosa 



*d« roubos, razzias, incêndios, assassinatos e devas- 
l^ações de toda a ordem; e na Gallanga, na Quibanda, 
>^a QuíbuUa, no Quipeio e em toda a vasta região 
<do Bailundo propriamente, apenas uma casa, de- 
fendida com rara energia digna do maior louvor, 
consegue resistir á grande e temerosa tormenta de 
saque, fogo e sangue que tudo arraza e subverte : é a 
casa do coramerciante João Pires de Sousa, que, 
fortificado e auxiliado por alguns refugiados, que 
ali procuraram abrigo, e pelos seus serviçaes, resiste 
denodadamente a dois violentos assaltos, levando o 
gentio de vencida até á desistência e causando-!he 
nuraerosissimas baixas. 

De resto tudo é saqueado, queimado e derrubado; 
e todos fogem, brancos e mulatos, para onde mais 
fácil e segura lhes parece a fuga. Uns vão para o 
Bihé, outros para a fortaleza do Bailundo, onde no 
dia 25 de junho se reuniram 55 refugiados, outros 
ainda para a casa do corajoso João Pires, e a maior 
parte, finalmente, para Novo Redondo e Catum- 
Hbella. 

^H Os mais odiados por anteriores façanhas são mor- 
^Rbs barbaramente quando apanhados, e os que, por 
menos tímidos ou por impossibilidade de fuga, pro- 
curam defender-se ^ estes, porém, em pequeno nu- 
mero — são também cruelmente assassinados. Ou- 
tros, feitos prisioneiros e summariamente condem- 
nados pela lei singelissima de Talião, são mettidos 
na corrente é enviados logo ao chefe e alma da re- 
volta, o temivel Mutu-á-Quebera, que se apressa 
em distribuil-os pelo Huambo, no intuito sagaz de 
tnseguír, pela demonstração visivel e material do 



^K^nseguir, 



42 



êxito, maior numero de adeptos ; para seu serviço, 
porém, guarda alguns, que, por sua vez, são utili- 
sados no vil mester de carregadores. E' a hora da 
inversão dos papeis que soou ; só o lendário chicote 
de cavallo marinho conserva, porém, o seu: fustiga 
e fustiga com fúria. 

Os productos dos saques chegam ao poder do 
terrível chefe bastante reduzidos pela ganância dos 
seus ferozes e sequiosos agentes ; mas, apesar d'isso 
a aguardente e as fazendas, com que presenteia 
amigos, seduz' e conquista novos adeptos, são em 
barda. 

No meio d'este tremendo cataclysmo as missões 
catholica e amerj^cana conseguem escapar incólu- 
mes. Mais surprehende, porém, o successo com a 
primeira, mal vista pelo gentio por ter auxiliado a 
capitania na sabida das forças que atacaram a Tunda 
do Calendula. 



43 



E* em 21 de abril que em Benguella são recebidas 
as primeiras noticias officiaes da revolta, relatando 
a desobediência do Mutu-á-Quebera e os primeiros 
distúrbios que se lhe seguiram. A estes factos, po- 
rém, tão graves pela serie de acontecimentos que 
lhes fizeram sequencia, não se liga logo toda a im- 
portância que mereciam, e perdem-na inteiramente 
quando em lo de maio se recebe em Benguella ou- 
tra nota da capitania-mór do Bailundo, declarando 
fugido o Mutu-á-Quebera, e o soba, cheio de reve- 
rencia e tardios respeitos, pedindo, manso e sub- 
misso, perdão e licença para ir a fortaleza peniten- 
ciar-se. 

Depois d'isto, uma força enviada em meado de 
maio de Benguella para o Bihé, sob o commando 
de um alferes, detém a sua marcha em Sandér, na 
Quibulla, e, ém 24 domesmo mez, communica, um 
pouco exaggeradas como é natural, as noticias cor- 
rentes entre negociantes e pretos, d'onde parece 
concluir-se com verdade approximada que Huambo, 
Gallanga, Quipeio, Soque e Quibanda estão suble- 
vados, e o respectivo gentio, em acampamentos de 



44 



guerra, impede as passagens e corta todas as com— 
municações ; só em i de julho, porém, chega a Ben- 
guella o conhecimento dos acontecimentos de 1 5 de 
maio, que precedem e determinam os ataques ás 
casas dos europeus, dado em nota expedida em 29 
do mesmo mez, isto é, quatro dias decorridos sobre 
aquelle em que eu partira para Lisboa, na tranquilla 
ignorância do acontecido, e na consoladora espe- 
rança de alguns mezes de descanço e bons ares pá- 
trios, dos quaes, por tantissimos motivos, eu já en- 
tão me achava tão deveras precisado. 

As noticias enviadas pelo alferes que commanda 
a pequena força que se acha detida no Sandér e 
outras, todas alarmantes, determinam as primeiras 
medidas de repressão ; e nos principios de junho são 
expedidas para Benguella as ordens precisas para 
organisação das forças que devem ir castigar a re- 
volta e restabelecer as communicacões. 



Angustiosa e deveras difficil foi decerto a situação 
do secretario gerai d'este governo, então encarre- 
gado por lei de governar superiormente a província, 
e a do governador do distrícto de Benguella, alliados 
ambos no conhecimento da realidade temerosa dos 
factos, da necessidade urgente de lhes acudir, mas 
tendo que luctar com a deplorável ausência de re- 
cursos a que n'outra parte d'este meu livro dedica- 
rei algumas palavras. Providencialmente, porém, 
está em Loanda o tenente Paes Brandão, que sabe 
dos acontecimentos, logo se oflferece para partir em 
soccorro da fortaleza do Bailundo com a força que 
tem no LiboUo, e, acceita a sua patriótica oflferta, 
em 6 de junho sahe de Loanda em direcção ao Li- 
boUo, d'onde em 17, parte para o Bailundo, levando 
comsigo uma modesta columna composta de 42 pra- 
ças de primeira linha e 36 de segunda, e dispondo 
ao todo de 100 tiros de artilheria e 40:000 cartu- 
chos. 

Entretanto, o gentio continua na sua sede desvai- 
rada de vinganças e destruição ; algumas casas luctam 
ainda, e um commerciante que em Catolo a custo 



46 



resiste a dois ataques em 6 e 8 de julho, receioso 
de que se lhe esgotem as munições, retira com a 
sua gente para a fortaleza. 

Mutu-á-Quebera, que tem partido do Queve com 
3:ooo homens, arrasa alambiques, plantações, casas, 
fazendas; o que pôde servir-lhe rouba, guarda e 
consome, o que não pode utilisar destroe, e como 
um temporal assolador, levando comsigo a ruina e 
o exterminio chega ao Tchiumbo, onde deixa em des- 
troços a casa commercial de Xavier & Gouveia. 
D'ali, com o seu effectivo mais que duplicado, 
parte, procura apoderar-se da casa do valoroso João 
Pires, que se fortificara, e ofiferece ao inimigo que 
chega, no ante-gosto da victoria, do saque e do in- 
cêndio, a heróica resistência que o salvou e aos seus 
poucos auxiliares, nos temiveis ataques de 9 e i6 
de junho, aos quaes já tive opportunidade de me 
referir. 

Um valente ás direitas este commerciante João 
Pires de Sousa. Só pela bravura o conheço ; só 
ella, portanto, o recommenda á minha admiração. 

Doestes ataques retira o gentio com baixas consi- 
deráveis, e n um d'elles morre um dos melhores au^ 
xiliares de Mutu-á-Quebera, um seu irmão. 



47 



Entretanto, no Bihé espera-se que, destruída a 
casa de João Pires, Mutu-á-Quebera passará com 
sua gente o Cutato, e, juntando-se aos bihenos, 
n'esta região prosiga na sua obra de desvastação; 
mas a resistência inesperada de Pires de Sousa, o 
boato que precede a chegada d'uma expedição de 
90 europeus e 200 auxiliares, vindos d'além Cutato, 
com o intuito de constituir barreira a favor dos seus 
interesses ameaçados, e a noticia da chegada de no- 
vos reforços da Galianga e do Huambo para o ata- 
que da fortaleza do Bailundo, os quaes era de boa 
politica aproveitar breve, não fosse a demora es- 
friar-lhes o bellico ardor, tudo o leva á renuncia, 
pelo menos provisória, da passagem do Cutato, que 
os bihenos aguardam para abertamente entrarem 
por sua vez na refrega. 

Ainda assim, entre alguns dos europeus estabe- 
lecidos no Bihé, o pânico chega a ser enorme, e 
agora me lembro de que estando em Bengella, alli 
fui procurado por um commerciante d'aquella praça 
que, entregando-me, todo em lagrimas, uma carta 
d'um seu irmão que residia no Bihé, assim me dá a 



48 



conhecer o risco que por lá os europeus também 
correm, e o pavor exaggerado, mas natural que 
domina alguns. 

Esta carta e outras noticias impuzeram-me a ne- 
cessidade de novas instrucções, que urgentemente 
enviei por escoteiros de confiança ao commandante 
da columna do norte de Benguella, que mais tarde 
foi ao Bihé e alli determinou, e d'alli para o Moxico. 
tão sensatas providencias, que por lá conseguiu 
abafar alguns núcleos de sublevação, que já n'aquel- 
las remotas regiões começavam a manifestar-se. Op- 
portunamente, porém, falarei d'isto. 

Gomo detalhe curioso devo dizer que a expedição 
dos taes 90 patriotas de que falei, deu uma singular 
demonstração de acrisolado patriotismo e notável 
abnegação. Apenas convencida da inutilidade da 
sua constituição e de que inútil era também o he- 
roísmo do seu esforço em favor dos seus interesses, 
que a simples retirada de Mutu-á-Quebera assegu- 
rara assazmente por então, retira por sua vez, vol- 
tando com desdém criminoso as costas á fortaleza 
do Bailundo, a 8 horas de viagem somente, onde 
estão em tão grande risco as vidas de tantos irmãos 
seus, para novamente passar o Gutato, e regressar 
aonde cada um dos que a formavam se imagina em 
relativa segurança. Ha d'isto por cá. 



49 



# 



Vão no entanto os rebeldes em caminho da for- 
taleza, mas lentamente, demorando-se nos acampa- 
mentos, destacando grupos encarregados de concluir 
.a razzia já feita onde ella é considerada imperfeita, 
e transportando de algumas libatas mantimentos 
-que vão exigindo a titulo de imposto de guerra. 

Já perto, no acampamento do Canjabão, o chefe 
dos revoltosos manda vir á sua presença os padres 
das missões catholica e americana, e encarrega-os 
de negociar a troca dos prisioneiros, que traz com- 
sigo em condições cujo horror é fácil presentir, pe- 
los que o capitão-mór conserva retidos na fortaleza. 

Os padres acceitam, de certo coactos, o encargo 
de parlamentarios dos rebeldes, e lá vão á forta- 
leza ; mas nada conseguem, que a negativa do ca- 
pitão-mór é formal, inflexivel, absoluta. 

Mutu-á-Quebera manda então os desgraçados 
brancos, que tem em correntes, para as libatas 
pro^^mas e prepara o seu ataque á fortaleza. Não 
-o demove da sua resolução o conhecimento que tem 
da chegada do tenente Paes Brandão, realisada em 
IO de julho, depois de 24 dias de marcha, que me- 

4 



:>o 



nos seriam talvez se não fossem 3 dias de fogo bem 
nutrido com o gentio d'aquem Gutato, e a fortaleza 
é atacada em i3, dia este que se passa em ar- 
remettidas do gentio e retiradas, necessárias para 
este se refazer das perdas que as nossas forças lhe 
vão successivamente causando. 

Em 14 renovam os rebeldes o seu ataque que é 
violentissimo ; a artilheria e a fuzilaria, porem, fa- 
zem n'elles grande chacina, e ao pôr do sol uma 
sortida da parte das nossas forças reconhece que 
elles procuram fortificar-se também com uma pali- 
çada que estão construindo n um raio de 700 metros 
em torno da fortaleza. Aproveitando a sahida de 
parte das forças o gentio tenta um ataque por leste ^ 
mas é repellido e n'esse dia o Ghilala é ferido. 

No dia 160 ataque não é renovado, e no dia 16 
o fogo da artilheria, que da fortaleza arremessa aos 
rebeldes as suas mortíferas granadas, parece tel-os 
desanimado. E' n'este mesmo dia que um estilhaço- 
de granada mata o rebelde Quito, chefe dos refor- 
ços provenientes do Huambo, e o gentio desalentada 
deixa com precipitação o campo, abandonando n'clle 
numerosos utensilios e abundantes mantimentos, o- 
que bem mostra que foi sob a acção d'um verda-^ 
deiro pânico que elle partiu em debandada. 

Em 17 e 18 o destemido Paes Brandão organisa 
na fortaleza uma pequena força que, sob o seu 
commando, sahe, reconhece o terreno comprehen- 
dido entre as duas missões, segue em 19 para Ca- 
lundo, que encontra abandonado, e d'alli para a 
Bonga e Singilla, d'onde recolhe á fortaleza, porque 
informadores officiosos tinham annunciado novo ata- 



5i 



que, è o sempre crédulo capitão-mór mandara or- 
dem para que a força destacada promptamente vol- 
tasse. 
- O ataque não se efFectuou, e tendo-se espalhado 
o boato de que Pires de Sousa estava novamente 
cercado, outra vez a força sahe no dia 24, sob o 
commando sempre de Paes Brandão, em direcção 
ao Tenente por Lundo e Tchtumbo. Reconhece-se 
ser falso o boato, e então Paes Brandão parte para 
a libata de Cambango, em 26 de julho, a uma hora 
do Tenente, e encontrando alli refugiado numeroso 
gentio, que lhe oppoz tenaz resistência, trava com- 
bate, dispersa-o, faz-lhe 8 prisioneiros e 21 baixas, 
e deixa morto o secúlo Quitendo. 

Depois do que singelamente fica dito, Paes Bran- 
dão, sempre incansável, regressa á fortaleza e é 
avisado de que Mutu-á-Quebera está perto do Tchi- 
jptndOy diligenciando reunir novos elementos para 
continuar a guerra. Para alli parte em 3 de agosto, 
em 4 chega ao acampamento, trava-se combate, o 
gentio a principio resiste em massa, a maior parte, 
porem, em breve espaço de tempo foge. O chefe 
da revolta fica intemeratamente, só com um pequeno 
grupo de corajosos adeptos seus dos mais dedica- 
dos; mas poucos tiros trocados, uma bala das nos- 
sas atravessa-lhe o craneo, e assim termina os seus 
dias o temido e bravo Mutu-á-Quebera. Depois da 
sua morte os últimos fieis debandam. 

E' n'esta altura que corre a noticia de que a gente 
do Libollo pensava em aproveitar a opportunidade 
para se levantar contra a auctoridade local, e, por 
este motivo, Paes Brandão, que eu contava ainda 



52 



poder aproveitar, retira para a sede do seu com- 
mando militar. 

O valor dos serviços prestados por este official 
resalta claro em demasia da singela narrativa dos 
seus feitos; inútil me parece, pois, procurar en- 
grandece-lo com palavras. 

Nota curiosa: no decorrer dos diversos ataques 
á fortaleza o soba. Calendula e os seus i3 séculos 
alli prisioneiros, decadentes já pela velhice, mas mo- 
mentaneamente revigorados pela esperança, em grita 
horrenda injuriavam os seus guardas, e, era meio 
de momices ridiculas, esgares furibundos de ameaça 
e prodigiosos saltos de acrobatas do sertão, celebra- 
vam com antecedência imprudente e provocadora a 
victoria que antegostavam, mas o destino lhes negou. 



53 



A situação, como se vê, estava por algum tempo 
desafogada, mas havia ainda muito que fazer. Os 
caminhos permaneciam cortados entre Bihé c Ca- 
conda; uns carros boers tinham sido assaltados, e 
chegado a Caconda com perdas consideráveis de 
gado; no Queve as libatas d'uma e outra margem 
eram outros tantos postos de vigilância, que não 
permittiam a passagem a um escoteiro sequer ; o 
mesmo succedia na Quibulla, cujo soba adherira 
em 29 de junho á revolta ; e a Gallanga, soberba 
pela impunidade de antigos feitos, era um coió de 
bailundos refugiados, o que, se pouca importância 
tinha como núcleo d'onde pudessem irradiar peri- 
gosas manifestações de sublevação e força, bastante 
consideração merecia por ser o corte completo de 
todas as communicações pelo norte. 

No Bihé a maioria dos sobas, senão todos, tinham 
adherido á revolta; alguns como o Tchibaba de 
Tchissenda, e vários sobetas tinham-se manifestado 
já em demonstrações activas ; e no Quanza, os Luim- 
bas e os Quiôcos preparavam-se para atacar o posto 
militar ali estabelecido, e por duas vezes já tinham 



54 



obrigado o capitão-mór a reforçar com sacrifício o 
forte Neves Ferreira. 

Gente que vinha das visinhanças do Bailundo e 
de leste da Gallanga affirmava, ainda antes do ata- 
que d fortaleza, que esta fora tomada e arrazada, 
mortos, no meio das mais selváticas e deshumanas 
atrocidades, os brancos ali refugiados e suas fami- 
lias, e sacrificado com excepcionaes torturas prévias 
o próprio capitão-môr. Em Novo Redondo forjam-se 
telegrammas de arripiar, com destino ás estações 
oflSciaes, nos quaes o numero das victimas ascende 
a mais de 600; ha famintos que comem capim (I) 
diz-se ; e finalmente cada um reclama em altos bra- 
dos columnas militares, fracções de columnas, for- 
ças, emfim, cuja funcção define a capricho das suas 
próprias conveniências, tudo n'uma tresloucada des- 
orientação que assombra, e por vezes n'um flagrante 
cgoismo que mal simuladas apparencias de patrio- 
tismo e humanidade não conseguem encobrir, e 
cujo espectáculo faz tédio. 

Telegrammas para Lisboa, narrando como factos 
averiguados os boatos mais aterradores, succedem- 
se ; e, se não se toma a prudente deliberação de 
não consentir a sua expedição, as já grandes inquie- 
tações do governo central seriam por certo deplo- 
ra velmente aggravadas. 



CAPITULO II 



Organisaçâo da columna de Caconda e sua partida para esta localidade. — 
Diíficuldade em colher informações exactas relativas a esta columna. — Or* 
dem mandada á columna para remetter noticias periódicas das suas opera- 
ções.— Demorada columna em Caconda e causa d'isso.— Inquietações sobre 
o destino da columna.— Telegramma de 26 de julho.— Noticia da chegada 
de Paes Brandão ao Bailundo, e noticia d'este facto ao commandante Mou- 
tinho.— Partida da columna de Caconda em i de agosto. —Telegramma de 
29 de julho e ordem para bater o Huambo, Sambo, estabelecer postos e as- 
segurar communicações. — Contracto de 25 de julho. — Que instrucções 
tinha a columna? — Juizo sobre o itinerário escolhido por Caconda. — In - 
âuencia de um plano anterior de occupaçâo do Huambo na escolha do iti- 
nerária. — O que era este plano. — Sua rápida critica. —Influencia d'este 
itinerário na orientação das operações militares posteriores á chegada das 
forças vindas da metrópole. 




SITUAÇÃO do interior do districto de Ben- 
guella, que a rápidos traços acabo de 
descrever, e cuja importância e gravidada 
não procurarei engrandecer, por isso que 
fácil será medi-las em face dos factos que singela- 
mente deixo expostos, determinaram algumas pro- 
videncias, as possiveis dentro da falta de recursos 
<iue era quasi completa; e assim, emquanto Paes 
Brandão partia do LiboUo em soccorro da forta- 
leza do Bailundo, que tantos perigos ameaçavam, em 



56 




Benguella cuidava o governador do districto, 
organisar a columna que depois foi designada cc 
lumna de Caconda.» 

Sobre a constituição d'esta columna, sobre C^"^ 
seus primeiros passos, e até sobre o desdobramenc::^^ 

das suas operações, das quaes opportunamente m ^^ 

occuparei, depara-se-me uma dificuldade gravi 
digo-o desde já, que é esta: o governador, que fc 
do districto de Benguella e commandante da c< 
lumna alludida, encontra-se hoje na metrópole, 
não tendo aproveitado o espaço de tempo — talve: 
um mez ou mais — que decorreu entre o seu re- 
gresso do interior e a sua partida para a Europa, 
para organisar e escrever o seu relatório, acontec( 
não o ter entregado na repartição militar superioi 
da provincia. 

Não sei como será hoje sanada esta falta, deplo- 
rável por tantos titulos, que reputo insupprivel ; e 
não me parece que o seu responsável possa desem- 
penhar-se dos deveres que lhe assistem sobre o as- 
sumpto, apresentando na secretaria do ministério 
da marinha o relatório que imprescindivelmente de- 
via existir no quartel general da provincia. 

E' este o facto que, sem commentario, me limito a 
consignar, passando a diligenciar conseguir, respi- 
gando, entre outros papeis, aquelles que á columna 
de Caconda respeitam, e utilisando algumas infor- 
mações, elucidar tanto quanto possivel sobre a sua 
constituição e o plano que lhe assistia ao largar de 
Benguella em caminho de Caconda, d' onde em i 
de agosto sahe direita ao norte. 

Esta columna começou a organisar-se em Ben- 



57 



guella nos princípios de junho de 1902, e em 2*2 do 
mesmo mez partiu para Caconda, composta dos 
seguintes elementos: o seu commandante, capitão 
Joaquim Teixeira Moutinho, e mais 21 5 homens, 
incluindo officiaes e o pessoal da administração mi- 
litar e de saúde. Vão também alguns carregadores 
— uns 3o creio eu — e carros boers em pequeno 
numero. 

Partiu no dia 22, ás 6 horas da manhã, como. 
consta do officio n.® 202, com data de 8 de julho do 
anno passado, dirigido ao chefe de estado maior da 
provincia pelo secretario do districto de Benguella, ' 
e ás 1 1 horas do mesmo dia bivacou no Huche, a 
20 kilometros de Benguella. Ahi se demorou 3 dias, 
por effeito de combinação de antemão feita «com 
o fim de conhecer se ainda faltava alguma coisa», 
diz o secretario no citado officio; e no dia 25, de- 
pois doesta contraprova, seguiu na sua marcha para 
Caconda. 

Ainda no mesmo documento colhi a informação 
de que a força levava comsigo 97:779 cartuchos 
Snider, alem de 60 distribuídos já por praça, 400 
para Martini Henry, 2 peças de artilheria 7^^, alguns 
auxiliares e uns 24 solipedes ; e mais, que na data em 
que esta informação é remettida ao quartel general, 
partem a juntar-se-lhe o guarda-marinha Campos 
Andrada com 4 praças da armada e uma metralha- 
dora Hotschiss, que foi desmontada de bordo do 
transporte Salvador Correia para serviço na cam- 
panha que ia emprehender-se. 

Chega a columna a Caconda nos primeiros dias 
de julho; lá fica aguardando a chegada da compa- 



58 



nhia de dragões, que do plan'alto da Huilla devi 
vir juntar-se-lhe, conforme fora auctorísado em te 
legramma ministerial de 19 de junho; e n'esta si 
tuação se encontra, quer dizer, em Caconda s( 
conserva á espera dos dragões, que já vêem en 
marcha desde i de julho, quando eu chego i 
Loanda. 



:>Q 



Apenas chegado a Loanda o meu primeiro cui- 
dado é procurar informar-me do estado em que as 
operações iniciadas se encontram, e, a respeito da 
columna do sul, só alcanço a informação de que 
ella permanece em Caconda. 

A sua constituição não me é logo esclarecida, 
porque só em Benguella leio pela primeira vez o 
officio n.*^ 202 a que atraz me refiro, e, perguntando 
eu se ella levava instrucções e quaes, sou infor- 
mado de que sim, mas o seu theor fica sendo para 
mim um mysterio, porque d'ellas não ha copia. Acho 
este facto alguma coisa extraordinário e faço proce- 
der a uma cuidadosa busca, que dá este resultado: 
encontra-se primeiro um telegramma do ex-gover- 
nador de Benguella pedindo-as, e depois um offi- 
cio de i5 de junho que declara remettel-as; d'ellas, 
porem, por um reparavel desleixo, não ficou copia, 
nem mesmo. na secretaria do governo do districto 
de Benguella consta a sua doutrina de documento 
algum. Parece que o capitão Moutinho as levou 
comsigo, porventura para com ellas organisar o re- 
latório que aqui não fez. * 



rx) 



A falta de noticias precisas da columna, aliás 
varias vezes pedidas, fez-me crer que esta não se 
preoccupava devidamente com a necessidade de as 
enviar com aquella frequência que era de desejar 
por variadissimos motivos, que são bem compre- 
hensiveis; e por isso, em 17 de julho, determinei 
que pela repartição militar se lhe ordenasse por 
BengucUa o estabelecimento de um serviço regular 
de communicações, de forma que, em periodos de 
três dias, houvesse conhecimento das suas opera- 
ções. No dia immediato, 18, transmitte-se esta or^ 
dem ao commando da columna, o qual em 3 d^ 
agosto responde, dizendo ter dado as suas ordena 
no sentido determinado, mas accrescentando que as 
occorrencias que se dessem não poderiam ser noti- 
ciadas senão de 8 em 8 dias. 

Esta ligeira alteração na execução do que eu de- 
terminara não me pareceu reparavel, porquanto são 
sabidas as difficuldades de communicações em Africa, 
e podia acontecer a columna achar-se por vezes serti 
a maior facilidade de encontrar escoteiros seguros 
e de regularmente os expedir. 

A inacção da columna detida em Caconda, quando 
as condições afflictivas do Bailundo reclamavam 
urgentes e promptos soccorros, o que aliás de certo 
era devidamente comprehendido pelo capitão Tei- 
xeira Moutinho, era de molde a inspirar viva inquie- 
tação, e de certo modo era injustificável, porque a 
esse tempo conjecturava-se que ella já estaria defi- 
nitivamente constituida com os dragões que, em mar- 
cha desde o dia i de julho, era natural que já se lhe 
tivessem juntado. Soube, porem, a breve trecho que 



6i 



a companhia dos referidos dragões ainda estava em 
caminho, e assim, vendo aliás com desgosto a len- 
tidão profundamente estranhavel da marcha d' esta 
companhia, á qual as circumstancias singularmente 
impunham a maior pressa, ficou todavia, quanto a 
mim, assazmente explicada a demora da columna 
de Caconda. Permanecia ali porque aguardava a 
vinda dos dragões, indispensável para sua definitiva 
constituição como se resolvera; e estes no entanto, 
seguindo um itinerário caprichoso e arrevesado, tal- 
vez por serem acompanhados de alguns carros 
boers, cuja marcha é sempre muito morosa, visto 
que a interrompem invarivelmente em todos os do- 
mingos, e já andam muito por dia quando cami- 
nham durante 5 horas, sempre no passo lento e 
vagaroso dos seus bois, só chegam a Caconda em 
24 de julho. Vinte e três dias para ir do Lubango 
a Caconda é demais ! 

Entretanto vários boatos se vão sempre diffun- 
dindo, que a phantasia que os cria parece incansá- 
vel; as noticias positivas e seguras continuam a 
faltar ; a anciedade de informações augmenta ; vá- 
rios telegrammas do ministério da marinha, pedin- 
do-m'as instantemente, com todo aquelle interesse 
bem comprehensivel em quem tanto desejava ver 
pacificada esta provincia, e perante o paiz era o 
responsável directo dos desastres que por cá se des- 
sem, vão successivamente chegando; e tudo isto, 
accorda-me no espirito novas inquietações sobre o 
destino das forças que estão sob o commando do 
capitão Teixeira Moutinho, e cuja constituição e 
consistência exactas eu ignorava. 



02 



Chego a receiar que, n'um movimento de avanço, 
por acaso inconsiderado, ou n'uma imprudente en- 
trada em immediatas operações de guerra, ella vá 
defrontar-se com o gentio que, sublevado em tão 
extensa área, bem pôde, n'uma immediata concen- 
tração de todas as suas forças, que são considerá- 
veis, causar-lhe tanto mais facilmente um grave 
desastre, quanto é certo que pelo norte os rebeldes 
não estão ainda sendo batidos pela columna que 
por lá eu resolvera logo enviar, cuja necessidade 
superiormente se reconhecera no telegramma de 27, 
e de cuja organisação se estava tratando activamente 
em Loanda. 

Comprehende-se bem, de certo, quanto seriam 
perigosas as consequências derivadas de um desas- 
tre, que, a dar-se, podia ser o desgraçado mallogro 
de tudo o que havia ainda a fazer e ia emprehen- 
der-se a favor da integridade da soberania nacional, 
do prestigio da auctoridade portugueza desacatada, 
e da ordem que a mais subversiva anarchia substi- 
tuirá; e assim, conhecedor de que depois das res- 
ponsabilidades de S. Ex.* o ministro de então, as 
minhas eram as maiores, resolvi que pela repartição 
militar se telegraphasse para Benguella ordem, que 
de lá seria transmittida á columna do sul, determi- 
nando-lhe, que até ulteriores deliberações, se abs- 
tivesse de sahir de Caconda. 

Foi esta ordem por telegramma de 26, e inspira- 
ram-m'a — não tão absoluta como o quartel general 
a transmittiu — os receios indicados e a convicção 
que tinha de que mais seguro e rápido seria o êxito, 
se quasi simultaneamente entrassem em operações 



63 



duas columnas, uma batendo as regiões ao sul do 
Bailundo e outra a zona do norte — aquella onde 
mais intensa refervia a revolta — e convergindo 
ambas afinal sobre a vasta área que circunda a ca- 
pitania-mór, e fora o theatro onde se desdobrara e 
desenvolvera a tragedia dos primeiros aconteci 
mentos. 



f>4 



# 



Como que trazidos por essa singular telegraphí^* 
aérea que, n'uma velocidade que assombra, eir^^ 
Africa transmitte, por vezes de uns a outros ponto^^ 
apartados por enormes distancias, as mais impre-^^ 
vistas noticias, começavam de correr vagament^^ 
alguns boatos que diziam Paes Brandão já chegadc^' 
á fortaleza do Bailundo. Era presentimento ? Con — 
jectura fundada no tempo decorrido ? Conclusão^ 
tirada de não constar que a columna do LiboIIo^ 
sofFresse qualquer desastre, que, a dar-se, depressa^ 
seria sabido, porque então, em caso de más novas,, 
a transmissão, que parece deleitar-se em exaggera— 
las, ainda mais accelerada se exerce ? Não o sei. E** 
certo, porem, que em 26 recebia-se pelo Libollo sl 
noticia feliz, que logo em 27 se mandou telegraphi- 
camente transmittir á columna de Caconda, da en- 
trada de Paes Brandão na fortaleza que se propunha 
soccorrer, e cuja situação passou com bons funda- 
mentos a ser considerada de relativo desafogo. 

Passava desde esse momento a attenuar-se a 
grande urgência de acudir ao interior de Benguella, 
e assim, considerando que a organisação da columna 



65 



<lo norte estava muito adeantada, tanto que em 
breves dias partiria, como partiu, para Benguella ; 
attendendo á conveniência, a que já alludi, qual era 
a de se procurar bater ao mesmo tempo o gentio 
pelo norte e pelo sul; e parecendo-me que mais 
seguro seria em tal caso o destino da columna de 
•Caconda, que inerte ha tanto tempo, bem podia, 
sem maiores inconvenientes, assim permanecer mais 
íilguns dias, nada vi de prejudicial no telegramma 
de 26 senão a sua forma em demasia absoluta, e 
por isso, no mesmo que communicava a chegada 
da columna do Libollo ao Bailundo, mandava ex- 
plicar ao commandante Teixeira Moutinho que a 
ordem do dia anterior não queria dizer que se man- 
tivesse em immobilidade absoluta, mas só que limi- 
tasse entretanto a sua acção, á qual não seria 
comtudo defeso o aproveitamento de quaesquer 
vantagens que as circumstancias lhe deparassem. 

Estes telegrammas chegaram ao seu destino já 
por agosto dentro, e como a columna partira final- 
mente de Caconda no dia i do citado mez, isto é, 
S dias depois da chegada dos dragões, não foi cum- 
prida a ordem do primeiro explicada no segundo, 
-e as forças que tinham marchado para o Calae, a 
caminho do Cunhugamua, seguiram a tomar posi- 
ção junto d'este rio. 

Diz o capitão Teixeira Moutinho em sua nota n.® 
• i5, datada no bivaque do Guando, em 6 de agosto, 
que aquella posição representava a occupação do 
Huanibo. Se assim fosse, fácil seria essa empreza, 
porque segundo me disse passou aquelle rio sem ter 
que disparar um só tiro. 

5 



66 



Em 29 de julho, quasi ultimada a organisação dar 
columna do norte, mando telegraphar para Ben- 
guella a fim de que por lá se communique ao com- 
mando da do sul, que aquella vae partir em breves^ 
dias, e assim pôde seguir o plano que eu lhe attri- 
buia, e era o de ir directamente sobre o Bailundo. 
Recommendo-lhe, todavia, que no caminho bata o- 
Huambo e Sambo e estabeleça n'estas regiões só- 
lidos postos, que assegurem, como é de superior 
necessidade militar, a sua linha de communicações^ 
para a rectaguarda. D'isto dei também superiormente 
conhecimento em telegramma da mesma data, e de 
sua ap provação me julguei certo, visto o aphorisir^^ 
latino que diz : Quis tacet consentire videtur. 



67 



Emquanto a columna permanece em Caconda, e 
já posteriormente á chegada dos dragões, o seu 
commandante, para eliminar as dificuldades com 
as quaes contava no seguimento das operações, faz 
o contracto de 26 de julho de 1902, no qual outor- 
gam, por uma parte, o governador Teixeira Mou- 
tinho e por outra o bóer Welame Grobler, em 
nome de todos os boers de Caconda, e se estipulam, 
em resumo, as seguintes condições : 

I.* — Que todos os boers de Caconda^ capitanea- 
dos pelo bóer outorgante, se compromettem a ser- 
vir de auxiliares na columna de operações, obede- 
cendo ás ordens do commandante d'ella ; 

2.* — Que cada carro bóer entre Caconda, Huambo, 
Sambo, Bihé e Bailundo, durante as operações, será 
pago pelo preço diário de ^:tt>^oo réis ; 

3.* — Que o peso máximo da carga de cada carro 
seja de 60 arrobas; 

4.* — Que a marcha regular dos carros será de 6 
horas por dia, podendo ser de menos quando en- 
contrem boas pastagens onde refresquem o gado ; 
que ao domingo não marcharão ; e finalmente que 



Ó8 



qualquer ataque imprevisto do gentio ou conveniên- 
cias tácticas poderão alterar este programma ; 

5.* — Que os auxiliares boers a pé vencerão por 
dia i^boo réis e os montados 3^ooo réis; 

6.* — Que os cavallos dos auxiliares, mortos era 
combate ou de ferimentos feitos pelo inimigo, serão 
pagos a seus donos pelo preço por que estes mos- 
trarem te-los comprado; 

7.* — Que a exemplo de precedentes na expedição 
do Humbe, será pago qualquer boi que morrer de 
tiro ou seja roubado pelo gentio, com outro boi ou 
com o seu valor em dinheiro; 

8.* — Que ainda a exemplo de outros precedentes^ 
as prezas de guerra serão divididas em duas partes, 
uma do estado e outra dividida entre os auxiliares 
boers e poriuguezes; 

9.^ — Que a cada bóer com carro será adianta- 
damente paga a quantia de 3oo;jí»ooo réis e a cada 
auxiliar sem carro i5o;zè)ooo réis; 

10/ — Que o commandante dos boers Welame 
Grobier será o único responsável para com o com- 
mando da columna pela disciplina entre os seus; 

11/^ — Que serão logo distribuidas 25 armas Mar- 
tini e carabinas (não diz quantas) de 6"'",5™/96, e 
28:000 cartuchos para ellas, do que se passará re- 
cibo; as munições só poderão ser empregadas em 
exercicios moderados (?); a distribuição de cartu- 
chos será á razão de 200 por auxiliar, e o resto, de 
reserva, confiado á guarda do commandante^ que 
os distribuirá á medida das necessidades. 

Estas clausulas teem um paragrapho único por 
«ffeito do qual o cartuchame não consumido será 



6q 



restituído. Não ha, porem, disposição eguai ou equi- 
valente relativa ás armas, e n'esta data ignoro qual 
foi o seu destino, e se algum cartuchame deixou de 
consumir-se. 

12.* — A quebra de qualquer clausula importará 
para o infractor a restituição immediata do adian- 
tamento e multa nunca inferior a loo^ooo réis, im- 
posta pelo governador commandante da columna. 

A estas palavras segue-se o habitual fecho que 
principia assim : 

«E para constar. ..» Depois as assignaturas. 

Não consta que nenhum dos contractantes infrin- 
gisse as clausulas d'este contracto. 

Para esclarecer sobre a constituição da columna 
pareceu-me indispensável dar ideia d'este contracto, 
cujo alcance é fácil de avaliar, o que me dispensa 
de o commentar. Direi apenas que elle não foi ap- 
provado em instancia alguma superior, nem eu o 
approvaria, antes in limine o engeitaria se a tempo 
de lhe evitar a execução o conheço. Também só 
em Benguella, como aliás o communiquei superior- 
mente em meu officio n.° i, de 20 de agosto, travei 
conhecimento com este diploma, que, entre outros 
defeitos, tem o de ser superiormente impolitico, 
anti-militar e pouco económico. 

Quantos carros a columna utilisou e quantos au- 
xiliares a pé e a cavallo se lhe incorporaram, o seu 
commandante o dirá opportunamente com exactidão. 
A mim consta-me que eram 67 carros, 22 auxiliares 
a cavallo e mais de 120 a pé; mas não o affirmo 
porque só o faria com segurança. Devo até dizer 
que no seu oflBcio n.® 11 deSi de julho, dirigido á 



ro 



secretaria geral, o capitão Teixeira Moutinho diz 
que os auxiliares boers a pé são 35, além de alguns 
auxiliares portuguezes e 39 cmochimbas»; mas as- 
sim como o numero dos carros (que n'este officio é 
apenas de 54, mas no officio n.® 20, de 28 de agosto, 
já SC eleva a óo) cresceu^ é possivel e até provável 
que o numero de auxiliares a pé, subisse também. 

N'este ultimo officio diz o seu signatário que en- 
tendeu «não dever perder tempo na construcção de 
reductos que assegurassem as communicações» por 
marchar «apoiado por uma fortale:[a de 60 carros 
boers, que formaria em parque logo que fosse ne- 
cessário». 

A propósito direi não comprehender bem o signi- 
ficado que em tal caso deve attribuir-se á palavra 
communicaçõeSj e, sem deixar de reconhecer certa 
originalidade na theoria de guerra que fica expen- 
dida, notarei que, quanto á comprehensão do al- 
cance do serviço de communicações regulares e as- 
seguradas, divergem profundamente os pontos de 
vista do capitão Teixeira Moutinho, ex-governador 
de Benguella, e o do major Eduardo Costa, actual 
governador do mesmo districto, que sobre aquelle 
serviço diz n*um seu proficiente relatório o seguinte : 
«Se, na Europa, perder a linha de communicações, 
equivale a comprometter a campanha, em Africa 
nem se concebe que se inicie ou continue o movi- 
mento de avanço sem a ter organisado e defendido.» 



71 



Que instrucções levava a columna? Desconhe- 
ço-as na sua integra, e por isso difficil me é apurar 
com indiscutível segurança o plano de operações 
<]ut ella tínha. Todavia, pelo meu secretario sei 
-actualmente que ella levava instrucções que lhe 
marcavam o Bailundo como objectivo principal, dei- 
xando-lhe, porém, a liberdade de acção que era 
necessária, vista a eventualidade das circumstancias 
-que era provável que surgissem durante a marcha. 

Era realmente acceitavel que estas fossem as li- 
nhas fundamentaes das instrucções, visto que o Bai- 
lundo era a região onde grandes perigos ameaçavam 
mais gravemente o prestigio da nossa soberania e 
auctoridade, que soffreriam grave cheque se a for- 
taleza fosse tomada pelo gentio, e a vida de muitos 
brancos, que n'esta se tinham refugiado, sacrificada ; 
mas o que nunca comprehendi bem foi as razões 
<jue determinaram a secretaria geral de accordo — 
presumo eu — com o capitão Teixeira Moutinho, a 
preferir a linha de Caconda para as operações que 
resolveu. 

Era na fortaleza do Bailundo que o perigo mais 



72 



avultava, e, ao resolver-se a organisação da columna 
de Caconda, por certo se ignorava ainda se a pe- 
quena força do tenente Paes Brandão conseguiria 
vencer as difficuldades da sua marcha e fechar com 
êxito a sua perigosa aventura. Quantos obstáculos 
e revezes poderiam mallograr-lhe o esforçado in- 
tento I 

Se já era sabido que da Europa vinham novos 
reforços em breve, o que por certo se ignorava era 
quando estes poderiam entrar em operações ; e não 
se desconhecia em Benguella ao tempo das ultimas 
deliberações, que as regiões onde principalmente as 
casas e as fazendas eram atacadas e destruidas, os 
europeus perseguidos e sacrificados, e mais intensa 
lavrava a revolta, eram ao norte do districto, na linha 
do Balombo ao Queve. 

Em seu officio n.® 202, já citado, diz o secretario 
do governo, quando dá noticia mais detalhada da 
partida da columna, que em Benguella constava que 
era no Sacco Major, na Quibanda, no Soque, em 
Nangombe, na Gallanga, perto das missões, junta 
ao Queve, etc, que se achavam numerosos acampa- 
mentos gentílicos de guerra. N'esies termos tuda 
aconselhava que se procurasse a mais curta distancia 
para chegar ao Bailundo, e aquellè caminho em 
cujo percurso a columna, destinada a acudir não s6 
aos refugiados na fortaleza, mas a todos cuja vida 
e fazenda corressem perigos de morte e destruição^ 
mais efficaz e seguramente podesse utilisar ao resta- 
belecimento da ordem e á garantia dos perseguidos. 

Os caminhos eram difficeis, quasi intransitáveis ; 
a marcha por elles seria fértil em obstáculos de toda 



73 



a ordem; os carros boers, que se julgavam indis- 
pensáveis, não podiam por alli transitar ; não havia 
carregadores, e á primeira vista parecia que, preci- 
sando a columna do reforço dos dragões, mais fa- 
cilmente estes se lhe juntariam em Caconda do que 
n'outra parte; mas a linha de operações, seguida 
mais tarde pela columna do norte, evidenciou cla- 
ramente que as difiBculdades e obstáculos oppostos 
á marcha, se. bem que por vezes de apparencia 
quasi insuperável e capaz de causar esmorecimento 
nos ânimos mais esforçados, eram vencíveis; a 
mesma columna nos demonstrou que o auxilio do 
elemento bóer era inteiramente dispensável, e que, 
se Benguella não podia fornecer carregadores, d'ou- 
tras partes elles podiam vir, que não era ali nem a 
mais abundante nem a mais segura fonte d^elles; e 
por fim, a condemnavel morosidade da marcha dos 
dragões, que do Lubango a Caconda consumiram 
o período enorme de 23 dias, veiu ainda convencer- 
nos de que incomparavelmente mais rápida seria a 
sua descida a Mossamedes, d'onde, em 24 horas 
somente, viriam, a bordo do transporte Salvador 
Correia, auxiliado por qualquer canhoneira da divi- 
são naval, se elle fosse insufficiente, juntar-se á co- 
lumna em Benguella. A marcha do Lubango pode- 
ria levar, quando muito, 6 dias ; mas sejam 8 ou 
10, com I de embarque 11, e 24 horas de viagem 
12, isto é, metade do tempo que até Caconda aquella 
força consumiu. Por tudo isto, pois, eu votaria pela 
linha do norte, mais directa, mais próxima e mais 
no âmago da revolta, que era necessário sufifocar. 
Muito fez o secretario d'este governo geral, nas 



74 



angustiadas condições em que se encontrou, e, di- 
gamos a verdade, bastante desamparado de ele- 
mentos que na discussão e confecção d'um plano, 
como o que era preciso organisar, pudessem ser-lhc 
de vantajoso auxilio ; c injusto eu seria se não reco- 
nhecesse que do facto d'elle mandar Paes Brandão 
ao Bailundo, resultou a prestação d'um auxilio, sem 
o qual o revez imminente sobre a nossa soberania 
e auctoridade seria talvez irreparável. 

Sei que alguém, cujo conselho é sempre filho de 
lealissima inspiração, mais d'uma vez ponderou ao 
secretario geral, que a empreza de Paes Brandão 
era uma loucura — e parecia-o — e grave responsa- 
bilidade seria a sua sanccionando-a : pois não con- 
seguiram estas palavras demove-lo, e honra lhe seja 
que assim prestou á provincia um valioso serviço. 



73 



Um simples golpe de vista lançado sobre a carta 
mostra-nos que o Bailundo fica sensivelmente a LNE 
de Benguella, ao passo que a situação de Caconda 
é notavelmente a SE do mesmo ponto de partida : 
logo de surprehender é deveras que, devendo ser 
objectivo principal o Bailundo, e sendo a linha dire- 
cta de Benguella para lá aquella onde mais intenso 
lavra e se propaga o fogo da revolta, a columna 
mais solida de soccorro que se organisa emprehenda 
a volta enorme de Caconda e renuncie o caminho 
pelo norte. 

A consideração das difficuldades a que já alludi 
foi certamente a determinante d'esta imprevista sin- 
gularidade, mas com ellas, cuja victoria tanto ac- 
crescenta ao brilho do triumpho final, deve contar 
quem se aventure em operações de guerra no inte- 
rior de Africa; e que a sua resistência pelo norte -' 
não era invencivel veiu assazmente demonstra-lo a 
marcha atormentada, mas gloriosa por isso, da co- 
lumna que por lá operou. 

Concorreria para a adopção do caminho de Ca- 
conda a existência d'um plano de guerra e occupa- 



7b 



cão do Bailundo, formulado pelo capitão Teixeira 
Moutinho em 22 de abril de 1902? E' possível que 
sim, e até — devo dize-lo — estou hoje d'isso con- 
vencido. 

N'uma infeliz reclamação que aquelle official pro- 
duziu acerca de factos, cuja narrativa não vera para 
o caso, queixando-se de eu não lhe ter apreciado 
aquelle seu trabalho e referindo-se ao meu tele- 
gramma de 29 de julho, no qual eu lhe dizia que 
seguisse o seu primitivo plano (aquelle que eu con- 
tava que fosse o das instrucções que levara, e sup- 
punha inspirado nas pavorosas circumstancias de 
momento, que tinham determinado a urgente cons- 
tituição da sua columna, e não o outro, que, formu- 
lado em pé de paz, anteriormente aos telegranunas 
de maio em que elle dizia, com a maior segurança 
«Bailundo socegado», nenhuma razão convencia que 
fosse o melhor quando as condições do interior de 
Benguella tinham tão profundamente variado) diz : 
«Fiquei muito em duvida, e ainda hoje estou, Ex.™** 
Sr., se o plano a que se referia o telegramma seria 
o meu acima citado. Se era considerava-se V. Ex.* 
e a mim também pela primeira vez, porque na ver- 
dade foi esse o plano que executei, com sorte sim, 
mas remando também contra ella, comprehendendo 
hoje que seria homem ao mar se não encarasse, 
como encarei, a situação de frente e a dominasse 
com intelligencia, como provarei, e para V. Ex.^ já 
deve estar provado.» 

«Provadissimo», digo eu; o periodo, porem, é — 
como direi ?! — talvez ligeiramente. . . confuso, mas 
contem um trecho, o único que interessa ao que es- 



11 



tou escrevendo, d'onde resalta bem claro o seguinte : 
x]ue o capitão Teixeira Moutinho, afinal o que se 
propunha executar, era nem mais nem menos do 
que o plano formulado em 22 de abril, cuja orien- 
tação n*elle se precisa n^estes termos: 

aSerá considerado como objectivo capital da co- 
lumna expedicionária o sobado do Huambo, para 
onde convergirão todos os nossos esforços». 

Não se é impunemente auctor de um trabalho 
d'aquella ordem ; quer-se-lhe como a filho, e d'ahi 
a vontade cega de o fazer prevalecer. 

O plano em questão é precedido d'uma breve ex- 
posição de razões tendentes a justifica-lo. São estas: 

«Sendo por demais conhecidas as causas que le- 
varam os povos indígenas doeste districto ao estado 
de rebellião em que se encontram por toda a parte ; 
ponderando que é sobretudo nó ^ailundo que as 
manifestações de insubordinação teem tomado mais 
vulto, e que alguns régulos capitaneados pelo soba 
do Huambo chegaram com os seus Quilombos em 
1899 á vista da fortaleza. — Considerando que já 
^m 1890 o mesmo soba do Huambo se mostrara 
audaz diante da expedição do Bihé commandada por 
Arthur de Paiva, promettendo este que no seu re- 
gresso com aquelle ajustaria contas, promessa que 
não cumpriu. — Considerando que talvez d'este fa- 
cto resultasse a influencia de que gosa este regulo 
entre os povos visinhos, sobretudo na região do 
^alombo^ e por ventura tomasse vulto a lenda da 
inexpugnabilidade do cabeço onde aquelle soba 
tem edificada a embala. — Sendo informado que o 
Huambo é foco de todas as conspirações contra a 



7« 



auctoridade do governo e que é n'este sobado que 
vão acoutar-se todos os régulos rebeldes, evitando^ 
assim o serem capturados pela auctoridade, somos 
de opinião que é inadiável, se organise uma expe- 
dição no próximo cacimbo ...» 

Ligando as datas em que as noticias dos aconte- 
cimentos, que foram prologo da ultima revolução 
do Bailundo, chegam a Benguella, com os dizeres 
doeste preambulo, clarissimamente se vê que não 
foram elles que motivaram, por parte do capitão 
Teixeira Moutinho, as palavras com que inicia as 
considerações que precedem o desenvolvimento do 
seu plano. Aquellas manifestações de insubordina- 
ção no Bailundo que ateem tomado vulto», não são 
evidentemente a negativa formal de Mutu-á-Que- 
bera a obedecer ás ordens do capitão-mór; a tu- 
multuosa assembleia realisada na embala de Calen- 
dula ; os pregões de guerra, lançados d'ella, em alta 
grita, regularmente, todas as tardes, ao pôr do sol 
como é de uso gentilico, durante dias successivos, 
e que, por manha, em 24 de abril cessam; a prisão 
do soba, e o mais. Doestes factos chega a Benguella 
a primeira noticia em 21 de abril, e um plano d'a- 
quelles não se concebe e organisa em 24 horas, isto 
é, por maneira que, suggerida a sua necessidade 
em 21, em 22 esteja reduzido a termos definitivos 
e em condições de ser enviado pelo correio para 
algures. E tão leve era o conhecimento que o mesmo 
capitão tinha do que no Bailundo occorria, que em 
12 de maio o affirmava socegado e em 14 confir- 
mava esta affirmacão. 

Era pois em acontecimentos velhos e revelhos 



^^1 



le o capitão ex-governador colhera a inspiração dff 
plano, que naiuralraente longamente meditou antes 
de o reduzir á sua formula definitiva; e realmente 
assim se vê do seu preambulo, onde os factos úni- 
cos, que se acham indicados com precisão, são suc- 
cedidos em 1899 e 1890. 

Os feitos de Mutu-á-Quebera, que pela sua crueza 
tornaram tão temivelmente afamado este valente 
caudilho de guerra preta, não eram ainda conheci- 
dos de Teixeira Moutinho; o que este via era que 
Arthur de Paiva, bravo ofEcial de brilhantes tradi- 
ções militares, promettera e não cumprira a sua 
promessa, e ao que parece, queria elle agora res- 
galar-lhe a palavra compromettida n'aquelía; mas 
visto a conflagração ser no Bailundo e o mais que 
fica exposto, facilmente se conclue o inconveniente 
das raysteriosas instrucções, de que Teixeira Mou- 
tinho foi portador, se inspirarem^se se inspiraram 
— no plano d'este anteriormente formulado, e de no 
mesmo o auctor conservar firme a sua fé ao partir 
na direcção de Caconda. 

O Huambo nem ao menos era esse temível papão 
do interior do districto de Benguella que tantas ap- 
prehensões causava ; mostrou-o bem a facilidade 
com que elle permitliu, sem um tiro sequer, que a 
columna do capitão Teixeira Moutinho iranspuzesse 
o rio Cunhugaraua e ahí tomasse posição que, no 
seu próprio dizer, representava a occupação das 
terras do sobado do Huambo; e de resto n'um 
curto combate foi tomada a sua embala grande, isto 
c, a rápida passagem de umn rajada de balas e me- 
'asiou para lhe desfazer a lenda sombria. 



So 



Para a realisação doeste plano, tão summaria- 
mente fundamentado e formulado, discute o seu 
auctor três hypotheses. São estas : 

I.* «Uma columna mixta de artilheria, cavallaria 
e infanteria, concentrar-se-ha na Cahata, e d'ahi 
operando de concerto com os três destacamentos 
de Caconda, Bihé e Bailundo, todas estas columnas 
convergirão para o cabeço onde está edificada a 
embala do Huambo, objectivo assignado a todas». 

2.* «Conservando as guarnições do Bihé e Bai- 
lundo, as duas restantes columnas Cahata e Ca- 
conda convergirão para o cabeço indicado». 

«3.^ «Mantem-se as guarnições dos fortes e uma 
columna única concentrada e organisada definitiva- 
mente em Caconda operará d'ali contra o sobado 
indicado». 

A primeira hypothese não lhe merece acceitação. 
Tem vantagens, mas também tem inconvenientes, 
e por isso, admissível em these, diz: «na pratica não 
a julgamos viável». A segunda também não a julga 
acceitavel. Finalmente a que resta, a terceira, essa 
é a que lhe inspira confiança e aquella a cujo favor 



■se declara abertamente. Quanto a mim, porem, sé""^ 
a guerra fosse no Huambo, e não no Bailundo; se 
o Huambo em estado de ostensiva, declarada e pe- 
rigosa rebeldia, estivesse em pé de guerra e os povos 
do norte permanecessem em altitude pacifica; se o 
fíuambo fosse esse povo altivo, guerreiro e indó- 
mito que o capitão Teixeira Moutinho nos deixa 
perceber no seu plano, mas que afinal os factos 
subsequentes mostram de faci! occupação; ou se 
fosse o caso de uma revolta latente que a rebeldia 
impune do Huambo suggerisse e incitasse; então, 
■o ataque d'este sobado, como objectivo principal, 
por ser região já sublevada ou supposia origem de 
<:jualquer sublevação imminente, estava indicado e 
-cdevia realisar-se, de preferencia a tudo, logo que 
na província houvesse forças. A revolta, porem, e 
os perigos do momento não eram no Huambo, que 
raroa europeus frequentavam, e onde a acção da 
auctoridade, por ser nutla, não provocara reacções. 
Ojrao acceitar, pois, sem estranheza, que o sobado 
'eferido fosse uo objectivo capital», como diz Tei- 
:eira Moutinho, de uma columna organisada e que 
larie para o interior quando a verdade dos aconte- 
cimentos do Bailundo está mais do que desvendada, 
«aggerada até na insensatez dos boatos?.' 

Era o Bailundo — e isto sabia-se desde príricipios 
dt junlio— o theatro onde se estava desenvolvendo 
a terrível tragedia, na qual a sombria figura de 
Muiu-á-Qucbera, ameaçadora sempre de morte e 
mina, mas grande de bravura, a cada momento 
surgia sanguinária e feroz, assassinando aqui, rou- 
bando além, acolá incendiando, exterminando por 



m 



82 



toda a parte; era no Bailundo que a fortaleza e cen- 
tenas de vidas corriam perigos, que a fama espa- 
lhada pelos fugitivos aterrados levava a extremos 
de exaggero só comparáveis aos do seu pânico; era 
ao norte que a sublevação soprada por um venda- 
val de velhas represálias, se propagava intensa e 
veloz como fogo em vastos matagaes que o vento- 
açoita, e a estiagem e o sol resequiram. O HuambOy 
esse, permanecia na sua velha rebeldia que de certo- 
modo lhe fora abrigo contra extorsões e violências 
das que ao norte tinham fomentado e ateavam a re- 
volta que lavrava, e só um seu secúlo, Quito, se- 
gundo o testemunho insuspeito de Paes Brandão,, 
cedera ás repetidas instancias e hábeis suggestões 
de Mutu-á-Quebera, e com a sua gente adherira á 
guerra, partindo ainda assim para as terras do Bai- 
lundo. N^estas circumstancias, de relativa tranquilli- 
dade n'uma parte e accesa rebellião n'outra, tomar 
aquelle sobado por objectivo principal, abandonar 
ao seu destino a região que está sendo assolada pelo 
ferro e pelo fogo, e, arrancando de Benguella, mar 
char sobre Caconda, onde depois um tranquillo mez 
decorre na esperança, por longo tempo mallograda, 
da chegada da companhia de dragões, que entre- 
tanto, como se fosse de touristes que observam 
com demora, mas fogem a canceiras, lentamente 
vem caminhando em amena excursão, que lhe con- 
some 23 dias, seria para causar graves apprehen- 
sões no espirito de quem, por não conhecer as 
qualidades militares do capitão Teixeira Moutinho^ 
lhe não fizesse justiça. 

É facto que, segundo se diz no plano alludido^ 



por aqiielle trajecto os transportes são fáceis, as 
difficuldades de marcha mínimas e os caminhos es- 
tavam abertos; mas estas razões, aliás de attender 
n'ouiras circumsiancias, não podiam ser decisivas 
quer no espirito de quem mandou, ijjuer r]'aqijeUe 
de quem, embora como commandante de columna 
tivesse de obedecer em uitima analyse, todavia, 
como governador de districto e pela sua auctori- 
dade militar, tinha o direito, que ninguém lhe con- 
testaria, de em bons termos ponderar e propor. 

Quem sabe? Talvez que, se a columna de Ca- 
conda preicre á linha de operações que seguiu a do 
norte de Benguella, um simples reforço, que lhe se- 
ria enviado logo que chegassem á província as for- 
ças que da metrópole sahiram e eram esperadas, 
tivesse chegado para a pacificação das regiões suble- 

B iradas. A companhia europeia, por exemplo, ou pouco 
laís, bastaria; e quanto mais fácil, rápida, e eco- 
iõnnica não teria sido esta solução! 

As morosidades da organisação de uma nova co- 
lumna e a grande somma de todas as despezas que 
lhe são inherentes, seriam substituídas pela prom- 
pta, simples e pouco dispendiosa partida de uma 
companhia, que, encontrando as communicaçõcs es- 
tabelecidas e asseguradas — como era de esperar, 
porque então a dispemalas não haveria o tal par- 
que dos 6o carros boers de que fala Teixeira Mou- 
tinho — em breve chegaria ao encontro da columna 
em operações, levando-lhe o auxilio poderoso dos 
seus bravos soldados, frescos e ainda não extenua- 
Aos, porque não sendo forçados por necessidades 

Ie guerra ás difficuldades de marcha que a coiu- 
^ - ' - - 



girada 
■nais 
^Hõnn 
^ A. 



84 



mna do norte teve de vencer, iriam pelos caminho^^ 
já conhecidos e trilhados, que directamente liga 
Catumballa ás regiões planalticas do interior. 

As circumstancias impediram esta solução; não 
gastemos, pois, mais tempo em apontar-lhe as van- 
tagens, que, quanto mais conhecidas, tanto mais nos 
farão sentir o desgosto da realidade que os factos 
impuzeram. 



85 



* 



Felizmente a Providencia ainda d'esta vez não 
xios abandonou. Emquanto Teixeira Moutinho ca- 
jDitalmenie só vê o Huambo, a columna do Libollo 
acode efficazmente á fortaleza em perigo, e salva-a; 
e o illustre ministro da marinha, que ao tempo o 
era, entre as rápidas e urgentes medidas que logo 
põe em execução, immediatamente resolve e ordena 
Si prompta partida para Angola de novos elementos 
de força, sem os quaes ignoro o que seria o dia 
presente n'esta provincia. Eu mesmo em viagem, 
com os ofiSciaes que me foram companheiros, cre- 
dores todos da minha mais absoluta confiança, ca- 
pitães Amorim, Mendonça e Peres, venho combi- 
nando o plano que, depois da chegada, definitiva- 
xnente se assenta; e, já em Loanda, determino a 
xapida organisação da columna do norte, que, por 
prodigioso effeito da rara actividade e dedicação dos 
meus valiosos auxiliares, em breve parte, se interna 
e opera com tão notável êxito. 

Na formação do plano que, alterado, mas não es- 
sencialmente, por circumstancias supervenientes, 
foi o que se executou e pôz termo á sllblevação. 



8(^ 



escusado será dizer que influiu decisivamente a li- 
nha de operações adoptada pela columna de Ca- 
conda. Fosse ella outra e a orientação escolhida 
relativamente á columna do norte teria variado, 
ou mesmo a constituição doesta seria desneces- 
saria. 

Assim, vendo-se que os povos ao norte eram os 
que principalmente deviam ser batidos, e que, se o 
seu ataque não fosse cmprehendido depressa, po- 
diam elles colligar-se com os que a columna do sul 
havia de levantar á sua passagem, logo se resolveu 
iniciar o movimento de tropas que se executou pelo 
norte do districto de Benguella, poupando-se por 
esta forma ás forcas sob o commando de Teixeira 
Moutinho o risco de se defrontarem com um ini- 
migo tão numeroso, que pudesse, por isso, pôr em 
risco a sua integridade. 

Podia também o gentio sublevado, e acossado 
somente pelo interior do districto, refluir para o lit- 
toral. Catumbella chegou a pedir soccorro, porque 
a sua população, alarmada pela noticia insistente 
d*uma forte concentração de revoltosos em Quis- 
sange, se imaginou em perigo. Forçoso era pois 
acudir á linha que d'ella se dirige para o Bailundo, 
castigando os rebeldes, estabelecendo postos, resta- 
belecendo e assegurando communicações cortadas, 
protegendo emfim a rectaguarda, como se fez. 

A própria columna do norte, cuja constituição, 
por me ser bem conhecida, me inspirava excepcio- 
nal confiança, lucraria também com a cooperação 
da de Caconda, porque sendo conveniente que, para 
decisiva consolidação da paz e alargamento da nossa 



^ccupação, que — pôde dizer se — no Huambo efã 
nulla, depois de raettidos na ordem os povos em 
flagrante e liostil rebeldia, o Huambo e o Sambo 
fossem batidos, bem podia esta tarefa ficar a cargo 
<ia columna de Caconda, e livre d"ella a do norte. 
De facto aquella columna bateu valentemente o 
Huambo e occupou o Sambo; e o estado de fadiga 
-das tropas da coliimna do norte, subsequente á sua 
penosa travessia do littoral ao Queve, e aos rudes 
combates sustentados do Balombo até ao mesmo 
limite, veiu confirmar-rac na idéa de que justo era 
dispensal-a de maiores trabalhos, que os prodigios 
da sua intrepidez e tenacidade haviam de superar, 
mas que talvez lhe extenuassem as forças em ini- 
úuas demasias de serviço. 

Foi na previsão do que por fim se realisou, que 
. 29 de julho se telegraphou transmittindo or- 
n ao capitão Moutinho para bater o Huambo; e 
(asim se converteu em vantagem, favorável ao êxito 
guerra e das forças empenhadas n'ella, a cir- 
cumsiancia imprevista e estranha de se ter escolhido 
o caminho de Caconda, para acudir ao Bailundo, 
que era onde, ao tempo da escolha, a sublevação 
sanguinária e destruidora do gentio lavrava mais 
intensa, e mais urgente soccorro reclamavam os 
gritos lancinantes dos que eram assassinados, os 
brados dolorosos dos que, accorrentados, eram re- 
duzidos Á escravidão e o cavallo-marinho fustigava, 
€ o aspecto miserável e andrajoso dos atterrados 
fugitivos, que a explosão da revolta diariamente ar- 
remessava para Catumbella, Benguella, Novo Re- 
^■^ndo, Libollo, Dondo e outros logares, aonde sue- 



88 



cêssivamente iam chegando mortos de fome, abrasa- 
dos pela sede, extenuados de cansaço. 

Ainda por esta forma o capitão Teixeira Mouti- 
nho teve a opportunidade feliz de, sem maiores- 
inconvenientes, pôr em execução o plano que tanto^^ 
o fascinava e cujo t objectivo capital» era o Muambo^^ 
Occupou também o Sambo, mas pouco lhe custou^ 
que este entregou-se sem lucta. E, por ser verdade, 
devo dizer, que das noticias que enviou dos três 
combates que teve no Huambo, Ganda e Caué, e 
no Candumbo, e informações subsequentes confir- 
mam, infiro que n'elles se houve, bem como as tro- 
pas do seu commando, com indubitável valentia. 
Nem admira, que lá como ao norte eram soldados 
portuguezes, os que se batiam. 



SEGUNDA PARTE 

Operações definitíYas. Justiça 



CAPITULO III ' 




TÈ aqui tratei, como era natural, dos factos 
que precederam o meu regresso a Loanda, 
da historia da revolução, só tarde por mim 
sabida, e da narrativa e critica das provi- 
ciencias adoptadas e postas em execuçãc durante a 
tolinha ausência; agora passarei a occupar-me deti- 
damente do que a seguir á minha chegada resolvi 
e pouco depois foi executado com os resultados jd 
Conhecidos e superiormente louvados, nos quaes, 
em homenagem á verdade, devo dizer que a maior 
pane é devida á valiosa cooperação que me presta- 
ram os excellentes elementos de auxilio que da me- 
trópole trouxe comigo, e outros que aqui vim en- 
contrar. 



baltaHlÉ 



1)2 



Reconheci, logo de entrada e colhidas as primei- % 
ras informações, que era absolutamente indispen- 
sável, visto o estado de coisas que deixo descripto, 
fazer operar uma columna na linha que vae directa- 
mente de Benguella ao Bailundo, pelo que logo 
resolvi a constituição da columna do norte. 

Apesar de todas as forças e material vindos da 
Europa, não foi empreza fácil a organisaçâo da co- 
lumna referida; e consinta-se-me que, n'esta altura 
d'este trabalho, eu me alongue um pouco na expo- 
sição das principaes diflficuldades, que houve que 
vencer, e se deram conjuntas com o trabalho ver- 
dadeiramente grande, dos que souberam subjugal-as 
e assim me foram prestimosos auxiliares. Procura- 
rei — até por mim, visto que me sinto enfraquecida 
e fatigado como nunca o estive — ser breve ; e se 
entro n'este assumpto é porque me assiste a convic- 
ção de que torna-lo conhecido por ventura impor- 
tará algumas medidas e determinações superiores, 
que em muito poderão melhorar as futuras condi- 
ções militares da provincia. 

A gravidade da sublevação do gentio que de certo 
alastraria, e assim augmentaria em perigos, se, des- 
dobrados os nossos recursos de guerra, elle nos 
visse impotentes e fracos, e a urgente necessidade 
d'uma rápida acção firrne, segura d'um êxito certo 
e prompto, ou de contrario a demora da guerra 
seria incalculável e teria, entre outros inconvenien- 
tes, o de um aggravamento insupportavel nas con- 
dições financeiras e económicas de Angola, já tão 
deploravelmente angustiosas, impunham — como já 
fica dito — a constituição immediata d'uma columna 



assaz forte e consistente para a pacificação não só 
das regiões ostensivamente sublevadas, que eram 
as mais desacompanhadas de qualquer acção mili- 
tar repressiva, mas até de outras, onde a especta- 
tiva malévola, se não era positivamente sabida, era 
ao menos de conjecturar com bons fundamentos : 
portanto em 20 de julho, isto é, três dias depois da 
chegada do Qãfrica^ foram iniciados os trabalhos 
da sua organisação. 

Escusado será dizer que estes três dias não fo- 
ram perdidos: houve, como nos dois que decorre- 
ram da chegada do Zaire á do Africa^ muita in- 
formação que colher e muitos dados que apreciar 
e conjugar, como facilimo é de calcular. 

Logo de principio se verificou que ò effectivo de 
60 praças da companhia europeia, vinda no seu mi- 
nimo, era insuflficiente, e sendo preciso elevar este 
numero ao dobro, ou mais ainda se possivel, houve 
que recorrer ao batalhão de caçadores 2. Aprovei- 
íaram-se-lhe as praças europeias disponiveis, e com 
ellas e outras que estavam presas por delictos mí- 
nimos, que a longa prisão já soffrida castigara as- 
sazmente, e os quaes — diga-se de passagem — al- 
gumas depois largamente remiram com o valor dos 
serviços prestados, foi possivel elevar o effectivo das 
praças europeias a mais do dobro, isto é, a 142 ho- 
mens. 

De companhias indigenas apenas existiam os qua- 
dros, chegados da metrópole dois dias depois do 
meu desembarque : estavam, pois, inteiramente por 
crear. Recolhendo, porem, alguns destacamentos, 
lançando mão de todos os elementos que ainda no 



94 



batalhão de caçadores 2 foi possível aproveitar, e 
procurando egualmente nas prisões aquelles solda- 
dos indigenas, que, presos por delictos sem valor 
senão perante a formula severa e geométrica da lei, 
podiam, todavia, sem prejuizo da ordem, ser utili- 
sados, rapidamente se constituiram mais duas com- 
panhias indigenas em pouco mais do que no seu 
minimo, isto é, uma com o effectivo de iSg homens 
e outra com 122. 

Aos números indicados accrescem o de 42 ho- 
mens, que constituíam a bateria de artilheria, quc 
levou 4 peças de montanha (7""), e o pessoal d( 
quartel general da columna e do respectivo serviço^^ 
de saúde e administrativo, no effectivo de 1 3 ho- 
mens, vindo, portanto, a columna a compôr-se de- 
finitivamente de 468 praças de primeira linha, in- 
cluindo os respectivos officiaes. 



era muito, mas eslava longe de ser tudo. 
Taltava ainda organisar o comboio da colurana, que 
Jhavia de ser constituído por carregadores. 

Em Benguella era impossivel obie-Ios em numero 
sufficiente ou avultado, sabia-se de antemão, e o 
mesmo succedia em todo o litloral: houve, portanto, 
<|ue requisita-los do interior de Loanda já depois da 
Tninha chegada, visto que antes d'ella nada se havia 
^eiio n'este sentido, e assim, lentamente, em dias 
<Jiversos, aos centos, elles vêem successivamente 
<hegando das regiões a leste d"este dJstricto, Am- 
taca. Pungo Andongo, Golungo Alto, etc. 

Estes carregadores e outros, poucos, que em Ben- 
guella se obtiveram, formam o comboio da columna, 
constituído por mais de 1:000 homens, mas ainda 
assim insuficiente para as necessidades d'ella, do 
que resultam graves ditEculdades de marcha e, por 
vezes, uma certa morosidade nas operações, pro- 
veniente de vários estacionamentos precisos para 
mandar á rectaguarda buscar abastecimentos, sem 
os quaes o proseguímento era impossivel. 
Direi já que muitos carregadores, como é de uso, 




96 



mais tarde fugiram em caminho, abandonando as 
suas cargas, umas de mantimentos e outras de mu- 
nições, mas todas precisas; e grande foi o consumo 
de incansável actividade empregada na busca das 
cargas abandonadas, e para apanhar alguns dos fu- 
gitivos e obriga-los a servir a columna, que, afinal, 
graças ao enérgico e tenaz esforço dos seus officiaes 
e á disciplina das suas praças, consegue vencer to- 
das as diflficuldades, tninspôr todos os obstáculos, 
e alcançar o êxito que afinal se obteve. 

Direi também que da base de operações, em Ben- 
guella, quasi diariamente são expedidas para Ca- 
tumbella, em carroças fornecidas pelo commercio, 
naturalmente interessado no abastecimento da co- 
lumna, ou obtidas por outra forma, novos manti- 
mentos, que aquelles que ella levara, visto o seu 
pequeno comboio, só chegam para alguns dias ; e de 
Catumbella é por meio de carregadores que elles 
chegam ao seu destino, isto é, ás forças cada vez 
mais internadas. 

Este serviço de transporte é feito ora por carre- 
gadores que regressam da columna, ora por alguns 
que mesmo de Benguella partem, e por outros que 
em Catumbella o chefe do concelho consegue com 
louvável zelo obter. 

Tão dedicado foi o zelo d'aquella auctoridade, e 
tão singular no meio do retrahimento de tantos, 
cuja boa vontade eu suppunha — mas illusoria- 
mente — empenhada em auxiliar as nossas tropas 
que, até a bem dos próprios interesses d'elles, iam 
arrostar as inclemências da sua dura marcha e por 
acaso sacrificar a saúde senão a vida, que, em re- 



97 



conhecimento dos seus serviços, resolvi prover de- 
finitivamente no logar vago de chefe do concelho 
•de Catumbella o pharmaceutico Amadeu Leite. Não 
foi grande o premio; outros, da mesma confraria, 
teem subido mais alto; ainda assim, soube depois com 
surpreza que motivara estranhezas. 



o8 



Como fica dito se suppriram, com difiBculdade 
mas com boa vontade, as faltas de pessoal, consi- 
deráveis apesar das sabias providencias superior- 
mente determinadas, sem que para tanto fosse 
preciso recorrer a outros elementos que não fossem 
soldados portuguezes e indigenas de Angola, egual- 
mente portuguezes; e dentro também dos recursos 
de casa se preencheram as de material, com uma 
pequena excepção constituida pelo aproveitamento 
de todo o cartuchame que viera, a bordo do trans- 
porte Africa^ com destino a S. Thomé, onde aquelle 
navio devia deixa-lo no seu regresso para o norte. 

Foi em Loanda, nas officinas do deposito do 
material de guerra confiadas á zelosa e intelligente 
direcção do tenente Annibal Brito, que se manu- 
facturou com celeridade imprevista o muito que em 
correiame e equipamentos faltava para o effectivo 
da força constituida; e finalmente nos casões mili- 
tares d'esta provincia se confeccionaram cm breves 
dias os uniformes indispensáveis para vestir as 
praças em conformidade com as necessidades da 
campanha. 



neir 

CL 



U Os próprios soldados da companhia europeif^ 
tinham vindo de Lisboa sem outro uniforme que não 
fosse aquelle de panno pardo, de menos que pro- 
blemática esthetica, com o qual se apresentaram 
na brilhante revista que precedeu a sua partida. 
Para estes, pors, e para a maior parte dos que com 
elles constituiram a columna de que estou tratando, 
foi necessário, no curto prazo de alguns dias, ma- 
nufacturar numerosos fardamentos de kaki e bas- 
tante calçado. 

Incidentalmente permitta-se-me dizer que a ma- 
neira prompta como n'esta parte as difficuldades se 
Spnceram, demonstrou assazmente a utilidade dos 
!es militares, cuja instituição auctorisei em içioi; 
Bcuja regulamentação approvada por portaria pro- 
vincial de 9 de maio do mesmo anno, cuidada e 
inteiramente consentânea com aquella economia 

Iie eu preconiso no meu relatório de 1902, se deve 
1 trabalho sempre dedicado e sempre zeloso do 
íjor Anastácio Soeiro, ao tempo chefe da admi- 
(tração militar em Angola. 
Peças de artilheria só havia 3, e para completar 
bateria, que fez parte da columna, foi preciso 
mandar vir do Congo uma outra que ali se achavíi, 
assim como para transporte da artilheria foÍ preciso 
fabricar, com urgência que as circumstancias recla- 
mavam, imperfeitas atrelagens. 

Estas atrelagens eram apropriadas a tracção 
exercida por carregadores; a poucos dias de mar- 
cha, porem, se reconheceu que o meio era inappli- 
câvel com êxito na lucta, a cada instante travada e 
^^umpre maior, com as difficuldades de transito 



lOO 



n^algumas regiões, e então, já em marcha adian- 
tada, outras foram inventadas e executadas, no 
meio da maior deficiência de recursos, pelo valente 
commandante da bateria, proficuamente auxiliado 
pelos seus soldados. 

Não fatigarei referindo-me á falta completa de 
solipedes, que se preencheu com um pequeno nu- 
mero d'elles, adquiridos a custo, e a outras. Ape- 
nas frisarei o seguinte facto, que é deveras expres- 
sivo da actividade dispendida no curto período que 
decorre entre o começo dos trabalhos da constitui- 
ção da columna e o seu fim : praças devidamente 
instruidas apenas se contavam 6o da companhia 
europeia, que nas de cá, brancos e indígenas, a 
instrucção era escassa em algumas, nulla em quasi 
todas. Nem admira, que em Angola, antes da 
actual reorganisação, faltavam por completo os 
elementos precisos para se cuidar com efficacia de 
instruir as suas tropas, muito reduzidas, e, de resto, 
dispersas na maior parte pelos dififerentes postos 
e destacamentos da provincia, o que constituia 
mais uma dificuldade opposta á realisação d'esse 
encargo. É pois no curtissimo período de organisa- 
ção da columna do norte de Benguella que se 
cuida de ministrar alguma instrucção — a necessária 
para inicio de operações, que no decorrer d' estas 
a restante viria — ás praças que constituíram a re- 
ferida columna; e até as de artilheria, aliás instruí- 
das na metrópole, tiveram de o ser novamente em 
Loanda, por isso que o material que aqui se lhes 
defrontou, por ser outro que não aquelle que co- 
nheciam, lhes era absolutamente desconhecido. 



Em homenagem á verdade e preito á justiça, 
devo dizer que são dignos de maior elogio os dois 
quartéis generaes, o da provinda e o da columna, 
cujos officiaes foram incançaveis no desempenho 
dos pesados encargos que lhes foram commettidos, 
e aos quaes dedicaram, no meio sempre das maiores 
fadigas, a maioria das horas de cada dia e até mui- 
tas de muitas noites. 

Não fosse o auxilio efficacissimo que estes dedi- 
cados servidores da pátria, me prestaram e estou 
certissimo de que a columna, que, principiada a 
organisar em 20 de julho, estaria prompta a partir 
para Benguella em 27 ou 28 do mesmo mez, se 
não houvesse que esperar pelos carregadores im- 
prescindíveis, que em grupos numerosos, mas só 
em dias muito espaçados, pouco a pouco iam che- 
gando, só muito tarde partiria. Assim, em 3o de 
julho o seu primeiro troço partia para Benguella a 
bordo do Africa^ que em 5 de agosto transportava 
a parte restante, com a qual eu também parti para 
aquella cidade, obedecendo por esta forma ao que 
superiormente se me telegraphára, ao que o com- 
mercio de Benguella me pedira, e ao que eu mesmo 
reconhecia convir e ser do meu dever. 

Fui só com um ajudante, e, chegado a Benguella 
e iniciadas as operações, com este e um adjunto, 
official destacado da columna do norte, constitui o 
quartel general do commando em chefe, cuja com- 
posição sei que ficou longe de ser inteiramente a 
regulamentar, mas foi a que as circumstancias impo- 
zeram pela absoluta falta de officiaes que ficassem 
em Benguella sem prejuizo das operações. 



I02 



De resto, inquietos e até angustiados me correram 
ali os dias, povoados não raro pelas impertinentes 
difficuldades que lá houve que vencer para procu- 
rar assegurar os abastecimentos regulares da co- 
lumna, e sempre pelos sobresaltos que, apesar à^ 
toda a minha confiança no valor dos nossos vale-^' 
tes soldados, me vinham da lembrançii de que b^^ 
podia a fortuna, n'um dos seus revezes, mallogrí»^^' 
lhes a esperança de victoria que os animava ^^^^ 
partir. 



i 



Como jd disse, desde 2(5 de julho que em Loanda 
■era conhecida a ciiegada de Paes Brandão á forta- 
leza do Baiiundo era lo do mesmo mez; por isso 
a inquieta preoccupaçáo causada pela eminência dos 
perigos que a ameaçavam e a vida dos que n'ella 
linham procurado abrigo, contra a fúria inclemente 
brava do gentio sublevado, perdera muito da sua 
.ravidade. Por outro lado a columna do norte estava 
'tonstituida e ia partir; e a do sul, ainda por esireiar, 
sabia-se que permanecia em Caconda, sendo aUás 
tempo de começar a operar. Era pois chegado o 
•oiomento de pôr em execução o plano de campanha, 
-ciue as circumsiancias aconselhavam, que em mais 
ci'uma passagem d'este relatório já transpareceu, e 
jselo qual me decidira. 

A columna do sul, pondo termo á sua demorada 
«estadia em Cacondu, seguiria o seu primitivo plano, 
isto é, aquelle que eu lhe presumia quando se cons- 
tituiu e iniciou a sua marcha para o interior, e cu- 
delineamentos entrevi nas informações vagas 
.e a secretaria geral me deu sobre a Índole ou 
[tenção das taes mysieriosas instrucções ; e, por- 



104 



que a situação do Bailundo, não reclamava já a 
mesma urgência de soccorro, para desfazer velhas len- 
das e melhor consolidar a soberania portugueza no in- 
terior de Benguella, bateria o Huambo, que com- 
prebende também o Sambo, cujo soba é subordinado 
(bicanjo) do soba d'aquella região. A do norte deixaria 
a sua base de operações em Benguella, d'onde partiria 
em marcha para o Balombo, junto do qual estabe- 
leceria a sua base de étapes, e, deixando a meio 
caminho um posto de ligação, ali chegada, bateria 
o soba Bambi, da Quibulla, em caso de resisten- 
cia, ou, não a havendo, impôr-lhe-hia tão somente 
condições de paz. Depois d'isso penetraria no cora- 
ção da região revoltada e, seguindo pela Quiáca e 
pelo Quipeio, ou mais pelo norte se as circums- 
tancias assim aconselhassem, bateria o gentio no 
caso provável d'elle se apresentar em armas, ou 
limitar-se-hia á imposição d'aquellas condições que 
devessem assegurar a sua submissão, se a sua atti- 
tude fosse pacifica e arrependida. 

N'esta marcha convergente sobre o Bailundo^ 
executada pelo norte e pelo sul de Benguella, cujas 
vantagens já mais d'uma vez me mereceram refe- 
rencia, as duas columnas diligenciariam communi- 
car entre si, e, quando o conseguissem, os seus 
commandantes, de commum accordo, procurariam 
pôr termo á guerra. 

Era, todavia, absolutamente preciso que a paci- 
ficação que se realisasse fosse duradoura; que a 
provincia ficasse por longo periodo isenta do risco 
de novas sublevações intensas como a ultima e como 
ella tão nocivas á sua economia e á sua ordem, o 



syn 
que 



■fue o mesmo é que dizer a todo o seu progresso n 
e desenvolvimento: era indispensável que a região 
percorrida pelas duas columnas de operações ficasse 
Tranquillisada e submissa quanto possível, e a sua 
posse se tornasse deveras elfectiva; finalmente, que 
as despezas da guerra não fossem perdidaii ; por 
isso os commandantes estabeleceriam os postos que 
para tanto fossem necessários, e deixal-os-hiam de- 
vidamente guarnecidos, e, tomadas aquellas delibe- 
rações que por acaso ainda fossem precisas com 
respeito a qualquer soba ou secúío que permane- 
cesse recalcitrante ou irrequieto, o da columna do 
norte providenciaria para que a região do Selies, em 
Novo Redondo, fosse batida, e depois partiria para 
o Bailundo e Bihé a fim de proceder a rigoroso 
inquérito sobre factos que eram considerados como 
tendo concorrido perniciosamente para a explosão 
da revolta, e o da columna do sul, mandando re- 
gressar ao seu quartel os dragões e dispensando o 
serviço dos carros boers, entregaria a diminuta força 
que lhe restasse, depois de guarnecido o Huarabo, 
á columna do norte — a esse tempo por certo bastante 
esgotada pelos contingentes deixados na guarnição 
dos postos que devia ter creado — e a seguir iria 
ás Ambuellas e Ganguellas com o fim também de 
svndicar de outras occorrencias graves. 

Este foi o plano, aliás singelissimo, que se ado- 
lu e executou com aquellas ligeiras alterações 
que o desenvolvimento dos acontecimentos obriga 
sempre a introduzir em todos os planos de campa- 
nha ou projectos de operações; e era elle o que se 
;oDtinha nas instrucções que por mim foram dadas 



lOO 



ao commandante da columna do norte, e n'aquellas 
de que eiie mesmo foi portador para o comman- 
dante da columna de Caconda, com o qual na ver- 
dade eu esperava que o primeiro mais cedo che- 
gasse a communicar. 

Nas instrucGÕes de um e de outro commandante 
havia matéria de natureza confidencial ; todavia no 
ministério da marinha são bem conhecidas, porquanto, 
logo depois de formuladas e entregues, tive a honra 
de para lá as remetter por copia. 

Como é fácil de ver também, este plano já em 
29 de julho estava concluido e delineado. Foi em 
sua observância que se expediu para Benguella o 
telegramma d'aquella data, a que mais de uma vez 
tenho feito allusão, ordenando ao commandante da 
columna de Caconda que seguisse o seu primitivo 
plano, batesse o Huambo e o Sambo, estabelecesse 
postos, assegurasse communicações. 

Não poderá ser arguido de grande complexidade 
este plano de campanha, que a rápidos traços deixo 
delineado ; e nada mais fácil, julgo eu, do que con- 
cebe-lo e forma-lo. Resultava natural e singelissima- 
mente das circumstancias e do estado, facilmente 
verificável e comprehensivel, das operações inicia- 
das, isto é, da situação. 

Uma ligeira circumstancia, mas que em nada 
inHuiu no êxito final das operações, c pode mesmo 
dizer-se que na sua marcha ficou fora de previsão: 
foi a rápida e inesperada retirada das forças do com- 
mando de Paes Brandão para o Libollo, pelo mo- 
tivo por este allegado, e a que já me referi quando 
escrevi a historia da revolta. Com estas forcas ainda 



na fortaleza contava eu quando as operações pelo 
norte e pelo sul de Benguella se iniciaram, e até 
com a sua futura utilisaçáo, se acontecimentos sub- 
sequentes a aconselhassem; mas a noticia espalhada, 
se bera que pouco verosimil, de que os povos do 
Libollo se dispunham a aproveitar a ausência do 
valente commandante militar d'aquella região para 
lambem se revoltarem contra a auctoridade, fe-lo 
apressar o regresso d sede do seu commando mili- 



Com vantagem para o êxito das operações emais 
segurança de cada uma das columnas, pensei em 
lhes aproveitar o trabalho conjugado na marcha 
convergente sobre o Bailundo que lhes foi determi- 
nada; e ao mesmo tempo em assegurar as regiões 
visinhas de Benguella e Catumbclla contra qualquer 
concentração do gentio sublevado, que naturalmente 
para ali refluiria, e com facilidade, se, acossado ao 
sul por Caconda e ao norte pela Gallanga, perto 
do rio Queve, se deixa inteiramente desamparada 
de occupação militar a larguíssima faixa que fica 
entre a Gallanga e ílaconda por um lado, e o litto- 
ral por outro. 

Assim poderia acontecer se sujeito a minha orien- 
tação á que por cá dominava, e em vários telegram- 
mas c officios da secretaria geral \á tinha sido 
exposta, qual era a de fazer de Novo Redondo, a 
de operações, ou o ponto de partida para o 
, das forças que da Europa eram esperadas. 
láo ignora hoje ninguém, — -bem o demonstrou 

ntitude declaradamcnre hostil do gentio perante 
larcha gloriosa da columna do norte, e a rudeza 




!OH 



dos combates que esta teve de sustentar — que era 
precisamente na linha que vae do Queve ao Ba- 
lombo que, desafogado o Bailundo por Paes Bran- 
dão, a sublevação attingira o seu auge. 

Pensei também, ao formular as instrucções mili- 
tares, onde se contem o plano de campanha assente, 
em ver terminadas as operações, que estavam ini- 
ciadas e iam proseguir, o mais depressa que fosse 
possível; por isso a simplicidade procurada, quede 
resto, em todos os assumptos e sempre, é deside- 
vaitim dominante no meu espirito. 

Sabia bem quanto operações d' esta natureza cos- 
tumavam ser longamente arrastadas, atravez de 
mezes e mezes, n'esta infortunada Angola, e d'ella 
conhecia em demasia as apertadas condições finan- 
ceiras e a necessidade urgente da sua prompta pa- 
cificação, indispensável para que o seu commercio 
renascesse e a sua vida económica se normalisasse, 
para não ver sem pavor quanto seria nocivo, ruim 
e oneroso o decurso de um exaggerado periodo de 
guerra. 

Finalmente, diligenciei também reduzir, até onde 
fosse possivel, as despezas da guerra, que anteci- 
padamente eu sabia que seriam grandes, motivo 
porque, occupado o Huambo e Sambo, d'onde sem- 
pre esperei que desde logo a linha de communica- 
ções para a rectaguarda ficasse completamente asse- 
gurada, eu mandava dissolver a columna do sul; 
recolher ao plan'alto da Huilla, onde começavam 
a ser propalados infundados c incidiosos boatos de 
sublevação para leste, a companhia de dragões, que 
é o seu melhor núcleo de força ; dispensar o serviço 



ÍOQ 



dos carros boers; e, por fim, que o seu comman- 
dante seguisse no desempenho de uma commissão 
especial que, pela sua importância e pelo posto 
d' outro official interessado n'ella, eu entendia que 
devia ser-lhe commettida. 

A esse tempo estava eu longe de presumir os 
termos extraordinários do contracto com os boers 

— carreiros e auxiliares — celebrado em Caconda 
antes da partida da columua do sul, e impossível 
me seria suspeitar sequer que o commandante d'esta 
columna, inobservando, com tão manifesta infracção 
dos seus deveres militares, o que no telegramma 
de 29 lhe ordenara, se internara deixando inteira- 
mente abandonadas as suas communicações para a 
rectaguarda, cuja necessidade a sua competência 
profissional — mais que o meu profano paisanismo 

— devia lembrar-lhe. 

Por este grave erro, pouco depois de communicar 
com a columna do norte, no Bailundo, dizia não 
poder dispensar as suas forças, porque vários pon- 
tos — á sua rectaguarda por certo — estavam amea- 
çados; por este grave erro, soflfreu o desgosto de 
saber desacatado pelo gentio o forte que construirá 
no Huambo, mas deixara desguarnecido, em con- 
trario do que oflScialmente dissera ; este grave erro, 
teve de reconhece-lo mais tarde, quando, para asse- 
gurar as communicações por Caconda, se sentiu 
obrigado a estabelecer o posto do Cuima; finalmente, 
por este grave erro, a sua columna deixou de dis- 
solver-se mais cedo, e por tempo, que de outra 
forma seria escusado, os carros boers — a meia car- 
ga e somente 6 horas de marcha diária, excluídos os 



lio 



domingos que eram da ritual immobilidadc — con- 
tinuaram percebendo os 4;2?)5oo réis diários estipu- 
lados, os auxiliares montados os 3^5oo réis do con- 
tracto, e os auxiliares peões os modestos i^Soo réis 
que o mesmo contracto lhes conferia. 

Se a tempo presinto o que succintamente fica 
indicado, asseguro que, embora com violência sobre 
as naturaes tendências benévolas da minha Índole, 
a linha da minha conducta teria sido bem outra da 
que foi. Mas, deixemos isto, que é passado irrepa- 
rável, e passemos a ver como as operações das duas 
columas se desenvolveram. 

Pelo que respeita á do norte ser-me-ha de rela- 
tiva facilidade dizer n'este relatório o que julgar 
indispensável porque tenho presente aquclle que ^ 
seu digno commandante me apresentou, e por is^^ 
me não faltam os precisos elementos de apreciaçá^'' 
não succede, porem, assim quanto á columna ^ 
sul, porque, infelizmente, só tenho ao meu disp^^ 
como meios de informação, por outros não have^ 
os officios e notas enviadas pelo seu illustre con:'^" 
mandante a differentes estações officiaes no decorre^ 
das suas operações. E' pouco, mas ainda assim po;^ ' 
elles procurarei reconstituir as operações d'esta co- 
lumna, e, para ser tão rigoroso quanto possive^ 
n'esta tarefa de que me faço cargo, desde já declaro ' 
que, sempre que o julgar opportuno e preciso, trans- 
creverei d'esses documentos, na integra, as passa- 
gens de maior interesse e mais viva emoção. 



CAPITULO IV 



Partida da columita do aorle pura Catumbella.— Itiaerarío até á Canjalla : diffi- 
coldades í liíroismoB.— Postos em Cotula e qo Bucoio; base de elafes.— 
Ttlica do gentio <m Angola ; maneira de □ bater.— Combale do Caiobe.— 
Combate do Soque.— Destrui (So dat libatas da Quipaça : Cranbale no Con- 
go e lasallo ao comboio da columna no Munambambe.— Tomada da embal:i 
da QitibaDda; bivaque e posto noLuimbaile ; manifeslaçSes de submissão. 
-Submissão de Calendula : escaramuça no comintio para a embala da 

doii cornmandantes na fortaleza do Baihindo, conferencia e accordo.— 
DeilruiçSo da embala daQulbula. Regresso das (or(as europeias ao lilloral. 



í oi no dia 9 de agosto, pelas 8 horas da ma- 
nhã, depois de mais uma noite de vigília 
sacrificada aos últimos preparativos da co- 
lumna do norte, que esta partiu de Benguella para 
Catumbellla. Na matta do Cavaco, onde a precedi, 
assisti ao seu lento e cadenciado desfilar. Porque 
não o direi í ! Emquanto ellá passa sou dominado 
por estranha e viva emoção: é que os desenganos 
me não esterilisaram a alma ainda até ao ponto de 
poder assistir com serenidade, que seria visinha de 
depravada indiflercnça, á partida dos leaes e valentes 



1 12 



servidores da pátria que ali vão, e cujo futuro, a 
contar de então alternado em trabalhos e perigos, 
se pôde rematar na gloria, também para muitos 
pôde cerrar-se breve no aniquillamento da morte. 

Desenrola-se a columna talvez n'uns 600 metros 
de extensão. Na frente, em guarda avançada, appa- 
rece o primeiro pelotão da companhia europeia de 
infanteria ; a uns 5o metros de distancia, desdobra- 
se regular c firme o corpo principal da columna, 
constituído pela 10.* e 11.* companhias indígenas c 
pela bateria de artilheria, que marcha em columna 
de secções, indo a primeira na testa da infanteria c 
a segunda na sua cauda. 

Segue-se-lhe numeroso comboio contituido na sua 
quasi totalidade por miseros negros carregadores, 
que a custo transportam já os pesados fardos onde 
mantimentos e munições se conteem ; fechando este 
singular c tão suggcstivo cortejo caminha o segundo 
pelotão da companhia europeia que constitue a 
guarda da rectaguarda. 

Junto do commandante, e com elle a cavallo, vão 
o chefe do estado maior e o ajudante d'aquelle : 
perto d'elles, desdobrada e leve, tremula a querida 
bandeira nacional, que mais tarde alguns officiaes 
me dizem ter visto, atravez de uma humidade de 
lagrimas, em que lhes reçumava nos olhos o enthu- 
siasmo commovido da victoria, desfraldar-se ao 
vento nas aliissimas cumiadas da montanha do So- 
que, até então inaccessiveis a tropas portuguezas. 

Desta vez, ao menos, esse symbolo augusto de 
honra, patriotismo e gloria, que tão levianos des- 
primores teem desacatado, subiu tão alto na terra 



quanto, na sua devoção apaixonada pela pátria, sabe 
-erguel-o o bravo soldado portuguez, que, nas luctas 
<lifficeis do ultramar, trabalha, incansável sempre, 
heróico por vezes, pela manutenção integra do nosso 
vasto domínio colonial. 

E' rápida a passagem da columna, que em breve 
os meus olhos perdem de vista, reluzindo em fais- 
cantes scintillações de sol que as suas armas poli- 
das reflectem, na lenta inflecção em que a poeirenta 
estrada ao longe se some, n'uma intensa sobrepo- 
sição dos altos matagaes selvagens que a orlam e 
por vezes lhe invadem as bermas ; seguem-na, po- 
rem, os meus votos ardentes pelo êxito que lhe de- 
sejo, e que — mercê de Deus! — o futuro propicio 
largamente lhe prodigalisou. 



8 



114 



Não me alongarei em demasias de detalhe dizendo 
o que foi essa marcha heróica da columna comman- 
dada pelo capitão Massano de Amorim desde Ca- 
tumbella, d'onde parte no dia io de agosto, in^ne- 
diato ao da sua sahida de Benguella, até á Canjalla. 
junto ao rio Balombo, onde chega em 22 do mesmo- 
mez, com prévia escala pelo Lobito, Hanha, Cam- 
bondo, Cohula, Cacima, Cariongo, Colungungo e 
Sequiruabir ; devo-lhe, todavia, a homenagem de 
algumasjpalavras. 

São bem conhecidas as difficuldades de toda a. 
ordem, inseparáveis sempre de qualquer travessia^ 
d'esta natureza : ardências inclementes do sol e fal- 
tas de agua e de abrigo que lhes mitiguem o rigor;, 
privações de toda a espécie, e, por vezes, até a. 
fome, porque os mantimentos acabam, e as novas 
provisões raro chegam sem desanimador atrazo;. 
fuga frequente de carregadores, furtando uns suas 
cargas, abandonando-as outros, mas redobrando to- 
dos a inquietação, o trabalho e as canceiras de quem 
fica; aspérrimos desfiladeiros, duras serranias, tão 
rudes que veTicel-as parece milagre ; arrastadas mas 



É gentes e longas travessias, emprehendidas coní' 
cia, que o cansaço converte em angustia, para at- 
igir os raros e distantes pontos de agua, — e que 
«gua! — a tempo de poupar talvez da morte muitos 
que a fadiga e a sede quasi sem remédio extenua- 
ram nas suas insoffriveis agonias; febres, desespe- 
ros e desalentos, eis com que deve contar quasi á 
certa o europeu que no interior de Africa se aventura. 
De tudo soffreu a valente columna do norte de 
Benguella, mas aggravado pela sua numerosa cons- 
tituição; pela dura obrigação militar de evitar com- 
modos, mas inacceitaveis alongamentos de itinerário 
t]ue podiam rctardar-lhe a chegada rápida aonde o 
ciever a mandava e os perigos do combate a sedu- 
:ziam; pela impossibilidade, em vista da forma por- 
t:jue se organtsára — a única adaptável íÍ região a 
percorrer— de comsigo levar mantimentos para mais 
<zio que alguns, poucos dias; emfim, para não me 
^ilongar mais, pelas constantes difficuldadcs, só a 
çjrande custo superadas, que dia a dia em Benguella, 
^m Catumbella, no Egito e noutros logares se de- 
param, opposlas sempre á execução regular do ser- 
"viço dos seus abastecimentos. Tudo, porem, a com- 
jjrovada resistência dos soldados que a compunham, 
^ sua sobriedade, o seu valor e a sua disciplina, e 
<3 brio enérgico e pundonoroso dos seus officiaes 
conseguiram vencer, tendo todos, cm minha opinião, 
na firme perseverança com que souberam subjugar 
^^T:an(as difficuldadcs, que o próprio concurso refor- 
^^feava, um dos mais brilhantes títulos justificativos 
^^Bla gloria do seu triumpho final. 
^^K Logo em Catumbella, algumas dezenas de car- 



ii6 



regadores fogem; no Quileva e em todo o longo 
percurso — dois dias de marcha — da Hanha á 
Cohula não se encontra agua, e aquella que a co- 
lumna transporta em ancoretas só á custa de infa- 
tigável vigilância e dolorosos sacrifícios se consegue 
fazer durar; a subida da Hanha, e principalmente 
a do Cambondo, vcncem-se mediante esforços titâ- 
nicos; a breve trecho verifica-se que os pretos 
empregados na pesada tracção da artilheria, cujo 
transporte a dorso de solipedes, segundo da mesma 
é próprio, seria tão fácil se uma previdente assis- 
tência militar tivesse mais cedo velado por esta po- 
bre Angola, irresistivelmente fatigados já, e um tão 
doente que a morte lhe põe termo ás penas da vida, 
não podem mais ser utilisados n'aquelle árduo mes- 
ter; finalmente, em cada dia que chega as inquie- 
tadoras difficuldades que assediam a marcha aggra- 
vam-se por tal maneira que só á corações como os 
d'aquelles valentes, que o dever impellia e os laços 
inquebrantáveis da disciplina uniam, seria dado fu- 
gir ás sombrias inércias do desalento. 

E no caminho da Hanha para o Cambondo que 
o incançavel capitão de artilheria José de Mendonça, 
levado por essa grande força que se chama neces- 
sidade^ inventa e logo executa umas pittorescas atre- 
lagens, que depois se applicam com proveitoso re- 
sultado. 

Molhos de capim enrolados em mantas, que a 
seguir se dobram com esforço, solidamente se ligam 
nas extremidades, e se protegem com pelles de boi 
convenientemente ensebadas, são as mulhêlhas; cor- 
das resistentes que a estas se prendem por um lado, 



l pelo outro, mediante fortes ganchos de ferro, Á 
nreira do reparo das peças, são os tiranies ; e o 
^odo, appíicado a alguns solipedes que iam na re- 
serva de transportes, constitue o systema de tiro 
d'ahi por deante usado com sacrificio de algumas 
muares, mas justo ailivio de algumas dezenas de 
pretos, de todo extenuados. 

Ha, porém, escarpados, desfiladeiros, montanhas, 
onde o processo não dá resultado, e então é aos 
hombros dos próprios artilheiros e dos seus offi- 
ciaes que as peças, como grandes fardos, que la- 
eriosas formigas arrastam, são transportadas até 
»• alto. 
ÍA subida do Cambondo, conseguida á custa de 
jrdadeiros prodigios de constância e tenacidade, é 
I género uma verdadeira epopêa; senão leiam-se 
«stas palavras, que são aquellas com que, no seu 
honrado relatório, o valente commandante da co- 
lumna a descreve; 

«... Er;i preciso, pois, não pensar sequer em 
nos demorarmos alli e para logo resolvi exigir das 
tropas um supremo esforço para subir o gigantesco 
morro que se nos deparava e attingir o mais rapi- 
damente possível a Cohula, isto é, a agua. Por este 
motivo a marcha continuou logo depois das 'i. horas. 
«Trabalho verdadeiramente phantastico o d'esta 
subida. As tropas reanimadas pelo descanço, exhor- 
tadas pelos officiaes, começam a subir contentes e 
cheias de energia, pelos rochedos a que a breve 
trecho tem que agarrar-se com as mãos não já para 

t-char, mas para trepar, arrasiando-se quasi. 
Os soldados de infanteria, não tendo outra coisa 



lli< 



com que se preoccupar senão com as suas propnas 
pessoas, avançam a principio com mais rapidez do 
que os artilheiros e a gente dos comboios; dentro 
em pouco, porem, o andamento torna-se mais lento 
c evidentes signaes de cansaço se manifestam ainda 
nôs mais decididos e resolutos. Caminham agora 
penosamente, auxiliando-se das armas como apoio, 
perdendo-se todo o rigor de formatura que até alli 
fora respeitado. 

«A artilheria faz prodigios. As guarnições, sem 
distincção de soldados ou sargentos, atiram-se ás 
suas peças que empurram e arrastam, travam e le- 
vantam, suspendendo-as por vezes pelos reparos 
para lhes fazer franquear os maiores obstáculos. 
Com a voz e açoutes improvisados de vários ramos 
seccos, que deparam nos caminhos, animam o gado, 
que por vezes se recusa a avançar. Nos pontos em 
que a infanteria subiu auxiliando-se de pés e mãos, 
vão elles passar com o material, e então é ver como 
as rodas travadas pela rigeza de músculos que se 
retezam, e as testas das conteiras seguras por hom- 
bros immoveis que se lhes apoiam, manteem todo 
o systema num equilíbrio que representa o esforço 
gigantesco, preciso para desmontar as peças, que, 
enfiadas em bordões de palmeira, bimbarretas de 
occasião, seguem de braço em braço, de mão em 
mão, até terem transposto os obstáculos onde as 
mulas são levadas a empurrão. Todos os movimen- 
tos se fazem depressa, com energia e boa vontade, 
mas a actividade desenvolvida contrasta singular- 
mente com a morosidade da marcha, deslisar arras- 
tado que se torna cada vez mais lento. 



iiq 



«Acima de todas as energias e de todos os esfor- 
-ços estão a energia e o esforço do commandante da 

bateria, o capitão José Correia de Mendonça, que 
^gora se demora para dirigir a passagem perigosa 

de todas as peças e logo corre á frente para remo- 
ver maior difficuldade que se antolha. Não é somente 

com a direcção dos trabalhos que elle auxilia e 
.activa a marcha, é com a força dos seus músculos, 
^trabalhando como um simples artilheiro, e com o 
cimbre da sua voz que a todos anima e avigora, e 

nos rápidos momentos de descanço distingue com 
lima palavra de louvor os mais esforçados entre 
-tantos que muito o são, e anima com um simples 
^csto os que apparentam maior fadiga». 

Muito intelligente para se illudir na critica, muito 

leal para nos enganar com a narrativa, ahi está como 
-o bravo official que commandou a columna do norte 

— tão modesto que, fazendo justiça a todos, só de 
-«i próprio se esquece — nos descreve a subida de 

-Cambondo, eloquente demonstração d'esta verdade, 
axiomática para quem saiba o que é batalhar em 

Africa : se é grande gloria affrontar e vencer o ini- 
-^migo armado, que em acampamentos de milhares 

-de combatentes se ergue, não é menor — até por 

^ezes a excede — aquella que se alcança na lucta a 
^ada passo travada com a natureza rudemente hos- 

íil, quando superada. 



120 



* 



Para assegurar as communicações com o EgitOy 
pela Hanha, deixou a columna do norte um posto^ 
que principalmente considero de occupaçâo, na 
Cohula ; para garantia das communicações, por Quis- 
sange, com Catumbella, estabeleceu a mesma co- 
lumna outro posto no Bucoio. Na Canjalla, junto do 
rio Balombo, fíxa a sua base de étapeSy que deixa 
guarnecida com 3o praças de infanteria e uma bocca 
de fogo, e d'ahi por deante, tendo já penetrado na 
grande região sublevada, começa a serie dos seus 
árduos e gloriosos combates, bem sustentados pelo 
gentio a principio, mas depois fracos, porque o ini- 
migo em desanimo e já aterrado pelo resultado dos 
primeiros, insignificante resistência ousa offerecer 
nos últimos. 

Espécie de creanças grandes, os indigenas d'esta 
provincia — e creio bem que assim serão em quasi 
toda a Africa — teem as maiores audácias no co- 
meço da campanha, para onde os impelle a sua Ín- 
dole bravia e impulsiva, e, no caso sujeito, excitada 
por quasi legitima represália; soffridos, porem, os pri- 
meiros revezes e desenganos, são de todo incapazes 
de manter na lucta aquella perseverante e teimosa 
tenacidade, que ás vezes leva á victoria, quando as 
probabilidades de derrota já parecem inilludiveis- 






>!•& 



enho ouvido íiESrmar que são mais valentes oV 
tos da outra costa, principalmente na vasta região 
Gaza e em algumas zonas de Lourenço Marques, 
*^cie se feriram os últimos combates, que tanto lus- 
^~e deram ás armas portuguezas; e diz-se isso por- 
^^^e a peito descoberto e em numerosas mancas se 
^^fferecem ;i lucta. K possivel realmente que seja 
"^~^ais firme a sua coragem e mais heróica a sua in- 
^<dole, mas, além de que nem sempre o adversário 
^*^ais valente é o mais temível, a verdade é que 
-^fciesta província de Angola o gentio, quando em 
"^^^uerra, não deixa de ser um Jnímigo deveras 
]^)engoso para os bravos soldados que o comba- 
lem. 

Mais timorato talvez por menos selvagem, ou en- 
~^ão industriado em mais segura táctica, entrinchei- 
ra-se, abriga-se, procura occultar-se, e assim, sem 
■que por vezes seja mesmo fácil vè-lo bem ou cal- 
cular-se-lhe o numero com exactidão approximada, 
ataca embuscado as tropas que se propõem bate-lo. 
Airosas palmeiras, grossos imbondeiros, severos 
penhascos, espessas moitas que a vista não trespassa, 
altos morros de salalé, que meigas trepadeiras por 
vezes revestem, tudo lhes serve de abrigo, e de toda 
a parte, emfim, o fogo rebenta traiçoeiro sobre as 
forças que avançam, Sc mais não são as viciimas é 
que — mercê de Deus!— os atiradores são pouco 
destros, imperfeitas as suas armas e brutaes as car- 
gas que n'estas introduzem, para as quaes tudo 
serve: á falta de chumbo para balas, aproveitam 
pregos e pedra miúda, e até, nos seus recentes com- 
5 contra a colurana do norte, numerosos rebites 



122 



tirados de alambiques, que em razzias anteriores 
dcstruiiam, são arremessados como projecteis. 

A maneiras de guerrear tão diversas da parte do 
gentio hão de corresponder outras entre si des- 
eguaes do nosso lado; por isso a forma de comba- 
ter n'esta costa é outra, que não a geralmente usada 
em Moçambique. Lá nos gloriosos combates de 
Marraquene, Magude, Coolela, Mugenga e Chibuto, 
todos — e principalmente o terceiro — de inconfun- 
dível brilho na historia das nossas campanhas ultra- 
marinas, o quadrado tem sido a maneira dominante; 
ao passo que no Caiobe, no Soque, no Congo, e 
n'outros, o quadrado, se chega a ser adoptado como 
formação primordial do combate, em breve se des- 
faz, para, depois de feita a conveniente preparação 
pela artilheria, se proceder ao assalto pela infante- 
ria, o qual deve ser rápido, feito no menor numero 
de lances que for possivel, e decisivo, para se evi- 
tar que o inimigo encontre nas delongas do adver- 
sário a facilidade de manter o seu fogo, repetindo 
frequentes as suas descargas. 

Todos conhecem a misera la:{arina, espingarda 
do commercio que o preto geralmente usa. Brutal- 
mente carregada, quasi até á bocca do seu longo 
cano, não é raro estoirar nas mãos do próprio ati- 
rador: complicada em carregar, disparado o tiro, é 
relativamente longo o tempo consumido em tornar 
a prepara-la; e assim, iniciado o assalto por parte 
de forças bem organisadas e valentemente comman- 
dadas, não costuma tardar o momento em que o 
gentio, tendo já próximo os assaltantes, que rápidos 
e resolutos o perseguem, descarregadas e por isso 



I 



inúteis as suas armas, abandona as suas posições 
€ rompe em fuga, deixando no campo os mortos e 
feridos que os primeiros liros de artilheria fizeram, 
e na linha da sua retirada aquelles que a fusilaria 
dos nossos soldados attingiu, se lhe não é possível 
levar uns e outros. No momento, porem, da sur- 
presa, se a ha, ou depois durante a execução do 
assalto, o perigo do assaltante é enorme, e valorosa 
precisa de ser-lhe a coragem, para evitar que a he- 
sitação venha comprometter-lhe a victoria. 

De resto, n"esta como na oulra costa, a dispari- 
dade numérica entre os combatentes é sempre co- 
Jossal. Poucos centos de homens por nossa parte, 
Contra milhares de pretos é a regra; e todos sabem 
até onde a superioridade do numero pôde por vezes 
supprir e compensar a falta de melhores recursos 
tle guerra. 

Não fossem precisamente as ingenuidades do gen- 
tio e a imperfeição dos seus meios, e por certo seria 
rematada e até criminosa loucura ísto, que tão fre- 
cjuente tem sido nas nossas gloriosas campanhas do 
u Itramar, de lançar para o sertão, em perigosas 
aventuras de guerra, um punhado de bravos solda- 
dos contra legiões abundantíssimas de inimigos, dos 
<q laaes, quando aconteça ficur-se-lhes nas mãos pri- 
s.ioneiro e vencido, nem ao menos é licito esperar 
oijtra coisa senão a morte sempre precedida de 
l^^rbaras torturas. 

N'algumas regiões de Moçambique, mais corajo- 
sos talvez, mais bravos e menos ardilosos, espe- 
rando tudo da sua força numérica, os pretos, cons- 
tituindo as suas afamadas nmtigas, offerecem-sc 



1.^. 



124 



francamente á lucta, como já disse e é sabido; mas 
este meio só lhes serve para maior ser o numero 
das suas victimas. A metralha da nossa, artilheria 
rompe atravez da massa compacta que, n'uma au- 
dácia tresloucada, avança constantemente, largos 
sulcos que ficam juncados de cadáveres, e a fusila- 
ria bem nutrida das nossas espingardas de repetição 
abate implacável a cada descarga centos de adver- 
sários, até que os u)timos debandam. 

N'esta costa o gentio também tem o numero, mas 
— segundo se diz e parece — não tendo a temerária 
coragem irreflectida do de Moçambique, procura na 
surpresa, no abrigo e em ardis de toda a espécie, 
nos quaes a imaginação lhe é fértil, e a cujo favor 
tem a natureza dos terrenos, onde geralmente se 
acha entrincheirado, e o conhecimento exacto d'elles, 
que na maioria dos casos por nossa parte falta por 
completo, supprir as suas deficiências de animo, se 
as teem, e aniquillar mais seguro de si os adversá- 
rios que o combate lhe defronta. 

Quaes serão mais perigosos: os inimigos que as- 
saltam de frente, a descoberto, inclementes mas 
expondo-se sem dissimulação aos nossos golpes, ou 
os que, emboscados, de costas e traiçoeiramente nos 
ferem, se podem? Nos casos correntes da vida nin- 
guém deixará de arreceiar-se mais dos segundos; 
em campanha, porem, os muitos que valentemente 
teem combatido uns e outros, que esclareçam a 
duvida com as luzes da sua experiência, que eu, 
por minha parte, apenas direi que me parecem in- 
confundiveis o êxito brilhante de Coolela e os resul- 
tados obscuros da campanha dos namarraes. 



12! 



Na Canjalla, junto de Balombo, demora-se a co- 
lumna alguns dias, que se passam estabelecendo a 
base de étapes^ aguardando mantimentos, colhendo 
informações, e n'outros serviços. N'essa altura o 
seu commandante é já sabedor de que no Caiobe 
é que provavelmente o gentio se opporá armado á 
passagem das suas forças, offerecendo combate em 
que será auxiliado por gentio de outras regiões, 
principalmente do Soque. 

Então, e no decurso da sua marcha até á Cahata, 
as informações vão-se amiudando e precisando, 
por forma que a esse tempo se reconhece que só 
mais tarde será opportuno bater o soba Bambi, da 
QuibuUa, e de momento o que urge é seguir em 
direcção ao Caiobe, onde a columna vae em breve 
receber o seu baptismo de fogo. 

No dia 28 estão as forças na Cahata, d'onde par- 
tem no dia 29; passam nas terras do preto Sacco 
Major e no Lussange pouco depois das 9 horas da 
manhã; recebem n'essa travessia vários protestos de 
fidelidade de alguns povos que lhe marginam o 
itinerário, e seguindo, chegam ás terras de Caiobe, 



120 



cujos chefes são bicanjos do soba do Soque, e lá 
se fere o primeiro combate. 

Os caminhos estão fechados, quer dizer, n^ellcs 
um ramo quebrado lançado de travez, um pequeno 
sulco que os corta, algumas estacas cravadas, e 
outros signaes conhecidos annunciam que o gentio 
não permitte a passagem, que só á força de armas 
se conseguirá. Alguns espiões a principio raros, 
mas depois em grande numero, são vistos de longe, 
retirando para o lado das libatas de Caiobe. Na ca- 
beça ostentam os seus altivos pennachos de guerra, 
ao hgmbro levam as suas espingardas. 

Entretanto, á medida que a columna avança, 
ouve-se de vários pontos o som da busina de guerra, 
que chama a postos, annuncia a approximação das 
nossas forças e que em breve a hora de lhes affron- 
tar o rude embate vae chegar; e mais perto já, 
começa de ouvir-se o som intenso, monótono e cheio 
do quingufo, que mãos nervosas tangem com pan- 
cadas rápidas, enérgicas e alternadas. 

Devem ser coisas bem difterentes, um simulacro 
e uma realidade de guerra; mas incidentalmente 
releve-se-me — a mim que sou um paisano — dizer 
que mais de uma vez emquanto viagei no interior 
de Angola, assisti a combates simulados com que 
o gentio, em grande chusma, vinha mimosear-me 
á passagem n'alguns logares; e ao ouvir os seus 
gritos agudos e estridentes, mirar os seus esgares 
de fúria embravecida, pasmar da prodigiosa des- 
tresa dos seus saltos de pantheras á solta, escutar 
o estoiro ensurdecedor das suas armas carregadas 
de pólvora até á bocca, e o som do seu grosseiro 



127 



batuque de guerra, profundo e soturno, ameaçador 
e intenso, como de trovão que vae rolando sem 
fim, me achei sempre fortemente empolgado por 
viva emoção, que a singularidade do assumpto me 
suggeria, e a decoração bravia do sertão, selvagem 
como os actores^ em muito reforçava. 

Por isto julgo eu conjecturar com approximação 
quanto seria viva a commoção — que não é filha do 
pavor, porque d'ella até nascem ás vezes os maiores 
heroismos — que havia de ser sentida pelos cora- 
ções dos nossos soldados ao defrontarem-se-lhes 
aquelles estranhos, novos e phantasticos aprestos 
de guerra. 

Avisinha-se a columna das libatas do Caiobe, em 
numero de 6 e dispostas em semi-circulo, e forma 
quadrado que fica d^ellas apartado por uns 800 a 
1:000 metros. A bateria de artilheria rompe então 
o seu fogo, a que o gentio responde vivamente, mas 
sem resultado porque a distancia lhe torna inoffen- 
sivos os tiros, e o combate começa. 

São consideráveis os damnos causados pelo bom- 
bardeamento, que principalmente visa a libata 
grande, um pouco á esquerda, e em breve o gentio, 
abandonando esta e as outras, d'ellas sahe e vem 
tomar posição, em linha de atiradores, cá fora, 
abrigado por pedras e troncos que ali abundam, 
mas mais perto da columna, que por sua vez avança 
também, ficando assim ao alcance do fogo do ini- 
migo. 

E grande a vozearia, injuriosa como de costume, 
que então irrompe d'entre os pretos, e o tiroteio 
recomeça acceso e até augmenta, porque nesse 



128 



momento alguns centos de homens, vindos pelo 
caminho do Soque, chegam em reforço do gentio 
já empenhado na lucta. 

Alguns soldados nossos são feridos e um instante 
vem em que o gentio chega a imaginar-nos vencidos: 
é quando, depois de lançar fogo ao capim secco 
que rodeia a columna, e do incêndio se aggravar 
por outro — mas este próximo — motivado por um 
tiro de peça, as forças se deslocam para occupar 
situação mais segura. 

Por effeito d'aquella facilidade de crença que nos 
espiritos ingénuos è sempre inseparável das suas 
aspirações, o gentio logo interpreta este movimento 
como de retirada, e então a sua alegria faz explo- 
são, enche os ares em brados ensurdecedores, e os 
impropérios berrados e gesticulados cahem em sa- 
raivada sobre os nossos valentes soldados, que che- 
gam a ver os seus adversários a menos de loo 
metros. Algumas descargas de infanteria, porem, 
rapidamente desfazem a illusão, e, procedendo-se 
em seguida ao assalto rápido e resoluto das posi- 
ções do inimigo e das suas libatas, aquellas são 
conquistadas e estas tomadas e queimadas, sempre 
sob o fogo da pretalhada, que sofifre numerosas 
baixas, mas só de todo desanima e foge quando vê 
por terra, morto, o valente Quissongo que capita- 
neava o reforço vindo do Soque, que, segundo me 
informam os officiaes que faziam parte da columna, 
se bateu com uma valentia digna de brancos. 

Da grande resistência offerecida pelo gentio n'este 
combate dará ideia o facto pouco frequente em cam- 
panhas africanas, ao menos n'esta costa, de só ás 



120 



6 horas da tarde ter terminado o fogo, cujo pri- 
meiro tiro foi dado á uma. 

Junto da libata principal a columna vencedora 
estabelece o seu bivaque, e quando os seus bravos 
soldados, perdida no contentamento a fadiga que 
a demasia de trabalho sem repouso devera ter-Ihcs 
causado, acclamam o êxito do seu penoso dia, que 
o próprio estalejar do incêndio nas libatas, já quasi 
monstruosos braseiros, parece também festejar, o 
comboio da columna chega e une-se-Ihe. 

Farto em lidas, canceiras e perigos foi esse dia 
29 de agosto do anno íindo, que muitos reterão 
^ternamente de memoria, porque n'ella penso que 
4ião pôde jamais apagar- se a lembrança da primeira 
vez que se affronta a morte em combate; mas tam- 
-bem grande e brilhante foi a gloria alcançada, e 
-consoladora para todos a consciência do dever brio- 
samente cumprido. 

O dia 3o passa-se ainda no bivaque de Caiobe. 
JN'esse dia encontram-se muitos cadáveres, quasi de 
todo carbonisados, nas cinzas das libatas, e uma 
pequena força constituida pela 10.^ companhia indi- 
gena vae a umas 2 horas de distancia queimar mais 
oimas libatas pertencentes ainda ás terras de Caiobe. 

Ahi, a resistência oflferecida é quasi nulla : apenas 
um soldado é ligeiramente ferido por um tiro de 
arma de fogo n\im sobr'olho, e ao fim de pouco 
tempo, por entre labaredas e grossos rolos negros 
de fun*io, ouvia-se crepitarem no incêndio as nume- 
rosas cubatas das libatas. 



1.^0 



Quando em setembro tive o contentamento de re- 
ceber a noticia d'este combate, cujo resultado me 
apressei a communicar superiormente, cheguei a 
pensar que d'ahi em deante a marcha da columna 
não encontraria mais difficuldades, porque — suppu- 
nha eu — o gentio vendo o insuccesso da sua pri- 
meira tentativa de resistência armada, que, por ser 
a primeira, se me afigurava aquella onde mais força 
e animo elle teria concentrado, e aterrado pelo des- 
troço que nas suas hostes fizera a metralha da nossa 
artilheria certeira e a fusilaria das nossas espingar- 
das, de certo foge ou se submette. Era sem des- 
contentamento que assim antevia os acontecimentos, 
porque o desideratiim dominante na minha alma 
era e sempre foi a rápida pacificação do interior de 
Benguella e a prompta normalisação da sua vida 
commercial, para o que bastariam a vassallagem 
dos povos sublevados, a entrega de alguns dos seus 
mais perigosos agitadores e o estabelecimento dos 
postos militares, que a columna havia de convenien- 
temente installar; mas illudi-me na previsão, que 
não mediu bem a bravura e o numero dos inimigos^ 



i3i 



e a grandeza do seu furor, tanto maior quanto mais 
dilatado fora o numero de annos em que se repri- 
mia, e por isso, poucos dias depois, dava-se o com- 
bate do Soque. 

Eu não contava com elle, é certo; mas espera- 
va-o o valente commandante da columna, a cujo 
conhecimento chegara já ha muito a altiva ameaça 
do soba Caimbuca, depois morto em combate, o 
qual, em hyperboles de estylo verdadeiramente 
hespanholas, declarava que a columna só teria duas 
maneiras de passar além das suas terras: pelo ar 
ou por debaixo do chão. 

Deu-se o combate alludido no dia 3i, em cuja 
madrugada a columna partiu do Caiobe para o So- 
que, e este foi um d'aquelles onde a bravura dos 
nossos soldados mais se assignalou, porque a sua 
lucta se travou, áspera e rude, simultaneamente 
com os homens e com a natureza, que parecia sua 
alliada pelas duras resistências que a grande mon- 
tanha do Soque offerecia á escalada e á perseguição 
do gentio que, encarniçado com desespero na re- 
frega, era incansável na sua fuzilaria. 

Assenta a embala do Soque n'uma altissima serra 
d'este nome, toda eriçada de penedos, como a de 
Cintra, e como esta revestida de espessas brenhas. 
As vertentes da serra são em brusco declive, por 
vezes de apparencia inaccessivel, e a embala, se bem 
que próxima de quem attinja o sopé da montanha, 
não se vê. 

Apenas a columna chega, logo houve a habitual 
algazarra do gentio, que depois se avista em milha- 
res de homens entrincheirados «em andares» — como 



l32 



diz o chefe do estado maior no 5>eu diário — pela 
vertente acima, e formando barreira sobre o cami- 
nho no ponto em que este attinge á vista a sua má- 
xima altura. 

A columna approxima-se, forma em quadrado, e 
a artilheria rompe o fogo simultaneamente sobre os 
andares e a barreira. São grandes os destroços fei- 
tos pelas granadas, todavia o gentio, que logo res- 
pondera com viva fuzilaria, não afrouxa, e só foge 
obrigado por um estratagema, que já tentara no 
Caiobe e agora repete, mas com eflfeito contrapro- 
ducente: lança fogo ao matto junto do caminho, 
mas estuda mal a direcção do vento, e o próprio 
incêndio, avançando contra elle, obriga-o a deslo- 
car-se das suas primitivas posições e a ir entrinchei- 
rar-se no alto da montanha, de onde continua fa- 
zendo presistente tiroteio. 

N'esta altura começa o assalto da infanteria, que 
realisa verdadeiros prodigios para escalar a monta- 
nha, sem escolha de trilhos, mas por onde as cir- 
cumstancias a forçam; episódios trágicos de combate 
corpo a corpo chegam a dar-se, que a resistência 
do gentio é de uma tenacidade desesperada e de 
todo imprevista; a artilheria vence as maiores diffi- 
culdades para conseguir a sua penosa ascensão; o 
seu bravo commandante, n'um momento de alto^ 
entrega o commando a um subalterno e, com os 
serventes disponiveis, parte direito á embala, onde 
rijo combate a esse tempo se fere entre o gentio 
e um pelotão de infanteria, que já conseguira attin- 
gi-la; e então algumas cubatas começam de arder. 

Entretanto a violência da lucta n'outros pontos 



i?3 



não esfria antes redobra; trepam como gatos os 
nossos valentes soldados, que palmo a palmo con- 
quistam os successivos socalcos da montanha, d'onde 
a fuzilaria continua viva, e onde grupos de cubatas, 
a que o fogo é posto em alternativas de tiroteio, são 
protegidas por fortes paliçadas; dois soldados da 
companhia europeia — dois heroes! — cahem grave- 
mente feridos, e um por maneira que poucos dias 
depois morre; mas o gentio acaba por fugir recha- 
çado, deixando victimas aos centos, como mais tarde 
se verifica, a embala é queimada, e a victoria certa. 

O diário de campanha, escripto sur place, que é 
onde, de preferencia ao relatório, colho a impres- 
são flagrante d'estes combates, termina com estas 
palavras as notas do dia: , 

«A' I hora da tarde tremula a nossa bandeira no 
alto da serra, rodeada pelo senhor commandante, 
commandante da artilheria, chefe do estado maior 
e numerosos officiaes e praças. Estas soltaram um 
enthusiastico viva ao nosso commandante, que cor- 
responde saudando o valente exercito portuguez. 

«Todos se encontram commovidos e satisfeitos 
com esta jornada, que a consciência lhes aponta 
como digna da bandeira que ali vêem desfraldada, 
a 2:520 metros de altitude, tendo, como que a an- 
nunciar a sua presença ao gentio distante, qual fa- 
cho monumental, toda a embala do velho e pode- 
roso soba do Soque perfeitamente desenhada por 
ondas de fogo e turbilhões de fumo». 

Na singeleza d'estas breves palavras tão sugges- 
tivas, que a flagrância da impressão inspirou, vibra 
ainda quente a emoção que tantos corações sensibi- 



i34 



lisava; na grandeza heróica do assumpto^ que a penna 
inspirada em palpitante enthusiasino sem esforço 
desenhou, transparece nitido, vivo, trágico, tetrica- 
mente colorido, mas brilhantemente illuminado pelos 
fulgores rutilantes da gloria, um quadro de tão in- 
tensa grandiosidade bellica, como nem talvez o ta- 
lento privilegiado de Meissonier seria capaz de so- 
nha-lo. 

Nada tão vibrante como as glorias militares ! 



i35 



Depois d'este combate, com o qual a columna do 
norte, tão gloriosamente fecha o mez de agosto de 
1902, descanço por 4 dias no bivaque estabelecido 
na embala do Soque. Descanço; e a ninguém falta 
antes sobra direito a elle, que todos traziam ha 
tanto sacrificado em tão ímprobas demasias de tra- 
balho. 

Estes quatro dias decorrem no tratamento dos 
feridos, com solicito cuidado e desvelo que — honra 
seja a todos! — se repartem pòr egual entre os nos- 
sos e alguns do inimigo que são encontrados no 
-campo; fazendo buscas na embala, onde se encon- 
tram, tombados entre fraguedos, muitos cadáveres 
— entre elles o corpo e a cabeça decepada do pode- 
roso Caimbuca, que depois é reconhecido — mutila- 
dos pelas granadas e em vigorosos lances de arma 
branca; colhendo informações por onde se adquire 
o conhecimento positivo de que o gentio da Qui- 
banda e da Quipassa tomara parte no combate do 
Soque; arrecadando despojos, esperando abasteci- 
mentos, limpando armas; preparando, emfim, para 
proseguir no desempenho da rude tarefa, que o de- 



i3(1 



ver impõe, até que no dia 5 de setembro a colurana 
levanta do Soque e parte para o Monambambe. 

Atravessa-se n'esse dia com difficuldade um longo 
atoleiro e depois das 9 horas da manhã a columna 
forma quadrado a alguns centos de metros das li- 
batas da Quipassa, que um rápido reconhecimento 
mostra inteiramente abandonadas e desertas, mas 
são arrazadas. Come-se o rancho, e depois a mar- 
cha prosegue, até que perto das 2 horas da tarde 
se chega ao rio Monambambe, já na região da Qui- 
banda. De gentio nem signaes. 

No dia 6 a columna passa com diflBcuIdade o rio 
Monambambe e segue para o Camixa, mas a uma 
hora do caminho defronta-se o rio Congo, que a: 
guarda avançada passa logo, bem como 02.** pelo- 
tão da companhia europeia e uma peça de artilheria. 

Segue-se ao rio uma extensa matta muito desen- 
volvida, e apenas a passagem d'aquellas forças se 
tinha realisado, logo se presente numeroso gentio 
emboscado. A guarda avançada desenvolve em li- 
nha de atiradores, e em seu auxilio vae logo o 2.*^ 
pelotão de infanteria, que já lhe estava próximo: 
n'esta altura, o gentio, que se sente descoberto e 
comprehende o movimento, rompe o seu fogo, a pe- 
quena distancia — uns 100 metros — visando princi- 
palmente a artilheria, que entretanto e com difficul- 
dade está passando o rio. 

O gentio desdobra-se n'um arco de 3 kilometros 
approximadamente, procura envolver as nossas tro. 
pns e cortar-lhes a retirada para o Monambambe; 
mas de nada lhe serve a esperteza da táctica que 
usa, que a valentia dos nossos é indomável, e em 



107 



breve a matta é toda batida com graves perdas do 
inimigo, e a marcha fica desafogada. Dos nossos 
são feridos três soldados, dos contrários diz o diário 
de campanha : «Foi este talvez o combate em que 
o inimigo teve mais numerosas baixas, produzindo 
o fogo da artilheria um effeito de enthusiasmar». 

Emquanto se realisa o ataque do Congo o pró- 
prio comboio da columna, que por sua vez está pas- 
sando o Monambambe, é também assaltado; a sua 
escolta, porem, resiste com êxito, e o comboio con- 
segue ao fim de algum tempo unir-se á columna. 

Pela área dos acampamentos de gentio, que de- 
pois , foram encontrados, e pela extensão da linha 
de fogo que elle desenvolveu, calcula o diário que 
o numero dos inimigos devia exceder 3:ooo. Por 
nossa parte, descontadas as guarnições deixadas 
nos postos, pouco mais seriam que Soo homens. Sãa 
sempre assim os nossos combates: i contra lo ou 
mais. 

N'esta altura a columna encontra-se já em pleno 
sobado da Quibanda, e, depois do combate que 
deixo esboçado, estaciona e bivaca no Camixa, 
onde foi a fazenda d'um commerciante Amorim, 
saqueada e incendiada pouco tempo antes, nas 
implacáveis razzias que tragicamente assignalaram 
esta sublevação. 



i38 



A phase mais laboriosa e arriscada das operações 
de guerra da columna do norte vae passada. 

O gentio que, ao retirar do combate no rio Congo, 
é ouvido por um preto nosso auxiliar, que da co- 
lumna do sul vem juntar-se á do norte e se con- 
serva occulto no matto em quanto o inimigo retira, 
vae de todo desalentado e só deplora que o soba 
do Soque não tivesse poupado para o ataque nas 
margens d'este rio o seu valioso contingente. Dizia 
elle que se tivesse este auxilio, as nossas forças se- 
riam por certo vencidas e massacradas. 

Algumas libatas que a columna deixara á rec- 
taguarda, mas nas quaes se presume que algum 
gentio fugido do Congo se terá refugiado, são quei- 
madas por uma pequena força destacada do biva- 
que no Camixa, e no dia 8 a columna recomeça a 
sua marcha em direitura ao Luimballe, passa por 
outra fazenda, que a fúria do gentio, em façanhas 
anteriores, também saqueara e arrazára, e decorri- 
das umas 5 horas de marcha, estaciona a perto de 
10 kilometros da embala da Quibanda, onde o gen- 
tio está concentrado. 



No dia 9 as nossas forças, sempre valentes e in- 
cansáveis, avançam sobre a embala, e, tomada po- 
sição conveniente, sobre esta rompem fogo ás 8 
horas da manhã. O gentio responde com alguns ti- 
ros, mas a breve trecho o seu fogo cessa e só se 
escuta a grande vozearia que acompanha o reben- 
tar das nossas granadas. A companhia europeia vae 
ao assalto, algumas descargas ficam sem resposta, 
e d'ahi a pouco eil-a que entra na embala abando- 
nada, onde grandes manchas recentes de sangue 
derramado denunciam os destroços feitos peia arti- 
Iheria, e se encontrara lume acceso e outros vestí- 
gios de que ainda ha instantes eslava povoada. 

A posição d'onde esta embala foi bombardeada 
■obteve-se sem que o gentio de tal se apercebesse, 
graças a proveitosas indicações do guia; e de resto, 
a ausência de espiões, em contrario do que vimos 
no Soque e noutros combales, espreitando vigilan- 
tes a marcha da columna e prevenindo solícitos os 
seus, só mostra que os alentos do ínímígo estão de 
lodo perdidos, e que d'ahi por deante só será lícito 
-esperar frouxas resistências, a fuga d'uns e a mansa 
-vassallagem da maior parte. 

D'estc desalento do gentio é prova convincente 
-o facto de não ter havido resistência n'uma embala, 
a qual, como a da Quibanda, gosava entre os indí- 
genas da fama de inexpugnável, porque assente 
-entre penedias, construída em andares defendidos 
por fortes paliçadas, e dominando completamente 
-o valle do Luiraballe, era pela sua população repu- 
tada vaidosamente como invencível. K mal que a 
todos chega, a desillusão. 



140 



Tomada e arrazada a embala, queimam-se ainda 
algumas sanzallas que lhe são visinhas, depois do 
que a columna volta ao bivaque junto do Luimballe. 

Começa então a romaria, que d'ahi em diante é 
de todos os dias, dos séculos e donos de terras, 
que o terror dominou, e com sua gente vêem, hu- 
mildes e vencidos, apresentar-se, trazendo seus pre- 
sentes de cabras, porcos, gallinhas, fubá e outros 
géneros, protestando a sua submissão á auctoridade, 
o seu respeito pela soberania portugueza, a sua vas- 
sallagem ao Rei. 

E o pavor que principalmente os impelle, é certo; 
mas o commandante da columna, n'uma larga inspi- 
ração de bondosa generosidade, que muito lhe louvo, 
e n'uma clara comprehensão de que o meu desidera- 
tum supremo é de paz e ordem, toma á boa conta 
aquellas demonstrações, e a todos promette protec- 
ção quando amigos, mas inclemente e severa punição 
quando rebeldes. As suas predicas, traduzidas em 
linguagem indigena pelo interprete, são attentamente 
escutadas, e nas passagens de maior expressão viva- 
mente applaudidas com o cadenciado, mas rijo bater 
de palmas, que é de uso gentílico em suas mostras 
quer de applauso quer de respeito. 

Para garantia da protecção promettida, mas tam- 
bém para tornar effectiva a punição quando mere- 
cida, e para, assegurada a tranquillidade, consolidar 
a linha de communicações tão penosamente reaberta, 
estabelece-se n'este ponto um posto militar, o do 
Luimballe, onde ficam uma bocca de fogo e 3o pra- 
ças sob o commando de um alferes. 

Quando a noticia d'este benéfico êxito das opera- 



u» 



ções me chega, inunda-me a alma de contentamento 
a consoladora esperança de que breve teremos a 
ordem restabelecida e a vida commercial do inte- 
rior doesta provincia, intensa na região sublevada 
como em poucas, normalisada; e os votos ardentes 
que então faço e ainda hoje repito são estes: per- 
mitta Deus que o futuro d'esta desditosa Angola, 
que durante perto de três annos, atravez de tão ca- 
lamitosas crises e em meio de tão vivas inquietações 
de toda a ordem, tenho administrado, se assegure 
em prosperidades que a todos propiciem a fortuna. 



«4-i 



Em contraposição .com o que succede na Qui- 
banda, da Gallanga ninguém vem apresentar-se, an- 
tes consta que ali ha 27 acampamentos de guerra; 
por isso no dia i5 de setembro, ao romper da ma- 
nhã, a columna sahe do seu bivaque no Luimballe, 
realisa, cm meio de difSculdades, que os nosos ho- 
mens já estão acostumados a vencer com inque- 
brantável firmeza, a travessia custosa do rio Cuqueta 
e d'outros, e avisinha-se das terras do secúlo Ca- 
landulo. Este logo se apresenta com seus protestos 
de submissão, e eguaes protestos vae a columna 
recebendo de outros, que acodem á sua marcha, 
submissos, meigos até — pôde dizer-se — porque al- 
guns são portadores de grandes cabaças de bebidas 
fermentadas, de seu fabrico, com as quaes mitigam 
a sede dos nossos soldados; e ás 11 horas chega 
ás primeiras libatas da Gallanga que são as do se- 
cúlo capingâna Cambambi. 

Toda a columna, á sombra de uma arvore colos- 
sal, estaciona fronteira a estas libatas que são ricas, 
bem construidas e ligadas entre si por boa estrada 
carreteira. 

Capingâna não vive em boas relações com o soba 



da Gallanga; mas teme-o, e assim, se não lhe for- 
nece gente para a guerra, lambera se não tem apre- 
sentado mais cedo á columna pelo receio de aggra- 
var-lhe o desagrado. Logo, porem, que descobre a 
approximação das forças, corre presiiroso, com sua 
gente e o habitual presente, a pedir desculpas, pro- 
testar respeito ao governo, e a promener, que no 
dia seguinte irá apresentar-se no posto do Luim- 
baile, como de facto foi. 

Continua a columna a sua marcha, acceita como 
leaes e sinceras as humildes demonstrações em que 
a ingénua diplomacia do gentio se vae desfazendo, 
e passa nobremente, sem queimar uma cubata se 
quer onde é bem acolhida, sem fazer um prisioneiro 
ou uma victima, nem apprehender gados que encon- 
tra abundantes, onde as gentes se apresentam sub- 
missas, porque o seuintelligcnte commandante sabe 
bem que não é talando as terras a ferro e fogo, e 
anniquiliando as riquezas das regiões onde o gentio 
se mostra respeitador e ordeiro, que Angola ha de 
Valorisar-se, o seu commercio progredir, e a pros- 
peridade regressar. 

Já próximo da libata Olundo, o primeiro gentio 
armado em guerra apparece e recolhe a libata, que 
a seguir é atacada pelos nossos e queimada; e mais 
udeante, perto das libatas Handango, já muito visi- 
nhas da embala grande, fere-se um ligeiro combate 
com algum gentio que tomando posição á direita do 
caminho da columna, rompe em tiroteio. Pouco 
tempo ihe dura, porem, a veleidade de resistir aos 
nossos bravos soldados, que a breve trecho fazem 
calar o fogo d'aquciles fracos adversários que de- 



«44 



bandam, e reduzem a cinzas as líbatas que elles 
abandonaram. 

O terreno é bastante accidentado; succedem-se 
alternados, ásperos morros e caprichosos cursos de 
agua. Tudo a columna transpõe com facilidade, e 
já perto das 3 horas suspende a sua marcha á 
vista da embala grande da Gallanga, afamada peia 
sua relativa riqueza, e — como já o disse algures 
— altiva pela impunidade de antigos feitos. 

Rompe o bombardeamento, responde-lhe prom- 
pto o gentio; mas a infanteria assalta, não a detém 
na sua intrépida marcha, em planície que precede a 
escarpada que leva á embala, o fogo então mais 
vivo do inimigo, e n'um Ímpeto irresistível, vencendo 
em i5 minutos, por ínvios atalhos, uma differença 
de nível de i5o metros, toma a embala, e toma-a 
já sem custo, que o inimigo aterrado fugiu em de- 
bandada, e as cubatas desertas em breve são presa 
das chammas. 

Como na Quibanda, grandes manchas, e até re- 
gueiras de sangue, na direcção seguida pelo gentio* 
na fuga, mostram que terríveis foram mais uma vez 
os effeitos da nossa artílhería; e outra victoría se 
alcança com brilho, que a muitos deslumbraria, 
porque neste combate, sem aquella louca energia 
dos primeiros, é certo, mas ainda com imprevista 
resolução, o gentio resiste, e só perante o terror 
que lhe causa a chuva mortífera da metralha que a 
artilheria lhe arremeça, e a coragem denodada dos 
soldados que intemeratos avançam, se resolve a 
abandonar as suas posições e parte em debandada 
que o pânico desvaira. 



145 



D'esta vez como sempre — no Caiobe, no Soque, 
no Congo, na Quibanda, em toda a parte, emfim, 
Dnde o assalto se realisa — á frente dos primeiros, 
com uma coragem que chega á temeridade, o bravo 
commandante da columna, o capitão de artilheria 
Pedro Massano de Amorim, avança, affronta os 
maiores perigos e a todos que lhe são companhei- 
ros estimula, precisem ou não, com palavras de in- 
citamento que a voz lhe vibra commovida, e mais 
ainda, com a suggestão poderosa da sua inexcedivel 
bravura. 

Os seus serviços n'esta campanha não foram es- 
treia, todos o sabem; nem despedida, tem-m'o elle 
dito. 

Quem o conhecer de Moçambique avaliará bem 
da maneira brilhante como elle soube haver-se 
n'esta provincia; aos restantes oífereço a informa- 
ção lealissima dos que lhe foram companheiros em 
trabalhos e perigos, a mesma que accrescida do 
conhecimento intimo que tenho d'este bravo official, 
me fez formular a seu respeito, com desassombro, 
sx opinião que n'estas paginas consigno, em home- 
nagem rendida ao valor, ao brio e á honra. 



10 



146 



Tomada a embala da Gallanga a columna re- 
gressa ao posto do Luimballe ; a romaria dos sécu- 
los continua. 

Da Quiáca, a 3 dias de marcha, vem uma nume- 
rosa embaixada presidida pelo secúlo Tchina, que 
a politica local considera poder occulto do sobado^^ 
Fazem parte da embaixada os séculos Canjala e 
Diambulula. Todos promettem os seus esforços e 
os do soba para a entrega do decadente Samacáca, 
e apresentam á columna um preto chamado João 
de Sousa, que fora empregado do commerciante 
Reis, de Novo Redondo, com casa perto do Sacco 
Major. 

Este preto tinha graves responsabilidades: foi elle 
que promoveu a revolta dos serviçaes d'aquelle 
commerciante que o roubaram. Depois tomou parte 
no combate do Caiobe. 

Evadiu-se quando a columna vinha no Balombo, 
em regresso, e pela sua arreliosa evasão já prestou 
contas em conselho de guerra o respectivo respon- 
sável. 

No dia 19 de setembro a columna parte do Luim- 



m direcção ao Queve onde chega em 21. 
a na margem esquerda doeste rio, onde de- 
rabelece um posto provisório, que já foi de- 
finitivamente transferido, por portaria provincial de 
23 de janeiro do corrente, para o Cassongue, por- 
que ali simultaneamente assegura a occupação de 
aquelia região e a linha de coramunicação entre o 
Bailundo e Novo Redondo. 

No Queve demora-se 8 dias, durante os quaes o 
cortejo das apresentações de muitos donos de terras 
e séculos, continua. Vem lambem em visita ao com- 
mandante o capitão-mór do Bailundo, com o guarda 
marinha Campos de Andrada, que a columna do 
sul para ali destacara, e lá estava detido ha muito 
aguardando ordens, que só tarde lhe chegaram 
mandando-o recolher ã columna. 

No dia 24 recebeu o commandante da columna 

) norte a communícação de que o capitão Teixeira 
Moutinho chegara á fortaleza. Ali se dirigiu logo e 
"com elle conferenciou, resultando da conferencia o 
seguinte accordo: 

Emquanto a columna do sul ia occuparoSambo, 
o que esperava conseguir^ como conseguiu — sem 
resistência, a do norte transferiria para a fortaleza 
do Bailundo o seu quartel general, para maior faci- 
lidade de suas reciprocas communicações; o com- 
mandante da 10.* companhia indígena e as poucas 
praças que !he restavam, porque muitas tinham fi- 
cado guarnecendo os novos postos da capitania, 
fixar-se-hiam egualmente na fortaleza; a 11." com- 

Inhia indígena marcharia para o Bihé, a fim de 
ibrcar esta capitania, em cuja área o gentio per- 



^lOL 



14S 



manecia ainda irrequieto, e a do Moxico onde a or- 
dem támbem estava longe de ser segura; e, dissol- 
vidas as columnas, as praças da companhia europeia, 
empregadas na do norte, regressariam a Benguella, 
e o commandante Teixeira Moutinho mandaria re- 
gressar a companhia de dragões para o Lubango, 
dispensaria os boers, e, quando tivesse guarnecidos 
os seus postos, enviaria 60 praças para o Moxico. 

Pelo que respeita á columna do norte tudo «<» 
cumpriu; pelo que respeita á columna do sul a seu 
tempo direi. 

Foi ainda no Queve que foi sabido que o soba 
Bambi, da QuibuUa, instigado pelos seus filhos, tei- 
mava em manter uma attitude de incomprehensivel 
arrogância, que os seus recursos de guerra e a sua 
importância estavam longe de justificar; por isso, e 
já depois do que fica narrado, ao regresso das outras 
forças antecipa-se o do i.** pelotão da companhia 
europeia, que parte para o Balombo, e, com a guar- 
nição do posto ali creado e sob as ordens do res- 
pectivo commandante, com facilidade, apesar da 
resistência offerecida, bateu o soba na sua embala, 
que por sua vez foi destruída pelo incêndio. 

No dia 7 de outubro o commandante da columna 
do norte entrega ao capitão de artilheria José de 

Mendonça o commando das forcas restantes. Estas 

> > 

partem para Benguella, onde chegam com i3 dias 
de marcha, trazendo já incorporadas as do pelotão 
que fora ao Balombo bater o Bambi; e aquelle of- 
ficial, que tão briosamente as commandára no de- 
correr da campanha que findou, e com ellas aflfron- 
tára valentemente tantas canceiras e perigos, inicia 



149 



então a grande obra de resurgimento moral de An- 
gola, que mais tarde se continua nas severas, mas 
justas decisões do conselho de guerra. 

Ao encerrar a parte d'este relatório que destinei 
ás operações militares da columna do norte, per- 
mitta-se-me que frise sem commentario o seguinte 
facto: chegadas a Loanda em 17 de julho as forças 
com que ella se constituiu, em 9 de agosto partiu a 
mesma de Benguella e em 7 de outubro iniciou a 
sua marcha de regresso, tendo, em menos de 2 me- 
zes, sustentado os rijos combates de Caiobe, Soque 
e Congo, batido e occupado a Quibulla, a Quibanda 
e a Gallanga, estabelecido e guarnecido os 5 pos- 
tos militares da Cohula, do Bucoio, da Canjalla, do 
Luimballe e o do Queve, e attingido o Bailundo, a 
3i5 kilometros do littoral. É de notar que esta dis- 
tancia foi accrescida pelos amiudados desvios, que 
se exprimem por muitas dezenas de kilometros, aos 
quaes a columna se viu forçada pela natureza e fim 
das suas operações. 



CAPITULO V 



Kecapitulaçâo de alguns dados relativos á columna de Caconda. — Começo das 
suas operações activas. — Combate do Huambo. — Motivos pelos quaes 
Moutinho diz não ter estabelecido «reductos que assegurassem communi* 
cações».— Forte da ^Quissala, e sua guarnição.— Combate de Ganda e Caue. 
—Operações na Quiáca e no baixo Quipeio. — Combate de Candumbo.— 
Ida do commandante Moutinho ao Bailundo.— Manifestações do gentio. — 
Conferencia entre os dois commandantes.— Recepção das instrucções de 9 
de agosto. — Desaccordo dos dois commandantes quanto ao combinado na 
sua conferencia. — Occupaçáo do Sambo.— Condições de paz.— Difficulda- 

des allegadas por Moutinho contra a dissolução da sua columna O forte 

da Quissála ficou desguarnecido. — Desacato do gentio que lhe atulha os 
fossos. — Incredulidade do capitão Moutinho e seguinte convencimento. — 
Condições de paz no Huambo.— Remessa de pequenas forças para Moxico. 
— Fim das operações activas, regresso, fortes da Quissála e Sambo.— Es- 
tabelecimento d'um posto no Cuima.— Algumas considerações. 




OMO já vimos, a columna de Caconda par- 
tiu de Benguella em 22 de junho de 1902, 
direita a Caconda; suspendeu a sua mar- 
cha no Huche, a poucas horas de Ben- 
guella, como se diz no officio da secretaria do go- 
verno, a que atraz me referi, para verificar se lhe 
faltava alguma coisa; e no dia 26 proseguiu sempre 
corti o mesmo destino. 



>^4 



e pretos auxiliares da expedição, que com elle tra- 
taram em vida. — Todos cumpriram com o seu dever 
e eu tenho a maior satisfação em communicar que 
durante perto de dezoito horas de combates e mar- 
chas continuas, embora alguns d'aquelles fossem 
apenas iniciados, officiaes, sargentos, auxiliares e * 
mais praças se houveram com coragem e valente- 
mente resistiram a todas as fadigas. N'este dia fo- 
ram reduzidas a cinzas vinte e três grandes libatas, 
entre as quaes as dos importantes séculos Muéne- 
Caria e Quiteculo, e apprehendidos cento e vinte 
dois bois. — Terminou pois a lenda do Huambo. 
Em meu nome felicite por isso telegraphicamente 
o Governo de Sua Magestade e Sua Excellencia o 
Conselheiro Governador Geral. — (a) Joaquim Tei- 
xeira oMoutinhOj Governador. — Está conforme 
secretaria do governo de Benguella, 9 de setembro 
de 1902. — O secretario, Francisco Xavier de 
Paiva i>. 

aFoi curto mas renhido este combate» diz o com- 
mandante Moutinho, no qual todos cumpriram o 
seu dever, porque «officiaes, sargentos, auxiliares 
e mais praças todos se houveram com coragem e 
valentemente resistiram a todas as fadigas». 

N'esta communicação se diz também, que n'esse 
dia foram queimadas 23 grandes libatas. 

Só um relatório ou um diário regular de campa- 
nha poderia elucidar-me completamente; mas que 
todos — officiaes, sargentos e praças — se houveram 
com coragem e valentemente não o duvido, antes 
o creio absolutamente, não só por informações sub- 
sequentes, colhidas no propósito exclusivo de co- 



nhecer detalhes, mas ainda porque os soldados por- 
tuguezes que ali se bateram eram do mesmo sangue 
que os da columna do norte, e por isso decerto de 
egual valor e intrepidez. 

De resto, duvidar da informação do comman- 
dante Moutinho seria um iniquo desprimor de que 
eu era incapaz; e por ella vi com satisfação que a 
actividade desenvolvida pela columna do seu com- 
inando n'esse dia é digna do maior elogio. Dir-se-ha 
que ella quiz assim compensar a morosidade a que 
as circumstancias anteriormente a tinham forcado. 

Depois doeste combate realisado em 19 de agosto, 
a columna bivaca na Quissala d'onde torna a en- 
viar noticias datadas, de 28 (officio n.*^ 20 para a se- 
cretaria geral) que principalmente se referem á sua 
linha de communicacões. 



i5ó 



No telegramma de 29, Já tão citado, dizia-se o 
seguinte : 

€ Governador Benguella deverá seguir primitivo 
plano: indo Bailundo, batendo povos Huambo, 
Sambo caso para tal emprehendimento entenda 
confiar seus recursos/ Conveniente n'este caso es- 
tabelecer sólidos postos Huambo ou em segundo 
logar no Sambo, deixando linhas commuuicações 
para a rectaguarda depois siga Bailundo». 

Como se vê n^este telegramma recommendava-se 
o estabelecimento de communicações, para cuja se- 
gurança seria necessária a adopção de medidas es- 
peciaes, sem as quaes a respectiva linha não pode- 
ria subsistir. Contra todas as previsões, porem, e 
em contrario de todos os principios, a columna de 
Caconda não adoptou taes medidas, explicando o 
seu commandante os motivos da sua abstenção nos 
seguintes termos : 

(^Entendi não perder tempo na constvucção de rc- 
ductos que assegurassem a linha de communicaçõesí> 
pelas seguintes razões: 

I .'^ — Ter-lhe sido aaffirmado pelo chefe de Ca- 



i57 



Á:onia que o seu concelho não tinha dado provas 
manifestas de rebellião;f> 

2.^ — Porque reflectiu que veiu a Caconda «o im- 
j)ortante soba do Quingolo apresentar-se ao governo 
ofertando 2 bois como prova de submissão;» 

3.* — Porque era (napoiado por uma fortale:{a de 
60 cantos boers que formaria em parque logo que 
fosse necessário;» 

4.* — Porque ^convencido de que o gentio era 
jferdadeiramente aguerrido e tendo de operar a tão 
grande distancia^ teria de distrahir força, que a 
expedição não tinha para occupar reductos á re- 
ctaguarday>. 

Todas estas razões são muito convincentes, tanto 
que não me permitto discuti-las; todavia sempre 
direi que o seu próprio auctor e os factos se encar- 
regaram de mais tarde demonstrar quanto foi errada 
esta original lembrança de defender, ou supprir uma 
linha de communicações, com uma fortaleza ambu- 
lante de 60 carros boers, muito pratica, é certo, mas 
que, apesar de toda a confiança que merecia, não 
poude evitar que o gentio do Huambo,ya depois de 
batido^ atulhasse o fosso do forte da Quissala ; 
assim como a mansa e pacifica attitude attribuida 
pelo chefe de Caconda aos povos seus visinhos, e 
confirmada no presente de 2 bois feito pelo soba 
do Quingolo, não obstou também a que, no seu re- 
gresso a Caconda, o commandante Moutinho reco- 
nhecesse necessário o estabelecimento de um posto 
no Cuima. 

E' no mesmo officio citado que o commandante 
Moutinho diz estar construindo um forte, a 2 horas 



i58 



da embala do Huambo a que seria dado o nome 
«Teixeira de Sousa»; «que a expedição não tem es- 
tado inactiva» porquanto dera ordem aos dragões 
para baterem o Quipeio e aos auxiliares para bate- 
rem a Quiáca, e enviara um comboio de viveres, 
com uma escolta, sob o commando do guarda-raa- 
rinha Campos d'Andrada, com destino ao Bailundo. 

Diz ainda que o gentio «se prepara para pedir a 
paz», e em breves dias tenciona poder dar «a grata 
noticia de que o Huambo, Quipeio e Quiáca estão 
submettidos pela força das nossas armas». Tinha 
este resultado como certo «em virtude das perdas 
soffridas pelos rebeldes em vidas e gados, pelos 
muitos prisioneiros feitos e immensas povoações 
destruidas pelo incêndio». 

Em 3i de agosto ainda a columna de Caconda 
se conserva na Quissala, e é no officio n.^ 21, 
d'aquella data, dirigido á secretaria geral, que elle 
diz: «pacificado o Huambo onde deixo 60 praças 
de caçadores e 2 boccas de fogo de 7^ guarnecendo 
um forte, vou partir para o Sambo». 

Era por certo sua intenção, e bem Justificada, 
deixar este forte guarnecido como disse; mais tarde 
se verá, porem, que esta noticia foi inexacta e o 
forte ficou desguarnecido. Desconheço as circum- 
stancias que motivaram este facto, nem posso con- 
jectura-las, porquanto em officio anterior á sua 
sabida da Quissala, n'aquelle sob o n.® 20 datado 
de 28 de agosto, que atraz citei, referindo-se o com- 
mandante Moutinho á divisão das suas forças, que 
resultara de mandar os auxiliares para a Quiáca, 
os dragões para o Quipeio e uma escolta para o 



i5q 



Bailundo, diz: «não tive duvida em dividir a força 
o que até aqui não tinha feito e dar as ordens que 
ficam referidas» porque, segundo antes affirma^ 
«por prisioneiros feitos sabe-se que o gentio declara 
morta a terra do Huambo e se prepara para pe- 
dir paz». 



l(X) 



Não sei com exactidão qual o dia em que a co- 
lumna de Caconda sáe da Quissala; o officio n.** 25, 
porem, dirigido ao quartel general da provincia, 
descreve o combate dos morros da Ganda e Caue, 
realisado em 9 de setembro, e o êxito que n^elle 
obtiveram as tropas do commando do capitão Tei- 
xeira Moutinho. 

Foi rude deveras este combate e grandes foram 
o esforço e a intrépida coragem com que n'elle se 
houveram as nossas tropas. N'elle foram feridas 
varias praças de dragões, morreram valentemente 
o infeliz sargento Cannas e um modesto soldado 
indigena, que heroicamente se sacrifica, não Já para 
salvar a vida do seu sargento, mas o seu cadáver 
dos profanos ultrajes que o aguardavam, e o pró- 
prio tenente Tamegão é «ferido á queima roupa, 
chegando uma bala a furar-lhe o chapéu», diz o 
commandante. 

Para dar mais justa ideia do terreno onde o com- 
bate se realisou e do que este foi, melhor será, penso 
eu, transcrever na integra o officio n.® 25 a que 
alludi, escripto ainda sob a impressão vivíssima dos 






Wtton te cimentos que descreve com singular colorido. 
Diz assim : 

«III."'" e Ex,"" Sr. — Tenho a honra de commu- 
aicar a V. Ex.* para conhecimento de sua ex." o sr. 
uselheiro governador geral, que no dia 9 do cor- 
mte, pelas b horas da manha, foram pelas tropas 
9o meu cominando atacados os morros da Ganda 
c Caue, ganhando as nossas tropas uma victoria 
que ficará memorável nas campanhas de Africa, 
não só pelos esforços e coragem até á temeridade 
desenvolvida por officiaes e soldados, mas ainda 

Íelas suas consequências que supponho immedialas 
.são que o gentio depois da jornada d'esttí dia 
birá convencido de que não está seguro nos mor- 
IS que até agora com razão julgava Inexpugnáveis 
l por Isso, desilludido, terá que submetler-se á 
^sa auctoridade. 
fOs morros onde se travou o combate sSo duas 
pyramides troncadas de altura e base collossaes, 
Isoladas no melo de vastas planícies, com galerias 
^^Ml furnas Interiores, onde o gentio se foi installar. 
^^KiDepois de um fogo violento de parte a parte 
^^Hm os morros escalados e tomados á bayoneta com 
, a máxima bravura e enthusiasmo pelos dragões se- 
cundados pelos caçadores que envolviam as outras 
faces, caliindo logo feridos na refrega seis dragões 
^dois soldados pretos, sendo só dois ferimentos de 
tracter grave, não entrando n'este numero o te- 
fcnte Tamegão que tentando primeiro entrar n'uma 
1 furnas de onde sabia nutrido fogo do inimigo, 
i ferido á queima roupa, chegando uma bala a 
bar-lhe u chapéu. 



102 



«Não obstante este exemplo, o sargento Cannas^ 
accommettido de uma temeridade louca, arroja-se 
sobre o inimigo, penetra ha galeria, nias é instan- 
taneamente morto com uma bala na cabeça. 

«Um soldado preto de caçadores vendo o seit 
sargento morto dentro da galeria e receiando que 
fosse arrastado pelo inimigo mais para o interior,, 
entra também, e quando tenta puxar o cadáver é 
victima da sua dedicação, cahindo mortalmente fe- 
rido com b balas na região púbica. 

fPara se conseguir não deixar os mortos em po- 
der do gentio e emquanto com um croque se puxam 
os cadáveres, o tenente Guardado com os seus sol- 
dados e alguns dragões sustentam um fogo continua 
para poder realisar-se esta operação, o que afinal 
se consegue. 

No combate d'este dia, além de mortos e feridos 
em grande numero, ficaram em nosso poder Sgi 
prisioneiros» . . .Além d'isto apprehendcram-se 200 
bois». 

«Deus guarde a V. Ex.* — Bivaque no Cuima, 12 
de setembro de 1902. — 111.™® e Ex.^"*^ Sr. Chefe do 
estado maior do governo geral de Angola. — (a) 
Joaquim Teixeira SMoutinho, governador i>. 



i63 



Em i5 de setembro participa no seu officio n.® 
27, dirigido ao quartel general que «os auxiliares 
sob o commando do tenente-coronel Teixeira da 
Silva, com o apoio d'uma peça de artilheria e res- 
pectiva guarnição, sob o commando do tenente Ta- 
megão, enviados á Quiáca queimaram 40 libatas, 
fizeram apprehensao de 98 cabeças de gado bovino 
e desalojaram d'um morro fortificado e seteirado, 
onde o gentio se tinha refugiado, o inimigo, pondo 
fóra do combate alguns homens». 

O commandante Moutinho não assistiu ao desdo- 
brar d'este capitulo das suas operações de guerra; 
mas isso em nada prejudica a authenticidade do 
relatório que de certo lhe foi apresentado pelo offi- 
cial que foi incumbido de commandar os auxiliares 
n'esta excursão de tão assignalado resultado, e que 
naturalmente foi a base da noticia communicada no 
officio a que me refiro. Devo, porem, dizer que pa- 
rece hoje averiguado que tendo esta força recebido 
ordem para em 6 dias estar de regresso na columna, 
não teve tempo de ir propriamente á Quiáca, e por 
isso foi de certo no baixo Quipeio que se passa- 
ram estes acontecimentos. 



i64 



Diga-se também que a parte tomada na subleva- 
vão pelo soba da Quiáca foi nulla, e que só dois 
séculos seus se declararam em aberta rebeldia e adhe- 
riram ás solicitações de Mutu-á-Quebera. Disse-o 
quando historiei a revolução, e d'cste facto se in- 
fere a pequena necessidade que havia de bater 
aquella região; assim como de ter sido á columna 
do norte que uma numerosa embaixada d'aquelle 
soba, presidida pelo secúlo Tchina, poder occulto 
do sobado, e constituida por outros séculos e nu- 
merosas gentes, se apresentou, entregando um dos 
agentes da revolta e promettendo diligenciar pren- 
der e entregar o Samacáca, se concluc que real- 
mente a Quiáca não foi batida pela columna de 
Caconda. 

Não acho provável que, no caso de ter sido ba- 
tido por esta columna, o gentio da Quiáca fosse 
apresentar-se á columna do norte, perante esta fi- 
zesse os seus protestos de submissão e respeito e 
ainda recentemente tivesse entregado ao commando 
do Balombo dois pretos, parentes do Samacáca. 
Para sympathia é demais, e é de todos sabido que 
até n'este sentimento a resolução do gentio, mais 
ainda do que no próprio interesse, se inspira no 
medo. 

De resto, reparando bem, vê-se que o próprio of- 
ficio n.® 27 não diz positivamente que a Quiáca foi 
batida, mas sim que os ^auxiliares enviados á 
Quiáca queimaram 40 libatas, fizeram apprehensão 
de 93 bois, e desalojaram o gentio d'um morro se- 
teirado,» o que podia tanto ser no caminho, no baixo 
Quipeio, como na própria Quiáca. Uma simples pa- 



IÓ5 



lavra, este singelo adverbio — «alli» — intercallado 
entre as palavras «Quiáca» e iqueimaram» daria ao 
período uma significação bem outra da que pódc e 
até da que deve ter, se se attender a que 6 dias de 
itinerário, isto é, de ida e volta da Quissala á Quiáca, 
eram insufficiemes, segundo informam os práticos 
do terreno. 

E' de notar que n'estes 6 dias a força foi, voltou, 
queimou 40 libatas, desalojou o tal gentio, e appre- 
hendeu gS bois. Os g3 bois rapidamente seriam 
apanhados, que os auxiliares — boers todos ou 
quasi — teem para descobrir e metter em manada 
este gado, aptidão especial, derivada por certo da 
sua pratica do sertão e do seu lidar constante com 
estes animaes; mas 40 libatas^ que de certo não 
eram contíguas, a incendiar, e o desalojamento do 
gentio «refugiado» como diz o officio, que aliás não 
esclarece sobre se este gentio estava ou não em ar- 
mas, ofifereceu ou não resistência, consumiram de 
certo muito tempo, cujo desconto nos 6 dias mais 
impossível tornaria ainda a ida e volta em tão curto 
praso. 

Accresce que os auxiliares levaram os seus car- 
ros, e quanto é lenta a marcha doestes é de sobra 
conhecido. 

Seja, porem, como for, na Quiáca ou no baixo 
Quipeio a columna militar de Caconda fez sentir a 
sua poderosa acção, e as pontarias certeiras dos 
seus auxiliares ficaram assazmente conhecidas. 

Devo ainda dizer que se foi no Quipeio que os 
auxiliares operaram, ficou assim remediado o facto 
doesta região não ter sido batida pelo capitão com- 



i66 



mandante dos dragões, que, mandado em honrosa 
commtssão militar bater, elle com sua gentei a re- 
gião do Quipeio — o que decerto lhe foi determinado 
pelo commando da columna por este se ter jconven- 
cido da necessidade de assim se proceder — se cfe- 
teve enleiado em timidos receios de morrer afogado 
em frente do primeiro rio, que depois carros e for- 
ças da columna facilmente vadearam, ficando sem 
cumprimento o encargo militar que lhe fora com- 
mettido. 

Este capitão foi a seguir destimido — e bem — do 
conmiando da companhia dos dragões, e autuado; 
mas enviado o auto ao auditor do conselho de 
guerra em Benguella, foi archivado por imperfeita 
organisaçâo do corpo de delicto, d'onde resultavam 
deficiências de prova então irreparáveis. 



167 






Ao combate dos morros da Ganda e Caue, rea- 
lisado em 9 de setembro, segue-se o de Candumbo 
nos dias 18 e 19 do mesmo mez. 

Este combate tem também excepcional valor. 
Renhido, sangrento e demorado como nenhum ou- 
tro, porque durou 2 dias, mostra, em discordância 
com a previsão do capitão Moutinho, que o estado 
de desalento do gentio das terras do Huambo, de- 
pois do primeiro combate, não era tal como se sup- 
punha. 

Esta previsão fundava-se na declaração dos pri- 
meiros prisioneiros, que diziam morta a terra do 
Huambo e que o gentio se preparava para pedir a 
paz ; a enérgica resistência, porem, que este offere- 
ceu na Ganda e Caue, e depois em Candumbo, con- 
vence que as declarações, em que a previsão se 
fundou, eram talvez uma candura dos prisioneiros, 
talvez um seu ardil. Mas tanto melhor para o bravo 
commandante, que ao seu animo esforçado mais 
grato foi por certo combater um inimigo resolvido 
a luctar com a raivosa tenacidade e intrépida cora- 
em com que este soube faze-lo, do que por certo 



i68 



lhe seria deparar adversários, que aos primeiros ti- 
ros se puzessem em fuga e abandonassem, assus- 
tados, as suas posições. Maiores — enormes por 
vezes — as difficuldades da lucta, mais sentidas e 
vivas portanto as alegrias da victoria e mais luzen- 
tes os brilhos da gloria. 

De resto, como algures o disse, visto ao norte a 
êxito estar, mais do que previsto, talvez assegurado, 
e sendo da máxima conveniência, para desfazer ve- 
lhas lendas e alargar a área da nossa occupação- 
eíFectiva, bater o Huambo, em cujas terras se com- 
prehendem o Candumbo e Saímbo, cujos sobas eram 
bicanjos do soba grande do Huambo, melhor foi 
que o illustre commandante da columna do sul en- 
contrasse na resistência offerecida pelo inimigo a 
opportunidade de demonstrar o valor dos seus re-^ 
cursos militares em combate, do que seria o casc^ 
contrario. Se o gentio foge tomado de pavor, talve^^ 
acontecesse que, apagado o susto, só a este elle at^ 
tribuisse mais tarde o êxito dos adversários ; com--^ 
batendo, porem, e valentemente como o fez, deve^' 
a esta hora estar bem convencido de que resistir só-^ 
lhe pôde servir para soffrer maior numero de victi- 
mas e perdas de toda a espécie. 

E' natural, depois da rude lição que lhe castigou 
o capricho de em armas se oppôr á passagem da 
columna de Caconda, que só tarde lhe voltem — se 
voharem — veleidades de reacção. 

«Dois dias completos» se consumiram n'este re- 
nhido combate de Candumbo, muitos foram os fe- 
ridos por nossa parte, e até alguns valentes termi- 
naram na morte as audácias da sua coragem- mas 



graves foram as perdas soffridas pelo gentio: «mais 
de 'ioo mortos attingindo talvez mesmo a cifra de 
400, entrando no numero o sobau, diz o comman- 
dame Moutinho. 

Também foram d"esta vez numerosos os prisio- 
neiros: 0... duzentos e noventa e umn, diz o 
mesmo commandante, e accrescenta : «dando-sc a 
liberdade a 14 que tinham ferimentos de caracter 
mais grave.» (!) 

Julgo n'este caso também de conveniência, para 
melhor elucidação, transcrever o officio em que o 
commandante da columna de Caconda noticia este 
combate, E' dirigido ao chefe do estado maior, da- 
tado de 2r de setembro e sob o n." 29. Diz assim: 

"111.""' e Ex,™" Sr, — Para conhecimento de S. Ex." 
o sr. conselheiro governador gera! sinto o mais in- 
tenso prazer de communicar a V. Ex.* que nos dias 
18 e 19 de setembro foi tomada á viva força pelas 
tropas da columna do meu commando a embala do 
Candumbo. Foi um combate renhido e sangrento. 

«Mais de 3oo mortos, attingindo talvez mesmo a 
cifra de 400, entrando no numero o soba. 

«Foram feitos 291 prisioneiros, dando-se a liber- 
dade a 14 que tinham ferimentos de caracter mais 



"Do nosso lado tivemos mortos um cabo de dra- 
gões, um artilheiro, um caçador e um auxiliar mu- 
ximbe ; e feridos 3 dragões e 6 caçadores, tícando 
um d'aquelles mutilado. 

«Os esforços feitos durante dois dias completos 
por toda a expedição, a resistência offerecída pelo 
gentio que tinha fortificado a embala com duas or- 



170 



dens de paliçada, sendo a primeira barreada e J^ 
teirada, n*um arco de circulo de 65o metros de 
extensão, são inacreditáveis na Europa. Preferiam 
morrer nas fumas ou fendas das rochas, a ren(k- 
rem-se. 

cEu creio terminadas as surprezas e que em parte 
nenhuma o gentio estará melhor fortificado, fortífi' 
cação que díz-se, é copia da feita pelo negociante, 
Pires em volta da sua casa no Bailundo. 

c Sobre officiaes, sargentos e praças de pret como 
sempre, portaram-se com valentia e muita coragem, 
podendo afiãrmar que com taes elementos vae esta 
expedição e vence qualquer adversário por mais 
numeroso e bem fortificado que esteja, em qualquer 
ponto da provincia. 

cDeus guarde a V. Ex.* — Acampamento em 
Candumbo, 21 de setembro de 1902. 

tlll."*^ e Ex."**^ Sr. Chefe do Estado Maior do go- 
verno geral de Angola. =Joaquim Teixeira SMoU" 
tinho, governador». 

Na sua ultima parte resalta, em formula que cr 
vivo enthusiasmo do ^ommandante Moutinho con^ 
o êxito dos seus combates, e a sua iusta confiança 
nas suas tropas, aquecem e explicam, esta grande 
verdade — a de que, alli como em qualquer parte, 
os bravos soldados portuguezes, que tão intrepida- 
mente affrontaram a morte nos rudes combates de 
Huambo, Ganda e Caue, e Candumbo, são sempre 
os mesmos valentes, dispostos com resolução inaba- 
lável aos últimos sacrifícios antes do que a sofifre- 
rem as deprimentes humilhações da derrota. 

Muitos por lá deixaram heroicamente a vida. 



171 



)-lhe sentidamente a morte, que lhes foi glo- 
sua lembrança tributo sinceríssima a home- 
do meu respeito. 

o combate de Candumbo encerra a columna 
)nda a serie dos seus brilhantes feitos de 
Vejamos agora como e em que o seu illus- 
imandante consome o tempo que decorre 
i sua data até á dissolução da referida co- 



172 



* 



Em 2q de setembro está a columna de Caconda 
acampada junto ao Cutato, e é doeste acampamento 
que vem o officio n.® 32, datado de 29 e dirigido á 
secretaria geral, no qual, entre outras coisas, o com- 
mandante Moutinho conta que tinha ido ao Bailando 
em 23, ali soubera que no Bihé, excepto no Quanza, 
havia socego, e que durante a sua marcha em di- 
recção á fortaleza, onde estava, observara os gran- 
des effeitos dos seus combates e sobretudo do de 
Candumbo, no facto de «mais de 700 pretos idos 
de longe» o visitarem na sua passagem pela missão 
catholica «manifestando agora sinceramente os seus 
protestos de fidelidade ao governo portuguez». 

Diz mais que, na mesma data em que escrevia, 
prestara vassallagem o sobeta do Morna, pagando 
a titulo de indemnisação de guerra 5 bois, milho, 
e algum feijão ; que n esse dia foi ao acampamento 
o seciilo Camenha, que na presença do Chilala fez 
a declaração de que estava prompto a pagar a con- 
tribuição de guerra de Soo bois, ou sejam «100 por 
cada soldado morto í). 

Finalmente narra também que durante a sua 
estada na fortaleza do Bailumdo recebera a visita 
do commandante da columna do norte, com quem 
conferenciou, recebendo d^elle e lendo n^esse dia as 



173 



instrucções que pelo governo geral lhe foram envia- 
das com a data de 9 de agosto afeliimente já mo- 
dificadas radicalmente por novas instrucções». 

Esta ultima affirmação é que me surprehendc 

deveras. É absolutamente inexacta, devo dize-lo, e 

explico-a mais por falta de Justa equivalência entre 

a linguagem e o pensamento, do que por qualquer 

- outro motivo. 

Nem se comprehende que aquellas instrucções 
estivesseni, por qualquer correspondência subse- 
quente, uradicalmentei» modificadas. Se assim fosse 
o accordo resultante da conferencia havida entre os 
dois commandantes de columna, ao qual me referi 
quando tratei da columna do norte na pagina 147 
seria impossivel, ao ^menos por parte do capitão 
Teixeira Moutinho. 

Este concordou em que, concluidas as operações 
do Sambo, isto é, realisada a sua occupação que se 
fez, como se esperava, sem disparar um tiro, os 
dragões recolheriam, os boers seriam dispensados, 
as tropas de infanteria, restantes depois de guarne- 
cidos os postos no Huambo e Sambo, seriam envia- 
das para o Bailundo a fim de seguirem para o Bihé 
e Moxico no efifectivo de 60 cabos e soldados, e as 
duas columnas se dissolveriam, o que não era se- 
não o pensamento essencial, a intenção das instruc- 
ções de 9 de agosto. Como é pois que o comman- 
dante Moutinho as declara já revogadas por instruc- 
ções posteriores ? 

É certo que no decorrer das operações activas 
da columna de Caconda algumas vezes mandei offi- 
ciar ao seu commandante ; mas foi para transmittir- 



«74 



lhe louvores ofiSciaes de proveniência superior e os 
meus próprios pelos feitos militares de que tardia- 
mente me chegava a noticia, louvores que lhe eram 
enderessados e aos bravos officiaes e praças sob o 
seu commando; para lhe recommendar que procu- 
rasse communicar depressa com a columna do norte 
prevenindo-o de que o commandante d'esia era 
portador de instrucções reservadas que lhe entre- 
garia, e d'outras, as suas próprias, de que, por 
deferência com a sua qualidade de governador do 
districto, lhe daria também conhecimento; final- 
mente para lhe transmittir as alarmantes e insidiosas 
noticias vindas do Munonge, e recomendar-lhe que, 
visto dever ir ás Ganguellas e Ambuellas — o que 
era das taes instrucções que depois disse radical- 
mente modificadas por outras — se fizesse acompa- 
nhar, não só do official da sua confiança que esco- 
lhesse para secretario na commissão que ali ia 
desempenhar, mas ainda da escolta que á sua cate- 
goria convinha, e a qual no caso de alguma coisa 
haver de exacto nos inacreditáveis boatos propala- 
dos, podia aproveitar para, conjuncta com os ele- 
mentos de força local, desfazer qualquer fermento 
de sublevação, se o houvesse, em contrario do que 
eu julgava e claramente lhe dizia, 

Isto foi-lhe dito no officio de 19 de setembro, no 
qual também, em inspiração de cortez deferência, 
se lhe dizia que procedendo assim teria opportuni- 
dade de prestar á provincia mais um valioso serviço; 
e isto não altera em nada, absolutamente em nada, 
as instrucções de 9 de agosto, cuja subsistência o 
próprio officio reconhece n'estas palavras: «Tendo 



Vossa Excellencia de ir á capitania-mór das Ambuel- 
las e Ganguelias para o fim declarado nas instrucções 
reservadas e confidenciaes que a estas horas talvez 
já tenha recebido do commandante da columna do 
norte de Benguella ...» 

Assim se lhe ciliciava em ig de setembro; em 
3? do mesmo mez recebia as instrucções de g de 
agosto na conferencia realisada no Bailundo: nem 
mesmo o officío d"aquclla data lhe tinha sido entre- 
gue a esse tempo, porque S dias era periodo insuf- 
ficiente para tanto; mesmo que o tivesse recebido 
cUe guardava completo silencio sobre operações 
militares do Bailundo, dissolução ou manutenção da 
sua columna, etc; n'estes termos, admirado, per- 
gunto ; onde está o diploma official que raMcalmenle 
modificou as taes instrucções de 9 de agosto, onde 
estava essa modificação radica! já conhecida do com- 
mandante da columna de Caconda ao recebelasí 

Aquelle oíficio era talvez até — o que ? — um 
pleonasmo, consÍnta-se o termo, porque indo o ca- 
pitão Moutinho ás Ganguellas e Ambuellas, decerto 
não ia só, havia de fazer-se acompanhar de pequena 
«scolta e, pela natureza da sua commissáo, d"um 
olficial da sua escolha para secretario; assim como 
se na área d"aquella capitania soubesse de alguma 
sublevação latente ou em começo de execução, por 
inspiração própria e sem necessidade de recommen- 
daçÕes superiores, cuidaria de a annullar; portanto, 
ainda mesmo na hypothese de ter recebido o ofiS- 
cio citado, n'elle teria encontrado tudo. menos a 
modificação radical ou mesmo ligeira das instruc- 
ções que recebeu na fortaleza do Bailundo. 



17*^ 



# 
# # 



Também me recordo de que na própria manhã 
do dia em que a columna do norte sahiu de Ben- 
guella, na secretaria do respectivo governo se rece- 
beu um documento escripto em estylo de retum- 
bante patriotismo, no qual um capitão, interinamente 
encarregado da capitania-mór das Ganguellas e 
Ambuellas, celebrava em linguagem hjyerheroica 
o grande feito d'um sargento que ali attentára con- 
tra a vida d'um preto, que o tal capitão e o mesmo 
sargento consideravam terrivel inimigo da soberania 
e auctoridade portuguezas. Não gostei do feito, e 
á pressa, sem registo do officio de remessa, nem 
copia de tal documento, porque não havia tempo 
para isso, o entreguei ao commandante da columna 
do norte para o fazer chegar ás mãos do ex-gover- 
nador Moutinho, ainda para que este, quando nas 
Ambuellas e Ganguellas, averiguasse do facto e 
providenciasse conforme á justiça e á ordem con- 
viesse. Nãoj foi pois também este o documento 
que modificou as taes instrucções; e assim sou le- 
vado a concluir que as palavras que estas consi- 
derações motivaram, são apenas uma inofifensiva 



-demasia de linguagem, ou uma confusão aliás nada 
de surprehender em quem, pelas contrariedades 
resultantes das demoras forçadas no Huche c em 
Caconda, pelas vivas emoções dos combates e 
pela fadiga, por tantas causas erafim, bem natural 
«ra que trouxesse o espirito ligeiramente conturbado. 

Haveria remessa pela secretaria de Benguella de 
qualquer documento d'onde pudesse concluir-se a 
tal modificação radical nas instrucçÕes ? Náo é pro- 
vável, e até direi que era Jnadmissivel que de qual- 
quer forma manifestasse intenção de altera-las quem 
ainda era 19 de setembro officiava nos termos em 
que eu o fiz. 

Foram tardiamente entregues ao commandante 
Moutinho as instrucções que lhe eram dirigidas, é 
certo; mas hoje sei que desde o Balombo o com- 
mandante da columna do norte, procurou commu- 
nicar com elle, chegando a enviar-!he correspon- 
dência por escoteiros, cujo salário pagou do seu bolso, 
sem nunca obter resposta. 

Chegariam estes escoteiros ao seu destino ? Seria 
entregue tal correspondência ? O commandante 
Moutinho saberá dize-lo. 

Que o commandante Moutinho não ignorava in- 
teiramente a marcha da columna do norte mostra-o 
o facio de ao seu commandante ter mandado pedir 
em officio n." 22 de i de setembro de 1902, diri- 
gido para o Luimballe. um reforço de 60 homens 
para guarnecer o Sambo quando o occupasse. Não 
lhe foi satisfeito o pedido, nem podia se-lo: a esse 
1 columna do norte, já sem pessoal que dei- 
i base doperações, na de élapes e nos pos- 



178 



tos que creára, e tendo ainda que bater a Gallanga^ 
onde se dizia que havia Sy acampamentos de guerra, 
nâo podia dispensar gente, que pouca, e por acaso 
fatigada em demasias de intenso trabalho, era a 
que tinha. 

N'este officio citado observo agora uma circum- 
stancia curiosa e suggestiva : nâo é dirigido ao com- 
mandante da columna do norte, mas sim ao capi- 
tão de artilheria Pedro Massano de Amorim. 

E' enorme o vasto interland de Benguella, era ex- 
tensissima a área que havia a castigar e occupar, á 
larga pois lá podia desenvolver-se a acção de todos, 
e todas as glorias lá cabiam sem aperto como se viur 

E não foi demasiado o concurso de todos. Os fa- 
ctos demonstraram bem que não houve intervenções- 
dispensáveis, e mais do que ninguém deve d'isso es- 
tar convencido o commandante Moutinho. Se quando 
a sua columna chega perto do Bailundo, depois da 
demorada estadia em Caconda e da escabrosa tra- 
vessia do Huambo e Candumbo, tem de ir abafar 
o incêndio que lavrava desde o Queve, pela Gal- 
langa, Quibanda, Soque, Quibulla etc, até ao Ba- 
lombo, pergunto: a quem seria commettida a funcçcão 
de aacudir simultaneamente a muitos pontos ameaça- 
dosí> como diz no seu officio n.® 84 de 3o de setem- 
bro de 1902? Quem seria que havia de occupar O' 
Sambo, desentulhar o fosso do forte do Huambo-^ 
guarnecer este e o do Sambo, estabelecer o postei 
do Cuima, n'uma palavra, realisar todos os actoíí^ 
com os quaes a columna de Caconda preencheu o 
seu tempo desde fins de setembro até á sua disso— ^ 
lução em 26 de outubro de 1902 ? 



179 



Creio piamente nas palavras do commandante 
Moutinho, quando este, depois da acção do Can- 
dumbo, diz, aquecido pelo enthusiasmo : «com taes 
elementos vae esta expedição e vence qualquer ad- 
versário por mais numeroso e bem fortificado que 
esteja em qualquer ponto da provincia». Grandes, 
porem, haviam de ser as dificuldades que teria de 
vencer para seguir do Queve ao Balombo com os 
vagons boers, que tinham sido o meio de constituir 
o comboio da sua columna, mas que n'aquella zona 
não transitam; e só tardiamente, depois de muitas 
marchas e contra-marchas, por ter de regresssar a 
Caconda para fazer o que fez na volta, poderia ini- 
ciar as operações que o norte de Benguella recla- 
mava, aliás urgentes. D'isto resultaria estarmos 
ainda hoje (8 de março de igoS) em guerra, que 
Deus sabe quajido acabaria. 

Assim a columna do norte sahe de Benguella em 
9 de agosto e termina as suas operações em 7 de 
outubro; a do sul sahe de Benguella em 22 de ju- 
lho, reforça-se com os dragões em Caconda a 24 
de julho, parte de Caconda em i de agosto, e fecha 
as suas operações em 26 de outubro, ficando por 
toda a parte a soberania portugueza assegurada, o 
prestigio da auctoridade restabelecido e a paz ga- 
rantida. 



i8o 



# 
# # 



Também ignoro as razões porque o commandante 
da columna de Caconda precede a consideração de 
que as instrucções de 9 de agosto já estavam radi- 
calmente revogadas, do adv erhio feli:^mente. 

Felicidade a meu ver, seria que o mesmo com- 
mandante, batido o Huambo e construído o forte 
da Quissála, o tivesse deixado guarnecido, como 
disse no officio n.*^ 21 atraz citado, mas em contra- 
rio do que aconteceu, como depois ^e mostrou ; e 
assim se tivesse poupado . . . á contrariedade, digamos, 
de mais tarde o saber atulhado pelo gentio irreve- 
rente nos actos, se bem que, na opinião do mesmo 
commandante, aterrado por maneira que a terra do 
Huambo podia considerar-se morta. 

Felicidade seria que a linha de communicações 
para Caconda tivesse ficado assegurada logo apoz 
a passagem da columna, como é de preceito rudi- 
mentar em campanhas de toda a parte e essencial 
em Africa. 

Que esta linha de communicações era de absoluta 
necessidade, reconheceu-o o mesmo commandante na 
volta, quando creou e guarneceu o posto militar do 
Cuima; e quanto convinha estabelece-la e garan- 
ti-la di-lo o mesmo commandante no ultimo argu- 



i8i 



mento que allega para justificar-se de não ter que- 
rido dperder tempo na construcção de reductos» que 
a assegurassem, argumento que, no meu paisano 
entender d*estas coisas, é inteiramente contraprodu- 
cente. <í Convencido de que o gentio era verdadeií^a- 
mente aguerrido e tendo de operar a ião grande 
distanciay> foi por isto que não quiz distrahir forças 
garantindo communicações, diz ; mas precisamente 
porque julgava o gentio assim e a distancia a que 
teria de bate-lo enorme, é que por minha vez eu penso 
que seria flagrante opportunidade fazer o que não 
fez. São sempre incertos o futuro e os resultados 
da guerra. «Demain c'est Waterloo, demain c'est le 
tombeau», disse-o p genial Victor Hugo. Era pois 
de prudente cautella manter desembaraçada e livre 
a sua linha de communicações, que além de tudo 
poderia servir também para lhe assegurar a reti- 
rada, se por deplorável desastre ella lhe fosse ne- 
cessidade. 

Só mais tarde, depois do combate de Candumbo, 
é que, no seu officio n.® 29, o commandante Mou- 
tinho, falando com louvável orgulho da valentia das 
suas tropas, diz poder affirmar que com taes ele- 
mentos vae seja onde for, bate qualquer adversário 
seja qual for o seu numero, esteja fortificado como 
estiver, etc; mas ao iniciar as suas operações de 
certo não tinha esta opinião, ou, se a tinha, dada a 
fallibilidade dos juizos humanos, a qualidade aguer- 
rida do inimigo numeroso que esperava deparar e 

a enorme distancia a que teria de bate-lo, creio que 
seria de toda a conveniência e prudente inspiração 

ter cuidado de prevenir-se contra futuras eventua- 



i8a 



lidadesy sempre possíveis no jogo da guerra, senio 
por siy ao menos por aquelles que commandava. 

Ha n*este procedimento do capitão Moudnho — 
que afinal a fortuna favoreceu — um qui de afini- 
dade com a temerária audácia do intrépido mas in- 
considerado nadador que, atirando-se ao mar, sem- 
pre para a frente lhe vae fendendo em vigorosas 
braçadas as aguas revoltas, levianamente esquecido, 
porem, de que tSo extensa como a linha do seu avan- 
ço, e talvez mais difficil que ella, á rectaguarda se 
lhe desdobra, cada vez mais longa, a do seu regresso 
á praia. Não raro, se cança, é victima da sua irre- 
flexão, a não ser que providencial soccorro o salve. 

Felizmente as forças do capitão Moutinho não se 
esgotaram ; mas se cançam e por faltar ao norte o 
concurso da columna respectiva, o mar incerto, que 
nas vigorosas braçadas do Huambo, da Ganda e 
Caue, e do Candumbo vae fendendo, se convulsiona 
em mais embravecidas e alterosas ondas, bem po- 
deria acontecer que hoje houvesse que deplorar al- 
gum terrível desastre, que não seria surpresa para 
quem, sabedor de que a columna de Caconda fora 
bater muito longe um inimigo muito aguerrido e 
numeroso, soubesse também que ella de todo es- 
quecera, ou propositadamente se abstivera de asse- 
gurar a sua linha de communicações para a recta- 
guarda, que seria também a da sua retirada se um 
revez — possível e que não seria novo na historia das 
guerras coloniaes, que aliás tantos valentes teem sa- 
crificado — lhe depara difficuldades maiores, que, 
até contra as mais fundadas previsões, a um com- 
pleto cabo de guerra convém sempre acautelar. 



Uj^elicidade seria que o commandante Moutinho, 
Ppois de ter aterrado o gentio por maneira que á 
sua passagem pela missão catliolica mais de 700 
pretos — excluídos por certo os da missão — o vão 
de longe visitar omanifestando agora sinceramente 
os seus protestos de fidelidade ao governo portu- 
guez", como diz, não tivesse que recusar-se, apesar 
do enorme prestigio da sua columna, a mandar para 
o Bihé e Moxico um pequeno contingente das for- 
ças indígenas sob o seu commando, conforme ficara 
accordado na conferencia realisada antes no Bai- 
lundo. entre elle e o commandante da columna do 
norte, e que a este dissesse, no seu officio n." 34 
atraz citado, as seguintes palavras: uCommunico a 
V. Ex.* que estando sufficienlemente informado do 
estado critico do Moxico, não podendo presente- 
mente desviar-me do objectivo Sambo e achando-se 
as forças do meu commando bastante reduzidas 
pela necessidade de acudir simultaneamente a mui- 
tos pontos ameaçados^ lembro a V. Ex." que seria 
de grande vantagem e de máxima opportunidade 
destacar para ali uma força sufficiente para — etc». 
Felicidade finalmente seria... que as columnas 
pudessem ler acabado mais cedo, sobretudo a de 
^conda que foi a primeira a organisar-se e a ul- 
jpa a dissolver-se ; que a crise económica de An- 
Ua não tivesse sido tão ruinosamente aggravada 
) crise militar que tantos interesses e vidas sub- 
que as enormes despezas da guerra não 
ussem levado a extremos visinhos de fallencia de- 
Irada os anemiados recursos financeiros do cofre 
Ssta provinda. 



i84 



# 
# * 



No mesmo officio n.® 84, de que já transcrevi parte, 
diz o commandante Moutinho ao commandante da 
columna do norte que seria opportuno e de vantagem 
este destacar para o Moxico a força sufficiente para 
manter a tranquillidade, conforme^i/Zg^a ter assentado 
por occasião da conferencia havida; declara encar- 
regar-se de remover, elle, quaesquer dificuldades 
relativas a abastecimentos, e accrescenta mais algu- 
mas considerações, aliás interesantes, mas de inútil 
transcripção no caso presente. 

Responde-lhe o commandante da columna do 
norte, dominado certamente pelas serias apprehen- 
sões que deviam causar-lhe aquelle estado militar 
grave de coisas, subsequentes em tão poucos dias á 
conferenciado Bailundo, e algumas palavra de sibyl- 
lino sabor, com as quaes aquelle diploma terminava, 
no officio n.® 58, de 2 de outubro, recordando o ac- 
cordo celebrado; mas o capitão Moutinho, de certo 
porque a memoria lhe não retivera o ajustado n^aquella 
conferencia, replica no officio n.® 36, de 6 de outu- 
bro, dizendo que não tinha combinado dissolver a 
sua columna — o que aliás era o acto d'onde havia 



de resultar a remessa do reforço de 6o praças para 
o Bihé e Moxico — e accrescema que ias circum- 
stancias podiam mais que os genevaes e eram ellas 
que impunham a dissolução da columna. aQue ha- 
viam de irapòr> queria por certo dizer; mas sobre 
o joelho, na vida do matto, não surprehende que a 
palavra não corresponda sempre com justeza á ideia. 
Temos n'este ponto em desaccordo os dois com- 
mandantes. Qual d'elles, porem, terá melhor me- 
moria do que se passou n"e5sa conferencia realisada 
no Bailundo? Abstenho-me de dizer a este respeito 
o meu juizo porque, não podendo conciliar dizeres 
tão oppostos, pronunciando-me, faj-o-hia em desfa- 
vor de algum, o que não é meu desejo; o espírito, 
porem, de quem ler os documentos escriptos, e re- 
cordar muito do que deixo dito, não pôde deixar de 
inclinar-se a dar a primasia á memoria do com- 
mandante da columna do norte, por isso que era 
deveras natural que o capitão Moutinho, tendo ba- 
tido o Huambo, a Ganda e Caue, e o Candumbo 
por maneira que o próprio gentio aterrado decla- 
rava morta a terra do Huambo, e tal era o seu aba- 
timento que o próprio commandante julgava desne- 
cessário guarnecer o forte da Quissdla, era contrario 
do que antes tencionava; por forma que centos de 
pretos, mais de 7 centos, vinham visital-o á missão 
catholicae ahimanifestar-lhe «agora sinceramente o a 
sua fiel submissão e o seu sentido respeito ao governo 
portuguez, recebendo ainda ahi os expressivos pre- 
sentes do sobeta de Moma e do secúlo Camenhe; 
13o r maneira que o Sambo, como elle dizia, e com 

t: 



i£6 



tregaría sem resistência; nSo tendo mais que hm^ 
porque o norte estava batido, e nSo tendo precbio: 
de ir ao Bihé t ao Moxico com a columna do m 
commando porque um pequeno reforço bastam 
para restabelecer ali a ordem— tivesse récoidiedds^ 
a inutilidade de ambas as columnas^ e assim con- 
cordado em dissolver a sua, enviando a parte das 
suas forças indigenas, que restasse depois de sq>a- 
rada aquella que havia de guarnecer os seus fcxtes, 
com destino ao Bihé e ao Moxico, conoío se com- 
binara. 



i87 



No mesmo officio a que me estou referindo o ca- 
pitão Moutinho diz quaes foram as condições de paz 
que impôz ao Sambo, as quaes se cifram na entrega 
dos agitadores responsáveis e de alguns centos de 
bois, restituição d'uma creança, entrega de 6 armas 
por libata, concurso dos indigenas na construcção 
do forte, e pagamento do imposto de cubata; e, 
voltando a occupar-se do forte do Huambo, que no 
praso de 6 dias vae partir para a Quissála «onde 
consta que o gentio entulhou o fosso do forte alli 
construido», o que não acredita. 

Realmente não era de acreditar que, visto a se- 
riedade dos combates e a afirmação de que o 
Huambo estava completamente subjugado, tal de. 
sacato tivesse sido commettido ; mas, contra todas 
as previsões, o gentio, que por vezes tem as maio- 
res audácias, tinha praticado esta, e não é logo que 
os séculos da região vêem á presença do comman- 
dante Moutinho, chegado em 20 á Quissála, mas 
sim 3 dias depois, isto é, em 23. O gentio apresen- 
ta-se também, mas traz bandeira branca, não fosse 
julgar-se que elle vinha hostil. 



i88 



E' curioso sobre o caso o officio do commandante^ 
Moutinho, escripto da Calenguene, sob o n.® 46 e '^ 
com a data de 3o de outubro, dirigido ao quartel 
general. Diz assim: 

«Pacificado o Sambo, tendo este sobado satisfeito 
a contribuição de guerra imposta em conformidade 
com as condições Já referidas em officio n.** 36 de 
outubro, inaugurado solemnemente o forte «Teixeira 
de Sousa» no dia 12 de outubro, regressei com a 
expedição do meu commando no dia immediato, i3j 
á região da Quissála. 

«Aqui chegado em 20 do mesmo mez encontrei 
desentulhado o fosso do forte aqui previamente 
construído, o qual na verdade como constava e re- 
feri tinha sido entulhado pelo gentio com madeira 
da paliçada d'uma libata allt arra:{ada na manhã 
de ig de agosto. Gentio do Huambo veiu no dia se- 
guinte ao forte tra:{endo bandeira branca como si- 
gnal de pai que pediu. 

«Entretanto, os principaes séculos, sem duvida 
receiosos só chegaram a reunir-se no forte no dia 
23 em que uma commissão nomeada (a mesma que 
tinha tratado da paz no Sambo), impôz aos séculos 
alli reunidos, bem como ao soba do Capouco, Nun- 
guno, novo sobado do Huambo, por estes eleito, as 
seguintes condições que acceitaram: 

a) «Pagamento de 100 bois e 5o cargas de bor- ■ 
racha; 

b) «Submissão absoluta á Coroa portugueza; 

c) «Pagamento da contribuição imposta no praso 
de 6 dias junto do rio Cunhugamua; 

«Em 26 de outubro foi inaugurado o forte de 



i8q 



<^uissála a que como manifestação de subordinação 
foi dado o nome de a Cabral Moncada», sendo dada 
n'este dia liberdade a todas as mulheres e creanças, 
-aprisionadas nos combates já referidos de 9, 18 e 
19 de setembro (?). 

«N'este mesmo dia dei por findas as operações 
activas marchando no dia seguinte em direcção ao 
Cunhugamua, tendo previamente enviado para o 
Moxico uma força de 3o praças acpmpanhada de 
200 bois no valor de 7:000^1)000 réis. 

«Em 29 de setembro enviei á expedição do norte, 
a pedido do seu digno commandante, 40 bois no 
valor de 1:400^^)000 réis. 

<rNo Cunhugamua demorei 2 dias esperando ali, 
como fora ajustado, que o Huambo, viesse satisfa- 
zer a contribuição de guerra imposta, o que succedeu 
deixando ainda de entregar 3i bois, pagamento que 
o novo soba ficou de ultimar junto do rio Cuima. 

«Naturalmente espalhada a noticia da eleição do 
novo soba do Huambo, veiu o gentio de Candumbo 
ao acampamento pedir para ser nomeado soba d'esta 
região o secúlo Chimbimbe que o acompanhava, 
ao que accedi». 

Esta mercê premeia-a o nomeado com a offerta 
de 14 bois, e levantada depois uma questão estra- 
nha de indemnisações o commandante quer mais 
5o bois, mas o secúlo acha demais, diz só poder dar 
3o, e n'isto se fica pelas seguintes razões : 

a) <íO Candumbo não tendo satisfeito a contri- 
buição de guerra imposta em seguida ao combate 
de 18 e 19 de setembro no praso de 6 dias como 
fora tratado, ordenei o rompimento das hostilidades, 



IQO 



sendo-lhe arrazadas quasi todas as libatas e appre- 
hendidos 322 bois. 

b) «Não conhecer exemplo de terem sido postos 
á disposição do governo todos os prisioneiros feitos, 
e sim só os mais importantes, o que também faço. 

c) «Ser diflScil e dispendiosa a sua alimentação 
até Benguella. 

dj «Não ser a região do Huambo muito abun- 
dante em gado vaccum. (Ninguém o dirá!) 

«Como últimos esclarecimentos devo ainda dizer 
que o forte «Teixeira de Sousa» ficou com uma 
guarnição de 40 praças e 2 peças de artilheria de 7 
centímetros, commandadas pelo tenente Guardado.» 
«O forte «Cabral Moncada» com a gurnição de 60 
praças e egual numero de peças, commandadas 
pelo tenente Tamegão. Ambos estes fortes ficaram 
com abastecimentos para quatro mezes, não in- 
cluindo 80 bois que ficaram n'este e 5o no forte 
«Teixeira de Sousa.» 

«Além de 3 carros de viveres chegados em 29 de 
agosto ao Bailundo, enviou esta expedição em ou- 
tubro (desde 10) 7 carros boers com viveres para o 
Bihé e sobretudo com destino ao Moxico. 

«Por esta forma ficam referidos todos os actos 
d'esta expedição que julgo mais importantes, suc- 
cedidos posteriormente aos últimos narrados em 
officio n.® 36 de 6 de outubro, dando por finda a 
missão de que fui encarregado e regressando a Ca- 
conda, onde ficará totalmente dissolvida a expedi- 
ção, não sem previamente construir no Cuima, um 
fortim, que será a sede da 7.^ divisão administra- 
tiva d'aquelle concelho.» 



^^f Este oíFicio é de summa importância. E' quasi um 
relatório das operações da colurana desde o Sambo, 
que se entregou sem resistir, até á sua dissolução. 
D'elle se vé que o forte da Quissáia, isto é, o do 
Huambo, que foi o que primeiro teve o nome "Tei- 
xeira de Sousau passou, depois do desacato que sof- 
freu, a denomínar-se íCabral Moncada», e o do 
Sambo, que era o que primeiro teve este nome 
passou a ter aquelle. 

D'e!le se vê que no Sambo foi imposta, entre as 
condições de paz, a de pagamento de imposto de 
palhota, o qual no Huambo já não figura; mas que 
por toda a parte grande toi a tributação imposta e 
cobrada em bois, cujo valor ^ reduzido, é claro, 
pela participação dos auxiliares nos termos de con- 
tracto de Caconda — muito deve ter concorrido para 
attenuar as despezas da columna. 
Emfim, por elle se poderá calcuiar com exactidão 

»Aiuito approximada qual a natureza e o alcance dos 
perviços prestados pela columna do commando do 
Capitão Moutinho. A' falta de relatório, como disse, 
é nos officios do commandante da colurana de Ca- 
conda que tenho que respigar o preciso para escla- 
I ..jrecer as suas operações; por isso transcreverei mais 
^Bunit o que, sob o n.° 5o e com a data de io de no- 
VVernbro, é dirigido ao chefe de estado maior da 
província. 
Diz assim : 

aEm additamento à ultima parte do meu officio 
m." 46 de 3o de outubro, tenho a honra de commu- 
wicar a V. Ex." que tendo chegado ao rio Cuima no 
^a I de novembro, para onde previamente tinha 



192 



partido com 10 praças de caçadores o major de 2^ 
linha Theodoro José da Cruz, incumbido da direcça^^ 
da construccão do forte doesta localidade e notandt^ 
a expontaneidade com que o gentio tanto de Ca — 
pouco como do Quingolo concorria para os traba 
lhos já muito adiantados do forte ; averiguando d 
densidade e importância da sua população, resolvi 
que aquelle forte fosse convertido n^um posto mili- 
tar de I .* linha, dependente do chef ado de Caconda 
e intermédio entre este concelho e o Huambo. Em 
consequência nomeei commandante do referido forte 
o alferes António Jacintho, com uma guarnição de 
i5 praças de caçadores 3 (10 das quaes já alli se 
achavam), ficando esse posto a garantir o livre tran- 
sito pela principal artéria commercial do districto — 
a estrada carreteira de Caconda ao Bihé e Bailundo, 
junto da qual está construido.» 

Finalmente, accrescentarei, para exacta narração 
dos factos que, segundo consta do officio n.** 5i de 
1 1 de novembro, com egual destino do anterior, o 
novo soba de Candumbo foi dispensado de entregar 
os 3o bois a que atraz me referi, e considerado 
quite com os 14 dados de presente quando foi no- 
meado ; e que é depois de liquidado este assumpto 
que o commandante Moutinho regressa a Benguella 
«em consequência das ordens recebidas» como diz 
c é certo. 



^H^ Julgo poder encerrar a parte deste meu trabaihdiS 
T~elativa ás operações da columna de Caconda. 
Foi pena, repito, que o commandante Moutinho 
H não deixasse no quartel general relatório regular das 
^■bperações da sua columna; os documentos, porem, 
^pt|ue, referidos uns, transcriplos outros, são aquelles 
a que recorri á falta do melhor, creio que elucidam 
bem sobre o valor dos serviços d'esta columna. 

Foram indubitavelmente rijos os combates que 
deixei indicados, e não me surprehendeu a bravura 
com que as tropas portuguezas n'ei!es se houveram, 
porque a sua valentia é de longo tempo uma bri- 
íhante verdade sabida. 

Quando tratei da columna do norte, referindo-me 
ã conferencia havida no Bailundo entre o seu com- 
mandante e o capitão Moutinho, disse que o pri- 
nneiro cumprira e o segundo a seu tempo se veria. 
CZomo este cumpriu ou entendeu aquella conferen- 
<^ia, resalta do que deixo exposto. Inutii, pois, julgo 
insistir no assumpto, e assim apenas direi que, se 
£3. 1 gumas circurastancias imprevistas se deram, feliz- 
;-t-i.eme era nada influiram na realisação do dcsidera- 
r M^m que era de todos \ e que o resultado do traba- 
lt-i« conjugado das duas columnas — a que encontrei 
c a que organisei — foi o seguinte: o severo castigo 



«94 



da revolta, por maneira exemplar, que decerto cons- 
tituird escarmento que nos garantirá contra a pró- 
xima repetíçSo de sublerações da natureza e força 
d'aquella que ha mezes foi sufFocada, a consolidaç&y 
da occupaçfio que n*algumas regiões exercíamos de- | 
masiadamente frouxa e incerta, a pacificaçáo da zona 
sublevada e o restabelecimento das conninunícaçõe& 
agora devidamente asseguradas. 

Foi muito, mas n£o nos iltudamos. O dístricto de 
Benguelta é enorme, a sua guarnição e occupaçáo* 
militares estio longe ainda <k corresponder por 
completo ás suas necessidades, e de o porem intei- 
rainente ao abrigo de novas reacções do gentio, na 
sinceridade de cujos protestos de submissão e fide- 
lidade eu estou longe de acreditar por saber que só- 
o medo os inspira ; é por isso a minha opinião é 
esta: ou damos á auctorídade superior do districto- 
os elementos precisos para responder pela ordem 
dentro d'elle, ou dentro de algum tempo, em come- 
çando de adoecer as guarnições dos postos e a não 
serem rapidamente substituídas por falta de officiaes 
e praças, coisa a que é forçoso obstar se queremos 
deveras assegurar no fiituro o trabalho do presente,- 
novos perigos podem vir, e os cuidados e trabalhos 
de ha pouco reviverão. 

Pelo que deixo dito me permitto n'este logar re- 
cordar o meu oflScio n.® 228 de 14 de março de 
igoS, que junto como documento annexo a este li- 
vro, e cujo deferimento me parece, e a todos os 
que por cá andam e, com olhos de ver, vêem de 
perto o que se passa, de imprescindível e inadiável 
necessidade. 



CAPITULO VI 



Noticias alarmantes do Bihé.— Falta de recursos ali e no Moxico. —Novas ins- 
trucções ao commandante da columna do norte. — Pequenos núcleos de 
* sublevação no Bihé. — Operações militares sob o commando do tenente 
Gonçalves. — Serviços do alferes Aguiar e sua philantropia. — Razzias do 
gentio, escaramuças, chegada ao Bihé da ii.' companhia indígena e resta- 
belecimento da ordem.— Situação análoga no Moxico. — Assalto feito pelos 
Quiocos. — Providencias determinadas pelo capitão Amorim. — Reforços 
mandados para o Moxico. — Estabelecimento de um deposito de viveres no 
Bailundo.— Mais reforços para Moxico.— Reabertura de caminhos.— Impor- 
tância dos serviços do capitão Amorim a bem da ordem no Bihé e no 
Moxico. 




OMO já O disse, em princípios de setembro 
fui procurado em Benguella por um com- 
merciante, que, lavado em lagrimas, me 
confiou uma carta de um seu irmão, esta- 
belecido na área da capitania-mór do Bihé, na qual 
este dizia que a sua casa ia ser assaltada pelo gen- 
tio disposto a saquear-lh'a, arraza-la, e a elle ma- 
ta-lo. Dizia não ter meio de defender-se e, possuido 
de um verdadeiro pânico, considerava-se homem 
perdido. 

Outras noticias também me tinham chegado, ai- 



196 



gumas até de caracter official, dizendo-me funda- 
mentalmente o mesmo, não com tão sombrias cores, 

mas por forma a sobresaltar-me profundamente o 
espirito, que todas estas informações tanto mais 

atribulavam, quanto é certo que no prolongamento 
das operações de guerra eu só via inconvenientes, 
e até, se a sublevação se diflfundisse por toda a vasta 
zona comprehendida entre o Cutato e o Lumege, 
intensa e forte como fora entre o Queve e o Ba- 
lombo, eu, que aliás contava e muito com a valen- 
tia e a tenacidade dos nosos soldados, e a incansá- 
vel energia do commandante da columna do norte 
e seus restantes officiaes, chegava a receiar que as 
dificuldades se avolumassem por maneira que, 
muito embora sem perigo de desastre, mas rema- 
tando no insuccesso, assim fechassem os penosos 
trabalhos de todos. 

Pelo capitão Massano de Amorim que, poucos 
mezes antes do meu regresso a Lisboa, visitara as 
capitanias-móres do norte de Benguella, no desem- 
penho de commissão especial que lhe fora encarre- 
gada, sabia bem que as do Bihé e Moxico ainda me- 
nos elementos de força tinham, nas suas próprias 
fortalezas e nos fortes dependentes, que a fortaleza 
do Bailundo. Calculava também que até n aquellas 
capitanias se devia luctar com as dificuldades re- 
sultantes da falta de abastecimentos, porque ha 
muito estavam cortadas todas as communicacões 
com o littoral ; e sabia que estavam deteriorados 
cm grande parte os armamentos dos seus poucos 
soldados ; que estes arrastavam uma vida de mise- 
ráveis andrajosos; emfim, que eram insuficientes 



107 



as guarnições, incompetentes os commandos, e as- 
sim absolutamente impossível esperar de elementos 
d'aquella ordem a acção rápida e prompta que era 
essencial para evitar uma conflagração geral. 

N'estas condições, que algumas noites me fizeram 
sacrificar á insomnia, eu mesmo, lavrei o officio ur- 
gente que, sob o n.** 8 e com data de 5 de setem- 
tro, enviei ao commandante da columna do norte, 
noticiando-lhe o que informações de varias prove- 
niências mê diziam, e recommendando-lhe que uti- 
lisasse, se tanto fosse preciso, todos os elementos 
disponíveis da columna de Caconda, cuja dissolu- 
ção eu suppunha próxima, e, reforçada assim a sua 
columna, com a urgência possível reprimisse e pa- 
cificasse o gentio além Cutato. 

Por um lado sabia que a columna do norte não 
chegaria ás visinhanças do Cutato senão depois de 
bater a zona intensamente sublevada do Balombo 
ao Queve, o que por certo havia de fatigar-lhe as 
forças; e não ignorava que ella estabeleceria, em 
conformidade com os bons principios militares e as 
necessidades, alguns postos que lhe assegurassem 
as communicações para a rectaguarda, o que havia 
de reduzir o numero dos seus combates;* por outro 
lado nunca pensei que a columna do sul dispendesse 
tanto tempo na sua travessia de Caconda até, ba- 
tido o Huambo, chegar a communicar com a co- 
lumna do norte; e menos ainda, que depois tivesse 
de reconhecer-se impedida de dissolver-se e ceder 
elementos seus, em consequência de levantamentos, 
subsequentes á sua passagem, na zona percorrida. 
Por isso — conjecturava eu — tendo o commandante 



198 



Moutinho de partir para as Ganguellas, e o com- 
mandante Amorim de seguir para o Bihé, conforme 
era das instruccões de um e outro, nada mais lo 
gico do que encarregar este ultimo, que, aiém de 
tudo, conhecia perfeitamente toda a vasta região que 
vae do Cutato até á fronteira leste da provincia, e, 
conhecedor dos recursos militares locaes, egual- 
mente o era da Índole e meios de guerra dos povos 
respectivos, de desempenhar esta missão. 

Calculava que elle mesmo deveria, ao chegar ao 
Bailundo, ter já adquirido o conhecimento exacto, 
ou approximado quanto possivel, das verdadeiras 
circumstancias do Bihé e regiões seguintes; e dizia 
commigo: até os próprios dragões, sendo preciso, 
elle poderá utilisar no reforço da sua columna. 

Felizmente não foi necessário usar doestes meios, 
e ainda bem, porquanto, como já o disse quando 
me occupei das operações da columna de Caconda, 
as circumstancias tornavam-n'o impossível, porque, 
depois da conferencia realisada no Bailundo entre 
os dois commandantes, toda a força que o capitão 
Moutinho poude só em principios de novembro en- 
viar ao capitão Amorim, com destino ao Bihé e Mo- 
xico, foi de 29 praças indígenas sob o commando 
de um alferes. 

Como disse quando fiz a historia da sublevação, 
todo o gentio do Bihé estava ligado á revolta, e se 
Mutu-á-Quebera chega a transpor o Cutato, a área 
da respectiva capitania por certo seria theatro de 
tragedia semelhante á que se deu em torno do Bai- 
lundo. Assim apenas alguns focos houve, onde a 
altitude do gentio chegou a ser ostensivamente hos- 



Éao longo da área que vac do Bihé ao Cutato ; ^ 
caminhos que vão d'e5te rio ao Lumege estavam 
ge de ser seguros, porquanto era sem duvida al- 
guina de rebeldes a altitude dos QuÍocos, dos Lu- 
chases e dos Lumeges. 

No Tchissende o gentio fez varias razzias, sa- 
queando e arrazando as casas de vários commer- 
ciantes, que se tinham refugiado na fortaleza do 
Bihé; e o seu soba, ura de nome Tchibaba, cujas 
crueldades o tinham tornado singularmente temido 
nos povos visinhos das suas terras e entre os pró- 
prios seus governados, chegou a adquirir relativa 
celebridade. Este soba foi depois preso. 

Para o Bihé, depois de desafogada a situação da 
fortaleza do Bailundo pela opportunidade dos soc- 
corros e acção do tenente Paes Brandão, tinha par- 
tido o tenente Joaquim da Silva Gonçalves, subal- 
terno do destacamento do Bailundo, com 20 praças 
e uma peça. Muitos e valiosos foram os serviços 
prestados por este official. Foi elle quem n"uma rá- 
pida escaramuça na Tunda do soba Tchibaba, de- 
pois de um quarto de hora de fogo, arrazou varias 
libatas, fez algumas baixas, e prisioneiro o referido 
soba, que tão temido era do gentio, como disse, que 
este chega a mostrar alegria com a sua prisão. 

Foi isto em 29 de agosto, coincidindo assim este 
acontecimento, de iniciativa exclusiva das auctorida- 
lies locaes, com a estreia da columna do norte no 
-tombate de Caiobe. 

No acampamento gentílico de Quibobo, em 3 de 

-setembro, o mesmo ollicial faz prisioneiro, depois 

^^e leve escaramuça, umfumbeiro, preto de nome 



aoo 



Torumba, auxiliar do Tchibaba, depois do que re- 
gressa d fortaleza de Belmonte, no Bihé. 

Aqui encontra um pequeno reforço — 18 dragões/ 
creio eu — que sob o commando do alferes de ca-. 
vallaria João Nepomuceno Namorado de Aguiar, ti* 
nha sido enviado da Quissála pela columna de Ca- 
conda, a pedido da capitania-mór do Bihé; e com 
os seus elementos de força accrescidos de i5 dra- 
gões sob o commando do referido alferes, parte em 
direcção ao forte Neves Ferreira, cuja guarnição era 
diminuta e já receiara não poder sustentar*se con- 
tra uma projectada mas não reálisada investida do 
soba Choso das terras do N'Demba, e pedira auxilia 
ao Bihé que lhe mandara em soccorro alguns commer- 
ciantes refugiados e alguns soldados dos que tinha» 

Quando a pequena colunma organisada pelo te- 
nente Gonçalves, como acima disse« vae em direcção 
ao forte Neves Ferreira e passa o Quanza succede 
um acontecimento que é digno de registo. A' pas- 
sagem do rio, que é profundo e abundantemente 
povoado de vorazes jacarés, cabe á agua um pobre 
soldado dos dragões. Julga-se que vae morrer; mas 
que ! o alferes Aguiar esquecido de todos os peri- 
gos pessoaes e só vendo os d^aquelle desgraçado 
que a morte por tantas maneiras parece ter empol- 
gado, atira-se resoluto ao rio, nada, agarra-o e 
salva-o. 

E' mais do que digno de registo este proceder; é 
digno do maior louvor e justíssimo será que op- 
portunamente as instancias superiores reconheçam 
e premeiem o valor e a heróica abnegação que elle 
exprime. 



201 



Esta pequena columna persegue sempre o gentio, 
que vae fugindo e nenhuma resistência oíferece, até 
ao rio Cunge que atravessa, mas sem resultado, e 
os perseguidos vão para Negongo. Depois em 19 de 
setembro, regressa a força ao forte Neves Ferreira, 
d'onde partira. 

Em 21 sahe de novo e vae a Cangombe aonde a 
pretalhada se mostra hostilmente sublevada agora 
e tem sido sempre insubmissa pela influencia que 
sobre elle exerce a soba Nana Cangombe, que, presa 
uma vez em virtude de revolta, ha pouco mais de 
três annos, foi solta em Loanda; mas tudo foge sem 
resistir, e só fica prisioneiro o sobeta Dilunga do 
Collo, que hypocritamente se dizia fiel ao governo, 
mas só pretendia, ao abrigo de tal declaração, po- 
der conservar-se livre para como espião ir successi- 
vamente informando o gentio do movimento da força. 
Torna a columna depois d'isto a recolher ao forte 
Neves Ferreira, d'onde parte para o Bihé, aonde 
chega a 29, levando vários prisioneiros, fazendas e 
alguns géneros apprehendidos em valor excedente 
ao de 2 contos, e tendo no caminho atacado as liba- 
Tas do N'Gai e Sá Quissongo, que resistem mas são 
^rrazadas. 

No Bihé encontra já esta columna a 11.* compa- 
nhia indigena, que para ali fora mandada pelo com- 
:iiiando da columna do norte, e com este accrescimo 
^e força e o êxito conhecido dos combates do Bai- 
lundo e do exterminio de tantas libatas e vidas, a 
'pacificação do Bihé realisa-se de vez. 

E' de notar que afinal no Bihé não chega a haver 
xim combate serio, e ainda bem, que se o ha, os 



202 



elementos de força eram poucos e as difficuldades 
seriam maiores. De tudo isto, porem, que muito 
rapidamente esbocei, a impressão que me íica é esta: 
se não é o pânico causado pelos combates das cq- 
lumnas do norte e de Caconda, e como resultado as 
iniciativas e intentos revoltosos do gentio não es- 
friam, estaríamos talvez hoje ainda a braços com 
uma conflagração geral, que — mercê de Deus! — 
havia de apagar-se, mas que enormes sacrificios de 
toda a espécie importaria. 

A attitude do gentio do Bihé era como que uma 
espectativa malévola. Se o Bailundo vence a suble- 
vação era geral ; vencido, foi exemplo que aterrori- 
sou, e só frouxos elementos mais irrequietos entram 
em ostensiva hostilidade, na qual o animo lhes não 
permitte todavia que presistam, debandando em ge- 
ral ao approximarem-se as nossas forças, embora 
em reduzido numero. 

Esquecia-me dizer: o soba Choso, de N'Demba, 
foi afinal feito prisioneiro em outubro pelo alferes 
Miguel de Almeida, que pertencera á columna do 
norte, e d'ali fora, na sua qualidade de subalterno 
da II.* companhia, destacado para o Bihé. 



2o3 



Não detalharei o que no Moxico havia. Pouco 
mais ou menos o mesmo que no Bihé. Os Quiocos, 
a sul da secção do Cassae que corre de Leste a 
Oeste, que constituem verdadeiras hordas, quasi 
nómadas, formadas por individuos repellidos pelos 
Quiocos do Sul da Lunda, os Luchaxes e os povos 
visinhos do rio Lumege, como lhe chamam no in- 
terior, mas Lumese, como vem na carta, os quaes 
são coíihecidos por Lumeges, tinham também revê- 
/ado a sua attitude hostil em vários actos de perse- 
guição e rapina; as providencias, porem, determina- 
das com prudente e seguro critério pelo capitão 
Massano de Amorim, em breve restabelecem e as- 
seguram a ordem. 

E' elle que providencia sobre abastecimentos de 
viveres e munições para o Bihé e Moxico, e para a 
primeira d'estas capitanias faz seguir a ii.* compa- 
nhia, cujo commandante leva ordem de fazer che- 
gar á segunda 12 mil cartuchos Snyder em comboio 
escoltado, e n'este ou n'outro fazendas, isto é, moeda, 
no valor approximado de 6 contos. 

Os comboios são atacados pelos Quiocos que são 



204 



repellidos e sofifrem varias perdas, ficando morto 
na refrega, que foi pouco demorada, o seu soba 
Samonana. Pena foi que outro chefe de nome 
Cariata, soba do Chaimasso, não sofifresse egual 
castigo; mas este e outros fugitivos retiram para as 
margens do Cassae e não tornam a incommodar. 

Vistas as declarações do capitão Moutinho, que 
em logar próprio referi, e foram subsequentes á 
conferencia realisada no Bailundo entre os dois com- 
mandantes, o capitão Amorim perdeu logo toda a 
esperança de obter da columna de Caconda, a tempo 
e assas numerosos, reforços que podessem concor- 
rer na demonstração de força que no Moxico era 
urgente, para apagar de ve^. os fermentos de revolta 
a que alludi, e os quaes, desamparados de assistên- 
cia repressiva, bem podiam alastrar e tornar-se mais 
intensos, redobrando-nos as difficuldades ; por isso 
do Bailundo deu ordem para o Bihé, a fim de que 
d'esta capitania partissem 40 homens, sob o com- 
mando d'um subalterno com destino ao Moxico. O 
commandante do Bihé, porem, allegou diíBculdades 
em fazer seguir tropas e comboio como lhe era de- 
terminado, por falta de mantimentos, e então, em 
i5 de outubro, o próprio capitão Amorim pane 
para o Bihé, onde chega em 18; em iq resolve as 
difficuldades de abastecimentos, faz partir o com- 
boio de munições em 20, e três dias depois o re- 
forço militar referido, que leva 80 bois que tinham 
sido apprehendidos ao Tchibaba e outros sobas. 

D'esta vez os Quiocos não apparecem já ; com- 
boio e tropas passam incólumes, e á sua chegada ao 
Moxico as coisas mudam inteiramente de face. Os 



caminhos fraqueiam-se e a gente do Lumege, que 
para mais ouve dizer que dquelle reforço outro se 
seguirá, trata de, por intermédio de alguns sobas 
fieis, conseguir o perdão que pede, e para mais se- 
guro se lhe deferir, restitue alguns dos valores rou- 
bados a varies commerciantes. 

A tí de novembro chegam, finalmente, as mesqui- 
nhas sobras da columna de Caconda, os 39 homens 
de que }á falei, que seguem para o Moxico e escol- 
tam um comboio de 4 carros boers com mantimen- 
tos, os quaes, segundo iulgo, eram uns que pela 
base de operações em Benguella eu tinha aucton- 
sado^em agosto creio eu — a seguir com destino 
ao Bailundo e á columna do norte, mas que circum- , 
siancias que desconheço só permitiiram que despren- 
dessem da columna de Caconda quando esta se dis- 
solveu ou eslava prestes a dissolver-se. 

Pelas guias dos carreiros e pelos soldados brancos, 
idos da base de operações em Benguella, em escolta 
aos carros, se viu que estes eram os de Benguella, 
expedidos com o destino indicado. Razões da de- 
mora no caminho, onde se encontrava a columna 
de Caconda, ignoro-as e melhor é não as investigar. 
Não são estes os únicos carros que vêem. A co- 
lumna de Caconda dispensa, ao dissoiver-se, os 
poucos homens que lhe sobram e os mantimentos 
e fazendas que ainda tinha em grande abundância, 
: mais 5 carros chegam, e no Bailundo e no Bihé 
Içam as respectivas cargas. 

' Muito antes de chegar ao Bailundo tinha o capitão 
lorira alli creado um deposito de viveres, muní- 
[es e fazendas, que ainda subsiste e convém con- 



208 



gestão, a necessidade de augmentar a guarnição do 
districto de Benguella, por forma a mantel-a em 
justo equilibrio com as suas necessidades, que são 
enormes como a sua area. 

As dificuldades que houve que vencer com rela- 
ção ao Bihé e ao Moxico e que se estão dando 
quanto á guarnição de todos os pontos do Bihé. do 
Bailundo e d'aquella capitania, foram e são de toda 
a espécie ; mas entre ellas avultou sempre e avulta 
ainda a resultante d'uma perigosa escassez de ele- 
mentos militares, á qual é dever nosso pôr cobro, 
se queremos assegurar de vez a paz, a ordem e a 
nossa occupação. 

E não é só em Benguella que isto se dá. Ao sul 
da provincia impõe-se a necessidade de alargarmos 
a nossa occupação militar, por forma a por toda a 
parte assegurarmos aquelle dominio, que ha de ser 
simultaneamente a garantia do commercio que tenta 
ditfundir-se, a repressão do abuso e a posse incon- 
testada. 



CAPITULO VII 



Necessidade de justiça. — Orientação adoptada. — Vagos rumores do pas» 
sado. — Revelação da verdade. — Primeiros actos de repressão e sua in- 
sufficiencia : rápida critica dás leis de processo e penaes. — Inquérito 
anterior á revolta, quasi immediata explosão d'esta. — vHomo homini 
/upusn — Conceito dos bons subvertido no descrédito dos maus : Que 
fazer ? — «O presente é fílho do passado e pae do fiituron. — A explicação 
da sublevação pelas decisões do conselho de guerra. — Cuidados preci- 
sos para garantia do futuro. — Precisões de Angola sob o duplo aspecto 
do seu futuro económico e politico. — Resurgimento da província. — De- 
veres de todos. 



iSTORiANDO a largos traços a revolução do 
Bailundo, indiquei com a possivel exacti- 
dão a situação de Angola, sob o ponto de 
vista da sua ordem militar e administra- 
tiva, quando em 25 de maio de 1902 parti para a 
Europa, receioso sempre e de ha muito de que uma 
rebellião explodisse, desconhecedor, porem, das tris- 
tes realidades que constituíram a sublevação, que 
rapidamente foi castigada e reprimida, porque a mo- 
rosidade de communicações, inevitável em paiz como 
este, tinha conservado ignorada das auctoridades 
competentes do littoral a verdade d'aquella trágica 

'4 




aio 



conflagração, na qual ó gentio, desvairado no ddirío 
da vingança e nas voluptuosidades do crioie e da 
razzia, algumas vidas sacrificou e muitas fazendas- 
destruiu. 

Quaes tinham sido as primeiras providencias de- 
terminadas, ao conhecer- se com exactídáo approxi- 
madà a verdade dos factos, também já o disse. A 
coluoma do LJboUo partíra em soccorro da fortaleza 
do Bailundo e dos que n*ella se tinham refugiado,, 
e tão diligente e prompta foi a aua acção que em 
breve a situação em tomo da capitania era desafo- 
gada : a de Caconda partira em 22 de junho apres- 
sada para Caconda, e lá ficou e lá permaneceu até 
ao dia i de agosto, no qual, accrescida do reforço 
dos dragões desde 24 de julho, inicia a sua.marcha^ 
para o norte, e com. ella as suas operações activas. 

Como utílisei esta cplumna, ou melhor, como con> 
ella conjuguei a acção d'aquella, cuja rápida organí- 
sação decidi apenas chegado a Loanda, também 
está dito, assim como, com a minuciosidade pre- 
cisa, estão descriptas as circumstancias que impe- 
riosamente determinaram a necessidade da consti- 
tuição da ultima, e das operações militares que a 
seguir se realisaram, até se chegar ao resultado 
obtido, que foi o castigo da sublevação e -a pacifi- 
cação da provincia. 

N^estes termos poderia, talvez, n'esta altura pôr 
fim ao meu livro ; julgo, porem, do meu dever pro- 
seguir n^elle, porquanto, ás operações militares ou- 
tras de justiça se seguiram, e estas, pela sua im- 
portância, devem ser n'este documento referidas. 



211 



# 
# * 



Castigar a revolta não era, a meu ver, somente 
punir pela acção violenta das armas o gentio des- 
vairado que, instigado no seu natural instincto de 
insubordinação pela represália, assumira a attitude de 
rebelde e em tão grave crise coUocára a soberania 
nacional n'esta vasta colónia, ainda assim parcella 
apenas do nosso grande e rico dominio colonial. Era 
preciso mais do que isso: era absolutamente neces- 
sário investigar d'outras responsabilidades, procurar 
com zelo e diligencia indagar onde estavam aquelles 
que — era sabido — por meio de nefastas depreda- 
ções, tinham criminosamente concorrido para os tris- 
tes acontecimentos que tantos sacrifícios nos custa- 
ram, e punil-os depois com severidade ; por isso, 
conjunctamente com as instrucções de campanha, 
eu tinha ordenado os inquéritos, que, a seguir ás 
operações militares, se fizeram, e cujo effeito luci- 
damente se evidencia nas justissimas decisões do 
conselho de guerra, que em Benguella tem traba- 
lhado tão proficuamente na grande obra de resurgi- 
mento moral de Angola, obra que a muitos aterrou 
a principio, mas que actualmente todos os portu- 



212 



guezes, que prezam deveras a sua pátria e lhe com- 
prehendem o decoro, vivamente applaudem. 

Era preciso um grande exemplo, que simultanea- 
mente proclamasse perante o mundo, na linguagem 
inilludivel dos factos, que a palavra justiça não ex- 
primia principio alheio ás praticas e respeitos da 
administração nacional; e ao gentio, que, submisso, 
castigado e abatido, a energia da acção militar ra- 
pidamente remettera á ordem, fizesse saber que 
também elle estava ao abrigo das leis portuguezas, 
e que se não se lhe permittiam, sern severa repres- 
são, criminosas demasias de desatino, nnenos ainda 
se consentia áquelles que, por maior luz de enten- 
dimento, mais illuminada e clara deviam ver a sua 
missão, a infracção dos deveres e obrigações que 
derivam da sua condição de homens civilisados e 
colonisadores, e que todos os principios — humanos 
e divinos — ás consciências honradas impõem. 

O governo portuguez, emquanto ignorou que 
agentes seus delinquiam, ou só vagamente e sem in- 
dícios sequer bastantes de verdade ouviu accusações, 
com as quaes — não raro! — interesses mesquinhos 
e inconfessáveis azedumes pretendem criminosa- 
mente macular os nomes por vezes mais limpos; 
e emquanto não obteve o doloroso convencimento 
de que, no interior dos seus vastos dominios colo- 
niaes, alguns homens que, ao serviço de insaciáveis 
egoísmos, teem cruezas que excedem a das próprias 
feras do sertão, praticavam as mais delíctuosas de- 
predações, manteve-se em discreta reserva, que nos 
últimos tempos já fortes motivos de duvida pertur- 
bavam. Quando, porem, a explosão dos aconteci- 



2l3 



mentos e o clamor que de toda a parte se ergueu, 
evidenciaram as tristes verdades, cuja prova moral 
e legal os inquéritos depois produziram, depressa 
auctorisou a creação do tribunal especial que lhe 
pedi e me foi deferido, e o qual por sua vez soube 
ser intransigente, severo e firme na applicação das 
leis e na pratica da justiça, que por todos tem re- 
partido com rigor, na proporção das suas culpas, e 
das responsabilidades, que a supremacia de facul- 
dades só a meu ver aggrava. «Todos» disse, refe- 
rindo-me aos que já foram. julgados: «todos» espero 
ainda poder dizer um dia abrangendo, sem excepção 
que seria odiosa iniquidade, os que o inquérito 
mostrou responsáveis. 

E fez bem o governo, e honra lhe seja ! Tão pa- 
triótico e honesto foi n'este caso o seu proceder, 
quanto revoltante e criminoso seria, se conhecidos 
os factos, ficasse inerte em abstenções pusilânimes 
e immoraes, que bem poderiam chamar-se cumpli- 
cidade. 



212 



guezes^ que prezam deveras a sua pátria e lhe com- 
prehendem o decoro, vivamente applaudem* 

Era preciso um grande exemplo, que simultanea- 
mente proclamasse perante o mundo, na linguagem 
inilludivel dos factos, que a palavra justiça não ex- 
primia principio alheio ás praticas e respeitos da 
administração nacional ; e ao gentio, que, submisso, 
castigado e abatido, a energia da acção militar ra- 
pidamente remettera á ordem, fizesse saber que 
também elle estava ao abrigo das leis portuguezas, 
e que se não se lhe permíttiam, sem severa repres- 
são, criminosas demasias de desatino, menos ainda 
se consentia áquelles que, por maior luz de enten- 
dimento, mais illuminada e ctara deviam ver a sua 
missão, a infracção dos deveres e obrigações qu^ 
derivam da sua condição de homens civilisados ^ 
colonisadores, e que todos os princípios — humanou 
e divinos — ás consciências honradas impõem. 

O governo portuguez, emquanto ignorou quer^ 
agentes seus delinquiam, ou só vagamente e sem in- 
dicies sequer bastantes de verdade ouviu accusações, 
com as quaes — não raro ! — interesses mesquinhos 
e inconfessáveis azedumes pretendem criminosa- 
mente macular os nomes por vezes mais limpos; 
e emquanto não obteve o doloroso convencimento 
de que, no interior dos seus vastos domínios colo- 
níaes, alguns homens que, ao serviço de insaciáveis 
egoísmos, teem cruezas que excedem a das próprias 
feras do sertão, praticavam as mais delictuosas de- 
predações, manteve-se em discreta reserva, que nos 
ultimes tempos já fortes motivos de duvida pertur- 
bavam. Quando, porem, a explosão dos aconteci- 



2l3 



mentos e o clamor que de toda a parte se ergueu, 
evidenciaram as tristes verdades, cuja prova moral 
e legal os inquéritos depois produziram, depressa 
auctorisou a creação do tribunal especial que lhe 
pedi e me foi deferido, e o qual por sua vez soube 
ser intransigente, severo e firme na applicação das 
leis e na pratica da justiça, que por todos tem re- 
partido com rigor, na proporção das suas culpas, e 
das responsabilidades, que a supremacia de facul- 
dades só a meu ver aggrava. «Todos» disse, refe- 
rindo-me aos que já foram, julga dos: «todos» espero 
ainda poder dizer um dia abrangendo, sem excepção 
que seria odiosa iniquidade, os que o inquérito 
mostrou responsáveis. 

E fez bem o governo, e honra lhe seja ! Tão pa- 
triótico e honesto foi n'este caso o seu proceder, 
quanto revoltante e criminoso seria, se conhecidos 
os factos, ficasse inerte em abstenções pusilânimes 
e immoraes, que bem poderiam chamar-se cumpli- 
cidade. 



210 



longe de mais a audácia dos seus actos ; a attenção 
dos poderes públicos é vivamente chamada sobre 
elle, a cujo favor respeitáveis individualidades com- 
merciaes diligenciam obter infundadas e illegitimas 
indemn^sações, que, no dizer da voz publica, quasi 
sempre verdadeira, seriam o único meio d'aquelle 
saldar contas com ellas; e então é ordenado um 
inquérito, que encarreguei ao capitão Massano de 
Amorim. Este, servidor sempre dedicado da pátria 
e da justiça, interna-se pouco depois em Benguella^ 
vae e indaga de tudo, affronta muitos perigos, resiste 
ás maiores canceiras, percorre todo o vasto inter- 
land do districto, em 3o de janeiro do anno findo 
está no Zambeze, chega mesmo a transpor a fron- 
teira, regressa, consome alguns mezes na escripta 
do seu relatório, e produz afinal aquelle detalhada 
documento, tão singularmente elucidativo, que pouco 
mais ou menos quando eu chego a Lisboa, é de- 
posto nas mãos do nobre ministro de então. S. Ex.* 
pasma do que n'elle se lhe diz e das verdades, até 
então ignoradas, que elle esclarece, e por certo iria 
decretar providencias de excepcional rigor e grandes 
eífeitos a lavor da moralidade de Angola, quando 
a noticia da rebellião explude alarmante, para outro 
caminho impulsa a energia da sua acção e para 
outros factos lhe faz volver a solicita attenção. 



217 



Não julgo preciso detalhar em minúcias de nar- 
rativa a serie de attentados de que o interior de 
Benguella tinha sido thea^ro. O publico não ficaria 
edificado, e aquelles a quem o seu conhecimento 
exacto era devido, por ser-lhes attribuição a alta 
funcção de justiça, que já em parte exerceram com 
louvável firmeza, punindo muitos dos delinquentes, 
que uma cuidada e imparcial investigação descobriu 
e já foram julgados, esses, conhecem-nos de sobra. 

Praticaram-se extorsões e violências de toda a 
espécie, sempre inspiradas n'uma criminosa ganância 
de que era inseparável companheira a crueldade, 
como é fácil de calcular que succedesse n'uma re- 
gião, onde as próprias auctoridades trahiram os 
seus deveres, e, quando não os trahissem e antes 
quizessem cumpri-los, teriam vivas difficuldades em 
exercer aquella fiscalisação, que agora reputo de 
menor dificuldade, vistos os novos postos creados 
e alguns dos principios que estabeleci na portaria 
provincial n.*^ 46 do anno .passado, e é essencial 
que seja permanente, assidua e severa se queremos, 
como é nosso dever, compellir as feras humanas, 
que muitas são, a seguirem subjugadas trilho di- 
verso d'aquelle que inspirou este velho principio de 
tenebrosa verdade : Homo homini lúpus. 



^"^«ipf^ 



Violências contra pessoas e attentados contra a 
profHÍedade foram em barda, como aliás em terras 
de civilisação bem outra, tem por vezes succedido 
quando salteadores á soJta as ínfestítm; e estes 
.factos, que todos hoje conhecem e por isso são do 
dominic publico, accumulados num período de re- 
lativa grandeza, accordaram indubitavelmente fortet 
sentimentoc de represália, que ha muito se traduzia 
em ameaçadoras inquietações, os quaes^ alliados á 
natural tendência de reacção contra os dominadores 
da parte de todos os dominados, explodiram por 
fim na sublevaçSo de ha poucos mezes. 

Toda a gente conhece isto: na conversa, na im- 
prensa, por todos os meios emlim o tenho visto pu- 
blicado, pOT vezes aié exagerado. Portanto limitar- 
me-hei a dizer o seguinte: se simples cidadãos e 
auctoiidades tivessem cumprido os respectivos de- 
veres, cuja infracção por parte d'estas é gravíssima, 
tanto mais que precisamente para repressão da in- 
fracção por parte d'aquel!es é que o paiz lhes confia 
a força que lhes dá, confere ^as garantias que lhes 
asseguram a accção, e paga, a sublevação não se 
daria, ou, a dar -se, ficaria sempre longe da intensi- 
dade que alcançou. 

Fossem os funccionarios cumpridores dos seus 
deveres, benévolos mas fortes, leaes mas vigilantes, 
justos mas enérgicos, como é força que o sejam se 
querem incutir no espirito do gentio o respeito da 
auctoridade e no seu coração o amor pela soberania 
portugueza, que só quer ser-lhe garantia e nunca 
pesado vexame; fossem os aviados e alguns com- 
merciantes, que no interior de Bcnguella tumultua- 



21^ 



vam, justos nas suas exigências, humanos no seu 
proceder, honrados nas suas transacções, tudo por 
maneira que o pobre selvagem do interior não co- 
lhesse no seu exemplo senão a inspiração lidima da 
honra e da justiça, do bem, do dever e do trabalho, 
e veríamos como o velho prestigio tão intenso da 
raça dominadora não teria sido abalado, a paz em 
Angola não teria talvez sido perturbada, c a felici- 
dade de todos seria mais segura. 

E justo que se queira ver premeiada com o exilo 
a actividade honradamente exercida em qualquer 
parte, na Europa como em dominios coloniaes; ex- 
plorar, porem, as regiões occupadas, alijando pre- 
viamente como fardo incommodo o nobre conjuncto 
de todos os deveres humanitários e de caridade, que 
antigamente — e eu sou d' esse tempo — se affirmava 
constituirem brilhante apanágio do homem, que os 
Livros Santos dizem feito á similhança de Deus, e 
com instantes de maior negrura no coração do que 
os próprios negros tem na face, só cuidar de espo- 
liar, empregando para tanto meios que a mais rudi- 
mentar moral acremente reprova e condemna, consti- 
tuo delicto digno da mais intransigente e severa punição, 
e os seus auctores só merecem a execração publica. 

São da fallecida M."™^ Séverine, creio eu, estas 
palavras: ^Sous la trame blanche de ma tendresse 
envers les pauvres^ Jlamboye la pourpre vive de ma 
haine contre les méchantsr>. Concordo com ellas e 
entendo-as assim: protecção aos bons e aos oppri- 
midos, solicitude e benevolência com os ignorantes, 
rigor intransigente com os maus. e, quando impos- 
sível a sua regeneração, o seu extermínio. 



220 



Bem sei que felizmente os commerciantes e au- 
ctoridades que procederam como fica dito são exce- 
pção na provincia, onde tantos incansáveis benemé- 
ritos mourejam dia a dia pelo seu desenvolvimento 
commercial e agricola, pelo incremento da sua ri- 
queza e pela justa e firme consolidação do nosso 
domínio. Também não ignoro que numerosos func- 
cionarios, se bem que em lucta por vezes com as 
maiores difficuldades, sabem briosamente permane- 
cer honrados e leaes ao dever, resistindo com he- 
roismo ás árduas imposições da miséria e ás convi- 
dativas seducções da fortuna, que lhes seria fácil, se 
as intransigências da probidade lhes não vedassem 
as lucrativas, mas vergonhosas vantagens da corru- 
pção. Uns e outros, porem, precisamente porque 
constituem a generalidade, são aquelles em cujo re- 
paro menos se detém o espirito publico, e o triste 
resultado do criminoso proceder dos restantes não 
é senão este : o descrédito de todos. 

Por uma fatalidade inherente ao espirito humano 
este é geralmente levado a sobretudo se deixar im- 
pressionar pelas excepções, que, por isso que o são, 



221 



mais lhe suscitarr e ferem as attenções: por outro 
lado não é menos certo que outra tendência que lhe 
é própria é a da generalisação ; e d'ahi o seguinte: 
íio desconceito dos maus a deplorável submersão do 
^bom nome dos bons. Raros são os que sabem ver 
.a verdade toda! 

Que o crime e o vicio são factos sociaes insup- 
primiveis, é verdade de todos os tempos. São até 
precisos, talvez, para realce do civismo e da virtu- 
de, como a noite o é para que nos enlevemos nos 
esplendores da luz. Pensar pois em, de vez, riscar 
xie Angola ou d'outra parte a pratica de violências 
contra as pessoas e de attentados contra a proprie- 
dade, como os que aqui constituíram o nefasto con- 
juncto de depredações e crimes, que em grande 
parte motivaram a sublevação ha pouco extincta, 
por certo seria tresloucada pretenção. Mas devemos 
attenuar estes males, que é tudo a quanto nos é le- 
gitimo aspirar, e que nos é obrigação diligenciar. 
•Como? Fazendo boas leis, sabias, praticas e ada- 
ptadas com scientifica solicitude ás condições singu- 
larissimas das nossas colónias, todas differentes da 
metrópole e até entre si desiguaes ; sendo 'escrupu- 
losos na escolha d'aquelles a quem as funcções su- 
periores de auctoridade hão de ser commettidas no 
ultramar ; procurando apertar as malhas da rede da 
nossa occupação, por forma que as áreas de juris- 
diccão dos diversos funccionarios do interior se re- 
duzam a justos limites, que tornem possiveis a vi- 
gilância e a repressão ; fiscalisando depois, mas com 
olhos de ver; finalmente, sabendo ser intransigente 
:na severa liquidação das culpas de cada um, e justo 



] 



^2% 



no reconhecimento e premio dos serviços de todos. 
• Que a competência, o mérito e o vmldr compro- 
vados sejam ai únicas razões determinantes no es- 
pirito daquellea a quem competir a escolha dos 
funccionarios ultramarinos, e acabemos de vez com 
o habito ruim de exportar para a Africa, para as 
colónias em gemi, aquelles que, á falta de quafída- 
des, na metrópole nSo podem ter logar. Nem se 
confie aos perigosos caprichos do acaso o provi- 
mento de muito» cargos. Se lá sáo precisos bons 
empregados, por cá ainda mais; e então procure- 
nK>s diffundir entre o nosso .ftmcdonalismo civil e 
militar a idein de que a commiss&> de serviço no 
ultramar nâo representa deprimente exclusão, quasi 
lun degrjedo, mas honra e prenuo só c(»|ferívds aos 
mais distinctos. 

* Quando tivermos em Angola boas leis, justas mas 
severas, seguras em garantias para os bons, mas 
proveitosamente efficazes na perseguição dos maus; 
quando as auctoridades, sem ruins discrepâncias, 
sejam esclarecidas e patrióticas, vigilantes e firmes; 
os seus meios de acção seguros, e a possivel pre- 
varicação devidamente acautelada pela intelligente 
determinação e inflexível exigência das suas respon- 
sabilidades, a germinação de escalracho colonial, tão 
nocivo da benemérita sementeira de civilisação, fo- 
mento e progresso, que tem sido nossa gloriosa e 
esforçada missão, de longa data exercida nos vas- 
tíssimos domínios que ainda hoje temos em Africa, 
não ficará vedada, mas o a propósito de assíduos 
desbastes saberá evitar-lhe a ruindade perniciosa 
dos e ff eitos. 



223 



«Ha males que vêem por bem» diz o dictado, e ao 
encarar a situação presente de Angola e po-la em con- 
fronto com o seu passado, quasi chego a persuadir-me 
de que a explosão dos seus males, que a crise mili- 
tar, ha pouco apagada, levou aos últimos extremos, 
foi uma vantagem. 

O profundo principio que Leibnitz formulou n'esta 
singela phrase : aLepresent est gros de Vaveniry>^ vi-o 
eu assim desdobrado, com flagrante verdade, n'um 
brilhante estudo social, obra de um dos mais talen- 
tosos académicos do meu tempo: <íO presente é filho 
do passado e pae do futuro. y> 

A pavorosa crise de Angola, que toda a imprensa 
deplorava já em sentido clamor, quando eu vim to- 
mar conta do seu governo, gerou-se justamente no 
período apparentemente mais florescente da sua eco- 
nomia; assim como o seu resurgimento, que começa 
a preluzir em fagueiras promessas no horisonte dos 
seus dias, precisamente parece ter germinado du- 
rante a phase escura das suas adversidades, que 
para muitos foi profícua lição, e para a iniciativa de 
outros poderoso estimulo. 



224 



Ha de ser sempre assim: altos e baixos. Quanè 
a felicidade parece assegurada e a vida é faáI,o 
despreoccupado espirito dirigente dos povos, coinoo< 
dos individues, não raro descura as mulriplas causas 
intimas que determinam e das quaes depende as^ 
gurança futura do seu bem estar. Por outro ladoé 
quando o mal social se desdobra, a desventura vem, 
a prosperidade se apaga, e a angustia, dia a £a 
aggravada, mais aperta e constrange, que a despre- 
occupação se supprime, as attenções se concentram, 
os esforços redobram e o regresso á felicidade e á 
saúde, se ao organismo abalado ainda são permita- 
das resistências, se realisa. 

E sempre assim ha de ser. E nos sãos que a 
doença dá; são os doentes os que experimentam as 
alegrias da cura. Na phase sadia o principio mórbido 
inocula-se e, descurado, lavra ; é nas angustias da 
enfermidade que a defesa se tenta e a solicitude 
medica regenera. 

Lição: não descurar na bonança a defesa contra 
os perigos da procella: na adversidade não cahir 
em desalentos e luctar pela salvação. 

Aos esplendores do Império Romano^ succedem- 
se as suas convulsões, e a seguir a longa noite da 
Edade Media; logo depois d'esta, porem, reponta 
a luz inconfundivel que, mais intensa, é a mesma 
que actualmente esclarece e illumina o mundo. As 
rcfulgencias da primeira phase cegavam e não dei- 
xavam ver o abuso. As devassidões, a escravidão, 
a superstição e a tyrannia medravam sem peias e 
tudo aluiram. A escuridade tenebrosa da segunda 
velou por completo a lenta mas persistente elabo- 



225 



-ração da ultima, cuja aurora é desde logo illumi- 
nada pelos largos e humanitários princípios, que a 
revolução franceza mais tarde proclama, com elo- 

r^juencia estranha, n'aquella singela, mas brilhante 
divisa sua, que é a do presente e ha de ser a do 
futuro: — Liberdade e Justiça. 

Foi o Justa exercido da liberdade de muitos 
opprimidos pelas tyrannias e pela coacção do crime, 
e pelos pavores da revolta, que esta guerra de 

J\.ngola assegurou; foi justiça o que se fez, quer 
aquando com as armas se castigou a sublevação, 
-que tantas vidas e interesses sacrificou, quer quando 
com as enérgicas decisões do conselho de guerra 
se cortaram as azas a numerosos zangãos da sua 
riqueza, que eram causa do desconceito de muitos 
^ descrédito da administração portugueza. 

A sublevação do gentio liquidou a questão de 
ordem no interior, que ha tanto tempo era causa 
de vivos sobresaltos : foi um bem. A guerra trouxe 
^ opportunidade de, suspensas as garantias, se pu- 
nir com legitima severidade, em tribunal de exce- 
pção, os crimes de muitos: foi outro bem e não 
menor. 

Em toda a parte ha tanto como por cá, e por 
vezes até mais e peior; lá fora, porem, uma pruden- 
te, previdente e dissimulada reserva guarda na som- 
bra, ignorado de estranhos até onde possivel, tudo 
o que a nossa irreflectida inconsideração, tão impul- 
siva quanto inconveniente, por vezes levianamente 
é a primeira a pregoar e até exaggerar, por vezes 
até em detrimento dos mais caros interesses da pá- 
tria. Mas ha alguma coisa que hoje me consola: 

i5 • 



2%6 



é que' cnem todos poderio i^resentar exemplos 
assim» • 

Estas palavras li-as n'um dos jòrnaes dà nossa 
capital, e, porque se confmtnam inteiramente com 
o meu moda de pensar, as reproduzo. 



227 



# 



Ao começar este trabalho pensei em preceder a 
historia da revolução da exposição minuciosa das 
suas causas; mas para que? 

Na benévola indulgência com que o tribunal de 
guerra julgou alguns dos revoltosos, e na severa 
punição que intemeratamente tem sabido impor a 
alguns brancos e pardos, aviados ou commerciantes 
uns, auctoridades outros, todos do interior de Ben- 
guella, julgo que está demonstrada com illucidativa 
evidencia a causa principal da guerra. 

Oxalá que tantos sacrificiõs não sejam perdidos, 
e que o grande exemplo de moralidade, resultante 
da eloquente lição contida nas justas decisões d'este 
tribunal, cuja constituição pedi e me foi permittida, 
produza todo aquelle effeito que é de esperar na re- 
generação dos costumes e da própria economia de 
Angola. 

Edificar é difficil; derrubar facílimo. Cuidado, 
pois, e que no futuro não venha o ruim restabele- 
cimento de perniciosos hábitos, por agora extinctos, 
mas seductores para tantos, cuja consciência se não 
estorva em extremos de escrúpulo, pelo muito que 



228 



tem de lucrativos, estragar de todo o bem que, para 
se conseguir, tão ímprobas demasias de trabalho 
custou, e tão penosas luctas contra a rotina e frou- 
xas branduras importou. 

O bem de um á custa do sacrifício de outrem é 
um mal: cuidemos pois de equilibrar a economia 
das nossas colónias entre si, e a de todas com a da 
metrópole, que só assim a esperança no futuro nos 
será licita ; e — como já n'outro diploma tive occa- 
sião de o dizer — a nossa administração politica 
será benemérita, por intelligente, patriótica e huma- 
na, o nosso vasto império do ultramar seguro, e o 
nosso querido paiz respeitado no mundo, senão pela 
supremacia das suas esquadras, ao menos pela intel- 
ligente, moral e patriótica seriedade dos seus pro- 
cessos e pelo hábil aproveitamento do seu domínio 
colonial, á semelhança dos indivíduos que, não po- 
dendo impôr-se na sociedade pela rigeza dos pulsos, 
melhor a subjugam e dominam ainda pela superio- 
ridade do talento e pelo prestigio da probidade. 

E preciso que Angola renasça, a sua riqueza 
prospere e se consolide, o seu commercio se diíFun 
da e assegure, a sua industria cresça e fructifique, 
a sua agricultura alastre e produza, e a sua admi- 
nistração se corrija e moralise. Só assim uma nova 
quadra, refulgente de promessas, subirá como astro 
radioso acima dos horisontes do futuro, garantindo-o, 
respeitado e seguro, como é próprio de nós lega-lo 
aos homens de amanhã, isto é, aos nossos filhos, 
que são a nossa verdadeira immortalidade. 



22() 



Embora com sacrifícios, é preciso não afrouxar 
em solicitudes por Angola, se queremos preparar- 
Ihc, e ao paiz, um futuro de fortuna mais propicia. 
Um deficit na administração colonial está longe de 
exprimir uma decadência na sua prosperidade. Co- 
lónias conhecemos, de outras metrópoles, que, sendo 
aliás pesado encargo d' estas, todavia singram em 
invejáveis mares de prosperidade, e progresso, cuja 
maré sobe sem cessar. 

Supprimir despezas estéreis, ou peior, e ser largo 
a favor das productivas, é dever que se impõe aos 
nossos estadistas ; e n'esse sentido muito ha que 
fazer entre nós, assim as forcas não fallecam na 
investida — que é força tentar com resolução, ou 
morremos — contra ruins hábitos que nos asphyxiam. 

Angola não tem estradas, que tão precisas lhes 
são, até como futuros auxiliares das duas extensas 
vias férreas que, á semelhança de grandes estrias, 
em breves ajnnos lhe sulcarão a vasta superfície, em 
muito superior a um milhão de kilometros quadrados; 
os seus numerosos cursos fluviaes permanecem, na 
sua quasi totalidade, entregues a deplorável aban- 



23o 



dono; é insufficiente a sua rede telegraphica; esbo- 
çada apenas a colonisação nas suas regiões salubres; 
incompleta ainda a sua guarnição militar; larga em 
demasia — por isso perniciosa lhe tem sido — a sua 
emigração; imperfeito, por vezes até iniquo, o seu 
systema tributário; impraticável a sua organisação 
de fazenda; quasi nominal a sua justiça repressiva; 
discordante das suas conveniências intimas a sua 
divisão administrativa; absurdo, velho e desacredi- 
tado o systema perniciosamente absorvente que 
preside á sua administração geral sob o ponto de 
vista das relações d'esta com as secretarias da arca- 
da; por ultimo, incerta e escassa a moralidade dos 
seus costumes e praticas. 

Do que fica dito provém o grande atrazo d'esta 
província, o qual de perto melhor se observa e mais 
contrista que ao longe. Por isso, se é desejo nosso, 
como é dever, corrigir com efficacia este deplorável 
estado de coisas, que succintamente apontei, olhe- 
mos deveras para o problema da viação n'esta co- 
lónia, e procuremos resolve-lo com acerto, ampliando 
até justos limites a verba irrisória de i5o:ooo^ooo 
réis que os orçamentos provinciaes consignam ha 
annos para obras publicas; estudemos, limpemos e 
utilisemos os seus rios, que, meios naturaes de com- 
municações e transportes, só assim se converterão em 
outras tantas artérias pujantes de movimento e vida, 
que são a fonte de toda a riqueza; lancemos sobre 
elles pontes que assegurem o transito contra as re- 
sistências invencíveis da innundação, a voracidade 
insaciada do jacaré, a instabilidade perigosa do 
dongo, e a nenhuma segurança das raras e pittores- 



23 I 



cas, mas incertas e difficeis passagens gentílicas; 
dilatemos e asseguremos a fina trama da sua rede 
telegraphica; e impulsemos com bom critério a sua 
colonisação por europeus, onde viável, orientando 
a seu favor a grande corrente de emigração, que 
tantos portuguezes nos arrebata por anno em pro- 
veito de estranhos, e convertendo assim em vanta- 
gem nacional a constante e perigosa hemorrhagia, 
que a metrópole anemiada já supporta com sacrifício. 

Melhoremos em novos aperfeiçoamentos a sua or- 
ganisação militar actual, já progresso sobre a do 
passado, mas ainda muito longe de corresponder 
ás exigências da provincia, dotando-a devidamente 
com soldados bastantes, e oflBciaes escolhidos a pre- 
ceito, que serão, nas regiões afastadas, garantia do 
nosso dominio contra estranhos e percursores da 
occupação commercial; e, em toda a parte, senti- 
nellas vigilantes oppostas aos desatinos do indigena, 
repressão segura de abusos de brancos, fiadores da 
ordem interna e até valorosos elementos de defesa 
externa, sendo preciso. 

Ha dezenas de annos que Angola perde sem 
compensações, em cada período de 12 mezes, va- 
liosos elementos de producção e consumo, que a 
«migração leva mas a immigração não devolve : at- 
tenuemos pois este mal restringindo prudentemente 
aquella, e que o propisorto do artigo 8.*^ do regula- 
mento de 29 de janeiro de igoS, se não eíernise, 
como é de costume entre nós, aliás o serviço que 
este diploma se propoz melhorar só irá a peior. 
Nos termos da legislação anterior só podia ser in- 
vestido na condição do agente contractador quem 



ate 



justificasse determinadas Qualidades, e por meiode 
caução assegurasse as suas responsabilidades : af^ra 
quem quer pôde sel-o. O regimen anterior aãs^^- 
lou-se por deploráveis effeitos> em reconhecimÍÉâiD^ 
dos quaeis foi necessidade altera-lo regulamentan* 
do-o em novas bases: pois o regímen /noi^iaorf o dô^ 
presente ha de ser ntiíl vezes peior, senSo veremos. 
' E' axiomático este princípio : na vantagem equi-^ 
librada de todos é que está o bem, nunca em de- 
masias favoráveis a alguns á custa do sacrifició de 
milhfies, que isso ^ n^^l inccnitestavél. HypertttK 
phra e atrophia, até sós quanto mais em concursoy 
produzem sempre deformidade ou aberraçfo* Inspi- 
remo-nos pois n'esta verdade e, orientados por etta^ 
legislemos. 

A organisação de fazenda da província tambe!& 
está longe de assegurar a melhoria que nas suas 
finanças é de desejar; por isso modifiquemo-la por 
maneira que as situações se definam, a supremacia 
de quem por cá representa o principio augusto de 
auctoridade se assegure nas únicas condições que 
lhe hão de garantir a acção e lhe possam importar 
responsabilidades, e os respectivos serviços melho- 
rem. A' frente doestes colloque-se como dirigente^ 
não qualquer funccionario mais ou menos versado 
em regulamentos de contabilidade, mas um director 
dos serviços de fazenda, que conhecedor da econo- 
mia da provincia e versado no estudo e sciencia 
complexa do imposto e da finança, tenha em si os 
recursos precisos para com êxito estudar e propor 
todas aquellas medidas que hão de tributar com jus- 
tiça, reparar iniquidades, e colher com proveito as 



233 



receitas que for legitimo auferir. Que ao mesmo 
lempo não esqueça fornecer-lhe auxiliares compe- 
tentes e honestos, sem cujo auxilio todas as tenta- 
tivas de qualquer chefe serão baldadas ; e que desde 
já se explorem a favor da fazenda algumas fontes 
de receita, que o próprio gentio nos indica, desde 
muito, na pratica dos. seus próprios costumes. 

Finalmente suppram se as lacunas de justiça, que 
n^esta terra precisa de ser menos formulada na mar- 
cha e mais livre na obediência ás necessidades da 
ordem e aos dictames da consciência do julgador; 
diligenceie-se a confecção d'um direito mais adap- 
tável ás condições privativas do indígena, codificando 
com illustrado zelo os usos e costumes gentilicos, 
em tudo que não for repellido pela humanidade ou 
contrario á marcha da sua própria civilisação ; re- 
modele-se a divisão administrativa consoante as ne- 
cessidades verificadas; renuncie- se d'uma vez para 
sempre o velho e revelho principio centralisador tão 
desacreditado já, que preside entre nós a toda a ad- 
ministração colonial, que é forçoso vasar em mol- 
des mais modernos e scientificos e menos absorven- 
tes, se queremos avançar; em poucas^ palavras : 
reformemos e moralisemos. 

E' assim que Angola ha de crescer, enflorar, fru- 
ctear e salvar-se : do contrario negra lhe correrá a 
sina, e a nossa também. 

Trabalhemos a bem da sua regeneração: muito 
por nós mesmos, mas ainda mais pelos homens de 
amanhã, que maior será assim a benemerência dos 
do presente. 



234 



Em breve, graças á boa iniciativa do governo 
portuguez, cuja solicitude as angustias de Angola 
benevolamente suscitaram, a locomotiva attingirá 
Malange, fácil e rápida, atravez da vasta região 
quasi plana, sem accidentes de maior, desembara- 
çada, suggestiva e livre, que vae do Lucalla até ás 
proximidades do Cuango, e assim chegaremos final- 
mente, após tantos annos perdidos em estéreis inér- 
cias, á visinhança da Lunda, doeste rico paiz cuja 
occupação militar e commercial urge levar por deante 
com celeridade, se queremos assegurar de vez a 
favor da pátria o dominio e usufructo plenos e in- 
disputados^da sua riqueza que é nossa. D'aqui por 
poucos annos a locomotiva também, partindo da 
ampla, profunda, serena bahia do Lobito, por onde 
lhe ficam as communicações asseguradas com o 
mundo ao longo da vasta superfície dos mares, irá 
Benguella dentro cortando os austeros silêncios da 
savana ou da floresta, até hoje só quebrados pelo 
grito selvagem das feras, ou pelo estrondear soturno, 
mas intenso e cheio, do festivo batuque ou do amea- 
çador quingiifo^ com seu estridente silvo, brado de 



arauto que annuncia e proclama um destino novo 
que chega, n'aquella fusão de ideias, interesses e 
costumes que é condição sine qua non e único meio 
seguro de toda a obra verdadeiramente grande de 
progresso e civilisação. Mas isto, que é muito, está 
longe de ser tudo-, por isso não esfriemos e prosi- 
gamos intemeratos e firmes na pesada, mas altíssima 
missão que as circumstan:ias do presente definem 
e impõem. 

Parar n'esta altura, quando a crise de Benguella 
parece dissipada, numerosas comitivas de gentio já 
tumultuam nas ruas d'aquella cidade, e o seu com- 
mercio se reanima por forma que o rendimento da 
sua alfandega, que em outubro foi de 4 contos, d'este 
mez por deante salta em quasi constante progressão 
geométrica (*) até 40 contos em março — tanto ou 
mais que a média dos annos de abastança que se 
julgavam perdidos sem remédio, mas que afinal re- 
gressam — era grave erro: retroceder era um crime. 
Portanto sigamos, e que de futuro não possa dizer-se 
mais, como ainda ha pouco a imprensa, sem dis- 
crepâncias, o pregoava com flagrante mas desoladora 
verdade, e já em 1617 — ha perto de 3 séculos! — 
dizia em seu relatório o governador Luiz Mendes, 
escrevendo: «A maior parte das rebelliões dos so- 
bas é devida a vexames que sofi^rem dos negocian- 



(') Rendimento da alfandega de Benguella : 1902, maio — i3:4o6^S>ooo; ju- 
nho— 11:4794^000; julho— 5:362Í^ooo; agosto— 9:698^^000; setembro— 6:2 184^000; 
Outubro— 4:620^^000; novembro— 8:586í^ooo; dezembro— 16: 5 I6J^ooo; janeiro— 
23:4014^004; fevereiro — 40:5274^000; março — 40:6474>i32. Em outubro estava 
terminada a^guerra e assegurada, por meio de postos, as communicaçóes para 
o interior pelo norte do districto, caminho de comitivas. 




te? portuguezes que os procuram», que somos nós 
qiiem, com as irregularidades delictuosas do nosso 
proceder, motivamos a desordem em Angola, i^ue 
scra ordem não ha progresso, e só por este se artin- 
gfm as cumiadas da civilisação. 

■ Congreguem-se todos os bons em benemérita al- 
lifença de defesa contra os maus, e que. á símilhança 
dt alterosa cúpula, erguida pelos homens mas visi- 
nha de Deus. coroa de todo o ( dificio de nossa admi- 
nistração geral e colonial, s< ^ranceiro a iodos os 
mteresses e a todas as luctas, á iniciativa e ã acção 
de todos nós — dirigentes e governados — paire um 
largo e generoso principio de ioDiUild&de, luminosa e 
abençoada inspiração sem a jual não ha systema 
politico que se imponha, nacionalidade que se res- 
peite e subsista. 

Se assim fòr estaremos salvos, os custosos sacri- 
fícios recentemente feitos não serão perdidos, o fu- 
turo ser-nos-ha seguro, o querido Portugal de ama- 
nha ficará de todo livre de despenhar-se e morrer 
nas sombrias voragens que lhe ameaçam a travessia 
tão angustiada do presente, e. preluzindo em fulgo- 
res inegualaveis, veremos sempre a luz até agora 
inconfundível da epopéa do seu passado. 



DOCUMENTOS 



■ 1 



f! 



2^9 



111."® e Ex."** Sr. — Tenho a honra de remetter a 
V. Ex.* o livro onde me occupo da campanha do 
Bailundo. 

Muitos dias de aturado trabalho lhe sacrifiquei 
mas julgo ter conseguido o meu intento, a saber: 
esclarecer V. Ex.* simultaneamente sobre o que foi 
afinal a sublevação do Bailundo, e sobre a maneira 
como foram conduzidas e executadas as operações 
militares, que lhe acudiram e puzeram termo no 
* curto período de 3 mezes approximadamente. 

Para mais lhe facilitar a leitura, por parte de V. 
Ex.*, resolvi imprimir o meu trabalho, e, preven- 
do-lhe a futura publicação, que é de esperar V. Ex.* 
se digne ordenar, por ser de costume, dispensan 
do-me assim de a emprehender, dei-lhe a forma 
de livro. 

E' preciso que, além de V. Ex.*, o paiz saiba o 
que foi a guerra do Bailundo, e como os valentes 
ofiãciaes e soldados, a quem foi commettida a árdua 
e gloriosa missão de castigar o gentio sublevado e 
restabelecer a paz, que uma perigosa e sanguinária 
anarchia substituirá, se houveram no desempenho 



da difticilinia e Ímproba commissâo de que ihcsia 
cargo. Só assim se lhes fará fustiça inteira, qut 
elles, valorosos e modestos, como todo o honrado 
exercito poriuguez, não reclamaram, mas que tu 
julgo ser-lhes absolutamente devida. 

Depois, Ex."" Sr., em meio dos sombrios do- 
alentos, que tanto escu iam os dias do prescnit 
que até, aos olhos de os. já tristemente deslu 



zem os próprios horis 
ver que ainda não são 
serviço da sua Patri 
em prodígios de abnt 
c tenacidade, a tieroic;. 
geiras depressões podet 
mas que por certo res 
enthusiasta se este te 
salvação por custosos 



i do futuro, c consolador 
IS os portuguczes que, no, 
) seu Rei, fazem reviver 
> e bravura, de sacníicio 
íTia nacional, que passa- 
llusoriamente amortecer, 
á revigorada, patriótica e 
I dilema — a morte, ou a 
lisraos — um dia houver 



de ser-nos dura provação. Pôde a inércia esfriar-lhe 
as energias; retempera-as, porem, o exercício, e tiáo 
perderá jamais os seus brios um povo cujo passado 
é como o nosso, e do qual são filhos soldados como 
os portuguczes. 

Com o livro a que alludi vão os relatórios do 
commandante da columna do norte, de Paes Bran- 
dão, commandante que foi d'es5a pequena columna 
do Libollo, que, tantos e tãoopportunos serviços pres- 
tou, e das operações realísadas pelo tenente Joaquim 
da Silva Gonçalves. Não vae com elles, ao contrario 
do que era meu desejo, o relatório do comiiiandante 
da columna de Caconda; mas não é minha a culpa: 
é que este não o apresentou. 

Pelos relatórios a que alludo se supprirão com 



241 



h largueza muitas lacunas do meu modesto trabalho ; 
jí-c por elles V. Ex.* verá que, se muito ha que re- 
n- conhecer de valioso nos.3erviços prestados por to- 
a dos, muitos são os prémios devidos aos que, por 

maior capacidade de esforço ou por mais felizes no 
r topar de opportunidades, mais se salientaram. Re- 
: • commende-os V. Ex.* á munificência Regia, sempre 
í de tão larga e justa inspiração, que assim reconhe- 

<ierá um direito e prestará ao valor toda aquella 

justa homenagem, que aos fortes corações é grato 

xender-Ihe. 



IO 



34» 



• > I 



tfinguem. melhor que o cofnmandaQte da cdusma^ 
do norte poderá ajuizar do que foram os sérvio»- 
prestados pelos bravos que commandou ; p<Hr istiyr 
passo a transcrever n'esta altura do presente offih 
do a parte do seu relatório, onde elles se apreciaou 
Diz assim: 

cResta-me para concluir quanto me cumpre dizer 
sobre as operações da columna do norte até ao Batr- 
lundo, indicar a V. Ex/ quaes os officiaes e praças 
sob o meu commando que mais se distinguiram e 
o modo porque o fizeram.» 

€ Capitão do estado maior d'artilhería, José Cor^ 
reia de SMendonça — Como 2.® commandante da 
columna e commandante da bateria d*artilheria^ 
tornou-se sempre notável em todos os serviços pela 
sua aptidão, zelo, energia e boa vontade. Já ante- 
riormente tive de me referir a este official quanda 
descrevi a passagem de Cambondo e os trabalhos 
d'organisação da columna. Mostrou em todos os 
combates coragem e sangue frio pouco vulgares e 
commandou com distincção o fogo da artilheria 
no Soque e em Caiobe. Distinguiu-se, sobretudo^ 
no combate do Congo, pois tendo a artilheria em- 



243 



penhada a passar o rio, conseguiu essa passagem 
rapidamente debaixo de fogo mantendo a disciplina 
das forças que commandaya de modo que efifectuada 
a passagem tomou rapidamente posição e conseguiu 
a breve trecho repellir o gentio com o fogo das 
suas peças. Pela maneira porque sempre se houve 
• deixou bem firmados os créditos que já tinha de 
official brioso e valente». 

^Capitão de infanteria com o curso de estado 
maior ^ João Ortigão Veres — Este official foi-me 
valioso auxiliar, como já tive occasião de dizer, não 
só durante a organisação da columna, trabalhando 
quasi sem descanço, mas em todos os serviços de 
operações dependentes do quartel general. Mostrou 
sempre muita dedicação e zelo alliados a uma de- 
clarada aptidão profissional. Evidenciou bem a sua 
valentia em todos os combates, distinguindo-se pela 
sua coragem e intrepidez no do Soque onde lhe foi 
confiada a direcção d'uma parte do assalto e ainda 
na maneira porque organisou e auxiliou o serviço 
de segurança nas marchas que precederam os ata- 
ques ás embalas da Quibanda e Gallanga». 

• Capitão commandante da companhia europeia 
de infanteria, oálfredo Pereira batalha — Este 
official desenvolveu sempre grande actividade nos ser-* 
"viços de que foi encarregado. E' valente. Mostrou-o 
principalmente nos combates do Soque e Caiobe». 

^Capitão commandante da lo^ companhia indi- 
gena de infanteria^ António Eduardo T^meiras de 



246 



tomado parte n'estas pôde fazer ideia da actividade 
de trabalho que precisa desenvolver um comman- 
dante de comboio para bem se desempenhar do^- 
serviços que lhe estão incumbidos, sobretudo, quando 
os artigos são conduzidos por carregadores indóceis 
e cobardes. O serviço dos comboios foi perfeito e 
isto deve-se principalmente ás qualidades especiaes 
do alferes Abóbora que é a todos os respeitos di- 
gno da justa referencia que faço a respeito do seu 
trabalho. Sem exagero posso dizer que foi este of- 
ficial um dos mais valiosos elementos de que a co- 
lumna dispoz». 

iLOAlferes da loJ^ companhia de infaníeria indí- 
gena^ José Joaquim Pacheco — Commandou a guarda 
da rectaguarda da escolta do comboio no dia do 
ataque do Monambambi e pelo seu critério e san- 
gue frio muito concorreu para que o gentio fosse 
repellido; conseguiu como commandante do posto 
de Luimballe, cumprindo instrucçõcs geraes que lhe 
dei, capturar os principaes rebeldes da Gallanga, 
actualmente presos em BengucUa». 

i((í4lferes da 11.^ companhia de infantevia indi 
gena. Augusto d/llves de Lemos — Além da maneira 
porque procedeu sempre como commandante dos 
auxiliares, digno de menção especial, commandou o 
primeiro reforço de tropas que fiz seguir para o 
Moxico, conseguindo a despeito de todas as difficul- 
dades chegar ali em espaço de tempo relativamente 
curto, o que bastante influiu para suffocar a revolta 
dos Luchaxes. Este official no commando das tropas 



247 



<iue lhe foi incumbido mostrou sempre energia e 

resolução». 

> 

€ Alferes da ii.^ companhia de infanteria indi- 
^ena, José Júlio — Prestou um bom serviço indo 
da Quibanda á base de étapes a fim de fazer trans- 
portar um comboio de viveres, executando a mar- 
cha no menor espaço de tempo. Manisfestou sempre 
xnuita actividade e zelo pelo serviço*. 

€ Alferes da lo.^ companhia de infanteria indige- 
sta^ Francisco dos Innocentes — Tornou-se notável 
pelo cuidado que manifestou em serviços especiaes 
de que o encarreguei, onde mostrou sempre zelo e 
^iedicação pouco vulgares». 

SERVIÇO DE SAÚDE 

^Facultativo de /.* classe do quadro de saúde de 
Jingola, Joaquim António de Oliveira — A dedicação 
d'este official e o seu muito zelo pelo serviço tor- 
nam-o distincto entre os mais dedicados e zelosos. 
A seguir ás marchas mais violentas ou depois dos 
combates mais demorados, os feridos e doentes en- 
contravam-no sempre, sem que fosse preciso requi- 
sitar a sua comparência. É de constituição e robus- 
tez pouco vulgares. D'esta vantagem tirava todo o 
partido, multiplicando-se por assim dizer no pesado 
-encargo do tratamento dos seus doentes. Ao seu 
esforço se deve não se terem aggravado bastantes 
doenças que a principio atacaram muito dos nossos 
soldados e alguns officiaes. Como profissional é 



248 



digno da maior consideração, como militar provou 
principalmente no combate do Soque não se arre- 
cear do perigo que teve de afifrontar para dar 
prompto soccorro aos nossos feridos». 

^Facultativo de 3,^ classe do quadro de saúde dt 
Angola, Paulino Augusto de Magalhães Con^eia 
— Este official luctou com as maiores dificuldades 
no desempenho dos serviços de que o encarreguei: 
a organisação do hospital movei em Benguella^ 
para o que nada havia que constituísse propriedade 
do estado, a deslocação do mesmo para o Balombo,. 
e o tratamento dos doentes feito com o pouco 
auxilio de dois enfermeiros. Em todos estes servi- 
ços trabalhou de modo qne nunca se fez sentir a 
falta de recursos de occasião e o hospital do Ba- 
lombo hoje transferido para o Bailundo tem todos 
os elementos para ser considerado um bom hospitaL 

« Acompanhou a pequena columna que effectuou 
a tomada da embala grande da Quibula, e pelo seu 
procedimento digno de louvor foi mencionado pelo 
commandante da mesma columna no seu relatório» ► 

SERVIÇOS ADMINISTRATIVOS 

« Tenente do corpo de ojficiaes da administraçãa 
militar, Manuel Gomes Rebello — Este official é 
trabalhador e honesto. Foi incansável no desem- 
penho do seu espinhoso cargo. Não sendo comba- 
tente chegou por sua iniciativa a entrar em fogo 
durante o ataque que o comboio softreu na passa- 
gem de Monambambi». 



249 



PRAÇAS DE PRET 

«// sargento da secção de artilheria da 2.^ com- 
panhia mixia de artilheria de montanha e infante- 
ria^ n.^^ i e i de matricula^ António Maria — Dis- 
tinguiu-se pela infatigável actividade, zelo no ser- 
viço, communicativa energia e natural valentia com 
que se portou em todos os combates. E um i.'* 
sargento da maior confiança, trabalha por gosto e 
toma sempre na maior consideração as ordens dos 
superiores». 

«2.® Sargento da /.* companhia do batalhão dis- 
ciplinar w."* 6 e 6 de matricula, José António 
Lamellas — Foi de uma constância notável no tra- 
balho como archivista do quartel general, e nem as 
febres impediam que elle continuasse no desempe- 
nho dos seus deveres. Levava o sangue frio du- 
rante o fogo a um grau difficil de exceder, mos- 
trou-o em todos os combates e a isso se deve 
termos sempre visto fluctuar a nossa bandeira nos 
pontos mais difficeis e nos momentos mais críticos 
do combate». 

«2.® Sargento da companhia europeia de infan- 
teria, n.^ 4 e j de matricida, José Lourenço Flo- 
res — E activo e intelligente. Distinguiu-se no com- 
bate de Quibula onde foi o primeiro a entrar na em- 
bala por escalada sendo ferido gravemente n'um pé». 

« 2.^ Sargento da secção de artilheria da 2.^ 
companhia mixta de artilheria de montanha e in- 



fanteria, «.'" a e 2 de malriatla, José Maria de 
Amorim Jtiiuor — E digno de especial menção pela 
maneira porque desempenhou os seus deveres de 
chefe de peça, peta sua valentia e actividade*. 

«2," Sargetiío da bateria mixta de artilheria dt 
montanha e guarnição de Angola, n.°* 5 e 5 dt 
matricula. \'icente António — Notável pela sua de- 
dicação pelo serviço, actividade c boa vontade com 
que trabalhou empregando o maior cuidado no de- 
sempenho das suas obrigações». 

t a." Sargento da loJ^ companhia de infaiiteria 
iiidigeiía, íí."' S e 3 de matricula, António Simões 
Godinho — Foi duas vezes aos postos da rectaguarda 
da columna para providenciar sobre o transporte 
de viveres para a columna no que se houve sem- 
pre com acerto e actividade». 

«i." Cabo da bateria mixta de artilheria de mon- 
tanha e guarnição de Angola, n." 116. José Lopes 
(este 1." cabo quando foi dissolvida a columna 
pertencia á 3.' companhia do batalhão disciplinar, 
onde tinha os n."" 6/g6) — A actividade d'esta praça 
manifestou-se com distincção em muitos ramos de 
serviço onde mostrou as suas variadas aptidões 
como ferrador, como artilheiro, como artífice. Tra- 
balhando sempre de boamente e na melhor dispo- 
sição era dos primeiros nas occasiões de perigo. 
Distinguiuse no combate do Soque aonde comman- 
dou seis praças que no ponto mais avançado c pe- 
rigoso das trincheiras do gentio conseguiu desalojai 



25 i 



um troço de pretos que muito incommodava com 
o seu fogo o movimento das nossas tropas, tendo 
n'essa occasião feridos dois soldados sob as suas 
ordens. Em todos os combates mostrou a sua va- 
lentia e arrojo». 

« 7.® Cabo da secção de artilheria da 2.^ compa- 
nhia mtxta de artilheria de montanha e infanteria^ 
w."* 5 e 5 de matrictda, Celestino de Paiva — Pela 
rapidez e precisão com que executou as pontarias 
com a sua peça, pela qual tem uma especial dedi- 
cação e constantes cuidados. E muito bem com- 
portado e bastante arrojado». 

^Soldado da companhia europeia de infanteria, 
/!.*** S4 e ^4 de matricula, Eleuterio Gautherio da 
Silva Pardal — Distinguiu-se sempre pela sua cora- 
gem e bravura até ao Soque. Aqui, durante o com- 
bate foi ferido tendo a perna direita atravessada por 
uma bala o que não impediu de continuar a combater» . 

€ Soldado da bateria mixta de artilheria de mon- 
tanha e guarnição de Angola, n.^^ 62 e 62 de ma- 
tricula^ Luii Cardoso Branquinho — Pela sua acti- 
vidade, extraordinária vivacidade e valentia com que 
se portou nos combates.» 

íl Soldado da secção de artilheria da 2.^ compa- 
nhia mixta de artilheria de montanha e infanteria 
n^^ 8 e 8 de matricula, Joaquim José Viegas Gloria 
— Distinguiu-se pela sua valentia e desembaraço de 
que deu provas repetidas vezes». 



252 



Aqui fica, Ex.""® Sr., em modesta linguagem, que 
não é de certo a de quem, desvanecido em enthu- 
siasmos, exaggera, mas sim a de quem com recto 
critério ajuiza, o que no referido relatório se diz*^ 
e, porque me conformo inteiramente com a critica- 
exposta e as propostas feitas, que perfilho, por mi- — 
nha vez proponho : 

i.*^ — Que o capitão do estado maior de artilhe 

ria José Correia de Mendonça, seja agraciado com^^ 
o grau de official da ordem da Torre e Espada de 
valor, lealdade e mérito. 

2.^ — O capitão de infanteria com o curso de es- 
tado maior João Ortigão Peres, com o grau de ca- 
valleiro da ordem da Torre e Espada de valor, leal- 
dade c mérito. 

3.^ — O capitão commandante da companhia eu- 
ropeia de infanteria, Alfredo Pereira Batalha, com 
a medalha de prata da classe de valor militar. 

4.** — O capitão commandante da 10.* companhia 
de infanteria indigena António Eduardo Romeiras 
de Macedo, idem. 

?." — O tenente de cavallaria Francisco de Re- 
zende, idem. 



253 



6.® — O tenente da companhia europeia de infan- 
teria António Augusto Dias Antunes, idem. 

7.® — O tenente da 10.* companhia indigena de 
infanteria José Augusto Rodrigues, com a medalha 
militar de prata da classe de bons serviços. 

8.® — O tenente da ii.** companhia indigena de 
infanteria Alfredo de Passos Ribeiro, idem. 

9.° — O alferes da companhia europeia de infan- 
teria João Henrique de Mello, com a medalha mili- 
tar de prata da classe de valor militar. 

10.® — O alferes da bateria mixta de artilheria 
■de guarnição e montanha Álvaro Mendes Abóbora, 
idem. 

II.® — O alferes da 10.* companhia indigena de 
infanteria José Joaquim Pacheco, com a medalha 
militar de prata da classe de bons serviços. 

12.® —O alferes da 11.* companhia indigena de 
infanteria Augusto Alves de Lemos, idem. 

i3.® — O alferes da 10.* companhia indigena de 
infanteria Francisco dos Innocentes, com louvor in- 
dividual em ordem do exercito. 

14.® — O alferes da 11.* companhia indigena de 
infanteria José Júlio, idem. 

i5.® — O facultativo de i.* classe do quadro de 
«aude de Angola Joaquim António de Oliveira, com 
a medalha militar de prata da classe de bons serviços. 

16.® — O facultativo de 3.* classe do quadro de 
saúde de Angola Paulino Augusto de Magalhães 
Correia, idem. 

17.® — O tenente do corpo de officiaes da admi- 
nistração militar Manuel Gomes Rebello, com lou- 
vor individual em ordem do exercito. 



s 



»54 



18/ -r O 1*^ sargento n/ i/í da 2/ companhia 
mixta de inlmtf ria e artUhería António María^ com 
medalha militaf de prata da classe de bons serviços. 

19^^-*- O a/ sargento n/ 6/6 do batalhio diMâ- 
plinar José António LameUas, idem. 

20/--^ O 3/ sargàitt) da companhia europeia de 
infanteria n/ 4/7 José Lourenço FloreS;» idem. 

21:*-* O 2.^ sargento da 2/ companhia mixta de 
artílhería e infanteria n.** 2/2 José Maria de 'Ama- 
rim Júnior, com louvor individual em ordem è> 
exercito* 

22.^ — O 2.® sargento da bateria mixta de iniuh 
teria e artilheria n.^ S/5 Vicente António, idem. ' 

23.® — O 2.® sargento da 10.* companhia indigens 
de infanteria n.®* 5/5 António Simões Godhhòt 
idem. 

24.® — O I .® cabo da extincta bateria de artilhe* 
ria de Angola n.® 116 José Lopes, com medalha 
militar de prata da classe de valor militar. 

25.® — O I.® cabo da 2.* companhia mixta de in- 
fanteria e artilheria n.®* 5/5 Celestino de Paiva, com 
louvor individual em ordem do exercito. 

26.® — O soldado n.®* 84/84 da companhia euro- 
peia de infanteria Eleuterio Gautherio da Silva 
Pardal, com medalha militar de prata de valor 
militar. 

27.® — O soldado n.®' 62/62 da bateria mixta de 
guarnição e montanha Luiz Cardoso Branquinho^ 
com louvor individual em ordem do exercito. 

28.® — O soldado n.®^ 8/8 da 2.* companhia mixta 
de infanteria e artilheria Joaquim José Viegas Glo- 
ria, idem. 



i 



255 



Os serviços prestados pelo commandante da co- 
lumna do norte de Benguella, que já, muito antes 
d'esta campanha, por outros valiosos também, tinha 
sido agraciado com o grau de cavalleiro da Torre 
e Espada, e cujo peito muitas outras insignias de 
nobre expressão, como as de S. Bento de Aviz e 
de S. Thiago, illustram, já foram em parte galar- 
doados com a commenda da Torre c Espada, que 
lhe foi conferida por decreto de 4 de dezembro do 
anno passado : a esse tempo, porem, a totalidade 
do seu ingente trabalho era desconhecida ; perma 
neciam ignorados detalhes da sua prodigiosa tena- 
cidade nas rijas provações por que passou e que 
venceu, luctando, elle e os do seu commando, que 
o seu exemplo e as suas palavras incitavam, com 
tantas e tão graves privações e dificuldades de 
marcha, que outros, mesmo fortes, teriam em seu 
legar sido presa do desalento; desconhecia-se o 
enérgico, prudente, rápido, mas seguro critério e 
expediente com que acudira ás dificuldade do Bihé 
e do Moxico, removendo-as por forma que se não 
íôra a sua previdente e solicita assistência, tão van- 



ttiesamcnte presiadu quando parecia que as fadigai 
aoteriores lhe deviam jã ler esgotado a iniciativa e 
quebrado a» forças, a ordem, que alli foi, atinai, 
restabelecida c assegurada, por Rcaso ainda hoje 
Mría um sonho ^ e sobretudo escasseiavam ainds 
por completo os elementos por onde pudesse ava- 
líar-se com justeza o que fora a sua energia incan- 
sável, & sua dedicação e o seu intemerato zelo na 
Ímproba tarefa, cheia de pungentes espinhos, que 
eu lhe encarregara, e em cujo desempenho consu- 
miu perto de 6o dias, em que a maioria das horas 
foram sacrificadas a insano trabalho, procedendo 
aos numerosos inquéritos, que, feitos cora singular 
isenção e desassombro, que por certo lhe custaram 
íntimos desgostos e dolorosos transes de commoção, 
e uma imparcialidade onde a clareza e a honra dis- 
putam primasias, são a base d' essa grande obra de 
moralidade e justiça, que do conselho de guerra de 
Benguella tem sido honrado encargo. Tantos foram 
os trabalhos d'este valente official — os quaes oxalá 
o futuro não perca — e tão demasiadas as suas fa- 
digas, que agora ahi está enfermo, anemiado e fraco, 
exgotado por febres intensas, que o não largam, e 
tão gravemente estão preoccupando o espirito dos 
seus amigos, que lhe são dedicadíssimos, e o do 
próprio clinico — seu amigo também — ao qual está 
confiada a missão de velar -lhe pela vida. 

Equiparar em recompensa os serviços d'este ofB- 
ciai aos dos outros commandantes de colurana, va- 
liosos também, nomeadamente os de Paes Brandão, 
maxime pela opportunidade, mas tão distantes dos 
d'aquelle em canceiras, responsabilidades e alcance, 



257 



-chega a ser iniquidade que o desconhecimento pas- 
sado dos factos assas explica e justifica, mas que o 
seu conhecimento presente obriga a reparar. Pro- 
ponho, pois, que V. Ex.* recommende á justa mu- 
nificência de El-Rei, Chefe Supremo do paiz e do 
exercito portuguez, o capitão de artilheria Pedro 
Massano de Amorim, a fim de ser agraciado com o 
grau de grande official da nobre Ordem da Torre e 
Espada. Merece-o, Ex.°*** Sr., como os que mais o 
teem merecido ; não o espera por certo a sua sin- 
gela modéstia, que tanto contrasta, ou melhor, que 
"tanto se concilia com as heroicidades reaes da sua 
abnegação e os enthusiasmos ardentes da sua bra- 
^ur^, que chega aos últimos extremos — assim m'o 
disseram alguns seus camaradas; — é, portanto, um 
acto de honrada justiça propol-o a seu respeito. Por 
estar d'isso absolutamente convencido, consigno 
ji'este officio as palavras que deixo escriptas. 

Foi uma grande obra a rápida pacificação de Ben- 
guella ? Sem duvida: pois a elle se deve, e ninguém, 
absolutamente ninguém, na minha sinceríssima opi- 
nião, merece n'esta campanha galardão que eguale 
o seu. 



í7 






s58 





■ '» 



• •• • 

. • • ..... 

, .,-.■. 

Paes Brandão também já fm galardoado : ÍKÂAht 
conferida a commenda da Torre e Espada por de^ 
creto da mesma data do que anteriormente dtei*- 
Pareeendo-me inteiramente conforme com os seus< 
serviços a graça conferida, nada se me offere<fe ac^ 
crescentar. Mas com Paes Brandão tmiros servido^ 
res de menos categoria militar serviram, e os seus 
serviços é justo que oíficialmente sejam reconheci- 
dos e premiados; por isso, proponho que ao 2.^ 
sargento n.® 2/791 da 2.* companhia do extincto ba- 
talhão de caçadores n.® 2 seja dada a medalha de 
prata da classe de bons serviços. 

O commandante da columna do Libollo propõe 
que o referido 2.® sargento seja, era premio, pro- 
movido a I.® sargento; mas julgo preferível a me- 
dalha indicada, por ser mais eloquente attestado 
que a divisa, cuja explicação será de muitos igno- 
rada, e porque assim se evitam os inconvenientes 
do posto de accesso por distincção, que se pode 
dizer banido ha muito das nossas praticas militares. 

No seu relatório o referido commandante recom- 
menda, sem declarar, todavia, qual o premio de que 



259 



OS julga merecedores, os seguintes militares : o te- 
nente do quadro occidental Joaquim da Silva Gon- 
çalves, o I.® sargento n.® 214 da i.* companhia 
movei de Cambambe, João Maria Borges, 02.° cabo 
n.® 174 da mesma companhia José Alexandre Ca- 
buaque, o 2.® cabo n.® 89/: 1609 da 3.* companhia 
do extincto batalhão de caçadores n.® 2, João Ma- 
nuel António, e o 2.® sargento reformado, enfer- 
meiro, Veríssimo Manuel. 

Quanto ao tenente Gonçalves nada proponho 
n'esta altura, porque mais adiante, a propósito do 
relatório das operações em que depois exerceu com- 
inando, direi a seu respeito o que me parece justo. 
Relativamente aos restantes, porem, mandei-os lou- 
var individualmente pelo que julgo que lhes está 
feita a justiça que merecem. 



i6o 



Resta referir*me ao relatório do tenente do qua- 
dro Occidental Joaquim da Silva Gonçalves. Os ser- 
viços doeste official foram bons, como se mostra do 
seu próprio relatório e d'aquelles que, além do seu, 
com este officio vão juntos : em reconhecimento, 
pois, não só dos serviços que prestou sob o com- 
mando de Paes Brandão, mas também dos que élle 
mesmo e o commandarite da columna do norte re- 
latam, proponho que seja agraciado com a medalha 
de prata da classe de bons serviços. O mesmo pro- 
ponho, para o alferes de cavallaria João Nepomu- 
ceno Namorado de Aguiar, ao qual deve também 
ser conferida a medalha de Philantropia e Genero- 
sidade, pela » coragem e abnegação que revelou 
quando, na passagem do Quanza, com risco mani- 
festo da sua vida, se atirou resoluto ás aguas e sal- 
vou da morte, que parecia certa, um pobre soldado 
que ao rio cahira. 

Ainda doeste relatório consta que se distinguiram 
o sargento João Pedro, o clarim Manuel de Almeida 
e os soldados Francisco Agostinho, Manuel Fernan- 
des Bento, José dos Santos, Manuel António, Eduardo 



* 



201 



da Costa, todos da companhia de dragões; e o i.® 
cabo Matheus Bartholomeu da Gosta, e os soldados 
Pequenino, António Francisco e Domingos Matheus, 
todos do extincto batalhão de caçadores n.** 3. Es- 
tas praças mandei-as louvar individualmente, e julgo 
que assim lhes está feita justiça. 




Na columna de Caconda hão de ser por certo 
muitos os que muito merecerão pelos seus ac tos de pa- 
triotismo e valor; mas, infelizmente, nada tenho 
que propor nem posso propor a seu respeito por 
estas singellissimas razões: o sen commandanie, 
capitão Joaquim Teixeira Moutinho, já foi agraciado 
com a commenda da Torre e Espada, e basta; et 
quanto aos officiaes e praças qne serviram sob as 
suas ordens, sei que todos se portaram com valor 
próprio de soldados portuguezes, mas não me disse 
o seu commandante, em relatório ou n'outro docu- 
mento que o suppra, quaes foram os que mais se 
distinguiram, sendo que para estes é que são ou 
devem ser os prémios. Oxala que de futuro esta 
iniquidade possa reparar-se. 



263 



Foram também intelligentes e de valor os servi- 
-cos prestados, sempre com a melhor boa vontade e 
esclarecido zelo, pelo chefe da repartição militar, o 
major de artilheria Francisco Talone da Gosta e 
Silva: justo é pois, que V. Ex.* se digne recom- 
menda-.lo á munificência Regia, a fim de ser agra- 
ciado com a medalha de prata da classe de bons 
serviços, a qual igualmente proponho a favor do 
tenente coronel de infanteria Gaudino de Oliveira, 
chefe do estado maior na província, quando as pri- 
meiras medidas militares de repressão da revolta se 
determinam, e que, permanecendo n'esta cidade de 
Loanda, depois da chegada do major Talone, du- 
rante o longo período de alguns mezes, á espera 
do regresso do transporte Africa^ para n^elle voltar 
á Europa, de quem o substituirá foi sempre infor- 
mador solicito e incansável auxiliar, coadjuvando-o 
efficaz e dedicadamente com aquellas indicações e 
esclarecimentos, que a sua longa permanência em 
Angola e o conhecimento intimo das suas condições 
particulares lhe tornavam possíveis. Ambos, em 



-'^i 



264 



meu conceito, e no d'aquelles de quem o tenho ou- 
vido, sfio militares briosos, dedicados^ leaes, modes- 
tos, mas valiosos, e á provincia teem prestado excel- 
lentes serviços ; justas sSo pois as propostas que^ 
acabo de consignar e por isso é de esperar que V*. 
Ex.^ as attenderá. 



* ' 



265 






* 
* « 



Falarei agora dos dignos officiaes de marinha, que 
n'esta campanha tiveram a opportunidade, que lhes 
é sempre querida dé servir esta província, isto é, a 
pátria. Foram, pela ordem da sua intervenção, o ca- 
pitão-tenente Luiz António Aprá, o primeiro tenente 
Augusto Henrique Metzner e o capitão de fragata 
Antónia José Machado, commandantes respectiva- 
mente dos transportes Africa e Salvador Correia^ 
e da corveta Affonso de Albuquerque. 

Foi no Africa^ que vieram a esta provincia as for- 
ças de que foi patriótica missão o' restabelecimento 
da ordem, realisando-se a viagem, graças á boa von- 
tade e á competência do commandante d'aquelle 
navio e dos dignos officiaes do seu commando, no 
curtíssimo praso de 19 dias; foi ainda o Africa, que 
de Loanda transportou em duas viagens a Benguella 
as forças que constituíram a columna do norte de 
Benguella, carregadores, munições e grande parte 
dos mantimentos que se lhes destinavam \ e por ul- 
timo foi elle que a Loanda reconduziu as mesmas 
forças, findas que foram as operações. Sempre e em 
tudo encontrei no seu cc mmandante a melhor e a 
mais patriótica resolução de, na esphera que lhe 
competia, coadjuvar a acção militar que ia exer- 
cer-se. 



o mesmo reconheci no primeiro tenente Augusto 
Henrique Metzner, commandame do transporte So/- 
vadar Correia. Este pequeno barco, que, sob o com- 
mando d'aquel!e arrojado official e d'outros seus 
antecessores não menos valiosos, tantos serviços 
tem prestado a esta província, foi durante as ope- 
rações utilisado com grande vantagem em numero- 
sas commissóes e, por ultimo, até na conducção a 
Novo Redondo e na sua reconducção a Loanda da 
pequena, mas gloriosa columna. que operou sob o 
commando do capitão Mendonça. No seu comman 
dante encontrei sempre a melhor boa vontade, que 
eloquentemente se revelava no facto de nunca por 
sua parte se erguer uma difficuldade, fosse o ser- 
viço exigido de que natureza fosse, e na maneira 
rápida e completa como sempre se houve na exe- 
cução dos encargos que lhe foram commettidos. 

Por ultimo, na corveta Affonso de Albuquerque, 
posta pelo antecessor de V. Ex.* ás ordens d'este 
governo geral, se realisaram, e vão continuar breve, 
os conselhos de guerra de Benguella, com vantagem 
que inutli será consignar; e a excellencla do ser- 
viço que a este navio a província deve, )ulgo-a prin- 
cipalmente a consequência das altas qualidades de 
honrado portuguez de lei e de competentissimo offi- 
cial de marinha, que concorrem na pessoa do seu 
primoroso e illustre commandante, o capitão de fra- 
gata António José Machado. Foi longa a sua estadia 
na bahia de Benguella, insoffriveis quasi as tempe- 
raturas ardentes alli supportadas no seu decorrer, 
que se realisou precisamente através da peior e 
mais doentia quadra do anno; todavia, nunca no 



267 



digno official a que me referi, nem em qualquer dos 
do seu commando, cujas qualidades de competência 
e aprimorada cortezia tive occasião de conhecer e 
apreciar durante o longo período em que, a bordo 
do navio referido, fui ás regiões do sul da provincia 
procurar rehaver, na hygiene do mar, as minhas 
próprias forças, que a enfermidade me levara, per- 
cebi coisa que não fosse a mais brilhante compre- 
hensâo dos seus nobres deveres e a mais patriótica 
e intelligente solicitude no serviço do paiz. Se con- 
signo n'este logar estas palavras, e com ellas a ex- 
pressão do meu reconhecimento pessoal pelo fidalgo 
e aflfectuoso acolhimento que durante numerosos 
dias n'este navio recebi de todos e nomeadamente 
do seu illustre commandante, exclusivamente o faço 
em homenagem á justiça e ao dever. 

Não surprehendem os serviços e as demonstrações 
dos illustres officiaes que mencionei, visto que são 
assas conhecidas as luzidas tradições de valor e cor- 
tezia, que são apanágio brilhante da gloriosa armada 
nacional. Gomo, porem, a frequência de qualidades 
dentro d'uma classe em nada desvalorisa os que 
d'eHas dão mostras, de contrario não me teria por 
vezes alongado tanto no elogio dos feitos com que os 
bravos soldados do exercito portuguez tanto accres- 
centaram ao brilho de suas armas, julguei do meu 
dever consignar as palavras que deixo escriptas, e 
fundado nas quaes me permitto lembrar a V. Ex.* 
que será de pura justiça o reconhecimento official, 
e por maneira que V. Ex.* melhor do que eu mesmo 
poderá escolher, dos serviços que deixo apenas in- 
dicados. 



K tempo de terminar este já longo orticio; antC'» 
porem, permitta-me V. Ex." a satisfação de dizer- 
Ihe, que, relativamente, faram pei^uenas as despe- 
zas desta guerra, as quaes diligenciei attenuar tanto 
quanto possível no gravame da sua incidência sobre 
as anemiadas finanças de Angola. A despeza da 
columna do Libollo — esta de todo alheia á mi- 
nha intervenção — foi modestíssima, apenas de réis 
2:492j&3io. A que se fez com a columna do norte 
de Benguella, aquella a que mais directamente se 
vinculam as minhas responsalidades, foi apenas de 
53:559Cií639 réis. Não é muito, creio eu, se recor 
darmos o passado e attendermos á constituição da 
referida columna e ao período e natureza das suas 
operações. Da columna de Caconda. cuja constitui- 
ção vim encontrar já decidida e quasi executada, 
quando cheguei da metrópole, não sei ainda a conta 
exacta da despeza, E com certeza maior que a da 
columna antecedente; quando averiguada darei co- 
nhecimento. 

Por ser absolutamente verdade devo dizer que, 
em serviço do meu paiz, pelo bemd'esta província, 



26q 



« a favor do resurgimento da sua moralidade e da 
éuá economia, fiz tudo o que pude, sem me poupar 
a trabalho, nem esmorecer perante contrariedades e 
inquietações de toda a ordem, que tantas foram. 

Se bem, se mal não me compete dizel-o ; mas que 
se melhores e mais vantajosos não foram os resul- 
tados da minha intervenção, isso exclusivamente se 
deve a circumstancias de todo alheias á minha res- 
ponsabilidade, entre as quaes avulta a da modéstia 
dos meus recursos, devo aflBrmal-o; assegurando 
ainda, com desassombro, que tudo o que nos meus 
actos e escriptos pareça impolitico não é a resul- 
tante de qualquer inconsideração por minha parte, 
mas sim e somente a propositada expressão da pro- 
funda convicção que tenho de ha muito é dever de 
todos os portuguezes o sacrifício do que entre nós 
se chama politica à verdadeira comprehensão e de- 
cisiva diligencia do bem e da felicidade da Pátria. 

Deus guarde a V. Ex.* — Loanda, 3i de março 
de 1903. — 111."*® e Ex.^^ Sr. Ministro e Secretario 
de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar. 



o GOVERNADOR GERAL, 



Francisco Cabral SMoncada. 



2^0 



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limiililiiMl^é<lilÉfM m M «Niatnui m enaiitaU 
41 «IMÉI li ánn M 10 a M i« MUakn «« iW! 



í * ' 



DtsKauçAii 



NOMES 



LOCAUDADES 



Séculos 



Soba 



Séculos 



1 JcMi^a^ Canutf lic^. 
Cálàérp. . . . . 



SiafAnna. 

Cnètetiicalft . 

Cidátav. ..:..: 

J<wé. 

Hiíeiiaiigiiiido . . . 

Ctpiogiiia Cadumgolala . 

Caloeio. ...... 

ÇfiiiMngiiliila 

ii^Qfa 

tâiciilo 

Ciiicmnbi. 

Sicomellt 

I Xico-Xico 

, Joio Jardim (civilisado) . 
) Capingana de Catchicoco. 
1 Muetunda 

Chiangulo 

Ocuim 

Sacambimbe 

José Jardim 

Chindande 

Sacahimbe 

Chitanganha 

Chimàoda 

Calandula 

Catumbella 

Chipita 

Chinduamba 

Sachi-SaDgâna . . . . 

Francisco Jardim . . . 

Manuel Jardim .... 

Chicato 

Quitanagombe . . . , 

Monpessua 

Uguamba 



Catila 

^.filippa 

Qui^pembe 

Cbicdmo 

Ungdabiila 

ChtlibiiebQjt 

Ctngeogo 

Hnmui 

Cbongolola 

Cálodo 

Chicoiiio 

BoBga 

Eecato 

Hmnbi-Caliico 

Tdiiosstmba 



^Cahengue 

Chicombo 

Cahongo 

CangengQ 

Monginga 

Catáta 

Capouco 

Candjaogalala 

Caodjimba 

Capongo 

Cumbira 

Numera 

Babaiera 



) Cahenque 



271 



DESIGNAÇÕES 



Séculos 



Soba 



Séculos 



Soba 



Séculos 



Soba 



Séculos 



NOMES 



LOCALIDADES 



I 



{ 



Bondo 

Changaredo .... 

Quitella 

Cbibinda 

Quiculo 

Capitango 

Capingana Cambambi . 
Capingana Cachimbungo 
Cassibembe .... 
Capingana Cangando . 
Chindiongo .... 

Samaria 

Sucamba 

Casumque 

Chissoca 

Cachilungune. . . . 

Chitau 

Chimime 

Cambango 

Tchimbungo .... 

Etome 

Tchina 

Cangala 

Diambulula .... 
Catckongorôlo . . . 

Joaquim 

Saquilembe .... 

Banja 

Gilaúlo 

Tchichipo 

Chipaca 

Ossionengue .... 
Capingana Catchiné 
Capingana Cátchintungo 

Cassoma 

Saliboio 



'Cahenque 



Gallanga 

Ângolo 

Cahenque 

Catando 

ivjonanjamba 

Samaria 

Sungaiaba 

Dondello 

Chiticullo 

Galengue 

Canjungo 

Luhire 

Xufen 



Quiáca 



, Qucve 

Bongo 

Ocúlo 

Tchichipo 

Chipaca (Bailundo) 

Cutaramo 



Bailundo 

Candandi 
Saliboio 



Belaçio das aob&s e seciilos que se itpmentaraai do commuida militar 
do BalIuDdo dísde 1 de outubro a 30 de nDrriDbr<: de iM 





NOMIS 


UlCALIDAOKl 




B^, 


BoEiga 

PiDdu 




Cindlmbi 


















fioneo 






Cirique 




■feliMÚals 


rcbanilílu 




T'iliilHirtn 








T'chifnb»f.go 




rchiptllí 


SiniB (Quipfio) 






Gaiid* 
Lnpge 












C^>ing><i.daEqaiqDÍ. . . . 


T'c4iiniíiiiba 




Sinscrsculto 


Colujualua 


Secúloi 


Cachlngo 


Cachiungo 




SíquimuDcc 


Tundí (Exumbíce} 




Tdiitumbo 




EecilaPiUnca 


Chíimbiiigt 






MocntiODuChimbo 








CacisngD 






TMume 
Ombulo 




ChioBoli 






Lende 




SomíQuiigoda 






Cliurobtingo 






Cunganio 




Saccu-aguardenle 






Chacuialéea 






Dumbo 




Séculos 


Chib.odo Ghíquim 








Lungínd. 














S-H^ba 








Lambo 




Soma-Quínge 


Tcliilum:. 






C1.ÍC"I= 




Caluinha 





vfi 



csignaç6es 



NOMES 



LOCALIDADES 



Séculos 



Capitango Equiqui 
Chigangrema . . 
Calunde . . . 
Chambumba . . 
Dambo . . ■ 
Ungulo. . . . 
Chamandombe . 
Oancanjuio . . 
Congo .... 
Chaquiringa . . 
Cliiordori . . . 
Chicôtno . . . 
Dumbo. . . . 
Camaiigo . . . 
Jango .... 
Capitango. . . 
T'chingae. . . 
Chaquitamba. . 
Lucamba ' . . 
Soma Quissange 
Quissanda Manga 



Mojambululo . 

T'chifculo . 

Bongue. . . 

Quichingiie . 
Muene Hombo 
Chicolomenlio 

Qaipaca . . 

Cativa . . . 

José . . . 

T'chioal . . 

Haicambéro . 

Calengo . . 

Catuma . . 
Capingana 

Capitango. . 

T'chilula . . 

Palanca . . 

Callei . . . 

José . . . 

Palanca . . 



T'chinjamba 

T'chipindo 

Etoco 

Berilla 

Calèmbe 

Quinhára 

Tarano 

Gambongue 

Reabunda 

Quipumbe 

Chambumena 

Chicára 

T'chclla 

T'chitungo 

Jango 

Panda 

T'chinque 

Manja 

Etuta do Quisseque 

Mubundo do Carnuda 

T'chissanda Manga do 

Camada 
Tacomo de Carnuda 
Quilesso 
Quipatulado 
Jaiemba 
Congolo 
Corinequede 
Quipaça 
Sanga 

Cbimbango 

Calembe 
Consôco 
Caherabe 

>Bonga , 

Calupalica 
Tchilembe 



l8 



^Ki^vibt 



111.""' e Ex." 



-Tenho a honra de remettera 



V. Ex." o relatório junto, escrípto pelo capitão de 
artilheria José Correia de Mendonça, comm andante 
da columna militar a quem foi cotnmettido o difli- i 
cil e patriótico encargo de bater a região do Selles, I 
e ali assegurar a soberania portugueza, o prestigio j 
da auctoridade e o livre exercício e transito do cora- ' 
mercio. 

Como V. Ex." sabe era intenção minha, ao lavrar 
as instrucções que foram dadas ao commando 
da columna do norte de Benguella, á sua partida 
para a campanha do Bailundo, que no seu regresso 
uma força da mesma destacada fosse bater aquella 
região^ todavia as circumstancias forçaram nova 
maneira de proceder, e por isso as operações do 
Selles foram desligadas ' das do Bailundo e consti- 
tuiram uma nova campanha. 

Essas circumstancias foram em resumo as se- 
guintes; 

O estado de fadiga das forças empenhadas na 
campanha do Bailundo, as quaes, deppis da sua 
gloriosa e difficilima marcha de Catumbella ao 



273. 



Queve e ao Bailundo, regressaram ao littoral cau- 
çadas de tamanho trabalho, e precisadas por isso 
de descanço que lhes retemperasse a energia, por 
forma a permittir-lhes a nova campanha sem exces- 
sivas e iniquas demasias de esforço; com os seus 
fardamentos desfeitos, quasi verdadeiros andrajos, 
e çm grande parte descalças. 

N'estas condições empenhal-as em novas opera- 
ções, que eram de realisar não só em grande área, 
mas ainda em meio de todas as diíficuldades que o 
relatório junto demonstra, seria simultaneam^ente 
uma grave iniquidade e, por acaso, um risco. 

Succedia também que os povos do Selles, em 
Novo Redondo, aliás em velha rebeldia, por vezes 
manifestada em hostilidades aggressivas contra a 
auctoridade e commerciantes, ás quaes lhes dava 
cada vez mais animo a falta de conveniente assis- 
tência militar, impossível pela escassez de forças 
n'esta provincia, se não tinham todavia associado 
aos povos do Bailundo, com os quaes teem até an- 
tagonismos, derivados de incompatibilidades e anti- 
pathia de raça ; e por estas razões, que muito sum- 
mariamente exponho, porque o estado de fadiga do 
meu espirito, ao acabar de escrever o meu longo 
livro sobre a campanha do Bailundo, me não per- 
mitte mais, determinei o que se fez com um êxito 
que exclusivamente se deve ás grandes qualidades 
militares que concorrem na pessoa do valente of 
ficial, a quem commetti o encargo de, comman- 
dando, dirigir aquellas operações, ao valor dos que, 
como seus camaradas, lhe prestaram o dedicado e 
valoroso concurso da sua cooperação, e ao esforço 



176 



1 



dsn noHOs soldados, que aliás n'estas operações. 
deram já mostras de que bem grande era a sua 
fa<Uga. 

Pw contar com todos estes elementos, e norcea- 
dameote com a Tidentia do capitão Mendonça, que 
julgara e julgo capaz dos maiores e mais heróicos 
comoKttimentos, mas que sei dotado de toda aquelh 
«teenidade e seguro críterio, que são indispensáveis 
para cOB^lanento d'uai espirito verdadeiramente 
militar e de commando, determinei a organisacão 
m columaa que se constituiu, e ordenei as opera- 
çSes qac se executaram com todo aquelle brilhante 
epatriotico reaultado, que, na probidade singelissíma 
do relatório junto, trsouparece com persuasiva ni- 
tidez. 

Contava com aqu^s qualidades no referido 
cotnmandante, disse eu, e quanto era fundada a 
minha ideia bem o mostra o seu serviço no Selles, 
assim como já o revelara o que prestou no Bai- 
lundo, e bem o sabem todos os seus camaradas, 
por cá e no reino, entre os quaes este official gosa 
de um incontestável prestigio, que lhe vem simul- 
taneamente da rígida integridade do seu caracterr 
da sua competência e do seu alto valor militar. 



277 



O ultimo acto grave de hostilidade contra os com- 
mcrciantes commettido pelo gentio do Seiles fora 
o ataque dos estabelecimentos commerciaes do mu- 
lato António Daniel Henriques da Silveira, conhecido 
peio Cambenie^ sitos no logar do Bango, d'aquella 
região^ os quaes foram saqueados e arrasados, sendo 
o seu proprietário perseguido, apanhado, assassi- 
nado, espatifado, assado e comido em selvagem 
banquete pelos seus perseguidores. 

Não deve surprehender este fim d'aquelle com- 
merciante, porque é sabido que em Angola abun- 
dam ainda as tribus antropophagas ; e infelizmente 
o ódio que lhe tinha o gentio, que assim o sacrificou 
á sua vingança, também não era descabido, e o 
procedimento crudelissimo que fica apontado não 
foi, n'aquelle caso como n'outros, senão a expansão 
selvaticamente exaggerada de velhas e vivas repre- 
sálias, que a longa serie de atrocidades d'aquelle 
mulato, as revoltantes depredações por elle com- 
mettidas, e as suas amiudadas violências asquero- 
sas de velho satyro incorrigivel tinham suscitado. 

Foi em i6 de janeiro de 1902, que o acontecido 



foi participado á chefia do concelho de Novo R^ 
dondo, que cniáo estava a cargo do capitão de en- 
genharia Nunes da Matta, actualmente director das 
obras pubhcas n'esta província, e esta auctoridade, 
que desde logo, em 17 do mesmo mez, determinou 
que o commandante do destacamento de Novo 
Redondo fosse, com a pequeníssima força do seu 
commando, averiguar dos factos e dihgenciar a 
captura dos criminosos, communicou depois, em 
'io de janeiro, as occorrencias que ficam referidas 
ao quartel general da provincia, e mais o tnsuccesso 
das operações tentadas sob o commando do te- 
nente Barradas, que nada conseguiu, visto o pe- 
queno numero de praças que levara e era tudo do 
que podia dispôr-se, e, forçado a retirar, fora des- 
feiteado pelo gentio, que o espingardeára, felizmente 
sem resultados maiores que um pequeno ferimento 
n'uma praça, em mais de uma emboscada e assalto, 
e assim praticara o seu ultimo acto de rebeldia 
contra a auctoridade. Dizia o chefe que para asse- 
gurar allí o prestígio da auctoridade, então grave- 
mente lesado, conter o gentio e reprimir os com- 
merciantes da região em justos limites, que não 
provocassem perigosas desordens, reconhecia de 
todo precisa a acção d'uma força de solida e nume- 
rosa consistência, e a subsequente creação d'um 
posto militar, que n'aquella região convinha esta 
belecer 

Quando estes factos me foram communicados 
pela repartição militar, e o processo respectivo me 
foi presente, despachei determinando que a mesma 
repartição, procedendo ao estudo para tanto neces- 



279 



sarib^ me informasse sobre as condições em que 
tdevia Gonstituir-se uma columna que, segura do 
resultado das suas operações, fosse á região onde 
^ àuctoridade fora tão deplora velmente desfeiteada, 
para ' rieprimir, pacificar e restabelecer o prestigio 
•da nossa soberania. N'esse despacho recordava-lhe 
até que* poderia seír-lhe proveitoso elemento o es- 
tudo d'outra expedição, que annos antes conseguira 
impor:se ao gentio d'aquella zona e dominal-o. 

Não se fez esperar a informação da repartição 
militar e por ella vi com sentido desgosto o que na 
Verdade eu já conjecturava, isto é: que na provincia 
não havia ao tempo os elementos necessários para 
constituir uma cõlumna assas forte para, sem maior 
perigo nos desaggravar do desaire soffrido, e que 
assim seria força aguardar a execução da reorga- 
nisação militar decretada, para ulterior procedi- 
mento. 

E d'este teor a informação alludida: 

€ Informação. — Em cumprimento do despacho de 
V, Ex.* exarado na minha informação de 6 do cor- 
rente, e em additamento á mesma accrescentarei : 

I.® Que julgo sufficiente para bater o gentio do 
Bango, região do Selles em Novo Redondo, uma 
força, de 200 homens, incluindo n'este numero 16 
praças d'artilheria, para guarnecerem duas peças 
de montanha 7 centimetros, tudo devidamente com- 
mandado e municiado. 

2.® Que para emprehender as operações julgo 
mais próprios os mezes de junho e julho. 

3.® Que para obter o numero de homens acima 
tnencionado será preciso reduzir excessivamente a 



guarnição de Loanda, a não ser que até n epui 
indicnda, o recrutamenio tenha tomado meiw ic- 
tcnsidad«, o que é pouco provável e inconvenie!» 
por causa da varíola, ou que, pelo andamento ilu 
processos sciaiti postos em liberdade, muitas à» 
praças que ha longo tempo se encontram prés» 
para conselho de guerra, ou ainda guameceodo-x 
o littoral com praças de 2.' IJnha. 

4." Que para indicar a força para o posto pediílo 
seriam necessários elementos de que náo disponho 
por emquanto sendo fácil prever que n'uraa região 
que não está dominada seja preciso uma maior 
força que julgo não deverá ser inferior a 40 homens 
— com respectivos graduados — que só a nova re- 
oranisação militar da província, posta em vigor, 
poderá fornecer. 

Repartição militar em Loanda, 19 de fevereiro 
de 1902. — Gaiidiíin Anselmo de Oliveira, tenente- 
coronel». 

Mais tarde rebentou a revolta do Bailundo ; a re- 
organisação militar, ultimamente decretada, foi ra- 
pidamente posta em execução, e assim, tendo ainda 
na memoria os recentes acontecimentos* do Selles, 
c concluídas as operações do Balombo ao Queve, 
vendo que tinha na província os elementos precisos 
para, com seguro êxito, resolver aquella velha ques- 
tão, que muito importava liquidar breve, náo sój)or- 
que sem isso a pacificação da província ficaria gra- 
vemente incompleta, mas também para que não 
acontecesse que maiores delongas fossem tomadas 
pelo gentio rebelde á conta de receio de lhe a0Ton- 



28 1 



tar a bravura, o que por certo em muito aggrava- 
ria a sua attítude, determinei que uma columna mi- 
litar, cujo commando conferi ao referido capitão 
José Correia de Mendonça, fizesse uma manifesta- 
ção de força no interior de Novo Redondo, punisse 
o gentio que se oppuzesse á sua passagem ou se 
mostrasse adverso ao estabelecimento de casas com- 
merciaes nas suas terras, assegurasse as communi- 
câções, castigasse o gentio do Bango, submettesse 
as regiões do Selles, entre Caiembe e o Sumbo, e 
por ultimo fosse ao Xamaco, considerado temivel 
fojo de facinoras impunes e serviçaes fugidos, e ali 
castigasse o respectivo soba e sua gente. 

Este foi o plano exarado nas instrucções de 19 
de novembro do anno findo, que foram entregues 
ao valente commandante da columna que, consti- 
tuída por 4 ofiQciaes (o seu commandante e mais 3), 
100 praças europeias, as poucas do destacamento 
indigena de Novo Redondo, uma peça de artilheria, 
um medico e um enfermeiro, uns 25 ou 3o auxilia- 
res pretos, que foram empregados em serviço de 
exploração, e 35o carregadores, partiu de Novo 
Redondo para o interior no dia 17 de dezembro. 



■> NSo'fuâ a nsrratÍTa inÉiuciosa do que foi a mar- 
cha d'essa peipieaa-coluilina, que tantos revezes 
deparou e-renceu, daauá enérgica attitude perante 
as resisttticiaS do ^ntíó,- da.>^ graves inclemências 
do , clima, que ella tt}pp(tftou com heróica tenacidade 
durante oS7'dÍAs em que viveu nas margens enve- 
nenadas do rio Cuval, onde 3 praças foram victimas, 
sacrificadas em serviço do seu paiz, e sobre o qual 
se viu forçada a construir duas pontes, que ser- 
vindo-lhe de passagem, para o mesmo fim podem 
utilisar presentemente ao commercio e aôs seus 
aviados, que no interior de Angola transitam, úèm 
do mais. De tudo fala succíntamente, mas com uma 
eloquência que a simplicidade da narrativa mais 
engrandece, o honrado relatório jnrrtD; Dtret- tãe 
somente que a referida columna, partindo para o 
interior em 17 de dezembro, no dia 11 de janeiro 
voltava, tendo desempenhado cabalmente a sua mis- 
são, isto é, tendo, a dois dias de Novo Redondo, 
repellido, com algumas baixas no inimigo, um 
assalto que o gentio emboscado lhe fez na siia 
marcha sobre a libata de Caquinde, que tomou já 



28 



«l 



-com fraca resistência e arrasou, assim como a do 
Bango ; recebido a seguir a vassallagem e os pre- 
sentes de vários sobas atemorisados, que se lhe 
apresentaram ; avassalladÒN o soba da Handa, de 
grande preponderância na região do Bango; e to- 
mado e incendiado, depois de vencidas pelas armas 
algumas veleidades de resistência armada por parte 
-do gentio, a temida libata do Xamaco, installada 
n'um alto de difficil accesso, tão difficil que a subir 
a encosta que á mesma conduz, a columna consu- 
miu o melhor de 3 horas. 

' No primeiro encontro com o gentio, que atacou 
emboscado, quasi de surpreza, n'uma viva descarga 
contra a força, na qual muitos, segundo os factos 
-demonstram, principalmento visaram o seu bravo 
commandante, foi este ferido; não o desconcertou, 
porém, o ferimento recebido, que depois se reco- 
nheceu ser de ligeira gravidade, nem o impediu de 
n'esse momento e sempre occupar devidamente o 
seu logar, e como soube fazel-o. Honra lhe seja, 
e, glorioso attestado intimo e official da sua corajosa 
travura e dos perigos que affrontou com intemerata 
firmeza, lá tem no corpo a cicatriz e nos registos 
militares a nota de ter sido ferido em campanha. 
Foi pouco duradora no tempo, e tão económica, 
que apenas custou aos cofres da provincia a modesta 
^erba de 2:141^297 réis, esta arriscada e provei- 
tosa campanha, cuja historia não desenvolvo de- 
talhadamente, porque, tendo n'ella operado uma 
columna única, nada tenho que accrescentar ao 
relatório do seu digno commandante, no qual tam- 
bém nada se me oíFerece que rectificar. 



Considerando, todavia, que a circumstancia i 
I ler sido breve e económica a canpanha do Stte 
I aioda mais accrescenta ao seu valor, e mais augmenU 
I as vantagens d'el]a derivadas, que, em resumo, x 
\ cifram na consolidação do »domÍnio e soberania 
[ colonial da nação> na vasta zona do interior è 



I Movo Redondo, que a 
[ capitão José ( rreia 
I e sujeitou, e na o 

I rebeldia, cruelmc. as: 
I obrigara outros á luga e ui 
[ jjulgo-o digna de ser i 
Rainha D. Amélia ; e as 
I como tal por decreto, 
I artigo i." do decri i de 

Todos se sacrificai 
' taram em perigo mii. 



mna do commando do 
idonça percorreu, bateu 
tio, em velha e impune 
lára um commercianiE, 
eiteára as nossas forças, 
emorada pela medalha 
■roponho que se declare 
termos expressos do 
de dezembro de ujos. 
árduas fadigas, e aífron- 
assaltos, emboscadas e 
■esislencias do gentio armado. Attestam-no a morte 
de alguns soldados e o ferimento do seu comman- 
dante : é justo pois que, nos termos do decreto 
citado, a todos que áquella distincção tenham direito 
se confira a honra inapreciável de ao peito trazerem 
aquella medalha, de tão brilhantes tradicçóes mili- 
tares, a qual, pela sua significação gloriosa e por 
ter gravada a effigie veneranda e venerada de Sua 
Magestade a Rainha de Portugal, constitue por certo 
o melhor galardão a que aspiram os bravos soldados 
portuguezes, que, no serviço da nossa querida pá- 
tria, procederam com tão ferveroso enthusiasmo. 
Proponho mais que ao valente e honrado capitão 
José Correia de Mendonça, commandante que foi 
da columna do Selles, seja conferida a commenda 



285 



da Nobre Ordem da Torre e Espada. No seu rela- 
tório sobre a campanha do Bailundo propoz o digno 
commandante respectivo que elle fosse agraciado 
com o grau de official da mesma Ordem; jasto é 
que agora, que o mesmo official aos serviços valio- 
sos ali prestados junta, de subido valor também^ 
os que prestou no commando da columna que rea- 
lisou com tanto successo as operações do Selles, 
se confira a commenda referida. A respectiva ínsi- 
gnía, de tão gloriosa expressão, conjuga-se bem 
com o peito para o qual, em homenagem ao valor 
e á honra, a proponho. Se aquella põe n^este sin- 
gular brilho, também é certo que este singular- 
mente merece actualmente aquella. 

Quanto aos mais officiaes que fizeram parte da 
columna do Selles, e cujos serviços são de alta valia, 
como o signatário do relatório junto affirma na sua 
honrada e sempre justa linguagem, faço minhas as 
suas propostas, e assim proponho para serem agra- 
ciados com o grau de cavalleiros da Ordem da 
Torre e Espada os seguintes officiaes: 

Tenente da companhia europeia de infanteria, 
António Augusto Dias Antunes; 

Alferes da mesma companhia, João Henrique de 
Mello ; 

Alferes da bateria mixta de artilheria de Loanda, 
Álvaro Mendes Abóbora. 

Já individualmente mandei louvar as praças a que 
o mesmo relatório se refere; todavia lembro que 
seria de justiça que estas praças fossem louvadas no 
Boletim Militar do Ultramar ou em ordem do exer- 
cito. A superior proveniência do louvor faria que 



^ 



elle .QieUior' ptmjfi çop^^ dos bons. seim^pi 

pr^s^idos. . -jj :• i' ■;...;...•••.•■. .-. ,'■", 

]SSo as referíflaji pra^ if^iegmntes: -« f 

QÍaipaiihia (inxqpiçia deJQfantefiaí, i.^ çabonAg^: 
DomkigQçXaid<Kr4NrbQwav..!. ./ 

, ^1»/ cabo lu^ I Vi^ MânqietPiogO) bateria de 
l^ería mixtjft die Lpand«.\. ;,-. '^ 

. Soldadi^ n.^ 69/Ça L>utz Giir^^o Biffiiiquiiiho^ bi^i 
talhSo di^ciplifiar, 3.*.* ((Mppanhiai i..^ sargento i/8i#; 
Manuel Qento César; ri .^ c%bo 6/96: José I^pes ikà 
soldado Hã^ 84/173 Jo!fi0.Ca2aotieIlo. -^"^ .^ 

Compai4iias indígenas de ii:i6|]Eiterili:,&*— a.^ jCabck -^ 
n.*.3/i9i7 Portogal; g,*— a.* c€*o If.*43/i9i5 Sfe^í ,; 
líding; f I •*— 3.^ sargento n.^ 2/2 Martintano Hc^neoi: j^ 
de FigueiredOt * **• . • r* ! ':-< 

Com estas propostas quê^ em preito ao valáT):^ : 
acabo de consignar n'este oflBcio, encerro as minhas 
considerações, que não levo mais longe para não 
fatigar V. Ex.* em vão. 

Dçus Guarde a V. Ex.* — Palácio do governo ge- 
ral em Loanda, 3i de março de igoS. — 111.™** e Ex."^ 
Sr. Ministro e Secretario de Estado dos Negócios 
da Marinha e Ultramar. 



o GOVERNADOR GERAL, 

Francisco Cabral õMoncada. 



I ' • é i ■ I 's ■ " S, ■ . 






a, . 

a I — 




LI8B04, 8 de tetoB U e 8< d« tftrde. 

Gopeni r /. — BEMG UEL LA. 

Felicito V. Ex/ e ihas felicitações officíat;s 

e praças columna noi guella. — Ministro. 

LISBOA, 11 de Betemftr», i 1> e 16' te Urde. 

Governador Geral. — BENGUELLA. 
Com viva satisfação EI-Rei, governo e paiz rece- 
beram noticia victorías obtidas peias duas principaes 
columnas, felicito V. Ex.' e louvo pelo acerto da 
direcção e peço transmitta meu louvor e felicitações 
aos valentes ofBciaes e praças que tanto honram o 
nome portuguez. — Ministro. 



LISBOA, 1& de ontnbro. 

Governador Geral.^ BENGUELLA. 
Agradeço V. Ex.' por mim e por paiz seu esforço 
e acção campanha Bailundo. El-Rei manda louvar 



21^9 



V. Ex.* officiaes praças pçlo assignalado serviço 
prestado e pela maneira como honraram armas por- 
tuguezas. — Ministro. 



LISBOA, 18 de outubro. 

• I 

Governador Geral, — LO ANDA. 

Tive grande satisfação com informação do aco- 
lhimento feito auctoridades e população Loanda a 
V. Ex.* a que muito sinceramente me associo pela- 
distincção da pessoa a quem foi feito e pela signifi- 
cação que tem no momento em que V. Ex.* vê co- 
roado êxito seu patriótico esforço. Desejo V. Ex/ 
louve em meu nome commandante oflficiaes e pra- 
ças da columna sul Benguella que tomaram parte 
nos brilhantes feitos de armas de i8 e 19 setembro 
a que se refere telegramma de V. Ex/ — Ministro. 



LISBOA, 16 janeiro 1903. 

Governador. — LOANDA. 

Sua Magestade El -Rei que em Villa Viçosa teve 
conhecimento resultado acção contra gentio Sellès 
acaba dizer-me em telegramma que com muita satis- 
fação viu noticia êxito da columna do commando ca- 
pitão Mendonça; em nome do gov^erno felicito V. Ex.% 
o capitão Mendonça e todos quantos concorreram 
para mais serviço feito á provincia que vem ainda 
augmentar o grande prestigio e gloria das armas 
portuguezas. — Ministro. 

»9 



LISBOA, 3 marçu. 

Goi'e7'nador. — LOANDA. 

Ao deixar a gerência da pasta da marinha agra- 
deço V. Ex.'' sua leal e intelligente cooperação e 
tenho viva satisfação em louvar serviços por V. Ex.* 
- Teixeira de Sousa. 



SOTA. — Fiz imprimir e juntar estes telegrammas, guasi 
desconhecidos, para que após a narrativa dos trabalhos e ser- 
viços dos valentes officiaes e praças, que por cá andaram em- 
penhados na rude campanha do Bailundo e Se!)es, fique con- 
signado o reconhecimento superior do seu valor, de tão lar^ 
irradiação de brilho, que até, peio seu reflexo, a minha obscurk 
individualidade chegou a merecer louvor. 



291 



111.™° e Ex.™** Sr. — As condições do districto de 
Benguella variaram extraordinariamente quanto á 
occupação militar depois da guerra do Bailundo e, 
se queremos conservar os fructos doesta e tirar van- 
tagem dos sacrifícios feitos, temos de manter devi- 
damente guarnecidos os postos creados durante a 
referida guerra,. 

E para tal se conseguir urge que se augmente a 
guarnição militar do districto, a qual, tendo sido 
moldada pelas suppostas necessidades do mesmo 
antes da guerra, não pode hoje corresponder ao que 
d'ella se exige, apesar de o effectivo das unidades 
que a constituem ter sido elevado ao máximo. 

Este facto, que apreciado de longe pôde parecer 
extranho, é tudo que ha de mais natural, dada a 
circumstancia da enorme extensão do districto, cuja 
occupação antes de publicada a actual organisação 
militar era verdadeiramente virtual, e dada a re- 
bellião que se manifestou, quasi simultaneamente e 
mais ou menos declarada, nas capitanias do Bai- 
lundo, Bihé e Moxico. 

Actualmente a situação militar do districto de 
Benguella é a seguinte : 



('■pltanla.itnir do Moxlco cora Os postos de Calungl 
Ciimciii- Niina Candundo, Caquengue, Luchazest 
Matota, guarnecidos pela 12.' companhia de infan- 
icria indígena ; 

í:»liitanin-ii!»ir úit Blbé com os postos de Neves 
Fcrrcirn e de Quindumba, tendo o capitão mór re- 
cebido ordem para estudai e propor urgentemenie 
ccimenio de novo ; postos que tornem ef- 
r"- pação d ,ella vasta e importaoie, 
pouco quasj iesguarnecida de força e 
:m parte ainda impe feitamente conhecida [s 
.ígiáo de Andulo) guarnecidos pela ii.'* companhia 
de infanteria indigena; 

CapitanU-ihúr úq lUilundo com os postos de Bu- 
coio, Cohuia, Canjala, Limbale, Cassongue, Sambo, 
Huambo e Cuima, guarnecidos peta 10.* companhia 
de infanteria indigena ; 

CapltAnlB-niAr das AmbnellaH e Canfiiellas com séde 
no forte Princeza Amélia, e os postos de Luiz Fi- 
lippe, Maria Pia e Cassinga, guarnecidos pela i3.' 
companhia de infanteria indigena. 

Além das forças para os postos referidos São ne- 
cessárias outras para os destacamentos de Catum- 
bella, Egito, Dombe Grande, Quillengues, Hanha- 
e Gaconda, que teera de ser fornecidas pela séde 
do districto, a qual, pela actual organisação, só dis- 
põe para esse effeito da 4.* companhia do batalhão 
disciplinar, tendo de destacar parte d'esta força para' 



2q3 



o districto de Loanda, por este carecer de unidades 
indigenas. 

Da enumeração d'estes postos e destacamentos 
se vê logo quão insufficiente é a guarnição do dis- 
tricto de Benguella e esta deficiência ainda mais se 
evidenceia se attendermos a que muitos dos postos, 
como os do Huambo e Sambo, teem de ter uma 
guarnição bastante forte e a que é de toda a van- 
tagem que a maioria d^elles seja do commando de 
official, pois os inconvenientes de postos comman- 
dados por sargentos ainda recentemente os aconte- 
cimentos do Moxico tornaram bem palpáveis. Mas, 
admittindo mesmo que a maioria dos postos sejam 
de commando de sargento, como elles nunca podem 
ter um effectivo inferior a i6 praças e como, além 
d'isso, é indispensável que na sede das unidades 
fique o effectivo necessário para render as guarni- 
ções dos postos ou destacamentos, em periodos con- 
venientemente determinados, para effeitos de disci- 
plina, instrucção e hygiene, vê-se que, ainda n'esta 
hypothese, o effectivo destinado d guarnição do dis- 
tricto de Benguella é diminutissimo em relação ás 
necessidades do serviço. 

Porem, quanto ás capitanias do Moxico, do Bihé 
e das Ambuellas e Ganguellas, ainda com boa von- 
tade e muitas deficiências o serviço se poderá fazer, 
mas relativamente á capitania do Bailundo e á sede 
do districto é que é urgente providenciar, porque 
nem aquella tem effectivo para guarnecer os postos 
que lhe estão subordinados, nem esta, dispondo 
apenas da 4.* companhia do batalhão disciplinar, 
pôde dar os destacamentos que lhe são exigidos. 



Paru remediar convenientemente este estado de 
coisas propõe o governo do disiricto de Benguella. 
em officio que envio a V, Ex.' por copia, a creação 
de uma unidade montada para a guarnição do dis- 
tricto <t que, provisoriamente, lhe seja perraittido 
fazer guarnecer os postos do Huambo, Sambo e 
Cuima fcapitania-mór do Bailundo) com forças des- 
tacadas da 1 1.* companhia, que, como V. Ex.' sabe, 
tem a sua sede no Bihé, 

Forçado pelas circumstancias, vou permittir a 
adopção d'esia ultima proposta, perfeitamente de 
occasião, esperando que \'. Ex.''' me facultará os 
meios de poder fazer voltar brevemente ao Bihé 
toda a força que lhe é destinada, porque alem 
d'ella ali ser absolutamente necessária para a occu- 
pação d'aquella região, pôde prestar grandes ser- 
viços como reforço a mandar, em caso de necessi- 
dade, ao Moxico, onde o gentio se mostra por vezes 
irrequieto, podendo a guarnição d'esta capitania 
necessitar de auxilio para o chamar á ordem. 

Os meios a que me referi são: ou a creação de 
uma companhia de infanteria montada que, collo- 
cada no interior do districto de Benguella, no Bihé 
por exemplo, permittiria deslocar para o littoral a 
companhia de infanteria indígena ali aquartelada, 
ou a creação de uma nova companhia de infanteria 
indígena com sede na cidade de Benguella, ou em 
ponto devidamente escolhido entre esta e a capita- 
nia-mór do Bailundo, de modo que, em qualquer 
hypothese, possa alliviar o serviço d'esta capitania 
e fornecer os destacamentos que atraz referi (Ca- 
íumbella, Egito, etc.) 



295 



Devo, porem, dizer a V. Ex.* que me pronuncio 
pela creação de uma companhia de infanteria mon- 
tada, pois que esta unidade de utilidade indiscutível 
-em qualquer região de Africa, pôde prestar servi- 
ços incalculáveis n'um districto vasto como o de 
Benguella, onde é de extrema vantagem ter uma 
força de infanteria com facilidade de surgir d'um 
momento para o outro n'um dado ponto, sendo até 
minha opinião de que seria de toda a conveniência, 
quando as circumstancias financeiras da provincia 
permittissem, dotar cada districto com uma unidade 
d'esta natureza, porque, tendo-a devidamente aquar- 
telada no interior e impondo-lhe a obrigação de rea- 
lisar periodicamente passeios militares pelos difife- 
rentes pontos dos districtos, muito contribuiria para 
convencer o gentio doesta colónia de que ella é 
muito nossa, e isto sem necessidade de empregar 
meios violentos e podendo até, passado algum tempo 
de implantado este regimen e quando aquelle con- 
vencimento fosse profundo, ser talvez dispensada a 
existência d'algumas unidades de infanteria indigena. 

Escusado será, porem, ponderar que, para que 
aquellas unidades possam ter a utilidade que refiro, 
é necessário que se providenceie de modo que te- 
nham sempre o seu efifeçtivo completo em homens 
e solipedes e que não aconteça como ao actual es- 
quadrão de dragões que foi para a recente guerra 
do Bailundo com 18 cavallos. 

Deus Guarde a V. Ex.* — Palácio do governo em 
Loanda, 14 de março de igoS. 

o GOVERNADOR GERAL 

Francisco Cabral Moncada. 



Ill,"" e Es.™" Sr. — Cumpre-me informar a V, 
Ex.% por assim me ter sido ordenado, que a des- 
peza com a columna de operações ao norie de Ben- 
guella importou em réis 55:826^5149, a saber: 



Importância abonada ao tenente Paes 
Brandão, para despezas com a for- 
ça do seu commando, que marchou 
sobre o Bailundo, despeza reali- 
sada 2:492a>3i(> 

Importância da despeza feita com a co- 
lumna que operou sob o commando 
do capitão Massano de Amorim. . . 53:3323:839 
Somma . , . 55:8253)149 



As contas respeitantes a qualquer das duas ver- 
bas dispendidas ainda não foram apresentadas, nío 
se achando por isso liquidadas; todavia, posso de- 
senvolver a que diz respeito á columna do com- 
mando do capitão Massano de Amorim, porque exisie 



.297 



h'esta repartição um resumo de conta, por elle apre- 
sentado, d'onde extrahi os dados segumte: 

Despega: 

Géneros alimentícios 38:823í5f)5o7 

Fazendas para permuta 2:66o^85i 

Medicamentos 3:365aÉ)i44 

Expediente 172^56)860 

Carregadores ' 16:662^56)736 

Carros para a conducção de viveres 

para a Catumbella i:25o;Zí)o3o 

Diversas despezas 7:62ií5f>095 

Compra de gado 4:402;3!í)Ooo 

Somma . . . 74:948^2 1 3 

A abater: 

Da relação do gado 2:720^56)000 

Medicamentos existentes 
nos postos do Bailundo, 
Bucoio, e Cohula 599í??56o 

Fazendas existentes nos 

postos i:363í£)23i 

Géneros existentes nos 

postos 2:87oaí)28i 

Valor de fazendas e ar- 
tigos apprehendidos ao 
gentio 3:3i2^oio 

Géneros conduzidos pe- 
los carros boers e que 
foram entregues no 
Bailundo, Bihé e Mo- 
xico 3:122^22)438 13:987^^)520 

A transportar. . . 60:960^5^693 



Transporte. . . 6o:g6ojp^ 

Venda de milho avariado 2t®i45 

Venda de ires bois para 
o transporte Africa.. 78®ooq 

Importância da contribui- 
ção e auxilio para ran- 
cho das praças 6:oD9JP144 

Importância entregue 
pela columna ao capi- 
tão-mór do Bailundo.. 1:24217765 

A receber da Companhia 

Comraercial de Angola 

por erro de contas. . . 22Gr:r8oo 7:62736854 j 

Despeza eífectiva, réis.. . 53:332jri839 ' 

A conta da despeza ainda ha a abater o valor 
dos medicyincntos existentes em 26 de outubro 
de 1902, no hospital militar do Balombo. 

E é quanto presentemente posso informar sobre 
a importância da despeza de que se trata. 



Em 21 de abril de igoS,— O chefe da repartição, 
Joaquim Zeferino de Sequeira Moraes, capitão da 
administração militar. 



299 



mmu D[ oPERiioOts no interior de novo reoonoq 



Mota da despesa feita com a mesma colamiia 



Cd 

C 

CO 

o 

s 



Munições e mais material de 
guerra 

gancho e artigos diversos : 

Pago a Bento Fer- 
nandes & C*. . . 

Pago a José Rodri- 
gues de Oliveira. . 

Pago a Madeira, Pa- 
Ihares & C* 

Pago a Ferreira & 
Irmão 

Pago a Ferreira & C* 



1 94^8^467,9 



140^800 



24^000 



ll^2>(jO 



388;»^53o 
58^20187 



628ííÉ)907 



c 
o 

o 

> 
o 

Z 

S 



Medicamentos, géne- 
ros para rancho das 
praças e diversos 
artigos 394^800 

Medicamentos requi- 
sitados á pharmacia 
Neves 23iíí)43o 

Alimentação a carre- 
gadores 688;z>385 

Salário a carregado- 
res á razão de 100 
réis diários e 3oo 
réis a 4 capatazes . 982^800 



2:297^415 



Somma 3,i2o^;í>789,9 



■»» 



.\ Trafil$porte. 3:í209t>^Sg 

/ Rancho fornecido pelo 

^1 de^ácdmentõ . . ; : . 113^890 

g I Medicamentos forne- 

*S 1 eidos por D* Ánna 

*^ 1 fiiastos. . ...;;.... 5^220 

9 1 Medicamentos forne-^ 

•^1 eidos por Oliveira 

1 & C* 22;3í>o3o i4ié::^4^ 

■ , ■ » ' *• _ — »— ^ 

Somma . . . 3:261 iit^^=^'^^ 
A dedu\ir\ 

Importância de 48 peças 
de fazenda a 24^000 
réis I i5^2oo 

Importância de 6 bois ven- 
didos em Novo Re- 
dondo 1 20ttt)000 

Importância de io3 kilos 
de bacalhau entregues 
á companhia europeia 
de infanteria. Si^gSo 

Importância de 76 kilos 
de gomma copal, ven- 
didos em Loanda S^ooo 

Contribuição e auxilio 
para rancho de 186 sar- 
gentos 54í5í)87o 

Idem de 2:784 praças eu- 
ropeias 8oi;35f>792 

Idem de 868 praças indí- 
genas 112^2^)840 1:241^6! 

Despeza liquida. . . 2:o2o^2< 



3o I 



Portaria o; 97, le 6 ie março le 1903 



Estando por completo restabelecidas o prestigio 
da auctoridade e a ordem no interior do districtO' 
de Benguella e no concelho de Novo Redondo ; e de 
todo removidos os riscos de qualquer sublevação 
na vasta área do concelho do Libollo; 

Considerando que do exposto é persuasiva de- 
monstração o facto de, cada vez mais numerosas, 
as comitivas do gentio estarem aífluindo ao littoral 
e ofiferecendo assim á permuta os productos de que 
são portadoras e que constituem objecto do seu 
commercio. 

Attendendo a que n'estes termos não só é mani- 
festamente inútil, mas até pôde converter-se em in- 
conveniente estorvo opposto ao resurgimento das 
relações commerciaes entre o littoral e o interior, 
o prolongamento do estado anormal, que, nas re- 
giões acima mencionadas, foi creado pela portaria 
n.® 285, de 2 de julho de 1902, cuja necessidade as 
circumstancias de então impozeram, mas cuja revo- 
gação as do presente aconselham: 

Hei por conveniente determinar: 

I.® Que as garantias fiquem estabelecidas onde a 
portaria citada as suspendeu; 

2.® Que o seu restabelecimento se publique por 
editaes e bando em todos os concelhos ou circum- 
scripções administrativas equivalentes do districto 
de Benguella, e nos concelhos de Novo Redondo e 
Libollo. 



I 



As aucy>T;idades t mais pessoas a quem o conhe- ■ ' 
cunento d'ekta competir assim o tenham ehtendido- 
e cuDipram. 

Falado ^ governo em Loanda, 6 de março de 
i^$.—*^Francíieo Xavier Cabral de Oliveira Man- 
eia, goveluadòr geral. 






índice 



Pag 

Considerações previas 3 

PRIMEIRA PARTE 

A revolta do Bailando e as primeiras providencias 

Capitulo 1 29 

Capitulo II 55 

SEGUNDA FARTE 

Operações definitivas. Justiça 

Capitulo III 91 

Capitulo IV III 

Capitulo V 1 5 1 

Capitulo VI 1 95 

Capitulo VII 209 

DOCUMENTOS 

Officio de remessa d'este livro ao ministério, e propostas 

de recompensas 289 



n 



Relação dos sobas e séculos que te apreseniaram 
commando da c&himna do norte 

RelaçSo dos sobas e séculos que se apresentaram r 
coanoando militar do BailuDdo . . 

Offido de remessa do relatório do cooi mandante Ja ci 
lumoa de operações no Selles e propostas de r 



Relação dos sobas, sobeus e séculos avassallados na 
campanha do Selles 

Telegrammas de louvor 

Proposta relativa ao augmento de giiarniçSo militar do 
districto de Benguella 

Conta da despezs das columnas do Libollo e do norte 
de Benguella 

Conta da despeza da columna do Selles 

Portaria o." 97 de 6 de março restabelecendo as garantias 



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A' DinUaiifA,' 



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A FINE IS INCURRED IF THIS BOOK IS 
NOT RETURNED TO THE UBRARY ON 
OR BEFORE THE LAST DATE STAMPED 
BELOW. 



BUUKD(iE-WlD 



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DEC lS--197^ 






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