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JOÃO PAULO FREIRE
(MÁRIO)
Albino
Forjaz de Sampaio
(Escorço blo-bibliográfico)
-5—^
Editores - SANTOS & VIEIRA
EMPRESA LITERÁRIA FLUMINENSE
125, Rua dos Retroseiros, 125
LISBOA
Albino FoFjaz de Sampaio
(Escorço bio-bibliográfico)
Editores — Santcs i Vieira — Lisboa
O Tip. da Imprensa Portagnesa ^
Kna Formosa, 112, Porto | ilCSIIIX
DO MESMO AUTOR
OBRAS PUBLICADAS
Recordações para a Tellúee (Eígotado) (1908)
Dor (ine mata (Esgotado) (1909)
Santa Relisiâo! (Esgotado) (1911)
Ditosa Pátria: (Esgotado) (1917)
CamiUo C&stello Branco (A Campanha da Lapide) . . . (1917)
Entre Gigantes'. (\fi edição) (Esgotado) (1917)
Terra Luza (Camillo em Vandoma) (1917)
Camillo Castello Branco e as Quadrilhas Nacionaes . . (1917)
Entre Gigantes ; (2.» edição) (\ni\
Affonso de Domellas ('"*)
Camillo Castello Branco e Silra Pinto (1918)
Impressões da Guerra (1919)
NO PRELO
Em serriço da Cruz Vermelha
O fim do Mundo no Anuo 2000
EM PUBLICAÇÃO
(No Boletim da Sociedade Portugueia da Crni Vermelha)
Tma Tlagem á America do Sul (Três republicas de relance)
Editores — Santos é Vieira
EMPRESA LITERÁRIA FLUMINENSE
125 — Bn» doe Retroseiro« — 125
USBOA
Por contrato com o autor, a propriedade
literária absoluta desta obra pertence exdn-
sivamente aos editores Santos & Vieira.
Decorum idest, quod qua-
qtia persona dignum est, et
cuilibet rei consentuneum.
Cícero.
\
EXPLICAÇÃO
Esta tremenda crise de papel que o conflito eu-
ropeu desencadeou em todo o mundo, ligada a uma
desmedida desvergonha em avolumar lucros fabu-
losos pela certa e sem trabalhos — não digo quem
— colocou a indústria editorai num pé atraz, à ma-
neira do Senhor dos Passos, perante os fazedores de
livros, a tal ponto que, só navegam neste mar pro-
celoso de escolhos e recifes, os meninos bonitos das
várias coteries nacionais, os endinheirados ou ainda
um ou outro felizardo que chorou venturas e delí-
cias no ventre auspicioso de sua ilustre madre.
Nanja os que, desprotegidos ou orgulhosos vi-
vem fora dos cenáculos e não estão sob o olhar
protector dos deuses da empenhoca. Para esses a
crise aumenta, avoluma-se, montanha de desculpas
a desabar ironias na sua inflexibilidade dorsal.
Este ligeiro escorço de bio-bibliografia nunca se
escreveu para sair isoladamente. Fazia parte, com
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
outros, do segundo volume dos Homens do meu
tejnpo, cujo primeiro volume, já lavadinho e pronto,
espera o fato domingueiro de uma editoração para
assistir aos lausperennes das vitrines.
Exigências, dificuldades, desculpas, levaram-me
a esperar melhor monção e favónios ventos, me-
tendo o volume no recanto pacato de uma gaveta.
E porque este estudo sobre Forjaz de Sampaio fosse
coisa de pouca monta em gastos de papel, um edi-
tor benévolo e amigo pegou-lhe e eu não deixei o
certo pelo duvidoso naquela esteira do velho afo-
rismo de que mais vale um pássaro na mão que
dois voando ...
Neste país fazer livros é ainda córnea ocupação
que não dá pataco limpo para as exigências do pe-
tróleo. Faz livros, por sport e por luxo, quem tem
dinheiro para os editar, ou quem possui situações
grimpantes para se fazer valer.
Que eu não tenho grande razão de queixa, va-
mos lá com Deus. . .
Da minha pena tenho vivido, trambulhão aqui,
ponta de faca acolá, mas todos os meus livros me
teem sido pagos em dinheiro de contado, sem cartas
de empenho, nem favores de costa acima.
E tenho encontrado editores honestos, gente
limpa, homens de palavra.
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
Só outro dia. . .
Eu conto. Foi com o primeiro volume dos Homens
do meu tempo agora na gaveta. Procurei um editor —
não cito o nome, nem a terra do cavalheiro, por
vergonha da espécie — e mostrei-lhe o original. O
homem gostou. Achou bom. Achou mesmo óptimo.
E em certa altura, julgando-me igual a muitos, sor-
rateiramente, assim como quem se baba de gozo
perante escândalo de acepipe, propôs a coisa:
— Ahl mas o seu livro, e.xcelentel Creia: você
até pede pouco pelo original. Lá por esse lado ! . . .
E fazia um gesto de nababo não dando valor às
Hbras. . .
— Há a questão do papel... Mas isso reme-
deia-se. Talvez... Compreende... Simplesmente,
você, tem que cortar uma das críticas. . . a de Fu-
lano. Bem vê, somos amigos pessoais... Muito
amigos.
— !?
— Pouca coisa, não é verdade? E depois se você
quisesse... Aí onde elogia Cicrano, com quem
tenho as relações cortadas... se você quisesse...
uma bordoadazita valente, convinha-me.
— !I1
Escuso dizer-lhes o resto. O livro foi para o
canto da gaveta, que isto de manejar uma penna é
10 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
ainda — para os que teem a espinha recta e a cons-
ciência limpa — uma bela e sagrada manifestação de
independência e de carácter 1
Meteu-me nojo, muito nojo, o Himalaia de po-
dridão que tal proposta representava. E o livro não
saiu e já agora não sairá por emquanto . . . à espera
de um editor que mo pague sem olhar aos amigos
a proteger, nem aos inimigos a anavalhar.
Irral que esta falperra das letras tem ainda em
Portugal encruzilhadas infamantes ! . . .
E publica-se assim antecipadamente este escorço
de crítica feito com aquela honestidade e aquela in-
dependência que a porca da vida, hoje mais do que
nunca, de todos nós exige.
Para quê mentir, bajular, vergar a consciência
de uma análise ou de uma idea, às conveniências
de uma amizade, ou à moeda prostituída de uma
compra, material ou moral?
Que me importa a mim o conceito alheio, se eu
peguei na pena, não para escrever ao sabor dos ou-
tros, mas para obedecer à minha inteligência e se-
guir, com rectidão e justiça, o caminho traçado pelo
meu estudo ?
A mim me basta e me consola o poder excla-
mar no fim dos meus trabalhos — é honesta a minha
obra.
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 11
Tudo O mais é manigância vil que não serve
sequer para abrir os alicerces a uma barraca de feira
onde tripudiem palhaços !
Há que fazer justiça aos outros, não pelo que
êles são, mas pelo que êles valem. Para mim, à
minha mesa de trabalho, não tenho amigos, nem
conheço inimigos, precisamente como o médico, na
mesa anatómica, ao procurar a causa da doença,
não pergunta que fato trazia a vítima.
É preciso ser recto, ser justo, e sobretudo ser
honesto.
Se me reconhecerem estas qualidades tenho o
quantum satis de justiça que ambiciono.
E agora, meus senhores, vai subir o pano . . .
i
Albino Forjaz de Sampaio
no Dicionário Bibliográfico
Eu podia, seguindo velhas
usanças de outros que para aí
se guindaram aos pináculos da
fama e das sabenças genealó-
gicas e bibliográficas, escarra-
pachar para aqui tudo o que
há sobre Albino Forjaz de
Sampaio, como sendo sciência
minha.
Podia. . . Mas era desonesto e hoje mais do
que nunca é preciso dar a todos exemplos de hones-
tidade a ver se isto muda, se voltamos á vida sa,
laboriosa e honrada, . . E assim, aqui teem os lei-
tores a transcrição do que sobre Forjaz de Sampaio
há-de dizer, quando se publicar, o i." volume reedi-
Aibino Forjaz de Sampaio
Por Prancisco ValeaçA
(OoBUamU — 1904)
14 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
tado, do Inocêncio, que Álvaro Neves está traba-
lhando. Foi Álvaro Neves quem teve a gentileza de
me fornecer a cópia que reproduzo e são de Álvaro
Neves estas notas, que hão-de pertencer a pági-
1^213 37, 38, 39/40 e 41 do Dicionário Bibliográ-
fico,
Há nelas porem lacunas que não podiam passar
em julgado, assim como também após o trabalho
bibliográfico de Álvaro Neves outros volumes de
Forjaz apareceram. Para que tudo se complete, as
lacunas desapareçam e os novos trabalhos se men-
cionem, irei anotando em diferente tipo e composi-
ção recolhida, tudo o que de novo souber e que o
Dicionário Bibliográfico do Inocêncio não irá possuir
pela pena de Álvaro Neves. Ficará assim esta obra,
tanto quanto possível, útil e completa.
E sem mais preâmbulos mãos à obra:
Albino Maria Pereira Forjaz de Sampaio, conhe-
cido no meio literário por Albino Forjaz de|Sam-
paio, filho de António Maria Pereira Forjaz — que
foi caixeiro das livrarias Orcei e Manuel de Almeida
Cabral, em Coimbra, Ferreira e Tavares Cardoso,
em Lisboa — e de D. Maria Antónia Pereira Forjaj
Nasceu em Lisboa, aos 19 de Janeiro de 1884.
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 15
Há erro no nome do pai. É Albino Maria Pe-
reira Forjaz e não António. Na certidão de baptismo
afirma-se ter o escritor nascido a i6. Foi engano de
quem participou o nascimento.
Após os primeiros estudos viveu durante anos
« laboriosa e estreitamente entre um escritório de
companhia de seguros e a colaboração nalgumas
folhas que lhe pagavam artigos pelo preço por que
às esquinas os moços de corda não querem mais
fazer recados», como em 1910 escrevia a seu res-
peito Fialho de Almeida.
Tenho sobre a banca a vastíssima bagagem lite-
rária de Forjaz de Sampaio iniciada aos 14 anos.
<Estreou-se com o artigo sobre a Typographia em
Portugal. Esse escrito é a revelação do seu enge-
nho subtil e o prenúncio duma tendência investiga-
dora. Surge o segundo trabalho e desaparece esse
desígnio, tomando o artista, por temperamento, a
fase romântica, poética, sentimental. Desse período
— de poeta — legou composições impressas, depois
inteiramente repudiadas ». Todavia, porque correm
impressas, entendi registá-las, conquanto isso muito
pesar cause ao escritor.
Forjaz de Sampaio começou a constituir biblio-
teca aí por 1909, possuindo actualmente alguns mi-
lhares de volumes. Se é apaixonado bibliófilo não é
16 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
menos apaixonado coleccionador, sendo já grande
as suas colecções de autógrafos e teatro de cordel
dos séculos XVII a princípios do XIX a qual se com-
põe de quási tresentas peças. Possue também os
clássicos em primitivas edições.
Da sua colecção de teatro de cordel apresentou
o catálogo à Academia. Compõe-se de mais de 800
peças. A Academia, achando valor ao catálogo, por
proposta do presidente Braamcamp Freire e de Hen-
rique Lopes de Mendonça deliberou imprimi-lo em
separado, tendo para isso solicitado o parecer da classe
de letras que o deu favorável. Foi relator H. Lopes
de Mendonça. Já começou a impressão.
Em 10 de Maio de 1911 foi nomeado arquivista
chefe da Biblioteca e Arquivo do Ministério do Fo-
mento.
Ern 1905, por proposta do escritor italiano co-
mendador António Padula, foi eleito sócio corres-
pondente da Societá Luigi Camoens, de Nápoles.
Em Maio de 191 7 foi eleito sócio correspondente
da Academia das Sciências de Lisboa. — E.
295) Reino Perdido. Ao Heliodoro Augusto da
Nova no dia do seu aniversário of. do a. e de Filipe
Nunes da Silva (Soneto) 28-io-çoi. Sem indicação
<le tipografia. Folha medindo 310x230.
296) Violáceas (vinheta). Lisboa, içoi. No verso
da capa : « Tiragem numerada de 5 exemplares em
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 17
papel de linho, 45 exemplares em papel coucké*.
Na primeira página começa a composição encimada
com a dedicatória aos seus íntimos Heliodoro Au-
gusto da Nova e Francisco Ferreira Alves Teixeira,
continuando na página 3, sendo a segunda página
em branco. E um < excerto da Via-D olorosa, em
preparação > naquela data, mas nunca publicada.
Imprensa de Libanio da Silva. Lisboa.
As Viohktas são anteriores ao Reyno Veràido.
Nem estes nem A% moiras passaram de um número
restrito de amigos.
297) O So/ do Jordão. Lisboa, 1Ç02. Livraria
Central de Gomes de Carvalho, 24-6 pág. Este livro
provocou as invectivas da crítica. Teve uma tiragem
de dois exemplares em papel Whatman. O folheto
fecha com o soneto Ao cair da folha que interna-
cionalizou o autor.
298) As moiras. Ao Henrique Marques Júnior.
Poesia escripta expressamente para ser recitada no
dia 6 de Julho de IÇ02, 21.' anniversario de Henri-
que Marques Júnior, e baptisado de sua querida
irmã. Folha de 4 pág.
A tiragem limitada foi, creio, de 15 exemplares
e não entrou no mercado.
299) Versos do Reyno. Lisboa. Tip. da Empresa
tOtJkl DE SAJirAIO 2
18 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
da Historia de Portugal, içoj. 64 pág. com o re-
trato do autor, por A. V. Migueis.
300) Ao cair da folha. Soneto. Tradticções : fran-
cesa de Henri Faure; allemãs de Louise Ey e do
Dr. Wilhelm Stork; ingleza de Edgar Prestage; ita-
liana do Dr. Bobbio Porzia; hespanholas de D. Cár-
men de Burgos y Segui e D. Manuel Lorenzo D'Ayot;
sueca do Dr. Gõran Bjõrkman. Lisboa. Viuva Tava-
res Cardoso, iço^. — 16 pág. dedicadas «á Ex.™*
Sr.* D. Olga Moraes Sarmento da Silveira, home-
nagem de admiração pela sua individualidade artis-
tica>. Começa pelo soneto em português. No fim
do folheto : « Acabou de se imprimir este volume
aos trinta de Agosto de mil novecentos e quatro na
Typographia Oriental em Lisboa >.
3c i) Palavras Cynicas. (Em curandel: «Todo
o homem tem em si a sua tragedia. .. devo mos-
trar com sinceridade a minha tragedia. — Sien-
kiewikz»). Lisboa. Livraria editora Viuva Tavares
Cardoso. igo§. Lisboa. Tip. de Francisco Luís Gon-
çalves. 136 pág. divididas em oito cartas ou capítu-
los. Foi este livro, escrito no género schopenhau-
reano, que tornou conhecidíssimo o autor, e mereceu
larga crítica.
Cândido de Figueiredo, escreveu a propósito, no
Diário de Noticias de 20 de Maio de 1905: <Um
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO IQ
livro pessimista e blasfemo, primeiro livro, em prosa,
de um moço laborioso, inteligente e audaz. . . >
302) Nos annos de uma Rosa. 2j-io-go6. Pla-
quete anónima inserindo três quadras e tendo no
fim : Tip. Paulo Guedes âf Saraiva. Lisboa. Edição
particular de 40 exemplares numerados.
303) Chronicas immoraes. (Em curandel : « O
que melhor se ria será o último a rir-se. — F.
Nietzsche»). Lisboa. Livraria clássica editora de A.
M. Teixeira éf C^, igo8 — 288 pág. Dedicatória :
ao Dr. Brito Camacho. Este volume é constituído
por artigos publicados anteriormente em A Lucta
e na Revista Litteraria Scientijica e Artística de
*. O Século >. Eis o sumário: Crónicas imorais —
Juízo do ano — Artistas — Jettatore — Os mineiros —
Um sábio português — Emigrantes — Gabriel d'An-
nunzio — Um poema — Oriente — As flores — Quanto
custa uma mulher? — O Teatro Nacional — D. João
da Câmara — Arte de Reinar — Religiões — Gomes
Liai — Naufrágios — Goron — Mercedes Blasco — A
deliciosa mentira — Estátuas e comendas — A tris-
teza profissional — A morte — Poetas — O Tempo —
A decadência do jornalismo em França — O Carna-
val— Academias — O passado — O calor — Os basti-
dores do génio: Zola, Wagner, Gorki — A tortura
do estilo, Eça de Queiroz.
20 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
Este livro foi motivo de vários enfados para o
autor por ter aparecido anotado sobre a mesa onde
trabalhava, e junto da qual se suicidou o conhecido
boémio Dr. Alberto Costa (Pad-Zé).
Há 2.' edição de Santos & Vieira. Lisboa, 191 5
(2.», 3.° e 4.» milhar) 287-1 pág. 3.' edição de 19 18
(5.°, 6.° e '].° milhar) 273-1 pág. Tem um «Prefácio
da 3.* edição».
304) Lisboa trágica. (Aspectos da cidade), [em
curandel: Esta imensa cidade de quatrocentos mil
habitantes e seis milhões de egoísmos ... — Fialho
d' Almeida] com um retrato do autor por António
Carneiro. Lisboa. Santos âr Vieira, editores. Em-
presa Litteraria Fluminense.
É constituída pelos capítulos seguintes :
Dedicatória (A Fialho de Almeida) — Symphonia
de abertura. A Cidade — Lisboa trágica — Do anoite-
cer á madrugada — A Vida — Da Loucura á Enxovia
— Conto do Natal — Uma noite de rusga — Vidas som-
brias. I: Os Vagabundos — Vidas sombrias. II: Abys-
sus abyssum invocat — Gente de Fogo — A Expiação —
Comedia burgueza. Sonata de Inverno — Noite de em- 1
barque — Historia de um polichinello — Prazeres que ■
matam — «As sombras da casaria...» — Os pobres
— Depois da morte - O ventre da cidade — Vidas
sombrias. III: Elegia de uma flor fanada — Noite
morta— Vidas sombrias. IV : No Hospital. — Amanhã.
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 21
305) Como se implantou a Republica em Portu-
gal (Notas dum revolucionário). Lisboa. Editores,
Santos <5r Vieira. Empresa Litterária Fluminense,
igio. — 1 90 pág.
E muito interessante como repositório de do-
cumentação histórica. Insere as proclamações da
Junta Revolucionária e os primeiros editais do Go-
verno Provisório.
306) Como se implantou a Repuilica em Portu-
gal. 2.* edição no mesmo ano e igual à anterior.
A 1.' edição saiu anónima e a 2.* que é muito
aumentada saiu cora o pseudónimo de Freitas Sa-
raiva. A bandeira da capa da primeira é a bandeira
da revoluçno, encarnada e verde, a da 2.', a bandeira
da República, verde e encarnada, particularidade que
talvez nem todos tenham noudo.
307) Palavras Cynicas. 2.' edição. Lisboa, içii.
Editores, Santos 6^ Vieira. 144 pág. Tem um < Pre-
facio da 2.* edição >.
308) Prosa vil. (Em curandel : « Cousas do
mundo, umas que vão, outras que vem, outras que
atravessam e todas passam. — P. António Vieira)».
Editores, Santos <5^ Vieira. Empreza Litterária Flu-
minense. Lisboa. 228 pág. Dedicatória: < Ao Dr.
Cassiano Neves ». Eis o sumário :
22 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
< Quando o fado é rigoroso ... — O fado — Fra-
gmento duma carta — Loucos — Políticos — A Dança
— João Rosa — Chapéus e animatógrafos — Viagens
— A questão ortográfica — Oscar Wilde — Teatro da
Natureza — A gastronomia, sciência da vida — Scena
primitiva — O Senhor Richepin — Na Boa Hora —
Jornais e jornaUstas — A Religião do Riso — A Paz
— CatuUe Mendes — A conquista do céu — Os San-
tos populares — Revistas do Ano — Ferrer — Camilo
— Deuses — O museu instrumental — O Chantecler
— Motins, Bernardas e Revoluções — O ódio — Os
desherdados — A alma das cousas — O Público —
Gente moça — índice (pág. 221-222). — índice de au-
tores citados (pág. 223-226) e crítica a Lisboa Trá-
gica por Manuel Penteado, do Jornal do Coviércio >.
Há 2. a edição 1917 (3.° e 4.0 milhares) 218-6
j. No prelo 33.* edição (5.° e 6.° milhares).
309) Os Palhaços, acomodado à scena portu-
guesa e representado no Jardim da Estrela em 10
de Agosto de 191 1. O crítico teatral do Diário de
Notícias escrevia a propósito desta peça:
« Como trabalho literário, afigurou-se-nos ser
muito apreciável, dispondo bem logo de entrada o
espectador o prólogo, em verso de boa cadência. . . >
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 23
Foram traduzidos e escritos com um, hoje, dis-
tinto médico. Foram representados e publicados anó-
nimos.
Traduziu também A casa feli-{, de Benavente.
310) Palavras cínicas, j." edição. Mesmo editor
da 2.* edição. igi2.
311) República Portuguesa. Ministério do Fo-
mento. Relatório sobre a Biblioteca e Arquivo Geral.
Junho de içii a Janeiro de içi2 por Albino Maria
Pereira For jaz de Sampaio . . . Lisboa. Imprensa
Nacional igiz. 87 pág.
3 1 2) Palavras cínicas. Do mesmo editor e igual
à 2.* edição, se fez ainda no ano de 191 2 o 4.**,
5.", 6.'' e 7.'» milhar deste livro.
(4.0 a 7.0 milhares). É de 191 5, 145-1 pág.
Saíram mais as seguintes edições : 4.* (8.° a 1 1.» mi-
lhares). Lisboa, 1916, 143-1 pág ; 5,* (12.° a 14. "*
milhares). Lisboa, 1917, M0-4 pág.; 6.* (15.** e
16. ° milhares). Lisboa, 1918, 140-4 pág.
Tudo isto se refere ao n.** 310 que assim se du-
plicou.
313) ^J- Biblioteca de s ciências contemporâneas.
Artur SchopenJiauer. Dores do mundo. A metafísica
do amor. A morte. A Arte. A moral. O Homem e a
Sociedade. Tradução prefaciada por. . . Editores,
24 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
Santos âr Vieira. Empresa Litterária Fluminense.
Lisboa. 191 3.
314) Idem. Com o mesmo frontispício se fez
uma separata das 24 pág. do prefácio.
Foi de 100 exemplares a tiragem. Tem 2.* edi-
ção esta tradução de Schopenhauer, mesmo editor»
1918 — 214-2 pág. Do prefácio desta edição fêz-se
uma separata de 32 exemplares com frontispício e
capa própria intitulado Schopenhauer.
315) Lisboa trágica. 2.* edição, igual à pri-
meira 191 3.
A I.* edição é de 1910 e tem 271-1 pág.
A 2.^ é de 1914 e tem 221-3 P^g- -^ ?•* ^^ '9^7
(5.° e 6.° milhares) e tem 231-1 pág. A 4.* de 1919
(7.0 e 8.° milhares) e tem 231-1 pág.
316) Gente da Rua (novela). (Em curandel:
<Não se corta ao destino a garra adunca. Uns
teem na fronte o selo da desdita. Outros ... os
outros, não nasceram nunca — N. de Lacerda»).
Editores, Santos âr Vieira. Empresa Literária Flu-
minense. Lisboa. 1914. — 156 pág,, 3 de apreciações
a várias obras do autor. É dedicada «a Bento Mân-
tua, à sua obra, à sua amizade > . Impresso na Tip.
da Imp. Literária e Tipográfica. Porto.
ALBtNO FORJAZ DE SAMPAIO 25
(i.°, 2,' e 3.° milhares). Saiu 2.* edição (4.0 e
5.0 milhares), mesmo editor 191 7 — 158-2 pág.
317) República Portuguesa, Ministério do Fo-
mento. Relatório sobre a Biblioteca e Arquivo Geral.
Janeiro de içi2 a Dezembro de içij, por Albino
Maria Pereira Forjaz de Sampaio. Lisboa. Imprensa
Nacional, içi^. — 20 pág.
Forjaz de Sampaio tem publicado mais os se-
guintes livros :
a) Grilhetas. Em curandel : < . , . fechei a porta
do mundo por detrás de mim e lancei a chave pela
janela... Nada mais, nada mais no meu antro, do
que o trabalho e eu ; éle devorar-me há e depois
nada mais haverá, nada mais ! > Emile Zola. Lisboa,
editores. Santos & Vieira, 1916 — (i.", 2,0 e 3.0 mi-
lhares) 252-4 pág.
Compõe-se : da dedicatória Ao Dr. António Au-
rélio da Costa Ferreira e Este livro... — Resposta a
um inquérito — Máscaras. Silva Pinto — Na hora da
morte. Silva Pinto — Bulhão Pato — Ramalho Orti-
gão — Gimillo. Camillo Castello Branco — Fialho.
Fialho d' Almeida — Fialho d' Almeida no teatro —
Eça de Queiroz. Velhos papéis. Eça de Queiroz co-
merciante. Uma carta inédita — Jules Claretie — In-
quéritos de jornal. Como trabalham os nossos escri-
tores. Fumam? cigarro, charuto ou cachimbo? —
A margem de alheios livros. «Outros tempos», de
Júlio Dantas — «Evolução do teatro», por Eduardo
Noronha — «Flores do mal > — Figuras gradas. Bento
26 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
Mântua — Eduardo Schwalbach — Annibal Fernandes
Thomaz — Latino Coelho.
íiá 2.* edição, revista e aumentada. Mesmos edi-
tores. Lisboa, 1919 (4.0, 5.0 e 6.° milhares). Tem um
«Prefácio da 2.* edição».
b) Vidas sombrias. Em curandel. «De todo o
escrito só me agrada aquilo que uma pessoa escreveu
com o seu sangue. Escreve com sangue e aprende-
rás que o sangue é espírito». F. Nietzsche. Dedica-
tória: To Miss Annie. To her proud and suffering heart.
Corapõe-se dos seguintes artigos: Intróito — Vaga-
bundos I — O filósofo — Vagabundos II — O pai —
Filhos — O sonho — O bêbedo — O cigarro — A morte
— O amor — Um conto banal — O frio — A velha
— Amor que mata — A órfã — O abismo — O álcool
— A professora — Carne de embarque — Famintos —
O enterro dos regicidas — O 14 de Maio. Na Morgue.
Lisboa, editores Santos & Vieira. 1917. (1.°, 2.®
€3.** milhares) 255-1 pág.
c) Tibério, filósofo e moralista. Em curandel.
« O que Esdras escreveu nas margens do rio dos sal-
gueiros melancólicos, junto a Babilónia, há mais de
25 séculos, ainda se conserva: «A verdade é eterna
e não perece nunca : vive e vence sempre. > Draper.
Dedicatória. A Delfim Guimarães, poeta e amigo.
Compõe-se dos seguintes artigos: Prefácio —
O optimismo do pessimismo — O elogio — Amor,
dinheiro, casamento — O elogio da cana anónima —
Agiotar — O elogio das feias — Do roubo — Donde
vem o mal — A côr das horas — A mentira — A mu-
lher do próximo — A geografia — Barbaridades — Os
Amigos — Movimento associativo — Da hipocrisia —
A mulher que passa — Todos somos filósofos — A
felicidade — A loucura — A paciência.
Lisboa, 1918 (i .*> e 2.» milhares). Está no prelo a
2." edição.
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 27
d) /í Avalanche. (À margem da grande guerra).
Era curandel. <0 que tem a força está c por cima
das leis. . . > Aos meus olhos a minha propriedade
estende-se até onde se estende o meu braço ; eu rei-
vindicarei como meu tudo o que sou capaz de con-
quistar e não verei à minha propriedade outro domí-
nio real mais do que a minha força, única fonte do
meu direito». Max Stirner.
Compõe-se da dedicatória adiante transcrita e
dos seguintes artigos: A Avalanche — A margem da
grande guerra. A arte da guerra — A Alemanha —
Deutschland Qber alies — A idea da força — A arte
alemã — A Germânia aventureira — Cidades flutuantes
— Guerra em tempo de paz — A Bélgica — A Ingla-
terra— A invasão da Inglaterra — Jellicoe — A icono-
grafia da guerra — A arte e a guerra — A espionagem
alemã — O jornalismo e a guerra — Civilizados! —
O pan-germanismo — A indemnização ■:— Deus e o
kaiser — .Vo coração da guerra. Soldados de Portugal.
A caminho do front I a VIII — No front IX a XIV
— A «trincha ».
Lisboa, 1918. 224 pág. (i.» a 4.° milhares).
e) Os 'Bárbaros. I — António Nobre. Em curan-
del : < Olhai-me, doutores I Há doidos, há lava na
minha família. . . António Nobre— Só». Editores,
Guimarães Sc C.«. Lisboa, 19 18 — 108-4 pág. (i." e
2.» milhares). 9 ilustrações — A. Nobre em 1888,
1894, sem data, o áltimo retrato, um de R. Gameiro,
um de A. Carneiro, outro de Th. Costa, a casa de
Seixo, e a casa onde o poeta faleceu ; a fechar, um
autógrafo.
Co.m -o dramaturgo Bento Mántua escreveu :
f) O Livro das Cortesãs — Antologia de Poetas
ponugueses e brasileiros. Lisboa, 1917 — 235-5 pí^g-.
ilustrado por Alberto de Sousa, António Soares, F.
Valença, H. CoUomb, José Malhoa, Martinho da
28 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
Fonseca, Menezes Ferreira, Roque Gameiro, Saave-
dra Machado, Santos Silva (Alonso) e Stuart de Car-
valhaes.
Tem no prelo: Formosa Lusitânia.
Foi já publicada, anónima.
Prefaciou : José Duro. Fel (i8ç8). içjó. Livraria
editora Guimarães âr' C." Lisboa, prefácio que corre
de pág. 5 a 1 3 ;
Cartas de Camillo Castello Branco. Com uma
introdução e noticia bibliográfica por Albino For jaz
de Sampaio. Publicadas em fac-simile por Manuel
dos Santos. Lisboa. Livraria Manoel dos Sintos.
igiò. A introdução vai de pág. 5311;
Noutros tevipos, por António Aurélio da Costa
Ferreira.
O Fã prefaciado é 2." edição. Das Cartas de
Camilo tiraram-se apenas 40 exemplares.
Prefaciou mais : A Musa Loira. Contos imorais
de Beldemónio. 2.* edição. Lisboa, 1917. (Tirarara-se
10 exemplares em papel.de linho). — Terra alheia,
contos traduzidos por Henrique Marques Júnior. Lis-
boa. 1904; Escrínio de jóias, contos de Grimm, tra-
dução do mesmo. Lisboa, 1909; No caos da ide-a, por
Fernando Caetano Pereira. Coimbra, 1916; Heras e
Violetas, por Guilherme Braga, }.* edição. Lisboa,
1917; Ilusão Desjeita, por D. Maria 0'Neil, 2.* edi-
ção.
<!
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 29
Colaborou em: O Eco Tipográphico — A Hunui'
nidade, de Coimbra — Revista literária, scientifica e
mrtistica d' O Século — Os Serões — A Actualidade —
O Imparcial — I Ilustração Portuguesa — A Chronica,
que dirigiu — O Heraldo, que fundou e de que se
publicaram 4 números — A Folha do Sul, de Novo
Redondo — Diário da Tarde — O Xuáo — A Sátira
— Varões Assinalados — Novidades — A Lucta — A
Noticia — O Século.
Há ainda larga colaboração sua em A Humanidade,
de Coimbra e no In memoriam, de Fialho de Almeida;
e nos Almanaques: da Lucla para 1910, dos Theatros
1903, Palcos e Salas 1909, da Pararia António Maria
Pereira 1917. Colaborou também no Portugal Médico,
do Porto, de que há duas separatas : Medicina, lite-
ratura e história, 30 exemplares; e A literatura e os
Médicos, 32 exemplares.
Críticas à sua obra: Do Sr. Dr. Cândido de Fi-
gueiredo, no Diário de Noticias, de 20 de Maio de
1905, bem como dos Srs. :
Armando de Araújo, no Arco íris, de 28 de Maio
de 1905;
Abel Botellio, em O Dia, de 30 de Maio de
1905;
Marcos Martins, no Nove de Junho, de 3 de Junho
de 1905;
30 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
Alfredo Pimenta, no Arco íris, de 22 de Janeiro
de 1906;
Alberto A. Insua Escobar, no Heraldo, de De-
zembro de 1905 ;
Francisco da Silva Passos, no jornal Republica^
do Dr. Artur Leitão.
Além de muitas outras não assinadas.
No livro de Henrique Marques Júnior, intitulado
Esboços de critica^ encontra-se um capítulo a seu res-
peito, assim como no livro de Fialho de Almeida
Saibam quantos . . . e Avelino de Sousa, no livro in-
titulado O Fado e os seus censores . . . Lisboa. 191 2,
ocupa-se de Forjaz de Sampaio.
O artigo de Silva Passos foi publicado no Liberal
e não na República. Podem ver-se ainda artigos de:
Fialho d' Almeida, sobre a Lisboa trágica, do Saibam
quantos... (veja-se Palavras cínicas); Eduardo Schwal-
baçh, sobre a Gente da Rua, do Jornal de Noticias (ve-
ja-se Crónicas imorais); Abel Botelho, sobre as Pala-
vras cínicas, de O Dia (veja-se Lisboa trágica); Manuel
Penteado, sobre a Lisboa trágica,, àe O Jornal do Co-
mércio (veja-se Prosa vil); Aníbal Soares, sobre a
Lisboa trágica, do Correio da Manhã (veja-se Gente da
rua); Júlio Dantas, sobre a Gente da Rua, de O Pri-
meiro de Janeiro (veja-se Grilhetas); Augusto Gil, so-
bre os Grilhetas, de A Lucta (veja-se Vidas sombrias);
Silva Pinto, sobre Crónicas imorais, do Para o fim t
Saldos (veja-se A Avalanche); Eduardo Schwalbach,
sobre Tibério, filósofo e moralista, do Jornal de 'Noticias
(veja-se António Nobre).
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 31
Também a seu respeito escreveram Henrique de
Vasconcelos na Luta, Rocha Martins no Diário Ilus-
trado, Manuel de .Sousa Pinto na Máscara e na Atlân-
tida, Delfim Guimarães nas Noindades, Alfredo Gális
no Tempo, Júlio Camba no Heraldo de Madrid, Al-
maquio Diniz no livro Moral t Critica, Ribera i Ro-
vira no Portugal literari, Angel Guerra na Lectura e
Lourenço Gaiola no Diário de Notiãas.
E já agora para completar tanto quanto possível
estas notas íaça-se ainda mais este pequenino acres-
cento que não deixa de ser interessantíssimo :
IcoNOGR.\FiA — 'Portrait-charge de F. Valença
(Terra Alheia), caricaturas de Saavedra Machado,
Amarelhe, Collomb e Alberto de Sousa. Retratos:
lápis, de António Carneiro; óleo e carvão, de Alfredo
Migueis; pastel de Martinho da Fonseca.
A seguir ao estudo sobre António Nobre, Albino
Forjaz de Sampaio pensa escrever um largo estuda
sobre Eça de Queiroz, para o que já anda carreando
o indispensável material.
No prelo estão já os seus livros Jornal de um
rebelde. Cantáridas & Violetas, devendo seguir-se-lhe
o Cosmopólia já preparado para a impressão.
E fecham-se aqui as notas e os acrescentos.
Agora, vamos ao resto.
MONOGRAMA
Por Santos Silva (Aloiuo)
Bisantinices de um linhagista
Sobre o nome de Albino Forjaz de Sampaio
criou-se há muito uma lenda que vinha sendo co-
chichada aos ouvidos de toda a gente — e dizia que
o Albino era Albino mas não de Forjaz nem de
Sampaio. Que era Albino Cunca,
O talento crítico em Portugal por via de regra
dá nisto, neste cuscuvilhar pelintra em volta de uma
assinatura, como se fosse a assinatura que fizesse o
homem e não o homem que fizesse e engrandecesse
ou deprimisse a assinatura conforme a sua inteligên-
cia e o seu porte. Ultimamente as duas facções polí-
ticas, monárquicos a um lado e republicanos a outro,
arranjaram para gáudio seu fe dos coevos derranca-
dos que os apoiam, dois cabreons — para os primei-
ros Albino Forjaz de Sampaio; para os segundos
António de Monforte, pseudónimo de António Sar-
dinha.
rotJAz DC sjuiPAio 3
34 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
Tratemos do primeiro e ouçamos isto que vale a
pena :
« O autor das Palavras Cínicas e quejandas mons-
truosidades literárias usa indevidamente os apelidos
meus e de minha família. Não pode mesmo figurar
neste Livro de Linhagens como uma vergôntea dessa
linha mais que duvidosa. Desde porém que se serve
abusivamente deles, é bom que aqui fique exarado
que nada, absolutamente nada, tem com os diversos
ramos de Pereiras que usaram ou usam os apelidos
Forja\ e de Sampaio.
«É Albino Cunca e nada mais. Tenho disso co-
migo as provas documentais. Seu pai era natural de
Tentúgal e filho de pai incógnito. Sua avó uma
Cunca de pé descalço, dos Cuncas dessa vila, alguns
dos quais conheci e um ainda conheço, pobre diabo,
que foi arrendatário de umas geiras de terra da casa
de meu pai. Provindo do povo, seria por certo mais
honroso, decoroso mesmo, para o democrata Albino
Cunca usar este apelido de que adomar-se com penai
alheias que tanto cheiram a talassismo.
« Que a uma preta do Congo, seu pai, o fami-
gerado Cabinda José Macoco que foi meu cosinheiro,
pusesse o nome de Ana Forjaz Macoco, querendo
assim, na sua boçal estupidez, honrar a madrinha de
batismo, minha irmà, vá lá. Que um outro preto
também do Enclave de Cabinda envaidecido por eu
o nomear regedor do Povo Grande, passasse a usar
apelidos meus, não admira. É isto vulgar na preta-
Ihada ao sentir-se ufana de honras. E vulgar já foi
até no Ultramar muitos governadores serem os pró-
prios a mascará-la com pomposos nomes. E se bem
me recordo, há em Africa um Mariano Grilo de Car-
valho, um Fontes Pereira de Melo, um Andrade
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 35
Corvo, um Guilherme de Brito Gipelo, e muitos
outros, todos de côr preta. Mas fazê-lo a si próprio
um branco, e um branco que tem inteligência e
ilustração!!! Só um Cunca, ou um Ligório. >
(Livro de Linhagem — Tomo I, páginas iii,
ao fundo, em nota composta em corpo 8).
Para que conste, acentuadamente afirmo que é
cópia textual na qual respeitei além da gramática a
esplêndida virgulação do II. ""^ e Ex."" Sr. Jaime Pe-
reira de Sampaio Forjaz de Serpa Pimentel.
E agora já que transcrevi a acusação do sr. de
Pimentel, é lógico e é justo que transcreva igual-
mente a resposta do sr. Albino Forjaz de Sampaio,
que veio inserta na Luta, Ano ii — N.° 3:834, de
quinta-feira, 31 de Agosto de 191 6, com o sub-
-título — Um Conselheiro e que para aqui também
se transcreve na íntegra.
Ei-la :
«Não conhecem? Pois chama-se Jaime Pereira
de Sampaio Forjaz de Serpa Pimentel. Tem muitos
trabalhos que nunca ninguém leu e Deus permita não
seja obrigado a ler. Tem além disso dezasseis meda-
lhas, incluindo alguns maus hábitos, a comenda de
S. Gregório Magno, e muita prosápia. Esta é que o
faz dar ao gozo das gentes porque o nosso conse-
lheiro tem a mania da parentela nobre e a mania de
escrever. A primeira leva-o a supor-se descendente
de não sei quem que veio de algures, a segunda, a
peor, incontestavelmente, levou-o a escrever um li-
36 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
vro que intitulou Livro de linhagens. Traços hislórico-
-genealógicos da minha família, suas ascendências e alian-
ças e subsídios para a história genealógica de algumas
famílias portuguesas. Tirou apenas 200 exemplares da
obra genial e está publicado o i.° volume. E nêle
que a pág. 141, o conselheiro, em nove páginas e
meia desvanecidamente fala de si. Diz como em me-
nino e moço êle já era o agradável Lulu que ainda
hoje é. Mas contado não tem graça. Ouçamo-lo.
« Atraia-me o mar. Fascinava-me. E de compleição
débil, pareceu-me que o ar do mar, respirado a lar-
gos pulmões, me retemperaria como de facto retem-
perou o corpo. Teria vocaçào para a vida marítima,
eu tão amimado pelas tenras carícias dos meus bons
pais?... Teria a paixão do mar, e de tudo quanto
é ou dele vem ? » Sabem se o conselheiro já era
criança gostava de marujos ? Pois gostava, o facto
é que escorregando, escorregando, chegou a capitão
de mar e guerra.
Dedica o seu livro de linh.igem ao sr. D. Ma-
nuel e escreveu, como bom talassa que é, vários ar-
tigos que intitulou Monarquia sim; República não.
Pela pátria, pelo Rei, etc. Um belo dia reforma-
ram-no, dando-o, é claro, como incapaz de todo o
serviço. Pois vai daí o conselheiro escreve :
«Incapaz de todo o serviço, sim; mas... capaz
de todo o serviço me julgarei ainda, se Deus me
der vida e saúde, se para o triunfo de uma causa
justa a que felizmente ainda aspiram todos os por-
tugueses sinceros, bons, respeitadores e admiradores
desse passado, monárquicos ou republicanos que se-
jam, se necessitasse do meu já enfraquecido braço,
da minha sempre pouco esclarecida inteligência ; por-
que se é honra e dever de todos esses portugueses
contrapor os seus esforços à obra negativa do re-
gímen implantado em 1910 e à quási total anarquia
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 37
em que a nossa querida pátria se esfacela, essa honra
e dever quero-os também para mim. Corre-me ainda
nas veias esse sangue de antepassados meus que sou-
beram bem viver e morrer, e esse sangue dá-lo-hei,
se tanto fôr preciso, para ressurgimento, se ainda fôr
tempo, da minha pátria, porque ainda felizmente me
resta alguma esperança xx) futuro de Portugal, a des-
peito de tudo... e de todos». Há nisto tudo uma
passagem tocante : é quando êle fala na sua < sempre
pouco esclarecida inteligência >. É realmente verdade.
Nasceu tolo e débil, coitadinho. O ar do mar robus-
teceu-lhe a compleição, mas de caco ficou sempre
como nascera. Nem com o ar do mar.
Em 5 de Outubro não estava cá. Senão... senão
estava implantada a República.
Ora eu nunca tinha ouvido falar do conselheiro,
nem sabia que o conselheiro existia até um amigo
me mostrar o livro e o retrato que o acompanha.
O conselheiro usa óculos, tem uma dupla coleira
honorífica e um ar espavorido de tonto fardado que
lhe vai a matar, a êle e à prosápia. De caminho há
a pág. m do cartapácio, depois de depreciativamente
me chamar «democrata», a seguinte afirmação: «O
autor das « Palavras Cínicas » e quejandas monstruo-
sidades literárias usa indevidamente os apelidos nuus
e da minha família >. O itálico é nosso.
Ora em primeiro lugar quem deu ao conselheiro
autoridade para fazer crítica literária ?
O conselheiro que escrevia de uma sua mana
que morreu de nove anos de idade: «foi uma criança,
toda candura e bondade, desaparecida no primeiro re-
florir da vida> e de D. Carios: «deixou na terra, a
38 ALBINO FORJ>Z DE SAMPAIO
par de actos que tanto ennobreceni a sua memória e
que o tornarão heroicamente célebre quando a Histó-
ria tenha para êle louvores que ainda hoje lhe não
são conferidos, um rasto inextinguível de luz que
promana das grandes e excepcionais faculdades men-
tais e de trabalho que possuia em tão elevadíssimo
grau ! » Heroicamente célebre ! O diabo não tem
sono. Monstruosidades literárias o que eu escrevo.
Prosa genial a deste Acácio. Ó conselheiro, então,
por quem é. . .
Quanto aos apelidos, eu sou filho de Albino
Maria Pereira Forjaz e neto de Jacinto Pereira de
Forjaz Sampaio. (Livro de Bap. Pena. 1884, fl.
15. V.) Que raio de nome queria o conselheiro que
eu usasse ? Meu pai não foi conselheiro nem vis-
conde. Foi caixeiro de livraria. No Orcei e no Ma-
nuel de Almeida Cabral, em Coimbra, na Livraria
Ferreira e Tavares Cardoso, em Lisboa. Foi um
homem honrado. Eu fui aprendiz de marceneiro
como o general Carlos Ribeiro e marçano de droga-
ria como pessoa que não tem prosápia e que não
trabucando não manduca. Que tem tudo isso de
extraordinário ? Nunca me inculquei parente do con-
selheiro. Tenho livros. Não foi por me dizer parente
de Nun'Ál vares que o editor mos pagou. Tenho um
emprego público. Não foi por dizer que o conse-
lheiro era meu tio que o arranjei. Que demónio
quere, pois, este pobre homem, que abomina os de-
mocratas ?
Respondo hoje ao conselheiro porque, ao que
parece, sou já tão célebre que as gazetas se entreteem
nessas lerias a meu respeito. Há três anos, no dia
em que embarquei para o estrangeiro, essa mesma
notícia deu a volta ;is gazetas da boa causa, dizen-
do-se até numa delas que eu ia em cviajata de re-
creio por conta do Estado». Fui. Fui a França e
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 39
Inglaterra, mas o Estado não deu para isso um cei-
til (').
Uso os apelidos que meu pai me deixou. Que
me quero aparentar com o conselheiro ? Livra. Não
há decretos que obriguem a ter tolos na família. O
que está provado é que os plebeus que me forjaram
nio foram nunca nem fâmulos, aios, escudeiros,
eguariços, capelães, mordomos, pagens ou criados
em casa dos pais do conselheiro. E não foram por-
(*) Em setembro de 191 3. Forjaz de Sampaio, visitou a
França e a Inglaterra. E vai daí um jornal monárquico, saraco-
teando-se, esguichou :
vAclcranio. O Albino Cunca. A propósito da viajata de re-
creio, poT conta do Estado, do arquivista do ministério do Fo-
mento e redactor da Luta, sr. Albino, dois jornais de Lisboa.
O Unhrrsal e os RiJicvlos, acentuaram usar este afilhado do
sr. Camacho e autor das Palavras cínicas um apxílido que não
tem, em vez daquele que lhe pertence e que, sendo muito de-
mocrático, devia ser preferido.
Efeaivamente existem dois documentos elucidativos, o pri-
meiro passado numa paróquia de Lisboa e o segundo, ainda
mais curioso, na da freguesia de Tentúgal, demonstrando que o
sr. Albino Forjai de Sampaio é legal e domocráiicamente o
sr. Albino Cunca, filho da sr.' D. Maria Antónia das Neves
Oliveira e neto de D. Rosa Cunca e de Bento Cunca. »
Palavrinha! Até parece prosa do sr. de Serpa Pimentel...
Mas porque não publicará Sua Ex.' os tremebundos documentos
que possui ?
Também Os Ridículos, de 3 de setembro inserem versalhada
de um ul D'Artagttan sobre o mesmo assunto. Ex digito gigans f
A prosa corre parelhas com os versos. A campanha deve ter
saído do mesmo altíssimo cérebro... por igual, e em jactos
cianúricos.
40 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
que então teria o conselheiro saído muito mais es-
perto.
Quanto à prosápia deixo essas lerias de parentes
toda ao conselheiro. Certamente o primeiro avô dele
foi Caim, visto Abel ter morrido sem geração. De-
pois descende de Nun'Álvares, diz. Está bem. Mas-
olhe, conselheiro, os versos de Sá 3e Miranda :
E senhor, grande trabalho
Escrever de gerações.
Nem todos são Scipiões
E podem cheirar ao alho
Ricos homens e infanções.
Quem o mandou, conselheiro, ao senhor, um
marítimo, meter-se nessas cavalarias? Ora diga- me cá:
Com a publicação do Livro de Linhagens (talvez por
cruzamentos com mercadores) a sua sombra cresceu ?
O senhor deixou de ser o asno que era dantes? O
que eu não supus é que ser mestre-sala da Liga Na-
val dava assim volta aos pergaminhos de uma pessoa.
Descanse, conselheiro. Eu não sou da sua família.
Parente do conselheiro, o conselheiro de compleição
débil a quem o mar fascinava ? Não. Fica o conse-
lheiro entendido. Agora se se torna a meter comigo
eu vou a essa trela toda de parentes e completo o
seu livro com apontamentos inéditos com que o con-
selheiro dará três pinotes. Percebeu ? Bem. Fica toda
a gente elucidada. Jaime Pereira de Sampaio Forjas
de Serpa Pirtientel. Já conhecem o conselheiro ?
Folgo.
Nietzsche dizia : « Também me agradam muito
os pobres de espírito : apressam o sono. » Mas o
conselheiro é demais com aquela mania das grande-
zas e a não falar senão dos parentes . . .
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 41
E diz dali o plebeu José Agostinho de Macedo :
<Que homem de merecimento seria reputado este
mentecapto se continuasse a emmudecer ! > . . .
Safai Que a gente vem toda em linha recta do
mestre pai Adão e as aristocracias — as melhores e
as maiores — são hoje e foram-no sempre as da
honra e do trabalho 1
Verduras da mocidade...
Como se viu já, Albino Forjaz de Sampaio co-
meçou a sua produção em 1901 com as Violáceas
e não com o Reyno perdido como atrás se transcre-
veu e rectificou, e publicou mais cmco opúsculos
até às Palavras Cínicas que foram, literariamente,
a sua marcação de lu^ar na Literatura Nacional.
Todas estas primeiras produções são em verso e
bem fez Forjaz de Sampaio em pôr de parte as
Musas que lhe eram avessas e enveredar pela prosa
onde é Mestre, como os melhores da sua geração.
Reyno Perdido, é um soneto, de sabor requinta-
damente Sòsista^ embora, ironias da pena, o seu
último livro agora publicado ' seja uma tremenda
análise de crítica à obra de António Nobre. Até a
maneira de o epigrafar o demonstra — Reyno Per-
dido— com y, coisa que Forjaz de Sampaio já hoje
1 0% Bárbaros, i.° — António Nobre. 19 19.
44 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
não escreveria por certo. Depois lá vem o verbo
botar, o verbo alembrar, e a palavra soidade a cor-
roborarem a minha afirmação.
As Violáceas, é uma poesia, de pouco valor evo-
cativo, fraca pincelagem, acção desconexa, e versos
dolorosamente feitos e havidos em parto cezariano.
Vem depois O Sol do Jordão onde os versos
peoram, quere na técnica quere na idea. Aparece
pela primeira vez na obra incipiente de Forjaz de
Sampaio, o espírito satânico a empurrá-lo para a
triste celebridade das heresias à Richepin, com ver-
sos tão desgraçados como estes :
... O choro d'uma amante, amargo como um ralo
E que hoje p'r'ahi anda esculpido por um hereje
Debruça-se a tremer, amantemente esquivo
Mais uma desgraçada p'r'ahi a desgraçar.
Isto apenas para amostra, que na essência nem
vale a pena tocar. E o lixo moral de todos os que
começam vexando Deus e cuspindo no sentimento.
Porcarias . . .
As Moiras, são uma pieguice inofensiva, destas
que todos nós fazemos e que não fazem mal nem
bem . . . antes pelo contrário.
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 45
■ E na ordem cronológica temos os Versos da
^ Reyno — 162 quadros que salvam as primeiras pro-
duções do autor porque não sendo afectados teera
grande sabor popular, sentimento, e uma certa mes-
tria já no expressar da triste filosofia dos tristes,
característico muito da eleição de todos os poetas
de Portugal desde Bernardim Ribeiro, o poeta das
Saudades, até António Nobre, o patriarca da Dor
metrificada.
Ora vejam isto e digam-me se não há aqui be-
leza de expressão e de sentimento:
Ai de mim, que vivo só,
Lindos olhos que me ledes I
Káo lii paredes mais tristes
Do que estas quatro paredes.
E mais isto:
A Mágua foi minha mãe,
Mas ter só mãe não nos basu ;
Meu pai chamou-se Desgosto
E Dor a minha madrasta.
E ainda isto:
Por muito que tu me queir;<s
Nunca o teu amor me bonda ;
Também a areia da praia
Nunca se afasta da onda.
46 * ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
Versos do Reyno mesmo brochados valem de
facto todas as suas primeiras produções, juntas e
encadernadas em percalinas ricas.
Em 1904, publica-se o soneto Ao Cahir da Fo-
lha com as respectivas traduções. Este soneto, muito
fraco nas quadras, tem a beleza suprema do último
terceto que vale bem a celebridade das traduções:
Não, mas deixa lá,
Podia a santa afligir-se ! E agora,
— Sempre são mães ! — quando te fores embora
Nunca lhe contes o que vai por cá.
Este final é de uma grande beleza de sentimento
e de uma rara felicidade métrica, o que, como já
acentuámos, não é usual encontrar-se em Forjaz de
Sampaio.
*
Uma novidade bibliográfica me forneceu ainda o
ilustre bibliógrafo sr. Henrique Marques Jiinior. E
uma folha de papel intitulada A festa (Folha Comme-
morativa). Ao centro a fotografia da artista Alice
de Carvalho, do Teatro Chalet da Feira de Belém,
e aos lados duas poesias : Saudação rubricada por
Líbano; e Conselho subscrita por Nardoma.
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO AT
Líbano é o anagrama de Albino, e este Albino
é o nosso biografado. São sete quadras apenas, já
hoje desconhecidas e esquecidas e que se reprodu-
zem para o competente estudo dos progressos do
autor :
Com treze anos somente
Saber chorando cantar,
E cantar tão tristemente
Que faz a gente chorar !
Depois, um riso nos lábios,
Um riso no coração,
Um triunfo cada noite.
Em cada acto : uma ovação !
Assim a vida te passa
Entre um pranto e uma risada,
Adorando toda a gente,
Por toda a gente adorada.
Teus lábios teem o segredo,
O segredo ou quer que é
Que embriaga as multidões
Na graça de um couplet.
Ai vida da nossa vida
Leva-se esta vida aos ais :
Fala verdade a cantiga,
Muito fumo. . . e nada mais!
Senhores, que menos vale
Uma feira que um salão ? I
Nas feiras há muita alma.
Bate muito coração.
48 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
Foi o povo que te adora
Qiae me ensinou a cantar,
Para que por mim e êle
Te viesse hoje saudar.
Tudo isto são apenas. . . verduras da moci-
dade.
Que diferença porém que vai destas verduras,
aos versos A Um Velho LivrOy já hoje também raros,
escritos em comemoração da Festa da Associação
Tipográfica Lisbonense e Artes Correlativas, em abril
de içió. São três quintilhas só e vale a pena con-
frontar :
Velho Hvro encanecido
Do tempo de Guttenberg
Papel do tempo amarelido,
Impresso em tipo sumido,
Como a minh'alma te quer !
Velho livro encanecido
Do tempo de Guttenberg
És o avôsinho esquecido
Do livro de hoje, garrido,
Que a gente de hoje prefere.
Mas se o livro moço e querido
Preteriu o ancião.
Velho livro encanecido.
Vives no olvido, perdido,
E neste meu coração !
I
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 49
Ou este soneto mais moderno ainda, mais forte,
mais lúcido, mais dentro da mestria da técnica:
ESPIRITUAL
A MISS ANA
Figura de encanto e di ternura
Hei-de beijar-te os olhos, docemente
Hei-de oscular-te a boca, insaciado ;
E, num beijo veemente e demorado,
Correr todo o teu corpo alvinitente.
Beijar-te ansioso, indómito, fremente,
Sentir pulsar-te o coração amado,
E tornar a beijar o já beijado,
Apaixonada, estremecidamente.
E se me fosse dado a punição
Escolher, em castigo da paixão
Que me desvaira e faz enlouquecer,
Com que prazer levara a vida inteira.
Novo Ahasverus, sem tédio e sem canseira
O mundo do teu corpo a percorrer !
Pub,"* na Alma Nova — 1916.
A diferença, bem visível, é considerável, mas,
apesar disso, ainda lhe prefiro a prosa.
E vamos a ver porquê. . .
tOXIkZ Oe SAMPAIO
Na prosa da vida
Palavras cínicas
Aquelas produções, analisadas no capítulo ante-
rior, denomina-as o escritor, á maneira de Vítor
Hugo : * as asneiras que eu fazia antes de nascer > .
E assim o primeiro livro de Forjaz de Sampaio
pode classificar-se as Palavras Cínicas. Foi sem
dúvida o seu primeiro livro, aquele que o atirou
para o mundo das letras e do escândalo, o que em
volta do seu nome concitou mais ódios e aplausos,
o mais discutido e o mais vendido também. Vai
hoje no i6.° milhar ç venderem-se em Portugal
e Brasil dezasseis mil exemplares de uma obra é
galgar de um salto o escalão da celebridade. Vale
este sucesso as Palavras Cínicas} Sim e não. Livro
doentio, feito para épater, como tal a sua prosa é de
mestre e o sucesso compreende-se; mas nem a
prosa das Palavras Cínicas é a prosa já feita e
segura da Avalanche, nem tem a beleza e a sinceri-
dade da Gente da Rua. Examinemo-lo.
No prefácio da 2.* edição, Albino Forjaz de
52 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
1
Sampaio, seis anos após o manuscrito, declara que
não mudou de ideas, antes pelo contrário esse pe-
ríodo de tempo só conseguiu ratificá-las. E explica:
— «eu não mudei porque a vida não mudou >. E
mais adiante, afirma: «creio que este livro, escrito
para ser meditado e seguido, será ainda acolhido J
com amor».
Ora as Palavras Cínicas nem foram escritas para
serem meditadas nem são, nem jamais o foram, aco-
lhidas com amor, O amor é um sentimento nobre
das almas sãs. As Palavras Cínicas são o condi-
mento das almas depravadas pelo vício, derrancadas
pela miséria ou espesinhadas pelo egoísmo. E estas
almas não amam, odeiam. Não sentem amor, teem
raivosos desesperos de impotência. Logo este livro
de Forjaz de Sampaio não é dos bons, dos humil-
des, das almas de sentimento. É dos maus, dos
egoístas, dos perversos — e nunca por estes podia
ser acolhido por um sentimento que as suas almas
doentias já não possuem, que os seus corações em-
pedernidos na miséria e no vício já não sentem.
Morreram para a flor da graça e do sentimento e
na estrumeira de todas as indignidades já nSo pode
florescer o amor !
Também neste prefácio Albino Forjaz de Sam-
paio nega o sentimento da gratidão na esteira de
I
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 53
Silva Pinto. Outra afirmação à sobreposse. Outra
afirmação para épater a conjugar-se com a afirmação
final do negativismo que já passou à história. Hoje
a existência de Deus, como princípio, como base,
como ponto de partida de todo o existente já não
oferece discussão, tão reflectida e unanimemente
assente por todos os espíritos cultos se encontra.
Mas é que para aquela qualidade de gente a que se
dirigem as Palavras Cínicas era necessário afirmar
aquilo, condição sine qua non o livro ficaria manco.
Eu não acredito que Albino Forjaz de Sampaio,
espírito lúcido, inteligência clara e robusta, se apre-
sente ainda com o velho balandrau do negativismo,
e muito mais do negativismo à outrance.
Este prefácio é de 191 1. Estamos em 1919,
e oito anos de ponderação e de estudo hão-de ter
forçosamente orientado o seu espírito para um
campo menos pernicioso e mais humanamente belo.
Mas continuemos a análise e vejamos a primeira
carta, que o livro de oito cartas se compõe.
«
* ia
Se tivéssemos que classificar, à distância de mui-
tos anos, o autor das Palavras Cínicas, conhecen-
54 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
do-lhe apenas este livro, Albino Forjaz de Sampaio
seria justamente alcunhado como um dos mais per-
versos monstros morais do seu tempo. Mas observan-
do-o bem, analisando-o com meticulosidade chega-se
à conclusão de que o abuso dos palavrões, nomea-
damente as palavras rascantes — pulha, canalha, pros-
tituta, etc, — empregadas em excesso, prejudicam as
muitas verdades nele expendidas, o bom senso crí-
tico muitas e muitas vezes exposto e tornam-no
inutilmente odiado e doentiamente procurado sem
outro resultado mais do que aquele que o seu autor
quis obter ao escrevê-lo — o tornar-se conhecido, fa-
lado, discutido.
E um livro onde se encontra muita verdade, mas
que os palavrões e as blasfémias inutilizam para a
crítica sã, justiceira, imparcial.
É ver a primeira carta. Dirige-a o autor a um
suposto amigo para lhe falar de quê? Da vida,
« A vida é a escola do cinismo » diz-lhe logo
Forjaz de Sampaio, de entrada. Primeira afirmação
falsa, à sobreposse, para espantar o burguês que o
ler. Porque, evidentemente, se Forjaz de Sampaio
dissesse — «a vida é para os maus uma escola de
cinismo > — estava certo. Que se os maus em con-
tacto com a maldade peoram, os bons, olhando a
vida, tornam-se melhores, ganham mais coragem no
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 55
sofrimento alheio para fortalecerem a própria resi-
gnação.
€ Sê mau, cínico, hipócrita e persistente que ven-
cerás >, escreve. Outra afirmação gratuita que uma
só verdade encerra. O pensamento era este — sê per-
sistente e vencerás. Mas isto já estava dito e redito
através os séculos e as religiões e Forjaz de Sam-
paio nada ganhava em escrevê-lo de novo. Porisso
acrescentou então os palavrões indispensáveis aos
espíritos doentes que só assim o admiravam num
ambiente de ódios e de imprecações.
E linhas mais abaixo vêem estes dois períodos
que a pena de Forjaz de Sampaio já hoje não es-
creveria :
« Não ames nem creias. Todo o homem que ama
é homem perdido, e todo aquele que crê nunca será
ninguém. >
Ora isto só se pode escreve/ por troça, por cha-
laça ou por maldade, A vida inteira da Humanidade
o desmente, e só o desejo de se tornar notado, de
fazer barulho podia produzir tal aleijão filosófico,
que é desmentido pela própria vida social do autor
das Palavras Cínicas.
«Tudo é egoísmo!», exclama a páginas 13 e a
páginas 16 fala na morte de um justo. Se tudo é
egoísmo como se compreende que hajay«j/í?j?
56 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
«Depois da morte há o nada>. Quem lho afir-
mou ?
A páginas 1.^ há esta inconcebível blasfémia que
eu não escrevo sem repugnância : — t Da mulher
honesta à prostituta não há diferença, a distância
de uma à outra é nula».
E a páginas i6 há catorze linhas contra Deus
que eu não transcrevo, tão disparatadas elas se me
afiguram, tão más, tão repugnantes, tão fora de toda
a análise crítica elas são. E seguem-se-lhe as falsíssi-
mas noções sobre a vida dos pobres e dos miserá-
veis, cuja religião do ódio só existe, felizmente!, no
livro de Forjaz de Sampaio — para fechar a primeira
carta com este pensamento : « A vida é uma cana-
lhice, uma farçada, zifna luta brtital, como diz ali o
TourgueneíT».
Ora Tourgueneff chamando-lhe uma luta brutal
estava bem e tinha j-azão. Forjaz de Sampaio cha-
mando-lhe uma canalhice é falso, exagerado e não
consegue exprimir um sentimento de justiça, nem
tem uma sequer tolerável expressão de verdade. A
vida pode ser, num oic noutro caso, t uma cana-
lhice», mas não o € na generalidade, nem o foi
jamais.
Antes pelo contrário a vida é uma grande coisa,
uma coisa bela quando a olhamos pelo lado do sen-
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 57
timento, da gratidão e da honra, palavras que Forjar
de Sampaio fingiu não conhecer ao escrever as suas
Palavras Cínicas. Quantos exemplos de sentimento-
não tem dado o coração humano, quantos motivos
de gratidão não existem comprovadamente efectua-
dos, quantos exemplos da mais inconcussa probidade
nos não legaram nossos pais e não conhecemos nós
ainda hoje?!
Na segunda carta há o mesmo diapasão, a mesma
tecla matraqueada cada vez com mais fúria e sempre
com a mesmíssima falta de sinceridade e de verdade.
« Quantas vezes perguntaste onde estavam a Bon-
dade humana, a Justiça humana? Quem te respon-
deu? Inútil pergunta».
A afirmação é que é inútil. Ai de nós todos se a
Bondade humana fosse um mito, se a Justiça humana
não existisse. Não é preciso ir buscar exemplos ao
alfobre abençoado de todas as religiões e principal-
mente ao catolicismo. Na vida prática mesmo nós
temos todos os dias centenas de exemplos, milhares
de exemplos a contradizerem as palavras de Forjar
de Sampaio.
Também pela sua desbragada monstruosidade
não transcrevo nem comento as páginas 24 até
páginas 29 ; elas desonrariam a pena de um es-
critor se não' fossem a rapaziada atrevida e incons-
■58 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
ciente de um talento desorientado que se quis impor
a uma sociedade de frívolos berrando e batendo as
palmas.
Mas já a páginas 29 vem esta afirmação ajuizada
e sã : — «O crime é um negócio, a vida uma escra-
vatura. A alma é escrava do crime, a carne é escrava
do gozo».
Está certo. Quebram-se as grilhetas dessa escra-
vatura tornando a carne liberta do gozo; a alma
purifica-se na meditação das coisas belas e no horror
ao crime ganho na perfeição das consciências.
Mas a alma é aquele espírito imaterial e eterno,
que nunca pode ser lama (páginas 30) porque jamais
se corporiza. E por isso as referências à alma, às
estrelas e à hóstia, são blasfémias, heresias, tolices
que um espírito bem formado não escreve e que
Albino Forjaz de Sampaio não voltará a escrever a
menos que não tenha enlouquecido.
Mas vejam que belo período este ainda nessa
mesma página: « — Há a lama vestida de pérolas e
a vestida de escrófulas, a lama toucada de sedas e
de setins e a vestida de crostas e farrapos. »
Eis um pensamento que pode figurar em todos
os livros e em todas as épocas e que podia ter
saído da pena sublime dos maiores escritores de to-
dos os tempos.
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 59
Para que misturar de seguida o nome de mulhe-
res profanas com o nome da Imaculada ? Para quê e
porquê? Para irritar os crentes? Fraco gosto. Por
inspiração e por talento? Como pode haver talento
numa irritante blasfémia de taberna?
Não. Forjaz de Sampaio apenas ganhou escre-
vendo assim uma triste celebridade que só os vo-
lumes seguintes vão apagando, mercê do incontes-
tável valor de Sampaio maculado pelas heresias,
protérvias e blasfémias das Palavras Cínicas. Não
vale a pena i-las analisando uma a uma, nem eu
nem os meus leitores ganhavam coisa de geito no
exumar destas misérias. O que eu faço, o que eu
vou fazer é arquivar aqui os pensamentos aprovei-
táveis e sãos que existam, como flores raras flores-
cendo na podridão de um cemitério, nas páginas
:iinda não analisadas das Palavras Cínicas e que se
encontrem, de páginas 31 em diante, neste exem-
plar do 15." milhar que tenho presente.
Vejamos:
» Recordas-te da pieuvre ? A dor é a pieuvre. En-
laça os corpos, as almas, suga-as, bcbe-as em vida.
A alguns deixa somente o esqueleto. »
(Pág. 32)
Há aqui uma contradição com um outro pensa-
mento de páginas 3 1 : « Tudo é dor. A dor é igual.
60 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
Senti-la maior ou menor é diferença dos nervos que
a sentem, como a grandeza dos que a vêem. » Se a
dor é igual, a comparação falha com a pieuvre —
que a alguns deixa somente o esqueleto. . .
«Quem distinguirá lá em baixo no ventre da
terra a carne de Impéria da carne de Chénier, a ossada
de Gilbert da ossada de Ravachol?»
Certo. Simplesmente as almas que animaram
esses corpos putrefactos tomaram diferente rumo.
Já o dizia Junqueiro: num cárcere fechado a alma
de Locusta — num relicário de oiro a alma de Pla-
tão. . . o que está em contradição com o pensa-
mento anterior ao que acima deixámos e em que
Forjaz de Sampaio afirma: — cAbre um crânio e
vê se distingues a alma de Dante da alma de Caim,
a de Inocêncio III da do galego ali da esquina. » Este
pensamento não só é inferior como prosa, mas de-
monstra o mais absoluto desconhecimento de Albino
Forjaz em assuntos de teologia até mesmo daquela
teologia que toda a gente medianamente conhece-
dora das religiões percebe e compreende. Aliás sa-
beria que a alma de Inocêncio lll poderia ser igual
à do galego, que as almas se não avaliam pelos do-
tes de inteligência que demonstraram mas pelas vir-
tudes que possuíram.
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 61
<Há alraas cuja treva é maior que a noite, cons-
ciências cuja lama é maior que a de todos os pân-
tanos da terra. >
(Pág. 33)
Há. São as almas vilíssimas dos maus, e seria a
alma do próprio autor deste livro, se éle sentisse
este aleijão moral, esta enormidade perversa que
vem a pág. 34 e que começa : Filhos fecundados em
plena bebedeira, etc. Mas não o sente. Mas nunca
mesmo o sentiu 1 E eu que detesto a censura, que
não posso tolerar a coacção às manifestações do
pensamento, compreendia-a para um caso destes,
porque essas dezasseis linhas de prosa doentia, es-
critas só para maguar e irritar, são daquelas que a
desinfecção moral não pode tolerar, não devia mesmo
consentir.
cO amor é dos romances. >
(Pig- 45)
Seis anos depois, no prefacio da segunda edição,
o autor concede-o, pelo menos, àquele estudante
que se mata porque a sua costureira lhe não quere o
amor . . . e já mesmo no livro àquela outra que des-
pedaçou do quarto andar o corpo na calçada, etc. —
pág. 53 e 54-
62 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
« Não há crime nenhum que não tenha saído de
um ventre de mulher, nem que uma cova não con-
tenha. »
(Pág. 51)
Não é um grande pensamento, mas é um pensa-
mento verdadeiro. Forjaz de Sampaio entra depois
no aviltamento dos máximos insultos a todas as
mulheres, para só haver uma clareira de tréguas na ,
descrição da tela de Rochegrosse, pág. 59, 60 e 61 f
até às duas primeiras linhas de pág. 62 em que a
prosa máscuJa de Forjaz de Sampaio sem a preo-
cupação do insulto nos dá, em violentas pinceladas
de artista, a grande tela da Angoise humaine. Depois
relembra-se do fim propositado do seu livro e des-
camba novamente nos forçados e repelentes para-
doxos de toda a obra.
A quinta carta não tem perdão, não tem des- \
culpa, não se tolera. A avalanche dos despautérios é »
extraordinariamente confrangedora. Não se pode des- \
cer mais, não se consegue ser mais estapafúrdio em i
afirmações horripilantes de doido. É uma vesânia pe- |
rigosa e criminosa, fruto, ou de uma doentia predis- (
posição para o crime ou de uma criminosa brincadeira ;
de mau gosto. Há ali pensamentos que confrangem, i
outros que chocam e ainda outros que fazem vibrar j
todas as cordas da niaior repulsa por mais insensível 1
que se queira ser!
1
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 63
Na sexta carta em que diminui o vocabulário
grosseiro há um acréscimo grande de negativismo e
sendo a menos irritante é por certo a mais perigosa.
E, para não desmerecer em tudo das irmãs, vêem as
páginas finais io6 e 107, todas uma blasfémia pe-
gada, repetição das muitas que este infelicíssimo
volume contêm. O pessimismo mantêm-se nas car-
tas restantes e vai até à última palavra do livro que
mais valera nunca tivesse sido escrito. Até meio,
além das muitas repetições das palavras bandalho,
malandro, patife, pandilha e outras, contêm quinze
vezes a palavra canalha e seis a palavra prostituta^
Como vêem o livro foi feito para alarmar, espantar
o burguês que se vai indignando e o vai comprando,
lendo com entusiasmo artigos e livros contra êle
onde há os mesmos excessos de linguagem e os
mesmos palavrões. Não vale a pena. Se me per-
guntam:— Deve ler-se o livro Palavras Cínicas?
Respondo terminantemente : não. E um desperdício
de tempo, quando não é um prejuízo moral. E esta
a minha impressão sobre o primeiro livro de prosa
de Albino Forjaz de Sampaio.
^4 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
Crónicas imorais
Crónicas imorais é o segundo livro de prosa do
autor das Palavras Cínicas. São crónicas que todos
nós já lemos na Luta quando ali foram publicadas i
e, valha a verdade, são doutro estofo. Há nelas
observação, disciplina de nervos, ironia cáustica, por
vezes afirmações ainda negativistas, blasfémias para
entreter o espirito avançado dos leitores, mas desa-
pareceu já o palavrão, a indecência, a pornografia
do livro anterior, A prosa é mais sadia, as ideas i
mais bem lançadas, e o que ressalta é um azedo i
conhecimento dos homens maus e das coisas más,
apontados sob um critério schopenhaeuresco e uma
ironia meio camiliana,, meio Silva Pinto, mas mais
deste panfletário do que de Camilo, que a prosa
azeda de Forjaz tendo muito de Silva Pinto, pouco
se aproxima da prosa mordente do Solitário de
Seide.
Forjaz de Sampaio não sabe rir — sabe escachar
de alto a baixo as ideas e os adversários. Não há
na sua prosa uma clareira de graça — há catapultas
de finas observações ou montanhas cerradas de exa-
geros.
Não é um emotivo — é um panfletário. Não esti-
i
Aspectos do gabinete de trabalho do e-cntor
iClichéx de Furtado S- lltia
'
Albino Forjaz de Sampaio na sua fase poética
rCarlratnra de F. Vulençaf
1902
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 65
mula — arranha. Não esmaga — fere, deixando as
pústulas ao ar, ou rasgando novas feridas.
A sua crítica lembra um exército atravessando
um campo semeado — vence o inimigo, desbarata-o,
criva-o de setas, mas estraga a fecundação da se-
mente que já não poderá dar o trigo loiro da graça
e da fartura.
Ou semelha-se ainda àqueles sangradores de al-
deia que curam os doentes — matando-os.
No entanto estas Crónicas imorais são já a
amostra segura de um escritor. A prosa é cheia e
bem proporcionada, e os tipos focados dançam ma-
cabramente a movimentada dança de S. Vito, e
expõem à plena luz da crítica os seus defeitos, alar-
gados, ampliados pelos traços firmes e seguros da
caricatura mais do que da análise. Que, muitas ve-
zes, o lápis de Karan d'Ache é preferível ao bisturi
de Pasteur. , .
Leia-se aquela crónica Artistas (pág. 19). Há
verdade naquilo. Em Os mineiros, falha o conheci-
mento do meio. É uma crónica bebida no Germinal,
mas que não representa a verdade. É que Forjaz de
Sampaio nunca viveu entre mineiros, não conhece
o meio, o trabalho, os ganhos, as exigências. Viva,
como eu, durante meses, no contacto dessa gente e
as suas opiniões modificam-se. Já no artigo Emigran-
P0KJA2 DE SAMPAIO 5
66 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
tes a prosa toma elasticidade de artista. Há visões
soturnas de fome e de miséria, e a sua prosa entoa
e canta toda uma sagrada litania de desgraça.
Emfim o livro distancia-se bastante do primeiro
— para melhor; e aparte uma ou outra escapadela
negativista que só serve para amolecer uma geração
já de si abúlica e parva, as Crónicas imorais do-
cumentam um período da nossa vida, da nossa so-
ciedade e sobretudo da época decadente, frouxa e
má que atravessamos.
Mas o artigo que mais me satisfaz é o último —
A Tortura do Estilo. Neste artigo Forjaz de Sam-
paio é bem o escritor moderno, cheio de talento, de
observação, de análise. A análise é a sua mais alta
feição literária, e na Tortura do Estilo ela apresen-
ta-se-nos já forte, decidida, mais vocação do que es-
forço. Que pena Forjaz de Sampaio não nos dar só
páginas assim ! Que pena para nós e para a literatura
portuguesa tão falha destes estudos, tão pobrezinha
destas indispensáveis vocações de crítica literária 1
A Tortura do Estilo fazia só por si honra bas-
tante ao espírito observador e crítico de Forjaz de
Sampaio.
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 67
Lisboa trágica
Em a Lisboa Trágica, que é o seu terceiro livro,
nesta ordem cronológica que vamos seguindo, a
prosa de Forjaz de Sampaio torna-se já de uma rara
perfeição, de uma grande elasticidade. As ideas são
mais perfeitas, a análise mais humana, a ironia mais
profundamente equilibrada. E, tirante a Sinfonia de
abertura onde há ainda pronunciados laivos do espí-
rito negativista dos dois primeiros volumes ja anali-
sados, encontra-se por exemplo a análise realista, à
Zola, na crónica Do anoitecer à madrugada, com
fortes pinceladas de colorido, perfeito conhecimento
dos caracteres focados, e uma especial ligeireza de
pena que torna a acção desenvolvida, de fácil com-
preensão para o simples leitor e de meticulosa ele-
vação filosófica para o rebuscador analista e exi-
gente. E até o tipo doentio do seu bardo de Lavos
é exacto, seguro, completo. Vejam este amanhecer
lisboeta e digam-me se não há aqui beleza, obser-
vação, firmeza de linhas e de análise:
«...A hora avança. Não tarda que a luz venha
surgindo lentamente, numa lentidão assusudora.
Começa a clarear um pouco. Um homem apressado
apaga bruscamente a luz do gás, que nos candieiros
68 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
ainda crepitava. A linha dos telhados começa a de-
buxar-se no escuro e uma luz difusa, se abre em
leque das bandas do horizonte. Já todos os galos
cantam. E lentamente, como o comboio de um exér-
cito, começam passando em fila, carregados de hor-
taliças, no seu rodar áspero como um chiar de nora,
os carros para o mercado. O som das horas já não
vibra tão alto e começa a anonimar-se na turba dos
mil ruídos da cidade que se espreguiça. É ma-
drugada. »
Em A vida há a mais as três últimas linhas da
crónica, blasfémia que, nada representando ali, para
coisa alguma serve. E uma escrófula purulenta a
manchar a linha perfeita e nítida da observação cruel
da vida.
Da Loucura à enxovia, odisseia de um louco que
a falta de documentos arremessa para o buraco '
húmido e infernal de um calabouço, é uma página
que há-de servir, anos volvidos, para a reconstrução
selvagem de uma época criminosamente burocrata,
e o nosso Governo Civil tem ali uma nítida foto-
grafia das suas maiores vergonhas.
O Conto do Natal é um quadrozinho inferior,
sem relevo e de filosofia barata que podia muitís-
simo bem não ter sido incluído no volume. Mas se-
gue-se Uma noite de rusga e são páginas belíssimas
de observação e estudo, páginas da Lisboa miserá-
vel e andrajosa, da Lisboa que se deita de mance-
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 69
bia com os percevejos das casas para pernoitar, da
Lisboa que vegeta, esfomeada e vadia, nas alfurjas
e nos alcouces. Páginas que marcam, páginas que
vincam uma personalidade literária, observação que
sintetisa o espírito analítico de um escritor e que
não desonravam, quando assinadas, os nomes con-
sagrados dos melhores realistas da última geração.
Vagabundos é uma página sangrenta de ver-
dade ; Abyssus abyssum invocai, um nítido cliché
das roletas pataqueiras ; a Gente de Fogo um qua-
dro soberbo da vida de fábrica, junto aos altos for-
nos, fabricando o gás que há-de alimentar uma ci-
dade inteira. A Espiação é a torturada notícia de
um crime vulgar a que Albino dá, em duas pincela-
das, as precisas cores do alargamento para se ver
melhor — e fê-lo com mão de mestre — ; na Sonata
de inverno, a mesma visão nítida das imagens, a
mesma percepção de análise, a mesma acuidade nas
imagens. Há nesta crónica frases e pensamentos de
um rigor inexcedível:
« O miserável que constituiu lar é mais miserá-
vel do que nunca, se tem coração. >
« Bemdito seja o sono, seja embora o frio seu
cobertor. >
70 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
A Noite de embarque são sete páginas soberbas,
de um colorido intenso e que marcam como páginas
de um jornalista de raça, que sabe ver, analisar e
sentir.
A colectânea fraqueja na História de um Po-
lichinelo e nos Prazeres que matam, para se elevar
um pouco em As sombras da casaria... e em Os
pobres e tomar a feição negativista no Depois da
morte que termina por este pensamento — «entra
connosco a suspeita de que a angústia da vida não
termina nem ainda mesmo no Alem» — o que vem
corroborar em cheio a minha asserção de que o es-
pírito filosófico de Albino Forjaz de Sampaio já hoje
não escreveria as páginas das Palavras Cínicas.
O ventre da cidade é o jornalista a afirmar-se de
novo, o repórter a demonstrar a sua energia visual,
a sua percepção analítica.
A Mi mi da Elegia de uma flor fanada é um
tipo bem lançado, bem estudado, e a descrição do
meio, da habitação e da vida íntima dos desgraça-
dos é perfeita. Na Noite Morta há a verdade que
todos nós sentimos, nós os que nos acostumámos
aos longos calcurriamentos pelos bairros escusos em
noites de sonho e de mistério a ver, a analisar, a
observar. E as palavras de Forjaz de Sampaio, tor-
nam-se-nos vívidas, sentidas, de um especial sabor
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 71
ao agridoce travo do recordar. E assim aquilo. No
Hospital é uma página de história da revolucioná-
ria Lisboa de hoje em que o autor da Lisboa Trá-
gica nos pinta magistralmente a noite de i8 de ju-
nho, aquela noite histórica da chegada de João Franco
ao Rocio, com tiros, espadeiradas, gritos, todo o me-
donho inferno das noites de tumulto na quadrilate-
rada praça de D. Pedro ; e a crónica dessa noite
vem completada com uma espécie de diário de um
internado em S. José, páginas de amargura, de uma
verdade igualmente flagrante, onde perpassa toda a
regelada angústia das velhas paredes do velho Hos-
pital de Todos os Santos. Que pena o bom senso
não ter indicado a Albino Forjaz de Sampaio a ne-
cessidade de cortar as linhas que se seguem às in-
terrogações— Mas morre? E a sciência? B Deus?
— de pág. 212, que nada valendo, só servem para
perturbar o desenvolver da acção sem prestígio nem
valor. E chegamos à última crónica do volume —
Amanhã. São cinco páginas apenas. Leiam-nas to-
dos, meditem -nas todos. São páginas de blasfémia,
mas são páginas de análise. São heresias e ronqui-
dos de desespero, mas são ponderáveis considera-
ções às causas desta débâcle que estamos presen-
ciando. E há ali — creiam-no todos também! — muito
que aprender e meditar para que se evite exacta-
72 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
mente aquele amanhã que o espírito azedamente pes-
simista de Albino prevê, quanto a mim, com grande
justeza de vista.
E aqui está o que se me afigura ser a Lisboa
Trágica, de Forjaz de Sampaio.
Prosa vil
Segue-se-lhe a Prosa vil. São crónicas igual-
mente. Mas cada vez a prosa de Forjaz de Sampaio
me vai agradando mais, parecendo mais lógica, mais
humana, menos agressiva. As duas primeiras cróni-
cas rezam do Fado e valeram ao autor uma tre-
menda réplica de Avelino de Sousa ^.
Nessa réplica A. de Sousa, exagerado como .
todos os fanáticos, agride sem tom nem som, me-
tendo à bulha Camilo e Silva Pinto para acobertar
palavrões que quere atirar a Forjaz de Sampaio
. por detrás da cortina. Avelino de Sousa, traba-
* O Fado e os seus censores. / (Artigos coligidos d'/í Vo^ do
Operário) / Crítica aos detractores da canção nacional / Com uma
carta do ilustre poeta e dramaturgo / Dr. Júlio Dantas / Preço
ICO réis / Composto na vila Tomás da Costa. 6, 4.° porta G /
Impresso no Largo da Abegoaria, 27 e 28 / 1912 / Lisboa / Edi-
tor, o Autor / Depósito, Rua General Taborda, 25, '/c D. Cam-
polide / 56 páginas, com o retrato do autor em medalhão.
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 73
Ihador honrado, tipógrafo de mérito, camarada de
apreciáveis dotes a dentro das redacções, não pre-
cisava quanto a mim ser grosseiro para defender
o Fado — que uma causa tanto mais se defende
com quanta maior serenidade se ataca o adversá-
rio. No fundo estou convencido que estão ambos
de acordo — ambos gostando do Fado, mas vendo-o
através prismas 'diferentes. Claro que o Fado nãa
é uma canção nacional se o consideramos sob o
ponto de vista oficial, e é este o caso de Forjaz
de Sampaio, mas é nacional se o damos como
expressão do doentio sentimento da raça. Eu por
mim declaro sem mais preâmbulos que é de todas
as canções a que mais me comove e por conse-
quência a que me faz vibrar mais intensamente
a minha emotividade de meridional. . , e de por-
tuguês.
Agora pergunto — Forjaz de Sampaio exagerou
o ataque? Sem dúvida, como Avelino de Sousa exa-
gerou a defesa. Árcades ambol
E ambos se me não engano deixaram na gaveta
os melhores argumentos pró e contra, e principal-
mente o não nos terem dito, um e outro, onde
começava e onde acabava o Fado, no campo poético
como no campo musical.
Mas deixemos isto que nos levaria longe de
"74 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
mais na análise de um incidente que só serviria
para nos afastar do fim deste livro.
No Fragmento de uma carta há a ironia da vida,
o conhecimento da sociedade com a indispensável
pontinha da boa troça portuguesa; Políticos é uma
pincelada de mestre a marcar a época frívola de vi-
deirinhos em que caiu uma raça que se abocanha e
se morde para obter — abençoada gente — uma série
de empregos que dêem dinheiro e não dêem traba-
lho. Crítica bem lançada, com proporções, a verdade
paira nela como o azeite ao de cima de água; A
Dança, crítica de teatro, é mordente sem exageros e
agrada pela crueza da verdade exposta. Depois vem
yoão Rosa a piedosa evocação do grande mestre ainda
quente no seu leito de morte; Chapéus e Animató- ^
grafos, óptima blague que nos aflora aos lábios sem
dificuldade o sorriso das coisas graciosamente reina-
dias; Viagens é um belo estudo caricatura sobre os
teói-icos que são paralíticos e fazem viagens pela
Bcsdecker e pelos itinerários da Cook; A questão
ortográfica é a sua opinião sobre ortografias com as
divergências dos mestres — e vêem exemplos de
Aulete e de Vieira, de Herculano e do sr. José Ve-
ríssimo, de Latino Coelho e de Castilho, de Garrett
e do sr. Cândido de Figueiredo, de Fihnto e de
Camilo.
%
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 75
A opinião de Albino cifra-se numa linha — <não
liga importância nenhuma à questão ortográfica > .
É uma opinião. Eu, escrevendo, esforçar-me hei
por seguir sempre a ortografia à antiga portuguesa.
No entanto nos meus livros há, à conta dos tipógra-
fos, ou dos editores, ortografias para todos os pala-
dares. É que hoje é impossível escrever-se um livro
numa certa e determinada corrente ortográfica. Cada
compositor tem a sua mania e a sua sciència certa e
se nós fôssemos a emendar, cada livro teria que ser
composto pelo menos vinte mil vezes, se tivesse mil
palavras. . .
Na crónica Oscar Wílde há análise, há graça e
há filosofia. E para que analisar mais crónicas.^
Todas elas revelam um espírito arguto, superior. No
entanto na sua prosa há ainda, uma vez por outra,
falhas, deslizes, negligências.
Eis um exemplo :
< E os pintores de oleografias deixarão de repro-
duzir os canais de Veneza, cmde na água verde em
reflexo de prata se esbate um luar de balada. Uma
gôndola desliza, onde, numa canção sentida, um
Romeu suspira e passa >.
A conquista do Céu — pág. 143.
76 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
Uma revisão cuidada faria desaparecer um da-
queles onde, repetição que tira toda a graça e toda
a leveza ao período.
De todo o livro há porém duas crónicas que me-
recem especial menção. Uma para condenar in li-
mine. Chama-se Os santos populares: arrevezada,
satânica e ignorante. Outra para apoiar e para con-
denar. Intitula-se Camilo e nas suas referências ao
Mestre é de uma alta sensibilidade artística e de
uma flagrante justiça de português honrado que
sabe ajoelhar comovidamente perante a maior glória
literária que possuímos, perante o mais formoso e o
mais elevado espírito de toda a nossa vastíssima
literatura. Mas é injusto nessa crónica Forjaz de
Sampaio quando deprime a glorificação de Camilo
pela estátua. Não. As estátuas não servem apena^
para que tim gato sobre elas esguiche a sua injúria
liquida. Servem acima de tudo para que os pobres,
os humildes se descubram ao saberem-lhe o nome,
e neste caso, mortos os ódios que Ele levantou, para
que nós todos o glorifiquemos à luz do sol, depois
de o termos entronizado no íntimo dos corações.
E a Prosa vil termina pela crónica Gente moça
que vale também, para fechar, uma referência muitc
especial. Nesta crónica, onde há bom senso e justí
apreciação da época que atravessamos, há igual
1
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 77
mente, vistas bem as coisas, a condenação dos pri-
meiros dois livros do autor — Palavras Cínicas e
Crónicas imorais — '^ox terem contribuído para o am-
biente de dessòramento moral que na Gente moça se
Iponta e justamente se estigmatiza.
Exemplifiquemos :
cSe o amor, pela falta de cultivo, como uma
planta rara se estiolou e morreu, a mocidade faliu
fraudulentamente ».
Pela falta de cultivo não é bem. Antes pelo der-
rancamento do eu moral produzido pelas extrava-
gantes teorias que se estão repisando com certa des-
façatez, desde a segunda metade do século XVIII e
principalmente em toda a vasta e maldosa desorien-
tação do século XIX.
<0 homem tem evolucionado muito. Antiga-
mente existia uma época na vida que se chamava
mocidade.
< Amava-se, amava-se a valer. Era a época da
galantaria, da paixão. E o homem era nessa época
como os heróis antigos.
«Tudo isto passou. A mocidade morreu. Hoje
nasce-se velho. Ainda menino, logo se começa a
deitar contas à vida. Assim, aos doze anos, já um
fedelho conhece as mulheres como os seus dedos,
78 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
começa a queixar-se do estômago, foi preso oito
vezes com resistência ao captor, e com pronunciadas
olheiras e a espinha curva sabe de experiência pró-
pria o nome e o resultado de certas especialidades
farmacêuticas >.
Muito bem. É isto na generalidade. Felizmente
a geração nova vai modificando um pouco os seus
gostos, os seus hábitos, os seus costumes, para me-
lhor. Mas na generalidade é assim. E eu acrescento :
— é exactamente por isso, por essa miséria moral
apontada por Albino Forjaz de Sampaio, que as
suas Palavras Cínicas vão no i6.° milhar, e as suas
Crónicas imorais, no 7.°!
E que a obra má e perversa e amoral de Vol-
taire, de Oscar Wilde, de Richepin, de Jean Jacques,
de Zola, de Schopenhauer, e de tantos outros, conti-
nuada e seguida fetichísticamente em Portugal por
Guilherme Braga e por Guerra Junqueiro, por Eça
de Queiroz e por Abel Botelho, pelo sr. Alfredo
Pimenta e por Albino Forjaz de Sampaio, para não
citar mais gente, não podia dar outro resultado se-
não esse — a derrancação dos costumes, a perda da
virilidade juvenil, o amortecimento de todas as vir- J
tudes da alma e de todos os valorosos excessos da '
juventude. Daí a velhice dos rapazes — caqueticos <
na alma e no corpo, fedendo a coeiros e já herejes,
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO TO"
ainda imberbes e já rufias, mal entrados na vida e
já entronizados na desvergonha.
Foi o schopenhaurisnw e o realismo, a heresia
à Voltaire, e a filosofia á Wilde, o negativismo ale-
mão e o niiUsmo russo, as ideas avançadas, o des-
respeito pelas velharias, o ódio à tradição, que lhe
deram — a essa mocidade pervertida e anémica —
a dose de veneno indispensável, a intoxicação do seu
organismo arrendado pela sífilis e da sua alma putre-
facta a desfazer-se no monturo de todas as ignomí-
nias!
E é talvez com um profundo arrependimento
por ter contribuido também para essa decadência
que Albino escreve ao findar, quási, a última crónica
da Prosa vil:
«Suprimido o amor, o homem entendeu decre-
tar a supressão da mocidade. Acho qtu jè\ mal.
A mocidade era útil, era precisa, quanto mais não
fosse para a gente a recordar com saudade ou se
envergonhar dos seus desvarios quando chegasse a
respeitável. »
Certo. Assim é e assim devia ser. E o primeiro
rebate na consciência de Forjaz de Sampaio que
podia acrescentar, à guisa de ?nea culpa: — pesa-me,
leitor, de ter contribuido para esse estado da nossa
derreada juventude com a minha prosa irreverente e
SO ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
satânica, de que já hoje, como vês na Prosa vil, me
vou lastimando e arrependendo.
Sim, — que a Prosa vil é bem diferente da prosa
primitiva de Forjaz de Sampaio, prosa que vai dia
a dia melhorando, como eu e tu, leitor benévolo,
iremos analisando com vagar e com satisfação.
Gente da rua
Gente da Rua, não é um livro de crónicas, é
uma novela, baseada nos moldes da escola realista,
e. que como tal apanha flagrantemente o meio polí-
tico-social português dos nossos dias. Toda a acção
do livro gira em volta de três figuras principais —
Silvino, repórter de um jornal avançado, espírito ro-
mântico, coração aberto para o bem e para o per-
dão; Cláudio Costa, orador de comícios, que se
vende mais tarde por uma situação bem remune-
rada, e Corália, uma corista barata que Silvino
arranca do enxurro para ela o trair ignobilmente
com Cláudio, seu amigo. Das figuras secundárias,
todas profundamente marcadas e devidamente ana-
lisadas, há ainda a destacar a Mariana e o Joaquim |
Algarvio, dois tipos lisboetas optimamente focados, f
■cheios de vida, de verdade e de observação.
i
li
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 81
Todo O livro é escrito naquela linguagem crua e
rascarrte de Albino Forjaz de Sampaio, e há nele
termos, adjectivação, arrojos que marcam a indivi-
dualidade definida de um escritor que vale e que se
impõe perante os escritores do seu tempo, criando
uma linguagem e uma construção muito sua e muito
fora da banalidade comezinha dos que se arrastam
julgando que fazem prosa.
Assim temos olhos machadantes (pág. 8), grevis-
tas assembleavam (pág. 9), estrupidando ferragens
(pág. 11), simu7n-verbo (pág. 19), o caso é que pa-
rece que o peito de Maria Antónia se avulcooit por
Cláudio (pág. 35), o desaforo açaviou-se (pág. 35),
criaturas transloucas (pág. 38). as lâmpadas scente-
Ihando (pág. 40), fumo que araòescava (pág. 41), fa-
rinha de velhice salpimentando-lhe a barba (pág. 41),
sacolejava a lanterna (pág. 49), gesto parafusante
(pág. 50), Gonçalves piluleiro (pág. 56), bandós fan-
chonos (pág. 57), criada pi^-^nentosa e suja (pág. 57),
egoismou-se (pág. 63), cirandava (pág. 74), naquele
cinema da memória (pág. 107), antes que a devo-
rasse o gusano da podridão (pág. 109), homens ve-
niajavam (pág. 139). fazer salama (pág. 142), ânsia
fermentes cível (pág. 1 50), castrar a maré (pág. i 50),
a seda verde da lâmpada eléctrica dava uma luz^^-
numbrosa (pág. 151), e outros que não vale a pena
TOVKZ Dl Sampaio é
82 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
^i
transcrever. De lastimar é que o autor da Gente da \
rtia caia por vezes em repetição de palavras como por .
exemplo nioquenqueira que Forjaz emprega sete vezes
em situações iguais, nas 156 páginas do livro, e se
descuide também na perfeição de um ou outro pe-
ríodo deixando passar — Vai tudo ai por pó de gatoí
(pág. 35) o que não representa sequer a linguagem
do nosso povo que quando não diz pelo pó do gato
diz inquestionavelmente p'lo pó, mas nunca por pó,
E a páginas 34:
« — Mas a quem sais tu assim ? perguntava-lhe
às vezes a mãe. Mas nada. Era delgaducha, franzina j
e olheirenta. Muito mais, incomparavelmente a mais
viciosa do rebanho » .
Ora isto está incompleto. Não tem sentido, nem
tem gramática. Claro que bastava a Forjaz de Sam-
paio uma cuidada revisão e estas coisas desapare-
ciam. Mas essa revisão não se fez e nós não podemos
perdoar a Forjaz de Sampaio essa negligência pelo
aperfeiçoamento da sua prosa, embora lhe louvemos
muito a sua exuberância produtiva.
Também encontro um pensamento disparatado,
um paradoxo sem pés nem cabeça. É quando, a pá-
ginas '/i, escreve:
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 83
«Não longe, na manhã de um dia radioso e
lindo, cheio de sol, um daqueles dias em que apetece
ser morto, estava Silvino ainda deitado ».
Sublinhei o paradoxo, e por mais que pense não
vejo como, num dia de sol claro e lindo, a pedir
paisagens belas, horizontes largos, apeteça a alguém
se7' morto por causa disso. Mas em compensação há
neste livro belas coisas, grandes coisas, em análise,
em observação, em sentimento. Há o psicólogo, o
repórter, e o historiador. Há páginas que são clichés.
Há pensamentos que valem por um livro inteiro da
mais espiolhada psicologia social. Depois o tneio jor-
nalístico, o jneio operário, o meio oficial e sobretudo
o meio emporcalhado de certas casas de hóspedes,
aparecem no livro de Forjaz de Sampaio, tão nítidos,
tão claros, tão verdadeiros, que é preciso conhecê-los
bem de perto para avaliar o extraordinário valor de
observação e o cuidado escrúpulo analítico dessas pá-
ginas de uma perfeição e de uma beleza críticas di-
gnas de um escritor que se prese e que valha.
E ver:
< O ambiente estava cheio de ameaças e a cidade
tinha o ar meditabundo e preocupado de um homem
a quem nasceu um furúnculo sob o colarinho».
(Pág. 8)
84 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
E O ôvo de Colombo ! Tem elevação o pensa-
mento? Não. Mas tem justeza. E a justeza quási
sempre prefere a elevação da linguagem mormente
quando, como no caso presente, se não está retori-
cando, mas dando aos leitores a impressão nítida
de um facto.
Outro :
«Cláudio voltara de novo à vida associativa. Nin-
guém sabia bem o que o chamava ah, que êle não era
operário^ nem a causa de tamanho interesse pelos operá-
rios. Mas êle apresentava-se como defensor dos opri-
midos, como revoltado, como verberante de todas as
iniquidades sociais e com tais palavras de passe con-
seguiu ser considerado e até indispensável. As multi-
dões gostam sempre dos charlatães. Adoram o brilho tanto
quanto odeiam a profunde\a>.
(Pág. 37)
Há ou não verdade nisto? Sublinhei o preciso.
Estereotipa-se aí em meia dúzia de linhas toda a psi-l
cologia desses aventureiros que se introduzem nasj
classes pobres, que a orientam, as exploram, as le-
vam para a miséria e para a ruína de movimentos
aparentemente justos, mas que falham sempre, e a
cuja ameaça para os governantes eles trepam, eles
criam situações pingues e vantajosas.
Albino Forjaz o apresenta na extrema nitidez
destas palavras:
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 85
< Falava-se vagamente em que êle queria ser de-
putado para ir ao parlamento dizer da justiça dos
humildes. Mas tudo isso era vago.
<Que, porém, contenta va-se em ser uma espé-
cie de dono do operariado, em ter na mão as asso-
ciações » .
(Pág 58)
E mais adiante, na entrevista de Cláudio com o
Governador Civil, Forjaz de Sampaio dá bem a nota
do seu valor como psicólogo escrevendo :
« Cláudio estava estarrecido. Achava deveras
simpático o Governador Civil e via muito bem o que
êle queria. Ah! Êle não era tolo. Aquele homem
afável queria comprá-lo. Chegava pois a ocasião, a
sonhada ocasião de se vender, de subir, de ser alguém.
Sempre fora ambicioso, e se recorrera aos operários
é porque sabia que eles eram o grande rebanho de
que se faz o que se quere.
«. . .e quando Cláudio saiu tinha aceitado outro
charuto e fora acompanhado até à porta pelo sr. Go-
vernador Civil que o tratava já por meu «caro
amigo ».
(Pág. 44)
E o final deste capítulo é soberbo, de uma estra-
nha e rara felicidade:
«Era uma da madrugada. Cláudio subiu a gola
do sobretudo, o seu pobre e verde-negro sobretudo
86 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
de golinha de veludo, e ao ar fresco da noite aspirou
com delícia as primeiras fumaças do seu charuto, o
charuto caro, homenagem da Ordem, tributo insi-
gnificante à sua obra de revolta e demolição».
(Pág. 45)
A casa de hóspedes da D. Rosa é flagrante de
verdade e justeza; as suas figuras são reais, vívidas,
humanas; e as duas criaturas Corália e Silvina, bem
apanhadas do natural, são óptimas, perfeitas, com-
pletas, os episódios bem desenhados, nitidamente ex-
postos desde o encontro no Magina até à scena final.
Já o mesmo não acontece à figura principal — o Cláu-
dio— que sendo uma figura essencialmente realista
termina com uma nota arqui-romântica perfeitamente
dispensável e que destrói um pouco a beleza homo-
génia da figura. Vem a páginas 154. Transcrevo:
« Apavorado (Cláudio) buscou um chapéu mole,
pôs pelos ombros um varino, o mesmo com que outrora
fugira à policia acompanhado por Silvino e que por inex-
plicável fatalismo conservava ainda».
O que é inexplicável é esta conservação do va-
rino, absolutamente inadmissível em quem, como
Cláudio, teria até todo o cuidado em fazer desapare-
cer, de diante dos seus olhos, tudo quanto lhe fizesse
Á
ALBINO FOR JAZ DE SAMPAIO 87
recordar o seu passado de menetir, o seu tremendo
passado de vendido e de traidor.
Para quê conservar o varino? Para quê guardar
como um tesouro essa coisa, que ao seu orgulho de
guindado da sorte, havia de aparecer constantemente
como um fantasma ou como um remorso? Não. Se
este pormenor ficava perfeitamente bem num ro-
mance romântico, fica detestávelmente mal num ro-
mance realista.
Há também empederniu-se (pág. 62) e empederniu
(pág. 65) que me parece ficaria melhor cmpedreniu-se
e empedreniu do verbo empedrenir — duro como pe-
dra. E possível que Forjaz nem nisso pensasse um
segundo, tanto mais que todo o mundo escreve e
diz empedernir embora diga e escreva pedra.
E para findar direi, resumindo: Gente da noa,
dos quatro livros analisados, o melhor, é um grande
€ formoso livro de análise e de crítica que uma fu-
tura edição há de pulir, lapidar, tirando-lhe os pe-
queninos senões que a lufa-lufa da produção deixou
passar. Gente da rua marca uma época, descreve o
finalizar de um regime e carreia para a História de
hoje que se há-de fazer um dia, vastos elementos de
análise, de nítida observação e de profundíssimo es-
tudo.
88
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
Albino Forjaz de Sampaio
Caricatura de SAAVEDRA MACHADO
É o segundo livro que este amigo
Escreve e dá à loz, com muito agrado ;
Por isso deve ser elogiado
Conforme era casos tais me desobrigo.
O livro d'hoje e, ao que suponho, o antigo
São de homem de talento e revoltado,
Tanto que no prefácio tem cuidado
De se indispor cora todos — não comigo.
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 89=^
Adoro quem se mostra independente.
Quem vai zurzindo a tono ou a direito
Esu chagada, miserável gente.
Vá, sen Albino, qae tem alma e geiío !
Ponha-me em sangue os outros, se é valente
Corra-me a pontapés o preconceito !
De O Seatlo, suplemento (1908)
Grilhetas
X. P.
Segue-se-lhe, cronologicamente, o volume Gri-
lhetas.
O autor o diz : — trata de escritores e Albino
acka que o nome está be^n, dado o trabalho intelectual
ter na nossa terra equivalência à cotidenação penal
de trabalhos forçados.
Começa pela Resposta a um inquérito, autobio-
grafia onde há muita blague à mistura com muitís-
simas verdades e uma ou outra afirmação paradoxal.
« Pode ser-se sonhador, utopista, visionário, mas
com a algibeira vazia o sonho, a utopia, a visão,
há-de ser sempre a moeda que nos falta».
(Pág. 12)
Não é verdade. Camões não foi rico, Bocage não
foi rico, e Camilo viveu como Albino Forjaz o apre-
senta mais adiante e como todos nós sabemos. Isto
cá por casa. Lá por fora veja-se Milton, Shakespeare,
Dante. Veja-se Daudet e Zoia. As suas melhores
■90 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
obras, as de mais chispa, as de mais talento foram
feitas quando eles não tinham « com que mandar
tocar um cego». O próprio autor dos Grilhetas^
que tinha quando escreveu as Palavras cínicas, as
Crónicas imorais^ a Lisboa trágica}
Outro paradoxo:
«... os Lusíadas, a Ilíada, o que os senhores
quiserem, só são adoráveis vistos através de uma boa
digestão » .
(Pág. 10)
Também não é verdade. Através uma boa diges-
tão o que é agradável, e sobretudo o que sabe bem,
é um bom charuto. A beleza das grandes obras pri-
mas, geralmente, é vista à luz de uma vela, na tra-
peira de um quinto andar, quando se tem a alma
cheia de ilusão e o peito cheio de fé I Então, sim.
Então é que a chama bemdita do Ideal, sobe, às
cavalitas do Pensamento, até tocar as nuvens, para
pairar lá muito em cima, lá muito alta, onde lhe
não cheguem as flatulências das boas digestões. Não
será assim ?
Mas aqui está um belo, um grande pensamento
— grande e verdadeiro:
«... tudo, todos se vão no dia em que de pobre
se desce a miserável » .
(Pág. 13)
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 91
Todo O resto do artigo é uma blague pegada,
prosa irónica com seus laivos de repulsa, mas fica-se
sabendo (pág. 14) que os seus deuses são Camilo e
Fialho, e assim, mesmo sem querer, Albino Forjaz
de Sampaio, vai dizendo as suas preferências sobre
escolas literárias. . .
E seguem-se as máscaras e vem Silva Pinto a
cujo estudo eu ja largamente me referi no meu livro
Camilo € Silva Pinto, que a casa Guimarães & C*
editou e que o leitor pode ler se quiser, compran-
do-o.
Depois Ramalho Ortigão que foi bem aquilo que
Albino nos apresenta por mais que zoilos de vária
espécie digam o contrário em desabono da irreve-
rência do autor do Grilhetas. Em Camilo Castelo
Branco, Forjaz de Sampaio analisa as relações de
Camilo, escritor, com a casa editora, já extinta, Matos
Moreira, cujos copiadores de cartas Albino leu, co-
lhendo aí apontamentos curiosíssimos e indispensá-
veis ao grande estudo que um dia se há-de fazer
ainda e que, por emquanto, é obra fragmentada,
caboucos a que cada um de nós tem dado a sua
enxadada, sem outro fim que não seja o de abrir
os alicerces *do grande edifício a construir. O artigo
em questão, sob este importante ponto de vista, é
óptimo.
92 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
Depois Fialho. E a figura do prosador admirável
do Paiz das Uvas sai da prosa de Forjaz mais co-
nhecido e mais compreensível.
Segue-se-lhe Eça de Queiroz e Jiiles Claretie. No
primeiro aparece, numa revelação perfeitamente iné-
dita, o lado comerciai do autor dos Maias. E que
belo, que profundo estudo de comparações e de aná-
lises onde sobressai a fina ironia de Eça bras-dessus,
bras-dessous com o romantismo de Mariano Pina. No
segundo, simples esboço de figura, evoca-se uma
carta do escritor de Les Ingrati ao autor dos Gri-
lhetas, em que este é saudado pela beleza do soneto
Ao cair da folha que Albino lhe mandara. E aqui
noto eu o desfazer de uma <^/ii;^^-paradoxo de For-
jaz. Neste mesmo livro Albino escreveu a pági-
nas 12:
«Arte? Artistas? Não acredito. Criaturas que
precisam de comer. Gente uma por fora outra por
dentro. Egoístas, egoístas apenas».
E a páginas 45, referindo-se à espantosa activi-
dade do falecido director do Temps:
«É que esse artista era uma criatura infatigável v
que tomava o trabalho não como um duro fado a cum-
prir, mas como uma deleitosa tarefa a executar ^k
Sublinhei a contradição.
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 93
Ora quem leia só uma ou outra obra de Forjaz
de Sampaio e as não conheça a todas pode muito
facilmente tomar a nuvem por Juno e julgar que as
excentricidades de Forjaz de Sampaio são afirmações
feitas a sério. Que o não são demonstra-o suficiente-
mente o que aí fica.
A fechar o livro vêem mais três capítulos — In-
quéritos de jornal, A margem de alheios livros e Fi-
guras gradas. No primeiro fica-se sabendo como
trabalhavam ou trabalham Abel Botelho, A. Lopes
Vieira, Malheiro Dias, Schwalback, Eugénio de Cas-
tro, Fialho, Gomes Leal, D. João da Câmara, João
Penha, Júlio Dantas e Teófilo Braga; e se uma boa
parte da gente em evidência no nosso tempo é ou
não fumadora, e o que fuma. São inquéritos interes-
santes, jornalísticos, cheios de humor e de vivaci-
dade. No segundo analisam-se livros de Júlio Dantas,
Eduardo de Noronha e Delfim Guimarães. E no ter-
ceiro há elogiosas referências e justos comentários a
Bento Màntua, Schwalback, Fernandes Tomás e La-
tino Coelho.
E todo o livro é curioso, interessante, em elevada
linguagem de prosador já feito e seguro dos seus
méritos e da sua prosa.
94 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
1
Vidas Sombrias
Uma tarde no seu gabinete de trabalho da Bi
blioteca do Ministério do Comércio, de que é di-
rector arquivista, Forjaz de Sampaio, entregando-me
o último dos seus volumes publicado, dizia-me:
— Aqui tem você mais um livro meu. E por
sinal um dos meus livros de que vai gostar. . .
E passou-me para as mãos Vidas Sombrias. For-
jaz de Sampaio, não se enganou. É para mim, de
facto, o melhor, o mais belo, o mais são e o mais
humano de toda a sua obra já vasta e barulhenta.
E um livro cheio de piedade e cheio de amor. Livro
das lágrimas, das dores, dos desânimos, da miséria
— é todo um livro bem do coração, é todo uma
grande tragédia de sentimento, em que a bondade e
a verdade palpitam e em que os miseráveis, os po-
bres, os famintos, os deserdados, todos os que so-
frem e todos os que lutam, todos os que escavacam
a alma e o peito na penedia aguda e hostil da des-
graça, todos os que se afogam no mar sem fundo
das lágrimas martirisantes, todos emíim os que es-
trangulam a alegria de viver na corda rígida do Azar, aA|
se apresentam tais quais são à luz magoante de uma
i
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 9&
análise feita aos raios X da observação, mas feita
com arte, com talento e com piedosa ternura!
Ah! que belo fora que toda a obra de Forjaz de
Sampaio fosse assim humana e sentida, verdadeira e
leal 1 Que enorme monumento literário, cheio de ver-
dade e de carinho, de sentimento e de análise, não
teria já hoje o autor das Vidas Sombrias!
E um livro que se lê com o cérebro e com a
alma, e em que é preciso enxugar, uma vez por
outra, os olhos humedecidos. Não há palavrões para
épater le bourgeois, não há esforços de retórica, não
há efeitos de pirotecnia literária. E um livro calmo^
sereno, tranquilo como a água límpida de um lago^
livro de tragédias que se compreendem na própria
calmaria da acção. Não arripia, sensibiliza. Não cega,
ilumina. A vida é assim, para os pobres, para os
humildes, para os desgraçados. A existência dura e
adversa tem aquelas dores, aquelas mágoas e aque-
las filosofias.
Mateus, o velho trapeiro, com c a sua filosofia
especial que o tornava quási feliz», é um poema de
dor, de amargura e de lágrimas, dor que se petri-
fica, amargura que se anquilosa, lágrimas que se cris-
talizam, nos longos solilóquios mentais, através as
ruas da cidade, a derrear-lhe os ombros a «sacola
de variegadas cores » até se ir amouchar, noite já, no
^ ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
seu antro húmido e frio, encolhendo ainda filosofica-
mente os ombros magros à teimosia impiedosa da
gota de água que lhe perturbava o seu bom humor
de pária, a sua filosofia de miserável farrapo humano.
O Filósofo — vida de amor, desfiada lágrima a
lágrima, pelos lábios da velhota «tão antiga no bairro
<:omo êle>, são das páginas mais belas que Forjaz
tem escrito, cheias de vida, de sentimento e de ver-
dade.
O mesmo direi do pequenino episódio, sentimen-
tal e terno, do moço de bordo, e reforço a minha
opinião, com as páginas soberbas daquele Pai, viúvo
e tristonho que andava à procura do fiador, em-
quanto lá em casa a filha morta lhe apodrecia já,
porque ele, o desgraçado, nem dinheiro tinha para o
enterro. Depois a história simples daquele moço de
fábrica, bom, pontual, obediente, trabalhador, posto
na rua pelo capricho de um novo mandão, cegando, *f
na fúria de ter perdido o sustento dos filhos, e ma-
tando na epilepsia racional, humana e lógica dos sen-
tidos. . . Que beleza de figuras, que explêndido apa-
nhado de sentimentos!
E que lindo poema O Sonho, feito com todas as
tintas amargas da ilusão, desfeitas na dura realidade
de uma mansarda pobre e triste.
E O bêbedo ? Há ou não absoluta verdade naquele ]
I
i
Albino Forjaz de Sampaio
ClieJiè de Furtado <f Heu/
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 97
borrachão ignóbil que concordava com o amigo « em
que um homem não é de ferro, e que um bocadito
de libardade não fica mal a uma pessoa * ? E que pro-
funda e amarga verdade esta num simples comentá-
rio do escritor:
«Liberdade chamava o bêbedo o meter-se no
carvoeiro cora a féria e a só sair de lá quando a tasca
fechava e o dono punha os fregueses na rua, tendo-
-Ihes trocado o dinheiro por vinho».
E aquela mulher, fêmea que a todos os bofetões
se submete, cadela que lambe a mão brutal do dono
— só por que êle, um bêbedo e desordeiro, é o pai
dos seus filhos . . . E isto assim, pois não é? Quantos
€xemplos não temos nós aí diariamente? Quantos?!
E o volume é assim — O cigarro, A morte,
O amor, O frio, A velha, A órfã e todos os outros,
uma infinidade de episódios roçados pela asa negra
da Desgraça — livro de um sonhador e de um filó-
sofo, de um poeta e de um analista, livro humano,
livro onde a verdade canta e ri e chora toda uma
grande tragédia de sofrimento 1
Vidas Sombrias é de facto, dos livros deste es-
critor, até hoje publicados, o melhor. A própria
linguagem é mais forte, mais bem equilibrada, mais
justa. É um livro que ficará a marcar algo de valia
na produção literária de uma época.
rOKJAZ DE SAMPAIO 7
98
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
A Avalanche
A Avalanche é o poema das trincheiras. Poema
feito de esperanças, na luta épica dos campos ensan-
guentados da Flandres e nas enxovias húmidas das
trincheiras. Vejam a beleza desta dedicatória:
« A todos, que ao frio, à neve, à chama rubra
dos incêndios, ao troar do canhão, ao enervante cre-
pitar da fuzilaria, na incerteza das águas do mar, na
planície desolada da Flandres, na noite negra das trin-
cheiras ou na noite vermelha dos hospitais, souberam
lutar, combater, sofrer, morrer, honrar a Pátria —
Soldados de Portugal, dedica o autor».
'^ ~^ São meia dúzia de linhas vibrantes,,
pensamento alto, coração sadio e forte,
e pulso firme de escritor, fazendo vi-
brar intensamente a corda do senti-
mento. São meia dú-
zia de linhas que
'r^^Í^-^^~^' >» '^ marcam a elevação
de todo o livro, que
traçam a sua directriz, que rasgam aos
olhos do leitor a larga estrada do mais
acendrado patriotismo a percorrer.
O tenente Albino Forjaz de Sampaio
Caricatura de H. COLLOMB
De O Século tómico (1918)
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO ÇQ
O livro tem duas partes distintas: A margem da
grande guerra e No coração da guerra, uma fazendo
parte da outra incidentalmente. Na primeira há a
filosofia e a história da guerra vista sob o prisma
democrático; a segunda são paisagens, impressões e
episódios colhidos no próprio teatro da guerra onde
batalharam soldados de Portugal. Na primeira há
observação e história, muita leitura, vastos conheci-
mentos e acima de tudo isso uma clara psicologia
das gentes que fizeram a guerra.
Não discuto as opiniões expendidas. Nem estes
estudos teem esse objectivo, nem eu me quero imis-
cuir em observações políticas, numa obra meramente
literária.
Na segunda parte, a observação natural, a graça
expontânea e aquele quid de prosa genuinamente
portuguesa e sentimental sobressaem a ponto de tor-
nar a leitura, ademais de interessante, graciosa e pi-
toresca.
Não é uma obra homogénea. Mas é uma obra
que Tiá-de ser lida com prazer mesmo quando estas
coisas da guerra de hoje já não despertarem entu-
siasmo na política dos interesses agora em jogo e à
bulha.
A guerra não deu em Portugal obra de fôlego.
As crónicas de Adelino Mendes, Augusto dè Cas-
100 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
tro, Hermano Neves, Forjaz de Sampaio, Almada
Negreiros, Paulo Osório, André Brun, Xavier de Car-
valho, José Pontes e Mário de Almeida, para não
incluir as minhas, são todas meros episódios, pontos
de vista jornalísticos, apreciações sobre o joelho, mais
ou menos bem lançadas com maior ou menor chama
de sentimentalidade. Obra de gabinete, ponderada,
valiosa em absoluto, história sem rancores, análise
sem política, observação sem facciosismos nem par-
tidarismos não houve para aquém dos Pinneus, em-
bora a tentasse esboçar no Porto, Bazílio Teles, um
velho republicano que, por isso mesmo, foi logo pela
turba alcunhado de germanófilo e de traidor — pelos
próprios partidários !
E mesmo assim a obra deste escritor foi quási
insignificante, simples opúsculos, sem largx)s rasgos
de crítica desafogada.
No entanto afirmo, foi esta a única tentativa sé-
ria em Portugal. Não quere isto dizer que os livros
de guerra dos escritores apontados não tenham, cada
um de per si, o seu valor restrito e relativo. Como
não quere dizer também que A Avalanche não seja,
como já disse, um belo e formoso livro de guerra,
com muita observação, com bastante viveza e prin-
cipalmente com aquele fogo sagrado do patriotismo i
indispensável ao fim que Albino Forjaz de Sampaio]
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 101
tinha em vista — a propaganda e a justificação da
nossa participação na guerra.
E ainda o livro denota que, se Albino Forjaz de
Sampaio tivesse querido, teria feito a obra de verda-
deiro cunho histórico, cuja lacuna apresentei e ficou
infelizmente em aberto. Isto se demonstra exuberan-
temente nos capítulos da primeira parte de A Ava-
lanclie, cuja soberbia de expressão é admirável pela
sinonimia: a Deutschland úber alies e A arte alenta,
onde há uma acuidade crítica espantosa e uma jus-
teza de vista muito para louvar. . . e meditar.
Emfim — da primeira parte sai demonstrada a
tese de que a Alemanha, que só teve génio na imi-
tação, no aperfeiçoamento, na adaptação (pág. 41),
foi um pouco a oficina da Europa, mas nunca o cé-
rebro do mundo (pág. 42); da segunda parte, hino
de amor à raça portuguesa, tira-se a bravura, a cora-
gem, o bom humor e a estupenda adaptação do sol-
dado português.
E o livro de Forjaz de Sampaio marca assim
mais um escalão valioso na série de crónicas já coor-
denadas nos volumes anteriores e onde a prosa muito
pessoal do autor da Avalanche se vai tornando cada
vez mais homogénea e apreciável, vista através da
sua originalidade e do seu vigor de repórter e de
crítico.
102 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
A Avalanche foi causa ainda de azeda disputa e
acerada má língua nas gazetas de Lisboa e Porto
contra Forjaz de Sampaio. O «escândalo Forjaz»
deu colunas (^). Misérias, porcarias a que todos nós
nos habituámos há muito neste pequenino país de
coisas pequeninas. Não vale a pena recordar ódios 1
e transcrevê-los. Para quê.'* Mas o «escândalo For-
jaz » deu uma réplica de Albino e nessa réplica, feita
(•) Tendo causado estranheza que o sr. Albino Forjaz de
Sampaio fosse equiparado a tenente, em consequência da sua
nomeação para o desempenho de uma comissão de serviço junto
do corpo expedicionário português, era França, informa m-nos as
estações competentes que aquela equiparação foi concedida em
virtude do determinado no § i.° do artigo j.» do decreto n."
2866 de 30 de novembro de 1916 e por analogia com o precei-
tuado no artigo i.° do decreto n." 29 11 de 28 de dezembro do
mesmo ano para os 2."^ oficiais telegrafistas e das pagadorias,
visto o sr. Albino Forjaz de Sampaio ser arquivista-chefe do mi-
nistério do comércio, a que corresponde a categoria de 2.° oficial.
Quanto à comissão de serviço de que foi incumbido o sr. Forjaz,
é eia de confiança do governo, que a reputa indispensável neste
momento e da qual em ocasião oportuna dará o devido conheci-
mento ao paiz.
(Nota Oficiosa, emanada da Arcada e publicada
no Século de 20-XU-917).
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 103
com muito sangue frio e desusado bom senso, expli-
ca-se tudo. Cortemos-lhe as ferroadas directas e apre-
sentemos a defesa que vale a pena ler e arquivar.
Veio na Luta, n." 4247, de 21 de janeiro de 1918.
E dizia assim :
cOra vamos a isto.
Havia no miniãtério da Instrução uma comissão
cujo fim era a propaganda de Portugal intra e extra
fronteiras, comissão de que faziam pane criaturas que
muito considero e de quem me honro de ser amigo.
Um belo dia propus a compra de uma edição de ar-
tigos meus, crónicas que tinha publicado sobre a
Alemanha. A comissão achou que seria melhor fazer
eu um livro novo, de impressões directamente colhi-
das no front. livro curioso e vivido. Concordei e
propus-m^fazê-lo. Receberia para isso 3:000 francos,
foi o que pedi. Em troca daria artigos de propaganda
nos jornais onde costumo colaborar, publicaria um
livro de 240 páginas, com um mínimo de tiragem de
3:000 exemplares e daria à comissão, que é como
quem diz ao governo, 200 exemplares. Tal o negó-
cio. Foi o casO aprovado pela comissão e aprovado
pelo conselho de ministros Afonso Costa. Estava a
coisa neste pé, isto é, fecha.lo o contrato entre o
* escritor Albino Forjaz de Sampaio e o governo por-
tuguês, quando a revolução surge. Todos os negó-
cios de publicidade foram novamente a conselho e o
conselho aprovou novamente o que já aprovado
estava. E' que o conselho reconheceu que o negócio
nada tinha de imoral.
O governo dava-mc 3:000 francos, 858/00 es-
cudos ao câmbio. Eu dava-lhe além da publicidade,
Ja propaganda, do meu nome e do meu trabalho
104 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
200 exemplares, que a 6o centavos cada, valem 120
escudos. Dir-se há que os exemplares não são dinhei-
ro? Pois são, porque o editor os paga ao depósito de
papel, à tipografia e impressão, ao brochador e ao
moço e eu lhos pago a êle, porque o governo mos
pagou a mim.
Ouro é o que ouro vale ou les affaires son hs
affaires. Ficou já a verba moralmente reduzida a
setecentos e tal mil réis, um fortunão.
Em segundo lugar os tais 3:000 francos foram
para tudo, sem encargos de maior. Para eu pagar
comboios, comedorias e fretes, para publicar um
livro, para escrever artigos, para dar duzentos exem-
plares ao governo, para sofrer frio e neve, para
dormir incomodamente, para poder lá ter ficado com
uma bala na cabeça, porque, julgo que é uma coisa
que na guerra possa acontecer sem parecer extraordi-
nário a ninguém, nem mesmo a quem morre. Ora
tudo isto por 846Í00, para mim, que tenho uma
casa com arte, uma livraria preciosa, comida regular
e boa cama, acho que não é de locupletar-se a gente.
Mas ainda há mais. No dia 18 de dezembro o sr.
Forjaz de Sampaio comprou na casa Thos, Cook te.
Son um bilhete de ida e volta a Paris. Custou-lhe
109ÍI640 réis. Ora já os malvados 700 escudos estão
em 600 apenas. O sr. Forjaz demorou-se na viagem
24 dias. Numa média de 50 francos por dia, pão ne-
gro e café sem açúcar, o sr. Forjaz gastou mais
1.200 francos.
Agora ponham cartas, guias e plantas, trabalhos
publicados sobre a guerra, e há-os bem curiosos,
bem interessantes, quer como técnica, quer como
arte, Le Feu e UEnfer, de Barbusse, a Ma Piiu, de
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO lOS
Paul Lintiér, Los cuatro gitutes dei apccalipsis, de
Blasco Ibanes, Les premiérs ant mille, de lan Hay.
Tudo isto havia que se comprar. Resumo : os senho-
res sabem quanto eu ganhei com o escândalo da
rainha ida ao front ? Os senhores sabem com quanto
eu regressei a Lisboa, com quanto num envelope eu
dei entrada na estação do Rocio? Pois com uma nota
de loo francos que rebatida dois dias depois no
Crédit me deu 29Í400 e duas moedas espanholas
de 10 cêntimos e 2 francesas de 5. Conservo-as para
recordação.
Agora outra coisa. Eu fui como tenente. Parece
extraordinário e todavia não houve coisa mais regular.
Como quereriam os tais, os outros, os aqueles, que
eu fosse? A' paisana. Ignora-se cá em Portugal que
é defeso a paisanos o campo das operações. Para ir
ao front vesti-me de tenente. E' uma coisa que sem
favor a lei me concede. Já tinha vestido a casaca
para ir a uma festa em casa do dr. Manuel de Arria-
ga; para ir numa das máquinas do rápido do Porto
me vestira de ganga azul, e para fazer uma viagem
na casa das máquinas do paquete 'Parto me vestira
de fogueiro.
Tenho ainda um smoking, um frak e tudo isto
comprado antes da famosa negociata dos três mil
francos, que um famoso siácio julgava serem três
contos de réis.
Embora a farda de tenente me ficasse a matar,
despi-a em Bayonna. E' que cu tive sempre pouca
querença para as fardas. E entre a de tenente que um
decreto me emprestou e a da Academia que ganhei
pelo meu trabalho, a da Academia é muito mais vis-
tosa. Mete espadim, chapéu armado e não é ainda
acessível aos granujas literários que dão tacadas nas
gazetas.
Tem a minha ida uma outra parte, reservada até
106 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
seu tempo. Essa porém não custou um real ao esta-
do. Parece que ficamos entendidos, hein?»
E aqui está o c escândalo Forjaz » !
Nesta dolorosa e triste época morai que atraves-
samos a palavra honra passou por tais e tantas
transformações que estes ataques são já o pão nosso
■quotidiano sem que ninguém tente explicá-los, bus-
car-lhes a origem e aplicar-lhe o indispensável cau-
tério.
Dividida a sociedade portuguesa em partidos que
são quadrilhas, melhor ou peor organizadas, a digni-
dade do adversário é coisa de pouca monta nas ga-
zetas da coscuvilhice indígena; e assim, fácil nos é
assistir às mais tremendas acusações, morais ou polí-
ticas, sem base nem documentação, e que, por via
de regra, ou caem no olvido, ou redundam em equí-
vocos que hão-de ser, mais tarde ao fazer-se a his-
tória deste período desvairado e patológico, terríveis
escolhos e emmaranhados meandros que os escritores
dessa época com dificuldade vencerão.
As palavras perderam já o seu significado justo,
lógico e ponderado, para se transformarem em per-
feitas vacuidades, que nada distinguem, nem mar-
cam, nem classificam.
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 107
Os palavrões pnlha^ cattalha, ladrão ^ já não che-
gam, e inventam-se termos pejorativos os mais dis-
paratados e decadentes como demonstração da viri-
lidade de uma raça: — formigas, lacraus, trauliteiros,
adelaides e muitos outros, que são o pratinho obrigado
das invectivas políticas. Os homens perderam aquela
serenidade das límpidas consciências e agridem-se
lançando uns aos outros punhados de lama e lodo,
de onde em onde laivado a sangue em injustificáveis
tragédias fraticidas. Tudo se desmorona, tudo se
desconjunta, tudo vai numa impetuosa loucura de
furacão para o abismo negro e apavorante da anar-
quia do sentimento, igual, senão peor, à anarquia
das ideas.
Como travar a marcha desenfreada desta caval-
gada para o caos inevitável e certo?
Não sei — não vejo como.
A questão entre nós já não é de princípios. Não
há maioria monárquica nem maioria republicana. De
um lado colocaram-se apenas os indiferentes, os nu-
los, os apáticos. Do outro a turbulência de um novo
estado de coisas, de uma nova transformação das
sociedades cuja volta ou é tão grande que cai na
posição anterior, ou tão violenta que só há-de dei-
xar no campo ensanguentado da luta, destroços
fumegantes, que hão-de ser — ai! dos que o não
108 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
quiserem ver agora! — os básicos alicerces de uma
sociedade nova, argamassada em sangue.
Até hoje, os de cima teem procedido nos desvai-
ramentos do egoísmo, como se a Besta Humana
fosse insensível ao chicote injusto e bárbaro. Tempo
virá em que, os debaixo, no lógico desforço de ve-
xames inúteis, quando não hediondos, realizarão a sua
assemblea geral, pela Força contra a Força, pela
violência contra a violência, pela indisciplina dos
párias contra a indisciplina dos Pangloss.
E depois. . .
E depois será o que Deus quiser e os homens
maus vêem de há séculos preparando.
E mais uma vez então serão proféticas as brôn-
zeas palavras do Solitário de Vale de Lobos, que
muito se isolou dos homens para evitar o contacto
das feras:
« Naquele pais, seja qual fôr o seu grau de civiliza-
ção e poderio, onde falece o amor da pátria, onde os
vidos mais hediondos vivem à lu:( do Sol, onde a todas
as ambições è licito pretender e espirar tudo, onde a lei,
atirada para o charco das ruas pelo pc desdenhoso dos
grandes vai Id servir de joguete às multidões desenfreadas,
onde a liberdads do homem, a magestade dos príncipes e
as virtudes da família se converteram em três grandes
mentiras, hd ali uma nação que vai morrer » .
(Alexandre Herculano — História de Portugal
— Tomo II, livro ii, págs. 201-202 da ediç, de 1916).
1
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
109
Falou assim o grande mestre da História Portu-
guesa. Oiçam-no todos se ainda é tempo, — que este
<caso Forjaz» junto a muitos outros de igual jaez
que nem vale a pena citar, está já sob a alçada
destas palavras proféticas, que valem bem a trans-
crição para que se meditem como havemos mister , . .
Que a tempestade vem cerca, e a trovoada
começa a ouvir-se já . . . ao longe e ao perto.
Tibério, filósofo e moralista
Tibério, filósofo e moralista.
Abra-se o livro. O prólogo, sete
páginas apenas, é cheio de verve,
de graça, de filosofia, de lógica
e de bom humor. É uma porta
que se abre de par em par para
que o leitor entre no templo de
Tibério, sorridente, bem disposto.
Mas quem é Tibério ? Tirante um
ou outro exagero de caricatura,
Tibério é Forjaz de Sampaio :
<é uma criatura normal, equilibrada, perfeita. As
suas ideas são as de toda a gente com a diferença
apenas de que Tibério diz em voz alta o que toda
a gente esconde de dizer >. (Pág. ii).
Albino Forjaz de Sampaio
Caricatura
de H. COl LOMB
110 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
Pelo menos no Prólogo assim é. Vejamos no
resto. Há, ou não, nas páginas do Tibério^ filósofo e
moralista, lógica, bom senso, precepção e verdade?
Se há! Há até páginas que tanto podiam estar ali,
como num tratado de meditações para um rigoroso
exame de ascetas, ou num livro de solilóquios
para satisfação de consciências atribuladas. E abrir
esta crónica, por exemplo, a páginas 2i e ler:
«Nós os pessimistas devemos tomar a vida
má, como ela é. Quando ela se nos apresenta risonha
é por que quere converter em ironia o nosso moda
de ver. E é que a maioria dos homens não vê, não
sabe ver que a Morje, a liquidatária fatal, está es-
piante a cada passo. No rebite da chapa de um paque-
te, no parafuso de um rail de comboio, na curva de
um caminho, na neve que cai, num revólver que se
dispara, num cavalo que se desboca, num elevador
que se despenha, num motor que pára, num freio
que não funciona, num tubo que se quebra, numa
lâmina que espera, num prato que nos apetece. E
anda, sonha, vive, goza, como se tivesse que viver
mil anos ou não morrer nunca.»
Ora digam-me se não há toda a verdade e toda
a exactidão nisto, e se estes períodos não podiam
fazer parte de um capítulo de Kempis na Imitação
de Cristo} Simplesmente Forjaz de Sampaio, anti-
-espiritualista não dá a toda esta série de casualida-
Albino Forjaz de Sampaio
(Caricatura de /■'. Valenral
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 111
des da matéria, uma finalidade lógica no destina
superior das almas. Se o fizesse, o seu pensamento-
completar-se-ia e a sua obra seria perfeita. Assim
a matéria na sua apreciação exclusiva dá a aridez da
acção desenvolvida e mata quási por completo os
altos voos do Pensamento do crítico e do filósofa
que fica a determinada altura da viagem para ater-
rar imediatamente nos domínios inúteis da blague.
A crónica G elogio é esplêndida de flagrantíssima
verdade. Amor, dinheiro, casamento, é a íntima me-
ditação das asperezas da vida e da inutilidade da
idea nos ergástulos da fome. É verdadeira, com a
vantagem de ser humana. . .
E segue-se O elogio da carta anónima, com o
qual de maneira alguma concordamos mas que ape-
sar disso contêm verdades e análises flagrantes à
vida e aos sentimentos do nosso tempo. Se bem
que a carta anónima «é de algum modo a voz que
teme ou que odeia > como assevera Forjaz de Sam-
paio, o que tem lógica, ela porem não é nunca
ca voz amiga que previne >. Carta anónima é sem-
pre o máximo expoente de uma grande baixeza ou
de uma suprema pulhice.
A mão que não assina uma carta que escreve é,
completamente,- a mão canalha que assassina pelas
costas. De maneira que a carta anónima nem é
112 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
curiosa, nem eficaz, e muito menos se pode escrever
que vale uma epopea (sic)! e que o fazedor de tais
protérvias pertence a uma santa instituição. Albino
Forjaz de Sampaio, nesta crónica voltou um pouco
aos seus tempos e às suas afirmações das Palavras
Cínicas, e exactamente por isso, esta crónica é uma
das mais frouxas e das mais infelizes do autor.
No pequeno estudo Agiotas há fina observação,
argúcia, bem raciocinada lógica, e uma agradável
pontinha de blaguista schopenhaueresco de que Albi-
no gosta muito nos seus paradoxos diabólicos. Mas
no fundo a Verdade impõe-se, torna-se maior, flutua,
como o azeite ao de cima de água. . .
O elogio das feias é meia dúzia de páginas be-
líssimas, de uma encantada filosofia de justiça, arga-
massada no profundo conhecimento da alma das mu-
lheres.
Na crónica Do roubo há, em contraste, a doentia
preocupação de dizer coisas irritantes, inaceitáveis,
atrevidos pensamentos para cocegar o burguês; isto
mesmo se avoluma e cresce desproporcionadamente
na crónica seguinte Donde vem o mal de que só se
aproveita o vocabulário apropriado e certo a servir
o ttesloucamento da idea.
Outra esplêndida crónica A cor das horas a que
eu riscaria apenas a excrescência dos últimos perío-
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 113
dos de páginas 91 que servem para quebrar a ele-
vação filosófica das páginas antecedentes, admiráveis,
formosíssimas e que só poderiam ser escritas por
um requintado espírito de elite.
Uma outra crónica que valia bem a pena fazer
desaparecer do livro, intitula-se A mentira. E falsa,
banal, sem elevação, sem filosofia, sem chispa alguma
de talento. O mesmo se dá com A mulher do pró-
ximo que não sendo banal é má, que tendo vivaci-
dade e análise é perversa. Forjaz tomou a parte
pelo todo e generalizou. Não sei se notaram já que
o autor do Tibério, filósofo e moralista, sempre que
pode é desagradável para com as mulheres a quem
nega qualidades e em quem só encontra exagerados
defeitos. Esta nota predomina em todos os seus li-
vros, torna-se uma scie, mania por vezes irritante,
quási sempre injusta, muitas vezes demasiadamente
agressiva, e na generalidade insultuosa para a bon-
dade, para o coração e para a lealdade das mulhe-
res. Eu sei que o autor faz isto por blagtie, mas é
que de tanto martelar esta nota a gente pergunta
que mal lhe fariam as pobrezinhas? Depois, as mu-
lheres, em geral não se defendem e mau seria que
a escola das Palavras Cínicas tivesse adeptos e a
filosofia de A ' mulher do próximo fosse seguida.
O lar já tão machadado por filosofias avançadas,
rOVJAZ DE (AMPAJO 8
114 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
deterioradas e anárquicas, transformar-se-ia num caos
de ignóbil perversidade.
Segue-se mais uma crónica boa, perfeita, homo-
génea A .geografia, obrigando a meditar no nada
das grandezas da terra que os caprichos do azar, da
fortuna, ou das armas, transforma e modifica; e vem
logo a crónica Barbaridades onde Forjaz de Sampaio
defende as touradas à espanhola contra as touradas
à portuguesa. E não há ninguém que ao ler a argu-
mentação sensata de Forjaz de Sampaio não esteja
de acordo com êle, o que não quere dizer que defen-
da a estúpida selvageria dos touros. O que êle diz, e|
eu concordo, é que entre a brutalidade das hastes*
limpas à espanhola, e a velhacaria dos embolamen-
tos à portuguesa, é por aquela. E com justas razões.
Eu também, embora repute ambos os espectáculos |
de uma vergonhosa e deprimente estupidez para a
humanidade que se gabarola de civilizada e que no
fundo, assistindo e gostando de tais perversida-
des, fica vinte furos abaixo da humanidade dos
brutos.
A crónica Os Amigos é a continuação de O elo-
gio da carta anónima e ficam-lhe bem os mesmos
comentários acima apresentados, ademais de ter no-
vas afirmações descabidas e inexactas.
Vem depois a Movimento associativo que não
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 115
presta ; e segue-se-lhe a crónica Da hipocrisia de que
se aproveita apenas o comentário final.
A Mulher que passa é uma crónica deletéria. Todos
somos filósofos é um simples escorço de taboletas filo-
sóficas sem mais vantagens do que as da enumeração.
Mas surge-nos logo A Felicidade e a pena de
Forjaz de Sampaio, rasga, corta, profunda, analisa, e
os seus conceitos e as suas conclusões são claras,
humanas, completas. Seis páginas que valem um
tratado de filosofia social.
A Loucura é outra esplêndida crónica. O assun-
to já de si nada banal, torna-o Forjaz de Sampaio
mais interessante ainda. Esta crónica é uma das mais
preciosas do volume sendo igualmente uma das mais
eruditas e ao mesmo tempo das mais completas na
concatenação dos argumentos. Perfeita. Prosa ele-
gante, absolutamente ligeira, sem deixar de ser más-
cula. E tem arrojos de pensamento que são verdades
incontestáveis. Vejam isto:
«Às vezes a loucura passa, sopra, vem de longe,
galga fronteiras, atravessa os mares. Chama-se Moda
e obriga as criaturas a ser ridículas. Chama-se gongo-
rismo, nefelibatismo, simbolismo e obriga-nos a ser
parvos. Dá na pintura e toma os nomes de impres-
sionismo, futurismo ou qualquer outro pretencioso
e vão.»
Óptimo, não é verdade?
116 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
E o livro fecha com chave de oiro. A Paciência
é uma crónica não inferior à antecedente. Tem graça,
tem espírito, tem verdade.
Lê-se de riso nos lábios e a dizer que sim com a
cabeça. E' uma crónica que dispõe bem, que tonifica,
que nos enche de conforto e de esperança. E' tónico
e refrigério. Alegra e consola. Há ali experiência e
perspicácia. A vida é aquilo. A arma dos que triun-
fam sempre, está ali.
Em resumo : Tibério, filósofo e moralista^ cuida-
dosamente revisto, cortado, emendado, nos pequeni-
nos senões da lufa-lufa da produção, fica um livro
excelente, cheio de graça, de humor e de verdade
— que êle tal como está já é um grande livro, um
belo livro.
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 117
^ . ^ /^* -, . _ ^ -
Ao/ui^J^
118 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
Os Bárbaros — António Nobre
António Nobre, é o primeiro volume de uma série
que sob a designação geral de Os Bárbaros, Forjaz
de Sampaio se propõe escrever.
São 105 páginas, apenas, de crítica impiedosa
ao autor do Só, que sai dos ásperos comentários
deste livro, reduzido à justa e lógica proporção do
seu valor.
Biográficamente, bibliográficamente e iconográfi-
camente António Nobre é um livro completo. Dá
gosto ver trabalhar assim. Sobre o ponto de vista
porem dos fundamentos literários que levaram Forjaz
de Sampaio a escrevê-lo, não reputo o doentio poeta
das Despedidas como elemento que valha o desper-
dício de tanta energia e de tanto trabalho malba-
ratado.
Que é na literatura nacional o autor do Só? Um
poeta que a aura do sentimento bafejou, mas cuja
obra nem criou escola, nem sequer vincou o seu
meio e a sua época.
Pernicioso seria António Nobre se a geração que
se lhe seguiu o imitasse. Mas assim, isolado na sua
torre de Anto com os seus pessimismos, as suas
neurastenias e o seu delírio de grandezas, António
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 119
Nobre é já hoje uma pálida sombra de Torturado
que uma ou outra menina clorótica, sentidamente
recita, e que nós todos admiramos apenas pela soma
enorme da sua doentia emotividade que é todo o
seu apregoado talento.
E nada mais.
Isto porem não' tira absolutamente nada ao valor
real da obra encetada por Forjaz de Sampaio que
eu desejaria ver mais profícuamente empregada em
vultos de maior tomo.
Há a páginas 79 uma ligeira referência à pessoa
que ao autor forneceu indicações sobre o plágio do
soneto Menino e Moço. Fui eu. E porque no primeiro
volume destes estudos, Homens do rneii tempo e das
minJias relações, a entrar no prelo, documentada-
mente cito o facto, o que já aliás estava feito antes
de falar com Albino F. de Sampaio, de mais refe-
rências me abstenho agora.
Páginas dispersas
Crónicas e prólogos . . .
Há agora que contar ainda na obra de Forjaz^
de Sampaio, a obra avulsa — artigos de jornais, não
coleccionados ainda, poesias dispersas e prólogos em
obras várias de autores portugueses e estrangeiros.
Destes destacam-se os prólogos da Musa Loira,
de Beldemónio; das Dores do Mundo, de Schope-
nhauer; e de (9 Livro dos Cortesãs, colectânea poé-
tica, feita com Bento Mântua.
Na Musa Loira há o sentimento ; nas Dores do
Mundo a análise filosófica, a crítica perspicaz, o es-
tudo scientífico e doutrinário do assunto; no Livro
das Cortesãs, a erudição feracíssima, vastos conheci-
mentos da matéria, toda uma biblioteca de observa-
ções e de história.
Já agora um debique. A páginas 6 do prólogo
das Dores do Mundo vem a frase latina nil novi sub
122 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
sole. É asneira. Vem no Ecclesiastes e escreve-se
assim :
l^ihil sub sole novum.
Como vêem é destas asneiras que até nos Mes-
tres se apontam. Camilo dá-nos de presente num
dos seus livros um escultor chamado Milos (!); e
Vítor Hugo, nos Miseráveis, dá como divisa a um
personagem vagabundo o Errar e humanum est!
Não podia ter Forjaz de Sampaio portanto me-
lhor e mais honrosa companhia. . .
E fechemos esta análise. Albino Forjaz de
Sampaio é dos nossos escritores contemporâneos o
mais fecundo, o mais arrojado e quem aí maneja
com mais talento a prosa viva e faiscante de cro-
nista moderno. E temos dito, mas repete-se: E me-
díocre como poeta, desorientado como filósofo, eru-
dito como escritor de recursos, e jornalista como
convêm às exigências do jornalismo moderno.
Quando quiser fazer obra de fôlego e deixar o
caminho fragmentado que tem trilhado até hoje será
o primeiro dos escritores do nosso tempo, na crítica
psicopatológica dos caracteres, na descrição dos cos-
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 123
tumes da sociedade, na filosofia dos modernos conhe-
cimentos e sobretudo nos arrojos comparados das
observações históricas.
Que Albino Forjaz de Sampaio, tem para isso
talento, erudição, nervos e aquela divina chispa da
palavra que encanta e que deleita, que comove e
que instrui e que faz de um livro o nosso maior
amigo e o nosso mais fiel e mais querido compa-
nheiro ! . . .
\
Forjaz de Sampaio . . .
Albino Forjaz de Sampaio
ACADÉXICO
na Imortalidade
Forjaz de Sampaio é académico
desde m.aio de 191 7. E assim como
houve quem se atirasse a ele por
assinar artigos com o seu nome, e
por ir a França como tenente, assim
apareceu também um escarcéu de
impropérios à sua entrada nos imor-
tais. Foi o desabar do mundo! Na
^"de "h! coiiomb Ordevi (^) escreveu-se uma estirada
/?M«í.Part.<gu€ja(i9i8) coluna dc prosa para o comparar. . .
ao marechal de Saxe, herói em Fontenay e analfa-
beto em letras! O Combate (^), transcrevendo uma
(1) 20 de maio de 1917.
(*) 3 de junho de 19 17.
126 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
avinagrada prosa contra ele, comentava-a tão desa-
bridamente que a censura de então lhe cortou o co-
mentário deixando-lhe um largo espaço em branco !
A República (^) frisava o facto de não terem sido
académicos Eça e Fialho e de o não ser ainda Jun-
queiro. Também citava Camilo. Asneira. Camilo foi
académico. Mas adiante . . . As Novidades (^) citando
o mesmo facto aludia lacrimosamente à juventude
do novo académico e lastimava-se dos caprichos do
destino complacente (sic) que tanto protegia o endia-
brado autor das Palavras Cínicas. A Capital ('),
A Luza, de Viana do Castelo (*), O Século nas suas
edições da noite (^) e da manhã (^), O Pais, do Rio
de Janeiro (^), e a Ilustração Portuguesa (^) foram
unânimes em louvar o gesto da Academia e a elei-
ção do novo imortal. Se outras gazetas disseram
algo não o sei. Destas apenas tomei nota.
Agora falemos nós. A entrada de Forjaz de
(1) 15 de maio de 1917.
(2) 14 de maio.
(3) 12 de maio.
(*) I de junho.
(5) 15 de maio.
(^) 24 de maio.
(') 2 de julho.
(*) N." 587, de 21 de maio.
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 127
Sampaio na antiga Real Academia das Sciências nem
desonrou os manes da Academia, nem as letras pá-
trias. Uns e outros ficaram bem com a entrada do^
autor da Gente da Rua no velho casarão a Jesus.
O facto de lá não terem entrado Eça, Fialho, e Jun-
queiro, só quere dizer que a Academia se arrepen-
deu de velhos pecados elegendo seu par o jóven
escritor da Avalanche. Pois quem queriam os senho-
res que ela elegesse?
Dir-me hão: está vivo ainda o poeta sublime
dos Simples. . . E depois? O facto de existir fora da
Academia o nome de Junqueiro pode inibir de para
lá entrar um outro escritor que a essa Academia se
impôs pelo seu talento e pela sua audácia? Não.
Quere apenas dizer que ninguém até hoje propôs
Junqueiro para uma vaga de Imortal e que o poeta
admirável da Musa em férias desprezou esse acin-
toso esquecimento não se propondo a si próprio.
Ora Forjaz de Sampaio fez toda a sua carreira
literária a murro. Para entrar nas galés da pena
usou um nome e contestaram-lhe o direito a esse
nome. Para fazer os seus livros teve que galgar por
sobre montanhas de impropérios. Lógico era que
para entrar na Academia, que é a mais alta distin-
ção que teem as letras, toda essa gente esbrave-
jasse.
128 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
O que há de extraordinário nisto? Claro, eu sei,
daqui a duzentos anos, o académico Forjaz de Sam-
paio terá isso na sua vida de letras como um sim-
ples episódio que nada representa; e mesmo hoje
quantos dos que lhe acicataram a entrada, nos jornais
e nos cafés, lhe foram depois dar amigavelmente a
palmadinha dos parabéns, a fehcitá-lo . . . pela me-
recida honra.
Se o mundo é assim.
E depois . . . Depois para que não dizê-lo ? Os
que se insurgiram nas gazetas e nos cafés contra a
Imortalidade de Forjaz de Sampaio, fizeram-no ou
por inveja ou por política — que o caso passava a
ser justíssimo, se em vez de o terem nomeado a
êle Albino, os tivessem imortalizado a eles críticos
do Albino. Então já não havia Eça, nem Fialho,
nem Camilo, (apesar de Camilo ter sido académico!) |
nem Junqueiro, e a Academia tinha praticado o mais
belo gesto de toda a sua vida. Assim, foi. o diabo.
As rãs saíram para fora de água, e à beira dos pân-
tanos coaxaram, coaxaram, até vir a noite negra do
desprezo e recolherem de novo para os limos . . .
ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO 129
O caso Forjaz académico é toda a vida nacional.
Tudo quanto se faz neste jardim da Europa tem
seis milhões de jardineiros a criticarem, a dizerem
mal.
Isto, na política, na sciência, nas artes, em tudo
emfim quanto seja trabalhar, pensar, produzir.
Rasga-se uma estrada. Há logo quem repare não
ter sido o traçado feito, mais por aqui ou por ali.
Constrói-se uma casa. O estilo não é mau, a casa é
boa; mas se fosse assim e assado, cosido e frito, a
coisa era melhor. Inventa-se um aparelho. Ah I se
fosse lá fora o que não seria aquilo! Faz-se um livro.
Que sim, e tal, e coisas, mas se o autor não fosse
burro teria encaminhado a acção desta e daquela
maneira. Etc, etc, etc. ! . . .
E quem diz isto? Todos os que percebem tanto
de estradas como eu de lagares de azeite; todos os
que jamais seriam capazes de mandar construir uma
capoeira; todos os que nunca inventaram coisa al-
guma; todos os que, analfabetos de origem, refina-
ram no estado primitivo; todos emfim os que vivem
para aí inúteis, intrigando, mexericando, mordendo
rOUÀ2 DE SAJIPAIO
130 ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
reputações, mascando invejas, impotentes para o tra-
balho, infecundos e paralíticos, vesgos da alma e
tortos do corpo, cuspindo ameaças, bolsando impro-
périos, entravando, numa palavra, a energia e a
acção dos outros.
Ora foi por cima de todos eles que Albino Forjaz
de Sampaio passou. Neste país para se trabalhar,
para produzir e para vencer é preciso olhar em
frente e marchar sem desânimos.
Foi o que êle fêz e venceu.
Muitos que para lá quereriam entrar, alguns até
— quem sabe? — com muitas medalhas, e muito
lento. . . dos outros, ficaram de fora, a morderem-se
de inveja, alcandorados no himalaia das suas vai-
dades. Tenham paciência. Vão-se contentando com
as medalhas que inventam e com o fatiteuil acadé-
mico do matemático Cabreira.
E já me não parece pouco . . .
FiNis — Laus Deo.
tS
ÍNDICE .
pái.
Explicação 7
Albino Forjaz de Sampaio no Dicionário Bibliográfico . 13
Bisantinices de um linhagista 33
Verduras da mocidade 43
Na prosa da vida. — Palavras cínicas 51
Crónicas imorais 64
Lisboa trágica 67
Prosa vil 72
Gente da rua 80
Grilhetas 89
Vidas sombrias 94
A Avalanche 98
Tibério, filósofo e moralista 109
Os Bárbaros — António Nobre 118
Páginas dispersas. — Crónicas c prólogos 12 1
Forjaz de Sampaio. . . na IraortaHdade 125
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8309
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Freire, João Paulo
Albino For jaz de Sampaio
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