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Full text of "Albino Forjaz de Sampaio; escôrço bio-bibliográfico por João Paulo Freire (Mário)"

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JOÃO    PAULO    FREIRE 

(MÁRIO) 


Albino 
Forjaz  de  Sampaio 


(Escorço  blo-bibliográfico) 


-5—^ 


Editores  -  SANTOS  &  VIEIRA 

EMPRESA  LITERÁRIA  FLUMINENSE 

125,  Rua  dos  Retroseiros,  125 

LISBOA 


Albino  FoFjaz  de  Sampaio 

(Escorço  bio-bibliográfico) 


Editores  —  Santcs  i  Vieira  —  Lisboa 
O  Tip.  da  Imprensa  Portagnesa  ^ 
Kna  Formosa,  112,  Porto  |  ilCSIIIX 


DO  MESMO  AUTOR 


OBRAS   PUBLICADAS 

Recordações  para  a  Tellúee (Eígotado)  (1908) 

Dor  (ine  mata (Esgotado)  (1909) 

Santa  Relisiâo! (Esgotado)  (1911) 

Ditosa  Pátria: (Esgotado)  (1917) 

CamiUo  C&stello  Branco  (A  Campanha  da  Lapide) .     .     .  (1917) 

Entre  Gigantes'.  (\fi  edição) (Esgotado)  (1917) 

Terra  Luza  (Camillo  em  Vandoma) (1917) 

Camillo  Castello  Branco  e  as  Quadrilhas  Nacionaes     .     .  (1917) 

Entre  Gigantes ;  (2.»  edição) (\ni\ 

Affonso  de  Domellas ('"*) 

Camillo  Castello  Branco  e  Silra  Pinto (1918) 

Impressões  da  Guerra (1919) 

NO   PRELO 

Em  serriço  da  Cruz  Vermelha 
O  fim  do  Mundo  no  Anuo  2000 

EM    PUBLICAÇÃO 

(No  Boletim  da  Sociedade  Portugueia  da  Crni  Vermelha) 
Tma  Tlagem  á  America  do  Sul  (Três  republicas  de  relance) 


Editores  — Santos  é   Vieira 
EMPRESA    LITERÁRIA    FLUMINENSE 
125  —  Bn»  doe  Retroseiro«  — 125 
USBOA 


Por  contrato  com  o  autor,  a  propriedade 
literária  absoluta  desta  obra  pertence  exdn- 
sivamente  aos  editores  Santos  &  Vieira. 


Decorum  idest,  quod  qua- 
qtia  persona  dignum  est,  et 
cuilibet  rei  consentuneum. 

Cícero. 


\ 


EXPLICAÇÃO 


Esta  tremenda  crise  de  papel  que  o  conflito  eu- 
ropeu desencadeou  em  todo  o  mundo,  ligada  a  uma 
desmedida  desvergonha  em  avolumar  lucros  fabu- 
losos pela  certa  e  sem  trabalhos  —  não  digo  quem 
—  colocou  a  indústria  editorai  num  pé  atraz,  à  ma- 
neira do  Senhor  dos  Passos,  perante  os  fazedores  de 
livros,  a  tal  ponto  que,  só  navegam  neste  mar  pro- 
celoso de  escolhos  e  recifes,  os  meninos  bonitos  das 
várias  coteries  nacionais,  os  endinheirados  ou  ainda 
um  ou  outro  felizardo  que  chorou  venturas  e  delí- 
cias no  ventre  auspicioso  de  sua  ilustre  madre. 

Nanja  os  que,  desprotegidos  ou  orgulhosos  vi- 
vem fora  dos  cenáculos  e  não  estão  sob  o  olhar 
protector  dos  deuses  da  empenhoca.  Para  esses  a 
crise  aumenta,  avoluma-se,  montanha  de  desculpas 
a  desabar  ironias  na  sua  inflexibilidade  dorsal. 

Este  ligeiro  escorço  de  bio-bibliografia  nunca  se 
escreveu   para  sair  isoladamente.   Fazia  parte,  com 


ALBINO  FORJAZ   DE  SAMPAIO 


outros,  do  segundo  volume  dos  Homens  do  meu 
tejnpo,  cujo  primeiro  volume,  já  lavadinho  e  pronto, 
espera  o  fato  domingueiro  de  uma  editoração  para 
assistir  aos  lausperennes  das  vitrines. 

Exigências,  dificuldades,  desculpas,  levaram-me 
a  esperar  melhor  monção  e  favónios  ventos,  me- 
tendo o  volume  no  recanto  pacato  de  uma  gaveta. 
E  porque  este  estudo  sobre  Forjaz  de  Sampaio  fosse 
coisa  de  pouca  monta  em  gastos  de  papel,  um  edi- 
tor benévolo  e  amigo  pegou-lhe  e  eu  não  deixei  o 
certo  pelo  duvidoso  naquela  esteira  do  velho  afo- 
rismo de  que  mais  vale  um  pássaro  na  mão  que 
dois  voando ... 

Neste  país  fazer  livros  é  ainda  córnea  ocupação 
que  não  dá  pataco  limpo  para  as  exigências  do  pe- 
tróleo. Faz  livros,  por  sport  e  por  luxo,  quem  tem 
dinheiro  para  os  editar,  ou  quem  possui  situações 
grimpantes  para  se  fazer  valer. 

Que  eu  não  tenho  grande  razão  de  queixa,  va- 
mos lá  com  Deus.  .  . 

Da  minha  pena  tenho  vivido,  trambulhão  aqui, 
ponta  de  faca  acolá,  mas  todos  os  meus  livros  me 
teem  sido  pagos  em  dinheiro  de  contado,  sem  cartas 
de  empenho,  nem  favores  de  costa  acima. 

E  tenho  encontrado  editores  honestos,  gente 
limpa,  homens  de  palavra. 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 


Só  outro  dia.  . . 

Eu  conto.  Foi  com  o  primeiro  volume  dos  Homens 
do  meu  tempo  agora  na  gaveta.  Procurei  um  editor  — 
não  cito  o  nome,  nem  a  terra  do  cavalheiro,  por 
vergonha  da  espécie  —  e  mostrei-lhe  o  original.  O 
homem  gostou.  Achou  bom.  Achou  mesmo  óptimo. 
E  em  certa  altura,  julgando-me  igual  a  muitos,  sor- 
rateiramente, assim  como  quem  se  baba  de  gozo 
perante  escândalo  de  acepipe,  propôs  a  coisa: 

—  Ahl  mas  o  seu  livro,  e.xcelentel  Creia:  você 
até  pede  pouco  pelo  original.  Lá  por  esse  lado ! .  .  . 

E  fazia  um  gesto  de  nababo  não  dando  valor  às 
Hbras. . . 

—  Há  a  questão  do  papel...  Mas  isso  reme- 
deia-se.  Talvez...  Compreende...  Simplesmente, 
você,  tem  que  cortar  uma  das  críticas.  .  .  a  de  Fu- 
lano. Bem  vê,  somos  amigos  pessoais...  Muito 
amigos. 

— !? 

—  Pouca  coisa,  não  é  verdade?  E  depois  se  você 
quisesse...  Aí  onde  elogia  Cicrano,  com  quem 
tenho  as  relações  cortadas...  se  você  quisesse... 
uma  bordoadazita  valente,  convinha-me. 

—  !I1 

Escuso  dizer-lhes  o  resto.  O  livro  foi  para  o 
canto  da  gaveta,  que  isto  de  manejar  uma  penna  é 


10  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

ainda  —  para  os  que  teem  a  espinha  recta  e  a  cons- 
ciência limpa  —  uma  bela  e  sagrada  manifestação  de 
independência  e  de  carácter  1 

Meteu-me  nojo,  muito  nojo,  o  Himalaia  de  po- 
dridão que  tal  proposta  representava.  E  o  livro  não 
saiu  e  já  agora  não  sairá  por  emquanto .  .  .  à  espera 
de  um  editor  que  mo  pague  sem  olhar  aos  amigos 
a  proteger,  nem  aos  inimigos  a  anavalhar. 

Irral  que  esta  falperra  das  letras  tem  ainda  em 
Portugal  encruzilhadas  infamantes ! .  .  . 

E  publica-se  assim  antecipadamente  este  escorço 
de  crítica  feito  com  aquela  honestidade  e  aquela  in- 
dependência que  a  porca  da  vida,  hoje  mais  do  que 
nunca,  de  todos  nós  exige. 

Para  quê  mentir,  bajular,  vergar  a  consciência 
de  uma  análise  ou  de  uma  idea,  às  conveniências 
de  uma  amizade,  ou  à  moeda  prostituída  de  uma 
compra,  material  ou  moral? 

Que  me  importa  a  mim  o  conceito  alheio,  se  eu 
peguei  na  pena,  não  para  escrever  ao  sabor  dos  ou- 
tros, mas  para  obedecer  à  minha  inteligência  e  se- 
guir, com  rectidão  e  justiça,  o  caminho  traçado  pelo 
meu  estudo  ? 

A  mim  me  basta  e  me  consola  o  poder  excla- 
mar no  fim  dos  meus  trabalhos  —  é  honesta  a  minha 
obra. 


ALBINO  FORJAZ   DE    SAMPAIO  11 

Tudo  O  mais  é  manigância  vil  que  não  serve 
sequer  para  abrir  os  alicerces  a  uma  barraca  de  feira 
onde  tripudiem  palhaços ! 

Há  que  fazer  justiça  aos  outros,  não  pelo  que 
êles  são,  mas  pelo  que  êles  valem.  Para  mim,  à 
minha  mesa  de  trabalho,  não  tenho  amigos,  nem 
conheço  inimigos,  precisamente  como  o  médico,  na 
mesa  anatómica,  ao  procurar  a  causa  da  doença, 
não  pergunta  que  fato  trazia  a  vítima. 

É  preciso  ser  recto,  ser  justo,  e  sobretudo  ser 
honesto. 

Se  me  reconhecerem  estas  qualidades  tenho  o 
quantum  satis  de  justiça  que  ambiciono. 

E  agora,  meus  senhores,  vai  subir  o  pano . . . 


i 


Albino  Forjaz  de  Sampaio 


no  Dicionário  Bibliográfico 


Eu  podia,  seguindo  velhas 
usanças  de  outros  que  para  aí 
se  guindaram  aos  pináculos  da 
fama  e  das  sabenças  genealó- 
gicas e  bibliográficas,  escarra- 
pachar para  aqui  tudo  o  que 
há  sobre  Albino  Forjaz  de 
Sampaio,  como  sendo  sciência 
minha. 

Podia.  .  .  Mas  era  desonesto  e  hoje  mais  do 
que  nunca  é  preciso  dar  a  todos  exemplos  de  hones- 
tidade a  ver  se  isto  muda,  se  voltamos  á  vida  sa, 
laboriosa  e  honrada,  .  .  E  assim,  aqui  teem  os  lei- 
tores a  transcrição  do  que  sobre  Forjaz  de  Sampaio 
há-de  dizer,  quando  se  publicar,  o  i."  volume  reedi- 


Aibino  Forjaz  de  Sampaio 

Por  Prancisco  ValeaçA 
(OoBUamU  — 1904) 


14  ALBINO   FORJAZ   DE  SAMPAIO 

tado,  do  Inocêncio,  que  Álvaro  Neves  está  traba- 
lhando. Foi  Álvaro  Neves  quem  teve  a  gentileza  de 
me  fornecer  a  cópia  que  reproduzo  e  são  de  Álvaro 
Neves  estas  notas,  que  hão-de  pertencer  a  pági- 
1^213  37,  38,  39/40  e  41  do  Dicionário  Bibliográ- 
fico, 

Há  nelas  porem  lacunas  que  não  podiam  passar 
em  julgado,  assim  como  também  após  o  trabalho 
bibliográfico  de  Álvaro  Neves  outros  volumes  de 
Forjaz  apareceram.  Para  que  tudo  se  complete,  as 
lacunas  desapareçam  e  os  novos  trabalhos  se  men- 
cionem, irei  anotando  em  diferente  tipo  e  composi- 
ção recolhida,  tudo  o  que  de  novo  souber  e  que  o 
Dicionário  Bibliográfico  do  Inocêncio  não  irá  possuir 
pela  pena  de  Álvaro  Neves.  Ficará  assim  esta  obra, 
tanto  quanto  possível,  útil  e  completa. 

E  sem  mais  preâmbulos  mãos  à  obra: 


Albino  Maria  Pereira  Forjaz  de  Sampaio,  conhe- 
cido no  meio  literário  por  Albino  Forjaz  de|Sam- 

paio,  filho  de   António  Maria  Pereira  Forjaz — que 
foi  caixeiro  das  livrarias  Orcei  e  Manuel  de  Almeida 
Cabral,   em   Coimbra,  Ferreira  e  Tavares  Cardoso, 
em  Lisboa  —  e  de  D.  Maria  Antónia  Pereira  Forjaj 
Nasceu  em  Lisboa,  aos  19  de  Janeiro  de  1884. 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  15 

Há  erro  no  nome  do  pai.  É  Albino  Maria  Pe- 
reira Forjaz  e  não  António.  Na  certidão  de  baptismo 
afirma-se  ter  o  escritor  nascido  a  i6.  Foi  engano  de 
quem  participou  o  nascimento. 

Após  os  primeiros  estudos  viveu  durante  anos 
« laboriosa  e  estreitamente  entre  um  escritório  de 
companhia  de  seguros  e  a  colaboração  nalgumas 
folhas  que  lhe  pagavam  artigos  pelo  preço  por  que 
às  esquinas  os  moços  de  corda  não  querem  mais 
fazer  recados»,  como  em  1910  escrevia  a  seu  res- 
peito Fialho  de  Almeida. 

Tenho  sobre  a  banca  a  vastíssima  bagagem  lite- 
rária de  Forjaz  de  Sampaio  iniciada  aos  14  anos. 
<Estreou-se  com  o  artigo  sobre  a  Typographia  em 
Portugal.  Esse  escrito  é  a  revelação  do  seu  enge- 
nho subtil  e  o  prenúncio  duma  tendência  investiga- 
dora. Surge  o  segundo  trabalho  e  desaparece  esse 
desígnio,  tomando  o  artista,  por  temperamento,  a 
fase  romântica,  poética,  sentimental.  Desse  período 
—  de  poeta  —  legou  composições  impressas,  depois 
inteiramente  repudiadas ».  Todavia,  porque  correm 
impressas,  entendi  registá-las,  conquanto  isso  muito 
pesar  cause  ao  escritor. 

Forjaz  de  Sampaio  começou  a  constituir  biblio- 
teca aí  por  1909,  possuindo  actualmente  alguns  mi- 
lhares de  volumes.  Se  é  apaixonado  bibliófilo  não  é 


16  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

menos  apaixonado  coleccionador,  sendo  já  grande 
as  suas  colecções  de  autógrafos  e  teatro  de  cordel 
dos  séculos  XVII  a  princípios  do  XIX  a  qual  se  com- 
põe de  quási  tresentas  peças.  Possue  também  os 
clássicos  em  primitivas  edições. 

Da  sua  colecção  de  teatro  de  cordel  apresentou 
o  catálogo  à  Academia.  Compõe-se  de  mais  de  800 
peças.  A  Academia,  achando  valor  ao  catálogo,  por 
proposta  do  presidente  Braamcamp  Freire  e  de  Hen- 
rique Lopes  de  Mendonça  deliberou  imprimi-lo  em 
separado,  tendo  para  isso  solicitado  o  parecer  da  classe 
de  letras  que  o  deu  favorável.  Foi  relator  H.  Lopes 
de  Mendonça.  Já  começou  a  impressão. 

Em  10  de  Maio  de  1911  foi  nomeado  arquivista 
chefe  da  Biblioteca  e  Arquivo  do  Ministério  do  Fo- 
mento. 

Ern  1905,  por  proposta  do  escritor  italiano  co- 
mendador António  Padula,  foi  eleito  sócio  corres- 
pondente da  Societá  Luigi  Camoens,  de  Nápoles. 
Em  Maio  de  191 7  foi  eleito  sócio  correspondente 
da  Academia  das  Sciências  de  Lisboa. — E. 

295)  Reino  Perdido.  Ao  Heliodoro  Augusto  da 
Nova  no  dia  do  seu  aniversário  of.  do  a.  e  de  Filipe 
Nunes  da  Silva  (Soneto)  28-io-çoi.  Sem  indicação 
<le  tipografia.  Folha  medindo  310x230. 

296)  Violáceas  (vinheta).  Lisboa,  içoi.  No  verso 
da  capa :   « Tiragem  numerada  de  5  exemplares  em 


ALBINO    FORJAZ   DE  SAMPAIO  17 

papel  de  linho,  45  exemplares  em  papel  coucké*. 
Na  primeira  página  começa  a  composição  encimada 
com  a  dedicatória  aos  seus  íntimos  Heliodoro  Au- 
gusto da  Nova  e  Francisco  Ferreira  Alves  Teixeira, 
continuando  na  página  3,  sendo  a  segunda  página 
em  branco.  E  um  <  excerto  da  Via-D olorosa,  em 
preparação  >  naquela  data,  mas  nunca  publicada. 
Imprensa  de  Libanio  da  Silva.  Lisboa. 

As  Viohktas  são  anteriores  ao  Reyno  Veràido. 
Nem  estes  nem  A%  moiras  passaram  de  um  número 
restrito  de  amigos. 

297)  O  So/  do  Jordão.  Lisboa,  1Ç02.  Livraria 
Central  de  Gomes  de  Carvalho,  24-6  pág.  Este  livro 
provocou  as  invectivas  da  crítica.  Teve  uma  tiragem 
de  dois  exemplares  em  papel  Whatman.  O  folheto 
fecha  com  o  soneto  Ao  cair  da  folha  que  interna- 
cionalizou o  autor. 

298)  As  moiras.  Ao  Henrique  Marques  Júnior. 
Poesia  escripta  expressamente  para  ser  recitada  no 
dia  6  de  Julho  de  IÇ02,  21.'  anniversario  de  Henri- 
que Marques  Júnior,  e  baptisado  de  sua  querida 
irmã.  Folha  de  4  pág. 

A  tiragem  limitada  foi,  creio,  de  15  exemplares 
e  não  entrou  no  mercado. 

299)  Versos  do  Reyno.  Lisboa.  Tip.  da  Empresa 

tOtJkl    DE   SAJirAIO  2 


18  ALBINO   FORJAZ   DE  SAMPAIO 

da  Historia  de  Portugal,  içoj.  64  pág.  com  o  re- 
trato do  autor,  por  A.  V.  Migueis. 

300)  Ao  cair  da  folha.  Soneto.  Tradticções :  fran- 
cesa de  Henri  Faure;  allemãs  de  Louise  Ey  e  do 
Dr.  Wilhelm  Stork;  ingleza  de  Edgar  Prestage;  ita- 
liana do  Dr.  Bobbio  Porzia;  hespanholas  de  D.  Cár- 
men de  Burgos y  Segui  e  D.  Manuel  Lorenzo  D'Ayot; 
sueca  do  Dr.  Gõran  Bjõrkman.  Lisboa.  Viuva  Tava- 
res Cardoso,  iço^.  — 16  pág.  dedicadas  «á  Ex.™* 
Sr.*  D.  Olga  Moraes  Sarmento  da  Silveira,  home- 
nagem de  admiração  pela  sua  individualidade  artis- 
tica>.  Começa  pelo  soneto  em  português.  No  fim 
do  folheto :  « Acabou  de  se  imprimir  este  volume 
aos  trinta  de  Agosto  de  mil  novecentos  e  quatro  na 
Typographia  Oriental  em  Lisboa  >. 

3c i)  Palavras  Cynicas.  (Em  curandel:  «Todo 
o  homem  tem  em  si  a  sua  tragedia.  ..  devo  mos- 
trar com  sinceridade  a  minha  tragedia.  —  Sien- 
kiewikz»).  Lisboa.  Livraria  editora  Viuva  Tavares 
Cardoso.  igo§.  Lisboa.  Tip.  de  Francisco  Luís  Gon- 
çalves. 136  pág.  divididas  em  oito  cartas  ou  capítu- 
los. Foi  este  livro,  escrito  no  género  schopenhau- 
reano,  que  tornou  conhecidíssimo  o  autor,  e  mereceu 
larga  crítica. 

Cândido  de  Figueiredo,  escreveu  a  propósito,  no 
Diário  de  Noticias  de  20  de  Maio  de  1905:   <Um 


ALBINO   FORJAZ   DE  SAMPAIO  IQ 

livro  pessimista  e  blasfemo,  primeiro  livro,  em  prosa, 
de  um  moço  laborioso,  inteligente  e  audaz.  . .  > 

302)  Nos  annos  de  uma  Rosa.  2j-io-go6.  Pla- 
quete  anónima  inserindo  três  quadras  e  tendo  no 
fim :  Tip.  Paulo  Guedes  âf  Saraiva.  Lisboa.  Edição 
particular  de  40  exemplares  numerados. 

303)  Chronicas  immoraes.  (Em  curandel :  « O 
que  melhor  se  ria  será  o  último  a  rir-se.  —  F. 
Nietzsche»).  Lisboa.  Livraria  clássica  editora  de  A. 
M.  Teixeira  éf  C^,  igo8  —  288  pág.  Dedicatória : 
ao  Dr.  Brito  Camacho.  Este  volume  é  constituído 
por  artigos  publicados  anteriormente  em  A  Lucta 
e  na  Revista  Litteraria  Scientijica  e  Artística  de 
*.  O  Século >.  Eis  o  sumário:  Crónicas  imorais  — 
Juízo  do  ano  —  Artistas  —  Jettatore  —  Os  mineiros  — 
Um  sábio  português  —  Emigrantes  —  Gabriel  d'An- 
nunzio — Um  poema  —  Oriente  —  As  flores  —  Quanto 
custa  uma  mulher? — O  Teatro  Nacional  —  D.  João 
da  Câmara  —  Arte  de  Reinar  —  Religiões  —  Gomes 
Liai  —  Naufrágios  —  Goron  —  Mercedes  Blasco  —  A 
deliciosa  mentira  —  Estátuas  e  comendas  —  A  tris- 
teza profissional  —  A  morte  —  Poetas  —  O  Tempo  — 
A  decadência  do  jornalismo  em  França  —  O  Carna- 
val—  Academias  —  O  passado  —  O  calor  —  Os  basti- 
dores do  génio:  Zola,  Wagner,  Gorki  —  A  tortura 
do  estilo,  Eça  de  Queiroz. 


20  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

Este  livro  foi  motivo  de  vários  enfados  para  o 
autor  por  ter  aparecido  anotado  sobre  a  mesa  onde 
trabalhava,  e  junto  da  qual  se  suicidou  o  conhecido 
boémio  Dr.  Alberto  Costa  (Pad-Zé). 

Há  2.'  edição  de  Santos  &  Vieira.  Lisboa,  191 5 
(2.»,  3.°  e  4.»  milhar)  287-1  pág.  3.'  edição  de  19 18 
(5.°,  6.°  e  '].°  milhar)  273-1  pág.  Tem  um  «Prefácio 
da  3.*  edição». 

304)  Lisboa  trágica.  (Aspectos  da  cidade),  [em 
curandel:  Esta  imensa  cidade  de  quatrocentos  mil 
habitantes  e  seis  milhões  de  egoísmos ...  —  Fialho 
d' Almeida]  com  um  retrato  do  autor  por  António 
Carneiro.  Lisboa.  Santos  âr  Vieira,  editores.  Em- 
presa Litteraria  Fluminense. 

É  constituída  pelos  capítulos  seguintes : 

Dedicatória  (A  Fialho  de  Almeida)  —  Symphonia 
de  abertura.  A  Cidade  —  Lisboa  trágica  —  Do  anoite- 
cer á  madrugada — A  Vida  —  Da  Loucura  á  Enxovia 

—  Conto  do  Natal — Uma  noite  de  rusga — Vidas  som- 
brias. I:  Os  Vagabundos — Vidas  sombrias.  II:  Abys- 
sus  abyssum  invocat — Gente  de  Fogo — A  Expiação  — 
Comedia  burgueza.  Sonata  de  Inverno — Noite  de  em-  1 
barque  —  Historia  de  um  polichinello  —  Prazeres  que  ■ 
matam  —  «As  sombras  da  casaria...»  —  Os  pobres 

—  Depois  da  morte  -  O  ventre  da  cidade  —  Vidas 
sombrias.  III:  Elegia  de  uma  flor  fanada — Noite 
morta— Vidas  sombrias.  IV :  No  Hospital. — Amanhã. 


ALBINO  FORJAZ   DE  SAMPAIO  21 

305)  Como  se  implantou  a  Republica  em  Portu- 
gal (Notas  dum  revolucionário).  Lisboa.  Editores, 
Santos  <5r  Vieira.  Empresa  Litterária  Fluminense, 
igio.  —  1 90  pág. 

E  muito  interessante  como  repositório  de  do- 
cumentação histórica.  Insere  as  proclamações  da 
Junta  Revolucionária  e  os  primeiros  editais  do  Go- 
verno Provisório. 

306)  Como  se  implantou  a  Repuilica  em  Portu- 
gal.  2.*  edição  no  mesmo  ano  e  igual  à  anterior. 


A  1.'  edição  saiu  anónima  e  a  2.*  que  é  muito 
aumentada  saiu  cora  o  pseudónimo  de  Freitas  Sa- 
raiva. A  bandeira  da  capa  da  primeira  é  a  bandeira 
da  revoluçno,  encarnada  e  verde,  a  da  2.',  a  bandeira 
da  República,  verde  e  encarnada,  particularidade  que 
talvez  nem  todos  tenham  noudo. 


307)  Palavras  Cynicas.  2.'  edição.  Lisboa,  içii. 
Editores,  Santos  6^  Vieira.  144  pág.  Tem  um  <  Pre- 
facio da  2.*  edição  >. 

308)  Prosa  vil.  (Em  curandel  :  « Cousas  do 
mundo,  umas  que  vão,  outras  que  vem,  outras  que 
atravessam  e  todas  passam. — P.  António  Vieira)». 
Editores,  Santos  <5^  Vieira.  Empreza  Litterária  Flu- 
minense. Lisboa.  228  pág.  Dedicatória:  <  Ao  Dr. 
Cassiano  Neves  ».  Eis  o  sumário : 


22  ALBINO   FORJAZ   DE  SAMPAIO 

<  Quando  o  fado  é  rigoroso ...  —  O  fado  —  Fra- 
gmento duma  carta  —  Loucos  —  Políticos  —  A  Dança 
— João  Rosa  —  Chapéus  e  animatógrafos  —  Viagens 

—  A  questão  ortográfica  —  Oscar  Wilde  —  Teatro  da 
Natureza — A  gastronomia,  sciência  da  vida  —  Scena 
primitiva  —  O  Senhor  Richepin  —  Na  Boa  Hora  — 
Jornais  e  jornaUstas  —  A  Religião  do  Riso  —  A  Paz 

—  CatuUe  Mendes  —  A  conquista  do  céu  —  Os  San- 
tos populares  —  Revistas  do  Ano  —  Ferrer  —  Camilo 

—  Deuses  —  O    museu   instrumental  —  O   Chantecler 

—  Motins,  Bernardas  e  Revoluções  —  O  ódio  —  Os 
desherdados  —  A  alma  das  cousas  —  O  Público  — 
Gente  moça  —  índice  (pág.  221-222). — índice  de  au- 
tores citados  (pág.  223-226)  e  crítica  a  Lisboa  Trá- 
gica por  Manuel  Penteado,  do  Jornal  do  Coviércio  >. 


Há  2. a  edição   1917  (3.°  e  4.0  milhares)  218-6 
j.  No  prelo  33.*  edição  (5.°  e  6.°  milhares). 


309)  Os  Palhaços,  acomodado  à  scena  portu- 
guesa e  representado  no  Jardim  da  Estrela  em  10 
de  Agosto  de  191 1.  O  crítico  teatral  do  Diário  de 
Notícias  escrevia  a  propósito  desta  peça: 

« Como  trabalho  literário,  afigurou-se-nos  ser 
muito  apreciável,  dispondo  bem  logo  de  entrada  o 
espectador  o  prólogo,  em  verso  de  boa  cadência. . .  > 


ALBINO   FORJAZ   DE   SAMPAIO  23 

Foram  traduzidos  e  escritos  com  um,  hoje,  dis- 
tinto médico.  Foram  representados  e  publicados  anó- 
nimos. 

Traduziu  também  A  casa  feli-{,  de  Benavente. 

310)  Palavras  cínicas,  j."  edição.  Mesmo  editor 
da  2.*  edição.  igi2. 

311)  República  Portuguesa.  Ministério  do  Fo- 
mento. Relatório  sobre  a  Biblioteca  e  Arquivo  Geral. 
Junho  de  içii  a  Janeiro  de  içi2  por  Albino  Maria 
Pereira  For  jaz  de  Sampaio .  . .  Lisboa.  Imprensa 
Nacional  igiz.  87  pág. 

3 1 2)  Palavras  cínicas.  Do  mesmo  editor  e  igual 
à  2.*  edição,  se  fez  ainda  no  ano  de  191 2  o  4.**, 
5.",  6.''  e  7.'»  milhar  deste  livro. 


(4.0  a  7.0  milhares).  É  de  191 5,  145-1  pág. 
Saíram  mais  as  seguintes  edições :  4.*  (8.°  a  1 1.»  mi- 
lhares). Lisboa,  1916,  143-1  pág  ;  5,*  (12.°  a  14. "* 
milhares).  Lisboa,  1917,  M0-4  pág.;  6.*  (15.**  e 
16. °  milhares).  Lisboa,  1918,  140-4  pág. 

Tudo  isto  se  refere  ao  n.**  310  que  assim  se  du- 
plicou. 


313)  ^J-  Biblioteca  de  s ciências  contemporâneas. 
Artur  SchopenJiauer.  Dores  do  mundo.  A  metafísica 
do  amor.  A  morte.  A  Arte.  A  moral.  O  Homem  e  a 
Sociedade.     Tradução   prefaciada   por. . .    Editores, 


24  ALBINO   FORJAZ  DE  SAMPAIO 

Santos   âr  Vieira.   Empresa  Litterária  Fluminense. 
Lisboa.  191 3. 

314)     Idem.    Com   o  mesmo  frontispício  se  fez 
uma  separata  das  24  pág.  do  prefácio. 


Foi  de  100  exemplares  a  tiragem.  Tem  2.*  edi- 
ção esta  tradução  de  Schopenhauer,  mesmo  editor» 
1918  —  214-2  pág.  Do  prefácio  desta  edição  fêz-se 
uma  separata  de  32  exemplares  com  frontispício  e 
capa  própria  intitulado  Schopenhauer. 


315)  Lisboa  trágica.  2.*  edição,  igual  à  pri- 
meira 191 3. 

A  I.*  edição  é  de  1910  e  tem  271-1  pág. 
A  2.^  é  de  1914  e  tem  221-3  P^g-  -^  ?•*  ^^  '9^7 
(5.°  e  6.°  milhares)  e  tem  231-1  pág.  A  4.*  de  1919 
(7.0  e  8.°  milhares)  e  tem  231-1  pág. 

316)  Gente  da  Rua  (novela).  (Em  curandel: 
<Não  se  corta  ao  destino  a  garra  adunca.  Uns 
teem  na  fronte  o  selo  da  desdita.  Outros ...  os 
outros,  não  nasceram  nunca  —  N.  de  Lacerda»). 
Editores,  Santos  âr  Vieira.  Empresa  Literária  Flu- 
minense. Lisboa.  1914.  —  156  pág,,  3  de  apreciações 
a  várias  obras  do  autor.  É  dedicada  «a  Bento  Mân- 
tua,  à  sua  obra,  à  sua  amizade  > .  Impresso  na  Tip. 
da  Imp.  Literária  e  Tipográfica.  Porto. 


ALBtNO  FORJAZ   DE   SAMPAIO  25 


(i.°,  2,'  e  3.°  milhares).  Saiu  2.*  edição  (4.0  e 
5.0  milhares),  mesmo  editor  191 7 — 158-2  pág. 


317)  República  Portuguesa,  Ministério  do  Fo- 
mento. Relatório  sobre  a  Biblioteca  e  Arquivo  Geral. 
Janeiro  de  içi2  a  Dezembro  de  içij,  por  Albino 
Maria  Pereira  Forjaz  de  Sampaio.  Lisboa.  Imprensa 
Nacional,  içi^.  —  20  pág. 


Forjaz  de  Sampaio  tem  publicado  mais  os  se- 
guintes livros : 

a)  Grilhetas.  Em  curandel :  < . , .  fechei  a  porta 
do  mundo  por  detrás  de  mim  e  lancei  a  chave  pela 
janela...  Nada  mais,  nada  mais  no  meu  antro,  do 
que  o  trabalho  e  eu  ;  éle  devorar-me  há  e  depois 
nada  mais  haverá,  nada  mais !  >  Emile  Zola.  Lisboa, 
editores.  Santos  &  Vieira,  1916  —  (i.",  2,0  e  3.0  mi- 
lhares) 252-4  pág. 

Compõe-se :  da  dedicatória  Ao  Dr.  António  Au- 
rélio da  Costa  Ferreira  e  Este  livro...  —  Resposta  a 
um  inquérito  — Máscaras.  Silva  Pinto — Na  hora  da 
morte.  Silva  Pinto  —  Bulhão  Pato  —  Ramalho  Orti- 
gão —  Gimillo.  Camillo  Castello  Branco  —  Fialho. 
Fialho  d' Almeida  —  Fialho  d' Almeida  no  teatro  — 
Eça  de  Queiroz.  Velhos  papéis.  Eça  de  Queiroz  co- 
merciante. Uma  carta  inédita — Jules  Claretie  —  In- 
quéritos de  jornal.  Como  trabalham  os  nossos  escri- 
tores. Fumam?  cigarro,  charuto  ou  cachimbo?  — 
A  margem  de  alheios  livros.  «Outros  tempos»,  de 
Júlio  Dantas — «Evolução  do  teatro»,  por  Eduardo 
Noronha  —  «Flores  do  mal  >  —  Figuras  gradas.  Bento 


26  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 


Mântua — Eduardo  Schwalbach  —  Annibal  Fernandes 
Thomaz  —  Latino  Coelho. 

íiá  2.*  edição,  revista  e  aumentada.  Mesmos  edi- 
tores. Lisboa,  1919  (4.0, 5.0  e  6.°  milhares).  Tem  um 
«Prefácio  da  2.*  edição». 

b)  Vidas  sombrias.  Em  curandel.  «De  todo  o 
escrito  só  me  agrada  aquilo  que  uma  pessoa  escreveu 
com  o  seu  sangue.  Escreve  com  sangue  e  aprende- 
rás que  o  sangue  é  espírito».  F.  Nietzsche.  Dedica- 
tória: To  Miss  Annie.  To  her  proud  and  suffering  heart. 
Corapõe-se  dos  seguintes  artigos:  Intróito  —  Vaga- 
bundos I —  O  filósofo  —  Vagabundos  II  — O  pai  — 
Filhos — O  sonho — O  bêbedo — O  cigarro — A  morte 

—  O  amor  —  Um   conto  banal  —  O   frio  —  A  velha 

—  Amor  que  mata — A  órfã — O  abismo  —  O  álcool 

—  A  professora  —  Carne  de  embarque  —  Famintos  — 
O  enterro  dos  regicidas — O  14  de  Maio.  Na  Morgue. 

Lisboa,  editores  Santos  &  Vieira.  1917.  (1.°,  2.® 
€3.**  milhares)  255-1  pág. 

c)  Tibério,  filósofo  e  moralista.  Em  curandel. 
«  O  que  Esdras  escreveu  nas  margens  do  rio  dos  sal- 
gueiros melancólicos,  junto  a  Babilónia,  há  mais  de 
25  séculos,  ainda  se  conserva:  «A  verdade  é  eterna 
e  não  perece  nunca :  vive  e  vence  sempre.  >  Draper. 
Dedicatória.  A  Delfim  Guimarães,  poeta  e  amigo. 

Compõe-se  dos  seguintes  artigos:  Prefácio  — 
O  optimismo  do  pessimismo  —  O  elogio  —  Amor, 
dinheiro,  casamento  —  O  elogio  da  cana  anónima  — 
Agiotar  —  O  elogio  das  feias  — Do  roubo  —  Donde 
vem  o  mal  —  A  côr  das  horas  —  A  mentira  —  A  mu- 
lher do  próximo  —  A  geografia  —  Barbaridades  —  Os 
Amigos  —  Movimento  associativo  —  Da  hipocrisia  — 
A  mulher  que  passa  —  Todos  somos  filósofos — A 
felicidade  — A  loucura — A  paciência. 

Lisboa,  1918  (i  .*>  e  2.»  milhares).  Está  no  prelo  a 
2."  edição. 


ALBINO   FORJAZ  DE  SAMPAIO  27 


d)  /í  Avalanche.  (À  margem  da  grande  guerra). 
Era  curandel.  <0  que  tem  a  força  está  c  por  cima 
das  leis. . .  >  Aos  meus  olhos  a  minha  propriedade 
estende-se  até  onde  se  estende  o  meu  braço ;  eu  rei- 
vindicarei como  meu  tudo  o  que  sou  capaz  de  con- 
quistar e  não  verei  à  minha  propriedade  outro  domí- 
nio real  mais  do  que  a  minha  força,  única  fonte  do 
meu  direito».  Max  Stirner. 

Compõe-se  da  dedicatória  adiante  transcrita  e 
dos  seguintes  artigos:  A  Avalanche  —  A  margem  da 
grande  guerra.  A  arte  da  guerra  —  A  Alemanha  — 
Deutschland  Qber  alies  —  A  idea  da  força  —  A  arte 
alemã  —  A  Germânia  aventureira  —  Cidades  flutuantes 

—  Guerra  em  tempo  de  paz  —  A  Bélgica  —  A  Ingla- 
terra—  A  invasão  da  Inglaterra — Jellicoe  —  A  icono- 
grafia da  guerra  —  A  arte  e  a  guerra  —  A  espionagem 
alemã  —  O  jornalismo  e  a  guerra  —  Civilizados!  — 
O  pan-germanismo  —  A  indemnização  ■:—  Deus  e  o 
kaiser  —  .Vo  coração  da  guerra.  Soldados  de  Portugal. 
A  caminho  do  front  I  a  VIII  —  No  front  IX  a  XIV 

—  A  «trincha  ». 

Lisboa,  1918.  224  pág.  (i.»  a  4.°  milhares). 

e)  Os  'Bárbaros.  I  —  António  Nobre.  Em  curan- 
del :  <  Olhai-me,  doutores  I  Há  doidos,  há  lava  na 
minha  família. . .  António  Nobre— Só».  Editores, 
Guimarães  Sc  C.«.  Lisboa,  19 18  — 108-4  pág.  (i."  e 
2.»  milhares).  9  ilustrações  —  A.  Nobre  em  1888, 
1894,  sem  data,  o  áltimo  retrato,  um  de  R.  Gameiro, 
um  de  A.  Carneiro,  outro  de  Th.  Costa,  a  casa  de 
Seixo,  e  a  casa  onde  o  poeta  faleceu  ;  a  fechar,  um 
autógrafo. 

Co.m  -o  dramaturgo  Bento  Mántua  escreveu  : 

f)  O  Livro  das  Cortesãs  —  Antologia  de  Poetas 
ponugueses  e  brasileiros.  Lisboa,  1917  — 235-5  pí^g-. 
ilustrado  por  Alberto  de  Sousa,  António  Soares,  F. 
Valença,   H.   CoUomb,  José  Malhoa,   Martinho  da 


28  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 


Fonseca,  Menezes  Ferreira,  Roque  Gameiro,  Saave- 
dra  Machado,  Santos  Silva  (Alonso)  e  Stuart  de  Car- 
valhaes. 


Tem  no  prelo:  Formosa  Lusitânia. 
Foi  já  publicada,  anónima. 

Prefaciou :  José  Duro.  Fel  (i8ç8).  içjó.  Livraria 
editora  Guimarães  âr'  C."  Lisboa,  prefácio  que  corre 
de  pág.  5  a  1 3 ; 

Cartas  de  Camillo  Castello  Branco.  Com  uma 
introdução  e  noticia  bibliográfica  por  Albino  For  jaz 
de  Sampaio.  Publicadas  em  fac-simile  por  Manuel 
dos  Santos.  Lisboa.  Livraria  Manoel  dos  Sintos. 
igiò.  A  introdução  vai  de  pág.  5311; 

Noutros  tevipos,  por  António  Aurélio  da  Costa 
Ferreira. 

O  Fã  prefaciado  é  2."  edição.  Das  Cartas  de 
Camilo  tiraram-se  apenas  40  exemplares. 

Prefaciou  mais :  A  Musa  Loira.  Contos  imorais 
de  Beldemónio.  2.*  edição.  Lisboa,  1917.  (Tirarara-se 
10  exemplares  em  papel.de  linho). —  Terra  alheia, 
contos  traduzidos  por  Henrique  Marques  Júnior.  Lis- 
boa. 1904;  Escrínio  de  jóias,  contos  de  Grimm,  tra- 
dução do  mesmo.  Lisboa,  1909;  No  caos  da  ide-a,  por 
Fernando  Caetano  Pereira.  Coimbra,  1916;  Heras  e 
Violetas,  por  Guilherme  Braga,  }.*  edição.  Lisboa, 
1917;  Ilusão  Desjeita,  por  D.  Maria  0'Neil,  2.*  edi- 
ção. 


<! 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  29 

Colaborou  em:  O  Eco  Tipográphico  —  A  Hunui' 
nidade,  de  Coimbra  —  Revista  literária,  scientifica  e 
mrtistica  d' O  Século — Os  Serões  —  A  Actualidade  — 
O  Imparcial — I Ilustração  Portuguesa — A  Chronica, 
que  dirigiu  —  O  Heraldo,  que  fundou  e  de  que  se 
publicaram  4  números  —  A  Folha  do  Sul,  de  Novo 
Redondo  —  Diário  da  Tarde  —  O  Xuáo  —  A  Sátira 
—  Varões  Assinalados  —  Novidades  —  A  Lucta  —  A 
Noticia  —  O  Século. 

Há  ainda  larga  colaboração  sua  em  A  Humanidade, 
de  Coimbra  e  no  In  memoriam,  de  Fialho  de  Almeida; 
e  nos  Almanaques:  da  Lucla  para  1910,  dos  Theatros 
1903,  Palcos  e  Salas  1909,  da  Pararia  António  Maria 
Pereira  1917.  Colaborou  também  no  Portugal  Médico, 
do  Porto,  de  que  há  duas  separatas :  Medicina,  lite- 
ratura e  história,  30  exemplares;  e  A  literatura  e  os 
Médicos,  32  exemplares. 

Críticas  à  sua  obra:  Do  Sr.  Dr.  Cândido  de  Fi- 
gueiredo, no  Diário  de  Noticias,  de  20  de  Maio  de 
1905,  bem  como  dos  Srs. : 

Armando  de  Araújo,  no  Arco  íris,  de  28  de  Maio 
de  1905; 

Abel  Botellio,  em  O  Dia,  de  30  de  Maio  de 
1905; 

Marcos  Martins,  no  Nove  de  Junho,  de  3  de  Junho 
de  1905; 


30  ALBINO  FORJAZ   DE  SAMPAIO 

Alfredo  Pimenta,  no  Arco  íris,  de  22  de  Janeiro 
de  1906; 

Alberto  A.  Insua  Escobar,  no  Heraldo,  de  De- 
zembro de  1905 ; 

Francisco  da  Silva  Passos,  no  jornal  Republica^ 
do  Dr.  Artur  Leitão. 

Além  de  muitas  outras  não  assinadas. 

No  livro  de  Henrique  Marques  Júnior,  intitulado 
Esboços  de  critica^  encontra-se  um  capítulo  a  seu  res- 
peito, assim  como  no  livro  de  Fialho  de  Almeida 
Saibam  quantos .  .  .  e  Avelino  de  Sousa,  no  livro  in- 
titulado O  Fado  e  os  seus  censores . . .  Lisboa.  191 2, 
ocupa-se  de  Forjaz  de  Sampaio. 

O  artigo  de  Silva  Passos  foi  publicado  no  Liberal 
e  não  na  República.  Podem  ver-se  ainda  artigos  de: 
Fialho  d' Almeida,  sobre  a  Lisboa  trágica,  do  Saibam 
quantos...  (veja-se  Palavras  cínicas);  Eduardo  Schwal- 
baçh,  sobre  a  Gente  da  Rua,  do  Jornal  de  Noticias  (ve- 
ja-se Crónicas  imorais);  Abel  Botelho,  sobre  as  Pala- 
vras cínicas,  de  O  Dia  (veja-se  Lisboa  trágica);  Manuel 
Penteado,  sobre  a  Lisboa  trágica,, àe  O  Jornal  do  Co- 
mércio (veja-se  Prosa  vil);  Aníbal  Soares,  sobre  a 
Lisboa  trágica,  do  Correio  da  Manhã  (veja-se  Gente  da 
rua);  Júlio  Dantas,  sobre  a  Gente  da  Rua,  de  O  Pri- 
meiro de  Janeiro  (veja-se  Grilhetas);  Augusto  Gil,  so- 
bre os  Grilhetas,  de  A  Lucta  (veja-se  Vidas  sombrias); 
Silva  Pinto,  sobre  Crónicas  imorais,  do  Para  o  fim  t 
Saldos  (veja-se  A  Avalanche);  Eduardo  Schwalbach, 
sobre  Tibério,  filósofo  e  moralista,  do  Jornal  de  'Noticias 
(veja-se  António  Nobre). 


ALBINO  FORJAZ  DE   SAMPAIO  31 


Também  a  seu  respeito  escreveram  Henrique  de 
Vasconcelos  na  Luta,  Rocha  Martins  no  Diário  Ilus- 
trado, Manuel  de  .Sousa  Pinto  na  Máscara  e  na  Atlân- 
tida, Delfim  Guimarães  nas  Noindades,  Alfredo  Gális 
no  Tempo,  Júlio  Camba  no  Heraldo  de  Madrid,  Al- 
maquio  Diniz  no  livro  Moral  t  Critica,  Ribera  i  Ro- 
vira  no  Portugal  literari,  Angel  Guerra  na  Lectura  e 
Lourenço  Gaiola  no  Diário  de  Notiãas. 

E  já  agora  para  completar  tanto  quanto  possível 
estas  notas  íaça-se  ainda  mais  este  pequenino  acres- 
cento que  não  deixa  de  ser  interessantíssimo : 

IcoNOGR.\FiA  —  'Portrait-charge  de  F.  Valença 
(Terra  Alheia),  caricaturas  de  Saavedra  Machado, 
Amarelhe,  Collomb  e  Alberto  de  Sousa.  Retratos: 
lápis,  de  António  Carneiro;  óleo  e  carvão,  de  Alfredo 
Migueis;  pastel  de  Martinho  da  Fonseca. 

A  seguir  ao  estudo  sobre  António  Nobre,  Albino 
Forjaz  de  Sampaio  pensa  escrever  um  largo  estuda 
sobre  Eça  de  Queiroz,  para  o  que  já  anda  carreando 
o  indispensável  material. 

No  prelo  estão  já  os  seus  livros  Jornal  de  um 
rebelde.  Cantáridas  &  Violetas,  devendo  seguir-se-lhe 
o  Cosmopólia  já  preparado  para  a  impressão. 

E  fecham-se  aqui  as  notas  e  os  acrescentos. 
Agora,  vamos  ao  resto. 


MONOGRAMA 
Por  Santos  Silva   (Aloiuo) 


Bisantinices  de  um  linhagista 


Sobre  o  nome  de  Albino  Forjaz  de  Sampaio 
criou-se  há  muito  uma  lenda  que  vinha  sendo  co- 
chichada aos  ouvidos  de  toda  a  gente  —  e  dizia  que 
o  Albino  era  Albino  mas  não  de  Forjaz  nem  de 
Sampaio.  Que  era  Albino  Cunca, 

O  talento  crítico  em  Portugal  por  via  de  regra 
dá  nisto,  neste  cuscuvilhar  pelintra  em  volta  de  uma 
assinatura,  como  se  fosse  a  assinatura  que  fizesse  o 
homem  e  não  o  homem  que  fizesse  e  engrandecesse 
ou  deprimisse  a  assinatura  conforme  a  sua  inteligên- 
cia e  o  seu  porte.  Ultimamente  as  duas  facções  polí- 
ticas, monárquicos  a  um  lado  e  republicanos  a  outro, 
arranjaram  para  gáudio  seu  fe  dos  coevos  derranca- 
dos  que  os  apoiam,  dois  cabreons  —  para  os  primei- 
ros Albino  Forjaz  de  Sampaio;  para  os  segundos 
António  de  Monforte,  pseudónimo  de  António  Sar- 
dinha. 

rotJAz  DC  sjuiPAio  3 


34  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

Tratemos  do  primeiro  e  ouçamos  isto  que  vale  a 
pena  : 

«  O  autor  das  Palavras  Cínicas  e  quejandas  mons- 
truosidades literárias  usa  indevidamente  os  apelidos 
meus  e  de  minha  família.  Não  pode  mesmo  figurar 
neste  Livro  de  Linhagens  como  uma  vergôntea  dessa 
linha  mais  que  duvidosa.  Desde  porém  que  se  serve 
abusivamente  deles,  é  bom  que  aqui  fique  exarado 
que  nada,  absolutamente  nada,  tem  com  os  diversos 
ramos  de  Pereiras  que  usaram  ou  usam  os  apelidos 
Forja\  e  de  Sampaio. 

«É  Albino  Cunca  e  nada  mais.  Tenho  disso  co- 
migo as  provas  documentais.  Seu  pai  era  natural  de 
Tentúgal  e  filho  de  pai  incógnito.  Sua  avó  uma 
Cunca  de  pé  descalço,  dos  Cuncas  dessa  vila,  alguns 
dos  quais  conheci  e  um  ainda  conheço,  pobre  diabo, 
que  foi  arrendatário  de  umas  geiras  de  terra  da  casa 
de  meu  pai.  Provindo  do  povo,  seria  por  certo  mais 
honroso,  decoroso  mesmo,  para  o  democrata  Albino 
Cunca  usar  este  apelido  de  que  adomar-se  com  penai 
alheias  que  tanto  cheiram  a  talassismo. 

« Que  a  uma  preta  do  Congo,  seu  pai,  o  fami- 
gerado Cabinda  José  Macoco  que  foi  meu  cosinheiro, 
pusesse  o  nome  de  Ana  Forjaz  Macoco,  querendo 
assim,  na  sua  boçal  estupidez,  honrar  a  madrinha  de 
batismo,  minha  irmà,  vá  lá.  Que  um  outro  preto 
também  do  Enclave  de  Cabinda  envaidecido  por  eu 
o  nomear  regedor  do  Povo  Grande,  passasse  a  usar 
apelidos  meus,  não  admira.  É  isto  vulgar  na  preta- 
Ihada  ao  sentir-se  ufana  de  honras.  E  vulgar  já  foi 
até  no  Ultramar  muitos  governadores  serem  os  pró- 
prios a  mascará-la  com  pomposos  nomes.  E  se  bem 
me  recordo,  há  em  Africa  um  Mariano  Grilo  de  Car- 
valho,  um   Fontes  Pereira  de  Melo,   um   Andrade 


ALBINO  FORJAZ   DE  SAMPAIO  35 

Corvo,  um  Guilherme  de  Brito  Gipelo,  e  muitos 
outros,  todos  de  côr  preta.  Mas  fazê-lo  a  si  próprio 
um  branco,  e  um  branco  que  tem  inteligência  e 
ilustração!!!  Só  um  Cunca,  ou  um  Ligório.  > 

(Livro  de  Linhagem  —  Tomo  I,  páginas  iii, 
ao  fundo,  em  nota  composta  em  corpo  8). 

Para  que  conste,  acentuadamente  afirmo  que  é 
cópia  textual  na  qual  respeitei  além  da  gramática  a 
esplêndida  virgulação  do  II. ""^  e  Ex.""  Sr.  Jaime  Pe- 
reira de  Sampaio  Forjaz  de  Serpa  Pimentel. 

E  agora  já  que  transcrevi  a  acusação  do  sr.  de 
Pimentel,  é  lógico  e  é  justo  que  transcreva  igual- 
mente a  resposta  do  sr.  Albino  Forjaz  de  Sampaio, 
que  veio  inserta  na  Luta,  Ano  ii  —  N.°  3:834,  de 
quinta-feira,  31  de  Agosto  de  191 6,  com  o  sub- 
-título  —  Um  Conselheiro  e  que  para  aqui  também 
se  transcreve  na  íntegra. 

Ei-la  : 

«Não  conhecem?  Pois  chama-se  Jaime  Pereira 
de  Sampaio  Forjaz  de  Serpa  Pimentel.  Tem  muitos 
trabalhos  que  nunca  ninguém  leu  e  Deus  permita  não 
seja  obrigado  a  ler.  Tem  além  disso  dezasseis  meda- 
lhas, incluindo  alguns  maus  hábitos,  a  comenda  de 
S.  Gregório  Magno,  e  muita  prosápia.  Esta  é  que  o 
faz  dar  ao  gozo  das  gentes  porque  o  nosso  conse- 
lheiro tem  a  mania  da  parentela  nobre  e  a  mania  de 
escrever.  A  primeira  leva-o  a  supor-se  descendente 
de  não  sei  quem  que  veio  de  algures,  a  segunda,  a 
peor,  incontestavelmente,  levou-o  a  escrever  um  li- 


36  ALBINO  FORJAZ   DE  SAMPAIO 


vro  que  intitulou  Livro  de  linhagens.  Traços  hislórico- 
-genealógicos  da  minha  família,  suas  ascendências  e  alian- 
ças e  subsídios  para  a  história  genealógica  de  algumas 
famílias  portuguesas.  Tirou  apenas  200  exemplares  da 
obra  genial  e  está  publicado  o  i.°  volume.  E  nêle 
que  a  pág.  141,  o  conselheiro,  em  nove  páginas  e 
meia  desvanecidamente  fala  de  si.  Diz  como  em  me- 
nino  e  moço  êle  já  era  o  agradável  Lulu  que  ainda 
hoje  é.  Mas  contado  não  tem  graça.  Ouçamo-lo. 
« Atraia-me  o  mar.  Fascinava-me.  E  de  compleição 
débil,  pareceu-me  que  o  ar  do  mar,  respirado  a  lar- 
gos pulmões,  me  retemperaria  como  de  facto  retem- 
perou o  corpo.  Teria  vocaçào  para  a  vida  marítima, 
eu  tão  amimado  pelas  tenras  carícias  dos  meus  bons 
pais?...  Teria  a  paixão  do  mar,  e  de  tudo  quanto 
é  ou  dele  vem  ? »  Sabem  se  o  conselheiro  já  era 
criança  gostava  de  marujos  ?  Pois  gostava,  o  facto 
é  que  escorregando,  escorregando,  chegou  a  capitão 
de  mar  e  guerra. 

Dedica  o  seu  livro  de  linh.igem  ao  sr.  D.  Ma- 
nuel e  escreveu,  como  bom  talassa  que  é,  vários  ar- 
tigos que  intitulou  Monarquia  sim;  República  não. 
Pela  pátria,  pelo  Rei,  etc.  Um  belo  dia  reforma- 
ram-no,  dando-o,  é  claro,  como  incapaz  de  todo  o 
serviço.  Pois  vai  daí  o  conselheiro  escreve : 

«Incapaz  de  todo  o  serviço,  sim;  mas...  capaz 
de  todo  o  serviço  me  julgarei  ainda,  se  Deus  me 
der  vida  e  saúde,  se  para  o  triunfo  de  uma  causa 
justa  a  que  felizmente  ainda  aspiram  todos  os  por- 
tugueses sinceros,  bons,  respeitadores  e  admiradores 
desse  passado,  monárquicos  ou  republicanos  que  se- 
jam, se  necessitasse  do  meu  já  enfraquecido  braço, 
da  minha  sempre  pouco  esclarecida  inteligência  ;  por- 
que se  é  honra  e  dever  de  todos  esses  portugueses 
contrapor  os  seus  esforços  à  obra  negativa  do  re- 
gímen implantado  em   1910  e  à  quási  total  anarquia 


ALBINO   FORJAZ   DE  SAMPAIO  37 


em  que  a  nossa  querida  pátria  se  esfacela,  essa  honra 
e  dever  quero-os  também  para  mim.  Corre-me  ainda 
nas  veias  esse  sangue  de  antepassados  meus  que  sou- 
beram bem  viver  e  morrer,  e  esse  sangue  dá-lo-hei, 
se  tanto  fôr  preciso,  para  ressurgimento,  se  ainda  fôr 
tempo,  da  minha  pátria,  porque  ainda  felizmente  me 
resta  alguma  esperança  xx)  futuro  de  Portugal,  a  des- 
peito de  tudo...  e  de  todos».  Há  nisto  tudo  uma 
passagem  tocante :  é  quando  êle  fala  na  sua  <  sempre 
pouco  esclarecida  inteligência >.  É  realmente  verdade. 
Nasceu  tolo  e  débil,  coitadinho.  O  ar  do  mar  robus- 
teceu-lhe  a  compleição,  mas  de  caco  ficou  sempre 
como  nascera.  Nem  com  o  ar  do  mar. 

Em  5  de  Outubro  não  estava  cá.  Senão...  senão 
estava  implantada  a  República. 


Ora  eu  nunca  tinha  ouvido  falar  do  conselheiro, 
nem  sabia  que  o  conselheiro  existia  até  um  amigo 
me  mostrar  o  livro  e  o  retrato  que  o  acompanha. 
O  conselheiro  usa  óculos,  tem  uma  dupla  coleira 
honorífica  e  um  ar  espavorido  de  tonto  fardado  que 
lhe  vai  a  matar,  a  êle  e  à  prosápia.  De  caminho  há 
a  pág.  m  do  cartapácio,  depois  de  depreciativamente 
me  chamar  «democrata»,  a  seguinte  afirmação:  «O 
autor  das  «  Palavras  Cínicas »  e  quejandas  monstruo- 
sidades literárias  usa  indevidamente  os  apelidos  nuus 
e  da  minha  família  >.  O  itálico  é  nosso. 

Ora  em  primeiro  lugar  quem  deu  ao  conselheiro 
autoridade  para  fazer  crítica  literária  ? 

O  conselheiro  que  escrevia  de  uma  sua  mana 
que  morreu  de  nove  anos  de  idade:  «foi  uma  criança, 
toda  candura  e  bondade,  desaparecida  no  primeiro  re- 
florir da  vida>  e  de  D.   Carios:  «deixou  na  terra,  a 


38  ALBINO  FORJ>Z   DE  SAMPAIO 


par  de  actos  que  tanto  ennobreceni  a  sua  memória  e 
que  o  tornarão  heroicamente  célebre  quando  a  Histó- 
ria tenha  para  êle  louvores  que  ainda  hoje  lhe  não 
são  conferidos,  um  rasto  inextinguível  de  luz  que 
promana  das  grandes  e  excepcionais  faculdades  men- 
tais e  de  trabalho  que  possuia  em  tão  elevadíssimo 
grau ! »  Heroicamente  célebre !  O  diabo  não  tem 
sono.  Monstruosidades  literárias  o  que  eu  escrevo. 
Prosa  genial  a  deste  Acácio.  Ó  conselheiro,  então, 
por  quem  é. . . 

Quanto  aos  apelidos,  eu  sou  filho  de  Albino 
Maria  Pereira  Forjaz  e  neto  de  Jacinto  Pereira  de 
Forjaz  Sampaio.  (Livro  de  Bap.  Pena.  1884,  fl. 
15.  V.)  Que  raio  de  nome  queria  o  conselheiro  que 
eu  usasse  ?  Meu  pai  não  foi  conselheiro  nem  vis- 
conde. Foi  caixeiro  de  livraria.  No  Orcei  e  no  Ma- 
nuel de  Almeida  Cabral,  em  Coimbra,  na  Livraria 
Ferreira  e  Tavares  Cardoso,  em  Lisboa.  Foi  um 
homem  honrado.  Eu  fui  aprendiz  de  marceneiro 
como  o  general  Carlos  Ribeiro  e  marçano  de  droga- 
ria como  pessoa  que  não  tem  prosápia  e  que  não 
trabucando  não  manduca.  Que  tem  tudo  isso  de 
extraordinário  ?  Nunca  me  inculquei  parente  do  con- 
selheiro. Tenho  livros.  Não  foi  por  me  dizer  parente 
de  Nun'Ál vares  que  o  editor  mos  pagou.  Tenho  um 
emprego  público.  Não  foi  por  dizer  que  o  conse- 
lheiro era  meu  tio  que  o  arranjei.  Que  demónio 
quere,  pois,  este  pobre  homem,  que  abomina  os  de- 
mocratas ? 

Respondo  hoje  ao  conselheiro  porque,  ao  que 
parece,  sou  já  tão  célebre  que  as  gazetas  se  entreteem 
nessas  lerias  a  meu  respeito.  Há  três  anos,  no  dia 
em  que  embarquei  para  o  estrangeiro,  essa  mesma 
notícia  deu  a  volta  ;is  gazetas  da  boa  causa,  dizen- 
do-se  até  numa  delas  que  eu  ia  em  cviajata  de  re- 
creio por  conta  do  Estado».   Fui.  Fui  a  França  e 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  39 


Inglaterra,  mas  o  Estado  não  deu  para  isso  um  cei- 

til  ('). 

Uso  os  apelidos  que  meu  pai  me  deixou.  Que 
me  quero  aparentar  com  o  conselheiro  ?  Livra.  Não 
há  decretos  que  obriguem  a  ter  tolos  na  família.  O 
que  está  provado  é  que  os  plebeus  que  me  forjaram 
nio  foram  nunca  nem  fâmulos,  aios,  escudeiros, 
eguariços,  capelães,  mordomos,  pagens  ou  criados 
em  casa  dos  pais  do  conselheiro.  E  não  foram  por- 


(*)  Em  setembro  de  191 3.  Forjaz  de  Sampaio,  visitou  a 
França  e  a  Inglaterra.  E  vai  daí  um  jornal  monárquico,  saraco- 
teando-se,  esguichou : 

vAclcranio.  O  Albino  Cunca.  A  propósito  da  viajata  de  re- 
creio, poT  conta  do  Estado,  do  arquivista  do  ministério  do  Fo- 
mento e  redactor  da  Luta,  sr.  Albino,  dois  jornais  de  Lisboa. 
O  Unhrrsal  e  os  RiJicvlos,  acentuaram  usar  este  afilhado  do 
sr.  Camacho  e  autor  das  Palavras  cínicas  um  apxílido  que  não 
tem,  em  vez  daquele  que  lhe  pertence  e  que,  sendo  muito  de- 
mocrático, devia  ser  preferido. 

Efeaivamente  existem  dois  documentos  elucidativos,  o  pri- 
meiro passado  numa  paróquia  de  Lisboa  e  o  segundo,  ainda 
mais  curioso,  na  da  freguesia  de  Tentúgal,  demonstrando  que  o 
sr.  Albino  Forjai  de  Sampaio  é  legal  e  domocráiicamente  o 
sr.  Albino  Cunca,  filho  da  sr.'  D.  Maria  Antónia  das  Neves 
Oliveira  e  neto  de  D.  Rosa  Cunca  e  de  Bento  Cunca.  » 

Palavrinha!  Até  parece  prosa  do  sr.  de  Serpa  Pimentel... 
Mas  porque  não  publicará  Sua  Ex.'  os  tremebundos  documentos 
que  possui  ? 

Também  Os  Ridículos,  de  3  de  setembro  inserem  versalhada 
de  um  ul  D'Artagttan  sobre  o  mesmo  assunto.  Ex  digito  gigans  f 
A  prosa  corre  parelhas  com  os  versos.  A  campanha  deve  ter 
saído  do  mesmo  altíssimo  cérebro...  por  igual,  e  em  jactos 
cianúricos. 


40  ALBINO  FORJAZ   DE  SAMPAIO 


que  então  teria  o  conselheiro  saído  muito  mais  es- 
perto. 

Quanto  à  prosápia  deixo  essas  lerias  de  parentes 
toda  ao  conselheiro.  Certamente  o  primeiro  avô  dele 
foi  Caim,  visto  Abel  ter  morrido  sem  geração.  De- 
pois descende  de  Nun'Álvares,  diz.  Está  bem.  Mas- 
olhe,  conselheiro,  os  versos  de  Sá  3e  Miranda  : 

E  senhor,  grande  trabalho 
Escrever  de  gerações. 
Nem  todos  são  Scipiões 
E  podem  cheirar  ao  alho 
Ricos  homens  e  infanções. 

Quem  o  mandou,  conselheiro,  ao  senhor,  um 
marítimo,  meter-se  nessas  cavalarias?  Ora  diga- me  cá: 
Com  a  publicação  do  Livro  de  Linhagens  (talvez  por 
cruzamentos  com  mercadores)  a  sua  sombra  cresceu  ? 
O  senhor  deixou  de  ser  o  asno  que  era  dantes?  O 
que  eu  não  supus  é  que  ser  mestre-sala  da  Liga  Na- 
val dava  assim  volta  aos  pergaminhos  de  uma  pessoa. 
Descanse,  conselheiro.  Eu  não  sou  da  sua  família. 
Parente  do  conselheiro,  o  conselheiro  de  compleição 
débil  a  quem  o  mar  fascinava  ?  Não.  Fica  o  conse- 
lheiro entendido.  Agora  se  se  torna  a  meter  comigo 
eu  vou  a  essa  trela  toda  de  parentes  e  completo  o 
seu  livro  com  apontamentos  inéditos  com  que  o  con- 
selheiro dará  três  pinotes.  Percebeu  ?  Bem.  Fica  toda 
a  gente  elucidada.  Jaime  Pereira  de  Sampaio  Forjas 
de  Serpa  Pirtientel.  Já  conhecem  o  conselheiro  ? 
Folgo. 

Nietzsche  dizia :  « Também  me  agradam  muito 
os  pobres  de  espírito :  apressam  o  sono. »  Mas  o 
conselheiro  é  demais  com  aquela  mania  das  grande- 
zas e  a  não  falar  senão  dos  parentes . . . 


ALBINO  FORJAZ   DE  SAMPAIO  41 


E  diz  dali  o  plebeu  José  Agostinho  de  Macedo : 
<Que  homem  de  merecimento  seria  reputado  este 
mentecapto  se  continuasse  a  emmudecer  !  > . . . 


Safai  Que  a  gente  vem  toda  em  linha  recta  do 
mestre  pai  Adão  e  as  aristocracias  —  as  melhores  e 
as  maiores  —  são  hoje  e  foram-no  sempre  as  da 
honra  e  do  trabalho  1 


Verduras  da  mocidade... 


Como  se  viu  já,  Albino  Forjaz  de  Sampaio  co- 
meçou a  sua  produção  em  1901  com  as  Violáceas 
e  não  com  o  Reyno  perdido  como  atrás  se  transcre- 
veu e  rectificou,  e  publicou  mais  cmco  opúsculos 
até  às  Palavras  Cínicas  que  foram,  literariamente, 
a  sua  marcação  de  lu^ar  na  Literatura  Nacional. 

Todas  estas  primeiras  produções  são  em  verso  e 
bem  fez  Forjaz  de  Sampaio  em  pôr  de  parte  as 
Musas  que  lhe  eram  avessas  e  enveredar  pela  prosa 
onde   é  Mestre,  como  os  melhores  da  sua  geração. 

Reyno  Perdido,  é  um  soneto,  de  sabor  requinta- 
damente  Sòsista^  embora,  ironias  da  pena,  o  seu 
último  livro  agora  publicado  '  seja  uma  tremenda 
análise  de  crítica  à  obra  de  António  Nobre.  Até  a 
maneira  de  o  epigrafar  o  demonstra — Reyno  Per- 
dido—  com  y,  coisa  que  Forjaz  de  Sampaio  já  hoje 


1     0%  Bárbaros,   i.°  —  António  Nobre.   19 19. 


44  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

não  escreveria  por  certo.  Depois  lá  vem  o  verbo 
botar,  o  verbo  alembrar,  e  a  palavra  soidade  a  cor- 
roborarem a  minha  afirmação. 

As  Violáceas,  é  uma  poesia,  de  pouco  valor  evo- 
cativo, fraca  pincelagem,  acção  desconexa,  e  versos 
dolorosamente  feitos  e  havidos  em  parto  cezariano. 

Vem  depois  O  Sol  do  Jordão  onde  os  versos 
peoram,  quere  na  técnica  quere  na  idea.  Aparece 
pela  primeira  vez  na  obra  incipiente  de  Forjaz  de 
Sampaio,  o  espírito  satânico  a  empurrá-lo  para  a 
triste  celebridade  das  heresias  à  Richepin,  com  ver- 
sos tão  desgraçados  como  estes : 

...  O  choro  d'uma  amante,  amargo  como  um  ralo 
E  que  hoje  p'r'ahi  anda  esculpido  por  um  hereje 
Debruça-se  a  tremer,  amantemente  esquivo 
Mais  uma  desgraçada  p'r'ahi  a  desgraçar. 

Isto  apenas  para  amostra,  que  na  essência  nem 
vale  a  pena  tocar.  E  o  lixo  moral  de  todos  os  que 
começam  vexando  Deus  e  cuspindo  no  sentimento. 
Porcarias . . . 

As  Moiras,  são  uma  pieguice  inofensiva,  destas 
que  todos  nós  fazemos  e  que  não  fazem  mal  nem 
bem .  . .  antes  pelo  contrário. 


ALBINO   FORJAZ   DE  SAMPAIO  45 

■  E  na  ordem  cronológica  temos  os  Versos  da 
^  Reyno — 162  quadros  que  salvam  as  primeiras  pro- 
duções do  autor  porque  não  sendo  afectados  teera 
grande  sabor  popular,  sentimento,  e  uma  certa  mes- 
tria já  no  expressar  da  triste  filosofia  dos  tristes, 
característico  muito  da  eleição  de  todos  os  poetas 
de  Portugal  desde  Bernardim  Ribeiro,  o  poeta  das 
Saudades,  até  António  Nobre,  o  patriarca  da  Dor 
metrificada. 

Ora  vejam  isto  e  digam-me  se  não  há  aqui  be- 
leza de  expressão  e  de  sentimento: 

Ai  de  mim,  que  vivo  só, 
Lindos  olhos  que  me  ledes  I 
Káo  lii  paredes  mais  tristes 
Do  que  estas  quatro  paredes. 


E  mais  isto: 


A  Mágua  foi  minha  mãe, 
Mas  ter  só  mãe  não  nos  basu ; 
Meu  pai  chamou-se  Desgosto 
E  Dor  a  minha  madrasta. 


E  ainda  isto: 


Por  muito  que  tu  me  queir;<s 
Nunca  o  teu  amor  me  bonda  ; 
Também  a  areia  da  praia 
Nunca  se  afasta  da  onda. 


46  *  ALBINO  FORJAZ   DE  SAMPAIO 

Versos  do  Reyno  mesmo  brochados  valem  de 
facto  todas  as  suas  primeiras  produções,  juntas  e 
encadernadas  em  percalinas  ricas. 

Em  1904,  publica-se  o  soneto  Ao  Cahir  da  Fo- 
lha com  as  respectivas  traduções.  Este  soneto,  muito 
fraco  nas  quadras,  tem  a  beleza  suprema  do  último 
terceto  que  vale  bem  a  celebridade  das  traduções: 


Não,  mas  deixa  lá, 


Podia  a  santa  afligir-se  !  E  agora, 

—  Sempre  são  mães  !  —  quando  te  fores  embora 

Nunca  lhe  contes  o  que  vai  por  cá. 

Este  final  é  de  uma  grande  beleza  de  sentimento 
e  de  uma  rara  felicidade  métrica,  o  que,  como  já 
acentuámos,  não  é  usual  encontrar-se  em  Forjaz  de 
Sampaio. 

* 

Uma  novidade  bibliográfica  me  forneceu  ainda  o 
ilustre  bibliógrafo  sr.  Henrique  Marques  Jiinior.  E 
uma  folha  de  papel  intitulada  A  festa  (Folha  Comme- 
morativa).  Ao  centro  a  fotografia  da  artista  Alice 
de  Carvalho,  do  Teatro  Chalet  da  Feira  de  Belém, 
e  aos  lados  duas  poesias :  Saudação  rubricada  por 
Líbano;  e  Conselho  subscrita  por  Nardoma. 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  AT 

Líbano  é  o  anagrama  de  Albino,  e  este  Albino 
é  o  nosso  biografado.  São  sete  quadras  apenas,  já 
hoje  desconhecidas  e  esquecidas  e  que  se  reprodu- 
zem para  o  competente  estudo  dos  progressos  do 
autor : 

Com  treze  anos  somente 
Saber  chorando  cantar, 
E  cantar  tão  tristemente 
Que  faz  a  gente  chorar  ! 

Depois,  um  riso  nos  lábios, 
Um  riso  no  coração, 
Um  triunfo  cada  noite. 
Em  cada  acto :  uma  ovação ! 

Assim  a  vida  te  passa 
Entre  um  pranto  e  uma  risada, 
Adorando  toda  a  gente, 
Por  toda  a  gente  adorada. 

Teus  lábios  teem  o  segredo, 
O  segredo  ou  quer  que  é 
Que  embriaga  as  multidões 
Na  graça  de  um  couplet. 

Ai  vida  da  nossa  vida 
Leva-se  esta  vida  aos  ais : 
Fala  verdade  a  cantiga, 
Muito  fumo. . .  e  nada  mais! 

Senhores,  que  menos  vale 
Uma  feira  que  um  salão  ?  I 
Nas  feiras  há  muita  alma. 
Bate  muito  coração. 


48  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 


Foi  o  povo  que  te  adora 
Qiae  me  ensinou  a  cantar, 
Para  que  por  mim  e  êle 
Te  viesse  hoje  saudar. 


Tudo  isto  são  apenas. . .  verduras  da  moci- 
dade. 

Que  diferença  porém  que  vai  destas  verduras, 
aos  versos  A  Um  Velho  LivrOy  já  hoje  também  raros, 
escritos  em  comemoração  da  Festa  da  Associação 
Tipográfica  Lisbonense  e  Artes  Correlativas,  em  abril 
de  içió.  São  três  quintilhas  só  e  vale  a  pena  con- 
frontar : 


Velho  Hvro  encanecido 
Do  tempo  de  Guttenberg 
Papel  do  tempo  amarelido, 
Impresso  em  tipo  sumido, 
Como  a  minh'alma  te  quer ! 

Velho  livro  encanecido 
Do  tempo  de  Guttenberg 
És  o  avôsinho  esquecido 
Do  livro  de  hoje,  garrido, 
Que  a  gente  de  hoje  prefere. 

Mas  se  o  livro  moço  e  querido 
Preteriu  o  ancião. 
Velho  livro  encanecido. 
Vives  no  olvido,  perdido, 
E  neste  meu  coração  ! 


I 


ALBINO   FORJAZ   DE  SAMPAIO  49 

Ou  este  soneto  mais  moderno  ainda,  mais  forte, 
mais  lúcido,  mais  dentro  da  mestria  da  técnica: 

ESPIRITUAL 

A  MISS  ANA 
Figura  de  encanto  e  di  ternura 

Hei-de  beijar-te  os  olhos,  docemente 
Hei-de  oscular-te  a  boca,  insaciado ; 
E,  num  beijo  veemente  e  demorado, 
Correr  todo  o  teu  corpo  alvinitente. 

Beijar-te  ansioso,  indómito,  fremente, 
Sentir  pulsar-te  o  coração  amado, 
E  tornar  a  beijar  o  já  beijado, 
Apaixonada,  estremecidamente. 

E  se  me  fosse  dado  a  punição 
Escolher,  em  castigo  da  paixão 
Que  me  desvaira  e  faz  enlouquecer, 

Com  que  prazer  levara  a  vida  inteira. 
Novo  Ahasverus,  sem  tédio  e  sem  canseira 
O  mundo  do  teu  corpo  a  percorrer  ! 

Pub,"*  na  Alma  Nova —  1916. 

A    diferença,    bem    visível,    é  considerável,   mas, 
apesar  disso,  ainda  lhe  prefiro  a  prosa. 
E  vamos  a  ver  porquê. . . 


tOXIkZ   Oe   SAMPAIO 


Na  prosa  da  vida 


Palavras  cínicas 

Aquelas  produções,  analisadas  no  capítulo  ante- 
rior, denomina-as  o  escritor,  á  maneira  de  Vítor 
Hugo :  *  as  asneiras  que  eu  fazia  antes  de  nascer  > . 
E  assim  o  primeiro  livro  de  Forjaz  de  Sampaio 
pode  classificar-se  as  Palavras  Cínicas.  Foi  sem 
dúvida  o  seu  primeiro  livro,  aquele  que  o  atirou 
para  o  mundo  das  letras  e  do  escândalo,  o  que  em 
volta  do  seu  nome  concitou  mais  ódios  e  aplausos, 
o  mais  discutido  e  o  mais  vendido  também.  Vai 
hoje  no  i6.°  milhar  ç  venderem-se  em  Portugal 
e  Brasil  dezasseis  mil  exemplares  de  uma  obra  é 
galgar  de  um  salto  o  escalão  da  celebridade.  Vale 
este  sucesso  as  Palavras  Cínicas}  Sim  e  não.  Livro 
doentio,  feito  para  épater,  como  tal  a  sua  prosa  é  de 
mestre  e  o  sucesso  compreende-se;  mas  nem  a 
prosa  das  Palavras  Cínicas  é  a  prosa  já  feita  e 
segura  da  Avalanche,  nem  tem  a  beleza  e  a  sinceri- 
dade da  Gente  da  Rua.  Examinemo-lo. 

No    prefácio    da   2.*    edição,    Albino    Forjaz  de 


52  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 


1 


Sampaio,  seis  anos  após  o  manuscrito,  declara  que 
não  mudou  de  ideas,  antes  pelo  contrário  esse  pe- 
ríodo de  tempo  só  conseguiu  ratificá-las.  E  explica: 
—  «eu  não  mudei  porque  a  vida  não  mudou >.  E 
mais  adiante,  afirma:  «creio  que  este  livro,  escrito 
para  ser  meditado  e  seguido,  será  ainda  acolhido  J 
com  amor». 

Ora  as  Palavras  Cínicas  nem  foram  escritas  para 
serem  meditadas  nem  são,  nem  jamais  o  foram,  aco- 
lhidas com  amor,  O  amor  é  um  sentimento  nobre 
das  almas  sãs.  As  Palavras  Cínicas  são  o  condi- 
mento das  almas  depravadas  pelo  vício,  derrancadas 
pela  miséria  ou  espesinhadas  pelo  egoísmo.  E  estas 
almas  não  amam,  odeiam.  Não  sentem  amor,  teem 
raivosos  desesperos  de  impotência.  Logo  este  livro 
de  Forjaz  de  Sampaio  não  é  dos  bons,  dos  humil- 
des, das  almas  de  sentimento.  É  dos  maus,  dos 
egoístas,  dos  perversos  —  e  nunca  por  estes  podia 
ser  acolhido  por  um  sentimento  que  as  suas  almas 
doentias  já  não  possuem,  que  os  seus  corações  em- 
pedernidos na  miséria  e  no  vício  já  não  sentem. 
Morreram  para  a  flor  da  graça  e  do  sentimento  e 
na  estrumeira  de  todas  as  indignidades  já  nSo  pode 
florescer  o  amor ! 

Também  neste  prefácio  Albino  Forjaz  de  Sam- 
paio nega  o   sentimento   da   gratidão  na  esteira  de 


I 


ALBINO  FORJAZ   DE  SAMPAIO  53 

Silva  Pinto.  Outra  afirmação  à  sobreposse.  Outra 
afirmação  para  épater  a  conjugar-se  com  a  afirmação 
final  do  negativismo  que  já  passou  à  história.  Hoje 
a  existência  de  Deus,  como  princípio,  como  base, 
como  ponto  de  partida  de  todo  o  existente  já  não 
oferece  discussão,  tão  reflectida  e  unanimemente 
assente  por  todos  os  espíritos  cultos  se  encontra. 
Mas  é  que  para  aquela  qualidade  de  gente  a  que  se 
dirigem  as  Palavras  Cínicas  era  necessário  afirmar 
aquilo,  condição  sine  qua  non  o  livro  ficaria  manco. 

Eu  não  acredito  que  Albino  Forjaz  de  Sampaio, 
espírito  lúcido,  inteligência  clara  e  robusta,  se  apre- 
sente ainda  com  o  velho  balandrau  do  negativismo, 
e  muito  mais  do  negativismo  à  outrance. 

Este  prefácio  é  de  191 1.  Estamos  em  1919, 
e  oito  anos  de  ponderação  e  de  estudo  hão-de  ter 
forçosamente  orientado  o  seu  espírito  para  um 
campo  menos  pernicioso  e  mais  humanamente  belo. 

Mas  continuemos  a  análise  e  vejamos  a  primeira 
carta,  que  o  livro  de  oito  cartas  se  compõe. 

« 

*  ia 

Se  tivéssemos  que  classificar,  à  distância  de  mui- 
tos anos,   o  autor  das  Palavras  Cínicas,  conhecen- 


54  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

do-lhe  apenas  este  livro,  Albino  Forjaz  de  Sampaio 
seria  justamente  alcunhado  como  um  dos  mais  per- 
versos monstros  morais  do  seu  tempo.  Mas  observan- 
do-o  bem,  analisando-o  com  meticulosidade  chega-se 
à  conclusão  de  que  o  abuso  dos  palavrões,  nomea- 
damente as  palavras  rascantes  —  pulha,  canalha,  pros- 
tituta, etc,  —  empregadas  em  excesso,  prejudicam  as 
muitas  verdades  nele  expendidas,  o  bom  senso  crí- 
tico muitas  e  muitas  vezes  exposto  e  tornam-no 
inutilmente  odiado  e  doentiamente  procurado  sem 
outro  resultado  mais  do  que  aquele  que  o  seu  autor 
quis  obter  ao  escrevê-lo  —  o  tornar-se  conhecido,  fa- 
lado, discutido. 

E  um  livro  onde  se  encontra  muita  verdade,  mas 
que  os  palavrões  e  as  blasfémias  inutilizam  para  a 
crítica  sã,  justiceira,  imparcial. 

É  ver  a  primeira  carta.  Dirige-a  o  autor  a  um 
suposto  amigo  para  lhe  falar  de  quê?  Da  vida, 

« A  vida  é  a  escola  do  cinismo »  diz-lhe  logo 
Forjaz  de  Sampaio,  de  entrada.  Primeira  afirmação 
falsa,  à  sobreposse,  para  espantar  o  burguês  que  o 
ler.  Porque,  evidentemente,  se  Forjaz  de  Sampaio 
dissesse  —  «a  vida  é  para  os  maus  uma  escola  de 
cinismo  > — estava  certo.  Que  se  os  maus  em  con- 
tacto com  a  maldade  peoram,  os  bons,  olhando  a 
vida,  tornam-se  melhores,  ganham  mais  coragem  no 


ALBINO   FORJAZ   DE   SAMPAIO  55 

sofrimento  alheio  para  fortalecerem  a  própria  resi- 
gnação. 

€  Sê  mau,  cínico,  hipócrita  e  persistente  que  ven- 
cerás >,  escreve.  Outra  afirmação  gratuita  que  uma 
só  verdade  encerra.  O  pensamento  era  este  —  sê  per- 
sistente e  vencerás.  Mas  isto  já  estava  dito  e  redito 
através  os  séculos  e  as  religiões  e  Forjaz  de  Sam- 
paio nada  ganhava  em  escrevê-lo  de  novo.  Porisso 
acrescentou  então  os  palavrões  indispensáveis  aos 
espíritos  doentes  que  só  assim  o  admiravam  num 
ambiente  de  ódios  e  de  imprecações. 

E  linhas  mais  abaixo  vêem  estes  dois  períodos 
que  a  pena  de  Forjaz  de  Sampaio  já  hoje  não  es- 
creveria : 

« Não  ames  nem  creias.  Todo  o  homem  que  ama 
é  homem  perdido,  e  todo  aquele  que  crê  nunca  será 
ninguém.  > 

Ora  isto  só  se  pode  escreve/  por  troça,  por  cha- 
laça ou  por  maldade,  A  vida  inteira  da  Humanidade 
o  desmente,  e  só  o  desejo  de  se  tornar  notado,  de 
fazer  barulho  podia  produzir  tal  aleijão  filosófico, 
que  é  desmentido  pela  própria  vida  social  do  autor 
das  Palavras  Cínicas. 

«Tudo  é  egoísmo!»,  exclama  a  páginas  13  e  a 
páginas  16  fala  na  morte  de  um  justo.  Se  tudo  é 
egoísmo  como  se  compreende  que  hajay«j/í?j? 


56  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

«Depois  da  morte  há  o  nada>.  Quem  lho  afir- 
mou ? 

A  páginas  1.^  há  esta  inconcebível  blasfémia  que 
eu  não  escrevo  sem  repugnância :  —  t  Da  mulher 
honesta  à  prostituta  não  há  diferença,  a  distância 
de  uma  à  outra  é  nula». 

E  a  páginas  i6  há  catorze  linhas  contra  Deus 
que  eu  não  transcrevo,  tão  disparatadas  elas  se  me 
afiguram,  tão  más,  tão  repugnantes,  tão  fora  de  toda 
a  análise  crítica  elas  são.  E  seguem-se-lhe  as  falsíssi- 
mas noções  sobre  a  vida  dos  pobres  e  dos  miserá- 
veis, cuja  religião  do  ódio  só  existe,  felizmente!,  no 
livro  de  Forjaz  de  Sampaio  —  para  fechar  a  primeira 
carta  com  este  pensamento :  « A  vida  é  uma  cana- 
lhice, uma  farçada,  zifna  luta  brtital,  como  diz  ali  o 
TourgueneíT». 

Ora  Tourgueneff  chamando-lhe  uma  luta  brutal 
estava  bem  e  tinha  j-azão.  Forjaz  de  Sampaio  cha- 
mando-lhe uma  canalhice  é  falso,  exagerado  e  não 
consegue  exprimir  um  sentimento  de  justiça,  nem 
tem  uma  sequer  tolerável  expressão  de  verdade.  A 
vida  pode  ser,  num  oic  noutro  caso,  t  uma  cana- 
lhice», mas  não  o  €  na  generalidade,  nem  o  foi 
jamais. 

Antes  pelo  contrário  a  vida  é  uma  grande  coisa, 
uma  coisa  bela  quando  a  olhamos  pelo  lado  do  sen- 


ALBINO   FORJAZ   DE   SAMPAIO  57 

timento,  da  gratidão  e  da  honra,  palavras  que  Forjar 
de  Sampaio  fingiu  não  conhecer  ao  escrever  as  suas 
Palavras  Cínicas.  Quantos  exemplos  de  sentimento- 
não  tem  dado  o  coração  humano,  quantos  motivos 
de  gratidão  não  existem  comprovadamente  efectua- 
dos, quantos  exemplos  da  mais  inconcussa  probidade 
nos  não  legaram  nossos  pais  e  não  conhecemos  nós 
ainda  hoje?! 

Na  segunda  carta  há  o  mesmo  diapasão,  a  mesma 
tecla  matraqueada  cada  vez  com  mais  fúria  e  sempre 
com  a  mesmíssima  falta  de  sinceridade  e  de  verdade. 

«  Quantas  vezes  perguntaste  onde  estavam  a  Bon- 
dade humana,  a  Justiça  humana?  Quem  te  respon- 
deu? Inútil  pergunta». 

A  afirmação  é  que  é  inútil.  Ai  de  nós  todos  se  a 
Bondade  humana  fosse  um  mito,  se  a  Justiça  humana 
não  existisse.  Não  é  preciso  ir  buscar  exemplos  ao 
alfobre  abençoado  de  todas  as  religiões  e  principal- 
mente ao  catolicismo.  Na  vida  prática  mesmo  nós 
temos  todos  os  dias  centenas  de  exemplos,  milhares 
de  exemplos  a  contradizerem  as  palavras  de  Forjar 
de  Sampaio. 

Também  pela  sua  desbragada  monstruosidade 
não  transcrevo  nem  comento  as  páginas  24  até 
páginas  29 ;  elas  desonrariam  a  pena  de  um  es- 
critor se  não'  fossem  a  rapaziada  atrevida  e  incons- 


■58  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

ciente  de  um  talento  desorientado  que  se  quis  impor 
a  uma  sociedade  de  frívolos  berrando  e  batendo  as 
palmas. 

Mas  já  a  páginas  29  vem  esta  afirmação  ajuizada 
e  sã :  —  «O  crime  é  um  negócio,  a  vida  uma  escra- 
vatura. A  alma  é  escrava  do  crime,  a  carne  é  escrava 
do  gozo». 

Está  certo.  Quebram-se  as  grilhetas  dessa  escra- 
vatura tornando  a  carne  liberta  do  gozo;  a  alma 
purifica-se  na  meditação  das  coisas  belas  e  no  horror 
ao  crime  ganho  na  perfeição  das  consciências. 

Mas  a  alma  é  aquele  espírito  imaterial  e  eterno, 
que  nunca  pode  ser  lama  (páginas  30)  porque  jamais 
se  corporiza.  E  por  isso  as  referências  à  alma,  às 
estrelas  e  à  hóstia,  são  blasfémias,  heresias,  tolices 
que  um  espírito  bem  formado  não  escreve  e  que 
Albino  Forjaz  de  Sampaio  não  voltará  a  escrever  a 
menos  que  não  tenha  enlouquecido. 

Mas  vejam  que  belo  período  este  ainda  nessa 
mesma  página:  « — Há  a  lama  vestida  de  pérolas  e 
a  vestida  de  escrófulas,  a  lama  toucada  de  sedas  e 
de  setins  e  a  vestida  de  crostas  e  farrapos. » 

Eis  um  pensamento  que  pode  figurar  em  todos 
os  livros  e  em  todas  as  épocas  e  que  podia  ter 
saído  da  pena  sublime  dos  maiores  escritores  de  to- 
dos os  tempos. 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  59 

Para  que  misturar  de  seguida  o  nome  de  mulhe- 
res profanas  com  o  nome  da  Imaculada  ?  Para  quê  e 
porquê?  Para  irritar  os  crentes?  Fraco  gosto.  Por 
inspiração  e  por  talento?  Como  pode  haver  talento 
numa  irritante  blasfémia  de  taberna? 

Não.  Forjaz  de  Sampaio  apenas  ganhou  escre- 
vendo assim  uma  triste  celebridade  que  só  os  vo- 
lumes seguintes  vão  apagando,  mercê  do  incontes- 
tável valor  de  Sampaio  maculado  pelas  heresias, 
protérvias  e  blasfémias  das  Palavras  Cínicas.  Não 
vale  a  pena  i-las  analisando  uma  a  uma,  nem  eu 
nem  os  meus  leitores  ganhavam  coisa  de  geito  no 
exumar  destas  misérias.  O  que  eu  faço,  o  que  eu 
vou  fazer  é  arquivar  aqui  os  pensamentos  aprovei- 
táveis e  sãos  que  existam,  como  flores  raras  flores- 
cendo na  podridão  de  um  cemitério,  nas  páginas 
:iinda  não  analisadas  das  Palavras  Cínicas  e  que  se 
encontrem,  de  páginas  31  em  diante,  neste  exem- 
plar do  15."  milhar  que  tenho  presente. 

Vejamos: 

»  Recordas-te  da  pieuvre  ?  A  dor  é  a  pieuvre.  En- 
laça os  corpos,  as  almas,  suga-as,  bcbe-as  em  vida. 
A  alguns  deixa  somente  o  esqueleto.  » 

(Pág.  32) 

Há  aqui  uma  contradição  com  um  outro  pensa- 
mento de  páginas  3 1  :   « Tudo  é  dor.  A  dor  é  igual. 


60  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

Senti-la  maior  ou  menor  é  diferença  dos  nervos  que 
a  sentem,  como  a  grandeza  dos  que  a  vêem. »  Se  a 
dor  é  igual,   a   comparação   falha  com  a  pieuvre  — 

que  a  alguns  deixa  somente  o  esqueleto.  .  . 

«Quem  distinguirá  lá  em  baixo  no  ventre  da 
terra  a  carne  de  Impéria  da  carne  de  Chénier,  a  ossada 
de  Gilbert  da  ossada  de  Ravachol?» 

Certo.  Simplesmente  as  almas  que  animaram 
esses  corpos  putrefactos  tomaram  diferente  rumo. 
Já  o  dizia  Junqueiro:  num  cárcere  fechado  a  alma 
de  Locusta — num  relicário  de  oiro  a  alma  de  Pla- 
tão. .  .  o  que  está  em  contradição  com  o  pensa- 
mento anterior  ao  que  acima  deixámos  e  em  que 
Forjaz  de  Sampaio  afirma: — cAbre  um  crânio  e 
vê  se  distingues  a  alma  de  Dante  da  alma  de  Caim, 
a  de  Inocêncio  III  da  do  galego  ali  da  esquina. »  Este 
pensamento  não  só  é  inferior  como  prosa,  mas  de- 
monstra o  mais  absoluto  desconhecimento  de  Albino 
Forjaz  em  assuntos  de  teologia  até  mesmo  daquela 
teologia  que  toda  a  gente  medianamente  conhece- 
dora das  religiões  percebe  e  compreende.  Aliás  sa- 
beria que  a  alma  de  Inocêncio  lll  poderia  ser  igual 
à  do  galego,  que  as  almas  se  não  avaliam  pelos  do- 
tes de  inteligência  que  demonstraram  mas  pelas  vir- 
tudes que  possuíram. 


ALBINO  FORJAZ   DE   SAMPAIO  61 

<Há  alraas  cuja  treva  é  maior  que  a  noite,  cons- 
ciências cuja  lama  é  maior  que  a  de  todos  os  pân- 
tanos da  terra.  > 

(Pág.  33) 

Há.  São  as  almas  vilíssimas  dos  maus,  e  seria  a 
alma  do  próprio  autor  deste  livro,  se  éle  sentisse 
este  aleijão  moral,  esta  enormidade  perversa  que 
vem  a  pág.  34  e  que  começa :  Filhos  fecundados  em 
plena  bebedeira,  etc.  Mas  não  o  sente.  Mas  nunca 
mesmo  o  sentiu  1  E  eu  que  detesto  a  censura,  que 
não  posso  tolerar  a  coacção  às  manifestações  do 
pensamento,  compreendia-a  para  um  caso  destes, 
porque  essas  dezasseis  linhas  de  prosa  doentia,  es- 
critas só  para  maguar  e  irritar,  são  daquelas  que  a 
desinfecção  moral  não  pode  tolerar,  não  devia  mesmo 
consentir. 

cO  amor  é  dos  romances.  > 
(Pig-  45) 

Seis  anos  depois,  no  prefacio  da  segunda  edição, 
o  autor  concede-o,  pelo  menos,  àquele  estudante 
que  se  mata  porque  a  sua  costureira  lhe  não  quere  o 
amor .  .  .  e  já  mesmo  no  livro  àquela  outra  que  des- 
pedaçou do  quarto  andar  o  corpo  na  calçada,  etc.  — 
pág.  53  e  54- 


62  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

«  Não  há  crime  nenhum  que  não  tenha  saído  de 
um  ventre  de  mulher,  nem  que  uma  cova  não  con- 
tenha. » 

(Pág.  51) 

Não  é  um  grande  pensamento,  mas  é  um  pensa- 
mento verdadeiro.  Forjaz  de  Sampaio  entra  depois 
no  aviltamento  dos  máximos  insultos  a  todas  as 
mulheres,  para  só  haver  uma  clareira  de  tréguas  na  , 
descrição  da  tela  de  Rochegrosse,  pág.  59,  60  e  61  f 
até  às  duas  primeiras  linhas  de  pág.  62  em  que  a 
prosa  máscuJa  de  Forjaz  de  Sampaio  sem  a  preo- 
cupação do  insulto  nos  dá,  em  violentas  pinceladas 
de  artista,  a  grande  tela  da  Angoise  humaine.  Depois 
relembra-se  do  fim  propositado  do  seu  livro  e  des- 
camba novamente  nos  forçados  e  repelentes  para- 
doxos de  toda  a  obra. 

A  quinta  carta  não  tem  perdão,  não  tem  des-  \ 
culpa,  não  se  tolera.  A  avalanche  dos  despautérios  é  » 
extraordinariamente  confrangedora.  Não  se  pode  des-  \ 
cer  mais,  não  se  consegue  ser  mais  estapafúrdio  em  i 
afirmações  horripilantes  de  doido.  É  uma  vesânia  pe-  | 
rigosa  e  criminosa,  fruto,  ou  de  uma  doentia  predis-  ( 
posição  para  o  crime  ou  de  uma  criminosa  brincadeira  ; 
de  mau  gosto.  Há  ali  pensamentos  que  confrangem,  i 
outros  que  chocam  e  ainda  outros  que  fazem  vibrar  j 
todas  as  cordas  da  niaior  repulsa  por  mais  insensível  1 
que  se  queira  ser! 


1 


ALBINO  FORJAZ   DE  SAMPAIO  63 

Na  sexta  carta  em  que  diminui  o  vocabulário 
grosseiro  há  um  acréscimo  grande  de  negativismo  e 
sendo  a  menos  irritante  é  por  certo  a  mais  perigosa. 
E,  para  não  desmerecer  em  tudo  das  irmãs,  vêem  as 
páginas  finais  io6  e  107,  todas  uma  blasfémia  pe- 
gada, repetição  das  muitas  que  este  infelicíssimo 
volume  contêm.  O  pessimismo  mantêm-se  nas  car- 
tas restantes  e  vai  até  à  última  palavra  do  livro  que 
mais  valera  nunca  tivesse  sido  escrito.  Até  meio, 
além  das  muitas  repetições  das  palavras  bandalho, 
malandro,  patife,  pandilha  e  outras,  contêm  quinze 
vezes  a  palavra  canalha  e  seis  a  palavra  prostituta^ 
Como  vêem  o  livro  foi  feito  para  alarmar,  espantar 
o  burguês  que  se  vai  indignando  e  o  vai  comprando, 
lendo  com  entusiasmo  artigos  e  livros  contra  êle 
onde  há  os  mesmos  excessos  de  linguagem  e  os 
mesmos  palavrões.  Não  vale  a  pena.  Se  me  per- 
guntam:—  Deve  ler-se  o  livro  Palavras  Cínicas? 
Respondo  terminantemente :  não.  E  um  desperdício 
de  tempo,  quando  não  é  um  prejuízo  moral.  E  esta 
a  minha  impressão  sobre  o  primeiro  livro  de  prosa 
de  Albino  Forjaz  de  Sampaio. 


^4  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 


Crónicas  imorais 

Crónicas  imorais  é  o  segundo  livro  de  prosa  do 
autor  das  Palavras  Cínicas.  São  crónicas  que  todos 
nós  já  lemos  na  Luta  quando  ali  foram  publicadas  i 
e,  valha  a  verdade,  são  doutro  estofo.  Há  nelas 
observação,  disciplina  de  nervos,  ironia  cáustica,  por 
vezes  afirmações  ainda  negativistas,  blasfémias  para 
entreter  o  espirito  avançado  dos  leitores,  mas  desa- 
pareceu já  o  palavrão,  a  indecência,  a  pornografia 
do  livro  anterior,  A  prosa  é  mais  sadia,  as  ideas  i 
mais  bem  lançadas,  e  o  que  ressalta  é  um  azedo  i 
conhecimento  dos  homens  maus  e  das  coisas  más, 
apontados  sob  um  critério  schopenhaeuresco  e  uma 
ironia  meio  camiliana,,  meio  Silva  Pinto,  mas  mais 
deste  panfletário  do  que  de  Camilo,  que  a  prosa 
azeda  de  Forjaz  tendo  muito  de  Silva  Pinto,  pouco 
se  aproxima  da  prosa  mordente  do  Solitário  de 
Seide. 

Forjaz  de  Sampaio  não  sabe  rir  —  sabe  escachar 
de  alto  a  baixo  as  ideas  e  os  adversários.  Não  há 
na  sua  prosa  uma  clareira  de  graça  —  há  catapultas 
de  finas  observações  ou  montanhas  cerradas  de  exa- 
geros. 

Não  é  um  emotivo  —  é  um  panfletário.  Não  esti- 


i 


Aspectos  do  gabinete  de  trabalho  do  e-cntor 

iClichéx  de  Furtado  S-  lltia 


' 


Albino  Forjaz  de  Sampaio  na  sua  fase  poética 

rCarlratnra  de  F.  Vulençaf 
1902 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  65 

mula  —  arranha.  Não  esmaga  —  fere,  deixando  as 
pústulas  ao  ar,  ou  rasgando  novas  feridas. 

A  sua  crítica  lembra  um  exército  atravessando 
um  campo  semeado  —  vence  o  inimigo,  desbarata-o, 
criva-o  de  setas,  mas  estraga  a  fecundação  da  se- 
mente que  já  não  poderá  dar  o  trigo  loiro  da  graça 
e  da  fartura. 

Ou  semelha-se  ainda  àqueles  sangradores  de  al- 
deia que  curam  os  doentes  —  matando-os. 

No  entanto  estas  Crónicas  imorais  são  já  a 
amostra  segura  de  um  escritor.  A  prosa  é  cheia  e 
bem  proporcionada,  e  os  tipos  focados  dançam  ma- 
cabramente a  movimentada  dança  de  S.  Vito,  e 
expõem  à  plena  luz  da  crítica  os  seus  defeitos,  alar- 
gados, ampliados  pelos  traços  firmes  e  seguros  da 
caricatura  mais  do  que  da  análise.  Que,  muitas  ve- 
zes, o  lápis  de  Karan  d'Ache  é  preferível  ao  bisturi 
de  Pasteur.  ,  . 

Leia-se  aquela  crónica  Artistas  (pág.  19).  Há 
verdade  naquilo.  Em  Os  mineiros,  falha  o  conheci- 
mento do  meio.  É  uma  crónica  bebida  no  Germinal, 
mas  que  não  representa  a  verdade.  É  que  Forjaz  de 
Sampaio  nunca  viveu  entre  mineiros,  não  conhece 
o  meio,  o  trabalho,  os  ganhos,  as  exigências.  Viva, 
como  eu,  durante  meses,  no  contacto  dessa  gente  e 
as  suas  opiniões  modificam-se.  Já  no  artigo  Emigran- 

P0KJA2    DE   SAMPAIO  5 


66  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

tes  a  prosa  toma  elasticidade  de  artista.  Há  visões 
soturnas  de  fome  e  de  miséria,  e  a  sua  prosa  entoa 
e  canta  toda  uma  sagrada  litania  de  desgraça. 

Emfim  o  livro  distancia-se  bastante  do  primeiro 
—  para  melhor;  e  aparte  uma  ou  outra  escapadela 
negativista  que  só  serve  para  amolecer  uma  geração 
já  de  si  abúlica  e  parva,  as  Crónicas  imorais  do- 
cumentam um  período  da  nossa  vida,  da  nossa  so- 
ciedade e  sobretudo  da  época  decadente,  frouxa  e 
má  que  atravessamos. 

Mas  o  artigo  que  mais  me  satisfaz  é  o  último  — 
A  Tortura  do  Estilo.  Neste  artigo  Forjaz  de  Sam- 
paio é  bem  o  escritor  moderno,  cheio  de  talento,  de 
observação,  de  análise.  A  análise  é  a  sua  mais  alta 
feição  literária,  e  na  Tortura  do  Estilo  ela  apresen- 
ta-se-nos  já  forte,  decidida,  mais  vocação  do  que  es- 
forço. Que  pena  Forjaz  de  Sampaio  não  nos  dar  só 
páginas  assim !  Que  pena  para  nós  e  para  a  literatura 
portuguesa  tão  falha  destes  estudos,  tão  pobrezinha 
destas   indispensáveis   vocações    de  crítica  literária  1 

A  Tortura  do  Estilo  fazia  só  por  si  honra  bas- 
tante ao  espírito  observador  e  crítico  de  Forjaz  de 
Sampaio. 


ALBINO   FORJAZ  DE  SAMPAIO  67 


Lisboa  trágica 

Em  a  Lisboa  Trágica,  que  é  o  seu  terceiro  livro, 
nesta  ordem  cronológica  que  vamos  seguindo,  a 
prosa  de  Forjaz  de  Sampaio  torna-se  já  de  uma  rara 
perfeição,  de  uma  grande  elasticidade.  As  ideas  são 
mais  perfeitas,  a  análise  mais  humana,  a  ironia  mais 
profundamente  equilibrada.  E,  tirante  a  Sinfonia  de 
abertura  onde  há  ainda  pronunciados  laivos  do  espí- 
rito negativista  dos  dois  primeiros  volumes  ja  anali- 
sados, encontra-se  por  exemplo  a  análise  realista,  à 
Zola,  na  crónica  Do  anoitecer  à  madrugada,  com 
fortes  pinceladas  de  colorido,  perfeito  conhecimento 
dos  caracteres  focados,  e  uma  especial  ligeireza  de 
pena  que  torna  a  acção  desenvolvida,  de  fácil  com- 
preensão para  o  simples  leitor  e  de  meticulosa  ele- 
vação filosófica  para  o  rebuscador  analista  e  exi- 
gente. E  até  o  tipo  doentio  do  seu  bardo  de  Lavos 
é  exacto,  seguro,  completo.  Vejam  este  amanhecer 
lisboeta  e  digam-me  se  não  há  aqui  beleza,  obser- 
vação, firmeza  de  linhas  e  de  análise: 


«...A  hora  avança.  Não  tarda  que  a  luz  venha 
surgindo  lentamente,  numa  lentidão  assusudora. 
Começa  a  clarear  um  pouco.  Um  homem  apressado 
apaga  bruscamente  a  luz  do  gás,  que  nos  candieiros 


68  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

ainda  crepitava.  A  linha  dos  telhados  começa  a  de- 
buxar-se  no  escuro  e  uma  luz  difusa,  se  abre  em 
leque  das  bandas  do  horizonte.  Já  todos  os  galos 
cantam.  E  lentamente,  como  o  comboio  de  um  exér- 
cito, começam  passando  em  fila,  carregados  de  hor- 
taliças, no  seu  rodar  áspero  como  um  chiar  de  nora, 
os  carros  para  o  mercado.  O  som  das  horas  já  não 
vibra  tão  alto  e  começa  a  anonimar-se  na  turba  dos 
mil  ruídos  da  cidade  que  se  espreguiça.  É  ma- 
drugada. » 

Em  A  vida  há  a  mais  as  três  últimas  linhas  da 
crónica,  blasfémia  que,  nada  representando  ali,  para 
coisa  alguma  serve.  E  uma  escrófula  purulenta  a 
manchar  a  linha  perfeita  e  nítida  da  observação  cruel 
da  vida. 

Da  Loucura  à  enxovia,  odisseia  de  um  louco  que 
a  falta  de  documentos  arremessa  para  o  buraco  ' 
húmido  e  infernal  de  um  calabouço,  é  uma  página 
que  há-de  servir,  anos  volvidos,  para  a  reconstrução 
selvagem  de  uma  época  criminosamente  burocrata, 
e  o  nosso  Governo  Civil  tem  ali  uma  nítida  foto- 
grafia das  suas  maiores  vergonhas. 

O  Conto  do  Natal  é  um  quadrozinho  inferior, 
sem  relevo  e  de  filosofia  barata  que  podia  muitís- 
simo bem  não  ter  sido  incluído  no  volume.  Mas  se- 
gue-se  Uma  noite  de  rusga  e  são  páginas  belíssimas 
de  observação  e  estudo,  páginas  da  Lisboa  miserá- 
vel e  andrajosa,  da  Lisboa  que  se  deita  de  mance- 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  69 


bia  com  os  percevejos  das  casas  para  pernoitar,  da 
Lisboa  que  vegeta,  esfomeada  e  vadia,  nas  alfurjas 
e  nos  alcouces.  Páginas  que  marcam,  páginas  que 
vincam  uma  personalidade  literária,  observação  que 
sintetisa  o  espírito  analítico  de  um  escritor  e  que 
não  desonravam,  quando  assinadas,  os  nomes  con- 
sagrados dos  melhores  realistas  da  última  geração. 
Vagabundos  é  uma  página  sangrenta  de  ver- 
dade ;  Abyssus  abyssum  invocai,  um  nítido  cliché 
das  roletas  pataqueiras ;  a  Gente  de  Fogo  um  qua- 
dro soberbo  da  vida  de  fábrica,  junto  aos  altos  for- 
nos, fabricando  o  gás  que  há-de  alimentar  uma  ci- 
dade inteira.  A  Espiação  é  a  torturada  notícia  de 
um  crime  vulgar  a  que  Albino  dá,  em  duas  pincela- 
das, as  precisas  cores  do  alargamento  para  se  ver 
melhor  —  e  fê-lo  com  mão  de  mestre  — ;  na  Sonata 
de  inverno,  a  mesma  visão  nítida  das  imagens,  a 
mesma  percepção  de  análise,  a  mesma  acuidade  nas 
imagens.  Há  nesta  crónica  frases  e  pensamentos  de 
um  rigor  inexcedível: 


«  O  miserável  que  constituiu  lar  é  mais  miserá- 
vel do  que  nunca,  se  tem  coração.  > 

« Bemdito  seja  o  sono,  seja  embora  o  frio  seu 
cobertor.  > 


70  ALBINO  FORJAZ   DE  SAMPAIO 

A  Noite  de  embarque  são  sete  páginas  soberbas, 
de  um  colorido  intenso  e  que  marcam  como  páginas 
de  um  jornalista  de  raça,  que  sabe  ver,  analisar  e 
sentir. 

A  colectânea  fraqueja  na  História  de  um  Po- 
lichinelo e  nos  Prazeres  que  matam,  para  se  elevar 
um  pouco  em  As  sombras  da  casaria...  e  em  Os 
pobres  e  tomar  a  feição  negativista  no  Depois  da 
morte  que  termina  por  este  pensamento — «entra 
connosco  a  suspeita  de  que  a  angústia  da  vida  não 
termina  nem  ainda  mesmo  no  Alem» — o  que  vem 
corroborar  em  cheio  a  minha  asserção  de  que  o  es- 
pírito filosófico  de  Albino  Forjaz  de  Sampaio  já  hoje 
não  escreveria  as  páginas  das  Palavras  Cínicas. 
O  ventre  da  cidade  é  o  jornalista  a  afirmar-se  de 
novo,  o  repórter  a  demonstrar  a  sua  energia  visual, 
a  sua  percepção  analítica. 

A  Mi  mi  da  Elegia  de  uma  flor  fanada  é  um 
tipo  bem  lançado,  bem  estudado,  e  a  descrição  do 
meio,  da  habitação  e  da  vida  íntima  dos  desgraça- 
dos é  perfeita.  Na  Noite  Morta  há  a  verdade  que 
todos  nós  sentimos,  nós  os  que  nos  acostumámos 
aos  longos  calcurriamentos  pelos  bairros  escusos  em 
noites  de  sonho  e  de  mistério  a  ver,  a  analisar,  a 
observar.  E  as  palavras  de  Forjaz  de  Sampaio,  tor- 
nam-se-nos  vívidas,   sentidas,  de  um  especial  sabor 


ALBINO  FORJAZ   DE   SAMPAIO  71 

ao  agridoce  travo  do  recordar.  E  assim  aquilo.  No 
Hospital  é  uma  página  de  história  da  revolucioná- 
ria Lisboa  de  hoje  em  que  o  autor  da  Lisboa  Trá- 
gica nos  pinta  magistralmente  a  noite  de  i8  de  ju- 
nho, aquela  noite  histórica  da  chegada  de  João  Franco 
ao  Rocio,  com  tiros,  espadeiradas,  gritos,  todo  o  me- 
donho inferno  das  noites  de  tumulto  na  quadrilate- 
rada  praça  de  D.  Pedro ;  e  a  crónica  dessa  noite 
vem  completada  com  uma  espécie  de  diário  de  um 
internado  em  S.  José,  páginas  de  amargura,  de  uma 
verdade  igualmente  flagrante,  onde  perpassa  toda  a 
regelada  angústia  das  velhas  paredes  do  velho  Hos- 
pital de  Todos  os  Santos.  Que  pena  o  bom  senso 
não  ter  indicado  a  Albino  Forjaz  de  Sampaio  a  ne- 
cessidade de  cortar  as  linhas  que  se  seguem  às  in- 
terrogações—  Mas  morre?  E  a  sciência?  B  Deus? 
—  de  pág.  212,  que  nada  valendo,  só  servem  para 
perturbar  o  desenvolver  da  acção  sem  prestígio  nem 
valor.  E  chegamos  à  última  crónica  do  volume  — 
Amanhã.  São  cinco  páginas  apenas.  Leiam-nas  to- 
dos, meditem -nas  todos.  São  páginas  de  blasfémia, 
mas  são  páginas  de  análise.  São  heresias  e  ronqui- 
dos  de  desespero,  mas  são  ponderáveis  considera- 
ções às  causas  desta  débâcle  que  estamos  presen- 
ciando. E  há  ali — creiam-no  todos  também!  —  muito 
que  aprender  e  meditar  para  que  se  evite  exacta- 


72  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

mente  aquele  amanhã  que  o  espírito  azedamente  pes- 
simista de  Albino  prevê,  quanto  a  mim,  com  grande 
justeza  de  vista. 

E  aqui  está  o  que  se  me  afigura  ser  a  Lisboa 
Trágica,  de  Forjaz  de  Sampaio. 


Prosa  vil 

Segue-se-lhe  a  Prosa  vil.  São  crónicas  igual- 
mente. Mas  cada  vez  a  prosa  de  Forjaz  de  Sampaio 
me  vai  agradando  mais,  parecendo  mais  lógica,  mais 
humana,  menos  agressiva.  As  duas  primeiras  cróni- 
cas rezam  do  Fado  e  valeram  ao  autor  uma  tre- 
menda réplica  de  Avelino  de  Sousa  ^. 

Nessa    réplica    A.    de    Sousa,    exagerado    como     . 
todos  os  fanáticos,  agride  sem  tom  nem  som,  me- 
tendo à  bulha  Camilo  e  Silva  Pinto  para  acobertar 
palavrões    que    quere    atirar    a   Forjaz    de   Sampaio 
.  por    detrás    da    cortina.    Avelino    de    Sousa,    traba- 


*  O  Fado  e  os  seus  censores.  /  (Artigos  coligidos  d'/í  Vo^  do 
Operário)  /  Crítica  aos  detractores  da  canção  nacional  /  Com  uma 
carta  do  ilustre  poeta  e  dramaturgo  /  Dr.  Júlio  Dantas  /  Preço 
ICO  réis  /  Composto  na  vila  Tomás  da  Costa.  6,  4.°  porta  G  / 
Impresso  no  Largo  da  Abegoaria,  27  e  28  /  1912  /  Lisboa  /  Edi- 
tor, o  Autor  /  Depósito,  Rua  General  Taborda,  25,  '/c  D.  Cam- 
polide /  56  páginas,  com  o  retrato  do  autor  em  medalhão. 


ALBINO   FORJAZ  DE  SAMPAIO  73 

Ihador  honrado,  tipógrafo  de  mérito,  camarada  de 
apreciáveis  dotes  a  dentro  das  redacções,  não  pre- 
cisava quanto  a  mim  ser  grosseiro  para  defender 
o  Fado  —  que  uma  causa  tanto  mais  se  defende 
com  quanta  maior  serenidade  se  ataca  o  adversá- 
rio. No  fundo  estou  convencido  que  estão  ambos 
de  acordo  —  ambos  gostando  do  Fado,  mas  vendo-o 
através  prismas 'diferentes.  Claro  que  o  Fado  nãa 
é  uma  canção  nacional  se  o  consideramos  sob  o 
ponto  de  vista  oficial,  e  é  este  o  caso  de  Forjaz 
de  Sampaio,  mas  é  nacional  se  o  damos  como 
expressão  do  doentio  sentimento  da  raça.  Eu  por 
mim  declaro  sem  mais  preâmbulos  que  é  de  todas 
as  canções  a  que  mais  me  comove  e  por  conse- 
quência a  que  me  faz  vibrar  mais  intensamente 
a  minha  emotividade  de  meridional.  .  ,  e  de  por- 
tuguês. 

Agora  pergunto  —  Forjaz  de  Sampaio  exagerou 
o  ataque?  Sem  dúvida,  como  Avelino  de  Sousa  exa- 
gerou a  defesa.  Árcades  ambol 

E  ambos  se  me  não  engano  deixaram  na  gaveta 
os  melhores  argumentos  pró  e  contra,  e  principal- 
mente o  não  nos  terem  dito,  um  e  outro,  onde 
começava  e  onde  acabava  o  Fado,  no  campo  poético 
como  no  campo  musical. 

Mas    deixemos    isto    que    nos    levaria    longe    de 


"74  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

mais   na    análise    de    um   incidente  que  só  serviria 
para  nos  afastar  do  fim  deste  livro. 

No  Fragmento  de  uma  carta  há  a  ironia  da  vida, 
o  conhecimento  da  sociedade  com  a  indispensável 
pontinha  da  boa  troça  portuguesa;  Políticos  é  uma 
pincelada  de  mestre  a  marcar  a  época  frívola  de  vi- 
deirinhos  em  que  caiu  uma  raça  que  se  abocanha  e 
se  morde  para  obter  —  abençoada  gente  —  uma  série 
de  empregos  que  dêem  dinheiro  e  não  dêem  traba- 
lho. Crítica  bem  lançada,  com  proporções,  a  verdade 
paira  nela  como  o  azeite  ao  de  cima  de  água;  A 
Dança,  crítica  de  teatro,  é  mordente  sem  exageros  e 
agrada  pela  crueza  da  verdade  exposta.  Depois  vem 
yoão  Rosa  a  piedosa  evocação  do  grande  mestre  ainda 
quente  no  seu  leito  de  morte;  Chapéus  e  Animató- ^ 
grafos,  óptima  blague  que  nos  aflora  aos  lábios  sem 
dificuldade  o  sorriso  das  coisas  graciosamente  reina- 
dias;  Viagens  é  um  belo  estudo  caricatura  sobre  os 
teói-icos  que  são  paralíticos  e  fazem  viagens  pela 
Bcsdecker  e  pelos  itinerários  da  Cook;  A  questão 
ortográfica  é  a  sua  opinião  sobre  ortografias  com  as 
divergências  dos  mestres  —  e  vêem  exemplos  de 
Aulete  e  de  Vieira,  de  Herculano  e  do  sr.  José  Ve- 
ríssimo, de  Latino  Coelho  e  de  Castilho,  de  Garrett 
e  do  sr.  Cândido  de  Figueiredo,  de  Fihnto  e  de 
Camilo. 

% 


ALBINO   FORJAZ   DE  SAMPAIO  75 

A  opinião  de  Albino  cifra-se  numa  linha — <não 
liga   importância   nenhuma   à    questão   ortográfica  > . 

É  uma  opinião.  Eu,  escrevendo,  esforçar-me  hei 
por  seguir  sempre  a  ortografia  à  antiga  portuguesa. 
No  entanto  nos  meus  livros  há,  à  conta  dos  tipógra- 
fos, ou  dos  editores,  ortografias  para  todos  os  pala- 
dares. É  que  hoje  é  impossível  escrever-se  um  livro 
numa  certa  e  determinada  corrente  ortográfica.  Cada 
compositor  tem  a  sua  mania  e  a  sua  sciència  certa  e 
se  nós  fôssemos  a  emendar,  cada  livro  teria  que  ser 
composto  pelo  menos  vinte  mil  vezes,  se  tivesse  mil 
palavras.  .  . 

Na  crónica  Oscar  Wílde  há  análise,  há  graça  e 
há  filosofia.  E  para  que  analisar  mais  crónicas.^ 
Todas  elas  revelam  um  espírito  arguto,  superior.  No 
entanto  na  sua  prosa  há  ainda,  uma  vez  por  outra, 
falhas,  deslizes,  negligências. 

Eis  um  exemplo  : 


<  E  os  pintores  de  oleografias  deixarão  de  repro- 
duzir os  canais  de  Veneza,  cmde  na  água  verde  em 
reflexo  de  prata  se  esbate  um  luar  de  balada.  Uma 
gôndola  desliza,  onde,  numa  canção  sentida,  um 
Romeu  suspira  e  passa  >. 

A  conquista  do  Céu  —  pág.  143. 


76  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

Uma  revisão  cuidada  faria  desaparecer  um  da- 
queles onde,  repetição  que  tira  toda  a  graça  e  toda 
a  leveza  ao  período. 

De  todo  o  livro  há  porém  duas  crónicas  que  me- 
recem especial  menção.  Uma  para  condenar  in  li- 
mine.  Chama-se  Os  santos  populares:  arrevezada, 
satânica  e  ignorante.  Outra  para  apoiar  e  para  con- 
denar. Intitula-se  Camilo  e  nas  suas  referências  ao 
Mestre  é  de  uma  alta  sensibilidade  artística  e  de 
uma  flagrante  justiça  de  português  honrado  que 
sabe  ajoelhar  comovidamente  perante  a  maior  glória 
literária  que  possuímos,  perante  o  mais  formoso  e  o 
mais  elevado  espírito  de  toda  a  nossa  vastíssima 
literatura.  Mas  é  injusto  nessa  crónica  Forjaz  de 
Sampaio  quando  deprime  a  glorificação  de  Camilo 
pela  estátua.  Não.  As  estátuas  não  servem  apena^ 
para  que  tim  gato  sobre  elas  esguiche  a  sua  injúria 
liquida.  Servem  acima  de  tudo  para  que  os  pobres, 
os  humildes  se  descubram  ao  saberem-lhe  o  nome, 
e  neste  caso,  mortos  os  ódios  que  Ele  levantou,  para 
que  nós  todos  o  glorifiquemos  à  luz  do  sol,  depois 
de  o  termos  entronizado  no  íntimo  dos  corações. 

E  a  Prosa  vil  termina  pela  crónica  Gente  moça 
que  vale  também,  para  fechar,  uma  referência  muitc 
especial.  Nesta  crónica,  onde  há  bom  senso  e  justí 
apreciação    da    época    que   atravessamos,   há   igual 


1 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  77 


mente,  vistas  bem  as  coisas,  a  condenação  dos  pri- 
meiros dois  livros  do  autor  —  Palavras  Cínicas  e 
Crónicas  imorais  — '^ox  terem  contribuído  para  o  am- 
biente de  dessòramento  moral  que  na  Gente  moça  se 
Iponta  e  justamente  se  estigmatiza. 
Exemplifiquemos : 

cSe  o  amor,  pela  falta  de  cultivo,  como  uma 
planta  rara  se  estiolou  e  morreu,  a  mocidade  faliu 
fraudulentamente  ». 

Pela  falta  de  cultivo  não  é  bem.  Antes  pelo  der- 
rancamento  do  eu  moral  produzido  pelas  extrava- 
gantes teorias  que  se  estão  repisando  com  certa  des- 
façatez, desde  a  segunda  metade  do  século  XVIII  e 
principalmente  em  toda  a  vasta  e  maldosa  desorien- 
tação do  século  XIX. 


<0  homem  tem  evolucionado  muito.  Antiga- 
mente existia  uma  época  na  vida  que  se  chamava 
mocidade. 

<  Amava-se,  amava-se  a  valer.  Era  a  época  da 
galantaria,  da  paixão.  E  o  homem  era  nessa  época 
como  os  heróis  antigos. 

«Tudo  isto  passou.  A  mocidade  morreu.  Hoje 
nasce-se  velho.  Ainda  menino,  logo  se  começa  a 
deitar  contas  à  vida.  Assim,  aos  doze  anos,  já  um 
fedelho  conhece  as   mulheres  como  os  seus  dedos, 


78  ALBINO  FORJAZ   DE  SAMPAIO 


começa  a  queixar-se  do  estômago,  foi  preso  oito 
vezes  com  resistência  ao  captor,  e  com  pronunciadas 
olheiras  e  a  espinha  curva  sabe  de  experiência  pró- 
pria o  nome  e  o  resultado  de  certas  especialidades 
farmacêuticas  >. 


Muito  bem.  É  isto  na  generalidade.  Felizmente 
a  geração  nova  vai  modificando  um  pouco  os  seus 
gostos,  os  seus  hábitos,  os  seus  costumes,  para  me- 
lhor. Mas  na  generalidade  é  assim.  E  eu  acrescento : 
—  é  exactamente  por  isso,  por  essa  miséria  moral 
apontada  por  Albino  Forjaz  de  Sampaio,  que  as 
suas  Palavras  Cínicas  vão  no  i6.°  milhar,  e  as  suas 
Crónicas  imorais,  no  7.°! 

E  que  a  obra  má  e  perversa  e  amoral  de  Vol- 
taire, de  Oscar  Wilde,  de  Richepin,  de  Jean  Jacques, 
de  Zola,  de  Schopenhauer,  e  de  tantos  outros,  conti- 
nuada e   seguida  fetichísticamente  em  Portugal  por 
Guilherme  Braga  e  por  Guerra  Junqueiro,  por  Eça 
de   Queiroz   e   por   Abel  Botelho,   pelo  sr.    Alfredo 
Pimenta  e  por  Albino  Forjaz  de  Sampaio,  para  não 
citar  mais  gente,  não  podia  dar  outro  resultado  se- 
não esse  —  a  derrancação  dos  costumes,  a  perda  da 
virilidade  juvenil,  o  amortecimento  de  todas  as  vir-  J 
tudes  da  alma  e  de  todos  os  valorosos  excessos  da  ' 
juventude.    Daí   a   velhice   dos   rapazes — caqueticos   < 
na  alma  e  no  corpo,  fedendo  a  coeiros  e  já  herejes, 


ALBINO   FORJAZ   DE   SAMPAIO  TO" 


ainda  imberbes  e  já  rufias,  mal  entrados  na  vida  e 
já  entronizados  na  desvergonha. 

Foi  o  schopenhaurisnw  e  o  realismo,  a  heresia 
à  Voltaire,  e  a  filosofia  á  Wilde,  o  negativismo  ale- 
mão e  o  niiUsmo  russo,  as  ideas  avançadas,  o  des- 
respeito pelas  velharias,  o  ódio  à  tradição,  que  lhe 
deram  —  a  essa  mocidade  pervertida  e  anémica  — 
a  dose  de  veneno  indispensável,  a  intoxicação  do  seu 
organismo  arrendado  pela  sífilis  e  da  sua  alma  putre- 
facta a  desfazer-se  no  monturo  de  todas  as  ignomí- 
nias! 

E  é  talvez  com  um  profundo  arrependimento 
por  ter  contribuido  também  para  essa  decadência 
que  Albino  escreve  ao  findar,  quási,  a  última  crónica 
da  Prosa  vil: 

«Suprimido  o  amor,  o  homem  entendeu  decre- 
tar a  supressão  da  mocidade.  Acho  qtu  jè\  mal. 
A  mocidade  era  útil,  era  precisa,  quanto  mais  não 
fosse  para  a  gente  a  recordar  com  saudade  ou  se 
envergonhar  dos  seus  desvarios  quando  chegasse  a 
respeitável. » 

Certo.  Assim  é  e  assim  devia  ser.  E  o  primeiro 
rebate  na  consciência  de  Forjaz  de  Sampaio  que 
podia  acrescentar,  à  guisa  de  ?nea  culpa: —  pesa-me, 
leitor,  de  ter  contribuido  para  esse  estado  da  nossa 
derreada  juventude  com  a  minha  prosa  irreverente  e 


SO  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

satânica,  de  que  já  hoje,  como  vês  na  Prosa  vil,  me 
vou  lastimando  e  arrependendo. 

Sim,  —  que  a  Prosa  vil  é  bem  diferente  da  prosa 
primitiva  de  Forjaz  de  Sampaio,  prosa  que  vai  dia 
a  dia  melhorando,  como  eu  e  tu,  leitor  benévolo, 
iremos  analisando  com  vagar  e  com  satisfação. 


Gente  da  rua 

Gente  da  Rua,  não  é  um  livro  de  crónicas,  é 
uma  novela,  baseada  nos  moldes  da  escola  realista, 
e.  que  como  tal  apanha  flagrantemente  o  meio  polí- 
tico-social  português  dos  nossos  dias.  Toda  a  acção 
do  livro  gira  em  volta  de  três  figuras  principais  — 
Silvino,  repórter  de  um  jornal  avançado,  espírito  ro- 
mântico, coração  aberto  para  o  bem  e  para  o  per- 
dão; Cláudio  Costa,  orador  de  comícios,  que  se 
vende  mais  tarde  por  uma  situação  bem  remune- 
rada, e  Corália,  uma  corista  barata  que  Silvino 
arranca  do  enxurro  para  ela  o  trair  ignobilmente 
com  Cláudio,  seu  amigo.  Das  figuras  secundárias, 
todas  profundamente  marcadas  e  devidamente  ana- 
lisadas, há  ainda  a  destacar  a  Mariana  e  o  Joaquim  | 
Algarvio,  dois  tipos  lisboetas  optimamente  focados,  f 
■cheios  de  vida,  de  verdade  e  de  observação. 


i 
li 


ALBINO   FORJAZ  DE  SAMPAIO  81 

Todo  O  livro  é  escrito  naquela  linguagem  crua  e 
rascarrte  de  Albino  Forjaz  de  Sampaio,  e  há  nele 
termos,  adjectivação,  arrojos  que  marcam  a  indivi- 
dualidade definida  de  um  escritor  que  vale  e  que  se 
impõe  perante  os  escritores  do  seu  tempo,  criando 
uma  linguagem  e  uma  construção  muito  sua  e  muito 
fora  da  banalidade  comezinha  dos  que  se  arrastam 
julgando  que  fazem  prosa. 

Assim  temos  olhos  machadantes  (pág.  8),  grevis- 
tas assembleavam  (pág.  9),  estrupidando  ferragens 
(pág.  11),  simu7n-verbo  (pág.  19),  o  caso  é  que  pa- 
rece que  o  peito  de  Maria  Antónia  se  avulcooit  por 
Cláudio  (pág.  35),  o  desaforo  açaviou-se  (pág.  35), 
criaturas  transloucas  (pág.  38).  as  lâmpadas  scente- 
Ihando  (pág.  40),  fumo  que  araòescava  (pág.  41),  fa- 
rinha de  velhice  salpimentando-lhe  a  barba  (pág.  41), 
sacolejava  a  lanterna  (pág.  49),  gesto  parafusante 
(pág.  50),  Gonçalves  piluleiro  (pág.  56),  bandós  fan- 
chonos  (pág.  57),  criada  pi^-^nentosa  e  suja  (pág.  57), 
egoismou-se  (pág.  63),  cirandava  (pág.  74),  naquele 
cinema  da  memória  (pág.  107),  antes  que  a  devo- 
rasse o  gusano  da  podridão  (pág.  109),  homens  ve- 
niajavam  (pág.  139).  fazer  salama  (pág.  142),  ânsia 
fermentes  cível  (pág.  1  50),  castrar  a  maré  (pág.  i  50), 
a  seda  verde  da  lâmpada  eléctrica  dava  uma  luz^^- 
numbrosa  (pág.    151),  e  outros  que  não  vale  a  pena 

TOVKZ  Dl  Sampaio  é 


82  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

^i 

transcrever.  De  lastimar  é  que  o  autor  da  Gente  da  \ 
rtia  caia  por  vezes  em  repetição  de  palavras  como  por  . 
exemplo  nioquenqueira  que  Forjaz  emprega  sete  vezes 
em  situações  iguais,  nas  156  páginas  do  livro,  e  se 
descuide  também  na  perfeição  de  um  ou  outro  pe- 
ríodo deixando  passar  —  Vai  tudo  ai  por  pó  de  gatoí 
(pág.  35)  o  que  não  representa  sequer  a  linguagem 
do  nosso  povo  que  quando  não  diz  pelo  pó  do  gato 
diz  inquestionavelmente  p'lo  pó,  mas  nunca  por  pó, 
E  a  páginas  34: 


«  —  Mas  a  quem  sais  tu  assim  ?  perguntava-lhe 
às  vezes  a  mãe.  Mas  nada.  Era  delgaducha,  franzina     j 
e  olheirenta.  Muito  mais,  incomparavelmente  a  mais 
viciosa  do  rebanho  » . 


Ora  isto  está  incompleto.  Não  tem  sentido,  nem 
tem  gramática.  Claro  que  bastava  a  Forjaz  de  Sam- 
paio uma  cuidada  revisão  e  estas  coisas  desapare- 
ciam. Mas  essa  revisão  não  se  fez  e  nós  não  podemos 
perdoar  a  Forjaz  de  Sampaio  essa  negligência  pelo 
aperfeiçoamento  da  sua  prosa,  embora  lhe  louvemos 
muito  a  sua  exuberância  produtiva. 

Também  encontro  um  pensamento  disparatado, 
um  paradoxo  sem  pés  nem  cabeça.  É  quando,  a  pá- 
ginas '/i,  escreve: 


ALBINO   FORJAZ   DE  SAMPAIO  83 


«Não  longe,  na  manhã  de  um  dia  radioso  e 
lindo,  cheio  de  sol,  um  daqueles  dias  em  que  apetece 
ser  morto,  estava  Silvino  ainda  deitado  ». 


Sublinhei  o  paradoxo,  e  por  mais  que  pense  não 
vejo  como,  num  dia  de  sol  claro  e  lindo,  a  pedir 
paisagens  belas,  horizontes  largos,  apeteça  a  alguém 
se7'  morto  por  causa  disso.  Mas  em  compensação  há 
neste  livro  belas  coisas,  grandes  coisas,  em  análise, 
em  observação,  em  sentimento.  Há  o  psicólogo,  o 
repórter,  e  o  historiador.  Há  páginas  que  são  clichés. 
Há  pensamentos  que  valem  por  um  livro  inteiro  da 
mais  espiolhada  psicologia  social.  Depois  o  tneio  jor- 
nalístico, o  jneio  operário,  o  meio  oficial  e  sobretudo 
o  meio  emporcalhado  de  certas  casas  de  hóspedes, 
aparecem  no  livro  de  Forjaz  de  Sampaio,  tão  nítidos, 
tão  claros,  tão  verdadeiros,  que  é  preciso  conhecê-los 
bem  de  perto  para  avaliar  o  extraordinário  valor  de 
observação  e  o  cuidado  escrúpulo  analítico  dessas  pá- 
ginas de  uma  perfeição  e  de  uma  beleza  críticas  di- 
gnas de  um  escritor  que  se  prese  e  que  valha. 

E  ver: 

<  O  ambiente  estava  cheio  de  ameaças  e  a  cidade 
tinha  o  ar  meditabundo  e  preocupado  de  um  homem 
a  quem  nasceu  um  furúnculo  sob  o  colarinho». 

(Pág.  8) 


84  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

E  O  ôvo  de  Colombo !  Tem  elevação  o  pensa- 
mento? Não.  Mas  tem  justeza.  E  a  justeza  quási 
sempre  prefere  a  elevação  da  linguagem  mormente 
quando,  como  no  caso  presente,  se  não  está  retori- 
cando,  mas  dando  aos  leitores  a  impressão  nítida 
de  um  facto. 

Outro : 

«Cláudio  voltara  de  novo  à  vida  associativa.  Nin- 
guém sabia  bem  o  que  o  chamava  ah,  que  êle  não  era 
operário^  nem  a  causa  de  tamanho  interesse  pelos  operá- 
rios. Mas  êle  apresentava-se  como  defensor  dos  opri- 
midos, como  revoltado,  como  verberante  de  todas  as 
iniquidades  sociais  e  com  tais  palavras  de  passe  con- 
seguiu ser  considerado  e  até  indispensável.  As  multi- 
dões gostam  sempre  dos  charlatães.  Adoram  o  brilho  tanto 
quanto  odeiam  a  profunde\a>. 

(Pág.  37) 

Há  ou  não  verdade  nisto?  Sublinhei  o  preciso. 
Estereotipa-se  aí  em  meia  dúzia  de  linhas  toda  a  psi-l 
cologia  desses  aventureiros  que  se  introduzem  nasj 
classes  pobres,  que  a  orientam,  as  exploram,  as  le- 
vam para  a  miséria  e  para  a  ruína  de  movimentos 
aparentemente  justos,  mas  que  falham  sempre,  e  a 
cuja  ameaça  para  os  governantes  eles  trepam,  eles 
criam  situações  pingues  e  vantajosas. 

Albino  Forjaz  o  apresenta  na  extrema  nitidez 
destas  palavras: 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  85 


<  Falava-se  vagamente  em  que  êle  queria  ser  de- 
putado para  ir  ao  parlamento  dizer  da  justiça  dos 
humildes.  Mas  tudo  isso  era  vago. 

<Que,  porém,  contenta va-se  em  ser  uma  espé- 
cie de  dono  do  operariado,  em  ter  na  mão  as  asso- 
ciações » . 

(Pág    58) 

E  mais  adiante,  na  entrevista  de  Cláudio  com  o 
Governador  Civil,  Forjaz  de  Sampaio  dá  bem  a  nota 
do  seu  valor  como  psicólogo  escrevendo : 

« Cláudio  estava  estarrecido.  Achava  deveras 
simpático  o  Governador  Civil  e  via  muito  bem  o  que 
êle  queria.  Ah!  Êle  não  era  tolo.  Aquele  homem 
afável  queria  comprá-lo.  Chegava  pois  a  ocasião,  a 
sonhada  ocasião  de  se  vender,  de  subir,  de  ser  alguém. 
Sempre  fora  ambicioso,  e  se  recorrera  aos  operários 
é  porque  sabia  que  eles  eram  o  grande  rebanho  de 
que  se  faz  o  que  se  quere. 

«. .  .e  quando  Cláudio  saiu  tinha  aceitado  outro 
charuto  e  fora  acompanhado  até  à  porta  pelo  sr.  Go- 
vernador Civil  que  o  tratava  já  por  meu  «caro 
amigo ». 

(Pág.  44) 

E  o  final  deste  capítulo  é  soberbo,  de  uma  estra- 
nha e  rara  felicidade: 

«Era  uma  da  madrugada.  Cláudio  subiu  a  gola 
do  sobretudo,  o  seu  pobre  e  verde-negro  sobretudo 


86  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

de  golinha  de  veludo,  e  ao  ar  fresco  da  noite  aspirou 
com  delícia  as  primeiras  fumaças  do  seu  charuto,  o 
charuto  caro,  homenagem  da  Ordem,  tributo  insi- 
gnificante à  sua  obra  de  revolta  e  demolição». 

(Pág.  45) 

A  casa  de  hóspedes  da  D.  Rosa  é  flagrante  de 
verdade  e  justeza;  as  suas  figuras  são  reais,  vívidas, 
humanas;  e  as  duas  criaturas  Corália  e  Silvina,  bem 
apanhadas  do  natural,  são  óptimas,  perfeitas,  com- 
pletas, os  episódios  bem  desenhados,  nitidamente  ex- 
postos desde  o  encontro  no  Magina  até  à  scena  final. 
Já  o  mesmo  não  acontece  à  figura  principal  —  o  Cláu- 
dio—  que  sendo  uma  figura  essencialmente  realista 
termina  com  uma  nota  arqui-romântica  perfeitamente 
dispensável  e  que  destrói  um  pouco  a  beleza  homo- 
génia  da   figura.   Vem  a  páginas    154.  Transcrevo: 


«  Apavorado  (Cláudio)  buscou  um  chapéu  mole, 
pôs  pelos  ombros  um  varino,  o  mesmo  com  que  outrora 
fugira  à  policia  acompanhado  por  Silvino  e  que  por  inex- 
plicável fatalismo  conservava  ainda». 


O  que  é  inexplicável  é  esta  conservação  do  va- 
rino, absolutamente  inadmissível  em  quem,  como 
Cláudio,  teria  até  todo  o  cuidado  em  fazer  desapare- 
cer, de  diante  dos  seus  olhos,  tudo  quanto  lhe  fizesse 


Á 


ALBINO  FOR  JAZ   DE  SAMPAIO  87 

recordar  o  seu  passado  de  menetir,  o  seu  tremendo 
passado  de  vendido  e  de  traidor. 

Para  quê  conservar  o  varino?  Para  quê  guardar 
como  um  tesouro  essa  coisa,  que  ao  seu  orgulho  de 
guindado  da  sorte,  havia  de  aparecer  constantemente 
como  um  fantasma  ou  como  um  remorso?  Não.  Se 
este  pormenor  ficava  perfeitamente  bem  num  ro- 
mance romântico,  fica  detestávelmente  mal  num  ro- 
mance realista. 

Há  também  empederniu-se  (pág.  62)  e  empederniu 
(pág.  65)  que  me  parece  ficaria  melhor  cmpedreniu-se 
e  empedreniu  do  verbo  empedrenir  —  duro  como  pe- 
dra. E  possível  que  Forjaz  nem  nisso  pensasse  um 
segundo,  tanto  mais  que  todo  o  mundo  escreve  e 
diz  empedernir  embora  diga  e  escreva  pedra. 

E  para  findar  direi,  resumindo:  Gente  da  noa, 
dos  quatro  livros  analisados,  o  melhor,  é  um  grande 
€  formoso  livro  de  análise  e  de  crítica  que  uma  fu- 
tura edição  há  de  pulir,  lapidar,  tirando-lhe  os  pe- 
queninos senões  que  a  lufa-lufa  da  produção  deixou 
passar.  Gente  da  rua  marca  uma  época,  descreve  o 
finalizar  de  um  regime  e  carreia  para  a  História  de 
hoje  que  se  há-de  fazer  um  dia,  vastos  elementos  de 
análise,  de  nítida  observação  e  de  profundíssimo  es- 
tudo. 


88 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 


Albino  Forjaz  de  Sampaio 

Caricatura  de  SAAVEDRA  MACHADO 


É  o  segundo  livro  que  este  amigo 
Escreve  e  dá  à  loz,  com  muito  agrado ; 
Por  isso  deve  ser  elogiado 
Conforme  era  casos  tais  me  desobrigo. 


O  livro  d'hoje  e,  ao  que  suponho,  o  antigo 
São  de  homem  de  talento  e  revoltado, 
Tanto  que  no  prefácio  tem  cuidado 
De  se  indispor  cora  todos  —  não  comigo. 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  89=^ 


Adoro  quem  se  mostra  independente. 
Quem  vai  zurzindo  a  tono  ou  a  direito 
Esu  chagada,  miserável  gente. 

Vá,  sen  Albino,  qae  tem  alma  e  geiío ! 
Ponha-me  em  sangue  os  outros,  se  é  valente 
Corra-me  a  pontapés  o  preconceito ! 


De  O  Seatlo,  suplemento  (1908) 

Grilhetas 


X.  P. 


Segue-se-lhe,  cronologicamente,  o  volume  Gri- 
lhetas. 

O  autor  o  diz :  —  trata  de  escritores  e  Albino 
acka  que  o  nome  está  be^n,  dado  o  trabalho  intelectual 
ter  na  nossa  terra  equivalência  à  cotidenação  penal 
de  trabalhos  forçados. 

Começa  pela  Resposta  a  um  inquérito,  autobio- 
grafia onde  há  muita  blague  à  mistura  com  muitís- 
simas verdades  e  uma  ou  outra  afirmação  paradoxal. 

«  Pode  ser-se  sonhador,  utopista,  visionário,  mas 
com  a  algibeira  vazia  o  sonho,  a  utopia,  a  visão, 
há-de  ser  sempre  a  moeda  que  nos  falta». 

(Pág.    12) 

Não  é  verdade.  Camões  não  foi  rico,  Bocage  não 
foi  rico,  e  Camilo  viveu  como  Albino  Forjaz  o  apre- 
senta mais  adiante  e  como  todos  nós  sabemos.  Isto 
cá  por  casa.  Lá  por  fora  veja-se  Milton,  Shakespeare, 
Dante.    Veja-se  Daudet  e   Zoia.   As   suas   melhores 


■90  ALBINO   FORJAZ  DE  SAMPAIO 


obras,  as  de  mais  chispa,  as  de  mais  talento  foram 
feitas  quando  eles  não  tinham  « com  que  mandar 
tocar  um  cego».  O  próprio  autor  dos  Grilhetas^ 
que  tinha  quando  escreveu  as  Palavras  cínicas,  as 
Crónicas  imorais^  a  Lisboa  trágica} 
Outro  paradoxo: 

«...  os  Lusíadas,  a  Ilíada,  o  que  os  senhores 
quiserem,  só  são  adoráveis  vistos  através  de  uma  boa 
digestão  » . 

(Pág.    10) 

Também  não  é  verdade.  Através  uma  boa  diges- 
tão o  que  é  agradável,  e  sobretudo  o  que  sabe  bem, 
é  um  bom  charuto.  A  beleza  das  grandes  obras  pri- 
mas, geralmente,  é  vista  à  luz  de  uma  vela,  na  tra- 
peira de  um  quinto  andar,  quando  se  tem  a  alma 
cheia  de  ilusão  e  o  peito  cheio  de  fé  I  Então,  sim. 
Então  é  que  a  chama  bemdita  do  Ideal,  sobe,  às 
cavalitas  do  Pensamento,  até  tocar  as  nuvens,  para 
pairar  lá  muito  em  cima,  lá  muito  alta,  onde  lhe 
não  cheguem  as  flatulências  das  boas  digestões.  Não 
será  assim  ? 

Mas  aqui  está  um  belo,  um  grande  pensamento 
—  grande  e  verdadeiro: 

«...  tudo,  todos  se  vão  no  dia  em  que  de  pobre 
se  desce  a  miserável » . 

(Pág.  13) 


ALBINO  FORJAZ  DE   SAMPAIO  91 

Todo  O  resto  do  artigo  é  uma  blague  pegada, 
prosa  irónica  com  seus  laivos  de  repulsa,  mas  fica-se 
sabendo  (pág.  14)  que  os  seus  deuses  são  Camilo  e 
Fialho,  e  assim,  mesmo  sem  querer,  Albino  Forjaz 
de  Sampaio,  vai  dizendo  as  suas  preferências  sobre 
escolas  literárias. . . 

E  seguem-se  as  máscaras  e  vem  Silva  Pinto  a 
cujo  estudo  eu  ja  largamente  me  referi  no  meu  livro 
Camilo  €  Silva  Pinto,  que  a  casa  Guimarães  &  C* 
editou  e  que  o  leitor  pode  ler  se  quiser,  compran- 
do-o. 

Depois  Ramalho  Ortigão  que  foi  bem  aquilo  que 
Albino  nos  apresenta  por  mais  que  zoilos  de  vária 
espécie  digam  o  contrário  em  desabono  da  irreve- 
rência do  autor  do  Grilhetas.  Em  Camilo  Castelo 
Branco,  Forjaz  de  Sampaio  analisa  as  relações  de 
Camilo,  escritor,  com  a  casa  editora,  já  extinta,  Matos 
Moreira,  cujos  copiadores  de  cartas  Albino  leu,  co- 
lhendo aí  apontamentos  curiosíssimos  e  indispensá- 
veis ao  grande  estudo  que  um  dia  se  há-de  fazer 
ainda  e  que,  por  emquanto,  é  obra  fragmentada, 
caboucos  a  que  cada  um  de  nós  tem  dado  a  sua 
enxadada,  sem  outro  fim  que  não  seja  o  de  abrir 
os  alicerces  *do  grande  edifício  a  construir.  O  artigo 
em  questão,  sob  este  importante  ponto  de  vista,  é 
óptimo. 


92  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

Depois  Fialho.  E  a  figura  do  prosador  admirável 
do  Paiz  das  Uvas  sai  da  prosa  de  Forjaz  mais  co- 
nhecido e  mais  compreensível. 

Segue-se-lhe  Eça  de  Queiroz  e  Jiiles  Claretie.  No 
primeiro  aparece,  numa  revelação  perfeitamente  iné- 
dita, o  lado  comerciai  do  autor  dos  Maias.  E  que 
belo,  que  profundo  estudo  de  comparações  e  de  aná- 
lises onde  sobressai  a  fina  ironia  de  Eça  bras-dessus, 
bras-dessous  com  o  romantismo  de  Mariano  Pina.  No 
segundo,  simples  esboço  de  figura,  evoca-se  uma 
carta  do  escritor  de  Les  Ingrati  ao  autor  dos  Gri- 
lhetas, em  que  este  é  saudado  pela  beleza  do  soneto 
Ao  cair  da  folha  que  Albino  lhe  mandara.  E  aqui 
noto  eu  o  desfazer  de  uma  <^/ii;^^-paradoxo  de  For- 
jaz. Neste  mesmo  livro  Albino  escreveu  a  pági- 
nas 12: 

«Arte?  Artistas?  Não  acredito.  Criaturas  que 
precisam  de  comer.  Gente  uma  por  fora  outra  por 
dentro.  Egoístas,  egoístas  apenas». 

E  a  páginas  45,  referindo-se  à  espantosa  activi- 
dade do  falecido  director  do  Temps: 

«É  que  esse  artista  era  uma  criatura  infatigável     v 
que  tomava  o  trabalho  não  como  um  duro  fado  a  cum- 
prir, mas  como  uma  deleitosa  tarefa  a  executar  ^k 

Sublinhei  a  contradição. 


ALBINO   FORJAZ   DE  SAMPAIO  93 

Ora  quem  leia  só  uma  ou  outra  obra  de  Forjaz 
de  Sampaio  e  as  não  conheça  a  todas  pode  muito 
facilmente  tomar  a  nuvem  por  Juno  e  julgar  que  as 
excentricidades  de  Forjaz  de  Sampaio  são  afirmações 
feitas  a  sério.  Que  o  não  são  demonstra-o  suficiente- 
mente o  que  aí  fica. 

A  fechar  o  livro  vêem  mais  três  capítulos  —  In- 
quéritos de  jornal,  A  margem  de  alheios  livros  e  Fi- 
guras gradas.  No  primeiro  fica-se  sabendo  como 
trabalhavam  ou  trabalham  Abel  Botelho,  A.  Lopes 
Vieira,  Malheiro  Dias,  Schwalback,  Eugénio  de  Cas- 
tro, Fialho,  Gomes  Leal,  D.  João  da  Câmara,  João 
Penha,  Júlio  Dantas  e  Teófilo  Braga;  e  se  uma  boa 
parte  da  gente  em  evidência  no  nosso  tempo  é  ou 
não  fumadora,  e  o  que  fuma.  São  inquéritos  interes- 
santes, jornalísticos,  cheios  de  humor  e  de  vivaci- 
dade. No  segundo  analisam-se  livros  de  Júlio  Dantas, 
Eduardo  de  Noronha  e  Delfim  Guimarães.  E  no  ter- 
ceiro há  elogiosas  referências  e  justos  comentários  a 
Bento  Màntua,  Schwalback,  Fernandes  Tomás  e  La- 
tino Coelho. 

E  todo  o  livro  é  curioso,  interessante,  em  elevada 
linguagem  de  prosador  já  feito  e  seguro  dos  seus 
méritos  e  da  sua  prosa. 


94  ALBINO   FORJAZ   DE  SAMPAIO 


1 


Vidas  Sombrias 

Uma  tarde  no  seu  gabinete  de  trabalho  da  Bi 
blioteca   do  Ministério   do   Comércio,   de   que   é  di- 
rector arquivista,  Forjaz  de  Sampaio,  entregando-me 
o  último  dos  seus  volumes  publicado,  dizia-me: 

—  Aqui  tem    você   mais   um   livro   meu.    E   por 
sinal  um  dos  meus  livros  de  que  vai  gostar.  .  . 

E  passou-me  para  as  mãos  Vidas  Sombrias.  For- 
jaz de  Sampaio,  não  se  enganou.  É  para  mim,  de 
facto,  o  melhor,  o  mais  belo,  o  mais  são  e  o  mais 
humano  de  toda  a  sua  obra  já  vasta  e  barulhenta. 
E  um  livro  cheio  de  piedade  e  cheio  de  amor.  Livro 
das  lágrimas,  das  dores,  dos  desânimos,  da  miséria 
—  é  todo  um  livro  bem  do  coração,  é  todo  uma 
grande  tragédia  de  sentimento,  em  que  a  bondade  e 
a  verdade  palpitam  e  em  que  os  miseráveis,  os  po- 
bres, os  famintos,  os  deserdados,  todos  os  que  so- 
frem e  todos  os  que  lutam,  todos  os  que  escavacam 
a  alma  e  o  peito  na  penedia  aguda  e  hostil  da  des- 
graça, todos  os  que  se  afogam  no  mar  sem  fundo 
das  lágrimas  martirisantes,  todos  emíim  os  que  es- 
trangulam a  alegria  de  viver  na  corda  rígida  do  Azar,  aA| 
se  apresentam  tais  quais  são  à  luz  magoante  de  uma 


i 


ALBINO   FORJAZ  DE  SAMPAIO  9& 

análise  feita  aos  raios  X  da  observação,  mas  feita 
com  arte,  com  talento  e  com  piedosa  ternura! 

Ah!  que  belo  fora  que  toda  a  obra  de  Forjaz  de 
Sampaio  fosse  assim  humana  e  sentida,  verdadeira  e 
leal  1  Que  enorme  monumento  literário,  cheio  de  ver- 
dade e  de  carinho,  de  sentimento  e  de  análise,  não 
teria  já  hoje  o  autor  das  Vidas  Sombrias! 

E  um  livro  que  se  lê  com  o  cérebro  e  com  a 
alma,  e  em  que  é  preciso  enxugar,  uma  vez  por 
outra,  os  olhos  humedecidos.  Não  há  palavrões  para 
épater  le  bourgeois,  não  há  esforços  de  retórica,  não 
há  efeitos  de  pirotecnia  literária.  E  um  livro  calmo^ 
sereno,  tranquilo  como  a  água  límpida  de  um  lago^ 
livro  de  tragédias  que  se  compreendem  na  própria 
calmaria  da  acção.  Não  arripia,  sensibiliza.  Não  cega, 
ilumina.  A  vida  é  assim,  para  os  pobres,  para  os 
humildes,  para  os  desgraçados.  A  existência  dura  e 
adversa  tem  aquelas  dores,  aquelas  mágoas  e  aque- 
las filosofias. 

Mateus,  o  velho  trapeiro,  com  c  a  sua  filosofia 
especial  que  o  tornava  quási  feliz»,  é  um  poema  de 
dor,  de  amargura  e  de  lágrimas,  dor  que  se  petri- 
fica, amargura  que  se  anquilosa,  lágrimas  que  se  cris- 
talizam, nos  longos  solilóquios  mentais,  através  as 
ruas  da  cidade,  a  derrear-lhe  os  ombros  a  «sacola 
de  variegadas  cores  »  até  se  ir  amouchar,  noite  já,  no 


^  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

seu  antro  húmido  e  frio,  encolhendo  ainda  filosofica- 
mente os  ombros  magros  à  teimosia  impiedosa  da 
gota  de  água  que  lhe  perturbava  o  seu  bom  humor 
de  pária,  a  sua  filosofia  de  miserável  farrapo  humano. 

O  Filósofo  —  vida  de  amor,  desfiada  lágrima  a 
lágrima,  pelos  lábios  da  velhota  «tão  antiga  no  bairro 
<:omo  êle>,  são  das  páginas  mais  belas  que  Forjaz 
tem  escrito,  cheias  de  vida,  de  sentimento  e  de  ver- 
dade. 

O  mesmo  direi  do  pequenino  episódio,  sentimen- 
tal e  terno,  do  moço  de  bordo,  e  reforço  a  minha 
opinião,  com  as  páginas  soberbas  daquele  Pai,  viúvo 
e  tristonho  que  andava  à  procura  do  fiador,  em- 
quanto  lá  em  casa  a  filha  morta  lhe  apodrecia  já, 
porque  ele,  o  desgraçado,  nem  dinheiro  tinha  para  o 
enterro.  Depois  a  história  simples  daquele  moço  de 
fábrica,  bom,  pontual,  obediente,  trabalhador,  posto 
na  rua  pelo  capricho  de  um  novo  mandão,  cegando,  *f 
na  fúria  de  ter  perdido  o  sustento  dos  filhos,  e  ma- 
tando na  epilepsia  racional,  humana  e  lógica  dos  sen- 
tidos. . .  Que  beleza  de  figuras,  que  explêndido  apa- 
nhado de  sentimentos! 

E  que  lindo  poema  O  Sonho,  feito  com  todas  as 
tintas  amargas  da  ilusão,  desfeitas  na  dura  realidade 
de  uma  mansarda  pobre  e  triste. 

E  O  bêbedo  ?  Há  ou  não  absoluta  verdade  naquele  ] 


I 


i 


Albino  Forjaz  de  Sampaio 


ClieJiè  de  Furtado  <f  Heu/ 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  97 

borrachão  ignóbil  que  concordava  com  o  amigo  « em 
que  um  homem  não  é  de  ferro,  e  que  um  bocadito 
de  libardade  não  fica  mal  a  uma  pessoa  *  ?  E  que  pro- 
funda e  amarga  verdade  esta  num  simples  comentá- 
rio do  escritor: 

«Liberdade  chamava  o  bêbedo  o  meter-se  no 
carvoeiro  cora  a  féria  e  a  só  sair  de  lá  quando  a  tasca 
fechava  e  o  dono  punha  os  fregueses  na  rua,  tendo- 
-Ihes  trocado  o  dinheiro  por  vinho». 

E  aquela  mulher,  fêmea  que  a  todos  os  bofetões 
se  submete,  cadela  que  lambe  a  mão  brutal  do  dono 
—  só  por  que  êle,  um  bêbedo  e  desordeiro,  é  o  pai 
dos  seus  filhos .  . .  E  isto  assim,  pois  não  é?  Quantos 
€xemplos  não  temos  nós  aí  diariamente?  Quantos?! 

E  o  volume  é  assim — O  cigarro,  A  morte, 
O  amor,  O  frio,  A  velha,  A  órfã  e  todos  os  outros, 
uma  infinidade  de  episódios  roçados  pela  asa  negra 
da  Desgraça — livro  de  um  sonhador  e  de  um  filó- 
sofo, de  um  poeta  e  de  um  analista,  livro  humano, 
livro  onde  a  verdade  canta  e  ri  e  chora  toda  uma 
grande  tragédia  de  sofrimento  1 

Vidas  Sombrias  é  de  facto,  dos  livros  deste  es- 
critor, até  hoje  publicados,  o  melhor.  A  própria 
linguagem  é  mais  forte,  mais  bem  equilibrada,  mais 
justa.  É  um  livro  que  ficará  a  marcar  algo  de  valia 
na  produção  literária  de  uma  época. 

rOKJAZ   DE   SAMPAIO  7 


98 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 


A  Avalanche 


A  Avalanche  é  o  poema  das  trincheiras.  Poema 
feito  de  esperanças,  na  luta  épica  dos  campos  ensan- 
guentados da  Flandres  e  nas  enxovias  húmidas  das 
trincheiras.  Vejam  a  beleza  desta  dedicatória: 

« A  todos,  que  ao  frio,  à  neve,  à  chama  rubra 
dos  incêndios,  ao  troar  do  canhão,  ao  enervante  cre- 
pitar da  fuzilaria,  na  incerteza  das  águas  do  mar,  na 
planície  desolada  da  Flandres,  na  noite  negra  das  trin- 
cheiras ou  na  noite  vermelha  dos  hospitais,  souberam 
lutar,  combater,  sofrer,  morrer,  honrar  a  Pátria  — 
Soldados  de  Portugal,  dedica  o  autor». 

'^  ~^  São  meia  dúzia  de  linhas  vibrantes,, 

pensamento  alto,  coração  sadio  e  forte, 
e  pulso  firme  de  escritor,  fazendo  vi- 
brar  intensamente   a  corda  do   senti- 
mento. São  meia  dú- 
zia    de    linhas     que 
'r^^Í^-^^~^'  >»  '^   marcam    a   elevação 

de  todo  o  livro,  que 
traçam  a  sua  directriz,  que  rasgam  aos 
olhos  do  leitor  a  larga  estrada  do  mais 
acendrado  patriotismo  a  percorrer. 

O  tenente  Albino  Forjaz  de  Sampaio 

Caricatura  de  H.  COLLOMB 
De  O  Século  tómico  (1918) 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  ÇQ 


O  livro  tem  duas  partes  distintas:  A  margem  da 
grande  guerra  e  No  coração  da  guerra,  uma  fazendo 
parte  da  outra  incidentalmente.  Na  primeira  há  a 
filosofia  e  a  história  da  guerra  vista  sob  o  prisma 
democrático;  a  segunda  são  paisagens,  impressões  e 
episódios  colhidos  no  próprio  teatro  da  guerra  onde 
batalharam  soldados  de  Portugal.  Na  primeira  há 
observação  e  história,  muita  leitura,  vastos  conheci- 
mentos e  acima  de  tudo  isso  uma  clara  psicologia 
das  gentes  que  fizeram  a  guerra. 

Não  discuto  as  opiniões  expendidas.  Nem  estes 
estudos  teem  esse  objectivo,  nem  eu  me  quero  imis- 
cuir em  observações  políticas,  numa  obra  meramente 
literária. 

Na  segunda  parte,  a  observação  natural,  a  graça 
expontânea  e  aquele  quid  de  prosa  genuinamente 
portuguesa  e  sentimental  sobressaem  a  ponto  de  tor- 
nar a  leitura,  ademais  de  interessante,  graciosa  e  pi- 
toresca. 

Não  é  uma  obra  homogénea.  Mas  é  uma  obra 
que  Tiá-de  ser  lida  com  prazer  mesmo  quando  estas 
coisas  da  guerra  de  hoje  já  não  despertarem  entu- 
siasmo na  política  dos  interesses  agora  em  jogo  e  à 
bulha. 

A  guerra  não  deu  em  Portugal  obra  de  fôlego. 
As   crónicas   de   Adelino  Mendes,  Augusto  dè  Cas- 


100  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

tro,  Hermano  Neves,  Forjaz  de  Sampaio,  Almada 
Negreiros,  Paulo  Osório,  André  Brun,  Xavier  de  Car- 
valho, José  Pontes  e  Mário  de  Almeida,  para  não 
incluir  as  minhas,  são  todas  meros  episódios,  pontos 
de  vista  jornalísticos,  apreciações  sobre  o  joelho,  mais 
ou  menos  bem  lançadas  com  maior  ou  menor  chama 
de  sentimentalidade.  Obra  de  gabinete,  ponderada, 
valiosa  em  absoluto,  história  sem  rancores,  análise 
sem  política,  observação  sem  facciosismos  nem  par- 
tidarismos  não  houve  para  aquém  dos  Pinneus,  em- 
bora a  tentasse  esboçar  no  Porto,  Bazílio  Teles,  um 
velho  republicano  que,  por  isso  mesmo,  foi  logo  pela 
turba  alcunhado  de  germanófilo  e  de  traidor  —  pelos 
próprios  partidários ! 

E  mesmo  assim  a  obra  deste  escritor  foi  quási 
insignificante,  simples  opúsculos,  sem  largx)s  rasgos 
de  crítica  desafogada. 

No  entanto  afirmo,  foi  esta  a  única  tentativa  sé- 
ria em  Portugal.  Não  quere  isto  dizer  que  os  livros 
de  guerra  dos  escritores  apontados  não  tenham,  cada 
um  de  per  si,  o  seu  valor  restrito  e  relativo.  Como 
não  quere  dizer  também  que  A  Avalanche  não  seja, 
como  já  disse,  um  belo  e  formoso  livro  de  guerra, 
com  muita  observação,  com  bastante  viveza  e  prin- 
cipalmente com  aquele  fogo  sagrado  do  patriotismo  i 
indispensável  ao  fim  que  Albino  Forjaz  de  Sampaio] 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  101 


tinha  em  vista  —  a  propaganda  e  a  justificação  da 
nossa  participação  na  guerra. 

E  ainda  o  livro  denota  que,  se  Albino  Forjaz  de 
Sampaio  tivesse  querido,  teria  feito  a  obra  de  verda- 
deiro cunho  histórico,  cuja  lacuna  apresentei  e  ficou 
infelizmente  em  aberto.  Isto  se  demonstra  exuberan- 
temente nos  capítulos  da  primeira  parte  de  A  Ava- 
lanclie,  cuja  soberbia  de  expressão  é  admirável  pela 
sinonimia:  a  Deutschland  úber  alies  e  A  arte  alenta, 
onde  há  uma  acuidade  crítica  espantosa  e  uma  jus- 
teza de  vista  muito  para  louvar.  .  .  e  meditar. 

Emfim — da  primeira  parte  sai  demonstrada  a 
tese  de  que  a  Alemanha,  que  só  teve  génio  na  imi- 
tação, no  aperfeiçoamento,  na  adaptação  (pág.  41), 
foi  um  pouco  a  oficina  da  Europa,  mas  nunca  o  cé- 
rebro do  mundo  (pág.  42);  da  segunda  parte,  hino 
de  amor  à  raça  portuguesa,  tira-se  a  bravura,  a  cora- 
gem, o  bom  humor  e  a  estupenda  adaptação  do  sol- 
dado português. 

E  o  livro  de  Forjaz  de  Sampaio  marca  assim 
mais  um  escalão  valioso  na  série  de  crónicas  já  coor- 
denadas nos  volumes  anteriores  e  onde  a  prosa  muito 
pessoal  do  autor  da  Avalanche  se  vai  tornando  cada 
vez  mais  homogénea  e  apreciável,  vista  através  da 
sua  originalidade  e  do  seu  vigor  de  repórter  e  de 
crítico. 


102  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 


A  Avalanche  foi  causa  ainda  de  azeda  disputa  e 
acerada  má  língua  nas  gazetas  de  Lisboa  e  Porto 
contra  Forjaz  de  Sampaio.  O  «escândalo  Forjaz» 
deu  colunas  (^).  Misérias,  porcarias  a  que  todos  nós 
nos  habituámos  há  muito  neste  pequenino  país  de 
coisas  pequeninas.  Não  vale  a  pena  recordar  ódios  1 
e  transcrevê-los.  Para  quê.'*  Mas  o  «escândalo  For- 
jaz »  deu  uma  réplica  de  Albino  e  nessa  réplica,  feita 


(•)  Tendo  causado  estranheza  que  o  sr.  Albino  Forjaz  de 
Sampaio  fosse  equiparado  a  tenente,  em  consequência  da  sua 
nomeação  para  o  desempenho  de  uma  comissão  de  serviço  junto 
do  corpo  expedicionário  português,  era  França,  informa m-nos  as 
estações  competentes  que  aquela  equiparação  foi  concedida  em 
virtude  do  determinado  no  §  i.°  do  artigo  j.»  do  decreto  n." 
2866  de  30  de  novembro  de  1916  e  por  analogia  com  o  precei- 
tuado no  artigo  i.°  do  decreto  n."  29 11  de  28  de  dezembro  do 
mesmo  ano  para  os  2."^  oficiais  telegrafistas  e  das  pagadorias, 
visto  o  sr.  Albino  Forjaz  de  Sampaio  ser  arquivista-chefe  do  mi- 
nistério do  comércio,  a  que  corresponde  a  categoria  de  2.°  oficial. 
Quanto  à  comissão  de  serviço  de  que  foi  incumbido  o  sr.  Forjaz, 
é  eia  de  confiança  do  governo,  que  a  reputa  indispensável  neste 
momento  e  da  qual  em  ocasião  oportuna  dará  o  devido  conheci- 
mento ao  paiz. 

(Nota  Oficiosa,   emanada  da  Arcada  e  publicada 
no  Século  de  20-XU-917). 


ALBINO   FORJAZ   DE   SAMPAIO  103 

com  muito  sangue  frio  e  desusado  bom  senso,  expli- 
ca-se  tudo.  Cortemos-lhe  as  ferroadas  directas  e  apre- 
sentemos a  defesa  que  vale  a  pena  ler  e  arquivar. 
Veio  na  Luta,  n."  4247,  de  21  de  janeiro  de  1918. 
E  dizia  assim  : 

cOra  vamos  a  isto. 

Havia  no  miniãtério  da  Instrução  uma  comissão 
cujo  fim  era  a  propaganda  de  Portugal  intra  e  extra 
fronteiras,  comissão  de  que  faziam  pane  criaturas  que 
muito  considero  e  de  quem  me  honro  de  ser  amigo. 
Um  belo  dia  propus  a  compra  de  uma  edição  de  ar- 
tigos meus,  crónicas  que  tinha  publicado  sobre  a 
Alemanha.  A  comissão  achou  que  seria  melhor  fazer 
eu  um  livro  novo,  de  impressões  directamente  colhi- 
das no  front.  livro  curioso  e  vivido.  Concordei  e 
propus-m^fazê-lo.  Receberia  para  isso  3:000  francos, 
foi  o  que  pedi.  Em  troca  daria  artigos  de  propaganda 
nos  jornais  onde  costumo  colaborar,  publicaria  um 
livro  de  240  páginas,  com  um  mínimo  de  tiragem  de 
3:000  exemplares  e  daria  à  comissão,  que  é  como 
quem  diz  ao  governo,  200  exemplares.  Tal  o  negó- 
cio. Foi  o  casO  aprovado  pela  comissão  e  aprovado 
pelo  conselho  de  ministros  Afonso  Costa.  Estava  a 
coisa  neste  pé,  isto  é,  fecha.lo  o  contrato  entre  o 
*  escritor  Albino  Forjaz  de  Sampaio  e  o  governo  por- 

tuguês, quando  a  revolução  surge.  Todos  os  negó- 
cios de  publicidade  foram  novamente  a  conselho  e  o 
conselho  aprovou  novamente  o  que  já  aprovado 
estava.  E'  que  o  conselho  reconheceu  que  o  negócio 
nada  tinha  de  imoral. 

O  governo  dava-mc  3:000  francos,  858/00  es- 
cudos ao  câmbio.  Eu  dava-lhe  além  da  publicidade, 
Ja  propaganda,   do  meu   nome  e  do  meu   trabalho 


104  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 


200  exemplares,  que  a  6o  centavos  cada,  valem  120 
escudos.  Dir-se  há  que  os  exemplares  não  são  dinhei- 
ro? Pois  são,  porque  o  editor  os  paga  ao  depósito  de 
papel,  à  tipografia  e  impressão,  ao  brochador  e  ao 
moço  e  eu  lhos  pago  a  êle,  porque  o  governo  mos 
pagou  a  mim. 

Ouro  é  o  que  ouro  vale  ou  les  affaires  son  hs 
affaires.  Ficou  já  a  verba  moralmente  reduzida  a 
setecentos  e  tal  mil  réis,  um  fortunão. 

Em  segundo  lugar  os  tais  3:000  francos  foram 
para  tudo,  sem  encargos  de  maior.  Para  eu  pagar 
comboios,  comedorias  e  fretes,  para  publicar  um 
livro,  para  escrever  artigos,  para  dar  duzentos  exem- 
plares ao  governo,  para  sofrer  frio  e  neve,  para 
dormir  incomodamente,  para  poder  lá  ter  ficado  com 
uma  bala  na  cabeça,  porque,  julgo  que  é  uma  coisa 
que  na  guerra  possa  acontecer  sem  parecer  extraordi- 
nário a  ninguém,  nem  mesmo  a  quem  morre.  Ora 
tudo  isto  por  846Í00,  para  mim,  que  tenho  uma 
casa  com  arte,  uma  livraria  preciosa,  comida  regular 
e  boa  cama,  acho  que  não  é  de  locupletar-se  a  gente. 

Mas  ainda  há  mais.  No  dia  18  de  dezembro  o  sr. 
Forjaz  de  Sampaio  comprou  na  casa  Thos,  Cook  te. 
Son  um  bilhete  de  ida  e  volta  a  Paris.  Custou-lhe 
109ÍI640  réis.  Ora  já  os  malvados  700  escudos  estão 
em  600  apenas.  O  sr.  Forjaz  demorou-se  na  viagem 
24  dias.  Numa  média  de  50  francos  por  dia,  pão  ne- 
gro e  café  sem  açúcar,  o  sr.  Forjaz  gastou  mais 
1.200  francos. 

Agora  ponham  cartas,  guias  e  plantas,  trabalhos 
publicados  sobre  a  guerra,  e  há-os  bem  curiosos, 
bem  interessantes,  quer  como  técnica,  quer  como 
arte,  Le  Feu  e  UEnfer,  de  Barbusse,  a  Ma  Piiu,  de 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  lOS 


Paul  Lintiér,  Los  cuatro  gitutes  dei  apccalipsis,  de 
Blasco  Ibanes,  Les  premiérs  ant  mille,  de  lan  Hay. 
Tudo  isto  havia  que  se  comprar.  Resumo :  os  senho- 
res sabem  quanto  eu  ganhei  com  o  escândalo  da 
rainha  ida  ao  front  ?  Os  senhores  sabem  com  quanto 
eu  regressei  a  Lisboa,  com  quanto  num  envelope  eu 
dei  entrada  na  estação  do  Rocio?  Pois  com  uma  nota 
de  loo  francos  que  rebatida  dois  dias  depois  no 
Crédit  me  deu  29Í400  e  duas  moedas  espanholas 
de  10  cêntimos  e  2  francesas  de  5.  Conservo-as  para 
recordação. 

Agora  outra  coisa.  Eu  fui  como  tenente.  Parece 
extraordinário  e  todavia  não  houve  coisa  mais  regular. 
Como  quereriam  os  tais,  os  outros,  os  aqueles,  que 
eu  fosse?  A'  paisana.  Ignora-se  cá  em  Portugal  que 
é  defeso  a  paisanos  o  campo  das  operações.  Para  ir 
ao  front  vesti-me  de  tenente.  E'  uma  coisa  que  sem 
favor  a  lei  me  concede.  Já  tinha  vestido  a  casaca 
para  ir  a  uma  festa  em  casa  do  dr.  Manuel  de  Arria- 
ga; para  ir  numa  das  máquinas  do  rápido  do  Porto 
me  vestira  de  ganga  azul,  e  para  fazer  uma  viagem 
na  casa  das  máquinas  do  paquete  'Parto  me  vestira 
de  fogueiro. 

Tenho  ainda  um  smoking,  um  frak  e  tudo  isto 
comprado  antes  da  famosa  negociata  dos  três  mil 
francos,  que  um  famoso  siácio  julgava  serem  três 
contos  de  réis. 

Embora  a  farda  de  tenente  me  ficasse  a  matar, 
despi-a  em  Bayonna.  E'  que  cu  tive  sempre  pouca 
querença  para  as  fardas.  E  entre  a  de  tenente  que  um 
decreto  me  emprestou  e  a  da  Academia  que  ganhei 
pelo  meu  trabalho,  a  da  Academia  é  muito  mais  vis- 
tosa. Mete  espadim,  chapéu  armado  e  não  é  ainda 
acessível  aos  granujas  literários  que  dão  tacadas  nas 
gazetas. 

Tem  a  minha  ida  uma  outra  parte,  reservada  até 


106  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 


seu  tempo.  Essa  porém  não  custou  um  real  ao  esta- 
do. Parece  que  ficamos  entendidos,  hein?» 


E  aqui  está  o  c  escândalo  Forjaz » ! 

Nesta  dolorosa  e  triste  época  morai  que  atraves- 
samos a  palavra  honra  passou  por  tais  e  tantas 
transformações  que  estes  ataques  são  já  o  pão  nosso 
■quotidiano  sem  que  ninguém  tente  explicá-los,  bus- 
car-lhes  a  origem  e  aplicar-lhe  o  indispensável  cau- 
tério. 

Dividida  a  sociedade  portuguesa  em  partidos  que 
são  quadrilhas,  melhor  ou  peor  organizadas,  a  digni- 
dade do  adversário  é  coisa  de  pouca  monta  nas  ga- 
zetas da  coscuvilhice  indígena;  e  assim,  fácil  nos  é 
assistir  às  mais  tremendas  acusações,  morais  ou  polí- 
ticas, sem  base  nem  documentação,  e  que,  por  via 
de  regra,  ou  caem  no  olvido,  ou  redundam  em  equí- 
vocos que  hão-de  ser,  mais  tarde  ao  fazer-se  a  his- 
tória deste  período  desvairado  e  patológico,  terríveis 
escolhos  e  emmaranhados  meandros  que  os  escritores 
dessa  época  com  dificuldade  vencerão. 

As  palavras  perderam  já  o  seu  significado  justo, 
lógico  e  ponderado,  para  se  transformarem  em  per- 
feitas vacuidades,  que  nada  distinguem,  nem  mar- 
cam, nem  classificam. 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  107 

Os  palavrões  pnlha^  cattalha,  ladrão ^  já  não  che- 
gam, e  inventam-se  termos  pejorativos  os  mais  dis- 
paratados e  decadentes  como  demonstração  da  viri- 
lidade de  uma  raça: — formigas,  lacraus,  trauliteiros, 
adelaides  e  muitos  outros,  que  são  o  pratinho  obrigado 
das  invectivas  políticas.  Os  homens  perderam  aquela 
serenidade  das  límpidas  consciências  e  agridem-se 
lançando  uns  aos  outros  punhados  de  lama  e  lodo, 
de  onde  em  onde  laivado  a  sangue  em  injustificáveis 
tragédias  fraticidas.  Tudo  se  desmorona,  tudo  se 
desconjunta,  tudo  vai  numa  impetuosa  loucura  de 
furacão  para  o  abismo  negro  e  apavorante  da  anar- 
quia do  sentimento,  igual,  senão  peor,  à  anarquia 
das  ideas. 

Como  travar  a  marcha  desenfreada  desta  caval- 
gada para  o  caos  inevitável  e  certo? 

Não  sei  —  não  vejo  como. 

A  questão  entre  nós  já  não  é  de  princípios.  Não 
há  maioria  monárquica  nem  maioria  republicana.  De 
um  lado  colocaram-se  apenas  os  indiferentes,  os  nu- 
los, os  apáticos.  Do  outro  a  turbulência  de  um  novo 
estado  de  coisas,  de  uma  nova  transformação  das 
sociedades  cuja  volta  ou  é  tão  grande  que  cai  na 
posição  anterior,  ou  tão  violenta  que  só  há-de  dei- 
xar no  campo  ensanguentado  da  luta,  destroços 
fumegantes,    que    hão-de    ser  —  ai!    dos   que   o   não 


108  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

quiserem  ver  agora! — os  básicos  alicerces  de  uma 
sociedade  nova,  argamassada  em  sangue. 

Até  hoje,  os  de  cima  teem  procedido  nos  desvai- 
ramentos  do  egoísmo,  como  se  a  Besta  Humana 
fosse  insensível  ao  chicote  injusto  e  bárbaro.  Tempo 
virá  em  que,  os  debaixo,  no  lógico  desforço  de  ve- 
xames inúteis,  quando  não  hediondos,  realizarão  a  sua 
assemblea  geral,  pela  Força  contra  a  Força,  pela 
violência  contra  a  violência,  pela  indisciplina  dos 
párias  contra  a  indisciplina  dos  Pangloss. 

E  depois.  .  . 

E  depois  será  o  que  Deus  quiser  e  os  homens 
maus  vêem  de  há  séculos  preparando. 

E  mais  uma  vez  então  serão  proféticas  as  brôn- 
zeas palavras  do  Solitário  de  Vale  de  Lobos,  que 
muito  se  isolou  dos  homens  para  evitar  o  contacto 
das  feras: 

«  Naquele  pais,  seja  qual  fôr  o  seu  grau  de  civiliza- 
ção e  poderio,  onde  falece  o  amor  da  pátria,  onde  os 
vidos  mais  hediondos  vivem  à  lu:(  do  Sol,  onde  a  todas 
as  ambições  è  licito  pretender  e  espirar  tudo,  onde  a  lei, 
atirada  para  o  charco  das  ruas  pelo  pc  desdenhoso  dos 
grandes  vai  Id  servir  de  joguete  às  multidões  desenfreadas, 
onde  a  liberdads  do  homem,  a  magestade  dos  príncipes  e 
as  virtudes  da  família  se  converteram  em  três  grandes 
mentiras,  hd  ali  uma  nação  que  vai  morrer » . 

(Alexandre  Herculano  —  História  de  Portugal 
—  Tomo  II,  livro  ii,  págs.  201-202  da  ediç,  de  1916). 


1 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 


109 


Falou  assim  o  grande  mestre  da  História  Portu- 
guesa. Oiçam-no  todos  se  ainda  é  tempo,  —  que  este 
<caso  Forjaz»  junto  a  muitos  outros  de  igual  jaez 
que  nem  vale  a  pena  citar,  está  já  sob  a  alçada 
destas  palavras  proféticas,  que  valem  bem  a  trans- 
crição para  que  se  meditem  como  havemos  mister , . . 

Que  a  tempestade  vem  cerca,  e  a  trovoada 
começa  a  ouvir-se  já .  .  .  ao  longe  e  ao  perto. 


Tibério,  filósofo  e  moralista 

Tibério,  filósofo  e  moralista. 
Abra-se  o  livro.  O  prólogo,  sete 
páginas  apenas,  é  cheio  de  verve, 
de  graça,  de  filosofia,  de  lógica 
e  de  bom  humor.  É  uma  porta 
que  se  abre  de  par  em  par  para 
que  o  leitor  entre  no  templo  de 
Tibério,  sorridente,  bem  disposto. 
Mas  quem  é  Tibério  ?  Tirante  um 
ou  outro  exagero  de  caricatura, 
Tibério  é  Forjaz  de  Sampaio : 
<é  uma  criatura  normal,  equilibrada,  perfeita.  As 
suas  ideas  são  as  de  toda  a  gente  com  a  diferença 
apenas  de  que  Tibério  diz  em  voz  alta  o  que  toda 
a  gente  esconde  de  dizer >.  (Pág.  ii). 


Albino  Forjaz  de  Sampaio 

Caricatura 
de  H.  COl  LOMB 


110  ALBINO   FORJAZ  DE  SAMPAIO 

Pelo  menos  no  Prólogo  assim  é.  Vejamos  no 
resto.  Há,  ou  não,  nas  páginas  do  Tibério^  filósofo  e 
moralista,  lógica,  bom  senso,  precepção  e  verdade? 
Se  há!  Há  até  páginas  que  tanto  podiam  estar  ali, 
como  num  tratado  de  meditações  para  um  rigoroso 
exame  de  ascetas,  ou  num  livro  de  solilóquios 
para  satisfação  de  consciências  atribuladas.  E  abrir 
esta  crónica,  por  exemplo,  a  páginas  2i  e  ler: 


«Nós  os  pessimistas  devemos  tomar  a  vida 
má,  como  ela  é.  Quando  ela  se  nos  apresenta  risonha 
é  por  que  quere  converter  em  ironia  o  nosso  moda 
de  ver.  E  é  que  a  maioria  dos  homens  não  vê,  não 
sabe  ver  que  a  Morje,  a  liquidatária  fatal,  está  es- 
piante  a  cada  passo.  No  rebite  da  chapa  de  um  paque- 
te, no  parafuso  de  um  rail  de  comboio,  na  curva  de 
um  caminho,  na  neve  que  cai,  num  revólver  que  se 
dispara,  num  cavalo  que  se  desboca,  num  elevador 
que  se  despenha,  num  motor  que  pára,  num  freio 
que  não  funciona,  num  tubo  que  se  quebra,  numa 
lâmina  que  espera,  num  prato  que  nos  apetece.  E 
anda,  sonha,  vive,  goza,  como  se  tivesse  que  viver 
mil  anos  ou  não  morrer  nunca.» 


Ora  digam-me  se  não  há  toda  a  verdade  e  toda 
a  exactidão  nisto,  e  se  estes  períodos  não  podiam 
fazer  parte  de  um  capítulo  de  Kempis  na  Imitação 
de  Cristo}  Simplesmente  Forjaz  de  Sampaio,  anti- 
-espiritualista  não  dá  a  toda  esta  série  de  casualida- 


Albino  Forjaz  de  Sampaio 

(Caricatura  de  /■'.  Valenral 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  111 

des  da  matéria,  uma  finalidade  lógica  no  destina 
superior  das  almas.  Se  o  fizesse,  o  seu  pensamento- 
completar-se-ia  e  a  sua  obra  seria  perfeita.  Assim 
a  matéria  na  sua  apreciação  exclusiva  dá  a  aridez  da 
acção  desenvolvida  e  mata  quási  por  completo  os 
altos  voos  do  Pensamento  do  crítico  e  do  filósofa 
que  fica  a  determinada  altura  da  viagem  para  ater- 
rar  imediatamente   nos   domínios  inúteis  da  blague. 

A  crónica  G  elogio  é  esplêndida  de  flagrantíssima 
verdade.  Amor,  dinheiro,  casamento,  é  a  íntima  me- 
ditação das  asperezas  da  vida  e  da  inutilidade  da 
idea  nos  ergástulos  da  fome.  É  verdadeira,  com  a 
vantagem  de  ser  humana.  .  . 

E  segue-se  O  elogio  da  carta  anónima,  com  o 
qual  de  maneira  alguma  concordamos  mas  que  ape- 
sar disso  contêm  verdades  e  análises  flagrantes  à 
vida  e  aos  sentimentos  do  nosso  tempo.  Se  bem 
que  a  carta  anónima  «é  de  algum  modo  a  voz  que 
teme  ou  que  odeia  >  como  assevera  Forjaz  de  Sam- 
paio, o  que  tem  lógica,  ela  porem  não  é  nunca 
ca  voz  amiga  que  previne >.  Carta  anónima  é  sem- 
pre o  máximo  expoente  de  uma  grande  baixeza  ou 
de  uma  suprema  pulhice. 

A  mão  que  não  assina  uma  carta  que  escreve  é, 
completamente,-  a  mão  canalha  que  assassina  pelas 
costas.    De    maneira    que    a    carta   anónima   nem   é 


112  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

curiosa,  nem  eficaz,  e  muito  menos  se  pode  escrever 
que  vale  uma  epopea  (sic)!  e  que  o  fazedor  de  tais 
protérvias  pertence  a  uma  santa  instituição.  Albino 
Forjaz  de  Sampaio,  nesta  crónica  voltou  um  pouco 
aos  seus  tempos  e  às  suas  afirmações  das  Palavras 
Cínicas,  e  exactamente  por  isso,  esta  crónica  é  uma 
das  mais  frouxas  e  das  mais  infelizes  do  autor. 

No  pequeno  estudo  Agiotas  há  fina  observação, 
argúcia,  bem  raciocinada  lógica,  e  uma  agradável 
pontinha  de  blaguista  schopenhaueresco  de  que  Albi- 
no gosta  muito  nos  seus  paradoxos  diabólicos.  Mas 
no  fundo  a  Verdade  impõe-se,  torna-se  maior,  flutua, 
como  o  azeite  ao  de  cima  de  água. . . 

O  elogio  das  feias  é  meia  dúzia  de  páginas  be- 
líssimas, de  uma  encantada  filosofia  de  justiça,  arga- 
massada no  profundo  conhecimento  da  alma  das  mu- 
lheres. 

Na  crónica  Do  roubo  há,  em  contraste,  a  doentia 
preocupação  de  dizer  coisas  irritantes,  inaceitáveis, 
atrevidos  pensamentos  para  cocegar  o  burguês;  isto 
mesmo  se  avoluma  e  cresce  desproporcionadamente 
na  crónica  seguinte  Donde  vem  o  mal  de  que  só  se 
aproveita  o  vocabulário  apropriado  e  certo  a  servir 
o  ttesloucamento  da  idea. 

Outra  esplêndida  crónica  A  cor  das  horas  a  que 
eu  riscaria  apenas  a  excrescência  dos  últimos  perío- 


ALBINO  FORJAZ   DE   SAMPAIO  113 

dos  de  páginas  91  que  servem  para  quebrar  a  ele- 
vação filosófica  das  páginas  antecedentes,  admiráveis, 
formosíssimas  e  que  só  poderiam  ser  escritas  por 
um  requintado  espírito  de  elite. 

Uma  outra  crónica  que  valia  bem  a  pena  fazer 
desaparecer  do  livro,  intitula-se  A  mentira.  E  falsa, 
banal,  sem  elevação,  sem  filosofia,  sem  chispa  alguma 
de  talento.  O  mesmo  se  dá  com  A  mulher  do  pró- 
ximo que  não  sendo  banal  é  má,  que  tendo  vivaci- 
dade e  análise  é  perversa.  Forjaz  tomou  a  parte 
pelo  todo  e  generalizou.  Não  sei  se  notaram  já  que 
o  autor  do  Tibério,  filósofo  e  moralista,  sempre  que 
pode  é  desagradável  para  com  as  mulheres  a  quem 
nega  qualidades  e  em  quem  só  encontra  exagerados 
defeitos.  Esta  nota  predomina  em  todos  os  seus  li- 
vros, torna-se  uma  scie,  mania  por  vezes  irritante, 
quási  sempre  injusta,  muitas  vezes  demasiadamente 
agressiva,  e  na  generalidade  insultuosa  para  a  bon- 
dade, para  o  coração  e  para  a  lealdade  das  mulhe- 
res. Eu  sei  que  o  autor  faz  isto  por  blagtie,  mas  é 
que  de  tanto  martelar  esta  nota  a  gente  pergunta 
que  mal  lhe  fariam  as  pobrezinhas?  Depois,  as  mu- 
lheres, em  geral  não  se  defendem  e  mau  seria  que 
a  escola  das  Palavras  Cínicas  tivesse  adeptos  e  a 
filosofia  de  A '  mulher  do  próximo  fosse  seguida. 
O   lar  já  tão   machadado   por  filosofias  avançadas, 

rOVJAZ    DE    (AMPAJO  8 


114  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

deterioradas  e  anárquicas,  transformar-se-ia  num  caos 
de  ignóbil  perversidade. 

Segue-se  mais  uma  crónica  boa,  perfeita,  homo- 
génea A  .geografia,  obrigando  a  meditar  no  nada 
das  grandezas  da  terra  que  os  caprichos  do  azar,  da 
fortuna,  ou  das  armas,  transforma  e  modifica;  e  vem 
logo  a  crónica  Barbaridades  onde  Forjaz  de  Sampaio 
defende  as  touradas  à  espanhola  contra  as  touradas 
à  portuguesa.  E  não  há  ninguém  que  ao  ler  a  argu- 
mentação sensata  de  Forjaz  de  Sampaio  não  esteja 
de  acordo  com  êle,  o  que  não  quere  dizer  que  defen- 
da a  estúpida  selvageria  dos  touros.  O  que  êle  diz,  e| 
eu  concordo,  é  que  entre  a  brutalidade  das  hastes* 
limpas  à  espanhola,  e  a  velhacaria  dos  embolamen- 
tos  à  portuguesa,  é  por  aquela.  E  com  justas  razões. 
Eu  também,  embora  repute  ambos  os  espectáculos  | 
de  uma  vergonhosa  e  deprimente  estupidez  para  a 
humanidade  que  se  gabarola  de  civilizada  e  que  no 
fundo,  assistindo  e  gostando  de  tais  perversida- 
des, fica  vinte  furos  abaixo  da  humanidade  dos 
brutos. 

A  crónica  Os  Amigos  é  a  continuação  de  O  elo- 
gio  da  carta  anónima  e  ficam-lhe  bem  os  mesmos 
comentários  acima  apresentados,  ademais  de  ter  no- 
vas afirmações  descabidas  e  inexactas. 

Vem   depois   a   Movimento  associativo  que  não 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  115 

presta ;  e  segue-se-lhe  a  crónica  Da  hipocrisia  de  que 
se  aproveita  apenas  o  comentário  final. 

A  Mulher  que  passa  é  uma  crónica  deletéria.  Todos 
somos  filósofos  é  um  simples  escorço  de  taboletas  filo- 
sóficas sem  mais  vantagens  do  que  as  da  enumeração. 

Mas  surge-nos  logo  A  Felicidade  e  a  pena  de 
Forjaz  de  Sampaio,  rasga,  corta,  profunda,  analisa,  e 
os  seus  conceitos  e  as  suas  conclusões  são  claras, 
humanas,  completas.  Seis  páginas  que  valem  um 
tratado  de  filosofia  social. 

A  Loucura  é  outra  esplêndida  crónica.  O  assun- 
to já  de  si  nada  banal,  torna-o  Forjaz  de  Sampaio 
mais  interessante  ainda.  Esta  crónica  é  uma  das  mais 
preciosas  do  volume  sendo  igualmente  uma  das  mais 
eruditas  e  ao  mesmo  tempo  das  mais  completas  na 
concatenação  dos  argumentos.  Perfeita.  Prosa  ele- 
gante, absolutamente  ligeira,  sem  deixar  de  ser  más- 
cula. E  tem  arrojos  de  pensamento  que  são  verdades 
incontestáveis.  Vejam  isto: 

«Às  vezes  a  loucura  passa,  sopra,  vem  de  longe, 
galga  fronteiras,  atravessa  os  mares.  Chama-se  Moda 
e  obriga  as  criaturas  a  ser  ridículas.  Chama-se  gongo- 
rismo,  nefelibatismo,  simbolismo  e  obriga-nos  a  ser 
parvos.  Dá  na  pintura  e  toma  os  nomes  de  impres- 
sionismo, futurismo  ou  qualquer  outro  pretencioso 
e  vão.» 

Óptimo,  não  é  verdade? 


116  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

E  o  livro  fecha  com  chave  de  oiro.  A  Paciência 
é  uma  crónica  não  inferior  à  antecedente.  Tem  graça, 
tem  espírito,  tem  verdade. 

Lê-se  de  riso  nos  lábios  e  a  dizer  que  sim  com  a 
cabeça.  E'  uma  crónica  que  dispõe  bem,  que  tonifica, 
que  nos  enche  de  conforto  e  de  esperança.  E'  tónico 
e  refrigério.  Alegra  e  consola.  Há  ali  experiência  e 
perspicácia.  A  vida  é  aquilo.  A  arma  dos  que  triun- 
fam sempre,  está  ali. 

Em  resumo :  Tibério,  filósofo  e  moralista^  cuida- 
dosamente revisto,  cortado,  emendado,  nos  pequeni- 
nos senões  da  lufa-lufa  da  produção,  fica  um  livro 
excelente,  cheio  de  graça,  de  humor  e  de  verdade 
—  que  êle  tal  como  está  já  é  um  grande  livro,  um 
belo  livro. 


ALBINO  FORJAZ   DE   SAMPAIO  117 


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Ao/ui^J^ 


118  ALBINO  FORJAZ   DE  SAMPAIO 


Os  Bárbaros  —  António  Nobre 

António  Nobre,  é  o  primeiro  volume  de  uma  série 
que  sob  a  designação  geral  de  Os  Bárbaros,  Forjaz 
de  Sampaio  se  propõe  escrever. 

São  105  páginas,  apenas,  de  crítica  impiedosa 
ao  autor  do  Só,  que  sai  dos  ásperos  comentários 
deste  livro,  reduzido  à  justa  e  lógica  proporção  do 
seu  valor. 

Biográficamente,  bibliográficamente  e  iconográfi- 
camente  António  Nobre  é  um  livro  completo.  Dá 
gosto  ver  trabalhar  assim.  Sobre  o  ponto  de  vista 
porem  dos  fundamentos  literários  que  levaram  Forjaz 
de  Sampaio  a  escrevê-lo,  não  reputo  o  doentio  poeta 
das  Despedidas  como  elemento  que  valha  o  desper- 
dício de  tanta  energia  e  de  tanto  trabalho  malba- 
ratado. 

Que  é  na  literatura  nacional  o  autor  do  Só?  Um 
poeta  que  a  aura  do  sentimento  bafejou,  mas  cuja 
obra  nem  criou  escola,  nem  sequer  vincou  o  seu 
meio  e  a  sua  época. 

Pernicioso  seria  António  Nobre  se  a  geração  que 
se  lhe  seguiu  o  imitasse.  Mas  assim,  isolado  na  sua 
torre  de  Anto  com  os  seus  pessimismos,  as  suas 
neurastenias  e  o  seu  delírio  de  grandezas,  António 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  119 

Nobre  é  já  hoje  uma  pálida  sombra  de  Torturado 
que  uma  ou  outra  menina  clorótica,  sentidamente 
recita,  e  que  nós  todos  admiramos  apenas  pela  soma 
enorme  da  sua  doentia  emotividade  que  é  todo  o 
seu  apregoado  talento. 

E  nada  mais. 

Isto  porem  não'  tira  absolutamente  nada  ao  valor 
real  da  obra  encetada  por  Forjaz  de  Sampaio  que 
eu  desejaria  ver  mais  profícuamente  empregada  em 
vultos  de  maior  tomo. 

Há  a  páginas  79  uma  ligeira  referência  à  pessoa 
que  ao  autor  forneceu  indicações  sobre  o  plágio  do 
soneto  Menino  e  Moço.  Fui  eu.  E  porque  no  primeiro 
volume  destes  estudos,  Homens  do  rneii  tempo  e  das 
minJias  relações,  a  entrar  no  prelo,  documentada- 
mente  cito  o  facto,  o  que  já  aliás  estava  feito  antes 
de  falar  com  Albino  F.  de  Sampaio,  de  mais  refe- 
rências me  abstenho  agora. 


Páginas  dispersas 


Crónicas  e  prólogos . . . 

Há  agora  que  contar  ainda  na  obra  de  Forjaz^ 
de  Sampaio,  a  obra  avulsa  —  artigos  de  jornais,  não 
coleccionados  ainda,  poesias  dispersas  e  prólogos  em 
obras  várias  de  autores  portugueses  e  estrangeiros. 

Destes  destacam-se  os  prólogos  da  Musa  Loira, 
de  Beldemónio;  das  Dores  do  Mundo,  de  Schope- 
nhauer;  e  de  (9  Livro  dos  Cortesãs,  colectânea  poé- 
tica, feita  com  Bento  Mântua. 

Na  Musa  Loira  há  o  sentimento ;  nas  Dores  do 
Mundo  a  análise  filosófica,  a  crítica  perspicaz,  o  es- 
tudo scientífico  e  doutrinário  do  assunto;  no  Livro 
das  Cortesãs,  a  erudição  feracíssima,  vastos  conheci- 
mentos da  matéria,  toda  uma  biblioteca  de  observa- 
ções e  de  história. 

Já  agora  um  debique.  A  páginas  6  do  prólogo 
das  Dores  do  Mundo  vem  a  frase  latina  nil  novi  sub 


122  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

sole.   É   asneira.   Vem   no  Ecclesiastes  e   escreve-se 
assim : 

l^ihil  sub  sole  novum. 

Como  vêem  é  destas  asneiras  que  até  nos  Mes- 
tres se  apontam.  Camilo  dá-nos  de  presente  num 
dos  seus  livros  um  escultor  chamado  Milos  (!);  e 
Vítor  Hugo,  nos  Miseráveis,  dá  como  divisa  a  um 
personagem  vagabundo  o  Errar e  humanum  est! 

Não  podia  ter  Forjaz  de  Sampaio  portanto  me- 
lhor e  mais  honrosa  companhia. . . 


E  fechemos  esta  análise.  Albino  Forjaz  de 
Sampaio  é  dos  nossos  escritores  contemporâneos  o 
mais  fecundo,  o  mais  arrojado  e  quem  aí  maneja 
com  mais  talento  a  prosa  viva  e  faiscante  de  cro- 
nista moderno.  E  temos  dito,  mas  repete-se:  E  me- 
díocre como  poeta,  desorientado  como  filósofo,  eru- 
dito como  escritor  de  recursos,  e  jornalista  como 
convêm  às  exigências  do  jornalismo  moderno. 

Quando  quiser  fazer  obra  de  fôlego  e  deixar  o 
caminho  fragmentado  que  tem  trilhado  até  hoje  será 
o  primeiro  dos  escritores  do  nosso  tempo,  na  crítica 
psicopatológica  dos  caracteres,  na  descrição  dos  cos- 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  123 

tumes  da  sociedade,  na  filosofia  dos  modernos  conhe- 
cimentos e  sobretudo  nos  arrojos  comparados  das 
observações  históricas. 

Que  Albino  Forjaz  de  Sampaio,  tem  para  isso 
talento,  erudição,  nervos  e  aquela  divina  chispa  da 
palavra  que  encanta  e  que  deleita,  que  comove  e 
que  instrui  e  que  faz  de  um  livro  o  nosso  maior 
amigo  e  o  nosso  mais  fiel  e  mais  querido  compa- 
nheiro ! .  .  . 


\ 


Forjaz  de  Sampaio . . . 


Albino  Forjaz  de  Sampaio 

ACADÉXICO 


na  Imortalidade 


Forjaz  de  Sampaio  é  académico 
desde  m.aio  de  191 7.  E  assim  como 
houve  quem  se  atirasse  a  ele  por 
assinar  artigos  com  o  seu  nome,  e 
por  ir  a  França  como  tenente,  assim 
apareceu  também  um  escarcéu  de 
impropérios  à  sua  entrada  nos  imor- 
tais.  Foi  o  desabar  do  mundo!  Na 


^"de "h!  coiiomb  Ordevi  (^)  escreveu-se  uma  estirada 
/?M«í.Part.<gu€ja(i9i8)  coluna  dc  prosa  para  o  comparar. .  . 
ao  marechal  de  Saxe,  herói  em  Fontenay  e  analfa- 
beto em  letras!    O    Combate  (^),  transcrevendo  uma 


(1)     20  de  maio  de  1917. 
(*)     3  de  junho  de  19 17. 


126  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

avinagrada  prosa  contra  ele,  comentava-a  tão  desa- 
bridamente que  a  censura  de  então  lhe  cortou  o  co- 
mentário deixando-lhe  um  largo  espaço  em  branco ! 
A  República  (^)  frisava  o  facto  de  não  terem  sido 
académicos  Eça  e  Fialho  e  de  o  não  ser  ainda  Jun- 
queiro. Também  citava  Camilo.  Asneira.  Camilo  foi 
académico.  Mas  adiante . . .  As  Novidades  (^)  citando 
o  mesmo  facto  aludia  lacrimosamente  à  juventude 
do  novo  académico  e  lastimava-se  dos  caprichos  do 
destino  complacente  (sic)  que  tanto  protegia  o  endia- 
brado autor  das  Palavras  Cínicas.  A  Capital  ('), 
A  Luza,  de  Viana  do  Castelo  (*),  O  Século  nas  suas 
edições  da  noite  (^)  e  da  manhã  (^),  O  Pais,  do  Rio 
de  Janeiro  (^),  e  a  Ilustração  Portuguesa  (^)  foram 
unânimes  em  louvar  o  gesto  da  Academia  e  a  elei- 
ção do  novo  imortal.  Se  outras  gazetas  disseram 
algo  não  o  sei.  Destas  apenas  tomei  nota. 

Agora    falemos    nós.    A    entrada    de    Forjaz   de 


(1)  15  de  maio  de  1917. 

(2)  14  de  maio. 

(3)  12  de  maio. 
(*)  I  de  junho. 
(5)  15  de  maio. 
(^)  24  de  maio. 
(')  2  de  julho. 

(*)  N."  587,  de  21  de  maio. 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  127 

Sampaio  na  antiga  Real  Academia  das  Sciências  nem 
desonrou  os  manes  da  Academia,  nem  as  letras  pá- 
trias. Uns  e  outros  ficaram  bem  com  a  entrada  do^ 
autor  da  Gente  da  Rua  no  velho  casarão  a  Jesus. 
O  facto  de  lá  não  terem  entrado  Eça,  Fialho,  e  Jun- 
queiro, só  quere  dizer  que  a  Academia  se  arrepen- 
deu de  velhos  pecados  elegendo  seu  par  o  jóven 
escritor  da  Avalanche.  Pois  quem  queriam  os  senho- 
res que  ela  elegesse? 

Dir-me  hão:  está  vivo  ainda  o  poeta  sublime 
dos  Simples. .  .  E  depois?  O  facto  de  existir  fora  da 
Academia  o  nome  de  Junqueiro  pode  inibir  de  para 
lá  entrar  um  outro  escritor  que  a  essa  Academia  se 
impôs  pelo  seu  talento  e  pela  sua  audácia?  Não. 
Quere  apenas  dizer  que  ninguém  até  hoje  propôs 
Junqueiro  para  uma  vaga  de  Imortal  e  que  o  poeta 
admirável  da  Musa  em  férias  desprezou  esse  acin- 
toso esquecimento  não  se  propondo  a  si  próprio. 

Ora  Forjaz  de  Sampaio  fez  toda  a  sua  carreira 
literária  a  murro.  Para  entrar  nas  galés  da  pena 
usou  um  nome  e  contestaram-lhe  o  direito  a  esse 
nome.  Para  fazer  os  seus  livros  teve  que  galgar  por 
sobre  montanhas  de  impropérios.  Lógico  era  que 
para  entrar  na  Academia,  que  é  a  mais  alta  distin- 
ção que  teem  as  letras,  toda  essa  gente  esbrave- 
jasse. 


128  ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO 

O  que  há  de  extraordinário  nisto?  Claro,  eu  sei, 
daqui  a  duzentos  anos,  o  académico  Forjaz  de  Sam- 
paio terá  isso  na  sua  vida  de  letras  como  um  sim- 
ples episódio  que  nada  representa;  e  mesmo  hoje 
quantos  dos  que  lhe  acicataram  a  entrada,  nos  jornais 
e  nos  cafés,  lhe  foram  depois  dar  amigavelmente  a 
palmadinha  dos  parabéns,  a  fehcitá-lo .  . .  pela  me- 
recida honra. 

Se  o  mundo  é  assim. 

E  depois .  .  .  Depois  para  que  não  dizê-lo  ?  Os 
que  se  insurgiram  nas  gazetas  e  nos  cafés  contra  a 
Imortalidade  de  Forjaz  de  Sampaio,  fizeram-no  ou 
por  inveja  ou  por  política  —  que  o  caso  passava  a 
ser  justíssimo,  se  em  vez  de  o  terem  nomeado  a 
êle  Albino,  os  tivessem  imortalizado  a  eles  críticos 
do  Albino.  Então  já  não  havia  Eça,  nem  Fialho, 
nem  Camilo,  (apesar  de  Camilo  ter  sido  académico!)  | 
nem  Junqueiro,  e  a  Academia  tinha  praticado  o  mais 
belo  gesto  de  toda  a  sua  vida.  Assim,  foi. o  diabo. 
As  rãs  saíram  para  fora  de  água,  e  à  beira  dos  pân- 
tanos coaxaram,  coaxaram,  até  vir  a  noite  negra  do 
desprezo  e  recolherem  de  novo  para  os  limos .  . . 


ALBINO  FORJAZ  DE  SAMPAIO  129 


O  caso  Forjaz  académico  é  toda  a  vida  nacional. 

Tudo  quanto  se  faz  neste  jardim  da  Europa  tem 
seis  milhões  de  jardineiros  a  criticarem,  a  dizerem 
mal. 

Isto,  na  política,  na  sciência,  nas  artes,  em  tudo 
emfim  quanto  seja  trabalhar,  pensar,  produzir. 

Rasga-se  uma  estrada.  Há  logo  quem  repare  não 
ter  sido  o  traçado  feito,  mais  por  aqui  ou  por  ali. 
Constrói-se  uma  casa.  O  estilo  não  é  mau,  a  casa  é 
boa;  mas  se  fosse  assim  e  assado,  cosido  e  frito,  a 
coisa  era  melhor.  Inventa-se  um  aparelho.  Ah  I  se 
fosse  lá  fora  o  que  não  seria  aquilo!  Faz-se  um  livro. 
Que  sim,  e  tal,  e  coisas,  mas  se  o  autor  não  fosse 
burro  teria  encaminhado  a  acção  desta  e  daquela 
maneira.  Etc,  etc,  etc. ! .  . . 

E  quem  diz  isto?  Todos  os  que  percebem  tanto 
de  estradas  como  eu  de  lagares  de  azeite;  todos  os 
que  jamais  seriam  capazes  de  mandar  construir  uma 
capoeira;  todos  os  que  nunca  inventaram  coisa  al- 
guma; todos  os  que,  analfabetos  de  origem,  refina- 
ram no  estado  primitivo;  todos  emfim  os  que  vivem 
para  aí  inúteis,  intrigando,  mexericando,  mordendo 


rOUÀ2    DE   SAJIPAIO 


130  ALBINO   FORJAZ  DE  SAMPAIO 

reputações,  mascando  invejas,  impotentes  para  o  tra- 
balho, infecundos  e  paralíticos,  vesgos  da  alma  e 
tortos  do  corpo,  cuspindo  ameaças,  bolsando  impro- 
périos, entravando,  numa  palavra,  a  energia  e  a 
acção  dos  outros. 

Ora  foi  por  cima  de  todos  eles  que  Albino  Forjaz 
de  Sampaio  passou.  Neste  país  para  se  trabalhar, 
para  produzir  e  para  vencer  é  preciso  olhar  em 
frente  e  marchar  sem  desânimos. 

Foi  o  que  êle  fêz  e  venceu. 

Muitos  que  para  lá  quereriam  entrar,  alguns  até 
—  quem  sabe?  —  com  muitas  medalhas,  e  muito 
lento.  .  .  dos  outros,  ficaram  de  fora,  a  morderem-se 
de  inveja,  alcandorados  no  himalaia  das  suas  vai- 
dades. Tenham  paciência.  Vão-se  contentando  com 
as  medalhas  que  inventam  e  com  o  fatiteuil  acadé- 
mico do  matemático  Cabreira. 

E  já  me  não  parece  pouco . . . 


FiNis  — Laus  Deo. 


tS 


ÍNDICE    . 


pái. 

Explicação 7 

Albino  Forjaz  de  Sampaio  no  Dicionário  Bibliográfico      .  13 

Bisantinices  de  um  linhagista 33 

Verduras  da  mocidade 43 

Na  prosa  da  vida.  —  Palavras  cínicas 51 

Crónicas  imorais 64 

Lisboa  trágica 67 

Prosa  vil 72 

Gente  da  rua 80 

Grilhetas 89 

Vidas  sombrias 94 

A  Avalanche 98 

Tibério,  filósofo  e  moralista 109 

Os  Bárbaros  —  António  Nobre 118 

Páginas  dispersas.  —  Crónicas  c  prólogos 12 1 

Forjaz  de  Sampaio. . .  na  IraortaHdade 125 


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Freire,  João  Paulo 

Albino  For jaz  de  Sampaio 


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